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Portuguese Pages 359 Year 2011
M ARINA GUSM ÃO CAMINHA RENATO M . CAMINHA & COLABORADORES
INTERVENÇÕES E TREINAMENTO DE PAIS NA CLÍNICA INFANTIL
AGRADECIMENTOS
Aos nossos colaboradores, pela qualidade e dedicação de seus trabatoos. à equipe do Am bulatório de Infância do CPC-IN FAPA-RS, pelo estím ulo ao de* senvotvimento deste trabalho, em especial à colega JaqueKne Malheáros, que muito contribuiu na form atação de protocolos de atendimento do ambulató rio. Aos nossos fam iliares, que mais uma vez se privaram de momentos em família em razão do tem po dedicado a este projeto. Aos amigos Sandra e Ro dolfo, que indiretam ente fadütaram a realização de muitas tarefas ligadas a este livro e, finalm ente, às crianças e suas famílias, que entregaram em nossas mãos o cuidado de seus problem as.
SUMÁRIO
PREFACIO INTRODUÇÃO Manna Gusmão Caminha e Renato M. Caminha
CAPÍTULO I Trein am en to d e Pais: Fu nd am ento s T eó rico s
Marina Gusmão Caminha. FJhro Ferraz de Almeida e Luciane focbeco Scherer
CAPÍTULO 2 In terven çõ es P re co ce s: p ro m o ven d o re silié n d a e saúd e m ental
Renato M Caminha, Tarcio Soares e RodrtRu Schames Kreitchmann
CAPÍTULO 3 O M éto d o C an g u ru : um ex em p lo d a im p o rtância das re la çõ es p re co ce s co m o p ro m o to ra s d e saúd e e d esen vo lvim en to infantil saud ável
Geisy Maria de Souza l.ima
CAPÍTULO 4 Trein am en to d e Pais: a p licaçõ es clín ica s
Manna Gusmão Caminha
CAPÍTULO 5 C o n trib u içõ e s da "ferapia do E sq u e m a de J. Young para a avaliação e o Trein am en to d e Pais
Renata Ferrarez Fernandes Lopes
CAPÍTULO 6 U m Program a C o g n itivo -C o m p o rtam en ta l d e O rie n ta çã o d e Pais em G ru p o
Carmem Beatriz Neufeld t Nivea fossas Maehara
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CAPÍTULO 7 V ivên cias em g rup o no T rein am en to de Pais
Christtane Peixoto e Katiuscia Karine Maritm da Silva
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CAPÍTULOS T rein am en to de Pais na O b e sid a d e Infantil
Fabiana Silva Costa, Marcela Perdomo Rodrigues, Listam? Btzarro e Rogério Friedman
207
CAPÍTULO9 T rein am en to d e Pais para o T ran sto rn o d e C o n d u ta e o T ran sto rn o D esafiad o r d e O p o siçã o
Ricardo Warner e Gilnéia Wairter
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CAPÍTULO 10 T rein am en to d e P ais no Tratam en to do T D A H na Infância
Ltseane Canoro Lyszkowski e Lms Augusto Rohde
281
CAPITU LO U T ran sto rn o d e H u m o r B ip o lar e a Estratég ia Rainbow
José Caetano DeWAglio Jr.t Marina Gusmão Caminha, Elizabeth Wessel, Cláudia E O. Ramos e Pitricta Rjtter
30S
CAPÍTULO 12 T rein am en to e Trab alho co m Pais no T ran sto rn o de E stre sse Pós-Traum ático Infantil
PániLi Longhi Lorenzzom e Renato -M. Caminha
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CAPÍTULO 13 T rein am en to d e Pais d e P o rta d o re s d o T ran sto rn o O b se ssiv o -C o m p u lsiv o
Juliana Braga Comet, Fernanda fíesquoto de Soma, Cnttiane Flôrrs Bortoncello e Aristides V. Coidioti
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OS AUTORES
PREFÁCIO
Praocam em e nas duas últim as d écad as, a cfinica cogniava com crian ças cem feito parte de nossa ro tin a, atendendo crianças, na p rática didática m ediante a supervisão de casos, ou em o f k r a s . sem inário s o u cu rso s d e e s pecialização. Em qualquer u n a das p ráticas d escritas, seria im possível não ind u irm os os pais. Se levarm os em co n ta que a própria conceüualização de casos infantis envolve diretam ente o s p ais. ou c iertado res da crian ça, pensarm os psicoterapia infantil sem o s pais é àmag narm o s um cen ário quase q u e su rreal. Evitando reduciontsm os. cad a caso inianoi. ou seja, cada psicopatolpgia ou contexto especifico de prob lem a, envolve o s pais de m odo (M erendado, entretanto um terapeuta infant! q u e por ventura imagine q u e não terá co n tato co m pais deve imecfiatamence rep en sar sua prática ou d vecio nam ento de sua carreira. N um nível básico de trabalho co m crianças, pelo m enos o rien taçõ es e feedbacks são exigidos d e m odo freq uente petos pais. M s querem saber, afinal, o que os seus Whos têm . M ais d o q u e isso. querem sab er d o cu rso , d o prognóstico e desejam , p o r fim . o rien ta çõe s de co m o Id a r com o dito p ro blem a ou transtorno de seus filhos quando assim o pro blem a se ap resen ta r N a prática, então, há n u m e ra s condutas a serem u tü zadas por tera peutas para trabalhar com pais. O trab d h o que o leito r tem em m ãos objetiva sistem atizar a lg m as maneiras d e tra bafiia r e treinar pais na cfinica infant!. Para isso. reunim os autores d e n osso país que possuem represencatrvidade em suas práticas cfin icas.n o in cu to d e am pfiarm os os tradicionais lim ites
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Prefix*
de Treino d e Rais, técnica com portam ental clássica apresentada p o r W illiam s nos anos I9 6 0 . Em bora a eficácia e a trad ição do Treino òe Pais, tal técnica p recisa se r “atualizada" p ara que se inco rp ore d e modo m ais funcional e abrangente ao paradigm a das terap ias cognitivas. Terapeutas cognitivos vão além do com portam ento exp resso pela crian ça e suas re la çõ es contingenciais. É p reciso avaliar de m odo m ais am plo aqueles que são o s p rincíp ios básicos do funcionam ento cognitivo hum ano: cren ças cen trais, cren ças sub jacentes, pensam entos autom áticos e , por fim , com portam entos e am biente. Para que isso o co rra na p rática, nem sem p re o s elem entos b ásicos do tradicional Treino de Pais irão dar conta das m anifestações sintom atolpgicas exp ressas via co m p o rtam en to infantil. Assim op tam o s, no p ró p rio titulo da obra, “In terven ções e T reinam en to d e Pais na C lín ica Infantil", p o r apresentar ao leito r um esp ectro m ais am plo daquilo que envo lve eíetivam ence trabalhar com crian ças e seu s pais. Longe d e esg o tar a tem ática, nossa ideia d irig e-se para a inauguração de um am plo cam po de debate até então pouco explorado pela literatu ra cien tifica, haja vista, o escasso núm ero de publicações so b re o tem a na litera tura cognitivo-cotnportarnentaL
Marina Gusmão Caminha Renato M. Caminha
INTRODUÇÃO
M arina G. Cam inha Renato M Cam inha
Em linhas gerais, em toda e qualquer psicocerapia infantil, o trabalho com pais se faz presente e sempre foi visto como fundamen tal para o alcance de bons resultados clínicos. Pode-se dizer, dessa forma, que intervir com pais é algo inerente a qualquer forma de psicoterapia. Na literatura cognitiva-comportamcntal voltada pata os pro blemas infantis, ressalta-se sempre a necessidade de envolver pais, principalmente com a finalidade de maximizar benefícios, unto para os filhos quanto para a família. Esses pais, na Psicoterapia CognitivoComportamenral, as chamadas TCCs, sào vistos como peças funda mentais na aliança terapêutica, base para uma eficaz avaliação e conceitualização cognitiva, bem como para um processo terapêutico com bom desfecho. Muito além de um papel coadjuvante num tratamento infantil, porém, os pais podem ser os próprios alvos do tratamento quando se pensa em Treinamento de Pais, e com resultados bastante surpreendentes. O Treinamento de Pais possui uma longa tradição na psicote-
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Introdução
rapta no que diz respeito à modificação do comportamento. Desde a década de I960, com as descobertas de Williams sobre a redução e, por vezes, a extinção de comportamentos problemáticos em bebSs e crianças pequenas, com apenas 10 sessões de atendimento com seus pais, o Treinamento de Pais vem ganhando destaque no campo comportamental. De lá para cá, inúmeras são as pesquisas e propostas de protocolos voltados para pais que encontram dificuldade em lidar com seus filhos - a partir da década dc 70, cresceu muito a ênfase também no enfoque operante e no reforçamento dos comportamen tos adequados. Programas específicos de Treinamento dc Pais passa ram a fazer parte dc um repertório mais comportamental, depois da consolidação desse tema, a partir dos anos 80. “Os 10 passos de Bark ley”, bem como outros programas que serão citados nesta publicação ganharam ênfase na medida em que seus resultados comprovavam a eficácia de uma intervenção direcionada a pais, mas com ganhos específicos em seus filhos, estes, muitas vezes, nem mesmo atendidos. Pode-se afirmar que aquilo que inicialmente citava-se como téc nica passou a ser encarado como uma intervenção digna de resultados efetivos e duradouros no comportamento infantil. Se de um lado cresce toda a ênfase comportamental na busca pelo aumento de comportamentos desejáveis e redução dos indesejá veis, de outro lado parece ainda existir bastante espaço de discussão, de pesquisa e de intervenção com a ênfase cognitiva. Este livro bus ca contribuir para alavancar tal discussão. Com a proposta não só de pensar intervenções da ordem cognitiva, como ressaltar aquelas bem-sucedidas intervenções comportamentais, um livro específico de Treinamento dc Pais propõe também preencher uma lacuna em nossa bibliografia nacional destinada a profissionais da saúde e educação sobre tal tema. Os capítulos iniciais deste trabalho dãc ênfase aos fundamentos do Treinamento de Pais, as bases teóricas e as principais técnicas com seus respectivos resultados. Além disso, serão abordadas propostas de
INTERVENÇÃOETREINAMENTODEPAIS | I I |
intervenções precoces promotoras de saúde mental ou facilitadoras de aspectos relacionados ao desenvolvimento infantil. Com bases em achados de ciências básicas e seguindo a ten* dência das 1'CCs de integrarem conhecimentos de áreas diferentes do conhecimento científico, são propostos manejos e orientações aos pais de aspectos inatos do desenvolvimento humano, que em muitos casos, por má condução ou desorientação dos pais, acabam por de sembocar na rota das psicopatologias. As propostas apresentadas nos capítulos seguintes dão conta de experiências desenvolvidas por seus autores em diversos contex tos nos quais houve necessidade de intervenção e trabalho com pais. Tais contextos envolveram ambulatórios de infância, clínicas-escola de universidades e intervenções em saúde mental em populações des favorecidas socialmente. De modo criativo, os autores integram, em diferentes contextos de psicopatologias, problemas, ou intervenções situacionais, diversos conhecimentos teóricos das TCCs ao trabalho com pais, a fim de alcançar, dessa forma, o objetivo descrito anteriormente: ampliar as bases conceituais do clássico Treinamento de Pais. Assim, as experiências descritas passam pelos transtornos de humor, ansiedade e disruptivos. Longe de esgotar a temática, entre tanto não abrindo mão da qualidade do material exposto, o leitor tem em mãos um material inédito, volrado a todos que trabalham com crianças em diferentes faixas etárias e com material realizado em nosso país que possui nuanças socioculturais muito diferenciadas e dignas de uma atenção e foco especiais. Boa leitura!
