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Portuguese Pages 299 Year 2021
Editora Appris Ltda. 1.ª Edição - Copyright© 2020 dos autores Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda. Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi realizado o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nos 10.994, de 14/12/2004, e 12.192, de 14/01/2010. Catalogação na Fonte Elaborado por: Josefina A. S. Guedes Bibliotecária CRB 9/870 M966g 2020
Munhoz, Sidnei J. Guerra Fria : história e historiografia / Sidnei J. Munhoz. - 1. ed. – Curitiba : Appris, 2020. 313 p. ; 23 cm. – (Ciências sociais - Seção história). Inclui bibliografias ISBN 978-85-473-3670-7 1. Guerra Fria. 2. Política internacional – 1945-1989. I. Título. II. Série. CDD – 909.825 Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT.
Editora e Livraria Appris Ltda. Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês Curitiba/PR – CEP: 80810-002 Tel: (41) 3156-4731 | (41) 3030-4570 http://www.editoraappris.com.br/
FICHA TÉCNICA EDITORIAL
COMITÊ EDITORIAL
EDITORAÇÃO ASSESSORIA EDITORIAL DIAGRAMAÇÃO CAPA REVISÃO GERÊNCIA DE FINANÇAS COMUNICAÇÃO LIVRARIAS E EVENTOS CONVERSÃO PARA E-PUB
Sara C. de Andrade Coelho Marli Caetano Augusto V. de A. Coelho Andréa Barbosa Gouveia - UFPR Edmeire C. Pereira - UFPR Iraneide da Silva - UFC Jacques de Lima Ferreira - UP Marilda Aparecida Behrens - PUCPR Jaqueline Matta Lucas Casarini Luciano Popadiuk Eneo Lage Cindy G. S. Luiz Selma Maria Fernandes do Valle Carlos Eduardo Pereira Débora Nazário Karla Pipolo Olegário Estevão Misael Carlos Eduardo H. Pereira
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS DIREÇÃO CIENTIFICA
Fabiano Santos - UERJ/IESP
CONSULTORES
Alícia Ferreira UFPB
Gonçalves
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José Henrique Artigas de Godoy – UFPB
Artur Perrusi – UFPB
Josilene Pinheiro Mariz – UFCG
Carlos Xavier de Azevedo Netto – UFPB
Leticia Andrade – UEMS
Charles Pessanha – UFRJ
Luiz Gonzaga Teixeira – USP
Flávio Munhoz Sofiati – USP, UFSCAR
Marcelo UFC
Elisandro Pires Frigo – UFPR/Palotina
Maurício Novaes Souza – IF Sudeste MG
Gabriel Augusto Miranda Setti – UnB
Michelle Sato Frigo – UFPR/Palotina
Geni Rosa Duarte – UNIOESTE
Revalino Freitas – UFG
Helcimara de Souza Telles – UFMG
Rinaldo José UNIOESTE
Iraneide Soares da Silva – UFC, UFPI
Simone Wolff – UEL
João Feres Junior – UERJ
Vagner José UNIOESTE
Jordão Horta Nunes – UFG
Almeida
Peloggio
Varussa
Moreira
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Dedico este livro à memória de meus pais, Daniel Munhoz Mustácio e Olga Viera Munhoz, que, provenientes de famílias de semiletrados, sempre consideraram a educação de qualidade o maior bem que poderiam legar aos seus filhos.
AGRADECIMENTOS Este livro é o resultado de mais de 20 anos de estudos relacionados à Guerra Fria. Essa caminhada não foi solitária, embora, como é natural, houvesse momentos de isolamento criativo e de reclusão voluntária. Ao longo dessa jornada, partilhei caminhos, sendas e trilhas com colegas de diferentes perfis ideológicos e especialidades. Ao compartilhar os conhecimentos aqui sistematizados, agradeço à generosidade sempre presente na comunidade acadêmica. Ao fazê-lo, corro riscos, pois, certamente, acabarei por me esquecer de alguém. Desde já, peço desculpas. De início, agradeço à Universidade Estadual de Maringá (UEM), que me ofereceu as condições para o desenvolvimento da docência, da pesquisa e da extensão, mesmo sob os ataques sistemáticos de governantes determinados a destruir a educação pública de qualidade. Governos vêm e vão, instituições são perenes e, portanto, sobrevivem a esses acharques, embora possam ser desfiguradas e terem a sua autonomia aviltada de tal forma que não mais consigam cumprir a contento o seu papel social. A UEM foi a minha âncora de 1984 até 2019, mas diferentes instituições universitárias, em momentos diversos, forneceram energias revigorantes e abriram novas perspectivas ao desenvolvimento dos meus estudos. Sublinho o apoio recebido durante a minha graduação na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita filho” (Unesp-Assis) e, posteriormente, destaco o suporte recebido, em diferentes momentos da minha carreira acadêmica, proveniente de instituições distintas, dentre as quais ressalto a Universidade de Campinas (Unicamp), a The London School of Economics (LSE), a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a Brown University e, por fim, a instituição que ora me acolhe como professor visitante, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Devo ainda agradecer ao apoio financeiro recebido em diferentes fases dessa jornada por intermédio da Capes, do CNPq, da Faperj e da Finep. Sem esse apoio, nada disso seria possível. No momento desta publicação, não posso deixar de lamentar que essas instituições estejam sob ataque de governos irresponsáveis e antinacionais, que estão a destruir o sistema de financiamento à ciência e à tecnologia no país.
Muitas das ideias contidas neste livro resultam de diálogos com colegas especialistas em tópicos conexos à temática objeto deste estudo. Expresso os meus sinceros agradecimentos a José Henrique Rollo Gonçalves, com quem iniciei as primeiras prosas sobre o tema no início dos anos 1990. Essa cooperação mantém-se até o presente e dela resultaram trabalhos em coautoria. Sou grato à generosidade de Michael M. Hall, que supervisionou meu estágio de licença sabática na Unicamp, quando iniciei os estudos sobre a Guerra Fria. Francisco Carlos Teixeira da Silva acolheu-me em um pósdoutorado na UFRJ, em 2001, quando desenvolvi estudos relacionados à reverberação do início da Guerra Fria no Brasil. De lá para cá, muitos diálogos e parcerias materializaram-se e resultaram em livros e obras coletivas. Agradeço a Andreas Doeswijk, pela colaboração em diferentes tópicos, e a João Fábio Bertonha, que leu o primeiro borrão dos originais, as suas sugestões foram valiosas. Hilda Pívaro Stadnik revisou a segunda versão completa deste trabalho. A sua leitura atenta e criteriosa foi essencial à reestruturação de partes da obra e à correção de imprecisões. Reginaldo Benedito Dias efetuou uma criteriosa revisão, e as suas sugestões foram de inestimável valia tanto no que se refere à forma quanto ao conteúdo. Alexandre Busko Valim ofereceu valiosas sugestões relacionadas ao cinema e à propaganda durante a II Guerra Mundial e no início da Guerra Fria. Marcio Voigt leu o texto integral, comentou passagens e sugeriu alterações precisas. Recebi ainda contribuições pontuais, de colegas de diferentes instituições e países. Destaco, em ordem alfabética, Alexander Zhebit, Daniel Aarão Reis, Fabiano Dawe, Francisco Carlos Teixeira da Silva, Francisco C. A. Ferraz, Frank D. McCann, Gabriel Passetti, James N. Green, Lízia H. Nagel, Maria Helena R. Capelato, Masuda Hajimu, Meire Mathias, Paulo G.F. Visentini e Shu Chang Sheng. Agradeço, ainda, aos meus estudantes que leram e criticaram os originais de capítulos deste livro. Muitos deles já se tornaram professores universitários. Gostaria de agradecer nominalmente a alguns. Tiago J.J. Alves foi um auxiliar atento na busca e na conferência de informações. Flávio A. Combat, Guilherme Tadeu de Paula, José Victor de Lara, Natália Abreu Damasceno e Pedro Carvalho Oliveira leram e comentaram capítulos específicos e contribuíram com tópicos de sua especialidade. Agradeço a pessoas anônimas que levantaram questões em minhas apresentações no Brasil, nos EUA, na Argentina, em Singapura e em outros lugares, pois me auxiliaram a repensar
problemas e a evitar interpretações inadequadas. Agradeço a toda a equipe da editora Appris pelo profissionalismo, pela competência e pela gentileza na condução do processo editorial da presente obra. Por fim, isento todas as pessoas referenciadas nestes agradecimentos de quaisquer responsabilidades sobre o conteúdo deste livro, que é de minha inteira responsabilidade.
PREFÁCIO É com muito prazer que recomendo aos leitores esta obra de Sidnei J. Munhoz, especialista sobre o tema da Guerra Fria. Sua contribuição para o entendimento desse período histórico, tão complexo, merece o reconhecimento não só dos historiadores, mas também de profissionais de outras áreas. Este livro é resultado de uma pesquisa muito ampla por meio da qual o autor analisa os conflitos entre dois blocos de poder que ameaçaram, por longo tempo, a paz mundial. Dividido em três, o autor analisa momentos distintos desse período tão conturbado. Na primeira parte, apresenta os primórdios do conflito, que se caracterizou pela aliança dos Estados Unidos e da Inglaterra contra a União Soviética. Foi nesse período que o presidente Truman se destacou como ator principal da política externa norte-americana. Dedicou-se, na segunda parte, à análise da construção e consolidação dos dois Blocos de Poder, que resultou na “Guerra Fria”. A partir de uma multiplicidade de informações, realizou uma interpretação muito consistente desse período, marcado por conflitos entre os EUA e a União Soviética. Essa “guerra” repercutiu no mundo todo e, em vários momentos, pairou a ameaça de uma guerra nuclear. Em “O crepúsculo da Guerra Fria”, terceira parte da obra, o leitor acompanha uma análise sobre o final desse período e os resultados dessa longa crise. Dialogando com uma vasta bibliografia, Sidnei Munhoz oferece ao leitor uma interpretação muito ampla sobre essa conjuntura. Além de analisar inúmeros acontecimentos relacionados à Guerra Fria e aos atores principais dessa guerra, abordou conflitos paralelos que foram indiretamente provocados por ela. Procurou mostrar que esses conflitos foram “largamente utilizados para camuflar interesses imperiais e para controlar as populações em ambas as áreas de influência”. Referiu-se a exemplos muito importantes relacionados à suposta ameaça comunista fabricada por dirigentes norte-americanos para arquitetar golpes que destituíram governos nacionalistas ou reformistas na Guatemala, no Brasil e no Chile. No que diz respeito ao campo soviético,
também abordou aspectos relevantes, como a invasão da Hungria, Tchecoslováquia e Polônia. Em “Notas Introdutórias”, o autor informa aos leitores que a obra foi estruturada de forma a combinar reflexões teóricas e narrativa histórica sem desprezar a “factualidade dos eventos que conformaram a emergência, o desenrolar e o crepúsculo da Guerra Fria”. Tal objetivo indica o grande desafio que o autor se propôs a realizar: o livro abrange um período longo, complexo e marcado por disputas intensas entre os dois “Blocos de Poder”. Ao final da leitura, constatamos que o historiador realizou, com grande maestria, sua proposta desafiadora e, uma vez mais, confirma sua importante contribuição para o entendimento desse período. Maria Helena Capelato Professora Titular do Departamento de História da USP
CRONOLOGIA DOS PRINCIPAIS EVENTOS DA GUERRA FRIA 1945 4-11 de fevereiro – Conferência de Ialta decide os termos da rendição alemã, o ataque soviético ao Japão e o futuro da Europa Oriental. 12 de abril – Morte do presidente dos EUA Franklin D. Roosevelt e seu vice Harry S. Truman é empossado. 23 de abril – Truman critica o controle soviético da Europa Oriental em interlocução direta com Vyacheslav Molotov, chanceler da URSS. 25-26 de abril – Criação da Organização das Nações Unidas (ONU). 7 de maio – Rendição incondicional da Alemanha ao Exército Vermelho. Berlim é dividida em quatro zonas sob o controle dos EUA, da União Soviética, da Grã-Bretanha e da França. 8 de maio – Churchill solicita ao seu gabinete de guerra um plano para atacar as forças soviéticas na Polônia. Um espião soviético informa Stálin do assunto. 16 de julho – Teste nuclear estadunidense. 17 de julho-2 de agosto – Conferência de Potsdam. 6 de agosto – Bombardeio nuclear a Hiroshima. 9 de agosto – Invasão soviética à Manchuria / Bobardeio nuclear a Nagasaki. 14 de agosto – Rendição japonesa e fim da II Guerra Mundial.
1946 9 de fevereiro – Discurso de Stálin sobre os dois campos e sobre a incompatibilidade entre o comunismo soviético e o capitalismo ocidental. 5 de março – Discurso do ex-primeiro ministro britânico Winston Churchill, em Fulton, (Missouri), EUA, em que usou a expressão “Cortina de Ferro” para se referir ao Leste da Europa. 10 de março – Truman exige a saída soviética do Irã. 2 de dezembro – EUA, Grã-Bretanha e França fundem as suas zonas de ocupação na Alemanha. 1947 12 de março – Anúncio da Doutrina Truman. 5 de junho – Anúncio do Plano Marshall. Julho – O diplomata George Frost Kennan publica, com o pseudônimo de Mr. X, “Sources of Soviet Conduct” na revista Foreign Affairs. O texto tornou-se a base da Doutrina da Contenção. 12 de agosto-2 de setembro – Conferência do Rio de Janeiro e assinatura do Tratado Interamericano de Ajuda Recíproca (Tiar). 5 de outubro – Criação do Cominform (Birô de Informação dos Partidos Comunistas e Operários). 1948 A Comissão de atividades antiamericanas (HUAC) publica Cem coisas que você deve saber sobre o comunismo nos EUA. 25 de fevereiro – Golpe comunista na Tchecoslováquia. 30 de março-2 de maio – Conferência de Bogotá. 14 de março – É anunciada, unilateralmente, a criação do Estado de Israel. Iniciam-se os conflitos entre o novo Estado e os povos palestinos e árabes. 28 de junho – Expulsão da Iugoslávia do Cominform. 24 de junho – Início do bloqueio soviético a Berlim Ocidental. 1949 4 de abril – Criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). 5 de maio – Criação da República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental). 12 de maio – Fim do bloqueio a Berlim Ocidental pela URSS.
30 de maio – Criação da República Democrática da Alemanha (Alemanha Oriental). 29 de agosto – Primeiro teste nuclear soviético. 1º de outubro – Vitória da Revolução Comunista e criação da República Popular da China. 1950 Janeiro – O Conselho Nacional de Segurança dos EUA aprova o NSC-68 e propõe um vigoroso incremento nas forças de defesa do país. 9 de fevereiro – O senador Joseph McCarthy, em discurso, afirma ter uma lista de servidores públicos comunistas que ocupam postos no Governo. 7 de abril – Relatório secreto do NSC-68 pede o incremento de forças para combater a ameaça soviética 24 de junho – Início da Guerra da Coreia. 1950-1954 – Perseguições macarthistas nos EUA. 1951 1º. de setembro – Criação da Anzus (Tratado de Segurança Coletiva) por EUA, Austrália, Nova Zelândia. 1952 3 de outubro – Grã-Bretanha efetua o seu primeiro teste nuclear. 1953 20 de janeiro – Posse de Dwight Eisenhower como presidente dos EUA. 5 de março – Morte de Joseph Stálin, secretário geral do Partido Comunista e premier da URSS. 16 de junho – Levante de Berlim Oriental. 19 de junho – Execução do casal Rosenberg sob a acusação de espionagem e traição. 27 de junho – Assinatura de armistício e suspensão da Guerra da Coreia. 12 de agosto – URSS testa a sua primeira bomba de hidrogênio. 19 de agosto – Deposição do primeiro ministro do Irã, Mohammed Mosaddegh , por intermédio de um golpe de Estado organizado pela CIA com o apoio do M16 (Serviço Secreto Britânico). 1954
26 de abril – Início da Conferência de Genebra sobre o conflito no Vietnã. 7 de maio - Forças do Vietminh derrotam os franceses na Batalha de Dien Bien Phu 18-27 de junho – Golpe de Estado na Guatemala articulado pela CIA. 21 de julho – Divisão do Vietnã em Vietnã do Norte e do Sul pelo Paralelo 17, conforme acordo firmado na Conferência de Genebra. 8 de setembro – Criação da Organização do Tratado do Sudeste Asiático (Seato). 2 de dezembro – Senado dos EUA aprova nota de censura ao senador Joseph McCarthy. 1955 18-24 de abril – Conferência de Bandung. 14 de maio – Assinatura do Pacto de Varsóvia. 1956 25 de fevereiro – Durante o XX Congresso do Partido Comunista da URSS, Kruschev denuncia os crimes cometidos por Stálin. 26 de julho-15 de março de 1957 – Crise do Canal de Suez. Outubro – início de rebelião/revolução na Hungria. 1º de novembro – Imre Nagy declara a neutralidade da Hungria. 4 de novembro – Tropas do Pacto de Varsóvia invadem a Hungria. 1957 7 de março – aprovação da Doutrina Eisenhower pelo Congresso dos EUA. 4 de outubro – URSS lança o Sputinik I, primeiro satélite artificial a orbitar a Terra. 3 de novembro – URSS lança o Sputinik II com a cadela Laika. 1958 16 de junho – Imre Nagy é executado sob a acusação de traição. Julho – Nasa inicia o projeto Mercúrio. 1959 1º de janeiro – Vitória da Revolução em Cuba. 17 de setembro – Nikita Kruschev visita os EUA.
28 de setembro – Discurso de Kruschev em Moscou: “Paz e Progresso precisa triunfar em nosso tempo”. 1960 1º de maio – O avião espião dos EUA U-2 foi derrubado em território soviético (prisão do piloto e crise diplomática). 1961 3 de janeiro – Rompimento de relações diplomáticas entre os EUA e Cuba. 20 de janeiro – Posse de John F. Kennedy como presidente dos EUA. 1º de março – Kennedy cria o “Peace Corps”. 17 de abril – Fracasso da invasão de Cuba por paramilitares treinados pelos EUA. 12 de abril – Iuri Gagarin torna-se o primeiro ser humano a orbitar a Terra. 17 de agosto – Início da construção do Muro de Berlim. Agosto – Criação da Aliança para o Progresso. 2 de dezembro – Fidel Castro afirma ser marxista leninista e que Cuba adotará o comunismo. 1962 Outubro – Crise provocada pela descoberta da instalação de mísseis soviéticos em Cuba. 1963 5 de agosto – Assinatura do primeiro acordo sobre limitações de testes nucleares entre EUA, URSS e Grã-Bretanha. 22 de novembro – Assassinato do presidente dos EUA J. F. Kennedy, que é substituído por seu vice, Lyndon B. Johnson. 1964 31 de março-2 de abril – Golpe civil-militar, com apoio dos EUA, no Brasil. Agosto – Incidente do Golfo de Tonkin (Guerra da Indochina). 15 de outubro – Golpe e deposição do premiê soviético Nikita Kruschev, que é substituído por Leonid Brejnev. 16 de outubro – China efetua o seu primeiro teste nuclear. 1965
8 de março – EUA enviam as primeiras unidades de combate em solo ao Vietnã (tem início a escalada da guerra). 28 de abril – Estados Unidos invadem a República Dominicana. 1966-1976 Revolução Cultural na China. 1968 Conflitos estudantis em diferentes partes do mundo. Crescem os protestos contra a guerra nos EUA. 31 de janeiro – Ofensiva do Tet (Guerra do Vietnã/Guerra da Indochina). 20 de agosto – Forças do Pacto de Varsóvia invadem Tchecoslováquia e põem fim à Primavera de Praga. 1969 20 de janeiro – Posse de Richard Nixon como presidente dos EUA. 18 de março – EUA iniciam bombardeios ao Camboja e expandem a guerra na Indochina. 20 de julho – Estados Unidos pousam Apolo 11 na Lua. 1970 Abril – Nixon expande a Guerra do Vietnã para o Camboja. 17 de abril – Início das negociações do Salt I (Acordo de limitação de armas nucleares). 4 de maio – Nos EUA, quatro estudantes da Kent State University são assassinados pela polícia em protestos contra a guerra. 1971 13 de junho – Daniel Ellsberg publicou os “Pentagon Papers”. 25 de outubro – República Popular da China é admitida na ONU. 1972 20 de fevereiro – Nixon visita a China e inicia negociações para o estabelecimento de relações entre os dois países 27 de maio – Salt I, acordo de limitação de armas nucleares, é assinado por EUA e URSS. 1973
27 de janeiro – Assinado cessar fogo entre EUA e Vietnã do Norte e o fim do envolvimento dos EUA no conflito. 27 de junho – Leonid Brejnev viaja aos EUA para discutir acordos de cooperação associados à Détente. 11 de setembro – Golpe de Estado no Chile com envolvimento dos EUA. 1974 27 de junho – Nixon viaja a Moscou para continuar negociações com Brejnev. 9 de agosto – Nixon renuncia para evitar o impeachment em decorrência do caso Watergate. Seu vice, Gerald Ford, é empossado. 23 de novembro – Ford vai a Vladvostok encontrar-se com Brejnev. 1975 30 de abril – Fim da Guerra do Vietnã com a reunificação do país após a vitória do Vietnã do Norte. 25 de junho – Independência de Moçambique. 1º de agosto – Assinatura do Acordo de Helsinki. 11 de novembro – Independência de Angola. 1975-2002 – Guerra Civil em Angola 1977 20 de janeiro – Posse de Jimmy Carter como presidente dos EUA. 1977-1992 – Guerra Civil em Moçambique 1978 17 de setembro – Menachem Begin e Anuar Sadat assinam do acordo de paz entre Israel e Egito em Camp David (EUA), com mediação de Jimmy Carter. 1979 1º de janeiro – Estabelecimento formal de relações diplomáticas entre os EUA e a República Popular da China. 25 de dezembro – invasão e ocupação do Afeganistão pela URSS. 1980 31 de agosto-17 de setembro – Criação do Solidariedade na Polônia. 1981 20 de janeiro – Posse de Ronald Reagan como presidente dos EUA.
1982 10 de novembro – Morte do líder soviético Leonid Brejnev, que é sucedido por Yuri Andropov. 1983 25 de novembro – Invasão de Granada pelos EUA. 1984 9 de fevereiro – Morte do líder soviético Yuri Andropov, que é sucedido por Konstantin Chernenko. 1985 10 de março – Morte do líder soviético Konstantin Chernenko, que é sucedido por Mikhail Gorbachev. Novembro – Encontro de Gorbachev e Reagan em Viena. 1986 25 de fevereiro-6 de março – Durante o 27º Congresso do PCUS, Gorbachev apresenta as propostas da Perestroika e da Glasnost. 26 de abril – Acidente nuclear em Chernobyl. 1987 8 de dezembro – Gorbachev e Reagan assinam o Tratado de Limitação de Armas de médio alcance. 1989 11 de janeiro – Reformas na Hungria garantem liberdade individual e criação de partidos e organizações. 15 de fevereiro – Conclusão da retirada das tropas soviéticas do Afeganistão. 26 de março – Comunistas derrotados nas eleições. Yeltsin vence em Moscou e consolida oposição a Gorbachev. 15 de abril-4 de junho – Protestos na Praça da Paz Celestial (Tian’anmen), na China (evento também conhecido como Massacre da Praça da Paz Celestial). 2 de maio-setembro – Abertura da fronteira da Hungria com a Áustria. 11 de maio – Gorbachev anuncia redução de forças nucleares na Europa Oriental. 4 de junho – Vitória do Solidariedade nas eleições na Polônia.
16-20 de outubro – O Parlamento da Hungria aprova o sistema multipartidário e a realização de eleições diretas para presidente. Outubro – crescimento da crise política na Alemanha Oriental (RDA). 18 de outubro – Renúncia de Erich Honecker, secretário geral do Partido Socialista Unificado da RDA. 23 de outubro – É criada a República da Hungria. 4 de novembro – Intensificação das manifestações de massa em Berlim Oriental. 9 de novembro – Derrubada do muro de Berlim. 24 de novembro – Comunistas renunciam ao governo na Tchecoslováquia. 1-3 de dezembro – Encontro de Gorbachev e Reagan para discutirem as mudanças na Europa Oriental. 22 de dezembro – Queda do governo romeno e execução de Nicolau Ceausescu. 1990 11 de março – Lituânia declara a sua independência da URSS. 18 de março – Derrota comunista nas eleições da Alemanha Oriental. 1991 12 de junho – Yeltsin vence as eleições em Moscou e, pouco depois, declara a independência da Rússia. 1º de julho – Dissolução do Pacto de Varsóvia. 19 de agosto – Tentativa de golpe contra Gorbachev. Boris Yeltsin fortalece-se e aparece como “salvador” de Gorbachev. 20 de agosto-16 de dezembro – Estônia, Latávia, Ucrânia, Bielorrússia, Moldávia, Azerbaijão, Uzbequistão, Quirguízia, e Tadjiquistão, Armênia, Turcomenistão, Chechênia, Ossétia, Nagorno Karabakh, Kazaquistão declaram suas independências. 8 de dezembro – Rússia, Ucrânia e Bielorrússia decidem pela extinção da URSS e criam a Comunidade de Estados Independentes (CEI). Gorbachev denúncia a ilegalidade da decisão. 12 de dezembro – O Soviet Supremo ratificou o acordo de criação da CEI. 21 de dezembro – 11 das 12 repúblicas soviéticas criam uma federação de Estados independentes.
25 de dezembro – Renúncia de Gorbachev. 26 de dezembro – Dissolução da URSS. Glossário das principais correntes historiográficas relacionadas à Guerra Fria Ortodoxia estadunidense A ortodoxia estadunidense estruturou-se a partir dos escritos dos elaboradores da política externa dos EUA. George Frost Kennan, criador da Doutrina da Contenção, é o maior expoente dessa corrente. A partir de 1949, no entanto, o diplomata distanciou-se dos centros decisórios do Governo e passou a criticar a política externa do seu país e a afirmar que haveria ocorrido uma distorção no emprego da sua doutrina. Nessas críticas, Kennan afirma que foi adicionado um caráter militarista que a Doutrina da Contenção não possuía em sua concepção original. Os historiadores ortodoxos estadunidenses responsabilizam a União Soviética pela emergência da Guerra Fria e a acusam de desrespeitar os acordos firmados ao final da II Guerra Mundial e de apoderar-se militarmente dos territórios localizados no Centro e no Leste da Europa. Dentre os autores ortodoxos, além do próprio Kennan, destacam-se William McNeill, Herbert Feis e Arthur Schlesinger Jr. Desse ponto de vista, os EUA foram obrigados a defender os seus aliados da agressão comunista soviética e isso teria levado ao crescimento dos conflitos e à emergência da Guerra Fria. Ortodoxia soviética A ortodoxia soviética constitui-se o outro lado da moeda da corrente anterior. Seus expoentes também estão associados ao serviço diplomático e expressam a visão da política externa do seu país. Essa corrente interpretativa responsabiliza os EUA pela emergência do novo conflito global, surgido ao fim da II Guerra Mundial, como resultado da ação imperialista e do desrespeito aos tratados firmados em Ialta e em Potsdam. Dessa perspectiva, a Guerra Fria resultou das ações dos EUA e dos seus aliados para se apoderarem da esfera soviética, negociada ao final da II Guerra Mundial, na Europa Central e Oriental. Esses autores sublinham que o Exército Vermelho venceu as forças do Eixo nesse quadrante da Europa e que a URSS estimulou a formação de governos amigos nesses territórios. Acrescentam que os EUA impulsionaram a subversão da ordem na região com o intuito de ameaçar a URSS e os seus
aliados. De acordo com esse enfoque, a preservação dessa esfera de influência era vital para a segurança do país, pois ela constituía-se em um escudo protetor frente a futuras agressões. Assim, à União Soviética restou defender a região dos EUA e dos seus aliados, que promoveram uma agressão imperialista e desencadearam uma corrida armamentista, quando a URSS aspirava apenas à paz e à reconstrução. Revisionismo A crítica revisionista despontou em 1959 e desenvolveu-se nas décadas seguintes, na esteira da publicação de The Tragedy of American Diplomacy, de Williams A. Williams. Para os historiadores revisionistas, havia nos EUA uma história da Guerra Fria que reverberava, de forma acrítica, a visão oficial produzida pela diplomacia do país. Esses historiadores indicavam a influência decisiva da economia doméstica e da ideologia na edificação da política externa dos EUA. Sublinhavam a incompreensão, nos EUA, tanto da política interna quanto externa da URSS. Divergiam da história oficial que responsabilizava a União Soviética pelo início da Guerra Fria. Afirmavam que o país havia perdido de 15 a 20 milhões de habitantes durante a guerra e que se encontrava arrasado. Em decorrência, os revisionistas afirmavam que a URSS não ameaçava a Europa ou os EUA. Esses historiadores concluíam que a ação soviética era, sobretudo, defensiva. Para eles, na avaliação soviética, os EUA adotaram, após a morte de Roosevelt, posturas agressivas que ameaçavam o leste da Europa e a segurança da URSS. Essa percepção levou ao fechamento político no leste da Europa e a medidas de defesa que foram consideradas agressivas pelo Ocidente. Dentre os historiadores revisionistas, destacam-se William A. Williams, Walter LaFeber, Gabriel Kolko e Lloyd Gardner. Pós-revisionismo Na década de 1980, o historiador John Lewis Gaddis propôs a superação dos modelos ortodoxo e revisionista para a análise da Guerra Fria. Para esse autor, com o final daquele conflito de dimensões globais, era imprescindível buscar um consenso pós-revisionista. Nesse percurso, Gaddis defendeu a adoção de uma perspectiva próxima à neutralidade como caminho para a melhor compreensão do período da Guerra Fria. Dessa proposição derivou uma corrente histórica nominada como pósrevisionista. Uma análise mais acurada das principais teses contidas nas obras de Gaddis e de seus seguidores, no entanto, evidencia a crítica sistemática ao
revisionismo e a reiteração das teses ortodoxas, mesmo que de uma forma mais refinada. Desse modo, o pós-revisionismo, na prática, corporificou-se como uma antítese revisionista ou em uma neo-ortodoxia. De forma dominante, a perspectiva pós-revisionista enfoca, principalmente, as políticas concertadas pelas elites e as transformações no equilíbrio de poder no campo das relações internacionais. Além disso, essa corrente cultiva uma atenção especial às estratégias, elaboradas pelos policy-makers estadunidenses, concernentes à garantia da segurança interna e à promoção da defesa do país frente às possíveis ameaças externas. Corporatismo Os corporatistas defendem a existência de uma linha de continuidade na Grande Política dos EUA ao longo do século XX. Para Hogan, a economia doméstica e as questões sociais e ideológicas influenciaram a diplomacia dos EUA. Dessa forma, a política externa do país tornou-se alvo da pressão dos grupos organizados. Hogan afirma que se desenvolveu nos EUA um Estado associativo ou um neocapitalismo corporativo, ancorado na autorregulação dos grupos econômicos, integrados por coordenações institucionais e por mecanismos de mercado. Para ele, os EUA buscaram, durante o século XX, planejar uma ordem mundial referenciada no modelo corporatista doméstico. Hogan acredita, no entanto, que esse não é um percurso de mão única, pois entende que muitos aspectos da política doméstica também foram influenciados pela política externa do país. Ao final da II Guerra Mundial, tanto questões endógenas (política interna) quanto exógenas (expansão soviética) influenciariam as estratégias dos EUA. Naquele contexto, foi edificada uma arquitetura de poder global alicerçada no Tratado de Bretton Woods, na ONU, no Banco Mundial, no Fundo Monetário Internacional e no Tratado Geral de Tarifas. Posteriormente, o Plano Marshall, a Doutrina Truman e as alianças regionais foram agregados a essa estrutura. A implementação dessas políticas foi vista pelo Kremlin como uma ameaça. Assim, a União Soviética adotou posturas que também foram vistas pelos EUA como agressivas. Isso tudo aumentou o clima de tensão e levou à emergência da Guerra Fria.
SUMÁRIO PARTE I – EUA, GRÃ-BRETANHA E UNIÃO SOVIÉTICA: DA GRANDE ALIANÇA ÀS ORIGENS DO NOVO CONFLITO GLOBAL 27 NOTAS INTRODUTÓRIAS 29
1 DIFERENTES PERSPECTIVAS SOBRE A GUERRA FRIA 35
2 A OPERAÇÃO BARBAROSSA E A SEGUNDA FRENTE DE BATALHA 53
3 A MORTE DE ROOSEVELT: TRUMAN COMO TIMONEIRO DA POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE 83
4 A GUERRA NO EXTREMO ORIENTE 109
5 OPERATION UNTHINKABLE 127 PARTE II – AS DIFERENTES PERSPECTIVAS DE PODER DAS NOVAS POTÊNCIAS GLOBAIS E A EMERGÊNCIA DA GUERRA FRIA 135
6 KENNAN E A ARQUITETURA DA POLÍTICA EXTERNA DOS EUA DURANTE A PRIMEIRA FASE DA GUERRA FRIA 137
7 A EDIFICAÇÃO DOS BLOCOS DE PODER E A ARQUITETURA DE UM NOVO SISTEMA GLOBAL 161
8 IMPERIALISMO E ANTI-IMPERIALISMO, COMUNISMO E ANTICOMUNISMO DURANTE A GUERRA FRIA 191 PARTE III – O CREPÚSCULO DA GUERRA FRIA 209
9 DAS DÉTENTES À NOVA CONFRONTAÇÃO GLOBAL 211
10 A CRISE DO SISTEMA SOVIÉTICO E O FIM DA GUERRA FRIA 243 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS E PROVISÓRIAS SOBRE UM TEMA MOVEDIÇO 265
REFERÊNCIAS 279 ÍNDICE ONOMÁSTICO E REMISSIVO 297
PARTE I EUA, GRÃ-BRETANHA E UNIÃO SOVIÉTICA: DA GRANDE ALIANÇA ÀS ORIGENS DO NOVO CONFLITO GLOBAL NOTAS INTRODUTÓRIAS Este livro tem como objetivo apresentar ao leitor uma história e efetuar um balanço historiográfico da Guerra Fria. De início, essa tarefa será realizada por intermédio da análise de alguns eventos que se tornaram centrais na configuração das percepções dos principais atores internacionais e na definição das suas estratégias de ação que, de uma forma ou de outra, resultaram nas tensões que deram origem à Guerra Fria. Em continuidade, serão apresentadas as diferentes percepções desse conflito global. Nesse percurso, serão examinados os diferentes debates relacionados às origens, ao desenvolvimento e ao desfecho daquele conflito de dimensões mundiais. O livro foi estruturado de forma a combinar a apresentação de reflexões teóricas e, ao mesmo tempo, oferecer uma narrativa histórica que não despreze a factualidade dos eventos que conformaram a emergência, o desenrolar e o crepúsculo da Guerra Fria. Essa escolha objetiva atender tanto às expectativas dos especialistas quanto aos anseios de leigos. Os primeiros, regra geral, mais afeitos aos debates de cunho teórico e metodológico, os segundos mais interessados em conhecer a história factual dos eventos e compreender um pouco melhor o tema abordado. Assim, na primeira parte do livro, serão examinados temas relacionados à Segunda Guerra Mundial que influenciaram a emergência de conflitos entre os aliados após vitória contra o inimigo comum. Esse percurso será iniciado pela análise da Operação Barbarossa e das desavenças relacionadas à organização de uma Segunda Frente de Batalha, solicitada de modo reiterado pela União Soviética pouco após a sua invasão pela Alemanha e, consequentemente, após a ruptura do Pacto Germano-Soviético. Na sequência, o livro tratará da morte do presidente Franklin D. Roosevelt e abordará a condução da política externa dos EUA por seu sucessor, Harry S. Truman, que governou os EUA entre 12 de
abril de 1945 e 20 de janeiro de 1953. Em continuidade, serão tratados os problemas relacionados à Guerra do Pacífico, em especial, os debates pertinentes aos bombardeios nucleares a Hiroshima e a Nagasaki e analisadas as dinâmicas relacionadas à Batalha da Manchúria. Por fim, será submetido ao crivo o planejamento da Operation Unthinkable a pedido de Churchill e os possíveis impactos do vazamento de informações sobre o plano na percepção soviética do cenário internacional ao final da guerra. Na segunda parte, serão abordados diferentes aspectos que deram origem à conformação daquele conflito global, em especial, a Doutrina da Contenção, a formação dos blocos capitalista e soviético, a intensificação e a expansão dos conflitos e a sua mundialização. Na terceira, serão ponderadas as tentativas de acomodação e de busca de uma possível convivência pacífica por meio da distensão das relações entre as potências globais; a emergência da chamada “Segunda Guerra Fria”; e, por fim, serão tratados o colapso do sistema soviético e o fim da Guerra Fria. A análise desses eventos será permeada pelo diálogo com algumas das principais correntes historiográficas voltadas ao estudo da matéria. Desde já, assinalo o meu posicionamento no campo das críticas à produção historiográfica ortodoxa e às neo-ortodoxias que a sucederam. Isso será efetuado por meio da incorporação dos avanços propiciados ao estudo do tema por intelectuais vinculados a diferentes correntes de pensamento. Dentre essas correntes, merecem destaque o revisionismo, o chamado pósrevisionismo, o corporatismo, e, em parte, o world system. Alerto ao leitor que as conclusões aqui expressas são provisórias, limitadas, sujeitas a críticas e a revisões, uma vez que assumo o legado metodológico de E. P. Thompson (1981, p. 49-50). Acrescento que, apesar dos inúmeros avanços ocorridos nesse campo de estudos, ao final do século XX e no início do século XXI, ainda há muito a ser feito, uma vez que documentos continuam inacessíveis nos arquivos dos principais países envolvidos nas disputas que deram origem à Guerra Fria. O exercício do ofício do historiador, no entanto, pressupõe trabalhar com essas lacunas, dialogar com as evidências disponíveis e submetêlas ao escrutínio com o rigor do método e, desse modo, buscar uma maior aproximação com o real. Para a consecução dos objetivos propostos, articularei, como fio condutor do debate, uma análise que considere os elementos presentes em diferentes ocasiões das relações entre os EUA, a Grã-
Bretanha e a URSS durante a Segunda Guerra Mundial e no contíguo pósguerra. Ressalte-se a erosão da aliança, articulada por esses países durante a guerra, provocada pela contínua eclosão de conflitos em um cenário global marcado por intensas transformações. Daniel Yergin (1990), em uma obra considerada clássica, assevera que, em 1945, o mundo havia sido remodelado pela morte, pela destruição e pela convulsão social. A Alemanha e o Japão estavam vencidos e ocupados, e os velhos impérios europeus encontravam-se à beira da desintegração. Para o autor, o antigo sistema internacional baseado na balança de poder havia ruído, restando apenas duas nações dominantes, os Estados Unidos e a União Soviética (YERGIN 1990, p. 5). Na Conferência de Potsdam, dos três líderes das principais potências que compuseram a Grande Aliança e orquestraram a complexa sinfonia da cooperação entre as Nações Unidas (termo empregado para fazer referência à aliança criada durante a guerra com o propósito de enfrentar as forças do Eixo), somente um continuava no comando do seu governo. Franklin D. Roosevelt, então presidente dos EUA, havia falecido, a 12 de abril de 1945, em consequência de uma hemorragia cerebral, e foi substituído pelo seu vice, Harry S. Truman. Winston Churchill, após a derrota eleitoral ocorrida em paralelo à Conferência, cedeu o posto ao novo primeiro ministro do Reino Unido, Clement Attlee. Assim, dos líderes que conduziram as forças aliadas à vitória na guerra e lançaram os alicerces de uma nova ordem mundial, baseada na cooperação entre as Nações Unidas, somente Josef Stálin estava presente ao encerramento da Conferência de Potsdam. Em síntese, em um contexto extremamente complexo e delicado, dois neófitos viram-se na condução dos negócios dos seus respectivos países. Leituras apaixonadas daqueles eventos em permanente ebulição, por vezes ancoradas na visão de mundo dos seus protagonistas, costumam atribuir ao “outro”, ao adversário, as responsabilidades pela emergência dos conflitos que desembocaram na Guerra Fria. A Aliança possuía uma finalidade imediata em comum, qual seja, derrotar as forças do fascismo, mas cada uma das potências nela envolvida possuía objetivos particulares de média e de longa duração. Entretanto, aqueles eram tempos complexos e difíceis. A situação cambiava de forma célere e os policymakers eram instados a tomar decisões no calor da hora e, regra geral,
com informações parciais e imprecisas dos acontecimentos. Agentes públicos portadores de uma ótica doméstica, prisioneira de valores enraizados na política nacional de seus países, regida por preconceitos em relação ao “outro”, filtravam boa parte dessas informações. Sob o estresse do momento, cansados física e mentalmente, irritados com as decisões dos outros atores, mediados por perspectivas que distorciam a percepção dos fatos, diplomatas, funcionários graduados e líderes das duas novas potências globais vislumbravam, muitas vezes, ações defensivas do antigo aliado como atos agressivos do novo inimigo em (re)construção. Ressalte-se, no arrazoado de ideias expresso neste texto, porém, que essas mediações e a busca por compreender as condições nas quais certas decisões foram tomadas não devem servir de escusas para ocultar interesses de Estado, de grupos de pressão e das elites de cada uma das potências envolvidas nos conflitos que deram origem à Guerra Fria. A parceria ocorrida ao longo da guerra implicou breve interregno em antigas rivalidades, que foram retomadas com maior virulência quando os motivos indutores da sua penosa construção deixaram de existir. Hobsbawm assim avalia aquele conturbado período: A democracia só se salvou porque, para enfrentá-lo [o fascismo], houve uma aliança bizarra entre capitalismo liberal e comunismo: basicamente a vitória sobre a Alemanha de Hitler foi, como só poderia ser, uma vitória do Exército Vermelho [...] A vitória da União Soviética sobre Hitler foi uma realização do regime lá instalado pela Revolução de Outubro [...] sem isso, o mundo hoje (com exceção dos EUA) provavelmente seria um conjunto de variações sobre temas autoritários e fascistas, mais que de variações sobre temas parlamentares liberais. Uma das ironias deste estranho século é que o resultado mais duradouro da Revolução de Outubro, cujo objetivo era a derrubada global do capitalismo, foi salvar seu antagonista tanto na guerra quanto na paz, fornecendo-lhe o incentivo – o medo – para reformar-se após a Segunda Guerra Mundial e, ao estabelecer a popularidade do planejamento econômico, oferecendo-lhe alguns procedimentos para sua reforma (HOBSBAWM, 1995, p. 17).
Segundo o autor britânico, “assim que não houve mais um fascismo para uni-los, capitalismo e comunismo mais uma vez se preparam para enfrentar um ao outro como inimigos mortais” (HOBSBAWM, 1995, p. 177). Sublinhese a existência de oportunidades para que, apesar de todas as diferenças políticas, ideológicas e de interesses de Estado entre os principais protagonistas, soluções fossem compartilhadas e se vislumbrasse definir um denominador comum aceito pelas partes envolvidas. Essas oportunidades, no
entanto, dissiparam-se quando um lado procurou impor o seu projeto político global ao outro. No desenvolvimento deste trabalho, analisarei alguns dos aspectos da condução da aliança de guerra encabeçada pelos EUA, pela URSS e pela GrãBretanha durante a Segunda Guerra Mundial, de modo a estabelecer uma associação entre os problemas emergentes nessa parceria e a gênese da Guerra Fria. De início, esclarece-se que, nas duas últimas décadas, a Guerra Fria e a temática a ela associada tornaram-se o meu foco privilegiado de estudos. Sobre a matéria já publiquei artigos e capítulos de livros, mas, por motivos diversos relacionados à própria estrutura da carreira acadêmica, retardei a escrita deste livro. Em um desses trabalhos pregressos, em especial, efetuei uma revisão panorâmica da historiografia e situei os principais debates concernentes ao tema (MUNHOZ, 2004a). O propósito daquele estudo, no entanto, era proporcionar ao leitor informações gerais vinculadas às origens do conceito de Guerra Fria, à evolução dos estudos relacionados ao tema e uma análise balanceada das principais diferenças interpretativas sobre a temática. No presente, considero fundamental ir ao cerne das controvérsias sobre as origens e o desenrolar da Guerra Fria.
1 DIFERENTES PERSPECTIVAS SOBRE A GUERRA FRIA De início, cumpre situar algumas questões relacionadas ao debate historiográfico sobre a Guerra Fria1. Dentre as principais correntes interpretativas sublinhem-se os marcos que seguem. Na perspectiva ortodoxa estadunidense (ou tradicionalista) é enfatizada a responsabilidade da União Soviética pela gênese da Guerra Fria, como decorrência do expansionismo e da ameaça militar ao Ocidente. Não há, todavia, um consenso intrínseco a essa escola de pensamento em relação ao modus operandi do Kremlin, de tal forma que é possível perceber a existência de modelos teóricos contraditórios a explicar a política externa soviética. Alguns analistas dessa corrente descortinam a União Soviética a partir da perspectiva realista, que, desse ponto de vista, agia como uma grande potência à busca da maximização da sua segurança e poder e, portanto, procurava garantir os seus interesses de Estado. Outros enxergam a ideologia como a principal força motriz do regime de Stálin, que, dessa forma, buscaria agir como ator global com a finalidade de expandir a ideologia marxista-leninista e os regimes comunistas, abolir os Estados-nação, estabelecer sociedades sem classes e conquistar a preponderância global. Seja como for, a partir de qualquer uma dessas linhagens da ortodoxia, a União Soviética é mostrada como a responsável pela gênese da Guerra Fria e, de modo derivado, a Doutrina da Contenção surge como uma resposta dos EUA a esse desafio (BLUTH, 2001, p. 101-102). Em síntese, desse ponto de vista, ao final da Segunda Guerra Mundial, um novo conflito de proporções globais emergiu como decorrência de uma postura agressiva por parte da URSS. Ainda segundo essa perspectiva, a União Soviética haveria desrespeitado os acordos firmados durante a guerra e se aproveitado do seu predomínio militar na Europa Central e Oriental para impor regimes tirânicos por ela tutelados àquela região do planeta (SCHLESINGER, 1992). Em consequência do exposto, os EUA viram-se forçados a defender os seus aliados, o que haveria aumentado as tensões e levado à eclosão do novo conflito de dimensões globais. É importante observar que, na segunda metade dos anos 1940 e ao longo da década seguinte, nos EUA imperou o predomínio avassalador de uma história oficial da Guerra Fria,
elaborada a partir de intelectuais vinculados ao próprio Departamento de Estado ou a outras instituições governamentais. George Frost Kennan, o pai da doutrina da Contenção, seguramente foi o maior expoente dessa corrente de pensamento (sobre o assunto, veja o capítulo 6). O reverso da medalha da perspectiva ortodoxa estadunidense é a perspectiva elaborada a partir da ótica do Kremlin, que produziu uma história oficial ou, em outros termos, uma ortodoxia soviética. Dessa perspectiva, a Guerra Fria resultou da agressividade imperialista dos EUA e dos seus aliados ocidentais, que, ao final da Segunda Guerra Mundial, com os inimigos derrotados, passaram a descumprir os acordos firmados em Teerã, em Ialta e em Potsdam e começaram a agir com o propósito de subverter a ordem na esfera de influência soviética. Segundo essa perspectiva, o objetivo de tais ações era instigar as populações locais contra os governos alinhados à União Soviética, de forma a desestruturá-los e a destituí-los e, uma vez alcançados esses objetivos, agir com vistas à desestabilização da própria URSS. Ainda desse ponto de vista, como resultado dessas ações agressivas, a União Soviética precisou defender a região e a si própria, e isso teria levado à emergência do novo conflito global. O Revisionismo constituiu-se em uma crítica desafiadora à explicação oficial estadunidense sobre as origens da Guerra Fria implexa à própria ação da diplomacia daquela superpotência. Embora essa corrente de pensamento tenha se materializado como modelo crítico à interpretação oficial da política externa dos EUA em meados da década de 1960, no contexto da escalada da Guerra da Indochina, as suas matrizes assentam-se no livro seminal de William Appleman Williams, The Tragedy of American Diplomacy, publicado em 1959. Essa corrente minimiza as questões ideológicas, associa o posicionamento dos EUA às suas políticas domésticas e enfatiza as ações soviéticas no campo da construção da sua esfera de poder; por fim, responsabiliza os EUA pelo início da Guerra Fria, pois entende que a União Soviética, naquele contexto histórico, buscava a cooperação internacional e não representava ameaça à Europa ou ao mundo capitalista. Em adição, defensores desse ponto de vista exploram o fato de a URSS estar completamente devastada pela guerra e afirmam que, em consequência, o país não poderia suportar um novo conflito global prolongado2. Isaac Deutscher afirma que, ao final da Segunda Guerra Mundial, mais de 20 milhões de
soviéticos haviam perecido nos conflitos e outro montante da mesma magnitude era composto por mutilados de guerra (DEUTSCHER in HOROWITZ, 1969, p. 15-16). Ao final do século XX e no início do século XXI, no entanto, as estimativas mais aceitas sobre o número de soviéticos mortos apontam para cerca de 27 milhões (ZUBOK; PLESHAKOV, 1996, p. 6). O debate sobre a estatística populacional soviética no período da Segunda Guerra Mundial e anos seguintes é motivo de grandes controvérsias ainda hoje. Nos anos que se seguiram ao conflito, diferentes autores apontavam para perdas soviéticas de menor monta, embora muito significativas e, mesmo assim, as mais altas da Segunda Guerra Mundial. Veja-se, por exemplo, a análise de Eugene M. Kulischer, que, após confrontar diferentes dados populacionais soviéticos do período, calculou entre 10 e 14 milhões de mortes causadas pela guerra entre 1939 e 1945 (KULISCHER, 1949). Deutscher assevera que na URSS, após o conflito mundial, havia uma descomunal falta de homens jovens, de modo que só era possível ver homens velhos e mutilados, mulheres e crianças a lavrar os campos. O autor acrescenta que no censo de 1959, portanto 14 anos após o término do conflito mundial, havia, na URSS, 31 milhões de homens com mais de 32 anos perante 52 milhões de mulheres. O autor questiona os efeitos desse desequilíbrio sexual nos mais diferentes aspectos da vida familiar e social do país. Por fim, indica que, como consagrado na história do período, dois colossos emergiram e defrontaram-se ao final da Segunda Guerra Mundial, mas, segundo o autor, enquanto um se encontrava em pleno vigor (EUA), o outro (URSS) estava prostrado, a sangrar de forma copiosa. Apesar disso, para Deutscher, a imagem do maligno colosso russo prestes a conquistar e a controlar o mundo povoou o pensamento dos povos do Ocidente. Deutscher conclui que qualquer demógrafo saberia que seriam necessários ao menos de 15 a 20 anos para que a URSS pudesse preencher as lacunas do seu potencial humano. Embora o autor não o diga de modo explícito, depreende-se do seu texto que esse seria o tempo mínimo necessário para que a União Soviética pudesse se reestruturar e vir a representar alguma ameaça ao mundo capitalista (DEUTSCHER, 1991, p 121-123; 1969, p. 15-16)3. Os historiadores revisionistas acrescentam que a cooperação internacional era vital à estratégia soviética para assegurar o apoio financeiro dos EUA à
reconstrução da infraestrutura do país, destroçada pela guerra. Salientam que, com a morte de Roosevelt, muitos dos compromissos subscritos em Ialta passaram a ser recriminados pelo grupo de estrategistas associados à chamada linha dura do Departamento de Estado, que ganhou proeminência logo após a posse de Truman. A nova linha impressa à política externa dos EUA haveria ameaçado interesses que Stálin considerava basilares à segurança da União Soviética. Em resposta, Stálin apressou a consolidação do predomínio soviético e a edificação do seu escudo protetor na Europa Oriental (ação previsível mesmo se pensarmos em termos de uma potência convencional que se percebe ameaçada). Essas ações foram interpretadas nos EUA como movimentos agressivos e expansionistas da adversária e suscitaram respostas logo decodificadas na União Soviética como a confirmação de que os seus receios de uma agressão imperialista estavam corretos. Saliente-se que Stálin havia sido informado por um espião infiltrado no Gabinete de Guerra de Churchill de que, imediatamente após a rendição alemã, o primeiro ministro britânico haveria solicitado um plano para analisar a possibilidade de promover um ataque às forças soviéticas na Polônia (o assunto será tratado mais detalhadamente no capítulo 5). Tudo isso produziu uma escalada nas tensões que desembocaram no novo conflito global. Yergin entende que, ao final da Segunda Guerra Mundial, havia entre os policymakers estadunidenses dois modelos de interpretação da política externa da URSS que competiam pela hegemonia. O primeiro modelo interpretava a URSS como um Estado revolucionário global que impedia a possibilidade de coexistência com o restante do mundo, pois era movido por uma implacável guerra ideológica, com o objetivo de dominação mundial. Essa perspectiva analítica é nominada por Yergin como Axiomas de Riga4. O segundo modelo relativizava a influência da ideologia e do regime autoritário soviético na sua política externa. Desse ponto de vista, a União Soviética era vista como uma grande potência que atuava de forma tradicional na defesa dos seus interesses e pautava a sua ação no interior do sistema internacional e não com a intenção de destruí-lo. Yergin qualifica esse modelo como os Axiomas de Ialta5. Para Yergin, os Axiomas de Riga triunfaram nos EUA nos anos que se sucederam ao final da Segunda Guerra Mundial e formaram o consenso anticomunista. Para o autor, os axiomas de Riga contribuíram para delinear a Guerra Fria e os de Ialta conformaram a Détente (YERGIN, 1990, p. 11).
Christoph Bluth, de perspectiva neo-ortodoxa, entende que os historiadores revisionistas estão corretos quando afirmam que Stálin buscava a cooperação com o Ocidente após a Segunda Guerra Mundial. Segundo o autor, no entanto, Stálin fazia isso a pensar em termos de uma estratégia que demandava tempo para a reconstrução da União Soviética. Desse modo, a sua perspectiva sobre o futuro da Europa era irreconciliável com aquelas do Ocidente e, por ela, o líder soviético previa um conflito entre esses dois mundos em um futuro próximo. Bluth entende que os revisionistas estão errados quando denunciam a diplomacia ou os objetivos econômicos globais dos EUA como responsáveis pela emergência da Guerra Fria (BLUTH, 2001, p. 106-110). Esse autor aponta questões centrais na apreciação do problema, contudo a sua tese implica aceitar que as medidas de defesa adotadas pela URSS para fazer frente ao que eles entendiam constituir uma ameaça à segurança e aos interesses do Estado desmentissem as intenções de cooperação soviética. O problema nesse exercício analítico é que ele sugere a renúncia dos interesses de Estado, o que é incompatível com o papel desse ator no cenário internacional. Além disso, caso aplicado o mesmo juízo do autor aos objetivos de médio e de longo prazo dos EUA, pode-se concluir que os soviéticos estavam corretos em sua postura, pois a potência americana intencionava expandir a sua influência de forma global, ao mesmo tempo em que pretendia impedir o acesso da URSS a recursos fundamentais ao seu desenvolvimento. A aceitação dessa perspectiva defendida por Bluth e por outros neoortodoxos implica o reconhecimento dos EUA como uma potência global que pode agir a milhares de quilômetros das suas fronteiras, enquanto a URSS tende a ser considerada como uma potência agressiva ao fazê-lo em suas próprias adjacências. Por trás desse painel analítico, há uma percepção determinante, resultado do difuso processo de deliberada construção das imagens dos EUA e da URSS ao longo muitas décadas de história. Nela, deu-se a naturalização das ações (militares ou de outro cunho) dos EUA nas mais diferentes áreas do planeta como parte da defesa de valores apresentados como universais e únicos para a expansão da democracia. Já a União Soviética foi sempre apresentada como agressiva e defensora de modelos opressivos de sociedade incompatíveis com os valores enraizados no Ocidente. Enfatize-se que o regime soviético, principalmente sob Stálin, havia esmagado qualquer forma de oposição, reprimido a organização popular,
efetuado aprisionamentos, deslocamentos e execuções em massa. Desse modo, Stálin e os seus seguidores haviam destruído valores fundamentais à noção de democracia, fosse ela liberal capitalista, fosse anarquista ou fosse socialista. Reconhece-se, no entanto, que esse regime tornou a União Soviética uma potência econômica, política e militar, elevou os padrões de vida para parte significativa da população e, principalmente, ressalte-se que as evidências históricas mostram o Exército Vermelho como o grande destruidor das forças do Eixo (GLANTZ, 2001). Por fim, como aponta Roberts (2012) naquele momento histórico, a URSS buscava a aproximação e a cooperação com as nações ocidentais capitalistas democráticas. Para Paulo Visentini, ao final da Segunda Guerra Mundial, a URSS agia como uma potência convencional e pressionava os movimentos comunistas em diferentes partes do mundo à moderação e à participação em governos de coalizão, ajudando na reconstrução do capitalismo. Tal medida foi considerada por muitos líderes comunistas como traição, mas Stálin seguia essa via, pois, apesar de o Exército Vermelho ser uma força militar colossal, a marinha e a força aérea soviéticas eram frágeis, e o país precisava evitar confrontos, ser reconhecido como potência de fato e garantir a política definida nos acordos de Moscou, Teerã e Ialta (VIZENTINI, 2004, p. 66). João Fábio Bertonha afirma que, ao longo da Segunda Guerra Mundial, as alianças foram conformadas de tal modo que mesclavam interesses de uma Realpolitik com as concepções ideológicas que davam sustentação aos governos das principais potências envolvidas no conflito. Essa discussão remete às diferentes percepções de realistas e de idealistas. Os primeiros tendem a enfatizar as ações com vistas a garantir os interesses do Estado e os segundos a dar mais atenção ao campo ideológico (BERTONHA, 2016). De fato, tanto os EUA quanto a União Soviética (e o seu antecessor, o Império Russo) possuíam noções de segurança muito amplas, de dimensões continentais. Segundo Melvin Leffler, ao final Segunda Guerra Mundial, os EUA possuíam uma clara supremacia econômica em relação aos seus aliados e possíveis competidores. O Produto Interno Bruto dos EUA era três vezes maior do que o da URSS e cinco vezes o da Grã-Bretanha. Além disso, a União Soviética, embora houvesse saído da guerra fortalecida, estava com a sua infraestrutura industrial, urbana e com importantes áreas de mineração e agricultura completamente arrasadas. Ao mesmo tempo, a marinha dos EUA
dominava os mares, suas forças armadas possuíam capacidade de projeção de poder por meio do controle dos oceanos e, naquele preciso momento histórico, os EUA detinham o monopólio da bomba atômica. Enfim, afiança o autor, os EUA eram o poder preponderante (LEFFLER, 1992, p. XX). Para os policymakers do Departamento de Estado, a segurança nacional dos EUA era pensada em termos de correlação de poder. Por sua vez, o poder era definido pelo controle de recursos, de infraestrutura industrial e de bases externas. Desse ponto de vista, a segurança do país residia na superioridade econômica e tecnológica sobre qualquer potencial adversário. Considerando a proeminência dos EUA ao final da guerra, as suas elites planejaram remodelar o mundo à sua imagem e delinearam a criação do “século americano”. A ideia fundava-se na virtual promoção da paz mundial, da estabilidade internacional e em assegurar os interesses dos EUA de forma global. Assim, o raciocínio dos governantes em Washington era efetuado em termos de perpetuar o poder e aumentar a prosperidade da maior potência mundial (LEFFLER, 1992, p. 3-4). A amplitude dessa noção de segurança possuía uma dimensão que podia ser considerada ameaçada por eventos ou transformações ocorridas em qualquer região do planeta. Destarte, solidificou-se uma perspectiva em que problemas de alcance meramente regional, em qualquer área do globo, pudessem ser considerados como ameaça à segurança nacional dos EUA. Leffler considera a noção de segurança dos EUA tão ampla que ela passa a ser percebida como ameaça à segurança de outros povos, uma vez que eventos ocorridos em regiões remotas do planeta são compreendidos como ameaças aos interesses do país e, portanto, como questão de segurança nacional (LEFFLER, 1992, p. 1-24). Leffler, ao fazer referência ao tema da segurança nacional dos EUA e ao relacioná-lo com a sua percepção pelo regime de Stálin, afirma [...] a própria concepção estadunidense de segurança nacional tendeu, talvez nãointencionalmente, a gerar ansiedades e a provocar contramedidas de um governo orgulhoso, suspeito, inseguro e cruel que era ao mesmo tempo legitimamente apreensivo sobre as implicações provenientes a longo prazo da reabilitação de tradicionais inimigos e do desenvolvimento de bases estrangeiras na periferia do seu território (LEFFLER, 1994, p. 39, tradução do autor)
Leffler acredita que os oficiais de Washington entendiam que a União Soviética poderia se tornar uma formidável competidora dos EUA caso conseguisse capturar ou cooptar a infraestrutura, os recursos naturais e o
trabalho qualificado dos países desenvolvidos. Desse ponto de vista, os elaboradores da política externa estadunidense, de fato, não esperavam uma agressão soviética, mas temiam que a URSS pudesse empregar o desenvolvimento alcançado para fortalecer a sua vantagem em termos de longo prazo (LEFFLER, 1992, p. 6). Leffler entende que os policymakers de Washington tinham como objetivo impedir que a União Soviética pudesse acessar os vastos recursos de produtos in natura, tecnologia e trabalho capacitado da Eurásia (LEFFLER, 1992, p. 11-12). A princípio, os estrategistas de Washington não tinham a certeza se os comunistas que estavam a desafiar o poder estabelecido em diferentes áreas do planeta eram instigados por Moscou, mas acreditavam que, onde quer que eles chegassem ao poder, e por quaisquer meios, seguiriam direta ou indiretamente as políticas que atendessem aos interesses da URSS (LEFFLER, 1992, p. 7). Christoph Bluth defende a tese de que, embora a União Soviética buscasse a cooperação com os EUA e com os outros aliados ocidentais, os seus objetivos, como a criação da sua esfera de influência na Europa, eram inaceitáveis e feriam os valores e os interesses do Ocidente. De forma complementar, o autor entende que o conflito entre o campo socialista e o capitalista havia sido apenas retardado, mas não superado. Dessa perspectiva, no contexto de meados da década de 1940, a União Soviética procurou consolidar o seu poder sobre a Europa Oriental e estimular revoluções no Mundo em Desenvolvimento. O autor acrescenta que “[...] a Guerra Fria perdurou mesmo após a morte de Stálin, porque a existência do Estado e a legitimidade do poder foram construídas ao redor da alteridade do campo socialista e do conflito com o Ocidente” (BLUTH, 2001, p. 107, tradução do autor). Bluth não está completamente errado em sua assertiva, no entanto ela é limitada, uma vez que o inimigo representou um papel muito importante tanto em um campo quanto no outro, de forma a servir à consolidação dos projetos das elites locais e a justificar a repressão aos dissidentes e até mesmo a violação da lei (CHOMSKY, 1993, p. 11-12; MUNHOZ, 2004, p. 270-271). Além disso, não há evidências verossímeis de que, entre 1944 e 1946, Stálin houvesse estimulado revoluções em qualquer área definida como de influência angloamericana. Para David S. Painter, até meados de 1947, os soviéticos executaram uma política relativamente cautelosa na Europa, com variações de
país para país, conforme o contexto local. O autor afirma que, em contraste com a imposição de governos subservientes na Polônia, na Romênia, na Bulgária e na zona soviética da Alemanha, foram permitidas eleições relativamente livres na Hungria e na Tchecoslováquia em 1945. Painter ressalta que a União Soviética contribuiu para a criação de governos representativos na Áustria e na Finlândia. Ele acrescenta que a União Soviética desencorajou os partidos comunistas da França, da Itália, da Grécia e da Espanha a adotarem posturas revolucionárias e recomendou aos comunistas iugoslavos a limitação das suas demandas territoriais e a suspensão do apoio às guerrilhas comunistas gregas (PAINTER, 1999, p. 22). De fato, as evidências da moderação da postura soviética entre 1944 e 1946 são bastante amplas. Na sua própria área de influência, Stálin não se empenhou em promover o processo de sovietização. É possível indagar se a estratégia das Frentes Populares6 ocultava, por trás da fachada de uma democracia parlamentar multipartidária e de economia mista, um projeto futuro de sovietização ou se, de fato, Stálin acreditava na perspectiva de construção de uma via pacífica para o socialismo, com respeito às especificidades nacionais (PECHATNOV, 2010, p. 94). De forma adicional, sublinhem-se as recomendações de Stálin para que os comunistas iugoslavos negociassem com o grupo liberal liderado por Ivan Šubašić, com vistas a compor um governo de coalizão nacional (OPAT, 1987, p. 225-227), e a insistência para que, na China, Mao Zedong negociasse com o Guomindang (Partido Nacionalista)7. Não obstante, por exemplo, em relação à China, havia robusta resistência por parte dos comunistas locais, como resultado dos eventos ocorridos em 1927, quando o líder nacionalista Jiang Jieshi (Chiang Kai-Shek) ordenou o aprisionamento e a execução sumária dos principais líderes comunistas com quem havia estabelecido uma aliança. Essa questão é bastante intricada, e a forma como esses partidos estruturavam-se e associavam-se não era menos complexa. Mais do que uma simples aliança, o Partido Comunista Chinês era parte integrante do Guomindang. Além disso, o Guomindang fora aceito como partido simpatizante na Internacional Comunista, e Jiang Jieshi havia sido nomeado como membro de honra do presidium de seu Comitê Executivo (CLAUDÍN, 1985, p. 328).
Ao debruçar-se sobre os planos de reconfiguração do mundo no crepúsculo do conflito global, o historiador daqueles eventos, certamente, confrontar-se-á com as recomendações de Stálin para Palmiro Togliatti, principal líder comunista italiano. Togliatti, que se encontrava em Moscou durante a guerra, retornou ao seu país com a difícil incumbência de convencer os comunistas locais a deporem as armas e a devolverem aos seus proprietários as terras e as fábricas, então respectivamente sob controle camponês e operário. As recomendações de Stálin foram seguidas à risca e, na prática, selaram o fim do processo revolucionário em curso no Norte da Itália. Na sequência, muitas lideranças operárias e camponesas foram perseguidas e assassinadas por milícias armadas pelas elites locais com a complacência governamental. Para Viola [...] devido aos Acordos de Yalta, executados fielmente sob a direção de Togliatti, a Itália ficava sob Influência anglo-norte-americana, e o mais que os revolucionários podiam esperar, era a instauração de uma “democracia ampla”, mas burguesa em definitivo. Assim o aparato estatal burguês foi reconstruído, as empresas devolvidas a seus donos, as terras aos latifundiários e os guerrilheiros foram desarmados com o eficaz apoio do PCI. (VIOLA, 1986, p. 576).
A postura soviética também foi bastante comedida na Grécia, onde os comunistas eram a maior força individual em uma aliança bastante ampla que fazia frente a um governo considerado espúrio e repleto de membros que haviam colaborado com as potências do Eixo. Os comunistas locais e rebeldes de outros matizes políticos, no entanto, mantiveram a agitação revolucionária e foram massacrados por bombardeios britânicos que destruíram completamente áreas civis sob o silêncio de Stálin (VIZENTINI, 2004, p. 66). Gitlin ressalta que houve tentativas de negociações na busca da articulação de uma unidade nacional, sempre recusadas pelo governo reacionário apoiado pela Inglaterra. Posteriormente, Stálin foi inclusive acusado por comunistas de haver abandonado a causa da revolução para defender os acordos firmados com os EUA e o Reino Unido. O autor afirma que, no momento em que havia grande possibilidade de revolução nas áreas coloniais, Stálin agiu no sentido e barrá-las, para evitar problemas com os aliados (GITLIN, 1969, p. 195-197). Outro autor que aponta nessa direção é Fernando Claudín. Em síntese, diferentes autores de perspectiva revisionista ou que a ela se aproximam defendem a tese de que ao final da II Guerra Mundial, Stálin havia buscado um
diálogo com os EUA e com a Grã-Bretanha de modo a colocar em plano secundário promissores movimentos revolucionários. Para Claudín, Stálin haveria abandonado a causa da revolução com o objetivo de garantir o status quo e os interesses do regime que ele havia imposto à União Soviética (CLAUDÍN, 1985, p. 263). Na senda aberta pelos diálogos acadêmicos estabelecidos com vistas à melhor compreensão das origens da Guerra Fria, são cogentes algumas linhas sobre a chamada corrente pós-revisionista, encabeçada por John Lewis Gaddis. A corrente surgiu ao final da Guerra Fria e, como Gaddis mesmo afirmava, era necessário buscar um consenso, uma síntese pós-revisionista que superasse as limitações tanto da perspectiva ortodoxa quanto da revisionista. Gaddis no entanto, não faz o que promete, pois apenas reforça as teses ortodoxas. Mesmo em seu terceiro livro daquela fase, intitulado We now know, a promessa de que, com o acesso aos novos documentos disponibilizados em arquivos do antigo mundo soviético e outros desclassificados nos EUA, seria possível buscar um consenso, nem de longe é perseguida. De fato, Gaddis era um ortodoxo, talvez um pouco envergonhado, quando publicou os seus primeiros trabalhos sobre o tema, no contexto dos anos finais da Guerra da Indochina. Naquele cenário, a perspectiva ortodoxa encontrava-se sob frontal ataque, mas as teses de Gaddis não se distanciavam muito dela. Passada a agitação social experimentada pelos EUA, naqueles anos turbulentos em que o poderio da maior potência global parecia se precipitar tanto em casa quanto em diferentes áreas do planeta, as suas elites saíram da defensiva e retomaram, de diferentes formas, a reconstrução de um discurso convincente sobre a excepcionalidade e a particularidade da democracia edificada pelos pais fundadores. E, nesse quesito, Gaddis estava a postos para cumprir o seu papel. O pós-revisionismo foca a sua análise no contexto internacional, nas políticas elaboradas pelas elites dirigentes, no estudo das mudanças no equilíbrio de poder, e nas questões relacionadas à segurança doméstica. Do meu ponto de vista, porém, as chamadas análises pós-revisionistas padecem de um pecado capital. Não possuem uma tese que não esteja ancorada nas premissas ortodoxas e, mais do que isso, edulcoram e alavancam essas teses produzidas nos anos mais duros da Guerra Fria. Outro problema que me parece central nas teses de Gaddis é a adoção do conceito de “imperialismo por convite”, compartilhado por ele e por Geir Lundestad. Esse autor afirma que os
EUA não são uma nação imperialista e, mesmo quando sob determinadas condições adotaram posturas compatíveis com essa classificação, o fizeram à revelia da sua própria vontade, regra geral, a convite de aliados que lhes pediam proteção frente às ameaças soviéticas (LUNDESTAD, 1986, p. 263277; 1999, p. 52-91; GADDIS, 1997, p. 285-286). Em primeiro lugar, a literatura é bastante farta sobre a postura imperial e a ação imperialista dos EUA a partir da última década do século XIX, ao longo do século XX e nesse início do século XXI (não me alongarei nesse ponto, pois esse não é o foco do debate). Em segundo, a adoção da tese do imperialismo por convite também serve muito bem para justificar todas aquelas ações, também imperiais, adotadas pela União Soviética na sua esfera de influência. Em adição, o conceito traz outros problemas, pois muitas vezes os EUA agiram contra governos democraticamente eleitos, por meio de ações secretas. Nessas ocasiões, desestabilizaram governos, insuflaram oposições e articularam golpes, como, por exemplo, no Irã, em 1953; na Guatemala, em 1954; no Brasil, em 1964; no Chile, em 1973, apenas para ficar em alguns poucos exemplos. Desse modo, a tese do imperialismo por convite é frágil, não resiste ao escrutínio minucioso e, portanto, deve ser refutada. Para Bruce Cumings, Gaddis nunca foi pós-revisionista, mas um antirevisionista (CUMINGS, 1995, p. 44.). Do meu ponto de vista, uma leitura arguta dos trabalhos de Gaddis demonstra que, sob o estratagema de uma pseudoneutralidade, o autor procurava negar as teses revisionistas e modernizar os pressupostos nodais das teses ortodoxas, tornando-as mais palatáveis. Assim, no limite, Gaddis poderia ser considerado no máximo um neo-ortodoxo. De outro ponto de vista, a historiografia de orientação corporatista delineia o sistema capitalista estadunidense como ancorado no relacionamento entre grupos funcionais organizados, institucionalmente reconhecidos como instrumento de representação dos diferentes setores da sociedade, como os trabalhadores urbanos, o empresariado e os agricultores. Esse sistema, urdido de forma difusa durante o século XX, é baseado na regulação institucional e no desenvolvimento de mecanismos de controle de forma a possibilitar a integração dos diferentes ramos de atividade em um único organismo. Os historiadores corporatistas entendem que a funcionalidade desse sistema está
associada à colaboração das elites tanto do setor público quanto do privado com o desígnio de tornar o conjunto harmônico. Segundo essa perspectiva, como resultado dessa empreitada bem-sucedida, foi possível criar um protótipo de interpenetração e divisão do poder de modo tão disseminado pela sociedade que dificulta a percepção dos limites e das fronteiras existente entre cada um dos diferentes componentes do sistema (HOGAN, 1994, p.227). Ainda nessa mesma linha argumentativa, acrescentam esses autores que muitos dos líderes do setor privado tendiam a ocupar postos em organismos públicos, o que facilitava a integração entre os setores público e privado (HOGAN, 1994, p.233). Michael Hogan defende a tese de que há uma linha de continuidade entre as políticas domésticas executadas nos EUA no período entreguerras e aquelas cumpridas no pós-Segunda Guerra. Mundial. Ele e outros historiadores corporatistas minimizam as diferenças, mesmo aquelas mais contrastantes como as executadas durante a gestão Hoover e os consecutivos governos Roosevelt, notadamente no que se refere ao New Deal e às políticas a ele correlacionais. Para Hogan, a política externa dos EUA foi intimamente abalizada pela pressão dos grupos organizados internos, uma vez que as influências da economia doméstica, dos problemas sociais e das questões ideológicas na diplomacia eram irrefragáveis. O autor conclui que, ao longo daqueles anos, buscou-se nos EUA a estruturação de uma nova ordem econômica tanto interna quanto externa (HOGAN, 1995a, p. 4-18). Em síntese, na concepção de Michael Hogan, desenvolveu-se nos EUA um modelo de Estado associativo ou, como ele e outros autores denominaram, um exemplo bem-sucedido de neocapitalismo corporativo que, ao menos em tese, beneficiava amplos setores da sociedade. Desse ponto de vista, o arcabouço dessa arquitetura de poder era estruturado por intermédio da autorregulação dos grupos econômicos integrados por coordenações institucionais e pelos mecanismos de mercado, liderados por elites provenientes tanto do setor público quanto do privado, o que estreitava a cooperação entre as partes do sistema; adicionalmente essa estrutura era alimentada pela energia limitada, mas positiva do governo, em direção ao crescimento econômico que pudesse ser compartilhado por todos (HOGAN, 1995b, p. 1-3).
Durante a guerra, os líderes estadunidenses concluíram que o caos e a destruição gerados pelo conflito mundial haviam levado à erosão da antiga ordem mundial e que havia a extraordinária oportunidade de substituí-la por outra, estruturada a partir do modelo que entendiam funcionar muito bem nos EUA. Com essas intenções, principiaram a planejar a arquitetura de uma nova ordem mundial que era ela própria a expressão do projeto corporatista doméstico. Os imperativos domésticos desse sistema orientaram as diretrizes da política externa estadunidense, uma vez que grande parte dos policymakers de Washington provinha das elites empresariais ou a elas estava associada. Para Hogan, no entanto, essa política doméstica também foi influenciada pelas condicionantes advindas da política externa. Desse modo, naqueles anos e nos seguintes, tanto a compreensão dos problemas endógenos, expressos na política doméstica, quanto a percepção das questões exógenas, associadas pela política externa à crença de uma inexorável expansão comunista soviética, influenciaram na elaboração das estratégias globais dos EUA (HOGAN, 1994, p. 226-236). Entre os anos de 1944 e 1947, os EUA haviam investido cerca de 9 bilhões de dólares nas diversas experiências frustradas de reconstruir as diferentes economias locais europeias. Os resultados foram sempre insatisfatórios, ou mesmo pífios, pois os problemas eram sistêmicos, ou, em outras palavras, europeus, e daí resultava que não era possível obter resultados adequados quando cada um deles era tratado como um problema localizado. Ou, em outras palavras, eram tratados como problemas de um país específico, quando o problema era europeu. Em 1947, a economia europeia permanecia em patamares muito aquém daqueles verificados em 1938, último ano anterior à guerra que possuía dados econômicos completos e sem os impactos dos efeitos do conflito (HOGAN, 1995b, p. 30). Além disso, entre as elites, havia muitos temores relacionados à expansão do comunismo na Europa. Kennan já havia apontado no seu longo telegrama e, posteriormente, em Sources of Soviet Conduct8, que o caos provocado pela guerra deveria ser rapidamente solucionado. Para ele, a destruição da infraestrutura, o desemprego, o desabastecimento que, implicava racionamento e fome; a falta de energia, de habitação e a falência dos serviços públicos em geral eram propícios à agitação social e ao crescimento do ideário comunista. Leffler ressalta que nos primeiros anos que se sucederam ao final
do conflito mundial, para parte significativa da população europeia, apesar da pilhagem e da violência praticada pelos soviéticos nos países do Eixo, derrotados na guerra, o Exército Vermelho era tido como libertador (LEFFLER, 1992, p. 7). Para os historiadores corporatistas, o Plano Marshall foi fundamental para a criação das condições necessárias à reconstrução de uma balança de poder na Europa e ao mesmo tempo possibilitou aos EUA e aos seus aliados europeus as condições para a contenção do bloco soviético. Acrescente-se que, por intermédio da criação de novas alianças militares e de programas de assistência, foi edificado um sistema de segurança coletiva, comandado pelos EUA, que garantia a nova ordem contra qualquer potencial agressor. Nessa nova arquitetura de poder mundial, a criação da ONU desempenhou um papel central na definição e na regulação das relações entre as nações, de acordo com princípios marcadamente influenciados pelos EUA. Em adição, a assinatura do acordo de Bretton Woods, a criação do Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento (que posteriormente dá origem ao Banco Mundial) e do Fundo Monetário Internacional desempenharam um importante papel na configuração de uma nova ordem econômica. Em paralelo, o Tratado Geral de Tarifas e Comércio e o Tratado de reciprocidade Comercial foram agregados às diretrizes da Open Door Policy implementada pelos EUA na primeira metade do século (HOGAN, 1994, p. 233). Por fim, analisado de uma perspectiva mais ampla, pode-se afirmar que o Plano Marshall não estava apenas relacionado aos conflitos provenientes da Guerra Fria, mas atendia às necessidades do capitalismo dos EUA, uma vez que a reconstrução da Europa era fundamental para a nova ordem econômica, política e social planejada pelas elites estadunidenses. Ele era fundamental não apenas para a recuperação da Europa, mas para a reestruturação do capitalismo europeu em moldes que atendessem aos interesses dos EUA. Ao mesmo tempo, essa perspectiva possuía uma dimensão que atendia às necessidades de reprodução do capitalismo como um sistema mundial (HOGAN, 1994, 1995b). Do meu ponto de vista, tanto a perspectiva ortodoxa estadunidense quanto a chamada pós-revisionista não são adequadas à compreensão da Guerra Fria; a primeira por estar comprometida com os projetos das elites estadunidenses e, em consequência, por minimizar as inconsistências entre o discurso e a
prática da política externa dos Estados Unidos; a segunda por ser uma remodelagem da primeira adaptada ao contexto dos anos finais do século XX, momento em que um dos contendores da Guerra Fria se esfacelava enquanto o outro emergia como protagonista de uma possível nova era. O revisionismo cumpriu o seu papel ao desafiar o consenso oficial em anos bastante difíceis, ainda marcados pela “caça às bruxas”, quando a discordância relacionada à política implementada pelo governo era, nos EUA, tratada como ato de traição e rotulada de propaganda comunista. Naquele contexto, essa corrente historiográfica apresentou teses bastante sólidas que perduram até os dias de hoje, como, por exemplo, a de que a União Soviética buscava a cooperação internacional em 1945 e não representava uma ameaça imediata à Europa Ocidental. A escola ressaltou que a estruturação da política externa da União Soviética se dava muito mais em termos da Realpolitik, de forma a salvaguardar os seus interesses de Estado, e que, nesse sentido, era verossímil definir parâmetros de negociação duradouros que pudessem evitar a emergência da Guerra Fria. Esse modelo de análise carece de uma melhor percepção das influências recíprocas e da própria interdependência entre as políticas doméstica e externa, ponto forte do modelo corporatista de análise. É plausível interrogar se o tratamento dispensado pela literatura revisionista à política externa soviética envidada por Stálin no imediato pós-guerra não é excessivamente generoso e condescendente. O revisionismo, todavia, além de haver questionado tanto a política doméstica quanto externa dos EUA, desempenhou um papel ético e moral ao contestar os dogmas oficiais, ao denunciar o suporte do governo dos EUA a regimes ditatoriais truculentos e ao expor à sociedade estadunidense e ao mundo a relação entre a imposição de uma política externa agressiva e a emergência dos conflitos que desembocaram na Guerra Fria. Advirto que no presente trabalho, de modo até certo ponto bastante eclético, procurei incorporar tanto os avanços representados pelas teses revisionistas quanto corporatistas. Adicionalmente, apropriei-me das análises centradas na teoria do sistema-mundo, em especial aquelas apresentadas por Fred Halliday em The Making of the Second Cold War (HALLIDAY, 1983), embora eu discorde da própria concepção da existência de uma Segunda Guerra Fria, como procurarei evidenciar em momento oportuno.
