Holding Familiar [3 ed.] 9786559774241

Com a inclusão de elementos práticos, contendo modelos de cláusulas contratuais, jurisprudência, exemplos de casos concr

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Agradecimentos
Sobre os Autores
Apresentação
Sumário
Capítulo 1 ‒ Holding
1. Introdução
2. Contextualização
3. Objetivos da constituição da Holding
4. Legislação aplicável
5. Definição jurídica de Holding e Holding familiar
6. Espécies de Holdings
7. Simulação de um caso concreto
Capítulo 2 ‒ Aspectos sucessórios
1. Introdução
2. Vantagens do planejamento sucessório
3. Regime de casamento e direito dos cônjuges no divórcio e na sucessão
4. Da parte legítima e da parte disponível dos bens
5. Doações, antecipação de legítima e colação de bens
5.1 Cláusulas restritivas da doação
5.1.1 A necessidade da justa causa na estipulação de cláusulas restritivas
Capítulo 3 ‒ Aspectos societários
1. Introdução
2. Tipo societário da Holding
2.1 Sociedade simples e sociedade empresária
2.2 Sociedade limitada
2.2.1 Por que limitar a responsabilidade dos sócios?
2.2.2 Características da sociedade limitada
2.2.3 Sociedade Limitada Unipessoal (SLU)
2.3 Sociedade Anônima
2.4 Sociedade Limitada vs. Sociedade Anônima: uma análise comparativa
3. Cláusulas essenciais do contrato social da Holding
3.1 Do objeto social
3.2 Do quórum necessário para as deliberações sociais nas sociedades limitadas
3.3 Da proibição do caucionamento das quotas
3.4 Das cláusulas relacionadas à modificação do quadro de quotistas
3.5 Das cláusulas relativas à administração da sociedade
3.6 Da distribuição de lucros
4. Acordo de acionistas e quotistas
5. Desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade de sócios e administradores
5.1 Desconsideração inversa da personalidade jurídica
Capítulo 4 ‒ Aspectos tributários
1. Introdução
2. Dos aspectos tributários da constituição e manutenção da Holding
2.1 Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD)
2.2 Imposto de Transmissão de Bens Inter Vivos (ITBI)
2.3 Imposto de Renda (IR) da Pessoa Física
2.4 Imposto de Renda (IR) na constituição da Holding
2.5 Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ)
2.5.1 Lucro real
2.5.2 Lucro presumido
2.6 Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL)
2.7 PIS e Cofins
3. Qual é a melhor opção para uma empresa Holding?
4. Da tributação dos sócios da Holding
5. Comparação de carga tributária
Capítulo 5 ‒ Aspectos contábeis
1. Dividir para conquistar
2. O princípio das Holdings na Contabilidade
3. Qual a norma contábil que fala sobre Holding?
4. Participações societárias na Holding
4.1 Operações em conjunto
4.2 Empreendimentos controlados em conjunto
4.3 Onde essas participações ficam no balanço patrimonial?
4.4 Coligação e controle
4.5 Método de equivalência patrimonial
4.5.1 O passo a passo para chegar ao MEP
4.5.2 A regra geral da contabilização
4.5.3 E se o investimento ficar negativo?
4.6 Custo de aquisição e seu desdobramento
4.6.1 Mais-valia (ou menos-valia) de ativos líquidos
4.6.2 Ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill)
4.6.3 Ganho por compra vantajosa
5. Imóveis na Holding
6. Estoque (AC)
6.1 Propriedade para Investimento (ANC)
6.2 Ativo imobilizado (ANC)
6.3 Ativo não circulante mantido para venda (AC)
Considerações finais
Referências
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Holding Familiar [3 ed.]
 9786559774241

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■ O autor deste livro e a editora empenharam seus melhores esforços para assegurar que as informações e os procedimentos apresentados no texto estejam em acordo com os padrões aceitos à época da publicação, e todos os dados foram atualizados pelo autor até a data de fechamento do livro. Entretanto, tendo em conta a evolução das ciências, as atualizações legislativas, as mudanças regulamentares governamentais e o constante fluxo de novas informações sobre os temas que constam do livro, recomendamos enfaticamente que os leitores consultem sempre outras fontes fidedignas, de modo a se certificarem de que as informações contidas no texto estão corretas e de que não houve alterações nas recomendações ou na legislação regulamentadora. ■ Fechamento desta edição: 27.10.2022 ■ O Autor e a editora se empenharam para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores de direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondo-se a possíveis acertos posteriores caso, inadvertida e involuntariamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. ■ Atendimento ao cliente: (11) 5080-0751 | [email protected] ■ Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2023 by Editora Atlas Ltda. Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Al. Arapoema, 659, sala 05, Tamboré Barueri – SP – 06460-080 www.grupogen.com.br ■ Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, em quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição pela Internet ou outros), sem permissão, por escrito, da Editora Atlas Ltda. ■ Capa: Daniel Kanai ■ CIP – BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE. SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. Silva, Fabio Pereira da Holding familiar : aspectos jurídicos e contábeis do planejamento patrimonial / Fabio Pereira da Silva, Caio Melo, Alexandre Alves Rossi. - [3. ed.]. - Barueri [SP]: Atlas, 2023.

Inclui bibliografia e índice ISBN 978-65-5977-424-1 1. Empresas familiares - Legislação - Brasil. 2. Empresas familiares - Brasil - Sucessão. 3. Holding companies - Brasil. I. Melo, Caio. II. Rossi, Alexandre Alves. III. Título.

22-80648

CDU: 340.134:334.722.24(81)

Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439

“Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância.” SÓCRATES

AGRADECIMENTOS

Atribui-se ao poeta José Martí a frase “Há uma coisa que um homem deve fazer na sua vida: plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro”. Entre essas “coisas”, encontramos dois extremos: plantar uma árvore não é uma tarefa complicada, ao passo que ter um filho é uma das missões mais complexas que um ser humano pode ter. Aliás, para sermos mais precisos, como todo papai e mamãe sabem: ter um filho é fácil, difícil é cuidar e acompanhar seu crescimento, auxiliando-o a se tornar uma boa pessoa. O próprio poeta confirma essa constatação ao dizer que uma das lições fundamentais que recebeu durante a vida foi a seguinte: Sentar-se para produzir livros, que é coisa fácil, é impossível quando se é consumido pela intranquilidade e ansiedade e não há tempo para a tarefa mais difícil de todas, que é produzir homens (MARTÍ, 1953, v. 1, p. 854). O que podemos extrair dessa lição é a constatação de que é simples se sentar para produzir livros, contudo, isso demanda sacrifícios, especialmente quando consome o tempo que dedicamos para a tarefa mais hercúlea de todas, que é justamente auxiliar nossos filhos a se desenvolverem. É por isso que nossos agradecimentos são direcionados, em especial, às nossas famílias. Porque escrever um livro exige dedicação, foco e, em muitos casos, ausência do dia a dia familiar, sacrifício que é compartilhado por todos e que, caso incompreendido, não nos permitiria lançar esta obra que agora nos orgulha.

Por isso, sem esquecer todos e todas que nos auxiliaram em nossa caminhada e nos ajudaram a finalizar esta obra, incluindo nossos sócios, destacamos Rodolfo Weigand, pela criteriosa revisão do texto, e dedicamos especial gratidão às nossas esposas (Clícia, Janaina e Amanda) e aos nossos filhos (Pedro, Henrique, Júlia e Bernardo), pela compreensão com a nossa ausência necessária enquanto, dentre outras atividades, escrevíamos este livro. Queremos agradecer, além disso, aos nossos alunos, pois são eles que nos tornam a cada dia melhores, mais curiosos e ávidos por novos aprendizados, para que possamos compartilhar esse conhecimento com o maior número de pessoas possível. Nada é mais entusiasmante do que um grupo de alunos interessados pelo ensino e que nos fazem rememorar, com seus questionamentos, os limites de nossa ignorância! Por fim, mas não menos importante, agradecemos a Deus, por colocar em nossos caminhos as pessoas que puderam nos proporcionar esta oportunidade e, essencialmente, por nos dar força e foco para cumprirmos esta empreitada, apesar de todos os desafios envolvidos. Agora, se nos permitem, precisamos ir ali... plantar algumas árvores!

SOBRE OS AUTORES

FABIO PEREIRA DA SILVA Mestre e Doutorando em Controladoria e Contabilidade pela FEA/USP. Especialista em Direito Tributário pela FGV Direito SP e em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-Graduado em Business Management com ênfase em Finanças na UCSD University of California, San Diego. Professor nas disciplinas envolvendo direito tributário, imposto de renda, contabilidade societária e contabilidade tributária na FGV Direito SP, na Fipecafi e no Insper, entre outras. Advogado Tributarista em São Paulo. CAIO MELO Contador formado pela Estácio de Sá. Proprietário da CSM Educação. Fundador do Contabilidade Sem Mimimi, programa de educação continuada para Contadores. Idealizador da Formação em Holding e da Formação em Contabilidade Imobiliária. Professor nas disciplinas envolvendo Holding, estruturação de negócios e gestão de serviços contábeis nos cursos de PósGraduação da BSSP. ALEXANDRE ALVES ROSSI Advogado atuante na área de direito empresarial com 20 anos de experiência profissional. Pós-graduado em Direito Empresarial. Sócio da Weigand e Silva Sociedade de Advogados.

APRESENTAÇÃO

O propósito deste livro é apresentar e discutir os aspectos jurídicos e contábeis essenciais concernentes ao planejamento patrimonial, especialmente envolvendo a constituição das empresas Holdings. O leitor terá acesso a uma visão abrangente do tema, a partir do entendimento de suas questões fundamentais, envolvendo especificamente os aspectos sucessórios, societários, tributários e contábeis. Buscando não se limitar aos aspectos teóricos, o livro aborda questões de ordem prática, o que o torna indicado não apenas aos habilitados em Direito e Contabilidade, mas também aos profissionais de administração, aos estudantes e, especialmente, aos gestores e empresários que desejam a continuidade de seus negócios pelas gerações futuras. Recheado de casos práticos, exemplificações, esquemas, ilustrações, jurisprudência, modelos de cláusulas contratuais, este livro não encontra paralelo no mercado, seja por sua abrangência, mas, igualmente, pelo excesso de recursos didáticos que possibilitam aos leitores uma compreensão plena sobre os temas que se propõe a discutir. Para facilitar a compreensão, o conteúdo da obra foi dividido em cinco capítulos: o primeiro traz a contextualização da matéria e a introdução do tema Holding familiar, incluindo seus objetivos e a legislação aplicável; o segundo aborda as questões atinentes à sucessão do patrimônio; o terceiro discute temas relativos ao planejamento societário; o quarto apresenta o indispensável debate sobre os assuntos tributários; e o último trata das questões relacionadas à contabilidade de uma empresa Holding.

Embora seja recomendável a leitura linear de todos os capítulos, a organização dos pontos discutidos ao longo do livro permite ao leitor consultas breves aos temas de seu interesse, tornando esta obra uma fonte rápida de informação, sempre à mão para responder as dúvidas mais comuns relacionadas à Holding familiar e ao planejamento patrimonial. Por fim, ressaltamos que as discussões realizadas ao longo dessa obra, incluindo os cálculos envolvendo a incidência de tributos sobre operações exemplificadas, tiveram como base o conjunto normativo e posição jurisprudencial vigente até agosto de 2022. Em razão da fluidez da legislação, especialmente tributária, bem como da possibilidade de mudança do entendimento de nossos Tribunais sobre as controvérsias jurídicas avaliadas no decorrer do livro, é oportuna a confirmação da manutenção das conclusões com base no contexto atualizado dos fatos. Boa leitura!

SUMÁRIO

Capítulo 1 ‒ HOLDING 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7.

Introdução Contextualização Objetivos da constituição da Holding Legislação aplicável Definição jurídica de Holding e Holding familiar Espécies de Holdings Simulação de um caso concreto

Capítulo 2 ‒ ASPECTOS SUCESSÓRIOS 1. 2. 3. 4. 5.

Introdução Vantagens do planejamento sucessório Regime de casamento e direito dos cônjuges no divórcio e na sucessão Da parte legítima e da parte disponível dos bens Doações, antecipação de legítima e colação de bens 5.1 Cláusulas restritivas da doação 5.1.1 A necessidade da justa causa na estipulação de cláusulas restritivas

Capítulo 3 ‒ ASPECTOS SOCIETÁRIOS 1.

Introdução

2.

3.

4. 5.

Tipo societário da Holding 2.1 Sociedade simples e sociedade empresária 2.2 Sociedade limitada 2.2.1 Por que limitar a responsabilidade dos sócios? 2.2.2 Características da sociedade limitada 2.2.3 Sociedade Limitada Unipessoal (SLU) 2.3 Sociedade Anônima 2.4 Sociedade Limitada vs. Sociedade Anônima: uma análise comparativa Cláusulas essenciais do contrato social da Holding 3.1 Do objeto social 3.2 Do quórum necessário para as deliberações sociais nas sociedades limitadas 3.3 Da proibição do caucionamento das quotas 3.4 Das cláusulas relacionadas à modificação do quadro de quotistas 3.5 Das cláusulas relativas à administração da sociedade 3.6 Da distribuição de lucros Acordo de acionistas e quotistas Desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade de sócios e administradores 5.1 Desconsideração inversa da personalidade jurídica

Capítulo 4 ‒ ASPECTOS TRIBUTÁRIOS 1. 2.

Introdução Dos aspectos tributários da constituição e manutenção da Holding 2.1 Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD) 2.2 Imposto de Transmissão de Bens Inter Vivos (ITBI) 2.3 Imposto de Renda (IR) da Pessoa Física

2.4 2.5

3. 4. 5.

Imposto de Renda (IR) na constituição da Holding Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) 2.5.1 Lucro real 2.5.2 Lucro presumido 2.6 Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) 2.7 PIS e Cofins Qual é a melhor opção para uma empresa Holding? Da tributação dos sócios da Holding Comparação de carga tributária

Capítulo 5 ‒ ASPECTOS CONTÁBEIS 1. 2. 3. 4.

Dividir para conquistar O princípio das Holdings na Contabilidade Qual a norma contábil que fala sobre Holding? Participações societárias na Holding 4.1 Operações em conjunto 4.2 Empreendimentos controlados em conjunto 4.3 Onde essas participações ficam no balanço patrimonial? 4.4 Coligação e controle 4.5 Método de equivalência patrimonial 4.5.1 O passo a passo para chegar ao MEP 4.5.2 A regra geral da contabilização 4.5.3 E se o investimento ficar negativo? 4.6 Custo de aquisição e seu desdobramento 4.6.1 Mais-valia (ou menos-valia) de ativos líquidos 4.6.2 Ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill) 4.6.3 Ganho por compra vantajosa

5. 6.

Imóveis na Holding Estoque (AC) 6.1 Propriedade para Investimento (ANC) 6.2 Ativo imobilizado (ANC) 6.3 Ativo não circulante mantido para venda (AC)

CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS

Capítulo 1 HOLDING 1.

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, serão abordadas as questões introdutórias sobre Holding, iniciando-se pela contextualização, visando a situar o leitor na conjuntura em que o tema se insere. Posteriormente, serão abordados os seus fundamentos legais e sua definição jurídica, assim como seus objetivos primordiais e espécies. Ao final, buscaremos analisar um caso concreto simulado, com intuito de fazer algumas reflexões propedêuticas sobre os temas que permearão todos os capítulos, possibilitando aos leitores uma compreensão holística sobre cada um dos tópicos a serem discutidos adiante. Com essa base, o leitor obterá conhecimento sobre as Holdings e sua definição jurídica correspondente, além dos principais objetivos de sua constituição, diferenciando suas espécies e visualizando sua importância no contexto econômico e jurídico da atualidade. Adicionalmente, será possível identificar a importância da Holding como instrumento de planejamento patrimonial e sucessório, considerando as oportunidades e riscos oferecidos por esse tipo de instrumento societário.

2.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Um dos grandes desafios do empresariado brasileiro é a manutenção do sucesso da empresa diante de um ambiente hostil aos negócios, em que legislação trabalhista, sistema tributário e fundamentos econômicos do país

impõem elevados riscos para a continuidade de suas atividades. A legislação trabalhista nacional se caracteriza pela intensa proteção aos empregados, considerados hipossuficientes, o que acarreta muitas vezes em excessivo passivo laboral, inclusive oculto – aquele não reconhecido formalmente por não estar sendo cobrado no momento –, mesmo quando a empresa busca o cumprimento integral de suas normas. É bem verdade que a Reforma Trabalhista, posta em prática por meio da Lei 13.467/2017, reduziu o contencioso laboral. Contudo, discussões afloraram no meio político no sentido de que esse resultado foi atingido às custas da redução de direitos trabalhistas, o que revela dúvidas sobre a eficácia da medida e traz à tona a possibilidade de mudanças futuras que, ao cabo, podem trazer mais insegurança jurídica aos empreendedores. Nosso sistema tributário, por sua vez, é tido como excessivamente complexo. É bem conhecido o fato de que o custo de conformidade tributária no Brasil representa alto dispêndio de recursos, obrigando as empresas a ter grande aparato para lidar com as questões fiscais, sem que haja qualquer garantia de que suas decisões não serão questionadas no futuro pelas autoridades tributárias.

VOCÊ SABIA? Segundo o Relatório “Doing Business Subnacional Brasil 2021” do Banco Mundial, no Brasil “as empresas despendem entre 1.483 e 1.501 horas por ano para preparar, declarar e pagar tributos, mais do que qualquer outro país”. Confira a seguir:

Em relação ao ambiente econômico, embora o país tenha passado por momentos de relativa estabilidade, não é incomum os empresários se depararem com um horizonte de incertezas: inflação próxima ou superior ao teto da meta, juros altos e câmbio instável. Some-se a isso a proliferação de decisões judiciais incluindo o patrimônio dos sócios como bens sujeitos a garantir o pagamento de débitos da pessoa jurídica, inclusive em sociedades cuja responsabilidade se pressupõe ser limitada ao capital social da empresa, o que torna altamente arriscado empreender no País. Apesar de a melhor doutrina se posicionar contrariamente, como em Coelho (2022, p. 69), que defende ser indispensável a dilação probatória antes que o juiz decida pela desconsideração da personalidade jurídica, posição esta embasada nas alterações recentes no Código de Processo Civil, que buscam oferecer segurança processual nesses casos, a prática judicial está recheada de exemplos de decisões proferidas sem que os empresários tenham oportunidade de exercer seu direito constitucional de ampla defesa, fruto de deliberações prévias em cognição sumária, que resultam, de plano, na penhora de bens particulares dos sócios. Nessa seara, não é incomum deparar-se com notícias dando conta de que empresários tiveram seus bens penhorados por dívidas trabalhistas e tributárias, inclusive em alguns casos, anos após sua saída da sociedade, fruto, no mais das vezes, da lentidão e burocracia dos procedimentos administrativos e judiciais, o que acarreta situação teratológica de ex-sócios

que têm seus bens expropriados, acreditem, quando sequer se lembravam da participação na pessoa jurídica em questão. Felizmente, o legislador não fez ouvidos moucos para essas críticas doutrinárias, tendo sido promulgada a Lei 13.105/2015, que instituiu o atual Código de Processo Civil (CPC). Referido diploma legal trouxe capítulo próprio tratando da desconsideração da personalidade jurídica, mais precisamente nos arts. 133 a 137. Tais dispositivos legais preveem que o incidente seja instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, devendo a parte afetada, seja ela sócia ou a própria pessoa jurídica, ser citada para se manifestar sobre o pedido, oportunizando o exercício da ampla defesa antes de ter seus bens penhorados ou expropriados. Dispositivo semelhante foi incluído na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), por meio da Reforma Trabalhista – Lei 13.467/2017 –, que inclui o art. 855-A no texto consolidado. Merece aplausos, ademais, a promulgação da Lei 13.874/2019, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, modificando o art. 50 do Código Civil (CC) que trata da desconsideração da personalidade jurídica das empresas. Tais mudanças tiveram como propósito dar maior segurança jurídica aos empreendedores, com regras claras sobre as hipóteses em que possível a desconsideração. Apesar dos avanços merecerem comemoração, é recomendável aguardar a aplicação prática do incidente, especialmente considerando que há opiniões divergentes sobre seu emprego em processos trabalhistas e tributários, o que mantém certa insegurança sobre a proteção legal dos empresários. Esse ambiente de incerteza jurídica acaba por servir de desincentivo aos investimentos por parte de empreendedores brasileiros, cujo receio de colocar em risco seu patrimônio pessoal, faz com que busque alternativas mais seguras de alocação de investimentos, especialmente em momentos em que a taxa básica de juros atinge valores elevados. Todos esses desafios são potencializados em empresas de natureza

familiar, onde a gestão da sociedade é muitas vezes concentrada pelo patriarca e pela matriarca. Uma das preocupações que envolvem essa situação refere-se à difícil escolha sobre quem dará continuidade aos negócios na falta deles, considerando que nem sempre os sucessores legais estão preparados para assumir a incumbência de administrar a empresa. Sabe-se que a intenção dos fundadores ao construir uma trajetória empresarial vitoriosa, amealhando no decorrer de suas atividades um patrimônio que ofereça segurança à família, é ver a continuidade de seus negócios, protegendo a riqueza conquistada dos percalços e armadilhas inerentes ao ambiente empresarial. Buscam garantir que as conquistas perpassem à geração atual, deixando uma marca de sucesso além de suas vidas. Em razão desse desejo, é natural que os empresários tenham enorme receio de que, em razão das incertezas relatadas anteriormente, o patrimônio construído com grande esforço ao longo de sua vida profissional seja bruscamente perdido, para completa desolação da família. Diante de um contexto socioeconômico tão hostil, resta aos empreendedores buscarem alternativas e estratégias para o melhor gerenciamento de seus negócios e de seu patrimônio. Não há dúvida de que, para tanto, o planejamento é a chave para o sucesso. Por meio de um planejamento cuidadoso, os riscos já relatados são mitigados, aumentando a probabilidade de que todos os desafios empresariais sejam superados com êxito, perpetuando o patrimônio familiar arduamente construindo durante a vida.

3.

OBJETIVOS DA CONSTITUIÇÃO DA HOLDING

Ao longo deste livro, serão tratados com mais vagar os objetivos e benefícios da constituição da Holding familiar. Quando se fala em grandes corporações, a Holding tem um papel primordial na consolidação do poderio econômico do grupo empresarial, por meio do exercício de controle

centralizado, possibilitando que a gestão estratégica do conglomerado seja unificada, incluindo aí questões relacionadas às decisões financeiras, operacionais, jurídicas e até mesmo de marketing, entre outras. Por sua vez, na Holding familiar, embora esses objetivos não sejam descartados, a intenção se fundamenta em garantir a manutenção do patrimônio conquistado por seus membros, incluindo o sucesso de eventuais empresas pertencentes à família, perpassando a geração atual. Para tanto, o planejamento da sucessão tem como principal objetivo a proteção do patrimônio no seio familiar e a redução dos custos sucessórios, o que pode envolver a realização de antecipação da legítima, com a divisão em vida do patrimônio dos patriarcas, incluindo eventuais empresas. Nesse estágio, é primordial a designação de profissionais competentes para a administração perene da sociedade empresária, mesmo que diante do afastamento de seu principal executivo. Ao seu turno, o planejamento societário é indispensável, sendo conveniente optar por um tipo de sociedade que supra as necessidades e os objetivos familiares, visando ao sucesso da estratégia empresarial, especialmente quando envolve questões relativas ao controle societário. A constituição de uma Holding ainda tem objetivos tributários, permitindo, em alguns casos, a redução legal da carga tributária das atividades empresariais da família, sem que isso represente qualquer risco fiscal, uma vez que o planejamento se restringe às hipóteses previstas e autorizadas pela legislação em vigência. Por fim, mas não menos importante, para que o planejamento possa atingir todos os objetivos traçados pela família, há necessidade de que a escrituração contábil cumpra seu papel de retratar a realidade econômica das atividades empresariais, não apenas auxiliando a gestão do empreendimento, mas também evitando consequências societárias e tributárias indesejadas.

4.

LEGISLAÇÃO APLICÁVEL

Com base em um minucioso planejamento societário, sucessório e tributário, calcado nas possibilidades disponíveis em nossa legislação e sem deixar de observar as normas contábeis, é possível diminuir os riscos no desenvolvimento de atividades empresariais, evitar os inconvenientes da sucessão hereditária de bens e estabelecer uma estrutura jurídica eficaz do ponto de vista fiscal, reduzindo legalmente a carga tributária. De largada, é preciso registrar que não há respaldo legal no planejamento realizado com o objetivo de prejudicar terceiros de boa-fé, como é o caso daqueles que buscam transferir seus bens em razão de dívidas particulares, uma vez que a legislação garante a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica nessas hipóteses, o que será tratado mais adiante. Em razão disso, não serão mencionados termos como “blindagem patrimonial”, “empresa cofre” ou assemelhados, pois podem denotar a existência de alternativas que, ao cabo, representem prejuízos a terceiros de boa-fé, o que deve ser combatido com veemência. É bem verdade que o planejamento aqui proposto pode evitar penhoras e expropriações de bens particulares sem que o empresário tenha oportunidade de exercer seu direito constitucional de defesa. Todavia, a comprovação do intuito ilícito, que abrange atos praticados com o mero objetivo de fraudar direitos alheios, autoriza a desconsideração da personalidade jurídica e a consequente expropriação de bens. Ressalvada essa hipótese, a constituição da Holding, nos termos propostos por este livro, certamente inclui mecanismos de proteção patrimonial, porém se consubstancia por ser muito mais abrangente e permitir uma sucessão tranquila e uma estrutura societária e tributária eficiente, fortalecendo o patrimônio familiar. Para ilustrar, podemos citar o planejamento sucessório que inclua o uso de cláusula de incomunicabilidade, cuja finalidade é impedir a comunicação dos bens transferidos aos herdeiros com terceiros sem vínculo consanguíneo familiar. Não é despropositado imaginar que o patriarca e a matriarca desejem proteger seus filhos de eventuais discussões patrimoniais em um

processo de divórcio. O mesmo ocorre com o manejo da cláusula de inalienabilidade e impenhorabilidade, que tem como objetivo proteger os destinatários dos bens, por exemplo, das intempéries decorrentes do exercício de atividades empresariais, desejando, portanto, manter os bens no seio familiar. Essas são estratégias legítimas que visam a proteger o patrimônio da família e, ao menos em princípio, não envolvem qualquer prejuízo a terceiros de boa-fé, devendo ser consideradas para fins de planejamento patrimonial. Consequentemente, é indispensável que o planejamento seja colocado em prática preventivamente e obedecendo aos ditames legais. Nesse sentido, a legislação aplicada para a constituição de uma Holding, visando à gestão patrimonial, abrange aquelas relacionadas à atividade empresarial, bens e direitos, leis tributárias e sucessórias. Para conveniência do leitor, a seguir são mencionadas as principais leis que envolvem o assunto, e que são citadas ao longo deste livro: • • • • • • • • • • • • • •

Constituição Federal Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966) Código Civil (Lei 10.406/2002) Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990) Sociedades Anônimas (Lei 6.404/1976) Lei 7.689/1988 (Contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas) Lei 7.713/1988 (Legislação do Imposto de Renda) Lei 8.212/1991 (Seguridade Social) Lei 8.934/1994 (Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins) Lei 8.981/1995 (Altera legislação tributária federal) Lei 9.249/1995 (Altera legislação de Imposto de Renda) Lei 9.393/1996 (Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – ITR) Lei 9.250/1995 (Altera a legislação do IRPF)



• • • • • • • •

• • • • • •

• • • • •

Lei 9.430/1996 (Dispõe sobre legislação tributária federal, as contribuições para a seguridade social, processo administrativo de consulta e dá outras providênci‒as) Lei 9.307/1996 (Arbitragem) Lei 9.532/1997 (Altera a legislação tributária federal) Lei 9.718/1998 (Altera a legislação tributária federal) Lei do Estado de São Paulo 10.705/2000 (ITCMD) Lei 10.637/2002 (Não cumulatividade na cobrança de PIS e PASEP) Lei 10.666/2003 (Concessão da aposentadora especial ao cooperado de cooperativa de trabalho e outras disposições) Lei 10.833/2003 (Altera a legislação tributária federal) Lei 11.196/2005 (Regime Especial de Tributação para a Plataforma de Exportação de Serviços de Tecnologia da Informação – REPES e outras disposições) Lei 11.101/2005 (Recuperação de Empresas e Falências) Lei 11.441/2007 (Altera o CPC/73) Lei 11.941/2009 (Alteração da legislação tributária relativa ao parcelamento ordinário de débitos tributários e outras disposições) Lei 12.441/2011 (Lei de alteração do Código Civil de 2002) Lei do Município de São Paulo 16.098/2014 (Lei de remissão dos créditos de IPTU do exercício de 2014 e outras disposições) Lei 12.973/2014 (Alteração da legislação do IRPJ, da CSLL, do PIS/PASEP, do Cofins e revoga o Regime Tributário de Transição – RTT) Lei do Município de São Paulo 14.133/2006 (Programa de Modernização da Administração Tributária) Lei Estadual do Rio de Janeiro 7.786/2017 (ITCMD) Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista) Lei 13.874/2019 (Liberdade Econômica) Lei 14.382/2022 (Sistema Eletrônico dos Registros Públicos – Serp)

• • • • • • • • • • • • • • •

5.

Decreto 3.708/1919 (Sociedade por quotas de Responsabilidade Limitada) Decreto-Lei 1.598/1977 (Altera a legislação do Imposto de Renda) Decreto-Lei 2.065/1983 (Altera a legislação do Imposto de Renda) Decreto 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda) [Revogado] Decreto 3.048/1999 (Regulamento da Previdência Social) Decreto 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda) Decreto do Estado de São Paulo 55.002/2009 (Alteração no Regulamento do ITCMD) Decreto-Lei do Município de São Paulo 55.196/2014 (Regulamento do ITBI) Decreto-Lei 8.426/2015 (Alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da Cofins) Decreto-Lei do Estado de São Paulo 46.655/2002 (Regulamento do ITCMD) Lei Complementar 70/1991 (Contribuição para financiamento da Seguridade Social) Lei Complementar 182/2021 (Marco legal das startups e do empreendedorismo) Lei Complementar 123/2006 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte) Projeto de Lei do Estado de São Paulo 250/2020 (“PL 250/20”) (Projeto para alteração do ITCMD) Projeto de Lei do Estado de São Paulo 529/2020

DEFINIÇÃO JURÍDICA DE HOLDING E HOLDING FAMILIAR

Embora seja possível encontrar na doutrina diversas definições sobre o conceito de sociedade Holding, a Lei 6.404/1976, conhecida como Lei das Sociedades Anônimas (LSA), traz, ainda que indiretamente, seu contorno jurídico de forma bastante inteligível e objetiva no art. 2º, § 3º, aduzindo que

“a companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais”. Do ponto de vista burocrático, Holdings são sociedades cadastradas no CNAE sob nº 6462-0/00 e, usualmente, servem como uma espécie de “guarda-chuva”, ao deter quotas e ações de outras sociedades operacionais.

VOCÊ SABIA? Há um CNAE próprio para Holding, conforme consta da Comissão Nacional de Classificação do IBGE: 6462-0/00 Holdings de instituições não financeiras. Nas notas explicativas da classificação, ainda consta: “Esta subclasse compreende: as atividades de entidades econômicas que detêm o controle de capital de um grupo de empresas com atividades preponderantemente não financeiras. Essas Holdings podem exercer ou não funções de gestão e administração dos negócios das empresas do grupo”. O Cadastro está disponível em:

Vale dizer que Holding é uma sociedade constituída com o objetivo de manter participações em outras empresas, realizando seu objeto social ou,

como aduzem Arlindo Luiz Rocha Júnior, Elaine Cristina de Araujo e Katia Luiza Nobre de Souza (2014), consubstancia-se em uma empresa de participação societária, seja por meio de ações, seja por quotas representativas do capital de outras sociedades. Mesmo passo segue Nelson Eizirik (2021, p. 53), que assim define as empresas holdings: O § 3º admitiu expressamente a existência das Holdings, isto é, companhias cujo objeto social consista na participação em outras sociedades. Tais sociedades são usualmente divididas em Holdings puras, aquelas cuja participação em outras empresas constitui o único e exclusivo objetivo, e Holdings mistas, que, não obstante participarem do capital de outras sociedades, também podem exercer, diretamente, alguma atividade operacional. O objeto social pode ser realizado mediante a participação em outras sociedades; admite-se que a companhia realize seu objeto social de forma que a companhia realize seu objeto social de forma indireta, por meio da participação em sociedades por ela controlada e que exerçam atividade semelhante ou complementar ao objeto social da controladora. Ao seu turno, convencionou-se chamar de Holding familiar à empresa que tenha o objetivo de deter bens e participar de outras sociedades que integram o patrimônio da família, tornando-se possível manter o controle das diversas atividades empresariais de que participam por meio de uma única entidade societária. Nessa linha, Mamede (2022, p. 25) define Holding familiar do seguinte modo: A chamada Holding familiar não é um tipo específico, mas uma contextualização específica. Pode ser uma Holding pura ou mista, de

administração, de organização ou patrimonial, isso é indiferente. Sua marca característica é o fato de se encartar no âmbito de determinada família e, assim, servir ao planejamento desenvolvido por seus membros, considerando desafios como organização do patrimônio, administração de bens, otimização fiscal, sucessão hereditária etc. Dessa forma, a Holding familiar pode ser criada unicamente para manter as atividades e quotas/ações de outras empresas pertencentes à família, concentrando a gestão dos negócios em uma única estrutura societária, sendo possível também por meio dela a adoção de um planejamento sucessório e tributário, visando à melhor gestão do patrimônio e das finanças da família. É comum, ainda, sua constituição para que se detenham os bens familiares, mormente imóveis, desenvolvendo atividades correlacionadas, como compra, venda e aluguel. Apresenta-se, a seguir, uma estrutura societária simplificada que representa grupos empresariais comuns no âmbito do planejamento patrimonial, ressaltando que outros bens particulares, em geral, não são recomendáveis que sejam integralizados, como, por exemplo, quotas, ações, dinheiro, bens móveis, inclusive para evitar discussões relacionadas à confusão patrimonial e ao desvio de finalidade empresarial:

Exemplo de Organograma Societário

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Recursos especiais. Ação cautelar de exibição de documentos societários. Sócia cotista. Sociedade limitada. Participação em sociedades as quais integram como sócias majoritárias o quadro social de outras. Holding familiar. Documentos comuns em virtude das relações jurídicas coligadas. Princípio da confiança. Manutenção da affectio societatis. Observância do princípio constitucional da preservação da empresa. Multa cominatória. Impossibilidade de aplicação em sede de ação cautelar de exibição de documentos. Súmula 372/STJ. (...) 2. No presente caso, cinge-se a controvérsia em saber se a participação indireta tem o condão de conferir à sócia cotista da holding familiar – que participa como sócia majoritária do quadro social de outras empresas –, o direito de pedir a exibição de documentos que a lei confere aos sócios destas últimas. 3. No grupo de empresas de que cuidam os presentes autos, a primeira recorrente é sócia de quatro holdings familiares que – possuindo quase a totalidade das quotas das demais

empresas do grupo –, deixam de ser apenas depositárias de participações societárias, assumindo papel primordial de governo de toda a organização. 4. Sobreleva, aqui, para além da questão do “sócio direto”, o interesse em se verem exibidos documentos que, em virtude de relações jurídicas coligadas, são comuns às partes. 5. A existência da relação jurídica entre as empresas controladas e as holdings familiares está intimamente relacionada com o liame jurídico entre estas e a recorrente, defluindo-se daí interesses diretos e indiretos sobre todas as sociedades empresariais do grupo, uma vez que o aviltamento do patrimônio das sociedades controladas acarretará, consequentemente, o esvaziamento do patrimônio das sociedades controladoras, da qual a recorrente integra diretamente o quadro social. 6. Sob a ótica de que, in casu, a personalidade jurídica no grupo de empresas deve ser tomada dentro da realidade maior da junção das empresas componentes, e não no seu aspecto meramente formal, a confiança que deve reinar entre os sócios da empresa também deve imperar no relacionamento entre os sócios da holding e as empresas coligadas, constituindose em um dos pilares da affectio societatis. 7. Ao impedir-se o acesso da recorrente aos documentos das empresas coligadas apenas com fundamento em uma interpretação restritiva dos arts. 1.020 e 1.021 do Código Civil e do art. 844, II, do CPC corre-se o risco de instaurar-se, ou arrefecer-se, um clima de beligerância entre os sócios da holding, comprometendo a existência da affectio societatis e, em última análise, atuando contra os princípios da confiança e da preservação da empresa. (...) 9. Recurso especial de Regina Maria Souza de Oliveira e outro parcialmente provido e recursos especiais de Única Participações Ltda e outras e José Fonseca de Oliveira e outros providos para afastar a incidência da multa cominatória imposta (REsp 1.223.733/RJ (2010/0206509-7)).

6.

ESPÉCIES DE HOLDINGS

Afirmar que Holding é uma sociedade que tem por objetivo participar do capital social de outras empresas não significa dizer que deva ser seu exclusivo intento. Na verdade, há dois tipos de Holding normalmente mencionados pela doutrina:

É bem verdade, contudo, que a doutrina faz menção a outras espécies de Holding, como, por exemplo, Holding familiar, Holding imobiliária, Holding administrativa, Holding de participação e Holding de controle. Parece-nos, contudo, que não se tratam de definições jurídicas apropriadas, visto o contorno legal contido no art. 2º, § 3º, da Lei 6.404/1976. Essas demais espécies são na verdade caracterizadas por sua finalidade, tratando de mera definição para fins didáticos, não tendo sua denominação qualquer efeito jurídico em particular. É o caso, por exemplo, da chamada Holding patrimonial. Não há previsão legal definindo os contornos jurídicos dessa espécie de Holding. Trata-se, a bem da verdade, de uma sociedade que tem como objetivo deter os bens patrimoniais e exercer atividades imobiliárias. Semelhante é o caso da Holding familiar, cujo nome advém do fato de ser uma sociedade administrada por uma família em particular, sendo constituída justamente com o objetivo de deter parte do patrimônio que lhe pertence.

Em síntese, a denominação de outras espécies de Holding tem caráter eminentemente didático e atende às finalidades da sociedade, podendo ser mais abrangente do que a denominação dualista (Holding pura e Holding mista). Neste livro, será abordada a Holding familiar, justamente porque a finalidade de sua constituição atende aos objetivos de planejamento de uma entidade familiar em particular.

7.

SIMULAÇÃO DE UM CASO CONCRETO

No decorrer deste livro, serão discutidos diversos aspectos práticos envolvendo o planejamento familiar patrimonial, de modo que o leitor possa não apenas compreender os meandros que envolvem essa atividade, mas, especialmente, absorver conteúdo que forneça ferramental que lhe permita aplicar os conceitos debatidos em casos reais. Considerando esse escopo, o objetivo desta seção é propor uma reflexão inicial sobre os temas que devem ser discutidos durante o planejamento familiar patrimonial, a fim de que cada ponto aqui apresentado seja rememorado e absorvido com maior profundidade. Parte-se, portanto, de um caso concreto simulado, para então serem apresentadas algumas reflexões propedêuticas. O caso refere-se a um particular que deseja constituir uma Holding Patrimonial com objetivo de obter maior segurança e menos custos tributários para a manutenção do seu patrimônio. Além disso, com o intuito de evitar discussões futuras entre os filhos envolvendo sua herança, pretende planejar a sucessão entre seus herdeiros. Para isso, é imprescindível considerar diversas variáveis para atingir o melhor planejamento possível, conforme é destacado a seguir: 1. Custos de constituição da Holding –

A constituição de Holding Patrimonial, assim como qualquer pessoa jurídica, possui custos para sua criação, sejam eles

operacionais, de registro, de honorários ou mesmo tributários. –

O planejamento patrimonial deve considerar esses custos para verificar as vantagens da constituição de uma pessoa jurídica. Na hipótese de poucos bens, os valores dispendidos para a criação de pessoa jurídica podem tornar inviável a constituição de uma empresa. Neste caso, pode ser mais benéfica a permanência do patrimônio na pessoa física e a sucessão ser planejada por outros meios, como, por exemplo, lavratura de testamento. É necessária uma avaliação cuidadosa de cada possibilidade.

2. Regime de casamento do casal e dos filhos (Direito de Família) –

Identificar o regime de casamento dos filhos é crucial para saber se os bens transmitidos se comunicarão com o patrimônio de eventual cônjuge ou parceiro em união estável.



É recomendável a utilização de cláusulas restritivas para limitar a interferência de terceiros sem vínculo consanguíneo familiar sobre os bens transferidos aos herdeiros.



Igualmente imprescindível é compreender os direitos que cada cônjuge possui em relação ao patrimônio do casal, o que demanda compreensão aprofundada de todos os regimes de bens previstos na legislação civil (comunhão universal, comunhão parcial ou regime legal, separação legal ou convencional e participação final nos aquestos).

3. Herança disponível e necessária (Direito de Família e Sucessões) –

É indispensável identificar a herança disponível (50% do patrimônio particular de quem transmitirá os bens), pois, caso

ultrapassado esse patamar, há invasão da parte da legítima, com a consequente possibilidade de a transferência ser questionada e inclusive tida como contrária à lei. –

Caso a pessoa que transmitirá os bens for casada sob regime de comunhão universal, há patrimônio comum em conjunto com a(o) cônjuge. Assim, dos seus 50% sobre o patrimônio total, só lhe pertence 50% que, por sua vez, é dividido em parte disponível e parte legítima.

4. Bens repassados em vida por doação, testamento e Inventário (Direito de Família e Sucessões) –

A forma como os bens serão transferidos talvez seja um dos pontos mais importantes para um planejamento patrimonial bem-sucedido. Isto porque deve-se considerar a segurança na transmissão do patrimônio aos herdeiros e a legitimidade dos atos praticados, especialmente considerando que, tanto a doação, quanto o testamento, podem vir a ser questionados judicialmente por outros herdeiros, caso realizados sem observância aos pontos já tratados.

5. Tipos societários (Direito Societário) –

Na hipótese de criação de uma sociedade do tipo Holding, deve-se analisar cuidadosamente qual tipo societário a ser escolhido. As mais utilizadas são as sociedades limitadas (incluindo a sociedade limitada unipessoal) e as sociedades anônimas.



Destaca-se que a Sociedade Limitada costuma ser a opção mais escolhida em razão de possuir menores exigências burocráticas para constituição e manutenção.

6. Tributação dos bens quanto ao rendimento e ao ganho de capital (Direito Tributário)



É indispensável a avaliação sobre quais os planos futuros para os bens que fazem parte do planejamento. Caso haja opção pela venda dos bens, será necessário identificar a tributação sobre essa operação. Por outro lado, se a opção for a permanência destes no patrimônio, é necessário avaliar a tributação dos rendimentos, como, por exemplo, no caso de recebimento de aluguéis.



Não basta avaliar o montante do patrimônio. É imprescindível considerar os tipos de bens que o compõe. A tributação de ganho de capital e receitas de aluguéis de imóveis diferem da tributação de ganho de capital e dividendos, por exemplo. Assim, embora possa ser uma excelente alternativa integralizar bens imóveis em uma pessoa jurídica, o mesmo pode não ocorrer no caso de ações de empresas detidas com o intuito especulativo.

7. Tributação na pessoa física e na pessoa jurídica (Direito Tributário) –

A decisão pela constituição de uma sociedade Holding também é papel principal do planejamento tributário. Isto porque, a depender da quantidade de bens, a tributação e manutenção deles, na esfera patrimonial da pessoa jurídica, possuem maior efetividade e segurança do que na pessoa física.



O regime de tributação do IRPJ é essencial para melhor controle dos tributos incidente sobre as atividades da empresa. Em algumas situações é possível escolher entre Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real.



Normalmente, empresas do tipo Holding possuem poucas despesas, em decorrência de sua estrutura enxuta. Nesse caso, o lucro presumido se mostraria como uma alternativa mais adequada do que o lucro real.

8. Objeto social de atividade imobiliária ou mantenedora do patrimônio (Direito Tributário) –

O objeto social da empresa constituída no âmbito do planejamento patrimonial é variável importante para definição de outros diferentes pontos. Exemplo: qual o regime de tributação do IRPJ/CSLL mais adequado; se há incidência de ITBI na constituição da empresa; qual o registro contábil adequado para os bens.

Todos os pontos supramencionados podem estar presentes em casos reais, cabendo ao profissional envolvido no planejamento considerar cada nuance jurídica e contábil para que o objetivo final seja atingido de forma plena, segura e eficiente. Sugere-se, inclusive, seja seguido um roteiro para o planejamento patrimonial seja bem-sucedido, conforme sugestão a seguir, considerando a hipótese em que os atos englobem a constituição de uma sociedade e a doação de suas quotas para eventuais herdeiros. Confira:

Feitas essas reflexões iniciais e que permitem aos leitores compreenderem que o escopo de planejamentos patrimoniais são abrangentes e merecem uma avaliação detalhada, podemos iniciar as considerações sobre os aspectos sucessórios, societários, tributários e contábeis que envolvem o assunto.

Capítulo 2 ASPECTOS SUCESSÓRIOS 1.

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, iremos discorrer sobre a importância do planejamento sucessório empresarial, envolvendo a discussão de temas relacionados ao Direito de família. Aqui serão apresentadas as vantagens da realização de um planejamento sucessório com o objetivo de evitar os traumas da sucessão de bens em razão do passamento do patriarca ou da matriarca, análise dos direitos dos cônjuges relacionados a cada um dos regimes jurídicos do casamento, distinção da sucessão legítima e testamentária, contornos jurídicos da doação de bens, incluindo eventual imposição de cláusulas restritivas, e necessidade de declaração de justa causa em relação a essas restrições. Ao final, você conhecerá as vantagens da realização do planejamento sucessório, os direitos dos cônjuges e herdeiros em relação à sucessão de bens, quando e em que montante a doação é lícita, as cláusulas que são importantes avaliar no momento de planejar a sucessão prévia de bens e as controvérsias sobre a justa causa para suas estipulações.

2.

VANTAGENS DO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO

O planejamento sucessório é um dos pilares que envolvem a constituição de uma Holding familiar, por possibilitar a organização prévia e cuidadosa da transferência do patrimônio aos herdeiros e, especialmente, proporcionar uma

sucessão eficaz na condução dos negócios de eventual empresa que integre o conjunto de bens, reservando aos patriarcas a responsabilidade de determinar em vida o destino de seu patrimônio. O planejamento revela-se, ainda, fundamental na proteção dos bens da família para garantir sua perenidade, pois permite ao patriarca e à matriarca meios de resguardar o patrimônio de eventos imprevistos, tais como divórcios e até mesmo passamento de herdeiros, que muitas vezes acabam por comprometer a entidade familiar em razão da disputa por bens. Mamede (2022, p. 122) oferece uma noção abrangente da importância do planejamento sucessório: (...) o planejamento sucessório ainda permite aos pais proteger o patrimônio que será transferido aos filhos por meio de cláusulas de proteção (cláusulas restritivas). Assim, para evitar problemas com cônjuges, basta fazer a doação das quotas e/ou ações com cláusula de incomunicabilidade e assim os títulos estarão excluídos da comunhão (artigo 1.668 do Código Civil), embora não se excluam os frutos percebidos durante o casamento (artigo 1.669); no caso dos títulos societários (quotas ou ações) esses frutos são dividendos e juros sobre o capital próprio. É possível ainda orquestrar de maneira eficiente a condução da empresa da família, pois nem sempre os herdeiros estão capacitados para assumir a gestão empresarial no momento da sucessão, por isso a ausência de um planejamento sucessório eficaz pode ocasionar sérios riscos à saúde financeira da sociedade. Cabe destacar mais uma vez os ensinamentos de Mamede (2022, p. 113) a respeito do tema: O grande número de empresas familiares existentes no país, das menores (microempresas) a grandes grupos econômicos, deixa claro

os riscos, para organizações produtivas, de processos não planejados de sucessão empresarial. Não é só. Do outro lado, a própria empresa experimentará o tranco dessa alteração, o baque da substituição abrupta na gestão de suas atividades, o que habitualmente tem efeitos terríveis sobre a organização. Nessa linha, é cediço que a sucessão patrimonial é um momento crítico na vida da família, muitas vezes envolvendo conflitos que podem colocar em risco o patrimônio a ser sucedido, especialmente no caso de empresas que podem ser entregues a quem não está plenamente preparado para geri-las. Tampouco é seguro assumir que, durante eventual processo de inventário, a unidade familiar se manterá a salvo de desavenças em relação à divisão de bens, que poderão, igualmente, colocar em risco a saúde financeira da empresa. Não é incomum que algum herdeiro particular demonstre insatisfação e discordância quanto aos termos do inventário, desencadeando discussões intermináveis junto ao Judiciário. Também não é despropositado afirmar que boa parte dos problemas que as empresas familiares se deparam é fruto de questões sucessórias, por vezes resultado de estruturas inadequadas (LODI, 1988). Não por outro motivo, muitas empresas de sucesso passam a apresentar dificuldades econômicas durante e após a sucessão. Podemos assumir, portanto, que o planejamento sucessório é uma atividade preventiva, conforme sustenta Daiille Costa Toigo (2016, p. 22): Por sua vez, o planejamento sucessório empresarial surge como uma atividade preventiva com o objetivo de adotar procedimentos, ainda em vida do titular da herança, para o destino de seus bens e da empresa após a sua morte, e com isso muitos problemas e dissabores podem ser evitados aos herdeiros e sucessores, de modo a proporcionar-lhes conforto e segurança em relação à herança e perpetuidade empresarial.

Assim, o planejamento torna-se a chave para o sucesso e perpetuação do patrimônio familiar, uma vez que antecipa as medidas necessárias para que a sucessão aconteça de forma menos traumática do que ocorreria no caso de aposentadoria em razão de problemas de saúde ou mesmo passamento do patriarca ou da matriarca. Evitam-se ou minoram-se, portanto, por meio de um planejamento sucessório bem-sucedido, os litígios que podem surgir em razão da insatisfação dos herdeiros em relação aos termos da sucessão, o que muitas vezes pode levar empresas que compõem o acervo de bens à completa bancarrota, seja em decorrência das desavenças ou mesmo por falta de preparo de gestão empresarial dos herdeiros. Conveniente lembrar que o processo de inventário pode se arrastar durante anos, caso os herdeiros não se entendam acerca da divisão dos bens. O procedimento pode ser recheado de conflitos, o que é extremamente gravoso, especialmente se, como foi dito, entre os bens a serem sucedidos houver uma sociedade empresarial. Isso porque, durante o processamento do inventário, a empresa poderia acabar por ser administrada pelo inventariante, nem sempre preparado para o exercício da função. Some-se a isso o fato de que, em muitos casos, a sucessão pode ter como consequência o condomínio, ou seja, duas ou mais pessoas passam a ser proprietárias em conjunto de um determinado bem, dificultando, por exemplo, a sua venda. Tanto pior se os bens em discussão forem quotas ou ações de empresas, uma vez que, por serem indivisíveis e somente oferecer um voto por quota, pode atravancar as deliberações societárias se os proprietários em condomínio não tiverem interesses convergentes. Outro inconveniente relacionado ao processo de inventário refere-se aos custos que lhe são inerentes. Embora o planejamento sucessório com base na constituição de uma Holding familiar também acarrete custos de honorários de assessoria jurídica e ITCMD, tema que será analisado no tópico de questões tributárias, no inventário, há necessidade de pagamento de custas judiciais, além do mencionado tributo, inerente a qualquer espécie de

transmissão. Em se tratando de inventário, e justamente em razão da necessidade do recolhimento do referido imposto, sob pena de suspensão e atraso do processo, em muitas oportunidades, a família acaba por ter que se desfazer de um bem para fazer frente aos custos da ação, o que poderia ser evitado se houvesse um planejamento prévio. Com efeito, é possível programar o pagamento dos custos inerentes à constituição da Holding de acordo com a conveniência dos patriarcas, podendo-se evitar a alienação de uma parte do patrimônio familiar unicamente com o objetivo de custeio do inventário. Não se pode deixar de mencionar ainda, a possibilidade de aumento da alíquota de ITCMD, o que encareceria os custos do inventário. Tomemos como exemplo o Projeto de Lei 250/2020 do Estado de São Paulo para ilustrar tal possibilidade. Atualmente, a alíquota do imposto de transmissão causa mortis e doações no estado é de 4%, ao passo que referido projeto de lei dispõe sobre a aplicação de alíquotas progressivas entre zero e 8% sobre o patrimônio a ser transferido. A antecipação da sucessão, portanto, pode ser uma estratégia eficaz e legítima para obstar o aumento do custo sucessório em razão de futuros aumentos da alíquota do imposto de transmissão. Importante que se diga que existe, alternativamente ao inventário judicial, a possibilidade de a sucessão de bens ser procedida por inventário administrativo, conduzido pelo Cartório de Notas por escritura pública, conforme autorização trazida pela Lei 11.441/2007. Nesse caso, evitam-se as custas judiciais, que são, regra geral, superiores às custas cartoriais, além do procedimento ser célere e desburocratizado. Ocorre, contudo, que o inventário administrativo exige herdeiros capazes e consenso em relação à divisão de bens. Como o consenso entre os herdeiros sobre a partilha dos bens nem sempre ocorre, por vezes, o inventário administrativo se torna inviável, obrigando as partes a discutir no Poder Judiciário a sucessão, com todos os inconvenientes mencionados anteriormente.

Ademais, segundo o art. 610 do Código de Processo Civil (CPC), na presença de testamento (público e particular), deve-se proceder ao inventário judicial, ou seja, seria vedada a opção pelo procedimento extrajudicial. Não obstante, no julgamento do Recurso Especial 1.808.767/RJ,1 o STJ decidiu pela possibilidade de se realizar o inventário extrajudicial nessas hipóteses. Segundo o Tribunal, caso os herdeiros sejam maiores de idade e concordes, além de devidamente acompanhados de seus advogados, nada obsta a realização do inventário extrajudicial, ainda que na presença de testamento. Isso porque o procedimento tem exatamente o objetivo de desafogar o Poder Judiciário e garantir via mais célere para a resolução da sucessão. Logo, não havendo conflito de interesses, não há razões para impedir que herdeiros, maiores interessados, optem pela via administrativa. Não obstante, a hipótese do patriarca e da matriarca elaborarem testamento para a sucessão de seus bens não é livre de riscos. Há chances de desentendimentos familiares gerados pela divisão contida no documento, incluindo a possibilidade de eventual ação judicial questionando os termos ali constantes, o que implicaria os mesmos riscos e dificuldades já expostos. Ainda assim, não é conveniente se descartar a possibilidade de lavratura de testamento organizando a sucessão, haja vista que em alguns casos, em que não é indicada a antecipação de legítima, o documento acabará por servir de instrumento de planejamento sucessório, conforme veremos adiante. Por todos esses problemas, o planejamento sucessório nos parece ser imprescindível. A partir dele, o patriarca e a matriarca planejam o futuro do patrimônio da família e a continuidade dos negócios empresariais, tendo como vantagens, dentre outras: proteção do patrimônio contra a interferência de terceiros; escolha do herdeiro mais capacitado para dar continuidade à administração da empresa familiar; ausência ou redução de conflitos no momento da sucessão, especialmente aquela que decorre da morte de um dos patriarcas, e dos custos decorrentes do processo de inventário; planejamento do pagamento dos tributos advindos da sucessão, e a não necessidade de

realizar condomínio de bens e alienação de um bem de família para pagamento de impostos e despesas processuais.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Civil. Processual civil. Recurso especial. Inventário. Liquidação parcial de sociedade limitada. Participação nos lucros proporcionais às cotas inventariadas. Herdeiros sócios em condomínio. Cabimento. Prescrição do direito. Não ocorrência. (...) 5. O pedido de abertura de inventário interrompe o curso do prazo prescricional para todas as pendengas entre meeiro, herdeiros e/ou legatários que exijam a definição de titularidade sobre parte do patrimônio inventariado. 6. Recurso especial não provido (STJ, REsp 1.639.314/MG). Em resumo, destacamos a seguir as vantagens e as desvantagens do planejamento sucessório:

3.

REGIME DE CASAMENTO E DIREITO DOS CÔNJUGES NO DIVÓRCIO E NA SUCESSÃO

No processo de constituição de uma Holding familiar, em que os bens da família serão integralizados na sociedade, é necessário haver correta avaliação dos direitos e deveres de cada componente da família, por isso a identificação do regime de casamento e a compreensão dos direitos daí

advindos é parte central do planejamento sucessório. O regime de casamento escolhido revela, por exemplo, a importância da cláusula de incomunicabilidade quando da doação das quotas da sociedade pelo patriarca e pela matriarca aos herdeiros. Outro aspecto importante é a vedação legal dos cônjuges se tornarem sócios de uma mesma empresa devido ao regime escolhido, conforme expressa disposição no art. 977 do CC. Ademais, no caso da doação, é necessário avaliar corretamente os bens que pertencem exclusivamente a um dos cônjuges e aqueles em que há meação, ou seja, é patrimônio comum do casal. É, portanto, o regime jurídico do casamento que definirá a situação patrimonial do casal, sendo fundamental para os propósitos do planejamento sucessório o conhecimento das consequências de cada um deles.

VOCÊ SABIA? Conforme o regime de casamento surgem dois patrimônios: o patrimônio comum, que pertence em meação ao casal, e o patrimônio particular, que pertence exclusivamente a um dos cônjuges. Nesse contexto, a legislação Brasileira prevê quatro tipos de regime de casamento: comunhão parcial de bens, comunhão universal de bens, separação de bens (convencional e obrigatória) e participação final nos aquestos. Antes de adentrar na especificação de cada um deles, é importante expor a definição de regime de bens segundo Paulo Nader (2011, p. 370371): Regime de bens é o estatuto que rege os interesses patrimoniais na constância do casamento, cujos efeitos se fazem notar especialmente em face de eventual ruptura na vida conjugal. O regime dispõe a respeito dos bens existentes à época do consórcio, os adquiridos

durante a vida em comum, bem como define o critério de administração dos bens em geral. Como o patrimônio se compõe do ativo e passivo, aquele composto pelas coisas móveis, imóveis, e créditos, e este, pelas obrigações, o regime compreende um e outro. A escolha do regime de bens a ser seguido durante o casamento cabe ao livre arbítrio das partes, salvo em situações previstas no art. 1.641 do CC, a seguir reproduzido, que impõe o regime de separação de bens em determinadas hipóteses: Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I – das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; III – de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. Não se enquadrando nas exceções já citadas, a escolha do regime de bens pelo casal é livre. Eventual alteração posterior somente é permitida mediante autorização judicial, conforme previsão expressa do art. 1.639 do CC: Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver. § 1º O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento. § 2º É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. Dessa forma, revela-se importante a avaliação cuidadosa dos regimes de bens disponíveis e das consequências nas relações econômicas dos cônjuges

previamente à celebração do casamento, visto que eventual alteração do regime demandará autorização judicial, acarretando custos e enfrentamento de procedimentos burocráticos por parte do casal. O esquema a seguir resume as opções existentes em nossa legislação, incluindo a união estável e o concubinato:

Inicia-se a análise individual pelo regime de comunhão parcial de bens, dado ser ele o regime adotado pela maioria dos casamentos no país. Isso decorre, em primeiro lugar, da previsão do art. 1.640 do CC, que dispõe que, “não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”. Em segundo lugar, o senso comum parece reconhecer esse regime como o mais justo, pois privilegia o esforço de cada um dos cônjuges na aquisição do patrimônio. Partilhando desse entendimento, Maria Berenice Dias (2015, p. 716) traduz com bastante clareza a questão: A comunhão do patrimônio comum atende a certa lógica e dispõe de um componente ético: o que é meu é meu, o que é teu é teu, e o que é nosso, metade de cada um. É preservada a titularidade exclusiva dos

bens particulares e garantida a comunhão do que for adquirido durante o casamento, presumindo a lei, ter sido adquirido pelo esforço comum do par. Nota-se que a principal característica desse regime é a estipulação de que os bens adquiridos na constância do casamento serão patrimônio comum dos cônjuges, ao passo que os bens adquiridos previamente ao casamento pertencem exclusivamente ao cônjuge que o adquiriu. O art. 1.659 do CC, entretanto, prevê algumas exceções a essa regra, que, em razão de sua importância, devem ser objeto de nossa avaliação. Veja o que diz referido dispositivo legal: Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II – os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III – as obrigações anteriores ao casamento; IV – as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V – os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; VI – os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII – as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. Vale enfatizar o inciso I antes mencionado, posto tratar de bens recebidos em razão de herança ou doação, que pertencerão exclusivamente ao cônjuge beneficiado, ainda que ocorra na constância do casamento. Dizendo de outro modo, se um dos cônjuges recebe doação ou herança, os bens recebidos não entram para a comunhão patrimonial, pertencendo exclusivamente ao

beneficiado. Na prática, na constância do casamento sob esse regime, é possível verificar a existência de três situações jurídicas patrimoniais diversas: bens que pertencem ao casal; bens que pertencem exclusivamente ao marido; bens que pertencem exclusivamente à esposa. Maria Helena Diniz (2022, p. 195, v. 5) retrata isso ao afirmar: Sinteticamente esse regime caracteriza-se pela existência de três patrimônios, o patrimônio comum, o patrimônio pessoal do marido e o patrimônio pessoal da mulher. Em razão disso, cada cônjuge tem direito à metade do patrimônio comum, além da exclusiva propriedade de bens adquiridos previamente ao casamento ou daqueles mencionados no art. 1.659 do CC, como é o caso de bens recebidos em doação. Apenas para uma melhor visualização, apresentamos um exemplo: imagina-se um casal que possuía, previamente ao casamento, um imóvel cada um, o marido o imóvel A e a esposa, o B. Durante o casamento, eles adquirem o imóvel C. Em eventual divórcio, cada cônjuge permanecerá com o imóvel que adquiriu antes do casamento, por ser de seu exclusivo patrimônio. Em relação ao imóvel C, há meação patrimonial, de modo que cada um possui 50% do bem, o que prevalecerá mesmo com o divórcio. Caso esse casal tenha filhos, eles nada receberão, porque, embora herdeiros, a sucessão hereditária decorre do falecimento de um dos pais e não em razão do fim do casamento.

Caso Prático 01: João e Maria são Casados pelo regime de comunhão parcial de bens. Antes do casamento João possuía um carro no valor de R$ 60.000,00 e poupança de R$ 80.000,00

e Maria um apartamento no valor de R$ 450.000,00. Durante o casamento, adquiriram um imóvel de R$ 800.000,00, além de investimentos de R$ 220.000,00. Qual o patrimônio comum e qual o patrimônio particular? No caso de separação, a quanto cada um terá direito?

Caso Prático 02: João e Maria são Casados pelo regime de comunhão parcial de bens. Antes do casamento João possuía um carro no valor de R$ 60.000,00 e poupança de R$ 80.000,00 e Maria um apartamento no valor de R$ 450.000,00. Durante o casamento adquiriram um imóvel de R$ 800.000,00, além de investimentos de R$ 220.000,00. Ainda casada, Maria recebeu de herança um imóvel no valor de R$ 100.000,00. Qual o patrimônio comum e qual o patrimônio particular? No caso de separação, a quanto cada um terá direito?

Há enorme controvérsia, contudo, quando do falecimento de um dos cônjuges e a destinação dos bens que pertençam ao casal e daqueles que pertençam exclusivamente ao falecido. As dúvidas têm origem no controverso art. 1.829 do CC que assim dispõe: Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais. Referido dispositivo legal é alvo de muitas críticas em razão de sua redação confusa e pouco inteligível, que dá margem para entendimentos doutrinários destoantes sobre a destinação do patrimônio comum do casal e daquele de propriedade exclusiva do cônjuge falecido. Por não ser o escopo deste livro, não terá destaque a análise de cada um

desses entendimentos doutrinários, especialmente porque, atualmente, essa controvérsia encontra-se aparentemente dirimida. Aqui será mencionado, portanto, tão somente aquela que é, salvo melhor juízo, a interpretação mais plausível por privilegiar a letra da lei, bem como por representar o entendimento mais recente do Superior Tribunal de Justiça, prevalecido no julgamento do Recurso Especial 1.368.123/SP da 3ª Turma, cuja relatoria coube ao Ministro Sidnei Beneti.2 Nessa decisão, após avaliar cada uma das correntes doutrinárias sobre o tema, o Ministro relator concluiu que o cônjuge sobrevivente tem direito, em concorrência com os descendentes do de cujus, a seus bens particulares, assim concluindo:3 Passando em revista todos os argumentos antes apresentados, tem-se como mais adequado, diante do sistema inaugurado pelo regramento sucessório de 2002, afirmar que o cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão parcial de bens concorre com os descendentes na sucessão do consorte falecido, apenas quanto aos bens particulares que este houver deixado, se existirem. Dessa forma, os bens particulares do de cujus devem ser destinados a seus descendentes em concorrência com o cônjuge sobrevivente. Em relação ao patrimônio comum, o sobrevivente é proprietário da meação, ao passo que a outra metade deverá ser destinada exclusivamente aos descendentes do falecido e, somente na falta deles, ao cônjuge sobrevivente em concorrência com os ascendentes daquele.

VOCÊ SABIA? Meação não é herança! Por exemplo: João e Maria possuem um patrimônio comum de R$ 1.000.000,00. Caso João venha falecer, metade desse patrimônio já pertence à Maria. Trata-se o montante de meação e não herança. A herança

(meação do João) será partilhada conforme ordem de vocação hereditária, prevista no art. 1.829 do CC. Deve-se ter muito cuidado em planejamentos patrimoniais familiares para que não seja realizado qualquer ato que significa fraude à meação do cônjuge, o que pode ocorrer por meio de uso abusivo de procuração, indução ao erro, simulação, dolo, coação visando à dissipação de bens comuns, assunção fraudulenta de dívidas e fraude à meação por meio de pessoa jurídica, dentre outras hipóteses. Inclusive, o direito à meação não é renunciável, cessível ou penhorável na vigência do regime matrimonial, conforme dispõe o art. 1.682 do CC. Para não ficar na aridez da teoria, apresentamos novo exemplo: João e Maria casam-se pelo regime de comunhão parcial de bens, sendo que João detinha, previamente ao casamento, um imóvel no valor de R$ 300.000,00. Na constância do casamento, adquirem um imóvel no valor de R$ 600.000,00 e dão a luz a dois filhos. Caso João venha a falecer, Maria fará jus à meação da propriedade comum, ou seja, R$ 300.000,00, além de um terço do imóvel particular de João, no montante de R$ 100.000,00. Por sua vez, os filhos terão direito ao restante da referida meação (que pertencia a João) – divisão da metade do patrimônio comum do casal, além de um terço cada do patrimônio particular, referente ao imóvel que João já possuía antes do casamento. Resumindo, Maria terá direito a R$ 400.000,00 (R$ 300.000,00 que já lhe pertence por compor a meação e R$ 100.000,00 referentes a 1/3 da herança do patrimônio particular de João) e cada filho fará jus a R$ 250.000,00 (sendo R$ 100.000,00 do imóvel particular e R$ 150.000,00 da meação do patrimônio comum).

VOCÊ SABIA? De acordo com a jurisprudência mais recente, essa é a correta interpretação do

art. 1.829 do CC: – O cônjuge concorre com os herdeiros, exceto nos seguintes casos: 1. se casado este com o falecido no regime da comunhão universal; 2. casado este com o falecido no regime da separação obrigatória de bens; 3. casado este com o falecido no regime da comunhão parcial e o de cujus não tenha deixado bens particulares. – No caso de casamento no regime de comunhão parcial, caso o de cujus deixe bens particulares, o cônjuge concorre com os herdeiros somente no que diz respeito a tais bens. A par dessa celeuma em relação à destinação dos bens no caso do passamento de um dos cônjuges, entendemos que resta clara a principal característica desse regime, que é a possível existência de três situações patrimoniais durante o casamento, conforme já foi citado.

Caso Prático 03: João e Maria são casados pelo regime de comunhão parcial de bens. Antes do casamento João possuía um carro no valor de R$ 70.000,00 e poupança de R$ 80.000,00. Durante o casamento adquiriram um imóvel de R$ 800.000,00, além de investimentos de R$ 220.000,00. O casal possui 02 filhos. Com o falecimento de João, como será dividida a herança?

Partilha:

Seguindo adiante, tem-se o regimento de comunhão universal de bens, previsto no art. 1.667 do Código Civil, que se destaca pela comunicação integral dos bens entre o casal, excetuados aqueles descritos no art. 1.6684 do mesmo diploma legal. Dessa forma, novamente ressalvada essas exceções, esse regime de bens revela-se pela existência de uma situação patrimonial única, ou seja, todos os bens adquiridos, não importando se antes ou depois

do casamento, integrarão de forma única o patrimônio comum do casal. Para que o casal adote esse regime de bens, é necessária a elaboração de pacto antenupcial em que anuem pela sua estipulação, o que também ocorre com os demais regimes que não o de comunhão parcial, conforme dispõe o parágrafo único do art. 1.640 do CC. Maria Helena Diniz (2022, p. 198-199, v. 5), sempre precisa sobre o tema, assim define esse regime: Por meio do pacto antenupcial os nubentes podem estipular que o regime matrimonial de bens será o da comunhão universal, pelo qual não só todos os seus bens presentes ou futuros, adquiridos antes e depois do matrimônio, mas também as dívidas passivas tornam-se comuns, constituindo uma só massa. Instaura-se o estado de indivisão, passando a ter cada cônjuge o direito à metade ideal do patrimônio comum, logo, nem mesmo poderão formar, se quiserem contratar, sociedade entre si (CC, art. 977). (...) Logo, nenhum dos consortes tem metade de cada bem, enquanto durar a sociedade conjugal, e muito menos a propriedade exclusiva de bens discriminados, avaliados na metade do acervo do casal. Esses bens compenetram-se de tal maneira que, com a dissolução da sociedade conjugal, não se reintegram ao patrimônio daquele que o trouxe ou os adquiriu. Nesse regime, no caso de passamento de um dos cônjuges, o sobrevivente manterá sua meação sobre os bens do casal, ao passo que à outra metade será destinada aos herdeiros na ordem definida pelo art. 1.829 do CC, acima analisado. Um ponto que merece menção em relação a esse regime é que o art. 977 do CC veda que cônjuges que tenham por ele optado contratem, entre eles, sociedade empresarial, o que impede que, por exemplo, os cônjuges sejam sócios em uma empresa de responsabilidade limitada. Nesse caso, restaria aos cônjuges constituírem uma sociedade anônima ou sociedade limitada

unipessoal em nome de um dos cônjuges, caso tenham o desejo, por exemplo, de realizar um planejamento patrimonial por meio da constituição de uma Holding.

Caso Prático 04: João e Maria são Casados pelo regime de comunhão universal de bens. Antes do casamento João possuía um carro no valor de R$ 60.000,00 e poupança de R$ 80.000,00 e Maria um apartamento no valor de R$ 450.000,00. Durante o casamento adquiriram um imóvel de R$ 800.000,00, além de investimentos de R$ 220.000,00. Qual o patrimônio total, comum e particular? No caso de separação, quanto cada um terá direito? Resposta: Em razão de o regime de casamento ser comunhão universal de bens, não há patrimônio particular. Dessa forma, assim se dará a divisão patrimonial do casal:

O terceiro regime previsto na legislação civil brasileira é o regime da separação de bens, caracterizado pela ausência de bens comum ao casal, exceto se forem adquiridos efetivamente em conjunto. Assim, por exemplo, se durante a constância do casamento um dos cônjuges comprar um imóvel,

ele pertencerá exclusivamente ao adquirente. Somente pertenceria em comum ao casal se a aquisição se desse em conjunto, previsto, inclusive, contratualmente como compradores ambos os cônjuges. Registre-se ainda que, conforme dispõe o art. 1.687 do CC, excetuada a hipótese exemplificada, os bens permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente aliená-los ou gravá-los com ônus real. Necessário destacar que, conforme já exposto, o art. 1.641 do CC exige que, em alguns casos, o casamento deve obrigatoriamente obedecer ao regime de separação de bens, como em casamento em que uma das pessoas tenha mais de 70 anos. Significa dizer que há dois tipos de regime de separação de bens: convencional e legal, conforme esquema a seguir:

Em caso de falecimento de um dos cônjuges, de acordo com o disposto no art. 1.829 do CC, o cônjuge supérstite,5 no caso de separação obrigatória de bens,6 somente herdará os bens particulares do de cujus, caso ele não tenha deixado descendentes, e, ainda assim, em concorrência com os ascendentes do falecido. Por sua vez, sendo a separação de bens um regime convencionado pelas partes e não fruto de imposição legal, o cônjuge sobrevivente herdará em concorrência com os descendentes, pois o referido artigo nada menciona sobre a adoção convencional do regime. Ressalte-se que, ainda no que se refere ao regime de separação de bens, também há intensos debates a respeito dos bens que são adquiridos na

constância do casamento. Não é infrequente que, embora formalmente o bem tenha sido adquirido por apenas um dos cônjuges, houve esforço de ambos para a efetivação do negócio. É o caso de um dos cônjuges ter adquirido um imóvel e, em razão da necessidade do pagamento das prestações ajustadas, o outro cônjuge passa a pagar o colégio dos filhos, suprindo a falta do primeiro. O entendimento jurisprudencial é no sentido de que, nesses casos, prevalece a meação da propriedade, a despeito do regime de casamento ser a separação de bens, o que acaba por aproximá-lo do regime de comunhão parcial de bens, com bem pontua Flávio Tartuce (2015). Mesmo em casos em que não esteja claro o esforço comum, é possível que, no regime de separação legal de bens, haja comunicação daqueles adquiridos na constância do casamento, em razão do entendimento do STF indicado na Súmula 377: “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”. Isso faz com que algumas pessoas, mesmo diante das hipóteses em que presentes as condições que impõem a separação legal, decidem por lavrar pacto nupcial estabelecendo expressamente que optam pelo regime de separação total convencional, por efetivo e expresso desejo das partes, numa tentativa de obstar a comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Recurso especial. Ação de reconhecimento e dissolução de união estável. Escritura pública de união estável elegendo o regime de separação de bens. Manifestação de vontade expressa das partes que deve prevalecer. Partilha do imóvel de titularidade exclusiva da recorrente. Impossibilidade. Insurgência da demandada. Recurso especial provido. Hipótese: Cinge-se a controvérsia a definir se o companheiro tem direito à partilha de bem imóvel adquirido durante a união

estável pelo outro, diante da expressa manifestação de vontade dos conviventes optando pelo regime de separação de bens, realizada por meio de escritura pública. 1. No tocante aos diretos patrimoniais decorrentes da união estável, aplica-se como regra geral o regime da comunhão parcial de bens, ressalvando os casos em que houver disposição expressa em contrário. 2. Na hipótese dos autos, os conviventes firmaram escritura pública elegendo o regime da separação absoluta de bens, a fim de regulamentar a relação patrimonial do casal na constância da união. 2.1. A referida manifestação de vontade deve prevalecer à regra geral, em atendimento ao que dispõe os artigos 1.725 do Código Civil e 5º da Lei 9.278/96. 2.2. O pacto realizado entre as partes, adotando o regime da separação de bens, possui efeito imediato aos negócios jurídicos a ele posteriores, havidos na relação patrimonial entre os conviventes, tal qual a aquisição do imóvel objeto do litígio, razão pela qual este não deve integrar a partilha. 3. Inaplicabilidade, in casu, da Súmula 377 do STF, pois esta se refere à comunicabilidade dos bens no regime de separação legal de bens (prevista no art. 1.641, CC), que não é caso dos autos. 3.1. O aludido verbete sumular não tem aplicação quando as partes livremente convencionam a separação absoluta dos bens, por meio de contrato antenupcial. Precedente. 4. Recurso especial provido para afastar a partilha do bem imóvel adquirido exclusivamente pela recorrente na constância da união estável (REsp 1.481.888/SP (2014/0223395-7)). Por fim, tem-se o regime de participação final nos aquestos, raramente visto, cuja definição consta no art. 1.672 do Código Civil, que assim dispõe: Art. 1.672. No regime de participação final nos aquestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na

constância do casamento. Este regime, que realmente é muito incomum na prática, prevê que cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no art. 1.673 do CC, e lhes cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento. Dessa forma, “aquestos” são os bens adquiridos na constância do casamento. Esse regime, além de relativamente recente e pouco utilizado, posto ter sido introduzido pelo Código Civil de 2002, acarreta complexidade adicional em sua análise, visto que é pouco debatido em seu contorno pela doutrina civilista. De toda forma, contamos com a contribuição de Maria Helena Diniz (36. ed., 2022, p. 205-206), que assim define esse regime: Neste novo regime de bens há formação de massas de bens particulares incomunicáveis durante o casamento, mas que se tornam comuns no momento da dissolução do matrimônio. Na constância do casamento os cônjuges têm a expectativa de direito à meação, pois cada um só será credor da metade do que o outro adquiriu, a título oneroso durante o matrimônio (CC. Art. 1.672), se houver dissolução da sociedade conjugal. Há portanto, dois patrimônios, o inicial, que é o conjunto dos bens que possuía cada cônjuge à data das núpcias e os que foram por ele adquiridos a qualquer título, oneroso (compra e venda, p. ex.) ou gratuito (doação, legado, etc.) durante a vigência matrimonial (CC, art. 1.673), e o final, verificável no momento da dissolução do casamento (CC. Art. 1.674). É um regime misto que, na vigência do casamento, é similar ao da separação de bens, e, na dissolução da sociedade conjugal, ao da comunhão parcial. Na hipótese de dissolução conjugal, deve ser procedida à divisão dos aquestos na forma do art. 1.674 do CC, que assim dispõe:

Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-seá o montante dos aquestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: I – os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se subrogaram; II – os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; III – as dívidas relativas a esses bens. Assim, feitas as exclusões anteriormente mencionadas, será comparada a situação patrimonial dos cônjuges (antes e depois do casamento). Se, por exemplo, durante o casamento um cônjuge teve um aumento patrimonial de R$ 100.000,00 e o outro de R$ 120.000,00, o montante será igualado, de modo que ambos permaneçam com a quantia de R$ 110.000,00. Basicamente, portanto, o regime de participação final nos aquestos é peculiar, por se aproximar do regime de separação total de bens enquanto durar o casamento, ao passo que no momento da separação do casal, transmuta-se em um regime semelhante à comunhão parcial de bens, tendo consequências semelhantes. Lado outro, na hipótese de falecimento de um dos cônjuges, uma vez que o art. 1.829 do CC não menciona esse regime, a interpretação literal permite o entendimento de que o cônjuge sobrevivente é herdeiro em concorrência com os descendentes. Ressalva-se que essa interpretação merece maior reflexão, o que não tem sido tão comum, provavelmente em razão de o regime ser relativamente recente e pouco utilizado, como foi mencionado. Já na união estável, prevista no Código Civil nos arts. 1.723 a 1.727, os direitos e deveres dos cônjuges se assemelham aos decorrentes do matrimônio e do regime de comunhão parcial de bens,7 como muito bem observado por Dalla Pria et al. (2014, p. 30). Conforme esclarecem as autoras, citando a legislação que dispõe sobre o assunto, a união estável “é a relação de convivência entre o homem e a mulher que é duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição familiar”. Ponto de destaque

ainda, sabiamente mencionado por elas, é que a união estável homoafetiva também tem sido reconhecida, com todas as consequências legais daí advindas, inclusive as discutidas nesta obra.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Aplicação do artigo 1.790 do Código Civil à sucessão em união estável homoafetiva. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável, hetero ou homoafetivas. O STF já reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico”, aplicando-se a união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva (ADI 4277 e ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, j. 05.05.2011) 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. Assim sendo, o art. 1.790 do Código Civil, ao revogar as Leis nº 8.971/1994 e nº 9.278/1996 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente e da vedação do retrocesso. 3. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha e

às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 4. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002” (STF, RE 646.721/RS). Portanto, a união estável nada mais é do que a união firmada pela convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família, havendo uma linha tênue entre a caracterização da união estável e o mero convívio, o que tem feito com que algumas pessoas optem por estabelecer em cartório um contrato de namoro, em que dispõem inexistir intenção comum de constituição de família e, portanto, não se trata a relação de união estável, afastando-se, assim, os efeitos daí decorrentes. Trata-se de providência importante, especialmente considerando o entendimento do STF no sentido de que não é legítimo distinguir, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Direito constitucional e civil. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Inconstitucionalidade da distinção de regime sucessório entre cônjuges e companheiros. 1. A Constituição brasileira contempla diferentes formas de família legítima, além da que resulta do casamento. Nesse rol incluem-se as famílias formadas mediante união estável. 2. Não é legítimo desequiparar, para fins sucessórios, os cônjuges e os companheiros, isto é, a família formada pelo casamento e a formada por união estável. Tal hierarquização entre entidades familiares é incompatível com a Constituição de 1988. 3. Assim sendo, o art. 1.790

do Código Civil, ao revogar as Leis nºs 8.971/94 e 9.278/96 e discriminar a companheira (ou o companheiro), dando-lhe direitos sucessórios bem inferiores aos conferidos à esposa (ou ao marido), entra em contraste com os princípios da igualdade, da dignidade humana, da proporcionalidade como vedação à proteção deficiente, e da vedação do retrocesso. 4. Com a finalidade de preservar a segurança jurídica, o entendimento ora firmado é aplicável apenas aos inventários judiciais em que não tenha havido trânsito em julgado da sentença de partilha, e às partilhas extrajudiciais em que ainda não haja escritura pública. 5. Provimento do recurso extraordinário. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do CC/2002” (STF, RE 878.694/MG). Como se nota, a jurisprudência tem igualado os efeitos da união estável ao regime de comunhão parcial de bens, inclusive no que diz respeito à herança, o que é motivo de atenção para as hipóteses em que se autoriza o reconhecimento da união estável. Por fim, é imperioso dizer que a união de pessoa sem prévia dissolução de casamento anterior, não constitui união estável, mas sim concubinato, ou seja, relação não eventual entre pessoas, impedidos de se casarem, conforme dispõe o art. 1.727 do CC. São muitas as controvérsias relacionadas ao concubinato e que fogem ao escopo do presente livro. Recomenda-se, entretanto, cautela nos casos envolvendo o assunto, tendo em vista que a jurisprudência tem reconhecido que na hipótese do concubino ter colaborado para formação do patrimônio, passa a ter direito à meação, sob pena de caracterizar-se o enriquecimento sem causa da outra parte. Há, inclusive, a possibilidade do concubino requerer indenização, caso comprove ter prestado serviços domésticos ao

outro, o que tem sido rechaçado pela jurisprudência.8

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA O STJ divulgou documento onde resume 16 teses consolidadas pelo tribunal sobre união estável. Confira a seguir:

Assim, no âmbito do planejamento patrimonial familiar, é fundamental a avaliação do regime de bens de todos os envolvidos, especialmente considerando que há consequências de natureza patrimonial e sucessória a depender do regime presente entre os membros familiares. Ainda para ilustrar essa importância, podemos exemplificar uma situação em que o regime de comunhão universal tem como consequência a comunicação entre os cônjuges dos bens recebidos em doação ou por herança, o que não necessariamente é um desejo familiar, e exigiria a interposição de cláusula de incomunicabilidade para evitar esse resultado. Importante aspecto a ser lembrado, antes de encerrarmos este capítulo, é que o regime de bens acaba por exigir, exceto no regime da separação absoluta, a autorização do cônjuge9 para que o outro possa alienar ou gravar de ônus real os bens imóveis; pleitear, como autor ou réu, acerca desses bens ou direitos; prestar fiança ou aval; fazer doação, não sendo remuneratória, de bens comuns, ou dos que possam integrar futura meação.

