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Portuguese Brazilian Pages 304 [306] Year 2008
Caminhos para aprender a ler e escrever
Conselho Acadêmico Ataliba Teixeira de Castilho Carlos Eduardo Lins da Silva José Luiz Fiorin Magda Soares Pedro Paulo Funari Rosângela Doin de Almeida Tania Regina de Luca
“Cet ouvrage, publié dans le cadre du Programme d’Aide à la Publication Carlos Drummond de Andrade de l’Ambassade de France au Brésil, bénéficie du soutien du Ministère français des Affaires Etrangères et Européennes.”
“Este livro, publicado no âmbito do programa de participação à publicação Carlos Drummond de Andrade da Embaixada da França no Brasil, contou com o apoio do Ministério francês das Relações Exteriores e Europeias.”
A Editora não é responsável pelo conteúdo da obra, com o qual não necessariamente concorda. As Autoras conhecem os fatos narrados, pelos quais são responsáveis, assim como se responsabilizam pelos juízos emitidos.
Caminhos para aprender a ler e escrever
Josette Jolibert e Christine Sraïki com a colaboração de
Martine Blanchard, Isabelle Coué e Catherine Crépon
Copyright© Hachette Livre 2006 Des enfants lecteurs et producteurs de textes – Cycles 2 et 3 Josette Jolibert e Christine Sraïki Todos os direitos desta edição reservados à Editora Contexto (Editora Pinsky Ltda.) Imagem de capa “Era uma vez”, escultura de Terezinha Fontana; foto de Jaime Pinsky Montagem de capa Gustavo S. Vilas Boas Diagramação GAPP design Tradução Angela Xavier de Brito Revisão técnica Maria Manuela de Castro Mendes Leal Anabuki Revisão de tradução Lilian Aquino Revisão de prova Daniela Marini Iwamoto Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip) (Câmara Brasileira do Livro, sp, Brasil) Jolibert, Josette Caminhos para aprender a ler e escrever / Josette Jolibert e Christine Sraïki ; [tradução Angela Xavier de Brito]. – 2. ed. – São Paulo : Contexto, 2015.
Título original: Des enfants lecteurs et producteurs de textes Bibliografia ISBN 978-85-7244-401-9
1. Aprendizagem 2. Didática 3. Escrita 4. Leitura 5. Textos I. Sraïki, Christine. II. Título. 08-03015
Índice para catálogo sistemático: 1. Leitura e escrita : Didática : Educação 371.3
2015
Editora Contexto Diretor editorial: Jaime Pinsky Rua Dr. José Elias, 520 – Alto da Lapa 05083-030 – São Paulo – sp pabx: (11) 3832 5838 [email protected] www.editoracontexto.com.br
CDD-371.3
Sumário
Introdução
11
Os marcos teóricos de referência
14
Eixos didáticos convergentes
16
Anexo 1. Memória viva
19
Anexo 2. Algumas datas
22
1. Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
23
Escolhas pertinentes que se referem tanto aos alunos quanto aos professores
24
1. Alguns pontos inevitáveis quando as crianças entram em atividade
25
Crianças confiantes em suas possibilidades de aprender e de progredir, isto é, crianças que sentem que os adultos (professores e pais) acreditam em suas potencialidades, garantem seu sucesso e estão dispostos a ajudá-las com perseverança e tenacidade
25
Crianças atores e ativas que atribuem constantemente um sentido a seu “dever de alunos”
26
Crianças que “socioconstróem” explicitamente sua vida, sua linguagem, suas aprendizagens
27
2. Crianças em projetos
28
Vamos deixar mais claro
28
Uma estratégia permanente de formação: um modelo pedagógico de projeto
31
Alguns exemplos de projetos
36
Instrumentos para que o professor dê início a uma pedagogia de projetos
45
2. Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
53
3. O que é aprender a ler/escrever na escola?
54
Vamos deixar mais claro
54
O modelo de procedimento didático integrador
56
Alguns exemplos
62
4. A escolha de instrumentos linguísticos e cognitivos para ler/escrever textos
66
Vamos deixar mais claro
66
Os principais processos mentais que intervêm na leitura-questionamento ou na produção de um texto
68
Do contexto à palavra: os sete níveis de conceitos linguísticos escolhidos para trabalhar com as crianças
71
Uma interação única
76
3. Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
79
Procedimentos sistemáticos de resolução de problemas em leitura e em produção de textos
80
5. O questionamento dos textos pelas crianças: aprender a compreender os textos. Um procedimento sistematizado de resolução dos problemas em leitura
82
Vamos deixar mais claro, ou melhor, esclareça(m) você(s) mesmo(s)
82
O modelo de procedimento de questionamento dos textos
84
O professor: um mediador-perito
90
Alguns exemplos de questionamento de textos
91
Instrumentos para os professores 6. O canteiro de escrita. Aprender a produzir textos. Um procedimento sistematizado de resolução de problemas em produção
121
124
Vamos deixar mais claro: o que entendemos por canteiro de escrita?
124
O modelo do procedimento do canteiro de escrita
126
O professor, mediador-perito (em produção)
139
Alguns exemplos de canteiro de escrita
140
Instrumentos para os professores
181
4. Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística no centro da construção das competências de leitores e produtores de textos 183 Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística para construir competências de leitores e produtores de textos
184
7. Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística em relação ao contexto geral do texto
185
Vamos deixar mais claro
185
Em relação ao contexto situacional de um texto (nível 1)
187
Em relação aos contextos culturais dos textos (nível 2)
198
8. Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística em relação ao texto em seu conjunto
207
Em relação aos tipos de escritos lidos ou produzidos (nível 3) e à superestrutura dos textos (nível 4)
207
Em relação à coerência do discurso e à coesão do texto (nível 5) 218 9. Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística em relação às frases (nível 6)
233
Vamos deixar mais claro
233
Da classe de 5 anos da educação infantil ao 5º ano do ensino fundamental: atividades com frases para progredir na compreensão e na produção dos textos
236
10. Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística em relação à palavra e às microestruturas que a constituem (nível 7) 250 Vamos deixar mais claro: ler e escrever uma palavra
250
Desenvolver competências metafonológicas: realizar manipulações silábicas
253
Descobrir, compreender, construir e dominar o princípio alfabético da língua
262
5. Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos
281
11. Vamos deixar mais claro
282
Sobre alguns paradoxos da avaliação
282
Que concepção de avaliação?
283
12. Melhor se conhecer para melhor agir
284
Para o aluno, uma avaliação formadora durante a aprendizagem 284 A avaliação formadora durante os procedimentos de questionamento de texto e de canteiro de escrita
285
13. Ajustar sua intervenção às necessidades dos alunos
286
Uma avaliação somativa regular para um diagnóstico objetivo
286
Um exemplo de análise de uma avaliação-diagnóstico no início do 1° ano do ensino fundamental
284
14. Construir percursos de aprendizagem contínuos e coerentes Uma outra maneira de deixar mais clara nossa problemática
290 290
Alguns exemplos de instrumentos coletivos que visam harmonizar o ensino-aprendizagem da leitura e da produção de textos 291 15. Harmonizar os auxílios e os instrumentos de trabalho escolar para melhor acompanhar os alunos
296
Os auxílios em situação de questionamento ou de canteiro
296
Instrumentos de referência para ler e para escrever
298
Conclusão
301
As autoras
303
Agradecimentos
304
Introdução O que propomos neste novo livro não é nem uma reedição condensada de nossas obras anteriores,1 nem uma proposta totalmente nova referente à formação das crianças nas áreas de leitura e produção de textos. Queremos, à luz do avanço das pesquisas em geral e de nossas pesquisas em particular, assim como de nossas experiências mais recentes, revisitar as representações, os conceitos e sobretudo as práticas delas decorrentes, visando a reformulação de uma proposta didática de conjunto para o ensinoaprendizagem da leitura/escrita. Esse desejo se torna ainda maior na medida em que o procedimento que propusemos foi submetido a uma fragmentação e instrumentalização estreitas, aliadas ao esquecimento do papel determinante de uma pedagogia de projetos para as aprendizagens, que tornam necessário revisitar com um certo distanciamento esse conjunto complexo e difícil que constitui “nossa problemática”, tornando mais claros os conceitos que fundam nossa proposta. Na verdade, hoje em dia sobretudo, é difícil acreditar que procedi mentos baseados na comunicação, no construtivismo, na linguística textual e na reflexão metacognitiva possam ser assimilados ao “tão depreciado método global”. Há dez anos, os avanços das pesquisas em didática e nas áreas teóricas que fornecem subsídios para o ler/escrever permitiram resgatar uma representação consensual do ensino-aprendizagem da leitura, a partir de componentes indissociáveis, retomados nos Programas de 2002 na França,* cujas orientações partilhamos de maneira global. Ao mesmo tempo e de maneira recorrente, as avaliações nacionais no CE2 e na 6e franceses,** assim como as pesquisas da Direção da Prospectiva e da Avaliação,*** colocam em evidência as dificuldades dos alunos quando se trata de empreender a coordenação de informações e a construção de significações para compreender um texto. Geralmente, na análise desses dados, essas dificuldades são ainda com muita frequência associadas a déficits chamados de “baixo nível”
1
Ver logo a seguir o Anexo 1, “A memória viva”, p. 19 e o Anexo 2, “Algumas datas”, p. 22.
*
Nota da Tradução (N.T.): As menções sobre o nome do país onde foi publicado este livro foram acrescentadas em vários pontos do texto, para maior clareza.
**
N.T.: Correspondem respectivamente ao 3° e 6° anos do ensino fundamental no Brasil. N.T.: Um dos setores do Ministério da Educação da França, encarregado da avaliação e das estatísticas.
***
no sentido linguístico do termo, isto é, a problemas de identificação de palavras e letras. Mas, na verdade, os alunos mais frágeis “tropeçam essencialmente na compreensão do implícito, não na decifração”.2 A consequência lógica dessa interpretação é a volta do pêndulo em favor do “primeiro, a decifração” (concepção por etapas da aprendizagem) ou do “tudo silábico” (concepção monológica da aprendizagem). Parece-nos arriscado reativar e promover abordagens didáticas que, segundo nossa prática, geram representações errôneas da atividade de leitura e que, na verdade, parasitam o acesso à compreensão que faz falta sobretudo aos leitores precários. No que nos diz respeito, estamos naturalmente de acordo com a identificação das palavras e de suas microestruturas – e que isso seja até mesmo feito da maneira mais sistemática possível.3 No entanto, é preciso tomar cuidado para inseri-las, desde a educação infantil, num quadro muito mais amplo, que garanta a entrada nos textos pela compreensão e pela produção, assim como pela construção progressiva das estratégias e das competências que permitam alcançá-las. De nosso ponto de vista, as dificuldades específicas encontradas na compreensão ou na elaboração dos textos resultam, em primeiro lugar, de um déficit em um outro nível, raramente levado em consideração nas análises das causas dos fracassos escolares “para o grande público”: a gestão e o controle pelo aluno de sua atividade de leitura e/ou de produção de textos e sua representação do escrito. Para nós, existe uma necessidade urgente, desde a educação infantil: • de fazer com que todos os alunos entrem na cultura da língua escrita pelo que ela é, isto é, de construir: - uma representação do escrito empregada nas práticas comunicativas reais, que permita a utilização em situação dos textos e dos discursos, para compreender e elaborar, para pensar e pensar o mundo; - uma apropriação progressiva e estruturada do funcionamento da língua escrita organizada pelas estruturas contextuais, textuais, sintáticas, léxicas e grafo-fonológicas; • da mobilização de todos os alunos numa atividade cognitiva deliberada e complexa, sentida como tal, que contribua à automatização dos processos de compreensão e de produção dos textos escritos; isto é, deve-se construir diversas estratégias de tratamento do escrito4 e verificar sua eficácia segundo
2
Roland Goigoux, “L’évaluation des élèves à la fin de l’école primaire: info ou intox?”, Fenêtres sur cours, novembro de 2004.
3
Ver o capítulo 10, “Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística em relação à palavra e às microestruturas que a constituem (nível 7)”, p. 250.
4
O que as distingue, por natureza, das estratégias praticadas pelos alunos por ocasião da recepção, por atenta que seja, de textos lidos por uma terceira pessoa.
12 Caminhos para aprender a ler e escrever
os contextos; essas estratégias resultam, de fato, da investigação renovada e estruturada do próprio escrito. Eis o sentido do “questionamento do texto” e do “canteiro de escrita”, apresentados na Parte 3, que concebemos como procedimentos sistemáticos de resolução de problemas em leitura e em escrita. • de fazer com que os processos de leitura e de escrita tornem-se legíveis e progressivamente conscientes, a fim de evitar mal-entendidos dos alunos sobre sua própria atividade; ou seja, de construir ao mesmo tempo, de forma a permitir a elaboração da atividade cognitiva de cada aluno, os processos metacognitivos que a permitam controlar e regulá-la. As diversas partes deste livro visam tratar esses aspectos da maneira mais direta e prática possível. Para indicar de imediato e de maneira concisa os pilares sobre os quais nos baseamos e a direção que seguimos, apresentamos no início do livro nossos marcos teóricos de referência e os eixos didáticos convergentes que escolhemos. Esperamos dessa forma facilitar a orientação de nossos leitores por todo o restante da obra. Em seguida, com as análises mais precisas possíveis e com exemplos relacionados a nossas experiências mais recentes, retomamos os eixos-chave de nossa proposta inicial: - para reavivar suas exigências (por exemplo: o questionamento de um texto pelas crianças não tem nada a ver com o que chamamos comumente de “caça às palavras”; uma pedagogia de projetos é muito diferente de uma pedagogia em que o mestre propõe às crianças, de vez em quando, projetos “motivadores” etc.); - para atualizar alguns de seus aspectos (por exemplo: reforço da sistematização e da reflexão metacognitiva, aprofundamento das atividades metalinguísticas); - para propor, sob a forma de esquemas, tabelas, quadros e gráficos diversos que permitam tornar nosso discurso mais claro, instrumentos para os professores que “se arriscam” e para o trabalho das equipes. Nossa esperança é que eles mesmos possam construir outros mais pertinentes e mais bem adaptados à sua própria realidade. Eis o que está em jogo: formar crianças que possam ler e compreender o que leem, escrever e produzir textos, que sejam polivalentes e autônomas. Para tanto, é preciso formar: - crianças que, ao terminar sua escolaridade elementar, sejam todas elas capazes de agir, de reagir ou de fazer agir a partir de qualquer tipo de escrito; - crianças que (por terem sido treinadas dessa forma com frequência, progressiva e explicitamente) sejam todas elas capazes de elaborar e de construir seus próprios projetos e sua própria atividade de leitores/produtores de textos. Felizmente, tudo isso se aprende e, assim, tudo isso pode ser ensinado.
Introdução 13
Os marcos teóricos de referência que apoiam um ensino-aprendizagem da leitura e da produção de escritos com chances de ser eficiente
Os diversos referenciais teóricos aqui evocados são suficientemente conhecidos para dispensar apresentação detalhada; teremos ocasião de torná-los mais claros através da prática durante os capítulos seguintes. O objetivo supõe, no mínimo, a escolha de uma concepção da aprendizagem, de uma concepção de escrito e de uma concepção de prática de leitura e produção do escrito. Concepção de aprendizagem (quadros 1, 2, 3 da tabela seguinte). Três aspectos foram retidos: - uma concepção construtivista (auto- e socioconstrutivista) da aprendizagem e do ensino; - a convicção de que todas as crianças desfrutam de uma educabilidade cognitiva e têm possibilidades de desenvolvimento; - a concepção cognitivista do papel determinante da reflexão metacognitiva explícita e da avaliação formativa (auto- e socioavaliação) nas aprendizagens. Concepção de escrito (quadros 4, 5, 6) - Uma concepção pragmática da construção da linguagem em situação de comunicação e na ação; - Uma concepção do escrito e de sua unidade fundamental significante, o texto, fundada sobre as diversas dimensões da linguística textual; - Uma concepção da cultura escrita em sua dupla dimensão funcional e ficcional. Concepção de leitura e escrita (quadro 7) - Uma concepção da leitura e da escrita como processos – articulados entre si – de compreensão e de produção de textos contextualizados; A tabela a seguir apresenta essas escolhas de maneira que possam ser mais facilmente identificadas visualmente. Nosso objetivo é aí relembrado nesses termos: formar crianças que construam seu poder de ler e de produzir textos pertinentes, em situações reais de expressão e de comunicação. 14 Caminhos para aprender a ler e escrever
NOSSO MARCO TEÓRICO DE REFERÊNCIA 1. Uma concepção construtivista (auto- e sócio-) da aprendizagem e do ensino
Crianças que
4. Uma concepção pragmática da construção da linguagem em situação de comunicação
constroem seu poder de ler e de produzir textos 2. A convicção da educabilidade cognitiva e das possibilidades de desenvolvimento de todas as crianças
pertinentes em situações reais de expressão e
5. Uma concepção de escrita e de sua unidade fundamental, o texto, fundada sobre as diversas dimensões da linguística textual
de comunicação
3. Uma concepção cognitivista do papel determinante da reflexão metacognitiva e da avaliação (auto- e sócio-) nas aprendizagens
7. Uma concepção de leitura e escrita como processos de compreensão e de produção de textos contextualizados
6. Uma concepção de cultura escrita em sua dupla dimensão funcional e ficcional
Os marcos teóricos de referência 15
Eixos didáticos convergentes para orientar o procedimento pedagógico que propomos Estes eixos derivam de nossas escolhas teóricas. • Estimular no seio do grupo-classe uma vida cooperativa e uma pedagogia de projeto dinâmicas A eficácia e a profundidade das aprendizagens dependem do poder que os aprendizes detêm sobre suas próprias atividades: o que estas significam para eles; que representações têm das tarefas que devem realizar para atingir um objetivo; como gerem o tempo, o espaço, os recursos: como, uma vez realizado o projeto, devem parar para avaliar o resultado e tirar proveito dele. Um aluno em projeto tem o desejo, os meios e o poder de ser bem-sucedido. Ele mobiliza toda sua mente e toda sua energia para atingir, com a ajuda dos demais, os objetivos de progresso que determinou para si. As aprendizagens a construir se tornam realmente uma questão coletiva. Por outro lado, o clima afetivo do desenvolvimento de um projeto de classe, com suas tensões e seus conflitos, mas também com a valorização, o apoio e o entusiasmo que a vida cooperativa e o trabalho em comum podem trazer, permite o desenvolvimento de personalidades ativas, sólidas, tolerantes e solidárias (ver o capítulo “Crianças em projetos”, p. 28) • Inventar procedimentos de ensino-aprendizagem de tipo auto- e socioconstrutivista As crianças aprendem a fazer fazendo (e não se preparando para fazer mais tarde) e encontrando na vida situações-problema que as estimulam e as obrigam a avançar em suas aprendizagens para “superar o obstáculo”. Elas aprendem dialogando, interagindo e se confrontando com os outros. As crianças constroem suas aprendizagens quando o que fazem, ou o que lhes é proposto, faz sentido para elas. As crianças aprendem quando os adultos, professores e pais, levam simultaneamente em conta as competências que já construíram, seus desejos e necessidades atuais e sua representação dos novos objetivos.
16 Caminhos para aprender a ler e escrever
• Instaurar uma prática comunicativa e textual do escrito A linguística textual e a análise do discurso e da enunciação colocaram em evidência que a significação e a coerência de um escrito emergem no nível de um texto integral contextualizado. Assim, é necessário que, desde o início (quer dizer, desde a educação infantil), tanto para ler quanto para produzir, as crianças se encontrem diante de textos integrais autênticos e múltiplos – não de textos escolares –, funcionando em situações reais de expressão e de comunicação, em particular os que colocam em jogo questões efetivas e que se dirigem a verdadeiros destinatários (ver os capítulos “O questionamento de textos pelas crianças. Aprender a compreender os textos”, p. 82 e “O canteiro de escrita. Aprender a produzir textos”, p. 124). • Construir uma representação clara do ler/escrever: da leitura como compreensão, e da escrita como produção de textos integrais contextualizados - Ler é, desde o início,5 construir ativamente a compreensão de um textoem-contexto, em função de seu projeto, de suas necessidades, de seu prazer. Isso é feito graças às competências que já foram adquiridas e graças às interações com os outros. Não se trata primeiro de reconhecer letras, sinais, sílabas ou palavras, e só então pequenos textos. É inserir tudo o que identificamos como índices, seja qual for seu nível, inclusive sílabas, numa construção tenaz do sentido do texto em seu conjunto (ver os capítulos “O que é aprender a ler/escrever na escola?”, p. 54 e “O questionamento de textos pelas crianças. Aprender a compreender os textos”, p. 82). - Escrever é, desde o início, buscar nos exprimir e/ou fazer com que um destinatário real nos compreenda, produzindo o escrito que somos capazes de elaborar num dado momento, sozinhos ou com a ajuda dos demais. Não é, desde logo, justapor palavras aplicando regras gramaticais de ortografia ou de combinação de sílabas (ver os capítulos “O que é aprender a ler/escrever na escola?”, p. 54 e “O canteiro de escrita. Aprender a produzir textos”, p. 124). - Aprender a ler/escrever é um longo processo cognitivo e afetivo de elaboração de estratégias, de ativação de operações mentais e de construção de conhecimentos culturais e linguísticos (ver os capítulos “O que é aprender a ler/escrever na escola?”, p. 54 e “A escolha de instrumentos linguísticos e cognitivos para ler/escrever textos”, p. 66).
5
Desde a educação infantil (sic). Eixos didáticos convergentes 17
• Fazer com que as crianças vivam, compreendam e produzam textos literários Não se lê ou se escreve da mesma maneira o relato funcional de um acontecimento num jornal e o relato ficcional de um conto, de uma novela ou de um romance. Na literatura, deve-se levar em conta ao mesmo tempo o papel do imaginário e o funcionamento específico dos documentos, sejam eles romanescos, teatrais ou poéticos. • Colocar em prática e encorajar uma reflexão metacognitiva regular, cujos resultados sejam sistematizados As ciências cognitivas mostram que aprender a fazer fazendo é necessário, mas não suficiente. As aprendizagens em construção se veem reforçadas e consolidadas pela reflexão que o próprio aprendiz faz sobre elas. No grupo-classe, trata-se de facilitar a reflexão individual e/ou coletiva dos alunos para que tomem simultaneamente consciência de seus procedimentos estratégicos e de suas aprendizagens linguísticas (O que é que aprendi? Como é que fiz? Em que os outros me ajudaram? Que posso deduzir disso? etc.) e que, assim, transformem pouco a pouco seus achados ocasionais em “instrumentos” estruturados que vão ajudá-los a progredir. Eles descobrem, assim, seus próprios recursos, seus processos e operações mentais, e selecionam suas estratégias de sucesso (ver a Parte 5, “Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos”, sobre a reflexão metacognitiva, p. 281). • Fazer com que a autoavaliação e a coavaliação funcionem como instrumentos da aprendizagem Estas formas de avaliação são um aspecto da reflexão metacognitiva incorporado ao próprio processo de aprendizagem como uma atividade contínua. As diversas formas de avaliação são primeiramente concebidas como instrumentos que permitem reativar a aprendizagem: os alunos veem melhor sobre que pontos devem concentrar sua atenção e o professor percebe onde seu apoio é necessário. Naturalmente, tudo isso se torna possível graças à transformação assumida do papel do professor, que, de simples transmissor de conhecimentos, se transforma realmente em mediador e facilitador de aprendizagens, sempre atuando como um informador prudente. Cada um desses eixos será retomado nos capítulos seguintes.
18 Caminhos para aprender a ler e escrever
Anexo 1
Memória viva
Na França, entre 1984 e 1992, a editora Hachette Éducation* publicou, em sua coleção “Pedagogia prática na escola”, quatro livros do Grupo de pesquisa de Écouen, sob a coordenação geral de Josette Jolibert: “Former des enfants lecteurs” (1984); “Former des enfants producteurs de textes” (1988); “Former des enfants lecteurs de textes, T2” (1991) e “Former des enfants lecteurs et producteurs de poèmes” (1992).** Esses livros tinham como base uma pesquisaação conduzida continuamente, durante 12 anos (1980-1992) pelas equipes da mesma circunscrição – Écouen, no Val d’Oise.6 Pouco a pouco, a articulação entre os aportes teóricos, as práticas cotidianas nos grupos-classes e as práticas de formação transformou radicalmente as representações que tínhamos de nossos respectivos papéis de professores-educadores-pesquisadores, fazendo com que nos baseássemos em: • Uma outra concepção do ensino-aprendizagem da leitura e da produção de escritos Para nós, era urgente identificar um quadro teórico de referência e os procedimentos pedagógicos que permitissem que todas essas crianças pudessem aprender verdadeiramente a ler e a escrever, fossem quais fossem sua identidade cultural, a precariedade econômica de sua família ou as tensões psicológicas ou sociais que vivenciavam. Ou seja, que lhes fosse permitido, em suma, preencher simplesmente o papel atribuído à escola da República... Além de levar em conta as inovações pedagógicas, lançamo-nos numa transposição didática de diversas fontes teóricas que tínhamos escolhido entre aquelas que as traduções (Vygotsky) ou a pesquisa (principalmente T. van Dijk) tinham recentemente se colocado a nosso dispor. Em suma, o socioconstrutivismo e as ciências cognitivas para a concepção das aprendizagens; a linguística textual, a análise do discurso, as teorias da enunciação e a sociolinguística para a concepção de escrito e de seu funcionamento.
*
N.T.: Os dados sobre o país e o nome da editora foram acrescentados para maior clareza.
**
6
N.T.: No Brasil, estes livros foram publicados pela editora Artmed, de Porto Alegre, sob os títulos Formar crianças leitoras (v. 1), 1994; Formar crianças leitoras (v. 2), 1994; Formar crianças produtoras de textos (1994) e Formar crianças leitoras e produtoras de poemas, 1994.
Sob a responsabilidade de Jean-Paul Viougeat, iden, em articulação com a Escola Normal de CergyPontoise, onde Josette Jolibert foi professora. Anexo 1. Memória viva 19
Foi assim que, num permanente vaivém entre o ler e o escrever, ao longo dos anos, foi sendo construída uma mesma proposta didática única em que todos esses eixos são necessários e convergentes. Elaboramos assim – e colocamos em prática em nossos grupos-classes, para em seguida propô-la a nossos leitorescolegas – uma “problemática” de conjunto, destinada a substituir a miríade de exercícios desafiadores e com frequência desagradáveis, cuja ineficácia já fora demonstrada junto à maior parte das crianças. Tudo isso se tornou possível através de outras transformações dentro da referida circunscrição e mais além. • Uma outra concepção da orientação da formação permanente dos professores dentro de uma circunscrição Esta pesquisa-ação sobre a leitura/escrita foi longa, complexa, difícil. Ela só pôde se desenvolver e chegar a seu fim porque estava situada dentro de um projeto explicitamente ambicioso de transformação do funcionamento da referida circunscrição. O objetivo central desse projeto era transformar o meio ambiente das escolas e da circunscrição, o status relativo das crianças e dos adultos, dos professores e dos educadores, o auxílio aos professores e à formação permanente, tendo em vista uma transformação significativa das práticas educativas, cujos principais beneficiários seriam primeiro as crianças, mas também os professores. Objetivos, tarefas, funções, meios – mas também poderes – foram coletivamente redefinidos. Privilegiou-se, por um lado, a implantação de uma vida mais cooperativa no nível da circunscrição como um todo e a responsabilização das equipes de campo, em todos os níveis; por outro lado, estimulou-se a ambição de excelência nas aprendizagens, tanto por parte dos professores quanto por parte das crianças. Nesse contexto, tornou-se necessário transformar a representação que professores e educadores tinham do seu ofício. Eles mesmos se propuseram a não ser mais objetos ou artífices de animações pedagógicas, mas sujeitos de uma pesquisa-ação conduzida a longo prazo por equipes compostas de categorias múltiplas (três anos para cada equipe de voluntários), nos diversos campos onde era necessário progredir. • Uma outra concepção da produção de obras de pedagogia Quando o primeiro de nossos quatro livros foi publicado na França, em 1984, esse tipo de livro didático, que articulava estreitamente teoria e prática e se destinava tanto aos professores primários quanto aos educadores, quase não existia. Na verdade, ele não era nem um manual para os alunos acompanhado de um guia pedagógico para os professores primários, nem uma obra teórica exclusivamente para os educadores.
20 Caminhos para aprender a ler e escrever
Nossas equipes encaravam como uma obrigação a necessidade de “produzir alguma coisa” no final de cada um dos quatro projetos de pesquisa-ação sucessivos, ou seja, de difundir junto a nossos colegas o produto de vários anos de trabalho. Essa “alguma coisa” podia ser uma publicação, uma exposição, uma montagem audiovisual e/ou a realização de jornadas de estudo – mas, na verdade, revestiu todos esses aspectos. Essa obrigação fazia já parte do contrato assinado pelos voluntários que tinham-se engajado nesses projetos. Como a própria pesquisa tinha sido um trabalho coletivo, cooperativo, onde cada um exercera o papel correspondente à sua função nos marcos da Educação Nacional,7 tornou-se evidente que a produção resultante deveria também ser coletiva e cooperativa. Para os professores-pesquisadores que tinham-se tornado coautores dos quatro livros, obrigar-se a ir até o fim da produção de um livro – pensando nos colegas-destinatários, procurando estratégias claras e formulações que pudessem contribuir a prestar contas do trabalho realizado – foi uma maneira construtiva de continuar a refletir sobre o escrito. Essa exigência de produção desenvolveu-se a seguir em outros lugares, em outros grupos organizados pelos coautores (ver a seguir “Algumas datas”), permitindo-nos revisitar regularmente nossa proposta didática. Hoje em dia, nosso objetivo é reconceituar o conjunto dessa obra, integrando novos aportes; mas, digamo-lo uma vez por todas, o recuo de todos esses anos não nos forneceu razões profundas para colocar em questão seus próprios fundamentos. Embora sejam naturalmente passíveis de um aperfeiçoamento, nossas experiências pareceram-nos até hoje bastante conclusivas e, além disso, as coisas que estavam então em jogo continuam a existir.
7
A equipe compunha-se de cerca de sessenta professores primários e normalistas-estagiários, dois inspetores departamentais da Educação Nacional francesa (iden), três conselheiros pedagógicos, um psicólogo e um professor de Escola Normal. Anexo 1. Memória viva 21
Anexo 2
Algumas datas
1980 Início da pesquisa-ação na circunscrição da educação infantil e ensino fundamental de Écouen (Val d’Oise). 1984 Publicação de Former des enfants lecteurs. 1988 Publicação de Former des enfants producteurs de textes. 1989 Tradução para o português de Portugal de Former des enfants lecteurs, Ed. Asa. 1991 Publicação de Former des enfants lecteurs de textes (v. 2). 1990-2000 Missões sucessivas de cooperação educativa de Josette Jolibert em Santiago do Chile como residente junto ao Ministério da Educação do Chile; mais tarde, junto ao Escritório da Unesco para a Educação na América Latina. 1992 Publicação de Former des enfants lecteurs et producteurs de pòemes, Ed. Grao, Barcelona. 1994 Tradução dos quatro livros para o português do Brasil. 1995-2005 Organização de colóquios e seminários no Chile e no Brasil por vários membros do “Grupo de Écouen”, a convite de diversas instituições de formação de professores. 1996 Publicação em espanhol, no Chile, de Transformar la formación docente inicial. propuesta en didactica de lengua materna, obra resultante de um colóquio da UnescoAmérica Latina (Coordenação: Josette Jolibert). Tradução para o português do Brasil em 2007. 1997 Participação de Christine Sraïki no CD-ROM sobre a leitura do Ministério da Educação Nacional da França. 1998 Publicação em espanhol, no Chile, de Interrogar y producir textos autênticos. Vivencias en el aula, produto de quatro anos de pesquisa-ação de uma equipe de três escolas de Valparaíso (Coordenação: Josette Jolibert e Jeannette Jacob). Tradução para o português do Brasil em 2006. 1999 Publicação de Je lis avec les Stragors, de Martine Blanchard, Marie Satrin e Christine Sraïki, centrado na conquista de estratégias de compreensão em leitura no ciclo 2. 2000-2004 Participação de Catherine Crépon na organização de pesquisas na circunscrição de Sarcelles, dando lugar à publicação de: - Favoriser la réussite en lecture: les macle, André Ouzoulias. Ed. Retz, 2004. - Lire des récits longs, Patrick Joole, Ed. Retz, 2006. - Progresser dans la compréhension des textes, Patrick Joole, Ed. Retz (no prelo). 2006 Publicação do presente livro na França.
22 Caminhos para aprender a ler e escrever
1 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida Seria bom lembrar agora um assunto sobre o qual se fala em geral muito pouco, quando se trata de didática, e que é, no entanto, um elemento determinante para o sucesso das aprendizagens. Trata-se do que vem antes das aprendizagens e do seu contexto, que pode facilitá-las ou entravá-las. O que está em jogo aqui são as situações nas quais, cotidianamente, a escola como instituição e o grupo-classe representando o ambiente de vida e de trabalho colocam as crianças. Isso implica valores, representações, concepções, escolhas teóricas e procedimentos pedagógicos.
SUMÁRIO
Escolhas pertinentes que se referem tanto aos alunos quanto ao professor
24
1. Alguns pontos inevitáveis quando as crianças entram em atividade
25
2. Crianças em projetos
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Escolhas pertinentes que se referem tanto aos alunos quanto ao professor Se quisermos transformar em profundidade a eficácia das aprendizagens na escola, parece-nos necessário manter com firmeza em nossa mente os seguintes vieses: • O viés do sucesso Alunos que descobrem sua capacidade de pensar sozinhos e com os outros, que tomam consciência de seu status de interlocutores legítimos nos grupos-classes, que podem afrontar desafios, resolver problemas… em suma, que estão armados para o sucesso. Professores para quem a história escolar de cada um de seus alunos nunca está decidida de antemão e que mobilizam toda sua energia para fazer de cada trajetória escolar individual uma trajetória de sucesso. • O viés da inteligência Alunos que agem com a cabeça, e não apenas com a mão e um lápis, e que podem se permitir raciocinar a partir dos dados de um texto, porque são autorizados a isso. Professores que pensam seu trabalho apoiando-se em escolhas didáticas e pedagógicas claras e no conhecimento que possuem sobre os alunos, suas potencialidades, suas necessidades. • O viés da complexidade Alunos que, desde a educação infantil, encaram, com a ajuda dos outros e do professor, verdadeiros textos (e não aqueles concebidos precisamente para não apresentarem obstáculos à compreensão), para aprender a construir seus sentidos. Professores que colocam logo em prática situações de questionamento ou de produção de textos e que realizam e apoiam a pesquisa ativa pelas crianças sobre textos a serem lidos ou escritos. • O viés da exigência Alunos que, conscientes de seu dever, tomam iniciativas, medem seus progressos, analisam seus erros, prestam contas do que fazem, enfrentam desafios. Professores que os auxiliam através de formas de apoio adaptadas e reveem sem cessar situações, progressos, instrumentos para fazer avançar todos os seus alunos. • O viés da responsabilidade Alunos em projetos, engajados em aprendizagens explícitas e, ao mesmo tempo autônomos e solidários, que se dedicam, com a ajuda do mestre, em encaminhamentos voluntários, visando tomar frente de seus progressos, na medida em que encontram um sentido para essas atividades. Professores que fazem tudo para suscitar e alimentar a aprendizagem, que conduzem os alunos a questionar as situações, as estratégias, as atividades de compreensão e de produção de documentos e que, dessa forma, os levam progressivamente a dispensar sua ajuda. 24 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
1. Alguns pontos
inevitáveis quando as crianças entram em atividade
Trata-se aqui, no essencial, de revisitar rapidamente as representações dos professores sobre a educabilidade das crianças, sobre o que é a aprendizagem e, em consequência, sobre o que deve ser seu trabalho de ensino.
Crianças confiantes em suas possibilidades de aprender e de progredir, isto é, crianças que sentem que os adultos (professores e pais) acreditam em suas potencialidades, garantem seu sucesso e estão dispostos a ajudá-las com perseverança e tenacidade Isso acarreta para os professores: - questionar “em sua alma e consciência” sua própria representação das potencialidades das crianças; - verificar eventualmente, se necessário em sua própria sala de aula, como uma mudança de expectativa e, logo, de atitude de sua parte pode acarretar progressos por parte das crianças; - convencer-se de que todas as crianças – todas, quaisquer que sejam – podem aprender a ler e a produzir os textos necessários à sua vida, desde que lhes sejam dados os meios; - cuidar para que uma pedagogia “diferenciada” seja, certamente, uma pedagogia “adaptada” às necessidades de cada um, mas que seja também exigente e mobilizadora, que puxe para cima, e não em direção a uma espécie de mínimo denominador comum; - convencer as próprias crianças de que sim, elas podem; planificar e avaliar regularmente com elas seus progressos, para provar essa máxima; - promover o sucesso; não pensar ou deixar que a criança pense, seja qual for o nível de dificuldade encontrado, que tudo está decidido de antemão, que ela é incapaz de desenvolver, como seus colegas de classe, verdadeiras ambições de aprendizagem e de progresso. Alguns pontos inevitáveis quando as crianças entram em atividade 25
Crianças atores e ativas que atribuem constantemente um sentido a seu “dever de aluno” Para essas crianças, não se trata de uma simples “motivação” afetiva momentânea, mas de um engajamento intelectual, profundo e a longo prazo, que dê sentido às horas e aos anos que passam na escola. Numa tarefa de aprendizagem que sabem ser longa e complexa antes mesmo de começar, têm consciência também de que vão realizar atividades interessantes, porque terão “voz no capítulo” para decidir o que vão fazer, que não estarão sozinhas para realizar essas tarefas e que poderão verificar todos os dias seus próprios progressos. Trata-se também de uma aprendizagem significativa no sentido construtivista do termo: uma aprendizagem que busca estabelecer um laço estreito entre os conhecimentos anteriores de cada aluno e o objeto atual da aprendizagem, na medida em que deve integrá-lo à sua estrutura cognitiva e atribuir-lhe um sentido. Isso acarreta para os professores: - repensar o conceito de “atividade” (no singular) e diferenciá-lo do simples ativismo (“manter as crianças ocupadas”) e das falsas motivações (por exemplo, as “atividades”, lúdicas ou muito escolares, denominadas “jogos”). Fazer com que as crianças ajam com a cabeça, e não apenas com as mãos e o lápis. Isto é, distinguir a atividade intelectual da tarefa a ser realizada. A escola tem por função fazer com que a inteligência das crianças trabalhe e não lhes dar tudo já mastigado. É afrontando autênticas situações-problema, que oferecem resistência, e é tentando resolvê-las junto com seus colegas de classe e com a mediação dos professores que os aprendizes têm maiores chances de construir suas competências; - levar a sério a seriedade das crianças, acreditar em sua inteligência e em seu desejo de agir e de crescer; ou seja, os professores devem renunciar a uma representação maternal (ou paternal) de sua responsabilidade profissional; - repensar as preparações de classe diretivas ou muito fechadas, substi tuindo-as por autênticos projetos de aprendizagem que sejam igualmente projetos de ação, coelaborados e regulados juntamente com as crianças (ver o próximo capítulo); - buscar incluir as atividades propostas pelas crianças num procedimento conjunto coerente, em vez de justapô-las numa dispersão heteróclita.
26 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
Crianças que “socioconstróem” explicitamente sua vida, sua linguagem, suas aprendizagens Se a atividade é determinante na construção de competências, os aprendizes nunca devem estar sozinhos, isolados; eles devem estar permanentemente em interação com as pessoas e os contextos que os cercam. Na escola, essa concepção se refere tanto à aprendizagem da vida cotidiana, da linguagem, dos comportamentos sociais e culturais quanto às aprendizagens disciplinares. Isso acarreta para os professores: - Fazer com que essas interações sejam vividas da melhor forma possível e geri-las com as crianças, a fim de que adquiram consciência delas e participem da regulação das situações derivadas na sala de aula; - instaurar na sala de aula condições para uma verdadeira vida cooperativa; para isso, é preciso que o horário semanal inclua tempos específicos para debates, reuniões regulares de conselhos cooperativos e ateliês* de cidadania; que cada aluno possua um caderno de vida escolar no qual possa anotar os sumários dos debates, dos conselhos, das reuniões, das decisões tomadas e também seus comentários pessoais; - instaurar a colaboração dos alunos, a coelaboração, a confrontação, a imitação assumida, concebida como uma apropriação da experiência dos demais, e valorizar sistematicamente todos esses aspectos; - apoiar-se sobre os conflitos cognitivos e sociocognitivos, em vez de temê-los ou de diminui-los, dando-lhes uma versão suave; - por em marcha projetos coletivos que sejam ao mesmo tempo projetos de ação e projetos de aprendizagem (ver próximo capítulo); - preparar minuciosamente e propor aos alunos diversas formas de trabalho em grupo, evitando dois obstáculos: o trabalho de grupo extravagante e sem sentido “que não leva a nada”, e o trabalho de grupo que substitui a reflexão própria de cada indivíduo, dispensando-o de encarar pessoalmente cada situação-problema, ou que só permite que um deles se engaje na atividade; - reservar momentos e lugares às atividades pessoais, facilitando assim a reflexão e a recuperação das energias de cada aluno; - prestar grande atenção à arrumação da sala e à disposição do mobiliário, à organização e à flexibilidade do tempo em função das necessidades e das atividades realizadas.
*
N.T.: Algumas escolas brasileiras preferem utilizar a palavra “oficina”, em vez de “ateliê”. Alguns pontos inevitáveis quando as crianças entram em atividade 27
2. Crianças em projetos Vamos deixar mais claro Por quê? • Há razões humanistas evidentes para implantar uma pedagogia de projetos nas salas de aula e nos estabelecimentos escolares: desenvolver personalidades que tenham simultaneamente senso de iniciativa e de responsabilidade, de tolerância e de solidariedade. Na verdade, uma pedagogia de projetos não pode ser reduzida a uma simples técnica educativa ou a um novo “método”. Ela implica mais vitalmente uma mudança profunda do status das crianças na escola a partir da revisão em profundidade das inter-relações entre adultos e crianças (e entre professores e pais). Como já dissemos antes, por parte dos adultos, isso corresponde a uma mudança das representações e das expectativas referentes às possibilidades e às necessidades das crianças. Encarar as crianças como sujeitos de sua própria formação, em vez de considerá-las objetos de ensino. Acabar com a situação em que crianças sentadas e silenciosas tentam memorizar (sem sucesso, para muitas delas) o que o mestre ensina. Preferir crianças ativas que comandem elas mesmas o ambiente, crianças que construam suas aprendizagens para resolver os problemas colocados por seus próprios projetos e pelos projetos elaborados junto com seus colegas de classe. Nesse sentido, trata-se tanto de uma postura filosófica quanto de uma postura psicológica. • Além disso, as contribuições das teorias cognitivistas da aprendizagem (Piaget, Vygotski, Wallon, Bruner etc.) confirmam o que os educadores dos movimentos da nova educação já tinham intuído: - que a atividade do sujeito que aprende é determinante na construção de um saber operatório; - que não existe aprendizagem eficaz em situações que não tenham sentido para o aprendiz e que a melhor maneira de facilitar uma aprendizagem significativa é permitir que as referidas situações estejam contidas num projeto do próprio aprendiz e que sejam avaliadas por ele e por seus colegas de classe, com o apoio de professores mediadores. As aprendizagens comportamentais 28 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
dependem tanto das inter-relações sociais de cada sujeito quanto das aprendizagens conceituais. • Além disso, do ponto de vista psicológico, a eficácia das aprendizagens de cada criança depende do poder que ela tem, enquanto aprendiz, sobre suas próprias atividades: o que significam para ela; que representação ela tem das tarefas a serem realizadas para atingir um objetivo dado; como ela gere o tempo, o espaço, os recursos; como, uma vez terminado o projeto, ela se detém para avaliar o resultado e se beneficiar dele. Como indicamos ao apresentar nossos “Eixos Didáticos”, um aluno em projeto tem o desejo, os meios e o poder de ser bem-sucedido. Ele mobiliza toda sua mente e toda sua energia para atingir, com a ajuda dos demais (colegas de classe e professores), os objetivos de progresso que determinou para si mesmo. • Enfim, do ponto de vista cognitivo, pode-se observar uma transferência das competências construídas durante uma pedagogia de projetos para outras atividades: - antecipar, graças à percepção global do que procuramos fazer; - saber organizar suas atividades, seu tempo, seus documentos; - saber se confrontar com os outros, estar aberto às suas propostas, ver os aspectos positivos das inevitáveis contradições, saber se adaptar a situações diferentes, saber resistir; - saber se avaliar e saber instaurar uma reflexão metacognitiva dos caminhos mentais percorridos, dos conhecimentos elaborados e das competências desenvolvidas etc. Uma pedagogia de projetos aparece como uma estratégia de formação visando a construção e o desenvolvimento simultâneos das personalidades, dos saberes e das competências.
Crianças em projetos 29
Que concepção de procedimento de projeto adotar? Trata-se desta concepção
Não destas outras
Considerar o procedimento de projeto uma estratégia permanente de formação, destinada a permitir que as crianças assumam pouco a pouco sua vida escolar e suas aprendizagens. Cuidar para que as atitudes e os procedimentos pedagógicos sejam coerentes durante o ano inteiro.
Propor ocasionalmente alguns projetos às crianças entre outras atividades ou exercícios, numa classe onde tudo está pensado e organizado (com grande consciência profissional, não é esse o problema) exclusivamente pelo professor.
Tomar consciência de que, tanto para as crianças quanto para o professor, um projeto na escola é sempre um projeto de aprendizagens, mesmo quando faz parte de uma realização lúdica.
Utilizar uma espécie de estratégia de rodeio para que as crianças aprendam sem se dar conta. Propor vez ou outra às crianças realizações consideradas essencialmente lúdicas; para motivá-las e distraí-las do resto do trabalho escolar.
Considerar evidente que o papel da escola é diferente do papel de um centro de lazer. Implantar na sala de aula situações que permitam que as crianças sejam realmente ativas na elaboração desses projetos, que possam geri-los, realizá-los e avaliá-los. Considerar que uma pedagogia de projetos é inteiramente distinta de uma pedagogia de temas.
Escolher um “tema” de trabalho que interesse às crianças e explicar-lhes como será realizado, quem elas podem encontrar, onde encontrar a documentação, como se poderia realizar em seguida uma exposição etc.
Elaborar projetos coletivos e contratos individuais de aprendizagem que permitam decidir coletivamente quais são os progressos a obter, em função das necessidades e do programa do ano.
Programar atividades pluridisciplinares em função do único tema retido e da progressão dos manuais. Conceber a avaliação apenas sob sua forma somativa.
Conceber a avaliação primeiramente sob seu aspecto formador, sob a forma de uma reflexão metacognitiva, individual e coletiva das crianças, que se refere ao mesmo tempo ao desenrolar dos projetos realizados, a seus resultados e às aprendizagens individuais já construídas ou em construção.
Deixar a avaliação dos aprendizados aos cuidados ou à apreciação exclusiva do professor ou reduzir a avaliação a uma cruz nos itens apresentados sob a forma de uma lista ou uma grade de tipo múltipla escolha.
Fazer com que os pais compreendam, através de encontros ou por intermédio de um “caderno de contratos”, a natureza deste trabalho, as competências que seus filhos estão adquirindo e os progressos que já realizaram.
Entregar aos pais uma caderneta que apresente uma avaliação estritamente somativa, acompanhada apenas de julgamentos subjetivos do professor.
30 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
Uma estratégia permanente de formação: um modelo pedagógico de projeto Apresentamos aqui o modelo pedagógico em seu conjunto, antes de explicitar, a seguir, cada um de seus componentes. PROJETO COLETIVO
Projeto de ação
Projeto global de aprendizagem
O que será feito • Definições do projeto • Planejamento das tarefas • Divisão das tarefas e dos papéis • Modalidades de socialização e de valorização do resultado • Avaliação ao final do projeto: sucessos observados e obstáculos encontrados • Resoluções
O que será aprendido nas diferentes áreas dos programas oficiais em questão • Domínio da linguagem e da língua • Educação científica • Educação física e esportiva • etc.
Projetos específicos de construção de competências,
entre os quais um Projeto específico em leitura e produção de escritos
As competências mais visadas que serão reforçadas ou construídas • O que já se sabe • O que todos têm necessidade de saber • O que foi aprendido • O que deverá ser reforçado
CONTRATO INDIVIDUAL
Contrato de atividades • O que eu tenho que fazer • O que eu consegui fazer • O que eu tive dificuldade em fazer • Minhas resoluções
Contrato de aprendizagem em leitura e produção de escritos
• O que eu já sei • O que eu aprendi • Como foi que eu aprendi • O que devo reforçar • Meus lembretes
Crianças em projetos 31
1. O projeto coletivo PROJETO COLETIVO Projeto de ação
Projeto global de aprendizagem
O que será feito • Definições do projeto • Planejamento das tarefas • Divisão das tarefas e dos papéis • Modalidades de socialização e de valorização do resultado • Avaliação no fim do projeto: sucessos observados e obstáculos encontrados • Resoluções
O que será aprendido nas diferentes áreas dos programas oficiais em questão • Domínio da linguagem e da língua • Educação científica • Educação física e esportiva • etc.
Projetos específicos de construção de competências,
entre os quais um Projeto específico em leitura e produção de escritos
As competências mais visadas que serão reforçadas ou construídas • O que já se sabe • O que todos têm necessidade de saber • O que foi aprendido • O que deverá ser reforçado
Comentário Uma pedagogia de projetos é uma estratégia de formação que visa a construção e o desenvolvimento das personalidades, dos saberes e das competências. Concretamente, nas salas de aula, essa definição pode ser declinada em três tipos de projetos: • o projeto de ação: é um projeto de atividades complexas orientado para um objetivo preciso de certa amplitude: organizar uma visita, uma exposição, um espetáculo, participar de uma ação de grande porte (feira de ciências, salão de escritos), publicar uma coletânea de poemas, receber correspondentes, arrumar o pátio... Grandes fornecedores de situações práticas, esses projetos de ação geram sempre aprendizagens em várias áreas identificadas pelos programas oficiais. São as competências que devem ser adquiridas no final do ciclo que permitem que os professores estabeleçam, em certo momento, quais as aprendizagens pertinentes, levando simultaneamente em conta o projeto de ação e a trajetória de seus alunos na progressão anual. Na escola, todo projeto de ação contribui de maneira explícita para a construção de competências.
32 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
• o projeto global de aprendizagem: trata-se simplesmente de colocar ao alcance das crianças, como objetivo de trabalho durante um dado período, o conteúdo das Instruções Oficiais. Os projetos são sucessivamente elaborados segundo as combinações, o planejamento cuidadoso de aprendizagem e as prioridades de aprendizagem. Lembremos que o essencial consiste em permitir que as crianças, em todo “conhecimento de causa”, sejam inseridas no projeto de aprender, isto é, sejam colocadas em projeto de construção de competências. • os projetos específicos de construção de competências: neste contexto, a declinação das competências em cada domínio dá lugar a um “projeto específico de construção de competências”. As competências a serem construídas são buscadas e explicitadas junto com as crianças e vão sendo afinadas ao longo do desenvolvimento do projeto. A avaliação das competências construídas ou em vias de construção é objeto de uma reflexão metacognitiva sistemática, realizada com os alunos tanto no nível coletivo quanto no nível individual. O grau de aquisição pode variar de uma criança à outra, em função das necessidades particulares de cada uma. Observações: • Considerar o procedimento de projeto uma estratégia de formação não implica que todos os projetos de aprendizagem derivam naturalmente de uma necessidade funcional ligada a um projeto de ação. Não existe, sem dúvida, nenhuma sala de aula onde todos os projetos específicos de construção de competências são elaborados a partir do planejamento de um projeto de ação – simplesmente porque tal continuidade exigiria um gasto de energia considerável por parte dos professores e, sobretudo, por parte das crianças. • Certos projetos de ação engajam os alunos em tarefas de longo prazo, quando se trata, por exemplo, da preparação de um espetáculo (ver exemplos a seguir) ou ainda da organização de um documento complexo (coletânea, diário). Ainda nesse caso, o professor-perito saberá escolher, dentro do leque de possibilidades, os projetos que permitirão que os alunos ajam sem desanimar, dedicando-se o suficiente para levar a termo suas tarefas e suas aprendizagens. • Cada projeto dá lugar à elaboração de instrumentos de organização e de gestão, sob a forma de cartazes pregados nas paredes que sirvam de referência durante todo o projeto. Trata-se: - do planejamento do projeto de ação (ver a seguir “Instrumento para desenvolver um projeto de ação”) e dos balanços intermediários: o que já foi realizado, o que resta fazer; - do projeto global de aprendizagem em relação regular com a programação das aprendizagens do ano; - do projeto específico de cada área, que vai ficando gradativamente mais nítido e que se regula em função dos obstáculos encontrados (ver a seguir “Tabela evolutiva das situações de linguagem vividas e das competências exercidas ou construídas”). Crianças em projetos 33
2. O contrato individual
CONTRATO INDIVIDUAL
Contrato de atividades
Contrato de aprendizagem em leitura e produção de escritos
• O que eu tenho que fazer • O que eu consegui fazer • O que tive dificuldade em fazer • Minhas resoluções
• O que eu já sei • O que eu aprendi • Como foi que aprendi • O que deve ser reforçado • Meus lembretes
Comentário • Num projeto, há sempre uma dimensão coletiva, em particular para definir o que todos têm necessidade de aprender, e uma dimensão individual, através dos contratos formalizados. • No caso dos contratos individuais, não se trata de maneira alguma de encerrar cada um num trabalho pessoal, numa ficha, na solidão de seu raciocínio ou, ainda pior, num acompanhamento indulgente passo a passo que, ao impedir o erro, impede a reflexão. • Não se trata também de privar os alunos, sobretudo aqueles que têm maiores dificuldades, de se entregar às tarefas mais ambiciosas, mais exigentes, do projeto; • Trata-se de: - identificar junto com as crianças o que, no contexto da planificação do projeto de ação e dos projetos coletivos de construção de competências, representa um desafio novo a vencer por e para cada um deles; - privilegiar a emergência de um pensamento original e das trajetórias individuais através do caderno de contratos, mas sempre dentro do contexto cooperativo e estimulante oferecido pelo projeto coletivo; - determinar, através um balanço final com cada um deles, o que se aprendeu durante o projeto coletivo e formular os avanços obtidos. O projeto constitui ainda um instrumento pertinente de ligação com as famílias. 34 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
O caderno individual de contratos de aprendizagem em leitura e produção de escritos serve de instrumento de referência; ele retraça o itinerário pessoal de aprendizagem de cada aluno: - ao conservar a memória dos sucessos, das dificuldades encontradas, dos novos desafios a vencer; - ao guardar os vestígios da reflexão metacognitiva que permitirá que, a longo prazo, cada criança controle e regule sua atividade intelectual de leitor/produtor de textos. Ele reúne: - o contrato de atividades pessoais; - o contrato de aprendizagens em todas as suas fases; - quando a ocasião se apresenta, uma produção significativa com os comentários pessoais do aluno e/ou do professor, tratando prioritariamente dos procedimentos e das estratégias aplicadas; - os lembretes: cada criança pode anotar aí suas observações ou pontos de atenção para as atividades de aprendizagem posteriores.
Crianças em projetos 35
Alguns exemplos de projetos Para ilustrar o funcionamento do modelo, apresentamos três exemplos, que pretendemos os mais complementares possíveis: - Projeto A: um projeto curto (uma semana), cuja dominante é a educação física e esportiva: “Organizar um encontro esportivo para os alunos do 5° ano do ensino fundamental da escola, dentro de uma semana”, referente a todos os alunos do 5° ano do ensino fundamental de uma só escola; - Projeto B: um projeto longo (três meses) cuja dominante é a literatura infanto-juvenil: “Encenar o álbum Le loup est revenu, de G. de Pennart”, realizado em vários 1° anos do ensino fundamental do mesmo grupo escolar; - Projeto C: um projeto longo (cinco semanas), cuja dominante é científica, num grupo-classe de 3° ano do ensino fundamental: “Construir um barco que flutua e que se desloca sozinho”. Para maior clareza, apresentaremos separadamente para cada projeto: - Os exemplos de projetos coletivos. - Os exemplos de contratos individuais. Sempre levando em consideração que estes últimos correspondem aos projetos coletivos. Nossa intenção é que o presente livro dê também lugar a uma leitura transversal. Os projetos que apresentamos neste capítulo serão encontrados nos seguintes: nos textos “interrogados”, dentro do capítulo “Questionamento de textos”, (p. 82) e nos textos produzidos pelas crianças, dentro do capítulo “Canteiros de escrita” (p. 124).
Observação referente aos exemplos de contratos individuais negociados com as crianças nos marcos dos projetos coletivos A ambição de certos contratos e sua aparente extensão pode causar espanto. Os documentos que apresentamos aqui (em particular, o contrato individual de Amina, no projeto B do 1° ano do ensino fundamental) provêm de um inventário organizado dos contratos “parciais” referentes a uma das dimensões particulares do projeto (leitura de um conto, produção de um texto) e, assim, visando cada uma das competências específicas.
36 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
O que vai ser aprendido: • Procurar informações referentes aos jogos esportivos coletivos e escolher três deles. • Conduzir uma pesquisa segundo as modalidades mais adequadas. • Explorar a informação coletada, sintetizá-la. • Explorar um documento texto/imagem/som. O que já se sabe: • Consultar a internet. • Utilizar um motor de pesquisa. O que se aprendeu além disso: • Marcar as informações essenciais para redigir a ficha de jogo utilizando o mouse. O que deve ser reforçado: •Aprender a escolher ou a formular palavras-chave para acelerar as pesquisas.
• Conduzir-se no jogo de regras coletivas: confrontar-se coletivamente. • Ser capaz de se engajar de maneira consciente na ação, mobilizando conhecimentos específicos (deslocar-se, progredir em direção ao gol, escapar da marcação de um adversário, lançar com precisão, recuperar a bola).
O que vai ser aprendido: • Produzir um texto cuja dominante seja explicativa (regra do jogo). • Utilizar um léxico específico para descrever o jogo. • Resumir as informações (o que é essencial para a ação). • Fazer frases curtas e precisas. O que já se sabe: • Paginar uma ficha técnica • Organizar as informações. • Levar em conta o contexto de comunicação. • Uma ficha por jogo que possa ser manipulada no campo de jogo. O que se aprendeu além disso: Substituir ou reduzir os grupos nominais em uma frase.
PRODUÇÃO DE TEXTOS
LEITURA
EDUCAÇÃO FÍSICA E ESPORTIVA
Definição: organizar um encontro esportivo para os alunos de 5° ano do ensino fundamental da escola dentro de uma semana. Planejamento: • Avisar desde já os outros dois 5° anos do ensino fundamental. • Escolher os jogos esportivos na internet e redigir as regras do jogo. • Comunicar as regras aos delegados dos grupos-classes em questão, na reunião do conselho (depois de amanhã). • Treinar para os jogos. • Organizar: - o encontro; - a composição dos times; - a rodada das partidas; - a anotação dos placares; - o anúncio dos resultados. Divisão das tarefas: • Número de participantes: oitenta, ou seja, oito times de dez alunos. • Assim teremos quatro encontros + duas semifinais + uma final (sete jogos) • Joga-se um jogo diferente em cada etapa da competição (três ao todo). •Seis grupos de produção para três regras de jogos (poder-se-á organizar um confronto). • O delegado confia as regras aos delegados dos outros grupos-classes. Todo mundo participa da organização material do encontro, durante a reunião do conselho cooperativo no sábado de manhã. Avaliação do encontro: Desenvolvimento satisfatório, mas atenção aos comportamentos dos “espectadores” durante a final. Resoluções: da próxima vez, evitar escolher os jogadores por sorteio, porque afinal os times não ficaram homogêneos. DOMÍNIO DA LINGUAGEM E DA LÍNGUA Leitura: Procurar jogos coletivos na internet. Produção de textos: Redigir uma ficha técnica que permita a realização de um jogo.
Projeto específico de construção das competências em leitura e em produção de escritos
Projeto global de aprendizagem O que se vai aprender nas diferentes áreas dos Programas
Projeto de ação O que vai ser feito
PROJETO A. “Organizar um encontro esportivo” (grupos-classes do 5° ano do ensino fundamental).
1. Alguns exemplos de projetos coletivos
Crianças em projetos 37
38 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
Divisão das tarefas e dos papéis: • Todos os grupos-classes do 1° ano do ensino fundamental devem ler o livro Le loup est revenu.
Planejamento das tarefas: De janeiro a março, será preciso: 1- Ler o livro; 2- Ler outros livros cuja personagem principal seja o lobo; 3- Preparar: os diálogos, os cenários, o figurino, os acessórios (manchetes de jornal). 4- ensaiar o espetáculo; 5- fabricar: os convites; os cartazes; 6- anunciar a apresentação pela estação de rádio escolar; 7- atuar (enfim!) diante dos espectadores.
Definição: Encenar o livro Le loup est revenu, de Geoffroy de Pennart, e realizar uma apresentação destinada aos pais das crianças do grupo escolar. Quem: todos os alunos de todos os 1° anos do ensino fundamental. Calendário: de janeiro a março.
Projeto de ação O que vai ser feito
• Sentir-se responsável pelo projeto coletivo. • Ocupar seu lugar dentro do grupo. • Fazer tudo para atingir o objetivo fixado.
viver juntos
Produção de textos: • Produzir um texto que responda a exigências próprias (cartaz ou convite). • Produzir diálogos.
Leitura: • Ler um texto longo: um livro de literatura infanto-juvenil. • Ler e escutar contos tradicionais. • Compreender um texto literário e interpretá-lo.
Língua oral: • Expor suas ideias fazendo-se compreender claramente. • Escutar o outro, pedir explicações. • Exprimir-se distintamente durante a gravação das emissões de rádio.
e da língua
domínio da linguagem
Projeto global de aprendizagem O que vai ser aprendido nas diferentes áreas dos Programas
PROJETO B. Encenar o álbum Le loup est revenu, de Geoffroy de Pennart (grupos-classes do 1° ano do ensino fundamental ).*
ler um texto longo
O que se aprendeu além disso: • Que os autores da literatura infantojuvenil utilizam personagens dos contos tradicionais para contar novas histórias. • Que é preciso ler várias vezes e nem sempre na ordem para encontrar as características dos personagens. • Que as ilustrações e os textos que aparecem na história colaboram para sua compreensão.
O que é preciso aprender: • Identificar as características físicas e morais dos personagens. • Estabelecer laços entre o texto e as ilustrações.
O que já se sabe: • Encontrar rapidamente o personagem principal a partir do título e das ilustrações. • Ficar atento às palavras diferentes que designam este mesmo personagem no texto.
• O livro de literatura infanto-juvenil Le loup est revenu. • Ler e ouvir a leitura de contos tradicionais. • Compreender um texto literário para representá-lo acrescentando novos personagens.
leitura:
Projeto específico de construção das competências em leitura e em produção de escritos
Crianças em projetos 39
matemáticas
Artes visuais: • Combinar várias operações plásticas para realizar uma produção individual (cartaz ou convite).
educação artística
• Reproduzir com precisão uma figura geométrica (um retângulo) em cartolina, utilizando os instrumentos de medida adaptados (convite ou cartaz).
* Para o trabalho de atividades conduzidas nos marcos desse projeto, remeter: - ao Canteiro de escrita, “Redigir um convite”, p. 140. - ao Capítulo “Atividades de sistematização” sobre os destinatários, p. 190 e seguintes.
Resoluções: respeitar os prazos do projeto para não ficar muito apertado pelo tempo no final.
Avaliação ao final do projeto: • Nossos sucessos: duas apresentações provocaram o entusiasmo do público. • Cada um representou seu papel com seriedade. • O grupo-classe se revelou muito unido. Os obstáculos: • Muitas coisas a fazer e muita gente para organizar o espetáculo. Todos os 1° anos do ensino fundamental constituem um grupo muito grande, da próxima vez cada um deverá escolher um livro diferente.
Modalidades de socialização e de valorização: • Os responsáveis pela “comunicação” enviam os convites, pregam os cartazes nos lugares estratégicos. • Todos os 1° anos do ensino fundamental se apresentam no refeitório.
• Todos os grupos-classes do 1° ano do ensino fundamental devem participar do espetáculo. • Cada grupo-classe introduz novos personagens na história e os encenam. • No grupo-classe, todas as crianças são atores. • Três grupos partilham as tarefas seguintes: - os cenários; - o figurino, - os acessórios. • Cada criança redige um texto, um cartaz ou um convite, no momento da descompartimentação. • Jornalistas designados (um por grupo-classe) anunciam o espetáculo na estação de rádio da escola. produção de texto
O que deve ser reforçado: • A grafia das palavras que não se encontram nos instrumentos da sala de aula.
O que se aprendeu além disso: • A terminação dos verbos (ais para vós) para o convite e para o cartaz.
O que é preciso aprender: • Os tipos de informação essenciais que se deve comunicar aos destinatários. • O status dos destinatários. • A paginação e o tamanho relativo dos caracteres para o cartaz. • A construção das frases e a pontuação para o convite. • A utilização dos instrumentos e dos cartazes pregados na sala de aula para escrever corretamente as palavras. • A utilização dos verbos diferentes para introduzir os diálogos. • A pesquisa de uma palavra ou de uma expressão que corresponde ao personagem escolhido.
O que já se sabe: • Reconhecer um cartaz e um convite. • Questionar um cartaz (da quermesse) para saber as informações (data, lugar, hora). • Reconhecer os sinais de pontuação: hífen e aspas.
1. para convidar: produzir um texto (cartaz ou convite) que responda a exigências próprias. 2. para encenar novos personagens: produzir diálogos.
40 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
Divisão das tarefas e dos papéis: • Todos os alunos fazem pesquisas na biblioteca ou centro de documentação sobre os barcos e os meios de motorização. • Realizam experiências em grupo. • Cada criança fez experiências para
Planificação das tarefas: 1 - buscar documentação para encontrar respostas à questão colocada: O que é preciso para se construir um barco? De que necessitamos para fazer com que ele se desloque? 2 - realizar experiências para fazer funcionar o motor do barco e escolher os bons materiais para que ele flutue; 3 - anotar todos os resultados de nossas experiências em nosso caderno de experiências para guardar um vestígio; 4 - redigir a ficha técnica de construção do barco; 5 - construir o barco e solucionar os problemas; 6 - testar nosso barco na piscina inflável; 7 - apostar corridas no lago do parque de Touteville.