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apego seguro, apego inseguro ambivalente, apego inseguro esquivo e apego desorganizado (para uma descrição detalhada dc cada tipo, ver
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promovendo miiiènão e saúde mental
Dalbem e Dell’Aglio, 2005)* O apego começa a se desenvolver já nos primeiros meses de vida e, na maioria das vezes, se estabelece antes dos dois anos. O padrão de apego tende a se manter estável depois do primeiro ano de vida, mas ainda pode sofrer alterações na ocor rência de grandes mudanças ambientais (Ainsworth, 1989; Dalbem e DeirAglio, 2005). Quando propôs sua teoria, Bowlby hipocetizou que o tipo dc apego estabelecido teria influência significativa na forma como a pes soa vai se relacionar no futuro e possivelmente em outros domínios dc sua vida. Hoje, sabemos que o seu impacto é muito abrangente. Sadock e Sadock (2008) afirmam que sfndrom cs de fracasso, nanism o psicossocial, transtorno de ansie dade dc separação, transtorno da personalidade esquiva, transtor nos depressivos, delinquência, problem as acadêm icos e inteligên cia borderline foram todos rastreados ate experiências de apego negativas (p. 166),
Ao longo do texto, serão discutidos vários fatores que influem no tipo de apego estabelecido. Nos livros que deram origem à teoria e a solidificaram, Bowlby e Ainsworth colocaram como aspecto prin cipal a sensitividade e responsividade dos cuidadores às demandas da criança (Ainsworth, 1989).
Prim eiras interações A importância das primeiras interações de um recém-nascido já foi tema dc muitos estudos. O assunto ganhou especial visibilidade a partir de trabalhos vindos não ainda da Psicologia, mas da Etologia, ciência que tem na figura de Konrad Lorenz um dos seus principais expoentes. Nos anos 1930, Lorenz e Hess revelaram ao mundo científi co um conceito deveras interessante, qual seja, o imprinting, prime; ramente chamado de stamping in, traduzido na língua portuguesa como “estampagem”ou “gravação".
INTERVENÇÃO E TREINAMENTO D€ PAIS | 35 |
Tal conceito surgiu graças a uma intrigante situação ocorrida com os gansos, na qual Lorenz "adotou” uma fêmea recém-nascida, batizada por ele de Martin;». Ele foi o primeiro ser vivo com quem Martina teve contato logo ao nascer e, devido a esse contato primário, passou a se comportar como se Lorenz fosse a sua mãe (Walther, 1999). O experimento foi replicado inúmeras vezes com outros gansos c o resultado era sempre o mesmo (Hess, 1958). O que intrigou os pesquisadores à época era como podia um ser absurdamente diferen te de um ganso ser identificado pelo filhote como sua mãe? A resposta para isso decorre das estratégias evolucionistas re lacionadas à adaptação filhorc-ambiente. Como ocorre ao longo da história evolutiva de muitos animais, os seres mais próximos no mo mento do nascimento são justamente aqueles mais interessados na sua proteção (geralmcnte os pais, que têm na prole a continuação de sua carga genética). Criar um vínculo com essas figuras garante que o bebê fique próximo c procure receber cuidados e proteção de quem realmente vai fazer isso (Hess, 1958; Todd e Miller, 1993). Lorenz sugeriu que as espécies animais estão geneticamente programadas para aprenderem tipos específicos de informação fun damentais para a sobrevivência da espécie (Hess, 1958; Walther, 1999). Portanto, animais dependentes de comportamento maternal precisam, para sua sobrevivência, estar vinculados à figura externa, mãe ou equivalent, que lhe faça uma adequada e protetora maternagem. Duas importantes implicações desse experimento são a consta tação da existência de períodos críticos dc vinculação entre cuidadores e filhotes (que é pontuada fortemente por elemenros inatos) e a noção de que o vínculo do bebê com o cuidador não está diretamente relacionada com à consanguinidade, mas sim ao convívio e ao cuidado. De acordo com essa lógica, quanto mais dependente de cui dados ambientais maior a importância da relação entre mâe-filhote. Cabe salientar que os filhotes mais dependentes de cuidado são justa mente os grandes primatas, sendo o homem o mais dependente. Estudos com diferentes animais demonstram que o é mais forte em espécies mais simples, que já nascem com a capacidade de se deslocar e que amadurecem mais rapidamente (Atkinson, Atkin
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son, Smith, Bcmc Nolen-Hoeksema, 2002). Por exemplo, nos gansos de Lorenz, o processo demorava cerca de dez minutos e era efetivado por sinais visuais e auditivos simples. Dessa forma, existe uma chance muito maior de que o emissor de tais sinais não seja capaz dc dar con ta das necessidades da maternagem. Lorenz conseguiu que os peque nos gansos seguissem até mesmo seres inanimados, como um balão. A existência do imprinting em seres humanos (e outros grandes primaras) é algo bastante polêmico e contestado (Sadock e Sadock, 2008). Os principais argumentos contrários são de que o processo é demasiadamente simples, que não haveria urgência adaptativa tão grande quanto em outros animais e que os primatas são seres altriciais cujos cérebros demoram meses até estarem organizados. Não há dúvidas de que o processo de vinculaçáo entre cuidador c filhote em seres humanos é muito mais complexo e demorado do que em aves. As evidências científicas, entretanto, apontam para o fato de que o comportamento humano de vínculo durante o primeiro ano de vida certamente é um período crítico, assim como os 10 pri meiros minutos dc vida dc um ganso (Sadock e Sadock, 2008). Também existem dados significativos de que as primeiras horas de vida de um bebê humano têm uma importância destacada (obvia mente não tanto quanto em animais não altriciais). Neurocientistas descobriram que, minutos após o nascimento, a criança demonstra uma preferência por estímulos vindos de um rosto humano - após a exposição visual dos bebês às suas próprias mães, os recém-nascidos demonstram uma forre preferência pelo rosto materno. Essa prefe rência é fortemente reforçada por uma grande atividade no organis mo, incluindo síntese de proteínas e mudanças na transmissão sináptica (Johnson, Dziurawiec, Ellis e Morton, 1991; O’Reilly e Johnson, 1994). Dados relativos às respostas sinápticas produzidas pelo cére bro de bebês humanos em comparação com o padrão do imprinting em aves corroboram essas afirmativas (Bateson c Horn, 1994; Horn, 2004). Ademais, conforme será apresentado no item sobre o toque, promover o contato pele a pele entre mãe e bebê nos momentos que seguem o parto tem vários efeitos benéficos. As horas após o nascimento têm papel também importante na
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vinculação emocional da mãe para com o seu bebê. Na hora do par to, existe tuna grande liberação de oxkodna no organismo da mãe (Carter, 1998). Do ponto de vista psicooeuroendócrino, a oxhodna c um hor mônio produzido pelo hipotálamo e é armazenado na neuro-hipófise. Eia é largamente conhecida como responsável pela redução do es tresse e regulação de comportamentos sociais (Neumann, 2008), ten do papel central na formação de vínculos sociais e afetivos (Carter, 1998). De fato, uma revisão de Scantamburlo, Ansseau, Geenen e Legros (2009) aponta que esse hormônio é importante para a criação e para relação entre mãe e bebe.
Dorm ir Na prática clínica com crianças, é importante estar atento às dificuldades de sono, visto que elas podem ter consequências futuras importantes e podem ser sinalizadores de outros problemas. Dormir é uma necessidade humana básica que está intimamen te relacionada com a saúde mental e o bem-estar dos indivíduos (Por ter, 2007). Existem sólidas evidências de que durante o sono o padrão de funcionamento cerebral é alterado e que esse período é essencial para a regulação de hormônios como a melatonina, o GH e o ACTH, tendo papel central em funções como aprendizagem, crescimento e regulação do estado de humor. Praticamente todos os animais apresentam comportamentos análogos ao de dormir do ser humano (Cirelli e Tononi, 2008). De um ponto de vista evolucionista, dormir pode parecer contrapro ducente, entretanto permite aos organismos que se concentrem em atividades hormonais e cerebrais que náo poderiam ser feitas de ma neira eficiente enquanto se mantém focados nas demandas de estar acordado (Kavanau, 2005). Conservação de energia e preservação do organismo em momentus de maiur vulnerabilidade (p. ex. durante a noite) também foram postuladas como possíveis funções do dormir (Nicotau, Akaarir, Gamundi, Gonzalez e Rial, 2000).
