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Portuguese Pages [140] Year 1975
samora moisés machel
estudos e
orientações
Samora Moisés Machel
estudos e
orientações
ABRIL 1975 GRUPO COORDENADOR
PROVINCIAL
DE
MANICA
E
SOFALA
DEPARTAMENTO DE INFORMAÇÃO E PROPAGANDA
Ao leitor
Ao pensarmos na edição popular dos cadernos do presidente Samora Machel - « Estudos e Orientações » — fizemo-lo com a convicção de que, sendo os únicos materiais existentes onde os militantes da FRELIMO
podem adquirir o conhecimento das bases teóricas nas quais se funda mentou a Frente de Libertação de Moçambique para transformar em revolução a luta pela independência nacional, a sua divulgação era muito limitada e, por conseguinte, justificava -se uma edição que os pusesse ao alcance da massa de militantes, muito particularmente dos Grupos Dina mizadores, aos quais cabe a tarefa de preparar e orientar politicamente as grandes massas .
A consulta permanente destes textos deve ser, por isso mesmo, tra balho obrigatório de todos os elementos de vanguarda.
A sua leitura, acompanhada de reflexão individual e discussão em grupos, constitui uma forma segura de clarificação e aprofundamento da linha política da FRELIMO. Dessa leitura e discussão sairemos com
uma visão global dos problemas que se puseram à Frente no decorrer da luta armada, nos domínios particulares da produção, da preparação político-militar, da saúde, da emancipação da mulher , da instauração do Poder Popular, da educação e cultura.
O estudo desses problemas e da forma criadora como a Frente pro curou solucioná -los, ajudar-nos- á a construirmos a nossa unidade ideoló gica e a estratégia comum de actuação junto das massas, na presente fase da luta revolucionária. 3
Pareceu -nos conveniente lembrar que todos estes textos foram escritos
antes da libertação total do território moçambicano. Daí encontrarem -se referências a situações que não correspondem à realidade histórica actual, facto que o leitor deverá tomar em conta para mais correctamente fazer a identificação do inimigo e interpretar os objectivos finais da Frente de Libertação de Moçambique.
Conservamos as introduções que acompanham os « Cadernos » na sua
edição original, por considerarmos que facilitam o enquadramento de cada texto numa determinada situação que o motivou, e daí a compreen
são dos problemas da interdependência entre a teoria e a prática, a que a FRELIMO atribui tanta importância.
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Produzir
é aprender Aprender para produzir
o desenvolvimento da nossa luta de libertação nacional faz nascer mui tas situações novas e problemas novos, que é preciso analisar e solucionar . Não só no campo militar, mas em todas as outras frentes em que a luta se
trava : frente politica, económica,
social, cultural. A razão estamos
realizar
uma
que nós verdadeira
revolução, quer dizer, estamos a viver uma experiência nova , baseada num novo género de relações, diferente em muitos aspectos da realidade tradicio nal e absolutamente oposta ao sistema
colonial. Assim não admira que surjam
e lutar melhor
problemas novos relacionados com as novas concepções em muitas das fases do nosso trabalho . Atendendo a esta situação, e para fornecer aos militantes e sobretudo aos quadros da FRELIMO elementos
que lhes permitam melhor compreen der a realizar com acerto as tarefas revolucionárias, a FRELIMO inicia aqui a publicação de uma colecção de textos intitulada « ESTUDOS E ORIENTAÇÕES» . Esses textos conte
rão análises de questões fundamentais como a estratégia , a produção, educa ção , etc., e sempre que necessário serão acompanhados de palavras de
ordem da FRELIMO . Outras
vezes
serão análises históricas e respectivos ensinamentos, quer dizer, quais as
lições que essa passagem da História nos ensina. Noutros casos ainda será
a própria evolução da luta que deter minará os temas a incluir . Iniciamos esta colecção
com
um
estudo do Presidente da FRELIMO , camarada Samora Moisés Machel, sobre a Produção . Este documento indica - nos a necessidade e importância
da produção do ponto de vista eco
nómico e social, e seu papel na for mação política e física dos militantes.
Mas mais do que isso, são aqui for muladas directrices sobre a maneira como a produção deve ser organizada - em bases colectivas.
Este documento deve pois servir -nos de orientação imediatamente para os
trabalhos do novo ciclo de produção agricola .
OUTUBRO de 1971
Dentro de pouco tempo vamos começar a preparar as machambas para um novo ciclo de produção.
Para muita gente talvez a produção pareça um rito, uma necessidade, qualquer coisa que somos obrigados a fazer para comer e vestir. É evidente que a produção deve satisfazer as nossas necessidades bio lógicas fundamentais, mas ela é necessária para nos libertarmos da miséria, ela é necessária para melhor conhecer, dominar e utilizar a natureza , ela é necessária para nos formar politicamente. 5
Nós somos revolucionários, os nossos actos todos têm um sentido po
lítico, um conteúdo político. Por isso a nossa produção, além de ter um sentido e um conteúdo económico, tem um conteúdo político . Na zona do inimigo, no capitalismo, no colonialismo, também se produz.
Também o homem pega na enxada para ferir a terra. Também o ho que ainda não temos na nossa zona cons
mem na máquina da fábrica
-
trói o objecto. No entanto, nós dizemos que a produção na zona do inimi go é exploração, enquanto que na nossa zona, a produção liberta o homem . Contudo, é a mesma enxada, o mesmo homem , o mesmo gesto de
ferir a terra. Porque será então que existe esta demarcação ? Quase todos conhecem a arma G3 . A arma G3 nas mãos do inimigo
serve para oprimir e massacrar o povo, mas quando capturamos uma arma G3, ela torna -se um instrumento para libertar o povo, para castigar os que
massacram o povo. A arma é a mesma, o seu conteúdo mudou, porque quem se serve dela tem novos objectivos, novos interesses.
Um camponês moçambicano que produz arroz em Gaza, para que ser ve a sua produção? Serve para ele comer, para satisfazer as necessidades da sua família ? Talvez, numa certa medida. Mas o que é certo , é que com
o que obtém da produção, ele tem que pagar os impostos coloniais, im postos que financiam a polícia que o prende, impostos que pagam o orde
nado do administrador que o oprime, impostos para comprar a arma dos soldados, que amanhã vão expulsar o camponês da sua terra , impostos pa ra pagar o transporte e instalação de colonos, que vão ocupar a terra do camponês. O camponês produz para pagar os impostos, o camponês pelo seu trabalho, financia a opressão de que é vítima. Continuemos com este exemplo dum camponês que produz arroz. Ele para viver, precisa de outras coisas além do arroz. Ele precisa de roupa, ele precisa de azeite, ele precisa de muitas coisas que tem que comprar na loja. Para comprar precisa de dinheiro e o dinheiro não cai do céu . Quer
isto dizer, que o nosso camponês tem que ir vender o seu arroz à loja ou companhia. Ele vende as suas coisas por preços baixos e compra por pre ços quatro ou cinco vezes mais altos, do que quando vendemos. Com um saco de algodão, fabricam -se muitos metros de tecido de algodão, muitas camisolas.
No entanto, quando vendemos um saco de algodão, o dinheiro que recebemos por um saco, mal dá para comprar uma só camisola . Quer isto
dizer, que a produção que fazemos, o nosso suor combinado à terra be neficia aquelas companhias, aqueles comerciantes que nada fizeram . Na zona do inimigo estas são as formas mais suaves, menos cruéis de exploração. Há outras muito piores. Há a venda dos trabalhadores para as minas, os jovens partem fortes para as minas. Muitos morrem nos de sastres nas minas. Mais de 2.500 morrem nas minas por ano. Outros, não
sabemos o número, voltam sem um braço , sem uma perna, os pulmões co midos pela tuberculose. Os donos das minas são homens mais ricos do
mundo, o oiro tirado das minas, é vendido a preços muito altos, mas quan to ganham os homens que morrem nas minas ?
Ao longo do Zambeze, estão as ricas terras da Sena Sugar. A Sena Sugar ganha muitos e muitos milhares de contos por ano . Mas quem tra balha nas terras ricas da Sena Sugar, quanto ganha ? Nas minas de carvão
de Moatize, nos palmeirais da companhia da Zambézia, nas terras altas de chá do Guruè, em toda a parte, os homens moçambicanos cultivam ma. chambas ricas, constroem prédios altos, fazem produzir fábricas de má quinas complicadas, mas em toda a parte, não é quem trabalha, quem sua por cima da terra, quem arrisca a vida na galeria da mina, não é esse quem beneficia do trabalho.
Na zona do inimigo, o trabalho determina a classe. Na zona do inimi
go, o trabalhador, pelo seu trabalho, dá riqueza a quem não trabalha e ganha a miséria para si.
Na zona do inimigo, o trabalho manual, o trabalho que cria tudo, é para os pobres, para os « brutos» . Na zona do inimigo, o trabalho manual,
o trabalho físico , pegar numa enxada, é para os « brutos», os « selvagens» , os « analfabetos». Quanto menos se trabalha, mais educado se é, quanto menos se trabalha mais civilizado se é, quanto mais se explora o traba lho dos outros e quanto mais se despreza os trabalhadores, mais respei tado, mais elevado se é na sociedade .
Quem pode imaginar um governador, um médico, um general, um banqueiro, com as mãos cheias de calos, os pés enterrados na terra, suan do por baixo do sol no esforço da enxada ? Seria considerado desonroso , vergonhoso , baixo. Na zona do inimigo em que os exploradores, como piolhos, vivem do
trabalho dos explorados, nas escolas, na rádio, no cinema, em toda a parte, se ensina o desprezo pelo trabalho manual, a veneração pelos exploradores.
Na nossa zona é diferente. O trabalho não serye para enriquecer com
panhias e comerciantes, especuladores e parasitas. O trabalho destina- se a satisfazer as necessidades do povo e da guer ra. Por isso mesmo, a nossa produção é objecto de ataques constantes do inimigo . Na nossa zona, o trabalho é um acto de libertação, porque o resulta
do do trabalho beneficia os trabalhadores, serve os interesses dos traba balhadores, isto é, serve para libertar o homem da fome, da miséria, serve para fazer progredir a luta. Porque na nossa zona abolimos a exploração
do homem, porque a produção é propriedade do povo, ela serve o povo. Assim produzimos para os nossos interesses. É o nosso interesse fazer crescer crianças sãs, libertas da doença, crianças fortes libertas da fome e do raquitismo.
Produzindo, contribuimos para alimentar correctamente as
nossas
crianças, o nosso povo .
Cultivando, produzimos alimentos ricos em vitaminas, produzimos a cenoura que tem vitaminas que reforçam a nossa vista, produzimos a mandioca com folhas ricas em ferro, produzimos uma infinidade de pro 7
dutos, do milho ao tomate, do feijão à alface, que dão forças ao organis mo, produtos que pela sua diversidade e riqueza própria, nos permitem
beneficiar duma alimentação variada, que porque variada, não só é mais agradável como também nos fornece uma dieta mais equilibrada que por
si mesmo, combate inúmeras doenças e nos torna mais resistentes. É de considerar ainda que o esforço físico da produção, em especial agrícola,
não só robustece os nossos músculos, enriquece o nosso corpo, como ainda porque nos mantém em contacto com a natureza, nos mantém ao sol que
nos dá as vitaminas (D e A) necessárias para a resistência do organismo, cria condições para gozarmos de uma saúde boa.
Por outro lado é através da produção, do seu desenvolvimento, e so mente através da produção, que conseguiremos resolver as nossas neces sidades crescentes. Em muitas regiões, porque conseguimos exportar para países amigos os nossos excedentes, atenuou -se o problema da roupa:
o que exportamos, dá-nos meios para comprarmos o que ainda não produzimos. As nossas necessidades em roupa, em calçado, em sabão , só serão so lucionadas por duas maneiras : aumentando as exportações, aumentamos o que podemos comprar. Esta é uma maneira. A segunda, mais eficaz em bora a mais longo termo, é a de nós próprios produzirmos estes produtos.
Propositadamente falamos de tecido, de calçado e de sabão. A razão é simples: o nosso país, os nossos agricultores produzem o algodão com que se faz o tecido. A produção artesanal do tecido de algodão está ao al
cance das nossas possibiblidades. Nós possuimos as peles de vaca, cabritos e inúmeros outros animais. A partir das peles é que se produz o calçado. A produção artesanal do couro e do calçado, está ao alcance das nossas
possibilidades. Nós dispomos das matérias- primas vegetais com que se produz sabão, as experiências realizadas em Cabo Delgado, provam que estamos em condições de produzir sabão. Por outro lado, o aumento da produção, através de um melhor apro veitamento dos nossos recursos utilização do estrume, irrigação , de senvolvimento da horticultura, criação de animais, etc.... é possível como
provam as experiências realizadas me certas bases militares, e em centros pilotos.