VOCÊ SABIA? O termo “outorga uxória” é inadequado e deve seu uso ser interrompido. Uxória refere-se exclusivamente à mulher casada. Contudo, a autorização exigida pelo art. 1.647 do CC refere-se a ambos os cônjuges, incluindo aqueles em relacionamento homoafetivo. Em razão disso, o termo recomendado é “outorga conjugal”.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Sociedade. Alteração contratual. Ação com escopo de anulação de atos jurídicos. Insurgência à decisão pela qual, mediante antecipação de tutela, determinada a suspensão de alterações contratuais, especialmente no que tange ao aumento e integralização de respectivo capital social. Admissibilidade dessa decisão. Hipótese na qual imóveis também pertencentes à agravada foram utilizados para essa integralização sem, em princípio, correspondente reserva no que diz respeito ao número de quotas sociais. Constituições, alterações e cessões motivadas pelo agravante em favor de empresas que, segundo o Juízo, possam ser suspeitas. Possibilidade de prejuízo a terceiros de boa-fé e à recorrida. Ademais, provimento de urgência que não tem caráter irreversível. Recurso não provido (TJSP, Agravo de Instrumento 472.959.4/9-00/SP). Encerra-se aqui a reflexão acerca dos regimes de casamento e dos direitos dos cônjuges no caso de divórcio ou passamento de um deles. O regime de casamento adotado deve ser criteriosamente avaliado, pois traz consequências diversas quando do planejamento sucessório, uma vez que os bens e a herança poderão comunicar ou não ao cônjuge, conforme o caso, impactando

diretamente na Holding a ser constituída.

4.

DA PARTE LEGÍTIMA E DA PARTE DISPONÍVEL DOS BENS

Seguindo a proposta de possibilitar ao leitor entender todo o processo de constituição de uma Holding familiar, bem como ter uma visão abrangente dos procedimentos, direitos e deveres, neste tópico abordaremos as questões relacionadas à parte legítima e disponível dos bens, fundamental para o entendimento dos limites relacionados à doação e à sucessão de bens familiares. A sucessão de bens é consequência jurídica do falecimento, devendo seguir as estipulações contidas na legislação civil em vigor. Mesmo nos casos em que o de cujus não tenha deixado testamento nem herdeiro legítimo, a legislação determinará o destino dos bens, conforme verificamos no art. 1.822 do Código Civil, o que, no entanto, é raro ocorrer. Existem duas formas da sucessão: legítima ou testamentária. Em ambas, devem ser respeitados os direitos hereditários, incluindo aqueles relacionados ao cônjuge, que na atual redação do Código Civil, mais especificamente no art. 1.845, foi alçado à condição de herdeiro necessário, ao lado de ascendentes e descendentes. A sucessão legítima está prevista nos arts. 1.829 a 1.856, ao passo que a sucessão testamentária é regulada pelos arts. 1.857 a 1.911, todos do CC. No que diz respeito aos bens que compõem o patrimônio de uma pessoa, é necessário compreendermos que eles se dividem em legítima e disponível. A legítima refere-se à metade dos bens da herança que, nos termos do art. 1.846 do Código Civil, pertencem aos herdeiros necessários. Referida metade é protegida pela lei, não podendo ser objeto de testamento, nem mesmo de doação, conforme expressamente dispõem, respectivamente, o art. 1.849, o § 1º do art. 1.857 e o art. 549, todos do CC. A outra metade do patrimônio é, por exclusão, considerada a parte disponível, podendo o proprietário dispor dela como bem entender: doando os bens ou mesmo dispondo em testamento

sobre seu destino. Graficamente temos o seguinte:

Apenas para ilustrar, uma pessoa que seja proprietária de bens no valor de R$ 1.200.000,00 pode doar ou dispor em testamento da metade, ou seja, R$ 600.000,00. A outra metade pertence à legítima, não podendo ser objeto de testamento ou doada, exceto se ela não tiver herdeiros necessários que, vale reiterar, são os ascendentes, os descendentes e o cônjuge, conforme dispõe o art. 1.845 do CC. Portanto, aberta a sucessão, é mandatária a verificação da existência de testamento válido, deixado pelo de cujus, dispondo sobre o destino da parte disponível de seus bens. Sendo positiva a resposta, os bens serão destinados conforme previsto no testamento, exceto na hipótese de nulidades decorrentes de disposições contrárias à lei ou ao não atendimento de outras formalidades legais quanto a sua lavratura. Em relação aos bens pertencentes à legítima, ou considerando todos os bens deixados nos casos em que não haja testamento com as disposições de última vontade do de cujus, é procedida a sucessão legítima, conforme se verifica na leitura do art. 1.784 do Código Civil, a seguir reproduzido: Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos

herdeiros legítimos e testamentários. Maria Helena Diniz (2022, p. 145) esclarece o quanto foi dito até aqui: Com a morte de alguém, verificar-se-á, primeiramente, se o de cujus deixou testamento indicando como será partilhado seu patrimônio. Em caso negativo, ou melhor, se faleceu sem que tenha feito qualquer declaração solene de última vontade; se apenas dispôs parte dos bens em testamento válido; se seu testamento caducou ou foi considerado ineficaz ou nulo ou, ainda, se havia herdeiros necessários, obrigando a redução da disposição testamentária para respeitar a quota reservatória, a lei promoverá a distribuição, convocando certas pessoas para receber a herança, conforme ordem nela estabelecida, que se denomina ordem de vocação hereditária. Em todas essas hipóteses ter-se-á sucessão legítima, que é a deferida por determinação legal. A sucessão legal absorverá a totalidade da herança se o auctor successionis falecer ab intestato, ou se nulo ou caduco for o testamento por ele feito, e restringir-se-á à parte não compreendida no testamento, se o testador não dispuser da totalidade da herança e se houver herdeiros necessários, que impõem o respeito à quota que lhes cabe. Podemos dizer, quanto à sucessão legítima e testamentária, que o legislador procurou proteger os herdeiros necessários, impedindo que o de cujus dispusesse de todo seu patrimônio em vida, pela doação ou mesmo por meio de testamento. Dessa forma, a sucessão legítima deve seguir os ditames legais em relação à ordem de vocação hereditária, ao passo que, pelo testamento ou pela doação, é possível dispor de metade do patrimônio conforme for a vontade do proprietário. Para melhor entendimento sobre o assunto, seguem alguns exemplos10 hipotéticos:

Exemplo 1: Pai (A) casado em comunhão parcial de bens com mãe (B), o casal possui dois filhos e um patrimônio de R$ 500.000,00. (A) elabora um testamento, dispondo de R$ 125.000,00, indicando um sobrinho para receber R$ 100.000,00 e um primo para receber R$ 25.000,00. Considerando que do patrimônio do casal metade pertence a (B), (A) tem direito à quantia de R$ 250.000,00 (meação). Desse montante, 50% é a parte disponível e 50% a parte legítima. Portanto, ao dispor em testamento de R$ 125.000,00, o valor, ao menos no que toca ao referido montante, é válido. Os R$ 125.000,00 restantes serão destinados aos filhos (legítima), no montante de R$ 62.500,00 para cada, nos termos do art. 1.829 do CC. Exemplo 2: Pai (A) casado em comunhão parcial de bens com mãe (B), o casal possui 2 filhos (C e D) e um patrimônio de R$ 500.000,00. Por meio de testamento, (A) dispôs R$ 100.000,00 ao filho (C) e R$ 25.000,00 ao filho (D). Considerando que do patrimônio do casal, metade pertence a (B), (A) tem direito à quantia de R$ 250.000,00. Desse montante, 50% correspondem à parte disponível, e 50% à parte legítima. Portanto, ao dispor em testamento de R$ 125.000,00, o valor, ao menos no que toca a referido montante, é válido. Os R$ 125.000,00 restantes serão destinados aos filhos, no montante de R$ 62.500,00 para cada, nos termos do art. 1.829 do CC. Nesse caso, o filho (C) recebeu a quantia de R$ 162.500,00 e o filho (D) R$ 87.500,00. Apesar de o resultado ser desigual, em princípio o testamento é válido, pois a legítima foi respeitada.11 Exemplo 3: Pai (A) casado em comunhão parcial de bens com mãe (B), o casal possui dois filhos (C e D) e um patrimônio de R$ 500.000,00, adquirido na constância do casamento. (A) tinha um imóvel adquirido antes do casamento no valor de R$ 150.000,00. (A) elabora um testamento dispondo de R$ 200.000,00, indicando um sobrinho para receber R$ 150.000,00 e um primo para receber R$ 50.000,00. Considerando que do patrimônio do casal, metade pertence a (B), (A) tem direito à quantia de R$ 250.000,00. Ademais, há a propriedade exclusiva de R$ 150.000,00, totalizando um patrimônio

pessoal de R$ 400.000,00. Desse montante, 50% correspondem à parte disponível e 50% à parte legítima. Portanto, ao dispor em testamento de R$ 200.000,00, o valor, ao menos no que toca ao montante, é válido. Os R$ 200.000,00 (sendo 150.000,0 do imóvel e R$ 50.000,00 do restante da meação) restantes serão destinados, nos termos do art. 1.829 do Código Civil, da seguinte forma: R$ 50.000,00 ao cônjuge sobrevivente, relativos a um terço da legítima do patrimônio particular, e R$ 75.000,00 para cada filho, sendo R$ 50.000,00 referentes a um terço da legítima do patrimônio particular e R$ 25.000,00 relativos ao que sobrou referente à legítima da meação do patrimônio comum.

Caso Prático 05: João tem um patrimônio total de R$ 7.520.000,00 e herdeiros necessários e te consulta questionando qual o montante ele pode doar para o vizinho, ou seja, que compõe a parte disponível do seu patrimônio. Qual a resposta correta?

Esses são os aspectos básicos da sucessão legítima e testamentária, envolvendo a parte legítima e disponível do patrimônio. No que toca ao tema central deste livro, é fundamental o entendimento de que o patrimônio se divide em uma parte disponível e outra parte legítima, sendo que, seja por doações ou mesmo pela disposição de última vontade por meio de testamento, a parte legítima não pode ser afetada, o que traz consequências ao planejamento sucessório, especialmente quanto à doação de quotas da Holding familiar.

5.

DOAÇÕES, ANTECIPAÇÃO DE LEGÍTIMA E COLAÇÃO DE BENS

Uma das estratégias utilizadas no planejamento sucessório é a constituição de uma sociedade Holding familiar pelos patriarcas e, ato contínuo, a doação das quotas da empresa criada aos herdeiros. Esse procedimento tem como objetivo evitar que a divisão de bens familiares entre os herdeiros ocorra apenas no momento do passamento dos patriarcas, com todos os inconvenientes daí advindos, especialmente por ocasião de eventual

processo judicial de inventário, em que as desavenças entre os envolvidos podem protelar seu desfecho. Em razão da importância desse procedimento, é impositivo refletir sobre suas regras jurídicas essenciais, que vão delimitar o planejamento sucessório e, por isso, devem obedecer aos comandos legais sobre o assunto, sob pena de nulidade da doação. A doação se consubstancia na transferência de bens e direitos a outrem, realizada por mera liberalidade e sem a estipulação de contraprestação equivalente a favor do doador. Está prevista no art. 538 do Código Civil, que assim dispõe: Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra. Daí é possível extrair as duas principais características da doação: a) o fato de não haver contraprestação equivalente em favor do doador; b) ser realizada por mera liberalidade. Havendo atribuição de contraprestação, não se caracteriza doação, mas sim outra figura jurídica, como é o caso da venda e da permuta. Ressalte-se, porém, que a legislação permite que o doador exija algum encargo por parte do donatário, inclusive sob risco de revogação do ato, caso não cumprido. É o caso, por exemplo, da doação de grande área de terra diante da exigência que parte dela seja utilizada para construir uma praça pública em benefício da população local. Trata-se, nesse caso, de uma doação onerosa, em que há a previsão de um ônus ao donatário, estando prevista no art. 562 do CC. Também é exigida a presença de liberalidade do doador, que procede à transferência de bens sem vício de vontade, sob pena de nulidade do ato. Equivale a dizer que a doação é nula se o doador foi constrangido a assim realizar. Ademais, o legislador, sabiamente, com base no art. 548 do CC, buscou

preservar a subsistência do doador, dispondo ser nula a doação de todos os seus bens, evitando sua insolvência. A intenção do legislador não tem apenas o intuito de proteger o doador contra a insubsistência, mas, ao mesmo tempo, evitar a insolvência que pode ser prejudicial a terceiros de boa-fé. É o caso daquele que doa todos os seus bens a fim de evitar a expropriação em razão de dívida por ele contraída. Nesse exemplo, o ato, ainda que não oneroso e feito por mera liberalidade, o que lhe confere aparente legalidade, é na verdade nulo. Outra questão relevante é que a doação não pode atingir a parte legítima de bens do doador. Como visto no tópico anterior, metade dos bens de uma pessoa é considerada a parte legítima, enquanto a outra metade é a chamada disponível. A doação que exceda à parte que o doador poderia dispor por meio de testamento é chamada de “doação inoficiosa”, sendo considerada nula, conforme art. 549 do CC, que a seguir reproduzimos: Art. 549. Nula é também a doação quanto à parte que exceder à de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento. Vale relembrar que essa regra somente vigora se o doador tiver herdeiros necessários. Caso contrário, não apenas poderá dispor por meio de testamento da totalidade de seu patrimônio, como também doá-lo, sem que o ato seja considerado nulo. Essa é a exegese decorrente do art. 1.789 do CC, que assim dispõe: Art. 1.789. Havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança. Diante dessas exigências da legislação, caso o doador possua herdeiros necessários, não poderá doar mais do que a metade de seus bens. A contrario sensu, como é evidente concluir, não possuindo herdeiros necessários, é livre a disposição de seu patrimônio, atendida a vedação contida no art. 548 do CC

a respeito da doação integral de seus bens. Esse entendimento é reforçado por Maria Berenice Dias (2015, p. 589-599): Toda pessoa pode doar o que quiser a quem desejar. Só não pode doar todos os bens sem reservar parte para a própria subsistência (artigo 548, CC). Também não pode doar mais da metade de seu patrimônio se tiver herdeiros necessários. Esse é um dos dogmas da sucessão legítima: assegurar aos herdeiros a metade da herança (CC. 1.846). O limite existe tanto para atos intervivos como causa mortis, ou seja, doações (CC. 549) e disposições testamentárias (CC. 1.789). Nesse passo, surge o instituto denominado de adiantamento da legítima. O nome é autoexplicativo e denota a disposição prévia dos bens que seriam transferidos no momento da sucessão aos herdeiros necessários, conforme dispõe o art. 544 do CC a seguir transcrito: Art. 544. A doação de ascendentes a descendentes, ou de um cônjuge a outro, importa adiantamento do que lhes cabe por herança. Consequentemente, ao realizar a doação para um filho, por exemplo, os patriarcas estão procedendo ao adiantamento da legítima, ou seja, aquilo que lhe caberia por ocasião do recebimento da herança. Destaca-se ainda a regra disposta no art. 2.002 do CC, que assim determina: Art. 2.002. Os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação. Parágrafo único. Para cálculo da legítima, o valor dos bens conferidos será computado na parte indisponível, sem aumentar a disponível. O artigo anteriormente transcrito refere-se ao que se denomina colação e demonstra também a preocupação do legislador para que se divida de

maneira mais equânime possível entre os herdeiros necessários a herança a ser recebida, especialmente respeitando o direito de cada herdeiro quanto à legítima. Sobre o tema discorre Orlando Gomes (2015, p. 305): A teoria da igualdade inspirou o legislador pátrio na regulamentação do instituto. Os descendentes são herdeiros obrigatórios. Pertencelhes, de direito, a metade dos bens do ascendente. Esta parte da herança tem de ser dividida em frações iguais. Quando o ascendente contempla, em vida, um deles, revogaria o princípio da igualdade das legítimas se o bem doado não tivesse de ser conferido para constituição da metade indispensável. Os demais herdeiros seriam prejudicados, porque, além do que receberá gratuitamente antes da abertura da sucessão, o favorecido herdaria igual quota. Obrigado, porém, a trazer ao acervo hereditário o que lhe foi doado, observar-seá a regra da igualdade das legítimas. Este entendimento é reproduzido pela legislação, abrangendo, inclusive, os bens doados e que já não pertençam aos donatários, que podem ser substituídos pela conferência em espécie ou compensação por meio da redução do seu quinhão, conforme conferimos no art. 2.003 do Código Civil: Art. 2.003. A colação tem por fim igualar, na proporção estabelecida neste Código, as legítimas dos descendentes e do cônjuge sobrevivente, obrigando também os donatários que, ao tempo do falecimento do doador, já não possuírem os bens doados. Parágrafo único. Se, computados os valores das doações feitas em adiantamento de legítima, não houver no acervo bens suficientes para igualar as legítimas dos descendentes e do cônjuge, os bens assim doados serão conferidos em espécie, ou, quando deles já não disponha o donatário, pelo seu valor ao tempo da liberalidade.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Civil. Processual civil. Ação de inventário. Colação de bens pelo valor certo ou estimado. Proteção dos herdeiros que não foram contemplados pelo adiantamento da legítima de eventuais influências de elementos externos de natureza econômica, temporal ou mercadológica. Substituição do critério legal pelo critério do benefício ou proveito econômico obtido a partir do valor do crédito cedido a parte dos herdeiros. Impossibilidade. 1 – Ação distribuída em 24/01/2002. Recurso especial interposto em 05/11/2014 e atribuído à Relatora em 25/08/2016. 2 – O propósito recursal é definir se, para fins de colação e de partilha de bens, deve ser considerado o valor estimado do crédito resultante da venda do terreno pelo falecido à construtora e posteriormente cedido a parte dos herdeiros ou o valor dos imóveis erguidos sobre o terreno e que foram posteriormente dados em pagamento pela construtora a parte dos herdeiros. 3 – O legislador civil estabeleceu critério específico e objetivo para a quantificação do valor do bem para fins de colação, a saber, o valor certo ou estimado do bem, a fim de que a doação não sofra influências de elementos externos de natureza econômica, temporal ou mercadológica, que, se porventura existentes, deverão ser experimentados exclusivamente pelo donatário, não impactando o acertamento igualitário da legítima, de modo que não é possível substituir o critério legal pelo proveito ou benefício econômico representado por imóveis obtidos a partir do crédito cedido. 4 – Na hipótese, o valor do crédito recebido pelo autor da herança em decorrência da venda de terreno à construtora, posteriormente cedido a parte dos herdeiros, deve ser levado à colação pelo seu valor estimado e não pelo proveito ou pelo benefício econômico representado pelos bens imóveis posteriormente escriturados em nome dos cessionários do referido crédito. 5 – Recurso especial conhecido e provido (STJ, REsp

1.713.098/RS). Embora possa parecer enfadonho, para uma correta compreensão do quanto discutido, é necessário reiterar que a proteção legal se refere à parte legítima, sendo que o doador pode dispor da parte disponível conforme sua conveniência. Tanto é verdade que o art. 2.005 do mesmo diploma legal dispõe ser dispensada a colação quando o doador determinar que os bens doados se referem à parte disponível de seu patrimônio, o que evidentemente deve ser conferido, de modo que o valor dos bens não atinja a parte legítima. Essa dispensa, nos termos do art. 2.006 do CC pode ser outorgada em testamento ou no título de doação. EXEMPLO DE CLÁUSULA CONTRATUAL DISPONDO SOBRE ANTECIPAÇÃO DE LEGÍTIMA

Cláusula XXª. O bem, objeto da presente doação realizada entre pai e filho, pertence à metade da herança disponível do DOADOR – pai, vez que este possui outros herdeiros necessários. Cláusula YY. Em virtude do especificado na cláusula acima, a doação em questão não implica antecipação de legítima, continuando apto o DONATÁRIO a receber herança de seu pai – DOADOR quando for aberta a sucessão deste, juntamente com outros herdeiros necessários. Vale destacar que a dispensa da colação deve ser manifestada expressamente, posto que, caso assim não proceda o doador, haverá presunção de se tratar de adiantamento da legítima, devendo ser procedida a colação no momento da sucessão. Esse entendimento encontra suporte na opinião de Diniz (2022, p. 468, v. 6), que afirma: “... presume-se que o de cujus tinha para com seus descendentes igual afeto, de modo que o donatário recebe o bem a título de antecipação de herança”.

Caso Prático 06: João doou antecipadamente ao filho “A” um imóvel de R$ 450.000,00 e, no momento do seu passamento, possuía patrimônio de R$ 1.200.000,00 relativa à meação do patrimônio total do casamento. No momento da divisão da herança, é necessário o filho “A” realizar a colação? Qual o montante que cada filho deve receber, considerando que João não deixou testamento? Respostas: a) Se no momento do ato João declarou expressamente que a doação se referia ao montante disponível do seu patrimônio:

b) Se no momento do ato João não declarou que a doação referia-se ao montante disponível do seu patrimônio:

Essas observações são pertinentes, pois, no planejamento sucessório, é possível que os patriarcas realizem a divisão de bens sem se atentarem para essas regras, o que pode acarretar inconvenientes no futuro. Não se trata aqui apenas da possibilidade de tratamento distinto entre os herdeiros.12 Pode ocorrer de os pais entenderem que um dos herdeiros esteja mais preparado para a condução de uma empresa, optando por doar suas quotas àquele herdeiro e outros bens não societários aos demais. Ocorre que, se tais bens não se igualarem em termos econômicos e, na ocasião da doação, não for feita a ressalva que consta nos arts. 2.005 e 2.006 do Código Civil, o herdeiro que recebeu as quotas sociais terá que proceder à colação no momento da sucessão, podendo cair por terra o desejo original dos pais. Do mesmo modo, caso o planejamento sucessório contemple a constituição de uma Holding familiar e posterior doação de suas quotas, os temas aqui debatidos também devem ser avaliados, o que justifica o conhecimento das nuances da doação, antecipação da legítima e colação. É especialmente importante uma avaliação cuidadosa da doação porque se trata de ato jurídico que somente pode ser revogado em situações muito específicas, conforme estabelece o art. 555 do CC. Em outras palavras, a doação é ato definitivo e não comporta arrependimento, de modo que

demanda muita reflexão antes de ser dado esse passo adiante. Em alguns casos, talvez seja recomendável, em vez da doação, ser realizado apenas um testamento em que sejam estabelecidas as vontades do testador quanto à divisão dos bens após a sua morte ou mesmo ser avaliada a hipótese de a doação ser realizada com encargos, envolvendo questões que são caras (importantes) ao doador, como, por exemplo, a estipulação da exigência de os herdeiros concluírem a faculdade. Nesse sentido, é imperioso dizer que, no caso do testamento, o documento pode ser alterado a qualquer tempo, conforme prevê o art. 1.858 do CC, o que pode ser vantajoso em caso de arrependimento em relação aos termos estipulados. Ademais, há três tipos de testamentos: o público; o cerrado; o particular (art. 1.862 do CC), o que dá flexibilidade para que seja escolhido o tipo de documento mais adequado ao contexto.

DE OLHO DA JURISPRUDÊNCIA Civil e processual civil. Confirmação de testamento particular escrito por meio mecânico. Omissão e obscuridade no acórdão recorrido. Inocorrência. Questão enfrentada e prequestionada. Sucessão testamentária. Ausência de assinatura de próprio punho do testador. Requisito de validade. Obrigatoriedade de observância, contudo, da real vontade do testador, ainda que expressada sem todas as formalidades legais. Distinção entre vícios sanáveis e vícios insanáveis que não soluciona a questão controvertida. Necessidade de exame da questão sob a ótica da existência de dúvida sobre a vontade real do testador. Interpretação histórico-evolutiva do conceito de assinatura. Sociedade moderna que se individualiza e se identifica de variados modos, todos distintos da assinatura tradicional. Assinatura de próprio punho que traz presunção juris tantum da vontade do testador, que, se ausente, deve ser cotejada com as demais provas.

(...) 7 – A regra segundo a qual a assinatura de próprio punho é requisito de validade do testamento particular, pois, traz consigo a presunção de que aquela é a real vontade do testador, tratando-se, todavia, de uma presunção juris tantum, admitindo-se, ainda que excepcionalmente, a prova de que, se porventura ausente a assinatura nos moldes exigidos pela lei, ainda assim era aquela a real vontade do testador. 8 – Hipótese em que, a despeito da ausência de assinatura de próprio punho do testador e do testamento ter sido lavrado a rogo e apenas com a aposição de sua impressão digital, não havia dúvida acerca da manifestação de última vontade da testadora que, embora sofrendo com limitações físicas, não possuía nenhuma restrição cognitiva. (...) (STJ, REsp 1.633.254/MG). Embora não componha o escopo deste livro, é importante destacar-se, sobre o testamento, que o tipo mais usual é o testamento público, que é realizado pelo próprio tabelião do registro de notas, tendo características que envolvem maior rigor formal e solenidade, incluindo a necessidade de que o testamento seja assinado também por duas testemunhas. Embora seja chamado de testamento público, as disposições do documento somente são publicadas após o falecimento do testador. De toda forma, seja no caso da opção pela doação ou pelo testamento, é indispensável a avaliação da inclusão de cláusulas que protejam os bens, conforme será discutido a seguir.

DE OLHO DA JURISPRUDÊNCIA Civil. Processual civil. Recurso especial. Testamento. Formalidades legais não observadas. Nulidade. 1. Atendido os pressupostos básicos da sucessão testamentária – i) capacidade do testador; ii) atendimento aos limites do que pode dispor e; iii) lídima declaração de vontade – a ausência de umas das

formalidades exigidas por lei, pode e deve ser colmatada para a preservação da vontade do testador, pois as regulações atinentes ao testamento têm por escopo único, a preservação da vontade do testador. 2. Evidenciada, tanto a capacidade cognitiva do testador quanto o fato de que testamento, lido pelo tabelião, correspondia, exatamente à manifestação de vontade do de cujus, não cabe então, reputar como nulo o testamento, por ter sido preterida solenidades fixadas em lei, porquanto o fim dessas – assegurar a higidez da manifestação do de cujus –, foi completamente satisfeita com os procedimentos adotados. 3. Recurso não provido (REsp 1.677.931/MG (2017/0054235-0)). 5.1

Cláusulas restritivas da doação

No tópico anterior, foram abordadas as regras que limitam a doação, especialmente no que tange à parte legítima do patrimônio do doador. E aqui surge outro ponto que merece destaque, qual seja, a possibilidade de atribuição de algumas restrições à doação. Inicialmente, a discussão do assunto vai focar na doação de quotas ou ações de sociedades, uma vez que é frequente, no planejamento sucessório, a constituição de uma sociedade Holding e, ato contínuo, a doação de suas quotas ou ações aos herdeiros, em adiantamento de legítima. Não obstante, o quanto discutido neste tópico é válido para doações de outros bens que não apenas títulos que representem o capital social de uma empresa. Faz-se aqui um breve exercício de recapitulação das etapas comuns do planejamento societário, sucessório e tributário.13 Constitui-se inicialmente uma empresa familiar realizando a integralização dos bens pertencentes à família. Geralmente, essa empresa possui como objeto social a participação em outras sociedades e o desenvolvimento de atividades imobiliárias, caso entre os bens integralizados haja imóveis a serem utilizados na sua operação, especialmente aluguel e venda. Tratar-se-á, consequentemente, de uma

Holding do tipo mista. Caso contrário, ou seja, seu objeto seja apenas a participação em outras sociedades, configura-se uma Holding do tipo pura. Uma vez constituída a empresa, os patriarcas da família, para evitar os inconvenientes da sucessão no momento do passamento, realizam a antecipação da legítima, doando as quotas ou ações da empresa aos herdeiros. A fim de proteger o patrimônio familiar, especialmente da interferência de terceiros que não tenham vínculo consanguíneo, a doação pode ser gravada com cláusulas restritivas de direito, conforme desejo dos doadores. Essas cláusulas, a serem tratadas individualmente no decorrer deste capítulo, são: de usufruto, incomunicabilidade, inalienabilidade e reversibilidade. A doação com reserva de usufruto se caracteriza, na verdade, pela doação apenas da nua-propriedade dos bens ao donatário, permanecendo o doador com o direito de uso e gozo dos frutos deles advindos. Trata-se de um direito real sobre coisa alheia, conferido ou resguardado a alguém para que utilize de certa coisa como se sua fosse, embora não possa dispor do bem, uma vez que a propriedade pertence a terceiro, no caso, o donatário. O Código Civil de 1916, atualmente revogado, trazia o conceito de usufruto da seguinte maneira: (...) usufruto é o direito real, conferido a alguma pessoa, durante certo tempo, que autoriza a retirar, de coisa alheia, frutos e utilidades que ela produz (art. 113). Silvio Rodrigues (2003, p. 296), empresta seu conhecimento, para assim explicar o usufruto: De modo que no usufruto, como em todos os direitos reais sobre coisas alheias, há simultaneamente dois titulares de direitos diversos, recaintes sobre a mesma coisa. O nu-proprietário, que ostenta a condição de dono; o usufrutuário a quem compete o uso e gozo da coisa.

O Código Civil em vigência não traz em seu texto a definição expressa de usufruto, porém delimita seus contornos por meio do disposto no art. 1.394, mencionado a seguir: Art. 1.394. O usufrutuário tem direito à posse, uso, administração e percepção dos frutos. Como consequência da doação com reserva de usufruto, temos duas situações jurídicas em relação ao mesmo bem: a) a figura do nu-proprietário, que mantém a propriedade do bem; b) a figura do usufrutuário, que, embora não seja dono da coisa, pode desfrutar dela e usufruir seus frutos. Por sua vez, o art. 1.390 do mesmo diploma legal assinala que o usufruto pode recair em bens móveis e imóveis, no patrimônio inteiro ou mesmo em parte dele, ocorrendo o mesmo com os frutos, cuja reserva pode ser no todo ou em parte. Exemplificando: é o caso da doação de um bem imóvel, em que se registra a reserva de usufruto em relação à casa de hóspede, que pode ser usada para moradia ou aluguel por parte do doador, embora a propriedade seja transferida ao donatário. Por não ser dono do imóvel, o usufrutuário não pode aliená-lo, mas sim alugá-lo e usá-lo, usufruindo o bem e seus frutos. Semelhante pode ser o caso da doação de quotas sociais, em que o doador mantém o usufruto, permitindo-lhe exercer o direito de usar e colher os frutos, o que possibilitará que, além de receber dividendos,14 mantenha consigo, por exemplo, o poder de decisão sobre a empresa, uma vez que a lei garante a administração dos bens, o que se aplica no caso de sociedades empresariais. Mamede (2022, p. 159) discorre sobre o usufruto das quotas de uma empresa: Quando o instituto é aplicado em quotas ou em ações, tem-se um nutitular, ou seja, alguém que é titular dos títulos societários, mas apenas de seu direito patrimonial; em oposição, haverá um usufrutuário, a quem corresponderá o direito de exercer as faculdades sociais das

quotas. O usufrutuário ou usufruidor conserva a posse das quotas ou ações, usando-as na coletividade social, inclusive para exercício de voto e para recebimento dos frutos, ou seja, dos dividendos. Destaca-se que, no entanto, em se tratando de sociedade anônima, ao fazer a doação das ações com reserva de usufruto, o doador deve registrar a manutenção do direito de voto, sob pena de ser exigido acordo prévio entre o proprietário e o usufrutuário, conforme determina o art. 114 da Lei 6.404/1976. Embora não haja previsão expressa nesse sentido, recomenda-se a mesma providência na hipótese de estabelecimento de usufruto de quotas de sociedade limitada, evitando-se questionamento por parte dos demais sócios. Nesse caso, os direitos do usufrutuário somente recairiam sobre os direitos patrimoniais (recebimento de lucro). Para que ele (doador) permaneça também com o direito a voto, deve constar na escritura de doação das ações. Caso contrário, esse direito será do nu-proprietário, exceto se houver acordo prévio entre os contratantes dispondo o contrário. A reserva de usufruto tem significativa importância em se tratando de planejamento sucessório. Ao adiantar a legítima, o doador deixa de ser proprietário dos bens, o que pode até mesmo prejudicar sua subsistência. Ademais, no caso de quotas ou ações, a sociedade pode passar a ser administrada por quem não tenha competência para o exercício da função. A reserva de usufruto permite aos doadores usufruir dos frutos dos bens e manter sua administração, de modo que os direitos integrais da propriedade somente se convalidarão em favor dos donatários na extinção do usufruto, regra geral, com o passamento dos doadores. Dessa forma, é garantida a subsistência dos doadores, que poderão usufruir dos bens amealhados durante a vida profissional, porém evitando os inconvenientes da sucessão hereditária, posto que a propriedade (nupropriedade) passa a pertencer aos herdeiros em razão da antecipação da legítima e da doação da parte disponível do patrimônio, observada a legislação. Importante destacar que, nessa hipótese, os herdeiros que

receberam os bens são nu-proprietários dos mesmos, possuindo legitimidade para contestar atos realizados pelo usufrutuário em prejuízo do patrimônio que lhes pertence.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Comercial, civil e processo civil. Usufruto. Conservação da coisa. Dever do usufrutuário. Nulidade. Simulação. Legitimidade. Terceiro interessado. Requisitos. Operação societária. Anulação. Legitimidade. Condições da ação. Análise. Teoria da asserção. Aplicabilidade. Dispositivos legais analisados: arts. 168 do CC/02; e 3º, 6º e 267, VI, do CPC. 1. Ação ajuizada em 26.01.2012. Recurso especial concluso ao gabinete da Relatora em 10.12.2013. 2. Recurso especial que discute a legitimidade do nu-proprietário de quotas sociais de Holding familiar para pleitear a anulação de ato societário praticado por empresa pertencente ao grupo econômico, sob a alegação de ter sido vítima de simulação tendente ao esvaziamento do seu patrimônio pessoal. 3. O usufruto – direito real transitório de fruir temporariamente de bem alheio como se proprietário fosse – pressupõe a obrigação de preservar a substância da coisa, sem qualquer influência modificativa na nua-propriedade, cabendo ao usufrutuário a conservação da coisa como bônus pater famílias, restituindo-a no mesmo estado em que a recebeu. 4. As nulidades decorrentes de simulação podem ser suscitadas por qualquer interessado, assim entendido como aquele que mantenha frente ao responsável pelo ato nulo uma relação jurídica ou uma situação jurídica que venha a sofrer uma lesão ou ameaça de lesão em virtude do ato questionado. 5. Ainda que, como regra, a legitimidade para contestar operações internas da sociedade seja dos sócios, hão de ser excepcionadas situações nas quais terceiros estejam sendo diretamente afetados, exatamente como ocorre na espécie, em que a

administração da sócia majoritária, uma Holding familiar, é exercida por usufrutuário, fazendo com que os nu-proprietários das quotas tenham interesse jurídico e econômico em contestar a prática de atos que estejam modificando a substância da coisa dada em usufruto, no caso pela diluição da participação da própria Holding familiar em empresa por ela controlada. 6. As condições da ação, entre elas a legitimidade ad causam, devem ser avaliadas in status assertionis, limitando-se ao exame do que está descrito na petição inicial, não cabendo ao Juiz, nesse momento, aprofundar-se em sua análise, sob pena de exercer um juízo de mérito. 7. Recurso especial provido (REsp 1.424.617/RJ (2013/0406655-4)). Por fim, antes de iniciar a discussão sobre a imposição de cláusulas de restrição de incomunicabilidade na doação e na herança, é imperativo mencionar as hipóteses de extinção do usufruto, previstas no art. 1.410 do Código Civil, a seguir descrito: Art. 1.410. O usufruto extingue-se, cancelando-se o registro no Cartório de Registro de Imóveis: I – pela renúncia ou morte do usufrutuário; II – pelo termo de sua duração; III – pela extinção da pessoa jurídica, em favor de quem o usufruto foi constituído, ou, se ela perdurar, pelo decurso de trinta anos da data em que se começou a exercer; IV – pela cessação do motivo de que se origina; V – pela destruição da coisa, guardadas as disposições dos arts. 1.407, 1.408, 2ª parte, e 1.409; VI – pela consolidação; VII – por culpa do usufrutuário, quando aliena, deteriora, ou deixa arruinar os bens, não lhes acudindo com os reparos de conservação, ou quando, no usufruto de títulos de crédito, não dá às importâncias

recebidas a aplicação prevista no parágrafo único do art. 1.395; VIII – pelo não uso, ou não fruição, da coisa em que o usufruto recai (arts. 1.390 e 1.399). EXEMPLO DE CLÁUSULA CONTRATUAL DE USUFRUTO

CLÁUSULA XXª – O DOADOR reserva para si e para sua esposa ......................, já devidamente qualificada no preâmbulo deste instrumento, o direito real de usufruto vitalício, simultâneo e sucessivo do imóvel objeto deste contrato, devendo o direito real ser devidamente registrado na matrícula do imóvel, constante do Cartório do XXº Ofício de Registro de Imóveis da Comarca de Holdinópolis. Sobre as cláusulas restritivas de incomunicabilidade, deve-se destacar inicialmente que possui função diversa do usufruto, porém com objetivo semelhante: proteger o patrimônio familiar. A doação gravada com essa restrição tem como desígnio não permitir a comunicabilidade dos direitos dos bens doados a terceiros, especificamente ao cônjuge de seu herdeiro. Melhor dissertando sobre essa cláusula, Carlos Roberto Gonçalves (2022, p. 223) assinala: A cláusula de incomunicabilidade constitui uma eficiente proteção ao herdeiro, sem que, por outro lado, colida com qualquer interesse geral. O exemplo mais comum é do pai cuja filha se casa pelo regime de comunhão de bens. Para evitar que, com a separação, os bens por ela trazidos sejam divididos com marido não confiável, ou que com a morte deste os mesmos bens sejam partilhados com os seus próprios herdeiros, o genitor impõe a incomunicabilidade da legítima, impedindo o estabelecimento da comunhão.

Diga-se, por oportuno, que muitos pais têm a preocupação legítima de proteger o patrimônio familiar da interferência dos cônjuges de seus herdeiros. Não se trata aqui de pressupor a má intenção de quem quer que seja, mas sim de precaver-se contra possíveis desavenças no momento, por exemplo, de um processo litigioso de divórcio. A cláusula de incomunicabilidade, nesse sentido, visa justamente a evitar discussões acerca de bens doados aos herdeiros e sua destinação naqueles casos. Ressalve-se, igualmente, que, conforme visto no tópico Regime de casamento e direito dos cônjuges no divórcio e na sucessão (Capítulo 2), no regime de bens de comunhão parcial, aqueles bens recebidos por doação ou herança não comunicam ao cônjuge, conforme disposto expressamente no inciso I do art. 1.659 do CC. A mesma regra se aplica ao regime de participação final nos aquestos e à separação total de bens. Portanto, apenas quando o matrimônio for contraído sob o regime de comunhão universal, o cônjuge terá direitos aos bens recebidos pelo outro a título de herança e doação, exceto na presença da cláusula de incomunicabilidade, conforme disposto a seguir: Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I – os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar.

Caso Prático 07: João e Maria são casados pelo regime de comunhão universal de bens. Antes do casamento, João possuía um carro no valor de R$ 60.000,00 e poupança de R$ 80.000,00 e Maria um apartamento no valor de R$ 450.000,00. Durante o casamento, adquiriram um imóvel de R$ 800.000,00, além de investimentos de R$ 220.000,00. Ainda casados, Maria recebeu de herança um imóvel no valor de R$ 100.000,00 sem cláusula de incomunicabilidade. Qual o patrimônio particular, total e comum? No caso de

separação, a quanto cada um terá direito? Resposta: Como o regime de casamento é comunhão universal e a herança foi recebida sem cláusula de incomunicabilidade, não há patrimônio particular. Dessa forma, assim se dará a divisão patrimonial do casal:

Caso Prático 08: João e Maria são casados pelo regime de comunhão universal de bens. Antes do casamento, João possuía um carro no valor de R$ 60.000,00 e poupança de R$ 80.000,00 e Maria um apartamento no valor de R$ 450.000,00. Durante o casamento, adquiriram um imóvel de R$ 800.000,00, além de investimentos de R$ 220.000,00. Ainda casados, Maria recebeu de herança um imóvel no valor de R$ 100.000,00 com cláusula de incomunicabilidade. Qual o patrimônio total e qual o patrimônio comum? No caso de separação, a quanto cada um terá direito? Resposta: Maria possui patrimônio particular de R$ 100.000,00, referente à herança do imóvel recebida com cláusula de incomunicabilidade. Dessa forma, assim se dará a divisão patrimonial do casal:

Parece-nos recomendável, portanto, deixando de lado qualquer juízo de valor sobre o assunto, que os pais, desejando proteger os bens familiares da interferência de terceiros, adotem a precaução de gravar a doação com a cláusula de incomunicabilidade, mormente no caso de doação de quotas ou ações societárias e de herdeiros solteiros ou casados no regime de comunhão total de bens. Mesmo nos demais casos, recomenda-se avaliar a imposição dessa cláusula, haja vista que o herdeiro pode se divorciar e, posteriormente, contrair novo casamento com regime de comunhão universal. Pode acontecer, ainda, a mudança de regime de casamento na constância do casamento. Como se nota, portanto, são muitas hipóteses em que a cláusula poderá se mostrar necessária e aplicável. Ressalte-se, todavia, que os frutos advindos dos bens recebidos pelo herdeiro, na constância do casamento, se comunicam ao cônjuge, ainda que mediante cláusula restritiva de incomunicabilidade. Vale dizer que o cônjuge do herdeiro, enquanto durar o casamento, terá direito aos frutos do bem doado com cláusula de incomunicabilidade, conforme dispõe o art. 1.669 do Código Civil, a seguir reproduzido: Art. 1.669. A incomunicabilidade dos bens enumerados no artigo antecedente não se estende aos frutos, quando se percebam ou vençam durante o casamento. Portanto,

um

imóvel

doado

ao

herdeiro

com

cláusula

de

incomunicabilidade, mesmo que ele seja casado em regime de comunhão total, não comunica ao cônjuge. Contudo, os frutos percebidos em razão do aluguel do imóvel se comunicam. De forma semelhante, no caso de doação de quotas do capital social, esses títulos não se comunicam ao cônjuge, porém os frutos sim, incluindo aí distribuição de lucros e dividendos. Significa dizer que os bens não integram o patrimônio comum do casal, mas enquanto durar o casamento os frutos são usufruídos por ambos. No que tange à cláusula de inalienabilidade, relaciona-se ao fato de que o bem doado não pode ser alienado pelo donatário enquanto permanecer a restrição imposta pelo doador. Bastante comum sua inclusão, especialmente nos meandros do planejamento sucessório com base na constituição de uma Holding familiar, uma vez que a restrição protege o patrimônio da família de interferências de terceiros estranhos a esse vínculo. Com isso, os herdeiros beneficiados com as quotas sociais ou ações não poderão alienar os títulos. A inalienabilidade está prevista no art. 1.911 do Código Civil, conforme verificamos a seguir: Art. 1.911. A cláusula de inalienabilidade, imposta aos bens por ato de liberalidade, implica impenhorabilidade e incomunicabilidade. Parágrafo único. No caso de desapropriação de bens clausulados, ou de sua alienação, por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, mediante autorização judicial, o produto da venda converterse-á em outros bens, sobre os quais incidirão as restrições apostas aos primeiros. Observe que o parágrafo único traz exceção à restrição, consistente nas hipóteses de desapropriação de bens ou por conveniência econômica do donatário ou do herdeiro, quando houver autorização judicial. Ademais, o produto da venda deverá ser aplicado na aquisição de outros bens, cujas restrições lhe serão transferidas. Há que se ressaltar que a jurisprudência dá

uma interpretação menos rigorosa em relação ao parágrafo único, entendendo que ela não pode impedir a perfeita fruição do bem por parte do beneficiário, o que flexibiliza consideravelmente a restrição imposta pela cláusula de inalienabilidade. Justamente em razão disso é importante que, quando se tratar de doação de quotas do capital social, ainda que gravadas com a cláusula de inalienabilidade, sejam incluídas no contrato social as devidas proteções contra a possível entrada de terceiros estranhos à relação familiar no quadro social, conforme será discutido no tópico Cláusulas essenciais do contrato social da Holding (Capítulo 3). Essa providência importa ainda porque o donatário pode vir a falecer e, caso não estabelecido o regramento sobre a entrada de terceiros na sociedade, seus herdeiros farão jus à composição do quadro social. Por sua vez, quanto às ações representativas do capital de sociedade anônima, parece-nos que a aplicação da cláusula de inalienabilidade afronta o art. 36 da Lei 6.404/1976, especialmente considerando que a principal característica dessa espécie de sociedade é a livre circulação das ações, sendo possíveis restrições, desde que previstas em estatuto e que não impeçam sua negociação. Interessante ainda mencionar que o entendimento corrente é no sentido de inexistir vitaliciedade da cláusula de inalienabilidade, ou seja, não pode a restrição perpetuar eternamente. Com a morte do donatário, decorre a extinção da cláusula, que não é transmitida aos seus herdeiros.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Recurso especial. Civil. Ação anulatória de testamento. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Cláusula de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Vigência da restrição. Vida do beneficiário. Ato de disposição de última vontade. Validade. Recurso provido. 1. Inexiste afronta ao art. 535 do CPC/1973 quando a Corte local pronuncia, de forma clara e suficiente, sobre as

questões deduzidas nos autos, manifestando-se sobre todos os argumentos que, em tese, poderiam infirmar a conclusão adotada pelo Juízo. 2. Conforme a doutrina e a jurisprudência do STJ, a cláusula de inalienabilidade vitalícia tem duração limitada à vida do beneficiário – herdeiro, legatário ou donatário –, não se admitindo o gravame perpétuo, transmitido sucessivamente por direito hereditário. 3. Assim, as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade não tornam nulo o testamento que dispõe sobre transmissão causa mortis de bem gravado, haja vista que o ato de disposição somente produz efeitos após a morte do testador, quando então ocorrerá a transmissão da propriedade. 4. Recurso especial provido para julgar improcedente a ação de nulidade de testamento (STJ, REsp 1.641.549/RJ). Há ainda quem entenda que, no caso de doação com reserva de usufruto e cláusula de inalienabilidade, a morte do doador tem como consequência a extinção das restrições, evitando-se assim que o donatário passe à condição de usufrutuário do bem, ou seja, poderia usar e usufruir seus frutos, mas, não o alienar, o que significaria não deter todos os poderes inerentes à propriedade. Por isso, com a morte do doador usufrutuário, extingue-se o usufruto e a inalienabilidade. Essa é a opinião de Farias e Rosenvald (2015, p. 694): De forma coerente, nas doações cumuladas com cláusula de reserva de usufruto ao doador e de inalienabilidade, há de limitar-se a vigência da cláusula de inalienabilidade ao período de vida do doador-usufrutuário. De fato, se mantido o negócio jurídico em seus aspectos originários, surgiriam dois usufrutuários sucessivos: o doador (que se reservou o usufruto) e, após a sua morte, o donatário (pois, com a cláusula de inalienabilidade, poderia apenas usar e gozar do bem, jamais dispor dele).

Vale destacar que a cláusula de inalienabilidade automaticamente implica a impenhorabilidade do bem (art. 1.911 do CC). A intenção do legislador foi oferecer efetividade à cláusula de inalienabilidade, pois restaria sem efeito caso o bem pudesse ser penhorado e, consequentemente, expropriado de seu beneficiário. De toda forma, é possível gravar o bem com a cláusula de impenhorabilidade, embora isso seja desnecessário no caso de já prevista a cláusula de inalienabilidade. Especificamente no caso de uma empresa Holding, o objetivo é impedir que as quotas doadas aos herdeiros venham a sofrer penhora em razão de suas dívidas ou mesmo ser oferecidas espontaneamente à penhora por parte dos donatários ou herdeiros. Novamente a restrição é imposta visando a resguardar as quotas da Holding e a manutenção delas no seio familiar, o que dificulta a entrada de terceiros na sociedade por direitos adquiridos como consequência de dívidas dos herdeiros.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Civil. Pedido de alvará para desconstituição parcial de cláusula de impenhorabilidade. Imóvel rural. Solicitação de financiamento para desenvolvimento de atividade agropecuária. Cédula rural hipotecária. Código Civil anterior, art. 1.676. Exegese. Súmula n. 7-STJ. I. A orientação jurisprudencial adotada pelo STJ é no sentido de se atenuar a aplicação do art. 1.676 do Código Civil anterior, quando verificado que a desconstituição da cláusula de impenhorabilidade instituída pelo testador se faz imprescindível para proporcionar o melhor aproveitamento do patrimônio deixado e o bem-estar do herdeiro, o que se harmoniza com a intenção real do primeiro, de proteger os interesses do beneficiário. II. Caso que se amolda aos pressupostos acima, porquanto a pretensão de liberar da cláusula restritiva se destina a obter

financiamento através de cédula rural hipotecária que grava apenas 20% da gleba e está vinculada ao desenvolvimento de atividade agropecuária. III. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” (Súmula n. 7-STJ). IV. Recurso especial não conhecido (REsp 303.424/GO, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 02.09.2004, DJ 13.12.2004, p. 363). Registro imobiliário. Cláusulas de inalienabilidade. Incomunicabilidade e impenhorabilidade. Desaparecimento de sua razão de ser. Cumprimento das condições nela impostas. Cancelamento do gravame. Viabilidade. Se as condições impostas ao imóvel pelas cláusulas gravosas destinavam-se a assegurar a manutenção e educação dos filhos da herdeira desse imóvel, enquanto necessário fosse, e se essas condições já se cumpriram, pois seus filhos (dela, herdeira) encaminharam-se na vida e são hoje completamente independentes, infere-se que desapareceu a razão de ser dessas cláusulas. Nada impede, pois, sejam canceladas do respectivo registro imobiliário (TJMG, Apelação Cível 1.0024.03.925485-9/001, 4ª Câmara Civil, Rel. Des. Hyparco Immesi, DJ 02.03.2004). Destaca-se que a impenhorabilidade protege somente as quotas, não se estendendo aos lucros e dividendos dela advindos, que poderão ser objeto de penhora e expropriação, conforme regra disposta no art. 834 do Código de Processo Civil, que assim dispõe: Art. 834. Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e os rendimentos dos bens inalienáveis. O mesmo ocorre com bens de outra natureza, ou seja, a impenhorabilidade impede a penhora do bem em si, mas não de seus frutos. Inclusive, o que é bastante comum, é que a flexibilização da

impenhorabilidade também tem sido permitida em casos em que a dívida se refere às verbas alimentares de natureza trabalhista ou mesmo aquelas envolvendo tributos. Outro ponto importante a ser observado é que essa cláusula restritiva de direito não se aplica quando a dívida tem como origem despesas relacionadas ao próprio imóvel tido por impenhorável. São as chamadas dívidas propter rem, ou seja, decorrentes da propriedade do bem. Nossos tribunais já consolidaram o entendimento nesse sentido, de modo que dívidas relativas, por exemplo, ao IPTU e ao condomínio do imóvel não impedem sua penhora, ainda que ele esteja gravado com cláusula de impenhorabilidade.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Cláusulas de impenhorabilidade ou incomunicabilidade não impedem alienação de bem doado “A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a existência de cláusula de impenhorabilidade ou de incomunicabilidade em doação de imóvel não implica automaticamente que o bem não possa ser alienado.” Confira a seguir:

Finalmente será abordada uma das cláusulas mais importantes quando se fala doação de bem. Trata-se da cláusula de reversibilidade, que se presta a garantir que o bem doado ao herdeiro retorne ao doador caso o donatário

venha a falecer previamente. Ela é fundamental quando se pretende proteger os bens no seio familiar, haja vista a possibilidade de diluição do patrimônio em razão da herança do donatário. Sua importância é justificada diante da hipótese de o herdeiro falecer, uma vez que os bens doados serão objetos de inventário, podendo ser transferidos aos netos dos doadores ou ao cônjuge do falecido. Em muitos casos, é natural que o patriarca e a matriarca doadores não desejem que os bens tenham esse destino, preferindo que eles retornem a seu patrimônio para que possam reavaliar cuidadosamente o planejamento sucessório, especialmente visando a impedir que os bens sejam transferidos para terceiros sem vínculo consanguíneo com a família, ou mesmo, supostamente despreparados para sua manutenção. A reversibilidade ou retorno dos bens doados está prevista no art. 547 do Código Civil, que assim dispõe: Art. 547. O doador pode estipular que os bens doados voltem ao seu patrimônio, se sobreviver ao donatário. Parágrafo único. Não prevalece cláusula de reversão em favor de terceiro. Encerra-se aqui a análise das cláusulas restritivas de direito, que podem ser aplicadas à doação e ao testamento, sendo importante para os fins pretendidos pelo planejamento sucessório. No próximo tópico, será discutida a polêmica relacionada à necessidade de estipulação de justa causa para algumas dessas cláusulas.

5.1.1

A necessidade da justa causa na estipulação de cláusulas restritivas

Como foi visto, dependendo dos objetivos do testador ou do doador, os bens a serem transmitidos podem ser gravados com cláusulas restritivas de

direito, o que, no caso dos patriarcas, permite proteger os bens familiares da influência e interferência de terceiros, limitando, inclusive, a própria atuação dos donatários sobre esses bens. Será iniciada a análise da polêmica exigência de atribuição de justa causa como condição de validade para algumas das cláusulas restritivas de direito. Efetivamente, o art. 1.848 do CC assim determina: Art. 1.848. Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima. Em primeiro lugar, convém limitar a abrangência dessa exigência, para melhor situar a análise. Nesse particular, o dispositivo legal mencionado refere-se tão somente às cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade, o que significa dizer que as demais cláusulas discutidas no tópico anterior independem de qualquer justa causa para serem consideradas válidas. Ademais, o art. 1.848 é expresso ao dispor que a justa causa é exigida apenas em relação à parte legítima dos bens. Conforme abordado no tópico Da parte legítima e da parte disponível dos bens (neste capítulo), o patrimônio pessoal se divide em parte legítima e parte disponível, exceto na ausência de herdeiros necessários, em que a totalidade dos bens é considerada disponível. Portanto, a legislação define que somente ao que se refere a essa parte legítima é necessária a atribuição de justa causa, sendo desnecessária qualquer menção a esse respeito quanto à parte disponível. A controvérsia surge, entretanto, em relação ao fato de que a legislação menciona de forma expressa o testamento, sendo silente em relação à doação, bem como não esclarece o alcance do termo “justa causa”. Discorrendo de maneira diversa, a discussão paira sobre o fato de o legislador nada dispor sobre a doação e não explicitar o que considera justa causa, deixando margem

para interpretações destoantes. No que se refere ao primeiro imbróglio, embora a legislação não cite a doação, é bem acolhida a opinião de que a necessidade da declaração da justa causa, nesse caso, deve se dar por analogia. Isso porque a doação aos herdeiros pode representar adiantamento da legítima, não sendo razoável supor que no testamento se exija a justa causa e, na doação, não. Interpretação nesse sentido permitiria aos patriarcas, buscando evitar a imposição legal da justa causa, doarem os bens adiantando a legítima, em vez de disporem deles em testamento. Portanto, ao prever a necessidade de justa causa para a imposição de restrição da fruição de direitos por meio das cláusulas de impenhorabilidade, incomunicabilidade e inalienabilidade de bens, o legislador buscou proteger a parte legítima, de modo que a justificativa deve ser declarada, inclusive no caso de doação. Mauro Antonini (2015, p. 1837-1838), ilustrando esse entendimento, assinala: (...) a despeito da falta de previsão legal expressa, a solução mais acertada parece ser considerar necessária a declaração de justa causa também na doação, quando represente adiantamento de legítima. A não se adotar tal entendimento, o doador, por meio de doação, conseguiria burlar a restrição do art. 1.848. Em tempo, alertar que esse entendimento não é unânime, havendo opiniões de peso interpretando literalmente o art. 1.848 do Código Civil. É o caso, por exemplo, de Maria Berenice Diaz (2013), para quem, em se tratando de doação, não há necessidade de menção à justa causa, por absoluta falta de previsão legal nesse sentido. Apesar disso, o STJ tem entendido que o art. 1.848 do CC aplica-se igualmente à doação.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Recurso especial. Direito civil. Doação. Herdeiros necessários. Antecipação de legítima. Cláusula de inalienabilidade e usufruto. Morte dos doadores. 1. Controvérsia acerca da possibilidade de cancelamento de cláusula de inalienabilidade instituída pelos pais em relação ao imóvel doado aos filhos. 2. A doação do genitor para os filhos e a instituição de cláusula de inalienabilidade, por representar adiantamento de legítima, deve ser interpretada na linha do que prescreve o art. 1.848 do CCB, exigindo-se justa causa notadamente para a instituição da restrição ao direito de propriedade. 3. Possibilidade de cancelamento da cláusula de inalienabilidade após a morte dos doadores, passadas quase duas décadas do ato de liberalidade, em face da ausência de justa causa para a sua manutenção. 4. Interpretação do art. 1.848 do Código Civil à luz do princípio da função social da propriedade. 5. Recurso especial provido (REsp 1.631.278/PR (2016/0265893-1)). Bem verdade que, a despeito dessa controvérsia, em relação à cláusula de incomunicabilidade, somente tem pertinência a discussão diante de donatários casados no regime de comunhão total de bens. Caso contrário, a incomunicabilidade decorre de lei, inexistindo, em tese, necessidade de imposição de restrição e declinação de justa causa, muito embora essa seja uma providência recomendável, conforme já tivemos oportunidade de mencionar. Ainda mais intrincada é a discussão sobre a abrangência do termo “justa causa”. Singelamente, questiona-se: “O que é considerado justa causa para que as cláusulas restritivas sejam válidas?”. Infelizmente, o legislador não deixou o conceito claro, imputando ao intérprete do direito a responsabilidade de definir seus contornos. Diante

dessa constatação, é oportuno avaliar o entendimento da doutrina sobre o assunto. Parece bem assentada a opinião de que não são válidas as declarações genéricas de justa causa, como afirmar que são impostas com o intuito de “proteger os bens doados”. Essa interpretação é compartilhada por Mauro Antonini (2015, p. 2126): Não serão válidas, por conseguinte, indicações genéricas, sem singularidade em face do herdeiro que sofrerá a restrição; nem puramente subjetivas, que impeçam a referida apreciação posterior. O que significa, por exemplo, que não atenderá ao requisito da explicitação da justa causa a imposição de inalienabilidade mediante simples afirmação de que visa à proteção do herdeiro, pois essa é a finalidade genérica da cláusula, sem nenhuma especificidade em face de um determinado testamento. Ainda exemplificando, também será insuficiente a alegação de que o cônjuge herdeiro, na cláusula de incomunicabilidade, não é pessoa confiável, sem indicação de algum aspecto passível de apreciação objetiva. A jurisprudência, sempre útil em questões de natureza controversa, acaba por jogar alguma luz nessa discussão, como ocorreu, por exemplo, no julgamento do Agravo de Instrumento 0140249-21.2011.8.26.0000, pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que dispôs expressamente ser justa causa a seguinte declaração: (...) o árduo trabalho desenvolvido durante toda a sua vida profissional que possibilitou a aquisição de seus bens. Deseja proteger seu tronco familiar vez que seu filho e netos poderão ser induzidos a relações ou negócios que dilapidem o patrimônio tão arduamente construído. Aspecto relevante e origem de muitos inconvenientes é que, ao declarar o justo motivo de maneira detalhada, o doador ou testador poderá causar certo

desconforto no meio familiar, pois os motivos muitas vezes podem ser considerados injustos ou até mesmo constrangedores pelos herdeiros, conforme bem reparou Silvio Rodrigues (2003, p. 127): Não basta que o testador aponte a causa. Ela precisa ser justa, podendo-se imaginar a pletora de questões que essa exigência vai gerar, tumultuando os processos de inventário, dado o subjetivismo da questão. Se o testador explicou que impõe a incomunicabilidade sobre a legítima do filho porque a mulher dele não é confiável, agindo como caçadora de dotes; ou se declarou que grava a legítima da filha de inalienabilidade porque esta descendente é uma gastadora compulsiva, viciada no jogo, e, provavelmente, vai dissipar os bens, será constrangedor e, não raro, impossível concluir se a causa apontada é justa ou injusta. Portanto, estamos diante de um terreno arenoso, o que muitas vezes acaba por resultar na imposição dessas cláusulas restritivas por parte do doador ou testador apenas a parte disponível do patrimônio, que dispensa a declaração de justa causa, não fazendo qualquer referência acerca da parte legítima, evitando os constrangimentos já mencionados. EXEMPLO DE CLÁUSULA EM TESTAMENTO INDICANDO A JUSTA CAUSA PARA AS RESTRIÇÕES

PRIMEIRO: Que todos os bens que compuserem a herança, sejam da legítima ou da parte disponível da filha ora nomeada, ficarão gravados com a cláusula restritiva de incomunicabilidade, em caráter vitalício, extensiva aos respectivos frutos e rendimentos destes bens, assim como o produto da alienação deles, deverão permanecer gravados com a cláusula restritiva de incomunicabilidade. SEGUNDO: Em atendimento ao disposto no art. 1.848 do Código Civil Brasileiro, o

testador justifica a imposição da cláusula de incomunicabilidade, na forma antes descrita, considerando a necessidade de preservar a integridade do patrimônio familiar, tanto sob o aspecto das incertezas do mundo dos negócios, onde, sem desdouro para os mesmos, o sucesso é absolutamente incerto e fugaz e da mesma forma, visa também a resguardar o patrimônio familiar, construído ao longo da vida do testador, o que certamente beneficiará seus herdeiros diretos aqui e respectiva prole, o que também se justifica pelo bom senso em proteger os descendentes quanto ao futuro. Para finalizar, todas essas intrincadas questões servem de justificativa para a elaboração de um planejamento sucessório detalhado, conduzido por profissionais capazes e mediante o acompanhamento diligente dos membros familiares, aumentando a probabilidade de sucesso.

____________ 1

Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/? componente=ITA&sequencial=187671&num_registro_2019011&data=20191203&formato=PDF. Acesso em: 27 jul. 2022.

2

Parte majoritária da doutrina se posiciona no mesmo sentido, embora haja quem discorde dessa interpretação, como é o caso de Maria Berenice Dias (2013). Indica-se a leitura do inteiro teor da decisão do Recurso Especial 1.368.123-SP, porquanto todas as correntes doutrinárias a respeito da interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil são ali analisadas.

3

Disponível para consulta no site do Superior Tribunal de Justiça: www.stj.jus.br/portal/site/STJ.

4

Os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

5

Cônjuge supérstite é o sobrevivente.

6

Aquela imposta pela lei e não em decorrência de acordo de vontades do casal.

7

Nada impede, porém, que as partes atribuam outro regime de bens ao celebrar escritura pública, reconhecendo a união estável.

8

Nesse sentido, é peculiar o julgamento pelo STJ do REsp 1.391.954/RJ. Embora não trate do direito à indenização por serviços domésticos, mas sim à indenização por seguro de vida, o Tribunal é claro ao estabelecer que nosso ordenamento jurídico consagra monogamia e fidelidade, não sendo compatíveis os pedidos indenizatórios no contexto do concubinato. Ainda pertinente a decisão no RE 883168 do STF, Tema 526 onde fixada a seguinte tese: “É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável”.

9

Conforme o art. 1.647 do CC. Há, ainda, dúvidas sobre a participação final dos aquestos que, embora não mencionada no texto legal como exceção a necessidade de autorização, caracteriza-se por, durante o casamento, ter características do regime de separação total de bens.

10

Conveniente ressaltar que, em relação ao cônjuge e ao regime de comunhão parcial de bens, há muitas controvérsias, conforme visto no tópico Regime de casamento e direito dos cônjuges no divórcio e na sucessão. Estamos adotando o entendimento lá exposto, consoante recente decisão do Superior Tribunal de Justiça dantes citada.

11

Não obstante seja uma prática usual, é importante destacar que a legitimidade da distinção entre

filhos no que toca à herança é controversa, em razão do quanto dispõe o § 6º do art. 227 da CF. Nesse sentido, há decisões judiciais que concluem que a distinção fere a Constituição, tornando nula a declaração de última vontade do testador. Cite-se, como exemplo, decisão proferida pelo MM. Juiz Milton Biagioni Furquim da Vara Cível da Comarca de Guaxupé (MG), que afirma de forma expressa o seguinte: “A Constituição Federal de 1988 aboliu toda diferenciação entre filhos legítimos, ilegítimos ou adotados, sem qualquer ressalva de situações preexistentes. Todos os filhos passaram a ter os mesmos direitos e igualdade de condições, inclusive quanto a direitos sucessórios”. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/processo-testamento-guaxupe.pdf. Acesso em: 20 set. 2022. 12

Conforme nota de rodapé anterior, é controversa a possibilidade de distinção entre os filhos, em razão da previsão contida no § 6º do art. 227 da CF, o que demanda análise atenta e acompanhamento da evolução da jurisprudência sobre o assunto.

13

Trataremos do planejamento tributário no Capítulo 4.

14

A isenção na distribuição de lucro e dividendos se aplica inclusive quando o rendimento é auferido pelo usufrutuário.

Capítulo 3 ASPECTOS SOCIETÁRIOS 1.

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, serão abordadas as nuances societárias que envolvem a constituição e manutenção de uma sociedade holding e as principais espécies societárias dessas empresas, destacando-se as vantagens e desvantagens de cada uma. Também, serão discutidas as cláusulas essenciais do contrato social da sociedade e o acordo de acionistas e quotistas. Por fim, será apresentada a polêmica questão da desconsideração da personalidade jurídica e sua vertente “desconsideração inversa”. Ao final, será possível ter ciência das principais espécies societárias disponíveis para a constituição de uma holding, podendo identificar suas diferenças, vantagens e desvantagens, conhecer as cláusulas essenciais que devem constar no contrato social, bem como o fundamento jurídico e a importância do acordo de acionistas e quotistas. Conhecendo as particularidades envolvendo cada espécie societária, o leitor poderá estar afeto aos riscos envolvidos em razão da desconsideração da personalidade jurídica, inclusive na modalidade inversa.

2.

TIPO SOCIETÁRIO DA HOLDING

Embora o tema somente tenha captado a atenção do empresariado nacional de forma mais significativa recentemente, desde 1976, existe previsão na legislação nacional sobre Holding. Ainda que o termo não seja

expressamente citado, sua introdução no cenário legal local deu-se pela Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades por Ações ou LSA), que, em seu art. 2º, § 3º, estabeleceu: “a companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades...”. Essa previsão contida na LSA não significa, absolutamente, que uma empresa, cujo objeto seja participar de outras, tenha que, necessariamente, ser constituída na forma de sociedade anônima. Como se verá ao longo deste livro, não há vedação legal para que uma Holding seja constituída na forma de sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada (Ltda.), ou mesmo por outros tipos societários. O fato de a Lei 6.404/1976 ser chamada de Lei das Sociedades Anônimas não indica que se aplique, exclusivamente, sobre esse tipo societário, como será apresentado mais adiante. Apesar da constatação de sua previsão no ordenamento jurídico nacional por essa lei, o termo holding e, principalmente, suas derivações (holding familiar, holding patrimonial, entre outras) ganharam destaque no mundo jurídico e empresarial de modo recente, fruto da promessa de uma suposta proteção legal que essa espécie tipo empresarial pode proporcionar. De qualquer forma, o termo holding não está presente expressamente em nosso ordenamento jurídico, da mesma maneira que não se configura como um tipo societário específico. Efetivamente, nomeia-se como Holding uma empresa cujo propósito seja a participação em outras sociedades, conforme delimitado pela Lei 6.404/1976. Dizendo isso de outra forma, a denominação tem origem no objetivo que se pretende atingir com a constituição da empresa, seu propósito particular, e não em razão do tipo societário escolhido.

VOCÊ SABIA? Muito se comenta sobre a Sociedade em Conta de Participação (SCP), cuja disciplina legal encontra-se nos arts. 991 a 996 do CC. Entretanto, a SCP é uma

sociedade atípica, que independe de qualquer formalidade e pode provar-se por todos os meios de direito. Conforme dispõe o art. 991 do CC, a atividade constitutiva do objeto social da SCP é exercida unicamente pelo sócio ostensivo, em seu nome individual e sob sua própria e exclusiva responsabilidade, participando os demais dos resultados correspondentes. Isso inclui a contabilização e a tributação das atividades exercidas pela SCP, que é realizada pelo sócio ostensivo, sendo os resultados distribuídos na forma de lucros entre todos os sócios, incluídos aí aqueles denominados ocultos. É possível o manejo da SCP em planejamentos patrimoniais, especialmente envolvendo empreendimentos imobiliários, contudo em ocasiões bastante específicas. Disso decorre que uma holding pode ser constituída por diversos tipos societários, tal qual é o caso da sociedade limitada, sociedade anônima, sociedade limitada unipessoal, entre outras. A opção por um tipo societário em detrimento de outro depende dos objetivos e necessidades que justificam sua constituição, além de aspectos práticos jurídicos que serão discutidos a seguir.

2.1

Sociedade simples e sociedade empresária

É indispensável para uma melhor compreensão dos temas que serão abordados no decorrer desse capítulo, iniciarmos com uma breve análise envolvendo a distinção entre Sociedade Simples e Sociedade Empresária, na medida em que uma sociedade Holding pode ser constituída em ambos os formatos. O conceito de “sociedade” está descrito no Código Civil, no Capítulo Único (Disposições Gerais) do Título II (Da Sociedade), em seu art. 981, e assim descreve:

Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. A definição apresentada em referido artigo é clara, registrando que para haver uma sociedade, em princípio, é necessária a celebração de um contrato, onde as partes com o mesmo objetivo se comprometem a contribuir com bens e serviços, exercendo alguma atividade econômica e partilhando o resultado desta união e contribuição recíproca. Importante destacar que esse dispositivo legal contém exceção introduzida pela Lei 13.874/2019, que modificou o art. 1.052 do CC por meio da introdução do § 1º, o qual estabelece que a “sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas”. Significa dizer que é desnecessário para o estabelecimento de uma sociedade a presença de duas ou mais partes que “contratem sociedade”, na medida em que, na hipótese da sociedade limitada unipessoal (SLU), estamos diante de uma sociedade por ficção jurídica, inexistindo contrato, mas sim um documento de constituição de sócio único em que, por força do § 2º do art. 1.052, se aplicam as disposições do contrato social. Ademais, é importante notar que a sociedade anônima não é constituída por meio de contrato entre as partes, mas sim por meio de estatuto, sendo aplicável para esse tipo societário, a Lei 6.404/1976, em detrimento do Código Civil. De toda forma, podemos extrair dessa discussão que uma sociedade tem como pressuposto, regra geral, a união de esforços comuns, pelo qual as partes se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados. Por sua vez, a diferenciação de uma Sociedade Empresária para uma Sociedade Simples, é destacada pelo art. 982 do mesmo Código, onde se lê: Art. 982. Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a

sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais. Parágrafo único. Independentemente de seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa. De acordo com o quanto previsto, a Sociedade Empresária está descrita e caracterizada pelo exercício da atividade própria de empresário sujeito à inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade (art. 967 do CC). Já a Sociedade Simples é aquela que, por exclusão, não se enquadra no conceito de sociedade empresária. Sendo assim, diante da definição colocada pelo Código Civil, necessária a conceituação de empresário, para entendermos o escopo da Sociedade Empresária, o que, por exclusão, definirá a Sociedade Simples. Nesse sentido, empresário é aquele que se enquadra na definição contida no Código Civil em seu art. 966 e seu parágrafo único, que assim dispõe: Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. Considerando esse dispositivo legal, Sílvio de Sá Venosa e Cláudia Rodrigues (2020, p. 21) sintetizam e definem as características do Empresário como: A profissionalidade decorre da exploração não ocasional dessa atividade; essa conduta ou atividade não pode exaurir-se em um ato singular, mas deve consistir em série de atos para atingir um objetivo

comum. A profissionalidade indica, destarte, a habitualidade no exercício da empresa. A organização a que o legislador se refere, embora natural do conceito econômico de empresário, representa o aparato produtivo que coordena os meios de produção (PAOLUCCI, 2008, p. 5) por meio da reunião de quatro fatores de produção: capital, mão de obra, tecnologia e insumos. Assim, o empresário se vale do trabalho de outras pessoas, capitaliza-se com recursos próprios ou de terceiros e com esse capital e trabalho busca um fim produtivo, com intuito de lucro. Sem essa organização, a atividade econômica não será considerada profissional e, portanto, não será abrangida pelo direito empresarial. Igualmente oportuna é a lição de Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede (2022, p. 28), que ilustram a sutileza da distinção, o que pode causar, inclusive, situações inusitadas: Por força do artigo 982 do Código Civil brasileiro, as sociedades dividem-se em dois tipos: sociedades simples e sociedades empresárias. Essa divisão resulta da adoção, entre nós, da teoria da empresa. Assim, parte-se do pressuposto de que há um tipo específico de atividade negocial que caracteriza empresa: a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. O elemento central seria a organização dos meios sob a forma de empresa, em oposição às atividades negociais que se desenvolvem de forma simples. É uma classificação que dá margem a muitas dúvidas e discussões, havendo uma ampla zona cinza, na qual proliferam as dúvidas sobre certas atividades negociais: seriam simples ou empresárias? Pior: se alguém se pretende empresário, registrando-se na Junta Comercial, não é possível declarar judicialmente o contrário, forçando-o a dar baixa em seu registro. Assim, a maioria das biroscas existentes no país, como bares, armarinhos, mercearias etc., tocados

por uma única pessoa, tem por titular uma pessoa natural (empresário) ou pessoa jurídica (sociedade) registrada na Junta Comercial. Portanto, de acordo com o previsto na legislação e considerando as lições acima, para que se tenha uma sociedade empresária, faz-se necessária a figura do empresário, que pode ser uma pessoa física ou jurídica, que de forma organizada, investe na empresa, por meio de capital e ou o entusiasmo do trabalho, com o intuito de obter lucro e atender à demanda de consumo. Isso é feito pela união de fatores de produção múltiplos e não em razão do exercício de atividade de cunho intelectual, cuja condução é centrada nos seus sócios. Do ponto de vista pragmático, contudo, empresário é aquele registrado nas Juntas Comerciais. Ilustrando a diferença, podemos imaginar um hospital que possui máquinas para exames, móveis, ambulâncias, médicos, administradores, enfermeiros, BackOffice, dentre outros fatores de produção e que, claramente, exerce atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, sendo, portanto, uma Sociedade Empresária. Diferente é o caso de uma clínica médica que possui dois sócios médicos que atendem a seus pacientes. Ainda que disponham do auxílio de um secretário ou secretária, é evidente que não há uma organização de diversos fatores de produção, mas sim o exercício de atividade intelectual que se caracteriza como Sociedade Simples. Confirmando essa conclusão, Fábio Ulhoa Coelho (2022, p. 25-26, v. 2) aduz que: Sociedade empresária, por sua vez, é a que explora empresa, ou seja, desenvolve atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços, normalmente sob a forma de sociedade limitada ou anônima. A lição de Fran Martins (2019, p. 151) é igualmente oportuna ao definir

Sociedade Empresária da seguinte forma: Denomina-se sociedade empresária a organização proveniente de acordo de duas ou mais pessoas, que pactuam a reunião de capitais e trabalho para um fim lucrativo. A sociedade pode advir de contrato ou de ato correspondente; uma vez criada, e adquirindo personalidade jurídica, a sociedade se autonomiza, separando-se das pessoas que a constituíram. O Código Civil descortina o mesmo espírito, conforme o art. 982 do diploma normativo, porém só reconhece o caráter empresarial por meio de registro; sem a respectiva feitura ditas sociedades são consideradas em comum, a teor dos artigos 986 e seguintes do citado Códex. Desse modo, e tendo em vista a definição de empresário, característica que define a Sociedade Empresária, por exclusão, podemos afirmar que a Sociedade Simples se caracteriza pelo emprego de duas ou mais pessoas que se conectam por compartilharem os mesmos objetivos, normalmente o de prestar serviço, geralmente de natureza intelectual, sem a organização de diversos fatores de produção, conforme podemos extrair do parágrafo único do art. 966 do CC. Referido parágrafo, alinhando-se à conceituação acima descrita, estipula que, para haver uma sociedade empresária, faz-se necessária a organização da atividade exercida, sendo esse o elemento caracterizador de empresa, pois, a contrário sensu, se for uma atividade intelectual, científica, literária ou artística, sem a característica da empresa e do empresário, não é considerada Sociedade Empresária, mas sim Sociedades Simples. Novamente é oportuna a lição de Fran Martins (2019, p. 210), para quem a Sociedade Simples é assim conceituada: Define-se a sociedade simples como sendo aquela constituída por

duas ou mais pessoas, mediante escrito particular, ou público, de finalidade não empresarial, caracteristicamente de pessoas, podendo destinar-se à determinada atividade profissional, ou ser supletivamente adotada por outro modelo societário. Igualmente salutar a lição de Amador Paes de Almeida (2018, p. 125), a classificar a Sociedade Simples nos seguintes termos: Sociedade simples, ao revés, é aquela que não possui estrutura empresarial, faltandolhe, pois, a organização dos fatores de produção. Toda empresa pressupõe uma organização composta da reunião dos diversos fatores da produção, a saber: elemento subjetivo (o empresário); elemento objetivo (o estabelecimento); ele mento corporativo (os empregados) e elemento funcional (a atividade). A sociedade que não se utiliza de tais elementos é denominada sociedade simples, que, em conformidade com o que dispõe o art. 983 do Código Civil, pode constituirse na forma das sociedades em nome coletivo, em comandita simples e limitada, sem que isso, entretanto, altere sua natureza jurídica. O autor (2018, p. 125) ainda distingue didaticamente ambas as espécies de sociedade, resumindo: Sociedade empresária é a sociedade regular ou de direito (personalizada) que explora atividade econômica organizada. Sociedade simples é aquela que não possui estrutura empresarial, ou seja, empresário, estabelecimento, empregados e atividade – os elementos constitutivos da empresa. Feita essa análise, podemos apresentar esquematicamente as principais diferenças entre Sociedade Empresária e Sociedade Simples:

Importante ainda observar que uma Sociedade Simples pode ser classificada como “pura” ou “impura”. A Sociedade Simples “pura” é aquela em que não é adotado nenhum tipo societário específico, como, por exemplo, sociedade simples limitada. Consequentemente, a Sociedade Simples classificada como “impura” é aquela em que se adota um tipo societário próprio. Tal distinção importa na medida em que na Sociedade Simples “pura”, os sócios têm responsabilidade ilimitada, o que significa que o sócio responderá por eventuais dívidas não liquidadas pela sociedade, o que torna essa opção mais arriscada quando comparada com as demais hipóteses previstas em lei. Por outro lado, no caso da Sociedade Simples limitada, por exemplo, é controverso o alcance da responsabilidade dos sócios. Diante das principais diferenças especificadas acima, muito embora a identificação dessa distinção nem sempre seja tarefa simples, ao nosso entender, uma Holding pode ser constituída como Sociedade Empresária ou Sociedade Simples. Esse entendimento é compartilhado por Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede (2022, p. 136): (...) não corresponde à holding um tipo específico de sociedade, nem uma natureza específica, observação essa que alcança as holdings

familiares. Portanto, a holding familiar é caracterizada essencialmente pela sua função, pelo seu objetivo, e não pela natureza jurídica ou pelo tipo societário. Pode ser uma sociedade contratual ou estatutária. O que irá, consequentemente, definir o tipo de sociedade, se empresária ou simples, são os objetivos que serão direcionados para a holding. Ademais, uma Sociedade Simples e uma Sociedade Empresária podem ser constituídas conforme diversos tipos societários distintos, a saber: Sociedade Empresária (art. 983 do CC)

Sociedade Simples (art. 966, parágrafo único, do CC)

Sociedade Limitada (arts. 1.052 a 1.087 do CC)

Sociedade comum (arts. 986 a 990 do CC)

Sociedade Anônima (Lei 6.404/1976)

Sociedade Limitada (arts. 1.052 a 1.087 do CC)

Sociedade em Nome Coletivo (arts. 1.039 a 1.044 do CC)

Sociedadwe em Nome Coletivo (arts. 1.039 a 1.044 do CC)

Sociedade em Comandita Simples (arts. 1.045 a 1.051 do CC)

Sociedade em Comandita Simples (arts. 1.045 a 1.051 do CC)

Sociedade em Comandita por Ações (arts. 1.090 a 1.092 do CC)

Sociedade Cooperativa (arts. 1.093 a 1.096 do CC)

Sociedade Limitada Unipessoal (Lei 13.874/2019)

Sociedade Limitada Unipessoal (Lei 13.874/2019)

VOCÊ SABIA? As Sociedades Empresárias podem solicitar recuperação judicial e estão submetidas ao regime falimentar previsto na Lei 11.101/2005, ao contrário do

que ocorre com as Sociedades Simples, que estão submetidas ao regime da insolvência civil. Nesse contexto, é conveniente destacar que no âmbito dos planejamentos patrimoniais é natural o uso de sociedades empresariais e simples, contudo, em relação ao tipo societário, é mais comum a opção pela sociedade anônima, sociedade limitada e sociedade limitada unipessoal, motivo pelo qual iremos restringir nossa análise aos três tipos societários em questão, o que iniciaremos a partir da próxima seção.

