Ler Freud. Guia de Leitura da Obra de S. Freud (Em Portuguese do Brasil) [Psicologia ed.] 8536308664, 9788536308661

Ler Freud propõe uma aproximação com a obra de Sigmund Freud. Inspirando-se em um seminário de leitura que promoveu por

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Portuguese Brazilian Pages [323] Year 2007

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Capa
Rosto
Créditos
Sumário
Parte I - Descoberta da Psicanálise (1895-1910)
Parte II - Os Anos da Maturidade (1911-1920)
Parte III - Novas Perspectivas (1920-1939)
Ler Freud Hoje?
Anexo
Bibliografia
Índice Onomástico
Índice Remissivo
Contracapa
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Ler Freud. Guia de Leitura da Obra de S. Freud (Em Portuguese do Brasil) [Psicologia ed.]
 8536308664, 9788536308661

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S. Freud

Q7L

Quinodoz, Jean-Michel Ler Freud : guia de leitura da obra de S. Freud [recurso eletrônico] / Jean-Michel Quinodoz ; tradução Fátima Murad. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2007. Editado também como livro impresso em 2007. ISBN 978-85-363-0000-8 1. Psicanálise. 2. Freud, Sigmund S. I. Título. CDU 159.964.2(036) Catalogação na publicação: Juliana Lagôas Coelho – CRB 10/1798

LER FREUD

Guia de leitura da obra de S. Freud

Jean-Michel Quinodoz Membro Didata da Sociedade Suíça de Psicanálise. Membro Honorário da Sociedade Britânica de Psicanálise.

Tradução: Fátima Murad Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição: David E. Zimerman Médico psiquiatra. Membro efetivo e psicanalista didata da Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre (SPPA). Psicoterapeuta de grupo.

Versão impressa desta obra: 2007

2007

Obra originalmente publicada sob o título: Lire Freud ISBN 2-13-053423-6 © Presses Universitaires de France, 2004

Capa Gustavo Macri Preparação do original Rubia Minozzo Leitura final Carla Rosa Araujo Supervisão editorial Mônica Ballejo Canto Projeto gráfico Editoração eletrônica

Reservados todos os direitos de publicação, em língua portuguesa, à ARTMED® EDITORA S.A. Av. Jerônimo de Ornelas, 670 - Santana 90040-340 Porto Alegre RS Fone (51) 3027-7000 Fax (51) 3027-7070 É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora. SÃO PAULO Av. Angélica, 1091 - Higienópolis 01227-100 São Paulo SP Fone (11) 3665-1100 Fax (11) 3667-1333 SAC 0800 703-3444 IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL

SUMÁRIO

Nota explicativa ..................................................................................................................................... 07 Ler Freud ................................................................................................................................................ 09 Quadro cronológico .............................................................................................................................. 15 I. DESCOBERTA DA PSICANÁLISE (1895-1910) Estudos sobre a histeria, por S. Freud e J. Breuer (1895d) ................................................................ 19 Cartas a Wilhelm Fliess (1887-1902) ..................................................................................................... 31 “Projeto para uma psicologia científica” (1950c [1895] ...................................................................... 35 “As neuropsicoses de defesa” (1894a), “Sobre os fundamentos (...) ‘Neurose de angústia’” (1895b), “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa” (1896b), “A sexualidade na etiologia das neuroses” (1898a), “Lembranças encobridoras” (1899a) .............................................................................................. 41 A interpretação dos sonhos (1900a), Sobre o sonho (1901a) ............................................................. 47 Sobre a psicopatologia da vida cotidiana (1901b) ............................................................................... 57 Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905c) ........................................................................ 63 Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905d) ............................................................................ 71 “Fragmento da análise de um caso de histeria (Dora)” (1905e) ......................................................... 81 Delírios e sonhos na “Gradiva” de Jensen (1907a) ............................................................................. 89 “Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (O pequeno Hans)” (1909b) .......................... 95 “Notas sobre um caso de neurose obsessiva (O homem dos ratos)” (1909d) ............................... 105 Uma recordação de infância de Leonardo da Vinci (1910c) ............................................................. 111 II. OS ANOS DA MATURIDADE (1911-1920) “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (O caso de paranóia: O presidente Schreber)” (1911c) ............................................................... 117 Escritos sobre a técnica psicanalítica (1904-1919) ........................................................................... 125 Totem e tabu (1912-1913a) ................................................................................................................. 137 “Introdução ao narcisismo” (1914c) .................................................................................................. 145 Artigos sobre metapsicologia (1915-1917), Lições de introdução à psicanálise (1916-1917) ......... 153 “História de uma neurose infantil (O homem dos lobos)” (1918b) ................................................... 175 O estranho (1919h) ............................................................................................................................. 185 “Uma criança é espancada” (1919e), “A psicogênese de um caso de homossexualidade numa mulher” (1920a) .............................................................................. 191

vi Sumário III. NOVAS PERSPECTIVAS (1920-1939) Além do princípio do prazer (1920g) .................................................................................................. 205 Psicologia de grupo e a análise do ego (1921c) ............................................................................... 215 O ego e o id (1923b) ........................................................................................................................... 225 “O problema econômico do masoquismo” (1924c) .......................................................................... 233 Inibições, sintomas e ansiedade (1926d) ........................................................................................... 239 O futuro de uma ilusão (1927c), A questão da análise leiga (1926e) ................................................ 249 O mal-estar na civilização (1930a), Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933a) ......... 257 “Neurose e psicose” (1924b), “A perda da realidade na neurose e na psicose” (1924e), “A negativa” (1925h), “Algumas conseqüências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos” (1925j), “Fetichismo” (1927e), “A divisão do ego no processo de defesa” (1940e[1938]), Esboço de psicanálise (1940a [1938]) .............................................. 265 “Análise terminável e interminável” (1937c), “Construções na análise” (1937d) .............................. 277 Moisés e o monoteísmo (1939a) ........................................................................................................ 287 Ler Freud hoje? ................................................................................................................................... 297 Anexo .................................................................................................................................................... 299 Bibliografia ........................................................................................................................................... 301 Índice onomástico ............................................................................................................................... 315 Índice remissivo .................................................................................................................................. 319

NOTA EXPLICATIVA

TÍTULOS Os livros são apresentados em itálico, por exemplo:

Os artigos são apresentados com letra normal, entre aspas, por exemplo:

Sobre a psicopatologia da vida cotidiana ou SOBRE A PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA

“Introdução ao narcisismo” ou “INTRODUÇÃO AO NARCISISMO”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS O nome de Freud é seguido da data da primeira edição da obra estudada, com referência à cronologia publicada em FreudBibliographie mit Werkkonkordanz (I. MeyerPalmedo e G. Fichter, S. Fischer Verlag, 1989) e na Standard Edition, por exemplo: Sobre a psicopatologia da vida cotidiana (1901b)

Quando a data de publicação não corresponde à data em que foi escrita, indiquei em primeiro lugar a data da publicação, seguida da data de redação entre colchetes, por exemplo: Esboço de psicanálise (1940a [1939])

CITAÇÕES: PÁGINAS DE REFERÊNCIA ÀS OBRAS DE FREUD As páginas de referência contêm em geral duas cifras: (p. 235 [132]). A primeira cifra – p. 235 – remete às páginas de uma tradução cor-

rente de textos freudianos, a segunda – [132] – remete aos tomos já lançados de Œuvres Complètes de Freud, Psychanalyse [OCF.P].

QUADROS

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA Elementos da vida pessoal de Freud em relação à obra estudada, assim como a biografia de alguns de seus primeiros discípulos, situados no contexto histórico da época.

PÓS-FREUDIANOS Principais contribuições pós-freudianas inspiradas na obra estudada.

8 Jean-Michel Quinodoz

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS Menção aos principais conceitos introduzidos por Freud à medida que vão aparecendo no curso de suas obras, de maneira a fazer sobressair uma história das idéias.

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS FREUDIANOS Estudos longitudinais de alguns conceitos freudianos essenciais que se desenvolveram ao longo de várias décadas, como o complexo de Édipo ou a transferência.

Ler Freud 9

LER FREUD

O RESULTADO DE UM TRABALHO PESSOAL E COLETIVO Ler Freud constitui o resultado de um longo percurso, ao mesmo tempo pessoal e coletivo. Trata-se, antes de tudo, de uma obra fundada em meu encontro pessoal com a psicanálise e em minha longa experiência de psicanalista na prática privada, com pacientes que buscam uma cura clássica, no divã, geralmente à razão de quatro sessões semanais. Minha experiência clínica mostrou-me que as idéias de Freud são teorias vivas que esclarecem o trabalho cotidiano com nossos pacientes e que ainda hoje inspiram os psicanalistas. Ler Freud é igualmente uma obra fundada em meu conhecimento de diferentes correntes psicanalíticas pós-freudianas contemporâneas. Tive a oportunidade de constatar sua diversidade e riqueza graças aos contatos que estabeleci com vários colegas no contexto de minha atividade de redator do The International Journal of Psychoanalysis para a Europa. Ler Freud

é ainda uma obra fundada em meu conhecimento da língua alemã. A leitura dos textos originais de Freud me permite saborear a simplicidade da língua que ele utiliza, porque privilegia as expressões correntes e evita os neologismos. Na verdade, procurei escrever no mesmo espírito a fim de tornar as idéias de Freud acessíveis ao maior público possível, ciente de que é possível escrever com clareza e respeitando ao mesmo tempo a complexidade das idéias que se expõem. Finalmente, Ler Freud é o desfecho de um seminário de leitura cronológica da obra de Freud, que teve início no contexto da formação de futuros psicanalistas no Centro de Psicanálise Raymond Saussure, em Genebra, atividade que prossigo até hoje. Visto que esse seminário me serviu de base tanto para o conteúdo da obra quanto para sua forma, pareceu-me importante relatar essa experiência de grupo.

VÁRIAS MANEIRAS DE LER FREUD A obra de Freud é imensa e complexa. Seus trabalhos psicanalíticos preenchem sozinhos 24 volumes, sem contar seus trabalhos pré-psicanalíticos e sua correspondência, que preenchem mais de uma centena de volumes. Como ter uma visão de conjunto de uma obra tão rica? Há várias maneiras de ler Freud, cada uma com suas vantagens e seus inconvenientes, mas elas são complementares. Pode-se ler Freud de uma maneira pontual, selecionando “à la carte” um artigo ou um livro, ou escolhendo um tema e as obras relacionadas a ele. Uma abordagem de tipo pontual tem a vantagem de examinar uma obra nos detalhes, de se deter muito tempo nela, na medida em que

os textos de Freud se prestam particularmente bem a uma leitura “talmúdica”, isto é, a uma análise do sentido de cada frase, ou mesmo de cada palavra, relacionando-as com outros textos. Contudo, com esse tipo de abordagem, o leitor precisará de muitos anos para concluir esse programa. Pode-se ler Freud também de maneira cronológica, isto é, ler sucessivamente seus principais estudos psicanalíticos, dos Estudos sobre a histeria, publicados em 1895, até Esboço de psicanálise, redigido em 1938, um ano antes de sua morte. Ler as obras de Freud na ordem de publicação, sem se deter demais, permite ao leitor perceber a evolução de seu pensamento ao

10 Jean-Michel Quinodoz longo das décadas. Para realmente tirar proveito de uma leitura cronológica, considero importante que, desde o início, se estabeleça um limite de tempo, mesmo que esse tipo de abordagem não permita consagrar a cada obra a análise detalhada que ela merece. O objetivo é que o leitor não perca a visão de conjunto, pois, quando se consegue ter uma vista panorâmica da obra freudiana, descobre-se que, muitas vezes, as diversas correntes psicanalíticas privilegiam certos aspectos em detrimento de outros. Constata-se ainda que essa focalização tende a se estreitar à medida que é transmitida de geração a geração, com o risco de obscurecer cada vez mais outros aspectos da obra de Freud igualmente preciosos.

Quer se leia Freud de maneira pontual, quer se leia de maneira cronológica, essas duas abordagens não se opõem, ao contrário, complementam-se, pois elas mostram, cada uma a seu modo, como Freud revisa constantemente suas formas de ver, aproveita suas hesitações e leva em conta a experiência clínica para aprofundar suas descobertas. É claro que uma pessoa pode lançar-se sozinha em uma tal empreitada, mas isso exige muito tempo e perseverança até completar o ciclo e chegar a uma visão de conjunto da evolução do pensamento de Freud. É por isso que, a meu ver, essa experiência no âmbito de um grupo de leitura, que permita um esforço sustentado a longo prazo, é muito mais estimulante.

LER FREUD: MODO DE USAR Uma empreitada insana? Durante muito tempo, não me ocorreu a idéia de escrever um livro apresentando o conjunto da obra de Freud, o que me parecia uma empreitada descomunal. Além disso, eu não imaginava como se poderia transpor a um texto escrito a abordagem que constitui a originalidade do seminário que coordeno – uma abordagem dos textos freudianos ao mesmo tempo cronológica e em rede. Até que um dia pensei em utilizar simultaneamente a tipografia, o grafismo, a paginação e a cor para representar visualmente a combinação de uma abordagem em rede e de uma visão cronológica da obra de Freud. Essa maquete gráfica me permitiu aplicar a cada capítulo o módulo de uma sessão consagrada à obra.

G. Fichter e S. Fischer Verlag, 1989) e na Standard Edition. Quando a data de publicação não corresponde à data em que foi escrita, segui a prática que recomenda indicar antes a primeira e depois a data de redação entre colchetes, por exemplo: Esboço de psicanálise (1940a [1939]). Alerto os leitores que na tradução em língua francesa das Œuvres Complètes de Freud, Psychanalyse, adotou-se a ordem inversa, o que modifica a ordem cronológica mais usual. Texto introdutório Cada capítulo é introduzido por um subtítulo evocativo e por uma breve apresentação da obra estudada. Minha intenção é oferecer um apanhado do conteúdo do capítulo e situar a obra sinteticamente em relação ao conjunto dos trabalhos freudianos.

O módulo de organização de cada capítulo Título do capítulo Cada capítulo, salvo exceção, contém o título de apenas uma obra de Freud. Para diferenciar entre um livro e um artigo, coloquei os artigos entre aspas. O nome de Freud é seguido da data da primeira edição da obra estudada, em referência à cronologia publicada em Freud-Bibliographie mit Werkkonkordanz (I. Meyer-Palmedo e

Biografias e história Esse quadro apresenta os elementos referentes à vida pessoal de Freud em relação à obra estudada, assim como o contexto histórico. Destaquei as principais influências que circundaram a redação da obra. Inclui nessa rubrica uma curta biografia dos mais importantes discípulos contemporâneos de Freud, assim como de seus principais pacientes.

Ler Freud 11 Descoberta da obra

Desatar o fio condutor da obra

Referências

Como apresentar uma obra sem ser simplificador ao resumi-la e, ao mesmo tempo, sem ser enciclopédico, abarrotando o leitor de referências? Diante desse dilema, optei por apresentar cada obra de maneira a despertar a curiosidade do leitor, para que deseje ler o texto completo, ou no original, ou em uma tradução. Procurei também comunicar o essencial, expressando-me em uma linguagem simples e o mais próxima possível da cotidiana. Acompanhando o texto de Freud, encontra-se um pensamento em constante evolução, que abandona uma idéia anterior por uma nova e depois retorna à primeira, mesmo que essas posições sejam contraditórias. A leitura do texto original nos faz perceber também a que ponto a obra de Freud estimula nossa próprias reflexões e evoca outras e constitui verdadeiramente uma obra “aberta” no sentido de eco, como mostrou A. Ferro (2000). Freud escreve como um explorador que descobre paisagens desconhecidas, anota suas impressões de passagem, faz um esboço em seu caderno e, às vezes, se detém por mais tempo para armar seu cavalete e fixar a paisagem em uma obra-prima.

Para cada obra estudada, indiquei quase sempre dois textos de referência entre as traduções disponíveis em língua francesa. O primeiro texto de referência é aquele de onde extraí as citações de Freud indicadas em itálico: trata-se de traduções publicadas na “Bibliothèque de Psychanalyse” (Presses Universitaires de France), na coleção “Connaissance de l’inconscient” e “Folio, Essais” (Gallimard), e ainda na “Petite Bibliothèque Payot”. Quando o texto estudado aparece em um dos volumes já lançados das Œuvres Complètes de Freud, Psychanalyse (ou OCF.P), indiquei entre colchetes um segundo texto de referência. Assim, as páginas de referência contêm em geral duas cifras: (p. 235 [132]). A primeira cifra – p. 235 – remete às páginas de uma tradução corrente de textos freudianos, a segunda – [132] – remete aos tomos já lançados de Œuvres Complètes de Freud, Psychanalyse [OCF.P]. O leitor encontrará na bibliografia as referências correspondentes aos volumes de Sigmund Freud, Gesammelte Werke (Frankfurt am Main: Fisher Verlag) e de The standard edition of the complete psychological works of Sigmund Freud (London: The Hogarth Press and the Institute of Psychoanalysis). Que textos de referência eu deveria escolher? Para cada obra, existem muitas traduções disponíveis em língua francesa em diversas edições, com datas diferentes, por tradutores diferentes. Além disso, as Œuvres Complètes estão em fase de publicação pelas Presses Universitaires de France, e até agora só foi lançada pouco mais da metade. Para fazer essa difícil escolha, apoiei-me na experiência adquirida com o seminário, levando em conta a constatação de que os participantes utilizavam preferencialmente os livros de bolso e as edições em brochura, por razões econômicas, mas também porque elas têm uma linguagem mais acessível.

Privilegiar uma abordagem clínica Ao redigir Ler Freud, privilegiei igualmente uma abordagem clínica tanto na minha própria leitura de Freud como nos diversos esclarecimentos. Acho importante ter sempre em mente que a psicanálise não é simplesmente uma teoria e um método de pesquisa do psiquismo humano, mas é sobretudo uma abordagem clínica e técnica que ainda hoje permite a inúmeros pacientes resolver conflitos inconscientes que não conseguiriam resolver por outros meios. Cronologia dos conceitos freudianos Ao final de cada capítulo, mencionei os principais conceitos que aparecem na obra estudada, na medida em que Freud lhes atribui

12 Jean-Michel Quinodoz o estatuto de um verdadeiro conceito psicanalítico. Mas essa maneira de apresentar um conceito situando-o em um período determinado da evolução de Freud não deixa de ser problemática. Por um lado, é quase sempre arbitrário fixar um momento preciso em que um conceito aparece em uma obra de Freud. Quando se faz uma leitura retrospectiva, descobre-se que Freud descreveu fenômenos que correspondem a um conceito psicanalítico muitas vezes e em momentos diferentes e que só mais tarde ele atribui um estatuto de conceito a esse fenômeno. Por exemplo, o termo “transferência” já aparece em Estudos sobre a histeria, em 1895, mas apenas 10 anos depois, em 1905, será definido como conceito psicanalítico, com o caso Dora. Evolução dos conceitos freudianos Alguns conceitos freudianos essenciais foram desenvolvendo-se ao longo de várias décadas. Por essa razão, dediquei um quadro aos

mais importantes, como o complexo de Édipo, a transferência e alguns outros. Pós-freudianos Nessa rubrica, mencionei os principais desenvolvimentos das idéias de Freud feitos por seus discípulos imediatos e pelos principais psicanalistas que o sucederam até os nossos dias. Para evitar que o leitor se perca em um excesso de referências bibliográficas, limitei minhas escolhas às contribuições fundamentais, mencionando de passagem algumas referências que me tocam mais diretamente. Os desenvolvimentos pós-freudianos mostram como certas noções esboçadas por Freud foram retomadas em seguida por uma ou outra corrente de pensamento e enriquecidas por aportes inovadores. Nesse espírito, privilegiei uma abordagem internacional, com o objetivo de dimensionar a diversidade de correntes atuais entre os psicanalistas pertencentes à Associação Psicanalítica Internacional fundada por Freud.

UM SEMINÁRIO DE LEITURA CRONOLÓGICA DA OBRA DE FREUD Gostaria de fazer uma breve apresentação desse seminário para mostrar o trabalho que foi produzido durante mais de 15 anos, pois foi ele que me forneceu o ponto de partida para redigir Ler Freud. Devo esclarecer que a forma que adotamos nesse seminário é apenas uma entre tantas outras possíveis e que cabe a cada um encontrar a maneira que lhe convém de abordar a leitura das obras freudianas. Uma abordagem ao mesmo tempo cronológica e em rede A aventura começou em 1988, quando a idéia de um tal seminário partiu de um grupo de candidatos de nossa Sociedade que estavam à procura de psicanalistas formadores que aceitassem coordenar um seminário de leitura cronológica da obra de Freud. Esse desafio me animou: julguei que eu mesmo aprenderia muito coordenando um seminário, pois embora lesse Freud assiduamente até então, fazia isso de maneira pontual e sem ordem. Mas a forma habitual de um tal semi-

nário, baseada na comunicação informal das reflexões de cada um a partir de uma leitura individual, não me atraía. Tive então a idéia de propor que cada participante contribuísse para esclarecer a obra estudada de diferentes perspectivas – biografia, história das idéias, desenvolvimentos pós-freudianos, etc. Imaginava que esse método de trabalho ajudaria a completar a leitura da obra de Freud graças a uma dupla abordagem: um estudo cronológico de seus textos, não linear, e uma abordagem em rede. Esse projeto me agradou e achei que valia a pena topar o desafio, com a condição de que os participantes interessados estivessem dispostos a aceitar o método de trabalho que eu lhes propunha. A importância do esquema do seminário Aos poucos fui me dando conta da importância do esquema em que se desenvolve um seminário de leitura cronológica, depois que percebi que parte do êxito do seminário depende disso. Por exemplo, considero essencial que,

Ler Freud 13 desde a primeira sessão do seminário, os participantes sejam informados do programa dos próximos três anos para que tenham uma idéia da forma e da duração do trabalho que os aguarda. Dividi as principais obras de Freud em três períodos para serem lidas ao longo de três anos, e retomei esse plano de trabalho em Ler Freud. O seminário realiza-se a cada 15 dias, o que corresponde a cerca de 15 sessões por ano, e cada sessão dura uma hora e meia. O número de participantes geralmente é de 16 a 18, e o seminário funciona em grupo fechado, isto é, não aceitamos mais ninguém depois de iniciado o processo. A sessão de apresentação do programa permite que os participantes se engajem com conhecimento de causa e que avaliem se estão dispostos a dedicar o esforço necessário para atingir um objetivo importante e a sentir prazer nisso. Participação ativa de cada um É igualmente essencial que cada participante sinta que esse seminário lhe pertence, que não é um curso ex cathedra e que meu papel se limite a acompanhá-los em seu percurso por esse período limitado de três anos. Essa participação implica, ao mesmo tempo, um trabalho individual e uma coletivização. Ao longo do processo, percebi que quanto mais se pede uma participação ativa para a construção do seminário, mais os participantes o valorizam e tiram proveito dele. Isso se traduz nas poucas ausências e, no caso de impedimento, no fato de a pessoa ter a preocupação de me informar de sua ausência e de cuidar ela própria de arranjar um substituto para o trabalho que deveria apresentar. O trabalho pessoal implica as seguintes atividades: – A leitura da obra escolhida: espera-se que cada um tenha lido por conta própria, antes de uma sessão, a obra que está no programa e que coloque suas indagações durante a discussão. – A livre escolha da tradução: cada um é livre para escolher o texto na língua que desejar e na tradução que preferir. Alguns lêem o texto original em alemão, uma grande parte dos participantes uti-

liza uma das traduções correntes em língua francesa, e outros lêem ainda em inglês, em italiano ou em espanhol. A diversidade de traduções dá uma idéia da complexidade de questões que enfrentam os tradutores de Freud. – A redação de uma rubrica: cada participante redige na sua vez um texto curto, no máximo de uma página (cerca de 300 palavras), reportando-se a uma das seguintes rubricas: (1) “Biografia e história”: breve apresentação da vida de Freud em relação à obra estudada, situando-a no contexto histórico. (2) “Cronologia dos conceitos freudianos”: destacar na obra estudada os conceitos introduzidos por Freud à medida que aparecem, de maneira a fazer sobressair uma história das idéias. (3) “Pós-freudianos”: seleção das principais contribuições pós-freudianas na obra estudada, em uma perspectiva ao mesmo tempo histórica e internacional. (4) “Minutas do seminário”: redação do resumo da discussão que será distribuído na sessão seguinte. A exposição do trabalho pessoal é feita durante a sessão do seminário. Esta geralmente começa com informações breves e com a distribuição dos textos das diversas rubricas. Em primeiro lugar, o participante lê em voz alta a rubrica consagrada à biografia de Freud, apresentação que é seguida de uma curta discussão. Em seguida, depois que outro participante lê publicamente a rubrica dedicada aos conceitos freudianos, inicia-se uma discussão geral e aberta. Dura cerca de 15 minutos e, em geral, é muito animada. Se a discussão demora a deslanchar, vou chamando um por um para que coloque uma questão que ele colocou a si próprio a propósito do texto, a fim de reativar a discussão geral. Na última parte do seminário, um terceiro participante lê em voz alta a rubrica dedicada às contribuições dos pós-freudianos, apresentação que é seguida de novos comentários e de uma retomada da discussão geral. Em outro texto, descrevi detalhadamente as etapas de uma sessão do seminário consagrado ao texto de Freud “Uma criança é espancada” (J.-M. Quinodoz, 1997b). O tem-

14 Jean-Michel Quinodoz po muito curto dedicado a cada sessão constitui, paradoxalmente, um fator estimulante, pois as pessoas precisam pensar antes e expor de forma condensada as reflexões que decidam comunicar ao grupo. Exigências elevadas: fator dinâmico Tenho consciência de que não é pouco pedir aos participantes que não apenas leiam a maior parte das obras de Freud cada um por si, como também exponham suas reflexões e façam as pesquisas necessárias para a redação de uma das rubricas. A preparação das sessões requer uma grande disponibilidade, retirada do tempo reservado a uma vida profissional em geral já muito cheia, assim como da vida privada e familiar. Esse esforço só é possível se os encontros são também um momento de prazer compartilhado. Além disso, para que se conheçam melhor fora das reuniões de trabalho, propomos um encontro todo final de ano em um “bufê canadense”, uma reunião festiva para a qual são convidados cônjuges e parceiros. As exigências impostas pela participação ativa de todos revelaram-se um fator decisivo na dinâmica que vai instalando-se ao longo dos encontros. Esse “plus” de participação a serviço da construção do seminário cria um clima afetuoso no tempo delimitado que compartilhamos, sabendo que vamos nos separar dali a três anos. Em última análise, o seminário proporciona mais que um aumento dos co-

nhecimentos, pois o trabalho coletivo permite que cada participante aprenda a se ouvir e a ouvir o que o outro tenta expressar e que evolua no contato com todos. É uma maneira de estar mais à escuta de Freud e de poder avaliar a diversidade de pontos de vista. Tive a demonstração do papel estimulante que desempenham as exigências relativamente elevadas em favor do bom funcionamento do grupo quando renunciei a impô-las por ocasião do segundo ciclo de três anos. Na primeira sessão desse segundo ciclo de seminário, um participante opôs-se à forma de trabalho que eu propunha, criticou-a veementemente e se recusou a entrar em uma tal “maratona”, conforme seus termos. Eu ainda não estava convencido da pertinência das exigências do seminário e submeti a questão ao voto. A oposição de apenas um conseguiu a adesão de outros, e acabei aceitando, a contragosto, que os participantes deixassem de realizar um trabalho pessoal de elaboração de rubricas; o único texto escrito que consegui obter foram as “minutas do seminário”. Contudo, mantive o seminário. Durante esses três anos, a discussão geral foi a mais prejudicada, pois geralmente demorava a se instalar: mesmo que todos tivessem lido atentamente os textos de Freud, eu sentia que para criar um espírito de grupo faltava a estrutura de pensamento que vai construindo-se pouco a pouco ao longo do tempo, graças principalmente ao esforço pessoal que requer a redação de uma rubrica e sua exposição. Se voltasse atrás hoje, eu não cederia como na época, por falta de experiência.

AGRADECIMENTOS Devo agradecer em primeiro lugar aos participantes do “Seminário de Leitura Cronológica da Obra de Freud”. Sua participação ativa durante as discussões e as contribuições pessoais acumuladas desde 1988 me serviram de base em parte para redigir a rubrica “Biografias e história” e aquela dedicada aos “Pós-freudianos”. Senti-me obrigado a mencionar seus nomes em anexo para expressar-lhes meu reconhecimento. Agradeço igualmente a Hanna Segal, André Haynal, Augus-

tin Jeanneau, Christoph Hering, Juan Manzano e Paco Palacio, que se deram ao trabalho de comentar meu manuscrito, assim como a Maud Struchen que preparou a bibliografia. Enfim, last but not least, dedico Ler Freud a Danielle, que foi quem primeiro me encorajou a me lançar nessa aventura. Para concluir, desejo uma boa jornada ao leitor, lembrando que ler um guia jamais substitui a viagem! Jean-Michel Quinodoz

1902: funda a Sociedade das Quartas-Feiras – encontro com W. Steckel e A. Adler 1903: título de Professor extraordinário, Faculdade de Medicina, Viena 1904: começa a ser reconhecido internacionalmente 1905: encontro com O. Rank 1906: 1907: encontro com C. G. Jung, K. Abraham, M. Eitigon 1908: encontro com S. Ferenczi. E. Jones, H. Sachs, P. Federn

1900: tratamento de Dora (Ida Bauer) 1901: primeira viagem a Roma, com seu irmão Alexander

1896: morte de Jakob Freud, pai de Freud – ruptura com Breuer 1897: início da auto-análise (1896-1902) – abandono da teoria da sedução 1898: Édipo Rei, Hamlet 1899:

1890-1891: mudança para Berggasse 19, Viena – nascimento de Oliver 1892: nascimento de Ernst 1893: nascimento de Sophie 1894: 1895: nascimento de Anna – primeiro sonho (“a injeção de Irma”)

Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905c) Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905d) “Fragmento da análise de um caso de histeria (Dora)” (1905e) Delírios e sonhos na “Gradiva” de Jensen (1907a)

A interpretação dos sonhos (1900a) Sobre o sonho (1901a) Sobre a psicopatologia da vida cotidiana (1901b)

Continua

“Estudo sobre a afasia” (1891b) “Paralisias cerebrais infantis” (1891c) “Comunicação preliminar” (Freud e Breuer, 1893) “As neuropsicoses de defesa” (1894a) Estudos sobre a histeria (1895d) – “Sobre os fundamentos para destacar da neurastenia uma síndrome específica denominada ‘Neurose de angústia’” (1895b) “Projeto para uma psicologia científica” (1950c [1895]) “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa” (1896b) “A sexualidade na etiologia das neuroses” (1898a) “Lembranças encobridoras” (1899a)

Cartas a Wilhelm Fliess (1887-1902) 1877-1883: Publicações sobre células nervosas (peixe) 1888-1893: Diversos artigos sobre a hipnose

Publicações sobre a cocaína (1884)

Publicação sobre a descoberta dos testículos da enguia (1877)

1856: no dia 6 de maio de 1856, nascimento de Freud em Freiberg (atual República Tcheca) 1860: chegada a Viena da família Jakob Freud 1873: início dos estudos de Medicina de Sigmund 1876-1882: assistente no Instituto de Psicologia de Viena (Pr. E. Brücke)

1880: encontro com Dr. Joseph Breuer 1881: título de doutor em medicina – Breuer trata Anna O. 1882: noivado com Martha Barnays 1883-1884: pesquisas sobre a cocaína 1885: título de Privat-Docent – estadia com Charcot em La Salpétrière, Paris 1886: instalação em consultório privado em Viena – casamento com Martha Barnays 1887: nascimento de Mathilde – encontro com Wilhelm Fliess, Berlim 1888: 1889: nascimento de Martin – estadia em Bernheim, Nancy

Publicações

Referências biográficas

QUADRO CRONOLÓGICO – SIGMUND FREUD (1856-1939)

Ler Freud 15

1930: morte da mãe de Freud aos 95 anos – Freud recebe o Prêmio Goethe 1931: crescimento do anti-semitismo na Áustria e na Alemanha 1932: Congresso de Wiesbaden 1933: morte de Ferenczi – ascensão ao poder de Hitler 1934: 1935: 1936: 80 anos de Freud – encontro com R. Rolland 1937: falecimento de Lou Andreas-Salomé 1938: ajudado por Jones e Marie Bonaparte, Freud deixa Viena rumo a Londres 1939: morte de Freud em Londres em 23 de setembro de 1939, aos 83 anos

1927: Congresso de Innsbruck 1928: 1929: início da Grande Depressão econômica mundial

1920: morte de sua filha Sophie – Jones funda The International Journal of Psychoanalysis 1921: 1922: 1923: primeira operação do câncer 1924: Rank publica O traumatismo do nascimento 1925: morte de Abraham – morte de Breuer 1926: 70 anos de Freud – defecção de Rank – chegada de M. Klein à Londres

1919: suicídio de Tausk – morte do mecenas A. von Freund

1912: fundação do “Comitê secreto” – defecção de Steckel 1913: encontro com Lou Andreas-Salomé – ruptura com Jung 1914: início da Primeira Guerra Mundial – mobilização de Martin e Ernst 1915: análise de Ferenczi com Freud (em três partes, 1914-1916) 1916: mobilização de Oliver 1917: 1918: fim da guerra – 1ª análise de Anna com seu pai

“Análise terminável e interminável” (1937c) “Construções na análise” (1937d) Moisés e o monoteísmo (1939a) Esboço de psicanálise (1940a [1938])

Escritos sobre a negação da realidade e clivagem do ego (1924-1938)

Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933a)

O mal-estar na civilização (1930a)

Inibições, sintomas e ansiedade (1926d) A questão da análise leiga (1926e) O futuro de uma ilusão (1927c)

O ego e o id (1923b) “O problema econômico do masoquismo” (1924c)

Além do princípio do prazer (1920g) Psicologia de grupo e a análise do ego (1921c)

“História de uma neurose infantil (O homem dos lobos)” (1918b) O estranho (1919h) “Uma criança é espancada” (1919e) “A psicogênese de um caso de homossexualidade numa mulher” (1920a)

“Análise de uma fobia em um menino de cinco anos (O pequeno Hans)” (1909b) “Notas sobre um caso de neurose obsessiva (O homem dos ratos)” (1909d) Uma recordação de infância de Leonardo da Vinci (1910c) “Notas psicanalíticas sobre um relato autobiográfico de um caso de paranóia (O caso de paranóia: o presidente Schreber)” (1911c) Escritos sobre a técnica psicanalítica (1904-1919) Totem e tabu (1912-1913a) “Introdução ao narcisismo” (1914c) Artigos sobre metapsicologia (1915-1917) Lições de introdução à psicanálise (1916-1917)

1909: Sociedade Psicanalítica de Viena – encontro com o pastor O. Pfister

1910: fundação da Associação Psicanalítica Internacional (API) 1911: conflito na Sociedade de Viena – defecção de Adler

Publicações

Referências biográficas

QUADRO CRONOLÓGICO – SIGMUND FREUD (1856-1939) (Continuação)

16 Jean-Michel Quinodoz

Ler Freud 17

PARTE I DESCOBERTA DA PSICANÁLISE (1895-1910)

ESTUDOS SOBRE A HISTERIA S. FREUD e J. BREUER (1895d)

Uma descoberta essencial: os sintomas histéricos têm um sentido Vamos começar pelos Estudos sobre a histeria, obra fundadora da psicanálise, na qual Freud e Breuer apresentam os êxitos que obtiveram no tratamento de sintomas histéricos, assim como suas primeiras hipóteses. A histeria era uma afecção bastante difundida no fim do século XIX, e indagava-se sobre sua origem: era orgânica ou psíquica? Os médicos estavam desconcertados diante da impossibilidade de encontrar sua verdadeira causa. Os fenômenos de conversão histérica representavam um desafio para a ciência médica, pois os sintomas não correspondiam a uma lesão anatômica localizável; além disso, eles apareciam e desapareciam de maneira totalmente aleatória. A impossibilidade de compreender esses sintomas, quase sempre espetaculares, irritava os médicos, que acabavam por rejeitar esses doentes – na maioria das vezes mulheres –, por considerá-los loucos ou simuladores. É a partir de 1882 que Freud, encorajado pelos êxitos obtidos por seu colega vienense Breuer, passa a se interessar, por sua vez, pela sugestão e a hipnose no tratamento de doentes com sintomas atribuídos à histeria. Em Estudos sobre a histeria, obra que constitui o resultado de mais de 10 anos de trabalhos clínicos, os dois pesquisadores descrevem detalhadamente o tratamento de cinco doentes, e cada um dedica um capítulo teórico às suas hipóteses. O que foi escrito por Freud, intitulado “A psicoterapia da histeria”, passou para a posteridade não apenas por seu valor histórico, mas também porque nele Freud assenta as bases clínicas e teóricas de uma nova disciplina: a psicanálise, ela própria derivada do método catártico. Utilizado entre 1880 e 1895, o “método catártico”, criado por Breuer,

era uma forma de psicoterapia que permitia ao doente evocar a lembrança de acontecimentos traumáticos ocorridos no passado, quando da aparição dos primeiros sintomas histéricos; Breuer, e depois Freud, observaram que esses sintomas desapareciam à medida que a paciente conseguia evocar essa lembrança e revivia com intensidade a emoção originária ligada ao acontecimento. Freud relata que, em um primeiro momento, recorreu à hipnose e à sugestão, como Breuer, para ajudar a doente a reencontrar suas lembranças patogênicas. Mas logo abandonou essas técnicas em proveito de uma mudança radical de perspectiva: Freud percebeu que se pedisse ao paciente para dizer livremente tudo o que lhe vinha à mente – método chamado de associação livre –, o curso espontâneo seguido por seus pensamentos lhe permitiria não apenas remontar às lembranças patogênicas até então reprimidas, como também identificar as resistências que se opunham a que o paciente encontrasse suas lembranças a fim de superá-las. Essa nova abordagem técnica leva a um interesse cada vez maior pelo papel que desempenham as resistências, a transferência, a simbólica da linguagem, assim como a elaboração psíquica, elementos próprios a toda cura psicanalítica, que já encontramos esboçados por Freud no Capítulo IV de Estudos sobre a histeria. Quanto à ab-reação, ela foi sendo abandonada pouco a pouco; contudo, a descarga emocional permaneceu como um elemento indissociável de toda a psicanálise. Essas hipóteses apresentadas em 1895 estão superadas atualmente? Àqueles que fazem essa objeção, eu responderia que não fazem parte da psicanálise como também de outras

20 Jean-Michel Quinodoz descobertas essenciais: de fato, no fim do século XIX, surgiram inúmeras invenções contemporâneas da psicanálise, que depois foram aperfeiçoadas, mas, por ora, nenhuma nova descoberta revolucionária veio substituí-las.

Isso explica o grande interesse de começar pelo estudo da primeira obra psicanalítica que são os Estudos sobre a histeria, pois até hoje essa abordagem terapêutica preserva todo seu valor no seu campo próprio.

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA A vida de Freud até a publicação de Estudos sobre a histeria, em 1895 Em 1895, Freud tinha 39 anos, era casado, pai de vários filhos, e já tinha atrás de si uma carreira médica reconhecida de pesquisador em neuropatologia e neurologista prático. Nasceu em 1856 em Freiberg (Moravia), filho de pais judeus; embora se declarasse liberal e ateu, sempre manteve uma ligação afetiva com o judaísmo. Em sua família, as relações entre gerações eram complexas. O pai de Freud, Jakob, casou-se aos 40 anos em segundas núpcias com uma moça de 20 anos, Amalia Nathanson, que tinha a mesma idade que os dois filhos do primeiro casamento de seu marido. Isso perturbava o pequeno Freud, que imaginava então ser filho de um casal jovem – sua mãe e um de seus meio-irmãos –, e não desse pai idoso. Sendo o mais velho de oito irmãos, Freud era o favorito de sua mãe, o que, sem dúvida, contribuiu para reforçar sua confiança no sucesso. Em 1860, sua família instalou-se em Viena. Ali Sigmund estudou medicina e trabalhou com professores de prestígio, como o fisiologista Ernst Brücke, médico positivista. Este foi o responsável pelo encontro de Freud com J. Breuer, fisiologista e prático vienense em evidência, 14 anos mais velho do que ele e que se interessava pelo tratamento da histeria. No plano científico, o olhar inovador de Freud já se manifestara em diversas pesquisas que chamavam a atenção para ele. Assim, seu trabalho pioneiro sobre a unidade morfológica e fisiológica das células e das fibras nervosas fez dele um precursor reconhecido da teoria neuronal elaborada posteriormente por Walder, em 1891. Quanto às publicações de Freud sobre a afasia e sobre as paralisias infantis, lançadas em 1891, seu valor é reconhecido até hoje, em particular sua concepção funcional da afasia, que rompeu com a teoria das localizações corticais em vigor. Ele estudou ainda os efeitos farmacológicos da cocaína, inclusive sobre ele mesmo, mas a notoriedade de sua descoberta foi usurpada por um colega. Obteve o título honorífico de Privat-Docent em 1895. Freud apaixonou-se por Martha Bernays em 1882, quando tinha 26 anos e ela 20. O noivado durou quatro anos, durante os quais eles trocaram cartas quase que diárias: nelas Freud se mostra quase sempre um noivo ansioso, apaixonado e tirânico, e Martha uma noiva forte e discreta, uma mulher “normal”, como dirá mais tarde sobre ela E. Jones, que a admirava. Casaram-se em 1886, pouco depois de Freud ter aberto seu consultório. Tiveram seis filhos. Em 1891, mudaram para a Berggasse 19, em Viena, onde viveram até partir para o exílio em Londres, em 1938, para escapar as perseguições nazistas. Freud e Breuer: uma colaboração decisiva A atenção de Freud foi atraída pela primeira vez para as possibilidades da hipnose no tratamento de pacientes histéricos ao ouvir, em 1882, o relato de seu amigo e colega vienense Joseph Breuer sobre os êxitos obtidos no tratamento de sintomas histéricos de uma jovem paciente, Anna O. Quatorze anos mais velho do que Freud, Breuer teve um papel determinante no nascimento da psicanálise. Médico de origem judaica, era um eminente fisiologista e um brilhante especialista em clínica geral, dotado de uma grande cultura. Era também amigo e médico de família de numerosas personalidades da sociedade vienense, como o filósofo Franz Brentano e o compositor Johannes Brahms. Freud conheceu Breuer por intermédio de seu professor, Ernst Brücke, fisiologista de grande reputação junto ao qual realizou pesquisas em neurofisiologia de 1876 a 1882. Depois de instalar seu consultório privado, Freud aplicou a técnica de Breuer a vários pacientes e ficou impressionado ao constatar que as observações de Breuer se confirmavam com sua clientela. Mas Freud, cujo espírito investigativo estava sempre em busca de novas descobertas, logo procurou seguir seu próprio caminho.

Continua

Ler Freud 21

Continuação Freud estuda com precursores: Charcot e Bernheim Para aprender mais, decidiu fazer um estágio com Charcot em Paris, entre 1885 e 1886, e depois com Bernheim em Nancy, em 1889. Durante alguns meses, seguiu os ensinamentos de Charcot, que se ilustrara tentando resolver o problema que à histeria colocava para a medicina. Abandonando as teses da Antigüidade e da Idade Média que atribuíam à histeria a uma excitação de origem uterina ou à estimulação, Charcot conferiu a essa afecção o estatuto de uma entidade nosológica bem delimitada e fez dela um objeto de estudos e pesquisas. Classificou a histeria entre as doenças nervosas funcionais ou neuroses para distingui-las das afecções psiquiátricas de origem orgânica. Estabeleceu essa distinção observando que a distribuição das paralisias histéricas era aleatória e diferente da distribuição radicular observada nas paralisias neurológicas. Charcot procurava demonstrar que os distúrbios histéricos eram de natureza psíquica, e não orgânica, empregando a sugestão hipnótica para reproduzir os sintomas histéricos e fazê-los desaparecer. Ele lançou a hipótese de uma “lesão dinâmica” cerebral de origem traumática, que poderia ser a causa da histeria tento em mulheres como em homens. Mas Charcot empregava a sugestão hipnótica mais para fins de demonstração do que de tratamento. Assim, em 1889, Freud decidiu aperfeiçoar sua própria técnica junto a Bernheim em Nancy. Este último havia demonstrado que a hipnose era uma sugestão que passava antes de tudo pela palavra, e não pelo magnetismo do olhar, o que fez dessa abordagem uma verdadeira técnica psicoterapêutica que Freud passou a aplicar desde que retornou a Viena. Estudos sobre a histeria: quinze anos de gestação Freud levou muitos anos para convencer Breuer a reunir em uma obra comum as observações clínicas que tinham feito desde 1881, assim como suas respectivas hipóteses. Começaram a publicar conclusões provisórias sobre os resultados do método catártico em “Comunicação preliminar” (1893), que foi reproduzida em 1895 em Estudos sobre a histeria, constituindo seu primeiro capítulo. A publicação de Estudos sobre a histeria marca, porém, o fim colaboração dos dois autores, e a partir de 1896 Freud prosseguiu sozinho suas pesquisas, decepcionado com a falta de ambição de Breuer. Uma das causas do afastamento de ambos foi o fato de que Breuer não estava convencido da importância dos fatores sexuais na origem da histeria, que Freud enfatizava cada vez mais. Mas Breuer continuou acompanhando de longe o desenvolvimento das idéias de Freud. Este só ficou sabendo disso, para sua surpresa, por ocasião da morte de Breuer em 1925, quando seu filho Robert Breuer, em resposta à carta de condolências de Freud, falou-lhe do interesse permanente do pai por seus trabalhos (Hirschmüller, 1978).

DESCOBERTA DA OBRA As páginas indicadas remetem ao texto publicado em S. Freud e J. Breuer (1895d), Études sur l’hystérie, trad. A. Berman, Paris, PUF, 1956. O MECANISMO PSÍQUICO DOS FENÔMENOS HISTÉRICOS por J. Breuer e S. Freud

O capítulo introdutório retoma o texto de “Comunicação preliminar”, já publicada em 1893, na qual os autores descreveram as etapas sucessivas de suas condutas clínicas e que faz parte de suas primeiras hipóteses. Em geral, declaram eles, é uma observação fortuita que permite descobrir a causa ou, mais precisamente, o incidente que provocou pela primeira vez o sintoma histérico em um passado longínquo.

Essa causa escapa ao simples exame clínico e o próprio doente já não se recorda desse acontecimento. A ajuda da hipnose costuma ser necessária para despertar no paciente as lembranças da época em que o sintoma fez sua primeiras aparição: “É só depois disso que se consegue estabelecer da forma mais nítida e mais convincente a relação em questão” (p. 1). Na maioria das vezes, acontecimentos ocorridos na infância é que provocaram posteriormente manifestações patológicas mais ou menos graves. Essas observações mostram que existe uma analogia entre a histeria e a neurose traumática,

22 Jean-Michel Quinodoz do ponto de vista da patogenia, e por isso podese considerar que os sintomas histéricos se devem a um traumatismo psíquico. Em seguida, o traumatismo psíquico e sua lembrança “agem como um corpo estranho que, muito tempo após sua irrupção, continua desempenhando um papel ativo” (p. 4). Segundo os autores, o desaparecimento dos sintomas que se segue à evocação da lembrança traumática vem confirmar essa hipótese. Passo a palavra a Freud e Breuer para a descrição de seu novo método terapêutico: “Para nossa grande surpresa, descobrimos que, de fato, todos os sintomas histéricos desapareciam imediatamente e sem retorno quando se conseguia trazer à luz do dia a lembrança do incidente desencadeante e despertar o afeto ligado a ele e, depois disso, o doente descrevia o que lhe tinha acontecido de forma bastante detalhada e dando uma expressão verbal à sua emoção” (p. 4). Mas, como advertem eles, era indispensável que o paciente revivesse a emoção original para que a evocação da lembrança tivesse um efeito terapêutico: “Uma lembrança livre de toda carga afetiva é quase sempre totalmente ineficaz” (p. 4). Essas observações reiteradas conduzem Freud e Breuer à afirmação que hoje se tornou célebre: “O histérico sofre sobretudo de reminiscências” (p. 5). A linguagem desempenha um papel determinante no efeito “catártico”, prosseguem os autores, pois a obliteração de uma lembrança patogênica implica uma reação de descarga emocional, seja de lágrimas ou um ato de vingança: “Mas o ser humano encontra na linguagem o equivalente do ato, equivalente graças ao qual o afeto pode ser verdadeiramente “ab-reagido” mais ou menos da mesma maneira. Em outros casos, são as próprias palavras que constituem o reflexo adequado, por exemplo, as queixas, a revelação de um segredo opressivo (confissão). Quando não ocorre esse tipo de reação pelo ato, pela palavra e, nos casos mais leves, pelas lágrimas, a lembrança do acontecimento preserva todo seu valor afetivo” (p. 6). Além disso, Freud e Breuer assinalam que a memória do doente não preserva nenhum traço dos incidentes originais, e que se trata quase sempre de lembranças penosas que ele “guardava, repelia, reprimia, fora de seu pensamento consciente” (p. 7). Os autores atribuem os fenômenos histéricos a uma “dissociação do consciente”, isto é, a uma “dupla consciência”

ligada à presença de um “estado hipnóide” que constituiria o fenômeno fundamental da histeria. Em resumo, os sintomas histéricos seriam o resultado de um traumatismo grave – análogo ao de uma neurose traumática – que produziria uma repressão penosa – na qual o efeito sexual tinha um papel –, cujo efeito seria uma “dissociação” de grupos de representações patogênicas. Como age o procedimento terapêutico?, perguntam-se Freud e Breuer para concluir. “Ele suprime efeitos da representação que não tinha sido primitivamente abreagida, permitindo ao afeto inibido extravasar-se verbalmente; leva a que essa representação se modifique por via associativa trazendo-a para o consciente normal (sob hipnose leve) ou suprimindo-a por sugestão médica, do mesmo modo que, no sonambulismo, suprime-se a amnésia” (p. 13). “HISTÓRIAS DE DOENTES”: CINCO ÊXITOS DO MÉTODO CATÁRTICO

Os autores apresentam em seguida o relato de cinco observações clínicas, das quais somente a primeira é redigida por Breuer, enquanto as outras quatro se referem a pacientes tratados por Freud. Vamos recordá-las brevemente aqui, em linhas muito gerais, para destacar as etapas sucessivas percorridas por Breuer e Freud em suas respectivas pesquisas. “Srta. Anna O.” (J. Breuer): O primeiro caso Quando J. Breuer viu pela primeira vez “Anna O.” – cujo verdadeiro nome era Bertha Pappenheim –, a jovem paciente tinha 21 anos e sofria de uma tosse nervosa e de vários outros sintomas histéricos: variações do humor, distúrbios da visão, paralisia do lado direito, “ausências” povoadas de alucinações, distúrbios da linguagem, etc. No decorrer de seus freqüentes e longos encontros com ela, Breuer percebeu que certos sintomas desapareciam quando a jovem lhe relatava em detalhe a lembrança ligada ao momento de sua primeira aparição, ao mesmo tempo em que revivia intensamente a emoção que tinha sentido na época. Depois de fazer essas observações por acaso, Breuer repetiu a experiência de forma mais sistemática com outros

Ler Freud 23 sintomas e constatou que, ao interrogar Anna O. sobre as circunstâncias de sua primeira aparição, eles sempre desapareciam simultaneamente às respostas da paciente. Eis o que relata Breuer: “Cada sintoma desse quadro clínico complicado foi tratado isoladamente; todos os incidentes motivadores vieram à tona na ordem inversa àquela em que se produziram, começando dos dias que precederam o adoecimento e remontando à causa da primeira aparição dos sintomas. Uma vez revelada essa causa, os sintomas desapareciam para sempre” (p. 25). Além disso, Breuer observou que esse fenômeno ocorria quando a paciente se encontrava em um estado de consciência diminuído, próximo da auto-hipnose, estado secundário que ele chamou de “estado hipnóide”. Em seguida, Breuer aperfeiçoou sua técnica hipnotizando ele mesmo sua paciente, ao invés de esperar que ela entrasse em auto-hipnose, o que lhe permitia ganhar tempo. A própria Anna O. usou a expressão talking cure (cura pela palavra) para qualificar esse procedimento de recuperação e designou pelo termo chimney sweeping (limpeza de chaminé) a rememoração dos acontecimentos ligados à aparição dos sintomas que permite a ab-reação. Breuer prossegue citando uma longa lista de sintomas eliminados graças ao que ele cha-

ma de “catarse” (ou ab-reação) (p. 25-26) e cita vários exemplos. O êxito terapêutico mais importante é, sem dúvida, o que se refere à paralisia do braço direito de Anna O. A paciente estava sentada junto ao seu pai gravemente doente, quando, de súbito, teve uma espécie de alucinação em que via uma serpente aproximar-se de seu pai para mordê-lo, ao mesmo tempo em que se dava conta de que não conseguia mais mexer seu braço direito, que estava imobilizado no encosto de sua cadeira. Depois desse primeiro episódio, a alucinação angustiante se reproduzia constantemente, acompanhada da paralisia do braço direito e da impossibilidade de se expressar a não ser em inglês. Breuer conta que, no final do tratamento, Anna O. lhe fez um relato completo das condições em que a alucinação da serpente surgira. Quando ela conseguiu lembrar que tinha sido na noite dramática em que velava à cabeceira de seu pai doente, a paralisia do lado direito desapareceu e ela recuperou o uso da língua alemã: “Imediatamente após esse relato, ele se expressou em alemão e a partir dali se livrou dos incontáveis distúrbios que a afetavam antes. Em seguida viajou, mas ainda precisou de um bom tempo antes de recuperar inteiramente seu equilíbrio mental. Desde então, gozou de plena saúde” (p. 30).

PÓS-FREUDIANOS Como Anna O. completou sua cura? Breuer concluiu seu relato com uma nota mais otimista, declarando que a paciente ainda precisou de um bom tempo antes de recuperar inteiramente seu equilíbrio mental, mas que, desde então, “gozou de plena saúde” (p. 30), o que não é bem verdade, segundo pesquisas recentes. Freud, por sua vez, deu várias versões sobre o fim da análise de Anna O. Muito tempo depois, ele declarou que a cura fora interrompida porque Breuer não suportou a transferência amorosa de sua paciente e fugiu, conforme escreveu mais tarde: “Apavorado, como qualquer médico não-psicanalista teria ficado em um caso como esse, ele fugiu, abandonando sua paciente a um colega” [carta a Stefan Zweig de 2 de junho de 1932]. Em sua biografia de Freud, Jones (1953-1957) retoma uma dessas versões: no último dia do tratamento, segundo ele, Breuer teria sido chamado à cabeceira de Anna O. onde a encontrou em plena crise histérica, simulando o parto de uma criança que dizia ter tido com ele. Breuer teria fugido e viajado no dia seguinte com sua esposa para Veneza, onde conceberiam uma filha. Pesquisas históricas posteriores estabeleceram que, na realidade, a versão amplamente difundida por Jones foi uma construção posterior por parte de Freud e que não corresponde aos fatos. Assim, Hirschmüller (1978) mostrou que Breuer continuou tratando de sua paciente depois de concluir a cura catártica. O que houve, de fato, foi que certas manifestações da doença de Anna O. persistiram; além disso, ela sofria de dores nevrálgicas do nervo trigêmeo que foram tratadas à base de morfina, o que causou uma dependência. Em julho de 1882, ele Continua

24 Jean-Michel Quinodoz

PÓS-FREUDIANOS • Continuação encaminhou a paciente a Ludwig Binswanger, diretor do sanatório de Kreuzlingen, para que prosseguisse o tratamento, e de lá ela saiu curada em outubro do mesmo ano. Depois, Anna O. foi viver em Viena, onde ainda foi tratada algumas vezes, e mais tarde mudou-se para Frankfurt. Na Alemanha, teve uma vida muito ativa como escritora e dedicou-se a obras sociais. À luz desses novos dados, R. Britton (2003) lançou uma série de hipóteses convincentes sobre a natureza do conflito histérico partindo do reexame desse primeiro caso. Alguns detratores da psicanálise se apoiaram no fato de os pacientes descritos em Estudos sobre a histeria não terem se livrado completamente de seus sintomas para contestar sua validade, acusando Freud e Breuer de mistificação e Anna O. de simulação. É verdade que, em seu entusiasmo, Breuer e Freud florearam um pouco o relato de seus casos clínicos, pois sua publicação destinava-se em parte a demonstrar que suas pesquisas eram anteriores às de Janet. Mas, para isso, não era preciso tapar o sol com a peneira, pois qualquer que tenha sido o resultado relativo dessa cura, o tratamento de Anna O. permanecerá nos anais como o primeiro êxito do método chamado de catártico e que deu a Freud o primeiro impulso em direção à descoberta da psicanálise.

“Sra. Emmy von N.” (Freud): Freud utiliza o método catártico pela primeira vez Do mesmo modo que se situou a descoberta do método catártico na cura de Anna O. por Breuer, situou-se na cura de Emmy von N. por Freud o abandono da hipnose em favor do método de associação livre. Essa mulher de 41 anos – cujo verdadeiro nome era Fanny Moser – era viúva de um rico industrial com quem teve duas filhas e sofria de graves fobias de animais. Ao longo dessa cura, que começou no dia 1º de maio de 1889 e levou seis semanas, Freud fez entrevistas com finalidade catártica, acompanhadas de massagens e de sessões de hipnose para estimular a rememoração. Mas ele percebeu, nas entrevistas, que bastava que a paciente falasse espontaneamente para trazer à tona as lembranças significativas e para que o efeito catártico viesse do simples fato de ela se descarregar espontaneamente por meio da palavra: “É como se ela tivesse se apropriado do meu procedimento”, escreve Freud. “Ela parece utilizar essa conversa aparentemente interrompida como complemento da hipnose” (p. 42). Alguns dias depois, irritada com as perguntas de Freud, a paciente lhe pediu que não a interrogasse sem parar e “que a deixasse contar o que ela tinha a dizer” (p. 48). Freud concordou e acabou constatando que conseguia a rememoração desejada mesmo sem a hipnose que, no entanto, continuava a

utilizar com essa paciente. Ela própria insistia com Freud para que não a tocasse quando às vezes era tomada de terror diante de suas lembranças: “Fique tranqüilo!”, dizia ela. “Não fale nada!... não toque em mim!”, e depois se acalmava. Freud concluiu que, no caso de Emmy von N., não se tratava de uma histeria de conversão, mas de sintomas psíquicos histéricos com angústias, depressão e fobias. Quanto à origem dessa histeria, Freud considerou que a repressão do elemento sexual teve um papel determinante, pois ela era “mais capaz do que outras causas de traumatismos” (p. 80). “Miss Lucy R.” (Freud): Freud abandona progressivamente a hipnose pela sugestão Em dezembro de 1892, Freud tratou por nove semanas de uma jovem governanta inglesa que sofria de uma perda de odor e de alucinações olfativas e que era perseguida por cheiro de queimado e por distúrbios considerados sintomas histéricos. Depois de ter tentado em vão utilizar a hipnose com ela, Freud desistiu e passou a aplicar o chamado método de “associação livre”, ajudando às vezes com uma leve pressão na testa da paciente com a mão quando as lembranças demoravam a surgir: “e apoiava a mão na testa da paciente ou segurava sua cabeça com as duas mãos dizendo: ‘Você se lembrará sob a

Ler Freud 25 pressão das minhas mãos. No momento em que a pressão parar, você verá alguma coisa à sua frente ou passará uma idéia por sua cabeça que é preciso captar, é ela que vamos perseguir. E então, você viu ou pensou?’” (p. 86). Esse tratamento confirmou a hipótese de que a lembrança de um incidente esquecido, mas fielmente conservado na memória, está na origem do efeito patogênico dos sintomas histéricos. Trata-se de um conflito psíquico, quase sempre de natureza sexual, cujo efeito patogênico se deve a que uma idéia incompatível é “reprimida do consciente e exclui a elaboração associativa” (p. 91). Nesse caso, os sintomas foram eliminados no momento em que Freud descobriu que Miss Lucy R. se apaixonara secretamente por seu patrão e em que ela admitiu ter reprimido esse amor porque não tinha esperança. “Katharina” (Freud): Relato de uma breve terapia psicanalítica Nesse relato, Freud faz uma demonstração curta e brilhante sobre o papel dos traumatismos sexuais na origem dos sintomas histéricos. Esse tratamento desenvolve-se em forma de uma entrevista de algumas horas entre Freud e essa moça de 18 anos, a quem ele concedeu uma consulta improvisada durante um passeio em suas férias na montanha, em agosto de 1893. Katharina era filha da dona da estalagem e, sabendo que Freud era médico, perguntou-lhe se poderia ajudá-la a resolver sintomas de sufocação acompanhados da visão de um rosto assustador. Em seus diálogos, reproduzidos fielmente por Freud, Katharina lembrou que seus sintomas tinham começado dois anos antes, quando presenciou uma relação sexual entre seu “tio” e sua prima Franziska, o que a deixara profundamente chocada. Essa lembrança recordou a Katharina que esse “tio” já tentara seduzi-la várias vezes, quando ela tinha 14 anos. Freud observa que, após o relato dos fatos, a moça se sente aliviada, pois, segundo suas palavras, a histeria foi “em grande medida ab-reagida” (p. 104). Freud viu nisso a confirmação de sua tese: “A angústia que Katharina sente nesse acesso é uma angústia histérica, isto é, a repetição da angústia que

surge em cada traumatismo sexual” (p. 106). Em uma nota acrescentada em 1924, Freud revela que não se tratava do “tio” da menina, mas de seu próprio pai (p. 106, n. 1). “Srta. Elisabeth von R.” (Freud): Primeira análise completa de um caso de histeria O quarto caso descrito por Freud é o de uma moça de origem húngara, de 24 anos, Elisabeth von R. – cujo verdadeiro nome era Ilona Weiss –, que ele tratou do outono de 1892 a julho de 1893. A moça sofria há dois anos de dores violentas nas pernas e de distúrbios inexplicáveis da marcha, distúrbios que tinham aparecido pela primeira vez quando ela cuidava de seu pai doente. Pouco antes da morte de seu pai, sua irmã ficou doente e também morreu, e essas duas perdas tiveram um papel determinante na causa da sintomatologia. O tratamento se desenvolveu em três fases, segundo Freud. A primeira fase foi dominada pela impossibilidade de estabelecer com essa paciente uma relação entre seus sintomas e a causa desencadeante. Ela se mostrou refratária à hipnose e Freud se contentou em mantê-la deitada, com os olhos fechados, mas com os movimentos livres. A despeito das tentativas de Freud, não se produzia o efeito terapêutico esperado. Então ele recorreu ao procedimento por pressão da mão sobre a cabeça, pedindo-lhe que falasse o que lhe viesse à mente. O primeiro pensamento de Elisabeth von R. foi a lembrança de um rapaz por quem se apaixonou quando seu pai estava doente. Devido à gravidade do estado de seu pai, ela renunciara definitivamente a esse amor. Ela se lembrou também que no momento em que apareceu o conflito interno, surgiu a dor nas pernas – mecanismo característico da conversão histérica, segundo Freud. O despertar desse fracasso amoroso levou a que a própria paciente descobrisse o motivo de sua primeira conversão: “A doente surpreendeu-me primeiro ao dizer que agora sabia por que razão as dores partiam sempre de um determinado ponto da coxa direita e eram sempre mais violentas ali. Era justamente o lugar onde todas as manhãs seu pai repousava sua perna muito inchada quando ela tro-

26 Jean-Michel Quinodoz cava o curativo” (p. 117). Após esse período de “ab-reação”, o estado da paciente melhorou. Freud ganhou confiança em seu procedimento de pressão sobre a cabeça para provocar o aparecimento de imagens e de idéias, e não hesitava mais em insistir com a paciente quando ela afirmava não ter pensado em nada, sob o efeito das resistências: “Durante esse trabalho penoso, aprendi a atribuir uma grande importância à resistência que a doente mostrava ao evocar suas lembranças (...)” (p. 122). Apenas na terceira fase dessa cura foi possível chegar à eliminação completa dos sintomas. Foi em decorrência de um episódio fortuito que Freud conseguiu descobrir o “segredo” que estava na origem das dores: durante uma sessão, a paciente pediu a Freud para sair porque tinha ouvido seu cunhado chamando-a do lado de fora. Ao voltar, após essa interrupção, sentiu novamente dores violentas nas pernas, e Freud decidiu ir até o fim desse enigma. A chegada do cunhado fez com que a paciente lembrasse que suas dores remontavam à morte de sua irmã, e que um pensamento inconfessável lhe atravessara o espírito ao entrar no quarto onde jazia a morta: a idéia de que a morte de sua irmã deixava seu cunhado livre, e que agora poderia casa com ele! Mas o amor por seu cunhado se chocava com sua consciência moral, e por isso ela tinha “reprimido” fora de sua consciência essa idéia intolerável. E assim se produziu o mecanismo de conversão: “ela tinha produzido dores por uma conversão bem-sucedida do psíquico em somático” (p. 124). O efeito dessa tomada de consciência teve como resultado a cura definitiva, o que Freud pôde confirmar um ano depois ao vê-la dançando em um baile. O êxito desse tratamento não impediu que ela fosse terrivelmente agressiva com Freud por ter revelado seu segredo. CONSIDERAÇÕES TEÓRICAS (BREUER)

Em um capítulo teórico, Breuer desenvolve algumas hipóteses esboçadas na “Comunicação preliminar”. Sua contribuição refere-se essencialmente ao “estado hipnóide” e à dissociação do psiquismo como resultado da pre-

sença de representações inconscientes que não podem se tornar conscientes e que por isso adquirem um caráter patogênico. Ele assinala que os distúrbios histéricos sobrevêm em personalidades que apresentam uma excitabilidade particular e uma tendência à auto-hipnose – que ele chama de “hipnoidia” –, o que facilita a sugestão. Ele mostra também que esses pacientes têm uma predisposição a rejeitar o que é sexual, particularmente no caso de conversão histérica: “a maior parte das representações assim repelidas e convertidas têm um conteúdo sexual” (p. 199). Mas, enquanto Breuer se contentava em aplicar o método catártico que havia descoberto sem tentar melhorá-lo, Freud descreve no último capítulo a maneira como o desenvolveu, o que confere ao capítulo de Breuer um interesse mais histórico do que teórico. A PSICOTERAPIA DA HISTERIA (FREUD)

Da hipnose à associação livre A partir de sua experiência clínica, Freud mostra que foi levado a modificar pouco a pouco a técnica catártica para chegar a uma abordagem terapêutica original, diferente da de Breuer, e examina as vantagens e os inconvenientes desta. Assim, na leitura desse capítulo fundamental, vemos esboçar-se sob a pena de Freud os contornos cada vez mais precisos do que será o método psicanalítico, com seus princípios constitutivos já delineados: nesse texto de 1895 encontram-se as novas noções de inconsciente, resistências, defesas, transferências e muitas outras. Freud começa por recordar que foram as dificuldades e os limites encontrados na aplicação do método catártico que o incitaram a buscar meios mais eficazes para trazer à tona as lembranças patogênicas e a explorar novas técnicas que logo substituirão a anterior. De fato, tal como era aplicado, o tratamento catártico levava muito tempo e exigia total confiança no médico por parte do paciente para que a hipnose tivesse êxito. Porém, nem todos os pacientes tinham o mesmo grau de confiança. Ao invés de desanimar, Freud su-

Ler Freud 27 perou esse obstáculo encontrando um meio de permitir ao paciente recuperar suas lembranças patogênicas sem a hipnose. Essa foi uma de suas tiradas geniais. Ela notara que, deitando o paciente e lhe pedindo que fechasse os olhos e se concentrasse, e insistindo repetidamente, conseguia que surgissem novas lembranças. Mas, dado que esse procedimento ainda exigia muitos esforços e os resultados demoravam a aparecer, Freud pensou que isso talvez fosse sinal de uma “resistência” vinda do paciente. Cabia ao médico superar esses novos obstáculos que travavam a emergência dessas representações. Foi assim que Freud descobriu o papel desempenhado pelas resistências e defesas, mecanismos psíquicos que impediam que as representações patogênicas chegassem ao “ego” (p. 217). Parecia-lhe que seu objetivo era “rejeitar para fora do consciente e da lembrança” as idéias inconciliáveis, sob a ação de uma força que chamou de censura: “Tratava-se, portanto, de uma força psíquica, de uma aversão do ego, que provocara primitivamente a rejeição da idéia patogênica para fora das associações e que se opunha ao retorno desta na lembrança” (p. 217). Segundo Freud, a representação patogênica sofreria uma rejeição no psiquismo que associou à “repressão” (p. 217). Mas se a emoção não eliminada ultrapassa os limites do que o paciente pode tolerar, a energia psíquica se converteu em energia somática e dá lugar a um sintoma histérico, conforme um mecanismo de conversão. Freud fundamentara sua abordagem na insistência repetida com seus pacientes para que superassem suas resistências. Complementou-a acrescentando a isso o gesto técnico de uma pressão sobre sua testa com o objetivo de facilitar a emergência de lembranças patogênicas. Contudo, quando descobriu logo depois o método da associação livre, renunciou também ao gesto técnico. A descoberta da associação livre se deu progressivamente entre 1892 e 1898, e não temos como datá-la, mas Freud já faz menção a ela no caso de Emmy Von N., em que foi levado a dar lu-

gar pouco a pouco à expressão espontânea de sua paciente. Os Estudos sobre a histeria – particularmente as contribuições de Freud – são abundantes em comentários clínicos, técnicos e teóricos que abrem caminhos novos e constituem as bases sobre as quais se edificará depois a psicanálise. Entre os conceitos inéditos introduzidos aqui, três noções merecem um exame mais detido: a sexualidade, o simbolismo e a transferência. O papel desempenhado pela sexualidade Embora Freud tenha constatado desde muito cedo que os traumatismos de ordem sexual sobrevinham regularmente no relato das circunstâncias de aparição dos primeiros sintomas histéricos, de início ele se mostrou cético quanto a identificar ali uma relação de causa e efeito: “Recém-saído da Escola de Charcot, eu enrubescia em face da conexão entre a histeria e o tema da sexualidade, que é mais ou menos o que ocorre com os pacientes em geral” (p. 208-209). Mas, por força de verificar a presença reiterada de traumatismos de ordem sexual nos relatos de seus pacientes, ele se rendeu à evidência de que o fator sexual desempenhava um papel decisivo como ponto de partida de sua sintomatologia. Mais tarde, percebeu que esse fator não estava relacionado apenas à histeria, mas às neuropsicoses em geral. Por isso, chamou-as de “neuroses sexuais”. Nos Estudos sobre a histeria, Freud fala relativamente pouco sobre isso; porém, expõe esse ponto de vista revolucionário em diversos artigos da mesma época, em que reafirma que nos casos de neurose e, em particular, na histeria, o traumatismo originário está sempre ligado a experiências sexuais realmente vividas na primeira infância, anteriores à puberdade. Essas experiências, que podem ir das simples investidas aos atos sexuais mais ou menos caracterizados, nas palavras de Freud, “devem ser qualificadas como abusos sexuais no sentido estrito do termo” (1897b, p. 209). Com a noção de um traumatismo sexual real ocorrido na infância precoce, Freud

28 Jean-Michel Quinodoz lançou uma hipótese que assumiu durante um curto período, entre 1895 e 1897. Note-se que, ao falar de traumatismo sexual real, Freud não fazia nenhuma referência à sexualidade infantil, isto é, ao fato de que a criança tem pulsões sexuais, como assinala R. Wollheim (1971, p. 39). Mas as novas observações clínicas fizeram com que Freud modificasse rapidamente seu ponto de vista. A partir dessa época, passou a duvidar da realidade da cena sexual relatada: será que ela não tinha sido imaginada, e não realmente vivida? Desde então, passou a considerar que o fator traumático determinante depende mais da fantasia e da pulsão do que da realidade da cena sexual. Voltaremos a essa questão mais adiante. Símbolos e sintomas histéricos Freud observou igualmente que havia um determinismo simbólico na forma assumida pelos sintomas, cuja conversão via mecanismo da simbolização constituía a expressão mais marcante. Ele dá vários exemplos dessa “determinação pelo simbolismo”, como o da dor de cabeça lancinante que uma paciente sentia, entre os dois olhos, e que desapareceu quando ela se lembrou do olhar tão “penetrante” de sua avó, cujo olhar, segundo ele “se infiltrara profundamente em seu cérebro” (p. 144). Ele afirma com muita pertinência que se trata “em geral de jogos de palavras ridículos, de associações por consonância, que ligam o afeto e o reflexo entre si” (p. 166). Finalmente, ele evoca a possibilidade de que a histérica devolva “seu sentido verbal primitivo” às suas sensações e às suas enervações, pois “parece que tudo isso teve outrora um sentido literal” (p. 145). Porém, nesse momento, ele não irá muito mais longe nas investigações da noção de “símbolo mnésico”, que retomará mais tarde. Esboço da noção de transferência Finalmente, descobre-se com surpresa que, desde seus primeiros escritos sobre a histeria,

Freud havia descrito o fenômeno da transferência já utilizando esse termo. No início, refere-se a ele de forma indireta, da perspectiva da necessidade de estabelecer uma relação de confiança. Assim, quando descreve o procedimento catártico, assinala que o êxito da hipnose requer o máximo de confiança do paciente em relação ao médico e inclusive uma “adesão total” (p. 213). Posteriormente, quando aborda a maneira de eliminar as resistências, Freud chama a atenção para o papel essencial desempenhado pela personalidade do médico, pois “em inúmeros casos, só ela será capaz de suprimir a resistência” (p. 229). Freud menciona de forma explícita a noção de transferência quando se aprofunda nos motivos de resistência do paciente, em particular nos casos em que o procedimento por pressão não funciona. Ele vê essencialmente dois obstáculos à tomada de consciência das resistências: em primeiro lugar, uma objeção pessoal em relação ao médico, fácil de resolver; em segundo lugar, o temor de se ligar demais a ele, obstáculo mais difícil de superar. Ele acrescenta depois um terceiro obstáculo à conscientização das resistências que surgem “quando o doente teme reportar à pessoa do médico as representações penosas que emergem do conteúdo da análise. Esse é um fato constante em certas análises. A transferência ao médico se realiza por uma falsa associação” (p. 245). Freud relata o breve exemplo de uma paciente que desejava ser abraçada e beijada por um homem de seu círculo. No final de sessão, ela foi tomada pelo mesmo desejo de ser abraçada e beijada por Freud, o que a deixou assustada. Quando Freud foi informado por ela da natureza dessa resistência, esta foi superada e o trabalho pôde prosseguir. Ele qualifica esse fenômeno de desajuste ou de falsa relação: “Desde que soube disso, toda vez que minha pessoa é envolvida dessa maneira, consigo postular a existência de uma transferência e de uma falsa relação. O que é curioso, acrescenta ele, é que nesse caso os doentes estão sempre enganados” (p. 245-246).

Ler Freud 29

PÓS-FREUDIANOS “A histeria cem anos depois” Como os psicanalistas vêem a histeria atualmente? Ela desapareceu? Ainda sabemos como diagnosticá-la hoje? Essas perguntas foram feitas por E. Nersessian (New York) aos participantes de uma mesa redonda intitulada “A histeria cem anos depois” durante o Congresso Internacional de Psicanálise realizado em San Francisco, em 1995. Segundo o relato de J.-M. Tous (1996), os debates deram uma idéia geral das principais posições contemporâneas, que resumimos brevemente aqui. Hoje, a maioria dos psicanalistas concorda em que a histeria repousa em um amplo leque de patologias que vai da neurose à psicose, passando pelos estados borderline e narcisísticos graves. Contudo, do ponto de vista da abordagem terapêutica, há duas tendências principais que se destacam, uma representada por psicanalistas franceses e outra por psicanalistas ligados à escola inglesa. Para Janine Chasseguet-Smirgel (Paris), é essencial que o psicanalista não perca de vista a dimensão sexual da histeria e que não se limite a pensar que ela se fundamenta unicamente em uma patologia arcaica pré-genital. Evidentemente, a autora reconhece que o psicanalista muitas vezes se confunde diante da profusão de fenômenos clínicos que enfrenta com esse tipo de pacientes que evocam uma grande variedade de patologias primitivas. Mas, segundo ela, não se trata de minimizar o papel que tem a interpretação dos conflitos edipianos e da culpabilidade em face dos ataques destrutivos em relação à mãe. Quando se focaliza a atenção apenas nos aspectos arcaicos, há um risco muito grande de diluir a histeria como entidade clínica estreitamente ligada à identidade sexual e no nível edipiano. J. Chasseguet-Smirgel diz ainda que não é a única a manifestar esse tipo de preocupação, pois outros psicanalistas da escola francesa, como A. Green e J. Laplanche, manifestam o mesmo temor. Entretanto, ela considera que a histeria pertence ao “reino das mães”, na medida em que o útero e a gravidez estão altamente implicados, seja na fantasia ou na realidade. Por essa razão, ela insiste no fator biológico na histeria: ele não deve ser subestimado, pois se trata de uma patologia psíquica que tem como cenário o corpo. Ao reafirmar o papel desempenhado pela dimensão corporal, J. Chasseguet-Smirgel se demarca de outros psicanalistas, que privilegiam a linguagem em detrimento do corpo. Eric Brenman (Londres), representante da escola inglesa, expõe uma posição teórica e clínica muito diferente. Ele sustenta a idéia de que, já em suas primeiras relações de objeto, a criança pequena cria defesas contra as angústias que determinarão a maneira como irá geri-las na idade adulta. Sem dúvida, E. Brenman reconhece que a sexualidade desempenha um papel capital na histeria, mas, para ele, o que predomina em um paciente histérico é a luta incessante que trava contra angústias primitivas. Ele descreve como esses pacientes agem na transferência para a realidade psíquica do psicanalista e como procedem em face das angústias arcaicas, que são sentidas como angústias catastróficas e como perigos inexistentes. Geralmente, observam-se neles clivagens determinantes de estados psíquicos que decompõem todos os níveis de sua vida psíquica. Por exemplo, os pacientes histéricos procuram relações com objetos ideais, mas se decepcionam tão logo entram em contato com eles e, por isso, transitam permanentemente de um extremo a outro. Para E. Brenman, a histeria se deve, antes de tudo, a distúrbios psicóticos graves. Contudo, em cem anos, a psicanálise evoluiu na capacidade de conter as angústias psicóticas e de elaborá-las, de modo que hoje esses pacientes dispõem de melhores meios para superar suas angústias e enfrentar as vicissitudes da existência. “O rubi tem horror do vermelho” Esse é o título de um artigo em que Jacqueline Schaeffer (1986) descreve a relação que o histérico mantém com a sexualidade. A metáfora que utiliza é inspirada na definição que o mineralogista dá do rubi: “O rubi é uma pedra que tem horror do vermelho. Ele absorve todas as outras cores do prisma e guarda-as para ele. Rejeita o vermelho, e é o que nos permite ver” (p. 925). Do mesmo modo que o rubi, a histeria “cintila”, diz J. Schaeffer: “Haverá uma melhor ilustração do que o histérico nos permite ver: seu horror pelo vermelho, pela sexualidade, pela exibição de seu traumatismo? (...) Subterfúgio do ego que consiste em pôr adiante, em mostrar o que é mais ameaçador e mais ameaçado, o que é estranho, detestado, o que faz mal, e agredir com o que agride. Será que existe então, como para o rubi, algo precioso a guardar tão bem escondido?” (p. 925).

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS Ab-reação – censura – conversão – defesa – fantasia – inconsciente – associação livre – método catártico – repressão – resistência – traumatismo sexual real

CARTAS A WILHELM FLIESS S. FREUD (1950a [1887-1902] e 1985c [1887-1904])

Um testemunho das primeiras pesquisas e da auto-análise As cartas que Freud escreveu a seu amigo W. Fliess durante 15 anos, entre 1887 e 1904, constituem uma valiosa fonte de informação: não apenas aprendemos muito sobre sua vida privada e profissional no dia-a-dia, como também assistimos à evolução de seu pensamento ao longo desse período particularmente fecundo e ao desenvolvimento de auto-análise. Dessa abundante correspondência, restam apenas as cartas de Freud, adquiridas por Marie

Bonaparte em 1936 de um antiquário vienense. Em 1950, ela editou com Anna Freud e Ernest Kris extratos cuidadosamente selecionados de 168 cartas de um total de 284, sob o título O nascimento da psicanálise, acompanhadas de um manuscrito inédito de “Projeto para uma psicologia científica”, que Freud não queria publicar. A totalidade das cartas só foi publicada em 1986, depois da morte de Anna Freud, quando venceu o prazo de confidencialidade.

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA A amizade apaixonada entre Freud e Fliess Freud conheceu Wilhelm Fliess em 1887, graças a Breuer. Fliess era médico otorrinolaringologista estabelecido em Berlim, defensor de teorias biológicas e matemáticas audaciosas e muito confiante em suas hipóteses. Nessa época, Freud era mantido à margem do meio médico vienense em razão de suas teorias sobre a etiologia sexual das neuroses, e acabou encontrando em Fliess um interlocutor privilegiado e estimulante. A amizade com Breuer foi pouco a pouco substituída pela amizade com Fliess, que se tornou durante muitos anos o confidente mais íntimo de Freud. Além de trocarem cartas, os dois amigos se encontravam eventualmente em “congressos”, em que confrontavam suas hipóteses e elaboravam suas teorias. Freud fez assim de seu “queridíssimo Wilhelm” o testemunho ativo de suas descobertas e de suas contribuições científicas no momento entre a preparação de Estudos sobre a histeria até a publicação de A interpretação dos sonhos, em 1900. Na verdade, o encanto começou a se desfazer em 1897, Freud desidealizou progressivamente seu amigo, tornou-se menos dependente dessa relação intensa e reconheceu mais tarde o lado homossexual dessa amizade. No desenvolvimento de sua autoanálise, Freud descobrira paralelamente seu ódio pelo pai e seu ódio dissimulado por Fliess. Os dois amigos se desentenderam em um último “congresso”, em 1900, Freud criticando a teoria da periodicidade de Fliess, e este acusando Freud de ler em seus doentes seus próprios pensamentos. A relação se deteriorou, as trocas de cartas se tornaram mais raras, até que ocorreu a ruptura definitiva em 1906. Depois disso, Freud destruiu todas as cartas de Fliess, tenha reconhecido posteriormente que devia a ele suas idéias sobre a bissexualidade.

DESCOBERTA DA OBRA As páginas indicadas remetem ao texto publicado em S. Freud (1950a [1887-1902]), La naissance de la psychanalyse, Lettres à Fliess, Notes et Plans (1887-1902), trad. A. Berman, Paris, PUF, 1956.

A leitura das cartas de Freud a Fliess, à primeira vista, tem um interesse limitado, mas para um leitor já familiarizado com as concep-

ções freudianas, elas são uma fonte apaixonante de informações. Encontram-se ali, em estado nascente, as questões que Freud se coloca a pro-

32 Jean-Michel Quinodoz pósito não apenas da histeria, mas também das neuropsicoses, da paranóia e da depressão (que ele chama de melancolia). Seguindo passo a passo o relato de suas preocupações cotidianas, de seus comentários sobre seus pacientes em tratamento ou de seus problemas familiares, surpreendemo-nos ao descobrir uma de suas intuições decisivas quando, por exemplo, ele menciona pela primeira vez a existência do complexo de Édipo. Deixarei que o leitor descubra essa correspondência, mas vou me deter em três momentos decisivos: o momento em que Freud descobre o papel das fantasias de sedução, aquele em que tem a intuição do complexo de Édipo durante sua auto-análise, e aquele em que renuncia a construir uma teoria que desse uma base “científica” à psicanálise. Sedução real e fantasias de sedução Como vimos no capítulo anterior, Freud atribuiu a origem da histeria a uma sedução realmente sofrida por parte de uma pessoa adulta do seu círculo ouvindo seus pacientes relatarem a lembrança de cenas reais de sedução ocorridas durante sua infância no momento em que apareceram os primeiros sintomas histéricos. Essa hipótese – chamada de “teoria da sedução” – foi elaborada em 1893 e assumida por ele até 1897. Nesse período, Freud ampliou sua hipótese, não mais limitando-a apenas à histeria, mas fazendo dela a causa das neuropsicoses em geral. Em sua mente, no entanto, essa teoria não se destinava simplesmente a estabelecer uma relação de causa e efeito entre a sedução real e os sintomas, e sim a explicar o mecanismo da repressão, como assinalam com muita propriedade J. Laplanche e J.-B. Pontalis (1967). É por essa razão que Freud passa a idéia de que esse processo se produz em dois momentos, separados pela puberdade: em um primeiro momento, a pessoa é incapaz de sentir uma emoção sexual, visto que ainda não atingiu a maturidade sexual suficiente, de modo que a cena não é reprimida; em um segundo momento, que Freud situa após a puberdade, um novo acontecimento vem despertar a lembrança antiga, o que causa então um impacto traumático muito mais importante que o incidente inicial, devido à maturidade sexual

recém-adquirida; é então que a lembrança sofre a repressão em um a posteriori, noção que terá um lugar central na psicanálise. Contudo, no decorrer de suas investigações clínicas, Freud começou a duvidar da veracidade das cenas de sedução que seus pacientes lhe relatavam, conforme revelou ao seu amigo Wilhelm em sua célebre carta datada de 21 de setembro de 1897: “Preciso confiar-lhe imediatamente o grande segredo que, nestes últimos meses, foi se revelando aos poucos. Não acredito mais em minha neurótica” (p. 190). Freud apresenta vários argumentos em apoio a essa mudança. Primeiro, ele duvida que atos perversos contra crianças sejam tão freqüentes assim; depois, postula explicitamente que, mais do que a vivência real, é a fantasia da sedução que desempenha o papel determinante: “Há sempre uma solução possível, que é dada pelo fato de que a fantasia sexual gira sempre em torno do tema dos pais” (p. 191); finalmente, ele chega à conclusão de que é difícil separar a realidade e a fantasia: “(...) não existe no inconsciente um ‘indicador de realidade’, de modo que é impossível distinguir entre a verdade e a ficção investida de afeto” (p. 191). O papel da sexualidade infantil Como Freud chegou a atribuir às fantasias um papel mais determinante que à realidade, a ponto de renunciar em grande parte às suas hipóteses iniciais? Foi ouvindo os relatos de lembranças e dos sonhos de seus pacientes e analisando os seus que Freud descobriu que as crianças também têm emoções, sensações e pensamentos de conteúdos sexuais, e que em geral é difícil para elas distinguir entre realidade e fantasia: “Assim, por trás dessas fantasias, a vida sexual da criança revelou-se em toda sua amplitude” (Freud, 1914d, p. 275). Ao contrário do que se pensava até então, esse domínio não era reservado apenas aos adolescentes e adultos. Mas, embora a descoberta da importância da sexualidade infantil na etiologia das neuroses o tenha levado a abandonar sua teoria inicial, é preciso esclarecer que ele continuou afirmando durante toda sua vida que cenas de sedução realmente vividas pelas crianças tinham um papel patogênico, e que a neurose que resultava disso não podia

Ler Freud 33 ser atribuída exclusivamente a fantasias. Ainda hoje, a questão está longe de ser resolvida, pois, em muitos casos, é difícil estabelecer a parte do real e da imaginação tanto para o próprio paciente como para o psicanalista. O que se entende por “sexualidade infantil”? É preciso esclarecer desde já essa noção, pois geralmente ela é malcompreendida. O que os psicanalistas entendem por sexualidade infantil não inclui apenas as atividades eróticas mais diversas que se podem observar nas crianças pequenas, assim como os pensamentos e os desejos que elas expressam na mais tenra idade; o que se entende por sexualidade infantil designa igualmente o conjunto do processo de transformações psíquicas e corporais que se desenvolvem até a puberdade e a adolescência. Esse processo começa com as primeiras emoções sensuais sentidas pelo recém-nascido que suga o seio de sua mãe durante a amamentação e continua se organizando etapa por etapa até atingir a maturidade genital que caracteriza a idade adulta, assim como a personalidade do homem ou da mulher. É o conjunto desse processo durante o qual a sexualidade desempenha um papel organizador determinante que chamamos de sexualidade infantil, entendendo-se a noção de sexualidade em um sentido mais amplo. Alguns anos mais tarde, Freud fará uma síntese das reflexões já esboçadas na correspondência com seu amigo Fliess em Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905d). A auto-análise e a descoberta do complexo de Édipo Pouco depois da morte de seu pai, ocorrida em 1896, Freud empreendeu sua própria psicanálise, durante um período que se situa aproximadamente entre 1896 e 1899. Sua “auto-análise” – como ele a qualifica em suas cartas a Fliess – fundamenta-se essencialmente na análise de seus próprios sonhos, e foram eles que o levaram a perceber não apenas o papel dos sonhos na vida psíquica como também a importância que teve a sexualidade em sua própria infância. “Descobri igualmente que, mais tarde (entre 2 anos e 2 anos e meio), minha libido tinha despertado e se voltara à matrem, por

ocasião de uma viagem de Leipzig a Viena que fiz com ela e durante a qual dormi em seu quarto e, com certeza, pude vê-la inteiramente nua” (p. 194). Diz ainda, na mesma carta: “Tudo me leva a crer também que o nascimento de um irmão um ano mais novo do que eu suscitara em mim desejos cruéis e uma verdadeira inveja infantil, e que sua morte (ocorrida alguns meses depois) deixara o germe do remorso” (p. 194). Uma semana depois, ele evoca pela primeira vez em sua auto-análise, aquilo que designará, mais de 10 anos depois, pelo nome de “complexo de Édipo” (1910h, p. 52): “No momento, minha auto-análise é realmente o que há de mais essencial e promete ser da maior importância para mim, se eu conseguir concluí-la. (...) Encontrei em mim, assim como por toda parte, sentimentos de amor em relação à minha mãe e de inveja em relação a meu pai, sentimentos que acredito que sejam comuns a todas as crianças pequenas (...) Se isso é verdade, compreende-se, a despeito de todas as objeções racionais que se opõem à hipótese de uma fatalidade inexorável, o efeito impressionante de Édipo Rei” (p. 198). Nessa carta, Freud se refere unicamente à forma direta do complexo de Édipo tal como se manifesta no menino, desejoso de usurpar o lugar do pai junto à mãe. Em seguida, ele descreverá igualmente o complexo de Édipo direto na menina – desejosa de tomar o lugar da mãe junto ao pai – e, mais tarde ainda, a forma inversa do complexo de Édipo tanto no menino como na menina. A descoberta de que existe simultaneamente, em um mesmo indivíduo, um complexo de Édipo direto, responsável pela identificação com o progenitor do mesmo sexo, e um complexo de Édipo inverso, responsável pela identificação com o progenitor do sexo oposto, permitirá a Freud, em O ego e o id (1923b), aplicar ao plano da fantasia a noção de bissexualidade psíquica que tomara emprestado de Fliess. Foi este último, de fato, que atraiu a atenção de Freud para o papel desempenhado pela bissexualidade na identidade masculina e feminina, não apenas no nível anatômico e biológico, mas igualmente no nível psicológico Embora a auto-análise tenha permitido a Freud transpor etapas decisivas no conhecimento de si e aprofundar suas pesquisas sobre o funcionamento do psiquismo humano, ele percebeu que esse tipo de introspecção se

34 Jean-Michel Quinodoz chocava com limites intrínsecos que não conseguia ultrapassar. Julgou que era indispensável que um futuro psicanalista recorresse em primeiro lugar à pessoa de um outro psicanalista para superar suas próprias resistências inconscientes e elaborar a transferência. Finalmente, Freud afirma que, após concluir a análise, todo psicanalista deveria prossegui-la mediante uma auto-análise ao longo de toda vida. Manuscritos anexos Várias das cartas de Freud são acompanhadas de um anexo denominado “Manuscrito”, seguido de uma letra maiúscula. Nessas comunicações curtas, ele apresenta uma primeira abordagem teórica de temas que serão retomados posteriormente, às vezes muitas décadas

depois. Por exemplo, o “Manuscrito E” (p. 80) é dedicado à origem da angústia. Freud atribui a angústia a uma acumulação de tensão sexual física que não é descarregada – é sua primeira teoria da angústia, mas ele já percebe um mecanismo que, no caso de tensão excessiva, faz intervir a incapacidade do psiquismo de “ligar” a angústia, como mostrará em 1926 em Inibições, sintomas e ansiedade. O “Manuscrito G” é dedicado à melancolia, e nele Freud sugere que o afeto de luto que acompanha uma perda de objeto pode ser atribuído a uma “perda da libido” (p. 92). Segundo ele, “uma aspiração, poderíamos dizer, realiza-se no psiquismo (...)” (p. 97), processo semelhante a uma “hemorragia interna”, mecanismo que ele aprofundará em 1917 em “Luto e melancolia”. Já o “Manuscrito H” é dedicado a um estudo da projeção como defesa.

PÓS-FREUDIANOS Polêmicas em torno da teoria freudiana da sedução Em 1984, J.-M. Masson, que teve acesso aos Arquivos Freud e editou a íntegra das cartas a Fliess, publicou The Assault on Truth: Freud’s Suppression of the Seduction Theory, uma obra polêmica sobre as supostas “verdadeiras” razões que teriam levado Freud a abandonar a teoria da sedução. Segundo Masson, o único objetivo visado por Freud ao abandonar a teoria da sedução real seria ocultar a verdade e inventar uma teoria da sedução fantasiada para proteger os pais de acusações legítimas por parte de suas filhas. Um acerto de contas salutar Em sua revisão crítica da obra provocadora de J.-M. Masson, C. Hanly (1986) não apenas demonstra que os argumentos do autor são tendenciosos, como também que Freud nunca abandonou completamente sua teoria da sedução; ele se referiu a ela até o final de sua vida, assinalando que geralmente era difícil separar a realidade e a fantasia. Nessa revisão crítica, C. Hanly faz um acerto de contas que reflete a opinião compartilhada atualmente pela maioria dos psicanalistas: 1) uma fantasia infantil particularmente intensa pode ter um impacto sobre o desenvolvimento psíquico comparável ao de uma experiência real; 2) experiências reais podem ter pouco ou nenhum efeito no momento em que se produzem, em geral antes da puberdade, mas adquirem um poderoso efeito retroativo a partir da adolescência, em conseqüência do desenvolvimento sexual; 3) durante a análise, às vezes é difícil saber se uma reconstrução sugerida pelo material associativo e pela transferência corresponde a uma fantasia fortemente investida, ou se é uma experiência alucinatória infantil; 4) um analista pode muito bem acreditar que fragmentos de cenas, restos de sonhos, etc. correspondem a experiências reais, quando na verdade elas provêm de alucinações ou de defesas contra desejos infantis perigosos; 5) é possível que um paciente sujeito a desejos infantis onipotentes e a fantasias agressivas tenha vivido também experiências reais de sedução patogênica; 6) a tarefa da análise consiste em ajudar o paciente a estabelecer uma diferença entre o que é fantasia e o que é realidade do passado.

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS Angústia – auto-análise – bissexualidade – bissexualidade psíquica – fantasias de sedução – melancolia (depressão) – sedução real – teoria da sedução

Ler Freud 35

“PROJETO PARA UMA PSICOLOGIA CIENTÍFICA” S. FREUD (1950c [1895])

Uma tentativa de fundar a psicanálise em dados científicos mensuráveis Entre as cartas que Freud enviou ao seu amigo W. Fliess, descobre-se esse manuscrito inédito que indicava a intenção de Freud de “introduzir a psicologia no âmbito das ciências naturais” (1950a [1887-1902], p. 315), ambição que será uma de suas preocupações constantes. O “Projeto” não é um texto essencial, mas é interessante sob dois aspectos principais. Em primeiro lugar, o leitor descobre ali, ainda em forma de esboço, algumas intuições novas e fundamentais referentes ao funcionamento psíqui-

co, hipóteses originais que darão lugar a importantes desenvolvimentos psicanalíticos posteriores. Em segundo lugar, a redação do “Projeto” demonstra aos olhos de Freud que o projeto de dar uma base científica à psicanálise levava a um impasse, razão pela qual ele nunca quis publicar esse texto. Mas esse manuscrito será primordial na evolução de suas idéias, pois, ao renunciar a prosseguir nesse caminho, Freud teve a genialidade de instalar a psicanálise em um campo que lhe é próprio.

DESCOBERTA DA OBRA As páginas indicadas remetem ao texto publicado em S. Freud (1950a [1887-1902]), La naissance de la psychanalyse, Lettres à Fliess, Notes et plans (1887-1902), trad. A. Berman, Paris, PUF, 1956.

Intuições geniais disseminadas em um texto inacabado

Em busca de um modelo integrado de funcionamento psíquico

Em “Projeto para uma psicologia científica”, Freud justapõe noções extraídas da neurofisiologia, como a dos neurônios – descobertos em 1892 – e de transmissão sináptica, a fatos de observação clínica tirados de sua experiência recente no tratamento da histeria, de onde deduz hipóteses originais. Isso explica o interesse particular desse manuscrito do ponto de vista da história do desenvolvimento das idéias em Freud. Sem dúvida, várias passagens desse texto que permaneceram inacabadas parecem obscuras ou anacrônicas, mas o leitor também tem o prazer de descobrir instituições fundamentais, que continuam atuais depois de cem anos.

Ainda fortemente influenciado por sua formação de pesquisador, Freud toma como ponto de partida os conhecimentos neurofisiológicos de sua época sobre os neurônios e os influxos nervosos com a intenção de construir um modelo integrado de funcionamento psíquico fundamentado em dados mensuráveis. Assim, a concepção que ele propõe no “Projeto” é construída essencialmente com base na noção de quantidade de energia circulante entre as cadeias de neurônios, o que lhe permite transpor em termos energéticos fatos de observação psicológica acumulados até então. Por exemplo, Freud considera que, nos casos pato-

36 Jean-Michel Quinodoz lógicos, as quantidades de energia física que circulam no organismo podem escolher vias de descarga diferentes, psíquica ou somática, em função do grau de resistência ou de facilitação existente nas redes. Essa hipótese permitiria explicar que a conversão histérica e os atos compulsivos obsessivos seriam o resultado da descarga no corpo de uma quantidade excessiva de excitação que se torna incontrolável. Freud estabelece em seguida uma série de equivalências entre os fenômenos fisiológicos e psicológicos. Assim, no nível fisiológico, ele coloca como princípio fundamental da função dos neurônios o “princípio de inércia”: os neurônios tendem a liberar os excessos de energia, que se tornam então “energia livre”. Transposto ao nível do aparelho psíquico, o princípio de inércia evoca a noção de “processo primário”, processo psíquico caracterizado pelo escoamento livre e sem retenção da energia psíquica. Mas o aparelho psíquico não poderia funcionar unicamente com base no princípio da descarga, pois é preciso que ele tolere uma certa quantidade de excitação.É por isso que Freud postula a existência de um sistema regulador do psiquismo capaz de resistir à descarga do excesso de energia psíquica e que tenha a propriedade de transformar os processos primários em processos secundários. Estes últimos caracterizam-se por sua capacidade de ligar a energia e de inibir os “processos primários”. O conjunto desse sistema regulador corresponde ao “princípio de constância”, cuja função é gerir os “processos secundários”. Por exemplo, na histeria, é o “processo secundário” que permite ao histérico conter em seu psiquismo a carga emocional, graças à possibilidade encontrada de rememorar e de verbalizar a lembrança traumática, o que evita que o excesso de excitação se converta em uma conversão somática sintomática. As noções de “processo primário” e “processo secundário”, introduzidas em 1895, se tornarão dali em diante noções fundamentais na concepção freudiana de funcionamento psíquico. Esboço da função do “ego” Que papel desempenha o indivíduo nesses processos? Freud propõe chamar de “ego” uma instância que funciona simultaneamente em dois

níveis: de um lado, esse “ego” funciona no nível fisiológico sob a forma de um grupo de neurônios investidos de forma permanente que mantêm a “energia ligada” e, de outro, esse “ego” funciona no nível psicológico como uma instância encarregada de estabelecer uma preponderância dos processos secundários sobre os processos primários. Uma outra função essencial do “ego” consiste na “prova da realidade” que permite ao indivíduo diferenciar entre percepção proveniente do exterior de uma alucinação ou de uma lembrança proveniente do interior. Mas, a noção de “ego” a que Freud se refere em 1895 em Estudos sobre a histeria é a de um ego consciente; ainda não tem o significado que passará a ter mais tarde em O ego e o id (1923b), quando postulará interações inconscientes entre ego, id e superego dentro do aparelho psíquico. Plano geral sobre “a prova da satisfação” Vamos focalizar nossa atenção por um instante em um ponto particular, quando Freud descreve “a prova da satisfação”, o que nos permitirá seguir sua conduta científica passo a passo. O que é “a prova da satisfação”? Freud entende por isso o processo complexo que parte da tensão interna desencadeada por uma necessidade pulsional, como, por exemplo, a fome em uma criança pequena ou o desejo sexual no adulto. Ele começa por descrever os fenômenos em termos de tensão e de descarga, tal como se desenvolvem no arco reflexo, e considera que os fenômenos neurofisiológicos (f) têm seu equivalente no nível psíquico (y). À medida que a necessidade aumenta, a tensão física e psíquica aumenta também, criando a expectativa de uma descarga a fim de obter a satisfação. Contudo, esta não pode se realizar sem a intervenção de uma pessoa de fora, alertada pelo grito do recém-nascido: “Essa intervenção exige que se produza uma certa modificação no exterior (por exemplo, oferta de alimento, proximidade do objeto social)...” (p. 336). Depois que essa pessoa executa a ação específica, a via de descarga adquire uma importância particular em dois níveis: por um lado, estabelece-se no pensamento do sujeito uma conexão entre a supressão do desprazer e a intervenção da pessoa, criando o sentimento de “com-

Ler Freud 37 preensão mútua” (p. 336); por outro lado, o indivíduo realiza no nível corporal aquilo que é necessário para a supressão do desprazer e põe em ação sua motricidade. “Assim, a satisfação leva a uma facilitação entre as duas imagens mnemônicas...” (p. 338), isto é, a do objeto desejado e a do movimento reflexo. Contudo, “desde o desaparecimento do estado de tensão ou de desejo, a carga é transmitida também às duas lembranças e as reativa. É bem provável que essa imagem mnemônica do objeto seja a primeira a ser atingida pela reativação” (p. 338). O conjunto desse processo é chamado por Freud de “fato de satisfação”, e essa experiência desempenha um papel determinante na instauração da capacidade de um indivíduo de gerir suas necessidades pulsionais. Segundo Freud, é nesse nível que intervém o “ego”, cujo papel é tratar de se livrar das tensões buscando a satisfação, como também evitar a repetição de experiências e de afetos dolorosos por meio de mecanismos inibidores. As ligações entre prazer/desprazer, afetos, ego e objetos Freud complementa seus pontos de vista examinando “a prova da dor”: ele mostra que o aumento de tensão da necessidade que produz o desprazer não evoca apenas a lembrança da imagem da pessoa que proporcionou a satisfação, mas o desprazer desencadeia igualmente sentimentos hostis em relação a essa pessoa vista como frustrante e “geradora da dor”. Do mesmo modo, acrescenta Freud, quando a satisfação intervém, o prazer é atribuído à pessoa que está na origem da satisfação: “A aparição de um objeto que veio substituir o objeto inimigo pode ter servido para nostrar que a experiência dolorosa terminou, e o sistema [símbolo] instruído pela experiência biológica busca reproduzir em [símbolo] o estado que marcou o fim da situação dolorosa” (p. 340). Ao evidenciar a ligação entre os sentimentos agressivos e afetuosos em relação à pessoa a quem se atribui a frustração ou a satisfação, Freud introduz uma dimensão afetiva na relação de objeto que completa o princípio prazer/desprazer. Em resumo, Freud mostra aqui que, desde o início da vida, a experiência da dor e da satisfação não são vivências isoladas, mas estão estrei-

tamente ligadas à intervenção do objeto e determinam uma divisão primordial entre afetos negativos e afetos positivos. Em 1915, em “Pulsões e destinos das pulsões”, retomará a idéia de que existe desde o início uma divisão fundamental de afetos, introduzindo a noção de “ego de prazer purificado”, e prosseguirá com suas investigações sobre as vicissitudes do amor e do ódio em relação às sensações de prazer e de desprazer em um contexto de relações de objeto. A noção de a posteriori e “próton-pseudos” Para concluir, vale lembrar que Freud introduz igualmente o conceito de “a posteriori” no “Projeto”, quando se pergunta por que, na histeria, a repressão incide principalmente sobre a sexualidade. A partir de um exemplo clínico, o caso de Emma, ele mostra que a repressão se realiza em dois momentos. O primeiro momento é o resultado de uma cena de sedução sexual que ocorre na infância – aos 8 anos, Emma tinha sido bolinada no armazém –, mas esse acontecimento não tem significado sexual traumático para a criança. O segundo momento vem mais tarde e desencadeia uma emoção sexual, porque o impulso sexual ligado à puberdade surge no intervalo e desperta a lembrança do primeiro acontecimento, que assume então um significado sexual traumático – cinco anos mais tarde, aos 13 anos, Emma teve uma reação de fuga diante do sorriso de dois vendedores de uma loja. Sem poder se defender desses afetos intoleráveis, o ego utiliza a repressão. Portanto, é o segundo acontecimento que determina o caráter patogênico do primeiro, e Freud chama esse fenômeno de “a posteriori”: “Estamos sempre descobrindo que uma lembrança reprimida transformou-se a posteriori em traumatismo. A razão desse estado de coisas encontra-se na época tardia da puberdade em comparação com o restante da evolução dos indivíduos” (p. 366). Ele qualifica de “primeira mentira do histérico” o fato de que o paciente não tenha conhecimento da natureza sexual do primeiro traumatismo, e utiliza o termo “próton-pseudos” que não significa uma “mentira inicial”, como se compreende às vezes, mas que tem o sentido de um “erro inicial”.