A produção serve pois para solucionar os problemas essenciais duma alimentação rica para a saúde e para cobrir o conjunto das nossas necessidades . Por isso na nossa zona é honrado, é louvado quem trabalha, é criti
cado, é denunciado , é combatido e desprezado, quem quer viver explo rando o trabalho dos outros .
Na nossa zona, porque o nosso combate é para libertar os trabalha dores explorados, é com orgulho que nós vemos as nossas mãos com ca
los, é com alegria que nós enterramos os nossos pés na terra . O trabalho na nossa zona, ajuda -nos a desenvolver a consciência da nossa origem,
ajuda-nos a sentirmo-nos orgulhosos da nossa classe; ajuda-nos a liquidar os complexos, que os colonialistas e capitalistas queriam impôr-nos. 8
Nós dissemos já, que ao produzir estamos a aumentar ou reforçar a consciência da nossa origem , estamos a desenvolver a consciência da nos
sa classe. Devemos também dizer, que estamos a unir-nos mais, a cimentar a nossa unidade.
Quando eu nianja estou a cultivar lado a lado com o ngoni, estou a suar com ele, com ele a arrancar vida à terra, eu estou a aprender com ele, estou a apreciar o seu suor, estou -me a sentir unido a ele. Quando eu do centro , com um camarada do norte, com ele discuti como fazer uma ma
chamba, como plantarmos e o quê, juntos fizemos planos, juntos combate mos as dificuldades, juntos tivemos a alegria de colher a maçaroca cres cida pelo nosso esforço comum , eu e esse camarada ficamos unidos, ama mo - nos mais. Quando eu do norte, aprendi com um camarada do sul a fazer a horta, a irrigar os tomates vermelhos e carnudos, quando eu do
centro aprendi com o camarada do norte a fazer crescer a mandioca que desconhecia, estive-me a unir com esse camarada, estive a viver, material mente, a unidade da nossa Pátria, a unidade da nossa classe de trabalha
dores. Estive a destruir com ele os preconceitos tribais, religiosos, linguís ticos, tudo o que era secundário e nos dividia. Com a planta que cresceu , com o suor e inteligência que ambos mis turámos à terra, cresceu a unidade.
Constantemente na FRELIMO nós falamos de produção. Ao nosso
exército demos as tarefas de combater, produzir e mobilizar as massas. À nossa juventude demos as tarefas de estudar, produzir e combater. Constantemente nas nossas discussões, nos nossos textos se fala da impor tância da produção, diz -se que esta é uma frente importante do nosso combate, uma escola para nós. Vimos que a produção nos satisfaz as necessidades da vida e também nos liberta e nos une. Mas não vimos ainda que a produção é uma esco
la. Que na produção aprendemos. Talvez algumas pessoas se surpreen dam que nas nossas escolas os alunos consagrem longas horas à produção, que o nosso exército tenha essa tarefa. Essas pessoas talvez digam que é absurdo, que mais valia os alunos empregarem esse tempo lendo livros,
tendo aulas, que a tarefa do exército é combater e não produzir. Essas pes soas pensam assim , porque isso lhes foi ensinado pelos capitalistas e colonialistas.
Nós também aprendemos na produção.
Os colonialistas e capitalistas porque não produzem e vivem da nossa produção, porque se pretendem sábios e dizem que nós somos brutos
e ignorantes, nunca podem reconhecer que se aprende na produção, que a produção é uma das mais importantes escolas. Mas nós sabemos que a produção é uma escola, que ela é a revolu ção , o combate, são escolas fundamentais .
Nós dizemos isso, porque estamos esclarecidos pela consciência e ex periência da nossa classe. As nossas ideias não caem do céu como a chuva. Os nossos conheci
mentos e experiências não vêm dos sonhos que temos a dormir. Sem nun 9
ca ter ido à escola, o nosso camponês analfabeto sabe mais sobre a
mandioca, o algodão, o amendoim e muitas outras coisas, que o senhor doutor capitalista que nunca tocou numa enxada. Sem saberem ler, nós vemos que os nossos mecânicos, conhecem mais profundamente o motor dum carro, como montá -lo , como repará -lo, como fabricar a peça quebra da, do que o senhor doutor capitalista, que nunca quis sujar as suas mãos
com óleo do motor. Nós vemos os nossos pedreiros, « ignorantes », os nos sos carpinteiros e marceneiros « brutos» , desprezados pelos doutores capita listas, fazerem casas lindas, móveis belíssimos, que o senhor doutor capi talista ignora totalmente como fazer.
Isto mostra claramente, que é na produção que nós aprendemos. Não aprendemos tudo duma só vez. Um prato de massa não se en gole duma só vez, mas pedaço a pedaço. O que aprendemos, fazemos, quando fazemos, vemos o que ficou mal . Assim aprendemos dos erros e dos sucessos. Os erros mostram a deficiên cia do nosso conhecimento, os pontos fracos que devem ser eliminados.
Isto quer dizer, que é produzindo que corrigimos os erros, a produção é que nos mostra que este terreno para dar bom tomate, precisa de mais es
trume e qual estrume, que ali precisa mais água. E fazendo as experiên cias que fracassaram, que os nossos alunos aprenderam a fabricar sabão, foi fabricando o sabão, que eles melhoraram a qualidade do sabão . Onde aplicar as nossas ideias? Como saber se as nossas ideias estão erradas ou estão certas ? Não foi lendo no céu ou no livro, que os nossos
alunos descobriram os seus pontos fracos na fabricação do sabão. Não foi
sonhando, que em Tete se começou a produzir mandioca, nenhum anjo desceu do céu para oferecer-nos uma horta em Cabo Delgado.
A produção é uma escola, porque dela vêm os nossos conhecimentos, é na produção que aprendemos e corrigimos os nossos erros. É indo ao povo, trabalhando com o povo, que aprendemos e ensinamos ao povo. Se o nosso exército não produzisse, como é que iríamos produzir
mandioca em Tete, quando o povo desconhecia a mandioca ? Se nos con tentássemos em fazer discursos sobre a mandioca, seria que a mandioca havia de crescer ? Como reforçar a capacidade de defesa da nossa produ
ção em Tete, contra bombardeamentos, armas químicas e incursões do inimigo sem diversificarmos a nossa produção, sem introduzirmos novos produtos e produtos resistentes à acção do inimigo ? Como é que o povo poderá corrigir os seus métodos de produção, ver onde está bem e onde está mal, senão produzindo?
Nós costumamos dizer que aprendemos a guerra na guerra, o que quer dizer na realidade, que é fazendo a revolução que aprendemos a me lhor fazer a revolução, é lutando que aprendemos a lutar melhor, é pro duzindo que aprendemos a melhor produzir. Podemos estudar muito, ler
muito, mas para que servirão essas toneladas de conhecimentos, se não os levarmos às massas, se não produzirmos ? Se alguém guarda sementes de milho na gaveta, será que vai colher maçaroca ? 10
Se alguém aprende muito e nunca vem às massas, nunca vem à
prática, ficará um compêndio morto, um gravador, poderá citar de cor muitas passagens de obras científicas, de obras revolucionárias, mas a sua vida inteira não criará uma só página nova, uma só linha nova .
A sua inteliência ficará estéril, como aquela semente fechada na gaveta .
Nós precisamos de aplicar continuamente, precisamos de estar mer gulhados na revolução e produção, para desenvolver os nossos conheci-: mentos, e fazer assim progredir o trabalho revolucionário, o trabalho da produção .
Na zona dos colonialistas portugueses há mais sábios capitalistas, mais técnicos, do que na nossa zona. Só na cidade de Lourenço Marques, há mais engenheiros, mais médicos, mais agrónomos, mais professores do que em todo o Moçambique inteiro. Mas para que serve isso? Pergun tamos ainda, onde foi gente mais vacinada, na nossa zona ou na zona do inimigo ? É claro que foi na nossa zona, apesar de não termos médico nenhum , de não termos quase medicamentos. Antes, em Cabo Delgado, em Niassa, em Tete, o povo não sabia o que era o tratamento médico,
apesar de o inimigo dispor de médicos, de medicamentos e milhares de contos para o orçamento da saúde. Apesar de todos os seus agrónomos e planos económicos, não foi o inimigo que trouxe mandioca para Tete ou hortas para Cabo Delgado, apesar de todos os seus ilustríssimos professores, não foi o inimigo quem criou escolas, laboratórios nas escolas primárias, que começou a alfabe tizar os adultos, etc .... A ciência do capitalismo e colonialismo é estéril, é como a semente
fechada na gaveta. E estéril porque está desligada das massas, ela é fun dada no princípio que o povo é bruto , de modo que nada se pode apren der do povo, o povo é bruto, de modo que não vale a pena fornecer ao povo conhecimentos científicos.
A semente do conhecimento só cresce quando for enterrada na terra da produção, da luta.
Se tanto transformámos já no nosso País, se tantos sucessos obtive mos na produção, no ensino, na saúde, no combate, é porque continua mente estivemos nas massas, com elas aprendemos e a elas transmitimos o que aprendemos, continuamente na produção, no combate e no traba
lho, aplicávamos, corrigíamos, e enriquecíamos os nossos conhecimentos. Mas não devemos estar satisfeitos .
Não basta aplicar. É preciso também conhecer, estudar.
A inteligência sem a prática, sem se combinar com a força fica esté ril. A força sem a inteligência, sem os conhecimentos, fica cega, fica bruta. Um elefante é mais forte do que o homem, mas porque o homem é inte ligente, apesar de pequeno, pode fazer um carro que carrega mais que qualquer elefante. Um homem não tem asas como um pássaro, mas por que possui a inteligência, pode fabricar aviões que voam mais alto, mais depressa, e mais longe do que qualquer pássaro . 11
Nós no nosso trabalho temos ainda muitas deficiências, que deve mos e podemos corrigir. Essas deficiências resultam de uma aplicação in suficiente da inteligência no nosso trabalho . Todas as deficiências que temos, podem ser reduzidas a dois pontos: deficiências políticas e defi ciências de conhecimento científico .
Em muitos sítios podíamos produzir mais, melhor, com menos esfor ços, com maior segurança contra a acção inimiga. Não o fazemos, porque não assumimos integralmente a nossa linha política, porque trazemos for tes em nós o individualismo, a corrupção herdadas da sociedade velha. Um homem e sua família, por muito enérgicos que sejam , por muito trabalhadores que sejam , não podem ao mesmo tempo cultivar muitas e pequenas machambas, isto é, dispersar o alvo para o inimigo, por outras palavras proteger a produção. Esse homem e sua família, não podem ao mesmo tempo estar a cultivar várias machambas que darão produtos dife rentes e por isso, uma comida mais rica. E-lhe impossível organizar um sistema de vigilância e protecção de todas as machambas, de todos os ce leiros, da sua casa e povoação, contra as incursões e pilhagens do inimigo. Esse homem não pode estar a produzir e a fazer patrulhas em diferentes sítios, para vigiar o inimigo e impedir o ataque de surpreza. Quer isto dizer, que o individualismo, o espírito de propriedade pri vada, « eu tenho a minha machamba , o meu gado, tu tens a tua macham ba e o teu gado, eu tenho o meu celeiro e a minha casa, tu tens o teu ce
leiro e a túa casa » , isso leva -nos a fracassos, leva -nos a perder o gado, a machamba, a casa e o celeiro.
O individualismo, o espírito de propriedade privada, é um espírito ca
pitalista, divide-nos, enfraquece-nos. Se eu quiser dar soco com um só dedo , parto o meu dedo e o meu adversário fica a rir -se de mim, se eu unir todos os meus dedos, com a mão inteira derrubo o adversário pelo meu soco .
Uma outra consequência grave das limitações no espírito colectivo na
produção, das insuficiências dos métodos colectivos, é que isso impede-nos de aprendermos uns dos outros, de beneficiarmos das experiências e co nhecimentos mútuos. Quando trabalhamos colectivamente , podemos dis
cutir colectivamente e juntos vemos erros e sucessos, juntos nos interro gamos sobre as causas dos sucessos e erros, juntos vamos aplicar e por
isso corrigir o que aprendemos. Quando trabalhamos juntos e discutimos nascem práticas que enriquecerão as ideias. juntos criamos o progresso Quando trabalhamos juntos há progresso, há iniciativa. No passado, não havia progresso porque não discutíamos os conheci C
mentos e experiências. Os conhecimentos e experiências que nos eram dados pelos avós, tornaram-se doutrina, que ninguém discutia, ficávamos estéreis, sem iniciativa. Quando fazemos as coisas, devemos discutir, para vermos o que é bom
e o que é mau, guardar o milho e deitar fora a palha, separar o arroz das pedras. Tirar as lições de cada sucesso e fracasso , para enriquecer os nos
sos conhecimentos e, por consequência, o nosso trabalho. Mas quando 12
agimos individualmente, com quem vamos discutir, com quem vamos aprender, com quem vamos tirar as lições e aplicar as lições ? Trabalhando individualmente, estamos a dar soco com um dedo só. Devemos pois, responsáveis, quadros, combatentes e militantes, traba lhar com energia para fazer as massas assumirem e viverem o espírito co lectivo, utilizarem métodos colectivos de produção, o que permitirá elevar o espírito de vida colectiva, por consequência elevar o espírito de unida de, de consciência de classe, de disciplina e organização .