2 A OPERAÇÃO BARBAROSSA E A SEGUNDA FRENTE DE BATALHA Desde o sucesso inicial da Operação Barbarossa, com a invasão do território soviético por tropas do Eixo, a 22 de junho de 1941, a diplomacia soviética trabalhou no sentido de convencer a Grã-Bretanha e, posteriormente, os EUA à abertura de uma Segunda Frente de Batalha9. Essa medida era vista por Stálin e pelos estrategistas soviéticos como fundamental à sobrevivência da URSS, uma vez que o país estava a enfrentar a colossal força de ocupação germânica. Segundo essa perspectiva, a abertura da nova frente de batalha no Ocidente, solicitada desde julho de 1941, obrigaria a Alemanha a transferir parte das suas tropas de ocupação do território soviético para as áreas sob ataque, o que ampliaria as condições de defesa e criaria possibilidades de uma contraofensiva por parte do Exército Vermelho. Os primeiros atritos entre soviéticos e britânicos No início de novembro de 1941, pouco antes dos EUA entrarem formalmente na guerra, surgiram sinais de crise entre as diplomacias soviética e britânica. Stálin principiou a interpretar, como manobra britânica, as seguidas recusas de Winston Churchill, primeiro ministro britânico, explicadas sempre com base na Carta do Atlântico10, às suas propostas de negociação, pautadas na definição de um plano para o pós-guerra, que reconhecesse as fronteiras soviéticas anteriores à invasão germânica11. As divergências eram claras, pois os dirigentes britânicos, em especial Churchill, entendiam que assegurar essas fronteiras significava reconhecer a incorporação dos Estados Bálticos, resultado de uma agressão compartilhada entre a URSS e a Alemanha. As tensões chegaram a tal ponto que, em termos claros, Stálin manifestou o seu entendimento da situação ao ministro das relações exteriores da Grã-Bretanha, Anthony Eden, ao afirmar: “Eu pensei que a Carta do Atlântico fosse direcionada contra aqueles povos que estão tentando estabelecer uma dominação mundial. Agora, parece-me que a Carta do Atlântico foi direcionada contra a URSS” (GARDNER, 1994, p. 114, tradução do autor). Além disso, as contínuas negativas da Grã-Bretanha em
declarar guerra aos aliados da Alemanha (Finlândia, Hungria e Romênia) incomodavam o líder soviético, pois tropas desses países participavam da invasão à URSS. Naquele contexto, Stálin chegou a solicitar também o envio à URSS de 20 a 30 divisões britânicas para auxiliar na defesa soviética (GARDNER, 1994, p. 107-108). As promessas de abertura da Segunda Frente O presidente perguntou ao general Marshall se tínhamos elementos suficientes para afirmar ao Sr. Stálin que estávamos preparando uma Segunda Frente. Como o general tivesse respondido afirmativamente, o presidente autorizou o Sr. Molotov a transmitir ao Sr. Stálin que esperávamos abrir uma Segunda Frente este ano (SHERWOOD, 1998, p. 580)12.
A prometida frente não ocorreu em 1942 e nem mesmo no ano seguinte. Muitos autores atribuem o atraso na abertura do Front a questões de estratégia e logística, enquanto outros imputam a Winston Churchill, primeiro ministro britânico, a responsabilidade pelo contínuo adiamento da operação (BAGGULEY, 1969, p. 114). Outros entendem que a posição de Churchill decorria da complexidade da operação e do fato de que ele considerava muito arriscado cruzar o Canal da Mancha e atacar a França dominada pela Alemanha. Acreditava-se, segundo essa perspectiva, que era necessário ter a certeza do sucesso da empresa para não comprometer o esforço de guerra, pois os recursos somente seriam suficientes para uma ocasião (SWIFT, 2003, Map 5). Novamente, nesse campo há divergências. Para Bagguley, em 1942 Churchill haveria mencionado a existência de cerca de 9 divisões alemãs a proteger as costas da França. Assevera, ainda, que geralmente essas informações eram infundadas, de forma a sugerir que, naquele ano, as defesas fossem até mais frágeis (BAGGULEY, 1969, p. 114). Para o autor, havia condições para a realização da operação. Deve ser enfatizado, no entanto, que o assunto demanda algumas ponderações, pois não se pode esquecer que uma derrota ou a invasão com excessivas baixas custaria a posição de Churchill e a reeleição de Roosevelt. Sublinhe-se que vários dos dispositivos militares para invasão foram desenvolvidos depois de 1942 – supor que poderiam ser desenvolvidos antes nos levaria a uma história contrafactual e aos seus perigos. Entretanto, é possível considerar que a opção de concentrar grande parte do esforço militar britânico e estadunidense no desenvolvimento das operações no Norte da África houvesse contribuído para o atraso na produção dos dispositivos necessários à operação na Normandia.
Alguns especialistas consideram que uma coisa é enfrentar os japoneses em ilhas inóspitas de poucas centenas de quilômetros quadrados, sofrendo os mesmos pesadelos logísticos dos nipônicos (transporte, armas, munição, equipamentos, alimentos e até água potável). Outra, bem diferente, seria cruzar o Canal da Mancha, conquistar posições, mantê-las e avançar no interior francês, sem linhas de comunicações estruturadas para fluxo de homens, armas, equipamentos e combustíveis. Segundo esse ponto de vista, em 1942, as tropas estadunidenses eram novatas e os seus praças e oficiais cometeram erros primários no Norte da África. Uma operação de tamanha responsabilidade e risco somente poderia ser feita com garantias mínimas. Se, de um lado, essa é uma perspectiva defensável e verossímil, de outro, considera-se que a demora na abertura da Frente tornou-a muito mais difícil, pois, após a derrota em território soviético, os alemães deslocaram mais forças para as áreas ocidentais. Desse modo, quando ocorreu a Operação Overlord, em junho de 1944 (Desembarque na Normandia), os aliados enfrentaram forças muito superiores àquelas que os alemães possuíam em 1942 ou mesmo em 1943. Após as sucessivas derrotas da Wehrmacht em Stalingrado e Kursk, Hitler concluiu que não mais poderia vencer o Exército Vermelho na Frente Oriental. Daí em diante começou a pensar que uma derrota na Frente Ocidental seria muito mais catastrófica, pois, se as forças aliadas conseguissem penetrar as defesas do Reich na França, estariam muito próximas do coração industrial do Ruhr e do Reno e, mesmo, de chegarem a Berlim. Com essa preocupação em mente, em novembro de 1943, Hitler ordenou a sua diretiva número 51, pela qual tornava prioritária a defesa da Costa da França e passou a reforçar militarmente a região (AMBROSE, 1995, p. 28-29). Entre a França e o Norte da África Churchill foi a Washington em dezembro de 1941 e, nessa ocasião, sugeriu a Roosevelt a realização de uma operação (Gymnast) a envolver as forças dos dois países no Norte da África. Esse seria o primeiro passo para vencer o Eixo. Na primeira Conferência de Washington, também conhecida como Conferência de Arcádia13, há indícios de que Roosevelt havia sido convencido por Churchill a concentrar os esforços no Norte da África e a pensar na ofensiva ao território francês, então sob o domínio da Alemanha, pelo Canal
da Mancha para 1943. Diversos militares de alta patente, entre eles o general George Catlett Marshall e o Almirante Ernest Joseph King, no entanto, opuseram-se a essa ação pela periferia das áreas centrais do conflito e preferiam concentrar o ataque de forma a aliviar a pressão que a União Soviética estava a sofrer. Segundo Bagguley, Marshall e King chegaram a ameaçar um pedido de demissão, pois entendiam que essas operações no Norte da África não eram importantes e que impediriam qualquer manobra na Europa em 1942 e, além disso, dificultariam ou impediriam essas operações mesmo na primavera de 1943. Conforme o autor, “na opinião deles, a falha em agir na Europa em 1942 significaria uma fuga ao compromisso americano para com a União Soviética” (BAGGULEY, 1969, p. 111). Em abril de 1942, Churchill aceitou a proposta alternativa dos EUA de uma ação preliminar de ataque à Europa ainda naquele ano (Operação Sledgehammer), seguida da operação principal em 1943 (Operação Round-up, posteriormente renomeada para Overlord). Em julho, Churchill, contudo, retrocedeu em sua posição ao alegar que a operação seria inviável naquele contexto, pois estava centrada principalmente nas forças britânicas. Em efeito, o líder britânico alegou que o país não possuía equipamentos suficientes para o desembarque. Assegurou que as defesas alemãs eram bastante sólidas e que as possibilidades de sucesso eram remotas (GOOCH, 1995, p. 239). Na Conferência de Washington, em maio de 1943, Churchill foi praticamente compelido a aceitar a operação de invasão da França, programada para 1944. Ao longo do outono, no entanto, ele ainda insistiu em operações no Norte da África, depois nos Bálcãs, mesmo que essas opções custassem o atraso da Operação Overlord. Segundo Gooch, quando o controle dos Bálcãs pela União Soviética tornou-se mais provável, Churchill mudou a sua estratégia, que até então se fundava em questões militares, e passou a fundamentar-se no risco de os soviéticos controlarem a região. Para ele, Churchill desenvolveu outras estratégias com vistas a protelar a abertura da Segunda Frente, inclusive haveria manipulado a situação com o intuito de evitar que Stálin fosse convidado à Conferência do Cairo (22 a 26/11/1942), pois acreditava que o líder soviético aproveitaria a ocasião para pressionar pela abertura do Front (GOOCH, 1995, p. 240). Na Aliança, havia um clima de dissensões e de suspeições, principalmente a envolver soviéticos e ingleses. Apesar disso, houve novos acenos alusivos às
intenções com vista à abertura da frente em 1943, mas, de fato, o evento apenas concretizou-se com a Operação Overlord, no chamado Dia D, em 6 de junho de 1944. Ao longo de todo esse intervalo, a União Soviética viu-se forçada a combater as forças do Eixo com tenacidade e recursos limitados, embora contasse com o apoio logístico e de fornecimento de equipamentos, armas, munições e uma infinidade de outros produtos e equipamentos principalmente por parte dos EUA. Enfim, as forças soviéticas foram impelidas a lutar como podiam para fazer frente à maior máquina de guerra até então em operação. Como resultado, ao final desses enfrentamentos, o Exército Vermelho não apenas havia suplantado os adversários como havia se transformado na maior e mais poderosa força de combates terrestres do planeta. A Frente e a dissolução da Internacional Comunista A 10 de junho de 1943, o Presidium do Comitê Executivo aprovou a autodissolução da III Internacional, baseada na justificativa de que a experiência havia demonstrado que a organização a partir de um único centro não haveria dado certo; que se fazia necessária a criação de uma ampla coalizão frente ao fascismo e que os comunistas deveriam se empenhar profundamente em auxiliar a máquina de guerra das democracias que se opunham aos regimes e aos movimentos fascistas. Em paralelo, a resolução recomendava ações de sabotagem nos países ocupados pelas forças nazistas. O Presidium da Internacional Comunista solicitava ainda, de forma complementar, que os diferentes partidos comunistas espalhados pelo mundo atuassem dentro dos marcos nacionais e de forma a respeitar os aliados de guerra. Em síntese, era uma recomendação para subordinar os interesses locais ao conflito global e à defesa da União Soviética, considerada então como a pátria do socialismo. Assim, a organização, criada em 1919, com o intuito de exportar o projeto revolucionário bolchevique, foi dissolvida 23 anos depois sem resultados concretos tangíveis14. Entretanto a decisão de extinguir a organização ocorreu justamente no momento em que eram vislumbradas perspectivas revolucionárias em boa parte da Europa, além da grande inquietação crescente nos países coloniais (CLAUDÍN, 1985, p. 27-50). Assevera o autor que a decisão de extinguir a Internacional partiu de Stálin, pois apenas 28 das 76
seções da Internacional foram consultadas (aquelas cujos líderes estavam em Moscou sob a tutela do líder soviético). Para o autor, uma organização que não havia funcionado por mais de 20 anos somente precisaria ser extinta às pressas se a questão não fosse interna à organização, mas estivesse ligada a oferecer garantias aos aliados da URSS no conflito global de que não haveria revoluções (CLAUDÍN, 1985, p. 31-40). Dessa forma, segundo o autor e ativista comunista espanhol, Stálin haveria demonstrado a Roosevelt e a Churchill a sua disposição para a convivência e coexistência pacífica com as democracias ocidentais e, em contrapartida, buscava conseguir a criação da Segunda Frente, assunto já abordado neste texto. Desse ponto de vista, a Internacional Comunista haveria sido dissolvida em função dos interesses do Estado soviético e não pelas supostas necessidades do movimento comunista internacional. A decisão balizava a disposição soviética de cooperar com as democracias capitalistas ocidentais com vistas a um ambicionado entendimento quanto aos destinos do mundo que emergiria do conflito e quanto ao papel a ser desempenhado pela União Soviética na nova ordem mundial que, certamente, seria edificada após a derrota do inimigo. Em outra passagem, Claudín considera que o Estado soviético promoveu o holocausto da Internacional Comunista no altar da “grande aliança” de guerra (1985, p. 334). É plausível conjecturar que a decisão de dissolver a Internacional, tomada somente após a vitória soviética em Stalingrado, tinha como norte consolidar o relacionamento amistoso entre a URSS e as potências capitalistas ocidentais, com vistas às definições do pós-guerra, quando Stálin esperava que a União Soviética pudesse desempenhar um papel de grande potência ao lado dos EUA. Assim, quando foi tomada a decisão de encerrar as atividades da Internacional, a fase mais ameaçadora da invasão alemã já havia passado, e a possibilidade de derrota e de esfacelamento do regime soviético também havia se dissipado. Desse modo, após as vitórias em Stalingrado e, posteriormente, em Kursk, o Exército Vermelho havia assumido as iniciativas no teatro de operações e desencadeado ações com o escopo de derrotar o inimigo, expulsá-lo do território soviético e na sequência marchar sobre outras áreas ainda sob o controle das forças do Eixo. Sublinhe-se que, após o ataque alemão à União Soviética, Stálin procurou remover os possíveis entraves às negociações diplomáticas que tinham por
objetivo a criação de uma aliança com as nações capitalistas democráticas ocidentais para enfrentar o Eixo. Ao extinguir a Internacional, em maio de 1943, o líder soviético ofereceu uma demonstração do alcance da sua disposição para negociar. Ressalte-se, contudo, que esse ato era muito mais simbólico do que real, pois Stálin mantinha controle sobre os partidos comunistas na esmagadora maioria dos países onde eles existiam, fossem legais ou ilegais. Em paralelo, no campo ocidental, muitos estrategistas acreditavam haver razões de sobra para desconfiar dos desígnios do líder soviético. Do ponto de vista deles, os comunistas consideravam que a história lhes era favorável, ou seja, o capitalismo caminhava para sua destruição no médio e no longo prazo. Daí interpretavam que a sobrevivência da URSS não era para conviver em paz indefinidamente com o capitalismo. Nessa linha interpretativa, além das contradições internas do sistema capitalista, haveria a força organizada e inspiradora da “pátria do socialismo”. Nos anos seguintes, Stálin não estimulou revoluções, ao contrário, agiu com bastante prudência e cautela, inclusive com o intuito de contê-las. Somente mudou essa diretriz quando a intensificação dos conflitos com os exaliados ganhou corpo e ficou evidente a impossibilidade de um acordo satisfatório e de uma possível convivência pacífica. Exemplo cristalino dessa linha de conduta foi o posicionamento soviético em relação à Guerra Civil na Grécia. Em 1944, Stálin e Churchill chegaram a um acordo sobre a predominância britânica na região. Em decorrência, a Grã-Bretanha controlaria a Grécia e a URSS a Romênia. Desse modo, os soviéticos não apoiaram a guerrilha grega, mesmo cientes de que ela era a maior força política no país e de que, no interior da guerrilha, os comunistas constituíam-se na maior força individual. Na continuidade daquele ano, em dezembro de 1944, os britânicos impuseram penosas derrotas à guerrilha. Muitos associam a consolidação da posição britânica na Grécia ao massacre à população civil do país, quando foi amplamente empregado o bombardeio de áreas controladas por nacionalistas e comunistas que haviam tido um importante papel na derrota das forças fascistas. Stálin não se manifestou de forma alguma sobre o massacre que estava a ocorrer na Grécia. Os comunistas gregos, contudo, continuaram a receber apoio proveniente da Iugoslávia. Com o início da Guerra Fria, nos EUA, acusava-se a URSS de estar por trás da convulsão social na Grécia, tese
que não apresenta evidências robustas, uma vez que os fatos indicam um alheamento soviético em relação ao conflito. Na ocasião, associava-se o auxílio iugoslavo como um estratagema de Stálin, uma vez que era tendência predominante ver o movimento comunista como um monólito manipulado por Moscou. Ao longo dos anos, contudo, tornou-se conhecido que a Iugoslávia agia com grande autonomia em relação a Moscou, uma vez que as forças locais derrotaram os inimigos sem o auxílio do Exército Vermelho. Mais do que isso, rapidamente ficou evidente que o nacionalismo de Josip Broz Tito e seus seguidores os levou a imprimir uma política própria na região, o que resultou no forçoso confronto com o regime de Stálin. Em 1946, ocorreram eleições na Grécia, apontadas por observadores de diferentes matizes como fraudadas. Em 1948, porém, quando as relações entre a Iugoslávia e a URSS se deterioram, os comunistas gregos tomaram o lado de Stálin. Em consequência, perderam o apoio de Tito, o que tornou inevitável a derrota das forças de esquerda na Grécia, em 1949, e selou o final da guerra civil. O Lend-lease Não se pode deixar de mencionar que, apesar das sucessivas procrastinações da Segunda Frente, os EUA mantiveram apoio à União Soviética por meio do Lend-lease, com envio de arriscados comboios pelo Ártico. Havia sérios riscos de torpedeamento por parte dos submarinos alemães. Todavia, por vezes, houve a redução ou mesmo a suspensão temporária desse auxílio, em consequência das necessidades advindas das demandas de outros dois teatros de operações, as batalhas do Pacífico e do norte da África. Apenas para ficar em um exemplo, a decisão de desencadear a Operação Torch, que tinha por objetivo vencer as forças opositoras no norte da África e no Mediterrâneo, justificou corte nos carregamentos para a União Soviética. Alguns autores procuram sublinhar a importância do Lend-lease e ressaltar que, sem ele, a União Soviética não poderia haver derrotado a Alemanha (DUNN, 1998, p. 245). O auxílio dos EUA por meio do Lend-lease tornou-se suporte de inestimável valia para sustentar o esforço de guerra soviético. O vultoso apoio material dos EUA, no entanto, era insuficiente perante a dimensão das dificuldades soviéticas. Naquele contexto, enquanto a Segunda Frente não saía do campo das intenções e das promessas, Stálin pedia sempre mais e mais
alimentos, equipamentos, armas, munições e mesmo a montagem de fábricas para manter o esforço de guerra soviético. Naquele contexto, muitas vezes, os aliados acabavam por prometer mais do que era possível cumprir, e isso geraria discórdias no futuro. Em Moscou, a intermitência no fornecimento de suprimentos induziu ao avivamento das suspeições de que os Aliados queriam apenas garantir que a URSS e a Alemanha mantivessem aquele combate sangrento a ponto de se aniquilarem reciprocamente. Em síntese, a própria base da aliança efêmera entre os chamados países capitalistas democráticos e o estatismo soviético para fazer frente ao inimigo comum (HOBSBAWM, 1995, p. 144-177) possuía as sementes dos desentendimentos futuros (SWIFT, 2003, Map 5). Do exposto, depreende-se que, embora apenas o Lend-lease não atendesse às demandas dos soviéticos, pois o que eles mais necessitavam era mesmo da criação de uma frente de combates na Europa Ocidental, a sua suspensão em determinados períodos foi tão desastrosa para a defesa soviética quanto para as relações entre os membros da aliança. É possível aferir a dimensão da importância do Lend-lease quando são observadas as informações relacionadas às profusas quantidades de itens encaminhados à URSS pelos EUA. Durante todo o período da guerra, os Estados Unidos enviaram à aliada ao redor de 427 mil caminhões, que foram fundamentais na logística do confronto militar (BATEMAN III, 2000, p. 56). Adicionalmente, foram fornecidos pelos EUA 15 milhões de pares de botas, 4 milhões de toneladas de alimentos, 34 milhões de uniformes, entre outros itens de análoga relevância ao esforço bélico. Esse suporte vultoso permitiu aos soviéticos concentrarem-se na produção de tanques e outros artefatos bélicos que foram decisivos na condução da guerra (NEIGBERG, 2000, p. 58). Estatísticas Há divergências estatísticas relacionadas ao emprego de forças na Operação Barbarossa e durante o período de ocupação do território soviético pela Alemanha, mas essas discrepâncias não mudam de forma expressiva a compreensão da magnitude do evento e do poderio bélico nele empregado. Para David M. Glantz (coronel do Exército dos EUA e estudioso do conflito sovieto-germânico, durante a II Guerra Mundial), a Alemanha empregou, na fase inicial da Operação Barbarossa, cerca de três milhões de soldados.
Segundo Glantz, de início, os invasores demonstraram superioridade e, em pouco tempo, esmagaram as defesas e avançaram com rapidez em território soviético. Sublinha o estudioso que, por volta do final de 1941, as forças alemãs ameaçavam Moscou, Leningrado e Rostov. Ressalta que, até o término de 1942, a Alemanha manteve cerca de quatro milhões de soldados em operação no território soviético, o que representava algo próximo de 70 a 80 por cento dos combatentes do Reich em ação. Ainda, segundo o autor, o máximo de combatentes alemães empregados na luta contra o Exército Vermelho alcançou a marca de seis milhões de soldados no verão de 1944 (GLANTZ, 2001, p. 9). Historiadores soviéticos afirmam que a Alemanha haveria empregado 4,6 milhões de soldados na operação Barbarossa, distribuídos em 153 divisões, mais de 42 mil canhões e morteiros e 4 mil tanques e canhões de assalto e equivalente número de aviões (KULKOV; RJECHEVSKI; TCHELICHEV, 1985, p. 111). Tanto as informações soviéticas quanto aquelas provenientes de fontes ocidentais indicam que a URSS possuía um poder defensivo inicialmente inferior às forças de ocupação. Em 1942, Stálin, em reunião com Winston Churchill e William Averell Harriman, afirmou que a URSS estava a enfrentar 280 divisões alemãs. Na ocasião, o líder soviético insistiu que a abertura de uma frente de combate, na França ocupada, obrigaria a Alemanha a deslocar em torno de 40 divisões que se encontravam em operação em território da URSS. Stálin acreditava que esse deslocamento pudesse fazer a correlação de forças pender de forma favorável ao seu país, que, desse modo, poderia sobrepujar o adversário e definir o encaminhamento da guerra (SHERWOOD, 1998, p. 630-631). Frederick W. Marks III enfatiza que Stálin não permitia a nenhum líder Ocidental se esquecer de que a União Soviética lutava sozinha contra 270 divisões alemãs enquanto os EUA e a Grã-Bretanha, combinados, enfrentavam 90 divisões alemãs e japonesas (MARKS III, 1995, p. 217). Em sua crítica conservadora a Roosevelt, Marks III afirma que uma, entre muitas outras, falhas do presidente dos EUA era não possuir um plano alternativo. Para o autor, Roosevelt acreditava que a URSS ficaria exaurida em sua luta contra a Alemanha e se associaria a um Ocidente cooperativo de forma a rumar gradualmente em direção ao capitalismo e à democracia. Afirma, ainda, que Stálin foi um mestre nas negociações ao final da guerra e
que Roosevelt agiu como um pupilo aprendiz. Assevera que Roosevelt deveria ter em mente a sua própria analogia de que não era possível transformar um tigre em um gatinho (MARKS III, 1995). Marks III sublinha que as concessões feitas à União Soviética com o intuito de torná-la mais amigável apenas aumentaram o seu apetite (MARKS III, 1995, p. 215-217). O problema da análise do autor é que ele, de antemão, parte do pressuposto de que Roosevelt era a parte mais frágil no processo de negociação com Stálin, como se essa fosse uma característica inerente ao presidente dos EUA. Roosevelt negociava com as armas que possuía e a não abertura da Segunda Frente, constantemente protelada pelas evasivas de Churchill, deixaram Stálin em posição vantajosa. Roosevelt teve que negociar com o que possuía, mas não lhe era possível mudar o mundo real. Nele, os soviéticos possuíam cerca de três vezes mais forças terrestres a controlar a Europa Central e Oriental do que os seus aliados ocidentais. No contexto histórico dos idos de 1942 e 1943, a abertura de uma nova frente de batalha na Europa Ocidental era considerada pelos estrategistas soviéticos como basilar para a redução da pressão das forças invasoras sobre as exaustas defesas soviéticas. A historiografia revisionista estadunidense, principalmente no transcorrer das décadas de 1960 e 1970, notadamente John Bagguley, fez severas críticas à subestimação do papel da URSS na vitória da II Guerra Mundial e, ao fazê-lo, também abalizou o problema da Segunda Frente como elemento desencadeador das tensões que deram origem à Guerra Fria. Bagguley afirma que houve a superestimação das forças alemãs na França (empregada para justificar a impossibilidade de iniciar o novo Front tanto em 1942 quanto em 1943), e indica que havia apenas cerca de nove divisões na região (BAGGULEY, 1969, p. 114). O autor também analisa as forças envolvidas nos combates no Norte da África e na Itália: Desde começos de 1941 até os desembarques na Normandia em junho de 1944, a força total do Império Britânico e da Commonwealth empenhou entre duas e oito divisões do principal poder do Eixo, a Alemanha. Durante todo esse período, excetuados seis meses, a União Soviética resistiu, conteve, e finalmente repeliu, uma média de 180 divisões alemãs. O esforço ocidental foi, pela maior parte, dissipado num palco secundário da guerra. Uma média de 12 divisões dos aliados ocidentais levou dois anos e meio para fazer recuar cerca do mesmo número de divisões do Eixo desde o Egito até o Norte da Itália [...] (BAGGULEY, 1969, p. 116)
Segundo outro autor, durante o conflito mundial, 80 por cento das mortes ou desaparecimentos de soldados alemães em combate ocorreram na Frente
Oriental, o que totalizou cerca de 10 milhões e 700 mil homens. Se incluídas as outras forças do Eixo, as ocorrências perfazem a cifra de 12.483.000 soldados mortos, presos, capturados, desaparecidos ou mutilados de forma permanente (GLANTZ, 2001, p. 14- 15). Novamente, há divergências estatísticas no que se refere à dimensão e à composição tanto das forças soviéticas quanto das alemãs, mas esses dados são de pouca relevância para o argumento aqui exposto, ou seja, que a URSS enfrentou uma força de ocupação de proporções muito superiores ao que a Grã-Bretanha e, depois, os EUA combateram ao longo do conflito mundial. O Turning Point da Guerra Embora não haja consenso sobre o assunto, Glantz antecipa o primeiro turning point da Segunda Guerra Mundial, ao assegurar que, por meio da contraofensiva de Moscou, cumprida entre dezembro de 1941 e janeiro de 1942, os soviéticos já haviam selado a derrota da Operação Barbarossa de forma a delinear-se pela primeira vez a impossibilidade da vitória alemã. Para a maioria dos estudiosos da matéria, entretanto, o cenário somente encetou câmbios mensuráveis com a derrota imposta à Alemanha pelo Exército Vermelho na batalha de Stalingrado, quando os invasores haveriam experimentado a primeira derrota militar de grande magnitude. Dessa forma, para os estrategistas dos países que compunham as forças aliadas, o triunfo soviético em Stalingrado consolidou a crença na irrefragável vitória sobre os regimes fascistas. Assim, o planejamento foi direcionado, sobretudo, em relação a quando, a que custos humanos e como a Alemanha seria vencida em um futuro próximo e, em paralelo, iniciou-se o debate sobre que tipo de estrutura global deveria ser criada para estabelecer a nova ordem mundial. Mesmo a considerar esses fatos, entre meados de 1943 e o início de 1945, cerca de 60 por cento das forças alemãs continuavam a combater na Frente Oriental (GLANTZ, 2001, p. 9). Sublinhe-se a ocorrência das batalhas de Moscou, Kursk, Karkov, Bielorrússia, Ucrânia, e mesmo a batalha de Berlim como eventos decisivos para a conclusão da Segunda Guerra Mundial. Entretanto, a historiografia produzida no Ocidente tendeu a minimizar e mesmo a omitir esses embates, de forma que o papel desempenhado pela União Soviética durante o conflito mundial foi subestimado (GLANTZ, 2001,
p. 4). No contexto da Guerra Fria, são perceptíveis as diferenças de abordagem da matéria, de maneira especial aquelas marcadas pelo viés ideológico. Para a historiografia soviética e para os historiadores críticos à nova ordem arquitetada no imediato pós-Segunda Guerra Mundial, a Batalha de Stalingrado significou, de forma incontroversa, a grande guinada do conflito mundial. Segundo essa perspectiva, com a derrota, a Alemanha perdeu a iniciativa no teatro de operações e a URSS haveria passado à ofensiva, o que a levou, de forma inexorável, primeiro à ocupação das áreas até então sob o controle alemão e depois à conquista de Berlim. Para esses autores, o papel do Exército Vermelho foi preponderante na vitória dos aliados, enquanto as contribuições dos EUA e da Grã-Bretanha haveriam sido menores. No chamado mundo ocidental, de forma predominante, o papel soviético na vitória contra o Eixo foi minimizado. Sobre esse aspecto, Norman Davies observa que o historiador livre de preconceitos considerará o esforço de guerra das potências ocidentais como secundário (DAVIES, 2016, p. 31). O autor, de perfil conservador e crítico do regime soviético, reconhece a colossal diferença entre as batalhas corridas no Ocidente e aquelas da Frente Oriental. Veja a tabela a seguir sobre mortes em combate nas principais batalhas da Segunda Guerra Mundial apresentada pelo autor. Tabela 1 – Número de fallecidos en campañas y batallas
Fonte: Davies (2016, p. 32)
Observe-se que o autor não aponta as fontes em que se baseou, indica que são variadas e que os números resultam de estimativas, uma vez que não há dados precisos sobre as mortes na Frente Oriental. Para historiografia tradicionalista estadunidense, também denominada como ortodoxa, a reivindicação soviética da abertura da Segunda Frente, regra
geral, é mencionada de relance, sem que a questão seja amplamente debatida ou apresentada. Nesse campo, encontramos autores que a apresentam como uma impossibilidade antes de 1944 e outros que indicam a impaciência de Roosevelt com os sucessivos atrasos na abertura da Frente ocasionados pela contínua resistência emanada de Churchill e dos estrategistas militares britânicos. Nessa perspectiva, a Batalha de Stalingrado aparece como apenas mais um entre outros pontos de inflexão da guerra, ao lado das Batalhas de El Alamein, para ficar em apenas um exemplo. Para Glantz, porém, Stalingrado é de uma magnitude completamente diferente, com o envolvimento de um contingente de combatentes e com baixas cerca de uma dezena de vezes superiores às ocorridas no norte da África. Além disso, para o autor, a derrota da Alemanha na URSS privou o III Reich de vultosos recursos (petróleo, alimentos, força de trabalho) com os quais Hitler contava para dar continuidade à guerra. Segundo Glantz, distorções na historiografia estadunidense e Ocidental tenderam a pintar a guerra sovieto-germânica como um pano de fundo de batalhas nas quais, de fato, o conflito mundial haveria sido definido, como, por exemplo, El Alamein, Salerno, Anzio, Normandia ou Ardenas. Conforme o autor, isso se deveu em grande medida ao eurocentrismo e à dependência das fontes alemãs que descrevem a luta da Wehrmacht contra um inimigo disforme e com infindáveis recursos humanos e materiais. Em adição, o autor sublinha que as barreiras impostas pelo idioma (resultado do restrito contingente de historiadores ocidentais que dominam o russo) e pela inacessibilidade aos documentos soviéticos contribuíram para o predomínio da versão alemã (GLANTZ, 2001, p. 4-5). Para o autor, mesmo após a abertura dos arquivos soviéticos, iniciada na década de 1990, há muito a percorrer para que se possa produzir uma análise mais balanceada dos eventos relacionados ao conflito global. Para Glantz, já entre dezembro de 1941 e janeiro de 1942, a despeito das enormes dificuldades, os soviéticos promoveram um dos primeiros pontos de virada do conflito mundial, com a contraofensiva de Moscou, de forma a derrotar a Operação Barbarossa e a sinalizar a impossibilidade de vitória alemã (GLANTZ, 2001, p. 11). Em paralelo, o Exército Vermelho impôs recuos à Wehrmacht tanto nos flancos Norte quanto no Sul. Adicionalmente, a contraofensiva soviética em Tikhvin e Rostov, respectivamente ao leste e ao sul
de Stalingrado, impediu aos alemães a conquista de qualquer um dos seus três principais eixos estratégicos (GLANTZ, 2001, p. 19-20). A posição do autor distingue-se tanto daqueles que privilegiam as operações no Mediterrâneo quanto daqueles que demarcam Stalingrado como a primeira grande virada da Segunda Guerra Mundial. Ele defende a tese de que, já em dezembro de 1941, com a contraofensiva de Moscou e, ato contínuo, com a ofensiva de janeiro de 1942, o Exército Vermelho haveria imposto uma primeira derrota à Alemanha e, com isso cambiado a balança do conflito em favor dos aliados. Para Glantz, já no início de 1942 haveria ocorrido um importante Turning Point da guerra com a Batalha de Moscou. Para o autor, contudo, a Batalha de Stalingrado foi o Turning Point decisivo da Segunda Guerra Mundial (GLANTZ, 2001, p. 33-55). Indagações e Hipóteses Nessa matéria, uma questão chama a atenção. A partir do momento em que a URSS debelou o ataque alemão e, depois, iniciou uma série de contraofensivas que culminaram com a expulsão dos invasores do território soviético, que motivos levariam, principalmente, Churchill a manter as estratégias protelatórias para evitar a abertura da Segunda Frente? Com os seguidos sucessos soviéticos, era previsível supor que o Exército Vermelho acabaria por dominar a Europa Central e Oriental. Tornara-se também presumível que a imediata abertura da Frente levaria as forças dos EUA e da Grã-Bretanha a moderarem o predomínio soviético na região. Ademais, era sabido, desde o início dos conflitos, que a URSS se empenharia no controle daqueles territórios, uma vez que os considerava vitais à sua segurança. Os soviéticos não escondiam as suas apreensões em relação à possibilidade de que forças hostis pudessem manter o domínio de territórios contíguos às suas fronteiras. Ressalte-se que, desde o início da aliança, o Kremlin insistia na discussão da restauração das suas fronteiras anteriores à guerra. Essa era uma questão sobre a qual Stálin mostrava uma obsessão marcada. A história vivenciada pelos povos russos trazia à tona inquietações compreensíveis, pois o império havia experimentado, ao longo de séculos, seguidas incursões estrangeiras em seus territórios. Os então denominados bárbaros representavam contínuas ameaças às planícies quase indefensáveis do antigo império. Posteriormente, a Rússia foi invadida pela França, durante as guerras
napoleônicas, em 1812; pela França, Inglaterra, Império Otomano e seus aliados, durante a Guerra da Crimeia, em 1854; pela Alemanha, em 1914, durante a I Guerra Mundial; por uma coalizão que envolvia a Inglaterra, a França, a Polônia, o Japão, os EUA e mercenários de diferentes países da Europa Oriental, durante a Guerra Civil, em 1918; e, finalmente, pelas forças do Eixo, em 1941 (TAYLOR, 1967, p. 351; LaFEBER, 1997, p. 19-20). Uma hipótese crível para explicar os motivos que haveriam instado Churchill a manter um posicionamento avesso à abertura da Segunda Frente, mesmo após tornarem-se evidentes as previsões de que o Exército Vermelho, com a imposição de sucessivas derrotas à Alemanha, viesse a subjugar a Europa Central e Oriental, é a de que a principal preocupação do primeiro ministro se relacionava à preservação, a qualquer custo, das possessões imperiais da Coroa britânica. Desse modo, manter o controle sobre Mediterrâneo era uma questão-chave, uma vez que o seu bloqueio por qualquer força hostil tornaria as comunicações entre Londres e as suas colônias muito mais difíceis, demoradas e onerosas e, portanto, colocava em xeque o domínio imperial britânico. Adicionalmente, o petróleo proveniente do Oriente Médio chegava a Londres pelo Mediterrâneo e o seu eventual bloqueio por uma força inimiga significaria uma catástrofe para a segurança energética do Reino Unido. Promessas e evasivas Como já se assinalou em outra passagem, apesar de Roosevelt haver assegurado ao ministro das relações exteriores da URSS, que ele poderia transmitir a Stálin o seu compromisso de que a Segunda Frente ocorreria em 1942, a decisão presidencial deparou com vários percalços e tornou-se inócua. A princípio, Churchill interpôs os seus múltiplos receios associados aos riscos da operação. Posteriormente, com a queda da Fortaleza de Tobruk (Líbia), a 21 de junho daquele ano, perante as tropas comandadas por Erwin Rommel, o primeiro ministro britânico, que se encontrava nos EUA, para uma reunião com Roosevelt, clamou pela urgência de apoio estadunidense às forças inglesas que se encontravam em difícil situação no norte da África (SHERWOOD, 1998, p. 605-606). Essa mudança de cenário reforçou os argumentos daqueles que se opunham à realização imediata da Segunda Frente tanto nos EUA quanto na Grã-Bretanha.
Os soviéticos pressionaram o quanto puderam pela abertura da mencionada Frente, muitas vezes até de forma pouco diplomática, como indica Averell Harriman, ao narrar a reunião que ele e Churchill tiveram com Stálin, em Moscou, em 12 de agosto de 1942. No telegrama encaminhado ao presidente Roosevelt, Harriman reportou o ocorrido da seguinte forma: Ontem à noite, o primeiro ministro e eu tivemos uma longa conversa com Stálin. Molotov, Voroshilov e o embaixador inglês estavam presentes. O assunto principal se concentrou nos planos estratégicos ingleses e americanos para o restante de 1942 e para 1943, bem como suas repercussões sobre a situação militar russa. Minha impressão foi que, considerando todas as circunstâncias, a discussão não poderia ter sido melhor encaminhada [...]
Segundo Harriman, no entanto, [...] Em todas as vezes, Stálin discordou com uma rudeza que chegava às raias do insulto. Fez observações do tipo: não se podem ganhar guerras com medo dos alemães e sem vontade de correr riscos. Encerrou essa fase das discussões declarando abruptamente, mas com dignidade que, embora não concordasse com os argumentos, não estava em condições de nos forçar a agir (SHERWOOD, 1998 p. 627-628).
Como afiançou Harriman, apesar do tom agressivo, nesse primeiro dia até que as negociações foram relativamente bem encaminhadas, mas, posteriormente, a postura de Stálin tornou-se muito mais incisiva. Ao iniciar os trabalhos do dia 13, Stálin entregou cópias de um aide-memoire a Churchill e Harriman, por meio do qual, entre outras coisas, asseverava: [...] É também fácil concluir que a recusa do governo da Grã-Bretanha em criar uma segunda frente na Europa em 1942 inflige um golpe moral em toda a opinião publica soviética, que contava com a criação da segunda frente, e afeta a situação do Exército Vermelho, repercutindo sobre os planos do comando soviético (SHERWOOD, 1998, p. 630).
Da demora na abertura da Segunda Frente, resultaram as desavenças hoje bem conhecidas dos historiadores, mas que já podiam ser conjecturadas ou presumidas pelos policy-makers da época. O secretário da Guerra, Henry L Stimson, escreveu ao presidente Roosevelt que a Grã-Bretanha parece acreditar que é possível vencer a Alemanha com uma série de atritos no norte da Itália e nos Bálcãs. Stimson informou que, em sua opinião, essa era uma atitude terrivelmente perigosa em relação aos problemas do pós-guerra. Acrescentou que foi prometida a abertura da Segunda Frente e que essas batalhas pontuais não levarão Stálin a acreditar que mantivemos a nossa promessa (GARDNER, 1994, p. 165). Em meados de 1943, mesmo após tomada a decisão de abrir a Segunda Frente de batalha em 1944 (Operação Overlord, realizada em junho daquele
ano), Churchill buscou subterfúgios para mais uma vez postergá-la. Dessa vez, manifestou a sua preocupação com a presença soviética na região dos Bálcãs e operou no sentido de convencer os EUA da necessidade de agirem naquela região de modo a contrabalancear a presença do Exército Vermelho. As contínuas decisões da Grã-Bretanha e dos EUA no sentido de retardar a abertura da Segunda Frente (muito mais pela iniludível influência de Churchill, como mencionado por muitos historiadores e contemporâneos daqueles episódios) imputaram ao Exército Vermelho a tarefa de debelar as forças de ocupação do Eixo, pois, de outra forma, a URSS seria conquistada e atassalhada pelas forças de Hitler. Essas cizânias alimentaram contendas de contemporâneos daqueles eventos e continuam a nutrir debates ao longo de mais de meio século de discórdias entre historiadores e estudiosos da Segunda Guerra Mundial. Não obstante, em tempos de Guerra Fria, a exacerbação dos debates ideológicos levou à tipificação caricatural do inimigo. De fato, poucos historiadores, cientistas políticos e analistas conseguiram escapar aos maniqueísmos daquele período histórico. Assim, por exemplo, em 1961, Matthew Gallagher apresentou um sumário, bastante atualizado para a época, sobre a produção historiográfica soviética relacionada à II Guerra Mundial. O autor, porém, somente aponta os erros, os fracassos, as possíveis inconsistências analíticas e outros problemas pertinentes à abordagem do tema produzida na URSS. O leitor conclui, no entanto, a leitura do texto sem saber a dimensão do esforço de guerra soviético, o peso da contribuição do país para a vitória sobre as forças do Eixo e outras informações importantes sobre a participação da URSS no esforço de guerra aliado durante a II Guerra Mundial. O texto, conquanto muito bem informado, é uma espécie de reverso da medalha da história produzida na União Soviética, durante os anos da Guerra Fria, quando se glorificava a liderança e a genialidade do camarada Stálin na condução da luta da URSS durante Grande Guerra Patriótica. Rescaldos da demora Como resultado das sucessivas postergações na abertura da Segunda Frente, consolidou-se na URSS a convicção de que os aliados ocidentais evitaram o embate direto com as forças alemãs. Segundo esse ponto de vista, a Grã-Bretanha e os EUA haveriam protelado ao máximo a operação, na
expectativa de que o confronto entre a Wehrmacht e o Exército Vermelho levaria ao amplo desgaste de ambos e que, do conflito, resultaria uma Alemanha vitoriosa, mas extremamente fragilizada. Ainda, segundo esse ponto vista, naquele contexto, as possibilidades de vitória sobre as forças do Reich tornar-se-iam bastante plausíveis. Conforme essa interpretação, o ardil possibilitaria a derrota de dois inimigos de uma só vez, a URSS, oponente ideológica, e a Alemanha, concorrente imperialista (KULKOV; RJECHEVSKI; TCHELICHEV, 1985, p. 140-202). Das divergências na condução da guerra e da demora na abertura da Segunda Frente de batalha, consolidaram-se entre as lideranças soviéticas duas sensações que impactaram a percepção (real ou imaginária) das intenções dos aliados ocidentais em relação à União Soviética. Essa leitura da realidade pode haver exacerbado a já complicada percepção de segurança soviética. A primeira conclusão que ganhou corpo entre as elites do Kremlin foi a de que, de fato, quem venceu a Alemanha e, portanto, a guerra foi a União Soviética e que o restante dos aliados teve participação minoritária. Como resultado, ganhou vulto a crença de que a URSS havia conquistado, na guerra, o direito de manter o controle das amplas áreas adjacentes ao seu território, libertadas das forças invasoras pelo Exército Vermelho. A segunda percepção associada ao contínuo retardamento da abertura da Segunda Frente foi a de que os aliados haviam assistido ao conflito, sempre a evitar ou a postergar o confronto massivo com as forças do Reich. Desse ponto de vista, havia a expectativa de que Alemanha e URSS saíssem devastadas dos embates e com as suas máquinas de guerra em frangalhos. Há outra percepção distinta das já apresentadas sobre a Segunda Frente. Gardner menciona uma entrevista do chanceler soviético Vyatcheslav Mikhailovitch Molotov em que ele descortina outra trama no interior da Grande Aliança. Segundo o diplomata, a União Soviética pediu a Segunda Frente, em 1942, quando o Kremlin sabia que o Ocidente não podia fazê-lo. Molotov acrescentou que a Frente também não foi aberta em 1943, quando o Ocidente podia realizá-la. Para ele, essa quebra de promessa foi boa para a URSS: “Fomos os últimos a sorrir”, pois a atitude quebrou a fé nos imperialistas. Sublinha o diplomata soviético que o Ocidente somente resolveu abrir a Segunda Frente, quando a metade da Europa já havia saído das mãos deles (GARDNER, 1997, p. 7).
Na literatura predominante no Ocidente, costumam ser enfatizados os massacres cometidos sob a égide do stalinismo. Sublinham-se os milhões de mortos, os deslocamentos em massa, os campos de concentração onde o trabalho escravo ou semiescravo foi regra. Essas observações e análises mostram-se corretas. De outro ponto de vista, contudo, vale indagar as responsabilidades sobre outros milhões de mortos desse mesmo povo, decorrentes do que, por muitas vezes, parece haver sido uma estratégia deliberada de postergar a Segunda Frente, de forma a fazer sangrar tanto a União Soviética quanto a Alemanha. Além dos milhões de combatentes, outros milhões de civis, entre os quais idosos, crianças, mulheres, tiveram as suas vidas ceifadas ou despedaçadas pela continuidade dos combates na Frente Oriental. Além disso, a continuidade da guerra por mais um ou dois anos significou a continuidade da matança de civis e militares e, inclusive, o extermínio em massa de judeus tanto na Europa Ocidental quanto na Oriental. Neste texto, considera-se presumível a tese de que o conflito mundial poderia haver sido abreviado caso a Frente houvesse ocorrido no decorrer de 1943. Consolidação de posições estratégicas e negociações A partir da vitória soviética em Stalingrado, consagrada nos primeiros dias de fevereiro de 1943, os soviéticos obrigaram o inimigo a promover sucessivas retiradas. Entre julho e agosto daquele ano, os alemães tentaram uma nova ofensiva, dessa vez, na região de Kursk. Novamente foram detidos pelo Exército Vermelho, que iniciou outra contraofensiva e adentrou pela região do Dnieper, na Ucrânia, a partir de agosto de 1943, e impôs o constante recuo das tropas do Reich. Por volta de julho de 1944, praticamente já não mais existiam forças invasoras na URSS e, ao contrário, o Exército Vermelho iniciava a ocupação dos antigos satélites alemães e a liberação das áreas antes ocupadas pelas forças do Eixo. Em decorrência, a supremacia do Exército Vermelho na maior parte da Europa Central e Oriental era uma realidade indubitável a partir do final de 1944 (KULKOV; RJECHEVSKI; TCHELICHEV, 1985, p. 138-180). Com a proximidade do final da guerra, tornou-se urgente um acordo sobre a reorganização do mundo após o fim do conflito. Roosevelt, que ao menos teoricamente era contrário à divisão do globo em áreas de influência, pensava que o mundo do pós-guerra poderia ser controlado por 4 grandes policiais: Os
EUA, a URSS, a Grã-Bretanha e a China. Segundo Walter LaFeber, os soviéticos ficaram muito entusiasmados com essa ideia, pois entenderam que quem “policiasse” uma região poderia controlá-la e, é claro, eles poderiam policiar o Leste Europeu. Posteriormente, o Departamento de Estado alertou Roosevelt que esse sistema de policiamento não se harmonizava com um mundo unido e aberto e que as áreas controladas por um policial poderiam rapidamente ser transformadas em esferas sob a dominação de um único poder. Naquele contexto, havia, no Departamento de Estado dos EUA, uma disputa entre os defensores da perspectiva wilsoniana da Open Door Policy e os partidários da divisão do mundo em áreas de influência. Os primeiros entendiam que não deveria haver qualquer negociação de áreas de influência ou fronteiras, antes de acabar a guerra. Mais que isso, assessores ou diplomatas entendiam que a divisão do mundo em áreas de influência não garantiria o equilíbrio de forças suficiente para evitar uma nova guerra e que a Segunda Guerra Mundial era resultado da falência do modelo baseado nesse tipo de balança de poder. Dentre os defensores desse modelo interpretativo estava Cordell Hull, que possuía um enorme prestígio por haver sido um homem muito próximo do ex-presidente Woodrow Wilson. De um lado, os universalistas entendiam que todas as nações possuíam interesses comuns em todos os lugares do globo e julgavam que a segurança nacional seria garantida por uma organização internacional que fosse capaz de possibilitar a convivência cordial entre os diferentes interesses. Soma-se a isso o fato de acreditarem que o “sistema americano” somente poderia funcionar mundialmente e que, portanto, a divisão em esferas de influência inviabilizaria a expansão global do modelo de sociedade estadunidense. Isso justifica, inclusive, o fato de os EUA entenderem, posteriormente, como uma questão de segurança nacional os conflitos surgidos na Grécia, na Turquia e na Coreia, apenas para ficar em alguns exemplos. De outro lado, os defensores da divisão do mundo em esferas de influência entendiam que cada grande potência receberia das demais as garantias de sua atuação em sua área de interesse especial. Desse modo, a segurança nacional seria garantida por um equilíbrio de poderes entre as nações predominantes. Para Schlesinger, a tradição do país era universalista e wilsoniana, e essa tendência poderia ser percebida de forma exemplar em Cordell Hull,
secretário de Estado, um universalista convicto, e no próprio Roosevelt, exmembro do subgabinete de Wilson. Além deles, Averell Harriman, Summer Welles e Charles Bohlen também seriam universalistas. No outro campo, George Frost Kennan, Henry Lewis Stimson e Henry A. Wallace seriam defensores das áreas de influência (SCHLESINGER, 1992). Em meados de 1943, Roosevelt disse a Churchill que a Alemanha deveria ser ocupada e dividida. Essa posição foi mantida na conferência de Teerã, onde também foram discutidas as compensações territoriais à Polônia. Em setembro de 1944, o secretário do Tesouro Henry Morgenthau Jr. apresentou um plano em que era proposta a divisão da Alemanha, a sua desindustrialização e a extração de reparações de guerra das áreas ocupadas (OFFNER, 2000, p. 235). A princípio, Churchill apresentou resistências ao plano, mas o seu assistente pessoal, Lord Cherwell, aparentemente o convenceu da importância do plano. A proposta tinha, no entanto, a oposição de alguns dos auxiliares mais próximos de Roosevelt, como o secretário de Estado Cordell Hull, que a considerou uma aberração. Para Hull, o Plano Morgenthau levaria ao aumento da resistência alemã, o que custaria muito mais vidas aos EUA. A partir do início de 1945, o Departamento de Estado alertou a Roosevelt que a estabilidade europeia dependeria da manutenção do continente unido e em condições econômicas saudáveis e que a Alemanha era fundamental nesse processo. Esse alerta pode haver levado Roosevelt a deixar o Plano Morgenthau em compasso de espera até que tivesse maior clareza sobre a questão. O assunto ainda gera polêmica. Se muitos autores entendem que Roosevelt abandonou o suporte ao plano, outros apoiam-se em afirmações da sua esposa, Eleanor Roosevelt, de que até o final da vida seu marido defendia aquele projeto, mas que o havia deixado de lado, devido às críticas, e, segundo ela, ele esperava um momento mais adequado para retomar a iniciativa. Enquanto havia indefinições nos EUA, em relação a como reconfigurar o mundo no imediato pós-guerra, de forma a atender aos interesses do país, os dirigentes soviéticos trataram de consolidar as posições do Exército Vermelho na Europa. Nessa época, Stálin afirmou às lideranças comunistas que “essa Guerra não é como as do passado, aquele que ocupar um território, também imporá seu próprio sistema social tão longe quanto seus exércitos possam conseguir” (DJILAS apud LaFEBER, 1997, p. 12, trad. livre do autor).
Nesse cenário, o comando britânico, ao avaliar a situação e com o receio de que o avanço soviético pudesse comprometer irremediavelmente os seus interesses no novo mundo que certamente emergiria ao término do conflito, apressou-se em propor um acordo de divisão da Europa em esferas de influências. Como já mencionei, do meu ponto de vista, o Reino Unido possuía uma preocupação central, que era a preservação da sua presença no Mediterrâneo, por onde fluía o intercâmbio entre a metrópole e as suas colônias ultramarinas. Com esse objetivo em mente, Churchill chegou a Moscou a 9 outubro de 1944, para negociar com Stálin a preservação dos interesses vitais do Império Britânico. Após dois dias de reuniões foram esboçados os termos gerais de um acordo, proposto por Churchill, pelo qual 90 por cento da Polônia e da Romênia e 75 por cento da Bulgária ficariam sob a influência soviética; a Hungria e a Iugoslávia foram divididas em 50 por cento de influência para cada campo e a Grécia teria 90 por cento de influência Britânica e dez por cento soviética. Esse é um aspecto minimizado pela literatura ortodoxa e neo-ortodoxa, pois não foi Stálin quem definiu esses termos, nem foi Roosevelt quem haveria demonstrado “fraqueza” e os haveria aceitado. Foi Churchill que, temeroso de ver irremediavelmente comprometidos os interesses do Império Britânico no Mediterrâneo, apressou-se em definir um acordo com a URSS. Na ocasião, o líder britânico alertou a Stálin que essa negociação deveria ser posta em termos mais diplomáticos e que o termo “divisão em esferas de influência” jamais deveria ser empregado, pois chocaria os “americanos” (LaFEBER, 1997, p. 12-13). Naquele contexto em que a guerra se definia favoravelmente às forças aliadas, Stálin focava a sua atenção na garantia de que a URSS viesse a ocupar um papel de potência global na nova ordem em construção. Desse modo, a proteção das fronteiras soviéticas era uma questão nodal em sua política externa. O líder soviético não estava preocupado com a expansão de movimentos revolucionários. Ao contrário, eles criavam problemas para sua política externa, pois, naquele contexto, Stálin buscava chegar a um denominador comum com a Grã-Bretanha e com os EUA. A ação de movimentos comunistas, que extrapolavam o seu controle, criava embaraços e tornava as negociações muito mais difíceis e morosas.
Stálin acreditava que a URSS, como a “Pátria do Socialismo”, naturalmente viria a ser o guia da grande revolução que certamente ocorreria em um futuro próximo, mas, naquele momento, entendia que era necessário ser pragmático e, de forma realista, aceitou o plano do líder britânico sem delongas. Além disso, a proposta de Churchill era perfeitamente adequada aos desígnios do Kremlin, uma vez que possibilitava a criação de um escudo protetor constituído por “nações amigas” que não representassem ameaças para a URSS e que pudessem auxiliar na proteção ao território soviético frente a futuras agressões. Por um lado, Roosevelt reconhecia a necessidade soviética de predomínio na Europa Oriental. Afinal, os ataques seguidos sofridos pelos povos russos, através daquela região, justificavam a busca da almejada proteção territorial. Por outro, o presidente dos EUA temia que, se a União Soviética consolidasse a sua esfera de influência, a Inglaterra, a França e outras potências pudessem buscar a reconstrução dos seus impérios coloniais e, desse modo, seria muito mais complicada a constituição de uma nova ordem global lastreada na Open Door Policy, que era baseada no livre comércio. A princípio, Roosevelt irritou-se quando soube do acordado entre Churchill e Stálin durante o encontro por eles mantido em Moscou. De um lado, o presidente dos EUA temia que os britânicos procurassem encaminhar as estratégias de guerra para defender seus interesses imperialistas, objetivando, ao fim da guerra, reorganizar e fechar seu império ultramarino. Essa medida não era compatível com a política externa estadunidense delineada por Roosevelt para o período do pós-guerra. Roosevelt temia que Churchill pudesse restaurar monarquias e dar suporte a governos antidemocráticos. De outro, ele via em Stálin a possibilidade de levar a URSS a uma política mais comedida e pragmática, que abandonasse a luta no campo ideológico e se integrasse em um mundo globalizado, o que era importante para o projeto político de criação das Nações Unidas. Essas conjecturas eram muitas vezes resultado de uma percepção pessoal do presidente e nem sempre possuíam respaldo dos técnicos do Departamento de Estado. Desse modo, quando a fatalidade em abril de 1945 pôs fim à vida de Roosevelt, era natural que as diferentes forças políticas presentes naquele departamento, responsável pela elaboração da política externa dos EUA, viessem a disputar os rumos que o país deveria seguir. Mais à frente retomaremos essa questão.
Ialta: ápice da cooperação ou princípio de magnas divergências? Quando aconteceu a Conferência de Ialta, a última da qual Roosevelt participou, realizada de 4 a 11 de fevereiro de 1945, uma coisa era certa: a presença do Exército Vermelho garantia a influência soviética em quase toda a Europa Central e Oriental. Disso resultava que a sua supremacia militar não podia ser evitada por mera retórica diplomática, uma vez que o Exército Vermelho possuía ao redor de três vezes mais forças terrestres naquela região do que a soma de todos os outros integrantes das forças aliadas. De certa maneira, Roosevelt e Churchill tiveram que buscar a negociação e se satisfazer com as concessões feitas pelos soviéticos. Há que se ressaltar, entretanto, que o acordado em Ialta é aproximadamente a expressão da proposta apresentada por Churchill a Stálin no encontro que eles mantiveram em Moscou. A Conferência transcorreu em um clima de grande cordialidade. Stálin ordenou que fosse oferecido aos participantes do evento tudo o que havia de mais requintado e suntuoso. Isso, certamente, fazia parte da estratégia para impressionar os convidados e de demonstrar que a URSS era uma grande potência à altura dos novos desafios mundiais. Mais do que isso, é verossímil supor que Stálin buscasse demonstrar um comportamento nos moldes das grandes potencias tradicionais, de forma a tranquilizar os aliados quanto ao modo como a União Soviética conduziria a sua política externa. As questões consideradas estratégicas e cruciais para a defesa soviética, contudo, eram inegociáveis. E, nesse quesito, o predomínio soviético na Europa Oriental era o ponto-chave. Não obstante, se Ialta foi o ponto alto no estabelecimento de boas relações entre os Aliados, a Conferência também significou o ponto de inflexão das relações amistosas entre as forças vencedoras daquele conflito global. Embora muitas dificuldades, antes vislumbradas como intransponíveis, tenham sido solucionadas, diversos problemas espinhosos foram postergados. A estratégia geral, perseguida pelos três líderes das potências vencedoras, consistia em consolidar todas as negociações possíveis e postergar eventuais problemas, uma vez que a guerra ainda não estava completamente vencida e desavenças poderiam representar obstáculos à conclusão do conflito. Naquele contexto, com as economias das nações à beira do esgotamento, as forças armadas exauridas e a população civil arruinada e inquieta, os respectivos chefes de Estado buscavam um breve desfecho para aquele período sombrio.
Para Maurice Matloff: Yalta foi a precursora de uma nova era. Uma poderosa aliança de guerra estava-se rompendo, e a própria estrutura de poder estava-se alterando. O equilíbrio fora modificado e o Ocidente e seus líderes não se aperceberam exatamente o que isso significava. As grandes potências estavam no limiar da guerra atômica sem o saber (MATLOFF, 1964, p. 69).
Ao analisarmos os trabalhos mais próximos à concepção ortodoxa estadunidense, percebemos a superestimação dos problemas ocorridos em Ialta, o que fundamentaria a tese de que não haveria ocorrido significativa alteração na condução dos negócios da guerra com a posse de Harry Truman, se comparada com aquela até há pouco implementada por Franklin D. Roosevelt. Em contrapartida, os historiadores revisionistas, ao abordarem tal problemática, tendem a minimizar os problemas havidos em Ialta, objetivando demonstrar a nítida alteração da política rooseveltiana, a partir da posse no novo presidente. Ao atentarmos para o texto dos Acordos de Ialta, percebemos que uma parte significativa dos problemas foi solucionada. Dentre as questões encaminhadas podemos destacar aquelas relacionadas à questão da criação do organismo mundial, a definição da realização de uma Conferência na cidade de San Francisco, EUA, para 25 de abril de 1945. Definiu-se ainda quem participaria do evento e o texto do convite. Aprovou-se também o mecanismo de voto do Conselho de Segurança da Entidade e foram apontadas algumas das diretrizes nodais com vistas à consecução dos objetivos propostos e da rápida implementação da instituição global que estava a se criar. Outro ponto importante foi a aprovação de uma declaração sobre a Europa libertada. Nessa declaração, podem ser destacados os seguintes pontos: a criação de condições para o estabelecimento da paz interna; a efetivação de medidas para socorrer a população em situação de miséria; a instituição de regimes representativos de todos os setores democráticos, os quais deveriam se comprometer com a realização de eleições livres, tão rápido quanto fosse possível, estabelecendo governos que resultassem da vontade popular. O problema é que muitas dessas questões eram amplas e vagas, como se pode observar, e abriam margem a disputas e desavenças futuras, uma vez que podiam ser interpretadas de diferentes formas. Ainda durante o evento, definiu-se pelo desmembramento da Alemanha. O estudo da forma por meio da qual o inimigo seria territorialmente dividido foi
entregue a uma comissão formada por Antony Eden (Grã-Bretanha) – presidente, John Gilbert Winant (EUA) e Fédor Gussey (URSS). Concordou-se com a criação de uma zona de ocupação francesa, por intermédio de parcelas territoriais originalmente pertencentes às zonas dos EUA e da Grã-Bretanha. Sobre as reparações, foi aprovado o seguinte protocolo: Conversações entre os três Governos presentes na Conferência da Criméia acerca das reparações alemãs em espécie: 1º Os prejuízos que durante a guerra a Alemanha provocou nos países aliados serão por ela reembolsados em espécie. As reparações serão recebidas, com prioridade, pelas nações que suportaram maior fardo de guerra, que sofreram perdas mais pesadas e que contribuíram para a vitória sobre o inimigo 2º As reparações em espécie serão exigidas à Alemanha sob as três formas seguintes: a) transferência nos dois anos seguintes à rendição ou cessação de toda a resistência organizada da Alemanha, dos bens alemães situados, quer propriamente no território alemão, quer fora dele (equipamento, máquinas-ferramentas, barcos, material rolante, bens alemães no estrangeiro, ações nas indústrias, transportes e quaisquer empresas na Alemanha, etc.) sendo estas transferências feitas, sobretudo, com a intenção de destruir o potencial de guerra da Alemanha; b) fornecimento anuais de mercadorias de produção corrente durante período a fixar; c) utilização de mão-de-obra alemã. 3º Para a execução, seguindo os princípios acima, de um plano pormenorizado, de cobrança adiantada das reparações devidas pela Alemanha reunir-se-á em Moscou uma Comissão Aliada de Reparações. Esta Comissão será composta por três representantes: Um pela União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, um pelo Reino Unido e um pelos Estados Unidos da América. 4º No que respeita à avaliação do montante total das reparações, bem como à sua repartição entre os países que sofreram a agressão alemã, as delegações soviética e americana estabeleceram o que se segue: A Comissão de Reparações de Moscou tomará como base de discussão nos seus estudos iniciais a proposta do Governo Soviético segundo a qual a soma total das reparações, de acordo com os pontos a) e b), do parágrafo 2, será de 20 mil milhões de dólares, revertendo 50% desta importância a favor da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. A Delegação britânica foi de opinião que não se mencionasse nenhum número, como valor das reparações, durante o estudo que deste assunto fará a Comissão de Moscou. A proposta sovieto-americana acima mencionada foi apresentada à Comissão de Reparações de Moscou como uma das propostas a examinar (CONTE, 1986, p. 283).
Outros assuntos receberam a devida atenção e foram atribuídas as competências de quem deveria dar os encaminhamentos necessários. Assim, no que se refere aos criminosos de guerra, estabeleceu-se que seriam objeto de
um inquérito a ser encaminhado pelos três ministros dos Negócios Estrangeiros. Sobre a Polônia, aprovou-se a necessidade da ampliação das bases do governo provisório, incluindo os chefes democráticos residentes no exterior. Aprovou-se ainda que esse governo devesse se comprometer a realizar eleições livres com a maior brevidade possível. Reconheceu-se como fronteira a linha Curzon, com algumas correções, variando de cinco a oito quilômetros a favor da Polônia. Recomendou-se à Iugoslávia, entre outras coisas, a execução do Acordo Tito-Šubašić, o que implicaria a reorganização do governo provisório. Ainda no decorrer da conferência, foram discutidos também a questão das fronteiras entre a Itália e a Iugoslávia e entre a Itália e a Áustria; as relações entre a Bulgária e a Iugoslávia; os problemas relativos ao Sudeste da Europa; a situação do Irã; as divergências referentes à convenção de Montreaux. A conferência aprovou, na sequência, a instituição de encontros periódicos entre os três ministros dos Negócios Estrangeiros. Todavia deve-se ressaltar que muitas das soluções acordadas em Ialta eram parciais e provisórias e que muitos dos problemas foram deixados para um futuro próximo. Entretanto, a partir de março de 1945, iniciou-se um processo de deterioração nas relações entre os aliados. Faz-se necessário salientar que os problemas existentes não afetavam apenas as relações entre as democracias ocidentais e a União Soviética, mas que também havia problemas entre os EUA e a Grã-Bretanha. Além disso, a Alemanha, que estava a perder a guerra, passou a utilizar-se de estratégias com o objetivo de dividir os inimigos. A retirada de tropas do Reich da zona ocidental e a sua transferência para a frente russa, por exemplo, obteve alguns resultados, pois levou à suspeita da existência de negociações em separado. A reunião entre representantes da Alemanha, da Inglaterra e dos EUA, ocorrida em março de 1945, em Berna, na Suíça, aparentava uma quebra dos acordos dos aliados, pois as conversações incluíam até certos detalhes de uma possível capitulação, o que contrariava o até então estabelecido (BAGGULEY, 1969, p. 137). Os ocidentais desconfiavam dos rápidos movimentos do Exército Vermelho pela Europa, das recusas de Tito e seus partisans em aceitarem a composição de um governo com Šubašić, conforme as recomendações definidas em Ialta. Nessa questão, é importante relembrarmos as seguidas
recomendações de Stálin para que Tito negociasse, pois, segundo a visão do líder soviético, não estava na ordem do dia uma revolução socialista e a luta deveria dar-se dentro dos marcos da chamada democracia burguesa (OPAT, 1987, p. 215). Problemas semelhantes também ocorriam no Oriente, pois a guerrilha comunista chinesa recusava-se a ceder espaço aos nacionalistas, temerosa de novos massacres como os de 1927, quando, após um acordo com o Guomindang, os comunistas foram aprisionados por ordem de Jiang Jieshi e assassinados em massa. Na Romênia, a situação deteriorou-se quando os soviéticos pressionaram o Rei Miguel a empossar, no início de março de 1945, um governo controlado pelos comunistas. Em seguida, os soviéticos recusaram-se a aceitar três membros indicados pelo governo de Londres para a composição do governo provisório da Polônia. Para os aliados ocidentais, a posição soviética na Polônia tornou-se o ponto central nos embates com o regime de Stálin. Em 1º de abril, Roosevelt enviou uma nota a Stálin, em tom severo, advertindo que os EUA não aceitariam a conduta soviética. Em 5 de abril, Harriman, embaixador dos EUA em Moscou, insistiu com Roosevelt que os EUA não poderiam permitir que Stálin implantasse o totalitarismo “[...] sem que nós estejamos preparados para viver sob a dominação soviética do mundo, nós temos que usar nosso poder econômico para ajudar aqueles países que naturalmente são amistosos para conosco (LaFEBER, 1997, p.16) Naquela situação, os membros do governo Roosevelt que eram defensores de uma política de endurecimento para com os soviéticos tiveram aumentado o seu poder de fogo e buscaram convencer o presidente de que não era possível manter uma política dúbia em relação ao Kremlin.
3 A MORTE DE ROOSEVELT: TRUMAN COMO TIMONEIRO DA POLÍTICA EXTERNA ESTADUNIDENSE Franklin Delano Roosevelt foi um homem incomum para a sua época. Em primeiro lugar, chegou à presidência da república da mais poderosa nação do planeta, mesmo havendo se tornado paralítico já adulto e em meio a uma promissora carreira política, em consequência da poliomielite. Isso tudo ocorreu em uma época marcada pelo preconceito em relação aos portadores de limitações físicas, pois o fato era associado à incapacidade e à invalidez. Não obstante, Roosevelt fez muito mais do que isso. Foi aclamado pelo voto popular em quatro sucessivos pleitos presidenciais. Na presidência, ousou quebrar padrões consolidados em seu país ao adotar posturas pouco ortodoxas para conter a depressão iniciada no governo do seu antecessor. Sempre imprimiu um caráter pessoal às relações políticas e, por isso, tornou-se um ícone na história do país. Quando se trata da análise desse período, regra geral as visões tornam-se apaixonadas e conflitantes. Para uns, era um político esperto que dizia uma coisa e fazia outra; para muitos conservadores, era um socialista enrustido e perigoso para os valores e as tradições do país; e, para outros, era um idealista que havia deixado os EUA em uma difícil situação em termos de política externa ao final da guerra, com os interesses do país ameaçados por um poderoso inimigo que então emergia como potência global: a União Soviética. Tudo isso merece alguma reflexão, mesmo que embrionária, para situar certos problemas expostos neste trabalho. Sobre idealismos e realismos Segundo Gary R. Hess, a historiografia estadunidense que trata da diplomacia rooseveltiana para a guerra tem sido criticada a partir de duas perspectivas. Na primeira, Roosevelt é acusado de ser excessivamente idealista e de que os seus objetivos padeciam de uma clara definição dos interesses estadunidenses; os críticos acrescentam que esses objetivos eram resultado da compreensão incorreta do comportamento de outras nações. Conforme o autor, essas críticas emergiram durante os períodos derradeiros do conflito
mundial e perduraram no pós-guerra, principalmente quando os EUA enfrentavam dificuldades com a União Soviética e com a China (HESS, 1995). Durante o período da Guerra Fria, esses historiadores (Hess não os discrimina, mas, seguramente, refere-se à vertente mais conservadora da história ortodoxa ou tradicionalista estadunidense) afirmaram que os esforços de Roosevelt no sentido de promover um relacionamento amistoso e de cooperação entre os EUA e a URSS eram ingênuos. Essas críticas assinalam a incapacidade de o presidente compreender a gravidade das diferenças entre os EUA e a União Soviética. Destacam ainda o fato de Roosevelt procurar a solução dos problemas ancorada em uma diplomacia pessoal. Esses autores avaliam que as negociações entre Roosevelt e Stálin eram fúteis e, em especial, enfatizam os acordos firmados em Ialta que, segundo eles, haveriam sancionado o controle soviético sobre a Europa Oriental. De outra perspectiva, contemporâneos e especialistas no tema criticaram Roosevelt por não conseguir aplicar o poder e a influência dos EUA para granjear os objetivos do país. Segundo o Hess dessa perspectiva, Roosevelt não era visto como tão idealista. Seus objetivos eram plausíveis e os haveria concretizado se efetivamente fosse empregado o poder e a capacidade dos EUA. As constantes demoras na abertura da Segunda Frente, contudo, haveriam desgastado as relações com a URSS e criado obstáculos quase intransponíveis aos propósitos do presidente estadunidense. Essas críticas adicionalmente focam o seu plano para criar uma China forte, e apontam a fragilidade dos meios para chegar aos objetivos. Da perspectiva ortodoxa, essa situação era derivada do pouco apoio militar destinado à guerra naquele país, resultado da prioridade à campanha de invasão às Ilhas japonesas. Por fim, avaliam que o acalentado desejo de Roosevelt de por termo ao colonialismo haveria sido erodido pela sua própria omissão ao não apoiar os movimentos nacionalistas, principalmente na Índia (resultado natural das implicações desse apoio nas relações com o Reino Unido). Para Hess, no entanto, Roosevelt não era ingênuo, e muito menos indiferente à questão do poder. Para esse autor, a liderança de Roosevelt era realista no sentido de que estava solidamente lastreada nos interesses e nas capacidades dos EUA (HESS in: PATERSON; MERRILL, 1995 p. 204-205). Em outras palavras, Roosevelt tinha objetivos definidos de forma precisa, mas
possuía consciência do que era possível alcançar naquele contexto e do que deveria ser tratado como meta de média ou longa duração. De outro ponto de vista, Dennis J. Dunn procura mostrar um presidente frágil, idealista e sem planos claros para a Europa Oriental. Esse autor afirma que Stálin sabia como manipular Roosevelt por meio da amizade pessoal. Segundo Dunn, Stálin apoiava-se na análise psicológica da delegação dos EUA, em Ialta, elaborada pelo especialista soviético em inteligência, Pavel Sudoplatov (DUNN, 1998, p. 240-241). Uma das teses de Dunn é que Roosevelt desconsiderou as orientações provenientes do Departamento de Estado e procurou imprimir uma política nas relações dos EUA com a URSS por meio do estreitamento de laços pessoais com Stálin. Além disso, o autor traça o perfil de um presidente fraco, que postergou decisões importantes e que produziu uma situação bastante crítica na qual os interesses dos povos da Europa e dos EUA haveriam sido postos de lado em nome da manutenção de uma aliança e da tentativa de atrair a União Soviética para um melhor relacionamento com o mundo ocidental. Para Dunn, Roosevelt e Harry Hopkins15 estavam doentes em Ialta, no entanto, ressalta que os resultados trágicos da conferência para os EUA, segundo o seu ponto vista, não eram resultado da saúde deles, mas da política equivocada, delineada por Roosevelt ao longo da aliança com a URSS. Dunn desenhou um Roosevelt ingênuo, propenso a vislumbrar de forma inflexível um Stálin mais liberal democrata do que um competidor ideológico. Para o autor, Roosevelt estava deprimido com a falência da sua política, norteada pela transformação da Aliança em amizade pessoal. Em Ialta, Roosevelt haveria buscado oferecer aos soviéticos tudo aquilo que eles consideravam sua legítima necessidade de segurança. O autor afiança que Roosevelt procurou seduzir Stálin para a Organização das Nações Unidas e mostrar que confiava nele, acreditando que, ao levar a União Soviética à posição de liderança, ela poderia rumar em direção a algum tipo de socialismo democrático (DUNN, 1998, p. 242). O autor alonga-se no raciocínio de que Roosevelt acreditava nisso, mas afirma que ele não compreendeu Stálin; acrescenta que o líder soviético precisava dos EUA para manter a sua máquina de guerra e derrotar Hitler. Dunn reitera que, no cenário próximo da vitória, o interesse do Kremlin era a consolidação do poder e a expansão do comunismo soviético na Europa.