Definição: construir um barco que flutue e que se desloque sozinho. Quem: nosso grupo-classe do 3° ano do ensino fundamental. Calendário:
Projeto de ação O que vai ser feito
• Sentir-se responsável por um projeto coletivo. • Ocupar seu lugar dentro do grupo. • Fazer tudo para atingir o objetivo fixado.
viver juntos
Leitura: • Compreender as informações de um texto documental. • Tirar as informações que são importantes. Produção de escritos: • Escrever um sumário de experiências. • Completar seu caderno de experiências. • Redigir a ficha de montagem do barco.
Língua oral: • Expor seu ponto de vista e suas reações num debate sem sair do assunto. • Escutar o outro, pedir explicações, saber aceitar suas ideias.
e da língua
domínio da linguagem
Projeto global de aprendizagem O que vai ser aprendido nas diferentes áreas dos Programas
PROJETO C. “Construir um barco que flutua e que se desloca sozinho” (grupos-classes do 3° ano do ensino fundamental )*
ler um texto documental
O que já se sabe: • Anotar nossas hipóteses no nosso caderno.
• Redigir sumários de experiências. • Completar seu caderno de experiências. • Redigir a ficha de montagem do barco.
produção de textos
O que se aprendeu além disso: • Que muitas informações podem ser encontradas nos desenhos ou nos esquemas que ilustram os textos documentais.
O que é preciso aprender: • Compreender os textos documentais para responder às necessidades do projeto. • Levantar as informações úteis ao nosso barco. • Ler fichas técnicas para compreender como se devem redigi-las.
O que já se sabe: • Pesquisar livros documentais na bcd.
• Compreender as informações de um texto documental. • Levantar as informações que são importantes.
leitura:
Projeto específico de construção das competências na leitura e em produção de escritos
Crianças em projetos 41
O que deve ser reforçado: • A concordância entre os substantivos e os adjetivos.
O que é preciso aprender: • As informações essenciais para a redação de • Adquirir noções de eletricidade para uma ficha técnica. realizar a montagem do circuito do barco. • Aprender a construir frases curtas, mas • Adquirir noções de física para realizar um precisas. barco que flutue: compreender o princípio • Ilustrar nossa ficha com desenhos, esquemas de Arquimedes. ou fotos numéricas. • Realizar a montagem do barco. • Utilizar os recursos disponíveis na sala de aula para grafar corretamente as palavras matemáticas (caderno de textos, léxico). Medir com a régua, com precisão, as O que se aprendeu além disso: diferentes partes para construir o barco. • A colocar hífens ou números para bem distinguir as etapas de fabricação numa ficha. • A terminação dos verbos em –ais ou em –ar para as frases da ficha. ciência e tecnologia
* Ver: - O canteiro de escrita, “Produção da ficha de fabricação de um barco que flutua”, p. 151. - O questionamento do texto “O Titanic afundou duas vezes”, p. 104. - “Compreender a progressão das ideias em um texto”, p. 225.
Resoluções: Usar um motor mais potente para navegar mais depressa.
Os obstáculos Alguns barcos têm dificuldades pois a comunicação foi malfeita e eles se perderam da rota.
Avaliação de final de projeto: Nossos sucessos: Cada um de nós conseguiu construir seu barco. Cada dupla se ajudou bastante.
compreender os circuitos elétricos e para escolher os bons materiais para o barco. • Cada criança redige os resultados de suas experiências. Em função dos resultados das experiências, redigimos juntos a ficha técnica para construir o barco. • Dois a dois, nós nos ajudamos mutuamente a construir o barco e a solucionar os problemas encontrados. • Juntos, vamos a Touteville apostar corridas de barco na água.
2. Alguns exemplos de contratos individuais contrato individual
de Leopoldo Projeto A (5° ano do ensino fundamental)
Contrato de atividades
Contrato de aprendizagem em leitura e em produção de textos
O que eu mesmo tenho que fazer: • Produzir com meu grupo a regra do jogo “bola no gol”. • Treinar para correr mais depressa.
O que vou aprender: • Todas as competências do projeto do grupo-classe.
Onde fui bem-sucedido: • Ao anotar os placares na ficha. • Ao lançar a bola com precisão.
O que aprendi além disso: • A fabricar proposições relativas com “que”.
Onde tive maiores dificuldades: • Em aceitar ter perdido desde o início. • Em não gritar durante as partidas das outras equipes.
Meus lembretes: • A equipe que ganhou o jogo. • O jogador que marca um gol. • O primeiro que chega ao campo inimigo.
Minhas resoluções: • Da próxima vez que tivermos que escrever um texto, serei o secretário.
Como foi que aprendi: • Pesquisando no meu caderno de textos e na minha cabeça.
contrato individual
de Nassima Projeto A (5° ano do ensino fundamental)
Contrato de atividades
Contrato de aprendizagem em leitura e em produção de textos
O que eu mesma tenho que fazer: • Procurar um jogo esportivo que se possa jogar em dez pessoas. • Produzir uma ficha para esse jogo que possa ser lida pelos alunos do 5° ano B. • Aprender a jogar junto com os outros.
O que vou aprender: • Escrever de maneira limpa e legível, quase sem erros. • Fazer frases curtas. • Utilizar a internet e encontrar rapidamente as informações.
Onde tive mais dificuldades: • Em jogar com uma equipe de meninos.
O que aprendi além disso: • A trabalhar melhor junto com os outros na produção de um texto. • A escrever o texto verdadeiramente em conjunto (cada qual com seu parágrafo).
Minhas resoluções: • Resistir para conservar a bola e manter meu papel na partida.
Como foi que aprendi: Respeitando as instruções de trabalho do grupo. Meus lembretes: • Anotar progressivamente as sugestões do grupo.
42 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
contrato individual
de Amina Projeto B (1° ano do ensino fundamental)1
Este contrato é escrito pela professora à medida que o trabalho vai sendo efetuado e ditado por cada criança
Contrato de atividades
Contrato de aprendizagem em leitura e em produção de textos leitura
do livro
produção
do convite
O que eu mesma tenho que fazer: • Fabricar os figurinos. • Produzir e escrever um convite. • Preparar a encenação e os textos que deverão ser ditos.
O que já sei: • Reconhecer as personagens nos livros. • Saber quando as personagens falam.
O que já sei: • Escrever o que devo colocar no meu convite. O que eu quero aprender: • A não esquecer nada. • A fazer um cartão bonito para convidar meus pais.
Onde fui bem-sucedida: • Ao representar. • Ao fazer meu convite.
O que foi que aprendi: • Como são as personagens. • Lembrar-me do que compreendi. • Olhar também as ilustrações.
O que foi que aprendi: • A dispor minhas frases de forma apropriada no convite. • A escrever bem e com mais firmeza. • A escrever partes do texto.
Onde tive mais dificuldades: • Representar junto com os outros e diante deles. Minhas resoluções: • Escutar os outros.
Como foi que aprendi: • Relendo a história várias vezes. • Trocando informações com os demais. Meus lembretes: • Às vezes, é preciso ler outros textos para compreender melhor.
Como foi que aprendi: • “Copiando” palavras dos instrumentos da sala de aula. • Utilizando palavras que conheço para escrever outras. • Relendo várias vezes meu texto e pedindo que outros o leiam. O que devo reforçar: • Como escrever palavrasinstrumentos (artigos, conjunções etc.) sem copiar. Meus lembretes: • Quando quero dizer o que é preciso fazer, eu ponho -e: Ex: recorte, cante, ame, esquente, corte. • Se há uma só pessoa, escrevo -a no fim do verbo. • Se há muitas pessoas, coloco -am: Ex: o grupo-classe convida / os alunos convidam / Julie convida.
1
Ver as produções de Amina em O canteiro de escrita, “Redigir um convite”, p. 140. Crianças em projetos 43
contrato individual
de Paulina Projeto C (3° ano do ensino fundamental)2
Contrato de atividades O que eu mesma tenho que fazer: • Procurar escritos documentares. • Ler os textos para encontrar o que estou procurando. • Fazer experiências em eletricidade. • Fabricar meu barco. • Redigir uma ficha de fabricação. Onde fui bem-sucedida: • Anotar os resultados de minhas experiências. • Fazer meu barco. • Ajudar Hassad a construir o barco dele. O que foi mais difícil de fazer: • Cortar o poliestireno para meu barco. • Medir com precisão. • Não fazer erros de concordância. Minhas resoluções: • Escutar os outros. • Melhor utilizar meus instrumentos de sala de aula para melhorar minha ortografia.
2
Contrato de aprendizagem em leitura e em produção de textos leitura
produção
O que já sei: • Encontrar um livro documentado na bibliotca.
O que já sei: • Escrever no alinhamento.
O que vou aprender: • A compreender o funcionamento de uma ficha de fabricação.
O que vou aprender: • A redigir uma ficha de fabricação para que se pareça à verdadeira. • A utilizar todos meus instrumentos para escrever.
O que aprendi: • A ser eficaz para encontrar a ideia essencial num texto documentar.
O que aprendi: • A colocar legendas sob meus desenhos, fotografias ou esquemas.
Como foi que aprendi: • Questionando o escrito documentar. • Lendo bem o título do artigo. • Confrontando minhas ideias com as dos outros.
Como foi que aprendi: • Utilizando minhas notas sobre o questionamento dos textos. • Utilizando fórmulas que aparecem com frequência nos textos documentares. • Procurando o “bom” vocabulário.
Meus lembretes: • Uma ficha de fabricação pode assumir diferentes formas, mas encontra-se sempre as mesmas rubricas, o que facilita a leitura.
O que devo reforçar: • A concordância entre os adjetivos e os substantivos. Meus lembretes: • Não esquecer nada da lista de materiais.
Ver as produções de Paulina em O canteiro de escrita, ”Ficha de fabricação de um barco que flutua”, p. 151.
44 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
Instrumentos para que o professor dê início a uma pedagogia de projetos Os exemplos de projetos coletivos e contratos individuais desenvolvidos na sala de aula que acabamos de apresentar já devem permitir que o leitor do presente capítulo considere mais claro nosso procedimento. Para precisar ainda mais como se pode organizar “concretamente” uma pedagogia de projetos na sala de aula, apresentaremos a seguir os instrumentos que elaboramos para nós mesmos, a partir de nossa própria prática – aqui e em outros países – e de nossas próprias necessidades –, instrumentos esses que evoluem regularmente:3 1. A representação esquemática da dinâmica geral de um projeto coletivo, em seis fases, e seu comentário, que explicita as características de cada uma dessas fases. 2. Um instrumento para organizar o projeto de ação. 3. Um quadro evolutivo das situações de linguagem vividas durante um projeto e das competências exercidas ou construídas. 4. Um quadro recapitulativo dos papéis respectivos do professor e dos alunos durante um projeto.
3
Vários deles, revistos e atualizados aqui, foram concebidos em sua origem durante uma pesquisaação conduzida no Chile, apresentada no livro Interrogar y producir textos auténticos. Vivencias en el aula, Equipe de Valparaíso. Coordenação J. Jolibert e J. Jacob, Ed. Dolmen, Santiago do Chile, 1998. Reedição Ed. JC SAEZ, Santiago, 2003. Crianças em projetos 45
1. Dinâmica geral de um projeto coletivo Fase I definição e planejamento do projeto de ação divisão das tarefas e dos papéis
• Contrato de atividades pessoais Fase II explicitação dos conteúdos de aprendizagem e das competências a construir, para todos e para cada um
• Contratos de aprendizagem individuais Fase III realização das tarefas definidas e construção progressiva das aprendizagens
• Balanços intermediários Regulação dos projetos e dos contratos Fase IV
realização final do projeto de ação, socialização e valorização sob formas diversas
• Avaliação pragmática das competências construídas Fase V avaliação coletiva e individual do projeto de ação
• Resoluções visando projetos ulteriores Fase VI avaliação coletiva e individual dos projetos específicos de construção de competências
Síntese metacognitiva do que se aprendeu e como se aprendeu, do que deve ser reforçado e como isso vai ser feito. • Construção de instrumentos recapitulativos visando aprendizagens ulteriores para todos e para cada aluno 46 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
Comentário As principais fases e seus resultados. Fase 1. Definição e planejamento do projeto de ação • Formulação dos objetivos: o que desejamos fazer? • Definição das tarefas a serem realizadas (o quê?) • Definição dos grupos responsáveis pelas atividades do projeto (quem?) • Definição de um calendário: quando? • Identificação dos recursos (humanos e materiais); como? Essa fase de exploração termina com o planejamento do projeto coletivo no qual figuram todas essas precisões, e que inclui igualmente o papel e as tarefas do professor (ver Instrumento n. 2, p. 49) Ela dá lugar à definição contrato de atividades pessoais de cada criança, negociado com seus colegas. Fase 2. Explicitação dos conteúdos da aprendizagem e das competências a serem construídas, para todos e para cada um O que desejamos, o que devemos aprender, para poder realizar o projeto de ação? • Elaboração, junto com as crianças, do projeto global de aprendizagem e dos projetos específicos de construção de competências. • Identificação das competências comuns a serem construídas. Essa fase de explicitação permite considerar a “mais-valia” acarretada pelo projeto em termos de novas aprendizagens. Ela dá lugar à definição de contratos de aprendizagem individuais, negociados com o professor. Fase 3. Realização das tarefas pelos grupos e construção progressiva das aprendizagens O professor organiza situações de aprendizagem que permitem que cada grupo possa gerir os aspectos cooperativos do trabalho escolar e que cada aluno possa construir as aprendizagens que foram determinadas e submetidas a contrato. Essa fase dá lugar a balanços intermediários: Onde estamos? O que foi realizado e o que resta fazer? Algum grupo tem uma necessidade particular de ajuda por parte dos colegas, do professor ou de uma criança? Opera-se uma regulação dos projetos e dos contratos em função dos sucessos e dos fracassos encontrados.
Crianças em projetos 47
Fase 4. Realização final do projeto de ação, socialização e valorização dos resultados do projeto Essa socialização pode assumir formas diversas: exposição oral, cartazes, exposição, coletânea de contos ou de poemas, diário, montagem comentada de fotos, espetáculo, montagem em vídeo, encontro esportivo etc. • Preparam-se as condições materiais de socialização do projeto (documentos a apresentar ou material a utilizar, definição precisa dos papéis, organização do espaço, do tempo, convites a pessoas exteriores ao grupo-classe etc.). • Busca-se estabelecer um clima de calma e de respeito mútuo; o professor fornece o apoio afetivo estimulante necessário para acalmar as angústias. • Apresentamo-nos aos outros, partilhamos com eles o produto do trabalho de seu grupo ou de seu grupo-classe, seja qual for a forma escolhida. • Vivemos e assumimos as primeiras reações dos outros, tanto em seus aspectos gratificantes quanto através de questões ou de eventuais insatisfações. A análise crítica propriamente dita será reservada à fase seguinte. Esse desempenho permite avaliar na prática as competências construídas ou em vias de construção. Mas um projeto não termina com a socialização de seu produto. Falta ainda realizar as duas fases de reflexão meta que indicamos a seguir. Fase 5. Avaliação coletiva e individual do projeto de ação, com e pelos alunos • Faz-se um balanço do que funcionou bem ou não e por que, tanto no nível dos alunos quanto no do professor. • Comparam-se os objetivos atingidos aos objetivos esperados. • Identificam-se os fatores facilitadores e os fatores que entravaram o sucesso. • Propõem-se e discutem-se as melhorias a serem realizadas para os projetos futuros. As resoluções úteis que são tomadas em função dos projetos futuros são anotadas num grande cartaz e nos cadernos de contratos. Fase 6. Avaliação coletiva e individual dos projetos específicos de construção de competências • Faz-se, coletiva e individualmente, a síntese metacognitiva do que se aprendeu e como foi aprendido, e do que deve ser reforçado e como isso será feito. • É possível que se tome a decisão de colocar em prática atividades isoladas de reforço, individuais ou coletivas.
48 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
Constroem-se instrumentos recapitulativos visando as aprendizagens posteriores, a serem utilizados em atividades futuras do mesmo tipo. Eles serão escritos em cartazes pregados na parede e nos cadernos de contrato das crianças.
2. Instrumento para desenvolver um projeto de ação nome do projeto:
Tarefas a realizar
Responsáveis (entre os quais o professor)
Calendário
Pessoas recursos
Material necessário
3. Tabela evolutiva das situações de linguagem vividas e das competências exercidas ou construídas nome do projeto:
Situações de comunicação oral
Situações de leitura
Situações de Atividades de Relações com produção sistematização outras áreas escrita disciplinares
Quais são elas?
Quais são elas?
Quais são elas?
Quais são elas?
Quais são elas?
O que elas permitiram construir
O que elas permitiram construir
O que elas permitiram construir
O que elas permitiram construir
O que elas permitiram construir
Crianças em projetos 49
4. Os respectivos papéis do professor e dos alunos durante um projeto Fase I
Atividades
Papel do professor
Papel dos alunos
Definição e planejamento do projeto: • Objetivos • Tarefas a realizar • Grupos ou pessoas responsáveis • Calendário • Recursos disponíveis
O professor: • Estimula as propostas: - a argumentação; - o intercâmbio entre os alunos. • Relembra, se for preciso, as possibilidades e as exigências. • Ajuda a tomar decisões. • Dá sua opinião. • Anota em um cartaz o que os alunos lhe ditam sobre o planejamento do projeto (tarefas, responsabilidades, calendário etc.). Ver na p. 49 o Instrumento n. 2. • Define com as crianças em questão os contratos de atividades pessoais.
Cada aluno: • Faz propostas. • Dá sua opinião. • Argumenta em defesa de suas propostas ou de suas escolhas. • Participa da tomada de decisões. • Inscreve-se para realizar, dentro de um grupo, as tarefas que forem definidas. • Define seu contrato de atividades pessoais, negociando-o com seus pares.
• Define, com as crianças, as aprendizagens a serem realizadas e as competências específicas a serem construídas coletivamente em cada área em questão no projeto, em função das necessidades do projeto de ação, das possibilidades das crianças num momento dado e dos Programas Oficiais. • Define com cada criança ou grupo de crianças o conteúdo das rubricas dos contratos individuais.
• Participa da definição das necessidades de aprendizagem, requeridas pelas tarefas a serem realizadas dentro do projeto, das necessidades da classe e de suas próprias necessidades. • Elabora com o professor e/ou com seus colegas o conteúdo do seu contrato individual.
• Auxilia na procura de material. • Auxilia na organização do trabalho de cada grupo. • Auxilia na resolução dos conflitos. • Organiza as atividades de reflexão metacognitiva e metalinguística necessárias.
• Reúne o material. • Organiza com precisão, com seus colegas, o trabalho do grupo. • Ajuda na resolução dos conflitos. • Lê e produz os textos necessários ao projeto, participando da reflexão metacognitiva e metalinguística dirigida pelo professor
• Verifica a realização das tarefas e quem precisa de ajuda. • Ajuda a deixar mais claro os problemas encontrados. • Procura encorajar os esforços feitos e ajudar a superar os obstáculos. • Ajuda a regular os projetos e os contratos.
• Esforça-se em formular os obstáculos encontrados. • Encontra soluções para os problemas diagnosticados. • Ajuda os outros grupos. • Esforça-se em respeitar os prazos previstos ou busca uma solução.
Projeto de ação coletivo e contratos de atividades pessoais. II
Explicitação dos conteúdos de aprendizagem e das competências a construir.
Projetos de aprendizagem, projetos específicos e contratos pessoais de aprendizagem. III
Realização das tarefas e construção progressiva das aprendizagens.
Balanços intermediários. Regulação dos projetos e dos contratos.
50 Criar condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida
Fase IV
Atividades
Papel do professor
Papel dos alunos
Realização final do projeto de ação. Socialização e valorização.
• Permanece vigilante quanto à organização da coletivização de todas as dimensões: espaço, tempo, material, apresentação. • Fornece o apoio afetivo necessário para limitar a insegurança. • Exige a excelência nas apresentações, sejam quais forem as modalidades escolhidas. • Fornece um apoio eficaz para compensar as lacunas de última hora.
• Preparar com precisão, com seus colegas, as condições de coletivização: documentos, material, organização do espaço, do tempo, repartição das tarefas. • Apresentar aos demais o produto do trabalho de seu grupo, centrando a atenção na adaptação aos destinatários (não apenas no conteúdo). • Escutar e acolher o trabalho dos demais.
Avaliação pragmática das competências construídas. V
Avaliação coletiva do próprio projeto em seu conjunto.
•Dirige a sessão de avaliação. • Elabora com as crianças as principais pistas da reflexão a ser conduzida. (grau de satisfação • Auxilia a: com relação aos - identificar os índices que objetivos atingidos e atestam o que já se obteve; ao planejamento - classificar os argumentos; e realização das - suscitar a reflexão sobre o que tarefas) será preciso melhorar; - anotar sobre um cartaz, e também sobre os cadernos Resoluções em pessoais, as resoluções tomadas vista de projetos em função dos projetos anteriores. ulteriores.
• Avaliar sua própria participação no projeto (contrato de atividades pessoais). • Participar atentamente à reflexão avaliativa da classe. • Refletir e dar sua opinião. • Argumentar. • Escutar e levar em consideração os pareceres (positivos ou negativos) dos demais. • Fazer propostas visando a aperfeiçoar os próximos projetos. • Tomar nota das propostas em seu caderno pessoal.
VI
Síntese metacognitiva das aprendizagens e de todo tipo de competências construídas durante o projeto. Em relação: - aos comportamentos sociais; - aos procedimentos; - às competências linguísticas; - às competências disciplinares.
• Conduzir, individualmente e com seus colegas, uma reflexão metacognitiva e metalinguística sobre as aprendizagens comuns e sobre suas próprias aprendizagens. • Propor formulações e modalidades de síntese. • Participar dessa elaboração • Inserir esses instrumentos de referência no seu caderno. • Definir suas necessidades de continuidade ou de reforço das aprendizagens.
• Identifica as aprendizagens construídas ou em construção por todos ou por cada um. • Ajuda a formulá-las e a sistematizá-las. • Estimula a elaboração coletiva dos instrumentos de referência, sintetizando o que foi aprendido. • Ajuda a definir as necessidades, individuais ou coletivas, de prosseguimento ou de reforço das aprendizagens.
Elaboração de instrumentos recapitulativos visando aprendizagens futuras.
Crianças em projetos 51
2 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos Depois de refletir sobre as condições de aprendizagem mais favoráveis, percebidas do ponto de vista dos aprendizes, também é importante colocar em evidência outras condições indispensáveis, encaradas agora do ponto de vista dos professores. O objetivo principal é, ao fazer com que nossas concepções e nossas representações saiam do indefinido, do aproximativo ou do eclético, obrigar-nos a explicitar: – nossa concepção do que é aprender-ensinar a ler/escrever; – a escolha dos instrumentos conceituais, cognitivos e linguísticos, que nos ajudarão a adotar práticas eficazes para ensinar a ler/ escrever textos. Vamos explicitar aqui nossas próprias escolhas. No restante deste livro há propostas de procedi mentos e atividades que devem ser conduzidas nos grupos-classes. SUMÁRIO 3. O que é aprender a ler/escrever na escola?
54
4. Escolha de instrumentos linguísticos e cognitivos para ler/escrever textos
66
3. O que é aprender
a ler/escrever na escola? Vamos deixar mais claro O que entendemos por ler/escrever? Na vida cotidiana, ler/escrever: • é, de imediato, buscar construir o sentido de um texto, seja para compreendê-lo enquanto leitor, seja enquanto produtor, para fazer com que um destinatário também o compreenda; • é ler/produzir “de verdade”, textos ditos “autênticos”, com autores e destinatários reais, em situações reais de utilização; • é se engajar num processo dinâmico de construção cognitiva, ligado à necessidade de agir, no qual a afetividade e as relações sociais exercem simultaneamente o papel de motores que estimulam e exigem. Trata-se de um processo no qual o indivíduo se encontra envolvido por inteiro, em função de seus desejos, de suas necessidades e de seu projeto. Todo ato de leitura ou de produção de escritos é singular. O sentido do texto lido ou produzido resulta da relação única entre uma pessoa única (o leitor ou o produtor) e um texto único. Do ponto de vista da atividade intelectual: • Ler/escrever é uma atividade de resolução de problemas, isto é, de tratamento, através da inteligência, de um conjunto complexo de informações (índices) que devem ser recolhidas (pelo leitor) ou emitidas (pelo produtor). Para construir o sentido do texto, o leitor ou o escritor devem ligar entre si todos os tipos de índices percebidos (contexto, tipo de texto, léxico, atributos gramaticais significativos, palavras, letras etc.) e elaborar a partir deles um conjunto coerente, que tenha sentido e que responda à finalidade de seu projeto e ao que nele está em jogo.
54 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
O que é aprender a ler/escrever na escola? Trata-se desta concepção
Não destas outras
Na escola, aprender a ler/escrever
Na escola,
• é, antes de mais nada, desde o princípio, isto é, desde a educação infantil, “viver em textos”, aprender a reconhecer e a utilizar todo tipo de escritos e a frequentar regularmente o universo da literatura infanto-juvenil; é praticar desde o início, “de verdade”, a leitura-compreensão e a produção-comunicação no contexto de projetos pessoais ou coletivos;
• para cada criança, a cultura do escrito deriva “naturalmente” de uma impregnação regular, implícita, “por imersão em um banho de escrito”, da diversidade de escritos sociais ou do estudo de “textos” fabricados pelos autores de manuais escolares como suportes a atividades metalinguísticas;
• é fazer com que cada criança aprenda a construir a significação de um texto dado, para ler ou escrever, apoiando-se sobre a aprendizagem de estratégias diversificadas, a identificação de processos e de operações mentais pertinentes e o tratamento de índices de natureza diversa; assim, existe uma interação permanente, explícita e eficaz entre o aprender a ler e o aprender a escrever. • nesse contexto, o trabalho sobre a língua – que comporta também a identificação acurada das palavras isoladas, de sílabas, de letras; – se constrói sistematicamente, pouco a pouco, em paralelo e como resultado de uma reflexão metacognitiva, e não como uma memorização a priori como condição prévia a toda possibilidade de leitura. É estruturando progressivamente, de maneira mais cuidadosa a cada dia, uma realidade (o escrito), identificada como complexa desde o início, que vamos chegar finalmente à construção sólida de um sistema de escrita e de domínio da língua.
• aprender a ler é, antes de mais nada, aprender a identificar letras, sílabas ou palavras para juntá-las em frases e conseguir enfim chegar à compreensão de pequenos textos; • aprender a escrever é uma atividade bem diferente: ela consiste, em primeiro lugar, em aprender a codificar as palavras, antes de passar à escrita de frases e, em seguida, de textos curtos; • se o objetivo da leitura, in fine, é a compreensão, e o da escrita, a produção, é difícil tratar ao mesmo tempo código e compreensão ou código e produção; • o trabalho sobre a língua se constrói a partir de regras. Elas são o ponto de fixação das atividades de treinamento ou de aplicação; • a escrita desses textos de uso estritamente escolar, sem destinatários, resulta da justaposição direta de frases.
É cada criança que autoaprende a ler/escrever com a ajuda de seu professor e das interações com seus colegas do grupo-classe e com os outros leitores ou produtores de seu meio. É o retorno metacognitivo sistemático sobre sua própria atividade de leitor/produtor que permite que o aprendiz se beneficie com seus erros e avalie seus progressos. São as necessidades de aprendizagem de seus alunos que organizam a progressão do professor.
É o professor que ensina as crianças a ler/escrever, porque, na escola, ler é ser “ensinado” a ler. Aprender a ler é um aprendizado solitário que passa sobretudo pela realização de exercícios e que segue a progressão fixa, preestabelecida, dos manuais. O papel do professor é simplificar a tarefa dos alunos, resolvendo antecipadamente para eles os problemas que poderiam encontrar, sem dar-lhes possibilidade de procurar, de tatear, de se enganar, ou seja, de se arriscar durante a aprendizagem. A produção dá lugar a uma apreciação ou a uma avaliação do professor (letras, pastilhas ou código de cores). Mas, no fim das contas, a atenção é sempre dirigida aos desempenhos em detrimento dos procedimentos dos alunos.
Ver adiante a Parte 3, sobre o Questionamento dos textos pelas crianças e O canteiro de produção de escritos, e a Parte 4, sobre atividades metacognitivas e metalinguísticas. O que é aprender a ler/escrever na escola? 55
ENSINAR-APRENDER A LER/ESCREVER NA ESCOLA
Viver em textos • Viver experiências renovadas com textos autênticos, funcionais ou literários, no contexto de projetos de ação ou de situações reais de comunicação, na leitura ou na produção de escritos.
• Integrar em primeiro lugar o escrito como uma linguagem que oferece possibilidades múltiplas para agir e comunicar, para pensar-se em si mesmo e pensar o mundo.
Fazer com que todas as crianças entrem na cultura do escrito
O questionamento do texto para compreender um texto em sua complexidade.
O canteiro de escrita para representar e produzir um texto em sua especificidade.
que visam ao mesmo tempo: • a gestão pelo aluno de sua atividade de compreensão ou de produção (ver na p. 68 “Os principais processos mentais...”); • o tratamento coordenado das características linguísticas que organizam textos e discursos (ver na p. 71 “Os conceitos linguísticos escolhidos”).
Implantar os procedimentos sistemáticos de resolução de problemas na leitura e na produção de escritos
Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística • estratégias e processos; • funcionamentos particulares da língua escrita (observação reflexiva).
• à compreensão ou à produção das competências processuais cognitivas e metacognitivas; • à identificação dos componentes da língua: competências conceituais, linguísticas e metalinguísticas.
Garantir que as crianças construam ativamente as competências necessárias
Trabalhar a aculturação, a compreensão e a produção de textos em conjunto com a identificação dos componentes estruturais do escrito
O modelo de procedimento didático integrador
56 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
Comentário Um procedimento integrador de aprendizagem do ler/escrever, com três pontos fortes As atividades de três tipos, categorizadas no modelo, são todas elas atividades de aprendizagem, com modalidades diferentes.
Fazer com que as crianças entrem na cultura do escrito Trata-se de entrar no escrito através da vida e dos textos em situação, e não através dos exercícios, das palavras fora de contexto ou das letras. Mesmo se, ao chegar na escola, as crianças já questionaram numerosos escritos, em seus lares ou em outros lugares, buscando compreender seu sentido, o papel da escola é fazer com que os alunos descubram de maneira mais precisa e mais sistemática a nova linguagem que lhes chega através dos textos e todas as possibilidades que a eles se abrem. Quer dizer: • Que as crianças devem descobrir, explorar e experimentar: – a diversidade das funções dos textos: elas fornecem informações, contam histórias reais ou imaginárias, servem para fabricar, encantam através dos jogos de palavras, indicam o que é autorizado ou proibido etc.; – a diversidade dos lugares dos textos: em seus lares (se for o caso), em sua sala de aula (na biblioteca da sala de aula, nas estantes ou nas paredes), em sua escola (bcd, cartazes, trocas de correspondência com outros gruposclasses), em seu bairro ou sua aldeia (por ocasião dos “passeios de leitura”, para identificar os letreiros, os painéis indicativos, os cartazes – publicitários ou não –, as bancas de jornais, as livrarias), na biblioteca municipal, na internet etc.; – a diversidade da forma física dos textos: através dos suportes, das dimensões, dos instrumentos de escrita, dos caracteres manuscritos ou de forma, da tipografia, da “silhueta”, se o texto é ou não acompanhado de imagens etc.; – a diversidade de tipos de escritos, que dependem de sua intenção e de seu contexto e da diversidade de seus nomes: as cartas, as receitas, os contos, as regras de jogos, os poemas, os cartazes, as legendas, os sumários, os artigos de jornal etc. • Que as crianças devem manter desde cedo uma relação privilegiada com a literatura em todas as suas formas (literatura infanto-juvenil, poemas, peças de teatro etc.) já que têm pouca chance fora da escola. • Que elas devem descobrir simultaneamente a dimensão afetiva e imaginária dos textos e a especificidade da leitura e da produção literárias.
O que é aprender a ler/escrever na escola? 57
• Que as crianças devem construir uma representação positiva de sua interação (leitura ou produção) com o escrito: – um escrito que permita a comunicação: todo texto, lido ou produzido, tem um (ou vários) autor(es) e um (ou vários) destinatário(s); – um escrito útil: que pode satisfazer sua curiosidade, seus desejos, suas necessidades e seus projetos; – um escrito apaixonante: que dá acesso ao mundo e aos sonhos: – um escrito eficaz: ele dá poderes; – um escrito valorizador: qualquer um pode ser bem-sucedido desde que tenha aprendido como abordá-lo e desde que conheça as regras do jogo. • Que as crianças devem construir uma representação dinâmica de si mesmas enquanto sujeitos que leem ou sujeitos que escrevem. • Que os alunos devem construir e adquirir modelos mentais, “estereótipos” ou “protótipos” dos textos mais comuns, relacionados com seus projetos, individuais ou coletivos. Isso implica para o professor: – que ele crie com as crianças, em seu grupo-classe e em sua escola, um ambiente “textualizado” rico, diversificado, estimulante e renovado; – que suscite uma grande diversidade de práticas reiteradas de leituracompreensão e de escrita-produção, pessoais ou coletivas, nos marcos de projetos de ação ou de situações reais de comunicação; – que esteja atento à implantação de modalidades múltiplas de socialização do fruto dessas leituras e produções: apresentação oral, apresentação escrita para correspondentes, exposição, realização de coletâneas de contos ou de poemas, espetáculo, sarau de poesia, montagens diversas etc.; – que instale regularmente procedimentos e atividades sistemáticas destinadas a uma descoberta e à explicitação auxiliar dos procedimentos de leitura ou produção, das estruturas e do funcionamento da língua.
Procedimentos sistemáticos de resolução de problemas em leitura e em produção de escritos • Eles propõem situações complexas de aprendizagem para ensinar a complexidade. Trata-se de fazer com que a atividade mental de compreensão e produção de textos torne-se consientes para as crianças, de maneira que elas aprendam a regular seus processos. As aprendizagens a construir ou a reforçar, percebidas como necessárias para conduzir a bom termo os projetos de ação (ver o capítulo “Crianças em projetos”, p. 28) são de duas naturezas; eles se referem simultaneamente: 58 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
- aos procedimentos que tornam eficazes o ato de ler ou de produzir; - ao funcionamento da língua. • Eles têm igualmente por finalidade auxiliar as crianças a ultrapassar os obstáculos que encontram à compreensão e à produção. Aqui não se deve dar a “obstáculos” as conotações negativas atribuídas ao termo “dificuldades” (dificuldades de leitura ou criança em dificuldade). Seja qual for sua natureza, os obstáculos são parâmetros normais de qualquer situação de aprendizagem. Eles não são produto de um fracasso de aprendizagem, mas correspondem ao salto conceitual que o aprendiz deve efetuar para vencer uma etapa na estruturação de suas aprendizagens. Os principais obstáculos1 que as crianças encontram em sua aprendizagem do ler/escrever correspondem, na verdade, à complexidade dos textos, à complexidade dos leitores/escritores que são eles mesmos, à complexidade de sua interação com os textos (ver a tabela “Uma interação única...”, p. 76). Para o professor que quer ajudar seus alunos a superarem e a aprenderem a fazer isso, ele deve: - saber localizar os obstáculos que seus alunos encontram, identificá-los, categorizá-los e prevê-los (quando isso é possível), sempre tendo disponibilidade para acolher os obstáculos imprevistos; - saber distinguir entre os obstáculos que ele pensa poder trabalhar com seus alunos, coletiva ou individualmente, num momento dado, no sentido de superá-los, e aqueles que ele considera prematuro abordar com as crianças, para os quais ele mesmo fornecerá provisoriamente a solução (o que provém da “pedagogia da dádiva”,2 concebida como uma estratégia utilizada pelo mediador em certos momentos de um procedimento construtivista); - saber tratar esses obstáculos com seus alunos e consolidar as soluções encontradas, seja dentro das seções de questionamento de texto ou de canteiro de escrita, seja nos marcos de atividades de reforço específicas “isoladas”. • Tais procedimentos tomam o aspecto de dois tipos de sequências formalizadas:
1
2
Não temos intenção de tratá-los aqui de maneira detalhada. Remetemos o leitor aos livros que tratam das pesquisas específicas sobre essa questão, sobretudo: - “Favoriser la réussite en lecture, les macle”. André Ouzoulias. Ed. Retz, 2004. - “Progresser dans la compréhension des textes”. Patrick Joule. Ed. Retz (no prelo) Ver a apresentação dos “Critérios para a escolha de textos”, p. 122 e 182. O que é aprender a ler/escrever na escola? 59
- o questionamento de textos; - o canteiro de escrita. Eles são de natureza sintética, pois trabalham sobre o conjunto dos processos e índices que permitem confrontar um texto em sua globalidade, para compreendê-lo ou para produzi-lo. Eles serão analisados detalhadamente na Parte 3 desta obra, que consagra um capítulo a cada um deles.
As atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística Se não podemos isolar as competências e os conhecimentos quando nos engajamos num processo complexo de compreensão ou de produção de um texto, podemos, no entanto, de outra maneira, treinar e consolidar as aprendizagens, nos marcos de atividades que, por serem “isoladas”, não deixam de ser sempre conduzidas em sua relação com as atividades dos painéis 1 e 2 descritas anteriormente. Podemos, por exemplo: – retornar sobre um ponto preciso – uma estratégia (estabelecer relações com diferentes índices ou derivar inferências) ou um fenômeno gramatical (os substitutos) – que constitui um obstáculo ao progresso de compreensão ou de produção; – observar, comparar, categorizar fatos de língua a fim de construir os conhecimentos úteis para a compreensão e a produção; – aprofundar a reflexão sobre um aspecto encontrado em um canteiro (a passagem do estereótipo da receita às suas apresentações mais fantasiadas ou estéticas, que não deixam de ser funcionais, se soubermos nos localizar); – reinvestir em atividades isoladas, procedimentos ou fatos de língua cuja eficácia acabamos de medir durante um questionamento de texto ou um canteiro de escrita. Durante essas atividades específicas de treinamento, trata-se de focalizar a atenção e a reflexão das crianças sobre um elemento a ser trabalhado sistematicamente. Essas atividades podem assim se referir a todo um grupoclasse, a um pequeno grupo, a uma única criança nos marcos de seu contrato individual, em função da análise conjunta das necessidades de aprendizagem. É importante que as atividades dos três painéis sejam articuladas, e não simplesmente justapostas.
60 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
Finalmente, o que as crianças devem aprender para ler e saber produzir textos? Aprender a: Representar-se e situar-se no
Construir e implantar
..........................
mundo do ................... escrito
................................... projetos de ................. leitura e de escrita
Conhecer, saber ........................ estratégias escolher e ordenar pertinentes
Identificar, saber tratar
................
graças a uma aculturação progressiva: conhecimento dos tipos e dos gêneros de textos existentes, condições materiais de produção, edição, difusão.
graças a projetos de ação, projetos globais de aprendizagem, projetos específicos em leitura e em produção de textos. graças a procedimentos sistematizados de resolução de problemas em leitura e em produção de um escrito preciso dentro de um contexto e de um projeto dados.
............ marcas linguísticas, ...... graças assim como índices de toda natureza, de compreensão
a instrumentos conceituais: índices linguísticos nos sete níveis.
ou de
produção
Ser capaz de .............................. controlar, de regular
sua própria ................. atividade cognitiva de
leitor
/
entendedor
graças ao conhecimento dos processos úteis e de uma reflexão metacognitiva sistemática.
e de produtor
O que é aprender a ler/escrever na escola? 61
Alguns exemplos Textos “questionados” coletivamente durante este ano (apenas estes) Inventário realizado no final do ano pelos alunos do 1° ano do ensino fundamental e classificado por eles, nos marcos de uma atividades de seleção de textos. Histórias
La rentrée des mamans, J. Hoestland. Bayad Poche. Le navet, Rascal, École des Loisirs. Le Noël de Kamila, C. Lamblin, Nathan. Chloé et la dent de lait, C. Pistinier. École des Loisirs. Os quadrinhos enviados pelos correspondentes Panique à Sourisville, Vários autores. Nathan. L’album du petit renard perdu, L. Espinassous, Milan. L’album du loup sentimental, G. de Pennart. École des Loisirs. Esquetes/ diálogos escritos pelos correspondentes
Fichas técnicas
A ficha de fabricação de uma pipa A regra do jogo “Objetivo 100” A receita do pão de queijo brasileiro Os conselhos para utilizar a escova de dentes O folheto de construção do terrarium Minha receita de maçãs do amor
Cartas
A carta da diretora da escola brasileira / As três cartas coletivas dos correspondentes O cartão de boas-festas do prefeito A carta de reserva para a visita ao Museu de La Villette
Cartazes
O cartaz da Feira de Ciências O cartaz da “Noite da Coruja” O cartaz do Salão dos escritos
Poemas
Une histoire à suivre. Claude Roy. Rêve. Anne-Marie Chapouton Les animaux ont des ennuis. Jacques Prévert. Fourmis, fourmis.... Eugène Guillevic
Textos documentais
O artigo sobre as formigas, em “Wapiti” O texto “Como ajeitar um terrarium” O mapa do mundo O calendário escolar do Brasil O sumário da exposição do 5° ano do ensino fundamental “Os animais noturnos” Il était une fois le corps humain. S. Pérols, Hachette. A ficha de apresentação do documento de matemática reescrita pela professora
62 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
Leituras em rede, último ano da educação infantil e ensino fundamental I Leituras em rede na classe de 5 anos de ensino infantil e no 1º e 2º anos do ensino fundamental I Em torno do personagem principal: personagem principal com uma falsa interpretação da história
Em torno de um conto tradicional: as diferentes versões de uma história
• Hulul. A. Lobel, École des Loisirs.
• Le petit chaperon rouge Contes de Perrault, École des Loisirs
Le mur. A. Esteban. Syros
La moufle. F. Mansot. Actes Sud Junior.
• Le petit chaperon rouge. J. Claverie. Albin Michel.
• La brouille. C. Boujon. École des Loisirs.
• Nicki et les animaux de l’hiver. J. Brett,G. Languereau
• Baltazar. G. De Pennart. École des Loisirs. • Epaminondas. O. Weulersse. Père Castor • A África de Zigomar. Ph. Corentin, École des Loisirs.
• Mademoiselle Sauve qui peut. Ph. Corentin, École des Loisirs.
Em torno de um tema: o tema da parede
Em torno de um conto tradicional à estrutura repetitiva
• Le bonnet rouge B. Weninger. Nord Sud.
• Petit lapin rouge. Rascal. École des Loisirs. • Le petit chaperon vert. Solotareff. École des Loisirs.
Leituras em rede no 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental I Em torno de um tema: a morte
Em torno de um tipo de texto: o romance epistolar
• Grand papa. John Burningham, École des Loisirs.
• Réponds-moi quand je t’écris. Jo Hoestland. Casterman.
• Au revoir, grandpère, Una Leav, Bayard.
• Signé: Lou, Beverley Cleary. École des Loisirs.
• Le dimanche noyé de Grand-Père/O G. Laurencin, Gallimard Jeunesse.
• Je t’écris, je t’écris. Eva Caban. Gallimard Jeunesse.
• La fête des pères. Agnès Desarthe. Mouche, École des Loisirs. • Moi et rien. Kitty Crowther. École des Loisirs.
• Cartes postales. Anne Brouillard. Sorbier.
Em torno de um autor Por exemplo: • Morpurgo • Ponti • A. Browne • Allen Say • Anne Brouillard • Mourlevat • Le Clézio
Em torno do personagem do pintor • Comment Wang Fô fût sauvé. Marguerite Yourcenar. Gallimard Jeunesse. • Le vieux fou de dessin. François Place. Gallimard Jeunesse. • Le collectionneur d’instants. Quint Buchloz. Milan.
• Ta Lou qui t’aime. Elisabeth Brami. Seuil. • Les Massachussets prennent la plume. R. Detambel, Gallimard.
O que é aprender a ler/escrever na escola? 63
Produzir textos para verdadeiros destinatários,3 no 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental I
3
Projetos
Textos produzidos
Destinatários
Correspondência escolar
Cartas
Os pares, crianças de um outro continente
Viver juntos
As regras de utilização dos jogos ao ar livre
A comunidade escolar, os professores, todos os alunos através dos delegados do grupo-classe.
Feira de Ciências
Relatórios científicos e fichas técnicas
Todas as escolas do bairro (crianças e pais)
Dia do meio ambiente
Boletins de inscrição Carta de compromisso
A associação de preservação da floresta de Carnelle
Projeto específico: Educação cívica: conhecer o funcionamento da democracia
Uma carta Um questionário
Ser bem-sucedido em meu dever de aluno
Meus contratos individuais
- eu mesmo - minha professora - meus pais
Organizar um encontro poético
Poemas “à maneira de” “Bahia”, de Blaise Cendrars
As crianças do grupo-classe
Classe de descoberta na Auvergne
Carta de solicitação
Salão dos escritos literários
Uma paródia de contos tradicionais
Os políticos: - o prefeito - o deputado - o conselheiro-geral - o senador
Os diretores do: - ofício de turismo - parque regional - centro de hospedagem - Museu do Instrumento - as crianças das escolas do ensino fundamental I e II - as personalidades da cidade - autores de literatura infanto-juvenil
Ver o trabalho conduzido sobre os destinatários, no capítulo “Atividades de sistematização...”, p. 190 e seguintes.
64 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
MÊS DE ABRIL*
• Em relação aos verbos: - a conjugar o imperfeito.
• Com respeito ao léxico: - a evitar as repetições; - a buscar sinônimos para nem sempre empregar os pronomes pessoais.
O que se aprendeu: • Com respeito à sintaxe: - a fazer corretamente a concordância entre os substantivos e os adjetivos nos grupos nominais; - as diferentes formas de expansão do grupo nominal.
Produzir um texto narrativo a partir de uma imagem.
– dos verbos que se referem à: minha ação: ação da água: colocar; se solidificar; manipular; se cristalizar; transvasar; resfriar. prensar; concluir.
• A utilizar o vocabulário específico ou preciso – dos substantivos: - o termômetro; - o recipiente; - a pipeta graduada.
O que se aprendeu: • A conjugar os verbos no pretérito perfeito composto: conjugação do verbo auxiliar no presente + particípio passado do verbo a ser conjugado.
Redigir o sumário da experiência científica: “Da água ao gelo”.
em leitura e produção de textos:
produção de textos:
projeto específico de competências
projeto específico de
competências em leitura e
literário do bairro.
Sintaxe
a poesia • a concordância do adjetivo: a chuva - o coração definhado; um rubi - a fonte seca; o paraíso - as crianças travessas; um casebre - as folhas murchas. • a conjugacão do verbo (no presente) Eu grito Eu vivo Tu invejas Tu vives Elas lembram (primeira conjugação) O outono que enrubesce. Os anos que fogem.
Léxico
O que se aprendeu: • As rimas: o som que se ouve é parecido, mas nem sempre se escreve a mesma coisa. • Pesquisa e classificação a partir da palavra “vida”.
Escrever poemas utilizando rimas.
e produção de textos:
projeto específico de competências em leitura
organizar um sarau poético.
..... Projeto:
MÊS DE JANEIRO
participar do concurso
.....
Projeto:
MÊS DE OUTUBRO*
Atividades específicas para reforçar as aprendizagens no 4° ano do ensino fundamental, levando-se em conta os projetos e as necessidades dos alunos*
* Para maior clareza, selecionamos três momentos do ano escolar.
O que é aprender a ler/escrever na escola? 65
4. A escolha de instrumentos
linguísticos e cognitivos para ler/ escrever textos Vamos deixar mais claro
O problema com que o pedagogo se defronta é o seguinte: diante da diversidade e da multiplicidade dos conceitos existentes, o que escolher, que seja operatório, para auxiliar as crianças da escola elementar a ler e escrever? Nossa preocupação didática é simultaneamente não subestimar a capacidade de abstração das crianças e ir ao que é essencial, fundamental, isto é, escolher poucos conceitos, mas conceitos-chave que, uma vez construídos e utilizados pelas crianças, lhes deem um acesso proveitoso aos principais tipos de escritos, tanto em leitura quanto em produção. • Na medida em que consideramos a leitura e a produção de escritos atividades de resolução de problemas implícitos por natureza, tentamos elucidar os processos cognitivos que sustentam/dão suporte ao tratamento pela inteligência das características linguísticas e outras. Em outras palavras, tentamos elucidar a atividade cognitiva e metacognitiva4 do leitor/produtor de textos. Trata-se de: - para o leitor, ao “questionar” um texto, de detectar os vestígios, as marcas, as manifestações, em síntese, os índices ou as chaves de significação que os sete níveis que identificamos deixam no texto; de expor e interpretar esses índices para construir progressivamente controlando-os, a compreensão de um texto; - para o produtor de textos, de utilizar esses mesmos instrumentos como marcas para organizar e elaborar a representação de um texto que seja “compreensível” por um destinatário. • Para os instrumentos linguísticos, retomamos aqui a seleção dos sete níveis de conceitos linguísticos, central à proposta feita em nossos livros precedentes, na medida em que nos pareceu operatória: 4
“A cognição refere-se ao funcionamento mental e se caracteriza pela compreensão, o tratamento da informação e a memorização. A metacognição refere-se ao conhecimento que alguém possui sobre seu próprio funcionamento cognitivo e sobre suas tentativas de controlar esse processo”, J. Giasson, em La compréhension en lecture. Ed. De Boeck, Bruxelas, p. 152.
66 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
“Formar crianças leitoras de textos” e “Formar crianças produtoras de textos”. Esses conceitos definem as principais características linguísticas dos diferentes tipos de escritos. Em pedagogia, são instrumentos fantásticos que servem de índice ou de marcas tanto em leitura quanto em produção de textos. São, na verdade, as mesmas marcas linguísticas que: - para o leitor, manifestam-se como índices pertinentes, como informações significativas a pesquisar para construir a significação de um texto (ver na Parte 3, o capítulo “Questionamento de textos” e, na Parte 4, o capítulo “Atividades metalinguísticas”); - para o produtor, constituem marcas características para elaborar um texto e se fazer compreender (ver na Parte 3, o capítulo “Os canteiros de escrita” e, na Parte 4, o capítulo “Atividades metalinguísticas”). Esses conceitos podem sustentar diversas “camadas” de pesquisa em leitura (ou releituras) e diversos “estratos” em escrita (ou outras versões). • Os processos que intervêm no controle da atividade de leitura e de produção de textos, assim como os conceitos linguísticos que escolhemos, constituem instrumentos notáveis em pedagogia, desde que: - tenhamos levado os alunos a localizá-los, explicitá-los e utilizá-los. - que as situações de aprendizagem que lhes propomos e os desafios cognitivos que levantam lhes permitam uma investigação ativa e uma reflexão metacognitiva regulares. Os instrumentos serão apresentados a seguir sob duas formas: – em princípio, sob a forma de esquemas gerais: - “os principais processos mentais que intervêm na leitura/produção de textos”; - “os sete níveis de conceitos linguísticos que escolhemos para trabalhar com as crianças”. – em seguida, de forma detalhada, para melhor estruturar sua compreensão. Pensamos que será útil relembrar que, para cada texto e para cada sujeito leitor/escritor, é o conjunto dos processos e o conjunto das características linguísticas que concorrem de maneira original para a construção de uma compreensão ou de uma produção num contexto singular. Apresentaremos a seguir um esquema, situado na confluência dos dois conjuntos precedentes, intitulado: “Uma interação única entre um leitor/produtor único e um texto único”.
A escolha de instrumentos linguísticos e cognitivos para ler/escrever textos 67
Os principais processos mentais que intervêm na leitura-questionamento ou na produção de um texto Esclarece o sentido de sua atividade e de suas expectativas diante de um texto preciso, a ser lido ou produzido, num contexto particular.
Identifica índices ou características significativas aos diversos níveis linguísticos do texto e os coordena.
Mobiliza suas experiências e seus conhecimentos anteriores.
O LEITOR ou O
Organizar sua atividade de leitor ou de produtor de textos. Elabora um projeto cognitivo.
Elabora progressivamente uma representação integral, contínua, coerente, do texto a ser lido ou a ser produzido.
PRODUTOR Formula hipóteses de sentido, ou forja uma imagem mental do texto a ser produzido, e as verifica durante toda a atividade.
Estabelece relações, entre as quais inferências, a partir de seus conhecimentos anteriores. AVALIA, REGULA, REAJUSTA, PROGRESSIVAMENTE SUAS ESTRATÉGIAS E SUAS CONDUTAS.
68 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
Comentário Antes da realização da tarefa: o processo de antecipação • Os processos que permitem deixar mais claro o sentido da atividade e as expectativas, assim como mobilizar suas experiências e seus conhecimentos anteriores: – ligar a situação a outras situações vividas; – fazer a conexão entre certas categorias do problema a ser tratado e certos conceitos ou categorias de conhecimento; – estabelecer laços entre o que se deve fazer e as tarefas parecidas realizadas num outro contexto; – pesquisar procedimentos analógicos e verificar o resultado de sua ação; – identificar, em situação de aprendizagem, o que está em jogo na atividade. • Os processos que permitem organizar a atividade de leitor/produtor de textos e elaborar um projeto cognitivo: – prever as diferentes etapas da tarefa; – delimitar suas exigências, prever suas modalidades de execução; – selecionar as estratégias cognitivas adaptadas a um objetivo e a uma possibilidade. Durante a realização da tarefa: os processos de elaboração e de estruturação • Processos que permitem formular hipóteses de sentido, ou forjar uma imagem mental do texto, e verificá-las/revisá-las durante toda a atividade: - Construir representações parciais ou interpretações “abertas” que serão progressivamente afinadas; - Construir ou memorizar “sequências” semânticas que se agregam ou se desagregam na medida em que se efetua o tratamento. • Processos que permitem identificar ou utilizar as marcações linguísticas do texto como índices de significação e de coordená-los: – selecionar as marcas linguísticas; – ativar os conceitos correspondentes; – identificar os níveis de significação trazidos pelo texto; – conduzir, coordenando-as, as operações relativas ao tratamento textual, sintático, léxico (microsseleção); – tecer ou reatar relações semânticas entre os diferentes elementos do texto;
A escolha de instrumentos linguísticos e cognitivos para ler/escrever textos 69
– inferir: interpretar as informações, relacionando-as a objetos de conhecimento anteriores, linguísticos ou culturais, ou suscitar a inferência. • Processos que permitem elaborar progressivamente uma representação integral, contínua e coerente do texto a ser lido ou produzido: – sintetizar e integrar novas informações ao modelo mental do texto que está sendo construído; – gerir a continuidade do texto; – focar-se em índices que assinalam a presença de uma relação (repetições anafóricas, marcas de pontuação, dispositivos de conexão). Durante e depois da realização da tarefa: os processos de avaliação e de controle • Processos que favorecem a autorregulação das estratégias e das condutas do leitor/produtor de textos: – verificar regularmente o produto da atividade cognitiva: - a qualidade do tratamento; - a coerência da significação parcial ou total construída. – localizar e superar os eventuais obstáculos (a permanência da língua escrita permite a releitura ou a revisão): - identificar a perda da compreensão (saber quando é que não compreendo); - analisar suas dificuldades ou seus erros; - prevenir suas dificuldades (saber que posso fazer alguma coisa para sair da dificuldade, saber do que necessito para progredir). – avaliar a pertinência do projeto cognitivo: - medir a distância entre a planificação inicial e a atividade realizada ou em vias de realização. – ajustar suas estratégias em função dos resultados ou de análises intermediárias.
70 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
Do contexto à palavra: os sete níveis de conceitos linguísticos escolhidos para trabalhar com as crianças Sete categorias de informações (de índices) fornecidos por um texto – a ser lido ou produzido – a partir de suas estruturas linguísticas. PROJETO DO LEITOR O que é que espero deste texto? Para que vai me servir compreendê-lo ou produzi-lo? 2. Índices relativos ao contexto cultural do texto em suas diversas dimensões (literária, sociológica, histórica etc.).
1. Índices relativos ao contexto situacional do texto e aos diversos parâmetros da situação de comunicação.
3. Índices relativos ao tipo de texto a que ele pertence e a sua função.
5. Índices relativos à coerência do discurso e à coesão do texto e seus temas gerais (campos semânticos)
TEXTO
6. Índices relativos, no nível de suas frases, às marcas significativas em sintaxe, em ortografia e à escolha do léxico.
4. Índices relativos à lógica de sua organização de conjunto (superestrutura e dinâmica interna).
7. Índices relativos, no nível de suas palavras, e das microestruturas morfológicas, sintáticas e semânticas que a constituem.
A escolha de instrumentos linguísticos e cognitivos para ler/escrever textos 71
Comentário Do contexto à palavra (nesta ordem), os sete níveis de conceitos linguísticos que escolhemos para trabalhar com as crianças Para evitar que não sejam interpretados como uma simples lista e para melhor estruturar sua compreensão, reagrupamos aqui estes sete níveis em quatro blocos: – os conceitos que definem o contexto geral de um texto; – os conceitos que funcionam em relação às estruturas do texto em seu conjunto; – os conceitos que funcionam em relação à estrutura da frase; – os conceitos que funcionam em relação às estruturas da palavra.
Os conceitos que funcionam no nível do CONTEXTO GERAL do texto A noção mesma de contexto (o contexto de um texto, não de uma palavra) ainda não está construída. Ela se refere simultaneamente: • ao contexto situacional ou contexto próximo, que se refere mais especificamente aos parâmetros da situação de comunicação escrita imediata, a mais facilmente perceptível pelas crianças. – Os conceitos a construir: - o emissor: Quem escreveu ou está escrevendo este texto, e em que qualidade (status)? - o objeto da mensagem (seu conteúdo): O que é que ele diz? O que pretende comunicar? - o objetivo: Para que ou para quem foi escrito (autoquestão do leitor)? - o que está em jogo: O que acontece se o texto não for pertinente? Qual é o risco que se corre? – As questões que devem ser colocadas: - Para o leitor: Onde, quando e como foi produzido este texto preciso que tenho sob meus olhos? Por que caminhos concretos ele chegou até mim? Nos marcos de que projeto? etc. - Para o escritor: Dado meu projeto, de que maneira devo representar meu texto? Que tipo de material (suporte, instrumento de escrita) devo escolher para que melhor se adapte à minha intenção? etc. • os contextos culturais ou contextos longínquos, que implicam simultaneamente o conhecimento e a experiência do “mundo dos escritos sociais” (produção, edição, difusão etc.) e os contextos mais amplos e mais específicos, mas, por isso mesmo, os mais afastados das crianças: contexto literário, sociológico, tecnológico, histórico etc.
72 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
Os conceitos que funcionam no nível do TEXTO em seu conjunto • O tipo de escrito a que ele pertence (tipo tomado no sentido de categoria de escritos existentes atualmente em nossa sociedade): – texto predominantemente funcional? como uma carta, um cartaz, uma ficha técnica (receita, regra do jogo, manual, ficha de fabricação), artigo de jornal, sumário, relatório etc. – texto predominantemente ficcional? conto, lenda, álbum, novela, poema, romance etc. • A superestrutura do texto, que se manifesta sob a forma: – da organização espacial dos blocos de textos de paginação (a “silhueta” do texto); – da dinâmica interna, quer dizer, da lógica de articulação dessas diferentes partes: lógica cronológica de um sumário?; lógica pragmática de uma receita?; lógica narrativa de um relato?; lógica argumentativa de uma publicidade? etc. • A coerência do discurso e a coesão do texto: – Como se manifestam ao longo do texto (e não apenas em relação às frases) as opções de enunciação tomadas pelo autor, quer dizer, as escolhas: - das pessoas (texto na primeira ou na terceira pessoa?); - das referências de tempo; - das referências de lugar; - das modalizações pela expressão – ou não – de sua subjetividade, através de adjetivos ou de advérbios afetivos etc. – Como as anáforas ou os substitutos (pronomes ou grupos nominais que substituem as pessoas ou os objetos mencionados ao longo de um texto) permitem a cada momento situar e identificar de quem ou de que se trata. – Como os dispositivos de conexão mais frequentes (advérbios e conjunções) que articulam os parágrafos de um mesmo texto facilitam a compreensão de sua progressão (progressão cronológica, progressão argumentativa, progressão de causa e efeito etc.). – Quais são os temas que tecem o sentido ao longo do texto, graças ao léxico (em particular, as redes semânticas) e como progride a significação do texto do início até o fim. – O que sua pontuação traz ao sentido do texto (a pontuação no nível do texto, distinta daquela das frases, que se revela, em primeiro lugar, mais fácil de construir).
A escolha de instrumentos linguísticos e cognitivos para ler/escrever textos 73
Os conceitos que funcionam no nível das FRASES • A linguística da frase: – Seus aspectos sintáticos, as principais marcas de relações: - ordem das palavras e dos grupos de palavras; - as concordâncias (singular/plural; feminino/masculino); - as desinências verbais (as relações de pessoa e de tempo). – Seus aspectos léxicos: - as palavras em contexto. – Seus aspectos ortográficos: - as marcas gramaticais que comprovam as principais relações entre as palavras de uma frase. - o sentido dado por uma pontuação pertinente da frase.
Os conceitos que funcionam no nível da PALAVRA e das microestruturas que a constituem • As palavras: seu sentido – as palavras para dizer as coisas; – denotação e conotação; – as famílias das palavras. • As palavras: suas microestruturas – Microestruturas morfológicas: - o princípio alfabético e as relações fonemas/grafemas; - as sílabas e suas relações grafofonológicas; - os bigramas mais frequentes (br-, cr- ou então -ar, -er etc.): - os prefixos e afixos; - as “pequenas palavras” (artigos e preposições) mais frequentes. – Microestruturas sintáticas: - marcas nominais (singular/plural; feminino/masculino); - marcas verbais (pessoa e tempo). – Microestruturas semânticas: - as combinações de letras significativas: prefixos (in-, re- etc.) e sufixos (-or/ora, -ação etc.); - raízes e afixos; - radical, desinência dos verbos.
74 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
Como as crianças constroem esses conceitos?
Para o leitor-aprendiz, não se trata de forma alguma de analisar o texto a partir destes sete (ou quatro) pontos de vista linguísticos, ou muito menos de que o professor analise o texto como numa sequência de gramática explícita, nem que o escritor-aprendiz aplique ao texto que está escrevendo o produto dessas análises. Trata-se de utilizá-los como índices, como marcas, na interação com um texto (ver na Parte 3, o capítulo “O questionamento de textos pelas crianças”, p. 82, e o capítulo “O canteiro de escrita”, p. 124). Os aprendizes constroem pouco a pouco esses conceitos, a partir de suas experiências de leitura e de produção, durante toda sua vida escolar e sobretudo nos momentos de reflexão metacognitiva e metalinguística, em que nos colocamos a seguinte questão: “O que nos ajudou a compreender (ou a produzir) o texto hoje?” (ver Parte 4, “Instalar a reflexão metacognitiva e metalinguística no centro da construção das competência dos leitores e produtores de texto”, p. 183).
A escolha de instrumentos linguísticos e cognitivos para ler/escrever textos 75
Uma interação única
• Uma interação única,
Combinando os dois tipos de instrumentos conceituais que acabamos de apresentar, os textos, no marco mais global de seu contexto situacional. O LEITOR ou O PRODUTOR a partir de seu projeto – Esclarece o sentido de sua atividade e de suas expectativas diante de um texto preciso em um contexto particular. – Mobiliza suas experiências e seus conhecimentos anteriores. – Planeja sua atividade de leitor ou produtor de texto. Elabora um projeto cognitivo. – Identifica índices ou características significativas nos diversos níveis linguísticos do texto e os coordena. – Formula hipóteses de sentido ou forma uma imagem mental do texto a ser lido ou produzido, verificando-as ao longo do texto. – Estabelece relações, entre as quais as de inferência, a partir de seus conhecimentos anteriores. – Elabora progressivamente uma representação integral, contínua e coerente do texto.
COM O LEITOR ou O PRODUTOR
PRO
– Avalia, regula, reajusta, progressivamente, suas estratégias e suas condutas.
O LEITOR ou O PRODUTOR tem uma maneira única de regular todos esses elementos a fim de construir um sentido do texto que lhe seja pessoal e que seja pertinente.
76 Ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos
entre um leitor/produtor único e um texto único
podemos construir a seguinte representação do ato de ler ou de produzir O TEXTO fornece índices
PREENSÃO O TEXTO
DUÇÃO
• Índices relativos ao nível de seu contexto global: - seu contexto situacional e os diversos parâmetros da situação de comunicação (emissor/ destinatário, objeto, objetivo e o que está em jogo); - seu contexto cultural em suas diversas dimensões (literária, sociológica, tecnológica, histórica, geográfica etc.). • Índices relativos ao nível do texto em seu conjunto: - o tipo de escrito ao qual pertence; - a lógica de sua organização (superestrutura e dinâmica interna); - a coerência de sua enunciação (pessoas, substitutos, sistema dos tempos) e de seus temas gerais (campos semânticos). • Índices relativos ao nível de suas frases, - as marcações significativas em sintaxe (sintagmas, concordâncias, desinências); - a escolha do léxico. • Índices relativos ao nível de suas palavras, às microestruturas morfológicas, sintáticas, semânticas que as constituem.
O TEXTO combina todos esses índices num tecido complexo e significante que o torna um texto único.
A escolha de instrumentos linguísticos e cognitivos para ler/escrever textos 77
3 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem Ousemos dizê-lo aqui... Na medida em que a automatização da decodi ficação/codificação – que constitui, no entanto, nas salas de aula, o ingresso privilegiado à apren dizagem da leitura/escrita – nunca permitiu, isoladamente, o acesso à compreensão, porque os hábitos reflexivos se desenvolvem nas situações complexas e não por maturação natural ou por injunção escolar, pensamos que ensinar a compreender e a produzir textos, desde o início da aprendizagem, para desenvolver progressivamente – em todos os alunos – a capacidade de tratar com inteligência todos os textos que encontram, constitui atualmente uma das questões fundamentais em jogo na escola.