Assumir uma consciência colectiva no trabalho , significa abandonar o individualismo e considerar que todas as machambas são nossas, do povo, todos os celeiros e casas, são nossos, do povo. Quer dizer, unir -me com os outros numa cooperativa, numa brigada de produção. Juntos culti vamos, colhemos, juntos organizamos a vigilância, juntos protegemos o que pertence, não a mim ou a ti, mas a nós . Este campo não é meu , nem teu , é nosso.
O aluno na escola, o soldado na base, o doente ou enfermeiro no hos pital,1, possuem uma consciência colectiva, ninguém considera aquela esco
la, aquela base, aquele hospital, como sua propriedade privada. É por isso, que todos se interessam com muito entusiasmo em fazer progredir o tra balho daquela escola, daquela base, daquele hospital. O resultado é que há progresso , o trabbalho avança, o inimigo não pode atacar com tanta facilidade.
Porque nessa escola, nessa base, nesse hospital, abandonamos o espí rito de individualismo, o espírito de propriedade privada, porque assumi mos uma consciência colectiva, estamos realmente a servir o povo , a desen volver a luta, a melhorar as nossas condições de trabalho e vida, estamos
a unirmo-nos mais ainda, estamos a desenvolver mais ainda a nossa cons ciência de classe.
E por esta razão em definitivo, que obtemos resultados superiores: onde existe espírito colectivo, esstamos mais organizados, existe mais dis ciplina, existe divisão correcta do trabalho, existe também mais iniciativa, mais espírito de sacrifício, aprendemos mais, produzimos mais, lutamos
melhor, com mais determinação. A nossa direcção ao nível do Comité Central, deverá depois de uma discussão profunda com as massas e quadros, criar estatutos das coopera
tivas, quer na produção agricola e artesanal, quer no comércio . Ao mesmo tempo e em colaboração com as estruturas Provinciais e o Departamento de Produção e Comércio, ó Comissariado Político deve-se
esforçar por introduzir métodos de planificação e orientação da produção e comércio, racionalizando o trabalho para o tornar mais eficaz.. Outras insuficiências, resultam do conhecimento superficial ou mesmo
errado, das leis que regem os fenómenos da natureza. São insuficiências no nosso conhecimento científico.
Muitas vezes perto do ponto de água
rios e poços
-
vivemos es
perando a chuva para as machambas, quando temos ali a água que resol ve os nossos problemas. Outras vezes andamo -nos queixando que a terra 13
é pobre, quando desperdiçamos completamente os fertilizantes naturais, o estrume de animais e do homem, que enriquecem a terra . Possuímos as matérias- primas com que se fabrica o sabão e continuamos sem sabão , po.
demos produzir, fiar e tecer o algodão e continuamos sem roupa. Muitos exemplos podem ser dados, mas todos eles mostram que a falta de conhe cimentos científicos faz de nós cegos, a solução do problema que enfren tamos está ao nosso lado e nós não vemos, não temos coragem da iniciativa .
Combatemos os nossos conhecimentos insuficientes, estudando, apren dendo, discutindo, aplicando.
Há companheiros que desprezam o estudo, porque ignoram o seu va lor. O estudo é como uma lanterna à noite, mostra-nos o caminho. Traba lhar sem estudar, é andar às escuras, pode- se avançar, é certo, mas gran des são os riscos de tropeçarmos, de nos enganarmos no caminho. Em certas bases, entre certos grupos de companheiros, criou-se o bom
hábito de consagrar regularmente algum tempo ao estudo. Isto é bom, mas é insuficiente.
Queremos propor a todos os camaradas, a todos os responsáveis e
quadros, que organizem entre si com as unidades, programas constantes e regulares de estudo. Que se consagre , de acordo com a situação, ao me nos uma hora por dia para as actividades de estudo. O estudo deve ser organizado dentro do espírito de trabalho colectivo, de consciência colec tiva, pequenos grupos, onde uns aprendem dos outros e todos juntos com batem a ignorância.
Nesta primeira fase, porque o nosso ponto de partida é bastante fra co , aconselhamos sobretudo que se consagre o esforço à elevação dos co nhecimentos de base, em particular, a tarefa de liquidação do analfabetis
mo no seio das unidades e quadros. Q Comissariado Político em colaboração com o DEC, trabalhando
em estreita colaboração com as estruturas Provinciais, deve organizar o programa de luta contra o analfabetismo e a ignorância, de maneira que cada base da FRELIMO se torne também uma base de luta contra o
obscurantismo.
Ligado intimamente a este programa, deve ser introduzido um outro , de Seminários, que leve os nossos camaradas com conhecimentos científi cos superiores – agrónomos, engenheiros, mecânicos, sociólogos, enfer meiros, etc .... a elevarem o nível geral dos conhecimentos dos respon sáveis e quadros dum distrito, duma Província. Estes seminários devem
ser seminários especializados, com temas precisos, como irrigação, higiene, construção de moinhos, introdução de novas plantas, introdução de novos métodos de produção. Assim, os nossos camaradas poderão ligar o seu estudo científico com a prática e fazer elevar o nível do seu trabalho e do trabalho das massas. Uma terra sem estrume dá plantas débeis, mas o estrume sem terra
queima a semente e também nada se produz. A nossa inteligência, os nos sos conhecimentos são como o estrume. É necessário misturar o estrume
com a terra, a inteligência com a prática. 14
1
O capitalismo, o colonialismo, porque precisam , para viver, da nossa exploração, devem-nos manter ignorantes e devem separar o conhecimento
das massas, criar uma elite culta que não trabalha e só serve para melhor explorar a massa guardada na ignorância. Nós dizemos que são os trabalhadores quem deve saber, quem deve
governar, quem deve beneficiar do trabalho . Nós dizemos e praticamos isso. É por esta razão que a nossa Luta Armada se transformou em Re volução, é por esta razão que tudo está em constante transformação, é por esta razão que estamos a libertar a energia criadora das massas. É por esta razão , finalmente, que o inimigo nos odeia. Nada existe sem produção, nada existe sem os trabalhadores. Os aviões e bombardeamentos, os crimes colonialistas, têm o objectivo de man
ter os trabalhadores a produzir para os capitalistas, mantê-los explorados. O alvo das nossas armas , o objectivo da nossa luta, em definitivo, é des truir a exploração do homem pelo homem, de que o colonialismo é hoje
a forma principal na nossa Pátria. O nosso objectivo é entregar a produ ção à capacidade criadora das massas. Vamos entrar no nosso oitavo ano de guerra. No próximo ano vamos celebrar o X Aniversário da fundação da nossa Frente . Muito crescemos,
mas para crescer mais, para responder às necessidades crescentes da guer
ra e do Povo é fundamental que a nossa produção aumente em quantida de, em qualidade, que mais produtos sejam criados no nosso País . A revolução liberta o homem, a sua inteligência, liberta o seu traba lho. Esta libertação manifesta -se pelo desenvolvimento dos nossos conhe cimentos, pelo desenvolvimento da nossa produção, desenvolvimento que serve o Povo, que serve a luta.
Por isso, neste momento em que a nossa agricultura se prepara para iniciar um novo ciclo de produção, dizemos a todos os camaradas: PRODUZIR E APRENDER. APRENDER PARA PRODUZIR E LUTAR MELHOR. A LUTA CONTINUA.
INDEPENDENCIA OU MORTE, VENCEREMOS !
15
Educar o homem para vencer
Este é o 2.º Caderno da Colecção « ESTUDOS E ORIENTAÇOES » , O 1.º Caderno formulava directrizes para a
Produção. Este trata de questões rela tivas à Educação . Todos
nós
estamos
conscientes
da
importância da Educação no contexto da nossa luta . Ela é uma das activi
4 guerra criar uma
dades mais fundamentais ( juntamente com a Produção e o Combate) sem a qual a nossa Revolução não pode avançar, Para realizar os múltiplos
trabalhos de administração nas regiões
sociedade nova
libertadas que continuamente crescem
e desenvolver
material de guerra moderno que o possuimos ; para aperfeiçoar a técnica da produção ; para elevar o nível poli
e se expandem ; para usar eficazmente
tico
a Pátria
dos
camaradas
-
sempre
a
Educação aparece desempennhando um papel decisivo .
Claro que a Educação na FRELIMO, como todas as outras actividades, tem uma natureza completamente diversa
da Educação nos sistemas tradiciona e colonial, visa objectivos e usa méto dos diferentes, é orientada pelos prin
cípios revolucionários que inspiram e fundamentam a criação da Sociedade Nova .
Por ocasião da 2.4 Conferência do Departamento de Educação e Cultura , o Presidente da FRELIMO, camarada Samora Mache , fez um discurso de abertura , no qual analisou as questões relativas à Educação . É esse o texto
que publicamos neste Caderno n.º 2 da nossa Colecção « ESTUDOS E ORIENTAÇÕES ). NOVEMBRO de 1973
Camaradas delegados à II Conferência do DEC, Companheiros, E. com alegria que participamos nesta II Conferência do Departa mento de Educação e Cultura, porque a Cultura e a Educação constituem problemas fundamentais do nosso Povo, delas depende em definitivo a criação da nova mentalidade. Consideramos ainda que o reunirmo-nos, o discutirmos os nossos tra balhos, os nossos métodos, é a maneira mais segura para orientarmos a nossa acção.
Esta Conferência inicia-se no momento em que celebramos a maior data da nossa História .
Esta Conferência aparece como um resultado da nossa luta, da luta feroz contra o colonialismo, da luta dura e subtil contra as forças reac cionárias no nosso seio. Ela é uma vitória dos muitos que se sacrifica 17
ram para expulsar o colonialista português, para desmascarar os novos
exploradores. A Conferência assume assim um significado particular, porque na sua base se encontra o sangue e o sacrifício. Ela foi possível pela clari ficação e consolidação a que se procedeu no nosso seio.
1
Devemos por isso prosseguir o trabalho apenas começado, evitar as felicitações fáceis pelas vitórias alcançadas, esquecendo o muito que ainda nos resta.
Porque a nossa Educação é fruto do sangue, é justo homenagearmos
aqueles que cairam pela Pátria. Mais do que ninguém , Eduardo Mond lane simbolizou este nosso combate pela libertação do Homem do jugo colonial e obscurantista , nele se combinou o sangue e a cultura, por isso, em sua memória e de todos os camaradas que se sacrificaram , vos peço observarmos um minuto de silêncio . Esta Conferência propõe-se analisar o trabalho realizado, detectar
erros e insuficiências da nossa acção , e a partir dos nossos princípios promover a execução das tarefas incumbidas ao Departamento pelas ins tâncias superiores da FRELIMO. Noutros documentos a serem submetidos à Conferência se analisa
detalhadamente o trabalho efectuado , o muito que foi feito e o imenso
que ainda nos resta a fazer. Aqui desejamos apenas apresentar alguns temas de reflexão , que traduzindo as preocupações da Direcção da FRE LIMO, nos ajudem a orientar os nossos trabalhos. Queremos, depois de demonstrarmos a nocividade, quer da educa ção tradicional, quer da educação colonial, explicar os objectivos edu
cacionais que nos propomos atingir, em função da Nova Sociedade pela qual lutamos.
Por outro lado, importa fixar orientações que tenham em conta os imperativos imediatos da situação, a exigência de unir o Povo, de co
nhecer mais profundamente a sociedade e o meio ambiente da nossa Pátria, de desenvolver a guerra e reconstruir a Nação. Finalmente , queriamos formular os métodos que nos parecem mais correctos, para enfrentarmos com sucesso os problemas, dentro de uma perspectiva revolucionária.
1. EDUCAÇÃO E SOCIEDADE Cada sociedade procura sempre assegurar a sua sobrevivência atra
vés das novas gerações, nomeadamente transmitindo a soma dos seus conhecimentos e experiências. Todavia, porque a sociedade existe nas suas estruturas, é evidente que a sua sobrevivência compreende a per
manência das estruturas, por opressivas que sejam . É neste contexto que
.
a educação transmitida, ao reflectir a sociedade concreta, se apresenta
como uma justificação da mesma, das suas estruturas económicas, dos hábitos sociais, dos conceitos éticos, da arte, em suma, da cultura da sociedade. 1
Na fase actual em Moçambique, existem três tipos de educação, an
2
1
18
tagónicos, dois reflectindo as sociedades em via de desaparecimento e o terceiro orientado para o futuro.
a ) A educação tradicional e a paralização da sociedade Embora o colonialista tenha desfechado um golpe poderoso contra a sociedade tradicional, a educação tradicional é ainda a forma de edu cação predominante em Moçambique.