38 Jean-Michel Quinodoz Um exemplo da conduta científica de Freud A leitura do “Projeto” nos permite acompanhar mais de perto a rigorosa conduta científica adotada por Freud, que parte de fatos de observação neurofisiológicos e psicológicos para tirar conclusões de alcance geral. Em seguida, encontraremos essa mesma atitude científica ao longo de toda sua obra e, particularmente, em Artigos sobre metapsicologia (1915-

1917). Porém, com uma diferença: após ter redigido o “Projeto”, Freud renunciará definitivamente a fundar a psicanálise com base na neurofisiologia, e, por ter tido a audácia de renunciar a isso, pôde instalar a psicanálise num campo próprio, como ressaltou A. Green (1992). Quanto à ligação indissolúvel entre corpo e psiquismo, Freud continuou sustentando esse ponto de vista, mas adotou uma perspectiva diferente.

PÓS-FREUDIANOS Modelos científicos contemporâneos e psicanálise Como seria se, cem anos depois do “Projeto”, os psicanalistas utilizassem os modelos científicos do fim do século XX para seguir uma conduta análoga à de Freud no fim do século XIX, em 1895? Alguns psicanalistas contemporâneos não hesitaram em refazer o exercício. Vejamos o que eles dizem. Beneficiando-se de uma dupla formação em neuropsicologia e em psicanálise. M. Solms é particularmente qualificado para aprofundar o estudo das correlações entre psicanálise e neurociências (M. Solms e K. KaplanSolms, 2000). Suas pesquisas, fundadas na utilização da psicanálise como método de investigação em pacientes com lesões neuroanatômicas, lhe permitiram situar os fenômenos psíquicos no nível de um sistema funcional localizado no interior de uma constelação de estruturas anatômicas cerebrais. Esses trabalhos destacados não privilegiam os modelos neuroanatômicos em relação aos modelos psicológicos, ao contrário de numerosas pesquisas contemporâneas que tentam aproximar psicanálise e neurociências, com o risco de que essas disciplinas percam sua especificidade. Os estudos de Solms têm a vantagem de não “reificar” o psiquismo, porque não o restringem unicamente ao funcionamento do cérebro, como assinala J. Roiphe (1995). Para Solms, os neurônios não são mais reais do que os pensamentos e as sensações, e por essa razão o conceito de inconsciente transcende o dualismo cartesiano corpo-espírito. Por exemplo, para Solms, assim como para Freud, a consciência é um órgão sensorial que apresenta duas superfícies de percepção, uma voltada para o mundo externo e a outra para o mundo interno. Se partimos de um modelo freudiano, nossa consciência subjetiva é produzida pelo psiquismo inconsciente segundo um processo análogo àquele que resulta da percepção de objetos do mundo exterior, isto é, “coisas que estão no mundo de fora” (Freud, 1915e). Na perspectiva de Solms, as duas superfícies perceptivas registram uma realidade incognoscível que se situa aquém da percepção consciente de duas maneiras qualitativamente diferentes, mas hierarquicamente equivalentes. Em outros termos, aquilo que percebemos como nossa realidade psíquica subjetiva, isto é, nosso consciente, é correlativo à maneira como percebemos nosso corpo físico como se ele fosse visto de fora. Existem, portanto, dois tipos de percepções que chegam à nossa consciência: as primeiras provêm de objetos externos concretos, incluído o corpo de outro, e constituem as percepções da realidade externa; as outras provêm de experiências internas subjetivas, incluídos os psiquismos de outro, e constituem as percepções da realidade psíquica. Assim, as pesquisas originais de Solms vão no sentido de uma concepção psicanalítica unitária do psiquismo e do corpo, abrindo assim perspectivas promissoras. G. Pragier e S. Faure-Pragier (1990), por sua vez, adotaram uma conduta diferente. Deixando de lado os modelos da física clássica, esses autores se apoiaram nos trabalhos recentes da física e da biologia para propor “novas metáforas” capazes de dar conta do funcionamento psíquico, tal como se observa na psicanálise. Por exemplo, G. Pragier e S. Faure-Pragier propuseram uma série de paralelos sugestivos entre, por um lado, os fenômenos ligados à aparição do “novo” na evolução de um sistema biológico que se autoorganiza em fases sucessivas e, por outro lado, a emergência do “novo” que surge dentro das associações livres em psicanálise. Do mesmo modo, esses autores propuseram estabelecer paralelos entre o caráter imprevisível dos fenômenos observados nos sistemas complexos e a natureza imprevisível de fenômenos psíquicos. De fato, nos sistemas complexos em que o número de variáveis é extremamente elevado – é o caso do psiquismo humano –, o determinismo linear clássico não funciona mais, e a teoria do caos determinista mostrou que, nos sistemas considerados complexos, toda previsão é rapidamente falseada pela sobrevivência inevitável de acontecimentos menores. Continua

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Continuação Quando se aplicam essas novas teorias à situação criada por um traumatismo psíquico, por exemplo, entendese por que não é possível prever se um traumatismo terá conseqüências a longo prazo sobre o psiquismo, ou se terá poucas conseqüências ou nenhuma. Só é possível saber a posteriori. Por cautela, sem dúvida, G. Pragier e S. Faure-Pragier consideraram que suas comparações constituíam metáforas, situando-as em um plano estritamente lingüístico, o que, a meu ver, limita seu valor. Creio que essas comparações emergem de “modelos analógicos”, e se pretendermos considerar o fato de que o funcionamento psíquico fundamenta-se em um funcionamento biofisiológico, é válido recorrer à noção de abertura de caminho, introduzida por Freud em 1905 (J.-M. Quinodoz, 1997a). Esse ponto de vista orienta-se no sentido de uma concepção unitária psique-soma postulada recentemente por M. Solms.

PÓS-FREUDIANOS As neurociências substituíram a psicanálise? Freud preservou por toda a vida a idéia de que, em um futuro mais ou menos próximo, os progressos na biologia e nas neurociências permitiriam esclarecer melhor o funcionamento psíquico, tal como o concebe a psicanálise, e triunfar onde ele fracassou em seu “Projeto para uma psicologia científica”: “Sem dúvida, um dia haverá efetivamente uma ‘bioanálise’...”, diz ele (1933c, p. 313). Ele evoca inclusive o advento de tratamentos psicotrópicos: “O futuro nos ensinará, esperamos, a agir diretamente com a ajuda de certas substâncias químicas sobre as quantidades de energia e sua distribuição no aparelho psíquico” (1940a [1939], p. 51). E o que temos cem anos após o “Projeto”? A descoberta de medicamentos psicotrópicos a partir dos anos de 1950 e o entusiasmo que acompanhou o progresso na pesquisa em biologia e nas neurociências certamente têm contribuído para o declínio vivido pela psicanálise em todo o mundo no momento atual. Depois de ter conquistado uma posição de relevo entre os métodos psicoterapêuticos e no ensino universitário, particularmente nos Estados Unidos, a psicanálise passou a sofrer pressões crescentes. Não apenas a mentalidade geral evoluiu, exigindo métodos de tratamento cada vez mais rápidos e avaliações fundadas em resultados mensuráveis, como também se produziu uma articulação de pressões de ordem social, política e econômica para impor os tratamentos medicamentosos em detrimento das diversas abordagens psicoterapêuticas. A esses fatores, somaram-se as promessas vindas do meio científico, anunciando que as pesquisas em curso sobre o cérebro e a memória estavam prestes a enterrar definitivamente as abordagens fundadas na relação psicoterapêutica, pesquisas que ainda estão longe de ser aplicáveis na prática clínica. Em 1998, Nancy Andreassen, cientista de renome mundial, lançou um grito de alerta para denunciar a enorme carência de psicoterapeutas enfrentada atualmente pela população dos Estados Unidos, depois de descobrir que as terapias medicamentosas também têm seus limites: “(...) precisamos fazer um pesado investimento na formação de uma nova geração de verdadeiros especialistas na ciência e na arte da psicopatologia. Sem isso, nós, cientistas de alta tecnologia, corremos o risco de despertar daqui a 10 anos e descobrir que estamos diante de uma “primavera silenciosa”.1 Aplicar a tecnologia sem que ela seja acompanhada por clínicos esclarecidos, com uma experiência específica em psicopatologia, se tornará uma tarefa solitária, estéril e provavelmente infrutífera” (1998, p. 1659). 1 Alusão à obra Silent spring, de Rachel Carson (1962), na qual a humanidade desperta em uma manhã de primavera e não ouve o canto dos pássaros, que desapareceram da superfície da terra.

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS A posteriori – prova da realidade – prova da satisfação – modelos científicos – processo primário, processo secundário – princípio de constância – princípio de inércia – “próton-pseudos” – ciência

“AS NEUROPSICOSES DE DEFESA” S. FREUD (1894a)

“SOBRE OS FUNDAMENTOS PARA DESTACAR DA NEURASTENIA UMA SÍNDROME ESPECÍFICA DENOMINADA ‘NEUROSE DE ANGÚSTIA’ ” S. FREUD (1895b)

“OBSERVAÇÕES ADICIONAIS SOBRE AS NEUROPSICOSES DE DEFESA” S. FREUD (1896b)

“A SEXUALIDADE NA ETIOLOGIA DAS NEUROSES” S. FREUD (1898a)

“LEMBRANÇAS ENCOBRIDORAS” S. FREUD (1899a)

Um novo olhar sobre a psicopatologia Entre 1895 e 1899, Freud esclarece em diversos artigos algumas noções já apresentadas em forma de esboço em seus trabalhos sobre a histeria; o primeiro e o terceiro artigo fazem uma seqüência e oferecem uma excelente demonstração da maneira como Freud evolui em sua pesquisa do mecanismo que produz os sintomas histéricos, as fobias e as obsessões; o segundo artigo delimita pela primeira vez a neurose de angústia como afecção

específica – é o ataque de pânico de hoje – diferenciando-a da neurastenia; o quarto artigo destina-se a convencer o corpo médico vienense da validade de sua hipótese sobre a etiologia sexual das neuroses; finalmente, o quinto artigo introduz a noção de lembranças encobridoras, lembranças da infância aparentemente banais, mas que ocultam outras que foram reprimidas e que conservam seu poder patogênico no inconsciente.

DESCOBERTA DAS OBRAS 8 “AS NEUROPSICOSES DE DEFESA” (1894a) 8 “OBSERVAÇÕES ADICIONAIS SOBRE AS NEUROPSICOSES DE DEFESA” (1896b) As páginas indicadas remetem ao texto publicado em S. Freud, “Les psychonévroses de défense” (1894a) e “Nouvelles remarques sur les psychonévroses de défense (1896b), in Névrose, psychose et perversion, trad. J. Laplanche, Paris, PUF, 1973, p. 1-14 e p. 61-81 [as páginas indicadas entre colchetes remetem às OCF.P, III, 1-18 e 121-146].

42 Jean-Michel Quinodoz No artigo publicado em 1894, Freud revela logo de início uma grande parte do mecanismo que está na origem dos sintomas histéricos, das fobias e das obsessões; ele complementa seus pontos de vista no artigo de 1896 e os arremata em 1915, em um capítulo de Artigos sobre metapsicologia intitulado “Repressão” (1915d). Os sintomas histéricos: conversão somática da energia psíquica Em “As neuropsicoses de defesa” (1894a), Freud toma como modelo a histeria e vai mais longe do que seus antecessores que se limitaram a considerar o estado de dissociação observado nos histéricos como a causa primária dos sintomas, que Janet chamou de “clivagem de consciência” e Breuer de “estado hipnóide”. Freud lança suas próprias hipóteses, demonstrando que a dissociação não é espontânea e que o paciente produz ativamente esse estado de dissociação do psiquismo por um “esforço de vontade”. A dissociação histérica pode ocorrer em uma pessoa que até então se encontrava “em bom estado de saúde psíquica” (p. 3 [5]), e sobrevém quando ela é confrontada de súbito com “representações” intoleráveis que despertam “afetos” dolorosos que gostaria de “esquecer”: “A pessoa decidiu esquecer a coisa por não ter força para resolver mediante o trabalho de pensamento a contradição entre essa representação inconciliável e seu ego” (p. 3 [5]). Como o ego consegue “esquecer” essas representações intoleráveis? A essa pergunta, Freud responde que o ego tenta atenuar a força dessas representações com um objetivo de defesa – daí a denominação “neuropsicoses de defesa” – sem conseguir suprimi-la. A excitação residual ressurge então sob a forma de sintomas patológicos e, no caso da histeria, essa excitação é convertida em sintoma somático: “A soma de excitação é reportada no corporal, processo para o qual eu proporia o nome de conversão” (p. 4 [7]). Freud demonstra assim que os sintomas das neuropsicoses são a expressão de um distúrbio situado no nível psíquico e que eles não resultam de uma “degenerescência” pessoal ou hereditária como se acreditava até então. Sua hipótese explica igualmente a reversibilidade do processo e o efeito terapêutico: “A ação do méto-

do catártico de Breuer”, diz ele, ”consiste em provocar intencionalmente o retorno da excitação do corporal no psíquico, a fim de obrigar a que a contradição seja regulada pelo trabalho de pensamento e a excitação descarregada pela palavra” (p. 5 [8]). Transformação de pensamentos patogênicos em fobias, obsessões ou alucinações Freud estuda em seguida sua hipótese acerca de formação de fobias e obsessões, assim como da psicose alucinatória. Nas neuropsicoses fóbicas e obsessivas, a aptidão à conversão somática que caracteriza a histeria está ausente, de modo que a representação enfraquecida subsiste no domínio psíquico sob a forma de pensamentos tormentosos que substituem os pensamentos patogênicos: “A representação enfraquecida permanece na consciência, à parte de todas as associações, mas seu afeto liberado se liga a outras representações, em si mesmas não-inconciliáveis, que se transformam por essa ‘falsa conexão’ em representações tormentosas” (p. 6 [9]). Quanto à psicose alucinatória, ela obedece ao mesmo mecanismo que o das neuropsicoses, mas, nesse caso, a dissociação é acompanhada de um tipo muito mais enérgico e eficaz de defesa: “Ela consiste em que o ego rejeita (‘vervirft’) a representação insuportável (‘unerträglich’) ao mesmo tempo em que seu afeto, e se comporta como se a representação nunca tivesse chegado ao ego. Mas no momento em que isso se realiza, a pessoa se encontra em uma psicose que só pode ser classificada como uma ‘confusão alucinatória’” (p. 12 [15]). Consta-se que, desde o início de sua obra, Freud examina os mecanismos da neurose e da psicose, como fará em seguida. Aqui é preciso fazer duas observações. De um lado, Freud fala do “esforço de vontade” que o paciente realiza para “esquecer”, “recalcar” ou “reprimir” as representações inconciliáveis, e, embora tenha a intuição de que o processo se desenvolve fora da consciência do paciente, ainda não fala do processo de repressão propriamente dito: “(...) trata-se de processos que ocorrem sem consciência” (p. 7 [4]). Ele introduzirá a noção de repressão no artigo de 1896. De outro lado, Freud afirma que a necessida-

Ler Freud 43 de de recorrer a “abstrações psicológicas” para dar conta de suas observações em termos gerais, abordagem que ele qualificará mais tarde de ponto de vista “metapsicológico”. O papel do a posteriori Nas “Observações adicionais sobre as neuropsicoses de defesa”, lançadas em 1896, Freud completa suas idéias anteriores. Ele retoma a hipótese apresentada nos Estudos sobre a histeria (1895d), publicados um ano antes, segundo a qual as representações histéricas patogênicas estão ligadas a um traumatismo sexual que remonta à infância. Acrescenta que o núcleo da histeria está em que a pessoa “esquece” a experiência traumática “reprimindo-a” 8

por um mecanismo inconsciente. Mas, segundo Freud, a ação do traumatismo por si só não é suficiente para explicar a repressão; ele fala de um processo em dois tempos que denomina de “a posteriori” (n. 2, p. 65 [128]), noção já mencionada no “Projeto”. A formação das obsessões também passa pelo processo de repressão, seguido do retorno do reprimido, depois pela criação de representações de compromisso. Ele termina aplicando suas idéias a um caso de paranóia crônica que considera como uma “psicose de defesa” e que obedece aos mesmos mecanismos que as neuropsicoses de defesa. Vinte anos mais tarde, em “Repressão” (1915d), Freud esclarecerá que a noção de “repressão” se aplica especificamente à representação, enquanto a noção de “recalque” se relaciona ao afeto.

“SOBRE OS FUNDAMENTOS PARA DESTACAR DA NEURASTENIA UMA SÍNDROME ESPECÍFICA DENOMINADA ‘NEUROSE DE ANGÚSTIA’” (1895b) As páginas indicadas remetem ao texto publicado em S. Freud (1895b), “Qu’il est justifié de séparer de la neurasthénie un complexe symptomatique sous le nom de “névrose d’angoisse””, in Névrose, psychose et perversion, trad. J. Laplanche, Paris, PUF, 1973, p. 1-14 e p. 61-81 [as páginas indicadas entre colchetes remetem às OCF.P, III, 29-58].

A síndrome conhecida com o nome de “neurastenia” apareceu durante os anos de 1880 para descrever uma afecção caracterizada por uma fadiga de origem “nervosa” e os sintomas mais variados. A primeira contribuição de Freud nesse sentido diz respeito à origem da neurastenia: ele afirma que, na fonte da neurastenia, assim como em outras afecções ditas “nervosas”, encontra-se um distúrbio sexual. Sua segunda contribuição inovadora consiste em reunir sob o nome de “neurose de angústia” um grupo de sintomas que merecem um lugar mais específico dentro da neurastenia, quadro nosológico que recobria uma enorme diversidade de entidades clínicas. Na neurose de angústia, o principal sintoma é a angústia, assim como seus equivalentes somáticos, isto é, os tremores, palpitações, opressão, etc., e ainda a vertigem que, segundo ele, constitui um equivalente importante da angústia: “A ‘vertigem’ ocupa um lugar eminente no conjunto dos sintomas da neurose de angústia; em suas formas mais leves, é mais correto chamá-la de ‘aturdimento’; em suas manifestações mais severas, é o

acesso de vertigem, com ou sem angústia, manifestações que fazem parte dos sintomas mais graves da neurose” (1895b, p. 20 [36-37]). Na época em que Freud reúne esses diversos sintomas sob uma mesma denominação, ele considera que os sintomas da neurose de angústia e seus equivalentes, incluída a vertigem sob suas diferentes formas, não derivam de uma fonte psicológica (D. Quinodoz, 1994). Freud supunha então que as manifestações de angústia provinham unicamente de uma energia física, inacessível no sentido simbólico e à análise, ao contrário da histeria, em que a energia psíquica pode ser convertida em sintoma somático (paralisia, etc.), mas reversível quando seu significado simbólico chega à consciência e se torna analisável. Qual pode ser a origem da neurose de angústia? Freud observou em seus pacientes que os sintomas de angústia eram acompanhados de uma diminuição da libido, e atribuiu a origem desse tipo de neurose a uma acumulação excessiva de excitação sexual insatisfeita – como no caso da prática do coito interrompido –, ten-

44 Jean-Michel Quinodoz são puramente física que se transformaria diretamente em angústia, por não poder ser elaborada no plano psíquico. Freud sustentará essa teoria, conhecida pelo nome de “primeira teoria da angústia”, até substituí-la 30 anos mais 8

tarde por sua “segunda teoria da angústia”. A partir de 1926, ele afirmará que a angústia é determinada essencialmente pelo temor da perda e da separação do objeto, passando a situar sua origem no nível do psiquismo.

“A SEXUALIDADE NA ETIOLOGIA DAS NEUROSES” (1898a) As páginas indicadas remetem ao texto publicado em S. Freud (1898a), “La sexualité dans l’étiologie des névroses”, in Résultats, idées, problèmes I, trad. J. Altounian e col., Paris, PUF, 1984, p. 75-97 [as páginas indicadas entre colchetes remetem às OCF.P, III, 215-240].

Neste artigo, que foi também objeto de uma conferência que escandalizou o meio médico vienense, Freud afirma pela primeira vez a existência de uma sexualidade infantil autônoma, reunindo as idéias elaboradas no ano anterior. A partir de 1897 ele revisou sua teoria da sedução depois de ter escrito a Fliess que reconhecia que ela estava errada (“Não acredito mais na minha neurótica”, carta de 21 de setembro de 1897), e que aquilo que tomara por uma sedução sexual da criança pelo adulto era na verdade apenas a expressão de desejos incestuosos das crianças em relação aos pais. Por força dessas descobertas, Freud considerou importante informar aos seus colegas médicos que a etiologia das neuropsicoses não repousa unicamente em fatores desencadeantes, como os abusos sexuais reais, mas também em experiências fantasiosas ligadas às forças pulsionais surgidas durante a infância e ao longo da puberdade. Nessa contribuição, ele apresenta também a noção de a posteriori, que 8

significa que o poder patogênico de um acontecimento traumático da infância pode não se manifestar no momento em que se produz, mas retroativamente, quando se atinge uma etapa posterior do desenvolvimento sexual (puberdade, adolescência). Freud leu esse trabalho em 1898 perante o Colégio dos médicos vienenses, leitura que chocou seus colegas, apesar do rigor estritamente científico com o qual expôs seu ponto de vista, ilustrando-o com exemplos clínicos. Suas idéias foram qualificadas de “conto de fada científico” por Krafft-Ebing, que no entanto era especialista em psicopatologia sexual. Freud, que esperava dessa comunicação um reconhecimento oficial de suas descobertas, saiu dali desencantado e reforçado em seu pessimismo. A hostilidade com que suas idéias foram recebidas teve como conseqüência, entre outras, adiar suas nomeação ao cargo de professor da Universidade.

“LEMBRANÇAS ENCOBRIDORAS” (1899a) As páginas indicadas remetem ao texto publicado em S. Freud (1899a), “Sur les souvenirs-écran”, in Névrose, psychose et perversion, trad. D. Berger e col., Paris, PUF, 1973, p. 113-132 [as páginas indicadas entre colchetes remetem às OCF.P, III, 253-276].

A lembrança encobridora é um conceito inédito: trata-se de uma lembrança de infância que ficou gravada na memória com uma intensidade particular, apesar de um conteúdo aparentemente insignificante. Como explicar esse paradoxo? Usando o exemplo de uma lembrança que ele atribuiu a um de seus pacientes – que é apenas um fragmento autobiográfico –, Freud analisa minuciosamente uma lembrança encobridora cuja elaboração lhe permite livrar-se de uma fobia passageira. Trata-se da lembrança de uma cena no campo da qual par-

ticipam o protagonista, na época com 2 ou 3 anos, além de outras crianças da mesma idade e uma linda prima. Essa cena ficou em sua mente como uma lembrança indiferente até que um dia a lembrança de ter se apaixonado por uma moça de 17 anos veio esclarecer a lembrança de infância e despertar uma infinidade de outras lembranças reprimidas até então, descritas com um talento literário incontestável. A evocação da carga patogênica inconsciente contida nessas lembranças reprimidas permite a cura dessa fobia. Esse exemplo clínico, redigi-

Ler Freud 45 do como uma obra literária, é também a demonstração magistral de que a lembrança encobridora resulta de um compromisso entre duas forças psíquicas, uma guardando a lembrança banal na memória e a outra pondo em prática uma resistência que oculta o significado patogênico inconsciente: as duas forças opostas não se anulam, mas produzem um compromisso que compensa as duas lembranças, condensação que se exprime jogando com a polissemia das palavras: “É a expressão verbal, sem dúvida, que estabelece uma ligação entre a lembrança encobridora e a que é encoberta”, observa Freud (p. 129 [273]), da mesma maneira que descreverá posteriormente o mesmo fenômeno nos lapsos ou atos falhos. Mais tarde, ele reafirmará a importância da lembrança encobridora, que condensa numerosos elementos infantis ao mesmo tempo reais e fantasiosos: “As lembranças encobridoras contêm não apenas alguns elementos essenciais da vida in-

fantil, mas verdadeiramente todo o essencial. Só é preciso saber explicitá-las com a ajuda da análise. Elas representam os anos esquecidos da infância com a mesma precisão com que o conteúdo manifesto dos sonhos representa os pensamentos” (Freud, 1914g, p. 107). A noção de lembrança encobridora tem um alcance geral, pois implica um questionamento do valor das lembranças de infância, que não podem ser tomadas ao pé da letra. É sobre esse ponto que Freud conclui: “Nossas lembranças de infância nos mostram os primeiros anos de nossa vida, não como eram, mas como apareceram ao ser evocados em épocas posteriores...” (1899a, p. 132 [276]). Em outras palavras, acrescenta ele de forma humorada, jogando com as palavras, não podemos nos fiar demais em nossas lembranças, pois as lembranças conscientes que temos “de” nossa infância não seriam na verdade lembranças que temos “sobre” nossa infância, que estamos permanentemente retocando?

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS Afeto – a posteriori – compromisso – neurose – neurose de angústia – primeira teoria da angústia – neuropsicose – repressão – representação – sexualidade infantil – lembrança encobridora – traumatismo – vertigem

A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS S. FREUD (1900a)

SOBRE O SONHO S. FREUD (1901a)

“A interpretação dos sonhos é a via régia que conduz ao conhecimento do inconsciente da vida psíquica” (Freud, 1900a, p. 517 [663]). Em A interpretação dos sonhos, Freud lança as idéias inovadoras que não apenas vão revolucionar a compreensão dos sonhos que se tinha até então, como também proporcionarão um esclarecimento inédito sobre o funcionamento do pensamento e da linguagem. Freud defende ali a tese de que o sonho é uma atividade psíquica organizada, diferente da atividade da vigília, e que tem suas próprias leis, opondo-se tanto às concepções populares como à opinião científica. De um lado, ele se demarca dos métodos clássicos e populares utilizados para interpretar os sonhos desde a Antigüidade, que recorriam à decifração em função de chaves simbólicas culturais, visando a prever o futuro. De outro, ele se demarca dos cientistas de sua época para quem o sonho não tem nenhum significado psicológico e que vêem nele unicamente uma produção desorganizada, desencadeada por estímulos físicos – opinião que corre ainda hoje entre certos cientistas. Freud traz um outro aspecto inovador em A interpretação dos sonhos, que é a demonstração de que o sonho é uma produção própria de quem sonha e que não provém de uma fonte estranha a ele, imposta de fora. Por muito tempo, acreditou-se que o sonho era uma mensagem auspiciosa ou nefasta dirigida à pessoa que sonha, vinda de forças superiores, deuses ou demônios. O que levou Freud a descobrir o

objetivo e o significado dos sonhos foi o método psicanalítico da associação livre, o que lhe permitiu fazer a seguinte afirmação, citada com freqüência: “A interpretação dos sonhos é via régia que conduz ao conhecimento do inconsciente da vida psíquica” (1900a, p. 517 [663]). Portanto, essa obra fundamental, que Freud considerou por toda vida como sua obra mais importante, segundo seu biógrafo E. Jones, vai além de uma explicação do sonho noturno. Ao propor em A interpretação dos sonhos uma concepção geral do funcionamento psíquico, seja normal ou patológico, Freud estabelece os fundamentos da psicanálise sob seus diferentes aspectos – clínico, técnico e teórico. Mais do que centenária atualmente, a concepção de vida onírica lançada por Freud em 1900 continua sendo a referência indispensável em seu campo próprio, o da psicanálise. Desde 1900 até o presente, os desenvolvimentos psicanalíticos pós-freudianos, assim como os progressos científicos em diversos domínios, em particular no das neurociências, ampliaram nosso conhecimento dos mecanismos envolvidos na formação dos sonhos, mas nenhuma nova teoria veio substituir a interpretação freudiana dos sonhos no seu campo próprio de aplicação, o campo psicanalítico. Além disso, se fosse o caso, os próprios psicanalistas não teriam sido os primeiros a se darem conta disso?

48 Jean-Michel Quinodoz

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA O livro do século A partir de seus próprios sonhos Freud parece ter-se interessado por seus sonhos desde a infância e menciona um caderno de anotações onde registra suas reflexões sobre esse tema em uma carta de 18 de julho de 1883 à sua noiva Martha. Mas seu interesse pelo estudo científico dos sonhos data da época em que passou a aplicar seu método de associação livre em pacientes histéricos, pois essa abordagem lhe permitiu descobrir as estreitas ligações existentes entre sonhos, fantasias e sintomas. Freud também estabeleceu aproximações entre seus próprios sonhos e os de seus pacientes e assim conseguiu dimensionar a importância do papel que a vida onírica desempenha não apenas na psicopatologia, mas também no funcionamento psíquico normal. No mês de julho de 1895, ele fez a análise completa de um de seus sonhos, “a injeção de Irma”, primeiro sonho que examinou detalhadamente em A interpretação dos sonhos. Entusiasmado com as novas perspectivas abertas pelo estudo dos sonhos e pela recente descoberta dos neurônios, Freud tentou fazer uma síntese de tudo isso, e em 1895 lançou-se à redação do manuscrito de “Projeto para uma psicologia científica”. Pressentindo que esse tipo de conduta levaria a um impasse, abandonou a idéia de fundar uma teoria geral do psiquismo com base em dados quantitativos mensuráveis e renunciou a publicar esse manuscrito. Virando as costas deliberadamente à neurofisiologia, optou por uma perspectiva que circunscrevia os fenômenos psíquicos ao campo da experiência subjetiva, que se tornou o da psicanálise. Por isso, situa-se o nascimento da psicanálise entre os anos de 1896 e 1899, período que coincide com a auto-análise de Freud e a gestação de A interpretação dos sonhos. A morte do pai de Freud e o início da auto-análise Ainda que as idéias de Freud sobre os sonhos já estivessem bem presentes em sua mente em 1895, a elaboração da obra propriamente dita levou quase quatro anos. Foi após a morte de seu pai, Jakob Freud, ocorrida em 1896, que ele iniciou pesquisas sistemáticas nesse domínio, analisando em particular seus próprios sonhos, trabalho de elaboração que serviu de fermento para sua auto-análise. O tema da morte de seu pai e as inúmeras lembranças relacionadas a ele apareceram de maneira recorrente em seus sonhos durante os meses que se seguiram. Foi um período difícil, e pode-se supor que Freud escreveu essa obra não apenas com um objetivo científico, mas igualmente para tentar superar a crise interior em que esse luto o submergiu. Mas foi um período fecundo, pois, graças à sua auto-análise e interpretando seus sonhos, Freud descobriu a técnica de interpretação específica da psicanálise. Sua relação com Fliess teve igualmente um papel importante nesses anos. Por um lado, as cartas que Freud endereçava regularmente ao seu amigo constituem a posteriori um testemunho valioso das etapas que ele percorreu durante sua auto-análise, por exemplo, quando anuncia ter encontrado confirmação de que o motivo do sonho é a realização de um desejo: “Antes de ontem, escreveu ao seu amigo, um sonho me ofereceu a confirmação mais curiosa de que o motivo do sonho é uma realização de desejo” (carta de Freud a Fliess de 23 de setembro de 1895). Mas, além de ter sido um testemunho privilegiado, Fliess foi também um interlocutor no qual Freud podia projetar suas fantasias e seus afetos transferenciais. Contudo, essa relação de transferência e contratransferência inconsciente que se dava à revelia de ambos – embora Freud a tenha intuído – conduziria inevitavelmente a um impasse, por não ter se efetuado em condições que permitissem analisá-la e elaborá-la, isto é, com a ajuda de outro psicanalista. Essa foi, sem dúvida, uma das causas da ruptura entre Freud e Fliess que ocorreria pouco depois, quando ele terminou o período de auto-análise. A interpretação dos sonhos (1900a) Freud concluiu a redação da obra em setembro de 1899. Viveu momentos de inibição e momentos de exaltação, como aquele em que redigiu em duas semanas, em agosto de 1899, o famoso capítulo VII, dedicado à psicologia do sonho. A obra foi lançada em 4 de novembro de 1899, mas foi pós-datada de 1900 pelo editor. Freud esperava muito dessa publicação, principalmente o reconhecimento do valor de sua obra, mas os 600 exemplares da tiragem inicial levaram oito anos para serem vendidos. Pouco a pouco, o sucesso despontou, e o estudo dos sonhos foi uma preocupação constante por toda sua vida. Assim, ele fez várias modificações na obra à medida que foram sendo lançadas as oito edições em língua alemã que apareceram enquanto estava vivo, a última em 1930. Continua

Ler Freud 49

Continuação A obra-prima que constitui A interpretação dos sonhos contém 700 páginas na sua edição completa. Nelas Freud analisa quase 200 sonhos, dos quais 47 são seus, e os outros provêm de seu círculo e de colegas. Mas, embora o número de sonhos e a diversidade de hipóteses desenvolvidas nessa obra volumosa façam dela ainda hoje uma obra indispensável, essas qualidades a tornam igualmente uma obra de difícil acesso para o leitor não-esclarecido. Não poderíamos descrever melhor do que D. Anzieu a impressão que pode dar ao neófito a leitura de A interpretação dos sonhos. Assim, passo a palavra a ele: “Die Traumdeutung é um livro inspirado”, escreve ele, “cheio de ardor, intrépido, mas que se tornou difícil pela originalidade das idéias que reúne, pela complexidade de sua arquitetura, pelo rigor e a multiplicidade de suas articulações teóricas, pela novidade dos conceitos, pela abundância de exemplos, pela concisão de seu estudo ou, inversamente, pela dispersão destes em diferentes capítulos, pela mistura de auto-observações de Freud e de observações da vida onírica de outro, pela incerteza sobre o gênero literário adotado pelo autor: tratado científico, diário íntimo, confissão, chave dos sonhos, viagem fantástica, busca iniciática, ensaio sobre a condição humana e, mais ainda, vasto afresco alegórico do inconsciente...” (1988a, p. 10) Sobre o sonho (1901a) A fim de tornar mais acessíveis ao público as idéias inovadoras contidas em A interpretação dos sonhos, o editor pediu a Freud que fizesse um resumo. Ele hesitou um pouco, mas acabou aceitando escrever Sobre o sonho, uma obra curta de vulgarização redigida em um estilo acessível, em um tom quase coloquial, e associando o leitor à busca do sentido dos sonhos à maneira de uma sondagem de romance policial. Freud acrescenta ali vários sonhos novos, dos quais o mais conhecido é o da “mesa de albergue”, assim como um sonho que revela uma agressividade inconsciente em relação a Fliess, anunciando a ruptura próxima com seu amigo. Como assinala com muita propriedade Anzieu, a escrita psicanalítica se coloca de imediato com os dois primeiros livros de Freud, pois essas obras tão diferentes mostram que a escrita psicanalítica oscilará sempre entre dois pólos: um pólo inspirado, como é A interpretação dos sonhos – obra “aberta” no sentido de Umberto Eco, escrita em um estilo “barroco” – e um pólo didático, como é Sobre o sonho – exposição destinada ao ensino, escrita em um estilo “clássico” (Anzieu, 1988a, p. 34)

DESCOBERTA DAS OBRAS Para o leitor neófito, aconselho a começar lendo Sobre o sonho (1901a), antes de A interpretação dos sonhos (1900a), ainda que isso signifique inverter a cronologia. Depois de ler Sobre o sonho, o leitor se orientará mais facilmente na obra imensa e complexa que constitui A interpretação dos sonhos. 8

SOBRE O SONHO (1901a) As páginas indicadas remetem ao texto publicado em S. Freud (1901a), Sur le rêve, prefácio de D. Anzieu, trad. C. Heim, Paris, Gallimard, 1988.

O sentido dos sonhos é dado pelas associações livres da pessoa que sonha Freud lembra que apenas recentemente o sonho passou a ser considerado como uma produção psíquica própria à pessoa que sonha e deixou de ser visto como uma mensagem auspiciosa ou nefasta “de forças superiores, deuses ou demônios”, como nos tempos mitológicos (p. 45). Ele diz, no entanto, que muitos cientistas entre seus contemporâneos ain-

da pensam que o sonho possui unicamente uma função biológica e que seu conteúdo não tem nenhum significado psicológico. É verdade que, quando se tenta compreender o conteúdo de um sonho tomado isoladamente, é difícil captar seu sentido, prossegue Freud. Ao contrário, isso é possível quando se aplica o novo método de investigação que ele aprimorou recentemente e a que deu o nome de “método de associação livre”. Por esse método, descobriu que os sonhos têm um

50 Jean-Michel Quinodoz sentido, do mesmo modo que descobrira que os sintomas histéricos, as fobias, as obsessões e os delírios têm um sentido e podem ser interpretados. Em Sobre o sonho, Freud optou por analisar em detalhe o sonho da “mesa de estalagem” que havia tido recentemente, em outubro de 1900. Começa por relatar seu sonho tal como se lembrava: uma mulher está sentada ao seu lado e pousa a mão familiarmente sobre o joelho de quem sonha; este afasta a mão de sua vizinha, que declara que ele tem belos olhos. Ao acordar, Freud fica surpreso, pois o sonho lhe parece obscuro e absurdo, visto que fazia muito tempo que não via essa pessoa. Ele procura então captar os pensamentos que lhe vêm à cabeça espontaneamente quando evoca cada detalhe do sonho, fiando-se em suas associações livres: “mesa de albergue... dever dinheiro... fazer isso por seus belos olhos... ter gratuitamente..., etc.”. A partir de inúmeros fragmentos dispersos, Freud nos fornece as ligações que estabeleceu entre imagens, pensamentos e lembranças que se encadeiam sucessivamente e ganham sentido para ele. Assim, passo a passo, o leitor é instado a compartilhar com quem sonhou a convicção de que esse sonho, à primeira vista tão incompreensível, acaba por adquirir um sentido que só as associações de quem sonhou podem nos revelar: “Seguindo as associações ligadas aos elementos isolados do sonho, arrancados de seu contexto, diz ele, cheguei a uma série de pensamentos e lembranças em que devo reconhecer expressões valiosas de minha vida psíquica” (p. 57). Mas Freud não vai até o fim em sua demonstração e diz que sempre que analisa um de seus sonhos surgem pensamentos íntimos difíceis de confessar, mesmo a ele próprio. Nenhum sonho escapa a esse fenômeno, acrescenta ele, e é por isso que, quando relata um sonho, seja seu ou de qualquer outra pessoa, ele se obriga a respeitar seu caráter confidencial. Conteúdo manifesto e conteúdo latente do sonho Freud introduz em seguida uma distinção entre o conteúdo manifesto do sonho, isto é, o so-

nho tal como é relatado e cujo sentido geralmente é obscuro, e o conteúdo latente do sonho, cujo significado só aparece com toda sua clareza depois que o sonho é decifrado à luz de associações do paciente. Conteúdo manifesto e conteúdo latente estabelecem conexões estreitas a partir do significado que liga um ao outro e que a análise consegue revelar. Freud se indaga então sobre a natureza do processo psíquico que transforma o conteúdo latente em conteúdo manifesto e o torna irreconhecível, e também sobre a operação inversa realizada pela análise do sonho que decifra o sentido manifesto para descobrir seu sentido latente. Ele chama de “trabalho do sonho” o conjunto de operações psíquicas que transformam o conteúdo latente em conteúdo manifesto com o objetivo de torná-lo irreconhecível, e de “trabalho de análise” a operação inversa, que visa a encontrar seu sentido oculto a partir do conteúdo manifesto: “A tarefa da interpretação dos sonhos é desfazer (‘auflösen’) o que o trabalho do sonho teceu” (p. 60). O sonho é a realização de um desejo inconsciente A segunda tese central de Freud está contida em uma afirmação que já tinha sido feita em A interpretação dos sonhos: “O sonho é a realização (dissimulada) de um desejo (reprimido, recalcado)” (1900a, p. 145 [196]). Desse ponto de vista, existem sonhos límpidos em que a realização do desejo aparece claramente como já consumada, o que ocorre em particular nas crianças, e mais raramente no adulto. Freud cita exemplos que hoje se tornaram clássicos, como o da menina que sonha com os morangos que lhe recusaram no dia anterior, ou do menino que ganhou um cesto de cerejas: “Na véspera, ele tinha ganhado de seu tio um cesto de cerejas frescas, mas só lhe permitiram saborear algumas. Ao acordar, ele diz todo contente: ‘Hermann comeu todas as cerejas’” (1901a, p. 66). Mas, na maioria das vezes, o conteúdo dos sonhos parece incoerente e à primeira vista não tem nenhum sentido, pois a realização do desenho é dissimulada: nesse caso, o trabalho do sonho transformou os pensamentos do sonho de tal modo que a realização do desejo não aparece no relato do

Ler Freud 51 sonho, e cabe ao trabalho de análise efetuar a operação inversa para recuperar o sentido dos pensamentos do sonho. Os mecanismos em jogo na formação do sonho Quais são os meios utilizados pelo trabalho do sonho para dissimular a realização do desejo a fim de que ele não apareça no conteúdo manifesto? Segundo Freud, o sonho utiliza cinco mecanismos principais para atingir seus objetivos, a saber: A condensação – A condensação consiste em reunir em um único elemento vários elementos – imagens, pensamentos, etc. – pertencentes a diferentes cadeias de associação. É efetuando a análise de um sonho que se descobre o fenômeno de “compressão” ou “condensação” que o trabalho do sonho realizou para reunir fragmentos disparatados em uma unidade: “Se comparamos, em um exemplo tomado ao acaso, o número de elementos de representação ou a importância de anotações a que conduz a análise, quando se anota um sonho ou os pensamentos dos quais encontramos alguma posta nos sonhos não podemos duvidar que o trabalho do sonho realizou uma compressão ou condensação significativa” (p. 77). Quando se analisa um sonho em detalhe, observa-se que o processo de condensação se produz para todos os elementos do sonho, de maneira que cada elemento tomado em particular decorre de uma série de elementos que podem pertencer a domínios diferentes, o que significa que cada elemento do sonho é sobredeterminado. É o mecanismo de compressão que torna difícil a leitura do relato manifesto do sonho. A condensação constitui um dos mecanismos fundamentais do trabalho do sonho, mas a encontramos igualmente na formação de sintomas, de lapsos ou de chistes. Nestes últimos, a condensação cria atalhos entre diferentes pensamentos, procedendo a aproximações inesperadas, jogando, por exemplo, com as semelhanças entre as palavras para criar “pensamentos intermediários, em geral bastante espirituosos” (p. 77).

O deslocamento – Graças ao mecanismo de deslocamento, o trabalho do sonho substitui os pensamentos mais significativos de um sonho por pensamentos acessórios, de modo que o conteúdo importante de um sonho é desfocado e dissimula a realização do desejo. Por exemplo, a impressão de que um sonho traz um elemento altamente significativo pode ser substituída por uma impressão oposta, como a indiferença. Os mecanismos de condensação e de deslocamento podem combinar-se para formar um compromisso que é ilustrado no sonho “da injeção de Irma” que Freud evoca aqui. Nesse sonho, que trata de uma injeção de propileno, ele estabeleceu uma aproximação significativa entre o amileno e a lembrança dos Propileus que viu em um museu. Esse exemplo esclarece a formação do compromisso criado pelo termo propileno, fruto de uma condensação e de um deslocamento. O procedimento de representação ou representabilidade (“Darstellbarkeit”) – Trata-se da operação pela qual o trabalho do sonho transforma os pensamentos do sonho em imagens, sobretudo visuais. Eis como ele descreve esses processos: “Imaginemos, por exemplo, que alguém nos pede para substituir as frases de um editorial político ou de uma defesa perante um tribunal por uma série de desenhos; com isso compreenderemos facilmente as modificações que o trabalho do sonho precisa fazer para captar a representabilidade do conteúdo do sonho” (p. 92). Freud cita diversos meios utilizados pelo trabalho do sonho para transformar os pensamentos na forma de expressão visual própria do sonho. A elaboração secundária – A elaboração secundária consiste em apresentar o conteúdo onírico sob a forma de um cenário coerente e inteligível. Trata-se de um mecanismo que acompanha a formação de um sonho em cada etapa, mas o efeito desse processo é mais visível no estado de vigília, quando a pessoa tenta lembrar o que sonhou ou relatar o sonho. Quando procuramos lembrar-nos de um sonho, tendemos a deformar seu conteúdo para lhe dar

52 Jean-Michel Quinodoz mais coerência e criar uma fachada racional. Mas a distorção que resulta da elaboração secundária não é anódina, pois acabamos descobrindo ali o cenário que tem a marca da realização de um desejo reprimido, verdadeira causa do sonho. A dramatização – Finalmente, Freud acrescenta em 1901 o mecanismo de dramatização, que consiste em transformar um pensamento em uma situação, procedimento análogo ao trabalho que realiza o diretor de teatro quando transpõe um texto escrito para a representação. Os restos da véspera A formação de um sonho responde igualmente a um princípio fundamental segundo o qual o cenário do sonho se articula sempre em torno de acontecimentos ocorridos na véspera, que Freud chama de “restos diurnos”: “Quando então se recorre à análise, pode-se demonstrar que todo sonho, sem exceção possível, está ligado a uma impressão que se teve dias antes – sem dúvida, seria mais correto dizer: do último dia antes do sonho (o dia do sonho)”. Esses restos diurnos têm uma relação mais ou menos próxima com o desejo inconsciente que se realiza no sonho. O papel da censura Para Freud, o principal motivo da deformação do sonho provém da censura. Ele afirma que se trata de uma instância particular, situada na fronteira entre consciente e inconsciente, que deixa passar unicamente o que lhe é agradável e retém o resto: o que é evitado pela censura encontra-se assim em estado de repressão e constitui o reprimido. Em certos estados, como o sono, a censura sobre um relaxamento, de modo que o reprimido pode surgir na consciência em forma de sonho. Mas, visto que a censura não é totalmente suprimida, mesmo no sonho, o reprimido deverá sofrer modificações para não se chocar com a censura, o que conduz à formação de compromisso. O processo de repressão, seguido de um relaxamento da censura e da formação de

compromisso, não é exclusivo do sonho, mas ocorre em várias situações psicopatológicas onde se encontra a ação da condensação e do deslocamento. Além disso, em razão da irrupção de desejos inconscientes não censurados que podem despertar a pessoa, um sonho consumado constitui também a realização do desejo de dormir. Por isso, Freud considera que outra função do sonho é ser o guardião do sono: “O sonho é o guardião do sono, e não um perturbador” (p. 125). A censura do sonho incide sobre os desejos sexuais infantis reprimidos Se nos aprofundamos na análise dos sonhos, prossegue Freud, descobrimos quase sempre que seu conteúdo latente revela a realização de desejos eróticos. Essa observação confirma o papel desempenhado pela censura que incide sobre conteúdos sexuais, mais precisamente sobre os desejos sexuais infantis reprimidos, provenientes da sexualidade infantil, que “fornecem as forças pulsionais mais numerosas e mais poderosas que concorrem para a formação dos sonhos” (p. 134). A despeito do papel desempenhado pela sexualidade, salienta Freud, dificilmente o conteúdo manifesto de um sonho permite que a realização de um desejo de caráter sexual apareça como tal; geralmente é dissimulado, e cabe ao trabalho de análise de desvendá-lo. Em Sobre o sonho, Freud não fala do complexo de Édipo, embora ele já tenha sido mencionado um ano antes em A interpretação dos sonhos a propósito de sonhos típicos envolvendo “a morte de pessoas queridas” (1900a, p. 229 [303]). O papel dos símbolos nos sonhos A criação dos símbolos desempenha um papel central na formação do sonho, pois o símbolo permite à pessoa que sonha contornar a censura despojando as representações sexuais de sua inteligibilidade. Desse ponto de vista, Freud distingue dois tipos de símbolos: de um lado, os símbolos universais que decorrem da “chave dos sonhos” utilizada desde a Antigüi-

Ler Freud 53 dade e, de outro, os símbolos individuais, que decorrem da simbólica própria de quem sonha, tal como mostrou Freud. No que se refere à simbólica universal, Freud enumera vários símbolos universais que se pode traduzir de maneira quase unívoca: “A maior parte dos símbolos do sonho serve para representar pessoas, partes do corpo e atividades marcadas por um interesse erótico; as partes genitais, em particular, podem ser representadas por um grande número de símbolos em geral bastante surpreendentes, e os objetos mais diversos são utilizados para designá-los simbolicamente” (p. 136). À primeira vista, pode-se imaginar que basta possuir um bom conhecimento da simbólica universal para interpretar um sonho, 8

sem recorrer às associações da pessoa. Mas isso não basta, como já dissera Freud em A interpretação dos sonhos, pois se o psicanalista quiser evitar as interpretações arbitrárias, é essencial que ele recorra a uma dupla abordagem e leve em conta ao mesmo tempo a simbólica universal e as associações livres da pessoa: “Isso nos conduzirá a combinar duas técnicas: tomaremos como base as associações de idéias da pessoa e suplementaremos o que faltar com o conhecimento dos símbolos por parte do interpretador. Uma crítica prudente do sentido de símbolos, um estudo atento deles a partir de sonhos particularmente nos permitirão descartar qualquer acusação de fantasia e de arbítrio da interpretação” (1900a, p. 303 [398]).

A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS (1900a) Por motivos didáticos, inverti a ordem cronológica dessas duas obras, apresentando em primeiro lugar Sobre o sonho (1901a), para que essa obra mais curta sirva de introdução à descoberta de A interpretação dos sonhos (1900a), da qual apresentarei em seguida apenas o plano, por falta de espaço. As páginas indicadas remetem ao texto publicado em S. Freud, L’interprétation des rêves, trad. I. Meyerson, rev. D. Berger, Paris, PUF, 1967 [as páginas indicadas em itálico e entre colchetes remetem às OCF.P, IV, 756 p.].

Uma obra em três partes O Capítulo I, que constitui a primeira parte, é dedicado a uma revisão dos principais trabalhos científicos sobre o sonho publicados até então. Trata-se de uma compilação exaustiva, que Freud realizou a contragosto, mas que serve para demonstrar que seus predecessores não chegaram a descobrir o mistério do sentido dos sonhos. A segunda parte é formada pelos Capítulos II a VI. No Capítulo II, Freud começa descrevendo o método de interpretação dos sonhos que aprimorou ao longo de sua autoanálise, e ilustra suas teses analisando em detalhe o sonho “da injeção de Irma”, que hoje se tornou célebre. Ele aplica à interpretação desse sonho o procedimento que utiliza para analisar os vários outros sonhos exemplificados nessa obra: ele anota cuidadosamente o material do sonho tal como foi relatado ao despertar; em seguida, decompõe-no em vários elementos; destaca as associações que surgem livremente a propósito de cada fragmento onírico e as anota; a partir daí, estabelece ligações entre os diferentes encadeamentos que se imporão como as possíveis interpretações

do sonho. No Capítulo III, Freud demonstra sua tese central, segundo a qual um sonho expressa a realização de um desejo insatisfeito. Mas, muitas vezes, a realização de um desejo não aparece como tal no conteúdo onírico, pois está sujeita a deformações. Somente o trabalho de análise permite identificar a realização de um desejo. Em seguida, no Capítulo V, Freud examina as fontes do sonho, para saber se seu conteúdo resolveria enigmas até então não-resolvidos. No Capítulo VI, ele mostra como o trabalho do sonho se efetua por meio de mecanismos de condensação, de deslocamento, de inversão e de elaboração secundária e também da representação por símbolos. A terceira parte constitui um ensaio por si só, o famoso Capítulo VII, no qual Freud estrutura uma concepção geral do aparelho psíquico e de seu funcionamento. Trata-se de um projeto ambicioso que visa explicar o funcionamento mental, tanto normal como patológico, a partir de suas observações clínicas sobre os sonhos e as neuroses. Aqui, é ainda o Freud cientista que ressurge, mas um novo Freud, que abandona resolutamente o terreno neurofisiológico do “Projeto” para propor um modelo espacial

54 Jean-Michel Quinodoz do aparelho psíquico. Pela primeira vez, ele define o inconsciente, o pré-consciente e o consciente como lugares (topos, em grego) específicos em que se localizam os fenômenos psíquicos, que se designou como a “primeira tópica” ou primeira divisão topográfica do aparelho psíquico. É entre o inconsciente e o pré-consciente que ele situa a ação da censura, precursor do conceito de superego, que controla a progressão entre inconsciente, pré-consciente e consciente. Entre as hipóteses fundamentais que Freud introduz nesse capítulo central que já anuncia a Metapsicologia, ele desenvolve também suas idéias sobre a oposição entre processo primário e processo secundário e ainda sobre a noção de repressão, anunciada nos Estudos sobre a histeria. Devido à regressão, os desejos reprimidos depositados no inconsciente juntam-se às cenas infantis reprimidas, e por isso o conteúdo destes últimos pode reaparecer nos sonhos, quando a censura está enfraquecida, ou ainda sob a forma de compromisso na formação de sintomas neuróticos.

A evolução das concepções freudianas do sonho após 1900 Freud permanecerá fiel à concepção da teoria dos sonhos tal como a formulou em 1900, modificando-a muito pouco posteriormente, ao contrário de outros aspectos de suas teorias. Entre os principais acréscimos que Freud fará à A interpretação dos sonhos, destacamos que, depois de ter introduzido a segunda tópica em 1923, ele substituiu a noção de “censor” do sonho pela de superego, concebendo o papel do sonho, a partir de então, como o de reconciliar as exigências do id e do superego (Freud, 1933a, [1932]). Mas, embora tenha introduzido sua segunda teoria das pulsões a partir de 1920, Freud não desenvolverá a idéia de que o trabalho do sonho tem como finalidade não apenas reconciliar o desejo proibido com o superego ou o ego, mas também encontrar um compromisso ou uma solução para o conflito fundamental entre as pulsões de vida e de morte, como se concebe atualmente (H. Segal, 1991; J.-M. Quinidoz, 2001).

PÓS-FREUDIANOS Um estudo psicanalítico da auto-análise de Freud Em sua obra intitulada L’auto-analyse de Freud et la découverte de la psychanalyse, D. Anzieu (1988b) adotou um procedimento original, utilizando a própria abordagem psicanalítica para estudar as condições do trabalho criador que levou Freud à descoberta da psicanálise entre 1895 e 1902. Para isso, apoiou-se na abundante documentação proporcionada por Freud, em que ele oferece, explicitamente ou à revelia, uma rica produção inconsciente suscetível de ser analisada: sonhos, lembranças de infância, atos falhos, esquecimentos ou lapsos. Graças a uma investigação minuciosa, Anzieu chegou a datar a maioria dos sonhos que Freud relata em A interpretação dos sonhos e a estudá-los na ordem cronológica, à luz de vários documentos auto-analíticos. Esse trabalho permite a Anzieu revelar o procedimento interior seguido por Freud durante esses anos decisivos nos quais ele descobriu sucessivamente o sentido dos sonhos, o complexo de Édipo, a fantasia da cena primária e a angústia de castração (D. Anzieu, 1959, 1988b) A interpretação dos sonhos na clínica hoje A interpretação dos sonhos suscitou e ainda suscita uma quantidade tão grande de publicações psicanalíticas e não-psicanalíticas a partir de Freud que é impossível relacioná-las aqui. Mas, apesar de sua riqueza e diversidade, as contribuições pós-freudianas sobre os sonhos jamais relegaram ao segundo plano a obra fundamental de Freud, como salienta A. Green. “De todas as descobertas de Freud, a do sonho é provavelmente aquela em que as aquisições dos psicanalistas que deram continuidade ao trabalho a partir de A interpretação dos sonhos são menos importantes” (1972, p. 179). É verdade que, quando se ensina a técnica de interpretação aos futuros psicanalistas, essa é a primeira obra a que se recorre, e não tanto por razões históricas, mas porque ela continua sendo uma obra singular, a única até hoje que apresenta uma visão de Continua

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Continuação conjunto sobre a questão. Mesmo assim, eu mencionaria, entre as obras gerais, a de E. Sharpe, Dream Analysis, que constitui uma introdução à interpretação dos sonhos na cura psicanalítica e que, embora tenha sido publicada em 1937, não perdeu em nada sua atualidade. Se as obras de alcance geral são raras, a maioria das contribuições pós-freudianas sobre a interpretação dos sonhos trata de aspectos parciais da teoria e da técnica, e as encontramos sob a forma de artigos de revista. Alguns artigos mais marcantes foram reunidos em obras coletivas, como Essential Papers on Dreams (R. Lansky, 1992), The Dream Discourse Today (S. Flanders, 1993), Dreaming and Thinking (R. J. Perelberg, 2001). Essas seleções de textos refletem os pontos de vista de psicanalistas ligados a diversas correntes psicanalíticas contemporâneas. Temos de reconhecer, no entanto, que se lançamos um olhar retrospectivo sobre o conjunto dos trabalhos pós-freudianos sobre os sonhos, vemos um número relativamente pequeno de contribuições dedicadas à análise dos sonhos nas últimas três ou quatro décadas. Segundo Flanders, essa evolução se explicaria por um progressivo afastamento da técnica: durante os anos de 1920 e 1930, os primeiros psicanalistas tendiam a privilegiar a análise dos sonhos, enquanto a partir dos anos de 1930 eles passaram a dar uma importância crescente à análise da transferência. Flanders resume sutilmente essa evolução nos seguintes termos: “A transferência tornou-se a via régia para a compreensão da vida emocional e psíquica do paciente” (1993, p. 13). A despeito de uma diminuição do número de publicações dedicadas aos sonhos, é uma alegria constatar que a análise dos sonhos preserva todo seu valor na prática psicanalítica, como testemunha o fato de que a maior parte dos exemplos clínicos publicados atualmente é ilustrada pela análise de um ou vários sonhos relatados pelo paciente.

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS Censura – compromisso – condensação – conteúdo manifesto, conteúdo latente – deslocamento – dramatização – elaboração secundária – representabilidade (ou processo de representação) – resto diurno – sobredeterminação – simbólica do sonho – trabalho de análise – trabalho do sonho

SOBRE A PSICOPATOLOGIA DA VIDA COTIDIANA S. FREUD (1901b)

Os atos falhos: manifestação do inconsciente no dia-a-dia do indivíduo normal Ao redigir essa obra, Freud pretende trazer ao conhecimento do grande público a existência do inconsciente, tal como se pode entrevê-lo nos “deslizes” da repressão que são os “atos falhos”. O que é um ato falho? Tratase de uma manifestação não-intencional que sobrevém na vida de qualquer indivíduo normal, e não apenas em um neurótico. Freud salienta que, para pertencer a essa categoria, esse tipo de manifestação não deveria ultrapassar “aquilo que chamamos de limites do estado normal”, “apresentar o caráter de um distúrbio momentâneo” e “ter-se realizado anteriormente de maneira correta” (p. 275). Na língua alemã, o conceito de ato falho tem um sentido mais amplo do que na língua francesa; ele inclui um vasto leque de fenômenos de aparência anódina, como os gestos desencontrados, os lapsos, os esquecimentos, as negações ou os enganos, e não se limita a atos motores como a perda ou a quebra de um objeto significativo, como pretende o uso em língua francesa. Além disso, em língua alemã, todos esses deslizes do inconsciente têm o prefixo “Ver-”, o

que tem a vantagem de reuni-los em um mesmo conjunto: “das Vergessen (esquecimento), das Versprechen (lapsus linguae), das Verlesen (erro de leitura), das Verschreiben (lapsus calami), das Vergreifen (engano da ação), das Verlieren (fato de perder um objeto)” (Laplanche e Pontalis, 1967, p. 6). Em Sobre a psicopatologia da vida cotidiana, Freud descreve as diferentes formas de atos falhos e ilustra-os com vários exemplos. A despeito de sua diversidade, todos esses fenômenos obedecem a um mecanismo psíquico comum, semelhante àquele que determina o sonho: eles constituem a expressão manifesta de um desejo que até então estava reprimido no inconsciente, desejo que pode ser descoberto graças às associações livres. O sucesso da obra ultrapassou de longe as expectativas de Freud, e as idéias que ele expõe ali são, sem dúvida, as concepções psicanalíticas mais conhecidas ainda hoje. Quem nunca riu de um lapso ou de um ato falho, mostrando que percebe na mesma hora que um tal “acidente” trai uma intenção secreta de seu autor, expressão direta de seu inconsciente?

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA A obra mais popular e mais lida de Freud Em 1899, quando Freud concluiu a redação de A interpretação dos sonhos, começou a acumular documentos que resultaram em três obras que expandem suas descobertas sobre o sonho a domínios próximos: Sobre a psicopatologia da vida cotidiana (1901b), Os chistes e sua relação com o inconsciente (1905c) e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905d). A auto-análise lhe permitira superar suas inibições pessoais e lhe proporcionara um maior equilíbrio emocional. Freud passou então a analisar sistematicamente seus próprios atos falhos, isto é, seus esquecimentos ou seus lapsos, da mesma maneira que havia analisado seus Continua

58 Jean-Michel Quinodoz

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA •Continuação sonhos. Ele menciona pela primeira vez a questão dos “deslizes” do inconsciente em uma carta a W. Fliess de 26 de agosto de 1898, a propósito do esquecimento do nome do poeta Julius Mosen; em uma carta posterior, datada de 22 de setembro de 1898, ele cita o exemplo do esquecimento do nome de Signorelli – que é substituído em sua lembrança pelos nomes de Botticelli e de Boltraffio –, esquecimento que ocupa um lugar importante no primeiro capítulo de Sobre a psicopatologia da vida cotidiana. A obra é abundante em casos pessoais extraídos da vivência familiar e profissional de Freud, mas sua redação parece também estar intimamente ligada à deterioração de sua relação com Fliess, com quem ele rompe em 1902, ao mesmo tempo em que testemunha o papel que este desempenhou em sua vida até então: “Há nesse livro um monte de coisas que lhe dizem respeito, coisas manifestas para as quais você me forneceu materiais e coisas ocultas, mas cuja motivação matou” (Freud a Fliess, carta de 7 de agosto de 1901, p. 297). A obra apareceu primeiro em 1901, em forma de artigos, que posteriormente, em 1904, foram reunidos em um livro. As idéias que ele desenvolve ali sofreram duras críticas dos psicólogos, o que não impediu que conquistasse o público de imediato, a tal ponto que Sobre a psicopatologia da vida cotidiana passou a ter um poder de divulgação da psicanálise bem superior ao de A interpretação dos sonhos. A obra teve dez edições enquanto Freud viveu, e foi sendo enriquecida progressivamente por acréscimos do próprio autor e por contribuições provenientes de seus alunos. Enquanto a edição de 1904 continha 66 exemplos de atos falhos, dos quais 49 foram observados por Freud, a edição atual, datada de 1924, reúne 300, dos quais a metade foi fornecida por outros observadores além de Freud, o que quadruplica o tamanho da obra inicial. Em 1905, durante sua viagem para os Estados Unidos, Freud pôde confirmar a popularidade de seu livro, quando teve a feliz surpresa de descobrir um maître do navio mergulhado na leitura de Sobre a psicopatologia da vida cotidiana.

DESCOBERTA DA OBRA As páginas indicadas remetem ao texto publicado em S. Freud (1901b), Psychopathologie de la vie quotidienne, trad. S. Jankélévitch, Paris, Payot, 1922, 1967, 298 p.

O primeiro exemplo: o esquecimento do nome de Signorelli O capítulo inicial é dedicado ao estudo minucioso do esquecimento de um nome próprio, o do pintor Signorelli, autor do afresco do Juízo final da catedral de Orvieto, esquecimento que já tinha sido objeto de uma pequena publicação anterior (1898b). Freud relata que, em uma conversa, ele não se lembrava mais do nome de Signorelli, mas que os nomes de outros dois pintores se impuseram em sua mente, Botticelli e Boltraffio, que ele reconheceu como incorretos. Refazendo o curso de seus pensamentos e de suas associações a propósito desses dois últimos nomes, segundo o procedimento adotado na análise de um sonho, conseguiu descobrir o motivo da repressão de seu esquecimento. De dedução em dedução, o nome de Botticelli acabou por lhe recordar a Bósnia, e o

nome de Boltraffio o fez rememorar a cidade de Trafoï, duas localizações geográficas intimamente associadas a lembranças dolorosas acerca da sexualidade e da morte. Ele percebeu então que sexualidade e morte eram os temas principais de um afresco do Juízo final de Signorelli! O esquecimento do nome de Signorelli era, portanto, o resultado de um compromisso que permitira que a lembrança desagradável ficasse parcialmente esquecida, mas não verdadeiramente, pois ela reapareceu dissimulada sob os nomes de Botticelli e Boltraffio: “Os nomes de substituição, conclui Freud, já não me pareciam tão injustificados quanto antes da explicação: eles me advertem (a partir de uma espécie de compromisso) tanto para o que eu tinha esquecido quanto para o que eu gostaria de lembrar, e me mostram que minha intenção de esquecer qualquer coisa nem se cumpriu totalmente, nem fracassou totalmente” (p. 11).

Ler Freud 59 Um estudo sistemático de diversas formas de atos falhos Após esse capítulo dedicado ao esquecimento de nomes próprios, Freud passa em revista outras formas de esquecimento de palavras pertencentes a línguas estrangeiras, o esquecimento de nomes e de seqüências de palavras e o esquecimento de impressões e de projetos. Em seguida, retoma a questão das lembranças de infância e das “lembranças encobridoras”, cuja formação é semelhante à dos atos falhos: quando o conteúdo de uma lembrança de infância encontra resistências, ela é reprimida e não aparece como tal, mas sob a forma substitutiva de uma “lembrança encobridora”, desprovida de afetos perturbadores. O Capítulo 5, que se segue, é dedicado a um longo estudo dos lapsos, fenômeno bem conhecido no qual uma palavra é trocada por outra. Vamos citar um exemplo, entre muitos outros, extraído de um artigo que tinha sido publicado no jornal vienense Neue Freie Presse. O jornal relatou um lapso do presidente da Câmara dos Deputados da Áustria que tinha “aberto” solenemente a sessão declarando-a “fechada”: “A gargalhada geral provocada por essa declaração fez com que ele percebesse de imediato seu erro e o corrigisse. A explicação mais plausível nesse caso, acrescenta Freud, seria a seguinte: em seu foro íntimo, o presidente desejava poder enfim fechar essa sessão da qual não esperava nada de bom” (p. 71-72). Nos capítulos posteriores, Freud examina sucessivamente os erros de leitura e de escrita, os enganos e os gestos desastrados, os atos sintomáticos, assim como as associações de vários atos falhos. O capítulo final é dedicado ao determinismo, à crença no acaso e à superstição. Freud desenvolve a idéia de que os atos falhos não são fruto do acaso ou da desatenção, como o sujeito é tentado a pensar, mas que são produzidos pela intervenção de uma idéia reprimida que vem perturbar o discurso ou a conduta que a pessoa em questão costuma levar a bom termo. Esse ponto de vista leva Freud a concluir que existem dois tipos de acaso, um “acaso externo”, ligado a causas que não pertencem ao domínio psicológico, e o “acaso interno”, no qual o determinismo psí-

quico desempenha um papel central, na medida em que o ato falho é o produto de uma intenção inconsciente que substitui uma intenção consciente. Como se forma um ato falho? A despeito de sua variedade inesgotável, os atos falhos se baseiam em um mecanismo comum: todos são a expressão de um desejo reprimido no inconsciente ao qual se pode ter acesso graças ao trabalho de análise. Segundo Freud, um ato falho resulta de um compromisso entre uma intenção consciente do sujeito – no exemplo acima , “abrir uma sessão” do Parlamento era a intenção consciente do presidente da Câmara dos Deputados – e um desejo inconsciente ligado a ele – “fechar a sessão”, que se impôs à sua revelia em seu discurso manifesto. Desse ponto de vista, todo ato falho apresenta uma dupla face, como salientam Laplanche e Pontalis: “(...) nota-se que o chamado ato falho é um ato exitoso em um outro plano: o desejo inconsciente se realiza ali de uma maneira quase sempre muito evidente” (1967, p. 6). Os mecanismos envolvidos na formação de um ato falho são, portanto, os mesmos que determinam a formação dos sonhos e dos sintomas, mecanismos que foram descritos por Freud em A interpretação dos sonhos: condensação, deslocamento, substituição ou troca pelo seu contrário. Além disso, do mesmo modo que na análise de um sonho ou de um sintoma, descobre-se o sentido oculto de um ato falho recorrendo à livre associação. Quanto à relação entre a palavra intencional e a palavra emitida por substituição, ela se estabelece graças a diversos procedimentos, por exemplo, por contigüidade – “fechar” em lugar de “abrir” – ou por consonância – o nome Signorelli tem uma semelhança fonética com os nomes de Botticelli e Bósnia, de Boltraffio e Traffio. Essa relação pode ser estabelecida igualmente a partir de associações referentes à história individual do sujeito. De que fontes provêm os atos falhos? Segundo Freud, nosso espírito é permanentemente percorrido por pensamentos e associa-

60 Jean-Michel Quinodoz ções dos quais em geral não temos conhecimento, e que são formados por complexos perturbadores que se destinam a ser reprimidos no inconsciente, mas estes podem irromper de súbito sob a forma de atos falhos. Resistências interiores se opõem a seu esclarecimento, e se as idéias reprimidas são às vezes fáceis de interpretar, o mais comum é que elas só se tornem decifráveis ao final de uma análise detalhada. Acrescentemos que se um ato falho costuma nos trair, Freud dá vários exemplos em que ele pode se mostrar útil: “Esse exemplo nos coloca em presença de um desses casos que, de resto, não são muito freqüentes, nos quais o esquecimento se coloca a serviço de nossa prudência, quando estamos a ponto de sucumbir a um desejo impulsivo. O ato falho assume então valor de uma função útil. Uma vez desiludidos, vivemos esse movimento interno que, durante o tempo em que estivemos sob

o domínio do desejo, não podia manifestar-se a não ser por um lapso, um esquecimento, uma impotência psíquica” (p. 27). Freud conclui mostrando que existe uma continuidade entre os fenômenos que se observam na vida psíquica normal e na psicopatologia: “Ao colocá-los [os atos falhos] na mesma categoria que as manifestações das neuropsicoses, que os sintomas neuróticos, damos um sentido e uma base a duas afirmações que ouvimos com muita freqüência, ou seja, que entre o estado nervoso normal e o funcionamento nervoso anormal não existe um limite claro e rígido, e que todos somos mais ou menos nervosos [neuróticos]” (p. 320). Creio que as idéias e, sobretudo, os numerosos exemplos apresentados em Sobre a psicopatologia da vida cotidiana não poderiam ser resumidos mais que isto. Assim, deixo ao leitor o prazer de descobri-los.

PÓS-FREUDIANOS Os atos falhos e as relações de transferência Os esquecimentos, lapsos e outras formas de atos falhos são unicamente manifestações da vida ordinária do indivíduo normal ou eles têm um lugar no tratamento psicanalítico das neuroses? Embora Freud tenha concluído sua obra fazendo uma aproximação entre os atos falhos e os distúrbios de origem neurótica, ele não fala explicitamente sobre a maneira como os interpreta na situação psicanalítica. Porém, ele aborda indiretamente a questão aos mostrar as semelhanças que existem entre o mecanismo de formação dos atos falhos e o mecanismo de formação dos sonhos. Assim, ao mostrar que os atos falhos são a expressão de um desejo inconsciente reprimido e que o trabalho de análise permitia desvendar o significado latente, Freud abria caminho para a interpretação dos atos falhos na relação de transferência, do mesmo modo que a interpretação dos sonhos e dos sintomas. Atualmente, os psicanalistas clínicos atribuem uma grande importância à interpretação dos atos falhos que surgem na relação de transferência e de contratransferência, seja na forma de “deslizes” no comportamento do paciente, seja de esquecimentos, lapsos ou erros de sua parte. Às vezes, esses atos falhos revelam de maneira ostensiva o desejo inconsciente do paciente – e às vezes também o desejo do psicanalista, ao revelar aspectos de sua contratransferência. Denomina-se correntemente acting in as ações falhas, no sentido estrito do termo, que ocorrem durante a sessão – como no caso em que o paciente chega atrasado ou dorme no divã –, e acting out os atos falhos que ocorrem fora da sessão, que devem ser compreendidos como deslocamentos em conexão com a transferência. As angústias de separação e de perda de objeto constituem uma das fontes mais freqüentes de atos falhos no quadro da relação entre analisado e analista (J.-M. Quinodoz, 1991). Por exemplo, um paciente falta a uma sessão depois de ficar perturbado involuntariamente diante de uma reação afetiva ligada ao analista: uma vez explicitado, o sentido desse ato falho pode revelar diversos sentimentos reprimidos, como uma hostilidade do paciente em relação ao psicanalista devido a uma decepção, que pode se manifestar sob a forma de um atraso na sessão. Somente as associações feitas pelo paciente estão aptas a indicar os verdadeiros motivos de um ato falho, se quisermos evitar interpretações arbitrárias e inapropriadas. Quanto aos lapsos que ocorrem durante a análise, que J. Lacan apontou reiteradamente, eles desvendam particularmente as relações entre estrutura da linguagem e estrutura do inconsciente, e constituem uma das vias que permitem ter acesso ao conhecimento do estado momentâneo da transferência inconsciente. Continua

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Continuação Devemos reservar a psicanálise unicamente àqueles que têm acesso ao sentido simbólico? A tomada de consciência do sentido simbólico de um ato falho ou de um lapso não está ao alcance de todos: de fato, um ato falho ou um lapso tem um sentido sobretudo para o círculo da pessoa, mas não necessariamente para ela mesma, o que corresponde à própria definição do inconsciente: é inconsciente o que escapa à consciência do sujeito. Em geral, somente após um longo trabalho de análise é que uma pessoa consegue ir descobrindo pouco a pouco o significado de um ato falho ou de um lapso que lhe escapou, e de associá-lo às emoções ligadas à relação com o psicanalista. A possibilidade de tomar consciência do significado de um ato falho ou de qualquer produção do inconsciente tem a ver, em parte, com a força que as resistências opõem à tomada de consciência, mas em parte também com a capacidade de um indivíduo de ter acesso ao sentido simbólico de seu discurso e de seus atos sintomáticos. De fato, essa capacidade de ter acesso ao sentido simbólico varia consideravelmente de um indivíduo a outro, o que levanta a questão da analisabilidade de uma pessoa, isto é, de avaliar em que medida uma pessoa será acessível ao trabalho de interpretação e, mais ainda, à interpretação da relação transferencial. Desse ponto de vista, as posições dos psicanalistas variam: para alguns deles, em particular na França, a cura psicanalista seria reservada essencialmente às pessoas que possuem de antemão o sentido simbólico de seu discurso, ou seja, às pessoas que apresentam uma organização de tipo neurótico (Gibeault, 2000). Ao contrário, para outros psicanalistas, como aqueles pertencentes à corrente kleiniana, existem dois níveis de simbolização; um nível primitivo, dominado pelo pensamento concreto – nível em que o psiquismo funciona em “equação simbólica” –, e um nível evoluído, dominado pela capacidade de representação simbólica – nível que corresponde à organização neurótica. Para estes últimos, há um vaivém incessante entre o nível primitivo e o nível evoluído de simbolização, de modo que é possível abrir o leque de possibilidades da cura psicanalítica não apenas aos pacientes neuróticos, mas igualmente aos pacientes borderline e psicóticos, sem contar a parte de funcionamento primitivo que se encontra em qualquer indivíduo, neurótico ou normal (M. Jackson e P. Williams, 1994).

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS Atos falhos – condensação – deslocamento – lapso – esquecimento de nomes – substituição

OS CHISTES E SUA RELAÇÃO COM O INCONSCIENTE S. FREUD (1905c)

O que desencadeia o riso em um chiste? Freud era um colecionador de chistes – em alemão “Witz” –, assim como de histórias judaicas, e tinha um grande senso de humor. Por isso, não é de se surpreender que ele tenha procurado descobrir os lugares secretos que desencadeiam o riso. Nessa obra, ele passa em revista de maneira sistemática a grande variedade de formas do cômico englobadas na noção geral de chiste e lança a hipótese de que o chiste revela o domínio inconsciente que governa subrepticiamente a palavra e a linguagem. Nele, os mecanismos que produzem o efeito cômico apresentam inúmeras semelhanças com o trabalho psíquico que se realiza nos sonhos: observa-se a condensação, em outros termos, o dizer pouco para exprimir muito; encontra-se igualmente o procedimento de deslocamento, que permite contornar as proibições que a cen-

sura exerce sobre os conteúdos agressivos ou sexuais reprimidos, ao mesmo tempo em que possibilita seu retorno sob uma outra forma; finalmente, reconhecemos nele o procedimento de representação, que modifica a forma das palavras, criando duplos sentidos ou jogos de palavras, ou transforma o pensamento criando nonsense ou substituindo um pensamento por seu contrário. Mas, diferentemente do sonho, que Freud considera como um produto psíquico associal, o chiste constitui a mais social das atividades psíquicas: é um jogo elaborado que busca extrair um ganho de prazer, de modo que não se encontra nele o mecanismo da regressão, como no sonho. É certo que no sonho persiste uma busca de prazer, mas ele o encontra em uma regressão à satisfação alucinatória, a fim de evitar o desprazer.

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA Semelhanças entre sonhos, atos falhos e chistes Freud, um homem muito bem-humorado Fliess foi provavelmente o instigador dessa obra, pois quando leu as provas de A interpretação dos sonhos que Freud lhe enviara, constatou que os jogos de palavras retornavam com muita freqüência nos sonhos. Freud lhe respondeu: “Todos os que sonham são igualmente galhofeiros insuportáveis, e isso por necessidade, pois se encontram em situação embaraçosa e a via direta está fechada para eles. [...] O caráter de pilhéria de todos os processos inconscientes está intimamente ligado à teoria do chiste e do cômico” (Freud a Fliess, carta de 11 de setembro de 1899, p. 263). Em Estudos sobre a histeria, Freud revelara pela primeira vez o papel desempenhado pela simbolização e pela polissemia em um sonho de Frau Cecile M. (1895d, p. 145, n. 1), e em A interpretação dos sonhos dá vários exemplos disso. A publicação em 1898 da obra Komik and Humor, de Theodor Lipps, também ajudou Freud a tomar a decisão de escrever. A redação dessa obra densa e complexa sob vários aspectos levou muito tempo, ainda mais porque ele redigiu simultaneamente Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e Os chistes, cada obra disposta em uma mesa diferente. Ambas foram lançadas ao mesmo tempo, em 1905. Continua

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BIOGRAFIAS E HISTÓRIA • Continuação Mas o interesse de Freud pelos chistes não era unicamente científico, pois ele próprio era um homem muito espirituoso, e sua correspondência era pródiga em casos humorísticos. Muitos de seus contemporâneos destacaram sua capacidade de achar graça na maior parte das situações. Em 1938, quando Freud deixou a Áustria para se refugiar em Londres, o comentário que escreveu na declaração exigida pelas autoridades, certificando que não tinha sido maltratado, testemunha o humor que ele conseguiu demonstrar: “Posso cordialmente recomendar a Gestapo a todos.” As “Witz” são facilmente expatriadas Mais do que qualquer outra obra de Freud, Os chistes e sua relação com o inconsciente coloca dificuldades de tradução, o que explica em parte que seja uma das menos lidas, fora o público de língua alemã. Já o próprio termo “Witz” – cuja consonância evoca em alemão “Blitz”, isto é, relâmpago – não tem correspondência na maioria das outras línguas. Em francês, por exemplo, foi traduzida por “mot d’esprit” pelo tradutor D. Messier: “Esse termo designa tanto a palavra espirituosa, como o espírito, isto é, a faculdade de ‘ser espirituoso’” (1988, p. 423). Os tradutores das Œuvres Complètes de Freud, ao contrário, julgaram incorreta a tradução anterior, e preferiram o termo “trait d’esprit” – tradução de “Witz” proposta por Lacan – pois “mot” não existe em “Witz” e “mot d’esprit” cria confusão com o alemão “Wortwitz” e “Gedankenwitz” (Bourguignon et al., 1989, p. 150). Além disso, como traduzir jogos de palavras que fazem rir em língua alemã quando não existem palavras equivalentes em outras línguas, o que torna grande parte dessa obra intraduzível? A maioria dos tradutores optou por acrescentar as explicações necessárias em notas de rodapé, na tentativa de tornar o mais acessível possível o pensamento de Freud, tão expressivo quando o descobrimos na língua alemã original.

DESCOBERTA DA OBRA As páginas indicadas remetem ao texto publicado em S. Freud (1905c), Le mot d’esprit et sa relation à l’inconscient, trad. D. Messier, Paris, Gallimard, 1988, 442 p.

A obra se divide em três partes: a primeira é dedicada à técnica do chiste, isto é, aos diferentes procedimentos utilizados pelo psiquismo para produzir o efeito cômico; a segunda parte examina os motivos dos chistes, em particular o 8

papel desempenhado pelo prazer do ponto de vista da economia psíquica; a terceira parte estuda as relações entre chistes e sonho à luz da noção e “realização de desejo” e termina com um breve ensaio sobre as variedades de cômico.

AS TÉCNICAS SUBJACENTES AO EFEITO CÔMICO DOS CHISTES

O efeito cômico dos chistes é obtido por duas técnicas distintas, segundo Freud: a primeira se fundamenta nas próprias palavras e depende da expressão verbal; a segunda se fundamenta no pensamento contido no chiste, e essa técnica é independente da expressão verbal. As técnicas fundamentadas nas palavras No que se refere aos chistes fundamentados nas palavras, Freud indica três procedimentos diferentes que utilizam uma técnica comum, a condensação, mecanismo característico do trabalho do sonho.

O primeiro procedimento consiste em condensar duas palavras ou dois fragmentos de palavras, de modo a criar um neologismo absurdo à primeira vista. Mas a palavra mista assume um significado cômico para um ouve. Por exemplo, Freud cita o chiste criado em torno do termo “familionária”, palavra insólita pronunciada por um personagem tirado de um romance de Heine. Nesse romance, o autor põe em cena um homem do povo que se gaba das relações que mantém com o rico barão Rothschild. Vangloriando-se diante do poeta de seu convívio prestigioso, o homem do povo lhe diz: “(..) eu estava sentado ao lado de Salomon Rothschild e ele me tra-

Ler Freud 65 tou totalmente como um igual, de uma maneira totalmente familionária” (p. 56). Nesse caso, o cômico se deve à palavra formada pelo enunciado: a técnica utilizada é o encurtamento de duas palavras – “familiar” e “milionária” – que não teriam nada de cômico se fossem tomadas separadamente. Em seguida, essas palavras sofrem uma condensação para formar uma palavra mista – “familionária” – aparentemente incompreensível. Mas os ouvintes que conhecem o contexto captam de imediato o sentido, o que provoca sua gargalhada. Freud dá outros exemplos de cômico ligado à técnica de condensação seguida da formação de um substituto, como o da palavra “Cléopold” que ele decompõe da seguinte maneira: “Dizem que um dia as más línguas da Europa mudaram o nome de um potentado chamado Léopold para Cléopold, por causa das relações que ele mantinha com uma mulher chamada Cléo...” (p. 64) O segundo procedimento consiste em empregar uma única palavra com uma dupla utilização. Freud dá um exemplo baseado na homofonia entre o nome “Rousseau” e as palavras “roux” e “sot”.* Esse chiste ocorreu a uma dona de casa, revoltada com a falta de educação de um rapaz a quem convidara. Ela se dirigiu a esse sujeito grosso, que tinha o nome de seu ancestral JeanJacques Rousseau e ostentava uma cabeleira ruiva, e lhe disse de forma bem humorada: “Você me permitiu conhecer um jovem roux e sot, exclamou ela, mas não um Rousseau” (p. 79). Aqui, a técnica do chiste consiste em que uma única palavra – “Rousseau” – aparece em uma dupla utilização, primeiramente inteira e depois decomposta em suas sílabas, à maneira de uma charada. O terceiro procedimento utilizado pelo chiste consiste em tomar o duplo sentido ou o múltiplo sentido de uma mesma palavra, tal como se emprega nos jogos de palavras. Os jogos de palavras são considerados por Freud como o caso ideal de utilização múltipla de um mesmo material: “(...) aqui, não se comete nenhuma violência contra a palavra, nenhuma fragmentação que destaque as diversas sílabas que a compõem (...); é à palavra como tal e exatamente como se apresenta na estrutura da frase que se permite

enunciar, graças a certas circunstâncias, dois tipos de sentidos” (p. 91). Freud ilustra essa técnica com o exemplo “o primeiro vôo da águia”, que ele relata nos seguintes termos: “Como se sabe, um dos primeiros atos de Napoleão III, depois de sua ascensão ao poder, foi confiscar os bens da Maison d’Orléans. Nessa época, alguém fez o seguinte jogo de palavras: ‘É o primeiro vôo da águia’”** (p. 91). Segundo Freud, o que preside a formação da condensação nos três procedimentos é a economia de meios, como no exemplo acima: “vol”, diz Freud, significa tanto “vôo” como “roubo”. Nesse caso, não haveria algo que foi condensado, economizado? Com certeza: a segunda idéia, que se lançou sem trocá-la por um substituto” (p. 100). Ele conclui nos seguintes termos: “Todas essas técnicas são dominadas por uma tendência à concentração (“zusammendrängende Tendenz”) ou, mais exatamente, por uma tendência à economia” (p. 100), isto é, uma economia em meios de expressão. Quanto aos trocadilhos, eles são, sem dúvida, os chistes mais correntes, porém, constituem “a variedade mais pobre do chiste fundamentada em palavras (“Wortwitze”), provavelmente porque permitem fazer piada “barata” com o mínimo de esforço possível” (p. 104) As técnicas fundamentadas no pensamento Freud prossegue seu estudo detalhado de diversas técnicas passando em revista os chistes fundamentados no pensamento, isto é, aqueles que não têm a ver com a palavra propriamente, mas com a condução do pensamento, e que independem da expressão verbal. Nesse caso, o trabalho do chiste – como ele o denomina, em analogia o trabalho do sonho – se serve de condutas de pensamento que escapam ao raciocínio normal como meios técnicos para produzir a expressão espiritual; ele cita vários procedimentos, por exemplo, o do deslocamento, que utiliza a lógica para encobrir um erro de raciocínio, ou ainda o procedimento que utiliza o nonsense para criar um chiste.

*N. de T. Em português, ruivo (“roux”) e bruto (“sot”). **N. de T. No original francês: “C’este le premier vol d’aigle”.

66 Jean-Michel Quinodoz O que faz com que o nonsense se torne um chiste? Freud se diverte respondendo que “num tal nonsense espiritual encontra-se um sentido, e esse sentido no nonsense cria um chiste” (p. 123). Portanto, a técnica aqui consiste em dizer uma coisa estúpida, um nonsense, que tem como significado tornar perceptível uma outra coisa estúpida, um outro nonsense. Chistes inocentes e tendenciosos Em função da diversidade de reações que suscitam em quem os ouve, pode-se estabelecer uma distinção entre os chistes inocentes e os chistes tendenciosos. O chiste inocente é um fim em si mesmo e não se presta a nenhuma intenção particular. Ao contrário, o chiste tendencioso se coloca a serviço de uma intenção que obedece a diversos motivos, como a hostilidade (agressividade, sátira, cinismo), a obscenidade (que visa pôr a nu!), a licenciosidade, que acentua o sexual, e o ceticismo, sendo que este último, na opinião de Freud, constitui o pior dos motivos. O chiste como fonte de prazer e como vínculo social Na segunda parte, Freud indaga-se sobre o papel desempenhado pelo prazer no mecanismo dos chistes. Os mecanismos que subentendem o efeito de prazer se observam mais facilmente dos chistes tendenciosos do que nos chistes inocentes, porque nos primeiros uma tendência é satisfeita: a satisfação que é fonte de prazer. Mas essa tendência se choca com obstáculos que o chiste permite contornar, quer se trate de obstáculos externos (medo da pessoa a quem se dirige o insulto secreto) ou obstáculos internos ligados à educação. Nos dois casos de utilização do chiste tendencioso obtém-se prazer porque um ganho de prazer corresponde a uma “economia realizada nos gastos de inibição ou de repressão” (p. 226). No chiste inocente, é a própria técnica do chiste que constitui a fonte de prazer, como no jogo de palavras.

O chiste tendencioso tem uma dimensão social que o cômico não possui, pois o primeiro necessita de três pessoas: uma primeira que lança o chiste, uma segunda que é tomada como objeto de agressão hostil ou sexual e, finalmente, uma terceira que ouve o chiste e usufrui do prazer contido na intenção. Por que a presença de uma terceira pessoa é indispensável? Segundo Freud, o chiste visa a proporcionar prazer simultaneamente ao autor e à terceira pessoa que ouve: “Assim, o chiste é em si um patife de duas caras que serve a dois mestres ao mesmo tempo” (p. 282). Mas o prazer do autor do chiste é dissimulado, pois em geral ele próprio não ri, a não ser “por tabela” através da pessoa que ele fez rir (p. 283). 8

ESPÍRITO, SONHO E VARIEDADES DO CÔMICO

A terceira parte compara o sonho e o chiste e termina com um ensaio sobre o cômico, o humor e o chiste. Sonho, chiste e retorno ao inconsciente infantil Freud compara inicialmente o sonho e o chiste procurando explicitar as semelhanças e as diferenças. O sonho é antes de tudo a expressão da realização de um desejo com o objetivo de evitar o desprazer, enquanto que o chiste serve para adquirir prazer. O chiste encontra esse prazer não apenas por meio de diferentes técnicas, mas também em um retorno ao inconsciente infantil, que é sua fonte originária. Na época em que a criança começa a manejar a linguagem, nota-se que ela joga com as palavras e as reúne sem se preocupar com seu sentido, buscando essencialmente o prazer ligado às sonoridades. Esse prazer será pouco a pouco inibido pela crítica interior – a censura –, e só serão autorizadas as reuniões de palavras com um sentido. Mais tarde, o adulto utilizará esse retorno aos jogos de palavras para reencontrar o prazer infantil e contornar a censura, em um movimento de revolta contra as imposições do pensamento e da realidade.

Ler Freud 67 As variedades do cômico Freud prossegue suas reflexões com um estudo das diferentes formas do cômico, como a imitação, a paródia, a caricatura, etc. Ele atribui a origem do prazer em certas formas do cômico à comparação entre a outra pessoa e

nosso próprio ego. A obra termina com um ensaio dedicado ao humor, que ele distingue da ironia, texto que terá um prolongamento 20 anos mais tarde em um curto artigo intitulado “O humor” (1927d), no qual introduzirá a noção de superego.

PÓS-FREUDIANOS Lacan: o chiste e os “relâmpagos” de tomada de consciência “Retorno” aos primeiros escritos de Freud No início dos anos de 1950, Jacques Lacan conclamou os psicanalistas a efetuar um retorno a Freud. O que significava esse retorno a Freud? Na verdade, não se tratava de refazer uma leitura do conjunto da obra de Freud, mas dos primeiros escritos teóricos freudianos que articulam o inconsciente em torno da linguagem: A interpretação dos sonhos, Sobre a psicopatologia da vida cotidiana e Os chistes e sua relação com o inconsciente. Escritas entre 1900 e 1905, essas três obras quase contemporâneas acentuam particularmente a linguagem como expressão dissimulada do inconsciente, e é dessa trilogia que Lacan extrai seus principais conceitos, particularmente o chiste, ao qual conferirá “o estatuto de um verdadeiro conceito psicanalítico” (Roudinesco e Plon, 1997). O procedimento de Lacan desenvolveu-se em várias etapas. Em 1953, em seu “Discours de Rome”, ele começou por preconizar um retorno ao sentido: “O sentido de um retorno a Freud é um retorno ao sentido de Freud”, declarou então jogando com as palavras de forma bem humorada (1955, p. 406). Insistindo sobre o sentido, Lacan visava restaurar a experiência psicanalítica do inconsciente naquilo que considerava como a originalidade mais puramente freudiana, pois julgava que seus colegas contemporâneos tinham abandonado “o sentido da palavra” (1953, p. 243). O inconsciente estruturado como uma linguagem Desde 1956, Lacan centrou a experiência do inconsciente na dimensão simbólica, à luz das contribuições da lingüística, em particular na distinção das noções de “significante” e “significado”, introduzidas pelo lingüista suíço F. de Saussure. Esse esclarecimento permitiu a Lacan evidenciar a “primazia do significante sobre o significado”, proposição que ele vê como um dos ensinamentos fundamentais tirados de A interpretação dos sonhos. De fato, a aplicação do método de associação livre conduz pouco a pouco a cadeias de pensamento que, por sua vez, levam a cadeias de palavras, uma técnica que permite identificar a pista do significado perdido “Para além dessa palavra, está toda a estrutura da linguagem que a experiência analítica descobre no inconsciente” (Lacan, 1957, p. 494-495). Adotando uma perspectiva estrutural, Lacan reexaminou igualmente a noção de condensação comum ao sonho e ao chiste – traduzindo este último como “traço de espírito” –, e concluiu que o chiste era um significante que revelava através do jogo de linguagem uma verdade inconsciente que o sujeito tentava esconder. A revisão feita por Lacan das noções de condensação e de deslocamento conduziu-o a enunciar sua famosa proposição segundo a qual “o inconsciente é estruturado como uma linguagem”. Nessa proposição está condensada a hipótese lacaniana central, segundo a qual os mecanismos de formação do inconsciente são estritamente análogos aos mecanismos de formação do sentido na linguagem, como destaca Joël Dor: “Podemos inclusive considerar essa hipótese como a mais fundamental para toda a elaboração teórica lacaniana, não apenas pelo que essa proposição pressupõe, mas também porque ela encarna o sentido do retorno a Freud que Lacan sempre prescreveu desde que começou a lecionar” (1985, p. 17). Divergências sobre a técnica, a teoria e a formação Os trabalhos psicanalíticos de Lacan e, muito particularmente, aqueles que tratam da linguagem suscitaram e suscitam ainda hoje um interesse que vai muito além dos círculos psicanalíticos. Contudo, desde o Continua

68 Jean-Michel Quinodoz

PÓS-FREUDIANOS • Continuação primeiro momento surgiram divergências sobre pontos fundamentais entre Lacan e seus colegas pertencentes à Associação Psicanalítica Internacional (API). Esses desacordos culminaram com uma cisão em 1953, e em 1964 Lacan fundou “sozinho” a escola francesa de psicanálise, que resolveu dissolver pouco antes de sua morte, em 1980. A partir de então, o movimento lacaniano fragmentou-se em vários grupos. Do ponto de vista técnico, creio que o “retorno a Freud” preconizado por Lacan em 1953 focalizou a atenção sobretudo na neurose e na comunicação verbal, em detrimento dos trabalhos freudianos posteriores a 1915, justamente aqueles em que Freud explora as possibilidades de tratamento do psicanalítico de pacientes que apresentam distúrbios da comunicação verbal e da simbolização, como os depressivos e os psicóticos (J.-M. Quinodoz, 2000, 2002). Além disso, Lacan concentrou sua atenção, cada vez mais, somente na palavra do analisado, essencialmente nos “relâmpagos”* de tomada de consciência do sentido simbólico do discurso do sujeito, que ele chama de “buracos significantes do inconsciente”. Com o risco de usar e abusar dos jogos de palavras de valor interpretativo, essa técnica também fez com que Lacan encurtasse a duração das sessões, sem levar em conta o tempo necessário à elaboração da transferência e da contratransferência. Contudo, sobre esse ponto fundamental, creio que a tomada de consciência do sentido não é dada de antemão a cada pessoa, longe disso: trata-se de um processo lento, que se desenvolve progressivamente e que exige na maioria das vezes todo rigor do setting psicanalítico clássico para se desenvolver em um ritmo que deve ser respeitado até seu término. A questão técnica ligada à prática de sessões mais curtas está longe de ser o único ponto de divergência entre psicanalistas lacanianos e psicanalistas pertencentes à Associação Psicanalítica Internacional (API). Como afirmou recentemente D. Widlöcher (2003), ainda persistem divergências incontornáveis sobre vários outros pontos, em particular sobre a utilização da contratransferência, cujo uso era fortemente rejeitado por Lacan e é ainda hoje por aqueles que se apóiam nele (F. Duparc, 2001). No que se refere à formação de futuros psicanalistas, Lacan se opunha radicalmente à maneira como a formação era organizada dentro da API; ele contestava em particular a “pré-seleção” e a análise pessoal prévia chamada de “análise didática”. A seu ver, a avaliação em diferentes etapas do processo e a organização hierárquica mantinham seus colegas em um estado de permanente submissão. Quando fundou sua própria escola, em 1963, estabeleceu como princípio que esta não autorizava nem proibia, e que a responsabilidade da cura era um problema exclusivamente do psicanalista, e daí o sentido de sua afirmação: “O psicanalista só busca autorização em si mesmo”. Essa recusa de qualquer avaliação por outros que não ele próprio tem como conseqüência multiplicar o número de pessoas que se autodenominavam “psicanalistas” reportando-se a Lacan e sem que se soubesse qual era sua formação. Alguns psicanalistas pertencentes à corrente lacaniana desejavam retornar à Associação Psicanalítica Internacional fundada por Freud. Contudo as posições teóricas e técnicas de uns e outros me parecem muito distantes. A escola inglesa: do simbolismo primitivo à representação simbólica A extensão da cura para além da neurose Os psicanalistas pertencentes à escola inglesa também abordaram a questão do simbolismo, mas em uma perspectiva diferente, o que tornou possível o tratamento psicanalítico de pacientes que apresentavam dificuldades de se comunicar verbalmente, sendo a verbalização uma forma de simbolismo altamente evoluída. De todo modo, a cura psicanalítica não é reservada apenas aos pacientes neuróticos, capazes de se comunicar consigo mesmos e com outro por meio de palavras, mas igualmente aos pacientes nos quais predomina o pensamento concreto e que mesmo assim conseguem desenvolver sua função simbólica e sua capacidade de se comunicar verbalmente, graças ao trabalho de elaboração. Já em 1916, E. Jones retomara a questão do simbolismo no prolongamento das idéias expressadas por Freud em A interpretação dos sonhos (1900a). Jones diferenciou o simbolismo consciente do simbolismo inconsciente e considerou a criação de um símbolo como o resultado de um conflito intrapsíquico e o próprio símbolo como representante do que foi reprimido. M. Klein introduziu pouco a pouco uma nova abordagem da questão do simbolismo partindo de seu trabalho com as crianças e de sua compreensão do jogo na sessão como expressão simbólica dos conflitos inconscientes. Em seu artigo “A importância do símbolo na formação do ego” (1930), baseado na observaContinua

Ler Freud 69

Continuação ção de Dick, um menino autista de 4 anos, M. Klein demonstra que a formação do símbolo pode ser inibida especificamente, e que os efeitos dessa inibição têm conseqüências graves para o desenvolvimento posterior do ego. Ela conclui que quando não ocorre o processo de simbolização, o conjunto do desenvolvimento é retido; e atribui essa inibição a uma angústia excessiva ligada às fantasias agressivas da criança em relação ao corpo da mãe e com um sentimento crescente de culpa. Transição entre simbolização primitiva e simbolização evoluída O fato de que o processo de formação do símbolo possa ser interrompido ao longo do desenvolvimento infantil levou H. Segal e W. R. Bion a se aprofundarem nas pesquisas iniciadas por M. Klein. Com isso, esses autores não apenas estabeleceram uma distinção entre uma forma primitiva de simbolismo e uma forma evoluída, como também revelaram os processos de transição entre essas duas formas de simbolização, considerados os conceitos de posição esquizoparanóide e de posição depressiva. Retomaremos de maneira mais detalhada seus pontos de vista examinando os desdobramentos do estudo que Freud dedicou às particularidades da linguagem do esquizofrênico em “O inconsciente” (Artigos sobre metapsicologia, 1915e). Os trabalhos de Segal e de Bion, assim como os de H. Rosenfeld, sobre a transferência narcisista estão na origem do tratamento psicanalítico de pacientes psicóticos, narcisistas e borderline que hoje encontramos com mais freqüência em nossos divãs do que os pacientes neuróticos. *A língua alemã permite um jogo de palavras divertido aproximando as palavras “Blitz” (relâmpago) e ‘Witz” (jogo de palavras), condensação e deslocamento que não têm um equivalente em língua francesa para exprimir o momento de “Einfall”, segundo o termo de Freud (em inglês “insight”).

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS Mecanismos do sonho (condensação, deslocamento, realização de desejo) aplicados ao chiste, ao cômico e ao humor

TRÊS ENSAIOS SOBRE A TEORIA DA SEXUALIDADE S. FREUD (1905d)

A descoberta da sexualidade infantil: revolução e escândalo Publicada em 1905, a obra Três ensaios sobre a teoria da sexualidade é considerada por muitos como a mais importante de Freud depois de A interpretação dos sonhos (1900a) e a mais marcante sobre a sexualidade. Nela Freud desafia abertamente a opinião popular e os preconceitos vigentes sobre a sexualidade: por um lado, ele estendeu a noção de sexualidade para além dos limites estreitos em que era mantida por sua definição convencional; por outro lado, reportou o início da sexualidade à primeira infância, isto é, a um período muito mais precoce que se imaginara até então. Ele demonstra assim que a sexualidade não começa na puberdade, mas desde a infância precoce, e que ela segue um desenvolvimento em fases sucessivas até culminar na sexualidade adulta. Além disso, ele lança pontes entre as formas anormais de sexualidade e a sexualidade dita normal. Utilizando uma linguagem simples e um vocabulário do dia-a-dia, Freud lança algumas proposições sobre a sexualidade que ninguém estava disposto a ouvir. Porém, não há nada que ele revele nessa obra que já não seja conhecido, em particular, não ensina nada de novo aos pais,

aos educadores e aos escritores que o tempo todo observam e descrevem as manifestações da sexualidade infantil. De resto, as descrições da sexualidade que Freud apresenta nessa obra estão muito aquém das imagens obscenas publicadas alguns anos antes por sexólogos citados por Freud, como Krafft–Ebing ou Havelock Ellis, mas essas publicações não desencadearam o mesmo alarido. De fato, o público reagiu escandalizado à leitura dos Três ensaios, que tornaram Freud “universalmente impopular”, segundo Jones. A obra comprometerá por longo tempo as relações de Freud com o público. A partir dela, Freud passa a ser visto como uma mente obscena e perigosa, e mais ainda depois de chocar o mundo médico vienense ao publicar no mesmo ano o caso Dora sem a autorização da paciente. Por que se desencadeou tamanha hostilidade? Sem dúvida, Freud, que é um médico burguês e pai de família, assume grandes riscos abalando a moral quando se recusa a fazer um juízo de valor sobre as perversões. Porém, alheio às críticas, Freud parece mais determinado do que nunca a fazer com que o conhecimento científico triunfe sobre o obscurantismo.