SUMÁRIO
Procedimentos sistemáticos de resolução de problemas em leitura e em produção de textos
80
5. O questionamento dos textos pelas crianças: aprender a compreender os textos. Um procedimento sistematizado de resolução de problemas em leitura
82
6. O canteiro de escrita: aprender a produzir textos. Um procedimento sistematizado de resolução de problemas em produção
124
Procedimentos sistemáticos de resolução de problemas em leitura e em produção de textos
Compreender ou produzir um texto quando se é uma criança matriculada no ensino fundamental e, mais ainda, quando se é um aprendiz leitor/escritor iniciante, é uma tarefa ambiciosa que mobiliza a cada vez, de maneira original, um gande número de competências.1 O encontro com um texto que oferece resistência é, por natureza, uma situação-problema,2 na medida em que: – o aluno não dispõe, por si mesmo, de meios para agir, na medida da existência ou do reconhecimento de um ou de vários obstáculos culturais, linguísticos, cognitivos, ou, por vezes, todos ao mesmo tempo; – a descoberta ou a elaboração do texto corresponde sempre a uma situação complexa que exige uma investigação real, solicita estratégias diferentes, mobiliza conhecimentos diversos e pontos de vista divergentes. Mas não é por isso que a situação é sempre percebida como impossível: – é a confiança instaurada na sala de aula, a responsabilidade partilhada e o projeto coletivo de aprender juntos que “empurram” cada aluno a elaborar e a se apropriar dos instrumentos intelectuais necessários à realização ou à compreensão de um texto; – o reexame coletivo da trajetória percorrida é ocasião de um retorno reflexivo, de caráter metacognitivo; ele ajuda os alunos a tomar consciência das estratégias que utilizaram e a estabilizá-las através de procedimentos disponíveis em novas situações-problema. O questionamento de texto e o canteiro de escrita são procedimentos de resolução de problemas que colocam o aluno frente a uma dupla complexidade: a de um texto e a que é própria da atividade cognitiva de ler ou de escrever.
1
Ver Tabela “Finalmente…”, p. 61.
2
Ver “Faire vivre de véritables situations–problèmes”/”Fazer viver verdadeiras situações-problemas”, de G. de Vecchi e N. Carmona, Hachette Livre, 2002.
80 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Os procedimentos de questionamento de texto e do canteiro de escrita que vamos apresentar aqui têm como finalidade confrontar em conjunto, com o auxílio das mediações adaptadas (no nível do grupo-classe, das necessidades dos alunos, das estruturas de trabalho…), uma situação-problema em leitura ou em produção de escritos. As interações entre as crianças e os conflitos cognitivos que elas produzem (por contradição, refutação, divergência) levam a identificar e a estruturar em conjunto as aprendizagens linguísticas e cognitivas que cada um deles deverá progressivamente dominar sozinho. O professor deve assegurar a repetição regular desses procedimentos sistematizados e a estabilidade de seu desenvolvimento, de tal maneira que as crianças se familiarizem com as tarefas a serem realizadas e as categorias de obstáculos a serem superados.
Procedimentos sistemáticos de resolução de problemas em leitura e em produção de textos 81
82 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem *
N.T.: Contrariamente ao francês, durante toda a tradução, em vez de “tu” (segunda pessoa do singular), adotamos o tratamento “você”, que concorda com a terceira pessoa do singular.
Interpretação das respostas ao teste Se você selecionou os itens: – 1, 2, 5, 13, você(s) é(são) mais sensível(is) à dimensão linguística do procedimento de questionamento de texto; – 6, 8, 10, 15, você(s) é(são) mais sensível(is) aos aspectos cognitivos do procedimento de questionamento de texto; – 3, 19, 14, você(s) é(são) mais sensível(is) à dimensão socioconstrutivista do procedimento de questionamento de texto; – Naturalmente você(s) excluiu(íram) os itens 4, 7, 11, 12, que procedem de uma concepção tradicional e interpretam de maneira errada o que apresentamos, desde nossos primeiros livros, como um procedimento de questionamento de texto. Para nós, o procedimento de questionamento de texto combina as dimensões socioconstrutivista, cognitiva e linguística, e exclui qualquer procedimento que provocaria confusão entre o “questionamento de um texto pelas crianças para construir seu sentido” e o questionamento ou a interrogação das crianças pelo professor. Entre as 15 proposições que figuram no teste da página seguinte, selecione(m) aquelas (no máximo 4) que se aproximam mais de sua representação do que pode ser um procedimento de questionamento de texto. Em seguida, para interpretar suas escolhas e para ver como apresentamos nossa concepção, veja(m) o quadro a seguir.
Vamos deixar mais claro, ou melhor, esclareça(m) você(s)* mesmo(s)
de textos pelas crianças: Aprender a compreender textos. Um procedimento sistematizado de resolução de problemas em leitura
5. O questionamento
O que é um procedimento de questionamento de texto? Selecione as quatro proposições que mais se aproximam de sua representação de um procedimento de questionamento de texto. 1 Um procedimento que permite apropriar-se das estruturas linguísticas dos textos.
4 Um procedimento de questionamento do professor que interroga as crianças para assegurar-se de que compreenderam bem o sentido de um texto.
2 3 Um procedimento no qual as Um procedimento próprias crianças questionam socioconstrutivista em que o texto “para arrancar-lhe se joga a fundo com as seus segredos de fabricação”. contradições para modificar as concepções dos alunos. 5 Um procedimento cuja finalidade é identificar fenômenos linguísticos (nos sete níveis).
7 8 Um procedimento Um procedimento rigoroso hierarquizado em que se de atividade reflexiva e começa pela decodificação metacognitiva sistemática das palavras, em seguida das que resulta na compreensão frases, até a leitura do texto do texto e na elaboração de em sua íntegra. instrumentos.
6 Um procedimento que permite que cada aluno melhore a eficácia de seu funcionamento cognitivo.
9 Um procedimento de resolução de problemas que confronta o aluno com a complexidade de um texto e o auxilia a aprender a superar os obstáculos que encontra, seja qual for sua natureza.
10 Um procedimento de aprendizagem para treinar a leitura conjunta de um texto que não se pode ler sozinho.
11 Um procedimento que visa reconhecer, circundar todas as palavras do texto a partir da participação ativa do aluno.
12 A leitura silenciosa e global de um texto validada por um questionário de compreensão.
13 Um procedimento intelectual progressivamente automatizado para compreender o funcionamento dos textos.
14 Um procedimento que favorece a tomada de consciência das estratégias de compreensão através da explicitação e da argumentação das estratégias individuais.
15 Um procedimento para tornar explícito o que não o é por natureza: os processos de compreensão.
Para interpretar suas escolhas e para a apresentação de nossa concepção, retornar para a parte de baixo da página anterior. O questionamento de textos pelas crianças 83
O modelo de procedimento de questionamento de texto 1. PREPARAÇÃO PARA O ENCONTRO COM O TEXTO 1.1.
O que está em jogo (e, logo, o sentido) na atividade – para o grupo-classe ou para o grupo (evocação do projeto de aprendizagem específico e dos contratos individuais de aprendizagem); – no contexto do projeto de ação.
1.2.
As características da atividade, com relação às experiências precedentes dos alunos, identificadas como semelhantes (os conhecimentos processuais).
1.3.
As características do texto a ser compreendido, com relação às representações prévias dos alunos, relacionadas a um estereótipo (os conhecimentos linguísticos).
2. CONSTRUÇÃO DA COMPREENSÃO DO TEXTO 2.1.
Leitura individual, silenciosa.
2.2.
Negociação e coelaboração de significações parciais – confrontações coletivas das interpretações e justificações; – releituras, recurso ao texto, aos instrumentos, aos recursos do grupo-classe, controles regulares da qualidade da compreensão.
2.3.
Elaboração contínua de uma representação integral, partilhada, coerente, do texto.
3. SISTEMATIZAÇÃO METACOGNITIVA E METALINGUÍSTICA ou “O que aprendemos hoje para melhorar nossa capacidade de leitura?” 3.1.
Retorno reflexivo à atividade: como chegamos a compreender o texto? – estratégias utilizadas; – índices múltiplos (entre os quais os índices linguísticos) que nos auxiliaram a compreender o texto, e de que maneira.
3.2.
Generalização: elaboração pelos alunos de instrumentos de referência/ sistematização do que foi aprendido (eles serão pregados numa parede e conservados no fichário-caixa de instrumentos de cada criança).
3.3.
Colocação em perspectiva: Localização dos obstáculos encontrados que necessitam de um certo tempo de consolidação, de apropriação diferida, seja ela coletiva ou individual.
84 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Atenção: O procedimento geral apresentado na página anterior foi concebido como um módulo de aprendizagem coletiva, mas permanece análogo quando outras estruturas de trabalho se fazem necessárias (atividade de questionamento individual ou por pequenos grupos) em função das formas de apoio escolhidas pelo professor.
Comentário Preparação do encontro com o texto: elaboração do projeto • O que está em jogo na atividade – O questionamento do texto é um procedimento significante para a criança, na medida em que solicita uma real atividade cognitiva a serviço de um projeto de aprendizagem explícita, em relação clara com sua realidade de aluno (seu status numa comunidade de aprendizes). – Cada nova pesquisa é ocasião de reativar conhecimentos em função das representações que os alunos constroem da atividade a ser conduzida, de sua própria atividade de leitor-entendedor, das características linguísticas do texto a ser questionado. • As características da atividade – Trata-se de convocar, por analogia com tarefas semelhantes realizadas num outro contexto, a organização prévia da atividade, a mobilização das estratégias eficazes, a produção das inferências necessárias à compreensão; para ser mais conciso: horizontes de ação (o que devo fazer e como vou fazer) e horizontes de expectativa (o que vou aprender e como vou aprender). – Para os alunos mais jovens ou menos experimentados, o próprio professor terá o cuidado de precisar as condições de aprendizagem e as exigências das tarefas: trata-se naturalmente de construir em conjunto o sentido de um texto a ser descoberto; trata-se também de tomar consciência individualmente das estratégias em ação, para em seguida torná-las coletiva. Eis por que, nesse caso, o professor rememora: – as questões cognitivas da atividade: não basta ter sabido reconhecer duas palavras ou quaisquer outros índices para cumprir sua tarefa, é preciso chegar ao ponto de articular os índices descobertos até poder propor uma significação argumentada e coerente; – as questões metacognitivas da atividade: cada aluno deve poder explicitar os índices e as estratégias que utilizou, para que todos possam avaliar sua eficácia e talvez reempregá-las ulteriormente em outras situações de leitura ou em outros contextos de aprendizagem. O questionamento de textos pelas crianças 85
• As características do texto que se deve compreender, relacionadas com um protótipo Ainda aqui, trata-se de relacionar toda situação nova a uma experiência anterior e a saberes potenciais relativos ao funcionamento e à organização dos textos. Cada novo encontro é ocasião de convocar e de revisitar os conhecimentos linguísticos para mobilizar as representações textuais e as características estruturais, enunciativas ou léxicas inerentes ao funcionamento do discurso.
Construção da compreensão do texto • Leitura individual silenciosa É essencial que esta fase seja simultaneamente individual e silenciosa. – Individual, para não privar as crianças de uma relação privilegiada com um texto que estão descobrindo, para colocar suas competências à prova e construir uma primeira significação desse texto, ainda que parcial. – Silenciosa, para não concentrar a atenção das crianças sobre a oralidade e a decifração, em detrimento da própria atividade de compreensão que funda o procedimento de questionamento de texto. Seria ainda necessário evocá-lo aqui? A atividade de leitura consiste num tratamento organizado e progressivo dos componentes da língua escrita (texto, parágrafo, frases, palavras, microestruturas) que não poderá ser substituída por uma leitura em voz alta, linear, do professor (numa intenção mal-entendida de facilitação). • Negociação e coelaboração de significações parciais O grupo-classe é concebido como uma comunidade de pesquisa. A questão essencial à qual se busca responder é a seguinte: qual é o sentido da mensagem veiculada pelo texto? Trata-se em primeiro lugar de coletar as significações construídas e suas justificações, recorrendo-se ao escrito (“Por que você diz isso? Onde foi que você viu isso? Que informações significantes se podem deduzir daí?”) A intervenção do professor não consiste em validar esta ou aquela proposta, mas em identificar as contradições, suscitar a argumentação, coordenar as informações, apoiar a construção de sentido através da utilização de sínteses parciais ou da elaboração de instrumentos ou reformulações que permitam restabelecer a continuidade do texto. Sempre que for necessário, o professor deve provocar a reflexão metacognitiva e controlar regularmente a qualidade da compreensão até chegar, in fine, a uma compreensão pertinente e compartilhada do texto.
86 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Observação: por uma “pedagogia da dádiva” Num certo momento da aprendizagem, sobretudo durante o ciclo 1, torna-se necessária uma “pedagogia da dádiva” para que as crianças possam encarar qualquer texto de que necessitem para seus projetos em sua globalidade. Incumbe ao professor a responsabilidade de saber até onde seus alunos podem ir e que dádiva ele terá que lhes conceder: do que ainda não construíram e não poderão construir durante a sessão atual: uma palavra, uma questão, uma estratégia, uma leitura parcial em voz alta (note-se que essa leitura em voz alta se faz depois da elaboração das hipóteses de sentido, e não antes do encontro dos aprendizesleitores com o texto), que lhes permita continuar avançando na compreensão. Se não utilizarmos essa regra do jogo (que as crianças compreendem muito bem que “quem espera sempre sabe”), condenamo-nos a dar às crianças apenas textos “curtos”, “simples” ou artificialmente compostos apenas das únicas palavras que elas já sabem reconhecer. No ciclo 1, não há nenhuma necessidade de as crianças terem lido-decifrado todas as palavras do texto. O importante é que cheguem a compreender bem o texto, com a ajuda dos outros, e que construam instrumentos que lhes permitirão fazê-lo, a cada dia, de maneira cada vez mais autônoma, esperando que suas competências instrumentais sejam reforçadas. • Elaboração contínua de uma representação integral do sentido do texto Depois das múltiplas propostas emitidas durante a fase precedente, é indispensável fazer esta síntese sobre o sentido do texto, para que fique claro o que retivemos, finalmente, de tudo o que foi discutido. Isso pode dar lugar a: – uma releitura individual silenciosa; – uma leitura oral, feita pelo professor (no caso de um relato, de um conto, de um poema, por exemplo): leitura expressiva de síntese, que o professor está mais bem capacitado a fazer nesse momento e que não distrairá o aluno, a quem pediremos que a improvise, com sua concentração, sobre o sentido do texto.
Sistematização metacognitiva e metalinguística • Retorno reflexivo sobre a atividade Permite fazer uma recapitulação do que aprendemos na seção anterior, simultaneamente:
O questionamento de textos pelas crianças 87
– sobre o comportamento do leitor; – sobre o próprio escrito. Refere-se assim a vários aspectos: – Cada criança é convidada a fazer seu balanço pessoal: o que foi que aprendi hoje para tornar minha atividade de leitura mais eficaz? Que estratégias descobri, utilizei, pedi emprestado aos demais? Em que obstáculo tropecei? O que me ajudou a superá-lo? – Faz-se um balanço conjunto das descobertas comuns que foram feitas sobre os novos aspectos do código escrito. Como o autor utiliza de maneira adequada as marcas gramaticais e léxicas adaptadas ao que está em jogo no texto e à sua forma? Por exemplo, por extensão e com todos os ciclos conjuntamente: - as terminações dos imperfeitos num relato; - o lugar e o papel dos pronomes (“ele” substitui quem ou o quê?); - a função das alíneas ou das maiúsculas; mas também, no início das aprendizagens: – o gr- de grilheta, grato e grisalho; – o status da letra -a nas palavras alface, pão ou tangerina etc. Segundo o nível do grupo-classe, a receptividade ou o cansaço das crianças e a riqueza da sessão, essa fase de síntese metodológica multiforme pode ser breve e localizar-se no fim da sessão, ou ser transferida a um outro momento do dia, desde que as coisas ainda estejam frescas nas memórias. É importante não a deixar passar. • Generalização: elaboração de instrumentos de sistematização Quando as crianças tiverem feito suas observações significativas simulta neamente sobre as estratégias eficazes e as observações sobre a língua, com relação ao referencial de competências do grupo-classe (o projeto de aprendizagem do ano), o professor propõe conservar seus vestígios, sistematizá-los, elaborando conjuntamente instrumentos concretos que, a seguir, servirão de referência. É assim que: – se elabora uma “silhueta” para um certo tipo de texto; – se constroem tabelas recapitulativas (correspondências grafofonológicas, por exemplo); – se alimentam arquivos de conjugação; – se fabrica um dicionário ortográfico para tornar objetivo o saber que se está adquirindo. Esses instrumentos serão pregados na “parede dos instrumentos”, de tal forma que possam ser facilmente consultados por um simples olhar, e serão anotados nos “cadernos de descobertas em leitura e em produção de
88 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
escritos” dos alunos, de forma que possam ser revisitados tantas vezes quantas forem necessárias. Um instrumento indispensável: o “caderno dos textos” Os textos questionados são aí reunidos numa estante ou numa pasta. O Caderno dos textos é concebido como um instrumento de aprendizagem a longo prazo. Ele exerce o papel da memória coletiva e permite a consulta rápida e pessoal de textos que se tornaram instrumentos para ler ou para escrever. Características indispensáveis desses instrumentos: – são construídos com e pelas crianças, e não impostos pelo professor; – são sempre concebidos como auxílios à compreensão ou à produção de textos, e não como regras a serem aprendidas de cor; – resultam de uma reflexão e de instrumentos considerados necessários e pertinentes durante a sessão de questionamento de texto; – correspondem a um nível de aprofundamento das competências, das estratégias, dos procedimentos, em relação com o referencial (o programa do ano escolar); – são evolutivos e sempre suscetíveis de serem modificados ou aperfei çoados à medida que se fazem novas descobertas. • Colocar em perspectiva Para o professor, uma sessão de questionamento de texto é um momento privilegiado de observação de seus alunos. Isso lhe permite – para os tipos de índices ou de processos descobertos, mas ainda não automatizados por todos – prever atividades diferenciadas, personalizadas, de treinamento/reforço, que poderá propor a uns e a outros, em função do balanço do caderno de aprendizagem3 de cada aluno.
3
Ver no Capítulo “Crianças em projetos”, a parte sobre os projetos coletivos e contratos individuais. O questionamento de textos pelas crianças 89
O professor: um mediador-perito O que faz o professor Preparação para o encontro com o texto: elaboração do projeto cognitivo
• Esclarece a atividade intelectual solicitada, apoiando-se sobre as representações dos alunos. • Precisa ou evoca as questões que estão em jogo, coletivas ou individuais (o projeto de aprendizagem, os objetivos específicos). • Permite ou facilita o engajamento dos alunos na atividade, fazendo com que tomem consciência do que já sabem sobre o conteúdo ou sobre a organização do texto a ser lido.
O que faz o professor Construção da compreensão do texto
• Orienta os processos de coconstrução de sentido. • Faz com que os alunos se empenhem no diálogo cognitivo (pensa em voz alta com os alunos), faz com que explicitem (para si mesmos) ou expliquem (para os outros) os procedimentos e as estratégias utilizadas. • Apoia-se sobre as interações para modificar as representações e transformar os erros em elementos de análise.
para permitir que o aluno... • Faça a ligação e mobilize seus conhecimentos precedentes com relação: - ao sujeito; - ao texto; - às estratégias a serem empregadas. • Organize a tarefa individual e coletiva, elabore um projeto cognitivo.
para permitir que o aluno... • Assinale as ocorrências, levante os índices estruturais, léxicos, sintáticos... para formular hipóteses (tornar a leitura menos linear). • Mobilize os instrumentos intelectuais (comparar, deduzir, categorizar, inferir...) para validar as hipóteses e argumentar. • Integre as informações (mentalização, sínteses parciais). • Reconstrua progressivamente o sentido do texto (voltar a torná-lo linear).
• Utiliza seu próprio parecer de perito quando necessário.
O que faz o professor Sistematização metacognitiva e metalinguística
• Suscita a avaliação e a metacognição através de uma recapitulação e de uma explicitação metódicas.
para permitir que o aluno... • Avalie sua atividade de aprendizado e a dos demais.
• Formalize as experiências adquiridas em termos de saberes e de saber• Prevê as atividades de reforço fazer: ou de treinamento individuais ou - os novos pontos de aprendizagem; coletivas em função das necessidades - as ajudas e as facilitações; identificadas. - as dificuldades; - os procedimentos eficazes. • Elabora as reutilizações posteriores. • Conserve os vestígios das aprendizagens significantes.
90 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Alguns exemplos de questionamento de textos A. Sessão coletiva de questionamento de texto num grupo-classe de 1° ano do ensino fundamental: “O cardápio de Natal”
CARDÁPIO DE NATAL Quinta-feira, 12 de dezembro • Ovos mimosa • Peru assado • Batatas fritas • Feijões-verdes • Queijo • Bolo confeitado • Melão
O contexto: ler o cardápio de Natal da cantina escolar faz parte da preparação da visita dos correspondentes (ver página seguinte).
O questionamento de textos pelas crianças 91
PROJETO COLETIVO PROJETO DE AÇÃO: ”Visita dos correspondentes no Natal” Quinta-feira, 12 de dezembro
PROJETO ESPECÍFICO EM LEITURA E ESCRITA
• Enviar-lhes um plano detalhado do caminho da estação até a escola (uma semana antes).
Leitura: • Ler os nomes das ruas do bairro. • Ler as fichas técnicas para realizar as decorações de Natal. • Ler o cardápio da cantina escolar. • Ler contos de Natal para o encontro literário (um conto por grupo).
• Preparar-lhes uma acolhida calorosa: - Decorar a sala de aula - Compor os cardápios (o dia da visita coincide com o almoço de Natal) - Preparar um presente (uma caixa de jogos) • Preparar jogos para eles: - Palavras cruzadas de Natal - Dominós de sílabas - Jogo das sete famílias (a partir do léxico da sala de aula) • Organizar o encontro literário da tarde.
Produção de escritos: • Escrever definições para as palavras cruzadas. • Escrever listas de palavras da mesma família para o jogo (uma família por grupo). • Realizar uma ficha-léxico para as palavras cruzadas. Observação reflexiva da língua: • Decompor as palavras em sílabas (para o dominó). • Classificar as palavras da ficha-léxico para poder cruzá-las (letras comuns).
FICHA DE PREPARAÇÃO 1. Identificar as características da situação de questionamento de texto: É o professor quem escolhe, pois se trata de um texto particular, de uma lista, no qual cada palavra deve ser decodificada (característica funcional). Os alunos possuem os conhecimentos suficientes para fazer as inferências necessárias à compreensão (a organização interna de um cardápio) e entrar num questionamento estruturado. No entanto, muitas palavras do texto não são acessíveis por via direta e necessitam do emprego de outras estratégias de leitura. O acesso às palavras pela via indireta (a decifração) não é fácil para as crianças desse grupo-classe, nessa época do ano, sobretudo no que se refere: – à decomposição das palavras em segmentos de tamanho variado (o “fr-” de fritas); – a identificação (o acesso ao sentido) de certas palavras não familiares (melão, cardápio, confeitado). 92 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
2. Antecipar a pesquisa ativa do texto pelas crianças: As características do texto permitem que se faça um trabalho coletivo de leitura através do tratamento (não linear) de todas as palavras do texto. Como as crianças não possuem perícia suficiente para realizar essa tarefa, deverão recorrer a estratégias, desenvolvendo-as e tornando-as explícitas, entre as quais: – estratégias analógicas (é como); – estratégias analíticas (decomposição por sílabas). Será necessário que os instrumentos estejam disponíveis (arrumá-los de antemão). Podem ser identificados
Podem ser decifrados
Devem ser objeto de um trabalho sobre a língua
Devem ser objeto de um trabalho sobre o sentido
Quinta-feira, 12 de dezembro Cardápio de Natal Ovos Verdes
Mimosa Assado Feijões Bolo Batatas
Fritas Melão Queijo
Mimosa (Ovos mimosa) Confeitado Peru
Generalização: – Fazer com que as crianças reformulem as descobertas estratégicas e elaborem uma ficha-instrumento “para ler uma palavra desconhecida”. – Anotar as observações significantes das crianças relativas ao código e, mais precisamente, ao princípio alfabético. – Completar os léxicos temáticos coletivos. – Prever o reforço das estratégias no nível individual: verificar sua reutilização por ocasião da atividade de redação (exercício de cópia) dos cardápios. 3. Organizar a comunicação e as modalidades de socialização das aprendizagens: – Questionamento coletivo frente ao quadro-negro; – Texto copiado sobre um cartaz (1m x 1,20m); – Canetas hidrográficas grossas; – Massa de parede para fixar instrumentos no texto de referência.
O questionamento de textos pelas crianças 93
Preparação para encontro com o texto Professora- Esta manhã, como todas as segundas-feiras, recebemos os cardápios da semana. Aluno- Só nos restam dois dias para preparar o de quinta-feira. A- Vai ser preciso copiá-lo para os correspondentes. A- Temos que escrever o de quinta-feira sobre os cartões. A- E decorá-los. P- Por que decorá-los? A- Vamos colocar os cardápios junto aos pratos, como nos casamentos. A- Um cardápio para cada correspondente, assim eles poderão levá-los para casa. A- Um cardápio para nós também. A- É preciso que cada um faça dois cardápios. P- Proponho então que descubramos juntos esse cardápio, porque vamos precisar dele para fazer os cartões da mesa. Acho que todos juntos, nós vamos poder ler o cardápio. A- Como nós lemos as fichas técnicas! P- E como foi que fizemos para ler as fichas técnicas? A- Nós lemos as palavras, as palavras relativas ao material. A- Nós procuramos nas etapas o que tínhamos que fazer com elas. A- Nós aprendemos os índices para nos orientarmos nas fichas. A- Fizemos um cartaz. P- Você pode ir buscar esse cartaz, por favor. O aluno retira do “banco de instrumentos” o cartaz realizado por ocasião da sistematização das aprendizagens, por ocasião de um questionamento de fichas técnicas. Para bem se ler uma ficha técnica, deve-se: – Encontrar o título. – Localizar uma lista: o material de que se necessita. – Localizar as etapas (com a ajuda de números, de hífens ou de pontos) para fabricar um objeto na ordem. P- Para ler melhor nosso cardápio, será que já sabemos algumas coisas que podem nos ajudar? A- Tem também uma lista de pratos. A- Não é como na ficha técnica, porque não tem etapas.
94 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
A- Tem sim, tem etapas, nós comemos numa certa ordem. P- Na ordem de quê? A- Na ordem dos pratos, primeiro vem a entrada. P- Vocês acham que, no cardápio de quinta-feira, vamos encontrar os pratos na ordem em que os comemos? A- Sim, ele falou da entrada, mas depois comemos a carne… P- Esperem, vou anotar o que vocês estão dizendo no quadro-negro. O cardápio 1. Uma entrada. 2. Uma carne. A- Nem sempre é uma carne, pode ser um prato de legumes. A- Peixe e massas. A- Um cordon bleu* e arroz. P- Bom, proponho que eu escreva: 2. Um prato principal (carne ou peixe) com um acompa nhamento (de legumes ou outra coisa, arroz, massas). E depois? A- Depois vem a sobremesa. A- Não, antes tem o queijo. A- Ou uma salada de alface. A- Não, na cantina escolar, a alface se come no início da refeição. A- E nem sempre tem queijo. A- É, mas, como é Natal, deve ter queijo, do tipo “vache qui rit”. P- Então vou anotar: 3. Queijo. 4. Sobremesa. E A- Sim, está bem. P- Agora vou passar isso a limpo, para permitir que vocês recapitulem. A professora escreve: O cardápio: – Entrada – Prato principal (carne ou peixe) com um acompanhamento de legumes ou outra coisa, arroz, massas) – Queijo – Sobremesa
*
N.T.: Bife à milanesa recheado com presunto e queijo. O questionamento de textos pelas crianças 95
P- Eu vou agora pregar na parede o cardápio de quinta-feira. Como sempre, primeiro cada um vai ler sozinho e só depois vamos colocar juntos tudo o que vocês encontraram. Construção da compreensão do texto A professora fixa o cardápio na parede, ao lado do instrumento que acabou de ser feito. Os alunos leem em silêncio (cinco minutos). A- Tem muito mais coisa pra comer. A- Tem sete pratos. A- Tem duas sobremesas. P- Como é que você sabe que tem duas sobremesas? A- Porque eu li Queijo (o aluno circunda Queijo). Então depois tem duas sobremesas. A- E antes disso, tem todo o resto. P- Ou seja? A- A entrada e o prato com o acompanhamento. P- Vou anotar tudo isso no cardápio, há outras observações? Como se pode verificar se há mesmo duas sobremesas? A- É preciso ler as palavras. P- E como é que vamos ler as palavras? A- Nós vemos se já as conhecemos ou se reconhecemos alguma parte delas. A- Eu li “bolo”. P- Como? A- Eu li “bo”, depois “lo”, como loto. P- Bom, você vai circundar bolo. Então vamos comer um bolo. A- É, no Natal, tem sempre bolos, bolos gelados. P- Tem mesmo uma outra palavra depois de bolo. A professora escreve “gelado”. A- Não, aí não está escrito bolo gelado. P- Eu vou dar essa palavra de presente para vocês, trata-se de um bolo confeitado, vocês sabem o que é isso? Os alunos desconhecem o sentido da palavra “confeitado”. A professora explica que se trata de um bolo coberto de creme. – Um bolo recoberto de creme é a primeira sobremesa, e a segunda? A- É uma fruta, talvez mamão. A professora escreve “mamão”. A- Não é bem isso, mas termina parecido.
96 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
A- Melão, é melão porque tem Mel como Melissa da pré-escola. P- Você tem razão, a segunda sobremesa é melão. Bom, já resolvemos o problema das sobremesas, do queijo, mas antes disso? A- Eu reconheci uma palavra. A- Eu também reconheci algumas palavras. Eu reconheci “ovos” (como nas receitas, o que eles verificam imediatamente). A- Eu reconheci “verde”, como está no léxico das cores. P- Você tem razão, mas olhe bem, está escrito exatamente igual? A- Ah, você tem razão, tem um s a mais. P- Ana reconheceu “ovos” e verificamos que ela tinha razão. Há uma outra palavra ao lado de “ovos”: temos que lê-la para saber qual é a entrada que vamos comer. Proponho que vocês olhem com atenção. Eu vou ajudá-los. Vou silabar (a professora decompõe a palavra; os alunos decifram mi-mo-sa). – “Ovos mimosa”, é como se fossem ovos cozidos, mas a gema é misturada com maionese. Trata-se mesmo da entrada. Agora, vamos voltar à descoberta de Hugo, a palavra “verdes”... A- Verdes como feijões-verdes, é por isso que tem um s, os feijões são muitos. A professora escreve “feijões” para validar a hipótese dos alunos. A- Há feijões-verdes no cardápio, antes do queijo, isso é o acompanhamento. P- Falta ainda ler – e a professora destaca num quadro: Peru assado Batatas fritas A- Tem que ser carne, porque tem “assado”, “assado” é uma palavra fácil de ler. A- Poderia ser pato, mas depois do “p” teria que ter “a” de Alice. P- Vou escrever uma palavra que tem a mesma sílaba no meio. A professora escreve “tapete”. A- É como tapete, é o “pe” que tem no meio de tapete (objetos da sala). Os alunos decifram então pe-ru. A- A palavra é peru.
O questionamento de textos pelas crianças 97
A palavra foi decifrada, mas não foi compreendida, as crianças não sabem o que é um peru. A professora explica que é uma ave da família da galinha que se come nas festas. P- Bem, estamos quase vencendo nossas dificuldades. Então, ovos mimosa peru assado o que estamos procurando, feijões-verdes A- É um outro acompanhamento, porque já temos os feijões verdes. A- Batatas fritas, há ainda as batatas fritas. P- Você acha que são batatas fritas ou tem certeza? O cartaz sobre o quadro-negro, com as anotações manuscritas da professora.
CARDÁPIO DE NATAL Quinta-feira, 12 de dezembro
Entrada
Prato principal com acompanhamento
Queijo
• Ovos mimosa
mi-mo-sa
• Peru assado
tapete peru
• Batatas fritas
Fritas Frio Francisco
• Feijões-verdes
feijão
• Queijo • Bolo confeitado
gelado
• Melão
Melissa melão
Duas sobremesas
98 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
A- Eu pensei, no início, porque procurei um outro acompanhamento para o peru e os feijões-verdes. Daí pensei nas batatas fritas e vi “fr” no início da palavra e consegui ler “fritas”. P- Mas será que outras palavras não poderiam ter ajudado vocês a ler “fritas”? A- Francisco começa parecido… A- E frio, como na previsão do tempo. P- Vou escrever e vocês vêm nos mostrar. Vai ser preciso treinar para que reconheçamos rapidamente esse grupo de letras que é um pouco difícil: FR. Por enquanto, proponho que vocês releiam todo o cardápio. Dois alunos fazem sucessivamente a releitura integral do cardápio em voz alta. P- Perfeito, vocês trabalharam muito bem, vou pedir ainda mais um esforcinho para anotarmos, como sempre, o que aprendemos.
Sistematização metacognitiva e metalinguística • Que descobertas fizemos hoje para ler melhor? Vimos que podemos fazer várias coisas para ler uma palavra desconhecida. Para ler uma palavra desconhecida, eu posso: – Pensar no que estou procurando (no cardápio, procuro uma fruta, uma entrada…). – Decompor a palavra em sílabas.
Eu não consigo ler todas as sílabas.
Eu consigo ler todas as sílabas.
Eu procuro nos meus instrumentos da sala de aula palavras que contêm a mesma sílaba. Eu deduzo a sílaba desconhecida.
Eu decifro a palavra. Eu recomponho a palavra. – Eu posso verificar se tenho uma imagem da palavra na minha cabeça.
O questionamento de textos pelas crianças 99
• Que descoberta fizemos hoje sobre esse texto, as palavras, as sílabas ou as letras? Instrumento n. 1 Num cardápio, há: - Uma entrada. - Um prato principal. com um acompanhamento. - Queijo. - Uma ou várias sobremesas.
galinha corvo pardal
Instrumento n. 2 tapete peru Mas também: - pera - peteca
Instrumento n. 3 pombo ave ..........................
peru .......................... ..........................
• O que temos que trabalhar novamente: O “fr” de fritas, frio, Francisco. O “ei” de feijões, queijo, confeitado.
Comentário Como preconizam os livros de acompanhamento, como Ler no 1° ano do ensino fundamental 1 e 2, dos Programas de 2002 na França, são efetivamente os procedimentos e a atividade intelectual dos alunos que constituem o centro das preocupações didáticas. No exemplo que acabamos de propor, os alunos podem recorrer a diversas estratégias para resolver os problemas de identificação das palavras: – procedimentos ortográficos: o reconhecimento direto; – procedimentos analógicos: o tratamento da palavra pelo reconhecimento de cada um de seus segmentos (sobretudo as sílabas); – procedimentos grafofonológicos: a decifração, – procedimentos semânticos: a antecipação contextual, validada por um procedimento analítico. Para nós, não se trata de encerrar os alunos num modo de funcionamento particular, mas de dotar todos eles de instrumentos cognitivos interativos que, progressivamente automatizados, lhes permitirão uma leitura fluente e eficaz.
100 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
B. Sessão coletiva de questionamento de um texto num grupo-classe de 3° ano do ensino fundamental: “O Titanic afundou duas vezes” O TEXTO O Titanic afundou duas vezes Em abril de 1912, o Titanic dá início à sua primeira viagem. Mas esse transatlântico, que tinha a reputação de ser insubmergível, afunda quatro dias depois de sua partida. Em agosto passado, um pedaço de seu casco deveria ser trazido à superfície… Na madrugada de 14 ao 15 de abril de 1912, o transatlântico Titanic colide com um iceberg ao largo da Terra-Nova. Quatro horas mais tarde, o transatlântico foi engolido pelo mar… Dos 2.200 passageiros, salvaram-se apenas 700. Desde seu naufrágio, marinheiros do mundo inteiro procuraram o lugar onde estavam os destroços do Titanic. Porque esse transatlântico era o maior e o mais luxuoso de sua época, seu naufrágio permanecia inexplicável. Foi preciso esperar até 1985 para que uma equipe de mergulhadores americanos descobrisse enfim os restos do Titanic, a 3.800 metros de profundidade. Em agosto passado, pedaços de chapa metálica oriundos das cabines de 1 classe deveriam ter sido recuperados. Essas quase dez mil toneladas de metal deveriam ter sido trazidas à superfície por balões cheios de gás. Mas alguns deles se desprenderam e os destroços voltaram ao fundo do mar. Em volta, a bordo de barcos, 2.500 pessoas assistiam a esse salvamento. Algumas tinham pago 35.000 francos por seu lugar. Sobreviventes do Titanic tinham sido convidados. E pela segunda vez, eles o viram afundar. a
Desde então, cerca de 4.000 objetos foram trazidos à superfície. Caroline Carissoni Clés de l’actualité Junior n. 77 (Chaves da atualidade Júnior n. 77) O questionamento de textos pelas crianças 101
O contexto: o questionamento desse texto se inscreve nos marcos do Projeto C apresentado (pp. 40 e 44), “Construir um barco que flutua e que avança sozinho”. O texto foi selecionado pela professora num corpus constituído pelos alunos durante pesquisas documentais na bcd. FICHA DE PREPARAÇÃO 1. Identificar as características da situação de questionamento de texto Os alunos têm uma prática regular, ritualizada, de questionamento de textos. Esse texto foi selecionado pela professora dentro de um corpus constituído pelos alunos durante pesquisas documentais na bcd, nos marcos do projeto C (ver capítulo “Crianças em projetos”, p. 40). Sua compreensão requer estratégias de tratamento que os alunos de 3° ano do ensino fundamental ainda não automatizaram perfeitamente; em particular, a dedução (compreender o que está implícito no texto) e a inferência (mobilizar conhecimentos exteriores ao texto ou paratextuais). De imediato, o título do artigo de Caroline Carissoni apresenta um enigma: “O Titanic afundou duas vezes”, que vai orientar o procedimento de questionamento. Nem por isso o texto está fora do alcance dos alunos. Tirado das Chaves da atualidade Júnior, ele é um texto curto de estrutura aparente (cronológica). O procedimento de tratamento dos índices temporais (em particular as datas) facilita a integração progressiva das informações. O assunto do artigo – o naufrágio do Titanic – faz parte do universo cultural dos alunos, ainda que eles só possuam informações parciais ou errôneas. 2. Antecipar a pesquisa ativa do texto pelas crianças É essencial que os alunos desenvolvam estratégias de controle da compreensão: – probabilidade de que as hipóteses sejam verossímeis; – identificação da perda da compreensão; – reparação através de recurso ao texto; – qualidade da coleta de índices. Certas marcas linguísticas agem como reguladores da atividade de compreensão: 102 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
– a pontuação do texto e os espaços que delimitam os parágrafos, que são “pacotes de sentido”; – os campos léxicos que garantem a permanência do tema (o naufrágio); – os substitutos anafóricos que garantem a recorrência do sujeito (o Titanic); – os dispositivos de conexão temporal. Cuidar para que os alunos os utilizem de maneira eficiente. O valor semântico do verbo “dever” nas frases “um pedaço de seu casco devia ser trazido à superfície” e “pedaços de chapa metálica deveriam ter sido recuperados” poderia criar problema? Generalização: – Reformular, para guardar na memória, as descobertas estratégicas pertinentes. – Completar os cadernos de contratos individuais “Meus lembretes” e o “Banco de instrumentos” da sala de aula. – Elaborar uma ficha-léxico (que seja reutilizada por ocasião da redação das fichas de fabricação do barco previstas no projeto coletivo). – Reter os pontos de aprendizagem significantes nas observações feitas pelas crianças. – Formalizar a descoberta de novos índices. – Explorar (talvez) a presença no texto de: “in/submergível” e “in/ explicável” e de “Alguns deles se desprenderam/Algumas tinham pago seu lugar”. 3. Organizar a comunicação e as modalidades de socialização das aprendizagens – Questionamento coletivo: reagrupamento dos alunos no espaço de questionamento. – Texto projetado em retroprojetor sobre um quadro branco (1,50m x 2m). – Canetas hidrográficas para quadro branco de diferentes cores. Observação: Este dispositivo permite conservar os vestígios do questionamento, eventualmente de retornar para o texto tantas vezes quantas forem necessárias, ou seja, até a formulação dos “achados” dos alunos num processo de generalização. Ele apresenta a vantagem de trabalhar a partir do texto original, quer dizer, sem sobrecarga, respeitando a paginação inicial e os espaços significativos.
O questionamento de textos pelas crianças 103
QUESTIONAMENTO DO TEXTO
Preparação para o encontro com o texto P- Vocês trouxeram da bcd uma seleção de textos documentais com relação ao nosso projeto de construção de um barco que flutua e que se desloca sozinho. Escolhi um texto que proponho que leiamos juntos. Trata-se de um artigo tirado da coleção “Chaves da atualidade Júnior”, cujo título é “O Titanic afundou duas vezes”. Vocês já sabem alguma coisa sobre esse assunto? A- Sim, eu vi um filme no cinema, O Titanic é um barco. Ele afundou e todo mundo morreu. A- É uma história de amor, eu também a conheço, ele era pobre e ela era rica. A- Ele, o pobre, morreu afogado, mas os ricos foram todos salvos. P- Vocês acham que o artigo que vamos ler hoje vai nos permitir tratar essa questão? A- Quem sabe a mulher vai dar seu testemunho? A- Não, a história de amor, isso é puro cinema. A- Não existe, é inventado, não é um documento. P- E o texto que propus que vocês lessem é um documento? A- É um artigo de jornal, que dá informações reais. A- O Titanic mesmo, ele existiu e afundou. Era um barco muito bonito. A- O artigo vai sem dúvida nos explicar por que ele afundou. A- Eu sei, ele bateu num iceberg durante a noite. P- Que hipóteses vocês podem fazer a partir do título: “O Titanic afundou duas vezes”? A- Que ele afundou uma vez com o iceberg e depois uma outra vez, mais tarde. A- Não, ele não pode afundar outra vez, ele ficou no fundo. A- Vai ver que eles o trouxeram de novo à superfície, da primeira vez. A- Ele afundou, mas não inteiramente, ele se quebrou em duas partes, que afundaram uma depois da outra. A- Todo mundo quer encontrar o Titanic para saber o que aconteceu, ele está ainda no fundo do mar. A- Não, eles encontraram os destroços e encontraram mesmo a louça, joias. Eu vi na televisão. A- Com certeza tinha dinheiro no Titanic. Por isso é que todo mundo quer achá-lo. P- Proponho que façamos um resumo.
104 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Aquilo sobre o que vocês estão mais de acordo: Sobre o Titanic - O Titanic era um grande transatlântico. - Ele afundou porque colidiu com um iceberg. - Uma grande quantidade de passageiros morreu.
Sobre o texto - O texto que vamos ler comporta informações verdadeiras porque é um artigo tirado da coleção “Chaves da atualidade Júnior”.
Aquilo sobre o que vocês não estão de acordo: Sobre o Titanic
Sobre o texto
- Seus destroços foram encontrados. - Vamos encontrar o testemunho histórico - Alguns objetos foram trazidos à superfície. de um sobrevivente. - O Titanic afundou várias vezes. - Vai-se explicar como o Titanic afundou.
P- Agora, vamos ler esse artigo e tentar resolver juntos o problema que o título coloca. Como é que vamos fazer? A- Vamos primeiro ler sozinhos, dentro de nossas cabeças. A- Vamos verificar se compreendemos tudo. A- Vamos verificar se o que disseram é verdadeiro. A- Vamos ver se agora estamos de acordo. A- Será preciso explicar como fizemos para encontrar as respostas. P- Vou pregar na parede a ficha-instrumento n. 9, que elaboramos durante as sessões anteriores, mas acho que vocês disseram tudo. FICHA INSTRUMENTO N. 9 APRENDER A COMPREENDER
- Ter clareza sobre o que compreendemos bem. - Identificar (juntos) o que não compreendemos. - Encontrar (juntos) o que poderemos fazer para compreender.
O questionamento de textos pelas crianças 105
Construção da compreensão do texto Os alunos leem o texto em silêncio. P- Vamos começar. Quem quer tomar a palavra? A- Trata-se de um texto que fala do Titanic. Ele nos explica que ele afundou em abril de 1912 e que houve sobreviventes. O aluno circunda alguns grupos de palavras sobre o suporte coletivo: “em abril de 1912” “afunda quatro dias depois de sua partida” “sobreviventes do Titanic” A- É, mas eles explicam sobretudo o que se passou depois. P- Você pode me explicar como chegou a compreender isso? A- Olhei o texto e vi logo no início uma data. Era 1912 e depois uma outra, 1985. A- Finalmente, só nos explicam o que aconteceu desde 1985. A- E há ainda um “desde” no início. O aluno se levanta e circunda a palavra “desde”. A- É a partir daí que eles contam, depois do naufrágio. A- Na ordem, até hoje em dia. A- Em agosto passado, é ainda este ano. P- E se vocês estabelecessem a relação com o convite que fizemos para os políticos eleitos para o sarau poético? Procurem-no nos “Cadernos de textos”... A- Está escrito sábado próximo. P- Isso significa que o encontro poético acontecerá no próximo sábado? A- Não, isso já passou, era o próximo sábado quando escrevemos o convite. P- Então o que acontece por “em agosto passado”? A- Era agosto passado com relação ao momento em que se escreveu o texto. A- Do artigo, do número do jornal, é preciso olhar a capa... A- N. 77, de outubro de 1998. A- É agosto de 1998. A- Isso mesmo, quando há datas, é porque se passaram acontecimentos importantes, em 1912, em 1985, em 1998. P- E como foi que vocês compreenderam “desde” na última linha? A- Desde a última data.
106 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
A- Desde agosto de 1998. A- Sim, mas antes que ela escrevesse o artigo em outubro. P- Ela quem? A- A autora, Caroline Carissoni. P- Esses acontecimentos têm relação uns com os outros? A- Sim, todos eles falam do Titanic. P- Como é que podemos saber se todas essas informações e todas essas datas se referem mesmo ao Titanic? A- É preciso olhar em cada parte, depois de cada data. A- Será que há índices em cada uma dessas partes? A- Há as palavras do Titanic. A- As cabines de primeira classe. A- Os sobreviventes. A- Os destroços do Titanic. A- Os pedaços, o navio. P- Bom, proponho inclusive que vocês conservem vestígios de todas as palavras que podem designar ou se referir a um barco. Veremos isso daqui a pouco, essa lista pode ser útil para escrevermos nossas fichas técnicas (ver “Canteiro de escrita B”, p. 151). P- Voltemos ao título de nosso artigo. Trata-se de dois naufrágios. A- O primeiro, estamos de acordo, foi em 1912. A- E o outro em 1985. A- Não, 1985 foi a data em que se encontrou o Titanic. P- Vocês acham ambos que compreenderam, como podemos colocar vocês de acordo? A- Temos que reler desde 1985. P- Então? A- Em 1985, os mergulhadores acharam os restos do navio, no fundo. A- E foi em agosto último que ele afundou com as mesmas pessoas. P- Você pode justificar sua proposta? A- Elas pagaram 35.000 francos e o viram afundar uma segunda vez, está escrito. A- Eles só viram, não afundaram com ele. A- E não pagaram, os sobreviventes foram convidados. P- Se vocês desejam, vou reler essa passagem em voz alta e vocês vão imaginar a cena em suas cabeças.
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A professora lê a passagem em voz alta. A- Havia pessoas em volta. A- Elas viram os pedaços afundar. A- Porque os tinham tirado da água. A- Recuperaram os pedaços com balões. P- Podemos tirar um objeto da água com balões? A- Não, os balões não voam dentro d’água. A- Se amarramos os balões como boias, com muitas boias, pode ser que flutue. P- Isso pode nos ser útil quando formos construir nossos barcos. A- É, mas nesse caso, isso não funcionou. A- Os balões de gás se desprenderam. P- Isso está escrito no texto? O aluno sublinha “Mas alguns se desprenderam”. P- “Alguns”, quer dizer “alguns balões”? A- É, sim. P- Você pode reconstituir a relação dentro do texto? O aluno traça uma flecha para ligar as duas proposições. P- Vocês já podem explicar precisamente o título? A- O Titanic afundou duas vezes, uma vez de verdade, em 1912, e outra vez, seus pedaços caíram novamente no fundo do mar quando tentaram recuperá-los. A- Em 1998. P- Acho que sim, vocês compreenderam o essencial. Se voltássemos agora aos conhecimentos sobre os quais vocês não tinham certeza. Quais deles o texto permite verificar? Volta às hipóteses e validação.
Sistematização metacognitiva e metalinguística Que descobertas fizemos hoje com relação a: • Nossos conhecimentos sobre o assunto? Reformulação do texto pelos alunos: O Titanic afundou em 1912. Seus destroços foram encontrados por mergulhadores americanos em 1985. Em agosto de 1998, tentaram recuperar os restos do Titanic, tirando-os da água. Isso não pôde ser conseguido imediatamente, mas, desde então, 4.000 objetos do interior do barco foram trazidos à superfície.
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• Nossos conhecimentos sobre o funcionamento da língua? – Num texto, as informações são organizadas entre si. Aqui, é a cronologia dos acontecimentos, as datas, que separam as informações umas das outras. – Em cada parágrafo, há palavras que evocam o assunto principal do texto (aqui, o Titanic ou o naufrágio do Titanic). • Nossas estratégias para compreender textos? – Verificar se a leitura do texto permite compreender o título. – Quando não se compreende, pode-se voltar atrás, subindo no texto até chegarmos a uma melhor compreensão. – No fim de cada parágrafo, é preciso resumir ou imaginar em nossa cabeça o que acabamos de ler. – Nem todas as informações úteis para a compreensão se encontram no texto. Quais são as palavras ou expressões que podem nos ser úteis para escrever nossas fichas de fabricação (nos marcos do projeto B anteriormente mencionado)? Ver o canteiro B, na p. 151. Este transatlântico o transatlântico O navio Os barcos o barco Seu casco o casco As cabines a cabine
insubmergível chapa de metal metal gás
Comentário A dinâmica da atividade de questionamento de texto necessita de uma atividade de retorno permanente do professor. Ainda que o trabalho de preparação e de identificação prévia dos obstáculos à compreensão induza o tratamento e a seleção “de imediato” das observações dos alunos, um apoio permanente ao serviço da compreensão supõe e repousa sobre escolhas que justificam a progressão da sequência e seus objetivos dominantes. Assim, certos achados das crianças não serão explorados de maneira sistemática, certos objetivos da aprendizagem que tinham sido previsto (por exemplo: in/submersível e in/explicável) são abandonados ou adiados, em benefício da tonicidade do questionamento ou de outros objetivos que se impõem a partir das questões das crianças. No fim da sessão de questionamento, a professora faz um resumo para si mesma de “suas renúncias” a fim de, se for o caso, reativar as memórias, voltar a um obstáculo particular ou fora de contexto, “retrabalhar” um fato de língua por ocasião de uma atividade “isolada” de observação reflexiva.
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C. Sessão coletiva de questionamento de um texto num grupo-classe do 5° ano do ensino fundamental: “A chegada na fazenda” O TEXTO
A chegada na fazenda
Lygaya fora capturado por negreiros junto com outros habitantes de sua aldeia na África. Eles foram levados para a América para trabalhar como escravos numa fazenda de algodão. Lygaya, que há duas horas não se mexia, dizia a si mesmo que certamente deveria ser muito agradável viver nessa casa suntuosa. De repente, uma mão poderosa o levantou do chão. “O que é que você está fazendo aqui, preguiçoso?”, bradou uma voz grossa. O homem era grande. Seu olhar mergulhou no de Lygaya. Ele tinha olhinhos pequenos e profundamente negros e suas sobrancelhas espessas lhe davam um ar severo. Uma profunda cicatriz marcava a face direita de seu rosto emaciado. Ele tinha mesmo um ar muito mau. O homem pousou a criança no chão e a arrastou para a senzala. Ele levava um chicote na cintura e andava sem se preocupar com a criança, que ele arrastava atrás de si. Ao chegar perto das cabanas, eles encontraram Simbo. – “De quem é esse negrinho?”, gritou o homem. “Ele devia estar trabalhando. Eu o surpreendi sem fazer nada diante da casa-grande”. – “Faz quatro dias que ele chegou, com sua mãe e sua irmã. O senhor permitiu que eles descansassem até segunda-feira que vem. Perdoe-me, senhor feitor, a culpa é minha. Eu fui encarregado de vigiá-los, de me ocupar deles. Eu estava justamente procurando a criança e...” Sem parar de falar, Simbo abaixou a cabeça. Lygaya olhava para ele. Esse homem, que ontem lhe parecia tão altivo e tão belo, hoje curvava os ombros diante do feitor e todo seu corpo tremia. Lygaya começou a chorar. Não de medo, mas de raiva, porque tinha acabado de se dar conta de que seu amigo Simbo não era mais o caçador altaneiro que deveria ter sido na África. A criança compreendeu que, ao se tornar escravo, perdia-se a liberdade, mas também a dignidade e a altivez. – “Então, se é você o responsável por esse escravo, trate de adestrá-lo de maneira conveniente”, rugiu ele. “Senão, o chicote te espera... Os escravos não devem andar rondando em torno da casa-grande”. Quando o feitor partiu, Lygaya pediu desculpas a Simbo. – “Ora, não se preocupe”, tranquilizou-o este. “Ele é sempre assim. Sobretudo quando o senhor está ausente e ele fica no lugar dele. Bom... não se afaste muito da senzala. Fique com sua mãe e sua irmã! É a melhor maneira de evitar problemas”. André-Paule Mignot, Lygaya. Ed. Hurtubise, 1996.
110 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Contexto: os alunos estudam “o tempo das descobertas” em História e abordaram a questão da escravidão ligada à expansão econômica. Paralelamente, a professora constituiu grupos de leitura que descobriram uma obra literária (ver “Leituras em rede a partir de um tema”, Parte 2, p. 63). A cada semana, a professora organiza ateliês de leitura-compreensão: um texto que apresenta obstáculos é submetido a um questionamento coletivo, durante o qual a dimensão metacognitiva é preponderante. FICHA DE PREPARAÇÃO 1. Identificar as características da situação de questionamento de texto Para compreender o trecho do romance Lygaya, os alunos devem se apoiar em conhecimentos que já possuem sobre o contexto4 (ver, em História, a escravidão), a parte das informações conhecidas – os referentes culturais – é suficientemente importante para que as inferências necessárias possam ser feitas. O procedimento de questionamento de texto é desenvolvido como uma sessão coletiva de resolução de problemas durante os ateliês semanais de leitura-compreensão. A regularidade das tarefas deverá ser um fator de facilitação para o tratamento cognitivo que ainda resta ser feito. A principal dificuldade reside na identificação dos personagens (número e natureza dos substitutos anafóricos, sua caracterização através do ponto de vista de Lygaya, a criança-escrava, e a compreensão das relações de subordinação que eles mantêm entre si). 2. Antecipar a pesquisa ativa do texto pelas crianças A identificação dos personagens Personagens presentes: Lygaya, o feitor, Simbo. Personagens evocados: a mãe e a irmã de Lygaya, o senhor da fazenda. Para que a retomada das personagens seja discernida e interpretada, é preciso que os alunos sejam capazes de reconhecer um referente idêntico a partir de denominações diferentes. Este texto apresenta um jogo complexo de substituições5 que combina a substituição léxica, a substituição pronominal e a repetição.
4
Ver “Contexto histórico”, p. 203.
5
Ver o trabalho sobre os substitutos, p. 230. O questionamento de textos pelas crianças 111
Para restabelecer a ligação entre um substituto pronominal ou léxico e um grupo nominal que o antecede, é necessário levar em conta os critérios sintáticos, morfológicos e semânticos, separadamente ou conjuntamente, e reconstituir a cadeia de substituição: Para Lygaya: LYGAYA que o você Lygaya a criança o a criança que esse negrinho ele o ele a criança Lygaya lhe a criança esse escravo o Lygaya você Para o feitor: FEITOR, uma mão poderosa* uma voz grossa* o homem seu olhar* ele lhe ele o homem eu feitor o feitor ele o feitor ele ele * representação parcial do referente “o feitor”, cuja designação só vai aparecer no meio do texto. Para Simbo: SIMBO, eu eu eu Simbo o caçador altivo
Simbo o esse homem seu amigo ele você você Simbo este.
As relações entre as personagens ou quais são, no texto, os índices que podem desencadear a compreensão por inferência, isto é, a compreensão dos laços implícitos e das relações de subordinação entre as diferentes personagens do texto? Lygaya
O feitor
Simbo
com relação a Simbo
com relação a Lygaya
com relação ao feitor
– olhava – pôs-se a chorar de “raiva” – se deu conta – compreendeu – se desculpou
– levantou-o do chão – arrastou-o – arrastou a criança atrás de si
– pediu perdão (“me desculpe”) – abaixou a cabeça – curvou os ombros – todo seu corpo tremia
com relação a Simbo – gritou – rugiu – ameaçou com o chicote
com relação a Lygaya – tranquilizou
112 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
3. Organizar a comunicação e as modalidades de socialização das aprendizagens O texto foi distribuído aos alunos, que fizeram então uma leitura silenciosa individual (27 cópias em xérox). O trabalho coletivo se efetua a partir das observações dos alunos reunidos diante do quadro-negro. O professor anota os traços das representações, das interpretações parciais e das primeiras sistematizações (explicitações de estratégias, observações sobre o funcionamento da língua). Sobre o suporte adaptado (texto com letras grandes, para ser legível), a professora ou os alunos circundam os índices significantes que permitem restituir a continuidade ou a coerência textual (ver a seguir). QUESTIONAMENTO DO TEXTO
Preparação para o encontro com o texto P- Dentro do nosso programa de História deste ano, abordamos a escravidão em relação com o comércio triangular. Há 15 dias, cada grupo começou a leitura contínua de um romance. Proponho que trabalhemos juntos hoje sobre uma passagem que trouxe problemas de compreensão para os alunos do grupo 3. Vocês já conhecem bem o procedimento que vamos adotar. Quem poderia refrescar nossa memória? A- Vamos todos ler o texto silenciosamente, sem sair de nossos lugares. A- Vamos avaliar nossa compreensão imediata. Ou compreendemos tudo, ou somente algumas partes, ou informações. P- E como é que vocês sabem se compreenderam ou não compreenderam? A- Nós sabemos sobre quem ou sobre o que fala o texto. A- Nós reconhecemos as personagens do romance. A- Podemos repetir o conteúdo do texto. Podemos repeti-lo sem esquecer o essencial. A- Podemos resumir cada parte, imaginar subtítulos. A- Sim, ou dizer o que o autor do texto quer fazer descobrir. A- E podemos dizer onde foi que nós paramos. P- Ou seja? A- Quando perdemos o fio da meada. Quando não compreendemos mais nada. P- O que é que vocês podem fazer para preparar essas discussões? A- Guardar nossas ideias na cabeça. A- Marcar os pedaços que compreendemos ou que não compreendemos.
O questionamento de textos pelas crianças 113
A- Quando não compreendemos bem e encontramos uma solução, devemos anotá-la. A- Refletir por que foi que não compreendemos. A- Fazer um pequeno resumo, pelo menos na nossa cabeça, ou vários pequenos resumos. A- Anotar ao lado as personagens para nos lembrarmos delas na hora de falar. P- Vou então distribuir o texto com o qual vamos trabalhar hoje. Vou resumir o que vocês acabaram de dizer para que vocês possam voltar a lembrar disso no fim da leitura silenciosa. 1. O texto tem uma relação com a escravidão (é o tema do trabalho) de maneira mais precisa: De quem ou de que se trata globalmente? O que é que o autor do texto quer nos fazer descobrir? 2. Se o texto comporta várias partes: Será que posso resumir cada parte? Imaginar subtítulos? Será que posso reconhecer e acompanhar as personagens? 3. Quando não compreendo: Será que posso localizar o trecho que não compreendi? Será que tenho soluções para superar as dificuldades? (Eu busco meus instrumentos de compreensão). Será que sou capaz de explicar aos outros como foi que fiz? Será que sou capaz de dizer por que não compreendo?
Construção da compreensão do texto Os alunos leem o texto em silêncio. P- Então, de que ou de quem é que o texto trata globalmente? A- É meu grupo que está lendo o romance de Lygaya. Lygaya é uma criança escrava. A- Está escrito no início do texto que ele foi capturado na África e trazido para a América. A- Lygaya é uma menina? A- Não, é um menino, sabemos isso desde o início do livro. P- Quais são os índices que permitem verificar, no texto, que Lygaya é mesmo um menino? A- Está escrito “ preguiçoso”, e não preguiçosa. A- Está escrito que “ele tinha uns olhinhos”. 114 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
A- Não é ele quem tem uns olhinhos, é o homem. A- Está escrito, “chegada na fazenda”. A- Quando há “chegada”, é uma menina quem chegou. É a marca do feminino. A- Não pode ser, sabemos que é um menino, ele é que é o herói e no texto há várias vezes “ele”. P- A observação de Linda é interessante porque já trabalhamos a concordância do adjetivo, mas, no título, “Chegada” é um substantivo. Trata-se da chegada na fazenda. Esse substantivo é mesmo feminino. No entanto, vocês não estão de acordo sobre que personagens do texto são designadas pelo pronome “ele”. Vamos tentar definir o número e as características das personagens? Alguns de vocês fizeram uma lista das personagens? A- Eu anotei Lygaya, o homem e Simbo. A- Eu, o homem mau e Simbo, porque são só eles que falam. P- Então há um diálogo no texto. A- Sim, foi o homem mau que encontrou Lygaya. Ele fala com Simbo. A- Lygaya também fala no fim do texto. Ele diz para não ficar preocupado. P- Voltaremos mais tarde para a sua observação, é por isso que eu vou anotá-la. Bom, será que podemos finalmente nos pôr de acordo sobre as personagens? Lygaya está presente no texto? A- Está, o tempo todo. P- Vamos verificar muito rapidamente; e as outras personagens? A- O homem mau, sim, e Simbo, mas também a mãe e a irmã. A- Fala-se da mãe e da irmã de Lygaya, mas elas não estão no texto, enfim, na história, não aqui. P- Proponho que vocês marquem no texto os vestígios das diferentes personagens. Assim veremos se não esquecemos ninguém e em que momento elas intervém na história. Os alunos reconstituem a cadeia de substituição com relação a Lygaya, o feitor e Simbo (ver texto marcado, na página seguinte) e tentam resolver o problema colocado pelo pronome pessoal “ele”, que pode designar tanto Lygaya quanto o feitor ou Simbo. Na ausência de critérios sintáticos, os alunos se apoiam sobre critérios semânticos (ver os quadros) para resolver as ambiguidades. A- No início do texto, todos os “ele” substituem o homem. A- Logo antes do diálogo, fala-se quase exclusivamente dele. P- Você pode circundar essa parte do texto? Alguém anotou alguma coisa em seu texto referente a essa parte? Um subtítulo? O questionamento de textos pelas crianças 115
O TEXTO A chegada na fazenda Lygaya tinha sido capturado com outros habitantes de sua aldeia da África por negreiros. Eles foram levados para a América para trabalhar como escravos em uma fazenda de algodão. Lygaya, que há duas horas não se mexia, dizia a si mesmo que certamente deveria ser muito agradável viver nessa casa suntuosa. De repente, uma mão poderosa o levantou do chão. “O que é que você está fazendo aqui, preguiçoso?”, bradou uma voz grossa. O homem era grande. Seu olhar mergulhou no de Lygaya. Ele tinha olhinhos pequenos e profundamente negros e suas sobrancelhas espessas lhe davam um ar severo. Uma profunda cicatriz na face direita marcava seu rosto emaciado. Ele tinha verdadeiramente um ar muito mau. O homem pousou a criança no chão e a arrastou para a senzala. Ele tinha um chicote na cintura e andava sem se preocupar com a criança, que ele arrastava atrás de si. Ao chegar perto das cabanas, eles, eles encontraram Simbo. – “De quem é esse negrinho?”, gritou o homem. “Ele devia estar trabalhando. Eu o surpreendi sem fazer nada diante da casa-grande”. – “Faz quatro dias que ele chegou, com sua mãe e sua irmã. O senhor permitiu que eles descansassem até segunda-feira que vem. Perdoe-me, senhor feitor, a culpa é minha. Eu fui encarregado de vigiá-los, de me ocupar deles. Justamente eu estava procurando a criança e...” Sem parar de falar, Simbo abaixou a cabeça. Lygaya olhava para ele. Esse homem, que ontem lhe parecia tão altivo e tão belo, hoje curvava os ombros diante do feitor e todo seu corpo tremia. Lygaya começou a chorar. Não de medo, mas de raiva, porque ele tinha acabado de se dar conta de que seu amigo Simbo não era mais o caçador altaneiro que ele deveria ter sido na África. A criança compreendeu que, sendo escravo, perdia-se a liberdade, e também a dignidade e a altivez. – “Então, se é você o responsável por esse escravo, trate de adestrálo de maneira conveniente”, rugiu ele. “Senão, você vai experimentar o chicote que lhe espera... Os escravos não devem andar rondando em torno da casa-grande”. Quando o feitor partiu, Lygaya pediu desculpas a Simbo. – “Ora, não se preocupe”, tranquilizou-o este. “Ele é sempre assim. Sobretudo quando o senhor está ausente e ele fica no lugar dele. Bom... não se afaste muito da senzala. Fique com sua mãe e sua irmã! É a melhor maneira de evitar problemas.” André-Paule Mignot, Lygaya. Ed. Hurtubise, 1996.