Devido ao conhecimento superficial que tem da natureza, a socie dade tradicional concebe-a como uma série de forças de origem sobre natural, mais ou menos hostis ao homem. Daí o facto de que na educa
ção a superstição ocupa o lugar da ciência. Por outro lado, o fraco desen: volvimento da economia tradicional, baseada na agricultura de auto -consumo, leva ao isolamento da comunidade .
Aproveitando-se da superstição das massas e do isolamento da co munidade, certos grupos sociais conseguem manter a sua dominação retrógrada sobre a sociedade. Dentro deste contexto, a educação visa transmitir a tradição, erigida em dogma. O sistema de classes, de idade, de ritos de iniciação, tem por objectivo integrar a juventude nas ideias velhas, destruir-lhe a iniciativa . Tudo o que é novo, diferente e estrangeiro , é combatido em nome da
tradição. Assim se impede todo o progresso e a sociedade sobrevive no seu imobilismo.
A mulher, concebida como um ser humano de segunda categoria, submetida à prática humilhante da poligamia, adquirida através de um dom feito à sua família, herdada por parentes na morte do marido , é educada para , passiva, servir o homem . b ) A educação colonial sistema de discriminação social Se a inovação, a ciência, aparecem como perturbadores das estru
turas enferrujadas do passado, em contrapartida o capitalismo utiliza-as para melhor explorar o homem. Quanto mais a sociedade tradicional combatia o individualismo, tan to mais o capitalismo o favorece, na medida em que este cria no explo
rador a mentalidade propícia para explorar a vítima, e impede o explo rado de se unir aos seus camaradas para derrubar o opressor.
Em Moçambique, país colonial, a discriminaação social do ensino é
acentuada pela discriminação racial. O ensino é reservado quase exclu sivamente aos filhos de colonos e, particularmente o ensino superior, destina-se aos filhos dos colonos ricos.
Para além dos seus objectivos gerais de fortificação da opressão bur
guesa, o ensino colonial procura especialmente despersonalizar o moçam. bicano. Longe do Povo que lhe ensinaram a desprezar, isolado pelo indi vidualismo que lhe inculcaram , sem dimensão no tempo fornecido pela sua História , sem conhecimento do seu espaço dado pela Geografia, vi
vendo de ideias importadas, corrompido pelos gostos decadentes da so
ciedade colonial, o moçambicano deve-se tornar num pequeno português 19
de pele preta, instrumento dócil do colonialismo, cuja ambição máxima é viver como o colono, a cuja imagem foi criado.
c) A educação revolucionária e a criação do Homem Novo Quando pegámos em armas para derrubar a ordem antiga sentía mos, obscuramente , a necessidade de criar uma nova sociedade, forte, sã, próspera, em que os homens, livres de toda a exploração, colaborariam para o progresso comum.
No curso da nossa luta, na dura batalha que tivemos que travar
contra os elementos reaccionários, compreendemos de uma maneira mais clara os nossos objectivos. Sentiamos particularmente que a luta pela criação de novas estruturas fracassaria sem a criação de uma nova men talidade.
Criar uma atitude de solidariedade entre os homens capaz de fazer desenvolver o trabalho colectivo, pressupõe a eliminação do individua
lismo. Desenvolver uma moral sã e revolucionária que promova a liber tação da mulher, a criação de gerações com um sentido colectivo de res ponsabilidade, exige a destruição das ideias e gostos corruptos herdados.
Para implantar as bases de uma economia próspera e avançada é neces sário que a ciência vença a superstição . Unir todos os moçambicanos, para além das tradições e línguas diversas, requer que na nossa consciência morra a tribo para que nasça a Nação. Quero com isto dizer, que a educação para nós não significa ensi nar a ler e escrever, fazer dum grupo uma elite de doutores, sem rela ção directa com os nossos objectivos. Por outras palavras, assim como
se pode fazer luta armada sem se fazer revolução, também se pode en sinar sem sé educar de uma maneira revolucionária . Não queremos que
a ciência sirva para enriquecer a minoria, oprimir o homem e retirar a iniciativa criadora das massas, fonte inesgotável do progresso colectivo.
Cada um de nós deve assumir com o ensino as suas responsabilidades revolucionárias. Conceber o livro, o estudo, como um instrumento ao ser viço exclusivo das massas. Ver no estudo uma tarefa revolucionária, que deve ser combinada com as tarefas revolucionárias de produção e com bate. Aquele que estudou deve ser o fósforo que vem acender a chama que é o Povo.
A tarefa principal da educação, no ensino, nos livros de texto e programas, é inculcar em cada um de nós a ideologia avançada, cientí fica, objectiva, colectiva, que nos permite progredir no processo revolu cionário .
A educação deve preparar -nos a assumir a nova sociedade e as suas exigências.
A educação deve dar-nos uma personalidade moçambicana, que sem subserviência alguma, assumindo a nossa re
ade, saiba, em contacto
com o mundo exterior, assimilar criticamente as ideias e experiências de outros povos, transmitindo - lhes também o fruto da nossa reflexão e prática. -20
Necessitamos de uma consciência de responsabilidade e solidarie dade colectiva, livre do todo o individualismo e corrupção.
Devemos adquirir uma atitude científica, aberta, livre de todos os pesos da superstição e tradições dogmáticas.
Devemos particularmente, criar uma nova atitude na mulher, eman cipá-la na sua consciência e comportamento, e ao mesmo tempo inculcar no homem um novo comportamento e mentalidade em relação à mulher. Devemos fazer assumir por todos a necessidade de servir o Povo, de participar na produção, de respeitar o trabalho manual, de libertar
a capacidade de iniciativa, de desenvolver o sentido de responsabilidade. Em resumo, queremos uma mentalidade revolucionária que utilize a ciên cia para servir o Povo .
O desenvolvimento do nosso processo depende das novas gerações. Pela primeira vez na nossa História há crianças, há jovens, que crescem fora do colonialismo, fora das tradições dogmáticas. Há uma geração, a primeira, que se forma ao calor da revolução. É esta geração que nos pró
ximos 20 anos será chamada a prosseguir a tarefa que iniciamos. Eles são o viveiro donde sairá a planta seleccionada, que fará triunfar defini tivamente a revolução .
A este nível a missão dos professores e quadros da educação é ex traordinariamente delicada. Porque eles, como nós, cresceram e formaram - se no mundo antigo, ainda trazem em si muitos vícios e defeitos, muito individualismo e ambição, muitos gostos corruptos e superstições, que são nefastos e podem contaminar as novas gerações.
Os professores e quadros da educação devem comportar -se como o médico, que antes de se aproximar do doente na sala de operações se desinfecta, se esteriliza, a fim de não infectar o paciente. Através de reuniões constantes, através da crítica e auto -crítica per manentes, os professores e quadros da educação devem eliminar as ideias e gostos velhos, para poderem adquirir e assim transmitir a nova menta lidade à geração futura. Teremos que manifestar o máximo de severidade contra tudo aquilo que no seio dos professores e quadros da educação mostre subjectivismo, individualismo, tribalismo, arrogância, superstição, ignorância. Em resumo, o professor, o quadro da educação, em unidade com as massas, tem que fazer um ombate interno, tem de se desinfectar, liqui dar o antigo e assumir totalmente o novo.
II. A SITUAÇÃO ACTUAL E AS SUAS EXIGÊNCIAS Para além da tarefa a longo termo de criação de uma mentalidade nova, existem exigências da situação actual, que a educação é chamada
a responder. Não podemos criar a sociedade nova sem destruirmos a antiga, sem derrubarmos o colonialismo e seus vestígios, sem criarmos as bases económica, que nos permitam desenvolver a guerra e a socie dade. 21
a ) A unidade do povo e a educação
Uma das primeiras preocupações que a educação deve transmitir, é a da unidade do Povo. O colonialismo procurou acentuar todas as divi
sões étnicas, linguísticas, religiosas, culturais que podiam existir entre a população moçambicana. Por outro lado, a educação tradicional, exal tando o culto da comunidade linguística a que a pessoa pertence, incul cou -lhe uma atitude de desprezo, por vezes mesmo de ódio, em relação às outras comunidades.
No nosso ensino devemos fazer ressaltar a similitude de situações existentes entre toda a população moçambicana. Devemos explicar como o colonialismo explora cada região. É necessário que o aluno assimile
que a luta dos camponeses de Mueda contra o algodão não é diferente da luta dos cultivadores de cana de açúcar nas margens do Zambeze. Que a luta dos estivadores de Lourenço Marques é a mesma dos minei
ros de Tete. Os pescadores e cultivadores do arroz de Manica e Sofala
são explorados pelo mesmo estrangeiro que ocupa os campos de petróleo de Inhambane. O imposto esmagava igualmente o homem do Niassa, que como todos os Moçambicanos, nunca vira a escola ou hospital que lhe servissem .
Ao mesmo tempo , o aluno é chamado a assumir as tradições heróicas
de todo o País, o combate de Maguiguane, a resistência do Barué, o esplendor de Sofala, a magnificiência de Monomotapa. As riquezas culturais de Moçambique não pertencem a uma região, a contribuição artística dos marimbeiros de Zavala orgulha -nos tanto como a escultura maconde, a filigrana ou bordados de ouro dos ourives
de Tete. E a este nível, queremos saudar a iniciativa que visa a convidar escultores moçambicanos para ensinarem aos alunos e alunas da Escola
Piloto de Tunduru a maravilha da sua arte. Desejaríamos que iniciativas semelhantes se multiplicassem, no que respeita à pintura, à ouriversaria, ao trabalho do ferro e do cobre, ao artesanato artístico , à fabricação de esteiras, cestos, etc....
O regionalismo, o tribalismo, a atitude de desprezo para com
as
outras comunidades, resultam da ignorância, do desconhecimento dos outros valores. Ninguém ama o que desconhece.
É por isso que consideramos o Primeiro Festival Cultural que o
DEC se propõe realizar, como uma contribuição preciosa para a nossa unidade nacional, para o desenvolvimento da nossa cultura. É de desejar que festivais regionais e Provinciais precedam e continuem o Primeiro Festival Cultural. Que na arte se procure combinar a forma antiga com o conteúdo novo e depois se origine a forma nova. Que à dança, à escul
tura , ao canto, tradicionalmente cultivados, se junte a pintura, a litera tura escrita, o teatro, o artesanato artístico . Que a criação de uns se torne de todos, homens e mulheres, jovens e velhos, do Norte e do Sul, para
que de todos nasça a nova cultura revolucionária e moçambicana. Nas nossas escolas, nos bancos de aulas, nas casas, nos refeitórios,
na produção devemos esforçar-nos em juntar continuamente alunos e pro
22
fessores de regiões diversas, a fim de que a partir do convívio quotidiano
se percam os reflexos regionais para se adquirir um sentimento e cons ciência moçambicanos. É unindo -nos no trabalho que nos unimos realmente. Professores é alunos devem trabalhar lado a lado, em todas as tarefas, porque na Revo
lução não há grandes ou pequenas tarefas, há apenas tarefas revolucio
nárias. Porque as palavras não vivem sem a prática, um corpo sem carne é esqueleto, um corpo sem ossos não se aguenta em pé por si, é neces sário transformar continuamente a afirmação de unidade em prática do unidade. Unirmo -nos, significa conhecermo-nos e compreendermo-nos. E no esforço comum, no suor vertido ao mesmo tempo, no tronco arrancado
pela combinação das nossas forças, na dança concebida pela criação comum das inteligências, é aí que se materializam a compreensão e conhe cimento e se consolida a unidade. b) O conhecimento da sociedade e meio ambiente Na nossa luta contra os colonialistas, um dos factores decisivos da
nossa vitória resulta de lutarmos na nossa Pátria, isto é, numa sociedade e terreno que são nossos e conhecemos melhor que ninguém . O desenvolvimento da nossa luta exige que aprofundemos continua mente o conhecimento do nosso País, que este conhecimento se torne cada vez mais científico.
O estudo da História e Geografia, da Zoologia , Botânica e Minera
logia na nossa terra, permitem -nos saber aproveitar melhor os nossos recursos .
É de considerar em particular que o nosso Povo possui um grande conhecimento dos recursos da natureza, muito embora este conheci
mento seja empírico e frequentemente adulterado pela superstição. Na educação devemos orientar os alunos professores a acumularem os conhe cimentos empíricos das massas, a analisá - los de uma maneira crítica e
objectiva, de modo a desenvolver o nosso conhecimento e ciência em proveito da sociedade. É necessário ainda promover continuamente discussões e estudos sobre usos e costumes de cada região, a fim de melhor os conhecermos, assimilarmos e purificarmos pela crítica. Cada um de nós deve compreender que a tarefa a que é chamado é em Moçambique; por outras palavras, Moçambique não é uma região
determinada, uma povoação ou uma Província, mas um País enorme, com uma grande diversidade de situações, que temos de assumir para sermos eficazes.
c ) A técnica e o desenvolvimento da luta
Nós enfrentamos um exército inimigo apoiado por todos os recursos da técnica moderna, e ao mesmo tempo , para fazermos face às necessi dades crescentes das massas e da guerra, somos obrigados a aumentar, diversificar cada vez mais a produção. Paralelamente, as necessidades so 23
ciais e administrativas requerem a utilização de mais pessoal e de técni cas mais complexas.