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA O momento da descoberta da sexualidade infantil Em seus trabalhos ao longo dos anos de 1890, Freud já suspeitava que fatores de natureza sexual que remontavam à infância podiam estar na origem dos sintomas histéricos. Entretanto, ele imaginava que era unicamente em conseqüência de um ato de sedução por um adulto que a sexualidade despertava prematuramente em uma criança. Mas, após a descoberta do complexo de Édipo durante sua auto-análise em Continua

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£

Jean-Michel

Q u i n o d o z

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA •

Continuação

1897, ele c h e g o u à c o n c l u s ã o q u e o s i m p u l s o s sexuais estavam presentes d e s d e m u i t o c e d o e m t o d a s as crianças e q u e s e m a n i f e s t a v a m i n d e p e n d e n t e m e n t e d e q u a l q u e r e s t i m u l a ç ã o e x e r c i d a p o r u m terceiro. Em 1899, a n u n c i o u a Fliess q u e s u a p r ó x i m a o b r a trataria d e u m a teoria d a s e x u a l i d a d e e q u e pretendia apenas q u e "uma faísca venha pôr fogo no material reunido" (Freud e Fliess, carta d e 11 d e n o v e m b r o d e 1899). S e m d ú v i d a , Freud p r e c i s o u superar fortes resistências internas antes d e admitir a universalidade d a sexualidade infantil e d e realizar seu projeto, q u e d e s e n v o l v e u paralelamente à r e d a ç ã o d e O s chistes e sua relação com o inconsciente, o b r a q u e t a m b é m foi l a n ç a d a e m 1905. Esse foi u m p e r í o d o d e g r a n d e p r o d u t i v i d a d e p a r a ele, m a r c a d o pela r u p t u r a definitiva c o m Fliess. A clientela p r i v a d a p r e e n c h i a t o d o s e u t e m p o , e a maior parte d e s e u s p a c i e n t e s v i n h a d a E u r o p a Oriental. Ele p r o s s e g u i u d u r a n t e três a n o s s u a s c o n f e r ê n c i a s n a U n i v e r s i d a d e e o círculo d a S o c i e d a d e d a s Quartas-Feiras s e a m p l i o u . O a n o d e 1905 c o r r e s p o n d e i g u a l m e n t e a o início d e s u a f a m a i n t e r n a c i o n a l . Ele p a s s o u a viajar t o d o a n o e m c o m p a n h i a d e s u a c u n h a d a M i n n a B a r n a y s e d e s e u i r m ã o A l e x a n d r e , o u para a Itália o u p a r a a G r é c i a . Freud: u m pansexualista? Em Três ensaios, Freud atribui u m papel central à sexualidade infantil, afirmando principalmente q u e as pulsões reprimidas n o s neuróticos s ã o d e natureza sexual e q u e a sexualidade d o adolescente e d o adulto f u n d a m e n ta-se n a sexualidade infantil. M a s ele foi m a l c o m p r e e n d i d o , e o acusaram d e " p a n s e x u a l i s m o " , isto é, d e pregar u m a teoria simplificadora s e g u n d o a qual t o d a s as c o n d u t a s h u m a n a s se explicam pelo sexo, o u seja, pela sexualidade n o sentido mais estrito d o termo. E m b o r a tenha m o s t r a d o a importância d a sexualidade na natureza h u m a n a , Freud s e m p r e s e d e f e n d e u d a a c u s a ç ã o d e p a n s e x u a l i s m o . E m u m a carta a o Pr. E. Claparède, d e G e n e b r a (Freud, 1921 e), ele protestou contra as críticas d e pansexualismo q u e lhe eram dirigidas a propósito n ã o a p e n a s d a teoria sexual, m a s igualmente d e s u a teoria d o s s o n h o s : 'Jamais afirmei que todo sonho tem o significado da realização sexual, e muitas vezes refutei isso. Mas não adiantou nada, e não cansam de repetir isso" (Carta d e Freud a Edouard Claparède, 25 d e d e z e m b r o d e 1920).

D E S C O B E R T A DA

OBRA

As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1905d), Trois essais surla trad. P. K o e p p e l , Paris, G a l l i m a r d , 1987. A o b r a é d i v i d i d a e m três p a r t e s : a p r i m e i r a

théorie

sexuelle,

são u m a t a r a c o n s t i t u t i v a . E l e propõe b u s c a r

é d e d i c a d a às perversões, d e s i g n a d a s p e l o n o m e

a v e r d a d e i r a o r i g e m n a infância, i s t o é, n o ní-

d e aberrações s e x u a i s , a s e g u n d a à s e x u a l i d a d e

vel d od e s e n v o l v i m e n t o psicossocial.

i n f a n t i l e a t e r c e i r a às metáforas d a p u b e r d a d e .

ça p a s s a n d o listados pelos



PRIMEIRO E N S A I O : A S A B E R R A Ç Õ E S S E X U A I S

A origem infantil das perversões N o

p r i m e i r o ensaio, F r e u d critica o s pre-

Come-

e mrevista o s desvios

sexuais

sexólogos d a época, e n t r e o s

quais K r a f f t - E b i n ge H a v e l o c k Ellis, e consid e r a e s s e s d e s v i o s d e u m ângulo inédito, o d a s r e l a ç õ e s d e s t e s c o m a n o r m a a c e i t a , i s t o é, c o m a sexualidade dita Partindo

"normal".

d a s n o ç õ e s d e "pulsão"

e d e

c o n c e i t o s p o p u l a r e s e c o n t e s t a a opinião p r e -

"objeto" - c o n c e i t o s q u e t e r ã o u m a i m p o r t â n -

d o m i n a n t e e n t r e o s c i e n t i s t a s d a época s e g u n -

c i a d e c i s i v a n a psicanálise - , F r e u d

d o a q u a l a sperversões, c o m o a h o m o s s e x u a -

u m a distinção d e n t r o d a s perversões: e l e d i -

l i d a d e , r e s u l t a m d e u m a degenerescência o u

f e r e n c i a n a v e r d a d e "os desvios sexuais em rela-

introduz

Ler Freud ção ao objeto sexual", i s t o é, e m r e l a ç ã o à pessoa d a q u a l e m a n a u m a a t r a ç ã o s e x u a l , e "os desvios em relação a meta sexual", i s t o é, e m r e l a ç ã o ao ato a q u e l e v a a p u l s ã o . D e v e m o s e s c l a r e c e r q u e a psicanálise u t i l i z a o t e r m o " o b j e t o " n o s e n t i d o d o francês clássico p a r a d e s i g n a r " u m a p e s s o a " , e não " u m a c o i s a " , c o m o R a c i n e , c u j o h e r ó i d i z : "Eis o objeto de minha chama" o u "o único objeto de meu ressentimento".

O papel da bissexualidade N o q u e s e r e f e r e a o s "desvios sexuais em relação ao objeto sexual", F r e u d r e l a c i o n a e n t r e e s s a s perversões a s d i v e r s a s f o r m a s d e h o m o s sexualidade, assim como a pedofilia e a z o o f i l i a . E l e c o n s i d e r a q u e e s s a s perversões decorrem d eu m componente adquiridod a s e x u a l i d a d e h u m a n a , e não i n a t a o u c o n s t i t u t i v a , c o m o s e p e n s a v a até e n t ã o . M a s , s e a h o m o s s e x u a l i d a d e r e s u l t a d e u m a evolução q u e se p r o d u z a o l o n g o d o d e s e n v o l v i m e n t o p s i c o s s e x u a l d o i n d i v í d u o , é lícito p e r g u n t a r q u a i s são o s f a t o r e s q u e l e v a m c e r t a s p e s s o a s a fazer u m a escolha d eobjeto homossexual e outras a fazer u m a escolha d eobjeto heteross e x u a l . F r e u d r e s o l v e a questão r e c o r r e n d o à bissexualidade, predisposição u n i v e r s a l q u e fora p o s t u l a d a p o r Fliess, f u n d a m e n t a d a n o d e s e n v o l v i m e n t o embrionário d o s e r h u m a no. C o n t u d o , se Fliess r e v e l o u a bissexualid a d e biológica, F r e u d f o i o p r i m e i r o a a p l i c a r e s s a n o ç ã o a o nível psicológico, p o s t u l a n d o q u e tendências m a s c u l i n a s e tendências f e m i n i n a s c o e x i s t e m d e s d e a infância e m t o d o i n divíduo, d e f o r m a q u e a e s c o l h a d e o b j e t o d e f i n i t i v o d e p e n d e d a predominância d e u m a tendência e m relação à o u t r a .

As pulsões parciais F r e u d a b o r d a e m s e g u i d a a questão d o s "desvios em relação à meta sexual", n o s q u a i s a pulsão s e x u a l s e d e s i n t e g r a e m d i f e r e n t e c o m p o n e n t e s q u e e l e c h a m a d e "pulsões parciais": a s pulsões p a r c i a i s têm c o m o f o n t e d e e x c i t a -

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ç ã o s e x u a l u m a "zona erógena", d e m o d o q u e a s perversões s e b a s e i a m n a dominação d e u m a pulsão p a r c i a l d e o r i g e m i n f a n t i l . E n t r e a s f o r m a s d e p e r v e r s ã o l i g a d a s às p u l s õ e s s e xuais, u m a s utilizam partes d ocorpo o u o b j e t o s f e t i c h e s p a r a f i n s d e satisfação s e x u a l , c o m o substituto d ezonas corporais n o r m a l m e n t e d e s t i n a d a s à união s e x u a l . O u t r a s f o r m a s d e perversão c o n s t i t u e m fixações e m m e t a s s e x u a i s p r e l i m i n a r e s , c o m o a s práticas e r ó t i c a s l i g a d a s à z o n a o r a l (felação, c u n i l í n gua), o tocar o u olhar, o u ainda o sadismo e o m a s o q u i s m o . N e s s e c a s o , F r e u d e s c l a r e c e : "A tendência se atém aos atos preparatórios e a criar novas metas sexuais que podem substituir as metas normais" ( p . 6 6 ) . R e s u m i n d o s e u p o n t o d e v i s t a , p o d e m o s d i z e r q u e n a s perversões a pulsão s e x u a l s e d e s i n t e g r a e m vários c o m p o n e n t e s c h a m a d o s d e "pulsões p a r c i a i s " , e n q u a n t o n a s e x u a l i d a d e n o r m a l a s pulsões p a r c i a i s s e reúnem e s e c o l o c a m a serviço d a maturidade genital.

Perversão, neurose e normalidade F r e u d c h e g o u a d u a s conclusões q u e c h o c a r ã o p a r t i c u l a r m e n t e o público. E m p r i m e i r o l u g a r , e l e a f i r m a q u e o s s i n t o m a s neuróticos n ã o s e c r i a m u n i c a m e n t e e m d e t r i m e n t o d a pulsão s e x u a l n o r m a l , m a s e m p a r t e também e m d e trimento de u m a sexualidade anormal. Ele sint e t i z a i s s o e m u m a f r a s e célebre a o d e c l a r a r : "A neurose é por assim dizer o negativo da perversão" ( p . 8 0 ) , metáfora t i r a d a d a f o t o g r a f i a q u e s i g n i f i c a q u e o q u e é agido p e l o s p e r v e r s o s a t r a v é s de seus c o m p o r t a m e n t o s sexuais aberrantes, os n e u r ó t i c o s imaginam e m s u a s f a n t a s i a s e e m seus sonhos. E m segundo lugar, F r e u d conclui q u e a p r e d i s p o s i ç ã o às p e r v e r s õ e s n ã o é u m traço e x c e p c i o n a l , m a s q u e p e r t e n c e i n t e g r a l m e n t e à constituição d i t a n o r m a l , c u j o e s b o ç o p o d e m o s o b s e r v a r n a criança: "Essa constituição presumida, que contém os germes de toda perversão, só pode ser evidenciada na criança, ainda que as pulsões não possam se manifestar nela com toda intensidade" ( p . 8 9 ) .

74 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z •

S E G U N D O E N S A I O : A S E X U A L I D A D E INFANTIL

A amnésia infantil: esquecimento dos primeiros anos da infância N o segundo ensaio, F r e u d abala ainda m a i s a crença p o p u l a r , s e g u n d o a q u a l a pulsão s e x u a l está a u s e n t e d u r a n t e a infância e aparece a p e n a s n ap u b e r d a d e , c o m o t a m b é m o s e s t u d o s científicos q u e i g n o r a v a m a existência d e u m a s e x u a l i d a d e n a c r i a n ç a . E l e a t r i b u i e s s a ignorância a o q u e c h a m a d e " a m n é s i a i n f a n t i l " , i s t o é, a o f a t o d e q u e o s a d u l t o s têm p o u c a o u n e n h u m a lembrança d e s e u s p r i m e i r o s a n o s d e infância. P a r a F r e u d , t a n t o o e s q u e c i m e n t o d a amnésia i n f a n t i l q u a n t o o e s q u e c i m e n t o d a amnésia histérica t ê m c o m o c a u s a a repressão: d o m e s m o m o d o q u e o h i s térico r e p r i m e a s p u l s õ e s s e x u a i s l i g a d a s à s e dução, o a d u l t o m a n t é m à m a r g e m d e s u a c o n s c i ê n c i a o s inícios d e s u a v i d a s e x u a l q u a n d o a i n d a e r a criança. S e g u n d o F r e u d , a v i d a s e x u a l d a s crianças m a n i f e s t a - s e d e u m a f o r m a observável p o r v o l t a d o s 3 o u 4 a n o s , m a s a s manifestações d a pulsão s e x u a l s e c h o c a m c o m obstáculos e x t e r n o s , c o m o a educação, q u e é u m f a t o r d e civilização, e c o m o b j e t o s i n t e r n o s , c o m o a r e p u l s a , o p u d o r e a m o r a l , s e n d o q u e e s t e s últim o s c o n s t i t u e m a expressão d a repressão. D u r a n t e a f a s e d e latência, n o t a - s e q u e a s f o r ças p u l s i o n a i s s e x u a i s s e d e s v i a m d a m e t a s sexuais para sed i r i g i r e m a outras metas, sob a f o r m a d e produções c u l t u r a i s , graças a o p r o c e s s o q u e F r e u d c h a m a d e sublimação. M a s e l e r e c o n h e c e q u e , às v e z e s , a pulsão s e x u a l v o l t a à t o n a d u r a n t e o período d e latência, s e j a d e m a n e i r a episódica, s e j a d e m a n e i r a d u r a d o u r a , até a p u b e r d a d e .

A s m a n i f e s t a ç õ e s d a s e x u a l i d a d e infantil Freud t o m a c o m o m o d e l o das manifestaç õ e s d a s e x u a l i d a d e i n f a n t i l a sucção q u e a p a r e c e n o bebé e p o d e p e r s i s t i r i n c l u s i v e p o r t o d a a v i d a . S e g u n d o e l e , a criança q u e s u g a b u s c a u m p r a z e r j á v i v i d o q u e s e b a s e i a n a "primeira e mais vital atividade da criança, o aleitamento no

seio materno (ou em seus substitutos)" (p. 105). D u r a n t e a a m a m e n t a ç ã o , o s l á b i o s d a criança t ê m o p a p e l d e zona erógena q u e está n a f o n t e d a s e n s a ç ã o d e p r a z e r . A s s i m , "a atividade sexual se apoia inicialmente em uma das funções que serve à conservação da vida" ( p . 1 0 5 ) , e s ó m a i s t a r d e a satisfação s e x u a l s e s e p a r a d a n e c e s s i d a d e d e alimentação e s e t o r n a i n d e p e n d e n te. M a s , s e g u n d o F r e u d , essa p r o p r i e d a d e erógena não s e l i m i t a à z o n a o r a l e p o d e e s t a r ligada a qualquer outra parte d ocorpo, que às v e z e s é d o t a d a d a e x c i t a b i l i d a d e d o s ó r g ã o s sexuais. P o r t a n t o , o caráter d a s pulsões s e x u a i s é e s s e n c i a l m e n t e masturbatório d u r a n t e a infânc i a . E n t r e a s manifestações s e x u a i s i n f a n t i s , F r e u d s i t u a não a p e n a s a s a t i v i d a d e s m a s turbatórias o r a i s , m a s t a m b é m a s a t i v i d a d e s masturbatórias l i g a d a s à z o n a a n a l ( p r a z e r d a retenção o u d a expulsão l i g a d a à função i n testinal, etc), assim c o m o as atividades u r e t r a i s l i g a d a s a o p r a z e r d a micção ( t a n t o n o m e n i n o c o m o n am e n i n a ) e a q u e l a s ligadas às z o n a s g e n i t a i s . E s s a s o b s e r v a ç õ e s l e v a m n o a d i s t i n g u i r três f a s e s n a m a s t u r b a ç ã o i n f a n t i l : a p r i m e i r a f a s e é a d o o n a n i s m o d o bebé n a época d o a l e i t a m e n t o , a s e g u n d a a p a r e c e e m t o r n o dos 3 o u 4 anos e a terceira corresp o n d e a o o n a n i s m o d a p u b e r d a d e , a única a ser l e v a d a e m c o n t a d u r a n t e m u i t o t e m p o .

A predisposição perversa polimorfa A descoberta d op a p e l precoce desempen h a d o p e l a s z o n a s erógenas l e v o u F r e u d a c o n s i d e r a r q u e e x i s t e n a criança o q u e e l e c h a m a d e u m a "predisposição perversa polimorfa". O q u e q u e r d i z e r i s s o ? A e x p r e s s ã o "predisposição perversa" s i g n i f i c a q u e a s d i f e r e n t e s p a r t e s d o c o r p o d a criança p e q u e n a a p r e s e n t a m d e s d e o início d a v i d a u m a s e n s i b i l i d a d e p a r t i c u l a r m e n t e f o r t e à erotização, a g u a r d a n d o q u e a s z o n a s erógenas s e j a m s u b m e t i d a s à o r ganização g e n i t a l d e s t i n a d a a u n i f i c a r a s e x u a l i d a d e . Q u a n d o a o t e r m o "polimorfa", e l e d e s t a c a a g r a n d e d i v e r s i d a d e d e z o n a s erógenas suscetíveis d e s e r e m d e s p e r t a d a s p r e c o c e m e n -

Ler Freud t e à excitação s e x u a l . A existência d e u m a p r e disposição p e r v e r s a p o l i m o r f a n a criança p e quena permitiu a Freud explicar o fato de que u m a perversão o r g a n i z a d a , t a l c o m o s e e n c o n t r a n o a d u l t o , r e s u l t a d a persistência d e u m c o m p o n e n t e parcial d asexualidade infantil q u e p e r m a n e c e u f i x a d o a u m a fase precoce d o d e s e n v o l v i m e n t o psicossocial. A n o ç ã o f r e u d i a n a d e "predisposição perversa polimorfa" é a i n d a h o j e u m a f o n t e d e e s c â n d a l o p a r a m u i t o s , p o r s e rm a l c o m p r e e n d i d a . N a v e r d a d e , o f a t o d e q u e u m a criança o b t e n h a u m p r a z e r s e x u a l d e s u a s z o n a s erógenas não significa necessariamente q u e ela seja " p e r v e r s a " n o s e n t i d o q u e s ee n t e n d e n o a d u l t o . Esse t e r m o significa p a r a F r e u d q u e a fase infantil d a d i s p o s i ç ã o p e r v e r s a p o l i m o r f a é u m estágio precoce d eu m desenvolvimento psicossexual q u e a i n d a não c h e g o u à f a s e d a s e x u a l i d a d e g e n i t a l , e m q u e a i n d a não s e e s t a b e l e c e u u m a h i e r a r q u i a d e n t r o d a s z o n a s erógenas q u e a s c o l o q u e a serviço d a r e p r o d u ç ã o . É b e m d i f e r e n t e d a perversão n o a d u l t o , q u e c o n s i s t e e m u m comportamento fortemente organizado no q u a l a satisfação p a r c i a l é o b t i d a e m d e t r i m e n to de u m a plenitude da sexualidade genital do indivíduo, e o p r a z e r s e x u a l é o b t i d o c o m objetos sexuais d om e s m o sexo, c o m o n a h o m o s s e x u a l i d a d e , o u e x i g i n d o condições p a r t i culares, c o m o n o fetichismo. Pode ocorrer que a criança a p r e s e n t e u m a v e r d a d e i r a fixação perversa, m a s trata-se d ecasos excepcionais.

As teorias sexuais Infantis E n t r e a s manifestações d a s e x u a l i d a d e i n fantil, F r e u d evoca a curiosidade intensa que m o s t r a m a s crianças e m s u a s incansáveis p e r g u n t a s s o b r e a s e x u a l i d a d e . D eo n d e vêmo s bebés? C o m o é q u e o p a p a i e a mamãe o s f a zem? Essas perguntas constantes e m todas as suas f o r m a s p e r m i t e m e n t r e v e r a steorias part i c u l a r e s q u e a s crianças p o d e m f o r j a r a p r o pósito d a s e x u a l i d a d e , c o m o , p o r e x e m p l o , a convicção d e q u e e x i s t e a p e n a s u m órgão n a o r i g e m d a diferença d o s s e x o s : o s m e n i n o s t ê m

75

u m pênis e a s m e n i n a s são d e s p r o v i d a s d e l e . Outras teorias sexuais infantis d i z e m respeito às i d e i a s q u e a s c r i a n ç a s f a z e m s o b r e o n a s c i m e n t o ( o b e b é é e v a c u a d o p e l o m e s m o orifíc i o q u e a s f e z e s ? , e t c ) , o u s o b r e a s relações s e x u a i s d o s p a i s (fecundação a o b e i j a r , c o n cepção sádica d e s u a s relações, e t c ) . M a s , quaisquer que sejam asfantasias conscientes d a s crianças, e l a s são e s s e n c i a l m e n t e o r e f l e x o d e s u a organização s e x u a l i n c o n s c i e n t e e d a m a n e i r a c o m o elas i m a g i n a m e m suas f a n t a s i a s a s relações c o m a s p e s s o a s d e s e u m e i o .

As fases de desenvolvimento da organização da sexualidade E m s e i s edições s u c e s s i v a s , F r e u d i n t r o d u ziu conceitos n o v o s e fundamentais, e a obra p a s s o u d e 8 0 páginas e m 1 9 0 5 p a r a 1 2 0 págin a s n a s e x t a e última edição, lançada e m 1 9 2 5 , q u e e n g l o b a v a t o d o s o s acréscimos f e i t o s . N a revisão d e 1 9 1 5 , i n t r o d u z i u a noção d e u m a "organização da libido em fases sucessivas", send o q u e cada fase corresponderia a o p r i m a d o d e z o n a s erógenas. A s s i m , d e s c r e v e a f a s e o r a l , a f a s e sádico-anal a f a s e g e n i t a l . E l e s u g e r e também a ideia d e q u e o d e s e n v o l v i m e n t o d a l i b i d o p a s s a p o r u m a sucessão d e f a s e s , cada u m a correspondendo a u m a das zonas erógenas p r e v a l e n t e s . E m 1 9 2 3 , a c r e s c e n t a às f a s e s d e s c r i t a s a n t e r i o r m e n t e a "fase de organização fálica", q u e s i t u a e n t r e a f a s e a n a l e a f a s e g e n i t a l , e e x p l i c a q u e n a f a s e fálica u m único t i p o d e órgão é r e c o n h e c i d o : o pênis n o m e n i n o e s e ue q u i v a l e n t e n a m e n i n a , o clitóris. O d e s e n v o l v i m e n t o d a s e x u a l i d a d e s e g u i r i a u m a progressão a p a r t i r d a s f a s e s prég e n i t a l d e organização d a l i b i d o - o r a l , sádic o - a n a l e fálica - a t é a o r g a n i z a ç ã o g e n i t a l , e s t a última i n s t i t u i n d o - s e n a p u b e r d a d e . E m b o r a descreva o d e s e n v o l v i m e n t o psicossexual infantil e mtermos evolucionistas, F r e u d e s c l a r e c e q u e e s s a progressão não é completamente linear e que o s agrupament o s são n u m e r o s o s e a i n d a q u e c a d a f a s e d e i x a m a r c a s p e r m a n e n t e s atrás d e s i .

76 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z •

TERCEIRO ENSAIO: A S METAMORFOSES DA PUBERDADE

O auto-erotismo infantil oposto à escolha de objeto pós-puberdade N a edição d e 1 9 0 5 , F r e u d opõe c a t e g o r i c a mente ofuncionamentoda sexualidade infant i l , q u e e l e c o n s i d e r a c o m o auto-erótica, e o d a s e x u a l i d a d e pós-pubertária, q u e c e n t r a n a "escolha d eobjeto", isto é n aescolha d a pessoa eleita c o m o objeto de a m o r . D e acordo c o m a p r i m e i r a versão d a o b r a , a e t a p a p r e c o c e d a s e x u a l i d a d e não t e r i a o u t r o o b j e t o a não s e r o próprio c o r p o , e n q u a n t o a s e x u a l i d a d e póspubertária s e f u n d a m e n t a r i a n a e s c o l h a d e o b j e t o , i s t o é, a p e s s o a a m a d a e d e s e j a d a d e p o i s q u e o indivíduo a t i n g i u s u a m a t u r i d a d e física e p s í q u i c a . C o n t u d o , F r e u d já d e s c r e v e n a p r i m e i r a e d i ção d e Três ensaios u m a relação d e o b j e t o p a r c i a l e u m a relação d e o b j e t o t o t a l . A s s i m , q u a n d o a f i r m a e m 1 9 0 5 q u e "a figura da criança que suga o seio de sua mãe tornou-se o modelo de toda relação amorosa" ( p . 1 6 5 ) e s e r e f e r e a e s t a c o m o s e n d o "essa relação sexual que é a primeira e a mais importante de todas" ( p . 1 6 5 ) , e l e e v o c a u m a relação d e objeto parcial, e m q u e o seio m a t e r n o é t o m a d o p e l o b e b e c o m o o s u b s t i t u t o d e s u a mãe. F r e u d d e s c r e v e i g u a l m e n t e a m a n e i r a c o m o o bebé, d e p o i s d e r e n u n c i a r a o s e i o - relação d e o b j e t o p a r c i a l , diríamos h o j e - , d e s c o b r e a p e s s o a d a mãe e m s u a t o t a l i d a d e : s e g u n d o F r e u d , e s s a p a s s a g e m s e e f e t u a "na época em que se torna possível a criança formar a representação global da pessoa a qual pertencia o órgão que lhe dava satisfação" (p. 165). F r e u d d e s c r e v e a s s i m a p a s s a g e m d e u m a relação d e o b j e t o p a r c i a l a u m a relação d e o b j e t o t o t a l , n o ç ã o q u e complementará e m s e g u i d a a o i n t r o d u z i r o c o n c e i t o d e "pulsão p a r c i a l " e m Artigos sobre metapsicologia, e m 1 9 1 5 .

O papel dos afetos na relação de objeto S e g u i n d o o s acréscimos s u c e s s i v o s f e i t o s a Três ensaios, c o n t a t a - s e q u e F r e u d a t e n u a a o p o sição e n t r e a u t o - e r o t i s m o i n f a n t i l e e s c o l h a d e o b j e t o pós-pubertária. A s s i m , q u a n d o i n t r o d u z e m 1 9 1 5 a noção d e f a s e s d a l i b i d o , d e s c r e v e para cada u m a delas u m tipo correspondente

d e relação d e o b j e t o . N a p u b e r d a d e o c o r r e u m a integração p r o g r e s s i v a d a s p u l s õ e s p a r c i a i s q u e c u l m i n a n a e s c o l h a d e o b j e t o - t o t a l , diríamos n ó s - , característica d a f a s e g e n i t a l : " O conjunto de aspirações sexuais se dirige a uma única pessoa, na qual buscam atingir suas metas" ( p . 1 6 6 ) . N a sequência, F r e u d dará u m a importância c a d a v e z m a i o r a o p a p e l q u e d e s e m p e n h a m o s a f e t o s d e a m o r e d e ódio n a s relações d e objeto ao longo d o desenvolvimento. A s s i m , e m 1912, q u a n d o i n t r o d u z o conceito d e a m b i v a lência e m " A dinâmica d a transferência" ( 1 9 1 2 b ) , passará a c o n s i d e r a r q u e a a m b i v a lência a m o r - ó d i o c a r a c t e r i z a a r e l a ç ã o d e o b j e t o n o nível pré-genital. E l e i n t r o d u z i g u a l m e n t e u m a o p o s i ç ã o e n t r e , p o r u m l a d o , u m a corrente terna, característica d a s p u l s õ e s p a r c i a i s i n f a n t i s , e , p o r o u t r o , u m a corrente sensual, característica da escolha d eobjeto d apuberdade. Para que s e estabeleça a c o r r e n t e s e n s u a l d a e s c o l h a d e o b j e t o , é p r e c i s o q u e a criança t e n h a r e n u n c i a d o aos seus p r i m e i r o s objetos incestuosos repres e n t a d o s p o r s e u p a i e s u a mãe,d e v i d o à p r o i bição d o i n c e s t o , e a s s i m e l a d i r i g e s u a e s c o l h a d e objeto p a r a o u t r a s pessoas. C o n t u d o , essas n o v a s e s c o l h a s d e o b j e t o a i n d a são i n f l u e n c i a das pelas escolhas precoces, de m o d o que pers i s t e u m a semelhança e n t r e o s o b j e t o s d o d e s e j o e s c o l h i d o s n o período pós-pubertário e a s p r i m e i r a s e s c o l h a s d e o b j e t o , i s t o é, o s p a i s . E m o u t r o s t e r m o s , s e g u n d o F r e u d , ninguém e s c a p a à influência d a s p r i m e i r a s e s c o l h a s d e o b j e t o i n c e s t u o s a s d a infância, q u e persistirá d u r a n t e t o d a a existência: "Mesmo quem conseguiu evitar a fixação incestuosa da libido não escapa totalmente à sua influência" ( 1 9 0 5 d , p . 1 7 2 ) . P o s t e r i o r m e n t e , F r e u d mostrará q u e a reunião d a c o r r e n t e terna e d acorrente sensual seinstala quando do estabelecimento da sexualidade genital, enq u a n t o n o s distúrbios n e u r ó t i c o s a s d u a s c o r r e n t e s n ã o c h e g a m a s e r e u n i r : "(...) [correntes] cuja reunião é a única a garantir um comportamento amoroso perfeitamente normal" ( 1 9 1 2 d , p . 5 7 ) . F i n a l m e n t e , n o q u e d i z respeito a oa m o r d e objeto, F r e u d o considera i g u a l m e n t e e m u m a p e r s p e c t i v a d e d e s e n v o l v i m e n t o e, s e g u n d o ele, a criança a p r e n d e a a m a r o u t r a s p e s s o a s c o m

Ler Freud base e m u ma m o r sexual q u esentiu pelas

77

pes-

trapõe o a m o r a o ódio, c o m o mostrará e m 1 9 1 5

s o a s q u e c u i d a r a m d e l a a p a r t i r d o período d e

e m " P u l s õ e s e d e s t i n o s d a s p u l s õ e s " : "(...) os ter-

latência. P a r a r e s u m i r o c o n j u n t o d o d e s e n v o l -

mos amor e ódio não devem ser utilizados

v i m e n t o p s i c o s s e x u a l d a criança, a p u l s ã o s e x u a l

relações

se i n s t a l a c o mobjetos parciais d e n a t u r e z a e s -

para as relações

s e n c i a l m e n t e pré-genital e , d e p o i s d e u m a l e n t a

p. 61). M a s F r e u d reconhece q u ea m a t u r i d a d e

e v o l u ç ã o , c h e g a a u m a síntese d e c o r r e n t e s l i b i -

sexual descrita nesses termos r a r a m e n t e é atin-

de pulsões

com seus objetos, mas

para as

reservadas

do ego total com os objetos" ( 1 9 1 5 c ,

d i n o s a s e a f e t i v a s e m u m a e s c o l h a d eo b j e t o d e

gida e,r e a f i r m a n d o o papel decisivo

a m o r . Q u a n t o à n o ç ã o d e "escolha

objeto",

n h a d o pela sexualidade infantil n o futuro nor-

F r e u d r e s e r v a e s s e t e r m o p a r a a relação d e o b j e t o

m a l e p a t o l ó g i c o d o i n d i v í d u o , a f i r m a q u e "to-

de

de a m o r q u e se dirige au m a pessoa sentida c o m o

dos os distúrbios

u m a p e s s o a t o t a l , m o d o d e relação e m q u e i n -

ser considerados com razão como inibições

tervém u m o u t r o p a r d e o p o s t o s , a q u e l e q u e c o n -

volvimento"

patológicos

desempe-

da vida sexual

podem

do desen-

(1905d, p . 144).

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS FREUDIANOS O complexo d e Édipo: as etapas sucessivas d e u m a descoberta E m b o r a a n o ç ã o d e c o m p l e x o d e É d i p o a i n d a n ã o a p a r e ç a c o m o tal n a primeira edição d e Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e m 1905, m a s a p e n a s e m a c r é s c i m o s posteriores, v a m o s descrever s u a s principais etapas d e s d e esse m o m e n t o . De resto, essa n o ç ã o foi e v o l u i n d o progressivamente a o l o n g o d e s u a o b r a , e Freud jamais d e d i c o u u m t r a b a l h o c o n j u n t o a o c o m p l e x o d e É d i p o . O c o m p l e x o d e Édipo é u m a d e s c o b e r t a f r e u d i a n a essencial q u e a p a r e c e durante o d e s e n v o l v i m e n t o d a c r i a n ç a e constitui o o r g a n i z a d o r central d a v i d a psíquica e m t o r n o d a q u a l s e estrutura a i d e n t i d a d e sexual d o indivíduo. Para Freud, esse c o m p l e x o é universal, c o m o afirma e m Três ensaios: "Todo ser humano se vê confrontado com a tarefa de dominar o complexo de Édipo" (1905d, p. 187, nota 2 a c r e s c e n t a d a e m 1920). A l é m d i s s o , o c o m p l e x o d e É d i p o n ã o diz respeito a p e n a s a o d e s e n v o l v i m e n t o d o indivíduo n o r m a l , m a s está presente t a m b é m n o cerne d a p s i c o p a t o l o g i a e f o r m a " o complexo nuclear das neuroses". O c o m p l e x o d e Édipo

e m sua f o r m a s i m p l e s (ou p o s i t i v a )

No decorrer d e sua auto-análise, Freud foi levado a reconhecer o amor por sua mãe e a inveja e m relação a s e u pai q u e sentiu n a infância, e a estabelecer u m a ligação entre esse conflito d e sentimentos e o mito d o Édipo "Encontrei em mim e em toda parte sentimentos de amor em relação a minha mãe e de inveja em relação a meu pai, sentimentos que, suponho, são comuns a todas as crianças pequenas (...) sendo assim (...) compreende-se o efeito incrível de Édipo Rei" (Freud a Fliess, carta d e 15 d e outubro d e 1897). Esse tema foi retomado e m A interpretação dos sonhos: "O Édipo que mata o pai e casa com a mãe apenas realiza um dos desejos de nossa infância" (1900a, p. 229 [303]). N o s anos seguintes, Freud referiu-se c o m frequência à noção d e c o m p l e x o d e Édipo e m seus trabalhos clínicos, c o m o o caso "Dora" e m 1905 o u o d o "pequeno Hans" e m 1909. Mas apenas e m 1910, e m " U m tipo especial d a escolha d e objeto feita pelos h o m e n s " (191 Oh), é que a noção d e "complexo de Édipo" aparece pela primeira vez c o m o tal, s e n d o q u e o t e m o "complexo" v e m d e J u n g . No início, Freud descobre a forma simples d o c o m p l e x o d e Édipo (chamado t a m b é m d e c o m p l e x o d e Édipo positivo o u direto) e descreve a evolução desse complexo tal c o m o ocorre durante o desenvolvimento psicossexual d o menino. Este t e m c o m o primeiro objeto d e afeição s u a m ã e q u e ele deseja ter somente para si, m a s entre 3 e 5 a n o s o a m o r q u e o menino sente por pela mãe o leva a rivalizar c o m o pai q u e ele passa a odiar. Teme então ser castrado pelo pai - ser privado d e seu pênis - por causa d o s desejos incestuosos q u e sente e m relação à m ã e e d e seu ódio contra ele. S o b o efeito d a angústia desencadeada por essa a m e a ç a d e castração, o m e n i n o acaba por renunciar à realização d e seus desejos sexuais incestuosos e m relação à m ã e e entra n o período d e latência. Freud p e n s a v a o r i g i n a l m e n t e q u e existia u m a simetria c o m p l e t a entre o d e s e n v o l v i m e n t o p s i c o s s e x u a l d o m e n i n o e o d a m e n i n a e q u e , d o m e s m o m o d o q u e o m e n i n o s e a p a i x o n a v a pela m ã e e o d i a v a o p a i , a

Continua

0

78 J e a n - M i c h e l

Quinodoz

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS FREUDIANOS •

Continuação

menina se a p a i x o n a v a p e l o pai e o d i a v a a m ã e . Mais tarde, p o r é m , p e r c e b e u q u e o p e r c u r s o s e g u i d o pela menina n ã o era o m e s m o q u e o d o m e n i n o . Em 1913, e m Totem e tabu, Freud p r o c u r a explicar o caráter universal d o c o m p l e x o d e É d i p o e, particularmente, o p a p e l estruturante q u e ele d e s e m p e n h a na constituição d a p e r s o n a l i d a d e d e c a d a indivíduo. Ele tenta r e s p o n d e r a isso l a n ç a n d o a hipótese d o assassinato d o pai d a h o r d a originária p e l o s filhos, desejosos d e c o n q u i s t a r as m u l h e r e s q u e ele possuía. S e g u n d o Freud, esse c r i m e originário seria t r a n s m i t i d o e m s e g u i d a d e g e r a ç ã o e m g e r a ç ã o via filogênese, e a c u l p a ligada a esse assassinato inicial reapareceria e m c a d a indivíduo s o b a f o r m a d o c o m p l e x o d e É d i p o . A forma

completa

do complexo

de Édipo:

uma descoberta

tardia

Só muitos a n o s mais tarde, e m O ego e o id (1923b), Freud acrescentou à n o ç ã o d e c o m p l e x o d e Édipo positivo (ou direto) a d e c o m p l e x o d e Édipo negativo (ou invertido), n o ç ã o f u n d a d a na existência d e u m a constituição bissexual física e psíquica d e t o d o indivíduo d e s d e a infância. E n q u a n t o no c o m p l e x o d e Édipo positivo o m e n i n o deseja casar c o m a m ã e a matar o pai, no c o m p l e x o d e Édipo negativo o m e n i n o deseja casar c o m o pai e eliminar a mãe, q u e é vista c o m o rival. A o contrário d a f o r m a positiva d o c o m p l e x o d e Édipo, e m q u e o m e n i n o se identifica c o m seu rival e q u e ser "como" seu pai, na f o r m a negativa o u invertida d o c o m p l e x o , o m e n i n o deseja "ser" sua m ã e por via d e u m a regressão à identificação, q u e constitui, s e g u n d o Freud, a f o r m a mais p r e c o c e d e a m o r pelo objeto. Os desejos passivos femininos q u e o m e n i n o sente e m relação a seu pai levam-no a renunciar aos seus desejos heterossexuais e m relação à s u a m ã e , c o m o t a m b é m ao desejo d e identificação masculina c o m o rival paterno, c o m o Freud ilustra e m s e u e s t u d o sobre "O caso Schreber" e m 1 9 1 1 , o u n o c a s o d o " H o m e m d o s l o b o s " e m 1918. Para Freud, as d u a s formas d o c o m p l e x o d e É d i p o coexistem no p s i q u i s m o d e t o d o indivíduo, d e f o r m a q u e o c o m p l e x o d e É d i p o completo implica a g o r a q u a t r o pessoas: d e u m lado, o pai e a mãe, d e outro, a disposição a o m e s m o t e m p o masculina e feminina d a criança (menino o u menina), f u n d a d a na "bissexualidade psíquica" própria a t o d o ser h u m a n o . A p r o p o r ç ã o entre essas d u a s tendências varia, e a identidade sexual d e u m indivíduo resulta d a prevalência de u m a s o b r e a outra, s e n d o q u e o desenvolvimento psicossexual dito normal é o resultado d e u m a predominância d o c o m p l e x o d e É d i p o positivo sobre o c o m p l e x o d e Édipo negativo. E m 1923, e m "A o r g a n i z a ç ã o genital infantil" (1923e), Freud a c r e s c e n t a u m a q u a r t a fase pré-genital, a "fase fálica", q u e v e m se s o m a r às fases oral, anal e genital q u e introduzira e m 1915 e m u m a revisão d e Três ensaios. A partir d e e n t ã o , ele p a s s a a considerar q u e o d e s e n v o l v i m e n t o psicossexual d a c r i a n ç a se centra e s s e n c i a l m e n t e n o p r i m a d o d o pênis c o m o z o n a e r ó g e n a d e t e r m i n a n t e e n o c o m p l e x o d e É d i p o n o nível d e relações d e o b j e t o . Ele esclarece t a m b é m q u e essa c o n t r i b u i ç ã o d o c o m p l e x o d e É d i p o atinge seu ápice entre 3 e 5 a n o s , isto é, na fase fálica, a o m e s m o t e m p o e m q u e os d e s e j o s sexuais p e l o progenitor d o sexo o p o s t o s ã o m a i s fortes e a angústia d e castração é mais intensa. Em 1924, e m seu artigo "A dissolução d o c o m p l e x o d e Édipo" (1924d), Freud descreve a maneira c o m o complexo d e Édipo "se dissolve" o u "desaparece". Mas, ao contrário d o q u e leva a crer o título d e sua contribuição, o q u e se dissolve é o conflito edipiano tal c o m o se observa e m t o d a a sua acuidade na criança entre 3 e 5 anos. Porém, a situação edipiana propriamente dita subsiste no inconsciente tal c o m o se constituiu, c o m o organizador central d a vida psíquica d o indivíduo, perdendo, poderíamos dizer, o caráter patogênico ligado à noção de " c o m p l e x o " E m 1925, F r e u d r e t o m a a d e s c r i ç ã o d o d e s e n v o l v i m e n t o sexual d a m e n i n a e m u m artigo intitulado "Algum a s c o n s e q u ê n c i a s psíquicas d a distinção a n a t ó m i c a entre os s e x o s " (1925j). N e s s e m e i o t e m p o , ele constatara q u e se o m e n i n o e a m e n i n a t ê m o m e s m o o b j e t o n o início d a vida, isto é, a m ã e , posteriormente o d e s e n v o l v i m e n t o d a m e n i n a se diferenciará d o d e s e n v o l v i m e n t o d o m e n i n o ; na v e r d a d e , ela é levada a m u d a r d e o b j e t o e passar d o a m o r pela m ã e ao a m o r pelo pai. C o n t u d o , c o m o v e r e m o s mais adiante a p r o p ó s i t o d e suas c o n c e p ç õ e s s o b r e a feminilidade, Freud c o n t i n u a r á s u s t e n t a n d o q u e o d e s e n v o l v i m e n t o psicossexual d a m e n i n a se faz s o b o d o m í n i o d a inveja d o pênis q u e a criança d e s e j o s a d o pai t o m a c o m o substituto. Freud p e r m a n e c e r á s e m p r e fiel à s u a teoria c o n h e c i d a pelo n o m e d e " m o n i s m o fálico", q u e p o d e m o s c o n s i d e r a r c o m o u m resto d e ligação a u m a teoria sexual infantil. Finalmente, e m u m artigo intitulado " S e x u a l i d a d e f e m i n i n a " (1931b), ele c o n f i r m a r á a i m p o r t â n c i a q u e atribui à ligação p r e c o c e d a m e n i n a à s u a m ã e e à dificuldade q u e d e c o r r e para a m e n i n a d e m u d a r d e o b j e t o , isto é, d e passar d a m ã e para o pai d u r a n t e seu d e s e n v o l v i m e n t o psicossexual.

Ler Freud

CRONOLOGIA

DOS CONCEITOS

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FREUDIANOS

r

A m n é s i a infantil - auto-e rot s m o - bissexualidade - escolha de objeto - c o m p l e x o de Édipo - desenvolvimento psicossexual (do menin >, d a menina) - apoio - objeto - objeto total, objeto parcial - perversões - predisposição perversa polimorfa - pL Isã o - fase d o desenvolvimento: oral, anal, fálica, genital - teorias sexuais infantis z o n a erógena

^

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"FRAGMENTO DA ANALISE DE UM CASO DE HISTERIA (DORA)" S . FREUD (1905e)

A descoberta da transferência O r e l a t o d a c u r a jéicas^ticã^cte^poía t e m u m interesse particular, p o r q u e nele F r e u d Resc r e v e a d e s c o b e r t a d a transferência. Q u a n ) l o D o r a c o m e ç o u s u a c u r a , F r e u d p e n s o u t e r erjjeònt r a d o n e s s a pacienteVsQnfinnação ç j g ^ g r t o d e s u a s i d e i a s s o b r e a o r i g e m s e x u a l d o s fenómen o s histéricos e s o b r e o p a p e l d e s e m p e n h a d o p e l o s s o n h o s n a representação d o s s i n t o m a s : f o i u m c h o q u e q u a n d o ele assistiu i m p o t e n t e a o abandono p r e m a t u r o d eD o r a , depois d e apenas 11 semanas d e tratamento. M a s Freud teve a intuição d e t i r a r p a r t i d o d e s s e f r a c a s s o terapêutico a o p e r c e b e r d e i m e d i a t o q u e u m a resistência l i g a d a à transferência s e m a n i f e s t a r a i n v o l u n t a r i a m e n t e . E m v e z d ep a r a r n i s s o , F r e u d c o n c l u i u q u e , se tivesse i d e n t i f i c a d o a t e m p o e s s e obstáculo, p o d e r i a tê-lo i n t e r p r e t a d o e , s e m dúvida, e v i t a d o q u e a p a c i e n t e i n t e r r o m p e s s e a análise: "A transferencia, destinada a ser o maior obstáculo à psicanálise, torna-se seu mais po-

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deroso auxiliar sempre que se consegue desvendá-la e traduzir seu sentido para o doente" ( 1 9 0 5 e , p . 8 8 ) . C o n t u d o , F r e u d não p a r o u p o r a l i c o m D o r a , e 20 anos mais tarde d e u u m retoque importante n o q u a d r o d e transferência esboçado e m 1 9 0 5 , q u a n d o p e r c e b e u q u e a interrupção d e s s a c u r a n ã o s e d e v i a u n i c a m e n t e à transferência p a t e r n a d e D o r a , m a s t a m b é m à transferência m a t e r n a , i s t o é, à persistência d e u m a f o r t e atração h o m o s s e x u a l d a moça p o r s u a mãe. S e F r e u d r e a l m e n t e d e s c o b r i u a transferência e m 1905 c o m D o r a , o d e s e n v o l v i m e n t o dess a i d e i a s e e s t e n d e u p o r v á r i a s décadas a o l o n go d esua obra. Finalmente, destacamos que a noção d e c o n t r a t r a n s f e r e n c i a , m e n c i o n a d a a p e nas duas vezes p o r Freud, foi objeto de relevant e s t r a b a r h o s d e p s i c a n a l i s t a s , pós-freudianos, q u e a b r i r a m rirjva^ p e r s p e c t i v a s a c e r c a d o s l a ços indissociáveis q u e u n e m transferência e contratransferencia.

B I O G R A F I A S E HIS T Ó R I A

A genialidade de ter tirado proveito de u m fracasso terapêutico E m 1 9 0 0 , F r e u d a c a b a r a d e publicar A interpretação dos sonhos e m e r g u l h a v a n a r e d a ç ã o d e Sobre a psicopatologia da vida cotidiana q u a n d o D o r a , u m a m o ç a d e 18 a n o s - c u j o v e r d a d e i r o n o m e e r a I d a Bauer - , v e i o c o n s u l t á - l o e n v i a d a p o r s e u p a i . Freud c o m e ç o u s e u t r a t a m e n t o n o m ê s d e o u t u b r o d e 1900, m a s D o r a i n t e r r o m p e u - o b r u s c a m e n t e a p e n a s três m e s e s d e p o i s d e iniciá-lo. N o início Freud f i c o u m u i t o d e c e p c i o n a d o , m a s s u p e r o u s u a p r i m e i r a r e a ç ã o e n a s e q u ê n c i a redigiu e m d u a s s e m a n a s e s s a primeira observação sobre a transferência. Ele e s c r e v e u a Fliess q u e essa breve c u r a foi para ele a o p o r t u n i d a d e d e d u a s d e s c o b e r t a s : a primeira se referia à i m p o r t â n c i a d o p a p e l d e s e m p e n h a d o pelas z o n a s e r ó g e n a s , particularmente a z o n a oral, n a orig e m d a t o s s e nervosa d e Dora (erotização d a z o n a b u c a l ) ; a s e g u n d a se referia a o papel d e s e m p e n h a d o pela b i s s e x u a l i d a d e psíquica n o conflito d e Dora, dividida entre a atração pelos h o m e n s e a atração pelas m u l h e r e s . Foi a primeira vez q u e Freud a p l i c o u n a clínica a n o ç ã o d e bissexualidade q u e devia a Fliess. J á Continua

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82 J e a n - M i c h e l

Quinodoz

BIOGRAFIAS E HISTORIA •

Continuação

no q u e diz respeito à i n t e r r u p ç ã o d a cura, Freud c o n f e s s o u a o s e u a m i g o q u e n ã o c o n s e g u i u controlar a transferência p o r q u e n ã o foi c a p a z d e percebê-la a t e m p o e d e interpretá-la. M a s as c o n s e q u ê n c i a s q u e s o u b e tirar d e s s e f r a c a s s o fizeram d e s s a o b s e r v a ç ã o magistral u m d e s e u s principais escritos s o b r e a transferência. Por m o t i v o s d e c o n f i d e n c i a l i d a d e , Freud retardou s u a p u b l i c a ç ã o até 1 9 0 5 , m a s m e s m o assim s e u s detratores lhe fizeram d u r a s críticas p o r tê-la t o r n a d o p ú b l i c a s e m a autorização d e paciente. O q u e a c o n t e c e u c o m D o r a n o s a n o s s u b s e q u e n t e s ? E m 1903, ela se c a s o u c o m Ernest Adler, c o m q u e m teve u m filho, Kurt Herbert, q u e s e t o r n o u diretor d a c o m p a n h i a d a Ó p e r a d e S a n Francisco. E m 1923, Dora foi vítima d e crises d e a n g ú s t i a e d e s e n t i m e n t o s d e p e r s e g u i ç ã o e m relação a o s h o m e n s , q u e a levou a consultar o psicanalista Félix D e u t s c h , q u e r e c o n h e c e u nela a paciente d e F r e u d . D e p o i s d i s s o , ela viveu e m Viena até o final d o s a n o s d e 1930 e t o r n o u - s e g r a n d e a m i g a d e P e p p i n a - aliás, "Frau K." q u e a p a r e c e e m 1905 n o c a s o Dora! I m p o r t u n a d a pelos nazistas q u e estavam à c a ç a d e s e u irmão, u m político c o n h e c i d o p o r s u a s ideias marxistas e ex-primeiro ministro d a Áustria, Dora e m i g r o u p a r a o s E s t a d o s U n i d o s . Morreu e m N o v a York, e m 1945. y ^

DESCOBERTA DA OBRA As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1905e), " F r a g m e n t d ' u n e a n a l y s e d ' h y s t é r i e (Dora)", t r a d . M. B o n a p a r t e e R. L o e w e n s t e i n , in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1 9 5 4 , p. 1-91.

De uma tentativa de sedução real... Dora veio consultar Freud depois que seu pai teve u m caso c o m F r a u K .A intriga teve c o m o c e n á r i o M e r a n o , c i d a d e turística o n d e s e e n c o n t r a r a m dois casais vienenses pertencent e s a o m e i o burguês: o c a s a l P h i l i p e K a t h e r i n a , pais de D o r a , eocasal H a n s ePeppina Zellenka, aliás H e r r K . e F r a u K . ( " K " p o r c a u s a d e Zellenka). Para resumir, recordamos que o pai de D o r a teve u m caso c o m F r a u K., e seu marido, furioso p o r ter sido enganado, passou a cortejar D o r a , filha de seu rival. M a s ela estava secretamente a p a i x o n a d a p o r H e r r K., pois ele lhe lembrava seu pai. U m dia, aproximandos e d e D o r a d e s u r p r e s a , H e r r K . abraçou-a e beijou-a n a b o c a . C h o c a d a , ela l h e d eu m t a p a e o repeliu. D u r a n t e o t r a t a m e n t o , ela confess o u a F r e u d q u e s e n t i u u m a nítida excitação sexual n ocontato c o m H e r r K .por causa d a "pressão do membro ereto contra ela" ( 1 9 0 5 e , p . 19), o q u e a d e i x o u c o n f u s a e e n v e r g o n h a d a . A partir desse incidente, D o r a passou a sentir repulsa e h o r r o r pelos h o m e n s , sinais que F r e u d c o n s i d e r o u c o m o s i n t o m a s histéricos c a r a c t e rísticos. P o u c o d e p o i s d o i n c i d e n t e c o m H e r r K., D o r a t e n t o u seabrir c o m seu pai, m a s este e H e r r K . a a c u s a r a m i n j u s t a m e n t e d eter i n v e n t a d o e s s a t e n t a t i v a d e sedução. D o r a f o i e m b o -

r a m a i s c e d o d a c i d a d e turística, s e m verdadeiro m o t i v o de sua fuga. V e n d p a d e c i a c a d a v e z m a i s d e distúrbios e d e depressão, a p o n t o d e ameaçar s e , s u a família e n c a m i n h o u - a a u m a com Freud.

revelar o o q u e ela nervosos suicidarconsulta

... à fantasia inconsciente de sedução na transferência A e x p o s i ç ã o d a s sessões c o m D o r a r e f l e t e o interesse de F r e u d p o r u m relato que c o n f i r m e s u a s hipóteses t a n t o s o b r e a o r i g e m s e x u a l d o s s i n t o m a s histéricos q u a n t o s o b r e o p a p e l d o sonho c o m o revelador de conflitos inconscient e s . C o m u m e n t u s i a s m o indisfarçável, F r e u d s e lança à análise d e t a l h a d a d e u m a p r o b l e m á t i c a neurótica d e D o r a e r e l a c i o n a a s i n t e r p r e tações q u e l h e são t r a n s m i t i d a s s i m u l t a n e a mente. D e t e r m i n a d o a convencer sua paciente d a coerência d e s u a s d e d u ç õ e s , F r e u d c o n v e r s a c o m D o r a c o m u m a segurança c o m o n u n c a se t i n h a v i s t o a n t e s , s o b r e t u d o s e c o m p a r a m o s c o m o t o m c h e i o d e hesitação e d e p r u d ê n c i a a d o t a d o e m Estudos sobre a histeria, e m 1 8 9 5 . N a é p o c a d a c u r a d e D o r a , a s interpretações de F r e u d v i s a v a m essencialmente a reconstruir a cadeia de acontecimentos que t i n h a m levado

Ler Freud ao aparecimento dos sintomas, baseando-se nas associações, n o s s o n h o s e n a s lembranças d e infância f o r n e c i d a s p e l a p a c i e n t e . F r e u d p r o cede da m e s m a maneira c o m Dora quando, por exemplo, analisa seu p r i m e i r o sonho e m que e l a f o g e d a c a s a q u e está s e n d o destruída p o r u m incêndio. F r e u d r e v e l a à p a c i e n t e o s d i v e r sos aspectos inconscientes d esuas fantasias, tanto a fuga de D o r a para seu pai q u a n d o sente m e d o d o h o m e m q u e a s e d u z q u a n t o a atração d e l a p o r s e u p a i q u a n d o o s o n h o r e v e la seu desejo inconsciente de substituir o sedut o r p o r ele. P r o c e d e n d o a s s i m , p a s s o a p a s s o , F r e u d procura tornar conscientes as cadeias i n c o n s c i e n t e s q u e s u b e n t e n d e m a formação d o s sintomas. M a s , m e r g u l h a d o na busca das l e m branças d e D o r a n a s u a reconstrução, e l e n ã o p e r c e b e u a s resistências subterrâneas q u e s u a s "explicações" despertavam e msua paciente. Então s e d e u c o n t a d e q u e não b a s t a v a c o m u n i c a r a D o r a representações reconstruídas, m a s era preciso comunicar i g u a l m e n t e afetos v i v i d o s n a relação p r e s e n t e c o m e l e . Assim, foi c o m a maior surpresa que Freud v i u D o r a i n t e r r o m p e r a s sessões d e p o i s d e a p e n a s três m e s e s d e t r a t a m e n t o . U t i l i z a n d o a s anotações q u e t i n h a g u a r d a d o , e l e começa a escrever o relato dessa cura, e encontra n o m a t e r i a l clínico d a s sessões vários p r e n ú n c i o s d a interrupção. P o r e x e m p l o , a p a r t i r d o c h e i r o d e fumaça q u e a p a r e c e u r i o s s o n h o s d e D o r a , e l e p e r c e b e u q u e o p a i d e D o r a , H e r r K . e e l e próp r i o e r a m três f u m a n t e s i n v e t e r a d o s , e t i r a a s e g u i n t e c o n c l u s ã o , r e l a c i o n a n d o - a a posteriori à transferência q u e l h e e s c a p a r a : "Se eu reunir ao final todos os sinais que tornam provável uma transferência sobre mim, dado que também sou fumante, chego a pensar que um dia, durante a sessão, sem dúvida ela pode ter desejado que eu a beijasse" (p. 54). D o m e s m o m o d o , F r e u d ser e p r o v a p o r n ã o t e r c o n s e g u i d o i n t e r p r e t a r e s s a transferênc i a a t e m p o : "Quando ocorreu o primeiro sonho, em que ela me prevenia que desejava abandonar o tratamento, como outrora abandonara a casa de Herr K., eu deveria ficar alerta e lhe dizer: 'Você está fazendo um transferência de Herr K. a mim. Por acaso notou qualquer coisa que a fizesse pensar que haja de minha parte más intenções semelhantes às de Herr K (...)?'" ( p . 8 8 - 8 9 ) . É c o m o s e D o r a t i v e s s e s e n -

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t i d o e m s e u i n c o n s c i e n t e não a p e n a s emoções a m o r o s a s e eróticas p e r t u r b a d o r a s e m r e l a ç ã o a Freud, parecidas c o m asque sentira e m relação a H e r r K . , m a s também u m d e s e j o d e s e v i n g a r d es e u sedutor.

A transferência: deslocamento de uma figura do passado para o psicanalista F o i a s s i m q u e a força d a transferência s e r e v e l o u a F r e u d , transferência q u e p o d e m o s d e finir c o m o u m d r a m a que serepresenta d u r a n te o t r a t a m e n t o c o m u m a f i g u r a i m p o r t a n t e d o passado que é projetada n o presente na pessoa d o p s i c a n a l i s t a . N o c a s o d e D o r a , não h a v i a a p e nas u m a figura do passado transferida a Freud, p o i s e s t e não r e p r e s e n t a v a s o m e n t e H e r r K . , mas igualmente a figura d eu m sedutor mais a n t i g o , o p a i d e D o r a , p o r s u a v e z substituído por H e r r K. Dessa maneira, n o transcorrer d a análise, u m a c o n t e c i m e n t o r e a l r e c e n t e d a v i d a de D o r a remeteu-a u m passado anterior a oi n c i d e n t e , i s t o é, à f a n t a s i a d e t e r s i d o s e d u z i d a p o r s e u p a i , q u e r e m o n t a v a à infância. E s s e a c o n t e c i m e n t o l i g a d o à situação e d i p i a n a n a infância d e D o r a t e v e u m a i m p o r t â n c i a i n f i n i t a m e n t e m a i o r n a organização d e s e u p s i q u i s m o d o que o incidente real c o m H e r r K.

Um retoque tardio: a transferência homossexual de Dora Q u a n d o p u b l i c a esse caso e m1905, F r e u d a t r i b u i a resistência d e D o r a à s u a ligação a m o r o s a e a o s s e u s d e s e j o s s e x u a i s e m relação a o s h o m e n s representados por H e r r K., por seu pai e p o r e l e próprio. N e s s a época, F r e u d i d e n t i f i c a u n i c a m e n t e a dimensão h e t e r o s s e x u a l d a t r a n s ferência e i m a g i n a q u e D o r a só c o n s e g u e v e r n e l e u m h o m e m , i s t o é, u m s u b s t i t u t o d e H e r r K . o u d e s e u p a i : "No início, e s c r e v e F r e u d , parecia claramente que eu substituía seu pai no imaginário dela (...)" (p. 88). E n t r e t a n t o , e m u m a n o t a acrescentada e m 1923, m a i s d e 20 a n o s d e p o i s d o f i m d o tratamento, Freud reconhece que m i n i m i z o u a força d a ligação h o m o s s e x u a l d e Dora a Frau K . : "Eu falhei ao não descobrir a tempo e comunicar à doente que seu amor homossexual (ginecófilo) por

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Jean-Michel

Q u i n o d o z

Frau K. (...) era sua tendência

psíquica

inconsciente

d a mãe d e D o r a . A s s i m , p a r e c e q u e F r e u d a i n -

mais forte"; e F r e u d c o n c l u i a s s i m s u a n o t a : "Até

d a não s e d e u c o n t a v e r d a d e i r a m e n t e d e q u e

que reconhecesse a importância

u m a n a l i s t a , q u a l q u e r q u eseja s e us e x o ,

mossexuais

nos neuróticos,

das tendências

eu fracassava

mentos ou ficava completamente

ho-

nos trata-

confuso" ( p . 9 0 , n o t a

Para concluir, é interessante destacar n o t r a t a m e n t o d eD o r a , F r e u d estava vido

apenas c o m o

m i n i n o

n a transferência. P o r e x e m p l o , u m

analista h o m e m pode

1 acrescentada e m 1923). que,

envol-

h o m e m e m1905, c o m o

pode

representar u m p e r s o n a g e m m a s c u l i n o o u fedesempenhar

o papel

t r a n s f e r e n c i a l d eu m a m u l h e r o ud eu m h o m e m

e , d o m e s m o m o d o , u m aa n a l i s t a m u -

lher pode

representar

u m h o m e m o u u m a

s u b s t i t u t o d eH e r r K .e d o p a id a paciente.

m u l h e r e md i f e r e n t e s m o m e n t o s d a t r a n s f e -

M a s , q u a n d o e ms u a d e n s a n o t a d e1 9 2 3 e l e

rência. E s s a a i n d a é u m a d i m e n s ã o d a r e l a -

e x p l i c i t a a ligação d e D o r a a F r a u K . , e l e não

ção d e transferência e d e c o n t r a t r a n s f e r e n c i a

e n v o l v e a s i próprio c o m o f i g u r a f e m i n i n a d e

difícil d e c o m p r e e n d e r p a r a u m j o v e m

transferência, c o m o s u b s t i t u t o d e F r a u K . o u

nalista.

psica-

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS FREUDIANOS A transferência n o s escritos sucessivos d e Freud Assim c o m o a n o ç ã o d e c o m p l e x o d e Édipo, a n o ç ã o d e transferência apareceu por etapas n a o b r a d e Freud, ao longo d e vários d e c é n i o s . A s s i m , ela j á está presente e m 1895, e m Estudos sobre a histeria, m a s é a partir d a o b s e r v a ç ã o d e Dora, e m 1905, q u e a transferência a s s u m e seu verdadeiro significado a o s o l h o s d e Freud. E m s e g u i d a , ele c o m p l e m e n t a r á suas ideias e m vários artigos curtos d e d i c a d o s a diversos a s p e c t o s d a transferência. P r o p o n h o fazer u m breve a c o m p a n h a m e n t o d e suas g r a n d e s etapas c r o n o l ó g i c a s . O c a s o Anna

O. e a suposta

fuga de

Breuer

A transferência, s e m dúvida, t e m seu mito d e origem na maneira c o m o Freud reportou, alguns anos mais tarde, as condições e m q u e Breuer teria finalizado o tratamento d e A n n a O., e m 1881. De fato, c o m base nos relatos d e Freud, acreditou-se por muito t e m p o q u e Breuer desistiu bruscamente d o tratamento p o r q u e ela se apaixonou por ele; s e g u n d o Freud, Breuer teria fugido e m face d o caráter sexual d a transferência d e A n n a O.: "Apavorado, como qualquer médico não-psicanalista teria ficado em um caso como esse, ele fugiu, abandonando sua paciente a um colega" (Freud a Stefan Zweig, carta d e 2 d e junho d e 1 9 3 2 , 1 9 8 7 c [1908-1938]). De a c o r d o c o m pesquisas históricas recentes, parece q u e a suposta fuga d e Breuer, tal c o m o é relatada por Freud, s e reporta menos a fatos reais d o q u e a lembranças q u e ele retocou posteriormente ligadas às relações conflituosas q u e teve c o m seu colega d a primeira hora a propósito d o papel d a sexualidade na histeria. A o utilizar pela primeira vez o t e r m o transferência e m 1895, e m Estudos sobre a histeria, ele a c o n s i d e r a c o m o u m a f o r m a d e resistência entre outras, s e m lhe dar ainda a importância q u e lhe atribuirá mais tarde. Trata-se então, para ele, d e u m f e n ó m e n o limitado q u e i m p e d e o estabelecimento d a relação d e c o n f i a n ç a necessária ao b o m desenrolar d o tratamento. C o m o exemplo, ele m e n c i o n a as m á g o a s q u e o paciente p o s s a sentir involuntariamente e m relação a o m é d i c o o u a ligação excessiva a ele. A c o n s e l h a a trazer à t o n a o s motivos inconscientes d e s s a s resistências para q u e o paciente possa superá-los, d o m e s m o m o d o q u e s e procede com qualquer sintoma. A transferência

descoberta

após

o abandono

de Dora

A n o ç ã o d e t r a n s f e r ê n c i a a p a r e c e n o pleno sentido d o t e r m o c o m o c a s o d e Dora, e m 1905, q u a n d o Freud p e r c e b e q u e a paciente i n t e r r o m p e u s e u t r a t a m e n t o e m razão d e s e n t i m e n t o s a m o r o s o s e eróticos q u e reportava i n c o n s c i e n t e m e n t e a ele. Ele define então a transferência c o m o u m d e s l o c a m e n t o para a p e s s o a d o analista d e s e n t i m e n t o s , d e s e j o s , fantasias o u m e s m o d e cenários inteiros q u e s ã o a r e p r o d u ç ã o d e experiências j á vividas a n t e r i o r m e n t e c o m p e s s o a s i m p o r t a n t e s d o p a s s a d o , e m particular d a infância. Mas, e m b o r a Freud t e n h a p e r c e b i d o a posterior q u e a transferência teve u m papel decisivo n a ruptura c o m Dora, ele n ã o a c o n s i d e r a v a a i n d a c o m o o v e r d a d e i r o m o t o r d a d i n â m i c a d o p r o c e s s o psicanalítico. Eis c o m o ele a define então: " O que são essas transferências? São edições, cópias de tendências e de fantaContinua

0

Ler Freud

0

85

Continuação

sias que devem ser despertadas e tornadas conscientes pelos progressos da análise, e cujo traço característico é substituir uma pessoa que se conheceu antes pela pessoa do médico. Em outras palavras, um número considerável de estados psíquicos anteriores é revivido não como estados passados, mas como relações atuais com a pessoa do médico" (p. 87). Freud a c r e s c e n t a a l g u n s e s c l a r e c i m e n t o s q u a n t o à natureza d a transferência, d e c l a r a n d o q u e "não se pode evitar a transferência" e q u e esta "deve ser descoberta sem o concurso do doente" (p. 87). Ele se dirige

a Freud

emendo:

"Meu

capitão!"

E m "Notas sobre u m caso d e neurose obsessiva (O h o m e m d o s ratos)" (1909d), Freud d á u m belo e x e m p l o d e u m d e s l o c a m e n t o transferencial para sua p e s s o a e d o caráter estereotipado d a transferência: as o b s e s sões d e s s e paciente - c o n h e c i d o pelo n o m e d e " H o m e m d o s Ratos" - t i n h a m c o m e ç a d o no exército, no dia e m q u e ouviu u m capitão descrever c o m deleite u m suplício chinês e m q u e ratos penetravam no ânus d e u m supliciado. Depois de ter ouvido o relato d e seu paciente, Freud tentou lhe explicar detalhadamente j á na s e g u n d a sessão q u e seus sintomas t i n h a m u m a o r i g e m sexual, q u a n d o ouviu o " H o m e m d o s Ratos" dirigirse a ele várias vezes c h a m a n d o - o d e "Meu capitão!". Projeçóes

no psicanalkta

de figuras

do passado

infantil

í â m i c a d a transferência" (1912b), primeiro artigo d e d i c a d o inteiramente à transferência, Freud adota o "termo "imago" - n o ç ^ o proposta por J u n g - para designar as figuras interiores d o passado q u e são objeto d e deslocamentos para a pessoa d o analista. Freud leva e m conta igualmente o papel d o s afetos transferenciais d e a m o r e d e ódio evidenciados por Ferenczi e m 1909, depois d e observar q u e os pacientes tendiam a colocar o m é d i c o no p a p e l d a s figuras parentais ao m e s m o t e m p o a m a d a s e temidas. Portanto, não basta falar simplesóejliransferência", esclarece Freud, mas o psicanalista deve considerar t a m b é m as qualidades afetivas inerentes à transferência; por isso, ele passa a distinguir u m a transferência "positiva", d o m i n a d a por sentimentos ternos, e u m a transferência "negativa", d o m i n a d a por sentimentos hostis. S e g u n d o ele, os sentimentos ternos ligados à transferência positiva t ê m u m fundamento erótico, e m parte consciente e e m parte inconsciente, pois as primeiras relações d a infância s e m p r e se estabelecem c o m objetos sexuais. Consequentemente, a transferência para o analista tem sempre u m d u p l o c o m p o n e n t e , positivo e q e g a t i v o , e q u a n d o é a c o m p a n h a d a d e sentimentos hostis o u d e elementos eróticos reprimidoé, a transferência se transforma em resistência. Essa d u p l a corrente d e afetos leva Freud a adotar a noção d e ambivalência introduzida por Bleuler e m 1 9 1 1 . Ele esclarece q u e a ambivalência, evidentemente, p o d e ter itai caráter normal, m&s q u a n d o é excessiva, e m particular na psicose, p o d e induzir no paciente u m a transfereagia negatjya,,£tfi -elação ao analista suscetível d e impedir o êxito d o tratamento. Transferência

e

repetição

E m "Recordar, repetir e elaborar" (1914g), Freud vai a i n d a mais l o n g e . Ele enfatiza a d i m e n s ã o d e repetiç ã o d a transferência e constata q u e q u a n t o maior a resistência, mais o paciente t e n d e a repetir s u a p r o b l e m á t i c a através d e m a n o b r a s , e m vez d e se lembrar; "Vejamos um exemplo: o analisado não diz que se recorda de ter sido insolente e insubmisso em relação â autoridade parental, mas se comporta dessa maneira em relação ao analista. (...). Ele não se lembra mais de ter sentido uma enorme vergonha de certas atividades sexuais e de ter ficado com medo que fossem descobertas, mas mostra que tem vergonha do tratamento a que é submetido e faz de tudo para mantê-lo em segredo, e assim por diante" (p. 109). N e s s e artigo, Freud c o n s e g u e explicar m e l h o r d o q u e antes o q u e diferencia "as transferências" que encontramos nas relações d a v i d a cotidiana, particularmente na v i d a a m o r o s a , e "a transferência" p r o p r i a m e n t e dita q u e a p a r e c e n a c u r a psicanalítica e m relação à p e s s o a d o analista: ele c h a m a esse último t i p o d e transferência d e "neurose de transferência" e a d e s c r e v e c o m o u m a " d o e n ç a artificial" q u e se d e s e n v o l v e n a situação analítica. O setting psicanalítico tal c o m o p r e c o n i z a oferece, s e g u n d o ele, as c o n d i ç õ e s d e s e g u r a n ç a q u e p e r m i t e m a o p a c i e n t e dar livre c u r s o às suas fantasias transferenciais, d a s quais p o d e r á ser c u r a d o pelo trabalho t e r a p ê u t i c o : "É no manejo da transferência que se encontra o principal meio de conter o automatismo de repetição e de transformá-lo em uma razão de se lembrar" (p. 113).

Continua

0

86 J e a n - M i c h e l

Quinodoz

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS FREUDIANOS • O amor

de transferência:

uma

forma

obstinada

de

Continuação resistência

Em u m outro escrito t é c n i c o , "Observações s o b r e o a m o r transferencial" (1915a [1914]), Freud se indaga sobre a atitude a adotar q u a n d o u m a paciente se apaixona pelo analista. Interromper o t r a t a m e n t o não seria u m a s o l u ç ã o , pois, s e g u n d o ele, por se tratar d e u m f e n ó m e n o transferencial, ele tenderia a se reproduzir inevitavelmente c o m o p r ó x i m o terapeuta, e assim por diante, e m razão d o f e n ó m e n o d e repetição. E o m é d i c o t a m b é m n ã o p o d e r i a considerar esse a m o r c o m o u m a m o r verdadeiro, e explica: "No que se refere à análise, satisfazer a necessidade de amor da doente é tão desastroso e temerário quanto sufocá-lo" (1915a p. 124). E m u m a s i t u a ç ã o c o m o essa, Freud alerta o terapeuta para q u e d e s c o n f i e d e u m a possível "contratransferencia" (p. 118). E m outros t e r m o s , o a m o r d a paciente por seu terapeuta é a expressão d e u m a resistência q u e se o p õ e ao desenvolvimento d a transferência, e por isso é importante reconduzi-la às suas origens inconscientes. S e g u n d o Freud, esse estado a m o r o s o n a d a mais é d o q u e u m a reedição d e certas situações p a s s a d a s e d e reações infantis q u e d e t e r m i n a m seu caráter c o m p u l s i v o e p a t o g ê n i c o , e fazem dele u m a fonte d e resistências q u e é preciso analisar. Q u a n d o o analista se vê diante d o a m o r d e transferência, é importante q u e a d o t e u m a atitude feita d e reserva e d e abstinência: "(...) o analista está proibido de ceder. Qualquer que seja o valor que atribua ao amor, ele deve tentar mais ainda aproveitar a oportunidade que se oferece para ajudar sua paciente a atravessar uma das fases mais decisivas de sua vida" (p. 129). A p e n a s nessas c o n d i ç õ e s , c o n c l u i Freud, o analista possibilitará à paciente "adquirir essa maior liberdade interior que distingue a atividade psíquica consciente (...) da atividade inconsciente" (p. 129). Transferência,

compulsão

de repetição

e pulsão

de

morte

Em 1920, e m Além do princípio do prazer, Freud constata e m alguns pacientes q u e a transferência conserva u m caráter repetitivo insuperável e q u e , e m vez d e progredir, eles c o n t i n u a m a repetir s e u s fracassos o u seus sintomas, por n ã o r e m e m o r a r e elaborar. O b s e r v a n d o q u e o c o m p o r t a m e n t o desses pacientes está e m c o n tradição c o m a primeira teoria d a s pulsões, s e g u n d o a qual o p s i q u i s m o h u m a n o t e m c o m o objetivo essencialmente a b u s c a d o prazer e a evitação d o desprazer, Freud p õ e e m q u e s t ã o s u a teoria. E lança a hipótese d e q u e u m a f o r ç a psíquica inexorável c o n d e n a certos pacientes a cair repetidamente e m situações d e sofrimento e d e fracasso, s e m c o n s e g u i r superá-las. A fim d e distinguir esse f e n ó m e n o clínico d a s i m p l e s "repetição", ele o chamaópjteórrlpulsao de repéSçãoS-QO\s o paciente d e m o n s t r a i n c a p a c i d a d e d e e s c a p a r a essa força p u l s i o n a j ^ t r i p u l s i v a q u e qualifica d e "diabofíca". A s s i m , Freud teve a a u d á c i a d e postular a existência, além d 0 43íipcípio d o prazer, d e u m conflito f u n d a m e n t a l , o u seja, u m conflito entre d o i s g r u p o s d e pulsões, a pulsão d e v i d a e a p u l s ã o d e morte. Essas novas ideias lhe p e r m i t e m diferenciar entre o s pacientes neuróticos, q u e a p r e s e n t a m u m a "neurose de transferência" e o b e d e c e m ao princípio prazer/desprazer, e os pacientèMiuesofrem d e d e p r e s s ã o , a e ^ r v e f s ã o o u d e psicose, q u e a p r e s e n t a m u m a "neurose narcisista" e u m a transfer^rrcia-hoGtií, b a G o a d a r i o ^ c o n f l i t o f u n d a m e n t a l pulsão d e vida/pulsão d e morte. A contratransferencia e m Freud O c o n c e i t o d e c o n t r a t r a n s f e r e n c i a a p a r e c e raramente n o s escritos d e F r e u d . Ele o d e f i n e e m 1910, e m "As perspectivas f u t u r a s d a t e r a p ê u t i c a psicanalítica", c o m o "a influência que o paciente exerce sobre os sentimentos inconscientes de sua análise"; e p a r a q u e o p r ó p r i o m é d i c o "reconheça e domine essa contratransferencia", r e c o m e n d a n ã o a p e n a s u m a análise prévia, c o m o t a m b é m q u e p r o s s i g a s u a autoanálise ( 1 9 1 0 d , p. 2 7 ) . E m u m a carta d e 2 0 d e fevereiro d e 1913 a L. Binswanger, F r e u d s u s t e n t a q u e a c o n t r a t r a n s f e r e n c i a está "entre os problemas técnicos mais complicados da psicanálise". Ele adverte o analista c o n t r a a t e n t a ç ã o d e c o m u n i c a r s e u s afetos ao paciente d e i m e d i a t o , e r e c o m e n d a q u e identifique s u a c o n t r a t r a n s f e r e n c i a a fim d e elaborá-la: " O que se dá ao paciente nunca pode ser justamente afeto imediato, mas sempre afeto conscientemente consentido, e isso mais ou menos de acordo com a necessidade do momento. Em certas circunstâncias, pode-se conceder muito, mas jamais tirando de seu próprio inconsciente. Essa seria a fórmula para mim. Portanto, a cada vez é preciso reconhecer sua contratransferencia, e superá-la." Finalmente, e m s e u artigo s o b r e o a m o r d e transferência, c o m o v i m o s , Freud t a m b é m a c o n s e l h a o m é d i c o a "desconfiar de uma possível contratransferencia" (1915a, [ 1 9 1 4 ] ) . Freud n ã o m e n c i o n a r á mais a contratransferencia, e essa n o ç ã o será para ele e s s e n c i a l m e n t e u m a reação i n c o n s c i e n t e d o psicanalista " c o n t r a " a transferência d o paciente, isto é, u m a reação q u e se o p õ e a o d e s d o b r a m e n t o d a transferência q u a n d o ela n ã o é s u f i c i e n t e m e n t e e l a b o r a d a pelo analista. C a b e r á aos psicanalistas p ó s - f r e u d i a n o s d e s e n v o l v e r mais a m p l a m e n t e a n o ç ã o d e contratransferencia, q u e se tornará e n t ã o u m i n s t r u m e n t o decisivo n a e l a b o r a ç ã o d a transferência d e n t r o d a relação analítica.

Ler Freud

87

PÓS-FREUDIANOS O desenvolvimento da contratransferencia após Freud Paula

Heimann

e Heinrich

Racker:

novas

perspectivas

A partir d o s anos d e 1950, a n o ç ã o d e contratransferencia a m p l i o u - s e a p o n t o d e se tornar u m a f e r r a m e n t a essencial na c o m p r e e n s ã o d a c o m u n i c a ç ã o entre paciente e analista, tal c o m o se c o n c e b e n o m o m e n t o atual. Deve-se e m primeiro lugar a Paula H e i m a n n , d e Londres, e a Heinrich Racker, d e B u e n o s Aires, a ênfase d a d a ao fato d e q u e as reações contratransferenciais d o analista f o r n e c e m i n d i c a ç õ e s valiosas s o b r e o q u e o paciente está v i v e n d o . D e v e m o s esclarecer q u e o p o n t o d e partida dessas perspectivas i n o v a d o r a s é, s e m d ú v i d a , a d e s c r i ç ã o d a identificação projetiva por Klein, e m 1946, e m b o r a ela n ã o t e n h a feito o m e s m o uso desta q u e se fez p o s t e r i o r m e n t e na análise d a contratransferencia durante a s e s s ã o . E m 1950, Paula Heimann c h a m o u a atenção para a importância d a resposta emocional d o analista ao paciente e m seu artigo "A propósito d a contratransferencia", m o s t r a n d o q u e esta p o d e se tornar u m verdadeiro instrumento de pesquisa no interior d o inconsciente d o paciente. Ela distinguia esse uso d a contratransferencia na situação analítica d a reação inconsciente d a análise ligada a sua própria neurose. Na m e s m a é p o c a , Racker mostra q u e os sentimentos contratransferenciais experimentados pelo analista p o d e r i a m constituir indicadores válidos sobre o q u e se produzia no paciente. Racker distinguia dois tipos de contratransferencia: d e u m lado, a "contratransferencia c o n c o r d a n t e " , q u e está na base d a empatia, na qual o analista se identifica c o n s c i e n t e m e n t e a aspectos d a personalidade d e seu paciente; d e outro lado, a "contratransferencia c o m plementar", q u e é u m a reação na qual o analista projeta inconscientemente seus objetos internos no paciente, estabelecendo assim u m a transferência na direção d o paciente (1953). É preciso salientar q u e , na m e s m a é p o c a , a importância d a contratransferencia aparecia igualmente e m alguns outros psicanalistas mais o u m e n o s próximos d a corrente kleiniana, entre os quais Winnicott (1947) o u M. Little (1951). Finalmente, vale a p e n a mencionar q u e M. Neyraut (1974) estendeu a n o ç ã o d e contratransferencia para além d o q u e sente o psicanalista, incluindo o conjunto d e suas referências psicanalíticas pessoais e sua própria metapsicologia. Contratransferencia

"normal"

e identificação

projetiva:

Wilfred

R.

Bion

N o final d o s a n o s d e 1950, Bion contribuirá para estender a n o ç ã o d e contratransferencia a o revelar u m a f o r m a n o r m a l de contratransferencia, t o m a n d o c o m o base a distinção q u e estabeleceu entre a identificaç ã o projetiva patológica e a identificação projetiva n o r m a l (1959). Essas contribuições permitirão e x a m i n a r as t r o c a s entre paciente e analista à luz d e n o v o s c o n c e i t o s , particularmente e m t e r m o s d e "relação c o n t i n e n t e - c o n t e ú d o " , assim c o m o a c a p a c i d a d e maior o u m e n o r d e tolerar a angústia e d e transformá-la. A partir d e então, a transferência e a contratransferencia serão c o n s i d e r a d a s e m u m c o n j u n t o indissociável, q u e p o d e m o s entender c o m o u m a "situação total" (B. J o s e p h , 1985). A contra-identificaçãolprojetiva:

Leon

Grinberg

A p o i a n d o - s e nas distinções estabelecidas por Racker e nas ideias d e Bion, Leon Grinberg (1962) d a r á u m a c o n t r i b u i ç ã o original ao descrever a "contra-identificação projetiva", q u e é u m a resposta específica i n c o n s ciente à identificação projetiva d o paciente, na qual o analista se identifica i n c o n s c i e n t e m e n t e c o m o q u e foi p r o j e t a d o nele. A c o n t r a - i d e n t i f i c a ç ã o projetiva i n d e p e n d e d e conflitos internos d o p a c i e n t e , s e g u n d o G r i n b e r g , e é isso q u e a diferencia d a contratransferencia c o m p l e m e n t a r d e Racker. Q u a n d o é s u b m e t i d o a u m a identificação projetiva excessiva, o analista p o d e c e d e r " p a s s i v a m e n t e " à f o r ç a d a s p r o j e ç õ e s d o paciente, a c r e d i t a n d o q u e se trata d e fantasias dele, psicanalista. Mas se o psicanalista c o n s e g u e conter as e m o ç õ e s a s s i m projetadas nele, diferenciá-las e reconhecê-las c o m o s e n d o d o paciente, a contra-identific a ç ã o projetiva p o d e se tornar u m i n s t r u m e n t o t é c n i c o m u i t o útil para entrar e m c o n t a t o c o m os níveis mais p r o f u n d o s d o material fantasioso d o s a n a l i s a n d o s . Os d e s d o b r a m e n t o s q u e teve o conceito d e contratransferencia durante a s e g u n d a m e t a d e d o século XX influenciaram fortemente a maneira c o m o a técnica é praticada atualmente, não apenas pelos psicanalistas kleinianos e pós-kleinianos, m a s t a m b é m pela maior parte d o s psicanalistas pertencentes às correntes c o n t e m p o r â n e a s ligadas à Associação Psicanalítica Internacional. C o n t u d o , as posições variam bastante q u a n t o à utilização d a contratransferencia na clínica cotidiana e m f u n ç ã o das preferências d e c a d a psicanalista.

Continua

£

88 J e a n - M i c h e l

Quinodoz

PÓS-FREUDIANOS • Posições

extremas

Continuação

em relação

à

contratransferencia

Eu não p o d e r i a encerrar este breve circuito s e m m e n c i o n a r q u e a contratransferencia d e t e r m i n o u duas posições e x t r e m a s entre o s práticos. A primeira diz respeito à t é c n i c a c h a m a d a d e "countertransference self disclosure", que consiste em que o analista revele (ou d i v u l g u e , d e s v e n d e ) s u a própria vivência para o paciente, a fim d e lhe m o s t r a r a diferença entre o q u e o analista está v i v e n d o e o q u e o paciente está v i v e n d o . Essa t é c n i c a p o d e ser utilizada para o m e l h o r , c o m o s a l i e n t a C o o p e r ( 1 9 9 8 ) , m a s t a m b é m p a r a o pior, q u a n d o o q u e s e r e v e l a d a contratransferencia n ã o é e l a b o r a d o pelo analista antes d e ser restituído a o paciente. A l g u n s psicanalistas n o r t e - a m e r i c a n o s fizeram d e s s e u s o d a "self disclosure" u m a verdadeira t é c n i c a , m a s isso i m p l i c a u m a c o n c e p ç ã o diferente d a s t r o c a s entre paciente e analista e m relação à q u e l a e m q u e se situa c l a s s i c a m e n t e a n o ç ã o d e contratransferencia na relação psicanalítica. E n c o n t r a m o s u m a o u t r a p o s i ç ã o i g u a l m e n t e extrema e m relação à contratransferencia, m a s t o t a l m e n t e o p o s t a : é a r e c u s a c o m p l e t a d e levá-la e m c o n t a , p o s i ç ã o a d o t a d a pela maior parte d o s psicanalistas q u e s e g u e m o p o n t o d e vista d e L a c a n . Para este, d e fato, a contratransferencia é n ã o a p e n a s u m a resistência ao t r a t a m e n t o , m a s a resistência última d o analista. Essa é u m a d a s principais d i v e r g ê n c i a s t e ó r i c a e técnica entre os psicanalistas lacanianos c o n t e m p o r â n e o s e os psicanalistas pertencentes à A s s o c i a ç ã o Psicanalítica Internacional, c o m o ressalta J . A. Miller q u a n d o d e s e u d e b a t e c o m D. W i d l ó c h e r (2003): "(...) se procuramos descobrir o que separa os lacanianos e os outros, afirma Miller, contatamos o seguinte: o manejo da contratransferencia está ausente da prática analítica lacaniana, ela não é tematizada, e isso é coerente com a prática lacaniana da sessão breve e com a doutrina lacaniana do inconsciente."

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS Transferência - transferência heterossexual - transferência homossexual - transferência maternal transferência p a t e r n a l

D ELIRIOS

E SONHOS

NA "GRADIVA"

DE

JENSEN

S. FREUD (1907a)

Um estudo clínico da psicose através de um personagem de romance Trata-se d o primeiroensaio que F r e u d ded i c a a o e s t u d o d e u m a o b r a literária, a o q u a l s e seguirão o u t r o s c o n s a g r a d o s t a n t o à l i t e r a t u r a q u a n t o às a r t e s p l á s t i c a s , i n a u g u r a n d o o q u e é c h a m a d o h o j e d e psicanálise a p l i c a d a . C o m essa o b r a p u b l i c a d a e m 1907, F r e u d p r o c u r a a m p l i a r s e u público, c o m a esperança d e e n c o n t r a r u m a a c o l h i d a m a i s favorável a o m o s t r a r q u e u m a o b r a literária c o m o Gradiva c o n f i r m a m u i t a s d e s u a s o b s e r v a ç õ e s clínicas. Esse romance se presta particularmente b e m à demonstração, p o i s a s a v e n t u r a s v i v i d a s p e l o herói, o arqueólogo H a n o l d , através d e s e u s s o n h o s e delírios, p o d e m s e r l i d a s c o m o s e f o s s e m a e v o l u ç ã o d e u m c a s o clínico, t a l c o m o u m psicanalista poderia observar e m u m pac i e n t e . Além d i s s o , f i c a m o s s u r p r e s o s c o m a

analogia entre o procedimento seguido por H a n o l d a ol o n g o d a n a r r a t i v a e o t r a b a l h o d e pesquisa nos estratos d oinconsciente feito pelo psicanalista, trabalho que F r e u d c o m p a r o u m u i t a s v e z e s c o m o d o arqueólogo. N e s s e t e x t o , d e s c o b r i m o s também o d o m d e o b s e r v a ç ã o clínica p a r t i c u l a r m e n t e d e s e n v o l v i d o e m F r e u d . E m 1907, ele descreve e m H a n o l d a l g u n s fenómenos psicopatológicos, c o m o a negação d a r e a l i d a d e e a c l i v a g e m d o ego, s e m ter c o m p r e e n d i d o a i n d a q u e esses m e c a n i s m o s s ã o específicos d a p s i c o s e e d a perversão. A p e n a s 2 0 a n o s m a i s t a r d e , e l e d e signará a negação d a r e a l i d a d e e a c l i v a g e m d o e g o c o m o s e n d o a s d e f e s a s características d a p s i c o s e , d i s t i n g u i n d o - o s d a repressão, q u e reservará a p a r t i r d e então p a r a a n e u r o s e .

B I O G R A F I A S E Hlí T O R I A Freud, Pompeia e a Gradiva Foi Carl Gustav J u n g q u e c h a m o u a a t e n ç ã o d e Freud p a r a o interesse q u e p o d e r i a ter para a psicanálise o r o m a n c e p u b l i c a d o e m 1903 por W i l h e l m J e n s e n . Freud ficou e n t u s i a s m a d o c o m a leitura e redigiu s e u s c o m e n t á r i o s e m 1906, d u r a n t e s u a s férias d e verão; a o b r a foi l a n ç a d a e m 1907. A p r o p ó s i t o d e G r a d i v a , r e c o r d a m o s q u e Freud visitara P o m p e i a e m 1902 c o m Alexander, s e u irmão 10 a n o s mais n o v o , e q u e ele a f i r m o u , j á no fim d a vida, ter lido mais o b r a s d e a r q u e o l o g i a d o q u e d e psicologia. E m s e t e m b r o d e 1907, p o u c o d e p o i s d a p u b l i c a ç ã o d e s e u livro, Freud v o l t o u a R o m a , o n d e p ô d e ver, n o m u s e u d o Vaticano, o baixo-relevo q u e tinha inspirado o r o m a n c e d e J e n s e n . A d q u i r i u u m a r e p r o d u ç ã o q u e p e n d u r o u e m s e u g a b i n e t e , j u n t o ao divã, e q u e levou c o m ele a o emigrar para L o n d r e s e m 1938. O a n o d e 1907 foi particul a r m e n t e m a r c a n t e p a r a a história d a psicanálise, pois Freud teve três e n c o n t r o s decisivos, s e n d o o p r i m e i ro c o m J u n g . O s e g u n d o e n c o n t r o foi c o m Max Eitigon q u e , d u r a n t e l o n g o s passeios c o m Freud e m Viena, e m p r e e n d e u a primeira psicanálise didática. Finalmente, o terceiro e n c o n t r o foi c o m Karl A b r a h a m , q u e a c a b a r a d e se instalar e m Berlim, d e p o i s d e passar três a n o s no serviço d e E. Bleuler e m Z u r i q u e .

Continua

0

90 J e a n - M i c h e l

£

Quinodoz

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA •

Continuação

Carl Gustav J u n g (1875-1961) Psiquiatra suíço, J u n g foi o f u n d a d o r d a p s i c o l o g i a analítica. N a s c e u e m 1875 e m u m a família protestante d e Zurique, e s e u pai e r a pastor. E m 1895, iniciou e s t u d o s d e m e d i c i n a e m Bale, e e m 1 9 0 0 ingressou c o m o assistente n a clínica psiquiátrica d o Burghõlzli e m Z u r i q u e , dirigida p o r E u g e n Bleuler. D e s d e c e d o se interessou p e l o espiritismo, e p u b l i c o u e m 1902 u m a tese intitulada Fenómenos ocultos. J u n g d e s e n v o l veu n e s s a clínica u m teste p s i c o l ó g i c o f u n d a d o nas a s s o c i a ç õ e s d e palavras e introduziu o t e r m o " c o m p l e xo" para d e s i g n a r o c o n j u n t o d e i m a g e n s e d e fantasias q u e suscitava nas p e s s o a s q u e e r a m s u b m e t i d a s a ele. Ele o utilizou t a m b é m c o m pacientes psicóticos, e e m 1907 p u b l i c o u u m a o b r a q u e s e t o r n o u u m clássico, Psicologia da demência precoce. Foi então q u e e m p r e e n d e u u m a c o r r e s p o n d ê n c i a c o m Freud, q u e e n c o n t r o u p e l a primeira vez e m fevereiro d e 1907. Essa relação a s s u m i u d e s d e o início u m a g r a n d e importância, pois Freud e J u n g d i s p u n h a m d e u m intérprete na clínica d e Bleuler e m Zurique, u m d o s hospitais psiquiátricos mais respeitados d a é p o c a . A l é m disso, a presença d e J u n g , q u e pertencia a u m a família protestante d e Zurique, evidenciava a d i m e n s ã o não confessional d a psicanálise. A p r o p ó s i t o d e J u n g , Freud escreverá a Karl A b r a h a m : "Somente após sua chegada, a psicanálise escapou do perigo de se tornar uma questão do povo judeu [...] nossos colegas arianos são indispensáveis para nós". Freud sentia u m a forte simpatia por J u n g , e às vezes o c h a m a v a d e seu "herdeiro", convencido d e q u e ele era o h o m e m q u e poderia sucedê-lo. C o m isso, será q u e estaria reportando e m parte a J u n g a idealização q u e fizera antes d e Fliess? E m 1909, Freud foi para o s Estados U n i d o s a convite d a Clark University e m c o m p a n h i a d e J u n g e d e Ferenczi. L o g o depois, J u n g foi d e s i g n a d o c o m o primeiro presidente d a A s s o c i a ç ã o Psicanalítica Internacional e tornou-se redator-chefe d o Jahrbuch. N o m e s m o ano, abriu u m consultório particular e m Kússnacht, perto d e Zurique, o n d e passaria o resto d e seus dias. Foi por volta d e 1912 q u e o conflito entre Freud e J u n g s e t o r n o u a g u d o . O s principais p o n t o s d e desacord o referiam-se a o fato d e q u e J u n g recusava a teoria d a libido e o papel d e s e m p e n h a d o p e l a sexualidade infantil p o s t u l a d o s p o r F r e u d . P o u c o d e p o i s d e publicar Metamorfoses e símbolos da libido, e m 1912, J u n g a b a n d o n o u definitivamente o m o v i m e n t o psicanalítico e se d e m i t i u d e s e u p o s t o n a U n i v e r s i d a d e d e Zurique. Passou p o r u m a fase d e d e s c o m p e n s a ç ã o d u r a n t e a qual sofria d e angústias e a l u c i n a ç õ e s . D e d i c o u se então a u m a auto-análise a p r o f u n d a d a q u e d e n o m i n o u e m s u a biografia d e " c o n f r o n t a ç ã o c o m o inc o n s c i e n t e " , e foi n e s s a é p o c a q u e e l a b o r o u a maior parte d a s n o ç õ e s q u e p e r t e n c i a m à s u a própria c o n c e p ç ã o d e v i d a psíquica: i n c o n s c i e n t e coletivo, a r q u é t i p o s , individuação, interpretação j u n g u i a n a d o s s o n h o s , a s s i m c o m o s u a p r ó p r i a a b o r d a g e m terapêutica q u e c h a m o u d e " p s i c o l o g i a analítica". Desde então, J u n g s e g u i u s e u próprio c a m i n h o e, durante s e u período pós-freudiano, foi s e t o r n a n d o p o u c o a p o u c o chefe d e escola e c o n q u i s t a n d o u m a g r a n d e plateia internacional. E m 1 9 2 1 , p u b l i c o u Tipos psicológicos, e m q u e p r o p u n h a u m a tipologia d o desenvolvimento psicológico f u n d a d o n o conceito d e individuação. Mas suas ideias s o b r e a psicologia d o s p o v o s levaram-no a assumir às vezes posições racistas, inclusive antisemitas, e a adotar u m a atitude a m b í g u a e m relação às teses nacionais socialistas. Durante a g u e r r a d e 19391945, retirado a maior parte d o t e m p o e m u m a torre q u e m a n d o u construir e m Bollingen, J u n g se d e d i c o u à sua prática psicoterapêutica, assim c o m o à redação d e suas obras. Suas pesquisas a b o r d a m vários temas d e investigação, c o m o a alquimia, a espiritualidade e a mística, c a m p o s q u e ele tentou articular c o m s u a c o n c e p ção f e n o m e n o l ó g i c a d a evolução d a psique mediante a individuação. J u n g morreu e m 1961 e m Kússnacht. C o m o situar J u n g e s u a o b r a atualmente? S e g u n d o E u g e n e Taylor (2002), J u n g era visto p e l o s historiadores d o s é c u l o XX s o b r e t u d o c o m o u m acólito d e Freud, e a teoria j u n g u i a n a foi c o n s i d e r a d a c o m o u m a dissidência c o m relação à teoria psicanalítica. C o n t u d o , p e s q u i s a s recentes s o b r e a história d a p s i c o l o g i a das p r o f u n d e z a s p e r m i t i r a m situar J u n g c o m o u m autêntico representante d a corrente d a " h i p ó t e s e s i m b ó lica" e m c o n t i n u i d a d e c o m as psicologias d a t r a n s c e n d ê n c i a d o s é c u l o XIX, a o m e s m o t e m p o e m q u e se r e c o n h e c e s u a dívida c o m Freud. S e g u n d o Taylor, essa influência c o n t i n u a s e n d o i m p o r t a n t e até hoje: " P o d e - s e atribuir às s u a s raízes m a i s a n t i g a s o i n t e r e s s e c r e s c e n t e p e l a s ideias d e J u n g d e n t r o d a contracultura psicoterapêutica d o s países ocidentais. C o n t u d o , o s analistas j u n g u i a n o s r e c o n h e c i d o s aind a c o n s i d e r a m s e u vínculo identitário c o m o u m a variante d e Freud e b u s c a m s u a legitimidade d e n t r o d a corrente a m p l i a d a d a p s i c o l o g i a e d a psiquiatria, t e n t a n d o colonizar o terreno d a psicanálise, e m b o r a poss u a m u m a h e r a n ç a q u e lhe é própria, m a s q u e a i n d a n ã o reivindicaram" (Taylor, 2002, p. 3 0 0 ) .

Ler Freud

91

DESCOBERTA DA OBRA A s p á g i n a s indicadas r e m e t e m ao texto p u b l i c a d o e m S . Freud (1907a), Le delire et les rêves dans "La Gradiva" d e J e n s e n , trad. J . Bellemin-Noèl, Paris, Gallimard, 1986. (Esse v o l u m e é c o m p o s t o d e d u a s partes: a primeira c o n t é m o texto original d o r o m a n c e d o escritor a l e m ã o Willhelm Jensen, intitulado "Gradiva, fantaisie pompéienne",* e a s e g u n d a parte c o n t é m o c o m e n t á r i o d e Freud intitulado: Le delire et les rêves dans "La Gradiva" de Jensen.)

5ré O argumento de G/fed/Va O herói d o r o m a n c e , H a n o l d , u m arqueólog o a p a i x o n a d o p o r s e ut r a b a l h o e q u e a d o r a v a viajar, levava u m a v i d a mais o um e n o s n o r m a l , a i n d a q u e l h e o c o r r e s s e t e r u m "delírio episódico" ( p . 2 1 4 ) . N a infância, H a n o l d a m a v a t e r n a m e n t e u m a m e n i n a , s u a v i z i n h a Zoé Bertgang ("Bertgang" s i g n i f i c a " a q u e l a q u e a n d a " e m a l e m ã o ) . M a s , e n t r a n d o n a adolescência e p e r t u r b a d o p o r sua sexualidade crescente, e l ese afast o u d a m e n i n a e d a sm u l h e r e s e m geral, a p o n t o d e i g n o r a r s u a existência. C o n t u d o , H a n o l d v i r a e m u mm u s e u u mb a i x o - r e l e v o representando u m a m e n i n a antiga, e ficou fascinado c o m s u a p o s t u r a e l e g a n t e e c o m a posição p a r t i c u l a r d e s e u pé. A d q u i r i u u m a reprodução q u e p e n d u r o u n ap a r e d e d e casa, e b a t i z o u a m e n i n a d e "Gradiva" ( a q u e l a q u e a n d a ) . A atração q u e essa j o v e m r o m a n a misteriosa exercia sobre ele i n v a d i a c a d a v e z m a i s s e u espírito. U m a n o i t e , s o n h o u q u e estava e mP o m p e i a , p o u c o antes d a erupção d o Vesúvio, e q u e e n c o n t r a v a G r a d i v a : n o s o n h o , e l e t e n t a v a avisá-la d o p e r i g o q u e e l a c o r r i a , m a s e m vão. A o d e s p e r t a r , m o v i d o p o ru mardoroso desejo inconsciente, H a n o l d p a r t i u para Pompeia. C h e g a n d o lá, e l e e n c o n t r o u n a s ruínas d a c i d a d e s o t e r r a d a u m a moça q u e i m a g i n o u s e r G r a d i v a , m a s q u e n a r e a l i d a d e não e r a o u t r a s e n ã o Z o é , s u a v i z i n h a e a m i g a d e infância, q u e também e s t a v a v i s i t a n d o P o m p e i a . O e s c r i t o r d e s c r e v e e n t ã o c o m m u i t o t a l e n t o a s peripécias d o s e n c o n t r o s s u c e s s i v o s e n t r e o s d o i s heróis, e conduz sutilmente o leitor a compartilhar as d ú v i d a s d e H a n o l d , até s e u delírio: e s s a m o ç a q u e e l e vê p o r a l g u n s i n s t a n t e s , d e m o d o f u g a z , s e r i a o u não e s s a G r a d i v a q u e v i v e u há 2

* N . d e T . N a tradução b r a s i l e i r a , Gradiva.