Observação: nesse dia, não foram colocados em evidência os vestígios das personagens nos possessivos. 116 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
A- Eu anotei retrato, porque é a partir daí que sabemos com que se parece o homem que é mau. A- Ele dá medo. P- Vamos buscar juntos as palavras que permitem que vocês digam que o homem é mau ou que ele dá medo? O feitor: seu retrato O que ele é
tem uma mão poderosa tem um ar severo tem um ar mau tem uma profunda cicatriz grande
O que ele faz
levanta a criança do chão mergulha seu olhar no de Lygaya carrega um chicote anda sem se preocupar com a criança ele o arrasta ele grita ele ruge
poderoso severo mau dá medo
A- No diálogo, é de Lygaya que se fala mais. A- E no fim, quem fala é Simbo. P- Um pouco antes, anotei o que Maria disse. Ela não está de acordo com você, Fatoumata. Maria acha que Lygaya disse a Simbo para não ficar preocupado. Maria, você pode sublinhar esse diálogo? A- Quem fala, está sublinhado. Então é Simbo quem tranquiliza Lygaya. P- Relembro a vocês as questões sobre as quais vocês devem ter refletido, em particular as primeiras: O que o autor do texto quis dizer ou mostrar? De que fala o texto? A- Da chegada de Lygaya na fazenda, é o título. A- De Lygaya antes que se tornasse escravo. P- Você pode justificar? A- Lygaya está na fazenda há quatro dias. Está escrito no texto. Ele não sabe ainda que os escravos não devem rondar em torno da propriedade. A- Ele não foi adestrado. Ele está repousando. P- Quem foi encarregado de adestrá-lo? A- Simbo é o responsável pelos escravos.
O questionamento de textos pelas crianças 117
A- Não, é o homem mau porque ele carrega um chicote. P- Simbo ou o homem mau? Justifiquem suas respostas. A- Simbo é o amigo de Lygaya, mas ele tem medo do feitor. P- Do feitor? A- Dentro da palavra feitor tem feito, do verbo fazer. O feitor é o faz-tudo, é quem toma conta de tudo na fazenda, e ele toma conta também de Lygaya, A- E ele também toma conta de Simbo. P- Se vocês se lembram o que aprendemos em História, Simbo é um escravo ou um escravagista? A- Simbo é um escravo porque ele vem da África e é amigo de Lygaya. P- Mas ele deve adestrá-lo? A- É o feitor quem o obriga a isso, senão vai chicoteá-lo. O aluno justifica sua resposta recorrendo ao texto. A- Simbo é um escravo que deve vigiar os outros. A- Eu não entendi direito o fim. P- Você não entendeu a partir de que ponto? Você anotou ao lado do texto? A- Anotei, a partir de “Simbo abaixou a cabeça”. Anotei, mas não consegui encontrar uma solução. P- Então vamos tentar compreender. Se tivermos que classificar as personagens em escravos e escravagistas? O professor anota as propostas das crianças. Escravos
Escravagistas
Lygaya Sua mãe Simbo Sua irmã
O feitor O senhor
P- Vocês disseram para eu colocar Simbo entre as duas colunas da tabela. A- Sim, Simbo tem medo dos escravagistas. A- Ele é um escravo porque é africano como os outros, mas ele os vigia e os adestra. É um escravagista, como o feitor. A- Ele faz o que lhe dizem porque tem medo, ele é submisso. P- Sim, podemos dizer que ele é submisso. Quais são as expressões que permitem que vocês compreendam isso? A- Simbo abaixa a cabeça. A- Ele balbucia. P- Ele balbucia? A- É, no diálogo, quando ele fala, há uns pontos, vários pontos em seguida. P- Reticências? 118 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
A- É isso aí, reticências. A- Simbo abaixa a cabeça. A- Ele treme. A- Ele não é mais tão altivo como antes. P- Quem pensa isso, você? A- Não, enfim, eu sim, mas no texto é Lygaya. A- Lygaya compreendeu que Simbo perdeu sua altivez. A- Antes era na África, os escravos eram homens livres. Hoje, eles não são mais nem livres, nem altaneiros. A- Sim, Lygaya compreende que, ao se tornar escravo, perde-se não somente sua liberdade, mas também sua dignidade e sua altivez. É por isso que ele chora. P- Ele chora porque está triste? A- Ele chora de raiva, ele está zangado. P- Bem, acho que agora vamos poder ler este texto com muitos mais elementos para compreendê-lo. Proponho que eu faça uma leitura em voz alta. A professora relê o texto.
Sistematização metacognitiva e metalinguística Que descobertas fizemos hoje com relação a: • Nossos conhecimentos sobre o assunto? Aprendemos que os escravos podiam se comportar como escravagistas. Aprendemos que, ao tornar-se escravo, podia-se perder sua altivez e sua dignidade. • Nossos conhecimentos sobre o funcionamento da língua? Existem várias categorias de palavras que podem substituir ou designar uma mesma personagem. Substantivos: o homem, a criança, esse negrinho, seu amigo, o caçador altaneiro, esse escravo. Pronomes sujeitos: ele – eles – eu – tu – este. Pronomes complementos: o – lhe – o • Nossas estratégias para compreender os textos? Para compreender o que um pronome está designando dentro de um texto, posso: – observar sua forma (gênero e número) para encontrar o bom referente; – buscar a presença de um nome próprio ou de um grupo nominal no texto que o precede: reler a frase anterior; apoiar-me sobre a organização do texto; – encontrar o referente a partir do sentido, apoiar-me sobre a frase e sobre o que conheço das personagens ou do conteúdo do texto. O questionamento de textos pelas crianças 119
Comentário O questionamento coletivo e o apoio contínuo do professor permitem elucidar a questão das relações implícitas entre as personagens, caracterizar os diferentes protagonistas (escravagistas, escravos) e aprofundar o sistema da escravidão,6 ou seja, entrar na compreensão acurada do texto. As reações dos alunos permitem lançar um debate filosófico (“pode-se ser escravo sem perder a dignidade?”), ou seja, aprofundar os conhecimentos conceituais dos alunos. Resta ainda fazer um trabalho de sistematização para garantir o domínio progressivo das competências estritamente linguísticas. Não basta observar a língua e elaborar instrumentos de síntese para que os alunos possam integrar e reutilizar conhecimentos específicos no funcionamento dos textos. Encontraremos na Parte 4 deste livro as atividades metalinguísticas e metacognitivas que visam a apropriação dos procedimentos de substituição.7 No entanto, é a articulação permanente entre a leitura e a produção de escritos que permite que os alunos apreendam a língua como um sistema a serviço da continuidade e da coerência de um texto concebido como uma unidade linguística.
6
Ver no capítulo “Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística no nível do contexto geral do texto” a parte sobre o contexto histórico, página 185.
7
Ver no capítulo “Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística no nível do texto em seu conjunto” o trabalho sobre os substitutos, página 207.
120 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Instrumentos para os professores 1. Lembrete para a preparação de uma sessão de questionamento de textos8 Identificar as características da situação de questionamento de texto (concebida como uma situação coletiva de resolução de problemas): • o grau de familiaridade com o procedimento do questionamento; • a natureza dos obstáculos à compreensão (cognitivos, culturais, linguísticos): quais são os conceitos-chave para compreender? • os pontos de apoio (relativos às competências e as experiências das crianças): como e em que momento vou utilizar seus conhecimentos como ponto de fixação para a compreensão? Antecipar a pesquisa ativa do texto pelas crianças: • Definir qual será meu grau de exigência do ponto de vista das estratégias de tratamento da informação e do tratamento do próprio escrito: – tipos de índices utilizados; – refinamento desses índices; – sua articulação. • Recapitular os instrumentos de referência presentes na sala de aula, que podem ser utilizados quando do “questionamento”, e prever as categorias de instrumentos que tenho possibilidade de empregar no momento da generalização. • Verificar a concordância entre a pertinência de minha escolha de texto e o projeto de aprendizagem do grupo-classe. Fazer isso: – para o grupo-classe em seu conjunto; – para as crianças de maior desempenho; – para cada uma das crianças de menor desempenho. Organizar a comunicação e as modalidades de socialização das aprendizagens: • Escolher em que estrutura de classe o texto será “questionado”: – pelo grupo-classe? – por um coletivo maior ou menor? pelo indivíduo? – pequenos grupos? – individualmente, para todos os alunos? • Escolher a apresentação mais adequada do texto (suporte e formato): – à natureza dos índices que podem ser explorados (será necessário fazer uma cópia-xérox ou posso reproduzir o texto à mão?). Nesse último caso, que marcas tenho imperativamente que respeitar? – às estruturas de trabalho escolhidas (material coletivo e/ou individual?). • Prever os espaços ou os suportes necessários: – para tomar notas de maneira organizada, segundo o professor, do resultado das observações feitas pelas crianças; – para utilizar e colocar em evidência os instrumentos referentes disponíveis na sala de aula. Ter clareza de tudo o que foi dito anteriormente para estar pronto para escutar, para o imprevisto e para poder exercer plenamente seu papel de professor-mediador.
8
Esta ficha foi utilizada para preparar as sessões apresentadas anteriormente. O questionamento de textos pelas crianças 121
2. Critérios para a escolha de textos a serem “questionados” coletivamente Aprender a compreender um verdadeiro texto; quando se é um aluno do ensino fundamental, é ver se confrontado com uma dupla complexidade: a de um texto que se impõe a eles mesmos e a que é própria à atividade de compreensão. Na medida em que são autênticos (em oposição aos textos fabricados para – e somente para – a escola), os textos que propomos às crianças podem por vezes impedir, sobretudo quando se é um aprendiz-leitor iniciante, o tratamento cognitivo central ao procedimento de questionamento de texto. Assim, como escolher “bons” textos? • Textos que “fisicamente” fornecem índices que permitem ativar as representações do leitor e que agem como facilitadores do tratamento cognitivo, em particular: – os indicadores organizacionais: estrutura aparente, marcas paralinguísticas (título, subtítulos, quadros, numeração) que dão importância a certas partes do texto ou que permitem identificar níveis de significação; – a presença e a precisão dos dispositivos de conexão; – a clareza das ideias ou das designações das personagens (natureza dos substitutos anafóricos, distância física entre um substituto e seu referente). • Textos que limitam o número de inferências a serem produzidas, facilitando assim o processo de integração das informações: Para o professor, não se trata de selecionar textos cujo conteúdo seja diretamente acessível aos alunos (universo de referência familiar), mas de cuidar para que estes possam gerir “com tranquilidade” o que está implícito no texto. Em função de sua capacidade, aqui também se pode graduar: – a parte do explícito e do não dito; – a univocidade ou a equivocidade; – os conteúdos de novos saberes. Da mesma maneira, no plano qualitativo, poder-se-á levar em conta: – num relato: - o número e a facilidade de identificação das personagens; - o número das relações que as personagens mantêm entre si; - o número de ações e sua complexidade;
122 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
– num texto argumentativo: - o número de argumentos e sua complexidade; – num texto documentário: - o número de categorias constitutivas do tema. Antes de todo questionamento, convém esclarecer os conceitos e os conheci mentos gerais úteis à compreensão do texto (se for preciso, estimular esses conhecimentos) e assegurar-se de que a quantidade de informações conhecidas pelo leitor é suficientemente importante para operar as inferências necessárias. O importante é que o professor possa identificar, a partir de escolhas explícitas, a dificuldade e o interesse pedagógico dos suportes que ele propõe para solicitar uma atividade cada vez mais contínua por parte dos alunos. O problema colocado é sem dúvida menos de escolher um “bom” texto, adaptado às capacidades dos alunos, e mais de pensar os auxílios e os apoios a fornecer aos alunos nesta ou naquela situação de questionamento, de maneira que possam organizar, realizar e levar a cabo sua atividade de leitura-compreensão.
O questionamento de textos pelas crianças 123
6. O canteiro de escrita.
Aprender a produzir textos. Um procedimento sistematizado de resolução de problemas em produção Vamos deixar mais claro: o que entendemos por canteiro de escrita?9 Como fizemos no caso do questionamento de textos, definimos o canteiro de escrita como um procedimento coletivo de construção de competências individuais que leva à produção de um texto integral determinado, nos marcos de um projeto real. Um canteiro corresponde ao procedimento de resolução de problemas, que coloca o aluno diante da complexidade de um texto e o ajuda a aprender a superar obstáculos de qualquer natureza. Partindo do ponto de cada criança, esse procedimento visa, graças ao apoio do professor e de seus colegas, fazê-la tomar consciência dos processos que utiliza para produzir sozinha um texto pertinente, o mais perfeito possível, e para elaborar uma estratégia e instrumentos que possam ser reutilizados em situações análogas. Cada canteiro favorece a automatização progressiva de um procedimento intelectual. O objetivo é que cada criança conquiste a autonomia de sua produção fora dos canteiros. Cada canteiro está centrado sobre a produção de um tipo de escrito (o protótipo de um escrito), escolhido nos marcos de um projeto de ação de um grupo-classe, em função dos objetivos e das necessidades de aprendizagem – coletivas ou individuais – definidos num momento dado da vida desse grupo-classe. 9
Nem todo escrito a ser produzido dá lugar a um canteiro! Na sala de aula, escreve-se – cotidiana e semanalmente, individualmente ou em grupos – muito mais textos do que os que são trabalhados nos canteiros. Nossa hipótese, confirmada pela experiência, é de que o trabalho sistemático realizado nos canteiros vai repercutir sobre a escrita cotidiana de cada criança e vai simultaneamente se alimentar dela.
124 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Cada canteiro pode assumir formas diversas em função do tipo de texto trabalhado, da vida mesma de cada grupo-classe, das interferências possíveis com os canteiros anteriormente propostos num mesmo grupo-classe etc. No entanto, encontraremos sempre as três opções pedagógicas seguintes: – uma alternância entre as fases de escrita ou de reescrita, e as fases de reflexão sobre os obstáculos-necessidades explicitados, em função das avaliações parciais que auxiliam, durante o exercício, a fazer o balanço das aprendizagens processuais e das aprendizagens linguísticas em curso; – a escolha deliberada de uma atividade de produção individual, e de fases metacognitivas ou metalinguísticas de construção das competências coletivas em sua maior parte (grupo-classe ou pequenos grupos); – uma superposição encaixada que distingue a gestão da produção, os processos de planificação, a colocação em texto, a revisão (ver o capítulo “Os principais processos mentais que intervêm na leitura – questionamento ou na produção de um texto”, p. 68) e a exploração dos conceitos linguísticos úteis e das normas linguísticas (ver o capítulo “Escolha de instrumentos linguísticos e cognitivos para ler/escrever textos”, parte “Do contexto à palavra: sete níveis de conceitos linguísticos que escolhemos para trabalhar com as crianças”, p. 71). Cada nova investigação é uma oportunidade de reativar conhecimentos em função das representações que os alunos fazem da atividade a ser conduzida, de sua própria atividade de produtor, das características linguísticas do texto a ser produzido. Um canteiro acarreta explicitamente um trabalho a longo prazo. Ele comporta numerosas sessões, cada uma delas orientada com precisão e não substituíveis uma pela outra. Segundo o tipo de texto trabalhado e segundo as disponibilidades ou as urgências dos grupos-classes, essas sessões podem ser reagrupadas em dois dias ou em uma semana, ou, ao contrário, estender-se durante um mês, um trimestre (uma novela) ou mesmo um ano inteiro (poemas). Estes canteiros de aprendizagem não poderiam assim ser confundidos: – nem com as propostas dos manuais que visam ensinar, fora do projeto, a escrever um conto ou uma receita através de uma série de exercícios; – nem com os ateliês de escrita, no sentido mais geral que é geralmente dado a esse termo. O procedimento geral dos canteiros Apresentamos a seguir o modelo de procedimento de canteiro que propomos, seu esquema e o comentário. Os exemplos de canteiros apresentados a seguir têm por objetivo tanto esclarecer este procedimento quanto colocar em evidência a flexibilidade de sua adaptação aos diversos contextos dos grupos-classes e dos textos.
O canteiro de escrita 125
O modelo de procedimento de canteiro de escrita 1. PREPARAÇÃO PARA A PRODUÇÃO DO TEXTO 1.1. O que está em jogo (e, assim, o sentido) na atividade, para o grupo-classe ou para o grupo em questão, nos marcos do projeto de ação. Definição do projeto específico de construção das competências em produção de escritos e negociação dos contratos individuais. 1.2. As características da atividade, em relação às experiências anteriores dos alunos, identificadas como afins (os conhecimentos processuais). 1.3. As características do texto a ser produzido, ligadas às representações prévias dos alunos, postas em relação com um protótipo (os conhecimentos linguísticos).
2. GESTÃO DA ATIVIDADE DE PRODUÇÃO DO TEXTO 2.1. Colocação em texto • Primeira escrita individual (= o que eu já sei). • Confronto das primeiras escritas: os sucessos e os obstáculos encontrados. 2.2. Revisão do texto • Redefinição parcial da tarefa de escrita. • Integração progressiva das exigências de produção. • Elaboração do texto através de sucessivas versões parciais. • Controle regular da atividade de produção do texto, de sua progressão e da qualidade do texto que está sendo escrito. • Avaliação do produto acabado.
Análise coletiva das necessidades simultaneamente processuais e linguísticas. Exploração dos conceitos e das convenções próprias à linguagem escrita e ao texto a ser produzido: • Investigação sobre os escritos sociais do mesmo tipo ou como fazem os especialistas? categorização e elaboração dos instrumentos para escrever e reescrever. • Atividades de sistematização metalinguística e metacognitiva: - de construção ou de reforço das competências (coletivas e diferenciadas).
2.3. Produção final Maquete e “obra-prima”. Entrega ao(s) destinatário(s).
3. SISTEMATIZAÇÃO METACOGNITIVA E METALINGUÍSTICA ou “O que aprendemos hoje para melhorar nossa capacidade de escrever?” 3.1. Retorno reflexivo sobre a atividade: como chegamos a produzir o texto: - estratégias utilizadas; - características múltiplas (entre as quais as características linguísticas) que nos ajudaram a produzir o texto, e de que maneira o fizeram. 3.2. Generalização: elaboração coletiva de instrumentos de sistematização que podem ser úteis depois (eles serão colocados numa parede e no fichário-caixa de instrumentos de cada criança). 3.3. Colocação em perspectiva: em função dos obstáculos localizados, identificação das aprendizagens que necessitam de um certo tempo de apropriação, um reforço coletivo ou individual.
126 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Comentário10 Preparação, coletiva e individual, da produção do texto • O que está em jogo Um canteiro só tem chance de ser eficaz e levado a cabo, sem que as crianças se cansem ou se aborreçam, se elas encontram nele um sentido, isto é, se ele se inscreve no ponto de encontro de três tipos de projetos (ver capítulo “Crianças em projetos”, p. 28): – um projeto de ação do grupo-classe (“vamos fazer”...); – o projeto global de aprendizagem que desencadeia (“para isso, vamos aprender a escrever um resumo, pesquisar informações na internet, medir a extensão...”); – um projeto específico de construção de competências em produção de escritos. No início do canteiro, o projeto de ação delimita o projeto de escrita, seu objetivo, o que está em jogo nele, e, mais globalmente, fixa os parâmetros da situação de produção do texto, na medida em que se trata efetivamente de escrever para ser lido. É uma entrada essencial na atividade que permite que os alunos representem o escrito como linguagem, ou seja, como um instrumento de comunicação com o outro e de ação sobre o outro (informá-lo, convencê-lo, solicitar-lhe algo, distraí-lo, despertar-lhe emoções). Essa é a primeira etapa de toda estratégia de produção de textos, a ser conduzida rigorosamente até que se torne automática para cada criança (A quem exatamente estou me dirigindo? Com que objetivo? O que é que quero dizer? O que acontecerá se meu texto não for pertinente?) Para precisar o projeto de escrita, a reflexão se apoia nos conceitos linguísticos que dão conta da situação de comunicação escrita: emissor ou autor, destinatário, status desse último (é ele ou não um par do autor), o objetivo do escrito em questão, o que está em jogo na produção e o conteúdo do texto a ser produzido.11
10
Não será surpreendente encontrar semelhanças com o esquema e os comentários da sessão de questionamento de texto, anteriormente apresentada.
11
Ver o capítulo “Do contexto à palavra: os sete níveis de conceitos linguísticos que escolhemos para trabalhar com as crianças”, pp. 71 e 72. O canteiro de escrita 127
• As características da atividade O procedimento de canteiro confronta o aluno com uma dupla complexidade: a de um texto e a que é própria da atividade cognitiva de escrita.12 Ele solicita simultaneamente competências linguísticas, cognitivas e metacognitivas. Como no caso do questionamento de texto, trata-se ainda aqui de convocar as habilidades necessárias à produção de um texto fazendo a ligação explícita entre a nova situação de escrita e uma categoria de situações: “é como na última vez, no canteiro das cartas”... Assim, a partir de tarefas identificadas como afins ou parecidas, realizadas em outros contextos de aprendizagem, em outros projetos de atividade, os alunos elaboram uma primeira representação da atividade que irão conduzir e selecionam um conjunto de estratégias operatórias para planejar, gerir, regular e controlar sua tarefa iminente de produtores de texto. • As características do texto a ser produzido com relação a um protótipo Trata-se ainda aqui de colocar toda situação nova em relação com uma experiência anterior e com saberes potenciais relativos ao funcionamento e à organização dos textos. Cada novo encontro é uma ocasião para revigorar e revisitar conhecimentos linguísticos, para mobilizar representações textuais e características estruturais, enunciativas ou lexicais, inerentes ao funcionamento dos discursos.
Gestão da atividade de produção de texto • A colocação em texto. Primeira escrita individual A primeira escrita não é apenas um simples rascunho. Ela assume uma significação diferente: nesta primeira escrita, a criança sabe que está mobilizando “tudo o que sabe fazer” em um momento dado (o início do canteiro), em função da análise que fez da situação e das características do texto a ser produzido. A primeira escrita reveste assim a função de um esboço integral, que cada criança tenta levar o mais longe possível, e não apenas um simples desemara nhado parcial. É uma fase privilegiada, em que se vivem situações-problema e os primeiros sucessos, em que se encontram os primeiros obstáculos linguísticos ou cognitivos. É por isso que determinamos deliberadamente que a escrita deve ser individual13 durante toda a duração dos canteiros. 12
Ver o capítulo “Os principais processos mentais que retivemos, e que intervêm na leituraquestionamento ou na produção de um texto”,
13
O que não significa que em nossas salas de aula nunca se escreva coletivamente; como dissemos antes, escreve-se de maneira constante, todos os dias, fora dos canteiros e com muita frequência; pode ser que sejam produzidos textos a duas ou três mãos. Mas em geral isso não se dá durante um canteiro de aprendizagem, exceto em casos muito particulares.
128 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Com efeito, escrever é um procedimento extremamente pessoal, um processo complexo que articula aspectos eminentemente pessoais, como as representações, a memória, a afetividade, o imaginário etc. Podemos auxiliar um aprendiz-escritor a estruturar os processos mentais que estão em jogo na produção de um texto. Mas pensamos que ninguém o deve dispensar dessa atividade linguística,* dessa aprendizagem, finalmente, dessa alquimia própria. Ainda mais porque cada criança necessita saber onde se situa nessas aprendizagens, construir referências relativas a suas aquisições e a seus progressos, em suma, se autoavaliar. O fato de que os diversos momentos de escrita e reescrita sejam – em princípio – individuais permite que cada um conduza e avalie um itinerário quase sempre singular.14 O professor, por seu lado, tem necessidade de identificar precisamente as aquisições e as necessidades de aprendizagem de cada aluno no início de um canteiro. Sua análise pessoal das primeiras escritas lhe permite ajustar o desenvolvimento previsto, determinar as modalidades de intervenção e as formas de diferenciação em prol dos progressos individuais. Naturalmente, tudo isso não implica que renunciemos aos confrontos, às discussões, aos auxílios, às críticas e às sugestões dos demais. Esse é o objeto das fases seguintes. • A definição coletiva das necessidades simultaneamente processuais e linguísticas Ela deriva do confronto das primeiras escritas: os sucessos e os obstáculos encontrados. Trata-se aqui de investir plenamente a dimensão “sócio” das interações: os confrontos, as semelhanças e as diferenças, as contradições que devem ser resolvidas, os conflitos cognitivos, todo o palpitar da inteligência e da afetividade nascente no seio do trabalho coletivo. Quer se trate de um confronto no nível do grupo-classe ou de grupos restritos, o objetivo é sempre: – procurar “o que é semelhante” nessas primeiras escritas e por quê; – procurar o que é diferente e por quê; – explicitar a razão das escolhas feitas, tanto em termos de conteúdo proposto (o que temos a dizer e com que objetivos) quanto em termos da paginação ou da colocação em texto (escolha da enunciação, organização, léxico...).
*
N.T.: No original, a palavra é “langagière” (e não “linguistique”). Escolhemos traduzir por “linguístico” as duas formas porque a palavra “linguageiro”, que existe em português, é mais aplicada em contextos especializados, como no contexto psicanalítico.
14
Ver “O contrato individual”, p. 34. O canteiro de escrita 129
Esse confronto permite assim, explicitamente, que tanto as crianças quanto o professor: – levem em consideração as competências adquiridas e já bem utilizadas; – coloquem em evidência os obstáculos encontrados; – formulem as necessidades de aprendizagens específicas, se já tiverem sido identificadas. É indispensável manter vestígios (sob a forma de um inventário) de todas essas observações, no quadro-negro ou sobre uma grande folha. Elas permitem a formalização, para futuras referências, do que já se sabe (características linguísticas do texto), do que já se sabe fazer (conhecimentos processuais) e do que deverá ser aprendido para estar em condições de produzir o texto desejado. As necessidades precisas na área dos procedimentos e na área linguística serão resgatadas na fase seguinte de confronto das primeiras escritas das crianças com os escritos sociais análogos, cujo funcionamento vamos mobilizar. Com efeito, onde encontrar respostas? Na observação reflexiva do funcionamento da língua e dos procedimentos utilizados em vários textos do mesmo tipo, produzidos por “profissionais”. É necessário “arrancar-lhes seus segredos”, como dizem as crianças. • A revisão do texto – É a etapa mais longa e mais complexa. Como se vê no esquema, ela se caracteriza por um vaivém entre: – por um lado, os momentos de gestão da produção individual que integram: - redefinições parciais da tarefa de escrita (o que buscamos fazer, a representação do problema) e a consideração das novas exigências de produção em sua realização (a elaboração laboriosa do texto através de versões, releituras e avaliações intermediárias); - o controle regular da atividade de produção do texto, de sua progressão até a avaliação do produto acabado, “o controle da conformidade”. – por outro lado, a exploração dos conceitos, que leva em conta: - fases de pesquisa ativa, coletiva, sobre os escritos sociais do mesmo tipo que o texto a ser produzido, ou sobre “materiais”, unidades de trabalho mais pertinentes, dado o objeto da aprendizagem. Essas fases ou sessões de construção coletiva de competências têm como objetivo a redescoberta dos mecanismos de construção de um texto a partir da observação reflexiva do funcionamento da língua escrita:
130 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
- atividades de sistematização (no sentido de colocar em sistema) das observações dos alunos e da formalização dos instrumentos da escrita; - atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística. a. Os momentos de produção individual • Redefinição(ões) parcial(is) da tarefa de escrita e das novas exigências da produção Os canteiros de escrita favorecem sempre um aprofundamento do trabalho de elaboração e de estruturação dos processos mentais mobilizados na produção de um texto. Lembremos que o objetivo procurado é a autonomia intelectual do aluno através da experiência renovada (as ocasiões que solicitam a produção de um texto num contexto de comunicação real) de uma estratégia global de produção de escritos. É enfoque no destinatário e em sua atividade de leitor-entendedor de textos que permite que os alunos apreendam as exigências de sua atividade de escritores-produtores. Trata-se, então, de fazer com que organizem mentalmente a colocação em texto das informações (categorizá-las, hierarquizá-las, colocá-las em relação) antes de utilizar a língua, ou seja, as marcas, os índices linguísticos, que facilitarão o acesso à compreensão do futuro leitor. • Elaboração contínua do texto através de versões parciais sucessivas No início de um canteiro, inscrito dessa forma no plano do grupo-classe, as crianças sabem que estão começando um trabalho a longo prazo, que prevê várias versões. Essas versões parciais se referem a um nível de análise ou a uma certa passagem do texto: trata-se de introduzir informações novas e necessárias, de suprimir elementos não pertinentes, de utilizar a língua de forma adaptada, intencional, para produzir um efeito sobre o texto e assim, sobre o futuro leitor. Segundo suas próprias necessidades, cada um revê sua primeira escrita – à medida que as etapas da aprendizagem são instauradas coletivamente – do ponto de vista da silhueta do texto, dos subtítulos necessários, da situação inicial num relato de ficção, da escolha do sistema dos tempos, dos substitutos ou dos dispositivos de conexão ou ainda do ponto de vista do campo léxico ou da ortografia etc. As crianças revisitam e reveem com prazer seu texto, pois cada reescrita corresponde, uma a uma, a uma etapa de progresso na elaboração do texto e em sua própria aprendizagem. Sua boa vontade é tão grande que, num canteiro, a tarefa de reescrever não consiste em copiar integralmente o texto, de maneira fastidiosa e inútil: quando não há termos a modificar ou parágrafos a acrescentar ou deslocar num texto, tudo serve para evitar recomeçar (aguardando a cópia final, impecável, do texto): O canteiro de escrita 131
palavras riscadas, uso de corretores líquidos ou papel autocolante, montagem de pedaços através do cortar/colar, as emendas com canetas hidrográficas etc. Evidentemente, as correções se tornam mais fáceis se o texto é produzido em computador. Além disso, o professor deve ficar atento para não deixar um canteiro “se arrastar”. Nesse sentido, ele deve visar os objetivos dominantes de cada etapa (por exemplo, não é pertinente corrigir a ortografia das primeiras escritas; em vez disso, deve-se fazer uma “limpeza” ortográfica muito exigente da maquete final, que permita maior eficácia e evite a impressão de ter que refazer ou de dar voltas no mesmo lugar). • Controle regular da atividade de produção de texto e de sua progressão É uma etapa determinante durante a qual o aprendiz-produtor reconsidera seu texto do ponto de vista do leitor. Ele garante sua “conformidade”, atuando como perito sobre as produções (a sua e a dos outros) para detectar e interpretar os erros, e objetivar os sucessos. Essas avaliações parciais constituem o acompanhamento indispensável das versões; a própria criança deve reler em cada uma dessas fases (para assim tomar distância com relação a seu texto), mas também seus colegas, que buscarão verificar, segundo os critérios coletivamente adotados, se as aprendizagens recentes foram reutilizadas na nova versão do texto. Segundo as necessidades e segundo as crianças, pode-se precisar fazer várias vezes o vaivém entre a reescrita e a avaliação parcial. Os balanços intermediários permitem realizar um balanço coletivo da gestão da atividade de produção de texto e de seu progresso coletivo e individual: “onde estamos?; que obstáculos ainda restam?; o que podemos propor para aperfeiçoar ainda mais o texto de Julien?”. Eles permitem ainda ao professor dispensar ajuda personalizada aos que mais precisam. b. Exploração dos conceitos e das convenções próprias à linguagem escrita e ao texto a ser produzido • Investigação sobre os escritos sociais do mesmo tipo: como é que os profissionais fazem? Ler para escrever. Trata-se, assim, de arrancar dos textos os “segredos” de sua especificidade e de seu funcionamento, para se beneficiar deles: como se apresentam uma carta de solicitação, uma regra de jogo, um cartaz de convite, uma novela? Como é que funcionam? Como são fabricados?
132 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Naturalmente, investe-se aqui tudo o que já se aprendeu com a leituracompreensão de textos análogos. Mas faz-se também um tipo de leitura muito particular, a leitura-pesquisa, relativa a aspectos bem precisos que fazem falta ou que são necessários, que constituem chaves para aperfeiçoar as produções. Não se trata, então, de uma simples impregnação difusa nem de um vago “banho de escrito”, ao qual se reduz com frequência a relação entre o ler/ escrever. O professor busca antes aqui uma observação sistemática, visando fazer com que as crianças resgatem as regularidades de funcionamento entre os textos de mesma natureza: Como as informações se organizam entre si? – Como começam os textos? Como eles terminam? E como progridem entre o início e o fim? – Têm eles uma silhueta significante? Quais são os blocos de textos, que função eles têm? Como, explicitamente, os textos colocam em evidência: – o assunto tratado (título, campos léxicos e semânticos); – a relação com o destinatário; – as escolhas de enunciação feitas pelo produtor do texto: - texto com eu (ou nós) ou sem eu? - tempos dos verbos? / que sistema eles formam? / quais são os aspectos formais de sua conjugação? - que registro de língua? / que vocabulário específico? Como as informações estão relacionadas entre si? – Como são designadas ou retomadas as ideias ou as personagens principais? – Que relação existe entre as frases, os parágrafos ou as partes do texto? – Que marcas permitem restabelecer laços entre um sujeito e um verbo, um substantivo ou um adjetivo? Etc. O que está em jogo nesta fase se situa sempre em três níveis: – que as crianças sejam capazes de produzir um texto adaptado a suas intenções; – que sejam capazes de explicitar as escolhas linguísticas resultantes;
O canteiro de escrita 133
– que se habituem elas mesmas a fazer as perguntas que fizemos anteriormente, isto é, que as tenham mentalmente à sua disposição, a serviço de suas estratégias autônomas de produção. c. Atividades de sistematização metalinguísticas e metacognitivas Essas atividades, bastante desenvolvidas na Parte 4 do presente livro, visam construir as atitudes intelectuais de observação, questionamento, classificação e de categorização que permitirão que os alunos se apropriem progressivamente dos funcionamentos da língua escrita para poder utilizá-los. Trata-se essencialmente de atividades que dizem respeito às competências buscadas, que: – estruturam os conhecimentos linguísticos ou estratégicos úteis para a produção em curso; – sistematizam as observações dos alunos quando da pesquisa de textos de referência; – se integram num itinerário específico de aprendizagem (o referencial das competências do ciclo); – são relativas a conceitos inevitáveis para a produção escrita em geral e para a compreensão dos textos; – derivam das necessidades coletivas e individuais e são assim adaptadas à heterogeneidade do grupo-classe. • A produção final: maquete e “obra-prima” Entrega ao(s) destinatário(s) Pareceu-nos interessante pedir emprestada às práticas artesanais profissionais a concepção da realização em dois tempos de uma tarefa de escrita: a maquete e a “obra-prima”. • A maquete: é uma espécie de super-rascunho. É a última etapa antes do “bom para a impressão”, ao final de um canteiro: – A maquete respeita os contornos definidos para a silhueta do texto e inclui a última versão, com todos os acréscimos e retificações da última fornada. – É sobre ela que se faz a última e cuidadosa limpeza ortográfica (há uma releitura exclusivamente centrada na ortografia, que as crianças concebem como uma cortesia que se deve ao destinatário). – Faz-se reler o conjunto pelos colegas e/ou pelo professor: é o tempo dos primeiros leitores (exigentes porque competentes...) do texto produzido e das melhorias de última hora.
134 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
• A “obra-prima”. Hesitamos bastante em empregar o termo “obra-prima” em seu sentido estrito, mas ao mesmo tempo era esse espírito que buscávamos insuflar nos canteiros. Para as crianças, ele formula perfeitamente o objetivo procurado: a exigência de excelência da última apresentação.15 Convém sem dúvida relembrar aqui que decidimos que essa produção final tivesse um caráter individual (de maneira geral), de forma a permitir que cada criança pudesse gerir até o final sua tarefa de escrita e suas aprendizagens. Quisemos, com efeito, evitar o mais das vezes as escritas finais coletivas, ditas de síntese, que privam cada criança de assumir de maneira acabada e integrada todos os níveis de sua colocação em texto. Por outro lado, a comparação entre a produção final individual e a primeira escrita dá lugar a todas as avaliações (ver a seguir), tanto para a criança quanto para o professor. • A entrega ao(s) destinatário(s). Um texto produzido nos marcos de um projeto de ação é remetido, enviado, distribuído, pregado na parede, integrado numa coletânea, depositado numa biblioteca, arrumado num fichário etc. Sejam quais forem as modalidades, é importante que o texto chegue a seu(s) destinatário(s) e convém que seja a criança-autora quem se encarregue disso, não seu professor. Nesse contexto, é justo também que os autores busquem sistematicamente a avaliação dos destinatários (não apenas sua reação quanto ao projeto de ação, mas a avaliação do ou dos textos produzidos, que lhes serve de “retroalimentação”). Na verdade, para os autores, essa avaliação pragmática pode assumir formas muito diferentes: os destinatários respondem por carta, por correio eletrônico ou através de uma visita; o grupo-classe vizinho consegue – ou não – jogar com a regra de jogo que lhe foi enviada; os outros grupos-classes e os pais respondem ao convite para um espetáculo ou um sarau poético; o Escritório de Turismo envia a documentação solicitada; a prefeitura empresta um ônibus etc.
15
Observação: Como se sabe, a palavra “escrever” tem dois sentidos: grafar e produzir um texto. Aprender a escrever é também aprender a “escrever direito”, como dizem as crianças, ou seja, construir a linha gráfica controlada: horizontal, oblíqua, vertical, em curva. O fato de que sejamos, nós mesmos, adultos deficientes, frequentemente incapazes de escrever à mão uma carta administrativa sem recorrer ao alinhamento previsto nos blocos de correspondência, deveria fazer-nos refletir sobre a maneira pela qual aprendemos a grafar na escola. É preciso aprender a construir o horizontal, quer dizer, a escrever sem linhas desde a educação infantil, desde as primeiras aprendizagens. A utilização do computador não dispensa essa aprendizagem. O canteiro de escrita 135
Sistematização metacognitiva e metalinguística Naturalmente, não é de se espantar que encontremos aqui analogias com a fase equivalente do procedimento de questionamento de textos. • Retorno reflexivo sobre a atividade Essa fase permite fazer uma recapitulação e uma categorização do que se aprendeu durante a sessão anterior, sobre: – as estratégias utilizadas (percebidas como eficazes ou não); – os processos mentais dos produtores, que podemos explicitar; – os obstáculos encontrados e como conseguimos (ou não) superá-los; – o tipo mesmo de escrito e seu funcionamento. Depois das avaliações parciais, de uma avaliação final relativa ao texto produzido e talvez já de uma avaliação pragmática junto aos destinatários durante a fase precedente, vem o momento de uma avaliação formativa sistemática: – Cada criança é convidada a fazer seu balanço pessoal: o que foi que aprendi desta vez para tornar mais eficaz minha estratégia de produção? Que características, linguísticas ou de outro tipo, descobri? Com que obstáculos me deparei? O que me ajudou a superá-los? Ela conserva em seu caderno de contratos individuais as observações mais significantes de seu itinerário pessoal. A criança pode assim proceder à avaliação qualitativa, e mesmo quantitativa, dos progressos que realizou pela simples comparação entre sua primeira escrita e sua “obra-prima”. – Naturalmente, da mesma forma, com os mesmos critérios explícitos que correspondem à sua própria trama de preparação do canteiro, o professor pode proceder a uma avaliação simultaneamente global e personalizada das produções, dos progressos de cada aluno e do que falta trabalhar. É, na verdade, evidente que os mesmos critérios lhe servem para: – definir, com as crianças, o projeto de construção de competências; – visar objetivos de aprendizagem (trama de preparação do professor); – realizar uma avaliação formativa; – controlar o desenrolar do canteiro. • Generalização: elaboração dos instrumentos de sistematização Quando as crianças já fizeram as observações significativas relativas tanto às estratégias eficientes quanto às observações sobre a língua, com relação ao 136 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
referencial de competências para o grupo-classe (o projeto de aprendizagem do ano), o professor propõe que seus vestígios sejam conservados e que sejam sistematizados, pela elaboração conjunta de instrumentos concretos que servirão, a seguir, de referência. Assim, relembramos as descobertas comuns que fizemos dos novos aspectos do código escrito. Por exemplo, por extensão e com todos os ciclos: – a paginação (espacialização) particular de uma ficha técnica; – as terminações do imperfeito num relato; – o lugar e o papel dos pronomes (“ele” substitui quem ou o quê?); – as grafias de fugia/remexia ou do som “an” em durante etc.; – a função das alíneas ou das maiúsculas etc. Chegou a hora de contá-las, de classificá-las, de categorizá-las e de sistematizálas através da elaboração conjunta de instrumentos que poderão, a seguir, servir de referência para a produção e para a compreensão de outros textos. Por exemplo, é assim que se elabora a “silhueta” de um certo tipo de texto, que se constroem esquemas narrativos, que são feitas tabelas recapitulativas dos dispositivos de conexão ou dos substitutos, que se relembra o léxico dos campos semânticos utilizados etc. Características indispensáveis desses instrumentos (ver “Instrumentos para questionamento de textos”, p. 89). – eles são construídos com e pelas crianças, e não impostos pelo professor; – são sempre concebidos como auxílios à produção ou à compreensão dos textos, e não como lições de gramática ou de ortografia; – resultam da reflexão e dos instrumentos que se consideraram necessários e pertinentes durante o canteiro; – correspondem a um nível de aprofundamento das competências, das estratégias e dos procedimentos; – são evolutivos e sempre podem ser modificados ou melhorados, à medida que há novas descobertas. Esses instrumentos são pregados na “parede dos instrumentos”, de forma que possam ser facilmente consultados por um simples olhar, e nos “cadernos de descobertas em produção de escritos” dos alunos, em que podem ser revisitados tantas vezes quantas forem necessárias. Um instrumento indispensável: a caixa de canteiros Cada criança tem um dossiê (uma capa) por tipo de texto trabalhado no canteiro, a ser conservado dentro de uma caixa de canteiros (fichário-arquivo).
O canteiro de escrita 137
Cada dossiê comporta: – pelo menos duas etapas de sua produção: a primeira escrita e a “obra-prima” (ou sua cópia-xérox, se o original foi entregue ao destinatário); eventualmente uma reescrita, se ela é significativa; – os escritos sociais (sua cópia-xérox) que foram observados; – todos os instrumentos elaborados durante o canteiro: silhueta, esquemas, tabelas recapitulativas, fichas de avaliação etc. A caixa de canteiros acompanha as crianças durante sua escolarização e vai se enriquecendo – ao longo dos anos – com novas variantes do tipo de escrito considerado que se produz ou cuja especificidade trabalhamos, em contraste com os primeiros canteiros (por exemplo, a diferença entre uma carta de informação e uma carta de solicitação). • Colocar em perspectiva – Atividades de reforço16 Para o professor, um canteiro de escrita é um momento privilegiado para melhor conhecer seus alunos. Algumas de suas observações virão alimentar suas entrevistas individuais com as crianças, graças ao caderno de aprendizagem e aos contratos individuais. A partir daí, poder-se-á propor a algumas delas ou a todas, em função de suas respectivas necessidades, atividades diferenciadas e/ou personalizadas de treinamento/reforço. – Reemprego e transferência Não é porque um canteiro terminou que ele está encerrado! Na verdade, ele continuará durante todo o ano, ou mesmo durante toda a escolaridade. Cada vez que a vida do grupo-classe oferecer ocasiões para escrever textos análogos ou afins, com novas variáveis, as crianças poderão transferir, aprofundar ou completar suas aprendizagens e, com a ajuda do professor, verificar a solidez de suas aquisições.
16
Ver os diferentes capítulos da Parte 4.
138 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
O professor, mediador-perito (em produção) Preparação para o encontro com o texto: elaboração do projeto cognitivo
Estratégia de produção de texto
Sistematização metacognitiva e metalinguística
O que faz o professor
para permitir que o aluno...
• Esclarece a atividade intelectual pedida apoiando-se sobre as representações dos alunos. • Precisa ou relembra o que está em jogo de maneira coletiva e/ou individual (o projeto de aprendizagem, os objetivos específicos). • Permite, facilita o engajamento dos alunos na atividade, fazendo-os tomar consciência do que já sabem sobre o conteúdo ou a organização do texto a ser lido.
• Estabeleça a ligação e mobilize seus conhecimentos anteriores com relação: - ao assunto; - ao texto; - às estratégias a serem empregadas.
O que faz o professor
para permitir que o aluno...
• Guia o processo de produção do texto (ajuda a tornar a atividade acessível, a hierarquizar as informações, a ligar as informações entre si...). • Apoia-se nas interações para modificar as representações e transformar os erros em elementos de análise. • Traz os alunos para o diálogo cognitivo (pensa em voz alta com os alunos), explicita (para si mesmo) ou explica (para os outros) os procedimentos e as estratégias utilizados. • Seleciona com rigor os suportes da reflexão meta- (corpus dos textos ou passagens significantes). • Organiza as sistematizações necessárias. • Suscita a partilha dos conhecimentos e de sua própria perícia.
• Instale progressivamente uma estratégia pessoal explícita e eficaz de produtor de textos. • Mobilize os instrumentos intelectuais (comparar, deduzir, categorizar, inferir...) para formalizar os instrumentos de escrita, “arrancando os segredos” dos textos dos profissionais. • Identifique as ocorrências, colete os índices estruturais, léxicais, sintáticos... para descobrir os mecanismos de construção do texto. • Integre as transformações, transfira competências parciais nas sucessivas versões. • Elabore progressivamente o texto e controle sua progressão.
O que faz o professor
para permitir que o aluno...
• Suscita a avaliação e a metacognição através de uma recapitulação e de uma explicitação metódicas. • Prevê as atividades de reforço ou de treinamento, individuais ou coletivas, em função das necessidades identificadas. • Prepara os reempregos posteriores.
• Avalie sua própria atividade de aprendizagem, assim como a dos outros alunos. • Formalize as aquisições da experiência em termos de saberes e de saber-fazer: - os novos pontos de aprendizagem; - os auxílios e as facilitações; - as dificuldades; - os procedimentos eficazes. • Conserve vestígios das aprendizagens significantes.
O canteiro de escrita 139
Alguns exemplos de canteiro de escrita Canteiro de escrita A num grupo-classe de 1° ano do ensino fundamental.
Redigir um convite O contexto. Projeto coletivo O canteiro de escrita “Redigir um convite” se inscreve nos marcos do projeto B, apresentado nas páginas 38 e 43: encenar o livro de Geoffroy de Pennart O lobo está de volta (Le loup est revenu). FICHA DE PREPARAÇÃO 1. Identificar as características da situação (concebida como uma situação coletiva de resolução de problemas) • As crianças nunca tiveram a oportunidade de produzir esse tipo de texto, embora já tenham o hábito de escrever textos curtos. Elas recorrem a estratégias de escrita de palavras que praticam cotidianamente: – codificação; – transporte de cópia e se orientam com facilidade dentro dos instrumentos da sala de aula (parede de instrumentos, caderno de descobertas). • Os obstáculos que deverão superar: esses jovens alunos necessitam da ajuda do professor para organizar sua tarefa de escrita e para selecionar as categorias de informações úteis antes da colocação em texto. • Os pontos de apoio: esse texto curto é adequado às possibilidades das crianças nesta etapa do percurso do grupo-classe. Elas estão familiarizadas com uma forma de escrita parecida: a carta que produziram coletivamente no início do ano escolar para pedir informações ao subprefeito do bairro. 2. Antecipar a elaboração ativa do texto pelas crianças • Todas as crianças deverão produzir individualmente um escrito. • Texto ao alcance de todas as crianças do grupo-classe, em que alguns terão necessidade de um auxílio mais específico para a escrita de novas palavras ou para a pesquisa das palavras conhecidas nos instrumentos da sala de aula. • Podem-se utilizar certos instrumentos: o nome do grupo-classe, a data escrita a cada dia, o nome da escola (essas diversas palavras chegaram mesmo a ser automatizadas durante as atividades precedentes). 140 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
• O professor reuniu três textos-suporte (três convites) para facilitar o confronto com os textos de mesma natureza escritos pelos profissionais. 3. Organizar a comunicação e as modalidades de socialização das aprendizagens • Estruturas de grupos-classes escolhidas para esse canteiro: três pequenos grupos, para que o trabalho de explicitação possa ser levado a cabo mesmo com as crianças mais hesitantes (o que eles aprenderam e como aprenderam, através de uma comparação entre sua primeira escrita e as diferentes versões). • Suportes de comunicação mais adaptados: papel-cartão, para reunir as observações feitas a partir das primeiras escritas, cola para colar as produções, canetas hidrográficas de cores diferentes para sublinhar e comparar os diferentes elementos das produções. • Instrumentos coletivos bem legíveis e instrumentos individuais ao alcance das mãos das crianças, durante a produção. Ter clareza sobre tudo o que acontece para estar pronto à escuta, ao imprevisto e para exercer plenamente seu papel de professor-mediador. DESENROLAR DO CANTEIRO
Preparação da produção do texto P- Nós representamos em pequenos grupos certas cenas tiradas do livro Le loup est revenu e decidimos apresentá-las para nossos colegas de escola e nossos pais. Como vamos fazer para que eles venham assistir? A- Vamos falar disso no rádio da escola. A- Sim, mas aí apenas as crianças dos grupos-classes vão ficar sabendo; nossos pais e nossas mães não escutam essa estação de rádio. A- Cartazes, temos que fazer cartazes! P- Onde teremos que pregar os cartazes? A- Nas lojas do comércio. A- Na porta da escola. A- Mas nem todos os pais vêm à escola. A- Cartões... A- Vamos escrever-lhes um recado na caderneta. A- Ou uma carta para cada um. A- Cartões para convidá-los. P- O nome disso é cartão de convite. E como podem ser esses cartões de convite? A- Em papel colorido. A- Pequenos cartões a serem enviados dentro de envelopes. O canteiro de escrita 141
A- Com papel colado em cima pra ficar mais bonito. A- E o que vamos escrever por cima de tudo. P- O que é que vocês vão escrever a seus pais? A- Que lemos um livro com a história de um lobo. A- Que queremos mostrar a eles o que preparamos. A- Que vamos fazer um espetáculo na escola. P- O que é mesmo importante que eles saibam? A- Que o nome da peça é O lobo está de volta.* P- E além disso? A- Que é boa, que é o grupo-classe que vai fazer uma peça de teatro. A- Que temos medo de dizer isso diante de todo mundo. A- Que fabricamos bonitos figurinos. A- Que vamos escrever aos papais e às mamães quando eles tiverem que vir. P- Vamos resumir. Nós vamos escrever aos papais e às mamães, vamos convidá-los a vir à escola para ver nosso espetáculo. P- Quando é que vamos fazer a apresentação? A- Quando os pais puderem vir na escola. A- Um dia em que eles não trabalham. A- De noite. A- No sábado, os pais não trabalham no sábado. P- É verdade, os pais não trabalham no sábado e vocês estão todos na escola. Então, pode ser num sábado. Os alunos consultam o calendário. A- Sábado 16, está bom no sábado 16 de abril. Como é que vamos fazer para escrever nosso convite? A- Vamos pegar uns papéis e decorá-los. A- Vamos escrever tudo o que queremos dizer sem esquecer nada. A- Vamos escrever bem na linha para que fique bem bonito. A- Depois vamos reler para ver se colocamos tudo. A- Não vamos cometer erros quando escrevermos as palavras. P- Vamos anotar tudo o que vocês acabaram de dizer. Instrumento n. 1 Para aprender a redigir um convite É preciso pensar em: • escrever todas as informações úteis para os pais: o lugar (a escola), a data (sábado, 16 de abril); • não cometer erros ao escrever as palavras para que o convite possa ser lidos facilmente; • aplicar-se, escrever na linha para ficar bonito; • reler para certificar-se de que não se esqueceu de nada importante.
* Nota do Editor (N.E.): O nome do livro foi traduzido para a Língua Portuguesa somente neste caso para fins didáticos. 142 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Primeiras escritas Cada criança dispõe de uma folha em pequeno formato. P- Então cada um de vocês vai escrever um cartão para convidar sua família a vir ao espetáculo. Primeira escrita de Amina
Primeira escrita de Assad
Primeira escrita de Fabien
Primeira escrita de Pablo
O canteiro de escrita 143
Análise coletiva das primeiras escritas Constituíram-se três grupos. Este grupo-classe, inscrito no dispositivo “grupos-classes de 1a ano acompanhados” desfruta da presença de cargos do tipo “missão zep”,* em certos momentos do dia e durante certos módulos de aprendizagem escolhidos pelos professores. O apoio necessário durante a produção de texto é facilitado pela presença de duas professoras, cuja atenção “prioritária” se destina às crianças com dificuldade. Em cada pequeno grupo, cada criança lê o que escreveu em sua primeira escrita. Todos juntos, circundamos nos textos o que é igual ou diferente. A professora anota sobre um cartaz as observações das crianças. Exemplo: Observações de um grupo O que é parecido em muitos textos
O que é diferente
papai mamãe O lobo está de volta data: sábado, 16 de abril de 2005
ver vir vem eu quero é preciso na escola Marcel Pagnol beijinhos os alunos do 1° ano de Julie
Em seguida, faz-se a síntese das observações do grupo-classe depois da análise coletiva dos trabalhos do grupo. Instrumento n. 2 Não esquecemos – quem vamos convidar – quando vamos convidá-los – por que estamos convidando Alguns esqueceram – para onde os estamos convidando
Instrumento n. 3 Nós soubemos escrever algumas palavras sem errar: papai mamãe O lobo está de volta sábado, 16 de abril pequenas palavras
Nós nos esforçamos para: tentamos escrever direito.
*
papai mamãe sábado, 16 de abril para ver o espetáculo O lobo está de volta na escola Marcel Pagnol
porque: – procuramos nos textos; – procuramos palavras parecidas; – procuramos em nossas cabeças.
Instrumento n. 4 • É preciso escrever no meio do cartão. • É preciso colocar maiúsculas: Marcel Pagnol: é o nome de uma pessoa O lobo está de volta: é o título do espetáculo.
N.T.: A sigla zep corresponde a Zonas de Educação Prioritárias, programa francês de discriminação positiva criado em 1981, no governo de François Mitterrand.
144 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Confronto com os escritos sociais da mesma natureza Os escritos sociais são distribuídos às crianças. A partir da análise de suas primeiras escritas, as crianças devem procurar os invariantes: Quem convida? Quem é convidado? Por que ou a quê? Quando? Onde? Cada grupo dispõe de um convite, que deve analisar.
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“Um novo espaço luminoso, espaçoso e amistoso” Sarah KASSENTINI tem o prazer de convidá-los para a inauguração de seu novo espaço Ótica atol, quinta-feira, 21 de abril de 2005, a partir das 19h30 Solicita-se resposta. Obrigada.
ATOL oculistas – Rua Carnot, n. 19 – 95160 MONTMORENCY – Tel.: 01 39 64 21 09
Exposição Martine Manceaux de 16 a 22 de janeiro
2 0 0 6 Galeria de Mezières
Avenida Europa, 16, 95600 Eaubonne (em frente ao Correio) aberta das 15h às 19h, e às terças-feiras até 22h30.
O canteiro de escrita 145
As crianças recortam os cartões de convite e preenchem com as tiras recortadas da tabela a seguir, que retoma os critérios que tinham selecionado desde o início:
Grupo3
Grupo2
Grupo1
Quem? Para quem? O quê? Quando? Onde? Quem convida?
Sarah Kassentini
Quem é convidado?
vocês
A quê? ou Para quê?
inauguração do espaço Atol
Quando?
quinta-feira, 21 de abril de 2005
Onde?
rua Carnot, n. 19, em Montmorency
Quem convida?
O bom Albergue
Quem é convidado?
vocês
A quê? ou Para quê?
um coquetel
Quando?
terça-feira, 11 de janeiro de 2005, a partir das 18h
Onde?
rua de Paris, n. 14, em Soisy sous Montmorency
Quem convida?
Martine Manceaux
Quem é convidado?
“Não se sabe exatamente, quem gosta de exposições”
A que? ou Para quê?
Exposição
Quando?
de 16 a 22 de janeiro
Onde?
avenida Europa, n. 16, em Eaubonne
Cada pequeno grupo apresenta aos outros o resultado de suas reflexões (ver as três tabelas anteriores). Pregam-se os três convites na parede, aumentados para a ocasião, e validam-se coletivamente os achados: – o que é inevitável: o nome de quem convida, por que se está convidando, o lugar, mas também a data e a hora (10h); – “expressões para construir as frases”: os convida, tem o prazer de convidá-los, “pequenas palavras de encerramento”: obrigado. A observação minuciosa dos escritos sociais permite completar e reforçar os primeiros instrumentos: Instrumento n. 2 (novo) Para escrever um convite, é necessário não esquecer: • quem estamos convidando;17 • a que ou para que convidamos; • para quando convidamos; • para onde convidamos; • quem convida.
17
Instrumento n. 4 (novo) As expressões que significam que estamos convidando: convite os convida – eu os convido o grupo-classe os convida – as crianças os convidam Observações o grupo-classe os convida as crianças os convidam
Ver a reflexão sobre os destinatários-pais na p. 190.
146 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
A revisão do texto Essa etapa conduz as crianças a um vaivém permanente entre sua atividade de produção das fases de construção coletiva das competências linguísticas e das atividades individualizadas, para a reflexão metacognitiva. • Um exemplo de atividade individual de reflexão metacognitiva, a partir da reescrita de Amina
Amina escreveu: • As crianças do 1° ano de Julie por “transporte-cópia” (palavras que ela viu em outro texto); • “os convida”, localizado no Instrumento n. 4 visto anteriormente; • “espetáculo”, que todas as crianças aprenderam a escrever; • o título do livro, que ela trabalhou e memorizou anteriormente; • a data, que ela sabe escrever. Amina quis escrever um espetáculo divertido e pediu a ajuda da professora para escrever divertido. P- Eu acho que você pode escrever essa palavra sozinha. Vamos contar juntas quantas sílabas você ouve na palavra divertido. Amina conta nos dedos: “quatro” P- Então vou anotar para você. 1 2 3 4 P- O que você tem que escrever primeiro? A- di. P- Você sabe escrever di. di A- É, acho que sei. Ela escreve 1 2 3 4 P- Joia! O que é que você ainda sabe escrever? O canteiro de escrita 147
A- Amina fala baixinho di-ver-ti-do. Eu não sei escrever ver, mas sei escrever o ti de titia. P- Tudo bem, então escreve... Amina escreve di ti 1 2 3 4 P- Muito bem. Mas como você não sabe escrever sozinha a sílaba ver, eu vou lhe ajudar. Vou escrever palavras que contêm essa sílaba, depois vou ler para você. A primeira palavra é o nome de uma coisa sobre a qual falamos muito aqui na sala de aula, que você conhece. Ela escreve verbo e depois lê. P- A segunda é o nome de uma cor, vermelho (ela pronuncia, escreve e lê). A- Ah, já sei, está no início das duas palavras. Ela escreve: di ver ti 1 2 3 4 P- E a quarta sílaba também é fácil. Dona, é como às vezes vocês me chamam (ela pronuncia, escreve e lê). A- Já sei, já sei! Amina termina de escrever a palavra: di ver ti do 1 2 3 4 P- Muito bem, você pode copiar agora essa palavra com as sílabas juntas. Amina escreve divertido, depois um espetáculo divertido.
Atividade coletiva de reflexão metalinguística Muitos alunos, como Amina, queriam escrever: venham todos Eles escrevem: venha muita gente venham os pais
vena todos ven muita gente venham os pais
Eles ainda não automatizaram as formas de conjugação (o que é bastante normal). A professora começa uma discussão sobre a ortografia: P- Vocês todos propuseram três formas de escrever diferentes para a palavra “venham”; vocês devem estar em acordo. Para isso, como de hábito, vamos procurar nos textos da sala de aula se já encontramos esta palavra “venham”. Os alunos identificam analogias, sobretudo quando observam textos prescritivos. A- “Venham” é como nas regras da piscina “Não corram”. É preciso que os pais venham, como para nós, é preciso que nós não corramos.
148 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Eles procuram em seus cadernos de descobertas individuais. E encontram: nas receitas dividam partam peçam
e, efetivamente, no regulamento da piscina não corram não cuspam (na água) não saiam (gritando)
O professor valida a proposta e eles estabelecem juntos o seguinte instrumento: Instrumento n. 5 Venham se escreve como
meçam partam
não corram não cuspam
A maquete Amina corrige a seguir sua primeira escrita (sua reescrita) para chegar à sua maquete. Para essa etapa, ela prefere copiar sozinha todo o texto. Ela acrescenta -m a convida (instrumento n. 4). Ela coloca maiúscula em O lobo. Ela acrescenta também o nome da escola “Marcel Pagnol” (transporte de cópia), mas esquece a hora. As crianças do 1° ano de Julie os convidam a um espetáculo divertido O lobo está de volta No sábado, 16 de abril de 2005, na escola Marcel Pagnol Venham todos os papais e as mamães
Ela reorganiza também a distribuição espacial de seu texto, para que fique mais conforme com o cartão de convite sobre o qual ela trabalhou (Grupo 1).
A obra-prima Quando das sequências de Artes Plásticas, as crianças treinam fazer fundos com diferentes materiais e compor frisas decorativas para colocar em seus cartões. Elas treinam também escrever com outros instrumentos diferentes da habitual caneta esferográfica: giz, pena, canetatinteiro, lápis de diferentes cores... Amina pode enfim fazer seu convite definitivo. Ela o colocará dentro de um envelope, copiará minuciosamente o endereço de seus pais e o porá no correio. A primeira avaliação pragmática será a primeira reação dos pais e o fato de eles virem ao espetáculo. O canteiro de escrita 149
Sistematização metacognitiva e metalinguística Por ocasião deste canteiro, fez-se a avaliação de cada criança, comparando junto com ela a primeira versão da sua obra-prima. Eis o resultado da entrevista com Amina (escrito pela professora). Onde fui bem-sucedida: • Brincar. • Fazer meu convite. O que aprendi: • A bem dispor minhas frases sobre o cartão de convite. • A escrever bem e forte. • A reescrever certas partes do texto. Meus lembretes: • Quando eu quero dizer o que é preciso fazer, eu ponho –am. Ex: venham, cuspam, meçam. • Se há uma só pessoa, eu boto –a no fim do verbo. • Se há várias pessoas, eu coloco –am. Ex: o grupo-classe convida, os alunos convidam, Julie convida. Ver o contrato individual B, de Amina, p. 43. É o momento de resumir coletivamente e de construir os instrumentos recapitulativos que serão pregados na parede, arrumados no espaçoinstrumentos da sala de aula e reunidos no caderno de descobertas em leitura e em produção de escritos de cada criança. Essas observações serão consultadas durante outras produções e completadas à medida que as observações forem sendo feitas pelas crianças. É importante consagrar momentos específicos à utilização desses instrumentos a fim de que não se tornem simples elementos de decoração da sala de aula. Podem-se propor certas atividades para fazer com que as crianças consultem esses instrumentos da maneira mais eficaz: Eu não sei como escrever tal palavra, de que palavras posso me servir, onde encontrá-las?... Encontre duas estratégias eficazes para... Busque um instrumento para escrever um cartão de convite etc. Cada criança dispõe de um dossiê no qual conserva suas diferentes produções (primeira escrita, outras versões, maquete, obra-prima), cópias-xérox dos escritos sociais observados, instrumentos elaborados por ocasião do canteiro (as silhuetas dos cartões de convite, as tabelas recapitulativas (quem? para quem? o quê? quando? onde?), os dois lembretes, a ficha recapitulativa do que se aprendeu. Esse dossiê se enriquecerá com o passar do tempo. 150 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Canteiro B no 2° ano do ensino fundamental
Produção da ficha de fabricação de um barco que flutua O contexto. Projeto coletivo. Este projeto de escrita se passa nos marcos do Projeto C, apresentado no capítulo “Crianças em projetos”, Parte “Alguns exemplos de projetos”, p. 40. Ele é a etapa final de um projeto conduzido nas aulas de Ciências e de um procedimento experimental em que os alunos emitiram hipóteses, pensaram um protocolo de experiências, as realizaram, redigiram conclusões, efetuaram pesquisas documentais. A construção do barco foi realizada a partir dos materiais e das informações coletadas. A produção de uma ficha de fabricação mostrou-se indispensável por ocasião da solicitação feita pelos correspondentes do grupo-classe do 2° ano do ensino fundamental, que desejavam fabricar o mesmo objeto. A redação da ficha de fabricação se estendeu por um período de 15 dias. FICHA DE PREPARAÇÃO 1. Identificar as características da situação Os alunos já tiveram a experiência de canteiros de escrita: Em Poesia: Redação de poemas “à maneira de” Robert Desnos Eugène Guillevic Em Literatura: – Escrita de uma carta de personagens célebres da literatura, a partir do livro Le gentil facteur ou lettres à des gens célèbres, de Janet e Allan Ahlberg, Editora Albin Michel. – Redação de uma tabela comparativa de diferentes versões dos três porquinhos (rede hipertextual). Em Ciências: – Elaboração do sumário da experiência, nos marcos do projeto “Barco”. Em Educação Cívica: – Elaboração de um questionário para a visita do Médico Sem Fronteiras • Pontos de apoio Os alunos têm uma representação do texto a ser produzido confirmada por uma seleção de textos. O canteiro de escrita 151
Eles já tomaram contato com esse tipo de texto no 2° ano do ensino fundamental, tendo sido utilizado para fazer um comedouro para passarinhos. Eles já sabem reconhecer o verbo numa frase e conjugá-lo no presente do indicativo. Eles sabem questionar um texto para extrair dele elementos característicos, que os ajudarão a produzir, ou seja, tirar partido da “silhueta”, identificar níveis e camadas de escrita nos blocos de textos, para construir progressivamente sua produção. • Obstáculos a superar O emprego dos verbos no imperativo, se esse for o modo de enunciação escolhido. A ortografia léxica [exceto para as palavras vistas em Ciências (exemplo, poliestireno)]. Para alguns deles, a coerência do texto ainda não está consolidada (dificuldades para organizar o que querem dizer no interior do texto). 2. Antecipar a elaboração ativa do texto pelas crianças • Exigências: Os alunos devem chegar a produzir um texto prescritivo, que respeite: – a organização espacial particular; – um modo específico de enunciação; – uma coerência entre os blocos do texto (relação entre o “material” e o “desenrolar”). Para alguns deles, a correção ortográfica será feita de maneira autônoma, a partir dos instrumentos já conhecidos; para outros, no momento de transcrever o texto no computador. Este projeto de escrita é a conclusão de um projeto científico conduzido na sala de aula. Os alunos têm, assim, à sua disposição todos os instrumentos construídos durante a fabricação do barco e durante as experiências conduzidas na sala de aula. • Instrumentos: – Vocabulário técnico utilizado nas aulas de ciências. – As regras de Observação Reflexiva da Língua (orl) do caderno. – Os instrumentos de questionamento dos textos precedentes (cartazes). • A prever: – Um instrumento de síntese depois do confronto com um texto escrito por um perito (ajuda às versões n. 1). – Um instrumento sobre os substitutos pronominais (ajuda às versões n. 2).