Dunn insiste que Stálin se aproveitou de tudo o que Roosevelt concedeu, mas estava ciente de que a aproximação real com o Ocidente seria destrutiva para o seu regime ditatorial. Por fim, conclui que os objetivos de Stálin estavam claramente delineados. Em primeiro lugar, pretendia restaurar o seu poder ditatorial na União Soviética, afrouxado durante o esforço de guerra, e ocultar as fraquezas e as vulnerabilidades do seu império. Em adição, segundo Dunn, Stálin planejava estender o sistema soviético aos territórios ocupados pelo Exército Vermelho, no vácuo do colapso da Alemanha e do Japão (DUNN, 1998, p. 243-245). Os argumentos apresentados pelo autor, embora tomem por base muitos eventos reais, são bastante distorcidos, uma vez que omitem fatos importantes e sempre estão centrados na perspectiva daqueles que redefiniram a política externa dos EUA após a morte de Roosevelt. Esse, no entanto, não é o maior problema. Stálin era um ditador cruel e sanguinário e esse é um ponto sobre o qual não há muitas discórdias; o líder soviético era pragmático, definia estratégias e as perseguia independente do custo social e humano. Isso é algo reconhecido pela grande maioria dos estudiosos familiarizados com a temática. Roosevelt tinha plena consciência sobre quem era Stálin e do que ele era capaz de fazer para atingir os seus objetivos. O experiente presidente dos EUA não era pueril como o autor procura pintá-lo. O problema que Roosevelt precisava resolver no cenário europeu, com uma correlação de forças bastante desfavorável aos EUA e à Grã-Bretanha, era oferecer a Stálin, além das honrarias e do reconhecimento, objetivos concretos e sinais de que não almejava confrontar interesses vitais da União Soviética ao final da guerra. Assim, o então presidente dos EUA entendia que não era possível retirar da União Soviética, na mesa de negociações, aquilo que o Exército Vermelho havia conquistado nos campos de batalha. Dunn não aborda satisfatoriamente as implicações práticas da disposição das forças aliadas no cenário europeu, decorrentes das constantes evasivas de Churchill de forma a retardar a Segunda Frente de Batalha. Entre outras implicações, esse caminho possibilitou à União Soviética chegar ao final da Guerra em situação estratégica privilegiada, na qual, apesar de toda a destruição de que foi alvo, havia ocupado grande parte da Europa Central e Oriental. Caso a Segunda Frente houvesse ocorrido em 1942 ou mesmo em 1943, como solicitado por Stálin e prometido por Roosevelt, mas sempre obstado
por Churchill, quase certamente a URSS não haveria assumido o controle daquelas importantes áreas da Europa. Em 1943, Churchill procurou outras estratégias evasivas para evitar a operação, com tentativas de envolver os aliados em outras ações em teatros secundários, como nos Bálcãs. Caso a operação não fosse realizada em junho de 1944, Ambrose considera que muito provavelmente a guerra se estenderia até o final de 1945 ou mesmo 1946 e, nesse caso, as forças soviéticas poderiam até mesmo libertar e ocupar a Europa Ocidental (AMBROSE, 1995, p. 40-41)16. Outra questão a ser considerada é que Roosevelt conhecia muito bem a pressão da opinião pública nos Estados Unidos em relação às baixas de guerra. Ele acreditava que elas seriam bastante pesadas caso houvesse a necessidade de invasão das ilhas nipônicas e, nesse caso, contava com as forças soviéticas. Dessa forma, precisava buscar um caminho intermediário que não fosse o da confrontação. Por fim, e não menos importante, Roosevelt tinha a certeza de que os soviéticos precisariam de alimentos, produtos industrializados, capital e transferência de tecnologia para a reconstrução do país e, certamente, essa era uma situação que lhe favoreceria em muito no sentido de buscar posições intermediárias que atendessem a ambas as partes. Harriman, que advogava uma posição mais dura em relação à URSS, também sabia disso, e, em decorrência, advertiu ao Secretário de Estado, Cordell Hull, que os dólares eram armas efetivas que que os EUA poderiam utilizar para influenciar os eventos europeus e impedir a esfera de influência soviética (DONOVAN, 1977, p.38). Além disso, Stálin era informado, por intermédio dos seus espiões, sobre as hostilidades em relação à União Soviética em diferentes níveis do governo tanto nos EUA quanto na Grã-Bretanha. A Polônia era crucial para Stálin e Roosevelt sabia que era necessário ceder, da mesma forma que abdicou das suas posições em favor daquelas defendidas por Churchill em relação à questão colonial, muito embora o presidente estadunidense alimentasse a ideia de que, com o final da guerra, seria possível por fim à dominação colonial. Roosevelt entendia, porém, que não era possível impor o seu ponto de vista e que Churchill não abriria mão da manutenção dos interesses do Império nas áreas sob dominação colonial. Na sua visão, era preciso ir passo a passo, promover os câmbios de forma gradual e, por isso, ele postergava muitas decisões importantes. Em outras palavras, Roosevelt era um político hábil que
sabia o que podia e o que não podia fazer em um determinado contexto. Essa foi a sua linha de conduta, tanto no que se refere a Stálin quanto a Churchill. De um lado, Roosevelt percebia o aumento da intensidade dos conflitos entre soviéticos e britânicos e procurava adotar uma postura mais equidistante que, muitas vezes, desagradava a ambos os governos, mas com isso preservava a Aliança. De outro, o presidente era temeroso de que, mesmo com conflitos de interesses, soviéticos e britânicos pudessem definir um acordo para garantir as suas respectivas esferas de influência, pois, a depender da conformação desses encaminhamentos, o seu projeto de instituição de uma nova ordem mundial, conforme os princípios gerais estabelecidos na Carta do Atlântico, poderia naufragar. Roosevelt, até certo ponto de forma pragmática, navegava entre o desejado e o possível e esperava gradualmente impor o seu ponto de vista sem colocar em risco a Aliança. É por isso que Roosevelt postergou muitas decisões importantes e, em outras palavras, deixou-as para o final da guerra. Ele estava convencido de que a dissensão entre os Aliados, resultado de projetos de mundo distintos para o pós-guerra, poderia atrapalhar as operações de guerra e mesmo levar à negociação de uma paz em separado com a Alemanha. De fato, como é verossímil supor, a aliança entre as três grandes potências que encabeçavam as Nações Unidas possuía um inimigo comum que as unia (HOBSBAWM, 1995). Muitos problemas oriundos dos objetivos específicos de cada uma delas, porém, geravam focos de tensões. Em síntese, EUA, Reino Unido e URSS eram aliados, mas havia sempre a suspeita em relação aos interesses do outro e entre eles havia o fantasma da paz em separado com Hitler. Saliente-se que a União Soviética receava que os EUA e o Reino Unido pactuassem a paz com a Alemanha e, ao mesmo tempo, a recíproca era verdadeira (MONIZ BANDEIRA, 2005, p. 132-134). Os aliados espionavam-se mutuamente, e daí decorria a exacerbação de tensões, uma vez que as suspeições de um dos atores eram corroboradas por espiões que obtinham acesso a informações restritas e privilegiadas que revelavam planos, muitas vezes, surgidos do receio da ação do outro. Assim, em certas ocasiões uma precaução, uma ação de perfil predominantemente defensivo, poderia ser interpretada pelo outro campo como um ardil agressivo com vistas a confrontar os interesses considerados inegociáveis.
Sobre a perspectiva expressa por Dunn, do ponto de vista das políticas realistas, é plausível questionar por que os EUA poderiam manter a sua predominância e o direito de interferência em todo o continente americano e a URSS não poderia fazer o mesmo em territórios que, em grande parte, havia poucas décadas pertenciam ao antigo Império Russo do qual ela era sucessora? O que falar da restauração dos impérios coloniais britânico e francês que afrontavam a Carta do Atlântico, tanto quanto o controle soviético sobre a Europa Oriental? Roosevelt não era ingênuo como os seus críticos procuram caricaturá-lo. O presidente estadunidense estava ciente desses problemas e pretendia um caminho mais longo, mas ao mesmo tempo, mais seguro em direção à construção de uma comunidade de nações que evitasse os conflitos semelhantes àqueles que deram origem às duas guerras mundiais. Mais uma vez, Roosevelt não era um acólito pueril, como o caracterizou outro historiador (MARKS III, 1995), pois, em seu governo, projetava-se no detalhe uma arquitetura de poder mundial lastreada no modelo das instituições estadunidenses. Dessa forma, o presidente estadunidense e os seus assessores de confiança intencionavam garantir a hegemonia negociada do país no cenário internacional Mais do que isso, Roosevelt também acenava para a necessidade de reformas sociais nos EUA (UNITED STATES OF AMERICA, 1944), de forma a minorar o apartheid étnico e social existente no país. De fato, jamais será possível saber, de um lado, até onde as propostas, alinhavadas naquele State of the Union de 1944, eram parte de uma estratégia destinada às eleições que se avizinhavam ou se, de outro, implicavam a radicalização das políticas sociais esboçadas por Roosevelt em seus três até então sucessivos mandatos (o quarto iniciar-se-ia com mais uma vitória eleitoral em 1944)17. As tentativas de implementar reformas sociais nos EUA durante os governos Roosevelt sempre foram enfrentadas com desmesurada fúria pelas elites, muitas delas inclusive no seio do Partido Democrata. A presumível opção de Roosevelt pelo caminho de promover reformas sociais mais profundas, mais de sete décadas depois, continua esculpida no imaginário conservador como pecado inaceitável e irredimível no sagrado território das valorações consideradas como legítimas expressões do American way of life. Outros autores entendem que Roosevelt falhou ao acreditar na possibilidade de levar Stálin à moderação e ao não compreender que era impossível negociar com o líder soviético, uma vez que ele era paranoico e
estaria sempre à espreita de golpes e traições (SCHLESINGER JR., 1992, p. 212). Walter LaFeber lembra, todavia, que, se os soviéticos tinham suspeitas do Ocidente, eles eram realistas, não paranoicos. O autor sublinha as invasões ao território russo entre 1917 e 1920; a recusa à cooperação com os soviéticos, na década de 1930, perante a crescente ameaça fascista; a tentativa de jogar Hitler contra Stálin, em 1938; as quebras das sucessivas promessas da abertura da Segunda Frente; e, por fim, observa a tentativa de penetração, em 1945, em áreas consideradas cruciais para a segurança soviética (LaFEBER, 1997, p. 2021). Acrescento que, quando LaFeber escreveu esse texto, ele desconhecia o plano britânico Operation Unthinkable para atacar as forças soviéticas na Europa (UNITED KINGDOM, 1945), uma vez que os documentos até então secretos não haviam chegado ao conhecimento público (Sobre o assunto, veja o capítulo 5 deste livro). Com certeza, se LaFeber soubesse, acrescentaria mais esse motivo para indicar que as precauções soviéticas não eram resultado da mera paranoia de Stálin, mas produto de um tenso e complexo relacionamento com as potências ocidentais, em que ambos os lados possuíam motivos de sobra para se resguardar e temer eventuais ações que proviessem do outro campo. Para LaFeber, Stálin possuía uma política bem definida ao final da Segunda Guerra Mundial e ele a perseguia de forma vigorosa. O autor afirma, contudo, que o chefe de Estado soviético agia de boa fé com os seus aliados ocidentais; exemplifica que Stálin procurou conter o Partido Comunista Francês ao invés de estimulá-lo à conquista do poder, mas pondera que ele esperava um tratamento semelhante na Europa Oriental. Para o autor, durante o governo Truman, ao mesmo tempo em que os EUA se opunham à esfera de influência soviética na Europa Oriental, paradoxalmente, trataram de fortalecer a sua no Hemisfério Ocidental (LaFEBER, 1997, p. 20-21). Esse é um ponto que eu gostaria de ressaltar. O projeto de arquitetura de poder estadunidense em elaboração no Departamento de Estado, seguramente desde 1942, visava tornar os EUA a única potência global. Havia até a pressuposição de conferir à União Soviética o papel de potência também global, mas numa posição hierárquica bastante distinta. Tudo dependeria da cooperação de Stálin e de se o país rumaria ou não em direção a uma espécie de socialismo democrático, que não interferisse no projeto de hegemonia
estadunidense. Com base nas fontes disponíveis e ancorado na revisão crítica da literatura arrolada neste texto, defendo a tese de que Roosevelt possuía uma análise realista do contexto político internacional muito mais refinada do que a dos seus críticos contemporâneos. Sustento que a sua análise do contexto político está solidamente alicerçada na materialidade da ocupação da Europa por forças militares soviéticas, estadunidenses e britânicas entre o início e meados de 1945. Dessa perspectiva, a sua análise mostra-se mais adequada do que aquelas provenientes de intelectuais que lastreados nos princípios da reação, até o presente, interpretam de forma imprópria o seu projeto realista para uma nova ordem global duradoura, que respeitasse minimamente as diferenças entre os seus principais fiadores. Ressalte-se que a consolidação das zonas estadunidense e britânica na Alemanha era percebida pelos diplomatas soviéticos como forma de reduzir a influência comunista no país e de reorganizar o poder sob bases reacionárias. A recusa por parte dos EUA de transferência de reparações de guerra da sua Zona para a URSS reforçava de forma acentuada essa percepção (PECHATNOV, 2010, p. 103). Há indícios de que Stálin tenha trabalhado com ao menos três possibilidades conflitantes em relação à Alemanha, que era considerada vital em sua política, uma vez que significava a manutenção da presença e do controle soviético no coração da Europa. Uma perspectiva era a de unificar uma Alemanha pró-soviética, como ele haveria professado a Georgi Dimitrov, ex-dirigente da Internacional Comunista e colaborador do círculo íntimo de Stálin. Ele também trabalhou com a possibilidade de desmilitarizar e neutralizar a Alemanha, que deveria funcionar como um escudo entre as esferas ocidental e soviética. E, por fim, lidava com a possibilidade de consolidar a sua zona de dominação na parte oriental da Alemanha, tornandoa um Estado subordinado (PECHATNOV, 2010, p. 103). Segundo Pechatnov, os documentos revelam que, em oposição às alegações dos EUA, a URSS não demonstrava planos ofensivos na Europa Ocidental, uma vez que o orçamento militar soviético em 1946-1947 alcançava apenas a metade do implementado durante o período da guerra. Em adição, o autor afirma que em 1948 o Exército Vermelho já havia sido reduzido a apenas um quarto do tamanho alcançado ao final do conflito mundial. O mesmo autor ressalta que as muitas solicitações de comandantes navais para o fortalecimento da frota soviética eram respondidas por Stálin como muito
onerosas e desnecessárias para a defesa costeira, o que implicaria uma perspectiva meramente defensiva (PECHATNOV, 2010, p. 103-104). Por fim, neste tópico, resta frisar que, certamente, com ou sem Truman, as tensões entre os projetos pensados nos EUA, no Reino Unido e na URSS tenderiam a se contrapor em algum momento, mas suponho que o caminho trilhado por Roosevelt não levaria ao confronto de quatro décadas, ao custo de aproximadamente 25 milhões de vidas ou mais, como foi a Guerra Fria. Seguramente, outros focos de tensões emergiriam, algumas guerras haveriam ocorrido, pois possuíam as suas dinâmicas regionais, muitas vezes, fora do controle das duas potências globais; mas é razoável supor que a cooperação pretendida era mais segura do que o caminho do confronto delineado com nitidez desde que Truman tomou posse. Nesse ponto, enfatizo o imperativo de focar o problema com as lentes apropriadas para a adequada percepção da matéria. Regra geral, a perspectiva lastreada no chamado excepcionalismo “americano”, no entanto, tende a naturalizar as ações estadunidenses em diferentes áreas do planeta e a vislumbrar como agressivas as ações soviéticas nas adjacências do seu território. De Roosevelt a Truman: para além da primavera da cooperação, há o inverno do dissenso Quando Truman assumiu a presidência dos EUA, as decisões consagradas na Conferência de Ialta já haviam definido uma linha geral que pressupunha a divisão do mundo em áreas de influência. Roosevelt não era plenamente favorável a essa divisão, mas entendeu que era o possível para preservar a influência do Ocidente (e principalmente dos EUA) no contexto europeu, onde a presença soviética era marcadamente forte ao final da guerra. Em tese, Roosevelt pressupunha que era possível estabelecer as bases mínimas de cooperação entre os aliados e com isso levar à moderação tanto os interesses dos EUA quanto do império britânico e da URSS. Para os autores revisionistas, como, por exemplo, William Appleman Williams, Gabriel Kolko, Gar Alperovitz e David Horrowitz18, houve uma mudança na direção da política dos EUA, conforme faremos referências a seguir. De outro ponto de vista, Arthur Schlesinger Jr. defende a tese de que Truman seguia as recomendações de Roosevelt e de que a ruptura com a URSS haveria sido uma continuidade dos problemas emergidos ao final da guerra,
ainda durante o governo Roosevelt. Para ele, o conflito com a União Soviética era inevitável. Schlesinger Jr. reproduz uma conversa ocorrida entre Roosevelt e Anna Rosenberg Hoffman, com quem o presidente haveria almoçado em 24 de março de 1945, último dia em que esteve em Washington. Segundo o autor, na ocasião Roosevelt haveria dito que estava descontente com Stálin e que “Averell tem razão. Não se pode negociar com Stálin. Ele rompeu todas as promessas que fêz em Yalta” (SCHLESINGER JR., 1992, p. 189). A referência feita por Schlesinger Jr. pode ter, eventualmente, alguma importância, embora seja bastante vaga e imprecisa. Segundo o autor, após receber um telegrama, Roosevelt haveria ficado irritado e pronunciado essa frase. Não há nenhuma evidência factível que comprove essa ocorrência. Como sabemos, havia muitas disputas pela memória e, principalmente, pela herança do incomensurável patrimônio político deixado por Roosevelt. Em consequência, situações como a do almoço registrado por Schlesinger Jr. simplesmente podem haver ganhado outra conotação pela boca de Hoffman. Ela havia sido auxiliar de Roosevelt no Social Security Board e foi enviada especial do presidente para diversos assuntos europeus durantes os seus sucessivos governos. É imaginável supor que a aproximação com as posições de Truman pode haver garantido a continuidade da sua influência durante o governo do novo presidente. O escrutínio do historiador demanda mais evidências do que as apresentadas. Esse não, porém, é o maior problema no argumento do autor. Schlesinger Jr. omite, deliberadamente, outra fonte, por ele bem conhecida, que, certamente, teria muito mais peso que a de Anna Hoffman. Refiro-me à posição tomada pelo filho de Franklin, Elliott Roosevelt. Elliott secretariou, como adido militar, para o presidente, muitas reuniões importantes ocorridas durante a Grande Aliança, entre elas as conferências de Casablanca, do Cairo e de Teerã. Ele era coronel da Força Aérea e havia atuado em mais de 300 missões durante o conflito mundial, inclusive na Operação Overlord. Elliott teve uma vida controversa, recebeu altas condecorações, mas também foi acusado, após a guerra, quando já fazia críticas abertas ao governo do seu país, de haver beneficiado uma grande corporação industrial a vencer uma encomenda de aviões efetuada pelo governo. As investigações sobre esses supostos eventos nunca foram conclusivas e acabaram por deixar sempre alguma dúvida.
Elliott afirmou amiúde que Truman estava a se desviar das recomendações de seu pai, principalmente no que se referia às relações com a União Soviética. Em 1946, descontente como os caminhos da política externa do seu país, escreveu o livro As He Saw It. O livro foi publicado no Brasil, em 1947, com o título Como meu pai os via. A obra foi editada pelo Instituto Progresso Editorial, criado por um grupo de influentes capitalistas de origem italiana, dentre eles, os Matarazzo e os Crespi, que funcionou entre os anos de 1947 e 1949. O título do livro expressa, no entendimento de Elliott, a visão do presidente Roosevelt sobre a importância da cooperação com os soviéticos durante e após a guerra. De fato, o livro constitui-se em um cáustico manifesto contra a corrida armamentista e as políticas internacionais implementadas pelos EUA no imediato pós-guerra, consideradas por Elliott como agressivas e descumpridoras dos acordos firmados durante a Segunda Guerra Mundial. O livro é um pequeno compêndio de denúncias, por vezes efetuadas de forma bastante apaixonada. Elliot não poupa críticas ao governo do seu país e logo de início escreve: Tomei esta decisão [escrever o livro] recentemente, compelido por graves ocorrências. Influíram para tanto: o discurso de Winston Churchill, em Fulton, Missouri; as reuniões do Conselho de Segurança, em Hunter College, em New York e as ideias nelas expressas; o número crescente de bombas atômicas americanas armazenadas; os sinais da sempre maior desunião entre as principais nações do mundo; as promessas quebradas, as forças políticas renascentes do imperialismo voraz e desesperado foram-me um estímulo neste ousado cometimento (ROOSEVELT, 1947, p. 11).
Em outra passagem, o autor afirma, de forma taxativa, a sua compreensão sobre as mudanças operadas por Truman logo que assumiu a presidência dos EUA. E vi violadas as promessas, as condições sumária e cinicamente menosprezadas, a estrutura da paz repudiada. Escrevo portanto, para vós, que concordais comigo que Franklin Roosevelt foi o arquiteto, a tempo da guerra, da união das Nações Unidas; para vós que concordais comigo que os ideais e atributos como estadista de Franklin Roosevelt seriam suficientes para conservar esta união numa entidade vital no após-guerra; e que comigo concordais ainda que o roteiro por ele traçado foi grave- e deliberadamenterepudiado. (ROOSEVELT, 1947, p. 14)
Talvez, se retrocedermos no tempo, possamos ter uma ideia mais clara do ponto de vista que embalava as decisões encaminhadas por Truman. Em 24 de junho de 1941, logo após o ataque de Hitler à União Soviética, o então senador Harry Truman fez uma declaração publicada no The New York Times: “Se nós
vemos que a Alemanha está vencendo nós devemos ajudar a Rússia, e se a Rússia estiver vencendo nós deveremos ajudar a Alemanha e, desta forma, então, deixar que as duas se matem tanto quanto possível, contudo eu não quero ver Hitler vitorioso sob nenhuma circunstância” (LaFEBER, 1997, p. 6 DONOVAN, 1996, p. 36, tradução do autor). Na seara desse debate sobre se Harry Truman imprimiu mudanças abruptas na condução da política externa do país, tal qual ela se encontrava em desenvolvimento sob o último governo Roosevelt, é imperativo perscrutar o caminho seguido pelo novo presidente logo após sua posse. No dia seguinte, já como novo presidente dos EUA, Truman, que em suas memórias informou que não estava inteirado sobre muitos aspectos de como Roosevelt havia conduzido as negociações sobre a guerra, afirmou ao secretário Stettinius: “Nós temos que parar os Russos [...]. Nós temos sido muito fáceis com eles” (LaFEBER, 1997, p. 15, tradução do autor) Em outras palavras, mesmo pouco informado sobre o assunto, Truman já tinha uma opinião muito bem formada. Ele já havia escolhido um caminho e essa via levava à confrontação dos soviéticos em pontos que eles consideravam inegociáveis. Esse posicionamento de Harry Truman tornou-se mais consistente quando alguns de seus auxiliares mais próximos, como Harriman, Leahy e Forrestal, que eram favoráveis a mudanças substanciais na condução das negociações com o Kremlin, relataram ao presidente o que eles consideravam uma “barbárie Soviética” e recomendaram a adoção de uma postura mais dura em relação à URSS. Ressalte-se, como ficará demonstrado ao longo deste texto, que outros, como Hopkins, Wallace, Marshall e mesmo Eisenhower, vislumbravam a possibilidade de cooperação e de buscarem denominadores comuns que possibilitassem uma convivência com vistas ao estabelecimento de um relacionamento pacífico. Truman e Molotov No dia 23 de abril de 1945, Harry S. Truman recebeu em audiência oficial, pela primeira vez, o chanceler soviético Molotov. Pouco antes dessa reunião, no dia 22, o presidente teve um encontro informal, de alguns poucos minutos, com Molotov, na Blair House, onde o diplomata estava hospedado (DONOVAN, 1996, p. 39). No dia 23, ao início da tarde, Truman reuniu-se com sua assessoria para discutir os encaminhamentos a serem dados nas
negociações com o representante soviético. Participaram dessa conversa: Edward R. Stettinius Jr, secretário de Estado; Henry Stimson, secretário da Guerra; James Forrestal, secretário da Marinha; James Dunn, assistente do secretário de Estado para assuntos da Europa, Oriente e África. Participaram, ainda, os almirantes William D. Leahy e Ernest J. King, os generais George C. Marshall e John R. Deane; Averell Harriman, embaixador em Moscou, e o assessor diplomático Charles Bohlen. Em conformidade com as memórias do presidente Harry S. Truman,19 iniciou-se a reunião com a discussão do problema polonês. Segundo o presidente, o secretário de Estado Edward R. Stettinius Jr. lembrou que o governo de Lublin20 não era representativo do povo polonês e que os russos desejavam impor aos EUA e à Inglaterra esse governo de fantoches. Na sequência, Truman disse que, até aquele momento, os acordos dos EUA estabelecidos com a União Soviética haviam sido cumpridos unilateralmente e que isso não poderia continuar. Ato contínuo, Stimson disse que, nos assuntos militares importantes, os russos haviam mantido a palavra. Enfatizou que, frequentemente, haviam feito mais que o prometido. Acrescentou a necessidade de verificar porque atuavam desse modo com os seus países fronteiriços e quais eram as suas ideias de independência e democracia em zonas que consideravam vitais para sua segurança. Stimson admitiu que os soviéticos houvessem causado pequenos problemas em diferentes assuntos, e que foi necessário lhes ensinar boas maneiras. Sublinhou, todavia, a importância do assunto e afirmou que, sem estar totalmente inteirado de como os soviéticos encaravam o problema polonês, poder-se-ia chegar a uma situação muito perigosa. O próximo a tomar a palavra foi o então secretário da Marinha, James Forrestal. A princípio, afirmou o seu entendimento de que o problema polonês não deveria ser tratado como um problema separado. Segundo o seu ponto de vista, os soviéticos estavam dando provas de que pretendiam dominar os países adjacentes, aparentemente acreditando na tolerância dos EUA. Disse estar convencido da necessidade de colocar, imediatamente, as cartas na mesa. O próximo a fazer uso da palavra foi Harriman. O diplomata iniciou por responder a Stimson que, quando Stálin e Molotov regressaram de Ialta, perceberam o potencial impasse da eventual colocação de um legítimo representante do povo polonês no governo de Lublin. Esse fato significaria a
eliminação dos membros daquele governo indicados pelo Kremlin, restando saber se os EUA seriam ou não cúmplices com a dominação soviética na Polônia. Afirmou, ainda, que esse problema poderia levar a uma ruptura com a União Soviética, sendo necessária muita habilidade para contornar essa situação. Em continuidade, Truman afirmou que não era a sua intenção apresentar um ultimato, mas que gostaria de deixar bem clara qual era a posição dos EUA. Em prosseguimento à reunião, Stimson indagou até onde poderia ir a reação soviética frente a uma posição firme nessa questão. Os soviéticos, acrescentou, eram mais realistas que os “norte-americanos” em relação à sua segurança. Leahy, ao fazer uso da palavra, disse crer que o governo soviético não tinha a intenção de permitir um governo livre na Polônia. Acrescentou que seria surpreendente se agissem de outra forma, pois o Acordo de Ialta possibilitava duas interpretações. Em complemento, considerou como muito séria uma possível ruptura com os soviéticos, mas disse que pensava ser importante deixar claro que os EUA eram defensores de uma Polônia livre e independente. Nesse momento, Stettinius fez uso da palavra e leu uma passagem sobre o acordo relativo à chamada questão polonesa. Na sequência, afirmou que o texto aprovado não deixava margem a dúvidas, pois somente permitia uma interpretação e sublinhou que deveria haver a formação de um novo governo e precisavam ser realizadas eleições livres no país. Ao fazer uso da palavra, o general Marshall afirmou que a situação na Europa era segura e acrescentou esperar a entrada dos soviéticos na guerra com o Japão. Segundo Marshall, em caso de desavenças, os soviéticos poderiam atrasar a sua entrada nessa guerra, até a abertura do caminho pelos EUA. Assim como Stimson, Marshall considerava com muita preocupação a possibilidade de uma ruptura com os soviéticos e as implicações dela advindas em relação à guerra do Pacífico. Stimson indicou a sua concordância com Marshall, e disse acreditar que os soviéticos não cederiam na Polônia. Acrescentou que era necessário compreender que, além dos EUA e, talvez, da Inglaterra, existiam poucos países onde se compreendia o significado de eleições livres, pois o partido no poder sempre ganhava as eleições, como ele constatava, por experiência própria, na Nicarágua.
O Almirante King tomou a palavra e indagou se o problema era uma referência ao convite para o governo de Lublin participar da Conferência de San Francisco. Truman respondeu que esse não era o problema e ressaltou que a desavença estaria no descumprimento do acordado. Afirmou que diria a Molotov esperar o cumprimento do acordo pela União Soviética, da forma como os EUA o cumpriam. Harriman, ao fazer uso da palavra, disse que, em realidade, os soviéticos haviam cumprido muitos dos acordos militares, mas isso haveria ocorrido quando as circunstâncias o exigiam, pois, em outros assuntos, não poderia dizer que houvessem honrado a sua palavra. Acrescentou que havia um ano os soviéticos prometeram iniciar os preparativos para a guerra no Extremo Oriente e até o momento a promessa não havia sido cumprida. Por fim, o General Deane disse acreditar na participação da União Soviética na Guerra do Pacífico, tão logo houvesse a definição da situação em outros territórios; considerou que os soviéticos não poderiam fazer seus homens esperarem mais, pois eles encontravam-se exaustos. Disse que não se deveria temer os soviéticos e salientou que, quando houvesse razão, seria necessário adotar uma postura firme com eles (TRUMAN, 1965, p. 90-96) Para Donovan, Truman, apesar de demonstrar maior propensão a acatar as falas mais duras em relação à União Soviética, foi aconselhado a adotar uma linha mais prudente. A exceção foi a intervenção de Forrestal, que recomendava o confronto. Segundo o autor, Truman não deu qualquer indicação de que não acataria essas recomendações, embora demonstrasse a sua indignação com as últimas táticas de Molotov, e estava quase a ponto de “colocá-lo na linha” no encontro das 5 da tarde (DONOVAN, 1996, p. 40). O autor está correto em sua assertiva, mas observo que a posição de Stettinius, embora não clamasse pelo confronto, certamente levaria a ele. Além disso, como o próprio autor narrou poucas páginas antes, no dia anterior, Harriman, que mostrou comedimento durante a reunião, disse a Truman que os soviéticos estavam a promover uma “bárbara invasão à Europa” (DONOVAN, 1996, p. 38). Certamente Truman, que já tinha posicionamento prévio contrário aos soviéticos, como tornou público em 1941, sentiu-se fortalecido para adotar posturas mais rígidas. Encerrada essa conversação, logo teve início a reunião o ministro das relações exteriores da URSS, Vyatcheslav M. Molotov. Dela participaram,
pelos EUA, o presidente Truman, assessorado pelo secretário de Estado, Stettinius, pelo embaixador dos EUA em Moscou, Averell Harriman, pelo assessor diplomático Charles Bohlen e pelo Almirante Lehay. Da comitiva soviética, participaram Molotov, o embaixador soviético em Washington, Andrei Gromyko, e o intérprete M. Pavlov. Truman consagrou em suas memórias o fato de a reunião ser iniciada sem protocolos. Afirmou que principiou a lamentar o fato de não haver ocorrido qualquer progresso na questão polonesa. Em resposta, Molotov também lamentou a situação. Ato contínuo, Truman referiu-se à mensagem conjunta datada de 16 de abril, quando ele e Churchill haviam encaminhado a Stálin propostas justas e razoáveis. Afirmou que haviam ido tão longe quanto foi possível para atender às solicitações efetuadas por Stálin em sua mensagem de 7 de abril. O governo dos EUA – asseverou – não poderia concordar com a formação de um governo polonês no qual não estivessem representados todos os democratas do país. Acrescentou que se sentia profundamente contrariado pelo fato de que somente houvessem sido consultados os representantes poloneses do regime de Varsóvia (TRUMAN, 1965, p. 96). Logo na sequência, Truman entregou uma mensagem escrita a Molotov, pedindo que ele a encaminhasse imediatamente a Stálin. Segue adiante a transcrição integral do original. President Truman to the Chairman of the Council of People’s Commissars of the Soviet Union (Stálin) Washington, April 23, 1945. There was an agreement at Yalta in which President Roosevelt participated for the United States Government to reorganize the Provisional Government now functioning in Warsaw in order to establish a new Government of National Unity in Poland by means of previous consultation between representatives of the Provisional Polish Government of Warsaw and other Polish democratic leaders from Poland and from abroad. In the opinion of the United States Government the Crimean decision on Poland can only be carried out if a group of genuinely representative democratic Polish leaders are invited to Moscow for consultation. The United States Government cannot be party to any method of consultation with Polish leaders which would not result in the establishment of a new Provisional Government of National Unity genuinely representative of the democratic elements of the Polish people. The United States and British Governments have gone as far as they can to meet the situation and carry out the intent of the Crimean decisions in their joint message delivered to Marshal Stálin on April 18th. The United States Government earnestly requests that the Soviet Government accept the proposals set forth in the joint message of the President and Prime Minister to
Marshal Stálin. And that Mr. Molotov continue the conversations with the Secretary of State and Mr. Eden in San Francisco on that basis. The Soviet Government must realize that the failure to go forward at this time with the implementation of the Crimean decision on Poland would seriously shake confidence in the unity of the three Governments and their determination to continue the collaboration in the future as they have in the past (TRUMAN, 1965, p. 97-98)21.
Na sequência, Molotov afirmou que o governo soviético desejava colaborar com os EUA e com a Grã-Bretanha como antes. Truman intercedeu e afirmou que, se assim não o fosse, de nada adiantaria a conversa. Molotov prosseguiu e apresentou o seguinte ponto de vista do governo Soviético: 1. Havia sido estabelecida uma base de colaboração e, apesar de que haviam ocorrido algumas dificuldades inevitáveis, os três governos haviam podido falar uma linguagem comum e assim foram solucionando as diferenças. 2. Os três governos haviam atuado equitativamente e não se havia permitido que um ou dois dos três pudessem impor sua vontade ao outro e que como base de cooperação esta era a única forma aceitável pelo Governo Soviético (TRUMAN, 1965, p. 98).
Truman disse que desejava o cumprimento, pelos soviéticos, do acordo da Crimeia (Ialta) sobre a Polônia. Ato contínuo, Molotov respondeu que o seu governo era defensor do acordo; acrescentou ser essa uma questão de honra e disse ainda que o governo soviético estava convencido da possibilidade de que essas dificuldades fossem superadas. Truman, ao retomar a palavra, então afirmou secamente que o acordo sobre a Polônia já havia sido firmado, e que só restava a Stálin cumpri-lo. Em síntese, no restante da reunião predominaram a tensão e as desavenças. Finalmente, Truman narrou em suas memórias que Molotov haveria reclamado que nunca lhe haviam falado assim e que ele haveria respondido “Cumpram os seus acordos que ninguém falará assim” (TRUMAN, 1965, p. 99). Essa versão dos fatos, apresentada pelo próprio Truman, explicita um tratamento considerado muito rude para as relações diplomáticas, principalmente se considerarmos as questões em lide e a delicada situação existente naquele contexto histórico. Ressalte-se que, naquele momento, não havia a certeza de que seria possível contar com o emprego dos artefatos nucleares e que Marshall havia advertido da importância de contar com o apoio dos soviéticos na Guerra do Pacífico. Poder-se-ia argumentar sobre a possibilidade de o relato de Truman estar organizado segundo a memória que
ele pretendia deixar de si mesmo, no mundo dominado pelo anticomunismo, do qual ele foi um dos edificadores. Devemos lembrar que as suas memórias foram publicadas em 1956, quando a Guerra Fria tinha uma existência real e, portanto, ele poderia estar a se valorizar ao mostrar-se mais duro do que, de fato, haveria sido. Entretanto a linha geral do relato dessa reunião com Molotov pode ser corroborada pelos opositores e dissidentes do governo do sucessor de Roosevelt, mesmo que as lembranças de outros participantes não registrem as falas mais desabridas eternizadas por Truman em suas memórias. Há a possibilidade de que ele não as tenha dito, como revela Donovan. Segundo o autor, Truman haveria dito: “Isto é tudo Mr. Molotov, eu apreciaria você transmitisse a minha posição ao Marechal Stálin”. Na sequência, Truman “dispensou o representante soviético, que haveria saído apressadamente, aparentando estar ofendido” (DONOVAN, 1996, p. 42). Dando prosseguimento, entendemos que Harry S. Truman, imediatamente após a sua posse, desconsiderou as últimas recomendações do presidente F. D. Roosevelt e acatou as sugestões daqueles membros do secretariado que ansiavam por mudanças na conduta dos EUA nas relações com a União Soviética. Eles aconselharam o novo presidente a adotar uma postura mais dura com os soviéticos. Sublinhe-se também que o novo presidente não considerou as objeções de Stimson e o entendimento do general Marshall de que, no geral, os soviéticos estavam a cumprir os seus acordos. Wilson Miscamble atribuiu pouca importância ao evento e afirmou que Truman exagerou nas suas memórias. Mais que isso, Miscamble criticou as leituras revisionistas do episódio e insistiu que, em seus primeiros meses de gestão, Truman seguiu a linha impressa por Roosevelt e somente quando se convenceu de que não havia outro caminho é que adotou posturas mais duras em relação à URSS (MISCAMBLE, 2007). Os autores revisionistas entendem que os desentendimentos provenientes dessa reunião intensificaram as tensões entre os EUA e a URSS e foram os primeiros sinais da futura Guerra Fria. A resposta do Kremlin à nova estratégia adotada pelo presidente dos EUA, conforme previsto por Stimson, foi a adoção de posturas mais rígidas e inflexíveis do lado soviético. Sinais da mudança
Sublinhem-se outros pontos que corroboram a possível ruptura do presidente Truman em relação às diretrizes impressas por seu antecessor no que se refere ao relacionamento com os soviéticos. Dentre eles merece menção o fato de que, entre o final de junho e setembro de 1945, o novo presidente substituiu seis secretários de governo, das dez secretarias então existentes. De fato, Truman trocou os titulares das secretarias mais importantes, incluindo Henry Stimson, secretário da Guerra, Henry Morgenthau, secretário do Tesouro, e até Stettinius, secretário de Estado (HOROWITZ, 1965, p. 53-54). Harry Truman afirmou que algumas dessas mudanças estavam associadas ao desejo pessoal de secretários que se mantinham em suas funções pelos laços de proximidade com Roosevelt e agora sentiam-se à vontade para retornar aos seus negócios pessoais, pois já haviam anteriormente manifestado a intenção de deixar os seus postos (TRUMAN, 1965, p. 358-366). De outra perspectiva, é possível concluir que essa profunda mudança no secretariado indica a mudança de orientação política no governo. Deve-se destacar que houve controvérsias entre Truman e alguns desses ex-secretários, como, por exemplo, Morgenthau, que insistiu em ir a Potsdam e foi imediatamente exonerado. Truman pediu a Stettinius para que se exonerasse. Stettinius havia sido também o chefe da delegação dos EUA na assembleia de criação da ONU. Após sair da secretaria de Estado, assumiu o posto de embaixador dos EUA na ONU, mas, em junho de 1946, demitiu-se do cargo, por considerar que o presidente se recusava a utilizar a organização como instrumento para resolver os problemas com a URSS. Por fim, em setembro de 1946, Henry Wallace, secretário do Comércio e vice-presidente de Roosevelt na gestão anterior, também foi demitido e, em seguida, passou a criticar duramente o governo do seu país, responsabilizando-o pelas tensões com a União Soviética e pela corrida armamentista que estava a se iniciar. Embora discorde de algumas análises revisionistas, à luz das fontes atuais e do debate historiográfico sobre o tema, estou convencido de que os revisionistas estão corretos quando afirmam que Truman promoveu uma evidente reorientação da política externa estadunidense. Parece-me que as evidências são suficientes para corroborar essa tese. Sublinhe-se que Roosevelt havia estabelecido negociações com a diplomacia soviética desde o ataque alemão à antiga terra dos czares. Houve altos e baixos nessa parceria, com momentos de aproximação e de distanciamento, quando as diferenças
ideológicas, de concepção de mundo e de projetos políticos que expressavam os interesses das duas grandes potências se manifestavam. A arte da política de Roosevelt consistia exatamente em minimizar as divergências e maximizar as convergências. Essa era uma característica que marcava de modo indelével a sua trajetória política. A adequada análise histórica torna evidente que Truman via a questão de outra perspectiva. O novo presidente revela a sua posição, a priori, ao afirmar que era preciso parar os “russos”, que as negociações haviam sido efetuadas como uma via de sentido único, sempre com concessões aos soviéticos, e que era preciso reverter a situação enquanto ainda restava tempo. Essa visão demarca uma diferença entre a nova orientação política implementada por Truman e aquela praticada por Roosevelt até a sua morte. É fato também que mesmo Roosevelt estava a encontrar problemas nessas negociações, mas não há evidências sólidas de que ele estivesse prestes à ruptura. Ao contrário, recomendou a Churchill que minimizasse os problemas. Churchill, contudo, era um político muito hábil e havia tentado manobrar Roosevelt por diversas vezes, pois via nos ideais presentes na Carta do Atlântico, que ele mesmo havia endossado quando a Grã-Bretanha se encontrava em uma situação crítica, uma ameaça à sobrevivência do império onde o sol nunca se punha. Essa via possibilita outra percepção do que veio a ocorrer após a morte de Roosevelt. Desse ponto de vista, é possível inferir que o líder britânico da velha estirpe vislumbrou, na chegada do neófito e anticomunista à Casa Branca, a possibilidade de ouro para cambiar essa situação. Além disso, é preciso atentar para o fato de que, no Departamento de Estado, havia muitos descontentes com as políticas progressistas de Roosevelt. Assim, Truman logo encontrou muitos conservadores competentes dispostos a alavancar a sua guinada na política externa estadunidense, que tendeu a levar o país a adotar uma postura bem mais aguerrida no relacionamento com a União Soviética. Para compreendermos melhor esse período, é necessário perceber que a política dos EUA não seguiu uma linha reta. Conforme demonstramos inicialmente, Truman adotou uma linha dura, que ladeava a truculência política. Naquele contexto, alertado por seu secretário da Guerra, Henry L. Stimson, de que era necessária moderação para proteger os interesses do país, o presidente adotou posições um pouco mais prudentes.
De fato, havia duas propostas nos altos escalões do governo dos EUA, uma previa a demonstração de força a curtíssimo prazo e a outra pressupunha a protelação desse posicionamento até que os EUA houvessem demonstrado o poderio de sua nova arma: a bomba atômica. Stimson era contrário à ruptura com a URSS porque entendia que a sua cooperação era fundamental para a paz europeia, e que esta era indispensável para a segurança dos EUA. Ele entendia que fome, doenças e falta de estabilidade poderiam levar a convulsões sociais e ao comunismo. Próximo aos últimos dias de Roosevelt na Casa Branca, Stimson havia manifestado a sua oposição ao Plano Morgenthau, pois considerava que a desestruturação e o desmembramento da Alemanha tornariam a Europa instável. Em decorrência dessa percepção, Stimson advertiu Roosevelt da importância de uma Alemanha economicamente forte para restaurar a estabilidade na Europa Central. Quando Truman assumiu a presidência, Stimson externou que, em sua opinião, era inábil pressionar na questão polonesa, naquele momento, pois aquele era um ponto fundamental para os soviéticos e eles não cederiam. Acrescentou que o confronto nesse assunto atrapalharia as negociações em outras questões, de fato, vitais aos EUA, mas, segundo LaFeber, não foi ouvido por Truman, que optou pela linha mais dura defendida por Harriman (LaFEBER, 1997, p. 15-16, 23). De acordo com Gar Alperovitz, historiador revisionista que se debruçou sobre o tema, foi pela influência de Stimson que Truman reviu parcialmente a questão do Lend-Lease. Segundo esse autor, a posição inicial de Truman era um fiasco e não se sustentava, pois confrontava os próprios interesses do país. Em fins de maio, o novo presidente enviou Harry Hopkins a Moscou, uma vez que ele era considerado confiável pelos soviéticos e seria a melhor pessoa para solucionar o problema. A missão de Hopkins era também buscar um acordo momentâneo sobre a Polônia e outros conflitos emergentes, o que, de fato, ocorreu no início de junho. Com essa estratégia, evitou-se uma solução unilateral soviética para a questão da Polônia, o que, certamente, aumentaria ainda mais as tensões entre os Aliados. Gar Alperovitz advoga a tese de que, naquele contexto, o real debate no governo Truman não era se os EUA endureciam ou não com a União Soviética, mas quando seria o melhor momento para fazê-lo. O autor revisionista afirma, ainda, que muitos dos assessores do presidente e os aliados britânicos ficaram
atônitos com sua mudança de posição a partir do final de maio de 1945. Stimson seria a favor da utilização de uma Diplomacia Atômica, forçando a URSS a ceder aos EUA, após a demonstração do poderio da nova arma. A proposta de Stimson previa a criação de uma comissão internacional de controle nuclear e também que os EUA não deveriam manter o monopólio desse segredo científico-militar. Segundo Alperovitz, Stimson haveria percebido, no decorrer de setembro daquele ano, o perigo presente em sua proposta de usar a diplomacia da bomba e haveria tentado redirecioná-la, mas, frustrado em seu intento, acabou por desligar-se do governo. Esse é um aspecto controverso da conduta de Stimson e tornou-se motivo de debates entre ortodoxos e revisionistas. É importante ressaltar que as evidências apontadas por Alperovitz indicam que Stimson, inicialmente, não era contra endurecer, mas contra o momento no qual se estava a tomar essa atitude. Acrescenta que Stimson a princípio defendeu o emprego da bomba atômica para por fim à Guerra com o Japão. Somente após o seu uso e, no bojo dos encaminhamentos políticos daí decorrentes, haveria percebido os perigos advindos de tal política e, então, buscou redirecioná-la sem sucesso (ALPEROVITZ, 1969). A Conferência de Potsdam A Conferência de Potsdam, que antes da sua realização era nomeada nas mensagens secretas dos aliados pelo codinome Terminal, foi a terceira conferência a contar com a presença de todos os três líderes das grandes potências aliadas: EUA, Grã-Bretanha e URSS. O evento foi realizado no palácio Cecilienhof, em Potsdam, cidade conurbada com Berlim, residência da dinastia dos Hohenzollern que governou a Alemanha até 1918, quando, como resultado das crises econômica, política e social decorrentes da I Guerra Mundial, uma revolução derrubou a monarquia e instituiu o sistema republicano. O palácio Cecilienhof foi construído entre 1914 e 1917 para ser a residência do príncipe Wilhelm e da duquesa Cecilia de MecklenburgSchwerin. A conferência foi marcada por um hábil jogo diplomático no qual, de um lado, os EUA e a Grã-Bretanha procuravam reduzir ao máximo a influência soviética na Europa do Leste e o Kremlin, por outro, procurava consolidar o espaço já conquistado. Dos três líderes das potências mundiais, somente Stálin
participou integramente das três mais importantes conferências que definiram as bases da nova ordem mundial: Teerã, Ialta e Potsdam. Franklin D. Roosevelt, que faleceu em abril de 1945, foi substituído por Harry Truman e Churchill, que participou das duas conferências anteriores e do início da conferência de Potsdam, em decorrência da sua derrota eleitoral, foi substituído, em 26 de julho, por Clement Attlee, novo primeiro ministro britânico. O evento foi definidor para a reestruturação de uma nova ordem global e era natural que emergissem tensões provenientes dos diferentes projetos de mundo alinhavados pelas equipes das três potências globais. Durante o evento, EUA e Grã-Bretanha aturam no sentido de restringir a presença soviética na Europa Oriental. No debate sobre os novos regimes, em processo de edificação, cada lado possuía trunfos diferentes. Em Potsdam, todavia, a União Soviética viu ruírem diversas negociações já em andamento. As demandas pelo pagamento por parte da Alemanha de indenizações pelos danos sofridos durante a guerra, sobre os quais havia negociações em estágio avançado com Roosevelt e que já no governo Truman haviam recebido sinais positivos de Stettinius, foram negadas. É importante observar que Henry Morgenthau Jr. foi exonerado do cargo de secretário do Tesouro por defender essa proposta e por insistir em ir a Potsdam, como mostrei em outra passagem deste texto. Além disso, a posição de Morgenthau sobre a internacionalização do vale do Rhur (importante área industrial e de recursos minerais da Alemanha), também defendida pela União Soviética, foi negada do mesmo modo que a tutela partilhada das antigas colônias italianas no Mediterrâneo e a instalação de bases soviéticas nos estreitos turcos. A URSS conseguiu, entretanto, manter as suas posições na Europa Central e Oriental, que eram consideradas vitais à sua segurança. Em decorrência, apesar do clima de tensões e de reveses sofridos, o Kremlin fez uma avaliação relativamente positiva do evento, uma vez que já esperava o aumento dos contratempos resultantes da nova linha impressa por Harry Truman à política externa estadunidense (PECHATNOV, 2010, p. 96). A URSS tinha o Exército Vermelho estacionado na Europa Oriental e, por isso, qualquer mudança na reorganização dos regimes nesses territórios somente ocorreria com a concordância soviética. Os exércitos dos EUA haviam avançado de modo muito mais ligeiro do que se esperava, em função do remanejamento das tropas alemãs e, desse modo, alcançaram o coração da
Alemanha, o que implicou a ocupação de regiões pré-determinadas aos soviéticos. Além disso, em 16 de julho, os EUA testaram o primeiro artefato nuclear com absoluto sucesso. A experiência ligada ao Projeto Manhattan foi comandada, no campo militar, pelo major-general Leslie Groves e, no campo científico, pelo físico Julius Robert Oppenheimer. Como os soviéticos ignoravam esse sucesso, os representantes dos EUA pensavam com a vantagem estratégica dessa conquista científica e militar de grande vulto. Em Potsdam, Truman e os seus assessores mais próximos acreditavam que o emprego imediato dos artefatos nucleares alteraria a correlação de forças de forma muito favorável aos EUA. Secretário da Guerra, Henry L. Stimson, acompanhou os testes do artefato nuclear, realizados em Alamogordo, Novo México, no dia 16 de julho e partiu de lá para Potsdam com a certeza de que todas as expectativas haviam sido superadas e que o poder destrutivo da nova arma era inclusive superior ao imaginado anteriormente. De posse dessas informações ultrassecretas, Stimson, ao chegar a Potsdam, relatou ao presidente o imenso sucesso dos testes e detalhou, conforme as informações colhidas da equipe de cientistas e militares que comandavam o projeto Manhattan, as possibilidades de emprego imediato do segredo bélico. Naquela ocasião, o presidente e Stimson chegaram ainda a discutir os possíveis encaminhamentos ulteriores. No decorrer da própria conferência, no dia 17 de julho, após ser inteirado do assunto por Stimson, Truman reuniu-se com um grupo muito restrito dos seus assessores e decidiu bombardear o Japão com armas Atômicas. Truman consagrou em suas memórias que foi efetuado um ranking das cidades a serem bombardeadas, por ordem de prioridade. As cidades de Hiroshima, Kokura, Nagasaki e Niigata foram as escolhidas. Hiroshima e Nagasaki foram arrasadas, respectivamente, em 6 e 9 de agosto, no decorrer do regresso de Truman de Potsdam. Kokura seria a segunda cidade a ser bombardeada, mas a instabilidade do tempo e a avaliação de que a cidade possuía uma defesa aérea mais consistente levaram à decisão de bombardear Nagasaki. Em Potsdam, Truman disse a Stálin, de relance e de forma imprecisa, que os EUA haviam testado a nova arma. Stálin, aparentemente, sabia do que se tratava, mas não conhecia detalhes e, de forma dissimulada, não demonstrou interesse pelo assunto. Ao encerrar a
Conferência, Truman retornou aos EUA a bordo do USS Augusta e, durante a sua viagem, recebeu a confirmação de que Hiroshima havia sido bombardeada de acordo com o planejado. Isso, contudo, é assunto para o próximo capítulo.
4 A GUERRA NO EXTREMO ORIENTE22 Ao final da guerra, o conflito com o Japão combinou desafios de magnitude e gerou dilemas tanto para os EUA quanto para a União Soviética. Quando a guerra na Europa começou a rumar inexoravelmente para a vitória aliada, ambas as potências se viram frente à situação de buscarem uma definição em relação ao conflito no Extremo Oriente. Nos EUA, onde havia, desde a Primeira Guerra Mundial, uma crescente opinião pública contrária ao envolvimento do país em guerras, o governo temia que o prolongamento do conflito com o Japão e a necessidade de invasão das ilhas nipônicas com o previsível grande número de baixas pudessem lhe acarretar um desgaste político muito grande. Paradoxalmente, a sociedade estadunidense fora impactada pelo ataque japonês a Pearl Harbor e acreditava, estimulada pela propaganda desenvolvida durante os anos de conflito, na necessidade de punir severamente o Japão pela agressão cometida. É imperativo assinalar que, desde a guerra de 1812, quando Washington foi bombardeada pelos britânicos, que o território dos EUA não era alvo de ataque. Apesar de Pearl Harbor não fazer parte da área continental dos EUA, é parte integrante do seu território desde a anexação do Havaí, ocorrida em 1898, e a sua posterior transformação em território em 1900. O Havaí somente tornou-se o quinquagésimo estado da União em 1959. O sentimento popular, em grande medida induzido pelo próprio governo, levou as lideranças estadunidenses a entenderem que era necessário impor a derrota total e a rendição incondicional ao adversário. Ao longo da guerra, campanhas publicitárias nos EUA haviam adotado posturas racistas em relação aos japoneses. Os nipônicos e seus descendentes internados em campos de concentração nos EUA foram alvo de repressão muito mais intensa que italianos e alemães (BESS, 2006, p. 33-36 e p. 242-243). Dentre as campanhas que mais estimularam o ódio aos japoneses nos EUA, estão as oito campanhas realizadas entre 1941 e 1946. Com o intuito de levantar fundos por intermédio da venda de bônus para o esforço de Guerra, essas campanhas também enfatizaram a vilania do inimigo e o valor e o patriotismo dos EUA e aliados. Além disso, a venda dos bônus de guerra era vista como uma forma de retirar
dinheiro de circulação e evitar a inflação, além de reforçar o caixa dos governos. É possível notar tanto em campanhas estatais quanto privadas, que o sentimento de ódio aos japoneses foi particularmente explorado por meio de imagens. Os pôsteres talvez tenham sido o meio por intermédio do qual mais se difundiu tais mensagens, mesmo se considerarmos os filmes e desenhos animados produzidos no mesmo período. Enquanto especialistas divergem sobre os números – estimam em cerca de 150 desenhos animados e 50 filmes com mensagens antinipônicas mais incisivas-, o total de pôsteres com representações antinipônicas pode haver chegado a 1.000, com uma tiragem total que pode haver ultrapassado as 500 mil unidades (BLUM, 1976; LINGEMAN, 2003; KIMBLE, 2006). Ambos, desenhos animados e pôsteres, comumente teciam associações entre japoneses e animais, como jumentos, urubus, cobras e macacos. Havia algo, no entanto, mais importante que enfatizar a superioridade cultural e social dos estadunidenses em relação aos “japs”: era imperativo impingir-lhes inferioridade biológica. Dentre os exemplos mais exacerbados e lamentáveis desse tipo de propaganda estão: Bugs Bunny Nips the Nips (1944), dirigido por Isadore “Friz” Freleng e distribuído pela Warner Bros; Tokio Jokio (1943), dirigido por Norman McCabe e distribuído pela Warner Bros; e You’re a Sap, Mr. Jap (1942), dirigido por Dan Gordon e distribuído pela Paramount Pictures (COHEN, 2004, p. 49-77; SHULL; WILT, 1987, p. 31-53; SMOODIN, 1993, p. 71-95)23. Os governantes estadunidenses acreditavam que era necessário buscar um caminho para a vitória com baixo custo de vidas. Para a consecução desse objetivo, Roosevelt trabalhou no sentido de envolver a União Soviética na Guerra do Pacífico. A decisão de Stálin de participar do conflito estava associada à política perseguida pelo Kremlin com o objetivo de garantir à União Soviética um papel de potência global na nova ordem mundial em construção. Os soviéticos haviam demonstrado enorme capacidade de combate frente às forças alemãs, muito superiores às tropas japonesas. Ao final da guerra na Europa, as tropas soviéticas encontravam-se muito mais bem armadas e treinadas, embora seja plausível supor que estivessem consideravelmente desgastadas em consequência do longo período de combates, na maioria das vezes sem interrupções e descansos, como ocorria com a maioria das tropas ocidentais. O regime autoritário vigente no país e as experiências pregressas, ressalte-se, muito dolorosas e a um custo de vidas
espantoso, indicavam que aquela sociedade se dispunha a sacrificar um número infinitamente superior de combatentes do que o tolerado pela sociedade estadunidense. Naquele contexto, os EUA desenvolviam, em ritmo frenético, o projeto Manhattan, com vistas a tornar realidade o emprego de artefatos nucleares no conflito. Nas negociações ocorridas em Ialta, quando indagado sobre a possibilidade de a União Soviética entrar em guerra com o Japão, Stálin acenou, a princípio, serem indispensáveis seis meses, após o encerramento da guerra na Europa, para que fosse possível colocar as forças soviéticas em condições de combate no Extremo Oriente. Ainda durante a conferência, no entanto, Stálin concordou em declarar guerra ao Japão três meses após o final do conflito europeu. Os líderes soviéticos explicavam a demora do seu ingresso na guerra contra o Japão em razão das necessidades do conflito na Europa e devido à magnitude da operação de deslocamento das forças para o Oriente. Antes da capitulação alemã, a justificativa fundamental apresentada por Stálin e por seus principais colaboradores vinculava-se ao fato de a URSS enfrentar a maior parte das forças do Eixo. Desse modo, justificavam que seria impossível manter duas colossais frentes de combate de modo simultâneo. Naquele contexto, Stálin tinha consciência de que a garantia dos interesses da URSS, conquistados nos embates com as forças do Eixo na Europa Central e Oriental, estava associada à supremacia do poder do Exército Vermelho na região. O governante soviético lidava com uma equação em que as suas forças militares precisavam manter a superioridade na Europa para preservar os interesses conquistados. Stálin, no entanto, entendia que os soviéticos precisavam ter uma participação robusta na vitória contra o Japão, de modo a justificar qualquer possível demanda de expansão da influência soviética naquela região do planeta e mesmo uma participação na eventual partilha do Japão. A União Soviética, por uma questão estratégica, com vistas a evitar enfrentar combates em mais uma frente, havia estabelecido um pacto de não agressão com o Japão. Observe-se que Stálin denunciou esse pacto com o Japão no início de abril de 1945, sob a alegação de que o país era um aliado da Alemanha e, portanto, a auxiliava na guerra contra a União Soviética. Desde então, os documentos trocados entre diferentes instâncias do alto escalão do governo japonês começaram a indicar o aumento da preocupação com uma
possível declaração de guerra soviética. Os japoneses, todavia, não foram capazes de interpretar de modo apropriado os movimentos políticos que estavam a ocorrer em Moscou e prosseguiram a vislumbrar a possibilidade de concretizar um acordo com o Kremlin por intermédio da garantia dos interesses e privilégios na região. Era um engano funesto, pois, em 15 de abril daquele ano, Stálin já havia assegurado aos Aliados que declararia guerra ao Japão três meses após o final do conflito na Europa, conforme o acordado anteriormente em Ialta. Desse modo, a crença nipônica de que seria possível chegar a um acordo com os soviéticos não era mais factível e os japoneses, ao continuarem a alimentar essas expectativas irreais, acabavam por imobilizar a sua diplomacia em outras frentes, o que custaria muito caro ao Império do Sol Nascente. O líder soviético cumpriu o prometido aos Aliados no prazo anunciado, por intermédio de uma imensa operação de guerra que culminou na invasão da Manchúria, iniciada na madrugada de 8 para 9 de agosto daquele ano. A região, ocupada pelo Japão desde 1931, era defendida por cerca de 1.200.000 soldados. As forças soviéticas empregadas naquela operação contavam com 1.577.725 soldados, distribuídos em 89 divisões, contando com 27.086 morteiros e peças de artilharia, 1.171 múltiplos lançadores Katyuchas, 5.556 tanques, 3.721 aviões, 85.819 veículos diversos, além do apoio naval (GLANTZ, 1983, p. 42, table 3). A Batalha da Manchúria, muito provavelmente como fruto dos embates da Guerra Fria, tornou-se uma das batalhas da Segunda Guerra Mundial esquecidas no mundo ocidental. Essa operação constituiu-se, todavia, em uma das mais arrojadas e vitoriosas campanhas bélicas de todos os tempos. De fato, os soviéticos inclusive superaram as suas próprias expectativas e conquistaram a Manchúria (uma área um pouco maior que toda a Europa Ocidental) em aproximadamente uma semana. Do lado soviético houve 36.500 feridos e 12 mil mortos, já entre os japoneses ocorreram cerca 80 mil mortes e mais 500 mil combatentes foram aprisionados (ROBERTS, 2007, p. 293). Ao analisar-se o desenrolar da guerra no Extremo Oriente, um dado chama a atenção nessa batalha, pois, enquanto os japoneses resistiram bravamente em diversos outros cenários, na Manchúria chegou a haver fuga desorganizada. Uma possível explicação para o fato é que, diferentemente da terra pátria, na Manchúria os soldados não estavam a defender de modo direto a divindade do É
imperador e a terra sacra. É admissível, contudo, supor também que a estratégia adequada, a rapidez, a surpresa e a violência da operação soviética tenham produzido esse efeito. As apreensões do governo Japonês Uma mensagem do embaixador japonês em Moscou, datada de 14 de abril, interceptada pela inteligência dos EUA, por meio da Operation Magic, que decifrava as comunicações inimigas e as repassava à OSS (Office of Strategic Services), revelou a preocupação com notícias recebidas por meio de informantes de que os soviéticos estavam a deslocar, em direção ao Oriente, cerca de 25 mil soldados através da Sibéria. A mensagem informava também o deslocamento de aproximadamente 150 aviões e 550 veículos motorizados (ALPEROVITZ, 1995, p. 100-101). Os EUA continuaram a acessar as informações japonesas, uma vez que a inteligência inimiga desconhecia que eles houvessem quebrado o código purple empregado nessas mensagens. De fato, mesmo após a rendição, forças imperiais japonesas continuaram a empregar esses códigos (LERNER, 2004). Ao longo dos meses de junho e julho novas mensagens trocadas pelo serviço diplomático japonês mostravam a preocupação com a movimentação de tropas soviéticas em direção ao Extremo Oriente. A interceptação de um comunicado do ministro das relações exteriores, Shigenori Togo, a Naotake Sato, embaixador japonês em Moscou, em 4 de junho daquele ano, revela a extrema apreensão do governo nipônico em relação ao possível ingresso da URSS na guerra. Na mensagem interceptada, Togo afirma ser uma questão da máxima importância não apenas evitar que a União Soviética entre na guerra, mas também induzi-la a adotar uma posição favorável ao Japão. Em adição, o ministro recomenda ao embaixador que não perca a oportunidade de conversar com os líderes soviéticos (ALPEROVITZ, 1995, p. 121). Alperovitz arrola uma grande quantidade de documentos decodificados pela operação Magic ao longo daquele período e a leitura dessas mensagens indica a crescente inquietação dos líderes japoneses com um possível ataque soviético. Em 30 de junho, a Divisão de Inteligência do Departamento de Guerra dos EUA, em um documento denominado “A situação estimada do inimigo”, apresentava a seguinte análise:
Acredita-se que muitos japoneses agora considerem a derrota como provável. Os crescentes efeitos do bloqueio e a cumulativa devastação provocada pelos bombardeios estratégicos devem tornar essa percepção crescentemente mais geral. A entrada da União Soviética na guerra poderia finalmente convencer os japoneses da inevitabilidade da derrota (ALPEROVITZ, 1995, p. 124, tradução do autor)
A bomba atômica É possível constatar que, a partir dos resultados positivos com os testes nucleares em Alamogordo, em 16 de julho de 1945, Truman iniciou o processo de exclusão dos soviéticos na participação da construção de uma nova ordem no Extremo Oriente, conforme pactuado em Ialta. Com os bombardeios em Hiroshima e Nagasaki, ocorridos respectivamente em 6 e 9 de agosto, ele procurou definir a guerra antes que os soviéticos conquistassem maior participação naquele teatro de operações. Posteriormente, recusou a solicitação de Stálin relativa à participação da URSS na rendição japonesa e pressionou os soviéticos em relação às ilhas Curilas. Além disso, Truman ordenou a ocupação do Porto de Dalian, que, pelos acordos de Ialta, ficaria sob administração soviética (PECHATNOV, 2010, p. 96-97). A questão é polêmica e sobre ela muito já se escreveu e escrever-se-á. Nos arquivos estadunidenses e da Rússia, documentos importantes sobre o assunto continuam com acesso restrito, o que torna mais difíceis as análises do problema. Desse modo, é bastante plausível que no futuro, quando novos documentos vierem à tona, muitas dúvidas sobre a matéria sejam sanadas e, ao mesmo tempo, muitas das certezas hoje existentes sejam demolidas. Resta-nos esperar, trabalhar pela liberação desses documentos e nos debruçarmos sobre o problema com os materiais de que dispomos. Diplomacia atômica? Em linhas gerais, a corrente ortodoxa e os neo-ortodoxos sustentam a tese de que os bombardeios nucleares às cidades japonesas foram um último recurso para pôr fim àquela guerra sangrenta que estava a ceifar a vida de milhares de soldados estadunidenses e de civis e militares japoneses. Os defensores dessa posição afirmam que o governo japonês se recusava a reconhecer a derrota e a aceitar a rendição incondicional conforme os termos decididos pelos EUA e Grã-Bretanha em Potsdam. Argumentam, em complemento, que, com o emprego das bombas, evitou-se a necessidade da invasão do Japão, que custaria a vida de mais de 500 mil jovens estadunidenses,
além de mais de um milhão de militares e civis japoneses. Em adição, os historiadores ortodoxos ou neo-ortodoxos afirmam que, dessa forma, o emprego das bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki é perfeitamente justificado, pois salvou incalculáveis vidas de ambos os lados. Os historiadores revisionistas defendem a tese de que a bomba foi usada para fazer chantagem nuclear com os soviéticos. Eles entendem que, nos EUA, nos dias que antecederam os bombardeios nucleares, havia ocorrido mudanças no comando militar de guerra em relação à avaliação sobre o desfecho do conflito no Japão. Segundo essa perspectiva, indicava-se, em primeiro lugar, que seria dispensável o auxílio soviético para derrotar o inimigo. Como resultado, o Estado Maior das Forças Armadas foi avisado, em 24 de julho, de que os EUA não mais precisariam dos soviéticos para invadir o Japão. Em segundo lugar, já havia acenos de uma possível rendição japonesa. Em Potsdam, os representantes soviéticos informaram aos representantes dos EUA que haviam sido procurados pelos japoneses para intermediar as possíveis negociações. Os soviéticos informaram ainda que se recusaram a essa intermediação e que, portanto, estavam a informar o assunto aos seus aliados. Os motivos da recusa não ficaram claros, mas indicaram que os termos japoneses eram muito vagos. Sabe-se, no entanto, que Stálin era defensor ardoroso da rendição incondicional. Os historiadores revisionistas, principalmente Alperovitz, associam uma mudança no foco da política de Truman em relação à União Soviética com o desenvolvimento dos artefatos nucleares. Para esses historiadores, os bombardeios nucleares às cidades japonesas foram desnecessários e estavam muito mais associados a uma estratégia de limitar as ambições da União Soviética na Europa e na Ásia. Alperovitz afirma que Truman procurou postergar ao máximo a realização da Conferência de Potsdam com a intenção de aguardar os testes nucleares, pois, caso houvesse o sucesso esperado, teria um trunfo secreto em suas mãos que lhe daria muitas vantagens na negociação. De acordo com esse autor, com o sucesso dos testes nucleares, Truman procurou descartar a opção soviética e mesmo evitar o possível ataque do Exército Vermelho ao Japão. Acrescenta que a estratégia desenvolvida durante aquele verão em relação à conclusão da guerra no Pacífico, baseada na entrada da URSS na guerra e na oferta de garantias à vida do imperador, foi abandonada e foram iniciados os preparativos para os bombardeios nucleares.
Afirma, por exemplo, que a União Soviética não foi chamada a assinar o ultimato ao governo japonês emitido em Potsdam e que também não foram oferecidas as garantias à vida do imperador e à manutenção da coroa, que eram fundamentais à desejada rendição japonesa. Nessa linha de argumento apresentada por Alperovitz, tais medidas não foram adotadas, pois se seguia uma estratégia que previa a continuidade do conflito até o emprego das armas nucleares. Caso os soviéticos assinassem o documento, confirmassem o seu ingresso na guerra e se abrisse a possibilidade da rendição em termos considerados aceitáveis pelos japoneses, a estratégia da demonstração do poderio nuclear ficaria inviabilizada. Dessa perspectiva, seria perdida a oportunidade de demonstrar aos soviéticos o novo poderio militar dos EUA e, com isso, perder-se-ia a possibilidade de limitar as suas ambições. Resulta dessa linha de análise o entendimento, apresentado de forma predominante por historiadores revisionistas, de que os bombardeios nucleares se constituem muito mais no primeiro ato da Guerra Fria do que no epílogo da Segunda Guerra Mundial (ALPEROVITZ, 1995). Para reforçar a sua linha de argumento, Alperovitz relaciona muitos documentos em que estão expressas as condenações ao emprego dos artefatos nucleares por parte de militares estadunidenses de alta patente e que ocupavam postos-chave no Comando de Guerra. Dentre os militares que manifestaram a sua oposição ao bombardeio nuclear do Japão, merecem destaque os generais George C. Marshall, comandante das Forças Armadas dos EUA; Dwight Eisenhower, comandante das forças aliadas na Europa; Douglas MacArthur, comandante das forças dos EUA no Pacífico; almirante Ernst J. King, comandante da frota naval dos EUA; almirante Chester W. Nimitz, comandante da frota dos EUA no Pacífico, e o general Henry Harley “Hap” Arnold, comandante da Força Aérea dos EUA. Como é possível verificar, segundo Alperovitz, os militares que ocupavam as posições mais importantes nas forças armadas dos EUA opuseram-se ao uso da bomba atômica contra o Japão. Marshall assim se expressou em 29 de maio, em uma reunião, conforme anotado no memorando assinado por John J. McCloy: General Marshall disse que essas armas deveriam primeiro ser empregadas diretamente contra objetivos militares como uma grande instalação naval e então se não houver resultado provocado pelo efeito dela, ele pensa que deveríamos designar um número de grandes áreas industriais, que o povo deveria ser advertido a
abandonar – dizendo aos japoneses que pretendíamos destruir aqueles centros [...] Todo esforço deve ser feito para deixar nossos registros de clara advertência. Nós precisamos evitar com esses métodos, o opróbrio que se deve seguir a um mal emprego dessa força (ALPEROVITZ, 1995, p. 53, tradução do autor).
O Almirante William D. Leahy, então presidente do Joint Chief Staff, afirmou, sete semanas antes do primeiro bombardeio nuclear, que, em sua opinião, a rendição japonesa podia ser negociada em termos considerados aceitáveis pelo governo daquele país e que, ao mesmo tempo, deveriam ser garantidas as condições de defesa dos EUA contra futuras agressões (ALPEROVITZ, 1995, p. 324). Outro importante militar, major-general Curtis LeMay, considerado um hawk, asseverou em coletiva à imprensa, realizada em 20 de setembro de 1945: LeMay: A guerra terminaria em duas semanas mesmo que os soviéticos não entrassem [na guerra com o Japão] e sem a bomba atômica Imprensa: quer dizer que, senhor? Sem os soviéticos e a bomba atômica? LeMay: sim, com os B-29.... Imprensa: General, por que usar a bomba atômica? Por que nós a usamos então? LeMay: Bem, outras pessoas não estavam convencidas.... Imprensa: Não teriam eles se rendido por causa da bomba? LeMay: a bomba atômica não tem nada a ver com o final da guerra. (ALPEROVITZ, 1995, p. 336, tradução do autor).
Alperovitz relaciona diversas passagens com excertos de manifestações do general Dwight Eisenhower em que ele expressa a sua oposição ao emprego da bomba atômica. Em uma delas, citada aqui a título exemplar, o general afirma: “Eu expressei o desejo de que nós nunca tivéssemos que usar essa coisa [a bomba atômica] contra qualquer inimigo, porque eu não gostaria de ver os Estados Unidos liderar a introdução na guerra de uma coisa tão horrível e destrutiva como essa nova arma era descrita ser.” (ALPEROVITZ, p. 353, tradução do autor). A linha de análise expressa por Alperovitz em sua obra seminal leva à conclusão de que o emprego da bomba atômica, do ponto de vista militar, foi desnecessário e poderia ser evitado se os EUA houvessem criado as condições mínimas para uma rendição aceitável por parte do governo japonês. Desse ponto vista, depreende-se que a decisão teve um cunho político acentuado e estava muito mais associada à intenção de demonstrar o poderio da nova arma ao Kremlin e reduzir o peso da União Soviética na nova ordem mundial. Truman, Byrnes e Stimson avaliaram que, com o domínio da tecnologia nuclear e após a demonstração prática do poderio da nova arma, seria possível
impor a vontade dos EUA à União Soviética. Essa avaliação não se mostrou tão correta, pois Stálin, embora houvesse ficado impactado quando soube da nova arma, concluiu que a bomba era uma novidade militar importante, mas, como disse ao líder comunista polonês Gomulka, no calor dos eventos, eram os exércitos que decidiam as guerras (ROBERTS, 2007, p. 293 e p. 362). Tsuyoshi Hasegawa afirma que o impacto da invasão soviética à Manchúria influenciou mais os governantes japoneses a aceitarem a rendição nos termos definidos em Potsdam do que os bombardeios nucleares. Para o autor, a neutralidade soviética, tanto política quanto militar, era fundamental para a estratégia do Japão. O autor enfatiza o fato de que o governo japonês ansiava a intermediação soviética para negociar termos de rendição aceitáveis. Sublinha que o ataque soviético à Manchúria destruiu essa perspectiva (HASEGAWA, 2005, p. 295-296). O autor acrescenta que, sem a rápida rendição japonesa, as forças soviéticas continuariam a avançar para além da Manchúria, da Coreia, das ilhas Curilas e da ilha Sacalina. Dessa forma, entende que membros do governo japonês se preocuparam com o impacto desse avanço soviético no Extremo Oriente. Por intermédio de abordagem em termos da história contrafactual, e com todos os riscos a ela inerentes, Hasegawa traça a hipótese de que Truman certamente tentaria barrar a invasão do Exército Vermelho a Hokkaido (a segunda maior ilha do Japão e a que fica mais ao Norte), mas acredita que devido, ao alto custo de vidas humanas nessa ocupação, poderia conceder algum grau de participação aos soviéticos na administração do Japão. Para o autor, o receio da ocupação soviética foi fundamental na decisão pela rendição japonesa nos termos de Potsdam (HASEGAWA, 2005, p. 296). Outro autor enfatiza que somente a bomba não levaria à imediata rendição japonesa e afirma que há quase um consenso de que a invasão soviética à Manchúria teve profundo impacto no Japão e apressou a sua rendição (ROBERTS, 2007, p. 293). Hasegawa afirma que a posição japonesa não mudou muito após o bombardeio a Hiroshima e nem mesmo a Nagasaki. Aponta como evidência a continuidade das discussões e a ausência de consenso entre os Seis Grandes24. O grupo estava dividido ao meio. Os três moderados eram propensos a estabelecer a paz nos termos do ultimato de Potsdam, desde que preservados a vida e o trono do imperador (primeiro ministro, Kantaro Suzuki; ministro das Relações Exteriores, Shigenori Togo; ministro da Marinha, Mitsumasa Yonai).
De forma diferente, os três integrantes que compunham a chamada linha dura (ministro da Guerra, Korechika Anami; comandante do Exército, Yoshijiro Umezu; comandante da Marinha, Soemu Toyoda) não viam diferenças entre a nova arma e as anteriores (BESS, 2006, p. 215). Hasegawa argumenta que, sem a invasão soviética, muito provavelmente os EUA ver-se-iam frente ao dilema de terem que jogar não duas, mas três, quatro ou muito mais bombas até que a rendição japonesa ocorresse (HASEGAWA, 2005, p. 298). Os historiadores ortodoxos e neo-ortodoxos tendem a justificar o emprego das armas nucleares com base na alegação de que os japoneses se recusavam a aceitar os termos de rendição impostos pelos aliados com a declaração de Potsdam. Afirmam que as bombas não apenas pouparam a vida de centenas de milhares de jovens estadunidenses quanto dos próprios japoneses, pois a ocupação implicaria batalhas sangrentas e cruéis (MADDOX, 2007). Historiadores revisionistas criticam essa perspectiva e centram a sua contestação em dois pontos. Primeiro, os japoneses estavam a buscar a intermediação soviética para conseguir melhores termos para a rendição. Em segundo, mostram que as avaliações do próprio comando de guerra dos EUA haviam mudado significativamente nos dias que antecederam o ataque nuclear. Acrescentam que já se estimava não mais ser necessária uma operação de desembarque em massa (que implicaria grandes perdas humanas), pois, com o embargo imposto e com a entrada da URSS na guerra, avaliava-se que os conflitos chegariam até o início de novembro ou, em um cenário menos promissor, até dezembro de 1945 (ALPEROVITZ, 1995, p. 645). Para Robert J. Maddox, existe um mito fundado na crença de que os EUA pudessem derrotar o Japão e ocupá-lo com baixa taxa de fatalidades, como tem defendido Barton Bernstein (MADDOX, 2007, p. 4). Segundo Bernstein (1995) essas perdas girariam entre 25 e 46 mil vidas de soldados dos EUA. Maddox trabalha com uma estimativa de 500 mil mortes, divulgada à época por Truman e, posteriormente, defendida por Stimson em artigo publicado em 1947. Maddox considera também um mito a avaliação de que se fossem oferecidas garantias de vida ao imperador japonês seria possível chegar a termos aceitáveis de rendição para os japoneses. Maddox (2007, p. 7-11) questiona as evidências apresentadas por Alperovitz e o acusa de desvirtuá-las, por meio da omissão de palavras ou frases e pela descontextualização de
muitos problemas. Na mesma linha de raciocínio, Dennis Giangrieco apresenta previsões ainda mais pessimistas sobre a possível invasão e ocupação das ilhas japonesas. Para corroborar o seu ponto de vista, cita um memorando escrito pelo ex-presidente Hoover a Truman com estimativas de perdas humanas a variar de 500 mil a um milhão de soldados dos EUA (GIANGRECO, 2007, p. 92). Sadao Asada afirma que os bombardeios nucleares a Hiroshima e a Nagasaki foram fundamentais para que os moderados dos Seis Grandes, defensores da rendição nos termos de Potsdam, ganhassem força e conseguissem por fim à guerra (ASADA, 2007, p. 54). De outro ponto de vista, Michael Bess analisa de forma detalhada um conjunto de doze questões relacionadas ao final da Guerra do Pacífico e aos bombardeios a Hiroshima e Nagasaki. O autor as avalia sempre a partir do escopo da escolha moral e indaga a possibilidade de chegar a termos satisfatórios para a rendição japonesa sem que fossem necessários os bombardeios nucleares. Por meio de indagações pontuais, inicia o debate a perguntar se era necessário bombardear o Japão com armas nucleares para conseguir a sua rendição. Conclui que não era necessário, pois os aliados encaminhavam-se para derrotar o Japão com ou sem a bomba. Bess sublinha que a Operação Olimpic já estava planejada para novembro daquele ano, com a previsão de desembarque em massa; lembra que já havia o plano para um segundo e definitivo ataque ao Japão (Operação Coronet), previsto para a primavera de 1946. O autor aponta, contudo, que mesmo os membros moderados do governo japonês demandavam a garantia de que o imperador Michinomiya Hirohito permanecesse no trono, defendiam a não ocupação do Japão, o controle da desmobilização do pós-guerra pelo governo japonês e o julgamento de civis e militares por cortes japonesas. Segundo Bess, como essas condições eram inaceitáveis para os aliados, os conflitos tenderiam a se prolongar por mais tempo que o esperado (BESS, 2006). Bess, porém, afirma que seria uma distorção da história desenhar um retrato dessa situação como clara e sem ambiguidades e sublinha que o momento era de grande confusão e de mudanças diárias. Entende que evoluções na conjuntura interna japonesa poderiam reforçar a posição daqueles que defendiam a busca de uma rápida paz por meio de possível acordo (BESS, 2006 p. 200-201).