2.2

Sociedade limitada

A sociedade limitada é amplamente conhecida pela característica que lhe adjetiva: limitação da responsabilidade de seus sócios. No decorrer deste capítulo, serão abordadas essa e outras características essenciais desse tipo societário.

2.2.1

Por que limitar a responsabilidade dos sócios?

Desde os primórdios da civilização, o exercício de atividade comercial se mostrou fundamental para o desenvolvimento socioeconômico e cultural dos povos. Embora não seja regra, é possível constatar uma correlação positiva entre o desenvolvimento econômico e o cultural de diversas civilizações ao longo da história, resultando em sociedades em que o avanço em uma dessas áreas se atrelava ao de outra. Ocorre, contudo, que toda atividade comercial traz consigo ameaças àqueles que optam pelo seu exercício. É óbvio que essa opção se dá pelo suposto entendimento de que os possíveis benefícios são superiores aos riscos do negócio, o que implicaria, portanto, prêmio pela ousadia. Vale dizer, em outras palavras, que quanto maior o risco do negócio, maior deve ser a possibilidade de lucro; eis que em condições normais, ninguém deveria optar

por um negócio cujo risco é muito maior do que o possível benefício. Em razão disso, para um desenvolvimento econômico adequado, é indispensável a existência de mecanismos que reduzam os riscos inerentes ao exercício da atividade comercial, sob pena de fadar a sociedade ao insucesso, ao menos do ponto de vista econômico e até mesmo cultural, dada a correlação assumida inicialmente. Um desses mecanismos é a limitação da responsabilidade do empresário pelos atos realizados no exercício dessas atividades, que visa, justamente, a estimular a prática empresarial ao fornecer proteção ao patrimônio pessoal de seus sócios. Coelho (2022, p. 172) sintetiza muito bem esse raciocínio ao afirmar que é justo o direito de estabelecer certas proteções aos empresários, conforme relato mencionado a seguir: A limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais pode parecer, à primeira vista, uma regra injusta, mas não é. Como o risco de insucesso é inerente a qualquer atividade empresarial, o direito deve estabelecer mecanismos de limitação de perdas, para estimular empreendedores e investidores à exploração empresarial dos negócios. Se o insucesso de certa empresa pudesse sacrificar a totalidade do patrimônio dos empreendedores e investidores (pondo em risco o seu conforto e de sua família, as reservas para futura educação dos filhos e sossego na velhice), é natural que eles se mostrariam mais reticentes em participar dela. O prejuízo seria de todos nós, já que os bens necessários ou úteis à vida dos homens e mulheres produzem-se nas empresas. Ao estabelecer a separação do patrimônio dos sócios e da sociedade, prevendo responsabilização limitada, o Direito acaba por proteger não apenas os casos particulares, mas sim toda a sociedade, que se beneficia de seus resultados indiretamente por meio da criação de empregos, oferta de

produtos, arrecadação de tributos, entre outros benefícios. Ainda com relação ao estímulo do desenvolvimento da atividade comercial, este tipo societário possibilita, diante da redução do risco do negócio originado pela limitação das responsabilidades dos sócios às obrigações sociais da empresa, a diminuição do valor agregado do produto desenvolvido ou serviço oferecido, pois, quanto menor o risco do negócio, menor será a exigência de prêmio pelo risco assumido, o que refletirá nos preços dos produtos e serviços ofertados. Sobre esse estímulo, novamente convém se valer do sempre preciso escólio de Coelho (2022, p. 387): A limitação da responsabilidade dos sócios é um mecanismo de socialização, entre os agentes econômicos, do risco de insucesso, presente em qualquer empresa. Trata-se de condição necessária ao desenvolvimento de atividades empresariais, no regime capitalista, pois a responsabilidade ilimitada desencorajaria investimentos em empresas menos conservadoras. Por fim, como direito-custo, a limitação possibilita a redução do preço de bens e serviços oferecidos no mercado. Fica evidente, portanto, que a limitação da responsabilidade é um indispensável mecanismo de incentivo ao desenvolvimento econômico da sociedade, justificando a proteção legal. É ingênua a reflexão de que, assim agindo, o legislador concederá privilégios aos empresários, pois aquilo que parece ser uma proteção particular é na verdade uma norma que beneficia coletivamente a sociedade.

VOCÊ SABIA? Aceita-se como origem das sociedades limitadas uma lei alemã de 1892. No Brasil, o Decreto 3.708/2019 dispõe expressamente sobre esse tipo de sociedade

e sua evolução é notável com o decorrer do século. Para uma visão histórica desse tipo de sociedade é indicada a leitura do artigo de João Luis Nogueira Matias, disponível no Qr-code a seguir:

2.2.2

Características da sociedade limitada

A sociedade limitada foi introduzida no Brasil pelo Decreto-lei 3.708/1919, tendo sido regulada por essa norma até a entrada em vigor da Lei 10.406/2002 (Código Civil), quando passou a ser regida, especialmente, pelos arts. 1.052 a 1.087. De outro lado, a Lei 6.404/1976 (Lei das Sociedades Anônimas) pode ser aplicada naquilo que não contradiz o Código Civil, de forma complementar à sociedade limitada, desde que haja previsão contratual nesse sentido, conforme expressamente mencionado no parágrafo único do art. 1.053 do Código Civil. Em princípio, até o surgimento da Eireli e, mais recentemente, da sociedade limitada unipessoal, esse tipo de sociedade era formado exclusivamente por duas ou mais pessoas, com atos sociais registrados, quando do tipo empresária, na Junta Comercial competente. Seu capital social é dividido por quotas, não necessariamente de forma proporcional, sendo a responsabilidade dos sócios limitada ao valor total das quotas subscritas, conforme prevê o art. 1.052 do Código Civil, que diz: Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente

pela integralização do capital social. Embora existam outras características marcantes da sociedade limitada, as quais serão abordadas no decorrer deste tópico, certamente a limitação da responsabilidade dos sócios acaba por torná-la atraente ao empresariado. Há que se ressaltar, entretanto, que essa limitação não é absoluta, comportando exceções e não se revestindo de garantia intransponível para proteger os sócios de toda a sorte de dívidas, especialmente se forem consideradas aquelas decorrentes de atos fraudulentos, que podem ter como consequência a desconsideração da personalidade jurídica, a ser analisada em tópico próprio. A par dessa ressalva, esse tipo societário atende de forma mais adequada à maioria do empresariado por ter outras características atrativas, como maior facilidade para sua constituição e administração, além de ser menos burocratizada, possuindo custo de constituição e manutenção moderado. Isso se torna ainda mais evidente quando comparada com a sociedade anônima, mais complexa tanto para sua constituição, como para sua administração, o que acarreta a elevação de seus custos. Tanto é verdade que, no cenário nacional, a ampla maioria dos empresários opta pela sociedade limitada, sendo bastante presente, em especial, em empresas de pequeno e médio porte. Esse contexto pode mudar em decorrência da Lei Complementar 182/2021, que instituiu o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, trazendo medidas que reduzem o custo de manutenção das sociedades anônimas, conforme trataremos oportunamente. Retornando à trilha central, merece detida atenção a distinção entre os termos subscrição e integralização do capital social, motivo de algumas dúvidas, especialmente entre os não habituados com o assunto. Singelamente explicando, a subscrição ocorre preliminarmente à integralização, sendo o ato pelo qual a pessoa assume a obrigação de contribuir para a formação do capital social, recebendo em troca quotas sociais que representem o montante dessa contribuição.

Por sua vez, a integralização representa a efetiva entrega do capital subscrito, em cumprimento à obrigação anteriormente assumida. Necessário dizer que a integralização pode ocorrer no ato da constituição da sociedade ou posteriormente, conforme definido no contrato social da pessoa jurídica. Graficamente, portanto, temos:

Eventual estipulação de prazo para a efetiva integralização do montante subscrito tem cunho obrigacional, sendo o inadimplente denominado “sócio remisso”, devendo arcar com as consequências estipuladas pelos arts. 1.004 e 1.058 do Código Civil, a seguir reproduzidos: Art. 1.004. Os sócios são obrigados, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, e aquele que deixar de fazê-lo, nos trinta dias seguintes ao da notificação pela sociedade, responderá perante esta pelo dano emergente da mora. Parágrafo único. Verificada a mora, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, aplicando-se, em ambos os casos, o disposto no § 1º do art. 1.031. Art. 1.058. Não integralizada a quota de sócio remisso, os outros

sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas. Portanto, no caso de omissão de um dos sócios em integralizar o capital subscrito, os demais podem retomar suas quotas ou transferi-las a terceiros, excluindo o remisso do quadro societário, e devolvendo-lhe eventual valor pago. Alternativamente, podem os remanescentes deliberar por reduzir a quota ao montante já realizado. É importante que se diga que, subscrito e não integralizado o capital social, todos os sócios passam a ser responsáveis solidariamente por sua integralização, de acordo com o que prescreve o art. 1.052 do Código Civil: Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. Com o fito de melhor esclarecer essa questão, segue entendimento doutrinário de Negrão (2022, p. 390): Nesse tipo societário, se cada sócio integralizar a parte que subscreveu do capital social – se cada um deles ingressar com o valor prometido no contrato – nada mais podem exigir os credores. Entretanto, se um, alguns ou todos deixarem de entrar com os fundos que prometeram, haverá solidariedade sobre eles, pelo total da importância faltante, perante a sociedade e terceiros. Nessa mesma linha, resume Maximilianus Cláudio Américo Führer (2002, p. 43). Confira: Na sociedade por cotas de responsabilidade limitada, cada cotista, ou

sócio, entra com uma parcela do capital social, ficando responsável diretamente pela integralização da cota que subscreveu, e indiretamente e subsidiariamente, pela integralização das cotas subscritas por todos, por todos os outros sócios. Uma vez integralizada as cotas por todos os sócios, nenhum deles pode ser mais chamado para responder com seus bens particulares pelas dívidas da sociedade. A responsabilidade, portanto, é limitada à integralização do capital social. É interessante se valer do texto de cláusulas do contrato social, exemplificadas a seguir, que dispõem sobre a integralização do capital social. A primeira delas prevê que o capital subscrito está sendo integralizado no ato da constituição da sociedade, e a seguinte prevê prazo para a prática do ato. Cláusula sexta: O Capital Social subscrito é totalmente integralizado neste ato, sendo R$ 5.000,00 (cinco mil reais) em moeda corrente do País e R$ 175.000,00 (cento e setenta e cinco mil reais) através de incorporação dos bens relacionados abaixo. (...) Cláusula sexta: O Capital Social subscrito será integralizado em moeda corrente do país até 20/11/2016, no valor de R$ 100.000,00, pelo sócio XXX e R$ 75.000,00 pelo sócio YYY. Muito embora na sociedade limitada prepondere o entendimento de que nesse tipo societário prevalece a relação pessoal, sendo caracterizada como sociedade de pessoas, é importante distinguir das chamadas sociedades de capital. A sociedade de pessoas é aquela em que se sobressaem os atributos individuais dos sócios, as afinidades pessoais, a sintonia de vontades e a mútua confiança das pessoas que a compõem. Difere da sociedade de capital, como é o caso da sociedade anônima, uma vez que, nesse tipo societário, a contribuição material é mais relevante que as características pessoais de seus

acionistas (COELHO, 2022, p. 135). Tavares Borba (2022, p. 75/76) complementa essa noção com clareza, permitindo o fácil entendimento acerca da distinção entre a sociedade de pessoas e a de capital. Vejamos: As sociedades de pessoas têm no relacionamento entre os sócios a sua razão de existir. A vinculação entre os sócios funda-se no intuitu personae, ou seja, na confiança que cada um dos sócios deposita nos demais. As cotas são assim, intransferíveis, a fim de que não ingresse um estranho na sociedade, ressalvados naturalmente os casos em que haja a unânime concordância dos demais sócios. Nas sociedades de capitais inexiste esse personalismo. Cada um dos sócios é indiferente à pessoa dos demais. O que ganha relevância nessa categoria de sociedade é a aglutinação de capitais para um determinado empreendimento. Desse modo, enquanto na sociedade de pessoas o quadro social deve manter-se constante, na sociedade de capitais a mutabilidade dos sócios é a regra. Na sociedade de pessoas, deste modo, dado seu caráter subjetivo, surge a affectio societatis, que se define como a vontade de união entre os sócios para constituir e manter uma sociedade, obedecendo a seu objeto social e sempre visando ao sucesso do empreendimento. O escólio de Jorge Lobo (2004, p. 51) esclarece melhor os contornos da affectio societatis: (...) a vontade firme de os sócios unirem-se por comungarem de idênticos interesses, manterem-se coesos, motivados por propósitos comuns, e colaborarem, de forma consciente, com a consecução do objeto social da sociedade. A affectio societatis acaba por restringir a entrada de terceiros estranhos

no seu quadro societário, justamente pela exigência do desejo mútuo de seus sócios de unir-se para o exercício da atividade empresarial. Não havendo esse anseio recíproco, não será possível terceiros integrarem o quadro social da empresa. Em geral, isso não ocorre, por exemplo, em uma sociedade anônima, onde a legislação prevê a livre circulação da ação, o que pode resultar na entrada de estranhos no capital social da empresa, ainda que não se verifique qualquer sintonia entre os acionistas. Importante notar, contudo, que a jurisprudência vem evoluindo para reconhecer que, mesmo nas sociedades anônimas, há possibilidade de, a depender do contexto, haver affectio societatis, a permitir, inclusive, a dissolução parcial nos moldes do que ocorre com a sociedade limitada, conforme veremos em seção própria. Nos contratos sociais das empresas limitadas, é comum haver estipulações expressas restringindo as participações de terceiros e reforçando a affectio societatis, como exemplificado: CLÁUSULA DÉCIMA – Da Alienação da Sociedade Não é permitido aos sócios a alienação ou cessão de parte ou da totalidade de suas quotas de capital a pessoas estranhas, sem antes oferecê-las aos demais sócios, que, em igualdade de condições, terão o direito de preferência na sua aquisição, na proporção resultante de sua participação no capital social. CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA – Do Falecimento do Sócio Falecendo qualquer dos sócios, a sociedade continuará suas atividades normalmente com os remanescentes. A sociedade é fundada sobre o princípio do afecctio societatis, que deverá estar presente obrigatoriamente em relação a todos os sócios. Tais estipulações são indispensáveis na discussão sobre holding familiar. Isso porque um dos desideratos de sua constituição cinge-se à proteção e perpetuação do patrimônio da família, sendo recomendável que estipulações nesse sentido constem expressamente do contrato social. Esses cuidados são

importantes, uma vez que resguardam a sociedade da entrada de terceiros estranhos em seu quadro social, bem como de eles assumirem sua administração, inclusive em razão de penhora, herança, direitos adquiridos por casamento, união estável, entre outras hipóteses. Igualmente por decorrência da affectio societatis, a legislação civil contém diversas disposições deliberando sobre a saída ou exclusão de sócios. Cite-se, nesse sentido, o quanto disposto no art. 1.028 do CC, que prevê a liquidação da quota do sócio falecido, exceto as hipóteses expressamente contidas em seus parágrafos, a conferir: Art. 1.028. No caso de morte de sócio, liquidar-se-á sua quota, salvo: I – se o contrato dispuser diferentemente; II – se os sócios remanescentes optarem pela dissolução da sociedade; III – se, por acordo com os herdeiros, regular-se a substituição do sócio falecido. O direito de retirada dos sócios também é regulado pelo Código Civil, mormente nos arts. 1.029 e 1.077 a seguir transcritos: Art. 1.029. Além dos casos previstos na lei ou no contrato, qualquer sócio pode retirar-se da sociedade; se de prazo indeterminado, mediante notificação aos demais sócios, com antecedência mínima de sessenta dias; se de prazo determinado, provando judicialmente justa causa. Parágrafo único. Nos trinta dias subsequentes à notificação, podem os demais sócios optar pela dissolução da sociedade. Art. 1.077. Quando houver modificação do contrato, fusão da sociedade, incorporação de outra, ou dela por outra, terá o sócio que dissentiu o direito de retirar-se da sociedade, nos trinta dias subsequentes à reunião, aplicando-se, no silêncio do contrato social antes vigente, o disposto no art. 1.031.

Ainda que o art. 1.029 esteja se referindo à sociedade simples, o entendimento corrente é de que, em casos em que inexistente a afeição entre os sócios, tem aplicação subsidiária à Sociedade de natureza empresária.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Recurso especial. Direito empresarial. Direito societário. Sociedade limitada. Aplicação supletiva das normas relativas a sociedades anônimas. Art. 1.053 do CC. Possibilidade de retirada voluntária imotivada. Aplicação do art. 1.029 do CC. Liberdade de não permanecer associado garantida constitucionalmente. Art. 5º, XX, da CF. Omissão relativa à retirada imotivada na Lei n. 6.404/76. Omissão incompatível com a natureza das sociedades limitadas. Aplicação do art. 1.089 do CC. 1. Entendimento firmado por este Superior Tribunal no sentido de ser a regra do art. 1.029 do CC aplicável às sociedades limitadas, possibilitando a retirada imotivada do sócio e mostrando-se despiciendo, para tanto, o ajuizamento de ação de dissolução parcial. 2. Direito de retirada imotivada que, por decorrer da liberdade constitucional de não permanecer associado, garantida pelo inciso XX do art. 5º da CF, deve ser observado ainda que a sociedade limitada tenha regência supletiva da Lei n. 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas). 3. A ausência de previsão na Lei n. 6.404/76 acerca da retirada imotivada não implica sua proibição nas sociedades limitadas regidas supletivamente pelas normas relativas às sociedades anônimas, especialmente quando o art. 1.089 do CC determina a aplicação supletiva do próprio Código Civil nas hipóteses de omissão daquele diploma. 4. Caso concreto em que, ainda que o contrato social tenha optado pela regência supletiva da Lei n. 6.404/76, há direito potestativo de retirada imotivada do sócio na sociedade limitada em questão. 5. Tendo sido devidamente exercido tal direito, conforme reconhecido na origem, não mais se

mostra possível a convocação de reunião com a finalidade de deliberar sobre exclusão do sócio que já se retirou. 6. Recurso especial provido (REsp 1.839.078/SP (2017/0251800-6)). A exclusão de sócios, ao seu turno, é permitida em casos expressamente previstos na lei, sendo oportuno, sobre o tema, transcrever os arts. 1.030 e 1.085 do CC: Art. 1.030. Ressalvado o disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, pode o sócio ser excluído judicialmente, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente. Parágrafo único. Será de pleno direito excluído da sociedade o sócio declarado falido, ou aquele cuja quota tenha sido liquidada nos termos do parágrafo único do art. 1.026. Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. Parágrafo único. Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa. Diante da exigência do art. 1.085 supramencionado, no sentido de constar do contrato social a possibilidade de exclusão do sócio por justa causa é comum a inclusão de cláusula expressa nesse sentido, conforme exemplo a

seguir: CLÁUSULA XX: Os Sócios representantes da maioria do capital social poderão deliberar pela exclusão de sócio que coloque em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, por justa causa, em reunião especialmente convocada para deliberação do tema, cientificando-se o sócio acusado nos termos da Cláusula X para preparação de sua defesa, observado o disposto na Cláusula Y.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Recurso especial. Direito societário. Ação de dissolução parcial de sociedade. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Cerceamento de defesa. Inexistência. Sócio majoritário. Prática de falta grave. Exclusão. Art. 1.030 do Código Civil de 2002. Sócios minoritários. Iniciativa. Possibilidade. 1. Controvérsia limitada a definir se é possível a exclusão judicial de sócio majoritário de sociedade limitada por falta grave no cumprimento de suas obrigações, mediante iniciativa da maioria dos demais sócios. 2. Nos termos do Enunciado nº 216/CJF, aprovado na III Jornada de Direito Civil, o quórum de deliberação previsto no art. 1.030 do Código Civil de 2002 é de maioria absoluta do capital representado pelas quotas dos demais sócios. 3. Na apuração da maioria absoluta do capital social para fins de exclusão judicial de sócio de sociedade limitada, consideram-se apenas as quotas dos demais sócios, excluídas aquelas pertencentes ao sócio que se pretende excluir, não incidindo a condicionante prevista no art. 1.085 do Código Civil de 2002, somente aplicável na hipótese de exclusão extrajudicial de sócio por deliberação da maioria representativa de mais da metade do capital social, mediante alteração do contrato social. 4. Recurso especial não provido (REsp 1.653.421/MG (2016/0292275-1)).

Nas hipóteses de exclusão, saída voluntária ou morte do sócio em que seja necessária a liquidação de sua participação societária, o art. 1.031 do CC dispõe sobre o procedimento a ser adotado: Art. 1.031. Nos casos em que a sociedade se resolver em relação a um sócio, o valor da sua quota, considerada pelo montante efetivamente realizado, liquidar-se-á, salvo disposição contratual em contrário, com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, verificada em balanço especialmente levantado. § 1º O capital social sofrerá a correspondente redução, salvo se os demais sócios suprirem o valor da quota. § 2º A quota liquidada será paga em dinheiro, no prazo de noventa dias, a partir da liquidação, salvo acordo, ou estipulação contratual em contrário. Esse ponto é especialmente delicado, porquanto há profundas controvérsias a respeito do alcance do termo “situação patrimonial” da sociedade. Não são raros os casos em que há discordância por parte do sócio retirante ou de seus herdeiros a respeito do valor de sua participação societária, o que leva à discussão ao Poder Judiciário, o que costuma se estender por muitos anos. Da mesma forma, muitas vezes a necessidade de liquidação da quota afeta de forma abrupta o caixa da empresa, colocando em risco sua continuidade, sendo recomendável a estipulação detalhada no contrato social dos procedimentos de liquidação e pagamento. Também oportuno lembrar que, embora a preferência dos planejamentos patrimoniais envolva as Sociedades Empresárias, nas Sociedades Simples é igualmente possível a adoção do tipo societário limitada, motivo pelo qual é conveniente apresentar um quadro-resumo destacando algumas características que distinguem a aplicação em cada caso: Sociedade Simples Limitada

Sociedade Empresária Limitada

Conforme dispõe o art. 983 do CC, as Sociedades Simples Limitadas não são empresárias, podem, no entanto, utilizar-se do tipo societário Ltda.

No direito empresarial brasileiro, a Sociedade Empresária Limitada é a mais utilizada, sendo sua disciplina legal contida nos arts. 1.052 a 1.087 do CC.

Conforme art. 997, VI, do CC, a administração da sociedade simples limitada será necessariamente exercida por pessoa natural.

Não há estipulação expressa (vide art. 1.061 do CC) que vede a participação de pessoa jurídica na administração da empresa, sendo esse ponto controvertido na doutrina.

Conforme art. 1.019 do CC, a destituição dos poderes do sócio administrador investido na administração por cláusula expressa do contrato social somente é possível através de ação judicial.

A destituição do sócio administrador, conforme disposto no art. 1.063, § 1º, somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, salvo disposição contratual diversa.

Não existe a previsão de constituição de conselho fiscal na Sociedade Simples Limitada.

De acordo com o art. 1.066 do Código Civil, a constituição de conselho fiscal é facultativa.

É controversa a aplicação à sociedade simples limitada do art. 1.052 do CC, Conforme art. 1.052 do CC, na sociedade limitada, a responsabilidade de quando estipulado no contrato de constituição – nos termos do inciso VII cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem do art. 997 do CC – que a responsabilidade dos sócios é limitada ao capital solidariamente pela integralização do capital social. social. Parte da doutrina admite que a estipulação contratual está restrita à responsabilidade subsidiária ou solidária, especialmente em razão do disposto nos arts. 1.022 a 1.027 do CC. Outros entendem que é possível a estipulação pela limitação da responsabilidade, em razão da aplicação do art. 983 do CC. O sócio remisso responderá perante a sociedade pelo dano emergente da mora. Ainda, poderá a maioria dos demais sócios preferir, à indenização, a exclusão do sócio remisso, ou reduzir-lhe a quota ao montante já realizado, conforme art. 1.004 do CC.

Conforme disposto no art. 1.058 do CC, não integralizada a quota de sócio remisso, os outros sócios podem, sem prejuízo do disposto no art. 1.004 e seu parágrafo único, tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular e devolvendo-lhe o que houver pagado, deduzidos os juros da mora, as prestações estabelecidas no contrato mais as despesas.

Para ceder suas quotas, o sócio depende do consentimento de todos os outros sócios, conforme art. 1.003 do CC.

De acordo com o art. 1.057 do CC, na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou mesmo a estranho, se não houver oposição de titulares de mais de um quarto do capital social.

Segundo o art. 1.010 do CC, quando, por lei ou pelo contrato social, competir aos sócios decidir sobre os negócios da sociedade, as deliberações serão tomadas por maioria de votos, contados segundo o valor das quotas de cada um.

Conforme disposto no art. 999 do CC, na Sociedade simples, as modificações do contrato social que tenham por objeto matéria indicada no art. 997 dependem do consentimento de todos os sócios; as demais podem ser decididas por maioria absoluta de votos, se o contrato não determinar a necessidade de deliberação unânime.

De acordo com o disposto no art. 1.072, § 1º, do CC as deliberações dos sócios, obedecido o disposto no art. 1.010, serão tomadas em reunião ou em assembleia, conforme previsto no contrato social, devendo ser convocadas pelos administradores nos casos previstos em lei ou no contrato. Caso o número dos sócios for superior a dez, a deliberação por meio de assembleia será obrigatória. De acordo com o disposto no art. 1.076 do CC, as deliberações dos sócios serão tomadas por ¾ dos votos, maioria do capital social, ou maioria dos presentes, exceto no caso de designação de administradores não sócios que dependerá de aprovação da unanimidade dos sócios, enquanto o capital não estiver integralizado, e de 2/3, no mínimo, após a integralização, nos termos do art. 1.061 do CC.

Conforme art. 1.085 do CC, quando a maioria dos sócios, representativa de Segundo art. 1.030 do CC, pode o sócio ser excluído judicialmente, mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão

mediante iniciativa da maioria dos demais sócios, por falta grave no cumprimento de suas obrigações, ou, ainda, por incapacidade superveniente, ressalvada a hipótese de sócio remisso (art. 1.004 do CC).

pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa. Aplica-se subsidiariamente, contudo, o art. 1.030 do CC.

A contribuição de sócios, para a constituição do capital social, pode consistir em serviços, conforme disposto no art. 1.006 do CC.

Na Sociedade Limitada, conforme previsto no art. 1.055, § 2º, do CC, é vedada para constituição da sociedade de contribuição que consista em prestação de serviços.

Feitas tais distinções e mantido o foco na Sociedade Empresária Limitada, finaliza-se resumindo as características discutidas anteriormente e mencionando algumas outras, resultando na seguinte listagem, que nos possibilita conhecer os principais atributos desse tipo societário: 1. Conforme disposto no art. 1.052 do Código Civil, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. 2. O capital social é dividido em quotas, que podem ser iguais ou desiguais, podendo um sócio ter uma ou várias quotas do capital. 3. Todos os sócios respondem solidariamente pelo prazo de até cinco anos da data do registro da sociedade, pela exata estimação de bens conferidos ao capital social, nos termos do § 1º do art. 1.055 do Código Civil. 4. É regida pelo Código Civil e, naquilo que não confrontar, pelas normas da sociedade simples ou sociedade anônima, desde que, nesse último caso, seja estabelecido em contrato social essa previsão. 5. Pode ser instituído conselho fiscal com um número de no mínimo três membros, sendo eles sócios ou não, conforme estabelece o art. 1.066 do Código Civil. 6. Em sendo instituído o conselho fiscal, é assegurado aos sócios minoritários, representando 1/5 do capital social, o direito de eleger um de seus membros. 7. Não é permitida a integralização do capital social com contribuição com prestação de serviços. 8. Podem ser previstas no contrato social, restrições à entrada de pessoas estranhas na sociedade. 9. Seus atos constitutivos são arquivados na Junta Comercial de sua sede.

Foram discutidas as características essenciais da sociedade limitada e, por não ser esse o mote principal do livro, essa análise não encerra o estudo sobre o tema. De todo modo nos parece que fica clara a noção de que a sociedade limitada é adequada para os propósitos do planejamento societário a partir da constituição de uma holding familiar, mormente considerando sua limitação de responsabilidade, a proteção contra a entrada de terceiros estranhos, menor

complexidade em relação à sociedade anônima e, consequentemente, menor custo de manutenção.

2.2.3

Sociedade Limitada Unipessoal (SLU)

A Sociedade Limitada Unipessoal foi inicialmente criada por meio da Medida Provisória 881/2019, que, posteriormente, foi convertida na Lei 13.874/2019. Com isso, foi incluído o § 2º no art. 1.052 do CC, a seguir transcrito: Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social. § 1º A sociedade limitada pode ser constituída por 1 (uma) ou mais pessoas. (Incluído pela Lei 13.874, de 2019) § 2º Se for unipessoal, aplicar-se-ão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social. (Incluído pela Lei 13.874, de 2019) Em termos práticos e legais, ela substitui a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (Eireli), que foi introduzida no cenário nacional pela Lei 12.441/2011, modificando o Código Civil e inaugurando a permissão de se constituir empresa unipessoal. Em razão dessa alteração, o Código Civil passou a contar com o art. 980-A, atualmente revogado pela Lei 14.382/2022, que assim dispunha: Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário mínimo vigente no País. Compreende-se que a SLU, tal qual ocorria com a Eireli, representa um

grande avanço à formalização e ao exercício legal da atividade empresarial. Com efeito, a exigência de duas ou mais pessoas para a formação de uma sociedade empresária acabava por desincentivar a atividade produtiva. Como resultado dessa regra, muitos deixavam de exercer a atividade empresarial de maneira formal ou se valiam de terceiros, cuja participação se restringia unicamente ao cumprimento da exigência legal acerca da quantidade de sócios, sendo muito comum a utilização de familiares com esse propósito. Apesar do avanço, a Eireli tinha como inconveniente a exigência, para sua constituição, de capital social mínimo correspondente a cem salários mínimos. Esse requisito a tornava inacessível para algumas pessoas por tratar-se de montante relativamente elevado, especialmente no caso de pequenos empresários em busca de formalização. Já no caso da SLU, não há essa exigência, ou seja, não demanda por capital social mínimo, o que facilita a adoção dessa espécie empresarial. Igualmente, no caso da SLU, ao contrário do que ocorria com a Eireli, não há impedimento para que o empresário tenha mais de uma empresa unipessoal, o que igualmente possibilita uma maior amplitude de possibilidades para o exercício do empreendedorismo, especialmente considerando a limitação da responsabilidade inerente a esse tipo de empresa. Discussão que toma relevo é a possibilidade de uma SLU ter como objeto social a participação em outras sociedades. Dito de outra forma, tal qual ocorria com a Eireli, pode haver dúvidas acerca de uma SLU poder ter a atividade relativa a uma holding. Ao avaliar a legislação que trata desse tipo empresarial, não se encontra qualquer vedação nesse sentido, ressaltando que o legislador, quando desejou fazer qualquer restrição, assim o fez de forma absolutamente expressa, como era o caso do § 2º do art. 980-A do Código Civil, que dispunha que “a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”. Dessa forma, parece claro admitir que a SLU pode ter por objeto

participar de outras sociedades. A bem da verdade, esse tipo societário é relativamente recente e suas nuances ainda estão sendo desvendadas pela doutrina, por nossos Tribunais e pelos órgãos reguladores, porém, atualmente, nada indica que a SLU não possa ser empregada como Holding, muito pelo contrário. Destaca-se que, neste livro, se utiliza a expressão holding na correta acepção jurídica do termo, ou seja, a sociedade que tem por objeto manter participação societária de outras empresas. Sem dúvida, não há vedação legal para a utilização da SLU por empresas cujo objeto social é praticar atividades imobiliárias, por exemplo. Com efeito, essas empresas, embora parte da doutrina tenha convencionado chamar de holding patrimonial – o que pode ser uma imprecisão jurídica – na verdade exercem atividades operacionais como outra qualquer, sendo permitida sua constituição como empresa unipessoal. Prevalecendo esse entendimento, a SLU revela-se uma alternativa para a constituição de uma holding, com a vantagem de sua simplicidade e não exigência de pluralidade de sócios. Ressalte-se que, em geral, uma holding familiar é constituída para compor o planejamento e a organização do patrimônio familiar, uma vez que os sócios são os membros da família, o que preenche o requisito da pluralidade de sócios e acaba por indicar a sociedade de responsabilidade limitada como a melhor alternativa, pelos motivos que serão discutidos ao longo desse livro. De toda forma, aplicam-se à SLU tais discussões, incluindo suas vantagens, abordadas no tópico referente à sociedade limitada pluripessoal. Em resumo, as principais características da SLU são as seguintes: 1. Sociedade Unipessoal, não demandando de sócio para ser constituída. 2. Se empresária, é registrada na Junta Comercial. 3. A responsabilidade é limitada ao capital da Empresa. 4. Não existe a exigência de capital mínimo

5. É possível se constituir mais de uma SLU, no entanto não é permitido constituir uma SLU e, ao mesmo tempo, estar registrado como MEI. 6. Não possui limite de faturamento, ao contrário, por exemplo, do que ocorre com uma MEI. 7. O Regime Tributário pode ser o Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real 8. Não existe impedimento legal para deter participação em outra sociedade, podendo exercer a atividade definida como Holding.

2.3

Sociedade Anônima

A sociedade anônima é disciplinada pela Lei 6.404/1976 e sua constituição realizada com base no estatuto social levado a registro na Junta Comercial do Estado de sua sede. Seu capital social é dividido em ações de livre negociação, sendo a responsabilidade dos acionistas limitada ao valor das ações de sua propriedade, conforme dispõe, a seguir, o art. 1º do referido diploma legal. Art. 1º A companhia ou sociedade anônima terá o capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das ações subscritas ou adquiridas. O estatuto social é o documento base de uma sociedade anônima. Apenas para citar alguns exemplos, é ele quem define o objeto social da empresa, fixa o valor do capital social e o número de ações, descreve as preferências e vantagens das ações preferenciais e, se for o caso, determina a forma das ações e sua conversibilidade, podendo ainda dispor sobre limitações à sua circulação. Tal como ocorre com a sociedade limitada, a subscrição de ações obriga o sócio a fazer a integralização correspondente, nos termos do art. 106 da Lei 6.404/1976, inclusive sujeitando-o às consequências semelhantes às das vistas naquele tipo societário. Com efeito, sobre o acionista remisso, a lei assim dispõe: Art. 107. Verificada a mora do acionista, a companhia pode, à sua escolha:

I – promover contra o acionista, e os que com ele forem solidariamente responsáveis (artigo 108), processo de execução para cobrar as importâncias devidas, servindo o boletim de subscrição e o aviso de chamada como título extrajudicial nos termos do Código de Processo Civil; ou II – mandar vender as ações em bolsa de valores, por conta e risco do acionista. A sociedade anônima deve possuir três órgãos: Conselho fiscal, Assembleia Geral e Diretoria, sendo o primeiro o único cujo funcionamento não precisa ser permanente, devendo constar essa informação no estatuto social. O Conselho Fiscal é um órgão que se destina à fiscalização da Administração da Companhia, sendo o objetivo de seus membros verificar o cumprimento dos deveres legais e estatutários por parte dos administradores, conforme dispõe o art. 163 da LSA. Coelho (2022, p. 225), comentando sobre a finalidade e os objetivos do conselho fiscal, assinala: O conselho fiscal é órgão de assessoramento da assembleia geral, na apreciação das contas dos administradores e na votação das demonstrações financeiras da sociedade anônima. Sua existência é obrigatória, mas seu funcionamento é, em regra, facultativo. Desse modo, o Conselho Fiscal tem o papel primordial de vigiar órgãos de administração da companhia, quanto à sua gestão, legalidade e regularidade de seus atos, disponibilizando aos acionistas dados necessários para o exercício dos direitos de fiscalizar e votar (FAZZIO JÚNIOR, 2015). Gonzalez (2012), ao seu turno, ressalta a importância do conselho fiscal para a boa governança corporativa das empresas, destacando que o órgão deve buscar transparência, prestação de contas e equidade. Já a Assembleia Geral é o órgão de maior relevo na sociedade anônima,

tendo “poderes para decidir todos os negócios relativos ao objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua defesa e desenvolvimento”, conforme disposto no art. 121 da Lei 6.404/1976. Além de a Assembleia Geral ter poderes para discutir sobre todos os negócios relativos ao objeto da companhia, o art. 122 da lei ainda estipula competência privativa para deliberar sobre alguns assuntos, conforme segue: Art. 122. Compete privativamente à assembleia geral: I – reformar o estatuto social; II – eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia, ressalvado o disposto no inciso II do art. 142; III – tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações financeiras por eles apresentadas; IV – autorizar a emissão de debêntures, ressalvado o disposto nos §§ 1o, 2o e 4o do art. 59; V–suspender o exercício dos direitos do acionista (art. 120); VI – deliberar sobre a avaliação de bens com que o acionista concorrer para a formação do capital social; VII – autorizar a emissão de partes beneficiárias; VIII – deliberar sobre transformação, fusão, incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e destituir liquidantes e julgar as suas contas; (Redação dada pela Lei nº 14.195, de 2021) IX – autorizar os administradores a confessar falência e a pedir recuperação judicial; e (Redação dada pela Lei 14.195, de 2021) (...) Por sua vez, a Diretoria deve ser composta por uma ou mais pessoas, sendo que o estatuto da sociedade deve deliberar sobre o número máximo de membros, permanência, atribuições e poderes, nos termos do art. 143 da LSA, a seguir transcrito:

Art. 143. A Diretoria será composta por 1 (um) ou mais membros eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração ou, se inexistente, pela assembleia geral, e o estatuto estabelecerá: I – o número de diretores, ou o máximo e o mínimo permitidos; II – o modo de sua substituição; III – o prazo de gestão, que não será superior a 3 (três) anos, permitida a reeleição; IV – as atribuições e poderes de cada diretor. § 1º Os membros do conselho de administração, até o máximo de 1/3 (um terço), poderão ser eleitos para cargos de diretores. § 2º O estatuto pode estabelecer que determinadas decisões, de competência dos diretores, sejam tomadas em reunião da diretoria. As principais atribuições da diretoria são dirigir a empresa e representar legalmente seus interesses, ou nas palavras de Coelho (2022, p. 223): “... compete aos seus membros, no plano interno, gerir a empresa, e, no externo, manifestar a vontade da pessoa jurídica, na generalidade dos atos e negócios que ela pratica”. Por fim, é obrigatória a existência de conselho de administração na sociedade anônima de capital aberto, ao contrário do que ocorre na fechada, onde o órgão é opcional. O conselho de administração deve ser composto por, no mínimo, três membros, eleitos pela assembleia geral e por ela destituíveis a qualquer tempo, conforme estabelece o art. 140 da Lei 6.404/1976. Ademais, o mesmo artigo da lei dispõe que compete ao estatuto prever o número de conselheiros, a forma que se dá o processo de escolha, o modo de substituição dos membros e o prazo e gestão, que não poderá ser superior a três anos. Gonzalez (2012, p. 101) vê o conselho de administração como um verdadeiro “guardião dos valores e princípios dos acionistas”. A despeito desse escopo principiológico, de todo verdadeiro, sobre as atribuições do conselho de administração, o art. 142 da Lei 6.404/1976 assim dispõe

especificamente: Art. 142. Compete ao conselho de administração: I – fixar a orientação geral dos negócios da companhia; II – eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto; III – fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração, e quaisquer outros atos; IV– convocar a assembleia geral quando julgar conveniente, ou no caso do artigo 132; V– manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria; VI – manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; VII – deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; VIII – autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros; IX – escolher e destituir os auditores independentes, se houver. Ao contrário do que ocorre com a sociedade limitada, que pode ser de pessoas, a anônima é considerada uma sociedade de capital, pois nela se sobressai a relevância da contribuição material dos acionistas em detrimento de suas características pessoais. A importância dessa característica não se limita tão somente à distinção didática ou arbitrária. Decorre disso que, na sociedade anônima, se pressupõe a livre circulação de suas ações, sendo limitadas as hipóteses de restrição à entrada de terceiros estranhos em seu capital social. Essa característica, contudo, vem sendo flexibilizada pela jurisprudência, com grandes impactos no âmbito dos planejamentos

patrimoniais, conforme veremos adiante. Aprofundando essa análise, é oportuno dizer que a sociedade anônima, nos termos do art. 4º da Lei 6.404/1976, pode ser aberta ou fechada, conforme as ações de sua emissão estejam ou não admitidas à negociação no mercado de valores mobiliários. Colaborando para o entendimento sobre o assunto, Bertoldi (2015, p. 242) expõe a principal característica da sociedade anônima de capital aberto: A aberta caracteriza-se pelo fato de buscar recursos junto ao público em geral, oferecendo os valores mobiliários de sua emissão a qualquer pessoa, indistintamente. Regra geral, apenas grandes companhias são sociedades anônimas de capital aberto, com livre negociação de suas ações, uma vez que essas empresas necessitam de grande aporte de capital para financiar suas atividades. Nessa trilha, aduz Coelho (2022, p. 78-79): Essa classificação, fundamental para o direito societário, atende à necessidade de um modelo organizacional da empresa que possibilite a alavancagem de grande volume de capital. Em outros termos, há atividades econômicas que, pelo seu porte, exigem uma alta soma de recursos, e a sua exploração, por isso, depende de um mecanismo jurídico que viabilize a captação deles junto aos investidores em geral. No caso de empresas de pequeno e de médio porte, prevalece quase que a totalidade de sociedade anônima de capital fechado. Nesse caso particular, o estatuto pode prever “limitações à circulação das ações nominativas, contanto que regule minuciosamente tais limitações e não impeça a negociação, nem sujeite o acionista ao arbítrio dos órgãos de administração da companhia ou da maioria dos acionistas”, como expressamente consta no art. 36 da Lei. Observe que, ainda que o estatuto permita restrições, a Lei as condiciona à inexistência de impedimento à negociação das ações, em especial

protegendo o acionista minoritário. No mesmo sentido, na sociedade anônima, o direito de retirada é mais restrito, estando previstas hipóteses taxativas no art. 137 da Lei 6.404/1976. Já o valor do reembolso em caso de retirada pode estar ou não previsto no estatuto social, devendo seguir os limites do art. 45, § 1º, a seguir transcrito: Art. 45. O reembolso é a operação pela qual, nos casos previstos em lei, a companhia paga aos acionistas dissidentes de deliberação da assembleia geral o valor de suas ações. § 1º O estatuto pode estabelecer normas para a determinação do valor de reembolso, que, entretanto, somente poderá ser inferior ao valor de patrimônio líquido constante do último balanço aprovado pela assembleia geral, observado o disposto no § 2º, se estipulado com base no valor econômico da companhia, a ser apurado em avaliação (§§ 3º e 4º). § 2º Se a deliberação da assembleia geral ocorrer mais de 60 (sessenta) dias depois da data do último balanço aprovado, será facultado ao acionista dissidente pedir, juntamente com o reembolso, levantamento de balanço especial em data que atenda àquele prazo. Tais pontos se inserem em um intenso debate acerca da sociedade anônima de capital fechado envolvendo sua similitude com a sociedade de responsabilidade limitada, no que diz respeito à característica do intuitu personae. É que, ao contrário da sociedade anônima de capital aberto, na fechada, como foi visto, é possível estabelecer restrições à livre circulação de ações, o que dificulta a entrada de terceiros estranhos no capital social da empresa e a torna análoga a uma sociedade de pessoas. Esse entendimento é compartilhado por Fabio Konder Comparato (1981, p. 120), que assinala: Se ainda é aceitável classificar a companhia aberta na categoria das sociedades de capitais, pelo seu caráter marcadamente institucional, a

companhia fechada já apresenta todas as características de uma sociedade de pessoas, animada por uma affectio societatis que se funda no intuito personae. Ao contrário da simples consideração dos capitais, na companhia fechada preponderam, tanto entre acionistas quanto perante terceiros, a confiança e a consideração pessoal. Seguindo essa linha, nossos Tribunais vêm paulatinamente aceitando o entendimento da dissolução parcial da sociedade anônima de capital fechado pela perda da affectio societatis, refletindo as opiniões doutrinárias sobre o assunto.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Comercial. Agravo regimental. Sociedade anônima familiar. Dissolução parcial. Inexistência de affectio societatis. Possibilidade. Suficiência deste requisito, isoladamente. Matéria pacificada. I. A 2ª Seção, quando do julgamento do EREsp n. 111.294/PR (Rel. Min. Castro Filho, por maioria, DJU de 10.09.2007), adotou o entendimento de que é possível a dissolução parcial de sociedade anônima familiar quando houver quebra da affectio societatis. II. Tal requisito não precisa estar necessariamente conjugado com a perda de lucratividade e com a ausência de distribuição de dividendos, conforme decidido pelo mesmo Colegiado no EREsp n. 419.174/SP (Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, unânime, DJU de 04.08.2008). III. Agravo regimental improvido (AgRg no REsp 1.079.763/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, j. 25.08.2009, DJe 05.10.2009). Agravo interno no agravo em recurso especial. Decisão da presidência. Reconsideração. Ação de dissolução parcial de sociedade. Processual civil e societário. Tribunal local concluiu pela legitimidade dos sócios dissidentes para promover a ação. Reexame fático e probatório dos autos. Súmula 7/STJ. Alegação

de ofensa a dispositivo dissociado da tese recursal. Súmula 284/STF. Sociedade anônima de cunho familiar. Dissolução da sociedade por quebra da affecttio societatis e da confiança entre os sócios. Possibilidade. Súmula 83/STJ. Agravo interno provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial. 1. Agravo interno contra decisão da Presidência que conheceu do agravo para não conhecer do recurso especial, devido à ausência de impugnação específica dos óbices contidos na decisão de admissibilidade do recurso especial. Reconsideração. 2. O Tribunal a quo, analisando o acervo fático-probatório carreado aos autos, concluiu que os sócios retirantes possuem legitimidade para propositura da ação, pois possuem mais de 5% do capital social. A modificação do referido entendimento demandaria o reexame de provas. 3. Incide a Súmula 284/STF quando o recurso apresenta violação a dispositivo legal dissociado da tese recursal. 4. “A jurisprudência do STJ reconheceu a possibilidade jurídica da dissolução parcial de sociedade anônima fechada, em que prepondere o liame subjetivo entre os sócios, ao fundamento de quebra da affectio societatis” (REsp 1.400.264/RS, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 24/10/2017, DJe de 30/10/2017). 5. Agravo interno provido para conhecer do agravo e negar provimento ao recurso especial (AgIn no Ag em REsp 1.539.920/RS, j. 18.05.2020, DJe 01.06.2020). Toda essa discussão é significativa quando inserida no tema abordado por este livro. Como na sociedade anônima também há limitação de responsabilidade e é possível prever no estatuto algumas restrições à circulação de ações, esse tipo societário, se bem empregado, acaba por se adequar aos fins pretendidos no planejamento societário por meio da constituição de uma holding familiar. Há que se considerar, contudo, que a legislação que disciplina a sociedade

anônima traz algumas exigências que tornam sua constituição e manutenção mais custosa em comparação com a sociedade de responsabilidade limitada. Entre as exigências, destacam-se: necessidade de publicação de seus atos constitutivos e convocações para assembleias em jornais de grande circulação; avaliação de bens integralizados por três peritos ou por empresa especializada; necessidade de constituição de conselho fiscal. Assim nos parece que, ao menos em princípio, a sociedade de responsabilidade limitada é o tipo societário mais adequado quando se trata de Holding familiar. Evidentemente que cada caso merece uma apreciação detalhada que permita concluir se essa constatação prevalece, análise que aprofundaremos adiante. De todo modo, caso a opção seja pela sociedade anônima, é recomendável que o estatuto preveja as condições de circulação de suas ações, o que pode, inclusive, ser complementado por acordo de acionistas para proteger o patrimônio familiar. Por fim, tal qual elaborado para as sociedades limitadas, para se ter melhor compreensão das principais características das sociedades anônimas, elas são mencionadas a seguir: 1. A responsabilidade do acionista é limitada ao preço das ações adquiridas ou subscritas, uma vez integralizada, o acionista não terá, regra geral, outras responsabilidades, sendo atingido somente o patrimônio da companhia; 2. Por ser uma sociedade de capitais, prepondera a relevância do capital somado, em detrimento das características pessoais dos acionistas, embora nas sociedades de capital fechado, haja entendimentos no sentido de existir o intuitu personae; 3. O capital é dividido em partes iguais, de valor nominal, em regra; 4. Pode ser companhia aberta ou fechada, conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à negociação no mercado de valores mobiliários; 5. No caso de sociedade anônima “fechada”, desde que não impeça a negociação, poderá o Estatuto trazer restrições à sua circulação; 6. É formada por no mínimo dois sócios que são denominados acionistas; 7. Possui necessariamente três órgãos – Assembleia Geral, Diretoria e Conselho Fiscal, sendo os dois primeiros de funcionamento permanente e o último de acordo com o disposto no estatuto; 8. As sociedades anônimas de capital aberto terão, obrigatoriamente, um Conselho de Administração. No caso das de capital fechado, esse órgão é facultativo; 9. Exige-se ampla publicidade de seus atos.

2.4

Sociedade Limitada vs. Sociedade Anônima: uma análise comparativa

Uma discussão sempre presente quando diante de planejamentos patrimoniais refere-se à questão sobre qual o tipo societário mais adequado para os objetivos familiares visados: sociedade limitada ou sociedade anônima. Certamente, há fatores favoráveis e contrários envolvendo cada um desses tipos societários, sendo oportuno discorrer sobre alguns pontos essenciais, que podem direcionar a escolha mais adequada para os fins pretendidos durante o planejamento. Basicamente, são quatro fatores que na maioria das vezes são considerados nessa análise: possibilidade de exclusão de sócio e proteção contra a entrada de terceiros estranhos ao vínculo familiar; burocracia que eleva os custos de constituição e manutenção da sociedade; possibilidade de distribuição proporcional de lucros; quórum para deliberações. No que tange à possibilidade de exclusão e proteção contra a entrada de terceiros estranhos ao vínculo familiar é preciso ter em mente que a sociedade limitada sempre foi considerada um tipo societário em que prevalece o vínculo pessoal entre os sócios (intuitu personae) e a afeição societária (affectio societatis). Como consequência, há previsões expressas na legislação civil dispondo sobre a possibilidade de exclusão de sócios e mecanismos mais robustos de proteção contra a entrada de terceiros no quadro social. Por seu turno, no caso da sociedade por ações, prevalece o entendimento no sentido de que, em regra, é livre a circulação de ações, o que abre a possibilidade para a presença no quadro de acionistas de terceiros que pode não ser o desejo original dos demais sócios. Isso ocorre porque esse tipo societário é considerado uma sociedade de capital, ou seja, importa a contribuição financeira e não o vínculo pessoal entre os acionistas. Sobre o tema, entretanto, algumas considerações devem ser reforçadas,

por demonstrarem que o entendimento atual doutrinário e jurisprudencial vem paulatinamente flexibilizando essa premissa que envolve a sociedade anônima. Em primeiro lugar, embora realmente prevaleça a regra de livre circulação das ações da companhia, no caso de sociedade anônima de capital fechado, é possível impor algumas limitações, conforme dispõe o art. 36 da Lei 6.404/1976, a seguir transcrito: Art. 36. O estatuto da companhia fechada pode impor limitações à circulação das ações nominativas, contanto que regule minuciosamente tais limitações e não impeça a negociação, nem sujeite o acionista ao arbítrio dos órgãos de administração da companhia ou da maioria dos acionistas. Parágrafo único. A limitação à circulação criada por alteração estatutária somente se aplicará às ações cujos titulares com ela expressamente concordarem, mediante pedido de averbação no livro de “Registro de Ações Nominativas”. Além disso, conforme será analisado no tópico adiante sobre o acordo de acionistas, é possível, por meio desse pacto parassocial, seguidos os requisitos da lei, que os pactuantes estabeleçam entre si regras relacionadas à resolução de disputas e alienação e aquisição de participação societária, criando mecanismos eficientes para impedir a entrada, no quadro de acionistas, de terceiros estranhos ao vínculo familiar. Esse entendimento está em linha com a própria evolução acerca das caraterísticas das sociedades anônimas. Embora prevaleça, regra geral, a característica de ser uma sociedade de capital, pode, a depender do caso concreto, se assemelhar à sociedade limitada, prevalecendo o vínculo pessoal e a afeição societária entre seus membros. Certamente é o caso de uma Holding familiar, constituída com o objetivo de planejar a sucessão patrimonial da família. Ninguém irá concluir que, nesse tipo de Holding, inexiste vínculo pessoal e que os membros estão unidos exclusivamente em

razão da contribuição financeira. Portanto, ainda que as características inerentes da sociedade limitada a torna, em princípio, mais adequada para os fins normalmente pretendidos em um planejamento patrimonial familiar, não se deve descartar a possibilidade da escolha da sociedade anônima, muito embora, nesse caso, seja recomendada uma análise cuidadosa acerca dos fatores que envolvem as regras relacionadas à aquisição e alienação da participação societária, bem como a adoção de pacto parassocial visando a deliberar expressamente sobre o assunto. O segundo ponto que é comum ser mencionado como empecilho para a adoção da sociedade anônima refere-se à burocracia que eleva os custos de constituição e manutenção desse tipo societário. Sabe-se que, no caso da sociedade limitada, o Código Civil exige menores formalidades, tornando mais prática e menos onerosa a sua adoção. Tomemos como exemplo a exigência, inexistente no caso de sociedade limitada, mas contida no art. 8º da Lei das SAs, dispondo que a integralização de bens ao patrimônio da sociedade anônima demanda a avaliação pericial, conforme é confirmado a seguir: Art. 8º A avaliação dos bens será feita por 3 (três) peritos ou por empresa especializada, nomeados em assembleia geral dos subscritores, convocada pela imprensa e presidida por um dos fundadores, instalando-se em primeira convocação com a presença de subscritores que representem metade, pelo menos, do capital social, e em segunda convocação com qualquer número. Sensível igualmente são as formalidades contidas na Lei das SAs sobre a convocação de sócios e as exigências concernentes às publicações, inclusive de suas demonstrações financeiras, o que representa custo adicional em comparação com as sociedades limitadas. Nesse ponto, novamente, merecem elogios, as iniciativas legislativas1 flexibilizando a burocracia originalmente

contida na Lei 6.404/1976, tornando mais prática e menos onerosa a manutenção da sociedade anônima. De toda forma, dispõe o art. 289 desse diploma legal: Art. 289. As publicações ordenadas por esta Lei obedecerão às seguintes condições: I – deverão ser efetuadas em jornal de grande circulação editado na localidade em que esteja situada a sede da companhia, de forma resumida e com divulgação simultânea da íntegra dos documentos na página do mesmo jornal na internet, que deverá providenciar certificação digital da autenticidade dos documentos mantidos na página própria emitida por autoridade certificadora credenciada no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (ICP-Brasil); II – no caso de demonstrações financeiras, a publicação de forma resumida deverá conter, no mínimo, em comparação com os dados do exercício social anterior, informações ou valores globais relativos a cada grupo e a respectiva classificação de contas ou registros, assim como extratos das informações relevantes contempladas nas notas explicativas e nos pareceres dos auditores independentes e do conselho fiscal, se houver. Ressalte-se, entretanto, que por meio da Lei Complementar 182/2021 (Marco Legal das Startups e do empreendedorismo) a companhia fechada cuja receita bruta anual não ultrapassar R$ 78.000.000,00 foi excepcionada dessa exigência, podendo realizar as publicações ordenadas por esta Lei de forma eletrônica, conforme o texto do art. 294 da Lei das SAs: Art. 294. A companhia fechada que tiver receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) poderá: (...) III – realizar as publicações ordenadas por esta Lei de forma

eletrônica, em exceção ao disposto no art. 289 desta Lei; e IV – substituir os livros de que trata o art. 100 desta Lei por registros mecanizados ou eletrônicos. A convocação de assembleia também demanda formalidades onerosas no caso de sociedade anônima, em razão da exigência da convocação com publicação em jornal de grande circulação editado na localidade em que esteja situada a sede da companhia (art. 289 da Lei das SAs), muito embora a formalidade seja dispensada se todos os acionistas estiverem presentes, conforme dispõe o art. 124 a seguir transcrito: Art. 124. A convocação far-se-á mediante anúncio publicado por 3 (três) vezes, no mínimo, contendo, além do local, data e hora da assembleia, a ordem do dia, e, no caso de reforma do estatuto, a indicação da matéria. (...) § 4º Independentemente das formalidades previstas neste artigo, será considerada regular a assembleia geral a que comparecerem todos os acionistas. Em se tratando de sociedade limitada, as deliberações normalmente são realizadas em reuniões de sócios, sendo dispensada a publicação da convocação. Somente no caso de sociedade com mais de dez sócios, que será necessária a realização de assembleia para deliberação dos sócios (art. 1.072, § 1º, do CC). Nessa hipótese, salvo de todos os sócios comparecerem ou se declararem, por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia (art. 1.072, § 2º, do CC), é necessária a publicação de anúncio de convocação da assembleia de sócios por três vezes no total, incluindo órgão oficial da União ou do Estado, conforme o local da sede do empresário ou da sociedade, e jornal de grande circulação (art. 1.152 e parágrafos). Como se percebe, nos casos em que a sociedade limitada seja integrada

por no máximo dez sócios, o nível de formalidade é inferior, novamente indicando ser uma opção menos burocrática e onerosa quando comparada à sociedade anônima. Polêmica importante e que pode afetar a decisão sobre o planejamento patrimonial refere-se à possibilidade de distribuição desproporcional de lucros. Sabe-se que, no caso de sociedade limitada, é aceita sem reservas a possibilidade de os sócios deliberarem pela distribuição dos lucros de maneira desproporcional ao capital social, devendo haver expressa previsão no contrato social sobre o tema. O mesmo não ocorre no caso da sociedade anônima, sendo a possibilidade de distribuição desproporcional de dividendos controversa e, como consequência, pode haver questionamentos por parte da Receita Federal do Brasil, acerca da isenção prevista no art. 9º da Lei 9.249/1995. O entendimento mais conservador sobre o tema é no sentido de não admitir a distribuição desproporcional de dividendos por sociedade anônima, tendo em vista que a Lei das SAs vedaria, indiretamente, tal prática. O art. 109, I, da Lei prevê que nem o estatuto nem a assembleia geral podem privar o acionista da participação dos lucros sociais, de modo que a distribuição em proporção diversa à quantidade de ações de mesma natureza significaria impedir o acionista de receber os lucros no montante equivalente à sua participação. Dessa forma, distribuições distintas de dividendos estariam limitadas aos casos expressamente previstos em lei e atrelados às vantagens relacionadas às ações preferenciais (art. 17, § 1º, II, da Lei 6.404/1976). Contudo, num entendimento voltado à maior liberdade econômica do mercado, existem precedentes, no âmbito no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), autorizando a distribuição desproporcional dos dividendos (quanto aos efeitos fiscais deles decorrentes), mesmo nos casos desse tipo societário. Assim, para o CARF, seria necessário o preenchimento de 3 requisitos para que os dividendos distribuídos desproporcionalmente mantenham sua natureza de dividendos e sua consequente isenção tributária,

quais sejam: i. O lucro distribuído deve conter lastro escritural contábil regular, de modo que seja possível a comprovação da existência do seu pagamento, bem como da sua tributação na pessoa jurídica; ii. Existência de documentos ou indicações fáticas de que, na verdade, os dividendos em questão não se tratam do pagamento pela remuneração dos sócios, afastando possíveis alegações de fraude ou simulação por parte da pessoa jurídica; iii. A regularidade societária, ou seja, a deliberação em ata e a previsão da possibilidade de distribuição desproporcional em estatuto social (ou, caso não exista previsão no estatuto, que tal deliberação seja feita em quórum de unanimidade). O CARF ainda, em caso no qual não havia previsão no estatuto social para a distribuição desproporcional dos dividendos, decidiu pela impossibilidade de incidência do IRPF, sob os seguintes argumentos: Claramente a incidência tributária sobre os lucros auferidos é única, na figura da empresa auferidora dos resultados, sendo a distribuição, dos lucros e dividendos, isenta do imposto de renda da pessoa física na figura do beneficiário dos rendimentos, a despeito da distribuição melhor aquinhoada a determinada classe de acionistas, mesmos que não haja autorização para tanto no contrato social ou no estatuto. Assim, eventual vulneração à legislação societária, pela distribuição desproporcional dos lucros à participação no capital sem autorização no Estatuto ou Contrato Social, não pode gerar cominação no campo tributário, por ausência de específica autorização legislativa para tanto (Acórdão 2102-01.496, 1ª Câmara, 2ª Turma Ordinária, Sessão de 24.08.2011). Nota-se, contudo, que consta do corpo da decisão a menção de que a

avaliação se cinge ao campo tributário, não sendo analisada se a distribuição desproporcional vulnera a legislação societária. Nesse particular, devemos ressaltar que as recentes alterações promovidas pela Lei Complementar 182/2021 (Marco Legal das Startups – MLS), em relação ao quanto disposto no art. 294 da Lei das SAs, podem conduzir ao entendimento no sentido de que, atualmente, há autorização para que as sociedades anônimas cuja receita bruta anual não ultrapasse a quantia de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) distribuam dividendos de forma desproporcional. O art. 294, após as citadas alterações, passou a constar da seguinte forma: Art. 294. A companhia fechada que tiver receita bruta anual de até R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) poderá: (...) § 4º Na hipótese de omissão do estatuto quanto à distribuição de dividendos, estes serão estabelecidos livremente pela assembleia geral, hipótese em que não se aplicará o disposto no art. 202 desta Lei, desde que não seja prejudicado o direito dos acionistas preferenciais de receber os dividendos fixos ou mínimos a que tenham prioridade. Tendo em vista que a alteração legislativa é recente, sugere-se cautela na avaliação da possibilidade. Além disso, é recomendável que a distribuição desproporcional dos dividendos seja tomada por decisão unânime, de forma que fique evidenciado não haver qualquer prejuízo a qualquer dos acionistas, uma vez que todos consentiram para que os lucros fossem assim repartidos. Finalmente, porém, igualmente relevante, é o tema a respeito do quórum para deliberações. Na sociedade limitada, o quórum varia conforme a matéria a ser deliberada, sendo que o controle total da sociedade ocorre por meio da detenção de mais da metade do capital votante. É oportuno alertar que, até recentemente, o controle requeria, no mínimo, três quartos do capital social,

pois esse era o quórum exigido para deliberar sobre a modificação do contrato social e a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação, conforme expressamente exigido pelo inc. I do art. 1.706 do CC. Entretanto, por meio da Lei 14.451/2022 esse dispositivo legal foi revogado, tornando o quórum de deliberação das sociedades limitadas mais ameno, em semelhança ao que ocorre na sociedade por ações, conforme dispõe o art. 129 da Lei das SAs, a seguir transcrito: Art. 129. As deliberações da assembleia geral, ressalvadas as exceções previstas em lei, serão tomadas por maioria absoluta de votos, não se computando os votos em branco. § 1º O estatuto da companhia fechada pode aumentar o quórum exigido para certas deliberações, desde que especifique as matérias. § 2º No caso de empate, se o estatuto não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver norma diversa, a assembleia será convocada, com intervalo mínimo de 2 (dois) meses, para votar a deliberação; se permanecer o empate e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um terceiro, caberá ao Poder Judiciário decidir, no interesse da companhia. Essa distinção era relevante no planejamento patrimonial familiar. Tomese como exemplo a sociedade limitada familiar constituída abrangendo o patriarca, a matriarca e um herdeiro. Caso esse herdeiro seja origem de profundos atritos sobre a forma pelo qual a sociedade vem sendo conduzida, podia criar embaraços em relação às deliberações sociais e a mudança do contrato social. Na hipótese dessa empresa fosse constituída como sociedade anônima, esse problema tornava-se menos relevante, em razão do quórum de deliberação apontar para a maioria absoluta do capital votante, de modo que o patriarca e a matriarca detêm o controle da empresa. Com a alteração do Código Civil, contudo, não há mais essa relevância na distinção para deliberações entre sociedade limitada e anônima.

Esse último exemplo ilustra ser perceptível, frente à análise empreendida durante todo esse tópico, da existência de vantagens e desvantagens em relação à sociedade limitada e à sociedade anônima, exigindo análise detalhada acerca do caso concreto e constante atualização profissional para que a decisão seja a mais eficaz possível no âmbito do planejamento patrimonial da família.

3.

CLÁUSULAS ESSENCIAIS DO CONTRATO SOCIAL DA HOLDING

Com o propósito de ilustrar as questões teóricas discutidas na presente obra, bem como fornecer os elementos práticos acerca do tema em estudo, é fundamental discutir as cláusulas que são essenciais no contrato social da holding. O foco do debate será o contrato social, portanto, refere-se à sociedade de responsabilidade limitada, uma vez que, no caso de sociedade anônima, o documento de constituição da empresa que estabelece seu regramento fundamental é o estatuto social. Há que se ter em mente que, caso a opção seja a constituição de uma holding familiar na forma de sociedade anônima, merece particular atenção a elaboração do estatuto social e do acordo de acionistas, especialmente no que diz respeito às restrições de limitação de circulação de ações, visando a proteger os entes familiares da entrada de terceiros estranhos no quadro de acionistas da empresa, nos limites permitidos pela Lei 6.404/1976. O contrato social é o documento jurídico hábil para constituição de uma sociedade limitada, sendo estipuladas pelo art. 997 do Código Civil as cláusulas que obrigatoriamente devem constar em seu bojo. Afora as cláusulas obrigatórias, os sócios podem estipular outras que considerem essenciais para delimitar os direitos de deveres de cada parte perante a sociedade. Segundo definição de Almeida (2018, p. 34), contrato social “é o ato jurídico em virtude do qual duas ou mais pessoas que se obrigam a dar, fazer

ou não fazer alguma coisa...”. Interpretando os ensinamentos do douto doutrinador, o contrato social nada mais é que um tipo particular de contrato em que a exteriorização de vontades dos sócios é registrada, pois estabelece direitos e obrigações e disciplina o relacionamento entre os sócios e entres estes e a pessoa jurídica. Além das cláusulas contratuais obrigatórias, especialmente em se tratando de uma sociedade holding, é indispensável a previsão de outras estipulações. Oportuno frisar que iremos tratar de cláusulas que consideramos, regra geral, essenciais constar no contrato social de uma sociedade holding, além daquelas que, obrigatórias por lei, podem representar consequências indesejáveis, caso não adotados os cuidados necessários quando da sua descrição. Porém, tal como todos os meandros que envolvem o planejamento societário, sucessório, tributário e contábil, essa análise merece avaliação caso a caso, de modo a verificar quais as reais necessidades daqueles interessados nesse tipo de estudo.

3.1

Do objeto social

O objeto social é a declaração obrigatória dos objetivos da sociedade e a identificação das atividades a serem exercidas para a consecução de seus fins. No caso de uma sociedade holding, o objeto social nos permite identificar, por exemplo, tratar-se do tipo pura ou mista. Se o objeto social da empresa for, exclusivamente, a participação em outras sociedades, configura-se o tipo pura. De outra ponta, ainda exemplificando, se o contrato estipular que o objeto social da empresa se constitui da participação em outras sociedades e do exercício de atividades imobiliárias, será o caso de classificá-la como holding do tipo mista. Pode parecer trivial a discussão acerca do objeto social da sociedade, especialmente por constituir-se de uma cláusula obrigatória segundo a legislação em vigor. No entanto, esse entendimento é equivocado, uma vez que a declaração imprecisa do objeto social da empresa pode ter diversas

consequências, entre as quais as relacionadas à responsabilidade dos administradores e às questões de ordem tributária. Isso porque compete aos administradores agir em atendimento ao objeto social da empresa. Caso assim não façam, sujeitam-se à responsabilização pelos prejuízos causados a terceiros, inclusive de forma solidária, conforme dispõe o art. 1.016 do Código Civil. Ademais, o desvio de finalidade da sociedade pode ser motivo para a desconsideração da personalidade jurídica ou responsabilização de sócios e administradores, conforme foi visto no tópico Desconsideração da personalidade jurídica e a responsabilidade de sócios e a responsabilidade de sócios e administradores (capítulo 3). No que diz respeito às questões tributárias, a serem analisadas de forma mais detida no próximo capítulo (Aspectos tributários), o exercício de atividade não prevista no objeto social pode até mesmo acarretar custos fiscais adicionais. Isso ocorre, por exemplo, quando uma empresa tributada pelo lucro presumido exerce uma atividade não prevista em seu objeto social e, como consequência, o lucro advindo desse ato deve ser adicionado à base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), sem a aplicação de coeficientes de presunção, aumentando o custo desses tributos. Portanto, embora se trate de uma cláusula obrigatória e que não envolve complexidade excessiva, há necessidade de que sua concepção seja analisada previamente de acordo com os verdadeiros objetivos pretendidos pelos sócios quando da constituição de uma sociedade holding. A seguir exemplificamos uma cláusula que define o objeto social de uma empresa: CLÁUSULA TERCEIRA – Do Objeto Social A Sociedade terá por objeto a compra, venda, aluguel de imóvel, a administração de bens imóveis próprios, bem como a participação em outras sociedades, mediante a aquisição de ações, quotas, títulos ou

quinhões livremente negociáveis, estando referidas atividades compreendidas nos seguintes CNAEs: CNAE 6810-2/01: Compra e Venda de Imóveis Próprios; CNAE 6810-2/02 Administração de Bens Imóveis Próprios; 6810-2/02 Aluguéis de Imóveis Próprios, Residenciais e não Residenciais, 6462-0/00 Holdings de instituições não financeiras.

3.2

Do quórum necessário para as deliberações sociais nas sociedades limitadas

Antes de entrar na discussão sobre o quórum necessário para as deliberações sociais essenciais, é imprescindível tecer breve consideração quanto à indivisibilidade das quotas de uma empresa, pois não é incomum haver no contrato social cláusula referindo-se à sua indivisibilidade juntamente com estipulações sobre o quórum para deliberações sociais, o que pode causar certa dúvida sobre necessidade de o contrato social prever essa cláusula. As quotas sociais são indivisíveis em relação à sociedade, conforme dispõe o art. 1.056 do Código Civil, de modo que, em caso de condomínio de quota, ou seja, quando duas pessoas a dividirem, os direitos a ela inerentes somente podem ser exercidos pelo condômino representante ou pelo inventariante do espólio de sócio falecido, conforme determina o § 1º do mesmo artigo. Isso significa que, ainda na hipótese de condomínio de quotas, comum em questões de natureza sucessórias, cada uma delas somente dá direito a um voto, sendo indivisíveis nesse particular. Essa é a regra legal, não havendo necessidade de qualquer estipulação contratual nesse sentido. Superada essa introdução e nos atendo ao tema central deste tópico, o Código Civil estipula qual é o quórum necessário para aprovação das deliberações sociais, conforme se verifica nos arts. 1.061, parágrafo único, 1.063, 1.071, 1.076 e 1.085, que é resumido a seguir:







2/3, no mínimo, enquanto o capital não estiver integralizado, e de mais da metade do capital social após a integralização: designação de administradores não sócios; pelos votos correspondentes a mais da metade do capital social: designação dos administradores, quando feita em ato separado; destituição dos administradores; remuneração do administrador, quando não estabelecidos no contrato modificação do contrato social; incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; pedido de recuperação judicial e a expulsão extrajudicial de sócio por justa causa; pela maioria de votos dos presentes na reunião: demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevada.

Esquematicamente, temos a seguinte situação:

Aplicando-se o esquema acima ao art. 1.071 do CC, podemos extrair os quóruns de deliberação para cada situação expressamente prevista no

dispositivo legal. Confira: Art. 1.071. Dependem da deliberação dos sócios, além de outras matérias indicadas na lei ou no contrato: I – a aprovação das contas da administração; (50% + 1 dos presentes) II – a designação dos administradores, quando feita em ato separado; (50% + 1) III – a destituição dos administradores; (50% + 1) IV – o modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contrato; (50% + 1) V – a modificação do contrato social; (50% + 1) VI – a incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação; (50% + 1) VII – a nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contas; (50% + 1 dos presentes) VIII – o pedido de concordata. (50% + 1) Nessa medida, numa análise fria da legislação, restariam somente em duas hipóteses em que o contrato social pode estipular quórum diverso do previsto em Lei: • •

nas matérias em que a Lei exige maioria simples, em que o contrato pode exigir maioria mais elevada; nas demais matérias previstas no contrato social, em que a Lei é silente e possível de estipular maioria mais elevada do que a simples.

Todavia, o entendimento mais aceito é no sentido de que nada impede que os sócios estabeleçam em contrato social quórum diverso ao previsto na lei, em percentuais superiores ao que estabelece a lei, caso assim for entendido que melhor se adequa aos interesses da sociedade e de seus membros.

Exemplificando, o contrato social pode conter as seguintes estipulações: CLÁUSULA – Todas as deliberações de sócios previstas neste contrato social ou na legislação aplicável à sociedade serão tomadas em reuniões de sócios, convocadas por qualquer dos sócios mediante notificação prévia e escrita de 3 (três) dias úteis, especificando-se a ordem do dia, podendo ser encaminhada por qualquer meio de comunicação que emita confirmação de recebimento, sendo dispensada essa formalidade nos casos em que todos os sócios estiverem presentes ou se declararem, por escrito, cientes do local, data, hora e ordem do dia da respectiva reunião de sócios. Parágrafo Único – Dependerão de deliberação dos sócios representantes da unanimidade do capital social os atos que implicam: (a) participação em sociedades de qualquer natureza, bem como a cessão, venda e oneração por qualquer meio dessa participação; (b) celebração ou alteração de contratos, acordos, entendimentos ou transações entre sociedade e sócio, ou pessoas, físicas ou jurídicas, que, direta ou indiretamente, vierem a participar de seu capital social ou que tenham relação de parentesco até segundo grau com qualquer dos sócios da sociedade; (c) a renúncia de direitos, celebração ou alteração de contratos, acordos, entendimentos e transações entre a Sociedade e/ou sociedades em que detenham participação societária; e (d) compra, alienação ou oneração de bens móveis e imóveis do ativo fixo, cujo valor supere a quantia de R$ 50.000,00, sendo permitida a decisão por maioria nos demais casos. Portanto, naquilo em que não houver vedação legal, o contrato social pode estipular quórum diverso, conforme o desejo dos sócios e dependendo dos objetivos da sociedade. Nas holdings familiares, é comum estipular, por exemplo, um quórum qualificado para a destituição de sócio administrador,

inclusive prevendo necessidade de unanimidade de votos. Isso ocorre especialmente quando o sócio é um dos patriarcas da família, que deseja se precaver contra as possíveis desavenças entre os entes familiares que corrobore com sua destituição.