152 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
– Instrumentos orl em função das necessidades identificadas depois das primeiras escritas. • Textos-suportes: – A ficha de construção das marionetes como texto escrito por um perito, instrumento de referência. – Passagens de fichas de fabricação, para trabalhar sobre a coerência, a enunciação e a superestrutura. • Estruturas de trabalho: – Individual, para a redação da primeira escrita, as fases em que se reescrevem as diferentes versões, a transcrição no computador da obra-prima e os exercícios de reforço. – Em grupos, num coletivo, para as atividades de sistematização. – Em pequenos grupos, junto com a professora para alguns, no momento da redação das outras versões. O conjunto dos vestígios escritos será reunido no dossiê do canteiro. As regras elaboradas em comum depois das atividades de sistematização serão transcritas sobre um cartaz e colocadas em evidência na parede dos instrumentos; uma cópia será conservada no caderno das descobertas.
Preparação para a produção do texto • Representações prévias dos alunos sobre o texto a ser produzido: – É para mostrar aos correspondentes como fazemos para construir nosso barco. – Temos que mostrar tudo o que fizemos, descrever todas as etapas. – É preciso botar por escrito o material que temos que ter. – Temos que escrever placa de poliestireno, serra, embalagens de leite, um esquadro, uma régua... Com palavras precisas. – Temos que escrever a lista das etapas, na ordem. – Podemos colocar desenhos para ilustrar, é para outras crianças. – Podemos botar desenhos para explicar, é uma ficha técnica. – Não podemos cometer erros de ortografia, se quisermos que os outros compreendam. Podemos utilizar a ficha-léxico do “Titanic”. – Temos que botar um título. Podemos botar “Ficha técnica”. – Não, ficha técnica é o texto, o título é “Barco que flutua”. – É preciso construir frases que expliquem bem, para que nossos correspondentes cheguem a construir o barco deles. – Temos que dizer o que é preciso comprar. – Temos que colocar as medidas do casco. – É preciso explicar como se constrói o casco e como se fabrica a hélice, isso é o que é uma ficha de fabricação. O canteiro de escrita 153
Instrumento n. 1. Características de uma Ficha de fabricação
Tenho que pensar em: - colocar um título; - anotar o material necessário; - escrever na ordem a lista das etapas de fabricação; - como se faz o casco; - como se faz a hélice; - indicar as medidas; - botar desenhos para explicar.
Para o repertório:
placa de poliestireno
Produção do texto • Colocação em texto. Primeiras escritas
154 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Análise coletiva das primeiras escritas Cinco grupos foram constituídos. Os alunos realizam, por grupo, uma síntese intermediária que dá lugar a um cartaz coletivo, em seguida fazem um inventário organizado. • Síntese do confronto das primeiras escritas na sala de aula: – Todos colocaram um título, mas cada um pôs um diferente. – Todo mundo tentou colocar as etapas da construção, mas faltam informações quanto ao material, quanto às explicações sobre a construção, quanto às medidas dos pedaços do barco. – As frases estavam muito compridas, com muitos “é preciso”. – Às vezes foi difícil compreender o que tínhamos que fazer porque as partes não foram respeitadas. – Há palavras repetidas. – Alguns esqueceram de utilizar o vocabulário do Titanic. – Alguns não utilizaram a lista de vocabulário das aulas de Ciências, porque “poliestireno” está mal escrito. – Todo mundo fez desenhos, mas nem sempre eles explicam melhor.
O canteiro de escrita 155
• Construção de uma primeira referência à norma: P- Todas as observações de vocês são pertinentes, agora é preciso tirar pistas para aperfeiçoar as primeiras escritas. Vou anotar no quadro-negro as novas exigências que podemos fixar para nós: Para rever meu texto, eu devo: – acrescentar informações ou etapas essenciais, se esqueci alguma (reler o instrumento recapitulativo, assinalar o que já está presente no texto); – respeitar a estrutura do tipo de escrito na minha paginação e nas minhas escolhas de pontuação; – suprimir as repetições; – controlar a ortografia: verificar o vocabulário de Ciências e do Titanic. • Definição das necessidades de aprendizagem: P- Que obstáculos vocês encontraram que necessitariam de novas aprendizagens? Os obstáculos a superar
Os objetivos de aprendizagem
Textos lineares...................................
Construir e utilizar a estrutura de uma ficha de fabricação.
Frases com “você” ou “é preciso”...
Aprender a conjugar o imperativo.
Palavras repetidas.............................. pronominais.
Aprender a utilizar os substitutos
Erros de ortografia:
Construir uma estratégia para escrever uma palavra que não se conhece. Aprender as noções de radical e de prefixo.
Revisão do texto • Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística para superar os obstáculos 1. Conhecer e utilizar a estrutura de uma ficha técnica, através do questionamento organizado de um texto da mesma natureza: a ficha de fabricação das marionetes.
156 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Marionetes LISTA DO MATERIAL • Papel-jornal • Um saco plástico • Cola de tapeceiro • Uma vareta de madeira • Pintura • Um saco de lixo
• Uma tira de papel • Cola • Fios de lã • Um grampeador • Tesoura
DESENROLAR
Etapa 1: • Pegue um saco plástico. • Pegue papel-jornal, embole-o dentro do saco. • Feche o saco, dando-lhe uma forma arredondada. Etapa 2: • Rasgue tiras de papel-jornal. • Prepare a cola de tapeceiro. • Molhe as tiras na cola e recubra o saco, fazendo várias camadas Atenção! É preciso pensar em fazer o nariz. Etapa 3: • Prepare a tinta guache brilhante. • Pinte a cabeça e desenhe os olhos. • Para fazer os cabelos, pegue uma tira de papel, corte uns fios de lã e cole-os sobre a tira. • Cole tudo isso na cabeça. Etapa 4: • Para o corpo, pegue uma vareta de madeira e fixe a cabeça em cima dela. • Pegue um saco de lixo preto para fazer a roupa, decore-o. Cole tudo na cabeça. Etapa 5: • Fabrique um chapéu a partir de: – papel espesso; – tesoura; – cola. • Recorte um semicírculo, enrole-o em forma de cone e cole. • Faça fendas embaixo e dobre-as.
O canteiro de escrita 157
A ficha a seguir traz os vestígios das marcas feitas com canetas hidrográficas sobre a ficha inicial. Em preto: os elementos que correspondem à superestrutura. Em verde: as formas verbais do imperativo Dentro dos círculos vermelhos: os substitutos.
Bloco de ingredientes LISTA DO MATERIAL • Papel-jornal • Um saco plástico • Cola de tapeceiro • Uma vareta de madeira • Pintura • Um saco de lixo
Marionetes
Título da ficha de fabricação
ilustração
título • Uma tira de papel • Cola • Fios de lã • Um grampeador • Tesoura
DESENROLAR
título
Etapa 1: substitui papel-jornal • Pegue um saco plástico • Pegue papel-jornal, embole-o dentro do saco • Feche o saco, dando-lhe uma forma arredondada
substitui saco
ilustração
Etapa 2: • Rasgue tiras de papel-jornal • Prepare a cola de tapeceiro • Molhe as tiras na cola e recubra o saco, fazendo várias camadas Atenção! É preciso pensar em fazer o nariz.
Etapa 3: • Prepare a tinta guache brilhante • Pinte a cabeça e desenhe os olhos • Para fazer os cabelos, pegue uma tira de papel, corte uns fios de lã substitui fios e cole-os sobre essa tira. • Cole tudo isso na cabeça. Etapa 4: • Para o corpo, pegue uma vareta de madeira e fixe a cabeça em cima dela. • Pegue um saco de lixo preto para fazer a roupa, decore-o. Cole tudo na cabeça.
Etapa 5: • Fabrique um chapéu a partir de: – papel espesso: – tesoura substitui semicírculo – cola • Recorte um semicírculo, enrole-o em forma de cone e cole-o. • Faça fendas em baixo e dobre-as. substitui fendas
Bloco do desenrolar, etapa por etapa
2. Formalização de um instrumento de referência: o que aprendemos. Instrumento n. 2 TÍTULO DA FICHA DE FABRICAÇÃO Subtítulo: LISTA DO MATERIAL Todo o material vem descrito sob a forma de uma lista. Cada item é precedido por uma bolinha • cada vez que se passa à linha seguinte. Subtítulo: DESENROLAR Etapa 1 desenho ou Para cada ação a ser efetuada, o autor foto utiliza um verbo conjugado que dá uma ordem. Etapa 2 Cada nova ação é assinalada por uma bolinha • Coloca-se uma frase em vermelho quando é preciso prestar muita atenção.
Etapa 3
...
Última etapa
Os alunos também observaram que não se empregaram nem “é preciso” nem “você”, mas verbos conjugados, sem sujeito, que “dão uma ordem”. Para evitar repetições, usam-se pequenas palavras como os, o, com um traço de união entre os dois. Exemplo: cole-os, dobre-os, decore-o. O canteiro de escrita 159
3. Construir uma estratégia para escrever uma palavra que não se conhece: utilizar índices morfossemânticos. Instruções:
Tempo 1: Tempo 2: Tempo 3:
Leia em silêncio a lista dos seguintes verbos e reflita sobre uma maneira de classificá-los. Compare seu resultado com o de seus colegas; arrume os verbos, explicando as escolhas que fez. Pregamos o cartaz no quadro-negro e fazemos a síntese em conjunto.
Classificação obtida depois do confronto: Verbos que querem dizer “o contrário de” desocupar desfazer deslocar desbloquear descalçar descongelar descosturar desabotoar desligar
desobedecer decodificar descentralizar descarregar desmentir desequilibrar descolar desinflar desenformar
Verbos que não correspondem decorar despir declarar decidir deduzir demolir
O que aprendemos: Instrumento n. 3 Certos verbos que começam pelo prefixo “des” servem para dizer o contrário dos mesmos verbos sem “des”. Eles são formados com o auxílio do prefixo des e do radical do verbo. Exemplo:
des colar Prefixo + radical do verbo colar
4. Aprender a conjugar o imperativo a partir de uma observação reflexiva da língua, sobre um corpus constituído pelo professor. Instruções de trabalho: Nestas passagens de fichas de fabricação, procurem os verbos conjugados e encontrem uma maneira de classificá-los, explicando-a a seguir.
160 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Para fazer o corpo, pegue um rolo de papel absorvente e pinte-o de azul.
Desenhe a cabeça de sua personagem sobre uma folha de cartolina.
Para separar os compartimentos, coloque o pedaço de cartolina na caixa entre os dois buracos.
Faça dois buracos para os olhos e fixe aí as duas bolas de Natal.
Para que seu barco fique mais bonito, pinte-o de diversas cores.
Desenforme a pasta de papel.
Recorte a tira de papel e enrole-a para fazer um tubo.
Trace um círculo de 15 cm de diâmetro, recorte-o seguindo as bordas com cuidado e em seguida vire-o.
Puxe seu elástico para que ele possa entrar nas fendas.
O canteiro de escrita 161
A classificação dos verbos no imperativo que foi obtida: Terminam em -a
Terminam em -e
parta divida cuspa venha decida reparta
trace corte retorne recorte enrole fixe desenhe
• Os verbos em -ir, como partir, terminam em “a” • Os verbos em -ar, como enrolar, terminam em “e” Instrumento n. 4
partir dividir cuspir vir decidir repartir
parta divida cuspa venha decida reparta
• Outras versões: ver página seguinte. Estas sucessivas versões são constituídas de trechos extraídos da primeira escrita de cada aluno, corrigidos e recortados/colados. Observações: desta vez, não haverá “maquete” no sentido literal do termo, porque temos duas boas versões e vamos passar diretamente ao computador para realizar a “obra-prima”.
162 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
• Outras versões
O canteiro de escrita 163
• Duas “obras-primas” (terminadas no computador) Ficha de Pauline
O barco que flutua
DESENROLAR:
MATERIAL: • um esquadro; • uma régua; • uma tesoura; • uma serra; • cola; • uma embalagem de leite; • uma placa de poliestireno.
Etapa 1 • Desenhe sobre a placa de poliestireno os diferentes pedaços do barco, como no desenho O casco
A cabine
A chaminé
3cm 9cm 22cm 9cm 7cm
10 cm
18 cm • Recorte-os com a serra – Cuidado com as mãos18 • Cole os pedaços do barco: a cabine no meio do casco e, em cima dela, a chaminé.
Etapa 2 • Trace dois retângulos de 13 cm de comprimento e 5 cm de largura na embalagem de leite. • Faça um corte, como no desenho. • Recorte os dois retângulos. • Encaixe-os.
18
Escrito em vermelho.
164 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Ficha de Hocine
Para fabricar o barco e a hélice
MATERIAL: • uma serra; • uma placa de poliestireno; • uma régua; • um esquadro; • cola forte; • uma embalagem de leite vazia e limpa; • uma tesoura. DESENROLAR:
Etapa 1: fabricação do casco, da cabine e da chaminé. • Trace sobre a placa de poliestireno o casco, como no desenho, prestando atenção às medidas.
22cm 18cm
O casco
9cm
• Trace a cabine e a chaminé do barco sobre a placa de poliestireno, como no desenho.
A cabine
A chaminé
9cm 7cm
10cm 3cm
• Recorte os pedaços do barco com a serra. • Cole a chaminé no meio da cabine depois cole tudo sobre o casco. Etapa 2: fabricação da hélice. • Trace dois retângulos de 13 cm de comprimento por 5 cm de largura na caixa de leite depois recorte-os. • Faça um corte como no desenho. • Encaixe os dois retângulos. • Está ai, seu barco e sua hélice estão prontos.
O canteiro de escrita 165
Sistematização metacognitiva e metalinguística • O que aprendemos desta vez para aperfeiçoar nossas estratégias de produção? • a nos ajudar mutuamente; • que é prático usar o corretor branco para corrigir certas partes do texto; • que podemos escrever palavras que ainda não conhecemos olhando dentro da palavra, para ver se ela tem ou não uma parte que já conhecemos. É mais fácil fazer assim do que ir procurar no dicionário (instrumento n. 3); • a compreender que, quando escrevemos, às vezes esquecemos algumas etapas ou informações importantes; é preciso então fazer um lembrete antes de começar a escrever (instrumento n. 1); nossos textos e, mais exatamente, a redação de nossas fichas técnicas? • a organizar uma ficha de fabricação respeitando os blocos e as informações (instrumento n. 2); • a conjugar os verbos no imperativo (instrumento n. 4); • que “en” diante de um b ou um p se escreve “em”; • a colocar hífens ou números para distinguir as diferentes etapas da fabricação; • a aperfeiçoar nossas explicações através dos esquemas. • O que nos permitiu progredir? • trabalhar em grupo para encontrar regras que vão nos ajudar na produção. • trabalhar sobre a língua. • Elaboração coletiva dos instrumentos de sistematização: retomada dos instrumentos intermediários n. 1, 2, 3, 4 e formalização de um instrumento suplementar Instrumento n. 5 Podemos escrever palavras que ainda não conhecemos procurando ver se existe, no interior da palavra, uma outra palavra conhecida. Por exemplo: des/colar des/encaixar Mas também
Este instrumento poderá ser completado cada vez que as crianças identificarem uma raiz ou um radical. Ele pode evoluir no sentido de introduzirem-se categorias inter mediárias, quando o corpus for suficientemente grande.
leit/eiro –––– –––– –––– –––– etc.
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Canteiro C num grupo-classe do 4° ano do ensino fundamental Escrever uma proposta de lei para o Parlamento das Crianças O contexto Este projeto se inscreve dentro de um projeto de iniciativa cidadã. Os alunos deste grupo-classe participarão, por sua circunscrição, no 13° Parlamento das Crianças em maio de 2006.
Projeto de ação (o que teremos que fazer) • Descoberta, pelos alunos, dos diversos documentos enviados pelo correio para anunciar a participação do grupo-classe ao Parlamento das Crianças (carta da Inspeção Acadêmica, carta do vereador do bairro). • Construção de situações para identificar o sentido do projeto: • O percurso da lei; • O papel do deputado; • Visita à Assembleia Nacional; • A eleição do deputado-júnior e a campanha eleitoral. • A agenda das tarefas a serem realizadas: • Escolha do tema da lei que será redigida; • Redação do texto; • Redação de duas perguntas dirigidas respectivamente ao presidente da Assembleia Nacional e ao ministro da Educação Nacional; • Preparação de um questionário para a visita do vereador da circunscrição; • Discussão das dez leis escolhidas no ano passado em nível nacional; • Participação do delegado-júnior no Parlamento das crianças. FICHA DE PREPARAÇÃO 1. Identificar as características da situação de produção de texto O procedimento é familiar aos alunos. Nos marcos deste projeto, trata-se de chamar a atenção dos alunos sobre as características bastante particulares da situação de comunicação. Levar em conta as condições de
O canteiro de escrita 167
enunciação de um texto de lei e perceber o que está em jogo em termos institucionais constitui um importante obstáculo cultural. O grupo-classe e a escola já estão dentro de um projeto de pedagogia institucional. cada grupo-classe participa de encontros literários e possui um delegado que o representa dentro do Conselho de Delegados. Os alunos podem assim abordar facilmente as aprendizagens no campo da Educação Física. Esta classe já fez uma visita à Assembleia Nacional no ano passado. 2. Antecipar a elaboração ativa do texto pelas crianças • Exigências: – Cada aluno deve identificar um tema de lei; – Cada aluno deve produzir um texto que respeite a organização espacial particular: – Presença de uma exposição de motivos com um caráter argumentativo/ explicativo: fazer reconhecer • os índices de organização: a disposição tipográfica; as escolhas dos temas do texto; a ordem na qual eles vão aparecer; os “dispositivos argumentativos de conexão”. • os “índices de enunciação”. Atenção ao jogo a disposição tipográfica; – Presença de proposições de lei com caráter prescritivo. Utilização do futuro simples com valor de imperativo. • Instrumentos: – Informações sobre o tema escolhido. – Regras de orl do caderno. – Instrumentos de questionamento de textos de lei. • A prever: – Um instrumento de síntese depois do confronto com os textos de lei escritos e votados no ano anterior (ajuda à escrita n. 1). – Um instrumento sobre a organização de um texto em parágrafos. – Um instrumento sobre os dispositivos argumentativos de conexão. – Um instrumento sobre a utilização do futuro com valor de imperativo. • Textos suportes: – Os textos de lei propostos no ano anterior. – Os textos documentais para alimentar a argumentação. – Certas passagens de textos de lei para o trabalho sobre a coerência, o tempo, a superestrutura. 168 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
3. Organizar a comunicação e as modalidades de socialização das aprendizagens • Estruturas de trabalho: – Individual para a redação da primeira escrita, as diferentes versões, a transcrição da obra-prima no computador e os exercícios diferenciados de reforço. – Em grupos e coletivamente, para as atividades de sistematização e as operações de revisão da obra-prima escolhida pela classe (apenas uma lei deve ser enviada).
Preparação para a produção do texto • Representações prévias dos alunos sobre o texto a ser produzido P- Em que consiste a participação de nosso grupo-classe no Parlamento das Crianças? – Temos que encontrar uma lei que será votada no Parlamento das Crianças. – Vai ser preciso explicar por que escolhemos esta lei. – Ela deve ser escrita com palavras que lhe deem um “ar de seriedade”, como quando se fala na televisão. – Não se podem cometer erros de ortografia. – Tem que ser escrito de maneira limpa e vamos transcrever o texto no computador. – Deve ter no máximo quatro artigos. – Bom, eu não sei muito bem o que quer dizer artigos... – Como a lei da Revolução Francesa com artigos diferentes. – É como o regimento interno da escola. – É preciso fazer as pessoas terem vontade de votar na nossa lei. – Temos que encontrar um tema que dê vontade de votar por nós. – O tema é que nem quando trabalhamos sobre um romance policial? – Claro que não, aqui estamos falando de lei; é, por exemplo, não roubar, não ultrapassar 90 km com o carro. – Temos que fazer uma lista como nas fichas de fabricação. – Não, é preciso escrever como se fosse uma carta. – Deve ser como naquele programa, o passaporte para o recreio. – Não, porque não vamos dizer o que se deve ou não se deve fazer. – Não vamos dar conselhos. – Por isso é que está escrito proposta, não somos nós quem decidimos. – Quem vai decidir é um júri, que vai escolher entre todas as propostas. – É superimportante, não se pode fazer qualquer coisa. – Devem haver exemplos no pacote... –… O canteiro de escrita 169
Os alunos decidem retardar a elaboração da primeira escrita e olhar antes as propostas de lei contidas no pacote enviado pela Assembleia Nacional. O professor pensou que seria útil abrir-lhes essa possibilidade, porque esse tipo de documento é muito distante das representações dos alunos, para que pudessem começar a redação da primeira escrita sem se angustiar. • Questionamento das propostas de lei submetidas ao voto da Assembleia “Júnior” 2005 Cada grupo de quatro alunos se ocupa de uma proposta de lei diferente. Trata-se de apresentar projetos de lei através de um suporte escrito que permitirá a seguir derivar as analogias e as variações entre as diferentes propostas. Exemplos de comunicação dos grupos: É uma lei escrita pelos alunos do grupo-classe do 4° ano do ensino fundamental da escola Saint Exupéry de Marly-le-Roi. É a proposta n. 7. Todos os estabelecimentos comerciais da Europa ficam proibidos de distribuir gratuitamente sacos plásticos porque a natureza está em perigo. Porque houve muitos acidentes e a natureza ficou poluída. Há quatro artigos, cada um define uma obrigação para que a lei seja respeitada. São quatro páginas. Elas são azuis. É uma lei escrita pelos alunos do grupo-classe do 4° ano do ensino fundamental da escola pública de Nantes. Eles querem obrigar os alunos a usar um capacete quando andam de bicicleta. Eles dão muitas explicações na parte chamada “exposição de motivos”. Porque as crianças são as principais vítimas dos acidentes de trânsito. E seus ferimentos podem ser mortais. Se o porte do capacete fosse obrigatório, haveria menos feridos. Há três artigos que dizem o que vai acontecer se esta lei passar: 1: usar sempre o capacete; 2: o capacete deve ser do tamanho certo; 3: quem não tiver capacete paga uma multa. 170 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
O nome de todos os alunos e também o nome da escola figuram na primeira página. Há um título que diz de que trata essa lei. Na segunda página, há uma carta que explica por que esta lei foi feita e para fazer com que as pessoas votem nela. É para que o som dos walkman seja menos forte. Quarenta e quatro por cento dos jovens hoje em dia sofrem de perda da audição. Na terceira página, há os artigos que estabelecem obrigações para todos os que vendem os walkman e para todos os que gravam as músicas; e depois, informações para os alunos e para a televisão. Que tipos de informações podemos derivar desta síntese coletiva? Para escrever/redigir uma lei, é preciso: Escolher o tema, do que vai tratar a lei, por exemplo: A educação para segurança: proteção das crianças com bicicleta, proteger as crianças das imagens chocantes na televisão. A educação para ecologia: impedir a utilização de sacos plásticos, detectar os terremotos. A educação sanitária: proteger a audição das crianças, informar as crianças dos riscos da obesidade. Escrever dois textos: – A exposição dos motivos Explica por que se escolheu este tema. É preciso dizer a quem estamos nos dirigindo. É preciso fazer as pessoas ficarem com vontade de escolher nosso tema e encontrar argumentos precisos, científicos. É quase como se fosse uma carta, só que ela não é assinada. – A proposta de lei Ela se compõe de artigos que determinam obrigações ou proibições. Os artigos são numerados. Passa-se à linha seguinte para cada artigo.
Escolha do tema da lei Durante uma semana, individualmente ou em grupo, os alunos devem escolher o tema que desejariam ver abordado. O grupo-classe reserva alguns momentos na sala de aula a esta finalidade (30 minutos por dia). Eles podem ir à bcd para reunir documentação, fazer pesquisas na internet, redigir fichas. Deve-se escolher um único tema. Cada um deles será apresentado e submetido ao voto por ocasião do Conselho das Crianças da semana seguinte. Adotou-se o tema da saúde, tendo como entrada os danos causados pelo fumo nas crianças, sobretudo o tabagismo passivo. O canteiro de escrita 171
Produção do texto – Cada criança produz um texto de lei sobre o tema escolhido • A análise coletiva das primeiras escritas Constituíram-se sete grupos. Os alunos realizam, por grupo, uma síntese intermediária que dá lugar a cartazes coletivos para: a. Coletar as ideias comuns e aquelas que podem ser exploradas Os motivos: – Vida mais curta: o fumo causa muitas mortes. – As crianças sofrem as consequências do cigarro (câncer...). – Não é bom para a saúde das pessoas do entorno. – Isso incita as crianças a fumar (dá-se o mau exemplo). – Problemas durante a gravidez e para o recém-nascido. – Está-se pagando para morrer. Como fazer para melhorar a situação: – Informar melhor os pais. – Fazer uma campanha na televisão. – Fazer cartazes. – Distribuir prospectos nas maternidades. – Inventar slogans: “Se você ama seus filhos, não fume diante deles”. – Colocar caixas de correio nos lugares públicos para que as crianças possam enviar suas queixas. – Pedir ao médico escolar que reúna os pais para lhes falar dos danos causados pelo fumo nas crianças. Os alunos pensam que é necessário dispor de argumentos “científicos” e decidem que há necessidade de ir buscar informações suplementares nos suportes documentares: internet e bcd. b. Identificar as competências linguísticas necessárias – Nem sempre se chega a distinguir, nos textos de lei, os motivos e a lei. – Alguns alunos não dividiram suas leis em artigos. – Alguns deles escreveram os motivos como se fosse uma carta aos pais. – Alguns escreveram as obrigações no lugar dos motivos. – Alguns escreveram os motivos passando à linha seguinte para cada razão diferente. – Tem-se uma certa dificuldade em compreender os argumentos. – Tem-se dificuldade em fazer com que este pareça um texto sério. – Os artigos fornecem proibições ou obrigações.
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• Definição das necessidades de aprendizagem – Para os alunos, os obstáculos a superar. – Para o professor, os objetivos da aprendizagem. Os obstáculos a superar
Os objetivos da aprendizagem
Poder diferenciar os motivos dos artigos de lei.
Construir um instrumento para a superestrutura do texto.
Saber a quem se dirigem os motivos.
Identificar o destinatário e as formas de discurso que daí derivam.
Tornar legíveis os argumentos.
Trabalhar sobre a organização do texto: utilização dos parágrafos. Trabalhar sobre a coerência do texto: utilização dos dispositivos de conexão de causa e de consequência.
Tornar legíveis as obrigações.
Utilizar o futuro com valor de imperativo.
Revisão do texto • Pesquisa documental Para reforçar a argumentação, aprofundar as ideias e fornecer maiores precisões sobre os motivos. – Antes de começar, os alunos trabalham sobre as palavras-chave que podem permitir a realização de uma pesquisa: Eles identificam as palavras: tabagismo/tabagismo passivo. – Cada grupo tem a tarefa de trazer um documento que informe sobre o tabagismo, de tirar desse texto as ideias essenciais para comunicá-las aos demais. É necessário indicar a fonte e os autores do documento, cujos argumentos devem ser de natureza científica. Essas atividades já estão sistematizadas e os alunos têm uma ficha-guia para efetuar uma pesquisa documental. Síntese das pesquisas e elaboração de uma ficha para recapitular as ideias essenciais: O professor trabalha segundo o princípio do ditado a um adulto: ele considera os problemas ortográficos e cuida para que a reformulação seja clara e precisa. O que se escreve sobre o cartaz deve servir para que cada um enriqueça sua produção. Os critérios de legibilidade são, assim, muito importantes: – as frases devem ser compreensíveis para todos; – as frases devem falar claramente do tabagismo passivo. O conjunto, arquivado, reveste a forma da tabela recapitulativa a seguir, que será pregada na parede da sala de aula.
O canteiro de escrita 173
motivos
para impedir o tabagismo passivo
• O tabagismo passivo é devido à fumaça de cigarro que é absorvida sem querer. Essa fumaça é a mais perigosa porque contém produtos tóxicos e cancerígenos. • O fumo é um perigo para a gravidez: – Ele pode ameaçar seu desenvolvimento. As mulheres correm o risco de perder seu bebê. – O bebê pode ficar mais frágil, engordar menos. Ele pode nascer mais cedo ou apresentar doenças respiratórias. O tabagismo passivo pode multiplicar por cinco os riscos de mortalidade, se ambos os pais fumam. – O tabagismo passivo pode multiplicar por dois os riscos de morte súbita do bebê. – Se a mãe fuma, o risco de bronquite para a criança aumenta em 72%. – Mesmo que a mulher grávida não fume, ela se expõe à fumaça dos outros, e seu bebê sofre as consequências disso. – Um adulto que vive ou trabalha com um fumante vê aumentar em 26% o risco de ter um câncer de pulmão. – Um adulto que vive ou trabalha com um fumante vê aumentar em 25% o risco de ter uma doença cardíaca. – O tabagismo passivo favorece as doenças respiratórias: as crianças ou adultos que vivem com um fumante podem ter uma bronquite, desenvolver asma... Síntese realizada a partir de documentos • Confronto com os escritos sociais Observação de exposições de motivos e de propostas de lei de dois documentos enviados no ano passado ao Parlamento das Crianças. Apresentamos aqui um deles, com os vestígios das atividades das crianças: – dentro de um retângulo, os elementos que correspondem à superestrutura; – dentro de um círculo, as escolhas de enunciação; – sublinhadas, as formas verbais.
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EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS SENHORAS E SENHORES, Nós notamos que cada dia mais certas crianças são atingidas pela obesidade. Este fenômeno afeta todas as camadas sociais. Essa obesidade precoce pode com frequência acarretar enfermidades graves para a criança e, mais tarde, para o adulto. Parece-nos indispensável e urgente reagir desde a mais tenra idade, a fim de inculcar precocemente os reflexos de consumidor responsável. Nós, as crianças, somos bastante atraídas por alimentos que podem ter efeitos indesejados sobre nosso peso. Com efeito, inúmeros produtos alimentares contêm excesso de açúcares e de gorduras e, em geral, são extremamente calóricos. Nós somos facilmente influenciáveis pela falta de informação e pela qualidade das publicidades. Os industriais do setor agroalimentar e os publicitários sabem bem disso. A lei os obriga a fornecer certas indicações nas embalagens, mas elas são pouco claras, pouco visíveis e de leitura imprecisa. Eis por que, senhoras e senhores, nós propomos que, além das indicações já em vigor, seja previsto um código de cores em todas as embalagens alimentares.
PROPOSTA DE LEI Artigo 1°
Com mais de 400 calorias por 100 g, as embalagens deverão apresentar uma barra vermelha. Entre 200 e 400 calorias por 100 g, as embalagens deverão apresentar uma barra cor de laranja. A barra verde será reservada aos alimentos contendo menos de 200 calorias por 100 g.
Artigo 2°
Esta menção deverá figurar em todas as embalagens alimentares e também nas bebidas.
Artigo 3°
Estes códigos de cor deverão constar nas publicidades.
Artigo 4°
Os serviços de fast-food, nos quais há numerosas embalagens, deverão igualmente respeitar esta obrigação, tanto nos cartazes quanto nas embalagens.
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• Síntese coletiva das observações das crianças: o que aprendemos Elaborou-se coletivamente uma silhueta do texto “Exposição de motivos”. Instrumento n. 1 EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS Destinatários: Senhoras e senhores
Mudança de parágrafo, com passagem à linha seguinte para cada novo argumento (proposta)
Uma constatação que levanta problemas Recuo da primeira palavra do parágrafo
Desenvolvimento da argumentação com precisões para explicar Recuo da primeira palavra do parágrafo
Desenvolvimento de um outro argumento Recuo da primeira palavra do parágrafo
Proposta de uma solução O destinatário é relembrado (senhoras, senhores) Recuo da primeira palavra do parágrafo
Observamos igualmente que: – era preciso empregar “nós” para indicar o que desejamos. Cada aluno fala por todos os alunos do grupo-classe, o que mostra nosso espírito de decisão. – que nos dirigimos a todo mundo, aos franceses, mas sobretudo aos deputados: “Senhoras e senhores”. – A declaração e os argumentos dados são colocados no presente ou no pretérito perfeito composto. – A proposta de lei pode ser apresentada no presente ou no futuro. É preciso dar um exemplo para cada argumento, para facilitar a compreensão.
176 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Elaborou-se coletivamente uma silhueta do texto “Proposta de lei”: Instrumento n. 2 PROPOSTA DE LEI Número do artigo em ordem crescente, em algarismos arábicos Proposta em forma de injunção Alínea no início de cada frase
Número do artigo em ordem crescente, em algarismos arábicos Proposta em forma de injunção Alínea no início de cada frase
Número do artigo em ordem crescente, em algarismos arábicos Proposta em forma de injunção Alínea no início de cada frase
Número do artigo em ordem crescente, em algarismos arábicos Proposta em forma de injunção Alínea no início de cada frase
Nós observamos também: – que era preciso empregar o futuro em cada proposta. O que aprendemos: • A exposição de motivos e a proposta de lei são organizadas em parágrafos. Isso coloca em evidência os diferentes argumentos e cada uma das obrigações. Em cada parágrafo, há várias frases que formam uma unidade, uma ideia, um argumento ou uma obrigação. Utiliza-se uma alínea para torná-la mais visível. Pula-se uma linha. No teclado do computador, utiliza-se a tecla com uma flecha para marcá-la. • Para ter maior poder sobre o leitor, é preciso argumentar utilizando dispositivos de conexão. Instrumento n. 3 Causa Consequência Na medida em que Pois Com efeito Eis por que Então .............................. ..........................
Soma Também Igualmente Da mesma forma ............................. O canteiro de escrita 177
• Para escrever uma obrigação, pode-se utilizar o futuro “de injunção”, que equivale a um imperativo. Com o auxílio de uma tabela de conjugações, deve-se revisar as formas verbais do futuro. Instrumento n. 4 Verbo no infinitivo
Singular
Plural
Dever
Ela deverá
Eles deverão
Ser
Ele será
Eles serão
Ter
Ele terá
Eles terão
Fazer
Ele fará
Eles farão
Versões • Fazer uma versão individual da exposição de motivos e da proposta de lei: Durante o tempo de contrato do trabalho em autogestão, cada aluno retrabalha seu texto e usa diretamente o computador para fazer a paginação. O professor está disponível para precisar as operações de revisão necessárias. Essa atividade é diferenciada. Retorna-se sempre que possível aos instrumentos elaborados na sala de aula ou, caso isso esteja muito fora do alcance das possibilidades dos alunos, o professor dá a solução, explicando-a. A oralização das produções é uma maneira de perceber as dificuldades com os encadeamentos. Inúmeros alunos “abusaram” dos dispositivos de conexão. • Escolha de um texto para o grupo-classe. Entre todas as produções finais, os alunos escolhem um texto de declaração, os argumentos e uma solução. Chega-se, assim, ao texto apresentado na página seguinte (a “obra-prima”, segundo a terminologia dos canteiros de escrita).
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Texto definitivo selecionado pelo grupo-classe para ser apresentado em seu nome ao Parlamento das Crianças EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS Senhoras, senhores, Na França, apesar de inúmeras campanhas e leis contra o fumo, alguns pais continuam fumando diante de seus filhos. Estes são assim vítimas dos danos do tabagismo passivo. Nós não escolhemos... Ora, nos dias de hoje, na França, os cientistas enumeraram mais de três mil mortes causadas por este flagelo. Com efeito, o tabagismo passivo pode multiplicar por cinco os riscos de mortalidade, se os dois pais fumam. Para a mulher grávida, o tabagismo constitui uma ameaça importante ao bom desenvolvimento da gravidez. Lemos nas revistas científicas que o risco de morte súbita do bebê é, nesse caso, multiplicado por dois. Ainda mais, já se provou que o tabagismo passivo aumenta o número de doenças respiratórias, cardíacas e, ainda mais grave, de câncer. Nós, crianças, não escolhemos esta situação. Nossa ação é necessária para resolver este problema. Senhoras e senhores, desejaríamos que a saúde das crianças, ameaçada por este flagelo, fosse levada em consideração. É preciso implantar desde já medidas preventivas. Propomos então: PROPOSTA DE LEI Artigo 1° Por ocasião das visitas “pré-natais”, os médicos deverão informar os futuros pais sobre os danos do tabagismo passivo. A mesma coisa será feita por ocasião das reuniões de informação do início do ano nas escolas maternais, nas escolas do 1° ao 9° anos do ensino fundamental. O médico escolar será responsável por tais informações.
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Artigo 2° Um número de telefone tipo Disque-Denúncia, confidencial e gratuito, será colocado à disposição das crianças atingidas por esse fenômeno. Elas poderão ligar para um conselheiro, que contatará seus pais para informá-los do risco que estão fazendo seu filho correr. Artigo 3° As informações destinadas aos consumidores de cigarro serão reforçadas, através de uma campanha que avise sobre os perigos do tabagismo passivo, realizada nos jornais, na televisão e por meio de cartazes. Para cada maço de cigarros comprado, os vendedores serão obrigados a distribuir um livreto explicativo tratando dos riscos induzidos nas crianças por causa do fumo.
Sistematização No final, faz-se coletivamente o resumo do que aprendemos durante esse canteiro. E reunimos em nosso caderno de descobertas todos os instrumentos e as tabelas recapitulativas construídos durante o canteiro.
180 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
Instrumentos para os professores 1. Lembrete para a preparação de um canteiro de escrita 1. Identificar as características da situação (concebida como uma situação coletiva de resolução de problemas) • O grau de familiaridade com o procedimento de canteiro. • A natureza dos obstáculos à produção (cognitivos, culturais, linguísticos): quais são os conceitos-chave para produzir? • Os pontos de apoio (com relação às competências e às experiências das crianças): como e a que momento eu vou, e eles vão, poder utilizar seus conhecimentos como ponto de referência para a produção? 2. Antecipar a elaboração ativa do texto pelas crianças • Definir qual será meu grau de exigência do ponto de vista das estratégias de produção e da estruturação do próprio escrito (aos sete níveis) para todos os alunos e para cada um deles. • Verificar a concordância entre a escolha do texto que se está produzindo e o projeto de aprendizagem da classe, em função das necessidades coletivas e individuais. • Recapitular os instrumentos de referência presentes na sala de aula, utilizáveis durante o canteiro, e prever as categorias de instrumentos que tenho oportunidade de implantar durante a elaboração do texto e no momento da generalização. • Prever os textos-suportes para a exploração dos conceitos e das convenções próprias à linguagem escrita e ao texto a ser produzido. • Prever atividades de sistematização que contribuam para a construção ou o reforço de uma ou várias competências necessárias à elaboração do texto em questão. 3. Organizar a comunicação e as modalidades de socialização das aprendizagens • Escolher as estruturas de classe nas quais serão conduzidas as diferentes etapas do canteiro de escrita: - trabalho individual - grupo-classe? - coletivo + ou – grande/indivíduos? - pequenos grupos? • Escolher os suportes de comunicação mais adaptados: - às estruturas de trabalho escolhidas (material coletivo e/ou individual?) - à exploração pedagógica que se tem intenção de realizar (fotocópias a marcar com canetas hidrográficas, cartazes de grupos, transparências a serem projetadas...) • Prever os espaços, os suportes e os materiais necessários: - para que o professor possa tomar notas, de maneira organizada, das observações feitas pelas crianças; - à utilização e à colocação em evidência dos instrumentos de referência disponíveis na sala de aula; - às redações e versões parciais; - à realização das obras-primas. Ter clareza sobre tudo o que foi dito anteriormente para estar pronto para escutar, para o imprevisto e para assim poder exercer plenamente seu papel de professor-mediador.
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2. Critérios para a escolha dos textos a serem produzidos no canteiro Vários tipos de escritos podem ser necessários à realização de um mesmo projeto de ação, mas, de maneira geral, apenas um deles vai ser trabalhado em canteiro. Em função dos projetos de ciclos, cada professor aproveita as oportunidades oferecidas pela vida do grupo-classe para conduzir uma proposta de aprendizagem coerente e para situar, uns com relação aos outros, os diferentes tipos de textos trabalhados. – Sua experiência lhe permite alternar critérios diferentes: - a nova exploração de um tipo-protótipo de texto nunca antes foi trabalhado em conjunto – um conto, uma receita, uma carta, um sumário etc. –, que figura no programa de trabalho do ano em curso; - os fenômenos de contraste: em que medida um novo canteiro difere do canteiro precedente? Por exemplo, com relação a um canteiro “receita”, como funciona uma “regra do jogo” (que é também uma ficha técnica)? - os fenômenos de interferências: o que há de comum entre um “sumário” e um “relato de vida”? E entre um “sumário” e uma “regra do jogo”? – Ao contrário, onde se situa o tronco comum e quais são as diferenças entre: - uma carta de solicitação e uma carta de agradecimento? - uma carta-convite (à quermesse) dirigida ao prefeito e uma dirigida ao capitão do corpo de bombeiros (encarregado da segurança)? - uma carta de agradecimento ao subprefeito do bairro, que conhecemos bem e que nos emprestou gratuitamente o salão de festas para um espetáculo, e uma carta de agradecimento ao subprefeito do bairro vizinho, que não conhecemos, mas que nos emprestou gratuitamente um ônibus para irmos fazer um espetáculo no asilo ? A identificação das semelhanças/diferenças entre os diferentes tipos de escritos permite reforçar simultaneamente nas crianças sua familiaridade com todos os tipos de escritos e o conhecimento específico de cada um deles. O nível de classe, de experiência e de desempenho de cada uma das crianças determina o grau de exigência que o professor pode fixar (ver ficha de preparação nos exemplos anteriormente descritos) e as modalidades de apoio que trará a cada um deles. Os critérios que expusemos anteriormente (ver o mesmo parágrafo “Critérios de escolha dos textos” no capítulo “Questionamento de texto”) podem igualmente ajudar os professores a elaborar uma progressão coerente das aprendizagens.
182 Fazer com que as crianças vivam de imediato situações complexas de aprendizagem
4 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística no centro da construção das competências de leitores e produtores de textos Os professores solicitaram das crianças a reflexão metacognitiva e metalinguística durante todas as atividades anteriormente apresen tadas: nos projetos, nas sessões de questionamento de textos, nos canteiros de escrita. Vimos também como, a partir daí, cada grupo-classe constrói instrumentos destinados a facilitar a tarefa de leitura ou de produção dos mais diversos textos. Nesta parte, desejamos insistir simultaneamente na importância da sistematização desta reflexão e mostrá-la em funcionamento não somente nas atividades pré-citadas mas igualmente nas atividades de descoberta ou de reforço que lhes são paralelas. Para apresentar essas atividades, escolhemos tratá-las em função de quatro eixos, que reagrupam os sete níveis possíveis de estruturação de um texto, tais como os definimos no capítulo “Escolha dos instrumentos linguísticos...”, parte “Do contexto à palavra...”. O que apresentamos aqui não são, aos nossos olhos, atividades de orl no sentido pleno do termo; são atividades que visam construir competências de leitores e de produtores de textos. Atividades que provêm dos textos e que retornam a eles.
SUMÁRIO
Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística para construir competências de leitores e produtores de textos
184
7. Em relação ao contexto geral do texto
185
8. Em relação ao texto em seu conjunto
207
9. Em relação às frases
233
10. Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem
250
Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística para construir competências de leitores e produtores de textos Durante a atividade de leitura/compreensão e de escrita/produção, o aluno deve coordenar operações intelectuais, processos que se referem a níveis específicos de análise e de tratamento. Uma atividade cognitiva eficaz supõe, assim, a realização simultânea de seus diferentes tratamentos, no nível do texto, das frases, das palavras ou, mais amplamente, do contexto. Existem mecanismos específicos que o aluno deve aprender a utilizar simultaneamente para questionar o escrito, compreender e produzir textos. Eis todo o sentido dos procedimentos sistematizados de questionamento ou de canteiro de escrita. Quando o processo de aprendizagem faz com que alguns desses mecanismos se tornem suficientemente automatizados, a atividade cognitiva pode ser mais eficaz e menos custosa para os alunos. As atividades de sistematização permitem desenvolver, de maneira quase exclusiva, cada um dos processos que contribuem à compreensão ou à produção. Quando da realização de um projeto específico de aprendizagem em leitura ou em produção de escritos (ver, nesta Parte, o capítulo “Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística em relação ao contexto geral do texto”, p. 185), ou quando de uma atividade complexa de questionamento ou de canteiro, seria conveniente colocar em evidência com os alunos as necessidades específicas e os processos que necessitam de uma aprendizagem mais sistemática e mais explícita. Os processos podem ser objeto de um treinamento eficaz desde que levem em conta uma dupla dimensão metalinguística e metacognitiva. Assim, as atividades de sistematização referem-se simultaneamente: aos elementos linguísticos que funcionam como um feixe de índices que o leitor/produtor deve tratar ou levar em conta, ou seja, a dimensão metalinguística; às modalidades segundo as quais o leitor/produtor trata ou reúne as informações veiculadas pelos textos, ou seja, a dimensão metacognitiva. Lembremos, enfim, que essas atividades se assemelham às demais atividades escolares: o aluno que aprende é também um sujeito social; é participando de um projeto de aprendizagem coletivo, através de intercâmbios, da explicação, da cooperação e do confronto, que cada um vai poder aperfeiçoar suas competências durante a realização das tarefas comuns.
184 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
7. Atividades de sistematização
metacognitiva e metalinguística em relação ao contexto geral do texto1 Vamos deixar mais claro Contexto O termo contexto recobre, na verdade, todo um leque de situações que vão: – do contexto próximo: a situação de comunicação-através-da-escrita, na qual as crianças estão implicadas no presente (enquanto leitoras ou produtoras); – aos contextos culturais mais afastados das crianças: contexto literário, sociológico, tecnológico, histórico etc. Ao retomar aqui a noção de contexto de enunciação, podemos dizer que não é possível excluir o contexto da dimensão extralinguística, dado que ele está explícita ou implicitamente presente em todos os textos, através de múltiplas formas linguísticas, textuais, léxicas, sintáticas, morfológicas (ver a seguir os subcapítulos que correspondem aos diversos níveis de estruturação do texto). Para que o leitor compreenda um texto, deve saber decifrar, no texto, e sobretudo interpretar, os índices que atestam esse contexto, estejam eles explicitamente presentes no texto ou não, sendo daí necessário inferi-los a partir do que está implícito. Para que o escritor produza um texto pertinente, deve saber traduzir o contexto dentro do texto através das diversas marcas linguísticas que domina, a menos que ele mesmo prefira permanecer no nível do implícito. Mas nem por isso os dados linguísticos constituem “o” contexto, eles são apenas meios de ativá-lo no espírito do leitor. O contexto geral de um texto corresponde, assim, ao conjunto de conhecimentos, de experiências, de esquemas de apreensão do mundo, que o leitor ou o produtor de texto convoca em sua memória de trabalho para interpretar ou produzir um texto dado, ou um elemento desse texto.2 1
E não da palavra, aqui. Para as palavras em contexto, ver a seguir o Nível 6.
2
Para uma definição de contexto, podemos igualmente nos referir a alguns sites eletrônicos como www.uottawa.ca, Contexte, compréhension et littérarité, Christian Vanderdorpe, e www.eila. jussieu.fr, Texte, contexte, hypertexte, Christine Durieux. Em relação ao contexto geral do texto 185
Os obstáculos encontrados O contexto de um texto é assim um conjunto muito complexo que coloca inúmeros problemas às crianças (seja enquanto leitoras ou enquanto produtoras): – seja porque têm dificuldades para identificá-lo e de extrair seu sentido, durante a leitura; – seja porque calculam mal o impacto sobre o próprio texto (lido ou produzido); – seja porque ignoram ainda sua existência ou seu conteúdo (o referente).
Competências a construir ou a consolidar Para tirar proveito, em compreensão e em produção de textos, da consideração e do tratamento eficaz do contexto de um texto, é necessário: 1. Saber identificar e caracterizar o(s) contexto(s) de um texto, tanto em leitura quanto em produção. 2. Saber localizar, nos textos produzidos ou lidos, o impacto desses contextos sobre o próprio texto, através dos índices linguísticos ou extralinguísticos que o atestam. 3. Saber inferir o sentido a partir do implícito, do não dito de um texto. 4. Construir para si os conceitos e a terminologia (a metalinguagem) que permitem nomear claramente os elementos do contexto em questão. 5. Saber onde encontrar a documentação que permitirá verificar e esclarecer um contexto preciso. 6. Ter automatizado as estratégias e procedimentos necessários à compreensão dos contextos dos textos lidos ou produzidos.
Atividades Este é um trabalho a longo prazo que pode ocupar a educação infantil e o ensino fundamental I, passar pelo segundo nível do ensino fundamental e atingir mesmo o ensino médio, se os conceitos e os procedimentos não foram anteriormente construídos e automatizados.
186 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Nunca é tarde demais para fazê-lo, pois negligenciar o contexto pode acarretar sério prejuízo para muitos adultos. Para desenredar todos esses contextos e torná-los mais perceptíveis e identificáveis para as crianças do ensino fundamental, de tal maneira que eles possam construí-los e utilizá-los mais facilmente, distinguiremos aqui sucessivamente: – um nível 1, do contexto situacional ou contexto próximo, que se refere mais especificamente aos parâmetros da situação de comunicação escrita imediata, que as crianças percebem mais facilmente; – um nível 2, que se refere aos contextos culturais ou contextos afastados, que implicam simultaneamente seu conhecimento e sua experiência do “mundo dos escritos sociais” (produção, edição, difusão etc.) e os contextos mais vastos mas, justamente por isso, mais afastados deles: contexto literário, sociológico, tecnológico, histórico etc.
Em relação ao contexto situacional de um texto, isto é, ao nível dos parâmetros da situação imediata (nível 1) • O papel deste nível na compreensão/produção de textos Entendemos por contexto situacional o conjunto de dados comuns ao emissor e ao receptor sobre as condições circunstanciais de produção de um texto (lido ou produzido por eles). É preciso que as crianças compreendam que não existe texto “em si” sem contexto; que nenhum texto é neutro que todo texto, escrito ou lido, depende de seu contexto de produção e de seu contexto de leitura, e se encontra esclarecido por eles. Os conceitos que se devem construir para sua aprendizagem (e não as palavras devem decorar) são aqueles que designam seis dos principais parâmetros da situação, tais como podem ser percebidos pelas crianças da educação infantil e do ensino fundamental I e tais como podem agir sobre os textos que leem ou produzem: – o emissor ou o autor, ou o escritor; – o destinatário ou receptor (e a relação – de status ou de poder – que existe entre emissor e destinatário); – o objeto ou conteúdo da mensagem (referente); – o objetivo que determina a intenção de leitura ou de produção; – o que está em jogo em caso de sucesso ou de fracasso da compreensão ou da produção do texto. Em relação ao contexto geral do texto 187
Mas não é sempre necessário identificar constantemente todos os parâmetros e todos os índices que os traduzem. Segundo os tipos de escritos e as intenções de leitura ou de produção das crianças, alguns deles podem parecer essenciais, outros secundários ou negligenciáveis. Assim, em compreensão Uma criança pode, por exemplo: – ler um conto ou um livro, ou utilizar uma regra de jogo, sem prestar atenção ao nome de seu autor; – olhar os títulos e os grafismos de um cartaz sem buscar construir seu conteúdo preciso. Ao contrário, ela procurará espontaneamente: – identificar o autor (aqui o remetente) e conhecer o conteúdo de uma carta que recebeu; pessoal (de um amigo ou de sua avó) ou coletiva [as carta(s) do(s) correspondente(s)]; – ler um cartaz publicitário, com a consciência voltada para o que está em jogo na atividade comercial ou num cartaz de prevenção, do ponto de vista do cidadão esclarecido. O papel da escola é transformar estas reações espontâneas e parciais em aprendizagens eficazes. Em produção A situação de produção de texto é em si mesma mais exigente, pelo menos se estamos falando de uma produção com projeto, questões em jogo e destinatário(s) reais.3 A atualização do contexto situacional na produção de escritos repousa, na verdade, sobre: – a clara percepção dos próprios parâmetros de uma tal situação imediata precisa e a convicção, que parte da experiência, de que essa clara representação é ao mesmo tempo uma necessidade e um auxílio; – os dados práticos: a necessidade de escolher um suporte e uma paginação adequados, identificar as vias possíveis de encaminhamento do texto ao destinatário (entrega em mãos? pelo correio ou por correio eletrônico? através de um cartaz? apresentação oral durante um sarau poético? etc.). O papel da escola é ajudar as crianças a levarem em conta e a tratar todos esses elementos de forma simultaneamente consciente e pertinente.
... e não de textos escolares, cujo único objetivo é “ensinar a escrever” e que privam as crianças da implicação e da exigência intelectual ligadas a um projeto real e a destinatários “em carne e osso”.
3
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Um vaivém regular entre compreensão e produção Na verdade, a situação de produção é de imediato a mais propícia para que as crianças percebam a necessidade de representar para si os parâmetros da situação de comunicação que vão influenciar o texto que têm que produzir, estando acima de tudo o parâmetro do destinatário real. Mas, no processo de produção de um texto, é interessante ver também o que os “profissionais” fazem para escrever textos análogos (ver o capítulo “Canteiros de escrita”, parte sobre a colocação em texto, p. 128). É assim através da prática de um vaivém regular entre compreensão e produção que vão se construir, progressivamente, graças à reflexão metacognitiva, os conceitos relativos a estes parâmetros, a terminologia que os designa (a metalinguagem), as estratégias e procedimentos que permitem utilizá-los regularmente e de maneira pertinente. Como indicam os Programas de 2002 na França, “ao realizar os projetos de escrita fundados em verdadeiras situações de comunicação, é possível acentuar este ou aquele de seus componentes, enquanto o professor assume a gestão dos demais”. O componente que será aqui privilegiado é o destinatário, para que se sublinhe, dessa forma, a importância de levar em conta os parâmetros, e sobretudo a necessidade de que ele exista realmente, nos marcos de verdadeiros projetos. Dois exemplos e um mesmo objetivo: saber identificar o impacto dos destinatários sobre o próprio texto, através dos índices linguísticos ou extralinguísticos que o atestam (ver página seguinte).
Em relação ao contexto geral do texto 189
• Duas descrições de atividades No último ano de educação infantil e 1º e 2º anos do ensino fundamental I O impacto dos destinatários sobre a produção de um convite. 1° ano do ensino fundamental (ver projeto B, p. 38 e o convite, p. 140).
Objetivo geral: aprender a se dirigir aos destinatários precisos de um convite Competência e/ou estratégia: Saber se dirigir a um destinatário coletivo – aqui, os pais das crianças do grupo-classe – e encontrar as palavras para fazê-lo. Modalidades: Tempo 1: trabalho coletivo (5 minutos); Tempo 2: trabalho coletivo (20 minutos); Tempo 3: trabalho coletivo (10 minutos);
Material: As “primeiras escritas” das crianças. Quatro delas são copiadas no quadro-negro.
Trata-se de um trabalho de identificação, durante a fase da colocação em texto de um canteiro de escrita, a partir da análise das primeiras escritas das crianças, feita pelo professor. Este, com efeito, reparou que as crianças tinham uma representação não muito nítida do emissário e do destinatário de seus convites. Já tinha acontecido uma sessão sobre o tema quem escreve? quem convida? (ver p. 140). É necessário precisar agora quem são exatamente os destinatários dos convites e como traduzir essa informação. • Desenrolar Tempo 1: Grupo-classe A fim de se apoiar sobre uma primeira experiência, deve-se rememorar um procedimento anterior referente à exploração de um outro parâmetro da situação, o emissor. O professor coloca a sessão em seu contexto e relembra o trabalho feito anteriormente sobre o parâmetro “emissor(es)”, com a finalidade de ativar na memória das crianças a relação emissores (plurais)-destinatários (plurais) caracterizada por este convite. Ela mostra na parede o instrumento n. 4 “As expressões que significam que estamos convidando” (ver p. 146) e enfatiza com a voz o que está marcado em cinza no texto: convite a classe os convida convida-se eu os convido Julie convida os pais
as crianças os convidam os alunos do 1° ano convidam vocês
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P- Agora, proponho que vocês façam o mesmo trabalho, mas com relação a quem estamos convidando, os pais. Vamos precisar isso um pouco melhor. Tempo 2: Observação reflexiva da língua, e do sentido que é derivado, pelas crianças. P- Eu copiei no quadro-negro alguns dos textos que vocês escreveram (ver as primeiras escritas, p. 143). 1. papai e mamãe eu quer que você vem... 2. papai e mamãe, sábado, 16 de abril... 3. sábado, 16 de abril a festa do lobo está de volta na escola. 4. é preciso ver o lobo está de volta... P- Vamos ver, quem foi convidado para o espetáculo? Todos: Os pais! P- Sim, mas quais? Observem bem o que vocês escreveram. As crianças se concentram nos quatro trechos dessas primeiras escritas, que o professor relê em voz alta. P- Então, o que é que vocês observam? A- O primeiro, lá, ele está convidando só sua mamãe ou seu papai? P- O que é que você quer dizer? A- Bom, ele diz “você”. Com quem é que ele está falando? A- É como o número dois, ele só convida os pais dele? P- Quem é que você queria que ele convidasse? A- Bom, todos os pais, e não apenas os dele. P- Sim, é verdade, não se pode confundir os pais dele com... Na verdade, são quantas pessoas? A- Duas. A- Eu, só minha mamãe é que vem. A- E eu três, com minha avó. P- Sim, então não se pode confundir os pais de um só aluno e os pais das crianças de todo o grupo-classe, que são mais ou menos quantos, na opinião de vocês? A- Ehh, muitos. P- Sim, quase cinquenta. A- Puxa! A- É, mas cada um podia convidar só os seus pais, e assim eles viriam todos. A- É, mas isso seria uma carta... e não um convite... não para todo o grupo-classe. P- E o que vocês acham dos últimos textos, o três e o quatro? A- Ah, bom, aqui, não sei, ele não diz. A- Ou ela não diz. A- Podia ser todo mundo... Em relação ao contexto geral do texto 191
A- Todo o bairro... A- Bom, aí não haveria mais lugar! P- Então, o que é que poderíamos escrever para dizer exatamente a quem estamos nos dirigindo? A- Venham todos os papais e as mamães... nós convidamos vocês. O professor anota as sugestões sobre uma grande folha. P- Ou ainda? A- Pais queridos, nós convidamos todos vocês. A- As crianças do 1° ano convidam todos vocês. A- Do grupo-classe de Julie. A- É isso aí. P- Outra coisa? A- ... P- Bem, vocês já indicaram várias maneiras possíveis de se dirigir a todos os pais em nome de todo o nosso grupo-classe: a. Venham todos os papais e as mamães... nós convidamos vocês... b. Pais queridos, nós convidamos todos vocês. c. As crianças do 1° ano de Julie convidam todos os pais do grupo- classe. P- O que é que nós poderíamos colocar em cinza para deixar claro a quem nos estamos dirigindo? Vamos fazer isso juntos: a. Venham todos os papais e as mamães... nós convidamos vocês... b. Pais queridos, nós convidamos todos vocês. c. As crianças do 1° ano de Julie convidam todos os pais do grupo- classe. P- O que é que essas frases têm de semelhante? A- Há sempre “pais” ou “papais e mamães”. A- Há sempre a palavra “todos” O professor observa que estas pessoas às quais escrevemos “vocês”, “todos”, são pessoas reais, não pessoas que existem apenas no papel. Podemos mesmo contá-las (vocês = dois, não é igual a vocês = 50). E se nós não prestarmos atenção ao que estamos escrevendo, nos arriscamos (é o que está em jogo) a só convidar algumas. P- Cada um de vocês pode agora retomar seu convite e ver se pode mudar alguma coisa nele para que possamos ver melhor a quem exatamente ele está dirigido. Vocês viram que há várias possibilidades... O resultado desta reflexão se vê nos convites que as crianças reescreveram, entre os quais o de Amina (ver p. 149).
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Tempo 3: Recapitulação e auxílio à memorização, sob a forma de um vestígio escrito, que será colado na parede dos instrumentos da sala de aula e nos cadernos de descoberta dos alunos: Instrumento n. 5 Para convidar todos os nossos pais, podemos escrever: – Venham todos os papais e as mamães... nós convidamos vocês... – Pais queridos, nós convidamos todos vocês – As crianças do 1° ano de Julie convidam todos os pais do grupo-classe
• Comentário Esta é uma primeira experiência precisa que se refere aos destinatários dos escritos. Desde a educação infantil, as crianças têm, na verdade, o hábito de refletir sobre o(s) destinatário(s), mas em situações orais, como nas de jogos de rpg.* Depois de termos identificado as maneiras possíveis de se dirigir a um destinatário plural, deveremos continuar a explorar sistemática e regularmente a relação do escritor com todos os outros destinatários aos quais os diferentes projetos o levarão a se dirigir por escrito e a distinguir, na leitura, os índices que vão permitir reconhecê-los e derivar sentido. Poderemos, assim, utilizar o que aprendemos aqui para nos dirigirmos a outros destinatários coletivos: os correspondentes, as crianças de outros gruposclasses, os moradores do bairro etc. No ciclo 2 Atividade sobre o impacto das relações com os destinatários nos textos produzidos desde o início do ano (3° ano do ensino fundamental). Objetivo geral: captar o impacto de nossas relações com os destinatários nos textos que escrevemos. Competência e/ou estratégia: – Dominar, num texto lido ou produzido, os vestígios, as marcas do parâmetro “destinatário”. Modalidades: Tempo 1: trabalho individual (15 minutos) Tempo 2: Trabalho de grupo (15 minutos) Tempo 3: coletivo (20 minutos) Tempo 4: coletivo (30 minutos) *
Material: Os textos produzidos no grupo-classe desde o início do ano.
N.T.: Role-playing game, jogo em que os jogadores assumem papéis de personagens e criam narrativas colaborativa e concomitantemente. Em relação ao contexto geral do texto 193
• Desenrolar Tempo 1: Trabalho de rememoração do grupo-classe. O professor coloca a sessão em seu contexto, isto é, dentro do longo trabalho de explicitação sobre os parâmetros da situação do escrito empreendido neste grupo-classe de 3° ano do ensino fundamental, no qual já se estabeleceu, com efeito, sucessivamente: – uma Tabela 1, que recapitula os textos escritos pelo grupo-classe sob o título: “Produzir textos para verdadeiros destinatários”, que encontraremos aqui, na página 64. Ela possui três colunas: - nos marcos de que projeto foi produzido este texto? - como se caracteriza o tipo de escrito em questão? - quem são seus destinatários? – uma Tabela 2 (a seguir) que se apoia nos dados da anterior e que se refere aos destinatários e às relações que as crianças-escritoras têm com eles. Quem são eles, para nós? Quem somos nós, para eles? Que tipo de relação temos com eles? As crianças classificaram e categorizaram esses diversos destinatários. Esta reflexão resultou na construção da Tabela 2, que relembramos a seguir. Tempo 2: Trabalho em grupos. Entre os textos produzidos, três deles, bastante contrastados, foram distribuídos a cada um dos grupos. Instruções: onde são apresentados estes destinatários, nas próprias palavras do texto? Como se pode saber, ao lê-los, a quem vocês estão se dirigindo? Marquem e classifiquem seus vestígios nos três textos de seu grupo. Tempo 3: Colocam-se em comum os vestígios e as propostas de classificação dos diferentes grupos. Classificação e categorização das marcas linguísticas e extralinguísticas dos destinatários no texto. Tempo 4: Grupo-classe. Construção da Tabela 3, recapitulativa, que figura na página 196, “Os vestígios de nossos destinatários em nossos textos”. A redação desta tabela será completada na seção seguinte.
194 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Tabela 2. Nossos destinatários • Eu mesmo – Meu diário – Minhas cartas pessoais – Meus contratos individuais
– Eu mesmo – Eu mesmo – Eu mesmo e a professora
• Crianças como nós, nossos pares – Poemas “à maneira de” “Bahia”, de Blaise Cendrars – Ficha técnica para construir um barco que flutua – Cartas (correspondência escolar) – As regras de utilização dos jogos ao ar livre – Sumários científicos e fichas técnicas – Uma paródia de contos tradicionais
– As crianças do grupo-classe – Nossos correspondentes – crianças de um outro continente e de uma outra língua – Todos os alunos – através dos delegados de classes – e os professores – Todas as escolas do bairro (as crianças e seus pais) – Os alunos das escolas e do colégio
• Adultos próximos, pais ou professores, que consideramos amigos e temos prazer em informar ou convidar – Convite para uma reunião – Meus contratos individuais – Sumários científicos e fichas técnicas – Uma paródia de contos tradicionais
– Nossos pais – Nossos pais – Pais e professores das escolas e do colégio – Pais e professores das escolas do bairro
• Adultos “distantes”, que possuem poderes e competências, a quem pedimos ajuda – Uma carta – Um questionário
Políticos – O prefeito – O deputado – O conselheiro geral – O senador
– Uma paródia de contos tradicionais
Autores de literatura infanto-juvenil
– Uma carta de solicitação
• Outras pessoas4
4
Os diretores do – Escritório de turismo – Parque regional – Centro de hospedagem – Museu do instrumento
É indispensável deixar em aberto este inventário e ir completando-o aos poucos.
Em relação ao contexto geral do texto 195
Tabela 3. Os vestígios de nossos destinatários em nossos textos 1. Presença explícita dos destinatários no texto • Através dos pronomes por meio dos quais nos dirigimos a eles (entre os quais temos que escolher) – você (meu amigo ou minha avó) – você (quando eu falo comigo mesmo no meu diário) – vós de polidez/ os senhores (os pais, os professores da escola ou do bairro ou da cidade, os políticos, os diretores de organizações, os autores de literatura infanto-juvenil) – vós/vocês = vários você (os correspondentes, meus pais) • Através das palavras que usamos para interpelá-los – por seu nome: - Caro Karim - Cara Manou (avó) – antes por seu status que por seus nomes: - Caros correspondentes - Caros amigos da escola Carlitos - Caros pais da classe de 3° ano A - Senhor deputado - Senhora diretora do Escritório de Turismo - Visitantes da floresta de Carnelle • Através do imperativo (sem utilizar pronome) por meio do qual nos dirigimos aos destinatários – todas as formas de fichas técnicas: receitas, regras do jogo, ficha de fabricação – os cartazes – os convites – as proibições: Não corram! (nos corredores) • Através do “estilo”* dos textos e do vocabulário que o acompanha Ex: Comparação de três cartas de solicitação, enviadas por ocasião de nosso espetáculo: - aos pais: “Vocês vão achar que estamos exagerando, mas ainda precisamos da ajuda de vocês!”. Estilo familiar e humorístico; - ao prefeito: “Esperamos que o senhor tenha a bondade de nos autorizar a...”. Estilo sério e respeitoso.