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Em humanos, a alteração em padrões de sono é um sintoma típico de alguns transtornos mentais, em especial dos transtornos de humor (American Psychiatric Association [APA], 2002). De fato, ha evidências de que a regulação do ciclo circadtano tem impacto im portante no humor e pode ser um componente valioso no tratamen to de suas patologias (Perlman, Johnson e Mellman, 2006). A baixa qualidade ou a privação do sono em adultos pode reduzir o desem penho cognitivo (Van Dongen, Maislin, Mullington e Dinges, 2003), aumentar os níveis dc estresse (Meerlo, Kochl, Borght e Turek, 2002) e desencadear episódios de humor (Wehr, 1991). A necessidade e os padrões de sono variam ao longo da vida e de sujeito para sujeito. Recém-nascidos chegam a dormir mais dc 16 horas por dia e têm um ciclo circadiano desorganizado. Geralmente só começam a dormir mais à noite por volta do segundo mês de vida. Os estágios e ciclos do sono só se desenvolvem completamente entre o quarto e o sexto mês, apesar de ainda serem mais instáveis do que o dc adultos (Rosen, 2008). Apenas em tomo do oitavo mês de vida os bebês passam a acordar menos durante as noites. E comum, entre tanto, que esse comportamento aumente por volta dc um ano de vida e vá diminuindo gradativamente nos meses seguintes (Porter, 2007). A quantidade de horas dormidas por dia rende a diminuir ao longo da vida dos sujeitos (Saisan, Benedicts, Barston e Segai, 2010). A instabilidade do sono e a variação dos padrões de dormir em recém-nascidos geral mente causam transtorno e dificuldades aos cuidadores. So, Buckley, Adamson e Home (2005) chegaram a constatar que esse é o tópico acerca do qual os cutdadorcs mais buscam conselho. Existem diversos protocolos comportamentais que visam au mentar o tempo do dormir de recém-nascidos no período da noite (diminuindo o estresse dos pais). Nesse sentido, Porter (2007) critica intervenções dc “choro controlado'* (deixar a criança chorando por períodos cada vez maiores até ela aprender a dormir sozinha). Para o autor, esse tipo de treinamento ignora necessidades emocionais bási cas da criança e pode prejudicar seriamente a capacidade de eia fazer apego com os cuidadores, visto que a criança náo teria segurança de que suas demandas seriam adequadamente respondidas. Além disso,
INTERVENÇÃO E TREINAMENTO DE PAIS I 3 9 I
intervenções podem ser altamente estressantes para a criança e tendem a induzir aprendizagens do tipo desamparo aprendido. Outra prática que pensamos ser prejudicial é forçar o recémnascido a ficar acordado durante o dia para ver se dorme melhor à noite. Ainda que o emprego desse tipo de estratégia possa ser eficaz para regular os horários de dormir de adultos ou de crianças maio res, não podemos perder de vista que recém-nascidos não têm ciclo circadiano constituído (Roscn, 2008), precisam de mais horas por dia de sono do que adultos (Saisan ct al., 2010) e não são capazes de entender porque estão sendo forçados a ficar acordados. De faro, a privação de sono em estágios iniciais de desenvolvimento parece estar relacionada com sérios problemas comportamentais c diminuição de massa cerebral (Mirmiran et al., 1983). Em nossa busca bibliográfica, encontramos cinco ensaios clí nicos controlados aleatorizados de protocolos comportamentais sem intervenções do tipo “choro controlado”, que visavam aumentar a quantidade dc tempo que recém-nascidos dormiam á noite e diminuir o número de vezes que eles acordavam no período noturno (Pinilla e Birch. 1993; Wolfson, Lacks e Futterman, 1992; James-Roberts e Gillham, 2001; Svmon, Marley, Martin e Norman 2005 e Stremler, Hodnett e Lee, 2006). Os resultados dos cinco estudos foram bas tante promissores, com mais do dobro de crianças nos grupos de in tervenção (comparados com grupos controles) conseguindo dormir durante boa parte da noite sem acordar e não alterando o tempo de sono total ao longo do período de 24 horas (o que poderia ser pre judicial). O estudo de Stremler et al. (2006) observou melhoras não apenas no sono, mas também em sintomas de depressão e ansiedade nas mães dessas crianças. Os protocolos e procedimentos específicos utilizados são dife rentes (porém semelhantes) entre os estudos. Dentre as intervenções utilizadas, as que aparentam ser mais adequadas são: (1) criar uma rotina fixa de procedimentos para o momento de colocar a criança para dormir (de forma que a criança associe essa rotina à hora dc ir dormir); (2) acentuar a diferença entre dia e noite por meio de pistas comportamentais (p. ex. preferir atividades menos estimulantes à noite essas
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ou diminuir a luminosidade nesse período); (3) tentar alimentar a criança antes de colocá-la para dormir (evitando que ela acorde pou co tempo depois por estar com fome); (4) na hora de colocar a crian ça para dormir, evitar embalar ou dar colo até que ela durma. É co mum que crianças recém-nascidas acordem durante a noite e voltem a dormir sozinhas. Criar o hábito de sempre embalar a criança até que ela durma pode estimular uma aprendizagem indesejada; (5) caso a criança acorde durante a noite, primeiro tentar diferentes estratégias (p. ex. fazer carinho, trocar fralda, acomodar panos c vestimentas da criança, dar uma voha com a criança pela casa) antes de alimentá-la. Em relação ás dificuldades de dormir de crianças de um a seis anos, a utilização de técnicas de higiene do sono têm sc mostrado ex tremamente úteis. Uma revisão sobre o assunto (Galland e Mitchell, 2010) destaca as seguintes estratégias: (1) estabelecer uma rotina que deveria começar de 30 a 60 minutos ames do horário em que a crian ça costuma a dormir; (2) dar um banho momo ames de colocar a criança na cama; (3) para crianças com medo de dormir, ler histórias e conversar de forma positiva sobre os medos (p. ex. medo do es curo); (4) adequar o ambiente da criança para o dormir em termos de temperatura adequada (em tomo de 24 ®Q, baixa luminosidade, pouco barulho e sem televisão no quano; (5) estabelecer uma hora fixa para acordar; (6) cuidar alimentação no período da noite (p. ex. evitando alimentos pesados ou com cafeína); (7) incorporar a realiza ção de atividades físicas durante o dia, mas não logo antes de dormir (o ideal seria p d o menos três horas antes).
Lim ites Toda pessoa passa por situações nas quais tem dc lidar com limites ou regras. O limite na infância tem função estrutural impor tante na constituição psíquica dos sujeitos (Brazelton e Greenspan, 2006), estando incaumente rcuuuuaiu umu o desenvolvimento dc aspectos como a capacidade empárica, inremai tzação e obediência a regras morais e sociais, capacidade de atrasar gratificação, de lidar
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com a frustração e dc aurorregulaçáo do comportamento (Grusec e Good now, 1994). O primeiro período crítico para a imposição de limites inicia quando as crianças começam a andar. Nessa fase, elas passam a se expor a diversas situações dc risco que tornam necessárias interven ções (Houck e Lecuyer-Maus, 2004). Com o tempo, a necessidade de limites para situações de risco diminui, entrando em pauta questões de regras morais e de adequado convívio social (Grusec e Goodnow, 1994). Apesar de existirem muitos estudos sobre estilo disciplinar e suas consequências, é utópico pensar em uma resposta simples c única sobre a maneira ideal de educar e dar limites (Laraelere, 2000). Visto que as pessoas possuem diferentes temperamentos e não respondem de forma única, qualquer intervenção deve ser pensada dentro de seu contexto, levando em conta as necessidades da criança e da famí lia. Ainda assim, os dados de pesquisas nos permitem destacar alguns pontos importantes sobre o tema. Limites são necessários. A excessiva permissividade pode gerar problemas de conduta e disciplina, diminuída capacidade de tolerân cia à frustração e formação de crenças de superioridade ou competi tividade extremas (Young, Klosko e Wcishaar, 2008). Vale ressaltar, entretanto, que o excesso de limites também i prejudicial. A quanti dade de limites deve seguir o bom senso. O limite deve ser claro e relarívamemc estável. A falta de clare za no limite está vinculada a uma menor obediência (Kalb c Loeber, 2003) e ao aumento de níveis de ansiedade (especialmente se a trans gressão for punida com rigidez) (Gallagher c Cartwright-Hatton, 2008). A excessiva flexibilidade nos limites parece estar vinculada à menor capacidade de resiliência (Cohcn e Manarino, 1996, 1998). O desacordo entre pais sobre os limites reduz a obediência e coloca a criança numa situação complicada (fica sem referência e pode come çar a jogar com os pais) (Cashmore e Good now, 198$). É importante explicar para a criança o porquê do limite. Impor o limite sem explicação ou com |ustiricanvas baseadas em reíações de poder (p. ex. “porque eu quero”, “ porque eu mando") não promo ve a internalização do limite (Hoffman, 2 0 0 !). Além disso, estudos
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r e taúát «nencof
longitudinais (Lccuyer-Maus e Houck, 2002,2004 e 2006) demons tram que crianças cujas m ies se utilizam predominantemente desse tipo de estratégia acabam tendo autoconcetto abaixo da média e mais problemas de conduta, já o grupo de crianças cujas mães explicam os porquês dos limites obteve os melhores escores de autoconccito e competência social entre outros três grupos de crianças cujas mães se utilizavam de estratégias distintas. O uso eventual de algumas estratégias baseadas em poder pode ser útil. for exemplo, aumentar o tom de voz para ganhar a atenção da criança pode ser uma estratégia eficaz (Grusec e Goodnow, 1994). Ao explicar o limite, fazê-lo de forma séria, direta e com a atenção da criança. O uso de ironias ou humor na explicação sobre qual o limite e o porquê do limite pode gerar raiva, incompreensão e comportamento desafiador (Grusec e Goodnow; 1994). Se certificar de que a criança es teja prestando atenção e entendendo a explicação aumenta os índices de obediência e mtemahzaçâo do limite (Kafl> e loeber, 2003). A transgressão do limite deve ter consequências. Não impor consequências para a transgressão de limites pode levar a desobe diência futura (Kalb e Loeber, 2003). Em compensação, um estudo longitudinal com mais de dois mil pares de gêmeos monozigóticos mostrou que o maior uso de estratégias punitivas aos sete anos (como bater, gritar, etc.) estava relacionado a maiores índices de problemas de conduta aos 12 (sendo menos eficaz no longo prazo) (Viding, Fon taine, Oliver e Plomin, 2009). Um padrão de punição física severa ou abusiva está relacionado a muitos problemas emocionais e comportamentais futuros (Larzelete, 2000; Gershoff, 2002; Brazelton e Greenspan, 2006). É importante que a consequência seja realista e dosada conforme a gravidade da transgressão. O limite deve ser adequado à faixa etária da criança. Algumas pes quisas sugerem que até cerca dc dois anos (quando a criança ainda não entende bem os motivos dos limhes) sejam utilizadas predominantemen te estratégias indiretas (p. ex. distrair a criança) (Houck e Lecuycr-Maus, 2002) e de ddimitação do ümne (dizer qual é o hnute) (Grusec e Good now; 1994), pan só depois passar ao uso predominante de estratégias de ensino (p. ex. explicar os porquês) (HoudceLecuyer-Maus, 2002).