3.3

Da proibição do caucionamento das quotas

O planejamento societário e sucessório realizado a partir da constituição de uma sociedade holding, na maior parte das vezes, tem como objetivo proteger o patrimônio familiar, garantindo sua manutenção além da geração atual. Nesse sentido, uma das inquietações que os líderes da família geralmente apresentam é em relação à proteção das quotas da holding para evitar de elas serem detidas por terceiros estranhos à família. Visando à essa proteção, é indicada a inclusão de cláusula no contrato social estipulando que as quotas não podem ser oferecidas em caução ou em garantia de dívidas dos sócios. Em tempo, convém esclarecer que caucionamento quer dizer garantir/assegurar algo, dando em garantia outro em troca. Quando, por exemplo, se diz caucionar uma dívida, significa ter oferecido uma garantia de que o débito será pago. Silvio Rodrigues (2003) esclarece que o Código Civil chama a caução de penhor de direito e títulos de créditos (arts. 1.451 e seguintes) e adiciona: Apenas, para diferi-la do penhor tradicional, em que há a tradição de uma coisa móvel, o legislador brasileiro de 1916 chamava de caução a esse penhor de direito creditórios. O vocábulo “caução” tem sentido mais amplo do que o “penhor”, pois é gênero da ideia de garantia, que abrange o penhor, a hipoteca, a anticrese, o penhor de títulos e, ainda, a garantia fidejussória. A utilização das quotas sociais como caução ou garantia poderia resultar na expropriação dos títulos do proprietário original, fazendo com que terceiros estranhos à relação societária e, no caso, à família, passem a ter os

direitos decorrentes de sua propriedade. Consequentemente, é recomendável que a proibição conste do contrato social da holding. Tome-se como exemplo a redação desta cláusula, mencionada a seguir, que não merece nada além de simples e objetiva estipulação: CLÁUSULA QUINTA – Do caucionamento das Quotas É expressamente vedado aos sócios caucionar ou dar suas quotas em garantia, seja a que título for, ainda que diante autorização da maioria dos sócios ou do capital social.

3.4

Das cláusulas relacionadas à modificação do quadro de quotistas

As cláusulas que deliberam sobre questões relacionadas à saída de sócios e à entrada de novos quotistas complementam a cláusula discutida no tópico anterior, uma vez que também servem de proteção contra a entrada de estranhos no quadro social da holding familiar, revelando a característica dessa sociedade, em que prevalece o intuitu personae, ou seja, é uma sociedade de pessoas e não de capital, devendo estar presente a affectio societatis para sua regular continuidade. Por esse motivo, as cláusulas que deliberem sobre a entrada e saída de membros do quadro de quotistas são indispensáveis para os propósitos do planejamento societário, em especial no âmbito da discussão sobre holding familiar. É bom que se diga que o Código Civil contém estipulações sobre o tema, que prevalecem no caso de omissão do contrato social. É o que dispõe o art. 1.057. Confira: Art. 1.057. Na omissão do contrato, o sócio pode ceder sua quota, total ou parcialmente, a quem seja sócio, independentemente de audiência dos outros, ou a estranho, se não houver oposição de

titulares de mais de um quarto do capital social. Parágrafo único. A cessão terá eficácia quanto à sociedade e terceiros, inclusive para os fins do parágrafo único do art. 1.003, a partir da averbação do respectivo instrumento, subscrito pelos sócios anuentes. O art. 1.003 complementa o dispositivo citado estabelecendo que a cessão realizada sem a correspondente modificação do contrato social não tem eficácia. De acordo com o Código Civil, portanto, se o contrato social não contiver qualquer deliberação sobre o assunto, o sócio pode ceder sua quota para outro sócio, independentemente da concordância dos demais. Em relação a terceiros estranhos ao quadro de quotistas, a cessão dependerá da inexistência de oposição de mais de um quarto do capital social. Isso significa que, se não constar no contrato social qualquer estipulação divergente, um sócio poderá ceder suas quotas a outro, o que poderia modificar o controle da sociedade, isso sem falar na possibilidade de estranhos integrarem o quadro de quotistas. Dessa forma, é recomendável incluir no contrato social cláusula prevendo regras diversas sobre a alienação das quotas sociais em relação às transferências entre sócios e, principalmente, quanto a terceiros estranhos, ainda mais quando a sociedade for uma holding familiar. É possível, por exemplo, deliberar que a alienação das quotas entre sócios exige anuência dos demais em caso de modificação e controle. No que tange a terceiros, nada impede que o contrato vede a possibilidade de alienação quando não houver unanimidade entre os sócios. É recomendável, minimamente que seja incluída no contrato social uma cláusula prevendo que os sócios tenham preferência pela aquisição das quotas, protegendo a empresa contra a entrada de estranhos. Segue o exemplo: CLÁUSULA DÉCIMA – Da Alienação da Sociedade Os sócios terão preferência para aquisição das quotas de qualquer deles que optem por se retirar da sociedade. Nesta hipótese, o sócio

retirante deverá notificar os demais por escrito de sua intenção, com recibo confirmando o recebimento, indicando desde logo, se houver, eventual terceiro interessado em adquirir suas quotas, detalhando o preço e as condições da oferta. Dentro de 30 (Trinta) dias do recebimento da notificação, os demais sócios poderão manifestar sua preferência para a aquisição dessas quotas, conforme a proporção de sua participação no capital social, podendo ainda optarem por adquirir quotas cuja preferência caberia aos demais Sócios, caso eles não se interessem pela aquisição, e sobre as quais os demais sócios terão preferência em relação a terceiros estranhos na sociedade, sempre observadas entre estes as respectivas proporções de participação no capital social. Parágrafo 1º – O valor das quotas do sócio retirante será pago pelo mesmo preço e condições oferecidos pelo terceiro interessado. Parágrafo 2º – Ainda que os sócios não exerçam seu direito de preferência, poderão eles, por maioria de 3/4 se opor ao terceiro interessado que deseje adquirir as quotas do retirante. Ainda que não se oponham, a cessão das quotas não implicará a transferência do direito de gerência ou administração da sociedade. Parágrafo 3º – Na hipótese de não haver terceiros interessados ou caso seja vedada a transferência conforme Parágrafo 2º, levantar-se-á um balanço geral da sociedade no prazo de 60 (sessenta) dias, far-se-á o pagamento dos valores apurados em 48 (quarenta e oito) parcelas mensais, com juros de 1% (um por cento) ao mês, salvo outra deliberação expressamente aprovada por unanimidade dos sócios. Há casos, inclusive, em que há deliberação de que a preferência é oferecida a um sócio em particular, justificado seu motivo, conforme se verifica no exemplo a seguir: CLÁUSULA NONA – Da aquisição das quotas pelos sócios

remanescentes Na hipótese de qualquer sócio pretender retirar-se da sociedade, será assegurado o direito personalíssimo e exclusivo de preferência pela aquisição de suas quotas pelo sócio XXX, que poderá exercê-lo pagando o valor nominal da quota que constar no contrato social vigente à época da retirada em 120 (cento e vinte) parcelas mensais, iguais e sucessivas, sem nenhum acréscimo, não estando obrigado, portanto, a igualar ofertas de terceiros. Tal privilégio exclusivo ao sócio XXX justifica-se por ser ele o fundador da sociedade, interpretando-se essa condição como proteção do interesse coletivo da sociedade e de seus sócios. Igualmente conveniente é a previsão de cláusula deliberando sobre a hipótese de falecimento de algum dos sócios e os direitos inerentes dos herdeiros acerca da participação societária, conforme a seguir: CLÁUSULA DÉCIMA-PRIMEIRA – Da morte ou incapacidade de um dos sócios Cláusula: Em caso de falecimento ou incapacidade de qualquer dos sócios, os sucessores terão o direito de se sub-rogarem nas quotas respectivas, mediante expressa comunicação dentro do prazo de 60 noventa dias a contar do fato. Na hipótese que não desejarem essa sub-rogação, serão apurados e pagos os direitos que representem a participação societária do sócio falecido ou incapacitado, nos termos da Cláusula XXX. Parágrafo 1º: Qualquer dos sócios remanescentes poderá vetar a inclusão dos herdeiros do sócio falecido ou incapacitado no quadro social da empresa, oportunidade em que os Sócios remanescentes decidirão se irão adquirir as quotas, ou se a sociedade, em havendo fundos disponíveis, as adquirirão podendo ainda ocorrer a redução de capital, cujo preço deverá ser estimado conforme valor patrimonial da

quota social. Parágrafo 2º: Caso nenhuma dessas hipóteses seja aprovada, levantarse-á um balanço geral da sociedade no prazo de 60 (sessenta) dias, far-se-á o pagamento dos valores apurados em 48 (quarenta e oito) parcelas mensais, com juros de 1% (um por cento) ao mês, salvo outra deliberação expressamente aprovada por unanimidade dos sócios. Observe que, nessas hipóteses, a cláusula pode levantar algumas discussões, especialmente por considerar o valor patrimonial da quota social, que a maioria das vezes não reflete o valor de mercado. Parece-nos que é mais adequado e equânime, nesse particular, a estipulação de que o sócio remanescente tenha preferência na aquisição das quotas sociais, desde que iguale a oferta de terceiro ou, ao menos, se disponha a pagar o valor patrimonial da quota adicionado da mais valia dos bens, considerando o valor de mercado. Em síntese, a recomendação é que, no momento da constituição da holding familiar, todas essas variáveis sejam estudadas minunciosamente, fazendo constar, no contrato social, as cláusulas que protejam o patrimônio familiar contra o ingresso de terceiros estranhos nessa relação, mantendo a harmonia entre os sócios.

3.5

Das cláusulas relativas à administração da sociedade

O administrador de uma empresa exerce um papel de significativa importância, uma vez que é a figura central na condução de seus negócios. Os rumos e o sucesso da empresa estão intimamente ligados à capacidade de o administrador exercer com eficiência suas funções. Por esse motivo que a previsão no contrato social de suas atribuições, assim como se dá o processo de escolha e destituição do administrador, é indispensável, independentemente de tratar-se de uma sociedade holding familiar ou outro tipo de empresa que exerça outras atividades.

Igualmente, é determinante destacar que, no planejamento sucessório, um dos desejos dos patriarcas da família é garantir que, no momento da sucessão, eventual empresa de propriedade familiar não sofra as consequências de um longo processo de inventário ou mesmo no caso de sua administração ser assumida por herdeiro não plenamente capacitado para o exercício da função, o que pode causar sérios prejuízos à continuidade das atividades empresariais. Portanto, as estipulações no contrato social relacionadas à administração da empresa são fundamentais para direcionar a estratégia de proteção do patrimônio da família. Não por outra razão que a lei tratou de alertar que compete aos administradores agirem com responsabilidade, o que consta no art. 1.0112 do Código Civil, que assim dispõe: “O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios”. Assim, conclui-se que o administrador é responsável pela gestão da sociedade, devendo sempre visar ao sucesso da empresa, sendo diligente e fiel ao seu objetivo social. É importante destacar que, se não houver limitações no contrato social ou em seu silêncio, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade, sempre observando o que está determinado no objeto social da empresa, conforme dispõe o art. 1.015 do Código Civil. Contudo, é corriqueiro o contrato social ser mais específico sobre os poderes dos administradores, muitas vezes no intuito de limitá-los a ponto de exigir, para a realização de alguns atos, a deliberação dos sócios, que é uma forma de impedir que o administrador aja isoladamente. É conveniente, nessa linha de análise, que os sócios estabeleçam os atos que consideram indispensáveis para deliberações dos sócios, ou seja, para os quais o administrador não pode tomar decisões em consultá-los. Há que se ter cuidado, contudo, para que o contrato social não “engesse” a condução da empresa, de modo que atos de gestão simples sejam protelados por depender

de aprovação dos sócios.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Recurso especial. Civil. Processual civil. Inventário. Participação acionária. Sociedade anônima. Inventariante. Alteração do poder de controle. Acervo patrimonial. Alienação. Impossibilidade. Atuação. Limite. Administração e conservação dos bens. 1. Cinge-se a controvérsia a verificar se é possível suspender o poder de o inventariante, representando o espólio, votar em assembleia de sociedade anônima da qual o falecido era sócio, com a pretensão de alterar o controle da companhia, e vender bens do acervo patrimonial. 2. Os poderes de administração do inventariante são aqueles relativos à conservação dos bens inventariados para a futura partilha, dentre os quais se pode citar o pagamento de tributos e aluguéis, a realização de reparos e a aplicação de recursos, atendendo o interesse dos herdeiros. 3. A atuação do inventariante, alienando bens sociais e buscando modificar a natureza das ações e a própria estrutura de poder da sociedade anônima, está fora dos limites dos poderes de administração e conservação do patrimônio. 4. Recurso especial não provido (REsp 1.627.2-6/GO (2016/0247798-4)). É muito comum, por exemplo, o estabelecimento de alçada para que o administrador adote decisões limitadas a determinado montante previamente e expressamente estipulado pelos sócios, como a cláusula a seguir demonstra: CLÁUSULA DÉCIMA-PRIMEIRA – Da administração da sociedade A administração das atividades sociais caberá, em conjunto ou isoladamente, aos sócios XXXX e YYYY com os poderes e

atribuições de representação ativa e passiva na sociedade, seja na esfera judicial, como extrajudicialmente, podendo, para cumprirem seu múnus, praticar todos os atos compreendidos no objeto social, sempre considerando os melhores interesses da sociedade. Parágrafo 1º – Para os seguintes atos, a sociedade estará representada pela assinatura isolada de qualquer um dos sócios administradores: a) representação perante terceiros em geral, incluindo repartições públicas de qualquer natureza e entidades do sistema financeiro, bem como representação em juízo ou fora dele, ativa e passivamente; b) demissão e punição de colaboradores, liberação e movimentação de FGTS e outros benefícios previdenciários, quitações e rescisões trabalhistas, representação perante entidades sindicais, previdenciárias e órgãos do Ministério do Trabalho; c) emissão de faturas, notas fiscais, recibos, dentre outros correlatos; d) assunção de obrigações e despesas relacionadas ao cumprimento das atividades operacionais da sociedade, até o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais). e) praticar os atos ordinários de administração dos negócios sociais. Parágrafo 2º – Para atos extraordinários de administração societária, não elencados nos parágrafos 1º desta cláusula, a sociedade estará representada pela assinatura de ambos os sócios administradores. Entre tais atos inserem-se os seguintes: a) receber e dar quitação de créditos, dinheiros e valores acima do montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais); b) emitir, endossar e receber cheques e ordens de pagamento acima do montante de R$ 10.000,00 (cinco mil reais); d) assunção de obrigações e despesas relacionadas ao cumprimento das atividades operacionais da sociedade, até o limite de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). e) constituição de procurador ad judicia;

g) substabelecimento sem reservas de poderes a outro advogado não pertencente à sociedade. Parágrafo 3º – Para os seguintes atos a sociedade somente estará representada pela assinatura de todos os sócios: a) constituição de procurador ad negotia com poderes determinados e tempo certo de mandato, podendo haver mais de um procurador; b) alienar, onerar, ceder e transferir bens imóveis e direitos a eles relativos, fixando e aceitando preços e formas de pagamento, recebendo e dando quitações, transferindo e emitindo posse e domínio, cujos valores ultrapassem a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais); d) assunção de obrigações e despesas relacionadas ao cumprimento das atividades operacionais da sociedade, acima do limite de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Parágrafo 4º – É absolutamente vedado, sendo nulo e ineficaz perante a sociedade, o uso da razão social para fins e objetivos estranhos ao seu objeto social, inclusive prestação de avais, fianças e outros atos de favor, mesmo que a benefício dos próprios sócios. Parágrafo 5º – Aos sócios incumbidos da administração serão atribuídos pró-labore mensais, fixados em reunião de sócios e com aprovação de 3/4 do capital votante, devendo seguir os parâmetros de mercado e as condições financeiras da empresa.

3.6

Da distribuição de lucros

A distribuição de lucros da sociedade é fato de extrema relevância, pois faz parte da “remuneração” do capital empregado pelos sócios, além disso, caso ela não seja realizada com parcimônia, pode colocar em risco a saúde financeira da empresa, comprometendo seu futuro. Consequentemente, é prudente o contrato social deliberar sobre o assunto, prevendo de que maneira será a distribuição de lucros realizada e seu

montante, inclusive determinando o quórum de deliberação e aprovação da matéria. Convém, por exemplo, haver uma cláusula no contrato social estipulando um quórum mínimo de aprovação de 75% para deliberação do valor a ser distribuído. Importante ainda salientar que a distribuição de lucro pode ser feita de maneira desproporcional à quantidade de quotas, uma vez que não há qualquer impedimento legal nesse sentido. Na verdade, o art. 1.007 do Código Civil até mesmo autoriza a distribuição desproporcional, embora nesse particular se refira especificamente às sociedades simples, sendo o entendimento corrente de que aplicável também às Sociedades Empresárias, inclusive em razão do quanto disposto no art. 1.053 do CC. Sobre o tema Arnold Wald (2005, p. 158) assim explica: As partes têm liberdade para estipular as condições e o percentual de participação de cada sócio nos resultados sociais. Caso seja omisso o contrato sobre esta matéria, o legislador estabelece que a participação nos lucros e nas perdas será proporcional às respectivas quotas. Tratase de presunção do legislador, considerando que, normalmente, as partes têm a intenção de repartir os resultados proporcionalmente à quota de contribuição de cada sócio. Nada impede, todavia, que o contrato estabeleça critério diferente, como a distribuição por cabeças, dividindo-se os resultados obtidos pelo número de sócios, ou sob qualquer outra forma prevista pelo contrato social, pois o artigo se inicia com a expressão “salvo estipulação em contrário”. Mais uma vez, para melhor visualização, segue o texto de cláusula sobre a distribuição de lucros: PARÁGRAFO SEGUNDO – Da distribuição dos lucros A distribuição dos lucros ou resultados poderá ser realizada conforme apuração periódica e de forma desproporcional em relação à

participação no capital social, cabendo essa decisão aos sócios que detenham, pelo menos, 75% (setenta e cinco por cento) das quotas do capital social. Os sócios reconhecem a validade desta condição como mecanismo de retribuição à colaboração de cada sócio com seu trabalho pessoal para a formação do resultado auferido pela sociedade, não obstante o pagamento de “pró-labore”.

4.

ACORDO DE ACIONISTAS E QUOTISTAS

O acordo de acionistas é um instrumento jurídico pelo qual parte dos acionistas pode deliberar sobre a compra e venda de suas ações, o direito de preferência para adquiri-las, o exercício do direito a voto ou do poder de controle, dentre outras disposições. O acordo é impositivo à companhia, desde que arquivados em sua sede, nos termos do art. 118 da Lei 6.404/1976. Seguindo a definição legal, Rodrigo Ferraz Pimenta da Cunha (2007, p. 318) explica o que é o acordo de acionistas: Pacto parassocial em que os acionistas envolvidos convencionam sobre a compra e venda de suas ações, o direito de preferência para adquiri-las ou o poder de controle (Art. 118). O acordo de acionista se mostra um importante instrumento de regramento e disciplina das atividades da companhia, acabando por influenciar na administração e na condução da sociedade, conferindo maior segurança e garantia aos acionistas, pois restringe a circulação das ações da companhia ao impor limites nos direitos de preferência, além de possibilitar, com base na regulação do direito de voto, uma participação mais ativa dos acionistas minoritários, que podem se unir para, por exemplo, votar em bloco nos assuntos de seus interesses. Destaca-se ainda que é possível, pelo acordo de acionistas, versar questões sobre a sucessão empresarial e a sucessão causa mortis, regrando a maneira que a referida sucessão ocorrerá em caso de afastamento ou

falecimento do acionista, conduzindo, assim, um planejamento sucessório com estipulações que ofereçam preferências aos entes familiares na aquisição de ações. A importância do pacto de acionistas em empresas familiares é ressaltada por Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede (2020, p. 177) que aduzem: Nas sociedades familiares, é um precioso instrumento para que os parentes possam ajustar as regras para garantir não apenas o domínio sobre a empresa, mas mecanismos que estabeleçam um ambiente de boa convivência, como será estudado nos momentos seguintes deste livro. Dessa forma, principalmente no caso de uma holding familiar constituída sob a forma de sociedade anônima, o acordo de acionistas se revela de extrema importância, pois garante certa estabilidade do quadro acionário, facilitando a manutenção do controle da companhia pelos membros familiares. Convém ressalvar, contudo, que na sociedade anônima vigora a regra de livre circulação das ações, de modo que limitações nesse sentido devem constar no estatuto social, nos termos do art. 36 da Lei 6.404/1976. Por sua vez, no caso de sociedades de responsabilidade limitada, embora o Código Civil não mencione expressamente o acordo de quotistas, é bem assentada a opinião de serem admitidas as estipulações parassociais nesse sentido, tal como ocorre na sociedade anônima.3 Essa posição é defendida, entre outros, por Gladston Mamede e Eduarda Cotta Mamede (2020, p. 181), conforme se verifica a seguir: A possibilidade jurídica do acordo de quotistas, em qualquer sociedade contratual, decorre da própria teoria geral do Direito Obrigacional e, ademais, da liberdade de ação jurídica e econômica que é garantida pelo artigo 1º, IV, da Constituição da República, a todas as pessoas no Direito Brasileiro. Também é óbvio que, uma vez

estipuladas tais obrigações, são elas válidas entre os seus acordantes, aplicados os artigos 1º, IV, e 5º, II, da Constituição da República, além dos artigos 107, 112, 113, 219, 247 a 249 e 421 a 425 do Código Civil. Em linha semelhante, Barbi (1993, p. 58) assevera: (...) é válida no direito brasileiro a celebração de acordos de cotistas para a disciplina de direitos decorrentes das cotas sociais, tendo em vista a possibilidade de aplicação subsidiária às sociedades por cotas de institutos das sociedades por ações que não lhe sejam incompatíveis. Portanto, considerando que a Lei das SAs pode ser aplicada de forma subsidiária ou por analogia às sociedades limitadas, compreende-se que é possível estipular, via acordo de quotistas, regras adicionais às previstas no contrato social e em formato semelhante ao acordo de acionistas. Para tanto, é recomendável estipular no contrato social da sociedade limitada a aplicação subsidiária da lei de sociedade anônimas, conforme estipula o parágrafo único do art. 1.053 do Código Civil, bem como registrar expressamente no Contrato Social da empresa a existência de pacto parassocial. Outra providência alvissareira refere-se ao arquivamento do pacto na Junta Comercial, de modo que seja oponível a terceiro, especialmente quando estipular regras sobre direitos de preferência sobre as quotas sociais. As matérias que podem ser acordadas no ato em separado do contrato social são diversas, conforme enfatiza Sztajn (2002, parte 2, p. 275-276): (...) a variedade das matérias objeto de acordos de sócios é, efetivamente, larga, podendo abranger desde voto – de forma ampla ou limitada – distribuição de resultados, preferência para a aquisição de quota de qualquer sócio que desejar retirar-se, indicação de, ou veto a, administradores, ou o que mais possa compor interesses de

grupos membros da sociedade. Destaca-se que, devido às características da sociedade limitada, o acordo de quotista não é uma ferramenta amplamente utilizada, pois os assuntos atinentes a referido pacto, regra geral, podem ser incluídos em cláusulas do próprio contrato social da empresa. Contudo, o instrumento mostra-se conveniente quando os sócios desejam tratar de questões sigilosas, ou quando não almejam dar ampla publicidade aos atos sociais, como, por exemplo, quanto à comunicabilidade das quotas, ao usufruto, ao ingresso de herdeiros e sucessores, a responsabilidades e condições, conforme esclarece Roberta Nioac Prado e Angela Rita Franco Donaggio (2011, p. 54): Neste acordo poderão, por exemplo, estar previstas as formas de relacionamentos dos sócios, no caso de impasse e discordância (determinando que o entendimento de um sócio para certa matéria, como, por exemplo, assuntos operacionais, seja o predominante, enquanto para outra matéria a decisão definitiva seja de outro sócio). Diante disso, em se tratando de sociedade holding familiar, o acordo de quotistas pode ser um mecanismo pertinente para oferecer maior segurança às estipulações dos sócios, prevendo, inclusive, requisitos para a escolha do administrador de forma mais detalhada do que consta no contrato social e outras restrições à possível entrada de terceiros estranhos à relação consanguínea dos sócios. O pacto mostra-se especialmente eficiente quando abrange questões relacionadas a discordâncias de sócios e preferências sobre as ações ou quotas sociais, inclusive sobre alternativas de mediação de conflito, evitando-se judicialização de questões controversas entre os sócios. Novamente, é pertinente mencionar algumas cláusulas que são comuns constarem no bojo de acordo de acionistas e quotistas, ainda que a título exemplificativo. Inicia-se pela cláusula de Tag Along, cujo objetivo é proteger os

acionistas minoritários ou detentores de ações preferenciais na hipótese de o acionista controlador ou acionista detentor de ações ordinárias objetivarem a alienação de suas ações a terceiros. Em razão da previsão pactuada, o direito de alienação é estendido aos minoritários ou detentores de ações preferenciais, pelo mesmo preço e condições, conforme exemplo a seguir: Cláusula XX – Enquanto durar a vigência deste Acordo, caso os Acionistas detentores de Ações Ordinárias recebam proposta de terceiro para a aquisição da totalidade ou parte das Ações de sua titularidade, incluindo as hipóteses de incorporação, reorganização societária, alienação de ativos ou qualquer outro meio, os demais Acionistas Minoritários detentores de Ações Preferenciais terão o direito de exigir que a aquisição abranja a totalidade das Ações de sua titularidade, em condições idênticas da Oferta original, observadas as demais normas estabelecidas nesse pacto parassocial. Parágrafo primeiro: Os Acionistas declaram expressamente que o direito de Tag-Along não é aplicável para as hipóteses de Transferência entre Acionistas. Parágrafo segundo: O exercício do direito ora estipulado deverá ocorrer em até 30 (trinta) dias corridos contados do recebimento da notificação da proposta, cabendo aos demais Acionistas que desejem exercer o direito notificar o Acionista Alienante comunicando a decisão. Parágrafo terceiro: Na hipótese de algum acionista exercer o direito, deverá aderir sem ressalvar aos termos da proposta. O exercício será irretratável e irrevogável. Cláusula semelhante, porém, dessa feita, destinada a proteger o acionista majoritário é a cláusula de Drag Along, que é aplicada para os casos em que o acionista controlador recebe proposta de compra de suas ações, podendo exigir a venda da totalidade das ações da companhia, incluindo dos acionistas

minoritários. Note que o direito é relevante para o acionista majoritário em razão de, em muitos casos, o proponente somente desejar adquirir a totalidade das ações da companhia. A inexistência de Drag Along pode impedir o negócio, na hipótese – não desprezível – dos demais acionistas recusaram a venda de suas ações. Sua redação é bastante semelhante com a cláusula anterior, como é percebido a seguir: Cláusula XX – Enquanto durar a vigência deste Acordo, caso os Acionistas Majoritários receberem proposta de terceiro para a aquisição da totalidade das Ações de sua titularidade, incluindo as hipóteses de incorporação, reorganização societária, alienação de ativos ou qualquer outro meio, terá o direito de negociar a alienação ao terceiro interessado, da totalidade das Ações detidas pelos demais Acionistas em conjunto com suas próprias Ações, ficando os demais Acionistas obrigados a vender as suas Ações ao terceiro interessado, em condições idênticas da Oferta original, observadas as demais normas estabelecidas nesse pacto parassocial. Parágrafo primeiro: Os Acionistas declaram expressamente que o direito de Drag-Along não é aplicável para as hipóteses de Transferência entre Acionistas. Parágrafo segundo: O exercício do direito ora estipulado deverá ocorrer em até 30 (trinta) dias corridos contados do recebimento da notificação da proposta, cabendo ao Acionista Controlador, que deseje exercer o direito, notificar os demais acionistas comunicando a decisão. Parágrafo terceiro: O exercício do direito será irretratável e irrevogável e, confirmadas as condições da proposta, nenhum Acionista causará embaraço para a perfeita efetivação do negócio, de modo que se obrigam a praticar todos e quaisquer atos e a assinar todos e quaisquer documentos imprescindíveis à formalização da Transferência das suas ações ao comprador.

É possível ainda prever, embora pouco comum, cláusula de Drag Along inverso, que é exatamente o oposto da cláusula usual e prevê que, na hipótese de o acionista minoritário receber proposta de venda de suas ações, todos os demais, incluindo o Controlador, deverão aderir à proposta nas mesmas condições, incluindo o preço. São igualmente comuns, nos acordos de acionistas, a inclusão de outras cláusulas dispondo sobre direitos envolvendo a alienação das ações, como é o caso das cláusulas de opção de compra e venda (Call Option e Put Option). A cláusula de call dispõe que, em determinadas condições e conforme vontade dos demais acionistas, um acionista pode comprar ações de outro que, por sua vez, não pode negar vendê-la. De igual modo é a cláusula denominada Put. Entretanto, neste caso, em vez da compra, a cláusula representa o direito de venda, permitindo que um acionista se retire da sociedade mediante a venda de suas ações para outro acionista Conferindo: Cláusula XX – O Acionista terá o direito de vender, a qualquer tempo e a seu exclusivo critério, e os demais Acionistas não poderão recusar a oferta, proporcionalmente a suas participações no capital social da companhia, a totalidade ou parte das Ações de titularidade do proponente, pelo preço total, desde já certo e ajustado, de R$ X,00 (X reais). Parágrafo primeiro: Para fins de exercício da opção, o proponente deverá notificar os demais Acionistas, bem como a Companhia, por meio idôneo e com recibo de entrega, de modo que os demais Acionistas e a Companhia façam constar a averbação da cessão e da transferência das ações no Livro de Registro próprio. Parágrafo segundo: O exercício do direito será irretratável e irrevogável e nenhum Acionista causará embaraço para a perfeita efetivação do negócio, de modo que se obrigam a praticar todos e quaisquer atos e a assinar todos e quaisquer documentos imprescindíveis à formalização da Transferência das ações na forma

prevista nessa cláusula. O pacto parassocial ainda pode conter cláusulas que tenham o objetivo de resolver conflitos entres os acionistas, sem a necessidade de intervenção judicial. Nesse caso, a previsão disciplina expressamente a saída de um acionista da companhia por meio da oferta realizada aos demais estipulando um preço específico para venda de sua participação acionária. Trata-se da denominada cláusula Shot Gun, também conhecida no mercado como Cláusula Buy or Sell ou Cláusula Texana. Na presença dessa cláusula no acordo, o acionista que recebeu a proposta pode ou não concordar em comprar todas as ações nos termos ofertados. Caso recuse a aquisição, estará obrigado a vender todas suas ações ao ofertante pelo mesmo preço. O ajuste é bastante eficiente na resolução de conflitos, porque acaba por estabelecer regras para saída de um dos acionistas e prevalece a tendência de o preço da oferta ser próximo ao valor justo da participação, em razão do risco da negativa de venda e o exercício da compra pelo preço ofertado. Exemplo: Cláusula XX – Cláusula de Compra ou Venda compulsória Na hipótese de divergência entre os acionistas sem solução de consenso, os pactuantes estabelecem, nos exatos termos dessa cláusula, que a eventual inexistência do desejo na manutenção da sociedade será resolvida pelo procedimento previsto aqui contido e caberá a um dos acionistas notificar o outro para que este adquira a totalidade de sua participação. Parágrafo primeiro. Referida notificação conterá todos os termos e condições referente à proposta de alienação, incluindo, mas não se limitando, ao preço e a forma de pagamento. Parágrafo segundo. Uma vez recebida a notificação, o Acionista Notificado terá o prazo de 30 (trinta) dias para comunicar ao proponente – por meio de notificação – se aceita a oferta de compra

ou se prefere alienar, nas mesmas condições e preço, a sua participação ao proponente. Parágrafo terceiro. Todas as notificações deverão ser realizadas por escrito para os endereços constantes no preâmbulo deste pacto, por meio que permita a comprovação idônea do recebimento, bem como certificado o envio de cópia para a sede da Companhia. Parágrafo Quarto. Findo o prazo previsto no Parágrafo segundo dessa cláusula, sem qualquer manifestação do Acionista Notificado, fica estabelecido que prevalecerá a opção original escolhida pelo Proponente. Finaliza-se mencionando a possibilidade de inclusão no acordo de acionistas (e quotistas) de cláusula compromissória de arbitragem, objetivando que eventuais desavenças e discordâncias entre os acionistas sejam dirimidas em Tribunal Arbitral, evitando-se discussões perante o Poder Judiciário, especialmente considerando que a celeridade, confidencialidade e especialidade que caracterizam a arbitragem. Nessa linha, essa hipótese é inclusive prevista em lei, bastando citar a Lei 9.307/1997 (Lei de Arbitragem) e o próprio art. 109 da Lei das S/As, que assim dispõe: Art. 109. Nem o estatuto social nem a assembleia geral poderão privar o acionista dos direitos de: (...) § 3º O estatuto da sociedade pode estabelecer que as divergências entre os acionistas e a companhia, ou entre os acionistas controladores e os acionistas minoritários, poderão ser solucionadas mediante mediação ou arbitragem, nos termos em que especificar. Concluímos, assim, a análise exemplificativa de cláusulas que são comumente incluídas em acordos de acionistas e quotistas e que são

relevantes no âmbito de planejamentos patrimoniais, especialmente aquelas que tenham por objetivo estabelecer regras para alienação de participação societária e resolução de conflitos.

VOCÊ SABIA? O Acordo de Acionistas e de Quotistas não se confunde com o Pacto Familiar ou Acordo de Família, muito comum no contexto de planejamentos patrimoniais familiares. Enquanto aqueles possuem exequibilidade, no sentido de ser impositivo aos acionistas e quotistas pactuantes que se obrigam a cumprir com as disposições que se comprometeram, o Pacto Familiar tem como objetivo estabelecer regramento geral sobre os princípios e valores que permearão a convivência empresarial familiar, possuindo um escopo moral e não impositivo. De toda forma, o Pacto Familiar pode ser relevante nas hipóteses em que prevaleçam dúvidas sobre a interpretação de contratos, estatutos e pactos parassociais, ao descortinar as intenções dos membros sobre os negócios da família, auxiliando a resolução de eventuais desavenças. 5.

DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA E A RESPONSABILIDADE DE SÓCIOS E ADMINISTRADORES

Conforme mencionado no início desta obra, têm-se proliferado decisões judiciais, especialmente nas esferas tributária e trabalhista, que determinam a penhora de bens particulares dos sócios, a despeito da legislação prever, em alguns casos, responsabilidade limitada ao capital social da empresa. Ainda que a legislação preveja hipóteses de responsabilização de sócios e administradores das empresas e a possibilidade de desconsideração de sua personalidade jurídica, o que se critica são as decisões tomadas em caráter sumário, sem permitir a apresentação prévia de defesa, ou seja, primeiro se dá

a penhora de bens, inclusive os particulares, para então ser oportunizado o exercício do contraditório. Sempre preciso quando o assunto envolve questões de Direito Comercial, Coelho (2022, p. 140) alerta para uma verdadeira aplicação incorreta da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, afirmando que entendimentos mais apressados acabam por admitir a responsabilização do sócio meramente pelo fato de a empresa se mostrar aparentemente insolvente. Importante mencionar que a Lei 13.105/2015, que institui o Código de Processo Civil em vigência, prevê incidente específico para a desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se de louvável avanço legislativo sobre o tema, especialmente considerando que exige a citação do sócio ou da pessoa jurídica, conforme o caso, para que se manifeste sobre o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, oferecendo meios para o exercício do direito de defesa. Da mesma forma, devem ser comemoradas as alterações realizadas no art. 50 do Código Civil pela Lei 13.874/2019, que dispõe com mais clareza sobre as hipóteses em que autorizadas a decretação da desconsideração da personalidade jurídica, trazendo mais segurança jurídica para os empresários. Ainda, nesta mesma linha, a Reforma Trabalhista, trazida pela Lei 13.467/2017, também impôs em seu art. 855-A, a obrigatoriedade de formulação de pedido específico de Desconsideração de Personalidade Jurídica, oportunizando assim a ampla defesa do sócio da empresa antes que se expropriassem seus bens, o que muitas vezes não era observado nesta esfera judicial. Aliás, é oportuno que se faça elogios também à promulgação da Lei 13.874/2019 que “Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado”. Além de trazer diversas iniciativas visando a desburocratizar as atividades econômicas brasileiras, a legislação ainda tem como objetivo, dentre outros, a proteção à liberdade econômica e à livre-iniciativa, incluindo a reafirmação da separação patrimonial entre pessoas físicas e jurídicas, conforme art. 7º que incluiu o art. 49-A no Código

Civil, abaixo reproduzido: Art. 7º A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores. Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos”. Espera-se, assim, que a lei se revele verdadeiro marco no incentivo ao empreendedorismo nacional. De todo modo, é recomendável aguardar a aplicação prática dessas mudanças legislativas, sobretudo considerando o entendimento de que não seria aplicável nas esferas trabalhista e tributária, tendo lugar apenas em ações civis. Ilustra esse contexto o art. 135 do CTN que prevê que os sócios da empresa respondam pelas dívidas tributárias da pessoa jurídica no caso de atos praticados com excesso de poder ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Contudo, não é incomum que os sócios sejam incluídos no polo passivo de execuções fiscais para responder pelo débito da empresa, sendolhe exigida a penhora de bens particulares, mesmo diante da inexistência de qualquer prova de que tenham praticado quaisquer daqueles atos. Bom que se diga, nesse particular, que em muitos casos os tributos são inadimplidos não em razão de má gestão, excessos de poder ou infração ao contrato social da empresa, mas sim em decorrência da instabilidade do ambiente econômico, o que leva o empresário a ser um gestor de crises, por vezes optando por adimplir as verbas trabalhistas, por serem de natureza alimentar, em prejuízo das obrigações tributárias, apenas para citar um exemplo. Esse é um dilema que a maior parte dos empresários brasileiros

certamente já enfrentou. Naturalmente, afora os casos em que provas robustas demonstrem o contrário, os atos praticados pelos sócios na condução dos negócios são realizados de boa-fé, sendo eventual insucesso fruto unicamente do risco inerente à atividade empresarial. É despropositado partir do pressuposto que, diante da inadimplência da empresa, a intenção dos sócios e administradores foi praticar fraude ou lesar terceiros. Nessa linha de compreensão, conforme anteriormente mencionado, é preciso ter em mente que a limitação da responsabilidade dos sócios tem como objetivo incentivar a produção industrial, o comércio e os serviços, ou seja, propiciar um ambiente seguro para o desenvolvimento de atividades empresariais. Pressupor que os empresários são indivíduos inescrupulosos, que visem tão somente ao lucro, ainda que para isso tenham que prejudicar direitos alheios, é uma concepção maniqueísta e que deixa de fora da análise outras variáveis importantes. Esse raciocínio é bem sintetizado por Coelho (2022, p. 392-393): A limitação da responsabilidade é preceito destinado ao estímulo de atividades econômicas, e não pode servir para viabilizar ou acobertar práticas irregulares. A regra limitativa existe, por outras palavras, para socializar, entre agentes econômicos, os riscos de insucesso das empresas. Com efeito, qualquer negócio, por mais bem planejado e estruturado que seja, pode não dar certo. O desenvolvimento da empresa é fato humano, depende de escolhas de homens e mulheres, não inteiramente controláveis de modo racional. Depende da conjuntura econômica regional, nacional e planetária – esta última cada vez mais atuante, em vista da globalização em curso. Depende, em suma, de fatores que o empreendedor não pode antecipar com absoluta precisão. De qualquer modo, superada a crítica em razão da responsabilização

prematura dos sócios e a penhora de seus bens particulares, é necessário reconhecer que a doutrina e a jurisprudência preveem a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, hipótese em que os bens particulares ficam sujeitos a responder por dívidas que eram, inicialmente, de responsabilidade exclusiva da empresa. Além do mais, a legislação prevê expressamente as hipóteses de responsabilização de sócios e administradores pelos excessos cometidos na condução dos negócios. Portanto, é indispensável parcimônia e cuidado ao discutir tema tão espinhoso como o ora tratado. Defender a responsabilidade limitada dos sócios ou mesmo de acionistas não pode servir de incentivo para a prática de atos ilícitos. Trata-se aqui apenas de alertar que punir empresários por consequências naturais da atividade empresarial em um ambiente econômico e jurídico instáveis, como é o caso brasileiro, é sonegar o objetivo primordial e histórico da limitação da responsabilidade, que é o incentivo ao desenvolvimento econômico. Superada essa introdução, impõe-se uma pausa para destacar que aqui se discute duas situações distintas, com implicações semelhantes. A desconsideração da personalidade jurídica é uma teoria do direito que tem como consequência o desprezo da separação de personalidades jurídicas entre empresa e seus sócios, fazendo com que o patrimônio destes últimos responda pelas dívidas daquela. Difere da responsabilização de sócios e administradores por atos impróprios de gestão e mediante expressa previsão legal, como é o caso do art. 135 do CTN citado anteriormente. Nessa hipótese, o princípio da separação entre a pessoa jurídica e seus sócios prevalece, ou seja, mantém-se a distinção entre as partes. De toda sorte, a jurisprudência vem evoluindo para compatibilizar a aplicação do incidente de desconsideração de personalidade jurídica às hipóteses de responsabilidade tributária contida no CTN, em especial quanto ao referido art. 135.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA

Não cabe instauração de incidente de desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de redirecionamento da execução fiscal desde que fundada, exclusivamente, em responsabilidade tributária nas hipóteses dos artigos 132, 133, I e II e 134 do Código Tributário Nacional (CTN), sendo o IDPJ indispensável para a comprovação de responsabilidade em decorrência de confusão patrimonial, dissolução irregular, formação de grupo econômico, abuso de direito, excesso de poderes ou infração à lei, ao contrato ou ao estatuto social (CTN, artigo 135, incisos I, II e III), e para a inclusão das pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, desde que não incluídos na CDA, tudo sem prejuízo do regular andamento da Execução Fiscal em face dos demais coobrigados (TRF-3ª Região, Incidente de Demandas Repetitivas 0017610-97.2016.4.03.00000). Seja como for, em razão da desconsideração da personalidade jurídica ou mesmo por conta de responsabilidade em decorrência de previsão legal, a consequência pode ser a penhora e a expropriação de bens particulares do sócio, motivo pelo qual se opta por tratar de ambos os assuntos conjuntamente. Debatendo a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, é cediça a noção de que, ao constituir uma empresa, há separação da personalidade da pessoa física e da pessoa jurídica, não se confundindo seus direitos e deveres, tal qual o patrimônio que passa a ser totalmente distinto, noção bastante reforçada pela Lei 13.874/2019, conforme mencionamos anteriormente. Sobre isso, vejamos os oportunos ensinamentos de Rubens Requião (2013, p. 455): A sociedade transforma-se em um novo ser, estranho à individualidade das pessoas que participam de sua constituição, denominando um patrimônio próprio, possuidor de órgãos de

deliberação e execução que ditam e fazem cumprir vontade. Seu patrimônio, no terreno obrigacional, assegura sua responsabilidade direta em relação a terceiros. Os bens sociais, como objetos de sua propriedade, constituem a garantia dos credores, como ocorre com os de qualquer pessoa natural. Essa distinção de personalidades jurídica entre sócios e empresa também foi objeto de apreciação por Pontes de Miranda (2012, p. 246), que assim assinalou: Não só o ente humano tem personalidade. Portanto, não só ele é pessoa. Outras entidades podem ser sujeitos de direito; portanto ser pessoa, ter personalidade. A tais entidades, para se não confundirem com as pessoas-homens, dá-se o nome de pessoas jurídicas, ou morais, ou fictícias, ou fingidas. Noção interessante sobre o tema é encontrado no excelente texto de lavra de Schoueri e Barbosa (2014). Segundo os autores, perante o Direito, o indivíduo, pessoa natural, é definido de acordo com as posições jurídicas ativas e passivas que ocupa, sendo esta a “persona” que ele utiliza para exercer suas relações legais. A pessoa jurídica, nesse sentido, tratar-se-ia de uma máscara, uma “persona”, que se equivale ao que se conhece por pessoa física. Em outras palavras, existência real somente as pessoas naturais possuem, sendo a pessoa física e a jurídica unicamente máscaras criadas pelo Direito para que elas exerçam suas atividades jurídicas, como centros de direitos e deveres distintos. Ocorre, contudo, que a distinção da personalidade entre os sócios e a pessoa jurídica encontra limites nas práticas fraudulentas eventualmente engendradas por aqueles. Diante dessas hipóteses, a doutrina é unânime em reconhecer a possibilidade da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, acarretando a responsabilização de sócios pelas dívidas da

sociedade, como assinala Coelho (2022, p. 60): Admite-se a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária para coibir atos aparentemente lícitos. A ilicitude somente se configura quando o ato deixa de ser imputado à pessoa jurídica da sociedade e passa a ser imputado à pessoa física responsável pela manipulação fraudulenta ou abusiva do princípio da autonomia patrimonial. Em linha semelhante, Gilberto Gomes Bruschi, Rita Dias Nolasco e Rodolpho da Costa Manso Real Amadeu (2016, p. 138) aduzem: A desconsideração da personalidade jurídica pode ser conceituada como um meio de repressão à frustração da atividade executiva, caracterizado pela decretação da inoponibilidade (ineficácia relativa) do limite patrimonial da pessoa jurídica, permitindo que sejam atingidos os bens de seus sócios, ex-sócios, acionistas, ex-acionistas, administradores, ex-administradores e sociedades do mesmo grupo econômico; ou, ainda, que sejam, atingidos os bens da pessoa jurídica por obrigações contraídas por eles, no caso da chamada “desconsideração inversa da personalidade jurídica. Destaca-se que o próprio Código Civil prevê expressamente a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, conforme dispõe o art. 50, a seguir reproduzido: Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica

beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. Perceba que o dispositivo legal em questão se refere ao abuso de direito, assim considerados o desvio de finalidade empresarial e a confusão patrimonial entre os bens da pessoa jurídica e os de seus sócios. Por meio da Lei 13.874/2019, foram incluídos os §§ 1º a 5º, que tornaram mais claras as hipóteses em que presentes o desvio de finalidade e confusão patrimonial, além de novas previsões que tiveram o objetivo de trazer mais segurança jurídica para a aplicação do instituto. Confira: § 1º Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. § 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por: I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa; II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial. § 3º O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica. § 4º A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica. § 5º Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.

Como se nota, os pressupostos que a lei determina como necessários para a desconsideração da personalidade jurídica estão intrinsecamente ligados à prática de atos fraudulentos, especialmente no que toca ao desvio de finalidade. Debatendo sobre o tema acerca da confusão patrimonial, Maria Helena Diniz (2022, p. 368) ensina: Há uma repressão ao uso indevido da personalidade jurídica, mediante desvio de seus objetivos ou confusão do patrimônio social para a prática de atos abusivos ou ilícitos, retirando-se, por isso a distinção entre bens do sócio e da pessoa jurídica, ordenando que os efeitos patrimoniais relativos a certas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios, recorrendo, assim, à superação da personalidade jurídica, porque os seus bens não bastam para a satisfação daquelas obrigações, visto que a pessoa jurídica não será dissolvida, nem entrará em liquidação. O desvio de finalidade constante da lei, portanto, é o desvirtuamento do conceito, do objetivo pelo qual a sociedade foi constituída, culminando na ocorrência de fraude ou na prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Dizendo de outra maneira, o desvio de sua finalidade é a atuação oposta ou desvirtuada da função da empresa em razão de atos fraudulentos ou outros ilícitos realizados pelos sócios ou responsáveis legais, causando prejuízos a terceiros, o que indica abuso da personalidade jurídica da empresa em flagrante inobservância ao princípio da boa-fé. Já a confusão patrimonial, conforme consta da lei, é configurada quando não se é possível fazer uma clara distinção entre o patrimônio da empresa e o patrimônio dos sócios, ou seja, ocorre na ausência de separação de fato entre os patrimônios, inexistindo verdadeira autonomia patrimonial. É o caso, por exemplo, quando os sócios utilizam o caixa da empresa para pagamento de contas ou dívidas particulares ou mesmo os bens da empresa para fins eminentemente particulares, conforme ensinamentos de Carlos Roberto

Gonçalves (2015, p. 256): Configura-se a confusão patrimonial quando a sociedade paga a dívida do sócio, ou este recebe créditos dela, ou o inverso, não havendo suficiente distinção, no plano patrimonial, entre pessoas – o que se pode verificar pela escrituração contábil ou pela movimentação de contas de depósito bancário. Igualmente constitui confusão, a ensejar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, a existência de bens de sócio registrados em nome da sociedade, e viceversa. Destaca-se que, ao afirmar que a existência de bens de sócios registrados em nome da sociedade enseja a desconsideração da personalidade jurídica, o autor não está se referindo ao ato legal de integralização de bens em consequência da subscrição de quotas. Refere-se, na verdade, à confusão patrimonial, pelo qual um bem que formalmente pertence à empresa é usado como particular pelos sócios, ou seja, não em favor da atividade empresarial, mas sim para fins pessoais.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Segundo o STJ, a desconsideração da personalidade jurídica não atinge herdeiro de sócio minoritário que não participou de fraude, o que reforça o entendimento de que a aplicação do instituto tem espaço nos casos em que há fraude ou outro ato ilícito e atinge os responsáveis por sua configuração, o que também vai ao encontro da nova redação do art. 50 do CC, que menciona “sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso”. Confira a seguir:

A desconsideração da personalidade jurídica nos termos do art. 50 do CC demandam, na esfera civil, o processamento de incidente próprio, previsto nos arts. 133 a 137 do CPC. Em apertada síntese, o incidente é instaurado por requerimento da parte ou do Ministério Público, exceto se for imediatamente requerida na petição inicial. Ato contínuo, o sócio ou a pessoa jurídica é citada e, após trâmite processual garantindo ampla defesa, o incidente é resolvido por meio de decisão interlocutória. Em resumo, em se tratando de desconsideração de personalidade jurídica não é permitida a realização de penhora de bens dos sócios por mero pedido da parte, ainda que a pessoa jurídica esteja inadimplente com suas obrigações. Há necessidade de regular processamento do incidente, onde serão apurados os fatos para que se decida se, concretamente, está-se diante das hipóteses previstas expressamente no art. 50 do CC, ou seja, desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Civil. Processual civil. Recurso especial. Recurso manejado sob a égide do NCPC. Agravo de instrumento. Ação de execução. Violação do art. 1.022 do NCPC que não se verifica. Desconsideração da personalidade jurídica. Inexistência dos requisitos do artigo 50 do CC/02. Meros indícios de abuso da personalidade jurídica da sociedade. Circunstâncias que não se enquadram nos limites previstos na legislação para a adoção de providência de caráter excepcional. Precedentes.

Recurso especial parcialmente provido. 1. Aplica-se o NCPC a este recurso ante os termos do Enunciado Administrativo nº 3, aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC. 2. Tendo o Tribunal Estadual se manifestado de forma clara e fundamentada acerca da matéria que lhe foi posta à apreciação, não há falar em ofensa ao art. 1.022 do NCPC. 3. A desconsideração da personalidade jurídica está subordinada à efetiva demonstração do abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, e o benefício direto ou indireto obtido pelo sócio, circunstâncias que não se verificam no presente caso. Precedente. 4. Fatos rotulados de maliciosos, mas não examinados pela sentença e pelo acórdão, não podem ser apreciados por esta Corte. 5. Inexistentes os requisitos previstos nos art. 50 do CC/02, deve ser afastada a desconsideração da personalidade jurídica. 6. Recurso especial parcialmente provido (REsp 1.838.009/RJ (2018/0066385-7)). Recurso especial. Desconsideração da personalidade jurídica. CPC/2015. Procedimento para declaração. Requisitos para a instauração. Observância das regras de direito material. Desconsideração com base no art. 50 do CC/2002. Abuso da personalidade jurídica. Desvio de finalidade. Confusão patrimonial. Insolvência do devedor. Desnecessidade de sua comprovação. 1. A desconsideração da personalidade jurídica não visa à sua anulação, mas somente objetiva desconsiderar, no caso concreto, dentro de seus limites, a pessoa jurídica, em relação às pessoas ou bens que atrás dela se escondem, com a declaração de sua ineficácia para determinados efeitos, prosseguindo, todavia, incólume para seus outros fins legítimos. 2. O CPC/2015 inovou no assunto prevendo e regulamentando procedimento próprio para a operacionalização do instituto de

inquestionável relevância social e instrumental, que colabora com a recuperação de crédito, combate à fraude, fortalecendo a segurança do mercado, em razão do acréscimo de garantias aos credores, apresentando como modalidade de intervenção de terceiros (arts. 133 a 137). 3. Nos termos do novo regramento, o pedido de desconsideração não inaugura ação autônoma, mas se instaura incidentalmente, podendo ter início nas fases de conhecimento, cumprimento de sentença e executiva, opção, inclusive, há muito admitida pela jurisprudência, tendo a normatização empreendida pelo novo diploma o mérito de revestir de segurança jurídica a questão. 4. Os pressupostos da desconsideração da personalidade jurídica continuam a ser estabelecidos por normas de direito material, cuidando o diploma processual tão somente da disciplina do procedimento. Assim, os requisitos da desconsideração variarão de acordo com a natureza da causa, seguindo-se, entretanto, em todos os casos, o rito procedimental proposto pelo diploma processual. 6. Nas causas em que a relação jurídica subjacente ao processo for cível-empresarial, a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica será regulada pelo art. 50 do Código Civil, nos casos de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial. 7. A inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não é condição para a instauração do procedimento que objetiva a desconsideração, por não ser sequer requisito para aquela declaração, já que imprescindível a demonstração específica da prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. 8. Recurso especial provido (REsp 1.729.554/SP (2017/0306831-0)). Além do Código Civil, a legislação consumerista também abordou a questão da desconsideração da personalidade jurídica, de forma expressa, pelo art. 28 do CDC, porém alargando suas hipóteses de aplicação afirmando

que “o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social”. Não bastasse o elastecimento previsto no caput, o § 5º desse dispositivo legal ainda adiciona outra hipótese, consubstanciada nas oportunidades em que a pessoa jurídica representar, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Como é possível observar, o Código de Defesa do Consumidor é bastante amplo ao descrever as hipóteses de aplicação da desconsideração da personalidade jurídica. Na verdade, considerando a previsão do § 5º citado anteriormente, há margem para a interpretação no sentido de que, em qualquer oportunidade que o consumidor encontrar dificuldade para ser ressarcido pelos prejuízos causados pela empresa fornecedora de produtos e serviços, a regra da distinção da personalidade jurídica entre sócios e empresa não prevalecerá, ainda que nenhuma fraude ou nenhum abuso tenham sido perpetrados pela pessoa jurídica, o que acarreta sérios riscos ao desenvolvimento da atividade econômica e vai de encontro aos ditames previstos na Lei 13.874/2019. Na seara trabalhista, o entendimento sobre o tema também era bastante abrangente e inseguro, uma vez que não existia na legislação laboral qualquer disposição expressa tratando do assunto. Era comum os juízes trabalhistas aplicarem o art. 50 do CC e o art. 28 do CDC, em especial seu § 5º, inclusive de forma indiscriminada, de modo que no caso de inadimplemento de verbas trabalhistas e esgotados os meios de recebimento por parte do trabalhador pela execução de bens pertencentes à empresa, os bens particulares dos sócios eram alvo de penhora e expropriação, respondendo pelas dívidas da pessoa jurídica, independentemente da prática de atos fraudulentos. E mais grave ainda, sem que fosse oportunizada ao sócio da empresa a possibilidade de apresentação de defesa. Todavia, recentes alterações na CLT4 buscaram trazer mais segurança e

evitar a penhora indiscriminada de bens dos sócios, dispondo sobre a aplicação do incidente de desconsideração da Personalidade Jurídica, nos moldes previstos nos arts. 133 a 137 do CPC, acima mencionados. Certamente, com a aplicação escorreita do incidente de desconsideração, espera-se maior segurança jurídica para os empreendedores que não pratiquem fraudes, não incidindo, portanto, nas hipóteses previstas no art. 50 do CC.

VOCÊ SABIA? O Incidente de desconsideração da personalidade jurídica está previsto na Consolidação dos Provimentos da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho do TST, em seus arts. 86 a 91. O documento pode ser consultado no Qr-code a seguir:

Como se vê, são amplas as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica com o intuito de penhora e expropriação de bens particulares dos sócios para fazer frente às obrigações da pessoa jurídica. Nesse sentido, nosso entendimento é um pouco mais restritivo, ou seja, tratando-se de relação consumerista, civil, trabalhista ou mesmo tributária, somos da opinião que a desconsideração da personalidade jurídica deve se restringir às hipóteses em que haja abuso de direito, fraude ou outras práticas ilícitas perpetradas pela utilização da pessoa jurídica. Convém seguir a opinião sempre fundamentada

de Coelho (2022, p. 67): Apesar dos equívocos na redação dos dispositivos legais, a melhor interpretação destes é a que prestigia a formulação doutrinária da teoria da desconsideração, ou seja, eles somente admitem a superação do princípio da autonomia patrimonial da sociedade empresária como forma de coibição de fraudes ou abusos de direito. Nessa linha, merece elogios os esforços legislativos que vêm sendo postos em prática nos últimos anos visando a trazer maior clareza para as hipóteses de desconsideração da personalidade jurídica, bem como a previsão de incidente específico, inclusive aplicável à seara trabalhista. Não se trata de beneficiar os empresários de má-fé, que buscam manejar a personalidade jurídica no intuito de praticar fraude, mas sim garantir o exercício regular do direito de defesa, evitando-se decisões açodadas que prejudicam empreendedores de boa-fé. Dito isso, é preciso ter a compreensão de que a distinção de personalidade e de patrimônio entre pessoas físicas e jurídicas não é uma situação estanque, tendo lugar a desconsideração da personalidade jurídica e, até mesmo, a expropriação de bens dos sócios quando houver abuso de forma, fraude ou prática de atos ilícitos realizados sob a proteção da personalidade jurídica. Parece-nos bastante razoável que, com base nessas hipóteses, seja desconsiderada a distinção de personalidade entre pessoas físicas jurídicas, com a finalidade de proteger os direitos de terceiros de boa-fé.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) declarou que a desconsideração da personalidade jurídica de Eireli exige prévia instauração de incidente. O Tribunal modificou o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo que tinha entendido que, no caso de firma individual, a personalidade da

empresa se confunde com a do empresário, tendo como consequência a possibilidade do patrimônio responder indistintamente pelas dívidas de ambos. Muito embora a Eireli tenha sido extinta, o precedente é importante para as Sociedades Limitadas Unipessoais. Confira a seguir:

Indispensável ressaltar que a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica em sociedades anônimas é controversa tanto na doutrina quanto na jurisprudência. Não é incomum haver decisões judiciais expressamente citando a desconsideração da personalidade jurídica em sociedades anônimas, porém remetendo a artigos de lei que tratam da responsabilização dos administradores das empresas, o que é uma impropriedade jurídica diante de dois institutos de direito diversos, como ressaltado anteriormente. É evidente que o acionista controlador, o administrador e os membros do conselho fiscal de uma sociedade anônima podem vir a ser responsabilizados por seus atos conforme preveem os arts. 117, 158 e 165 da Lei 6.404/1976. Contudo, nesses casos, não há quebra do princípio da separação de personalidade jurídica entre acionistas e sociedade. De todo modo, ainda que se admita a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica às sociedades anônimas, permanece o entendimento da necessidade de constatação de práticas fraudulentas, não sendo admitido seu uso indiscriminado, especialmente por dívidas decorrentes das atividades regulares da empresa.

O mesmo ocorre em relação aos administradores e sócios das empresas de responsabilidade limitada. Há hipóteses legais em que eles são responsabilizados por atos impróprios de gestão, especialmente quando agem com excesso de poderes, infringindo a lei e o contrato social. Novamente vale a ressalva de que não se trata, nesse particular, de desconsiderar a personalidade jurídica, mas sim de atribuir responsabilidade solidária ou subsidiária por atos impróprios praticados por sócios e administradores, como é o caso dos arts. 134 e 135 do CTN. Esse entendimento, entretanto, é controverso, na medida em que há manifestação jurisprudencial no sentido de que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica se aplica às hipóteses contidas no art. 135 do CTN, conforme vimos anteriormente.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA A Primeira Turma do STJ aplicou a desconsideração da personalidade jurídica para permitir defesa de sócio em execução fiscal. Contudo, isso não significa que o Tribunal afastou o redirecionamento da execução fiscal nas hipóteses previstas nos arts. 134 e 135 do CTN. O incidente de desconsideração de personalidade jurídica, segundo a decisão, é cabível quando “há o redirecionamento da execução fiscal à pessoa jurídica que integra o mesmo grupo econômico da sociedade originalmente executada, mas que não foi identificada no ato de lançamento (na Certidão de Dívida Ativa) ou que não se enquadra nas hipóteses dos artigos 134 e 135 do Código Tributário Nacional (CTN)”. Confira a seguir:

Em razão dos riscos aqui discutidos, o empresário deve estar ciente das possíveis responsabilidades de sua atuação empresarial, para que se acautele e busque meios de proteger seu patrimônio pessoal dentro dos limites legais. A seguir, vem um quadro-resumo sobre o tema, incluindo dispositivos que tratam da desconsideração da personalidade jurídica e da responsabilidade de sócios e administradores por práticas de má-gestão. RESPONSABILIDADE

PREVISÃO

Civil e societária

Administrador da sociedade limitada: arts. 1.009; 1.010, § 3º; 1.011, § 2º; 1.013, § 2º; 1.014; 1.015; 1.016; 1.017 e parágrafo único; 1.018; 1.020; 1.151, § 2º; e 1.158, § 3º, do CC. Para os sócios: arts. 50; 1.003, parágrafo único; 1.032; 1.052; 1055, § 1º; 1.064; 1.080 do CC. Art. 795 do CPC. Administrador da sociedade anônima: arts. 153 a 159 da Lei 6.404/1976.

Consumerista

Art. 28 do CDC.

Trabalhista

Subsidiariamente, art. 28 do CDC e art. 50 do CC.

Tributária

Arts. 129 a 138 do CTN.

5.1

Desconsideração inversa da personalidade jurídica

Como visto no tópico anterior, a desconsideração da personalidade jurídica se consubstancia pela possibilidade de os bens dos sócios serem alcançados em razão de dívidas pertencentes à pessoa jurídica nas hipóteses em que a sociedade é utilizada para a prática de atos ilícitos. Lado outro, como o nome indica, a desconsideração inversa da personalidade jurídica tem como efeito a responsabilização da pessoa jurídica em razão de dívidas particulares dos sócios, podendo resultar na penhora e possível expropriação

dos bens da empresa. Segundo esclarece Coelho (2022, p. 63), a desconsideração inversa da personalidade jurídica tem o propósito de coibir a prática de transferência de bens de propriedade dos sócios para a sociedade, mantendo-se, contudo, seu controle absoluto, o que lhes permitem usufruírem desses bens igualmente ao que ocorria ao tempo em que estavam sob seu patrimônio. Tais atos são perpetrados, normalmente, objetivando fraudar credores, hipótese em que se aplica a desconsideração inversa, em razão do desvio de finalidade da pessoa jurídica. Diante dessas hipóteses, embora seja formalizada a transferência dos bens para a pessoa jurídica, passando o sócio a deter quotas ou ações representativas do capital social, na prática, os bens continuam a ser desfrutados pelas pessoas naturais, como se a pessoa jurídica, na verdade, não existisse. Antes mesmo da vigência do atual Código de Processo Civil, a desconsideração inversa da personalidade jurídica estava se consolidando no Poder Judiciário, bem como era entendimento de parte da doutrina a possibilidade do seu emprego. Cristiano Chaves de Farias e o de Nelson Rosenvald (2015, p. 400), colaborando com o debate, fornecem a seguinte opinião favorável à aplicação da desconsideração inversa: Ora, a partir do momento em que se isola o fundamento jurídico da admissibilidade desta teoria, fácil é depreender a admissibilidade do inverso: é possível, igualmente, desconsiderar a (mesma) autonomia da pessoa jurídica para responsabilizá-la por obrigações assumidas pelos seus sócios. Marlon Tomazette (2014, p. 286), ao seu turno, não se posiciona totalmente contrário à medida, porém ressalva suas reservas em relação à sua aplicação. Diz o autor:

Embora seja factível e extremamente útil, temos certas reservas quanto à desconsideração inversa, na medida em que, qualquer que seja a sociedade, o sócio terá quotas ou ações em seu nome que integram o seu patrimônio e, por isso, são passíveis de penhora para pagamento das obrigações pessoais do sócio. O autor arremata: (...) não é razoável admitir a desconsideração inversa com ônus para a sociedade, se é possível satisfazer os credores dos sócios sem esses ônus. Com o advento do novo Código de Processo Civil, a desconsideração inversa da personalidade jurídica foi expressamente prevista no § 2º do art. 133, encerrando as dúvidas sobre sua aplicação, ao menos no que se refere à esfera civil, permanecendo dúvidas sobre seu emprego nas áreas trabalhista e tributária. Nosso posicionamento é favorável à aplicação da teoria da desconsideração inversa, contudo, seguindo a ressalva antes mencionada, entendemos que inicialmente deve-se perquirir a satisfação de eventuais créditos do sócio ou do acionista pela penhora dos títulos que representem o capital da empresa. Somente na hipótese de frustração desse meio é que teria lugar a desconsideração inversa. Ademais, como não poderia deixar de ser, somente é cabível a desconsideração inversa nas hipóteses de comprovada fraude. É que, se a desconsideração da personalidade jurídica, discutida no tópico anterior, exige a presença de desvio de finalidade, fraude ou prática de atos ilícitos realizados sob a proteção da sociedade, não seria diferente em relação à aplicação inversa da teoria. A mesma lógica válida, naquele caso, tem lugar aqui. Nesse ponto é que essa discussão converge para o tema tratado neste

livro. Isso porque atualmente muito se tem discutido sobre a criação de holdings familiares na busca de algo que ficou conhecido como “blindagem patrimonial”, o que nos parece bastante inadequado. Com efeito, “blindado” é aquilo que está protegido e resguardado, dando a falsa impressão – quando do emprego da expressão “blindagem patrimonial” – de que, uma vez constituída uma empresa holding, o patrimônio da família esteja livre de qualquer risco em razão de dívidas dos sócios, entendimento que é, ao menos parcialmente, equivocado. É bem verdade que a sociedade holding oferece alguma proteção aos bens pertencentes à família. Entretanto, essa espécie societária não pode ser alçada à condição de panaceia, remédio para toda sorte de problemas jurídicos particulares. Estando presentes elementos que demonstrem que sua constituição se deu com o intuito de desviar bens em prejuízo de terceiros, será viável, em tese, a desconsideração inversa, sujeitando os bens da pessoa jurídica à penhora e até mesmo à expropriação para fazer frente às dívidas de seus sócios.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Recurso especial. Direito civil e processual civil. Desconsideração inversa da personalidade jurídica. Execução contra empresa pertencente a conglomerado, cujo sócio majoritário ou administrador alienou a quase totalidade das cotas sociais da principal empresa do grupo para sua esposa. Fraude à execução. Abuso da personalidade. Confusão patrimonial. Ato atentatório à dignidade da justiça. Tentativa de frustrar a execução. Risco de insolvência do devedor. Necessidade de perseguição de novas garantias. 1. Controvérsia em torno da legalidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica em relação à empresa recorrente no curso de execução movida contra uma das empresas integrantes do mesmo grupo econômico, mas sem patrimônio para garantia do juízo, em face da

transferência pelo sócio majoritário da quase totalidade de suas cotas sociais para sua esposa, ficando somente com a participação de 0,59% na empresa recorrente. 2. A alienação maliciosa para a esposa da quase totalidade de sua participação societária pelo sócio-controlador, coexecutado na qualidade de avalista, de empresa-joia de conglomerado de empresas, integrado pela empresa coexecutada, sem patrimônio, em fraude à execução, caracteriza abuso de personalidade jurídica. 3. Legalidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica, autorizada pelo art. 50 do Código Civil, que abrange, conforme a jurisprudência desta Corte, as hipóteses de ocultação ou mescla de bens no patrimônio de seus sócios ou administradores. 4. A teoria da “disregard doctrine” surgiu como mecanismo para coibir o uso abusivo da autonomia da pessoa jurídica para a prática de atos ilícitos em detrimento dos direitos daqueles que com ela se relacionam. 5. A comprovação de que a personalidade jurídica da empresa está servindo como cobertura para abuso de direito ou fraude nos negócios, deve ser severamente reprimida. 6. Utilização, no caso, de uma das empresas, a mais importante, do conglomerado de empresas pertencentes ao devedor, integrado pela empresa codevedora sem patrimônio, para ocultar bens, prejudicando os credores. 7. Caracterização do abuso de personalidade jurídica, autorizando a medida excepcional. Precedentes do STJ. 8. Recurso especial desprovido (REsp 1.721.239/SP (2017/0296335-9)).

_______________ 1

Confira, nesse sentido, a Lei 13.818/2019.

2

Embora este artigo se refira às sociedades simples e não limitadas, não há controvérsia de que se aplica também a esse caso, devendo o administrador observar esses deveres.

3

Importante destacar que, ainda que o contrato social seja omisso sobre a aplicação supletiva das normas da Sociedade Anônima, existe entendimentos, com base no que dispõe o art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, favoráveis a essa possibilidade. Quando a Lei for omissa, o Juiz decidirá por analogia e de acordo com os costumes e assim poderá ser aplicada a Lei da Sociedade Anônima, conforme entendimento de Coelho (2015, p. 399-400): “... a rigor, duas as hipóteses de aplicação da LSA às limitadas. Além da incidência supletiva ao regime específico do Código Civil, quando omissas as cláusulas contratuais, nas matérias sujeitas à negociação, cabe, também, a aplicação analógica da legislação do anonimato. O pressuposto da analogia, em qualquer ramo jurídico, é a lacuna do direito positivo (LINDB, art. 4º). Desse modo, em caso de omissão do Código Civil, em matéria não passível de negociação entre os sócios, o juiz tem a alternativa da aplicação analógica da Lei das Sociedades por Ações para integrar o direito”. Nesse sentido ainda é o que estabelece o Enunciado 384 do Conselho de Justiça Federal que assim dispõe: “Art. 999: Nas sociedades personificadas previstas no Código Civil, exceto a cooperativa, é admissível o acordo de sócios, por aplicação analógica das normas relativas às sociedades por ações pertinentes ao acordo de acionistas”.

4

Art. 855-A da CLT.

Capítulo 4 ASPECTOS TRIBUTÁRIOS 1.

INTRODUÇÃO

Neste capítulo, serão abordados os aspectos tributários relacionados ao tema do livro e as questões essenciais para o entendimento dos pontos críticos abrangendo os custos tributários na constituição e manutenção da Holding familiar, indispensáveis para o sucesso do planejamento patrimonial e das atividades empresariais da família. Os custos fiscais envolvidos na constituição da Holding familiar e na manutenção de suas atividades serão analisados aqui, o que levará à compreensão das melhores opções objetivando reduzir o peso da carga tributária envolvidos no planejamento da empresa. Um aspecto fundamental sobre a constituição de Holdings familiares está relacionado à potencial redução da carga tributária, especialmente quando comparamos com a tributação incidente sobre pessoas físicas que estão sujeitas à tributação pela tabela progressiva, o que pode acarretar aplicação de alíquotas até o limite de 27,5%. Em princípio, é totalmente legítimo que o contribuinte organize suas atividades de forma a escolher a opção que resulte na menor carga tributária. O que é vedado pela lei e intensamente combatido pelas autoridades fiscais são as estruturas simuladas, em que a forma jurídica documental não encontra suporte na realidade econômica das atividades desenvolvidas pela empresa. Sendo assim, é impossível discutir o tema Holding familiar sem se

aprofundar nos temas analisados no presente capítulo. Um bom planejamento não pode prescindir de uma avaliação apurada sobre os impactos tributários que, caso mal avaliados, podem representar, ao invés de redução de custos tributários, um aumento significativo da carga incidente sobre as atividades empresariais da família.

2.

DOS ASPECTOS TRIBUTÁRIOS DA CONSTITUIÇÃO E MANUTENÇÃO DA HOLDING

Entre outros objetivos visados na constituição de uma sociedade Holding, certamente se destaca a melhor organização fiscal do patrimônio particular, permitindo uma racionalização da carga tributária, a partir da avaliação das alternativas disponíveis na legislação e adoção daquela mais compatível com as atividades da empresa. Aqui serão tratados os aspectos essenciais da tributação envolvidos no processo de constituição e manutenção de uma sociedade Holding, permitindo ao leitor compreender sua gestão fiscal e os benefícios de sua constituição. É indispensável ressaltar que a análise dos elementos tributários de uma empresa requer criterioso estudo, variando conforme as condições específicas de cada caso concreto. Não é incomum empresas optarem por uma determinada alternativa fiscal que, ao seu cabo, aumente consideravelmente os riscos do negócio ou mesmo eleve a carga tributária. Apenas para citar um exemplo ilustrativo: uma empresa pode optar por alterar seu regime tributário de lucro presumido para lucro real em razão de sua margem de lucro ter sido reduzida. Ocorre que lucro contábil difere de lucro fiscal e, para encontrar este último, é necessário realizar os ajustes exigidos pela legislação, o que é feito a partir de adições, exclusões e compensações. Um analista mais apressado pode concluir que a alternativa pelo lucro real é mais vantajosa, sem observar que, no lucro contábil da empresa, estão incluídas despesas relevantes que não são dedutíveis para fins

de apuração do imposto de renda, por expressa vedação legal. O que dizer, então, da mudança da forma de apuração de PIS e Cofins do regime cumulativo para não cumulativo, onde nem sempre as despesas da empresa geram créditos desses tributos que compensam o aumento significativo de suas alíquotas? Dessa forma, todo estudo tributário merece uma avaliação minuciosa, levando em consideração todos os riscos, custos e benefícios envolvendo a adoção de alternativas que visem à redução legal da carga tributária da empresa. Serão apresentados os aspectos essenciais que possam servir de guia aos leitores, alertando-os de que sempre é necessária uma avaliação minuciosa das condições específicas de cada empresa. Inicialmente, serão ponderadas as questões tributárias referentes ao processo de constituição de uma Holding familiar, tratando dos aspectos críticos do ITCMD, ITBI e imposto de renda relacionado à transmissão de propriedades. Posteriormente, o assunto será abordado sob a perspectiva dos custos tributários relacionados à manutenção da Holding, ou melhor explicando, a carga tributária em razão do exercício de sua atividade empresarial.

2.1

Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD)

A análise das nuances do ITCMD é imperativa ao se tratar da constituição de uma sociedade Holding. Como foi visto, uma das vantagens de sua constituição refere-se justamente ao desejo da família de adiantar a sucessão patrimonial, evitando o desgaste que uma sucessão hereditária pode causar no seio familiar e empresarial. Nesse sentido, o ITCMD é peça fundamental, considerando que eleva os custos do planejamento quando os pais resolvem adiantar a legítima aos herdeiros pela doação das quotas da sociedade constituída, o que, no mais das vezes, também inclui a parte disponível do patrimônio.

O ITCMD é um tributo de competência estadual, cujo fato gerador consiste na transmissão não onerosa de bens ou direitos, seja por ato inter vivos ou causa mortis. Está previsto no art. 155, I, da Constituição Federal, que dispõe sucintamente: Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I – transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos. No exercício de sua competência atribuída pela Constituição Federal, o estado de São Paulo promulgou a Lei 10.705/2000, criando o ITCMD paulista e dispondo, no seu art. 2º, sobre sua incidência, conforme reproduzido a seguir: Art. 2º O imposto incide sobre a transmissão de qualquer bem ou direito havido: I – por sucessão legítima ou testamentária, inclusive a sucessão provisória; II – por doação. § 1º Nas transmissões referidas neste artigo, ocorrem tantos fatos geradores distintos quantos forem os herdeiros, legatários ou donatários. § 2º Compreende-se no inciso I deste artigo a transmissão de bem ou direito por qualquer título sucessório, inclusive o fideicomisso. § 3º A legítima dos herdeiros, ainda que gravada, e a doação com encargo sujeitam-se ao imposto como se não o fossem. § 4º No caso de aparecimento do ausente, fica assegurada a restituição do imposto recolhido pela sucessão provisória. § 5º Estão compreendidos na incidência do imposto os bens que, na divisão de patrimônio comum, na partilha ou adjudicação, forem atribuídos a um dos cônjuges, a um dos conviventes, ou a qualquer

herdeiro, acima da respectiva meação ou quinhão. Como foi dito, é corriqueiro no planejamento patrimonial que o patriarca e a matriarca, após constituírem a sociedade Holding, optem pela doação de suas quotas aos herdeiros. O procedimento, portanto, faz parte do planejamento de sucessão familiar, que pode ser um dos objetivos da constituição da empresa. Sobre esse ato, normalmente incide o ITCMD, representando, no mais das vezes, elevados custos em detrimento de parte do patrimônio da família. É oportuno alertar que, sendo o ITCMD um imposto estadual, há diversas legislações tratando do assunto, o que merece especial atenção no momento de avaliar os custos decorrentes da doação, especialmente considerando que a alíquota do tributo varia de Estado para Estado. A seguir, apresentamos a tabela trazendo as alíquotas de cada Estado brasileiro, constatando essas diferenças1: Estado 1

Acre

2

Min.

Máx. 2% (D)

4% (T)

Alagoas

2%

4%

3

Amapá

2% (D)

4% (T)

4

Amazonas

2%

2%

5

Bahia

2%

8%

6

Ceará

2%

8%

7

Distrito Federal

4%

8%

28

Espírito Santo

4%

4%

9

Goiás

2%

4%

10

Maranhão

2% (D)

4% (T)

11

Mato Grosso

2%

4%

12

Mato Grosso do Sul

3%

6%

13

Minas Gerais

4%

4%

14

Pará

4%

4%

15

Paraíba

2%

8%

16

Paraná

4%

4%

17

Pernambuco

2%

5%

18

Piauí

4%

4%

19

Rio de Janeiro

4%

8%

20

Rio Grande do Norte

4%

6%

21

Rio Grande do Sul

4%

6%

22

Rondônia

2%

4%

23

Roraima

4%

4%

24

Santa Catarina

1%

8%

25

São Paulo

2,5%

4%

26

Sergipe

4%

4%

27

Tocantins

2%

4%

Fonte: elaborado pelos autores.