O autor indaga se a bomba nuclear era diferente das outras armas e responde que, em linhas gerais, não era. Aponta os dados sobre a destruição provocada pelos bombardeios convencionais em cidades como Tóquio, Dresden, Hamburgo, entre outras. Ao final enfatiza, todavia, que, enquanto nos bombardeios convencionais as vítimas são afetadas de imediato, os efeitos da bomba atômica continuaram a matar e a impor sofrimentos atrozes à população japonesa, como decorrência dos efeitos da radiação. Nesse aspecto, ele diferencia os artefatos nucleares dos armamentos convencionais (BESS, 2006, p. 201-210). Bess diverge de Hasegawa e defende que os bombardeios nucleares apressaram a rendição japonesa, mas considera relevante a entrada soviética no conflito. O mesmo autor interpreta o ultimato exarado em Potsdam de forma distinta de Hasegawa. Para ele, o documento procurava demonstrar aos japoneses como era mais vantajoso aceitar a rendição do que continuar um combate impossível de ser vencido e que somente acrescentaria mais destruição e sofrimento. Ressalta que a declaração foi endereçada a todas as facções do governo japonês e oferecia garantias ao povo e ao país no pósguerra, estabelecia que o Japão retornasse à democracia e que os criminosos de guerra fossem punidos (BESS, 2006, p. 210-211). Nesse ponto, é possível problematizar os dois últimos aspectos dessa interpretação, uma vez que as noções de democracia no Japão eram rudimentares e que a maior parte da população não considerava os seus líderes como criminosos de guerra. Acrescento que boa parte dos súditos estava disposta a sacrificar a vida pelo imperador e pela honra do Japão. Desse modo, esse ponto de vista do autor não me parece sustentável. Bess detalha os combates travados na defesa das ilhas japonesas e ressalta o altíssimo índice de fatalidade entre os combatentes e civis japoneses. Avalia que o governo continuava a preparar o Ketsu Go (Operação Decisiva) com o intuito de tornar a ocupação do território japonês uma operação sangrenta. Nessa perspectiva, o governo japonês acreditava que em algum momento os aliados fossem forçados a definir termos de rendição aceitáveis para o país. O autor sublinha o treinamento da população para ações de guerrilha para a defesa de Kyushu (a terceira maior ilha do Japão e a que fica mais ao Sul). Acrescenta que entre janeiro e junho de 1945 os efetivos para a defesa da ilha saltaram de 150 mil para aproximadamente 545 mil combatentes.
Na continuidade, Bess afiança que Hirohito aprovava essa política até meados de julho, mas adverte que o imperador começou a modificar a sua posição na primeira semana de agosto, quando se tornam perceptíveis os sinais da sua relutância em dar continuidade ao conflito. Segundo ele, Hirohito e os moderados começam a buscar oportunidades para uma solução negociada (BESS, 2006, p. 212-213). Sem consenso, porém, a resposta do governo japonês ao ultimado de Potsdam foi efetuada, de forma bastante vaga, em 28 de julho. Nela, foi empregado o termo Mokusatsu, que literalmente significaria “matar com o silêncio”. Bess, contudo, indica que a expressão foi interpretada no sentido de que o ultimato deveria ser ignorado, tratado com o silêncio. Bess sublinha que para Coughlin esse foi um grande erro de interpretação, pois o termo possuía um sentido dúbio que abria as portas para a negociação (COUGHLIN, 1953). O autor pondera um conjunto de informações e avaliações de outros especialistas e ao final conclui que a luta pela ocupação do Japão seria sangrenta. Bess considera que mesmo após o bombardeio a Hiroshima (6 de agosto) e a invasão soviética à Manchúria (madrugada de 8 para 9 do mesmo mês), o grupo linha dura mantinha-se coeso e a votação continua três a três. Informa que mesmo com a chegada da notícia do bombardeio a Nagasaki a situação não se alterou de modo significativo e que, então já na madrugada do dia 10, o imperador rompeu a sua habitual posição de neutralidade e afirmou que havia chegado o momento de “suportar o insuportável” e aceitou o ultimato de Potsdam na forma indicada pelos moderados. Lembra ainda que houve tentativa de articulação de golpe e que muitos militares se suicidaram após saberem da decisão do imperador (BESS, 2006, p. 216-217). Esse autor avalia que mesmo sem as bombas atômicas e sem a invasão soviética os japoneses inevitavelmente se renderiam, mas acredita que a ocupação do Japão poderia levar a um banho de sangue. A partir da perspectiva contrafactual, desenvolve hipóteses de caminhos alternativos para chegar à rendição japonesa. Inicia a sua reflexão com a possibilidade da flexibilização dos termos de rendição. Acrescenta a hipótese de continuidade dos bombardeios convencionais e do bloqueio até a submissão total do Japão. Na sequência, Bess avalia a proposta de emissão de uma advertência para a evacuação e posterior bombardeio nuclear de uma área isolada para demonstrar o poderio da nova arma. Por fim, elenca a combinação desses
fatores e conclui que a guerra poderia perdurar por mais seis meses, sem a invasão e sem a bomba. Aponta, no entanto, que, dessa forma, as fatalidades poderiam ser maiores, pois a combinação de bombardeios com bloqueio levaria inclusive ao risco de fome generalizada e de mortalidade em massa (BESS, 2006, p. 218-230). Bess critica os bombardeios nucleares às cidades japonesas e censura o fato de os EUA não advertirem o governo inimigo, caso houvesse a recusa à rendição. O autor afirma ainda que foi perdida a grande oportunidade avisar o adversário e depois, sob inspeção internacional bombardear áreas isoladas, com o objetivo de mostrar o poder destrutivo da nova arma. Entretanto, nesse aspecto em concordância com os ortodoxos e neo-ortodoxos, Bess conclui que os bombardeios salvaram vidas, pois muito mais gente morreria na continuidade do conflito. Apesar dessa posição, Bess, reconhece que corria uma mudança no posicionamento do imperador e se delineava também a possibilidade, considerada pelo próprio autor, de que, com a evolução da situação, fosse possível chegar a um termo pela rendição. Do ponto de vista ético, acrescento a necessidade imperiosa de se diferenciar as fatalidades de envolvidos em combate daquelas provenientes de cidades aniquiladas por um único artefato, sem qualquer possibilidade de defesa para os seus habitantes. É óbvio que os bombardeios a Dresden, Hamburgo, Tóquio, Londres, Berlim e Osaka provocaram milhares de vítimas civis indefesas. Muitas cidades japonesas foram arrasadas por bombas incendiárias, pois as suas construções eram predominantemente de madeira, tornando-se verdadeiras fornalhas humanas. Apesar disso, identifico diferenças relevantes entre o emprego desse tipo de bombardeio e a opção pelos bombardeios nucleares. Bess acredita que o bombardeio a Nagasaki foi precipitado e desnecessário. O autor conclui que se construiu um mito de que as bombas atômicas tenham sido empregadas apenas para salvar vidas. Lembra que os bombardeios nucleares não foram usados como últimos recursos frente a um inimigo que não cedia após todas as tentativas esgotadas. Considera factível a hipótese de que foram empregadas com o intuito de evitar a necessidade de os soviéticos entrarem na guerra e que, em consequência, participassem da ocupação e da partilha do Japão (BESS, 2006, p. 236-242)
Nesse tópico, em grande parte, as conclusões do autor foram baseadas no trabalho pregresso de Hasegawa, já referenciado neste texto. Bess (2006, 231236) adverte que não se pode concluir, a partir da interpretação de Hasegawa, que o emprego das bombas atômicas tinha como primeiro objetivo evitar que a URSS entrasse na Guerra do Pacífico. Esse é um ponto central na diferença entre as posições dos revisionistas, de Hasegawa e de Bess. Nenhum deles adota o ponto de vista da ortodoxia, porém as nuanças são bastante demarcadas e em alguns pontos há aproximações das posições de Bess com aquelas defendidas pela corrente ortodoxa. De um lado, tanto os historiadores ortodoxos quanto Bess sustentam que os bombardeios nucleares salvaram milhares, segundo eles, talvez mais de um milhão de vidas, o que é uma questão controversa e de difícil sustentação, pois esse raciocínio tem por base a cristalização dos posicionamentos entre os Seis Grandes. Não me parece que essa fosse a situação. De outro, Tanto Hasegawa quanto Bess compartilham com os revisionistas as críticas ao emprego dos bombardeios nucleares, embora com nuanças que demarcam posicionamentos distintos. Em relação a esse debate, sublinho a existência da possibilidade da intervenção do imperador, como, de fato, o fez, quando considerou que a continuidade da guerra levaria à completa destruição do Japão. Parece-me verossímil a pressuposição de que nos primeiros dias de agosto de 1945, além dos moderados, o imperador também caminhava no sentido de encontrar uma possibilidade de negociação que evitasse a completa ruína do império. Em decorrência, vejo a possibilidade de aceitar a rendição como uma evolução natural da relutância de Hirohito em dar continuidade ao conflito sangrento e impossível de ser vencido. Desse ponto de vista, os bombardeios nucleares às cidades japonesas foram desnecessários e as justificativas para o seu emprego são inaceitáveis. Para finalizar, sublinho a crítica do historiador japonês Tadashi Saito, para quem havia uma postura hipócrita dos governos japoneses ainda ao final do século XX, que continuavam a não reconhecer as suas responsabilidades pelas muitas atrocidades cometidas pelas suas topas, principalmente na chamada esfera de coprosperidadede. A título exemplar Saito menciona o Massacre de Nanquim e a escravização sexual de mulheres em regiões ocupadas pelo Japão. Saito cobra empenho dos historiadores para enfrentar esse debate e ressalta que o governo de Tóquio precisa assumir a
culpa pelos crimes de guerra japoneses para, assim, conquistar a autoridade moral e exigir, em tribunais internacionais, o julgamento dos EUA pelos crimes contra a humanidade, cometidos com os Bombardeios a Hiroshima e Nagasaki (SAITO, 1999-2000).
5 OPERATION UNTHINKABLE Um dos estereótipos mais consolidados no imaginário ocidental durante os anos da Guerra Fria foi aquele relacionado à agressão soviética à Europa Ocidental. De modo ao menos parcialmente divergente, procuraremos demonstrar neste texto que as evidências documentais indicam que a URSS adotou posturas bastante moderadas e buscava chegar a um acordo com as nações capitalistas desenvolvidas ao final do conflito mundial. Desse ponto de vista, Stálin teria procurado agir nos moldes das grandes potências convencionais e se postado na defesa de interesses estratégicos da URSS e de tal forma que haveria sacrificado, sem escrúpulos, os interesses de diferentes partidos comunistas em benefício da Grande Estratégia soviética. Para Melvyn Leffler, Truman e seus principais assessores sabiam que a URSS estava devastada e que não representava perigo imediato à Europa Ocidental ou aos EUA. Eles entendiam, todavia, que a União Soviética ao controlar os recursos de grande parte da Europa e de outra parte da Ásia, poderia colocar desafios significativos aos interesses dos EUA (LEFFLER, 1992, p. 6-12). Em decorrência, os elaboradores da política externa de Washington procuraram impedir o acesso soviético a essas regiões e recursos. Nessa estratégia, a construção da imagem de uma agressão soviética à Europa e, posteriormente, ao mundo ocidental cumpriu um papel chave. Como já apontado anteriormente, Stálin operou abertamente para desestimular revoluções em diferentes áreas, de modo a evitar conflitos com os EUA e a Grã-Bretanha, como pode ser observado no caso emblemático da Grécia, mas não apenas nele. Esse não foi, contudo, o entendimento dos outros atores globais ou, em outra hipótese também plausível, EUA e Grã-Bretanha até poderiam ter essa percepção, mas mantinham o discurso da orquestração de Stálin para a expansão do comunismo onde quer que isso fosse possível, de modo a transformar essa suposta agressão em instrumento de propaganda ideológica. Nessa perspectiva, os estrategistas de Washington e Londres sabiam que muito dessa agitação que explodia no vácuo da desestruturação do domínio do
Reich estava para além do controle de Stálin, e muitas vezes tinha mais a ver com os diferentes nacionalismos emergentes do que com uma possível expansão comunista. Observe-se ainda que, por vezes, essas forças locais buscaram no comunismo uma via para impedir a recondução ao poder de segmentos políticos que haviam abertamente colaborado com os invasores do Eixo; em outras ocasiões, viram no comunismo uma possibilidade de obstaculizar os intentos de restauração do poder colonial das metrópoles europeias. Esse viés analítico não implica considerar que o pragmático, frio e calculista líder soviético desperdiçaria oportunidades, caso elas viessem a lhe cair às mãos. O que se afirma aqui é a existência de evidências de que, do final do conflito global até aproximadamente o início de 1946, Stálin havia focado os seus objetivos na reconstrução da União Soviética, se possível com o apoio financeiro dos EUA e com as reparações de guerra que ele esperava receber da Alemanha (aí também com aval dos EUA e da Grã-Bretanha); além disso, esperava o reconhecimento internacional da URSS como uma potência global. Assim, para ele, conter os aliados comunistas era fundamental, uma vez que as suas ações desestabilizavam as relações da URSS com os EUA e a GrãBretanha. Essa temática é complexa, as suas conclusões são parciais e provisórias, e são válidas à luz dos fatos e das evidências disponíveis no presente momento histórico. Enfatize-se, como diria Edward Thompson (1981) ao discorrer sobre o conhecimento histórico, essas conclusões estão sujeitas a críticas e a reconsiderações. Não obstante, já com os conflitos da Guerra Fria encerrados, próximo ao crepúsculo do século XX, o acaso trouxe à tona novas evidências documentais que abriram a oportunidade para outra perspectiva, uma senda praticamente desconhecida mesmo pelos especialistas. Assim, considero razoável nos debruçarmos sobre essas fontes e analisarmos as suas implicações nas estratégias soviéticas em relação à Europa Oriental. Ressalto a possibilidade de existirem outros documentos ainda secretos que possam completar as lacunas existentes ou contraditar o que se apresenta nesta análise. De qualquer forma, a análise da matéria pode iluminar um pouco esse campo, mas, ao mesmo tempo, colocar formidáveis desafios para a análise da conduta dos principais rivais naqueles anos do final da Segunda Guerra Mundial e do início da Guerra Fria. Vamos então olhar por essa janela de oportunidade e ver se, por
intermédio dela, guiados por nossas fontes, encontramos mais vestígios de como se deram aqueles eventos, verificar se, por meio de uma metodologia adequada, será possível enxergar algo robusto para além da névoa que acoberta e distorce a nossa percepção sobre o real. Em maio de 1945, Churchill solicitou ao Joint Planning Staff (JPS) o planejamento de um ataque às tropas soviéticas, então a maior força de combate na Europa Central e Oriental. Churchill não descartou mesmo a possibilidade de empreender uma Guerra Total contra a aliada momentânea. Com o plano, pretendia empregar 47 divisões da Grã-Bretanha e dos EUA, somadas a outras forças a serem compostas por prisioneiros da Wehrmacht, que deveriam ser rearmados, para, se necessário, atacar as forças soviéticas e restabelecer a liberdade na Polônia (HASTINGS, 2010). Churchill estava exasperado com os acontecimentos que estavam a se desenrolar na Europa Oriental, sobre a qual, de um lado, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos e, de outro, a União Soviética divergiam em diferentes aspectos relacionados à organização dos futuros governos, à redefinição de fronteiras e aos sistemas políticos e econômicos a serem implantados na região. Os aliados ocidentais entendiam que Stálin não estava a cumprir o acordado em Ialta. Esse tema foi, inclusive, objeto de calorosas divergências entre Truman e Molotov, quando o presidente dos EUA recebeu oficialmente, pela primeira vez, o diplomata soviético, conforme já narramos em outra passagem deste livro (capítulo 3). Em especial, a questão da Polônia foi objeto de contendas e de cizânias entre os membros da aliança que estava a se esfacelar conforme o inimigo que os havia unido se evanescia e não mais representava perigo. No crepúsculo da Segunda Guerra Mundial, a princípio pode parecer que Churchill estava obcecado com a ideia de restabelecer a liberdade na Polônia, mesmo que para isso arriscasse um conflito aberto com a União Soviética. De fato, a questão era bem mais obscura e as justificativas de defesa da liberdade polonesa resguardam outros interesses. Com a derrota alemã e como GrãBretanha e EUA possuíam uma sólida aliança, a única nação capaz de ameaçar os interesses do Império Britânico era a União Soviética. A pedido de Churchill, o JPS chegou a efetuar um plano para o ataque, então nominado como Operation Unthinkable (UNITED KINGDOM, 1945). O assunto foi polêmico mesmo no JPS, afinal a solicitação era para planejar o ataque a um
poderoso aliado em meio à guerra que não estava completamente vencida. A Alemanha já havia se rendido, mas restava o conflito no Pacífico. Há debates sobre a materialidade e os objetivos desses planos. Sublinhe-se que forças militares trabalham com diferentes cenários e com planos hipotéticos, o que nem sempre significa intenção do seu emprego. Contudo os documentos britânicos relacionados ao caso indicam consistência na intenção de realizar a operação e, do meu ponto de vista, corroboram a tese segundo a qual a conclusão de que não seria possível vencer a URSS foi determinante para que o plano fosse abortado. É óbvio, essa é uma hipótese que não pode ser testada e merece ser analisada e confrontada com essas e outras evidências de tal modo que seja possível uma percepção mais acurada da questão. A análise arguta da matéria aponta para uma equação bastante verossímil. Os receios de Churchill de que a supremacia soviética na Europa viesse a comprometer, de forma mortal, os interesses do Império levou-o a solicitar os estudos da possibilidade de uma guerra contra a URSS. Stálin, que desconfiava das intenções dos aliados e os espionava, da mesma forma como era por eles era espionado, foi informado sobre o plano. Um espião com acesso a informações privilegiadas do JPS e do White Hall transmitiu a Stálin a notícia sobre a ordem vinda de Londres para que o Marechal Bernard Montgomery passasse a estocar as armas alemãs apreendidas com vistas ao possível futuro emprego (HASTINGS, 2010). É crível supor que essas informações viriam a ratificar as suspeitas de Stálin de que os aliados ocidentais desejavam expulsar os soviéticos da Europa Oriental ou mesmo que planejassem, no futuro, um ataque à URSS. Em outras palavras ao receber informações sobre o plano de um possível ataque às forças soviéticas, Stálin teve reforçadas as suas convicções sobre a hostilidade ocidental à URSS (DILKS, 2000, p. 46). Esse é um dos motivos pelos quais a tese de que a paranoia de Stálin (defendida por Schlesinger, entre outros autores ortodoxos) foi, em grande medida, responsável pela emergência da Guerra Fria não se sustenta. A questão é bem mais complexa e abarca muito mais do que traços psíquicos de um líder ou diferenças ideológicas, pois as celeumas envolviam os múltiplos interesses daquelas potências ao final do conflito mundial. Stálin, ao ser informado do plano de Churchill, ficou colérico e transmitiu a informação ao seu principal homem no Comando de Guerra Aliado. O
Marechal Georgy Zhukov anotou em suas memórias haver recebido informações confiáveis de que Churchill havia enviado um telegrama ao Marechal Montgomery para recolher e armazenar as armas capturadas das unidades alemãs. Conforme essas anotações, caso o avanço soviético continuasse, elas poderiam ser distribuídas às forças alemãs que se dispusessem a cooperar com os britânicos. Zhukov afirmou que fez um duro pronunciamento na Comissão de Controle Aliado, afirmando que a história conhecia poucos casos de traição e de perfídia como aquele. Montgomery haveria procurado refutar as acusações, mas o general estadunidense Lucius Clay ficou em silêncio, o que foi entendido por Zhukov como um sinal de que ele estava informado da instrução de Churchill. Com certeza, as memórias de Zhukov, construídas e reconstruídas a posteriori, estão profundamente marcadas pelos interesses em disputa naquele período histórico e no momento em que ele as tornou publicas. Hastings afirma que a versão de Zhukov foi sensacionalista, mas concorda que ela estava baseada em documentos que continuaram desconhecidos na Grã-Bretanha até 1998 (HASTINGS, 2010, p. 462-463). Interpreto a questão de outro ponto de vista. Zhukov, ao fazer o pronunciamento, procurou intimidar os britânicos, demonstrando que sabia o que estava a ocorrer. Não se pode dizer, todavia, que isso era sensacionalismo. Parece-me, ao contrário, que os soviéticos atuaram com prudência, não tornaram o fato público, não levaram as coisas para as ruas e para a mídia, em momento no qual havia um enorme sentimento popular de gratidão ao Exército Vermelho na Grã-Bretanha e em grande parte da Europa, pois ele era visto como o grande vencedor das forças alemãs. Os soviéticos mantiveram o silêncio público em relação ao assunto ao longo de muitos anos, pois, caso contrário, o documento não haveria ficado desconhecido no Ocidente por inacreditáveis 53 anos. Sobre essa questão, considero que o silêncio soviético sobre o plano britânico – exceto o que se sabe hoje, o protesto de Zhukov – é tão importante quanto a natureza do plano “impensável”. Até o presente momento não são conhecidos documentos que evidenciem claramente os motivos que levaram os soviéticos a não explorarem publicamente a descoberta do plano de Churchill, o que certamente deixaria o primeiro ministro e o seu governo em situação bastante delicada. Uma hipótese verossímil, mas que somente poderia
ser comprovada com evidências cabais, é a de que o interesse soviético em chegar a um bom termo com os aliados ocidentais com vistas a conseguir financiamento dos EUA destinado à sua reconstrução e chegar a uma definição sobre as reparações de guerra, levou Stálin a silenciar-se sobre o assunto. É plausível considerarmos essa hipótese como uma explicação razoável, no entanto, como explicar que, após o início da Guerra Fria, os soviéticos não houvessem explorado esse fato? Até o presente, da minha perspectiva, não há respostas convincentes sobre o assunto. É admissível supor que o conhecimento soviético sobre a existência de um plano de agressão às suas forças possa haver levado à decisão de aumentar a sua presença na região, de forma a garantir o seu controle sobre a área e, de forma correlata, assegurar a sua defesa. No Ocidente, a opinião pública desconhecia o fato. Isso lhe foi ocultado pelas autoridades britânicas, que continuaram a acusar a União Soviética de impor regimes cruéis à Europa Oriental. Aos olhos do grande público, as ações soviéticas na região eram mostradas como medidas agressivas, o que corroboraria as teses daqueles que, na Grã-Bretanha e nos EUA, afiançavam que a URSS possuía um projeto de dominação de toda a Europa e, posteriormente, de expansão global do seu regime. O Joint Planning Staff (JPS) discutiu o assunto nas sessões de 24 e 31 de maio de 1945 e apresentou os Resultados a Churchill a 8 de junho (LEWIS, 2003, p. 37). Segundo Lewis, quando foram publicados os diários do CIGS (Chief of Imperial General Staff), pelo seu comandante, o Marechal de Campo Sir Allan Brooke, em 1959, havia menções genéricas à operação, mas não havia detalhes. Acreditava-se que não houvesse nenhum documento escrito, pois não aparentava haver lacunas nos documentos do JPS. Foi o Daily Telegraph que publicou, em 1º de outubro de 1998, o artigo de Ben Fenton: “Churchill’s Plan for Third World War against Stálin”. Segundo o noticiado, os documentos estavam sob o insuspeito título de “Russia: ‘Anglo-US Discussions on Post-war Defense’” (LEWIS, 2003, p. XXX-XXXI). Uma análise do documento produzido pelos estrategistas britânicos indica que eles concluíram que não havia qualquer possibilidade de confrontar o poder soviético na Europa, sem que estivessem dispostos e enfrentar uma longa e difícil guerra, com resultados imprevisíveis (UNITED KINGDOM, 1945).
Observe-se que foi avaliada a perspectiva de obter uma vitória rápida, mesmo que pontual, sobre as forças do Exército Vermelho na Polônia, com o objetivo de impor a vontade dos EUA e da Grã-Bretanha sobre a União Soviética. O documento, porém, é vago nesse ponto e indica que essa possibilidade poderia ou não se realizar e que, se os soviéticos desejassem a Guerra Total, eles estariam em posição de tê-la (UNITED KINGDOM, 1945, p. 1). O Documento considera a marinha da URSS fraca e ultrapassada, aponta alguma superioridade numérica no ar, em paralelo, indica que haveria superioridade em termos de tecnologia das aeronaves e dos pilotos ocidentais, embora reconheça que os soviéticos possuíssem bons pilotos. O ponto nodal era a questão das forças terrestres soviéticas, apontadas no documento como muito superiores numericamente aos contingentes ocidentais, mesmo que tecnologicamente inferiores em algumas áreas, com problemas de formação de oficiais, muito hierarquizada e desgastada pela longa guerra. O documento levanta dúvidas sobre como os EUA comportar-se-iam em relação ao assunto. Além das forças dos EUA, da Grã-Bretanha e da Polônia, o plano previa, inclusive, o uso do que restava da capacidade industrial da Alemanha e o emprego de prisioneiros de guerra alemães para recompor dez divisões da Wehrmacht, com a finalidade combater as forças soviéticas. Os estrategos supunham que, nesse eventual novo conflito, haveria a possibilidade de que a União Soviética e o Japão pudessem estabelecer uma aliança (UNITED KINGDOM, 1945, p. 1). O documento conclui: a) Se o nosso objetivo político deve ser alcançado com certeza e com resultados duradouros, a derrota da União Soviética em uma guerra total será necessária; b) O resultado de uma guerra total coma União Soviética não é possível de ser previsto, mas uma coisa com certeza é que para vencer levaremos um tempo muito longo (UNITED KINGDOM. OPERATION UNTINKABLE, 1945, p. 3, tradução do autor).
Em continuidade, foi enfatizado que, para haver possibilidades de vitória, era indispensável contar com a mobilização e a capacidade industrial dos EUA, de modo que fosse possível suportar o novo esforço de guerra na Europa. Sublinha que havia ainda a necessidade de reorganizar e reequipar as forças da Alemanha e de toda a Europa Ocidental (UNITED KINGDOM, 1945, p. 2-3).
O documento destaca que há a possibilidade de ser conseguida uma rápida vitória localizada sobre a URSS e impor a vontade da Grã-Bretanha e dos EUA, mas salienta que, se essa percepção estiver errada, e a União Soviética não se submeter, haverá guerra total. Nesse caso, os autores do documento acrescentam que não será possível limitar as hostilidades a uma área específica do planeta e, dessa forma, a guerra poderá tornar-se um conflito de dimensão global. Na continuidade, o documento expressa a preocupação de que, se não forem alcançados resultados duradouros, do ponto de vista militar, a capacidade da URSS não estará destruída e ela poderá recomeçar o conflito quando desejar (UNITED KINGDOM, 1945, p. 3). Por fim, os elaboradores do plano afirmam: a) Se nós embarcarmos em uma guerra com a União Soviética, precisamos estar preparados para entrar em uma guerra total, que será longa e custosa; b) Nossa inferioridade numérica em terra torna extremamente duvidoso se seria possível conseguir um limitado e rápido sucesso, mesmo que a [nossa] apreciação política considerasse que isso bastasse para conquistar o nosso objetivo político (UNITED KINGDOM, 1945, p. 6, tradução do autor).
As seis páginas do documento são acompanhadas por um conjunto de anexos que detalham a composição das forças soviéticas e aliadas, estabelecem comparações e definem pontos fracos do adversário e alinhavam estratégias de ação. Quando Churchill recebeu o plano e tomou conhecimento das análises do JPS, solicitou então um estudo para proteger a Grã-Bretanha de um eventual ataque soviético. Nessa época havia recebido um telegrama de Truman deixando claro que os EUA não participariam daquela aventura (HASTINGS, 2010, p. 465-466). Do documento e da decisão, fica evidente que a operação foi considerada pelos estrategistas do JPS como “impensável” e, por isso, Churchill abandonoua. Com certeza, a posição dos EUA reforçou essa decisão. Além disso, pouco depois Churchill foi derrotado nas eleições e perdeu a maioria no parlamento e, em consequência, teve que renunciar ao seu mandato de primeiro ministro para a formação de um novo governo, agora de orientação trabalhista. Desse modo, o plano foi definitivamente aposentado.
PARTE II AS DIFERENTES PERSPECTIVAS DE PODER DAS NOVAS POTÊNCIAS GLOBAIS E A EMERGÊNCIA DA GUERRA FRIA
6 KENNAN E A ARQUITETURA DA POLÍTICA EXTERNA DOS EUA DURANTE A PRIMEIRA FASE DA GUERRA FRIA25 Neste capítulo, discorrerei sobre como, no imediato pós-Segunda Guerra Mundial, o diplomata George Frost Kennan cunhou as diretrizes que orientaram a política externa dos EUA em relação à URSS e, de forma correlacional, delineou as matrizes que nortearam a política externa global dos EUA durante a Guerra Fria. Isso será efetuado por intermédio da análise de como Kennan aquilatava o regime soviético e de que modo ele concebia a estratégia de como os EUA deveriam agir com o objetivo de conter a potência rival. De início, sublinhe-se que em sua análise, o principal desafio interposto pela União Soviética não era militar, mas era derivado da capacidade de atração ideológica do comunismo no interior das sociedades democráticas ocidentais. Em consonância com essa percepção, Kennan expressou o seu ponto de vista em um documento por ele elaborado durante o exercício de funções diplomáticas na embaixada estadunidense em Moscou. Esse documento escrito em 1946, a partir de indagações do Departamento de Estado a respeito de como o país deveria relacionar-se com a URSS, tornou-se conhecido como “Longo Telegrama” (KENNAN, 1946). Nele, o diplomata estadunidense alinhavava de forma sumária a história e a cultura do povo russo e preconizava algumas recomendações de como os EUA deveriam agir em relação à potência adversária. No ano seguinte, o diplomata adensou a sua análise e a publicou sob pseudônimo de Mr. X o artigo intitulado “The Sources of Soviet Conduct”, na Foreign Affairs, o mais reconhecido periódico dedicado à política externa estadunidense. Posteriormente, as diretrizes enunciadas por Kennan orientaram a elaboração da política externa dos EUA e passaram a ser designadas como “Doutrina da Contenção”, de modo que, com celeridade, vieram a se tornar o eixo fulcral da estratégia política estadunidense durante a Guerra Fria. Sublinhe-se de início que o diplomata, um exímio expert na compreensão da
sociedade soviética, produziu durante a sua carreira uma vultosa obra concernente à política externa estadunidense e aos desafios postos pela URSS aos EUA naquela quadra histórica. Desde a posse de Harry Truman em sua segunda administração (1949-1953), no entanto, Kennan começou a se distanciar do seleto grupo responsável pela elaboração política daquele governo. De fato, já em 1947, o diplomata manifestava certo desconforto com a chamada Doutrina Truman (KENNAN; COSTIGLIOLA, 2014, p. 207). Por volta do final de 1948, ele concluiu que a sua Doutrina da Contenção havia sofrido distorções e estava a adquirir um caráter militarista que, do seu ponto de vista, inexistia em sua concepção originária. Esse é um ponto controverso que ainda hoje é foco de debates. Adicionalmente, o diplomata começou a advogar a necessidade de se buscar um diálogo construtivo com o regime soviético. Com a posse de Dean Acheson como titular da Secretaria de Estado, em 1949, as diferenças tornaram-se cada vez mais marcadas. Nesse processo, houve um duplo movimento em que o pai da Doutrina da Contenção, cada vez mais se afastava do governo e ao mesmo tempo era posto à margem da elaboração política da administração de Harry Truman. Em 1950, Kennan deixou o Departamento de Estado, e integrou-se ao Instituto de Estudos Avançados de Princeton, com o qual doravante manteve vínculos acadêmicos até o final da sua vida (STEPHANSON, 1992, p. 114; MUNHOZ, 2012). Ao dedicar-se aos estudos e a ensinar diplomacia, Kennan ganhou mais autonomia e passou gradualmente a tecer críticas mais consistentes à condução da política externa dos EUA. Desse modo, em diferentes momentos daqueles conturbados anos, o diplomata expressou pontos de vistas divergentes do seu governo e as suas formulações passaram a ser interpretadas e reivindicadas de diferentes formas, tanto por aliados incondicionais quanto por críticos que se perfilavam num campo mais à esquerda da política estadunidense. Nas próximas páginas, procurarei analisar esse processo e oferecer algumas chaves para a melhor compreensão da atuação de Kennan e como as suas propostas marcaram a construção da política externa dos EUA naquele período histórico. De um lado, para compreender o pensamento político de Kennan é necessário entender a sua percepção em termos de uma história de longa duração do mundo russo, a sua argúcia e refinamento ao avaliar a primazia dos
objetivos de Estado do regime do Kremlin sobre eventuais projetos revolucionários de diferentes partidos comunistas espalhados pelo planeta. De outro, é imperativo entender a sua perspectiva sobre o papel a ser desempenhado pelos EUA em um mundo caótico, em que as estruturas convencionais de poder internacional haviam soçobrado como resultado da Segunda Guerra Mundial. Em uma época de maniqueísmos exagerados, de batalhas entre o bem e o mal, entre a “civilização ocidental” e a “barbárie russa” como muitos professavam em Washington, Kennan expressava um ponto de vista conservador, fortemente arraigado nos valores estadunidenses dominantes, mas ao mesmo tempo abria janelas para lampejos cosmopolitas que lhe possibilitavam a construção de uma visão sobre civilização russa que, em muito, se distinguia da perspectiva de outros diplomatas estadunidenses. A conformação de um arcabouço teórico que tornasse possível interpretar a cultura, os valores, as tradições russas e decodificar os objetivos do Estado soviético eram consonantes com a experiência de vida do diplomata. Em síntese, a capacidade analítica do diplomata era proveniente dos seus encontros e desencontros pregressos com esse universo desmesuradamente desconhecido pelo povo estadunidense e pela maioria dos seus colegas de ofício. É importante destacar que, embora o investimento nos estudos dos países considerados relevantes para os interesses dos EUA tenha sido vigoroso desde meados do século XIX, a constituição de um grupo de russófilos no Departamento de Estado encontrava-se ainda em processo de consolidação nos anos iniciais da Guerra Fria. Naquele contexto, a sofisticada visão de Kennan sobre o regime soviético, mas nem por isso desprovida de preconceitos, tornou-se fulcral à elaboração da política externa estadunidense. Assim, com seus erros e acertos, suas vicissitudes e dilemas, certezas e incertezas, o diplomata delineou um modelo que definiu as bases da política externa estadunidense por cerca de quatro décadas. Como já sinalizado, Kennan, contudo, entendeu que as suas diretrizes ganharam uma nova configuração que não se coadunavam com as suas premissas e, desse modo, distanciou-se do segundo governo Truman e passou, embora discretamente, a tecer críticas à condução da política externa estadunidense (STEPHANSON, 1992; MUNHOZ, 2012). O final da Segunda Guerra Mundial e a emergência da Guerra Fria
A aliança contra o Eixo havia promovido a união de forças em princípio irreconciliáveis, como o capitalismo estadunidense e inglês, de um lado, e o stalinismo soviético, de outro. A unidade dessas forças, entretanto, era assegurada mais pela primazia de um inimigo comum do que por objetivos compartilhados. Dessa forma, ao final da Segunda Guerra Mundial, com o adversário vencido, as discrepâncias de objetivos ganharam proeminência e as disputas entre as duas maiores potências econômicas e militares do planeta tornaram plausível a emergência de um novo conflito de proporções globais (HOBSBAWM, 1995). De fato, havia projetos bastante distintos para a reconstrução da Europa e com vistas à redefinição de uma nova ordem mundial. De um lado, os EUA emergiram como a maior potência vitoriosa, com o seu parque industrial ileso, de onde procediam aproximadamente dois terços dos produtos industrializados do mundo. Em adição, o país havia se tornado o maior credor mundial. Além disso, os EUA eram os únicos detentores da tecnologia nuclear recém-desenvolvida. Assim, era presumível que almejassem reconfigurar o novo mundo que despontava das ruínas daquela devastadora guerra conforme os seus desígnios. De outro, a URSS, embora bastante combalida pela destruição proveniente da longa invasão perpetrada pela colossal máquina de guerra alemã e de seus aliados, emergia como a segunda grande potência global. Naquele cenário ainda bastante conturbado, os líderes soviéticos anteviam ameaças provenientes do que acreditavam ser um projeto de hegemonia global concebido pelos EUA, com vistas a retirar-lhes a área de influência, conquistada pelo Exército Vermelho a um custo exorbitante de vidas humanas e pactuada durante as conferências de Ialta e de Potsdam, no crepúsculo daquele conflito mundial (LaFEBER, 1997). Ao final da Segunda Guerra Mundial, a situação internacional era muito cômoda aos EUA e, naquela conjuntura, a sua diplomacia por intermédio da exuberância da sua economia e da irrefragável supremacia bélica, buscava alargar a sua presença nos mercados externos até então controlados por outras potências, muitas delas impérios coloniais europeus, fortes aliados da grande potência ocidental. Apesar de os EUA nunca constituírem um império formal, como o inglês ou o francês, demandas econômicas domésticas e embates ideológicos levaram o país a adotar uma política externa mais agressiva, o que regra geral implicava a intervenção nos negócios internos de outras nações,
com o intuito de controlar as fontes de matérias-primas, de energia e mercados consumidores, sendo bastante verossímil reconhecermos nesse processo a constituição de um império informal (MUNHOZ, 2009). Muitos autores apontam a última década do século XIX como o momento da gênese de uma política imperial dos EUA (WILLIAMS, 1988; LaFEBER, 1994; 1997), no entanto, é razoável admitir que somente ao final da Segunda Guerra Mundial a arquitetura dessa política se consolidou plenamente, quando o país assumiu a posição de potência global hegemônica. Assim, durante os dois governos de Harry Truman (1945-1953) foram concebidas políticas com o objetivo de controlar áreas anteriormente sob o domínio das forças do Eixo e, ao mesmo tempo, conter uma eventual expansão soviética na Europa e na Ásia. Além disso, a crise dos impérios coloniais britânico e francês permitiu a expansão da presença dos EUA na África e na Ásia. Em contrapartida, nessas regiões, a eclosão de lutas por independência nacional, em territórios até então sob o domínio colonial de potências europeias, aproximava-se das teses socialistas e muitos desses movimentos independentistas buscavam na União Soviética um possível apoio estratégico e militar. Em que pese a relutância da URSS em apoiar essas ações de forma direta, em decorrência de seus imediatos interesses de Estado, voltados a um acordo com os Estados Unidos, na maioria das vezes a política soviética para essa região era vista pelos seus rivais como expansionista. Não obstante, como sublinha Bradley, no imediato pós-Segunda Guerra Mundial, tanto os EUA quanto a União Soviética deram pouca importância às lutas por independência no hemisfério Sul. Segundo o autor, as duas potências globais estavam focadas nos problemas emergentes na Europa, em especial a questão da ocupação da Alemanha, a reconstrução da Europa Ocidental, as tensões no Leste Europeu e o problema da guerra civil na Grécia. Para Bradley, os EUA reconheciam a radicalidade de alguns desses movimentos independentistas, mas ainda não os associavam à dinâmica da Guerra Fria. Bradley salienta que, a princípio, para os EUA e a URSS esses movimentos eram periféricos à sua confrontação na Guerra Fria. Desse ponto de vista, somente com a vitória comunista na China e com o desencadear da Guerra da Coreia, o denominado Sul global adquire maior importância nas dinâmicas da Guerra Fria (BRADLEY, 2010, p. 472). Do meu ponto de vista, essa perspectiva deve ser relativizada, pois entre 1947 e 1949 houve um contínuo movimento
em ambos os campos que tendeu cada vez mais à intensificação dos conflitos, de tal sorte que as dinâmicas da Guerra Fria tenderam à mundialização. Posteriormente, com o desenlace da guerra civil chinesa e a emergência da Guerra da Coreia esse processo ganhou uma nova dimensão. Dessa perspectiva, ao final da Segunda Guerra Mundial os antigos movimentos revolucionários anticoloniais e os novos Estados do chamado Terceiro Mundo associam-se de forma inseparável aos conflitos e às ideologias vinculados à Guerra Fria (WESTAD, 2008, p. 74). Originariamente, tanto EUA quanto URSS possuíam projetos modernizadores para aquela parte do mundo que emergia dos antigos impérios coloniais (LATHAM, 2010) e preconizavam perspectivas genuinamente anticoloniais. Na dinâmica da Guerra Fria global, contudo, passaram cada vez mais a adotar posturas semelhantes aos antigos colonialistas, temendo a vitória do rival (WESTAD, 2008, p. 397). Em consequência do exposto, os conflitos que motivaram a Guerra Fria eram provenientes de uma complicada trama de interesses geopolíticos das duas potências que despontaram ao final da Segunda Guerra Mundial como as maiores forças econômicas, políticas e militares do planeta. Naquele contexto, cada uma dessas potências buscou a criação e a consolidação das suas respectivas áreas de influência, o que deu origem à estruturação de blocos antagônicos que, em maior ou menor medida, marcaram todo o período da Guerra Fria. Como salientei na primeira parte deste livro, aquele foi um período conturbado da história do imediato pós-guerra. Havia muita incerteza e suspeições sobre as atitudes do adversário. Em cada um dos blocos em processo de edificação, buscava-se interpretar os movimentos e as prováveis ações do oponente, que cada vez mais era traduzido para as populações locais como um inimigo diabólico capaz de tudo para alcançar os seus objetivos inconfessáveis, o que, dessa perspectiva maniqueísta, levaria à destruição da paz e a um novo período de guerras. Assim, o confronto de interesses de Estado içava o tom dessa dissensão de modo cada vez mais escancarado. Ao mesmo tempo, no interior de cada campo, a construção no imaginário popular de um inimigo poderoso foi utilizada pelos respectivos governos para demonizar e controlar as oposições ou dissidentes (CHOMSKY, 1996). Desse modo, houve o incremento exponencial dos discursos belicosos, da propaganda anti-imperialista em um
campo e anticomunista no outro, da intolerância e da perseguição política. Em pouco tempo, a expansão do número de países administrados por governos democráticos ou que tendiam de alguma forma à democracia cedeu vez às ditaduras ou assemelhados, que logo começaram a se espalhar tanto sob o manto protetor dos EUA quanto na esteira da União Soviética. Houve a preservação de regimes democráticos nas sociedades capitalistas desenvolvidas, mas, na vasta área do chamado Terceiro Mundo, o breve interregno democrático foi sufocado com celeridade. Apenas de modo exemplar, sublinhe-se, como aponta Leslie Bethell, que na América Latina, onde se deu a expansão de regimes democráticos sob a influência dos EUA entre meados de 1944 e meados de 1946, logo houve um marcado retrocesso e, em pouco tempo, apenas três regimes daquela região poderiam ser caracterizados como democráticos, obviamente, se os critérios de aferição fossem razoavelmente elásticos (BETHELL, 1992; 1994). O papel cumprido pelo Exército Vermelho no triunfo dos Aliados sobre as forças do Eixo, com a correlata liberação dos territórios dominados por essas forças invasoras, transferiu à União Soviética um prestígio de grande amplitude perante a opinião pública internacional, mesmo que de forma efêmera. Ao mesmo tempo, denúncias de violências e atrocidades, entre as quais se inclui execuções sumárias e o estupro em massa, cometidas pelos soviéticos na tomada de Berlim, magnificaram a resistência à presença soviética na Europa Oriental. Além disso, existem controvérsias robustas sobre uma premeditada procrastinação do Exército Vermelho para ocupar Varsóvia, com o intuído aguardar o massacre dos poloneses pró-ocidentais e, desse modo, garantir o predomínio comunista na Polônia. Observem-se as semelhanças entre esse argumento e aquele que aponta a demora na abertura da segunda frente como uma estratégia ocidental para levar soviéticos e alemães à mútua destruição. Naquele contexto, o Exército Vermelho dominava a maior parte da Europa Central e Oriental. Em paralelo, a situação social na Europa Ocidental era caótica, uma vez que a infraestrutura da maioria dos países havia sido atassalhada pela guerra. Esse cenário povoava o imaginário das elites e elevava o temor de uma vaga revolucionária. Os comunistas haviam conquistado consideráveis resultados nos pleitos eleitorais recém-ocorridos na França e na Itália. Em paralelo, as organizações comunistas ramificavam-se em outras
regiões do continente. Ao mesmo tempo, havia profundas tensões políticas na Turquia e no Irã, guerras civis em curso na Grécia e na China e numerosas lutas anticoloniais na África e na Ásia. Como resultado, a influência soviética não se restringia às áreas sob o seu comando, pois os partidos comunistas haviam ganhado força política e representatividade tanto em muitas democracias ocidentais quanto na emergente área até então sob domínio colonial, de tal modo que alcançava as mais diferentes regiões do planeta (MUNHOZ, 2004a). O homem e a sua história George Frost Kennan nasceu em 16 de fevereiro de 1904, em Milwaukee, Wisconsin, filho do advogado Kossuth Kent Kennan e de Florence James Kennan. Por parte de pai, George F. Kennan era descendente de imigrantes irlandeses muito pobres que foram tentar a sorte na América ainda no século XVIII. O pequeno George perdeu sua mãe dois meses após o seu nascimento, em função de uma peritonite decorrente de uma apendicite. O pequeno George, porém, acreditava que a mãe havia falecido em seu parto. Alguns autores atribuem a essa crença, a tristeza e a melancolia que marcaram a vida de Kennan. Constigliola ao comentar os diários de Kennan observa que eles não corroboram essa perspectiva, uma vez que, aos onze anos de idade, o garoto Kennan mostra-se nas passagens do seu diário como curioso, esperto, feliz e ativo (KENNAN; COSTIGLIOLA, 2014, p. 5). Aos oito anos de idade, o jovem Kennan foi residir na Alemanha com a sua madrasta, período em que aprendeu alemão, língua que lhe foi muito útil ao iniciar a sua carreira diplomática. Em sua família, havia uma longa história de contato com o mundo russo. Seu primo de segundo grau, George Kennan (1845-1924), legou ao seu familiar, muito mais do que o nome e a mesma data de aniversário. Ambos nasceram em 16 de fevereiro. O primeiro George era jornalista, escritor e comerciante que viveu e estabeleceu longos vínculos com a Rússia, tornandose um russófilo. No início da sua carreira, era simpatizante do regime czarista dos Romanov, quando chegou inclusive a justificar e a defender os projetos expansionistas do Império Russo. Posteriormente, após o assassinato do Czar Alexander II, em 1881, ele decidiu conhecer o sistema penal russo e como eram os exílios políticos na Sibéria. Retornou da Sibéria impressionado com o
que viu e escreveu Siberia and the exile system, livro em dois volumosos tomos que na primeira edição totalizavam 984 páginas, onde apresentou detalhados relatos sobre as condições das prisões e sobre as terríveis condições de vida dos condenados a cumprir penas nos campos de trabalhos forçados. Essa experiência transformou a percepção de George sobre o regime russo e ele, ao retornar aos EUA, tornou-se crítico do czarismo e ativista pela democratização da Rússia. A influência do outro Kennan legou ao jovem George Frost um profundo interesse por tudo que se dizia respeito àquele estranho universo. Em suas memórias acentua a influência do parente em sua formação e explica que possuíam tanta coisa em comum, que muitos erroneamente pensavam que se tratava de seu pai. O diplomata relembra que além de compartilharem nome e data de nascimento, ambos foram expulsos da Rússia, ambos criaram organizações para dar suporte a refugiados russos, escreveram e discorreram profusamente sobre o mundo russo, tocavam guitarra, amavam barcos à vela e possuíam outras semelhanças (KENNAN, 1967a, p. 8). Kennan estudou na St. John’s Military Academy e na sequência cursou História em Princeton, onde se graduou em 1925. Em 1926, ingressou no serviço diplomático e, no ano seguinte, assumiu o posto de vice Consul em Genebra, onde permaneceu por um breve período. Logo, foi para Berlim, Tallinn e Riga. Em Berlim, iniciou o aprendizado do idioma russo e passou a dedicar-se com afinco aos estudos relacionados à União Soviética. Em novembro de 1933, ainda durante a primeira administração de Franklin D. Roosevelt, os EUA estabeleceram relações diplomáticas com a URSS. Na ocasião, William C. Bullitt foi indicado para o posto de embaixador em Moscou e George F. Kennan passou a ocupar o posto de terceiro secretário daquela embaixada. Dois anos depois, foi designado para Viena e, posteriormente, para Berlim (KENNAN, 1967;1973; STEPHANSON, 1992). Aquele era um período de incertezas e instabilidade política que, certamente, lançou desafios descomunais aos jovens diplomatas como Kennan. Se, de um lado, esse cenário incerto e complexo representava, muitas vezes, barreiras quase que intransponíveis, de outro, representava oportunidades inusitadas. Essas ocasiões não tardaram a aparecer para Kennan. Ele esteve a serviço da diplomacia dos EUA em lugares-chave, em momentos cruciais que, de uma forma ou de outra, reconfiguraram o cenário político do século XX.
Assim, ele pôde observar a emergência da farsa dos processos de Moscou (1936-1938); ao servir entre 1938 e 1939 na Tchecoslováquia, presenciou a ocupação de Praga pelas tropas alemãs que, após ocuparem os Sudetos em outubro de 1938, conforme acordado por intermédio do Pacto de Munique, em março do ano seguinte, violaram o pacto e anexaram o que restava do país. Há um longo debate sobre a influência dos eventos relacionados ao Pacto de Munique e à ocupação da Tchecoslováquia pela Alemanha no Pacto Germânico-Soviético. Kennan em diferentes ocasiões criticou acidamente os soviéticos pelo acordo, mas reconheceu que a postura dos ingleses e franceses nesse processo haveria levado a um erro trágico e que a indiferença dos EUA não era motivo para glória. Ao mesmo tempo deixa claro que, do seu ponto de vista, a União Soviética de Stálin não era um aliado digno do Ocidente frente ao fascismo (KENNAN, 1969, p. 267-274). Na sequência, Kennan foi enviado a Berlim, onde serviu até a declaração de guerra da Alemanha aos EUA. Desse evento, resultou a sua detenção por quase seis meses, entre dezembro de 1941 e abril de 1942, quando então foi liberado pelas autoridades alemãs para sair do país. Imediatamente, Kennan foi designado a servir em Lisboa, onde permaneceu até 1944, quando, no outono daquele ano, foi enviado a Londres, por um curto interregno e então foi novamente indicado a ocupar um posto na embaixada de Moscou. Assim, ao fim da II Guerra Mundial, encontrava-se mais uma vez em Moscou, quando se intensificaram as divergências entre os EUA e a União Soviética, o que culminou na retomada de antigas rivalidades e na emergência de um novo tipo de conflito entre as duas novas potências globais emergentes (KENNAN, 1967; 1973; 1996). Conforme relata Kennan, em Moscou, ele encontrou certas dificuldades, uma vez que o embaixador Harriman era altamente centralizador e possuía acesso direto à Casa Branca. Desse modo, as funções atribuídas a Kennan desagradavam-no, pois eram marcadamente burocráticas. Por fim, ele discordava da política de cooperação com os soviéticos, implementada por Roosevelt (STEPHANSON, 1992, p. 28). Assim, as alterações na condução da política externa dos EUA em relação à URSS implementadas por Truman, abriram mais espaço para Kennan e possibilitaram sua aproximação com os novos policymakers estadunidenses. Em 1946, Kennan deixou Moscou e retornou ao seu país, onde assumiu o posto de assessor do National War College e, no ano seguinte, a direção de
planejamento político do Departamento de Estado, função que exerceu entre 5 de maio de 1947 e 31 de maio de 1949. Em 1947, ele coordenou a elaboração do Plano Marshall e esteve envolvido em diferentes projetos do Departamento. Ainda, entre 4 de agosto de 1949 e 11 de junho de 1951, foi conselheiro do secretário de Estado Dean Acheson (função equivalente nos dias atuais ao subsecretário de Estado) mas, desde o final de 1948, cresciam as divergências entre o diplomata e as diretrizes vindas de seus superiores e essas discordâncias o levaram a se afastar do núcleo dirigente do governo. Alguns autores apontam Kennan como um dos mentores do processo de estruturação das operações clandestinas da Agência Central de Inteligência (CIA), ainda nos anos iniciais da Guerra Fria (WEINER; CROSSETTE, 2005). Stephen Kotkin, sublinha a diferença entre o que Kennan escrevia e o que muitas vezes ele fazia. Ele era conhecedor da psicologia e do comportamento do povo e do governo soviético. Havia escrito sobre isso no detalhe, no entanto, em uma entrevista coletiva à imprensa no aeroporto de Tempelhof, em Berlim, ele comparou as condições em que estava a viver em Moscou, com restrições de movimento, com a sua detenção na Alemanha de Hitler. O governo soviético, irado com a conduta do diplomata, negou a sua entrada novamente na URSS e assim o seu posto de embaixador durou menos de cinco meses. Kotkin ressalta que, se de um lado, Kennan pregava a paciente contenção das ações expansionistas soviéticas, por debaixo dos panos, apoiava ações de sabotagem anticomunista e operações secretas de apoio a movimentos anticomunistas (KOTKIN, 2016). Em 1952, Kennan retornou à União Soviética como embaixador, e em suas memórias, expressa o seu descontentamento com a situação a que estava submetido em Moscou. Relata as dificuldades dessa fase da vida e indica que as condições haviam se tornado muito piores do que no período da aliança de guerra, quando ele possuía maior liberdade de movimento e possibilidades de contatos e mesmo de alguma vida social em Moscou. O diplomata relembra que nessa fase dos anos mais difíceis da Guerra Fria, haviam desaparecido aqueles soviéticos com quem ele podia manter uma conversa amistosa. Relata ainda alguns episódios difíceis com os quais teve que se defrontar. Dentre eles, sublinha o caso de um jovem que adentrou à embaixada a se dizer filho do exministro da Segurança de Estado, Victor S. Abakumov, que havia sido recentemente “expurgado”. O diplomata afirma não se lembrar dos detalhes
com exatidão, mas que o jovem haveria sugerido que precisava de dinheiro e armas para que ele e outros amigos em situação semelhante pudessem agir e eliminar o líder soviético. Kennan afirma que desconfiou do relato e pensou que certamente seria uma provocação. Assim, haveria dito ao jovem que isso não era problema seu, que não violaria as leis soviéticas ou interferiria em suas políticas domésticas. Relembra que o jovem lhe indagara como sairia de lá, pois a embaixada era vigiada. Kennan recorda que após ouvir o jovem, respondeu que isso não era problema seu e que o jovem deveria haver pensado nisso antes de adentrar à embaixada. Dito isso, ressalta que solicitou ao rapaz que se retirasse. Ao reconstruir suas memórias, Kennan salienta que alguns dias depois, um colega lhe mostrou uma foto tirada havia cerca de um ano na embaixada britânica, quando da apresentação de credenciais dos diplomatas soviéticos, em que o jovem aparecia logo atrás de figuras chaves da solenidade. Kennan então concluiu que Stálin havia enviado o jovem com o objetivo de levar o embaixador a cometer algum deslize (KENNAN, 1973, p. 147-151). As memórias desse período da sua vida em Moscou são ainda marcadas pela descoberta de um mecanismo de escuta em uma parede da embaixada (Spaso House), segundo Kennan, após uma redecoração efetuada no local, pelos soviéticos e sem a supervisão de pessoal dos EUA. O diplomata relembra das suspeitas, mas afirma que inicialmente a equipe de segurança da embaixada não conseguiu detectar qualquer indício de presença de equipamento de escuta. Então trouxeram especialistas dos EUA e depois de muito trabalho, descobriram o mecanismo, que aparentemente era de uma nova geração e que foi enviado a Washington para ser analisado. Kennan lembra que foi nesse clima que ele deixou o país para ir à conferência em Londres (KENNAN, 1973, p. 147-167). Das memórias de Kennan, onde há a menção ao fato de que essa reforma foi efetuada entre a saída do antigo embaixador e a sua chegada a Moscou, depreende-se que esse mecanismo de escuta funcionou durante todo o período em que ele esteve na embaixada. Caso procedente a informação, é plausível supor-se que, por meio da espionagem, os soviéticos tiveram acesso a muitas informações do que ocorria no interior da embaixada, e isso, certamente, contribuiu para tornar as relações mais turbulentas. É necessário observar que, em especial nesse período, a espionagem mútua entre os EUA e a URSS era
uma constante e que o fato ocorrido não fugia muito à expectativa existente em ambos os lados. Naquele contexto, nos meios diplomáticos estadunidenses havia uma pressuposição de que Kennan fosse designado para outra embaixada, no entanto os republicanos e o novo secretário de Estado, John Foster Dulles e seus principais aliados, consideravam a Doutrina da Contenção negativa, fútil e imoral e prometiam a libertação da Europa Oriental. Essa nova orientação impressa à política externa estadunidense levou à erosão da sustentação de Kennan no Departamento de Estado. Em decorrência, ele não foi indicado para um novo posto de embaixador e então retornou a Princeton (ARMS, 1994, p. 321-322). A Doutrina da Contenção Foi em meio às crescentes desavenças entre os EUA e a URSS no imediato pós Segunda Guerra Mundial que o diplomata George Frost Kennan propôs uma estratégia objetivando conter qualquer suposta ação expansionista da URSS. Em 22 de fevereiro de 1946, Kennan enviou, de Moscou, uma mensagem que ficou conhecida como Longo Telegrama. O texto, fora dos padrões usuais para um telegrama diplomático, continha pouco mais que 5.300 palavras26. No telegrama, Kennan discorre sobre as indagações formuladas pelo Departamento de Estado, por intermédio de um documento interno datado do dia 11 daquele mês. Em sua resposta, o diplomata analisava a condução da política externa soviética, a vinculava à ideologia comunista, às políticas domésticas do Kremlin e prescrevia uma estratégia direcionada ao relacionamento dos EUA com a URSS. Em síntese, a recomendação de Kennan estava alicerçada na premissa da existência de interesses antagônicos e irreconciliáveis entre os EUA e a URSS. O diplomata avaliava, contudo, que os EUA deveriam se colocar como nação líder do mundo democrático e apontar caminhos às outras nações com vistas a superar os inúmeros problemas vigentes nas sociedades democráticas. Recomendava ainda que os EUA deveriam evitar a todo custo o confronto direto com a União Soviética (KENNAN, 1946). No National War College, Kennan pode aprofundar a sua elaboração sobre a política externa do país (KENNAN, 1967, p. 298). Em dezembro de 1946, o secretário da Marinha, James V. Forrestal, encaminhou a Kennan um
memorando sobre a política externa soviética (Dialectical Materialism and Russian Objectives) elaborado por Edward F. Willet, que era professor do Smith College e que havia se tornado o especialista da Marinha em marxismo e política externa da União Soviética (WILLET, 1946). Kennan considerou o memorando bem informado, no entanto, do seu ponto de vista, o documento era uma miscelânea que revelava a ausência de uma percepção acurada dos desígnios estratégicos e da política externa soviética. Entre outras coisas, Willet afirmava que a URSS poderia ir à guerra com os EUA por causa dos dogmas do materialismo histórico. Em decorrência, Kennan consultou o secretário sobre o seu interesse na preparação de uma análise mais detalhada da matéria. Com o aceno positivo, o diplomata reviu e adensou a sua análise sobre o tema contida no chamado Longo Telegrama. Disso resultou a elaboração de um documento mais sofisticado em que o diplomata examinava a conduta soviética e recomendava estratégias para o relacionamento dos EUA com a URSS (STEPHANSON, 1992, p. 65). Stephanson sublinha que Kennan possuía uma ótica sobre a questão da ideologia na URSS distinta das duas posições antagônicas então existentes nos EUA. De um lado, havia uma perspectiva que subordinava tudo o que acontecia na URSS à questão da ideologia e, de outro, havia aqueles para quem a ideologia não era nada, senão mera fachada. Conforme aponta Stephanson, Kennan entendia que, durante o esforço de guerra, tendeu-se a uma perspectiva de que a ideologia comunista era uma mera fachada e que o Kremlin atuava como qualquer potência tradicional, perseguindo o seu interesse de Estado. Com o fim da guerra, houve uma guinada em sentido oposto e, desse ponto de vista, a União Soviética passava a significar pura e simplesmente conquista comunista. O Diplomata discordava das duas perspectivas e defendia uma posição intermediária. É bem verdade que, como de outras vezes, a posição de Kennan oscilou e é possível detectar contradições em seu pensamento. No início de 1947, abordou a questão da ideologia na política externa soviética em diferentes ocasiões e é possível observar essas incongruências em suas preleções. Em janeiro daquele ano, falou para um grupo restrito de membros do Council on Foreign Relations, em Nova Iorque. Em sua locução (The Soviet way of thought and its effect in Foreign Policy), ampliou o escopo da sua análise. Conforme demonstra Stephanson, há duas versões dessa apresentação, uma de 7 e outra
de 24 de janeiro. Kennan não escreveu suas falas, mas elas foram anotadas confidencialmente, e desse modo é possível perceber essas diferenças, conforme indicado na edição especial da Foreign Affairs, dedicada a abordar a questão da Contenção 40 anos depois (FOREIGN AFFAIRS, 1987). A partir de uma interpretação que considerava a perspectiva marxista, ao menos em tese, estruturante do regime stalinista, Kennan entendia que a ideologia não era tudo, pois se constituía em um produto das necessidades do sistema então vigente na URSS. Para ele, contudo, esse processo não podia ser compreendido de forma mecânica. Kennan procura demonstrar que o constructo ideológico empregado pelo regime era produto das necessidades do sistema soviético e, em certa medida, o antecediam. Nesse aspecto, ele situa a questão em termos de preservação do poder autoritário existente na Rússia czarista frente ao que aquele regime entendia ser um ambiente externo hostil aos seus interesses. Em relação aos dirigentes soviéticos, ele diferenciava Lenin do restante. Entendia que Lenin era um socialista sincero e que se seu governo perdurasse seria possível esperar alguma moderação27. Ressalta, porém, que durante a construção do regime soviético, a percepção de que estavam cercados por um mundo hostil os levou a desenvolver os aparatos de segurança. Para ele, nesse tipo de regime todas aquelas atividades relacionadas à segurança de Estado foram expandidas, enquanto os outros setores tenderam à atrofia. Em paralelo, Kennan discordava da perspectiva de que a ideologia não possuía papel algum e procurava demonstrar que ela tinha papel importante, uma vez que, para ele, talvez fosse ela o único aspecto positivo do regime (STEPHANSOM, 1992, p. 68-69). Em 31 de janeiro de 1947, Kennan encaminhou o documento ao secretário Forrestal que afirmou haver gostado muito da análise e informou que a encaminharia ao secretário de Estado, general George C. Marshall (KENNAN, 1996. p. 110)28. Em suas memórias, aventou a hipótese de que a sua posterior indicação para a coordenação da equipe de planejamento estratégico do Departamento de Estado e a atribuição do encargo para coordenar a elaboração de um plano para a recuperação da Europa, que posteriormente ficou conhecido como Plano Marshall, fossem resultado dessa indicação de Forrestal. Pouco depois, foi instado pelo editor da Foreign Affairs, Hamilton Fish Armstrong, que havia participado da sua apresentação para o Council on
Foreign Relations, a escrever um texto sobre o tema (KENNAN, 1967, p. 354). Kennan explicou que o havia escrito a pedido de Forrestal e que em decorrência somente o poderia publicar sob pseudônimo. Armstrong, a princípio ficou em dúvida, pois habitualmente o magazine não publicava textos sem a adequada identificação do autor. Assim, consultou seu editor assistente, Byron Dexter, e este considerou a importância das reflexões do diplomata e sugeriu a publicação. Dexter sugeriu então que o artigo fosse assinado com o pseudônimo de Mr. “X” (FOREIGN AFFAIRS, 1987). A Foreign Affairs era a principal publicação de política internacional nos EUA e, quase certamente, no mundo. Muitos dos policymakers estadunidenses costumavam contribuir com o periódico que reverberava, regra geral, o mainstream da política externa do país. Kennan pensou em aproveitar o texto que ele havia encaminhado privadamente ao secretário Forrestal. Ao mesmo tempo, como funcionário governamental que havia produzido aquele documento, ele se considerava impendido de torná-lo público, sem a devida autorização da burocracia estatal. No início de março, Kennan consultou o almirante Forrestal sobre a eventual publicação e, como não houve objeção, encaminhou o material no dia 13 daquele mês para o comitê de publicações não oficiais do Departamento de Estado, para a habitual liberação e recebeu a autorização em 8 de abril (KENNAN, 1967a, p. 354-355). Então, enviou o texto ao magazine e ele foi publicado com o título de “The Sources of Soviet Conduct” na edição de julho do periódico. O artigo era assinado por Mr. X. Forrestal, no entanto, havia mostrado o original do diplomata a muita gente, e o colunista do The New York Times, Arthur Krock, que havia visto a primeira versão do texto, estabeleceu a relação entre os dois e tornou pública origem oficial do artigo de Mr. X. Isso gerou uma enorme celeuma, de tal modo que Kennan foi chamado pelo general Marshall a quem explicou que havia solicitado e recebido autorização do setor competente do Departamento de Estado para a publicação. Desse modo, a situação foi resolvida, mas ela gerou um mal-estar (KENNAN, 1967a, p. 356-357). Conforme Stephanson assinala, Kennan não reduzia as questões do conflito entre os EUA e a URSS à questão ideológica. No artigo publicado na Foreign Affairs, em julho de 1947, contudo, o diplomata sublinhava a matriz ideológica do problema. Desse modo, o pai da Doutrina da Contenção via na
ideologia o único aspecto positivo de um regime que caso contrário implicaria, do seu ponto de vista, apenas crueldade e sofrimento para os seres humanos que vivessem sob o seu domínio. Quando os seus escritos produzidos naquele momento da história são colocados sob escrutínio, é possível perceber um balanço quase pendular em relação a esse tema. Como ele não conseguia uma alternativa nem àquela visão para quem tudo o que acontecia na URSS era decorrência da ideologia nem para a perspectiva de que ideologia era mera fachada para os interesses do Estado soviético, ele procurou construir uma alternativa que transitava entre um campo e outro, ora mais próximo do centro, ora mais próximo de um ou do outro polo. Por isso, é possível encontrar diferenças significativas em relação a essa questão em falas proferidas ou em escritos produzidos entre 1946 e 1947 (STEPHANSON, 1992, p. 65-66). Muito provavelmente é em decorrência desses embates associados à questão da ideologia que em Sources of Soviet Conduct o autor, já em seu primeiro parágrafo, afirma que a característica política do poder soviético deriva de dois campos: da ideologia e das circunstâncias; da ideologia herdada dos movimentos políticos de onde seus líderes são provenientes e das circunstâncias em que eles estão a exercer o poder há três décadas. Em continuidade, Kennan assegurava que, da perspectiva do Kremlin, não poderia haver um compromisso sincero que envolvesse a União Soviética e as democracias ocidentais. O diplomata justificava que, na concepção marxistaleninista, fundamento ideológico do regime soviético, havia teses basilares a serem consideradas: a questão central na existência da humanidade, que determina o caráter da vida pública e a fisionomia da sociedade, é o sistema por intermédio do qual as riquezas são produzidas e trocadas; o sistema capitalista é perverso e nele é inerente a exploração do proletariado pela burguesia e, além disso, o sistema é incapaz de desenvolver adequadamente os recursos econômicos da sociedade e de promover a distribuição das riquezas provenientes do trabalho humano; o capitalismo contém em seu interior as sementes da sua própria destruição, uma vez que a burguesia é incapaz de se adaptar às mudanças necessárias, o que leva à transferência do poder ao proletariado pela via revolucionária; o imperialismo, fase final do capitalismo na concepção leninista, leva inevitavelmente à guerra e à revolução (KENNAN. 1999, p. 107-108).
Em outras palavras, Kennan sublinha que na concepção soviética lastreada numa leitura marxista da sociedade capitalista, em especial da sua fase imperialista, é inevitável a intensificação da luta de classes para promover a transferência do poder da burguesia ao emergente proletariado. O diplomata, entretanto, cita Lenin para explicar que, desse ponto de vista, a princípio o socialismo poderia florescer apenas em alguns países ou em um único país e que o proletariado vitorioso desses países deveria se erguer e apontar o caminho às classes oprimidas dos outros países. Sublinha que, segundo essa concepção, não há garantias de que o capitalismo venha a perecer sem a revolução proletária e que seria necessário um golpe final do proletariado revolucionário para derrubar a estrutura cambaleante do capitalismo (KENNAN, 1999, p. 108). Não obstante, alicerçado na sua compreensão da história do povo russo e da concepção marxista da história adotada, ao menos em tese, pelas lideranças do Kremlin, Kennan acreditava que a estratégia da diplomacia soviética pressupunha a inevitabilidade da vitória do socialismo sobre o capitalismo como um processo de longa duração. Além disso, conforme ele afirma ao fazer referência a Lenin, os dirigentes soviéticos entendiam que havia a necessidade de grande cautela e flexibilidade na consecução dos objetivos comunistas. Compara ainda esses objetivos de longa duração com os da Igreja e afirma que, do ponto de vista dos soviéticos, não há pressa em atingir esses objetivos, pois ninguém teria o direito de arriscá-los de forma aventureira. Nesse ponto, retoma a história do Império Russo, e afirma que durante séculos suas forças enfrentaram obscuras batalhas para defender as planícies vulneráveis de invasões de povos nômades. Para ele, esses eventos levaram os russos à prudência, a considerarem posicionamentos mais flexíveis e a recuarem face a adversários superiores (KENNAN, 1999, p. 118). Embasado nessa percepção do mundo russo, da doutrina marxista e da estrutura de poder então vigente na URSS, Kennan defendia que os EUA passassem a empregar uma política externa de longa duração alicerçada em uma paciente, duradoura e vigilante contenção das possíveis tendências expansionistas soviéticas (KENNAN, 1947; 1969; 1999). O diplomata preconiza que em um eventual sinal de agressão ou tentativa de expansão soviética os Estados Unidos deveriam estar prontos para se contraporem à adversária de forma a dissuadi-la do seu intento. O diplomata ressalva, contudo, que o conflito direto deveria ser evitado.
A partir dessa análise, Kennan concluiu ainda que, em um futuro próximo, os EUA não deveriam esperar a aproximação política com a URSS. Essa assertiva se baseava em uma leitura de que a União Soviética não estava a buscar a coexistência e a paz, mas, de modo oposto, perseguia uma sofisticada estratégia de contínua pressão contra os EUA com o desígnio de desgastar, desacreditar e reduzir o seu poder e a sua capacidade de influência global. Kennan entendia que do ponto de vista soviético, no futuro, a superioridade do sistema socialista frente ao capitalismo conduziria à vitória sobre o capitalismo, porém não havia previsão de quando isso viria a ocorrer e também não havia a sugestão de que esse objetivo fosse alcançado por intermédio de um conflito militar. Em consonância com essa leitura, Kennan distanciava-se de outros estrategistas estadunidenses, como, por exemplo, Dean Acheson, John Foster Dulles e Paul Nitze, ao asseverar que a principal ameaça soviética não provinha do campo militar, mas da ideologia. Para ele, a capacidade de ação e de sedução das organizações comunistas no interior das nações democráticas era o maior trunfo soviético. Diante disso, ele opinava que os EUA deveriam ser capazes de promover a união das principais correntes ideológicas do mundo ocidental e de comandar as democracias rumo a um futuro promissor em que as suas populações pudessem desfrutar das melhorias advindas desse progresso. Em contraste, o comunismo soviético se tornaria, cada vez mais, estéril e quixotesco, o que esvaziaria a sua capacidade de atração. Kennan entendia que a URSS era, seguramente, a parte mais frágil no conflito. Para ele, apesar da sua rápida industrialização e desenvolvimento econômico, o regime soviético não podia atender às necessidades sociais do seu povo e essa incapacidade o levaria à ruína. De fato, ele operava uma espécie de inversão da teoria marxista, ao prever que contradições internas geradas no interior da sociedade soviética, em decorrência da incapacidade do seu sistema produtivo para atender as necessidades socialmente produzidas, gerariam forças sociais que entrariam em choque com o regime e levariam à sua superação. A crítica de Walter Lippmann Walter Lippmann, à época um dos mais consagrados jornalistas dos EUA, criticou a perspectiva de Mr. X, pseudônimo adotado por Kennan, por intermédio de um texto publicado no New York Herald Tribune. O artigo de
Lippmann, intitulado The Cold War, teve grande repercussão, o que levou o jornalista a escrever outros sobre temas correlatos, posteriormente reunidos em um livro também denominado The Cold War. Saliente-se que a partir da reverberação dos artigos de Lippmann e do seu livro, a expressão “Guerra Fria” passou a ser empregada, cada vez mais, para se referir aos conflitos crescentes a envolver os EUA, a URSS e os seus respectivos aliados. Assim, em pouco tempo, a metáfora Guerra Fria ganhou uma dimensão global. George Orwell já havia empregado o termo em 1945, Bernard Baruch e Herbert Swope, em 1946, no entanto foi Lippmann o responsável pela sua universalização (HALLIDAY, 1983; REYNOLDS, 1994; MUNHOZ, 2004a). Para Lippmann, tanto a Doutrina Truman quanto a Doutrina da Contenção eram inaceitáveis e implicavam interferências nas políticas domésticas de outras nações (LIPPMANN, 1947). Walter Lippmann entendia que, naquele contexto, era necessário chegar a bom termo com a União Soviética, pois de alguma forma seria necessário buscar um modo de convivência com os soviéticos. Para o jornalista, o caminho até então trilhado pelos EUA levaria ao esgotamento moral e político do país. Lippmann asseverava que sem um acordo, o Exército Vermelho permaneceria no continente europeu. Ressaltava que ocupação da Europa por tropas estrangeiras era inaceitável, fossem elas soviéticas ou dos EUA. Concluía que a perspectiva apresentada no artigo de Mr. X levava ao aumento das tensões na Europa e que isso implicava o alargamento das desavenças entre os EUA e a URSS, o que poderia rumar para um conflito de proporções catastróficas (LIPPMANN, 1947). O Plano Marshall Entre 1946 e o início de 1947, Kennan conquistou respeito e espaço na equipe de governo dos EUA. O Almirante Forrestal, então secretário da Marinha e que se tornou o primeiro secretário da Defesa dos EUA, a partir de setembro de 1947, o introduziu no restrito círculo dos policymakers estadunidenses. Inclui-se aí a aproximação com o General George C. Marshall, que assumiu o Departamento de Estado em 21 de janeiro de 1947. Marshall logo convidou Kennan para criar e coordenar o Policy Planning Staff. Essa equipe deveria produzir uma análise da política global dos EUA e subsidiar o secretário de Estado em suas decisões e projetos. Pouco depois, Marshall
solicitou a Kennan a elaboração de um plano destinado à recuperação da Europa. O Plano foi apresentado ao público por Marshall em um discurso efetuado em 5 de junho de 1947, na Universidade de Harvard, com o nome de European Recovery Program. O programa teve a sua implementação iniciada em abril de 1948 e ao longo de quase quatro anos investiu cerca de 13,3 bilhões de dólares, em valores da época, na Europa (HOGAN, 1995b). A elaboração do Plano Marshall partiu de demandas advindas do Departamento de Estado, onde crescia a preocupação com a situação vigente na Europa, que ainda era caótica, apesar dos 9 bilhões de dólares investidos pelos EUA no continente em 1945 e 1946. Os resultados alcançados por intermédio desses investimentos, contudo, foram desalentadores. No contexto em que se agravavam os conflitos a envolver os EUA e a URSS, a situação europeia era vista como um caldo de cultura favorável à expansão de movimentos reivindicatórios e rebeliões que poderiam ampliar ainda mais a força das agremiações comunistas no continente, conforme o próprio Kennan apontava em Sources of Soviet Conduct. Esse cenário era considerado preocupante, pois poderia favorecer a uma hipotética estratégia expansionista soviética rumo ao Ocidente europeu (HOGAN, 1995b; MUNHOZ 2004b). Ao analisar a matéria, Kennan e seus auxiliares mais diretos concluíram que os fracassos anteriores decorriam do fato de que os problemas de cada país haviam sido até então tratados de forma isolada, quando, de fato o que havia era um problema europeu. Em consonância com essa análise preliminar, concluíram que era necessário um tratamento sistêmico do problema que afetava a retomada do sistema produtivo europeu. Assim, foi elaborado um plano que respondia a essa necessidade e, ao mesmo tempo, considerava as questões particulares de cada país. Uma vez definida a concepção do projeto, passou-se a uma segunda fase que envolvia a integração das equipes de cada um dos países interessados em participar da iniciativa. Desse modo, procurouse envolver os respectivos governos no processo, de tal forma que eles fossem coadjuvantes dessa empreitada. Houve divergências quanto ao montante, uma vez que as expectativas dos países participantes iam além da disponibilidade ou disposição dos EUA e também em relação a muitas das exigências provenientes de Washington. Naquele processo, contudo, chegou-se a denominadores comuns e o plano foi implementado com resultados que
superaram as expectativas iniciais de ambas as partes (HOGAN, 1995b, MUNHOZ 2004b). Michael Hogan defende a tese de que as ambições do plano excediam a simples recuperação da economia europeia. Para esse autor, o Plano Marshall objetivava criar uma nova ordem internacional ancorada na expansão do modelo econômico, das instituições e dos valores estadunidenses. Adicionalmente, o plano era um instrumento importante no sentido de conter a URSS e, ao mesmo tempo, redirecionar o capitalismo europeu de modo a torná-lo mais próximo aos interesses dos EUA. O Plano foi um sucesso e em pouco tempo resultou na melhoria do abastecimento, do fornecimento de energia, dos transportes e do mercado de trabalho. Por volta de 1950, a inflação estava sob controle na grande maioria dos países participantes, talvez com a grande exceção da França. A produção industrial da Europa Ocidental cresceu cerca de 40 por cento entre 1948 e 1951, de modo a superar mesmo as expectativas mais otimistas. A recuperação da agricultura ficou aquém do esperado, ao atingir 11 por cento no mesmo período. Na média, a economia europeia teve um crescimento próximo de 32 por cento nesse período de cerca de três anos e meio (HOGAN, 1995b). Há diferentes perspectivas sobre o papel do Plano Marshall na recuperação da Europa, sobre o peso dos investimentos dos EUA na região e sobre os níveis de adesão e resistência europeia aos propósitos iniciais dos EUA, mas essa discussão vai além do escopo deste trabalho. De criador a crítico Como já apontado anteriormente, a partir de 1947, Kennan começou a manifestar os primeiros sinais de descontentamento em relação à forma como a sua Doutrina da Contenção estava a ser entendida, distorcida e implementada. Além disso, ele também guardava reservas em relação à Doutrina Truman. Desse modo, era natural que houvesse algum tipo de afastamento do núcleo duro de elaboração política da administração Truman. Assim, em 1948, quando Truman venceu as eleições presidenciais e foi reconduzido a um novo mandato, Kennan já não possuía a mesma inserção no governo e o seu espaço de atuação na elaboração política tornava-se cada dia mais restrito. Nesse percurso, o seu afastamento acentuou-se ainda mais quando passou a divergir do novo titular do Departamento de Estado, Dean
Acheson que tomou posse em 21 de janeiro de 1949, no início da segunda administração Truman. Além disso, naquele mesmo ano, Kennan censurou o projeto de criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Na ocasião ele afirmou que a simples existência da organização provocaria o incremento das tensões e criaria novos obstáculos à política de contenção da União Soviética, uma vez que se tornaria um elemento desestabilizador das relações e aumentaria as suspeitas soviéticas em relação aos Estados Unidos. Desse ponto de vista, Kennan antecipava que a criação da organização poderia levar a uma nova corrida armamentista. Nos anos seguintes, o diplomata manteve o seu posicionamento crítico em relação a muitas estratégias adotadas por seu governo. Nesse sentido, ele chegou a discordar do início do envolvimento dos EUA na Indochina e criticou a entrada do país na Guerra da Coreia. Nesse ponto, a sua percepção da dinâmica daquele conflito foi bastante precisa, pois ele inclusive advertiu que a presença dos EUA na península da Coreia poderia levar a China a se envolver na questão, o que certamente levaria ao aumento das tensões e à ampliação do conflito (STEPHANSON, 1992; MUNHOZ, 2012). Kennan manteve uma coerência nesse posicionamento ao longo dos anos, pois em 1965, em depoimento ao Congresso, afirmou que era um erro os EUA se envolverem no conflito no Vietnã. (KENNAN, 1967b). Em fevereiro de 1950, Kennan encaminhou um memorando a Dean Acheson, no qual criticava a militarização da política externa dos Estados Unidos. Essa atitude selou a sua marginalização no governo, uma vez que nele os críticos da sua Doutrina da Contenção haviam se tornado maioria. Além disso, a aprovação, no mesmo ano do National Security Council (NSC-68) foi visto por Kennan como inadequado e belicoso, o que aumentaria ainda mais as disputas armamentistas. Assim, dia-a-dia, Kennan perdia espaço no segundo termo de Harry Truman. Nesse contexto, em 1952, como já mencionado, ele foi indicado para o posto de embaixador em Moscou, mas logo foi declarado persona non grata naquele país e, desse modo, retornou aos EUA, onde se afastou da carreira diplomática e passou a integrar os quadros do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de Princeton, onde permaneceu até 1974, com um breve interregno entre 1961 e 1963 quando foi indicado para ser o embaixador dos EUA na Iugoslávia.