Se é certo que é nos campos militares e sobretudo sobre o terreno , onde descobrimos os meios de destruir a máquina militar inimiga, toda via é necessário difundir entre os militantes, quadros, um mínimo de
conhecimentos científicos que lhes permitam aprofundar as técnicas mili tares.
A produção requer uma atenção crescente. Para fazermos face às necessidades das massas, em condições de guerra , devemos , sobretudo
contar com as nossas próprias forças. Ora, diversificar a produção, me lhorar as suas técnicas, utilizar a natureza para combater as suas cala midades, construir poços, canais de irrigação , represas, etc.... exigem da nossa parte conhecimentos que nem sempre possuimos.
Desejamos que os alunos adquiram estes conhecimentos práticos na
escola. Com as ciências-naturais, deve-se estudar e praticar a fiação e tecelagem de algodão ; com a aritmética e física, deve ser combinado o
estudo e prática de construção de represas e canais de irrigação; deve-se praticar a construção de noras movidas por água ou animais, moinhos de vento . Em resumo, toda a série de conhecimentos científicos e práticos,
que nos permitirão desenvolver a nossa agricultura e promover a constru ção duma indústria de base artesanal, como a marcenaria, carpintaria,
maçonaria, olaria, indústria de sabão, fiação e tecelagem, a construção de fornos para a produção de ferro , tijolos, etc.... A combinação da educação com a produção significa sobretudo a aquisição teórica e prática de conhecimentos a serem postos à disposição
da produção, da administração, dos serviços sociais e do combate . III. A REVOLUÇÃO E OS MEIOS DE EDUCAÇÃO É evidente que para fazermos face com sucesso à soma dos proble mas que enfrentamos, necessitamos de utilizar métodos que correspon dam à situação. Os nossos métodos para serem eficazes, devem resultar dos nossos princípios e prática, devem -se apoiar sobre o que é a nossa força.
a) A educação e a linha de massas A nossa força principal, a nossa razão de ser, é o Povo . Para a reso lução dos nossos problemas devemos primeiramente apoiar-nos nele, seguir uma linha de massas. Por outras palavras, devemos apoiar -nos no Povo para definirmos os interesses objectivos e lutar pela sua reali zação.
E seguindo esta linha que podemos distinguir o fundamental do
secundário, o imediato do longo termo, definir o que é o nosso inte resse, distinguir o que pertence ao inimigo do que é nosso. Estes prin
cípios aplicam-se igualmente ao nosso trabalho de educação. A situação principal da educação na nossa Pátria é caracterizada 24
1
pelo analfabetismo, que domina a maioria esmagadora do nosso povo, assim como pelas práticas obscurantistas, fruto do colonialismo e da superstição.
No campo da educação, o combate principal deye pois estar orientado contra o analfabetismo e o obscurantismo. Para termos sucesso, devemos mobilizar e organizar as massas neste combate, fazendo estas assumir a necessidade de aprender, mostrando-lhes as consequências catastróficas da ignorância. Sem a participação activa das massas no combate contra o analfabetismo nada o permitirá liquidar, sem o conhecimento do mal introduzido pelo obscurantismo nada as levará a lutarem contra ele. E seguindo a linha de massas que definimos ainda as prioridades a estabelecer no programa de educação. Como saber por exemplo, onde de
vemos consagrar mais esforços, se na alfabetização, se no ensino superior, se na formação de professores primários, se na criação do ensino secun dário? Será que um aluno que terminou o ensino primário deve conti nuar os seus estudos, ou dever- se- á consagrar à tarefa de alfabetização ? Poder -nos-emos contentar em afirmar que escolarizamos 20.000 crianças nas zonas libertadas, quando nessas mesmas zonas restam centenas de milhares de crianças sem nenhum contacto com a escola? Devemos dar
prioridade às crianças ou à alfabetização do exército, que constitui a espinha dorsal da nossa Organização ?
Isto são problemas extremamente graves, que requerem uma reflexão profunda. A definição da prioridade no nosso trabalho de educação ainda não foi estabelecida devidamente, é necessário que esta II Confe rência estude atentamente o problema. b) Aprender a guerra na guerra
Este problema deriva nomeadamente da concepção segundo a qual para a formação do aluno era necessária a educação contínua, isto é, que o aluno deve permanecer na escola da primeira classe até ao mo mento em que obtém o diploma do ensino superior. Ora as circunstâncias em que vivemos, de guerra, de analfabetismo massivo , exigem uma concepção e métodos que satisfaçam tanto os nos
sos objectivos futuros como os objectivos mais imediatos, sem a resolu ção dos quais não haverá futuro. Isto significa que em vez do ensino
contínuo, devemos dar prioridade ao ensino permanente e progressivo. Queremos dizer que todos os militantes devem a todo momento ter a possibilidade de elevar o seu nível técnico, cultural e político. Ao mesmo
tempo isto significa que, depois de estabelecidas as prioridades, elemen tos serão seleccionados para cursos especiais e rápidos, para em seguida, com os novos conhecimentos, atingirem sectores mais vastos. No fim de contas, é o método que com sucesso vimos aplicando
há vários anos já, na nossa guerra. Desde que um combatente adquire um mínimo de treino, é lançado para a batalha, lá desenvolve os seus conhecimentos práticos e transmite-os a outros; do campo de batalha selec cionamos elementos que vêm adquirir uma preparação superior, e em 25
seguida regressam para elevar o nível geral. Não aguardamos formar generais para travar a batalha. c ) Contar com as próprias forças
A consequência do que vimos dizendo é o princípio de contarmos com as nossas próprias forças, não aguardarmos que outros venham resol
ver os problemas por nós, não esperarmos a ajuda exterior para enfrentar a situação com que deparamos.
Todos estamos conscientes de que para a resolução dos problemas de ensino, para concepção de manuais e programas, se requer um pessoal altamente especializado. Assim , parece-nos que é preciso obter um melhor rendimento dos nacionais e estrangeiros. Pensamos que quadros superiores de ensino
estes elementos deviam sobretudo consagrar -se à formação e reciclagem de quadros de ensino, à concepção e controle de programas, cursos por
correspondência. Em suma, programas orientados para a elevação do nível geral, o que aparece como uma necessidade fundamental da nossa guerra. E em função desta orientação que cremos que seria um desper dício a utilização de professores estrangeiros para a formação exclusiva de alunos do ensino secundário , que só dariam rendimento a longo ter mo, quando as próprias exigências da educação requerem quadros com um mínimo de bases científicas, para alfabetizar as crianças, exército,
trabalhadores das cooperativas, milícias. Essa orientação poderia levar -nos à situação de alguns países independentes, que possuem algumas centenas de diplomados do ensino superior de um lado e uma massa imensa de analfabetos do outro, sem os quadros intermédios, necessários para obter um rendimento devido dos quadros superiores. Possuir o tecto da casa, quando os alicerces não existem . Juntemos os nossos poucos conhecimentos e a soma será impor tante, discutamos frequentemente, submetamos as nossas ideias e conhe cimentos à crítica e à prática, estudemos muito, realizemos seminários regionais e provinciais para a reciclagem dos nossos conhecimentos e troca de experiências, tentemos organizar cursos por correspondência para elevar os conhecimentos dos professores e quadros.
CONCLUSÃO
Apoiando-nos nas massas, aprendendo a guerra na guerra, contando
com as nossas próprias forças, saberemos ganhar a batalha da educação. Muito conseguimos já, e esta II Conferência mostra -nos o caminho percorrido desde 1962, quando o ensino era apenas o Instituto Moçam bicano e a boa vontade em ajudarmos alguns militantes em Dar es Salaam .
Hoje, o nosso ensino são milhares e milhares de crianças nas escolas,
centenas de professores adultos estudando, o ensino secundário reorga nizando-se, perto de duas centenas de moçambicanos frequentando no estrangeiro cursos técnicos e superiores. 26
!
E bom felicitarmos aqui todos os camaradas que tornaram esta rea
lidade possível e, particularmente , rendermos homenagem à memória do nosso querido Presidente Eduardo Chivambo Mondlane. Devemos felici tar ainda a sua companheira, a Camarada Janet Mondlane. Estes dois
camaradas foram dos primeiros a compreenderem que na nossa luta, a destruição do obscurantismo, da ignorância, são uma tarefa fundamental. Que esta nossa Conferência, que o DEC, ponham em aplicação a palavra de ordem que aqui lançamos: « EDUCAR O HOMEM PARA VENCER A GUERRA , CRIAR UMA SOCIEDADE NOVA E DESENVOLVER A PÁTRIA» . A LUTA CONTINUA .
INDEPENDENCIA OU MORTE , VENCEREMOS!
27
Qual o papel dos Serviços de Saúde no quadro da nossa Revolução ? Como
No trabalho
aplicar integralmente e sem desvios o
nosso princípio fundamental de servir
sanitário
as massas , no sector da Saúde ? Quais
as responsabilidades politicas e técni cas do nosso pessoal médico ? Quais
materializemos
as tarefas de um centro sanitário da FRELIMO ?
Estes são alguns dos problemas abor
o principio de
que
a revolução liberta o Povo
dados pelo Presidente da FRELIMO , camarada Samora Machel, no discurso
de abertura de um novo curso de en fermagem da FRELIMO em Novem bro de 1971 .
Esse discurso tem servido como docu mento de orientação para Os nossos
camaradas engajados nos Serviços de Saúde, fornecendo - lhes directrices, es clarecendo -os sobre questões básicas do seu trabalho , e habilitando - os a
situar a sua acção no contexto geral da nossa luta .
Esse discurso integra o Caderno n.º 3 da Colecção « ESTUDOS E ORIENTA . ÇOES ». DEZEMBRO de 1973
Camaradas,
Iniciamos hoje um novo curso para formação de enfermeiros. Em 1968 tínhamos sido obrigados a suspender estes cursos. Durante três anos eles estiveram interrompidos. Durante três anos a nossa luta, o nosso Povo, viram-se impedidos de receberem novos quadros da saúde. Durante estes últimos três anos morreram combatentes por falta de assistência sanitária,
morreram elementos do Povo, morreram crianças, porque não estávamos em condições de lhes dar um mínimo de assistência médica. Para muitas regiões libertas, para muitas populações, estes últimos três anos não foram anos de combate contra a doença. O nosso Povo viu-se esquecido como na época colonial, durante estes três anos. Há três anos atrás tínhamo-nos engajado na batalha de formação de
quadros para a saúde. Perdemos a batalha nesse momento. Não há guerra em que só existem vitórias para nós e derrotas para o inimigo. Perdemos a batalha, porque a consciência política dos alunos de en fermagem não estava em condições de assumir o sentido e a importância
da batalha que se travava, e assim permitiram que o inimigo se instalasse no seu seio .
Em 1968, a nossa luta armada desenvolvia -se muito. Bombardeávamos e tomávamos de assalto as bases inimigas. Fazíamos soldados portugueses prisioneiros de guerra , capturávamos toneladas de material . Em Tete, rea bríamos a frente de luta armada .
A batalha fundamental pela clareza da nossa linha política, pelo de 29
senvolvimento da nossa ideologia, demonstrava os objectivos populares das forças revolucionárias no nosso seio.
Este combate engajava o pessoal da saúde. Este combate era também um combate entre duas linhas no domínio da saúde. Um combate para
defender os interesses do Povo no campo da saúde. I. O QUE É O HOSPITAL DA FRELIMO E SUAS TAREFAS
À primeira vista pode parecer absurdo falarmos em linha política no campo da saúde, em combate entre duas linhas no domínio da saúde. A primeira vista pode-se pensar que existe na FRELIMO uma vontade de politizar uma coisa, aparentemente tão neutra, como a saúde. No fim de
contas, dirão esses que imaginam uma saúde apolítica, a penicilina ou cloroquina têm o mesmo efeito, quer sejam administradas ou não por um revolucionário, quer sejam dadas num hospital da FRELIMO ou num hos pital colonialista .