É possível notar que a alíquota máxima aplicada é de 8%. Esse limite é fixado pelo Senado Federal em razão de expressa disposição constitucional (art. 155, IV). Como decorrência, por meio da Resolução 9, do Senado

Federal, de 5 de maio de 1992, vigorando até os dias atuais, foi fixada a alíquota máxima em 8%. Deve-se destacar que, consoante Súmula 112 do STF, o ITCMD é devido pela alíquota vigente ao tempo da abertura da sucessão. Não é incomum surgirem notícias sobre o aumento das alíquotas do ITCMD, tanto em relação à fixação da alíquota máxima pelo Senado Federal, quanto pela possibilidade de os estados majorarem suas alíquotas, ainda que atendido o limite de 8%. Cite-se, nesse sentido, o Projeto de Resolução do Senado 57, de 20192, que aumenta a alíquota máxima do imposto para 16%. Em São Paulo, no dia 17 de abril de 2020, foi publicado no Diário Oficial o Projeto de Lei 250, de 2020 (“PL 250/20”)3, que propõe alterações na alíquota e base de cálculo do ITCMD, prevendo a aplicação de alíquotas progressivas até o limite atual de 8%. Essa possibilidade tem atraído a atenção de famílias receosas de que os custos de sucessão sejam majorados, o que representaria uma perda de parte do patrimônio conquistado em vida em favor dos cofres públicos, incentivando a avaliação de planejamentos sucessórios que envolvam a antecipação da transferência de bens para os herdeiros, de forma a evitar a ocorrência do fato gerador do tributo em um momento posterior, quando a alíquota esteja majorada.

DE OLHO NA NOTÍCIA Projetos de lei preveem aumento de alíquota do ITCMD Famílias estão antecipando doações e heranças para não correrem o risco de pagar impostos maiores Por Joice Bacelo, Beatriz Olivon e Adriana Cotias, Valor – Brasília e São Paulo 22/10/2020 20h10 “Há uma possibilidade de o Estado de São Paulo aumentar a alíquota de

ITCMD de 4% para 8% e isso tem deixado mais aquecido o mercado de planejamento sucessório. Advogados dizem que as famílias estão antecipando doações e heranças para não correrem o risco de pagar um imposto maior.”

Para encontrar a alíquota aplicável ao caso concreto, impõe-se a identificação do sujeito ativo do tributo, ou seja, qual é o Estado competente para instituir e cobrar o ITCMD na hipótese específica. A partir disso, se saberá para qual ente federativo se deve realizar o pagamento do montante devido. O texto constitucional – § 1º do art. 155 – oferece a resposta para essa questão: Art. 155. (...) § 1º O imposto previsto no inciso I: I – relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal II – relativamente a bens móveis, títulos e créditos, compete ao Estado onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal; III – terá competência para sua instituição regulada por lei complementar: a) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior; b) se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o

seu inventário processado no exterior. Vejamos, portanto, a síntese da regra de competência do ITCMD, conforme consta da CF:

Como foi visto, o imposto é devido ao Estado onde se situam os bens imóveis e, no caso de bens móveis, títulos e créditos, deve ser recolhido onde se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador. Nessa linha de análise, é cediço que as quotas ou ações de uma sociedade são títulos que representam a propriedade de parte da empresa, de modo que, no caso de doação desses direitos, o tributo é devido ao Estado onde reside o doador ou se processar o inventário, no caso de transmissão causa mortis. Assim, por exemplo, no caso de doação de quotas de uma empresa estabelecida no Rio de Janeiro, cujo proprietário resida no Estado de São Paulo, o tributo será devido ao fisco paulista, em consonância com o que dispõe o texto constitucional, a despeito da sede da empresa estar situada no estado fluminense. Oportuno ressalvar que, embora quanto ao critério espacial prevaleça o local do domicílio do doador, em relação ao critério pessoal, regra geral, compete ao donatário o cumprimento da obrigação tributária. Dito de outra forma, aquele que recebe a doação é o responsável pelo pagamento do tributo. Em São Paulo, essa previsão consta no inciso III do art. 7º da Lei

10.705/2000, que disciplina a matéria, a seguir reproduzido: Art. 7º São contribuintes do imposto: I – na transmissão “causa mortis”: o herdeiro ou o legatário; II – no fideicomisso: o fiduciário; III – na doação: o donatário; IV – na cessão de herança ou de bem ou direito a título não oneroso: o cessionário. Parágrafo único. No caso do inciso III, se o donatário não residir nem for domiciliado no Estado, o contribuinte será o doador. Polêmica recentemente decidida pelo STF refere-se aos bens situados no exterior, o que foi objeto de julgamento no âmbito do RE 851.108/SP, em que foi fixada a seguinte tese (Tema 825): “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional”. A decisão está em linha com os ditames constitucionais que dispõe que a competência tributária referente ao ITCMD deve ser regulada por lei complementar nas hipóteses em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior e naquelas em que o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior. O problema, entretanto, é que referida lei complementar jamais chegou a ser editada, muito embora os estados pretendessem realizar a cobrança do ITCMD no caso de transmissão de bens no exterior. É o caso da alínea b do inciso II do art. 4º da Lei paulista 10.705/2000, que assim dispõe: Art. 4º O imposto é devido nas hipóteses abaixo especificadas, sempre que o doador residir ou tiver domicílio no exterior, e, no caso de morte, se o “de cujus” possuía bens, era residente ou teve seu inventário processado fora do país:

I – sendo corpóreo o bem transmitido: a) quando se encontrar no território do Estado; b) quando se encontrar no exterior e o herdeiro, legatário ou donatário tiver domicílio neste Estado; II – sendo incorpóreo o bem transmitido: a) quando o ato de sua transferência ou liquidação ocorrer neste Estado; b) quando o ato referido na alínea anterior ocorrer no exterior e o herdeiro, legatário ou donatário tiver domicílio neste Estado. O STF, no entanto, obstou a iniciativa paulista de instituir ITCMD nessas hipóteses, reafirmando as disposições constitucionais que exigem a regulamentação da cobrança do imposto nos casos em que os bens estejam situados no exterior, muito embora as consequências dessa decisão mereçam uma avaliação mais aprofundada, o que faremos adiante.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Competência suplementar dos estados e do Distrito Federal. Artigo 146, III, a, CF. Normas gerais em matéria de legislação tributária. Artigo 155, I, CF. ITCMD. Transmissão causa mortis. Doação. Artigo 155, § 1º, III, CF. Definição de competência. Elemento relevante de conexão com o exterior. Necessidade de edição de lei complementar. Impossibilidade de os estados e o Distrito Federal legislarem supletivamente na ausência da lei complementar definidora da competência tributária das unidades federativas. 1. Como regra, no campo da competência concorrente para legislar, inclusive sobre direito tributário, o art. 24 da Constituição Federal dispõe caber à União editar normas gerais, podendo os estados e o Distrito Federal suplementar aquelas, ou, inexistindo normas gerais, exercer a competência plena para editar

tanto normas de caráter geral quanto normas específicas. Sobrevindo norma geral federal, fica suspensa a eficácia da lei do estado ou do Distrito Federal. Precedentes. 2. Ao tratar do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), o texto constitucional já fornece certas regras para a definição da competência tributária das unidades federadas (estados e Distrito Federal), determinando basicamente duas regras de competência, de acordo com a natureza dos bens e direitos: é competente a unidade federada em que está situado o bem, se imóvel; é competente a unidade federada onde se processar o inventário ou arrolamento ou onde tiver domicílio o doador, relativamente a bens móveis, títulos e créditos. 3. A combinação do art. 24, I, § 3º, da CF, com o art. 34, § 3º, do ADCT dá amparo constitucional à legislação supletiva dos estados na edição de lei complementar que discipline o ITCMD, até que sobrevenham as normas gerais da União a que se refere o art. 146, III, a, da Constituição Federal. De igual modo, no uso da competência privativa, poderão os estados e o Distrito Federal, por meio de lei ordinária, instituir o ITCMD no âmbito local, dando ensejo à cobrança válida do tributo, nas hipóteses do § 1º, incisos I e II, do art. 155. 4. Sobre a regra especial do art. 155, § 1º, III, da Constituição, é importante atentar para a diferença entre as múltiplas funções da lei complementar e seus reflexos sobre eventual competência supletiva dos estados. Embora a Constituição de 1988 atribua aos estados a competência para a instituição do ITCMD (art. 155, I), também a limita ao estabelecer que cabe à lei complementar – e não a leis estaduais – regular tal competência em relação aos casos em que o “de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve seu inventário processado no exterior” (art. 155, § 1º, III, b). 5. Prescinde de lei complementar a instituição do imposto sobre transmissão causa mortis e doação de bens imóveis – e respectivos direitos –, móveis, títulos e créditos no contexto

nacional. Já nas hipóteses em que há um elemento relevante de conexão com o exterior, a Constituição exige lei complementar para se estabelecerem os elementos de conexão e fixar a qual unidade federada caberá o imposto. 6. O art. 4º da Lei paulista nº 10.705/00 deve ser entendido, em particular, como de eficácia contida, pois ele depende de lei complementar para operar seus efeitos. Antes da edição da referida lei complementar, descabe a exigência do ITCMD a que se refere aquele artigo, visto que os estados não dispõem de competência legislativa em matéria tributária para suprir a ausência de lei complementar nacional exigida pelo art. 155, § 1º, inciso III, CF. A lei complementar referida não tem o sentido único de norma geral ou diretriz, mas de diploma necessário à fixação nacional da exata competência dos estados. 7. Recurso extraordinário não provido. 8. Tese de repercussão geral: “É vedado aos estados e ao Distrito Federal instituir o ITCMD nas hipóteses referidas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal sem a edição da lei complementar exigida pelo referido dispositivo constitucional” (RE 851.108/SP, Tema 825 da Repercussão Geral, Rel. Min. Dias Toffoli). Na esteira dessa decisão, ainda mais recente, o STF, por ocasião do julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 67, ajuizada pelo procurador-geral da República, reconheceu a existência de omissão legislativa na regulamentação do art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, acima mencionado, e fixou prazo de 12 meses para o Congresso regulamentar cobrança de imposto sobre doação e herança no exterior. Em outras palavras, muito em breve4, a instituição de ITCMD sobre bens situados no exterior, nas hipóteses previstas no art. 155, § 1º, III, da Constituição Federal, será regulamentada por lei complementar, autorizando os estados a procederem à cobrança do tributo, o que é atualmente vedado.

DE OLHO NA NOTÍCIA STF fixa prazo de 12 meses para Congresso regulamentar cobrança de imposto sobre doação e herança no exterior Em decisão unânime, o Plenário declarou omissão inconstitucional na edição de regras gerais quanto à cobrança do ITCMD pelos estados e pelo Distrito Federal. Disponível no Qr-code a seguir:

É preciso cuidado, porém, para que esse cenário não seja mal compreendido. Isso porque devemos cotejar as regras de competência contidas no art. 155, § 1º, II e III, da Constituição Federal para melhor entendimento acerca da decisão do STF. Com efeito, conforme mencionado anteriormente, o inciso II acima referido dispõe que, em se tratando de bens móveis, o tributo é devido ao Estado em que se processar o inventário ou arrolamento, ou tiver domicílio o doador, ou ao Distrito Federal. Já o inciso III, confirmado pelo STF, dispõe que a competência tributária referente ao ITCMD deve ser regulada por lei complementar nas hipóteses em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior e naquelas em que o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior. Dessa forma, podemos concluir esquematicamente:

Legenda: 1.

Confira, nesse sentido, Resposta à Consulta Tributária 25.241/2022, de 11 de março de 2022 da SEFAZ-SP (disponível em: https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/RC25241_2022.aspx);

2. Exceto se o donatário também residir no exterior, pois, nessa hipótese, não há competência

tributária no Brasil, independentemente de lei complementar; 3. Não há competência tributária no Brasil, independentemente de lei complementar, se o doador e o donatário residirem no exterior e o bem imóvel estiver localizado no exterior; 4. Não há competência tributária no Brasil, independentemente de lei complementar, se o de cujus e o herdeiro residirem no exterior e os bens também estiverem localizados no exterior; 5. Há questionamentos no caso do de cujus ter residência no exterior, o inventário ser processado no exterior e os bens serem móveis localizados no Brasil, pois, nessa hipótese é possível defender que a lei complementar pode estabelecer regra de competência.

Como se nota, definir a incidência do ITCMD é algo mais complexo do que aparenta inicialmente, havendo diversas nuances e dúvidas a serem analisadas. Vamos iniciar com a primeira delas, referente à hipótese em que o doador tenha residência no Brasil e doe um imóvel localizado no exterior. Em primeiro lugar, é importante observar que a CF exige lei complementar para regular o caso do doador domiciliado ou residente no exterior, não havendo qualquer exigência nesse sentido nos casos em que o doador seja domiciliado ou residente no Brasil. Vale dizer que a cobrança de ITCMD sobre bem imóvel de doador aqui domiciliado ou residente, em tese, prescinde de lei complementar, sendo a regra de competência descrita no inciso I do § 1º do art. 155 da CF. Ocorre que esse artigo dispõe que relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, o imposto compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal. Ora, aplicando-se essa regra de forma literal, se o imóvel está situado no exterior, o imposto não seria devido no Brasil. Sendo assim, é possível argumentar que no caso de bens imóveis situados no exterior o imposto não é devido no Brasil, independentemente de lei complementar que regule a matéria, tendo em vista que essa não é hipótese que demanda regulamentação complementar, sendo a regra da competência já definida pelo inciso I do § 1º do art. 155 da CF. Tal entendimento, inclusive, vai ao encontro da posição de Alberto Xavier (2010, p. 193), a seguir reproduzida:

(...) [n]o que respeita a bens imóveis e respectivos direitos, a única conexão relevante é o locus rei sitae: o imposto é devido ao Estado da situação dos bens, ainda que a herança tenha sido aberta no exterior, ou o doador, o donatário, o herdeiro ou o legatário sejam domiciliados no exterior. Vigora aqui o princípio da territorialidade no seu sentido estrito. Por outro lado, é possível argumentar que a cobrança do ITCMD em casos de doação de bens imóveis não tem elemento de conexão restrito ao local da situação do bem. Nada impede que, residindo o doador ou o donatário no Brasil, seja cobrado o ITCMD em razão da conexão territorial relacionada à residência e não ao local em que se situa o bem imóvel. Restariam, nesse caso, dúvidas sobre qual o sujeito ativo do tributo, considerando que o bem não está localizado no Brasil. Nessa hipótese, inclusive por força do inciso I do art. 146 da CF, a cobrança do tributo careceria de lei complementar para delimitar o sujeito ativo, lei essa ainda inexistente, o que impede, nesse momento, a cobrança do ITMD nos casos de doação de bem imóvel situados no exterior. Sobre a incidência de ITCMD sobre doação de imóvel no exterior, a SEFAZ-SP já se manifestou, indicando ser favorável a cobrança do tributo nesse contexto. Na resposta à Consulta Tributária 18.503/2018, de 10 de junho de 20195, a autoridade tributária paulista concluiu que “não incide ITCMD sobre a doação de bem imóvel localizado no exterior quando o donatário é domiciliado no exterior”. Muito embora a conclusão seja pela não incidência do ITCMD, consta do bojo do documento a seguinte argumentação: Verifica-se a incidência do ITCMD, nas doações de bens imóveis localizados no exterior, conforme dispõe o artigo 4º, I, da Lei nº 10.705/2000, quando o donatário tiver domicílio neste Estado. Portanto, como inexiste previsão legal, não incide o ITCMD sobre a

doação do bem imóvel em questão, localizado no exterior, tendo em vista que a donatária é domiciliada no exterior. Sendo assim, a posição da SEFAZ sobre a não incidência do ITCMD nesse caso decorreu unicamente do fato do donatário residir no exterior. Caso contrário, ou seja, residindo em São Paulo, o imposto, segundo esse entendimento, seria devido. De toda forma, é conveniente aguardar a edição de lei complementar para confirmar se a matéria será abordada expressamente e, a partir daí, a discussão deverá ganhar novos contornos. Partindo para o segundo ponto de interrogação contido no esquema acima, temos a hipótese do doador residente no exterior que doa bem imóvel localizado no Brasil. Nesse caso, a dúvida encontra-se no fato de que a alínea “a”, inciso III, § 1º, do art. 155 da CF estipula a necessidade de lei complementar para regulamentar a competência (“se o doador tiver domicílio ou residência no exterior”). Daí ser possível concluir que, na carência dessa lei, a doação de bem imóvel localizado no Brasil por doador residente no exterior, não autoriza a cobrança de ITCMD. Apesar de solidez dessa posição, a considerar o texto constitucional, outra conclusão nos parece ser possível. Isso porque, no caso de bens imóveis, há regra expressa contida no inciso I, § 1º, do art. 155 da CF no sentido de que, relativamente a bens imóveis e respectivos direitos, o imposto compete ao Estado da situação do bem, ou ao Distrito Federal, prescindindo, portanto, de lei complementar para regular a competência tributária. Prevalecendo esse entendimento, o tributo será devido ao Estado onde localizado o bem imóvel, independentemente de onde residam doador e donatários. Por fim, o último caso refere-se ao de cujus que residia no exterior e que deixou como legado a ser transmitido bens imóveis localizados no Brasil. A conclusão nesse particular é semelhante ao caso do doador residente no exterior que doa bem imóvel localizado no Brasil. É que, embora a alínea

“b”, inciso III, § 1º do artigo 155 da CF estipule ser necessária lei complementar delimitando a competência, se o de cujus era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior, é possível argumentar que, por se tratar de herança envolvendo bem imóvel, a regra de competência já está definida no inciso I, do § 1º do art. 155 da CF e, portanto, o tributo é devido no Estado onde localizado o bem. Como se nota, a definição sobre a incidência do ITCMD é tarefa complexa e que demanda muita reflexão do profissional envolvido no planejamento patrimonial familiar. Ademais, sugere-se cautela, especialmente considerando que as conclusões podem tomar outra direção a depender do texto da lei complementar que, espera-se, logo será promulgada, ou mesmo diante de posições em sentido diverso por parte de nossos Tribunais. Em relação à base de cálculo, regra geral, prevalece o valor de mercado dos bens transmitidos, independentemente do seu custo de aquisição. Novamente, no Estado de São Paulo, a lei citada anteriormente assim estabelece: Art. 9º A base de cálculo do imposto é o valor venal do bem ou direito transmitido, expresso em moeda nacional ou em UFESPs (Unidades Fiscais do Estado de São Paulo). § 1º Para os fins de que trata esta lei, considera-se valor venal o valor de mercado do bem ou direito na data da abertura da sucessão ou da realização do ato ou contrato de doação. § 2º Nos casos a seguir, a base de cálculo é equivalente a: 1. 1/3 (um terço) do valor do bem, na transmissão não onerosa do domínio útil; 2. 2/3 (dois terços) do valor do bem, na transmissão não onerosa do domínio direto; 3. 1/3 (um terço) do valor do bem, na instituição do usufruto, por ato não oneroso;

4. 2/3 (dois terços) do valor do bem, na transmissão não onerosa da nua-propriedade. Em razão da menção legal sobre a base de cálculo do ITCMD ser o valor de mercado, quando envolvido bem imóvel, o Estado de São Paulo vem aplicando o valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI, divulgado ou utilizado pelos municípios, conforme disposição contida no parágrafo único do art. 16 do RITCMD (Decreto 46.655/2002), a seguir reproduzido: Art. 16. O valor da base de cálculo, no caso de bem imóvel ou direito a ele relativo será (Lei 10.705/00, art. 13): I – em se tratando de: a) urbano, não inferior ao fixado para o lançamento do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU; [...] II – o valor pago pelo “de cujus” até a data da abertura da sucessão, quando em construção; III – o valor do crédito existente à data da abertura da sucessão, quando compromissado à venda pelo “de cujus”. Parágrafo único. Poderá ser adotado, em se tratando de imóvel: (Redação dada ao parágrafo pelo Decreto 55.002 de 09-11-2009; DOE 10-11-2009) (...) 2 – urbano, o valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI divulgado ou utilizado pelo município, vigente à data da ocorrência do fato gerador, nos termos da respectiva legislação, desde que não inferior ao valor referido na alínea “a” do inciso I, sem prejuízo da instauração de procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, se for o caso.

Ocorre que a previsão contida no Decreto 46.655/2002 não encontra suporte legal, na medida em que a Lei paulista 10.705/2000 que dispõe sobre a instituição do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos – ITCMD não autoriza o uso do valor de referência do ITBI como suporte monetário para a base de cálculo do ITCMD. Em razão disso, são inúmeros os processos judiciais em que os contribuintes contestam, com sucesso, a utilização do valor venal de referência do ITBI, requerendo seja aplicado o valor venal do IPTU, invariavelmente menor. Deve-se, portanto, atenção nas hipóteses em que os fiscos estaduais exigirem ITCMD com aplicação de base de cálculo não autorizada em lei, como vem procedendo o Estado de São Paulo, inclusive sendo indicada a avaliação de ajuizamento de medida judicial para obstar a cobrança.

DE OLHO NA NOTÍCIA Tribunal reduz tributação sobre imóveis em doações e heranças TJSP determina uso do valor venal do IPTU como base de cálculo do ITCMD Por Beatriz Olivon — De Brasília – 18/03/2022 Disponível no Qr-code a seguir:

Há, ainda, dispositivo específico tratando da base de cálculo no caso de

doação de ações e quotas sociais. Confira (Lei paulista 10.705/2000): Art. 14. No caso de bem móvel ou direito não abrangido pelo disposto nos artigos 9º, 10 e 13, a base de cálculo é o valor corrente de mercado do bem, título, crédito ou direito, na data da transmissão ou do ato translativo. § 1º À falta do valor de que trata este artigo, admitir-se-á o que for declarado pelo interessado, ressalvada a revisão do lançamento pela autoridade competente, nos termos do artigo 11. § 2º O valor das ações representativas do capital de sociedades é determinado segundo a sua cotação média alcançada na Bolsa de Valores, na data da transmissão, ou na imediatamente anterior, quando não houver pregão ou quando a mesma não tiver sido negociada naquele dia, regredindo-se, se for o caso, até o máximo de 180 (cento e oitenta) dias. (§ 2º com redação dada Lei nº 10.992, de 21/12/2001, com efeitos a partir de 01/01/2002.) § 3º Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação, ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, admitirse-á o respectivo valor patrimonial. (§ 3º com redação dada Lei nº 10.992, de 21/12/2001, com efeitos a partir de 01/01/2002.) No caso de doação de quotas societárias, portanto, a base de cálculo deverá ser calculada com suporte no valor patrimonial da empresa, dividido pelo número de quotas totais e, então, multiplicado pela quantidade de quotas doadas. Há grande polêmica, entretanto, sobre a correta interpretação da expressão “valor patrimonial”. Isso porque o entendimento sobre o alcance do termo pode variar significativamente, podendo ser considerado o valor do patrimônio líquido; valor do patrimônio considerando somente bens e direitos

registrados no ativo da companhia; valor de mercado da empresa, dentre outros. Parece-nos que, tomando por base a legislação do Estado de São Paulo, a correta interpretação nos leva a concluir que “valor patrimonial” se refere ao valor do patrimônio líquido conforme registrado pela contabilidade. Com efeito, quisesse se referir à grandeza diversa, e o legislador teria especificado utilizando termo distinto e não esse que remete ao balanço patrimonial contábil. É assim, por exemplo, com a legislação do ITCMD do Estado do Rio de Janeiro. Veja o que dispõe o art. 22 da Lei Estadual 7.174/2015 fluminense: Art. 22. Na transmissão de ações não negociadas em bolsas, quotas ou outros títulos de participação em sociedade simples ou empresária, a base de cálculo será apurada conforme o valor de mercado da sociedade, com base no montante do patrimônio líquido registrado no balanço patrimonial anual do exercício imediatamente anterior ao do fato gerador. § 1º Quando o valor do patrimônio líquido não corresponder ao valor de mercado, a autoridade fiscal poderá proceder aos ajustes necessários à sua determinação, conforme as normas e práticas contábeis aplicáveis à apuração de haveres e à avaliação patrimonial. § 2º Aplica-se o disposto neste artigo, no que couber, à transmissão de acervo patrimonial de empresário individual. Conforme observamos, no § 1º, há expressa disposição no sentido de que se o valor do patrimônio líquido não corresponder ao valor de mercado, a autoridade fiscal poderá proceder aos ajustes necessários à sua determinação. Não é esse o caso de São Paulo, onde a legislação se limita a mencionar o termo “valor patrimonial”. As manifestações das autoridades fiscais paulistas, entretanto, não são favoráveis aos contribuintes. Por meio da Portaria CAT 29/11, a Secretaria de

Fazenda do Estado de São Paulo – SEFAZ se manifestou no seguinte sentido: “[...] quando o patrimônio líquido indicar valor negativo, será considerado, para fins de base de cálculo do imposto, o valor nominal das ações, cotas, participações ou quaisquer títulos representativos de capital social”. Note que, segundo esse entendimento, o valor do patrimônio líquido é desconsiderado em caso dele ser negativo, prevalecendo o valor nominal das ações, o que vai de encontro ao texto legal. Mais recentemente, a SEFAZ se manifestou por meio da Consulta Tributária 24.429/2021, de 14.10.2021, onde deixa claro seu entendimento sobre a necessidade de ser considerado como “valor patrimonial” o valor de mercado das ações ou quotas empresariais. Confira: ITCMD – Transmissão causa mortis de quotas societárias – Base de cálculo. I. É isenta do ITCMD a transmissão por doação cujo valor não ultrapassar 2.500 (duas mil e quinhentas) UFESPs, considerando a soma de todas as transmissões realizadas dentro de cada ano civil por um mesmo doador ao mesmo donatário. II. Para efeitos de cálculo do ITCMD, o valor a ser atribuído às quotas sociais de empresas deve refletir o seu valor de mercado. III. Admite-se o valor patrimonial, desde que se leve em conta o valor patrimonial real, ou seja, aquele que mais se aproxima do valor de mercado (valor com que as referidas quotas de patrimônio seriam passíveis de ser negociadas no mercado – preço de venda). IV. Na hipótese de doação de bens realizada por cônjuges ou companheiros, na vigência dos regimes de comunhão parcial ou universal de bens, para vários donatários, deve-se levar em conta, para o cálculo do limite de isenção e verificação da possibilidade de sua aplicação em cada fato gerador ocorrido, o valor dos bens doados a cada um dos beneficiários pelos mencionados cônjuges ou companheiros, que configuram um único doador.

Reiteramos nossa posição contrária ao entendimento das autoridades fiscais, o que é reforçado pela própria iniciativa do Governo do Estado em modificar a legislação vigente, conforme conferimos por meio da análise do Projeto de Lei 529, de 20206-7, onde é proposta a seguinte alteração no § 3º do art. 14 da Lei 10.705/2000: § 3º Nos casos em que a ação, quota, participação ou qualquer título representativo do capital social não for objeto de negociação ou não tiver sido negociado nos últimos 180 (cento e oitenta) dias, a base de cálculo será o valor do patrimônio líquido, apurado nos termos do artigo 1.179 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), ajustado pela reavaliação dos ativos e passivos ao valor de mercado na data do fato gerador, observando-se o disposto na legislação, em especial o previsto no Capítulo IV desta lei, calculado conforme disciplina estabelecida pelo Poder Executivo. Para que não reste qualquer dúvida, vamos colocar lado a lado o texto atual da lei e o texto proposto no respectivo projeto de lei:

A proposta de lei nos permite concluir que o texto atual não autoriza a interpretação no sentido de que “valor patrimonial” é valor de mercado. Caso

assim fosse, não seria necessária a alteração do texto para autorizar a cobrança do ITCMD sobre base de cálculo diversa. Em resumo, segundo entendemos, ao menos no Estado de São Paulo, atualmente, a base de cálculo na doação ou transmissão causa mortis de ações ou quotas de pessoas jurídicas, excetuadas aquelas de capital aberto negociadas em bolsa de valores, é o valor do patrimônio líquido, não se sendo admita a consideração de outro montante, inclusive valor de mercado. Somente na hipótese contida no art. 148 do CTN, que envolve omissão ou declarações que não mereçam fé, é que poderia a autoridade fiscal arbitrar valor diverso e, ainda assim, essa hipótese não autoriza a aplicação do valor de mercado para esse caso específico. A Lei Paulista 10.705/2000 ainda traz outro aspecto relevante em relação ao planejamento patrimonial. Como dito inicialmente, é comum que o planejamento contemple não apenas a parte disponível, mas, igualmente, o adiantamento da legítima, ou seja, a transmissão aos herdeiros dos bens que teriam direito no momento do passamento de seus pais. Esse procedimento é fato gerador do ITCMD, sendo necessário o recolhimento do tributo sobre o valor de mercado dos bens transmitidos, cuja alíquota aplicável em São Paulo é de 4%. Porém, igualmente comum seja feita somente a transmissão da nuapropriedade dos bens, sendo seus frutos mantidos em favor dos doadores, no caso exemplificado, os pais. Nesse particular, a base de cálculo será reduzida, conforme prevê a alínea 4 do § 2º do art. 9º da Lei paulista 10.705/2000, sendo calculada à razão de dois terços do valor do bem. O um terço restante dessa base de cálculo deverá ser recolhido apenas no momento da efetiva transmissão dos direitos aos frutos, ou seja, quando todos os elementos da propriedade se perfizerem em favor dos herdeiros. Essa regra, contida na legislação do estado de São Paulo, é encontrada nas leis que disciplinam o ITCMD de outros estados, com alguma variação. Cabe aqui uma crítica feita em respeito ao nosso leitor e atendendo à

transparência que permeia todo o desenvolvimento desta obra. Não é infrequente encontrar textos sustentando que a constituição da Holding representa economia tributária, inclusive em relação ao ITCMD, uma vez que a doação das quotas da sociedade com reserva de usufruto possui base de cálculo reduzida. Se, em relação aos demais tributos, muitos são os cuidados para que a economia tributária se materialize, conforme será exposto no decorrer desta obra, no que diz respeito ao ITCMD não é correto afirmar que estamos diante de qualquer benefício tributário, ao menos no que diz respeito à redução da base de cálculo por conta da doação somente da nuapropriedade. Com efeito, ao realizar a doação das quotas da Holding como parte do planejamento envolvendo o adiantamento da legítima, o que ocorre é a antecipação do custo tributário que se efetivaria apenas com o passamento dos proprietários dos bens. Ainda que calculado sobre dois terços do valor patrimonial das quotas, o que ocorre, verdadeiramente, é o recolhimento antecipado de parte do tributo que seria devido apenas no futuro. Bem verdade que o pagamento antecipado pode ser vantajoso, pois pode ser programado, o que facilita o levantamento do montante devido, sem a necessidade da alienação de algum bem, como ocorre no momento do inventário. Não é incomum que, no decorrer do inventário, o processo seja protelado pela falta de recursos para pagamento do referido tributo, de modo que planejar seu pagamento pode ser um benefício, sem significar, contudo, real redução de carga tributária, como alguns defendem impropriamente. Ademais, como tivemos oportunidade de mencionar acima, há diversas propostas de alteração da legislação tributária que envolvem o aumento da alíquota do ITCMD. Antecipar a transferência do patrimônio aos herdeiros pode representar significativa economia tributária, se compararmos com o possível cenário em que as alíquotas sejam majoradas. É bem verdade que, conforme expusemos acima, há discussões sobre a base de cálculo no caso de doação de quotas empresariais, bem como existem

estruturas mais sofisticadas que podem eventualmente representar uma economia tributária. Entretanto, sugere-se cautela para que não sejam realizadas operações que sejam vistas pelas autoridades fiscais como simuladas, o que pode gerar lançamento do tributo com multas e juros. Outro procedimento muito comum praticado por algumas famílias é a realização de doação até o limite de eventual isenção estabelecida em lei. A Lei paulista 10.705/2000, por exemplo, dispõe que são isentas as doações8 cujo valor não ultrapassar 2.500 UFESPs9, ou seja, R$ 79.925,00 em 2022. Com isso, algumas famílias optam por realizar doações anuais limitadas a esse montante, de forma a evitar a incidência do ITCMD. Evidentemente que o adiantamento da legítima tem outras vantagens, como visto no Capítulo 2, que justificam sua prática. Equivocado, contudo, é o entendimento de que a doação com reserva de usufruto representa, por si só, economia tributária em relação ao ITCMD, por conta da base de cálculo reduzida para dois terços dos valores da quota social. Em alguns casos particulares, o planejamento irá representar economia fiscal, porém isso dependerá de condições específicas a serem estudadas no momento oportuno.

VOCÊ SABIA? Segundo a Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, os prazos para pagamento do ITCMD paulista são os seguintes: 1.

Doação – Nos casos de doação extrajudicial, o imposto deverá ser recolhido antes da celebração do ato ou contrato correspondente. – Nos casos de doação judicial, o imposto será pago no prazo de 15 dias do trânsito em julgado da sentença.

Fundamento Legal: art. 18 da Lei 10.705/2000.

2.

Inventário ou Arrolamento – Nos casos de arrolamento ou inventário judicial, o imposto será pago até o prazo de 30 dias após a decisão homologatória do cálculo ou do despacho que determinar seu pagamento, sendo que o prazo para o recolhimento não poderá ser superior a 180 dias da abertura da sucessão. – Se o prazo para recolhimento for superior a 180 dias da abertura da sucessão, o débito estará sujeito à taxa de juros de mora e às penalidades cabíveis, excetuando-se os casos em que houver dilação desse prazo pela autoridade judicial (art. 17 da Lei 10.705/2000). – Nos casos de transmissão causa mortis por escritura pública, o imposto será recolhido antes da lavratura da escritura (art. 25 da Lei 10.705/2000). – Em todos os casos, o valor da base de cálculo será atualizado monetariamente até a data prevista para recolhimento (art. 15 da Lei 10.705/2000). – Quando não recolhidos no prazo, os débitos ficarão sujeitos à incidência de multa e juros de mora (arts. 19 e 20 da Lei 10.705/2000).

Confira a seguir:

Dito tudo isso, é preciso compreender que a doação representa custo tributário em razão da incidência do ITCMD, de modo que, caso realizada a transferência não onerosa das quotas da Holding familiar como forma de adiantamento de legítima, o tributo será devido, salvo eventuais isenções específicas. Na corriqueira hipótese de doação apenas da nua-propriedade, com manutenção do usufruto aos doadores, no Estado de São Paulo, a base de cálculo será reduzida, representando dois terços do valor venal dos bens. Um último ponto que merece ser abordado refere-se ao fato de que o herdeiro não está obrigado a receber eventual herança que tenha direito. Com efeito, o herdeiro pode renunciar ao direito, havendo duas modalidades de renúncia, conforme destacamos a seguir:

Há que se ter muita atenção no que se refere à renúncia da herança, especialmente em relação as suas consequências, que merecem avaliação cuidadosa, antes de que seja adotada qualquer prática nesse sentido. A primeira refere-se ao fato de que, na renúncia abdicativa, o montante que seria destinado ao herdeiro renunciante volta a compor o monte-mor e sua destinação segue a ordem de vocação hereditária prevista no art. 1.829 do CC. Por sua vez, na renúncia translativa, o renunciante indica a destinação da herança renunciada. Assim, suponha o caso do herdeiro João que deseja renunciar os bens em favor de sua mãe. Para tanto, deve optar pela renúncia translativa, indicando-a como favorecida. Caso opte pela renúncia abdicativa, o montante que seria a ele destinado volta a compor o monte-mor e pode beneficiar, por exemplo, um irmão em vez de sua mãe.

A segunda consequência, conforme indicada na figura acima, envolve a incidência do ITCMD. Isso porque na renúncia translativa, há duas transmissões de bens: no caso do nosso exemplo, do de cujus para João e de João para a mãe. Indubitavelmente, temos duplo fato gerador do ITCMD, em razão da dupla transmissão, o que exige análise cuidadosa.

2.2

Imposto de Transmissão de Bens Inter Vivos (ITBI)

O Imposto de Transmissão de Bens Inter vivos (ITBI) é um tributo de competência municipal, que tem como fato gerador a transmissão inter vivos, por ato oneroso, de propriedade ou domínio útil de bens imóveis, estando ele previsto no art. 156, II, da Constituição Federal, que assim dispõe: Art. 156 Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I – (...); II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição. Inicialmente, é fundamental esclarecer que a integralização de capital de uma sociedade, incluindo Holdings, pode ser fato gerador do ITBI. Essa afirmação pode causar algumas dúvidas, surgindo os seguintes questionamentos que merecem enfrentamento: 1. A integralização representa uma transmissão de propriedade? 2. A integralização é um ato oneroso? A primeira questão não comporta dúvidas significativas, pois se sabe que uma sociedade empresária possui personalidade jurídica própria, que se distingue da dos sócios. Como decorrência lógica, os bens da pessoa jurídica não se confundem com os da pessoa física. Assim, ao integralizar o capital da

empresa com um bem imóvel, esse ato representa transmissão da propriedade: a pessoa física deixa de ser proprietária do imóvel, que passa a pertencer à pessoa jurídica, tornando-se, por sua vez, proprietária de quotas ou ações da sociedade. A mesma regra vale para o caso de uma pessoa jurídica integralizar bens próprios em outra pessoa jurídica, ou seja, há transmissão de propriedade. Quanto ao segundo questionamento, convém explicar o ato de integralizar o capital. Integralizar significa, objetivamente, transferir os recursos que foram prometidos à sociedade no ato da subscrição de capital. O transmitente repassa tais recursos para o patrimônio da sociedade, recebendo, em contrapartida, quotas sociais. Não há dúvida de que se trata de uma transmissão onerosa e não gratuita de patrimônio. Embora nosso ordenamento legal não disponha expressamente que a integralização é um ato oneroso, na legislação em vigor, há dispositivos esparsos que ratificam esse entendimento, como é o caso do inciso I do art. 36 do CTN, em que consta a expressão “pagamento de capital nela subscrito”. Não por outro motivo, o sócio remisso, ou seja, aquele que descumpre o prazo estipulado em contrato para integralização do montante subscrito, responde pelo dano em razão da mora, conforme expressamente dispõe o art. 1.004 do CC. Em outras palavras, a integralização é uma obrigação do sócio, que, ao subscrever o capital social, se torna devedor da sociedade, de modo que não há margem para questionamentos quanto a ser um ato oneroso.

VOCÊ SABIA? A integralização de capital com um bem imóvel é um ato de transmissão onerosa de propriedade imobiliária, podendo, por esse motivo, ser fato gerador de ITBI, exceto nas hipóteses em que a operação é imune em razão da previsão

do § 2º, inciso I, do art. 156 da CF. Essa análise permite concluir que a integralização do capital social da empresa por meio de um imóvel é fato gerador do ITBI. Ocorre, todavia, que a Constituição Federal previu que esse ato é imune, ou seja, não incide o ITBI nessa operação, exceto se a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Segue o que diz o § 2º, inciso I, do art. 156 da CF: § 2º O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Nessa senda, caso a atividade preponderante da sociedade não seja a citada expressamente no bojo do parágrafo antes transcrito, não incidirá o ITBI na integralização de capital com bens imóveis. Inclusive, seguindo a determinação constitucional, o Código Tributário Nacional reitera a hipótese de não incidência do tributo. Confira: Art. 36. Ressalvado o disposto no artigo seguinte, o imposto não incide sobre a transmissão dos bens ou direitos referidos no artigo anterior: I – quando efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito; II – quando decorrente da incorporação ou da fusão de uma pessoa jurídica por outra ou com outra; Parágrafo único. O imposto não incide sobre a transmissão aos

mesmos alienantes, dos bens e direitos adquiridos na forma do inciso I deste artigo, em decorrência da sua desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica a que foram conferidos. Reparem que o Código Tributário Nacional (CTN) ainda previu, em seu parágrafo único, que o ITBI também não incidirá sobre a desincorporação do patrimônio da pessoa jurídica, desde que a transmissão seja realizada ao mesmo alienante. Em termos mais objetivos, se uma determinada pessoa física ou jurídica integralizar o capital com um imóvel, caso ocorra a desincorporação do capital, retornando o bem ao proprietário original, o imposto não incidirá. Dito tudo isso, conclui-se que, na constituição de uma sociedade Holding, a integralização do capital com bens imóveis constituirá ou não fato gerador do ITBI, dependendo de sua atividade preponderante. Segundo entendimento atualmente vigente, sendo ela de compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil, o ITBI é devido, caso contrário, não. Verifica-se a constituição de muitas sociedades denominadas imprecisamente de Holdings patrimoniais. Na verdade, tratam-se de empresas cujo objeto social não é a participação em outras sociedades, mas sim a realização de atividades imobiliárias. Essas empresas nada mais são do que sociedades operacionais, que têm como objeto a realização de atividades imobiliárias, embora seja tradicional denominá-las de Holdings patrimoniais ou imobiliárias. Ocorre que, sendo a atividade preponderante da empresa o desenvolvimento de atividades imobiliárias na forma expressamente prevista na Constituição Federal, o ITBI é devido, o que eleva o custo da constituição da empresa. Surge, nesse passo, nova dúvida a ser enfrentada: o que se considera atividade preponderante para fins de aplicação da imunidade constitucional?

A legislação foi bem ao dirimir essa dúvida, não deixando espaço para questionamentos. O conceito de atividade preponderante para os fins tributários está expressamente descrito no art. 37 do CTN, transcrito a seguir: Art. 37. O disposto no artigo anterior não se aplica quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição; § 1º Considera-se caracterizada a atividade preponderante referida neste artigo quando mais de 50% (cinquenta por cento) da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos 2 (dois) anos anteriores e nos 2 (dois) anos subsequentes à aquisição, decorrer de transações mencionadas neste artigo; § 2º Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição, ou menos de 2 (dois) anos antes dela, apurar-se-á a preponderância referida no parágrafo anterior levando em conta os 3 (três) primeiros anos seguintes à data da aquisição. § 3º Verificada a preponderância referida neste artigo, tornar-se-á devido o imposto, nos termos da lei vigente à data da aquisição, sobre o valor do bem ou direito nessa data. § 4º O disposto neste artigo não se aplica à transmissão de bens ou direitos, quando realizada em conjunto com a da totalidade do patrimônio da pessoa jurídica alienante. Recentemente, a compreensão sobre a imunidade do ITBI sofreu um intenso abalo em decorrência da decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário 796.376 de Santa Catarina. O recurso foi recebido pelo Ministro Marco Aurélio com repercussão geral (Tema 796) e refere-se ao alcance da imunidade nos casos de imóveis integralizados ao capital social da empresa, cujo valor de avaliação extrapole o da cota realizada. Por maioria de votos, o STF negou provimento ao recurso do

contribuinte e fixou a seguinte tese: A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado. Conforme se observa, a decisão limita a imunidade constitucional, na medida em que não alcança o valor do bem imóvel integralizado que supera o capital social a ser integralizado pelo contribuinte. Seria o caso, para ilustrar, de um imóvel avaliado por R$ 1.000.000,00, porém, cuja transferência ao patrimônio da sociedade, seja realizada por valor inferior, conforme custo declarado no imposto de renda, por exemplo, R$ 300.000,00. Nesse caso, a imunidade estaria restrita ao montante de R$ 300.000,00, sendo devido o ITBI sobre a parcela restante no valor total de R$ 700.000,00. Esse entendimento vem preocupando os contribuintes e os profissionais que atuam no ramo de planejamentos patrimoniais, especialmente porque conflita com o art. 23 da Lei 9.249/1995 – discutida com mais detalhe adiante – e que permite que a pessoa física transfira a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado. Nesses casos, quando a transferência é realizada pelo valor da declaração não incide imposto de renda sobre o ganho de capital. Ocorre que, na grande maioria das vezes, o valor declarado do imóvel é inferior ao valor de referência estabelecido pelo município como base de cálculo do ITBI. Como consequência e diante da fixação da tese referente ao Tema 796 pelo STF, muitos municípios estão tendo a iniciativa de efetuar o lançamento de ofício visando a cobrar a diferença do imposto municipal. O dilema imposto ao contribuinte é justamente que a opção pela integralização consoante o valor de declaração se, por um lado, evita a incidência do imposto de renda, agora, a prevalecer o entendimento dos municípios, impõe o dever de recolhimento de ITBI em operações que, até então, eram tidas

como imunes. De fato, a leitura isolada da tese fixada pelo STF parece ir ao encontro do entendimento dos municípios, pois expressamente declara que a imunidade do ITBI não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado. Segundo entendemos, contudo, o caso julgado pelo STF e que deu origem à fixação da tese é peculiar, havendo particularidades que não são evidentes quando fazemos a leitura isolada do texto da tese fixada. Com efeito, o caso concreto refere-se a uma empresa cujo capital social foi estabelecido em R$ 24.000,00, tendo sido integralizado bens imóveis no valor total de R$ 802.724,00, ou seja, muito superior ao do capital social. O que o texto da tese não nos revela é o fato de que, no caso concreto, os bens foram registrados contabilmente no ativo da empresa pelo valor integral de R$ 802.724,00, sendo a contrapartida de R$ 24.000,00 registrada no patrimônio líquido na “linha” de capital social e o restante – R$ 778.724,00 – em conta de “reserva de capital”. Em outras palavras, não se trata de realizar a operação pelo valor de R$ 24.000,00, mas sim valorá-la no montante de R$ 802.724,00, tal qual registrado no ativo, porém parte dessa quantia ser registrada em contrapartida em conta de “reserva de capital”. Veja-se, portanto, que o caso difere das situações corriqueiras no âmbito dos planejamentos patrimoniais, em que o contribuinte entrega bem imóvel em realização de capital pelo valor constante de sua declaração de imposto de renda, sendo ele registrado no ativo da empresa pelo mesmo montante. Esse detalhe não passou despercebido pelo Ministro Alexandre de Moraes, redator do Acórdão vencedor, conforme conferimos em duas passagens do seu voto a seguir reproduzidas: Revelaria interpretação extensiva a exegese que pretendesse albergar, sob o manto da imunidade, os imóveis incorporados ao patrimônio da pessoa jurídica que não fossem destinados à integralização do capital

subscrito, e sim a outro objetivo – como, no caso presente, em que se destina o valor excedente à formação de reserva de capital. Por outro lado, nada impede que os sócios ou os acionistas contribuam com quantia superior ao montante por eles subscrito, e que o contrato social preveja que essa parcela será classificada como reserva de capital. Essa convenção se insere na autonomia de vontade dos subscritores. O que não se admite é que, a pretexto de criar-se uma reserva de capital, pretenda-se imunizar o valor dos imóveis excedente às quotas subscritas, ao arrepio da norma constitucional e em prejuízo ao Fisco municipal. No caso concreto, a diferença entre o valor do capital social e os imóveis incorporados é de R$ 778.724,00. É de indagar-se a razão pela qual uma empresa, cujo capital social é de R$ 24.000,00, pretende constituir uma reserva de capital em montante tão superior ao seu capital, e, sobretudo, livre do pagamento de imposto. (destacamos) Veja-se que o Ilustre Ministro mencionou expressamente que não seria admissível a criação de reservas de capital com o pretexto de fazer jus à imunidade Constitucional do ITBI. Não nos parece, salvo melhor juízo, que dessa conclusão seja possível entender que, em situações diversas, a imunidade é inaplicável, inclusive nos casos em que o contribuinte entrega o imóvel em contrapartida à subscrição de capital, sendo ele registrado contabilmente pelo mesmo montante. Em razão disso, embora reconhecendo que o texto da tese fixada deixa pouca margem para discussões, é necessário analisar cada caso concreto e realizar, quando pertinente, o distinguishing, demonstrando que o precedente do STF não pode ser aplicado naquela hipótese, na medida em que versa sobre situação diversa que não se subsome ao Tema 796 julgado pelo tribunal. As polêmicas envolvendo a imunidade não se encerram em relação à

limitação em razão do valor do bem integralizado. No mesmo julgamento, o Ministro Alexandre de Moraes apresentou interpretação sobre o texto do § 2º, inciso I, do art. 156 da CF, que não é a usualmente adotada pelos operadores do direito. Referimo-nos aqui ao alcance da expressão “nesses casos” contida no dispositivo em análise. Convém rememorarmos: Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: [...] II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; § 2º O imposto previsto no inciso II: I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil; (destacamos) Efetivamente, o referido disposto constitucional é normalmente interpretado no sentido de que quando a atividade preponderante do adquirente envolver operações imobiliárias, não se aplica a imunidade, incidindo o ITBI. Entretanto, no bojo de seu voto, o Ministro Alexandre de Moraes alerta que essa interpretação é equivocada, na medida em que a expressão “salvo se, nesses casos” “nada tem a ver com a imunidade referida na primeira parte desse inciso”. Para que fique claro, a exposição contida no voto do Ministro Alexandre de Moraes poderíamos propor uma releitura do texto contido no § 2º, inciso I, do art. 156 da CF, da seguinte forma:

Esse entendimento é defendido por Guilherme Traple (2012, p. 88-89), conforme reproduzimos a seguir: Assim, o ITBI não incide: (a) sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital; e (b) sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nos casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Portanto, pela simples leitura do inciso I do parágrafo 2º do artigo 156 da CFRB/1988, pode-se concluir que a transmissão de bens ou direitos reais sobre bens imóveis à pessoa jurídica em realização de capital é absolutamente imune à cobrança [de] ITBI, não havendo qualquer exceção. A diferença é perceptível e tem consequências significativas no âmbito de planejamentos patrimoniais. Isso porque, prevalecendo essa interpretação, então não será mais devido ITBI na hipótese de integralização de capital com

bem imóvel, ainda que a atividade preponderante da pessoa jurídica estiver relacionada ao ramo imobiliário. O ITBI somente seria devido em processos de reorganização societária, em que a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Em tempo é oportuno ressaltar que, embora esse entendimento tenha sido manifestado no voto do Ministro Alexandre de Moares, contido no julgamento do Tema 796 pelo STF, a tese não foi debatida pelo tribunal e, portanto, embora seja um precedente importante, não expressa o entendimento da Corte e, tampouco, possui efeitos vinculantes, o que significa dizer que não há garantias de que prevalecerá em outros casos concretos. Essa conclusão é compartilhada por Alexandre Tadeu Navarro Pereira Gonçalves e Rodrigo Antonio Dias (2022, p. 218) que asseveram: Entretanto, é preciso ressaltar que o entendimento exarado pelo Ministro Alexandre de Moraes não é tema pacífico na jurisprudência e os Municípios ainda efetuam a cobrança do ITBI na conferência do imóvel ao capital social da pessoa jurídica. Além disso, essa matéria não era objeto central da discussão do recurso, tendo sido contida no voto vencedor como mera consignação de entendimento (obiter dictum), que indiretamente implicaria na interpretação de não recepção do art. 37 do CTN, o que certamente ainda será objeto de novas e mais bem aprofundadas discussões, sendo prematura qualquer adoção cega de que esta será a posição definitiva sobre o tema.

VOCÊ SABIA? É controversa a incidência do ITBI sobre operações de incorporação de empresas. Os municípios entendem que, nesse caso, há incidência do ITBI, em razão da efetiva transferência de propriedade imobiliária, ao passo que os contribuintes

entendem não haver transmissão onerosa em tais operações, o que afasta a possibilidade de cobrança do imposto. O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já se manifestou favoravelmente aos contribuintes (Processo 00076887.2019.8.26.0471) e desfavoravelmente (Processo 100544547.2018.8.26.0229). Por fim, um último tema que é fundamental ser mencionado e que envolve a imunidade do ITBI se refere às discussões abrangendo empresas que não desenvolvam nenhuma atividade operacional. Alguns municípios têm entendido que o objetivo da imunidade constitucional do ITBI é incentivar o empreendedorismo e a atividade produtiva nacional. Dessa forma, nas hipóteses em que há integralização de bem imóvel em realização de capital, contudo, a empresa não desenvolva nenhuma atividade operacional, haveria um desvirtuamento da intenção do legislador constitucional, caso em que não seria aplicável a imunidade e, consequentemente, seria devido o imposto municipal. Há diversos casos tramitando no Poder Judiciário sobre o assunto sem que haja um entendimento predominante. Recentemente, o STJ10 foi instado a se manifestar sobre o tema, porém, em razão do enfoque constitucional e da necessidade de reavaliação do conjunto probatório, o Recurso Especial não foi conhecido e Agravo Interno improvido, ambos interpostos pelo contribuinte. No âmbito do tribunal de origem, o contribuinte foi derrotado em razão da conclusão no sentido de que não “desempenhou qualquer atividade comercial durante anos, e, portanto, não demonstrou fazer jus à imunidade do imposto sobre transmissão de imóveis”. Trata-se de mais uma nuance que gera preocupação aos contribuintes e profissionais que atuam na área de planejamento patrimonial, haja vista que não é incomum a integralização de bens imóveis sem que, posteriormente, sejam realizadas atividades operacionais efetivas. Isso é especialmente

notável nos casos em que o contribuinte busca realizar o que comumente se convencionou a se chamar de “blindagem patrimonial”, operação que já tivemos oportunidade de tecer críticas no início desse livro e que reforça a necessidade de avaliação do caso concreto por profissionais experientes no mercado, visando a evitar potencial passivo tributário indesejável.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Processual civil. Agravo interno. ITBI. Integralização do capital social. Empresa inativa. Enfoque constitucional. Inexistência de qualquer atividade. Reexame probatório vedado. Súmula 7/STJ. 1. Não há ofensa aos arts. 489 e 1.022 do CPC/2015, pois o Tribunal de origem, com base em laudo pericial e demais provas dos autos, concluiu que a pessoa jurídica não desempenhou qualquer atividade comercial durante anos, e, portanto, não demonstrou fazer jus à imunidade do imposto sobre transmissão de imóveis. Assim, revela-se desnecessária a análise de todos os pontos levantados pela parte – inclusive a suposta inexistência de fato gerador –, uma vez que seriam incapazes de infirmar a conclusão adotada pelo julgador, nos exatos termos do art. 489, § 1º, IV, do CPC/2015. 2. O ITBI tem como fato gerador a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, direitos reais sobre imóveis e cessão de direitos a eles relativos, exceto os direitos reais de garantia (art. 35 do CTN). 3. Tem-se a hipótese de não incidência quando a transmissão é efetuada para sua incorporação ao patrimônio de pessoa jurídica em pagamento de capital nela subscrito, não se aplicando quando a pessoa jurídica adquirente tenha como atividade preponderante a venda ou a locação de propriedade imobiliária ou a cessão de direitos relativos à sua aquisição. 4. O colegiado estadual assentou seu entendimento nas provas dos autos, sobretudo em laudo pericial que atestou a inércia da empresa, a qual não demonstrou nenhuma razão para fazer jus à

imunidade pleiteada, motivo pelo qual foi obviamente enquadrada na regra geral de incidência. 5. Rever os fatos processuais dos autos ou alterá-los de modo diverso àquele consignado pela Corte de origem requer revolvimento do conjunto fático-probatório, inadmissível ante o óbice da Súmula 7/STJ. 6. Outrossim, é visível o enfoque eminentemente constitucional do acórdão, uma vez que seu raciocínio jurídico toma por premissa, à luz do disposto no art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal, que deve ser imprescindível o efetivo exercício das atividades empresariais e a obtenção de receitas patrimoniais para o gozo da imunidade relativa ao ITBI, o que torna inviável a análise da questão, no mérito, em Recurso Especial, sob pena de usurpação da competência do STF. 7. “O dissídio jurisprudencial não foi comprovado, pois a parte agravante não efetuou o devido cotejo analítico entre as hipóteses apresentadas como divergentes, com transcrição dos trechos dos acórdãos confrontados, bem como menção das circunstâncias que os identifiquem ou assemelhem, nos termos dos arts. 541, parágrafo único, do CPC/1973 (ou 1.029, § 1º, do CPC/2015) e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ” (AgInt no REsp 1.840.089/CE, Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 8/6/2020). 8. Agravo Interno não provido (AgInt no Ag em REsp 1.853.006/GO (2021/0067995-1)). Para que não restem dúvidas, convém revisar o que foi discutido até agora por meio de um questionário que pode servir como modelo de decisão sobre a incidência do ITBI na constituição de uma sociedade Holding:

1. A integralização pode ser considerada um ato oneroso sujeito à incidência do ITBI? Resposta: Sim. Contudo, a integralização de bens é imune, por expressa previsão constitucional, exceto se a atividade preponderante da empresa

adquirente consistir na compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil. Ressalve-se, porém, o entendimento de que a imunidade estaria limitada ao valor de conferência dos bens, conforme tese fixada pelo STF no Tema 796, bem como o entendimento manifestado pelo Ministro Alexandre de Moraes, no sentido de que a preponderância da atividade imobiliária somente afeta a aplicabilidade da imunidade nos casos envolvendo reorganizações societárias (fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica). Outro ponto de atenção se refere às discussões da inaplicabilidade da imunidade nos casos em que a pessoa jurídica não exerça qualquer atividade de natureza operacional. 2. O que se considerada atividade preponderante? Resposta: Quando mais de 50% da receita operacional da pessoa jurídica adquirente, nos dois anos anteriores e nos dois anos subsequentes à aquisição, decorrerem de transações relacionadas à compra ou à venda desses bens ou direitos (imóveis), à locação de bens imóveis ou ao arrendamento mercantil. 3. Em se tratando de empresa nova, ou seja, quando a transferência do imóvel se deu no momento da constituição da sociedade, essa regra temporal permanece a mesma? Resposta: Não. Se a pessoa jurídica adquirente iniciar suas atividades após a aquisição do bem imóvel, ou menos de dois anos antes dela, apurar-se-á a preponderância da atividade levando em conta os três primeiros anos seguintes à data da aquisição. Superada a análise sobre a incidência ou não do ITBI na constituição da Holding, resta-nos tratar de aspectos específicos, como contribuinte, alíquota, base de cálculo, momento em que o imposto é devido e isenções, para avaliar

com especificidade os custos envolvidos na constituição da sociedade, quando devido o tributo. Há que se ressalvar, contudo, que o ITBI é um imposto de competência municipal, sendo devido no município em que situado o imóvel, o que traz um elemento complicador: cada município tem sua própria legislação sobre o tributo, sendo inviável analisar todas as regras sobre o assunto. A advertência é imprescindível, pois o custo da constituição da Holding poderá variar conforme o local onde se situa o imóvel correspondente, devendo o analista se atentar a esse fato. Para os fins propostos por este livro e considerando que em muitos casos as legislações são semelhantes11, será apreciado o conteúdo do Decreto que trata do tributo no município de São Paulo12. Segundo consta no Decreto 55.196/201413, no que toca ao tema discutido neste livro, o sujeito passivo do tributo é o adquirente dos bens ou direitos transmitidos, exceto se a transmissão for exclusivamente de direitos à aquisição de bens imóveis, quando o sujeito passivo será o transmitente14, desde que o adquirente tenha como atividade preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, assim como locação ou arrendamento mercantil. O art. 6º deste diploma legal, a seguir transcrito, é claro sobre o tema. Art. 6º São contribuintes do Imposto: I – os adquirentes dos bens ou direitos transmitidos; II – os cedentes, nas cessões de direitos decorrentes de compromissos de compra e venda; III – os transmitentes, nas transmissões exclusivamente de direitos à aquisição de bens imóveis, quando o adquirente tiver como atividade preponderante a compra e venda desses bens ou direitos, a sua locação ou arrendamento mercantil. Em relação à base de cálculo, o referido Decreto prevê que será o valor

venal dos bens ou direitos transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado. Ademais, o decreto dispõe que compete à Secretaria Municipal de Finanças e Desenvolvimento Econômico tornar públicos os valores venais atualizados dos imóveis inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal do Município de São Paulo. Caso, entretanto, o valor da transação seja superior aos valores definidos pelo órgão municipal, o entendimento do fisco paulistano é no sentido que deve prevalecer esse montante como base de cálculo. Dito de outra forma, na hipótese de o valor da transação for inferior ao valor definido pela Prefeitura, segundo entendimento das autoridades locais, este montante prevalecerá. Porém, sendo superior, o valor da transação deve ser considerado como base de cálculo do tributo. A previsão de prevalência do valor divulgado pela Prefeitura em detrimento do valor da transação, quando ela for inferior, sempre foi discutível. Recentemente, o STJ encerrou a controvérsia firmando tese (Tema Repetitivo 1.113) no seguinte sentido: a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente. Em síntese, o STJ privilegiou o valor real da transação, impedindo o uso de valor venal de referência ou valor venal estipulado para fins de cálculo do IPTU. Evidentemente que se for constatada omissão ou uso declarações por

parte do contribuinte que não mereçam fé, o poder público poderá, mediante procedimento de ofício, afastar o valor declarado. Nesse caso, o ônus da prova compete ao município, prevalecendo, a priori, o valor da transação declarado pelo contribuinte.

DE OLHO NA NOTÍCIA Base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, define Primeira Seção. Sob o rito dos recursos especiais repetitivos (Tema 1.113), a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu três teses relativas ao cálculo do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) nas operações de compra e venda: 1) A base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; 2) O valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do Código Tributário Nacional – CTN); 3) O município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido de forma unilateral.

Sobre a alíquota, grande parte dos municípios aplica o percentual de 3%. No município de São Paulo, até 29.03.2015, a alíquota do tributo era de 2%, calculada sobre a base de cálculo, conforme declina expressamente a alínea b do inciso I do art. 12 do Decreto em análise. Ocorre que, a partir dessa data, a alíquota foi reajustada para 3%, por conta da promulgação da Lei 16.098, de 29 de dezembro de 2014. No que diz respeito ao momento em que é considerado ocorrido o fato gerador do ITBI, outro ponto que, em passado recente, gerava muitas controversas, o STF fixou a seguinte tese no julgamento do ARE 1.294.969, afetado pela Repercussão Geral (Tema 1.124)15: O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro.

VOCÊ SABIA? A celebração de promessa de compra e venda não é fato gerador do ITBI. Somente após o registro da escritura no Registro de Imóveis poder-se-á exigir o recolhimento do ITBI. Isso ocorre porque o fato gerador do imposto é a efetiva transferência de propriedade imobiliária, o que se perfaz com o registro cartorial. Isso pode, inclusive, servir de base para uma estratégia de cunho tributário relacionada às atividades realizadas na qualidade de Empresário Individual. Este não é de fato uma pessoa jurídica, vide a redação do art. 44 do Código Civil. Ainda que se equipare, para fins tributários, a uma pessoa jurídica, isso não alcança os atos notariais e imobiliários. Justamente por isso, não se faz a transferência de titularidade, no Registro de Imóveis, para um Requerimento de

Empresário Individual. Ora, se não ocorre a transferência do imóvel no Registro de Imóveis, inexiste fato gerador do ITBI. Sequer nasce a necessidade de analisar a sua imunidade e todos os desdobramentos e decisões do tema. Com isso, esse empresário poderá tributar sua renda imobiliária, por exemplo, adotando o regime do lucro presumido, o que pode ser vantajoso quando comparada à tributação da renda da pessoa física. É importante alertar, contudo, que a responsabilidade do empresário individual é ilimitada, portanto, normalmente, esse é um instrumento de organização tributária e não de planejamento sucessório e patrimonial. Nesse sentido, é importante ressaltar que no caso de integralização de capital por meio de bem imóvel, o contrato social não é documento suficiente para a incidência do ITBI. Na esteira da decisão do STF acima mencionada, mesmo nesse particular, é exigido o registro em cartório. Somente após essa formalização é que se considera transferida a propriedade do bem e, por isso, incidente o tributo. Esse entendimento merece atenção, pois inexistindo a transferência efetiva de propriedade para a pessoa jurídica constituída, o bem fica sujeito a toda sorte de intempéries, inclusive restrições por dívidas do sócio proprietário do imóvel, bem como há impactos tributários no caso de aluguel e alienação.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA Recurso especial. Embargos de terceiros. Pretensão de sociedade empresária, na condição de terceira, de afastar a constrição judicial determinada em ação executiva que recaiu sobre três imóveis, objeto de integralização de seu capital social. Ausência de registro do título translativo no Cartório de Registro de Imóveis

em relação a dois imóveis. Bens que não foram incorporados ao patrimônio da sociedade empresária e tampouco encontram-se em sua posse. Ilegitimidade ativa ad causam. Reconhecimento. Transferência de um dos imóveis após a averbação da ação executiva. Fraude à execução. Ocorrência. Recurso especial improvido. 1. A estipulação prevista no contrato social de integralização do capital social por meio de imóvel indicado pelo sócio, por si, não opera a transferência de propriedade do bem à sociedade empresarial. De igual modo, a inscrição do ato constitutivo com tal disposição contratual, no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais, não se presta a tal finalidade. 1.1 A integralização do capital social da empresa pode se dar por meio da realização de dinheiro ou bens — móveis ou imóveis —, havendo de se observar, necessariamente, o modo pelo qual se dá a transferência de titularidade de cada qual. Em se tratando de imóvel, como se dá no caso dos autos, a incorporação do bem à sociedade empresarial haverá de observar, detidamente, os ditames do art. 1.245 do Código Civil, que dispõe: transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. 1.2 O registro do título translativo no Registro de Imóveis, como condição imprescindível à transferência de propriedade de bem imóvel entre vivos, propugnada pela lei civil, não se confunde, tampouco pode ser substituído para esse efeito, pelo registro do contrato social na Junta Comercial, como sugere a insurgente. 1.3 A inscrição do contrato social no Registro Público de Empresas Mercantis, a cargo das Juntas Comerciais, destina-se, primordialmente, à constituição formal da sociedade empresarial, conferindo-se-lhe personalidade jurídica própria, absolutamente distinta dos sócios dela integrantes. 2. Explicitado, nesses termos, as finalidades dos registros em comento, pode-se concluir que o contrato social, que estabelece a integralização do capital social por

meio de imóvel indicado pelo sócio, devidamente inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis, não promove a incorporação do bem à sociedade; constitui, sim, título translativo hábil para proceder à transferência da propriedade, mediante registro, perante o Cartório de Registro de Imóveis em que se encontra registrada a matrícula do imóvel. 3. Os embargos de terceiro consubstanciam a via processual adequada àquele que, não sendo parte no processo, tenha por propósito afastar a contrição judicial que recaia sobre o bem do qual seja titular ou que exerça a correlata posse. Especificamente em relação aos imóveis, objeto das Matrículas n. 90.219 e 90.220, a recorrente não ostenta a qualidade de proprietário, tampouco de possuidor, conforme expressamente consignou o Tribunal de origem, o que evidencia sua ilegitimidade ativa ad causam. 4. A transferência da propriedade de bem imóvel rural (de Matrícula n. 1.129) à sociedade empresária recorrente deu-se em momento posterior à averbação da ação executiva no Registro de Imóveis, de que trata o art. 615-A, do CPC/1973, a ensejar a presunção absoluta de que tal alienação deu-se em fraude à execução, afigurando-se de toda inapta à produção de efeitos em relação ao credor/exequente. 5. Recurso especial improvido (REsp 1.743.088/PR (2017/0251311-8)). (destacamos) Merece destaque, ainda, o fato de que, conforme dispõe o art. 64 da Lei 8.934/1994, a certidão dos atos de constituição e de alteração de empresários individuais e de sociedades mercantis, fornecida pelas juntas comerciais em que foram arquivados é documento suficiente a permitir o registro da transferência do imóvel para a pessoa jurídica, sendo ilegítima a exigência do Cartório de Registros de lavratura de escritura. Por fim, apesar de o Decreto prever algumas isenções, nenhuma delas se aplica à hipótese de integralização de bens imóveis, cujo não pagamento do

tributo somente ocorre no caso da imunidade, tratada no decorrer deste tópico. Finaliza-se a análise do custo de ITBI envolvido na constituição da empresa, reiterando a necessidade de avaliação minuciosa do caso particular para que seja possível a conclusão livre de equívocos sobre a incidência ou não do referido tributo. Afora o caso específico da imunidade citada na constituição da Holding, haverá um custo em relação ao ITBI de 3%, no caso de imóveis situados no município de São Paulo, que deverá ser levado em consideração no planejamento patrimonial.

2.3

Imposto de Renda (IR) da pessoa física

O objetivo do presente livro não abrange discussões relacionadas à tributação da renda da pessoa física, quando consideradas de forma isolada. Entretanto, não se pode deixar de abordar esse tema no âmbito específico dos planejamentos patrimoniais. Isso porque, invariavelmente, esse tipo de avaliação envolve comparar a tributação do contribuinte pessoa física com a tributação do contribuinte pessoa jurídica. Alguns pontos serão abordados novamente adiante, com objetivos didáticos, para que fiquem bem assentados ao leitor os pontos essenciais que envolvem o planejamento patrimonial familiar.

VOCÊ SABIA? Uma das melhores fontes de consulta sobre o imposto de renda da pessoa física é o “Perguntas e Respostas IRPF” da RFB. Para acessar todas as perguntas e respostas para o ano de 2022 basta acessar o Qr-code a seguir:

Iremos iniciar abordando os rendimentos relacionados ao pró-labore e rendimentos de aluguéis, de forma a possibilitar as comparações com as hipóteses envolvendo planejamentos patrimoniais, onde o contribuinte integraliza bens imóveis em uma pessoa jurídica, que, por sua vez, passará a auferir receita de aluguéis, conforme será visto adiante. A tributação desse tipo de rendimento fica sujeita à aplicação da tabela Progressiva da Renda da Pessoa Física que, em vigência em 2022, é a seguinte: Base de cálculo mensal em R$

Alíquota %

Parcela a deduzir do imposto em R$

Até 1.903,98





De 1.903,99 até 2.826,65

7,5

142,80

De 2.826,66 até 3.751,05

15,0

354,80

De 3.751,06 até 4.664,68

22,5

636,13

Acima de 4.664,68

27,5

869,36

Como se nota, a tabela traz alíquotas nominais progressivas para cada faixa de rendimento e uma coluna de parcela a deduzir. Para entender como deve ser realizado esse cálculo, vamos propor um questionamento para reflexão:

Imagine que você trabalha em uma empresa e recebe mensalmente a quantia de R$ 3.751,05. O Sr. Almeida, seu chefe, contente com o resultado do seu trabalho resolve lhe propor um aumento de R$ 100,00 no seu salário mensal. Sabendo-se que a alíquota progressiva do IR é de 15% para seu salário atual e que, com o reajuste salarial, a alíquota progressiva é de 22,5%, pergunta-se: Você aceita o aumento salarial proposto por seu chefe? Caso Prático 09: Qual o imposto de renda devido por quem receba salários (ou aluguel) de R$ 10.000,00? Desconsidere o INSS e eventuais deduções. Resposta: 1º Passo: Identifique a alíquota nominal da tabela, conforme faixa salarial: 27,5% 2º Passo: Multiplique o valor do salário pela alíquota nominal: R$ 10.000,00 x 27,5% = R$ 2.750,00 3º Passo: Subtraía o montante encontrado no 2º passo pela parcela a deduzir da faixa correspondente na tabela: R$ 2.750,00 – R$ 869,36 = R$ 1.880,64 A alíquota efetiva, portanto, é de 18,80% _______________________________________

Após verificar o Caso Prático 09, fica mais fácil responder à oferta de aumento salarial do Sr. Almeida. É muito importante notar que, na hipótese de aumento de rendimento que tem como consequência fazer com que a renda correspondente ao salário do contribuinte migre para outra faixa na tabela, não significa que todo o valor passa a ser tributado pela alíquota correspondente, mas sim apenas o montante exclusivo que ultrapassar o limite da faixa anterior. Assim, se o contribuinte recebe o salário de R$ 3.851,05, você pode calcular o imposto devido de duas formas, passo a passo, ou usando a tabela. Confira: 1) Passo a passo: 1.1: Até 1.903,98: isento 1.2: De 1.903,99 até 2.826,65, ou seja, R$ 922,66 x 7,5%: R$ 69,20 1.3: De 2.826,66 até 3.751,05, ou seja, R$ 924,39 x 15%: R$ 138,66 1.4: De 3.751,06 até R$ 3.851,05, ou seja, R$ 99,99 x 22,5%: R$ 22,50 TOTAL GERAL: R$ 230,36

Embora não seja complexo, é uma metodologia mais trabalhosa, por isso, a tabela progressiva facilita nosso trabalho. Vejamos: 2) Aplicação da Tabela Progressiva: 1.1: Identifique a alíquota nomina da tabela, conforme faixa salarial: 22,5% 1.2: Multiplique o valor do salário pela alíquota nominal: R$ 3.851,05 x 22,5% = R$ 866,49 1.3: Subtraia o montante encontrado pela parcela a deduzir da faixa correspondente na tabela: R$ 866,49 – R$ 636,13 = R$ 230,36 TOTAL GERAL: R$ 230,36

Nesse caso, o salário líquido a ser recebido será de R$ 3.620,69. Utilizando o mesmo método acima apresentado, concluiremos que o salário anterior, ou seja, R$ 3.751,05 gerava uma obrigação tributária referente ao IRPF de R$ 207,86, de modo que o salário líquido anterior era de R$ 3.543,19. O correto, portanto, é aceitar a proposta de reajuste salarial do Sr. Almeida! Será exatamente esse procedimento para cálculo do imposto de renda devido em razão da percepção de rendimentos de salários e aluguéis. No caso

de salários, conforme veremos adiante, há necessidade de descontar, antes da aplicação da tabela progressiva, o valor referente ao INSS retido pela empresa, ou seja, o IRPF incide sobre o valor líquido recebido pelo contribuinte.

VOCÊ SABIA? Há dois tipos de declaração de imposto de renda da pessoa física: declaração simples e declaração completa. Na declaração simples, são consideradas os rendimentos tributáveis e, então, aplicado um desconto padrão de 20% sobre esses rendimentos, limitado ao montante de R$ 16.754,34 (em 2022). Na declaração completa, por sua vez, são permitidos descontos especificados na legislação, como, por exemplo, despesas médicas, despesas com educação, dependentes, previdência privada, pensão alimentícia. Atenção ao fato que algumas dessas despesas possuem limites de dedução. Ademais, quando envolver casais, os contribuintes ainda podem fazer declaração conjunta ou separada. Para mais informações sobre o tema acesse o Qr-code a seguir:

Em relação à tributação sobre ganhos de capitais, assim considerados os ganhos auferidos na alienação de bens e direitos em que se verifique diferença positiva entre o valor de alienação e o custo de aquisição, há

detalhes a serem considerados e que são fundamentais em processos de planejamento patrimoniais familiares. Sabe-se que o IRPF incide sobre o ganho de capitais na alienação de bens e direitos, sendo a tributação considerada de forma isolada e com a aplicação de alíquotas específicas. Além disso, aplica-se o regime de caixa, de modo que a tributação depende da realização da renda e conversão financeira16. A significação normativa original do que se compreende por ganho de capital foi introduzida pela Lei 7.713, de 22 de outubro de 1988, ao definir-se o fato gerador do Imposto sobre a Renda de Pessoas Físicas (IRPF) o ganho de capital, assim entendido a diferença positiva entre o valor de transmissão do bem ou direito e o respectivo custo de aquisição. Nesses termos, o regramento geral aplicado à tributação da renda sobre os ganhos de capital cinge-se pela diferença positiva entre valor da alienação do bem e o seu custo de aquisição, o que representaria o acréscimo patrimonial sujeito à incidência do imposto de renda, nos termos contidos no art. 43 do CTN. No caso de imóveis, como veremos, essa diferença é afetada por coeficientes redutores do ganho de capital, que tem como consequência a redução do imposto de renda devido pelo contribuinte.

VOCÊ SABIA? As alíquotas progressivas incidentes sobre o ganho de capital possuem tabela própria, definidas pelo art. 21 da Lei 8.981/1995, com redação dada pela Lei 13.259, de 2016, conforme a seguir: Porcentagem

Valores

15%

Ganhos que não ultrapassam 5 (cinco) milhões

17,5%

Ganhos que excedem a 5 (cinco) milhões e não ultrapassam dez milhões

20%

Ganhos que excedem a 10 (dez) milhões e não ultrapassam 30 (trinta) milhões

22,5%

Ganhos que excedem a 30 (trinta) milhões

Atenção ao detalhe contido no § 3º do art. 21 da Lei 8.981/1995, que assim dispõe: “Na hipótese de alienação em partes do mesmo bem ou direito, a partir da segunda operação, desde que realizada até o final do ano-calendário seguinte ao da primeira operação, o ganho de capital deve ser somado aos ganhos auferidos nas operações anteriores, para fins da apuração do imposto na forma do caput, deduzindo-se o montante do imposto pago nas operações anteriores”. Os coeficientes de redução do ganho de capital são aplicados como uma forma de minorar os efeitos inflacionários sobre o aumento do valor dos bens imóveis. Sabe-se, nessa linha, que não há atualização do valor dos bens e direitos para fins de cálculo do imposto de renda, vigorando o princípio do custo histórico. Somente é possível atualizar o valor de custo do bem em casos excepcionais, o que ocorre, por exemplo, no caso de reformas realizadas no imóvel e desde que comprovado os gastos com documentos idôneos.

VOCÊ SABIA? Não é possível, salvo exceções, atualizar o valor de imóvel a preço de mercado na declaração de bens e direitos. Veja o que consta na Resposta 563 do “Perguntas e Respostas 2022 do Imposto de Renda da Pessoa Física da RFB17:

ATUALIZAÇÃO DO VALOR DE IMÓVEL 563 – É possível atualizar o valor de imóvel a preço de mercado na declaração de bens e direitos? Não há qualquer previsão legal para atualização do custo de aquisição de imóvel a preço de mercado. O custo de aquisição do imóvel somente poderá ser alterado caso sejam efetuadas despesas com construção, ampliação ou reforma no referido imóvel. Cabe destacar, ainda, que essas despesas somente poderão ser incorporadas ao custo de imóvel se estiverem comprovadas com documentação hábil e idônea (notas fiscais para as despesas com pessoas jurídicas, recibos para as despesas com pessoas físicas), que deverá ser mantida em poder do contribuinte por pelo menos cinco anos após a alienação do imóvel. Consulte a pergunta 636.

Portanto, na hipótese de aquisição de um imóvel em 1990 pelo valor de R$ 400.000,00, muito embora certamente tenha havido valorização do bem em razão do aumento generalizado de preços, deve o montante original ser mantido na declaração de bens e direitos do contribuinte. Minimiza esse efeito inflacionário a previsão legal de redução do ganho de capital em razão da aplicação de fatores de redução previstos nas Leis 7.713/1988 e 11.196/2005, cujos artigos sobre o tema reproduzimos a seguir: LEI 7.713, DE 22 DE DEZEMBRO DE 1988 Art. 18. Para apuração do valor a ser tributado, no caso de alienação de bens imóveis, poderá ser aplicado um percentual de redução sobre o ganho de capital apurado, segundo o ano de aquisição ou

incorporação do bem, de acordo com a seguinte tabela: Ano de Aquisição ou Incorporação

Percentual de Redução

Ano de Aquisição ou Incorporação

Percentual de Redução

Até 1969

100%

1979

50%

1970

95%

1980

45%

1971

90%

1981

40%

1972

85%

1982

35%

1973

80%

1983

30%

1974

75%

1984

25%

1975

70%

1985

20%

1976

65%

1986

15%

1977

60%

1987

10%

1978

55%

1988

5%

Parágrafo único. Não haverá redução, relativamente aos imóveis cuja aquisição venha ocorrer a partir de 1º de janeiro de 1989. LEI 11.196, DE 21 DE NOVEMBRO DE 2005 Art. 40. Para a apuração da base de cálculo do imposto sobre a renda incidente sobre o ganho de capital por ocasião da alienação, a qualquer título, de bens imóveis realizada por pessoa física residente no País, serão aplicados fatores de redução (FR1 e FR2) do ganho de capital apurado. § 1º A base de cálculo do imposto corresponderá à multiplicação do ganho de capital pelos fatores de redução, que serão determinados

pelas seguintes fórmulas: I – FR1 = 1/1,0060m1, onde “m1” corresponde ao número de mesescalendário ou fração decorridos entre a data de aquisição do imóvel e o mês da publicação desta Lei, inclusive na hipótese de a alienação ocorrer no referido mês; II – FR2 = 1/1,0035m2, onde “m2” corresponde ao número de mesescalendário ou fração decorridos entre o mês seguinte ao da publicação desta Lei ou o mês da aquisição do imóvel, se posterior, e o de sua alienação. § 2º Na hipótese de imóveis adquiridos até 31 de dezembro de 1995, o fator de redução de que trata o inciso I do § 1º deste artigo será aplicado a partir de 1º de janeiro de 1996, sem prejuízo do disposto no art. 18 da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988. Isso quer dizer, por exemplo, que o contribuinte que alienar um imóvel adquirido até 1969, não terá ganho de capital a pagar, independentemente da diferença entre o valor da alienação e o valor da aquisição. Muito embora a aplicação dos fatores de redução pareça complexa, a RFB disponibiliza anualmente o Programa Ganho de Capital, conhecido como GCAP18. O seu uso é simples e intuitivo, não requerendo conhecimento aprofundado da lei. Basta preencher o programa com os dados solicitados e automaticamente é calculado o imposto de renda devido, já considerada a aplicação dos fatores de redução. Voltaremos ao tema nas simulações que realizaremos comparando a tributação entre pessoas físicas e jurídicas no Capítulo 4. Aplicados os fatores de redução e encontrado o ganho de capital efetivo, basta calcular o imposto devido aplicando-se as alíquotas progressivas do ganho de capital, cuja sistemática é semelhante ao que estudamos no caso de rendimentos de salário e aluguel. Por exemplo, vejamos três hipóteses em que o ganho de capital seja, respectivamente, de R$ 2.000.000,00; R$ 6.000.000,00 e R$ 11.500.000,00, já considerados os fatores de redução.