Ao longo dos anos, Kennan continuou as suas atividades acadêmicas em Princeton, produziu muitos livros e artigos e posicionou-se por diversas vezes de forma crítica ao seu governo, como por exemplo, quando, aos 99 anos de idade, afirmou que o plano de George W. Bush para atacar o Iraque era um erro, pois aquela era uma guerra que não poderia ser vencida. Era um novo Vietnã. Kennan faleceu em 17 de março de 2005, aos 101 anos de idade.
7 A EDIFICAÇÃO DOS BLOCOS DE PODER E A ARQUITETURA DE UM NOVO SISTEMA GLOBAL De uma guerra a outra De início sublinho os problemas e os riscos relacionados ao emprego do termo “Blocos de Poder”. Destaco que esse caminho possibilita o ordenamento da análise a partir de uma percepção de que, no imediato pós-Segunda Guerra Mundial, houve um alinhamento de países em dois campos, cada qual com características predominantes (capitalismo liberal de um lado e estatismo soviético de outro). Esse percurso, entretanto, tende a reduzir o enfoque a uma visão bipolar do mundo. Essa percepção de um mundo bipolar é útil para a compreensão do grande embate global, mas, ao mesmo tempo, ela contribui para embaralhar e dissimular as divergências e as disputas ocorridas no interior de cada campo. Feitas essas advertências iniciais, enfatizo o meu ponto de vista de que esses campos nunca foram tão homogêneos, como, muitas vezes, acredita-se, e ressalto que, muitas vezes, comportaram mais divergências do que lhes são atribuídas. Ao longo de 1945, a aliança composta por potências alicerçadas em ideologias antinômicas, concertada de forma custosa durante o curso da Segunda Guerra Mundial, com o escopo compartilhado de confrontar e vencer as forças do Eixo, começou a se esgarçar. Naquela contextura, as desavenças surgidas no crepúsculo daquela conflagração global engendraram novas contendas que conduziram a humanidade pela senda de um novo conflito planetário. Naquele encadeamento singular, havia diferentes expectativas em relação às diretrizes que norteariam o novo mundo que despontava dos escombros da recente hecatombe, que havia ceifado entre 50 e 55 milhões de vidas sacrificadas no altar de Marte. Além das diferenças de projetos, um ancorado na chamada democracia liberal e outro lastreado no estatismo soviético havia desconfianças mútuas erigidas ao longo da história recente, de modo que essas cizânias constituíam terreno fértil para a eclosão de novos conflitos.
Na perspectiva soviética, Grã-Bretanha e França não demonstraram interesse na formação de uma aliança antifascista para conter a Alemanha de Hitler e seus aliados, como proposto por Stálin em 1935. As sucessivas postergações para a concretização dessa aliança ao longo dos anos que se seguiram eram percebidas como um conluio imperialista para atacar a União Soviética. Assim, segundo essa interpretação, em 1939 o regime de Stálin haveria sido forçado a fazer um pacto com o inimigo (Pacto GermanoSoviético), para, desse modo, retardar um provável ataque à URSS. Iniciada a previsível guerra desencadeada por Hitler em agosto de 1939 e dada a sua ulterior evolução com a invasão da URSS pela Alemanha, em junho de 1941, o regime soviético passou a demandar seguidas e continuadas vezes a abertura de uma Segunda Frente de batalha na região costeira da França, então ocupada por forças do Reich. Essa Segunda Frente deveria ser organizada pelas forças aliadas de modo a obrigar a Alemanha a retirar parte dos contingentes invasores da URSS, com vistas a proteger as áreas ocidentais, então sob domínio do Reich, do planejado ataque. Ressalte-se que o diplomata soviético Maxim Litivinov solicitou, pela primeira vez, essa Frente em 8 de julho de 1941. Vyacheslav Molotov, então ministro das relações exteriores da URSS, foi aos EUA, em 29 de maio de 1942, quando Roosevelt lhe assegurou que poderia informar a Stálin que a frente seria realizada ainda naquele ano (SHERWOOD, 1998, p. 580). Para o governo soviético, a procrastinação na abertura da Segunda Frente reforçou a percepção de que os EUA e a Grã-Bretanha aguardavam o resultado do confronto entre a Alemanha e a URSS, com o propósito de levar tanto a primeira quanto a última ao esgotamento. Desse ponto de vista, era plausível a hipótese de que as democracias ocidentais esperassem a vitória de uma Alemanha enfraquecida pelo combate extenuante, almejando derrotá-la posteriormente com maior facilidade e menores perdas humanas e materiais (esse tema foi desenvolvido de forma mais detalhada no cap. 1). Segundo essa interpretação, a estratégia permitiria às democracias capitalistas livrarem-se, de uma só vez, da URSS – de quem eram adversárias ideológicas – e da Alemanha, com quem estavam em guerra. Esses receios soviéticos encontravam guarida em manifestações de autoridades estadunidenses. A esse propósito, chama a atenção uma declaração do então senador Harry S. Truman, publicada no The New York Times, em 24 de junho
de 1941, portanto cerca de quatro anos antes de se tornar presidente dos EUA. Na ocasião, Truman disse que, se nós percebermos que a Alemanha está a vencer, devemos ajudar a Rússia, e, se a Rússia estiver a sobrepujar a adversária, nós devemos auxiliar a Alemanha e, desse modo, então, deixar que as duas se matem tanto quanto possível, contudo eu não quero ver Hitler vitorioso sob nenhuma circunstância (LaFEBER, 1997, p. 6). Enfatize-se que a demora na abertura dessa Frente de batalha até junho de 1944, quando foi realizada a operação Overlord, evento que se tornou conhecido como Dia D, possibilitou o controle da maior parte do Centro e do Leste da Europa pelo Exército Vermelho. Desse modo, em fevereiro de 1945, quando ocorreu a Conferência de Ialta, a União Soviética mantinha sob controle toda a região. Enfatizo, como já defendi em outro capítulo, que a demora na abertura da Segunda Frente foi o que possibilitou aos soviéticos a supremacia militar e, portanto, o controle da Europa Central e Oriental. Em decorrência, Churchill foi a Moscou em outubro de 1944 e logo buscou um acordo com líder soviético que garantisse os interesses britânicos no Mediterrâneo. Da mesma forma, quando ocorreu a Conferência de Ialta, os aliados ocidentais da URSS não estavam em posição de fazer exigências a Stálin e tiveram que se contentar com o que foi possível negociar (MUNHOZ, 2004a, p. 269-271; SEBESTYEN, 2014, p. 264-266). Nesse sentido, as acusações de que Stálin não cumpriu o acordado em Ialta e Potsdam merecem ser tratadas com um pouco de cautela, pois são, em grande medida, produto dos discursos belicosos irradiados no contexto e nos embates da Guerra Fria. Obviamente, havia interpretações divergentes em cada um dos campos, sobre o sentido de muitos pontos alinhavados após horas de exaustivas e infindáveis reuniões. Em consequência, havia reciprocidade nas acusações de descumprimento dos acordos. Desconfianças e discórdias De início, a desconfiança nutrida pelo Ocidente em relação à URSS provinha do caráter anticapitalista e revolucionário do regime instituído pelos sovietes em 1917. Dessa perspectiva, ao tomarem o poder pela força, os bolcheviques haveriam estimulado a revolução proletária internacional, abolido a propriedade privada, confiscado os bens e os recursos das companhias estrangeiras e promovido a sua estatização. Além disso, o novo
regime não haveria honrado as dívidas internacionais contraídas tanto por empresas privadas quanto pelo império russo. Nessa mesma direção, inclui-se a retirada da Rússia revolucionária da Grande Guerra e a assinatura do tratado de Brest-Litovsk, estabelecido com a Alemanha. Por fim, o Pacto GermanoSoviético, consumado em agosto de 1939, haveria, segundo esse ponto de vista, corroborado a percepção, predominante no Ocidente, de que o regime de Stálin não era confiável (KENNAN, 1969). Em consequência, ao final da Segunda Guerra Mundial, as tensões a envolver os EUA e a URSS adquiririam proporções maiores ao se expandirem, de modo célere, pelas respectivas áreas de influência ainda em conformação. Assim, entre a morte de Franklin D. Roosevelt e a posse de Harry S. Truman (abril de 1945) e meados de 1947, houve a crescente elevação no tom das discórdias e na intensidade das advertências de confronto provenientes de ambos os campos. Essa situação evoluiu de maneira que naquela quadra histórica se consolidou a percepção de um mundo em marcha rumo a um novo conflito global, logo designado como Guerra Fria. Essas discórdias estavam enredadas em uma trama na qual se emaranhavam os desígnios geopolíticos das duas novas superpotências globais e, de forma correlata, das suas atinentes áreas de influências. Ao contrário do hipotético monolitismo atribuído a esses dois campos ainda em conformação, havia divergências entre o hegemon e os seus parceiros menores. Além disso, não era incomum a eclosão de rivalidades e querelas entre atores subalternos, à procura da realização dos denominados interesses nacionais e, por vezes, na aspiração da conquista de hegemonias regionais. Por fim, conflitos latentes no interior de cada uma dessas sociedades afloravam de modo imprevisível, de forma colocar em risco a estabilidade dos regimes vigentes e ameaçar os interesses da potência hegemônica em determinadas regiões (MUNHOZ; ROLLO, 2015). Desse modo, após a Segunda Grande Guerra, diferentes áreas do planeta experimentaram a proliferação de crises, muitas delas a desembocar em guerras regionais, outras a ganhar contornos de guerras civis, ou ainda a associar ambas as características em um mesmo conflito. Não raras vezes, essas crises, surgidas no então recém-denominado Terceiro Mundo, foram suprimidas com o emprego da força, por intermédio de golpes militares e pela instituição de ditaduras de distintos matizes. Nesse emaranhado de convulsões
sociais, guerras civis, truculências praticadas por regimes ditatoriais, associadas de um modo ou de outro às disputas da Guerra Fria, aproximadamente 25 milhões de seres humanos perderam a vida. É plausível supor que essas cifras sejam alargadas em futuro próximo, com a ampliação do acesso a documentos, hoje ainda secretos e guardados em arquivos de segurança, mantidos por diferentes países. Além disso, os feridos, mutilados, presos e torturados, embora não possam ser contabilizados com razoável precisão, certamente ultrapassam a casa da centena de milhões. Durante o período da Guerra Fria, EUA e URSS rivalizaram na busca da consolidação dos seus diferentes projetos políticos. A Europa constituiu-se no primeiro cenário desse longo confronto. Por um lado, a Guerra Fria significou a intensificação de conflitos, em escala planetária29. Por outro, ela produziu, após a exacerbação inicial, certa estabilidade, além de padrões toleráveis e previsíveis de confronto. Como aponta Martin Walker, as duas nações enfrentavam-se pela ação dos seus países “satélites”, mas, ao mesmo tempo, impediam que guerras regionais escapassem ao controle e se transformassem em conflitos de proporções mundiais (WALKER, 1995, p. 6-7). É bastante verossímil a imagem do mundo bipolarizado, porém, como é possível observar na literatura especializada, o processo jamais foi estático. Os diferentes países pertencentes a cada um dos blocos possuíam interesses distintos e não agiam de forma homogênea. Assim, de tempos em tempos, atores coadjuvantes buscavam agir com certa autonomia, o que provocava tensões e fissuras no interior dos blocos. Essa autonomia, contudo, sempre foi frágil, como demonstra a postura intervencionista, tanto dos EUA quanto da URSS (MUNHOZ; ROLLO, 2015). Outro aspecto cardeal à compreensão do tema é a concepção da noção de segurança empregada pelas duas superpotências globais. Desde o seu processo de constituição como nação, as elites dirigentes dos EUA abalizavam as suas diretrizes políticas a partir de concepções de segurança de espectro continental. Essa percepção, muitas vezes irrealista, foi exacerbada pelo trauma ocasionado pelo bombardeio a Pearl Harbor e estimulada, no pósguerra, pelos setores ligados ao complexo industrial-militar (LEFFLER, 1992). As seguidas invasões sofridas pelo império russo e depois pela sua sucessora, a União Soviética, ao longo dos séculos XIX e XX deixaram marcas profundas e exacerbaram as noções de segurança do Kremlin. A Rússia imperial fora
invadida pelas tropas francesas, em 1812; por ingleses e franceses durante Guerra da Crimeia, em 1854; pelo Império Alemão, em 1917; a Rússia revolucionária foi atacada por forças diversas, durante a guerra civil (19181921) e a União Soviética pelas tropas do Eixo em 1941 (TAYLOR, 1967, p. 35). Essas experiências contribuíram para a conformação de políticas externas de caráter intervencionista tanto nos EUA quanto na URSS, uma vez que essa orientação sempre era legitimada como imperativa à garantia da segurança doméstica de cada uma dessas potências. Ainda, como assegura Chomsky, a Guerra Fria desempenhou papel fundamental nas estratégias de controle das populações dessas duas superpotências no pós-Segunda Guerra Mundial. Da perspectiva de Chomsky, a Guerra Fria possibilitou tanto à União Soviética quanto aos Estados Unidos justificarem a repressão às dissidências internas como uma decorrência daquele conflito global (CHOMSKY, 1996, p. 11). Para esse autor, o argumento da presumida ameaça imperialista foi fundamental para justificar a reconstrução do aparelho repressor soviético, que havia sido afrouxado ao longo do conflito mundial. Em paralelo, nos EUA, o macarthismo e as arbitrariedades a ele associadas foram justificados pela suposta ameaça comunista ao país. Nos EUA, consolidou-se a noção de que, se não contida a propagação global do comunismo, haveria uma expansão soviética, o que representaria uma ameaça aos valores e à soberania estadunidenses. As elites da maior potência capitalista acreditavam que a consolidação da União Soviética como um poder global representava a concretização de um modelo alternativo de modernidade que os EUA combatiam desde a chegada dos bolcheviques ao poder (WESTAD, 2008, p. 25). A morte Roosevelt e a posse de Truman Como já exposto anteriormente, com a morte de Roosevelt e a imediata posse do seu vice, Harry S. Truman, em 12 de abril de 1945, defendo que houve uma avultada mudança na direção da política externa estadunidense. Muitos autores revisionistas apontam essa guinada na administração Truman como a causa do início dos conflitos que desencadearam a Guerra Fria. Autores ortodoxos, como, por exemplo, Arthur Schlesinger Jr., minimizam as mudanças e indicam uma continuidade administrativa (LaFEBER, 1997; SCHLESINGER, 1992)
O Exército Vermelho ocupava a Europa Oriental e, por isso, qualquer mudança na reorganização dessa região somente ocorreria com a concordância dos soviéticos. Os EUA , no entanto, haviam avançado mais rapidamente do que se esperava, em decorrência do remanejamento das tropas alemãs, em direção ao front Oriental e, dessa forma, alcançaram o coração da Alemanha, ocupando inclusive regiões pré-determinadas aos soviéticos. Em julho de 1945, quando ocorreu a Conferência de Potsdam, a guerra na Europa havia terminado e os EUA já haviam testado com sucesso a bomba atômica. Como os soviéticos desconheciam esses detalhes, os representantes dos EUA pensavam estrategicamente com a vantagem desse grande segredo militar. Somente em 24 de julho, os soviéticos foram informados sobre o desenvolvimento de uma nova arma de força incomum, contudo não foi mencionado que era uma arma baseada na tecnologia nuclear (ALPEROVITZ, 1995, p. 383-389). Segundo essa perspectiva, em Potsdam, os EUA adotaram uma postura mais intransigente, forçando os soviéticos a diversos recuos. Com os bombardeios nucleares sobre Hiroshima e Nagasaki, foi imposta a rendição incondicional aos japoneses. Muitos autores não veem o uso da bomba atômica como uma necessidade para concluir a guerra no Pacífico, mas para terminá-la antes da entrada dos soviéticos na guerra contra o Japão e, assim, evitar qualquer divisão de áreas de influência na região. Adicionalmente, o bombardeio haveria sido um sinal para impor o recuo soviético na Europa30. Dessa perspectiva, o emprego das bombas nucleares contra o Japão poderia ser considerado o marco inicial da Guerra Fria (essa matéria foi tratada de forma mais detalhada no capítulo 4). A edificação dos blocos de poder Existe um cáustico debate sobre o caráter autoritário da dominação soviética na Europa Oriental. Nele, é ressaltada a agressividade da URSS em relação à Europa Ocidental. Ainda em relação ao assunto, debatem-se o descumprimento dos acordos de Ialta e Potsdam por ambas as potências e a tentativa estadunidense de eliminar qualquer influência soviética na Europa. Acredito ser bastante verossímil a hipótese da existência de tendências expansionistas de longo prazo na política externa soviética, mas, como indicou Kennan, a URSS não representava uma ameaça militar à Europa. O país estava arrasado e tinha como principal tarefa a sua reconstrução. Ainda segundo
Kennan, a principal ameaça soviética provinha da eficiência da sedução ideológica das organizações de esquerda, no interior das democracias ocidentais, explorando o prestígio político adquirido, em decorrência do seu papel na derrota das forças do Eixo (KENNAN, 1947, 1996). Além disso, a postura expansionista e intervencionista estadunidense regra geral é naturalizada, de forma que não é, na maioria das vezes, debatida. É plausível sustentar que a expansão da influência estadunidense nos anos posteriores à Segunda Guerra Mundial foi tão ou mais intensa do que a da URSS, no entanto o caráter dessa expansão era distinto tanto da rival quanto das antigas potências coloniais. Ancorado nessa análise, discordo da visão de alguns historiadores revisionistas de que a postura soviética era meramente defensiva, mas também não é possível corroborar a versão ortodoxa de que o conflito se deu porque os soviéticos ameaçavam a Europa Ocidental, restando aos EUA a alternativa de lutar em defesa da democracia. Além disso, discordo das conclusões de Geir Lundestad e de John Lewis Gaddis de que, se os EUA adotaram uma política imperial no pós-guerra, isso se deu a convite das democracias ocidentais que se sentiam ameaçadas pela URSS (LUNDESTAD, 1986, p. 263-277; 1999, p. 52-91; GADDIS, 1983, p. 174-204; 1997, p. 285-286). Os EUA atuaram em diferentes lugares, inclusive para desestabilizar ou derrubar governos democraticamente eleitos, como, por exemplo, na Guatemala, no Brasil e no Chile, apenas para mencionarmos alguns casos. Desse modo, enfatizo a fragilidade do argumento desses autores, que não resiste a uma análise mais acurada. Defendo a tese de que a intensificação dos conflitos que resultaram na Guerra Fria se deveu ao projeto estadunidense de consolidar-se como única potência global e de impor à URSS recuos na Europa e na Ásia, seguidos da aceitação do papel de uma mera potência de segundo escalão. Discorro longamente sobre essa temática na parte 1 deste livro e as conclusões aqui expressas estão ancoradas nos argumentos anteriormente apresentados. Em síntese, desse ponto de vista, é possível afirmar que, desde a posse de Truman, os EUA confrontaram a URSS com o intuito de reverter o seu predomínio na Europa Oriental e de restringir a sua atuação na área anteriormente controlada pelo Japão. Adicionalmente, há evidências que distinguem as mudanças implementadas pelo novo presidente na coordenação do governo e, em especial, na condução da política externa estadunidense.
Entre as evidências que apontam nessa direção sublinhe-se que seis dos dez secretários de Estado de Roosevelt foram substituídos entre o final de junho e meados de julho de 1945. Outros secretários foram exonerados posteriormente (HOROWITZ, 1965, p. 53)31. No Kremlin, a adoção de uma nova postura, pelos EUA, levantou sérias suspeitas de que as democracias ocidentais pretendessem eliminar a influência soviética na Europa Oriental. Os soviéticos ainda buscaram a negociação diplomática, durante 1946, mas a tensão cresceu de forma progressiva na região. Essas suspeitas muitas vezes eram corroboradas por ações dos EUA e da Grã-Bretanha. Um exemplo a ser destacado foi a Operation Unthinkable, solicitada por Churchill ao seu gabinete de guerra em maio de 1945. Na ocasião, Churchill solicitou um plano para atacar as forças soviéticas na Polônia. Um espião soviético no White Hall, no entanto, informou a Stálin sobre o possível plano. É verossímil supor que muitas das medidas para aumentar o controle soviético na região estejam relacionadas ao evento e ao receio de uma tentativa de expulsão dos soviéticos da Europa Oriental (Discorro sobre o assunto de forma detalhada no capítulo 5). A Cortina de Ferro Entre 1946 e 1947, a URSS intensificou a repressão e restringiu a experiência democrática que se encontrava em expansão na sua área de influência na Europa Oriental com o objetivo de manter o controle sobre essa região estratégica. Dessa forma, as críticas ao controle soviético na Europa Oriental ganharam mais substância. Em março de 1946, Churchill pronunciou o seu famoso discurso sobre a cortina de ferro que havia sido imposta a diversas capitais europeias. De fato, a literatura ortodoxa omite as origens da expressão, uma vez que elas poderiam ser, de certo modo, constrangedoras, pois Joseph Goebbels empregou o termo em 25 de fevereiro de 1945, portanto antes de Churchill. Deve-se observar que, mesmo muito antes do uso por Goebbels, o termo já havia sido empregado em 1918 pelo filósofo russo Vasily Rozanov, em The Apocalypse of Our Times. Nele, o autor afirmou que “An iron curtain is being lowered, creaking and squeaking, at the end of Russian history” (WHO…, 2006). A mesma frase do autor russo é referenciada de forma um pouco diferente em 1946: the Making of the Modern World, de Victor Sebestyen, que
diz: “with clanging, creaking, and squeaking, an iron curtain is lowering over Russian history” (SEBESTYEN, 2014, p. 163). Em 1920, a mesma expressão foi empregada pela socialista e feminista inglesa Ethel Snowden (Ethel Annakin, depois viscondessa Snowden), mas, nesse caso, para indicar a criação de uma cortina de ferro pelo Ocidente para isolar a Rússia soviética. Snowden, ao final do capítulo 2 do seu livro, quando ainda está a relatar o início da viagem de socialistas britânicos à Rússia, após expressar uma visão até certo ponto simpática ao que percebia na Rússia soviética, afirma: “We were behind the ‘iron curtain’ at last” (SNOWDEN, 1920, p. 32)32. Sublinhe-se que, ao longo do livro, a autora mostra muito desapontamento em relação à concentração de poder nas mãos de uma minoria e ao crescimento de uma perspectiva autoritária sob o bolchevismo. Apesar disso, em sua conclusão, a autora manifesta a esperança de que a paz e o suporte externo para pôr fim à fome pudessem auxiliar a superar essas características autoritárias que ela via emergir no bolchevismo. Para ela, Let us intervene, then, in Russian affairs with the only intervention that was ever justified—with food and clothing and medicines; with raw materials, agricultural machinery and sanitary supplies; with doctors and nurses and sanitary experts; with railway workers, plumbers and engineers. Let us do all in our power to help the Russians quickly to re-establish their economic life. Then, perhaps, the past may come to be forgotten and forgiven, and Russia becomes what she was destined from before the foundations of the world to become—a great leader in the humanitarian movements of the world. (SNOWDEN, 1920, p. 188).
Há ainda outras menções a origens precoces do termo, mas o que merece destaque é o emprego por Churchill da expressão utilizada anteriormente por Goebbels para fazer referência à área de dominação soviética. Como aponta Sebestyen, Goebbels empregou essa frase em um artigo publicado no jornal Das Reich, em 25 de fevereiro de 1945, portanto um ano antes do discurso de Churchill de 5 de março de 1946, em Fulton, Missouri, nos EUA. O autor, como outros, observa também que Churchill empregou o termo em um telegrama ao presidente dos EUA, Harry Truman, em 12 de maio de 1945 e novamente fez uso da expressão em um cabograma a Truman, cerca de um mês depois. Ainda segundo o autor, durante a conferência de Potsdam empregou essa locução para dizer a Stálin que uma cortina de ferro havia descido sobre os Bálcãs. Stálin, segundo o autor, após um ríspido olhar, haveria respondido que a afirmação era um absurdo (SEBESTYEN, 2014, p. 163-164). Grécia, Turquia e a Doutrina Truman
Entendo que, até certo ponto, ao final da Segunda Guerra Mundial, Stálin praticou uma política realista ao buscar alguma forma de acomodação com os EUA e a Grã-Bretanha. Isso o levou, no futuro, a ser criticado por militantes e intelectuais de esquerda por não apoiar movimentos revolucionários que se espraiavam pelo mediterrâneo e outras áreas do globo (CLAUDÍN, 1985). Em maio de 1946, pressionada, a URSS retirou as suas tropas do Irã. Em agosto, eclodiu a crise sobre o controle de Dardanelos. Ainda em 1946, intensificou-se a guerra civil na China. Nos EUA, em 12 de março de 1947, foi anunciada a Doutrina Truman, inicialmente, com a promessa de ajuda à Grécia e à Turquia, que experimentavam, cada qual a seu modo, intensas agitações sociais. Na Turquia, havia muita instabilidade interna decorrente das disputas entre liberais, organizados no recém-criado Partido Democrático, e os seguidores do Partido Popular Republicano, fundado por Mustafa Kemal (1881-1938), líder nacionalista e criador do moderno Estado turco (GONÇALVES, 2004, p. 730735). Na Grécia, a situação desembocou em uma guerra civil, com presença marcante comunista, mas proveniente de uma aliança de diferentes forças, inclusive liberais que se opunham ao novo governo, que possuía em sua composição ativos colaboradores das tropas de ocupação do Reich. No processo em curso na Grécia, durante a Segunda Guerra Mundial e nos primeiros anos após aquele conflito global, sublinhe-se que os primeiros sinais de resistência aos alemães e aos governos colaboracionistas por eles instituídos entre abril de 1941 e outubro de 1944 ocorreram por intermédio da criação da Frente de Libertação Nacional – EAM (Edhnikon Apeleftherolikon Metopon), organizada pelo Partido Comunista Grego (KKE), em setembro de 1941. Da EAM, faziam parte, além dos comunistas, a Democracia Popular, o Partido Socialista, o Partido Socialista Unido e o Partido Agrário. O Braço armado do EAM era o Exército de Libertação Nacional ELAS (Ellinikós Laikós Apeleftherotikós Stratós), criado em dezembro de 1942. O país estava cindido desde a sua ocupação pelas tropas do Eixo. Agrupamentos políticos de diferentes matizes aglutinaram-se na resistência e enfrentaram as atrocidades dos invasores e dos seus colaboradores. A partir de 1944, porém, as dissensões internas tornaram-se mais complexas e comprometeram a unidade que se procurava costurar. Naquele contexto, os
comunistas, por intermédio EAM-ELAS, constituíam a maior força política organizada no país. O EAM-ELAS desempenhou papel fundamental na libertação do território grego do domínio dos invasores, principalmente no norte do país, onde se concentrava a maior parte das suas forças de resistência. Efetivamente, não havia qualquer outra organização política de porte comparável ao EAM-ELAS que houvesse se engajado no combate aos nazistas e aos seus colaboradores. Entretanto, quando os alemães foram expulsos da Grécia, os ingleses ficaram muito temerosos de que se instalasse ali um governo com características populares, o que poderia colocar em risco os interesses britânicos na área. Dessa forma, ao final da guerra, os ingleses ofereceram todo o suporte para reconduzir a antiga monarquia ao poder. Ressalte-se que muitos dos líderes ligados à antiga monarquia aderiram ao ideário fascista ou colaboraram com os invasores. Era natural que, ao final da guerra, os antagonismos entre as forças populares, representadas pelo EAM-ELAS e as forças conservadoras, representadas pelo Exército Nacional Democrático Grego - EDES (Ellínikos Dímokratikos Ethnikós Strátos), o braço armado das forças monarquistas, viessem a se defrontar. Assim, em dezembro de 1944, eclodiu a guerra civil. O agente definidor deste processo não foi a correlação de forças internas, nas quais o EAM-ELAS possuía predominância, aproximadamente, de 75% do país. As intervenções da Grã-Bretanha e, posteriormente, dos EUA foram definidoras do processo. Pelos acordos de áreas de influência firmados em Ialta e depois reafirmados em Potsdam, o predomínio na Grécia seria 90% britânico. Stálin cumpriu fielmente essa disposição. A acusação de que uma pequena força comunista bancada pelos soviéticos ameaçava a Grécia, conforme foi amplamente divulgada por ingleses e estadunidenses, não se sustenta quando confrontada com as evidências factuais. Stálin, além de recomendar aos comunistas gregos que levassem sua luta dentro do chamado campo democrático burguês, não forneceu apoio logístico ou militar significativo, como também se esquivou de fazer qualquer protesto, mesmo na imprensa soviética, sobre os massacres promovidos pelos bombardeios ingleses no norte da Grécia. As denúncias desses terríveis acontecimentos foram efetuadas pela própria imprensa britânica e
estadunidense. os comunistas iugoslavos, entretanto, davam suporte ao EAMELAS, o que era decodificado nos EUA e na Grã-Bretanha como apoio soviético. A estratégia era bastante simples: o prioritário para os interesses de Estado soviético era a criação da sua zona de proteção. Não queriam que ninguém interferisse lá e estavam dispostos a aceitar com naturalidade qualquer atitude que fosse tomada na zona anglo-americana. Entendiam que deveria haver uma contrapartida. Eles poderiam fazer o que quisessem no Leste Europeu e os ingleses o mesmo na Grécia, por exemplo (GITLIN, 1969). Nesse contexto, o EAM-ELAS resistiu à brutal ação da Grã-Bretanha, que bombardeou áreas civis sob o total silêncio soviético. O EAM-ELAS, contudo, passou a praticar contra os seus opositores e desafetos as mesmas atrocidades que anteriormente condenava. Assim, a Grécia experimentou os momentos de maior brutalidade política entre 1946 e 1949, quando finalmente a guerrilha foi derrotada (GITLIN, 1969, p. 167-217; GITLIN, 1969, p. 619-620; OPAT, 1987, p. 233-234; LOWE, 2017, p. 332-352). Esses cenários turbulentos na Turquia e na Grécia foram utilizados para a implementação de uma ação governamental dos EUA, aprovada pelo Congresso em março de 1946, e que logo se tornou conhecida como Doutrina Truman. De fato, a chamada Doutrina Truman, não era uma doutrina propriamente dita, mas um plano de apoio aos governos da Grécia e da Turquia, que enfrentavam crescentes movimentos populares a contestar a sua legitimidade. Ainda em relação à Turquia, havia o problema das pressões soviéticas para a abertura do estreito de Dardanelos à sua navegação. Naquele contexto, em 12 de março de 1947, o presidente Harry Truman, efetuou um pronunciamento a uma sessão conjunta do Congresso solicitando a aprovação de um projeto que previa a liberação de 400 milhões de dólares em auxílio à Turquia e à Grécia. Na ocasião, Truman justificou que esse plano era necessário para combater as forças de minorias armadas, que pretendiam impor o comunismo naqueles países. Sublinhou a importância da aprovação desses recursos para a defesa das liberdades democráticas naquelas regiões e em outras que viessem a estar sob ameaça. Na sua preleção, Truman justificou que com o afastamento da Inglaterra da região, em decorrência da crise em que o império se encontrava ao final da guerra, caso os EUA não assumissem o apoio concreto àqueles países, seria inevitável que os comunistas conquistassem o poder.
Sublinhe-se que o discurso de Truman possuía dois alvos distintos. Um se relacionava à política externa dos EUA e o outro à política doméstica. No campo da política externa, ele pretendia assinalar aos aliados uma postura de defesa dos interesses dos EUA e do chamado mundo ocidental frente ao que era qualificado como agressão comunista. O discurso de Truman perante a sessão conjunta do Congresso, contudo, tinha também por objetivo mostrar uma posição de força na política externa do país, com o objetivo de conquistar dividendos na política doméstica, ao atrair setores dos republicanos que estavam a fazer marcada oposição ao seu governo, com vistas a desmantelar o que restava do welfare state edificado no período Roosevelt. Nesse aspecto, o discurso anticomunista do presidente foi bem articulado e, mesmo sem fazer menção direta à URSS, deixava evidente a existência de uma ameaça soviética. O projeto não foi uma unanimidade, mas recebeu amplo apoio no Congresso. Muitos congressistas, independente da vinculação partidária, viram no discurso de Truman uma demonstração de que o governo não toleraria a intervenção soviética em áreas do interesse dos EUA. Isso, por exemplo, levou à aproximação de muitos republicanos, que antes teciam duras críticas ao governo. O discurso, entretanto, foi criticado por congressistas que entendiam ser preferível o retorno ao isolacionismo do período anterior à guerra e temiam que o projeto pudesse contribuir para uma nova escalada de conflitos e mesmo para a emergência de uma nova guerra mundial. Ainda, emergiram críticas provenientes de atores políticos que não viam os regimes vigentes na Grécia e da Turquia como democráticos, mesmo com a adoção de critérios bastante flexíveis. Após a aprovação dos recursos solicitados pelo presidente e com a reverberação positiva do seu discurso na política doméstica, a então logo chamada Doutrina Truman ganhou uma nova dimensão e foi ampliada para a defesa de qualquer área real ou supostamente ameaçada pelo comunismo e tornou-se um dos eixos da política externa dos EUA nos anos que se seguiram. Alguns autores veem a Doutrina Truman como uma mundialização da Doutrina Monroe, outros viram nela a fusão dos desígnios presentes na doutrina Monroe e na Open Door Policy (ARMS, 1994, p. 552-553; MUNHOZ, 2015, p. 164-165). A espiral das tensões, a expansão dos conflitos e as tentativas de negociações
Com o acirramento das tensões provenientes do novo conflito de dimensões globais, em maio de 1947, os comunistas franceses, italianos e belgas foram expulsos dos seus respectivos governos. De fato, naquele contexto, houve o aumento da pressão sobre os comunistas e ativistas que se aproximavam das suas áreas de influência em toda a Europa Ocidental (VAN DIJK, 2013). Em 5 de junho do mesmo ano, os EUA anunciaram o Plano Marshall, implementado a partir de abril de 1948. O plano foi denunciado pelos soviéticos como um ardil estadunidense para subordinar economicamente a Europa. Em setembro de 1947, foi firmado, no Rio de Janeiro, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), primeira aliança regional do pós-guerra. Em outubro foi criado o Cominform, organização que aglutinava os partidos comunistas (uma espécie de sucessor do Comintern extinto por Stálin em 1943, mas com objetivos bem mais modestos, pois efetivamente não pregava a revolução mundial). Em 25 de fevereiro de 1948, os comunistas assumiram o governo da Tchecoslováquia por meio de um golpe. Há autores que divergem sobre o tema, pois defendem que a ação tinha por objetivo prevenir um golpe conservador (VIZENTINI, 2004). Em maio do mesmo ano, foi criada a Organização dos Estados Americanos (OEA), durante a Conferência de Bogotá. Em junho seguinte, em meio a crescentes divergências entre Stálin e Tito, a Iugoslávia foi expulsa do Cominform e teve início a perseguição de simpatizantes do líder iugoslavo em toda a esfera de influência soviética. Em 24 de junho de 1948, a criação de uma moeda única nos setores ocidentais de Berlim levou os soviéticos a bloquearem todas as rotas para a cidade. De modo desafiador, os EUA organizaram uma gigantesca operação de abastecimento aéreo à cidade. O bloqueio de Berlim foi mantido até 12 de maio de 1949, quando os soviéticos suspenderam a medida (ARMS, 1994). Foi no contexto dos confrontos relacionados ao Bloqueio de Berlim que, em 4 de abril de 1949, foi criada a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), com o declarado objetivo de enfrentar as ameaças soviéticas à Europa Ocidental. De fato, a perspectiva de criar-se uma organização de defesa militar do Atlântico Norte surgiu no encadeamento do Pacto de Bruxelas, assinado em 17 de março de 1948 por Bélgica, França, Grã-Bretanha, Holanda e Luxemburgo. Esse acordo previa a formação de uma estrutura de defesa para
proteger a Europa Ocidental de uma eventual agressão da União Soviética. Do ponto de vista dos policymakers estadunidenses, a criação da organização era fundamental para manter a União Soviética fora da Europa Ocidental e garantir a estabilidade da região. A criação da Otan influenciou de forma marcada as relações entre os EUA e a URSS e contribuiu para a definição de um padrão de conflito que perdurou por pouco mais de quatro décadas (MUNHOZ, 2013). Além disso, a criação da organização expressou o envolvimento direto dos EUA com a Europa e foi resultado da decisão de criar de uma aliança política e militar de cunho permanente. Para alcançar esse denominador, ocorreram muitos embates no Congresso dos EUA, principalmente entre os chamados internacionalistas e os isolacionistas. Estes últimos opunham-se ao envolvimento direto dos EUA na Europa e argumentavam que isso poderia gerar novos conflitos e impactar o erário, o que produziria a elevação de impostos. Contudo os internacionalistas conseguiram maioria suficiente para a aprovação de uma resolução que propunha a participação dos Estados Unidos em uma aliança com o declarado objetivo de proteger o Atlântico Norte. Sublinhe-se que, apesar dos protestos iniciais do Kremlin em relação à criação de uma aliança que considerava uma ameaça à sua segurança e da sua esfera de influência na Europa Central e Oriental, uma vez que implicava rearmar a Alemanha e sugeria a permanência de forças dos EUA na região, a diplomacia soviética considerou seriamente a possibilidade buscar um acordo sobre o assunto. Na ocasião, pouco após a criação da criação da Otan, o ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS, Andrei Vichinski, encaminhou uma proposta à Grã-Bretanha, sugerindo a participação soviética na Aliança, mas não obteve qualquer resposta. Entre 1952 e 1954, repetidamente, as lideranças soviéticas acenaram com a possibilidade da criação de um sistema de segurança europeu e do ingresso da URSS na Otan. Adicionalmente, os soviéticos apresentaram várias propostas para a estabilização da situação alemã, incluindo-se a sua unificação, desde que garantida a neutralidade. A essas propostas também não houve receptividade33. A morte de Stálin, em março de 1953, não alterou de modo significativo esse quadro. Naquele contexto, as novas lideranças soviéticas empenharam-se na busca de uma negociação para a questão. Em fevereiro de 1954, Molotov
sugeriu uma alternativa ao sistema de segurança coletiva europeu, planejado pelo Ocidente. A proposta foi rejeitada pelas lideranças ocidentais, pois consideraram que ela excluía os EUA, que, juntamente com a China, teriam apenas o status de observadores, e por calcularem que a proposição tinha por objetivo criar problemas para a consolidação da Otan e para a criação do sistema de defesa europeu. Após negociações internas e alterações efetuadas no projeto original pelo restrito círculo de poder do Kremlin, Molotov concluiu a redação de uma nova minuta de acordo que o governo soviético encaminhou, em 31 de março de 1954, à Grã-Bretanha, à França e aos EUA. Na nova proposta, o regime soviético defendia a criação de um sistema pan-europeu de segurança coletiva, agora com a participação dos EUA, e considerava a possibilidade de a URSS ingressar na Otan, caso a organização abandonasse o seu caráter agressivo. Em continuidade, os soviéticos insistiam que a Otan deveria deixar de ser uma aliança militar e se abrir a outros países, criando um efetivo sistema europeu de segurança coletiva que fosse decisivo na promoção da paz universal. Em maio de 1954, a proposta soviética foi rejeitada pelas lideranças ocidentais, por intermédio do argumento de que ela era incompatível com os princípios democráticos e com os propósitos de defesa. Há muitos debates sobre a seriedade das propostas soviéticas, mas, segundo Geoffrey Roberts, efetivamente, as lideranças do Kremlin estavam dispostas à negociação da criação de um sistema coletivo de segurança europeu, o que poderia haver levado ao fim da Guerra Fria. Ainda desse ponto de vista, essa posição soviética tinha por objetivo evitar uma nova guerra mundial, mesmo que implicasse a unificação de uma Alemanha neutra e rearmada (ROBERTS, 2011, 2012; TIMOFEITCHEV, 2018). Apesar da rejeição da proposta soviética, Molotov continuou a buscar uma solução para o problema da Alemanha. Nesse percurso, buscou negociar, entre o final de 1954 e o início do ano seguinte, um acordo que levasse à reunificação da Áustria. Ele acreditava que a solução do problema austríaco poderia pesar positivamente e servir de modelo para o caso alemão. Nesse processo, em meados de abril de 1955, o chanceler austríaco Julius Raab foi a Moscou para as negociações. Ao final, foi emitido um comunicado conjunto apontando para a reunificação da Áustria, condicionado à sua permanente neutralidade e ao compromisso soviético de retirar todas as suas forças de
ocupação do país até o final daquele ano. Para a consecução dos objetivos, havia ainda a necessidade da concordância dos termos do tratado pelas quatro potências que então ocupavam a Áustria. Para cumprir esses desígnios, representantes dos Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e URSS reuniramse em Viena e, no dia 15 de maio, assinaram o tratado que promoveu a reunificação do país, a adoção da sua neutralidade e a retirada de todas as forças de ocupação do seu território. Não houve, entretanto, sucesso no que se refere à questão da reunificação e neutralização da Alemanha. Em decorrência do rearmamento da Alemanha Ocidental e do seu ingresso na Otan, os soviéticos e os países da sua esfera de influência, reunidos em Varsóvia entre 11 e 14 de maio de 1955, firmaram um tratado multilateral de cooperação, amizade e assistência mútua, que se tornou conhecido como Pacto de Varsóvia. Os soviéticos, contudo, mantiveram uma porta aberta para a negociação da situação da Alemanha (ROBERTS, 2012). Erroneamente, muitos associam o Pacto de Varsóvia à criação da Otan. Em primeiro lugar, observe-se um intervalo de seis anos entre um evento e o outro. Isso já indica que não é razoável intuir que a aliança encabeçada pelos soviéticos fosse uma resposta à aliança liderada pelos EUA. De modo adicional, observem-se os esforços soviéticos para a criação de um sistema coletivo de segurança europeu que implicava um caminho que se distanciava dessa premissa. Por fim, sublinho que, para os soviéticos, a inadmissibilidadedo rearmamento da Alemanha Ocidental e a sua integração à Otan os levaram a criar outra aliança com o objetivo de estruturar um sistema de defesa que garantisse segurança à sua esfera de influência. Em meio aos conflitos relacionados à criação da Otan, ao fracasso nas negociações da questão alemã, aos problemas advindos da integração da República Federal da Alemanha a essa aliança e à posterior criação do Pacto de Varsóvia, outros conflitos emergiram em diferentes áreas do planeta e em distintos campos de competição que envolviam as duas potências globais. Assim, no campo bélico, em 29 de agosto de 1949, a URSS testou a sua primeira bomba atômica, o que pôs termo à hegemonia nuclear estadunidense. O evento superou as previsões estadunidenses e retirou-lhes o trunfo de serem os únicos detentores da tecnologia nuclear. Em outro campo, a Guerra Civil Chinesa, que perdurava ao menos desde a Segunda Guerra Mundial, com antecedentes provenientes desde o massacre de Xangai (1927), chegou ao fim
em outubro de 1949, com a vitória comunista e a criação da República Popular da China. Em janeiro de 1950, os EUA produziram a primeira bomba de hidrogênio. Em 25 de junho daquele ano, forças norte-coreanas cruzaram a fronteira da Coreia do Sul e iniciaram a ocupação do seu território. Em resposta, os EUA conseguiram a aprovação no Conselho de Segurança da ONU do envio de tropas da organização, sob o seu comando, e assim houve a expansão do conflito na península da Coreia. Observe-se que a URSS, que estava a boicotar as reuniões do Conselho de Segurança da ONU, por divergir dos encaminhamentos propostos pelos EUA, mesmo ciente de que o tema seria discutido na reunião, não compareceu e, por isso, não pode usar o seu poder de veto. Compreender os motivos desse encaminhamento por parte da representação soviética ainda é uma incógnita, pois o acesso aos arquivos das duas superpotências do período da Guerra Fria ainda sofre restrições severas. A Grã-Bretanha testou o seu primeiro artefato nuclear em 1952. Nos EUA, em janeiro de 1953, encerrou-se a segunda administração de Harry S. Truman e tomou posse o general Dwight D. Eisenhower. Em 5 de março do mesmo ano, morreu Stálin. A saída de cena das lideranças das duas potências antagônicas influenciou o arrefecimento das tensões e a retomada de negociações em diferentes temas em disputa. Nesse novo contexto, em julho daquele ano, foi suspenso o conflito na Coreia, por intermédio de um armistício. Essas disputas, no entanto, continuaram em diferentes regiões do planeta. Assim, em agosto de 1953, um golpe arquitetado pela CIA (Central Intelligence Agency) levou à derrubada do governo constitucional iraniano. No ano seguinte, novamente com o envolvimento da CIA, foi destituído o governo democraticamente eleito da Guatemala (MUNHOZ, 2004a). Nos dois blocos em processo de edificação é possível encontrar um marco comum, embora com variação de forma, método e intensidade. Nesses dois campos havia a manipulação da informação com vistas à formação de um consenso em que a perseguição político-ideológica tornou-se cada vez mais intensa e quem exteriorizava a divergência era tratado como um traidor da pátria. Nos EUA, houve a intensificação da crescente intolerância principalmente a partir de 1947. De fato, o pequeno interregno na perseguição anticomunista ocorrido entre 1941e 1945, quando EUA e URSS se aliaram para fazer frente ao perigo nazista, logo sofreu uma rápida erosão. Na URSS, o
afrouxamento da repressão estalinista ocorrido durante o período da II Guerra Mundial logo foi abandonado enquanto a máquina repressiva ganhava novos alentos. A violação da democracia nos EUA Nos EUA, nos anos que se seguiram houve a contínua e crescente desconstrução da imagem de uma União Soviética e de um povo russo aliados e lutadores a combater com vigor a então denominada barbárie nazista. Aos poucos, toda a simbologia empregada para se referir ao inimigo fascista foi transmutada de forma a estabelecer uma fácil associação entre fascismo e comunismo. Desse modo, logo o comunismo voltou à ribalta como o principal inimigo do American way of life e da própria sociedade cristã ocidental. Esse processo teve o seu ápice entre aproximadamente 1950 e 1954, quando a democracia estadunidense se tornou refém dos interesses do que posteriormente veio a ser conhecido como complexo militar industrial e das grandes corporações midiáticas que quase em uníssono reverberavam as diatribes macarthistas. Naquele contexto, as persecuções levadas a cabo pelo senador Joseph McCarthy, por seu séquito e também pela House Un-American Activities Committee (HUAC), sempre com grande cobertura das mídias, erodiram a democracia e arruinaram a vida de milhares de cidadãos e imigrantes. Com o crescente clima de intolerância que se abateu sobre os EUA, a crítica foi silenciada e a possibilidade da reflexão acadêmica independente deixou de existir. Na conjuntura da Guerra da Coreia, o macartismo tornou-se cada vez mais virulento. Em decorrência, muitos servidores públicos, professores e pesquisadores foram constrangidos, expostos à execração pública ou sumariamente demitidos por intermédio de ações que violavam os seus direitos constitucionais. Em paralelo, houve a drástica redução de recursos para o financiamento de pesquisas de conteúdo crítico, principalmente associadas às humanidades, ao mesmo tempo em que aquelas vinculadas, de forma direta ou indireta, ao desenvolvimento de tecnologias bélicas foram irrigadas com recursos provenientes tanto de fontes governamentais quanto do grande capital privado (SCHRECKER, 1994; CHOMSKY, 1997; MUNHOZ, 2004a; VALIM; MUNHOZ, 2004).
Na sociedade estadunidense dos anos iniciais da Guerra Fria, o anticomunismo tornou-se ainda mais exacerbado e naquela conjuntura as sessões da House Un-American Activities Committee - HUAC, criada em 1938, metamorfosearam-se em espetáculos mediáticos que nutriam o imaginário popular com mensagens de vieses cada vez mais conservadores e incitavam homens e mulheres a acreditarem que o país estava infestado de comunistas. Por vezes, era crível que a população estava tomada pela histeria coletiva em que se concebia uma quimera de que a qualquer momento o país poderia ser atacado e ocupado por forças soviéticas. Em 1947, o comitê acusou e investigou o suposto envolvimento de comunistas na indústria cinematográfica de Hollywood. Como resultado, além do famoso caso dos dez de Hollywood, cerca de 300 pessoas, entre atores, atrizes, diretores, roteiristas e produtores, foram incluídas numa chamada lista de indesejáveis, à época preconceituosamente denominada de lista negra (black list), e foram boicotadas pelos estúdios cinematográficos. Na sequência, essa agora dócil indústria cinematográfica passou a produzir filmes cada vez mais marcadamente patrióticos, de perfil conservador e anticomunista. Durante a década de 1940 e ao longo da maior parte da seguinte, por intermédio do Smith Act, as críticas ao governo ou às suas diretrizes políticas ganharam contornos de ato de subversão ou de antiamericanismo. Naquela quadra da história, perpetrou-se a sistêmica coação ao direito de livre expressão dos cidadãos e, desse modo, direitos constitucionais foram atassalhados. Assim, houve a brutal inversão dos ditames legais de tal modo que homens e mulheres delatados como comunistas ou acusados de traição, em verdadeiros tribunais de exceção, eram considerados culpados até que provassem ser inocentes. Como posteriormente ficou comprovado, muitas provas foram forjadas a partir de falsas delações obtidas com promessas de que seriam retiradas as acusações contra o denunciado que, a temer pela sua sorte, incriminava inocentes sem qualquer evidência factível. Igualmente, por intermédio da cooperação ou subserviência dos veículos de comunicação de massa, foi edificada a falsa imagem de que a sociedade estadunidense estava ameaçada pelo comunismo (MUNHOZ, 2004a; VALIM; MUNHOZ, 2004). Em 1957, a suprema corte considerou muitos desses julgamentos como casos de violação constitucional e revogou diversas condenações.
Em 1952, no auge da febre anticomunista desencadeada pelo macarthismo, foram construídos cinco campos de concentração com o objetivo de aprisionar comunistas (Florence e Wickemburg, no estado do Arizona; Tule Lake, na Califórnia; El Reno, em Oklahoma; e Allenwood, na Pensilvânia). Esses campos de concentração estavam aptos para abrigar, aproximadamente, 26 mil e quinhentos prisioneiros, no entanto, eles não chegaram a ser utilizados (PARENTI, 1970, p. 60). O caso Rosenberg Em 19 de junho de 1953, o casal Julius Rosenberg e Esther Ethel Greenglass Rosenberg foi executado pelo crime de traição, após condenação sob a acusação de transmitir segredos nucleares aos soviéticos. O processo judicial foi controverso e produziu disputas pela memória que se estendem até o presente. Enfatize-se que o casal sempre se pronunciou inocente (MUNHOZ, 2004a). Embora não haja mais dúvidas sobre o engajamento político do casal com a causa comunista, há no caso um acalorado debate sobre se Julius haveria repassado segredos aos soviéticos ou se eles já possuíam aquelas informações. Do mesmo modo, não há evidências conclusivas de que Ethel tenha cometido algum crime. Também é plausível arguir a desproporcionalidade na aplicação da pena capital mesmo que Julius e Ethel fossem culpados, principalmente a se considerar que outros acusados com envolvimento comprovado no caso foram punidos com penas muito mais brandas. Além disso, hoje é de conhecimento público que o físico alemão Klaus Fuchs, participante ativo do projeto Manhattan, já havia repassado aos soviéticos informações muito mais detalhadas e precisas do que aquelas repassadas por David Greenglass a Julius Rosenberg. Durante o julgamento, o irmão de Ethel, David Greenglass, foi a peça-chave da acusação, mas, em 2001, ao final da vida, ele admitiu que o seu testemunho era falso e que havia estabelecido um acordo com a acusação para proteger a sua esposa Ruth Greenglass. Afirmou ainda não imaginar que Ethel fosse sentenciada à morte, mas sublinhou que não se arrependia da sua atitude, pois, para ele, a sua esposa era mais importante do que a sua irmã ou mãe, que ela era a mãe dos seus filhos e, portanto, ele deveria protegê-la (ROBERTS, 2014; 2015). O processo ocorreu em um dos períodos mais conflituosos da Guerra Fria, no contexto da Guerra da Coreia e das exacerbações do macartismo.
Adicionalmente, como hoje é sabido, o processo foi maculado pela condenação baseada em falso testemunho, por ausência de provas irrefutáveis, por comportamentos impróprios do judiciário, pela condenação antecipada pela mídia, pela manipulação da chamada opinião pública e por oportunismos políticos desenfreados (ROBERTS, 2014; 2015). Na ocasião, nos EUA, fora do tribunal, poucos levantaram-se para defender a inocência do casal Rosenberg. Conforme aponta Meeropol, a esquerda fora marginalizada com a derrota do ex-vice-presidente Henry Wallace nas eleições de 1948, com expurgo dos quadros dos sindicatos de trabalhadores acusados de serem comunistas ou seguidores daquele ideário, em decorrência do início da Guerra da Coreia, e pelo indiciamento do Partido Comunista, com base no Smith Act. Naquele contexto, os comunistas e os seus seguidores adotaram uma tática de defender a legalidade do partido e procuraram distanciar-se dos acusados de espionagem (MEEROPOL, 1994). Em síntese, é bastante plausível aquiescer com a hipótese de que o julgamento foi um ato político. O próprio presidente do tribunal, juiz Irving Kaufman, inadvertidamente, evidenciou a parcialidade daquela corte quando, durante o julgamento, pronunciou: “esse país está engajado em uma luta de vida e morte com um sistema completamente diferente” (MEEROPOL, 1994, p. XVII). É exatamente sobre isso que o conhecido historiador da New Left estadunidense Howard Zinn se manifestou ao dizer: “Para mim, não importa se eles eram culpados ou não, a coisa mais importante foi que eles não tiveram um julgamento justo na atmosfera da histeria da Guerra Fria” (ROBERTS, 2008). Conforme defende Michael Rosenberg (Michael Meeropol), isso implicava que se determinada pessoa, de alguma forma, viesse a prover algum tipo de ajuda ao outro campo, logo se tornava alvo do ódio e do medo por parte dos cidadãos comuns. Ainda como afirma o filho mais velho dos Rosenbergs, àquela época, “a maioria dos americanos [estadunidenses] aprovou a sentença de morte e, por fim, a execução de meus pais, ainda que alguns tivessem dúvidas e muitos considerassem a pena muito severa, mesmo sem duvidar da culpa ou da natureza hedionda do crime” (MEEROPOL, 1994, p. XVII). O processo no qual os Rosenberg foram enredados teve início quando o físico alemão naturalizado britânico Klaus Fuchs, que trabalhou no projeto Manhattan, em Los Alamos, foi preso na Inglaterra, em fevereiro de 1950. Na
ocasião, Fuchs denunciou o seu contato nos EUA, “Raymond” Harry Gold, que, por sua vez, informou que o seu contato era um jovem maquinista e deu as indicações que permitiram identificá-lo. O contato logo foi reconhecido como David Greenglass (KOGEN, 2009). A princípio, Greenglass reconheceu que havia transmitido certas informações aos soviéticos, mas não acusou Ethel Rosenberg, sua irmã. Posteriormente, perante o tribunal, mudou a sua versão e afirmou que a sua mulher (Ruth Greenglass) havia informado aos agentes do FBI que Ethel havia datilografado as notas que, conforme a acusação, seriam enviadas aos soviéticos (McFADDEN, 2014; ROBERTS, 2015). Greenglass foi condenado a quinze anos de prisão, mas foi libertado com pouco menos de dez anos de cumprimento da pena. Sua esposa Ruth Greenglass, que colaborou com a justiça e delatou Ethel com a acusação inverídica, não foi processada, conforme o acordo firmado entre a acusação e David Greenglass (ROBERTS, 2014; 2015). O caso Rosenberg ainda hoje gera divergências. Ethel e Julius eram judeus. Ethel, de fato, ingressou no Partido comunista em 1931. Havia uma influência comunista marcada em setores da comunidade judaica nova-iorquina, em grande medida resultado da postura antifascista dos comunistas. Somente após o conhecimento do Pacto Germano-Soviético, assinado em agosto de 1939, houve a erosão das bases comunistas judaicas nos EUA. Sublinhe-se que Julius e Ethel Rosenberg eram militantes comunistas, o que não era ilegal nos EUA, mas, ao mesmo tempo, ser comunista ou simpatizante tornou-se um fio condutor para justificar a repressão naqueles anos sombrios. Ainda durante a II Guerra Mundial, Julius, ao saber que o cunhado, David Greenglass, estava a trabalhar no projeto Manhattan, em Los Alamos, o recrutou para o partido. Desde o início do processo contra os Rosenbergs, Greenglass acusou Julius, mas, a princípio, não incriminou a sua irmã. Há muitas questões abertas sobre o julgamento do caso. Entre elas, é questionado se o que Julius comunicou aos soviéticos era segredo nuclear ou se já era de conhecimento deles. Há indicações robustas de que Klaus Fuchs já havia enviado informações muito mais detalhadas à URSS. Não há provas de que Ethel tenha enviado qualquer informação aos soviéticos ou de que estivesse envolvida no envio de tais informações. Além disso, especialistas questionam a pena capital imputada a Julius e, principalmente, a Ethel. No testemunho de Ruth Greenglass perante o Grande Juri, ela confirmou que
anotou em um papel as informações e que Julius ficou com elas, mas no julgamento ela afirmou que Ethel datilografou as notas. David confirmou as informações de Ruth e isso praticamente selou a sentença de morte da sua irmã (ROBERTS, 2014; 2015). No primeiro depoimento privado, efetuado perante o tribunal, David Greenglass não fez qualquer acusação à sua irmã. O acesso a essa documentação somente tornou-se possível a partir da sua desclassificação e liberação em 11 de setembro de 2008, resultado de uma petição com base no Freedom of Information Action (FOIA), efetuada pela The National Security Archive e outras organizações, dentre elas a American Historical Association (THE NATIONAL SECURITY ARCHIVE, 2008). Ainda merece nota o comentário de Khruschev sobre uma possível ajuda dos Rosenberg no desenvolvimento da bomba soviética. No livro Khrushchev Remembers: the Glasnost tapes (publicado no Brasil, em 1991, como As Fitas da Glasnost – Memorias de Khruchtchev)34, o líder soviético reconhece que haveria sido informado por Stálin da ajuda dos Rosenbergs para o desenvolvimento da bomba soviética. Meeropol sublinha, no entanto, que a parte das fitas com referências aos Rosenbergs não teve a comprovação de que a voz fosse efetivamente do líder soviético. Segundo Meeropol há três problemas que levam ao questionamento da fidedignidade da informação. Em primeiro lugar, não é possível afirmar com certeza que a voz gravada na fita fosse mesmo a de Khruschev. Segundo ele, o perito que havia comprovado a autenticidade da voz nos dois volumes anteriores não conseguiu certificar que a voz registrada nesse novo volume fosse mesmo verdadeira. Em segundo lugar, ele observa que se trata de uma fita apresentada em 1989, gravada por volta de 1973, sobre conversações que o líder soviético supostamente haveria tido em 1953. Acrescenta que, naquele momento, todos os envolvidos estavam mortos e não era mais possível confirmar a veracidade da informação. Por fim, ressalta que, mesmo que isso houvesse ocorrido, poderia ser uma recordação imprecisa de Khurschev sobre fatos muito antigos, e que, em decorrência, ele poderia haver confundido com as informações provenientes de Fuchs, de Morris ou Lona Cohen (MEEROPOL, 1994, p. XXVIII-XXX). Após a condenação de Julius e Ethel Rosenberg em 29 de março de 1951 e a promulgação da sentença com a determinação da aplicação da pena de morte em 5 de abril do mesmo ano, teve início um périplo com seguidos pedidos da defesa para a comutação ou adiamento da pena. O juiz que presidiu o tribunal,
Irving Kaufman, era judeu assim como os condenados. A nomeação de um magistrado judeu alimenta a hipótese da politização do processo, pois sugere a adoção de uma estratégia por intermédio da qual a atribuição da presidência do tribunal a um judeu tinha como intuito evitar previsíveis acusações de antissemitismo. Destaque-se que o julgamento se deu em um momento em que a opinião pública era bastante sensível ao tema, em decorrência do recente holocausto perpetrado pelo regime de Hitler contra os judeus, durante a II Guerra Mundial. Conforme nos mostra Júlio Cattai em um artigo sobre o papel da United States Information Agency (USIA) na formação de uma opinião pública internacional a favor da condenação dos Rosenberg, há evidências de que a CIA pensou em utilizar o caso para manipular o casal no sentido de pedir aos judeus de todos os países para que se afastassem do comunismo em troca do “esquecimento do caso”. Cattai situa o processo contra os Rosenberg no contexto da chamada Guerra Fria Cultural e da perseguição aos judeus promovida por Stálin na URSS e no Leste da Europa. Adicionalmente o autor mostra como jornais brasileiros acompanhavam o processo, regra geral, reproduzindo as notícias provenientes da USIA, que defendiam a condenação como justa e a necessidade do cumprimento da pena capital (CATTAI, 2019). Ao longo do processo, o casal foi acompanhado pelo rabino Irving Koslowe, que procurou interceder pelos condenados de diferentes formas e, por fim, os acompanhou durante a execução da pena capital. Em uma última tentativa de postergação, o rabino Koslowe pediu o adiamento da pena e justificou que ela poderia violar o dia sagrado dos judeus, o que de fato aconteceu, uma vez que Ethel demorou mais para morrer. O caso todo é emblemático e torna verossímil a hipótese da intencionalidade política na execução do casal. Esse é um aspecto que ainda merece investigação mais detalhada, pois, de outra forma, como explicar todo o empenho para se consumar o fato. O Juiz Irving Kaufman ficou em um plantão especial com o intuito de evitar qualquer postergação, mas, ao mesmo tempo, manteve uma possibilidade aberta, caso Julius ou Ethel resolvessem delatar seus possíveis cúmplices. O presidente Eisenhower negou o pedido de clemência efetuado pela defesa e um dos advogados que procurou contatá-lo teve impedido o acesso à Casa Branca. Houve mobilizações internacionais e o próprio Papa intercedeu pela vida do casal judeu. Durante os eventos, houve manifestações pela vida dos Rosenbergs em diferentes lugares do mundo, mas elas quase não
foram mostradas ou foram minimizadas pela mídia estadunidense (MEEROPOL, 1994). Os filhos do casal Rosenberg, em decorrência dos efeitos deletérios do processo, foram adotados e tiveram nome alterado pelas autoridades estadunidenses para Michael e Robert Meeropol. Robert, que tinha três anos quando os Rosenberg foram presos e seis quando executados, tem viajado pelo mundo e proferido conferências em defesa da memória dos seus pais. Robert esteve no Brasil em 2012, quando proferiu uma conferência na Congregação Judaica do Brasil, no Rio de Janeiro. De fato, Robert e seu irmão mais velho Michael, recuperaram o sobrenome Rosenberg quando adultos. Robert é um ativista pela paz e preside a Fundação Rosenberg, que cuida de crianças em situação de risco, com pais desempregados ou em prisão. Ele afirma que a atuação da fundação tem como objetivo evitar que pessoas passem pelos sofrimentos que ele e seu irmão passaram (ATIVISTA..., 2012). Como se depreende desses eventos contemporâneos, ainda há muito a esclarecer e, para isso, é necessária a desclassificação de documentos relativos ao processo que ainda continuam inacessíveis. Guerra Fria e repressão Na área de influência soviética, no Centro e no Leste da Europa, um embrionário caminho em direção a um modelo de socialismo distinto do praticado na URSS, que a duras penas estava em processo de edificação entre 1944 e 1946, foi logo totalmente submetido ao regime de Stálin, conforme a Guerra Fria ganhava corpo e virulência. Naquela contextura histórica, a cogitada pluralidade de ideias e organizações políticas e a edificação de vias específicas de cada país rumo ao socialismo cederam terreno à vigorosa imposição de uma ordem soviética. O conflito cada vez mais aberto foi utilizado para intensificar a repressão tanto na URSS quanto na sua nova esfera de influência. Assim, no Leste da Europa, entre 1946 e 1948, a reconstrução daquelas sociedades em moldes pluripartidários e de economia mista de forma célere cedeu lugar a regimes de partido único e de economias centralizadas e planificadas. Em paralelo, houve a vertiginosa expansão de julgamentos questionáveis, que culminaram no aprisionamento em massa e na execução de muitos dos “inimigos do Estado” (SPRIANO, 1987; OPAT, 1987).
Ao longo das quatro décadas de sua duração, a Guerra Fria conformou o que grosso modo é chamado de imaginário popular em quase todo o planeta. Havia, porém, diferentes percepções de mundo a depender bloco em que estava inserido o país em que vivia o receptor do discurso e de acordo com a concepção ideológica a que o cidadão ou o agrupamento político estava vinculado. Conforme já aventado em outras passagens, a Guerra Fria cumpriu um papel nodal no controle das populações tanto no bloco soviético quanto no estadunidense. Assim, tanto em um campo quanto no outro, muito foi investido em publicidade para convencer o cidadão comum de que o modo de vida do seu país era o melhor e de que o adversário representava uma ameaça à sociedade e à própria humanidade. Naquele contexto dos anos mais duros da Guerra Fria, para a maioria da população soviética, invariavelmente, o conflito global era resultado da ininterrupta ameaça e da chantagem imperialista proveniente dos EUA e dos seus aliados. Nessa visão de mundo, a União Soviética era a pátria do socialismo, um país que pregava a solidariedade e defendia a paz universal. Desse ponto de vista, contudo, a agressividade imperialista afetava a estabilidade de todo o mundo soviético por intermédio da infiltração ideológica e da ameaça nuclear. No outro campo, para o cidadão mediano estadunidense, a Guerra Fria representava o perigo da agitação comunista enraizada e espalhada pelo país e pelo mundo, da subversão da ordem, do risco da imposição da ditadura “totalitária” e da iminente ameaça de um ataque nuclear soviético. Dessa perspectiva, os EUA eram o país da oportunidade, da abundância, da liberdade e da tolerância, mas tudo isso se encontrava em permanente ameaça em consequência da subversão comunista patrocinada pela URSS e por seus aliados (MUNHOZ, 2004a). As políticas públicas das duas superpotências emergentes e de seus aliados eram, de modo predominante, conformadas pelos receios reais ou imaginários de um novo conflito global. Naquele contexto conturbado, para a maioria dos habitantes da Europa, o cenário, dos dois novos centros de poder global, apesar de distinto, era nutrido pela paranoia da ameaça comunista ou imperialista. No caso europeu, havia o estigma de um processo dirigido por governos estrangeiros que mantinham forças militares colossais no continente. A Europa foi armada por potências estrangeiras (em que pese o fato de que a
URSS fosse, em parte, europeia), uma vez que, no processo de reordenamento do mundo no imediato pós-guerra, aquela região do globo era de fundamental importância, tanto para os EUA quanto para a URSS. Na evolução dos conflitos, cada campo, além das suas alianças globais, procurou definir parcerias e tratados regionais. Em 1947, foi elaborado o primeiro pacto de proteção regional no pós-guerra, o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar). No ano seguinte, o Pacto de Bruxelas foi firmado pela Bélgica, pela Holanda, pela França e pela Grã-Bretanha, tendo por objetivo a assistência militar mútua. Em 1955, a Itália e a República Federal da Alemanha aderiram à organização. O Conselho para a Cooperação Econômica Mútua (Comecon) foi criado pelos países da órbita soviética, em janeiro de 1949, com o objetivo de dar suporte ao desenvolvimento econômico da esfera soviética. A Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foi criada em abril de 1949; o Pacto de Varsóvia (o equivalente soviético à Otan), foi criado em maio de 1955. A Organização do Tratado do Sudeste Asiático (Seato) foi criada em 8 de setembro de 1954, tendo como principal justificativa instituir um sistema de defesa e cooperação econômica que impedisse a expansão comunista no Sudeste Asiático e nas áreas afins do Pacífico. Observe-se que a criação ocorre poucos meses após a derrota francesa no Vietnã em maio de 1954 e o consequente aumento da presença estadunidense na região. O Pacto de Bagdá foi firmado por Grã-Bretanha, Irã, Iraque, Paquistão e Turquia em 1955, objetivando conter a influência da URSS no Oriente Médio. Com a Revolução Iraquiana de 1958, o país, que era a sede da instituição, retirou-se do organismo em 1959. Os EUA não participavam formalmente da organização, mas ela era importante em seu sistema estratégico para a região e contava com o seu apoio. No início de 1950, ocorreram os primeiros passos na direção da criação da Comunidade Econômica Europeia. No início de 1957, foram assinados, em Roma, dois tratados que preparavam a formalização do organismo pelos seus signatários, Itália, França, Alemanha Ocidental, Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Enfatize-se que as estratégias adotadas pelas grandes potências, durante a Guerra-Fria, influenciaram profundamente a vida do cidadão comum, nas mais diversas regiões do planeta, mesmo que, cotidianamente, ele não se desse conta de tal fato. Desse modo, a percepção que o cidadão comum possuía do
conflito era conformada pelos veículos de comunicação de massa, pelo cinema, pela literatura, pela música, pelas histórias em quadrinhos e por outros meios que definiam contornos ideologizados e estereotipados do confronto. Assim, nos últimos anos, tem crescido sistematicamente o estudo sobre a influência dos meios de comunicação na conformação de visões de mundo em diferentes períodos da Guerra Fria. Dessa forma, fontes antes vistas como secundárias ou outrora menosprezadas têm sido reconhecidas como de grande relevância para o estudo dos efeitos gerados pela Guerra Fria ao longo do século XX.
8 IMPERIALISMO E ANTI-IMPERIALISMO, COMUNISMO E ANTICOMUNISMO DURANTE A GUERRA FRIA35 A aliança constituída durante a II Guerra Mundial contra as forças do Eixo havia promovido a união das chamadas democracias capitalistas com o socialismo estalinista soviético. Os interesses antagônicos surgidos ao final daquele conflito mundial, contudo, produziram novas tensões internacionais que levaram a humanidade à beira de uma nova guerra mundial. Havia expectativas díspares em relação à edificação da nova ordem internacional. No campo soviético, a demora na abertura da segunda frente de batalha – solicitada por Stálin, logo após a invasão da URSS pela Alemanha, em junho de 1941 – alimentou a percepção de que a vitória sobre as forças do Eixo fora uma conquista essencialmente soviética. Como sublinhado na primeira parte deste livro, essa atitude fortaleceu a percepção de que os EUA e a Inglaterra haveriam aguardado o desfecho do conflito entre a Alemanha e a URSS, com a esperança de que os dois contendores chegassem ao esgotamento mútuo (LaFEBER, 1997). Desse ponto de vista, acreditava-se que as forças angloamericanas intencionavam derrotar os dois inimigos (o socialismo soviético e o nazismo alemão) de uma só vez, pois o vitorioso do conflito germanosoviético sairia tão fragilizado da contenda que poderia ser facilmente sobrepujado. No campo ocidental, havia desconfianças em relação à URSS associadas a questões que remontavam ao caráter do regime soviético, instituído quando os bolcheviques chegaram ao poder por meio da via revolucionária. Para os liberais ocidentais, a pregação de uma revolução proletária internacional, a expropriação da propriedade privada na Rússia Soviética e o não reconhecimento dos débitos internacionais do império russo ainda eram feridas abertas e jamais cicatrizadas. Além disso, a retirada da Rússia da I Guerra Mundial, em 1918, por intermédio do Acordo de BrestLitovsk, firmado com a Alemanha e, pouco mais de duas décadas depois, o Pacto Germano-Soviético, assinado em agosto de 1939, reforçaram o sentimento de traição e de que não se podia confiar nos soviéticos (KENNAN, 1996).
Como já indicado anteriormente, defendo a perspectiva ancorada nas interpretações revisionistas de que em decorrência da morte de Roosevelt e a consequente posse de Truman, ocorrida em abril de 1945, houve a reorientação da política externa estadunidense, principalmente no concernente ao relacionamento com a URSS. Na União Soviética, a percepção dessa nova postura dos EUA reforçou as suspeitas já existentes de que as democracias ocidentais pretendiam eliminar a sua área de influência no Leste da Europa. Essas desconfianças ganharam dimensão ainda maior quando Stálin soube, por intermédio de um agente infiltrado no White Hall que Churchill havia solicitado ao seu Gabinete de Guerra um plano para atacar as forças soviéticas na Europa. Stálin soube ainda que o general Montgomery haveria recebido ordens para estocar armamentos apreendidos para futuro uso, pois previa-se a necessidade do emprego de unidades alemãs, então aprisionadas, para um possível ataque às forças soviéticas (UNITED KINGDOM, 1945) Assim, é muito provável que, com a intenção de consolidar o controle da região e impedir qualquer estratégia dos aliados ocidentais para retirar-lhe o predomínio sobre Europa Oriental, a URSS aumentou a repressão e restringiu o processo democrático em toda a sua área de influência. Desde o discurso de Churchill, em 05 de março de 1946, em Fulton, Missouri, houve a expansão dos conflitos a envolver os dois blocos antagônicos ainda em formação. Em 12 de março de 1947, foi anunciada a Doutrina Truman. Em 5 de junho do mesmo ano, os EUA anunciaram o Plano Marshall (implementado a partir de abril de 1948). O Plano foi visto pelos soviéticos como parte de uma estratégia imperialista visando à subordinação da Europa aos interesses dos EUA (HOGAN, 1994, 1995b). No crescente clima de confrontação entre os blocos, os comunistas franceses e italianos foram expulsos dos seus respectivos governos. Com o crescimento dos conflitos entre as potências globais, a perseguição político-ideológica tornou-se exacerbada tanto no campo soviético quanto no estadunidense. Nos EUA, entre 1950 e 1954, o macartismo violou a democracia, invadiu a privacidade da vida de milhares de pessoas, monitorou e impôs o silêncio aos meios de comunicação, restringiu a liberdade acadêmica e provocou a expulsão e o ostracismo de centenas de docentes, estudantes e pesquisadores universitários (CHOMSKY, 1997). Naquele contexto, as sessões da HUAC, transformadas em verdadeiros espetáculos e transmitidas ao grande
público, faziam o cidadão médio estadunidense acreditar que o seu país estava prestes a ser invadido por forças comunistas. É importante observar como aponta Schrecker que nos EUA sempre houve intolerância ao pensamento radical de esquerda, que as bases que deram sustentação ao macartismo são bem anteriores a ele. Como muito bem documenta a historiadora, em diferentes momentos intelectuais de esquerda foram perseguidos, punidos, demitidos ou presos. Segundo a autora durante o macartismo, duas pessoas foram mortas, algumas centenas foram presas e cerca de 12 mil perderam seus empregos. Ainda, para a autora, mesmo após o senador Joseph McCarthy haver caído em desgraça e perdido a sua popularidade, o macartismo permaneceu ativo e continuou a fazer vítimas (SCHRECKER, 1986, 2004). Na área de influência soviética, a breve experiência da pluralidade partidária e da busca de caminhos específicos para cada nação construir o seu modelo de socialismo, que grosso modo vigorou entre meados de 1944 e o final de 1946, foram suplantadas pela imposição dos desígnios do Kremlin. Com alguma variação de país para país, essa guinada implicou a prática do aprisionamento em massa, da generalização da violência de Estado e da adoção de julgamentos sumários, em muitos casos com a aplicação da pena capital. Ainda há muito a estudar para chegar-se a uma avaliação mais precisa do número de vítimas desse processo repressivo e do seu impacto sobre aquelas sociedades. A Guerra Fria justificou a intensificação da repressão e o aumento do controle sobre as populações tanto no campo soviético quanto no estadunidense. Durante o período da Guerra Fria, EUA e URSS rivalizaram-se nas mais diferentes regiões do planeta com o objetivo de concretizar os seus diferentes projetos políticos. Se de um lado, a Guerra Fria implicou o alargamento de conflitos, em escala global, de outro, após um período inicial marcado por posturas exacerbadas, ela produziu um sistema balanceado de relações e padrões toleráveis e previsíveis de confronto. Nesse contexto, as duas nações líderes enfrentavam-se por meio de “satélites”, de modo a evitar o embate direto entre as suas forças. Em paralelo, esse modelo não impedia a emergência de conflitos regionais, mas os conseguia manter sob controle de modo a evitar que se transformassem em guerras de dimensões mundiais (MUNHOZ; ROLLO, 2015).