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Grandes primatas possuem a capacidade de atribuir estados mentais a outros membros de suas espécies, o que auxilia na comu nicação e possibilita explicar e predizer o comportamento do outro. Essa capacidade é chamada de Teoria da Mente pelos biólogos do comportamento (Vogeley et al., 2001). Em humanos, assim como em chimpanzés e gorilas, um pilar fundamental para a Teoria da Men te é a emissão e interpretação de padrões faciais (Gallagher e Frith, 2003). Emoções básicas e transculturais como ira, medo, alegria e tristeza são facilmente perceptíveis ao olharmos para a face de mem bros da nossa sociedade (Ekman, 1992). Baseado nisso e no fato de que crianças começam a fazer Teoria da Mente por volta dos quatro anos de idade (Flavell, 1999), informações e limites devem sempre ser passados para a criança com uma comunicação oral breve, nada de discursos prolongados, sem chantagens emocionais, olho no olho e, se possível, como faziam os índios brasileiros, que não utilizavam punições físicas nas suas práticas educativas, abaixando-se ao nível da criança para que os olhos ficassem alinhados, focados na hora da comunicação (Priore, 20Ü2). Aspectos afetivos e emocionais devem ser considerados. As limitações impostas por pais calorosos afetivamente costumam ser mais efetivas (Grusece Goodnow, 1994). Alguns autores defendem que os pais devem evitar a aplicação de punições em público, visto que isso podería mobilizar raiva e ser constrangedor para a criança (l-arzelere, 2000). Ao contrário dos pontos já destacados, o uso não abusivo de punição física corporal como ato disciplinar é algo bastante contro verso na literatura. A posição de ser contra qualquer forma de uso de punição física é adotada por grande parte dos psicólogos e cientistas sociais (Larzelere, 2000). Em uma revisão sistemática de 38 artigos sobre o assunto, en tretanto, Larzelere (2000) encontrou resultados inconclusivos, com uma proporção equivalente de estudos apresentando consequências negativas (34*0) e positivas (5 2 * 0) do uso de punição física corporal não abusiva. Após discutir detalhadamente sobre os resultados, o au tor defende que o seu uso pode ser útil como forma de apoiar algum
| 44 | /mervetiçôes frecocet' promo*«n4o resiMncio e (ride menctrf
limite. Afirma, todavia, que cia deve ser usada de forma moderada e seguindo algumas diretrizes básicas: (1) a punição não pode ser muito severa (um exemplo usado é de dar dois rapas nas nádegas com a mão aberta); (2) nâo pode ser efetuada com raiva; (3) aplicado apenas com criança entre as idades de 2 a 6 anos; (4) usado com motivo adequa do; (5) em ambientes privados; (6) usado por preocupação com a criança (p. ex. não para mostrar quem é que manda); (7) usar depois de avisar a criança uma vez e (8) se não funcionar, tentar adicionar outras estratégias em vez de aumentar a severidade da punição. Uma revisão sistemática posterior (Gershoff, 2002) refuta esses achados. Ao se utilizar de técnicas dc meta-análise em 88 artigos, os autores concluíram que o uso dc punição corporal não abusiva esta va relacionado à menor internalizaçáo de regras morais, aumento de comportamento delinquente e antissocial, diminuição dc qualidade na relação entre o cuidador e a criança, menor nível de saúde men tal, risco aumentado de vir a ser tornar vítima de abuso físico e risco aumentado de se tornar um abusador no futuro. O único resultado positivo encontrado foi aumento nos níveis de obediência imediata por parte da criança. Pensamos que o assunro deve ser tratado com muita cautela, e a punição física corporal deve ser desaconselhada sempre. Além das questões legais envolvidas e das consequências anteriormente apre sentadas, dificilmente temos como saber exatamente de que forma a punição está sendo aplicada em casa. Além disso, é possível que os cuidadores interpretem de forma errada ou distorcida algum po sicionamento favorável ao seu uso. Ademais, o ato de bater ensina ás crianças estratégias disfuncionais de gerenciamento de frustrações. Por fim, uma dificuldade que pode surgir quando os cuidadores colocam limites é a não obediência. Segundo Kalb e Loeber (2003), isso c algo que acontece em menor ou maior grau em praticamente qualquer família e pode ser manejado normalmcnte. Algumas crianças (de I a 9%), contudo, desenvolvem um pa drão persistente e muito iiuenso de não obediência, o que tem um impacto considerável, podendo acarretar em dificuldades escolares, conflitos intensos com os pais e maior número de comportamentos
INTERVENÇÃO E TREINAMENTO DE PAB | 4 5 |
de risco, entre outras dificuldades (Kalb e Locber, 2003). Para esses casos, existe uma série de protocolos de trcinamenros de pais com evidências de efetividade (ver Caminha e Caminha, 2007), conforme os capítulos seguintes explanarão detalhadamente.
Alimentação Quando pensada em nível de atençáo primária c analisada de forma complexa, a alimentação oferece diversos fatores importantes para o desenvolvimento saudável durante a infância. As influências destes podem ser pensadas não somente no que concerne ao caráter nutricional dos alimentos como também na ligação entre máe c filho por meio da amamentação e da estruturação da rotina a partir do planejamento das refeições. Ao abordar o impacto da dieta, tomando o termo como relacio nado estritamente às características nutricionais dos alimentos, no de senvolvimento cognitivo e neurológico durante a primeira infância, é importante ter em mente alguns fundamentos básicos: o cérebro, de forma não muito diferente do resto do corpo humano, é forma do principalmente por proteínas, gordura, carboidratos, vitaminas e minerais. Muitos desses são nutrientes essenciais, ou seja, não são sintetizados pelo organismo, ou não ao menos em dose suficiente para garantir o funcionamento normal do corpo. Outro aspecto inte ressante é que é o órgão com maior atividade mctabólica, no entanto possui capacidade de armazenamento de energia muito limitada, de forma que a ingestão regular de alimentos toma caráter fundamental no desenvolvimento cognitivo. A nutrição é, portanto, uma das res ponsáveis tanto pelos tijolos sobre os quais a cogniçáo c construída, quanto pelo seu combustível (Benton, 2010). Segundo Greenwood e Craig (1987), os alimentos podem atuar sobre a neuroquímica do cérebro a partir de rrés mecanismos. Como já citamos anteriormente, a ingestão de certos uucriciiics é indispen sável para a produção dc alguns neurotransmissores, de forma que a falta deles altera a atividade sináptica. De outro modo, alguns mine
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rais e vitaminas essenciais são cofatores para a ação enzimática duran te o processo de síntese desses neurotransmissores, também influindo na sinapsc. Por fim, o consumo de gorduras altera a composição da membrana do neurônio e da bainha de mielina o que, por sua vez, influencia a função neural e a condução do sinal eletroquímico. A primeira infância, por sua vez, é um período com caráter especial durante o desenvolvimento devido ao rápido crescimento do cérebro, c a importância da nutrição nesse momento pode ser analisa da macroscopicamente pelo grande aumento do volume desse órgão (Dckaban e Sadowslcy, 1978). Um estudo de Haria et al. (2010) apon ta que, aos dois anos de idade, o cérebro de uma criança já alcança aproximadamente 78% do volume de um cérebro adulto. Também é constatado que é apenas até os primeiros cinco anos de vida que pode ser encontrada correlação significativa entre a idade e o volume cerebral. Rm alguns estudos longitudinais já foi observado que a dieta durante esses primeiros anos possui impactos não somente em curto, mas também em longo prazo (Grantham-McGregorcBaker-Henningham, 2005). O duplo-cego realizado por Lucas et al. (1990) distri buiu randomicamcnte em dois grupos bebês prematuros de aproxi madamente quatro semanas. Um desses grupos recebeu uma dieta à base de leite de vacas, enquanto o outro teve sua alimentação baseada em uma fórmula a qual provia 17,6% mais energia, enriquecida com 27,5% a mais de proteína, altos níveis de sódio, cálcio, fósforo, co bre, zinco, vitaminas D, E e K, além de uma série de vitaminas solú veis em água, carnitina e raurina. Para o grupo que recebeu a fórmula enriquecida, foram encon trados índices de desenvolvimento social e psicomotor mais avança dos aos 18 meses de idade. Aos oito anos, um estudo com os mesmos participantes encontrou coeficientes de inteligência (QI) significativa mente maiores entre os participantes que tiveram sua dieta enrique cida (Lucas Morley e Cole, 1998). Ainda que aos 16 anos os resulta dos não tenham apresentado diferenças significativas para o Q) entre os grupos, fato «.ausado provavelmente peia redução do tamanho da amostra, observou-se uma tendência de associação entre o uso da fórmula altamente nutritiva na infância e o melhor desempenho nas
INTERVENÇÃO E TREINAMENTO DC PAS | 4 7 |
avaliações do QI Verbal, embora não tenha sido encontrado nenhum efeito sobre o Ql de Execução (Isaacs, Morley e Lucas, 2008). A falta de nutrientes durante a primeira infância pode ainda ter efeitos globais ou específicos, dependendo do nutriente que está em falta, da magnitude desta, e o período do desenvolvimento em que ela ocorre, visto que a maturação dos circuitos neurais não ocorre de maneira uniforme. De acordo com Georgieff (2007), a dieta ina dequada tem efeitos neurológicos observados em: 1) funcionamento global, causado pela escassez de fontes energéríco-proteicas, dc ferro, zinco e ácidos graxos poli-insaturados de cadeias longas (AGPICL); 2) funcionamento motor, devido à falta de proteínas, ferro, e co bre; 3) mielinização, ocasionado por baixas taxas de ferro e AGPICL, causando redução na velocidade de processamento. A revisão aponta ainda alterações em diversos domínios nos âmbitos afetivo e cogniti vo, conforme Tabela 1.