*
Nota de Revisão Técnica (N.R.): Registro da língua.
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– ao capitão do corpo de bombeiros (que é o papai de F.): “Caro senhor X, temos toda confiança no senhor para garantir a segurança de nossa festa”. Estilo amigável 2. Presença implícita dos destinatários no texto • Há textos sem presença aparente do(s) destinatário(s) – as fichas técnicas (se escolhemos o infinitivo) – os textos científicos ou documentais – os contos e suas paródias – os poemas (em geral) 3. Vestígios que não se encontram nas palavras do texto • A escolha dos suportes e das formas de paginação – uma página de formato A4, inteira ou dobrada – um cartaz – um caderno – um cartão em cartolina (do tipo brístol) – um formulário pré-codificado etc. • A escolha do caminho que nosso texto seguirá para chegar às mãos de seu destinatário – ser entregue em mãos – ser enviado pelo correio – por correio eletrônico – por cartazes pregados – através de uma exposição (científica ou artística) – através de um sarau poético Atenção: Esta recapitulação não é exaustiva, deixar lugar para completá-la pouco a pouco
• Comentário Primeiro, precisamos aprender uma atitude: levar em consideração, de maneira explícita, os destinatários de nossos diferentes escritos. Depois, aprender a estabelecer um repertório evolutivo das principais marcas linguísticas e extralinguísticas significantes.
Em relação ao contexto geral do texto 197
Em relação aos contextos culturais dos textos (nível 2) Como vimos anteriormente, entendemos por contextos culturais ou contextos afastados dos textos aqueles mais vastos, que, por essa mesma razão, estão mais distantes da experiência imediata das crianças: contexto literário, sociológico, tecnológico, histórico-geográfico etc. Isso se refere: – tanto aos escritos das diversas áreas dos programas escolares: matemática, ecologia, história, ciências da vida etc. – quanto às revistas especializadas, aos romances históricos, à crítica literária etc.
• O papel desse nível na compreensão/produção de textos • Trata-se de compreender ou produzir textos que tenham, com maior frequência, um ou mais campos lexicais específicos. – Para a compreensão de um texto específico: É preciso identificar e esclarecer o vocabulário especializado e, sobretudo, estabelecer ligações (uma rede) entre suas palavras ou expressões. Por exemplo, para melhor compreender uma reportagem sobre o tsunami na Ásia, pudemos identificar, distinguir, marcando em cores diferentes e estabelecer uma ligação entre as palavras ou expressões que falam: da causa da catástrofe; de suas consequências dramáticas; da organização dos socorros; das ajudas internacionais etc. – Para a produção de um texto específico: É preciso se acostumar a: pesquisar as palavras “possíveis” (substantivos, verbos, adjetivos, dispositivos de conexão etc.) que fazem parte dos campos lexicais correspondentes ao tema que desejamos tratar; assegurar-se que as compreendemos bem; colocá-las em ligação com outras palavras conhecidas: sinônimos, hiperônimos; utilizá-las em seu texto de maneira coerente. (Ver, por exemplo, o canteiro de escrita da proposta de lei para o Parlamento das Crianças, p. 167).
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• As atividades que decidimos apresentar aqui: – No 1° ano, quisemos dar uma atenção particular ao contexto específico que implica, para as crianças, seu conhecimento e sua experiência do “mundo do escrito”, em suas diversas dimensões: produção, edição, difusão. Quem produz todos esses escritos sociais que nos cercam? Com que objetivo? Quem os imprime ou os realiza concretamente, e com que meios técnicos? Quem os difunde? Como esses escritos sociais chegam até nós? – No 1° ano, retivemos o auxílio à leitura de um romance histórico.
• Descrição de duas atividades, nos ciclos 1 e 2 No ciclo 1 Atividade relativa à exploração sistemática do mundo dos escritos que nos rodeiam e à localização de alguns de seus parâmetros.
No início do 2° ano do ensino fundamental. Objetivo geral: explorar a diversidade e as funções dos escritos sociais que existem no espaço coletivo que nos cerca, mas além da sala de aula e da escola Competência e/ou estratégia: “Desescolarizar” a representação do escrito e começar a estruturar o mundo do escrito que existe à nossa volta Modalidades: Tempo 1: coletivo (30 minutos) Tempo 2: pequenos grupos + adultos (uma hora) Tempo 3: pequenos grupos e coletivo (30 minutos) Tempo 4: pequenos grupos e coletivo (quatro vezes de dez minutos) Tempo 5: um dia inteiro, para a realização e a colocação dos painéis Tempo 6: para a criação da regra do jogo
Material: – uma máquina fotográfica descartável, ou emprestada, para cada grupo; – película plástica para plastificar fotos a frio; – papel para cartazes (para os painéis); – cartolina de várias cores (para os títulos); – etiquetas autocolantes (para as legendas nas fotos coladas nos painéis).
Em relação ao contexto geral do texto 199
• Desenrolar: Tempo 1: Coleta de dados no bairro:5 “Caça aos escritos”, sob a forma de um passeio-exploração e de um safári fotográfico. Vamos fotografar os escritos na prática, de maneira que possamos em seguida lê-los e compreender em que lugar estão inseridos, e qual é sua utilidade ou função. Será necessário justificar por que decidimos tirar esta ou aquela foto. Tempo 2: Seleção das fotos, acompanhadas de sua justificação, pelos alunos que as tiraram. Transformação das fotos significativas em “baralhos” plastificados. Tempo 3: Observação reflexiva dos escritos fotografados e seleções sucessivas segundo vários critérios: por lugar de implantação, por tipo de suporte, por função (para que servem esses escritos). Tempo 4: Organização e realização de uma exposição de fotos na sala polivalente. Tempo 5: Uma vez desmontada a exposição, criação de um jogo do tipo “tire uma carta e forme famílias” com as fotografias. • Onde se situa a reflexão metacognitiva e metalinguística das atividades, nas diferentes fases deste projeto? Ela está explícita: – quando definimos juntos os critérios de escolha dos escritos a serem fotografados: um escrito integral, que tem sentido, mostrado em seu contexto. Não se trata de “tirar fotos de qualquer coisa à direita ou à esquerda”, como disse bem uma criança. – quando da escolha dos escritos a serem fotografados por cada pequeno grupo, por exemplo, a placa de um médico na porta de seu prédio, ou um painel indicando o caminho da prefeitura, ou a palavra Padaria sobre a entrada de uma loja. Será que isso é exatamente um escrito? (um escrito, e não coisas escritas). As crianças sabem que terão que justificar suas decisões fotográficas diante das fotos tiradas, quando voltarem à sala de aula. – quando da seleção das fotos que respondem aos critérios definidos e da eliminação exigente daqueles que não preencherem essas condições (ainda que sejam belas ou engraçadas... estas, nós as guardaremos para utilizar num outro projeto). 5
Poderia ser aldeia, num outro contexto geográfico.
200 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
– quando da discussão dos casos litigiosos: textos truncados, textos cuja foto foi tirada tão de perto que não se vê o contexto, mas também as pichações etc. Plastificaremos apenas as fotos “legitimadas” pela discussão, primeiro no pequeno grupo, em seguida no grupo-classe. – na fase de observação reflexiva dos escritos fotografados. – na identificação dos textos fotografados e em sua denominação explicita. – nos critérios de escolha de seleção: como poderemos classificar os escritos contidos nestas fotos? Vamos tentar concretamente. Foram retidos vários critérios sucessivos: classificação por lugar de implantação, por tipo de suporte, por nome do escrito em questão, por função (para que servem estes escritos). – quando cada grupo coloca legenda, nas fotos selecionadas, com uma etiqueta autocolante, com as quatro indicações seguintes: • nome do escrito; • suporte; • lugar de implantação; • finalidade.
Exemplo de etiqueta: Indicação do consultório de um médico, sobre placa de cobre perto da entrada de um prédio. Objetivo: informar.
– na invenção de um jogo possível com as cartas-fotografias de que dispomos: tiramos uma carta e ganhamos um ponto cada vez que podemos justificar que temos duas cartas-textos com uma característica comum (em função dos critérios definidos durante o projeto). • Práticas exigentes Vamos sublinhar aqui a importância das práticas “em que se deve agir concretamente”, propostas às crianças para ativar sua reflexão metacognitiva e metalinguística. Ter que: – escolher escritos para fotografar e verificar se correspondem aos critérios definidos; – justificar as fotos tiradas e sua seleção; – selecionar as fotos-textos segundo diversos critérios; – redigir as etiquetas de apresentação de cada foto, tendo em vista a exposição; – organizar os painéis da exposição; – garantir que os painéis serão apresentados aos pais e aos outros gruposclasses; Em relação ao contexto geral do texto 201
– inventar as regras de um jogo; – justificar os pontos que ganhamos durante o jogo faz parte das práticas exigentes que constituem situações-problema a serem resolvidas “em situação”, antes de revê-las e de analisar as estratégias que nos permitiram ultrapassá-las. • De que trata esta reflexão metacognitiva e metalinguística? – mais do funcionamento social do mundo do escrito do que da língua; – de seu contexto situacional e de seus índices; – do trabalho que o leitor tem que fazer para compreendê-los; – do trabalho do produtor; – das estratégias a utilizar. O que aprendemos • A localizar os textos à nossa volta e a nos perguntar: – Quem os escreveu? – Para que servem? – São eles dirigidos para nós, crianças? – Se sim, para quê? – Se não, a quem? • Como leitores, a nos perguntar: Em que medida o contexto de um texto nos auxilia a compreendê-lo? – o suporte? – o lugar de sua implantação? – o tamanho dos caracteres? • Como “escritores”, a pensar em escolher bem: – o suporte; – o lugar de implantação; – o tamanho dos caracteres. • Comentário Este é o início de um longo caminho de explicitação, que conduzirá as crianças a explorar e a categorizar sucessivamente os diversos aspectos do “mundo do escrito”: – A produção: quem escreve? – A edição: quem imprime, quem produz concretamente os escritos sociais? – A distribuição: como os escritos sociais chegam a seus leitores? Essa aculturação reflexiva se adensa durante toda a escolaridade dos alunos.
202 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Nos 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental Atividade relativa à compreensão do contexto histórico no romance do qual foi tirado o trecho “A chegada à fazenda”, no 4° ano do ensino fundamental (ver “O questionamento do texto”, p. 110).
O campo lexical da escravidão que está manifesto nesse texto fornece muitos índices que permitem compreendê-lo melhor: o texto, o próprio sistema da escravidão e a vida das personagens. Objetivo geral: compreender o contexto histórico desse texto Competência e/ou estratégia: Buscar e construir a rede de sentidos que constitui um campo lexical no tema de um texto. Modalidades: Tempo 1: coletivo (dois minutos) Tempo 2: individuais, em seguida pequenos grupos (15 minutos) Tempo 3: coletivo (15 minutos) Tempo 4: coletivo (5 minutos) Tempo 5: pequenos grupos e coletivo (45 minutos) Tempo 6: coletivo (20 minutos) Tempo 7: o tempo de um canteiro de escrita
Material: – o texto; – canetas hidrográficas de diversas cores.
• Desenrolar Tempo 1: A professora situa, para a classe, o sentido do trabalho a ser feito – para a compreensão do texto; – mas também para a compreensão do sistema de escravidão. Esta sessão vai completar o trabalho realizado sobre as personagens (ver p. 117). Tempo 2: Quais são as palavras que traduzem a escravidão no texto? Marcar individualmente o texto, em seguida confrontar o resultado nos grupos. Tempo 3: Colocação em comum. Problemas encontrados: – compreensão das palavras: feitor; – esquecimentos (muitas palavras ou expressões que traduzem a violência). Completa-se em conjunto. Tempo 4: Como poderemos classificá-las? Busca de “etiquetas temáticas” com vistas a uma tabela recapitulativa. Tempo 5: Classificação por temas, em pequenos grupos, e elaboração coletiva de uma tabela. (Ver p. 205). Em relação ao contexto geral do texto 203
Tempo 6: O que podemos derivar deste texto (Ver a seguir pp. 204 e 206). – Para a compreensão deste trecho e para o próprio romance? – Para nosso conhecimento do contexto histórico do romance: a escravidão? – Para nossas competências de leitores? – Para nossas competências de produtores? • Reflexão metacognitiva O que aprendemos 1. Sobre o contexto histórico do romance: a escravidão A escravidão tem por objetivo conseguir trabalho gratuito para as fazendas de algodão de diversos países da América. Ela consiste em arrancar de suas aldeias, pela força, os africanos e transportá-los a um menor custo para a América. Faz-se trabalhar duramente não apenas os homens, mas também as mulheres e as crianças. Os principais beneficiários da escravidão são os donos de fazendas da América. Mas, por ambição e medo, eles contratam o serviço de negreiros na África e de contramestres ou feitores nas fazendas. 2. Para a compreensão deste trecho e para o romance em si mesmo: Compreendemos melhor os perigos que Lygaya tem que enfrentar e tememos o que vai se passar com ele a partir daí. 3. Para aperfeiçoar nossas competências de leitores: Quando lemos um romance ou uma história que se passa num certo contexto histórico, é melhor buscar informações sobre esse contexto (em revistas, livros, dicionários e na internet), para compreender o que vivem exatamente às personagens do romance. 4. Para aperfeiçoar nossas competências de produtores: Se quisermos escrever um relato que se passe num contexto histórico preciso, é melhor nos documentarmos, fazer uma lista das palavras que falam dessa época e ter certeza de que as compreendemos bem. Tentar organizá-las em rede de sentido na nossa história.
204 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Os vestígios do sistema de escravidão nesse texto OS LUGARES
1. Os continentes A África capturado negreiro aldeia caçador altivo
A América fazenda de algodão escravos
(entre os dois) levados (= o “tráfico” dos negros) chegou, se repousar (depois da terrível viagem)
2. A fazenda: a segregação dos espaços suntuosa mansão a casa a propriedade
a senzala as choupanas
OS PAPÉIS E OS PODERES NA FAZENDA o senhor
o feitor substitui o senhor
o responsável dos escravos, encarregado de vigiá-los e de adestrá-los
os escravos inclusive crianças e mulheres
AS RELAÇÕES HUMANAS De um lado, a violência Os gestos: levantou-o do chão olhar mergulhou arrastou-o sem se preocupar
O tom: esbravejou gritou rugiu
As palavras que descrevem: chicotear ar severo malvado cicatriz
As palavras pronunciadas: preguiçoso negrinho deveria estar trabalhando surpreendido a esgueirar-se a andar em torno adestrá-lo senão... chicote
Do outro, a humilhação e o medo me desculpe é minha culpa não se preocupe abaixou a cabeça
curvava os ombros tremia
e/ou
a raiva, a solidariedade oculta
chorar de raiva liberdade dignidade altivez
tranquilizou-o fique com sua mãe evitar os aborrecimentos
Em relação ao contexto geral do texto 205
• Comentário É claro que o que acabamos de apresentar não é uma seção clássica de vocabulário. Se a elucidação deste é necessária, não se faz para que o aluno grave palavras novas, mas, sobretudo, para ativar ou reforçar as estratégias e os processos de compreensão de um texto num contexto cultural definido, seja qual for sua natureza: literário, sociológico, histórico-geográfico, tecnológico etc.
206 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
8. Atividades de sistematização
metacognitiva e metalinguística em relação ao texto em seu conjunto Em relação aos tipos de escritos lidos ou produzidos (nível 3) e à superestrutura dos textos (nível 4) • O papel destes níveis na compreensão/produção dos textos O conhecimento dos modos de organização dos textos exerce um papel determinante no processo de compreensão e de produção. As representações prototípicas permitem categorizar o tipo de escrito e prever a organização das informações contidas num texto. O leitor/produtor dispõe, assim, de capacidades de identificação do tipo de texto e dos modelos organizacionais que induzem conhecimentos relativos aos objetos-textos e às suas funções. No contexto das situações de leitura ou de produção de escritos contextualizados, cada confronto com o escrito encontra-se em estreita relação com um projeto explícito de leitura/ escrita. Cada tipo de texto tem uma finalidade ou um objetivo comunicativo autêntico: as fichas técnicas ou as regras de jogo servem para agir; os textos documentares, para informar ou explicar o mundo; as histórias, para entrar na literatura ou para distrair. Num plano estritamente pedagógico, escolhemos uma tipologia de escritos que privilegia simultaneamente situações de enunciação, índices de contextualização e de textualização facilmente “reconhecíveis” pelos alunos do ensino fundamental (ver “Viver em textos”). Não devemos confundir o fim e os meios: não se trata de fazer os alunos aprenderem a identificar todas as estruturas de todos os textos, mas de desenvolver sua habilidade de tirar partido da estrutura de um texto para hierarquizar as informações e realizar uma atividade regulada de compreensão ou de produção. Em relação ao texto em seu conjunto 207
• Competências necessárias • Conhecer e reconhecer os escritos sociais, funcionais e literários em uso na escola. • Identificar as funções dos principais tipos de escritos. • Identificar os tipos de escritos apoiando-se sobre sua organização particular. • Reconhecer a organização geral de um texto e sua dinâmica interna. • Identificar as marcas de superfície características dos diferentes tipos de textos. • Utilizar índices paralinguísticos e linguísticos para categorizar os textos. • Utilizar adequadamente os critérios para ler, classificar ou produzir textos. • Saber encontrar as categorias de informações num texto. • Saber localizar e hierarquizar as informações. • Saber analisar um documento simples e precisar alguns de seus traços característicos. • Ser capaz de utilizar a estrutura de um texto para localizar as unidades de tratamento semântico. • Ser capaz de utilizar as inferências lógicas fundadas no encadeamento provável das proposições. • Ser capaz de realizar inferências pragmáticas fundadas no reconhecimento do que está em jogo nos discursos referente aos “motivos”, às intenções do autor de um texto. • Compreender a relação de justaposição que as proposições mantêm entre si.
Um tipo qualquer de escrito não é, a priori, mais difícil do que um outro. Os critérios retidos para a escolha dos textos permitem estabelecer uma graduação das dificuldades. O que deve guiar a organização das atividades e a construção das competências é a interação entre as dificuldades do texto e as capacidades de leitor/produtor das crianças. As experiências culturais são, sem dúvida, uma reserva potencial para agregar as representações e os modelos organizacionais dos textos. Se o texto narrativo é acessível aos mais jovens, desde que contenha uma estrutura relativamente definida, é sem dúvida porque o relato de ficção integrou amplamente as práticas familiares do escrito, mais especificamente durante a primeira infância. Mais uma vez, o que favorece a descoberta das estruturas e do funcionamento específicos de textos de diferentes tipos é a frequência regular, na escola, de todos os tipos de escritos e a construção progressiva da cultura escrita. Os esquemas textuais correspondem às representações mentais que o aluno vai construindo à medida que se encontra com os textos; eles permitem antecipar os níveis de informações e, assim, ativar as modalidades pertinentes de tratamento e de produção de texto.
208 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
• Descrição de duas atividades No último ano da educação infantil e no 1º e 2º anos do ensino fundamental Descrição de duas atividades em relação aos tipos de escritos, conduzidas no final do 1° ano do ensino fundamental Competência: Identificar as funções dos principais tipos de escritos Modalidades: Trabalho em grupo Trabalho coletivo
Material: Textos vistos durante o 1° ano do ensino fundamental Cartazes em branco de grande formato para facilitar o trabalho de grupo e o trabalho coletivo
Tempo 1: Instruções: Vocês vão observar os textos que lemos durante este ano e juntos encontrar uma maneira de classificá-los, fato que vocês terão que justificar. Tempo 2: Confrontaremos suas propostas de classificação. Os alunos dispõem dos seguintes textos, numerados para facilitar sua localização e sua classificação.
Textos propostos: 1. 2. 3. 4. 5.
O artigo sobre as formigas em “Wapiti” O cartaz da Feira de Ciências A carta da diretora da escola brasileira A ficha de fabricação da pipa La rentrée des mamans, J. Hoestland. Bayard Poche 6. Le navet. Rascal. École des Loisirs. 7. O mapa-múndi 8. O calendário escolar do Brasil 9. Esquetes para os correspondentes 10. O cartaz do Salão dos Escritos 11. Minha receita de maçãs do amor 12. Une histoire à suivre. Claude Roy 13. Rêve. Anne-Marie Chapoutin 14. As instruções de construção do terrarium. 15. A receita do pão de queijo brasileiro 16. Os quadrinhos enviados pelos correspondentes 17. Il était une fois le corps humain. S. Pérols. Hachette 18. A ficha de apresentação do fichário de matemática reescrita pela professora
19. O texto “Como ajeitar um terrarium” 20. O cartaz da “Noite da coruja” 21. Uma carta coletiva dos correspondentes 22. A regra do jogo “Objetivo 100” 23. Le Noël de Kamila. C. Lamblin. Nathan 24. Chloé et la dent de lait. C. Pistinier. École des Loisirs 25. Les animaux ont des ennuis. Jacques Prévert 26. Fourmis, fourmis... Eugène Guillevic 27. L’album du loup sentimental. G. de Pennart. École des loisirs 28. O sumário da exposição do 4° ano do ensino fundamental, “Os animais noturnos” 29. Os conselhos de utilização da escova de dentes. 30. L’album du petit renard perdu, L. Espinassous. Milão 31. O cartão de Natal do prefeito 32. Panique à Sourisville. Vários autores. Nathan 33. A carta de reserva para a visita a La Villette Em relação ao texto em seu conjunto 209
• Desenrolar Tempo 1 Propostas do grupo 1: Os textos que contam histórias: 5-6-23-24-16-32-30-27-9 Os textos que aprendemos de cor: 12-13-25-26 As cartas que recebemos: 3-21-31-33 Os textos que permitem fabricar alguma coisa: 4-22-29-14 As receitas: 15-11 Os cartazes: 2-20-10 Os textos que fornecem informações: 1-19-7-8-18-17-28 Propostas do grupo 2: As histórias: 5-6-23-24-32-27-9-30 Os quadrinhos: 16 Os cartazes que fornecem informações: 10-20 Os cartazes que convidam: 2 Os poemas: 12-26-13-25 As cartas: 33-32-8-21 Os textos que fornecem informações: 18-1-19-17-7-8 As fichas técnicas: 11-4-14-22-29-15 Propostas do grupo 3: As histórias: 9-27-30-32-16-23-6-5-12 Os textos documentais: 24-1-7-19-8-23-17 Os poemas: 13-25-26 As fichas para fabricar: 4-11-14-22-15-29-18 As cartas: 33-21-3-31 Os cartazes: 10-2-20 Propostas do grupo 4: As histórias: 27-30-32-24-23-6-5-17 Os esquetes: 9 Os quadrinhos: 16 Os poemas: 13-12-25-26 Os cartazes: 20-10-2 Os textos documentais: 1-19-18-7-8-28 As cartas: 33-31-20-3 As fichas de fabricação: 11-14-4-22-29-15
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Tempo2 Cartazes coletivos com as propostas P- Olhem as propostas de cada grupo. Com o que vocês estão de acordo? A- Nós colocamos todos os poemas juntos. P- Tudo bem, mas será que os números são os mesmos? A- Não,em certos grupos encontramos três poemas; em outros, quatro. P- Então vamos olhar juntos. Qual é a diferença? A- Estamos todos de acordo com os números 13-25 e 26, mas não com o 12. A professora pega o texto mencionado. P- Ei, crianças do grupo 3, por que vocês não puseram o 12 nos poemas? A- Porque é uma história, está escrito no título. A- Não, nada disso, nós até decoramos esse texto. É um poema. A- Tem até mesmo rimas. A- É, e ele está no nosso caderno de poemas! P- Então, o que é que vocês do grupo 3 acham? A- É verdade, nos enganamos por causa do título. P- Bom, então vocês estão todos de acordo, vocês fizeram uma primeira classificação que reúne os poemas. A- sim! P- E sobre o que mais vocês estão de acordo? A- Sobre os cartazes, mas o grupo 2 separou os cartazes. P- É verdade, vocês poderiam explicar a escolha de vocês? A- Nós pensamos que o que está dito não é a mesma coisa. P- Por que não é a mesma coisa? A- Bom, o cartaz 2 nos convida a participar da Feira de Ciências, enquanto os outros dizem apenas que ela vai acontecer. A- E além disso? P- Segundo o 10 e o 20, não somos obrigados a ir. A- Vamos porque temos vontade. É mais uma informação. P- E o que pensam os outros? A- É meio verdade, mas eles têm a mesma forma. P- Então, o que vamos fazer? A- Podemos conservar a classificação do grupo 2, que é mais precisa. P- Bom, vamos olhar as outras classificações. A- Todos nós encontramos textos que contam histórias. A- Sim, mas não é a mesma coisa, os números não são os mesmos. P- Então vamos olhar o que não é semelhante. A- Os grupos 2 e 4 colocaram os quadrinhos separado. P- Por quê? A- Porque não está escrito igual. Em relação ao texto em seu conjunto 211
A- Tudo bem, mas eles contam uma história, de qualquer jeito. P- Será que os grupos 2 e 3 estão de acordo? A- Sim, é verdade, eles contam histórias. A- Nesse caso, temos que colocar o número 9 junto com as histórias. P- Todo mundo está de acordo? A- Sim. A- O grupo 4 se enganou também, ele colocou o número 17 junto com as histórias. P- Por quê? A- Porque ele diz “era uma vez”. A- Sim, mas isso não é uma história, é um texto documental! A- Olhem bem o texto, ele fornece informações. A- Vocês se enganaram. A- É como agorinha, vocês se enganaram por causa do título. P- Bom, será que o grupo 4 está de acordo? A- Estamos. P- E para os textos documentais? A- Estamos todos de acordo agora. A- Não, olhem bem, os números 24 e 18 não estão no mesmo lugar. P- Grupo 3, por que vocês colocaram o 18 junto com as fichas de fabricação? A- Porque lemos a ficha. A- Mas não é uma ficha de fabricação, ele fala do livro de matemática. A- Sim, serve para saber como vamos utilizá-lo. A- Ela dá informações. A- Então tem que ser posto junto com os textos documentais. P- Bom, vocês conseguiram ficar de acordo agora? E o 24? A- Nós o botamos lá porque fala de dentes de leite. A- É, mas é a história de Cloé. A- É uma história. P- Então? A- Vamos botá-lo junto com as histórias. P- Bom. O que ainda está faltando? A- Faltam as receitas e as fichas que servem para fabricar. Aí não estamos todos de acordo. P- Então, quem quer explicar? A- As receitas e as fichas, todas as duas servem para fazer alguma coisa, são feitas do mesmo jeito. A- Isso mesmo, elas dão as instruções para fabricar um bolo ou um objeto. P- Então? A- Vamos colocá-las na seção das fichas de fabricação. 212 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
P- Bom, conseguimos nos colocar todos de acordo sobre uma classificação. Para resumir, vamos redigir juntos o vestígio escrito. Vestígio escrito Ao classificar os textos, vimos que existem: – textos que fornecem informações, que informam, que explicam e que descrevem. São eles: os textos documentais; os artigos de revistas; os sumários; os cartazes, os cartões, as cartas. – textos que permitem formar uma opinião, que convidam, que motivam. São eles: os livros; os textos; os quadrinhos; os esquetes. – textos que brincam com as palavras: os poemas. – textos que dão as instruções para fabricar ou fazer funcionar alguma coisa, que servem para construir. São eles: as fichas de fabricação; as regras do jogo; as receitas; os manuais de instruções.
• Comentário: Essa primeira classificação permite esclarecer a noção de silhueta e de função dos textos. Ela será enriquecida e aperfeiçoada à medida que acontecerem nossos encontros durante o 1° ano do ensino fundamental, mas também no ciclo 2. No ciclo 2 Um exemplo de atividade de resolução de problemas: seleção de textos documentais.
• O objetivo desejado é chamar a atenção dos alunos sobre as variações das estruturas dos textos documentais e identificar os índices visíveis das escolhas de organização dos textos. • Competências a serem trabalhadas: Identificar diferentes estruturas num mesmo tipo de escrito: o texto documental. Saber analisar um documento simples e precisar alguns de seus traços característicos.
Em relação ao texto em seu conjunto 213
Corpus: todos os textos documentares aqui apresentados foram extraídos da coleção “Mon bibliotexte”, cycle 3,* Bordas. Texto 1: As afecções da respiração, p. 171 Texto 2: Dia-noite, p. 202 Texto 3: O aparecimento do homem, p. 12 Texto 4: O crescimento de uma árvore, p. 142 Texto 5: Um castelo fortificado, p. 28 Texto 6: Dolly, p. 153 Texto 7: As metamorfoses da rã, p. 140 Texto 8: Se falta um único elo, a cadeia se rompe, p. 140 Texto 9: A criança pedestre, p. 127 Texto 10: A instalação elétrica de uma casa, p. 219 Texto 11: Os ofícios na Idade Média, p. 31 Texto 12: As mesmas unidades de medida para todo o país, p. 47 Texto 13: Um parque natural, p. 80 Texto 14: Uma estrela: o sol, p. 194 Texto 15: Duração das viagens no século xix, p. 50 Desenrolar Tempo 1 Seleção dos textos, realizada por quatro grupos heterogêneos. Tempo 2 Confronto das seleções a partir dos vestígios do trabalho dos alunos. Grupo 1 1-5-11-13-14 sucessão de informações
6-7-10 sucessão cronológica de informações
2-3-4-8-9-12-15 sucessão de explicações
Grupo 2 Organização cronológica: 6-10-7-3 justificação: em primeiro lugar xx em seguida XX depois XX finalmente XX ao mesmo tempo X em direção a mais uma data X foi então que X
*
Justificação para o texto 7 Ovos Larva Girino Jovem rã Rã adulta
N.T.: Na nomenclatura francesa, o cycle 3 corresponde no Brasil ao ciclo 2.
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Organização em partes: 5-11-13-1-14 Detalhe ou parte 1 Detalhe ou parte 2 Detalhe ou parte 3 Detalhe ou parte 4 Etc.
Tema = título
Organização – Fenômeno – explicações: 3 Ou – Consequências: 2-8-4-12 – Comparação: 15
Grupo 3 Antes – depois: 8 No início – no fim: 4 À medida que: 3-7-15-6-10 Descrição por partes ou subpartes: 1-5-13-2 Ficha técnica: 14 Não classificado: 11-9-12
Grupo 4 Ideia
Ideia
Ideia
Tema
Ideia
Ideia
Ideia
Ideia
Ideia
Para os textos n. 1-5-11-13-14 Tema
Tema
No início Depois Em seguida Pois No final Para os textos n. 3-6-7-10-15
Explicação 1
Explicação 2
Explicação 3
Explicação 4
Para os textos n. 2-4-8-9-12
Em relação ao texto em seu conjunto 215
• A síntese coletiva A síntese coletiva permite comparar e explicitar as categorizações que repousam sobre a identificação das macroestruturas semânticas: – reconhecimento das principais ideias dos textos; – identificação dos laços que mantêm com o assunto do texto. Os confrontos sucessivos permitirão distinguir três tipos de textos documentais. Encontramos três tipos de textos documentares: A organização do texto repousa sobre: 1) uma descrição: este tipo de texto fornece informações sobre um assunto, precisando suas características ou categorias constitutivas de um certo tema. Por exemplo: uma estrela: o sol os ofícios da Idade Média um castelo fortificado um parque natural Possíveis critérios de identificação: lista de elementos por vezes hierarquizados.
2) uma explicação ou a explicitação das causas ou das consequências de um fenômeno. Por exemplo: A criança pedestre: – não pode ver por cima dos carros – distingue mais lentamente do que o adulto um veículo em movimento – os motoristas não a veem – não reconhece os sinais sonoros do perigo = causas Um pedestre morto em cada dez é uma criança = consequência Possíveis critérios de identificação: – presença de dispositivos lógicos de conexão (porque, uma vez que, então, posto que, além disso) – alíneas, segmentação do texto 3) a cronologia, a sucessão de acontecimentos Possíveis critérios de identificação: – presença de datas no início do parágrafo – presença de dispositivos temporais de conexão – numeração (ver lista proposta pelo grupo 2)
216 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
• Comentário Não se trata aqui de desenvolver saberes referentes às estruturas textuais, mas de focalizar a atenção das crianças sobre as marcas – os possíveis critérios de identificação – da organização dos textos documentais para melhor compreendê-los, isto é, para identificar rapidamente, em suas futuras leituras, as intenções e as ideias de um autor. As observações aqui formuladas não devem levar a generalizações porque se trata essencialmente de instrumentos evolutivos, que facilitarão a realização de procedimentos analógicos em utilizações posteriores, para: – encontrar palavras-chave e índices pertinentes; – extrair uma ou várias informações de um texto; – produzir inferências com base nas relações estabelecidas entre diversas informações; – colocar em evidência os laços entre informações dispersas ou consecutivas; – comparar/reagrupar informações; – colocar em relação documentos sobre um mesmo assunto para verificá-los e completá-los; – identificar as zonas de texto que contêm ou fornecem informações essenciais.
Em relação ao texto em seu conjunto 217
Em relação à coerência do discurso e à coesão do texto (nível 5) • O papel deste nível na compreensão/produção de textos Diante de um texto que devem ler ou produzir, os alunos se confrontam com as dificuldades que podem ser da ordem da coerência ou da coesão do texto. Se a primeira é relativa às propriedades do discurso, a segunda é uma propriedade do texto. É difícil, mesmo para um adulto, fazer a diferença entre as regras de coerência e as que caracterizam a coesão, porque elas estão intimamente misturadas no interior de um mesmo texto. Tentaremos aqui definir as dificuldades que os alunos encontram no nível 5, sejam elas da ordem da coerência ou da coesão do texto, a fim de que sejam capazes de identificá-las, analisá-las e tratá-las de um ponto de vista semântico para uma melhor compreensão. É importante que os alunos compreendam que um texto não é uma sequência de frases. Estas são organizadas de maneira a proporcionar a estruturação do texto. Por um lado, cada frase deve se articular à precedente com o objetivo de fazer avançar as ideias do texto e, por outro lado, de um ponto de vista mais geral, ela deve garantir a coerência do texto, que depende de fatores semânticos e sintáticos. Assim, para que um texto seja coerente, deve responder a um certo número de regras de organização textual: – a regra da repetição: trata-se de elementos que se repetem de uma frase a outra e que constituem um fio condutor que garante a continuidade temática; – a regra da progressão: trata-se de elementos que trazem uma informação nova durante o desenvolvimento do texto. Quais são então os elementos que proporcionam a coerência ou a coesão do texto e que podem constituir obstáculos à compreensão? Trata-se principalmente: – das repetições anafóricas; – da utilização dos dispositivos de conexão; – da progressão temática; – das marcas não linguísticas do texto; – das escolhas enunciativas.
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• As repetições anafóricas À medida que avança num texto, o leitor se confronta com informações novas e com a repetição de elementos já conhecidos. As anáforas fazem parte desses elementos de repetição. Elas podem ser de natureza diferente, isto é, a repetição total ou parcial do texto pode ser assegurada por: pronomes, grupos nominais, pronomes demonstrativos... Diz-se comumente que a utilização de um substituto impede a repetição. No entanto, esse não é seu único papel. Ele pode, sobretudo numa progressão temática, ser o sinal de que o tema está sendo mantido e garantir, assim, a continuidade. No caso das anáforas nominais, a repetição do referente pode ser simples e fiel. Às vezes, ela é mais complexa porque pode ser o hiperônimo do referente, o resumo do conteúdo de uma frase, ou ser ainda qualificativa ou descritiva, trazendo, assim, informações novas sobre o referente. Na escola, sabe-se que, se esse procedimento de repetição for mal visto, ele pode acarretar dificuldades de compreensão, que se deveriam: – ao fato de os alunos só reconhecerem uma personagem quando ela é explicitamente nomeada; – à sua incapacidade de reconhecer um substituto, sobretudo quando este se apresenta sob a forma de um grupo nominal. Ele é então tratado como um outro objeto, uma outra personagem, um outro lugar. Exemplo: “a filha do rei” é percebida como se fosse diferente da “princesa Eva”; – ao número de substitutos presentes numa mesma frase; – à distancia que separa o referente do substituto; – à utilização, num texto, do substituto antes do ou dos referentes (como o emprego do “nós” que remete a um certo número de pessoas explicitamente nomeadas mais além no texto ou ao narrador, que não é mencionado); – às categorias gramaticais às quais pertencem os substitutos: - pronomes pessoais, demonstrativos e relativos; - advérbios de tempo, de lugar; - sinônimos ou hiperônimos; - perífrases... Trata-se, assim, de fazer com que o aluno localize e possa tratar estas repetições para construir, à medida que avança na leitura, sua compreensão do texto.
Em relação ao texto em seu conjunto 219
• A utilização dos dispositivos de conexão No encadeamento de ideias de um texto, os dispositivos de conexão são elementos de ligação entre as proposições ou um conjunto de proposições. Eles proporcionam a estruturação do texto ao marcar as relações semânticas, lógicas ou temporais entre as proposições. Os dispositivos de conexão podem exercer um papel na função enunciativa. Eles precisam as escolhas de organização do discurso do locutor (papel importante, por exemplo, nos textos argumentativos). Distinguem-se geralmente dois tipos de dispositivos de conexão: – os que têm um valor temporal ou espacial; – os que marcam a articulação do raciocínio (dispositivos de conexão de argumentação, de enumeração...). O aluno deve, portanto, saber interpretar esses elementos para poder construir o sentido do texto, compreender o que o autor quis dizer, ou produzir o que ele mesmo deseja dizer. • A progressão temática Trata-se da repartição da informação no texto, que se caracteriza pela presença de temas, isto é, “de quem estamos falando”, e de propósitos: “o que se diz sobre isso”. Num texto, o tema garante a continuidade, enquanto o propósito traz uma informação nova e garante a progressão. Existem vários tipos de progressão temática mais ou menos complexas: – a progressão por tema constante, presente na maior parte dos textos narrativos. Aqui se retoma um mesmo tema de uma frase a outra, mas ele é associado a diferentes propósitos; – a progressão linear, em que o tema de uma frase é tirado do propósito da frase precedente; – a progressão por temas derivados, mais complexa que as demais porque cada frase apresenta um tema diferente. Ligados entre si, esses temas formam um conjunto chamado hipertema. A dificuldade reside, por um lado, no fato de que um texto não é forçosamente construído a partir de uma única progressão, mas a partir de várias delas, misturadas; por outro lado, uma mesma progressão pode apresentar rupturas. • As marcas não linguísticas do texto Trata-se de considerar, em relação ao texto: – as marcas de pontuação, não do ponto de vista da observação da língua em si, mas com relação aos valores que traduzem e à relação que estabelecem entre as informações;
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– as alíneas: a presença de uma alínea marca a ruptura temática e chama a atenção do leitor para o fato de que será feita uma mudança; – a organização da paginação em parágrafos (que com frequência começam por um dispositivo de conexão) torna essas rupturas ainda mais manifestas. Essas marcas ajudam o leitor a tratar as unidades referenciais do texto e a manter a coerência do discurso. • As escolhas enunciativas Trata-se de levar em conta, para uma melhor compreensão do texto, os elementos de enunciação utilizados pelo autor, aqueles que o leitor deve interpretar: – as pessoas (emprego do eu ou do ele) que remetem diretamente à situação de comunicação e cujo emprego só pode ser compreendido com relação a esta; – as marcas de tempo e de lugar, que exprimem o momento ou o lugar. Elas colocam um problema de interpretação na medida em que se relacionam a uma situação de comunicação específica, à qual o leitor tem que se referir; – o tempo dos verbos (e sua organização em sistemas), que permite que o leitor situe o que é evocado com relação ao momento de enunciação. Todos os elementos descritos anteriormente devem ser objeto de uma aprendizagem metalinguística e metacognitiva no nível 5, para que os alunos compreendam de maneira sutil o texto que estão lendo e para que possam utilizá-los de maneira apropriada na situação de escrita. • As competências necessárias Adquirir competências no que se refere à coerência do discurso e à coesão do texto é: 1) Ter conseguido automatizar o tratamento das anáforas, tanto na produção quanto na recepção Isto é, ser capaz de: – compreender os papéis e os valores semânticos de um substituto; – estabelecer a ligação entre um substituto e seu referente. 2) Estabelecer relações entre as diferentes partes de um texto Isto é, ser capaz de: – localizar e classificar os dispositivos de conexão em função de seu valor; – estabelecer as relações temporais, espaciais ou lógicas entre as diferentes partes de um texto (parágrafos, frases); – articular as diferentes partes do texto, apoiando-se sobre o valor dos dispositivos de conexão.
Em relação ao texto em seu conjunto 221
3) Compreender a progressão das ideias num texto Isto é, ser capaz de: – identificar o(s) tema(s) evocado(s) pelo texto e o campo lexical que o exprime; – ligar os temas aos propósitos a eles relacionados; – compreender a organização das ideias em todos os tipos de progressão temática e de utilizá-los na produção. 4) Interpretar os elementos de segmentação e de pontuação do texto Isto é, ser capaz de: – localizar e utilizar os sinais de pontuação para compreender a mensagem do narrador: a sucessão ou a ruptura entre as ideias, a declaração, a inserção, as alíneas, os parágrafos; – relacionar os sinais de pontuação com a intenção do emissor. 5) Localizar e interpretar as escolhas enunciativas do autor Isto é: – localizar e identificar o locutor (eu/ele); – localizar e identificar as mudanças de ponto de vista; – identificar as marcas de lugar, relacionando-as com a situação de enunciação; – identificar as marcas de tempo, relacionando-as com a situação de enunciação; – relacionar o tempo dos verbos e o sistema por eles constituído no momento da enunciação.
• Apresentação de um exemplo de progressão relativo às repetições anafóricas Se nos ciclos 1 e 2, para a aquisição de uma mesma competência, as atividades podem ser idênticas, a progressão vai se exercer na complexidade dos textos. Assim, na hora de escolher os textos, tomaremos cuidado com as dificuldades que os alunos podem encontrar no tratamento dos substitutos que evocamos anteriormente (ver Ponto 1).
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Ter automatizado o tratamento das anáforas tanto na produção quanto na recepção No último ano da educação infantil (5 anos) e 1º e 2º anos do ensino fundamental Compreender os papéis e os valores semânticos de um substituto Atividades possíveis • A partir da leitura de histórias com poucas repetições anafóricas (pronome, grupo nominal), trabalhar a identificação da personagem principal e suas designações. • Trabalhar da mesma maneira as personagens secundárias. • Codificar um texto em função das repetições anafóricas, atribuindo uma cor a cada personagem, acompanhando-as durante todo o texto. • A partir de uma história que os alunos conheçam, propor repetições anafóricas nominais das personagens. Eliminar os substitutos que não correspondem ao caráter da personagem. Exemplo: para o lobo em Patratas, de Corentin, propor: o animal gentil, o animal faminto, o animal feroz, o comedor de coelhos... • Fazer produzir grupos nominais substitutos a partir de etiquetas com expansões do substantivo que caracterizam uma personagem prototípica conhecida. Exemplo: para a feiticeira: A feiticeira malvada, a gentil feiticeira, a velha com poderes mágicos... • Classificar essas expressões em função da informação que contém e relacioná-las a uma história conhecida: Exemplo: quais são as expressões que poderíamos utilizar para a feiticeira Camomila? A feiticeira de Branca de Neve?...
Nos 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental
Estabelecer a ligação entre um substituto e seu referente
Estabelecer a ligação entre um substituto e seu referente
Atividades possíveis • Numa história que os alunos conheçam, colocar o bom substituto. • Trabalhar primeiro sobre uma, depois sobre várias personagens da história. • Trabalhar a partir de pronomes, de grupos nominais ou de outras expressões gramaticais. • Continuar essa atividade com textos em que as repetições anafóricas sejam cada vez mais numerosas, em que o referente esteja afastado do substituto.
Atividades possíveis • Reconstituir a cadeia anafórica de um referente. • Propor textos com dificuldade crescente (cf. dificuldades anteriormente evocadas nesta parte).
Compreender os papéis e os valores semânticos de um substituto Atividades possíveis • A partir de textos desconhecidos, pedir para que os alunos façam uma lista das repetições anafóricas para classificá-las em função do tipo de informação que fornecem ou não, da luz que lançam sobre o texto. • Seguir, através de marcas coloridas feitas com canetas hidrográficas, as repetições anafóricas de uma ou de várias personagens. • Mudar o caráter de uma personagem utilizando repetições anafóricas nominais opostas às que foram inicialmente utilizadas no texto. • Categorizar os substitutos. • Jogos do tipo Sete famílias: os alunos devem reconstituir as famílias de substitutos (sinonímia). • Jogo dos contrários: encontrar os substitutos opostos. Exemplo: o animal feroz – o animal dócil.
Em relação ao texto em seu conjunto 223
Descrição de duas atividades no ciclo 2 No 3° ano do ensino fundamental Atividade em relação à coerência e à coesão do texto conduzida no grupo-classe do 3° ano do ensino fundamental depois do questionamento do texto: O Titanic afundou duas vezes6
O professor coloca a seção no contexto das aprendizagens planejadas para a semana em curso. P- Para compreender melhor o texto do Titanic, marcamos com canetas hidrográficas todos os índices que permitiam identificar o sujeito do texto. Vamos agora aplicar essa nova estratégia nos outros textos. Objetivo geral: compreender a progressão das ideias num texto Competência e/ou estratégia: – identificar o(s) tema(s) evocado(s) pelo texto; – compreender a organização das ideias em todos os tipos de progressão temática. Modalidades: Tempo 1: trabalho individual (cinco minutos) Tempo 2: trabalho de grupo (15 minutos) Tempo 3: coletivo (30 minutos)
Material: – três textos em cartazes bem distribuídos espacialmente para facilitar a compreensão da progressão temática – canetas hidrográficas de várias cores
Desenrolar: Tempo 1: trabalho individual Instruções: Vocês vão ler sozinhos o texto que vou lhes dar Tempo 2: Instruções: Com o auxílio das canetas hidrográficas, vocês vão marcar em cada frase sobre quem estamos falando. Se vocês pensarem que não estamos falando da mesma coisa, peguem uma cor diferente. Tempo 3: Vamos colar os textos marcados no quadro-negro e confrontar suas respostas.
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Ver o capítulo “Questionamento de texto”, p. 82.
224 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
• Observação dos trabalhos pelos alunos As bactérias As bactérias são os primeiros seres vivos que apareceram sobre a Terra há 3500 milhões de anos. Elas são tão pequenas que só as podemos ver no microscópio. Elas são constituídas de uma única célula. Encontramos bactérias por toda parte: no solo, nos objetos, no ar, na água. Certas bactérias provocam doenças e infecções. Outras nos são úteis, como as que vivem nos intestinos e nos permitem fazer a digestão. No solo, as bactérias provocam a transformação em húmus dos vegetais e dos animais mortos, contribuindo para sua decomposição. Texto extraído de Mon bibliotexte cycle 3, Bordas As metamorfoses da rã Na primavera, a rã fêmea põe seus ovos, que são fecundados pelo macho. Em cada ovo, durante duas semanas, se desenvolve uma larva. Depois, a larva sai do ovo: é o nascimento do jovem girino. Ele tem uma grande cabeça, nada graças à sua cauda, vive e respira na água pelos brânquios e se alimenta de vegetais (plantas aquáticas e algas). Texto extraído de Mon bibliotexte cycle 3, Bordas Uma criação industrial Uma criação industrial de porcos agrupa um grande número de indivíduos. Sua alimentação é fabricada industrialmente a partir de cereais (trigo, cevada, milho) produzidos nas regiões de grandes culturas, mas também a partir de outros elementos (soja, por exemplo), importados em grande parte. As grandes quantidades de resíduos produzidas por esses importantes reagrupamentos de animais e atiradas nos terrenos vizinhos constituem frequentemente uma fonte de poluição. A matança dos animais se faz em matadouros industriais... L. Buisson e P. Guérin, 30 mots-clés pour comprendre l’environnement. PEMF 1999
Em relação ao texto em seu conjunto 225
P- Vocês marcaram os textos da mesma maneira? A- Sim e não. P- Você pode ser mais preciso? A- No texto sobre as bactérias, só marcamos em vermelho, mas, nos outros, marcamos com outras cores. A- Isso quer dizer que é a mesma coisa! P- Como assim, a mesma coisa? Você pode explicar melhor? A- Quer dizer que este texto fala todo o tempo de bactérias. P- Será que os demais estão de acordo? Todas as crianças concordam. P- Se fizermos um esquema da organização das ideias, o que vamos escrever? Um aluno vai ao quadro-negro e propõe: Bactérias Elas Elas As bactérias Certas bactérias Outras As bactérias
226 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
P- O que quer dizer isso? A- A cada nova frase, se retoma a palavra bactéria e se dá uma informação nova sobre ela. P- De acordo. Quem quer vir sublinhar o que se diz sobre as bactérias? Um aluno sublinha, com a ajuda dos outros, o resto das frases. P- Tudo bem. E para os dois outros? A- Não é a mesma coisa! Há várias cores. P- Sim, e o que quer dizer isso? A- Que não se fala da mesma coisa a cada frase. P- E os outros estão de acordo com o que se acabou de dizer? A- Não, não é a mesma coisa. P- O que é que não é a mesma coisa? A- No texto sobre as metamorfoses, as mesmas palavras voltam sempre. P- Você quer ser mais preciso sobre o que acabou de dizer? Quer nos mostrar? O aluno se levanta e mostra a palavra “ovo”. P- Na primeira frase, fala-se da rã que põe ovos, e na segunda? A- Diz-se que há uma larva dentro do ovo. P- E na terceira? A- Que a larva sai do ovo e vira um girino. P- E na quarta? A- Que o girino tem uma grande cabeça e usa sua cauda para nadar... P- Bom, vamos resumir. O que podemos concluir a partir daí? A- Quando passamos de uma frase a outra, retoma-se uma palavra. P- Apenas uma palavra? A- É uma palavra, mas é também uma ideia e fala-se dela. P- Tudo bem. E se tentarmos fazer um esquema, como fizemos antes? Uma criança vai ao quadro-negro e propõe:
Rã fêmea
ovos
Ovos
larva
Larva
girino
Ele
Em relação ao texto em seu conjunto 227
P- Essa é uma nova maneira de organizar as ideias. A- Sim, não é o mesmo esquema. Fica rã, ovo, ovo, larva, larva, girino, ele. A- Tem-se uma frase que fornece uma informação sobre alguma coisa e depois retoma-se a ideia na frase seguinte. P- E a terceira? A- Vamos fazer um esquema para ver se é igual aos outros. Assim ficaremos sabendo. P- Tudo bem, quem quer tentar? Uma criança vai ao quadro-negro e propõe: Uma criação industrial de porcos Sua alimentação As grandes quantidades de resíduos A matança dos animais P- Parece-se com o primeiro. Mas o que é diferente? A- As cores. A- As ideias de uma frase à outra. A- Sim, mas de qualquer forma fala-se sempre da criação. P- Você pode ser mais preciso quanto ao que acabou de dizer? A- Fala-se de criação industrial, mas a cada vez se dá uma informação sobre ela. P- Se entendi bem o que vocês acabaram de dizer, o assunto principal é a criação e, em cada frase, dá-se uma informação que permite compreender o que ela é. A- É isso aí. P- Se colocamos as flechas, como vamos fazer?
228 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Um aluno desenha as flechas sobre o esquema anterior. Uma criação industrial de porcos Sua alimentação As grandes quantidades de resíduos A matança dos animais P- O que aprendemos hoje? Os alunos resumem o que se acabou de dizer e propõem-se deixar um vestígio escrito. Vestígio escrito: Para melhor compreender ou escrever um texto, tenho que ter em mente a maneira pela qual as ideias podem ser organizadas Sujeito 1
o que se diz dele 1
Sujeito 1
o que se diz dele
Sujeito 2
o que se diz dele 2
Sujeito 2
o que se diz dele
Sujeito 3
o que se diz dele 3
Sujeito 3
o que se diz dele
Sujeito principal
o que se diz dele
Sujeito 1
o que se diz dele
Sujeito 2
o que se diz dele
Diante de um texto: – – –
identifico de quem ou de que se está falando e o que se diz dele ou sobre isso; localizo a organização; estabeleço a relação das ideias entre si utilizando canetas hidrográficas.
Em relação ao texto em seu conjunto 229
• Comentário Nessa seção, os alunos abordaram o que podiam ser o tema e os propósitos. Através dos códigos de cor, eles materializaram a relação entre as ideias, identificando assim a progressão temática de cada texto. Logo após esse tempo de sistematização, houve fases de treinamento nas quais eles puderam treinar essa estratégia. Este é um trabalho a longo prazo porque nem sempre os textos são construídos de acordo com um mesmo esquema temático. Torna-se então necessário prosseguir as atividades deste tipo durante os 3o e 4o anos do ensino fundamental, propondo textos cada vez mais complexos que vão misturar progressões temáticas diferentes. No 4° ano do ensino fundamental Atividade ao nível da coerência e da coesão do texto conduzida numa classe do 4° ano do ensino fundamental, depois do questionamento do texto: Chegada na fazenda7 Objetivo geral: ter automatizado o tratamento das anáforas tanto em produção quanto em recepção Competência e/ou estratégia: – compreender os valores semânticos de um grupo nominal substituto Modalidades: Tempo 1: trabalho individual (cinco minutos) Tempo 2: trabalho de grupo (15 minutos) Tempo 3: coletivo (30 minutos)
Material: – dois textos criados especialmente para esta sessão – canetas hidrográficas de várias cores
Desenrolar: Tempo 1: trabalho individual Instruções: Vocês vão ler sozinhos o texto que propus e marcar os substitutos de Melusa. Tempo 2: Instruções: Vocês vão confrontar as respostas e fazer o retrato de Melusa. Tempo 3: Vamos fazer juntos a coletivização do texto.
Tempo 1: O professor coloca a sessão em seu contexto. “Por ocasião da leitura do texto ‘Chegada na fazenda’, vimos que se empregavam substitutos para designar um mesmo referente e que, para compreender bem o texto, era importante identificar qual era o referente. Hoje vamos tentar compreender o papel desses substitutos”.
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Ver o capítulo “O questionamento de texto”, p. 82.
230 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Colagem de cartazes com os textos e as respostas dos alunos (os retratos propostos aqui são uma síntese dos vestígios escritos dos diferentes grupos) Texto 1: Melusa, a feiticeira
Texto 1: Melusa, a feiticeira
Esta bonita feiticeira nasceu em uma tarde de abril no fundo da floresta de Cournouilles. Desde sua mais tenra idade, esta mulher de cabelos louros se fez notar por todos os demais alunos da escola de feitiçaria. Excelente maga, ela participa do curso de fabricação de poções mágicas. Os professores dão mostras de paciência porque esta doce jovem é uma aluna extremamente promissora. No dia da grande reunião anual dos feiticeiros, a inteligente Melusa fez aparecer um dragão azul, o que lhe permitiu ganhar o prêmio de excelência.
Esta horrível feiticeira nasceu em uma tarde de abril no fundo da floresta de Cournouilles. Desde sua mais tenra idade, esta mulher de cabelos negros se fez notar por todos os demais alunos da escola de feitiçaria. Excelente maga, ela participa do curso de fabricação de poções mágicas. Os professores dão mostras de paciência porque esta mulher malvada é uma aluna extremamente promissora. No dia da grande reunião anual dos feiticeiros, a pérfida Melusa fez aparecer um dragão azul, o que lhe permitiu ganhar o prêmio de excelência.
Retrato:
Retrato:
Melusa é uma feiticeira Bonita Com cabelos louros É uma excelente maga Ela é gentil Ela é inteligente
Melusa é uma feiticeira Ela é muito feia Ela tem cabelos negros Ela é uma ótima feiticeira Ela é malvada e pérfida
P- Agora que vocês leram as respostas dos diferentes grupos, o que podem dizer delas? A- Nossas feiticeiras não se parecem. Os retratos não são idênticos. A- Há uma que é gentil e bonita e a outra é feia e má. A- Sim, mas todas as duas são muito boas em magia. A- Portanto, se observarmos bem, o texto é o mesmo. P- Por que é que você diz isso? Você pode explicar? A- As frases são as mesmas. O que muda são as palavras que substituem Melusa.
Em relação ao texto em seu conjunto 231
P- Que dados nos fornecem os substitutos de Melusa? A- Sabemos que ela é bonita ou feia. A- Sabemos que ela é malvada ou gentil. A- Seus cabelos não são da mesma cor. A- Finalmente, as informações diferentes são dadas pelos substitutos postos no lugar de Melusa. P- Tudo bem, mas o que é que isso muda realmente? A- Muda o caráter da personagem e o sentido do texto. A- Sim, os grupos de palavras não são os mesmos. P- São grupos nominais. A- Sim, mas “ela”, que substitui Melusa, não dá informações. P- Daí, o que podemos concluir? A- Que certos substitutos não dão informações suplementares sobre a personagem, mas os grupos nominais que substituem Melusa trazem mais informações sobre a personagem, sobretudo quando incluem adjetivos. P- Bom, acho que vocês compreenderam. Vamos redigir juntos os vestígios escritos. Vestígios escritos: Num texto, o emprego dos grupos nominais substitutos permite fornecer informações suplementares sobre a personagem ou o objeto de que se fala. As informações podem tratar do caráter, do aspecto físico... Para compreender bem o texto, eu devo: – identificar os grupos nominais substitutos; – compreender as informações que eles fornecem e relacioná-las entre si. Quando escrevo, posso utilizar os grupos nominais substitutos para substituir um referente e fornecer assim informações complementares.
• Comentário A escolha da utilização de dois textos “pré-textos” permitiu esclarecer o papel exercido pela utilização de grupos nominais substitutos. Talvez isso não fosse tão bem percebido num texto integral, em que a quantidade de informações pode ocultar as repetições anafóricas. Utilizaram-se ulteriormente textos integrais para treinar essa estratégia, tanto em leitura quanto na escrita.
232 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
9. Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística em relação às frases (nível 6) Vamos deixar mais claro Papel do nível da frase na compreensão/produção de textos Ler e compreender uma frase não consiste em “colocar lado a lado” o sentido de todas as palavras que a compõem. A frase é a primeira unidade semântica constituída de uma rede hierarquizada de “microproposições”. Para construir uma representação do sentido da frase, o leitor/produtor deve estar em condições de transformar uma sequência de palavras em uma ou várias proposições que correspondem globalmente à expressão de uma ou várias ideias. Isso necessita de uma série de tratamentos, entre os quais: – os tratamentos léxicais: a identificação das palavras e a compreensão da significação dos grupos de palavras; – os tratamentos sintáticos: a ordem dos grupos de palavras, o recorte sintagmático, a localização das relações entre as palavras e os grupos de palavras; – os tratamentos semânticos: a identificação das proposições, a hierarquização das ideias e sua integração no contexto do texto. O leitor levará em conta os diferentes tratamentos, cada um por si e conjuntamente, para construir o sentido; já o produtor os utilizará para elaborar ou integrar uma nova proposta a uma globalidade, o texto. A frase enquanto tal deve assim ser apreendida, tanto em leitura quanto em escrita, como uma imbricação de relações que colaboram com a construção da significação: um tríptico tema-propósito-complemento de frase, informações diversas ordenadas e hierarquizadas, tipos de frases, relação entre as proposições (coordenação, justaposição, subordinação), pontuação, léxico no contexto, relação entre as palavras, marcações do feminino e do plural, concordância sujeito-verbo. Em primeiríssimo lugar, a frase deve ser considerada uma etapa que fornece a significação global do texto, em sua relação com as outras frases do texto.
Em relação às frases 233
• As competências necessárias • As competências esperadas em matéria de compreensão e de produção de frases são as seguintes: – identificar o núcleo de sentido que delimita o tema (sobre quem ou sobre o que fala o autor) e o propósito (o que o autor quer dizer sobre este tema); – selecionar as informações que permitem contextualizar uma frase, estabelecer uma ou várias relações com o que vem antes ou depois; – buscar extrair as ideias principais; resumir as ideias de uma frase; – localizar numa frase os elementos que lançam luz e permitem precisar as circunstâncias de tempo, de lugar ou de finalidade; – elaborar um esquema mental que hierarquize os diferentes componentes da frase relacionados aos índices sintáticos; – utilizar na situação de escrita os conhecimentos sobre os papéis dos diferentes grupos na frase; – completar uma frase para enriquecer o tema (adjetivos, grupos nominais e proposicionais, complementos de nome) ou o propósito: como caracterizar tal personagem? como descrever tal lugar? como reforçar tal argumentação? – selecionar as informações essenciais a serem fornecidas ao leitor da frase que vamos produzir, escolhendo aquelas que são necessárias para deixar a mensagem mais precisa; – produzir uma frase escolhendo as boas repetições, os dispositivos de conexão que permitem sua integração ao texto; – acrescentar os componentes de uma frase, ligando-os à frase inicial por coordenação, justaposição e subordinação, a fim de explicar ou de reforçar uma ideia; – utilizar os diferentes tipos de frases, para veicular uma exclamação, para colocar uma questão, para declarar alguma coisa, para negar ou dizer o contrário, utilizando os sinais de pontuação apropriados; – apoiar-se sobre os índices morfológicos para interpretar as relações entre as palavras de uma mesma frase. Na educação infantil (5 anos) e 1º e 2º anos do ensino fundamental É importante que as crianças adquiram, desde o início de sua escolaridade, uma consciência implícita do papel exercido pela sintaxe na compreensão. Escutar a leitura de textos feita por um adulto desde a educação infantil, acompanhada das verdadeiras questões de compreensão, vai permitir que as crianças descubram os componentes e a organização da língua.
234 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
As crianças devem se dar conta pouco a pouco de que a compreensão se apoia sobre a integração de proposições sucessivas que, a termo, constituem um todo, o sentido do texto, e devem identificar os instrumentos que o autor coloca à disposição do leitor para para que este tenha acesso a esse sentido – em particular a segmentação do texto e a noção de frase. Nos 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental A este nível da escolaridade, os obstáculos mais importantes encontrados para compreender uma frase são os seguintes: a segmentação e a ordenação das unidades sintáticas, a relação entre o verbo e seus complementos não diretamente acessíveis, a mobilidade de certos elementos (advérbio, complemento de frase), a não linearidade dos elementos da mensagem, as frases passivas, as proposições relativas... Trata-se de familiarizar os alunos, em matéria de leitura ou de produção de escritos, com os textos que contêm frases cada vez mais complexas. Durante as atividades de sistematização, é necessário dedicar-se à construção do vocabulário específico da sintaxe a fim de saber do que se está falando e como se diz aquilo. Na verdade, falar palavras sobre os conceitos permite esclarecer para si mesmo o que se está construindo e facilita as discussões entre pares e com os adultos para debater e superar conjuntamente as “rupturas de compreensão” identificadas.
• Apresentação de um exemplo de progressão Naturalmente, é necessário multiplicar as atividades de reflexão metacognitiva no nível da frase no contexto textual, isto é, no seu pertencimento a uma unidade linguística mais ampla, o texto, em sua relação com as frases que a precedem e a seguem. No entanto, deve-se conduzir um trabalho específico a este nível, de maneira “isolada”, em particular no que se refere aos tratamentos sintáticos e sintagmáticos. As estruturas de trabalho adotadas podem ser de tipo coletivo ou mais individualizadas, segundo as necessidades do grupo-classe e dos alunos, observados individualmente. No que se refere à parte metacognitiva da sessão, o trabalho em pequenos grupos permite acompanhar de perto o que cada criança está aprendendo e é capaz de formular, de identificar as etapas na elaboração de suas competências. Os instrumentos construídos durante as fases de sistematização só poderão ter uma real eficácia se forem o resultado das observações das crianças e se forem se enriquecendo durante sua escolaridade. Suas aquisições se tornarão eficazes simultaneamente através de seu aspecto sistemático e da reflexão que os alunos realizarão sobre esses instrumentos. Ver a tabela a seguir. Em relação às frases 235
236 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
e
analisar
os efeitos do sentido
• Localizar uma frase num texto; • Segmentar as frases em grupos de palavras para compreender melhor; • Localizar os diferentes níveis de compreensão numa frase, isto é, destacar as informações essenciais, as informações secundárias; • Caracterizar conjuntamente as informações fornecidas pelos diferentes grupos de palavras: quais são as palavras ou grupos de palavras nessa frase que indicam: de que se fala, de quem, onde isso aconteceu, quando, com que finalidade? • Nos grupos de palavras, observar os elementos que propiciam a modulação do substantivo, por ex.: um leão, um enorme leão, à modulação do verbo ou da frase: os bandidos comiam avidamente. • Tomar os grupos nominais nas frases, classificá-los e categorizá-los, caracterizando o papel que exercem neles as expansões; • Tomar os grupos verbais nas frases, classificá-los e categorizá-los, destacando as características semânticas das expansões: o tempo, o lugar, a afirmação, a negação, a dúvida, a intensidade, a quantidade, a maneira etc. • Etc.
observar
Estas observações guiadas e sistematizadas são reinvestidas em frases enriquecidas por complementos, expansões do grupo nominal ou verbal através do uso de palavras de ligação etc. Pode-se assim: • brincar de dar o máximo de informações sobre um animal, uma personagem ou uma paisagem que descrevemos para que um colega possa desenhá-lo ou mimetizá-lo o mais exatamente possível; • aprender a escrever frases e textos “à maneira de” (ver a seguir a produção de textos à maneira de A História pelo direito, de B. Friot); • reduzir as frases para derivar seu núcleo semântico; • suprimir uma palavra ou um grupo de palavras para identificar os componentes obrigatórios ou facultativos da frase; • deslocar uma palavra ou um grupo de palavras; • substituir uma palavra ou um grupo de palavras; • acrescentar uma palavra ou um grupo de palavras, fruto do acaso (cf. “cadáveres delicados”) ou de um efeito desejado (o insólito, o medo...); • Etc. A cada vez, é importante observar os efeitos dessas manipulações sobre o sentido do texto, treinando para percebê-los na leitura e para utilizá-los na produção.
manipular
• Nos ditados ao adulto e na produção de frases, treinar para fazer expansões: – expansões de substantivos, através do emprego de adjetivos, de grupos nominais, de subordinadas relativas, sublinhando a mudança que isso exerce sobre o substantivo; – expansões do verbo, sublinhando a mudança que isso opera sobre o verbo e sobre a ação. • Enriquecer o tema com adjetivos, grupos adjetivais, complementos de substantivo ou todos os tipos de complementos. Para isso: – alongar e enriquecer as frases de base - segundo a intenção e o efeito que se quer produzir sobre o leitor; - utilizando os procedimentos de coordenação, de justaposição e de subordinação e utilizando de maneira precisa os sinais de pontuação. • Caracterizar o laço que une os elementos: a soma, a alternativa, a causa, a comparação, a consequência, a explicação etc. • Etc. • Enfim, enriquecer é também explorar os efeitos do despojamento de certos textos ou, partes de texto que não comportam ou comportam poucos substantivos, verbos ou expansões, produzindo efeitos funcionais ou efeitos literários e poéticos.
enriquecer
Da classe de 5 anos de educação infantil ao 5º ano do ensino fundamental: atividades com frases para progredir na compreensão e na produção de textos.