Para calcular o montante devido, devemos aplicar a tabela que novamente reproduzimos abaixo, ressaltando que tais alíquotas não se aplicam apenas para ganhos de capital relacionados à alienação de imóveis: Porcentagem

Valores

15%

Ganhos que não ultrapassam 5 (cinco) milhões

17,5%

Ganhos que excedem a 5 (cinco) milhões e não ultrapassam dez milhões

20%

Ganhos que excedem a 10 (dez) milhões e não ultrapassam 30 (trinta) milhões

22,5%

Ganhos que excedem a 30 (trinta) milhões

Vejamos o cálculo em cada uma das situações, lembrando que para cada faixa devemos considerar somente o montante de ganho de capital que ultrapassar o montante referente à faixa anterior, aplicando a alíquota correspondente19: 1) Ganho de Capital de R$ 2.000.000,00: R$ 2.000.000,00 x 15%: R$ 300.000,00 Valor total de IRPF devido: R$ 300.000,00 2) Ganho de Capital de R$ 6.000.000,00: 2.1 R$ 5.000.000,00 x 15%: R$ 750.000,00 2.2 (R$ 6.000.000,00 – R$ 5.000.000,00) x 17,5%: R$ 175.000,00 Valor total de IRPF devido: R$ 925.000,00 3) Ganho de Capital de R$ 11.500.000,00: 3.1 R$ 5.000.000,00 x 15%: R$ 750.000,00 3.2 (R$ 10.000.000,00 – R$ 5.000.000,00) x 17,5%: R$ 875.000,00 3.3 (R$ 11.500.000,00 – R$ 10.000.000,00) x 20%: R$ 300.000,00 Valor total de IRPF devido: R$ 1.925.000,00

Para além da aplicação dos fatores de redução do ganho de capital na alienação de bens imóveis, tais operações, quando realizadas por pessoas

físicas, podem ainda se enquadrar em outras hipóteses de isenção que devem ser avaliadas cuidadosamente por poderem representar uma significativa redução do custo tributário envolvido no negócio. Essas isenções estão concentradas no art. 133 do RIR/2018 que, inclusive, dispõe sobre ganho de capital na alienação de bens de pequeno valor e não apenas na alienação imobiliária. Confira: Art. 133. Fica isento do imposto sobre a renda o ganho de capital auferido na (Lei 9.250, de 1995, art. 22 e art. 23; e Lei 11.196, de 2005, art. 39): I – alienação de bens e direitos de pequeno valor, cujo preço unitário de alienação, no mês em que esta se realizar, seja igual ou inferior a: a) R$ 20.000,00 (vinte mil reais), na hipótese de alienação de ações negociadas no mercado de balcão; e b) R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais), nas demais hipóteses; II – alienação do único imóvel que o titular possua, cujo valor de alienação seja de até R$ 440.000,00 (quatrocentos e quarenta mil reais), desde que não tenha sido realizada outra alienação nos últimos cinco anos; e III – venda de imóveis residenciais por pessoa física residente no País, desde que o alienante, no prazo de cento e oitenta dias, contado da data da celebração do contrato, aplique o produto da venda na aquisição, em seu nome, de imóveis residenciais localizados no País. § 1º O limite a que se refere o inciso I do caput será considerado em relação (Lei 9.250, de 1995, art. 22, parágrafo único): I – ao bem ou ao direito ou ao valor do conjunto dos bens ou dos direitos da mesma natureza, na hipótese de alienação de diversos bens, alienados no mesmo mês; II – à parte de cada condômino, na hipótese de bens em condomínio; e III – a cada um dos bens ou dos direitos possuídos em comunhão e ao valor do conjunto dos bens ou dos direitos da mesma natureza,

alienados no mesmo mês, na hipótese de sociedade conjugal. § 2º Para fins do disposto no inciso I do § 1º, consideram-se bens ou direitos da mesma natureza aqueles que guardem as mesmas características entre si, tais como: I – automóveis e motocicletas; II – imóvel urbano e terra nua; e III – quadros e esculturas. § 3º O limite a que se refere o inciso II do caput será considerado em relação: I – à parte de cada condômino, na hipótese de bens em condomínio; e II – ao imóvel havido em comunhão, na hipótese de sociedade conjugal. § 4º Para fins do disposto no inciso III do caput (Lei 11.196, de 2005, art. 39, § 1º ao § 5º): I – na hipótese de venda de mais de um imóvel, o prazo de cento e oitenta dias será contado a partir da data de celebração do contrato relativo à primeira operação; II – a aplicação parcial do produto da venda implicará tributação do ganho proporcionalmente ao valor da parcela não aplicada; III – na hipótese de aquisição de mais de um imóvel, a isenção será aplicada ao ganho de capital correspondente apenas à parcela empregada na aquisição de imóveis residenciais; IV – a inobservância às condições estabelecidas importará em exigência do imposto sobre a renda com base no ganho de capital, acrescido de: a) juros de mora, calculados a partir do segundo mês subsequente ao do recebimento do valor ou de parcela do valor do imóvel vendido; e b) multa, de mora ou de ofício, calculada a partir do segundo mês seguinte ao do recebimento do valor ou de parcela do valor do imóvel vendido, se o imposto não for pago até trinta dias após o prazo de que

trata o inciso III do caput; e V – o contribuinte somente poderá usufruir do benefício uma vez a cada cinco anos. Em razão da extensão do dispositivo legal, vamos resumir esquematicamente as isenções nos ganhos de capital da pessoa física:

No âmbito dos planejamentos patrimoniais, é indispensável a análise detalhada de todas essas hipóteses de forma a permitir a escolha da melhor opção do ponto de vista tributário para o contribuinte. Suponha, por exemplo, que um contribuinte seja proprietário de ações negociadas no mercado de

balcão, veículos e imóveis. Enquanto na pessoa física, a alienação desses bens, nas condições específicas acima mencionadas, é isenta de imposto de renda sobre o ganho de capital, caso a alienação seja realizada por pessoa jurídica, tais operações serão tributadas, podendo a alíquota atingir 34% sobre o valor do ganho. Consequentemente, a transferência de tais bens para uma pessoa jurídica que, futuramente, venha aliená-los, pode gerar um aumento do encargo tributário, significando que, possivelmente, o planejamento patrimonial tenha sido malconduzido por não considerar todas as hipóteses de isenção que acima foram mencionadas. Isso impõe que, ao planejar, seja levado em consideração qual o destino que os sócios pretendem dar os bens no futuro, inclusive para decidirem se não seria o caso de realizar a integralização deles pelo valor de mercado, em vez de atribuir à operação o valor de custo, assunto que iremos abordar com mais vagar adiante. Antes de finalizarmos essa seção, devemos destacar que a alienação de imóvel rural possui peculiaridades que igualmente devem ser consideradas no decorrer do planejamento patrimonial. Primeiramente, necessário esclarecer que os procedimentos realizados para a declaração do “ITR” impactam diretamente na apuração do ganho de capital a ser utilizado como base de cálculo nas hipóteses de alienação de bem imóvel rural. A declaração do ITR (“DITR”) deve ser realizada pelo sujeito passivo por meio eletrônico, para cada imóvel de sua propriedade, em prazo estabelecido anualmente pela Secretaria da Receita Federal, conforme art. 8º da Lei 9.393/1996 que assim dispõe: Art. 8º O contribuinte do ITR entregará, obrigatoriamente, em cada ano, o Documento de Informação e Apuração do ITR – DIAT, correspondente a cada imóvel, observadas data e condições fixadas pela Secretaria da Receita Federal.

§ 1º O contribuinte declarará, no DIAT, o Valor da Terra Nua – VTN correspondente ao imóvel. § 2º O VTN refletirá o preço de mercado de terras, apurado em 1º de janeiro do ano a que se referir o DIAT, e será considerado autoavaliação da terra nua a preço de mercado. Nos termos do art. 3º da Instrução Normativa SRF 2.040, de 30 de julho de 2021, a “DITR” é composta por outras duas declarações, quais sejam: a DIAC e a DIAT. A primeira corresponde à Declaração de Informação e Atualização Cadastral, e a segunda, à Declaração de Informação e Apuração do Imposto Territorial Rural, onde constará o Valor da Terra Nua20 do imóvel. Por sua vez, a Lei 9.393/1996, em seu art. 19, determina que o ganho de capital na venda de imóveis rurais será considerado a partir da diferença positiva entre o Valor da Terra Nua (“VTN”) declarado entre o ano da alienação e o ano da aquisição do imóvel rural. Em outras palavras, o Imposto de Renda devido nos casos de ganho de capital, originado da venda de imóvel rural, deve considerar o VTN que foi declarado pelo contribuinte, quando da apuração do ITR, nos respectivos anos de aquisição e alienação do imóvel. Assim, por exemplo, um imóvel rural adquirido em 2010, pelo valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), e vendido posteriormente, no ano de 2022, pelo montante total de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais). O VTN declarado na DIAT para o período de 2010 foi de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais), enquanto o VTN declarado para o ano de 2022 foi de R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), teríamos a seguinte situação: Cenário 1 – Ganho de Capital – Regra Geral – Art. 3º da Lei 7.713/1988 Custo de Aquisição (A)

R$ 1.000.000,00

Valor da Alienação (B)

R$ 5.000.000,00

Ganho de Capital (B – A)

R$ 4.000.000,00

Cenário 2 – Ganho de Capital – Regra Especial – Art. 19 da Lei 9.393/1996 VTN Ano de Aquisição (C)

R$ 700.000,00

VTN Ano da Alienação (D)

R$ 2.000.000,00

Ganho de Capital (D – C)

R$ 1.300.000,00

Como podemos facilmente observar, a sistemática do ganho de capital adotada pela Lei 9.393/1996 é mais benéfica ao contribuinte, nos casos específicos envolvendo operações com imóveis rurais. Essa regra é diferenciada, porquanto se baseia no VTN – valor da terra nua declarado (no DIAT da DITR), que consiste no preço de mercado do imóvel, entendido como o valor do solo com sua superfície e a respectiva mata, floresta e pastagem nativa ou qualquer outra forma de vegetação natural, excluídos os valores de mercado relativos a construções, instalações, melhoramentos e benfeitorias, culturas permanentes e temporárias, pastagens cultivadas ou melhoradas e florestas plantadas. Portanto, no intuito de calcular o ganho de capital na hipótese de venda de imóvel rural, o contribuinte deve confrontar o Valor da Terra Nua (“VTN”) declarado no ano da aquisição, com o VTN declarado no ano da alienação. Dizendo de outro modo, há substituição do custo de aquisição e do valor da alienação pelo VTN, sendo a diferença entre o VTN da data da venda e o VTN da data da compra, a base de cálculo para apuração do ganho de capital sujeito à incidência do imposto de renda. Ocorre, entretanto, que por meio da Instrução Normativa 84, de 11 de outubro de 2001, a RFB previu a necessidade da entrega da DIAT para efeito de aplicação de ganho de capital como a diferença entre o VTN da data da venda e o VTN da data da compra do imóvel. O § 2º do art. 10 do referido diploma normativo é expresso no sentido de se a alienação ocorrer antes da

entrega da DIAT, o ganho de capital deve ser apurado na forma da regra geral, ou seja, diferença entre o valor de alienação e o custo de aquisição, o que tende a resultar em valores majorados a serem recolhidos ao fisco. Em razão dessa previsão normativa, o entendimento da RFB sobre a apuração do ganho de capital sobre vendas de imóveis rurais adquiridos a partir de 1997 é no seguinte sentido: a) quando o contribuinte adquire e vende o imóvel rural antes da entrega da DIAT: o ganho de capital é igual à diferença entre o valor efetivo de alienação e o custo de aquisição; b) quando o contribuinte adquire o imóvel rural antes da entrega da DIAT e o aliena, no mesmo ano, após a entrega da declaração: não há ganho de capital, por se tratar de VTN de aquisição e de alienação de mesmo valor; c) quando o contribuinte não apresenta a DIAT no ano de aquisição ou de alienação, ou em ambos: considera-se como custo e como valor de alienação o valor constante nos respectivos documentos de aquisição e de alienação; d) quando o contribuinte apresenta DIAT com VTN subavaliado, com informações inexatas, incorretas ou fraudulentas: considerase o Sistema de Preços de Terras (SIPT), o valor de mercado ou da operação; e e) quando o contribuinte apresenta DIAT com VTN, com informações corretas: aplica-se a sistemática prevista no art. 19 da Lei 9.393/1996, sendo o ganho de capital apurado a diferença entre VTN declarado no ano da compra e o VTN declarado no ano da venda. Portanto, o entendimento da Receita Federal é no sentido de que a alienação performada em momento anterior ao período de apresentação do DIAT, tem como consequência o cômputo do ganho de capital na forma

usual, ou seja, confronto entre valor de alienação e valor de custo, conforme exemplificado previamente. Segundo entendemos, porém, a previsão normativa nesse sentido extrapola sua competência de meramente regulamentar as disposições contidas na lei, confrontando o princípio da legalidade. Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça se manifestou nos autos do Recurso Especial 1.222.773/R pela impossibilidade da Receita Federal, por meio de ato infralegal, contrariar o previsto na Lei 9.393/1996.

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA: Tributário. Ganho de capital. Imóvel rural. Lei nº 9.393/96. Custo de aquisição e alienação. Sistemática de apuração. Art. 10, § 2º, da IN SRF nº 84/01. Ilegalidade. Honorários advocatícios. Minoração. 1. O parágrafo segundo, do art. 10 da Instrução Normativa n° 84/2001, segundo a qual, na falta do DIAT, os custos de aquisição e alienação do imóvel rural devem ser equiparados ao valor constante dos respectivos instrumentos negociais, está em nítido descompasso com a legislação que lhe serve de sustentáculo. 2. Os custos de aquisição e de alienação de imóvel rural, estimados para fins de apuração de ganho de capital, deverão se pautar por aqueles valores da terra nua declarados pelo contribuinte, no DIAT apresentado nos respectivos anos. 3. No caso de não terem sido entregues tais documentos informativos, o art. 14 da Lei nº 9.393/96 especifica os critérios que deverão ser levados em conta pela Receita Federal para apurar o imposto, entre eles o sistema de preço de terras. No caso dos autos, o antigo proprietário que efetivou a entrega da Declaração, não obstando a apuração do ganho de capital. 4. O valor da escritura pública considerado como custo de aquisição, conforme previsto na lei anterior, somente persiste quanto aos imóveis adquiridos antes de 1997, o que não é a hipótese dos autos (STJ, REsp 1.222.773/RS, 1ª Turma, Rel.

Min. Regina Helena Costa, DJe 13.06.2018). Trata-se de mais um detalhe que deve ser considerado durante a realização de planejamentos patrimoniais e, inclusive, pode exigir a discussão perante o Poder Judiciário para que seja garantida a aplicação do direito do contribuinte na forma da lei.

2.4

Imposto de Renda (IR) na constituição da Holding

Sabe-se que, da constituição de uma sociedade Holding, podem decorrer custos referentes ao ITCMD e ITBI. Necessário esclarecer a distinção básica entre esses dois tributos: o primeiro caracteriza-se pela transmissão não onerosa, ao contrário do que ocorre com o segundo. Em razão disso, como muito bem assinalado por José Henrique Longo (2011), uma mesma operação não pode representar o fato gerador de dois tributos. Se determinada operação não for onerosa, aplica-se o ITCMD; caso contrário, a incidência será do ITBI, conforme apresentado esquematicamente a seguir, onde não estamos considerando o imposto de renda, que será discutido a seguir:

Isso não significa, em absoluto, que o planejamento patrimonial por meio da constituição de uma sociedade Holding não tenha como consequência o fato gerador de ambos os tributos, sendo fundamental o pleno entendimento desse aspecto. É que, como dito, uma mesma operação não acarreta a incidência dos dois tributos, mas, no planejamento patrimonial, é comum a ocorrência de duas operações distintas: a transmissão onerosa de patrimônio no momento da integralização de bens imóveis na sociedade, fato gerador do ITBI (ressalvado o caso da imunidade constitucional antes discutida), e, posteriormente, caso seja realizada a doação das quotas ou de ações para os herdeiros, estaremos diante do fato gerador do ITCMD. Reparem que, nesse caso, ocorrem duas operações e, por conta disso, a incidência de ambos os tributos, exceto no caso de imunidade ou isenção. Vale dizer que, havendo integralização de bens imóveis na sociedade e, posteriormente, doação de suas quotas ou ações, é possível a incidência de ITBI e ITCMD, respectivamente. Essa constatação por si só justifica o cuidado envolvido no planejamento patrimonial. Tudo isso é objeto de menção como parte inicial deste tópico, porque, ao contrário do que ocorre com o ITCMD e o ITBI, uma mesma operação pode representar a incidência de um desses tributos e, conjuntamente, do imposto de renda, adicionando custo e complexidade ao planejamento. O imposto de renda (IR) tem como fato gerador a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda. O tema é controverso e merece uma discussão muito mais aprofundada. Para o propósito deste livro, é necessário saber que, na transferência patrimonial, seja ela por ato oneroso ou não, pode haver também a incidência do IR. A condição primordial para a incidência desse imposto, nessas hipóteses, é que o bem seja transferido por valor superior ao que constar como custo de aquisição na declaração de IR do proprietário original, seja ele transmitente, doador ou falecido. Por outro lado, caso o bem seja transferido pelo mesmo valor que conste da declaração do IR original, não se cogita na incidência de imposto sobre a

renda, pois, nessa hipótese, não há qualquer aumento patrimonial verificado que justifique a tributação. Há que se destacar que nas doações ou integralização de bens, é dado ao contribuinte o benefício da opção, ou seja, está autorizado a transferir o bem pelo valor constante da declaração ou pelo valor de mercado. Neste último caso, deverá pagar o IR incidente sobre essa diferença, conforme expressamente consta na Lei 9.249/1995, reproduzida, neste particular, a seguir: Art. 23. As pessoas físicas poderão transferir a pessoas jurídicas, a título de integralização de capital, bens e direitos pelo valor constante da respectiva declaração de bens ou pelo valor de mercado. § 1º Se a entrega for feita pelo valor constante da declaração de bens, as pessoas físicas deverão lançar nesta declaração as ações ou quotas subscritas pelo mesmo valor dos bens ou direitos transferidos, não se aplicando o disposto no art. 60 do Decreto-lei n. 1.598, de 26 de dezembro de 1977, e no art. 20, II, do Decreto-lei n. 2.065, de 26 de outubro de 1983. § 2º Se a transferência não se fizer pelo valor constante da declaração de bens, a diferença maior será tributável como ganho de capital. Portanto, tratando-se de integralização de capital21, somente haverá tributação, caso a transferência seja procedida por valor superior ao que consta na declaração de imposto de renda do transmitente. Caso contrário, bastará proceder à baixa do bem na declaração seguinte, lançando-se, em substituição e pelo mesmo valor, as ações ou quotas da pessoa jurídica em que o bem foi integralizado. No processo de decisão sobre qual o valor da transferência será adotado, é indispensável levar em consideração a controvérsia acerca da limitação da imunidade do ITBI, conforme discutido anteriormente, na medida em que a conferência de bens pelo valor constante da declaração pode resultar na necessidade de recolhimento do ITBI sobre a diferença entre essa quantia e o valor de avaliação do bem, devendo a

estratégia ser muito bem avaliada. Oportuno ressaltar que, em geral, a mesma regra vigora no caso de a transmissão ser procedida por uma pessoa jurídica, porém, nesse caso, em vez do valor da declaração do imposto de renda, o critério de avaliação é o valor contábil do bem, o que inclui, inclusive, eventual valor justo registrado em subconta contábil, conforme entendimento das autoridades fiscais contido na Solução de Consulta COSIT 415/2017 da RFB, a seguir reproduzida: ASSUNTO: Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica – IRPJ EMENTA: Participações societárias. Devolução de capital em bens e direitos avaliados a valor justo. Alienação. Valor contábil. Possibilidade. Adição do ganho controlado por subconta. A pessoa jurídica pode efetivar a transferência de bens aos sócios por meio da devolução de participação no capital social (redução de capital) pelo valor contábil, não gerando, assim, ganho de capital. No entanto, o valor contábil inclui o ganho decorrente de avaliação a valor justo, controlado por meio de subconta vinculada ao ativo, e, quando da realização deste, qual seja, transferência dos bens aos sócios, o aumento do valor do ativo, anteriormente excluído da determinação do lucro real e do resultado ajustado, deverá ser adicionado à apuração das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei 9.249, de 1995, art. 22; Lei 12.973, de 2014, art. 13; e IN RFB 1.700, de 2017, arts. 41, 97 e 98. Portanto, na hipótese de redução de capital pela entrega de um bem de propriedade da pessoa jurídica em favor de um de seus sócios, a operação somente será objeto de tributação pelo imposto de renda se ocorrer por valor superior ao que conste no balanço patrimonial da empresa, o que inclui, conforme entendimento da RFB, valor justo eventualmente registrado na contabilidade. É o que diz, a seguir, o art. 22 da Lei 9.249/1995:

Art. 22. Os bens e direitos do ativo da pessoa jurídica, que forem entregues ao titular ou a sócio ou acionista a título de devolução de sua participação no capital social, poderão ser avaliados pelo valor contábil ou de mercado. § 1º No caso de a devolução realizar-se pelo valor de mercado, a diferença entre este e o valor contábil dos bens ou direitos entregues será considerada ganho de capital, que será computado nos resultados da pessoa jurídica tributada com base no lucro real ou na base de cálculo do imposto de renda e da contribuição social sobre o lucro líquido devidos pela pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado.

VOCÊ SABIA? Na integralização de bens e direitos, pode ou não incidir imposto de renda sobre ganho de capital, conforme esquema a seguir:

Base legislativa: Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, art. 23. Conclui-se que, no planejamento patrimonial, as despesas relativas ao imposto de renda podem ser inicialmente evitadas caso a integralização de

bens seja realizada pelo valor constante na declaração de IR do sócio. Contudo, isso tem proporcionado algumas decisões equivocadas durante o processo de planejamento patrimonial colocado em prática por alguns empresários, com consequências desastrosas. Com efeito, ao proceder à integralização de bens pelo valor de custo e não de mercado, embora se evite a tributação nesse ato, é possível que, no futuro, um custo maior seja atribuído à pessoa jurídica, em prejuízo ao patrimônio de seus sócios. Isso ocorre porque, caso esses bens sejam posteriormente alienados, dependendo do regime de tributação da empresa e da contabilização do imóvel, o valor de custo que servirá de referência para cálculo do imposto de renda e da CSLL da pessoa jurídica será aquele previsto no ato da integralização, reduzido de eventual depreciação. Essa situação pode significar um alto custo tributário, caso a pessoa jurídica em referência seja tributada pelo lucro real ou, ainda que no regime do lucro presumido, não seja seu objeto social o exercício de atividades imobiliárias, como a compra e venda de imóveis ou, por fim, o bem em referência pertença a seu imobilizado da sociedade. Para facilitar a compreensão do problema, vamos simular um caso concreto. Bernardo possui um imóvel adquirido em 01.01.2017 pelo valor de R$ 230.000,00. Em 01.04.2022, ao constituir uma empresa cujo objeto não compunha qualquer atividade imobiliária, ele se deparou com o seguinte dilema: a) Integralizar o imóvel pelo valor de sua declaração de IR, não tendo qualquer custo em relação ao tributo; ou b) Integralizar o imóvel pelo valor de mercado (R$ 600.000,00), o que lhe acarretaria um custo de imposto de renda de R$ 44.379,34.22-23 Diante dessa situação, Bernardo optou pela integralização do imóvel pelo valor da declaração e, com isso, evitou o custo tributário que teria caso optasse pela alternativa B. Referido bem foi registrado contabilmente no

balanço patrimonial da empresa no item imobilizado. Ocorre que, passados apenas dois meses, a empresa de Bernardo recebeu uma oferta para a venda do imóvel pelo valor de R$ 600.000,00 e, necessitando de caixa para investimentos, o negócio foi realizado. Ato contínuo, Bernardo consultou Pedro e Henrique, seus advogados e, para sua surpresa, foi informado que, em razão da venda, ocorreu o fato gerador do IR da pessoa jurídica e da contribuição social sobre o lucro líquido e, nesse caso, o valor a recolher aos cofres públicos atingia o montante de R$ 119.800,00, decorrente do cálculo das alíquotas de ambos os tributos sobre o lucro da operação de R$ 370.000,00.24 Caso o objeto social da empresa envolvesse atividade de compra e venda de bens imóveis, tratando-se de bem adquirido com o intuito de revenda, aplicar-se-ia a presunção para cálculo do lucro presumido e o valor devido total de tributos sobre a operação seria de R$ 35.580,00.25 Em resumo, a alienação do bem pela pessoa física geraria um custo tributário de R$ 44.379,34, ao passo que a alienação pela pessoa jurídica R$ 119.800,00 e, a última hipótese, a alienação por pessoa jurídica cujo objeto social da empresa envolvesse atividade de compra e venda de bens imóveis, um total de R$ 35.580,00. Embora possa parecer enfadonha a insistência, o exemplo dado reforça a necessidade de que todos os passos realizados durante o planejamento patrimonial sejam minuciosamente estudados e acompanhados por profissional capacitado, sob risco de custos desnecessários serem incorridos em prejuízo do patrimônio familiar. Dessa forma, no momento da integralização de bens, é impositivo que todos os aspectos do planejamento sejam avaliados para a tomada de decisão sobre a opção mais adequada no que se refere ao valor que será atribuído ao bem integralizado. Em se tratando de bens imobiliários, sempre lembrando que cada caso particular deve ser minunciosamente avaliado, alguns aspectos devem ser levados em consideração, o que separamos em dois blocos:

1) Considere que a legislação do IR da pessoa física, conforme vimos anteriormente, contém diversos dispositivos envolvendo benefícios fiscais26, que podem influenciar a decisão. Não se preocupe, de início, em conhecer a fundo cada um deles. Para basear sua decisão, busque na internet pelo “programa de apuração de ganhos de capital” da Receita Federal.27 A partir desse programa, poderá simular a venda do imóvel pelo valor de mercado e descobrir o valor que seria devido de IR se a alienação realmente ocorresse. O programa é intuitivo e o seu preenchimento minucioso já indica os benefícios tributários aplicados ao caso concreto. 2) Atente-se para o regime de tributação da pessoa jurídica que receberá o imóvel. Sendo ele o “lucro real”, a tributação no caso de venda posterior do bem será 34% sobre o ganho de capital28 se o imóvel estiver contabilizado como imobilizado, e 34% do lucro mais 9,25% de PIS e Cofins29 sobre a receita se constar no objeto social da empresa o desenvolvimento de atividades imobiliárias e o bem pertencer ao estoque. Caso a empresa seja tributada pelo regime de “lucro presumido” e constar no objeto social da empresa o desenvolvimento de atividades imobiliárias, incidirá sobre a venda alíquota entre 5,93% e 6,73%30 da receita no caso de imóvel alocado no estoque, e 34% do ganho de capital caso o bem conste no item imobilizado do balanço patrimonial. Ainda que a empresa seja tributada pelo “lucro presumido” e se não for seu objeto social o desenvolvimento de atividades imobiliárias, a tributação será 34% do ganho de capital da operação. Consequentemente, durante a análise sobre ser viável e recomendável a constituição de uma sociedade Holding, é preciso levar em consideração que, em alguns casos, a alienação de bem imobiliário pela pessoa física tem vantagens em razão da existência dos benefícios fiscais exemplificados anteriormente. Portanto, antes de integralizar um bem imóvel em uma pessoa

jurídica, é necessário questionar qual o destino o contribuinte dará para esse bem no futuro. Se a resposta for “alienação”, especialmente no curto e médio prazo, talvez seja mais vantajoso manter o bem na esfera patrimonial da pessoa física para que possa ser alienado e aplicadas as vantagens mencionadas. Feitas essas considerações, vamos retornar ao exemplo do Bernardo, que possuía um imóvel adquirido em 01.01.2017 pelo valor de R$ 230.000,00 e realizou a integralização do bem em pessoa jurídica atribuindo à operação o mesmo montante. Pouco tempo depois, ele resolve alienar o bem e é informado que, nesse caso, terá que pagar R$ 119.800,00 de imposto de renda e contribuição social sobre o lucro líquido. Suponha agora que Bernardo, antes de realizar a alienação do bem, lhe consulte sobre a operação e questione se não haveria alternativas para evitar ou minorar esse custo tributário, especialmente diante do planejamento equivocado realizado quando da constituição da empresa. Em primeiro lugar, devemos alertar Bernardo que, como decorrência do planejamento equivocado, qualquer opção a ser seguida impõe riscos tributários e deve ser analisada de forma muito minuciosa, ao contrário do que ocorreu quando da constituição da empresa. Espera-se que a lição tenha sido aprendida por Bernardo e, por que não, por todos os leitores: investir em um bom planejamento pode evitar problemas e custos significativos no futuro. Mas, feito o alerta, vamos discutir algumas opções, enfatizando seus riscos. A primeira delas envolve a redução do capital, com a devolução do bem imóvel ao Bernardo para que possa, se assim entender pertinente, alienar o bem, incidindo, nessa operação, imposto de renda da pessoa física sobre o ganho de capital. Já vimos anteriormente que o art. 22 da Lei 9.249/1995 autoriza a pessoa jurídica a reduzir o capital pelo valor contábil ou de mercado do bem. Dessa forma, seria possível, em tese, realizar a devolução do bem a Bernardo pelo

valor contábil, reduzindo o capital pelo montante correspondente e, oportunamente, ser realizada sua alienação, aplicando-se as alíquotas sobre o ganho de capital da pessoa física, que é inferior à alíquota incidente sobre ganhos de capital auferidos pela pessoa jurídica. Entretanto, é imperioso dizer que essa operação pode ser questionada pelas autoridades fiscais. Isso porque esse movimento de reduzir o capital da empresa com o bem imóvel e subsequentemente aliená-lo, incidindo a tributação da pessoa física, pode ser considerado pelo fisco como um planejamento abusivo, em razão do procedimento ser realizado exclusivamente com fins tributários. O tema é espinhoso e há fortes argumentos no sentido de que o planejamento tributário é um direito – talvez um dever – do contribuinte, sempre visando a reduzir os custos fiscais incidentes sobre seus negócios. Isso não significa, evidentemente, que o contribuinte está autorizado a realizar toda sorte de procedimentos, simulando operações com o intuito de evitar o pagamento de tributos, inclusive porque há vedação expressa nesse sentido na legislação31. Contudo, no caso em destaque, deve ser levado em consideração que o próprio legislador autorizou o contribuinte, seja ele pessoa física ou jurídica, a realizar a transferência dos bens pelo valor de custo ou mercado, conforme sua conveniência. Parece contradizer os objetivos da lei impedir que o contribuinte assim proceda, buscando as melhores alterativas tributárias na alienação de bens imóveis. O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem sido instado a se manifestar sobre a ilicitude de operações dessa natureza. Há julgamento desfavoráveis32 e julgamentos favoráveis aos contribuintes33, e a controvérsia parece longe de ser dirimida, o que traz ainda mais insegurança jurídica. A análise de tais decisões nos permite extrair alguns pontos de atenção e que podem auxiliar a melhor compreensão dos riscos, como, por exemplo, a existência de ajuste prévio acerca da alienação. Trata-se de operações

ajustadas quando o bem ainda integrava o patrimônio da pessoa jurídica e, após a redução de capital, busca-se o suporte documental visando a denotar que a alienação ocorreu no contexto patrimonial da pessoa física. Parece-nos que, nesse particular, realmente, trata-se de um abuso por parte do contribuinte na tentativa de desnaturar a operação realizada pela pessoa jurídica. Diferente é o caso do contribuinte que, desejando alienar um bem, planeja suas atividades, antecipando a redução de capital para, somente então, iniciar os procedimentos para efetivação da venda, o que soa perfeitamente legítimo e concernente com a opção legislativa contida no art. 22 da Lei 9.249/1995. Portanto, é imprescindível que, encontrando-se nessa situação, o contribuinte analise detalhadamente todas as nuances que envolvem a operação, avaliando os riscos antes de adotar qualquer ação, incluindo pesquisa de decisões prolatadas pelo CARF e que servem de parâmetro jurisprudencial a indicar o procedimento mais adequado para o caso concreto. Há que se considerar, ademais, que se é verdade que a redução de capital com a devolução do bem imóvel ao contribuinte para posterior alienação reduz o impacto tributário quando comparada com a venda do bem integrante de ativo imobilizado da empresa, ainda assim, melhor seria não ter, inicialmente, transferido o imóvel para a pessoa jurídica. Isso porque, em razão da transferência da pessoa física para a pessoa jurídica e, posteriormente, transferência da pessoa jurídica para pessoa física, a data de aquisição do bem é atualizada na declaração de imposto de renda de Bernardo, o que faz com que os coeficientes de redução do ganho de capital sejam reduzidos34, em prejuízo do contribuinte. Uma segunda opção para Bernardo seria modificar o objeto social de sua empresa, incluindo a atividade de compra e venda de bens imobiliários. Como decorrência, os imóveis destinados à venda seriam reclassificados contabilmente – de imobilizado para estoque –, em atendimento ao item 6 da norma contábil CPC 16.

Ato contínuo, com a venda de bem registrado no estoque, seria aplicado o percentual de presunção do lucro de 8% sobre o valor da receita da alienação. Encontrado o lucro presumido, restaria aplicar as alíquotas de IRPJ e CSLL, não se esquecendo de que ao auferir receita operacional, o contribuinte também está obrigado ao recolhimento de PIS e Cofins de 3,65% sobre esse montante. Como resultado, o total devido de tributos sobre a operação atingiria a quantia de R$ 35.580,0035. Trata-se, porém, de alternativa que envolve muitos riscos fiscais. Isso porque a RFB tem entendido que a reclassificação de bens do ativo imobilizado não impede a incidência de IRPJ e CSLL sobre o ganho de capital, em razão da aplicação dos arts. 200 e 215, § 14, da IN RFB 1.700/2017. Essa compreensão por parte da autoridade fiscal foi reforçada por meio da Solução de Consulta COSIT 251, de 12 de dezembro de 2018, que assim dispõe: ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ EMENTA: Lucro presumido. Venda de bem do ativo imobilizado. Reclassificação para o circulante. Ganho de capital. Tributação. A alienação de bem do ativo imobilizado por sociedade empresária optante pelo lucro presumido deve ser tributada pelo IRPJ segundo as regras aplicáveis ao ganho de capital, ainda que tenha havido a reclassificação do bem para o circulante. DISPOSITIVOS LEGAIS: Decreto 9.580, de 2018, art. 222; Lei 9.249, de 1995, art. 15, § 4º; Lei 9.430, de 1996, art. 25, II; IN RFB 1.700, de 2017, arts. 200 e 215, § 14. (...). (destacamos) É bem verdade que, mais recentemente, a RFB manifestou-se de forma aparentemente distinta por meio da Solução de Consulta COSIT 7, de 4 de março de 2021, a conferir:

ASSUNTO: Imposto sobre a Renda de Pessoa Jurídica – IRPJ EMENDA: Lucro presumido. Atividade imobiliária. Venda de imóveis. Imobilizado. Investimento. Receita bruta. Ganho de capital. Para fins de determinação da base de cálculo do IRPJ, a receita bruta auferida por meio da exploração de atividade imobiliária relativa à compra e venda de imóveis próprios submete-se ao percentual de presunção de 8% (oito por cento). Essa forma de tributação subsiste ainda que os imóveis vendidos tenham sido utilizados anteriormente para locação a terceiros, se essa atividade constituir objeto da pessoa jurídica, hipótese em que as receitas dela decorrente compõem o resultado operacional e a receita bruta da pessoa jurídica. A receita decorrente da alienação de bens do ativo não circulante, ainda que reclassificados para o ativo circulante com a intenção de venda, deve ser objeto de apuração de ganho de capital que, por sua vez, deve ser acrescido à base de cálculo do IRPJ na hipótese em que essa atividade não constitui objeto pessoa jurídica, não compõe o resultado operacional da empresa nem a sua receita bruta. DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei 6.404, de 1976, art. 179, IV; DecretoLei 1.598, de 1977, arts. 11 e 12; Lei 9.430, de 1996, art. 25; Instrução Normativa RFB 1.700, de 2017, arts. 26, 33, § 1º, II, c, e IV, c, e 215, caput e § 14. Sinteticamente, uma leitura apressada do texto da “ementa” da Solução de Consulta, pode nos fazer concluir que: a) Caso o objeto social da pessoa jurídica compreenda a atividade de alienação de bens imóveis, a receita bruta auferida, quando da venda desses bens, submete-se ao percentual de presunção de 8%, mesmo que tenha havido reclassificação contábil; b) Caso o objeto social da pessoa jurídica não compreenda a atividade

de alienação de bens imóveis, a receita decorrente da alienação de bens do ativo não circulante, ainda que reclassificados para o ativo circulante com a intenção de venda, deve ser objeto de apuração de ganho de capital. Ocorre, entretanto, que uma análise mais detalhada do texto completo da Solução de Consulta demonstra que o entendimento da autoridade fiscal vai além dessa distinção objetiva em razão do objeto social da empresa. É evidente que a RFB analisa a situação no contexto em que o imóvel tem natureza de propriedade para investimento, conforme definição contida na norma contábil CPC 28, a seguir reproduzida: (...) é a propriedade (terreno ou edifício – ou parte de edifício – ou ambos) mantida (pelo proprietário ou pelo arrendatário como ativo de direito de uso) para auferir aluguel ou para valorização do capital ou para ambas e, não, para: (a) uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas; ou (b) venda no curso ordinário do negócio Note que a situação é distinta da hipótese em que uma empresa reclassifica um imóvel originalmente utilizado para fins administrativos, registrado em seu ativo imobilizado. O entendimento da RFB fica claro quando analisamos as seguintes passagens no bojo da solução de consulta: Por outro lado, na hipótese de a atividade principal, ordinária, da pessoa jurídica compreender a locação de imóveis próprios (terreno e/ou edificação), tem-se que esses ativos estariam no núcleo das suas operações, não exercendo, portanto, a função de contribuir com a consecução destas. Sendo assim, os benefícios econômicos deles esperados decorreriam, primordialmente, dos rendimentos a serem obtidos com a locação e não do seu uso. Neste caso, contabilmente,

tais ativos devem ser considerados como “Propriedades para Investimento”, devendo ser classificados no ativo não circulante investimentos, conforme prescreve o Pronunciamento Técnico CPC 28 – Propriedades para Investimento. (...) Entrementes, para tal interpretação o requisito fundamental é que o imóvel, a qualquer tempo, não tenha sido destinado à manutenção das atividades da pessoa jurídica ou exercidos com essa finalidade, tampouco que a obtenção de rendimentos tenha se dado de forma estranha às suas operações, inclusive no que se refere à manutenção do imóvel exclusivamente para valorização, pois, do contrário, possuirá natureza econômica e jurídica de imobilizado ou investimento, conforme o caso. Por exemplo, o imóvel que seja ou tenha sido utilizado como sede da pessoa jurídica caracteriza-se como ativo imobilizado e, portanto, o resultado positivo obtido com a sua alienação representará ganho de capital nos termos da legislação tributária, ainda que o objeto ou a atividade principal da pessoa jurídica seja a alienação de imóveis. Consequentemente, não é mansa e pacífica a interpretação no sentido de que a alienação de imóveis adquiridos originalmente para fins administrativos e classificados, por essa razão, no ativo imobilizado da empresa, possa ser objeto de tributação por meio da presunção do lucro quando houver a reclassificação do bem para estoque e o objeto social da empresa componha atividades imobiliárias. Encontramos, na doutrina, quem defenda que a posição da RFB é equivocada, na medida em que a decisão sobre o destino a ser dado aos bens compete exclusivamente à pessoa jurídica, conforme defendem Alexandre Tadeu Navarro Pereira Gonçalves e Rodrigo Antonio Dias (2022, p. 91): Nesse sentido, não parece ser correto sustentar que a destinação inaugural de um imóvel lhe confira tratamento tributário eterno.

Interessa saber se a empresa atendeu aos requisitos legais para realizar a atividade imobiliária. E assim, no âmbito do lucro presumido, se uma empresa, que tenha seu objetivo social a atividade de compra e venda de bens imóveis, realizar a venda de um imóvel, ainda que tenha sido sua sede, a receita auferida deve ser entendida como operacional e, portanto, sujeita às regras de presunção de lucro. O fato de um imóvel ter um dia sido utilizado como sede não deve ser o fator para o tratamento definitivo de sua tributação. Afinal, a decisão de empreender no ramo imobiliário e como destinar seu próprio patrimônio não cabe ao fisco, mas sim ao contribuinte. É pertinente mencionarmos outras decisões do CARF sobre o tema e que revelam que estamos diante de grande controvérsia jurídica:

Há que se destacar, adicionalmente, que nada impede que as autoridades fiscais entendam que a inclusão da atividade imobiliária no objeto social da empresa, com a posterior reclassificação do imóvel de “imobilizado” para “estoque” e, ato contínuo, sua alienação, denota o abuso no planejamento das atividades, realizado unicamente com o objetivo de reduzir a carga tributária

das operações. Consequentemente, seria procedido ao lançamento de ofício, com a imposição de multa em razão da suposta ilicitude da operação. Alertase, portanto, que embora seja de escolha exclusiva da pessoa jurídica decisões acerca da destinação de seu patrimônio, incluindo se irá ou não empreender no ramo imobiliário, isso não autoriza o uso de estruturas simuladas apenas para dar aparência à operação conveniente aos fins tributários pretendidos pelo contribuinte. Superada essa discussão, também é comum a prática da alienação da participação societária em vez da venda do imóvel pela pessoa jurídica proprietária do bem. Novamente, é uma operação a ser avaliada com cautela, havendo riscos fiscais significativos a depender do caso concreto. Sabe-se que a venda de participações societárias por pessoas físicas está sujeita à incidência do imposto de renda sobre o ganho de capital, aplicandose, ademais, as alíquotas progressivas previstas na legislação. Convém rememorarmos o que vimos acima: se o ganho de capital é de até R$ 5 milhões, a alíquota aplicada será de 15%; de R$ 5 milhões até R$ 10 milhões, a alíquota aplicada será de 17,5%; de R$ 10 milhões até R$ 30 milhões, a alíquota aplicada será de 20%; acima de R$ 30 milhões, a alíquota aplicada será de 22,5%. Consequentemente, considerando que a alíquota sobre ganho de capital da pessoa jurídica é de 34%36, a alienação da participação societária pela pessoa física traz vantagens fiscais quando comparada à alienação de bem imóvel de propriedade de empresa cujo objeto social não envolva atividades imobiliárias ou mesmo naquelas hipóteses em que o imóvel em questão esteja registrado contabilmente no “imobilizado”. Acontece que essa operação também pode vir a ser questionada pelas autoridades fiscais, sob o argumento de tratar-se de planejamento tributário abusivo, concernente em simular a alienação da participação societária, dando roupagem à operação de forma a mascarar a real intenção do contribuinte, que seria a alienação do imóvel pela pessoa jurídica.

Não é incomum essa operação ser questionada não apenas no âmbito federal, mas, também, na esfera municipal. Tomemos como exemplo o município de São Paulo, onde há lançamentos de ofício realizados com base no art. 19 da Lei 14.133/2006, que atribui competência ao Auditor-Fiscal para desconsiderar atos jurídicos tidos como simulados, postos em prática com o objetivo de reduzir o valor do ITBI. Ressalte-se que a alienação de bem imóvel, como já tivemos oportunidade de expor, é fato gerador do ITBI, ao passo que a alienação de participação societária, não. Com isso, o contribuinte pode estar visando à dupla economia, englobando o imposto de renda e o ITBI. É fora de propósito analisar tais situações sem avaliar e conhecer o caso concreto e os detalhes que cercam a operação. Muito embora nada impeça a alienação de participações societárias nessas condições, é preciso verificar se não estamos diante de uma simulação que tornaria ilícito o negócio, ao menos do ponto de vista tributário. Vale mencionarmos o entendimento de Alexandre Tadeu Navarro Pereira Gonçalves e Rodrigo Antonio Dias (2022, p. 227) sobre o tema: O pressuposto básico, portanto, é que haja efetiva demonstração de que a “sociedade” não existe como tal, mas, sim, é mero simulacro, uma simples casca jurídica cuja única finalidade é servir de invólucro para o imóvel e que, portanto, sua criação e existência têm como fim precípuo servir de veículo para a alienação do imóvel sem que fique tal ato sujeito à incidência do ITBI-IV. Ou seja, deve haver prova da existência de simulação, de que o ato negocial da compra/ venda de quotas/ ações tinha como efetivo intuito e transmissão da propriedade do imóvel, de sorte que, sendo desconsiderado, passaria a sujeitar-se à incidência tributária municipal, já que o propósito negocial seria apenas a aquisição do imóvel. Finalmente, uma última alternativa a ser aventada, envolve a constituição

de uma empresa cujo objeto social abranja a compra e venda de bens imóveis, sendo efetivada a integralização do capital com o imóvel em discussão37. Posteriormente, quando oportuno, a nova empresa realizaria a alienação do bem – que deve ser desde sua constituição classificado no ativo circulante na conta “estoque” – aplicando os percentuais de presunção sobre o lucro como discutimos acima. Pode soar repetitivo, mas, novamente, estaríamos diante de uma situação passível de questionamentos por parte do fisco, ao interpretar a operação como um planejamento de natureza abusiva, levada ao cabo com o único intuito de reduzir a carga tributária sobre a operação de venda. De fato, entende-se que pode haver fundamento no questionamento das autoridades, porém, existem casos concretos em que há objetivos comerciais mais amplos, inclusive a intenção de que a empresa se dedique devorante às atividades imobiliárias. Nessa linha, como sói ocorrer nos demais casos acima mencionados, somente mediante análise do caso concreto é que seria possível avaliar com mais precisão os riscos inerentes ao planejamento. Por tudo que vimos acima, certamente a principal lição aprendida é de que Bernardo deveria, desde o início, ter planejado mais cuidadosamente suas atividades!

DE OLHO NA JURISPRUDÊNCIA IRPJ. Lucro presumido. Venda de bens do ativo permanente. Ganho de capital. Atividade imobiliária. Reclassificação contábil. Ativo circulante. Efeitos tributários. A receita obtida com da venda de bens do ativo permanente sujeitase à apuração de ganho de capital. No regime do lucro presumido, o ganho de capital deve ser somado à base de cálculo, obtida pela aplicação de percentual pertinente à atividade econômica sobre a receita bruta auferida no trimestre. Para efeitos tributários, a receita proveniente da venda de imóveis, que não foram construídos

ou adquiridos com tal finalidade, mas, diversamente, para serem usados como meio de obtenção de renda ou para o desempenho de atividade econômica prevista no objeto social da empresa, sujeitase à apuração de ganho de capital, independentemente, de a atividade imobiliária também integrar aquele objeto e da reclassificação contábil, efetivada, no anocalendário precedente ao da venda, pela transferência dos bens do ativo permanente para o ativo circulante, como se mercadorias fossem (CARF, Processo Administrativo 10380.721152/201480, Acórdão 1302002.327, publicado em 31.10.2017). Superadas essas discussões, convém mencionar que os aspectos tributários até discutidos similarmente se aplicam caso a integralização de bens seja realizada por pessoa jurídica, ou seja, naquelas hipóteses em que uma empresa se torna sócia de outra. As regras relativas à incidência de imposto de renda no ato da integralização de bens são análogas, inclusive em relação à opção sobre o valor da transferência, embora, nesse caso, a escolha seja o ato ser realizado pelo valor contábil ou pelo valor de mercado dos bens, sendo que, nesta última hipótese, incidirá o imposto de renda da pessoa jurídica. Ademais, em se tratando de sociedade anônima, a transferência exige laudo de avaliação subscrito por três peritos ou por empresa especializada em avaliações, conforme dispõe o art. 8º da Lei 6.404/1976. Por fim, diz-se no início deste tópico que, no planejamento por meio da constituição da Holding, dois atos são corriqueiros: a. a constituição da empresa integralizando o capital social com bens pertencentes à família; b. a doação das quotas para os herdeiros. É fundamental ressaltar que, no recebimento de bens por doação, não há que se cogitar em IR a ser pago pelos herdeiros, uma vez que o Regulamento do IR, Decreto 9.580/2018, assim prevê: Art. 35. São isentos ou não tributáveis:

VII – os seguintes rendimentos diversos: (...) c) o valor dos bens adquiridos por doação ou herança, de acordo com o disposto no art. 130 (Lei 7.713, de 1988, art. 6º, caput, inciso XVI); Dispositivo semelhante ao relacionado à integralização de capital está contido na Lei 9.532/1997, porém regulando a transferência nos casos e herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima. Confira: Art. 23. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador. § 1º Se a transferência for efetuada a valor de mercado, a diferença a maior entre esse e o valor pelo qual constavam da declaração de bens do de cujus ou do doador sujeitar-se-á à incidência de imposto de renda à alíquota de quinze por cento. Observe que a regra sobre o assunto é idêntica ao discutido anteriormente sobre a integralização de bens. Portanto, se a doação for realizada pelo valor constante na declaração de IR do doador, nenhum imposto será devido. Caso seja realizada pelo valor de mercado, será devido IR pelo doador. Em nenhuma hipótese o donatário, que recebe os bens, terá obrigação de pagamento do tributo. Muitos desconhecem essa regra acerca da doação e recebimento de herança e, em razão disso, perdem a oportunidade de obterem legítima economia tributária decorrente da aplicação da lei. Isso porque o valor pelo qual for declarado o bem servirá de base (custo) para o cálculo do ganho de capital. Dessa forma, quanto maior o valor declarado como recebido, menor será o ganho de capital em caso de futura venda.

VOCÊ SABIA? Na integralização de bem imóvel pode ou não incidir imposto de renda sobre ganho de capital, conforme esquema a seguir:

Base legislativa: Lei 9.532, de 10 de dezembro de 1997, art. 23; Instrução Normativa SRF 84, de 11 de outubro de 2001, art. 3º, inciso II. Tomemos como exemplo a situação de João, que recebeu em 01.02.2022 herança referente a um imóvel, originalmente adquirido pelo de cujos em 01.01.1967 pelo valor de R$ 100.000,0038. O valor de mercado do bem é de R$ 800.000,00 e João tem duas opções: a) receber o bem pelo valor de R$ 100.000,00 ou b) receber o bem pelo valor de R$ 800.000,00. Questiona-se: qual será o valor do imposto de renda caso João aliene o imóvel em 15.07.2022 pelo valor de R$ 820.000,0039? Na primeira hipótese (recebimento pelo valor de R$ 100.000,00) o valor a ser pago de imposto de renda será de R$ 105.759,5240. Já na segunda hipótese, o valor total a ser recolhido aos cofres públicos será de R$ 2.937,76. Trata-se, como se nota, de uma diferença significativa e que demonstra que, mal-informado, João pode tomar uma péssima decisão caso opte por receber o bem pelo valor da aquisição original.

Vejamos, agora, o caso da Denise que recebeu em 01.02.2022 herança referente a um imóvel originalmente adquirido pelo de cujus em 01.01.1997 pelo valor de R$ 300.000,00. O valor de mercado do bem é de R$ 900.000,00 e Denise tem duas opções: a) receber o bem pelo valor de R$ 300.000,00 ou b) receber o bem pelo valor de R$ 900.000,00. Questiona-se: qual será o valor do imposto de renda, caso Denise aliene o imóvel em 15/07/2022 pelo valor de R$ 970.000,0041? Na primeira hipótese (recebimento pelo valor de R$ 300.000,00), o valor a ser pago de imposto de renda será de R$ 98.415,1142. Já na segunda hipótese, o valor total a ser recolhido aos cofres públicos será de R$ 10.282,17. Novamente, estamos diante de diferença vultosa e, aparentemente, Denise pode tomar uma péssima decisão caso opte por receber o bem pelo valor da aquisição original. Até aqui a análise está correta, porém, há um detalhe que, propositadamente, foi deixado de lado. Isso porque quando o bem é recebido pelo valor da aquisição original, esse ato de transferência, não fica sujeito à incidência do IRPF. Isso não se mantém no caso de recebimento pelo valor de mercado, pois, nessa hipótese, deve ser recolhido o imposto sobre o ganho de capital, nos exatos termos do quanto disposto no art. 23 da Lei 9.532/1997. Portanto, devemos levar em consideração – para concluirmos nossa análise – não apenas os valores devidos nos casos em que João e Denise alienam em 15/07/2022 seus respectivos imóveis. É preciso incluir, nessa conta, quanto seria devido de IRPF na transferência do imóvel do doador ou do de cujus para João e Denise, na hipótese de a operação ser realizada pelo valor de mercado. Vejamos: 1. Operação de transferência pelo valor de mercado para João: IRPF isento em razão do quanto disposto no art. 18 da Lei 7.713/1988, na medida em que o imóvel foi adquirido antes de 1969. 2. Operação de transferência pelo valor de mercado para Denise: R$ 24.008,78, em razão da aplicação dos coeficientes de redução de

capital. Feitos todos os cálculos podemos, agora, sumarizar o valor de IRPJ incidente sobre o ganho de capital, considerando a transmissão do bem para João e Denise e, posteriormente, as alienações dos imóveis:

João

Recebimento pelo Valor da Aquisição Original

Recebimento pelo Valor de Mercado

Diferença

R$ 105.759,52

R$ 2.937,76

R$ 102.821,76

R$ 34.290,9543

R$ 64.124,16

Denise R$ 98.415,11

É visível a diferença e podemos afirmar, sem margem para dúvidas, que tanto João quanto Denise farão uma péssima escolha caso optem pelo recebimento do bem pelo valor original de aquisição, muito embora o caso da Denise não seja tão significativo quanto o de João. Haveria alguma ocasião em que essa escolha de João e Denise fosse positiva? No caso de João, não. Afinal, independentemente do que ele pretende fazer com o imóvel, o recebimento pelo valor de mercado não traria custos tributários, visto que a primeira operação – referente ao recebimento da herança – é isenta. Já no caso de Denise, é possível que ela não tenha qualquer intenção de alienar o imóvel em curto e médio prazo, preferindo, por isso, economizar a quantia de R$ 24.092,81 que incide, caso receba o bem pelo valor de mercado44. Recebendo o bem pelo valor original de aquisição, não sacrificaria o caixa momentaneamente para fazer frente a essa obrigação tributária. É perceptível estarmos diante de uma excepcional hipótese de economia lícita de tributos, que pode e deve ser explorada pelo contribuinte caso esteja nessa situação. Encerra-se aqui a análise dos custos tributários envolvidos na constituição da Holding. Não menos importante é a avaliação da tributação da pessoa

jurídica constituída, o que afetará os custos mensais da sociedade.

2.5

Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ)

Partindo-se do pressuposto que o lucro arbitrado não é uma opção de regime de tributação disponível para as pessoas jurídicas, mas sim uma exceção em razão do descumprimento de obrigações legais, conclui-se que restam três tipos de regime: lucro real, lucro presumido e Simples Nacional. Aqui não será abordado de forma detalhada o Simples Nacional, uma vez que a legislação acaba por conter vedações que impedem que as sociedades Holdings optem pelo regime simplificado. A Lei Complementar 123/2006, que disciplina o assunto, contém expressa vedação nesse sentido, mais especificamente no inciso VII do § 4º do art. 3º, que dispõe que não podem se beneficiar do tratamento jurídico diferenciado da lei pessoas jurídicas que participem do capital de outra pessoa jurídica. Mesmo nos casos daquelas empresas que possuem como objeto social a compra, venda e locação de bens imóveis e são chamadas, didaticamente, de Holding imobiliárias, não é possível a opção pelo Simples Nacional, porquanto há expressa vedação contida no inciso XV do art. 17 da LC. Portanto, ainda que a empresa não seja uma Holding, ou seja, tenha como objeto participar do capital social de outras empresas, mas sim exerça a atividade imobiliária de aluguel de imóveis próprios, também não poderá optar pelo Simples Nacional. Somente lhes é possível optar pelo referido regime àquelas empresas que tenham como objeto social a alienação de imóveis próprios, ou seja, cadastradas no CNAE 6810-2/01 – Compra e venda de imóveis próprios. A lei prevê vedação expressa exclusivamente referente à alienação de imóveis nos casos de incorporação e loteamento. Nesse sentido, vejamos o que diz a Receita Federal, suficiente para esclarecer qualquer dúvida sobre o tema: Note-se que esse código CNAE não é vedado justamente por não

compreender o loteamento e a incorporação de imóveis, atividades expressamente vedadas pelo art. 17, inciso XV, da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006. Desse modo, a presente consulta será respondida partindo do pressuposto de que a consulente, realmente, só atua na compra e venda de imóveis próprios. Ou seja, que não se trata de loteamento e incorporação, com erro na escolha do código CNAE (Solução de Consulta Cosit nº 39, de 16 de janeiro de 2017. Disponível em: http://normas.receita.fazenda.gov.br/sijut2consulta/link.action? visao=anotado&idAto=79966). Dizendo de outro modo, caso a empresa exerça a atividade exclusiva de venda de imóveis próprios, poderá optar pelo Simples Nacional, calculando seus tributos pela aplicação da Tabela do Anexo I. Um importante detalhe sobre o tema é que a venda de bens imóveis não é fato gerador do ICMS. Desse modo, no caso de opção pelo Simples Nacional, a empresa deverá excluir da apuração o ICMS, contida na Tabela do Anexo I. Esse entendimento é reforçado pela Resposta à Consulta Fazenda do Estado de Minas Gerais, de 174, de 25.08.2020, e publicada no DOE na mesma data45.

VOCÊ SABIA? 1. Holdings são empresas cujo objeto social envolve a participação em outras sociedades e não podem optar pelo Simples Nacional; 2. Empresas que tenham como objeto social venda de imóveis próprios podem optar pelo Simples Nacional, aplicando a tabela do Anexo I e excluindo da apuração o percentual referente ao ICMS; 3. Empresas que tenham como objeto social atividades loteamento e a incorporação de imóveis, bem como aluguel de bens imóveis próprios, não podem optar pelo Simples Nacional.

Para mais informações consulte o Qr-code a seguir:

Consequentemente, no caso de uma Holding pura ou mista, por serem empresas que têm como objetivo social participarem de outras sociedades, o regime simplificado de tributação não lhes é permitido. Mesmo no caso de uma empresa que apenas detenha bens imóveis familiares e o objeto seja o exercício de atividades imobiliárias, envolvendo a locação desses bens, o que algumas pessoas denominam de Holding patrimonial ou imobiliária, a referida lei complementar também tratou de vedar o acesso ao regime simplificado, o que pode ser observado em seu inciso XV do art. 17 da lei já citada acima. De toda forma, caso o objeto social da empresa seja exclusivamente de compra e vendas de bens imóveis próprios, o Simples Nacional será uma opção válida a ser avaliada em comparação com o lucro presumido e o lucro real. Feita a ressalva, serão analisados o lucro real e o lucro presumido, bem como os demais tributos que incidem sobre a renda e receita das empresas Holdings, no caso CSLL, PIS e Cofins. O primeiro a ser enfrentado é o IR apurado pelo lucro real.

2.5.1

Lucro real

A forma de apuração pelo lucro real se destaca por considerar, sinteticamente, o lucro contábil da empresa ajustado pelas adições, exclusões

e compensações requeridas pela legislação fiscal, conforme determina o art. 6º do Decreto-lei 1.598/1977. Dizendo de outro modo, trata-se da confrontação das receitas que a legislação determina serem tributáveis com os custos e despesas igualmente autorizados pela lei como dedutíveis. Por partir do lucro contábil, a apuração pelo lucro real, como é óbvio concluir, exige contabilidade completa, detalhada e atualizada por parte da empresa, acarretando custos de conformidade adicionais, muitas vezes sendo uma opção inviável para empresas de pequeno porte. Há, no entanto, empresas, mencionadas a seguir, que são obrigadas pela legislação a aderir a essa forma de apuração. Tais hipóteses merecem uma análise ponto a ponto, conforme a seguir: 1. Pessoas jurídicas cuja receita total, no ano-calendário anterior, tenham excedido ao limite de R$ 78.000.000,00 (setenta e oito milhões de reais) ou de R$ 6.500.000,00 (seis milhões e quinhentos mil reais) multiplicado pelo número de meses do período, quando inferior a 12 meses. Reparem que o legislador fez uso da expressão “receita total” e não receita bruta. Nesse sentido, o art. 59, § 1º, da IN RFB 1.700/2017 dispõe o seguinte: § 1º Considera-se receita total o somatório: I – da receita bruta mensal; II – dos ganhos líquidos obtidos em operações realizadas em bolsa de valores, de mercadorias e futuros e em mercado de balcão organizado; III – dos rendimentos produzidos por aplicações financeiras de renda fixa e de renda variável; IV – das demais receitas e ganhos de capital; V – das parcelas de receitas auferidas nas exportações às pessoas vinculadas ou aos países com tributação favorecida que excederem o

valor já apropriado na escrituração da empresa, na forma prevista na Instrução Normativa RFB nº 1.312, de 28 de dezembro de 2012; e VI – dos juros sobre o capital próprio que não tenham sido contabilizados como receita, conforme disposto no parágrafo único do art. 76. Portanto, é preciso atenção para não se entender que no cálculo do limite deve ser computada apenas a receita bruta, conforme art. 12 do Decreto-lei 1.598/1978, pois a sua composição é mais abrangente, incluindo, basicamente, toda a receita reconhecida contabilmente pela empresa. Sobre o limite proporcional, é necessário realizar o cálculo de forma pro rata. Por exemplo: uma empresa aberta em outubro de 2022 poderá optar pelo lucro presumido em 2023, caso sua receita total em 2022 não supere o limite de R$ 19.500.000,00. Isso porque a empresa esteve em atividade por três meses em 2022, que multiplicado pelo limite de R$ 6.500.000,00 totaliza o montante de R$ 19.500.000,00. Outro ponto que é motivo de atenção refere-se ao ano em que a receita total é considerada para avaliação do limite. Notem que a limitação se refere ao montante da receita total do ano-calendário anterior. Portanto, no ano de abertura da empresa essa limitação inexiste, podendo o contribuinte escolher a melhor opção conforme sua conveniência, desde que não se enquadre nas demais hipóteses de vedação.

VOCÊ SABIA? Em relação ao limite de receita para enquadramento no lucro real, deve ser ele calculado da seguinte forma:

2. Pessoas jurídicas cujas atividades sejam de bancos comerciais, bancos de investimentos, bancos de desenvolvimento, caixas econômicas, sociedades de crédito, financiamento e investimento, sociedades de crédito imobiliário, sociedades corretoras de títulos e valores mobiliários, empresas de arrendamento mercantil, cooperativas de crédito, empresas de seguro privado e de capitalização e entidades de previdência privada aberta; Nesse caso, a vedação envolve atividades que de alguma forma estão relacionadas ao sistema financeiro, o que normalmente não será o caso de Holdings familiares utilizadas como instrumento de planejamento patrimonial e sucessório. 3. Pessoas jurídicas que tiverem lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do exterior; Essa vedação também é motivo de atenção, pois há quem entenda que ao exportar bens e serviços, o contribuinte está tendo lucros e rendimentos oriundos do exterior, o que é um equívoco. Na verdade, a vedação refere-se aos lucros obtidos por conta de operações realizadas por estabelecimentos situados no exterior e não em razão de exportação de bens e serviços, conforme extraímos do Ato Declaratório Interpretativo SRF 5, de 31 de outubro de 2001, que assim dispõe:

Art. 1º A hipótese de obrigatoriedade de tributação com base no lucro real prevista no inciso III do art. 14 da Lei nº 9.718, de 1998, não se aplica à pessoa jurídica que auferir receita da exportação de mercadorias e da prestação direta de serviços no exterior. Parágrafo único. Não se considera prestação direta de serviços aquela realizada no exterior por intermédio de filiais, sucursais, agências, representações, coligadas, controladas e outras unidades descentralizadas da pessoa jurídica que lhes sejam assemelhadas. Art. 2º A pessoa jurídica que houver pago o imposto com base no lucro presumido e que, em relação ao mesmo ano-calendário, incorrer em situação de obrigatoriedade de apuração pelo lucro real por ter auferido lucros, rendimentos ou ganhos de capital oriundos do exterior, deverá apurar o imposto sobre a renda de pessoa jurídica (IRPJ) e a contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) sob o regime de apuração pelo lucro real trimestral a partir, inclusive, do trimestre da ocorrência do fato. Outro ponto que merece destaque refere-se ao fato de que, embora a opção pelo lucro presumido seja definitiva para o ano-calendário, caso, no decorrer do ano, o contribuinte que tenha optado por essa sistemática de apuração aufira lucros ou apure ganho de capital oriundos do exterior, este deverá migrar imediatamente para o regime de apuração do lucro real. 4. Pessoas jurídicas que, autorizadas pela legislação tributária, queiram usufruir de benefícios fiscais relativos à isenção ou redução do imposto de renda; Deve-se destacar o fato que os incentivos fiscais mencionados são aqueles relativos ao imposto de renda e a contribuição social sobre o lucro e não aos demais tributos, como no caso de incentivos de ICMS. 5. Pessoas jurídicas que, no decorrer do ano-calendário, tenham

efetuado o recolhimento mensal pelo regime de estimativa, na forma prevista no art. 32 da IN RFB 1.700, de 2017; O regime de estimativa é uma opção de cálculo de forma estimada, sem necessidade de apuração do efetivo lucro real do período. Porém, essa opção insere-se no contexto da apuração pelo lucro real, cabendo ao contribuinte, ao final do ano-calendário, efetuar o ajuste considerando o efetivo montante devido pela empresa. Portanto, se em algum momento, o contribuinte faz o recolhimento pela estimativa, automaticamente estará optando pelo lucro real e descartando a possibilidade de apurar o IRPJ e a CSLL pelo lucro presumido. 6. Que explorem as atividades de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring); A vedação envolve atividades que de alguma forma estão relacionadas ao mercado creditório, o que normalmente não será o caso de Holding familiares utilizadas como instrumento de planejamento patrimonial e sucessório. 7. Pessoas jurídicas que explorem as atividades de securitização de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio, bem como as pessoas jurídicas que explorem as atividades de compra de direitos creditórios, ainda que se destinem à formação de lastro de valores mobiliários (securitização); Da mesma forma, a vedação aqui envolve atividades de securitização, mas não há muitas dúvidas considerando a indicação expressa, o que também não será o caso de Holding familiares utilizadas como instrumento de planejamento patrimonial e sucessório.

8. Pessoas jurídicas que exerçam as atividades de construção, incorporação, compra e venda de imóveis, enquanto não concluídas as operações imobiliárias para as quais haja registro de custo orçado; Essa vedação é específica para as atividades indicadas e somente enquanto não concluídas as operações. Uma vez finalizadas, cessa a vedação, podendo a empresa optar pelo lucro presumido, caso não incida em nenhuma das demais hipóteses vedadas. 9. Pessoas jurídicas resultantes de eventos de incorporação ou fusão enquadradas nas disposições contidas no art. 59 da IN RFB 1.700, de 2017, ainda que qualquer incorporada ou fusionada fizesse jus ao referido regime antes da ocorrência do evento. O art. 59 da IN RFB 1.700, de 2017, dispõe sobre quem são as pessoas jurídicas obrigadas ao regime de tributação do IRPJ com base no lucro real. Em outras palavras, a referida vedação apenas alerta para o fato de que uma empresa que antes não estava obrigada ao lucro real, no caso de incorporação ou fusão, deve observar as vedações previstas na lei a partir da ocorrência do evento. Por exemplo: suponha duas empresas, sendo a incorporada optante pelo lucro presumido e a incorporadora obrigada ao lucro real por possuir benefício fiscal de redução de IRPJ. Após a incorporação, prevalece a vedação em razão da fruição do benefício fiscal. Diante dessas hipóteses, caso a empresa esteja obrigada ao regime do lucro real, deverá apurar, por meio da contabilidade, o lucro líquido, que se reveste de ponto de partida do cálculo do imposto, para então realizar os ajustes requeridos pela legislação fiscal. O Decreto-lei 1.598/1977 assim distingue lucro líquido e real: Art. 6º Lucro real é o lucro líquido do exercício ajustado pelas

adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizadas pela legislação tributária. § 1º O lucro líquido do exercício é a soma algébrica de lucro operacional (artigo 11), dos resultados não operacionais, do saldo da conta de correção monetária (artigo 51) e das participações, e deverá ser determinado com observância dos preceitos da lei comercial. Portanto, o cálculo do lucro real e do imposto de renda a ser recolhido é realizado de forma dedutiva, conforme ilustrado a seguir:

Em relação às alíquotas, tanto no lucro real, quanto no lucro presumido, o IR conta com uma alíquota básica e uma adicional. A alíquota básica é de 15% a ser calculada sobre o lucro real. Porém, caso o lucro real ultrapasse a quantia de R$ 240 mil reais no ano, R$ 60 mil reais no trimestre ou R$ 20 mil reais ao mês, conforme a forma de apuração, incidirá uma alíquota adicional de 10% sobre o montante que superar esses patamares. Vejamos um exemplo para melhor compreensão do cálculo do valor devido a título de imposto de renda: Lucro Real Trimestral46

R$ 100.000,00

Alíquota Básica (15%)

R$ 15.000,00

Alíquota Adicional (10%)

R$ 4.000,00

Imposto de Renda Total

R$ 19.000,00

Atente-se que o valor de R$ 4 mil reais foi encontrado pela aplicação da alíquota de 10% sobre o valor que excedeu a R$ 60 mil reais, ou seja, R$ 40 mil reais. O total de IR, nesse exemplo, foi de R$ 19 mil reais no trimestre. Um ponto fundamental a ser abordado quando tratamos do IR apurado pelo lucro real é a possibilidade de compensação de prejuízos fiscais de períodos anteriores. Isso significa que, quando a empresa apresenta um prejuízo fiscal, esses valores podem ser compensados no futuro, limitados ao percentual de 30% do lucro real do período a compensar. Como de costume, o exemplo facilita a compreensão. Vamos supor que uma determinada empresa tenha prejuízo fiscal de R$ 20 mil reais no primeiro trimestre de 2022. No trimestre seguinte, apura lucro real de R$ 60 mil reais. Simplificando, o cálculo do IR devido seria feito da seguinte forma: Lucro Real Antes da Compensação

R$ 60.000,00

Compensação de Prejuízo Fiscal¹

R$ 18.000,00

Lucro Real Trimestral

R$ 42.000,00

Alíquota Básica (15%)

R$ 6.300,00

Alíquota Adicional (10%)²

Não há

Imposto de Renda Total

R$ 6.300,00

Legenda: 1. 30% do lucro antes da compensação. 2. Não há alíquota adicional, pois a base de cálculo não superou R$ 60 mil no trimestre.

Observe que a compensação de R$ 18 mil reais é resultado da aplicação do percentual de 30% sobre o lucro real antes da compensação, em razão do teto determinado pela legislação fiscal47. Por sua vez, nessa hipótese, não há que se falar em alíquota adicional, porque o valor do lucro real não superou a quantia de R$ 60 mil no trimestre, incidindo tão somente a alíquota básica. Destaca-se, por fim, que a empresa ainda ficou com R$ 2 mil reais de saldo de prejuízo fiscal a ser compensado no futuro. Esse exemplo demonstrou os aspectos básicos da forma de apuração do lucro real. Vale lembrar que o regime de apuração ainda se distingue em anual com antecipações mensais e trimestral, e que impactam o montante devido de imposto de renda pelo contribuinte.

2.5.2

Lucro presumido

Não estando obrigada à forma de apuração pelo lucro real, a empresa pode optar pelo lucro presumido, cujo cálculo é simplificado e as exigências contábeis não são tão formais, razão pela qual grande parte das empresas brasileiras escolhe essa opção. Sobre essas exigências contábeis, há controvérsias em razão de o parágrafo único do art. 600 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR) de 2018 permitir a utilização de escrituração contábil ou livro-caixa, conforme for de conveniência da empresa. Ocorre que, para além de outras normas legais e contábeis, no art. 1.179 do Código Civil consta a exigência da escrituração contábil das empresas, independentemente da forma de apuração do lucro. Isso levanta dúvidas se realmente a utilização do livro-caixa é uma opção para as empresas, especialmente considerando que a contabilidade é instrumento de gestão empresarial e, nessa medida, é recomendável a manutenção escorreita da escrituração contábil independentemente de questões de natureza fiscal. De toda forma, para fins tributários, a escrituração de livro-caixa é o suficiente para o cumprimento das exigências legais. Há que se ressalvar que,

não optando pela escrituração contábil, a empresa não poderá distribuir lucros e dividendos isentos aos sócios acima do limite de presunção do lucro diminuído do IRPJ, da CSLL, do PIS e da Cofins, o que torna a escrituração contábil altamente recomendável, independentemente do quanto dispõe o art. 1.179 do Código Civil. Sobre o tema, Paulo Henrique Pêgas (2017, p. 330) destaca: As empresas que opta, pelo lucro presumido podem distribuir lucros para seus sócios e acionistas, sem tributação, pois os dividendos são considerados rendimentos isentos para a pessoa física e jurídica. No entanto, essa distribuição isenta de IR está limitada ao lucro presumido do período menos o valor dos tributos federais. Portanto, a distribuição por valores acima do lucro presumido apurado só deverá ser feita caso a empresa demonstre que obteve lucros acima da base presumida, e para isso deverá ter escrituração contábil completa.