Mas todos os nossos actos, toda a nossa vida, são radicalmente dife rentes dos actos e da vida da zona do inimigo . Na zona do inimigo, na zona colonialista, na zona capitalista, tudo destina -se a manter o Povo dominado, manter o Povo explorado, dar lu cro aos capitalistas. Na zona capitalista, na zona colonialista, a estrada serve para fazer passar rapidamente a tropa e polícia que te prendem e levam para o tra
balho forçado. A estrada é o caminho rápido para te virem buscar o im posto . A estrada serve para levar o algodão, que tu produziste mas per tence à companhia. Serve para o comerciante te vir vender, a preços fabu losos, os artigos que tu e teus irmãos de classe produziram e de que os colonialistas se apropriaram a preços de miséria.
Na zona do inimigo a escola é para os filhos dos ricos, mesmo se ela é financiada pelos teus impostos. Se alguma vez, como que por milagre, o filho do pobre entra na escola, não é para aprender a servir o seu Povo . A escola vai-lhe lavar o cérebro, fazer-lhe ter vergonha da sua origem ,
transformá-lo em instrumento dos ricos para explorar os trabalhadores. Tudo tem um conteúdo em função da zona em que se encontra, em
função da natureza do poder que existe nessa zona. Na zona capitalista e colonialista a escola, a machamba, a estrada, o tribunal, a loja, o técnico,
as leis, o estudo, tudo serve para sermos explorados, oprimidos. Na nossa zona , porque o poder nos pertence, porque são os campone
ses, operários, as massas laboriosas quem concebe e dirige, tudo se destina a libertar o homem , a servir o Povo .
Assim se passa com os hospitais, com o serviço de saúde. Na zona do capitalismo e do colonialismo o hospital é um dos centros de maior exploração. Aí, porque está em jogo a vida dum homem , a vida dos seus entes mais queridos, é onde se manifesta da maneira mais des mascarada e sem vergonha a ganância do mundo capitalista. Não se entra e não se é tratado no hospital capitalista em função das 30 .
necessidades. Quando se é pobre, quando não se tem influências podero
sas, é difícil arranjar-se uma cama no hospital, o no entanto o cancro de vora-te a carne, a tuberculose roe-te os pulmões, a febre queima- te o corpo. O rico, o senhor, o patrão, esse não tem a mínima dificuldade em obter quartos, em obter lugar para si e para quem o acompanhe.
Mobilizam -se médicos e professores da faculdade para tratar a cons tipação do grande capitalista, para curar a prisão de ventre do senhor juiz, mas ao lado morrem crianças, morrem homens , porque não tiveram di nheiro para chamar o médico.
No hospital capitalista não se analisam os doentes, analisam -se as riquezas. O medicamento é vendido a peso de ouro . Só se trata quem po de pagar. A operação é para quem a pode custear. A comida, a dieta, as frutas ou o leite, a salada, as carnes e peixes delicados para revigorarem o doente, isso não é para quem precisa, mas para quem pode pagar. Até
a ambulância, que vai buscar de urgência quem está a morrer, muitas vezes regressa vazia porque a família do moribundo não pode garantir o pagamento das facturas.
Na zona do inimigo os cães dos ricos têm mais vacinas, mais medica mentos, mais cuidados médicos do que os trabalhadores que constituiram a riqueza do rico .
Não é pois de estranhar que na zona do inimigo ser-se médico signi fica também ser-se rico, ser -se enfermeiro significa também um alto ven cimento de muitos contos. Ser -se médico é gozar-se duma elevada situação social como explorador, ser-se enfermeiro é gozar de muitos privilégios. No Moçambique dos colonialistas e capitalistas só há hospitais onde
há colonos, só há médicos e enfermeiros onde vivem os que podem pagar. Na cidade de Lourenço Marques há mais camas de hospital, mais médicos, mais enfermeiros, mais laboratórios do que em todo o resto de Moçambi que. Será que isto quer dizer que só em Lourenço , Marques e que há doentes?
Nas minas onde trabalhamos, nas plantações das companhias que
cultivamos, nas estradas que estamos a abrir, nas fábricas, nas macham bas, nas povoações, há milhões e milhões de Moçambicanos que nunca
viram um médico , nunca viram um enfermeiro, que estando doentes nunca puderam beneficiar de qualquer assistência sanitária. O nosso hospital é diferente. O que faz um hospital não são os ins trumentos cirúrgicos ou medicamentos que lá se encontram. Os instrumen tos, os medicamentos, são importantes, mas o que é essencial, o que é o factor decisivo, é o homem. Por isso hoje, pela primeira vez, em Cabo Del gado, em Niassa, em Tete, o-Povo é objecto de assistência sanitária, as pes
soas são vacinadas, nas povoações aprendem-se hábitos de higiene. No en tanto são raros os nossos medicamentos, são muito poucos os nossos ins trumentos cirúrgicos, e as nossas instalações são tão pobres que do exte rior mal se distinguem de modestas palhotas. O nosso hospital é construído de sangue , de sacrifícios. Não são paus e maticado, cimento ou tijolos, que constroem as paredes do nosso hospital. 31
O nosso hospital pertence ao Povo, é um fruto da Revolução. O nosso hospital é muito mais que um centro de distribuição de medicamentos, ou de curativos.
Um hospital da FRELIMO é um centro em que se concretiza a nossa linha política de servir as massas, é um centro em que se materializa o nosso princípio de que a Revolução liberta o Povo. O nosso hospital destina-se a libertar o Povo da doença, a dar boas
condições físicas aos combatentes, militantes e trabalhadores, para que estes cumpram as tarefas revolucionárias em que estão empenhados, por amor do Povo.
Curamos as pessoas pela confiança que inspiramos, pelo moral que lhes inculcamos. O pessoal da saúde, o doente e o medicamento combi nam - se para libertar o homem da doença.
O nosso hospital é um centro da Revolução, ele existe por causa da Revolução e está intimamente associado à Revolução. Enquanto os hospitais capitalistas e colonialistas estão ligados aos exploradores, aos colonos, porque é a eles que servem , o nosso hospital está ligado às massas, porque é a elas que se destina. Assim o nosso hospital é um centro de unidade nacional, um centro de unidade de classe, um centro de purificação de ideias, um centro de
propaganda revolucionária e organizacional, um destacamento de combate. Pessoal médico, alunos, serventes, doentes, e o resto da sociedade es tão intimamente unidos.
No hospital da FRELIMO não há tribos, não há regiões, não há ra
ças, não há crenças religiosas, não há nada que nos divide. O hospital cumpre uma tarefa revolucionária. Pessoal médico, alunos, serventes, estão
a cumprir tarefas essenciais que lhes foram confiadas pelo Povo. O Povo inteiro, do Rovuma-ao Maputo, pelos sacrifícios que fez, pelo sangue que verteu, ergueu esse hospital para o servir, para o libertar da doença. Ninguém foi enviado por uma tribo ou região para trabalhar num hospital.
Na medida em que os doentes sentirem unidade no pessoal do hospi tal, desde o médico aos serventes, eles unir-se -ão ao pessoal médico e ser ventes e juntos concentrarão forças para liquidar a doença. Mas se houver desunião reinará a desconfiança, o doente recusará o medicamento por que temerá que o tratamento a que o submetem sirva para agravar a sua situação. Estamos todos unidos no cumprimento da nossa tarefa . Não temos
pequenas ou grandes tarefas, porque eu sou servente e aquele é enfermeiro ou médico .
A nossa tarefa é essencial, embora as nossas responsabilidades sejam diferentes.
O sentirmos qualquer complexo de inferioridade no cumprimento da nossa tarefa, o preocuparmo-nos em procurar grandes e pequenas tarefas, significa falta de consciência de classe. Somos de origem trabalhadora, servimos as nossas massas laboriosas, o Povo trabalhador. A ‘nossa tarefa é grandiosa. Qualquer outra atitude
32
só reflecte elitismo, busca de privilégios, perca do sentido de classe, aquisi ção de ideias burguesas. Exige-se pois que, assim como nos desinfectamos ao entrar na sala de operações, nos purifiquemos das ideias erradas e complexos que vêm con taminar o nosso hospital. Assim como nos revestimos de máscaras e batas, devemos estar constantinente armados da nossa unidade e consciência de
classe, para revolucionariamente servirmos as massas. Nestc contexto, o nosso hospital será realmente um centro de propa
ganda revolucionária e organizacional, ele será um exemplo concreto da justeza da nossa linha, uma verdadeira zona da FRELIMO. Assim o hospital cumpre as nossas tarefas, ele combate a doença, ele forma o homem, ele produz.
A produção não pode estar separada da nossa actividade sanitária. O hospital necessita de comida. Muitas vezes as populações, a FRE LIMO, não estão em condições de abastecer o hospital, porque estamos em guerra, porque o inimigo nos ataca, porque a produção é um dos alvos do inimigo .
Exige -se pois que o hospital se esforce em apoiar -se nas suas próprias
forças, que seja tanto quanto possível auto-suficiente na alimentação. Por outro lado não podemos esquecer a importância duma alimenta ção adequada para o tratamento correcto das doenças. Os pacientes ne cessitam de se alimentar convenientemente, para combaterem o mal.
É na fruta , nas saladas, nas verduras, na carne, nos ovos, no peixe , no leite, que se encontram as vitaminas, os sais, os minerais, as proteínas, que revigoram o organismo, que o reforçam para o combate contra a doença.
O hospital, sendo um centro de produção, também é centro de for mação para os doentes .
Não podemos desprezar nenhuma oportunidade para elevar a cons ciência política e o nível de conhecimentos do nosso Povo. No nosso hospital não existe inactividade, não existe ociosidade . Finalmente, a
experiência tem demonstrado que o engajar os doentes e em particular os convalescentes em actividades levanta-lhes o moral e é um poderoso auxiliar da cura.
Com isso queremos propor que os nossos hospitais procurem conti nuamente alargar as suas actividades, aliar-se ao Comissariado Político e ao Departamento de Educação e Cultura. Devemos procurar alfabetizar os doentes e convalescentes , ensinar
-lhes português, fazer-lhes conhecer, compreender e assumir a riqueza cultural do nosso País inteiro .
Devemos organizar para os doentes pequenos cursos de higiene, a fim de lhes fazer adquirir bons hábitos higiénicos, que impedirão muitas doenças. Procuremos tornar agentes activos de propaganda higiénica todos aqueles que se vêm tratar nos nossos hospitais. É de considerar também que em muitas regiões do nosso País existem péssimos hábitos alimenta 33
res. É importante que as populações adquiram novos hábitos alimentares. Para isso, nos hospitais devemos organizar pequenos cursos para os doen tes, em particular para as mães, explicando -lhes o valor nutritivo dos di
ferentes alimentos e mesmo como prepará -los. Não podemos nunca abandonar o trabalho político, isso é sempre a nossa tarefa prioritária.
A estadia do doente no hospital deve servir para elevar a sua cons ciência de unidade nacional, a sua determinação de combater, o seu ódio ao inimigo explorador. Compreende-se então porque definimos um hospital da FRELIMO
como um destacamento operacional nosso, uma linha da frente. Assim o nosso enfermeiro, o nosso pessoal médico, além das suas ta refas específicas, são instrutores da nossa vida, professores, comissários políticos. A acção do pessoal médico revolucionário não só cura o corpo, como também liberta e forma o espírito.
O inimigo compreende isso muito bem, tão bem o compreende que define o nosso hospital como um alvo dos seus bombardeamentos, um alvo para as suas tropas criminosas.
II .
O HOSPITAL LINHA DA FRENTE
Ao iniciarmos este curso aprimos uma nova frente de luta, Ao ini
ciarmos este curso criamos condições para abrirmos novos hospitais, novos centros em que se concretiza a linha política da FRELIMO . Novos hospitais são novas linhas da Frente .
Ao abrirmos uma frente, podemos também dizer que a nossa luta
cresceu : por isso ampliámos o alvo para o inimigo, damos-lhes mais um alvo para as suas armas. Em 1968, como dissemos já, fomos obrigados a recuar, fomos força
dos a interromper o curso. Perdemos uma batalha.
Hoje desencadeamos de novo a batalha, fortes das experiências que adquirimos através dos sucessos e fracassos . Ao desencadearmos uma batalha é fundamental , para obtermos
sucessos , conhecermos o inimigo , definirmos os nossos métodos e saber quais são as nossas forças .
No combate em que nos encontramos , fazemos face a três inimigos : o inimigo directo ;
o inimigo indirecto ; o inimigo camuflado no nosso seio. Os colonialistas portugueses são nossos inimigos directos. Atacam-nos abertamente, fisicamente. Eles vêm com os seus aviões bombardear os nos sos hospitais, eles assaltam-nos com os seus helicópteros, eles lançam as suas tropas para assassinar os doentes, destruir o material, impedir que os medicamentos cheguem aos seus destinos . O colonialismo é o inimigo
mais fácil de identificar porque é aberto, ataca -nos com uma arma. Mais perigosos, porque são mais facilmente acreditados que os colo 34
nialistas, são os inimigos indirectos, os aliados de Portugal. Aqueles que nos combatem camuflados, atrás das tropas portuguesas. Estes combater-nos-ão com artigos nos jornais, com boatos, com ca lúnias. Hoje dirão que vendemos medicamentos, amanhã irão contar que nos nossos hospitais gente de tal e tal região é desprezada. Uma vez escre
verão que não somos competentes, outras, que o Povo despreza o hospital . E a campanha continuará, para nos dividir, para nos encher de com plexos, para subtilmente nos forçar a rendermo-nos. Cada erro nosso, cada falta que cometermos, será utilizada por eles como prova irrefutável da veracidade de tudo o que dizem . Mas sobretudo, para nos vencer , para mais uma vez privar o nosso Povo da assistência sanitária, o inimigo , directo ou indirecto, conta com
o trabalho dos seus destacamentos operacionais no nosso seio.