Descrição de duas atividades no ensino fundamental I: Escrever um texto “à maneira de...” Esta atividade permite que os alunos se apropriem dos funcionamentos da língua escrita para produzir um texto que respeite as exigências sintáticas. O texto inicial é o seguinte:
a história pelo direito Um elefante estava tranquilamente jogando bolinha de gude. Apareceu um tigre faminto que tragou o elefante com um pouco de molho de tomate. Uma antílope fêmea, boa cozinheira, devorou o tigre ensopado com legumes. Um mico de gravata e chapéu-coco beliscou a antílope assada no espeto. Um rato acrobata engoliu o mico passado no sal. Um escaravelho mal despertado degustou o rato em espetinhos com arroz. Mas a mosca, enojada, fez uma careta: “Escaravelho, argh, isso me faz mal ao fígado!” (Histoires pressées, Bernard Friot, Milan jeunesse)
• Questionamento do texto A- É uma história de bichos. A- Uma outra história apressada, como já lemos. A- As histórias apressadas são histórias curtas. P- E o que conta esta história apressada? A- Uma história engraçada. P- Por que você a acha engraçada? A- Porque tem bichos que se comem entre si e é como se fossem receitas. P- Receitas? A- O tigre... ensopado com legumes. A- Para os outros, é a mesma coisa, eles comem o elefante com molho de tomate e a antílope assada no espeto. A- E o rato em espetinho. P- Quem come o rato em espetinho? A- Um escaravelho. P- E isso é possível? A- Não, os bichos não sabem cozinhar. P- Mas o escaravelho pode comer um rato? A- Não, o escaravelho é como o bicho-pau,* só come ervas. A- Não é uma história verdadeira, a antílope não come o tigre, é o contrário. A- É como na história do ratinho que procura um amigo. Cada vez, há um bicho mais forte. *
N.T.: Inseto da ordem dos phasmidas, que se mimetiza em graveto ou pequeno galho. Em relação às frases 237
P- Mais forte? A- O tigre é mais forte do que o elefante porque ele o come. A- E a antílope, ela come o tigre, mas não é mais forte do que ele. P- Vamos ver isso juntos no texto? Quem come quem? Os alunos circundam os nomes dos animais que figuram no texto e reconstituem “a cadeia alimentar”. Eis aqui o texto depois das manipulações das crianças. A HISTÓRIA PELO DIREITO Um elefante estava tranquilamente jogando bolinha de gude. Apareceu um tigre faminto que tragou o elefante com um pouco de molho de tomate. Uma antílope fêmea, boa cozinheira, devorou o tigre ensopado com legumes. Um mico de gravata e chapéu-coco beliscou a antílope assada no espeto. Um rato acrobata engoliu o mico passado no sal. Um escaravelho mal despertado degustou o rato em espetinhos com arroz. Mas a mosca, enojada, fez uma careta: “Escaravelho, argh, isso me faz mal ao fígado!”
P- Então ninguém come o escaravelho? A- Não, a mosca não quer comê-lo. P- É isso que está escrito, que a mosca não quer comê-lo? A- Não, mas está escrito que ela fez uma careta. O aluno se levanta e coloca um círculo em volta da expressão “fez uma careta” no suporte coletivo. P- Há outras palavras que explicam por que a mosca não quis comer o escaravelho? A- Tem “argh”, a mosca perdeu o apetite. A- Ela não perdeu o apetite, ela está com nojo. A- Ela diz que “escaravelho lhe faz mal ao fígado”. P- Você pode nos mostrar essa frase? Bom, quem quer reler em voz alta? (leitura oral de um aluno) A- Isso lhe faz mal ao fígado. É por isso que ela não o come e é assim que acaba a história. P- Essa observação é muito interessante. Retomemos nossa história. Você disse, Brandon, que na história se passa o contrário do que se dá na natureza?
238 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
A- Era por causa da antílope, mas, para todos eles, isso não é possível. P- O que é que não é possível? A- Que os bichos pequenos comam os grandes. A- Na realidade, é o contrário. P- Então o que vocês acham do título? A- é a história pelo direito. A- Mas em vez disso é uma história pelo avesso. A- Assim fica mais engraçado. • Colocação em texto P- E se nós escrevêssemos também, todos juntos, uma história apressada como Bernard Friot? Como é que poderíamos fazer? A- Era preciso escolher bichos, indo do maior ao menor. A- Tínhamos que escrever que eles se comem entre eles, começando pelo maior, que seria comido por um menor, como fizemos agorinha no quadro-negro. A- Há uma porção de palavras que querem dizer “comer”. P- E quais são elas? A- “tragar, devorar, beliscar, engolir, degustar”. P- Quais são as diferenças de significação? Será que Bernard Friot, o autor, as utilizou de qualquer jeito? A- Não, depende dos animais. A- Claro! um tigre nos traga de uma bocada. A- O escaravelho é pequeno e come delicadamente um rato que é maior do que ele. A- Os grandes e os pequenos não comem do mesmo jeito. P- Vocês me disseram um pouco antes que eles prepararam receitas? A- O tigre estava com fome e engoliu o elefante com molho de tomate. A- Foi a mesma coisa com a antílope, que comeu o tigre. Eu não sei o que quer dizer ensopado. A- É um prato quente, feito de carne com cenouras. P- É uma carne cozida, tem carne de vaca e vários legumes: cenouras, alho-poró, nabos... A- No espeto, é como um churrasco. A- O rato faz uma estrepolia e come sal. P- É quase isso, comer passando no sal é como fazemos com os rabanetes, nós os passamos no sal. A- E o escaravelho come o rato em espetinhos com arroz, um churrasquinho é muito bom! P- O que se pode dizer sobre as informações suplementares? Para que serve o mas?
Em relação às frases 239
A- Para dizer que a mosca não quer comer o escaravelho. A- É o fim da história. P- E para escrevermos nossa própria história? A- Temos que terminar com um Mas. A- E escrever de que maneira eles se comem entre si: assado, passando no sal, em espetinhos. A- Com arroz, com molho de tomate. P- E as outras palavras? A- Mal despertado, é assim que é o escaravelho. A- Faminto, o tigre tem fome. A- Boa cozinheira, é para dizer como é a antílope, que sabe cozinhar bem. A- O elefante está jogando bolinha de gude. P- De que maneira? A- Tranquilamente. A- A mosca, talvez ela esteja enjoada. P- Quando não gostamos de comer alguma coisa, ficamos enojados, podemos dizer que “temos nojo”, que “isso nos dá náusea”. P- E o que podemos dizer para recapitular? (relendo algumas palavras do texto). A- Há palavras que descrevem como são os animais. A- E palavras que dizem como se come. P- Certo. Para escrever, temos que fazer a mesma coisa. A- Temos que fazer uma frase para cada bicho. P- Uma frase? A- Sim, que começa por uma maiúscula, para o nome do bicho que é comido, e no fim temos que colocar um ponto. P- Vamos tentar construir um instrumento a partir de dois exemplos tirados do texto. Frase 1 Uma antílope
boa cozinheira
devorou o tigre
ensopado com legumes
Frase 2 Um rato
acrobata
Quem come
engoliu
o mico passado no sal
Quem é comido
Maneira de preparar
P- O que mais temos que fazer para poder escrever nossa história? A- Temos que pensar na ordem. A- Temos que fazer uma lista dos bichos. A- Precisamos de sete animais para fazer como Bernard Friot. P- Isso quer dizer que nosso texto vai ter quantas frases? 240 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
A- Eh... sete. P- Podemos conferir? A- Tem oito. A- Não, tem sete. A- Tem seis. P- Espere aí, você disse seis, por quê? A- Porque tem seis pontos. P- Os pontos são bons índices para encontrar o número de frases. A- Se contarmos as maiúsculas, há oito. P- Vamos ver se conseguimos entrar num acordo. Até a frase que fala do escaravelho vai tudo bem. O problema começa com a última frase, porque efetivamente ela não termina por um simples ponto. A- É um ponto de interrogação. P- Não, olhe, na parede dos instrumentos há pontos de interrogação; nós os utilizamos para escrever o questionário para o padeiro. Este é um ponto de exclamação. O autor o utilizou para significar que a mosca está realmente muito enojada. Bem, proponho que repartamos o trabalho. Cada grupo vai realizar uma ficha léxica com o auxílio dos instrumentos da sala de aula (os textos que lemos ou produzimos, o léxico da classe, o dicionário do mural). o grupo 1: vai procurar uma lista de animais o grupo 2: vai procurar adjetivos qualificativos o grupo 3: verbos que querem dizer comer o grupo 4: nomes de maneiras de preparar • Instrumentos realizados pelas crianças 1 – os animais - um elefante - um crocodilo - uma ovelha ou uma vaca - um coala
- um camundongo ou um ouriço - uma borboleta - um percevejo
3 – os verbos tragou sorveu devorou mastigou beliscou
provou engoliu saboreou degustou
2 – os adjetivos qualificativos - de mau humor - bem vestido - meio idiota - tímido - não muito limpo - muito, muito limpo
- muito, muito sujo - meio mentiroso - ágil - bastante prendado - meio apressado
4 – as maneiras de preparar com molho branco em churrasco em empadão em croquete no vapor recheado
empanado com vinagrete com azeite com queijo ralado com maionese
Em relação às frases 241
Cada grupo produziu a seguir uma “história pelo direito”, à maneira de Bernard Friot. Um exemplo das produções:
UMA HISTÓRIA PELO DIREITO Um elefante estava tranquilamente jogando bolinha de gude. Veio um crocodilo meio idiota que engoliu o elefante com maionese. Uma grande vaca meio mentirosa degustou o crocodilo empanado. Um coala bastante prendado saboreou a vaca em churrasco. Um ouriço bem vestido degustou o coala com molho vinagrete. Uma borboleta um pouco apressada tragou o ouriço recheado. Mas o percevejo, de mau humor, fez uma careta: “borboleta, argh, isso me faz mal ao fígado!”
Tabela recapitulativa dos pontos de aprendizagem significantes Numa frase, há palavras ou grupos de palavras que dão informações suplementares sobre a pessoa, o animal ou o objeto de que se fala. Elas permitem: – caracterizar as personagens (pessoas, animais...) – precisar do que estamos falando. No texto da “História pelo direito”, vimos: Palavras que descrevem as personagens tranquilamente faminto boa cozinheira acrobata mal despertado enojada
Palavras que dizem como cada animal come o outro com um pouco de molho de tomate assado no espeto passado no sal em espetinhos com arroz
Palavras que precisam como estão vestidos com uma gravata e um chapéu-coco
• Comentário Nos 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental, pode-se fazer o mesmo tipo de atividade, dando às crianças os termos apropriados: adjetivo, verbo... e apoiando-se na identificação das funções trabalhadas em orl: complemento circunstancial de maneira.
242 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Nos 3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental: ateliês de negociação ortográfica Um exemplo de atividade para compreender e marcar as relações entre as palavras: as marcas morfológicas. No 4° ano do ensino fundamental. Nos marcos do canteiro de escrita “Escrever uma proposta de lei para o Parlamento das Crianças”, os alunos do 4° ano do ensino fundamental escreveram suas primeiras escritas. O professor extraiu das propostas dos alunos duas frases, para propor em ateliês de negociação ortográfica. As frases são selecionadas em função dos objetivos de aprendizagem, isto é: – o acordo do particípio passado com ter, ser ou estar; – o acordo do adjetivo epíteto com o grupo nominal. Os ateliês descritos a seguir não se desenvolveram ao mesmo momento. Indicaremos aqui apenas dois deles. Objetivo geral: compreender as relações sujeito/verbo e adjetivo/substantivo Competência: Apoiar-se sobre índices morfológicos para interpretar as relações entre as palavras de uma mesma frase Modalidades: Trabalho em grupos heterogêneos Trabalho coletivo de síntese
Material: Frases produzidas durante as primeiras escritas
• Desenrolar P- Entre todos os textos que vocês produziram, escolhemos o que vamos enviar à Assembleia Nacional. Proponho que nos encarreguemos coletivamente da revisão ortográfica. Chantal (professora da missão zep) vai trabalhar conosco nesta manhã. Poderemos, assim, repartir o trabalho: dois ateliês para duas frases complexas. Ateliê n. 1 P- Hoje, o grupo de vocês vai escrever a frase que peguei do texto de lei. Vou ditá-la para vocês e vocês vão confrontar suas produções. A professora dita: Os cientistas contabilizaram mais de três mil mortes provocadas por esse flagelo (trata-se do tabagismo passivo) Vocês vão fazer sua proposta ao conjunto da classe e terão que justificá-la.
Em relação às frases 243
P- Como é que vocês vão fazer agora? A- Vamos reler as frases e procurar. P- O que é que você quer dizer por procurar? A- Vamos procurar se há palavras no plural, se temos as mesmas. P- E como é que você sabe se as palavras estão no plural? A- Eu olho se na frase há “os”, “dos”. Se há, isso quer dizer que é preciso colocar um “s”. A- Às vezes tem que mudar uma letra, como em pão/pães; capitão/capitães; anel/anéis. P- Tudo bem, mas são esses os únicos índices do plural? A- Não, temos também que olhar se há “eles”, “elas”, como na conjugação, e aí colocamos “am” porque é um verbo. A- Às vezes não há essas palavrinhas, é preciso buscar os substantivos. A- É, mas às vezes temos que fazer a concordância com o feminino. P- O que é que você quer dizer? A- Quando há adjetivos, temos que colocar um “a” no feminino. P- Bom, então, resumindo o que vocês acabaram de dizer: vocês vão verificar nas frases as marcas do plural nos substantivos e verbos e quais são os adjetivos que devem ser colocados no feminino. Todo mundo compreendeu bem? A- Sim. P- Então, ao trabalho! A- Há “os cientistas”, isso é plural. A- Sim, mas veja bem, todo mundo colocou um “s”, então não há problema. A- É, não ligamos. Não está errado. P- Então, o que é que vocês vão fazer? A- Vamos deixar assim mesmo, está certo. P- Tudo bem, e depois? A- Eu encontrei um outro, “três mil”. A- O substantivo não é “três mil”, é “mortes”. A- Tudo bem, mas isso é também um plural. A- É, três mil quer dizer que houve muitas. P- Bem, o que vocês vão fazer agora? A- Buscar outras concordâncias. A- Você descobriu outras concordâncias? A- Sim, “provocado”, alguns colocaram um “s”, outros não. A- Porque isso tem uma relação com as três mil mortes. São elas que provocam o flagelo. A- Eu acho que “provocado” é um verbo. Então, temos que colocar “am”.
244 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
A- Não, ele não está conjugado, senão não diríamos “provocado”, mas “provocam”. A- Mas então é “ais”! A- Não, impossível. P- E por que não é possível? A- Se fosse “ais”, teríamos que ter “vós” antes, como na conjugação. A- É, você tem razão. A- Então é um adjetivo. P- Se é um adjetivo, como é que você vai escrevê-lo? A- Se “provocado” é um adjetivo, se escreve com “ado” e com um “s”. P- E por que é que você quer colocar um “s”? O que pensam os outros? A- Ei! pode ser que tenhamos que colocar um “a”. A- É verdade, nós dizemos uma morte e não um morte, então morte é feminino, temos que colocar um “a”. P- Então? A- Vamos colocar um “s” porque há três mil mortes. O professor intervém para reformular o que acabou de ser dito, isto é, aquilo sobre o qual os alunos estão de acordo: – não se muda nada para os cientistas – coloca-se um “ado” no verbo “provocar”. – coloca-se um “s” e um “a” em “provocadas” A- Terminou! A- Espera aí, numa frase há sempre um verbo e, nessa frase, ainda não o encontramos. A- Vamos procurar juntos. A- É “contabilizar” P- Todo mundo está de acordo? A- Sim. A- Mas quem foi que fez isso? A- Os cientistas. A- E o que eles fizeram? A- Ehh... eles contabilizaram. A- Então é como no texto que lemos hoje de manhã. A criança pega então seu caderno de textos de leitura. A- É, eles comeram, elas cantaram, as crianças cortaram. O verbo tem que ter a terminação “am”. A- Encontramos que contabilizaram se escreve com “am”. P- Todo mundo está de acordo? A- Sim. P- Então escrevam a frase em seus cartazes para a propô-la aos demais.
Em relação às frases 245
Ateliê n. 2: P- Eis aqui uma frase que tirei de um dos textos que vocês escreveram para o projeto de lei sobre o fumo. Desejaríamos que a saúde das crianças ameaçada por esse flagelo fosse levada em consideração. Vocês vão escrever essa frase e, em seguida, vocês confrontarão suas proposições. O professor dita a frase. P- Vocês todos escreveram essa frase da mesma maneira? A- Não, há várias formas diferentes para “fosse levada”. P- Eu vou fazer uma lista mas só escreverei uma vez cada forma, certo? O professor escreve no cartaz diante dele: fos levada sejam levada fossem levadas fosse levada P- Quem quer explicar sua proposta? A- Eu escrevi “sejam levada” porque pensei que se tratasse das crianças. A- Sim, mas nesse caso você tinha que colocar um “s” em “levadas”, como eu fiz! P- E você, Jasmine, o que é que você acha? A- Eu escrevi “levada” sem “s” porque se trata da saúde, não das crianças, mas eu escrevi “fos” assim porque não sabia lá muito bem como tinha que fazer. P- E então? A- Daí que eu acho que é preciso de toda maneira eliminar a segunda e a terceira proposições porque se fala da saúde das crianças. P- Certo, é como é que vamos fazer? A- Temos que procurar o sujeito do verbo, porque “fosse levada” é um verbo. P- Você diz que é preciso buscar o sujeito. Isso quer dizer que vocês estão de acordo com o fato de que se trata de um verbo, mas não no que se refere ao sujeito. É isso? A- É isso aí, mas eu acho que o sujeito é “crianças”, foi por isso que eu coloquei um “s”. P- E você, Julien? A- Eu acho que ele está errado, que se fala das crianças, mas que o sujeito é a saúde das crianças. P- Então? A- É feminino e é singular, então é “a”. P- E os outros, o que é que vocês pensam? A- Ele tem razão, é a saúde, e não as crianças. A- Tudo isso está junto, mas é a primeira palavra que conta. 246 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
P- Bem, então o que é que vocês vão eliminar? A- A segunda e a terceira proposições. P- Todo mundo está de acordo? As crianças acenam com a cabeça e o professor risca as palavras. P- Sobraram duas. Qual é a que vocês vão conservar? A- Eu acho que é f-o-s-s-e, mas não sei explicar por quê. P- E os demais? A- Fos é como... a foz de um rio. A- Nesse caso, não é um verbo. P- Então? A- É “fosse”. P- Se é um verbo, o que é que vocês poderiam buscar? A- O infinitivo. P- É o verbo “for”?!!! A- Pffff! isso não existe! A- “Fosse levada em consideração”, quer dizer que a saúde deve ser levada em conta. P- E o que você pode deduzir disso? A- É o verbo ser! P- Vocês estão de acordo com Sophie? A- Estamos. O professor circunda a proposta 1. Os alunos escrevem sobre o cartaz para apresentar seu trabalho aos demais. P- Há ainda outras diferenças? A- Sim, “ameaçada” não está escrita da mesma maneira. P- Tudo bem, vou escrever as proposições: ameaçar ameaçado ameaçada A- “Ameaçar”, com “ar”, é quando não está conjugado, se escreve com “ar”. A- Nem sempre, olhe só no texto sobre o fumo que está pregado lá na parede: temos “multiplicado”, com “ado” e “multiplicar”, com “ar”. P- E como é que vocês podem se decidir? A- Se é “ar”, tem sempre um outro verbo antes, com certeza! A- Isso não é verdade! Quando eu digo “foi multiplicado”, é “ado”. A- Se é “ado”, tem que ir sempre com outra coisa. P- Quer dizer? A- Quando não tem “foi”, como em “foi multiplicado”, temos que achar outra coisa. P- E o que vocês se propõem a fazer? Em relação às frases 247
A- Vamos procurar. P- Procurar o quê? A- Procurar se ameaçad[o] combina com outra palavra qualquer. P- Tudo bem. A- Encontrei! É a saúde das crianças que está ameaçada! A- Então, é “ada”. P- Por que é que você diz isso? A- A saúde é feminino e, quando é feminino, colocamos um “a”. P- E você, Ugur, que colocou um “o”? O que você acha? A- Sim, ele está certo, a saúde é feminino. P- E você, que colocou “ar”? A- Eles têm razão, não se trata de um verbo. Os alunos escrevem sua proposta comum sobre um cartaz. • Síntese As crianças pregam a proposta no quadro-negro e explicam seu procedimento de reflexão. Para o ateliê 1: As crianças explicam suas escolhas, justificando-as da seguinte maneira: – os problemas de concordância incidiam sobre “contabilizaram” e “provocadas”; – eles escolheram “contabilizaram” com “am”, porque se trata de um pretérito perfeito do indicativo na terceira pessoa do plural; – “provocado” se escreve com “as”, porque se trata de um adjetivo que concorda com “três mil mortes”. Para o ateliê 2: As crianças explicaram as diferentes maneiras de escrever e o assunto de sua discussão, fornecendo a conclusão a que chegaram: – Eles explicaram que escolheram “fosse levada”, porque se trata do verbo ser, cujo sujeito é a saúde das crianças; – que “ameaçada” se escreve com um “a”, porque é um adjetivo que concorda com a saúde das crianças. Ao comparar as duas propostas, as crianças chegaram à seguinte conclusão provisória: – que o particípio passado concorda sempre com o sujeito; – que um adjetivo concorda sempre com o substantivo que qualifica.
248 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Vestígio escrito provisório8 n. 1, que se refere à concordância do particípio passado Se, numa frase, um verbo é conjugado com um verbo auxiliar, deve-se: – fazer a concordância do particípio passado com o sujeito em gênero e número. Exemplo: que a saúde das crianças seja levada em consideração. Vestígio escrito n. 2, que se refere à concordância do adjetivo Quando localizamos um adjetivo numa frase, é preciso: – encontrar o substantivo que o acompanha; – verificar se o substantivo está no plural ou no singular, no feminino ou no masculino; – fazer as concordâncias, isto é, colocar um “a” no feminino e um “s” no plural. Exemplo: três mil mortes provocadas.
• Comentário Nos dois ateliês, as crianças foram levadas a discutir sobre o que escreveram. Graças à comparação com seus colegas, elas justificam sua escolha desta ou daquela proposta, fundando-se sobre seu conhecimento da língua, e estabelecem analogias com o que já encontraram nos textos. O papel do professor é acompanhar a discussão. Ele nunca deve dar a resposta, mas deve se contentar em relançar a discussão para que todos os alunos deem sua opinião, ou reformular o que foi dito. Ele busca fazer com que os alunos formulem o processo cognitivo que os conduziu a esta ou aquela proposta. Ao fim de tudo, ele valida.
8
A síntese permite formular um início de “regra”, a ser posteriormente trabalhada durante uma atividade de sistematização e, mais tarde, de reforço. Em relação às frases 249
10. Atividades de sistematização
metacognitiva e metalinguística em relação à palavra e às microestruturas que a constituem (nível 7)
Vamos deixar mais claro: ler e escrever uma palavra Ler e escrever uma palavra isolada Para ler uma palavra isolada e identificá-la, ou seja, ter acesso a seu significado, um aluno pode: – decifrá-la: por um tratamento analítico da palavra, ele converte a palavra escrita numa forma oral. É o que chamamos de via indireta (que detalharemos a seguir); – identificar diretamente a palavra porque já a conhece e memorizou sua imagem ortográfica. Ele opera uma análise visual da palavra escrita, identifica as letras que a compõem e tem acesso às representações ortográfica, fonológica e semântica da palavra. É a chamada via direta. A via direta é a mais econômica e a mais rápida. É a que o leitor experiente utiliza, ainda que a segunda via de acesso ao léxico lhe permaneça aberta. Apenas as palavras cujo significado é conhecido oralmente podem ser identificadas. Durante um ensaio de leitura, um aluno pode ativar a forma fonológica ou ortográfica de uma palavra sem ter acesso ao seu sentido: a palavra é apenas reconhecida. Na verdade, quando alguém sabe ler e falar, estoca palavras e informações sobre as palavras num léxico mental estruturado em torno da relação significante/ significado. O significado é o sentido da palavra, a noção ou o conceito ao qual ela se refere. O significante oral é a imagem acústica da palavra, a sequência de sons que a compõem. O significante escrito é a imagem ortográfica da palavra, a sequência de letras que a compõem.
250 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Um aluno pode enfrentar dificuldades de leitura porque não compreende as palavras que lê ou, antes, que reconhece. Essas palavras não têm nenhum sentido para ele, não remetem a nenhum conceito, não evocam nenhuma imagem mental. É por vezes o caso dos alunos que não falam francês ou daqueles que sofrem de um déficit léxical. A compreensão das palavras na escrita remete à compreensão das palavras no oral, à maneira pela qual o aluno construiu, estruturou e continua a estruturar seu léxico. Além da capacidade de se apropriar de uma palavra nova, o aluno deve poder colocar essa palavra nova em relação com outras palavras, aproximando-as pela forma ou pelo sentido. Isso remete igualmente a competências mais gerais: comparar, categorizar, associar, inferir (...), que são atividades mentais essenciais na construção do saber. Aqui abordaremos apenas o que se refere à leitura das palavras isoladas. Não levaremos em conta o que se refere à leitura das palavras nas frases: utilização do contexto, do cotexto, os problemas de polissemia e de homonímia etc. Para escrever uma palavra isolada, sem utilizar os instrumentos de auxílio, um aluno-escritor pode: – ativar em sua memória a ortografia da palavra porque é conhecida (via procedimento léxico); – se é uma palavra desconhecida, no sentido de que ele ainda não a sabe escrever, utilizar conjuntamente a via léxica e a via fonológica, combinando os princípios fonográficos e morfológicos para propor uma forma de escrever a palavra. O aluno decompõe a palavra em sílabas ou em unidades fonológicas menores (ataques, rimas, fonemas) e, por conversão fonografêmica, tem acesso a uma transcrição à qual se superpõe um tratamento ortográfico (segundo o nível do aluno, utilização das regularidades gráficas, marcas morfológicas flexionais e/ou derivacionais. Um aprendiz-escritor não se apropria de forma passiva dos princípios da escrita. Durante essa aprendizagem difícil e progressiva, ele constrói e aplica, conjunta ou paralelamente, procedimentos mais ou menos eficazes e mais ou menos provisórios. Propor aos alunos a resolução de problemas gráficos, sobretudo durante ateliês de “ensaio de escrita”, parece ser um dos meios mais eficazes para permitir-lhes apropriar-se dos princípios fundamentais da escrita.
Ler e escrever uma palavra nova, que não se sabe escrever É: 1. Ter estruturado, automatizado, correspondências entre o oral e o escrito e desenvolver capacidades de análise das palavras escritas. Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 251
Decifrar uma palavra é: – decompor a palavra em segmentos de tamanho variável (segmentação silábica; grafêmica: sílabas frequentes, digramas (rimas em -ar, -ão; ataques br- tr-), trigramas, (-gar), letras); – associar esses segmentos a configurações sonoras (conversão grafofonológica); – fundir, juntar, para chegar à forma sonora da palavra. Se a palavra é conhecida oralmente, pode-se ter acesso ao sentido: a palavra está identificada. 2. Tratar os morfemas gramaticais e léxicos: – raízes, afixos; – fazer funcionar as regras de derivação, levando em conta as irregularidades; – terminações verbais. Isso remete às seguintes capacidades: – estabelecer correspondências entre o oral e o escrito; – identificar os componentes sonoros da linguagem; – compreender e construir o princípio alfabético da língua; – integrar progressivamente as marcas morfológicas. É assim necessário propor aos alunos atividades que impliquem uma reflexão sobre a língua oral e escrita: – exercícios que permitam desenvolver competências metafonológicas (manipulações silábicas, decomposições da sílaba: ataque, rima e manipulações fonêmicas); – exercícios refletidos e reflexivos sobre o princípio alfabético da língua; – situações de escrita em que escrever uma ou várias palavras é apresentado como um problema gráfico a ser resolvido, e em que o confronto e a negociação entre aluno(s)/aluno(s) ou entre aluno(s)/professor para chegar à norma permite que cada um deles avance na compreensão e na construção do princípio alfabético da língua e se aproprie dos princípios fundamentais da escrita.
252 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Desenvolver competências metafonológicas: realizar manipulações silábicas Apresentação de um exemplo de progressão O trabalho sobre os componentes sonoros da linguagem pode facilitar a emergência de uma consciência metalinguística indispensável à aprendizagem da leitura. Pedir que um aluno segmente uma palavra em sílabas, localize uma certa sílaba numa palavra, repita uma palavra omitindo uma sílaba, encontre uma palavra que começa com (...), é pedir-lhe que se interesse pelos aspectos formais das palavras, pela sua estrutura, independentemente de seu significado... o que não é “natural” para ele. É um convite a uma primeira observação reflexiva da língua, a distanciar-se do significado para se concentrar sobre o significante. O papel da escola e do ensino é justamente fazer com que os alunos tratem a língua como um objeto de estudo autônomo. Trata-se, num primeiro momento, de instalar a consciência da sílaba oral; em seguida, de construir a capacidade de decompor, de analisar a estrutura sonora da sílaba. Essas capacidades de análise são necessárias para que se domine o sistema alfabético: o aluno deve tomar consciência da existência de unidades fonológicas menores do que a sílaba e dominar a correspondência entre grafemas e fonemas, isto é, não confundir as letras, também discriminar as unidades linguísticas sonoras que são os fonemas. Uma progressão que trata da sílaba e das manipulações silábicas Para os alunos do fim da educação infantil e do 1° ano do ensino fundamental, trata-se de fazer exercícios de estruturação/sistematização; e para os alunos do fim do ensino fundamental, de realizar exercícios de reemprego através de jogos de escrita que permitam, no entanto, continuar a reflexão. A progressividade foi pensada em função da natureza das operações intelectuais mobilizadas: está-se trabalhando em recepção-compreensão ou em produção? Trata-se de comparar, de categorizar, de transformar? No entanto, numa progressão, é preciso não esquecer a natureza da unidade linguística trabalhada: – a partir de que material se trabalha? sílabas isoladas/sílabas em palavras/ sílabas em enunciados mais longos? – de que tipo de palavra se trata? nomes próprios/substantivo comum/verbo/palavra inventada?
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 253
Escolhemos trabalhar sobre sílabas em palavras. À progressão em termos de operações intelectuais, é preciso superpor uma progressão em função da constituição da unidade linguística trabalhada – aqui a sílaba – e de sua posição na palavra: – a constituição da sílaba v: com vogal (avião, coala, miado) cv: consoante + vogal (rádio, câmera, rato) (bota, tamborim, bambo) vc: vogal + consoante (ordeiro) cvc: consoante + vogal + consoante (cartolina) ccv: consoante + consoante + vogal (gravata) ccvc: consoante + consoante + vogal + consoante (prospecto) – sua posição na palavra posição final posição inicial posição intermediária
aipim pirata lapiseira
Durante estes exercícios, é importante: – permitir que os alunos concentrem sua atenção sobre o procedimento (o que estão fazendo e como o fazem) e não apenas sobre o resultado; – orientar os alunos no tratamento das tarefas: ajudá-los a antecipar a realização da tarefa (como é que você vai fazer para...), prestar atenção à formulação e à compreensão das instruções, interagir com eles durante o exercício, apoiar-se sobre exemplos. Com os alunos mais jovens ou com os que apresentam maiores dificuldades, é por vezes necessário reformular as instruções durante o exercício: certos alunos funcionam por associação de ideias, apoiando-se essencialmente sobre o significado: (ex.: procure uma palavra que você escute como colar: “cobra – coelho – couve!”). – fazer com que os alunos justifiquem seus sucessos e seus erros. O papel do professor é essencial: ele acompanha os alunos na tomada de consciência e durante a manipulação deliberada das unidades fonológicas, mas também quando tomam consciência de seu funcionamento intelectual. A consciência da sílaba é fácil de ser instaurada, pode-se propor certas atividades desde a seção média da educação infantil* (classificar os nomes próprios dos alunos do grupo-classe em função do número de sílabas, por exemplo); é sobretudo na grande seção que essa consciência será exercida e reforçada, sobretudo durante os tempos “meta”, impulsionados pelo questionamento do professor.
*
N.T.: Na França, a educação infantil se divide em pequena, média e grande seções, em função da idade dos alunos. A grande seção recebe os alunos mais velhos, que não tardarão a passar ao cp (1° ano primário).
254 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Enfim, é importante que os alunos compreendam e utilizem a metalinguagem, que a palavra sílaba remeta ao bom conceito. Desde os primeiros exercícios (os exercícios de enumeração), tratar-se-á de propor uma definição simples (“Quando você diz menina, está dizendo uma palavra, a palavra menina, mas para dizê-la, você a corta em sílabas, me-ni-na. Cada vez que seus lábios se mexem, você produz uma sílaba”). Cada vez que propusermos novos exercícios sobre a sílaba, pediremos aos alunos que reformulem a definição com suas próprias palavras. Todos esses exercícios são feitos oralmente, num primeiro momento, unicamente sobre a sílaba oral e, em sua grande maioria, a partir de uma imagem-suporte. No final da educação infantil e nos 1º e 2º anos do ensino fundamental, quando todos os alunos ou todo um grupo de alunos foram bem-sucedidos num certo tipo de exercício, pode-se introduzir a escrita e mostrar que as manipulações orais acarretam modificações escritas. Esses exercícios podem ser propostos coletivamente; no entanto, parece mais acertado realizar alguns deles em grupos restritos (introdução dos ateliês), sobretudo para permitir um trabalho reflexivo. Desenvolver as competências metafonológicas: realizar manipulações silábicas – progressão
Ver o conjunto de atividades proposto na página seguinte.
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 255
256 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
LOCALIZAR/REPETIR SÍLABAS Classificar imagens – propor imagens a classificar “em função do que se ouve” e depois retomar os diferentes agrupamentos obtidos; – classificar as imagens em que a mesma sílaba não esteja localizada no mesmo lugar (escuto no início/escuto no meio/escuto no final); – encontrar pares (do tipo “jogo da memória”); – 1° ano do ensino fundamental: propor palavras cruzadas de uma sílaba. Eliminar um ou vários intrusos: eliminar uma ou várias imagens correspondentes a uma palavra em que a sílaba não está localizada no mesmo lugar. “Ocupações estranhas!” (1° e 2° anos do ensino fundamental) Trata-se de produzir, primeiro oralmente, uma frase curta do tipo grupo nominal (Gn) + verbo (a partir ou não de um tema), sempre repetindo a última sílaba do substantivo: a foca caiu, o gato toca.
SUPRIMIR/ACRESCENTAR SÍLABAS Repetir palavras existentes ou inventadas, suprimindo 1. a sílaba final; 2. a sílaba inicial; 3. a sílaba intermediária Trabalhar primeiro sobre palavras de duas sílabas: - a sílaba a ser suprimida é sempre a mesma; - a sílaba a ser suprimida varia; - as palavras propostas formam ou não outras palavras, depois da supressão (início do jogo dos enigmas). Trabalhar em seguida sobre palavras de três sílabas: Supressão da sílaba final, inicial e intermediária. Pode-se imaginar o mesmo tipo de exercício acrescentando sílabas.
ENUMERAR Contar – segmentar: A contagem das sílabas pode se apoiar na contagem dos movimentos labiais: 1. batendo palmas, tomando-se tantas fichas quanto há de palavras; 2. falando a palavra em voz alta; 3. murmurando a palavra; 4. em silêncio... Confeccionar um tabuleiro de jogo “A corrida às sílabas”. Classificar em função do número de sílabas: – os nomes próprios dos alunos; – as imagens num quadro (de uma a cinco sílabas). Eliminar o intruso: numa série de imagens, encontrar aquela que corresponde a uma palavra que não contém o mesmo número de sílabas.
Final da educação infantil/1° ano do ensino fundamental
A sílaba desaparecida (1° e 2° anos do ensino fundamental): Encontrar a primeira/última sílaba de uma série de palavras truncadas: “Se eu digo va...,...ma,...valo,...chimbo, que sílaba desapareceu?” (ca).
LOCALIZAR/REPETIR SÍLABAS “Ocupações estranhas!” (1° e 2° anos do ensino fundamental): Ver coluna educação infantil/1° ano do ensino fundamental – Possibilidade de tornar o jogo mais complexo propondo as sílabas sob a forma de adivinhações.
SUPRIMIR/ACRESCENTAR SÍLABAS – Suprimir/acrescentar uma sílaba intermediária: ”Se eu digo roleta e peço para você repetir a palavra suprimindo a sílaba do meio, o que você responde?” (rota). – construir uma linguagem imaginária acrescentando a mesma sílaba no final de cada palavra (tipo língua do pê); e variar o lugar da sílaba a acrescentar, em função da natureza da palavra... LOCALIZAR/REPETIR SÍLABAS – Criação de um ficcionário* de palavras-mala: coletânea de palavrasmala criada pelos alunos, em que cada uma delas deve ser acompanhada por uma definição (macacoração: macaco amoroso). – Jogo das falsas etimologias ou falsas palavras-mala: trata-se, na verdade, de explorar palavras pertencentes ao vocabulário usual que apresentam a particularidade de ser aparentemente já compostas de termos preexistentes. Exemplo: bolobo, um bolo que os lobos adoram.
3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental
progressão.
Escolher, entre os jogos propostos na coluna da esquerda, os que propõem um nível mais alto de complexidade. Embora a imagem seja um suporte mnemônico que facilita a utilização dos jogos, ela pode ser abandonada, trabalhando-se apenas com as palavras escutadas.
2° ano do ensino fundamental
Desenvolver as competências metafonológicas: realizar manipulações silábicas –
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 257
FUNDIR SÍLABAS Do enigma à charada O enigma é um jogo visual que se apoia em competências fonológicas: trata-se de uma série de desenhos (palavras-imagens monossilábicas) que formam uma nova palavra quando são reunidos, cuja leitura fonética produz uma palavra. O interesse é que, depois de uma frase de descoberta, os alunos produzam enigmas e procurem resolver os problemas colocados (utilizar as letras, seu nome, seu som, os números; construir um banco de palavras-imagens para a sala de aula). O trabalho reflexivo sobre os procedimentos, os sucessos e os fracassos, são particularmente interessantes. A charada Nem todas as charadas são “silábicas”. Algumas o são, sendo interessante começar por elas para prosseguir logicamente o trabalho começado com os enigmas. (O objetivo é a produção de charadas) O que é, o que é? Começa como um tolo...(to) Está no fim da vaca...(ca) Faz sofrer...(dor) O resultado é... tocador.
A palavra-mala se fabrica cruzando-se duas palavras foneticamente próximas. Num primeiro momento, trata-se de produzir palavras-mala “encaixando” duas palavras que possuem uma mesma sílaba = elefante/fantasma = elefantasma; capim/pincel = capincel; careca/camomila: carecamomila. Os novos significantes assim obtidos correspondem a novos significados que se podem ilustrar. Pode-se igualmente produzir definições: ”capincel” = um pincel feito de capim; ”lapisca” = lápis que acende e apaga quando se escreve.
As palavras-mala
PRODUZIR TEXTOS MONOSSILÁBICOS À maneira de Yak Rivais no livro Les sorcières sont NRV. Trata-se de produzir frases, um diálogo entre duas personagens; um texto curto, cuja regra é que todas as palavras devem ser monossilábicas.
PERMUTAR SÍLABAS Os trocadilhos silábicos: é a inversão da ordem das sílabas que, ao modificar o sentido, produz palavras ou frases engraçadas ou grotescas: Exemplo: não confundir conhaque de alcatrão com catraca de canhão. Evidentemente, pode-se tornar o jogo mais complexo, propondo trocadilhos em que os fonemas serão invertidos.
FUNDIR SÍLABAS - As frases-enigmas: ampliar o jogo dos enigmas à produção de frases (vai-se trabalhar necessariamente além da sílaba). - Os dingbats**: ver a progressão sobre o princípio alfabético da língua.
Trata-se mesmo de criar definições divertidas e com duplo sentido. - ver o poema “Les mots-cigognes”, Claude Rose e Lucien-Guy Touati. Le tireur de langue, Rue du monde - as palavras-sanduíche: ver a progressão sobre o princípio alfabético da língua.
Por extensão, é aplicado a enigmas verbais.
** N.T.: A palavra dingbat parece vir de uma expressão de gíria em inglês, que significa “Algo não especificado, cujo nome é desconhecido ou se esqueceu”.
original.
* N.T.: A palavra ficcionário – fictionnaire no francês – é uma palavra inventada pela autora, composta de “ficção” e “dicionário”. Decidimos manter a palavra
PERMUTAR SÍLABAS O jogo da língua ao contrário Trabalhar sobre palavras de duas sílabas perguntando-se se existe ou não uma nova palavra produzida a partir da troca de sílabas casa saca bolo lobo Criar com os alunos uma coletânea de palavras ao contrário, ilustradas ao pé da letra: Um rocar é um carro duro como rocha.
FUNDIR SÍLABAS - “Animais engraçados!” Fazer com os alunos uma coletânea de animais engraçados 1. Listar com os alunos os nomes de animais de duas sílabas (vaca, rato, bode, gato). 2. Representar cada animal sempre no mesmo sentido, em uma folha A5, formato paisagem, separada previamente ao meio por um traço vertical. 3. Ligar os diferentes desenhos. 4. Cortar cada folha ao meio. 5. Divertir-se pronunciando os nomes dos animais assim criados: vato, boto, gade etc. - O jogo dos vagões (1° ano do ensino fundamental) Escreve-se sílabas sobre os vagões (um vagão por palavra) e ao fundir as sílabas de várias palavras o aluno deve fabricar uma palavra nova: bar-co bra-vo Cobra. Num primeiro momento, este jogo pode ser praticado com o auxílio de um vidro de cola e um par de tesouras. - Os enigmas (1° e 2° anos do ensino fundamental).
Evidentemente, é preciso explicitar junto aos alunos os exemplos dos quais se parte. Para ajudá-los, propor questões: O que faz o gato? O que aconteceu à foca? “O jogo do marabu”/o dominó de sílabas (em direção à palavra-mala) - o professor propõe uma palavra para começar. Os alunos, cada um por sua vez, devem encontrar uma palavra que comece pela última sílaba da palavra anteriormente proposta: vaca / cavalo / lobo / bola / lava. Confeccionar um jogo de dominós de sílabas: cada dominó representa a palavra em imagem e a imagem é cortada em duas ou três partes por uma linha vertical, em função do número de sílabas: la/ma – ma/mãe.
Descrição de uma atividade Realização de manipulações silábicas: a serem feitas no fim da educação infantil e 1° ano do ensino fundamental Objetivo geral: construir competências metafonológicas Competência: realizar manipulações silábicas: permutar Modalidades: Material: - metade do grupo-classe ou um grupo - uma seleção de imagens entre as de oito alunos (mas pode-se realizá-lo que são habitualmente utilizadas nos com todo o grupo-classe); ateliês sobre os componentes - segundo o nível do grupo-classe e sonoros da linguagem: imagens seu hábito de trabalhar sobre os correspondentes a palavras de componentes sonoros da linguagem, duas sílabas (pode-se igualmente pode-se prever uma ou duas sessões trabalhar apenas no oral se os (no fim da educação infantil, alunos estão acostumados, mas é melhor duas sessões). é mais difícil, pois não há suporte mnemônico. Pode-se inclusive utilizar pseudopalavras); - desenhos ilustrando “ao pé da letra” as palavras ao contrário (cava, tabo, rupe, cobar); - o caderno de experiências linguísticas/ um caderno de ensaios com folhas brancas.
• Desenrolar Tempo 1: situar a atividade – treinamento – apresentação do jogo Os alunos estão reagrupados em volta de uma mesa, sobre a qual há algumas imagens empilhadas e viradas ao contrário. Essas imagens serão utilizadas durante toda a atividade, inclusive para o jogo das palavras ao contrário (imagens de uma casa, um barco, uma vaca, um chapéu, um motor, uma vela, uma caixa, um mamão, um carro). P- Hoje vamos brincar de um novo jogo “fono”. O que é que fazemos quando brincamos de ‘fono”? A- Nós escutamos. A- É sobre o que nós escutamos nas palavras. P- Muito bem, excelente! É sobre o que nós escutamos nas palavras e apenas sobre o que escutamos... Então, vamos agora primeiro treinar um pouco, depois brincamos desse novo jogo. Vocês estão prontos? Para treinar, vamos brincar desse jogo que vocês já conhecem bem: vocês viram uma imagem e me dizem quantas sílabas tem a palavra que corresponde à imagem que vocês viraram. O que é mesmo uma sílaba?...
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O professor provoca uma discussão entre os alunos sobre o conceito de sílaba. Ao questioná-los, ele os faz notar que todas as palavras têm duas sílabas. P- Agora, vejam e sobretudo escutem bem: (mostra as imagens uma a uma, destacar as sílabas) za-ca, co-bar, ca-va, mão-ma. O que é que estou fazendo? A- Você está lendo errado. A- Você faz ao contrário. A- Você diz o contrário. P- Eu estou dizendo o contrário? A- É, você não diz “casa”, diz “zaca”. P- (Mostrando as imagens) É isso mesmo, não estou dizendo ca-sa, eu digo zaca, não digo barco, mas...? A- co-bar. P- E para essa imagem? A- ro-car. P- É isso, muito bem, ro-car. E será que essa palavra existe, “ro-car”? A- ro-car, não! A- É só a palavra ao contrário. P- Muito bem, é apenas a palavra ao contrário. Esse é o novo jogo que proponho hoje, o jogo da língua ao contrário. O que é que fazemos quando brincamos do jogo da língua ao contrário? A- Dizemos as palavras ao contrário. P- É isso aí, dizemos as palavras ao contrário, é por isso que esse jogo se chama o jogo da língua ao contrário. Quem quer tentar? Quem quer virar uma carta e tentar dizer a palavra ao contrário? Retomar a partir do sucesso ou do fracasso dos alunos. A- péu-cha. P- Como é que você fez? A- Eu disse péu-cha. P- Mas como você fez para encontrar péucha? O que foi que você fez em primeiro lugar? A- Cortei a palavra em sílabas. P- E como você faz para cortar a palavra em sílabas? A- Eu faço cha-péu na minha cabeça. P- Bem, você faz cha-péu, e depois? A- Depois eu digo ao contrário: péu-cha. P- Como saber que você não se enganou? A- É preciso se lembrar bem. P- É preciso se lembrar bem de quê? A- Das sílabas.
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 259
A brincadeira continua, o professor se apoia sobre os sucessos e os erros das crianças (Os outros estão de acordo?... Por que isso não funciona?) Para ajudar os alunos com dificuldade, pode-se utilizar fichas ou cubos coloridos para mostrar a inversão, ou então, se possível, cortar a imagem em duas para inverter as duas partes. Para tornar a brincadeira mais complexa, pode-se propor palavras mais difíceis, como milho, ou brincar apenas oralmente, inclusive utilizando pseudopalavras (os alunos transformam a palavra pronunciada pelo professor em palavra ao contrário). Tempo 2: ilustração “ao pé da letra” P- Eu pensei numa maneira de reutilizar esse jogo, de continuá-lo de forma que possamos jogá-lo nos ateliês, para que vocês possam procurar sozinhos, por vezes, em seus cadernos de ensaio, mas também porque achei isso engraçado. Olhem só: (ele mostra uma a uma as ilustrações ao contrário “ao pé da letra”) co-bar. A- Você desenhou ao contrário. A- Mas o barco está ao contrário. P- Continuo: za-ca. A- A casa está ao contrário, ela vai cair. A- Por que você desenhou ao contrário? P- ca-va, mão-ma. Então, o que é que estou fazendo? A- É engraçado! A- Você desenhou tudo ao contrário. P- Foi? Desenhei tudo ao contrário? A- Você diz za-ca e desenhou a casa ao contrário. A- A mesma coisa para a va-ca, euh... ca-va, você colocou a vaca ao contrário, é engraçado. P- Bom, vocês entenderam. Eu queria que nos divertíssemos fazendo desenhos engraçados com as palavras ao contrário. Então, vocês vão se sentar dois a dois, pegar seus cadernos de ensaio e vão procurar juntos, vocês vão tentar: vão procurar palavras ao contrário e tentar ilustrá-las de maneira engraçada. Façam seus desenhos bem grandes para que todos os colegas da classe possam vê-los. Vamos lá! A- Então, ao contrário? P- O que é que você acha? A- Você fez tudo ao contrário. A- Tem que fazer a palavra e o desenho ao contrário. A- Tudo ao contrário! Os alunos trabalham dois a dois e o professor passa para verificar o que fazem e ajudar os diferentes grupos. É por vezes necessário repetir as exigências da tarefa, por exemplo, é preciso buscar palavras de apenas duas sílabas, mesmo 260 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
que nessa primeira sessão o mais provável é que os alunos utilizem primeiro as palavras propostas em seu início. Para ajudá-los, pode-se propor que os alunos utilizem a lista de animais feita para o jogo “Animais engraçados” (em que foram retidos apenas nomes de animais de duas sílabas). Nesse momento da atividade, não se trata de corrigir todos os erros, mas de ajudar os alunos a produzir. É durante o retorno ao grande grupo que a produção dos alunos vai ser analisada.
Tempo 3: retorno coletivo (grupo de alunos em questão) sobre as produções e a análise. Cada grupo de dois alunos vem apresentar sua ou suas produções para o resto do grupo e, graças ao questionamento do professor, explicita.
• Comentário O objetivo desse tipo de atividades é permitir que, através das discussões com o professor e das interações aluno(s)-aluno(s) (orientadas pelo professor), os alunos: 1. Possam construir competências metalinguísticas: – construção do conceito de sílaba e utilização da metalinguagem; – construção de competências metafonológicas que possam levar ao sucesso na aprendizagem da leitura (tratar e manipular conscientemente as unidades do oral: aqui a sílaba, mas em outras atividades pode ser a rima, o ataque e, por fim, os fonemas); – na última parte do jogo, busca-se representar as palavras “ao contrário” e, assim, colocar em relação um pseudossignificante com um pseudossignificado. Quando se analisa o jogo com os alunos, isso faz com que tomem consciência do aspecto arbitrário do código. Não há “relação semântica” entre o significado e o significante. O significante escrito codifica o significante oral, mas nenhum dos dois codifica explicitamente o significado (um mamão não é o resultado do casamento de “ma” com “mão”). É por isso que os jogos de palavras (enigmas, palavras-mala, palavras ao contrário) são interessantes, eles permitem que se tome o funcionamento da língua ao contrário para melhor compreendê-la. É brincando com as palavras que nos autorizamos a fazer a correspondência entre um significante ao contrário e um significado ao contrário, e assim percebemos brincando que essa não é a realidade da língua. O tempo da análise das produções dos alunos permite igualmente mostrar que não se pode aplicar o jogo das palavras ao contrário a todas as palavras de duas sílabas, como é o caso das palavras constituídas duas vezes da mesma sílaba: bebê, papa..., na medida em que o jogo da permutação não funciona. Da mesma forma, certas palavras são difíceis de serem ilustradas “ao pé da letra”.
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 261
2. Tomar consciência, graças ao apoio do professor, de suas próprias estratégias e assim construir competências metacognitivas. Trata-se de conduzir os alunos a uma reflexão e, eventualmente, à construção de um instrumento para um “cartaz-memória”. Exemplos: Para produzir uma palavra ao contrário, devo: – segmentar (decompor, cortar) a palavra inicial em sílabas (car-ro); – memorizar as duas sílabas; – permutar (inverter) as sílabas; – pronunciar oralmente o resultado (ro-car). Para desenhar “ao pé da letra”: – eu imagino como poderia ilustrar a “verdadeira” palavra (contexto); – reflito como poderia ilustrá-la ao contrário para que fique engraçado, utilizando justamente o contexto.
Descobrir, compreender, construir e dominar o princípio alfabético da língua Apresentação de um segundo exemplo de progressão A escrita do português é alfabética: para transcrever os fonemas da língua portuguesa, utilizam-se 26 letras,* às quais se acrescentam os acentos e os sinais auxiliares (cedilha, til). As escritas alfabéticas mantêm uma relação de dependência com o oral; no entanto, seu desenvolvimento histórico conduziu a um afastamento progressivo relativo do oral para veicular diretamente informações gramaticais ou semânticas. • De fato, dois princípios regem o funcionamento da ortografia portuguesa: 1) o princípio fonográfico: as unidades gráficas (grafemas) têm por função principal representar as unidades sonoras (fonemas): nosso sistema de língua se funda sobre a representação gráfica das unidades sonoras. Os fonemas são as unidades mínimas distintivas no plano sonoro (ainda que permitam diferenciar as palavras e mantenham assim uma relação com o sentido: galinha/salinha, manha/sanha, barco/marco). Os fonemas não se escrevem, eles se transcrevem *
N.T.: As letras K, Y, W foram reincorporadas ao alfabeto português na reforma ortográfica vigente desde 2009.
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(alfabeto fonético). Um fonema corresponde, no nível escrito, a um grafema. O grafema é uma unidade abstrata, em oposição à letra, que é uma unidade concreta. Um grafema pode ser composto de uma única letra (b) mas pode também se compor de várias letras (ão, nh, ch, lh). Um mesmo fonema pode ser representado por vários grafemas: a – à. E, ao contrário, uma mesma letra pode corresponder a vários fonemas: S = [s] ou [z]. 2) o princípio ideográfico: os grafemas podem remeter a aspectos gramaticais ou semânticos, sem necessariamente corresponder a fonemas (morfogramas gramaticais e léxicos). Papel importante, distintivo, das letras diferentes no caso das palavras homófonas: sexta – cesta. Marcas léxicais que regem o princípio da derivação (famílias de palavras): tempo – temporal – temporão. A progressão proposta a seguir vai tratar essencialmente do primeiro princípio (mas é evidente que, desde o 1° ano do ensino fundamental, um aluno deve compreender que existem “letras-sons” e “letras-sentido”). • Para um aluno, construir, dominar o princípio alfabético é: – Compreender que a palavra escrita codifica a palavra oral, e não o referente. Não há traços característicos no significante oral que possam permitir reencontrar o significado (exceto para as onomatopeias e no léxico das crianças muito jovens, que evoluem de “cocó” a galinha, e de “memé” o carneiro). Da mesma forma, a extensão da palavra escrita corresponde à extensão da palavra oral, e não à dimensão ou ao tamanho do referente. – É compreender igualmente que “tudo o que se diz se escreve”: escrever uma palavra é fazer com que as unidades gráficas correspondam às unidades fonológicas (mas nem tudo o que pode ser escrito se pronuncia necessariamente!). Compreender que, com as 26 letras do nosso alfabeto, podemos escrever qualquer palavra, todas as palavras. – Compreender que as letras são sinais únicos, individuais, que não remetem ao sentido, mas que, combinadas numa ordem precisa, produzem palavras que, elas sim, têm sentido. – Aprender e conhecer o alfabeto de maneira reflexiva: - saber para que serve conhecer essa sequência de letras, ordenada de maneira arbitrária, sem hierarquia; - conhecer, colocar em relação e utilizar os três componentes de cada letra: nome, valor sonoro e traçados;
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 263
- distinguir as vogais e as consoantes e saber em que elas se distinguem. – identificar cada uma das letras que constituem uma palavra. – dominar a metalinguagem: não utilizar indiferentemente, não confundir, as palavras que falam da língua: letra, sílaba, palavra (e em seguida frase, texto...). – dominar as correspondências entre fonemas e grafemas. Para o professor, é: – propor exercícios refletidos e reflexivos sobre o princípio alfabético da língua e, com os alunos mais jovens, trabalhar primeiro com as representações e os conceitos que eles mesmos possuem sobre a língua. • A progressão que se segue propõe então: – para os alunos do fim da educação infantil, atividades para uma primeira aprendizagem reflexiva do alfabeto e para a descoberta do princípio alfabético; – para o 1° ano do ensino fundamental, prosseguir a reflexão sobre o alfabeto e sobre os “casamentos de letras”, a reutilização de jogos sobre os componentes sonoros da linguagem (o infrassilábico: o ataque, a rima, em seguida o fonema), dos jogos de escrita (jogos de letras), em relação com os textos de leitura trabalhados. – para o 2° ano do ensino fundamental, além da continuação de certos exercícios do 1° ano de forma mais complexa, criar “ateliês de pesquisa ortográfica” e fazer os primeiros jogos linguísticos; – no ciclo 2, é essencialmente através de jogos linguísticos, jogos de letras cada vez mais complexos, que podemos prosseguir a reflexão e consolidar o domínio do princípio alfabético. Essa gama de atividades é aqui proposta para que se possa trabalhar, em certos momentos precisos, sobre as microestruturas (“a palavra e as microestruturas que a constituem”), sobretudo talvez durante os ateliês. Mas essas atividades só têm sentido quando: – são acompanhadas, principalmente graças ao questionamento do professor, por uma reflexão “meta”: metalinguística, o que o aluno sabe sobre o funcionamento da língua, e metacognitiva, o que ele pode dizer sobre seus próprios procedimentos. Com efeito, essas atividades devem ser concebidas como resoluções de problemas linguísticos; – são postas em relação, de maneira coerente, com todas as demais atividades que permitem avançar no domínio da leitura e da escrita, de tal forma que essa relação e essa coerência façam sentido para os alunos.
264 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 265
OBSERVAR, ANALISAR, COMPREENDER
Continuação da reflexão sobre o alfabeto e sua aprendizagem: permitir que os alunos compreendam por que certas letras se chamam vogais e outras, consoantes. Descoberta dos primeiros “casamentos de letras” (ou, an...) e em seguida, instauração durante o ano dos primeiros “ateliês de reflexão ortográfica” (que permitem refletir sobre as descobertas em leitura ou sobre as dificuldades apontadas em situação de escrita): Que outros casamentos vogal + vogal vocês conhecem? Vocês devem procurar todas as possibilidades de consoantes duplas que conhecem, propondo exemplos de palavras (isso permite refletir sobre as consoantes duplas mais frequentes, ou as que não existem, e sobre o lugar das consoantes duplas nas palavras). Trabalhar sobre as estratégias de leitura (Como é / foi que você fez para ler esta palavra?), sobretudo no que se refere à leitura das palavras pela via direta: reconhece-se cada uma das letras que a constitui (e então, para memorizar uma palavra...). Propor aos alunos a descoberta das diferentes escritas no mundo (as mais importantes: chinesa, indiana, latina, árabe e cirílica), uma primeira abordagem simplificada da história da escrita: por que os homens sentiram um dia necessidade de escrever? Como é que fizeram? Leitura de poemas: (em relação com os jogos de escrita poética, a produção de poemas), acrósticos simples, monorrimas.
Aprendizagem reflexiva do alfabeto: ir além da aprendizagem da “canção infantil do alfabeto”: - explicar aos alunos de que serve conhecer o alfabeto; conhecer a ordem das letras permite procurar uma palavra num repertório, num dicionário; conhecer cada letra permite não confundi-las, porque são todas diferentes e únicas; para algumas delas, o nome da letra pode me ajudar a descobrir o som que ela faz (= diferença vogal/ consoante). - O que se faz quando se recita o alfabeto: diz-se o nome de cada letra. Reutilizar estes conhecimentos em jogos: primeiro, com os nomes dos alunos, depois com outras palavras: a partir daí, impulsionar sobretudo o conhecimento de todas as letras do nome, e não de índices tomados sobre a primeira e a última letras (recorte dos nomes letra a letra, jogo do nome misturado, palavras cruzadas de nomes). Utilizar o vocabulário técnico apropriado e assegurar-se de que os alunos o dominam (rever com os alunos que confundem letra e palavra, letra e sílaba).
1° ano do ensino fundamental
OBSERVAR, ANALISAR, COMPREENDER
Final da educação infantil
Ver exemplo desenvolvido no capítulo “Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística ao nível da frase (nível 6)”, p. 243.
Continuação dos “ateliês de reflexão ortográfica”, sempre pensando nas dificuldades, nos obstáculos à leitura nas palavras, propor que os alunos reflitam coletivamente sobre certas regularidades e variações ortográficas (os ataques de palavras consoante/consoante, o papel do trema...). Instauração dos “ateliês de negociação (orto)gráfica”: dispositivo bastante parecido com os ateliês de “ensaio de” escrita, mas os alunos devem refletir sobre um grupo de palavras ou sobre uma frase e assim gerir o problema das concordâncias. Segue-se uma negociação primeiro entre eles, depois com o professor, para chegarem juntos à ortografia correta.
OBSERVAR, ANALISAR, COMPREENDER
2° ano do ensino fundamental
progressão.
3º e 4º anos do ensino fundamental
Descobrir, compreender, construir e dominar o princípio alfabético da língua:
266 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
MANIPULAR ORALMENTE, CONSTRUIR A RELAÇÃO ORAL/ ESCRITO Trabalho sobre os componentes sonoros da linguagem (prosseguir se necessário). Jogos de palavras ligados às palavras da leitura (ateliês de leitura), prosseguir e tornar mais complexos. Metagramas: para reencontrar as palavras, não se propõe mais uma imagem, mas uma frase a ser completada.
MANIPULAR ORALMENTE, CONSTRUIR A RELAÇÃO ORAL/ ESCRITO
Continuação do trabalho sobre os componentes sonoros da linguagem: (1° e 2° anos do ensino fundamental) Decomposição da sílaba e manipulações fonêmicas. Esses jogos são feitos oralmente e são acompanhados de um trabalho sobre os procedimentos dos alunos. A caça ao intruso (com suporte imagem): localizar a palavra que não termina da mesma forma (rimas diferentes: talha, malha, bota, falha); que não começa da mesma forma (ataques diferentes: três, tropa, trem, chave) ou que não se escuta da mesma forma (fonema intermediário diferente: bata, baba, bala, bela) Encontrar a boa imagem entre as quatro dadas a partir de uma imagem-alvo O que acontece com a palavra trova se eu tiro o tr do início? tr-ova. Jogar da mesma maneira com a supressão dos ataques (branca/anca; troco/oco) e as supressões do fonema inicial: soco/oco; prato/rato; molho/olho Manipulações fonêmicas sem suporte de imagem - a cadeia de palavras (oralmente): passar de uma palavra a outra mudando um fonema (pato, gato, rato; lata; pata, luta, lota; mula, mola): possibilidade de jogar unicamente com o fonema inicial (ver metagramas calha, talha, malha...) - “o jogo do príncipe e da feiticeira”: a professora é uma feiticeira que colocou um feitiço sobre os príncipes e as princesas (os alunos). Eles não sabem
MANIPULAR ORALMENTE,CONSTRUIR A RELAÇÃO ORAL/ ESCRITO
Jogos de soletração (aprender a soletrar seu nome, as palavras da sala de aula, encontrar entre várias palavras aquela que a professora soletrou). Em situação de leitura, trabalhar a relação entre a quantidade de oral e a quantidade de escrito. Apontar as palavras lidas pela professora. Reencontrar uma palavra conhecida dentro de um texto curto ou de uma canção infantil e saber justificar que se trata bem da palavra procurada (sobretudo fazendo soletrar a palavra). Construção de abecedários e/ou de léxicos da sala de aula, para o qual se pode propor uma classificação alfabética ou temática das palavras. Jogos de loto, de memória, das letras.
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 267
Garantir a ligação entre o nome da letra e seus diferentes traçados: ateliês de grafismo/ caligrafia acompanhados pelo professor. O professor deve assegurar-se de que o aluno se posiciona bem, que segura bem sua caneta e traça as letras no bom sentido. Ateliês clássicos, mas pode-se também torná-los divertidos, traçando letras na água, na areia, no pátio, em tamanho muito grande etc. Fazer escrever palavras conhecidas soletrando-as (Vocês vão escrever uma palavra que vocês conhecem. Para isso, prestem bem atenção, eu vou soletrar essa palavra, vou dizer o nome de cada letra que a compõe na ordem e vocês vão escrevê-las. Quando vocês reconhecerem a palavra, levantem o dedo). Jogos em artes visuais sobre a forma das letras Primeiras atividades de cópia e de transferência-cópia acompanhada (apoiadas pelo adulto). Primeiros ateliês de ensaio de escrita.
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Continuação dos ateliês de ensaio de escrita. Primeiros jogos de escrita. Listas “loucalfabéticas”/inventários: produzir listas temáticas com a obrigação de que a ordem das palavras ou dos grupos de palavras (GN) respeite a ordem alfabética. Exemplo 1: O circo: acrobata, bailarina, cavalo, domador... Exemplo 2: A como..., B como...