VOCÊ SABIA? Segundo o art. 238 da IN da RFB 1.700/2017, no caso de pessoa jurídica tributada com base no lucro presumido ou arbitrado, poderão ser pagos ou creditados lucros e dividendos sem incidência do IRRF até o limite do valor da base de cálculo do imposto, diminuído do IRPJ, da CSLL, da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins a que estiver sujeita a pessoa jurídica. Entretanto, é possível ser paga a parcela de lucros ou dividendos excedentes ao valor acima mencionado, desde que a empresa demonstre, com base em escrituração contábil feita com observância da lei comercial, que o lucro efetivo é maior que o determinado segundo as normas para apuração da base de cálculo do imposto pela qual houver optado. Previsão semelhante consta no art. 17 da Lei Complementar 123/2006, que trata

do Simples Nacional. Com isso evidenciamos que, para além de sua importância para a gestão da empresa, a escrituração contábil também é relevante para empresas do lucro presumido. Basicamente, o lucro presumido é calculado pela aplicação de um coeficiente definido em lei sobre o total de receitas relacionadas às atividades da empresa. Assim, por exemplo, uma empresa prestadora de serviços tem seu lucro presumido calculado por meio da aplicação do coeficiente de presunção em face de sua receita de serviços. Ressalve-se que, caso a empresa aufira receitas não relacionadas às suas atividades operacionais contidas no seu objeto social, como no caso, por exemplo, de ganhos de capital, rendimentos e ganhos líquidos auferidos em aplicações financeiras e aluguéis de bens imóveis quando isso não for objeto social da empresa, os valores devem ser adicionados ao lucro presumido para que, somente então, o imposto devido seja calculado. Como de praxe, veja o exemplo: uma loja que vende de sapatos, presta serviços de manutenção desses produtos e ainda, durante o trimestre, auferiu ganho de capital de R$ 23 mil em razão da venda de um imóvel: Receita (venda de sapatos)

R$ 200.000.00

Receita (prestação de serviços)

R$ 10.000,00

Lucro presumido venda (8% x receita de venda)

R$ 16.000,00

Lucro presumido serviços (32% x receita de serviços) Venda do ativo imobilizado Base de cálculo do IR

R$ 3.200,00 R$ 23.000,00 R$ 42.200,00

Alíquota básica (15%)

R$ 6.330,00

Alíquota adicional (10%)

Não há

Imposto de Renda total

R$ 6.330,00

Note que, em relação à alíquota, as regras são idênticas às do lucro real, ou seja, a alíquota básica é 15% e a alíquota adicional 10% sobre o que ultrapassar a quantia de R$ 240 mil reais no ano, R$ 60 mil no trimestre ou R$ 20 mil reais ao mês, ressalvando que, no caso do lucro presumido, o cálculo é realizado trimestralmente. No exemplo, uma vez que o valor da base de cálculo não superou o teto trimestral, não houve incidência da alíquota adicional. O exemplo ainda demonstra como se calcula a base presumida da empresa: as receitas devem ser segregadas, aplicando-se o coeficiente de presunção específico de cada atividade e, ao final, somam-se os valores relativos ao ganho de capital pela venda do imóvel, em que são considerados o valor da venda e o custo registrado na contabilidade, sendo a diferença o efetivo ganho a ser adicionado à base de cálculo. Ressalte-se que a adição do ganho de capital ocorre porque venda de imóveis não faz parte do objeto social da empresa. Caso contrário, haveria presunção de lucro sobre a receita da venda, como igualmente ocorreu com a receita de venda de sapatos. No tópico Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) – Capítulo 4 –, será analisado um exemplo em que atividades imobiliárias integram o objeto social da empresa, o que complementará o entendimento deste tópico. Em relação aos percentuais de presunção, os arts. 591 e 592 do RIR/2018 definem os seguintes coeficientes: Atividades

Percentuais (%)

Atividades em geral

8,0

Revenda de combustíveis

1,6

Serviços de transporte (exceto o de carga)

16,0

Serviços de transporte de cargas

8,0

Serviços em geral (exceto serviços hospitalares)

32,0

Serviços hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenologia, anatomia patológica e citopatológica, medicina nuclear e análises e patologias clínicas

8,0

Intermediação de negócios

32,0

Administração, locação ou cessão de bens e direitos de qualquer natureza (inclusive imóveis)

32,0

Ainda segundo o RIR/2018, o art. 592, § 3º, prevê que as empresas que têm como atividade exclusiva a prestação de serviços, com exceção daquelas de serviços hospitalares e as sociedades civis de profissão legalmente regulamentada, caso a receita bruta anual não ultrapassar R$ 120 mil reais, o percentual a ser considerado na apuração do lucro presumido é 16% sobre a receita bruta trimestral. Portanto, sintetizando as questões atinentes ao lucro presumido, trata-se de uma forma de apuração do IR simplificada, em que a base de cálculo do tributo é proveniente da aplicação de um percentual presumido em face das receitas das atividades da empresa, adicionada de outros ganhos definidos em lei. A seguir, resume-se o método de cálculo do tributo:

Por não depender de contabilidade completa,48 nem de avaliação de adições, exclusões e compensações conforme ocorre no lucro real, o cálculo do lucro presumido torna-se bastante acessível, inclusive para aqueles que não são especialistas na matéria. Como resultado, os custos de conformidade e controle são menores do que no caso do lucro real, o que faz muitas empresas preferirem esse regime, mesmo quando a margem de lucro é reduzida, o que pode ser um equívoco, considerando que, nesse particular, a empresa pode pagar mais tributo do que seria devido no lucro real. Além disso, outro ponto que é visto como uma vantagem do lucro presumido refere-se à opção de apuração dos tributos pelo regime de competência ou caixa, o que não ocorre com o lucro real. Isso porque no regime de caixa, o reconhecimento da receita para fins tributários ocorre na medida do seu efetivo recebimento, conforme estabelece os arts. 223 a 224 da IN 1.700/2017 da RFB. Isso possibilita que o contribuinte recolha seus tributos (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) conforme o recebimento da receita correspondente, o que alivia a pressão sobre seu fluxo de caixa, além de evitar recolhimento de tributos sobre receitas inadimplidas. É importante alertar um equívoco bastante comum no sentido de que, no regime de caixa, o mero recebimento de valores é suficiente para a

obrigatoriedade de recolhimento de tributos. Na verdade, é preciso avaliar se esse recebimento se refere a adiantamento de cliente e, portanto, registrado no passivo e não no resultado, ou efetiva contraprestação pelo cumprimento da obrigação assumida. Tomemos como exemplo o caso de uma empresa que se compromete a prestar um serviço X para um cliente. No momento 01, ela presta o serviço, ou seja, cumpre sua obrigação, e no momento 02, o cliente paga a contraprestação devida. Nesse caso, no regime de competência, os tributos (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) são devidos no momento 01, pois é quando o contribuinte adquiriu o direito inconteste ao recebimento da contraprestação por ter cumprido a obrigação de desempenho assumida. Por outro lado, no regime de caixa, a obrigação de recolhimento dos tributos somente ocorreria no momento 02, posto que condicionada ao efetivo recebimento da receita. Suponha agora uma situação inversa. Uma empresa se compromete a prestar um serviço X para um cliente. No momento 01, o cliente paga, em adiantamento, o valor correspondente ao preço dos serviços. Apenas no momento 02, a empresa cumpre a obrigação assumida, momento em que passa a ter o direito inconteste à receita. Tanto no regime de competência, quanto no regime de caixa, a obrigação tributária ocorre no momento 02, ainda que valores tenham sido recebidos no momento 01. Isso ocorre porque os tributos somente são devidos quando o contribuinte efetivamente auferiu receita, o que depende do cumprimento da obrigação assumida, momento em que passa a ter o direito inconteste a contraprestação devida por seu cliente. A diferença é que no regime de competência basta o cumprimento da obrigação pelo contribuinte e, no regime de caixa, é necessário, adicionalmente, o recebimento da receita. Podemos resumir essa conclusão da seguinte maneira:

VOCÊ SABIA? No regime de apuração do lucro presumido, o contribuinte pode optar pelo regime de caixa ou regime de competência, conforme prevê o art. 56 da Instrução Normativa RFB 1.911/2019 e no Regime do Simples Nacional, conforme dispõe o art. 16 da Resolução CGSN 140/2018. No lucro real, não há essa opção, exceto em alguns casos de receitas específicas, conforme abaixo:

Atente-se, contudo, as empresas que atuam no ramo imobiliário tributam as receitas da venda de imóveis pelo regime de caixa. 2.6

Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL)

A contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL) possui sistemática de cálculo bastante semelhante ao IR, inclusive quanto às suas formas de apuração. A seguir, são mencionados breves comentários a respeito da contribuição, naquilo que difere do IR. A CSLL foi instituída pela Lei 7.689/1988, encontrando respaldo constitucional na alínea c do inciso I do art. 195 da Carta Magna. Tem, como fato gerador, a auferição de lucro por parte das empresas e se destina ao financiamento da seguridade social do país. Semelhante ao que ocorre com o IR, a base de cálculo da CSLL é o valor do resultado do exercício antes da provisão para o IR, o resultado presumido ou arbitrado da pessoa jurídica no período de apuração. Portanto, a sistemática de apuração depende da opção em relação ao IR: caso a empresa opte ou esteja obrigada à apuração pelo lucro real, a CSLL será calculada com base no lucro contábil ajustado de adições, exclusões e compensações; caso escolha o lucro presumido, a apuração será realizada considerando a base presumida.

Embora a base de cálculo da CSLL seja encontrada de forma similar ao que ocorre com o IR pelo lucro real, há necessidade de especial atenção, pois nem todas as adições e exclusões permitidas pela legislação de um dos tributos o são para o outro, como é o caso das gratificações ou participações no resultado, atribuídas aos dirigentes ou administradores da pessoa jurídica, cujos valores devem ser adicionados ao lucro real para cálculo do IR49, o que não ocorre com a CSLL. Dizendo de outro modo, essas despesas são dedutíveis para a CSLL50, porém não para o IR. Outro exemplo que ilustra essa situação é o caso da compensação de prejuízos fiscais, que, no caso do IR, a legislação veda a compensação de prejuízos não operacionais de anos anteriores com lucros de natureza operacional, conforme determina o art. 581 do RIR/2018. Já em relação à CSLL, não há qualquer vedação nesse sentido. Por sua vez, caso a empresa seja tributada pelo lucro presumido, a base de cálculo da CSLL igualmente segue a sistemática apresentada no item 2.5.2 – Lucro presumido, todavia, os coeficientes de presunção diferem em algumas hipóteses. A seguir são citados os referidos coeficientes: ATIVIDADE

PERCENTUAL

Revenda de combustível

12%

Prestação de serviços de transportes, exceto de carga

12%

Serviços hospitalares e de transporte de carga

12%

Prestação de serviços em geral

32%

Intermediação de negócios

32%

Administração, cessão, locação de bens imóveis

32%

Demais atividades

12%

Seguindo o mesmo exemplo do item Lucro Presumido, será demonstrada a forma de cálculo da CSLL quando a empresa for optante desse regime de apuração. Para rememorar, trata-se de uma loja que vende de sapatos, presta serviços de manutenção dos produtos e que, durante o trimestre, auferiu ganho de capital de R$ 23 mil em razão da venda de um imóvel: Receita (venda de sapatos)

R$ 200.000.00

Receita (prestação de serviços)

R$ 10.000,00

Base presumida venda (12% x receita de venda)

R$ 24.000,00

Base presumida serviços (32% x receita de serviços)

R$ 3.200,00

Venda do ativo imobilizado

R$ 23.000,00

Base de cálculo da CSLL

R$ 50.200,00

Alíquota da CSLL (9%)

R$ 4.518,00

As observações que fizemos no tópico anterior igualmente valem para a CSLL, exceto em relação à alíquota, que, no caso desse tributo, não conta com alíquota adicional. Efetivamente, no caso da CSLL, a alíquota é 9%, excluindo-se as pessoas jurídicas de seguros privados, as de capitalização; bancos de qualquer espécie; distribuidoras de valores mobiliários; corretoras de câmbio e de valores mobiliários; sociedades de crédito, financiamento e investimentos; sociedades de crédito imobiliário; administradoras de cartões de crédito; sociedades de arrendamento mercantil; cooperativas de crédito; associações de poupança e empréstimo. Para todos esses casos, a alíquota da CSLL é 20%, conforme art. 3º da Lei 7.689/199851. No caso de uma empresa Holding, a alíquota será 9%, inclusive para aquela que tiver como objeto social o exercício de atividades de compra, venda e locação de imóveis.

2.7

PIS e Cofins

A legislação que disciplina o PIS e a Cofins é uma das mais complexas do sistema tributário nacional. Aqui serão revelados os aspectos básicos dessas contribuições para que o leitor tenha ciência de que elas representam mais uma variável importante no trato das questões tributárias envolvendo as empresas Holdings. Ressalva-se que aqui se abordará o PIS e a Cofins nos contornos que se referem ao tema do livro, não adentrando nos regimes especiais dessas contribuições. Existem dois regimes de tributação do PIS e da Cofins: regime cumulativo e regime não cumulativo. Regra geral, o primeiro deles é aplicado às empresas tributadas pelo lucro presumido, e o segundo para aquelas tributadas pelo lucro real, muito embora parte das receitas dessas empresas possa ficar sujeita ao regime cumulativo. Logo, qualquer avaliação sobre a melhor alternativa de tributação do IR da pessoa jurídica deve levar em consideração as implicações a respeito dos regimes do PIS e da Cofins. Há duas diferenças fundamentais entre os regimes cumulativos e não cumulativos. A primeira delas se refere às alíquotas, e a segunda, ao fato de que, no regime não cumulativo, parte das despesas e custos da pessoa jurídica lhe dá direito a créditos a serem descontados na apuração do montante de contribuição devido. No regime cumulativo, a alíquota do PIS é 0,65% e da Cofins 3%. É comum na doutrina haver referência aos percentuais somados, de modo que não há que se estranhar a menção de que, nesse regime, o PIS e a Cofins têm alíquota de 3,65%. A impropriedade técnica cede espaço à simplificação didática, porém é importante o conhecimento de que se trata de duas contribuições distintas, com alíquotas diferentes. A Lei 9.718/1998 que disciplina o PIS e a Cofins no regime cumulativo dispõe que a base de cálculo das contribuições é a receita bruta de que trata o art. 12 do Dec.-lei 1.598/1977. Referido decreto assim esclarece sobre a

receita bruta: Art. 12. A receita bruta compreende: I – o produto da venda de bens nas operações de conta própria; II – o preço da prestação de serviços em geral; III – o resultado auferido nas operações de conta alheia; e IV – as receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica não compreendidas nos incisos I a III. Segundo aponta o § 2º do art. 3º da Lei 9.718/1998, devem ser excluídos da receita bruta os seguintes itens: •

vendas canceladas e os descontos incondicionais;



tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário (IPI, ICMS-ST e ICMS operação própria52);



reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimento pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de participações societárias, que tenham sido computados como receita bruta;



receitas decorrentes da venda de bens do ativo não circulante, classificado como investimento, imobilizado ou intangível;



receita decorrente da transferência onerosa a outros contribuintes do ICMS de créditos de ICMS originados de operações de exportação;



receita reconhecida pela construção, recuperação, ampliação ou melhoramento da infraestrutura, cuja contrapartida seja ativo intangível representativo de direito de exploração, no caso de contratos de concessão de serviços públicos.

No regime cumulativo, portanto, a sistemática de cálculo envolve saber o montante da receita nos termos da lei, excluir da base de cálculo as receitas relacionadas acima e calcular o valor devido aplicando as alíquotas do PIS e da Cofins, no total de 3,65%. Trata-se de um cálculo relativamente simples, embora essas contribuições sejam recheadas de controvérsias jurídicas. Bem diverso é o que ocorre com o PIS e a Cofins no regime não cumulativo, regulados, respectivamente, pelas Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, e cuja complexidade acarreta enormes custos de controle e conformidade, o que é mais um viés negativo da opção pela apuração do IR pelo lucro real, que impõe o regime não cumulativo do PIS e da Cofins, com exceção de algumas receitas especificamente previstas na legislação. Isso porque, nesse regime, a legislação permite o desconto de créditos apurados com base em custos, despesas e encargos da pessoa jurídica. Ocorre que, embora essa seja a regra geral, há uma série de exceções contidas na legislação que vedam alguns tipos particulares de crédito, o que impõe que as empresas avaliem casuisticamente cada uma de suas despesas para concluir se a legislação permite ou não a apuração do crédito da contribuição. As alíquotas do PIS e da Cofins não cumulativas são 1,65% e 7,6%, respectivamente, também sendo comum a referência ao percentual de 9,25%, considerando ambos os tributos conjuntamente. As contribuições, no regime não cumulativo, incidem sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. Não integram essa base de cálculo as seguintes receitas53: –

decorrentes de saídas isentas da contribuição ou sujeitas à alíquota zero;



auferidas pela pessoa jurídica revendedora, na revenda de mercadorias em relação às quais a contribuição seja exigida da empresa vendedora, na condição de substituta tributária;



referentes a vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos;



tributos não cumulativos cobrados, destacadamente, do comprador ou contratante pelo vendedor dos bens ou pelo prestador dos serviços na condição de mero depositário (IPI, ICMS-ST e ICMS operação própria54);



referentes a reversões de provisões e recuperações de créditos baixados como perda, que não representem ingresso de novas receitas, o resultado positivo da avaliação de investimentos pelo valor do patrimônio líquido e os lucros e dividendos derivados de participações societárias, que tenham sido computados como receita;



decorrentes da venda de bens do ativo não circulante, classificado como investimento, imobilizado ou intangível;



decorrentes de transferência onerosa a outros contribuintes do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS de créditos de ICMS originados de operações de exportação;



financeiras decorrentes do ajuste a valor presente referentes a receitas excluídas da base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep;



relativas aos ganhos decorrentes de avaliação de ativo e passivo com base no valor justo;



de subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos e de doações feitas pelo poder público;



reconhecidas pela construção, recuperação, reforma, ampliação ou melhoramento da infraestrutura, cuja contrapartida seja ativo intangível representativo de direito de exploração, no caso de contratos de concessão de serviços públicos;



relativas ao valor do imposto que deixar de ser pago em virtude de algumas isenções e reduções tributárias;



relativas ao prêmio na emissão de debêntures.

Encontrada a base de cálculo, muita mais complexa do que no caso do regime cumulativo, como citado antes, deve-se aplicar o percentual de 9,25%55 das alíquotas conjuntas em face daquele montante encontrado. Contudo, o cálculo do valor devido não se encerra nessa etapa. No regime não cumulativo, a pessoa jurídica realiza o desconto de créditos apurados com base em custos, despesas e encargos da pessoa jurídica e na alíquota das contribuições, desde que expressamente autorizadas em lei. Segue um exemplo para melhor compreensão. A empresa XYZ obteve receita total no mês de R$ 950.000,00, sendo que, nesse montante, está embutida a quantia de R$ 30,000,00 referente a vendas canceladas. Custos, despesas e encargos somaram R$ 780.000,00, sendo que R$ 350.000,00 se referem à folha de pagamento, que, segundo a legislação do PIS e da Cofins, não dá direito ao crédito, conforme vedação expressa do inciso I, § 2º, do art. 3º da Lei 10.833/2003 e inciso I, § 2º, do art. 3º da Lei 10.637/2002. Segue o cálculo do valor devido de PIS e Cofins no regime não cumulativo: Receita total Exclusão da receita (I) Base de cálculo PIS e Cofins (9,25%)

R$ 950.000,00 R$ 30.000,00 R$ 920.000,00 R$ 85.100,00

Custos, despesas e encargos (II) Crédito (9,25%) (III) Valor devido de PIS e Cofins (IV)

R$ 430.000,00 R$ 39.775,00 R$ 45.325,00

Legenda: (I)

receita que não integra a base de cálculo nos termos da legislação;

(II) descontado R$ 350.000,00, referente à folha de pagamento que não dá direito ao crédito; (III) calculado com base na alíquota conjunta de 9,25% e nos custos, despesas e encargos permitidos; (IV) descontado os créditos calculados.

Apenas para complementar o exemplo, fosse essa empresa tributada pelo lucro presumido e, portanto, PIS e Cofins apurados pelo regime cumulativo, o valor devido das contribuições seria R$ 33.580,00, resultado da aplicação do percentual de 3,65% sobre a base de cálculo de R$ 920.000,00, não importando, para esse regime, custos, despesas e encargos da empresa. O resultado ilustra a importância da avaliação cuidadosa envolvendo a escolha, quando permitida, entre lucro presumido e real, na medida em que deve ser levado em consideração não apenas o montante devido de IRPJ e CSLL, mas também referente ao PIS e Cofins, que são impactados pelo aumento das alíquotas e pelos créditos permitidos pela legislação. Encerra-se a exposição sobre os aspectos básicos do PIS e da Cofins nos regimes cumulativo e não cumulativo, o que já nos permite avaliar a melhor opção tributária para uma empresa Holding, a ser tratado a seguir.

3.

QUAL É A MELHOR OPÇÃO PARA UMA EMPRESA HOLDING?

Vistos os temas essenciais da tributação da pessoa jurídica, a pergunta inevitável do leitor é: qual a melhor opção para uma Holding familiar, considerando o contexto de planejamento patrimonial? Embora a questão não tenha uma resposta pronta e única, merecendo cada

caso uma análise minuciosa para avaliação de suas especificidades, alguns pontos podem ser destacados e ajudam a orientar a tomada de decisão sobre o assunto. Primeiro, é necessário ter em conta que a apuração pelo lucro real permite a empresa deduzir as despesas necessárias ao desenvolvimento do negócio, obedecidas as vedações legais. Como consequência, essa forma de apuração revela-se vantajosa quando as despesas da empresa forem altas, as quais acabam por reduzir sua margem de lucratividade fiscal. Uma avaliação superficial nesse sentido envolve comparar a margem de lucro da empresa com os coeficientes de presunção do lucro presumido. Por exemplo: se a empresa presta serviços e tem margem de lucratividade de 15%, então há indícios de que o lucro real pode ser a melhor opção, uma vez que, no lucro presumido, o percentual de presunção é 32%. Dizemos indícios porque, como vimos, nem todas as despesas são consideradas dedutíveis para fins fiscais, sendo fundamental uma avaliação detalhada nessa direção. Assim, por exemplo, é possível que a margem de lucro contábil seja de 15%, porém, após realização dos ajustes exigidos pela legislação para cálculo do lucro real, a base de cálculo tributária atinja um percentual de 40% da receita, o que denota ser, nesse caso, o lucro presumido a melhor opção para a empresa, ainda que a margem de lucro seja inferior ao coeficiente de presunção. O contrário é igualmente verdadeiro. Caso, novamente exemplificando, a margem de lucratividade da empresa seja 40%, é forte indicativo de que a tributação pelo lucro presumido é a melhor alternativa, especialmente considerando que esse modelo requer menor controle e custos de conformidade. Dizemos, agora, “forte indicativo” porque o coeficiente de presunção é 32%, abaixo da margem de 40% de lucro que, por sua vez, é composta por despesas que podem não ser dedutíveis. Isso significa que talvez o lucro real da empresa, após adicionadas as despesas não dedutíveis, seja superior aos 40% do lucro contábil, o que reforça, nesse caso, ser o lucro

presumido a melhor opção. Ademais, a possibilidade de compensação de prejuízos fiscais pode ser uma variável importante nessa escolha. Empresas que costumam apresentar sazonalidade na lucratividade (períodos com resultados positivos e outros com resultados negativos) devem estar atentas à possibilidade de optarem pelo lucro real. É que, nessa forma de apuração, ainda que limitado a 30% do lucro real do período, os prejuízos acumulados podem ser compensados, reduzindo a base tributável e, consequentemente, a carga fiscal incidente sobre as operações. Isso não ocorre no lucro presumido porque, ainda que a empresa apresente prejuízo contábil, para fins fiscais, o resultado sempre será positivo. Como o próprio nome revela, há presunção de lucro e, consequentemente, haverá imposto de renda a pagar mesmo na hipótese de prejuízo contábil – regra geral. Há que se considerar, também, que a escolha pela apuração pelo lucro real ou presumido define o regime do PIS e da Cofins, que será não cumulativo no caso de lucro real (excetuada algumas receitas especificas prevista expressamente em lei) e cumulativo no presumido. Esse fator traz complicações adicionais para a tomada de decisão, já que obriga ao profissional avaliar quais despesas permitem créditos desses tributos e quais não permitem. Dito de outra forma, não se pode definir entre lucro real e lucro presumido sem levar em consideração as consequências fiscais em razão do PIS e da Cofins. Outro ponto que em geral é deixado de lado nessas avaliações é que o lucro real e, consequentemente, o PIS e Cofins no regime não cumulativo, têm custos de conformidade fiscal elevados, eis que exigem controles detalhados e escrituração contábil. Isso impõe que a empresa, por exemplo, conte com assessoria contábil capacitada para apuração do lucro real, que, por ser mais complexa e detalhada, possui custo maior. Por fim, o lucro presumido tem a vantagem da apuração do lucro pelo

regime de caixa, ao contrário do que ocorre com o lucro real, em que o regime de competência é obrigatório. O regime de caixa tem como efeito o fato de a receita compor a base de cálculo do lucro presumido apenas quando do seu efetivo recebimento, evitando o descolamento entre a apuração do lucro e o recebimento dos valores que compõem a receita. Isso evita que o caixa da empresa seja sacrificado com o pagamento de tributos sobre receitas que ainda não foram efetivamente recebidas. Abordadas essas nuances, é necessário avaliar a espécie de Holding em questão. Tratando-se de uma Holding pura, cujo objeto social é unicamente a participação em outras sociedades, as receitas consistirão primordialmente em lucros e dividendos recebidos, juros sobre capital próprio e receitas de equivalência patrimonial.56 Ocorre que lucro e dividendos são isentos do IR e da CSLL,57 independentemente da forma de apuração do lucro da empresa que os recebe. Da mesma forma, as receitas de equivalência patrimonial não integram a base de cálculo de ambos os tributos58. Em relação ao PIS e à Cofins, lucros e dividendos e receitas de equivalência patrimonial não compõem a base de cálculo das contribuições, não sendo, portanto, tributadas.59

VOCÊ SABIA? O método de equivalência patrimonial se justifica em razão do princípio da independência da pessoa jurídica, muito embora, do ponto de vista econômico, subjaz uma única realidade econômica, o que traz impactos tributários, conforme esclarecem Luís Eduardo Schoueri e Roberto Quiroga Mosquera (2021, p. 89-91) Confira: “A existência da pessoa jurídica, enquanto centro de imputação de direitos e obrigações, leva o Direito a adotar o princípio da independência das pessoas jurídicas, gerando, no Ordenamento, regras próprias para as

relações entre entidades integrantes de um grupo empresarial. Tal determinação imposta pelo ordenamento jurídico não pode escapar da constatação econômica de que, por trás de uma estrutura jurídica complexa, com diversas participações societárias, subjaz uma única realidade econômica. (...) Este acréscimo patrimonial estaria, em tese, sujeito à incidência do IR em ambas as empresas. Entretanto, como já vimos, o legislador tributário reconhece tratar-se de uma única realidade econômica, dispensando, daí, o resultado positivo de equivalência patrimonial de nova tributação. Afinal, o mesmo lucro já fora tributado na empresa onde ele foi originariamente verificado. Daí o resultado positivo de equivalência patrimonial constituir uma exclusão na apuração do lucro real. Por outro lado, deve-se notar que a eventual desvalorização do investimento em participação societária em função da diminuição patrimonial da empresa investida não tem o condão de reduzir a base de cálculo do IR devido pela sociedade controladora, uma vez que já o fez em relação ao IR da própria empresa investida. Deve, pois, ser adicionado o resultado negativo da equivalência patrimonial”. Disponível no Qr-code a seguir:

Como consequência, a Holding pura não fica sujeita a qualquer tributação, excetuado no caso de rendimentos de juros sobre capital próprio, conforme será debatido adiante, seja ela tributada pelo lucro real ou presumido, de modo que a escolha pelo lucro presumido se dá em razão de sua simplicidade, menor necessidade de controles e menor custo de conformidade.60 No caso de uma empresa que tenha como objeto social, além de participação societária, o desenvolvimento de atividades imobiliárias (compra, venda e aluguel de imóveis), ou seja, uma Holding mista, o entendimento é no mesmo sentido. Com efeito, além dos motivos citados no parágrafo anterior, no caso de uma Holding mista, a tendência é que a tributação pelo lucro presumido seja vantajosa, pois, regra geral, esse tipo de sociedade não apresenta quantidade de despesas significante a ponto de reduzir a base de cálculo do lucro real. No tópico Comparação de Carga Tributária, apresentado a seguir será desenvolvida simulações exemplificando a tributação comparativa entre lucro real, lucro presumido e pessoa física, o que ilustrará o que foi discutido aqui. Como ressaltado em diversas oportunidades ao longo deste livro, cada caso deve ser analisado com profundidade, de modo que as opções tributárias sejam adotadas apenas após estudo detalhado e que permitam a tomada de decisão para obtenção de resultado satisfatório para a saúde financeira da empresa.

4.

DA TRIBUTAÇÃO DOS SÓCIOS DA HOLDING

A pessoa física ou jurídica sócia da Holding pode receber dividendos (usaremos distribuição de lucros e dividendos indistintamente), juros sobre o capital próprio e pró-labore, sendo que cada uma dessas alternativas possui um regime de tributação particular.

VOCÊ SABIA?

Pró-labore, salário e dividendos não se confundem, conforme esquema a seguir:

Os lucros e dividendos distribuídos pela Holding não se sujeitam à incidência do IR na fonte, da mesma forma que não integram a base de cálculo do IR do beneficiário, seja ele pessoa física ou jurídica, conforme dispõe o art. 10 da Lei 9.249/1995. Dito de outra forma, os valores recebidos pelos sócios com esse título são isentos do IR, motivo pelo qual as empresas privilegiam essa forma de “remuneração”61. O pró-labore, por sua vez, é pago ao sócio administrador em retribuição ao exercício de trabalho em favor da empresa. Sobre o valor, incide Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) à alíquota de 11% para a pessoa física que, por sua vez, recebe o valor líquido, em razão do desconto pela fonte pagadora do montante da contribuição. Ademais, ainda compete à empresa arcar com a contribuição incidente sobre a pessoa jurídica, cuja alíquota é 20% sobre a remuneração do sócio.

EXEMPLO DE CLÁUSULA DISPONDO SOBRE PRÓ-LABORE Cláusula XXX – Do Pró-labore Os Sócios administradores terão direito a uma retirada a título de pró-labore, que será fixado de comum acordo entre os sócios, obedecidos os limites legais da legislação do imposto de renda.

Importante destacar que a contribuição do INSS pela pessoa física possui um teto que, para o ano de 2022, é R$ 779,59. Assim, por exemplo, se o sócio receber R$ 10.000,00 ao mês, a contribuição a ser descontada pela pessoa jurídica em razão do INSS da pessoa física é R$ 779,59 e não R$ 1.100,00, em atendimento ao teto máximo de contribuição. Além do INSS, sobre o pró-labore ainda incide o IR da pessoa física, que é calculado com o auxílio da tabela progressiva do imposto, cujo método de cálculo foi abordado no tópico 2.3. De toda forma, iremos exemplificar adiante o cálculo do IRPF pela percepção de rendimento referente à percepção de aluguéis, cuja sistemática de uso da tabela é idêntica. Há um consenso de que o pró-labore possui alto custo, já que, em razão de seu pagamento, incide INSS a ser descontado da pessoa física, INSS de responsabilidade da pessoa jurídica e IR da pessoa física. Apenas a título de exemplificação, o pagamento de R$ 10.000,00 a título de pró-labore tem o seguinte custo tributário: INSS da pessoa física (I)

R$ 779,59

INSS da pessoa jurídica (II)

R$ 2.000,00

IR da pessoa física (III)

R$ 1.666,25

TOTAL (I)

R$ 4.445,84 Teto da contribuição (alíquota de 11%)

(II) 20% sobre o valor do pró-labore (III) Foi utilizada a tabela progressiva em vigência em 2022. O cálculo é realizado considerando o valor do pró-labore descontado do INSS da pessoa física.

Em razão do alto custo tributário envolvido no pagamento de pró-labore, não é de se espantar que as empresas deem preferência à distribuição de lucros e dividendos que, conforme foi dito antes, são isentos do IR da pessoa física.

Discute-se, nesse caso, se seria possível o sócio administrador receber somente dividendos, ou seja, não haver o pagamento de pró-labore em razão do exercício da administração empresarial. O entendimento das autoridades fiscais vai no sentido de que ao menos parte dos valores percebidos pelo sócio administrador deve ter origem no pró-labore, ainda que não seja definido um patamar mínimo. Confira: SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT 120, DE 17 DE AGOSTO DE 2016 ASSUNTO: Contribuições sociais previdenciárias EMENTA: Sócio. Pró-labore. Incidência de contribuição. O sócio da sociedade civil de prestação de serviços profissionais que presta serviços à sociedade da qual é sócio é segurado obrigatório na categoria de contribuinte individual, conforme a alínea “f”, inciso V, art. 12 da Lei nº 8.212, de 1991, sendo obrigatória a discriminação entre a parcela da distribuição de lucro e aquela paga pelo trabalho. O fato gerador da contribuição previdenciária ocorre no mês em que for paga ou creditada a remuneração do contribuinte individual. Pelo menos parte dos valores pagos pela sociedade ao sócio que presta serviço à sociedade terá necessariamente natureza jurídica de retribuição pelo trabalho, sujeita à incidência de contribuição previdenciária, prevista no art. 21 e no inciso III do art. 22, na forma do §4º do art. 30, todos da Lei nº 8.212, de 1991, e art. 4º da Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003. DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei 8.212, de 1991, art. 12, inciso V, alínea f, art. 21, art. 22, inciso III, art. 30, § 4º; Lei 10.666, de 2003, art. 4º; RPS, aprovado pelo Decreto 3.048, de 1999, art. 201, § 5º; IN RFB 971, de 2009, art. 52, inciso I, alínea b, inciso III, alínea b, e art. 57, incisos I e II e § 6º. Portanto, recomenda-se cautela em relação à distribuição de lucros e

dividendos, sendo o sócio administrador remunerado pela administração por meio de pró-labore, nada impedindo que também aufira rendimentos por ocasião da apuração de lucros. Oportuno destacar, inclusive, que é prática comum no mercado estabelecer no contrato social da empresa a possibilidade de distribuição antecipada de lucros. Trata-se de um equívoco a ser evitado, na medida em que não é possível a distribuição de lucros inexistentes, inclusive sob pena da autoridade fiscal considerar essa distribuição como pagamento sem causa, o que sujeita o rendimento à incidência do Imposto de Renda exclusivamente na fonte, à alíquota de trinta e cinco por cento, conforme prevê o § 1º do art. 61 da Lei 8.981/1995. Na verdade, o que é permitido fazer é realizar apurações periódicas do lucro e, uma vez apurados, sejam eles distribuídos aos sócios, devendo essa previsão constar no contrato social da empresa, evitando-se questionamentos por parte da autoridade fiscal.

EXEMPLO DE CLÁUSULA SOBRE APURAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS Cláusula XXª – O exercício social será coincidente com o ano-calendário civil, iniciando-se em 01 de janeiro e terminado em 31 de dezembro de cada ano, oportunidade em que os sócios prestarão contas de sua administração, obrigandose, nos termos do art. 1.065 do Código Civil de 2002 à elaboração do inventário, do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico. Parágrafo primeiro – Caberá aos sócios, na proporção de suas quotas, os lucros ou perdas apuradas. Parágrafo segundo – Privilegiados os interesses da sociedade e do cumprimento de seu objeto social, os sócios poderão se reunir e deliberar por levantar demonstrações financeiras intermediárias ou periódicas e, assim como no encerramento dos exercícios sociais, decidir pela distribuição de lucros ou prejuízos

em proporção distinta das quotas sociais possuídas por cada um dos sócios. Por fim, o sócio pode receber juros sobre o capital próprio. Embora esse tema não seja o foco deste livro, é necessário ao menos superficialmente esclarecer que se trata de remuneração do capital próprio pago aos sócios, conforme previsto no art. 9º da Lei 9.249/1995, a seguir reproduzido: Art. 9º A pessoa jurídica poderá deduzir, para efeitos da apuração do lucro real, os juros pagos ou creditados individualizadamente a titular, sócios ou acionistas, a título de remuneração do capital próprio, calculados sobre as contas do patrimônio líquido e limitados à variação, pro rata dia, da Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP. § 1º O efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos ou creditados. § 2º Os juros ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de quinze por cento, na data do pagamento ou crédito ao beneficiário. O valor calculado de JCP e pago ou creditado em favor de sócio, seja ele pessoa física ou jurídica, é dedutível para fins de apuração do lucro real, o que torna seu pagamento atrativo. Suponha, por exemplo, uma pessoa jurídica que pague JCP para um sócio no valor de R$ 100.000,00. Esse montante será considerado dedutível para fins de apuração do IPRJ e CSLL e, portanto, irá gerar uma economia de R$ 34.000,0062 à empresa pagadora. No caso de a beneficiária dos juros sobre capital próprio ser pessoa física, incide IR exclusivo na fonte à alíquota de 15%. Vale dizer que o sócio pessoa física deve declarar o valor líquido recebido como tributado exclusivamente na fonte. Lado outro, se o beneficiário for pessoa jurídica, o valor é adicionado à base de cálculo do lucro real, sendo o valor retido na fonte pela

pagadora também à alíquota de 15%, montante esse compensável com o IRPJ devido em qualquer regime de apuração do tributo pela beneficiada. Ademais, apesar de algumas controvérsias doutrinárias, a legislação determina que a receita de juros de capital próprio recebida pela pessoa jurídica tributada pelo lucro real se sujeita à incidência de PIS e Cofins, cuja alíquota aplicável é de 9,25%63. Para cálculo do JCP, a empresa pagadora deverá aplicar a Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP sobre as seguintes contas do seu patrimônio líquido (conforme § 8º do art. 9º da Lei 9.249/1995): I – capital social; II – reservas de capital; III – reservas de lucros; IV – ações em tesouraria; e V – prejuízos acumulados. Apurado esse valor, em atendimento ao § 1º do art. 9º da Lei 9.249/1995, o efetivo pagamento ou crédito dos juros fica condicionado à existência de lucros, computados antes da dedução dos juros, ou de lucros acumulados e reservas de lucros, em montante igual ou superior ao valor de duas vezes os juros a serem pagos/creditados, didaticamente a seguir demonstrado:

A vantagem do pagamento JCP está justamente na redução da base de

cálculo do lucro real da pessoa jurídica, porém esse benefício é mitigado pela tributação do beneficiário. No caso de beneficiário pessoa física, como vimos, incide IRPF exclusivamente na fonte com alíquota de 15%. Voltando ao nosso exemplo, uma pessoa jurídica que pague R$ 100.000,00 de JCP para um sócio pessoa física terá uma economia de até R$ 34.000,00, porém o beneficiário receberá líquido a quantia de R$ 85.000,00, em razão do IR Fonte de R$ 15.000,00, o que reduz a vantagem tributária do JCP para o montante final de R$ 19.000,00. A problemática insere-se quando o pagamento é efetuado para beneficiário pessoa jurídica. Caso seja empresa tributada com base no regime de lucro real, a receita de JCP será adicionada à base de cálculo, sujeitando-se à incidência do IRPJ e CSLL, cujas alíquotas atingem o montante total de 34%. Ademais, em razão das empresas tributadas pelo lucro real estarem sujeitas à apuração do PIS e da Cofins pelo regime não cumulativo, sobre o JCP recebido incide essas contribuições sob alíquota total de 9,25%. Por sua vez, considerando uma empresa tributada pelo lucro presumido, embora não incida, em princípio, PIS e Cofins, a receita de JCP também será adicionada à base de cálculo, sujeitando-se a incidência do IRPJ e CSLL, cujas alíquotas atingem o montante total de 34%. Ressalte-se que sobre essa receita não se aplica os coeficientes de presunção do lucro, sendo considerada em sua totalidade. Polêmica atual envolve o entendimento da Receita Federal do Brasil sobre as empresas Holdings tributadas pelo lucro presumido e que recebem JCP em razão de possuírem participação societária em outras pessoas jurídicas. Com efeito, por meio da solução de consulta COSIT 84/2016, a autoridade fiscal federal manifestou-se no sentido de que a receita de JCP são receitas operacionais das empresas do tipo Holding e, portanto, ficam sujeitas à incidência do PIS e Cofins, inclusive no regime cumulativo das contribuições, sendo aplicada a alíquota de 3,65%. Confira a ementa decisória:

ASSUNTO: Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS EMENTA: Regime de apuração cumulativa. Base de cálculo. Faturamento. Receita bruta. Participação em outras sociedades. Juros sobre capital próprio. A partir da publicação da Lei nº 11.941, de 2009, ocorrida em 28 de maio de 2009, a base de cálculo da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins no regime de apuração cumulativa ficou restrita ao faturamento auferido pela pessoa jurídica, que corresponde à receita bruta de que trata o art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977, nos termos do art. 2º e caput do art. 3º da Lei nº 9.718, de 1998; A receita bruta sujeita à Cofins compreende as receitas oriundas do exercício de todas as atividades empresariais da pessoa jurídica, e não apenas aquelas decorrentes da venda de mercadorias e da prestação de serviços. As receitas decorrentes do recebimento de juros sobre o capital próprio auferidas por pessoa jurídica cujo objeto social seja a participação no capital social de outras sociedades compõem sua receita bruta para fins de apuração da Cofins devidas no regime de apuração cumulativa. DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei 9.718, arts. 2º e 3º, caput; Lei Complementar 70, de 1991, arts. 2º e 3º; Decreto-Lei 1.598, de 26 de dezembro de 1977, art. 12. Diante desse cenário, esse é mais um ponto que merece atenção quando estamos lidando com planejamentos patrimoniais envolvendo empresas Holdings, não podendo ser deixado de lado quando da análise de todas as situações que envolvem o estudo desse o assunto. Em síntese, fica evidente que a distribuição de lucros e dividendos é a

melhor opção de “remuneração” aos sócios da Holding, tendo em vista a isenção do IR, seja o beneficiário pessoa física ou jurídica. Neste último caso, inclusive, é indispensável ressaltar que os valores também não estão sujeitos à tributação pela CSLL e por PIS e Cofins. Isso torna a constituição da Holding atrativa do ponto de vista tributário, porquanto a “remuneração” dos sócios pode ser realizada pela distribuição de lucros e dividendos, isentos de IR, o que é um incentivo ao exercício de atividade empresarial. Ressalva-se, que, ao sócio administrador, é necessário o pagamento de pró-labore, sendo recomendável estipular valores em patamares correspondentes a seu esforço, a despeito do custo fiscal daí advindo, conforme comentado acima. Saliente-se que, atualmente, há propostas de mudança da legislação tributária contemplando a redução das alíquotas do imposto de renda da pessoa jurídica, porém, em contrapartida, algumas propostas preveem o fim da isenção da distribuição de lucros e dividendos. Caso efetivada alguma mudança nesse sentido, certamente haverá impactos nos planejamentos patrimoniais, demandando avaliação das alterações e seus efeitos práticos.

5.

COMPARAÇÃO DE CARGA TRIBUTÁRIA

Para melhor fixação dos temas abordados no decorrer deste capítulo, iremos simular algumas circunstâncias concretas que irão nos permitir aprofundar a análise dos efeitos tributários em operações com compra e venda de imóveis. Iniciaremos com operações mais simples, sendo a primeira uma empresa sujeita à apuração pelo lucro presumido, cujo objeto social inclui as atividades de compra e venda de bens imobiliários e que alienou imóvel que, desde sua origem, foi registado contabilmente no estoque. O valor da alienação foi de R$ 5.000.000,00. Vejamos o cálculo dos tributos devidos: Receita Bruta

R$ 5.000.000,00

Base de Cálculo do IRPJ (8% da RB)

R$ 400.000,00

IRPJ – Alíquota Básica (15%)

R$ 60.000,00

IRPJ – Alíquota Adicional (10%)

R$ 34.000,00

Base de Cálculo da CSLL (12% da RB)

R$ 600.000,00

CSLL (9%)

R$ 54.000,00

PIS (0,65%)

R$ 32.500,00

COFINS (3%)

R$ 150.000,00

TOTAL GERAL

R$ 330.500,00

A segunda simulação é de uma empresa sujeita à apuração pelo lucro presumido, cujo objeto social não inclui as atividades de compra e venda de bens imobiliários e que alienou imóvel que, desde sua origem, foi registado contabilmente no imobilizado. O valor da alienação foi de R$ 5.000.000,00 e a mensuração contábil do bem é de R$ 1.000.000,00. Vejamos o cálculo dos tributos devidos: Valor de Alienação

R$ 5.000.000,00

Valor de Mensuração Contábil

R$ 1.000.000,00

Ganho de Capital

R$ 4.000.000,00

IRPJ – Alíquota Básica (15%)

R$ 600.000,00

IRPJ – Alíquota Adicional (10%)

R$ 394.000,00

CSLL (9%)

R$ 360.000,00

TOTAL GERAL

R$ 1.354.000,00

As simulações não deixam margem para dúvidas sobre o impacto que o

objeto social e o registro contábil podem ter no montante de tributos incidentes sobre a operação de alienação de bens imobiliários. No primeiro caso, aplicam-se percentuais de presunção de lucro para cálculo do IRPJ e CSLL e incide PIS e Cofins sobre a receita. No segundo caso, o IRPJ e a CSLL incidem sobre o ganho de capital e não há incidência de PIS e Cofins em razão de tratar-se de alienação de ativo imobilizado. Para que os exemplos fiquem ainda mais ilustrativos, vamos supor uma terceira hipótese, idêntica ao segundo caso, excetuado pelo valor de mensuração contábil, agora em R$ 4.350.000,00. Confira: Valor de Alienação Valor de Mensuração Contábil

R$ 5.000.000,00 R$ 4.350.000,00

Ganho de Capital

R$ 650.000,00

IRPJ – Alíquota Básica (15%)

R$ 97.500,00

IRPJ – Alíquota Adicional (10%)

R$ 59.000,00

CSLL (9%)

R$ 58.500,00

TOTAL GERAL

R$ 215.000,00

Novamente, temos uma ilustração gritante da importância de análise detalhada do caso concreto para que seja possível avaliar o melhor caminho para que se tenha um planejamento eficiente. Passemos agora para um caso mais complexo, com maior detalhamento dos cálculos. Trata-se de operações praticadas por uma pessoa física e duas pessoas jurídicas, cujo objeto social é o desenvolvimento de atividades imobiliárias, denominado aqui Holding patrimonial para fins didáticos. Uma delas é tributada pelo lucro real (Holding A) e a outra pelo lucro presumido (Holding B), ambas com regime trimestral de apuração, que, no caso do lucro real, é opcional.

Tanto a pessoa física quanto as duas Holdings realizaram as seguintes operações durante o primeiro trimestre de 2022: •

Aluguéis de imóveis cujo valor total atingiu a quantia de R$ 60.000,00, sendo R$ 20.000,00 por mês;



Venda à vista em 01 de fevereiro de 2022 do imóvel A pelo valor de R$ 600.000,00, adquirido em 01 de fevereiro de 2013 por R$ 420.000,00, sendo que, no caso das Holdings, o imóvel estava contabilizado como “estoque”;



Venda à vista em 01 de fevereiro de 2022 do imóvel B pelo valor de R$ 800.000,00, adquirido em 01 de fevereiro de 2013 por R$ 480.000,00, sendo que, no caso das Holdings, o imóvel estava contabilizado como “imobilizado” para uso próprio.64

Outra informação adicional, que é relevante para o cálculo da carga tributária dessas operações, é que as Holdings possuem despesas no trimestre de R$ 70.000,00, consideradas dedutíveis para fins de apuração do lucro real, ao contrário do que ocorre com o lucro presumido. As despesas ainda permitem crédito de PIS e Cofins no regime não cumulativo. Por fim, em relação às vendas dos imóveis pela pessoa física, serão desconsideradas as isenções contidas no art. 133 do RIR/2018, bem como a hipótese de ter havido qualquer edificação, ampliação ou reforma nos imóveis vendidos. Para os cálculos, considera-se cada uma das distintas personalidades jurídicas, permitindo a comparação do custo tributário individual. Inicia-se pela pessoa física. Deve-se utilizar a tabela progressiva mensal do IR da pessoa física para o ano de 2022, a seguir reproduzida, para efetuar o cálculo do tributo devido pela pessoa física referente aos aluguéis recebidos.

Base de cálculo mensal em R$

Alíquota %

Parcela a deduzir do IR em R$

Até 1.903,98



-

De 1.903,99 até 2.826,65

7,5

142,80

De 2.826,66 até 3.751,05

15,0

354,80

De 3.751,06 até 4.664,68

22,5

636,13

Acima de 4.664,68

27,5

869,36

Considerando a tabela acima, o total de tributos no trimestre da pessoa física atingiria a quantia total de R$ 13.891,92, conforme cálculo a seguir: Receita de aluguel

R$ 20.000,00

Alíquota 27,5%

R$ 5.500,00

Parcela a deduzir

R$ 869,36

Total devido no mês

R$ 4.630,64

Total do trimestre

R$ 13.891,92

Por sua vez, para o cálculo do tributo devido pelo ganho de capital pela venda dos imóveis, devemos utilizar o programa disponibilizado pela Receita Federal “Ganho de Capital 2022”, disponibilizado em seu site.65 Após preencher os dados solicitados pelo programa, gera-se o total de IR devido de R$ 51.246,84 (R$ 18.448,86 referentes ao imóvel A e 32.797,98 referentes ao imóvel B).66 Portanto, feitos todos os cálculos, chegamos à tributação total da pessoa física no trimestre, no valor de R$ 65.138,76. Seguindo adiante, calcula-se a tributação da Holding A, tributada pelo lucro real. Primeiro, calculam-se as despesas de IR e CSLL e, posteriormente, de PIS e Cofins. Inicia-se pelo cálculo do IR e da CSLL:

Receita de aluguel

R$ 60.000,00

Receita da venda do imóvel A

R$ 600.000,00

Ganho de Capital do Imóvel B

R$ 320.000,00

Despesas dedutíveis (+) custos dos imóveis (I)

R$ 490.000,00

Lucro real (II)

R$ 490.000,00

Alíquota básica (15%)

R$ 73.500,00

Alíquota adicional (10%) (III)

R$ 43.000,00

CSLL (9%) (IV)

R$ 44.100,00

TOTAL DE IR E CSLL

R$ 160.600,00

Legenda: (I)

soma das despesas de R$ 70.000,00 com o custo de aquisição do imóvel A.

(II) Receita Total + Ganho de Capital (–) custos e despesas. (III) alíquota adicional aplicada sobre o valor que supera o teto de R$ 60.000,00 no trimestre. (IV) Calculado sobre o lucro real, nesse caso, idêntico à base de cálculo da CSLL.

Passa-se para o cálculo do PIS e da Cofins no regime não cumulativo, lembrando que deve ser efetuado mensalmente. Para fins didáticos, será realizado o cálculo considerando as operações do trimestre, conforme traz a tabela a seguir: Receita de aluguel

R$ 60.000,00

Receita da venda do imóvel A

R$ 600.000,00

Receita total (I)

R$ 660.000,00

PIS e Cofins (9,25%) Crédito de PIS e Cofins (II)

R$ 61.050,00 R$ 6.475,00

TOTAL DE PIS E COFINS (III)

R$ 54.575,00

Legenda: (I)

Soma das receitas de aluguel e venda do imóvel A. Na venda de bem do ativo imobilizado, não incide PIS nem Cofins.

(II) 9,25% (x) despesas de R$ 70.000,00. Embora a aquisição de bens para revenda permita a apuração de créditos de PIS e Cofins, isso somente ocorre nos casos em que o alienante é pessoa jurídica e a operação é tributada pelas contribuições. Normalmente em Holdings familiares, a aquisição original se dá por meio da integralização do bem imóvel, o que não gera crédito de PIS e Cofins. (III) PIS e Cofins (–) Créditos.

Finalmente, tem-se o valor total da tributação do trimestre para a Holding A, que atingiu o montante de R$ 215.175,00. Por fim, será calculada a tributação da Holding B, tributada pelo lucro presumido. Primeiro, serão calculadas as despesas de IR e CSLL e, posteriormente, de PIS e Cofins. Inicia-se pelo cálculo do IR e da CSLL: Receita de aluguel

R$ 60.000,00

Receita da venda do imóvel A

R$ 600.000,00

Lucro presumido de aluguel (I)

R$ 19.200,00

Lucro presumido IR da venda do imóvel A (II)

R$ 48.000,00

Lucro presumido CSLL da venda do imóvel A (III)

R$ 72.000,00

Ganho de Capital da venda do imóvel B (IV)

R$ 320.000,00

Base de Cálculo IRPJ total (V)

R$ 387.200,00

Alíquota básica (15%)

R$ 58.080,00

Alíquota adicional (10%) (VI)

R$ 32.720,00

Base de Cálculo CSLL total (VII)

R$ 531.200,00

CSLL (9%)

R$ 47.808,00

TOTAL DE IR E CSLL

R$ 127.808,00

Legenda: (I)

Aplicação do coeficiente de 32% de presunção sobre a receita do aluguel, idênticos para IRPJ e CSLL.

(II) Aplicação do coeficiente de 8% de presunção do IRPJ sobre a receita da venda do imóvel (comércio). (III) Aplicação do coeficiente de 12% de presunção de CSLL sobre a receita da venda do imóvel (comércio). (IV) Por se tratar de bem do ativo imobilizado, não há presunção de lucro, mas sim adição do ganho de capital, considerando o valor da venda subtraído do custo de aquisição do imóvel. (V) Soma das presunções com a adição do ganho de capital pela venda do imóvel B, para cálculo do IRPJ. (VI) Alíquota adicional aplicada sobre o valor que supera o teto de R$ 60.000,00 no trimestre. (VII)Soma das presunções com a adição do ganho de capital pela venda do imóvel B, para cálculo da CSLL.

VOCÊ SABIA? Os coeficientes de presunção do IRPJ diferem, em alguns casos, da CSLL, como é o caso da atividade comercial, cujo coeficiente de presunção é de 8% para IRPJ e 12% para CSLL. Agora o cálculo do PIS e da Cofins no regime cumulativo, lembrando que deve ser efetuado mensalmente. Para fins didáticos, será realizado o cálculo considerando as operações do trimestre, conforme traz a tabela a seguir: Receita de aluguel

R$ 60.000,00

Receita da venda do imóvel A

R$ 600.000,00

Receita total (I)

R$ 660.000,00

PIS e Cofins (3,65%)

R$ 24.090,00

TOTAL DE PIS E COFINS (II)

R$ 24.090,00

Legenda: (I)

Soma das receitas de aluguel e venda do imóvel A. Na venda de bem do ativo imobilizado, não incide PIS nem Cofins.

(II) Neste caso, não há créditos de PIS e Cofins por se tratar de regime cumulativo.

Feitos os cálculos, tem-se o valor total da tributação do trimestre para a Holding B, que atingiu o montante de R$ 151.898,00. Dessa forma, comparando a tributação dos três, chega-se à conclusão de que, para o exemplo proposto, a melhor opção é a tributação pela pessoa física, não sendo indicada a constituição de uma Holding, conforme se verifica na tabela a seguir: Pessoa física

R$ 65.138,76

Holding A

R$ 215.175,00.

Holding B

R$ 151.898,00

Há que se considerar, porém, que esses números variam em razão de uma série de fatores, como, por exemplo, data de aquisição do imóvel; custo; estar registrado contabilmente no “estoque” ou no “imobilizado” da empresa; ser a empresa tributada por lucro real ou lucro presumido; ser objeto da empresa o exercício de atividades imobiliárias. Bastaria, por exemplo, alterarmos o valor de aquisição do imóvel A para R$ 100.000,00 e a data de aquisição dos bens para 01.02.2021 que a tributação da Pessoa Física aumentaria de R$ 65.138,76 para R$ 118.359,56, ou seja, praticamente o dobro. Da mesma forma, se ambos os imóveis estivem registrados contabilmente no estoque, desde a sua aquisição, a tributação nas pessoas jurídicas igualmente seria modificada, sendo de R$ 289.175,00 na que apura lucro real

e R$ 96.938,00 na que apura lucro presumido. Notem que as diferenças são significativas a depender de cada detalhe do caso concreto. Outro ponto a ser considerado é que estamos calculando os tributos devidos em apenas um trimestre. Como o aluguel incide mensalmente, na hipótese de locação de bem imóvel por longo período, é possível que a constituição de uma empresa cujo objeto social englobe essa atividade seja vantajosa do ponto de vista fiscal. Basta verificarmos que, sobre o valor de R$ 20.000,00 de aluguel, incide IRPF no montante total de R$ 4.630,64 ao mês. Esse mesmo aluguel recebido por essa pessoa jurídica tributada pelo lucro presumido gera uma obrigação tributária mensal de R$ 2.266,00. Uma significativa diferença de R$ 2.364,64 ao mês. Consequentemente, em muitos casos, a opção pela constituição da Holding, tributada pelo lucro presumido, será a melhor escolha em termos tributários, representando considerável economia aos sócios. Em outros, a alienação de imóveis pela pessoa física será a alternativa mais vantajosa do ponto de vista fiscal. É possível, inclusive, que, na integralização de bens, a pessoa física opte por realizá-la pelo valor de mercado, reconhecendo o ganho de capital e pagando o IR. Um analista experiente certamente teria o cuidado de elaborar todas as simulações para indicar a melhor opção e evitar altos custos fiscais. Em mais um exemplo, suponha-se um imóvel adquirido em 01.01.2015 por uma pessoa física pelo valor de R$ 320.000,00 e vendido em 01.08.2022 pela quantia de R$ 1.500.000,00. O valor devido de imposto de renda pelo ganho de capital dessa alienação atingiria o montante de R$ 128.343,71. De outro lado, essa alienação, nas mesmas condições, porém realizada por uma pessoa jurídica tributada pelo lucro presumido, cujo objeto social contemplasse a atividade imobiliária e o imóvel se encontrasse contabilizado no ativo circulante no estoque, resultaria na carga tributária de R$ 94.950,00, totalizando uma economia de R$ 33.393,71, que é bastante significativa. Nesse caso, a constituição de uma empresa Holding poderia ser

altamente recomendável!67 Esses exemplos reforçam um princípio que permeou todo o desenvolvimento desta obra: o planejamento sucessório, societário, tributário e contábil requerem análise detalhada, não se consubstanciando em uma regra válida para todos os casos. Embora em princípio seja indicada a realização do planejamento, é peremptório avaliar todas as nuances presentes no processo para, ao final, optar pela melhor alternativa segundo os interesses dos envolvidos. Feito isso, certamente a probabilidade de sucesso será significativa.

____________ 1

Em alguns estados, há variações de alíquotas a depender de estarmos diante de doação ou transmissão causa mortis. Ademais, alíquotas de tributos são sujeitas a alterações, sendo fortemente recomendável que sejam confirmadas no momento do planejamento.

2

Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/137288. Acesso em: 8 ago. 2022.

3

Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000322805. Acesso em: 4 ago. 2022.

4

Atente-se para a data da edição desse livro, sendo recomendável a consulta sobre a regulamentação da lei quando estiver estudando o tema.

5

Disponível em: https://legislacao.fazenda.sp.gov.br/Paginas/RC25241_2022.aspx. Acesso em: 21 set. 2022.

6

Disponível em: https://www.al.sp.gov.br/propositura/?id=1000332222. Acesso em: 27 jul. 2022.

7

Projeto de Lei foi transformado na Lei 17.293/2020. Entretanto, o dispositivo em referência não foi aprovado.

8

Referida isenção não se aplica para a transmissão “causa mortis”.

9

Conforme alínea “a” do inciso II do art. 6º.

10

AgInt no Ag em REsp 1.853.006/GO (2021/0067995-1).

11

Embora os aspectos principais das legislações municipais se assemelhem, especialmente porque estão limitadas pelas disposições do CTN e da Constituição Federal (CF), a alíquota pode variar, merecendo especial atenção do analista.

12

A lei que dispõe sobre o ITBI no Município de São Paulo é a Lei 11.154/1991.

13

Decreto que “aprova o Regulamento do Imposto sobre Transmissão ‘Inter vivos’, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição – ITBI-IV” no município de São Paulo.

14

A pessoa física ou jurídica que transmite para a empresa o direito de aquisição, integralizando o montante subscrito.

15

Em 26.08.2022, o Plenário virtual do STF resolveu reanalisar a tese fixada, tendo em vista que na oportunidade em que a tese foi analisada a cessão de direitos de propriedade imobiliária não foi debatida pelos Ministros, tendo sido determinado que o processo seja outra vez pautado para nova avaliação.

16

Art. 21, § 1º, da Lei 8.981/1995; art. 153, § 1º, I, do RIR/2018; art. 30, § 3º, I, da Instrução Normativa SRF 84/2001.

17

Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-deconteudo/publicacoes/perguntas-e-respostas/dirpf/pr-irpf-2022.pdf/view. Acesso em: 3 ago. 2022.

18

Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/download/pgd/gcap. Acesso em: 3 ago. 2022.

19

Sugerimos o estudo da tabela progressiva do imposto de renda da pessoa física anteriormente apresentada, considerando que a sistemática de cálculo é similar.

20

Terra Nua corresponde a propriedade rural imobiliária que não possui investimentos, equipamentos ou construções. Envolve, portanto, apenas o solo com sua superfície e a respectiva mata, floresta e pastagem nativa.

21

Nos casos e herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, o bem passa a ser declarado exclusivamente pelo herdeiro ou donatário pelo valor de mercado ou pelo valor que constava da declaração do transmitente, conforme a opção escolhida.

22

O cálculo foi realizado com o auxílio do Programa Ganho de Capital da Receita Federal. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/download/pgd/gcap. Acesso em: 29 set. 2022.

23

Para fins didáticos, estamos desconsiderando eventuais melhorias realizadas no imóvel e outras especificidades.

24

Este cálculo será reproduzido, mediante outro exemplo, no tópico Comparação de carga tributária (Capítulo 4).

25

O cálculo do lucro presumido será detalhado no Capítulo 4.

26

Entre os quais destacamos, exemplificativamente, o art. 23 da Lei 9.250/1995 e o art. 39 da Lei 11.196/2005.

27

Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/download/pgd/gcap. Acesso em: 29 set. 2022.

28

Para cálculo do ganho de capital, deve ser considerado o valor do custo líquido de depreciações

29

Em razão da tributação do PIS de 1,65% e Cofins de 7,6%, desconsiderados aqui quaisquer créditos destes tributos que a empresa possa ter direito.

30

O regime de tributação pelo lucro presumido será detalhado no tópico Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) (Capítulo 4), porém, adiantamos que o percentual de 5,93% a 6,73% é atingido pela soma das alíquotas de IR (alíquota básica e adicional) e CSSL, considerando seus respectivos percentuais de presunção, além de 3,65% de PIS e Cofins.

31

Vide inciso VII do art. 149 do CTN.

32

Vide, nesse sentido, os Acórdãos 9101-004.335 e 9101-004.506.

33

Vide, como exemplo, Acordão 9101-004.709.

34

Lembre-se, nesse sentido, de que quanto mais tempo decorrido entre a data de aquisição e a data de alienação, maiores os coeficientes de redução do ganho de capital.

35

Este cálculo será reproduzido, mediante outro exemplo, no tópico 5, Comparação de carga tributária (final do Capítulo 4).

36

Estamos considerando a soma da alíquota básica e adicional do IRPJ com a alíquota da CSLL.

37

Atente-se que, nessa hipótese, em princípio incide o ITCMD. Mais detalhes sobre o tema no item 2.1 deste Capítulo.

38

Estamos desconsiderando, para fins didáticos, a moeda em vigência na data da aquisição original, já estipulando o preço em reais.

39

Estamos desconsiderando, para fins didáticos, outras isenções como a prevista no art. 39 da Lei 11.196/2005 e nos arts. 2º e 5º da Instrução Normativa SRF 599/2005.

40

Novamente faremos uso do Programa de Ganho de Capital, conforme indicado anteriormente.

41

Estamos desconsiderando, para fins didáticos, outras isenções como a prevista no art. 39 da Lei 11.196/2005 e nos arts. 2º e 5º da Instrução Normativa SRF 599/2005.

42

Novamente, faremos uso do Programa de Ganho de Capital, conforme indicado anteriormente.

43

Resultado da soma dos valores de R$ 24.008,78 e R$ 10.282,17.

44

Importante esclarecer que esse valor é devido pelo espólio e não por Denise. Na prática, contudo, ao optar por receber o imóvel pelo valor de mercado, esse custo será atribuído à Denise.

45

Disponível em: https://www.normasbrasil.com.br/norma/consulta-de-contribuinte-174-2020mg_408212.html. Acesso em: 1º ago. 2022.

46

Neste caso, a alíquota adicional é calculada sobre o que superar o montante de 60 mil reais.

47

Artigo 15, caput e parágrafo único, da Lei 9.065/1995; art. 261, III, do RIR/2018; e art. 64 da IN 1.700/2017.

48

Ressalvado o disposto no art. 1.179 do Código Civil e a limitação de distribuição isenta de lucros ao percentual de presunção.

49

Conforme dispõe o art. 315 do RIR/18.

50

Confira nesse sentido o Processo 16327.720756/2016-00, Ac. 1301003.760, Rec. Voluntário, CARF, 1ª S, 3ª C, 1ª TO, j. 19.03.2019.

51

Sugere-se cautela na avaliação da alíquota da CSLL em razão de serem constantes as mudanças no seu percentual, especialmente para as atividades mencionadas.

52

Em razão do julgamento do RE 574.706/PR (Tema 69) pelo STF que definiu a seguinte tese: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”.

53

Art. 1º, § 3º, da Lei 10.637/2002 e Lei 10.833/2003.

54

Em razão do julgamento do RE 574.706/PR (Tema 69), pelo STF que definiu a seguinte tese: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da COFINS”.

55

Sempre alertando que o PIS e a Cofins devem ser calculados em separado, especialmente porque, embora similares, cada contribuição tem uma legislação específica e códigos próprios de recolhimento. Aqui foi feito o cálculo conjunto para efeito meramente didático.

56

O método de equivalência patrimonial, segundo consta do item 03 do CPC 18, “... é o método de

contabilização por meio do qual o investimento é inicialmente reconhecido pelo custo e, a partir daí, é ajustado para refletir a alteração pós-aquisição na participação do investidor sobre os ativos líquidos da investida. As receitas ou as despesas do investidor incluem sua participação nos lucros ou prejuízos da investida, e os outros resultados abrangentes do investidor incluem a sua participação em outros resultados abrangentes da investida”. Essa receita não é tributada pela investidora, conforme estabelece o art. 222, § 7º, II, do RIR/2018. 57

Arts. 415, § 1º, e 418 do RIR/2018.

58

Arts. 222, § 7º, II, e 426 do RIR/2018.

59

Art. 1º, § 3º, V, b, da Lei 10.637/2002; art. 1º, § 3º, V, b, da Lei 10.833/2003; e art. 3º, § 2º, II, da Lei 9.718/1998.

60

Não estamos considerando nesta análise eventual ganho de capital, porém isso será avaliado no tópico Comparação de carga tributária, deste capítulo.

61

As aspas são propositais, na medida em que lucros e dividendos não são uma forma de contraprestação pelo serviço prestado, mas sim a remuneração, variável e incerta, pelo capital investido na empresa.

62

Estamos considerando a soma das alíquotas básica e adicional do IRPJ e da CSLL, totalizando 34%.

63

Confira, nesse sentido, o § 2º do art. 1º do Decreto 8.426/2015.

64

Para fins didáticos, estão sendo desconsideradas despesas de depreciação dos imóveis, que devem ser observadas, regra geral, para o caso de venda de bem por parte da pessoa jurídica.

65

Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/centrais-de-conteudo/download/pgd/gcap. Acesso em: 23 set. 2022.

66

O programa “ganho de capital” da Receita Federal considera percentuais que reduzem o ganho de capital, em atendimento à Lei 11.196/2005.

67

Diz-se “poderia” porque há outros fatores a serem levados em conta, por exemplo, a incidência do ITBI.

Capítulo 5 ASPECTOS CONTÁBEIS

Com tudo que foi visto até aqui, é lugar comum afirmar que as Holdings são um tema multifacetado. O pleno domínio do assunto passa, necessariamente, por uma série de assuntos societários, sucessórios, tributários, de governança, familiares etc. Tal qual uma árvore, que de seu tronco partem diferentes galhos e ramos, o estudo das Holdings também tem diferentes aspectos, que por sua vez se ramificam. E um desses aspectos – sendo um dos mais importantes – é a Contabilidade. No estudo de Holdings, percebemos um enfoque maior nos aspectos jurídicos. Se observarmos os conteúdos disponíveis no mercado, de vídeos nas redes sociais a palestras, cursos e livros, a grande maioria é feita por e para operadores do direito. Claro que tudo isso é extremamente importante e foi abordado até aqui nessa obra, mas não podemos deixar de questionar o seguinte: se as Holdings são pessoas jurídicas (ou entidades, usando um termo mais contábil), pode o seu estudo estar completo sem envolver justamente a ciência que trata do patrimônio e da riqueza das entidades? A resposta é um retumbante não! Por isso, neste capítulo, iremos nos concentrar justamente nos aspectos contábeis e sua ramificação. Não como um contraponto, não para ir de encontro aos aspectos jurídicos, mas sim ampliando ainda mais a visão, indo ao encontro de uma abordagem mais ampla e necessária sobre este tema.

1.

DIVIDIR PARA CONQUISTAR

Quando se fala em Holding, observando objetivamente as atividades econômicas exercidas, podemos dividir em dois grandes grupos. De um lado, as operações envolvendo imóveis. De outro, as operações abrangendo participações societárias. São as chamadas, respectivamente, Holding imobiliárias e puras, podendo ainda serem denominadas de mistas, caso exerçam ambas as atividades em conjunto. Por isso, ao longo deste capítulo, iremos ramificar nosso estudo dessa forma. Dentro da prática contábil com imóveis, encontramos assuntos como a integralização de capital social, as diferentes classificações de imóveis no ativo da entidade (e seus reflexos tributários), operações com venda e com aluguel de imóveis, entre outros. É o domínio das Holdings chamadas patrimoniais, familiares e imobiliárias. Já a prática contábil com participações societárias abrange temas como equivalência patrimonial, distribuição de lucros, mais-valia, menos-valia, goodwill, ganho por compra vantajosa, venda de participações, rateio de despesas entre grupo econômico, entre outros. É o domínio das Holdings chamadas puras, de participações e empresariais.

2.

O PRINCÍPIO DAS HOLDINGS NA CONTABILIDADE

Do ponto de vista societário, podemos afirmar que a Holding é uma pessoa jurídica de fato e de direito, regular e personificada. O patrimônio dela é distinto do patrimônio das sociedades das quais participa, assim como das pessoas e sociedades que participam de seu capital. Contabilmente, não é diferente. A segregação patrimonial tem seu correlato contábil, devendo a Holding ser tratada como uma nova entidade, independente e apartada de seus sócios ou outras pessoas físicas ou jurídicas quaisquer. Noutras palavras, o estudo dos aspectos contábeis da Holding se inicia pelo respeito ao princípio da entidade.

Este princípio constava na Resolução CFC 750/1993. Infelizmente, o Conselho Federal de Contabilidade revogou esta Resolução a partir de 2017. O princípio da entidade, assim como os demais, continua existindo, permeado nas mais diversas normas e pronunciamentos contábeis. Contudo, do ponto de vista didático, sugerimos o estudo da Resolução CFC 750/1993, mesmo após sua revogação. Isso porque ela foi a última legislação a elencar, de forma expressa e sistematizada, todos os princípios norteadores da Contabilidade e são oportunos para compreensão do tema que envolve as Holdings. O princípio da entidade justamente reconhece o patrimônio como o estudo da ciência contábil e afirma a autonomia patrimonial, bem como a necessidade de diferenciar um patrimônio particular no universo de patrimônios existentes, de modo que o patrimônio de uma entidade não se confunde com o patrimônio dos sócios ou proprietários. Nos termos do art. 4º da referida Resolução, aplica-se tal princípio ainda que este patrimônio seja pertencente a uma pessoa, um conjunto de pessoas, uma sociedade ou instituição de qualquer natureza ou finalidade, com ou sem fins lucrativos.

VOCÊ SABIA? No direito, prevalece como regra geral a separação da personalidade jurídica de seus sócios. Contudo, o próprio direito prevê hipóteses em que há abuso da personalidade jurídica e flexibiliza essa separação, conforme vemos no art. 50 do CC. Podemos dizer que esta é a pedra fundamental de todo trabalho utilizando Holdings. Fica claro que o patrimônio da Holding é independente, apartado dos empresários ou familiares que a compuseram. No ambiente contábil, é daí que surge a proteção patrimonial e a governança corporativa.

3.

QUAL A NORMA CONTÁBIL QUE FALA SOBRE HOLDING?

Conforme tivemos oportunidade de expor no início do livro, inexiste uma base legal que contenha expressamente a definição de Holding. O mais próximo disso se apresenta no § 3º do art. 2º da Lei 6.404/1976, ao prever que as companhias podem ter por objeto participar de outras sociedades. Convenhamos que isso é muito pouco perto do universo de possibilidades, finalidades e características das Holdings, como vimos até aqui. Sequer há menção ao próprio termo, mas a uma de suas características. Nas normas contábeis, acontece algo muito semelhante. Fazendo uma ampla busca tanto nas publicações do Comitê de Pronunciamentos Contábeis quanto do Conselho Federal de Contabilidade, não há uma única menção ao termo Holding. Ainda assim, se olharmos o contexto dessas empresas, encontraremos normas contábeis que tratam a respeito. Vejamos alguns exemplos, ainda que de forma mais resumida. Quando uma empresa investe em outra, pode haver a relação de coligação ou de controle. As Holdings, ao serem sócias (investidoras) das empresas operacionais, costumeiramente assumem essa posição. Assim, terão investimentos em coligadas e controladas, que é assunto do CPC 181. Ainda nesse caso, se existe uma relação de controle, além da equivalência patrimonial nas demonstrações individuais, será necessário elaborar demonstrações contábeis consolidadas, tema compreendido pelo CPC 36. Agora, se a relação for de coligação, simplesmente, cabe também observar o CPC 19, que trata de negócios em conjunto. Indo para o ambiente em que mais comumente tratamos de Holding no Brasil, que é o imobiliário, os bens imóveis que compõem seu patrimônio podem ser mantidos para locação a terceiros, gerando renda para a família empresária, ou ainda só para manter o dinheiro capitalizado, investido, valorizando com o tempo. Aqui, será fundamental observar o CPC 28, que dispõe sobre as Propriedades para Investimento.

Estas mesmas pessoas jurídicas com finalidade imobiliária podem inclusive vender imóveis. Assim, quando nos referirmos a imóveis adquiridos para venda no curso normal dos negócios, o estudo do CPC 16, que versa sobre estoques, será fundamental. Há outros pronunciamentos contábeis que podem ser relevantes? Com certeza sim, dada a pluralidade de aplicações e contextos que uma Holding pode ter. O mais importante, até aqui, é compreender que, ainda que não haja um CPC específico sobre as Holdings, elas utilizarão diversos pronunciamentos, conforme seu contexto específico.

4.

PARTICIPAÇÕES SOCIETÁRIAS NA HOLDING

O CPC 19 traz em seu teor duas hipóteses principais de negócios em conjunto, que apesar de semelhanças, têm tratamentos distintos. São elas a joint venture e a joint operation, conforme veremos a seguir:

4.1

Operações em conjunto

As joint operations, ou operações em conjunto, são negócios em que as partes integrantes têm direitos sobre os ativos, mas também obrigações sobre os passivos relacionados ao negócio. Os operadores em conjunto respondem, portanto, pelos resultados do negócio, na proporção de sua participação. Participam de cada ativo, passivo, receita, custo ou despesa. Se esse nome parece algo muito distante da prática societária, um exemplo de joint operation pode ajudar a sua compreensão: o consórcio de sociedades. Nele, apesar da existência do consórcio, cada consorciado reconhece: I – Seus ativos, incluindo sua parcela sobre quaisquer ativos detidos em conjunto; II – Seus passivos, incluindo sua parcela sobre quaisquer passivos assumidos em conjunto;

III – Sua parcela sobre a receita de venda da produção da operação em conjunto (justamente a joint operation); e IV – Seus custos e suas despesas, incluindo sua parcela sobre quaisquer despesas incorridas em conjunto. Como a prática contábil de um consórcio não é algo corriqueiro para muitos, vamos ilustrar esse tipo de estrutura societária. Imagine um Consórcio, uma joint operation, em que dois consorciados participam com 60% e 40% cada. O Capital definido é de R$ 1.000.000,00, a ser aportado em dinheiro, através de transferência para uma conta bancária aberta exclusivamente para movimentações oriundas deste consórcio. A contabilização até aqui seria: No Consórcio: D – Banco do Consórcio (AC)

600.000,00

C – Consorciado A (Obrigações com Consorciados – PNC)

600.000,00

Aporte de capital do Consorciado A D – Banco do Consórcio (AC)

400.000,00

C – Consorciado B (Obrigações com Consorciados – PNC)

400.000,00

Aporte de capital do Consorciado B No Consorciado A: D – Consórcio X (Direitos com Consórcio – ANC)

600.000,00

C – Banco do Consórcio (AC)

600.000,00

Aporte de capital no Consórcio X

No Consorciado B: D – Consórcio X (Direitos com Consórcio – ANC)

400.000,00

C – Banco do Consórcio (AC)

400.000,00

Aporte de capital no Consórcio X Feito isso, posteriormente, o consórcio realiza uma prestação de serviço no valor de R$ 50.000,00, sobre a qual incorre com uma despesa comercial de comissão para seu vendedor, no valor de R$ 5.000,00. Todas as operações ocorreram a prazo. Neste caso, a contabilização fica da seguinte maneira: No Consórcio: D – Clientes (AC)

50.000,00

C – Consorciado A (Obrigações com Consorciados – PNC)

30.000,00

C – Consorciado B (Obrigações com Consorciados – PNC)

20.000,00

Receita auferida com a prestação de serviço D – Consorciado A (Obrigações com Consorciados – PNC)

3.000,00

D – Consorciado B (Obrigações com Consorciados – PNC)

2.000,00

C – Contas a Pagar (PC)

5.000,00

Despesa incorrida com a comissão No Consorciado A: D – Cliente – Consórcio X (AC)

30.000,00

C – Receita de Serviços Prestados – Consórcio X (Resultado)

30.000,00

Receita auferida com a prestação de serviço do Consórcio X D – Despesa com Comissão – Consórcio X (Resultado)

3.000,00

C – Contas a Pagar – X (PC)

3.000,00

Despesa incorrida com a comissão do Consórcio X No Consorciado B: D – Cliente – Consórcio X (AC)

20.000,00

C – Receita de Serviços Prestados – Consórcio X (Resultado)

20.000,00

Receita auferida com a prestação de serviço do Consórcio X D – Despesa com Comissão – Consórcio X (Resultado)

2.000,00

C – Contas a Pagar (PC)

2.000,00

Despesa incorrida com a comissão do Consórcio X Notem que o resultado, que deverá compor o lucro e ser tributado individualmente por cada Consorciado, conforme o regime de tributação correspondente, foi de R$ 27.000,00 no Consorciado A e R$ 18.000,00 no Consorciado B.

4.2

Empreendimentos controlados em conjunto

As joint ventures, ou empreendimentos controlados em conjunto, são negócios em que as partes têm direitos sobre os ativos líquidos do negócio. Dizendo de outro modo, quando se fala em “ativos líquidos”, trata-se dos

ativos diminuídos dos passivos. Ora, isso se encaixa perfeitamente como um sinônimo de “patrimônio líquido”. Portanto, quando o CPC 19 aponta que nas joint ventures, as partes têm direitos sobre os ativos líquidos, isso significa dizer: o sócio participa do patrimônio líquido. E essa é justamente a configuração mais habitual do mercado, inclusive sendo o sócio uma Holding. Nem sempre a investida de uma Holding é uma joint venture, mas certamente é a estrutura que mais se aproxima. Tomemos como exemplo uma empresa operacional, de cujo capital participem João e Pedro, cada um com 50% do capital social. Com o objetivo de afastarem as pessoas físicas dos riscos empresariais, cada um, isoladamente, resolve constituir uma Holding de cunho empresarial. Após as constituições e alterações contratuais, a empresa operacional agora se configura como uma joint venture: ela é um empreendimento administrado por outras duas entidades em conjunto. Portanto, se nosso tema de interesse aqui são as Holdings, podemos deixar as joint operations de lado e concentrar esforços nos empreendimentos controlados em conjunto.

4.3

Onde essas participações ficam no balanço patrimonial?

O caminho mais natural é que a Holding concentre participações societárias cujo empresário ou a família tem a intenção de manter a longo prazo. Costumam ser negócios familiares ou de interesse mais amplo. Portanto, sem intenção de aquisição para revenda ou de mera especulação financeira. Para esses casos, a participação societária na Holding será reconhecida no Ativo Não Circulante (ANC). Mais especificamente, essas participações ficarão no grupo de Investimentos. Sendo um investimento em coligada ou em controlada, de acordo com o CPC 18, essas participações serão avaliadas pelo Método de Equivalência Patrimonial (MEP).

Apesar de não ser o propósito comum das Holdings, por vezes uma entidade adquire participações societárias não com intenção de mantê-las, mas simplesmente esperando o momento ideal para venda. São empresas que se constituem para comprar e vender participações, tendo tal desiderato como sua atividade econômica. Nesses casos, as quotas ou ações deixam de ter tanto a característica de instrumento patrimonial, mas preponderam as características de instrumento financeiro. Deste modo, sua posição no balanço patrimonial poderá ser tanto no Ativo Circulante (AC) quanto no Ativo Não Circulante (ANC). Observando o CPC 48, esses ativos serão avaliados pelo Valor Justo (AVJ), conforme asseveram Bruno Meirelles Salotti; Gerlando A. S. F. de Lima; Fernando Dal-ri Murcia; Mara Jane C. Malacrida e Renê Coppe Pimentel (2019, p. 201): Notem que as participações permanentes caracterizam-se pelos investimentos em outras sociedades na forma de ações ou quotas. Importante diferenciá-los daqueles classificados como aplicações financeiras, cujo objetivo é a obtenção de retorno por meio de dividendos e de ganhos de capital. Tais investimentos nada mais são do que ativos financeiros, estando sob o escopo das exigências de reconhecimento e mensuração da norma de Instrumentos Financeiros, quais sejam os CPC 39, 40 e 48. Contudo, eventualmente pode haver participações societárias que não têm essa característica de instrumento financeiro e que também não são de coligadas ou controladas. Nesse caso, por eliminação e observando a regra geral de ativos sem previsão específica de tratamento, teremos um Investimento no Ativo Não Circulante (ANC). Mas, dessa vez, ele será avaliado pelo Método de Custo (MC). Serve-se, novamente, de um exemplo ilustrativo, onde a seguir iremos demonstrar o que seriam as classificações dessas participações societárias num plano de contas, desconsiderando os

demais ativos: 1

ATIVO

1.1

ATIVO CIRCULANTE

1.1.X

INVESTIMENTOS TEMPORÁRIOS A CURTO PRAZO

1.1.X.01

AÇÕES OU QUOTAS DE CAPITAL

1.1.X.01.01

AÇÕES DE CAPITAL ABERTO

1.1.X.01.01.01

COMPANHIA A

1.1.X.01.01.01.001

Ações Companhia A

1.1.X.01.02

AÇÕES E QUOTAS DE CAPITAL FECHADO

1.1.X.01.02.01

COMPANHIA B

1.1.X.01.02.01.001

Ações Companhia B

1.1.X.01.03.01

EMPRESA C

1.1.X.01.03.01.001

Quotas Empresa C

1.2

ATIVO NÃO CIRCULANTE

1.2.Y

INVESTIMENTOS

1.2.Y.01

PARTICIPAÇÕES PERMANENTES EM OUTRAS SOCIEDADES

1.2.Y.01.01

PARTICIPAÇÕES AVALIADAS POR EQUIVALÊNCIA PATRIMONIAL

1.2.Y.01.01.01

COLIGADA D

1.2.Y.01.01.01.001

Coligada D – Aporte de Capital

1.2.Y.01.01.01.002

Coligada D – Equivalência Patrimonial

1.2.Y.01.01.01.003

Coligada D – Mais-valia sobre ativos líquidos

1.2.Y.01.01.01.004

Coligada D – Ágio por rentabilidade futura

1.2.Y.01.01.01.097

(-) Coligada D – Menos-valia sobre ativos líquidos

1.2.Y.01.01.01.098

(-) Coligada D – Perdas Estimadas

1.2.Y.01.01.01.099

(-) Coligada D – Resultados Não Realizados

1.2.Y.01.02

PARTICIPAÇÕES AVALIADAS PELO CUSTO

1.2.Y.01.02.01

EMPRESA E

1.2.Y.01.02.01.001

Empresa E – Aporte de Capital

1.2.Y.01.02.01.099

(-) Empresa E – Perdas Estimadas

4.4

Coligação e controle

Falando das participações da Holding em suas investidas, já usamos aqui algumas expressões que talvez não sejam tão comuns ao leitor, tal quais coligadas, controladas, controladoras. O que seriam, exatamente, essas relações? Vamos entender isso tudo adiante. Como vimos até aqui, quando uma Holding reconhece a sua participação societária em outra empresa, precisamos considerar se: a) Esta participação é permanente ou não; e b) Há finalidade especulativa (de venda) ou não.