Uma fantasia

m i l a n o s ? É então q u e intervém o p a p e l s a l v a d o r d e Z o é , aliás, G r a d i v a , c o m o a d e s c r e v e Jensen; esta, à m a n e i r a d e u m terapeuta, e n t r a rá e m p a r t e n o delírio d e H a n o l d , m a s s e m s e iludir; d e fato, mediante u m discurso d e d u p l o sentido, e l a conversa c o mele cautelosamente e aospoucos leva-o a enfrentar suas ideias d e l i r a n t e s até a b a n d o n á - l a s . N o f i n a l , o h e r ó i c o n s e g u e r e c o n h e c e r n a G r a d i v a a p e s s o a d e Zoé, pela q u a l estava apaixonado s e msaber, e d e siste d e deslocar essa a m o r p a r a a m u l h e r r e presentada n obaixo-relevo antigo. N ofinal, a narrativa d eJensen n o s deixa a surpresa d e descobrir u melemento particularmente signif i c a t i v o d o p o n t o d e v i s t a psicanalítico: a b u s ca d e H a n o l d e r a d e t e r m i n a d a i n c o n s c i e n t e m e n t e p o r u mdesejo infantil ainda m a i s antig o e m a i s e s c o n d i d o , o d e sair à p r o c u r a d es u a m ã e q u e m o r r e u q u a n d o e l e e r a criança, c o m o s e a lembrança p e r d i d a d a mãe e s t i v e s s e s o t e r rada n o esquecimento desde o cataclismo psicológico c o m p a r á v e l à e r u p ç ã o d e u m v u l c ã o .

Personagens de ficção como casos clínicos E m s e u comentário d o r e l a t o d e J e n s e n , F r e u d e s t u d a o s p e r s o n a g e n s d e ficção c o m o s e f o s s e m c a s o s clínicos. A s s i m , e l e m o s t r a q u e o s s o n h o s , a s f a n t a s i a s e o delírio d e H a n o l d p o d e m s e r a n a l i s a d o s p e l o m e s m o método terapêutico q u e o s s o n h o s e a s f a n t a s i a s d e p a c i e n t e s e m análise. P o r e x e m p l o , q u a n d o Hanold sonha q u e encontra Gradiva e m P o m p e i a , o conteúdo d e s e u s o n h o s e r e v e l a c o m o a realização d o d e s e j o i n c o n s c i e n t e r e p r i m i d o d e encontrar a m u l h e r a m a d a e desejad a , c o n f o r m e s u a t e o r i a s u g e r i d a e m A inter-

pompeiana,

lançada p e l a J o r g e Z a h a r .

92

Jean-Michel

prefação

Quinodoz

dos sonhos ( 1 9 0 0 a ) . C o n t u d o , s o b o e f e i -

t o d a repressão d e pulsões s e x u a i s

inaceitáveis

p a r a s u a consciência, H a n o l d s e a f a s t a

daque-

lírio e m H a n o l d é a r e p r e s s ã o d e s u a s p u l s õ e s s e x u a i s . Além d i s s o , F r e u d d e m o n s t r a q u e o s s o n h o s q u eo se s c r i t o r e s a t r i b u e m a o s s e u s h e -

l a q u e a m an a r e a l i d a d e , Zoé, p a r a s e v o l t a r a

róis p o d e m

u m a m u l h e r mítica, G r a d i v a .

n e i r a q u e o s s o n h o s d o s p a c i e n t e s e m psicaná-

Posteriormente,

s e ri n t e r p r e t a d o s d a m e s m a m a -

reprimidas

l i s e . F i n a l m e n t e , F r e u d r e v e l a a semelhança

levará H a n o l d a e m p r e e n d e r s u a v i a g e m p a t o -

e n t r e o p a p e l terapêutico d o p s i c a n a l i s t a e a q u e -

o r e t o r n o d e s u a s pulsões s e x u a i s

lógica a P o m p e i a , a t e r a a l u c i n a ç ã o d a p r e s e n -

l e q u e J e n s e n a t r i b u i a Zoé, p o i s é e l a q u e p e r -

ça d e G r a d i v a e a n ã o r e c o n h e c e r Z o é . E m o u -

mite a H a n o l d diferenciar, pouco a pouco,

tras palavras, a tese d oromancista v e m

cinação e r e a l i d a d e e a s s u m i r

refe-

alu-

conscientemente

rendar a d eFreud, pois s u anarrativa mostra

s e u d e s e j o p o r e l a , Zoé, u m a m u l h e r b e m

q u e o q u ed e t e r m i n a t a n t o o s o n h o c o m o o d e -

cujo n o m e significa " v i d a " .

real,

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS FREUDIANOS Freud e a criação literária e artística É e m 1907 q u e , p e l a primeira vez, Freud e x a m i n a u m a o b r a literária à luz d a psicanálise. A s s i m , v a m o s n o s deter u m instante n a s relações q u e ele m a n t e v e c o m a criação artística. A s o b r a s artísticas, e m particular as o b r a s literárias, s e m p r e d e s p e r t a r a m o interesse d e Freud e d o s psicanalistas, intrigados c o m a c a p a c i d a d e d o artista d e suscitar a e m o ç ã o d o e s p e c t a d o r o u d o leitor. N a s o b r a s literárias, a e s c o l h a d e t e m a s c o m o o c o m p l e x o d e É d i p o e m Sófocles o u d o p e r s o n a g e m d e Hamlet d e S h a k e s p e a r e p e r m i t i u estabelecer paralelos reveladores entre as intrigas descritas n o s p e r s o n a g e n s d e ficção e o s conflitos q u e s e observ a m n o s p a c i e n t e s e m psicanálise. Essas a p r o x i m a ç õ e s permitiram a o s psicanalistas, e m p r i m e i r o lugar Freud, e x a m i n a r o s p e r s o n a g e n s literários c o m o s e f o s s e m c a s o s clínicos. Freud se i n d a g o u s o b r e o q u e leva o artista a produzir u m a o b r a d e arte e s o b r e as c a u s a s d o i m p a c t o e m o c i o n a l q u e esta p r o d u z n o e s p e c t a d o r o u leitor. Para ele, o artista b u s c a a f o n t e d e criatividade e m seu próprio i n c o n s c i e n t e e projeta s e u m u n d o d e fantasias interior e m s u a o b r a , o pintor e m s u a tela, o escritor e m seus p e r s o n a g e n s : "Já o escritor procede de outra maneira; é em sua própria alma que ele dirige a atenção ao inconsciente, que ele perscruta suas possibilidades de desenvolvimento e lhe atribui uma expressão artística, ao invés de reprimi-la por uma crítica consciente. Assim, ele extrai de si mesmo e de sua própria experiência aquilo que nós aprendemos com os outros: a que lei deve obedecer a atividade do inconsciente" (1907a, p. 2 4 3 ) . É isso q u e permite analisar n ã o a p e n a s a o b r a d e arte, m a s t a m b é m o próprio autor. Q u a n t o a o i m p a c t o q u e u m a o b r a literária o u artística p r o d u z n o leitor o u espectador, é m e d i a n t e a identificação, s e g u n d o F r e u d , q u e a o b r a a g e s o b r e ele. Essa identificação seria p r o d u z i d a p e l o s d e s e j o s reprim i d o s d o artista, o c u l t a d o s n a f o r m a d a d a à o b r a d e arte, c o m o t a m b é m n a intenção d o artista d e despertar e m q u e m a c o n t e m p l a a m e s m a atitude e m o c i o n a l q u e o inspirou (1907a, p. 2 4 3 ) . Depois d e Freud, m u i t o s psicanalistas d e r a m s u a contribuição a o estudo d a s obras d e arte. Entre o s trabalhos recentes, e u m e n c i o n a r i a o estudo d e H. Segal (1991), q u e vai mais l o n g e q u e Freud: para ela, o artista não p r o c u r a s o m e n t e c o m u n i c a r u m desejo inconsciente através d e sua arte, m a s ele t a m b é m está e m busca de u m a solução fantasiosa para u m p r o b l e m a inconsciente e tenta c o m u n i c a r por m e i o d e s u a o b r a a necessidade de reparação q u e estimula seu impulso criador. Segal ainda estabelece u m paralelo entre o s o n h o e a o b r a d e arte; p o r é m , diferentemente d o s s o n h o s , as obras d e arte t ê m a p r o p r i e d a d e d e "encarnar" n a realidade material, e é por isso q u e s e u impacto estético d e p e n d e e m parte d a maneira c o m o o s artistas utilizam o suporte material concreto para expressar simbolicamente suas fantasias: "[O artista] não é apenas um sonhador, é um artesão supremo. Um artesão pode não ser um artista, mas um artista deve ser um artesão". (Segal, 1 9 9 1 , p. 176).

Ler Freud

93

PÓS-FREUDIANOS Neurose e psicose justapostas em

Gradiva?

Delírios e sonhos na "Gradiva" de Jensen t e m interesse n ã o a p e n a s d o p o n t o d e vista d a psicanálise aplicad a a u m a o b r a literária, m a s i g u a l m e n t e d o p o n t o d e vista clínico e teórico. No q u e se diz respeito à clínica, Freud descreve c o m u m d o m d e o b s e r v a ç ã o i n c o m p a r á v e l u m a m p l o leque d e s i n t o m a s q u e atribui à n e u r o s e , c o m o a inibição d o herói e m relação às m u l h e r e s e seu delírio alucinatório e p i s ó d i c o . C o n t u d o , Freud fala u n i c a m e n t e d e "delírio" q u a n d o e v o c a as a l u c i n a ç õ e s d e H a n o l d e n ã o utiliza o t e r m o " p s i c o s e " . Mas, será q u e se p o d e falar d e p s i c o s e nesse caso? Os comentários d o s psicanalistas pós-freudianos variam q u a n t o a esse ponto. Para os psicanalistas q u e se a t ê m a o texto d e Freud, o delírio d e Hanold p r o v é m essencialmente d e u m distúrbio d e consciência passageiro, não-psicótico, q u e se p o d e observar e m u m a personalidade neurótica (Jeanneau, 1990). Para outros psicanalistas pós-freudianos q u e fazem u m a leitura d e Gradiva levando e m conta os últimos trabalhos d e Freud sobre a n e g a ç ã o d a realidade e a clivagem d o e g o , pode-se considerar q u e as alucinações d e H a n o l d p e r t e n c e m à parte d e seu e g o q u e n e g a u m a realidade insuportável, e n q u a n t o q u e a outra parte d o e g o a aceita. Desse ponto d e vista, a cura ocorre q u a n d o essa última aceita a realidade e t o m a a frente d a parte d o e g o q u e a n e g a . A s s i m , p a r a F. L a d a m e (1991), o delírio e as a l u c i n a ç õ e s d o herói seriam típicos d a psicopatologia q u e se encontra na adolescência, q u e qualificaríamos hoje d e u m a d e s c o m p e n s a ç ã o psicótica, cujos destinos são vários. Por s u a vez, D. Q u i n o d o z (2002) evidenciou a maneira c o m o Freud nos oferece u m m o d e l o q u e ensina ao psicanalista "como falar aparte "louca" de nossos pacientes sem ignorar o resto de sua pessoa" (p. 60). S e g u n d o a autora, o fato d e Hanold ter u m delírio e ao m e s m o t e m p o levar u m a vida mais o u m e n o s normal implica u m a clivagem d o e g o , c o m o se encontra hoje c o m muita frequência e m pacientes q u e ela c h a m a d e "heterogéneos". A coexistência e m u m a m e s m a pessoa d e u m a parte q u e delira e d e u m a outra parte q u e leva e m conta a realidade c o n d u z a u m a a b o r d a g e m técnica particular pelo psicanalista. A s s i m , e m b o r a Z o é não se deixe levar pelo delírio d e H a n o l d , ela evita lhe dizer imediatamente: Z o é utiliza "um discurso de duplo sentido" q u e p o d e ser c o m p r e e n d i d o pela parte delirante d e Hanold, mas t a m b é m por s u a parte q u e leva e m conta a realidade. Se fizermos u m a leitura d o s textos d e Freud à luz d e s e u s t r a b a l h o s d o último período, p o d e r e m o s observar u m a j u s t a p o s i ç ã o d e m e c a n i s m o s d e c o r r e n t e s d a p s i c o s e e m e c a n i s m o s decorrentes d a n e u r o s e na maioria d o s c a s o s clínicos q u e ele d e s c r e v e , m a s a i n d a s e m conceituar, d e s d e Estudos sobre a histeria, e m 1895, até " O h o m e m d o s l o b o s " , e m 1918. De fato, Freud m o s t r a e m Esboço de psicanálise (1940a [1938]) q u e a parte d o e g o q u e n e g a a realidade e a parte d o e g o q u e a aceita s ã o e n c o n t r a d a s e m p r o p o r ç õ e s variáveis não a p e n a s na psicose, m a s t a m b é m na n e u r o s e e m e s m o n o indivíduo n o r m a l . Finalmente, alguns comentadores enfatizaram a problemática d o fetichismo onipresente nesse texto f r e u d i a n o , c o m o d e s t a c o u J . Bellemin-Noél (1983), d o fetichismo d o pé a o d o andar d e Gradiva.

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS Delírio alucinatório - ali c i n a ç ã o - n e u r o s e - psicanálise a p l i c a d a a u m a o b r a literária - psicose

"ANALISE DE UMA FOBIA EM UM MENINO DE CINCO ANOS (O PEQUENO HANS)" S. FREUD (1909b)

A primeira psicanálise de criança

Esse estudo d e caso constitui o relato d o p r i m e i r o t r a t a m e n t o psicanalítico d e u m a c r i a n ça. A c u r a d o m e n i n o , o " p e q u e n o H a n s " , o u Herbert Graf, foi conduzida por seu pai, M a x G r a f , prática q u e não e r a r a r a n a época. A análise se d e s e n v o l v e u d e j a n e i r o a m a i o d e 1908 e foi supervisionada por F r e u d c o m base nas anotações q u e o p a i f a z i a r e g u l a r m e n t e e l h e t r a n s m i t i a , m a s e l e só i n t e r v e i o p e s s o a l m e n t e u m a vez, durante u m a entrevista decisiva c o m o pai d a criança. F r e u d e s c r e v e u u m r e l a t o d e s s a c u r a , q u e p u b l i c o u e m 1 9 0 9 c o m a autorização d o p a i . E s s a contribuição d e F r e u d i n a u g u r o u a n o v a r e v i s t a psicanalítica, Jahrbuch fur

psychoanalytische und psychopathologische Forschungen, c u j a criação f o r a d e c i d i d a n o a n o a n t e r i o r n o P r i m e i r o C o n g r e s s o d e Psicanálise e m S a l z b u r g . E s s a r e v i s t a efémera f o i p u b l i c a d a até a véspera d a P r i m e i r a G u e r r a M u n d i a l . O q u e n o s e n s i n a esse e s t u d o d e caso? E m p r i m e i r o lugar, o caso d o" p e q u e n o H a n s " p r o p o r c i o n o u a F r e u d a " p r o v a " q u e ele t a n t o b u s c a v a d e s u a s hipóteses s o b r e a existência d e u m a s e x u a l i d a d e n a criança e m g e r a l ; e m s e g u n d o lugar, a cura desse caso de fobia v e i o ilustrar d ef o r m a magistral as possibilidades terapêuticas d a psicanálise não a p e n a s n o a d u l t o , m a s também n a criança.

B I O G R A F I A S E Hl 5TÓRIA

O " p e q u e n o Hans": uma carreira brilhante c o m o diretor de ópera O s pais d o p e q u e n o Hans n ã o e r a m estranhos para Freud, pois s u a mãe, O l g a Graf, tinha sido analisada por ele a l g u n s anos antes. Q u a n t o a o pai d e Hans, Max Graf, c o m p o s i t o r e crítico musical, ele c o n h e c e r a Freud e m 1900, e s e n d o apaixonado pelas descobertas d a psicanálise, participou regularmente d a s reuniões d a S o c i e d a d e Psicanalítica d a s quartas-feiras até 1913. Desde 1906, q u a n d o Hans tinha m e n o s d e 3 anos, Max Graf transmitiu regularmente a Freud observações q u e fazia sobre s e u filho. Ele respondia assim a o apelo d e Freud q u e exortara seus discípulos mais próximos a tomar notas s o b r e t u d o o q u e pudesse estar relacionado c o m a sexualidade infantil a fim d e confirmar as hipóteses q u e sugerira e m Três ensaios sobre a teoria da sexualidade e m 1905. Freud utilizou certas observações feitas pelo pai d o p e q u e n o Hans e m dois artigos: " O esclarecimento sexual d a s crianças" (1907c) e "Sobre as teorias sexuais d a s crianças" (1908c). Q u a n t o a o c a s o d o " p e q u e n o Hans", p u b l i c a d o e m 1909, trata-se d e u m relato d o trabalho d e interpretação e d e elaboração realizado até a eliminação parcial d o s conflitos subjacentes à o r i g e m d o s i n t o m a fóbico. D e p o i s disso, Freud p e r d e u d e vista o m e n i n o assim c o m o seus pais, m a s e m u m p o s f á c i o a c r e s c e n t a d o e m 1922 ele c o n t a q u e nesse a n o r e c e b e u a vista d e u m j o v e m q u e se a p r e s e n t o u c o m o o p e q u e n o H a n s descrito p o r ele n o artigo d e 1909. Freud f i c o u feliz por saber q u e a c r i a n ç a para q u e m " s e previra t o d o tipo d e d e s g r a ç a " (p. 198 [129]) estava muito b e m e n ã o sofria mais d e inibição. Ele s o u b e t a m b é m q u e s e u s

Continua

£

96 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA •

Continuação

pais t i n h a m - s e d i v o r c i a d o e q u e a m b o s t i n h a m se c a s a d o n o v a m e n t e . Finalmente, Freud s e s u r p r e e n d e u ao constatar q u e o j o v e m n ã o t i n h a g u a r d a d o n e n h u m a l e m b r a n ç a d e s u a c u r a psicanalítica. Herbert Graf, q u e t i n h a c o m o p a d r i n h o o c o m p o s i t o r Gustav Mahler, se tornaria mais t a r d e u m diretor d e ó p e r a r e c o n h e c i d o . C o m a n d o u , entre outras, a Metropolitan O p e r a d e N e w York, t e n d o r e t o r n a d o à E u r o p a o n d e t e r m i n o u s u a carreira c o m o diretor d e G r a n d Théâtre d e G e n e b r a . M a s , apesar d a trajetória profissional brilhante, s u a v i d a p e s s o a l foi m a r c a d a por fracassos c o n j u g a i s q u e o levaram a retomar u m a psicanálise e m 1970, c o m H u g o S o l m s , e m G e n e b r a . Graf m o r r e u n e s s a c i d a d e e m 1973. C h e g o u a publicar quatro entrevistas c o m o jornalista F. Rizzo, lançadas c o m o título Memórias de um homem invisível (1972), e m q u e s e revela p u b l i c a m e n t e c o m o o " p e q u e n o H a n s " . P o r é m , n ã o t e m o m e s m o interesse p e l a psicanálise q u e s e u p a i , M a x Graf, a q u e m se d e v e a p u b l i c a ç ã o p ó s t u m a d e u m artigo d e F r e u d , " P e r s o n a g e n s p s i c o p á t i c o s n o p a l c o " (1942 [1905-1906]), q u e lhe foi p r e s e n t e a d o e m 1906.

DESCOBERTA DA OBRA As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1909b), "Analyse d e la p h o b i e d ' u m g a r ç o n d e c i n q a n s (Le petit H a n s ) " , in Cinq psychanalyses, trad. M. B o n a p a r t e e R. L o e w e n s t e i n , Paris, PUF, 1954, p. 93-198 [as páginas indicadas entre colchetes remetem ás OCF.R IX, p. 1-130].

A confirmação da importância da sexualidade em uma criança pequena

Manifestações precoces da sexualidade infantil no "pequeno Hans"

O r e l a t o d e F r e u d contém d u a s p a r t e s : u m a c u r t a introdução, q u e reúne a s observações f e i tas p e l o p a i d o " p e q u e n o H a n s " q u a n d o e l e t i n h a e n t r e 3 e 5 a n o s , período q u e p r e c e d e u o a p a r e c i m e n t o d afobia; e u m a s e g u n d a parte, q u e relata o d e s e n v o l v i m e n t o d acura, s e g u i d o d e comentários d e F r e u d .

F r e u d e n c o n t r a n a s anotações f e i t a s p e l o p a i a confirmação d o i n t e r e s s e p a r t i c u l a r m e n t e i n t e n s o d e s s e m e n i n o p o r s e u próprio c o r p o , e s o b r e t u d o p o r s e u pênis q u e e l e c h a m a d e s e u "faz-xixi". E s s e ó r g ã o é o b j e t o d e u m a c u r i o s i dade ilimitada e constitui p a r a ele u m a fonte d e p r a z e r e d e angústia. P o r i s s o , n ã o p a r a d e f a z e r p e r g u n t a s às p e s s o a s d e s e u convívio: "Papai, você também tem um faz-xixi?", indaga ao pai, que responde afirmativamente.M a s as r e s p o s t a s q u e r e c e b e às v e z e s s ã o a m b í g u a s , s o b r e t u d o q u a n d o s e t r a t a d e questões r e l a c i o n a d a s à s u a m ã e e às m e n i n a s . U m d i a , e n q u a n t o o b s e r v a s u a mãe s e d e s p i n d o , e l a l h e p e r g u n t a : "O que você está olhando desse jeito?" - "Eu só quero ver se você também tem um faz-xixi" - "Então, r e s p o n d e a m ã e , isso quer dizer que você não sabia?" ( 1 9 0 9 b , p . 9 6 [8]). E m s u a r e s p o s t a a m b í g u a , será q u e a m ã e d e H a n s q u i s d i z e r s i m p l e s m e n t e q u e e l a t i n h a u m orifício p a r a u r i n a r , o u d e u a e n t e n d e r q u e também t i n h a u m pênis? P a r a F r e u d , é a s e g u n d a p o s s i b i l i d a d e q u e t e m m a i s importância a o s o l h o s d o m e n i -

Transcritas fielmente por seu pai, as palav r a s d i t a s p e l o m e n i n o s o b r e questões s e x u a i s d e m o n s t r a r a m q u e a cabeça d o " P e q u e n o H a n s " e s t a v a t o m a d a d e preocupação p e l o s e n i g m a s d asexualidade s o btodas a s suas f o r m a s . Além d i s s o , o q u e s eo b s e r v o u n e s s a criança p o d i a s e r g e n e r a l i z a d o a t o d a s a s c r i a n ças d e s d e s e u s p r i m e i r o s a n o s , e n ã o s e t r a t a v a d e u m c a s o patológico. F i n a l m e n t e , e s s a s observações f e i t a s e m H a n s v i n h a m f u n d a m e n t a r h i p ó t e s e s q u e F r e u d f o r m u l a r a e m Três ensaios sobre a teoria da sexualidade s o b r e a e x i s tência d e u m a s e x u a l i d a d e i n f a n t i l , h i p ó t e s e s q u e t i n h a d e d u z i d o essencialmente a partird e l e m b r a n ç a s s u r g i d a s d u r a n t e a análise d e p a cientes adultos.

Ler Freud n o , e e s s a i d e i a f o r m a e m s u a m e n t e u m a "teoria sexual infantil", s e g u n d o a q u a l a s m u l h e r e s têm pênis c o m o o s h o m e n s . F r e u d f i c o u i m p r e s s i o n a d o c o m a f i r m e z a d e s s a convicção e m u m a criança p e q u e n a , convicção q u e p o d e s e r r e f o r çada p e l a s p a l a v r a s d e s u a mãe, não o b s t a n t e a s a f i r m a ç õ e s contrárias d o p a i , q u e i n s i s t e e m d i z e r q u e a s m e n i n a s não têm pênis. E i s u m t r e c h o d e s s e t i p o d e diálogo e n t r e p a i e f i l h o "Hans tinha prometido ir comigo a Lainz no domingo seguinte, 15 de março, e s c r e v e o p a i . No começo ele resiste um pouco, mas acaba indo. (...) No caminho eu\ lhe explico que sua irmã não tem um faz-xixi como o seu. As meninas e as mulheres não têm faz-xixi, mamãe não tem, Anna também não, e assim por diante. Hans - E você, tem um faz-xixi? Eu [ o p a i ] - Claro, o que é que você acha? Hans [ a p ó s u m silêncio] - Então, como as meninasfazem xixi se elas não têm um faz-xixi? Eu - Elas não tem um faz-xixi como o seu. Você nunca viu quando a gente dá banho na Anna?" ( p . 1 1 2 [27]). Nesse m e s m o texto, F r e u d estranha que as c r i a n ç a s m a n i f e s t e m tão c o m u m e n t e u m a p e r cepção errónea s o b r e e s s a questão e não l e v e m e m c o n t a o q u e vêem, p o r e x e m p l o , q u e u m a m e n i n a n ã o t e m " f a z - x i x i " , o q u e a s levará a v i v e r s u a s p r i m e i r a s a n g ú s t i a s d e castração. O pai conta que u m dia, q u a n d o H a n s tinha 3 anos e m e i o , a mãe o s u r p r e e n d e c o m a mão n o pên i s : "Se você fizer isso, lhe diz ela, vou chamar o Dr. A. e ele vai cortar seu faz-xixi. E aí como é que você vai fazer xixi? - Com o meu bumbum!", r e s p o n d e u o m e n i n o (p. 9 5 (77). D i a n t e d eu m a t a l ameaça, d i z F r e u d , o m e n i n o a d q u i r e u m " c o m p l e x o d e castração", q u e t e m u m p a p e l tão d e t e r m i n a n t e n a aparição d e u m a n e u r o s e . Q u a n t o m a i s avançamos n o r e l a t o , m a i s n o s s u r p r e e n d e m o s c o m a pertinência d a s questões de H a n s e,sobretudo, c o m sua busca de verdad e , e m p a r t i c u l a r q u a n d o s e u p a i o u s u a mãe l h e dá r e s p o s t a s q u e não o s a t i s f a z e m . P o r e x e m p l o , o n a s c i m e n t o d e s u a irmã A n n a , e m o u t u b r o d e 1906, q u a n d o ele t e m 3 anos e m e i o , const i t u i o g r a n d e a c o n t e c i m e n t o d es u a v i d a .

97

"14 de abril. O tema Anna ocupa o primeiro plano, e s c r e v e o p a i p a r a F r e u d . Como o senhor deve se lembrar dos relatos anteriores, ele manifestara uma forte aversão contra a criança recém-nascida que lhe roubou uma parte do amor de seus pais - aversão que ainda não tinha desaparecido completamente e que fora compensada apenas em parte por uma afeição exagerada. Eleja expressara claramente esse desejo: 'A cegonha não devia trazer outra criança, a gente devia lhe dar dinheiro para ela não tirar mais nenhuma da c a i x a g r a n d e onde ficam as crianças e trazer para ca" ( p . 1 4 0 [60]). H a n s c o m p r e e n d e u q u e A n n a e s t a v a p r e s e n t e e q u e t i n h a saído c o m o u m "lumpf ( t e r m o i n v e n t a d o p o r ele p a r a d e s i g n a r a s fezes). N o s m e s e s q u e s es e g u e m a o n a s c i m e n t o d a irmã, H a n s não a p e n a s s e m o s t r a enciumado c o m o muitas vezes deseja s u a m o r t e , ao m e s m o t e m p o e m que declara abert a m e n t e s u a afeição p o r e l a .

A situação edipiana e o conflito de ambivalência em relação ao pai F r e u d c o m e m o r a p o r v e r c o n f i r m a d o "da maneira mais clara e mais perceptível" t u d o o q u e a n t e c i p a r a e m A interpretação dos sonhos e e m Três ensaios sobre a teoria da sexualidade: "É verdadeiramente um pequeno Édipo, que queria "deixar de lado" seu pai, livrar-se dele para ficar sozinho com sua linda mãe, para dormir com ela" ( p . 1 7 2 [98]). O d e s e j o d e H a n s d e d o r m i r c o m s u a m ã e e d e r e c e b e r d e l a "pequenas carícias" a p a r e c e u n a s férias d e v e r ã o , d u r a n t e a s a u sências d e s e u p a i , q u a n d o o m e n i n o e x p r e s s o u o d e s e j o d e q u e s e u p a i "vá embora" e "fique lá", c h e g a n d o a m a n i f e s t a r o d e s e j o d e q u e e l e "morra". P a r a F r e u d , e s s e d e s e j o d e m o r t e e m relação a o p a i p o d e s e r e n c o n t r a d o e m t o d o m e n i n o e f a z p a r t e d a situação e d i p i a n a n o r m a l ; m a s q u a n d o é exacerbado, esse desejo p o d e s et o r n a r f o n t e d e s i n t o m a s , c o m o n o c a s o d e H a n s . A s s i m , o c o n f l i t o d e ambivalência a m o r / ó d i o p a s s a a s e r u m a peça c e n t r a l n a s i t u a ç ã o e d i p i a n a : "Entretanto, esse pai, que Hans não podia deixar de odiar como um rival, p r o s s e g u e F r e u d , era o mesmo que Hans sempre amara e que continuaria amando; esse pai era seu

98 J e a n - M i c h e l

Quinodoz

modelo, tinha sido seu primeiro companheiro de jogo e cuidara dele desde pequeno: eis o que dá origem ao primeiro conflito afetivo, à primeira vista insolúvel" ( p . 1 8 8 [117-118]). F r e u d o b s e r v a também q u e , n e s s a i d a d e , H a n s é tão a p e g a d o a o s m e n i n o s q u a n t o às m e n i n a s , e q u e "é homossexual como possivelmente toda criança é, o que condiz com algo que não de pode perder de vista: ele só conhece u m t i p o de órgão g e n i t a l , um órgão como o seu" ( p . 1 7 1 [97]). Nesse texto, a s s i m c o m o n o s escritos posterior e s , F r e u d a t r i b u i u m p a p e l c e n t r a l a o pênis n o d e s e n v o l v i m e n t o psicossocial tanto d o m e n i n o c o m o d a m e n i n a ; c o n t u d o , ele e v o c a a q u i a ideia d e q u e o m e n i n o p o s s a c o n c e b e r a existência d e u m a v a g i n a : "Mas, embora as sensações experimentadas em seu pênis o conduzissem a postular uma vagina, ele não conseguia resolver o enigma, pois não tinha conhecimento da existência de nada semelhante ao que seu pênis reclamava; ao contrário, a convicção de que sua mãe possuía um "faz-xixi" como o seu barrava o caminho para a solução do problema." ( p . 1 8 9 [118]). A i n d a q u e F r e u d m e n c i o n e várias vezes nesse texto fantasias ligadas especificam e n t e à s e x u a l i d a d e f e m i n i n a , e l e não a s a s s o c i a e x p l i c i t a m e n t e a u m a concepção d a s e x u a l i dade feminina, equivalente à sexualidade masc u l i n a : e s s a t a r e f a caberá a o s s e u s c o n t i n u a d o r e s , e m p a r t i c u l a r às p s i c a n a l i s t a s . A c o n c e p ção q u e F r e u d t i n h a d a s e x u a l i d a d e será s e m p r e " f a l o c ê n t r i c a " , i s t o é, f u n d a d a n a i d e i a d e q u e a diferença d o s s e x o s r e s i d e e s s e n c i a l m e n t e n a p o s s e o u n ã o u m pênis; e s s a c o n c e p ç ã o e q u i v a l e , a m e u v e r , à persistência e m F r e u d d e u m a t e o r i a s e x u a l i n f a n t i l s o b r e a questão d a diferença d o s s e x o s , c o m o v i m o s m a i s a c i m a .

O processo de cura pela psicanálise de uma fobia infantil A análise d o p e q u e n o H a n s f o i m o t i v a d a pelo aparecimento d eu m a fobia importante: o m e n i n o começou a s e r e c u s a r a s a i r d e c a s a e a a n d a r n a r u a , c o m m e d o d e ser m o r d i d o p o r u m c a v a l o o ud e s e rd e r r u b a d o p e l o a n i m a l . F r e u d e x p l i c a a constituição d e s s e s i n t o m a fóbico c o m o resultado d eu m c o m p r o m i s s o : segundo ele, o m e d o d e H a n s d e ser m o r d i d o p o r u m cavalo decorre de u m deslocamento para o ani-

m a l d e u m a angústia i n c o n s c i e n t e d e s e r c a s t r a d o p o r s e u p a i . M a s , d e o n d e provém e s s a a n gústia d e castração? O m a t e r i a l clínico d e m o n s t r o u q u e esse t e m o r d e H a n s t i n h a c o m o o r i g e m a i m p o s s i b i l i d a d e p a r a ele d e resolver o conflito edipiano: por u m lado, H a n s sentia u m forte a p e l o i n c e s t u o s o p o r s u a mãe, a p o n t o d e e x pressar o desejo de d o r m i r c o m ela e de e l i m i n a r s e u p a i , d e s e j o s intoleráveis p a r a u m a criança; por outro lado, o m e n i n o sentia u m forte apego p o r seu p a i e a om e s m o t e m p o o d i a v a - o c o m o u m rival que lhe barrava ocaminho que conduz i a à s u a m ã e , o q u e e r a i g u a l m e n t e insuportáv e l . P a r a F r e u d , f o i a conjunção d o d e s e j o i n c e s t u o s o d e H a n s p o r s u a mãe e d e u m s e n t i m e n t o d e c u l p a p o r o d i a r u m p a i tão a m a d o q u e d e s e n c a d e o u o t e m o r d e ser p u n i d o c o m a castração p o r s e u s d e s e j o s p r o i b i d o s . M a s , será q u e até e n t ã o n ã o s e o b s e r v a u m a situação e d i p i a n a análoga à d e H a n s e m q u a l q u e r m e n i n o p e q u e n o , p o r m e n o s q u e s e dê atenção a i s s o ? O q u e é q u e n o s p e r m i t e d i f e r e n c i a r e n t r e u m a situação e d i p i a n a n o r m a l e u m a situação e d i p i a n a patológica, e n t r e u m a a n g ú s t i a d e c a s t r a ç ã o n o r m a l e u m a angústia d e castração q u e d e t e r m i n a u m s i n t o m a fóbico? N a t u r a l m e n t e , p o d e - s e i m a g i n a r q u e o n a s c i m e n t o d e u m a irmãzinha, q u a n d o H a n s t i n h a três a n o s e m e i o , t e n h a i n t e n s i f i c a d o n e l e o c o n f l i t o e d i p i a n o , a u m e n t a n d o s e u ciúme e m r e l a ç ã o à i r m ã , c o m o t a m b é m s u a cólera c o n t r a a mãe e o p a i q u e a g e r a r a m . P a r a F r e u d , o f a t o r patológico q u e c r i a a f o b i a não d e v e s e rb u s c a d o n o s d e s e j o s d e m o r t e d e H a n s e m relação à s u a irmã, p o r q u e ele o s expressava a b e r t a m e n t e . A v e r d a d e i r a c a u s a d a f o b i a d e v e ser b u s c a d a n o s desejos de m o r t e que H a n s experimentava e m relação a s e u p a i , p o i s e s t e s f o r a m r e p r i m i d o s n o i n c o n s c i e n t e : s e n t i r u m t a l ódio p o r u m p a i a m a d o e r a inaceitável p a r a o c o n s c i e n t e d a criança, e a s s i m s u a s pulsões a g r e s s i v a s f o r a m r e p r i m i d a s , e a angústia d e s e r c a s t r a d o p e l o p a i f o i deslocada sob a f o r m a d o m e d o d e ser m o r d i d o o ud e r r u b a d o p o r u m cavalo. E s s e c o m p r o m i s s o sintomático p e r m i t e então a o pequeno H a n s conservar u m a m o r conscient e p o r s e u p a i e e v i t a r s e n t i r u m ó d i o intoleráv e l e m relação a e l e , situação q u e l e v a v a a u m i m p a s s e q u e e l e não c o n s e g u i a r e s o l v e r .

Ler Freud

99

Q u a n d o o t r a t a m e n t o c h e g o u a esse p o n t o

gústia d e castração a s s i m c o m o a s pulsões i n -

c r u c i a l , a c u r a p a r o u d e avançar, e p o r i s s o F r e u d

c e s t u o s a s l i b i d i n a i s o u a g r e s s i v a s estão p r e s e n -

decidiu intervir. A oreceber o m e n i n o e o pai,

t e s t a n t o e m u m a criança q u e s o f r e d e f o b i a s i n -

p e r c e b e u q u e a l g u n s d e t a l h e s n a aparência d o s

tomática q u a n t o e m u m a criança c u j o

cavalos q u eassustavam o pequeno H a n s c o m

v o l v i m e n t o p o d e serconsiderado c o m o n o r m a l .

desen-

c e r t e z a l h e r e c o r d a v a m o s óculos e o b i g o d e d e

O

seu p a i , e c o m u n i c o u essa descoberta

n o r m a l é, a n t e s d e t u d o , u m f a t o r q u a n t i t a t i v o :

a o meni-

q u e f a z a diferença e n t r e o patológico e o

no. Essa foiu m a guinada decisiva que abriu ca-

q u a n d o a situação i n t e r n a p r o d u z u m e x c e s s o

m i n h o para a cura. N a verdade, F r e u d inter-

d e angústia q u e n ã o p o d e s e r e l a b o r a d o ,

v e i o o f e r e c e n d o u m a interpretação d a t r a n s f e -

d e t e r m i n a o a p a r e c i m e n t o d eu m c o m p r o m i s -

isso

rência d o m e n i n o p a r a o p a i , e a explicação q u e

s o sintomático. F i n a l m e n t e , F r e u d

d e u p e r m i t i u q u e e l e t o m a s s e consciência d a s

essa n e u r o s e infantil c o m o

razões q u e o l e v a r a m a d e s l o c a r p a r a o a n i m a l

p o d e s e rg e n e r a l i z a d o , p o i s e l ad e m o n s t r a q u e

t a n t o s e u s d e s e j o s d e m o r t e e m relação a s e u

a n e u r o s e d o a d u l t o está e s t r e i t a m e n t e

p a i q u a n t o s e ut e m o r d es e r c a s t r a d o p o r este.

ao m e s m o complexo infantil q u e descobrimos

V a l e a c r e s c e n t a r q u e a análise d e s s e c a s o d e

considera

u mm o d e l o q u e ligada

n a f o b i a d o p e q u e n o H a n s . E m 1 9 2 6 , e m Inibi-

criança p e r m i t i u a F r e u d m o s t r a r q u e n ã o e x i s -

ções,

t e u m a diferença f u n d a m e n t a l e n t r e a s m a n i -

e s s e c a s o e modificará s u a t e o r i a d a angústia à

sintomas

e ansiedade,

Freud

reexaminará

festações patológicas d a s e x u a l i d a d e i n f a n t i l e

l u z d a introdução d a noção d e s u p e r e g o , q u e

s u a s manifestações n o r m a i s . P o r e x e m p l o , a a n -

a i n d a não t i n h a c o n c e i t u a l i z a d o e m 1 9 0 9 .

PÓS-FREUDIANOS A s tendências passivas e as tendências ativas d o " p e q u e n o Hans" reexaminadas a

posteriori

O c a s o d o "pequeno Hans" d e u m a r g e m a numerosos comentários d o s quais eu destacaria o s seguintes. A l g u n s psicanalistas assinalaram c o m razão q u e Freud s ó levou e m conta e m suas interpretações as fantasias ligadas a o desejo d e Hans d e s e identificar c o m seu pai tornando-se o marido d e s u a mãe e t o m a n d o o lugar dele, e desse m o d o privilegiou o c o m p l e x o d e Édipo direto o u positivo e m detrimento d o complexo d e Édipo invertido o u negativo. Porém, para Silverman (1980) e Frankiel (1991), Freud fornece elementos indicativos d e q u e Hans era t o m a d o igualmente pelo desejo d e s e identificar c o m s u a m ã e c o m o objetivo d e tomar o lugar dela: por exemplo, o relato revela o a p e g o erotizado d o filho por seu pai, seu desejo d e trazer seus bebés c o m o a mãe, sua identificação c o m a m ã e grávida e a o m e s m o t e m p o sua cólera e seus sentimentos d e rivalidade e m relação a esta. Pode-se perguntar por q u e Freud n ã o utilizou esse material, e m b o r a já começasse a perceber a importância d a bissexualidade e a necessidade d e interpretar n ã o apenas o s desejos e as defesas ligadas a o c o m p l e x o d e Édipo direto, mas t a m b é m aquelas ligadas a o c o m p l e x o d e Édipo invertido para eliminar a neurose. Entre o s motivos dessa abstenção, vale salientar q u e na é p o c a d o tratamento d o "pequeno Hans", Freud utilizava a noção d e bissexualidade constitutiva, m a s ainda não havia introduzido a noção d e bissexualidade psíquica, q u e aparecerá e m 1923, juntamente c o m a d e complexo d e Édipo negativo o u invertido. Além disso, pode-se presumir ainda q u e se Freud falou p o u c o sobre o conflito d o menino c o m s u a mãe, foi s e m dúvida por razões d e confidencialidade, pois a m ã e d e Hans tinha feito análise c o m ele. Finalmente, constata-se q u e Freud descreve d e forma magistral muitos f e n ó m e n o s clínicos q u e s ó posteriormente serão conceitualizados, seja por ele, seja pelos psicanalistas q u e o sucederam. É por isso q u e o leitor d e hoje mostra u m interesse s e m p r e renovado pela releitura d e s u a obra. Examinando detidamente as anotações feitas por Max Graf sobre seu filho durante dois anos, R M a h o n y (1993) foi o primeiro a se indagar sobre as deformações inevitáveis produzidas pela transcrição desse material clínico. Ele considera q u e sua redação teve u m papel transferencial determinante na cura d o menino e q u e houve u m a g u i n a d a decisiva na cura a partir d o m o m e n t o e m q u e o " p e q u e n o Hans" c o m e ç o u a se envolver ativamente n o processo d e escrita, principalmente q u a n d o passou a ditar a seu pai o q u e desejava transmitir a Freud: "Se eu escrever tudo ao Professor, será que a minha besteira vai passar logo?" (Freud, 1909b, p. 135). J o g a n d o c o m a polissemia d o s termos, R Mahony intitula seu artigo "The dictator a n d his cure" para expressar d e maneira c o n d e n s a d a a determinação autoritária d o menino e s u a participação ativa n a redação d o s relatos, q u e s e t o r n a m "sua própria atividade" (Mahony, 1993, p. 1250).

100

£

Jean-Michel

Quinodoz

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA

As primeiras psicanalistas de crianças Hermine H u g - H e l l m u t h (1871-1924) Hermine H u g - H e l l m u t h é p o u c o c o n h e c i d a ainda hoje, e m b o r a tenha sido historicamente a primeira psicanalista d e crianças. E m 1910, d e p o i s d e ter feito u m a psicanálise c o m I. Sadger, ela decidiu a b a n d o n a r seu ofício de professora d a e d u c a ç ã o infantil para se consagrar inteiramente à psicanálise d e crianças. E m 1913, foi admitida c o m o m e m b r o d a S o c i e d a d e Vienense e participou das sessões d a S o c i e d a d e d a s quartas-feiras. Publicou vários artigos e m q u e remontava às primeira s e m a n a s d a vida o início d o d e s e n v o l v i m e n t o intelectual e afetivo d a criança, assim c o m o suas primeiras e m o ç õ e s sexuais e a masturbação. H e r m i n e Hug-Hellmuth foi t a m b é m a primeira psicanalista a c h a m a r a atenção para o interesse d o j o g o na criança, m a s unicamente c o m o objetivo d e observar seu desenvolvimento; a utilização d o j o g o na técnica terapêutica propriamente dita será d e s e n v o l v i d a mais tarde por M. Klein, e d e p o i s por A. Freud. N o C o n g r e s s o d e Haia d e 1920, Hermine H u g - H e l l m u t h insistiu na necessidade d e considerar a d i m e n s ã o " p e d a g ó g i c a " e "educativa" na análise d a criança (C. e R G e i s s m a n n , 1992). Morreu e m 1924, assassinada por seu s o b r i n h o Rolf q u e ela tinha analisado e m razão d e seus distúrbios d e comportamento. Esse assassinato foi destacado pelos detratores d a psicanálise q u e d e n u n c i a r a m publicamente os riscos q u e ela implicava para crianças e adolescentes. Melanie Klein (1882-1960) Perdas,

lutos

e

depressão

Nascida e m Viena e m 1882, Melanie Klein enfrentou o luto d e s d e muito c e d o , aos 4 anos, q u a n d o perdeu sua irmã mais velha. Ela tinha relações bastante ambivalentes c o m s u a mãe, descrita c o m o possessiva e invasiva, e atravessou períodos d e p r o f u n d a depressão. E m 1902, aos 20 anos, perdeu t a m b é m s e u irmão E m m a n u e l , d e q u e m g o s t a v a muito. U m a n o depois, e m 1903, c a s o u c o m Arthur Klein, u m e n g e n h e i r o , c o m q u e m teve três filhos: Melitta, n a s c i d a e m 1904, Hans, e m 1907, e Eric, e m 1914, u m a n o a p ó s a m o r t e d a m ã e de Melanie. E m 1914, ela fez u m a primeira análise c o m Sándor Ferenczi e m Budapeste, e este a encorajou a se dedicar às fantasias p r e c o c e s e à análise d e crianças. E m 1919, ela apresentou u m a c o m u n i c a ç ã o intitulada "O desenvolvimento d e u m a criança" (Klein, 1921) q u e relatava suas primeiras o b s e r v a ç õ e s s o b r e u m menino, na v e r d a d e s e u filho Eric, e tornou-se m e m b r o d a Associação Psicanalítica H ú n g a r a . Nesse m e s m o ano, Melanie Klein d e i x o u a Hungria e m razão d e distúrbios políticos e d o anti-semitismo, e fixou-se e m Berlim c o m os filhos, e n q u a n t o s e u m a r i d o foi se instalar na Suécia. O casal divorciou-se e m 1923. A técnica

da psicanálise

de

crianças

Em Berlim, ela aperfeiçoou sua "técnica de observação das crianças de um ponto de vista estritamente psicanalítico", s e g u n d o suas próprias palavras. Fez então u m a s e g u n d a análise c o m Karl A b r a h a m , cujo pensamento exerceu forte influência sobre ela, e a partir daí sempre o invocou e m seu apoio, c o n s i d e r a n d o sua obra c o m o u m a continuação d a o b r a dele (H. Segal, 1979). Mas sua análise foi interrompida pela morte d e Karl Abraham e m d e z e m b r o d e 1925. No m e s m o ano, Melanie Klein foi convidada a fazer u m a série d e conferências em Londres, o n d e e n c o n t r o u u m grande respaldo, coisa q u e lhe faltava e m Berlim d e s d e a morte d e Abraham. Assim, e m s e t e m b r o d e 1926, atendendo a u m convite d e Jones para passar u m t e m p o na Inglaterra, deixou Berlim e decidiu se instalar definitivamente e m Londres. Melanie Klein publicou, e m 1932, A psicanálise de crianças, o b r a na qual faz u m a exposição d e suas novas ideias sobre o desenvolvimento p r e c o c e d a menina e d o menino. Os conflitos c o m Anna

Freud

Inicialmente, Melanie Klein foi b e m aceita por seus colegas britânicos. Mas, a partir d e 1927, A n n a Freud desenvolveu u m a c o n c e p ç ã o diferente d a análise d e crianças e passou a criticar Melanie Klein d e maneira c a d a vez mais virulenta (R Grosskurth, 1986). Klein, no entanto, era c o n s i d e r a d a c o m o u m a figura d e p r o a e u m a inovadora por seus colegas d a S o c i e d a d e Britânica d e Psicanálise, tanto q u e s u a maneira d e trabalhar foi fortemente influenciada por ela (R. H i n s h e l w o o d , 2002). Ela c o m e ç a r a a redigir seu artigo-chave sobre a d e p r e s s ã o , q u e foi lançado e m 1935, q u a n d o p e r d e u seu filho Hans, c o m 26 anos, e m u m acidente na m o n t a n h a e m abril d e 1934. Esse foi u m a n o particularmente triste para Klein, ainda mais p o r q u e teve d e Continua

0

Ler Freud

0

101

Continuação

suportar os violentos ataques d e E. Glover, analista d e s u a filha Melitta S c h m i d e b e r g e t a m b é m dela própria. Entre outras coisas, Mellita acusava a m ã e d e ter sido a c a u s a d o "suicídio" d e seu irmão, e m b o r a se tratasse d e fato d e u m acidente. Mas a o p o s i ç ã o mais intensa se organizaria a partir d e 1938 c o m a c h e g a d a e m Londres de A n n a Freud, q u e tinha f u g i d o c o m seu pai diante d a escalada d o nazismo. A fim d e confrontar as várias posições teóricas e explicitar as c o n c e p ç õ e s d e c a d a u m , a S o c i e d a d e Britânica organizou em plena guerra, e m 1943, u m a série d e conferências c o n h e c i d a s c o m o n o m e d e "Grandes controvérsias", q u e suscitarão trabalhos notáveis (R King, R. Steiner, 1991). Graças a u m gentleman's agreement, esses d e b a t e s c u l m i n a r a m c o m a f o r m a ç ã o d e três g r u p o s psicanalíticos dentro d a S o c i e d a d e Britânica: foi criada u m a escola por A n n a Freud, outra por Melanie Klein e u m terceiro g r u p o reuniu a maioria d o s m e m b r o s d a Socied a d e q u e não t o m a r a m partido, o "Middle Group", q u e se tornaria o " G r u p o d o s Independentes" a p ó s a morte d e Melanie Klein. Esses g r u p o s subsistem ainda hoje, m a s as divergências científicas entre os m e m bros se aplacaram (R King e R. Steiner, 1991). A técnica

inovadora

dm análise

pelo

jogo

Melanie Klein foi a criadora d e u m novo m é t o d o d e psicanálise d e crianças. No plano técnico, trata-se antes d e t u d o d a técnica d o j o g o q u e ela desenvolveu c o m base na análise d e crianças, e não apenas c o m o t é c n i c a d e observação. "A genialidade de Klein foi notar que o modo natural de expressão da criança era o jogo, e que portanto o jogo podia ser utilizado como um meio de comunicação com a criança. Para a criança, o jogo não é simplesmente um jogo, mas é também um trabalho. Não é apenas um meio de dominar ou de explorar o mundo exterior, mas também um meio de explorar e de dominar as angústias pela expressão e a elaboração de fantasias. Pelo jogo, a criança põe em cena suas fantasias inconscientes e, ao fazer isso, elabora e integra seus conflitos." (H. Segal, 1979, p. 32). E m outras palavras, o j o g o na criança revela as m e s m a s fantasias q u e o s o n h o , m a s , diferentemente deste último, ele j á é u m a prova d e realidade. Melanie Klein considera ainda q u e a criança faz u m a transferência imediata e muito intensa para o psicanalista, e q u e é preciso igualmente interpretar a transferência negativa, ao contrário d e Anna Freud, q u e acha q u e é necessário primeiro preparar a criança para a análise criando u m a aliança terapêutica. Além disso, afirma q u e os m é t o d o s educativos preconizados por Hermine Hug-Hellmuth o u A n n a Freud não têm lugar na a b o r d a g e m psicanalítica d a criança e q u e só servem para perturbá-las. Para ela, u m a verdadeira situação psicanalítica deve ser realizada por meios analíticos. Pouco a p o u c o , d e 1919 a 1923, Melanie Klein definirá o setting específico d a análise d e crianças, determinando u m horário estrito, c a d a criança t e n d o sua caixa de jogos c o m p o s t a d e casinhas, personagens d o s dois sexos d e tamanhos diferentes, animais, massa d e modelar, lápis, barbante, tesoura. Para Winnicott, essa escolha foi "o avanço mais significativo nesse campo" (H. Segal, 1979, p. 38). N o p l a n o teórico, a experiência a d q u i r i d a por Melanie Klein c o m a análise d e crianças permitiu-lhe lançar h i p ó t e s e s q u e a m p l i a r a m c o n s i d e r a v e l m e n t e o c a m p o d e n o s s o s c o n h e c i m e n t o s , e m particular n o q u e diz respeito às fases p r e c o c e s d o d e s e n v o l v i m e n t o infantil. Desse p o n t o d e vista, era possível afirmar q u e se Freud havia d e s c o b e r t o a c r i a n ç a n o a d u l t o , c o u b e a Melanie Klein a d e s c o b e r t a d o b e b é na criança. Comparações

entre

Freud

e Klein

E m muitos aspectos, Melanie Klein situa-se na continuidade d o pensamento freudiano e está d e acordo c o m os postulados psicanalíticos d e base colocados por Freud, c o m o a existência d o inconsciente, o papel d e s e m p e n h a d o pela sexualidade infantil, o c o m p l e x o d e Édipo, a transferência e outros pontos essenciais. Contudo, e m outros aspectos, as ideias de Klein diferem das d e Freud, e ela c h e g a a conclusões q u e foram contestadas por muito t e m p o . Hoje, no entanto, numerosos psicanalistas consideram c o m o adquiridas muitas das hipóteses lançadas por ela. Vejamos alguns pontos e m q u e Klein difere d e Freud. Por exemplo, ela postulou muito c e d o q u e o objeto é c o n h e c i d o desde o início d a vida, p o n d o e m dúvida a posição d e Freud, q u e considerava q u e o bebé só descobria o objeto mais tardiamente (hipótese d o narcisismo primário). Melanie Klein mostrou t a m b é m q u e o c o m p l e x o d e Édipo operava b e m antes d o q u e Freud imaginava, e q u e existia u m "complexo d e Édipo precoce" (1928). S e g u n d o ela, esse c o m p l e x o arcaico era baseado nas pulsões orais e anais, e não apenas nas pulsões genitais, e se constituía d e objetos parciais e não ainda d e objetos totais. Assim, Melanie Klein fazia d o c o m p l e x o d e Édipo precoce u m elemento importante d e sua teorização das relações d e objeto arcaicas. E/a proporciona Continua

0

102

Jean-Michel

Quinodoz

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA •

Continuação

ainda u m a descrição d o desenvolvimento psicossexual d o menino e d a menina mais c o m p l e t a q u e a d e Freud. Atribui mais importância d o q u e ele à fixação d o menino p e q u e n o à mãe, fixação q u e Freud vê apenas na menina. Sua c o n c e p ç ã o d a sexualidade t a m b é m difere d a d e Freud, pois esta não é para ela o equivalente "castrado" d a sexualidade masculina, mas u m a sexualidade c o m u m a realidade específica, f u n d a d a e m u m conhecimento precoce d a existência d a vagina nos dois sexos. Klein descreve ainda a angústia fundamental d a menina, q u e é seu m e d o d e ser despojada e esvaziada d o interior d e seu c o r p o (1932). Melanie Klein identificou a existência d e u m s u p e r e g o p r e c o c e e x t r e m a m e n t e severo, c u j a c o n s t i t u i ç ã o era anterior a o c o m p l e x o d e É d i p o , e n ã o posterior, c o m o havia p o s t u l a d o F r e u d . E m u m a n o t a d e 1930, Freud fez u m a referência explícita ao p o n t o d e vista d e Klein. "A experiência nos ensina, entretanto, que a severidade do superego que uma criança elabora não reflete de modo nenhum a severidade dos tratamentos que ela recebeu" ( F r e u d , 1930a [ 1 9 2 9 ] , p. 98, n. 1). Isto a levará a p r o p o r n o ç õ e s originais, c o m o a d e p o s i ç ã o depressiva ( 1 9 3 5 , 1 9 4 0 ) e mais tarde d e p o s i ç ã o e s q u i z o p a r a n ó i d e , s e g u i n d o - s e a d e identificação projetiva (1946), n o ç õ e s q u e levaram m u i t o t e m p o para s e r e m c o m p r e e n d i d a s e aceitas. Finalmente, vale d e s t a c a r q u e Klein partilhava as hipóteses d e Freud a c e r c a d a existência d e morte, e a c r e s c e n t o u a elas u m a c o n t r i b u i ç ã o importante c o m o c o n c e i t o d e "inveja p r e c o c e q u e o c i ú m e (Klein, 1957). A n o ç ã o d e inveja permite aplicar n a prática clínica as p r o d u z i d a s p e l o conflito entre pulsão d e v i d a e pulsão d e m o r t e , n o ç ã o q u e p e r m a n e c e u teórica até os d e s e n v o l v i m e n t o s kleinianos e pós-kleinianos.

de u m a pulsão p r i m á r i a " , mais consequências essencialmente

Anna Freud (1895-1982) A análise

com

seu

pai

A n n a Freud, terceira filha d e S i g m u n d e Martha Freud e a mais nova d e seis irmãos, foi igualmente u m a pioneira d a psicanálise d e crianças. Desde a adolescência, manifestou forte interesse pela psicanálise, mas formou-se antes c o m o professora d e primário, f u n ç ã o q u e exerceu até 1920. Na p u b e r d a d e , c o m e ç a r a a ter fantasias d e fustigação, e esse s i n t o m a foi u m a das razões principais para fazer s u a primeira psicanálise de 1918 a 1922, s e g u i d a d e u m a s e g u n d a e m 1924. Ela e m p r e e n d e u essas curas c o m seu pai, prática q u e não era excepcional n a é p o c a , pois ainda não se tinha ideia d o s inconvenientes disso para a relação d e transferência e d e contratransferencia. E m 1922, A n n a Freud apresentou u m relato clínico s o b r e as fantasias de fustigação e foi a d m i t i d a c o m o m e m b r o d a S o c i e d a d e Vienense d e Psicanálise aos 27 a n o s . A psicanálise

de crianças

segundo

Anna

Freud

E m 1925, A n n a F r e u d a b r e u m seminário c o n s a g r a d o à psicanálise d e crianças e m Viena. Dois a n o s mais tarde, a p r e s e n t a s u a s ideias pessoais e m u m a o b r a intitulada O tratamento psicanalítico de crianças (1927). Em s u a t é c n i c a , ela p r e c o n i z a a utilização d e s o n h o s e d e d e s e n h o s d a criança, a s s i m c o m o d o j o g o , e s s e n c i a l m e n t e v i s a n d o à o b s e r v a ç ã o . Ela e s t i m a i g u a l m e n t e q u e o analista deveria a d o t a r u m a atitude educativa a s s o c i a d a à atitude psicanalítica, m a s m o d i f i c o u seus p o n t o s d e vista q u a n d o d e s c o b r i u o papel d e s e m p e n h a d o p e l o s m e c a n i s m o s d e defesa, o q u e abriu a possibilidade d e interpretar as primeiras resistências n a c r i a n ç a . N e s s e trabalho, A n n a Freud faz t a m b é m suas primeiras críticas a Melanie Klein. Na é p o c a , as d i v e r g ê n c i a s diziam respeito p r i n c i p a l m e n t e a o a p a r e c i m e n t o d a transferência, q u e Klein considerava c o m o p r e c o c e e n q u a n t o A n n a a via c o m o tardia; outras divergências referiam-se a o j o g o assim c o m o à n a t u r e z a d o s u p e r e g o , j u l g a d o primitivo e cruel por Klein, e n q u a n t o A n n a Freud avaliava q u e ele ainda n ã o t i n h a s i d o i n t e g r a d o e m razão d a i m a t u r i d a d e d o e g o . N o final d o s a n o s d e 1920, A n n a Freud c o m e ç a a se interessar t a m b é m pelos p r o c e s s o s d e maturação do e g o e pelo p r o b l e m a d a a d a p t a ç ã o , ela trabalha c o m Heinz H a r t m a n n , u m d o s f u n d a d o r e s d a p s i c o l o g i a d o ego, até ele deixar Viena e emigrar para os Estados U n i d o s . Vale lembrar, n o entanto, q u e A n n a Freud s e m p r e m a n t e v e distância e m relação à Ego Psychology e q u e ela utilizava e m s e u t r a b a l h o t e r a p ê u t i c o tanto o primeiro q u a n t o o s e g u n d o t ó p i c o , o r i e n t a n d o s u a e s c o l h a e m f u n ç ã o d o q u e acreditava ser m e l h o r p a r a o paciente.

Continua

Q

Ler Freud

$

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Continuação

O ego e os mecanismbs

de

defesa

Para c o m p r e e n d e r o q u e as c o n t r i b u i ç õ e s d e A n n a Freud a c r e s c e n t a r a m à psicanálise, é essencial levar e m c o n t a certos a s p e c t o s d e s u a p e r s o n a l i d a d e q u e m a r c a r a m p r o f u n d a m e n t e s u a vida profissional. De fato, a o b r a d e A n n a Freud reflete a o m e s m o t e m p o u m a forte identificação c o m seu pai à qual ela j a m a i s r e n u n c i o u e u m a c a p a c i d a d e d e desenvolver ideias pessoais e originais (A.-M. Sandler, 1996). E m s u a o b r a O ego e os mecanismo de defesa (1936), A n n a Freud e x a m i n a a maneira c o m o o e g o entra e m interação c o m o id, o s u p e r e g o e a realidade externa. Ela d e m o n s t r a q u e , na patologia, o u s o excessivo d e defesas p o d e causar u m e m p o b r e c i m e n t o d o e g o e d e f o r m a r a p e r c e p ç ã o d a realidade. A l é m d o s m e c a n i s m o s d e defesa j á c o n h e c i d o s , A n n a Freud d e s c r e v e outras d u a s f o r m a s : "a identificação c o m o a g r e s s o r " , q u e c o m b i n a u m a identificação e u m a p r o j e ç ã o , e a " r e n d i ç ã o altruísta" (altruistic s u r r e n d e r ) , e m q u e o sujeito a b a n d o n a seus p r ó p r i o s d e s e j o s e os vive através d e outro. Na m e s m a obra, A n n a Freud e s t a b e l e c e u m a distinção entre as defesas ditas primitivas e as defesas mais elaboradas, s e n d o q u e estas últimas exigiriam u m nível superior d e m a t u r i d a d e d o e g o . A observação

direta

da

criança

E m seus primeiros trabalhos, A n n a Freud atribuiu u m a g r a n d e i m p o r t â n c i a à o b s e r v a ç ã o direta d a c r i a n ç a , m e s m o q u e esta se realize através d e u m olhar d e psicanalista. Ela acreditava q u e esse tipo d e o b s e r v a ç ã o n ã o a p e n a s permitia c o m p r e e n d e r m e l h o r o q u e u m a c r i a n ç a vive d e s d e muita p e q u e n a , c o m o o s resultad o s d e s s a s investigações p o d i a m ser m u i t o úteis para esclarecer a teoria e a técnica psicanalíticas. A l é m d i s s o , s u a p r e o c u p a ç ã o e m ampliar o c a m p o d a psicanálise d e u o r i g e m à criação d e instituições psicanalíticas c o m o lugares d e p e s q u i s a e d e t r a t a m e n t o . A s s i m , e m 1925, ela criou u m e s t a b e l e c i m e n t o p a r a crianças carentes e m c o l a b o r a ç ã o c o m Dorothy B u r l i n g h a m q u e a a c o m p a n h o u ao l o n g o d e t o d a s u a vida. O s dois filhos desta última f o r a m os dois primeiros c a s o s d e análises d e crianças feitas por A n n a Freud e m 1923. Em Londres, o n d e se refugiou c o m o pai e c o m t o d a a família e m 1938, A n n a criou t a m b é m c o m D o r o t h y Burlingham a "War Nurseries", para cuidar d e crianças s e p a r a d a s d e seus pais. A s s i m c o m o J . Bowlby, A n n a Freud se p r e o c u p o u m u i t o c o m o papel d a s e p a r a ç ã o entre m ã e e criança e, a p ó s a g u e r r a , lutou para q u e as crianças p e q u e n a s p u d e s s e m receber a visita d e seus pais no hospital e q u e as m a i s n o v a s p u d e s s e m ter a m ã e a o lado delas. Há razões para acreditar q u e a t e n d ê n c i a a c e n t u a d a d e A n n a Freud d e cuidar d e crianças carentes e a b a n d o n a d a s estivesse relacionada ao seu s e n t i m e n t o d e ter s i d o a última criança d a família, r e l e g a d a pelos maiores. Provém daí, provavelmente, sua p r e o c u p a ç ã o d e realizar u m trabalho d e p r e v e n ç ã o c o m os pais e as p e s s o a s p r ó x i m a s d a s crianças. A noção

de "linha

de c

esenvolvimento"

A a b o r d a g e m teórica e t é c n i c a d e A n n a Freud está enraizada i g u a l m e n t e e m u m a perspectiva f u n d a d a e m u m c o n c e i t o d e d e s e n v o l v i m e n t o , m a s c o n s i d e r a d a e m u m a base mais a m p l a d o q u e aquela definida pela teoria clássica. De fato, p o r muito t e m p o o d e s e n v o l v i m e n t o estava estritamente ligado à n o ç ã o d e fases libidinais descritas por Freud e m 1905, m a s p o u c o a p o u c o se i m p ô s a n e c e s s i d a d e d e incluir no d e s e n v o l v i m e n t o infantil as n o ç õ e s d e agressividade, d e relações objetuais e d e relações entre e g o , id e s u p e r e g o , p a r a m e n c i o n a r a l g u n s a s p e c t o s . Nessa perspectiva, A n n a Freud introduziu a n o ç ã o original d e "linhas d e d e s e n v o l v i m e n t o " e m s u a o b r a O normal e o patológico na criança (1965). Esse c o n c e i t o f u n d a m e n t a - s e n a ideia d e q u e u m a p e s s o a q u e r e c e b e u u m a f o r m a ç ã o psicanalítica p o d e se basear e m u m a o b s e r v a ç ã o c u i d a d o s a d o c o m p o r t a m e n t o d e u m a criança para deduzir daí i n f o r m a ç õ e s válidas s o b r e o f u n c i o n a m e n t o d o m u n d o interno infantil. A partir d a noção de linha d e desenvolvimento, A n n a Freud se p r e o c u p o u e m c o m o dar conta d a complexidade de f e n ó m e n o s q u e se desenvolvem simultaneamente durante o desenvolvimento d a criança e d o adolescente até a idade adulta. Entre essas mudanças, vale mencionar, a título de exemplo, o estudo d a evolução d o s diferentes tipos d e angústia e m função d a idade, o estudo das transformações associadas às modificações das funções corporais - alimentação, asseio, etc. - , assim c o m o o estudo d a passagem d a dependência d o recémnascido à aquisição d e autonomia. A n n a Freud insistiu na importância de examinar a evolução individual e m seu

Continua

Q

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£

Jean-Michel

Quinodoz

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA •

Continuação

conjunto e, para ela, a ideia central d o trabalho psicanalítico era ajudar a criança a encontrar seu lugar no desenvolvimento normal d o indivíduo. Formar

futuros

psicanalistas

de

crianças

No final d a S e g u n d a G u e r r a Mundial, vários d e seus c o l a b o r a d o r e s das "War Nurseries" d e s e j a v a m ter u m ensino mais r i g o r o s o p a r a se t o r n a r e m psicoterapeutas de crianças, e por isso A n n a Freud c r i o u e m 1947 seu próprio ciclo d e f o r m a ç ã o . E m 1952, i n a u g u r o u a " H a m p s t e a d Child Therapeutic C o u r s e a n d Clinic", c o n h e c i d a hoje c o m o n o m e d e "The A n n a Freud Center". Nessa instituição, a o b s e r v a ç ã o se limita a crianças c o m m e n o s d e 5 a n o s , e constitui u m a parte relativamente m o d e s t a d a f o r m a ç ã o d e futuros " p s y c h o a n a l y t i c a l l y trained child therapists". E m 1970, a British Psychoanalytical Society r e c o n h e c e u a f o r m a ç ã o d a d a no "The A n n a Freud Center", q u e é aberta atualmente aos c a n d i d a t o s q u e d e s e j a m se formar c o m o analistas d e crianças

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS Angústia d e castração - curiosidade infantil - neurose infantil - fobia infantil - psicanálise d e crianças

"NOTAS SOBRE UM CASO DE NEUROSE OBSESSIVA (O HOMEM DOS RATOS)" S. FREUD (1909d)

)s sintomas obsessivos também têm um sentido e podem ser resolvidos pela psicanálise A c u r a psicanalítica d e E r n s t L a n z e r , a p e l i dado d e" H o m e m dos Ratos", proporcionou a F r e u d a confirmação d e q u e g r a v e s s i n t o m a s o b s e s s i v o s p o d e m s e r c u r a d o s p e l a psicanálise u t i l i zando o mesmo procedimento provado com êxito n o c a s o d e h i s t e r i a . A n e u r o s e o b s e s s i v a o u "doença d a dúvida", c o m o também é c o n h e c i d a - c a r a c t e r i z a - s e p o r distúrbios c o m p u l s i v o s e s p a n t o s o s q u e p r o d u z e m sérias l i m i t a ç õ e s : ruminações, ideias o b s e s s i v a s , compulsão a c u m p r i r a t o s indesejáveis, r i t u a i s v a r i a d o s d e s t i n a d o s a l u t a r contra esses p e n s a m e n t o s e esses atos, etc. P o r e x e m p l o , E r n s t L a n z e r v i v i a t e r r i ficado p e l a i d e i a o b s e s s i v a d e q u e o suplício d o s r a t o s f o s s e i n f l i g i d o a s e u p a i , e daí o a p e l i d o q u e r e c e b e u d e F r e u d . E m razão d a n a t u r e z a i n v a l i d a n t e d o s s i n t o m a s o b s e s s i v o s , até então e s s a afecção e r a c o n s i d e r a d a c o m o s i n a l d e u m a degenerescência o u d e u m a d e b i l i d a d e orgânica

d o p s i q u i s m o . M a s o êxito o b t i d o n e s s a c u r a p e r m i t e a F r e u d d e m o n s t r a r que a neurose obsessiv a é u m a afecção d e o r i g e m psíquica e q u e , a s s i m c o m o a histeria, t e m sua o r i g e m e m conflit o s i n c o n s c i e n t e s d e o r i g e m s e x u a l e a f e t i v a ; além d i s s o , q u a n d o s e c o n s e g u e , m e d i a n t e a análise, t o r n a r c o n s c i e n t e a lembrança d e c o n f l i t o s s i g n i f i c a t i v o s s u r g i d o s n a infância, o b t é m - s e a r e solução d o s s i n t o m a s . E s s e t r a t a m e n t o p e r m i t e a Freud evidenciar igualmente o papel determinante desempenhado pelo erotismo anal na neur o s e o b s e s s i v a e p e l o c o n f l i t o amor-ódio q u e será c h a m a d o d e " c o n f l i t o d e ambivalência" e m 1 9 1 2 . Vários p s i c a n a l i s t a s c o m e n t a r a m e s s e r e l a t o clínico, s o b r e t u d o d e p o i s q u e a s a n o t a ç õ e s i n t e g r a i s d e F r e u d s e t o r n a r a m acessíveis. I s s o p e r m i t i u c o n h e c e r m a i s d e p e r t o a técnica d e F r e u d e destacar seus pontos fortes e fracos à l u z d a experiência a t u a l .

B I O G R A F I A S E Hl >TORIA Ernst Lanzer ou "O H o m e m d o s Ratos" Ernst Lanzer, u m jurista c o m 29 anos, veio consultar Freud porque sofria d e obsessões múltiplas q u e lhe causavam sérias inibições. Levou 10 anos para concluir seu curso d e Direito, e estava tendo u m a e n o r m e dificuldade para se inserir na vida profissional; quanto à sua vida sentimental, insistia muito na ideia d e se casar. Lanzer já tinha consultado sem sucesso vários psiquiatras famosos antes d e iniciar sua análise c o m Freud, no dia 1 d e outubro d e 1907. Freud c o m p r e e n d e u imediatamente o grande interesse científico q u e poderia ter o tratamento c o m u m paciente q u e considerava dotado. Além disso, ele parece ter simpatizado muito c o m Lanzer, a ponto d e tê-lo c o n v i d a d o para u m jantar familiar, fato não usual e q u e rompia c o m as normas éticas q u e preconizava. Durante essa cura, Freud apresentou e m quatro ocasiões relatórios sobre a evolução d e seu paciente perante seus colegas d a Sociedade Psicanalítica d e Viena nas reuniões das quartas-feiras. E m 1908, fez u m a outra exposição notável durante o I Congresso Internacional d e Psicanálise e m Salzburg. Seu biógrafo, Ernest Jones, q u e o encontrou ali pela primeira vez, relata a forte impressão q u e essa apresentação magistral produziu sobre nele. 2

Continua

Q

106 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA • Continuação Além d o relato d e s s a cura publicado por Freud e m 1909, d i s p o m o s d e suas anotações cotidianas manuscritas sobre esse caso, o q u e é excepcional, pois Freud tinha o hábito d e destruí-las. Essas preciosas anotações evidenciam as qualidades literárias d a escrita d e Freud q u e , para além d o texto propriamente dito, permite ao leitor sentir as angústias d o H o m e m d o s Ratos, assim c o m o s u a empatia c o m esse paciente. Essas anotações foram publicadas parcialmente na Standard Edition e m 1955 (S. Freud, 1909d, " A d d e n d u m : Original Record of the case", SE, X, p. 253-318), e a íntegra d o texto alemão c o m s u a tradução e m francês foi publicada e m 1974 por E. R. Hawelka. Freud f i c o u m u i t o satisfeito c o m o s resultados terapêuticos o b t i d o s , e o paciente, q u e antes d e vir consultálo estava i n c a p a c i t a d o d e trabalhar, arranjou e m p r e g o a p ó s a cura. E m a g o s t o d e 1914, Ernst Lanzer foi c o n v o c a d o p a r a lutar n a Primeira Guerra M u n d i a l , caiu prisioneiro d a s t r o p a s russas, e a c a b o u m o r r e n d o e m n o v e m b r o d e 1 9 1 4 , l o g o a p ó s o início d o s conflitos.

D E S C O B E R T A DA O B R A As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1909d), " R e m a r q u e s sur u m c a s d e névrose o b s e s s i o n e l l e ( U H o m m e aux rats)", trad. M. B o n a p a r t e e R. L o e w e n s t e i n , in Cinq psychanalyses, Paris, PUF, 1954, p. 199-261 [as páginas indicadas entre colchetes remetem ás OCF.R IX, p. 131-214].

Uma série impressionante de obsessões Q u a n d o Ernst Lanzer veio consultar Freud, e l e d e s c r e v e u u m a série i m p r e s s i o n a n t e d e s i n tomas obsessivos que t i n h a m seagravado p r o gressivamente a p o n t o d eimpedi-lo d e trabal h a r n o s últimos d o i s m e s e s : m e d o i r r a c i o n a l de que acontecesse algo c o m seu pai a m a d o a s s i m c o m o à s u a "mulher" a m a d a , t e m o r d e s e r t o m a d o d o i m p u l s o d e c o r t a r a própria g a r g a n t a c o m u m a n a v a l h a , interferências a b s u r d a s q u e i n v a d i a m c a d a v e z m a i s s e u espírito, a p o n t o de paralisar seu p e n s a m e n t o e seus atos. I n i c i a l m e n t e , F r e u d propôs a E r n s t L a n z e r s e g u i r a r e g r a d a associação l i v r e , q u e é a i n d a h o j e a r e g r a f u n d a m e n t a l d a análise: "No dia seguinte, ele concorda em respeitar a única condição proposta para a cura: dizer tudo o que lhe vem à mente, ainda que isso seja penoso, ainda que seu pensamento lhe pareça sem importância, i n s e n s a t o e sem relação com o problema. Deixo que ele escolha o tema pelo qual deseja começar" ( p . 2 0 3 [139]). A s s i m , d e s d e a p r i m e i r a sessão, F r e u d l i v r o u s e u p a c i e n t e d a obsessão d e v e r m u l h e r e s n u a s e d a i d e i a d a m o r t e d e s e u p a i o u d e s u a "mulher". D e f a t o , o paciente relatouespontaneamente aF r e u d que e s s a obsessão v o y e u r i s t a começara p o r v o l t a d o s 6 e 7 a n o s , época e m q u e u m a g o v e r n a n t a m u i to bonita olevava para sua cama epermitia que e l e a a c a r i c i a s s e . E s s a s experiências s e x u a i s p r e -

c o c e s , a c o m p a n h a d a s d e u m a g r a n d e excitação e d e u m s e n t i m e n t o d e c u l p a intolerável, c r i a r a m n o espírito d o m e n i n o u m c o n f l i t o psíquico insolúvel: "Temos assim uma pulsão erótica e um movimento de revolta contra ela; um desejo (não ainda obsessivo) e uma apreensão (já com um caráter obsessivo); um afeto penoso e uma tendência a atos de defesa. É o inventário completo de uma neurose" ( p . 2 0 5 [142]).

A grande obsessão dos ratos M a s é a análise d a g r a n d e o b s e s s ã o d o s r a tos que p e r m i t e a F r e u d ir m a i s longe n a investigação d a s v e r d a d e i r a s c a u s a s d e s s a n e u r o s e obsessiva e das possibilidades de e l i m i n a r seus s i n t o m a s . T u d o começara r e c e n t e m e n t e , n o mês d e a g o s t o a n t e r i o r , q u a n d o o p a c i e n t e est a v a n o exército e o u v i u u m c a p i t ã o r e l a t a n d o u m suplício o r i e n t a l a t r o z , n o q u a l s e f i x a v a n o traseiro d eu m condenado u m recipiente cont e n d o r a t o s q u e p e n e t r a v a m e m s e u ânus p e r furando-o. Desde o m o m e n t o e mque o u v i u esse relato, o paciente f i c o u terrificado c o m a i d e i a o b s e s s i v a d e q u e e s s a punição f o s s e infligida aseu pai edepois àsua mulher. E para a f a s t a r e s s e p e n s a m e n t o intolerável, r e p e t i a u m gesto a c o m p a n h a d o d eu m a palavra encantatória: "Vamos ver o que é que você vai achar disso".

Ler Freud Freud revelou ainda q u e a cada m o m e n t o i m p o r t a n t e d o r e l a t o , esboçava-se n o r o s t o d o p a c i e n t e u m a expressão b i z a r r a q u e p a r e c i a t r a d u z i r "o horror de um prazer que ele próprio desconhecia" ( p . 2 0 7 [146]). E s s e r e l a t o f o i o p o n t o d e p a r t i d a d a anális e d e t a l h a d a d o s múltiplos p e n s a m e n t o s e ações o b s e s s i v a s q u e p e r t u r b a v a m o p a c i e n t e , u t i l i z a n d o s i s t e m a t i c a m e n t e o método d e associação l i v r e . N o f i n a l d e s s e t r a b a l h o d e descondensação m i n u c i o s a , F r e u d c o n s e g u i u e l i m i n a r u m a após a o u t r a c a d a i d e i a e c a d a c o n d u t a obsessiva d es e u paciente.

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u t i l i z a p o u c o a transferência, e m b o r a r e v e l e e l e m e n t o s d e s t a e m várias situações, p a r t i c u l a r m e n t e q u a n d o o paciente sonha c o ms u a filha, o u q u a n d o dirige insultos aelee m seus sonhos, o u ainda q u a n d o sedirige a seu analista e m u m a sessão d e explicação s o b r e a transferência c h a m a n d o - o d e "Meu capitão!".

Interpretações de sintomas e de atos compulsivos

N a análise d o H o m e m d o s R a t o s , F r e u d f o c a l i z o u s u a s interpretações p r i n c i p a l m e n t e n a reconstrução d e d o i s c o n f l i t o s f u n d a m e n t a i s : de u m lado, u m conflito triangular entre ele, s e u p a i e s u a m u l h e r , c o n f l i t o v i s t o s o b o ângul o d a relação e d i p i a n a c o m s e u p a i ; d e o u t r o l a d o , u m c o n f l i t o e n t r e o a m o r e o ódio, d a d o q u e a s o b s e s s õ e s r e s u l t a m d e u m desequilíbrio a f e t i v o l i g a d o a o f a t o d e q u e o ódio é m a i s f o r t e q u e o a m o r : "Nesse amoroso, desencadeia-se uma luta entre o amor e o ódio, sentidos pela mesma pessoa" ( p . 2 2 3 [164]). A l é m d i s s o , c o n f l i t o e d i p i a n o e c o n f l i t o a m o r - ó d i o estão f o r t e m e n t e e n t r e l a ç a d o s , f o r m a n d o a r e d e q u a s e inextrincável q u e caracteriza aneurose obsessiva eseus sintomas.

C o m o F r e u d a n a l i s o u o sp e n s a m e n t o s e o s atos c o m p u l s i v o s d es e u paciente? Vamos t o m a r só u m e x e m p l o , o d a compulsão q u e s e apoderava d o H o m e m d o sRatos d e retirar u m a pedra d ocaminho onde sua mulher deveria p a s s a r a f i m d e protegê-la e d e recolocá-la e m seguida n o lugar. Para Freud, o gesto c o m p u l sivo d etirar e depois recolocar a p e d r a n ocam i n h o parece m u i t o significativo de u m ponto d e v i s t a simbólico, p o i s o p a c i e n t e e x p r e s s a p o r e s s e s a t o s contraditórios a dúvida q u e s e n t e quanto a oa m o r p o r s u a m u l h e r : tirar a pedra d o c a m i n h o p a r a protegê-la é u m a t o f u n d a d o n o a m o r , e n q u a n t o recolocar a pedra n o c a m i n h o é u m a t o f u n d a d o n o ódio, p o r q u e s i g n i f i c a r e c r i a r u m obstáculo n o q u a l s u a m u l h e r p o deria machucar-se. A s s i m , ele descreve clinic a m e n t e o q u e será d e s i g n a d o m a i s t a r d e p e l o n o m e d e "anulação r e t r o a t i v a " , e s s e t i p o d e a t o compulsivo e m dois tempos, e m q u e o segundo anula oprimeiro.

A o longo d orelato dessa cura, F r e u d n o s permite acompanhar opercurso complexo que s e g u i u p a r a d e s f a z e r e s s e s imbróglios. R e t o m a n d o p a c i e n t e m e n t e u m a a u m ac a d a ideia e c a d a ação o b s e s s i v a , e l e t e n t a d e s c o b r i r s e u s i g nificado, geralmente absurdo à primeira vista, d e m o d o a torná-las c o m p r e e n s í v e i s p a r a s e u paciente. D e p o i s , elep r o c u r a recolocar cada elem e n t o e m u m a r e d e d e significações m a i s a m pla, rede q u e seestende à m e d i d a q u e o trabal h o d e análise a v a n ç a , até c h e g a r a u m a v i s ã o d e c o n j u n t o d o q u a d r o psicopatológico. F r e u d r e c o r r e p r i n c i p a l m e n t e à reconstrução a p a r t i r d e associações l i v r e s d e s e u p a c i e n t e , p r o c u r a n d o convencê-lo d o v a l o r d e s u a s d e s c o b e r t a s , e c r i a n d o a s s i m u m a aliança terapêutica q u e c o n t o u m u i t o p a r a o êxito d a c u r a . C o n t u d o , e l e

Assim, segundo Freud, o verdadeiro signific a d o desses atos v e m d o fato d eq u e o s i n t o m a o b s e s s i v o justapõe d u a s tendências contraditór i a s , o a m o r e ódio, d e f o r m a q u e a m b a s e n c o n t r a m s i m u l t a n e a m e n t e s u a realização. M a s o c o m p o n e n t e d e ó d i o e s c a p a à consciência d o p a c i e n t e , q u e j u s t i f i c a s u a ação m e d i a n t e r a c i o nalizações, i s t o é, m e d i a n t e j u s t i f i c a t i v a s p o u c o verossímeis q u e v i s a m a m a s c a r a r o ódio a f i m d e q u e e l e permaneça r e p r i m i d o n o i n c o n s c i e n te. O q u e caracteriza esse t i p o d e n e u r o s e , c o m o d i z F r e u d , é q u e : "O amor não extinguiu o ódio, mas só o reprimiu no inconsciente, e lá, protegido contra a destruição pela consciência, ele pode subsistir e mesmo crescer" ( p . 2 5 4 [206]). Se o t e m a d oe r o t i s m o a n a l é o n i p r e s e n t e ao longo dessa cura, F r e u d selimita a meneio-

A luta impiedosa er tre o amor e o ódio e o erotisrr o anal

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Quinodoz

ná-lo, s e m l h e c o n f e r i r a i n d a o p a p e l q u e será atribuído p o s t e r i o r m e n t e n a n e u r o s e o b s e s s i v a . P o r e x e m p l o , e l es e refere a isso q u a n d o e l u c i d a a obsessão d o s r a t o s q u e e v o c a e m s e u p a c i e n t e a lembrança d e u m i n t e n s o e r o t i s m o n a s u a infância, d o p r a z e r q u e t i n h a s e n t i d o d u r a n t e v á r i o s a n o s p o r u m a irritação d a z o n a retal causada p o r vermes. F r e u d evoca igualm e n t e a s m ú l t i p l a s significações simbólicas q u e existem entre o dinheiro eoerotismo anal e det e r m i n a m o s traços d e caráter p a r t i c u l a r e s d a s n e u r o s e s o b s e s s i v a s : p o r e x e m p l o , a compulsão ao asseio ligada a u m t e m o r obsessivo de u m a contaminação, a equivalência e n t r e o d i n h e i r o e o s e x c r e m e n t o s , a equivalência e n t r e o s r a t o s e a s crianças, o u a i n d a a c r e n ç a s e x u a l i n f a n t i l d e q u e a s crianças n a s c e m p e l o ânus.

Elementos neuróticos e psicóticos lado a lado F r e u d f a l a d e "neurose" a propósito d o d i a g nóstico d o H o m e m d o s R a t o s , m a s o b s e r v a - s e q u e e m várias o c a s i õ e s e l e d e s t a c a e l e m e n t o s que, a m e u ver, d e c o r r e m m a i s d apsicose d o que d aneurose, e que, n oentanto, coexistem a o l a d o d e e l e m e n t o s neuróticos. P o r e x e m p l o , q u a n d o o p a c i e n t e i m a g i n a q u e o s p a i s lêem s e u s p e n s a m e n t o s , F r e u d s e p e r g u n t a q u e são

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p e n s a m e n t o s d e l i r a n t e s : "Há alguma coisa mais, uma espécie deformação delirante de conteúdo bizarro: os pais do menino conheceriam seus pensamentos, pois este os expressava sem que ele próprio conseguisse entender suas palavras" ( p . 2 0 5 [143]). F r e u d u t i l i z a i g u a l m e n t e o t e r m o "delírio" ( p . 2 4 3 [192]) q u a n d o d e s c r e v e a compulsão d o p a c i e n t e a i n terromper seu trabalho à noite e a abrir a porta n a expectativa d achegada d eseu pai, m e s m o s a b e n d o q u e e l e já t i n h a m o r r i d o há n o v e a n o s . E s s e t i p o d e crença c o n s t i t u i u m a n e g a ç ã o d a r e a l i d a d e característica d o p e n s a m e n t o psicótico. C o n t u d o , F r e u d hesita e m c o n s i d e r a r c o m o "um delírio que ultrapassa os limites de uma neurose obsessiva" o u c o m o u m a c r e n ç a l i g a d a à m e g a l o m a n i a i n f a n t i l , a "onipotência dos pensamentos" ( p . 2 5 1 [201]) q u e e l e i d e n t i f i c a n o H o m e m d o s R a t o s . E l e d e s c r e v e a i n d a o "alto grau de superstição" q u e c o n s t a t a e m E r n s t L a n z e r , a s s i m c o m o s u a crença n o s p r e s s á g i o s e n o s s o n h o s proféticos, a o m e s m o t e m p o e m q u e r e s s a l t a q u e e l e não e r a t o t a l m e n t e s u p e r s t i c i o s o : "Assim, sendo supersticioso e ao mesmo tempo não sendo, ele se distinguia claramente das pessoas supersticiosas incultas cuja convicção é inabalável" ( p . 2 4 8 [198]). E m outras palavras, F r e u d assinala que o H o m e m d o s R a t o s n ã o a p e n a s acredita e não acredita s i m u l t a n e a m e n t e n a superstição, c o m o t a m b é m acredita e não acredita n a m o r t e d e s e u p a i .

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS FREUDIANOS

A neurose obsessiva segundo Freud: 30 anos de pesquisas Freud foi o p r i m e i r o a isolar a n e u r o s e o b s e s s i v a c o m o e n t i d a d e p s i c o p a t o l ó g i c a específica d u r a n t e os a n o s 1895-1896. C o n t u d o , e m 1909, n a é p o c a d a análise d e Ernst Lanzer, c h a m a d o d e " H o m e m d o s Ratos", ele a i n d a t i n h a u m a visão a p e n a s parcial d a p s i c o p a t o l o g i a d e s s a a f e c ç ã o . E levou 3 0 a n o s para c o n s e g u i r a p r e s e n t a r u m q u a d r o d e c o n j u n t o desta. R e t o m e m o s b r e v e m e n t e essas e t a p a s sucessivas. Em 1895, e m u m a carta a W. Fliess, Freud pressente pela primeira vez q u e a o r i g e m d a s ideias e d a s ações obsessivas d e seus pacientes deve ser b u s c a d a e m u m traumatismo sexual situado n a infância: "Será que já revelei para você, oralmente ou por escrito, o grande segredo clínico? A histeria resulta de um choque sexual pré-sexual, a neurose obsessiva, de uma volúpia sexual pré-sexual transformada posteriormente em sentimento de culpa" (Freud a Fliess, carta d e 15 d e o u t u b r o d e 1895, p. 113). E m u m a série d e artigos p u b l i c a d o s entre 1895 e 1896, Freud apresenta suas hipóteses sobre o m e c a n i s m o e m j o g o nas o b s e s s õ e s e c o m e ç a por demonstrar s u a o r i g e m psíquica (1894a); p o u c o depois, ele reúne s o b o n o m e d e "neurose obsessiva" u m c o n j u n t o específico d e sintomas (ideias e atos obsessivos, d ú v i d a patológica, etc.) q u e t i n h a m sido relac i o n a d o s até então a patologias diversas, q u e iam d a degenerescência mental à psicastenia (1895c, 1895h, 1896b). A o introduzir o conceito d e neurose obsessiva, Freud r o m p e c o m a tradição psiquiátrica d e s u a Continua

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Ler Freud

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Continuação

é p o c a , atribuindo a o r i g e m d e s s a síndrome a conflitos intrapsíquicos, d o m e s m o m o d o q u e a histeria, a outra g r a n d e entidade clínica à qual ele foi o primeiro a atribuir u m a o r i g e m psíquica. E m 1905, q u a n d o introduziu a n o ç ã o revolucionária d e s e x u a l i d a d e infantil e m Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905d), Freud m e n c i o n o u o papel q u e d e s e m p e n h a o e r o t i s m o anal na m a s t u r b a ç ã o na c r i a n ç a , assim c o m o o papel d o s a d i s m o anal q u e p r e d o m i n a na o r g a n i z a ç ã o pré-genital, a m b o s estreitam e n t e ligados ao conflito a m o r - ó d i o , q u e será descrito d e p o i s c o m o n o m e d e "conflito d e a m b i v a l ê n c i a " . A análise de Ernst Lanzer, o H o m e m d o s Ratos, realizada entre 1907 e 1908, é que permitirá a Freud verificar a pertinência de suas hipóteses sobre a importância central d o conflito entre o amor e o ódio na psicogênese d o s sintomas obsessivos, abrindo novas possibilidades terapêuticas (1909d). No relato dessa cura, ele descreve o papel d o erotismo anal nos sintomas e no caráter d e seu paciente. Em dois trabalhos da m e s m a época, Freud desenvolve temas ligados à neurose obsessiva; d e u m lado, e m "Atos obsessivos e práticas religiosas" (1907b), ele estabelece u m elo entre a c o m p u l s ã o d a neurose obsessiva e a prática religiosa, ambas p o d e n d o ter o significado simbólico d e u m cerimonial d e proteção para lutar contra o sentimento de culpa consciente; d e outro lado, e m "Caráter e erotismo anal" (1908b), Freud estabelece u m vínculo entre o erotismo anal - q u e aparece q u a n d o as funções corporais associadas à zona anal são fortemente erotizadas durante a infância - e os traços típicos d e caráter observados e m u m adulto acometido d e neurose obsessiva - necessidade de o r d e m , meticulosidade, obstinação o u avareza quanto à retenção de excrementos. E m 1913, e m u m a d e n d o a Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905d), Freud introduziu u m a n o v a fase d e d e s e n v o l v i m e n t o q u e c h a m o u d e "fase a n a l " , e m q u e p r e d o m i n a m o erotismo anal e as p u l s õ e s s á d i c a s , fase q u e ele situa entre a fase oral e a fase fálica: a partir d e então, s e g u n d o ele, a fase anal constitui o p o n t o d e fixação o u d e regressão característica d a n e u r o s e obsessiva. E m 1917, e m "As transformações d a pulsão exemplificadas no erotismo anal" (1916-1917e), Freud se indaga sobre a evolução das pulsões ligadas ao erotismo anal q u a n d o se estabelece o primado d a organização genital. Por exemplo, o interesse pelo dinheiro resulta d o interesse pré-genital pelo excremento, s e g u n d o ele, enquanto q u e o desejo de ter u m filho e a inveja d o pênis encontram igualmente seu fundamento no erotismo anal: d e fato, o paciente estabelece inconscientemente u m a equivalência no nível s i m b ó l i c o entre esses três t e r m o s excremento = filho = pênis, d e m o d o q u e esse "símbolo comum" (p. 111 [61]) subsiste no psiquismo na fase genital. Finalmente, Freud introduz e m 1923 (1923b) a noção d e superego que, e m sua forma primitiva, se mostra extremamente severo e m relação ao e g o e d á conta d o sentimento d e culpa excessiva observada e m n u m e r o s o s pacientes, e m particular n a q u e l e s q u e s o f r e m d e s i n t o m a s o b s e s s i v o s e se s e n t e m o p r i m i d o s p o r autocondenações e necessidade d e punição. Ele c o m p l e m e n t o u essas ideias e m 1924 desenvolvendo a noção d e m a s o q u i s m o erógeno e as relacionou c o m o conflito fundamental entre pulsão d e vida e pulsão d e morte.

PÓS-FREUDIANO

s

Neurose ou psicose? Neurose e psicose? D o m e s m o m o d o q u e a p r o p ó s i t o d o "delírio" d e H a n o l d , o herói d e Gradiva (1907a), c o l o c a - s e a q u e s t ã o d e saber se u m a parte d a s i n t o m a t o l o g i a d e Ernst Lanzer d e c o r r e d a n e u r o s e o u d a p s i c o s e . M a s , nesse c a s o , trata-se d e u m paciente autêntico, e n ã o d e psicanálise a p l i c a d a a u m a o b r a literária. C o m o d e s t a q u e i e m m e u s c o m e n t á r i o s a p r o p ó s i t o d e Gradiva, a l g u n s psicanalistas c o n s i d e r a m essas m a n i f e s t a ç õ e s c o m o u m distúrbio d e c o n s c i ê n c i a p a s s a g e i r o , não-psicótico, q u e p o d e ser o b s e r v a d o e m u m paciente neurótic o . O u t r o s psicanalistas, a o contrário, c o n s i d e r a m q u e Freud d e s c r e v e n o H o m e m d o s Ratos m e c a n i s m o s característicos d a n e u r o s e q u e se j u s t a p õ e m a m e c a n i s m o s característicos d a p s i c o s e , c o m o a n e g a ç ã o d a realidade, a idealização o u a o n i p o t ê n c i a d o p e n s a m e n t o . A m e u ver, p o d e - s e efetivamente constatar a j u s t a p o s i ç ã o d e s s e s dois t i p o s d e m e c a n i s m o s no material clínico descrito por Freud e m Ernst Lanzer, e o m e s m o o c o r r e e m o u t r o s c a s o s a p r e s e n t a d o s p o r ele d e s d e Estudos sobre a histeria (1895d) até "A p s i c o g ê n e s e d e u m c a s o d e h o m o s s e x u a l i s m o n u m a mulher" (1920a). J á e n c o n t r a m o s i n d i c a ç õ e s d e s s a Continua

Q

110

Jean-Michel

Quinodoz

PÓS-FREUDIANOS •

Continuação

diferenciação e m F r e u d e m " F o r m u l a ç õ e s s o b r e os d o i s princípios d o f u n c i o n a m e n t o m e n t a l " (1911b), o n d e ele diferencia o princípio d o prazer e o princípio d a realidade, até s e u s últimos escritos, o n d e ele enfatiza a n e g a ç ã o d a realidade e a c l i v a g e m d o e g o , c o m o e m " F e t i c h i s m o " (1927e) e e m Algumas lições elementares de psicanálise (1940 [1938]). É c o m b a s e nessas c o n t r i b u i ç õ e s freudianas d o ú l t i m o período q u e M. Klein e W. B i o n a p r o f u n d a r ã o a distinção q u e se p o d e estabelecer entre o s m e c a n i s m o s d e defesa ligados à n e u r o s e e a q u e l e s ligados à p s i c o s e . A técnica de Freud c o m o " H o m e m d o s Ratos": críticas e comentários Os h o m e n s p r e d o m i n a m n o c a s o p u b l i c a d o por Freud, c o m o d e s t a c a r a m K. H. Blacker e R. A b r a h a m (1982), e n q u a n t o as m u l h e r e s s ã o onipresentes e m suas notas d e trabalho. Esses autores c o n s i d e r a m q u e o conflito d e a m b i v a l ê n c i a e m relação a o pai d o paciente, a p o n t a d o por Freud, r e m e t e a u m conflito d e a m b i v a l ê n c i a e m relação à s u a m ã e , q u e ele n ã o p e r c e b e u b e m d u r a n t e a análise. S e g u n d o eles, certas p a s s a g e n s a o a t o contratransferenciais d e Freud seriam u m a i n d i c a ç ã o d o p a p e l i m p o r t a n t e q u e teria d e s e m p e n h a d o e s s a transferência m a t e r n a i g n o r a d a , c o m o por e x e m p l o o fato d e ter c o n v i d a d o o " H o m e m d o s R a t o s " p a r a u m jantar familiar, g e s t o essencialmente maternal ligado à o r a l i d a d e . R M a h o n y (1986, 2002) assinala q u e a d e s p e i t o d a s insuficiências manifestas q u e se p o d e p e r c e b e r posteriormente n e s s a c u r a , ela foi u m s u c e s s o terapêutico: "Contudo, diz ele, a o insistir demais e ao negligenciar todas as reações transferenciais possíveis, sobretudo negativas, ao deixar de lado o papel das mulheres nessa cura e ao enfatizar essencialmente a relação edipiana que o Homem dos Ratos mantinha com seu pai, ele [Freud] consegue efetivamente obter resultados terapêuticos de boa qualidade" (2002, p. 1435). Examinando a técnica utilizada por Freud na é p o c a dessa cura e m 1907, H. R. Lipton (1977) constata q u e ele adotou a c h a m a d a técnica "clássica", q u e será sua marca durante os 40 anos seguintes, e q u e seus escritos técnicos publicados entre 1912 e 1914 apenas confirmaram. S e g u n d o Lipton, pode-se considerar q u e a técnica freudiana "clássica" envolve d e maneira implícita dois elementos distintos: d e u m lado, u m a a b o r d a g e m instrumental interna à situação analítica e, d e outro, u m a relação pessoal q u e se estabelece entre paciente e analista, exterior à situação psicanalítica. Quanto à técnica " m o d e r n a " praticada pelos psicanalistas pós-freudianos atuais, ela se diferenciaria d a técnica clássica e m relação ao uso extensivo d a transferência e d a contratransferencia, s e g u n d o Lipton, pois esta última implica a relação pessoal entre paciente e analista e m seu conjunto. Q u a n d o Lipton fala aqui d e técnica moderna, ele se refere explicitamente à corrente psicanalítica ligada à psicologia d o Ego, e implicitamente à corrente kleiniana e pós-kleiniana.

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS lação retroativa - caráter anal - conflito a m o r - ó d i o 3 - onipotência d o pensamento

U M A RECC )RDAÇÃO DE INFÂNCIA DE LEONARDO

DA VINCI S. FREUD (1910c)

Freud no espelho de Leonardo F r e u d f i c o u f a s c i n aa d o d e s d e o início p e l o enigma que a vida e a obra d eLeonardo d a V i n c i , génio u n i v e r s a l d o R e n a s c i m e n t o , r e p r e s e n t a v a m p a r a a psicanálise. O e s t u d o q u e d e d i c o u a e l ee m 1910 p e r m i t i u - l h e i n t r o d u z i r v á r i o s c o n c e i t o s psicanalíticos f u n d a m e n t a i s , c o m o d e sublimação e narcisismo, e d e s c r e v e r u m a f o r m a particular d e homossexualidade. E l e t o m o u c o m o p o n t o d ep a r t i d a d e s e u estudo alguns dados surpreendentes sobre L e o n a r d o r e l a t a d o s p o r s e u s biógrafos: c o m o s e e x p l i c a , p o r e x e m p l o , a coincidência e n t r e o d e s e n v o l v i m e n t o d e s m e s u r a d o d es u a p a i xão d e i n v e n t o r e a renúncia p r o g r e s s i v a d e s u a a t i v i d a d e d e p i n t o r , até a b a n d o n á - l a ? P a r a Freud, o impulso que leva a o conhecimento t e m sua fonte n acuriosidade sexual infantil, i s t o é, n o d e s e j o q u e t o d o s s e n t e m d e s a b e r d e o n d e v ê m o s bebés e q u e p a p e l d e s e m p e n h a m o p a i e a mãe. Porém, q u a n d o a s e x u a l i d a d e i n f a n t i l s o f r e u m a repressão e x c e s s i v a , c o m o

epr

n o caso d eLeonardo, a libido se t r a n s f o r m a e m u m a c u r i o s i d a d e i n t e l e c t u a l s e m conteúdo sexual, mediante u m processo que F r e u d c h a m a d e sublimação. F r e u d analisa e m seguid a a ú n i c a l e m b r a n ç a d e infância r e l a t a d a p o r Leonardo, a de u m abutre que teria aberto sua boca, acariciando-a c o m a cauda, q u a n d o ele e s t a v a n o berço. E s s a lembrança p e r m i t e a Freud revelar u m a fantasia inconsciente d e felação q u e d a v a c o n t a d a formação p r e c o c e do tipo d epersonalidade d eLeonardo e d e s e u s m o d o s p a r t i c u l a r e s d e relação. F i n a l m e n te, c o n s i d e r a n d o o a m o r q u e o artista dedicav a a o s j o v e n s d o s q u a i s s ec e r c a v a , F r e u d d e s creveu u m tipo particular de escolha de objeto h o m o s s e x u a l ; s e g u n d o s u a hipótese, a m a n d o e s s e s g a r o t o s à m a n e i r a d eu m a mãe, L e o n a r d o s e i d e n t i f i c a r i a c o m u m a mãe a m o r o s a , a m a n d o a s i p r ó p r i o através d e l e s . F r e u d q u a lifica esse a m o r p o r s im e s m o d e "narcísico", noção q u e u t i l i z a p e l a p r i m e i r a v e z a q u i .