Durante o desenrolar da Guerra Fria é verossímil a imagem do mundo bipolarizado, porém, como é possível observar na literatura especializada, o processo era mais complexo. Os diferentes países associados a cada um dos blocos possuíam interesses distintos e não atuavam de forma homogênea. Assim, aconteciam dissidências nas alianças concertadas e, de certo modo, até havia alguma possibilidade de autonomia dos parceiros menores. Não obstante, a conquista de alguma autonomia pelos aliados de EUA ou URSS sempre era muito frágil, como demonstra a postura intervencionista das duas superpotências globais (MUNHOZ; ROLLO, 2015). Acrescenta-se, que na grande maioria dos países, era possível observar a existência de sociedades cindidas nas quais o cidadão comum não aderia automaticamente à ideologia e ao regime professado pelo seu governo. Ao contrário, muitas vezes, organizava-se com o objetivo de derrubar os seus governantes e de instituir um novo regime nos moldes do campo rival com o qual ele se identificava (HOBSBAWM, 1995). Em decorrência, nas respectivas esferas de influência, foram consolidadas as estruturas materiais e edificados os arcabouços ideológicos que alicerçavam o regime político instituído e forneciam os instrumentos de crítica e combate ao campo adversário. Regra geral, esse confronto era apresentado ao cidadão comum de forma maniqueísta, por intermédio da qual se delineava um combate entre o bem e o mal. Nesse embate, ocupavam papel privilegiado os confrontos entre capitalismo e comunismo, imperialismo e anti-imperialismo, comunismo e anticomunismo, e colonialismo e anticolonialismo. A Guerra Fria e as lutas anticoloniais Ao longo da II Guerra Mundial, dezenas de movimentos de cunho nacionalista expandiram-se e contribuíram na luta contra as forças do Eixo. Ao final do conflito mundial, esses movimentos pressionaram das mais diferentes formas pelo fim da dominação colonial. Essa não era uma questão acordada de maneira incontroversa pelas lideranças dos países que coordenaram as forças aliadas. Diferentes questões matizavam os interesses nem sempre explícitos de modo irrefragável nas estratégias delineadas e nas disputas implícitas existentes no interior da aliança contra as forças do Eixo. O projeto empreendido por Roosevelt e expresso na Carta do Atlântico propugnava o direito à autodeterminação dos povos. O presidente
estadunidense pensava que após o término do conflito mundial seria necessária a reconstrução de uma ordem mundial baseada na Open Door Policy. Acreditava que, dessa forma, os recursos naturais de diferentes regiões do planeta pudessem fluir livremente aos EUA e as mercadorias e capitais estadunidenses pudessem conquistar os novos mercados que, desse modo, naturalmente seriam abertos com o fim do colonialismo. Contudo muitas dessas questões não foram explicitadas de forma clara, pois elas poderiam provocar dissensões na aliança de guerra, em particular com a Grã-Bretanha. Churchill embora tenha aceitado os pontos da carta, o fez em um contexto em que a Grã-Bretanha se encontrava em situação desesperadora, como decorrência das sucessivas vitórias alemãs e do isolamento do país. Ele acreditava na possibilidade de posteriormente reverter pontos considerados lesivos aos interesses do império britânico. Em um documento endereçado ao ministro das relações exteriores, Anthony Eden, Winston Churchill lembra que ele discorda de certos pontos contidos na Carta do Atlântico. O Primeiro Ministro britânico pondera que já informou a sua posição ao presidente Roosevelt várias vezes e que entendia que os EUA mantinham vagas aspirações sobre a criação de uma ordem no pós-guerra que colocava o império britânico em situação muito embaraçosa (GARDNER, 1994, p. 164). Para os historiadores revisionistas, Stálin via na guerra a possibilidade de restaurar as antigas fronteiras russas e de garantir a segurança soviética e, se possível, promover a expansão da influência a outras áreas, mas sem confrontar diretamente Roosevelt. Para conquistar esses objetivos, o líder soviético haveria desestimulado a tomada do poder por organizações comunistas em diferentes áreas do planeta, como sinalizaram os seus posicionamentos em relação à Grécia, à Itália e à China. No entanto esse também é um ponto controverso e é interpretado de forma distinta por diferentes correntes historiográficas. A considerar a necessidade de preservação da aliança e evitar discussões espinhosas, Roosevelt procurou deixar a solução desses problemas controversos para depois da guerra, pois temia que eles pudessem enfraquecer a aliança e dificultar a vitória sobre o inimigo. Por um lado, Roosevelt reconhecia a necessidade soviética de predomínio na Europa Oriental. Afinal, os seguidos ataques sofridos pelos russos, através daquela região, justificavam a busca da almejada proteção territorial. Por outro, ele temia que, se a União
Soviética consolidasse a sua esfera de influência, a Inglaterra, a França e outras potências coloniais pudessem buscar a reconstrução dos seus impérios coloniais e, desse modo, seria muito mais complicada a constituição da nova ordem global lastreada na Open Door Policy, que era baseada no livre comércio. Com a morte de Roosevelt e, posteriormente, a emergência das tensões oriundas da Guerra Fria, esses problemas vieram à tona e adquiriram uma proporção ainda maior. Com o início das tensões que levaram à emergência da Guerra Fria, cada uma das potências procurou consolidar a sua órbita de influência e preservar os seus interesses. A União Soviética embora atuasse de forma contínua com o intuito de conquistar seus objetivos, mostrou algum comedimento ao retirarse do Irã quando pressionada pelos EUA em 1946. Como já indicado anteriormente, Stálin desestimulou a tomada do poder pelos movimentos comunistas em diferentes áreas do globo de forma a evitar os riscos de um confronto mais direto com os EUA. Mesmo após a promulgação da Doutrina Truman e do anúncio do Plano Marshall (ambos em 1947), Stálin manteve uma postura cautelosa na política externa soviética, pois não incitou abertamente e até mesmo desestimulou a transformação das lutas anticoloniais e de libertação nacional em revoluções socialistas. Não obstante, após certa reserva, concordou com a proposta de invasão da Coreia do Sul propugnada pelo líder comunista da Coreia do Norte, Kim Il Sung, o que contribuiu para a escalada dos conflitos na Ásia, com repercussões imprevistas na política externa soviética. Nesse aspecto, há divergências sobre os motivos pelos quais, após o início da Guerra Fria, a União Soviética não se aproveitou de forma mais direta e intensa das lutas de libertação nacional para desafiar a influência estadunidense. Dentre os motivos, é plausível presumir o enfoque soviético na reconstrução do país e na necessidade de recursos para esse fim. Além disso, havia o receio da escalada de uma guerra de proporções globais para a qual a URSS não estava preparada. Acreditava-se que o início de um novo conflito naquela quadra da história sangraria os já parcos recursos destinados à retomada do desenvolvimento industrial, à solução dos infinitos problemas da infraestrutura urbana que havia sido destruída durante a guerra e uma infinidade de outros problemas emergenciais decorrentes da destruição ocasionada pela invasão alemã.
Nos EUA, já a partir de 1946 tornou-se evidente o abandono por parte do governo da política de apoio à expansão de regimes democráticos, logo substituída pelo suporte a regimes fortes, muitas vezes de caráter autoritário, que pudessem representar maior segurança frente à suposta ameaça comunista. Assim, segundo Leslie Bethell e Ian Roxborough, na América Latina houve duas fases distintas naquele período (BETHELL, L; ROXBOROUGH, 1992). Na primeira, entre 1944 e 1946, com pequenas variações cronológicas, deu-se a democratização da sociedade e observou-se o curso dos regimes em direção à esquerda, com tendências nacionalistas, alicerçados no vigor das organizações de esquerda e da militância operária. Entre 1945 e 1947, entretanto, é notória a inversão desse curso e a opção pelos governos de perfil autoritário. À exceção da Guatemala, que manteve o regime democrático até 1954, nos demais países é possível afirmar que já em 1948 os sonhos de uma rápida democratização do continente haviam sido sepultados. Para Peter H. Smith, ao final de 1954, mesmo com critérios de classificação bastante generosos, somente seria possível apontar a permanência de quatro regimes democráticos na América Latina: no Uruguai, na Costa Rica, no Chile e no Brasil (SMITH, 1996). Na Ásia, os EUA procuraram evitar que a URSS pudesse ampliar a sua influência. Sobre essa questão há candentes polêmicas interpretativas. Uma delas que merece destaque, já apontada em passagens anteriores, refere-se à própria conclusão da guerra com o Japão. Historiadores ortodoxos e neoortodoxos defendem a tese de que os bombardeios nucleares a Hiroshima e Nagasaki foram necessários para abreviar a guerra e poupar vidas, principalmente dos soldados estadunidenses, mas também de civis japoneses. Já para uma gama variada de outros historiadores, com destaque para os revisionistas, os bombardeios nucleares tinham por objetivo finalizar a guerra rapidamente para evitar a partilha da Ásia com a URSS e, em paralelo, pressionar e limitar as ambições soviéticas na Europa. Logo após a guerra, os EUA impediram que a URSS participasse da rendição formal do Japão e desenvolveram estratégias para conter as forças soviéticas presentes na Manchúria, no norte do Vietnã e da Coreia. Para Melvin Leffler, Truman, Acheson e seus assessores avaliavam que a URSS estava fragilizada e que não buscaria um confronto direto com os EUA. O autor defende que a grande questão para os elaboradores da política externa
dos EUA era evitar que a URSS pudesse unir o seu potencial, os recursos naturais da Eurásia e a mão de obra qualificada da Europa Ocidental (LEFFLER, 1992). Eles temiam que se isso acontecesse e a URSS conseguisse desenvolver o seu potencial tecnológico, no futuro, ela tornar-se-ia uma formidável competidora dos EUA. Segundo essa perspectiva, os EUA inicialmente deram menos importância à queda da China do que se costuma inferir, pois a grande preocupação no Oriente era oferecer ao Japão os recursos que antes da guerra o país retirava da Manchúria e da Coreia. Os policymakers estadunidenses acreditavam que esses recursos pudessem vir do Sudeste Asiático, o que levava os EUA a agirem para evitar que Ho Chi Minh vencesse o conflito interno e unificasse o Vietnã sob a bandeira do comunismo. Nesse quesito, a questão primordial era promover um novo modelo de desenvolvimento do Japão e melhorar o padrão de vida da população para evitar que ela tendesse à esquerda. Nesse contexto, os EUA precisavam garantir que Vietnã, Indonésia, Filipinas, Malásia e outros países da região não se orientassem em direção ao comunismo e se tornassem os alicerces de sustentação do projeto de reconstrução de um Japão amigo (McCORMICK, 1995). O Vietnã, inicialmente, não estava no perímetro de defesa traçado por Acheson, mas, posteriormente, foi avaliado que a sua queda poderia estimular outras rebeliões e que isso poderia ameaçar a hegemonia dos EUA na região. Assim, os EUA, inicialmente, passaram a dar suporte à França e, depois de 1954, assumiram o seu lugar. Em decorrência do exposto, sublinhe-se que o conflito na Indochina envolveu, de forma direta, o Vietnã, a Coreia, o Laos e o Camboja e, de forma indireta, toda a região. A emergência do conflito resultou de uma escolha política tomada ainda no segundo governo Truman. Essa diretriz política perpassou os governos Eisenhower, Kennedy, Johnson, Nixon e Ford. Esclareço que não se pode afirmar que a postura fosse idêntica durante esses governos, pois não era, mas a linha geral constituía a busca da integração das regiões periféricas e semiperiféricas do centro capitalista ao sistema mundial, se necessário, com o emprego da força militar (McCORMICK, 1995). Essa era a essência do papel atribuído àquela região no projeto de ordem mundial dos EUA para o pós-guerra. Nesse projeto, o Japão desempenharia um papel fundamental na Ásia. Esse país experimentava, contudo, ao final da década de 1940, uma enorme carência de dólares. Assim, o Japão precisava
vender os seus produtos no mercado regional, fora do campo dos dólares, depois converter isso em dólares para poder comprar dos EUA os produtos de que necessitava. Para McCormick, a Guerra da Coreia constitui-se em parte de uma disputa pelo controle dos rimlands do Nordeste e do Sudeste da Ásia e de Taiwan. Para o autor, havia três motivos para os EUA lutarem pelo controle dessas áreas: 1) buscavam a integração das economias extrativistas do Terceiro Mundo aos centros industriais capitalistas, caso necessário, com o emprego da força militar; 2) almejavam manter a periferia asiática aberta para a economia Japonesa que desempenharia um papel importante no sistema mundial naquela região e, ao mesmo tempo, dessa forma, visava evitar que o Japão caísse na órbita sino-soviética; 3) por fim, para o autor, ao manter o Japão e os rimlands juntos, como um componente regional do sistema mundial, acreditavam que talvez fosse possível atrair a China para fora da órbita soviética e a reintegrar à economia capitalista (McCORMICK, 1995). Ainda, para McCormick, o prolongamento da Guerra da Coreia possibilitou e justificou a militarização da política externa estadunidense. Para esse autor, se os EUA houvessem concordado com o armistício proposto em 1951, em termos muito semelhantes aos que foram definidos, dois anos depois, o Congresso e a sociedade, certamente, opor-se-iam aos contínuos aumentos dos orçamentos militares. Desse ponto de vista, terminada a guerra, a integração da região permaneceu como a meta da política externa estadunidense. Naquele cenário, segundo McCormick, buscou-se integrar a Alemanha em uma unidade econômico-militar, o Japão e os rimlands em uma unidade regional e a periferia e semiperiferia do Terceiro Mundo aos países capitalistas industrializados e, finalmente, a integração de todo esse conjunto de forma global. A Guerra da Coreia, segundo esse ponto de vista, possibilitou aos EUA caracterizar a URSS como um Estado militar agressivo e expansionista. Como decorrência da expansão do conflito e como resposta ao NSC-68, houve uma enorme expansão da economia militar soviética. Assim, o conflito facilitou a implementação dessa estratégia estadunidense, uma vez que a Europa Ocidental, ao se sentir ameaçada pelo aumento de 50% nos gastos militares soviéticos, pela enorme expansão do Exército Vermelho, que teve o seu contingente dobrado no período da Guerra da Coreia, e pelo temor da bomba
H, testada pelos soviéticos em janeiro de 1953, mostrava-se muito mais receptiva a essa política dos EUA (McCORMICK, 1995). McCormick acredita que o prolongamento da Guerra da Coreia fortaleceu a integração dessa parte da Ásia ao sistema mundial. Além disso, haveria possibilitado a expansão do conflito para o Sudeste da Ásia por mais duas décadas. O autor procura demonstrar que o papel dos EUA no conflito do Vietnã começou cerca de dois meses antes do início da Guerra da Coreia, quando o país anunciou, em 1º de maio de 1950, o apoio financeiro e militar para que a França pusesse fim ao processo revolucionário, então em andamento na Indochina, e reconstruísse a estabilidade regional (McCORMICK, 1995). Para esse autor, da mesma forma que a Guerra da Coreia, a do Vietnã foi em parte produto de uma estratégia geral para integrar a periferia nas economias centrais e, em parte, decorrência da estratégia de alicerçar a recuperação da economia japonesa. Nessa perspectiva, pensava-se que, se bem-sucedida a estratégia, ficava a possibilidade de que a China pudesse ainda retornar ao sistema capitalista, uma vez que se considerava a possibilidade de alterações no quadro interno do país, se as pressões externas fossem suficientemente fortes para agravar os conflitos domésticos. Na política externa dos EUA, havia duas ordens de problemas que levavam a ações nem sempre compreensíveis ao observador externo. Em primeiro lugar, os interesses do complexo industrial militar na expansão da máquina de guerra do país, em decorrência aos fabulosos lucros propiciados pelas crescentes encomendas do Estado. Em segundo lugar, o desvirtuamento provocado pelos interessados nessa política agressiva e a incompreensão por outros atores do sentido das lutas anti-imperialistas e de libertação nacional em expansão na África e na Ásia, regra geral, caracterizadas como ameaça comunista, quando, na maioria das vezes, situavam-se no campo das lutas anticoloniais. Em outras palavras, a chamada ameaça comunista era empregada para justificar a defesa dos interesses das grandes corporações com vistas ao controle de riquezas e mercados em diferentes regiões do planeta e, em particular, na venda de armas. Para Fredrick Logevall, Ho Chi Minh foi, particularmente, mal-entendido. Ele defende a tese de que Ho tenha sido uma das lideranças mais incompreendidas do século XX. O autor vê a linha de ação do líder
revolucionário vietnamita, no imediato pós-guerra, mais relacionada ao campo do nacionalismo, tendo como objetivo a independência do regime colonial francês do que ao comunismo (LOGEVALL, 2013, p. 12) Em outras palavras, para o autor, Ho Chi Minh mais que comunista, era um nacionalista a lutar pela libertação do Vietnã do jugo colonial francês. Enfatize-se que a declaração de independência vietnamita proclamada por Ho Chi Minh em 1945 começa com a reprodução da declaração de independência dos EUA. Nela é possível ler que “Todos os homens são criados iguais” e continua “Eles foram providos pelo Criador com certos Direitos inalienáveis; entre eles estão a Vida, a Liberdade, e a busca da Felicidade” (LOGEVALL, 2013, p. 13). O líder vietnamita sabia que precisava do apoio dos EUA para garantir a estabilidade da nova nação que estava a ser criada e ao invocar princípios tão caros aos EUA, esperava contar com o apoio da nova potência global (LAWRENCE, 2008, p. 28). Em seu pronunciamento, Ho Chi Minh lembrou também a Revolução Francesa e a declaração dos direitos do Homem, mas recordou que o imperialismo francês havia 8 décadas violava o território e oprimia o povo vietnamita (HO, 1945, in: LOGEVALL, 2013, p. 9698). Para combater o Vietminh, os franceses criaram um regime fantoche no sul do Vietnã, o que acabou por delinear uma guerra entre os comunistas predominantes ao norte e as forças agregadas ao decadente poder francês, no Sul. Nesse aspecto, é importante observar que Ho Chi Minh, por diversas vezes solicitou o apoio dos EUA para a constituição de um Estado vietnamita independente da França. A Administração Truman ignorou ainda oito solicitações de ajuda econômica, política e técnica efetuadas pelo Vietminh (LOGEVALL, 2013, p. 13-15). Mais que isso, a administração Truman manteve o apoio à dominação colonial francesa na região. Da perspectiva revisionista, esse é um dos aspectos de clara mudança pontual na política externa dos EUA após a morte de Roosevelt. O mencionado ex-presidente não via com bons olhos a manutenção de impérios coloniais, uma vez que a medida contrariava a Open Door Policy. Fechados os canais com os EUA, o Vietminh buscou o apoio militar, econômico e estratégico da URSS e, depois de 1949, da China. Posteriormente, em 1954, o Vietminh derrotou os franceses em Dien Bien Phu. Apesar da derrota francesa e da resistência de parcela significativa do Congresso estadunidense em continuar dando apoio aos franceses,
Eisenhower entendendo que o Vietnã era fundamental para os interesses dos EUA na região e no sistema mundial, gradativamente começou a assumir o lugar da decadente potência colonial europeia. Isso aconteceu no contexto da adoção da Teoria dos Dominós defendida por Eisenhower. O raciocínio aplicado para a Coréia, também deveria ser aplicado para o Vietnã, para toda a Indochina e, de modo ampliado, para o mundo. Assim, a questão da segurança nacional dos Estados Unidos cada vez mais ganhava uma dimensão global e conflitos localizados nas mais diferentes regiões da periferia do mundo capitalista passaram a ser interpretados como ameaçadores à segurança do país (LOGEVALL, 2013, p. 6-7). Após a vitória do Vietminh em Dien Bien Phu (1954), os franceses foram forçados a reconhecer a predominância dos comunistas no norte do Vietnã. Os acordos de Genebra, ocorridos em 1954, dividiram o país por intermédio de uma linha imaginária, o paralelo 17. Ho Chi Minh aceitou a ideia da divisão temporária do território com a perspectiva de que, dois anos depois, em 1956, houvesse eleições gerais e o país pudesse ser reunificado. Certamente, pesou nessa decisão o receio de uma intervenção direta dos EUA na região. Não obstante, os EUA não ratificaram o tratado de Genebra, as eleições nunca se realizaram e as tensões cresceram no Vietnã dividido. Nos anos subsequentes, houve a escalada da violência que culminou no desencadeamento da chamada Guerra do Vietnã. Como ressalta Lawrence, a denominação dessa guerra está associada à perspectiva a partir da qual se posiciona o enunciador do discurso. Os vietnamitas a chamavam de “Guerra Americana”, para diferenciá-la de outras guerras com inimigos estrangeiros durante o século XX; muitos autores preferem a denominação “Guerra da Indochina”, para indicar que o conflito envolvia toda a região e não apenas o Vietnã; os vietnamitas comunistas a chamavam de “Guerra de libertação Nacional” ou “Guerra de Salvação Nacional anti-EUA”. Por fim muitos líderes estadunidenses a chamavam simplesmente de “Conflito do Vietnã”, para minimizar a sua importância (LAWRENCE, 2008, p.1) Diferentes projetos modernizadores Do final da década de 1940 a meados da década de 1960, tanto os elaboradores da política externa dos EUA quanto da URSS trabalhavam a
partir de um denominador comum: o mundo vivia um momento extremamente importante e a história estava ao seu lado. Para Michael Latham, nos EUA, intelectuais como Talcott Parsons, Walt Rostow, Daniel Lerner, Max Millikan entre outros afirmavam que o mundo experimentava um processo de transição, liderado pelo Ocidente democrático, de estruturas arcaicas baseadas em valores como religião, família, status, fatalismo para um mundo moderno embasado no racionalismo, na ciência, no desenvolvimento tecnológico, na crença no progresso e no individualismo. Consideravam, no entanto, esses momentos de transição particularmente difíceis, pois os antigos valores estavam em processo de erosão e os novos ainda não haviam se consolidado. Desse ponto de vista, nesses momentos abriam-se brechas perigosas que podiam ser aproveitadas pelos comunistas. Assim, defendiam teses que em linhas gerais apontavam para a necessidade da aceleração do processo de modernização, com o objetivo de estreitar essas janelas e impedir que a subversão comunista pudesse se aproveitar do caos gerado por essa fase de transição e ameaçar a sociedade (LATHAM, 2010, p. 262). Dessa forma, entendiam que os Estado Unidos deveriam agilizar esse processo de apoio à modernização dos países em que o capitalismo ainda não havia se realizado plenamente, por meio da ajuda externa, da aceleração dos planos de desenvolvimento e da assistência técnica de forma a impedir que os comunistas se aproveitassem dessas oportunidades em momentos de grande vulnerabilidade da sociedade. Acreditavam que dessa forma seria possível tornar a sociedade mais segura, liberal, democrática, e com um capitalismo próspero. Essa perspectiva não se ancorava em um ponto de vista defensivo (de mero combate ao comunismo), mas colocava a necessidade da ação modernizadora de forma positiva. Esses intelectuais ponderavam que era fundamental tomar a dianteira e demonstrar que era possível fazer, no século XX, no sul do planeta o que havia sido feito ao Norte, ao final do século XIX: promover de forma simultânea o desenvolvimento econômico e a democracia política. Nesse contexto e com esses objetivos foram implementadas políticas como a “Aliança para o Progresso” e os Peace Corps. Desse ponto de vista, entendiam que se obtivessem sucesso na aceleração da modernização e promovessem a melhoria das condições de vida no Terceiro Mundo, o comunismo perderia a sua capacidade
de atração ideológica e deixaria de representar uma ameaça ao mundo democrático-capitalista (LATHAM, 2010, p. 263). Na União Soviética, também havia a crença de que o mundo se encontrava em um momento bastante favorável. Em especial, após a morte de Stálin, Kruschev e os estrategistas soviéticos defendiam que não era mais possível trabalhar com a noção de dois campos rígidos que se opunham e que inevitavelmente levariam à guerra (sublinhe-se que pouco antes da sua morte, havia delineado vagamente as bases de uma teoria da coexistência pacífica). Para Kruschev, a capacidade de destruição mútua gerada pelas armas nucleares tornou menos certa a inevitabilidade de uma guerra total entre os dois mundos. Assim, o líder soviético acreditava que no Terceiro Mundo poderia ser gerado um vasto campo de paz que confrontaria as políticas imperialistas. Acreditava ainda que era possível atrair para o campo soviético as elites não comunistas de países não desenvolvidos que encontrariam na URSS uma alternativa ao modelo de modernização capitalista. As lideranças soviéticas confiavam ainda na possibilidade de estimular, nesses países, a formação de alianças entre o proletariado e a burguesia, de forma transformar revoluções anti-imperialistas em anticapitalistas, sem que necessariamente houvesse luta armada. Em decorrência dessa perspectiva, a União Soviética passou a investir vultosos esforços e recursos no apoio aos projetos de desenvolvimento implementados pelos governos Jawaharlal Nheru, na Índia; Gamal Abdel Nasser no Egito; Ben Bella, na Argélia; Kwame Nkrumah, em Gana; entre outros (LATHAM, 2010, p. 264-265). Essas disputas levaram à expansão das tensões a envolver os EUA e a União Soviética para o chamado Terceiro Mundo, pois à medida que os antigos impérios coloniais se esfacelavam surgiam espaços para as superpotências globais que passavam a disputar novos aliados (MUNHOZ; BERTONHA, 2009). Em certos casos, essa política levou à intervenção soviética, como ocorreu no Congo, após a tentativa separatista da província Hatanga, com o apoio dos ex-colonizadores belgas. O novo governo do Congo solicitou a intervenção da ONU, o que não correu como resultado da pressão dos EUA. Nesse contexto, sem alternativas, o primeiro ministro Patrice Lumumba, voltou-se para o apoio soviético. Considerando a situação inaceitável, os EUA por meio de um golpe de Estado liderado pelo general Mobutu, e arquitetado pela CIA, pôs fim
ao regime autônomo em construção no país. Lumumba foi preso e assassinado e Mobutu instituiu uma ditadura atroz no país. Segundo o autor, contudo, ao apoiar militarmente o governo de Lumumba, Kruschev pôs um desafio ao mundo capitalista e sinalizou para o Terceiro Mundo com uma nítida postura anti-imperialista (LATHAM, 2010, p. 265). Para Latham, de forma diferente dos soviéticos, Mao Zedong via nas transformações no chamado Terceiro Mundo um claro desafio à ordem capitalista. No contexto da jovem revolução, os chineses trataram de buscar a expansão do seu modelo e da sua influência para outras áreas, até como uma forma de preservação e fortalecimento do seu próprio regime. Assim, ao longo da década de 1950 e na seguinte, a China procurou colocar-se como um aliado natural dos povos oprimidos e como uma alternativa viável tanto ao modelo de modernização capitalista quanto ao modelo soviético do qual Mao estava a se afastar. Mao Zedong e Zhou Enlai procuraram estabelecer relações, muito antes da União Soviética, com os países que estavam em processo de formação como decorrência das lutas por independência nacional que confrontavam as metrópoles coloniais. Zhou Enlai defendeu a organização de uma frente antiimperialista na Conferência de Bandung, em 1955. O pronunciamento de Kruschev no XX Congresso do PCUS com as denúncias contra Stálin e a teoria da coexistência pacífica levaram as lideranças chinesas a acreditar que a URSS havia abandonado o caminho da revolução. Posteriormente, em 1959, a União Soviética, não apoiou a China em uma demanda de fronteiras com a Índia. A medida aumentou os ressentimentos chineses e foi interpretada como uma preferência ao país não alinhado, uma renúncia da solidariedade socialista para com a China. Essa crise levou à erosão das relações entre os dois países e quase os levou à guerra (LATHAM, 2010, p. 266). No início da década de 1960, a China investiu muito na expansão da sua influência no Terceiro mundo. Com esse objetivo, o governo chinês apoiou o regime do Vietnã do Norte de forma muito mais intensa e direta que a URSS. De fato, já havia feito isso na Guerra da Coreia e somente em decorrência do envolvimento de mais de um milhão de combatentes chineses, que sofreram pesadas baixas, o regime de Kim Il-Sung não ruiu. Ainda em 1963, Zhou Enlai concentrou grande parte do seu esforço diplomático na África, ao buscar o estreitamento de relações com Argélia, Etiópia, Egito, Gana, Guiné, Mali,
Marrocos, Somália e Sudão. As lideranças chinesas acreditavam em meados daquela década que a aplicação do modelo de ação chinesa por meio da organização do campesinato e do cercamento das cidades pelo campo poderia levar à expansão da revolução e que poderia colocar em xeque os EUA, a Europa e a própria URSS. No início da década de 1960, os três competidores viam um campo promissor na emergência dos países pós-coloniais. Para os EUA, era um campo em que poderiam confrontar a URSS, estimular a modernização e o desenvolvimento desses países e bloquear qualquer influência soviética. Para os soviéticos, era um campo promissor para a transformação socialista. Os chineses viam nesses movimentos uma intensa relação com o seu próprio caminho e a oposição aos desígnios dos EUA e da URSS (LATHAM, 2010, p. 267). A partir de meados da década de 1960, no entanto, os três competidores começam a vislumbrar problemas em seus modelos de ação, uma vez que não obtinham os resultados esperados. Os EUA abandonaram o modelo de apoio ao desenvolvimento e passaram a organizar golpes militares seguidos da implantação de regimes autoritários que pudessem oferecer maiores garantias de estabilidade aos seus interesses. Isso levou a instituição de regimes sangrentos na Ásia, na África e na América Latina e ao envolvimento direto do país nos conflitos na Indochina (LATHAM, 2010, p. 268). Os soviéticos começaram a revisar a sua política para o Terceiro Mundo por volta da mesma época. Os chamados países não-alinhados não assumiam à risca o modelo soviético. Muito do esforço humano e capitais investidos pelo país no Sudão, Indonésia e Gana, entre outros, foram perdidos em decorrência de golpes de estado e da derrubada dos regimes apoiados pelo Kremlin. Outro exemplo das dificuldades na implementação dessa política era o Egito, comandado por Gamal Abdel Nasser. Gamal Abdel Nasser chegou ao poder, em 1952, por meio de um movimento nacionalista que confrontava a continuidade de um regime que, mesmo após a independência, era estreitamente associado aos interesses britânicos. No governo, Nasser iniciou um programa de cunho nacionalista e de reformas sociais. Em 1956, desafiou o controle britânico sobre o canal de Suez (BRADLEY, 2010, p. 480). O conflito ganhou maiores proporções com a intervenção da Grã-Bretanha, França e Israel no Egito e só não se expandiu
para toda a região, porque a União Soviética e os EUA, temerosos de uma escalada global, exigiram o fim da intervenção estrangeira. Nesse contexto, Nasser explorou a situação e a sua popularidade em alta. Dessa forma, propugnou a criação de um movimento pan-arábico, deu apoio a forças oposicionistas na Síria, na Jordânia e no Iraque, ao mesmo tempo em que confrontava Israel. Assim, as lutas anti-imperialistas e antissionistas enrobusteciam a força política do líder egípcio, dando origem ao surgimento de partidos políticos nasseristas em diversos países da região. Em 1958, tentou-se inclusive a criação de um único Estado, proveniente de uma aliança entre o Egito e a Síria, mas o projeto fracassou (BRADLEY, 2010, p. 480). Nasser mantinha, porém, uma linha de independência em relação à União Soviética e inclusive reprimia duramente o Partido Comunista. Os EUA receavam a expansão a agitação nasserista pela região e esse foi um motivo palpável para obstar a intervenção dos seus aliados no Egito, uma vez que a União Soviética poderia capitalizar isso para a expansão da sua influência entre os países Árabes. Ao mesmo tempo, essa situação, levou os EUA a intervirem no conflito civil libanês em 1958 e a apoiar econômica e militarmente governos conservadores no Irã, no Iraque, na Jordânia, na Líbia e na Arábia Saudita (BRADLEY, 2010, p. 481). Assim, tanto EUA quanto URSS não conseguiam controlar plenamente os seus aliados oriundos das lutas pós-coloniais, muitos dos quais aderiram às perspectivas do não alinhamento emergidas da Conferência de Bandung. Em decorrência, os EUA buscaram por meio dos golpes militares instituir governos amigos e a URSS retraiu-se e adotou uma postura mais comedida. Há autores que veem relações entre esses insucessos soviéticos e a desestabilização de Kruschev, no entanto o tema é motivo de debates. Com Brejnev, houve mudanças na avaliação do cenário internacional. Embora a URSS mantivesse o seu interesse e envolvimento nas questões do Terceiro Mundo, o seu caminho estava mais associado ao apoio aos partidos comunistas com sólida doutrina marxista-leninista e na ação em termos de longa duração (LATHAM, 2010, p. 273-274). A China também começou a rever a sua política quando os regimes por ela apoiados ruíram na Argélia, na Indonésia e em outros lugares. Eles significavam investimento de energia e capitais. Além disso, com vistas a acelerar a transição em direção ao comunismo, a China mergulhou na sua
própria revolução cultural entre 1966-1968 e, naquele período, praticamente abandou o seu envolvimento com as questões internacionais. Internamente, o país experimentou um caos do qual começou a sair somente ao final da década. No início da década de 1970, o regime chinês insistia na necessidade de luta contra a hegemonia dual dos EUA e da URSS, mas a partir de 1973, com o sucesso de aproximação com a visita de Nixon ao país, novamente a China mudou a sua ênfase nas relações internacionais ao abandonar gradativamente o campo da luta armada, reduzir o peso dado às lutas de libertação nacional e ao focar a ação nas relações interestatais (LATHAM, 2010, p. 275). Durante a década de 1970 e nas seguintes, disputas entre os distintos projetos de sociedade continuaram a ocorrer em diferentes regiões do planeta e colocavam desafios ao modelo à ordem bipolar que vigorou durante as fases iniciais da Guerra Fria. O fim do império colonial português intensificou as contendas no continente africano entre os grupos políticos que se colocavam em campos opostos no gradiente ideológico. Assim, por exemplo, Angola e Moçambique conquistaram as suas independências nacionais, mas mergulharam por cerca de duas décadas em sangrentas guerras civis. Na América Latina, a Revolução Cubana em 1959 implicou a expansão de movimentos revolucionários e, ao mesmo tempo, uma maior intervenção dos Estados Unidos no patrocínio de golpes que culminaram na instituição de ditaduras atrozes ao longo das décadas de 1960, 1970 e ao menos em parte da seguinte. Com a vitória da Revolução Sandinista na Nicarágua, em 1979, a América Central experimentou a efervescência de movimentos similares. Com a posse de Ronald Reagan na presidência dos EUA, porém, ampliou-se a intervenção do país na região, que intensificou o apoio a forças militares e paramilitares que mergulharam a América Central em um banho de sangue. A União Soviética, já em crise continuada, enredou-se no conflito do Afeganistão, e teve o seu Vietnã, o que certamente contribuiu para a sua exaustão e para o início do fim do regime inaugurado por Lenin. A partir da segunda metade da década de 1970 e nas seguintes, a China investiu nas suas profundas reformas econômicas de modo a cada vez mais adquirir as facetas de um capitalismo de Estado, de tal modo que, no limiar do século XXI, as suas intervenções no cenário internacional eram muito mais matizadas pela sua capacidade de atração de capitais e, ao mesmo tempo, de investimento no exterior. O tema é instigante, mas está fora do escopo deste livro.
PARTE 3 O CREPÚSCULO DA GUERRA FRIA
9 DAS DÉTENTES À NOVA CONFRONTAÇÃO GLOBAL Durante a Guerra Fria, o imperativo de encontrar alguma forma estável de relacionamento entre as potências dominantes, a busca por padrões toleráveis de conflito e, ao mesmo tempo, a importância da criação de canais para a negociação proporcionaram o surgimento de uma fase que foi denominada como Détente, distensão ou, ainda, desanuviamento. Conforme já apontado em artigo pregresso, em coautoria com José Henrique Rollo Gonçalves, mais que uma, houve diferentes détentes (MUNHOZ; ROLLO, 2015). A princípio, em momentos diversos das décadas de 1960 e 1970, a França, a Alemanha Ocidental e alguns dos países nórdicos buscaram estabilizar as suas relações com a União Soviética e com os países do leste do continente. Esse processo complexo e multifacetado colocou desafios para os EUA, que a partir de meados da década de 1960 estavam atolados no conflito do Vietnã, sofriam os impactos de um desequilíbrio orçamentário, agravado pela perda de mercados tradicionais para aliados, como, por exemplo, o Japão e a Alemanha. Para ficar apenas em um caso, os produtos japoneses estavam a conquistar mercados que habitualmente eram dominados pelos EUA e, além disso, também começavam a inundar a maior economia global e a desbancar os eletroeletrônicos nacionais. Isso agravava ainda mais o desequilíbrio nas contas dos EUA, que desde 1967 passaram a apresentar sucessivos déficits. De um lado, essa balança desfavorável era resultado da recuperação das economias dos aliados europeus e do Japão no pós-guerra, que estavam a crescer continuamente e a buscar novos mercados. De outro, era proveniente da sangria provocada pelo conflito no Sudeste da Ásia (McCORMICK, 1995). Essas circunstâncias colocavam o governo Nixon em uma situação bastante difícil, pois, com o crescimento dos déficits e o aumento da inflação, o Congresso passou a efetuar cortes nos recursos para a Defesa, o que repercutia no conflito na Ásia. Em paralelo, cresciam as manifestações contra o envio de jovens para o Vietnã, à medida que mais e mais corpos de soldados estadunidenses retornavam daquela guerra (McCORMICK, 1995; MUNHOZ; ROLLO, 2015).
Naquele contexto, buscar uma saída negociada com a URSS ganhou corpo na administração Nixon, pois acreditava-se que dificilmente seria possível encontrar uma solução para o conflito do Sudeste Asiático sem a aquiescência da rival. Além disso, nos EUA, setores corporativos ressentiam-se do fato de que empresas da Europa Ocidental estavam a conquistar mercados na esfera soviética, os quais, em decorrência dos embargos da Guerra Fria, permaneciam inacessíveis às corporações estadunidenses. Para a URSS, reduzir gastos com a Defesa e evitar confrontos desnecessários era fundamental para viabilizar recursos destinados ao desenvolvimento de áreas essenciais com o objetivo de atender às demandas daquela sociedade. Assim, durante os governos Nixon (EUA) e Brejnev (URSS) foram iniciadas tratativas para chegar a um padrão de relacionamento que atendesse aos interesses de ambas as potências. Para Fred Halliday, a Détente perdurou entre aproximadamente 1969 e 1979. Essa talvez seja a demarcação mais aceita, no entanto, outros autores efetuam delimitações distintas (HALLIDAY, 1983). Odd Arne Westad (2007, p. 194) situa o que ele denomina como Détente das duas superpotências entre 1968 e 1975. Essas demarcações se referem à détente sovieto-estadunidense, pois, como já apontamos, ela foi precedida e sucedida por outras a envolver países da Europa Ocidental e a União Soviética e seus aliados (MUNHOZ; ROLLO, 2015). Ressalte-se que, a partir de meados da década de 1970, a intensificação de conflitos na África e na América Central e o crescimento da oposição às políticas relacionadas ao conflito global, tanto nos EUA quanto na URSS, levaram ao esgotamento dessa fase. Por fim, com a eleição de Margareth Thatcher em 1979 e de Ronald Reagan em 1980, essas políticas colapsaram e as desavenças entre as duas potências globais intensificaram e retomaram características semelhantes àquelas da fase mais dura da Guerra Fria (19471953). Naquele contexto, o historiador britânico Fred Halliday denominou esse novo período, que se iniciou por volta de 1979, de “Segunda Guerra Fria”. O termo ganhou relevância e passou a ser empregado por historiadores, cientistas políticos e jornalistas após Halliday publicar The Making of the Second Cold War, nos tensos momentos em que a administração Reagan adotava um discurso extremamente belicista em relação à rival (HALLIDAY, 1983). Essa linha impressa por Reagan à política externa do seu país implicou o fim da
détente sovieto-estadunidense e o desencadeamento de uma nova fase de confronto mais intenso entre os Estados Unidos e a União Soviética. Na obra, Halliday apresenta uma divisão particularizada do período que sucedeu à Segunda Guerra Mundial e que, de modo geral, foi tratado como uma grande unidade denominada Guerra Fria. Para Halliday, haveria ocorrido uma primeira Guerra Fria no período de 1946 a 1953. Segundo o autor, naquele período, as relações diplomáticas entre as duas potências globais foram congeladas e praticamente inexistiram. Desse ponto de vista, em ambos os lados, haveria se observado o aumento dos sistemas de controle internos e da repressão doméstica; a expansão das forças militares e dos arsenais bélicos, nucleares ou não; a intensificação da propaganda; os conflitos entre capitalismo e comunismo haveriam se estendido ao que posteriormente foi denominado como Terceiro Mundo, por intermédio de conflitos civis, golpes e revoluções; e, como sublinha o autor, os conflitos no interior dos blocos estavam subordinados ao conflito global. Para Halliday, essa fase haveria chegado a termo em 1953 com a posse de Eisenhower nos EUA e a morte de Stálin, na União Soviética, uma vez que as duas personagens que galvanizavam o conflito global haviam saído de cena (HALLIDAY, 1983). Entre aproximadamente 1953 e 1969, segundo Halliday, ocorreu um período de equilíbrio oscilatório, quando as duas potências centrais buscaram alguma forma de aproximação e de solução dos conflitos. Essa fase, contudo, haveria sido entremeada por momentos de extrema tensão. Entre os exemplos dessas tensões pontuais estão a invasão da Hungria por tropas do Pacto de Varsóvia (1956), a Revolução Cubana (1959), a derrubada do U-2 (avião espião dos EUA) sobre o território soviético (1960), a tentativa de invasão de Cuba por forças treinadas e apoiadas pelos EUA (1961), a crise relacionada à construção do Muro de Berlim (1961) e a crise dos mísseis cubanos (1962). Para o autor, esse período foi sucedido pela Détente (1969-1979). Essa fase, contudo, haveria se esgotado em consequência dos conflitos emergentes no Terceiro Mundo, das dificuldades de aplicação doméstica dos acordos, principalmente nos EUA, da crescente crítica às estratégias da distensão, que era acusada pelos opositores como uma política frágil e incapaz de fazer frente à ameaça soviética (HALLIDAY, 1983). Assim, para Halliday, a Détente chegou ao fim e foi seguida pela “Segunda Guerra Fria”, que teria se iniciado ainda ao final do governo de James Earl
Carter Jr. (Jimmy Carter), em grande medida como uma resposta às críticas à Détente nos EUA, e haveria se consolidado com a chegada de Reagan ao poder, quando novamente o conflito adquiriu maior virulência. Como Halliday demonstra em seu celebrado livro, muitos dos problemas que deram origem ao período por ele denominado como “Segunda Guerra Fria” eram provenientes do desgaste da Détente na sociedade estadunidense, durante os Governos Nixon/Ford e Carter. Ressalvo que o modelo analítico de Halliday possui uma racionalidade interna, legitimada pelos pressupostos teóricos nos quais se alicerça e pela longa pesquisa documental do autor. De modo divergente, considero, contudo, aquele conflito global como uma única Guerra Fria e as divisões apresentadas por Halliday como fases distintas de um único e longo evento histórico. Ademais, sublinho a intensificação dos conflitos com os soviéticos desde a posse de Carter e não apenas após a primazia de Zbigniew Brzezinski na elaboração da política externa daquela administração. Nesse sentido, ressalto que, ainda durante a campanha presidencial estadunidense, os ataques de Jimmy Carter a Gerald Ford em relação à Détente e o seu programa em relação à questão dos Direitos Humanos levaram a uma percepção no Kremlin de que o candidato democrata à presidência dos EUA não tinha uma posição amistosa em relação à União Soviética. Por fim, sublinho que a própria noção da existência de détentes no interior da Guerra Fria ficaria comprometida se considerássemos que houve duas guerras frias. Desde os primeiros dias do seu governo, Carter insistiu em questões muito sensíveis ao governo soviético. Ao fazê-lo, desconsiderou a advertência da mensagem secreta a ele enviada por Brejnev logo após a sua eleição. Nela, Brejnev afirmava que gostaria de se relacionar com os EUA com base na coexistência pacífica e em um tipo de cooperação vantajosa para ambas as partes. Ao mesmo tempo, o líder soviético ressaltou que determinadas declarações públicas de Carter não eram consistentes com esses objetivos. Pouco após a posse de Carter, em nova mensagem datada de 25 de fevereiro de 1977, Brejnev advertiu que não toleraria a interferência dos EUA nas questões internas da URSS, em relação aos Direitos Humanos, quaisquer que fossem as pretensas razões pseudo-humanitárias para isso. Carter, apesar disso, recepcionou Vladimir Bukovsky, um dos mais conhecidos dissidentes soviéticos, na Casa Branca apenas três dias após receber a mensagem de
advertência do Kremlin. Em Moscou, a repercussão desse evento foi bastante negativa e ampliou as desconfianças em relação ao novo presidente dos EUA (NJØLSTAD, 2010). O retorno das tensões globais A política externa e os projetos militares do governo Carter demonstram oscilações nem sempre de fácil compreensão. De início, Carter havia abandonado a retórica antissoviética e deixado claro que regimes ditatoriais não teriam o apoio dos EUA somente por se proclamarem anticomunistas. O novo presidente buscou, por meio de acordos com os soviéticos, aprofundar a redução dos arsenais nucleares, mas não conseguiu muitos avanços no Salt II 36 assinado em 1979. De fato, com o crescente aumento das tensões a envolver as duas potências e com a eleição de Ronald Reagan à presidência, o tratado nunca foi ratificado pelo Senado dos EUA. A estratégia de Carter partia da definição de uma política externa consistente com a defesa de aspectos que o seu governo considerava como prioritários aos interesses do país e estava alicerçada no reconhecimento de que os EUA estavam a enfrentar um declínio econômico e a erosão da sua hegemonia política. Dessa forma, entendia que era necessário reduzir o déficit público, promover a recuperação da economia do país e reconquistar a credibilidade internacional. Assim, em 1977, Carter cancelou o desenvolvimento do bombardeiro B-1 e dos mísseis Cruise. O presidente estadunidense, entretanto, autorizou o desenvolvimento de outro modelo menos oneroso de bombardeiro. Em paralelo, e de forma paradoxal, Carter recusou-se a retirar os mísseis nucleares de médio alcance da Europa, como queriam a URSS e o governo socialdemocrata da República Federal da Alemanha (RFA), de Helmut Schmidt. Em resposta, ao final de 1977, os soviéticos instalaram os mísseis SS-20 na Europa Oriental. Essa medida, considerada por muitos especialistas como um erro estratégico soviético, ofereceu o argumento para que a Otan pudesse expandir os seus arsenais e com isso contrabalancear a superioridade soviética em termos de forças convencionais. Isso foi efetuado com a instalação dos mísseis Cruise e Pershing II (McCAULEY, 1999, p. 56). Assim, durante o governo Carter, ocorreu o aumento dos gastos de defesa (PINE, 1980). Em paralelo, em julho de 1980, o presidente estadunidense
assinou um decreto que definia a prioridade para o desenvolvimento de armas mais precisas, direcionadas a alvos militares e não a objetivos econômicos e à população, como acontecia anteriormente. Ainda, Carter decidiu pela criação de forças que pudessem intervir no Terceiro Mundo em qualquer ocasião necessária. Descumpriu a promessa de campanha de reduzir o envio de armas aos países do Terceiro Mundo e começou a armar El Salvador com o objetivo de conter a recente revolução ocorrida na Nicarágua. Regra geral, o banho de sangue ocorrido na América Central, em decorrência das políticas contrarrevolucionárias patrocinadas pelos EUA, é corretamente atribuído a Reagan. Ressalte-se, porém, que a tolerância do governo Carter à efervescência revolucionária na América Central foi um breve interregno e que, logo, tiveram início as ofensivas estadunidenses para conter os movimentos rebeldes naquela região (McCAULEY, 1999, p. 57). Quando Carter iniciou a sua administração, em janeiro de 1977, na América Latina, somente Costa Rica, Venezuela e Colômbia possuíam governos democraticamente eleitos. Naquele contexto, mesmo a Colômbia era um país dividido e com altas taxas de violência provenientes do confronto com a guerrilha e da ação do narcotráfico. Carter definiu a defesa dos Direitos Humanos como política central para a América Latina e teceu claras críticas a seus antecessores pela conivência e pelo suporte às ditaduras do continente. Os regimes ditatoriais clientes dos EUA na região começaram a ser pressionados na direção de um processo de transição rumo à democracia e foram interpelados em relação aos abusos cometidos contra prisioneiros políticos e a população de uma forma geral. Carter estava convencido de que era a ausência de democracia que gerava instabilidade e alimentava movimentos antiamericanos ou de tendências comunistas. Havia no próprio governo, entretanto, uma divisão entre aqueles que propugnavam esse caminho e os que temiam o aumento da instabilidade em decorrência da repentina redução de suporte financeiro e militar aos regimes clientes da região (COATSWORTH, 2010, p. 205). Ainda em relação à América Latina, o governo Carter sinalizou com a renegociação do tratado do Canal do Panamá, com a possibilidade de estabelecer algum tipo de aproximação com o regime cubano, começou a oferecer suporte às forças democráticas e a estimular a busca de caminhos rumo à democratização dos regimes da região. Em relação à questão do Canal,
todavia, a oposição republicana, liderada pelo ex-governador da Califórnia, Ronald Reagan, manifestava-se contrária a qualquer concessão e insistia que a obra havia sido construída pelos EUA, pertencia ao país e assim deveria ser tratada (GILDERHUS, 2000, p. 204). Apesar dessa oposição republicana e mesmo de consideráveis setores da chamada “opinião pública” estadunidense, Carter manteve as negociações com o governo do Panamá e, em 7 de setembro de 1977, foi assinado o tratado Carter-Torrijos que previa a reintegração do Canal ao país centro-americano ao final de 199937 (UNITED STATES OF AMERICA, 2016). Em decorrência, em 31 de dezembro de 1999, houve uma solenidade por meio da qual o Canal foi transferido ao Panamá e, assim, encerrava-se o controle direto mantido pelos EUA sobre a região desde 1903. Além de muitos chefes de Estados latino-americanos, a solenidade contou com a presença do ex-presidente dos EUA, Jimmy Carter (MOREIRA; QUINTEROS; DA SILVA, 2010, p. 270). As iniciativas de Carter com o objetivo de melhorar o relacionamento com os países da América Latina e de pressionar os regimes autoritários da região rumo à democratização foram mostradas pelos opositores como um sinal de fraqueza da sua administração. Nesse contexto, Brasil, El Salvador e Guatemala romperam acordos de cooperação militar com os EUA (MOREIRA; QUINTEROS; DA SILVA, 2010, p. 269). Em Honduras, Carter procurou dar apoio ao governo militar, visto por ele como menos repressivo e condutor do país rumo à eleição de uma Assembleia Constituinte planejada para 1980. Não conseguiu, entretanto, avanços em países como El Salvador e Guatemala, onde havia intensa conflagração social e os governos locais não se mostraram propensos a negociar com os EUA. Em resposta às pressões, como já indicado anteriormente, muitos regimes autoritários do continente denunciaram os EUA por intromissão nos seus negócios internos e romperam alianças militares com o país. Mesmo assim, segundo Coatsworth, Carter manteve algumas ajudas econômicas à região, com a justificativa de não prejudicar a população que era inocente e beneficiária dessa ajuda. Segundo o autor, em 1979, essa estratégia até que funcionou um pouco em El Salvador, mas haveria falhado completamente na Guatemala (COATSWORTH, 2010, p.205-206). Em relação à Nicarágua, a truculência do regime somozista contribuiu para a divisão das elites e para o fortalecimento do movimento sandinista. Em
10 de janeiro de 1978, tropas somozistas abriram fogo e assassinaram Pedro Joaquim Chamorro Cardenal, conhecido jornalista, editor do jornal La Prensa e crítico de Somoza. O fato reverberou tanto na Nicarágua quanto no exterior e fortaleceu a adesão de amplos setores da população à oposição ao regime decadente. Após o funeral de Chamorro, houve distúrbios em Manágua com mais de 30 mil manifestantes a enfrentar a polícia. Na ocasião, foram ainda incendiados veículos e atacados prédios de propriedade da família Somoza. Ao longo do ano, a situação política no país deteriorou e a oposição cresceu de forma a cada vez mais desafiar o regime ditatorial, que passou a adotar medidas ainda mais truculentas. Em setembro do mesmo ano, a contestação à ditadura de Anastasio Somoza Debayle transformou-se em um amplo movimento popular revolucionário. Carter, ao avaliar a insustentabilidade do regime, procurou negociar uma saída política com o ditador. O presidente estadunidense entendia que a negociação era fundamental para viabilizar a chegada de uma força moderada ao governo. Ele acreditava que esse caminho era fundamental para que o novo governo mantivesse os vínculos com os EUA e assim fosse possível evitar que o poder caísse nas mãos da guerrilha da Frente Sandinista de Libertação Nacional. De forma contrária, Somoza estava convencido de que era possível vencer os rebeldes e, com base nessa premissa, recusou a proposta. Ele acreditava que, se os EUA tivessem que escolher entre ele e os sandinistas, certamente ficariam ao seu lado. Contudo a evolução da situação política na Nicarágua deteriorava-se rapidamente e dia-a-dia a crise da ditadura de Somoza mostrava-se insolúvel. Nesse contexto, em fevereiro de 1979, os EUA cortaram a ajuda militar ao país. Mesmo com a contínua degradação da situação política na Nicarágua, até o início de 1979, a maioria da população estadunidense não possuía informações sobre o que estava a ocorrer naquele país. Essa situação, porém, mudou marcadamente em 20 de junho de 1979, quando Bill Stewart, repórter da ABC-TV, foi posto de joelhos na rua e assassinado com um tiro na cabeça. Outros repórteres filmaram a cena, que foi reproduzida nos noticiários de TV e teve forte repercussão internacional. Em 1983, a cena foi imortalizada no filme Under Fire, estrelado por Gene Hackman (LaFEBER, 1994, p. 693). Em junho de 1979, Carter solicitou a intervenção da OEA com envio de uma força de paz que poderia estabelecer um governo moderado na Nicarágua. Nenhum país latino-americano, no entanto, apoiou a proposta do
presidente dos EUA que, ao perceber que o poder rumava de forma inexorável aos sandinistas, começou a negociar com a FLN (LaFEBER, 1994, p. 694; COATSWORTH, 2010, p.207). Nessas negociações, os EUA insistiram que os sandinistas deveriam manter uma maioria de moderados no governo e garantir a realização de eleições livres. Após diálogos bastante difíceis, os sandinistas concordaram com as linhas gerais das exigências dos EUA. No dia 17 de julho, Somoza abandonou a Nicarágua e, no dia 19, os Sandinistas chegaram a Manágua e tomaram o poder (COATSWORTH, 2010, p. 207). Para a melhor compreensão da conjuntura experimentada por aquele país centro-americano, é importante considerar que na Nicarágua havia uma fração da classe dominante que se manteve somozista até a debacle do regime. Em paralelo, uma fração dessa mesma classe que, principalmente nos últimos anos da ditadura, tornou-se crítica ao somozismo e passou a apoiar o processo revolucionário que crescia com vigor no país. No geral, esses setores das elites que romperam com o ditador e passaram a trilhar o caminho da revolução possuíam vieses que tendiam ao nacionalismo. Nesse contexto, enquanto a hegemonia da ditadura somozista se esfacelava, os sandinistas conseguiram compor uma nova força hegemônica, pois atraíram frações descontentes da classe dominante para o campo da revolução. Essa capacidade de atração foi fundamental para a vitória do processo revolucionário e para que fosse viável a instituição um novo regime na Nicarágua. Em outras palavras, o sandinismo conseguiu difundir a sua ideologia de modo a atrair grande parte da população para a sua causa. Desse modo, além de conquistar o poder de Estado pela força armada, por intermédio da construção de um consenso momentaneamente possível, subordinou politicamente a burguesia (ou setores importantes dela) e, assim, conduziu o país em direção ao seu projeto de reconstrução nacional (PEREIRA, 2018, p. 46). Nos EUA, a vitória sandinista foi tratada pela oposição como resultado da incompetência do presidente democrata na condução da política externa do país, o que foi um dos marcos definidores para a sua derrota eleitoral em 1980 (GILDERHUS, 2000, p. 2004). Assim que a Revolução Sandinista se tornou vitoriosa, Carter sinalizou no sentido de se aproximar do novo regime e solicitou ao Congresso a concessão de uma ajuda econômica de 75 milhões de dólares ao país centro-americano. Até a primavera de 1980, contudo, não
obteve sucesso, pois o Congresso recusava-se a aprovar a medida. Isso tudo tornou a diplomacia de Carter para a região mais difícil. O novo regime instalado na Nicarágua procurou um caminho moderado, mas era certo que o país não se colocava mais como um inquestionável aliado dos EUA. Essas mudanças repercutiram com alarde em Washington e eram exploradas pela oposição como resultado da fraqueza de Carter (LaFEBER, 1994, p. 693-694). No contexto das dificuldades enfrentadas pelo novo regime, os sandinistas solicitaram a Cuba ajuda econômica, militar e na área da saúde. A Nicarágua adotou uma postura independente no contexto da Guerra Fria, assinalou que não votaria automaticamente com os EUA, abriu negociações com a Europa Ocidental, com o Canadá e com o bloco soviético, mas sempre procurou manter um caminho próprio, sem a adesão a um ou ao outro bloco. Mesmo sob perspectivas bastante flexíveis, o governo sandinista não poderia ser considerado comunista, pois 60 por cento da economia continuava privada, havia oposição legal no país e, por exemplo, a Igreja Católica mantinha críticas públicas ao regime. Entre os opositores, é importante salientar que havia aqueles que faziam críticas ao novo governo, mas mantinham as suas discordâncias dentro dos marcos legais e democráticos, enquanto outros setores já estavam a organizar a contrarrevolução por intermédio de movimentos armados patrocinados pelos EUA e países da região. No que se refere à Igreja Católica, é importante sublinhar que a instituição estava cindida desde o início do processo revolucionário, pois, enquanto a sua parte mais progressista apoiava os movimentos populares, havia setores que davam suporte à ditadura e às forças contrarrevolucionárias. O arcebispo Don Miguel Obando y Bravo era um dos mais destacados atores do campo católico que deu suporte ao regime ditatorial e que cerrou fileiras contra o regime proveniente da revolução sandinista. Em contrapartida, os padres Miguel D’Escoto, Ernesto Cardenal e Edgard Parrales eram ministros do governo sandinista e o também padre Fernando Cardenal era diretor da Cruzada Nacional de Alfabetização (CNA). A pressão dos setores conservadores do Vaticano, que ganharam muito mais força com a chegada de João Paulo II ao pontificado, tornou-se cada vez maior. Parrales acabou por abandonar o sacerdócio, Fernando e Ernesto Cardenal foram excomungados por recusarem-se a sair do governo (PEREIRA, 2018, p. 32).
A administração Carter empenhou-se para evitar que ocorresse, em El Salvador, o que estava a sobrevir na Nicarágua. Assim, estimulou setores mais moderados dos militares a derrubarem o regime extremamente truculento do general Humberto Romero, o que ocorreu a 15 de outubro de 1979. O novo governo foi formado por uma Junta, composta por dois militares e três civis, que deveria comandar o país até a realização de eleições e a posse de um governo democraticamente eleito. A nova administração anunciou o fim da repressão e o país experimentou momentaneamente o florescimento de movimentos que expressavam a busca do caminho democrático. A Junta nunca, contudo, conseguiu controlar as forças mais extremadas dos militares, que continuaram a praticar a violência contra lideranças políticas democráticas de diferentes matizes. O crescimento da violência paramilitar foi constante nos últimos meses de 1979. Em protesto, nos dias 3 e 4 de janeiro de 1980, todos os membros civis do governo salvadorenho renunciaram. Na sequência, houve a retomada e a intensificação da guerra civil no país. Para Coatsworth, embora Carter propugnasse um caminho democrático para El Salvador, deu prioridade à preservação das forças militares para evitar que ocorresse no país o mesmo colapso que havia acontecido na Nicarágua. Em dezembro de 1980, ao apagar das luzes do seu governo, Carter suspendeu a ajuda militar a El Salvador, após o estupro e o assassinato de três freiras estadunidenses que desenvolviam atividades religiosas no país. A decisão, no entanto, pouco afetou a conduta dos militares, pois eles estavam certos que o presidente eleito, Ronald Reagan, reverteria essas medidas assim que fosse empossado, o que de fato logo ocorreu (COATSWORTH, 2010, p. 208). Há divergências em relação às estatísticas do conflito civil na Nicarágua (1978-1990). Esses números variam entre 30 e 60 mil mortos, além de uma vultosa quantidade de feridos, de sequestrados, de desaparecidos e de emigrados. Segundo Leogrande, durante a guerra civil cerca de 30 mil pessoas perderam a vida. Ainda para o autor, se for estabelecida uma comparação proporcional com a população dos EUA, as perdas populacionais da Nicarágua seriam superiores às dos EUA durante a Guerra Civil, I e II Guerras Mundiais, Guerra da Coreia e do Vietnã somadas. Além disso, segundo o autor, mais 100 mil nicaraguenses refugiaram-se, e milhões sofreram com a crise econômica e a inflação ocasionadas pelos conflitos (LEOGRANDE, 1998, p. 582; WESTAD,
2008, p. 347). Os efeitos do conflito civil e das diferentes formas de intervenção dos EUA nas questões internas da Nicarágua foram devastadores para a vida e a economia do país. Os resultados da guerra civil em El Salvador foram ainda mais sangrentos, sendo computados ao final do conflito mais de 70 mil mortos (WESTAD, 2008, p. 347). Naquela conjuntura, o governo Carter agia de forma bastante paradoxal em sua política externa. Não se deve deixar de observar que, durante o seu governo, os EUA continuaram a vender armas a regimes sanguinários. Apenas para ficar em um exemplo, sublinhe-se o caso da Indonésia, que recém havia invadido o Timor Leste, no crepúsculo do regime salazarista. A invasão do Timor Leste pela Indonésia provocou um dos maiores, talvez o maior, extermínio humano proporcional à população da história recente da humanidade. Destaque-se que o regime então vigente na Indonésia possuía uma história marcada pelo uso da violência generalizada contra a população. A tomada do poder pelo general Muhammad Suharto, em 1965, foi seguida pelo massacre de mais de 500 mil pessoas, em especial daquelas com vínculos ao Partido Comunista ou com movimentos sociais. No contexto da Guerra Fria na Ásia, Suharto desempenhou um papel importante para os EUA, pois derrubou do poder Kusno Sosrodihardjo (Sukarno), que conduzia a Indonésia a posições cada vez mais à esquerda e de aproximação com a China (WESTAD, 2007). Há muitas controvérsias sobre as estatísticas relacionadas aos assassinatos e deslocamentos em massa após a invasão do Timor Leste pela Indonésia, mas os dados mais plausíveis registram que, nos primeiros anos da ocupação, ocorreu a morte de algo entre 100 e 200 mil pessoas, para uma população de pouco mais de 600 mil habitantes. O relatório de 1989 da Commission for Reception, Truth, and Reconciliation aponta para um mínimo de 103.000 e um máximo de 183.000 (The Timor-Leste, 2013, p. 487-502). O relatório indica, contudo, que próximo dos 30 por cento dessas mortes podem ser resultado de violências provenientes de disputas políticas timorenses (SELDERS, 2008). Resta saber se parte significativa disso que é pressuposto como resultado de violência interna não está associada a grupos timorenses ligados aos interesses da Indonésia. Mesmo com essas considerações, depreende-se do relatório que algo entre 20 e 30 por cento da população fora exterminada durante o processo de ocupação do Timor Leste pela Indonésia.
Apesar da situação reinante no Timor Leste nos anos que sobrevieram à invasão de 1975, a grande imprensa, tanto nos EUA quanto no restante do Ocidente, mantinha quase absoluto silêncio, com raras exceções, sobre o massacre do Timor, quebrado muito raramente com uma ou outra nota vaga e imprecisa sobre o evento (CHOMSKY; HERMAN, 1988). Nos EUA, as primeiras notícias mais consistentes sobre o que estava a ocorrer no Timor são do final de 1978 e de 1979. Em setembro de 1978, David Jenkins escreveu artigo para a Far Eastern Economic Review, em que ele começava a desnudar muitas das características da ocupação do Timor Leste pela Indonésia. De acordo com Jenkins, ao menos 125 mil pessoas haviam sido deslocadas dos seus locais de habitação ou fugido. Ainda, segundo o autor, mais de 100 mil pessoas esconderam-se nas montanhas e ao redor de 60 mil estavam mortas. Em outro artigo do mesmo autor, publicado em 1979, há detalhes mais abundantes do que estava a ocorrer. Em paralelo, em dezembro de 1979, Kathleen Teltsch publicou um artigo no The New York Times, em que entrevista o padre Leoneto Vieira do Rego, que denunciou o permanente bombardeio e as estratégias para o extermínio da população timorense por intermédio de políticas que levavam à fome generalizada e à morte por inanição. Dez dias após essa entrevista, em 24 de dezembro, o The New York Times publicou um editorial em que acusou o governo dos EUA de aquiescência com a violência praticada pela Indonésia. Em julho do ano seguinte, o mesmo jornal publicou novo editorial a condenar a invasão do Timor pela Indonésia (SELDERS, 2008, p. 57-61). Ainda hoje, há um debate sobre se a violência sistemática praticada pela Indonésia no Timor deve ou não ser considerada como genocídio. A Yale University oferece uma disciplina em que inclui os massacres ocorridos no Timor como genocídio (Yale University. Genocide Studies Program). Os novos confrontos na Ásia, na Ásia Central e no Oriente Médio Em 1979, o vice-presidente dos EUA Walter Mondale foi à China e assinou um acordo secreto que permitia aos EUA instalarem sistemas de escuta eletrônica em Xinjiang, próximo à fronteira com a União Soviética. Em continuidade, por meio de outro acordo, os EUA passaram a enviar equipamentos militares à China. Segundo McCauley, ao saberem disso, os soviéticos ficaram alarmados e concordaram em assinar o acordo Salt II,
mesmo sem a inclusão da redução das armas nucleares no teatro europeu, como eles anteriormente exigiam (McCAULEY, 1999, p. 57). No início de 1980, os problemas no Oriente Médio e na Ásia Central levaram o então presidente dos EUA à promulgação de um plano de ação que ficou conhecido como Doutrina Carter. No The State of the Union, pronunciado perante a sessão conjunta do Congresso, em 23 de janeiro de 1980, Carter definiu o Golfo Pérsico como vital aos interesses dos EUA. Na ocasião, ele assinalou que a região e os interesses a ela correlatos deveriam ser defendidos, se necessário, inclusive por meios militares. Ao trilhar esse caminho, Carter promovia a ruptura com as políticas anteriores para a região. Desde o final da Segunda Guerra Mundial, os EUA resguardavam os seus interesses no Oriente Médio e na Ásia Central, sobretudo, com a garantia do fluxo do petróleo proveniente da região por meio de uma aliança que envolvia a Grã-Bretanha, a Arábia Saudita e o Irã. Os EUA agiam naquela área principalmente por meio de operações secretas. A mais conhecida delas (Operação Ajax) foi realizada em 1953, quando foi posto em prática um plano arquitetado pela CIA com o apoio do M16 (serviço secreto britânico) para derrubar o governo constitucional iraniano de Mohammed Mossadegh. Desse modo, reverteu-se o processo de nacionalização do petróleo no país, que colidia com os interesses dos EUA e da Grã-Bretanha. Saliente-se que, após a Segunda Guerra Mundial, o Irã passou por significativas transformações, que levaram a um tipo de monarquia constitucional. Em 1951, após o parlamento haver elegido Mossadegh por 79 votos a 12, em meio ao seu crescente sucesso apoiado em movimentos populares, o Xá Reza Pahlevi o nomeou primeiro ministro. Como líder do governo, Mossadegh implementou um conjunto de reformas sociais que aumentou a sua popularidade e levou as elites do país e as grandes corporações internacionais a uma sistemática oposição ao novo regime. Em 1º de maio de 1951, Mossadegh nacionalizou a Anglo-Iranian Oil Company, o que levou a Grã-Bretanha a promover um bloqueio internacional ao petróleo iraniano. Além disso, com a retirada de técnicos ingleses do país e o fechamento de plataformas, a produção de petróleo foi reduzida, em 1952, a apenas, aproximadamente, 4,5 por cento da obtida em 1950. Como a economia iraniana era praticamente dependente do petróleo, o país entrou em uma profunda crise, que logo culminou na articulação do golpe que levou o Xá a
demitir Mossadegh e a nomear, como novo primeiro ministro, o general Fazlollah Zahedi, indicado pela CIA. Os EUA, ao longo dos anos, sempre negaram o planejamento do golpe, mas muitas evidências sobrevieram e comprovaram o envolvimento da CIA no complô. Finalmente, a desclassificação de uma pequena parte dos documentos secretos a partir de 2000 torna o envolvimento da CIA ainda mais evidente, apesar da eliminação ilegal de muitos documentos pela própria organização ou da destruição de microfilmes do acervo do Nara, conforme os procedimentos legais, mas nem por isso éticos ou morais (NATIONAL SECURITY ARCHIVES, 2000). Com a restauração dos poderes do Xá Reza Pahlevi e a indicação de um novo primeiro ministro, os interesses da Grã-Bretanha e dos EUA na região foram preservados ao longo do próximo quarto de século. Nesse contexto, ano após ano, a presença dos EUA tornou-se mais vigorosa e a região passou a ganhar mais relevância na sua política externa. Até o final da década de 1970, apesar de o Golfo Pérsico ser considerado vital aos interesses nacionais dos EUA desde a Segunda Guerra Mundial, não havia uma política específica para a região. Com a revolução iraniana no início de 1979 e a invasão soviética ao Afeganistão, o modelo que garantia estabilidade à região chegou a um impasse. A Doutrina Carter foi uma resposta a esses desafios. Não obstante, essa mudança não era uma mera reverberação dos eventos a envolver o Irã e o Afeganistão. De fato, os policymakers dos EUA defrontavamse havia tempos com problemas afetos à região, que implicavam desafios aos interesses das elites do país. A mudança no enfoque atribuído à questão pela diplomacia estadunidense teve origem com a eclosão da primeira crise do petróleo, em 1973. Na ocasião, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), no contexto Guerra do Yom Kippur, definiu a redução da produção de petróleo. Esse evento provocou a elevação dos preços do produto no mercado internacional de uma forma sem precedentes na história. Entre 1979 e 1980, uma nova crise do petróleo desencadeou outra acentuada majoração nos seus preços e ampliou a instabilidade econômica global em um período já bastante conturbado. Por fim, em 1979, a revolução iraniana e a invasão do Afeganistão pela URSS completaram esse quadro, de tal modo que justificou a redefinição da política dos EUA para a região.
Em relação ao Afeganistão, foi construída uma história oficial, patrocinada pela Casa Branca, que denuncia uma postura agressiva da União Soviética ao invadir o país às vésperas do Natal de 1979. Nessa narrativa, os EUA, com o intuito de defender o povo afegão, haveriam passado a apoiar um movimento de resistência organizado a partir do Paquistão. Trabalhos mais meticulosos de investigação mostram, contudo, a existência de outra história, parte dela proveniente dos próprios bastidores da Casa Branca. Para compreender melhor o tema, é importante entender as relações entre o Afeganistão e a União Soviética em termos de longa duração. O Afeganistão tornou-se independente da Grã-Bretanha em 1921, após a Terceira Guerra Anglo-Afegã, inicialmente sob o comando do emir Habibullah Khan (COLLINS, 2011, p. 18). Em fevereiro de 1919, entretanto, ele foi assassinado e o seu filho Amanullah Khan assumiu o poder e a difícil tarefa de conquistar a autonomia do país, após prender o seu tio Nasrullah Khan, que havia assumido o trono por uma semana. Naquele contexto, do imediato pós-Grande Guerra e da Guerra Civil na Rússia, o governo de Amanullah Khan tornou o Afeganistão o primeiro país a reconhecer o governo Bolchevique (VIZENTINI, 2002, p. 64). Em continuidade, Afeganistão e Rússia ainda negociaram e solucionaram problemas fronteiriços e, em 1921, firmaram um tratado de amizade. Posteriormente, em 1924 os dois países iniciaram a cooperação militar, quando a URSS ajudou o regime afegão a sufocar uma rebelião, inclusive com suporte de bombardeio aéreo. O regime soviético criou linhas telefônicas e de telégrafos que propiciaram o contato direto entre Kabul e Moscou. Em 1926, os dois países firmaram um tratado de neutralidade e de não-agressão, que foi utilizado pela URSS, durante a Segunda Guerra Mundial, para solicitar a expulsão de todas as nacionalidades alemãs do território afegão (BORER, 1988, p. 30-31). Amanullah Khan buscou a modernização e a ocidentalização do país, retirou a obrigatoriedade do véu das mulheres, expandiu a rede de ensino e instituiu a educação feminina. Em decorrência desse modesto programa de reformas, mas considerado inaceitável pelos setores mais conservadores da sociedade afegã, teve início uma revolta que adquiriu grandes proporções. Apesar do inicial apoio soviético, a crise ampliou-se, e Amanullah Khan renunciou e refugiou-se na Índia. Naquela conjuntura, plausivelmente para buscar manter boas relações com a Grã-Bretanha, que naquele momento
avaliava o possível o reconhecimento do regime de Moscou, os soviéticos retiraram-se do país. Em decorrência daquela agitação social, o Afeganistão experimentou um período de instabilidade, no curto governo de nove meses de Habibullah Kalakani, que havia liderado a rebelião (BORER, 1988, p. 3334). No desenrolar dos eventos, Muhammad Nadir Khan (Muhammad Nadir Shah), que era um dos possíveis herdeiros do trono afegão e que, por divergências com Amanullah, encontrava-se exilado, retornou com suas forças para o Afeganistão. Rapidamente, Nadir Khan conseguiu derrotar os rebeldes e, em outubro de 1929, capturou Kabul, prendeu e executou Kalakani e os seus principais auxiliares. Na sequência, Nadir Khan assumiu o governo, instituindo uma nova dinastia que comandou o país até 1978. Em 1933, contudo, ele foi assassinado e o seu filho Zahir herdou o trono quando tinha apenas 19 anos (COLLINS, 2011). Em consequência da juventude e inexperiência do jovem, quem, de fato, governava o país eram os seus tios que sucessivamente ocuparam o posto de primeiro ministro, Mohammad Hashem Khan (1933-1946) e Shah Mahmud Khan (1946-1953). No conturbado cenário do pós- Segunda Guerra Mundial e do Golpe do Irã (1953), com uma reaproximação do país vizinho com os EUA, além da recém-criação do Estado Islâmico do Paquistão, o primo de Zhair Shah, Muhammad Daoud, o convenceu da necessidade de implementar mudanças no governo e de ser nomeado como primeiro ministro. Rapidamente, contudo, Daoud traiu Zhair Shah e articulou forças para tornarse o governante de fato do país. Daoud era um oligarca modernizador, não um adepto do comunismo como erroneamente muitas vezes é mencionado. Em diferentes momentos, Daoud buscou o suporte dos EUA para os seus projetos de desenvolvimento do país, porém, sem encontrar apoio ocidental, intensificou as já antigas relações com a URSS (SAIKAL, 2010). Assim, entre 1956 e 1961, a União Soviética passou a treinar e a armar o exército e a força aérea do Afeganistão e a oferecer financiamentos para projetos de desenvolvimento a taxas compensadoras. Em meio a uma crise com o vizinho Paquistão, e a ausência de apoio dos EUA, Daoud renunciou em 1963. Naquele contexto, o rei Zhair Shah promulgou, em 1964, uma constituição liberal que aos poucos tornava o país uma democracia parlamentar e procurou isolar Daoud, de forma a evitar o seu possível retorno ao poder. Naquele período, houve a continuidade da parceria com a URSS, que
começou a construir uma infraestrutura no país de modo a promover integração do Afeganistão ao sistema soviético. Entre outras coisas, foi concluído em 1968 um gasoduto que possibilitava o envio de gás do Afeganistão para abastecer os centros industriais soviéticos na Ásia Central (COOLEY, 2000, p. 11). Não obstante, Zhair Shah continuava a buscar o apoio dos EUA para a modernização do país, mas não encontrava o esperado suporte, uma vez que, com o agravamento da crise interna e externa decorrentes do envolvimento dos EUA no conflito do Vietnã, o Afeganistão mantinha-se fora das prioridades da grande potência capitalista. Além disso, na região, os EUA priorizavam as relações com o Irã e, em parte, com o Paquistão, com o qual o Afeganistão possuía conflitos. Desse modo, muitas das tentativas de aproximação entre o Afeganistão e os EUA foram frustradas. Em 1973, Daoud, aproveitou-se de uma viagem do rei Zhair e organizou um golpe, por intermédio do qual instituiu um regime republicano. O novo governo contava com o apoio do Parcham, uma das facções do Partido Democrático do Povo Afegão (PDPA), de orientação comunista (SAIKAL, 2010). Daoud governou até abril de 1978, quando foi derrubado por outra facção do partido, majoritária e mais radical (Khalq), que empossou como presidente Nur Muhammad Taraki (COOLEY, 2000, p. 10-12). Taraki deu continuidade ao processo de modernização, de expansão da educação, de incorporação das mulheres ao mercado de trabalho e às instituições políticas e ampliou a laicização do país. Em paralelo, Taraki intensificou a repressão aos opositores, apesar do embaixador e dos assessores soviéticos recomendarem a moderação e a adoção de medidas que pudessem agregar novos setores ao campo político do regime. A ineficiência do governo em dar respostas aos anseios da população, de um lado, e a reverberação da revolução iraniana, de outro, levaram ao incremento dos protestos e ao aumento da repressão. Para tornar a situação ainda pior para o regime prósoviético de Kabul, houve a intensificação das disputas no interior do Khalq. Ao longo de 1979, Taraki e Hafizullah Amim confrontaram-se em diferentes questões. O embaixador soviético em Kabul, Aleksandr Puzanov, alertou o Kremlin para os riscos representados pela radicalização de Amim e, ao mesmo tempo, em diversas ocasiões procurou mediar os conflitos.
A situação interna do país, entretanto, deteriorava-se rapidamente e, a partir de uma onda de protestos iniciada em 15 de março de 1979, eclodiu uma guerra civil no Afeganistão. Os conflitos iniciados na cidade de Harat e arredores foram marcados por uma aliança de trabalhadores urbanos, combatentes islâmicos, desertores das forças armadas e outros setores descontentes. Nos conflitos, morreram mais de 5 mil pessoas, inclusive cerca de 50 soviéticos. Nesse contexto de crescentes tensões e da intensificação da guerra civil, as divergências entre Taraki e Amim no interior do PDPA (Partido Democrático do Povo Afegão) intensificaram-se ainda mais. Em 14 de setembro, Amim foi a uma reunião que seria mediada pelos soviéticos na residência de Taraki, mas os guardas abriram fogo contra ele e mataram dois dos seus assessores. Amim fugiu e reuniu suas forças, e imediatamente desencadeou uma ofensiva aprisionando Taraki e seus principais aliados. Apesar dos pedidos dos soviéticos para a moderação e a preservação da vida de Taraki, ele foi executado em 9 de outubro de 1979 (WESTAD, 2007, p. 306312). As relações entre o novo regime instalado em Kabul e o governo soviético tenderam a piorar. As constantes críticas do embaixador soviético a Amim levaram à demanda do governo de Kabul para a substituição a sua substituição. O novo embaixador soviético, Fikrat Tabeev, chegou a Kabul no final de novembro, mas naquele período os soviéticos já haviam decidido por uma intervenção armada no Afeganistão. Tabeev avaliou que a situação do regime era insustentável e, após várias tentativas frustradas de convencer Amim a mudar o rumo do governo, deixou Kabul em 10 de dezembro. Na ocasião, tanto Aleksei Kossigin quanto Andrei Kirilenko se manifestaram contra a invasão soviética. Kirilenko afirmou em uma sessão do politiburo que a URSS havia oferecido tudo ao regime de Kabul e que eles não haviam feito nada de útil. Naquele contexto, a KGB começou a monitorar encontros de Amim com oficiais dos EUA e a temer que o regime se inclinasse em direção à potência adversária (WESTAD, 2007, p. 315-316). Em paralelo, os soviéticos suspeitavam, não sem razão, que áreas do país estavam a cair sob o controle de grupos financiados por inimigos que pretendiam não apenas desestabilizar e derrubar o regime de Kabul, mas, por meio da intensificação das ações dos rebeldes islâmicos, gerar instabilidade nas fronteiras soviéticas e nas suas regiões de maioria muçulmana.