TABELA I: Nutrientes importantes para o desenvolvimento do cérebro durante os primeiros seis anos de vida e os domínios relacionados Domínio
Nutrientes relacionados
Memória explícita de reconhecimento
Energótko-proceico. Ferro» Zinco
Memória de trabalho
Energéõco-proteko. Ferro, Zinco
Atenção
Ferro
Roatfvkbòe (HHA/SNA)
Feiro, Zinco
Interação SodaJ
Ferro, Zinco
Nota: HHA/SNA = Eixo Hipotálamo-Hipófise-Adrenal. Dados retirados de Georgieff (2007).
Referente wp o rt*w dot retoydei procpcei-
dc peso, comprimento, perímetro cefálico, desenvolvimen to motor e cognitivo, exames complementares a depender de cada caso. Se durante o acompanhamento for detecta do atraso no desenvolvimento, encaminhar para avaliação com neuropediatra e estimulação com fisioterapeuta e/ou terapeuta ocuparional. 9
Avaliação c acompanhamento com oftalmologista caso te nha ad o detectada alguma akeração durante internação.
■
Encaminhamento para psicóloga se observado algum trans torno na relação mãe/bebé, família.
■
Avaliação auditiva com fonoaudiólogo realizada na alta, com três meses e acompanhamento posterior se necessário.
9 Avaliação e orientação com fonoaudiólogo na introdução dos alimentos (4° ou 6o mês de vida) se necestdrio.
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CAPITULO 1
TREINAMENTO DE PAIS: APLICAÇÕES CLÍNICAS
Marina Gusm ão Caminha
Desde que Williams propôs o treinamento de pais com fam i liares de bebês ou crianças que de tio pequenas ainda náo tinham condições dc passar por uma intervenção psicoterapêutica, vem sc discutindo a eficácia dos tratamentos que envolvem pais, no sentido de promover mudanças significativas no convívio familiar. De li para cá, muitas foram as discussões no panorama das psicoterapias envolvendo o tema. Na década de I960, Williams com provou que os pais, á medida que eram instrumentalizados, poderíam adquirir uma competência geral quanto á manipulação de contingên cias. Foi o momento em que se passou a treinar pais com o objetivo dc reduzir/extinguir um determinado comportamento indesejado do filho. J i naquela década passou-se a reconhecer o papel dos pais na eficácia dos tratamentos infantis. Na década dc 1970, o enfoque operants ganhou destaque. Des sa forma, a prática clínica, bem como a pesquisa, voltou-se também para o objetivo de aumentar os comportamentos desejáveis, maximi zando desse modo uma intervenção que antes priorizava a redução dos comportamentos indesejáveis. Foi, todavia, na década de 1980 que o treinamento de pais foi
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consolidado, legitimando a ideia de que o terapeuta, além de bus car resolver problemas manifestados em crianças, deveria treinar pais para desenvolverem esse papel. Naquele momento, o enfoque pre ventivo também ganhou força, crescendo assim grupos dc pais pre ocupados em aprender sobre o comportamento de seus filhos. Esco las, hospitais c comunidade passaram a organizar cursos destinados a práticas preventivas e a década de S0 ficou marcada pelo significativo aumento da consciência das famílias quanto ao papel educativo dos pais. Segundo Olivares, Mendez e Ros (2005), a etapa da consolida ção do treinamento de pais coincide com o estudo da validade social da intervenção e sua relevância social, quando a psicologia comportamental comunitária legitima a ideia de que o terapeuta, além de bus car resolver os problemas manifestados pelas crianças, deveria treinar seus pais para desempenharem tal papel. Pane-se então da premissa de responsabilizá-los pela participação ativa no processo de promoção da saúde, da prevenção e do tratamento dos problemas dc comportamento. No meio científico, há muito tempo se fala da importância da inclusão dos pais na maioria das abordagens psicoterapêuticas que se voltam ao tratamento de crianças e adolescentes. A literatura cogni tiva, apesar de abordar o tema infância de modo relativamente re cente, aponta como indispensável essa participação dos pais, tanto na avaliação como no desenvolvimento do tratamento da criança. Os pais são incluídos na aliança terapêutica, o que sustenta e viabiliza o tratamento infantil (Caminha e Caminha, 2007). O termo “Treinamento de Pais**, porém, parece estar mais di recionado a uma prática voltada a programas específicos que visam mais à modificação de padrões familiares do que simplesmente à inclusão dos pais num tratamento padrão. Isso gera a ideia de que o treinamento de pais seria então uma intervenção focada única e exclusivamente nos pais. De fato, muitas pesquisas apontam para a eficácia de intervenções destinadas apenas para os pais, sem que ne cessariamente seus filhos estejam em atendimento psicoterapêutico. E, especialmeitte nos problemas de comportamento manifestos e nos transtornos externalizantes, nota-se um resultado bem significativo diante de tais intervenções, com redução dos comportamentos ina
INTERVENÇÃO ETRSNAMÉNTO DE PAIS | 91 |
dequados e aumento daqueles comportamentos esperados para a fai xa etária da criança. Nota-se também um bom resultado no que diz respeito à adequação das expectativas dos próprios pais cm relação às crianças, o que, por si só já promove um resultado interessante no que tange ao relacionamento inrrafamiliar. O Treinamento de Pais ganhou ênfase nas últimas décadas e re centemente até mesmo a mídia passou a dar destaque para esse tema. As “super babás”, profissionais qualificadas na instrução de famílias em crise em função do descontrole dos comportamentos infantis, alcançam atualmente qualquer classe econômica social por meio de programas de televisão que buscam orientar os pais. Os programas, na sua maioria, apresentam cenas dc crianças que fazem birras in termináveis, manifestam problemas dc sono, apresentam descontrole do impulso, gritam, batem, machucam os outros e, por vezes, a si próprios. Nesses programas, vemos uma equipe que monitora a ro tina familiar, o que facilita ã profissional apontar onde ocorrem as disfuncionalidades na família. O trabalho é, quase que completamen te, voltado para os pais, que aprendem novos modos de agir diante do comportamento problema apresentado. Com base numa proposta bem comportamental, alguns programas apontam o “erro”, mas tam bém enfatizam onde os pais “acertam” e assim prestigiam e elogiam o comportamento esperado dos pais, de certa maneira ensinando ou modelando os pais a como reforçar aquilo que é desejado. Cresceu assim, com o respaldo da mídia, de modo significativo, um trabalho que, mais do que uma técnica, pode scr encarado como uma intervenção. Atualmente sabe-se que intervir com pais pode tra zer resultados concretos e duradouros no comportamento infantil, principalmente se essas mudanças estiverem respaldadas por modifi cações também de ordem cognitiva. Se, por um lado, crescem significativamente os programas de cunho comportamental voltados aos pais ou cuidadorcs, por outro lado, pouco se sabe sobre programas que envolvam um enfoque mais cognitivo. Promover um espaço onde os pais possam sc ucparai Cun» pensamentos relacionados a “como vejo meu filho”, “ como me per cebo com pai*, “ que visão tenho do futuro de meu filho e de minha
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aplicações clínicos
família'’ poderia ser de grande ajuda ao terapeuta para nortear seu tra balho clínico. O estilo atribuitivo dos pais, seus principais esquemas, aquilo que imaginam ser seu papel ou mesmo não ser seu papel sáo pontos de partida para um tratamento eficaz. Outro aspecto impor tante na avaliação cognitiva dos pais seria justamente a investigação do que pensam sobre frustrar seus filhos, já que muitos pais equivalem essa situação, de modo distorcido, a traumatizar suas crianças. Então, quais mudanças comportamentais conseguiremos realizar e manter se uma mãe pensa que frustrar seu filho pode ser algo muito ruim ou dano so? Muitas vezes, o terapeuta se volta apenas para a questão dos padrões comportamentais dos pais e esquece que se não houver reestruturação cognitiva, haverá pouco respaldo para mudanças efetivas. Pòr vezes, a psicoeducaçáo sobre os limites já é de grande au xílio para os pais que conseguem redefinir seus papéis à medida que reorganizam suas idéias sobre educar. Não é raro encontrar pais que acreditam que o papel educativo é da escola e não da família ou mes mo pais que acreditam que construir limites pode fazer com que per cam o amor dos filhos. Ou mesmo o temor de que os filhos pensem não serem amados quando ouvirem um “ não”. Ensinar aos pais que a cons trução do limite é também uma demonstração de amor e cuidado com seus filhos pode contribuir muito na redefinição dos papéis parentais. Sendo assim, parece existir um grande vácuo nessa questão voltada para intervenções mais cognitivas junto aos familiares que buscam ajuda. A seguir veremos mais detalhadamente a fundamentação do treinamento de pais, bem como o modo de funcionamento de um programa de Treinamento de Pais voltado para familiares de crianças que apresentam algum tipo de problema de comportamento.