B I O G R A F I A S E Hl 5TORIA Afinidades entre dois génios Freud expressou seu interesse por Leonardo d a Vinci pela primeira vez e m u m a carta a Fliess (carta d e 9 d e outubro d e 1898), mas só c o m e ç o u a se aprofundar nesse t e m a e m novembro d e 1909, q u a n d o voltou d o s Estados Unidos. Antes d e iniciar a tarefa, consultou várias obras e se inspirou na leitura d o romance d e Dimitri Marejkowski, escrito e m f o r m a d e u m diário fictício mantido por u m j o v e m discípulo d o mestre, q u e descrevia dia a dia a vida atormentada d o criador genial q u e foi Leonardo. Freud publicou s u a obra e m maio d e 1910, m a s Ferenczi ficou p r e o c u p a d o c o m a acolhida q u e teve, pois achava a coisa mais chocante escrita desde o pequeno Hans. Até m e s m o seus simpatizantes ficaram horrorizados por ele ter o u s a d o falar e m felação e homossexualidade. Freud ficou satisfeito c o m essa obra. Entretanto, c o n c o r d o u e m substituir o termo homossexualidade por inversão na edição seguinte. U m a terceira edição foi lançada e m 1923, m a s metade d o s exemplares foi queimad a pelos nazistas e m 1938. Continua

A

112

Jean-Michel

0

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA •

Q u i n o d o z

Continuação

Quais foram o s motivos q u e levaram Freud a se identificar c o m Leonardo, criador d e génio por q u e m sentia tanta afinidade? E m primeiro lugar, Freud compartilhava c o m Leonardo d a Vinci a m e s m a paixão pelo conhecimento: a m b o s eram pesquisadores incansáveis, sempre e m busca d e novas descobertas e q u e n ã o hesitavam e m explorar o s d o m í n i o s mais variados, frequentemente e m ruptura c o m seu t e m p o . Por outro lado, esse período d e vida d e Freud correspondia a u m a evolução interior durante a qual ele t o m o u mais consciência d e tendências homossexuais e paranóicas inconscientes q u e às vezes se apoderavam dele durante s u a longa amizade c o m Fliess; mas, a o m e s m o t e m p o , tendências idênticas voltavam a se manifestar nas relações c o m seus novos alunos, e m particular c o m C. G. J u n g e S. Ferenczi. Vale recordar q u e o trabalho s o b r e Leonardo antecedeu u m p o u c o o q u e Freud dedicou ao Presidente Schreber e m 1 9 1 1 , n o qual mostrou q u e a paranóia está f u n d a d a e m g r a n d e m e d i d a e m u m a repressão d a homossexualidade. Freud descobriu t a m b é m na biografia d e Leonardo semelhanças entre a infância d o artista e s u a própria infância: assim c o m o ele, Freud teve u m a mãe muito j o v e m e u m pai relativamente mais velho, c o m u m a perturbação d a o r d e m d e gerações. Mas, diferentemente d e Freud, Leonardo era filho ilegítimo, o q u e foi motivo d e sofrimento durante t o d a a vida. Finalmente, Freud observou n a vida d e Leonardo d a Vinci certas manifestações psicopatológicas q u e lhe recordarão as neuroses obsessivas q u e acabara d e estudar e m " O H o m e m d o s Ratos": ambivalência inata, ruminações até a obsessão, desejo d e perfeição a tal ponto q u e Leonardo nunca conseguiu concluir suas obras. Em 1910, q u a n d o c o m p l e t o u 54 anos, Freud saiu d e seu isolamento e s u a f a m a era crescente, e m b o r a suas ideias ainda f o s s e m muito contestadas. Nesse ano, f u n d o u a Associação Psicanalítica Internacional, q u e teve c o m o primeiro presidente J u n g . Esse foi t a m b é m o m o m e n t o das primeiras dissensões entre seus alunos, razão pela qual Freud c e d e u a A. Adler a presidência d o g r u p o d e Viena para tentar aliviar as tensões, mas s e m sucesso. Esses anos foram igualmente aqueles d e u m h o m e m de u m a força criadora excepcional, c o m p l e m e n t a d o por sua vida familiar. Mais tarde, ele se referirá a esse período c o m o o mais feliz d e sua existência.

D E S C O B E R T A DA

OBRA

As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1910c), Um souvenir d'enfance de Leonard de Vinci, t r a d . J . A l t o u n i a n et al., Paris, Gallimard, édition bilingue, 1991 [as páginas indicadas entre colchetes remetem às OCF.R X, p. 79-164].

Um génio de condutas enigmáticas

e l e s . Q u a n t o às m u l h e r e s , d e a c o r d o c o m

F r e u d começa p o r r e c o r d a r q u e L e o n a r d o ficou conhecido

primeiramente como

pintor

q u e t e v e u m a g r a n d e influência s o b r e s e u

tem-

po, pois seus d o n s d einventor, q u e aparecem e m s e u s Cadernos,

permaneceram

desconheci-

d o s d e s e u s contemporâneos. E l e p i n t o u o b r a s p r i m a s c o m o Mona Lisa e a Santa Ceia, m a s

com

u m a lentidão p r o v e r b i a l , e r a r a m e n t e concluía

seus

biógrafos, e l e n u n c a t e v e relações s e x u a i s o u amorosas c o m n e n h u m a delas. F r e u d ficou surpreso ainda c o mo fato d e u m grande

artista

c o m o L e o n a r d o s e m o s t r a r t ã o p o u c o sensível ao erotismo, eleq u e p i n t a v a a beleza f e m i n i n a c o m t a l e n t o , e tão i n d i f e r e n t e a o s s e n t i m e n t o s d e a m o r e ódio, q u e a p a r e n t e m e n t e e r a m s u b s tituídos p e l o d e s e j o d e c o n h e c i m e n t o .

o s q u a d r o s q u e t i n h a começado, s e m s e p r e o cupar muito c o m o

o f u t u r o deles.

Leonardo

a c a b o u a b a n d o n a n d o a p i n t u r a , e F r e u d vê n i s s o u m s i n t o m a d e s u a s inibições. P a r a l e l a m e n t e , L e o n a r d o s e n t i a u m a n e c e s s i d a d e insaciável d econhecer tudo, e s u aatividade

desme-

A sublimação: "Faziam-se investigações, ao invés de amar" (p. 85 [100]) F r e u d s e p e r g u n t a d e o n d e provém e m L e o n a r d o e s s a paixão p e l a p e s q u i s a

a ponto d e

o

s u f o c a r o artista, t a n t o e ms u a v i d a a f e t i v a c o m o

a r t i s t a . F r e u d o b s e r v a também q u e L e o n a r d o

s e x u a l . E l e p o s t u l a então q u e a e n e r g i a q u e

s u r a d a d ep e s q u i s a d o r a c a b o u p o re s m a g a r

g o s t a v a d e s e cercar d e b e l o s j o v e n s e f e zd e

L e o n a r d o d e d i c o u à s u a paixão p e l o

u m d e l e s s e u único h e r d e i r o , m a s n a d a

m e n t o v e m d a persistência n e l e d a c u r i o s i d a -

indica

q u e t e n h a m a n t i d o relações h o m o s s e x u a i s

com

d e e m relação à s e x u a l i d a d e

conheci-

observada nas

Ler Freud crianças p e q u e n a s q u e q u e r e m s a b e r d e o n d e v ê m o s bebés, c u r i o s i d a d e f r u s t r a n t e p o r q u e n u n c a é satisfeita. N o a d u l t o , q u a n d o a sexualidade infantil é r e p r i m i d a de m a n e i r a excessiva, c o m o foi o caso de Leonardo, F r e u d acredit a q u e a pulsão s e x u a l t r o c o u s u a m e t a s e x u a l p o r u m a m e t a não-sexual p e l o m e c a n i s m o d a sublimação: "Assim, por exemplo, esse homem faria investigação com o devotamento apaixonado que um outro dedica ao seu amor, e poderia fazer investigação ao invés de amar" ( p . 9 3 [102]). Q u a n d o a r e p r e s s ã o é e x c e s s i v a , três p o s s i b i l i d a d e s s e a b r e m p a r a o d e s t i n o d a pulsão s e x u a l : o u a p e s q u i s a e a s e x u a l i d a d e c a u s a m u m a inibição g e n e r a l i z a d a d o p e n s a m e n t o , característica d a n e u r o s e ; o u ap e s q u i s a é " s e x u a l i z a d a " , o u seja, o pensamento erotizado torna-se u m equival e n t e d aa t i v i d a d e s e x u a l q u e e l as u b s t i t u i , c o m o n aneurose obsessiva; o u , finalmente, a libido s et r a n s f o r m a e m desejo d e saber, m a s evita temas sexuais, o que teria sido o caso d e Leonardo da Vinci, segundo Freud. F r e u d s e i n d a g a e m s e g u i d a s o b r e a infânc i a d e L e o n a r d o a p a r t i r d e u m a única l e m b r a n ça p r e c o c e d e s c o b e r t a n o s Cadernos, a p r o p ó s i t o d e s e u e s t u d o s o b r e o v o o d o s pássaros: " ( . . . ) me vem à mente como a lembrança mais remota que estando ainda no berço, um abutre desceu até mim, abriu minha boca com sua cauda e tocou meus lábios várias vezes com essa mesma cauda" ( p . 1 0 9 [107]). P a r a F r e u d , e s s a lembrança p r o p o r c i o n a u m esclarecimento altamente significativo sobre a maneira como apersonalidade de Leonardo se o r g a n i z o u d e s d e a infância. D e f a t o , e s s a l e m brança e v o c a n d o u m a felação r e m e t e a u m a vivência i n f a n t i l a i n d a m a i s p r e c o c e , q u e r e m o n t a aos primeiros m o m e n t o s da v i d a , antes m e s m o q u e a criança p u d e s s e c o n s t i t u i r u m a lembrança; s e g u n d o F r e u d , t r a t a - s e d o traço s e n s o r i a l q u e d e i x a n o b e b é a experiência d e m a m a r n o s e i o d e s u a m ã e : "A impressão orgânica que esse primeiro gozo vital produz em nós sem dúvida permaneceu indelevelmente marcado" ( p . 1 2 3 [111]). F r e u d a c r e s c e n t a q u e e s s a f a n t a s i a o r a l - pênis e b o c a - i m p l i c a i g u a l m e n t e u m a fantasia homossexual passiva, relacionada à i d e i a d e q u e se t r a t a d e u m a mãe q u e p o s s u i o s dois sexos. Ele julga ter e n c o n t r a d o n a biograf i a d e L e o n a r d o a confirmação d e s s a i d e i a :

113

d u r a n t e seus p r i m e i r o s anos d e v i d a ele f o r a c r i a d o a p e n a s p o r s u a mãe e não c h e g o u a s e r reconhecido oficialmente por seu pai. Freud c o m p l e t a s u a argumentação m e n c i o n a n d o a m i t o l o g i a egípcia, e m p a r t i c u l a r a d e u s a "Mut", divindade femininahomossexual, portadora de u m p ê n i s e m ereção.

Uma forma de homossexualidade fundada em uma identificação narcísica A p a r t i r d e s s a f a n t a s i a d e felação d e s c o b e r t a n a lembrança, F r e u d d e s c r e v e a i n d a u m t i p o particular de homossexualidade e m Leonardo: d u r a n t e s u a infância p r e c o c e , u m a ligação e r ó tica i n t e n s a t r a n s f o r m o u o a m o r p e l a mãe e m i d e n t i f i c a ç ã o c o m e l a , ligação r e f o r ç a d a p e l a ausência d o p a i ; a s s i m , a o t o m a r o l u g a r d e s u a mãe, o i n d i v í d u o a m a a s i m e s m o a m a n d o o s j o v e n s . F r e u d q u a l i f i c a d e "narcísica" e s s a e s colha de objeto homossexual - é ap r i m e i r a vez q u e ele utiliza o t e r m o n a r c i s i s m o -, p o i s essa escolha d eobjeto s e realiza c o n f o r m e o m o d e lo de Narciso, personagem da mitologia grega q u e s e a p a i x o n a p o r s u a própria i m a g e m r e f l e t i d a n a água, a c r e d i t a n d o e m s e t r a t a r d e u m outro. Esse tipo particular d e escolha d e objeto h o m o s s e x u a l parece ter-se c o n f i r m a d o na v i d a de Leonardo, que secercava de jovens a q u e m a m a v a c o m o u m a mãe e c o m o s q u a i s n ã o p a r e c e t e r t i d o relações h o m o s s e x u a i s p r o p r i a m e n t e d i t a s . Além d i s s o , d e s t a c a m o s q u e , nesse estudo, F r e u d associa onarcisismo ao p r o c e s s o d e identificação, d e m o d o q u e a p r i m e i r a t e o r i a f r e u d i a n a d o n a r c i s i s m o não i m p l i c a a p e n a s a noção d e a m a r a s i m e s m o , m a s t a m bém a ideia d e se i d e n t i f i c a r c o m a mãe e d e s e a m a r c o m o a mãe o a m a . M a i s t a r d e , F r e u d t e n derá a d e i x a r d e l a d o a dimensão d e " i d e n t i f i cação narcísica", noção q u e , e m b o r a c o n s t i t u a u m a s p e c t o d o n a r c i s i s m o , terá u m o u t r o d e s d o b r a m e n t o c o m o c o n c e i t o d e identificação p r o j e t i v a i n t r o d u z i d o p o r M . K l e i n e m 1946.

O sorriso enigmático da Gioconda P a r a F r e u d , a p i n t u r a d e L e o n a r d o também e x p r e s s a a i n t e n s i d a d e d a relação p r e c o c e c o m

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Jean-Michel

Quinodoz

s u a mãe, o q u e s e r i a c o m p r o v a d o , p o r e x e m -

p. 213). M a s , n e m p o risso F r e u d esquece d o

p l o , p e l o s o r r i s o e n i g m á t i c o d a Gioconda,

às

p a i . A s s i m , e l e e v o c a a identificação d e L e o -

d e"sorriso leonardesco". N o

n a r d o c o m s e u p a i , p o r e x e m p l o , n ofato d e que

vezes chamado quadro q u e

figura

a Virgem e o M e n i n o c o m

o pintor negligenciava tanto suas obras

quanto

S a n t ' A n a , F r e u d v ê a representação d a s d u a s

o pai negligenciara seu filho, c o m base nas

mães d e L e o n a r d o , a mãe v e r d a d e i r a , C a t a r i n a ,

t e s biográficas disponíveis. F r e u d

fon-

que o criou durante seus primeiros anos, e a

a i n d a q u e a audácia e a independência d o p e s -

considera

j o v e m esposa d es e upai, q u ec u i d o u dele d e -

q u i s a d o r são a consequência d a f a l t a d e a p o i o

pois. F o i nesse q u a d r o que, e m 1913,0. Pfister

p a t e r n o q u e L e o n a r d o t e v e d ee n f r e n t a r d e s d e

c h a m o u a atenção p a r a a i m a g e m d o a b u t r e n a

m u i t o c e d o , c o m o também a manifestação d e

dobra d avestimenta usada

u m a r e b e l d i a c o m relação a s e u p a i e à a u t o r i -

p o rM a r i a , o q u e

foi i n t e r p r e t a d o p o r ele c o m o u m a vinhação"

"imagem-adi-

( n . 1 , p . 2 1 1 [141], v e r t a m b é m F i g . 2 ,

d a d e e mgeral, p a r t i c u l a r m e n t e n o q u e d i z resp e i t o a o s e n s i n o s dogmáticos d a I g r e j a .

PÓS-FREUDIANOS "Abutre" e m lugar d e "milhafre": consequências d e u m erro d e tradução U m erro d e tradução invalidaria o conjunto d e hipóteses freudianas? E m 1923, o correspondente d e u m a revista foi o primeiro a destacar u m erro d e tradução n a lembrança d e infância d e Leonardo d a Vinci, q u e levou Freud a falar d e "abutre" e m lugar d e "milhafre". Parece q u e Freud se fiou e m u m a versão alemã d a tradução d o s Cadernos e m q u e a palavra italiana "nibbio" foi traduzida inadvertidamente e m alemão c o m o "Geier" (abutre). O erro levou esse correspondente a levantar dúvidas quanto à validade d a interpretação feita por Freud. E m 1956, Shapiro, eminente historiador d a arte, publicou u m estudo d o c u m e n t a d o confirmando o erro d e Freud, q u e ele atribuiu a u m a leitura superficial d o s Cadernos d e Leonardo; além disso, ele d e m o n s t r o u q u e o t e m a d o quadro e m q u e Sant'Ana figura c o m o terceira era representado c o m frequência n o Renascimento, contradizendo Freud, que acreditava tratar-se d e u m a exceção. Esse erro d e tradução foi utilizado posteriormente d e f o r m a abusiva pelos detratores d a psicanálise q u e se utilizaram dele não apenas para questionar as interpretações d e Freud a respeito d e Leonardo, m a s t a m b é m para pôr e m dúvida a validade d o conjunto d a psicanálise freudiana. Em u m estudo publicado e m 1 9 6 1 , K. Eissler, responsável pelos Arquivos Freud, procurou reabilitar a c o n d u t a d e Freud mostrando q u e a troca d o milhafre pelo abutre não a invalidava e m nada. Lendo a t e n t a m e n t e u m a n o t a a c r e s c e n t a d a p o r Freud e m 1919, fiquei s u r p r e s o a o constatar q u e ele próprio havia c o n s i d e r a d o a ideia d e q u e talvez n ã o se tratasse d e u m abutre, antes q u e a q u e s t ã o se tornasse pública e m 1923. E m 1910, Havelock Ellis havia feito u m a crítica a esse respeito, a q u e F r e u d r e s p o n d e u alguns a n o s m a i s t a r d e n o s seguintes t e r m o s : "Com certeza, o grande pássaro poderia não ser exatamente um abutre" (1910c, [107, n. 2], p. 9 1 , nota 2, a c r e s c e n t a d a e m 1919). Freud s e q u e s t i o n a , n e s s a m e s m a nota, s o b r e a p r ó p r i a natureza d a l e m b r a n ç a d e L e o n a r d o : será q u e s e tratava d a l e m b r a n ç a d e u m a c o n t e c i m e n t o real, o u seria a m a r c a d e i x a d a e m s u a m e m ó r i a d e u m relato repetido p o r s u a m ã e , q u e d e p o i s ele teria c o n f u n d i d o c o m a l e m b r a n ç a d e u m a c o n t e c i m e n t o real? Diante d e s s e d i l e m a , Freud s e atém f i r m e m e n t e à p r e e m i n ê n c i a d a fantasia s o b r e a l e m b r a n ç a real. A t u a l m e n t e , e m razão d a s p o l é m i c a s e m t o r n o d a l e m b r a n ç a d e infância d e L e o n a r d o , privilegia-se o papel d a fantasia e m d e t r i m e n t o d a l e m b r a n ç a d e u m a c o n t e c i m e n t o real, m e s m o p o r q u e esta última sofreu incessantes m o d i f i c a ç õ e s a posteriori.

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS E s c o l h a d e o b j e t o h o m o s s e x u a l - h o m o s s e x u a l i d a d e - narcisismo - s u b l i m a ç ã o

PARTE II OS ANOS DA MATURIDADE (1911-1920)

NOTAS PSICANALÍTICAS SOBRE UM RELATO A JTOBIOGRÁFICO DE UM CASO DE PARANÓIA (O CAS() DE PARANÓIA: O PRESIDENTE SCHREBER)" S. FREUD (1911c)

Após as neuroses, o estudo das psicoses D e p o i s d eter-se e m p e n h a d o e m descobrir a o r i g e m das neuroses, e m especial da neurose histérica e d a n e u r o s e o b s e s s i v a , F r e u d p a r t e p a r a a p e s q u i s a d e u m m e c a n i s m o específico n a o r i g e m da psicose. Ele ficou i m p r e s s i o n a d o c o m a s a n a l o g i a s e n t r e o conteúdo p s i c o s s o c i a l d o s delírios p r o d u z i d o s p e l o s p a c i e n t e s paranóicos e o conteúdo p s i c o s s e x u a l r e p r i m i d o p e l a s n e u r o s e s , c o m o se os p r i m e i r o s e x p r e s sassem abertamente asfantasias que o s segundos o c u l t a m e m seu inconsciente. A partird e 1 9 0 7 , F r e u d s e i n d a g a s o b r e a s possíveis r e l a ções e n t r e a paranóia e a demência p r e c o c e o u e s q u i z o f r e n i a e , n a época d e s u a s discussões c o m K . A b r a h a m e C. G . Jung, ele t o m a conhec i m e n t o d a existência d e Memórias de um doente dos nervos, o b r a autobiográfica d e D a n i e l P a u l Schreber, p u b l i c a d a e m1903. F r e u d e n c o n t r a n e s s e t e x t o u m m a t e r i a l clínico p a r t i c u l a r m e n t e v a l i o s o , o d e u m delírio p a r a n ó i c o e x p o s t o c o m t a l e n t o p e l o próprio d o e n t e . O e s t u d o d e caso baseado unicamente e m u m d o c u m e n t o autobiográfico - p o i s F r e u d n u n c a s e e n c o n -

trou c o m Schreber - lhe permite fazer u m a dem o n s t r a ç ã o a d m i r á v e l q u e a angústia p e r s e c u tória e o delírio p a r a n ó i c o d e c o r r e m d e u m a defesa contra desejos homossexuais reprimid o s . Q u a n t o a o m e c a n i s m o d a paranóia, e l e s e r i a o p r o d u t o d e u m a transformação d o a m o r ( h o m o s s e x u a l ) e m ódio, s e g u n d o F r e u d , ó d i o q u e d e p o i s s e r i a d e s v i a d o p o r projeção p a r a u m perseguidor externo. Visto que o estudo sobre o Presidente S c h r e b e r c o n s t i t u i a p r i n c i p a l e x p o s i ç ã o teórico-clínica d e F r e u d s o b r e a p s i c o s e , e x a m i n a r e m o s brevemente as tentativas que realizoua o l o n g o d e várias d é c a d a s p a r a d e s c o b r i r s e u m e c a n i s m o específico. E m b o r a F r e u d t e n h a d e s c r i t o e m S c h r e b e r d i v e r s o s m e c a n i s m o s psíquic o s r e l a c i o n a d o s à organização psicótica, e l e c o n s i d e r a q u e o s p a c i e n t e s psicóticos n ã o e s t a b e l e c e m transferência e , p o r e s s a razão, n ã o são analisáveis, p o n t o d e v i s t a n ã o - c o m p a r t i l h a d o hoje principalmentepelos psicanalistas kleinian o s e pós-kleinianos q u e d e s e n v o l v e r a m a a n á lise desses pacientes.

B I O G R A F I A S E Hl STORIA A história d a d o e n ç a d e S c h r e b e r tal c o m o Freud a c o n h e c i a Freud utilizou u n i c a m e n t e as i n f o r m a ç õ e s biográficas f o r n e c i d a s pelo p r ó p r i o S c h r e b e r e m s u a s Memórias para redigir s e u e s t u d o e, n ã o o b s t a n t e u m a tentativa j u n t o às p e s s o a s p r ó x i m a s dele, n ã o o b t e v e outras i n f o r m a ç õ e s s o b r e s u a infância. A p r e s e n t a m o s a seguir u m r e s u m o d o q u e ele sabia. A primeira afecção e m Daniel Paul Schreber apareceu e m 1884, s o b a forma d e u m episódio depressivo hipocondríaco, p o u c o depois d o fracasso d e sua candidatura c o m o d e p u t a d o d o Reichstag, q u a n d o ele tinha 42 a n o s e era u m simples magistrado. Foi tratado na clínica d o Professor Flechsig e m Leipzig, psiquiatra e anatomista Continua

#

118 J e a n - M i c h e l

£

Quinodoz

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA •

Continuação

d o cérebro d e r e n o m e internacional, a q u e m se deve a descoberta d o s feixes cerebelares d a m e d u l a espinal que levam s e u n o m e . A p ó s alguns meses d e tratamento, Daniel Paul saiu curado. A s e g u n d a afecção c o m e ç o u alguns anos mais tarde, e m 1893, p o u c o após s u a nomeação para o importante cargo d e presidente d a Corte de Apelação d e Saxe, q u a n d o ela estava c o m 53 anos. Sofrendo d e u m delírio alucinatório a g u d o , foi novamente hospitalizado na clínica d e Flechsig e transferido seis meses depois para Dresden, para u m a outra clínica dirigida pelo Dr. Weber. Permanecerá ali por oito anos até obter autorização d e saída a d v o g a n d o e m causa própria junto a o Tribunal d e Dresden. Foi n o âmbito desse procedimento q u e Daniel Paul Schreber escreveu Memórias de um doente dos nervos (1903), o n d e descreve e m detalhe o curso d e s u a d o e n ç a , d e s e u delírio e de suas alucinações, para fundamentar seu pedido d e liberação; ele pretendia c o m isso demonstrar a o tribunal que se tornara socialmente a d a p t a d o e q u e s u a afecção não seria mais u m motivo jurídico suficiente para manter s u a internação. O pedido foi aceito e m 1902. O juiz observou e m seus considerandos q u e o paciente já não representava u m perigo para ele próprio e para outros, m a s q u e s u a loucura se mantinha. Daniel Paul Schreber retirou-se e m Dresde c o m s u a mulher e sua filha adotiva, p o r é m , cinco anos depois teve u m a recaída depressiva psicótica e precisou ser internado e m u m hospital psiquiátrico e m Leipzig o n d e ficou por quatro anos, até s u a morte e m 14 d e n o v e m b r o d e 1 9 1 1 , m e s m o ano e m q u e foi lançada a o b r a d e Freud. E m s e u e s t u d o , F r e u d m e n c i o n a b r e v e m e n t e q u e o pai d e Daniel Paul, o Dr. Daniel Gottlieb Moritz Schreber, era u m m é d i c o f a m o s o p o r ter e s t i m u l a d o a j u v e n t u d e a manter u m c o r p o s a d i o e p u b l i c a d o u m m é t o d o d e ginástica t e r a p ê u t i c a . Q u a n t o à m ã e d e Daniel Paul, este n ã o a m e n c i o n a e m suas Memórias, e Freud, c u r i o s a m e n t e , t a m p o u c o s e refere a ela.

DESCOBERTA DA OBRA A s p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o t e x t o p u b l i c a d o e m S. F r e u d , " R e m a r q u e s p s y c h a n a l y t i q u e s sur T a u t o b i o g r a p h i e d ' u n c a s d e p a r a n ó i a (Dementia paranoídes) ( L e P r e s i d e n t S c h r e b e r ) " , in Cinq psychanalyses, t r a d . M. B o n a p a r t e e R. Loewenstein, Paris, PUF, 1954, 4 2 2 p. [as p á g i n a s i n d i c a d a s entre colchetes r e m e t e m à s OCF.R X, p. 225-304].

Da angústia de ser transformado em mulher à missão redentora E m s u a f a s e a g u d a , o delírio paranóico e a l u cinatório d e D a n i e l P a u l S c h r e b e r e r a n a s u a essência u m delírio persecutório m u i t o a n g u s tiante, c e n t r a d o n a ideia d e q u e ele seria i m p e r i o samente emasculado e transformado e m m u l h e r , não p o d e n d o e s c a p a r a e s s e a b u s o s e x u a l . N o início, o p e r s e g u i d o r e r a o P r o f e s s o r F l e c h s i g , médico q u e t r a t a v a d e l e , i n s t i g a d o r d e s s e " a s s a s s i n a t o d a a l m a " e d o complô q u e t r a n s f o r m a r i a seu corpo e m u m corpo d em u l h e r para "(...) ser entregue então a um homem para abusos sexuais e depois largado, ou seja, abandonado com certeza à putrefação" ( p . 2 7 1 [241 ]). D e p o i s , o p r ó prio D e u s t o m o u olugar de Flechsig. D a n i e l P a u l S c h r e b e r t e v e a p r o v a d e s s a perseguição a o o u v i r v o z e s q u e l h e f a l a v a m e através d e experiênc i a s d e destruição d e a l g u n s d e s e u s órgãos, c o m o o estômago o u o i n t e s t i n o . P o s t e r i o r m e n t e , e s s e delírio persecutório d e b a s e s e x u a l t r a n s f o r m o u - s e e m u m delírio d e r e denção, d e m o d o q u e a f a n t a s i a a n g u s t i a n t e d e

emasculação v i n c u l o u - s e à i d e i a d e q u e h a v i a a g o r a u m a missão d i v i n a a s e r c u m p r i d a : a i d e i a obsessiva d eser t r a n s f o r m a d o e m m u l h e r pass a v a a f a z e r p a r t e então d e u m p r o j e t o místico, o d e ser f e c u n d a d o p e l o s r a i o s d i v i n o s a f i md e gerar n o v o s seres h u m a n o s . E l e associava essa missão a D e u s , p o r q u e m s e n t i a u m a m i s t u r a d e veneração e r e v o l t a , e m p a r t i c u l a r p o r q u e e s t e exigia de Schreber, h o m e m de alta moralidade, u m g o z o s e x u a l v o l u p t u o s o c o m o só u m a m u l h e r p o d e e x p e r i m e n t a r . E s s a transformação d o delírio l e v o u F r e u d a a f i r m a r q u e "o que vemos como uma produção mórbida, a formação do delírio, é na realidade a tentativa de cura, a reconstrução" (p. 315 [293-294]).

A paranóia: uma defesa contra um desejo homossexual reprimido V i s t o q u e a doença d e D a n i e l P a u l S c h r e b e r c o m e ç o u c o m u m delírio persecutório, F r e u d d e d u z i u daí q u e o a u t o r d e t o d a s a s perseguições seria c o m certeza o Professor Flechsig, que, a o

Ler Freud l o n g o d e t o d a a doença, p e r m a n e c e r á c o m o o p r i m e i r o sedutor. M a s , indaga-se Freud, por que F l e c h s i g se t o r n o u u m p e r s e g u i d o r , ele q u e h a v i a curado Daniel Paul Schreber d e sua primeira afecção e q u e o b t i v e r a s e u p r o f u n d o r e c o n h e c i m e n t o ? Para F r e u d , o fato d eque justamente a p e s s o a d e q u e m ele gostava antes, q u e a d m i r a v a e a q u e m atribuía u m a g r a n d e influência s e t o r n e o p e r s e g u i d o r d e c o r r e d e u m a reversão d o a m o r e m ódio. P o r q u e e s s a reversão d e s e n timentos? Porque o sentimento d e reconhecim e n t o d e S c h r e b e r e m relação a F l e c h s i g e s t a v a f u n d a d o e m u m a p e g o erótico i n t e n s o e m r e l a ção à p e s s o a d e s s e m é d i c o : f o i e s s e a p e g o q u e l e v o u S c h r e b e r a desejar s et o r n a r a m u l h e r d e u m s e r tão m a r a v i l h o s o q u a n t o F l e c h s i g : "Como deve ser bom ser uma mulher submetida a uma cópula" ( p . 2 9 0 [264]). E m o u t r a s p a l a v r a s , "a doença de Schreber eclodiu quando da explosão da libido homossexual" ( p . 2 9 3 [268]). D u r a n t e u m a t r a n s f o r m a ç ã o p o s t e r i o r d o delírio, o p e r s e g u i d o r F l e c h s i g , p o r s u a v e z , f o i substituído p o r D e u s , de m o d o que a fantasia homossexual ficou m a i s aceitável p a r a S c h r e b e r , p o i s a e m a s c u l a ç ã o e a transformação e m m u l h e r p a s s a v a m a f a z e r p a r t e d e u m p l a n o d i v i n o graças a u m p r o c e s s o d e r a c i o n a l i z a ç ã o : "Assim, diz F r e u d , as duas partes presentes conseguem se satisfazer. O ego é compensado pelo delírio de grandeza, enquanto que a fantasia de desejo feminino emerge e se torna aceitável" ( p . 2 9 5 - 2 % [2711). //

,/

Freud vai mais longe ainda eatribui a simpat i a d e S c h r e b e r p o r F l e c h s i g a u m "processo de transferencia", p o s t u l a n d o q u e e s s a transferência p a r a a p e s s o a d o médico é c o m c e r t e z a o r e s u l t a d o d e u m deslocamento d oa m o r intenso que D a n i e l P a u l deve ter sentido p o r seu p a i o u p o r u m irmão m a i s v e l h o . S e m p o s s u i r n e n h u m a i n f o r m a ç ã o biográfica s o b r e a família d e S c h r e b e r , F r e u d supôs q u e , s e o d o e n t e t i n h a i n v e s t i d o tão i n t e n s a m e n t e u m p a i o u u m irmão, e r a p r o v a v e l m e n t e p o r q u e e l e s já t i n h a m m o r r i d o , s u p o sição q u e s e confirmará l o g o d e p o i s .

O complexo patern > A o c h e g a r a e s s e p o n t o d a demonstração, F r e u d p o d e i n v o c a r a relação i n f a n t i l c o m o p a i : "Portanto, no caso Schreber, estamos mais uma

119

vez no terreno familiar do complexo paterno" ( p . 3 0 2 [279]). S e g u n d o e l e , a análise r e v e l a q u e o conflito de Daniel Paul Schreber c o m Flechsig e c o m D e u s está f u n d a d o e m u m c o n f l i t o i n fantil c o m seu p a i , d em o d o q u e o q u e determ i n o u o delírio f o i u m m e c a n i s m o a n á l o g o a o mecanismo que produz u m a neurose: Freud postula que o pai d e Schreber era visto p o r este c o m o u m a f i g u r a severa e i m p o n e n t e q u e proíbe a satisfação s e x u a l auto-erótica d o m e n i n o e ameaça p u n i - l o c o m a castração. E m o u t r a s p a l a v r a s , o d e s e j o d eser t r a n s f o r m a d o e m m u l h e r q u e c o m p õ e o núcleo d o delírio d e D a n i e l P a u l não é senão o p r o d u t o d o m e d o de sercastrado por seu pai por causa d a masturbação i n f a n t i l , o q u e l e v a o m e n i n o a a d o t a r u m a posição h o m o s s e x u a l p a s s i v a o u "posição f e m i n i n a " n o c o m p l e x o p a t e r n o , constituído d e u m a m i s t u r a d e submissão e revolta.

A fase narcísica do desenvolvimento infantil F r e u d r e s s a l t a q u e não é a f a n t a s i a d o d e s e j o homossexual ligada a ocomplexo paterno que c a r a c t e r i z a a paranóia, p o i s e s s e c o m p l e x o é e n contrado igualmente n a neurose e m estado lat e n t e e n o indivíduo n o r m a l , c o m o S c h r e b e r n o s período e m q u e e s t a v a b e m . O q u e é p a r a n ó i c o nesse caso, s e g u n d o F r e u d , é o fato de o pacient e t e r r e a g i d o c o m u m delírio persecutório p a r a se d e f e n d e r c o n t r a u m a f a n t a s i a d e d e s e j o h o m o s s e x u a l q u e não c o n s e g u i u m a n t e r n o i n c o n s ciente. P r o s s e g u i n d o s u a s reflexões, F r e u d f o r m u l a u m a o u t r a hipótese, a d e q u e a h o m o s s e x u a l i d a d e s e s i t u a e m u m a fase d a evolução i n f a n t i l q u a l i f i c a d a de fase narcísica do d e s e n v o l v i m e n t o , intermediária e n t r e o a u t o - e r o t i s m o e o a m o r d e o b j e t o : "Essa fase consiste no seguinte: o indivíduo em via de desenvolvimento reúne em uma unidade suas pulsões sexuais, que até então agiam de forma auto-erótica, afim de conquistar um objeto de amor, e primeiro toma a si mesmo, toma seu próprio corpo como objeto de amor, antes de passar á escolha objetal de uma pessoa estranha" ( p . 3 0 6 [283]). C o n s e q u e n temente, segundo Freud, q u a n d o a escolha d e objeto heterossexual é atingida ao longo da evolução n o r m a l , a s tendências h o m o s s e x u a i s n ã o

120 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z

desaparecem c o m p l e t a m e n t e : elas se t o r n a m p o r

s u j e i t o , e e n t ã o s e t r a n s f o r m a e m s e u contrário:

"apoio" a b a s e d a a m i z a d e e d a c a m a r a d a g e m

"Eu

c o m pessoas d o m e s m o

s e n t i m e n t o d e ódio intolerável é r e p r i m i d o n o

sexo.

A o contrário, n o s c a s o s patológicos, a f a s e narcísica d o d e s e n v o l v i m e n t o i n f a n t i l

pode

não o amo, eu o odeio!".

E mseguida,

esse

interior e depois projetado e m u m a pessoa n o e x t e r i o r : "Eu o odeio" t o r n a - s e e n t ã o "Ele me odeia

c o n s t i t u i r u m "ponto de fixação" o u u m "ponto

(ou

de regressão"

tenho por ele". A s s i m , o s e n t i m e n t o i n c o n s c i e n -

e m a l g u n s indivíduos e s e e s t a -

me persegue),

o que justifica

então

o ódio

que

b e l e c e r c o m o u m "ponto fraco" d e s u a p e r s o -

t e d e ódio p e r t e n c e n t e a o s u j e i t o r e s s u r g e s o b a

n a l i d a d e q u e o s s e n s i b i l i z a à paranóia p r o v o -

f o r m a d e u m a p e r c e p ç ã o e x t e r n a : "Eu não o amo!

c a n d o angústias persecutórias.

- eu o odeio!

- porque

ele me persegue!"

F r e u d a c r e s c e n t a : "A observação ma dúvida

O mecanismo da paranóia Freud conclui s e uestudo reunindo asdiv e r s a s f o r m a s d e paranóia e m u m a proposição c o m u m : "Eu o amo (ele, o homem)". M a s e s s a p r o posição n ã o é aceitável p a r a o c o n s c i e n t e d o

e

não deixa nenhu-

a esse respeito: o perseguidor

é sempre

um homem antes amado" ( p . 3 0 8 [285]).

Ele con-

c l u i a p l i c a n d o e s s a fórmula a t o d a s a s f o r m a s de

delírio q u e i n c l u i n a p a r a n ó i a : o delírio

p e r s e c u t ó r i o , e t a m b é m a e r o t o m a n i a , o delírio d e ciúme n o h o m e m e n a m u l h e r , a s s i m

como

o delírio d e g r a n d e z a .

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS FREUDIANO Freud e m b u s c a d e u m m e c a n i s m o específico d a psicose O e s t u d o d o c a s o S c h r e b e r insere-se e m u m a linha d e p e s q u i s a p e r m a n e n t e d e Freud c u j a m e t a é d e s c o brir o m e c a n i s m o específico d a p s i c o s e . D e m a n e i r a geral, ele está m e n o s interessado e m determinar critérios descritivos q u e p e r m i t a m u m a classificação sistemática d a s f o r m a s delirantes d o q u e e m especificar q u a i s s ã o s e u s m e c a n i s m o s s u b j a c e n t e s . S e m entrar n o detalhe d e s s a s d i s t i n ç õ e s c o m p l e x a s , é preciso situar a n o ç ã o d e p a r a n ó i a tal c o m o Freud a utiliza e m diferentes m o m e n t o s d e s u a e v o l u ç ã o . O que Freud

entende

por "paranóia"

ou "delírio

paranóico"?

No final d o século XIX, a psiquiatria alemã englobava n o termo "paranóia" o conjunto d e delírios, enquanto Freud, e m seus primeiros trabalhos, utiliza-o e m u m sentido amplo. Posteriormente, Emil Kraepelin introduziu u m a distinção fundamental, nas diferentes formas d e delírio, entre a d e m ê n c i a precoce, cuja evolução conduz à demência, e o delírio sistematizado d a paranóia s e m deterioração mental. N o q u e s e refere à demência precoce, essa n o ç ã o foi substituída pela d e "esquizofrenia" a partir d o s trabalhos d e Eugen Bleuler q u e mostrou o papel central d a "dissociação" (Spaltung) nessa afecção. Quanto à paranóia, Freud a g r u p a s o b essa denominação não apenas o s delírios persecutórios, mas t a m b é m a erotomania, o delírio d e c i ú m e e o delírio d e grandeza. D e p o i s d e 1 9 1 1 , F r e u d p e r m a n e c e u fiel à d i s t i n ç ã o feita p o r Kraepelin entre d e m ê n c i a p r e c o c e (esquizofrenia) e paranóia, discordando d a posição d e Bleuler, seu aluno, q u e não aceitava essa distinção, pois, para ele, a dissociação podia ser encontrada tanto n a esquizofrenia c o m o n a paranóia. Finalmente, e m seu estudo d a paranóia d e Schreber, Freud reconheceu a existência d e inúmeras c o m b i n a ç õ e s entre essas formas de psicopatologia. O pape/ da

projeção

Freud j á a b o r d a r a a q u e s t ã o d a p a r a n ó i a e m s u a c o r r e s p o n d ê n c i a c o m W. Fliess ( R a s c u n h o H. d e 2 4 d e janeiro d e 1894 e R a s c u n h o K. d e 1 d e janeiro d e 1896) e t a m b é m e m s u a análise d e u m c a s o d e p a r a n ó i a c r ó n i c a (1896b). E m seus primeiros textos, ele enfatiza s o b r e t u d o o m e c a n i s m o d a p r o j e ç ã o característico d a p s i c o s e , q u e significa, para ele, p ô r para fora instantaneamente u m a p e r c e p ç ã o interior intolerável, u m a e s p é c i e d e e v a c u a ç ã o p u r a e s i m p l e s . Mas, p o u c o a p o u c o , e m particular q u a n d o e s t u d a as Memórias d e Schreber, Freud p e r c e b e q u e a p r o j e ç ã o n ã o é u m a s i m p l e s e v a c u a ç ã o d o c o n t e ú d o r e p r i m i d o para o exterior, m a s q u e , a o contrário, o q u e retorna "do exterior" t e m c o m o o r i g e m o q u e foi s u p r i m i d o "no Q

Continua

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Ler Freud

4)

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interior": "Não era correto dizer que o sentimento reprimido dentro era projetado para fora", esclarece ele; "deveríamos dizer, como constatamos hoje, que o que foi abolido dentro vem de fora" (p. 3 1 5 / 2 9 4 / ) . A partir d o e s t u d o d e Schreber, Freud c o n s i d e r a q u e as diversas m o d a l i d a d e s delirantes d a paranóia t ê m c o m o b a s e u m a defesa contra a h o m o s s e x u a l i d a d e r e p r i m i d a e q u e a p r o j e ç ã o n ã o é o a p a n á g i o d a p s i c o s e . D o "desinvestimento

ma realidade"

à "negação

da

realidade"

E m 1 9 1 1 , Freud descrevera o papel q u e d e s e m p e n h a o desinvestimento d a realidade exterior na paranóia d e Schreber, b e m antes de introduzir as noções d e "perda da realidade", e m 1924 e, posteriormente, d e "negação da realidade", em 1927. A retirada d e investimento q u e Freud descreve e m Schreber e m 1911 se aplica tanto às pessoas d o seu círculo quanto ao m u n d o real: "O doente retirou das pessoas de seu círculo e do mundo exterior em geral o investimento libidinal que até então dirigia a eles; com isso, tudo se tornou indiferente e desprovido de relação para ele (...)" (p. 314 [292-293]). Schreber experimenta assim u m sentimento de fim d e m u n d o q u e Freud atribui à catástrofe interior q u e significa esse forte desinvestimento sentido c o m o u m a perda d e amor. A i n d a s e g u n d o Freud, o delírio se constituiria para recuperar esses investimentos exteriores perdidos, o q u e reforçava a ideia de que o delírio d o paranóico era u m a tentativa de cura, ponto crucial ao qual ele voltará frequentemente: "O que vemos como a produção da doença, a formação delirante, é na realidade a tentativa de cura, a reconstrução" (p. 315 [293-294]). Schreber:

uma descritào

clínica

magistral

dos fenómenos

psicóticos

C o m o ocorre sempre que descreve pela primeira vez u m conceito, Freud descobre primeiro na psicopatologia f e n ó m e n o s q u e depois se constata estarem presentes t a m b é m na neurose e no indivíduo normal, e m b o r a e m m e n o r grau. Por exemplo, b e m antes de introduzir a noção de "clivagem d o e g o " que separa o e g o e m d u a s partes, u m a q u e nega a realidade e outra q u e a aceita (1940a [1938]), Freud descreve e m Schreber u m f e n ó m e n o análogo ao falar de u m a "divisão da personalidade" e m duas partes, u m a delirante e outra adaptada: "Por um lado, ele tinha construído um engenhoso sistema delirante, que é do maior interesse para nós, diz Freud, e por outro lado, sua personalidade se reedificara, e se mostrara à altura dos deveres da vida, à parte alguns distúrbios isolados" (p. 267 [236]). Considerando o delírio e m seu conjunto, Freud observa q u e quanto mais a d o e n ç a avança, mais "o perseguidor se decompõe", e descreve diferentes modalidades dessas clivagens entre u m "Deus superior" e u m "Deus inferior", entre "Flechsig" e "Deus", o u ainda entre u m "pai venerado" e u m "pai odiado". Freud fala explicitamente aqui d e u m f e n ó m e n o d e "clivagem" c o m o u m mecanismo específico d a psicose paranóica: "Uma tal divisão é efetivamente característica das psicoses paranóides, escreve ele. Estas dividem, enquanto a histeria condensa. Ou melhor, essas psicoses resolvem de novo em seus elementos as condensações e identificações realizadas na imaginação inconsciente" (p. 297 [272]). Entretanto, a i n d a q u e Freud d e s c r e v a c o m u m e n o r m e s e n s o d e o b s e r v a ç ã o vários m e c a n i s m o s q u e e n t r a m e m j o g o na psicose, c o m o nesse ensaio s o b r e Schreber, c a b e r á aos psicanalistas p ó s - f r e u d i a n o s diferenciar melhor os m e c a n i s m o s f u n d a d o s nas defesas primitivas q u e d e c o r r e m d a psicose d o s m e c a n i s m o s f u n d a d o s na repressão q u e d e c o r r e m d a neurose. A partir d e s s a distinção, é possível e m p r e e n d e r o t r a t a m e n t o psicanalítico d e p s i c o s e s , tanto n o s adultos c o m o nas crianças, e obter êxitos t e r a p ê u t i c o s a d e s p e i t o d a s dificuldades ligadas a esse t i p o particular d e transferência.

PÓS-FREUDIANO! Reexame das teses lançadas por Freud sobre o caso Schreber A t r a d u ç ã o e m língua inglesa das Memórias d e Daniel Paul Schreber e m 1955 (I. Macalpine e R. A. Hunter, 1955) permitiu aos psicanalistas anglófonos ter acesso ao texto e m q u e Freud se baseara, e c o m o c o n s e q u ê n c i a levou a u m reexame d a s teses lançadas por ele e m 1 9 1 1 . Alguns questionaram a hipótese s e g u n d o a qual a psicose era unicamente resultado d a repressão d a homossexualidade. A s s i m , para R. D. Fairbairn (1956), a h o m o s s e x u a l i d a d e estaria ligada antes d e t u d o à rejeição agressiva d o progenitor d o sexo o p o s t o - e m particular a mãe, ausente das Memórias d e Schreber - , e se a criança escolhe c o m o perseguidor o progenitor Continua

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122

Jean-Michel

Quinodoz

PÓS-FREUDIANOS •

Continuação

d o m e s m o sexo, s e g u n d o esse autor, é para evitar u m a angústia d e perseguição a i n d a mais forte, proveniente d a relação primitiva c o m a m ã e . I. Macalpine e R. A. Hunter (1955) remeteram a psicose a u m a fase ainda mais precoce, qualificada d e anobjetal, ponto d e regressão q u e afeta a própria identidade d o sujeito. De maneira geral, o s psicanalistas d e orientação kleiniana a c h a v a m q u e Freud tinha insistido d e m a i s n o c o m p l e xo paterno e m Schreber, e n q u a n t o para eles a o r i g e m d a psicose deve ser b u s c a d a antes n a relação precoce d a criança c o m a m ã e . A influência d o pai no delírio de Daniel Paul: realidade o u fantasia? A partir d o s a n o s d e 1950, diversos autores realizaram pesquisas históricas aprofundadas sobre a infância de Daniel Paul Schreber e sobre sua família. A principal descoberta foi a d e q u e seu pai tinha sido o inventor d e u m a quantidade imensa d e aparelhos ortopédicos destinados a corrigir a m á postura das crianças, cujas ilustrações, publicadas e m diversas obras, causavam forte impressão. C o m base nesses novos d a d o s , W. G. Niederland (1963) considerou, por exemplo, q u e o delírio persecutório de Schreber decorria s e m dúvida d e u m traumatismo infantil sofrido pelo filho submetido ao sadismo e à sedução d e u m pai d o m i n a d o r e tirânico. Por sua vez, R-C. Racamier e J . Chasseguet-Smirgel (1966) destacaram o papel d e s e m p e n h a d o pela personalidade psicótica d o pai, q u e o c u p o u inteiramente o papel d e u m a mãe q u e se deixara absorver por ele, m ã e jamais m e n c i o n a d a nas Memórias. Mais recentemente, H. Israels (1981) e Z. Lothane (1992) puseram e m questão o papel traumático que diversos psicanalistas haviam atribuído ao pai d e Schreber, considerando q u e essas conclusões não tinham u m f u n d a m e n t o histórico. Mas, a m e u ver, m e s m o não se d i s p o n d o d e elementos biográficos suficientemente válidos para apoiar a ideia d e q u e o pai d e Daniel Paul foi efetivamente u m e d u c a d o r tirânico, esse argumento não invalida e m n a d a as hipóteses acerca d a influência exercida pelas fantasias sádicas e sedutoras presentes das teorias educativas d e Daniel Gottlieb Moritz Schreber e no delírio paranóico d e seu filho, Daniel Paul Schreber. A forclusão d o Nome-do-Pai: uma concepção teórica da psicose Em 1955, J. Lacan, por sua vez, estudou a paranóia de Schreber c o m base na tradução inglesa das Memórias e, e m seu seminário As psicoses (1955-1956; Lacan, 1981), introduziu dois conceitos e m s u a teorização d a origem das psicoses, a "forclusão" e o "Nome-do-Pai". S e g u n d o ele, a forclusão consiste e m u m a rejeição primordial d e u m significante fundamental para fora d o c a m p o d o "Simbólico" que, não p o d e n d o integrar-se ao inconsciente d o sujeito, retorna ao seio d o "Real" s o b forma d e alucinação. De a c o r d o c o m Lacan, a estruturação d o sujeito não c h e g a a se estabelecer na psicose, porque o pai não p o d e intervir junto à criança assegurando a função simbólica paterna q u e lhe compete, a d e lhe dar u m n o m e a fim d e q u e ele adquira s u a identidade. O significante Nome-do-Pai é então excluído - pois o q u e deveria ser simbolizado não foi - e retorna ao "Real" s o b a forma d e u m delírio paranóico. Em outras palavras, Lacan considera q u e o delírio persecutório d e Schreber de ser transformado e m mulher resultou d a incapacidade d o filho d e perceber o caráter simbólico d a ameaça de castração proveniente d o pai, d e m o d o q u e esta é experimentada c o m o u m perigo proveniente d a realidade exterior, isto é, d e u m "Real" inacessível à análise. E m b o r a Lacan tenha afirmado q u e a forclusão caracteriza a psicose, ele n u n c a disse c o m o concebia a transformação inversa d a forclusão. Assim, s u a posição acerca d o tratamento d a psicose permaneceu puramente especulativa (G. Diatkine, 1997). Melanie Klein: as bases d o tratamento psicanalítico das psicoses A partir d a psicanálise d e criança, M. Klein trouxe contribuições clínicas e teóricas decisivas q u e permitiram desenvolver a análise d a s psicoses: d e u m lado, ela diferenciou os m e c a n i s m o s d e defesa primitivos ligados à psicose e o s m e c a n i s m o s d e defesa evoluídos ligados à neurose, introduzindo as n o ç õ e s d e posição esquizoparanóide e d e p o s i ç ã o depressiva; d e outro lado, considerou q u e os pacientes psicóticos estabelec i a m u m a transferência e q u e esta era analisável, ao contrário d o q u e pensava Freud. M. Klein considerava q u e o f u n c i o n a m e n t o psicótico se baseava e m u m a fixação na posição esquizoparanóide e na recorrência a u m a identificação projetiva excessiva. Ela não se d e u c o n t a d e q u e existe u m a f o r m a normal e u m a f o r m a patológica d a posição esquizoparanóide, d o m e s m o m o d o q u e existe u m a f o r m a normal e u m a f o r m a patológica d a identificação projetiva. Mas, d e p o i s dela, Rosenfeld, Segal e Bion examinaram mais d e perto a psicopatologia d a posição esquizoparanóide, e f o r a m esses psicanalistas q u e distinguiram u m a f o r m a nor-

Continua

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Ler Freud

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123

Continuação

mal e u m a forma patológica d a posição esquizoparanóide, assim c o m o u m a f o r m a normal e u m a f o r m a patológica d a identificação projetiva. Assim, diferentemente de M. Klein, q u e via nisso u m a fixação à p o s i ç ã o esquizoparanóide, esses autores consideram a psicose c o m o u m a regressão a uma posição esquizoparanóide patológica e q u e é a identificação projetiva patológica q u e caracteriza essa regressão psicótica. O s d e s d o b r a m e n t o s d a c o n c e p ç ã o kleiniana das relações de objeto primitivas tiveram repercussões consideráveis s o b r e a técnica psicanalítica e constituem u m a parte essencial d o trabalho de elaboração psíquica não apenas nos analisandos psicóticos e narcísicos, mas t a m b é m nos analisandos m e n o s perturbados.

£

C R O N O L O G I A DOS> C O N C E I T O S F R E U D I A N O S

Delírio c o m o d e f e s a ( o n t r a a h o m o s s e x u a l i d a d e - n a r c i s i s m o , f a s e n a r c í s i c a d o d e s e n v o l v i m e n t o psicossexual - paranók - p o n t o d e fixação - p o n t o d e regressão - projeção - racionalização

ESCRITOS SOBRE A TÉCNICA PSICANALÍTICA (1904 A 1919) "O MÉTODO PSICANALÍTICO DE FREUD" "SOBRE A PSICOTERAPIA" "AS PERSPECTIVAS FUTURAS DA TERAPÊUTICA PSICANALÍTICA" "PSICANÁLISE "SILVESTRE" "O MANEJC DA INTERPRETAÇÃO DE SONHOS NA PSICANÁLISE" "A DINÂMICA DA TRANSFERÊNCIA" RECOMENDAÇÕES AOS MÉDICOS QUE EXERCEM A PSICANÁLISE" "SOBRE O INÍCIO DO TRATAMENTO"

(1904a) (1905a) (1910d) (191 Ok) (1911e) (1912b) (1912e) (1913c)

"RECORDAR, REPETIR E ELABORAR" S. FREUD (1914g)

OBSERVAÇÕES SOBRE O AMOR TRANSFERENCIAL S. FREUD (1915a)

5RESSO NA TERAPIA PSICANALÍTICA" S. FREUD (1919a)

Uma série de recomendações para a prática Freud nunca levou adiante seu projeto d e r e d i g i r u m a o b r a i n t e i r a m e n t e d e d i c a d a a o mét o d o psicanalítico a f i m d e r e s p o n d e r à d e m a n d a c r e s c e n t e d e p e s s o a s i n t e r e s s a d a s q u e não p o d i a m ir a Viena para aprender diretamente c o m ele. C o n t u d o , e n c o n t r a m o s o essencial d e s u a s i d e i a s s o b r e a técnica e m u m a série d e a r tigos c u r t o s p u b l i c a d o s entre 1904 e 1919. E m u m t o m f a m i l i a r , F r e u d expõe a l i s e m m u i t a o r d e m s u a l o n g a experiência d e prático e m f o r m a d e recomendações. Através d e s s a a b o r d a g e m prática, a p r e s e n t a o s e l e m e n t o s q u e c o n s t i t u e m o f u n d a m e n t o d o m é t o d o psicanalítico, tal c o m o é aplicado ainda hoje, pelo m e n o s p o r p s i c a n a l i s t a s f i l i a d o s à A s s o c i a ç ã o Psicanalític a I n t e r n a c i o n a l q u e e l e f u n d o u e m 1 9 1 0 . Já e m 1 9 0 3 , F r e u d h a v i a instituído a s b a s e s n e c e s s á rias ao estabelecimento e à conduta da cura psicanalítica, r e u n i n d o e m u m c o n j u n t o c o e r e n t e

o setting d i v ã / p o l t r o n a , a frequência e l e v a d a d e sessões e o p r o c e s s o . D e s d e e n t ã o , a técnica s o f r e u u m a e v o l u ç ã o considerável, e s u a s p o s s i b i l i d a d e s d e a ç ã o terapêutica e s t e n d e r a m - s e p a r a além d a n e u r o s e , i n c l u i n d o a p s i c o s e e a o m e s m o tempo cobrindo todo o leque d e idad e s d a v i d a , d a psicanálise d e c r i a n ç a à p s i c a nálise d a i d a d e a v a n ç a d a . A d e s p e i t o d a s d e s c o b e r t a s r e c e n t e s p r o v e n i e n t e s d a s neurociênc i a s e d a p s i c o f a r m a c o l o g i a , é forçoso r e c o n h e cer q u e n e n h u m a descoberta i n o v a d o r a v e i o s u b s t i t u i r a psicanálise n o c a m p o d e a t i v i d a d e q u e l h e é p r ó p r i o : aliás, s e i s s o t i v e s s e o c o r r i d o , o s p s i c a n a l i s t a s não s e r i a m o s p r i m e i r o s a s e d a r c o n t a e a t i r a r c o n s e q u ê n c i a s terapêuticas d i s s o ? Q u a n d o o leitor atual percorre o s escritos s o b r e a técnica psicanalítica r e d i g i d o s p o r F r e u d entre 1904 e 1919, surpreende-se a o constatar

126 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z q u e inúmeras questões l e v a n t a d a s p o r e l e há u m século c o n t i n u a m s e m r e s p o s t a até o p r e sente. P o r e x e m p l o , consideradas a s recentes aquisições terapêuticas disponíveis, poderíam o s d i s p e n s a r a psicanálise h o j e ? P o d e m o s o f e r e c e r m a i s d o q u e a n t e s a " p r o v a " científica q u e d e m o n s t r a r i a a eficácia d a psicanálise? O s m é -

J

t o d o s terapêuticos q u e t ê m a p r e t e n s ã o d e s e r m a i s rápidos e m a i s b a r a t o s d o q u e a c u r a p s i canalítica o f e r e c e m r e s u l t a d o s c o m p a r á v e i s a l o n g o p r a z o ? T o d a s e s s a s questões já f o r a m c o locadas p o r F r e u d , e ele esperava q u e se conseg u i s s e d a r r e s p o s t a s satisfatórias a e l a s e m u m f u t u r o não m u i t o d i s t a n t e .

PÓS-FREUDIANOS

Raros são o s tratados dedicados à técnica psicanalítica Os psicanalistas pós-freudianos p a r e c e m ter sentido a m e s m a dificuldade q u e Freud para reunir e m u m a obra as questões ligadas à técnica. De fato, existem p o u c o s tratados d e d i c a d o s a esse t e m a , t e n d o e m vista o n ú m e r o considerável d e artigos publicados. Entre as obras clássicas mais c o n h e c i d a s , e m b o r a j á antigas, vale mencionar as d e Otto Fenichel (1941), d e Edward Glover (1955) e d e Ralph R. G r e e n s o n (1967). O tratado p u b l i c a d o e m 1991 p o r R. Horácio Etchegoyen, The fundamentais of psychoanalytic technique, constitui s e m d ú v i d a u m a contribuição importantíssima d e interesse internacional, pois é a p r e s e n t a d o e m forma de manual d e g r a n d e erudição e a o m e s m o t e m p o é agradável d e ler e d e consultar. O autor apresenta u m a visão d e c o n j u n t o d a s contribuições dedicadas à técnica psicanalítica d e s d e Freud até o s autores c o n t e m p o râneos, s e g u i n d o d e perto a evolução d a s ideias, desenvolvimento histórico a q u e ele próprio assistiu e d o qual participou e m a l g u m a m e d i d a . Etchegoyen t a m b é m estuda as diversas técnicas e m f u n ç ã o d a maior variedade d e p o n t o s d e vista teóricos a d o t a d o s pelos psicanalistas d e Klein a Lacan, p a s s a n d o pelos principais autores e u r o p e u s , latinos e norte-americanos e p o n d o e m relevo as vantagens e o s inconvenientes d a s respectivas a b o r d a g e n s à luz d e s u a própria experiência clínica.

DESCOBERTA DAS OBRAS •

E S C R I T O S S O B R E A TÉCNICA PSICANALÍTICA ( 1 9 0 4 a 1 9 1 3 ) A s p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o s t e x t o s p u b l i c a d o s e m S. F r e u d ( 1 9 0 4 - 1 9 1 3 ) , La psychanalytique, t r a d . A. B e r m a n , Paris, PUF, 1953 ( 1 éô.)[as páginas indicadas entre colchetes às O C F . R X e X / y . §

technique remetem

" L a m é t h o d e p s y c h a n a l y t i q u e d e F r e u d " ( 1 9 0 4 a , p. 1-8). " D e la p s y c h o t h é r a p i e " ( 1 9 0 5 a , p. 9-22). "Perspectives d'avenir d e la t h é r a p e u t i q u e p s y c h a n a l y t i q u e " (1910d, p. 23-24 /OCF.R X, 61-73]). "À p r o p ô s d e la p s y c h a n a l y s e dite ' s a u v a g e ' " (191 Ok, p. 35-42 /"OCF.R X, 205-213]). "Le m a n i e m e n t d e Tinterprétation des rêves e n p s y c h a n a l y s e " (1911e, p. 43-49 /OCF.R X, 41-48]). "La d y n a m i q u e d u t r a n s f e r i " (1912b, p. 5 0 60 /OCF.O, X, 105-116]). "Conseils aux m é d i c i n s sur le traitment p s y c h a n a l y t i q u e " (1912e, p. 61-71 /OCF.R XI, 143-154]). " L e d é b u t d u traitement" (1913c, p. 80-104).

O método e suas indicações F r e u d começa p o r r e c o r d a r e m q u e c o n s i s t e a p s i c a n á l i s e e a f i r m a s e u v a l o r científico. E l e e x p l i c a a diferença e n t r e a s d i v e r s a s f o r m a s d e p s i c o t e r a p i a e s e u p r ó p r i o m é t o d o , a psicanális e , q u e é, s e g u n d o e l e , "(...) o que penetra mais profundamente, o que tem o maior alcance, aquele mediante o qual os doentes tem maior possibilidade de ser transformados. (...) É, de todos os métodos, o mais interessante, o único capaz de nos informar so-

bre a origem das manifestações mórbidas e sobre as relações existentes entre elas" ( 1 9 0 5 a , p . 1 2 ) . E l e justifica, assim, seu interesse p r i v i l e g i a d o pela própria a b o r d a g e m e m relação às o u t r a s psicoterapias, s e m c o m isso desautorizar estas últimas: "Não rejeito nenhum desses métodos, e os utilizaria se surgisse uma ocasião favorável. É por motivos puramente subjetivos que realmente me consagrei a uma única forma de tratamento, aquela que Breuer chamou de "catártica" e que, da minha parte, prefiro qualificar de "analítica"" (1905a, p . 12).

Ler Freud Q u a n t o às indicações, F r e u d d i z q u e a p s i canálise s e d e s t i n a p a r t i c u l a r m e n t e a t r a t a r d a s n e u r o p s i c o s e s e e x p l i c a : "Esses doentes não seriam curáveis por medicamentos, mas pelo médico, isto é, pela personalidade deste, na medida em que, através desta, ele exerce sua influência" ( 1 9 0 5 a , p . 1 1 ) . E x i g e m - s e a l g u m a s condições p o r p a r t e d o p a c i e n t e , c o m o "uma certa dose de inteligência natural, um certo desenvolvimento moral" ( 1 9 0 4 a , p . 7). C o n t u d o , F r e u d d e s a c o n s e l h a e m p r e e n d e r u m a cura e m u m paciente c o m m a i s de 50 anos, p o i s , s e g u n d o e l e : "As pessoas que já atingiram ou passaram dos 50 anos não têm mais a plasticidade dos processos psíquicos em que se apoia a terapêutica (...)" ( 1 9 0 5 a , p . 1 7 - l è ) . E s s a limitação d e i d a d e não e x i s t e m a i s h o j e , e a c r i a t i v i d a d e d e q u e F r e u d é t e s t e m u n h o até o s 8 3 a n o s d e m o n s t r o u q u e a i d a d e avançada não p r o v o c a n e c e s s a r i a m e n t e u m a diminuição d e p l a s t i c i d a d e psíquica, c o m o ele i m a g i n a v a aos 4 8 a n o s a o r e d i g i r e s s a recomendação. F r e u d r e c o n h e c e t e r u t i l i z a d o até e n t ã o s e u p r o c e d i m e n t o terapêutico e s s e n c i a l m e n t e e m d o e n t e s "muito seriamente afetados, em casos quase desesperadores", m a s c o m êxito, o q u e l h e s p e r m i t i u "encontrar uma possibilidade de viver" ( 1 9 0 5 a , p . 1 6 ) . A l é m d i s s o , e l e a d v e r t e o s t e r a p e u t a s s e m experiência s u f i c i e n t e p a r a não s u b e s t i m a r e m a s d i f i c u l d a d e s e n c o n t r a d a s n a análise d a s resistências: "de fato, não é uma coisa fácil lidar com o instrumento psíquico" ( 1 9 0 5 a , p . 1 5 ) .

O processo e o settlig O setting d a c u r a psicanalítica " c l á s s i c a " n ã o m u d o u fundamentalmente desde que Freud o e l a b o r o u n o início d o século X X , p e l o m e n o s n o q u e d i z r e s p e i t o à prática d a c u r a clássica, i s t o é, a o u s o d a posição " d i v ã / p o l t r o n a " , c o m o p a c i e n t e d e i t a d o n o divã e o a n a l i s t a s e n t a d o atrás d e l e . F r e u d d e d i c a v a u m a h o r a p o r d i a a cada u m d eseus pacientes, e o s recebia cinco v e z e s p o r s e m a n a . N e s s e s t e x t o s , F r e u d não a b o r d a a q u e s t ã o d a s técnicas d e c o r r e n t e s d a psicanálise, c o m o a s p s i c o t e r a p i a s d e orientação psicanalítica e o u t r a s a b o r d a g e n s ; r e f e r e - s e u n i c a m e n t e à prática psicanalítica d i t a clássica. N o que serefere a o desenrolar d o processo p r o p r i a m e n t e dito, F r e u d assinala que, dada

127

sua c o m p l e x i d a d e , ele escapa a q u a l q u e r descrição e o c o m p a r a a u m j o g o d e x a d r e z : "Aquele que tenta aprender nos livros o nobre jogo de xadrez não tarda a descobrir que as manobras do início e do fim só permitem fazer uma descrição esquemática completa, enquanto que sua imensa complexidade, desde o momento em que a partida se inicia, opõe-se a qualquer descrição" ( 1 9 1 3 c , p . 8 0 ) . F r e u d descreve e m seguida sua m a n e i r a de t r a b a l h a r e a s condições e m q u e s e d e s e n v o l v e a c u r a . A s s i m , n o início d e c a d a t r a t a m e n t o , e l e começa p o r p e d i r a o s e u p a c i e n t e q u e s i g a f i e l m e n t e a "regra fundamental da psicanálise", i s t o é, q u e c o m u n i q u e a o a n a l i s t a t u d o o q u e l h e v i e r à c a b e ç a , "renunciando a toda crítica e a toda escolha". A o m e s m o t e m p o , e l e r e c o m e n d a a o a n a l i s t a q u e a d o t e u m a a t e n ç ã o "flutuante" e e v i t e t o m a r n o t a s d u r a n t e a s e s s ã o a f i m d e não p e r t u r b a r s u a e s c u t a ( 1 9 1 2 e , p . 6 2 [146]). E l e s a l i e n t a q u e n ã o s e p o d e d a r m u i t o v a l o r a o "mais fiel relato estenografado", pois, s e g u n d o e l e , a s o b s e r v a ç õ e s analíticas e s c r i t a s são forçosamente c o m p r o m e t i d a s p o r u m a precisão q u e é a p e n a s a p a r e n t e e n ã o s u b s t i t u e m "a presença nas sessões de análise" (1912e, p . 6 4 [148]).

Deixar-se surpreender C o n f o r m e F r e u d a p r i m o r a s u a técnica, c o n s tata-se q u e ele t e n d e a confiar m a i s n o c u r s o n a t u r a l e espontâneo d o s p e n s a m e n t o s d o p a ciente e que renuncia p o u c o a p o u c o a tirar d o material associativo aquilo que interessa m a i s a e l e próprio, n a t e n t a t i v a d e c h e g a r a u m a r e construção i n t e r p r e t a t i v a . E l e p a r e c e t e r d a d o e s s a g u i n a d a c a p i t a l q u a n d o d a análise d o H o m e m d o s r a t o s , e m 1 9 0 7 . E s s a mudança d e p e r s pectiva implica que o analista renuncia a u m r e s t o d e a t i t u d e " a t i v a " , i m p o n d o s u a s próprias r e c o n s t r u ç õ e s a o p a c i e n t e , a o invés d e c o n f i a r n o d e s e n r o l a r d o p r o c e s s o psicanalítico. F r e u d p r e c o n i z a e s s a mudança d e a t i t u d e n o s s e g u i n t e s t e r m o s : "Os melhores resultados terapêuticos, ao contrário, são obtidos quando o analista age sem ter traçado um plano prévio, quando se deixa surpreender por qualquerfato inesperado, conserva uma atitude distanciada e evita qualquer ideia preconcebida" ( 1 9 1 2 e , p . 6 5 [148]).

128 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z

Dar-se todo o tempo necessário N a m e d i d a e m q u e s ec o n f i a e m q u e o p a c i e n t e encontrará p o r s i m e s m o o c a m i n h o q u e l e v a à solução d e s e u s c o n f l i t o s , c o n c e b e - s e q u e "a psicanálise exige muito tempo - mais do que o doente gostaria" ( 1 9 1 3 c , p . 8 8 ) , c o m o F r e u d r e p e t e i n s i s t e n t e m e n t e e m s e u s e s c r i t o s técnicos. E l e c o n s i d e r a a i n d a q u e "o desejo de abreviar o tratamento é plenamente justificável" e a c r e s c e n t a q u e , i n f e l i z m e n t e , "um fator muito importante contraria essas tentativas: a lentidão das modificações psíquicas profundas e em primeiro lugar, sem dúvida, a "intemporalidade" de nossos processos inconscientes" ( 1 9 1 3 c , p . 8 9 ) . F r e u d expressa claramente p o r q u e o psican a l i s t a não t e m o u t r a e s c o l h a a não s e r r e s p e i t a r o d e s e n r o l a r d o p r o c e s s o psicanalítico d e p o i s d e i n i c i a d o : "Uma vez desencadeado, o processo segue em frente seu caminho, e sua direção não pode ser modificada nem seu curso desviado, e a ordem das diferentes etapas permanece a mesma. O poder do analista sobre os sintomas é de algum modo comparável à potência sexual; mesmo o homem mais forte, capaz de criar um filho inteiro, não poderia produzir no organismo feminino uma cabeça, um braço ou uma perna isoladamente e nem escolher o sexo da criança. A única coisa que lhe é permitida é deslanchar um processo extremamente complexo, determinado por uma série de fenómenos e que culmina com a separação da criança de sua mãe. A neurose tem a mesma característica de um organismo..." ( 1 9 1 3 c , p . 8 9 ) . E l e acrescenta que, e m face d o gasto de t e m p o ed e d i n h e i r o q u e r e p r e s e n t a u m a psicanálise, a l g u n s s e c o n t e n t a r i a m e m s e l i v r a r d e u m único s i n t o m a , m a s c o n s i d e r a q u e o m é t o d o psicanalítico d e v e ser t o m a d o e m s u a t o t a l i d a d e , v i s t o q u e c o n s t i t u i u m c o n j u n t o indissociável: "O psicanalista deve dar preferência aos que aspiram a cura total na medida em que podem conseguir isso e que dedicam todo o tempo necessário ao tratamento. E preciso dizer que são raros os casos em que se apresentam conjunturas tão favoráveis" ( 1 9 1 3 c , p . 9 0 ) .

O estabelecimento do

setting

psicanalítico

P a r a c r i a r a s condições ótimas p a r a o d e s e n v o l v i m e n t o d e s s e p r o c e s s o , há a l g u m a s

exigências p a r t i c u l a r e s . E i s a s q u e F r e u d p r o p õ e a o s s e u s p a c i e n t e s : "Dedico a cada um de meus doentes uma hora de minha jornada de trabalho; essa hora lhe pertence e é debitada em sua conta mesmo que não faça uso dela" ( 1 9 1 3 c , p . 8 4 ) . F r e u d p e d e a o p a c i e n t e q u e d e i t a n o divã, e s e s e n t a atrás d e l e . D e d i c a u m a s e s s ã o diária a c a d a p a c i e n t e , o u s e j a , s e i s sessões p o r s e m a n a e , e m b o r a a d m i t a f a z e r exceções, i s s o não c o s t u m a o c o r r e r : "Para os casos leves ou para aqueles cujo tratamento já está bem avançado, três horas por semana são suficientes. De resto, não é interesse nem do médico nem do doente que o número de horas seja reduzido, e essa redução deve inclusive ser proscrita no início do tratamento" (1913c, p . 85). Q u a n t o à duração d a c u r a , F r e u d e s t i m a q u e é q u a s e impossível determiná-la p o r a n t e c i p a ção. N a t u r a l m e n t e , o p a c i e n t e t e m t o t a l l i b e r d a de de interrompersua cura a qualquer m o m e n to, a f i r m a , m a s ele corre o risco d eu m agravam e n t o . F r e u d m e n c i o n a várias v e z e s a s pressões q u e vêm d e t o d o s o s l a d o s v i s a n d o a a b r e v i a r a duração d a psicanálise s o b o s p r e t e x t o s m a i s v a r i a d o s : "Como consequência da incompreensão dos doentes, à qual se alia a insinceridade do médico, requer-se da análise que ela satisfaça às exigências mais desmesuradas no prazo mais curto" ( 1 9 1 3 c , p . 8 6 ) . A questão d o e n c u r t a m e n t o d a d u r a ç ã o d a análise é recorrente, l e m b r a F r e u d , q u e r e s p o n d e c o m h u m o r a e s s e t i p o d e objeção: "Evidentemente, ninguém imaginaria que é possível erguer uma mesa pesada só com dois dedos, como se fosse um banquinho, ou construir uma casa enorme no mesmo lapso de tempo que uma pequena cabana de madeira. No entanto, quando se trata da neurose (...), mesmo as pessoas inteligentes esquecem que existe necessariamente uma proporção entre o tempo, o trabalho e o resultado" ( 1 9 1 3 c , p . 8 7 ) . Q u a n t o à c o n f i d e n c i a l i d a d e , F r e u d e s c l a r e c e q u e o t r a t a m e n t o é "um assunto entre o médico e a pessoa e que não deve haver a participação de terceiros, mesmo que sejam íntimos ou estejam muito curiosos" ( 1 9 1 3 c , p . 9 6 ) . F r e u d a b o r d a i g u a l m e n t e a questão d o p a g a m e n t o d e h o n o r á r i o s e s a l i e n t a a significação s e x u a l i n consciente que o d i n h e i r o c o s t u m a ter nas trocas e n t r e p a c i e n t e e a n a l i s t a ; ele r e c o m e n d a a o analista que exija o p a g a m e n t o r e g u l a r m e n t e e q u e não d e i x e q u e s e a c u m u l e m a s s o m a s d e v i -

Ler Freud d a s . E l e m e n c i o n a a questão d o s t r a t a m e n t o s g r a tuitos que praticou por m u i t o tempo, assinaland o q u e e l e s a u m e n t a m b a s t a n t e a s resistências, e d i s c u t e a questão d o a c e s s o à análise p a r a a s p e s s o a s p o b r e s e p a r a a s d e c l a s s e média.

A transferência e a tontratransferência F r e u d s a l i e n t a q u e a transferência n ã o é o a p a n á g i o d a psicanálise, q u e a p a r e c e t a m b é m e m o u t r a s circunstâncias d a v i d a , ê q u e e l a só p o d e s e r e l a b o r a d a n o setting d a análise. E l e d e s c r e v e d o i s t i p o s d e transferência: a t r a n s f e r ê n c i a "positiva", b a s e a d a e m s e n t i m e n t o s t e r n o s , e a transferência "negativa", b a s e a d a e m s e n t i m e n t o s h o s t i s : "Quando liquidamos' a transferência tornando-a consciente, nós simplesmente afastamos da pessoa do médico esses dois componentes da relação afetiva" ( 1 9 1 2 b , p . 5 7 [114]). E m s e g u i d a , e l e c h a m a a atenção d o a n a l i s ta para o que designa pela p r i m e i r a vez c o m o a "contratransferencia" q u e p o d e e s t a b e l e c e r - s e n o m é d i c o "como resultado da influência que o paciente exerce sobre os sentimentos inconscientes de seu analista" ( 1 9 1 0 d , p . 2 7 [67]). O q u e e l e e n t e n d e p o r contratransferência ? F r e u d t o m a e s s a n o ç ã o a q u i e m u m s e n t i d o r e s t r i t o c o m relação a o s d e s e n v o l v i m e n t o s q u e serão t r a z i d o s m a i s t a r d e p e l o s p s i c a n a l i s t a s pós-freudianos: p a r a e l e , t r a t a - s e e s s e n c i a l m e n t e d e reações i n c o n s c i e n t e s q u e o a n a l i s t a s e n t e " c o n t r a " a transferência d o p a c i e n t e , e daí o t e r m o " c o n t r a t r a n s f e r e n c i a " . E s s a s reações d e p e n d e m d a p e r s o n a l i d a d e d o a n a l i s t a e o p õ e m - s e à elaboração d a transferênc i a n a m e d i d a e m q u e não são s u p e r a d a s . É p o r isso q u e F r e u d exige d oanalista u m conhecim e n t o e u m domínio d e s u a c o n t r a t r a n s f e r e n c i a q u e e l e s ó p o d e a d q u i r i r m e d i a n t e s u a própria experiência d e análise e a auto-análise: "(...) advertimos que um analista só pode levar a bom termo seus tratamentos à medida que seus próprios complexos e suas resistências interiores o permitam. É por isso que exigimos que ele comece por se submeter a uma análise e que a aprofunde incessantemente, mesmo quando estiver tratando de outros. Quem não consegue realizar essa auto-análise fará melhor se desistir, sem hesitação, de tratar doentes analiticamente" ( 1 9 1 2 c , p . 2 7 , [67]). E l e p r o s s e g u e m a n i f e s //

,,

129

t a n d o o desejo d eque t o d o f u t u r o psicanalista f a ç a p r i m e i r a m e n t e u m a "análise didática" ( 1 9 1 2 e , p . 2 7 [67]). F r e u d insiste igualmente para que o f u t u r o a n a l i s t a s e f a m i l i a r i z e c o m a técnica, a f i m d e e v i t a r e r r o s c o m o a "psicanálise selvagem", q u e c o n s i s t e e m "jogar bruscamente na cabeça do paciente, na primeira consulta, os segredos que o médico adivinhou" ( 1 9 1 0 k , p . 4 1 , [212]). E l e e v o c a a i n d a a tentação d o a n a l i s t a d e p a r t i c i p a r a o p a c i e n t e s e u s próprios c o n f l i t o s e s u a s próprias deficiênc i a s p a r a a j u d a r a r o m p e r a s resistências: "Todo jovem analista zeloso certamente ficará tentado a pôr sua própria individualidade em jogo afim de treinar o paciente, de elevá-lo acima dos limites de sua estreita personalidade. Poderia até parecer admissível, ou mesmo desejável, que lhe permitíssemos lançar um olhar sobre nossas próprias deficiências psíquicas e nossos conflitos, conduzindo-a assim, mediante confidências íntimas, a estabelecer um paralelo" ( 1 9 1 2 e , p . 6 8 , [151-152]). M a s , s e g u n d o F r e u d , a experiência m o s t r a q u e e s s a técnica n ã o p r o d u z o s r e s u l t a d o s e s p e r a d o s , a o contrário: "O paciente, na verdade, normalmente tenta reverter a situação por achar que a análise do médico é mais interessante do que a sua. Do mesmo modo, a liquidação da transferência - uma das tarefas mais importantes no tratamento - torna-se mais difícil por causa da intimidade estabelecida pelo médico. (...) Portanto, não hesito em rejeitar essa técnica errónea. Para o analisado, o médico deve permanecer impenetrável e, à maneira de um espelho, refletir apenas o que lhe mostram" ( 1 9 1 2 c , p . 6 9 , [152]). C o m o q u a l q u e r o u t r a técnica médica, a p r e n d e - s e a psicanálise c o m "aqueles que já a dominam afundo" ( 1 9 1 0 k , p . 4 1 , [212]). É c o m o o b j e t i v o d e p r e s e r v a r o s d o e n t e s o máximo p o s sível d o s p e r i g o s q u e p o d e r i a m i m p l i c a r p a r a e l e s a s i n t e r v e n ç õ e s p o r p a r t e d e a n a l i s t a s "selvagens" q u e F r e u d m e n c i o n a o f a t o d e t e r f u n d a d o e m 1 9 1 0 u m a Associação Psicanalítica I n t e r n a c i o n a l ( A P I ) , organização q u e s e d e s e n volveu e t e m u m papel importante e m nossos d i a s : "Os membros reconhecem sua filiação a ela autorizando que se publiquem seus nomes, o que nos permite declinar de qualquer responsabilidade no que diz respeito à maneira de proceder daqueles que não são os nossos, mas que pretendem dar ao seu método o nome de 'psicanálise'" ( 1 9 1 0 k , p . 4 2 , [213]).

130

Jean-Michel

Quinodoz

PÓS-FREUDIANOS O setting

psicanalítico: u m estabelecimento lento e progressivo

O que é o " s e t t i n g "

psicanalítico?

C h a m a m o s d e setting psicanalítico o c o n j u n t o d e c o n d i ç õ e s necessárias para assegurar o desenrolar ótimo d o processo psicanalítico. Essas c o n d i ç õ e s são estabelecidas e m c o m u m a c o r d o entre paciente e analista, se possível d e s d e as entrevistas preliminares. Na psicanálise clássica, o paciente deita n o divã e o psicanalista fica s e n t a d o atrás, fora d o c a m p o d e visão d o paciente, d e maneira q u e este dirija seu olhar para o m u n d o interno, e n ã o p a r a a p e s s o a real d o analista. R e s p o n d e n d o à "regra f u n d a m e n t a l " d a análise, q u e espera d o paciente q u e ele c o m u n i q u e ao analista t u d o o q u e lhe v e m à cabeça, essa disposição favorece o curso das associações livres, a s s i m c o m o as projeções no analista d e papéis variados q u e lhe são atribuídos e m fantasia. A d u r a ç ã o d a sessão geralmente é fixada e m quarenta e 45 o u 50 minutos, e elas são distribuídas à razão de quatro o u c i n c o e n c o n t r o s semanais, o u e x c e p c i o n a l m e n t e três, e m a l g u m a s regiões; a d u r a ç ã o e a frequência d a s s e s s õ e s constituem u m fator d e estabilidade psíquica para o paciente na m e d i d a e m q u e estas, u m a vez fixadas, n ã o d e p e n d e m d o h u m o r o u d a avaliação d o m o m e n t o . Os c o n t a t o s p e s s o a i s e sociais entre paciente e analista d e v e m ser evitados, m e s m o f o r a d a s sessões. A l é m d i s s o , p o r razões d e c o n f i d e n c i a l i d a d e , o analista n ã o f o r n e c e n e n h u m a i n f o r m a ç ã o a terceiros e não entra e m c o n t a t o c o m p e s s o a s p r ó x i m a s d o paciente, salvo e m c a s o e x c e p c i o n a l e d e c o m u m a c o r d o c o m ele. Desse p o n t o d e vista, u m d o s g r a n d e s p a r a d o x o s d a situação psicanalítica é constatar q u e os limites éticos estritos q u e p a c i e n t e e analista se i m p õ e m e m s u a relação real c o n s t i t u e m a g a r a n t i a q u e lhes permite t r a n s p o r livremente esses limites e m p e n s a m e n t o e e m fantasia. A s s i m , o setting constitui u m a espécie d e " a n t e p a r o " q u e representa n o nível s i m b ó l i c o a p r o i b i ç ã o d o incesto. O resultado

de uma longa

evolução

Embora Freud t e n h a pressentido desde o início a necessidade d e instaurar u m setting para a cura e tenha definido seus principais elementos por volta d e 1903, os psicanalistas levaram muitos anos para compreender o verdadeiro significado d o setting psicanalítico e m relação ao processo psicanalítico. E m Estudos sobre a histeria, e m 1895, Freud explica c o m o c o m e ç o u a substituir a sugestão pela técnica d a associação livre, estabelecendo assim os primeiros fundamentos d o setting psicanalítico. Depois disso, apesar das r e c o m e n d a ç õ e s que publicou e m 1904 e e m seus estudos posteriores sobre a técnica, ele cometeu inúmeras infrações às regras estritas que tinha se imposto sem ainda avaliar seus inconvenientes: por exemplo, ele falava sobre seus analisandos e m suas cartas d e s i g n a n d o - o s pelo n o m e , s e m ocultar sua identidade, recebia alguns analisandos para jantar e m sua casa e inclusive analisava pessoas próximas a ele, c o m o Ferenczi e mais tarde s u a própria filha Anna. Isso mostra q u e os limites d o setting psicanalítico permaneceram p o u c o precisos por u m l o n g o t e m p o ; foi somente a p ó s a S e g u n d a Guerra Mundial, a partir d o m o m e n t o e m q u e se passou a enfatizar c a d a vez mais a relação d e transferência e d e contratransferencia, q u e os psicanalistas sentiram a necessidade d e manter um setting rigoroso a fim d e conter melhor a intensidade das trocas emocionais entre paciente e psicanalista. As ligações

indissociáveis

entre

s e t t i n g e processo

psicanalítico

Os primeiros psicanalistas enfatizaram inicialmente a elaboração d o processo, isto é, a evolução interior seguida pelo paciente, s e m se preocupar muito c o m o setting, q u e era visto basicamente d o â n g u l o d a s disposições materiais a d e q u a d a s para viabilizar o processo. Por volta d o s anos 1950, surgiram as primeiras tentativas de conferir ao setting psicanalítico u m a base teórica. Assim, os trabalhos de W. R. Bion (1962) permitiram estabelecer u m a analogia entre a situação analista-analisando e m sessão e a situação mãe-filho, e considerar que o setting es\á para o processo assim c o m o o "continente" para o "conteúdo". Por sua vez, J . Bleger (1967) procurou demonstrar q u e havia u m a etapa anterior à posição esquizoparanóide de Klein, constituída s e g u n d o ele por "núcleos d e aglutinação" ego-objeto criando u m a ligação simbiótica: s e g u n d o Bleger, essa ligação se expressa através d a relação íntima q u e o paciente mantém c o m o setting psicanalítico, até conseguir se diferenciar dele. Posteriormente, numerosos autores contribuíram para aprofundar as relações entre setting e processo, entre os quais D. W. Winnicott c o m a noção de "holding" e D. Anzieu c o m a d e "eu-pele".

Continua

Q

Ler Freud

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Compreender de dento o sentido do s e t t i n g Essas pesquisas ajudaram a c o m p r e e n d e r melhor o sentido q u e a s s u m e o setting psicanalítico e m relação a o p r o c e s s o . De fato, o q u a d r o c o s t u m a ser mal c o m p r e e n d i d o , tanto pelas pessoas exteriores à psicanálise q u a n t o pelos pacientes, e às vezes inclusive pelos próprios psicanalistas. Por exemplo, na visão d o g r a n d e público, o setting geralmente é assimilado à s u a caricatura, isto é, à c e n a d o paciente deitado n o divã e o psicanalista sentado e m sua poltrona, d e tal m o d o q u e , esvaziada d e seu verdadeiro sentido, a situação psicanalítica parece absurda. Os pacientes, por s u a vez, geralmente levam muito t e m p o para c o m p r e e n d e r o sentido das modalidades d o setting q u e lhe são propostas no início, por exemplo, a necessidade d e sessões regulares, a frequência elevada d e encontros semanais, o p a g a m e n t o d o s honorários, sobretudo q u a n d o se trata d e entender por q u e o analista c o b r a pelas sessões e m q u e faltou por qualquer motivo. Essas c o n d i ç õ e s p a r e c e m totalmente s e m sentido à primeira vista, até q u e o paciente d e s c u b r a por si m e s m o seu significado e c o m p r e e n d a d e dentro q u e u m setting rigoroso é indispensável para o b o m a n d a m e n t o d o processo. U m a s p e c t o importante d a f o r m a ç ã o consiste e m q u e o futuro psicanalista c o n s i g a interiorizar o sentido d o setting psicanalítico e se apropriar dele. Isso c o m e ç a c o m a experiência pessoal adquirida através d e s u a própria análise e das supervisões posteriores c o m colegas experientes, a fim d e q u e o q u a d r o n ã o seja sentido c o m o u m conjunto d e regras rígidas impostas arbitrariamente pelo analista o u pela instituição. Desse ponto d e vista, o setting analítico só t e m valor na m e d i d a e m q u e c a d a u m a das disposições a s s u m a u m significado no contexto d a situação analítica. Por exemplo, a prática mostra q u e a relação que o paciente m a n t é m c o m o setting é muitas vezes u m meio d e c o m u n i c a ç ã o não-verbal entre analisando e analista; e esta p o d e ser, e m particular, a expressão d e resistências transferenciais inconscientes passíveis de interpretação e d e elaboração. Assim, c o m o avanço d a cura, o paciente, ajudado pelo analista, consegue descobrir p o u c o a p o u c o o significado das diferentes modalidades d o setting e relacioná-las c o m o processo de transferência. O s fundamentos

do s i t t i n g da psicanálise

clássica

Na m e d i d a e m que setting e processo f o r m a m u m t o d o indissociável, a psicanálise c o m u m a frequência elevada d e sessões semanais continua s e n d o a referência e m matéria psicanalítica para os práticos pertencentes à API q u e s e g u e m nisso o ensinamento d e Freud. Encontros frequentes favorecem a tomada de consciência e a elaboração d e interpretações. As ligações indissociáveis entre setting e processo permitem igualmente estabelecer u m a distinção entre processo psicanalítico e processo psicoterapêutico, distinção que não p o d e ser d e m o n s t r a d a c o m base e m d a d o s mensuráveis, d e a c o r d o c o m critérios científicos clássicos. Pessoalmente, g o s t o d e recorrer a metáforas, c o m o aquela proposta por J. Laplanche (1987) q u e comparava a energia psíquica e a energia atómica: desejamos q u e ela seja liberada e m forma d e u m a reação e m cadeia incontrolável, o u q u e r e m o s canalizá-la por meio d e u m cíclotron? Gosto t a m b é m d e comparar a fotografia e o cinema. Essas duas técnicas fundamentam-se e m u m processo idêntico, a imagem fotográfica, mas a diferença está na frequência c o m q u e essas imagens desfilam: abaixo d e 18 imagens por s e g u n d o , percebem-se imagens isoladas, e n q u a n to a u m a frequência acima d e 18 imagens por s e g u n d o , percebe-se o movimento, característico d o cinema. Uma

"arte"

mais do que uma

"técnica"

no sentido

da ciência

determinista

A natureza d o trabalho terapêutico d o psicanalista e seu objeto, o psiquismo h u m a n o , fazem c o m q u e o estabelecimento d o setting não seja u m a garantia absoluta d o êxito d e u m processo psicanalítico. Esse fato é u s a d o c o m o argumento por certos críticos para pôr e m dúvida a validade d o m é t o d o psicanalítico, baseando-se e m u m m o d e l o científico f u n d a d o no determinismo. A objeção merece q u e nos detenhamos nisso por u m instante. Eu c o m e ç a r i a a responder d i z e n d o q u e , e m matéria d e p s i q u i s m o h u m a n o , falar e m t e r m o s d e u m a simples o p o s i ç ã o entre êxito e fracasso revelaria u m a visão reducionista, pois significaria não considerar o p s i q u i s m o c o m o u m sistema c o m p l e x o . Hoje s a b e m o s q u e nesse tipo d e sistema não se p o d e esperar q u e u m a determ i n a d a ação p r o d u z a u m determinado resultado: as leis d o determinismo linear não se aplicam mais. De u m p o n t o d e vista científico, l e m b r o q u e u m sistema c o m p l e x o , pelo fato d e ser constituído por u m n ú m e r o infinito d e variáveis, c o m p o r t a - s e d e maneira "imprevisível" a l o n g o prazo. De fato, a m e n o r perturbação é c a p a z d e modificar a qualquer m o m e n t o a evolução d o sistema, o q u e torna impossível prever s u a evolução. A l é m disso, se c o n s i d e r a m o s q u e o p s i q u i s m o h u m a n o se c o m p o r t a c o m base no m o d e l o d e u m sistema c o m p l e x o tal c o m o o descreve a teoria d o caos determinista, t e m o s motivos para pensar q u e os f e n ó m e n o s Continua

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Jean-Michel

Quinodoz

PÓS-FREUDI/ psíquicos se c o m p o r t a m d e maneira imprevisível a longo prazo e não o b e d e c e m a o m o d e l o científico "clássico", s e g u n d o o q u a l u m a d e t e r m i n a d a ação p r o d u z u m d e t e r m i n a d o resultado (G. Pragier e S. FaurePragier, 1990; J.-M. Q u i n o d o z , 1997a). No q u e diz respeito à impossibilidade d e prever c o m s e g u r a n ç a o êxito d e u m a cura psicanalítica, p e n s o q u e se p o d e r e s p o n d e r a essa o b j e ç ã o t a m b é m d e u m p o n t o d e vista m e t o d o l ó g i c o . A s s i m , para G. Vassali (2001), a t é c n i c a freudiana não é u m a "técnica" tal c o m o se entende hoje, m a s u m a "technè" n o sentido d e Aristóteles, isto é, u m a "arte". C o n s e q u e n t e m e n t e , o produto q u e resulta d e s s a atividade n ã o é d a o r d e m d a certeza e d o necessário - c o n f o r m e as leis d o determinismo linear - , m a s d a o r d e m d o " p r o v á v e l " e d o "possível". O ofício d o psicanalista é, portanto, u m a arte, e não o p e r a c o m base e m provas, m a s c o m base e m indícios, d e d u ç õ e s , ideias intuitivas, p r o c e d i m e n t o q u e Freud d e s i g n a pelo t e r m o erraten a o tratar d o procedimento d o psicanalista (erraten foi traduzido d e maneira p o u c o satisfatória e m francês c o m o deviner e e m inglês c o m o to guess). Se a d o t a m o s esse p o n t o d e vista e c o n s i d e r a m o s o trabalho d o psicanalista c o m o u m a "technè", isso significa, por u m lado, q u e o trabalho d e p e n s a m e n t o interpretativo não se realiza c o n c e b e n d o de maneira racional, m a s d e maneira conjetural; por outro lado, significa q u e não se p o d e determinar c o m certeza se a arte d e curar exercida pelo psicanalista conduzirá necessariamente a o êxito. S e g u n d o Vassali, isso t e m a ver c o m a própria natureza d o objeto d a psicanálise, cuja c o m p l e x i d a d e torna legítima u m a abordag e m conjetural. A l é m d o mais, a técnica d a interpretação não é por acaso o único meio d e q u e d i s p o m o s para explorar - c o m g r a n d e e s p e r a n ç a d e êxito - u m objeto q u e jamais p ô d e ser representado: o inconsciente?

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BIOGRAFIAS E HISTÓRIA

Sándor Ferenczi (1873-1933) Não p o d e r í a m o s a b o r d a r a q u e s t ã o t é c n i c a s e m evocar o papel pioneiro d e S á n d o r Ferenczi, m é d i c o e psicanalista h ú n g a r o q u e trouxe c o n t r i b u i ç õ e s clínicas, t é c n i c a s e teóricas f u n d a m e n t a i s . Por m u i t o t e m p o , o c u p o u u m lugar privilegiado a o lado d e Freud, m a s n o final d a vida d e Ferenczi e s t a b e l e c e u - s e entre os dois h o m e n s u m a p r o f u n d a d i s c o r d â n c i a a c e r c a d e q u e s t ã o c o n t r o v e r s a d a t é c n i c a "ativa". Nascido na Hungria, o n d e passou t o d a sua existência, Ferenczi obteve seu d i p l o m a d e m é d i c o e m Viena, e m 1896. e m 1907, descobriu A interpretação dos sonhos e conheceu J u n g , q u e o apresentou a Freud e m 1908. No ano seguinte, Ferenczi a c o m p a n h o u Freud e J u n g aos Estados Unidos. Desde então, criou-se u m a relação complexa entre Freud e Ferenczi, e este último foi se tornando p o u c o a p o u c o o aluno, o a m i g o , o íntimo da família, o confidente e m e s m o o analisado d e Freud. Desde seu encontro c o m Freud e m 1908, Ferenczi participou ativamente d a expansão d o movimento psicanalítico não apenas na Hungria, mas e m t o d o o m u n d o , e foi ele q u e lançou a ideia d e u m a Associação Psicanalítica Internacional, q u e a c a b o u s e n d o f u n d a d a e m 1910, tendo J u n g c o m o primeiro presidente. A partir d e 1912, fez parte d o "comité secreto" f o r m a d o d e p o i s d a partida de J u n g c o m o objetivo d e proteger Freud de qualquer envolvimento e m conflitos políticos. Quanto às suas p u b l i c a ç õ e s , Ferenczi lançou e m 1909 seu artigo mais c o n h e c i d o , intitulado "Introjeção e transferência", n o q u a l introduziu a n o ç ã o d e introjeção q u e se t o r n o u u m conceito f u n d a m e n t a l na psicanálise. Publicou vários outros textos q u e impressionam por s u a originalidade e s u a riqueza clínica. Ele t a m b é m compartilhou c o m Freud o interesse pelo papel d e s e m p e n h a d o pela transmissão telepática e pela hipótese filogenética s e g u n d o a qual lembranças traumáticas datadas d e t e m p o s pré-históricos e transmitidas hereditariamente estariam na o r i g e m das neuroses. A l é m disso, os trabalhos q u e Ferenczi c o n s a g r o u às neuroses d e guerra contribuíram para popularizar as ideias psicanalíticas durante o pós-guerra 1914-1918. Ferenczi foi analisado por Freud, m a s teve d e insistir muitas vezes para q u e este o aceitasse, d e p o i s d e muita vacilação. Essa análise se desenvolveu e m três períodos, o primeiro e m 1914 e os outros dois e m 1916, c a d a qual c o m u m a d u r a ç ã o m é d i a d e três s e m a n a s , e u m c o m d u a s sessões por dia. O p r o b l e m a d e Ferenczi girava essencialmente e m torno d e s u a ambivalência, e m particular q u a n d o , durante a análise, ele se envolveu e m u m a c o n f u s ã o sentimental, e hesitava entre se casar c o m Gisella, sua amante, e a s e g u n d a filha desta, Continua

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Ler Freud

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Continuação

Elma. A c a b o u se c a s a n d o c o m Gisella, e m 1919, mas logo se arrependeu d e sua decisão e passou a acusar Freud d e tê-lo pressionado. Ele c o n d e n a v a Freud s o b r e t u d o por não ter analisado suficientemente s u a transferência negativa. Este, por sua vez, se defendeu e m seu artigo "Análise terminável e interminável" (1937c). E m 1918, por ocasião d o V C o n g r e s s o Internacional realizado e m B u d a p e s t e , Ferenczi foi eleito p r e s i d e n t e d a A s s o c i a ç ã o Psicanalítica Internacional, m a s e m razão d e distúrbios sociopolíticos q u e i r r o m p e r a m na H u n g r i a , teve d e passar o c a r g o a J o n e s . N o a n o seguinte, e m 1919, Ferenczi se demitiu d e seu p o s t o d e p r o f e s s o r d e psicanálise d a Universidade e p a s s o u a se dedicar aos s e u s pacientes, assim c o m o a o s s e u s t r a b a l h o s s o b r e a técnica Nos a n o s d e 1920, Ferenczi orientou suas pesquisas na direção d e u m a técnica psicanalítica "ativa", q u e levou ao extremo. Essa a b o r d a g e m visava estimular o desenvolvimento d a dimensão afetiva da transferência e m pacientes q u e apresentavam u m a forte regressão ligada a traumatismos precoces, o que os colocava e m situaç ã o d e impasse na cura. E m 1924, Ferenczi e Rank, q u e era igualmente u m defensor d a técnica ativa, publicaram Perspectivas da psicanálise, obra q u e continha alguns pontos d e vista q u e se antecipavam à sua é p o c a . Entre estes, Ferenczi e Rank defenderam a importância d a análise d a transferência negativa dentro d a relação entre paciente e analista, e evidenciaram o papel materno na transferência, enquanto Freud enfatizava sobretud o o papel paterno. Mas os meios propostos para limitar a duração d a cura foram fortemente contestados, primeiro por Abraham e Jones e depois por Freud. A partir desses trabalhos, Ferenczi elaborou u m p r o c e d i m e n to técnico q u e tinha c o m o objetivo proporcionar o amor q u e faltara na infância desses pacientes, aceitando contatos físicos entre paciente a analista, até a troca d e carícias e beijos, e propôs u m a técnica d e análise mútua entre os dois parceiros d a relação analítica. Pressentindo o perigo d a transgressão incestuosa na relação transferencial, Freud acusou seu discípulo d e ultrapassar os limites éticos e d e proporcionar esse amor através d e gratificações reais, e m contradição c o m o m é t o d o psicanalítico q u e situa as trocas unicamente no nível das fantasias e dos afetos, e e m q u e paciente e analista se abstêm d e qualquer contato físico. D u r a n t e os 25 a n o s e m q u e e s t e n d e u s u a relação, Freud e Ferenczi t r o c a r a m mais d e 1.200 cartas até a m o r t e d e Ferenczi, o c o r r i d a e m 1933, e essa c o r r e s p o n d ê n c i a constitui u m a valiosa fonte d e i n f o r m a ç õ e s s o b r e u m período decisivo para a história d a psicanálise. M e s m o d e p o i s q u e seu d e s e n t e n d i m e n t o o s afastou n o final d o s a n o s d e 1920, a ruptura n u n c a foi total, e e m s u a h o m e n a g e m f ú n e b r e a Ferenczi, F r e u d (1933c) r e c o n h e c e u t u d o o q u e a psicanálise devia a s e u discípulo. E m c o n s e q u ê n c i a d a p o l é m i c a s o b r e a t é c n i c a ativa Ferenczi foi injustamente e s q u e c i d o d u r a n t e várias d é c a d a s pela c o m u n i d a d e psicanalítica freudiana, m a s t r a b a l h o s recentes o reabilitaram e m s e u p a p e l histórico e reavivaram o interesse q u e ele m e r e c e por suas ideias i n o v a d o r a s (Haynal, 1986, 2001). E m b o r a Ferenczi t e n h a sofrido u m l o n g o eclipse, é preciso esclarecer q u e s u a influência se p e r p e t u o u através d o s psicanalistas r e n o m a d o s q u e ele analisou, entre os quais J o n e s , Klein, R i c k m a n , Roheim, Balint e G r o d d e k . A l é m d i s s o , suas pesquisas s o b r e a t é c n i c a ativa influenciaram i g u a l m e n t e os trabalhos posteriores d e Balint, s e u aluno direto, c o m o t a m b é m os d e Winnicott, K h a n , Kohut e M o d e l l .