Uma análise retrospectiva indica que, desde 1973, os EUA ampliaram a sua atuação na região, por intermédio dos serviços secretos dos seus aliados. Com o suporte da Savak do Irã e do Pakistan’s Inter-Services Intelligence Directorate (ISI), Washington começou a enviar armas, além de oferecer diversos outros tipos de apoio para grupos islâmicos que se opunham ao regime afegão. Ao final de 1977, Brzezinski deu os primeiros passos para a criação do Nationalities Working Group (NWG), que deveria reunir intelectuais próximos ao establishment, especialistas em temas associados aos estudos das nacionalidades e das religiões, com o intuito de subsidiar as ações dos EUA na Ásia Central e de criar dificuldades para a URSS, por meio do estímulo às tensões étnicas em suas fronteiras. Em outras palavras, Brzezinski foi o mentor intelectual da ideia de atrair a URSS para uma cilada no Afeganistão. Para McCauley, Brzezinski articulou as estratégias desencadeadoras dos eventos que levaram à “Segunda Guerra Fria” desde a intervenção soviética no Afeganistão. Ainda para o autor, Brzezinski desejava envolver os soviéticos em uma corrida militar e econômica, pois estava convencido que ela levaria ao aumento das tensões no interior da URSS. Ele acreditava que, em uma nova corrida armamentista, a União Soviética levaria a pior (McCAULEY, 1999, p. 58). Sublinhe-se que Brzezinski era crítico da política de distensão de NixonKissinger e Ford. Ele também discordava de muitos de seus colegas democratas que afiançavam as políticas da Détente e, como assessor de segurança nacional de Jimmy Carter, procurou implementar o que ele considerava uma política mais consistente de enfrentamento aos desafios colocados pela URSS. O NWG, criado entre o final de 1977 e o início de 1978, contou com a colaboração de intelectuais provenientes da CIA e de outros organismos de informação. Brzezinski levou Paul Henze para o National Security Council (NSC). Outro consagrado intelectual, Samuel P. Huntington Jr., também era membro do NSC e trabalhou em parceria com Robert D. Putnam, em julho de 1978, para alavancar as discussões sobre a questão das Nacionalidades (KALINOVSKI, 2015). Muitos desses scholars havia anos mantinham reservas em relação às políticas da Détente e entendiam que era possível explorar a tensões étnicas e religiosas, em especial aquelas postas pelo islamismo, para confrontar a URSS.
Em março de 1979, a CIA encaminhou diferentes opções para possíveis operações secretas no Afeganistão ao Special Coordination Committee (SCC) do NSC dos EUA. No mesmo mês, diversos agentes da CIA foram enviados à região. Em uma reunião, realizada no dia 30 naquele mês, o subsecretário de defesa Walter Slocumbe falou sobre a importância de manter a insurgência afegã ativa de forma a envolver os soviéticos em um “atoleiro vietnamita” (GATES, 1997, p. 145; HISTORY COMMONS. Profile: Walter Slocumbe). Posteriormente, em 1981, já durante o governo Reagan, Richard Pipes assumiu a coordenação do grupo. Durante a administração Reagan, o NWG ganhou mais proeminência e intensificou a sua atuação no suporte a movimentos étnicos e religiosos nas bordas da URSS. Pipes afirmou, em 1981, que, se instigadas adequadamente, as populações islâmicas da região poderiam desencadear uma fúria genocida contra o regime soviético. Brzezinski, em uma entrevista concedida ao Le Nouvel Observateur, de Paris, na sua edição de 15 a 21 de janeiro de 1998, afirmou But the reality, secretly guarded until now, is completely otherwise Indeed, it was July 3, 1979 that President Carter signed the first directive for secret aid to the opponents of the pro-Soviet regime in Kabul. And that very day, I wrote a note to the president in which I explained to him that in my opinion this aid was going to induce a Soviet military intervention. (BRZEZINSKI, 1998).
Em resposta a outra questão correlata, disse: That secret operation was an excellent idea. It had the effect of drawing the Russians into the Afghan trap and you want me to regret it? The day that the Soviets officially crossed the border, I wrote to President Carter. We now have the opportunity of giving to the USSR its Vietnam war. Indeed, for almost 10 years, Moscow had to carry on a war unsupportable by the government, a conflict that brought about the demoralization and finally the breakup of the Soviet empire (BRZEZINSKI, 1998).
O problema dessa e de outras assertivas semelhantes, que procuram mostrar o propósito em atrair a União Soviética para uma armadilha de forma a levá-la a invadir o Afeganistão, é que elas se colocam em um campo de disputa pela memória histórica. Em decorrência, é necessário cautela na interpretação dos eventos, pois atores daquele processo procuram reconstruir essa memória de modo a demonstrar que eles tinham razão, que haviam planejado uma estratégia que possibilitou a derrota da adversária e que levou ao fim da Guerra Fria. Penso que precisamos de mais evidências históricas e que isso somente ocorrerá quando muitos documentos ainda secretos vierem à tona nos próximos anos.
Entre novembro e dezembro de 1979, os soviéticos decidiram agir, pois temiam o crescimento dessas tensões, principalmente em decorrência da violência perpetrada pelo governo de Amim, e receavam que os EUA instituíssem um governo inimigo em suas adjacências, o que poderia conflagrar toda a região, uma vez que muçulmanos reivindicavam maior autonomia na URSS. Então, em 24 de dezembro de 1979, os Soviéticos invadiram o Afeganistão e colocaram no poder um homem de confiança, Brabak Karmal. Sublinhe-se que os golpes e contragolpes ocorridos no Afeganistão ao final da década de 1970 estavam associados, em grande medida, às disputas internas entre as facções comunistas ou pró-soviéticas pelo comando do país. As relações entre diferentes forças que compunham um leque pró-soviético no país e a URSS eram bastante complexas e oscilavam conforme o momento. Foi nesse contexto que os EUA passaram a atuar a partir do Paquistão com o intuito de desestabilizar o regime afegão e foi como decorrência dessas ações que se deu a intervenção soviética no país. A invasão do Afeganistão pela União Soviética criou as condições para que os EUA pudessem implementar a sua nova política para a região, e conseguissem unir diferentes países frente a uma suposta ameaça soviética. É importante observar os paradoxos da administração Carter, que pregava os Direitos Humanos, tecia críticas a Nixon e a Ford pelo emprego excessivo de operações secretas e ilegais e, no entanto, recuperou a CIA, que estava desgastada em decorrência de todo o processo relacionado à Guerra do Vietnã. Contrariamente ao que consagrava a literatura predominante à época, Robert Gates38 afirmou, já em 1997, que Carter foi muito auxiliado pela Agência por meio de operações secretas para “presentear” a União Soviética com um novo Vietnã, segundo o planejado por Zbigniew Brzezinski (GATES, 1997, p. 139149). Na esteira da invasão soviética ao Afeganistão, os EUA adotaram rapidamente um conjunto de medidas políticas e econômicas contra a URSS, incluindo-se o boicote às Olimpíadas de Moscou, em 1980. Os aliados ocidentais, contudo, continuaram a comerciar com o país, e os EUA, em crise, estavam a perder mercados, o que gerava mais insatisfação. Por exemplo, o Canadá e a Argentina passaram a vender trigo para a URSS, que antes era fornecido pelos EUA (LaFEBER, 1994, p. 702).
Apesar de Carter haver retomado a iniciativa na Guerra Fria e adotado medidas agressivas, muitas delas ilegais, foi construída na mídia estadunidense a imagem de um presidente fraco. Foi nesse contexto que Ronald Reagan, construiu a imagem do caubói que iria recolocar o país nos eixos. As balizas das suas diretrizes políticas eram definidas pela visão de que o Estado era o responsável pela maior parte das mazelas que afetavam o país e o mundo. Desse modo, Reagan definia a redução do papel do Estado como um elemento nodal em sua administração. Em paralelo, o presidente estadunidense acreditava que era preciso reconquistar a posição dos EUA no mundo, perdida por políticas inadequadas praticadas na década anterior. Reagan e a nova confrontação global Reagan chegou ao poder após uma ácida campanha contra Jimmy Carter, que aspirava à sua reeleição. O ex-governador da Califórnia contou com alentado apoio financeiro das grandes corporações e de amplos setores da mídia conservadora, com quem era muito bem relacionado, uma vez que, ao longo dos anos, em um primeiro nível, defendeu os planos dos grandes estúdios contra os interesses dos atores e dos trabalhadores da indústria cinematográfica e, em um segundo, das elites retrógradas contra as propostas progressistas. Desde a primeira fase da sua carreira de ator, Reagan colaborou com o FBI, com as agências de informação e delatou trabalhadores da indústria cinematográfica durante os anos mais intensos da repressão ideológica revigorada pelo início da Guerra Fria (SILVA, 2011, p. 24-31). O governo Reagan promoveu mudanças acentuadas na economia interna dos EUA, com a adoção de um modelo que visava à sua maior liberalização; a redução do papel do Estado (ao menos em tese, pois em muitos setores, como aqueles ligados ao complexo industrial militar, o que aconteceu foi o incremento da presença do Estado); o abandono da ação reguladora por parte desse mesmo Estado, principalmente em relação à crescente financeirização da economia; cortes em benefícios sociais para os pobres, ao mesmo tempo em que promovia a redução dos impostos para os mais ricos. Não obstante, em diversos aspectos a política externa, Reagan dera continuidade à Doutrina Carter, mas com uma condução diferenciada principalmente no campo da ética. Reagan atuava sem as balizas morais do seu antecessor, o que o levava a adotar posturas ainda mais agressivas do que
aquelas iniciadas durante a administração Carter. O triunfo de Reagan teve origens diversas. A sociedade estadunidense encontrava-se refém da chamada síndrome do Vietnã, em meio à crise econômica acentuada ao final da década de 1970, provocada tanto pela perda de competitividade da economia do país, quanto pelo déficit público iniciado durante o conflito na Indochina. Em paralelo, a situação agravava-se, pois, como já indicado, as vigorosas economias de alguns dos principais aliados dos EUA, em especial a Alemanha e o Japão, conquistavam continuamente fatias do mercado internacional antes sob controle das grandes corporações estadunidenses. Não bastasse isso, desde o início da década de 1970, o próprio mercado estadunidense sofreu os impactos da torrente de produtos eletrônicos e automóveis japoneses, que desbancavam a outrora imbatível indústria doméstica, o que provocava uma sangria de dólares e elevava o déficit comercial do país (McCORMICK, 1995). Durante a sua administração, ao mesmo tempo em que executava drásticos cortes no orçamento voltado às questões sociais, Reagan investiu pesado no setor militar, de forma que a dívida pública cresceu mais de um trilhão de dólares entre 1981 e 1987. Segundo Walter LaFeber, a dívida pública cresceu em seis anos mais do que nos 190 anos imediatamente anteriores. É importante observar que, apesar de todo o discurso em defesa do Estado mínimo, ocorreu o aumento da participação do Estado na economia. Indústria e universidades cada vez mais dependiam dos recursos do governo para o desenvolvimento de pesquisas. A participação do Estado no produto interno bruto do país aumentou ao invés de diminuir (LaFEBER, 1994, p. 703). Reagan e a América Central: o caso da Nicarágua Para Michael Hogan, o principal expoente da perspectiva corporatista, os EUA praticaram uma marcada política de continuidade ao longo do século XX. Apesar disso, existem diferenças entre as diretrizes implementadas por democratas e aquelas executadas por republicanos, principalmente em relação a temas como a regulação de certos aspectos do mercado e no campo concernente à securidade social. Como já apontamos anteriormente, desde a última década do século XIX, a política de Estado do dos EUA haveria mostrado muito mais continuidades do que rupturas (HOGAN, 1994). Outros autores, a partir de perspectivas diferentes, demarcam essa continuidade principalmente a partir do pós-I Guerra Mundial (ANDERSON, 2017). Como
já demonstramos em outra passagem deste capítulo, Carter deu continuidade a determinadas diretrizes perseguidas por seus antecessores e não se pode dizer que Reagan tenha rompido, na prática, com muitos dos aspectos da Doutrina Carter. Nesse campo, quiçá um dos pontos mais distintivos entre um governo e o outro foi a postura adotada em relação à América Central, como assevera Leogrande. Para esse autor, quando a guerrilha ganhou corpo na Nicarágua, em El Salvador e na Guatemala, Carter procurou limitar o envolvimento direto dos EUA e buscou soluções diplomáticas para a crise na região. Além disso, o presidente democrata reduziu o apoio financeiro e pressionou as ditaduras então vigentes na América Latina. Reagan, desde a sua posse, repudiou essa política e intensificou a intervenção dos EUA na América Central. Segundo o autor, em decorrência dessa escolha, durante uma década, a América Central dominou a agenda da política externa dos EUA e levou à polarização da política doméstica (LEOGRANDE, 1998, p. 5). Talvez essa afirmação deva ser relativizada, uma vez que os confrontos com a URSS nessa fase intensa da Guerra Fria e, posteriormente, a crise soviética tiveram presença marcada na política externa estadunidense. Outro aspecto que, para Leogrande, tornou a Centro-América fundamental na política externa dos EUA foi a síndrome do Vietnã. Para ele, Reagan entendia que a síndrome afetava a forma como os EUA lidavam com a expansão soviética no Terceiro Mundo. Desse ponto de vista, a América Central era vista como a principal arena de embate entre o comunismo e a democracia e, além disso, se constituía no teste de coragem dos EUA após a derrota no Sudeste da Ásia (LEOGRANDE, 1998, p. 6). Além da importância estratégica pela proximidade territorial com os EUA, a América Central é vital para a circulação de mercadorias e para a ligação entre o Atlântico e o Pacífico. Conforme afirma Roberto Moll Neto, há uma associação mecânica do papel dos EUA na região com a Guerra Fria. O autor discorda ao menos em parte dessa assertiva e ressalta que nos EUA existiam projetos divergentes que, por vezes, estavam associados às particularidades da região e não eram apenas derivações do conflito global (MOLL NETO, 2018). Durante a sua campanha, Reagan caricaturou o regime sandinista como comunista e pregou abertamente a sua remoção do poder. Na Nicarágua, isso reduziu internamente o espaço dos membros do governo sandinista que ainda
possuíam alguma expectativa de chegar a algum termo negociado com os EUA. Temeroso do que poderia advir em um possível governo republicano, o novo governo nicaraguense perseguiu estratégias com vistas a se fortalecer na região e, em decorrência, decidiu apoiar a Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FLN), que lutava contra os militares em El Salvador. A Frente possuía apoio de quase todos os partidos de oposição em El Salvador e os sandinistas acreditavam que eles pudessem chegar ao poder antes da posse de Reagan, o que não ocorreu. Após o fracasso da FNL, os sandinistas interromperam o auxílio, mas isso não mudou a posição de Reagan, que então tinha mais argumentos para acusar os sandinistas de comunistas e de exportarem a sua revolução para outros países da região (COATSWORTH, 2010, p. 209). Desde o início do seu governo, Reagan expressou, de modo claro, as suas diretrizes políticas. Para ele e a sua equipe de governo, o que aconteceu no Afeganistão, no Irã, em Angola, em Granada, na Etiópia, em Moçambique e na Nicarágua era resultado de uma política tímida e equivocada do governo do seu antecessor. Embora mantivesse em termos discursivos a defesa dos Direitos Humanos, na prática, Reagan substituiu essa perspectiva pela aproximação com regimes autoritários, que se posicionassem de forma inequívoca no campo dos EUA. Conforme nos aponta Moll, referenciado em Kryzanek, desde o início do seu governo, Reagan evidenciou a sua opção por uma ação mais contundente contra as guerrilhas de esquerda e o seu apoio às ditaduras então vigentes em diferentes países do continente, dentre elas as do Brasil, do Chile e da Guatemala. Em paralelo, Reagan procurou reverter a tímida política de aproximação com Cuba iniciada por seu antecessor (MOLL NETO, 2018). Nesse caminho, Reagan buscou reatar as relações com a ditadura argentina e com os militares guatemaltecos. Segundo Westad, em 1981 estava a ocorrer uma guerra secreta de Reagan contra a Nicarágua. A CIA estava a treinar forças antissandinistas, muitas delas provenientes da antiga Guarda Nacional da ditadura de Somoza, que foram instruídas por militares argentinos em Honduras. Assim, evidencia-se que a política externa de Reagan para a região tinha como objetivos-chave derrubar o regime sandinista e vencer os rebeldes na Guatemala e em El Salvador. Para cumprir esses objetivos, os EUA passaram a dar suporte aos Contras (grupo rebelde antissandinista) tanto de
forma legal quanto ilegal. O apoio dos EUA aos Contras era bastante amplo e implicava a provisão de armas e munições, o treinamento e o envio de suprimentos com regularidade a mais de 15 mil combatentes, constituindo-se na maior operação da CIA na América Latina, desde a tentativa de invasão da Baía dos Porcos, em 1961 (WESTAD, 2007, p. 345). Reagan esperava contar com o apoio da Costa Rica, de Honduras e do Panamá para conseguir esses objetivos. Assim, o sucessor de Carter tornou a Nicarágua, um símbolo da luta anticomunista e, entre 1981 e 1983, implementou um conjunto de ações ilegais para derrubar o regime. Em 1984, em decorrência do processo eleitoral que visava à sua recondução à presidência, adotou uma postura mais moderada, mas, após a sua vitória, retomou a investida contra a Nicarágua e os movimentos revolucionários na América Central, ainda com maior virulência (COATSWORTH, 2010, p. 210). Ao contrário das acusações de Reagan, os sandinistas mantiveram no país o pluralismo partidário, o funcionamento das instituições democráticas, a liberdade de imprensa e a propriedade privada; ainda, mantiveram-se na OEA, marcaram eleições livres para 1985 e garantiram que jamais permitiriam que Cuba ou URSS instalassem bases em seu país. Como garantia, ofereceram inclusive a possiblidade de verificação in loco dessa situação. Nada disso, no entanto, afetava a postura do governo Reagan em relação ao pequeno país da América Central. Adicionalmente, como afirma Coatsworth, tanto Cuba quanto a URSS haviam alertado ao governo sandinista que o seu envolvimento no conflito tornaria a situação ainda pior, uma vez que não tinham como oferecer garantias ao regime. Nos anos seguintes, o apoio econômico soviético e dos países da Europa Oriental à Nicarágua foi diminuto. De fato, o apoio do bloco soviético foi muito menor do que aquele proveniente de países da Europa Ocidental e da América Latina, regra geral, vinculados à preservação da propriedade privada e das liberdades democráticas (COATSWORTH, 2010, p. 211). Não obstante, Reagan continuou a caricaturar o regime sandinista como um inimigo comunista implacável que precisava ser derrubado. Em março de 1981, menos de dois meses após assumir o governo, Reagan autorizou a CIA a iniciar operações secretas para cumprir tais objetivos, por meio do apoio aos Contras. Em dezembro do mesmo ano, a CIA começou a treinar forças, a
enviar recursos, armamentos e a fornecer apoio logístico aos opositores do regime sandinista. Essas ações foram arquitetadas e executadas no território fronteiriço de Honduras com a Nicarágua, onde ex-integrantes das forças do governo Somoza eram treinados para combater o regime instalado no país. Essas medidas tinham dois objetivos. Primeiro, mostrar a disposição do governo Reagan para esmagar o regime sandinista. Segundo, forçar o governo nicaraguense a adotar medidas de exceção, para fazer frente a essa ofensiva, e usar essas práticas defensivas para justificar que o regime sandinista era autoritário e que, portanto, deveria ser derrubado. Reagan conseguiu, parcialmente, esses objetivos, pois, devido à intensificação dos conflitos e às constantes sabotagens e atos de terrorismo de que a Nicarágua era alvo, os sandinistas declararam estado de sítio em março de 1982, limitaram a liberdade de imprensa e as liberdades civis e instituíram o recrutamento militar obrigatório. Essas medidas ofereceram a Reagan os argumentos de que ele precisava para justificar um maior envolvimento dos EUA nas questões internas da Nicarágua, em nome de uma suposta defesa da democracia frente a um regime caricaturado como opressor. Inicialmente, Reagan não encontrou muito apoio da sociedade e do Congresso e empregou recursos do próprio orçamento da CIA e do Departamento de Estado. Quando esses fundos terminaram, ele conseguiu a aprovação de 19 milhões de dólares para auxiliar os Contras nos exercícios de 1983-1984. O Congresso definiu, porém, que esses recursos não poderiam ser usados para derrubar o governo, adotar medidas consideradas como terroristas ou ilegais pela legislação internacional (COATSWORTH, 2010, p. 212). Mas os falcões do governo e da CIA descumpriram essas restrições e, além disso, viabilizaram recursos de doadores de grandes corporações estadunidenses e de outros países, regra geral, associados aos interesses dos EUA, como, por exemplo, Israel e Taiwan. Além disso, Reagan decidiu minar os portos da Nicarágua para obrigar outras nações a não comercializarem com o país, em uma atitude de frontal desrespeito às leis internacionais. O governo da Nicarágua acionou os EUA na Corte Internacional de Haia. Quando a Corte se pronunciou, por intermédio da condenação dos EUA, Reagan e seus assessores procuraram desqualificar esse reconhecido tribunal internacional. A situação, no entanto, tornava-se cada vez mais adversa para o presidente republicano, pois, em represália, o Congresso cortou os recursos para a ajuda
aos Contras. Em resposta, Reagan e a sua equipe adotaram expedientes ilegais e clandestinos por meio de uma trapaça internacional. Com a intermediação de Israel, empresas dos EUA venderam armas para o Irã de forma completamente ilegal. Sublinhe-se que os EUA haviam rompido relações com o Irã, em decorrência da revolução fundamentalista e do aprisionamento de diplomatas e civis na embaixada dos EUA em Teerã, ainda durante o governo Carter. O dinheiro desse tráfico de armas passou a ser enviado aos Contras por intermédio do Coronel Oliver North, membro do National Security Council (NSC). Esse evento ganhou dimensão nacional e internacional quando a trama foi descoberta e denunciada pela imprensa. Em meio a esse cenário turbulento, o governo sandinista impôs um grande revés a Reagan, quando aprovou uma constituição democrática e antecipou as eleições para novembro de 1984, de forma a fazê-la coincidir com o pleito presidencial dos EUA. O processo eleitoral definido pelo regime seria plenamente livre, sem restrições à liberdade de imprensa e de expressão e dele poderiam participar todos os partidos, inclusive aqueles que abertamente apoiavam os Contras. Além disso, os sandinistas propuseram um tratado mediado pelo grupo de Contadora (Costa Rica, México, Panamá e Venezuela), em que se comprometiam a não apoiar a guerrilha salvadorenha, solicitavam a retirada total dos assessores cubanos e soviéticos do país, assumiam o compromisso de nunca instalarem bases estrangeiras na Nicarágua. Ainda comprometiam-se em estabelecer limites ao tamanho das suas forças armadas e garantiam a permissão para a sistemática inspeção in loco, de forma que ficasse garantido o cumprimento do acordado. Apesar de tudo isso, os falcões associados a Reagan continuaram a criar óbices a qualquer possibilidade de ser firmado um compromisso com vistas a pacificar a região. Robert Gates, então diretor de um departamento da CIA, trabalhou para convencer Honduras a rejeitar o pacto e para convencer El Salvador e Costa Rica a manifestarem reservas em relação a ele (COATSWORTH, 2010, p. 212-214). Após a reeleição, Reagan retomou a campanha para derrubar o regime nicaraguense ainda de forma mais ostensiva. Como resultado do impacto das eleições, o Congresso aprovou, para 1984-1985, 27 milhões de dólares de ajuda “não letal” aos Contras e, para o biênio seguinte, 100 milhões, dos quais 30 milhões para armas. Apesar de todo esse auxílio, os Contras sofreram sérios revezes e então passaram a adotar táticas de terrorismo contra instalações do
governo, fábricas, plantações, escolas, clínicas médicas e outros alvos civis. Em 1986, com a derrubada de um avião e o aprisionamento do seu piloto, o governo da Nicarágua pode comprovar as ações de envio ilegal de armas aos Contras por parte dos EUA, pois o próprio piloto confessou o seu envolvimento na operação. A repercussão do envolvimento dos EUA por meio do envio ilegal de armas aos Contras levou o governo Reagan a buscar uma alternativa para dar suporte ao movimento antissandinista. Foi nesse contexto que se estruturou a operação que se tornou conhecida como Irã-Contras, há pouco mencionada. Quando os republicanos perderam o controle do Congresso em novembro de 1986 e pouco depois eclodiu o escândalo desse envio ilegal de armas aos Contras, a política de Reagan para a Nicarágua colapsou. Ao ficar evidente que o Congresso não mais aprovaria recursos para os Contras, Reagan começou a buscar uma saída. Reagan havia se oposto sistematicamente ao Acordo de Paz de Esquipulas I (proposto pelos países da América Central, sob a liderança do presidente da Costa Rica, Oscar Arias). Embora o acordo atendesse à quase totalidade das exigências dos EUA, permitia uma questão considerada inaceitável para o presidente estadunidense: a permanência dos Sandinistas no governo da Nicarágua. Em novembro de 1986, no entanto, com a falência da política de Reagan para a Nicarágua e a derrota eleitoral do seu partido nas eleições para o Congresso, ele negociou os termos de outro Acordo (Esquipulas II). Os Sandinistas concordaram com os termos do acordo, apesar dos riscos que eles significavam, pois o país encontrava-se devastado pela guerra civil patrocinada pelos EUA. Reagan não conseguiu derrubar os sandinistas, mas seu vice George Bush, após eleito presidente, convenceu grande parte da população nicaraguense de que a única forma de terem paz era aceitar um caminho aprovado pelos EUA. Em 1990, os sandinistas perderam as eleições em um processo eleitoral em que a candidata de uma coalizão de oposição, Violeta Chamorro, foi amplamente financiada com recursos provenientes dos EUA (COATSWORTH, 2010, p. 215-216). Em 2006, o líder sandinista Daniel Ortega retornou ao poder por meio de eleições livres e democráticas. Ao longo de seus governos, porém, Ortega distanciou-se das propostas que embalaram os sonhos da Revolução Sandinista e estruturou um regime personalista e autocrático que, cada vez mais, afastou-se das bases populares herdeiras das
lutas pela democratização do país. Como resultado desse processo, no momento em que escrevo este texto, os conflitos sociais estão a espalhar-se pela Nicarágua e Ortega responde às manifestações contrárias ao seu governo de modo não muito diferente do que fazia a ditadura de Somoza. **************** Ronald Reagan foi eleito presidente dos EUA na campanha eleitoral de 1980, tendo como foco uma crítica contundente à política externa levada por Jimmy Carter. Para Reagan, a Détente era uma espécie de via de mão única em que os soviéticos, como estratégia de expansão da sua influência, não cumpriam os seus compromissos e exploravam as fraquezas dos EUA no Terceiro Mundo. Apesar de Carter haver adotado uma postura mais agressiva no cenário internacional, a partir do seu terceiro ano de governo, principalmente pela influência de Brzezinski, Reagan procurou caricaturar o presidente democrata como um fraco que era responsável por inúmeros fiascos dos EUA ao redor do mundo. Assim, a revolução iraniana, o fracasso da operação de resgate de agentes e servidores dos EUA na embaixada de Teerã, a vitória sandinista na Nicarágua e a expansão revolucionária em El Salvador, na Guatemala e em Honduras eram apresentados como resultado do fracasso da política externa de Carter. Não obstante, após derrotar Carter, que postulava o seu segundo mandato, e tomar posse, grosso modo, Reagan manteve as diretrizes da política externa delineada por Carter e Brzezinski nos últimos dois anos do governo democrata. A diferença essencial no modo como o presidente republicano encaminhou a política externa do país estava numa postura muito mais agressiva e no rompimento com as amarras morais, presentes na gestão de Carter, que pudessem impedir a implementação de ações mais contundentes. Em termos de uma política global, Reagan adotou um discurso maniqueísta em relação à URSS. Nele, os EUA representavam a promessa de liberdade, democracia e bem-estar social enquanto a rival era tratada, numa linguagem bíblica, como o império do mal. Apesar do discurso estudado e muitas vezes histriônico, de uma postura belicosa que desencadeou uma nova corrida armamentista em níveis que se aproximavam ou mesmo superavam aqueles observados durante a primeira fase da Guerra Fria (1947-1953), Reagan, em seu segundo mandato, acabou por negociar quando desafiado pelas ousadas propostas do novo governante soviético, Mikhail Gorbachev.
Em grande medida, Reagan procurou atuar em diferentes lugares do globo por intermédio do suporte às forças locais e, desse modo, buscou evitar os constrangimentos, ainda presentes em consequência dos efeitos colaterais da Guerra no Sudeste Asiático, na política doméstica dos EUA. Nesse contexto, a vitória sobre os movimentos revolucionários na América Central foi vista por Reagan e por seus assessores mais próximos como uma via para superar a chamada síndrome do Vietnã. Assim, era fundamental à política externa de Reagan estrangular o regime sandinista, visto como elemento desestabilizador de toda a América Central, e impedir o avanço revolucionário em outros países da região. Além disso, Reagan viu em Granada, uma pequena ilha do Caribe, com cerca de 100 mil habitantes, uma oportunidade para demonstrar a possibilidade de vitória dos EUA no Terceiro Mundo. Em outubro de 1983, tropas dos EUA ocuparam o pequeno país do Caribe e depuseram o regime de tendência de esquerda lá vigente. Apesar do pequeno significado da ilha caribenha tanto no contexto regional quanto global, o fato foi tratado em Washington como uma quebra de paradigma e como referência para futuras ações dos EUA em diferentes áreas do globo (WESTAD, 2007, p. 334-348).
10 A CRISE DO SISTEMA SOVIÉTICO E O FIM DA GUERRA FRIA39 As reflexões apresentadas neste capítulo precisam ser situadas em um contexto histórico marcado nas últimas quase três décadas por mudanças relevantes no campo da diplomacia, além de outras inquietações no campo das relações internacionais. A arquitetura de poder global edificada durante o longo conflito de dimensões globais conhecido como Guerra Fria dissipou-se. Após a crise e a falência dos regimes pró-soviéticos da Europa Oriental e, na sequência, a desagregação da própria União Soviética, deu-se o alargamento das chamadas fronteiras ocidentais e do modelo de capitalismo e de democracia liberal liderados pelos EUA. No contexto em que um dos contendores da Guerra Fria deixava de existir, o modelo bipolar40 que, grosso modo, operou durante aquele conflito não deu origem a um sistema multipolar. Sobre essa problemática, G. John Ikenberry defende a perspectiva de que, com o fim da Guerra Fria, os EUA passaram a atuar como uma potência unipolar (IKENBERRY, 2010, p. 535-556). Discordo do autor, pois, embora reconheça a possibilidade da existência de uma supremacia ou, mais especificamente, da preponderância do poder estadunidense no campo militar, acredito que a complexidade da atual fase de expansão do capitalismo negue a tese da unipolaridade. Sublinho a necessidade de considerar os diferentes campos por intermédio dos quais as nações se relacionam nesse complexo cenário. Merecem destaque os campos do comércio internacional, das instituições políticas e da cultura. Dessa perspectiva, a noção de unipolaridade torna-se insustentável, uma vez que existe uma grande interdependência entre as nações, apesar da enorme preponderância do poder estadunidense. Ainda início da década de 1990, intelectuais associados aos Think Tanks estadunidenses preconizavam uma nova era de tranquilidade e opulência, derivada da percepção de que com o fim da Guerra Fria, o mundo atravessava um momento promissor. Chegou-se a proclamar o fim da História, uma tese esdrúxula elaborada por Francis Fukuyama, que de modo célere ganhou
repercussão global e produziu uma excitação acadêmica alavancada pela mídia, mas logo perdeu vigor frente a críticas contundentes (FUKUYAMA, 1989, p. 3-18)41. Naquele contexto, afiançou-se um consenso por meio do qual só haveria um caminho a seguir e garantiu-se que ele levaria à melhoria dos padrões de bem-estar social, como resultado de uma nova onda de desenvolvimento econômico conduzida pelos EUA. Sedimentados aqueles eventos e frustradas muitas daquelas promessas, ao contrário do proclamado, houve a expansão de conflitos em diferentes regiões do planeta. Muitos desses conflitos, regra geral com algum tipo de envolvimento dos EUA, espalharam-se pelas fronteiras do chamado mundo ocidental e nas bordas das áreas que em passado recente estavam sob a influência da URSS. Agora, sem a antiga oponente que obstaculizava a sua ação durante a Guerra Fria, os EUA e a Otan expandiam a sua influência e o seu controle sobre áreas anteriormente situadas na órbita soviética. No Ocidente, durante a Guerra Fria, construiu-se um discurso convincente sobre a existência de um projeto de dominação mundial soviético. O fracasso do modelo soviético permite descortinar mais claramente os limites daquela construção e abre janelas para a percepção da questão a partir de outra ótica. Uma aproximação ao tema Até recentemente, estava consolidada na literatura especializada a interpretação de que, após décadas de contínuo crescimento em patamares superiores àqueles verificados no mundo capitalista, a URSS começou a apresentar, a partir da década de 1960, uma tendência à redução no seu ritmo de desenvolvimento. Dessa forma, a distância entre o mundo capitalista e o soviético, que no pós-Segunda Guerra Mundial estava continuamente a diminuir, experimentou certa estabilidade por volta de meados da década de 1960. Ao longo da década de 1970, entretanto, a distância entre os dois mundos voltou a aumentar, a princípio de forma modesta e, posteriormente, de modo mais intenso. Em grande medida, o crescimento soviético das décadas anteriores, alicerçado em um modelo de produção extensiva, com o aumento do número de unidades produtivas e da intensificação do ritmo do trabalho e das horas laboradas estava a se esgotar. Desse modo, na URSS, alargava-se a produção sem que necessariamente houvesse o aumento da produtividade lastreada no desenvolvimento de novas
tecnologias e na melhor qualificação da força de trabalho. Até o início da década de 1970, a percepção dessas tendências não era muito visível fora da URSS e, naquele país, era conhecida somente por um grupo muito restrito dos dirigentes do Partido Comunista. Entre 1965 e 1970, os sinais da vitalidade econômica soviética, apesar de já indicarem uma queda no seu ritmo de crescimento, ainda eram bastante expressivos. O país contabilizou um crescimento industrial anual médio ao redor de 8,4%. Dez anos depois, contudo, essa média havia recuado para 3,5%. Assim, os sonhos de equipararem ou superarem a economia dos EUA naufragaram (REIS FILHO, 1997, p. 225). Para Ângelo Segrillo, a emergência da Terceira Revolução Tecnológica no Ocidente com a definição de novos padrões organizacionais da produção industrial baseados no toyotismo haveria sido um fator fundamental para que a economia soviética começasse a perder terreno. Para o autor, o modelo de produção soviético conseguia fazer frente à produção fordista prevalente no mundo ocidental entre as décadas de 1930 e o início da década de 1960, mas não tinha como competir com a nova produção industrial baseada na flexibilidade, nos fluxos mais horizontais de informação e comando e, em especial, na proeminência atribuída à qualidade da produção (SEGRILLO, 2000, p. 191-192). Além disso, nas nações líderes do mundo capitalista, o desenvolvimento pujante da microeletrônica, da informática, da robótica e da automação ampliava ainda mais essa distância. Como afirmou Mikhail Gorbachev, durante a segunda metade da década de 1970 ficou muito claro algo que parecia inexplicável aos soviéticos, pois o país começou a perder impulso. Naquele contexto, a economia principiou a apresentar sinais de fadiga e deterioração, externados pelo aumento das dificuldades e pelos sucessivos fracassos nas metas traçadas pelos organismos de planejamento soviéticos; esses problemas não foram solucionados e se multiplicaram, de forma que passaram a funcionar como um freio a impedir o desenvolvimento econômico e social do país. Enquanto o restante do mundo estava a experimentar uma nova revolução científica e tecnológica, a União Soviética entrava em um processo de estagnação econômica (GORBACHEV, 1987, p. 17). Para Lenina Pomeranz, durante a era Gorbachev emergiram sérias críticas às estatísticas de que o país dispunha. V. Seliunin iniciou a polêmica sobre a distorção das estatísticas soviéticas ao publicar, em 1987, o artigo Lukavaia
Tsifra (O dado enganoso), na revista Novi Mir, n.2. Posteriormente, Nicolai Shmelev e Vladimir Popov deram continuidade ao debate ao publicar The Turning Point. Revitalizing the Soviet Economy (1990). Segundo esses autores, havia erros nos procedimentos estatísticos e observava-se que a superestimação nos dados oficiais relativos à produção havia sido sistemática a partir do final da década de 1920. Para os autores mencionados, essas distorções perduraram nas décadas seguintes e, em especial, tornam-se ainda mais evidentes na década de 1970 (POMERANZ, 1990, p. 12-13). Segundo os estudiosos, não se tratava de erro humano isolado, mas de problemas sistêmicos com as estatísticas existentes na URSS. De forma a atualizar o debate, lembro que Alec Nove publicou The economics of feasible socialism revisited, em 1991, quando apresentou um mapeamento dos novos questionamentos às estatísticas soviéticas (NOVE, 1991). Em outro texto, Alec Nove analisa a retomada do vigor no campo das análises econômicas e das estatísticas soviéticas durante a década de 1980. O autor aponta a importância dos trabalhos de Tatiana Zalavskaia, Abel Aganbegyan, Grigory Khanin, Vasily Selyunin, Andrei Illarionov, entre outros. Esses autores, de formas distintas, apresentaram uma crítica em comum ao tratamento estatístico existente no período soviético. Alguns deles, como Khanin e Selyunin, afirmaram que entre 1928 e 1986, enquanto os dados oficiais apresentavam um crescimento da economia em cerca de 90 vezes, a realidade era de que ela havia crescido apenas entre seis e sete vezes, um dos piores dados do mundo, segundo os autores. Andrei Illarionov, sumarizado por Alec Nove, afirma que o país apresentava padrões de países subdesenvolvidos e indicadores sociais similares aos da Venezuela, de Portugal e da Grécia (NOVE, 2004, p. 41-50). Lenina Pomeranz examina os dados apresentados por Seliunin, Nicolai Shmelev, Vladimir Popov e outros autores que tratam as estatísticas econômicas soviéticas. Pomeranz afirma que, apesar da superestimação dos dados, o crescimento econômico soviético haveria ocorrido a taxas elevadas. Em relação a esse debate gostaria de tecer algumas últimas considerações que me parecem pertinentes. Do meu ponto de vista, caso Seliunin e Khanin estivessem corretos, o crescimento econômico soviético seria diminuto ao longo de seis décadas. Se essa assertiva está correta, como explicar que uma nação com crescimento tão insignificante pudesse haver se reconstruído após a devastação de duas guerras mundiais, de uma guerra civil, dos extermínios
stalinistas e apresentar-se como a segunda potência global? Certamente, muito mais estudos serão necessários para compreender, no detalhe, o comportamento da economia soviética. A considerar a comparação de dados da URSS com a Venezuela, com Portugal e com a Grécia, sublinhe-se que a União Soviética possuía em seu interior contradições marcantes. De um lado, era a segunda potência global, com setores altamente desenvolvidos (militar e energético, por exemplo) e outros em níveis incipientes, próximos dos padrões do chamado Terceiro Mundo. Assim, se for mantida a terminologia questionável e desgastada, era a líder do Segundo Mundo, e, de forma paradoxal, apresentava perfis de Primeiro e Terceiro Mundo entrelaçados em seu interior. No que se refere à intensificação dos problemas econômicos soviéticos nas últimas décadas que antecederam à sua desagregação, deve-se observar o impacto da crise do petróleo iniciada em 1973. A brusca elevação dos preços do barril de petróleo no mercado internacional mascarou a situação da economia soviética, uma vez que o país empregou as receitas geradas com a exportação do combustível fóssil para importar produtos de forma a atender às demandas internas. Além disso, esses recursos serviram para financiar os déficits tanto internos quanto dos Estados ligados à sua esfera de influência. Assim, no momento em que os sinais da crise do sistema soviético tendiam ganhar relevância, eles foram mascarados pelo ingresso do dinheiro proveniente da venda do petróleo (HOBSBAWM, 1995). De fato, naquele momento, a percepção da sociedade soviética era de que ocorria uma sensível melhora nas condições de vida, com a redução das filas para acesso a muitos produtos de consumo. Assim, segundo Hobsbawm, perdeu-se a oportunidade de reformar o sistema quando ainda era possível e existiam recursos para isso. Quando, entre o início e meados da década de 1980, os preços do petróleo despencaram, os sinais da crise tornaram-se evidentes, mas, naquele contexto, a situação era muito mais grave e o país não mais dispunha de recursos abundantes para financiar as reformas necessárias. O exposto não implica que a existência de recursos garantisse a realização das reformas sem embates no interior do sistema. Nesse ponto, ressalte-se a constituição de uma imensa máquina burocrática que, ao longo de décadas, autonomizou-se dos interesses reais da sociedade. Essa nova elite passou a atuar na defesa dos seus interesses de grupo ou de classe, pois, como
caracterizam alguns críticos situados no campo do marxismo, essa elite, embora não fosse proprietária dos meios de produção, era a sua beneficiária direta. Reformar o sistema implicava afetar esses interesses e, dessa forma, quando alguns pretendiam reformar, muitos faziam oposição mesmo que de forma velada ou inercial aos eventuais projetos reformistas. Resistências às mudanças faziam parte do modus operandi das elites soviéticas. Apenas para assinalar, uma vez que esse não é o foco do problema em lide, Kruschev ensaiou reformas, mesmo que tímidas, durante o seu governo, e enfrentou considerável resistência aos seus projetos. A resistência aos projetos reformistas propostos por Kruschev era em parte proveniente da ausência de planejamentos adequados que levavam à desorganização do sistema produtivo e de uma percepção de impulsividade do líder (NOVE, 1975, p. 151-156). Enquanto as reformas apresentaram algum resultado palpável, Kruschev conseguiu manter uma unidade mínima que o sustentava. Quando se deparou com resultados adversos, muitos deles procedentes dos fracassos da reforma agrícola por ele proposta, a sua base de sustentação foi rapidamente erodida e, desse modo, foram criadas as condições para a sua remoção do poder, por meio de um golpe palaciano. Segundo Daniel Aarão Reis Filho, os conspiradores repudiavam em Kruschev o que denominavam como um reformismo voluntarista e inconsequente. Assim, afirmavam defender a realização de reformas, mas com estabilidade e equilíbrio (REIS FILHO, 1997, p. 216). No mundo soviético, a inércia, as resistências e outros problemas de vulto limitavam ou impediam a realização das necessárias reformas. Além disso, mesmo que essas barreiras fossem vencidas, emergia o problema relacionado à confiabilidade das informações econômicas. Alec Nove aponta autores com diferentes pontos de vista que aderem à ideia de que, de fato, não se podia falar em planejamento na União Soviética (Eugene Zaleski, J. Wilhelm, Hillel Ticktin). Segundo Alec Nove, eles argumentam, cada um a seu modo, que, regra geral, os planos não eram cumpridos, as diretrizes eram objeto de barganha, as informações eram desencontradas, distorcidas e repletas de inconsistências (NOVE, 1991, p. 78). Outra questão merece consideração na análise da emergência da crise soviética em meados da década de 1980. A corrida armamentista imposta pelos EUA no contexto da Guerra Fria, que perdurou por cerca de quatro décadas,
drenou vultosos recursos que poderiam ser investidos no desenvolvimento do país. Segundo essa perspectiva, esses recursos foram despendidos em duas grandes vertentes. A primeira vertente refere-se ao campo militar, onde a URSS buscou a paridade estratégica com os EUA. Com uma produção de riquezas que, no início da década de 1960, equivalia à aproximadamente a metade daquela verificada nos EUA, a União Soviética gastou por anos a fio, em termos proporcionais ao seu PIB, o dobro do que despendia a potência rival. Sublinhese em relação a esse tópico que, se os dados estatísticos soviéticos foram, de fato, superestimados em demasia, como apontam autores já mencionados, o gasto proporcional foi ainda muito maior. Desse ponto de vista, a contínua sangria de recursos para atender à crescente demanda no campo militar haveria produzido efeitos perversos na economia do país. A segunda vertente relaciona-se à crença de ambas as potências de que o mundo passava por uma fase especial e da avaliação de que a história estava do seu lado. Em decorrência dessa percepção, EUA e URSS competiram, por intermédio de projetos de modernização divergentes, no assim chamado Terceiro Mundo, entre as décadas de 1950 e 1960. Como resultado dessa disputa, vultosos investimentos efetuados pela URSS no Sudão, na Indonésia e em Gana, apenas para citar alguns exemplos, foram perdidos em consequência de golpes de Estado que levaram à deposição dos regimes associados ao Kremlin. No contexto da Guerra Fria, a disputa política soviética com os EUA foi sempre onerosa para os cofres de Moscou, mesmo quando os regimes alinhados à URSS se tornaram estáveis, como foi caso de Cuba. De forma adicional, havia outras dificuldades na implementação dessas políticas de apoio aos chamados regimes amigos, pois, muitas vezes, não havia a reciprocidade esperada. Um exemplo dessa situação era o Egito, comandado por Nasser. A despeito do apoio recebido, Nasser não se posicionava de modo claro em relação às disputas das duas grandes potências. Em paralelo, no Egito, o próprio Partido Comunista sofria severa repressão durante o governo Nasser (LATHAM, 2010; BRADLEY, 2010; MUNHOZ, 2017). Como resultado dessas e de outras experiências negativas, os soviéticos começaram a revisar a sua política para o Terceiro Mundo por volta da metade da década de 1960.
Nesse ponto, ainda é importante salientar que a partir, principalmente, do início da década de 1960 a União Soviética passou a defrontar-se com uma rival situada no seu campo ideológico. A China, então em rota de colisão com o Kremlin, disputava a hegemonia sobre os movimentos de contestação à ordem capitalista ao menos em três continentes: Ásia, África e América. Os desafios postos pela China implicaram a necessidade de ações soviéticas com o intuito de conter a erosão da sua área de influência. Disso resultou que a URSS foi instada a competir com a ex-aliada, em diferentes regiões do planeta. Mais uma vez, a política externa soviética impactava as finanças do país. Ângelo Segrillo problematiza o peso dos gastos em defesa na economia soviética e diferencia o impacto que os altos investimentos no setor militar provocaram na economia soviética na década de 1930 do ocorrido nas décadas de 1970 e 1980. No primeiro período, o pesado investimento no setor industrial militar segundo o autor pode até haver estimulado certos segmentos econômicos, já nas décadas finais do regime soviético esse passivo pode haver se transformado em um fardo para aquela economia. Segrillo, contudo, relativiza essa questão, aponta as peculiaridades da economia soviética em relação à economia de mercado, afirma que o aparato industrial militar fazia parte do sistema tanto na era stalinista quanto no período pós-Stálin. Desse ponto de vista, questiona até onde o alto investimento no campo militar pode ser considerado negativo para a economia soviética na conjuntura um pouco anterior à Perestroika (SEGRILLO, 2000, p. 124-135). De fato, essa é uma questão espinhosa e merece um debate mais alongado, mas, esse não é o escopo deste trabalho. Enfatize a visão de Gorbachev de que o sistema militar consumia recursos indispensáveis para reformar a economia soviética e destacam-se as suas ações com o objetivo buscar uma solução que permitisse a redução dos gastos na área de defesa e nos campos a ela correlatos. O começo do Fim? Existem diferentes abordagens para tratar as origens das profundas transformações ocorridas na União Soviética durante o período em que o país foi dirigido por Mikhail Gorbachev. Nas próximas páginas, algumas delas serão apresentadas, de forma sumária, com o intuito de compreender melhor aquele intrincado período histórico. Ressalte-se que o processo foi muito mais abrangente e que no exercício ora em desenvolvimento serão abordados
apenas alguns pontos escolhidos conforme os critérios definidos segundo os propósitos em lide. O historiador britânico Archie Brown defende a tese de que, em paralelo ao oficialismo governamental, ao longo das duas ou três décadas que antecederam às reformas implementadas por Gorbachev, um restrito círculo dirigente soviético manteve contato e trocou experiências com seus pares do Ocidente. Acrescenta Brown que alguns membros dessa elite dirigente viveram em países do mundo capitalista e foram marcados por suas experiências no exterior (BROWN, 2010). Para o autor, essa influência transnacional foi extremamente importante para a conformação de uma cultura política que possibilitou repensar a URSS e planejar as reformas que ela necessitava. Para Brown, contudo, se não é possível falar de uma revolução provocada por um homem, o que ocorreu na União Soviética somente foi possível porque Gorbachev possuía o poder e as condições para colocar a máquina do Partido Comunista da União Soviética (PCUS) e as instituições do Estado a serviço desses projetos. Segundo Brown, sem esse poder, aquelas influências dificilmente resultariam em algo concreto, uma vez que a rígida hierarquização institucional existente no país bloqueava qualquer possibilidade de mudança que não fosse pelo alto (BROWN, 2010, p. 244-266). Gorbachev assumiu o posto de secretário geral do Partido Comunista da União Soviética em março de 1985, apenas 24 horas após a morte de seu antecessor, Konstantin Ustínovitch Chernenko. Para Daniel Aarão Reis Filho, a rapidez na escolha do novo secretário geral do PCUS foi uma decorrência do fato de que ele já governava antes mesmo de ser formalmente escolhido. O autor lembra ainda que, desde o agravamento da doença de Brejnev, o país foi (des)governado por personagens minguantes, doentes, mantidos à custa de altas dosagens de medicamentos. Havia pressa e, conforme indica Reis Filho, Gorbachev vinha com muita ambição de mudar. Não estava só, era a expressão da vontade de mudar que se formou até nas altas esferas do poder, pois mesmo nesses círculos restritos entendia-se que ou a União Soviética mudava ou deixava de ser grande potência (REIS FILHO, 1997, p. 231). Gorbachev foi eleito pela unanimidade dos membros do Politiburo e do Comitê Central. O novo líder era, no entanto, muito mais reformista do que os colégios que o escolheram. É verossímil supor que o novo secretário geral foi
muito além do que ele mesmo pretendia. Uma vez desencadeado o processo de reformas, ele gerou efeitos inesperados pelo próprio criador. Desses efeitos indesejados, a desintegração da União Soviética foi o maior acontecimento (BROWN, 2010, p. 247-248). Mudar a política externa da URSS Ao assumir o governo da União Soviética, Gorbachev pretendia imprimir mudanças que possibilitassem a retomada do crescimento econômico do país, que experimentava a redução no seu ritmo já havia três décadas. Assim, esperava também promover a melhoria das condições de vida da população. Naquele contexto, para Gorbachev, era imperativo mudar a política externa do país, chegar a um acordo com os EUA e por um fim à Guerra Fria. O novo líder soviético estava convencido que a corrida armamentista derivada daquele conflito global privava o Estado soviético de vultosos recursos para o desenvolvimento da sua economia. Com essa convicção, pouco após assumir as suas funções, o novo secretário do PCUS iniciou a substituição das personagens centrais na elaboração da política externa do país. Para ele, sem esses deslocamentos estratégicos, o poder de elaboração da política externa continuaria nas mãos daqueles que haviam cristalizado uma posição que precisava ser revertida. Assim, ainda em meados de 1985, transferiu Andrei Gromiko, personagem central na elaboração da política externa soviética das últimas três décadas, para a função de presidente do Soviete Supremo e nomeou Eduard Shevardnadze para o Ministério das Relações Exteriores. Gorbachev sabia que era prudente não confrontar a influência de Gromiko e, com isso em mente, conferiu-lhe um posto de honra, mas em grande parte decorativo e abriu caminho para as mudanças que considerava inadiáveis. À época, Shevardnadze foi considerado inexperiente, mas Gorbachev queria uma pessoa da sua confiança, pois estava convencido de que somente assim poderia efetuar as mudanças tão necessárias ao seu país no campo das relações internacionais. A seguir essa linha de conduta, em março de 1986, Gorbachev substituiu Boris Ponomarev, que ocupava a função de chefe do departamento de assuntos internacionais do Comitê Central do PCUS, por Anatoli Dobrynin, que havia sido embaixador soviético em Washington por 24 anos. Na sequência, substituiu Konstantin Russakov, que ocupava a chefia do Departamento de
Países Socialistas do Comitê Central do PCUS, por outro aliado, Vadim Medvedev. Ainda no início de 1986, designou Anatoli Chernaiev como seu auxiliar no campo da política externa. Gorbachev trouxe para uma esfera de poder mais próxima a ele o diretor do Imemo (Instituto de Economia Mundial e Relações Internacionais de Moscou), Aleksander Iakovlev, que havia sido por anos embaixador no Canadá. Iakovlev foi conduzido ao Imemo por Yuri Andropov, a pedido de Gorbachev, e era um colaborador pessoal do novo chefe de Estado desde 1983. Por fim, quando, em maio de 1987, um jovem alemão ocidental invadiu o sistema de defesa aéreo soviético sem ser detectado e pousou incólume próximo à Praça Vermelha, Gorbachev encontrou motivos mais do que suficientes para substituir o ministro da defesa, Sergei Sokolov, pelo general Dimitri Iazov. Esse conjunto de mudanças na equipe que elaborava a política externa da URSS foi de fundamental importância para a definição de novos rumos para o país (BROWN, 2010, p. 248-251). Gorbachev estava convencido de que precisava mudar a política externa de forma a construir as condições necessárias às reformas internas de que o país tanto carecia. Desse ponto de vista, era necessário gastar menos com a máquina de guerra decorrente da Guerra Fria, com o intuito de poupar recursos e destiná-los à promoção das reformas. Mais do que isso, Gorbachev acreditava que era necessário conquistar a confiança de governos e banqueiros internacionais para conseguir os recursos que ele precisava para a concretização dos seus ambiciosos planos. Ao mesmo tempo, precisava iniciar as reformas internas para mostrar ao povo soviético e ao mundo que as suas intenções eram reais e não mero discurso ideológico. Gorbachev impressionou ao mundo com sua jovialidade e a rapidez nas ações políticas. Logo ao ser empossado procurou sinalizar aos dirigentes das potências estrangeiras que buscava o diálogo e a conciliação. O novo líder soviético ganhou a atenção da mídia internacional ao representar a diferença entre o esperado e o acontecido. Esperava-se um governante soviético idoso, circunspecto, um político soviético da velha estirpe dos homens do Kremlin. De certa forma, essa expectativa era produto da realidade soviética, mas em parte era resultado da construção do perfil dessas lideranças pela mídia internacional. Gorbachev, porém, era jovem, disposto, possuía, aos olhares da imprensa internacional, um charme, complementado pelo de sua esposa
Raíssa. Assim, Gorbachev conquistou a mídia e a opinião pública que ele soube seduzir, mas talvez tenha sido arrebatado pelo glamour criado no exterior ao redor da sua personalidade, que era distinto da situação realmente existente na União Soviética. De fato, a mídia tornou Gorbachev uma espécie de astro da política internacional, a mídia o enaltecia, os banqueiros e governantes estrangeiros o elogiavam incansavelmente, mas, paradoxalmente, os recursos dos quais ele tanto precisava para executar os seus planos de reforma, somente vinham a conta-gotas, quando vinham. Gorbachev parecia aprisionado em uma trama associada à representação criada sobre a sua personalidade política. Aqueles que o louvavam em pouco ou nada o auxiliavam, pois esperavam o aprofundamento da crise que assolava a URSS para obterem lucros maiores por intermédio da conquista dos mercados soviéticos em situação ainda mais favorável que aquelas acenadas por Gorbachev. Não obstante todas essas dificuldades, Gorbachev surpreendeu, quando desafiou na prática as propostas de redução de armamentos apresentadas por Reagan, superando-as, indo muito além, ao declarar a moratória unilateral de testes nucleares, a redução em 50% dos armamentos estratégicos, a liquidação das armas nucleares até 2000, a redução dos mísseis intermediários e a adoção de rígidos controles sobre os armamentos convencionais (REIS FILHO, 1997, p. 232). Mudar a política interna Ao menos na fase inicial da administração Gorbachev, entre março e outubro de 1985, foi perceptível um grande descompasso entre as ações no campo das relações internacionais e as tímidas medidas adotadas internamente, que em muito repetiam experiências esboçadas por Nikita Kruschev, Alexei N. Kossiguin e mesmo durante o brevíssimo governo de Yuri Andropov. Contudo essas medidas eram apenas paliativas, procuravam mostrar o que já era de domínio comum, mas poucos praticavam. Naquele contexto, conclamava-se a população a mudar, afirmava-se que era necessário trabalhar mais e melhor, com honestidade e disciplina. Os novos dirigentes asseveravam que era preciso combater o alcoolismo, que atingia índices alarmantes no país, renovar o patriotismo e adotar posturas que contribuíssem para melhorar a sociedade.
Não obstante, essas medidas estavam muito aquém dos desafios apresentados à superpotência decadente. Naquele período, foi maturado por Gorbachev e seus principais assessores um ousado projeto de mudanças econômicas, apresentado ao público sob o nome de Perestroika. O termo foi traduzido para a nossa língua com um sentido de reestruturação (REIS FILHO, 1997, p. 232-233). A Perestroika era resultado da necessidade do sistema face à intensificação de uma crise em gestação já havia um longo tempo (POMERANZ, 1990, p. 12). Gorbachev publicou um livro onde defendia o projeto e afiançava sua importância para a União Soviética e para o mundo Perestroika: novas ideias para o meu país e para o mundo. Seu livro tornou-se um sucesso de vendas, conquistou o público, foi traduzido rapidamente para dezenas de línguas, e virou um best-seller mundial. Apesar das mudanças na política internacional e a despeito das diretrizes definidas na Perestroika, a URSS parecia continuar à deriva. A crise aumentava e o país aparentava estar prestes a soçobrar. A Perestroika era uma reforma radical da economia que não se restringia aos marcos do sistema, mas tinha como objetivo transformá-lo. Para fazê-lo, Gorbachev tinha como foco duas tarefas centrais: primeiro, redirecionar a economia doméstica para o atendimento ao mercado consumidor. Isso implicava uma mudança nodal no planejamento econômico soviético desde as suas origens. Enfatize-se que, nas últimas seis décadas, os bens de produção sempre foram privilegiados. Adicionalmente, indicava-se como prioridade a realização de investimentos para o atendimento da área social, com enfoque principalmente em habitação e abastecimento; segundo, Gorbachev considerava fundamental mudar o sistema de gestão que havia se enraizado pelas mais diferentes áreas de produção da URSS. Essas diretrizes implicavam a descentralização do processo decisório e a substituição do planejamento burocrático por outros instrumentos que possibilitassem a regulação da atividade econômica. Ao mesmo tempo, previase a extinção do controle das empresas pelos ministérios e a introdução de alguns mecanismos de mercado que passariam a atuar como reguladores dessas atividades. Como salienta Lenina Pomeranz, todavia, esse mercado era regulado por intermédio dos instrumentos de política econômica dirigidos pelo Estado (POMERANZ, 1990, p. 27).
Entre 1987 e 1991, Gorbachev e a sua equipe tinham que se equilibrar para, de um lado, atender à demanda social reprimida por décadas, que vinha à tona estimulada pela abertura política e econômica impressa ao país. Aparentemente, os novos dirigentes pretendiam a transformação do modelo socialista soviético, de forma a torná-lo mais produtivo, democrático e competitivo. De outro, com a liberdade de expressão e de organização concedida pelo alto e estimulada tanto por forças endógenas quanto exógenas, a oposição tornava-se cada vez mais robusta e alguns setores passaram a propugnar o abandono do socialismo e o redirecionamento abrupto da União Soviética em direção a uma sociedade nos moldes liberais. Nessa fase de experimentação de um modelo transitório, os resultados nem sempre eram promissores, como pretendiam os arquitetos da Perestroika, pois havia muita resistência inercial em diferentes segmentos da sociedade, o que dificultava “mover a montanha” como asseverou Abel Aganbegyan (AGANBEGYAN, 1990). Naquele contexto, deu-se a redução dos mecanismos estatais de comando da economia por intermédio da Perestroika. Em paralelo, como reverberação da Glasnost, houve a restrição do poder político do próprio Gorbachev, derivada da abertura política, da transparência e do estímulo à crítica ao sistema pelos cidadãos. A combinação dessas duas linhas de atuação de forma simultânea criava dificuldades quase intransponíveis para o governo. Por vezes, a economia não funcionava de modo conveniente e daí resultava a falta de produtos, porque eles não haviam sido produzidos em quantidades adequadas, estavam a ser desviados ou açambarcados. Como resultado dessa desorganização da economia, da emergência de práticas ilícitas por agentes do Estado e cidadãos, ou por equívocos cometidos pelos novos gestores, os preços disparavam e a inflação ganhava corpo. Logo, a população, que, a princípio havia depositado grandes esperanças nas transformações propostas por Gorbachev, tendia a criticar o governo e a aderir à oposição liberal ou às forças que pretendiam o retorno ao passado recente. Nessa conjuntura, a partir de 1989 começava a haver uma grande erosão na base de sustentação de Gorbachev. Uma dinâmica importante para compreender o processo diz respeito ao debate sobre o passado soviético ensejado pela Glasnost, que foi além do que gostariam as autoridades que comandavam as reformas. Em uma direção que confrontava os cânones de uma história rigidamente controlada pelo Estado e
desafiava os limites da política da Glasnost, a sociedade passou a debater não apenas o período de comando de Stalin, que já havia sido criticado superficialmente à época de Khruschev, mas também todo o período revolucionário, incluindo aquele marcado pela liderança de Lênin. Sublinhou o historiador Reginaldo Benedito Dias: [...] à medida que a crise se acentuou e as reformas fracassaram, movimentos originados na incipiente sociedade civil, ultrapassando os limites previstos pelo Estado, questionaram o passado soviético e puseram em xeque suas balizas e cânones. Quando ocorreu a desintegração da União Soviética, sedimentara-se uma visão niilista a respeito do passado bolchevique, bastante ramificada nas forças políticas emergentes (2017, p. 13).
Alex Pravda afirma que o colapso da União Soviética foi resultado principalmente de fatores domésticos. Para o autor, as novas elites emergentes no clima liberal da Perestroika aproveitaram-se dos movimentos nacionalistas em efervescência para conquistar poder às expensas do Kremlin, que se encontrava fragilizado, como resultado dos enormes problemas econômicos e das divisões políticas. Nesse processo interno, Pravda salienta que as questões internacionais, relacionadas ao fim da Guerra Fria, desempenharam um papel secundário, mas não desprezível. Segundo o autor, esses fatores contribuíram para a aceleração do processo e para que ele se desse de forma pacífica (PRAVDA, 2010, p. 356-377). Pravda considera que o colapso da União Soviética está associado a dois fatores correlacionados: a transformação do regime comunista e a desintegração da União altamente centralizada. Para ele, a condução da mudança do regime ocorreu pelo alto, quando o próprio Kremlin dirigiu um processo radical de mudança que transcendia o regime comunista. Já a união haveria sido minada a partir de baixo, quando as pequenas repúblicas bálticas, em uma primeira fase, começaram a exigir soberania (1989-1990) e, depois, a Ucrânia e a Rússia declararam a sua soberania (1990-1991). Em meio a esse conturbado cenário pelo qual passava a União Soviética, Boris Yeltsin foi eleito por meio do voto popular, como o primeiro presidente da República da Rússia, em junho de 1991. Yeltsin, que havia se tornado desafeto e rival de Gorbachev, durante a sua campanha, defendeu abertamente os movimentos nacionalistas e separatistas e o aprofundamento das mudanças econômicas em direção ao capitalismo; ao lutar para reduzir ou extinguir o controle do Kremlin sobre as repúblicas, propiciou o entrelaçar dos movimentos nacionalistas com a disputa pelo poder central. A crise econômica
persistente e a crescente polarização política tornaram muito mais difícil para Gorbachev manter a sua linha de reformas de caráter mais centrista. A partir de agosto de 1991, após o fracasso do golpe contra Gorbachev, planejado inclusive por alguns homens por ele indicados para o Governo, a sua margem de manobra ficou muito reduzida. Seu principal rival político postouse na linha de frente contra o golpe e capitalizou aquele momento para alavancar ainda mais o seu prestígio político. Após o golpe ser debelado, Gorbachev viu-se obrigado a agradecer ao rival em público, por supostamente haver salvado o regime que Yeltsin estava a demolir. Gorbachev saiu muito enfraquecido politicamente desse episódio e a sua capacidade de influenciar a opinião pública soviética reduzia-se dia após dia, enquanto a popularidade do antagonista Yeltsin disparava. Nessas condições, Gorbachev não mais conseguia salvar o regime que ele defendia e muito menos podia chegar a um acordo com os adversários sobre a União (PRAVDA, 2010, p. 357). Era o prenúncio do início do fim e a União Soviética começava a colapsar. A questão das nacionalidades foi considerada como um problema insolúvel desde o período de Stálin. Há divergências sobre o assunto, mas, de modo dominante, não se via uma solução a curto ou médio prazo para o problema. A URSS havia assumido o controle dos domínios do antigo Império czarista. Inicialmente, em meio à efervescência da Revolução Bolchevique, acenou-se com a autodeterminação dos povos. O desencadear da guerra civil e, posteriormente, o advento do stalinismo, contudo, destruiu as expectativas de maior autonomia das nacionalidades e as lutas pela sua conquista foram tratadas como contrarrevolucionárias e reprimidas com brutal truculência. Durante todo o período stalinista, não houve espaço para expressão dos anseios dos povos que formavam o imenso império multiétnico da URSS42. A despeito disso, após a morte de Stálin e, principalmente, após as crises de 1956, uma precária autonomia cultural e restritas possibilidades de autogoverno foram concedidas aos grupos minoritários. Naquele contexto de reformas e de democratização controlada pelo alto, conforme propugnado por Kruschev, alargaram-se os mecanismos de cooptação das elites nacionais locais. Nesse processo, segmentos das elites podiam atuar na administração pública e no partido em nível regional. Aos não russos e, em particular, aos não eslavos, havia barreiras quase intransponíveis, que impossibilitavam o acesso aos postos superiores do governo central. Essa estrutura, aliada ao sistema
repressivo, manteve o problema nacional sob controle no período que sucedeu à morte de Stálin (DAWISCHA; PARROT, 1994, p. 13-17). Segundo Bertonha, essa nova situação de certa estabilidade não implicava a inexistência de um problema nacional. Para o autor, em termos jurídicos, havia autonomia territorial para as quinze repúblicas. Na sociedade soviética, porém, eram costumeiras as queixas em consequência de tratamento desigual conferido aos não russos. O autor pondera que alguns observadores do período consideravam altas as possibilidades de que o denominado Império Soviético pudesse vir a ruir em consequência das revoltas dos povos dominados, assim como aconteceu com os impérios da França e da GrãBretanha na África e na Ásia (BERTONHA, 2009). Apesar disso, Bertonha considera que, à exceção dos países bálticos, não havia propostas separatistas mais sérias antes de 1988 ou 1989. Para Bertonha, os movimentos nacionalistas que se desenrolaram no interior da União Soviética buscavam mais autonomia em relação a Moscou. O autor sublinha que em geral esses movimentos apoiavam Gorbachev contra a burocracia do partido. Dessa maneira, inicialmente não havia a intenção de se desligar da URSS. Com o desenvolvimento da crise econômica que assolou o país, todavia, cresceu o descontentamento social e sobreveio o caos político. Nessa trama que enredava cada vez setores mais amplos da sociedade soviética, a situação deteriorou-se rapidamente, de tal forma que, entre 1989 e 1991, cresceram os movimentos independentistas nas repúblicas. Dessa perspectiva, é preciso considerar outro fator de grande relevância. Muitos desses movimentos pela independência das repúblicas ganharam dimensão após os eventos que levaram à queda dos chamados regimes comunistas na Europa Oriental. As revoluções conservadoras ocorridas ao final de 1989, a queda do Muro de Berlim e depois a reunificação da Alemanha sem que houvesse a intervenção do Exército Soviético foram interpretadas como um sinal de que Gorbachev não empregaria a força militar para manter o controle das regiões sob o domínio soviético. Como resultado dessa percepção, os movimentos independentistas começaram a agir, a experimentar os limites do governo e a avaliar como ele agiria em relação às repúblicas. A considerar que passada a euforia dos primeiros anos revolucionários, ao menos em certa medida era a força militar que mantinha as repúblicas unidas
na URSS. Quando ficou evidente que não haveria intervenção militar, a pressão pela independência ganhou novo fôlego e tornou-se incontrolável. Do caos em que se encontrava a URSS, emergia uma nova Rússia. Nela, a mobilização do nacionalismo russo por Yeltsin gerava tensões nas outras repúblicas. Na URSS, a Rússia, apesar de ser a maior das repúblicas soviéticas, estava subordinada ao poder central como todas as outras, mas, naquela situação de instabilidade, a nova Rússia comandada por Yeltsin buscava rever as fronteiras entre as antigas partes da URSS, assim como as relações econômicas e militares entre elas. Isso deu ainda mais força às pressões por independência que, agora, circulavam por toda a URSS. Entre agosto e setembro de 1991, quase todas as ex-repúblicas, inclusive as eslavas, como a Ucrânia e a Bielorrússia, proclamaram a sua independência (BERTONHA, 2009). Gorbachev assistia impotente ao desmantelamento da URSS, uma vez que o seu poder real se esvaía enquanto as forças agregadas a Yeltsin ganhavam vigor e cresciam a passos largos. Nesse percurso, em 8 de dezembro de 1991, foi realizada, em Minsk, uma reunião com os dirigentes das três repúblicas eslavas (Rússia, Ucrânia e Bielorrússia), quando decidiram extinguir a URSS e criar a Comunidade de Estados Independentes (CEI), da qual poderiam participar as repúblicas que até então compunham a URSS. Gorbachev não foi convidado a participar da reunião. Assim, a Federação Russa tornava-se a sucessora da União Soviética. Gorbachev denunciou essa decisão como ilegal, mas pouco pode fazer para impedir os seus desdobramentos, pois no dia 12 seguinte o Soviete Supremo ratificou o acordado. Em 21 de dezembro do mesmo ano, Gorbachev recebeu um comunicado de que, em uma reunião realizada em Alma-Atma (Cazaquistão), com a participação de 11 repúblicas da ex-União Soviética, havia sido formalizada uma nova comunidade. As lideranças daquelas repúblicas sublinhavam a extinção da URSS. Nessa conjuntura extremamente adversa, Gorbachev renunciou à presidência da URSS em 25 de dezembro de 1991 (REIS FILHO, 1997, p. 267). Com o fim da URSS, findou-se uma era; definitivamente, os contemporâneos daquele período tenderam a considerar que a Guerra Fria estava superada. Naquele contexto, a dimensão das perdas geopolíticas russas com o fim da União Soviética foi incomensurável. De um lado, Yeltsin tratou rapidamente de apropriar-se de toda a rede de embaixadas e representações
diplomáticas soviéticas espalhadas pelo mundo e de garantir a representação da Rússia no Conselho de Segurança da ONU como sucessora da URSS; buscou ainda manter o controle sobre os arsenais nucleares e as forças militares de elite e incorporar os símbolos de poder da antiga potência, incluindo-se o próprio Kremlin. De outro, porém, a nova Rússia viu desaparecer o seu prestígio e ser reduzida imensamente a sua capacidade de atuação e o seu reconhecimento como potência global. Enfim, não mais existia uma segunda potência global que pudesse, ao menos teoricamente, rivalizar-se com os EUA. Naquele cenário, as fronteiras russas recuaram de forma dramática, de tal modo que, em 1992, podiam ser, grosso modo, equiparadas às fronteiras do império Russo anteriores ao século XIX. Conforme aponta Bertonha, no Cáucaso, elas chegaram aproximadamente onde estiveram no início do século XIX. Na Ásia Central, equivaliam às fronteiras de meados daquele mesmo século. Talvez no caso mais emblemático, a fronteira europeia russa retrocedeu aos marcos da época de Ivã, o Terrível, no século XVI. Assim, quatro séculos de expansão imperial desapareceram (BERTONHA, 2009). Como resultado da independência das repúblicas soviéticas, o território controlado por Moscou foi redimensionado de 22,4 para 17 milhões de km2, o equivalente a uma perda de aproximadamente um quarto do antigo território. Em termos populacionais, os prejuízos foram ainda mais dramáticos. Dos cerca de 290 milhões de habitantes da antiga URSS, a Rússia recuou para cerca de 150 milhões, o que representou uma redução populacional muito próxima da metade do que apresentava a antiga União Soviética. André Gerrits estabeleceu uma comparação em termos geopolíticos entre a Rússia e o antigo Império Russo. Segundo os resultados apresentados pelo autor, é perceptível o drástico encolhimento da nova Rússia. Gerrits ressalta que o império czarista controlava no início do século XX, 17% da área, 9,8% da população e 9,4% do PIB mundial, enquanto a Rússia, em 1999, estava reduzida a apenas 13% da área, 2,5% da população e 1,6% do PIB global. Adicionalmente, Gerrits aponta o problema demográfico russo, com tendência ao encolhimento da população, que, segundo o autor, haveria perdido três milhões de habitantes entre 1992 e 2000. Enfatiza que se não fosse pela imigração a situação seria ainda pior. Ressalta a queda no padrão de saúde, com o aumento das taxas de mortalidade e queda nos índices de natalidade.
Conforme Gerrits, em 20 anos a população poderá cair para 135 milhões e em um cenário mais pessimista poderá estar abaixo de 100 milhões em 2050 (GERRITS, 2006, p. 173-197). Uma análise um pouco mais detalhada da situação geopolítica da Rússia contemporânea revela um quadro ainda mais preocupante. A independência das antigas repúblicas simplesmente destruiu o sistema de proteção construído ao longo dos períodos imperial e soviético. Dessa forma, a Rússia teve as suas fronteiras expostas em meio a um contexto internacional bastante conturbado. No Ocidente, apesar do final da Guerra Fria, os EUA e os seus principais associados decidiram não apenas manter a Otan, quando a rival que havia justificado a sua criação não mais existia, como trataram de expandi-la. Mais do que isso, incorporaram à aliança militar do Ocidente grande parte dos países que compunham a área de influência soviética na Europa Oriental e exrepúblicas soviéticas. Além de perder antigas áreas fundamentais à proteção das suas fronteiras naturais, a Rússia deparou com o avanço das fronteiras dos antigos adversários (BACEVICH, 2002). Em paralelo, nas suas fronteiras ao Sul cresceram as agitações entre os povos de predomínio muçulmano, em parte, estimuladas por ações dos EUA. No Oriente, havia descordos sobre questões fronteiriças com a China, provenientes tanto de um passado mais distante quanto das últimas décadas. Em meio a esse cenário, o avanço dos EUA e dos seus aliados em áreas muito próximas às fronteiras russas tem gerado instabilidades principalmente em regiões de preponderância de populações islâmicas. Embora as populações islâmicas na atual Rússia tenham sido reduzidas de forma drástica, há ainda o risco de irradiação do problema, principalmente se considerarmos a questão das nacionalidades ainda não resolvidas, como são os casos da Geórgia e da Chechênia. À guisa de uma sistematização provisória Quando Gorbachev iniciou o seu governo, a opção pelo desaquecimento da Guerra Fria não era apenas um desejo pessoal do novo líder soviético, mas uma necessidade imperiosa, pois a economia soviética não mais suportava financiar os custos do conflito global. Na segunda metade da década de 1980, uma crise avassaladora atingiu a URSS. Ela era, em grande medida, resultado dos problemas estruturais acumulados pelo sistema soviético ao longo das
últimas décadas. A crise ganhou, no entanto, outra dimensão, pois havia um componente novo desencadeado pelas reformas iniciadas por Gorbachev, uma vez que a simultaneidade da Perestroika com a Glasnost foi letal para o sistema vigente (HOBSBAWM, 1995). Ao desencadear as reformas econômicas, Gorbachev liberou forças centrífugas, que estavam havia muito tempo represadas. Isso levou à desorganização completa da economia e ao aumento crescente das pressões sociais por mudanças no regime. Ao mesmo tempo, a Glasnost retirou do líder soviético os poderes para intervir de forma mais decisiva e conter a crise econômica que se tornava incontrolável. Para Archie Brown, sem a Perestroika, o sistema soviético sobreviveria por muito tempo, embora viesse a perder relevância internacional. Ele entende que a incapacidade soviética em acompanhar a revolução tecnológica no campo da informação era bastante negativa para o sistema, mas acredita que o restante da Europa continuaria a comprar óleo e gás da URSS (BROWN, 2009, p. 591-592), o que, portanto, poderia manter o sistema em funcionamento por um período prolongado. Em outra passagem, Brown defende que, na União Soviética, a reforma produziu a crise muito mais do que a crise levou à reforma (BROWN, 2009, p. 598). Com o insucesso das reformas desencadeadas por Gorbachev, a URSS e os seus aliados europeus rumaram para uma crise que se expressou por intermédio das revoluções na Europa Oriental e pela queda do Muro de Berlim em 1989 e, posteriormente, pela desagregação do mundo soviético em 1991. A considerar esses eventos, os motivos que haviam justificado a criação da Otan pelas potências ocidentais não mais existiam, pois, nos anos iniciais da Guerra Fria, afirmava-se que a organização havia sido instituída para fazer frente às ameaças soviéticas à Europa Ocidental. Ao final daquele conflito global, todavia, ao contrário de extinguirem a aliança, os seus membros, liderados pelos EUA, colocaram a organização a serviço da expansão do modelo de sociedade capitalista estadunidense para as regiões anteriormente sob controle soviético. Nessa nova conjuntura, em julho de 1997 a República Tcheca, a Hungria e a Polônia ingressaram na Otan. Em novembro de 2002, deu-se a maior expansão da organização, com a adesão da Bulgária, da Eslováquia, da Eslovênia, da Estônia, da Latávia, da Lituânia e da Romênia. Ao longo da década de 1990 a Otan participou da Guerra do Golfo, de operações na ex-Iugoslávia, na África
e em outras regiões. No início do século XXI, participou do ataque e da invasão do Afeganistão e do Iraque. Hoje a Otan é composta pelos seguintes membros: Albânia, Alemanha, Bélgica, Bulgária, Canadá, Croácia, República Tcheca, Dinamarca, Eslováquia, Espanha, Estados Unidos, Estônia, França, Grã-Bretanha, Grécia, Holanda, Hungria, Islândia, Itália, Latávia, Lituânia, Luxemburgo, Noruega, Polônia, Portugal, Romênia e Turquia (MUNHOZ, 2013, p. 433-461). Atualmente, EUA e Rússia mantêm relações que oscilam da cordialidade em certos momentos a disputas verborrágicas por intermédio da mídia e momentos de maior gravidade, quando efetivamente os interesses nodais desses dois Estados se confrontam em diferentes cenários do globo. Nesse campo, imperam incertezas, principalmente quando os atuais líderes das duas nações são personalistas, imprevisíveis e, muitas vezes, atravessam as fronteiras da responsabilidade política que deveriam preservar.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS E PROVISÓRIAS SOBRE UM TEMA MOVEDIÇO Ao final da Segunda Guerra Mundial, as divergências entre os aliados adquiriram contornos mais definidos, conforme eram explicitados os diferentes projetos para a edificação de uma nova ordem mundial que substituísse a antiga, derruída durante o cataclismo global que demoliu a balança de poder em vigor no período pregresso. Naquela conjuntura intrincada, a Europa encontrava-se arrasada, embora algumas áreas fossem menos afetadas do que outras, como, por exemplo, a Península Ibérica e algumas regiões nórdicas. Daquele conflito global, emergiram duas potências. Como defendem os historiadores revisionistas, porém, enquanto os EUA estavam em pleno vigor, com toda a sua infraestrutura intacta e com grandes reservas de capitais, a União Soviética estava arrasada, havia perdido ao redor de 27 milhões de habitantes, possuía dezenas de milhões de mutilados ou incapacitados e grande parte da sua força produtiva havia sido ceifada, principalmente entre os 20 e os 40 anos de idade. Os efeitos demográficos da guerra impactaram com magnitude a sociedade soviética ao menos até a década de 1960 (DEUTSCHER, 1991)43. Historiadores de perspectivas diferentes e de nacionalidades distintas, como David M. Glantz e Norman Davies, afirmam que o esforço de guerra soviético foi colossal, enquanto o das potências ocidentais capitalistas haveria sido periférico. Assim, quando o Exército Vermelho venceu as forças do Eixo, passou a ocupar o vácuo produzido pela derrota do inimigo. Há que se reconhecer a importância do auxílio estadunidense ao esforço de guerra soviético, mas quem inclinou o pêndulo da guerra na direção dos aliados foi a URSS (GLANTZ, 2001; DAVIES, 2016). A disparidade foi tamanha que um crítico severo do regime do Kremlin, como Davies, assevera a desproporção entre o sacrifício soviético e o dos aliados ocidentais. Davies menciona um artigo de Geoffrey Wheatcroft (2005), para reconhecer que talvez Stálin estivesse correto ao afirmar que, na Segunda Guerra Mundial, a Grã-Bretanha forneceu o tempo, os EUA, o dinheiro, e a União Soviética, o sangue. Wheatcroft, em outro texto, detalha a sua percepção sobre esse envolvimento distinto dos aliados no conflito mundial e sobre o que ele considera como o mito da boa guerra (WHEATCROFT, 2014). Do meu
ponto de vista, o controle soviético sobre a Europa Central e Oriental e essa percepção de que o Exército Vermelho fora quem, de fato, venceu a guerra foram cruciais para a emergência da Guerra Fria. Isso gerou na URSS a sensação de que o Exército Vermelho havia subjugado a Alemanha e os seus aliados e que, após a vitória sobre Hitler, as potências capitalistas queriam retirar dos soviéticos o que eles haviam conquistado com muito sangue. Defendo a tese de que a Guerra Fria, em larga medida, foi resultante de questões mal resolvidas ou encaminhadas de forma dúbia durante o desenrolar da Segunda Guerra Mundial. Adicionalmente, os diferentes projetos de reordenamento do mundo e da ordem global vislumbrados pelos três principais líderes aliados possuíam pontos de divergências, muitos deles irreconciliáveis. Como percebeu com maestria Eric Hobsbawm, durante a II Guerra Mundial, houve uma estranha aliança propiciada pela emergência de um “inimigo comum” que possibilitou a associação momentânea entre o capitalismo estadunidense e britânico, de um lado, e o regime soviético, de outro. Assim, quando esse “inimigo comum” que os unia deixou de existir, os diferentes projetos que cada um dos vitoriosos possuía para o novo mundo engendraram tensões e provocaram disputas que rumaram inexoravelmente para um novo conflito. Em um primeiro momento, essa colisão de interesses passou a envolver os principais contendores e logo isso reverberou para as suas respectivas áreas de influência, dando origem à formação de blocos e de alianças que tenderam à expansão global e levaram a uma guerra não declarada de proporções mundiais. Essas divergências, que remontam ao transcorrer da Segunda Guerra Mundial, foram fundantes das controvérsias do período posterior. Em primeiro lugar, durante a guerra, cresceu, entre as lideranças soviéticas, o sentimento de que os aliados ocidentais, de um lado, ofereceram suporte em termos de recursos, armas e equipamentos, mas, de outro, o fizeram na expectativa de que a União Soviética e a Alemanha se destruíssem tanto quanto fosse possível. Essa percepção está associada, de forma indelével, a todas as promessas não cumpridas de abertura da Segunda Frente durante os anos de 1942 e 1943, principalmente em consequência das ações protelatórias e diversionistas conduzidas por Churchill.