N O Q U E C O N S IS T E o Treinamento de Pais? O TP inicialmente consiste em ensinar aos pais o que modula o comportamento das crianças e influencia a chance de determinado
INTERVENÇÃO E TREINAMENTO OE PAIS | 93 I
comportamento ocorrer novamente. Além disso, ensina uma série de técnicas comportamentais envolvendo o uso da atenção diferenciada, sistemas dc remuneração e de restrições de remuneração, além dc planejamento de situações dc potencial confronto. Justamente por esse motivo que os programas de treinamento de pais (TP) têm sido a base dos tratamentos cognitivo-comportamentais para transtornos disruptivos de criança. (Greene et al., 2003). A forma de interação entre pais e filhos constitui fator relevante que interfere no repertório social dos filhos. Boisoni-Silva, Del Prette e Oishi (2003) identificaram algumas habilidades sociais educativas dos pais como condição importante para um desenvolvimento ade quado do repertório social dos filhos. Quando os pais apresentavam melhor repertório dessas habilidades, os filhos apresentavam maior frequência de comportamentos adequados; ao contrário, quando os pais apresentavam repertório pobre dessas habilidades, os filhos também apresentavam deficits interpessoais e comportamentos desadaptativos. Os programas de TP têm ajudado pais a reduzir o comporta mento agressivo e opositor em crianças. O TP pode ter um efeito positivo para pais e crianças em longo prazo, já que os efeitos do tratamento dizem respeito a modificações reais dos estilos parentais. Outra grande vantagem é que os programas acabam envolvendo tam bém os irmãos, que se beneficiam dos ganhos. Pode-se afirmar que a família toda ganha, visto que se reorganiza um modo dc convivência capaz de tornar o ambiente familiar mais harmônico e saudável. Sutton (200!) refere o ressurgimento de um comportamento de apego dc crianças em direção a seus pais após o procedimento de TP re latados espontaneamente pelos pais, sem serem questionados a respeito. Marinho (1999), em sua intervenção com pais num programa de 12 sessões, apresentou resultados positivos no desenvolvimento de habilidades sociais educativas nos pais, tais como resolução de pro blemas, que os ajudaram a reduzir comportamentos delinquentes e agressivos dos filhos. C/berg, Algina {199 5/. nu tctwpiíi dc .«iteração ps* f*!hc (PCrO, treinamento realizado cm 14 sessões semanais centrado em crianças na idade pré-escolar com transtornos do comportamento
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perturbador, encontraram resultados positivos na interação familiar que se mantiveram no pós-iraiamcnto aos 12 e 18 meses. Os resulta* dos também avaliaram a generalização da mudança positiva de com portamento da casa à escola. Esses, entre outros estudos que serão apresentados nos próxi mos capítulos, confirmam a eficácia dessa prática tanto no que tange ãs modificações do padrão de interação das crianças com seus fami liares como na generalização dos efeitos na família, escola e demais contextos nos quais a criança está inserida.
O T R EIN A M EN T O D E PAIS é feito individualmente ou em grupo? Existem duas modalidades de TR A primeira é aquela que visa à criança ou ao adolescente de modo individual. Nesses casos, a inter venção é realizada junto aos seus pais e, em alguns casos, também in cluindo avós, babás ou demais integrantes da família que participam ativamente da vida e educação desses sujeitos. A segunda modalidade diz respeito ao tratamento grupai, em que coletivamente os paiVcuidadorcs são atendidos, com o cuidado de unir pais de pacientes com faixa etária aproximada e também com sintomas ou transtornos semelhantes. Os resultados de ambas as in tervenções têm se mostrado equivalentes (Adesso et al., 1981).
O T R EIN A M EN T O D E PAIS pode te r bom resultados se fo r uma intervenção isolada? Essa é uma questão interessante, que terá uma abordagem es pecífica em cada capítulo. Diz respeito a quanto o TP de pais pode equivaler a uma intervenção s o b d s s e s t i eu o quants ele deve fazer parte de um processo que reúna outras formas de intervenção, como aquela dirigida a criança ou adolescente que apresenta os sintomas.
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Quando começou a ser estudado por Williams na década de 1960, os resultados da pesquisa justamente comprovavam o quanto o treinamento de pais, como técnica isolada, podería trazer benefícios significativos para a criança. Esse estudo foi realizado com pais de bebês ou crianças pequenas, as quais justamente náo tcriam como ser tratadas. Williams inaugurou um novo modo dc intervenção compro vando que essas crianças melhoravam seus modos dc comunicação e diminuíam seus ataques de raiva e birra cm função das mudanças comportamentais de seus pais. No capítulo que ilustra as contribuições teóricas ficará claro o quanto o treinamento de pais traz resultados positivos mesmo quan do os filhos não participam efetivamente do tratamento, em especial nos problemas de comportamento. Nos capítulos seguintes, ficará também mais claro como é pos sível incorporar o treinamento de pais nos tratamentos conforme os transtornos específicos.
COMO FUN CIO N A na prática o Treinamento de Pais? O terapeuta deve estar atento a algumas questões durante a avaliação do prublcma. Essas questões rcferem-sc a aspectos compor tamentais c cognitivos dos pais: ■ Qual a lista de comporramentos-probletna segundo a família e a escola? ■ Dessa lista quais são, de fato, comportamentos-problema, levando em consideração a faixa etária e o contexto socio cultural da criança? a Quais reforçadores contribuem na manutenção do compor tamento desadaptativo da criança? ■ Que tipo de reforço os pais utilizam? ■ Que tipo de punição os pais utilizam?
| 96 | üewomeniodeíbit cpScaçie* dktkm
a Como se comunicam com a criança? Como dão ordens e como fazem pedidos? a Como negociam com seus filhos? a Como resolvem problemas? a Como se avaliam como pais? a O que pensam sobre seu filio? Como imaginam o futuro da criança se ela continuar apresentando tais problemas? (propor uma tríade cognitiva familiar: como veio meu filho, como me vejo como pai e mie, como vejo o ambiente fami liar, como imagino nosso futaro?) ■ O que pensam sobre limites e sobre frustrar seus filhos? O que de pior poderia acontecer? a Qual sua visão sobre o papel dos pais na educação dos filhos? u Que expectativas apresentam diante da situação? Num segundo momento, ainda visando ã conceitualização do caso, o terapeuta investiga dados de anamnese, bem como do funcio namento da criança atualmente. Investiga quais as principais emoções das crianças, conforme visão dos pais (Figura 1), de que maneira o comportamento problema apresentado se liga ãs emoções da crian ça, investiga como os pais se sentem quando a criança se comporta daquele modo, o que pensam e fazem diante de tal comportamento. Investiga dados relevantes da vida da criança e da família, incluindo a investigação de traumas. Na conceitualização do caso a criança deve participar das ses sões tanto individuais como com os pais. Nota-se uma riqueza dc in formações quando a criança e pais participam de um momento único, em que o terapeuta pode ter clareza do modo de comunicação e fun cionamento familiar. O terapeuta pode propor atividades desafiantes nas quais a família deve procurar modos eficazes de resolvc-las. Nes sas atividades fica muito d ato corno buscam solucionar problemas, como se comunicam, quem lidera a õtuaçio, como se expressam, como discutem, etc. Isso tudo serve como material de conccituaiização, já que essa é parte explanatória do diagnõsrico infantil.
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Após uma eficiente avaliação do caso, o terapeuta deve traba lhar com pais alguns pontos, fundamentando o contrato: a Devolução da avaliação, incluindo psicoeducaçáo. a Definição de metas. a Estabelecimento de expectativas realistas para o comporta mento dos filhos. a Esclarecimento dc que modificando os elementos que atuam sobre a criança se poderá obter um tratamento mais eficaz. m Investigação do quanto os pais se dispõem a modificar seus próprios padrões de comportamentos disfuncionais.