" R E C O R D A R , REPET R E E L A B O R A R " (1914g) A s p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m ao texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1914g), " R e m é m o r a t i o n , répétition et é l a b o r a t i o n " , in La technique psychanalytique, trad. A. B e r m a n . , Paris, PUF, 1953 ( 1 é d . ) , 1970, p. 105-115. §

E s t e a r t i g o técnico é d e u m a i m p o r t â n c i a c a p i t a l p a r a a compreensão d a transferência: F r e u d m o s t r a q u e a l g u n s p a c i e n t e s não têm a capacidade d ese l e m b r a r d o passado e d e com u n i c a r v e r b a l m e n t e e s s a s experiências. M a s e s s a s lembranças a p a r e n t e m e n t e e s q u e c i d a s reaparecem sob a forma d e comportamentos e

s e r e p r o d u z e m e m a t o s n a relação c o m o p s i canalista. E i s u m breve e x e m p l o para ajudar a compreender o que Freud entende p o r "repetir" e m v e z d e"se lembrar": p o d e ocorrer q u e u m p a c i e n t e q u e f o i a b a n d o n a d o n a infância não s e l e m b r e d i s s o e não f a l e a r e s p e i t o , e q u e se o b s e r v e q u e n as u a v i d a a d u l t a ele s e m p r e

134 J e a n - M i c h e l

Quinodoz

acaba separando-se das pessoas c o m q u e m se e n v o l v e , seja u m a m i g o o u u m e m p r e g a d o r ; o p a c i e n t e n ã o t e m consciência d e q u e a l g u m a c o i s a q u e e l e f a z n e s s a relação levará a q u e s e j a a b a n d o n a d o m a i s u m a v e z , s e m s a b e r p o r quê: a situação d e a b a n d o n o s e r e p e t e c o m b a s e n o m e s m o m o d e l o , e o p a c i e n t e não p e r c e b e c o n s c i e n t e m e n t e q u e s e t r a t a d a repetição d e u m a situação j á v i v i d a n o p a s s a d o , e n a d a i m p e d e q u e e s s a situação s e r e p i t a . O q u e o p a c i e n t e " r e p e t e " n e s s e c a s o ? "Bem, d i z F r e u d , ele repete tudo aquilo que, emanado de fontes do reprimido, já impregna toda sua personalidade: suas inibições, suas atitudes inadequadas, seus traços de caráter patológicos. Ele repete seus sintomas também durante o tratamento" ( p . 1 1 0 ) . E s s a "coação à repetição" está l i g a d a à transferência e à resistência: d e u m l a d o , está l i g a d a à transferência n a m e d i d a e m q u e e s s a repetição d e u m p a s s a d o e m atos acontece c o m a pessoa d o analista, de form a q u e "a própria transferência é apenas um fragmento da repetição" ( p . 1 0 9 ) ; d e o u t r o l a d o , e s s a repetição está l i g a d a à resistência, a t a l p o n t o q u e "quanto maior for a resistência, mais a perpetração em atos (a repetição) substituirá a lembrança" ( p . 1 0 9 ) . P o r i s s o , o p s i c a n a l i s t a d e v e r á t r a t a r a doença n ã o c o m o u m a c o n t e c i m e n t o d o p a s s a d o - d o q u a l o p a c i e n t e não s e l e m b r a •

m a s "como uma força em ação atualmente" ( p . 1 1 0 ) , a n t e s d e c o n s e g u i r ligá-la c o n s c i e n t e m e n t e a o passado. Freud observa ainda que a intensidade d a repetição é p r o p o r c i o n a l à q u a l i d a d e a f e t i v a d a transferência: q u a n d o a transferência é p o s i tiva, o paciente tende a selembrar, a o passo q u e , q u a n d o a transferência é n e g a t i v a e a r e s i s tência s e reforça, a t e n d ê n c i a à r e p e t i ç ã o e m a t o s s e a c e n t u a . N o s c a s o s e x t r e m o s , a própria relação d e transferência p o d e e n v e r e d a r n a r e p e t i ç ã o : " O ato interativo provoca a ruptura do vínculo que une o paciente ao tratamento" ( p . 1 1 3 ) . C o n t u d o , g r a ç a s a o m a n e j o d a transferência, o a n a l i s t a c o n s e g u e "conter o automatismo de repetição e transformá-lo em uma razão dessa lembrança" ( p . 1 1 3 ) . M a s n ã o b a s t a q u e o a n a l i s t a "dê um nome" à resistência, p o i s "com isso não fazemos com que ela desapareça imediatamente. E preciso dar tempo ao doente para que conheça bem essa resistência que ele ignorava, para "elaborá-la interpretativamente" ( d u r c h a r b e i t e n ) , para vencê-la e prosseguir, apesar dela e obedecendo à regra fundamental, o trabalho iniciado" ( p . 1 1 4 ) . E s s e r e s p e i to d oanalista pelo t e m p o d eq u e o paciente necessita para realizar p o r s im e s m o o trabal h o d e elaboração c o n s t i t u i u m e l e m e n t o d e t e r m i n a n t e d o p r o c e s s o psicanalítico.

" O B S E R V A Ç Õ E S S O B R E O A M O R T R A N S F E R E N C I A L ' (1915a) As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1915a), " O b s e r v a t i o n s s u r Tamour d e transfert", in L a technique psychanalytique, trad. A. B e r m a n . , Paris, PUF, 1953 ( 1 ^ ed.), 1 9 7 0 , p. 116-130.

Q u e a t i t u d e t o m a r q u a n t o o a n a l i s t a s e vê d i a n t e d e u m a transferência a m o r o s a p a r a n ã o ter de i n t e r r o m p e r o t r a t a m e n t o ? P o r e x e m p l o , c o m o reagir q u a n d o u m paciente experimenta u m s e n t i m e n t o a m o r o s o e m relação a o s e u a n a l i s t a q u e é a reprodução d o a m o r q u e e x p e r i m e n t a v a p o r s u a mãe, o u p o r s e u p a i , q u a n d o criança? S e g u n d o F r e u d , n ã o s e t r a t a d e e v o car a m o r a l p a r a c o n d e n a r isso, n e m d e recom e n d a r a o p a c i e n t e p a r a "sufocar sua pulsão", o q u e s e r i a o o p o s t o d e u m a a t i t u d e analítica; e l e d e s a c o n s e l h a t a m b é m "(...) pretender compartilhar os sentimentos ternos da paciente, mas evitando todas as manifestações físicas desta, até que seja possível reconduzir a situação em uma trilha mais

calma e situá-la em um nível mais elevado" ( p . 1 2 2 ) . N a v e r d a d e , e s s a a t i t u d e não é i s e n t a d e p e r i g o , p o i s : "Será que a pessoa está tão segura de si a ponto de não ultrapassar os limites que se fixou?". O perigo d eu m a tal atitude estaria e m que a s investidas d apaciente encontrassem eco n o a n a l i s t a , p o i s i s s o s i g n i f i c a r i a p a r a e l a "traduzir em atos, reproduzir na vida real, aquilo que ela só deveria se recordar e que convém manter no terreno psíquico como conteúdo mental". P o r i s s o , é e s sencial q u e o t r a t a m e n t o seja p r a t i c a d o n a abstinência - n o ç ã o q u e e l e explicará n o a r t i g o s e g u i n t e - e a om e s m o t e m p o d e i x e subsistir n o p a c i e n t e n e c e s s i d a d e s e d e s e j o s q u e s ã o a s "forças motrizes" q u e f a v o r e c e m a m u d a n ç a .

Ler Freud

PÓS-FREUDIANO

135

5

Q u e s t õ e s d e ética psicanalítica As questões d e transgressão d o setting psicanalítico é extremamente complexa, pois está ligado a inúmeros fatores, c o m o mostraram Glen O. G a b b a r d e Eva Lester e m s u a o b r a Boundaries e Boundary Violations in Psychoanalysis (1995). De fato, durante o processo psicanalítico corre-se o risco d e se deparar não apenas c o m transgressões d e o r d e m sexual a q u e Freud s e refere e m "Observações sobre o amor transferencial", m a s t a m b é m c o m transgressões não-sexuais que, segundo esses autores, é preciso minimizar. Estas últimas a s s u m e m formas variadas e constituem rupturas d o setting ligadas a perpetrações e m ato contratransferenciais: por exemplo, q u a n d o o analista cobra honorários muito baixos o u , ao contrário, muito elevados, u m a disponibilidade excessiva, o u q u a n d o ele se torna disponível dia e noite aos c h a m a d o s d o paciente, etc. D o lado d o psicanalista, existe u m a g r a n d e quantidade d e razões pelas quais ele p o d e não respeitar o setting estabelecido c o m seu paciente, e esses autores constataram q u e geralmente u m psicanalista passa a o ato por ocasião d e dificuldades pessoais. G a b b a r d e Lester insistem sobre a necessidade d e estabelecer meios d e prevenção e m diferentes níveis. N o q u e diz respeito à formação d o futuro psicanalista, trata-se d e estar atento à forma c o m o ele terminou s u a análise pessoal e d e avaliar s u a capacidade d e analisar suas próprias reações contratransferenciais. N o plano clínico, a supervisão constitui u m lugar privilegiado para examinar o s problemas técnicos ligados à m a n u t e n ç ã o d e u m setting rígido, garantia d o b o m andamento d o processo psicanalítico: " O melhor presente e o mais eficaz que podemos oferecer a um paciente é o próprio setting psicanalítico" (Gabbard e Lester, p. 147). Além disso, esses autores consideram q u e o isolamento n o qual o psicanalista trabalha e m seu consultório é u m fator d e risco, e r e c o m e n d a m q u e o psicanalista, por mais experiente q u e seja, d e d i q u e u m t e m p o para discutir c o m u m c o l e g a gabaritado questões relativas à s u a contratransferencia. Finalmente, Gabbard e Lester consideram q u e t o d o Instituto e toda Sociedade Psicanalítica deveriam criar u m a comissão ética independente. Esta deveria estar preparada para acolher c o m t o d a confidencialidade não apenas os pacientes o u terceiros q u e queiram ser ouvidos, m a s t a m b é m o s psicanalistas e m dificuldades. S e g u n d o s u a experiência, há u m a forte tendência a encarar o s problemas d e transgressão d o setting psicanalítico s o b o ângulo moral o u ignorá-los, e m b o r a seja essencial adotar medidas q u e assegurem u m a ajuda terapêutica às pessoas q u e o s enfrentam.



" L I N H A S D E P R O G R E S S O N A TERAPIA PSICANALÍTICA"

(1919a)

A s p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. F r e u d ( 1 9 1 9 a ) , " L e s voies n o u v e l l e s d e la t h é r a p e u t i q u e p s y c h a n a l y t i q u e " , in La technique psychanalytique, t r a d . A . Berman., Paris, PUF, 1 9 5 3 ( 1 ed.), 1970 [as páginas indicadas entre colchetes remetem às OCF.P, XV, p. 97-108]. F r e u d explica nesse artigo o que ele entende p o r "conduzir o tratamento psicanalítico de frustração

e de abstinência".

Para concluir, F r e u d encara

o futuro d a

em estado

psicanálise i m a g i n a n d o u m a evolução d a téc-

I s s o não s i g n i f i c a

nica q u ep e r m i t i r i a aplicar esse t r a t a m e n t o à

p r i v a r o p a c i e n t e d e satisfação, n e m p r o i b i - l o d e

p s i c o s e , e não a p e n a s à n e u r o s e . E l e antevê

q u a l q u e r relação s e x u a l , m a s e v i t a r d o i s

i g u a l m e n t e a p o s s i b i l i d a d e d eq u e a s c a m a -

tipos

d e p e r i g o suscetíveis d e a m e a ç a r o c u r s o d o

d a s s o c i a i s c a r e n t e s d a população p o s s a m

t r a t a m e n t o : o p r i m e i r o d i z r e s p e i t o à tentação

sua v e zt e racesso a u m a f o r m a adaptada d e

d o p a c i e n t e d e b u s c a r satisfações s u b s t i t u t i v a s ,

t r a t a m e n t o psicanalítico, até m e s m o à s u a g r a -

p o r e x e m p l o , r e a l i z a r c o m u m a p e s s o a d o círculo

t u i d a d e : "Tudo

próximo o q u e e s p e r a d o a n a l i s t a , p o i s t a i s s a t i s -

pla

fações c o r r e m o r i s c o d e a s s u m i r o l u g a r d o s s i n -

gados

aplicação

leva a crer que, em vista

de nossa terapêutica,

a misturar

tomas: o s e g u n d o perigo consiste e m encontrar

quantidade

u m a satisfação s u b s t i t u t i v a n a p r ó p r i a relação

direta.

considerável

d e transferência, c o m a p e s s o a d o a n a l i s t a . É p o r

como no tratamento

isso que o analista deve cuidar para que o pacien-

uso da influência

te conserve

seja a forma

"suficientes desejos irrealizados" m e -

d i a n t e a imposição d e u m c e r t o g r a u d e f r u s t r a -

elementos,

ç ã o , m e s m o q u e "nos vejamos obrigados também

ativas

a

do chumbo

das neuroses

hipnótica.

as partes

prestadas da psicanálise

conselheiro",

quer prejulgamento"

mais importantes,

fazer que

e de seus as

mais

que foram

em-

estrita desprovida (p.141

sugestão inclusive,

qualquer

popular

sendo aquelas

obria uma

de guerra,

Contudo,

dessa psicoterapia

continuarão

da

casos precisaremos

nos colocar de tempos em tempos como educador ou a c r e s c e n t a F r e u d ( p . 1 3 8 [105]).

da am-

seremos

o ouro puro da análise

Em alguns

por

[108]).

de qual-

§

136

Jean-Michel

Quinodoz

PÓS-FREUDIANOS O papel atual da A s s o c i a ç ã o Psicanalítica Internacional E m 1910, d u r a n t e o C o n g r e s s o d e N u r e m b e r g , Freud f u n d o u a A s s o c i a ç ã o Psicanalítica Internacional (API) c o m o objetivo d e s a l v a g u a r d a r a psicanálise q u e ele havia criado. C o m p o s t a d e 2 4 0 m e m b r o s e m 1920, a o r g a n i z a ç ã o c o n t a a t u a l m e n t e c o m p o u c o mais d e 10 mil m e m b r o s distribuídos e m 3 0 países, principalmente na E u r o p a , A m é r i c a d o Norte e A m é r i c a Latina. A atividade d a API consiste e m estabelecer diretrizes c o m u n s p a r a a f o r m a ç ã o , organizar conferências e c o n g r e s s o s internacionais e p r o m o v e r o desenvolvim e n t o d a clínica, d o e n s i n o e d a p e s q u i s a . Ela c o o r d e n a os a s p e c t o s internacionais d a v i d a profissional d a psicanálise e s u p e r v i s i o n a i g u a l m e n t e a criação d e n o v o s g r u p o s , e m particular n o s países q u e manifestam u m interesse n o v o p e l a psicanálise, c o m o é o c a s o hoje d o s países d a E u r o p a Oriental e d e m u i t o s outros. A partir d o s a n o s d e 1920, diante d o crescimento d o número d e centros d e atividade psicanalítica e m todo o m u n d o , procurou-se estabelecer critérios internacionais a fim d e assegurar a transmissão d a psicanálise nas melhores c o n d i ç õ e s . A formação é confiada às diversas sociedades q u e c o m p õ e m a API e funciona e m forma de u m a auto-regulamentação interna à Associação para evitar obstáculo d e u m a avaliação impossível d o futuro psicanalista por u m a instância "externa". Essa formação se baseia essencialmente e m três vertentes c o m p l e m e n tares: a experiência pessoal d a análise - a análise "didática"; a supervisão das primeiras curas psicanalíticas por u m psicanalista experiente; a aquisição de conhecimentos fundamentais, e m primeiro lugar o d a o b r a d e Freud. C o m o t e m p o , a Associação Psicanalítica Internacional procurou estabelecer recomendações mínimas referentes às c o n d i ç õ e s a serem preenchidas pelas pessoas q u e desejam ter acesso à formação, c o m o t a m b é m obter o título d e m e m b r o , e depois d e m e m b r o encarregado d a formação. Em c a d a u m a dessas etapas, a avaliação é feita e m geral c o m base e m u m a série de encontros d a pessoa interessada c o m analistas experientes que procuram verificar se ela já adquiriu as qualidades requisitadas, seja para conduzir u m a cura psicanalítica o u , na outra eventualidade, para formar futuros psicanalistas. Essas recomendações são o resultado d e u m consenso a que c h e g a r a m as várias sociedades d a API. Por exemplo, as diretrizes publicadas no fim d o s a n o s d e 1980 especificam q u e a análise pessoal d o futuro psicanalista deveria se desenvolver c o m u m a frequência semanal suficientemente elevada para assegurar o desenvolvimento de u m a experiência analítica aprofundada, c o m o recomendava Freud e c o m o requer hoje a maioria das sociedades, no mínimo quatro o u cinco sessões semanais (excepcionalmente três e m algumas); recomenda-se ainda q u e o psicanalista tenha realizado c o m sucesso pelo m e n o s d u a s curas psicanalíticas s o b a supervisão d e u m analista formador. Entretanto, ainda q u e essas recomendações mínimas continuem a ser seguidas pela maioria das sociedades, há u m a pressão cada vez maior não apenas d e fora, mas t a m b é m por parte d e m e m b r o s d a própria API, no sentido d e encurtar a duração da formação e d e q u e as exigências d e acesso à formação sejam menos elevadas, d e maneira a permitir que mais terapeutas t e n h a m acesso à prática d a psicanálise. Pessoalmente, a c h o q u e será s e m p r e difícil encontrar u m equilíbrio entre, d e u m lado, a n e c e s s i d a d e d e manter as a q u i s i ç õ e s f u n d a m e n t a i s d a psicanálise q u e são por si m e s m a s exigentes e m f a c e d a natureza d o t r a b a l h o d o psicanalista e d o p r o c e s s o psicanalítico, e, d e outro lado, o d e s e j o d e abrir a psicanálise a u m n ú m e r o m a i o r d e p e s s o a s s e m correr o risco d e q u e a psicanálise p e r c a s u a e s p e c i f i c i d a d e .

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS A b s t i n ê n c i a - a m o r d e t r a n s f e r ê n c i a - setting psicanalítico - c o n t r a t r a n s f e r e n c i a - p r o c e s s o psicanalítico - r e m e m o r a ç ã o - r e p e t i ç ã o , c o a ç ã o d e r e p e t i ç ã o - t é c n i c a psicanalítica - t r a n s f e r ê n c i a positiva, t r a n s f e r ê n c i a negativa

TOTEM

E

TABU

S. FREUD (1912-1913a)

Obra visionária ou obra superada? C o m essa obra f u n d a m e n t a l ,q u emerece ser m a i s v a l o r i z a d a d o q u e f o i até h o j e , F r e u d d e s e n v o l v e u m a visão psicanalítica a d m i r á v e l d a natureza h u m a n a , abrindo perspectivas mais a m p l a s e m relação a o s s e u s t r a b a l h o s p r e c e d e n t e s . E l e s e a p o i a e m p e s q u i s a s d e etnólogos e antropólogos p a r a e s t a b e l e c e r p a r a l e l o s c o m a s d e s c o b e r t a s psicanalíticas, e m p a r t i c u l a r c o m e l e m e n t o s p e r t e n c e n t e s a o c o m p l e x o d e Édipo, c o m o a proibição d o a s s a s s i n a t o d o a n c e s t r a l o p a i o u s e u r e p r e s e n t a n t e - e a proibição d o i n c e s t o - i s t o é, d e e s p o s a r a m u l h e r d o p a i . C o n t u d o , o c o m p l e x o d e Édipo não p o d e r i a n a s c e r d e n o v o c o m c a d a indivíduo, a c a d a geração. A s s i m , F r e u d s u g e r e u m a hipótese a u d a c i o s a q u e s u s c i t a p e s a d a s críticas: s e g u n d o e l e , traços a n c e s t r a i s q u e r e m o n t a m às o r i g e n s i n f l u e n c i a r i a m a constituição d e s s e c o m p l e x o . F r e u d a c r e d i t a q u e é possível d e s c o b r i r e s s e s traços a r c a i c o s n o s s e n t i m e n t o s f o r t e m e n t e a m b i v a l e n t e s q u e t o d o indivíduo e x p e r i m e n t a e m relação a o p r ó p r i o p a i - e l e n ã o f a l a d a mãe - e n o s e n t i m e n t o d ec u l p a i n c o n s c i e n t e que recai pesadamente sobre cada u m , d eu m a

geração a o u t r a . P a r a F r e u d , não r e s t a n e n h u m a dúvida d e q u e e s s e s e n t i m e n t o d e c u l p a c o n s t i t u i o r e s í d u o d e u m a f a l t a originária c o m e t i d a q u a n d o d e u m a refeição t o t ê m i c a d u r a n t e a q u a l o s irmãos, r e u n i d o s n o ódio a o s e u pai, o teriam devorado para ocupar seu lugar. D e s s e a t o c a n i b a l e s c o a n c e s t r a l d e c o r r e r i a não apenas u m s e n t i m e n t o d eculpa i n d i v i d u a l , m a s i g u a l m e n t e a sdiferentes fases d a o r g a n i zação s o c i a l d a h u m a n i d a d e , d e s d e o t o t e m i s m o d o s p r i m i t i v o s até a m o r a l c o l e t i v a q u e a s s e g u r a a v i d a e m s o c i e d a d e . A religião s e r i a u m a o u t r a f o r m a d e expressão, d e s d e a religião t o t ê m i c a d a s o r i g e n s até o c r i s t i a n i s m o , e s t e último f u n d a d o n o p e c a d o o r i g i n a l c o m e t i d o pelos primeiros h o m e n s contra o D e u s Pai. A s d i v e r s a s hipóteses a p r e s e n t a d a s p o d e r F r e u d e m Totem e tabu s u s c i t a r a m i n ú m e r a s críticas p r o v e n i e n t e s d et o d o s o sh o r i z o n t e s , m a se l e t a m b é m l e v a n t a questões f u n d a m e n t a i s , s u s cetíveis d e "tirar o sono dos humanos por muito tempo", c o m o h a v i a p r e s s e n t i d o . T a l v e z e s s a s e j a u m a razão s u f i c i e n t e p a r a e x p l i c a r e m p a r t e o d e s i n t e r e s s e a t u a l p o r Totem e tabu.

O enigma da origem das religiões A questão d a origem d a s religiões sempre p r e o c u p o u Freud, q u e era u m judeu não praticante. Mas o s trabalhos d e J u n g sobre a mitologia e o misticismo reativaram seu interesse. A partir d e 1 9 1 1 , Freud m e r g u l h o u e m u m a a b u n d a n t e d o c u m e n t a ç ã o sobre as religiões e a etnologia, e m particular nas obras d e Frazer e d e W u n d t e ficou fascinado. Durante quase dois anos, dedicou-se quase q u e exclusivamente à redação d o s quatro ensaios q u e constituem Totem e tabu, q u e foram lançados e m sequência e m 1912 e 1913, e depois s o b a f o r m a d e livro. A o b r a foi mal recebida fora d o s círculos psicanalíticos, e m particular pelos antropólogos q u e criticaram Freud p o r Continua

A

138

Jean-Michel

Q u i n o d o z

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA •

Continuação

ter interpretado erroneamente o s fatos e contestaram a universalidade d e suas teses. Porém, Freud jamais renunciou à s suas conclusões e não fez n e n h u m a modificação na obra. A o contrário, retomou as m e s m a s teses em seus trabalhos posteriores sobre a psicologia coletiva e e m 1939 reafirmou s u a posição: "Mas, antes de tudo, não sou etnólogo, sou psicanalista, eu tinha o direito de extrair da literatura etnológica tudo o que pudesse ser útil para o trabalho analítico" (Freud, 1939a, p, 236). A caminho d a ruptura c o m Carl Gustav J u n g Em 1911, o m o v i m e n t o psicanalítico c o m e ç a v a a ganhar maior projeção. Dentro d a Sociedade d e Viena surgiram conflitos, à s vezes intensos, ligados a discordâncias e a ciúmes q u e foram se acentuando c o m certos alunos. Adler demitiu-se e m 1911, d a d o q u e sua evolução teórica o levara a abandonar as noções d e inconsciente, de repressão e d e sexualidade infantil, imprescindíveis n a psicanálise. E m 1912, foi a vez d e Steckel se retirar, para o alívio d e Freud. Quanto a J u n g , q u e durante algum t e m p o c h e g o u a ser considerado por Freud c o m o seu "delfim", o caso foi diferente. A colaboração entre o s dois h o m e n s durou seis anos consecutivos, m a s pouco depois d e seu encontro e m 1907 j á c o m e ç a r a m a surgir divergências d e opinião. Isso n ã o impediu q u e J u n g se tornasse o primeiro presidente d a Associação Psicanalítica Internacional e m 1910 e redator-chefe d o Jahrbuch e q u e a c o m p a n h a s s e Freud e m s u a viagem aos Estados Unidos a convite d a Clark University e m 1909. Na m e s m a época, J u n g c o m e ç o u a estudar a mitologia, mas sua divergência sobre a questão d o significado que se deveria atribuir à n o ç ã o d e "libido" se cristalizou: ao contrário d e Freud, q u e via n a libido a expressão apenas das pulsões sexuais, J u n g acreditava q u e a libido não podia ser reduzida à sexualidade e q u e ela tinha o sentido de u m a pulsão e m geral, incluindo as pulsões d e autopreservação. J u n g publicou e m 1912 Metamorfoses e símbolo da libido, o b r a n a qual ele desenvolveu suas ideias sobre a natureza d a libido, sobre a mitologia e sobre o sentido simbólico d o incesto. Foram as ideias contidas nessa obra, q u e tornavam mais patentes as divergências científicas, q u e levaram Freud a sugerir q u e J u n g abandonasse o movimento psicanalítico. Vários episódios anedóticos anteriores j á anunciavam a proximidade d e s u a ruptura, particularmente certos atos falhos por parte de J u n g e u m d e s m a i o d e Freud e m Munique, n a presença d e J u n g ; este último incidente fez c o m q u e Freud tomasse consciência d e seus desejos d e morte e m relação ao seu antigo discípulo, e despertou nele a lembrança d e que, a o 19 anos, j á tinha sentido desejos d e morte e m relação a o seu irmão caçula. A ruptura definitiva d e Freud c o m J u n g ocorreu e m setembro d e 1913, durante o Congresso d e Weimar.

D E S C O B E R T A DA O B R A As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1912-1913a), Totem et tabou, trad. S. Jankélevitch, 1923, revista e m 1965, Paris, Payot, 1 9 2 3 , 1 9 6 5 , 241 p. [as páginas indicadas entre colchetes remetem às OCF.P, IX, p. 189-385].

O temor do incesto

F r e u d , "(...)

F r e u d s e propõe n e s s a o b r a a d e m o n s t r a r a l g u m a s semelhanças e n t r e a p s i c o l o g i a d o s p o v o s p r i m i t i v o s , t a lc o m o e n s i n a a e t n o l o g i a , e a p s i c o l o g i a d o s neuróticos, t a l c o m o be

conce-

a psicanálise. S e u p o n t o d e p a r t i d a o

totemismo,

praticado e mparticular

aborígines d a Austrália, e n t r e o s q u a i s

pelos cada

t r i b o a d o t a o n o m e d e s e ut o t e m , e m g e r a l u m animal como o canguru o ua ema. O totem é hereditário e s e u caráter é a s s o c i a d o a t o d a a linhagem envolvida. P o rtoda a parte,

onde

v i g o r a u m t o t e m e x i s t e também u m a l e i , d i z

segundo

a qual os membros

único e mesmo totem não devem ter relações entre eles, e consequentemente entre eles" ( p . 1 5 [200]).

não podem

de um sexuais casar

A transgressão d e s s a

proibição é s a n c i o n a d a c o m u m a punição s e vera, aparentemente para afastar u m perigo q u e ameaça t o d a a t r i b o . A s s i m , e s s e s

povos

primitivos revelaram u mgrau particularment e e l e v a d o d e t e m o r d o i n c e s t o , e F r e u d dá outros

e x e m p l o s

extraídos

d e trabalhos

etnológicos. A e s s e t e m o r d a transgressão a s s o c i a - s e u m a série d e "costumes" q u e t ê m c o m o o b j e t i v o e v i t a r a i n t i m i d a d e e n t r e o s indivíd u o s p e r t e n c e n t e s a om e s m o t o t e m . O m a i s

Ler Freud difundido e mais rigoroso diz respeito à evitação e n t r e s o g r a e g e n r o . D e u m p o n t o d e v i s t a psicanalítico, F r e u d c o n s i d e r a q u e e s s a e v i t a ç ã o r e c í p r o c a está f u n d a d a e m u m a r e l a ç ã o " a m b i v a l e n t e " , i s t o é, s o b r e a c o e x i s t ê n c i a recíproca d e s e n t i m e n t o s t e r n o s e h o s t i s , estreitamente ligados a ot e m o r d o incesto. S e g u n d o ele, o t e m o r d o incesto a s s o c i a d o a o t o t e m q u e e n c o n t r a m o s n o s "selvagens" está p r e s e n t e t a m b é m n a v i d a psíquica d o s neurót i c o s , n a q u a l c o n s t i t u i u m traço i n f a n t i l : "A psicanálise nos mostrou que o primeiro objeto a que se dirige a escolha sexual do menino é de natureza incestuosa, condenável, pois esse objeto é representado por sua mãe ou por sua irmã, e nos mostrou também o caminho seguido pelo menino, à medida que cresce, para escapar da atração do incesto" ( p . 3 3 [218]). C o n s e q u e n t e m e n t e , a s fixações o u a s r e gressões i n c e s t u o s a s i n c o n s c i e n t e s d a l i b i d o d e s e m p e n h a m u m papel central n aneurose, d e m o d o q u e o d e s e j o i n c e s t u o s o e m relação a o s p a i s c o n s t i t u i o "complexo nuclear da neurose". A r e v e l a ç ã o p e l a psicanálise d a i m p o r t â n c i a d o t e m o r d o incesto n o pensamento inconsciente d o s neuróticos c h o c o u - s e c o m a i n c r e d u l i d a d e g e r a l , o q u e , p a r a F r e u d , é a p r o v a d a angústia generalizada que ela desencadeia e m qualquer i n d i v í d u o : "Somos obrigados a admitir que essa resistência decorre sobretudo da profunda aversão que o homem sente por seus desejos incestuosos de outrora, hoje completamente e profundamente reprimidos. Assim, não deixa de ser importante poder mostrar que os povos primitivos sentem ainda de uma maneira perigosa, a ponto de se verem obrigados a se defenderem contra eles por medidas extremamente rigorosas, os desejos incestuosos destinados a se perderem um dia no inconsciente" ( p . 3 4 [218]).

O tabu e a ambivalc ncia de sentimentos F r e u d p r o s s e g u e e x a m i n a n d o a noção d e t a b u , p a l a v r a polinésia c u j o s i g n i f i c a d o é d u p l o , p o i s e l a contém, d e u m l a d o , a i d e i a d e s a g r a d o , d e c o n s a g r a d o e, d e o u t r o , a d e i n q u i e t a n t e , p e r i g o s o , p r o i b i d o . A s proibições l i g a d a s a o t a b u n ã o f a z e m parte d eu m sistema m o r a l o u religioso, m a s são proibições e m s i ; o t a b u n a s c e u p r i m e i r o d o m e d o d a s forças d e m o n í a c a s , e d e p o i s t a m -

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b é m s e t o r n o u demoníaco. S u a f o n t e é u m a f o r ça d e e n c a n t a m e n t o q u e s e a s s o c i a a p e s s o a s e m u m e s t a d o d e exceção - r e i s , p a d r e s , m u l h e r e s m e n s t r u a d a s , a d o l e s c e n t e s , etc. -, o u a l u g a r e s , e, seja q u a l f o r , o t a b u d e s e n c a d e i a a o m e s m o t e m p o u m sentimento de respeito e de inquietação. N a psicanálise, e n c o n t r a m o s p e s s o a s q u e s e i n f l i g e m t a b u s c o m o o s "selvagens": são o s n e u róticos o b s e s s i v o s . E s s a s p e s s o a s estão c o n v e n c i d a s m t i m a m e n t e - p o r u m a i m p i e d o s a "consciência moral" - q u e s e t r a n s g r e d i r e m c e r t a s p r o i bições enigmáticas, ocorrerá u m a desgraça. O t e m o r l i g a d o à proibição n ã o i m p e d e q u e s e o b serve nos povos primitivos, d o m e s m o m o d o que n o s neuróticos, u m "prazer-desejo" d e t r a n s g r e dir o tabu, e F r e u d acrescenta que o desejo d e transgredir o proibido é altamente contagioso. E m seguida, F r e u d procura estabelecer u m a semelhança e n t r e o s t a b u s d e t r i b o s p r i m i t i v a s e a q u e l e s d o s neuróticos o b s e s s i v o s , e a e n c o n t r a n a ambivalência d e s e n t i m e n t o s . N o s p r i m i t i v o s , n o t a - s e u m a l t o g r a u d e ambivalência n a s i n ú m e r a s prescrições q u e a c o m p a n h a m o s tabus. T e m o s exemplos n a maneira de tratar o s inimigos quando sua morte é acompanhada d e prescrições d e expiação, o u n o t a b u d o s s o b e r a n o s , e m q u e o r e i v e n e r a d o p e l o s súditos é a o m e s m o t e m p o e n c l a u s u r a d o p o r eles e m u m sist e m a c e r i m o n i a l c o e r c i t i v o , s i n a l d e ambivalênc i a e m relação a o e n v i a d o p r i v i l e g i a d o . A presença r e g u l a r d e s e n t i m e n t o s d e ambivalência n o s t a b u s c o n d u z F r e u d a e x a m i nar mais d eperto o papel que desempenham a l g u n s m e c a n i s m o s psíquicos f u n d a m e n t a i s . P o r e x e m p l o , ele estabelece u m paralelo entre o s e n t i m e n t o persecutório e x p e r i m e n t a d o p o r u m p r i m i t i v o e m relação a o s e u s o b e r a n o e o delír i o d o paranóico: a m b o s s e r i a m f u n d a d o s n a ambivalência d e s e n t i m e n t o s d e a m o r e d e ó d i o q u e a criança e x p e r i m e n t a e m relação a o s e u p a i , c o m o e l e j á m o s t r a r a a propósito d o c o m plexo paterno de Schreber. N o que serefere a o t a b u d o s m o r t o s , F r e u d c h a m a a atenção p a r a o f a t o d e q u e a s acusações o b s e s s i v a s q u e s e i n f l i g e o s o b r e v i v e n t e após u m f a l e c i m e n t o , p o r s e sentir culpado pela m o r t e da pessoa amada, dec o r r e m i g u a l m e n t e d e u m a f o r t e ambivalência: "Encontramos a mesma hostilidade, dissimulada por trás de um amor terno, em quase todos os casos de

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Jean-Michel Q u i n o d o z

fixação intensa do sentimento em uma pessoa determinada: é o caso clássico, o protótipo da ambivalência da afetividade humana" ( p . 9 1 [267]). M a s , então, o q u e é q u e d i s t i n g u e u m neurótico o b s e s s i v o de u m h o m e m primitivo? F r e u d responde que n o neurótico o b s e s s i v o a h o s t i l i d a d e e m r e l a ção a o m o r t o é i n c o n s c i e n t e , p o i s é a expressão d e u m a satisfação condenável p r o v o c a d a p e l o falecimento; m a s o mecanismo é diferente, pois n o p r i m i t i v o sua hostilidade é objeto d e u m a "projeção" n o m o r t o : "O sobrevivente se defende de nunca ter experimentado um sentimento hostil em relação ao morto querido; ele acha que é a alma do desaparecido que nutre esse sentimento que ela procurará saciar durante o período de luto" ( p . 9 2 [268]). E F r e u d d e s t a c a também a "cisão" q u e o b s e r v a nos sentimentos ambivalentes, antecipando seus trabalhos posteriores sobre a clivagem: "Aqui também as prescrições tabu têm um duplo significado, assim como os sintomas dos neuróticos: se, de um lado, essas expressam, pelas restrições que impõem, o sentimento de dor que se experimenta diante da morte de um ser amado, de outro lado deixam transparecer o que gostariam de ocultar, ou seja, a hostilidade em relação ao morto à qual atribuem agora um caráter de necessidade" ( p . 9 2 [268]). A compreensão d o t a b u e s c l a r e c e também a noção d e "consciência moral" o u "consciência de culpa" q u e F r e u d começa a e s c l a r e c e r . E l e d e f i n e e s s a consciência m o r a l c o m o a percepção d e u m j u l g a m e n t o i n t e r i o r d e condenação p o r d e s e j o s s e n t i d o s p e l o neurótico, s e n t i m e n t o h o r r i p i l a n t e q u e não s e d i f e r e n c i a d o "mandamento de sua consciência moral" l i g a d a a o t a b u n o s e l v a g e m , c u j a violência f a z e m e r g i r "um terrível sentimento de culpa" ( p . 1 0 1 [276]). P a r a e l e , s e n t i m e n t o d e c u l p a e t e m o r d a punição f u n d a m e n t a m - s e n a ambivalência d e s e n t i m e n t o s , t a n t o n o n e u rótico q u a n t o n o p r i m i t i v o ; m a s o q u e d i f e r e n c i a o p r i m e i r o d o s e g u n d o é q u e o t a b u não é u m a n e u r o s e , m a s u m a formação s o c i a l . E s s e s a r g u m e n t o s a n t e c i p a m a noção d e s u p e r e g o q u e será d e f i n i d a 1 0 a n o s m a i s t a r d e , e m 1 9 2 3 . Animismo, magia, onipotência dos pensamentos

O animismo éparticularmente desenvolvido nos primitivos, que imaginam om u n d o povoa-

d o p o r u m a m f i n i d a d e de seres espirituais benev o l e n t e s o u m a l - i n t e n c i o n a d o s e m relação a e l e s , e a c r e d i t a m q u e e s s e s espíritos são responsáveis p o r fenómenos n a t u r a i s . S e g u n d o F r e u d , a h u m a n i d a d e c o n h e c e u a o l o n g o d e s u a história três p r i n c i p a i s visões d o m u n d o : a anímica (mitológ i c a ) , a r e l i g i o s a e a científica. A p r i m e i r a visão foi o animismo, que nada mais é d o que u m a t e o r i a psicológica; além d i s s o , o a n i m i s m o é a c o m p a n h a d o d oencantamento e d a magia, sendo que oencantamento éaarte de influenciar o s espíritos e a m a g i a c o n s t i t u i a técnica própria ao a n i m i s m o . D e fato, a m a g i a serve para submeter o sprocessos naturais à v o n t a d e d o h o m e m , e p a r a p r o t e g e r o indivíduo c o n t r a i n i m i g o s e p e r i g o s , a o m e s m o t e m p o e m q u e l h e dá a força p a r a d e r r o t a r s e u s i n i m i g o s . N e s s a visão d o m u n d o , a sobrestimação e x c e s s i v a d o p e n s a m e n t o o f u s c a a percepção d a r e a l i d a d e , d e m o d o q u e o princípio q u e r e g e a m a g i a é o d a onipotência d o p e n s a m e n t o : "O princípio que rege a magia, a técnica do modo de pensamento animista, éoda 'onipotência das ideias" ( p . 1 2 3 [295]). N o neurótico, a psicanálise e v i d e n c i o u o m o d o p r i m i t i v o de f u n c i o n a m e n t o que constit u i a onipotência d o s p e n s a m e n t o s , e m p a r t i c u l a r n a n e u r o s e o b s e s s i v a , n a q u a l a sobrestimação d o processo de pensamento suplanta a realidad e , c o m o n a obsessão d o s r a t o s n o " H o m e m d o s r a t o s " . A sobrestimação d o p o d e r q u e u m i n d i víduo a t r i b u i a o s e u próprio p e n s a m e n t o , a i n da segundo F r e u d , é u m e l e m e n t o essencial d o "narcisismo", f a s e d o d e s e n v o l v i m e n t o n a q u a l a s pulsões s e x u a i s já e n c o n t r a r a m u m o b j e t o , m a s esse objeto, m a s esse objeto c o n t i n u a s e n d o o e g o d o indivíduo. D e s s e m o d o , p o d e - s e c o n s i d e r a r q u e a onipotência d o s p e n s a m e n t o s n o s p r i m i t i v o s corresponde a u m a fase precoce d o d e s e n v o l v i m e n t o l i b i d i n a l - u m "narcisismo intelectual" - a q u e o indivíduo neurótico c h e g o u , p o r s u a v e z , o u p o r regressão o u p o r fixação p a tológica. F i n a l m e n t e , F r e u d r e t o m a a i d e i a d e q u e , n o a n i m i s m o , o s espíritos e demónios q u e p o v o a m o m u n d o são a p e n a s "projeções" d e s e n t i m e n t o s e p e s s o a s i m p o r t a n t e s p a r a o indivíd u o e m questão, q u e e n c o n t r a s e u s p r o c e s s o s psíquicos n o e x t e r i o r d e s i m e s m o , d a m e s m a m a n e i r a q u e S c h r e b e r o s e n c o n t r a v a n o conteúd o d e s e u delírio paranóico.

L e r F r e u d 141 v a s s e r i a u m a lembrança c o m e m o r a t i v a : "A refeição totêmica, que é talvez a primeira festa da huTotem e Édipo manidade, seria a reprodução e uma espécie de festa A p o i a n d o - s e e m t r a b a l h o s c o m o o s d o comemorativa desse ato memorável e criminoso que serviu de ponto de partida para tantas coisas: orgaetnólogo F r a z e r , q u e m o s t r a v a m q u e o a n i m a l nizações sociais, restrições morais, religiões" ( p . 2 0 0 t o t e m era visto e mgeral c o m o o ancestral d a 2 0 1 [361 ]). T e n d o a s s i m s a c i a d o s e u ódio, o s f i tribo e que o t o t e m era t r a n s m i t i d o hereditarial h o s começaram a s e n t i r a consciência d e c u l p a m e n t e , F r e u d s u g e r e a hipótese d e q u e o t o t e e o desejo de sereconciliarem c o m o p a i o f e n d i m i s m o e a exogamia t e r i a m u m a o r i g e m ancesdo. Desse sentimento d eculpa decorreria a ret r a l , reforçando a i d e i a d e D a r w i n s o b r e a e x i s ligião totêmica a c o m p a n h a d a d e s e u s d o i s t a tência d e u m a h o r d a p r i m i t i v a originária t a n t o b u s f u n d a m e n t a i s , a proibição d e m a t a r o a n i nos p r i m a t a s c o m o n o h o m e m . A partir desse m a l t o t e m , r e p r e s e n t a n t e d o p a i , e a proibição p o s t u l a d o , F r e u d e s t a b e l e c e u m a aproximação d o i n c e s t o . S e g u n d o F r e u d , e s s a consciência d e entre oa n i m a l t o t e m e afobia infantil, pois nesta c u l p a e s t a r i a não a p e n a s n a o r i g e m d a religião última o o b j e t o c o s t u m a s e r u m a n i m a l . S e g u n totêmica, m a s também n a o r i g e m d e t o d a s r e l i d o ele, o a n i m a l t o t e m , a s s i m c o m o o objeto d a giões, d a s o c i e d a d e e d a m o r a l : "A sociedade refobia, seria representante d o p a i t e m i d o e respeipousa agora sobre uma falta comum, sobre um crime tado, c o m o demonstrara a fobia d ocavalo n o cometido em comum; a religião, sobre o sentimento " p e q u e n o H a n s " . A presença d e s e n t i m e n t o s de culpa e sobre o arrependimento; a moral, sobre as a m b i v a l e n t e s e m relação a o p a i n a s d u a s s i t u a necessidades dessa sociedade, de um lado, e sobre a ções p e r m i t e a F r e u d c h e g a r à conclusão d e q u e necessidade de expiação engendrada pelo sentimento o t o t e m e o c o m p l e x o d e Édipo têm u m a m e s m a o r i g e m : "Se o animal totem nada mais é do que de culpa, de outro" ( p . 2 0 5 [365]). o pai, temos de fato o seguinte: os dois mandamentos capitais do totemismo, as duas prescrições tabu que formam como que seu núcleo, a saber, a proibição de O sacrifício totêmico na origem das religiões matar o totem e a proibição de casar com uma muF r e u d v a i m a i s l o n g e e m o s t r a q u e a religião lher pertencente ao mesmo totem, coincidem quanto c o n s t i t u i a expressão e x t r e m a d a ambivalência ao conteúdo com os dois crimes de Édipo, que matou c o m relação a o p a i : d e f a t o , a eliminação d o p a i com o pai e casou com a mãe, e com os dois desejos e s u a incorporação p e l o s irmãos p a r a q u e t o r primitivos da criança que, por não serem suficientenassem semelhantes ao pai - teria sido sucedida mente reprimidos ou por despertarem, talvez consti- d e u m a exaltação d o p a i m o r t o , i d e a l i z a d o e tuam o núcleo de todas as neuroses" ( p . 1 8 6 [349]). t r a n s f o r m a d o e m d e u s d a t r i b o . A s s i m , a l e m brança d o p r i m e i r o g r a n d e a t o s a c r i f i c i a l e s t a r i a p e r p e t u a d a d e m a n e i r a indestrutível, e o s vários A refeição totêmica e o assassinato do pai desdobramentos posteriores d o pensamento rel i g i o s o s e r i a m u m a f o r m a d e racionalizá-lo. E l e P r o s s e g u i n d o s u a investigação a c e r c a d e vê a demonstração d i s s o n o c r i s t i a n i s m o , e m q u e o u t r a s características d o t o t e m i s m o , p a r t i c u l a r C r i s t o s a c r i f i c o u s u a própria v i d a p a r a r e d i m i r m e n t e a s u p o s t a existência d e u m a "refeição s e u s irmãos d o p e c a d o o r i g i n a l : "No mito cristão, totêmica" originária, F r e u d lança u m a hipóteo pecado original resulta incontestavelmente de uma se a u d a c i o s a s e g u n d o a q u a l o p a i d a h o r d a p r i ofensa contra o Deus Pai" ( p . 2 3 0 [374]). m i t i v a teria sido m o r t o e d e v o r a d o p o r seus fil h o s n a o r i g e m d o s t e m p o s , e m u m a refeição Para concluir, F r e u d seindaga sobre a m a s a c r i f i c i a l : "Um dia, os irmãos expulsos se reunin e i r a c o m o s e p e r p e t u o u d u r a n t e milénios a ram, mataram e comeram o pai, o que pôs fim à horda consciência d e c u l p a l i g a d a à m o r t e d o p a i , à paterna. Reunidos, eles se tornaram valentes e pude- r e v e l i a d e indivíduos e d e gerações. E l e supõe ram realizar o que cada um, tomado individualmen- q u e e x i s t a u m a "alma do grupo" o u "psique de te, teria sido incapaz de fazer" ( p . 1 9 9 [361 ]). A c e massa" análoga à "alma individual" o u "psique rimónia d e refeição totêmica d a s t r i b o s p r i m i t i individual" q u e s e p e r p e t u a d e u m a geração a O r e t o r n o infantil d o t o t e m i s m o

142

Jean-Michel Q u i n o d o z

o u t r a p a r a além d a "comunicação direta e da tradição". E s s e p r o c e s s o a i n d a é p o u c o c o n h e c i d o : "Em geral, a psicologia de grupo se preocupa muito pouco em saber por que meios se dá a continuidade da vida psíquica das sucessivas gerações. Essa continuidade é assegurada em parte pela hereditariedade das disposições psíquicas que, no entanto, precisam ser estimuladas por certos acontecimentos da vida individual para se tornarem eficazes. Assim, é preciso interpretar o verso do poeta: 'Aquilo que herdaste de teus pais conquista-o para fazê-lo

teu'" ( G o e t h e , Faust I, v . 6 8 2 - 6 8 3 ; L a N u i t ( m o nólogo d e F a u s t o ) ( p . 2 2 2 [379]). F r e u d t e r m i n a s u a o b r a e s t a b e l e c e n d o u m a distinção e n t r e o neurótico e o p r i m i t i v o : "No neurótico, diz e l e , a ação é completamente inibida e totalmente substituída pela ideia. O primitivo, ao contrário, não conhece entraves a ação; suas ideias transformam-se imediatamente em atos; poderíamos dizer inclusive que o ato substitui a ideia, e por isso (...) podemos arriscar esta afirmação: 'No princípio era o ato'" ( p . 2 2 5 - 2 2 6 [382]).

PÓS-FREUDIANOS Uma obra visionária q u e p r o v o c o u as críticas E m b o r a esta o b r a t e n h a p r o v o c a d o i n ú m e r a s críticas d e s d e s e u l a n ç a m e n t o , tanto p o r parte d o s a n t r o p ó l o g o s c o m o d o s psicanalistas, o s d e b a t e s a i n d a hoje estão l o n g e d e se e s g o t a r e m , c o m o revelam as citações a s e g u i r extraídas d e u m a literatura particularmente a b u n d a n t e s o b r e a q u e s t ã o . Críticas

das hipóteses

etnológicas

E m 1920, o e t n ó l o g o Kroeber foi u m d o s primeiros a levantar o b j e ç õ e s e m relação a Totem e tabu. Ele contestou tanto s u a m e t o d o l o g i a q u a n t o suas conclusões teóricas, e rejeitou a hipótese d e u m a o r i g e m sociorreligiosa d a civilização s u g e r i d a p o r Freud. C o n t u d o , mostrou-se aberto à utilização d a s descobertas d a psicanálise na pesquisa a n t r o p o l ó g i c a . Outros críticos se voltaram contra a própria p e s s o a d e Freud, c o m o D. Freeman (1967), para q u e m a teoria d o assassinato original era essencialmente a expressão d a ambivalência d e Freud e m relação à figura d e s e u pai. De maneira geral, as posições t o m a d a s por Freud f o r a m contestadas não apenas e m razão d o " d a r w i n i s m o social" e m q u e se inspirou, m a s t a m b é m p o r q u e a maior partes d o s especialistas rejeitou as b a s e s etnológicas e antropológicas e m q u e se Totem e tabu.

apoia

A filogênese,

uma questão

polémica

U m a das principais críticas às teses apresentadas por Freud e m Totem e tabu partiu d o s próprios psicanalistas, e vale a p e n a examiná-la aqui, pois, d e p o i s d e ter lido o conjunto d a o b r a d e Freud, estou c o n v e n c i d o d e q u e ele continua s e n d o u m precursor iluminado por ter m o s t r a d o a importância d a transmissão filogenética. Essa questão controversa diz respeito à hipótese d a transmissão d e traços m n é s i c o s por g e r a ç õ e s sucessivas, d e s d e as o r i g e n s d a h u m a n i d a d e , c o n c e p ç ã o a q u e Freud recorre na maior parte d e seus trabalhos. De fato, ele distingue o p r o c e s s o d e desenvolvimento individual d a infância à idade adulta - a o n t o g ê n e s e - e o processo evolutivo d o g é n e r o h u m a n o , d a s origens aos nossos dias - a filogênese. S e g u n d o ele, traços d e acontecimentos traumáticos ocorridos a o longo d a história d a h u m a n i d a d e ressurgiriam e m c a d a indivíduo e contribuiriam para estruturar a personalidade. Por exemplo, e m Totem e tabu ele c o n s i d e r a q u e o c o m p l e x o de Édipo e o s e n t i m e n t o d e c u l p a d e c a d a indivíduo estariam f u n d a d o s e m elementos pessoais, ligados ao contexto familiar, a o s quais se acrescentaria o traço "histórico" d o assassinato d o pai d a h o r d a primitiva, remontando à o r i g e m d a h u m a n i d a d e . Ainda hoje, n u m e r o s o s psicanalistas rejeitam a hipótese d e u m a transmissão filogenética q u e implicaria ao m e s m o t e m p o a biologia e a genética. Alguns apelam a argumentos d e o r d e m técnica, dizendo q u e , e m relação à s u a prática cotidiana, p o u c o importa a origem das pulsões e d o s conflitos: qualquer q u e seja a parte d o adquirido e a parte d o inato, isso não m u d a e m nada a interpretação, d e m o d o q u e , para eles, essa distinção é puramente teórica. Outros apelam a u m argumento d e o r d e m psicológica, e afirmam q u e Freud recorre a esse tipo d e explicação filogenética sempre q u e sua c o m p r e e n s ã o pela ontogênese t o p a c o m a "rocha biológica", c o m o ele próprio reconhece e m seus m o m e n t o s d e dúvida. Contudo, estou convencido d a intervenção d e u m a Continua

Q

L e r F r e u d 143

£

Continuação

causalidade psíquica pela filogênese, c o m o sustenta, entre outros, D. Braunschweig (1991), ainda q u e não se d i s p o n h a d e conhecimentos suficientes no q u e se refere às bases biológicas sobre as quais se efetua u m a transmissão filogenética. Estou certo d e q u e Bion abriu u m c a m i n h o na psicanálise ao introduzir a n o ç ã o d e "preconcepção", q u e ele entende c o m o u m a capacidade inata d e ter experiências psicológicas. A p r e c o n c e p ç ã o ainda "não experimentada" espera unir-se a u m a "realização", a partir d a qual se torna u m a " c o n c e p ç ã o " . H á a l g u m a s d é c a d a s , contata-se u m interesse c r e s c e n t e p e l o s t r a b a l h o s psicanalíticos p ó s - f r e u d i a n o s a c e r c a d e u m a s p e c t o particular d a t r a n s m i s s ã o , a t r a n s m i s s ã o t r a n s g e r a c i o n a l , f e n ó m e n o o b s e r v a d o c o m f r e q u ê n c i a e m clínica. Essa t r a n s m i s s ã o se d e s e n v o l v e através d e p r o c e s s o s psíquicos d e identificação i n c o n s c i e n t e , p a s s a n d o s u c e s s i v a m e n t e d e u m a g e r a ç ã o a outra, e t o m a n d o c a m i n h o s diferentes d a q u e les p o s t u l a d o s na f o r m a d e t r a n s m i s s ã o filogenética. De resto, a c h o q u e seria desejável q u e os psicanalistas se i n s p i r a s s e m i g u a l m e n t e e m f e n ó m e n o s d e t r a n s m i s s ã o d a pulsão q u e se verifica n o s animais, c o m o Freud s u g e r e e m 1939 e m Moisés e o monoteísmo. D e s s e p o n t o d e vista, estou c o n v e n c i d o d e q u e os psicanalistas c o n t e m p o r â n e o s tirariam proveito d e u m m e l h o r c o n h e c i m e n t o d a s d e s c o b e r t a s recentes d a e t n o l o g i a q u e n ã o d o m i n a m suficientemente, e q u e e s s e s n o v o s d a d o s c o n t r i b u i r i a m para a p r o x i m a r disciplinas c o m p l e m e n t a r e s q u e t ê m c o m o objetivo c o m u m c o n h e c e r melhor a natureza h u m a n a (R. S c h a e p p i , 2 0 0 2 ) . Por uma psicologia

psicanalítica

A despeito d e seus aspectos contestados, há fortes razões para se considerar Totem e tabu c o m o o p o n t o d e partida de u m a verdadeira antropologia psicanalítica e de u m a etnopsicanálise. Várias obras t e s t e m u n h a m a riqueza desses desenvolvimentos. A. Kardiner (1939), psicanalista americano, procurou conciliar psicanálise e antropologia social, e elaborou a noção de "personalidade d e base", q u e c o n c e b e u c o m o u m a integração d e n o r m a s sociais no nível subconsciente. G. Roheim (1950), antropólogo e psicanalista húngaro, foi o primeiro a entrar nesse terreno ao introduzir na pesquisa antropológica não apenas a noção de complexo d e Édipo, m a s t a m b é m o conjunto de c o n c e p ç õ e s psicanalíticas. Ele analisou os sonhos dos indígenas, seus j o g o s , seus mitos, suas crenças, t o m a n d o - s e o pioneiro dessa disciplina. Se, para G. Roheim, a universalidade d o s m e c a nismos psíquicos e m todas as culturas não deixa dúvida, outros autores compartilham seus pontos d e vista, c o m o W. Múnsterberger (1969), Hartmann, Kris e Loewenstein, assim c o m o R Parin e F. Morgenthaler (in Múnsterberger, 1969). Em c o m p e n s a ç ã o , antropólogos c o m o Malinowski e M. Mead p õ e m e m dúvida a universalidade d o complexo de Édipo, mas esse t e m a ainda é controverso. Quanto a G. Devereux (1972), ele adota u m a posição "complementarista": para ele, a psicanálise e a antropologia apresentam pontos de vista diferentes m a s complementares sobre u m a m e s m a realidade, s e n d o q u e u m a a observa de dentro e a outra de fora. Os desenvolvimentos teóricos d e Devereux culminaram e m u m a clínica etnopsicanalítica q u e leva e m conta as particularidades contratransferenciais na prática d a psicanálise transcultural.

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS A m b i v a l ê n c i a - amor-c dio - a n i m i s m o - c o n s c i ê n c i a moral - m a g i a - assassinato d o pai - f i l o g ê n e s e s e n t i m e n t o d e c u l p a - a b u d o incesto - o n i p o t ê n c i a d o p e n s a m e n t o - t r a n s m i s s ã o filogenética

"INTRODUÇÃO AO NARCISISMO" S. FREUD (1914c)

Um conceito com múltiplas implicações O t e r m o "narcisismo" foi i n t r o d u z i d on a psicanálise p a r a d e s i g n a r o a m o r q u e u m i n divíduo s e n t e p o r s i m e s m o , e m relação a o m i t o grego de Narciso. Esse personagem apaixonou-se por outro sem saber que se tratava d e s u a própria i m a g e m r e f l e t i d a n a água. F r e u d utiliza pela primeira vez ot e r m o "narcis i s m o " e m1910, p a r a descrever a escolha d e objeto feita pelos homossexuais que escolhem u m parceiro àsua i m a g e m , de f o r m a que atrav é s d e s t e "tomam a si mesmos como objeto sexual" (1905d; n o t a acrescentada e m 1910, p . 50). P o u c o depois, F r e u d fez d onarcisismo u m a fase i n t e r m e d i á r i a d o d e s e n v o l v i m e n t o p s i c o s social infantil, situada entre o auto-erotismo, c u j o m o d e l o é a masturbação, e a f a s e evoluída, caracterizada pelo a m o r d eobjeto (1911c, 1912-1913a). E m 1914, ao escrever esse ensaio, F r e u d v a i b e m além d e i n t r o d u z i r o n a r c i s i s m o ; e l e e x a m i n a questões q u e e s s a noção c o l o c a p a r a o c o n j u n t o d a t e o r i a psicanalítica. I s s o t o r n a s u a l e i t u r a difícil, t a n t o m a i s q u a n t o a n o ç ã o d e narcisismo, e m particular a de narcisismo primário, c o n h e c e acepções m u i t o d i v e r s a s e m F r e u d e n o s p s i c a n a l i s t a s pós-freudianos. N e s s a contribuição, F r e u d n ? a f i r m a a n a t u r e z a a p a rentemente sexual d a libido e descreve u m n a r c i s i s m o p r i m o r d i a l , q u e c h a m a d e narcisismo primário, n o q u a l a c r i a n ç a t o m a a s i m e s m a c o m o objeto d ea m o r e c o m o centro d o m u n -

do, antes d e s edirigir a objetos exteriores. A capacidade d ea m a r p o r elas m e s m a s pessoas percebidas c o m o separadas e diferentes d e s i constitui u m progresso na vida relacional, pois o indivíduo c o n s e g u e a m a r a s i m e s m o c o m o r e t o r n o p o r a m a r o u t r o : é esse r e t o r n o d oi n v e s t i m e n t o sobre si, que F r e u d c h a m a d e narcisismo secundário. N o desenvolvimento n o r m a l , o n a r c i s i s m o secundário e s t a b e l e c e o f u n d a m e n t o d aauto-estima e coexiste c o m o a m o r d e o b j e t o . M a s e x i s t e m f o r m a s patológic a s d o n a r c i s i s m o c a r a c t e r i z a d a s p o r distúrbios d a p e r s o n a l i d a d e d e g r a v i d a d e variável, p o d e n d o c h e g a r a o delírio d e g r a n d e z a n o c a s o d a p s i c o s e . A l é m d i s s o , a s implicações d o n a r c i s i s m o p a r a a v i d a r e l a c i o n a l são múltiplas, e F r e u d distingue dois tipos principais d e escol h a d e o b j e t o : a escolha de objeto por apoio, n o q u a l sef u n d a o p l e n o a m o r de objeto reconhec i d o c o m o d i s t i n t o d e s i , e a escolha de objeto narcísico, f u n d a d o n o a m o r q u e o i n d i v í d u o d i r i g e e s s e n c i a l m e n t e a s i m e s m o . E l e dá vários exemplos disso. O recolhimento e m s idas personalidades narcísicas l e v a F r e u d a p e n s a r q u e e s s e s i n d i v í d u o s s ã o i n a p t o s p a r a a análise p o r q u e n ã o e s t a b e l e c e m transferência, a o contrário d o s neuróticos. Porém, t r a b a l h o s d e p s i c a n a l i s t a s pós-freudianos m o s t r a r a m q u e a transferênc i a narcísica e r a analisável, a b r i n d o c a m i n h o p a r a u m d o s m a i o r e s avanços d a psicanálise.

146

Jean-Michel

£

EVOLUÇÃO DOS CONCEITOS FREUDIANOS

Q u i n o d o z

O n a r c i s i s m o : u m c o n c e i t o difícil d e circunscrever e m Freud Os t e r m o s " n a r c i s i s m o " , " n a r c i s i s m o primário" e "narcisismo s e c u n d á r i o " t ê m a c e p ç õ e s m u i t o diversas, e isso tanto n a o b r a d e Freud c o m o n a literatura psicanalítica, d e m o d o q u e é difícil defini-los. C o m o observ a m J . L a p l a n c h e e J.-B. Pontalis, o c o n c e i t o d e narcisismo s e c u n d á r i o , tal c o m o a p a r e c e e m F r e u d , oferece m e n o s d i f i c u l d a d e q u e o d e narcisismo primário. De fato, Freud definiu o n a r c i s i s m o s e c u n d á r i o c o m o "um retorno ao ego da libido despojada de seus investimentos objetais"; q u a n t o a o n a r c i s i s m o primário, esse c o n c e i t o d e s i g n a e m Freud "um estado precoce em que a criança investe toda a libido nela mesma" (1967, p. 2 6 3 ) . Esses a u t o r e s assinalam q u e , q u a n d o s e p r o c u r a especificar o m o m e n t o d e constituição d e u m tal e s t a d o , e n c o n t r a m - s e g r a n d e s variações e m F r e u d : a s s i m , e m seus textos d e 1910-1915, ele localiza a fase narcísica entre a d o auto-erotismo e a d o a m o r d e o b j e t o ; p o s t e r i o r m e n t e , e m s e u s textos d e 1916-1917, ele r e m e t e a n o ç ã o d e narcisismo a u m e s t a d o primitivo d a vida, anterior até m e s m o à constituição d e u m e g o , c u j o a r q u é t i p o seria a v i d a intra-uterina. L a p l a n c h e e Pontalis d e s t a c a m a i n d a q u e esta última a c e p ç ã o d o n a r c i s i s m o primário c o s t u m a designar n o p e n s a m e n t o psicanalítico "um estado rigorosamente anobjetaT ou pelo menos 'indiferenciado', sem clivagem entre um sujeito e um mundo exterior" (p. 264). E m s u a d i s c u s s ã o a c e r c a d o s diversos p o n t o s d e vista psicanalíticos s o b r e o n a r c i s i s m o , eles observ a m q u e e s s a c o n c e p ç ã o d o narcisismo primário p e r d e d e vista a referência a u m a i m a g e m d e si, alusão à relação e s p e c u l a r e v i d e n c i a d a n a n o ç ã o d e "fase d e e s p e l h o " p o r J . Lacan. Para F r e u d , o s p a c i e n t e s n a r c í s i c o s s ã o i n a p t o s à t r a n s f e r ê n c i a Por s u a t e n d ê n c i a a s e retraírem e m si m e s m o s e a s e e s q u i v a r e m d a s relações c o m p e s s o a s d o meio exterior, F r e u d j u l g a v a q u e o s pacientes q u e a p r e s e n t a v a m u m a " n e u r o s e narcísica" n ã o e r a m analisáveis, pois, s e g u n d o ele, n ã o e s t a b e l e c i a m transferência. Entre o s pacientes inaptos à transferência, ele situava as psicoses e o s e s t a d o s m a n í a c o - d e p r e s s i v o s n a categoria d a s " n e u r o s e s narcísicas" e m o p o s i ç ã o a o s pacientes n e u r ó t i c o s a p t o s a estabelecer u m a " n e u r o s e d e transferência" suscetível d e ser analisada. Retrospectivamente, p o d e m o s supor q u e a maneira c o m o Freud concebia a transferência c o m certeza o impedia de vislumbrar a análise d a transferência negativa. De fato, Freud havia descrito a transferência positiva e a transferência negativa, m a s via na transferência negativa apenas u m a forma d e resistência q u e se o p u n h a ao desenvolvimento d a transferência positiva, e por isso não via possibilidade d e analisar essa resistência c o m o parte integrante d a transferência. Mais tarde, o s trabalhos d e psicanalistas pós-freudianos permitiram considerar a transferência e m sua totalidade e abordar sua elaboração e m função d e suas próprias referências teóricas e técnicas.

DESCOBERTA DA OBRA As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1914c), "Pour introduire le narcissisme", trad. D. Berger, J . L a p l n a c h e e i a / . , in La vie sexuelle, Paris, PUF, 2 e d . , 1970, p. 81-105. ?

Do narcisismo primário ao narcisismo secundário

p s i c o p a t o l o g i a , m a s também d u r a n t e o d e s e n volvimento psicossexual

F r e u d começa p o r d e f i n i r a noção d e n a r c i s i s m o e m clínica, t a l c o m o t i n h a s i d o

introdu-

z i d a a l g u n s a n o s a n t e s p o r sexólogos: o n a r c i s i s m o d e s i g n a "o comportamento indivíduo

trata seu próprio

mediante o qual um

corpo de maneira

seme-

lhante a como se costuma tratar o corpo de um objeto sexual: contempla-o portanto extraindo dele um prazer sexual, o afago, a carícia, práticas

à satisfação

até chegar por

essas

completa". N o e n t a n t o , a p s i -

canálise m o s t r o u q u e e s s e i n v e s t i m e n t o s e x u a l d o próprio c o r p o não s e e n c o n t r a a p e n a s n a

n o r m a l d etodo indi-

víduo, e c o m i s s o a m p l i o u

consideravelmente

o c a m p o d es e ue s t u d o d o n a r c i s i s m o . F r e u d p a r t e então d a experiência psicanalítica q u e m o s t r o u q u e certos pacientes, e m part i c u l a r o s esquizofrênicos, m a n i f e s t a m u m "comportamento

narcísico"

e m relação a o a n a l i s -

ta: esses doentes r e t i r a r a m s e uinteresse

pelas

pessoas e pelas coisas d om u n d o exterior, d e m o d o q u eesse r e t r a i m e n t o d el i b i d o o s t o r n a inacessíveis à análise, c o m o

observara K .

A b r a h a m já e m 1 9 0 8 . M a s então,

pergunta-se

F r e u d , q u a l é o d e s t i n o d a l i b i d o n o esquizofrê-

Ler Freud n i c o ? S e g u n d o ele, esta s er e t i r a d o m u n d o ext e r n o e s e r e f u g i a n a m e g a l o m a n i a d o delírio d e g r a n d e z a : "A libido, retirada do mundo exterior, foi transportada ao ego,\ ao mesmo tempo em que apareceu uma atitude que chamamos de narcisismo" ( p . 8 2 ) . O delírio d e g r a n d e z a , e n t r e t a n t o , n ã o s u r g i u d o n a d a ; e l e é r e s u l t a d o d a extensão d e u m e s t a d o q u e já e x i s t i a a n t e s , e x p l i c a F r e u d , q u e d e s i g n a e s s e e s t a d o p e l a e x p r e s s ã o narcisismo primário. E m o p o s i ç ã o , c h a m a d e narcisismo secundário o r e t o r n o d o s i n v e s t i m e n t o s d e o b j e t o a o e g o : "Esse narcisismo que apareceu causando o retorno dos investimentos de objeto, e portanto somos levados a concebê-lo como um estado secundário construído com base em um narcisismo primário que foi obscurecido por múltiplas influências" ( p . 8 2 ) . N o delírio d e g r a n d e z a d o esquizofrénico, a psicanálise e n c o n t r a características s e m e l h a n t e s às q u e j á h a v i a d e s c o b e r t o n o p e n s a m e n t o p r i m i t i v o d a criança, c o m o a onipotência d o p e n samento, a magia e a megalomania. Freud post u l a e n t ã o q u e e x i s t e n a criança n o início d a v i d a u m m v e s t i m e n t o originário d o e g o - c h a m a d o d e n a r c i s i s m o primário - d o q u a l u m a p a r t e será c e d i d a p o s t e r i o r m e n t e a o s o b j e t o s , i s t o é, d i r i g i d a às p e s s o a s d o m u n d o e x t e r i o r ; m a s , f u n d a m e n t a l m e n t e , acrescenta ele, esse i n v e s t i m e n t o d o e g o p e r s i s t e d u r a n t e t o d a a v i d a "e se comporta em relação aos investimentos de objeto como o corpo de um animálculo protoplásmico em relação aos pseudópodes que emitiu" ( p . 8 3 ) . O p o n d o a s s i m a libido d o ego e a libido d eobjeto, F r e u d e s t a b e l e c e u m balanço e n t r e d u a s direções d e m v e s t i m e n t o , a f i r m a n d o q u e "quanto mais uma absorve, mais a outra se empobrece" ( p . 8 3 ) . A o reafirmar que a libido tem sempre u m conteúdo s e x u a l , F r e u d p r o s s e g u e s u a c o n t r o vérsia c o m C G . J u n g , a q u e m c r i t i c a p o r t e r e s v a z i a d o o c o n c e i t o d e s u a substância t r a n s f o r m a n d o - o e m u m s i m p l e s i n t e r e s s e psíquic o e m g e r a l . E m a p o i o às hipóteses a c e r c a d o p a p e l c e n t r a l d a l i b i d o n a v i d a psíquica, F r e u d insiste m u i t o e m dizer que sua teoria d a libido é fundada essencialmente na biologia, e m b o r a a ciência d a época não l h e d e s s e a i n d a o r e s p a l d o e s p e r a d o : "Como não podemos esperar que uma outra ciência nos brinde com argumentos decisivos para a teoria das pulsões, é bem mais opor-

147

tuno descobrir que luz pode ser lançada sobre esses enigmas fundamentais da biologia para uma síntese dos fenómenos psicológicos" (p. 86).

Variedade de manifestações do narcisismo E m b o r a oe x a m e da psicose constitua a princ i p a l v i a d e a c e s s o p a r a o e s t u d o psicanalítico d o s fenómenos narcísicos, e m p a r t i c u l a r d o n a r c i s i s m o p r i m á r i o , e l a n ã o é única: p o d e m o s a s s i m abordá-la através d a d o e n ç a o r g â n i c a , d a hipocondria eda vida amorosa, segundo Freud. N a d o e n ç a orgânica, é u m f a t o b e m c o n h e c i d o q u e o indivíduo q u e s o f r e d e u m a d o r orgânica r e t i r a s e u interesse p e l o m u n d o exterior, ass i m c o m o seus sentimentos libidinais por seus objetos d e a m o r , e q u e o srestabelece d e p o i s d e c u r a d o . D e m a n e i r a análoga, i s s o o c o r r e n o s o n o : " O estado de sono representa um retraimento narcísico de posições da libido na própria pessoa ou, mais exatamente, no único desejo de dormir" ( p . 8 9 ) . Q u a n t o a o d o e n t e hipocondríaco, c o n t a t a - s e q u e e l e também r e t i r a s e u i n t e r e s s e e s u a l i b i d o e m relação a o m u n d o e x t e r i o r e o s c o n c e n t r a n o órgão q u e o p r e o c u p a e q u e o f a z s o f r e r . M a s o i n v e s t i m e n t o l i b i d i n a l narcísico d e u m a p a r t e d o c o r p o não é e n c o n t r a d a a p e n a s n a h i p o c o n d r i a , c o m o também n a n e u r o s e , p e l o f a t o d e q u e q u a l quer parte do corpo pode adquirir a propriedad e d e u m a z o n a erógena e s e c o m p o r t a r c o m o o s u b s t i t u t o d e u m órgão s e x u a l : "a cada uma dessas modificações da erogenidade nos órgãos corresponde uma modificação paralela do investimento da libido no ego" ( p . 9 0 ) . D e s s e m o d o , t o d o i n v e s t i m e n t o l i b i d i n a l d e u m a z o n a erógena c o r r e s p o n d e r i a a u m mvestimento libidinal d o ego e decorreria d o n a r c i s i s m o primário. A aproximação q u e F r e u d e s t a b e l e c e e n t r e hipocondria e esquizofrenia lhe permite ir mais l o n g e a i n d a e i n t r o d u z i r u m a noção n o v a , a d e u m a "estase da libido" c o n s e c u t i v a à s u a "introversão" d u r a n t e a regressão patológica. E s s a e s t a s e d a l i b i d o e s t a r i a n a o r i g e m d o delírio d e ó r g ã o n a h i p o c o n d r i a e d o delírio d e g r a n d e z a n a e s q u i z o f r e n i a . C o m a noção q u a n t i t a t i v a d e estase libidinal, F r e u d acrescenta u m a d i m e n são económica à n a t u r e z a d o n a r c i s i s m o , d i f e r e n t e d a noção d e n a r c i s i s m o c o m o f a s e e v o l u t i v a d o d e s e n v o l v i m e n t o q u e ele h a v i a i n t r o d u z i d o

148 J e a n - M i c h e l

Quinodoz

e m seu e s t u d o sobre Schreber e m 1914, c o m p l e t a n d o a oposição e n t r e l i b i d o d o e g o e l i b i d o de objeto. N o q u e d i z respeito àv i d a a m o r o s a , esta ofer e c e inúmeros e x e m p l o s d e i n v e s t i m e n t o s libidinais f u n d a d o s n o narcisismo. F r e u d l e m b r a q u e a s p r i m e i r a s satisfações s e x u a i s d a c r i a n ça são v i v i d a s e m relação a o exercício d a s f u n ções v i t a i s e m q u e s e a p o i a m - s e r a l i m e n t a d a , receber c u i d a d o s , etc. - e q u e m a i s t a r d e esse apoio continua a serevelar n ofato d e que a s pessoas que a l i m e n t a r a m e c u i d a r a m d a criança s e t o r n a r a m s e u s p r i m e i r o s o b j e t o s s e x u a i s , c o m o a m ã e o u s e u s u b s t i t u t o . E l e propõe c h a m a r d e "escolha de objeto por apoio", o t i p o d e e s colha de objeto que, n o adulto, seapoia nas prim e i r a s e s c o l h a s d e o b j e t o d a infância. M a s o u t r o s indivíduos, c o m o o s p e r v e r s o s e o s h o m o s s e x u a i s , não e s c o l h e m s e u o b j e t o d e a m o r a p a r t i r o m o d e l o d e s u a m ã e , m a s d e s u a própria p e s s o a , q u e F r e u d c h a m a d e "escolha de objeto narcísica". M a s F r e u d l o g o r e l a t i v i z a s e u p e n s a m e n t o e d e c l a r a q u e a diferença e n t r e e s s e s d o i s t i p o s d e e s c o l h a d e o b j e t o n ã o é tão nítida c o m o d i s s e r a , p o i s "as duas vias que conduzem à escolha de objeto estão abertas para todo ser humano, de modo que uma ou outra pode ter a preferência" (p. 94). C o m o c o n s e q u ê n c i a , a c r e s c e n t a e l e , "o ser humano tem dois objetos sexuais originários: ele próprio e a mulher que cuida dele; nisso pressupomos o narcisismo primário de todo ser humano, narcisismo que eventualmente pode se expressar deforma dominante em sua escolha de objeto" ( p . 9 4 ) . E m s e g u i d a , F r e u d esboça u m rápido r e t r a to dos diversos tipos de escolha de objeto. O pleno a m o r de objeto, s e g u n d o o tipo de escolha de o b j e t o p o r a p o i o , é característico d o h o m e m . F r e u d p e r m a n e c e f i e l à s u a concepção s e g u n d o a qual oestado a m o r o s o constitui u m estado patológico, q u a n d o a f i r m a q u e a paixão a m o r o s a na qual oh o m e m superestima amulher amada c o n s t i t u i u m "complexo neurótico" q u e c a u s a "um empobrecimento do ego em libido em proveito do objeto" ( p . 9 4 ) . Q u a n t o a o t i p o d e e s c o l h a d e objeto n a m u l h e r , ele pensa q u e m u i t a s delas f u n d a m s u a s relações n o m o d e l o d a e s c o l h a d e o b j e t o narcísico. E l e reforça s u a t e s e a r g u m e n t a n d o q u e a formação d o s órgãos s e x u a i s n a p u b e r d a d e "provoca um aumento do narcisismo

originário", de m o d o que a m u l h e r g e r a l m e n t e exerce sobre o h o m e m u m encanto d e o r d e m narcísica: "Essas mulheres só amam, no sentido estrito do termo, a elas mesmas, quase tão intensamente quanto os homens as amam. Sua necessidade não as conduz a amar, mas a serem amadas..." ( p . 9 4 ) . C o n t u d o , ele s ed i z prestes a a d m i t i r q u e m u i tas delas a m a m s e g u n d o o t i p o m a s c u l i n o e des e n v o l v e m a superestimação s e x u a l própria d e s se t i p o d e e s c o l h a d e o b j e t o . O u t r a s m u l h e r e s narcísicas s e a f a s t a m d o s h o m e n s e p r o c u r a m u m a v i a i n d i r e t a q u e a sc o n d u z a a o p l e n o a m o r d e o b j e t o , q u e é o a m o r q u e s e n t e m p e l a criança que t r a z e m ao m u n d o . F r e u d e x a m i n a c o m perspicácia o s m o t i v o s p e l o s q u a i s a s p e r s o n a l i d a d e s narcísicas e x e r c e m u m a f o r t e atração s o b r e s e u m e i o e d e d u z q u e as p e s s o a s q u e s e d e i x a m f a s c i n a r p o r e l a s s ã o "aquelas que se despojaram inteiramente de seu próprio narcisismo e estão em busca do amor de objeto" ( p . 9 4 ) . E l e e n c e r r a e s s a p a r t e d o t r a b a l h o e v o c a n d o o n a r c i s i s m o primár i o d a criança, q u e s e d e i x a s e d u z i r f a c i l m e n t e pela atitude d o s pais: estes s u p e r e s t i m a m of i l h o , a t r i b u e m - l h e t o d a s a s perfeições e d e s e j a m u m a v i d a m e l h o r p a r a ele, c o n s i d e r a n d o - o c o m o "His Majesty the Baby" ( p . 9 6 ) .

Do narcisismo infantil à formação dos ideais no adulto F r e u d s ep e r g u n t a e m s e g u i d a o q u e acontece c o m o a m o r d e s m e s u r a d o p o r si m e s m a q u e c a r a c t e r i z a o n a r c i s i s m o p r i m á r i o d a criança q u a n d o , d e p o i s d e a d u l t a , se d e p a r a c o m as f r u s trações d o m u n d o e x t e r i o r . F r e u d j u l g a q u e o s e r h u m a n o não p o d e d i s p e n s a r o d e s e j o d e p e r feição narcísico d e s u a infância: e s t e n ã o d e s a p a r e c e , m a s é substituído p e l a constituição d e u m a instância intrapsíquica, q u e e l e c h a m a t a n t o d e "ego ideal" ("Idealich") c o m o d e "ideal do ego" ("Ichideal"), n o ç õ e s q u e irá e s c l a r e c e r n o s a n o s seguintes. E m outras palavras, aquilo que o a d u l to projeta diante dele c o m o seu ideal nada mais é q u e "o substituto do narcisismo perdido de sua infância; nessa época, ele era seu próprio ideal" ( p . 9 8 ) . M a s a formação d e u m i d e a l c o m q u e o i n d i v í d u o está s e m p r e m e d i n d o s e u s p e n s a m e n t o s e s u a s ações p r o d u z u m a u m e n t o d a s e x i gências e m relação a o e g o , e F r e u d p r e s u m e

Ler Freud q u e esse p a p e l é d e s e m p e n h a d o ciência

pela

"cons-

moral" q u e e l e i d e n t i f i c o u v á r i a s v e z e s

n a o r i g e m d a r e p r e s s ã o : "Não seria dente se encontrássemos particular

surpreen-

desse tipo que observa, conhece, critica

sas intenções"

( p . 1 0 0 ) . E s s a consciência

"uma nosmoral

psíquica

é f o r m a d a p r i m e i r a m e n t e p e l a influência d a

que cumprisse a tarefa de zelar para que

crítica d o s p a i s s o b r e a c r i a n ç a , e d e p o i s d o s

seja assegurada

uma instância

n o r m a l , p o i s e x i s t e n o espírito d e t o d o s força

149

a satisfação

narcísica

proveniente

do ideal do ego, e que, àpm essa intenção, permanentemente

observe

o ego e o meça com o ideal" ( p .

educadores, e estende-se

à sociedade

e m ge-

r a l . A "censura do sonho" q u e e l e h a v i a d e s c r i t o e m 1 9 0 0 é o u t r a d e s u a s f o r m a s . Além d e

9 9 ) . S e g u n d o e l e , e s s e t i p o d e exigência e m

seu aspecto

relação a o e g o é e n c o n t r a d o n ã o a p e n a s s o b

faceta s o c i a l q u eé o i d e a l c o m u m d e u m af a -

u m a

mília, d e u m a c l a s s e o u d e u m a nação, t e m a

forma

patológica, c o m o

n o delírio d e

observação, e m q u e o d o e n t e i m a g i n a q u e a s pessoas l e i a m seus p e n s a m e n t o s e v i g i e m ações, m a s também e m q u a l q u e r

suas

indivíduo

i n d i v i d u a l , esse i d e a l t e m u m a

q u e F r e u d desenvolverá l o g o d e p o i s a o e s t u d a r m a i s d ep e r t o o sm e c a n i s m o s e n v o l v i d o s n a psicose

coletiva.

PÓS-FREUDIANOS Os fenómenos transferenciais narcísicos revelam-se analisáveis D e s d e o final d o s a n o s d e 1920, a l g u n s psicanalistas m o s t r a r a m q u e o s pacientes q u e /Freud classificava entre o s "neuróticos narcísicos" a p r e s e n t a v a m indiscutivelmente f e n ó m e n o s transferenciais, a o contrário d o q u e p e n s a v a Freud. Esses analistas, entre o s quais R. M a c k - B r u n s w i c k , M. Klein, H. S. Sullivan e R F e d e r n , sustentaram a ideia d e q u e nesses pacientes a transferência negativa tendia a p r e d o m i n a r s o b r e a transferência positiva, m a s q u e m e s m o assim eles e r a m acessíveis à análise. A partir d e s s e s t r a b a l h o s d e s s e s pioneiros, tornou-se possível a a b o r d a g e m psicanalítica d e pacientes dentro d e u m a m p l o e s p e c t r o p s i c o p a t o l ó g i c o q u e até e n t ã o e r a m c o n s i d e r a d o s inaptos à análise d a transferência. A s s i m , d e s e n v o l v e u se n ã o a p e n a s a análise d e p s i c o s e s n a criança e n o adulto, c o m o t a m b é m a análise d e estados m a n í a c o d e p r e s s i v o s e d e perversões e a i n d a a análise d e novas a f e c ç õ e s q u e s e situam hoje entre as p a t o l o g i a s borderline, o s estados-limite e o s distúrbios narcísicos e d e p e r s o n a l i d a d e . De maneira geral, a b a n d o n o u se a distinção feita por Freud entre as n e u r o s e s narcísicas e as n e u r o s e s d e transferência, pois se o b s e r v a q u e o s pacientes c o n s i d e r a d o s a t é então c o m o p u r a m e n t e n e u r ó t i c o s n ã o estão isentos d e d i s t ú r b i o s n a r c í s i c o s e vice-versa. C o m isso, o p s i c a n a l i s t a s e v ê c o n s t a n t e m e n t e c o n f r o n t a d o c o m p a c i e n t e s " h e t e r o g é n e o s " (D. Q u i n o d o z , 2 0 0 1 , 2002), c u j a transferência se c o m p õ e a o m e s m o t e m p o d e e l e m e n t o s e v o l u í d o s d e o r d e m neurótica e d e e l e m e n t o s primitivos, s e n d o q u e estes últimos se c o m p õ e m d e e l e m e n t o s psicóticos, perversos o u narcísicos e m p r o p o r ç õ e s variáveis. O tratamento psicanalítico d o s distúrbios narcísicos: duas grandes tendências Duas

concepções

difefentes

dos distúrbios

narcísicos

Existe a t u a l m e n t e u m a g r a n d e d i v e r s i d a d e n a maneira c o m o s psicanalistas c o n c e b e m o narcisismo, seja d o p o n t o d e vista teórico o u t é c n i c o , e s u a a b o r d a g e m terapêutica varia e m c o n s e q u ê n c i a disso. N ã o m e foi possível expor d e t a l h a d a m e n t e t o d a s essas t e n d ê n c i a s q u e r e c o r r e m a t e r m i n o l o g i a s diferentes e a a b o r d a g e n s clínicas muito diversas. C o n t u d o , p o d e - s e considerar q u e existem d u a s g r a n d e s t e n d ê n c i a s t e r a p ê u t i c a s entre o s psicanalistas e m f u n ç ã o d a c o n c e p ç ã o d e narcisismo a q u e s e referem. D e u m lado, e n c o n t r a m - s e psicanalistas q u e s e g u e m Freud n a s u a c o n c e p ç ã o d o narcisismo primário e p e n s a m q u e existe n o início d a v i d a u m a fase e m q u e a criança a i n d a n ã o c o n h e c e o o b j e t o : trata-se para eles d e u m a fase n o r m a l d o d e s e n v o l v i m e n t o infantil. De outro lado, estão o s psicanalistas q u e c o n s i d e r a m q u e d e s d e o início d a v i d a s e estabelece u m a relação d e o b j e t o , e nisso s e g u e m M. Klein; para estes últimos, n ã o existe n a c r i a n ç a u m a fase narcísica primordial n o sentido e m q u e Freud entendia, m a s a p e n a s "fases narcísicas". Esses m o d e l o s diferentes d ã o lugar a a b o r d a g e n s técnicas diferentes n o t r a t a m e n t o p s i c a n a lítico d o s d i s t ú r b i o s narcísicos.

Continua

0

150

Jean-Michel

Quinodoz

PÓS-FREUDIANOS • Os defensores

Continuação

de uma fase sem objeto

no início

da

vida

Do p o n t o d e vista t é c n i c o , o s psicanalistas q u e c o n s i d e r a m o narcisismo primário - o u " a n o b j e t a l " - c o m o u m a fase n o r m a l d o d e s e n v o l v i m e n t o t e n d e m a ver os f e n ó m e n o s narcísicos q u e s u r g e m n a c u r a c o m o relativamente n o r m a i s , e por isso d ã o p o u c a a t e n ç ã o aos a s p e c t o s conflituosos d a t r a n s f e r ê n c i a narcísica e m suas interpretações, c o m o o b s e r v o u F. Palácio Espasa (2003). Entre estes, p o d e m o s situar A n n a Freud e M. Mahler, a s s i m c o m o Winnicott, Balint e Kohut. A d o t a n d o os p o n t o s d e vista d e seu pai, A n n a Freud (1965) considera q u e o r e c é m - n a s c i d o e a criança p e q u e n a c o n h e c e m n o início d a vida u m a fase narcísica indiferenciada e m q u e não existe objeto e c h a m a essa primeira fase d o p s i q u i s m o infantil d e "fase simbiótica". Posteriormente, ao l o n g o d e s e u desenvolvimento, o interesse d a criança se volta progressivamente para o objeto, e o processo d e d e s e n v o l v e por u m a sucessão d e fases. M. Mahler t e m u m a o u t r a c o n c e p ç ã o . Para ela, a relação d e o b j e t o desenvolve-se a partir d o narcisismo infantil s i m b i ó t i c o o u primário e evolui paralelamente à realização d o q u e c h a m a d e "processo de separação-individuação" ( M . Mahler. F. Pine e A. B e r g m a n , 1975). Ela introduz i g u a l m e n t e o c o n c e i t o d e "psicose s i m b i ó t i c a " a partir d e s u a s o b s e r v a ç õ e s s o b r e o p â n i c o d e crianças psicóticas e m f a c e d o s e n t i m e n t o d a p e r c e p ç ã o d e ser s e p a r a d a s ; ela se a p o i a nesse c o n c e i t o para postular a existência d e u m a "fase simbiótica normal" n o d e s e n v o l v i m e n t o psíquico d e t o d a criança. As ideias d e Mahler f o r a m r e t o m a d a s p e l o s psicanalistas l i g a d o s à c o r r e n t e d a Ego Psychologie e aplicadas n o t r a t a m e n t o psicanalítico d e c r i a n ç a s e adultos. Por sua vez, D. W. Winnicott (1955-1956) adere igualmente à ideia d e q u e a identificação primária reina no início d a vida, e a criança acredita q u e f o r m a u m a unidade c o m sua m ã e e q u e sua m ã e f o r m a u m a unidade c o m ela, m a s ele raramente utiliza a expressão "narcisismo primário". Nessa fase, o b e b é t e m a ilusão d e que criou seu objeto, e a f u n ç ã o d a m ã e é manter essa ilusão até q u e a criança seja capaz d e renunciar a ela. Em caso d e e v o l u ç ã o desfavorável, observam-se distúrbios d o "desenvolvimento emocional primitivo". Assim, nesses pacientes, a m e t a d a cura psicanalítica consiste e m permitir q u e regressem a u m a fase d e d e p e n d ê n cia infantil p r e c o c e , e m q u e analisando e setting se f u n d e m e m u m narcisismo primário a partir d o qual o "verdadeiro s e / f p o d e r á se desenvolver. Q u a n t o a M. Balint (1952), a necessidade d e c o n t a t o corporal manifestada por certos analisandos c o r r e s p o n d e à necessidade d e u m retorno ao "amor objetal primário", que para ele é o equivalente a u m retorno ao narcisismo primário: o processo psicanalítico permite o retorno a essa situação d e maneira a "regressar para progredir". Entre o s partidários d e s s a fase narcísica anobjetal, eu m e n c i o n a r i a a i n d a as p o s i ç õ e s a d o t a d a s por B. G r u n b e r g e r e H. Kohut. G r u n b e r g e r (1971) c o n s i d e r a q u e o narcisismo é u m a v e r d a d e i r a instância psíquica, e faz d a " r e l a ç ã o analítica narcísica" u m m o t o r essencial d a cura. J á Kohut (1971) a d o t o u u m a a b o r d a g e m original d o t r a t a m e n t o psicanalítico d o s distúrbios narcísicos, d i s t i n g u i n d o d u a s f a s e s na cura d e pacientes q u e a p r e s e n t a m u m a transferência idealizante: u m a fase inicial d e r e g r e s s ã o a o n a r c i s i s m o primitivo, s e g u i d a d e u m a fase d e e l a b o r a ç ã o o u d e working through d e s s e t i p o d e t r a n s f e r ê n c i a q u a n d o o equilíbrio inicial c o m e ç a a se romper. O s defensores

de uma percepção

do objeto

desde

o início

da

vida

Por sua vez, os psicanalistas q u e sustentam que o e g o d o recém-nascido percebe imediatamente o objeto consideram os f e n ó m e n o s narcísicos c o m o a expressão de pulsões libidinais e agressivas, e d e defesas que são erigidas no m o m e n t o e m q u e o objeto é percebido c o m o separado e diferente d e si. Consequentemente, os psicanalistas q u e pertencem a esse s e g u n d o g r u p o t e n d e m a considerar q u e os f e n ó m e n o s narcísicos p o d e m ser interpretados d e maneira detalhada no hic et nunc d a relação transferencial, e atribuem u m a importância particular à interpretação das angústias de diferenciação e de separação q u e surgem na relação c o m o analista (J.-M. Quinodoz, 1991). Entre os principais defensores dessa tendência, m e n c i o n a m o s M. Klein e os psicanalistas pós-kleinianos H. Rosenfeld e H. Segal, cujos trabalhos foram seguidos e m parte por A. Green e O. Kernberg. Para M. Klein não existe u m a fase d e narcisismo primário, e o recém-nascido t e m u m a percepção imediata d o objeto d e s d e o nascimento, p o n t o q u e constitui, s e m dúvida, s u a divergência mais acentuada e m relação a Freud. C o n t u d o , a n o ç ã o d e narcisismo está presente nela, m a s só aparece e m 1946 c o m a n o ç ã o d e identificação projetiva, depois c o m a d e c i ú m e (1957): essas n o ç õ e s permitiram esclarecer d e u m a maneira inovaContinua

0

Ler Freud

0

151

Continuação

d o r a o papel d e s e m p e n h a d o pelo narcisismo c o m o defesa contra a p e r c e p ç ã o de objeto separado e diferente. Esse p o n t o d e vista levou os analistas kleinianos a falar d e "estados" narcísicos, e não de "fase" narcísica,. É c o m base nessas c o n c e p ç õ e s q u e H. Rosenfeld, H. Segal e W. Bion (1957,1967) e m p r e e n d e r a m d e s d e o final d o s anos de 1940 os primeiros tratamentos psicanalíticos d e pacientes psicóticos m a n t e n d o u m e n q u a d r e estritamente psicanalítico. E m seguida, seus trabalhos clínicos permitiram o desenvolvimento d e u m a a b o r d a g e m especificamente kleiniana d o tratamento psicanalítico d a d i m e n s ã o narcísica d a transferência. Creio q u e é importante examinar brevemente a contribuição fundamental d e H. Rosenfeld, q u e teve u m a g r a n d e influência sobre as possibilidades d e analisar a transferência narcísica. Rosenfeld estima q u e o s f e n ó m e n o s descritos por Freud c o m o experiências d e narcisismo primário, anteriores à percepção d o objeto, deveriam ser consideradas c o m o autênticas relações d e objeto d e tipo primitivo. S e g u n d o ele, o narcisismo se baseia na onipotência e na idealização d o self obtidas por meio d a identificação introjetiva e projetiva c o m o objeto idealizado. Essa identificação c o m o objeto idealizado levou a negar a diferença e a fronteira entre o eu e o objeto. Por isso, diz ele, "nas relações de objeto narcísicas, as defesas contra qualquer reconhecimento da separação entre oeueo objeto desempenham um papel determinante" (1964, p. 221). Rosenfeld atribui igualmente u m papel essencial à inveja nos f e n ó m e n o s narcísicos. Prosseguindo suas pesquisas à luz d o conflito entre pulsão d e vida e pulsão d e morte, ele introduziu e m 1971 u m a distinção entre o narcisismo libidinal e o narcisismo destrutivo. Ele revela q u e , q u a n d o a posição narcísica e m relação ao objeto é a b a n d o nada, o ó d i o e o desprezo e m relação a este se t o r n a m inevitáveis, pois o paciente se sente h u m i l h a d o a o perceber q u e o objeto externo possui qualidades. Q u a n d o se c o n s e g u e analisar o rancor, observa-se q u e o paciente supera sua transferência hostil: " O paciente toma consciência de que o analista é uma pessoa do mundo exterior preciosa para ele" (1971, p. 213). Mas q u a n d o os aspectos destrutivos p r e d o m i n a m , a inveja se apresenta c o m o o desejo d e destruir o progresso d a análise e d e atacar o analista, porque ele representa o o b j e t o q u e é a verdadeira fonte d o q u e é vivo e b o m . S e g u n d o Rosenfeld, qualquer q u e seja a força d a s pulsões destrutivas, é essencial e m clínica encontrar u m acesso à parte libidinal dependente, d e maneira a atenuar a influência d o ó d i o e d a inveja e, assim, permitir ao paciente estabelecer boas relações d e objeto. Pode-se chegar a isso graças à análise detalhada d o vaivém incessante entre posições narcísicas, e m q u e o o b j e t o é n e g a d o , e posições relacionais objetais, e m q u e o objeto é r e c o n h e c i d o . O s p o n t o s d e vista d e H. Segal (1986) são p r ó x i m o s a o s d e H. Rosenfeld, e ela considera q u e o c o n c e i t o d e p u l s ã o d e vida e pulsão d e m o r t e p o d e ajudar a resolver o p r o b l e m a d a hipótese freudiana d o n a r c i s i s m o primário. Para ela, o n a r c i s i s m o p o d e assumir a f o r m a d e idealização d a m o r t e e de u m ó d i o d a v i d a e m a l g u n s pacientes, c o m o risco d e p r o v o c a r neles o d e s e j o d e aniquilar n ã o a p e n a s o objeto, m a s t a m b é m o p r ó p r i o self, desejo q u e s u r g e c o m o u m a d e f e s a c o n t r a a p e r c e p ç ã o d o o b j e t o . C o m o e m e r g i r d o n a r c i s i s m o ? , pergunta-se H. Segal. A seu ver, n ã o se c o n s e g u e emergir dessas estruturas narcísicas e estabelecer relações d e o b j e t o estáveis , n ã o narcísicas, a n ã o ser " n e g o c i a n d o " a posição depressiva. A. G r e e n retomou à sua maneira ideias desenvolvidas por Rosenfeld, e m particular na o b r a q u e intitula Narcisismo de vida e narcisismo de morte (1983). E m seus trabalhos, Green mostra o efeito d e d e s l i g a m e n t o q u e p r o d u z a pulsão d e morte e m todas as f o r m a s d e ligação c o m o objeto, efeito q u e c h a m a d e "função desobjetalizante" d a pulsão d e morte (Green, 1986). Ele mostra ainda q u e , na psicose, a pulsão d e morte p o d e ser a causa d a extinção d a atividade projetiva e d o desinvestimento na origem d o "branco" d e pensam e n t o . Encerremos este breve a p a n h a d o m e n c i o n a n d o a posição d e O. Kernberg (1975) q u e e m s u a a b o r d a g e m teórica d o narcisismo tenta integrar as ideias d e Freud, e t a m b é m as d o s defensores d e relações d e objeto, c o m o Klein e Bion. Kernberg vê no narcisismo patológico u m a estrutura específica q u e se fixou na infância, e considera q u e os distúrbios narcísicos d e personalidade t ê m semelhanças c o m os distúrbios d e personalidade borderline, mas variam e m s u a gravidade. Para ele, as personalidades narcísicas apresentam u m self g r a n d i o s o mais coerente q u e o das personalidades borderline, mas esse self é patológico e oculta u m a difusão d o sentimento d e identidade.

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS Escolha de objeto por ap oio - escolha de objeto narcísico - ideal d o e g o - narcisismo - narcisismo primário narcisismo secundário - ístase d a libido

ARTIGOS

SOBRE

METAPSICOLOGIA S. FREUD (1915-1917)

"PULSÕES E DESTINOS DAS PULSÕES" "REPRESSÃO" "O INCONSCIENTE" ENTO METAPSICOLÓGICO À TEORIA DOS SONHOS"

(1915c) (1915d) (1915e) (1917d)

"VISÃO DE C( INJUNTO DAS NEUROSES DE TRANSFERENCIA" (1985a, [1915])

LIÇÕES DE INTRODUÇÃO A PSICANÁLISE S. FREUD (1916-1917 [1915-1916])

Jm Ponto de Chegada e um Ponto de Partida O q u e é a "metapsicologia"? É u mtermo i n v e n t a d o p o rF r e u d para designar u m ateoria d o f u n c i o n a m e n t o psíquico b a s e a d a e m u m a e x periência psicanalítica d e m a i s d e 3 0 a n o s a n t e s . S e g u n d o s e u s próprios t e r m o s , a m e t a p s i c o l o g i a é p a r a a observação d e f a t o s psicológicos o m e s m o q u e a metafísica é p a r a a o b s e r v a ç ã o d e f a t o s d o m u n d o físico. F r e u d p a s s a a s s i m d e u m nível clínico d e s c r i t i v o p a r a u m nível d e a b s tração teórica e p r o p õ e m o d e l o s d e f u n c i o n a m e n t o d o p s i q u i s m o h u m a n o suscetíveis d e t e r u m alcance geral. Vejamos, p o r exemplo, a noção d e ''pulsão". F r e u d i n t r o d u z o t e r m o "pulsão" p a r a d e s c r e v e r o s i m p u l s o s q u e c o n d u z e m o ser h u m a n o a sea l i m e n t a r e a procriar e c h a m a o s p r i m e i r o s d e "pulsões d e a u t o c o n servação", e o s s e g u n d o s d e "pulsões s e x u a i s " . D a d o q u e a pulsão é u m a noção a b s t r a t a , n u n c a e n c o n t r a m o s u m a pulsão c o m o t a l , m a s a p e r c e b e m o s i n d i r e t a m e n t e através d o s e f e i t o s q u e e l a p r o d u z o ud a q u i l o q u e a r e p r e s e n t a : a s s i m u m a pulsão s e x u a l p o d e s e m a n i f e s t a r d e m a n e i r a v a r i a d a através d a s e m o ç õ e s n a s c i d a s d e u m d e s e j o erótico e m relação a u m a p e s s o a , através d a s p a l a v r a s p a r a e x p r e s s a r e s s e d e s e j o , o u f i g u r a r n o cenário d e u m s o n h o . E m Arti-

gos sobre metapsicologia, F r e u d s e e x p r i m e e s s e n cialmente e m t e r m o s gerais e abstratos, o q u e e m g e r a l t o r n a a c o m p r e e n s ã o d e s s e t e x t o difícil p a r a o sleitores p o u c o f a m i l i a r i z a d o s c o m a experiência clínica. A s s i m , q u a n d o o a c o m p a n h a m o s e m s u a trajetória, j a m a i s p e r d e m o s d e v i s t a q u e a ligação e n t r e t e o r i a e clínica é u m a c o n s t a n t e n o espírito d e F r e u d . D o p o n t o d e v i s t a d a evolução d o p e n s a m e n t o f r e u d i a n o , Artigos sobre metapsicologia é antes d et u d o o r e s u l t a d o d e u m a lenta e v o l u ç ã o q u e o c o n d u z i u a p r o p o r u m m o d e l o sintét i c o d o f u n c i o n a m e n t o psíquico n o r m a l e p a tológico, c o n h e c i d o p e l o n o m e d e " p r i m e i r o t ó p i c o " f r e u d i a n o - f u n d a d o n a distinção e n t r e i n c o n s c i e n t e , pré-consciente e c o n s c i e n t e - e d e " p r i m e i r a t e o r i a d a s pulsões" - f u n d a d a n o princípio d e p r a z e r - d e s p r a z e r . P o r é m , a metapsicologia é a o m e s m o t e m p o o p o n t o d e p a r t i d a d e n o v a s p e r s p e c t i v a s q u e vão i m p l i c a r a c o n s i d e r a ç ã o d e relações d e o b j e t o , d e i d e n t i f i cações, d e a f e t o s d e a m o r e d e ódio, e d o s e n t i m e n t o d ec u l p a inconsciente. Essas n o v a s pistas c u l m i n a m a l g u n s anos m a i s t a r d e e m u m " s e g u n d o tópico" f r e u d i a n o e e m u m a " s e g u n d a t e o r i a d a s pulsões".

i

154

£

Jean-Michel

Quinodoz

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA

Anos difíceis; p o r é m , produtivos Os a n o s d e g u e r r a

(1914-1918)

Durante o s a n o s d a Primeira Guerra Mundial e d o imediato pós-guerra, Freud atravessou u m período difícil, p o r é m f e c u n d o n o plano científico. Q u a n d o d a declaração d a s hostilidades, e m j u l h o d e 1914, A n n a ficou m o m e n t a n e a m e n t e b l o q u e a d a n a Inglaterra, m a s ela t a m b é m c o n s e g u i u voltar a Viena graças à ajuda d e E. Jones. A família Freud ficou muito p r e o c u p a d a c o m a sorte d e seus dois filhos mobilizados, Martin n a Rússia e Ernst n a Itália. E m n o v e m b r o d e 1915, Freud ficou muito a b a l a d o c o m o falecimento a o s 81 a n o s d e seu meio-irmão E m m a n u e l , n a m e s m a idade q u e seu pai. N o a n o seguinte, e m 1916, foi a vez d e Oliver ser alistado n o exército. E m razão d a s dificuldades decorrentes d a guerra, o s pacientes e m tratamento rarearam, o correio tornou-se irregular e as visitas eram excepcionais; a sobrevivência d o s periódicos psicanalíticos estava a m e a ç a d a , e Freud teve d e assumi-las. C o n t u d o , ele prosseguiu u m a c o r r e s p o n d ê n c i a intensa c o m K. A b r a h a m , e m particular a propósito d a melancolia, e t a m b é m c o m Ferenczi e Lou A n d r e a s - S a l o m é . U m balanço

às vésperas

dos 6 0 a n o s

Em 1915, Freud c o m e ç o u a redigir o s 12 ensaios teóricos q u e constituem Artigos sobre metapsicologia, como se fosse estabelecer u m balanço d e s u a obra. Sentindo a proximidade d o s 6 0 anos, ele acreditava q u e lhe restavam p o u c o s a n o s d e vida. A guerra e as desgraças q u e ela provocou s ó vieram reforçar suas preocupações c o m relação à morte. Freud pensava e m publicar esses ensaios após o final d a s hostilidades e m u m a obra intitulada Zur Vorbereitung einer Metapsychologie (Preliminar a uma metapsicologia). Provisoriamente, publicou e m separado o s três primeiros textos e m 1915 - "Pulsões e destino das pulsões", "Repressão" e " O inconsciente" - e e m 1917 publicou o s dois seguintes - " C o m p l e m e n t o metapsicológico à teoria d o s s o n h o s " e "Luto e melancolia". De a c o r d o c o m s u a correspondência, ele havia redigido os sete artigos restantes m a s desistiu d e publicá-los, d e m o d o q u e a o b r a q u e projetou jamais veio à luz. Contudo, e m 1983 foi encontrada nos papéis deixados por S. Ferenczi u m a cópia d o 1 2 texto inédito, intitulado "Visão d e conjunto d a s neuroses d e transferência", a c o m p a n h a d o d a carta d e Freud s u b m e t e n d o seu texto à apreciação d e Ferenczi (I. Gubrich-Simitis, 1985). O s outros textos certamente foram destruídos por Freud. e

DESCOBERTA DAS OBRAS •

" P U L S Õ E S E D E S T I N O S D A S P U L S Õ E S " (1915c) As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1915c), "Pulsions et d e s t i n s d e s pulsions", trad. J . L a p l a n c h e e J.-B. Pontalis, in Metapsychologie, Paris, Gallimard "Folio", 1968 , p. 11-43 [as páginas indicadas entre colchetes remetem às OCF.R XIII, p. 161-185].