A força decisiva que nos pode derrotar é o inimigo camuflado no nosso seio, aquele que connosco levanta a bandeira da FRELIMO para mais facilmente destruir a FRELIMO .
Esta é a nossa experiência, esta foi a razão fundamental da nossa der rota em 1968, a causa da interrupção dos cursos. Tendo infiltrado os seus espiões, os colonialistas mobilizaram o tri balismo, o racismo, o egoísmo, a ambição, o elitismo, a ignorância , a
superstição, o fanatismo religioso , a corrupção. Cada uma destas coisas é um destacamento inimigo no nosso seio .
O tribalismo levou os alunos à desunião, a transformarem -se em contra -revolucionários e combaterem contra a Direcção da FRELIMO, contra a FRELIMO e contra o Povo . Cada um tomava -se como repre
sentante dos interesses desta ou daquela região, procurando meticulo samente verificar se um outro grupo linguístico tinha no curso mais alunos
do que o seu, semeando a desconfiança e desunião entre nós. O racismo levou à desunião, entre alunos e professores. Dizendo-se muito revolucionários, alunos que ainda não tinham dado nenhumas pro
vas de verdadeiro engajamento revolucionário combatiam professores que tinham já dado muitas provas de dedicação à causa popular, só por que os professores eram brancos . Combinando o egoísmo e a ambição , os alunos recusavam um pro
grama de estudo concebido em função de necessidades imediatas e urgen tes da luta, para exigirem programas que lhes dariam muitos diplomas e privilégios para explorar o Povo no futuro . Queriam constituir -se em elite
de parasitas, ganhando fortunas e posições sociais, graças à doença e sofrimento do Povo .
A ignorância, a superstição, o fanatismo religioso, levou os alunos a confiarem em forças sobrenaturais inexistentes, em amuletos e pedras, des presando a ciência , recusando os ensinamentos dos professores que eram fundados nas leis da natureza, na realidade objectiva. Dentro deste clima fomentou -se a indisciplina, a anarquia, a corrup ção , o caos.
A batalha estava perdida. O inimigo indirecto, nos seus jornais, pu 35
blicava artigos e comentários sobre «a revolta dos estudantes revolucioná rios contra a Direcção da FRELIMO » . Os colonialistas felicitavam-se e intensificavam as campanhas para reforçar o inimigo no nosso seio : as ideias velhas, os hábitos da sociedade antiga. Durante muito tempo o peso de tradições ultrapassadas e reaccioná
rias, as ideias colonialistas e capitalistas, esmagaram o nosso Povo. Muitos alunos, quadros, pessoal médico, responsáveis, ainda carregam a carga impura .
Há os que imaginam Moçambique reduzido à escala minúscula de
um grupo linguístico ou região. Um órgão, por importante que seja, não vive fora do corpo. Uma perna, um braço, apodrecem se deixam de ser irrigados pelo sangue do organismo, se são separados da unidade com o corpo .
Pela unidade que criamos entre nós, pela maneira revolucionária como
o hospital serve o Povo, demonstramos concretamente às massas a neces sidade de fazer viver a Nação e de fazer morrer o tribalismo. Assim como
liquidamos os germes e bactérias nocivas para proteger os doentes, o hos
pital deve ser um exemplo vivo de liquidação do micróbio contagioso do tribalismo, para fazer viver a Pátria . Outros procuram num sobrenatural, nascido da ignorância, a resposta para os problemas concretos. Ainda não sabem ver que a resolução de
todos os problemas depende unicamente da combinação da nossa inteli gência e energia com as leis objectivas que regem os fenómenos naturais e sociais .
Procuram respostas no céu, quando o segredo se encontra na terra . É porque o Povo vê operar a ciência, porque o Povo constata os re sultados da ciência , porque continuamente explicamos aos doentes e ao
Povo as origens e os meios de combaterem a doença, que o hospital po de tornar-se numa base sólida de luta contra o obscurantismo.
É na medida em que acreditamos no Homem, que destruiremos a superstição no seio do Povo. Na medida em que o nosso trabalho de monstrar o valor da ciência, faremos recuar o obscurantismo sobrenatural .
Há quem se considere insubstituível, uma sumidade. Cheio de arrogân cia recusa aprender dos outros, monopoliza conhecimentos, alegra-se com o insucesso dos camaradas . Agindo assim, esses procuram criar condi
ções para se instalarem como privilegiados, explorando as massas, fazen do reinar as suas pequenas e miseráveis tiranias. Para consolidarem a sua posição aceitam e fomentam boatos e intrigas, egoistamente fechados nos seus interesses mesquinhos . O individualismo, o egoísmo, a ambição, a arrogância são microbios transmissores da divisão, são incubadores das ideias velhas da sociedade exploradora .
Porque viemos de longe, porque à luta chegam todos os homens, por vezes entre nós encontram -se aqueles que viviam habituados ao bandi
tismo. Estes elementos frequentemente introduzem os seus vícios na nova sociedade . 36
Uns roubarão medicamentos, lençóis, comida. Outros, abusando da confiança dos doentes, utilizarão os segredos delicados que conhecem para satisfazer os seus gostos de intriga e ambição . Haverá também os que, utilizando-se da missão , vão procurar cor romper a juventude, contaminando com os seus instintos baixos as novas gerações.
Existe, pois, uma frente de combate contra estes comportamentos . Um enfermeiro que num hospital andasse a destruir os frascos de plasma, seria considerado um criminoso. Um enfermeiro que envenenasse doentes seria considerado um criminoso . A nossa moral revolucionária, os nossos princípios são o nosso plasma, a sociedade nova que construí
mos é a nossa vida. A nossa acção é contra o inimigo, contra aquele que quer destruir o nosso plasma, o nosso sangue, aquele que quer roubar a nossa vida .
III .
OS NOSSOS MÉTODOS DE COMBATE
E o nosso pessoal médico quem constitui a nossa força operacional na linha da frente sanitária. Eles constituem forças de vanguarda da nossa Organização, da nossa Revolução. O pessoal médico representa no hospital a nossa linha política de servir as massas .
Entre o doente e o enfermeiro ou médico que o trata estabelece-se
um laço forte de confiança e de esperança. Aliviar a dor, curar a enfer midade, está associado para o doente à acção do enfermeiro, do médico. Esta confiança do doente na sua família, nos seus amigos, constitui um capital político extraordinário, que devemos utilizar para fazer pro gredir a Revolução. Na base da confiança que se estabelece devemos orientar os pacien tes na via da unidade nacional, no reforço da consciência de classe, na aquisição de conhecimentos higiénicos, cientifícos e culturais. Em resu mo, que ao tratamento do corpo corresponda um tratamento idêntico do espírito, para fazer triunfar a mentalidade nova. É necessário uma vocação, um entusiasmo natural por essa actividade. A vocação está intimamente ligada e é orientada pela consciência e as ne cessidades da luta.
Enquanto na zona capitalista, rapidamente, a vocação combinada com
o desejo de lucro e de privilégios é corrompida e asfixiada, na nossa zona a vocação, porque é combinada com uma alta consciência política, torna -se um estimulante poderoso do nosso trabalho.
Na formação do pessoal médico, porque precisamente consideramos o homem como factor decisivo, a prioridade deve ser dada à formação política, à consciência política. Em sete anos de luta a experiência provou amplamente que o nosso
pessoal médico, apesar do seu baixo nível técnico e falta de medicamentos, foi capaz de fazer muito mais pelo Povo do que os serviços de saúde colo 37
nialistas que dispõem de todas as técnicas, de todos os meios. Com dois médicos fizemos mais trabalho do que os serviços de saúde colonialistas,
que dispõem de muitas dezenas, senão mesmo centenas de médicos. Este resultado testemunha a importância vital da linha política. A formação política é sobretudo cultivar continuamente a consciên
cia política nos alunos, no pessoal médico, no pessoal hospitalar. Desen volver o espírito anti-colonialista e anti-imperialista, conhecer a opressão , enraizar a consciência e o sentido de classe.
O pessoal hospitalar está em contacto permanente com os sofrimen tos do homem, causados pela exploração, causados pela ignorância. Esta ligação com o sofrimento humano deve servir para aguçar a consciência política, para aumentar os conhecimentos do pessoal médico, para refor çar a sua determinação em combater o inimigo, em combater a doença,
em combater a ignorância. A consciência política superior deve ser a base da consciência pro fissional do pessoal médico. Um enfermeiro não tem horas de trabalho e horas de repouso. Se o seu trabalho normalmente começa a uma hora fixa , é fundamental ser
pontual, mas não tem hora fixa para terminar. A doença, o sofrimento, a guerra, não se subordinam às decisões bu rocráticas.
Um hospital funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. Onde está o doente, onde está o sofrimento está o pessoal médico, sem se im portar da hora. Só assim se serve o Povo.
Não se faz guerra com horas de repouso fixas, não se combate a doença com horas de repouso fixas para o pessoal médico . Para que os alunos de enfermagem se habituem a este ritmo exigente, é necessário que o seu programa diário comporte um mínimo de dez ho ras de actividade.
No exercício da sua missão o pessoal médico é forçado a conviver com todas as fraquezas e misérias humanas. Os doentes não podem , mes mo que queiram, guardar segredo sobre os seus males e origens. A aná lise científica é reveladora.
É pois fundamental que o pessoal médico tenha a noção do segredo
profissional. O seu conhecimento das fraquezas e misérias não pode ser motivo de conversas ou ainda pior, instrumento de ambição ou vingança. O doente é sagrado para o hospital. Um enfermeiro, um servente, um médico, não conhecem vingança no exercício da sua missão. Para o pes soal médico não existem raças, cores, crenças ou mesmo nacionalidades. Para eles só existem doentes. Um soldado português ferido ou doente, no nosso hospital, é tratado como qualquer de nós. Fazemos isso porque possuímos uma moral revolucionária, uma moral superior, uma moral ra dicalmente oposta à baixeza do fascismo e do colonialismo.
Já dissemos que o hospital materializa a nossa linha política, que os enfermeiros devem representar duma maneira viva a nossa ideologia. Por isso as nossas palavras, o nosso comportamento, devem rigorosamente concordar com a nossa linha . É isto o fundamental. Se apesar das nossas 38
deficiências técnicas e de material obtivemos no campo da saúde resulta dos superiores aos dos colonialistas, isso deve-se unicamente à justeza e superioridade da linha. Fazermos o combate interno para integrar as nossas palavras e com portamento na nossa linha, é criar condições de sucesso para o nosso trabalho .
Que os nossos hospitais sejam para as massas uma fonte diária de mil exemplos bons da eficácia dos nossos princípios. A técnica encontra-se em segundo lugar. Ela é importante. Só o co nhecimento exacto das leis da natureza, a sua mobilização para os nossos fins, é que permite a destruição da doença. Não pode haver limite para o estudo. Ninguém sabe tudo, ou mesmo
o suficiente. Enquanto houver doenças, enquanto houver gente que morre , temos que estudar, temos que aprender. Para servirmos melhor devemos estudar muito.
Devemos estudar tudo . Evidentemente que devemos primeiramente es
tudar as ciências médicas, devemos adquirir os conhecimentos teóricos que sintetizam e racionalizam os ensinamentos da prática . Mas devemos tam
bém estudar e aprender da prática, devemos estudar e aprender do Povo . É necessário um estudo da sociedade . Conhecer os usos e costumes, a cultura e
as particularidades de cada região, integrando-os continua
mente no contexto nacional.
É necessário estudar os homens, conhecê-los. A doença não existe em abstracto, existe num homem concreto , com a sua psicologia própria, a sua energia específica. Conhecer o homem é o caminho para mobilizar as suas energias contra a doença que o ataca, é também o caminho que nos leva a agir e transformar revolucionariamente o seu espírito. É conhecendo que compreendemos e só depois de compreender é que podemos agir.
Mas sobretudo importa estudar constantemente a política da nossa
Organização, porque só ela nos dá a visão de conjunto e nos define as perspectivas que garantem a orientação segura , no nosso trabalho. O objectivo do nosso estudo não é o de nos fornecer os meios para
melhor explorar o Povo e adquirirmos situações privilegiadas, como na zona capitalista. Não nos preocupamos em obter uma nota alta para um, inculcar muita
sabedoria num outro. Esse um, por muito que seja, será incapaz de fazer funcionar todos os hospitais de que necessitamos, de assistir todos os que se encontram doentes.