TREIN AN D O PAIS... Esse é o momento em que se busca um programa conforme a problemática apresentada, \feremos neste livro algumas propostas de programas já estruturados e com resultados visíveis conforme o transtorno diagnosticado ou o problema apresentado. No ambula tório de Terapia Cognitivo-Comportamcntal Infantil do CPC-lnfapa - RS, a equipe vem organizando em seus protocolos de atendimento materiais e formulários a serem utilizados com crianças/adolescentes e pais. Nos passos a seguir, consta de modo muito resumido uma proposta do que deve ser priorizado num programa de Treinamento de Pais conforme nossa experiência no ambulatório, lembrando que, em nossos programas de atendimento, o TP entra como uma inter venção combinada com o atendimento da criança ou do adolescente em questão, e não como um programa isolado: ■ Pais são treinados como agentes reforçadores dos comporta mentos esperados, promovendo os comportamentos adequa dos de seus filhos. ■ Pais aprendem sobre manejo com os fiiiios, sobre formas e momentos de reforço. Aprendem que a atenção é o maior reforçador do comportamento infantil e, por isso, deve ser bem
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dirigida. Aprendem que o elogio e que programas em família devem ser utilizados para que a criança aumente os compor tamentos desejados. Aprendem a organizar suas agendas de modo que possam brincar diariamente com seus filhos, pro movendo um espaço lúdico de troca de idéias, onde possam reforçar o comportamento adequado dos filhos e tornar o ambiente harmônico e afetivo. m Pais aprendem formas e momentos de extinção, time out c remoção de recompensas. Aprendem a ignorar os comporta mentos de birra, evitando qualquer tipo de contato, e a nâo ceder antes que cessem. São instrumentalizados com detalhes relacionados ao tempo de time out (minutos conforme a ida de), a finalização do time out, o espaço adequado, o tempo de remoção de recompensa, etc. m Pais aprendem formas e momentos de dar ordens c instru ções, são instrumentalizados com detalhes como o olho no olho, abaixar-se na altura da criança quando for pedir algo, usar frases curtas e simples nas ordens, pedir que a criança repita o combinado, etc. 3 Pais são convidados a identificar as principais emoções dos
filhos por meio de um formulário, material elaborado com a equipe do Ambulatório de TCC na Infância do Infapa, no qual podem registrar suas percepções sobre as emoções do filho (Figura 1). ■ Pais aprendem a ajudar os filhos a identificarem suas emo ções. Essa prática consiste em monitorar a principal emoção relacionada aos comportamentos problemáticos. O monito ramento semanal do Baralho das Emoções (Caminha c Cami nha, 2009) pode servir como um guia para identificar essas emoções conforme os principais acontecimentos da semana. O afetivograma (Figura 2) também pode auxiliar, no sentido dc monitorar como essas emoções se apresentam ao luiigo de um mês e em qual intensidade se apresentam. Os pais são convidados a realizar a tarefa junto aos filhos. Quan-
m t b w en ç â o et u em a m en t o o em s
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do são adolescentes, pode-se propor um afctivograma para o adolescente e outro para os pais (visando ao adolescente) e, ao final do mis, ou mesmo, a cada semana, procurar ver como o adolescente preencheu a tabela, comparando com o olhar dos pois sobre o mesmo. Para realizar o afctivograma, seleciona-se a emoção mais evidente nos monitoramentos se manais e, ao longo de um mês, observa-se diariamente em que intensidade tal emoção se apresenta, indicando no formulário. • Pais aprendem a resolver problemas com seus filhos (Figura 3). Partindo da identificação da emoção que gera o problema, por exemplo, a irritação como emoção principal diante do comportamento de bater no irmão ou nos colegas, o terapeu ta propõe identificar os principais pensamentos atrelados a essa situação. Em seguida, ajuda a criança, com o auxílio dos pais, a buscar novos “balões de pensamento* para a mesma situação, fa r fim, ajuda a criança, com o auxílio dos pais, a construir novas alternativas de comportamento que não seja bater. Constroem assim novas “ plaqumhas" que podem ser vir como sugestões de comportamento. Num primeiro mo mento, essas “plaquinhas* podem ser uma explosão dc idéias (brainstorm ), como na técnica de resolução de problemas. Em seguida, se discute em grupo (terapeuta, criança, pais) quais dessas soluções são interessantes e quais devam ser descartadas. Aquelas selecionadas são recortadas para que a criança leve para casa (como cartões de enfrentamento) e as utilize na medida em que identificar o surgimento da emoção (no caso, a irritação) em vez de utilizar o comportamento agressivo dc padrão. Essas são algumas das intervenções priorizadas num atendimen to que visa à modificação de comportamentos infantis por meio da intervenção com a c r ia n ç a c ü o mü c seus pííí no «iTibulatório de TCC Infantil do CPC-Infapa - RS. A seguir veremos trechos de uma entrevista realizada com os pais de um menino de cinco anos. O
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menino estava sendo avaliado e apresentava uma série de problemas de comportamento, segundo a escola e os pais. Dentre eles: não dor mia sozinho, fazia uso da ma madeira, fazia muita birra, estava cada vez mais '‘chorão’*, não realizava as tarefas da escola, como copiar do quadro e dosar a cola (comentário da escola que chamou muito a atenção da equipe, considerando a idade do menino). A terapeuta responsável pelo caso, durante supervisão, identificou uma série de questões, em que os pais se percebiam perdidos no manejo com o filho, bem como um forte desejo de encontrar novas vias de gerenciar situações conflituosas com a criança. A equipe percebeu que havia no pedido de ajuda uma necessidade de trabalhar as expectativas reais e irreais para a faixa etária do menino. Foi então combinada uma entrevista com os pais do menino, a terapeuta e a supervisora, sendo que esta organizaria na sessão a lista de comportamentos a serem trabalhados na psicoterapta do menino, bem como faria uma inter venção com os pais visando à modificação de comportamentos deles para consequente mudança no menino. Foram realizadas três sessões apenas com os pais. A seguir, trechos da primeira sessão. Terapeuta Supervisora (T$): Vocês estão muito ansiosos com a situação do Jo sé. O Jo sé tem cinco anos? Pai: Isso, ele faz seis esse ano, daqui a um mês. TS: Uma das coisas que mc chamou atenção se refere ao que vocês esperariam, ou o que a escola esperaria do José. Chama a aten ção que algumas coisas ainda sejam muito cedo para esperar na idade dele. Assim como algumas coisas, paia a idade dele, já deveríam estar sendo feitas. Então a nossa ideia hoje é poder conversar um pouqui nho sobre isso. O que vocês imaginam que ele já deveria estar fazendo aos cinco anos? Seria interessante que vocês pudessem sair daqui hoje com uma lista dos comportamentos que vocês podem esperar dele, saber o que disso tudo é prioridade e de que maneira a gente pode ajudar vocês. O que vocês acham? Mãe: Eu acho õdmo! (riem) fai: (confirma com a cabeça, mostra satisfação com a proposta.) T S: Ajuda a organizar? Então vamos lá. N o olhar de vocês, o
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que chama atenção, o que é mais preocupante, o que vocês imaginam que o José a essa altura do campeonato já deveria estar realizando ? Pai: Ir sozinho para a cama dele. A geme tem que esperar ele dormir conosco, e depois levá-lo para a cama. Depois durante a ma drugada ele acorda e volta para a nossa cama e temos que conduzi-lo novamente para a cama dele. A gente não tem mais - em função dis so - uma noite inteira de sono, principalmeme a Regina (a mãe). Ela dorme e logo em seguida o José já está do lado dela de novo. TS: Vejamos se eu entendí; para adormecer, ele vai para a cama de vocês. Mãe: Ele dorme na nossa cama. TS: Ele demora para adormecer? Mãe: Ele vai dormir nove ou nove e meia. A gente diz para ele que está na hora de dormir, daí eu desligo a T y antes de cinco minu tos ele dorme. TS: Antes de ele dormir ele assiste TV? Mãe: Ele olha, bastante. TS: Bastante quer dizer o quêi Mais ou menos quanto tempo ele fica assistindo TV? Mãe: Umas duas horas; umas sete horas ele vai para a frente da TY Fica vendo desenho até a hora de dormir. TS: Daí tu falas para ele que é hora de dormir? Vocês têm uma rotina antes de dormir? Mãe: Ah sim, o Gustavo trabalha, ele chega lá pela meia-noite. Daí eu já deixo tudo preparado, jantamos. TS: Ele janta antes da TV? Antes das sete? Ou janta assistindo TV? Mãe: Assistindo TV Eu e ele tomamos um café, sete c meia da noite, por aí. Daí eu o deixo olhando TV, porque daí eu já vou arru mando as coisas, até eu parar, tomo banho e ele olhando TV. Daf eu digo para ele “vamos dormir que está na hora” c ele dorme. Nunca teve problema para dormir. Terapeuta responsável pelo caso: ele nunca dorme no quarto dele? Mãe: Não, cie vai Jiieío para a nos»a cama. TS: Já é uma rotina isso, ele já sabe que é assim que funciona. Ninguém questiona isso, já i automático.
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FIGURA 3: Resolução de Problemas envolvendo Pais (Figura 3)
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Passo 2
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CONTRIBUIÇÕES DA TERAPIA DO ESQUEMA DE j. YOUNG PARA A AVALIAÇÃO E O TREINAMENTO DE PAIS Renata Ferrarez Fernandes Lopes
A tarefa terapêutica de orientar pais ao longo do tratamento psicológico de crianças c adolescentes transcende muito a simples aplicação mecânica de protocolos de intervenção que, na maioria das vezes, são adaptados ao contexto de outros países. As sessões terapêuticas de orientação de pais apresentam um dinamismo único, nas quais o terapeuta depara-se com o desafio de mediar a relação cuidador criança, seu objetivo principal, e driblar as barreiras cognitivas, emocionais e comporrametuais que os pais apresentam em colaborar com o processo psicoterapêutico (Lopes e Lopes, 2008). As barreiras impostas pelos pais são multideterminadas. Fato res como aprendizagem social do papel de cuidador desempenha do ao longo de sua história de vida, personalidade, temperamento, crenças centrais relacionadas a si mesnio e ao outro ligadas a íaiiu de amor, desamparo e defecrividade, distorções cognitivas, entre outros aspectos, são agentes moduladores que colorem com marizes
| 122 | CortnÍJuíçõfs do terapia do ttquvna 'crença$ e alguns princípios básicos da Terapia Cognitiva e da Terapia Cognitiva Focada em Esquemas para situar o leitor. É impor tante lembrar que ambas as abordagens psicoterápicas são bastante entrelaçadas, mesmo porque o principal autor da terapia focada em esquemas, Jeffrey Young, recebeu um intenso treinamento do próprio Aaron Beck, principal autor da terapia cognitiva, e subsequentemente foi diretor de pesquisa e de treinamento do Centro Beck de Terapia Cognitiva durante a década de 1980 (Falcone e Ventura, 2008). Esquemas podem ser conceituados como estruturas mentais que integram o ambiente social e fisiológico do indivíduo c que visam atribuir significados aos eventos, podendo se tratar de relacionamen tos pessoais ou categorias impessoais (Beck e Freeman, 1993; Beck et al., 2005). Beck (1967) oferece uma definição ampla sobre o conceito de esquemas, acrescentando que se tratam de estruturas que “ filtram, codificam e avaliam os estímulos aos quais o organismo é submetido” c que é a partir de uma matriz de esquemas que o indivíduo consegue orientar-se em relação a tempo e espaço, categorizar e interpretar experiências de maneira significativa. Os esquemas mentais têm qualidades estruturais adicionais, tais como amplitude, flexibilidade ou rigidez e densidade. Eles podem ser descritos também cm função de sua Valencia (grau em que são energizados num ponto específico do tempo), por exemplo, diante de uma dada situação de conflito, por exemplo, quando o pai está ensinando uma tarefa escolar para o filho, podendo variar cm nível de ativação de latentes a hipervalcntes (Beck e Freeman, 1993; Beck et al., 2005). Quando os esquentas estão latentes, eles não participam do pi ü^c&SíiiiiCiiiu ut uiii/i ^udiiuu at. * ados, porém, direcionam o processamento cognitivo. Isso pode ser observado em contextos de depressão, ou de transtorno de ansiedade, em que ocorre um pro* t •» í
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nunciado “afunilamento” ou “direcionamento” cognitivo para uma predominância de representações negativas, pessimistas no modo de* pressivo e catastróficas no modo ansiogénico (Beck e Freeman, 1993; Beck eral., 2005). Na depressão clínica predominam os esquemas negativos, resul tando num viés negativo sistemático, interpretação e evocação de experiências e previsões cm curto e longo prazos, ao passo que os esquemas positivos tornam-se menos acessíveis (Beck e Freeman, 1993, p. 25).