Características gerais das pulsões Antes

c o m p a r á v e l a u m a "necessidade"

traduzido p o r"instinto", o

" p u l s ã o " é a tradução a t u a l e m língua s a d o t e r m o a l e m ã o Trieb, t e r m o q u e

termo france-

Stranchey

t r a d u z i u e m inglês p o r " i n s t i n t o " n a S t a n d a r d Edition. Retomando

seus pontos

d evista ex-

p o s t o s e m Três ensaios sobre a teoria da

sexuali-

dade ( 1 9 0 5 a ) , F r e u d d e f i n e a p u l s ã o c o m o u m i m p u l s o d i n â m i c o q u e t e m u m a fonte, uma nalidade

e u m objeto e d e s c r e v e s u a s

ções. A pulsão a g e c o m o u m a força

fi-

implicaconstante,

ser s u p r i m i d a a não s e r p e l a corresponde à finalidade modelos

d oq u e e n t e n d e

q u e não p o d e "satisfação"

q u e

d a pulsão. E l e vê

p o r "pulsão" n an e -

c e s s i d a d e d es ea l i m e n t a r e n a b u s c a d e satisfação s e x u a l q u e h a b i t a m t o d o indivíduo. S e a finalidade

d a pulsão é s e m p r e a d e o b t e r

a

s a t i s f a ç ã o , o objeto d a p u l s ã o - i s t o é , a q u i l o e m q u e o u p e l o q u e a pulsão p o d e a t i n g i r s u a f i n a l i d a d e - é d o s m a i s variáveis: p o d e s e r u m objeto mas

e x t e r i o r , i s t o é, u m a p e s s o a d o m e i o ,

p o d e s e r também u m a p a r t e d o próprio

Ler Freud corpo. D e m a n e i r a geral, constata-se q u e esse o b j e t o é c o n t i n g e n t e , o u s e j a , não é único, m a s s u b s t i t u í v e l : "Ele [ o o b j e t o d a p u l s ã o ] pode ser substituído à vontade ao longo dos destinos que conhece a pulsão" ( p . 1 9 [168]). Finalmente, c o m o "fonte" d o i m p u l s o p u l s i o n a l "entendese o processo somático que é localizado em um organismo ou em uma parte do corpo e cuja excitação é representada na vida psíquica pela pulsão" ( p . 1 9 [168]). E m s u m a , n ã o p o d e m o s c o n h e c e r a f o n t e d a pulsão a não s e r d e m a n e i r a i n d i r e t a : "A pulsão, só podemos òonhecer, na vida psíquica, por suas finalidades" ( p . 1 9 - 2 0 [168]). C a b e ao sistema nervoso atarefa de d o m i n a r a s excitações p u l s i o n a i s , i s t o é, "afunção de descartar as excitações sempre que elas o atingem, de conduzi-las ao nível mais baixo possível" ( p . 1 6 [166]). N o q u e d i z r e s p e i t o à regulação d o f u n c i o n a m e n t o d o a p a r e l h o psíquico, F r e u d a f i r m a n e s s e período d e s u a o b r a q u e e l e é s u b m e t i d o a o princípio do prazer e m o d u l a d o a u t o m a t i c a m e n t e p e l a s sensações d a série p r a z e r - d e s p r a z e r : "a sensação de desprazer está relacionada a um crescimento da excitação, e a sensação de prazer com uma diminuição desta" ( p . 1 7 [167]). A p a r t i r d e s s a s p r e m i s s a s , F r e u d r e d e f i n i u o c o n c e i t o d e pulsão como"um conceito limite entre o psíquico e o somático, como o representante psíquico das excitações, oriundas do interior do corpo e que chegam ao psiquismo, como uma medida da exigência de trabalho que é imposto ao psíquico em consequência de sua ligação com o corporal" ( p . 1 7 - 1 8 [167]).

A s p u l s õ e s de a u t o c p n s e r v a ç ã o e as p u l s õ e s sexuais I E x i s t e m vários t i p o s d e pulsões, m a s F r e u d o s r e d u z a d o i s g r u p o s originários: o g r u p o d a s pulsões do ego o u pulsões de autoconservação - cujo m o d e l o é a f o m e e a f u n ç ã o d e alimentação - e o g r u p o d a s pulsões sexuais. Ao l o n g o d o d e s e n v o l v i m e n t o , a s pulsões s e x u a i s s e a p o i a m n a s pulsões d e autoconservação, q u e l h e f o r n e c e m u m a f o n t e orgânica, u m a direção e u m o b j e t o ; e l a s só s e t o r n a m autónomas q u a n d o o o b j e t o exterior é abandonado. Por exemplo, n o prazer s e n t i d o n a s u c ç ã o d o s e i o , a satisfação d a z o n a e r ó g e n a - a b o c a - é u m p r a z e r erótico l i g a d o à

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n e c e s s i d a d e d e a l i m e n t o , e só m a i s t a r d e o p r a z e r s e x u a l l i g a d o à sucção s e s e p a r a d e l a . F r e u d vê i g u a l m e n t e n a oposição e n t r e pulsões d e a u t o c o n s e r v a ç ã o e pulsões s e x u a i s a o r i g e m d o c o n f l i t o n a s n e u r o s e s d e transferência, c o m o t i n h a m o s t r a d o antes: s e g u n d o ele, o c o n f l i t o res u l t a d o f a t o d e q u e a s pulsões s e x u a i s q u e p o d e m ser satisfeitas e m f o r m a d e fantasia e obed e c e r a o princípio d e p r a z e r s e c h o c a m c o m o princípio d e r e a l i d a d e r e p r e s e n t a d o pelas p u l s õ e s d e autoconservação, q u e só p o d e m s e r s a t i s f e i t a s através d e u m o b j e t o r e a l : "Uma parte essencial da predisposição psíquica à neurose reside portanto no fato de que, na via que conduz a levar em conta a realidade, a educação da pulsão sexual sofre um atraso (...)" ( F r e u d , 1 9 1 1 b , p . 1 4 0 [18]). P o s t e r i o r m e n t e , F r e u d dará m e n o s i m p o r t â n c i a à distinção e n t r e e s s e s d o i s t i p o s d e p u l s õ e s e a oc o n f l i t o q u e r e s u l t a d i s s o n a n e u r o s e .

A síntese progressiva das p u l s õ e s U m a característica g e r a l d a s pulsões s e x u a i s , p r o s s e g u e F r e u d , é q u e e l a s são n u m e r o s a s , p r o v ê m d e f o n t e s somáticas múltiplas e p a r c i a i s , e v ã o s e u n i f i c a n d o p r o g r e s s i v a m e n t e até a m a t u r i d a d e s e x u a l : "Primeiro elas se manifestam independentemente umas das outras e só mais tarde se reúnem em uma síntese mais ou menos completa. A finalidade perseguida por cada uma delas é a obtenção do prazer de órgão; só depois de realizada a síntese é que elas se colocam a serviço da função de reprodução, e é assim que elas geralmente se revelam como pulsões sexuais" ( p . 2 3 - 2 4 [171]).

Quais s ã o o s destinos d a s p u l s õ e s s e x u a i s ? F r e u d esclarece, antes d et u d o , q u e entend e p o r "destinos" o s d i v e r s o s m o d o s d e d e f e s a q u e são e r i g i d o s c o n t r a a s pulsões a f i m d e i m p e d i r s u a ação. A s pulsões s e x u a i s , s e g u n d o e l e , s o f r e m o s s e g u i n t e s d e s t i n o s : a transformação n o contrário, o r e t o r n o à p r ó p r i a p e s s o a , a r e pressão e a sublimação. A transformação n o contrário e o r e t o r n o à p r ó p r i a p e s s o a s ã o p r o c e s s o s d i s t i n t o s , m a s é i m p o s s í v e l descrevê-los s e p a r a d a m e n t e , explica ele. O p r i m e i r o d e s t i n o d i z r e s p e i t o à f i n a l i d a d e d a pulsão, q u e p o d e

156 J e a n - M i c h e l

Quinodoz

s e t r a n s f o r m a r e m s e u contrário, o s e g u n d o d e s t i n o d i z r e s p e i t o a o objeto, q u e p o d e ser u m a p e s s o a i n d e p e n d e n t e o u a própria p e s s o a . A s sim, sec o n s i d e r a m o s o r e t o r n o d o s a d i s m o e m masoquismo, observa-se que o m a s o q u i s m o implica u m a passagem da atividade à passivid a d e e u m a inversão d e papéis e n t r e q u e m i n flige o s o f r i m e n t o e q u e m sofre. D a m a n e i r a c o m o c o n c e b e s u a génese, e m 1 9 1 5 , F r e u d a c r e dita que o sadismo é anterior a o m a s o q u i s m o n o c u r s o d o d e s e n v o l v i m e n t o e q u e não e x i s t e u m m a s o q u i s m o originário, c o m o postulará e m 1 9 2 4 ( 1 9 1 5 c , n . 1 , p . 2 6 [172]). N e s s e t e x t o , e l e d e s i g n a o s a d i s m o c o m o u m a agressão e m r e lação a o u t r o n o q u a l n ã o e x i s t i r i a p r a z e r s e x u a l , e é s o m e n t e n o m o m e n t o masoquista que o sof r i m e n t o é a c o m p a n h a d o d e excitação s e x u a l ; e s e o sádico e x p e r i m e n t a u m p r a z e r s e x u a l e m c a u s a r d o r , é p o r identificação c o m o o b j e t o q u e s o f r e : "Então, provocando essas dores em outros, a própria pessoa sente prazer deforma masoquista na identificação com o objeto que sofre. Naturalmente, a c r e s c e n t a e l e , nos dois casos sente-se prazer, não pela dor em si, mas pela excitação sexual que a acompanha, o que é particularmente cómodo na posição do sádico" ( p . 2 8 [174]). F r e u d e x a m i n a i g u a l m e n t e a s transformações análogas q u e s o f r e o voyeurismo-exibicionismo.

O amor e o ódio: quais as relações com as pulsões? F r e u d a b o r d a a questão d o a m o r e d o ódio através d a a m b i v a l ê n c i a . P o u c o a p o u c o , e l e pôde o b s e r v a r q u e e s s e a f e t o c o m p l e x o d e s e m penha u m papel determinante nos conflitos psíquicos d e s s e s p a c i e n t e s : "Amor e ódio quase sempre se dirigem simultaneamente ao mesmo objeto, e essa coexistência fornece também o exemplo mais importante de uma ambivalência do sentimento" ( p . 3 3 [178]). M a s l o g o l e v a n t a u m a objeção e s s e n c i a l : v i s t o q u e o a m o r e o ó d i o s ã o sentimentos e n ã o pulsões, q u a l é e n t ã o s e u e s t a t u t o e m r e l a ção a e s t e s últimos? Q u a i s são t a m b é m o s p r o cesso que p r e s i d e m o d e s e n v o l v i m e n t o d o a m o r e d o ódio? C o m o a s f o r m a s p r i m i t i v a s d o a m o r c h e g a m a o a m o r c o m o e x p r e s s ã o "da tendência sexual total" ( p . 3 4 [178])? E s s a s p e r g u n t a s l e v a m F r e u d a e s c r e v e r a l g u m a s pági-

nas que considero particularmente inspiradas, e d a s q u a i s não s e p o d e r i a e x t r a i r u m a f r a s e s e m quebrar seu encantamento. C o n t u d o , apresentarei suas linhas gerais.

O amor e o ódio no início da vida Se e x a m i n a m o s o sd e s t i n o s d oa m o r ed o ó d i o , p o d e m o s d e s t a c a r três p o l a r i d a d e s q u e d o m i n a m n a v i d a psíquica, s e g u n d o F r e u d : 1 . a polaridade ego-não ego ( o u polaridade sujeitoobjeto) c o n f o r m e a s e x c i t a ç õ e s q u e a t i n g e m o ego t e n h a m u m a origem externa o uinterna; 2 . a polaridade prazer-desprazer conforme a q u a l i d a d e d a s e n s a ç ã o ; 3 . a polaridade ativopassivo, q u e é s u b j a c e n t e à o p o s i ç ã o m a s c u l i n o - f e m i n i n o , s e g u n d o F r e u d . C o m o e s s a s três p o l a r i d a d e s s e o r g a n i z a m n o início d a v i d a psíquica d a criança? N a o r i g e m , o e g o é i n v e s t i d o p e l a s pulsões e e l e próprio s a t i s f a z e m p a r t e s u a s pulsões, o q u e c o n s t i t u i u m e s t a d o narcísico originário e m q u e o e g o não t e m n e c e s s i d a d e d o m u n d o e x t e r i o r p o r q u e e l e é auto-erótico: "Nessa época, o ego-sujeito coincide com o que é prazeroso, o mundo exterior com o que é indiferente (eventualmente com aquilo que, como fonte de excitação, é desprazeroso)" ( p . 3 6 [180]). D e p o i s , q u a n d o o e g o n ã o c o n s e g u e e v i t a r s e n t i r excitações e x t e r n a s d e s p r a z e r o s a s - c o m o a f o m e e a necessidade d e ser a l i m e n t a d o p o r u m a intervenção e x t e r n a - e l e é o b r i g a d o a a b a n d o n a r s e u a u t o - e r o t i s m o e i r a oe n c o n t r o d o s objetos. O i m p a c t o q u e os objetos d o m u n d o ext e r i o r p r o d u z e m n o e g o l e v a então au m r e a r r a n j o f u n d a m e n t a l e m função d a p o l a r i d a d e p r a z e r - d e s p r a z e r : "Ele (o ego) acolhe em si, na medida em que são fontes de prazer, os objetos que se apresentam, introjeta-os (segundo a expressão de Ferenczi) e, ao mesmo tempo, expulsa para fora de si aquilo que, em seu interior, provoca o desprazer" ( p . 3 7 [180]).

Uma divisão primordial a partir do "ego de prazer" purificado C o n s e q u e n t e m e n t e , o p e r a - s e u m a divisão p r i m o r d i a l d oe g o , q u e não é m a i s u m a s i m p l e s divisão e n t r e i n t e r i o r ( e g o - s u j e i t o ) e o e x -

Ler Freud

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terior (indiferente o u desprazeroso), mas ent r e u m "ego de prazer" q u e i n c l u i o s o b j e t o s q u e t r a z e m a satisfação e u m mundo externo q u e s e t o r n a u m a f o n t e d e desprazer, p o r ser perceb i d o c o m o e s t r a n h o : " O ego-realidade do início, que distinguiu interior e exterior com a ajuda de um bom critério objetivo, transforma-se assim em um ego de prazer purificado que situa o caráter de prazer acima de qualquer outro. O mundo externo se decompõe para o ego em uma parte 'prazer', que ele incorporou, e um resto que lhe é estranho" ( p . 3 7 [180-181]% E m o u t r a s p a l a v r a s , a intervenção d o o b j e t o n a f a s e d o n a r c i s i s m o p r i m á r i o i n s t a l a e n t ã o o "odiar" q u e s e o p õ e a "amar": "O exterior, o objeto, o odiado seriam idênticos no início. Quando mais tarde o objeto se revela como uma fonte de prazer, ele é amado, mas também incorporado ao ego, de modo que, para o ego de prazer purificado, o objeto coincide de novo com o estranho e o odiado" ( p . 3 8 [181]).

N o q u e s e refere a oe m p r e g o d a p a l a v r a "ódio", e l a n ã o t e m u m a relação t ã o í n t i m a c o m o prazer sexual quanto o amor, e apenas a relação c o m o d e s p r a z e r p a r e c e d e t e r m i n a n t e : "O ego odeia, detesta, persegue com a intenção de destruir todos os objetos que são para elefantes de desprazer, que significam uma frustração da satisfação sexual ou da satisfação das necessidades de conservação" ( p . 4 0 [183]). S e g u n d o F r e u d , a o r i g e m d o ódio d e v e r i a s e r b u s c a d a n a l u t a d o e g o p e l a a u t o c o n s e r v a ç ã o , i s t o é, n o ó d i o s e n t i d o e m relação a o o b j e t o q u e não s a t i s f a z a s pulsões d e autoconservação, m a i s d o q u e n a v i d a s e x u a l . Lá, n o nível d a autoconservação, se e n c o n t r a r i a , s e g u n d o F r e u d , a o r i g e m d o c o n f l i t o d e ambivalência, p a r t i c u l a r m e n t e m a nifesta nas neuroses.

O amor, expressão d l tendência sexual total

N a o r i g e m , d i z F r e u d , o e g o é c a p a z d e sat i s f a z e r e m p a r t e s u a s p u l s õ e s auto-eróticos, e , p o r t a n t o , o a m o r é narcísico. D e p o i s , o e g o s e d i r i g e p a r a o s o b j e t o s : "Na origem, o amor é narcísico, pois ele se estende aos objetos que foram incorporados ao ego ampliado, e expressa a tendência motriz do ego a esses objetos na medida em que eles são fontes de prazer" ( p . 4 1 [183]). F r e u d d e s creve e mseguida a s fases p r e l i m i n a r e s d o a m o r , começando p e l a p r i m e i r a f i n a l i d a d e , q u e é incorporar o u devorar, f a s e a m b i v a l e n t e p o r excelência e m q u e o indivíduo n ã o s a b e s e d e s trói o o b j e t o p o r a m o r o u p o r ódio; d e p o i s , v e m a f a s e pré-genital sádica a n a l e , f i n a l m e n t e , a f a s e a n a l : "Foi só com a organização genital que o amor se tornou o oposto do ódio" ( p . 4 2 [184]). E l e c o n c l u i q u e o ódio é d e f i n i t i v a m e n t e m a i s a n tigo que o a m o r e que o a m o r aparece depois, q u a n d o o e g o s et o r n a u m e g o t o t a l .

Q u a n d o o objeto é fonte de prazer, dizemos e n t ã o q u e "amamos" o o b j e t o , e q u a n d o e l e é f o n t e d e p r a z e r n ó s o "odiamos". M a s , i n d a g a - s e F r e u d , será q u e s e p o d e d i z e r q u e u m a p u l s ã o , n a l i n g u a g e m c o r r e n t e , "ama" o o b j e t o ? C e r t a m e n t e não, r e s p o n d e e l e , a s s i m c o m o não s e p o d e d i z e r q u e u m a p u l s ã o "odeia" o o b j e t o . E p o r i s s o , i n s i s t e a i n d a , q u e "os termos 'amor' e 'ódio' não devem ser utilizados para a relação das pulsões com seus objetos, mas reservados para as relações do ego-total com os objetos" ( p . 3 9 [182]). N o m á x i m o p o d e m o s u t i l i z a r o s t e r m o s "eu gosto, eu aprecio" n o q u e r e f e r e a o s o b j e t o s q u e s e r v e m p a r a a conservação d o e g o (alimentação, e t c ) . Q u a l é e n t ã o o e s t a t u t o d a p a l a v r a "amar" q u a n d o e l aé p l e n a m e n t e realizada? P a r a F r e u d , o a m o r aparece i n e q u i v o c a m e n t e n a fase g e n i t a l , q u a n d o s e e s t a b e l e c e a síntese d a s p u l s õ e s p a r c i a i s d e n t r o d e u m "ego-total" ( p . 3 9 [182]): "O emprego mais adequado da palavra 'amar' encontra-se na relação dq ego com seu objeto sexual: isso nos ensina que o emprego dessa palavra para uma tal relação só podelcomeçar com a síntese de todas as pulsões parciais da sexualidade sob o primado dos órgãos genitais e a serviço da função de reprodução" ( p . 4 0 [1821).

A génese do amor e do ódio ao longo do desenvolvimento

E i s s o q u e e x p l i c a também a n a t u r e z a d a ambivalência, i s t o é, d o ódio j u s t a p o s t o a o a m o r e m r e l a ç ã o a o m e s m o o b j e t o : "O ódio mesclado ao amor provém em parte de fases preliminares do amor, não totalmente superadas, e em parte se funda na recusa das pulsões do ego, reações que, nos frequentes conflitos entre os interesses do ego e os do amor, podem invocar motivos reais e atuais. Assim, nos dois casos, esse elemento de ódio

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Jean-Michel Q u i n o d o z

encontra sua fonte nas pulsões de conservação do ego" ( p . 4 2 [184]). F i n a l m e n t e , F r e u d e v o c a o s e n t i m e n t o d e ódio q u e p o d e a p a r e c e r d e p o i s d e u m a r u p t u r a d e relação d e a m o r , d e s t a c a n d o q u e n e s s e s c a s o s "temos então a impressão de ver o amor se transformar em ódio" ( p . 4 3 [184]), m a s não e x p l i c a m e l h o r o q u e e n t e n d e p o r e s s a •

transformação. E l e t e r m i n a e s s e t r a b a l h o m e n c i o n a n d o a p o s s i b i l i d a d e d e q u e o ódio a s s u m a u m caráter erótico q u a n d o r e g r e s s a à f a s e sádica, a n u n c i a n d o a s s i m f u t u r o s d e s e n v o l v i m e n t o s sobre o s a d o m a s o q u i s m o c o m o t a m bém s o b r e o c o n f l i t o f u n d a m e n t a l e n t r e pulsão d e v i d a e pulsão d e m o r t e .

"REPRESSÃO" (1915d) As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1915d), "Le refoulement", t r a d . J . Laplanche e J.-B. Pontalis, in Metapsychologie, Paris, Gallimard, 1968 , p. 45-63 [as páginas indicadas entre colchetes remetem ás OCF.P, XIII, p. 187-201].

O papel da repressão

U m a pulsão está e s s e n c i a l m e n t e e m b u s c a d o p r a z e r d a satisfação, d e a c o r d o c o m a " p r i m e i r a t e o r i a d a s pulsões" à q u a l F r e u d a d e r e e m 1 9 1 5 . M a s , e m s u a b u s c a d e p r a z e r , a pulsão s e c h o c a c o m resistências q u e t e n t a m torná-lo i n e f i c a z . E n t r e e s s a s resistências, a repressão o c u p a u m l u g a r p a r t i c u l a r p o r se t r a t a r d e u m c o m p r o m i s s o e n t r e a f u g a - impossível e m f a c e d e u m a pulsão v i n d a d e d e n t r o - e a condenação. P o r q u e u m a pulsão d e v e r i a s e r r e p r i m i d a , v i s t o q u e e l a está e m b u s c a d o p r a z e r d a s a t i s f a ção? P o r q u e , e m b o r a a satisfação d a pulsão p r o d u z a o p r a z e r e m u m a p a r t e d o p s i q u i s m o , esse p r a z e r p a r e c e inconciliável c o m a s exigências d e u m a o u t r a p a r t e d o p s i q u i s m o , e é, então, q u e intervém o "julgamento pela condenação" q u e d e s e n c a d e i a a repressão: "A essência da repressão consiste exatamente nisto: afastar e manter à distância do consciente" ( p . 4 7 [190]). P o r t a n t o , a r e p r e s são não é u m m e c a n i s m o d e d e f e s a p r e s e n t e n a o r i g e m , m a s s e i n s t a l a só d e p o i s q u e s e e s t a b e l e c e a separação e n t r e c o n s c i e n t e e i n c o n s c i e n t e . C o m e s s a separação, F r e u d lança a hipótese d e que o u t r o s m e c a n i s m o s d e defesa contra a s pulsões estão a t i v o s , c o m o a transformação e m s e u contrário o u o r e t o r n o à própria p e s s o a . O destino da representação

F r e u d r e t o m a a q u i , s e m mencioná-las e x p l i c i t a m e n t e , a s hipóteses q u e lançara e m s e u s a r t i g o s d e 1894 e 1896 s o b r e as n e u r o p s i c o s e s d e defesa. Ele d i s t i n g u e dois e l e m e n t o s n o repres e n t a n t e psíquico d a pulsão q u e p o d e m s o f r e r a repressão: a representação e o a f e t o , s e n d o q u e

cada u m sofre u m destino diferente. N o que diz r e s p e i t o à representação, e x i s t e s e g u n d o F r e u d u m a repressão originária: "Primeira fase da repressão que consiste em que o representante psíquico (representante-representação) da pulsão se depara com a recusa de ser assumido no consciente" ( p . 4 8 [191]). P o r e x e m p l o , n o p e q u e n o H a n s , a a n gústia d e s e r m o r d i d o p e l o c a v a l o o c u l t a a a n gústia i n c o n s c i e n t e d e s e r c a s t r a d o p e l o p a i , s e n d o a i d e i a d e " p a i " a representação r e p r i m i d a . A s e g u n d a f a s e d a repressão, a repressão p r o p r i a m e n t e d i t a , "refere-se aos derivados psíquicos do representante reprimido, ou então essas cadeias de pensamento que, vindas de outra parte, estabeleceram relações associativas com ele" ( p . 4 8 [191]). A repressão r e f e r e - s e , p o r t a n t o , não a p e n a s à representação p r o p r i a m e n t e d i t a , m a s também a o s derivados d o i n c o n s c i e n t e , i s t o é, às p r o d u ções e m conexão, m a i s o u m e n o s a f a s t a d a s d o q u e é r e p r i m i d o , q u e p o r s u a v e z são o b j e t o d e d e f e s a s . D e s s e p o n t o d e v i s t a , o s s i n t o m a s são igualmente derivados d o r e p r i m i d o . M a s a repressão d a pulsão não d e s a p a r e c e , l o n g e d i s s o , continua a seorganizar n o inconsciente, a prod u z i r d e r i v a d o s e "a se proliferar na obscuridade" ( p . 4 9 [192]). E s s e p r o c e s s o contínuo t e m c o m o consequência q u e a repressão p r o p r i a m e n t e d i t a é u m a repressão a posteriori, e x p l i c a F r e u d . P o r e x e m p l o , n o p e q u e n o H a n s , a angústia d o c a valo, a incapacidade d esair n a r u a o u a l e m brança d a q u e d a d o c a v a l o d e u m c o l e g a , e t c , são t o d o s d e r i v a d o s d o r e p r i m i d o . Esses derivados inconscientes p o d e m ter liv r e a c e s s o à consciência q u a n d o estão s u f i c i e n t e m e n t e a f a s t a d o s d o conteúdo r e p r i m i d o . É então q u e o p s i c a n a l i s t a c o n s e g u e circunscrevêl o s através d a s associações l i v r e s d o p a c i e n t e .

L e r F r e u d 159 A s características < a repressão

S e g u n d o F r e u d , a repressão t r a b a l h a "de maneira inteiramente individual" ( p . 5 2 [194]), t r a t a n d o c a d a d e r i v a d o psíquico e m p a r t i c u l a r . Além d i s s o , a repressão é e x t r e m a m e n t e móv e l e exige u m gasto de energia incessante, de m o d o q u e dependerá d o f a t o r quantitativo a manutenção n o i n c o n s c i e n t e d o conteúdo psíq u i c o r e p r i m i d o d a pulsão, o u s u a reaparição n o c o n s c i e n t e : "Mas o fator quantitativo se mostra decisivo para o conflito: desde que a representação chocante em seu conteúdo se reforça além de um certo grau, o conflito se torna atual, e é precisamente a reativação que causa a repressão" ( p . 5 4 [195]). O d e s t i n o d o afet
/tifo

J^4^^6

2fr

"ANÁLISE TERMINÁVEL E INTERMINÁVEL" S. FREUD (1937c)

"CONSTRUÇÕES NA ANÁLISE" S. FREUD (1937d)

Últimos escritos técnicos E m "Análise terminável e interminável", F r e u d começa p o r r e s p o n d e r a R a n k e a F e r e n c z i q u e e s p e r a v a m q u e m o d i f i c a n d o cert o s a s p e c t o s d a técnica psicanalítica, p o r e x e m p l o , r e d u z i n d o a duração d a c u r a , s e c h e g a r i a a r e s u l t a d o s análogos. S e g u n d o e l e , n ã o s e p o deria liquidar u m a neurose inteiramente e m a l g u n s m e s e s , p o i s a experiência m o s t r a q u e quanto maior a expectativa d ebons resultad o s d e u m a c u r a , m e n o s s e j u s t i f i c a abreviála. E m seguida, ele passa e m revista a s d i v e r s a s resistências q u e s e o p õ e m à c u r a e i m p õ e m l i m i t e s à análise, a l g u m a s p o d e n d o c h e g a r i n c l u s i v e a torná-la i n t e r m i n á v e l . D o i s o b s t á c u l o s insuperáveis i m p e d e m a liquidação d a transferência q u a n d o d o término, s e g u n d o F r e u d : a i n v e j a d o pênis n a m u l h e r e a p o s i ção p a s s i v a n o h o m e m . F e r e n c z i a c h a v a q u e t o d a análise b e m s u c e d i d a d e v e r i a t e r s u p e r a d o e s s e s d o i s c o m p l e x o s , m a s , a o contrário d e s e u discípulo, F r e u d é p e s s i m i s t a e j u l g a esses objetivos excessivamente ambiciosos. P a r a e l e , t o d o término s e c h o c a i n e l u t a v e l m e n t e c o m e s s a " r o c h a d e o r i g e m " q u e são a i n v e j a d o pênis n a m u l h e r e a posição p a s s i v a n o

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h o m e m , obstáculos d e n a t u r e z a biológica e psíquica. A l é m d i s s o , c o n s i d e r a d o s o s p e r i g o s q u e o e s p r e i t a m e m s u a prática, F r e u d r e c o m e n d a a t o d o psicanalista retomar periodicam e n t e u m a p a r t e d e análise p e s s o a l . E m "Construções n a análise", F r e u d d i r i g e s e a n t e s d e t u d o àqueles q u e c r i t i c a m o s p s i c a n a l i s t a s p o r "enfiar suas próprias ideias na cabeça dos pacientes" através d e s u a s i n t e r p r e t a ções. E l e a p r o v e i t a a o p o r t u n i d a d e p a r a e x a m i n a r a v a l i d a d e d a s construções e d a s r e c o n s truções q u e s e f a z e m d u r a n t e a análise. A questão d a reconstrução d o p a s s a d o i n f a n t i l já t i n h a s i d o c o l o c a d a e m " O H o m e m d o s L o b o s " ( 1 9 1 8 b ) a propósito d o s o n h o d a c e n a p r i m i t i v a : será q u e s e t r a t a v a d e u m a p u r a f a n t a s i a , o u e r a o d e s p e r t a r d a lembrança d e u m a c e n a r e a l m e n t e v i v i d a n a infância? F r e u d v o l t a a e s s a indagação e m 1 9 3 7 , e m o s t r a q u e a s i n terpretações d o a n a l i s t a são hipóteses p r o p o s t a s a o p a c i e n t e , m a s q u e c a b e a o próprio p a c i e n t e confirmá-las: e s s a confirmação p r o v é m o u d o r e t o r n o d a lembrança i n f a n t i l r e p r i m i d a , o u d a convicção íntima d o p a c i e n t e d e q u e a interpretação é a d e q u a d a .

B I O G R A F I A S E Hl STÓRIA

A c h e g a d a d e Hitler a o p o d e r e o a n t i - s e m i t i s m o A Grande Depressão d e 1929 trouxe consequências dramáticas não apenas para os Estados Unidos m a s t a m b é m para a Europa e o m u n d o inteiro. O d e s e m p r e g o assumiu proporções c a d a vez mais inquietantes, e m particular na Alemanha e na Áustria, e a situação política piorou, levando à ascensão a o poder d e Hitler, q u e se

Continua

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Jean-Michel

Quinodoz

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA •

Continuação

torna chanceler d o Reich e m 1933. O anti-semitismo se transforma, então, e m perseguição aos judeus, e as obras de Freud, consideradas c o m o "literatura judia", são queimadas e m praças públicas das grandes cidades alemãs no dia 10 d e m a i o d e 1933. Freud assistirá c o m o expectador angustiado a essa d e s c i d a ao inferno, alternando entre o desejo d e se esconder d a realidade d o perigo nazista e u m a grande lucidez. Freud e R o m a i n Rolland No a n o d e 1936, F r e u d c o m p l e t a v a seu 8 0 aniversário, m a s d e p o i s d e d u a s novas o p e r a ç õ e s , ele desistiu d e u m a c e l e b r a ç ã o oficial. M e s m o assim r e c e b e u muitas visitas, entre as q u a i s d e escritores e artistas d e r e n o m e , c o m o R o m a i n R o l l a n d , H. G. Wells e Stefan Z w e i g . Para o aniversário d e R o l l a n d , 10 a n o s mais novo q u e ele, F r e u d a n e x o u à s u a carta d e felicitações u m a breve c o n t r i b u i ç ã o intitulada " U m distúrbio de m e m ó r i a na a c r ó p o l e " (Freud, 1936a). Esse p e q u e n o texto constitui u m f r a g m e n t o d e auto-análise n o qual Freud relata c o m o f i c o u m a r a v i l h a d o q u a n d o visitou pela primeira vez o Parthenon: era a o m e s m o t e m p o é "belo d e m a i s p a r a ser v e r d a d e " e estranheza inquietante. Freud e n c o n t r a r a R o m a i n Rolland u m a ú n i c a vez, e m 1924, s e g u i n d o - s e u m a t r o c a e p i s ó d i c a d e cartas d u r a n t e os 13 a n o s seguintes. U m a a f i n i d a d e profund a reunira esses d o i s h o m e n s , assim c o m o interesses c o m u n s , particularmente literários e místicos. De fato, o " s e n t i m e n t o o c e â n i c o " q u e Rolland havia descrito serviu d e a r g u m e n t o inicial p a r a F r e u d q u a n d o ele redigiu O futuro de uma ilusão (1927c). Q

No início d e 1937, f a l e c e u L o u A n d r e a s - S a l o m é . No m e s m o a n o , Freud s o u b e q u e Maria B o n a p a r t e havia a d q u i r i d o e m u m a n t i q u á r i o vienense as cartas q u e ele escrevera a Fliess, e s u p l i c o u q u e as destruísse, m a s ela se r e c u s o u a atendê-lo. Não o b s t a n t e o a g r a v a m e n t o d e s u a d o e n ç a , Freud a i n d a p u b l i c a r á várias contribuições. Marie Bonaparte (1822-1962) Muito e s t i m a d a p o r F r e u d e s u a família, Marie B o n a p a r t e foi s u a principal representante j u n t o a o s primeiros psicanalistas f r a n c e s e s e d e s e m p e n h o u u m papel d e g r a n d e relevância n o d e s e n v o l v i m e n t o d a S o c i e d a d e Psicanalítica d e Paris. D e s c e n d e n t e d i r e t a d e u m i r m ã o d e N a p o l e ã o B o n a p a r t e (1769-1821), ela n a s c e u e m S a i n t - C l o u d (França) e m 1882, e l o g o p e r d e u s u a m ã e , q u e f a l e c e u u m m ê s a p ó s s e u n a s c i m e n t o . Teve u m a i n f â n c i a e u m a a d o l e s c ê n c i a difíceis. E m 1907, c a s o u - s e c o m o príncipe G e o r g e s d a G r é c i a e d a D i n a m a r c a , c o m q u e m teve d o i s filhos. S o f r e n d o , s e g u n d o L a f o r g u e , d e u m a n e u r o s e o b s e s s i v a e à beira d o s u i c í d i o , p r o c u r o u Freud e m 1925 e fez u m a análise c o m ele, c u r a q u e se d e s e n v o l v e u p o r c u r t a s e t a p a s s u c e s s i v a s até 1938. D e s d e s e u e n c o n t r o c o m F r e u d , Marie B o n a p a r t e d e v o t o u - s e à c a u s a psicanalítica e s e m o s t r o u u m m e c e n a s g e n e r o s o . E m 1926, p a r t i c i p o u d a c r i a ç ã o d a S o c i e d a d e Psicanalítica d e Paris, c o m o t a m b é m d o l a n ç a m e n t o d a Revue française de psychanalyse, e traduziu para o francês vários trabalhos de Freud. P u b l i c o u m u i t o s t e x t o s c o n s a g r a d o s à psicanálise a p l i c a d a , p a r t i c u l a r m e n t e à o b r a d e E d g a r Alan Poe, c o m o t a m b é m a p r o b l e m a s d a s o c i e d a d e . De resto, Marie B o n a p a r t e d e f e n d e u p o n t o s d e vista bastante discutíveis s o b r e a s e x u a l i d a d e f e m i n i n a , q u e f u n d a v a e m u m a c o n c e p ç ã o m a i s a n a t ó m i c a e t i p o l ó g i c a d o q u e psicanalítica, e c h e g o u a p r o p o r u m a o p e r a ç ã o c i r ú r g i c a (no clitóris) à q u a l ela p r ó p r i a se s u b m e t e u . E s s a s ideias c o n t e s t á v e i s f o r a m a o p o r t u n i d a d e p a r a J a n i n e C h a s s e g u e t - S m i r g e l , J o y c e M c D o u g a l l , C a t h e r i n e Parat e o u t r a s (1964) v a l o r i z a r e m o q u e é específico n a i d e n t i d a d e f e m i n i n a d e u m p o n t o d e vista p s i c a n a l í t i c o . E m 1939, c o m a a j u d a d o e m b a i x a d o r a m e r i c a n o William Bullit e d e Ernest J o n e s , Marie B o n a p a r t e p a g o u o resgate e x i g i d o p e l o s nazistas p a r a autorizar Freud e a família a d e i x a r e m Viena r u m o a L o n d r e s . E m 1953, q u a n d o d a primeira cisão d e J a c q u e s Lacan, p o s i c i o n o u - s e a o lado d o g r u p o d e S a c h a Nacht, e n o a n o s e g u i n t e f i n a n c i o u a criação d o Instituto Psicanalítico e d e s u a biblioteca n a rua S a i n t - J a c q u e s e m Paris. Marie B o n a p a r t e m o r r e u e m Saint-Tropez, e m 1962.

Ler Freud •

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"ANALISE TERMIN M E L E INTERMINÁVEL' (1937c)

DESCOBERTA DA OBRA A s páginas indicadas r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1937c), " U a n a l y s e avec fin et Tanalyse s a n s f i n " , trad. J . A l t o u n i a n , A . B o u r g u i g n o n , R Cotet, A . Rauzy, in Resultais, idées, problèmes, Paris, PUF, 1985, 231-268.

A cura psicanalítica um traba de muito fôlego E s s e a r t i g o m a r c a n t e começa c o m u m d i s curso justificando ofato de que otrabalho psic a n a l í t i c o s ó p o d e s e r "um trabalho de muito fôlego" ( p . 2 3 1 ) , s e q u i s e r m o s r e a l m e n t e l i b e r t a r u m s e r h u m a n o d e s e u s s i n t o m a s e inibições neuróticas. F r e u d e r g u e - s e a s s i m c o n t r a a s t e n t a t i v a s r e i t e r a d a s d e a b r e v i a r a duração d a s análises, p a r t i c u l a r m e n t e a d e R a n k , q u e a c r e d i t a v a s e r possível e l i m i n a r o s e f e i t o s a posteriori d o t r a u m a t i s m o d e n a s c i m e n t o e t o d a a n e u r o s e e m a l g u n s m e s e s d e análise. F r e u d a c r e s c e n t a q u e é u m equívoco d e R a n k i m a g i n a r q u e "esse pequeno fragmento de análise dispense todo o trabalho analítico restante". E l e c o n sidera que atentativa de R a n k visa unicament e a "ajustar o tempo da terapia analítica à pressa da vida americana" ( p . 2 3 2 ) . F r e u d m e n c i o n a e m s e g u i d a s u a s próprias experiências d e f i x a r d e a n t e m ã o o término d e u m a c u r a psicanalítica nos casos que o progresso f o i i n t e r r o m p i d o e d e mantê-lo a q u a l q u e r c u s t o , c o m o n o d o H o m e m dos L o b o s (1918b). F o i u m a aposta arriscada, d i z ele, q u e d e u certo e m u m p r i m e i ro m o m e n t o , mas depois o paciente teve u m a recaída. F i x a r u m p r a z o é e f i c a z d e s d e q u e s e escolha o m o m e n t o adequado, conclui, m a s p a r a i s s o não e x i s t e u m a r e g r a g e r a l , e d e v e m o s c o n f i a r e m n o s s a intuição.

A análise tem um fin fim natural? É c o m u m o u v i r d i z e r : "Sua análise não terminou!" o u "Ele não foi analisado até o fim!". M a s , e n t ã o , o q u e s i g n i f i c a "o fim de uma análise"! O f i m pode ocorrer, diz Freud, q u a n d o o pacient e não s o f r e m a i s d e s e u s s i n t o m a s , d e s u a s a n gústias o u d e s u a s inibições, e q u a n d o o r e p r i -

m i d o t o r n o u - s e c o n s c i e n t e , d e m o d o q u e não h á m a i s p o r q u e t e m e r a repetição d e p r o c e s s o s patológicos. S e f a l t a m e s s e s e l e m e n t o s , a a n á l i s e e s t á "incompleta" ( p . 2 3 5 ) . N o s c a s o s bem-sucedidos, consegue-se eliminar complet a m e n t e o distúrbio neurótico e e v i t a r s e u r e t o r n o . O s c a s o s m a i s favoráveis a o t r a t a m e n t o são a q u e l e s q u e t ê m u m a e t i o l o g i a t r a u m á t i c a , s e g u n d o F r e u d , p o i s a análise c o n s e g u e r e s o l v e r a s situações traumáticas q u e r e m o n t a m à infância p r e c o c e , q u e n a é p o c a o e g o i m a t u r o n ã o c o n s e g u i u d o m i n a r . A o contrário, q u a n d o a força d a s p u l s õ e s é e x c e s s i v a , i s s o i m p e d e a "domesticação" d a s pulsões p e l o e g o , e a análise é então c o n d e n a d a a o i m p a s s e , p o i s o i m p a c t o d a s p u l s õ e s p r o v o c a modificações d o e g o . D e q u e modificações s e t r a t a ? F r e u d e s c l a r e c e q u e s e t r a t a d e modificações d o e g o q u e r e s u l t a m d a a ç ã o d e f e n s i v a "no sentido de um deslocamento e de uma restrição" ( p . 2 3 6 ) : o s t e r m o s d e s l o c a m e n t o e restrições f a z e m alusão a q u i à s s u a s r e c e n t e s p e s q u i s a s s o b r e a negação d a r e a l i d a de e aclivagem d o ego, pesquisas que parecem n ã o t e r d e s p e r t a d o a i n d a a atenção d o s m e i o s psicanalíticos: "(...) a bem da verdade, é preciso confessar que essas coisas ainda não são suficientemente conhecidas. Só agora elas começam a ser objeto de estudos analíticos. O interesse dos analistas não me parece de modo nenhum bem orientado nesse campo" ( p . 2 3 6 ) F r e u d a p r e s e n t a e m s e g u i d a d o i s c a s o s clínicos para mostrar que u m a cura pode termin a r d e m a n e i r a satisfatória, m a s d e p o i s , às v e zes m u i t o s anos m a i s tarde, diversos fatores p o d e m d e s e n c a d e a r u m a recaída. F a l a p r i m e i r o d o c a s o d eu m h o m e m q u e h a v i a f e i t o u m a análise c o m e l e - r e c o n h e c e m o s a q u i s e u a l u n o F e r e n c z i , q u e n ã o é i d e n t i f i c a d o - , análise q u e terminara d e m a n e i r a aparentemente satisfatória; p o r é m , a l g u n s a n o s d e p o i s , o p a c i e n t e

280 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z entrou e m atrito c o m seu analista e o censurou p o r t e r d e i x a d o d e a n a l i s a r a transferência n e g a t i v a . F r e u d s e d e f e n d e d e s s a acusação: "No entanto, ele [o analisado] devia saber e levar em consideração que uma relação de transferência jamais pode ser puramente positiva; ele deveria ter se preocupado com a transferência negativa. O analista se justifica dizendo que durante a análise não se percebia nada da transferência negativa" ( p . 2 3 1 - 2 3 7 ) . O o u t r o e x e m p l o é d e u m a m u l h e r c u j a análise t e r m i n o u c o m s u c e s s o , m a s e l a t e v e u m a recaíd a d e p o i s d e vários mfortúnios e d e u m a c i r u r g i a , p e r m a n e c e n d o inacessível à análise. A s s i m , u m a recaída é s e m p r e p o s s í v e l e "não temos nenhum meio de prever a vicissitude de uma cura" ( p . 2 3 8 ) . U m a conclusão s e impõe: q u a n t o m a i s s e e x i g e m b o n s r e s u l t a d o d eu m a cura, m e n o s s e j u s t i f i c a abreviá-la!

A "domesticação das pulsões" e seus limites S e g u n d o F r e u d , o êxito d e u m a t e r a p i a a n a lítica d e p e n d e e s s e n c i a l m e n t e d e três f a t o r e s ; a influência d o s t r a u m a t i s m o s , a força c o n s t i t u t i v a d a s pulsões, a s modificações d o e g o . N o q u e s e r e f e r e á força d a s p u l s õ e s , q u a i s s ã o o s m e i o s d e q u e dispõe o e g o d o p a c i e n t e p a r a c o n s e g u i r "domesticá-los", d em o d o a eliminar de forma d u r a d o u r a e definitiva u m conflito pulsional? P a r a explicar isso, d i z F r e u d , seria p r e c i s o r e c o r r e r à "feiticeira metapsicologia", o u s e j a , a p e l a r à e s p e c u l a ç ã o metapsicológica "sem a qual não se avança" ( p . 2 4 0 ) . P o r e x e m p l o , n o h o m e m n o r m a l , d e v e - s e e n c o n t r a r o equilíbrio p a r a c a d a c o n f l i t o e n t r e a "força do ego" e a "força das pulsões". S e a força d o e g o c e d e o u s e a força d a s p u l s õ e s s e t o r n a e x c e s s i v a , s e g u e - s e u m desequilíbrio q u e p r o d u z e f e i t o s patológicos. C o n s i d e r a d o s o b o a s p e c t o d a s r e s p e c t i v a s relações e n t r e a s d i f e r e n t e s f o r ç a s p r e s e n t e s , e s s e p o n t o d e v i s t a , n a opinião d e F r e u d , c o n f i r m a a i m p o r t â n c i a d o f a t o r quantitativo n o a c i o n a m e n t o d a doença, o u s e j a , o f a t o r económico. Nesse aspecto, F r e u d reivindica a o r i g i n a l i d a d e d o t r a t a m e n t o psicanalítico, p o i s e l e c a p a c i t a o p a c i e n t e p a r a t e r domínio s o b r e o reforço d a s p u l s õ e s , p r o c e s s o q u e n ã o é e s pontâneo, e só p o d e s e r c r i a d o p e l o t r a b a l h o analítico. C o n t u d o , e s s e d o m í n i o d a s p u l s õ e s

está l o n g e d e s e r g a r a n t i d o , p o i s e l e j a m a i s é completo o u definitivo. Essa incerteza quanto ao futuro, segundo Freud, é u m argumento a mais para insistir sobre a necessidade d e u m t r a b a l h o analítico a p r o f u n d a d o , c o m o o b j e t i v o d e reforçar a c a p a c i d a d e d o e g o d e d o m a r a s p u l s õ e s : "Sem dúvida, é desejável abreviar a duração de uma cura psicanalítica, mas o caminho para chegar ao nosso objetivo terapêutico passa sempre pelo aumento da força de apoio analítico que queremos proporcionar ao ego" ( p . 2 4 5 ) .

Os limites da terapia psicanalítica O u t r a s indagações s e c o l o c a m d u r a n t e o t r a tamento. Podemos proteger o paciente contra f u t u r o s c o n f l i t o s p u l s i o n a i s ? E possível d e s p e r t a r u m c o n f l i t o q u e a i n d a não m a n i f e s t o c o m u m o b j e t i v o p r e v e n t i v o ? F r e u d associa esses d o i s p r o b l e m a s q u e s u s c i t a m a questão d o s l i m i t e s d a terapêutica psicanalítica. E l e a c h a q u e , n a m e d i d a e m q u e u m c o n f l i t o a t u a l não s e m a n i f e s t a , o a n a l i s t a não p o d e t e r n e n h u m a i n f l u ência s o b r e e l e . S ó p o d e m o s t r a t a r d e u m c o n f l i t o a t u a l q u a n d o c o n s e g u i m o s abordá-lo p e l a v i a d a transferência, d i z F r e u d , m a s s e t e n t a m o s produzir artificialmente conflitos transferenciais c o m u m objetivo p r e v e n t i v o , prejud i c a m o s s e r i a m e n t e a transferência p o s i t i v a i n dispensável. D o m e s m o m o d o , é t o t a l m e n t e inútil t e n t a r f a l a r d e s s e s c o n f l i t o s c o m o a n a l i s a d o , c o m a esperança d e d e s p e r t a r n e l e o u t r o s c o n f l i t o s p a r a e n t ã o elaborá-los: o p a c i e n t e n o s r e s p o n d e r á : "Com certeza, é muito interessante, mas eu não sinto nada disso. Aumentamos seu saber, mas de resto não mudamos nada nele" ( p . 2 4 9 ) .

Resistência do ego contra a cura F r e u d a b o r d a e m s e g u i d a a questão d a s r e sistências à c u r a q u e p r o v ê m d o e g o s o b o s d o i s a s p e c t o s : p r i m e i r o , d o ângulo d e u m a necessár i a aliança e n t r e o a n a l i s t a e o e g o d o p a c i e n t e , e d e p o i s d o ângulo d a posição d o e g o à c u r a . N o que diz respeito a op r i m e i r o p o n t o , F r e u d considera que o analista sealia c o m o e g o d o p a c i e n t e , m a s c o m u m e g o "medianamente normal", e s c l a r e c e e l e , p o i s o e g o "normal" n ã o é u m a "ficção ideal". V i s t o d e s s a p e r s -

Ler Freud p e c t i v a , o o b j e t i v o d o t r a b a l h o analítico é c o n s e g u i r "integrar na síntese do ego" a s p a r t e s n ã o d o m i n a d a s d e s e u i d , concepção d o t r a b a l h o d e elaboração q u e v a i além d e s u p r i m i r a r e p r e s s ã o , e i m p l i c a u m a "síntese do ego" r e u n i n d o s u a s p a r t e s d o e g o q u e e l e supõe f r a g m e n tadas. Finalmente, F r e u d nota que coexistem d u a s p a r t e s d e n t r o d o e g o : u m a p a r t e próxim a d o e g o "psicótico" e u m a p a r t e "normal": "Toda pessoa normal é de fato apenas medianamente normal, seu ego se aproxima do ego do psicótico nesta ou naquela parte , em maior ou menor medida, e o grau de distanciamento em relação a uma das extremidades da série e de aproximação em relação ã outra nos servirá provisoriamente como medida para essa "modificação do ego" tão vagamente caracterizada" ( p . 2 5 0 ) . E s s e s e l e m e n t o s esboçados a q u i são c o n c e i t u a d o s n o Esboço de psicanálise ( 1 9 4 0 a [ 1 9 3 8 ] ) . Q u a n t o à oposição d o e g o à análise d a s r e sistências e à c u r a , F r e u d l e m b r a o p a p e l q u e d e s e m p e n h a m o s m e c a n i s m o s d e defesa. S u a tarefa é d u p l a : d eu m l a d o , o sm e c a n i s m o s d e defesa tal c o m o o sdescreveu A n n a F r e u d ( 1 9 3 6 ) têm c o m o o b j e t i v o p r o t e g e r o e g o e m f a c e d o s p e r i g o s i n t e r i o r e s , m a s q u a n d o são m u i t o d e s e n v o l v i d o s , e l e s próprios p o d e m c o n s t i t u i r u m p e r i g o e c r i a r limitações p r e j u d i c i a i s p a r a o ego. E m poucas palavras, prossegue Freud, o e f e i t o terapêutico d a análise está l i g a d o à p o s s i b i l i d a d e d et o r n a r consciente o q u e f o i r e p r i m i d o e d e s e v a l e r d e interpretações e d a r e c o n s t r u ç ã o p a r a s u p r i m i r a s resistências. P o rém, d u r a n t e o t r a b a l h o , c o n s t a t a - s e com frequência q u e o p a c i e n t e n ã o s u s t e n t a m a i s o esforço d e t r a z e r à l u z a s resistências e a s d e f e s a s e q u e a s transferências n e g a t i v a s p o d e m p r e d o m i n a r e a m e a ç a r o êxito terapêutico: " O analista agora é um estranho para o paciente, que o coloca diante de exigências abusivas desagradáveis, e se comporta em relação a ele exatamente como uma criança que não gosta do estranho e não acredita nem um pouco nele" ( p . 2 5 5 ) .

Resistências fund fundamentais

as nos conflitos mais

Encontramos u m a grande variedade d e "ego", e c a d a e g o p a r t i c u l a r é d o t a d o d e s d e o

281

início d e t e n d ê n c i a s i n d i v i d u a i s q u e s ã o e m parte adquiridas durante o sp r i m e i r o s anos, e m p a r t e i n a t a s e p r o v e n i e n t e s d a herança a r c a i c a . E s s a s tendências f o r m a m o caráter d a p e r s o n a l i d a d e , c o m s u a s resistências e s u a s d e f e s a s próprias, q u e t e n d e m a s e r e p r o d u z i r n a r e l a ç ã o analítica. Q u a n t o m a i s s e l e v a e m conta a complexidade da personalidade, mais f i c a difícil l o c a l i z a r a s resistências, p o i s n ã o s e p o d e s i m p l e s m e n t e localizá-las e n t r e o ego o u o id, m a s é p r e c i s o l e v a r e m c o n t a a g o r a f a t o res f u n d a m e n t a i s q u e a g e m d e n t r o d o aparel h o psíquico. E n t r e a s resistências d e n a t u r e z a m a i s p r o funda, F r e u d m e n c i o n a o caso de pessoas que a p r e s e n t a m u m a e x c e s s i v a "viscosidade da libido", q u e r e t a r d a b a s t a n t e o p r o c e s s o d e c u r a . I n v e r s a m e n t e , cita pessoas q u e m o s t r a m u m a m o b i l i d a d e e x c e s s i v a d al i b i d o e p a s s a m d e u m objeto a outro s e m conseguir investi-los. F i n a l m e n t e , certos pacientes m a n i f e s t a m , apes a r d a p o u c a i d a d e , u m a e s p é c i e d e "entropia psíquica", inércia q u e s e c o s t u m a e s p e r a r e m pessoas mais velhas. E m o u t r o s c a s o s , a s resistências p r o v ê m d o c o n f l i t o e n t r e pulsão d e v i d a e pulsão d e m o r t e q u e o p e r a n o s c a s o s d e m a s o q u i s m o , d e reação terapêutica n e g a t i v a o u d o s e n t i m e n t o d e c u l p a d o s neuróticos: "Esses fenómenos são indícios inegáveis da existência na vida anímica de uma força que, conforme seus objetivos, chamamos de pulsão de agressão ou de destruição, e que derivamos do originário pulsão de morte da matéria inanimada" ( p . 2 5 8 ) . C o n t u d o , a experiência r e c e n t e m o s t r o u a F r e u d q u e o c o n f l i t o e n t r e Eros e p u l s ã o d e destruição n ã o s e e n c o n t r a a p e n a s n a p a t o l o g i a , m a s t a m b é m n a s situações d a v i d a n o r mal. Ele lamenta que suas ideias nesse c a m p o s e j a m p o u c o s e g u i d a s : "Sei bem que a teoria dualista, que pretende impor uma pulsão de morte, de destruição ou de agressão como parceiro legítimo ao lado do Eros que se manifesta na libido, encontrou pouco eco e não se impôs verdadeiramente entre os psicanalistas" ( p . 2 6 0 ) . A o c o n t r á r i o , o filósofo g r e g o Empédocles f o r n e c e u - l h e u m a p o i o i n e s p e r a d o , p o i s e s t e p r e g a v a a existência d e d o i s princípios e t e r n a m e n t e e m c o m b a t e e n t r e s i , OiÀioc - o a m o r - e veiÇoo» - a l u t a , d u a l i d a d e q u e não d e i x a d e a p r e s e n t a r a n a l o g i a s c o m a segunda teoria freudiana dos impulsos.

282 J e a n - M i c h e l Q u i n o d o z

A necessidade da análise do analista F r e u d se v o l t a p a r a o s psicanalistas, a p o i a n do-se e m u m t r a b a l h o d eFerenczi (1928) q u e m o s t r a v a q u e é i n d i s p e n s á v e l p a r a o êxito d e u m a análise q u e "o analista tenha aprendido suficientemente com seus próprios 'desvios e erros' e que tenha submetido ao seu poder os 'pontos fracos de sua personalidade'" (p. 262). E v i d e n t e m e n t e , p r o s s e g u e F r e u d , o s a n a l i s t a s são h o m e n s c o m o o u t r o s q u a i s q u e r , e "é incontestável que os analistas não atingiram completamente em sua própria personalidade o grau de normalidade psíquica a que pretendem conduzir seus pacientes" ( p . 2 6 3 ) . C o n t u d o , n o i n t e r e s s e d e s e u s p a c i e n t e s , é legítimo q u e s e e x i j a d o a n a l i s t a "um grau bastante elevado de normalidade e de retidão psíquica" ( p . 2 6 3 ) . É p o r i s s o q u e a análise p e s s o a l d o p s i c a n a l i s t a l h e p a r e c e u m a condição indispensável p a r a a preparação d e s u a a t i v i d a d e f u t u r a . Além d i s s o , c o m o o b j e t i v o d e e v i t a r t a n t o q u a n t o possív e l o s vários p e r i g o s q u e r o n d a m o próprio a n a l i s t a e m s u a prática, F r e u d r e c o m e n d a a todo psicanalista que retome periodicamente u m a análise, a c a d a c i n c o a n o s , "sem ter vergonha desse procedimento" ( p . 2 6 5 ) .

O término se choca com uma "rocha de origem" subjacente E s t a última p a r t e e m g e r a l é a m a i s c o n h e cida desse texto n o q u a l F r e u d descreve os dois obstáculos a o término q u e c o n s i d e r a c o m o intransponíveis: a i n v e j a d o p ê n i s n a m u l h e r e a rebelião c o n t r a a p o s i ç ã o p a s s i v a n o h o m e m . E m b o r a e s s a s d u a s resistências a o término s e j a m d i s t i n t a s , e m razão d a diferença d o s s e xos, elas p o s s u e m u m e l e m e n t o c o m u m , segundo Freud: aatitudesemelhante do h o m e m e d a m u l h e r e m relação a o c o m p l e x o d e c a s tração. P a r a e l e , o c o m p l e x o d e c a s t r a ç ã o n ã o t e m d ef a t o o m e s m o s i g n i f i c a d o p a r a u m e p a r a o o u t r o sexo. N o h o m e m , esse desejo d e v i r i l i d a d e d e s d e o início está d e a c o r d o c o m o d e s e j o d o e g o , i s s o p o r q u e a posição p a s s i v a q u e i m p l i c a a castração é e n e r g i c a m e n t e r e primida, revelando-se quase sempre apenas p o r supercompensações e x c e s s i v a s . N a m u l h e r , a o contrário, o d e s e j o d e v i r i l i d a d e só é

n o r m a l d u r a n t e a f a s e fálica d e s e u d e s e n v o l v i m e n t o , s i t u a d o "antes do desenvolvimento que conduz a feminilidade" ( p . 2 6 6 ) ; m a s n e l a , a i n v e j a d o pênis l o g o d e p o i s é r e p r i m i d a e o d e s t i n o d a f e m i n i l i d a d ed e p e n d e d o r e s u l t a d o d e s u a repressão. N o c a s o d e f r a c a s s o d o d e s e n volvimento da feminilidade,como na mulher "fálica", o c o m p l e x o d e v i r i l i d a d e s e c o m p õ e e i n f l u e n c i a o caráter d e f o r m a d u r a d o u r a ; a o contrário, n o c a s o d e d e s e n v o l v i m e n t o f a v o rável, o d e s e j o d o pênis é substituído p e l o d e sejo d o filho, s e g u n d o F r e u d . C o n t u d o , ele i n siste e m p e n s a r q u e o c o m p l e x o d e v i r i l i d a d e c o n t i n u a a p e r t u r b a r a v i d a psíquica n o r m a l d a m u l h e r : "O desejo de virilidade ficou preservado no inconsciente e continua a desenvolver seus efeitos perturbadores" ( p . 2 6 7 ) . Freud prossegue lembrando que, para F e r e n c z i , u m a análise b e m - s u c e d i d a d e v i a t e r d o m i n a d o esses d o i s c o m p l e x o s , o desejo d o p ê n i s n a m u l h e r e a rebelião c o n t r a a posição p a s s i v a n oh o m e m . M a s F r e u d j u l g a t a i s objetivos excessivamente ambiciosos, pois ess e s d o i s p o n t o s o p õ e m a o a n a l i s t a resistências intransponíveis: "Em nenhum momento do trabalho analítico se sofre mais por sentir de maneira opressiva a inutilidade dos esforços reiterados, por imaginar que se faz 'pregação aos peixes', do que quando se quer incitar as mulheres a abandonar seu desejo de pênis como irrealizável, e quando se gostaria de convencer os homens de que uma posição passiva em relação ao homem nem sempre tem o significado de uma castração, e que ela é indispensável em inúmeras situações da existência" ( p . 2 6 7 ) . N o h o m e m , segundo Freud, a supercompensação v i r i l a r r o g a n t e d e t e r m i n a a m a i s f o r t e resistência à transferência: "O homem não quer se submeter a um substituto paterno, não quer ser seu vassalo e, portanto, também não quer aceitar a cura da parte do médico" ( p . 2 6 7 ) . N a m u l h e r , o d e s e j o d o pênis n ã o p o d e d e t e r m i n a r u m a t r a n s ferência análoga à d o h o m e m , e n e l a a d e c e p ç ã o d e n ã o t e r pênis é "uma fonte dos surtos de depressão grave oriunda da certeza interior de que a cura analítica não servirá de nada e que nenhuma ajuda pode ser dada à doente" ( p . 2 6 7 - 2 6 8 ) . P a r a F r e u d , e s s a depressão só p o d e s e r a consequência d o f r a c a s s o d a "esperança de obter apesar de tudo o órgão masculino cuja falta, tão dolorosamente sentida,

Ler Freud foi o motivo mais forte que levou a cura" ( p . 2 6 8 ) . F r e u d n ã o entrevê e m n e n h u m m o m e n t o q u e u m a m u l h e r p o s s a e s t a r d e p r i m i d a p o r não s e r aceita pelo analista e m sua especificidade f e m i n i n a e e m s u a angústia d e s e s e n t i r a m p u t a d a d e s e u s órgãos f e m i n i n o s , o q u e c o n s t i t u i o e q u i v a l e n t e f e m i n i n o d a angústia d e castração n o h o m e m . E l e não c o n s i d e r a q u e a s e x u a l i d a d e f e m i n i n a p o s s a t e r u m a dimensão p o s i t i v a p a r a a m u l h e r . C o n t u d o , s e g u n d o Ferenczi, o acesso à f e m i n i l i d a d e para u m a m u l h e r e o acesso à v i r i l i d a d e p a r a u m h o m e m são o b j e t i v o s q u e d e v e r i a m s e r a t i n g i d o s a o término d e u m a p s i canálise. F r e u d n ã o está d e a c o r d o c o m a s c o n clusões d e s e u a l u n o , m a s c i t a - o t e x t u a l m e n t e e m u m a n o t a : " ( . . . ) é preciso que todo paciente masculino adquira em relação ao médico, como sinal de que superou a angústia de castração, o sentimento •

283

de ser legitimamente seu igual; é preciso que todas as doentes femininas, para que a neurose seja considerada como totalmente eliminada, tenham eliminado seu complexo de virilidade, e se apropriem sem rancor das possibilidades de pensar próprias ao papel feminino" ( F e r e n c z i , c i t a d o p o r F r e u d , p . 2 6 7 , n . 2). E m o u t r a s palavras, F r e u d p e r m a n e c e inflexível e m s u a fidelidade a o " m o n i s m o fálico", e irredutivelmente pessimista quando chega à conclusão d e q u e o término d e u m a análise s e c h o c a n e c e s s a r i a m e n t e c o m u m a "roclia de origem", q u e e l e a t r i b u i a o f a t o r biológico n o q u a l s e enraíza o p s i q u i s m o : "Não pode ser de outra maneira, pois, para o psiquismo, o biológico desempenha efetivamente o papel de rocha de origem subjacente. Evidentemente, a recusa da feminilidade nada mais é que um fato biológico, uma parte desse grande enigma da sexualidade" ( p . 2 6 8 ) .

" C O N S T R U Ç Õ E S fjA A N Á L I S E " ( 1 9 3 7 d )

DESCOBERTA DA OBRA A s páginas indicadas r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1937d), "Constructions d a n s 1'analyse", t r a d . E. R. Hawelka, U. Huber, J . Laplanche, in Resultais, idées, problèmes, Paris, PUF, 1985, 2 6 9 - 2 8 1 .

Uma tarefa análogí á do arqueólogo F r e u d mostra primeiramente que o trabal h o d o a n a l i s t a v i s a e l i m i n a r a s repressões o c o r r i d a s n a infância e q u e e s t ã o n a o r i g e m d o s s i n t o m a s e inibições n e u r ó t i c o s . P a r a c h e g a r a e s s e o b j e t i v o terapêutico, é p r e c i s o q u e o p a c i e n t e e n c o n t r e lembranças d e experiências a f e t i v a s p r e c o c e s , e e s t a s a p a r e c e m através d a s associações l i v r e s , d o s s o n h o s e d a repetição d e relações a f e t i v a s n a transferência. S e a t a refa d o analisado consiste e mr e m e m o r a r o que v i v e u e r e p r i m i u , a d opsicanalista cons i s t e e m r e s t i t u i r , a p a r t i r d e s s a s indicações, u m a i m a g e m tão f i e l q u a n t o possível d o s a n o s e s q u e c i d o s p e l o p a c i e n t e : "E necessário que, a partir das indicações que escaparam ao esquecimento, ele descubra ou, mais exatamente, construa o que foi esquecido" ( p . 2 7 1 ) . E s s e t r a b a l h o d e construção o u , s e p r e f e r i r m o s , d e r e c o n s t r u ção, a p r e s e n t a a n a l o g i a s c o m o d o a r q u e ó l o g o . M a s , d i f e r e n t e m e n t e d e s t e último, d e u m l a d o , "o objeto psíquico é incomparavelmente mais

complicado que o objeto material do arqueólogo" e , d e o u t r o , "para o arqueólogo, a reconstrução é o objetivo e a finalidade de seu esforço, enquanto que para o analista a construção é apenas um trabalho preliminar" ( p . 2 7 2 ) .

Que valor atribuir às nossas reconstruções? O que garante o acerto d enossas reconstruções?, p r o s s e g u e F r e u d . P o r e x e m p l o , o q u e a c o n t e c e s eo analista s ee n g a n a r ? S u a s r e c o n s truções o p e r a m u n i c a m e n t e p e l a v i a d a s u g e s tão? F r e u d r e f u t a e s s a s objeções. E v i d e n t e mente, pode ocorrer que o analista apresente a o p a c i e n t e u m a construção i n e x a t a c o m o s e n d o a v e r d a d e h i s t ó r i c a p r o v á v e l : "mas um único erro desse género é inofensivo. O que costuma acontecer num caso desses é que o paciente não se sente tocado; ele não reage nem com um sim nem com um não" ( p . 2 7 4 ) . E l e r e f u t a t a m b é m a crít i c a d e q u e , através d a s construções, o a n a l i s t a f a z u m u s o a b u s i v o d a sugestão.

284 J e a n - M i c h e l

Quinodoz

D e p o i s d e t e r d e s c a r t a d o e s s a s objeções, F r e u d p a s s a a e x a m i n a r a reação d o p a c i e n t e q u a n d o o analista lhe comunica u m a reconstrução. E l e r e c o n h e c e q u e h á u m a p a r t e d e v e r dade q u a n d o sediz brincando que o s psicanal i s t a s têm s e m p r e razão, não i m p o r t a o q u e o p a c i e n t e d i g a : s e o p a c i e n t e d i z sim, é p o r q u e e l e a c e i t a a i n t e r p r e t a ç ã o ; s e d i z não, é p o r q u e r e s i s t e , e o a n a l i s t a t e m s e m p r e razão! M a s F r e u d e s c l a r e c e q u e o a n a l i s t a não a t r i b u i u m valor absoluto n e m a u m " s i m " e n e m a u m "não", p o i s c o n s i d e r a t a n t o u m a c o m o a o u t r a r e s p o s t a equívocas. P a r a o a n a l i s t a , o " s i m " d o a n a l i s a d o p o d e e x p r i m i r u m a aceitação, m a s p o d e s e r t a m b é m a e x p r e s s ã o d e u m a resistênc i a ; q u a n t o a o " n ã o " , e l e é tão equívoco q u a n t o o " s i m " e p o d e s e r t a n t o a manifestação d e u m a r e c u s a q u a n t o d e u m a resistência. N e s s a s c o n dições, c o m o s a b e r ? E x i s t e m m e i o s i n d i r e t o s d e confirmação n o s q u a i s s e p o d e c o n f i a r i n t e i r a m e n t e , d i z F r e u d , q u e são a s confirmações i n d i r e t a s o b t i d a s p e l a v i a d a s associações: "Estamos diante de uma confirmação muito valiosa, mas expressada desta vez de uma forma positiva, quando o analisado responde por uma associação que contém alguma coisa de semelhante ou de análogo ao conteúdo da construção" ( p . 2 7 5 ) . Obtêm-se o u t r a s f o r m a s d e confirmação i n d i r e t a q u a n d o o c o r r e u m a t o f a l h o o u u m a r e a ç ã o terapêutica n e g a t i v a e , n e s t e c a s o , s e a reconstrução t e r a pêutica é c o r r e t a , o p a c i e n t e r e a g e c o m u m a g r a v a m e n t o de seus sintomas. E m outras palavras, a o contrário d o q u e p r e t e n d e m s e u s d e t r a t o r e s , Freud afirma que o analista leva m u i t o e m cont a a s r e a ç õ e s d o p a c i e n t e e d e l a s e x t r a i referênc i a s v a l i o s a s : "Mas essas reações do paciente são quase sempre equívocas e não autorizam uma conclusão definitiva. Somente prosseguindo a análise poderemos decidir se nossas construções são correias ou inutilizáveis. Atribuímos à construção isolada apenas o valor de uma suposição sujeita a exame, confirmação ou rejeição" ( p . 2 7 7 ) .

O delírio, equivalente a uma construção em análise P o r q u e c a m i n h o s n o s s a suposição s e t r a n s f o r m a e m convicção n o p a c i e n t e ? É a experiência c o t i d i a n a q u e d e m o n s t r a isso a t o d o psica-

n a l i s t a . Porém, p e r s i s t e u m a questão i m p o r tante: e mgeral, espera-se q u e u m a construção p r o p o s t a d u r a n t e a análise l e v e a o d e s p e r t a r d a lembrança c o r r e s p o n d e n t e n o p a c i e n t e , p e l o m e n o s n a t e o r i a . C o n t u d o , n a prática, é m u i t o m a i s c o m u m q u e o p a c i e n t e não l e m b r e d o conteúdo s i g n i f i c a t i v o r e p r i m i d o : i s s o não t e m m u i t a importância, d i z F r e u d , p o i s se o b s e r v a q u e , q u a n d o a p a c i e n t e a d q u i r e a convicção d a j u s t e z a d e u m a construção, i s s o p r o d u z o m e s m o efeito d op o n t o d e vista terapêutico q u e u m a lembrança r e c u p e r a d a . P o r quê? I s s o a i n d a é u m mistério. E s p e r e m o s p a r a v e r o q u e dirá a p e s q u i s a f u t u r a . E m certos casos, F r e u d observa q u e a c o m u nicação d e u m a construção e s t i m u l a n ã o a l e m brança n o p a c i e n t e , m a s u m a r i c a produção d e l e m b r a n ç a s v i v a s , m u i t o p r ó x i m a s d o conteúd o d a lembrança s i g n i f i c a t i v a . F r e u d a t r i b u i e s s e f e n ó m e n o a u m a resistência q u e c h e g a a d e s v i a r a consciência d a lembrança d e t e r m i n a n t e e atraí-la p a r a l e m b r a n ç a s secundárias. E n t r e t a n to, a despeito de sua vivacidade, essas l e m b r a n ças n ã o s ã o alucinações, e s c l a r e c e e l e . M a s h á exceções q u e o levarão a c o n c l u s õ e s i n e s p e r a d a s . F r e u d c o n s t a t o u , d e f a t o , q u e às v e z e s s e t r a t a v a d e v e r d a d e i r a s alucinações, e q u e i s s o n ã o o c o r r i a a p e n a s c o m psicóticos, m a s t a m b é m e m c a s o s "que certamente não eram psicóticos" ( p . 2 7 8 ) . E s s a observação c r u c i a l o l e v a a p o s t u l a r a i d e i a d e q u e u m a alucinação s e r i a o p r o d u t o d e u m a l e m b r a n ç a i n f a n t i l e s q u e c i d a : "Ainda não estudamos suficientemente esse caráter talvez geral da alucinação de ser o retorno de um acontecimento esquecido dos primeiros anos de ida, de alguma coisa que a criança viu ou ouviu em uma época em que ainda não sabia falar" ( p . 2 7 9 ) . P r o s s e g u i n d o s u a investigação, e l e s u p õ e q u e m e s m o a s f o r m a ções d e l i r a n t e s , m u i t a s v e z e s a c o m p a n h a d a s d e alucinações, s e r i a m i g u a l m e n t e o r e s u l t a d o "do impulso do inconsciente para o alto e do retorno do reprimido" ( p . 2 7 9 ) . Finalmente, levando ainda mais longe suas deduções, F r e u d l e v a n t a a hipótese d e q u e a p r ó p r i a l o u c u r a c o n t e r i a "uma parcela de verdade histórica", e q u e a crença n o delírio e x t r a i r i a s u a força d e s u a f o n t e i n f a n t i l . N e s s a e v e n t u a l i d a d e , o t r a b a l h o terapêutico v i s a r e c o n h e c e r o núcleo d e v e r d a d e c o n t i d o n o d e -

285

Ler Freud lírio l i v r a n d o - o d e s u a s deformações. E m o u -

atualmente

t r o s t e r m o s , F r e u d c h e g o u à conclusão d e q u e

tes a repressão"

a negação

e aquela a que se referia

o s delírios d o s d o e n t e s s e r i a m e q u i v a l e n t e s d e

reça u m a r e s p o s t a

construções q u e r e a l i z a m o s e m análise e q u e

coloca, ele pelo m e n o s

c o n s t i t u e m a om e s m o t e m p o tentativas d e res-

suscitado.

tituições, c o m o e l e já h a v i a m o s t r a d o vezes antes.

muitas

P o r é m , e l e a c r e s c e n t a , "(...)

condições

da psicose, [os delírios]

substituir

a parte da realidade

nas

só podem levar a

que se nega no pre-

t e v e o m é r i t o d e tê-la

P a r a c o n c l u i r , e l ee s t a b e l e c e u m p a r a l e l o mo modo que o efeito de nossa construção

se deve

ao fato de que ela nos oferece uma parte que se per-

igualmen-

deu da história

te em um período

(p. 280).

vincente

da infância"

d e f i n i t i v a à questão q u e

e l o q u e n t e e n t r e a p s i c o s e e a h i s t e r i a : "Do mes-

sente por uma outra parte que se negara remoto

vivida,

o delírio deve sua força

à parte de verdade histórica

I s s o c o l o c a então a questão d e e l u c i d a r a s r e -

lugar da realidade

deria aplicar ao delírio

estudo de casos particulares

apenas para a histeria: o doente sofre de suas

as relações

entre

que se poderão

a matéria

a que se

descorefere

niscências"

con-

que ele põe no

l a ç õ e s e n t r e a n e g a ç ã o e a r e p r e s s ã o : "É pelo brir

an-

( p . 280). E m b o r a F r e u d não o f e -

repelida. Dessa maneira, aquilo que outrora

eu poenunciei remi-

( p . 280).

O término da análise: tantos psicanalistas quanto opiniões "Análise terminável e interminável" d e u m a r g e m a n u m e r o s o s c o m e n t á r i o s d e s d e s u a p u b l i c a ç ã o e m 1937. Para d a r u m a ideia d a s p o s i ç õ e s e m j o g o , a p r e s e n t o b r e v e m e n t e o p o n t o d e vista d e alguns psicanalistas provenientes d e diversas correntes psicanalíticas e d e diversas regiões, cujas contribuições f o r a m reunid a s e m 1 9 9 1 , s o b a c o o r d e n a ç ã o d e J . Sandler (Londres), e m u m a m o n o g r a f i a d a Associação Psicanalítica Internacional c o m o título: Freud hoje. Análise terminável e interminável (1994). J a c o b A. Arlow (Nova York) abre a discussão insistindo sobre os limites d a a b o r d a g e m analítica, q u e são inerentes n ã o apenas à técnica, mas t a m b é m à natureza humana, pois o s conflitos são u m dado irredutível dela. Ele adverte contra a ilusão d e conseguir "criar u m ser h u m a n o "perfeito" graças à psicanálise. Harald LeupoldLówenthal (Viena) destaca q u e a intenção d e Freud era claramente evitar u m a tendência e m m o d a n a é p o c a entre alguns psicanalistas q u e pretendiam codificar o término e submetê-lo a regras técnicas rígidas. Para David Z i m m e r m a n n e A. L. Bento (Porto Alegre), o término torna-se previsível q u a n d o o paciente adquire u m a capacid a d e adequada d e se separar e d e se tornar a u t ó n o m o n a relação c o m o analista, mudanças q u e decorrem d a interação entre processo psicanalítico e processo d e desenvolvimento. Terttu Eskelien d e Folch (Barcelona) mostra que reconhecemos c o m Freud q u e a análise não seria completa, os recentes desenvolvimentos teóricos e técnicos nos permitem hoje ampliar consideravelmente o c a m p o d e aplicação d a psiquiatria a pacientes considerados inacessíveis no t e m p o d e Freud. Arnold M. Cooper (Nova York) avalia q u e o centro d e interesse d o s psicanalistas atuais deslocou-se d a "domesticação das pulsões" d e q u e fala Freud e m 1937 para u m ponto d e vista interpessoal q u e envolve a relação d e objeto. Ele destaca ainda q u e Freud se equivocou ao invocar a biologia para justificar u m a denegação d a feminilidade. Por s u a vez, André Green (Paris) examina o lugar d a pulsão nos últimos escritos d e Freud e sustenta, a propósito d o término, q u e é errado opor as pulsões ao objeto, pois o objeto é revelador d a pulsão graças às alternâncias d e s u a ausência e d e s u a presença. E m s u a conclusão, David Rosenfeld (Buenos Aires) evidencia a variedade d e posições d o s psicanalistas e m face d e u m a probíemática tão c o m p l e x a quanto o término d a análise, e pede q u e estejam abertos a novas ideias.

4)

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS r e c o n s t r u ç ã o - delírio - inveja d o pênis n a mulher - a l u c i n a ç ã o - p o s i ç ã o " r o c h a d e o r i g e m " - t é r m i n o d a análise -

-



MOISÉS E O

MONOTEÍSMO S. FREUD (1939a)

Uma obra testamentária que coloca mais questões do que responde O p e r s o n a g e m M o i s é s , f u n d a d o r d o judaísm o , f o i u m a d a s f i g u r a s históricas q u e m a i s i n t r i g o u F r e u d . E m 1914, ele h a v i a p u b l i c a d o " O Moisés d e M i c h e l a n g e l o " , u m b r e v e e s t u d o p s i canalítico i n s p i r a d o e m d e t a l h e s insólitos d e s s a célebre e s c u l t u r a . N o início d o s a n o s d e 1 9 3 0 , s e n t i n d o o f u t u r o d a psicanálise a m e a ç a d o a o t e m p o p o r d e n t r o e p e l o avanço d o a n t i - s e m i t i s m o , F r e u d começou a e x a m i n a r a s c o n s e q u ências d e u m a hipótese s u r p r e e n d e n t e q u e t i n h a extraído d e s u a s l e i t u r a s : M o i s é s , o f u n d a d o r d o judaísmo, não e r a u m j u d e u , m a s u m e g í p c i o q u e t e r i a i m p o s t o a religião d e A t o n a o p o v o hebreu. Iniciada e m 1934, a obra f o i p u b l i c a d a e m 1 9 3 9 , a il gg uu nn ss im e s e s a n t e s d a m o r t e

d e F r e u d . Moisés e o monoteísmo c o n s t i t u i n ã o a p e n a s u m p r o l o n g a m e n t o d e Totem e tabu, n a m e d i d a e m que F r e u d atribui ao assassinato de Moisés p e l o s h e b r e u s u m v a l o r análogo a o a s sassinato d o p a i da h o r d a primitiva, m a s t a m b é m d e O futuro de uma ilusão, n a m e d i d a e m q u e vê n e s s e a s s a s s i n a t o a o r i g e m longínqua d a religião d e C r i s t o , c o m s u a d i m e n s ã o s a c r i f i c i a l . E v i d e n t e m e n t e , a steses de F r e u d e r a m contestáveis d o p o n t o d e v i s t a histórico, o q u e f o i r e c o n h e c i d o p e l o s próprios c o m e n t a r i s t a s pósf r e u d i a n o s . M a s não v a m o s m i n i m i z a r h o j e a s questões q u e e l e l e v a n t a e q u e n ã o p o d e m d e i xar d enos intrigar, d enossa parte, tanto n o â m b i t o d a religião q u a n t o n o â m b i t o científico.

B I O G R A F I A S E Hl 5TORIA

O exílio e m Londres E m m a r ç o d e 1938, a Áustria é anexada à A l e m a n h a d e Hitler. A l g u m a s s e m a n a s depois, as instalações d a editora psicanalítica - a preciosa Verlag - s ã o vasculhadas e destruídas. Todos os amigos d e Freud insistem então para q u e ele deixe o país, e m particular J o n e s e Marie Bonaparte. U m a c a m p a n h a internacional, envolv e n d o principalmente diplomatas britânicos e norte-americanos, exerce u m a forte pressão sobre as autoridad e s superiores alemãs e austríacas para q u e ele p o s s a deixar Viena. Mas o maior obstáculo é o próprio Freud, q u e n ã o quer a b a n d o n a r s u a terra natal, pois sente isso c o m o u m a deserção. J o n e s diz q u e ele a c a b o u se c o n v e n c e n d o c o m a história d o s e g u n d o c o m a n d a n t e d o Titanic q u e fora lançado ao mar pela explosão d a caldeira; aos entrevistadores q u e lhe p e r g u n t a r a m s o b r e as c o n d i ç õ e s e m q u e tinha deixado o navio ele r e s p o n d e u : "Eu n ã o o deixei, foi ele q u e m e a b a n d o n o u ! " Q u a n d o finalmente as autoridades austríacas c o n c e d e r a m à família Freud o direito d e sair d o país, c o m e ç a r a m os p r o b l e m a s administrativos. Visto q u e os depósitos bancários d e Freud t i n h a m sido confiscados, é Marie Bonaparte q u e p a g a a alta s o m a c o b r a d a pelas autoridades, q u e o s u b m e t e m ainda a u m último constrangimento, a o exigir q u e assine u m a declaração atestando q u e n ã o foi maltratado. S e g u n d o J o n e s , Freud teria assinado acrescentando u m c o m e n t á r i o irónico q u e a c a b o u riscando: "Posso cordialmente recomendar a todos a Gestapo!". N o dia 3 d e j u n h o d e 1938, Freud, s u a e s p o s a Martha e s u a filha A n n a deixaram Viena r u m o a Londres, via Paris, pelo Expresso d o Oriente. Freud fez u m a escala r e m a r c a d a d e u m dia e m Paris c o m Marie Bonaparte, e foi a c o l h i d o calorosaContihua

Q

288

£

Jean-Michel

Quinodoz

BIOGRAFIAS E HISTÓRIA •

Continuação

mente na s u a c h e g a d a e m Londres. Tinha deixado e m Viena quatro irmãs q u e n ã o c o n s e g u i r a m autorização de saída e q u e m o r r e r a m alguns a n o s mais tarde e m c a m p o s d e extermínio nazistas. C o n c l u i r Moisés

e o monoteísmo

c o m toda liberdade

Pouco d e p o i s d e s u a instalação e m Londres, Freud voltou a o trabalho, c o n c l u i n d o e m j u l h o d e 1 9 3 8 a terceira e última parte d e Moisés. A s d u a s primeiras partes, a respeito d e Moisés o Egípcio, t i n h a m s i d o publicadas e m 1937 n a revista psicanalítica Imago, cuja difusão atingia u m público restrito. M a s a perspectiva d e u m a obra destinada a o g r a n d e público c o m e ç a a inquietar n ã o apenas seus próximos, c o m o t a m b é m círculos c a d a vez mais a m p l o s . Na verdade, antes d e sua partida para a Inglaterra, Freud tinha desistido d a ideia d e publicar seu Moisés t e m e n d o provocar o u irritar a Igreja católica austríaca, q u e n a é p o c a era antinazista. Mas sua instalação n a Inglaterra, para o n d e foi para "morrer em liberdade", s e g u n d o suas palavras, permitiu-lhe levar adiante suas ideias a f i m d e torná-las públicas logo q u e possível. E m v ã o s e tentará dissuadi-los d e publicar Moisés, tanto d o lado d o s j u d e u s , q u e s e viam d e s p o j a d o s d e s e u ancestral, c o m o d o lado d o s cristãos, cuja fé e m Cristo era c o n s i d e r a d a p o r Freud c o m o u m delírio. M a s n e n h u m a r g u m e n t o o fez ceder, ao contrário, isso parece ter reforçado s u a determinação. Freud n ã o c o m p r e e n d i a p o r q u e a s pessoas se obstinavam e m ignorar o caráter estritamente científico d e s u a c o n d u t a e exigiam dele a a u t o c e n s u r a . A obra foi lançada e m 1939 simultaneamente e m Amsterdã, e m alemão, e n o s Estados Unidos, e m t r a d u ç ã o inglesa. Morte d e Freud e m 2 3 d e setembro d e 1939 Os primeiros m e s e s d e 1 9 3 9 serão e n s o m b r e c i d o s pelas notícias d e p i l h a g e n s e prisões d e milhares d e j u d e u s n a A l e m a n h a , c o m o t a m b é m pela deterioração d o estado d e s a ú d e d e Freud, q u e tivera u m a m e lhora p a s s a g e i r a g r a ç a s a u m t r a t a m e n t o radioativo. A p e s a r d e s e u declínio, ele c o n t i n u a r á a r e c e b e r pacientes até o m ê s d e a g o s t o . Ele m o r r e u c o m g r a n d e d i g n i d a d e n o d i a 2 3 d e s e t e m b r o d e 1 9 3 9 , d e p o i s d e pedir a o s e u m é d i c o , M a x Schur, q u e abreviasse s e u sofrimento c o m morfina, c o m o este lhe p r o m e t e r a q u a n d o s e t o r n o u s e u m é d i c o particular.

DESCOBERTA DA OBRA As p á g i n a s i n d i c a d a s r e m e t e m a o texto p u b l i c a d o e m S. Freud (1939a), UHomme monothéiste, t r a d . C. H e i m , Paris, Gallimard, 1986. •

Moíse

et la

religion

"MOISÉS ERA U M NOBRE EGÍPCIO" A o atribuir u m a

o r i g e m egípcia a Moisés,

libertador e legislador considera como

d op o v o judeu, q u e o

o m a i o r d eseus filhos,

Freud

d a p o r u m a família d e condição h u m i l d e e a s s i m , e s c a p a d a m o r t e . N a adolescência, o h e rói s e v i n g a d e s e u p a i e a c a b a p o r v e n c ê - l o .

t e m p l e n a consciência d a audácia d e s u a t e s e ,

N o

"sobretudo

modesta

quando

a gente

mesmo pertence

povo" ( p . 6 3 ) . E l e c o m e ç a s e i n d a g a n d o

esse

sobre a

m i t o d e Moisés, e l e v e m

d e u m a família

e é r e c o l h i d o p o r u m egípcio.

a c h a q u en av e r d a d e

Moisés p e r t e n c i a

Freud a u m a

o r i g e m d o n o m e d e Moisés e a p r e s e n t a vários

família r e a l egípcia, m a s p a r a a l i m e n t a r o m i t o

a r g u m e n t o s d e o r d e m linguística e m d e f e s a d e

a t r i b u i u - s e a e l e u m a família d e o r i g e m

u m a o r i g e m egípcia. F r e u d s e a p o i a

desta, aquela q u ea b a n d o n o u

nos trabalhos do nascimento

d eR a n k , s o b r e t u d o

e m O mito

do herói ( 1 9 0 9 ) , e c o m p a r a

to d onascimento

o rela-

d e Moisés c o m d i v e r s o s

t o s a c e r c a d a o r i g e m d o herói. E s s a ção e v i d e n c i a

também

m i -

aproxima-

u m a característica c o m u m :

o

h i p ó t e s e d e F r e u d : "(...)

de repente, ficou

claro para nós que Moisés foi um egípcio, mente de posição em judeu.

elevada, cuja lenda

(...) Enquanto

m o -

a criança. Daí a muito

provaveltransformou

o usual é que um herói

eleve acima de suas origens

humildes

ao longo

se de

herói g e r a l m e n t e é f i l h o d e p a i s d e posição e l e -

sua vida, a vida de herói do homem Moisés

come-

vada,

çou por um rebaixamento;

altura

filho o ufilha d erei, e é c o n d e n a d o

à

m o r t e p e l o p a i ; m a s a criança é r e c o l h i d a e c r i a -

para se dirigir

aos filhos

ele desceu de sua de Israel" ( p . 7 3 ) .

Ler Freud •

289

" S E M O I S E S FOI U vi E G Í P C I O

A religião de Aton mposta aos hebreus

O culto de Yahvé: retorno a um deus primitivo

Q u e m o t i v o p o d e t e r i n c i t a d o u m egípcio d e posição e l e v a d a a s e c o l o c a r à f r e n t e d e e s t r a n g e i r o s e m i g r a d o s e a b a n d o n a r s e u país c o m eles? Para F r e u d , o que i m p u l s i o n o u Moisés f o i , s e m dúvida, o d e s e j o d e c o n v e r t e r o s j u d e u s e s t a b e l e c i d o s n o E g i t o à s u a própria r e l i g i ã o , a religião e g í p c i a , m a s n ã o q u a l q u e r u m a : u m a religião m o n o t e í s t a . O r a , a o l o n g o d a história só e x i s t i r a u m a , a q u e f o i i n t r o d u z i d a p e l o faraó A k h e n a t o n , q u e s u b i u a o t r o n o e m 1 3 7 5 a n t e s d e n o s s a e r a . E s s e j o v e m faraó a f a s t o u o s egípcios d o c u l t o d e A m o n , q u e s e tornara poderoso demais, para glorificar o deus A t o n , u m deus solar. C o n t u d o , assinala F r e u d , A k h e n a t o n não v e n e r a o s o l c o m o o b j e t o m a t e r i a l , m a s c o m o símbolo d e u m s e r d i v i n o único e u n i v e r s a l . E l e d e i x o u T e b a s q u e e r a d o m i n a d a p o r A m o n p o r u m a n o v a residênc i a a q u e d e u o n o m e d e A k h e t a t o n , c u j a s ruínas f o r a m encontradas e m 1887 e m u m lugar c h a m a d o T e l l - e l - A m a r n a . Nãos e s a b e q u e f i m levou Akhenaton, sUlvo que u m a revolta d e sacerdotes oprimidos restabeleceu o culto d e A m o n , a b o l i u a religião d e A t o n e a p a g o u q u a l q u e r vestígio d e l a .

N a s e q u ê n c i a d a história d o p o v o h e b r e u , o r e l a t o bíblico d i z g u e e m u m a d e t e r m i n a d a época, p o s t e r i o r a o Êxodo d o E g i t o , m a s a n t e rior à chegada n aTerra Prometida, o p o v o a d o t o u u m a n o v a religião. E l e e s c o l h e u v e n e r a r o d i v i n o Yahvé, u m d e u s d e caráter p r i m i t i v o e a s s u s t a d o r , próximo d o s d e u s e s B a a l . E s s e episódio m a r c o u u m a r u p t u r a d e c o n t i n u i d a d e n a t r a n s m i s s ã o d a religião d e M o i s é s . M a s F r e u d e x p l i c a i s s o r e v e l a n d o o indício d e u m a tradição s e g u n d o a q u a l o Moisés egípcio f o i assassinado pelos judeus d u r a n t e u m a sublevação d o p o v o r e c a l c i t r a n t e , e q u e a r e l i gião egípcia c r i a d a p o r e l e f o i a b o l i d a . S e g u n d o o historiador E d S e l l i m (1922), o n d e F r e u d e n c o n t r o u s u a s f o n t e s , e s s a tradição t e r i a s e tornado o f u n d a m e n t o d e todas a s esperanças m e s s i â n i c a s p o s t e r i o r e s .

E x a m i n a n d o m a i s d e p e r t o a religião d e A t o n , F r e u d d e s t a c a vários e l e m e n t o s c o m u n s c o m a religião j u d a i c a , c o m o a e x c l u s ã o d e e l e m e n t o s mágicos, a ausência d e representação f i g u r a d a d a p e s s o a d e A t o n - a não s e r s e u símb o l o sob a f o r m a d e u m disco solar d e o n d e s a e m o s r a i o s q u e a c a b a m e m mãos h u m a n a s - , a s s i m c o m o a renúncia à crença.em u m a v i d a depois d am o r t e . A esses elementos acrescent a - s e a prática d a circuncisão, prática t i p i c a m e n t e egípcia e d e s c o n h e c i d a d e o u t r o s p o v o s d o O r i e n t e Médio, e f o i Moisés q u e a impôs a o p o v o j u d e u . C o m esse ritual, s e g u n d o F r e u d , Moisés p r e t e n d i a m a r c a r u m a c o n t i n u i d a d e c o m s u a o r i g e m egípcia: "queria fazer deles um "povo santo" como ainda se diz expressamente no texto bíblico, e em sinal de uma tal santificação ele introduziu entre eles a prática que pelo menos os colocava em igualdade com os egípcios" ( p . 9 7 ) .

O culto de Yahvé eclipsado pelo retorno da religião mosaica F u n d a m e n t a n d o - s e e mu m fenómeno c o n h e c i d o e m psicanálise c o m o n o m e d e Entstellung ( d e s l o c a m e n t o , mudança d e p o s i ção, p a s s a g e m d e u m l u g a r a o u t r o ) , F r e u d mostra que o que se tenta negar acaba reapar e c e n d o d eu m a f o r m a m o d i f i c a d a , e ele a p l i ca esse c o n c e i t o a o r e a p a r e c i m e n t o d a a n t i g a religião d e M o i s é s . Moisés t e r i a s i d o p o r t a n t o a s s a s s i n a d o p e l o s s e u s , e s u a m o r t e f o i o r e s u l t a d o d a rebelião c o n t r a a a u t o r i d a d e q u e e l e próprio t i n h a u s a d o p a r a i m p o r s u a fé a o p o v o . P r o v a d i s s o é o episódio bíblico d a a d o r a ç ã o d o V e a d o d e O u r o e d a cólera d e M o i s é s q u e s e s e g u i u a i s s o . C o n t u d o , o b s e r v a F r e u d , o Moisés egípcio t i n h a d a d o a u m a p a r t e d o p o v o u m a representação d e D e u s b e m m a i s e l e v a d a d op o n t o d e v i s t a e s p i r i t u a l d o q u e o d e u s Yahvé, p r i m i t i v o e t e r r i f i c a n t e . D e f a t o , a religião egípcia m o s a i c a proporcionara a seu p o v o altamente espiritual "(...} a ideia de uma divindade única que abarcava o mundo inteiro, tendo tanto amor por toda criatura

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quanto onipotência que, inimiga de todo cerimonial e de toda magia, fixava aos homens como objetivo supremo uma vida de verdade e de justiça" ( p . 1 2 4 ) . A d e s p e i t o d o a s s a s s i n a t o d e Moisés e d a rejeição d e s e u D e u s , F r e u d l e v a n t a a h i p ó t e s e d e q u e a tradição d a d o u t r i n a m o s a i c a s u b s i s t e a o l o n g o d o s séculos s e g u i n t e s graças a o s levitas, que e r a m p r o v a v e l m e n t e o s descend e n t e s d i r e t o s d o s egípcios c u l t o s p e r t e n c e n t e s a o séquito q u e a c o m p a n h o u Moisés d u r a n t e o Êxodo, e q u e s e u s a b e r t e r i a s i d o t r a n s m i t i d o d e u m a geração a o u t r a . F o i a s s i m q u e a religião d e M o i s é s v o l t o u a g a n h a r t e r r e n o e r e l e g o u d e f i n i t i v a m e n t e o c u l t o d e Yahvé.



"MOISÉS, S E U P O V O E A RELIGIÃO MONOTEÍSTA"

O retorno do reprimido na aparição das religiões F r e u d começa c o m u m e s c l a r e c i m e n t o : e l e d e c l a r a q u e n ã o t i n h a a intenção d e p u b l i c a r essa terceira p a r t e d ao b r a e n q u a n t o estava n a Áustria, p o i s t e m i a p e r d e r a p r o t e ç ã o d a I g r e j a católica e m r a z ã o d a a u d á c i a d e s u a s hipóteses e v e r a p s i c a n á l i s e p r o i b i d a e m s e u país. M a s depois q u e f o i v i v e r e m L o n d r e s , ele s e s e n t i u l i v r e q u a n t o a isso, t a n t o m a i s q u e a I g r e j a católica s e r e v e l a r a u m "caniço flexível" quando d a anexação d a Áustria p e l a A l e m a n h a ( p . 1 3 5 ) .

Período de latência e tradição F r e u d s e i n d a g a e m s e g u i d a s o b r e a s razões d a reaparição d a s d o u t r i n a s m o s a i c a s . À l u z d a experiência psicanalítica, e l e e s t a b e l e c e u m p a r a l e l o e n t r e "o tempo de latência" q u e s e o b s e r v a n a clínica e n t r e o s u r g i m e n t o d e u m t r a u m a t i s m o psíquico e a a p a r i ç ã o d o s s i n t o m a s c o n s e q u e n t e s e , n a história r e l i g i o s a , e n t r e o a b a n d o n o d a religião d e M o i s é s e o r e s s u r g i m e n t o t a r d i o d o monoteísmo j u d a i c o . F r e u d e x p l i c a e s s a defasagem temporal pelo papel determinante q u e d e s e m p e n h a a "tradição" n a transmissão d e u m a c o n t e c i m e n t o a o l o n g o d o s séculos: "E foi essa tradição de um grande passado que continuou a agir em segundo plano, que conquistou cada vez mais poder sobre os espíritos e que chegou afazer do deus

Yahvé o deus mosaico e a chamá-lo à vida da religião de Moisés quefora instaurada muitos séculos antes e depois abandonada" ( p . 1 5 4 - 1 5 5 ) .

O período de latência na neurose A psicanálise n o s e n s i n o u q u e a s n e u r o s e s têm c o m o c a u s a u m t r a u m a t i s m o q u e s u r g e n a infância, e n t r e 4 e 5 a n o s , e q u e são e x p e riências q u e s e a s s o c i a m g e r a l m e n t e a i m p r e s sões s e x u a i s e a g r e s s i v a s . E m s e g u i d a , e s s a s experiências são e s q u e c i d a s , p o i s s e e v i t a t o m a r consciência d e l a s . M a s , d e p o i s d e u m período m a i s o u m e n o s l o n g o , e l a s r e a p a r e c e m n a v i d a a d u l t a c o m o "retorno do reprimido", e a n e u r o s e d e f i n i t i v a s e impõe então s o b d i v e r s a s f o r m a s : restrições p u l s i o n a i s , inibições o u f o b i a s . F r e u d dá u m b r e v e e x e m p l o d i s s o e m u m h o m e m que tinha sofrido u m traumatism o p s i c o s s e x u a l n a s u a infância: e s t e f o i e s q u e c i d o , i s t o é, r e p r i m i d o , m a s a consequênc i a t a r d i a f o i u m a impotência s e x u a l q u e a p a r e c e u n a v i d a a d u l t a , após u m período d e latência.