Nesse aspecto, conclui-se que Roosevelt, Marshall e Eisenhower apresentavam discordâncias com a estratégia encaminhada por Churchill, mas sempre a ela cederam, uma vez que, estrategicamente, a Grã-Bretanha era o ator fundamental para o sucesso da operação em função da sua posição geográfica. Reconheço a existência de muitas dificuldades para a realização da operação na Normandia em 1942 e que muitos dos equipamentos, como as barcaças de desembarque, somente ficaram prontos em 1944, mas observo, como já mencionado em outras passagens deste livro, que esses atrasos podem estar associados à decisão política e ao envolvimento nas contínuas operações no Norte da África e no Mediterrâneo ao longo daqueles anos. Avalio que havia condições para a efetivação da prometida Segunda Frente em 1943. Naquele ano, ressalte-se que havia menos forças defensivas alemãs, o que facilitaria a operação Aliada. A sua não realização em 1943 e as constantes protelações e desculpas geraram profundas desconfianças entre os dirigentes soviéticos. Além disso, a postergação da Frente levou o Exército Vermelho a ocupar a Europa Central e Oriental ao final do conflito mundial, como uma consequência derivada do fato de que foi essa colossal máquina de guerra soviética, aperfeiçoada durante os combates, que enfrentou e derrotou a maior parte das forças alemãs. Em decorrência, as forças soviéticas assumiram o controle da região. Durante a Guerra Fria, intelectuais comprometidos com o ideário capitalista sempre insistiram que a União Soviética impôs o seu regime a essa região. Regra geral, no entanto, trataram de forma dúbia os fatores que levaram a essa situação. Afirmo que, certamente, a ocorrência da Segunda Frente em 1943 haveria produzido maior equilíbrio entre as forças de ocupação nessa região. Portanto, Grã-Bretanha e Estados Unidos perderam a capacidade de influenciar de modo mais significativo a Europa Central e Oriental como resultado direto do retardamento da Segunda Frente e de evitarem o confronto direto com as forças alemãs. Esse caminho levou à supremacia soviética em termos de forças terrestres na Europa Oriental, e esse foi um elemento nodal tanto nas negociações em Ialta quanto em Potsdam. Historiadores neo-ortodoxos acusam Roosevelt de ingênuo e afirmam que ele haveria sido manipulado pelo ardiloso Stálin. De um ponto de vista diferente, identifico Roosevelt como um homem astuto, um político habilidoso que soube claramente avaliar os caminhos disponíveis e os riscos das escolhas
efetuadas. Entretanto, defrontou-se com Churchill que, de forma sagaz, retardou a Segunda Frente, sempre tendo em vista os interesses vinculados à preservação da estrutura colonial do império britânico. O contexto gerado por esse caminho foi fundamental para a emergência da crise na Europa Central e Oriental, um dos pilares da Guerra Fria. A avaliação da literatura disponível consolidou a minha posição no sentido de afirmar que Harry Truman promoveu mudanças significativas na política externa dos EUA e, principalmente, na condução dos negócios da guerra. As evidências são muitas e vão desde a mudança dos titulares das principais secretarias em menos de seis meses da sua posse à decisão de confrontar os soviéticos em questões definidas em Ialta, com base em interpretações bastante elásticas do acordado naquela conferência internacional. Acrescento que os historiadores ortodoxos e neo-ortodoxos não demonstram coerência ao concluírem que Truman agia dessa maneira em consequência do agressivo expansionismo soviético e como resposta à edificação de uma esfera de influência baseada em regimes ditatoriais. A história mostra-nos que os EUA criticavam a construção da esfera de influência soviética na Europa Central e Oriental, enquanto procuravam consolidar a sua própria na América Latina e, depois, na Europa Ocidental, na Ásia e em outras regiões do planeta. Em diferentes países, os EUA apoiaram regimes autoritários. Observe-se que muitas das medidas soviéticas possuíam um caráter defensivo. Assinalo, porém, que não é possível concordar com as primeiras interpretações revisionistas que somente viam ações defensivas da parte da União Soviética. Sublinho que o objetivo inicial de Stálin era negociar uma paz com o Ocidente de tal forma que a URSS tivesse tranquilidade e pudesse acessar recursos e tecnologia do Ocidente para a sua reconstrução. Stálin, contudo, era pragmático e sabia muito bem usar a oportunidade do momento. Assim, quando possível, tratou de expandir a área de influência soviética. Apesar disso, é possível observar, ao menos até o início de 1946, a execução de uma cuidadosa política soviética com o intuito de evitar o envolvimento em ações que pudessem aumentar as tensões internacionais. Essa política implicava o desestímulo e mesmo a contenção aos conflitos revolucionários em efervescência em diferentes regiões do planeta.
A União Soviética foi também acusada de procurar impor a sua influência na Ásia, por meio da invasão da Manchúria, da Coreia e adjacências, mas essa ação era resultado do acordo selado em Ialta. Se os estrategistas estadunidenses, até o início de 1945, consideravam a intervenção soviética no Pacífico fundamental para a vitória aliada, a partir de junho do mesmo ano a avaliação predominante era outra. Além disso, após os testes nucleares, concluiu-se em Washington que seria possível vencer a guerra sem a participação soviética e, portanto, sem ter que partilhar aquela região do planeta com a aliada ocasional. Não obstante, Stálin percebeu o que estava a ocorrer e agiu conforme o acordado em Ialta. Para fazê-lo, acelerou o processo de deslocamento das suas forças em direção à Ásia. Após três meses de contínua movimentação de forças rumo ao Oriente, em pouco mais de uma semana, um milhão e meio de soviéticos assumiram o controle da Manchúria, área um pouco maior que toda a Europa Ocidental. Alguns historiadores avaliam que o impacto dessa operação na rendição japonesa foi maior do que os bombardeios nucleares. O assunto é polêmico, e as divergências continuarão ao longo das próximas décadas. Em relação a esse assunto, é necessário ressaltar a minha convicção de que essa demonstração de força alimentou, nos anos vindouros, o temor da invasão soviética à Europa Ocidental. De fato, não há evidências documentais que corroborem essa conclusão, ao contrário, elas indicam a busca de acomodação por parte da URSS. Ao final da II Guerra Mundial, no entanto, a União Soviética possuía, no teatro de operações da Europa Oriental, forças terrestres convencionais muito superiores às congêneres ocidentais e, apesar da rápida desmobilização do Exército Vermelho no imediato pós-guerra, o predomínio soviético naquela região ainda era marcado. É razoável supor que, se fosse possível chegar à acomodação com Stálin ao final da Segunda Guerra Mundial, como pretendia Roosevelt, em algum momento, novas divergências emergiriam. Essas dissensões são naturais nas relações entre grandes nações. A União Soviética, ao final da Segunda Guerra Mundial, aparentava agir mais como herdeira do Império Czarista do que como seguidora de Lenin, embora possa haver um paradoxo nisso. Naquele momento histórico, a URSS era uma potência que atuava de forma predominante nos moldes convencionais do que lastreada na necessidade ou intenção de expandir a doutrina comunista. Nesse sentido, observe-se que, ao
final do conflito mundial, o país havia recuperado as fronteiras do antigo império e havia expandido as suas áreas de influência por intermédio da consolidação de Estados vizinhos a gravitarem em sua órbita. De um lado, isso implicava, ao menos parcialmente, a expansão do modelo soviético, mesmo que remodelado, para as áreas adjacentes e, de outro, significava a criação de um escudo protetor frente a possíveis agressões externas. Caso consideremos essa perspectiva verossímil, é mais provável concluirmos que, desse modo, seria possível chegar a algum denominador comum entre os aliados da Segunda Guerra Mundial. Ressalvo que Stálin era pragmático e procurava consolidar a sua área de influência. É preciso, porém, reconhecer que era exatamente isso que os EUA estavam a fazer em uma área muito mais ampla do globo. Reafirmo que Stálin era um ditador cruel, que estruturou um regime tirânico na União Soviética, mas, ao mesmo tempo, estava a cumprir os acordos com os seus aliados capitalistas. Era isso o que Roosevelt esperava. Ele acreditava que poderia levar Stálin ao comedimento nas questões internacionais e mesmo à maior abertura no regime soviético, se a URSS fosse integrada à chamada comunidade das nações e se Stálin fosse tratado com a deferência que os líderes das grandes potências regra geral recebem. Truman seguiu outro caminho, escreveu outro roteiro e a história dessas escolhas nós já conhecemos. A Guerra Fria custou cerca de 25 milhões de vidas ao longo de quatro décadas. Não nos é possível saber o que haveria ocorrido se o percurso fosse outro, mas é plausível reconhecer que Truman escolheu a via do confronto. A escolha foi efetuada com base nos receios de um inimigo de duas décadas e eventual aliado nos últimos quatro anos, mas também foi alimentada pelos interesses vinculados à manutenção da preponderância mundial do poder estadunidense. Na Europa, eclodiam movimentos de cunho reformista ou comunista que desafiavam governos titubeantes e, muitas vezes, vistos como ilegítimos. Os casos mais emblemáticos foram o da Itália e da Grécia. Na primeira, os comunistas, depois de controlarem grande parte do norte do país, entregaram as armas, as fábricas e as terras, conforme as orientações vindas de Moscou. Na sequência, a repressão abateu-se sobre eles. Na Grécia, os conflitos desembocaram em uma guerrilha organizada a partir da aliança de diferentes agrupamentos políticos antifascistas, em que a força majoritária era comunista.
Em outro caso, na Turquia, diferentes projetos de modernização confrontaram-se, e o país esteve à beira do conflito civil. A chamada Doutrina Truman, promulgada em março de 1947, foi uma estratégia para dar suporte às forças conservadoras na Turquia e na Grécia e impedir a transferência do poder a forças revolucionárias ou reformistas. Em paralelo, na Palestina, forças antagônicas defrontavam-se em um processo que estava a redesenhar a geografia e a geopolítica da região. Os conflitos preexistentes entre palestinos e judeus foram reaquecidos pelas derivações do conflito global recém-findado. Desde as duas últimas décadas do século XIX, as condições de vida dos palestinos foram profundamente afetadas pela onda migratória de judeus provenientes principalmente da fuga dos pogroms perpetrados pelo império russo. O aumento da presença judaica elevou o custo do arrendamento da terra, dos aluguéis e dos alimentos da região. Essa situação levava os antigos habitantes a perceberem a presença judia como uma invasão e como responsável pela piora nas suas condições de vida. Ao final da Segunda Guerra Mundial, em grande medida como resultado do extermínio em massa de judeus pelo regime de Hitler, a recém-fundada ONU aprovou a criação na região de dois Estados, um Judeu e outro Palestino. Nesse contexto, as lideranças judaicas adiantam-se e criam o Estado de Israel. Disso resultou uma forte reação árabe, o que desembocou em conflito aberto que Israel, com força militar superior, respondeu com a expansão das fronteiras previamente definidas e com o fortalecimento militar do país. Desse processo derivam os conflitos árabe-israelense durante toda a Guerra Fria e até o Tempo Presente. No Extremo Oriente, as duas principais potências asiáticas haviam sido dilaceradas pela guerra. O Japão, principal país industrial e militar da região, teve a sua infraestrutura industrial, de transportes, de comunicações e urbana arrasada pelos bombardeios convencionais e viu Hiroshima e Nagasaki aniquiladas por bombas nucleares. Além disso, na madrugada que antecedeu ao bombardeio a Nagasaki, o Exército Vermelho, com um contingente de um milhão e quinhentos mil soldados, cruzou a fronteira da China e impôs uma derrota fragorosa aos cerca de um milhão e 200 mil japoneses que ocupavam a Manchúria. As elites japonesas temiam que se os soviéticos avançassem em direção ao arquipélago nipônico, a civilização japonesa pudesse ser varrida do mapa.
A China havia perdido cerca de 11 milhões de vidas e encontrava-se em uma guerra civil na qual comunistas e nacionalistas dilaceravam as entranhas do antigo império celestial, cada qual com o intento de impor o seu projeto ao conjunto da nação. Na península da Coreia, assim como na Cochinchina, forças pró-capitalistas defrontavam-se com comunistas e nacionalistas. Essas disputas desembocaram em crises, guerras civis e divisões artificiais de nações recém-emergidas das garras do imperialismo colonial. Nessas horas, a Guerra Fria não foi tão fria, e o fogo das artilharias, dos bombardeios e do napalm ceifou a vida de milhões, num banho de sangue que nada deixava a dever à pior das guerras quentes. Somente no Vietnã os EUA despejaram mais bombas do que o fizeram em toda a Segunda Guerra Mundial. Assim, de meados da década de 1960 até a metade da década seguinte, o Sudeste Asiático tornou-se a própria expressão do imaginário inferno. O Norte da África também foi palco de confrontos entre as forças do Eixo e os Aliados, mas outras regiões do continente foram menos afetadas. Nos anos que sobrevieram à derrota alemã, as pressões dos povos africanos para livrarem-se do jugo colonial ganharam corpo e forma por intermédio de lutas por independência nacional. Muitos desses movimentos viram na União Soviética e no comunismo uma alternativa à dominação colonial, uma vez que, ao final da guerra, os EUA não hesitaram em se postar ao lado das metrópoles coloniais. Logo, muitos movimentos por independência ou governos nacionalistas e reformistas foram rotulados de comunistas, outros, de fato, aderiram a esse ideário, e tudo isso aguçou as disputas que se tornavam cada vez mais globais. O império britânico, quase cambaleante, viu na negociação com os movimentos independentistas uma forma de manter laços e interesses econômicos com as suas possessões coloniais. Holanda, Bélgica e, de modo mais marcado, a França foram à guerra, mas cedo ou tarde tiveram que ceder ao movimento inexorável rumo à independência política desses povos. Mas a independência econômica ainda hoje é quase uma miragem para muitas daquelas nações. A América Latina teve um menor envolvimento no conflito, e em grande medida alimentou o esforço de guerra com matérias-primas e produtos manufaturados, mas, mesmo assim, o Brasil enviou 25 mil homens para combater na Europa. Além disso, dezenas de milhares de brasileiros perderam a vida na Amazônia a extrair látex para a produção de borracha, que era
fundamental para o esforço de guerra. Regra geral, os países latino-americanos alinharam-se incondicionalmente aos EUA, à exceção da Argentina e do Chile. Naquele contexto, os países latino-americanos converteram as suas economias para dar suporte ao esforço de guerra aliado, mas, terminado o conflito, os EUA voltaram-se para a Europa, e a crise abateu-se sobre a região. Na América do Norte, o México e muito mais o Canadá envolveram-se no conflito global. O esforço de guerra também afetou a Oceania que, pagou o seu preço em suprimentos e sangue de australianos e neozelandeses. Como já sublinhado, da velha ordem que desmoronava, emergiram duas potências, logo reconhecidas como superpotências e líderes globais de campos que dia-a-dia se tornavam antagônicos. Foi assim que, entre aproximadamente o final de II Guerra Mundial e meados de 1947, conformou-se um novo tipo de conflito em que, de um lado, postava-se o chamado mundo ocidental liberal capitalista e, de outro, o mundo soviético. A intensificação dessas rivalidades em diferentes áreas do planeta tendeu à mundialização de um novo tipo de guerra que, principalmente a partir de 1947, passou a ser nominada como Guerra Fria. O outro ponto a ser enfatizado é relacionado à decisão de bombardear o Japão com armas nucleares. Reconheço que a situação em agosto de 1945 era muito complexa e que o governo japonês se encontrava dividido. Ressalto que dificilmente os denominados “linhas-duras” do Grupo dos Seis cederiam a ponto de aceitar a rendição incondicional. Apesar disso, afirmo que os EUA apressaram o emprego dessas armas sem que houvesse tempo de uma evolução na conjuntura interna. É presumível que o governo dos EUA não possuísse informações completamente detalhadas do cenário político no núcleo de poder do Japão. Todavia, conheciam detalhes, com informações decifradas pela operação Magic, de como setores importantes do governo procuravam uma oportunidade para negociar. Defendo que os EUA, ao empregarem a bomba, tinham dois objetivos políticos: a) abreviar a guerra e reduzir as baixas entre os seus combatentes e b) demonstrar o poderio da nova arma e, com isso, limitar as ambições soviéticas. Acrescento que discordo dos historiadores que não veem diferenças entre o emprego de bombardeios convencionais e dos bombardeios nucleares. Ambos foram horríveis e tornaram populações civis alvos indefesos das máquinas de
guerra, mas bombas atômicas são armas de destruição em massa, e é dessa forma que precisam ser tratadas. Concordo com o historiador japonês Tadashi Saito, quando ele afirma que a postura de sucessivos governos do Japão ao final do século XX é hipócrita, uma vez que não reconhecem as responsabilidades e as atrocidades perpetradas pelas tropas japonesas ao longo da II Guerra Mundial. O autor sublinha que os capitalistas e toda a direita japonesa negam as atrocidades cometidas pelos militaristas durante a o conflito mundial, incluindo-se o Massacre de Nanquim e a permanente escravização sexual de mulheres em áreas ocupadas. Para Saito, é necessário que os historiadores enfrentem esses debates. O autor acrescenta a necessidade de que o governo japonês reconheça as responsabilidades do país naqueles trágicos eventos e afirma que, após um posicionamento inequívoco nesse sentido, será possível exigir a condenação dos EUA, em tribunais internacionais, por crime contra a humanidade, pelos bombardeios nucleares a Hiroshima e a Nagasaki. Por fim, afirmo que é um mito apresentar sempre a União Soviética como o vetor da emergência da Guerra Fria. A questão é bem mais complexa, e essa assertiva não resiste à análise das evidências. Em maio de 1945, Churchill encomendou ao Joint Planning Staff (JPS) um plano de ataque às forças soviéticas na Europa. Como demonstrei anteriormente, Stálin soube do fato imediatamente e adotou posturas para fortalecer as suas posições em uma área considerada vital para a segurança soviética. A postura soviética na Europa Oriental foi avaliada por governos e intelectuais conservadores como demonstração inequívoca da postura agressiva do regime de Stálin. As fontes, no entanto, nos mostram novamente uma situação bastante distinta da imagem construída no Ocidente. Quem primeiro planejou uma agressão foi a o primeiro ministro da Grã-Bretanha, o mesmo líder ocidental que reconhecidamente obstou em diferentes ocasiões a abertura da Segunda Frente de Batalha durante a Segunda Guerra Mundial. Nesse campo, é necessário ressaltar que aquela era uma região muito sensível para a União Soviética, pois parte significativa dela havia sido integrante do antigo império russo. Adicionalmente, a região, ao longo da história, foi utilizada como via para a invasão tanto ao território do antigo império russo quanto à União Soviética. Logo, Stálin reagiu ao perigo iminente.
Entendo que os elementos aqui apresentados conformam uma conjuntura em que as divergências e as desconfianças tenderam a aumentar, de tal forma que, de meados de 1945 ao início de 1947, foram consolidados os alicerces do futuro conflito, denominado, em 1947, por Walter Lippmann, como Guerra Fria. Assim, já em 1947 era visível uma nova arquitetura de poder mundial, tendo por base a Organização das Nações Unidas, o Tratado de Bretton Woods, o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial e, depois, a Doutrina Truman, o Plano Marshall e o Tratado Geral de Tarifas. Por fim, com o estabelecimento de alianças regionais, das quais o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar), assinado em 1947, no Rio de Janeiro, foi precursor, havia sido consolidada uma colossal estrutura de poder global. A Guerra Fria, conforme pudemos demonstrar ao longo deste livro, foi um conflito complexo que, de um lado, incrementou as tensões a envolver os EUA e seus aliados e, de outro, a União Soviética e a sua área de influência. Nesse processo, o discurso anticomunista, em um campo, e anticapitalista ou antiimperialista, em outro, foi largamente utilizado para camuflar interesses imperiais e para controlar as populações em ambas as áreas de influência. Em diferentes ocasiões, uma suposta ameaça comunista foi utilizada pelos EUA para desestabilizar e arquitetar golpes para destituir governos nacionalistas ou reformistas democraticamente eleitos, como nos casos do Irã, em 1953, da Guatemala, em 1954, do Brasil, em 1964 e do Chile, em 1973, apenas para mencionar uns poucos casos. No campo soviético, é possível sublinhar a invasão da Hungria em 1956, da Tchecoslováquia, em 1968, e a contínua intervenção na Polônia durante as décadas de 1960 e 1970. Não obstante, os eventos relacionados e as suas implicações diretas e derivadas, defendo neste livro que, ao final da Segunda Guerra Mundial, a URSS não representava um perigo para a Europa Ocidental nem para o mundo. Enfatizo, como muito bem observou Melvin Leffler, que os estrategistas de Washington sabiam que a URSS estava devastada e que não representava uma ameaça, pois o seu principal objetivo era a reconstrução da sua infraestrutura. Sublinhe-se que o Exército Vermelho estava com a grande maioria dos seus combatentes exaustos, que a marinha soviética era pífia, e a sua força aérea, embora respeitável, estava muito aquém da estadunidense. Além disso, os EUA detinham o monopólio da tecnologia nuclear. Dessa perspectiva, a Guerra Fria foi utilizada pelos Estados Unidos para bloquear o
acesso ao potencial humano e tecnológico da Eurásia à rival, pois da perspectiva de Washington, se isso viesse a ocorrer em futuro próximo, a URSS se tornaria uma formidável competidora pela hegemonia global (LEFFLER, 1992). Como nos indica Michael Hogan, o projeto estadunidense de uma nova ordem capitalista global, lastreada em suas instituições domésticas, confrontava diretamente os objetivos soviéticos e, como o Kremlin não podia renunciar aos seus interesses de Estado, reagiu. Essa reação foi interpretada no Ocidente como hostilidade, e isso elevou o tom das desavenças que desembocaram na Guerra Fria. Dessa perspectiva, a ação soviética foi muito mais defensiva do que ofensiva, mas isso não implica acreditar que, na estratégia do Kremlin, em termos de longa duração, não houvesse uma perspectiva de expansão da influência soviética. Michael Latham sugere que, durante a Guerra Fria, EUA, URSS e, posteriormente, China competiram com projetos modernizadores em diferentes áreas do planeta (LATHAM, 2010). Nessas disputas, foram exatamente as diferenças de projetos segundo os interesses de cada potência que levaram à expansão e à mundialização do conflito. Ao longo dos anos 1960, França, Alemanha Ocidental e, em menor medida, outros países da Europa buscaram normalizar as suas relações com a URSS e com os países do Leste da Europa. Essa distensão colocou desafios para os EUA que, em meio à crise em grande medida provocada pela Guerra da Indochina, passaram a buscar padrões mínimos de relacionamento com a rival. Assim, a distensão sovieto-estadunidense propiciou certa estabilidade e, ao mesmo tempo, abriu os mercados da URSS e, em parte, do Leste Europeu aos produtos estadunidenses. A distensão, no entanto, encontrou limites e resistências interpostas por atores que tanto nos EUA quanto na URSS interpretavam essas negociações como concessões exageradas ao adversário. Nos EUA, a emergência do escândalo Watergate reduziu ainda mais a capacidade do presidente Nixon manter ou ainda de ampliar as políticas da distensão. Seu sucessor, Gerald Ford, também pouco pode fazer e, durante a campanha eleitoral, Jimmy Carter o derrotou com duras críticas à Détente, mas, ao mesmo tempo, com a defesa do que ele chamava de Détente genuína. As relações entre os EUA e a URSS durante o período Carter-Brejnev ainda mantiveram alguma estabilidade herdada do período anterior, mas
tenderam ao esgarçamento, uma vez que a insistência do presidente estadunidense na questão dos direitos humanos era interpretada pelo Kremlin como uma intromissão nos negócios internos soviéticos. A expansão das guerrilhas na África e na América Central, somada à revolução iraniana, reverberou de modo intenso nos EUA. A oposição republicana, liderada pelo ex-governador da Califórnia, Ronald Reagan, explorou esses eventos como resultado da fraqueza e da incompetência de Carter. Na própria administração democrata, forças antagônicas disputavam a hegemonia, de um lado, estava o secretário de Estado Cyrus Vance, mais moderado e, de outro, postava-se o assessor de Segurança Nacional, Zbigniew Brzezinski, um falcão do Partido Democrata. Vance entrou em rota de colisão com Brzezinski, por discordar de forma veemente da implementação de uma política agressiva em relação ao novo regime iraniano, enquanto ele buscava a negociação. Vance pediu a sua exoneração em abril de 1980 em decorrência da realização, sem o seu conhecimento, da fracassada operação Eagle Claw, que tinha por objetivo libertar os prisioneiros estadunidenses na embaixada do país em Teerã. Com o processo eleitoral a se avizinhar, Carter tendeu a adotar posturas mais agressivas na área internacional que lhe possibilitassem recuperar a base de apoio doméstico. Nesse contexto, foi promulgada a Doutrina Carter, que implicou o aumento desmesurado do intervencionismo estadunidense no Oriente Médio e na Ásia Central. Mesmo assim, Carter não foi reeleito e, quando Ronald Reagan tomou posse, adotou um discurso mais agressivo, incrementou as ações dos EUA nessas regiões e ampliou a intervenção na América Central, o que levou a região a um banho de sangue. Em paralelo, a crise soviética aprofundava-se, mesmo que nem sempre fosse percebida, em decorrência da elevação dos preços do petróleo no mercado internacional. Como resultado da venda do petróleo, a URSS foi inundada pelos dólares provenientes dessa commodity. Isso produziu uma momentânea sensação de melhoria nas condições de vida da população, que beneficiada pelo incremento de importações de gêneros de primeira necessidade e pela consequente redução de filas para o acesso a esses produtos. Como observa Hobsbawm, do ponto de vista do desenvolvimento científico e tecnológico, contudo, o mundo soviético ficou definitivamente para trás. Essa situação foi agravada pela sucessão de mortes das lideranças soviéticas no
brevíssimo período que vai de novembro de 1982 a março de 1985 (Brejnev, Andropov e Chernenko). Assim, quando Mikhail Gorbachev tomou posse, a crise já estava a inundar a nau soviética. Apesar de todas as tentativas de reformas e de busca de negociações internacionais para a captação de recursos, a crise só se aprofundava. Quando, ao final de 1989, sinais de ruptura emergiram na Europa Oriental, e Gorbachev decidiu não intervir, as forças represadas dos povos daquela região vieram à tona e varreram de roldão os regimes prósoviéticos. Na sequência, a própria União Soviética aprofundou a sua crise e viu a centelha das nacionalidades incendiar o que restava da União, de tal modo que pôs fim à coesão e levou à desintegração da URSS. O fim da Guerra Fria resultou da crise do sistema soviético, agravada pelos efeitos perversos e imprevistos da Perestroika e da Glasnost e de modo correlacional do afloramento da questão nacional, represada havia décadas, de tal modo que a sua ressurgência se deu com tal vigor que levou à desagregação das repúblicas soviéticas. Com o fim da URSS, os EUA trataram de expandir a sua influência sobre áreas outrora controladas pela rival, por intermédio da incorporação de exrepúblicas soviéticas à Otan. O fim da Guerra Fria não levou à paz e à prosperidade prometidas, nem à redução dos conflitos internacionais antes atribuídos à suposta agressão comunista. O que se viu foi a expansão dos conflitos assimétricos e a indicação de novos inimigos que logo passaram a ocupar o lugar do comunismo (CHOMSKI, 1996). Há sinais de erosão da hegemonia da potência que certos autores equivocadamente referenciaram como unipolar, mas os EUA mostram ainda sinais de vitalidade e de que são capazes de dar respostas à altura dos desafios à sua liderança. Essa situação pode elevar os níveis das tensões internacionais como em outras crises de hegemonia do passado. Alguns autores chegam a falar em uma nova Guerra Fria na tentativa de explicarem os conflitos emergentes entre os EUA e a Rússia, ou entre os EUA e a China. Mas esse tema é complexo e é assunto para outro livro.
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Faço uma análise mais sistemática dessas diferentes correntes interpretativas em Guerra Fria: um debate interpretativo. In: TEIXEIRA DA SILVA, Francisco Carlos. O Século sombrio. Rio de Janeiro: Elsevier/Campus, 2004ª, p. 261-281. Apresento também uma versão mais didática sobre o tema em A Guerra Fria revisitada. Leituras da História, São Paulo, Escala, v. 4, 2007, p. 44-56. 2 Uma análise mais detalhada das perspectivas ortodoxa estadunidense, revisionista e pós-revisionista pode ser encontrada em COMBAT, Flávio A. A historiografia sobre a Guerra Fria e os limites do Pós-Revisionismo. 2012. Tese (Doutorado em História Comparada) – Instituto de História, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 3 David Reynolds apresenta dados mais atuais sobre a situação dos dois países ao final da guerra. Indica que os cerca de 28 milhões de soviéticos mortos representavam cerca de 14 por cento enquanto os 300 mil estadunidenses ao redor de 0,25 por cento da sua população. REYNOLDS, David. Europe divided and reunited, p. 283. In: Blanning , T. C. W.(ed.). The Oxford History of the Modern Europe. London: Oxford University Press, 2000. p. 282-306. 4 Os Axiomas de Riga referem-se à perspectiva sobre a URSS delineada pelos diplomatas dos EUA no período anterior a 1933, quando EUA e URSS não possuíam relações diplomáticas. Essa era a zona fronteiriça, de onde os diplomatas dos EUA procuravam observar a Rússia revolucionária e, depois, a URSS, e de lá emitiam as suas opiniões, regra geral, marcadas pelo preconceito e pela hostilidade. 5 Os Axiomas de Ialta referem-se à perspectiva que prevaleceu na fase final da II Guerra Mundial, quando Roosevelt, Churchill e Stálin encontram-se na Conferência de Ialta, como parceiros, para definir a reestruturação da ordem global que havia colapsado durante a II Guerra Mundial. 6 As Frentes Populares tiveram origem por intermédio de uma aliança de centro-esquerda em que comunistas, socialistas e liberais progressistas se uniram no período entre guerras para fazer frente à ameaça fascista. Posteriormente, ao final da II Guerra Mundial, uma estratégia similar foi empregada na constituição dos novos regimes instaurados no Leste da Europa entre 1944 e 1945. 7 É comum encontrarmos grafado também como Kuomintang. 8 Kennan escreveu uma avaliação dos problemas dos EUA nas relações com a URSS, em fevereiro de 1946, quando prestava o serviço diplomático na embaixada dos EUA em Moscou, após uma demanda do Departamento de Estado. O documento pode ser acessado na
sua forma integral em: http://www.gwu.edu/~nsarchiv/coldwar/documents/episode-1/kennan.htm2/2010. No documento, Kennan avaliava as relações entre os EUA e a União Soviética e sugeria estratégias de ação para consolidar a posição dos EUA como liderança global no contexto do imediato pós- guerra e dos desafios provenientes da emergência da URSS como a segunda potência mundial. A análise de Kennan ganhou uma dimensão inesperada e tornou-se uma diretriz política. The sources of Soviet conduct foi publicado, com o pseudônimo de Mr. X (Foreign Affairs, XXV, n. 4, jul 1947) tornou-se o alicerce da política externa dos EUA, durante a Guerra Fria. O texto foi escrito em decorrência da solicitação do secretário da Defesa, James Forrestal. Cf. KENNAN, George F. Containment then and now. Foreign Affairs, spring 1987. p. 885-890. O leitor interessado no assunto encontrará, além da versão original, republicações fidedignas de The sources of soviet conduct, em Foreign Affairs, 1987, p. 852-868 e em: KENNAN, 1987, p. 107-128. O texto foi publicado em português em As Origens da Conduta Soviética, Documentação e Atualidade Política, n. 2, Brasília: UNB, jan./mar. 1977. Discorro mais longamente sobre o assunto no capítulo 6 deste livro. 9 Cumpre observar que esse pedido antecedeu a formação da grande aliança a envolver a Grã-Bretanha, os Estados Unidos e a União Soviética. Sublinhe-se que a União Soviética havia assinado um pacto de não agressão com a Alemanha e que a invasão significou a ruptura do acordo e o início de uma guerra germano-soviética. 10 A Carta do Atlântico foi assinada por Churchill e Roosevelt em 14 de agosto de 1941 e instituiu as bases de cooperação para a luta contra as forças do Eixo. Posteriormente, os seus pressupostos alicerçaram o processo de edificação da Organização das Nações Unidas. 11 A título de esclarecimento, observe-se que Churchill, futuramente, em documento endereçado ao ministro das relações exteriores do Reino Unido, Robert Anthony Eden, expressou que ele não aceitava todos os pontos da Carta do Atlântico. Insistiu que já havia manifestado a sua posição a esse respeito ao presidente Roosevelt por várias vezes. Ainda sublinhou que os EUA mantinham vagas aspirações sobre a criação de uma ordem no pós-guerra que colocava o Império Britânico em situação muito embaraçosa. Churchill to Eden, September 15, 1943. FO 37135398 (U4486/402/70) (apud GARDNER, 1994, p. 164). 12 Os registros do encontro foram efetuados por Samuel H. Cross e transcritos por Robert E. Sherwood. Ver a transcrição integral do original e os press releases dos governos dos EUA e da URSS: http://www.worldfuturefund.org/Documents/russia.us.1942.htm . Acesso em: 12 fev.2011. 13 Essa foi a primeira conferência oficial entre os EUA e a Grã-Bretanha para tratar da Guerra. Ela ocorreu imediatamente após o ataque Japonês a Pearl Harbor. A conferência foi realizada em Washington (22/12/1941-14/1/1942), e entre as suas principais diretrizes estratégicas decidiu-se privilegiar as ações na Europa em detrimento do Pacífico (decorrência da crítica situação europeia). Ainda na conferência, pronunciou-se a declaração das Nações Unidas que se tornou o nome oficial dos aliados e embrião da futura Organização das Nações Unidas. 14 A Mongólia foi uma exceção, pois, entre 1918 e 1922, experimentou um processo revolucionário, em meio às disputas por hegemonia na região a envolver o Japão, a China e o novo regime russo (posteriormente, soviético) que sucedeu o antigo Império Russo. Desse processo resultou a emergência da Mongólia como um Estado independente, mas com forte influência soviética. SABLIN, Ivan. Governing Post-Imperial Siberia and Mongolia, 1911–1924. Buddhism, Socialism and Nationalism in State and Autonomy Building. London: Routledge, 2016. 15 Harry Lloyd Hopkins foi secretário de comércio do governo Roosevelt entre 1938 e 1940. Posteriormente, tornou-se assessor especial do presidente e atuou como emissário nas negociações com o primeiro ministro britânico Winston Churchill. Hopkins foi o administrador do programa estadunidense de Lend-lease e a partir de julho de 1941, tornou-se o principal enviado do presidente dos EUA para negociar com Stálin e seus principais assessores. 16 Ambrose sublinha a questão da demora na abertura da Segunda Frente e dos riscos dela advindos, inclusive, adverte sobre a intenção de Hitler buscar uma paz em separado com a URSS. O autor enfatiza a impaciência de militares de alta patente dos EUA, incluindo o general George C. Marshall, que desde 1942 defendia a abertura da Segunda Frente. Ambrose ressalta ainda o crescimento da pressão nos EUA pela abertura da Frente e a visão de que se os ingleses continuassem com aquela posição, os EUA deveriam levar as suas forças para o Pacífico. 17 Na mensagem apresentada ao Congresso dos EUA, em 11 de janeiro de 1944, F. D. Roosevelt rompeu paradigmas e apresentou uma nova perspectiva de conduzir as questões sociais no país a partir do final da guerra. A mensagem que se tornou também conhecida como “The Second Bill of Rights” definia pontos centrais para a sociedade estadunidense do pós-guerra. De forma sumária, indicava dentre outros pontos, o direito de todos cidadãos ao salário digno, à moradia decente, à saúde, à educação de boa qualidade, à proteção social na velhice, na doença, em caso de acidentes e de desemprego. 18 David Horowitz foi um dos expoentes da Nova Esquerda estadunidense e do Revisionismo nas décadas de 1960 e 1970. Na década de 1980, no entanto, fez autocrítica, mudou de perspectiva e passou a defender as políticas conservadoras, implementadas por seu país no início da Guerra Fria. Daí em diante, tornou-se um intelectual e militante da ultradireita de seu país. Foi fundador do David Horowitz Freedom Center, que se constitui em um centro de ativismo de perspectiva ultraconservadora. Além disso, foi criador do Students for Academic Freedom, que tem se tornado conhecido por perseguir de forma implacável professores com perspectivas liberais (note que o termo liberal nos Estados Unidos é regra geral vinculado ao pensamento crítico com um viés mais à esquerda). Horowitz é editor do site conservador Front Page Magazine e aparece com frequência como comentarista da conservadora Fox News. 19 O presente relato tem como base as memórias organizadas pelo próprio presidente Truman em 1945 (TRUMAN, 1965, p. 90-99). Não se trata de uma reprodução ipses literis, mas de uma descrição fiel do sentido dos eventos tais quais expressos pelo então presidente em suas memórias. Recomendo ao leitor, em caso de qualquer dúvida, a confrontação com o original. Observo também que alguns autores, ao comentarem os eventos, indicam que Truman não haveria dito no encontro com Molotov a famosa frase “Cumpram
os seus acordos que ninguém falará assim”. Roberts (2007) faz referências a Molotov, para defender a tese de que Truman não haveria sido rude com o diplomata, no que é criticado por Constatin Pleshakov, que o acusa de omitir o testemunho de Oleg Troyanovsky, que ouviu de Andrei Gromyko, presente à reunião, que Truman imediatamente começou a atacar (PLESHAKOV, 2007) . 20 Lublin tornou-se a sede do Comitê de Libertação Nacional Polonês, criado em julho de 1944, sob controle dos comunistas, em meio ao avanço do Exército Vermelho na Polônia. 21 Houve um acordo em Ialta no qual o presidente Roosevelt participou em nome do governo dos Estados Unidos, para reorganizar o governo provisório que agora atua em Varsóvia, objetivando estabelecer um novo governo de unidade nacional na Polônia, mediante consultas prévias entre os representantes do governo provisório e outros chefes democráticos poloneses da Polônia e do exterior. Na opinião do Governo dos Estados Unidos, o acordo da Crimeia sobre a Polônia somente pode realizar-se se um grupo de chefes democratas poloneses, que representem genuinamente o seu país, for convidado a Moscou para ser consultado. O governo dos Estados Unidos não pode favorecer nenhum sistema de consulta a chefes poloneses que não tenha como resultado o estabelecimento de um novo governo provisório de unidade nacional que represente genuinamente os elementos democratas do povo polonês. Os governos dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha foram tão longe quanto possível para fazer frente à situação e executar os objetivos do acordo da Crimeia em sua mensagem conjunta enviada ao Marechal Stálin em 18 de abril. O governo dos Estados Unidos solicita sinceramente ao Governo soviético que aceite as propostas expressas em sua mensagem conjunta do presidente e primeiro ministro ao marechal Stálin e que Molotov continue as conversações com o secretário de Estado e Mr. Eden em São Francisco sob esta base. O governo soviético deve compreender que, nesses momentos, o fracasso em implantar o acordo da Crimeia na Polônia faria vacilar seriamente a confiança na unidade dos três governos e na sua decisão de continuar colaborando no futuro como fizeram no passado. (Tradução livre do autor). O original pode ser acessado em: http://teachingamericanhistory.org/library/document/president-truman-to-thechairman-of-the-council-of-peoples-commissars-of-the-soviet-union-stalin/. Acesso em: 20 maio 2018. 22 Este capítulo é uma versão ligeiramente modificada dos seguintes trabalhos de minha autoria: MUNHOZ, Sidnei J. Os EUA e a Conclusão da II Guerra Mundial: os impasses concernentes à Guerra do Pacífico e ao Extremo Oriente. Huellas de Estados Unidos, v. 9, p. 5-23, 2015; MUNHOZ, Sidnei J. A Segunda Guerra Mundial e os problemas em relação à Guerra do Pacífico e ao Extremo Oriente. In: MAINARDY, Dilton (org.). Visões do mundo contemporâneo. São Paulo: LP books, 2012. p. 15-42. 23 Agradeço a Alexandre Busko Valim (UFSC) pela sua contribuição neste tópico. Ela foi valiosa para a melhor compreensão do papel desempenhado pelos desenhos animados e pelos pôsteres no esforço de guerra estadunidense. 24 Os Seis Grandes compunham o Conselho que de fato governava o país durante a guerra e onde a decisão precisava ser unanime para ser encaminhada. O imperador cumpria o papel simbólico de consagrar a decisão de consenso emitida pelo Conselho. 25 Este texto é uma versão com pequenas alterações do original publicado na revista Diálogos, v. 22, n. 1, p. 25-42, 2018. Agradeço à Diálgos por autorizar a publicação desta versão. 26 Alguns autores fizeram referências a 8 mil palavras. Eu mesmo fiei nessas informações e as reproduzi em trabalhos anteriores. Não sei exatamente a origem desse erro. Stephanson menciona essas referências a 8 mil palavras, mas confirma que de fato eram 5. 540, conforme Isacson e Thomas (The Wise Men). Conferi uma transcrição do documento original disponível na WEB e encontrei 5.326 (com algumas observações do editor num total de 12 palavras sobre aparentes omissões do autor). Desse modo, o texto original parece possuir 5.314 palavras). Essa pequena diferença pode ser decorrência da inclusão por parte desses autores das informações de catalogação do documento, mas não estou completamente certo sobre isso. Peço desculpas pelas imprecisões anteriores. STHEPANSON, A. Kennan and the Art of Foreign Policy. Cambridge (Mass): Harvard University Press, 1992. p. 291. (nota 81). Para acessar o texto integral do Longo Telegrama: https://nsarchive2.gwu.edu//coldwar/documents/episode-1/kennan.htm. 27 Essa perspectiva sobre Lenin não me parece usual em outras referências feitas por Kennan ao líder bolchevique. 28 Em Containment them and now (1985), Kennan indica que escreveu esse texto em dezembro de 1946. O texto originalmente havia recebido o título de “Psychological Background of Soviet Foreign Policy”. Veja Containment 40 year later. Introduction. Foreign Affairs, v. 65, n. 4, p. 827-830, 1987. 29 Soviéticos e estadunidenses protagonizaram disputas em diferentes campos do conhecimento. A corrida aeroespacial foi uma das áreas em que esta disputa foi bastante intensa. Ainda ao final da II Guerra Mundial, tanto os EUA quanto a URSS disputaram as tecnologias desenvolvidas pelo regime de Hitler, nessa área de conhecimento. Os EUA conseguiram capturar e levar para os EUA o cientista alemão Ernst Von Braun, que comandava os projetos V-1 e V-2. Von Braun viria a se tornar o coordenador do projeto aeroespacial dos EUA. Os Soviéticos desmontaram e levaram para a URSS uma fábrica de V-2. Seu principal cientista, Sergei Korolev, acompanhou pessoalmente esse processo. Ao longo dos anos, Korolev conseguiu manter a URSS na dianteira, principalmente entre 1957, lançamento do Sputinik I e 1966, sua morte. Quando os soviéticos colocam o primeiro homem a orbitar a Terra, o presidente Kennedy, em pronunciamento em rede de televisão, prometeu que os EUA levariam o homem à lua até o final da década. Naquele contexto, a NASA recebeu investimentos vultosos e se tornou uma grande prioridade para o governamental. Após a morte de Korolev, os soviéticos encontram muitos problemas, uma vez que todo o projeto era centralizado por ele. Em decorrência, os EUA conquistaram a dianteira e, em 20 de julho de 1969, um estadunidense, Neil Armstrong, tornou-se o primeiro ser humano a pisar o solo lunar. Veja SIQUEIRA, Leandro. Bring Data. Corrida espacial e inteligência. Diálogos, Maringá, v. 22, n. 1, p. 76-90, 2018. Disponível em: http://periodicos.uem.br/ojs/index.php/Dialogos/article/view/43633/751375137925. Acesso em: 22 maio 2020. 30 Há uma vasta produção indicando que os Japoneses estavam prestes a se render. Debato essa questão de modo mais detalhado no capítulo 4. 31 Horowitz, anos mais tarde, mudou radicalmente de posição e de concepção político-ideológica e tornou-se um ultra-ortodoxo, mas os argumentos do primeiro Horowitz não me parecem passíveis de refutação pelo segundo.
32
A edição original é assinada como Mrs. Philip Snowden. Sobre o tema, veja principalmente Molotov’s Proposal that the USSR Join NATO, March 1954, March 26, 1954, History and Public Policy Program Digital Archive, Foreign Policy Archives of the Russian Federation (Arkhiv Vneshnei Politiki Rossiiskoi Federatsii, or AVP RF), F. 6, Op. 13, Pap. 2, D. 9, L1. 56-59. Translated for CWIHP by Geoffrey Roberts and included in CWIHP e-Dossier No. 27. https://digitalarchive.wilsoncenter.org/document/113924. Acesso em: 2 abr. 2020. ROBERTS. Geoffrey. A Chance for Peace? The Soviet Campaign to End the Cold War, 1953-1955. Cold War International History Project, Paper 57. 2008, Dec. https://www.wilsoncenter.org/publication/chance-for-peace-the-soviet-campaign-to-end-the-cold-war-1953-1955. Acesso em: 5 jul. 2013; ROBERTS, Geoffrey. Molotov’s Proposal that the USSR join NATO, March 1954. Wilson Center. Cold War International History Project, 2011, 11, 21st. https://www.wilsoncenter.org/publication/molotovs-proposal-the-ussr-join-nato-march-1954? gclid=Cj0KCQjw1Iv0BRDaARIsAGTWD1vtJKJwEbrQh-KCB7Fy_2aqKSa89eDXnv11BSSZHV-iHFuglTznZ0oaAh-GEALw_wcB . acesso em: 8 ago. 2019; TIMOFEITCHEV Aleksêi. Stálin considerou juntar-se à Otan após a 2a. Guerra Mundial. Russia Beyond. 24 jan. 2018. https://br.rbth.com/historia/79808-stalin-juntar-se-otan. Acesso em 15 mar. 2020. 34 As diferentes grafias para o nome de Khruschev estão associadas aos diferentes períodos em que os textos foram publicados e às mudanças nos acordos sobre a transliteração de nomes do alfabeto cirílico para as línguas latinas. 35 Texto ligeiramente modificado do original publicado na revista Esboços. MUNHOZ, Sidnei J. Imperialismo e anti-imperialismo, comunismo e anticomunismo durante a Guerra Fria. Esboços, v. 23, p. 452-469, 2017. Agradeço à Esboços por autorizar a publicação desta versão, sob licença da Creative Commons. 36 Strategic Arms Limitation Talks (Salt) foram acordos firmados entre os EUA e a URSS com o objetivo de limitar a capacidade ofensiva nuclear de ambas as potências. O Salt I foi assinado por Nixon e Brejnev em 1972 e Salt II foi assinado em 1979, por Carter e Brejnev, mas nunca foi ratificado pelo Senado dos EUA. 37 De fato, foram dois tratados assinados por Carter e Torrijos em 7 de setembro de 1977. O primeiro “The Treaty Concerning the Permanent Neutrality and Operation of the Panama Canal” previa a neutralidade do Canal e o direito de intervenção dos EUA para proteger o Canal em caso de eventual ameaça à sua neutralidade e, desse modo, garantia o uso perpétuo do Canal pelos EUA. O segundo, “The Panama Canal Treaty”, que definia o fim da Zona do Canal do Panamá em 1º de outubro de 1979 e a transferência do Canal ao Panamá em 31 de dezembro de 1999. 38 Robert Gates foi membro do Conselho de Segurança Nacional (NSC), ocupou diferentes funções na CIA, inclusive a de Diretor da Agência entre 1986 e 1989. Esteve envolvido em escândalos de corrupção e no famoso caso Irã-Contras. Gates foi ainda secretário da Defesa do Governo George W. Bush a partir de 2006 e do governo Obama até o início de 2011 39 Este texto é uma versão com pequenas alterações em relação ao original publicado na Revista Esboços, Florianópolis, v. 24, n. 38, p. 449-469, dez. 2017. Agradeço à Esboços por autorizar a publicação desta versão, sob licença da Creative Commons. 40 Sublinhe-se que o chamado sistema bipolar vigente durante a Guerra Fria, em especial passada a sua primeira fase que se prolongou entre 1947 e 1953, nunca foi plenamente bipolar, pois havia dissensões no interior de cada um dos blocos, que, por vezes, culminava em rupturas e conflitos em seu interior. 41 Fukuyama foi extremamente criticado à época por autores de diferentes correntes de pensamento. Apenas a título ilustrativo, destaque-se: HUNTINGTON, Samuel. No exit: the errors of endism. National Interest, n. 17p. 3-11, 1989. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/42896752?seq=1. Acesso:o em: 2 mar. 2018; ANDERSON, Perry. O fim da história: de Hegel a Fukuyama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1992. Fukuyama, ao longo dos anos, procurou responder aos seus críticos por intermédio de novos artigos onde parcialmente revisava as suas teses iniciais (FUKUYAMA, 1995, 2006). 42 Sublinhe-se, nesse quesito, o emprego de “império”, considerando-se a esfera de influência soviética como um império informal. Observe-se que muitos autores adotam uma perspectiva similar em relação ao controle dos EUA sobre a sua área de influência. 43 Deutscher menciona cerca de 15 milhões de mortos, mas as pesquisas mais recentes apontam para 27 milhões. 33
ÍNDICE ONOMÁSTICO E REMISSIVO A Acheson, Dean 138, 146, 155, 158–159, 197–198 Afeganistão 18–19, 208, 225–232, 236, 263 África 55–57, 61, 64, 66, 69, 96, 141, 143, 200, 205–206, 212, 250, 259, 263, 267, 272, 276 Albânia 263 Alemanha Ocidental (República Federal da Alemanha, RFA) 12, 178–179, 189, 211, 215, 276 Alemanha Oriental (República Democrática da Alemanha, RDA) 12, 19 Aliados (Aliança, Forças Aliadas) 21–22, 29–32, 36, 41–46, 49, 53–56, 58–59, 61, 63–65, 67–68, 71–72, 76–79, 81–82, 85–88, 90, 92, 105–106, 110, 112, 115–116, 119–122, 128–131, 133, 138–140, 143, 147– 148, 155, 161–163, 171, 174–180, 188, 191–192, 194–195, 204, 206–207, 211–212, 224, 228–229, 232– 233, 262–263, 265–266, 270, 272, 275 Alperovitz, Gar 92, 105–106, 113–117, 119–120, 167 América Central 208, 212, 216, 234–235, 237, 240–241, 276–277 América Latina 143, 197, 206–207, 216–217, 235–237, 268, 272 American way of life 90, 180 Amim, Hafizullah 228–229, 231 Andropov, Yuri 18, 253–254, 277 Angola 17, 207, 236 Anticomunismo 102, 181, 191, 194 Anti-imperialismo 191, 194 Arábia Saudita 206, 224 Argélia 204–205, 207 Argentina 232, 236, 272 Ásia 115, 127, 141, 143, 168, 196–200, 206, 211, 222–224, 227, 230, 235, 250, 259, 261, 268–269, 277 Ásia Central 223–224, 227, 230, 261, 277 Atlântico (Oceano) 176, 235 Attlee, Clement 31, 107 Áustria 19, 43, 81, 178 Axiomas de Ialta 39 Axiomas de Riga 38–39
B Bálcãs 57, 70, 87, 171 Báltico 257, 259 Banco Mundial 23, 49, 274 Bandung (Conferência de) 14, 205, 207 Baruch, Bernard 155 Batalha da Manchúria 29, 112
Bélgica 176, 189, 263, 272 Bella, Ben 204 Berlim 11–13, 15, 19, 56, 65, 106, 123, 143, 145–147, 175–176, 213, 259, 263 Berlim (Bloqueio de) 175 Berlim (Muro de) 15, 213, 259, 263 Bogotá (Conferência de) 12, 175 Bohlen, Charles 74, 96, 99 Bomba atômica 41, 105–106, 114, 116–117, 121, 167, 179 Bomba de Hidrogênio (Bomba H) 13, 179, 199 Brasil 15, 46, 94, 168, 185, 187, 197, 217, 236, 272, 275 Bravo, Don Miguel Obando y 220 Brejnev, Leonid 15, 17–18, 207, 212, 214–215, 251, 276–277 Brzezinski, Zbigniew 214, 229–232, 241, 276 Bukovsky, Vladimir 214 Bulgária 43, 75, 81, 263 Bush, George 240 Bush, George W. 159, 232
C Cairo (Conferência do) 57, 93 Camboja 16, 198 Campos de concentração 72, 109, 182 Canadá 220, 232, 253, 264, 272 Capitalismo 11, 32, 40, 50, 59, 63, 139, 153–154, 157, 161, 194, 203, 208, 213, 243, 257, 266 Cardenal, Ernesto 218, 220–221 Carta do Atlântico 53–54, 88–89, 104, 194–195 Carter Jr., James Earl (Jimmy Carter) 17, 214, 217, 230, 233, 240, 276 Casablanca (Conferência de) 93 Casa Branca 104–105, 146, 186, 215, 225–226 Cazaquistão 260 Chechênia 20, 262 Chernaiev, Anatoli 253 Chernenko, Konstantin 18, 251, 277 Chile 17, 46, 168, 197, 236, 272, 275 China 12, 15–19, 44, 58, 73, 84, 141, 143, 158, 171, 177, 179, 195, 198–201, 204–205, 207–208, 222–223, 250, 262, 271, 275, 278 Churchill, Winston 11, 29, 31, 38–39, 53–58, 60, 63, 66, 68–70, 74–77, 85–88, 94, 99, 104, 107, 129–132, 134, 163, 169–171, 192, 195, 266–268, 274 CIA 13, 147, 179–180, 186, 204, 224–225, 230, 232, 236–239 Cominform (Birô de Informação dos Partidos Comunistas) 12, 175 Comintern (III Internacional, Internacional Comunista) 44, 57–59, 91, 175
Comissão de Atividades Antiamericanas (House Un-American Activities, HUAC) 12, 180–181, 193 Comunismo 11–12, 15, 32, 49, 86, 105, 127–128, 137, 155, 166, 174, 180, 182, 186, 191, 194, 198, 200, 203, 207, 213, 227, 235, 272, 278 Comunistas 12–13, 19, 35, 40, 42–45, 58–60, 75–76, 82, 96, 127–128, 139, 143, 154–155, 157, 172–175, 181–184, 192–193, 195–196, 201–203, 207, 216, 232, 236, 259, 270–272 Conflito Global 21, 27, 29–30, 36–38, 44, 58, 67, 78, 128, 164, 166, 171, 188, 212–214, 235, 252, 262– 263, 265, 271–272 Congresso (EUA) 14, 18, 89, 159, 173–174, 176, 199, 201, 205, 211, 220, 224, 238–240 Contras (grupo rebelde antissandinista) 232, 236–240 Coreia 13, 74, 118, 141, 158, 179–180, 183, 196–200, 205, 221, 268, 271 Corporatismo (Corporatista) 23, 30, 47–48, 50, 234 Corrida Armamentista 22, 94, 103, 158, 230, 241, 249, 252 Costa Rica 197, 216, 236, 239–240 Croácia 264 Cuba 14–15, 213, 220, 236–237, 249 Cultura 137, 139, 157, 243, 251
D Daniel Ortega 240 Daoud, Muhammad 227–228 David Greenglass 182, 184–185 Deane, John R. 96, 98 Democratas 99–100, 230, 234 Departamento de Estado 36, 38, 41, 49, 73, 75, 77, 85, 90, 104, 137–139, 146, 148–149, 151–152, 156, 158, 238 D’Escoto, Miguel 220 Détente (distensão) 17, 39, 211–214, 230, 240, 276 Dia D (Operação Overlord) 55, 57, 70, 94, 163 Diplomacia atômica 105, 114 Direitos Humanos 214, 216, 232, 236, 276 Ditaduras 142, 164, 208, 216, 235–236 Dobrynin, Anatoli 253 Doutrina Carter 224–225, 233–234, 277 Doutrina Comunista 269 Doutrina da Contenção 12, 21, 30, 35–36, 137–138, 148–149, 152, 155, 158–159 Doutrina Eisenhower 14 Doutrina Marxista 154, 207 Doutrina Monroe 175 Doutrina Truman 12, 23, 138, 155, 158, 171, 173–175, 192, 196, 270, 274 Dulles, John Foster 148, 155
E
EAM-ELAS 172–173 Eden, Anthony 53–54, 79, 100–101, 195 Egito 17, 64, 204–206, 249 Eisenhower, Dwight D. 13–14, 95, 116–117, 179, 186, 198, 201, 213, 267 Eixo 21, 31, 40, 45, 49, 53, 56–57, 59, 64–65, 68, 71, 73, 111, 128, 138–139, 141, 143, 161, 166, 168, 172, 191, 194, 265, 272 Elites 23, 32, 41, 43–44, 46–50, 72, 89, 143, 165–166, 203, 218–219, 224–225, 233, 248, 257–258, 271 El Salvador 216–218, 221–222, 235–236, 239, 241 Esferas de influência 74, 76, 88, 194 Eslováquia 263–264 Eslovênia 263 Espanha 43, 264 Espionagem 13, 148, 183 Estados Unidos (EUA) 11–18, 21–23, 27, 29–32, 35–42, 45–51, 53–54, 56–57, 59–65, 68–71, 73–77, 79–111, 113–120, 123, 125, 127–129, 131–134, 137–146, 148–150, 152, 154–159, 162, 164–169, 171– 180, 183–184, 188–189, 191–202, 204–208, 211–236, 238–245, 249, 252, 258, 261–265, 267–268, 270, 272–278 Estônia 20, 263–264 Etiópia 205, 236 Eurásia 42, 197, 275 Europa 11, 19, 21–22, 35–36, 38–39, 42–43, 49–50, 56, 58, 61, 63, 68, 70, 72–73, 75–79, 81, 84–87, 89– 91, 96, 98–99, 105–107, 109–112, 115–116, 127–133, 140–141, 143, 148, 151, 156–158, 163, 165, 167– 169, 175–176, 186–188, 192, 195, 197, 199, 205, 212, 215, 220, 237, 243, 259, 262–263, 265–270, 272, 274–277 Europa Central 21, 35, 63, 68, 73, 77, 86, 105, 107, 111, 129, 143, 163, 176, 266–268 Europa Ocidental 50, 61, 63, 73, 87, 91, 112, 127, 133, 141, 143, 157, 167–168, 175–176, 197, 199, 212, 220, 237, 263, 268–269, 275 Europa Oriental (leste europeu) 11, 19, 38, 42, 68, 73, 76, 78, 84–85, 89–90, 107, 128–130, 132, 141, 143, 148, 167, 169, 173, 192, 195, 215, 237, 243, 259, 262–263, 267, 269, 274, 276–277 Exército Vermelho (Exército Soviético) 11, 21, 32, 40, 49, 53, 55, 57, 59–60, 62, 65, 67–68, 70–73, 75, 77, 81, 86, 91, 96, 107, 111, 115, 118, 131–132, 140, 143, 156, 163, 167, 199, 259, 265–267, 269, 271, 275 Extremo Oriente 98, 109, 111–114, 118, 271
F Feis, Herbert 21 Filipinas 198 Finlândia 43, 54 Ford, Gerald 17, 198, 214, 230, 232, 276 Foreign Affairs (Magazine) 12, 49, 137, 150–152 Forrestal, James 49, 95–97, 99, 149, 151–152, 156 França 11, 43, 54–57, 63–64, 68, 76, 143, 157, 162, 176–178, 189, 196, 198, 200–201, 206, 211, 259, 264, 272, 276 Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional (FLN) 219, 235
Frentes Populares 43 Fuchs, Klaus 182, 184–185 Fundo Monetário Internacional (FMI) 23, 49, 274
G Gaddis, John Lewis 22, 45–47, 168 Gana 204–206, 249 Gardner, Lloyd 22, 54, 70, 72, 195 Gates, Robert 230, 232, 239 Geórgia 262 Glasnost 18, 185, 256, 263, 277 Goebbels, Joseph 170–171 Golpe 12–13, 15, 17, 20, 70, 122, 153, 175, 179, 204, 224–225, 227–228, 248, 258 Gorbachev, Mikhail 18–20, 241, 245–246, 250–260, 262–263, 277 Grã-Bretanha (Reino Unido) 11, 13, 15, 27, 30–32, 41, 45, 53–54, 56, 60, 63–65, 68–71, 73, 75–76, 79– 81, 84, 86–88, 92, 100–101, 104, 106–107, 114, 127–129, 131–134, 162, 169, 171–173, 176–179, 189, 195, 206, 224–226, 259, 264–265, 267, 274 Granada 18, 236, 241 Grécia 43, 45, 60, 74, 76, 127, 141, 143, 171–174, 195, 246–247, 264, 270 Greenglass, David 182, 184–185 Greenglass, Ruth 182, 184–185 Gromyko, Andrei 96, 99 Groves, Leslie 108 Guatemala 13, 46, 168, 180, 197, 217–218, 235–236, 241, 275 Guerra Civil (Guerras Civis) 17, 60, 68, 141, 143, 164, 166, 171–172, 179, 207, 221–222, 226, 228, 240, 247, 258, 271 Guerra da Coreia 13, 141, 158, 180, 183, 198–200, 205, 221 Guerra da Indochina 15–16, 36, 45, 202, 276 Guerra do Pacífico 29, 98, 101, 109–110, 120, 124 Guerra do Vietnã 16–17, 202, 232 Guerra do Yom Kippur 225 Guerra Fria 11, 21–23, 29–33, 35–37, 39, 42, 45–46, 49–51, 60, 64–65, 71, 84, 92, 102, 112, 116, 127– 128, 130, 132, 135, 137–139, 141–142, 147, 155, 163–168, 178–179, 181, 183, 186–188, 190–191, 193– 194, 196, 207, 209, 211–214, 220, 222, 230–233, 235, 241, 243–244, 249, 252–253, 257, 260, 262–263, 266–268, 270–271, 273–275, 277–278 Guerrilha 60, 82, 122, 173, 216, 218, 235, 239, 270 Guiné 205 Guomindang (Kuomintang, Partido Nacionalista Chinês) 44, 82 Gussey, Fédor 79
H Halliday, Fred 51, 155, 212–214
Harriman, William Averell 63, 69–70, 74, 82, 87, 95–99, 105, 146 Hegemonia 38, 58, 89, 91, 140, 179, 198, 207, 215, 219, 250, 275–276, 278 Hirohito (imperador japonês, imperador) 120, 122, 124 Hiroshima (bombardeio nuclear) 11, 29, 108, 114–115, 119–120, 122, 125, 167, 197, 271, 274 Historiografia 33, 37, 47, 63, 65–67, 83 Hitler, Adolf 32, 55–56, 67, 71, 86–88, 90, 95, 147, 162–163, 165, 186, 266, 271 Ho Chi Minh 198, 200–202 Hoffman, Anna Rosenberg 93 Hogan, Michael 23, 47–50, 156–158, 192, 234, 275 Holanda 176, 189, 264, 272 Honduras 217, 236–237, 239, 241 Hopkins, Harry 85, 95, 105 Horowitz, David 37, 92–93, 103, 169 Hull, Cordell 74–75, 87 Hungria 14, 19, 43, 54, 76, 213, 263–264, 275
I Iakovlev, Aleksander 253 Ialta (Conferência de, Yalta, Acordo de Ialta, Acordo da Criméia) 11, 21, 36, 38–40, 44, 77–79, 81, 84–85, 92–93, 97, 100–101, 106, 111–112, 114, 129, 140, 163, 168, 172, 267–269 Iazov, Dimitri 253 Idealismo (Idealista) 83–85 Ideologia 22, 35, 38, 149–153, 155, 194, 219 Imperialismo 46, 94, 153, 191, 194, 201, 271 Imperialismo por convite 46 Império Britânico 54, 64, 75–76, 92, 129, 195, 268, 272 Império do Sol Nascente 112 Índia 84, 204–205, 226 Indonésia 198, 206–207, 222–223, 249 Inglaterra 45, 68, 76, 81, 96, 98, 174, 184, 191, 195 Irã 11, 13, 46, 81, 143, 171, 189, 196, 206, 224–225, 227–229, 232, 236, 238–239, 275 Iraque 159, 189, 206, 263 Islândia 264 Isolacionismo (Isolacionista) 174 Israel 12, 17, 206, 238, 271 Itália 43–44, 64, 70, 81, 143, 189, 195, 264, 270 Iugoslávia 12, 60, 76, 81, 159, 175, 263
J Japão 11, 30, 58, 68, 86, 98, 106, 108–109, 111–113, 115–124, 133, 167, 169, 197–199, 211, 234, 271, 273 Jiang Jieshi (Chiang Kai-Shek) 44, 82 João Paulo II 220
Johnson, Lyndon B. 15, 198 Joint Planning Staff (JPS) 129–130, 132, 134, 274 Jordânia 206
K Karmal, Brabak 231 Kaufman, Irving 183, 186 Kennan, George 144–145 Kennan, George F. 12, 21, 36, 49, 74, 137–159, 164, 168, 192 Kennedy, John F. 15, 165, 198 KGB 229 Khalq 228 Khan, Amanullah 226–227 Khan, Habibullah 226 Khan, Mohammad Hashem 227 Khan, Muhammad Nadir 226 Khan, Shah Mahmud 227 Khruschev, Nikita 185, 256 King, Ernest J. 56, 96, 98, 116 Kirilenko, Andrei 229 Kissinger, Harry 230 Kolko, Gabriel 22, 92 Kossigin, Aleksei 229 Kremlin 23, 35–36, 68, 72, 76, 82, 86, 95, 97, 102, 106–107, 110, 112, 118, 138, 149–150, 153–154, 166, 169, 176–177, 193, 206, 214–215, 228, 249–250, 253, 257, 261, 265, 275–276 Kursk 55, 59, 65, 73
L LaFeber, Walter 22, 68, 73, 75–76, 82, 90, 95, 105, 140–141, 163, 167, 191, 219–220, 232, 234 Laos 198 Latávia 20, 263–264 Leahy, William D. 95–97, 117 Lend-lease 61–62, 85, 105 Lenin 151, 153–154, 208, 269 Líbia 69, 206 Lippmann, Walter 155–156, 274 Lituânia 19, 263–264 Longo Telegrama 49, 137, 149–150 Lumumba, Patrice 204 Lundestad, Geir 46, 168 Lutas anticoloniais (Lutas por independência nacional, lutas de libertação nacional) 141, 143, 194, 196, 200, 204, 206–207, 272
Luxemburgo 176, 189, 264
M MacArthur, Douglas 116 Macartismo 180, 183, 192–193 Malásia 198 Mali 205 Manchúria 29, 112–113, 118, 122, 197–198, 268–269, 271 Manchúria (Batalha da) 29, 112 Manhattan (Projeto) 108, 111, 182, 184 Mao Zedong (Mao-Tsé-Tung ) 44, 204 Marrocos 205 Marshall, George C. 87, 96, 116, 151, 156 Marshall (Plano) 12, 23, 49–50, 146, 151, 156–158, 175, 192, 196, 274 Marxismo 149, 248 Massacre de Nanquim 124, 273 McCarthy, Joseph 13–14, 180, 193 McNeill, William 21 Mediterrâneo 61, 67, 69, 75–76, 107, 163, 171, 267 Medvedev, Vadim 253 México 108, 239, 272 Mobutu, Joseph Desiré 204 Moçambique 17, 207, 236 Molotov, Vyacheslav 11, 54, 69, 72, 96–102, 129, 162, 177–178 Montgomery, Bernard 130–131, 192 Morgenthau Jr., Henry 74, 103, 107 Morgenthau (Plano) 75, 105 Mr. X (Pseudônimo usado por George F. Kennan) 12, 49, 137, 152, 155–156
N Nagasaki (bombardeio nuclear) 11, 29, 108, 114–115, 119–120, 122–123, 125, 167, 197, 271, 274 Nagy, Imre 14 Nasser, Gamal Abdel 204, 206, 249 Nationalities Working Group (NWG) 229–230 National Security Council (NSC) 12–13, 159, 199, 230, 232, 238 Neo-ortodoxia (neo-ortodoxos) 22, 39, 47, 114–115, 119, 123, 197, 267–268 Nheru, Jawaharlal 204 Nicarágua 98, 208, 216, 218–222, 234–241 Nitze, Paul 155 Nixon, Richard 16–17, 198, 207, 211–212, 214–215, 230, 232, 276 Nkrumah, Kwame 204
Normandia (operação, desembarque) 55, 64, 67, 267 Noruega 264 NSC-68 12–13, 159, 199
O Oceania 272 Ocidente 22, 35, 37, 39–40, 42–43, 53, 63, 65, 72, 78, 86, 90, 92, 131–132, 146, 157, 163–164, 170, 177, 202, 223, 244–245, 251, 262, 268, 274–275 Office of Strategic Services (OSS) 113 Open Door Policy 50, 73, 77, 175, 195–196, 201 Operação Barbarossa 29, 53, 62, 64, 67 Operação Coronet 120 Operação Olimpic 120 Operação Overlord 55, 57, 70, 94, 163 Operation Magic 113 Operation Unthinkable 29, 90, 127, 129, 169 Oppenheimer, Julius Robert 108 Organização das Nações Unidas (ONU) 11, 16, 23, 49, 53, 56, 85, 103, 179, 204, 261, 271, 274 Organização dos Estados Americanos (OEA) 175, 219, 237 Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) 12, 158, 176–179, 189, 215, 244, 262–263, 278 Oriente 69, 81, 96, 98, 109, 111–114, 118, 189, 198, 223–224, 262, 269, 271, 277 Oriente Médio 69, 189, 223–224, 277 Ortega, Daniel 240 Ortodoxia estadunidense (ortodoxos) 21–22, 30, 35–37, 45, 50, 66, 76, 78, 84, 106, 114–115, 119, 123– 124, 130, 166-167, 169, 197, 267 Ortodoxia soviética (ortodoxos) 21–22, 36
P Pacífico (Oceano) 29, 56, 61, 87, 98, 101, 109–110, 115–116, 120, 124, 129, 167, 189, 235, 269 Pacto de Bagdá 189 Pacto de Bruxelas 176, 189 Pacto de Munique 145 Pacto de Varsóvia 14, 16, 20, 178–179, 189, 213 Pacto Germano-soviético 29, 162, 164, 184, 192 Palestina 270 Panamá 216–217, 236, 239 Paquistão 189, 226–228, 232 Parrales, Edgard 220 Partido Comunista da União Soviética (PCUS) 13–14, 18, 205, 245, 251,253 Partido Comunista Chinês: 44 Partido Comunista Espanhol 43 Partido Comunista Francês 43, 90
Partido Comunista Egípcio 206, 249 Partido Comunista dos EUA 183-184 Partido Comunista Grego 43, 172 Partido Comunista da Indonésia 222 Partido Comunista Italiano 43 Partido Comunista da Iugoslávia 43 Partidos comunistas (genérico) 12, 43, 58, 59, 127, 139,143, 175, 207 Partido Democrata (Democratas) 89, 276 Partido Democrático do Povo Afegão (PDPA) 228–229 Partido Republicano (Republicanos) 148, 174, 234, 239 Pearl Harbor 56, 109, 166 Perestroika 18, 250, 255–257, 263, 277 Policymakers 31, 38, 41–42, 48, 146, 152, 156, 176, 198, 225 Politiburo 229, 252 Política Externa (EUA) 21–22, 29, 36, 38, 42, 47–49, 77, 83, 86, 103–104, 107, 137–139, 146, 148, 166, 169, 174–175, 192, 197, 199–202, 235, 268 Política Externa (URSS) 35, 50, 149–150, 168, 196, 250, 252 Polônia 11, 18–19, 38, 43, 68, 74–75, 80–82, 87, 96–98, 100–101, 105, 129, 132–133, 143, 169, 263–264, 275 Portugal 246–247, 264 Pós-revisionismo (pós-revisionista) 22–23, 30, 37, 45–46, 50 Potsdam (Conferência de) 11, 21, 31, 36, 103, 106–108, 114–116, 118–122, 140, 163, 167–168, 171–172, 267 Proletariado 153–154, 204
R Reagan, Ronald 18–19, 208, 212–217, 221, 230, 232–241, 254, 276–277 Realismo (Realista) 35, 76, 84, 91, 171 Realpolitik 40, 50 Reich (III Reich) 56, 62, 67, 71–73, 81, 128, 162, 171 Relações exteriores 53–54, 69, 99, 113, 119, 162, 195, 252 República Tcheca 263–264 Revisionismo (Revisionista) 22–23, 30, 36–37, 45–46, 50–51, 63, 92, 105, 201 Revolução 12, 14, 16, 32, 45, 76, 81, 106, 153, 163, 175, 189, 191, 201, 204–205, 207–208, 213, 216, 219– 220, 225, 228, 236, 238, 240–241, 245–246, 251, 258, 263, 276 Revolução Sandinista 208, 219–220, 240 Romênia 43, 54, 60, 75, 82, 263–264 Roosevelt, Eleanor 75 Roosevelt, Elliott 93 Roosevelt, Franklin D. 11, 29, 31, 78, 106, 145, 164 Rosenberg, Ethel 184, 186 Rosenberg, Julius 182
S Sandinismo 218–220, 235–240 San Francisco (Conferência de) 98 Schlesinger Jr., Arthur 21, 93, 167 Segunda Frente de Batalha (Segundo Front) 29, 53, 70, 72, 86, 162, 191, 274 Segunda Guerra Fria (Second Cold War) 30, 51, 212, 214, 230 Segunda Guerra Mundial (II Guerra Mundial) 11, 21, 23, 29–30, 32, 35–41, 43, 45, 62, 64–67, 71, 74, 90, 94, 109, 112, 116, 128–129, 137, 139–142, 146, 149, 161, 164–166, 168, 171, 179–180, 184, 186, 191, 194, 213, 224–227, 265–266, 269–275 Shah Mahmud Khan 227 Shah, Zhair 227–228 Shevardnadze, Eduard 252 Síria 206 Smith Act 181, 183 Socialismo 43, 58–59, 76, 85, 91, 153–154, 187–188, 191, 193, 256 Somália 205 Somoza, Anastasio D. 218–219, 236–237, 240 Sources of Soviet Conduct 12, 49, 137, 152–153, 157 Stalingrado (cerco de, batalha de) 55, 59, 65–67, 73 Stalinismo 72, 140, 258 Stalin, Josef 101, 177, 256 Stettinius Jr, Edward R. 96 Stimson, Harry 70, 74, 96–98, 102–106, 108, 118, 120 Šubašić, Ivan 43, 81 Sudão 205–206, 249 Sudeste Asiático (Sudeste da Ásia) 14, 189, 198–199, 211–212, 235, 241, 272 Suharto, Muhammad 222 Sukarno, Kusno Sosrodihardjo 222 Superpotências 164–166, 179, 188, 194, 204, 212, 273
T Taraki, Nur Muhammad 228–229 Tchecoslováquia 12, 16, 19, 43, 145, 175, 275 Teerã (Conferência de) 36, 40, 74, 93, 106, 238, 241, 277 Thatcher, Margareth 212 Timor Leste 222–223 Tito, Josip Broz 60, 81, 175 Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (Tiar) 12, 175, 189, 274 Truman, Harry S. 11–12, 23, 29, 31, 38, 78, 83, 90, 92–105, 107–108, 114–115, 118, 120, 127, 129, 134, 138–139, 141, 146, 155, 158–159, 162, 164, 166, 169, 171, 173–175, 179, 192, 196–198, 201, 268, 270, 274
Turquia 74, 143, 171, 173–174, 189, 264, 270
U Ucrânia 20, 65, 73, 257, 260 União Soviética (URSS) 11–15, 17–23, 27, 29–32, 35–43, 45–46, 49–50, 53–54, 56–65, 67–69, 71–73, 76–79, 81, 83–99, 102–107, 109–116, 118–119, 124, 127–130, 132–134, 137–138, 140–143, 145–158, 162–169, 171, 174, 176–180, 184, 186–189, 191–197, 199, 201–208, 211–215, 223, 225–227, 229–232, 235, 237, 241, 243–263, 265–270, 272, 274–278 Uruguai 197
V Vance, Cyrus 276 Venezuela 216, 239, 246–247 Vietnã 13, 16–17, 159, 189, 197–202, 205, 208, 211–212, 221, 228, 232–233, 235, 241, 272
W Wallace, Henry A. 74, 95, 103, 183 Williams, William A. 22, 36, 92, 141 Winant, John Gilbert 79
Y Yeltsin, Boris 19–20, 257–258, 260 Yergin, Daniel 30–31, 38–39
Z Zhou Enlai 204–205 Zhukov, Georgy 130–131