Assim, pais ansiosos ou deprimidos tenderão a interpretar ta refas educativas muito simples de acordo com o viés negativo que apresentam. Os esquemas mentais podem ficar inativos em alguns momentos e depois serem energizados ou desenergizados rapidamen te como resultado de mudanças no tipo de input do ambiente. Além disso, Beck (1967) aponta que os esquemas mentais desadaptados contaminam a interpretação do indivíduo acerca dos acontecimentos de vida de maneira sistemática, o que pode ser observado, por exem plo, em concepções errôneas, atitudes distorcidas, premissas inválidas e em metas e expectativas pouco realistas de pais ansiosos, deprimi dos ou com algum transtorno de personalidade. Desse modo, é possível concluir que os esquemas são capazes de guiar a percepção e avaliação dos eventos como os acontecimentos cotidianos (Young, 2003). Ê interessante notar que o conceito de crença para a terapia focada no esquema é semelhante à definição dada pela a terapia cog nitiva, como pode ser observado no trecho abaixo extraído da en trevista conduzida por Falcone e Ventura (2008) com Jeffrey Young, idealizador da terapia focada em esquemas. R B T C : Com o v o e i relaciona o conceito de Terapta d o Esquem a a o s diferen tes n iveis de pensam ento p rop ostos p ela Terapia C ogni
tiv a de B eck i Jeffrey Young: E u acho que a forma mais fácil de responder a esta pergunta é dizer que o esquema i parte do modelo original de
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Beck. Piaget e os gregos também já falavam «le esquemas. E sq u cma, semelhante à maneira como eu conceituo, já estava presente no trabalho de Beck. Beck propôs que o esquema era o nível m ais profundo do pensamento. Ele náo chamava isso de crença, mas de estrutura. Náo é o mesmo que eu faço, mas é bastante sem elhante. Ambos acreditamos que o esquema é a estrutura mais profunda, do ponto de vista psicológico. (Falcone e Ventura, 2008)
Uma discussão mais profunda do papel das práticas de educa ção na formação precoce de esquemas (crenças) na abordagem cog nitiva foi realizada por Young (2003). Adotaremos esse referencial teórico para fundamentar nossa proposta de avaliação dos esquemas (crenças) apresentados pelos pais a fim de compreendermos padrões cognitivos, afetivos e comportamentais dos educadores com os quais lidamos em uma ludoterapia. Apresentaremos, então, em linhas ge rais, os aspectos que nos interessam da terapia focada em esquemas, os principais instrumentos de avaliação que propomos utilizar c final mente ilustraremos como tais instrumentos auxiliam a compreender a ação de esquemas desadaptados na prática educativa dos pais.
A TERAPIA FOCADA em esquemas de Jeffrey Young Young (2003) propôs a terapia focada em esquemas como uma expansão do modelo cognitivo beckiniano de curto prazo para tra tamento das pessoas com transtorno da personalidade. O conceito de esquema proposto pelo autor é compartilhado com outras abor dagens cognitivas. Sua proposta teórica tem como objetivo facilitar a comunicação entre terapeuta c cliente a fim de desenvolver uma estratégia de intervenção terapêutica efetiva. O conceito de “Esque ma Inicial Desadaptativo” (EID), conceito angular da terapia focada em esquemas, é considerado pelo autor como o nível mais profundo de ccgniçãc. Os esquemas sio definidos como crenças e sentimentos incondicionais e rígidos, tomados como verdades sobre si mesmo e sobre o ambiente. Eles se desenvolvem espccialmente na infância e na
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adolescência e influenciam o processamento das experiências subse quentes (Young, 2003; Young, Koslo e Wheisshar, 2008). Corroborando a noção de esquemas de Beck, Young afirma que os esquemas iniciais desadapcativos contaminam a interpretação dos acontecimentos de maneira efetiva, orientando idéias errôneas, atitu des distorcidas, predições inválidas e metas irrealistas. Por se desen volverem muiro precocemente, os EIDs estão ligados a altos níveis de afeto. A realidade é interpretada com base nas experiências emocio nais da infância e por isso são experienciadas como verdades implíci tas e naturais quando os indivíduos se tornam adultos. Os esquemas iniciais desadaptativos podem ser traduzidos como o modo de perceber a si mesmo em relação ao outro e ao mundo que se perpetua ao longo da vida de forma “confiável” porque passa a scr familiar ao indivíduo que automaticamente distorce a realidade para manter seus esquemas ativos e imutáveis. Os EIDs são disfuncionais de uma maneira significativa e re corrente, podendo levar o indivíduo a um sofrimento psicológico, como pânico ou depressão, a um extremo isolamento social ou rela cionamentos destrutivos, a um desempenho inadequado profissional, a adicções ou problemas alimentares, transtornos psicossomáticos, problemas familiares, além de transtornos de personalidade (Young, 2003; Young et al., 2008). Os esquemas podem ser ativados ou desativados por mudanças de estímulos ambientais associados ao conteúdo dos esquema apre sentado pelos indivíduos. Os EIDs parecem ser o resultado das inte rações entre o temperamento inato que age precoccmente sobre ex periências disfuncionais com pessoas significativas (pais e cuidadores em geral) durante a infância. De acordo com o Young et al. (2008), os esquemas encontrados nos adultos com problemas psicológicos crônicos não resultam dc experiências traumáticas isoladas, mas sim de padrões continuados de experiências dolorosas coridianas com familiares e outras crianças, que reforçam os esquemas desadapta dos. Os EIDs resultam de necessidades essenciais não satisfeitas na infância, como a necessidade de vínculos seguros, de autonomia.
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competência e sentimento de identidade, de liberdade dc expressão, de espontaneidade e lazer ou de limites realistas e de autocontrole. Para Young et al. (2008), quatro tipos principais de experiências for jam a aquisição de esquemas: a frustração nociva de necessidades; a traumatização ou vitimação; os contextos nos quais os pais fornecem excessivamente algo que moderadamente seria saudável e a internalização ou identificação seletiva com pessoas importantes, contudo no civas à formação psíquica saudável, como por exemplo, um abusador físico ou sexual (ver figura 1). • Vínculos seguros - segurança. estabilidade, cuidado, aceitação • Autonomia - competência - sentido ► de identidade * Liberdade de expressão • Espontaneidade - lazer • Limites realistas • autocontrole
Necessidades emocionais básicas rio satisfeitas , na infância
+
Temperamento ^ w -
4
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Ansioso Sensível Passivo Tímido Obsessivo Distimico U bil
Calmo Invulnerável Agressivo Sociável Distraído Otimista Não reativo
Experiências de vida nocivas I
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FIGURA I: Fatores que influenciam a formação dos Esquemas Iniciais Desadaptativos (ElDs).
Entre os fatores que influenciam o desenvolvimento dos ElDs. podemos destacar novamente o temperamento do indivíduo, já que ele modula eventos dolorosos na infância e expõe, seletivamenre, as crianças a determinadas circunstâncias de vida. Por exemplo, uma criança dc temperamento difícil pode experimental o procedo uc cscolarização com um grau de frustração elevado e com pouca margem para a flexibilidade comportamemal diante de adaptações exigidas
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por esse dpo de eveoio vital. É claro, entretanto, que existe a possibi lidade de um ambiente precoce muito saudável ou excessivamente ad verso sobrepujar o temperamento. Da mesma forma, o temperamen to pode sobrepujar um ambiente estável, produzindo psicopatologias. Os frutos do temperamento são decisivamente testados quando os fi lhos de ontem tomam-sc os pais de hoje. Pais de temperamento difícil costumam ter enorme dificuldade em manejar o comportamento de seus filhos e experimentam um elevado nível de frustração, o que cos tuma gerar uma grande tensão na vida familiar (Papalia et al. 2000). É importante destacar que os ElDs são ativados quando a pes soa, já adulta, vive eventos que associam conscientemente, ou não, ãs experiências vividas na infância com algum caráter nocivo. E im portante destacar aqui que quando alguém se torna pai ou mãe, passa a (re)experimentar inúmeros eventos típicos e inerentes à infância. Por essa simples razão, esses eventos têm um imenso poder catali zador tanto paia reativar a toxidade dos ElDs (vivermos os eventos com base nos esquemas desadaptados), quanto para “curar” as feridas psicológicas mais antigas (re)editando-as (reestruturarmos nossos esquemas com base nessas experiências típicas, mas no papel de cuidadores). A terapia dos esquemas agrupa os ElDs em cinco grandes ca tegorias criadas com base nas necessidades emocionais não satisfeitas adequadamente (ver Figura 2). O domínio de desconexão e rejeição agrupa esquemas desadap tados que tornam os indivíduos incapazes de formar vínculos seguros e satisfatórios com outras pessoas. Eles tendem a passar de um rela cionamento autodescrotivo a outro ou evitam relacionamentos ínti mos, pois acreditam que suas necessidades não serão atendidas. Suas famílias de origem costumam apresentar instabilidade, frieza, rejei ção, podem ser abusivas ou apresentar uma tendência de isolamento do mundo exterior. Essas experiências vividas reiteradamente forma tam cinco possíveis esquemas que podem atuar exclusivamente ou em conjunto: zhandúiKVutetabiSMLidc; docwnfíança/abuso; privação emocional; defectividade/vergonha e isolamento social/alienaçáo. É fácil para o terapeuta imaginar que pais que mantenham esses esque-
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Os ElDs agrupados em cinco domínios • Abanoooo j Instabilidade • Desconfiança / Abuso • Privação Emocional • Isolamento Soc*al I Aftenaçio • Defectrv