O período de latência aplicado á história humana Aplicando seus pontos d evista à psicolog i a c o l e t i v a , F r e u d m o s t r a q u e u m a população p o d e t e r s i d o m a r c a d a p o r experiências s e x u a i s e agressivas traumatizantes surgidas a o longo d e t e m p o s históricos, e x p e r i ê n c i a s q u e d e p o i s caíram n o e s q u e c i m e n t o . Após u m período d e latência, e s s a s e x p e r i ê n c i a s t r a u m á t i c a s c o l e tivas r e s s u r g e m , e seus efeitos s ef a z e m sentir m a i s t a r d e , e o m e s m o o c o r r e c o m o s fenómen o s r e l i g i o s o s , s e g u n d o e l e : "Acreditamos que é possível desvendar esses processos e queremos mostrar que suas consequências, que se assemelham a sintomas, são fenómenos religiosos" ( p . 1 7 0 ) . F r e u d s e r e f e r e , e n t ã o , a Totem e tabu ( 1 9 1 2 ) e à hipótese d o a s s a s s i n a t o d o p a i d a h o r d a p r i m i t i v a , m o r t o p e l o s irmãos r e v o l t a d o s c o n t r a s u a d o m i n a ç ã o . E l e s s e a s s o c i a r a m e "venceram o pai e o devoraram cru, segundo o costume desse tempo" ( p . 1 7 ) . I n s t i t u i n d o e m s e g u i d a u m a f e s t a c o m e m o r a t i v a a f i m d ev e n e r a r n o a n i m a l totem o substituto do pai m o r t o idealizado, o s h o m e n s p r i m i t i v o s i n t r o d u z i r a m a religião totê-

Ler Freud m i c a , p r i m e i r a f o r m a d e religião n a h i s t ó r i a h u m a n a . E m todos o sensinamentos e ritos rel i g i o s o s , p r o s s e g u e F r e u d , v e m o s r e s s u r g i r após longos intervalos elementos d opassado dos h o m e n s primitivos que t i n h a m sido esquecid o s . O b s e r v a - s e u m fenómeno s e m e l h a n t e e m clínica n a l o u c u r a d e l i r a n t e d o s psicóticos: "Nós devemos conceder também aos dogmas das religiões um tal conteúdo de verdade, uma verdade que devemos chamar de histórica; as religiões trazem em si evidentemente o caráter de sintomas psicóticos, mas enquanto fenómenos de massa elas são subtraídas à maldição do isolamento" ( p . 1 7 6 ) . É c o m b a s e n om o d e l o d or e t o r n o d e u m p a s s a d o histórico e s q u e c i d o q u e F r e u d v ê a instauração d o monoteísmo n o judaísmo e s u a continuação n o c r i s t i a n i s m o . S e g u n d o e l e , é graças a u m s e n t i m e n t o d e c u l p a d e s i g n a d o m a i s t a r d e p e l o n o m e d e "pecado original" q u e u m a n o v a religião s e s e p a r o u d o j u d a í s m o , a religião d o C r i s t o , u m h o m e m t a m b é m o r i u n d o d op o v o judeu. M a s , dado que o pecado o r i g i n a l é u m c r i m e c o n t r a D e u s , e s t e não p o d i a s e r e x p i a d o a não s e r p e l a m o r t e . N a v e r dade, s e g u n d o F r e u d , esse c r i m e n a d a m a i s e r a d o q u e o a s s a s s i n a t o d o p a i p r i m i t i v o : "Esse crime digno de morte tinha sido o assassinato do pai primitivo, mais tarde divinizado. Mas não se recorda o ato do assassinato; em seu lugar, fantasia-se sua expiação, e é por isso que essa fantasia poderia ser saudada como uma nova redenção (evangelho). Um filho se Deus se deixou matar como vítima inocente e ao fazer isso tomou para si a culpa de todos" ( p . 1 7 8 ) . D a í a f r a s e c é l e b r e : "O judaísmo tinha sido uma religião do pai, o cristianismo foi uma religião do filho" ( p . 1 8 1 ) . P a r a F r e u d , e n c o n t r a m o s n a religião cristã t a n t o o m i t o d o herói q u a n t o a representação d o a n t i g o b a n q u e t e totêmico, r e p r e s e n t a d o p e l a cerimónia d a s a n t a comunhão. M a s , a i n d a s e g u n d o F r e u d , a religião cristã n ã o t e r i a m a n t i d o o alto g r a u d eespiritualidade d o j u d a í s m o , p o i s e l a r e s t a u r o u o c u l t o d a "grande deusa mãe" e a c o l h e u "um grande número de deidades do politeísmo" ( p . 1 8 0 ) - alusão à v i r g e m M a r i a e aos santos - r e i n t r o d u z i n d o i g u a l m e n t e e l e m e n t o s mágicos e s u p e r s t i c i o s o s . E m o u t r a s p a l a v r a s , p a r a F r e u d , a aparição d o c r i s tianismo foi u m progresso apenas parcial: " O

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triunfo do cristianismo foi uma nova vitória dos sacerdotes de Amon sobre o deus de Akhenaton, após um intervalo de um milénio e meio, e isto em um cenário mais vasto. Contudo, o cristianismo foi um progresso do ponto de vista da história religiosa, isto é, no aspecto do retorno do reprimido; a partir desse momento, a religião judaica se tornou uma espécie de fóssil" ( p . 1 8 1 ) . P r o s s e g u i n d o s e u raciocínio até o f i m , F r e u d considera retrospectivamente que o arrependimento suscitado pelo assassinato d e Moisés s e m dúvida d e u i m p u l s o à f a n t a s i a d e desejo d oMessias. M a s o p o v o j u d e u contin u o u a negar o assassinato d opai, e o antis e m i t i s m o v i r i a e m p a r t e d a acusação q u e l h e f o i f e i t a , p r i n c i p a l m e n t e p e l o s c r i s t ã o s : "Vocês mataram nosso Deus!" ( p . 1 8 3 ) A o q u e F r e u d r e s p o n d e q u e s e d e v e r i a a c r e s c e n t a r : "Na verdade, nós fizemos o mesmo, mas não o confessamos e depois fomos perdoados" ( p . 1 8 3 ) .

A tradição, suporte privilegiado da transmissão pela filogênese A herança arcaica: u m fator constitutivo E s t e capítulo é a o p o r t u n i d a d e p a r a F r e u d afirmar mais claramente do que nunca sua conv i c ç ã o n a t r a n s m i s s ã o p e l a v i a d a filogênese, e m b o r a e l e t e n h a m e n c i o n a d o e s s e fenómeno ao l o n g o d e t o d a sua obra. S e g u n d o ele, a v i d a d e u m indivíduo não é i n f l u e n c i a d a a p e n a s p e l o q u e ele v i v e u a n t e r i o r m e n t e e r e p r i m i u n o i n c o n s c i e n t e , m a s é i n f l u e n c i a d a também p o r c o n t e ú d o s i n a t o s , i s t o é, p o r "elementos filogenéticos, uma herança arcaica" ( p . 1 9 3 ) , c o m o m o s t r a a t r a n s m i s s ã o d a religião d e M o i s é s . C o l o c a m - s e , então, a s s e g u i n t e s questões: e m q u e c o n s i s t e e s s a herança? O q u e e l a contém? Q u a i s s ã o a s p r o v a s d e s u a existência? S e g u n d o d o F r e u d , e s s a herança a r c a i c a c o r r e s p o n d e a o q u e c h a m a m o s e m u m indivíd u o d e "fator constitutivo": existem na verdade tendências c o m u n s a t o d o s e r h u m a n o , q u e s e m a n i f e s t a m particularmente d u r a n t e os p r i m e i ros anos d ev i d a , e p o d e m o s a t r i b u i r essas reações e a s diferenças i n d i v i d u a i s a u m a h e rança a r c a i c a . E l e vê a demonstração d i s s o n o caráter u n i v e r s a l d a s i m b ó l i c a d a l i n g u a g e m

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Quinodoz

q u e c o n s t i t u i u m s a b e r originário q u e t r a n s c e n d e a s diferenças e n t r e a s l í n g u a s . E l e o f e r e c e a i n d a u m o u t r o a r g u m e n t o e m a p o i o à s u a tese, o c o m p o r t a m e n t o d a criança e m relação a o s s e u s p a i s n o c o m p l e x o d e Édipo e n o c o m p l e x o d e castração. T r a t a - s e d e "reações que parecem injustificadas do ponto de vista individual e que só podem ser compreendidas filogeneticamente em relação à experiência de gerações anteriores" ( p . 1 9 3 ) . O p a p e l d a herança arcaica foi m i n i m i z a d o F r e u d s e r e p r o v a p o r n ã o t e r d a d o atenção s u f i c i e n t e até a q u i à herança d e m a r c a s d e i x a d a s n a m e m ó r i a n a f o r m a d a filogênese e , s o b r e t u d o , p o r t e r e n f a t i z a d o a s influências a d q u i r i d a s : "Olhando mais de perto, temos de confessar que por muito tempo não nos conduzimos como se a herança de traços mnésicos relativos ao que foi vivido pelos ancestrais, independentemente de uma comunicação direta e da influência da educação, por exemplo, não tivesse importância. Quando falamos da preservação de uma antiga tradição de um povo, da formação de um caráter nacional, costumamos pensar em uma tradição que se perpetua pela comunicação. Ou, no mínimo, distinguimos entre as duas e não nos demos conta da audácia que comporta uma tal negligência" (p. 195196). A p e s a r d ai m p o s s i b i l i d a d e d e oferecer p r o v a s m a i s tangíveis d a existência d e u m a memória a n c e s t r a l além d a s manifestações o b s e r v a d a s n o t r a b a l h o analítico e a t r i b u í d a s à filogênese, F r e u d c o n s i d e r a q u e são p r o v a s s u f i c i e n t e s p a r a s u s t e n t a r s u a hipótese. O instinto d o s a n i m a i s : herança arcaica? Pode-se considerar c o m o u m a p r o v a suplementar, indaga-se Freud, oparalelo que é possível e s t a b e l e c e r e n t r e o i n s t i n t o d o s a n i m a i s , de u m lado, que nada mais éd o que a lembrança d o q u e f o i v i v i d o p o r s e u s a n c e s t r a i s , e a herança a r c a i c a d o s e r h u m a n o , d e o u t r o l a d o . M e d i a n t e e s s a a p r o x i m a ç ã o , d i z e l e , "reduzimos o fosso que, por presunção humana, as épocas anteriores cavaram exageradamente entre o homem e o animal. Se aquilo que chamamos de instintos dos animais, instintos que lhes permitem se com-

portar desde o início em uma situação nova de vida como se fosse uma situação antiga, há muito tempo familiar, se essa via instintiva dos animais admite uma explicação qualquer, ela só poderia ser: porque eles carregam em sua nova existência de indivíduos as experiências de sua espécie, e portanto conservaram neles as lembranças do que foi vivido por seus ancestrais. Com o animal homem não seria diferente. Sua própria herança arcaica corresponde aos instintos dos animais, ainda que se diferencie quanto à sua amplitude e ao seu conteúdo" ( p . 1 9 6 - 1 9 7 ) . O i n c o n t o r n á v e l assassinato do p a i da horda primitiva Seguro d eseus argumentos anteriores, F r e u d a f i r m a u m a v e z m a i s s u a convicção d e q u e o assassinato d o p a i d ah o r d a p r i m i t i v a é transmitido desde asorigens e mforma d e filogênese: "Feitas essas considerações, não hesito em afirmar que os seres humanos sempre souberam - dessa maneira particular - que um dia tiveram um pai primitivo e que o mataram" ( p . 1 9 7 ) . D i s s o e m e r g e m d u a s o u t r a s questões. E m p r i m e i r o l u g a r , c o m o u m a c o n t e c i m e n t o t a l c o m o o ass a s s i n a t o d o p a i p r i m i t i v o p e n e t r a n a herança arcaica? P a r a isso, é preciso q u e o a c o n t e c i m e n to tenha sido suficientemente importante e que se r e p i t a d e m a n e i r a a d e i x a r u m a m a r c a t r a u mática n a m e m ó r i a , e m u m p r o c e s s o s e m e l h a n te à n e u r o s e . E m s e g u n d o l u g a r , e mq u e circunstâncias e s s e a c o n t e c i m e n t o p o d e s e t o r n a r a t i v o ? F r e u d r e s p o n d e q u e a repetição d o a c o n t e c i m e n t o r e a l e m questão c o n s t i t u i o f a t o r desencadeante, p o i s é ele q u e desperta a l e m brança e s q u e c i d a ; a s s i m , p o d e m o s s u p o r q u e o a s s a s s i n a t o d e Moisés e a p o s t e r i o r c o n d e n a ção à m o r t e d e C r i s t o c o n s t i t u e m a c o n t e c i m e n t o s r e v e l a d o r e s d a c a u s a originária. A i s s o s e a c r e s c e n t a u m a r g u m e n t o d e o r d e m psicológic a , q u e e v o c a a repressão s e g u i d a d o r e t o r n o d o r e p r i m i d o : "Uma tradição que não se fundamentasse na comunicação não poderia ter o caráter de coerção próprio dos fenómenos religiosos. Ela seria ouvida, julgada, eventualmente rejeitada como qualquer informação vinda do exterior; não conquis-

Ler Freud taria jamais o privilégio de se livrar da coerção do pensamento lógico. Ela deve ter enfrentado primeiro a vicissitude da repressão, estado daquilo que permanece no inconsciente, antes de conseguir submeter as massas ao seu domínio, como vimos com surpresa, sem compreender até agora, na tradição religiosa" ( p . 1 9 8 ) .

Recapitulação e reafirmação de uma convicção jatéia N a última p a r t e d a o b r a , F r e u d r e c a p i t u l a as l i n h a s gerais d es u atese e f a za l g u n s c o m p l e m e n t o s r e p o r t a n d o - s e à génese d o caráter particular d op o v o judeu. Para evitar as repetições - é a s e g u n d a v e z q u e F r e u d r e s u m e suas teses nessa obra -, m e n c i o n a r e i a p e n a s a l g u n s d e s s e s acréscimos. A s s i m , F r e u d p r o cura saber d eonde v e m o sentimento d e s u p e r i o r i d a d e tão d i f u n d i d o e n t r e o s j u d e u s q u e , além d i s s o , c o n s i d e r a m - s e c o m o p e r t e n c e n t e s a o p o v o e l e i t o . S e g u n d o F r e u d , e s s e traço d e amor-próprio r e m o n t a a Moisés, q u e l h e s a s s e g u r o u q u e eles e r a m o p o v o eleito p o r D e u s : "(...) ousamos dizer que foi unicamente Moisés que criou os judeus" ( p . 2 0 3 ) .

A religião de Moisés: uma incontestável

superioridade

Porém, c o m o é possível q u e u m único h o m e m t e n h a e x e r c i d o s o b r e e l e s u m a ação tão extraordinária? F r e u d vê n i s s o a m a r c a d a n o s t a l g i a d o p a i q u e h a b i t a c a d a u m d e nós d e s d e a i n f â n c i a , r a z ã o p e l a q u a l "os traços que atribuímos ao grande homem são traços paternos" ( p . 2 0 7 ) . F r e u d p r o s s e g u e s u a recapitulação, d e s t a c a n d o q u e a religião m o s a i c a p r o p o r c i o n o u a o s j u d e u s u m a representação d e D e u s b e m m a i s s u b l i m e q u eo s o u t r o s , p o i s a p r o i bição d e c r i a r e m u m a i m a g e m d e D e u s t e v e c o m o consequência f a v o r e c e r u m a r e p r e s e n tação a b s t r a t a d o d i v i n o , o q u e c o n s t i t u i u m p r o g r e s s o n o t á v e l n o p l a n o p s í q u i c o : "Ela [a proibição] significava, de fato, uma retirada da representação sensorial em proveito de uma repre-

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sentação que se poderia chamar de abstrata, um triunfo da vida espiritual sobre a vida sensorial ou, mais precisamente, uma renúncia às pulsões com suas consequências inevitáveis no plano psicológico" ( p . 2 1 2 ) . F r e u d t i r a u m a conclusão análoga d a p a s s a g e m d o m a t r i a r c a d o a o p a t r i a r c a d o : "Mas essa passagem da mãe ao pai caracteriza também uma vitória da vida espiritual sobre a vida sensorial, e, portanto, um progresso na civilização, pois a paternidade é uma conjectura, é edificada sobre uma dedução e sobre um postulado" ( p . 2 1 3 ) .

A ideia de um deus único: retorno da lembrança de uma realidade reprimida Q u a n t o à i d e i a d e u m d e u s único, F r e u d a f i r m a c l a r a m e n t e q u e h o j e não a c r e d i t a e m s u a existência e q u e e s s a crença d e c o r r e d e que, nos tempos primitivos, existiu realmente u m a p e s s o a única q u e f o i e l e v a d a a c i m a d a s outras à categoria d ed i v i n d a d e . Posteriorm e n t e , e l a r e t o r n o u à lembrança d o s h u m a n o s . O fenómeno d o r e t o r n o d o r e p r i m i d o e x p l i c a r i a q u e a existência histórica d e s s e h o m e m t e n h a caído n o e s q u e c i m e n t o , d e i x a n d o marcas duradouras n aalma humana, comparáveis a u m a tradição. A s s i m , a i d e i a d e u m d e u s único t e r i a r e a p a r e c i d o n a h u m a n i d a d e c o m o o r e t o r n o d o r e p r i m i d o e m u m neurótico, d e u m a m a n e i r a c o m p u l s i v a , e desta v e z seria n a d a m a i s d oq u e o despertar d e u m a v e r d a d e histórica d e s a p a r e c i d a p a r a s e m p r e : "Um desses efeitos seria o surgimento da ideia de um grande deus único, ideia que devemos considerar como uma lembrança sem dúvida deformada, mas plenamente justificada. Na medida em que é deformada, temos o direito de qualificá-la de ilusão (em alemão W a h n , que significa tanto ilusão como delírio); na medida em que ela conduz ao retorno do que é passado, temos de chamá-la de verdade. O delírio no sentido psiquiátrico também contém uma parcela de verdade, e a convicção do doente parte dessa verdade para passar a esse invólucro de delírio" ( p . 2 3 4 - 2 3 5 ) . O f i m d e s s a s e g u n d a p a r t e é u m a repetição p o u c o m o d i f i c a d a d e t e s e s e x postas anteriormente n a obra.

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Jean-Michel

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PÓS-FREUDIANOS Um último desafio e mais um escândalo Q u a n d o foi lançado, esse livro causou escândalo, e m particular nos meios religiosos, tanto judaicos quanto cristãos. Seus irmãos j u d e u s ficaram furiosos por Freud ter tentado arrancar-lhes seu Moisés, t e m e n d o os efeitos disso a l o n g o prazo. Quanto aos cristãos, eles reagiram c o m maior intensidade contra a crítica ao cristianismo, pois aqui Freud foi mais longe q u e e m O futuro de uma ilusão: ele não apenas afirmou e m Moisés que a religião cristã era d e longe a q u e mais se aproximava d e u m delírio, c o m o t a m b é m a considerava c o m o u m a regressão e m face d a espiritualidade judaica e c o m o u m retorno à idolatria. Contudo, essa p o l é m i c a inflamada logo foi relegada a s e g u n d o plano pela declaração d e guerra d e 1939. Além disso, por motivos políticos e tendo e m vista as perseguições nazistas, os meios judaicos procuraram minimizar a importância d a o b r a d e Freud para não impedir u m retorno às tradições q u e tinham feito de Moisés o fundador d a religião judaica. O Moisés d e Freud: O q u e resta dele hoje Voltando atrás n o t e m p o , essa o b r a a p a r e c e c o m o u m a o b r a c o m p l e x a e contraditória, q u e d e u lugar a c o m e n t á r i o s t ã o n u m e r o s o s q u a n t o diversificados, e m geral c a r r e g a d o s d e paixão. C o n t u d o , as p e s q u i s a s recentes n o s p e r m i t e m hoje a b o r d a r a leitura d o Moisés d e Freud d e m a n e i r a mais crítica e t a m b é m mais e n r i q u e c e d o r a . P o d e m o s dizer efetivamente q u e se trata d e u m a o b r a contestável, e m particular n o plano d a religião, d a história e d a a n t r o p o l o g i a , m a s q u e traz e s c l a r e c i m e n t o s valiosos s o b r e o p r ó p r i o Freud, e c o l o c a q u e s t õ e s e s s e n c i a i s q u e a i n d a estão l o n g e d e ser resolvidas. A p r e s e n t a m o s a l g u n s p o n t o s d e referência entre o s principais c o m e n t á r i o s . Nos m e i o s psicanalíticos d e s t a c o u - s e antes d e t u d o a identificação d e Freud c o m a p e s s o a d e M o i s é s , pois o texto foi escrito e m u m c o n t e x t o particular e m q u e ele t e m i a a o m e s m o t e m p o o d e s a p a r e c i m e n t o d a psicanálise e ser a m e a ç a d o d e m o r t e c o m o pai fundador, n ã o a p e n a s pelos nazistas, m a s t a m b é m por s e u s p r ó p r i o s d i s c í p u l o s , c o m o M o i s é s . A l é m d i s s o , a o b r a foi b a s t a n t e a p r e c i a d a p e l o s a u t o r e s d e psicobiografias psicanalíticas e vista c o m o u m m o d e l o d o g é n e r o . C o n t u d o , n o q u e diz respeito a o c o n t e ú d o p r o p r i a m e n t e dito d a s teses freudianas, os psicanalistas t e n d e m a t u a l m e n t e a c o n s i d e r a r Moisés d a m e s m a m a n e i r a q u e Totem e tabu, isto é, c o m o u m a série d e hipóteses s e m d ú v i d a a u d a c i o s a s , m a s cuja validade científica está l o n g e d e ser d e m o n s t r a d a . Por e x e m p l o , parece difícil admitir o paralelo q u e Freud estabelece entre o d e s e n v o l v i m e n t o individual e o d e s e n v o l v i m e n t o histórico d o g é n e r o h u m a n o e v o c a n d o repressão coletiva, o retorno d o r e p r i m i d o a p ó s u m período d e latência. C o n t u d o , c o n c o r d a m o s c o m ele q u e a q u e s t ã o d a t r a n s m i s s ã o intergeracional e filogenética tão b e m f o r m u l a d a n o final d e s u a o b r a foi m i n i m i z a d a p e l o s psicanalistas, e p e r m a n e c e inteiramente aberta a i n d a hoje. Do lado d o s a n t r o p ó l o g o s , a maioria deles d á p o u c o o u n e n h u m crédito à hipótese f r e u d i a n a d a h o r d a primitiva, a i n d a q u e a l g u n s t e n h a m d e f e n d i d o o contrário. J á d o lado d o s historiadores, as p e s q u i s a s recentes a t r i b u e m u m a i m p o r t â n c i a maior às origens m e s o p o t â m i c a s d a s t r a d i ç õ e s d a religião h e b r a i c a d o q u e às o r i g e n s e g í p c i a s , d e m o d o q u e a hipótese d e Freud d e q u e Moisés era na v e r d a d e u m egípcio é seriamente q u e s t i o n a d a . No p l a n o religioso, as p o s i ç õ e s d e Freud d e r a m lugar a p o s i c i o n a m e n t o s m u i t o diversos. N o q u e se refere às relações d e F r e u d c o m o j u d a í s m o , Moisés é visto c o m o u m a reflexão s o b r e a i d e n t i d a d e j u d a i c a , s o b r e os t r a ç o s d e caráter q u e ela d e t e r m i n a , e a i n d a s o b r e a o r i g e m d o anti-semitismo. Entre o s i n ú m e r o s trabalhos c o n s a g r a d o s a isso, o d e Y. H. Yerushalmi (1991) m e r e c e ser m e n c i o n a d o , pois o autor e x a m i n a c o m pertinência a m a n e i r a c o m o esse escrito se insere na vida d e Freud, c o n s i d e r a n d o q u e através d e s s a o b r a ele t o r n o u o j u d a í s m o "interminável", p o r q u e s e m Deus. N ã o íattavam críticas t a m b é m n o q u e diz respeito às origens e à d e b i l i d a d e d o s a r g u m e n t o s e m q u e F r e u d se a p o i o u . Por e x e m p l o , q u a n d o ele estabelece u m a equivalência entre os s i n t o m a s o b s e s s i v o s e os rituais religiosos, Meissner estima q u e Freud descreve u m a s p e c t o limitado e mais p a t o l ó g i c o d a e x p r e s s ã o relig i o s a , e q u e isso limita c o n s i d e r a v e l m e n t e o a l c a n c e d e s u a s a f i r m a ç õ e s : "A análise torna-se assim reducionista no pior sentido e acaba contribuindo pouco para a compreensão da fé autêntica e da prática religiosa" (2002, p. 475). R Ricoeur d e f e n d e u m p o n t o d e vista a n á l o g o (1965) q u a n d o c o n s i d e r a q u e a a b o r d a g e m analítica esclarece u n i c a m e n t e o a s p e c t o d a religião q u e se o b s e r v a na idolatria. De m a n e i r a

Continua (

Ler Freud

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Continuação

geral, a o r i g e m d a hostilidade d e Freud a t o d a religião o r g a n i z a d a - fosse cristã o u j u d a i c a - estava ligada a n u m e r o s o s fatores q u e não p o s s o desenvolver aqui. Mas, c o m o assinala E. Rice (2002), se o l h a r m o s a l é m d o q u e Freud "cegou por sua hostilidade", v e m o s surgir u m a i m a g e m muito diferente dele. S e g u n d o esse autor, "Ele [Freud] achava que o cristianismo era um retorno à época pagã pré-monoteísta, idêntica ao culto de ídolos que predominava no Egito antes de Akhenaton. O que Freud procurava era uma religião profética, um culto baseado na importância da responsabilidade individual e da justiça social. Uma concepção teocêntrica do universo só impediria uma tal realização" (p. 297-298). Para c o n c l u i r , não p o d e m o s subestimar hoje a i m p o r t â n c i a d a s c o n t r i b u i ç õ e s freudianas à q u e s t ã o religiosa, a despeito d a d e b i l i d a d e d e seus a r g u m e n t o s , d e seus p r ó p r i o s conflitos e d e seu ateísmo, pois Freud levantou várias q u e s t õ e s q u e c o n t i n u a m s e m resposta, c o m o m o s t r o u W. W. Meissner (1984). Por s u a vez, R Ricoeur se manifesta igualmente contra o p r e c o n c e i t o s e g u n d o o qual a psicanálise seria iconoclasta. S e g u n d o ele, u m a " d e m o l i ç ã o " d a religião p o d e m u i t o b e m ser a expressão crítica de u m a fé purificada d e t o d a idolatria, i n d e p e n d e n t e m e n t e d a p o s i ç ã o d o psicanalista e m relação à fé. Aliás, d o p o n t o d e vista d a fé religiosa, a psicanálise t e m seus limites e, para Ricoeur, n ã o c a b e a ela pronunciar-se nesse terreno: "Minha hipótese de trabalho (...) é que a psicanálise como tal é necessariamente iconoclasta, independentemente da fé ou da não-fé do psicanalista, e que essa "destruição" da religião pode ser a contrapartida de uma fé purificada de toda idolatria. A psicanálise como tal não pode ir além dessa necessidade do iconoclasmo. Essa necessidade abre-se para uma dupla possibilidade: a da fé e a da não-fé, mas a decisão entre essas duas possibilidades não lhe pertence" (1965, p. 243). Pessoalmente, p e n s o q u e a psicanálise e a fé religiosa o c u p a m c a d a u m a u m c a m p o próprio. Entretanto, c o n s i d e r a d a s suas inevitáveis interações, p a r e c e - m e importante distinguir u m c a m p o e m relação à outra, d e m a n e i r a q u e a existência d e u m a não i m p e ç a a existência d a outra.

ÊÈ

CRONOLOGIA DOS CONCEITOS FREUDIANOS

D e s l o c a m e n t o (Enteste 'ung) - h e r a n ç a arcaica - latência ( t e m p o de) - assassinato d o pai - filogênese religião, ideias religiosa > - religião monoteísta - tradição

LER FREUD HOJE? "Man verstehet die Psychoanalyse immer noch am besten, wenn man ihre Entstehung und Entwicklung verfolgt" S. Freud, 1923a; G W 1 3 , 2 1 1 . "A melhor maneira de compreender a psicanálise ainda é fixar-se à sua génese e ao seu desenvolvimento." S. Freud, "Psychanalyse" e Théorie de la libido", 1923a, p. 51 [183]

F r e u d a i n d a é a t u a l ? S u a s ideias c o n s e r v a r a m s u a v a l i d a d e u n i v e r s a l ? Q u a n t o a o métod o terapêutico q u e d e c o r r e d e l a s , a c u r a p s i canalítica, q u a l é s e u l u g a r e m n o s s a época? A q u e l e s q u ef a z e m essas perguntas, resp o n d o q u e a p s i c a n á l i s e está m u i t o v i v a : a " r e volução psicanalítica", c o m o a d e n o m i n a v a M a r t h e R o b e r t (1964), c o n t i n u a e m m a r c h a . P a r a m o s t r a i s s o , c o n c e b i Ler Freud c o m o u m a a b o r d a g e m q u e põe e m evidência a v i t a l i d a -

d e d a s i d e i a s d e F r e u d e d a psicanálise.

U t i l i z e i , n a m e d i d a d o possível, p a l a v r a s d a l i n g u a g e m c o t i d i a n a , c o m o f e z F r e u d e m líng u a alemã, o q u e não d i m i n u i e m n a d a a c o m plexidade d eseu pensamento. Parece-me i m p o r t a n t e c o l o c a r o s t e x t o s e a s ideias d e F r e u d ao alcance d etodos, a f i m d eque a leitura d e u m a o u outra d esuas obras traga algo que nos t o q u e p e s s o a l m e n t e . F a z e n d o e c oa o m a i s p r o f u n d o d e n o s s o ser, a l e i t u r a d eF r e u d p o d e s e t o r n a r u m p o n t o d ep a r t i d a p a r a u m a p e s q u i sa sobre s i m e s m o . D e s s e p o n t o d ev i s t a , F r e u d n o s c o n v i d a a f a z e r p o r nós m e s m o s t o d o o p e r c u r s o q u e e l e seguiu d e p o i s d e t e r d e s c o b e r t o o i n c o n s c i e n t e a o l o n g o d e s u a auto-análise. D u r a n t e t o d a s u a v i d a , e l e não f e za p e n a s u m a d e s c o b e r t a , m a i s u m a sucessão d e d e s c o b e r t a s , u m a c o n d u z i n d o a o u t r a . E p o r isso q u e ler a sobras d e F r e u d e m o r d e m cronológica t e m m a i s d o q u e u m i n t e r e s s e histórico: t r a t a - s e n a n a r r a t i v a d e u m a exploração q u e p o d e n o s s e r v i r d e g u i a até e n c o n t r a r m o s n o s s o p r ó p r i o c a m i n h o , à

m e d i d a q u e avançamos e m n o s s a s próprias pesquisas interiores. A o f i n a l d e s t a o b r a , o l e i t o r s e m d ú v i d a terá compreendido que Freud nos deixou u m a herança c o m a m p l a s p o s s i b i l i d a d e s e v o l u t i v a s , e que elas f o r a m valorizadas pelas c o n t r i b u i ções d e p s i c a n a l i s t a s pós-freudianos. E s s a s p o t e n c i a l i d a d e s estão l o n g e d e s e e s g o t a r e m e i s s o n o s põe d i a n t e d e u m a indagação: d e nossa parte, o que v a m o s fazer dessa herança? A s r e s p o s t a s v a r i a m s e g u n d o o s p s i c a n a listas, e nossa m a n e i r a d e h e r d a r d e p e n d e d o t r a b a l h o d e l u t o q u e r e a l i z a m o s e m relação à m o r t e d e F r e u d . Para alguns, s e rfiel à s u a h e r a n ç a s i g n i f i c a c o n s e r v á - l a c o m o t a l é, c o m o r i s c o d e cristalizá-la, c o m o m o s t r o u D a n i e l l e Q u i n o d o z , p o r e x e m p l o , c o l o c a n d o "os valiosos textos de Freud em segurança em uma vitrine, como o valioso serviço de porcelana herdado de meus avós, aquele que não tolera a máquina de lavar louça" ( 2 0 0 2 , p . 1 8 2 ) . P a r a o u t r o s , s e r f i e l a F r e u d é a p r o p r i a r - s e d e u m a p a r t e d a herança e desenvolvê-la i s o l a d a m e n t e , e m d e t r i m e n t o d o c o n j u n t o , c o m o risco d ed i s p e r s a r a psicanálise a t a l p o n t o q u e teríamos t a n t a s p s i c a nálises q u a n t o p s i c a n a l i s t a s . C o m o o tempo, c o m o evitar o sperigos que nos espreitam n omomento? Pessoalmente, penso que a melhor maneira d emanter viva a herança d e i x a d a p o r F r e u d é t r a n s m i t i r t o d o s e u d i n a m i s m o i n s t a u r a n d o u m diálogo c o m e l e a t r a v é s d o q u e n o s l e g o u . E s p e r o q u e Ler Freud s e j a p a r a o l e i t o r n ã o a p e n a s u m a o p o r -

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Quinodoz

tunidade d eencontro com Freud, mas também u m c o n v i t e p a r a i r m a i s l o n g e e d i a l o g a r c o m e l e através d e s e u s t e x t o s o r i g i n a i s . F r e u d n ã o está m a i s a q u i . E n t r e t a n t o , c o n t i n u a v i v o s e j a através d e s e u s e s c r i t o s , s e j a através d a c u r a p s i c a n a l í t i c a q u e n o s t r a n s m i tiu. Ler o s textos d e F r e u d e fazer u m a cura

psicanalítica são d u a s ações d i f e r e n t e s . N a s e g u n d a ação, e s t a b e l e c e - s e i g u a l m e n t e u m a f o r m a d e diálogo e m c o n t i n u i d a d e c o m F r e u d , m a s p o r m e i o d a relação d e transferência e contratransferencia entre analisando e analist a , e é u m a o u t r a história...

ANEXO

S< minário de leitura cronológica das obras de Freud C o m o já m e n c i o n e i n a i n t r o d u ç ã o , d e v o a g r a d e c e r p e s s o a l m e n t e a c a d a u m d o s p a r t i c i p a n t e s q u e a c o m p a n h a r a m m e u s seminários d e s d e 1 9 8 8 : Abella Adela, Alicia Liengme, Andreas Saurer, A n n a - M a r i aParisi-Gastaldi, A n n e Lise Rod, Anne-Sophie Archinard, Benven u t o S o l c a , Bérangère d e S e n a r c l e n s , B e r d j Papazian, Bernard Genthialon, Bernard Krauss, Bernard Reith, Branda SteinfeldWalther-Buel, Carole Bach, Carole Kaelin, Celine Gur-Gressot, Christa V o n Susani, Christiane Blanchard, Claire Payot, Claire Rojas, Daniel Nicollier, Denise Kroechlin, Denise Matile, Dora Knauer, Doriane Roditi-Buhler, Eric Bierens d e Haan, Evelyne Brenas, Francis Delaite, Franco G u s b e r t i , François G r o s s , Françoise G o u r m e l , Françoise P a y o t , Geneviève D e j u s s e l , Gilles Gressot, Ignacio Pelegri, Irene Nigolian, Jacqueline Girard, Jean-Mark C h a u v i n , Jean-Pierre Bachmann, JeanP i e r r e W a b e r , Jérôme O t t i n o ( t ) , José G u tierrez, Joseph Snakkers, Julia Preiswerk,

Lolita Adler, Luc Magnenat, Madeleine Joanes, M a j a Perret-Catipovic, M a n u e l a Jaccard-Gobbi, Marie-Jeanne Haenni, Marie-José J a u m a i n , M a r i e l l e B o u c h a court-Gusberti, Marie-Luce Bisetti, M a r i n e l l a D e s c l o u d s , M a r i o n R i g h e t t i , Marité Genoud, Marlyse Rohrbach, Michel Rob e r t , M i c h e l S t e u l e t , Michèle D e R h a m , Nathalie Zilkha, Nicolas Jacot-des-Comb e s , N i n o R i z z o , Nourrédine B e n B a c h i r , Olga Peganova, Olivier Bonard, Patricia S i m i o n i , P a t r i c i a W a l t z , Rhéane H e m m e r ler, R i n o G e n t a , Saskia V o n O v e r b e c k - O t t i no, Silvia Kuehner-Hellmigk,Stefan Zlot, Suzanna Joliat-Duberg, Sylvie Burnand, Tiziana Bimpage, Urs Walther-Buel, Viviane Armand-Gerson, Viviane Dichy, Wolfgang Walz, Xavier Ventura, Yvonne Gitnacht-Knabe.

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doctor",

ÍNDICE ONOMÁSTICO

A A b r a h a m , Karl, 89-90, 100, 117, 146-148, 154, 165166, 239-240, 274-275. A b r a h a m , R., 110. A d l e r , A l f r e d , 81-82, 111-112, 137-138, 176, 244-245, 299. Andreas-Salomé, L o u , 1 5 4 , 1 9 2 - 1 9 3 , 2 7 7 , 2 7 8 . A n d r e a s s e n , N a n c y C , 38-39. A n n a , O . , 22-23-23-24. A n z i e u , Didier, 48-49, 53-54, 130-131, 164-165. Associação Psicanalítica A m e r i c a n a , 2 5 5 - 2 5 6 . Associação Psicanalítica I n t e r n a c i o n a l , 6 7 - 6 8 , 8 7 - 9 0 , 104,111-112,125-126,129-130,166,185-189,230231, 254-256, 285.

Balint, Michael, 132-133, 150-151, 171-172. Bauer, Ida, 81-82. Bellemin-Noél, J e a n , 9 0 - 9 1 , 9 2 - 9 3 . B e r g m a n , A n n i , 150-151, 246-247. B e m a y s , M a r t h a , 19-20. Bernheim, Hippolyte, 20-21. Binswanger, L u d w i g , 23-24, 8 6 . Bion, W i l f r e d R., 68-69, 8 7 ,110, 122-123, 130-131, 143, 150-151, 170, 221-223, 262-263. Blacker, K a y H i l l , 110. B l e g e r , José, 1 3 0 - 1 3 1 . Bleuler, E u g e n , 84-85, 89-90, 119-120, 165-166, 249-250. Bonaparte (princesa Marie), 3 1 , 81-82, 95-96, 105106,117-118,166-168,176,185-186,188-189,201202, 250-251, 277-278, 287.

B o u r g u i g n o n , André, 6 3 - 6 4 , 2 1 5 - 2 1 6 , 2 5 7 - 2 5 8 , 268-269, 279. B o w l b y , John, 245-247. B r a u n s c h w e i g , D e n i s e , 143. B r e n m a n , Éric, 2 8 - 2 9 . Breuer, Joseph, 19-23, 239-240. Breuer, Robert, 20-21, 239-240. Brill, A b r a h a m , 255-256. British, P s y c h o a n a l y t i c Society, 100. Brucke, Ernst, 19-21. B u r g h o l z l i (hospital), 89-90. B u r l i n g h a m , D o r o t h y , 102, 192, 246-247. c Canestri, Jorge, 274, 275. Charcot, Jean-Martin, 20-21, 26-27. Chasseguet-Smirgel, Janine, 28-29, 121-122, 164-165, 202, 277, 278. Chiland, Colette, 202. Choisy, M a r y s e , 254-255. Claparède, E d o u a r d , 7 1 - 7 2 . Clark, University, 89-90, 137-138. Cooper, A r n o l d M . , 285.

D D a r w i n , Charles, 140-141. D e u t s c h , Hélène, 2 0 1 - 2 0 2 . D e v e r e u x , Georges, 143. Diatkine, Gilbert, 121-122. D i a t k i n e , René, 2 5 4 - 2 5 5 . D o l t o , Françoise, 2 5 4 - 2 5 5 . D o r , Joel, 6 1 .

316

Jean-Michel

Quinodoz

D o r a (caso), 7 1 , 77-78, 81-84, 200-201, 218-219, 299. D u p a r c François, 6 7 - 6 8 .

Grubrich-Simitis, Use, 154, 171-172, G r u n b e r g e r , Béla, 1 5 0 - 1 5 1 .

E

H

Eissler, K u r t R., 113-114, 183. Eitingon, M a x , 205-206. Ellis, H a v e l o c k , 71-73, 113-114. E m m y , v o n N . (caso), 23-24, 26-27. E t c h e g o y e n , R . Horácio, 1 2 6 .

Hajek, Marcus,

F

F e r e n c z i , Sándor, 8 4 - 8 5 , 8 9 - 9 0 , 1 0 0 , 1 1 1 - 1 1 2 , 1 2 9 133, 154, 156-157, 169-172, 175, 185, 187-188, 219-221, 239-240, 277, 279, 282-284. Flanders, Sara, 54-55. Flechsig, P a u l E m i l , 117-121. Fliess, W i l h e l m , 31-35, 44-45, 48-49, 57-58, 6 3 ,7 1 73, 77-78, 81-82, 89-90, 107-108, 111-112, 120121, 277, 278. Foulkes, S i e g m u n d H e i n r i c h , 221-223. Frankiel, Rita V . , 99. Frazer, Sir James G., 137-138, 140-141. Freeman, Derek, 141-142. F r e u d , A l e x a n d r e (irmão d e F r e u d ) , 1 0 0 , 1 0 2 , 1 6 6 168, 246-247. F r e u n d , A n t o n v o n , 185, 205-206. Freud, Jakob (pai d eFreud), 48. Freud, M a r t h a B e r n a y s (esposa d e Freud), 101-102.

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Fairbairn, W . R o n a l d , B., 121-122. Faure-Pragier, Sylvie, 37-39, 131-132. Federação E u r o p e i a d e Psicanálise, 2 1 3 . Federn, Paul, 149-150. Fenichel, O t t o , 126.

205-206.

Geissman, Pierre, 100. Gibeault, Alain, 61. Glover, E d w a r d , 100-101, 126. Goethe, J o h a n n W o l f g a n g v o n , 141-142. G r a f , H e r b e r t (cf. p e q u e n o H a n s ) , 9 5 - 9 5 - 9 6 . Graf, M a x , 95- 95-96, 99. Graf, Olga, 95. G r e e n , André, 2 8 - 2 9 , 3 7 - 3 8 , 5 3 - 5 4 , 1 5 0 - 1 5 1 , 1 6 4 - 1 6 6 , 213, 285. G r e e n s o n , R a l p h R., 126. Grinberg, Leon, 87. Groddeck, Georg, 225-226. Grosskurth, Phyllis, 100-101.

272-273.

166.

H i n s h e l w o o d , Robert D . , 100-101, 274-275. Hirschmuller, Albrecht, 20-21, 23-24. Hitler, A d o l f , 257-258, 277-278, 287. H o r n e y , Karen, 201-202. H u g - H e l l m u t h , H e r m i n e , 100. H u n t e r , R .A . , 121-122.

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N Nacht, Sacha, 277-278. Nersessian, E d w a r d , 28-29. Neyraut, Michel, 87. N i e d e r l a n d , W . G., 121-122. Nietzsche, Friedrich, 192, 225-226.

Obholzer, Karin,

Lanzer, Ernst ( O h o m e m dos ratos), 100-102,105-110. Laplanche, Jean, 28-29, 31-32, 41-44, 57, 58, 130131, 146, 154, 157-160, 165-168, 205-206, 213, 226-227, 236-237, 245-246, 257-258, 268-269, 271-272, 283, 284. L a x , R u t h F., 196.

182-183.

M a s s o n , Jeffrey Moussaieff, 33-34. M c D o u g a l l , Joyce, 164|165, 277-278. M e i s s n e r , W i l l i a m W . , S. J., 2 9 4 - 2 9 5 . Messier, Denis, 63-64. M e y n e r t , T h e o d o r , 165-166. Mijolla, A l a i n de, 230-231. Miller, Jacques-Alain, 88. Mitchell, Juliet, 202. Modell, A r n o l d , 132-1*3. Moise, 143, 249-250, 253-254, 287-295. M o r g e n t h a l e r , F., 143. M o s e r ( b a r o n e s a F a n n y . (cf. E m m y v o n N . ) , 2 3 - 2 4 . M u n s t e r b e r g e r , W e r n e r , 143.

317

183.

254-255.

P Pankejeff, Sergei ( H o m e m dos lobos), 176. P a p p e n h e i m , B e r t h a (cf. A n n a O . ) , 2 2 - 2 3 . Parin, P., 143. P e r e l b e r g , R o s i n e J., 54-55, 202. P e q u e n o , H a n s , 158-160, 241-242. Pfister, Oskar, 113-114, 249-255, 262-263. Pine, Fred, 150-151, 246-247. Plé, R d P . , O . P . , 2 5 4 - 2 5 5 . Plon, M i c h e l , 66-67, 254-255. Poe, Edgar, 277-278. Pontalis, Jean-Bertrand, 31-32, 57-58,146,154,157160, 165-166, 205-206, 236-237, 271-273. Pragier, Georges, 37-39, 131-132.

Q u i n o d o z , Danielle, 43-44, 92-93,149-150, 230, 297.

187-188,

Quinodoz, Jean-Michel, 7-8,38-39,53-54,59-60, 68, 131-132, 197-198, 213, 246-247.

R Racamier, P a u l - C l a u d e , 121-122, Racker, Heinrich, 87. R a d o , S a n d o r , 166.

164-165.

R a n k , Otto, 132-133, 215-216, 233-234, 244-245, 277, 279, 288-289. Rée, P a u l , 1 9 2 . Rice, E m a n u e l , 294-295. Ricoeur, Paul, 294-295. Riesenberg, M a l c o l m R., 196. R i l k e , R a i n e r M a r i a , 19 5 . Robbins, Stanley L., 213. Robert, F., 257-258, 268-269. Robert, M a r t h e , 297. Rodrigué, E m i l i o , 2 2 5 - 2 2 6 . R o h e i m , Géza, 1 3 2 - 1 3 3 , 1 4 3 . R o i p h e , Jean, 37-38.

239-241,

67-

318

Jean-Michel

Quinodoz

Rolland, R o m a i n , 215-216,249-250,257-258,277-278. Rosenfeld, Herbert, 68-69,122-123,150-151,170,285. Roudinesco, Elisabeth, 66-67, 254-255.

S Sadger, Isidor, 100. Sandler, Joseph, 285. Saussure, F e r d i n a n d de, 66-67. Schaeffer, Jacqueline, 28-29. Schaeppi, Rolf, 143. Schapiro, M e y e r , 113-114. Schmideberg, Melitta, 100-101. Schreber, D a n i e l P a u l , 117-119, 121-122. Schur, M a x , 205-206, 287, 288. Segal, H a n n a , 53-54, 68-69, 91-92,100-101,122-123, 150-151, 170, 196, 212-213, 262-264. Sellin E., 288, 289. Sharpe, Ella F r e e m a n , 54-55. Silverman Martin, Arnold, 99. S o c i e d a d e , Britânica d e Psicanálise, 1 0 0 - 1 0 1 . S o c i e d a d e Psicanalítica d e P a r i s , 2 7 7 , 2 7 8 . S o c i e d a d e Psicanalítica d e V i e n a , 1 0 0 - 1 0 1 , 1 9 2 - 1 9 3 , 239-240. Sociedade d eV i e n a , 137-138. Solms, H u g o , 95-96. Solms, M a r k , 37-39. Sophocle, 91-92, 187-188. S p i t z , René A . , 2 4 6 - 2 4 7 . Steiner, Riccardo, 100-101, 188-189. S t o l l e r , R o b e r t Jessé, 2 0 2 . Strachey, James, 154, 166-168, 239. Sullivan, H a r r y Stack, 149-150.

T Tausk, Viktor, 162-163, Taylor, Edith, 89-90.

205-206.

This, Bernard, 254-255. T o u s , Joana M . ,28-29, 63, 198-200, Trotter, Wilfred, 219-220.

287

V Vallet, O d o n , 249-250. Vassali, G i o v a n n i , 131-132. V e r m o r e l , H e n r i , 215-216. Vinci, L e o n a r d o da, 106-219.

W W e b e r , Kaspar, 117-118, 250-251. Wells, H . G., 277, 278. Widlõcher, D a n i e l , 6 7 - 6 8 , 8 8 , 2 0 6 - 2 0 7 . Williams, Paul, 61. Winnicott, D o n a l d W . , 8 7 ,100-101, 130-133, 151, 246-247. W o l l h e i m , Richard, 27-28.

Y Yerushalmi, Yosef H a y i m , 294-295. Y o u n g - B r u e h l , Elizabeth, 192.

Z Zellenka H a n s e Pepina, 81-82. Zilboorg, Gregory, 254-255. Z w e i g , A r n o l d , 257-258. Z w e i g , Stefan, 23-24, 83-84, 277-278.

150-

ÍNDICE REMISSIVO

A a posteriori,

31-32, 36-39, 43-45, 178-179,

183.

ab-reação, 1 9 - 2 0 , 2 5 - 2 6 , 2 9 . abstinência, 8 6 , 1 3 4 - 1 3 5 , 1 3 6 . abusos sexuais, 27-28. abutre, 113-114. ações o b s e s s i v a s , 1 0 6 - 1 0 7 . acting in, acting out ( o u p a s s a g e m a o a t o - ) , 5 9 - 6 0 . adaptação ( t e o r i a d a - ) , 2 3 0 - 2 3 1 . adolescência, 9 0 - 9 1 , 1 9 8 - 2 0 0 . afânise, 1 8 8 - 1 8 9 , 2 0 1 - 2 0 2 . afetos, 42-43,45,76-77,82-83,153,157-161,164-166, 169-170, 172-173, 216-217, 242-243. a f l i ç ã o (Hilflosigkeit), 244-245,247,251-252,255-256. a g r e s s i v i d a d e ( v . ambivalência, ódio, i n s t i n t o s agressivos), 97-98, 117, 151, 153, 155-157, 159160,166-168,172-173,179-181,215,217-218,229230, 242-243, 263-264. aliança terapêutica, 1 0 6 - 1 0 7 . alucinação, 91-93, 267-268, 284-285. ambivalência, ambivalência a m o r /ódio, 8 4 - 8 5 , 9 6 98,110,132-133,138-139,143,155-158,168,172173, 182-183, 183, 242-243, 262-263. amnésia i n f a n t i l , 7 3 - 7 4 , 7 8 - 7 9 , 1 9 3 - 1 9 4 . a m o r , 76-78, 82-83, 117, 132-133, 139-140, 145, 153, 155-157,159-160,166,168,172-173,215-218,223, 229-230, 259-261; - genital, 219-220; - h o m o s sexual, 200-201; - d e objeto, 119-120, 145-146, 1 4 8 - 1 4 9 ; - d e o b j e t o t o t a l , 1 6 6 - o b j e t a l primár i o ( B a l i n t ) , 1 5 0 - 1 5 1 ; - d e transferência, 8 6 , 1 2 5 126, 133-134, 136. analidade (v. erotism|> anal), 75, 78-79, 110; caráter - , 1 1 0 .

análise l e i g a ( o u p r a t i c a d a p o r não-médicos), 1 0 4 , 249, 250-251, 254-256. análise s e l v a g e m 1 2 9 - 1 3 0 . análise: - d o a n a l i s t a , 1 3 4 - 1 3 6 , 2 8 2 - 2 8 3 , 2 8 5 ; - d e crianças, 1 0 0 ; - didática, 6 7 - 6 8 , - interminável, 2 7 7 .

135-136;

angústia, 3 3 - 3 4 , 1 5 9 - 1 6 0 , 1 8 5 - 1 8 9 , 2 3 9 - 2 4 7 , 2 6 7 - 2 6 8 ; - d e aniquilação, 1 5 1 ; - automática, 2 3 9 , 2 4 7 ; d e castração, 7 8 - 7 9 , 9 7 - 9 8 , 1 0 4 , 1 7 9 - 1 8 1 , 2 4 1 - 2 4 2 , 247, 269-270; - d onascimento, 240-241; - d e separação n a criança, 2 4 6 - 2 4 7 ; - d e separação e de p e r d a d e objeto, 239, 240-247; - d o oitavo mês, 2 4 6 - 2 4 7 ; - s i n a l , 2 3 9 , 2 4 7 . a n i m i s m o , 139-140, 143. anti-semitismo, 277-278. a n t r o p o l o g i a psicanalítica, 1 4 3 . antropólogos, 1 4 1 - 1 4 2 , 2 9 4 - 2 9 5 . anulação r e t r o a t i v a , 1 0 6 - 1 0 7 , 1 1 0 , 2 4 2 - 2 4 3 , 2 4 7 . a p a r e l h o psíquico ( t e o r i a d a - ) , 5 3 - 5 4 . apego, 97-98 - h o m o s s e x u a l , 83-84. apoio, 38-39, 78-79, 119-120. apoptose, 213. arqueologia, 89. assassinato, 262-263. assassinato d o pai, 77-78,140-143,172-173,215-216, 220-221, 228-229, 287, 290-292, 295. associações l i v r e s , 1 9 , 2 3 - 2 5 , 4 7 - 4 8 , 4 9 - 5 0 , 5 2 - 5 3 , 5 7 , 105-106, 129-130. atenção d i s p e r s a , 1 2 6 - 1 2 7 . ateu, 292-293. atividade, 206-207, 244-245. ativo, ativo-passivo, 155-156, 200-201. a t o ( v . acting in e out), 1 3 3 - 1 3 5 .

320

Jean-Michel

Quinodoz

atos c o m p u l s i v o s , 106-107, 110. atos falhos, 53-54, 57-61, 63, 284-285. autista, 68-69.

m e c o m p l e t a , 2 2 5 , 2 2 7 - 2 3 1 ; erotização d e o b j e t o s incestuosos n o - 202. c o m p l e x o , 7 7 - 7 9 ; - d e castração, 9 6 - 9 7 , 2 0 0 - 2 0 1 , 2 6 8 -

auto-acusações, 1 0 8 - 1 1 0 , 1 6 6 - 1 6 8 , 1 7 2 - 1 7 3 . auto-análise, 3 1 - 3 4 , 4 8 , 5 3 - 5 4 . autodestruição, 2 6 3 - 2 6 4 . auto-erotismo, 76-79, 119-120, 145-146. autopunição, 1 9 7 - 1 9 8 , 2 4 0 - 2 4 1 .

269, 274-275, 282-283, 291-292; - d e virilidade, 198-200. compreensão mútua, 3 6 - 3 7 . c o m p r o m i s s o , 43-45, 51-55, 9 9 . compulsão d e repetição, 8 6 , 1 3 6 , 1 8 5 - 1 8 9 , 2 0 7 209, 213.

benefício secundário,

241-242.

bissexualidade, 31,34,72-73,78-79,99,112-113,197, 2 0 0 - 2 0 1 ; - psíquica, 3 3 - 3 4 , 7 8 - 7 9 , 8 1 - 8 2 , 1 8 1 - 1 8 2 , 191, 198-200, 225, 227-228. borderline ( p a c i e n t e s ) , 6 1 , 6 8 - 6 9 , 1 4 9 - 1 5 0 , 1 5 1 .

C câncer ( d e F r e u d ) , 2 2 5 - 2 2 6 , 2 7 2 - 2 7 3 . caos d e t e r m i n i s t a (teoria d o- ) , 131-132. Cartas a W i l h e l m Fliess, 31-34. c a s o s clínicos : E l i z a b e t h v o n R . , 2 4 - 2 5 ; E m m y v o n N . , 23-24; Katarina, 24-25; " L e o n a r d o d a V i n c i " , 111-114; L u c y R., 24-25; - " o H o m e m d o s L o bos", 175-179,181-183; - " o H o m e m dos Ratos", 105- 110; - A n n a O . , 83-84; - d e h o m o s s e x u a lidade feminina, 197-198 - d o " P e q u e n o H a n s " , 95-102; - d o"Presidente Schreber", 117-122. castração (angústia d e - ) , 9 9 , 1 7 7 - 1 8 1 , 1 8 3 . c e n a p r i m i t i v a (originária), 1 7 5 , 1 7 7 - 1 8 3 , 2 7 7 . c e n a s d e sedução, 1 7 5 , 1 7 7 - 1 7 8 , 1 8 3 . censura, 29, 51-55, 66-67, 159-160, 161-162; - d os o n h o , 51-52, 149-150. cerimonial, 108-110, 138-139. chistes, 63-69; - inocentes, 65-66; - tendenciosos, 65-66. ciência, 3 5 , 3 7 - 3 9 , 5 3 - 5 4 , 1 2 6 , 2 4 9 , 2 5 3 - 2 5 6 , 2 5 9 - 2 6 1 . ciência d e t e r m i n i s t a , 1 3 0 - 1 3 1 . ciúme, 7 7 - 7 8 , 2 6 9 - 2 7 0 . civilização, 7 3 - 7 4 , 1 4 1 - 1 4 2 , 2 4 9 - 2 5 3 , 2 5 5 - 2 6 4 . clivagem d o ego, 89,168-169,265-267,271-275,279; - e m F r e u d e e m Klein, 274-275. clivagem, clivagens, 139-140,170,186-189,212-213. cómico, 6 3 - 6 9 . comissão d e ética, 1 3 4 - 1 3 5 . comité s e c r e t o , 1 3 1 - 1 3 2 . c o m p l e x o d e Édipo, 3 1 - 3 3 , 7 1 - 7 2 , 7 7 - 7 9 , 1 0 1 - 1 0 2 , 137,141-142,187-188,191,197,239-240,242-243, 269-270, 291-292; - direto ( o u positivo), 32-34, 77-78, 9 9 ,175, 181-182, 193-195, 227-228; - i n v e r t i d o ( o u negativo), 33-34, 9 9 ,175, 194-195; da m e n i n a , 227-229, 269-271; - d o m e n i n o , 227229, 269-270; - precoce, 101-102,169-170; - for-

comunicação d e i n c o n s c i e n t e a i n c o n s c i e n t e , 1 6 1 - 1 6 2 . concepção ( B i o n ) , 4 7 , 1 7 1 - 1 7 2 . condensação, 5 0 - 5 1 , 5 3 - 5 5 , 5 8 , 6 1 , 6 3 - 6 9 . confidencialidade, 81-82. conflito instinto d e v i d a / instinto d e m o r t e , 169, 205-206, 211. consciência m o r a l , 2 5 - 2 6 , 1 3 9 - 1 4 0 , 1 4 3 , 1 4 8 - 1 5 0 , 1 6 9 , 186-187. consciência, c o n s c i e n t e , 5 3 - 5 4 , 1 5 9 - 1 6 0 , 1 6 1 - 1 6 2 , 172-173, 225-227. construções, reconstruções, 1 8 1 - 1 8 2 , 1 9 7 - 1 9 8 , 2 7 7 , 283-285. conteúdo: - l a t e n t e , 4 9 - 5 0 , 5 4 - 5 5 ; - m a n i f e s t o , 4 9 50, 54-55. contra-identificação p r o j e t i v a , 8 7 . contra-investimento, 161-162, 244-245. contratransferencia, 59-60, 67-68, 86-87, 110, 1281 3 0 , 1 3 4 - 1 3 6 ; - e m F r e u d , 8 6 ; - após F r e u d , 8 7 . conversão, 1 9 , 2 5 - 2 7 , 2 9 , 4 2 - 4 3 . corrente sensual, 76-77, 219-220. corrente terna, 76-77, 219-220. criação: - artística, 9 1 - 9 2 ; - literária, 9 1 - 9 2 . criança e s p a n c a d a , 2 6 9 - 2 7 0 . cristianismo, 137, 140-141, 249, 290-291, 294-295. crítica ( d o e g o ) , 1 6 8 - 1 6 9 , 1 7 2 - 1 7 3 . cultura, 249-253, 257-261, 263-264. curiosidade sexual infantil, 75, 104, 196.

defesas, 26-27, 29, 42-43, 117, 155-156, 158-159, 239, 244-247, 265-266, 271-273; - primitivas, 120-121, 170. delírio, 8 9 - 9 3 , 1 0 7 - 1 1 0 , 1 1 7 - 1 1 8 , 1 2 0 - 1 2 1 , 1 4 9 - 1 5 0 , 182-183, 267-268, 284-285; - c o m o defesa contra a homossexualidade, 122-123; d e perseguição, 1 1 7 - 1 1 8 ; - d e grandeza, 146-148; alucinatório, 9 2 - 9 3 , 1 1 7 - 1 1 8 ; - paranóico, 1 1 7 118, 121-122, 139-140. demência p r e c o c e , 1 1 9 - 1 2 0 . denegação, 1 7 0 - 2 6 5 - 2 6 6 ; - d a r e a l i d a d e , 8 9 , 1 0 7 - 1 1 0 , 120-121, 265-268, 271-272, 274-275, 279; d a castração, 2 7 4 - 2 7 5 . depressão, 3 1 - 3 2 , 1 6 9 , 1 7 2 - 1 7 3 , 1 9 7 - 1 9 8 , 2 1 8 - 2 1 9 , 2 8 2 - 2 8 3 ; - melancólica, 2 2 0 - 2 2 1 .

Ler Freud d e r i v a d o s d oinconsciente, 157-158, 172-173. d e s e j o ( v . realização d e - ) : - h o m o s s e x u a l r e p r i m i do, 117-119; - incestuoso, 77-78; - d e m o r t e , 969 7 ; - p a s s i v o s f e m i n i n o s , 7 8 - 7 9 ; - d e vingança, 82-83. d e s e n h o s d a criança, 1 0 2 . desenvolvimento emocional primitivo, 150-151, 246-247. d e s e n v o l v i m e n t o libidinal, 169-170. d e s e n v o l v i m e n t o psicossocial infantil, 72-73, 7 5 , 77-79, 118-119, 192-193, 200-201; - d a m e n i n a , 78- 79, 97-98, 268-269; - d o m e n i n o , 77-79, 9 7 98, 268-269. deslocamento, 50-51, 53-55, 58, 6 1 ,63, 68-69, 295. desunião i n s t i n t i v a , 2 2 8 — 2 3 0 . devorar, 156-157. diferença anatómica e n t r e o s s e x o s , 2 6 5 - 2 6 6 , 2 6 8 271, 274-275. dinheiro, 179-181. discurso, 67-68. dissociação, 1 1 9 - 1 2 0 . divã, 1 2 7 - 1 2 8 , 1 2 9 - 1 3 0 . dor, 245-246. dramatização, 5 1 - 5 2 , 5 4 - 5 5 . duplicação, 1 8 6 - 1 8 7 - 1 8 8 - 1 8 9 . d u p l o , 1 8 8 - 1 8 9 ; - narcísico, 1 8 8 - 1 8 9 . duração d a c u r a , 1 2 7 - 1 2 8 .

Édipo ( v . c o m p l e x o d e - ) , 7 7 - 7 9 . e d u c a ç ã o psicanalítica, 1 0 2 . educação, 7 3 - 7 4 , 1 0 2 . Egito, 288-289, 294-295. Ego Psychology, 1 5 0 - 1 5 1 , 2 3 0 - 2 3 1 . ego, 26-27, 35-36, 42-43, 212-213, 215, 223, 225-231, 2 4 0 - 2 4 2 , 2 8 0 - 2 8 1 ; - autónomo, 2 3 0 - 2 3 1 ; - i d e a l , 1 4 8 - 1 4 9 , 2 3 0 - 2 3 1 ; - e não-ego, 1 5 5 - 1 5 6 ; - p e l e , 130-131, 164-165; - prazer purificado, 169-170, 172-173; - prazer, 156-157, 258-259, 268-269; realidade, 156-157; - total, 156-157, 220-221. elaboração, 1 2 5 - 1 2 6 , 1 3 3 - 1 3 4 ; - secundária, 5 0 - 5 1 , 53-55. e l e m e n t o s a, 1 7 0 . e l e m e n t o s fí, 1 7 0 - 1 7 2 . equação simbólica, 1 7 0 , 2 7 0 - 2 7 1 , 2 7 4 - 2 7 5 . Eros, 205. erotismo anal, 105-110, 179-181, 183. escolha d e objeto, 76-79, 148-149, 249-250; - n a m u l h e r , 148-149; - d ea m o r , 77-78; - definitivo, 7 2 - 7 3 ; - h o m o s s e x u a l , 1 1 1 , 1 1 3 - 1 1 4 ; - narcísico, 145,148-149,151; - por apoio, 145,148-149,151. escudo protetor, 207-208. esquecimento, 53-54, 57-61; - d en o m e s , 6 1 . esquizofrenia, 68-69,119-120,146-148,162-163,170.

321

esquizoparanóide (posição), 1 2 2 - 1 2 3 . e s t a d o : - a m o r o s o , 2 1 9 - 2 2 0 , 2 2 3 ; - hipnóide, 2 2 - 2 3 , 2 5 - 2 6 ; - maníaco-depressivos, 1 4 6 , 1 6 9 - 1 7 0 . e s t a d o s - l i m i t e , 1 6 4 - 1 6 5 ; - narcísicos, 1 4 9 - 1 5 0 . estase d alibido, 146-148, 1 5 1 . ética, 1 2 9 - 1 3 0 , 1 3 2 - 1 3 5 . etnologia, 137-138, 141-142. etnopsicanálise, 1 4 3 . exército, 2 1 7 - 2 1 8 , 2 2 0 - 2 2 1 , 2 2 3 .

F f á l i c a , 7 8 - 7 9 ; f a s e -, 2 6 9 - 2 7 0 . falo, 271-272, 274-275. falocêntrica ( t e o r i a - ) , 9 7 - 9 8 . família, 2 5 9 - 2 6 1 . f a n t a s i a d e fustigação, 1 0 1 - 1 0 2 , 1 9 1 - 1 9 3 , 1 9 6 ; - n a m e n i n a , 193-194; - n o m e n i n o , 194-195. fantasia, fantasia inconsciente, 27-29, 31-33, 44-45, 75, 82-83, 91-92, 111,113-114, 121-122, 186-187, 192-193, 267-268; - h o m o s s e x u a l passiva, 1121 1 3 , 1 1 8 - 1 1 9 ; - masturbatória, 2 6 9 - 2 7 0 ; - p e r versa, 202; - precoces, 100; sadomasoquistas, 2 0 2 ; - d e sedução, 3 1 - 3 2 , 3 4 . f a s e d e latência, 7 3 - 7 4 . f a s e simbiótica n o r m a l ,

150-151.

fase, 169-170; - d o d e s e n v o l v i m e n t o , 75-79, 166; - g e n i t a l , 75-77,156-157,166; - d o espelho, 146; - narcísica, 1 1 8 - 1 1 9 , 1 2 2 - 1 2 3 ; - o r a l , 7 5 , 1 6 6 ; fálica, 7 5 , 7 8 - 7 9 , 2 7 1 - 2 7 2 ; - sádico-anal, 7 5 , 1 6 6 , 1 7 7 - 1 7 8 , 1 9 3 - 1 9 4 ; - pré-genital, 7 5 . f a t o r económico, 2 6 6 - 2 6 7 , 2 8 0 . fator quantitativo, 158-159. fé ( r e l i g i ã o ) , 2 4 9 - 2 5 5 . felação, 1 1 1 , 1 1 2 - 1 1 3 . feminino, feminilidade, 179-181, 191-192, 197-202, 259-261, 270-271, 282-284; - e m F r e u d , 198-202. fetichismo, 72-73, 92-93, 265-266, 271-275. filogêse, filogenética, 7 7 - 7 8 , 1 3 1 - 1 3 2 , 1 4 1 - 1 4 3 , 1 7 1 173,182-183,228-229,244-245,291-292,294-295. fixação, 1 9 2 - 1 9 3 ; - i n f a n t i l d a m e n i n a à m ã e , 198-202. fobia, fobias, 42-43, 95-97, 99-102,159-160,176-179, 183; - infantil, 97-98, 104, 140-141. f o n t e d oi m p u l s o i n s t i n t i v o , 154-155. forclusão d o N o m e - d o - P a i , 1 2 1 - 1 2 2 . formação psicanalítica, 1 3 0 - 1 3 1 , 1 3 5 - 1 3 6 . formação r e a c i o n a l , 2 4 1 - 2 4 2 . f r a c a s s o terapêutico, 2 0 8 - 2 0 9 . frequência d a s sessões, 1 2 5 - 1 2 6 . f u n ç ã o oc, 1 7 0 . função d e j u l g a m e n t o , 2 6 8 - 2 6 9 . função d e s o b j e t a l i z a n t e , 1 5 1 . f u n c i o n a m e n t o psíquico ( m o d e l o d o - ) , 4 7 - 4 8 , 169-170.

322 J e a n - M i c h e l

Quinodoz

genital (fase - ) , 78-79. Gradiva, 89-93, 108-110. G r a n d e s controvérsias, 1 0 0 - 1 0 1 . grupos artificiais, 217-218. g r u p o s psicanalíticos, 2 2 1 - 2 2 3 - 2 2 3 .

H herança a r c a i c a , 2 9 5 . heterogéneos ( p a c i e n t e s ) , 9 2 - 9 3 . heterossexualidade, 198-200, 202. hipnose, 19, 20-21, 24-25, 26-27, 135-136, 215, 219220, 223. hipnotizador, 223. hipocondria, 146-148. h i s t e r i a , 1 9 - 2 9 , 8 1 - 8 2 , 1 0 5 , 2 8 5 ; - d e angústia, 1 5 8 1 5 9 , 1 7 1 - 1 7 2 ; - d e conversão, 1 5 8 - 1 5 9 , 1 7 1 - 1 7 2 . holding, 1 3 0 - 1 3 1 , 2 4 6 - 2 4 7 . h o m o s s e x u a l i d a d e , 71-72, 111-114, 121-122, 183, 197-200; - f e m i n i n a , 81,191,197, 202; - m a s c u lina, 97-98, 112-113, 118-119, 179-182, 194-195. honorários, 1 2 8 - 1 2 9 ,

134-135.

hostilidade (v. agressividade, 139-140, 166, 250-251. h u m o r , 68-69.

ambivalência),

i d , 1 6 9 , 2 2 5 - 2 3 0 - 2 3 1 ; - hereditário, 2 3 0 - 2 3 1 . i d e a l d oe g o , 148-149, 1 5 1 , 215-216, 2 1 8 - 2 2 1 , 223, 227-228, 230-231. ideal, 212-213, 218-219, 223. idealização, 1 0 8 - 1 1 0 , 1 5 0 - 1 5 1 , 2 2 3 ; - d o o b j e t o , 219-220. i d e i a s d e l i r a n t e s ( v . delírio), 9 0 - 9 1 . ideias religiosas, 250-253, 255-256, 263-264, 295. i d e n t i d a d e ( v . c o m p l e x o d e Édipo, d e s e n v o l v i m e n to psicossexual). identificação p r o j e t i v a , 8 7 , 1 0 1 - 1 0 2 , 1 2 2 - 1 2 3 , 1 5 1 , 1 7 0 . identificação, 1 5 3 , 1 5 5 - 1 5 6 , 1 6 6 - 1 6 8 , 2 0 2 , 2 1 5 , 2 1 8 221, 223, 225, 227-228, 230-231; - c o m o s pais, 99, 215, 235-236; - f e m i n i n a , 179-181, 202, 2772 7 8 ; - histérica, 2 1 8 - 2 1 9 ; - i n t r o j e t i v a , 1 5 1 ; m a s c u l i n a d am e n i n a , 2 0 2 ; - m a s c u l i n a d o m e n i n o , 9 9 , 1 9 7 - 1 9 8 ; - melancólica, 1 9 7 - 1 9 8 ; narcísica, 1 1 2 - 1 1 3 , 1 6 8 , 1 7 2 - 1 7 3 , 2 3 0 - 2 3 1 - c o m o objeto perdido, 172-173, 218-219. Igreja, 217-218, 220-221, 223, 253-254, 287-290. ilusão, 2 4 9 - 2 5 6 . i n c e s t o (proibição d o - ) , 7 6 - 7 7 , 1 3 7 - 1 3 8 , 1 4 0 - 1 4 1 . inconsciente, 29, 53-54, 57, 59-60, 63, 91-92, 101102, 131-132, 153-154, 157-170, 172-173, 225227, 268-269.

incorporação, 1 5 6 - 1 5 7 , 1 7 2 - 1 7 3 . individuação, 2 4 6 - 2 4 7 . inibição, 7 7 - 7 8 , 1 0 5 , 1 1 1 - 1 1 2 , 2 3 9 - 2 4 7 . injeção d e I r m a , 4 8 , 5 2 - 5 3 . inquietante estranheza (sentimento de-), 185-189. instância crítica, 2 1 8 - 2 1 9 . i n s t i n t o d e agressão o u d e destruição, 2 0 5 , 2 1 1 , 228-229, 280-281. instinto d em o r t e , 101-102, 108-110, 151, 205, 209210,212-213,225,228-233,246-247,257,268-269. instinto d e v i d a / instinto d e m o r t e (conflito -), 209213, 233-237, 257-258, 261-263. instinto de vida, 108-110,151,205,209-210,213,225, 228-233, 257, 268-269. instinto, instintos, 72-73, 78-79, 137-138, 153-158, 164-165,169-170,172-173,208-209; - agressivos, 1 5 0 - 1 5 1 , 2 5 7 , 2 5 9 - 2 6 1 ; - auto-eróticos, 1 5 6 - 1 5 7 ; - d e autoconservação, 1 3 7 - 1 3 8 , 1 5 3 - 1 5 5 ; destrutivos, 151; - d oego, 172-173; - incestuos o s , 9 9 ; - l i b i d i n a i s , 1 5 0 - 1 5 1 ; - originários, 1 7 2 173; - parciais, 72-73, 76-77; - sexuais, 91-92, 153-155, 257, 259-261; - sexuais diretos e inibid o s q u a n t o a oo b j e t i v o , 2 2 1 - 2 2 3 . integração d o a m o r e d o ódio, 1 6 9 - 1 7 0 . integração psíquica, 7 6 - 7 7 , 2 1 2 - 2 1 3 , 2 8 0 - 2 8 1 . interpretação, 6 1 , 8 2 - 8 3 , 1 0 6 - 1 0 7 , 1 6 0 - 1 6 1 . interpretação d o s s o n h o s , 4 7 - 5 4 , 1 2 5 - 1 2 6 . interrupção d o t r a t a m e n t o , 1 3 3 - 1 3 4 . introjeção, 1 3 1 - 1 3 2 , 1 7 0 , 1 7 2 - 1 7 3 ; - d o o b j e t o p e r d i do, 166-168, 219-220, 272-273. introversão, 1 4 6 - 1 4 8 . i n v e j a , 1 0 1 - 1 0 2 , 1 5 1 ; - d o pênis, 7 8 - 7 9 , 2 0 0 - 2 0 2 , 2 6 9 270, 277, 282-283, 285. inversão, 5 3 - 5 4 . i n v e s t i m e n t o d eobjeto, 227-228. isolamento, 242-243, 247.

J Jahrbuch der Psychoanalyse, j o g o d a criança, 2 0 6 - 2 0 7 .

89-90.

j o g o r e p e t i t i v o n a criança ( b o b i n a ) , 2 1 3 . j o g o s d ep a l a v r a s , 64-65. judaísmo, 2 4 9 , 2 8 7 , 2 9 0 - 2 9 1 , 2 9 4 - 2 9 5 . judeus, judaica, 287-289, 294-295.

L lapso, 53-54, 57-61. latência ( f a s e d e - ) , 7 3 - 7 4 , 7 7 - 7 8 , 2 6 9 - 2 7 0 , 2 8 9 - 2 9 0 , 2 9 5 . lembranças e n c o b r i d o r a s , 4 1 - 4 2 , 4 4 - 4 5 , 5 8 . lembranças, 1 1 3 - 1 1 4 , 1 3 3 - 1 3 4 , 1 9 3 - 1 9 4 ; - d e infânc i a , 1 1 1 - 1 1 3 , 2 8 3 - 2 8 5 ; - traumáticas, 1 9 , 2 6 - 2 7 , 131-132.

Ler Freud

323

libido, 137-138, 146-148. ligação-desligamento d o s i n s t i n t o s , 2 3 0 - 2 3 1 . limitação d e i d a d e , 1 2 6 - 1 2 7 . l i n g u a g e m , 6 7 - 6 8 , 1 6 2 - 1 6 3 ; - l i n g u a g e m d e órgão, 172-173. l i t e r a t u r a (psicanalítica e - ) , 8 9 , 9 1 - 9 2 . l i v r e associação, 2 6 - 2 7 , 2 9 .

q u e n a s diferenças, 2 6 1 - 2 6 2 ; - i n f a n t i l primário, 1 5 0 - 1 5 1 ; - i n f a n t i l simbiótico, 1 5 0 - 1 5 1 ; - i n f a n t i l , 1 4 8 - 1 4 9 ; - primário, 1 0 1 - 1 0 2 , 1 4 5 - 1 5 1 , 1 5 6 - 1 5 7 , 2 2 9 - 2 3 0 ; - secundário, 1 4 5 - 1 4 8 , 1 5 1 , 2 2 9 - 2 3 0 . N a r c i s o ( m i t o de), 112-113, 145. nascimento, 239-240. n a z i s m o , 257.

l u t o (afeto d e- ) , 153, 159-160, 166, 245-247; - norm a l ; 1 7 2 - 1 7 3 ; - patológico, 1 7 2 - 1 7 3 , 2 7 1 - 2 7 2 .

negação, 5 7 , 2 6 5 - 2 6 6 , 2 6 8 - 2 6 9 , 2 7 4 - 2 7 5 . neurociências, 3 7 - 3 9 , 1 2 5 - 1 2 6 . neuropsicoses d edefesa, 41-45, 157-158; - narcísicas, 1 5 8 - 1 5 9 , 2 6 6 - 2 6 7 .

M mãe ( v . c o m p l e x o d e Édipo, psicossexual), 200-201; - pré-genital, 2 0 1 - 2 0 2 . m a g i a , 139-140, 143, 146-148. m a n i a , 166, 172-173, 220-221. maníaco-depressivos ( e s t a d o s ) , m a s o q u i s m o , 155-156,) 172-173,

desenvolvimento genital, 201-202;

149-150, 166. 200-202, 205, 209-

2 1 0 , 2 3 3 - 2 3 7 , 2 4 2 - 2 4 3 - erógeno originário, 2 1 1 ; - feminino, 236-237; - f e m i n i n o n o h o m e m , 2002 0 2 , 2 3 3 - 2 3 7 ; - m o r a l , 2 3 3 - 2 3 7 ; - primário (erógeno), 2 0 9 - 2 1 0 , 2 1 3 , 2 3 3 - 2 3 7 ; - secundário, 211, 236-237. masturbação, 7 3 - 7 4 , 1 0 0 , 1 0 8 - 1 1 0 , 1 1 8 - 1 1 9 , 1 4 5 , 1 9 2 193, 196, 234-235. m a t u r i d a d e , 76-78; - sexual genital, 259-261; - d o ego, 102. m e c a n i s m o dos chistes, 65-66, 68-69. mecanismos de defesa, 50-51,157-158,230,241-243, 2 8 0 - 2 8 1 ; - evoluídos, 1 2 1 - 1 2 2 ; - p r i m i t i v o s , 1 2 1 122, 164-165. m e c a n i s m o s d os o n h o , 4 7 , 50-54. m e d o d a aniquilação, 2 4 6 - 2 4 7 . m e g a l o m a n i a , 146-148. m e l a n c o l i a ( o u depressão), 3 1 - 3 4 , 1 5 3 , 1 6 6 , 1 7 2 - 1 7 3 , 218-219, 225, 227-228. memória, 1 6 1 - 1 6 2 , 2 9 1 - 2 9 2 . metapsicologia, 153-154, 157-162, 164-166, 169173, 280. m é t o d o catártico, 2 2 - 2 7 , 2 9 . m é t o d o psicanalítico, 1 2 5 - 1 2 6 . m i t o d e Édipo, 1 8 6 - 1 8 7 . mitologia, 137-138. m o d e l o s científicos, 3 8 - 3 9 . m o d e l o s d e f u n c i o n a m e n t o d op s i q u i s m o , 153. m o n i s m o fálico, 7 8 - 7 9 , 2 0 0 - 2 0 2 , 2 6 9 - 2 7 0 . moral, 250-251. mudança d e o b j e t o , 7 8 - 7 9 , 2 0 1 - 2 0 2 .

N narcisismo, 111, 113-114, 122-123, 139-140, 145-151, 156-157, 164-168, 186-187, 215; - anobjetal, 149150; - c o m o fase evolutiva, 148-149; - das pe-

neurose, 41-42, 44-45, 6 1 , 92-93, 107-110, 243-244, 2 5 8 - 2 5 9 , 2 6 5 - 2 6 8 , 2 7 3 - 2 7 5 , 2 8 9 - 2 9 0 ; - d e angústia, 43-45; - infantil, 104, 175-179, 181-183, 191, 2 0 2 ; - narcísica, 8 6 , 1 4 6 , 1 4 9 - 1 5 0 , 1 6 2 - 1 6 3 , 1 6 8 , 2 7 4 - 2 7 5 ; - o b s e s s i v a u n i v e r s a l (religião), 2 5 2 253,255-256; - obsessiva, 105-110,138-140,158159, 171-172, 176-179, 229-230, 241-242, 249; traumática, 2 0 6 - 2 0 9 , 2 1 3 , 2 4 2 - 2 4 3 ; - d e g u e r r a , 1 3 2 - 1 3 3 ; - d e transferência, 8 4 - 8 6 , 1 4 6 , 1 5 3 - 1 5 5 , 162-163, 171-172. neurótica, 3 1 - 3 2 , 4 4 - 4 5 . , 1 1 7 . n o r m a l i d a d e , n o r m a l , 77-78, 92-93, 122-123, 244, 273-274.

243-

objetivo ( d o instinto), 154-154-155. o b j e t o s , relações d e o b j e t o , 7 2 - 7 3 , 7 5 - 7 9 , 1 0 1 - 1 0 2 , 1 5 3 157, 162-163, 166, 169-170, 258-259; - d o instinto, 154-155; - parcial, 78-79, 169-170, 181-182; separada e diferente, 150-151; - total, 78-79. obsessões, 4 2 - 4 3 , 1 0 5 - 1 0 7 - 1 0 8 , 1 1 0 ; - d o s r a t o s , 1 0 6 107; - religiosas, 183. ódio ( v . a g r e s s i v i d a d e , ambivalência), 9 7 - 9 8 , 1 1 7 , 151,153,155-157,159-160,166-170,172-173,201202, 215, 217-218, 229-230, 259-261. o n a n i s m o ( v . masturbação) onipotência ( v . onipotência), 1 5 0 - 1 5 1 , 1 7 0 . onipotência d o p e n s a m e n t o , 1 0 7 - 1 1 0 - 1 1 0 , 1 3 9 - 1 4 0 , 143, 255-256. organização d a l i b i d o , 7 5 . o r i g e m d a angústia, 2 3 9 . originário, 7 7 - 7 8 , 1 7 2 - 1 7 3 .

P pacientes, 92-93. p a c i e n t e s heterogéneos, 1 4 9 - 1 5 0 . p a i ( v . c o m p l e x o d e Édipo, d e s e n v o l v i m e n t o psicossexual): - d ah o r d a primitiva, 262-263. pais, 76-77, 235-236. p a n s e x u a l i s m o , 71-72. paranóia, paranóico, 3 1 - 3 2 , 1 1 7 - 1 2 3 , 1 8 2 - 1 8 3 , 2 2 9 - 2 3 0 . paranóide, 1 1 9 - 1 2 0 .

324

Jean-Michel

Quinodoz

p a s s a g e n s a o a t o ( v . acting, a t o ) , 1 1 0 . passivo, passividade, 200-201, 206-207, 244-245. p e d a g o g i a psicanalítica, 1 0 2 . pênis ( p r i m a d o d o ) , 7 5 , 7 8 - 7 9 , 9 5 - 9 6 , 1 1 2 - 1 1 3 , 1 7 5 , 181-182, 202. p e n s a m e n t o s obsessivos, 110. percepção, 2 2 6 - 2 2 7 , 2 3 0 . percepção d a castração n a m u l h e r , 2 7 1 - 2 7 2 . p e r d a d eobjeto, 239-247. perseguidor, 212-213. p e r s o n a l i d a d e s narcísicas, 1 4 5 . p e r v e r s o , perversão, 7 1 - 7 2 , 7 5 , 7 8 - 7 9 , 8 9 , 1 4 9 - 1 5 0 , 164- 165, 191-197, 202, 234-235, 265-268; - m a soquista, 196; - sadomasoquista, 191. p o l i m o r f o , 73-74. p o n t o d e fixação, 1 1 9 - 1 2 0 , 1 2 2 - 1 2 3 . p o n t o d e regressão, 1 1 9 - 1 2 0 , 1 2 2 - 1 2 3 . p o n t o d e v i s t a dinâmico, 1 5 9 - 1 6 2 ; - económico, 1 6 1 1 6 2 ; - tópico, 1 5 9 - 1 6 2 . posição d e p r e s s i v a , 6 8 - 6 9 , 1 0 1 - 1 0 2 , 1 6 9 - 1 7 0 , 2 1 2 213, 246-247. posição esquizoparanóide, 6 8 - 6 9 , 1 0 1 - 1 0 2 , 1 3 0 - 1 3 1 , 169-170, 212-213, 246-247. posição f e m i n i n a n o h o m e m , 1 1 8 - 1 1 9 , 1 9 1 , 1 9 4 - 1 9 5 , 200-202, 277, 282-283, 285. posição p a s s i v e c h e z l a f e m m e , 1 7 7 - 1 8 1 , 1 8 3 . prazer, 63, 65-67. prazer-desprazer, 63,66-67,154-156,207-208,233-234. pré-concepção ( B i o n ) ; 1 4 3 , 1 7 1 - 1 7 2 . pré-consciente, 5 3 - 5 4 , 1 5 9 - 1 6 2 , 1 7 2 - 1 7 3 , 2 2 6 - 2 2 7 . predisposição p e r v e r s a p o l i m o r f a , 7 3 - 7 4 , 7 8 - 7 9 . p r i m e i r a t e o r i a d a angústia, 4 3 - 4 5 . p r i m e i r a teoria d o s instintos, 153, 164-165. p r i m e i r a tópica, 5 3 - 5 4 , 1 5 3 , 1 6 4 - 1 6 5 , 2 0 5 - 2 0 6 , 2 2 5 . princípio d e constância, 3 5 - 3 6 , 3 9 , 2 0 6 - 2 0 7 , 2 0 9 - 2 1 0 ; - d e inércia, 3 5 - 3 6 , 3 9 ; - d e N i r v a n a , 2 0 9 - 2 1 1 , 213, 233-234, 236-237; - d e prazer-desprazer, 154-155,164-165,205-206,233-234,236-237,258259; - d erealidade, 154-155, 206-207, 233-234, 236-237. p r o c e d i m e n t o d e representação, 5 0 - 5 1 , 5 4 - 5 5 , 6 3 . p r o c e s s o d e separação-individuação, 1 5 0 - 1 5 1 , 246-247. p r o c e s s o primário, 3 5 - 3 6 , 3 9 ,5 3 - 5 4 , 1 6 1 - 1 6 2 ; - s e cundário, 3 5 - 3 6 , 3 9 , 5 3 - 5 4 , 1 2 5 - 1 2 7 , 1 6 1 - 1 6 2 . p r o c e s s o psicanalítico, 1 2 7 - 1 2 8 , 1 3 0 - 1 3 1 . projeção, 3 3 - 3 4 , 8 4 - 8 5 , 1 1 7 , 1 2 0 - 1 2 3 , 1 3 9 - 1 4 0 , 1 7 0 , 208-209, 212-213. próton-pseudos, 3 6 - 3 7 , 3 9 . p r o v a : - d ad o r , 36-37; - d arealidade, 35-36, 3 9 , 1 6 5 - 1 6 6 , 2 3 0 - 2 3 1 ; - d a satisfação, 3 5 - 3 6 , 3 9 . psicanálise " s e l v a g e m " , 1 2 5 - 1 2 6 , 1 2 8 - 1 2 9 . psicanálise a p l i c a d a , 8 9 , 9 2 - 9 3 .

psicanálise d e crianças, 9 5 , 1 0 0 , 1 0 2 , 1 0 4 . psicofarmacologia, 125-126. p s i c o l o g i a analítica ( J u n g ) , 8 9 - 9 0 . p s i c o l o g i a científica, 3 5 - 3 9 . psicologia de grupos ( o u coletiva), 149-150,215-217, 219-221, 223, 290-291. psicologia individual, 223. psicose, 42-43, 89, 92-93,107-110,117,121-122,135136,146,164-165,182-183,258-259,265-275,285; - alucinatória, 4 2 - 4 3 , 2 6 6 - 2 6 7 ; - simbiótica, 150-151. psicoterapia, 125-126; - d ahisteria, 19, 26-27. p u b e r d a d e , 37-38, 73-77, 198-200.

Q quantum

d eafeto,

158-159.

racionalização, 1 0 7 - 1 0 8 ,

122-123.

reação terapêutica n e g a t i v a , 2 2 5 , 2 2 9 - 2 3 1 , 2 3 5 - 2 3 6 , 280-281, 284-285. realidade, 31-32, 34,121-122,178-179,186-187; distinção e n t r e realidade e fantasia, 178-179. realização ( B i o n ) , 1 4 3 , 1 7 1 - 1 7 2 . realização d e d e s e j o , 4 9 - 5 2 , 6 6 - 6 9 , 1 6 5 - 1 6 6 . reconstruções, construções, 8 2 - 8 3 , 1 0 6 - 1 0 7 , 1 8 1 - 1 8 2 , 277, 283-285. refeição totêmica, 1 3 7 , 1 4 0 - 1 4 1 . regra f u n d a m e n t a l , 105-106, 126-127, 129-130. regressão t e m p o r a l , 1 6 5 - 1 6 6 , 1 7 2 - 1 7 3 ; - tópica, 1 6 5 166, 172-173. relações d e o b j e t o ( v . o b j e t o s ) , 7 6 - 7 9 , 1 5 3 , 1 5 5 - 1 5 7 , 168-170, 220-221, 246-247; - arcaicas, 101-102. religião, 1 3 7 , 1 4 0 - 1 4 1 , 2 2 8 - 2 2 9 , 2 4 9 - 2 5 6 , 2 5 8 - 2 5 9 , 2 6 3 - 2 6 4 , 2 8 9 - 2 9 1 , 2 9 5 ; - d eA t o n , 2 8 7 - 2 8 9 ; - d e Moisés, 2 8 9 - 2 9 3 ; - monoteísta, 2 8 7 - 2 9 0 , 2 9 5 ; totêmica, 1 3 7 , 1 4 0 - 1 4 1 . religiosas, 257, 295. rememoração, 1 2 5 - 1 2 6 , 1 3 3 - 1 3 4 . reminiscências, 2 1 - 2 2 . reparação, 9 1 - 9 2 , 1 6 9 - 1 7 0 . repetição, 8 4 - 8 6 , 1 2 5 - 1 2 6 , 1 3 3 - 1 3 4 , 1 3 6 , 1 8 8 - 1 8 9 , 2 1 3 . representabilidade, 50-51, 54-55. representação, 2 6 - 2 7 , 4 2 - 4 3 , 4 5 , 1 5 7 - 1 5 8 , 1 6 0 - 1 6 1 , 164-165, 172-173, 226-227 - d ecoisa, 162-163, 172-173; - d ep a l a v r a , 162-163, 172-173; - s i m bólica, 6 7 - 6 8 , 1 7 0 . representante-representação, 1 5 8 - 1 5 9 , 1 7 2 - 1 7 3 . repressão, 2 6 - 2 7 , 2 9 , 3 6 - 3 7 , 4 2 - 4 3 , 4 5 , 5 1 - 5 2 , 5 7 , 9 1 92,111,120-121,153-163,166,170-173, 181-182,

Ler Freud 2 3 9 - 2 4 5 , 2 4 7 , 2 6 7 - 2 6 8 , 2 8 3 - 2 8 4 ; -a posteriori, 1581 5 9 ; - originária, 1 5 7 - 1 5 8 , 1 6 1 - 1 6 2 ; - p r o p r i a m e n t e dita, 157-158. r e p r i m i d o , 24-25, 51-52, 186-187, 207-208, 268-269. r e p r i m i r , repressão, 4 2 - 4 3 . resistências, 1 9 , 2 6 - 2 7 , 2 9 , 6 1 , 1 2 8 - 1 2 9 , 1 3 3 - 1 3 4 , 2 2 6 227, 277, 280. ressexualização d o c o m p l e x o d e Édipo, 2 3 6 - 2 3 7 . r e s t o s d a véspera, 5 1 - 5 2 , 5 4 - 5 5 . r e t o r n o d a agressão s o b r e s i , 2 4 1 - 2 4 2 . retorno d o - c o m o m a s o q u i s m o , 155-156. r e t o r n o d oclivado, 274-275. r e t o r n o d or e p r i m i d o , 158-159, 267-268, 292-293. rivalidade, 77-78. r o c h a d eo r i g e m , 277, 282-285.

sadismo, 155-156,166,168,172-173,191,205,209-210; sedução r e a l , 2 4 - 2 5 , 3 1 - 3 2 , 3 4 , 7 3 - 7 4 , 8 1 - 8 3 . s e g u n d a teoria d o s instintos, 164-165. s e g u n d a tópica, 1 6 4 - 1 6 5 , 2 0 5 , 2 2 5 .

self, 1 5 1 .

self disclosure, 8 8 . Self-Psychology, 230-231. seminário d e l e i t u r a cronológica d a o b r a d e F r e u d , 12-13. sensações, sensações i n c o n s c i e n t e s , 1 6 0 - 1 6 1 , 2 2 6 - 2 2 7 . sentimento d eculpabilidade d am e n i n a e m relação à mãe, 1 9 6 . sentimento de culpabilidade inconsciente, 108-110, 137,140-141-143,153,159-160,169-170,172-173, 228-231,234-235,242-243,257,261-263,280-281, 290-291. s e n t i m e n t o oceânico, 2 5 7 - 2 5 8 , 2 6 3 - 2 6 4 . sentimentos, 155-156,1160-161,172-173; - d e perseguição, 1 3 8 - 1 3 9 . separação ( v . angústia d e - ) , 2 4 2 - 2 4 3 , 2 4 6 - 2 4 7 . sessões ( - d e análise), 1 2 7 - 1 2 8 , 1 2 9 - 1 3 0 . setting p s i c a n a l í t i c o , 1 2 5 - 1 3 1 . sexualidade (v. psicossexualidade, complexo d e Édipo), 2 6 - 2 7 , 2 8 - 2 9 , 4 1 - 4 2 , 4 4 - 4 5 , 7 1 , 2 5 9 - 2 6 1 ; infantil, 32-33, 44-45, 71-78, 95-96, 99, 101-102, 108-113,194-195,234-235,269-270; - genital, 727 3 , 75-77; - f e m i n i n a , 9 7 - 9 8 , 1 0 1 - 1 0 2 , 1 8 8 - 1 8 9 , 192, 201-202, 277-278. significado, 66-67. significante, 66-67, 121-122, 164-165. simbiótica ( f a s e - ) , 1 3 0 - 1 3 1 . s i m b o l i s m o , símbolos, 2 7 - 2 8 , 5 2 - 5 4 , 6 1 , 6 6 - 6 8 , 9 0 91,106-107,121-122,162-163,170,172-173, 240-

325

241, 267-268, 291-292; - primitivo, 68-69; - d o sonho, 54-55. s i n a l d e a l a r m e (angústia c o m o - ) , 2 4 4 - 2 4 5 . sintoma, sintomas, 31-32,42-43,82-83,239-242-243, 2 4 4 - 2 4 5 - 2 4 6 - 2 4 7 , 2 6 7 - 2 6 8 , 2 8 3 - 2 8 4 ; - histéricos, 19-22-23, 24-25, 26-27-27-28, 8 1 , 82-83; - obsessivos, 105- 105-106, 108-110. s i s t e m a percepção-consciência, 2 2 6 - 2 2 7 . sistemas c o m p l e x o s (teoria dos -),38-39, 131-132. situação analítica, 1 3 0 - 1 3 1 . situação d e p e r i g o , 2 4 7 . situação e d i p i a n a , 9 6 - 9 8 . situação traumática, 2 4 4 - 2 4 7 . situações d e angústia, 2 4 3 - 2 4 4 . situações d e p e r i g o , 2 4 3 - 2 4 5 . sobredeterminação, 5 4 - 5 5 . sonhos, 47-55,63,82-83,89-93; - dos lobos, 175,177178; - repetitivos, 207-208, 213; - d e " m e s a d e e s t a l a g e m " , 4 9 - 5 0 ; t e o r i a d o s -, 1 5 3 - 1 5 4 , 1 6 5 166. sono, 146-148, 165-166, 220-221. sublimação, 7 3 - 7 4 , 1 1 1 - 1 1 4 , 1 8 1 - 1 8 2 , 1 9 3 - 1 9 4 . substituição,58, 6 1 . sugestão 1 2 9 - 1 3 0 , 2 1 5 . sugestão hipnótica, 2 0 - 2 1 . suicídio, 1 9 7 - 1 9 8 . sujeito, 67-68, 230-231. s u p e r e g o ( v . c e n s u r a , consciência m o r a l ) , 5 3 - 5 4 , 108-110,169,225,227-231,235-236,257,261-264, 2 7 0 - 2 7 1 ; - e civilização, 2 6 3 - 2 6 4 ; - d o m e l a n c ó lico, 229-231; - precoce, 101-102; severidade d o - n a criança, 2 6 3 - 2 6 4 . superstição, 1 0 7 - 1 0 8 . supervisão (formação), 1 3 5 - 1 3 6 .

T t a b u , 1 3 7 - 143; - d oi n c e s t o , 143. técnica ( - psicanalítica), 6 7 - 6 8 , 1 1 0 , 1 2 5 - 1 3 6 , 2 1 2 - 2 1 3 , 2 7 7 ; - d e análise mútua, 1 3 2 - 1 3 3 ; - d i t a a t i v a , 1 3 1 - 1 3 3 ; - d o j o g o n a criança, 1 0 0 - 1 0 1 . técnica d o c h i s t e : - f u n d a d o n o p e n s a m e n t o , 6 5 66; - f u n d a d o n a s palavras, 64-65. tendências a t i v a s , - p a s s i v a s , 9 9 , 1 7 5 . t e n t a t i v a d e c u r a (delírio c o m o - ) , 1 1 8 - 1 1 2 1 , 1 6 2 - 1 6 3 . t e o r i a : - d a angústia, 2 3 0 ; - d a l i b i d o , 8 9 - 9 0 ; - d a s relações d e o b j e t o , 2 4 5 - 2 4 6 ; - d a sedução, 3 1 34, 44-45; _ d o s i m b o l i s m o , 1 8 8 - 1 8 9 . teorias sexuais infantis, 7 1 , 72-73, 75, 77-78, 78-79, 96-98, 175, 179-181, 198-200, 201-202. término d a análise, 1 7 6 - 1 7 7 , 2 7 7 , 2 7 9 , 2 8 5 .

326

Jean-Michel

Quinodoz

terrorismo, 262-263. t o m a d a d e consciência, 6 6 - 6 7 . totem, t o t e m i s m o , 137-143. t r a b a l h o : - d e análise, 5 0 - 5 1 , 5 4 - 5 5 ; - d e l u t o , 2 4 0 2 4 1 ; - d e elaboração, 1 3 3 - 1 3 4 ; - d o s o n h o , 5 0 51, 53-55. traços m n é s i c o s , 1 6 1 - 1 6 2 . tradição, 2 8 9 - 2 9 0 ,

295.

transferência, 2 7 - 2 8 , 5 9 - 6 0 , 6 7 - 6 8 , 8 1 - 8 8 , 9 9 , 1 0 1 - 1 0 2 , 117-119,125-126,128-130,133-134,168,181-183, 207-209, 277, 280, 282-284; - amorosa, 86, 125126,133-134,136; - heterossexual, 88; - h o m o s s e x u a l , 8 8 ;- h o s t i l , 1 5 1 , 1 9 1 , 197-198, 202; m a t e r n a l , 8 1 , 8 8 , 2 0 0 - 2 0 1 ; - narcísica, 1 4 5 , 1 5 0 151;-negativa, 84-85,128-129,132-134,136,146, 149-150,198-200, 280; - paternal, 88; - positiva, 84-85, 128-129, 133-134, 136, 146, 149-150, 198200, 280. transformação e m s e u contrário, 2 4 1 - 2 4 2 . transformação n o contrário, 1 5 5 - 1 5 6 . transformação, 1 1 7 . transgressão, 1 3 2 - 1 3 5 , 1 3 8 - 1 3 9 .

transmissão filogenética, 1 4 1 - 1 4 2 ; - telepática, 1 3 1 132; - transgeracional, 143. t r a n s t o r n o s narcísicos, 1 4 9 - 1 5 0 . t r a u m a t i s m o , 24-25, 27-29, 172-173, 213, 239-240; - precoces, 132-133; - sexual, 27-28, 29, 43-44.

U união-desunião ( - i n s t i n t i v a ) , 2 2 8 - 2 2 9 . uretral, 73-74.

V vagina, 101-102, 179-181, v e n t r e d a mãe, 1 8 1 - 1 8 2 . verbalização, 6 7 - 6 8 . vertigem, 43-44.

201-202.

voyeurismo-exibicionismo, 155-156,

196.

Z z o n a s erógenas, 7 2 - 7 5 , 7 8 - 7 9 ,

146-148.

IMPRESSÃO:

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R

Editora S. A .

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Q u i n o d o z , J.-M. - L e r F r e u d : guia de l e i t u r a da o b r a de Freud W i n n i c o t t , S h e p h e r d & Davis Explorações psicanalíticas: D.W. W i n n i c o t t W i n n i c o t t , D.V. - O a m b i e n t e e os p r o c e s s o s de m a t u r a ç ã o : e s t u d o s s o b r e a t e o r i a do desenvolvimento emocional W i n n i c o t t , D.V. - P e n s a n d o sobre crianças Zaslavsky; Santos & Cols. Contratransferencia: teoria e p r á t i c a clínica Z i m e r m a n , D.E. - B i o n - da teoria à prática: uma leitura d i d á t i c a [2.ed.) Z i m e r m a n , D.E. Fundamentos psicanalíticos teoria, técnica, clínica: uma abordagem didática Z i m e r m a n , D.E. - M a n u a l de técnica psicanalítica: uma revisão Z i m e r m a n , D.E. - P s i c a n á l i s e em perguntas e respostas: verdades, mitos e tabus Z i m e r m a n , D.E. - V o c a b u l á r i o c o n t e m p o r â n e o de psicanálise Young-Eisendrath & Dawson M a n u a l de C a m b r i d g e p a r a estudos junguianos

Jean-Michel Quinodoz

Guia de leitura da obra de S. F r e u d Ler Freud propõe u m a aproximação c o m a obra de S i g m u n d F r e u d . I n s p i r a n d o - s e e m u m seminário d e leitura que promoveu por quase vinte a n o s c o m p s i c a n a l i s t a s e m formação, o a u t o r apresenta os principais textos f r e u d i a n o s e m o r d e m cronológica, situa-os no contexto de vida de Freud n o m o m e n t o d e s u a criação e a p o n t a os p r o l o n g a m e n t o s dessas d e s c o b e r t a s n o s p s i c a n a l i s t a s pósfreudianos. E m u m a l i n g u a g e m c l a r a e acessível a todos, Jean-Michel Quinodoz aborda o estudo das obras de Freud a p o i a d o e m s u a l o n g a prática d e c u r a psicanalítica clássica, m o s t r a n d o a s s i m q u e a psicanálise é f u n d a d a e s s e n c i a l m e n t e n a experiência clínica.

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R E S P E I T O PELO C O N H E C I M E N T O