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mais falar: cada vez que a feiticeira pronuncia uma palavra, eles a repetem esquecendo um som (supressão de fonemas): em primeiro lugar, suprimese sempre o mesmo fonema, depois se varia: a posição do fonema que deve ser suprimido varia) - Primeiros trocadilhos orais: permutação de fonemas (possibilidade de jogar com os sobrenomes e os nomes dos alunos: Marcelo Tosta, martelo costa. Jogos ligados às palavras da leitura (ateliês de leitura): as letras misturada, as letras demais, as palavras piratas (palavras que existem mas cujo sentido difere das palavras originais da leitura por um único som (por exemplo, calha no lugar de malha, princípio da “palavra torta”). Metagramas (“que diferem por um único som”): (após um trabalho conduzido oralmente) Utilizando imagens, pedir que os alunos encontrem os fonemas iniciais que possibilitam distinguir palavras muito parecidas (pares mínimos): calha, talha, falha, malha; bolha, rolha... Jogos de escrita: Frases “loucalfabéticas”. (permitem trabalhar certas construções sintáticas). Toque, toque, quem é? É a Abelha que Ama as flores, É o Macaco que Mexe muito. Textos “loucalfabéticos” Produzir um texto curto com a obrigação de que a ordem de aparição das palavras respeite a ordem alfabética. Textos tortos, à maneira de Pef: produzir um texto curto brincando com as palavras tortas. Tautogramas (frases). Primeiros lipogramas (“a letra proibida”): escrever uma frase sem utilizar jamais, em nenhuma palavra, a letra proibida (dificuldade a graduar: é extremamente difícil proibir o E). Da frase-enigma à mensagem alfabética: o jogo do enigma conduz os alunos a encontrar soluções para os diferentes problemas de “colocar em enigmas” que eles têm: utilizar o nome das letras, o som das letras, os números
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– Jogos de escrita/jogos poéticos: - Textos “loucalfabéticos” - Poemas abecedários: cada verso começa por uma letra do alfabeto (De A a Z, de Z a A) - Textos tortos - Textos com letras proibidas (lipogramas) - Textos/poemas tautogramasTextos alfabéticos (à maneira de Yak Rivais Les sorcières sont NRV)/Poemas alfabéticos. - Anáfrases: construir frases utilizando dois ou mais anagramas ex:. o ator segue a rota. Para ajudar, pode-se fornecer as letras em desordem - jogo das “sobredefinições” (à maneira de Georges Perec (mais difícil, fazer antes com o 4° ano do ensino fundamental) Ex: O que tem no meio da rua: o “u”; Quais bichos tem no sapato? Sapo e pato.
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268 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Exemplo 3: Aranha Amiga, Bela Baleia,... Primeiros tautogramas (frases): produzir uma frase em que todas as palavras comecem pela mesma letra. Primeiros jogos de palavras/jogos de letras: o mastermind, das palavras: princípio do mastermind, mas com palavras que os alunos conhecem e etiquetas-letras: o objetivo é encontrar uma palavra utilizando índices, presença ou não da letra na palavra, lugar da letra na palavra. Anagramas simples: Ator/rota/tora. Criação de mensagens secretas com códigos alfabéticos (posição das letras, permutações, mensagens codificadas). Jogos de grades: palavras cruzadas.
(e não mais apenas os desenhos que correspondem às palavras monossilábicas), códigos secretos mais complexos. Jogos de palavras/jogos de letras. Anagramas (ver o poema Anagrammes de Pierre Coran, Jaffabules). Mastermind das palavras. A palavra mais comprida. A forca. De uma palavra à outra: a cadeia de palavras (joga-se um contra o outro ou em equipe). Trata-se de escrever uma sequência de palavras em que cada uma deve começar pela última letra da palavra precedente (bicicleta-animal-leite); de um ponto de vista estratégico, tentar bloquear o adversário propondo uma palavra cuja letra final seja pouco comum. O vestibular: jogo que alia o princípio alfabético e a categorização (Escolhe-se uma letra ao acaso, mais ou menos difícil, e é preciso encontrar o nome de uma fruta ou de um legume ou o nome de uma profissão, começando pela letra escolhida). Variante com um baralho (jogo de rapidez): tira-se uma carta-letra e uma carta-categoria, ganha quem for mais rápido (legume começando pela letra G). - Jogos de palavras/ jogos de letras A palavra mais comprida. O mastermind das palavras. A cadeia de palavras: “de uma palavra a outra”. A cadeia de palavras: “uma letra a mais” (um contra o outro ou em equipe): construir uma sequência de palavras acrescentando a cada palavra uma letra a mais: a, as, asa, casa, casar, cassar, lua, luta, lutar, lutara, lutaria, lutariam. O “tapa-buracos”: completar, ou seja, encontrar uma palavra preenchendo os vazios: dado um certo número de letras, é preciso encontrar as demais (_u_l_co = público) As palavras-sanduíches (jogo parecido com o das palavras-malas): encontrar um certo número de letras presas entre outras letras que permitem encontrar outras palavras: a/cal/mar; ele/va/dor Os dingbats: adivinhações visuais à base de letras: espécie de enigmas de letras e de palavras sem desenho. Ex: BB/saltado: bebê sobressaltado. Hsalho: agasalho, lo lo lo lo lo lo lo lo lo: novelo. O trocadilho: trabalhar no nível da inversão dos sons mais simples (primeiros “exercícios de ginástica literal”), deslocamento ou troca de uma letra. Ex: Prefiro um bife à milanesa que um bife ali na mesa; bola de gude-gula de bode. O defensor dos fracos e oprimidos: o defensor dos frascos e dos comprimidos. Jogos de grades Continuação: palavras cruzadas, palavras flechadas.
Nesse conjunto de atividades propostas, devemos enfatizar a importância das atividades de escrita, e sobretudo de codificação, na construção do princípio alfabético. Desde a grande seção da educação infantil, deve-se propor aos alunos que escrevam palavras que ainda não sabem escrever, pois isso lhes permite não apenas trabalhar sobre a representação da língua escrita, mas também lhes propicia uma primeira apropriação dos grandes princípios da escrita, como pode igualmente levá-los a construir progressivamente o princípio alfabético. Para passar ao escrito, os alunos são obrigados a analisar o que ouvem. Esse é o sentido dos ateliês de ensaio de escrita: permitir que os alunos sugiram um ensaio de escrita das palavras propostas. A escolha da palavra é importante. Esse tipo de atividade só tem interesse se, e apenas se, há um retorno e se se fazem a análise e as correções dos vestígios dos alunos. Assim, progressivamente, durante os ateliês de ensaio de escrita, pode-se: – permitir que os alunos construam a relação entre o oral e o escrito, estabelecendo correspondências: - a palavra escrita codifica a palavra oral, e não diretamente o referente (para escrever banana, não se desenha uma banana); - apoiamo-nos no que ouvimos para escrever: não escrevemos do jeito que queremos, a escrita respeita as regras de correspondência grafemasfonemas (não utilizamos todas as letras de nossos nomes ou apenas as letras que conhecemos). Tudo o que se pronuncia se escreve, e o comprimento da palavra por escrito corresponde ao seu comprimento dito oralmente. Duas palavras diferentes podem ter partes escritas comuns (motocicleta e tomate não são as mesmas palavras, não remetem ao mesmo conceito e, no entanto, têm uma sílaba comum dita oralmente e por escrito); - uma sílaba pode ser composta no mínimo por uma vogal, mas nunca por uma única consoante. – atualizar seus procedimentos e permitir que avaliem seus resultados, que reflitam sobre sua eficácia; – permitir que os alunos utilizem e explicitem seus conhecimentos ortográficos: regularidades, variações, frequências; as consoantes duplas: lugar, frequência...). – levar os alunos a refletir sobre a morfologia das palavras: construção de palavras [casa-caseiro, porta-porteira, filha-filhinha..., famílias de palavras] etc. Desde março de 2006, pudemos conduzir ateliês de ensaio de escrita em grupos-classes do 1° ano do ensino fundamental e do último ano da educação infantil. Descrevemos uma das sessões conduzidas num 1° ano na página 271.
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 269
A análise dos ensaios dos alunos do último ano da educação infantil permite fornecer alguns exemplos dos procedimentos que implementam: Exemplo 1: Durante a primeira sessão, um dos alunos escreve, para a palavra motor: anqrstal. Esse aluno colocou em obra um procedimento logográfico: ele utiliza letras, mas escreveu as letras de seu nome e outras letras que conhecia. Ele ainda não estabelece uma correspondência entre o oral e o escrito, não se apoia sobre o material sonoro da palavra para buscar escrevê-la. Exemplo 2: Durante a segunda sessão, um dos alunos escreve, para a palavra culpado: upd. Esse aluno está começando a entrar no princípio fonográfico. Quando ele explicou como foi que fez, disse ter decomposto a palavra em sílabas e apontou para cada uma das letras, nomeando a sílaba: ele fez corresponder uma letra a cada sílaba (estratégia silábica). Exemplo 3: Durante a terceira sessão, um dos alunos escreveu, para a palavra cerveja: crvja. O questionamento da professora permite colocar em dia suas estratégias ao mesmo tempo da soletração (ele utilizou o nome da letra para as sílabas ce e ve) e analógica (ja, eu sei escrever, é o ja de jato). Exemplo 4: Durante a quarta sessão, um dos alunos escreve rocodi para crocodilo. Esse aluno se engajou numa análise fonográfica, mas nem todos os fonemas estão presentes, as letras representam apenas certos fonemas. Eis apenas alguns exemplos, entre outros, de ensaios dos alunos; todos valiosos e interessantes a analisar. A evolução desses ensaios entre uma sessão e outra mostra o interesse da atividade e aponta para a dificuldade da aprendizagem da escrita e da compreensão do princípio alfabético. Passamos em seguida a descrever os ateliês de ensaio de escrita conduzidos num grupoclasse do 1° ano do ensino fundamental. Para uma progressão para o final da educação infantil, 1º e 2º anos do ensino fundamental, ver página 295.
270 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Uma atividade no 1° ano do ensino fundamental: o ateliê de ensaio de escrita no qual os alunos são convidados a escrever sobre “um dragão aterrador” Trata-se de uma atividade conduzida no 1° ano do ensino fundamental, feita após uma sequência de questionamento de texto do livro Eu não tenho medo de nada! Objetivo geral: propor uma tentativa de escrita alfabética e ortograficamente plausíveis Modalidades: – Mais fácil de gerir em grupos homogêneos, mas provável para todo o grupo-classe. – Articulação tempo coletivo/tempo individual / tempo em pequenos grupos. Segundo as sessões e o número de alunos, pode-se propor um tempo de negociação entre os alunos (grupos de dois ou três) antes de retornar ao coletivo.
Análise da tarefa para o professor: É importante que o professor escolha bem a palavra ou o grupo de palavras que vai propor que os alunos escrevam, e que ele situe essa palavra/grupo de palavras dentro de uma progressão. Da mesma forma, é necessário que o professor analise o que propõe aos alunos, de modo a: – identificar as dificuldades; – indicar em que sentido deseja repercutir, o que ele vai desenvolver especialmente: os pontos importantes; – refletir sobre que relações com outras palavras ele vai permitir que os alunos façam; – prever as produções e as eventuais dificuldades dos alunos.
Nem todos os pontos serão abordados com os alunos, pois a negociação e a discussão se farão a partir e em função de seus ensaios. Além disso, é evidente que tudo não pode ser abordado durante uma mesma sessão: é preciso permitir que os alunos façam as relações ortográficas e léxicas com outras palavras que conhecem, fixando prioridades de análise. Durante o tempo de reflexão coletiva, o papel do professor é de permitir que os alunos possam verbalizar suas estratégias cognitivas (como fizeram para) e os conhecimentos que possuem sobre a língua e seu funcionamento (e assim de tomar consciência delas: o epilinguístico se torna metalinguístico). Na verdade, o professor se mostrará tão mais eficaz quanto mais puder prever esses procedimentos e esses conhecimentos.
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 271
Exemplo referente a “Um dragão aterrador” Um dragão aterrador dragão
dra sílaba inicial Consoante – Consoante – Vogal – frequência: nas sílabas ccv, a segunda letra é mais frequentemente um r ou um l. – fazer a ligação com grão, visto anteriormente, e com outras palavras que eles conhecem. – fazer com eles a lista das possibilidades para os ataques Consoante-Consoante (os que conhecem atualmente/os que não existem). Exemplos: br, cr, dr, fr, gr.
aterrador
terr- elemento que significa “dar muito medo” terror terrível aterrorizar as consoantes duplas – que eles conhecem – que são mais frequentes (retomar) – seu lugar na palavra
dra ≠ tra Partir dos erros eventuais que eles cometem Refletir sobre as palavras que propõem
- dor – estabelecer a relação com o ateliê de escrita anterior
drágea drapear
finais em [or] • as palavras que eles conhecem em –or vapor, armador, senhor, escritor, leitor
trabalho trapézio
Sílaba final: -gão vagão, fogão, órgão -gão ≠ -jão feijão, rojão
272 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Desenrolar: Tempo 1: Antes da produção – Tempo coletivo (ou com a totalidade do pequeno grupo em questão) O professor relembra as seguintes observações: 1. O que são exatamente os ateliês de ensaio de escrita? É importante propor aos alunos do 1° ano do ensino fundamental diferentes tipos de atividades de escrita: – por um lado, atividades que lhes vão permitir progredir no gesto gráfico, na caligrafia e na cópia; – por outro lado, atividades de produção do escrito: transporte-cópia (escrever frases utilizando seus instrumentos), ditado ao adulto (o que permite produzir textos coletivamente) e o ensaio de escrita. Da mesma forma, para que possam ter uma representação da finalidade a ser atingida e se esforcem na tarefa, é necessário relembrar-lhes o sentido da atividade e as modalidades de sua prática. A- Os ateliês de escrita, é quando tentamos escrever palavras que ainda não sabemos escrever. A- Não utilizamos nossos instrumentos. A- Só utilizamos o que temos dentro da cabeça. A- Assim, refletimos sobre como se escrevem as palavras. 2. Direito ao ensaio – direito ao erro: Relembrar aos alunos que o objetivo da atividade é resolver problemas ortográficos: eles deverão procurar as respostas, fazer propostas, e assim, talvez, cometer erros (porque podemos nos enganar, quando fazemos um ensaio). No entanto, procurando em seguida coletivamente a norma e a ortografia correta, discutimos sobre nossos erros, tentamos compreendê-los justamente para não cometê-los de novo. E, como cada um explica como foi que procedeu, o professor pode ajudar com maior facilidade. 3. Relembrar os diferentes tempos e modalidades: – tentativa individual, sobre o caderno de ensaio, com a caneta (assim, ao olhar os cadernos, o professor pode retomar as pesquisas do aluno, suas hesitações, seus ensaios); – cópia sobre uma tira de papel do vestígio definitivo; – retorno ao grande grupo: observação, análise e correção coletivas. Tempo “meta” P- Como vocês fazem quando tentam escrever uma palavra que nunca encontraram antes? A- Eu conto as sílabas. Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 273
A- Eu escuto as sílabas. A- Se já sabemos escrever essa sílaba, nós a escrevemos imediatamente. A- Se é uma sílaba que ainda não sabemos escrever, procuramos em nossa cabeça. P- Como é que você faz quando procura na sua cabeça? A- Procuro os sons. A- Os sons que ouvimos na sílaba. A- Por exemplo, herói, he-rói, [e] começa com um H e um E... H-E; depois R-O-I, roi, com acento no ó. A- Sim, porque o H não se ouve, é preciso haver um C antes dele para que se possa escutá-lo. P- Muito bem, vocês decompõem a palavra em sílabas, em seguida vocês procuram como escrever essas sílabas: se é uma sílaba que já conhecem, vocês a escrevem logo, senão vocês procuram os sons que a compõem. É isso? A- Isso mesmo! Instruções: P- Então, hoje, vocês se lembram, vocês propuseram escrever alguma coisa relacionada com o livro que lemos juntos Eu não tenho medo de nada! Vocês propuseram “Um dragão aterrador”, um dragão a- te- rra- dor. Todo mundo sabe o que é um dragão? A- Um dragão... os que são malvados, cospem fogo. A- Eles vivem num castelo. A- Eles sabem voar. A- Mas eles não vivem de verdade. A- Eles cospem fogo, os dragões. P- É, vocês têm razão, é um animal lendário, que não existe de verdade. Ele cospe fogo e voa... E aterrador, o que é que isso quer dizer? A- Malvado. A- Quer dizer que temos medo. A- O dragão pode ser muito malvado. A- Eles têm dentes pontiagudos, os dragões. P- Então, A., o que é que você vai escrever? A- Um dragão aterrador. P- Quantas palavras você vai escrever? A- Três palavras. P- E quais são elas? A- Um – dragão e aterrador (ele conta nos dedos ao mesmo tempo). A- Dragão tem duas sílabas e aterrador tem quatro. P- Muito bem, então vamos começar: abram seus cadernos, peguem suas canetas e escrevam “Um dragão aterrador”. 274 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
Tempo 2: Ensaios individuais de escrita – Cada aluno faz seus ensaios; o professor acompanha os que têm maiores dificuldades (e pode mesmo propor que esses alunos escrevam unicamente dragão): Então, o que é que você vai escrever? Como é que você vai fazer? O que é que você vai escrever em primeiro lugar? E depois? Como é que você vai fazer para escrever... (essa sílaba)? Releia o que você escreveu. Será que isso faz...? O professor acompanha, mas, por enquanto, não fornece ainda a ortografia correta (pode-se propor que os alunos coloquem um traço no lugar das sílabas que ainda não conseguem escrever): – Quando o aluno pensa que fez uma proposta adequada, ele a copia sobre uma tira de papel com uma caneta hidrográfica, de maneira que todos a possam ler. Tempo 3: Retorno coletivo sobre as palavras – Pesquisa sobre a ortografia correta A atitude e o papel do professor são essenciais. Num primeiro momento, ele não julga, não valida, não rejeita. Ele segue e questiona os alunos de maneira a provocar comentários metagráficos e facilitar que tomem consciência. Ele busca escutar as observações dos alunos e os leva a explicitar, a justificar suas escolhas. Ele os convida a se escutar entre si, a intercambiar, a manifestar se estão de acordo ou não, cuidando sempre para que não haja deboches. A dificuldade é passar permanentemente do coletivo ao individual e viceversa: é preciso permitir que os alunos possam verbalizar individualmente, sempre relançando para o grupo, sempre interpelando este ou aquele aluno, porque sabemos que é preciso solicitá-lo, porque ele precisa de apoio. Os ensaios são pregados no quadro-negro e os alunos se reagrupam para que todos possam ver as tiras de papel.
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 275
Resumo dos intercâmbios (Os “A” remetem por vezes ao mesmo aluno, por vezes a um aluno diferente). P- Olhem só, preguei no quadro-negro todas as propostas que vocês fizeram. Vou deixar vocês olharem por algum tempo e, em seguida, vamos discutir juntos como é que finalmente podemos escrever “um dragão aterrador”. ... A- Para “um”, todo mundo está de acordo. P- Você está certo, a palavra-instrumento “um” não cria problema para ninguém, então vamos tratar de “dragão”, vocês concordam?... Como foi que vocês fizeram para escrever “dragão”? A- Eu contei as sílabas. P- Você contou as sílabas? E como foi que você fez? A- Tem duas. P- E como é que você sabe que tem duas sílabas? A- Tem duas sílabas. P- E quais são elas? Quais são as sílabas que você escuta em “dragão”? A- dra e gão. P- Se você quiser escrever dragão, qual é a primeira sílaba que você vai escrever? A- dra. P- Vocês concordam com ele? A- Sim! P- E depois? A- gão. P- Tudo bem, vamos ver o que vocês propuseram. A- Eu não estou de acordo, lá, isso aí não faz dragão. O aluno aponta para “dargão”. A- É sim, eu escrevi “dragão”! A- Ah, foi, ele se enganou: D-A-R faz DAR. P- Espera aí... Como é que você faz, S., para escrever “dragão”? A- Eu escrevi D-A-R. P- Você quer vir escrever aqui no quadro? O aluno escreve “da”. P- Tudo bem, quer ler o que você escreveu? A- Da. P- E depois, o que é que você escreveu? A- R (ele acrescenta o R). P- Bom, D-A-R, o que é que faz D-A-R? A- [dra]. P- Os demais estão de acordo? D-A-R faz [dra]?
276 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
A- Não, faz [dar]! P- Como é que você sabe que isso não faz [dra]? A- Porque o A vem primeiro. D e A faz [da] e o R faz [rrr], então tudo isso faz [dar]. P- Então, S., como é que você pode conseguir escrever [dra]? A- Ele colocou todas as letras, mas elas estão misturadas. P- É verdade, você tem razão, ele escolheu as letras certas, mas no entanto isso não faz [dra]. A- São duas consoantes com um R no segundo lugar, como em “grão”. P- Isso mesmo, boa observação. Vocês ouviram? A- Preciso mudar o R de lugar (ele escreve D-R-A). P- Excelente, como é que você lê o que você escreveu lá (D-A-R)? A- [dar]. P- E esta sílaba? (o professor aponta para D-R-A). A- [dra]. P- Muitíssimo bem. Vamos continuar. Na opinião de vocês, há outras etiquetas que não compõem “dragão”? Há etiquetas nas quais não podemos ler “dragão”? A- Eu não estou de acordo, lá está escrito [dradão]. A- Lá também (os alunos apontam duas etiquetas em que está escrito “dradão”). A- Em vez de colocar um G, ele botou um D. P- Será que todo mundo compreendeu bem o erro? Como é que lemos essa palavra? A- [dradão]. P- E o que é que está errado? A- Não, temos que escrever [dragão]. A- D e ão faz [dão]. A- Isso faz [dradão]. Da mesma forma, os alunos vão eliminar todas as outras etiquetas em que não se pode ler “dragão”. Assim, eles vão eliminar “tracão”, porque T-R-A faz [tra], como em “trabalho”, ou como em “trator”. P- Então, o que está errado aqui? A- Não é [tragão] que tínhamos que escrever. A- É [dragão]! P- Sim, como em que outra palavra que vocês já conhecem? A- Como em “drapear” um tecido.
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 277
P- Muito bem, como em “drapear”, olhem só, vou escrever esta palavra. São duas sílabas muito próximas, [tra] e [dra], não é fácil reconhecê-las. A- É preciso escutar bem os sons. Da mesma forma, “draão” foi rejeitado porque: A- [dra] está certo, mas depois ele colocou logo [ão], e fica “aão”, que é muito esquisito. P- Bom, então vamos recapitular, por que é que vocês rejeitaram essas etiquetas? A- Porque não está escrito [dragão]. A- Está escrito [dradão], [tracão] e depois [draão]. A- Essas palavras não existem. P- Tudo bem, e nas outras etiquetas? A- É [dragão]. P- E como é que vocês sabem que está mesmo escrito [dragão]? A- G faz [g] e depois vem o [ã] de lã, mais o [o] de ovo. P- Sim, e a letra G nesta palavra, como é que ela faz? A- [g] como legume. A- E mais o [ã] de lã e o [o] de ovo. A- O G faz dois sons: [g] e []. P- Isso mesmo; e em “dragão”, o que é que acontece? A- O G faz [g] porque tem um A e um O depois do G. P- Muito bem, o G e o A fazem [ga] e G-A mais o O e o til fazem [gão]. A- É igual ao C de cão. P- É, mas espera, não vamos divagar em todos os sentidos... Vocês conhecem outras palavras que terminam em [gão], como “dragão”? Silêncio. P- Eu sei que não é fácil. A- Facão! P- Facão, você tem certeza? A- Facão de cortar cana! P- Espera aí, é “facão”, e não “fagão”. A- Ah, é como o [cão] de “tracão”. P- É, mas “tracão” não existe, nós estamos de acordo quanto a isso, não? Estou querendo palavras em [gão]. (O professor escreve embaixo de dragão as palavras já encontradas: vagão, fogão, órgão. Da mesma forma, acompanhados pelo professor, os alunos discutiram, negociaram e abordaram os seguintes pontos no que se refere a “aterrador”:
278 Instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística...
– a confusão que alguns ainda fazem entre o nome da letra e o som que ela produz (estratégia de soletração, ate’ror); – a segunda sílaba [te] com relação à reflexão sobre a família de palavras terrível/terror; – a sílaba final com a omissão do fonema [a] no meio da sílaba, para vários alunos (ate’ror–ateror); – palavras com consoante no final, que correm o risco de inversão: aterrador/ aterradro ou de eliminação: aterrador/aterradô; – Os dois R foram dados pela professora porque, ainda que os alunos tivessem feito a relação entre “aterrador” e “terrível”, não sabiam que as duas palavras se escreviam com uma dupla consoante. Tempo 4: Os alunos copiam em seus cadernos de ensaios a ortografia correta e a circundam Comentário Os ateliês de ensaio de escrita são tempos períodos e ricos para a vida da sala de aula. Se os tempos de negociação são bem conduzidos (e se a escolha da(s) palavra(s) é judiciosa, podem conter preciosas lições para todos. O professor coleta informações sobre o funcionamento cognitivo de seus alunos, sobre seu conhecimento da língua e de seu funcionamento. Confrontados com uma situação-problema, os alunos emitem hipóteses, pesquisam, ensaiam e aprendem, durante a síntese, a escutar, a argumentar, a explicitar. Este é o interesse do dispositivo: a existência de conflito sociocognitivo. Os alunos aguardam os ateliês de escrita e parecem memorizar as palavras estudadas e as informações sobre essas palavras que reutilizam em outras sessões. Este tipo de atividade visa a produção de comentários metagráficos, nos quais também há progresso dos alunos entre uma e outra sessão: eles analisam ao mesmo tempo seu próprio ensaio e o de seus colegas, tentando até, por vezes emitir hipóteses sobre os procedimentos dos outros. Durante esses ateliês, eles constroem os princípios de escrita: descobrem regularidades e variações ortográficas, colocam a palavra estudada em relação com outras palavras que aproximam pela forma ou pelo sentido. Convém sem dúvida estruturar essas descobertas num segundo tempo, durante a elaboração de uma “ficha-memória” que retome os pontos abordados, as outras palavras dadas como exemplo.
Em relação à palavra e às microestruturas que a constituem 279
5 Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos Nas páginas anteriores, tentamos ajudar os professores a preparar, planejar e conduzir as atividades que levam globalmente à aprendizagem bem-sucedida da leitura-escrita. Eles poderão encontrar aqui sobretudo instrumentos conceituais e metodológicos que lhes permitirão orientar um procedimento de avaliação exigente, que requer: – o conhecimento aprofundado dos objetivos atribuídos aos cinco primeiros anos do ensino fundamental; – o domínio dos componentes da atividade de leitura e de produção de textos; – o conhecimento das manifestações do funcionamento cognitivo do aluno. Nesse contexto, a organização das aprendizagens consiste em encontrar um caminho original para o sucesso de cada um, segundo sua própria maneira de pensar, de aprender, de se situar enquanto aluno. O objetivo do presente capítulo é precisar as formas e as modalidades que permitem que todos os alunos aprendam e que o professor intervenha segundo as necessidades e as expectativas.
SUMÁRIO 11. Vamos deixar mais claro 12. Melhor se conhecer para melhor agir 13. Ajustar sua intervenção às necessidades dos alunos 14. Construir percursos de aprendizagem contínuos e coerentes 15. Harmonizar os auxílios e os instrumentos de trabalho escolar para melhor acompanhar os alunos
282 284 286 290 296
11. Vamos deixar mais claro Sobre alguns paradoxos da avaliação Na prática, centrar a ação pedagógica e a avaliação no aluno é um desafio cotidiano para os professores, porque se trata, ao mesmo tempo: – de coordenar a progressão de um grupo-classe, isto é, de um grupo permanente de alunos, arranjando itinerários de aprendizagem diferenciados; – de permanecer atento à alteridade, unindo uma comunidade de aprendizagens; – de conciliar um contrato individual com um projeto coletivo de aprendizagem; – de identificar a dificuldade ou as dificuldades individuais, de fornecer o mais rapidamente possível os auxílios necessários, respeitando a organização das tarefas e a programação das atividades; – de compreender que a aprendizagem se constrói no longo prazo e que é preciso respeitar os ritmos individuais, prestando conta regularmente dos progressos realizados aos alunos, a seus pais, à instituição; – de centrar sua atenção nos procedimentos e na maneira de aprender, atestando as aquisições na área em questão; – de desencadear a atividade metacognitiva sistemática, conservando a dinâmica própria de toda situação de aprendizagem; – de construir para cada aluno uma imagem de si valorizada, considerando o erro como um índice do funcionamento cognitivo; – de dar um lugar prioritário aos alunos mais frágeis, guiando cada um deles em direção a objetivos cada vez mais ambiciosos.
282 Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos
Que concepção de avaliação? Trata-se desta concepção
Não destas aqui
O procedimento de avaliação é integrado aos processos de aprendizagem: ele se refere aos conhecimentos que o aluno possui sobre seus próprios recursos cognitivos e sobre sua progressão de aprendizagens.
A avaliação considera de maneira exclusiva a qualidade de um produto. Ela tem por finalidade medir a aquisição dos conhecimentos ou quantificar um resultado com relação a uma norma.
A avaliação é problema de todos e, prioritariamente, do aluno.
A avaliação é preocupação dos adultos da comunidade escolar, e de maneira mais ampla, da comunidade educativa, professores e pais dos alunos.
A avaliação permite estruturar as aprendizagens, estabelecer relações entre os conhecimentos anteriores e as novas aquisições, medir os progressos.
A avaliação permite ter uma visão cumulativa dos resultados e dos conhecimentos dos alunos.
O aluno é responsável por seu percurso de aprendizagem, do qual conserva os vestígios evolutivos.
O professor emite um julgamento sobre a produção dos alunos através de comentários ou apreciações.
A avaliação se apoia sobre os elementos significantes de um percurso escolhido junto com o aluno, em função de finalidades partilhadas, formadoras ou somativas.
A avaliação se apoia sobre elementos descontextualizados, esporádicos, coletados através de produções globais no fim do trimestre ou no dia do controle.
A avaliação compromete o aluno com uma A avaliação permite constatar globalmente reflexão metacognitiva: sobre si mesmo (sua as competências (adquiridas, não maneira de aprender), suas motivações; adquiridas, em vias de aquisição). sobre o objeto da aprendizagem (a qualidade de seu trabalho). A avaliação permite que o professor possa medir a qualidade de seu trabalho.
A avaliação permite medir a qualidade do trabalho dos alunos.
Vamos deixar mais claro 283
12. Melhor se conhecer para melhor agir
Para o aluno, uma avaliação formadora durante o processo de aprendizagem Um procedimento de avaliação formadora integrada ao processo de aprendizagem permite que o aluno regule e assuma o controle do desenvolvimento de suas competências, do desenrolar de sua atividade cognitiva. A avaliação contextualizada é um meio permanente de ajudar o aluno a prosseguir e a reforçar suas aprendizagens de maneira eficaz, e nunca um fim em si mesma. Ela repousa sobre a coleta e análise de um conjunto de vestígios que atesta os percursos e os procedimentos e coloca em evidência os sucessos ou os obstáculos coletivos e individuais na realização de uma tarefa de compreensão ou de produção. Ela facilita que o aluno tome consciência de sua maneira de aprender, que se informe sobre os elementos significantes que esclarecem sua atividade intelectual. O aluno atribui importância aos processos, às estratégias e aos ensaios metodológicos para orientar sua atividade mental. Nesse registro, é importante: – considerar os erros uma fonte de investigação positiva e objetos de uma reflexão coletiva que orientam a pesquisa de soluções; – construir a análise metacognitiva na ação e em interação com os outros, acreditar em si e ter confiança nos outros e no professor, quando se trata de aprender; – permitir que cada um se aproprie de uma maneira de pensar a fim de regular e de diversificar as estratégias (instrumentos, procedimentos) a serem praticadas, de tomar as boas decisões, de transformar o ensaio em sucesso, de ser consciente e poder orgulhar-se de seus progressos; – selecionar as produções significativas da construção das aprendizagens (ao final de uma atividade, os trabalhos que atestam os progressos engendrados pelo trabalho); – convidar os alunos a conservar os vestígios, a comentar e formalizar as regras de ação praticadas e isoladas, a compilar estratégias de sucesso (ver a 284 Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos
parte “Sistematização metacognitiva” no fim do capítulo “Questionamento do texto” ou o “Canteiro de escrita”, na Parte 3, páginas 84 e 186), para conquistar passo a passo uma autonomia de leitor/produtor de textos. Ver tabela recapitulativa a seguir.
A avaliação formadora durante os procedimentos de questionamento de texto e de canteiros de escrita Preparação para o encontro ou para a produção de texto
Todo o grupo-classe: – participa da definição do que está em jogo ao esclarecimento da atividade intelectual mobilizada pela situação de aprendizagem; – fixa seus próprios critérios de sucesso; – mede a distância entre o que já se sabe e os objetivos da aprendizagem, a mais-valia inerente a cada esforço empreendido.
Atividade de questionamento ou de produção
Cada aluno: – analisa e verifica as etapas de seu percurso e da realização da tarefa; – apoia-se sobre os vestígios pertinentes selecionados pelo professor para constatar os sucessos e as dificuldades; – toma as decisões necessárias com relação ao projeto cognitivo inicial (recurso às “estratégias bem-sucedidas” dos colegas, dos profissionais, dos professores); – controla sua atividade, exercita maneiras de aprender, valida procedimentos.
Sistematização metacognitiva e metalinguística.
Todo o grupo-classe: – identifica e formaliza as aquisições; – mede os progressos realizados, as aprendizagens que devem ser reforçadas, os pontos fortes e os pontos fracos; – fornece uma apreciação sobre a qualidade do trabalho realizado e sobre o produto terminado. Cada aluno: – emite um julgamento sobre a qualidade de seu percurso, situa-se em sua progressão; – estrutura as novas aquisições, articulando-as a seus conhecimentos anteriores; – faz um balanço preciso de suas competências no fim da atividade.
Melhor se conhecer para melhor agir 285
13. Ajustar sua intervenção às
necessidades dos alunos
Uma avaliação somativa regular para um diagnóstico objetivo No início da aprendizagem, a avaliação-diagnóstico permite realizar um inventário das competências construídas por um grupo de alunos antes que comecem ou que se negocie com eles, de maneira objetiva, um projeto de aprendizagem. Ela favorece a adaptação dos conteúdos, dos objetivos, das tarefas de leitura e de escrita às necessidades “objetivadas” dos alunos, permitindo-lhes situar a declinação das competências esperadas dentro de uma progressão. Ela facilita a “clareza cognitiva”, isto é, a percepção por todos e por cada um do caminho percorrido e das novas etapas a vencer, dos sucessos atuais e dos progressos a conquistar. Durante o ano escolar, ao fim de uma etapa de um projeto ou de um período de aprendizagem mais ou menos longo, os balanços intermediários permitem informar-se sobre o desenvolvimento das competências, assegurar-se de que as aprendizagens estão se realizando progressivamente, segundo o contrato inicial, individual ou coletivo. Nesse sentido, o exemplo francês que se segue pode ajudar-nos a compreender muitas coisas. Na França, as avaliações nacionais nos 2º, 3º e 6º anos do ensino fundamental, como as demais avaliações concebidas na escala dos departamentos, das circunscrições, dos grupos escolares ou das etapas, constituem instrumentos descontextualizados que facilitam a emergência de um diagnóstico sob a forma: – de um inventário, num dado momento preciso da aprendizagem, dos sucessos e das dificuldades de cada aluno de um grupo-classe. Para o professor, trata-se de refletir sobre os dispositivos de diferenciação (remediação); – de um perfil do grupo-classe, que permite que o professor tenha uma visão apurada de seus alunos, que possa situá-los com relação ao nível de competências esperadas e, assim, ajustar suas práticas pedagógicas (regulação). Assim, ainda na França, nos marcos de um plano de prevenção ao “iletrismo”* e da implantação de Cursos Preparatórios** reforçados ou *
N.T.: Estado das pessoas que, apesar de terem aprendido a ler e a escrever, perderam (ou nunca adquiriram inteiramente) a prática dessas técnicas de comunicação na vida cotidiana, no campo profissional, familiar ou social. Pode-se também definir o “iletrismo” como a incapacidade de dar um sentido às frases mais simples. Os esforços praticados em prol das crianças dos primeiros anos do curso fundamental permitem evitar que se tornem “iletrados”.
*
N.T.: O cp (Curso Preparatório), na França, corresponde ao 1° ano do ensino fundamental no Brasil.
286 Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos
acompanhados, inúmeros departamentos elaboraram, a partir e com o auxílio dos folhetos de acompanhamento dos Programas de 2002 intitulados “Ler no cp”, avaliações locais propostas aos professores dos cps engajados neste dispositivo. São instrumentos de avaliação somativa descontextualizados que visam às competências esperadas no início, no meio e no fim do cp – competências essas que estão repertoriadas no folheto “Ler no cp 1”. A utilização do mesmo tipo de instrumento, concebido para avaliar os mesmos grandes componentes em três momentos-chave do processo de aprendizagem da leitura, permite igualmente que o professor avalie os efeitos de sua ação pedagógica.
Um exemplo de análise de uma avaliaçãodiagnóstico no início do 1° ano do ensino fundamental Avaliação no início do 1° ano do ensino fundamental Itens (em função da pontuação de sucesso)
Pontuação de sucesso
Identificar a pontuação
09%
Escrever a palavra correspondente ao desenho proposto
27%
Copiar palavras escritas em letras maiúsculas ou cursivas
36%
Distinguir palavras
37%
Distinguir letras
37%
Identificar um texto segmentado
40%
Fazer corresponder a extensão da cadeia sonora de um enunciado ao seu enunciado escrito
45%
Distinguir uma frase
48%
Escrever uma palavra soletrada
55%
Identificar entre várias palavras a que não tem o mesmo som
55%
Dominar a correspondência entre as diferentes formas de escrever uma palavra
56%
Mostrar o fim de um texto
57%
Ler as letras do alfabeto na ordem
65%
Nomear as letras
73%
Descrever um objeto de maneira a ser compreendido por outra pessoa
75%
Distinguir os diferentes suportes do escrito
75%
Ler palavras encontradas com frequência
75%
Copiar uma frase escrita no quadro-negro
75%
Contar rapidamente uma história conhecida
80%
Mostrar o início de um texto
80%
Reconhecer, numa lista de palavras com grafias parecidas, as que foram lidas por um adulto
90%
Identificar as diferentes partes de um livro
90%
Ordenar cronologicamente as imagens de uma história
90%
Localizar a última e a primeira palavra de uma frase
95%
Identificar o lugar
100%
Identificar as personagens
100%
Segmentar a palavra em sílabas
100%
Reconhecer numa lista as palavras familiares lidas por um adulto
100%
Ajustar sua intervenção às necessidades dos alunos 287
Onde os alunos foram bem-sucedidos • Identificar as personagens de uma história (100%), o lugar da ação (100%), ordenar cronologicamente as imagens (90%), componentes que fazem parte da competência “compreender um relato de ficção lido por um adulto”. A utilização de livros infanto-juvenis e a introdução da literatura na educação infantil favoreceram a aprendizagem da compreensão antes mesmo que os alunos desenvolvessem a técnica (a leitura autônoma) para descobrir o texto. O lugar da leitura em voz alta pelo professor (oralizar o escrito e o acesso aos textos complexos, dos quais se fazem várias leituras, são essenciais para permitir que os alunos conheçam as personagens prototípicas da literatura e construam suas representações estruturais do relato e, mais globalmente, do escrito. • Segmentar as palavras em sílabas (100%) ou discriminá-las (99%) são componentes que fazem parte do primeiro nível de tratamento fonológico. As atividades de manipulação (enumerar, segmentar, suprimir as sílabas) contribuem para melhorar as performances da consciência fonológica a partir do oral, que é o material “natural” para os alunos. O acesso à consciência fonológica (identificar os componentes sonoros da linguagem) antes mesmo que a leitura seja explicitamente ensinada favorece sua aprendizagem posterior. É igualmente uma entrada privilegiada para permitir que os alunos reflitam sobre a língua. • Conhecer a ordem das letras do alfabeto (65%). Trata-se de uma aprendizagem “mecânica” da canção infantil para iniciar uma reflexão real sobre o funcionamento da língua francesa. Esse componente só será efetivamente útil mais tarde, para utilizar um dicionário ou se localizar num indicador/índice. O que é importante é compreender o princípio alfabético da língua, isto é, estabelecer correspondências entre o oral e o escrito [nomear as letras (73%), escrever uma palavra soletrada (55%)].
As dificuldades que encontraram • Dificuldades de ordem conceitual: menos da metade dos alunos é capaz de distinguir letras, palavras e frases, ou um texto. Permitir que os alunos tenham acesso ao vocabulário técnico referente à língua supõe:
288 Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos
– que, junto com os alunos, interroguemos os usos escolares da língua (utilização das palavras corretas, trabalho sobre as representações, esclarecimento de conceitos); – que se esclareça a atividade cognitiva derivada das situações de aprendizagem previstas pelo professor. • Apenas uma minoria de alunos utiliza de maneira eficaz o sistema ortográfico para escrever uma palavra correspondente a um desenho. Para as crianças, trata-se, na verdade, de ultrapassar a lógica logográfica [copiar uma frase escrita no quadro (73%)]. – para aceder à lógica fonográfica [fazer corresponder a extensão de um enunciado à extensão de sua transcrição gráfica e, em seguida, ortográfica]; – ou escrever a palavra correspondente ao desenho proposto (27%). • Os alunos compreendem e constroem o sistema ortográfico a partir de observações (analogias-regularidades) e de atividades de produção. Essas atividades permitem que os alunos tomem consciência dos procedimentos de codificação. Para acompanhar os alunos, o professor favorece o questionamento sobre a língua e a metacognição a partir dos vestígios ou dos ensaios significantes (ele valoriza, interpreta, analisa e, se necessário, fornece o procedimento especializado).
Ajustar sua intervenção às necessidades dos alunos 289
14. Construir percursos de
aprendizagem contínuos e coerentes Uma outra maneira de deixar mais clara nossa problemática ENSINAR/APRENDER A LER/ESCREVER NA ESCOLA OBJETIVOS
ESTRATÉGIAS, PROCEDIMENTOS, INSTRUMENTOS DE ENSINO
1. Fazer com que todos os alunos entrem na cultura da língua escrita • compreender a linguagem oral (vocabulário usual, instruções da sala de aula, histórias lidas pelo professor). • compreender que o escrito traduz a linguagem, o pensamento.
• atividades regulares de enriquecimento léxical: categorização e construção de coletâneas de imagens, de repertórios... • leituras e releituras de escritos estruturados (estruturas repetitivas, cronológicas, argumentativas, narrativas...); • encontros com os escritos (textos e livros) em situações “autênticas”, isto é, que permitam utilizar o escrito para agir, reagir ou fazer agir e descobrir suas principais funções escolares e sociais; • leituras em rede para construir uma cultura literária
2. Formar leitores e produtores de textos polivalentes • Compreender que a leitura e a escrita são atividades cognitivas que mobilizam estratégias de resolução de problemas num contexto particular (o projeto de aprendizagem).
• Procedimentos sistemáticos de resolução de problemas em leitura e em produção de escritos: – o questionamento de texto, para aprender a compreender textos diversificados; – os canteiros de escrita, para aprender a produzir textos (organizar, colocar em texto, revisar).
3. Construir as aprendizagens estruturais da escrita • Compreender que o escrito é um sistema organizado por estruturas: – textuais; – sintáticas; – léxicas.
• Atividades reflexivas complementares para apropriar-se dos modos de funcionamento da língua escrita: classificar, identificar, manipular textos, frases, palavras: – a seleção de texto; – o ditado-pesquisa e os ateliês de negociação ortográfica; – o ensaio de escrita.
290 Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos
Alguns exemplos de instrumentos coletivos que visam harmonizar o ensino-aprendizagem da leitura e da produção de textos 1. Fazer com que todos os alunos entrem na cultura da língua escrita • Encontros com os escritos (textos e livros) em situações “autênticas” , isto é, que permitem utilizar o escrito para agir, reagir ou fazer agir e descobrir suas principais funções escolares e sociais. Um ano de projetos na escola elementar de Quincelettes, na França Durante este ano escolar, os professores propuseram aos alunos projetos que constituem situações de aprendizagem autênticas, isto é, portadoras de sentido para as crianças, em que estão em jogo verdadeiras questões e durante as quais cada uma delas é levada a desenvolver competências. • A “classe de mar” em Tourlaville (50) para os cm1-cm2* Uma “classe de mar” consiste, certamente, em aprender a viver juntos e descobrir um meio físico e humano diferente de seu meio habitual de vida; mas é também o fruto de um trabalho coletivo, no qual cada um se engaja pessoalmente para realizar um projeto comum a todo o grupo-classe. Os alunos assumiram inteiramente seu projeto e suas aprendizagens. – cada um deles deveria escrever uma carta a um dos diferentes parceiros (empresa de ônibus, estrada de ferro, responsável da gestão do centro de acolhimento, escola de navegação a vela, prefeitura, conselho geral, agência de turismo...); – discutir, escutar o outro, argumentar para escolher as atividades; – ler documentos (mapas, folhetos turísticos, livros de geografia...) para estudar uma nova região; – organizar uma exposição para apresentar uma viagem às famílias. • Botânicos profissionais O desenvolvimento e a reprodução das plantas estavam inscritos no programa dos alunos de ce2. Eles: – redigiram resumos de experiências científicas; – elaboraram um protocolo de pesquisa para o responsável do serviço dos parques e jardins da prefeitura, que respondeu a todas as suas questões; *
N.T.: Na França, o cm1 e o cm2 correspondem respectivamente ao 4° e ao 5° anos do ensino fundamental brasileiro. O ce2 corresponde ao 3° ano. Construir percursos de aprendizagem contínuos e coerentes 291
– leram fichas, catálogos, instruções... para plantar, cavar com a enxada, mondar; – anotaram cotidianamente suas observações...; e o conjunto de seu projeto recebeu o primeiro prêmio departamental das escolas floridas, atribuído pelo Escritório Central de Cooperação na Escola (occe) e pelos Delegados Departamentais da Educação Nacional (dden). Eles ficaram tão orgulhosos desse diploma quanto de suas plantações. • Pequenos poetas Os alunos do ciclo 2 manifestaram o desejo de participar do concurso de poesia sobre o tema da natureza organizado pelo município. Isso foi, para eles, uma ocasião de descobrir poetas que não conheciam, seus pontos comuns, suas diferenças, e de escrever poemas “à maneira de...”. Esse exercício não é fácil, mas seus esforços foram recompensados por ocasião da entrega dos prêmios. Apenas verdadeiros poetas podem ter seu poema reproduzido no cartão de Natal do Conselho Municipal de seu bairro! • Viver juntos Descobrir os habitantes de nossa cidade, sua profissão, sua paixão, seu talento, é uma prática regular na escola. Os alunos redigiram artigos ou entrevistas para o jornal da escola: “O pequeno fofoqueiro”. Durante uma dessas entrevistas, e graças à ajuda do pai de um aluno, os alunos puderam descobrir a coragem e a solidariedade que orientam os bombeiros voluntários. Exprimir sua solidariedade com relação às crianças do Sudeste da Ásia vítimas do violento maremoto, ou mais perto de nós, com a associação “Infância e Partilha”, foi uma ocasião de: – se informar; – debater, argumentar; – tomar decisões importantes no Conselho das Crianças. • Esportivos de alto nível Iniciar-se nos jogos de circo, travar torneios amistosos com nossos colegas de outra escola da cidade, encontrar alunos de outras escolas por ocasião das atividades esportivas da União Esportiva do Ensino do Primeiro Grau (usep), participar de verdadeiras Olimpíadas na escola, mobilizam também o domínio da língua: – planejar os encontros; – ler os calendários; – ler e escrever as regras dos jogos.
292 Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos
• Leituras em rede para a construção de uma cultura literária Projeto literário do ano/leituras em rede 1° ano
2° ano
3° ano
4° ano
5° ano
Rede em torno de um autor
Geoffroy de Pennart
Philippe CoFrentin
Claude Ponti
Ivan Pommaux
Malika Ferdjouk
Rede em torno de uma estrutura ou de um gênero
Estrutura repetitiva por acumulação
Relato epistolar
Lenda ou conto de iniciação
Novela policial
Fábula
Rede em O lobo torno de uma personagem prototípica
Chapeuzinho As fadas Vermelho (paródias)
O detetive
A raposa
Rede em torno de um tema
A diferença
A viagem
A Segunda Guerra Mundial
A família
A amizade
2. Formar leitores e produtores de textos polivalentes • Procedimentos sistematizados de resolução de problemas em leitura e em produção de escritos: os canteiros de escrita, para aprender a produzir textos.
1
Tipos de escrito produzidos nos canteiros
Final da educação infantil, 1º e 2º ano do ensino fundamental
3º, 4º e 5º anos do ensino fundamental
Ficha prescritiva
Fichas de fabricação Receitas
Regras de jogos Programas de construção de figuras geométricas
Relato
Contos com estrutura repetitiva ou histórias em marchas
Novelas de ficção científica Relatos de vida Lendas
Texto documental
Legendas de ilustrações ou de esquemas
Descrições
Relatório
De experiências, de pesquisas, em todas as áreas disciplinares.
Poema
Escrever “à maneira de...”
Escrever “à maneira de...” Ateliês de “Trampolim para o imaginário”1
Texto argumentativo
Cartazes Cartas de solicitação
Artigos de regulamentos ”Críticas literárias”
Refere-se a atividades propostas em nosso livro Formar crianças leitoras e produtoras de poemas. Construir percursos de aprendizagem contínuos e coerentes 293
3. Construir as aprendizagens estruturais do escrito • Atividades reflexivas complementares para se apropriar dos funcionamentos da língua escrita: classificar, identificar, manipular textos, frases e palavras: o ensaio de escrita.1 Algumas pistas para elaborar uma progressão para o último ano da educação infantil, 1º e 2º anos do ensino fundamental A escolha das palavras é essencial para que os alunos se vejam diante de um problema de escrita sem se colocar em situação de fracasso, para que possam interceder, se opor, negociar a partir dos vestígios. Para que essa atividade tenha sentido, é preferível escolher palavras em função do projeto conduzido no grupo-classe, relacionado ao canteiro de escrita ou ao texto questionado em leitura, ou em função de um obstáculo determinado que se deseje trabalhar. Para os alunos do final da educação infantil e do início do 1° ano do ensino fundamental, as palavras devem ser propostas segundo a ordem crescente das dificuldades. No fim do 1° ano e no 2° ano do ensino fundamental, com alunos habituados aos ateliês de ensaio de escrita, pode-se propor grupos de palavras e começar, assim, a abordar os problemas de concordância no grupo nominal. Vê-se então que nos orientamos progressivamente em direção aos ateliês de negociações gráficas [descritos no capítulo “Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguística em relação à frase (nível 6)”, ver a p. 243]. Observações: • A tabela de progressão que propusemos foi elaborada de maneira prática, em campo, durante ateliês conduzidos nos grupos-classes. Ela leva em conta dois parâmetros: o número de sílabas contidas na palavra e os problemas de escrita com os quais os alunos vão se confrontar: constituição da sílaba, confusão entre o nome da letra e o som que ela produz. • Essa tabela contém apenas palavras com fonemas simples. As palavras propostas são apenas exemplos, seria conveniente escolher no corpus dos grupos-classes aquelas que apresentam as mesmas características. • Além da escolha das palavras, o trabalho de preparação e de análise da tarefa que o professor deve cumprir é igualmente importante. Ele permite apontar as características linguísticas da palavra ou do grupo de palavras propostas, buscar outros exemplos, refletir sobre as dificuldades com as quais os alunos vão se confrontar, tanto do ponto de vista linguístico quanto dos procedimentos. Durante a atividade, o professor favorece a reflexão metacognitiva a partir dos vestígios ou dos ensaios dos alunos. Ele valoriza, interpreta, analisa e, se necessário, fornece o procedimento correto.2 1
Ver no capítulo “Atividades de sistematização metacognitiva e metalinguísticas em relação à palavra e das microestruturas que a constituem (nível 7)”, os ateliês das páginas 269 e 271.
2
Ver Mireille Brigaudiot, “L’attitude vip”, in Première maîtrise de l’écrit CP-CE1 et secteur spécialisé, Hachette Éducation.
294 Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos
mina, chuva, copa
Palavras com -a final, marca do feminino
pá
bebê, tear, dedo, zebra
castor, cobra, tribo, faquir, tapir, pizza, nuvem, atlas, milho
judô, lama, puma, zebu, pato
Palavras de duas sílabas
Palavras que te encerram uma que possível confusão sobre o nome da letra
bar cru chá
pé
Palavras constituídas de sílabas simples (v, cv)
Palavras mais complexas, sílabas mais complexas (ccv, cvc)
Palavras de uma sílaba
Tipo de dificuldade
telefone, televisão, gelatina
harmônica, crocodilo, dobradiça, drogaria, melancia
cocoricó
Palavras de quatro sílabas
amiga, mania, magia, colônia, comédia, paródia, melodia folia, saída
beleza, cebola, peteca, espeto
animal, problema, caracol, brócolis, colibri, bermuda, moldura
coala, dominó, cinema, tatame, pijama, biquíni, quimono, salame, número
Palavras de três sílabas
academia anomalia astronomia anatomia economia epidemia cerimônia
velocípede
abracadabra adormecido representante problemática
locomotiva
Palavras de cinco sílabas
O ensaio de escrita: uma progressão para o último ano da educação infantil, 1º e 2º anos do ensino fundamental.
Construir percursos de aprendizagem contínuos e coerentes 295
15. Harmonizar os auxílios e os
instrumentos de trabalho escolar para melhor acompanhar os alunos
Os auxílios em situação de questionamento ou de canteiro Para evitar mal-entendidos, vamos especificar desde já que estamos falando de auxílio à aprendizagem, para todas as crianças, durante a aprendizagem. Nós nos situamos claramente no contexto de uma pedagogia de acompanhamento, e não nos marcos de uma pedagogia de compensação ou de apoio. Temos que ajudar as crianças: – a ter uma atividade reflexiva sobre suas estratégias (o “como foi que fiz” para encontrar uma informação ou para construir o sentido de um texto), para que se tornem mais eficazes; – a melhorar suas performances de leitores ou de produtores de textos, treinando a automatização da aplicação dos processos mentais da atividade de leitura ou de escrita; – a recapitular de maneira metódica, progressivamente, tudo o que descobriram sobre o próprio funcionamento da língua escrita. Lembremos igualmente que, quando uma criança ou um grupo de crianças está questionando ou produzindo um texto, o professor deve aproveitar na plenitude a confrontação e as contradições entre as diversas propostas das crianças: ele lembra a existência de um instrumento, favorece a memória dos conhecimentos. Pode ser que ele forneça uma palavra ou uma informação que permita desbloquear a situação. De qualquer maneira, suas intervenções são ocasionais, breves, tônicas; ele evita sobrepor-se às crianças; sua atitude ou seu questionamento não encerra os alunos na busca de uma resposta prevista. Ele facilita a aprendizagem ao intervir no(s) grupo(s) para ajudar os alunos a: – compreender a situação de aprendizagem; – compreender a natureza da atividade solicitada; – organizar seu desenrolar; – garantir seu controle e sua regulação. 296 Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos
Harmonizar os auxílios e os instrumentos de trabalho escolar ... 297
10. Facilitar a construção de percursos de aprendizagem coerentes (progressão de ciclos) e significantes (nos quais o aluno possa se orientar).
3. Estimular o desenvolvimento da comunicação oral nas situações mais variadas possíveis, tanto no que se refere a seu objetivo e ao que está em jogo quanto no que se refere ao tamanho dos grupos em questão. 4. Fazer com que as crianças estejam em permanente relação com os mais numerosos e diversos tipos de escritos, tanto funcionais quanto de ficção (literários), nos vários locais onde se encontram escritos.
8. Garantir a sistematização das aprendizagens graças à elaboração de instrumentos concebidos como auxílios durante o curso e graças às atividades de reutilização e de reforço, necessariamente diferenciadas.
7.Organizar regularmente atividades rigorosas de reflexão metacognitiva e metalinguística (observação reflexiva da língua).
FORMAR CRIANÇAS ATIVAS E COMUNICATIVAS QUE SEJAM LEITORAS E ESCRITORAS “DE VERDADE”
9. Organizar regularmente atividades de avaliação formativa (autoavaliação e coavaliação) e proceder avaliações somativas que sejam coerentes com a pedagogia realmente praticada na sala de aula.
1. Criar, em sua classe e em seu estabelecimento escolar, as condições para a emergência de um meio acolhedor, estimulante e aberto, que favoreça a expressão, as inter-relações e as interações no interior e no exterior da escola.
2. Aproveitar ou suscitar situações realmente funcionais de prática da língua (tanto orais quanto escritas), apoiando-se essencialmente em uma vida cooperativa dentro da classe e uma pedagogia de projetos.
6. Organizar com os alunos e seus colegas projetos de ações educativas, nos quais se inscrevem e se articulam naturalmente projetos de aprendizagem pluridisciplinares.
5. Estimular, desde a educação infantil , a leitura compreensiva e a produção de escritos integrais de tipos diferentes, assim como a observação reflexiva da língua (suas características sonoras, ortográficas, léxicais, sintáticas e funcionais).
TABELA DE SÍNTESE: AS TAREFAS DO PROFESSOR NO PROCEDIMENTO QUE PROPOMOS, isto é, numa concepção construtivista, comunicativa e textual da aprendizagem da leitura e da produção de textos
Ele intervém junto a cada criança, modulando sua ação segundo as necessidades; ele a auxilia em seu próprio caminho, sem lhe impor uma “trajetória-tipo”, enfatizando mais os pontos fortes do que os pontos fracos, segundo os princípios de uma pedagogia centrada no sucesso; em resumo, ele exerce seu papel de professor-perito (ver capítulos “O questionamento de textos” e “O canteiro de escrita”, páginas 90 e 139). Insistamos, enfim, em todas as formas mais flexíveis de auxílio que o professor traz nas situações cotidianas oferecidas pela dinâmica na sala de aula, situações que mobilizam a leitura, a escrita ou o oral a serviço da construção de outras competências em outras áreas da aprendizagem. Nos marcos de nossa concepção da aprendizagem de leitura e produção de textos, as tarefas do professor são complexas, exigentes e ambiciosas.3
Instrumentos de referência para ler e escrever Encontraremos reunidos a seguir o conjunto de instrumentos que permite que os alunos estruturem suas aprendizagens. Instrumentos coletivos: • O capital de textos sempre disponíveis são pregados de maneira permanente na “parede de instrumentos” ou colocados sobre um painel rotativo. Os textos são ordenados pelos alunos, o que permite instaurar uma primeira organização coletiva do saber. • Os vestígios da sistematização coletiva: – as classificações: - temáticas, alfabéticas (os nomes próprios, os dias, as palavras da história...); - correspondências grafofonológicas; - morfológicas (como isso se constrói e se escreve) e semânticas (o sentido, ou para que serve isso), que permitem a apropriação das regularidades e das variações da língua portuguesa; - sintáticas ou morfossintáticas (como funcionam as relações entre as palavras); - textuais.
3
Ver “Vieses tenazes que se referem tanto aos alunos quanto ao professor”, p. 24.
298 Avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos
– o repertório estratégico: - todas as estratégias de leitura ou de produção de textos descobertas, explicitadas, formalizadas. Instrumentos individuais: • o caderno individual dos textos, através do qual o aluno sentirá prazer em revisitar textos encontrados e questionados na classe e em utilizá-los. • a caixa de canteiros Cada criança tem um dossiê por tipo de texto trabalhado nos canteiros, que ele conserva em uma caixa de canteiros (fichário-arquivo). A caixa de canteiros acompanha as crianças durante toda sua escolaridade e vai se enriquecendo – ao longo dos anos – com novas variantes do tipo de escrito em questão, que produzimos ou cuja especificidade trabalhamos, em contraste com os primeiros canteiros (por exemplo, a diferença entre uma carta de informação e uma carta de solicitação). • o caderno de descobertas em leitura e em produção de textos, que reúne o conjunto dos vestígios linguísticos, cognitivos, metalinguísticos e metacognitivos da sistematização. • o caderno individual de contratos de aprendizagem em leitura e em produção de escritos, que serve de instrumento de referência: – ele retraça o itinerário pessoal de cada aluno; – ele conserva a memória dos sucessos, das dificuldades encontradas, dos novos desafios a encarar; – ele conserva os vestígios da reflexão metacognitiva que permitirá que cada criança controle e regule a longo prazo sua atividade intelectual de leitor/produtor de textos. Ele reúne: – os contratos de atividades pessoais; – os contratos de aprendizagem; – as produções significativas, com os comentários pessoais do aluno e/ou do professor, que tratam sobretudo dos procedimentos e das estratégias empregados; – os lembretes: as observações ou os pontos de atenção anotados pelos alunos na perspectiva das atividades de aprendizagem ulteriores.
Harmonizar os auxílios e os instrumentos de trabalho escolar ... 299
Conclusão Ao final deste livro, o que dizer além do que já escrevemos? Devemos, sem dúvida, considerar os limites de nossa problemática, simplesmente na medida em que o ensino da leitura e da produção do escrito não pode se reduzir a uma transposição unívoca de um modelo qualquer. Na gestão cotidiana da sala de aula, os professores adaptam, regulam, revisam as situações de aprendizagem ao mesmo tempo em que enquadram e orientam a atividade dos alunos. Nesse espaço de interações que é a sala de aula, quisemos colocar à disposição dos professores instrumentos variados e saberes para a ação na esperança de que possam construir outros mais pertinentes e mais bem adaptados à sua própria realidade, numa perspectiva socioconstrutivista. *** Os marcos didáticos que elaboramos consistem em articular o trabalho sobre a língua e a atividade linguística numa abordagem racional e reflexiva da leitura e da produção de textos, finalizada pela resolução dos problemas encontrados pelos alunos em uma situação. As atividades propostas aqui são complexas e trabalhosas, do ponto de vista de seus tratamentos cognitivos. Sua implantação requer tempo, reprodução, amadurecimento, mas também uma apropriação reflexiva. Elas permitem, no entanto, organizar de forma integradora as intervenções dos professores numa rede de necessidades e de obrigações, que darão lugar a uma nova experiência. Ao pousar nosso olhar sobre as práticas da sala de aula, para melhor as reconhecer, distinguimos os componentes pertinentes que constituíram o objeto dos sucessivos capítulos deste livro: – criar as condições favoráveis para uma aprendizagem bem-sucedida; – ensinar a partir de escolhas didáticas e de instrumentos conceituais explícitos; – fazer com que as crianças vivam imediatamente situações de aprendizagem complexas; – instaurar a reflexão metacognitiva e metalinguística no centro da construção das aprendizagens; – avaliar e organizar rigorosamente as aprendizagens dos alunos. Conclusão 301
Poderíamos desenvolver melhor certos aspectos, sobretudo a construção de novas relações com os textos e com a língua através da utilização regular da literatura. Outros autores se consagraram a isso de maneira específica, com uma atenção aprofundada. Remetemos os leitores às suas obras.1 No essencial, para encerrar nossos propósitos, gostaríamos de reafirmar nossos “vieses tenazes” para uma aprendizagem da língua portuguesa e para que todas as crianças possam ter acesso à cultura letrada. Porque as aprendizagens não constituem um fim em si mesmas. O objetivo que perseguimos é ao mesmo tempo mais global e mais vital. Ele poderia ser assim enunciado: formar crianças que, ao longo e ao final de sua escolaridade, sejam capazes sozinhas, isto é, a partir de sua própria iniciativa, de ler, dizer e produzir textos, simplesmente porque, tendo tido a experiência de fazê-lo, terão igualmente o desejo e a possibilidade. Estamos conscientes da temeridade de nosso objetivo, que exige um projeto de formação ambicioso para todos os alunos. Os professores encontrarão nele, sem dúvida, o sentido de seu engajamento cotidiano, e as crianças, uma via para outros sucessos.
1
Ver sobretudo Bernard Devanne, Lire et écrire, des apprentissages culturels. Armand Colin, 19921993; Catherine Tauveron, Lire la littérature à l’école. Hatier Pédagogie, 2002; Christian Poslaniec, Pratique de la littérature de Jeunesse à l’école. Hachette Education, 2003; Patrick Joole, Lire des récits longs. Retz, 2006.
302 Caminhos para aprender a ler e escrever
As autoras Josette Jolibert é professora-pesquisadora, especializada em Didática da Língua Materna, com destaque para o campo de aprendizagem de leitura e produção de textos, e também para a formação de professores. Atua na França, no Instituto Universitário de Formação de Professores de Cergy-Pontoise. Por dez anos trabalhou na América Latina na implantação de missões educativas, primeiramente no Chile e posteriormente como consultora da Unesco em diversos países. É membro fundadora da Red Latinoamericana para la Transformación de la Formación Docente en Languaje. Consultora internacional, no Brasil é conhecida por sua participação em diversos congressos e seminários. Christine Sraïki é inspetora na circunscrição de Val d’Oise-Nord Oues de Paris, na França. Martine Blanchard e Catherine Crépon são orientadoras pedagógicas na circunscrição de Val d’Oise-Nord Oues de Paris, na França. Isabelle Coué é mestre de professores em formação no departamento de Val d’Oise, na França.
As Autoras 303
Agradecimentos As autoras agradecem cordial e calorosamente: – aos professores cujas contribuições alimentaram nossa problemática: Frédérique Aimé, Delphine Bantos, Sylvie Bascou, Myriam Champion, Cécile Clairet, Fabienne Foulon, Marion Lautier, Marc Mortuaire, Marine Pion, Bruno Satrin, assim como aos professores da Rede de Educação Prioritária de Goussainville (Val d’Oise); – a Marie Satrin, conselheira pedagógica, cujas leituras minuciosas e sábios conselhos contribuíram para o aprofundamento de nosso trabalho; – a Juan Carlos Saez, editor em Santiago do Chile, que nos autorizou a retomar, modificando e atualizando, tabelas e outros instrumentos destinados aos professores publicados no livro Interrogar y producir textos autênticos: vivencias en el aula, livro escrito por uma equipe de professores de Valparaíso, coordenado por Josette Jolibert e Jeanette Jacob e publicado pela Editora Dolmen e também pela Editora JC. Saez.
304 Caminhos para aprender a ler e escrever