O mais habitual nessas entidades é possuírem participações permanentes, classificadas no Ativo Não Circulante (ANC), sem finalidade especulativa. A partir daqui, é necessário justamente identificar se as entidades são coligadas ou controladas/controladoras. Ou seja, o reconhecimento do investimento das Holdings em suas empresas investidas depende da classificação da relação que a investidora tem com a investida, bem como de sua intenção com aquela aquisição. A

intenção da aquisição irá classificar em participação temporária para revenda (AC) ou em participação permanente (ANC). Já o tipo de relacionamento entre investidora e investida irá definir como avaliar periodicamente este investimento, quando classificado no ativo não circulante. Diante disso, para definir coligada, controladora e controlada, vamos utilizar a Lei das Sociedades Anônimas e os próprios pronunciamentos contábeis (CPCs). O CPC 36, que trata de Demonstrações Consolidadas, expõe em seu Apêndice A que o controle da investida ocorre quando um investidor está exposto a, ou tem direitos sobre, retornos variáveis decorrentes de seu envolvimento com a pessoa jurídica investida e, além disso, tem a capacidade de afetar esses retornos por meio de seu poder sobre a investida. Sob o prisma da Lei das S/As, considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. Vejamos o que diz, nesse sentido, o art. 116 da Lei das S/As: Art. 116. Entende-se por acionista controlador a pessoa, natural ou jurídica, ou o grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, ou sob controle comum, que: a) é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, a maioria dos votos nas deliberações da assembleia geral e o poder de eleger a maioria dos administradores da companhia; e b) usa efetivamente seu poder para dirigir as atividades sociais e orientar o funcionamento dos órgãos da companhia. Assim, em essência, controladora é aquela que permanentemente tem a capacidade de afetar os retornos do seu investimento por seu poder de decisão sobre a investida. Imagine uma Holding que concentra a maioria do capital votante de uma

empresa investida, com 56% do capital, por exemplo. Ora, podemos dizer que numa deliberação de sócios, essa Holding (através de seu representante) é capaz de controlar, de decidir os rumos daquela empresa, portanto afetando os retornos do seu investimento. Por ser uma situação permanente, não eventual, nesse caso, a Holding é uma controladora e a empresa investida é uma controlada. Ainda que não haja o controle, contudo, pode haver uma influência significativa da investidora sobre sua investida, configurando-se como coligada. Encontramos a definição de coligada no CPC 18, que trata de Investimento em Coligada, em Controlada e em Empreendimento Controlado em Conjunto. Em seu item 3, expõe que quando o investidor possui influência significativa sobre a investida, temos uma situação de entidade coligada. Por sua vez, o item 5 descreve o que se entende por influência significativa. Confira: 5. Se o investidor mantém direta ou indiretamente (por meio de controladas, por exemplo), vinte por cento ou mais do poder de voto da investida, presume-se que ele tenha influência significativa, a menos que possa ser claramente demonstrado o contrário. Por outro lado, se o investidor detém, direta ou indiretamente (por meio de controladas, por exemplo), menos de vinte por cento do poder de voto da investida, presume-se que ele não tenha influência significativa, a menos que essa influência possa ser claramente demonstrada. A propriedade substancial ou majoritária da investida por outro investidor não necessariamente impede que um investidor tenha influência significativa sobre ela. A Lei 6.404/1976 e as normas contábeis convergem também nesse conceito. Em seu Capítulo XX, a partir do art. 243, dispões que são coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa. Vejamos o que dispõe o art. 243 em referência:

Art. 243. O relatório anual da administração deve relacionar os investimentos da companhia em sociedades coligadas e controladas e mencionar as modificações ocorridas durante o exercício. § 1º São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa. § 2º Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. Como vemos, influência significativa pode ser definida como o poder de participar das decisões sobre políticas financeiras e operacionais de uma investida, mas sem que haja o controle individual ou conjunto dessas políticas. Dessa forma, podemos imaginar um cenário em que há diversos acionistas ou sócios minoritários. A influência significativa seria aquele sócio que concentra um pouco mais de participação no capital votante, mas não chega ao patamar de ser controlador. Portanto, tanto a Lei 6.404/1976 quanto o CPC 18 afirmam que a influência significativa é presumida quando o investidor possui, direta ou indiretamente, 20% ou mais do poder de voto da investida. Tal presunção somente é desconsiderada se houver prova inequívoca demonstrando o contrário. O inverso também se aplica. Caso o investidor possua menos de 20% do poder de voto, presume-se que não haja influência significativa. Tal presunção poderá ser desconsiderada se a influência puder ser demonstrada de forma clara. Imagine uma empresa investida em que a nossa Holding participe do capital social, detendo 27%. Ela não possui maioria do capital, portanto não

se configura controladora, a princípio. Contudo, presume-se que tenha influência significativa sobre esta investida, dado o volume de sua participação. Há, contudo, situações em que essa presunção é desconsiderada, e a própria norma contábil traz algumas hipóteses, conforme verificamos no item 6 do CPC 18: 6. A existência de influência significativa por investidor geralmente é evidenciada por uma ou mais das seguintes formas: (a) representação no conselho de administração ou na diretoria da investida; (b) participação nos processos de elaboração de políticas, inclusive em decisões sobre dividendos e outras distribuições; (c) operações materiais entre o investidor e a investida; (d) intercâmbio de diretores ou gerentes; (e) fornecimento de informação técnica essencial. Vamos imaginar, por um instante, uma indústria na qual o Sr. José é detentor de somente 10% do capital social. Contudo, ele possui o know-how da área, enquanto seus sócios, detentores dos outros 90%, são somente financiadores do empreendimento. Em dado momento o Sr. José, preocupado em organizar seu patrimônio, constitui uma Holding e integraliza nela as suas quotas da indústria. A agora constituída Holding detém 10% participação societária da indústria. Pela letra da lei e da própria norma contábil, presume-se, em princípio, que não haja influência significativa. Mas note: o Sr. José (administrador da Holding) é quem fornece a informação técnica essencial para que o negócio aconteça. Portanto, é uma forte evidência de influência significativa, mesmo não atendendo ao percentual padrão. Portanto, um Contador que se proponha a dominar o universo das Holdings não pode se limitar a observar o percentual do capital social. Isso

sem falar de empresas que possuem quotas preferenciais, sem direito a voto. Afinal, estas não são computadas para avaliar o capital votante (e por consequência, a coligação ou o controle). Podemos concluir, portanto, que uma Holding pode ter investimentos em que é considerada como controladora, outros em que é classificada como coligada e ainda situações em que tem meramente uma participação, sem qualquer vínculo diferenciado.

VOCÊ SABIA? Os investimentos em controladas ou coligadas deverão ser avaliados pelo MEP. 1 – São controladas as sociedades nas quais a controladora é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores. 2 – São coligadas as sociedades nas quais a investidora tenha influência significativa, sendo que se presume influência significativa quando a investidora for titular de 20% ou mais do capital votante da investida, sem controlá-la. 4.5

Método de equivalência patrimonial

A Holding, que é a investidora, quando for considerada coligada ou controladora, deve utilizar o Método de Equivalência Patrimonial (MEP) para manter e avaliar periodicamente essas participações. Podemos encontrar na legislação e nos pronunciamentos contábeis quais as pessoas jurídicas estão obrigadas à mensuração de participações societárias por meio da equivalência patrimonial. Vejamos: Quem deve aplicar o MEP?



Decreto-lei n. 1.598/77



Lei n. 6.404/76: Lei das Sociedades por Ações (LSA)



Pronunciamento Contábil CPC 18 e 36



Decreto n. 9.580/18: Regulamento do Imposto de Renda (RIR/18)

O investimento inicialmente é reconhecido pelo custo, independentemente do método utilizado. Contudo, o que muda é a mensuração subsequente, ou seja, a forma de medir e atualizar o valor da participação. Quando aplicado o Método de Equivalência Patrimonial (MEP), o valor do investimento é aumentado ou diminuído no ativo, reconhecendo as variações patrimoniais da investida após tal aquisição. Este reconhecimento se dá na proporção da participação da Holding naquela empresa investida. Segue-se, portanto, o procedimento a ser realizado contabilmente:

É muito comum que os profissionais contábeis tenham medo do MEP. Alguns, por simplesmente nunca terem estudado de fato a matéria. Outros, pela infelicidade de aprender com professores que pintaram um “bicho de sete cabeças” sobre o assunto. A verdade é que não há nada de complexo na aplicação deste método, desde que as informações estejam disponíveis. Retornando o cálculo da equivalência patrimonial, esquematizado acima, você irá aplicar o percentual de participação que a Holding possui no capital social da investida, sobre o valor do Patrimônio Líquido (PL) da investida. Feita esta multiplicação, você terá encontrado o “valor final”, o que deverá constar no ativo da Holding, na conta de Investimentos, do Ativo Não Circulante (ANC). Este cálculo pode ser chamado também de avaliação pelo patrimônio líquido. Falta, agora, subtrair o saldo que já consta na conta de Investimento da Holding. Dessa forma, você saberá quanto falta lançar nela, para alcançar o “valor final”. Pronto, está feito o cálculo da equivalência patrimonial. Não é tão difícil assim, certo?

VOCÊ SABIA? O valor a ser lançado pela Holding por ocasião do Método de Equivalência Patrimonial é: MEP = (PL da Investida x % da Holding na Investida) – Saldo da conta Investimento

Caso Prático 10: 1) A Empresa A adquire 70% da participação societária de B, registrando o Investimento pelo valor de custo, no caso, exatamente o montante correspondente a 70% do PL de B:

ATIVO DA EMPRESA A Investimento em B

R$ 700.000,00

PL ATUALIZADO DA EMPRESA B Capital Social

R$ 700.000,00

Reservas de Lucros

R$ 300.000,00

TOTAL DO PL

R$ 1.000.000,00

2) A empresa B aufere lucros de R$ 130.000,00. Como a empresa A detém 70% da participação societária de B, o resultado de equivalência é de R$ 91.000,00. Dessa forma, A registra esse montante “a débito” em Investimentos, em contrapartida “a crédito” no resultado. Confira o novo ativo de A e PL de B ATIVO DA EMPRESA A Investimento em B

R$ 791.000,00

PL ATUALIZADO DA EMPRESA B Capital Social

R$ 700.000,00

Reservas de Lucros

R$ 430.000,00

TOTAL DO PL

R$ 1.130.000,00

3) A empresa B distribui 50% da reserva de lucros aos seus sócios, no montante total de R$ 215.000,00. A então, registra “a débito” em Bancos, os dividendos de R$ 150.500,00 (70% dos dividendos pagos), em contrapartida “a crédito” em Investimentos. Confira: ATIVO DA EMPRESA A

PL ATUALIZADO DA EMPRESA B

Bancos

R$ 150.500,00

Capital Social

R$ 700.000,00

Investimento em B

R$ 640.500,00

Reservas de Lucros

R$ 215.000,00

TOTAL DO PL

R$ 915.000,00

Note que os valores que transitaram em resultado como “ajuste de equivalência patrimonial” ou “resultado de equivalência” não são tributáveis, sendo excluídos para fins de cálculo do IRPJ e CSLL.

______________________________ 4.5.1

O passo a passo para chegar ao MEP

Saindo um pouco do cálculo em si e indo para o ambiente concreto e os processos para proceder ao cálculo, as investidas necessitam levantar suas demonstrações contábeis na mesma data da Holding, no caso, a investidora. Segundo o CPC 18, há a possibilidade de um lapso temporal de até dois meses (item 34). Teoricamente, a investida poderia ter levantado suas demonstrações até sessenta dias antes da data de elaboração das demonstrações da Holding e, mesmo assim, estes relatórios seriam aplicáveis. A questão é que podem ter ocorrido eventos relevantes nesse ínterim. Para que esse tipo de acontecimento não seja menosprezado e desconsiderado no MEP, quando a Holding usa demonstrações elaboradas em data anterior pelas suas investidas, deve ajustá-las para representar o efeito destes eventos relevantes. Agora, vamos pensar no lado prático disso. Imagine-se Contador responsável pela Holding. Precisa elaborar as demonstrações, apresentar resultados, destinar lucros, liberar a distribuição de valores. Aí, para calcular a equivalência patrimonial vai usar demonstrações que a investida levantou há dois meses. Você precisa interromper tudo e contatar o Contador da outra empresa e questionar se houve eventos relevantes nesse ínterim. Temos aí dois problemas: a agilidade da comunicação e a subjetividade para definir o que é,

afinal, evento relevante. Superada esta etapa, irá ajustar “na mão” o balanço daquela investida, para só então calcular a equivalência patrimonial. E, extremamente relevante, lembre-se de que precisa divulgar isso em Notas Explicativas. Agora, imagine que a sua Holding possui cinco, dez, vinte investidas. Já pensou ter que fazer isso para todas elas? Por isso, extrapolando a simples análise das normas e indo para uma abordagem mais prática, pensando na atuação no mercado, é extremamente prudente que o Contador da Holding, enquanto controladora ou coligada, alinhe as políticas contábeis do grupo empresarial. A Holding precisa elaborar demonstrações trimestralmente? Pois, então que se institua, como política contábil de todas as empresas do grupo, o levantamento das demonstrações em período trimestral. Isso irá acelerar e facilitar muito o procedimento do MEP. Além disso, pode ocorrer de a Holding utilizar políticas e critérios contábeis diferentes de suas investidas. Quando for o caso, as demonstrações contábeis da investida devem ser “traduzidas”, por assim dizer, para falar a mesma língua da contabilidade da Holding. Novamente, a ideia de um alinhamento de políticas contábeis pode ser a solução. Como se fosse um manual de políticas práticas, a controladora poderia resolver esse problema na origem, evitando que cada investida aplicasse aquilo que lhe conviesse. Aliás, nesse particular, a providência é semelhante ao quanto exigido sobre a necessidade de uniformidade de políticas e critérios contábeis para fins de consolidação de balanço, cuja importância é ressaltada por Ernesto Rubens Gelbcke, Ariovaldo dos Santos, Sérgio de Iudícibus e Eliseu Martins (2018, p. 718), confira: Já vimos que o objetivo da consolidação é apresentar a posição financeira patrimonial da controladora e suas controladas como se o grupo fosse uma única empresa (Balanço, Resultado Financeiro e

Fluxos de Caixa). Esse fato leva à conclusão de que é necessário que as empresas tenham critérios contábeis uniformes, e esse é o procedimento exigido pelo CPC 36 (R3) (item B87). Caso contrário, poderemos estar somando ativos, passivos, receitas e despesas apuradas com critérios de avaliação e classificação diferentes entre si. Como última etapa antes do cálculo da equivalência patrimonial, há o controle dos resultados não realizados. Trata-se de operações que ocorrem entre investida e investidora, podendo ser ascendente (da investida para a Holding) ou descendente (da Holding para a investida). Os resultados não realizados devem ser excluídos no cálculo da equivalência patrimonial. Contudo, como o foco deste tópico é a equivalência patrimonial, deixaremos para explicar isso mais adiante. Chegando neste ponto, então faremos o cálculo da equivalência patrimonial, para poder reconhecê-la nas demonstrações individuais da Holding. Portanto, resumidamente, teremos as seguintes providências a serem realizadas: I – Levantamento das demonstrações (preferencialmente em mesma data); II – Alinhamento das políticas e critérios contábeis; III – Exclusão de resultados não realizados; IV – Cálculo da equivalência patrimonial.

4.5.2

A regra geral da contabilização

Ao avaliar a participação societária da Holding através do Método de Equivalência Patrimonial (MEP), o que vamos observar é que o valor do investimento, no Ativo Não Circulante (ANC), irá flutuar para cima e para baixo conforme haja resultado positivo (lucro) ou negativo (prejuízo) naquela investida.

A contrapartida desta oscilação será, em regra geral, no resultado. Assim, podemos afirmar que, havendo lucro na investida, a Holding contabilizará: D – Investida X (Investimentos – ANC) C – Resultado positivo de Equivalência Patrimonial (Resultado) Havendo prejuízo na investida, a Holding contabilizará: D – Resultado negativo de Equivalência Patrimonial (Resultado) C – Investida X (Investimentos – ANC) Como dito, a regra geral é que a contrapartida seja no resultado. Há, portanto, exceções, em que a contrapartida não será no resultado, mas sim no Patrimônio Líquido (PL). O CPC 18, bem como sua interpretação, a ICPC 09, trazem alguns casos pontuais. Preferimos, entretanto, identificar um padrão, um norte pelo qual você possa identificar quando reconhecer no Resultado ou no PL. A nossa dica prática é que você observe como as variações de patrimônio e resultado se comportaram na investida. Outros resultados abrangentes, ajustes de exercícios anteriores, mudanças de critérios contábeis, alguns instrumentos financeiros etc. Se houve algo, na investida, que transitou diretamente pelo PL, sem que fosse antes para o resultado, então proporcionalmente aquela parte da equivalência patrimonial também transitará pelo PL da Holding. Para ilustrar a aplicação do método de equivalência patrimonial, tomemos como exemplo a CSM Holding Ltda, que adquire em 01.01.20X1, 30% da Zeus Consultoria Ltda, cujo capital social total é de R$ 250.000,00. A participação foi adquirida de sócio retirante, portanto não influenciando no patrimônio da investida. A aquisição se deu pelo valor nominal das quotas, com pagamento à vista.

Assim, temos: Zeus Consultoria Ltda Quadro Societário Sócio

Quotas

Capital Social (R$)

Capital Social (%)

CSM Holding Ltda

75.000

R$ 75.000,00

30%

Demais Sócios

175.000

R$ 175.000,00

70%

Total

250.000

R$ 250.000,00

100%

A contabilização pela aquisição das quotas: D – ZEUS – Aporte de Capital (Investimentos – ANC)

75.000,00

C – Banco Conta Movimento (AC)

75.000,00

Aquisição da participação societária Para que fique claro, como as quotas foram adquiridas comprando-as de outro sócio, que se retirou da sociedade, não há alteração patrimonial na entidade investida. Seu capital social permaneceu o mesmo, não havendo entrada ou saída de recursos, uma vez que o negócio jurídico foi firmado entre o sócio adquirente (CSM Holding Ltda) e o sócio retirante. Por isso o único lançamento contábil demonstrado é na Holding. Se, diferentemente, a Holding ingressasse na Zeus Consultoria através de aporte de capital, aumentando-o em sua entrada, aí sim seria necessária a escrituração contábil também na investida. Em 31.12.20X1, a investida Zeus Consultoria Ltda apura lucro de R$ 400.000,00. A sociedade delibera pela distribuição de 80% do lucro apurado, proporcionalmente à participação de cada sócio no capital social, mantendo o restante em Lucros Acumulados. A distribuição efetiva do lucro se dá em

01.05.20X2. Desse modo, a contabilização na Zeus e na Holding será: Zeus Consultoria Ltda: D – Apuração do Resultado do Exercício (Resultado)

400.000,00

C – Lucros Acumulados (PL)

400.000,00

Reconhecimento do lucro no encerramento do exercício social D – Lucros Acumulados (PL)

96.000,00

C – Banco Conta Movimento (AC)

96.000,00

Distribuição de lucro para CSM efetivamente realizada CSM Holding Ltda: D – ZEUS – Equivalência Patrimonial (Investimento – ANC)

120.000,00

C – Resultado positivo de Equivalência Patrimonial (Resultado)

120.000,00

Reconhecimento proporcional ao resultado da Zeus, pelo MEP D – Banco Conta Movimento (AC)

96.000,00

C – ZEUS – Equivalência Patrimonial (Investimento – ANC)

96.000,00

Recebimento do lucro Observe que, respeitando o princípio da competência, a Holding reconhece resultado no ano X1, ou seja, no mesmo ano em que a investida Zeus reconheceu resultado. O recebimento do lucro, que já havia sido reconhecido através da equivalência patrimonial, se torna uma mera

realização financeira. Tal qual qualquer outro recebível, como no caso de Clientes a receber. Já em 31.12.20X2, a investida Zeus Consultoria Ltda apura resultado negativo, prejuízo, de R$ 30.000,00. O prejuízo será suportado pelos sócios, proporcionalmente à participação de cada sócio no capital social, conforme prevê o Código Civil. Os sócios, em comum acordo, deliberam pela distribuição do restante do lucro acumulado, após as devidas compensações, para que recebam alguma remuneração pelo seu capital e mantenham sua vida financeira normalmente. Assim, dos Lucros Acumulados de R$ 80.000,00, ao compensar o prejuízo contábil de R$ 30.000,00, restam R$ 50.000,00 a serem distribuídos. Deste modo: Zeus Consultoria Ltda: D – Lucros Acumulados (PL)

30.000,00

C – Apuração do Resultado do Exercício (Resultado)

30.000,00

Reconhecimento do prejuízo no encerramento do exercício social D – Lucros Acumulados (PL)

15.000,00

C – Banco Conta Movimento (AC)

15.000,00

Distribuição de lucro para CSM efetivamente realizada CSM Holding Ltda: D – Resultado negativo de Equivalência Patrimonial (Resultado)

9.000,00

C – ZEUS – Equivalência Patrimonial (Investimento – ANC)

9.000,00

Reconhecimento proporcional ao resultado da Zeus, pelo MEP

D – Banco Conta Movimento (AC)

15.000,00

C – ZEUS – Equivalência Patrimonial (Investimento – ANC)

15.000,00

Recebimento do lucro Indo para 31/12/20X3, a investida Zeus Consultoria Ltda apura novamente resultado negativo, prejuízo, agora de R$ 10.000,00. O prejuízo será suportado pelos sócios, proporcionalmente à participação de cada sócio no capital social. Não há, a esta altura, nenhum lucro remanescente no Patrimônio Líquido da investida. Desse modo: Zeus Consultoria Ltda: D – Prejuízos Acumulados (PL)

10.000,00

C – Apuração do Resultado do Exercício (Resultado)

10.000,00

Reconhecimento do prejuízo no encerramento do exercício social CSM Holding Ltda: D – Resultado negativo de Equivalência Patrimonial (Resultado)

3.000,00

C – ZEUS – Equivalência Patrimonial (Investimento – ANC)

3.000,00

Reconhecimento proporcional ao resultado da Zeus, pelo MEP Ao fim deste terceiro exercício social do exemplo, o resultado negativo decorrente da aplicação do método de equivalência patrimonial é lançado a crédito na conta de Investimentos, do ativo não circulante, até o valor do investimento. Assim, se o valor aportado de capital na Zeus Consultoria pela

CSM Holding é de R$ 75.000,00, o resultado negativo de da equivalência patrimonial poderá ser lançado no ativo não circulante até este limite.

VOCÊ SABIA? O método de equivalência patrimonial sempre traz dúvidas aos iniciantes no estudo da contabilidade. O registro da variação de sua mensuração no ativo das investidoras normalmente demanda tempo para a compreensão, incluindo seus impactos tributários. Em primeiro lugar é importante esclarecer que o método de equivalência patrimonial – MEP nada mais é do que um método de avaliação de investimentos de participações societárias em outras empresas. Assim, quando consultamos o art. 183 da Lei das Sociedades Anônimas, verificamos que, por exemplo, ativos imobilizados são avaliados pelo custo de aquisição, deduzido do saldo da respectiva conta de depreciação, amortização ou exaustão (inciso V). Já os estoques são avaliados pelo custo de aquisição ou produção, deduzido de provisão para ajustá-lo ao valor de mercado, quando este for inferior (inciso II). Por sua vez, as participações societárias são avaliadas pelo custo ou pelo método de equivalência patrimonial (inciso III). Acesse pelo QR-Code uma explicação adicional seguida de novo exemplo prático:

4.5.3

E se o investimento ficar negativo?

Quando ano após ano temos resultados positivos, você não terá problema algum. Verá o investimento subindo no ativo infinitamente. Mas, e quando os resultados negativos da investida forem se acumulando? Vimos que, no caso de resultado negativo de equivalência patrimonial, creditamos o ativo, o investimento. Considerando que é um ativo, portanto de natureza devedora, se os valores creditados superarem o valor do ativo, veremos a conta “virar”: um ativo, de natureza devedora, irá se mostrar credor. Algo que não é admissível, exceto em contas redutoras, o que não é o caso. Por isso, teremos uma trava, um limitador. O resultado negativo decorrente da aplicação do MEP é lançado a crédito na conta de Investimentos, do Ativo Não Circulante, até o valor do investimento. Assim, se o valor aportado de capital na investida for de R$ 500.000,00, o resultado negativo de equivalência patrimonial poderá ser lançado no Ativo Não Circulante até este valor. Neste momento, o que veremos no ativo da Holding será algo semelhante a isto: PARTICIPAÇÕES AVALIADAS POR EQUIVALÊNCIA PATRIMONIAL



INVESTIDA X



Investida X – Aporte de Capital

500.000,00.

Investida X – Equivalência Patrimonial

(500.000,00)

Sendo o resultado negativo superior a este limite, deverá ser analisado se o valor deve ser reconhecido no passivo, representando a obrigação legal ou construtiva assumida pelo investidor, ou se cessa temporariamente o reconhecimento das perdas.

Se observarmos a partir do item 38 do CPC 18, encontraremos a orientação de que, quando a participação do investidor nos prejuízos do período da coligada se igualar ou exceder ao saldo contábil da participação na investida, o investidor deve descontinuar o reconhecimento de sua participação em perdas futuras. Contudo, há hipótese de reconhecimento de perdas adicionais. Na mesma norma, em seu item 39, há previsão de que um passivo deve ser reconhecido, mas somente na extensão em que o investidor tiver incorrido em: I – Obrigações Legais; II – Obrigações Construtivas (não formalizadas); ou III – Pagamentos em nome da investida. Assim, pode ser objeto de discussão e análise pelo profissional responsável pela Holding, se ela pode ser considerada sob obrigações legais de suportar os prejuízos da investida. Considerando que não haverá reconhecimento do resultado negativo excedente, a Holding deve atentar para duas coisas. A primeira, é que mesmo que não haja escrituração destes resultados negativos excedentes, eles deverão ser divulgados nas Notas Explicativas. A segunda, é que havendo resultados positivos posteriores, ela só pode retomar o reconhecimento de sua participação nestes lucros após “descontar” os resultados negativos que deixaram de ser escriturados. Por fim, é de suma importância ter conhecimento de que essa análise, essa verificação sobre reconhecer ou não um passivo, isso só se aplica para coligadas. No caso de controladoras, necessariamente os passivos devem ser apresentados. Talvez você esteja se perguntando quando aconteceria de resultados negativos superarem o valor do investimento. Isso ocorre quando, na investida, observamos que os prejuízos acumulados superam o capital social. Até 2010, isso era chamado de passivo a descoberto. Com a revogação das

Resoluções CFC 847/99 e 1.049/05, contudo, esse nome deixou de existir. Podemos chamar de PL virado, de patrimônio líquido invertido, mas o princípio é o mesmo. Continuando o exemplo anterior, imagine que em 31.12.20X4, a investida Zeus Consultoria Ltda. apura mais uma vez resultado negativo, prejuízo, desta vez de R$ 248.000,00. Com este valor, os prejuízos acumulados superarão o capital social da Zeus Consultoria. O prejuízo será suportado pelos sócios, proporcionalmente à participação de cada sócio no capital social. Deste modo, teríamos: Zeus Consultoria Ltda: D – Prejuízos Acumulados (PL)

248.000,00

C – Apuração do Resultado do Exercício (Resultado)

248.000,00

Reconhecimento do prejuízo no encerramento do exercício social CSM Holding Ltda: D – Resultado negativo de Equivalência Patrimonial (Resultado)

74.400,00

C – ZEUS – Equivalência Patrimonial (Investimento – ANC)

72.000,00

C – ZEUS – Prejuízos Acumulados (Outras Obrigações – PNC)

2.400,00

Reconhecimento proporcional ao resultado da Zeus, pelo MEP No lançamento acima, optou-se pela política contábil de reconhecimento do passivo. Isso seria obrigatório para uma controladora ou para uma coligada que identificasse assumir obrigações (legais ou construtivas). Alternativamente, se a CSM Holding fosse uma coligada que não fosse reconhecer o passivo, o lançamento seria:

D – Resultado negativo de Equivalência Patrimonial (Resultado)

72.000,00

C – ZEUS – Equivalência Patrimonial (Investimento – ANC)

72.000,00

Reconhecimento proporcional ao resultado da Zeus, pelo MEP Os R$ 2.400,00, apesar de não escriturados, seriam divulgados em Nota Explicativa, inclusive para controle. Indo para 31.12.20X5, a investida Zeus Consultoria Ltda volta a apurar resultado positivo, lucro, de R$ 400.000,00. O resultado será utilizado para suportar os prejuízos acumulados. Nesse momento, a Zeus Consultoria passa a demonstrar um PL voltando à normalidade, com capital social e lucros. Do lucro remanescente, após a compensação dos prejuízos até então acumulados, 50% será mantido como Lucros Acumulados e 50% será destinado à distribuição aos sócios, proporcionalmente à participação de cada um no capital social. Vejamos: Zeus Consultoria Ltda: D – Apuração do Resultado do Exercício (Resultado)

400.000,00

C – Prejuízos Acumulados (PL)

258.000,00

C – Lucros Acumulados (PL)

142.000,00

Reconhecimento do lucro no encerramento do exercício social e compensação dos prejuízos acumulados D – Lucros Acumulados (PL)

21.300,00

C – Banco Conta Movimento (AC)

21.300,00

Distribuição de lucro para CSM efetivamente realizada

CSM Holding Ltda: D – ZEUS – Equivalência Patrimonial (Investimento – ANC) 117.600,00 D – ZEUS – Prejuízos Acumulados (Outras Obrigações – PNC) 2.400,00 C – Resultado positivo de Equivalência Patrimonial (Resultado) 120.000,00 Reconhecimento proporcional ao resultado da Zeus, pelo MEP D – Banco Conta Movimento (AC) 21.300,00 C – ZEUS – Equivalência Patrimonial (Investimento – ANC) 21.300,00 Recebimento do lucro Uma vez que houve o reconhecimento do passivo no exercício social anterior do nosso exemplo, agora, quando do resultado positivo, este é reconhecido integralmente. Caso no momento anterior tivéssemos, alternativamente, não reconhecido o excedente de prejuízo (os R$ 2.400,00 do ano 20X4), o penúltimo lançamento mostrado teria sido diferente, como exemplificamos a seguir: D – ZEUS – Equivalência Patrimonial (Investimento – ANC) 117.600,00 C – Resultado positivo de Equivalência Patrimonial (Resultado) 117.600,00 Reconhecimento proporcional ao resultado da Zeus, pelo MEP Neste caso, assim como tinha sido divulgado em Nota Explicativa, o

excedente de prejuízo não reconhecido como passivo da investidora, agora seria divulgado que o resultado positivo de equivalência patrimonial foi reconhecido líquido, após descontado aquele excedente de prejuízo. O lançamento do recebimento do lucro se manteria idêntico.

4.6

Custo de aquisição e seu desdobramento

Até aqui, falamos do comportamento dos investimentos após já estarem no ativo. Simplificamos, para fins didáticos, o valor de aquisição, o valor pelo qual surge o investimento no ativo da Holding. Quando a Holding é quem funda, quem constitui uma nova sociedade investida, o custo de aquisição do investimento de fato é o valor nominal daquela participação. Não há maiores detalhes a observar. Agora, nem sempre esse é o caminho. Pode ocorrer da Holding comprar participações de terceiros. Isso, inclusive, pode fazer parte de estratégias para o planejamento tributário do ITCMD. Neste cenário, o valor inicial da aquisição de uma participação societária, do ponto de vista contábil, deve ser segregado. É o chamado desdobramento do custo de aquisição, previsto no CPC 15, que acontece da seguinte maneira: Valor do Patrimônio Líquido

É o valor contábil, o que aparece no Balanço Patrimonial e representa o percentual do Patrimônio Líquido da investida que foi adquirido.

Mais-valia de ativos líquidos

É a diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida, na proporção da porcentagem da participação adquirida, e o valor do patrimônio líquido adquirido, quando há aumento no valor dos ativos pelo seu valor justo.

Ágio por expectativa de rentabilidade futura (Goodwill)

É a diferença entre o valor negociado pela aquisição, em regra amparado por uma justificativa econômica, e a soma da mais-valia e do valor do patrimônio líquido adquirido, quando o valor de aquisição é superior.

Alternativamente, pode haver: Menos-valia de ativos líquidos

É a diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida, na proporção da porcentagem da participação adquirida, e o valor do patrimônio líquido adquirido, quando há decréscimo no valor dos ativos. Assim, a menos-valia não coexiste com a mais-valia, é justamente seu oposto.

Ganho por Compra Vantajosa

É a diferença entre o valor negociado pela aquisição e a soma da mais-valia (ou da menos-valia) e do valor do patrimônio líquido adquirido, quando o valor de aquisição é inferior. Ou seja, é a comparação do valor de negociação com o “valor justo” da entidade. Nestes casos, trata-se de uma receita, um ganho a ser reconhecido no resultado do adquirente. O ganho por compra vantajosa não coexiste com o ágio fundamentado em rentabilidade futura, o goodwill.

VOCÊ SABIA? O Decreto-lei 1.598/1977 disciplina sobre o registro do custo de aquisição. Confira: Art. 20. O contribuinte que avaliar investimento pelo valor de patrimônio líquido deverá, por ocasião da aquisição da participação, desdobrar o custo de aquisição em: I – valor de patrimônio líquido na época da aquisição, determinado de acordo com o disposto no artigo 21; e II – mais ou menos valia, que corresponde à diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida, na proporção da porcentagem da participação adquirida, e o valor de que trata o inciso I do caput; e

III – ágio por rentabilidade futura (goodwill), que corresponde à diferença entre o custo de aquisição do investimento e o somatório dos valores de que tratam os incisos I e II do caput. O tema é bastante arenoso e como o objetivo do livro é trazer discussões práticas, vamos ilustrar com um caso concreto: digamos que uma Holding adquire, em 01/01/20X1, 50% do patrimônio de uma investida. Contudo, antes de definir valores pelo negócio, ocorre a avaliação do patrimônio da empresa a ser investida por perito independente. O Patrimônio Líquido da recém-investida é de R$ 200.000,00, portanto, observando o PL, a Holding está adquirindo R$ 100.000,00 de valor contábil, ou valor patrimonial. É necessário desdobrar este valor, identificando cada parte individualmente. Assim, se procedeu à avaliação patrimonial desta investida, avaliando todos os seus ativos e passivos pelo valor justo. Diante da avaliação, identificou-se a seguinte situação: Valor Contábil

Valor Justo

ATIVO

320.000,00

530.000,00

ATIVO CIRCULANTE

120.000,00

120.000,00

ATIVO NÃO CIRCULANTE

200.000,00

410.000,00

Valor Contábil PASSIVO

Valor Justo

320.000,00

320.000,00

PASSIVO CIRCULANTE

70.000,00

70.000,00

PASSIVO NÃO

50.000,00

50.000,00

Diferença

210.000,00

Diferença

CIRCULANTE PATRIMÔNIO LÍQUIDO

200.000,00

???

A avaliação, na prática, levará em conta cada item do ativo e do passivo, detalhadamente. Aqui, para fins didáticos e para não tornar a tabela excessivamente longa, apresentamos, de modo sintético, somente pela estrutura geral do patrimônio da empresa investida. Esta situação será usada, daqui por diante, nos próximos exemplos, e será identificada como Caso 1. Vamos, agora, para o Caso 2: Iniciamos este caso da mesma forma que o anterior: uma Holding adquire, em 01.01.20X1, 50% do patrimônio de uma investida. Contudo, antes de definir valores pelo negócio, ocorre a avaliação do patrimônio da empresa a ser investida por perito independente. O valor contábil do Patrimônio Líquido da recém-investida é de R$ 200.000,00, portanto a Holding está adquirindo R$ 100.000,00 do valor contábil dessa empresa. Através da avaliação patrimonial desta investida, verificou-se seguinte situação: Valor Contábil

Valor Justo

Diferença

ATIVO

320.000,00

270.000,00

ATIVO CIRCULANTE

120.000,00

120.000,00

ATIVO NÃO CIRCULANTE

200.000,00

150.000,00

-50.000,00

Valor Contábil

Valor Justo

Diferença

320.000,00

320.000,00

70.000,00

70.000,00

PASSIVO PASSIVO CIRCULANTE

PASSIVO NÃO CIRCULANTE

50.000,00

50.000,00

PATRIMÔNIO LÍQUIDO

200.000,00

???

Novamente, é importante salientar que a avaliação, na prática, levará em conta cada item do ativo e do passivo, detalhadamente. Aqui, para fins didáticos e para não tornar a tabela excessivamente longa, apresentamos de modo sintético, somente pela estrutura geral do patrimônio da empresa investida. Esta situação será usada, daqui por diante, nos próximos exemplos, e será identificada como Caso 2.

4.6.1

Mais-valia (ou menos-valia) de ativos líquidos

A primeira segregação do custo de aquisição é a mais-valia ou a menosvalia de ativos líquidos. Essa segregação é determinada pela diferença entre o valor justo dos ativos líquidos da investida, na proporção da porcentagem da participação adquirida, e o valor do patrimônio líquido adquirido. Quando o valor justo é superior, há uma mais-valia. Quando o valor justo é inferior, há uma menos-valia. Sua existência é evidenciada em laudo emitido por um perito independente, a ser devidamente registrado. Com a publicação e vigência da Lei 12.973/2014, assim como pela posterior disposição da Receita Federal do Brasil através da Instrução Normativa RFB 1.515/2014, atualmente revogada pela Instrução Normativa RFB 1.700/2017, passou a haver previsão de que o laudo seja protocolado na Secretaria da Receita Federal do Brasil. Alternativamente, o sumário deste laudo pode ser registrado em Cartório de Registro de Títulos e Documentos. Nos dois casos, contudo, o prazo é o mesmo: até o último dia útil do 13º mês subsequente ao da aquisição da participação. Seguindo em nosso exemplo, com base no laudo resumido apresentado no

Caso 1, podemos identificar primeiramente se há mais-valia ou menos-valia, e em seguida determinar seu valor. Entre o valor contábil e o valor justo, verificou-se que o valor justo de itens do Ativo Não Circulante é superior ao valor contábil deles. Os passivos, bem como demais ativos, não apresentaram oscilação entre valor contábil e valor justo. Uma representação mais matemática dessa afirmação seria: Valor Justo do Ativo Líquido = Valor Justo do Ativo – Valor Justo do Passivo Valor Justo do Ativo Líquido = R$ 530.000,00 – R$ 120.000,00 Valor Justo do Ativo Líquido = R$ 410.000,00 Em seguida, é possível determinar a mais-valia da operação, identificando a diferença entre o valor justo dos ativos líquidos e o valor do patrimônio líquido adquirido. Vejamos: Mais ou menos valia = (PL Valor Justo x % de Participação) – PL Contábil adquirido Mais ou menos valia = (R$ 410.000,00 x 50%) – R$ 100.000,00 Mais ou menos valia = R$ 205.000,00 – R$ 100.000,00 Mais ou menos valia = R$ 105.000,00 Desse modo, podemos dizer que o valor justo da participação a ser adquirida se desdobra do seguinte modo: Valor do Patrimônio Líquido: R$ 100.000,00 Mais-valia dos Ativos Líquidos: R$ 105.000,00 Caso a operação fosse firmada por estes R$ 205.000,00, a contabilização seria: D – Controlada – Aporte de Capital (ANC)

100.000,00

D – Controlada – Mais-valia sobre Ativos Líquidos (ANC)

105.000,00

C – Banco Conta Movimento (AC)

205.000,00

No Ativo Não Circulante da Holding, no grupo de Investimentos, encontraremos a seguinte composição referente à controlada recémadquirida: PARTICIPAÇÕES AVALIADAS POR EQUIV. PATRIMONIAL

205.000,00

CONTROLADA

205.000,00

CONTROLADA – Aporte de Capital CONTROLADA – Equivalência Patrimonial CONTROLADA – Mais-valia sobre Ativos Líquidos CONTROLADA – Ágio por Rentabilidade Futura

100.000,00 0,00 105.000,00 0,00

Vejamos, agora, um exemplo com menos-valia. Com base no laudo resumido apresentado no Caso 2, podemos identificar primeiramente se há mais-valia ou menos-valia, e em seguida determinar seu valor. Entre o valor contábil e o valor justo, verificou-se que o valor justo de um item do Ativo Não Circulante da investida é inferior ao valor contábil. Os passivos, bem como demais ativos, não apresentaram oscilação entre valor contábil e valor justo. Uma representação mais matemática dessa afirmação seria: Valor Justo do Ativo Líquido = Valor Justo do Ativo – Valor Justo do Passivo Valor Justo do Ativo Líquido = R$ 270.000,00 – R$ 120.000,00 Valor Justo do Ativo Líquido = R$ 150.000,00 Em seguida, é possível determinar a menos-valia da operação,

identificando a diferença entre o valor justo dos ativos líquidos e o valor do patrimônio líquido adquirido. Vejamos: Mais ou menos valia = (PL Valor Justo x % de Participação) – PL Contábil adquirido Mais ou menos valia = (R$ 150.000,00 x 50%) – R$ 100.000,00 Mais ou menos valia = R$ 75.000,00 – R$ 100.000,00 Mais ou menos valia = R$ – 25.000,00 Deste modo, podemos dizer que o valor justo da participação a ser adquirida se desdobra do seguinte modo: Valor do Patrimônio Líquido: R$ 100.000,00 Menos-valia dos Ativos Líquidos: R$ – 25.000,00 Caso a operação fosse firmada por estes R$ 75.000,00, a contabilização seria: D – Controlada – Aporte de Capital (ANC)

100.000,00

C – (-) Controlada – Menos-valia sobre Ativos Líquidos (ANC)

25.000,00

C – Banco Conta Movimento (AC)

75.000,00

No Ativo Não Circulante da Holding, no grupo de Investimentos, encontraremos a seguinte composição referente à controlada recémadquirida: PARTICIPAÇÕES AVALIADAS POR EQUIV. PATRIMONIAL

75.000,00

CONTROLADA Y

75.000,00

CONTROLADA Y – Aporte de Capital

100.000,00

CONTROLADA Y – Equivalência Patrimonial (-) CONTROLADA Y – Menos-valia sobre Ativos Líquidos

0,00 (25.000,00)

Tais valores de mais ou menos-valia comporão o custo de aquisição do investimento e, em caso de incorporação, fusão ou cisão poderão (no caso da mais-valia) e deverão (no caso da menos-valia) ser considerados como integrantes do custo dos bens ou direitos que lhe deram causa para efeito de determinação de ganho ou perda de capital e do cômputo da depreciação, amortização ou exaustão, conforme estabelecem os arts. 20 e 21 da Lei 12.973/2014.

4.6.2

Ágio por expectativa de rentabilidade futura (goodwill)

Identificada a mais ou a menos valia na operação de aquisição, deve-se por fim determinar se há ágio por expectativa de rentabilidade futura, popularmente chamado de goodwill. Ele é a diferença a maior entre o valor negociado pela aquisição, tradicionalmente motivado por uma justificativa econômica, e a soma da mais-valia e do valor do patrimônio líquido adquirido (ou seja, o valor justo da participação adquirida). A título de comparação, caso a diferença fosse a menor, teríamos um ganho por compra vantajosa, que será abordado em outro tópico. Assim, de um modo mais matemático, para cálculo efetivamente, podemos representar este ágio da seguinte maneira: Goodwill = Valor da Aquisição – (Mais ou menos valia + PL Contábil Adquirido) Vamos continuar a partir do Caso 1 e do exemplo de mais-valia apresentado anteriormente, para analisar o tópico referente ao ágio por expectativa de rentabilidade futura. Naquela ocasião, identificamos que o valor justo da participação a ser

adquirida era de R$ 205.000,00, que se desdobrava da seguinte forma: Valor do Patrimônio Líquido: R$ 100.000,00 Mais-valia dos Ativos Líquidos: R$ 105.000,00 Neste exemplo, contudo, apontou-se que há potencial de negócios futuros dessa empresa, considerando negociações em estágio avançado. Eles não impactam na avaliação do valor justo, mas foram apontados no laudo como uma justificativa econômica para que a participação seja negociada por valor maior. Assim, a compra da participação se concretizou por R$ 250.000,00. A representação ficará desta forma: Goodwill = Valor da Aquisição – (Mais ou menos valia + PL Contábil Adquirido) Goodwill = R$ 250.000,00 – (R$ 100.000,00 + R$ 105.000,00) Goodwill = R$ 250.000,00 – R$ 205.000,00 Goodwill = R$ 45.000,00 Podemos concluir que o desdobramento deste custo de aquisição é: Valor do Patrimônio Líquido: R$ 100.000,00 Mais-valia dos Ativos Líquidos: R$ 105.000,00 Goodwill: R$ 45.000,00 Por fim, a contabilização será feita da seguinte forma: D – Controlada – Aporte de Capital (ANC)

100.000,00

D – Controlada – Mais-valia sobre Ativos Líquidos (ANC)

105.000,00

D – Controlada – Ágio por Rentabilidade Futura (ANC)

45.000,00

C – Banco Conta Movimento (AC)

250.000,00

No Ativo Não Circulante da Holding, no grupo de Investimentos, encontraremos a seguinte composição referente à controlada recémadquirida: PARTICIPAÇÕES AVALIADAS POR EQUIV. PATRIMONIAL

250.000,00

CONTROLADA

250.000,00

CONTROLADA – Aporte de Capital CONTROLADA – Equivalência Patrimonial

100.000,00 0,00

CONTROLADA – Mais-valia sobre Ativos Líquidos

105.000,00

CONTROLADA – Ágio por Rentabilidade Futura

45.000,00

Aqui, cabe uma ressalva. O mesmo raciocínio poderia ter partido do Caso 2, em que houve menos-valia. Não raro, estudantes desta matéria chegam a uma falsa relação, de que somente casos com mais-valia podem ter goodwill, o que não é verdade. Pode haver a composição “mais-valia e goodwill”, assim como pode haver a composição “menos-valia e goodwill”. O que nunca haverá é mais-valia e menos-valia na mesma operação, elas são mutuamente excludentes. Esse valor referente ao ágio sofrerá efeitos tributários relevantes no caso de absorção do patrimônio de uma das empresas por outra, conforme determina o art. 22 da Lei 12.973/2014. Confira: Art. 22. A pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão, na qual detinha participação societária adquirida com ágio por rentabilidade futura (goodwill) decorrente da aquisição de participação societária entre partes não dependentes, apurado segundo o disposto no inciso III do caput do

art. 20 do Decreto-Lei no 1.598, de 26 de dezembro de 1977, poderá excluir para fins de apuração do lucro real dos períodos de apuração subsequentes o saldo do referido ágio existente na contabilidade na data da aquisição da participação societária, à razão de 1/60 (um sessenta avos), no máximo, para cada mês do período de apuração. (destacamos) Portanto, merecem especial atenção as operações envolvendo aquisição com ágio, lembrando que, nos termos dos §§ 1º e 2º do artigo acima referido, a dedutibilidade fiscal do ágio depende de laudo realizado nos termos do o § 3º do art. 20 do Dec.-lei 1.598, de 26 de dezembro de 1977. Por fim, é conveniente destacar que o ágio não pode ser amortizado contabilmente, ficando sujeito somente ao teste de impairment, disciplinado pelo CPC 01 (R1) – Redução ao Valor Recuperável de Ativos. Evitando-se confusão entre a normatização tributária e contábil, Ramon Tomazela Santos (2020, p. 73) esclarece: Portanto, no atual regime, o ágio é contabilizado como um ativo intangível e, no mais das vezes, não pode mais ser amortizado, submetendo-se ao teste relativo ao valor recuperável de ativos, de acordo com os itens 107 e 108 do Pronunciamento Técnico CPC nº 04. Por isso, o reconhecimento do ágio de rentabilidade futura como despesa dedutível, para fins de determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, geralmente ocorre via exclusão no e-LALUR e no e-LACS, independentemente da inexistência de despesa reconhecida na escrituração comercial.

4.6.3

Ganho por compra vantajosa

O ganho por compra vantajosa é uma receita. Ele ocorre quando há diferença a menor entre o valor negociado pela aquisição da participação societária e a soma da mais-valia e do valor do patrimônio líquido adquirido.

Podemos demonstrar o ganho por compra vantajosa da mesma forma que o goodwill, contudo, com o resultado sendo negativo:

Ganho = Valor da Aquisição – (Mais ou menos valia + PL Contábil Adquirido) Vamos continuar a partir do Caso 1 e do exemplo de mais-valia apresentado anteriormente. Naquela ocasião, identificamos que o valor justo da participação a ser adquirida era de R$ 205.000,00, que se desdobrava da seguinte forma: Valor do Patrimônio Líquido: R$ 100.000,00 Mais-valia dos Ativos Líquidos: R$ 105.000,00 Desta vez, contudo, considerando o momento econômico e os interesses financeiros das partes, chegou-se ao valor negocial de R$ 150.000,00. A representação ficará desta forma: Ganho = Valor da Aquisição – (Mais ou menos valia + PL Contábil Adquirido) Ganho = R$ 150.000,00 – (R$ 100.000,00 + R$ 105.000,00 Ganho = R$ 150.000,00 – R$ 205.000,00 Ganho = R$ – 55.000,00 Podemos concluir que o desdobramento deste custo de aquisição é: Valor do Patrimônio Líquido: R$ 100.000,00 Mais-valia dos Ativos Líquidos: R$ 105.000,00 Ganho por Compra Vantajosa: R$ – 55.000,00 Por fim, a contabilização será feita da seguinte forma: D – Controlada – Aporte de Capital (ANC)

100.000,00

D – Controlada – Mais-valia sobre Ativos Líquidos (ANC)

105.000,00

C – Banco Conta Movimento (AC) C – Ganho por Compra Vantajosa (Resultado)

150.000,00 55.000,00

No Ativo Não Circulante da Holding, no grupo de Investimentos, encontraremos a seguinte composição referente à controlada recémadquirida: PARTICIPAÇÕES AVALIADAS POR EQUIV. PATRIMONIAL

205.000,00

CONTROLADA

205.000,00

CONTROLADA – Aporte de Capital CONTROLADA – Equivalência Patrimonial CONTROLADA – Mais-valia sobre Ativos Líquidos CONTROLADA – Ágio por Rentabilidade Futura

100.000,00 0,00 105.000,00 0,00

Nos termos do art. 23 da Lei 12.973/2014, o ganho por compra vantajosa, quando a pessoa jurídica que absorver patrimônio de outra, em virtude de incorporação, fusão ou cisão deverá computar o referido ganho na determinação do lucro real dos períodos de apuração subsequentes à data do evento, à razão de 1/60, no mínimo, para cada mês do período de apuração.

5.

IMÓVEIS NA HOLDING

Observando o que é, originalmente, uma Holding, sua essência é concentrar participações societárias. Contudo, como mencionado ao longo deste livro, tornou-se muito habitual no Brasil, associar o termo Holding com empresas que concentram imóveis. Isso se tornou tão recorrente que podemos inclusive dizer que hoje, ao falar de Holding, imediatamente o interlocutor imagina uma estrutura para cuidar dos imóveis de uma família, provavelmente focado em sucessão, planejamento tributário etc.

Por isso, não poderíamos deixar de observar aqui as diferentes classificações contábeis que um imóvel pode ter na contabilidade dessa empresa. A entrada dos imóveis no ativo da Holding pode ocorrer de diferentes formas. Por formação de capital social (integralização ou aumento), por compra e venda, por recebimento de lucros, entre outras. Tudo isso, contudo, define o crédito do lançamento contábil, ou seja, sua origem. Para sabermos o débito do lançamento, ou seja, onde esse imóvel será classificado no ativo, precisamos olhar noutra direção. Precisamos olhar para a destinação do imóvel, que seria o que a sociedade pretende fazer com ele. A visão geral do lançamento contábil, portanto, seria: D – A destinação do imóvel C – A origem do imóvel Será um imóvel para alugar? Para vender? Talvez para manter o dinheiro investido, protegendo o patrimônio? Vamos então olhar todas as classificações de um imóvel nas chamadas Holdings Patrimoniais, compreendendo qual destinação combina com cada classificação. 1

ATIVO

1.1

ATIVO CIRCULANTE

1.1.X

ESTOQUES

1.1.X.01

ESTOQUE DE IMÓVEIS ADQUIRIDOS PARA REVENDA

1.1.X.01.01

APARTAMENTOS

1.1.X.01.01.01

RESIDENCIAL MAR AZUL

1.1.X.01.01.01.001

Apartamento 101

1.1.X.01.01.01.002

Apartamento 102

1.1.X.01.01.01.099

(-) Perdas Estimadas

1.2

ATIVO NÃO CIRCULANTE

1.2.Y

PROPRIEDADES PARA INVESTIMENTO

1.2.Y.01

PROPRIEDADES AVALIADAS PELO VALOR JUSTO

1.2.Y.01.01

SALAS COMERCIAIS

1.2.Y.01.01.01

ALFA OFFICE TOWER

1.2.Y.01.01.01.001

Alfa Office Tower – Sala Comercial 1302

1.2.Y.01.01.01.002

Alfa Office Tower – Sala Comercial 1302 – AVJ

1.2.Y.01.01.02

SHOPPING VILA

1.2.Y.01.01.02.001

Shopping Vila – Sala Comercial 316

1.2.Y.01.01.02.002

Shopping Vila – Sala Comercial 316 – AVJ

1.2.Y.01.02

PROPRIEDADES AVALIADAS PELO CUSTO

1.2.Y.01.02.01

RESIDENCIAL APOLLO

1.2.Y.01.02.01.001

Residencial Apollo – Apartamento 1501

1.2.Y.01.02.01.098

(-) Depreciação Acumulada

1.2.Y.01.02.01.099

(-) Perdas Estimadas

1.2.Z

ATIVO IMOBILIZADO

1.2.Z.01

IMOBILIZADOS PARA USO ADMINISTRATIVO

1.2.Z.01.01

IMÓVEIS PARA USO ADMINISTRATIVO

1.2.Z.01.01.01

SEDE

1.2.Z.01.01.01.001

Sede – Rua XV de Novembro, 123 – Terreno

1.2.Z.01.01.01.002

Sede – Rua XV de Novembro, 123 – Edificação

1.2.Z.01.01.01.098

(-) Depreciação Acumulada

1.2.Z.01.01.01.099

(-) Perdas Estimadas

Esquematicamente, podemos resumir as possibilidades de registro dos imóveis no ativo da empresa da seguinte forma:

6.

ESTOQUE (AC)

Quando uma empresa adquire imóveis para vendê-los, e a venda de imóveis é uma das atividades dessa empresa, a classificação contábil apropriada é no estoque, conforme o CPC 16. O pronunciamento técnico usa a expressão “no curso normal dos negócios”. Ou seja, aquilo que lhe é

habitual, esperado.

VOCÊ SABIA? Segundo Item 6 do CPC 16: Estoques são ativos: (a) mantidos para venda no curso normal dos negócios; (b) em processo de produção para venda; ou ver na forma de materiais ou suprimentos a serem consumidos ou transformados no processo de produção ou na prestação de serviços. Estamos falando de dois critérios, portanto. Um, é a sociedade ter a intenção de vender este imóvel. Outro, é essa sociedade possuir a atividade de vender imóveis. Traduzindo para os trâmites mais práticos, ter a atividade de compra e venda de imóveis próprios significa possuir esta CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas) no CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas) e, portanto, no seu objeto social. Muito semelhante a um comércio, que compra mercadorias para revender, empresas do setor imobiliário compram terrenos, apartamentos, casas, salas comerciais e outros tipos de imóveis para revendê-los, contabilizando essa aquisição da seguinte forma: D – Estoque de Imóveis para Revenda (AC) – C – Contas a Pagar (PC) A forma mais tradicional de um imóvel ser levado para a Holding, no contexto familiar, é através da formação de capital social. Ao menos inicialmente, no princípio da vida social dessa entidade. Numa subscrição e integralização de capital social com imóveis destinados à venda, teremos:–D – Capital Social a Integralizar (PL) –C – Capital Social (PL) Subscrição do capital social D – Estoque de Imóveis para Revenda (AC) – C – Capital Social a Integralizar (PL)

Integralização do capital social com o imóvel Note, portanto, que a origem do imóvel é irrelevante para a classificação dele no ativo da entidade. Tanto a entrada dele por compra quanto a entrada por formação de capital social, igualmente pode dar origem ao estoque de imóvel para revenda. Não por acaso utilizamos estas duas formas de entrada. Elas são as mais habituais para uma Holding (ainda que não as únicas). No início do planejamento, quando os imóveis estão na pessoa física e precisam ser transferidos para a Holding, o caminho natural é que estas pessoas físicas integralizem ou aumentem o capital social com imóveis. A partir do momento que a empresa já existe, contudo, o movimento natural passa a ser outro. Pensando inclusive em evitar discussões sobre ITBI e taxas desnecessárias no processo de transferência, com a Holding já existente, faz mais sentido que o recurso financeiro seja alocado nela e a própria pessoa jurídica faça a compra dos novos imóveis. Como, nesse caso, a intenção é vender, precisamos também conhecer a forma de contabilizar a venda do imóvel classificado no estoque. Aqui, há de se observar uma particularidade do setor imobiliário. Ainda que a contabilização seja feita sempre por competência, a tributação não é. No art. 30 da Lei 8.981/1995, a legislação tributária deixa claro que na venda de imóveis, a receita bruta, aquela que deve ser tributada, é o valor efetivamente recebido. Portanto, quem se propõe a estudar em profundidade a matéria imobiliária (e aqui algumas Holdings estão inseridas), precisará necessariamente tomar conhecimento dos tributos diferidos, conforme o CPC 32, cujo título é “tributos sobre o lucro”. Contudo, esse tema extrapola o escopo principal dessa obra e, por isso, não iremos nos aprofundar para não tornar essa leitura excessivamente extensa. Como habitual, um exemplo é ilustrativo e facilita o aprendizado do tema.

Vamos considerar que o Sr. José da Silva constitui a CSM Holding Ltda, na qual subscreve um capital social de R$ 250.000,00, o qual será integralizado com um apartamento da qual é proprietário. Assim, teremos: –D – Capital Social a Integralizar (PL) 250.000,00–C – Capital Social (PL) 250.000,00 Subscrição do capital social D – Estoque de Imóveis para Revenda (AC) 250.000,00 – C – Capital Social a Integralizar (PL) 250.000,00 Integralização do capital social com o imóvel Com a Holding já constituída e seu capital formado, ela vende este apartamento por R$ 400.000,00, totalmente a prazo, sem entrada. O registro contábil dessa operação será:–D – Clientes (AC) 400.000,00 – C – Receita de Venda de Imóveis (Resultado) 400.000,00 Venda do estoque D – Custo de Imóveis Vendidos (Resultado) 250.000,00 – C – Estoque de Imóveis para Revenda (AC) 250.000,00 Realização do imóvel pela venda Quando o cliente pagar à Holding uma parcela pelo imóvel negociado, teremos: D – Banco (AC) 10.000,00 – C – Clientes (AC) 10.000,00 Recebimento do cliente

Algumas observações importantes, considerando essa operação de venda do imóvel que havia sido usado na formação do capital social. Uma dúvida muito frequente é se, por conta disso, se faz necessário reduzir o capital social ou alterar o contrato social na Junta Comercial. E a resposta é negativa para ambas as dúvidas. Numa empresa operacional, você faz isso de forma habitual. O sócio integraliza capital social com dinheiro, por exemplo. Esse dinheiro é consumido para comprar mercadorias para o estoque. Esse estoque é realizado por meio da venda, virando dinheiro que o cliente paga. E certamente você nunca alterou o contrato social ou fez redução de capital social por isso, certo? Com imóveis e com uma Holding o procedimento é o mesmo. O capital social continua conforme original. A informação histórica, de que o capital, lá naquela época, foi integralizado com o dito imóvel é mantida inalterada. Outra questão relevante é que há, efetivamente, um descompasso temporal entre a receita contábil e a receita fiscal. A Contabilidade sempre observa o princípio da competência, portanto a receita de venda do imóvel é demonstrada quando a venda foi efetivada, independente de recebimentos. Já a legislação tributária determina que a receita bruta seja pelo efetivamente recebido. Assim, para fins de apuração dos tributos, somente quando do efetivo recebimento haverá receita sendo reconhecida.

6.1

Propriedade para Investimento (ANC)

Essa classificação é utilizada para imóveis que a empresa tem ou arrenda com a intenção de alugar a terceiros, para manter o dinheiro investido (capitalizar) ou para as duas coisas, seguindo o CPC 28. Certamente é a classificação contábil mais habitual para imóveis numa Holding Patrimonial. Aqui, inclusive, já podemos identificar um erro muito comum de quem não se especializa na Contabilidade de Holding e na Contabilidade

Imobiliária de forma geral. Quando uma empresa tem a atividade de alugar seus imóveis próprios, tais bens não devem ser classificados no Ativo Imobilizado, mas sim em Propriedade para Investimento. Essa confusão acontece porque bens em geral para aluguel, como máquinas, veículos, computadores etc., realmente ficam no ativo imobilizado. Até mesmo imóveis para alugar podem ficar no ativo imobilizado, quando isso não é uma atividade econômica para a empresa. É o caso, por exemplo, de uma indústria que tenha imóveis funcionais, que são alugados para funcionários deslocados de uma cidade para a outra. Mas não é isso que acontece no segmento que estamos estudando aqui.

VOCÊ SABIA: Segundo o CPC 28 “Propriedade para investimento é a propriedade (terreno ou edifício – ou parte de edifício – ou ambos) mantida (pelo proprietário ou pelo arrendatário como ativo de direito de uso) para auferir aluguel ou para valorização do capital ou para ambas e, não, para: (a) uso na produção ou fornecimento de bens ou serviços ou para finalidades administrativas; ou (b) venda no curso ordinário do negócio. Incorporadoras, loteadoras, Holdings patrimoniais, empresas de construção para venda... todas elas acabam alugando imóveis. Essa é uma atividade com finalidade econômica para referidas pessoas jurídicas. E a principal diferença entre um Ativo Imobilizado e uma Propriedade para Investimento, pensando na prática contábil, está na mensuração subsequente. Como já tivemos oportunidade de perceber, assim que o imóvel é adquirido, ele é reconhecido na contabilidade. Isso é chamado de reconhecimento inicial. Esse reconhecimento inicial é feito pelo custo de

aquisição, ou seja, pelo valor que a empresa pagou na compra (ou utilizado na integralização de capital). Imaginando que uma Holding adquira um imóvel com essa intenção, a contabilização ficará da seguinte forma: –D – Propriedade para Investimento (ANC) –C – Contas a Pagar (PC) A forma mais tradicional de um imóvel ser levado para a Holding, no contexto familiar, é através da formação de capital social. Ao menos inicialmente, no princípio da vida social dessa entidade. Numa subscrição e integralização de capital social com imóveis destinados a aluguel ou a manter o dinheiro investido, teremos: –D – Capital Social a Integralizar (PL) –C – Capital Social (PL) Subscrição do capital social –D – Propriedade para Investimento (ANC) –C – Capital Social a Integralizar (PL) Integralização do capital social com o imóvel Note que, do mesmo modo que ocorreu nos estoques, aqui também a origem do imóvel é irrelevante para a classificação dele no ativo da entidade. Tanto a entrada por compra quanto a entrada por formação de capital social, igualmente podem dar origem a uma Propriedade para Investimento. Depois que o imóvel já pertence à Holding, dependendo do tipo de ativo, aplica-se uma forma de “atualizar”, por assim dizer, o seu valor. Isso é a mensuração subsequente. No Ativo Imobilizado, o único método admitido no Brasil é o método de custo. Nele, a empresa deprecia o ativo mensalmente, como veremos em tópico mais adiante. Nas Propriedades para Investimento, o CPC 28 prevê que o imóvel pode ser atualizado pelo método de valor justo. Neste método, o imóvel não é depreciado. Periodicamente, pelo menos na elaboração de cada balanço, a empresa atualiza (aumentando ou diminuindo) o valor do imóvel conforme a seu valor justo.

Se na data da elaboração das demonstrações contábeis for avaliado que o valor justo do imóvel subiu, a contabilização correspondente será: –D – Propriedade para Investimento – AVJ (ANC) –C – Resultado de Avaliação a Valor Justo (Resultado) Avaliação a Valor Justo maior que o valor contábil atual Contudo, se na data da elaboração das demonstrações contábeis, a avaliação for de que o valor justo do imóvel decaiu, teremos: –D – Resultado de Avaliação a Valor Justo (Resultado) –C – Propriedade para Investimento – AVJ (ANC) Avaliação a Valor Justo menor que o valor contábil atual Apesar de, contabilmente, a avaliação a valor justo aumentar ou diminuir o ativo em contrapartida do resultado, vale salientar que essa alteração patrimonial e de resultado é somente para fins contábeis. Ou seja, ela possui neutralidade tributária. Para garantir que não haja reflexos na apuração dos tributos, é uma prática importante segregar a AVJ por meio de uma subconta relacionada com a conta contábil do ativo em questão, conforme determinam arts. 13 e 14 da Lei 12.973/2014.

VOCÊ SABIA O item 9 do CPC 46 define valor justo “como o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data de mensuração”. Alternativamente, pode ser aplicado o método de custo em imóveis classificados como Propriedade para Investimento, principalmente quando não é viável identificar o valor justo do imóvel. Nestes casos, o tratamento acaba sendo o mesmo de um ativo imobilizado, realizando a depreciação mensal normalmente. Vamos considerar, para ilustrar, que o Sr. José da Silva constitui a CSM

Holding Ltda, na qual subscreve um capital social de R$ 250.000,00, o qual será integralizado com um apartamento do qual é proprietário, destinado a gerar renda de aluguel. Assim, teremos: –D – Capital Social a Integralizar (PL) 250.000,00 –C – Capital Social (PL) 250.000,00 Subscrição do capital social –D – Propriedades para Investimento (ANC) 250.000,00 –C – Capital Social a Integralizar (PL) 250.000,00 Integralização do capital social com o imóvel Com a Holding já constituída e seu capital formado, ela aluga este apartamento por R$ 5.000,00 mensais. O registro contábil dessa operação será:–D – Clientes (AC) 5.000,00 –C – Receita de Aluguel de Imóveis (Resultado) 5.000,00 Receita de aluguel –D – Banco (AC) 5.000,00 –C – Clientes (AC) 5.000,00 Recebimento do aluguel No encerramento do exercício, quando a Holding vai elaborar suas demonstrações contábeis, a avaliação do valor justo do apartamento identifica que seu valor não é de R$ 250.000,00, mas de R$ 300.000,00. Assim, o registro dessa avaliação será: –D – Propriedades para Investimento – AVJ (ANC) 50.000,00 –C – Resultado da Avaliação ao Valor Justo (Resultado) 50.000,00 Reconhecimento do resultado da avaliação ao valor justo

Digamos, agora, que ocorra a venda deste imóvel classificado em Propriedade para Investimento por R$ 630.000,00. A contabilização será: –D – Clientes (AC) 630.000,00–C – Receita por Alienação de Propriedade para Investimento (Resultado) 630.000,00 Reconhecimento da receita da venda –D – Baixa por Alienação de Propriedade para Investimento (Resultado) 300.000,00 –C – Propriedades para Investimento (ANC) 250.000,00 –C – Propriedades para Investimento – AVJ (ANC) 50.000,00 Realização do ativo por conta da venda Aqui, cabem algumas observações. A primeira é de que não necessariamente esta venda precisaria ocorrer como uma Propriedade para Investimento. Considerando uma Holding que possua tanto a atividade de aluguel de imóveis próprios quanto a atividade de compra e venda de imóveis próprios, ao mudar de intenção em relação ao apartamento do exemplo, poderia reclassificá-lo. Assim, deixaria de ser uma Propriedade para Investimento e passaria a ser um Estoque. Se as normas contábeis não fazem qualquer menção a impedir essa transferência, a legislação tributária cita uma restrição na Instrução Normativa RFB 1.700/2017, nos arts. 39 e 215, falando de lucro real e lucro presumido, respectivamente. Contudo, conforme já tivemos oportunidade de mencionar, a própria Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil se pronunciou a este respeito, através da Solução de Consulta Cosit 07/2021. Nela, esclareceu que, para o caso exemplificado, não há nenhum impedimento para a reclassificação, inclusive permitindo beneficiar-se da tributação como venda de estoque. Outra observação pertinente é que, considerando a neutralidade tributária da Avaliação a Valor Justo, tanto o seu reconhecimento não é tributado, quanto este valor não justifica uma redução do ganho de capital, quando da

alienação do imóvel. Em outras palavras, no exemplo acima, o ganho de capital a ser tributado remonta a quantia de R$ 380.000,00 (R$ 630.000,00, referentes ao valor da venda, menos R$ 250.000,00 referentes ao custo original do bem). Por fim, como a Avaliação a Valor Justo pode ser para mais ou para menos, o saldo desta conta, no ativo, pode ficar devedor ou credor. Assim, no momento da realização do ativo por conta da venda, o lançamento pode ficar ligeiramente diferente, debitando o resultado, debitando a conta de AVJ (que estava com saldo credor e precisa ser “zerada”) e creditando a conta principal do imóvel que está sendo baixado.

6.2

Ativo imobilizado (ANC)

Das três classificações abordadas até aqui, este é o lugar que menos classificamos imóveis em Holdings. Empresas tradicionais (serviço, comércio e indústria) costumam ter no imobilizado os bens tangíveis utilizados na prestação do serviço, no exercício da atividade comercial ou na fabricação de produtos para venda. Ou seja, utilizados na consecução das suas atividades, como identifica o CPC 27.

VOCÊ SABIA? Segundo o CPC 27, Ativo imobilizado é o item tangível que: (a) é mantido para uso na produção ou fornecimento de mercadorias ou serviços, para aluguel a outros, ou para fins administrativos; e (b) se espera utilizar por mais de um período. Correspondem aos direitos que tenham por objeto bens corpóreos destinados à manutenção das atividades da entidade ou exercidos com essa finalidade, inclusive os decorrentes de operações que transfiram a ela os benefícios, os

riscos e o controle desses bens. No caso da Atividade Imobiliária e das Holdings, não dá para resumir que “imóveis usados na consecução das atividades fica no imobilizado”, pelas razões que já foram explicitadas nas duas classificações expostas anteriormente. De forma muito pragmática e direta, podemos dizer que uma Holding basicamente só classificaria como Ativo Imobilizado um imóvel utilizado como sua sede, por exemplo. Afinal, se é para alugar, é Propriedade para Investimento. Se é adquirido com fins de manter o dinheiro investido, capitalizando, também. Se for destinado à venda, deve ser classificado como estoque. Conforme já visto, os ativos imobilizados são sempre mensurados pelo método de custo, portanto depreciando mensalmente. O que é importante lembrar, e que a maioria deixa passar, é que terrenos (exceto em casos de exploração) não têm vida útil limitada. Por isso, não são depreciados. Isso se aplica inclusive a construções: a edificação e o terreno devem ser reconhecidos separadamente, para que só a edificação seja depreciada. Imaginando que uma Holding adquira um imóvel para ser sua sede, a contabilização ficará da seguinte forma: –D – Ativo Imobilizado (ANC) –C – Contas a Pagar (PC) Agora, a forma mais tradicional de um imóvel ser levado para a Holding, no contexto familiar, é por meio da formação de capital social. Ao menos inicialmente, no princípio da vida social dessa entidade. Numa subscrição e integralização de capital social com um imóvel que será a sede da entidade, teremos: –D – Capital Social a Integralizar (PL) –C – Capital Social (PL) Subscrição do capital social –D – Ativo Imobilizado (ANC) –C – Capital Social a Integralizar (PL) Integralização do capital social com o imóvel

Note que, do mesmo modo que ocorreu nos estoques e nas propriedades para investimento, aqui também a origem do imóvel é irrelevante para a classificação dele no ativo da entidade. Tanto a entrada por compra quanto a entrada por formação de capital social, igualmente pode dar origem a um Ativo Imobilizado. Considere que o Sr. José da Silva constitui a CSM Holding Ltda, na qual subscreve um capital social de R$ 250.000,00, o qual será integralizado com uma sala comercial destinada a ser a sede da entidade. Assim, teremos: –D – Capital Social a Integralizar (PL) 250.000,00–C – Capital Social (PL) 250.000,00 Subscrição do capital social –D – Ativo Imobilizado (ANC) 250.000,00 –C – Capital Social a Integralizar (PL) 250.000,00 Integralização do capital social com o imóvel Com a Holding já constituída e seu capital formado, este imóvel passa a ser depreciado mensalmente num valor de R$ 500,00. O registro contábil será: –D – Encargo de Depreciação (Despesa Administrativa – Resultado) 500,00 –C – (-) Depreciação Acumulada (Imobiliza–o – ANC) 500,00 Depreciação mensal do ativo imobilizado Digamos, agora, que após 15 meses (portanto, com R$ 7.500,00 do valor do imóvel já depreciado), ocorra a venda deste imóvel classificado como Ativo Imobilizado por R$ 430.000,00. A contabilização será: –D – Clientes (AC) 430.000,00–C – Receita por Alienação de Ativo Imobilizado (Resultado) 430.000,00

Reconhecimento da receita da venda –D – Baixa por Alienação de Ativo Imobilizado (Resultado) 242.500,00–D – (-) Depreciação Acumulada (Imobiliza–o – ANC) 7.500,00–C – Ativo Imobilizado (ANC) 250.000,00 Realização do ativo por conta da venda Diferentemente das Propriedades para Investimento, na interpretação da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, novamente observando a Solução de Consulta Cosit 07/2021, ainda que houvesse a reclassificação deste imóvel para estoque, a tributação se daria apurando o ganho de capital sobre a venda do ativo imobilizado.

6.3

Ativo não circulante mantido para venda (AC)

Todo estudante ou profissional de Contabilidade já conhece Estoque e Ativo Imobilizado. Alguns talvez já conhecessem até a Propriedade para Investimento. Agora, vamos tratar de uma classificação que a maioria passa a faculdade e uns bons anos de profissão sem ouvir falar. Uma empresa pode adquirir um imóvel e ter a intenção de vender. Esse imóvel pode estar disponível para ser vendido imediatamente. A empresa pode estar atuando ativamente para que essa venda aconteça, com estimativa de que isso ocorra até o fim do próximo ano. Parece um estoque, certo? Só que não faz parte das atividades dessa empresa vender imóveis. Como a intenção não é alugar ou manter o dinheiro investido, não é uma propriedade para investimento. Tampouco é um ativo imobilizado. Este imóvel, nessa situação específica, deve ser classificado como Ativo Não Circulante Mantido para Venda, de acordo com o CPC 31. Agora, uma curiosidade: apesar do nome, essa classificação fica no ativo circulante, ao final desse grupo.

VOCÊ SABIA? Os itens 6 e 7 do CPC 31 assim dispõem: 6

A entidade deve classificar um ativo não circulante como mantido para venda se o seu valor contábil vai ser recuperado, principalmente, por meio de transação de venda em vez do uso contínuo.

7. Para que esse seja o caso, o ativo ou o grupo de ativos mantido para venda deve estar disponível para venda imediata em suas condições atuais, sujeito apenas aos termos que sejam habituais e costumeiros para venda de tais ativos mantidos para venda. Com isso, a sua venda deve ser altamente provável. A verdade é que nenhum imóvel deveria aparecer nessa classificação, falando de uma Holding minimamente bem planejada e constituída. Afinal, por qual motivo uma empresa desse segmento não teria a atividade de compra e venda de imóveis próprios? Portanto, não é demais concluir que uma Holding só terá um imóvel no Ativo Não Circulante Mantido para Venda se o planejamento (societário, contábil e tributário) tiver sido malfeito. Veja como, não só na teoria, mas na própria prática, na habitualidade, precisa haver uma articulação contábiljurídica para que o resultado seja o melhor possível, reforçando o que dito em diversas passagens deste livro.

____________ 1

CPCs são as normas contábeis emitidas pelo CPC – Comitê de Pronunciamento Contábeis, entidade criada pela Resolução CFC nº 1.055/05, e que tem como objetivo “o estudo, o preparo e a emissão de documentos técnicos sobre procedimentos de Contabilidade e a divulgação de informações dessa natureza, para permitir a emissão de normas pela entidade reguladora brasileira, visando à centralização e uniformização do seu processo de produção, levando sempre em conta a convergência da Contabilidade Brasileira aos padrões internacionais”. Disponível em: http://www.cpc.org.br/CPC/CPC/Conheca-CPC. Acesso em: 23 set. 2022.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na última década, as discussões envolvendo o tema “Holding Familiar” e o “planejamento patrimonial” tornaram-se bastante intensas na comunidade jurídica e contábil, além de terem ocupado as reflexões de patriarcas e matriarcas com o desejo de organizar a sucessão empresarial e de bens de forma serena, evitando os conflitos familiares que são comuns nessa seara. Por abranger diversas áreas do direito e a própria ciência contábil, a atuação nesse campo profissional demanda dedicação intensa e conhecimento abrangente, motivo pelo qual ao longo desse livro buscou-se tratar dos diversos assuntos envolvendo o planejamento patrimonial familiar de forma clara, objetiva e didática, com a inclusão de elementos que possibilitem a aplicação prática do conhecimento obtido durante a leitura. Dentre outras lições que se pode extrair desse livro, certamente a mais relevante é a certeza de inexistir fórmula pronta, devendo cada caso concreto ser analisado de forma minuciosa e considerando as particularidades que são inerentes a cada família. O sucesso do planejamento patrimonial se passa pelo reconhecimento de que inexistem situações idênticas nessa seara, sendo peremptório que o profissional atuante leve em consideração todas as nuances envolvidas e faça uma reflexão profunda sobre os detalhes relacionados ao direito de família e sucessões, direito societário, direito tributário e contabilidade, temas abordados nos capítulos ao longo dessa obra e que são intimamente interligados, devendo ser realizada uma avaliação holística que contemplem todos esses aspectos.

REFERÊNCIAS

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