O nosso estudo é colectivo, o nosso progresso é em vagas, em que
todos avançamos juntos. Por isso é necessário entre os alunos, entre o pes soal médico, um espírito de ajuda mútuo, sentir o atraso de um como um recuo para a Organização, um atraso no serviço do Povo. Este espírito colectivo deve dominar toda a nossa vida. em a un dade nacional somos vencidos pelos colonialistas. A nossa classe campo
nesa e operária sem unidade é dominada pelos exploradores. O nosso tra balho sanitário sem unidade resulta em fracasso . 39
O espírito colectivo obriga-nos a enfrentar cada problema, cada si tuação, cada deficiência, como nossa. Não estamos indiferentes a nenhum
problema. O poder pertence-nos, por isso não podemos ficar de braços cruzados diante duma situação, por pequena que seja, que trave o nosso progresso . Uma pequena ferida desprezível pode abrir a porta ao tétano que destrói o organismo inteiro. No corpo, a ferida no dedo mais pequeno do pé, se não é tratada, pode destruir a vida. Porque o problema não nos afecta pessoalmente não é menos importante, porque esse
roblema faz
parte do organismo em que estamos integrados. Os nossos hospitais existem porque houve sacrifício . Os nossos hos pitais representam um lago de sangue. Os instrumentos cirúrgicos, os medicamentos, o material, resultam dos sacrifícios do Povo, dos sacrifícios dos nossos amigos. Em muitos países, porque o sangue corre em Moçambique, criou -se
uma corrente poderosa de solidariedade, para nos ajudar. As pessoas vo luntariamente aceitam privações para nos apoiar. Ter um alto sentido de economia, lutar contra o desperdício, é res
peitar o nosso sangue, é respeitar os sacrifícios dos nossos amigos, é demonstrar espírito colectivo. Frequentemente nos hospitais morrem camaradas por falta de medi camentos. Muitas vezes, para tratar um ferido , nem sequer temos água oxigenada. Poupar medicamentos, poupar material, é salvarmos vidas que esse
medicamento, que esse material irão curar. Este curso inicia-se no Hospital Américo Boavida, é uma coincidên cia simbólica .
O camarada Boavida, médico angolano, sacrificou-se pelo Povo . Podia
ter sido um médico explorador, mas foi um médico que morreu servindo o Povo, combatendo a doença e a exploração.
Que também sirva de exemplo e encorajamento para nós o espírito internacionalista destes camaradas estrangeiros, que por solidariedade revolucionária abandonaram as suas pátrias, abandonaram o conforto construído pelo seu trabalho, para trabalharem connosco.
Eles vieram porque há luta em Moçambique. Eles vieram porque os trabalhadores da Bulgária e da Itália combatem como nós a exploração, consideram-nos como uma das frentes da sua luta. A nossa responsabilidade é grande, o nosso combate não é só para
libertar o nosso Povo, ele é também para apoiar os povos irmãos, a classe trabalhadora no mundo inteiro.
Na nossa missão, unidos sob a direcção da FRELIMO e guiados pela nossa ideologia, apliquemos a palavra de ordem de servir o Povo na nossa tarefa sanitária .
Agindo assim, cumpriremos o nosso dever nacional e internacional. A LUTA CONTINUA .
INDEPENDENCIA OU MORTE , VENCEREMOS! 40
Em 4 de Março de 1973, em imple
A libertação
mentação das recomendações do Comi
da mulher é uma necessidade
meira Conferência da Mulher Moçam
da revolução, garantia da sua continuidade,
té Central da FRELIMO reunido em Dezembro de 1972 , realizou -se a Pri bicana . Mulheres de todas as Provin cias
de Moçambique, de todos os
sectores da luta , originarias de dife
rentes estratos sociais com diferentes níveis educacionais, jovens e idosas, reuniram -se pela primeira vez na nossa História para discutirem a condição da mulher, a luta pela sua emanci pação, os meios de engajar a mulher moçambicana no combate e processo libertador que vive a nossa pátria. 0
camarada
Samora Machel, Presi
dente da FRELIMO, ao proceder à abertura da Conferência, proferiu o
condição
do seu triunfo
presente discurso, que a Conferência adoptou unânimemente como docu mento de base para orientação dos SEUS trabalhos.
Ao publicar este texto , temos em vista aumentar a bagagem ideológica dos militantes da FRELIMO, levar- lhes a compreender melhor os mecanismos
da sociedade exploradora, os funda mentos
e natureza dos antagonismos
que nos opõem a ela, a estratégia e táctica do nosso combate . JANEIRO de 1974
Camaradas Membros do Comité Central, Camaradas Membros do Comité Executivo ,
Camaradas Delegadas, Camaradas Observadoras e Observadores, Camaradas,
Este é um momento histórico, glorioso, na vida da nossa Organiza
ção. Pela primeira vez, toma lugar uma Conferência das Mulheres Mo çambicanas engajadas em todos os sectores de actividade, no quadro da nossa Revolução. Pela primeira vez, militantes da FRELIMO juntam-se para porem em comum os seus esforços e conjuntamente traçarem uma estratégia para a emancipação da mulher. Neste momento queremos saudar calorosamente, em nome do Comité Central da FRELIMO, todas as delegações aqui presentes.
Permitam -nos dirigir uma saudação particular às delegadas das Pro víncias em luta, que deixaram sectores importantíssimos de trabalho para, com a sua presença e experiência, contribuirem para o sucesso desta Con ferência. A presença delas aqui é prova da sua compreensão do valor desta Conferência e garantia do sucesso dos nossos trabalhos. 41
Saudamos as camaradas de Cabo Delgado que heroicamente lutam em todas as frentes, muitas delas desde o início da guerra , fazendo avan
çar e consolidando a Revolução, desferindo golpes tremendos às forças colonialistas e reaccionárias.
Saudamos as camaradas que vêm do Niassa, Provincia tão vasta
mas com população tão reduzida. As dificuldades que estas camaradas enfrentam são grandes, mas elas sabem superá-las, demonstrando uma determinação e espírito revolucionário inquebrantáveis, defendendo dia a dia as ideias centrais da nossa Organização, transportando material, mo bilizando as populações, produzindo e alimentando os guerrilheiros, criando condições para que no Ocidente , no Oriente, no Sul desta Pro víncia a presença da FRELIMO permaneca incontestada.
As camaradas de Tete têm uma responsabilidade especial. Esta é uma Província de grande importância estratégica, que representa como que a porta para a libertação de toda a Africa Austral, e é o centro do
conflito directo entre as forças revolucionárias e as forças da reacção. Saudamos com calor as camaradas vindas de Tete, e felicitamo- las por
terem assumido tão completamente as palavras de ordem da nossa Orga nização , e em cerca de 4 anos apenas, ao lado dos homens seus compa nheiros de armas, terem sabido transportar o facho da liberdade através
de toda a Província de Tete, fazendo - o entrar e iluminar já também Manica e Sofala.
Queremos saudar as camaradas que nas zonas ocupadas ainda pelos
colonialistas portugueses realizam o trabalho clandestino. Actuando no seio do inimigo, sujeitas a riscos incalculáveis, submetidas às tentações
de corrupção em que o inimigo é especialista, estas camaradas, pondo os interesses do povo acima de tudo, enfrentam os riscos e recusam a
corrupção, criando condições para o desencadeamento da luta armada, fornecendo-nos informações valiosíssimas e dando uma contribuição im
portantíssima para o progresso da nossa luta de libertação. Queremos por último envolver numa saudação especial as camara
das que trabalham nos campos da FRELIMO no exterior, nos vários sec tores de actividade. Na representação, onde desempenham um papel de relevo para o abastecimento das novas frentes. Na Escola Secundária
onde se preparam os quadros que vão assumir a nossa orientação , des cobrindo os segredos da ciência e destruindo os mitos, para mobilizar a sociedade e a natureza em favor da revolução. Saudamos também as camaradas do Hospital Américo Boavida, que
realizam o nosso princípio de pôr os serviços de saúde ao serviço das massas, tratando os feridos de guerra e os doentes, para os habilitarem
a regressar à luta, e formando quadros que nas linhas da frente defen derão a saúde do nosso Povo.
As camaradas do CPPM merecem uma saudação especial. Elas rea lizam uma missão delicada e difícil, transformando homens e mulheres dominados por ideias velhas e preconceitos, em combatentes conscientes e prontos a destruir as forças físicas e morais de exploração e opressão do inimigo .
Três tarefas decisivas recaem sobre as camaradas do nosso viveiro : 42
formar a nova geração, criar nas crianças a mentalidade nova que lhes permitirá serem autênticos continuadores da revolução; ensinar os alunos, para que, assumindo a nossa linha, dominem a ciência e se tornem agentes transformadores da sociedade; transformar as esposas dos mili tantes em militantes activas elas próprias, em autênticas mães da revo lução .
A estas nossas camaradas, que hoje aqui nos acolhem para realizar
mos a nossa Conferência, endereçamos as nossas calorosas saudações, conscientes como estamos do seu importante papel de educadoras. Podemos com orgulho dizer que esta Conferência é uma grande vitó ria. Vitória contra o obscurantismo e tradições que condenam a mulher
à passividade, vitória contra a sociedade exploradora que escraviza a mulher. Vitória da revolução, que liberta os explorados e oprimidos, liberta a iniciativa das massas. Mas as vitórias também constroem-se e alimentam -se de sangue e sacrifício . Muitas mulheres, muitos homens, aqui deveriam estar hoje
connosco . Elas e eles, que pelo combate contra o inimigo, pelo combate interno realizado, criaram as condições políticas, morais e mesmo físicas, para que nos reuníssemos aqui. Eles não estão fisicamente connosco . Os seus corpos são as pontes
que nos permitem avançar. Uns, consumiram a vida num acto heróico final; outros, cada dia da sua vida foi um acto heróico , um exemplo de servir as massas, de defesa da linha .
Somos o que somos pelos sacrifícios e sangue que fertilizam e regam a revolução. & justo pois, que, ao iniciarmos a nossa Conferência, obser vemos um minuto de silêncio em memória das mulheres e homens que
caíram servindo o povo, servindo a revolução. Aqui se reúnem mulheres vindas de todas as Províncias, de todas as Regiões e grupos étnicos do nosso País, com vários níveis de educa ção e cultura. Aqui se encontram mães e mesmo algumas avós, lado a
lado com jovens solteiras. Temos presentes professoras, instrutoras, sol dados, enfermeiras, alunas, como presentes estão camponesas. Convosco participarão nos trabalhos, homens, vossos camaradas de combate , não
só na libertação da Pátria, como ainda na própria luta pela emancipa ção da mulher.
I. A REVOLUÇÃO E A EMANCIPAÇÃO DA MULHER a) O contexto histórico da Conferência
Esta Conferência realiza -se num momento histórico particular da vida da nossa Organização. É este contexto histórico que situa a impor tância da Conferência, o seu significado profundo no processo da Revo lução .
Acabamos de celebrar o décimo aniversário da criação da FRELI
MO. A criação da unidade do Povo Moçambicano do Rovuma ao Ma puto forneceu -nos
instrumento indispensável para o desencadeamento 43
do processo de libertação. É a unidade que constitui a força motriz da nossa acção. A transformação da nossa unidade em força operativa, por outras palavras, o desencadeamento da luta armada em 25 de Setembro
de 1964, criou as condições para o início de um processo radical de transformações no nosso País. A celebração recente do oitavo aniversário do começo da luta ar mada de libertação nacional reveste uma grande importância, porque a
luta já se transformou em Revolução e esta estende-se, progressivamente, a todas as regiões da nossa Pátria , como o testemunha a recente aber tura da frente de Manica e Sofala .
o oitavo aniversário que celebramos corresponde a uma fase avan çada do processo de desagregação do esforço militar e político do ini migo. Entramos agora, como definiu a recente reunião do Comité Cen tral, numa etapa de ofensivas generalizadas das nossas forças no domí
nio político -militar, uma etapa que conduzirá ao estabelecimento duma correlação de forças com o inimigo a nosso favor. A clarificação constante e o aprofundamento da nossa linha, que
têm vindo a realizar -se nestes 4 anos e meio que se seguiram ao II Con gresso, tornaram possível os sucessos obtidos, forneceram -nos a orienta ção necessária que nos permitiu chegar ao momento presente. É este o contexto em que amadureceram as condições que nos levaram à convo cação desta Conferência .
O início desta Conferência quase coincide com o dia 8 de Março,
Dia Internacional da Mulher, dia em que toda a humanidade progressista reafirma solenemente o seu apoio à luta da mulher pela sua libertação.
Esta coincidência feliz deve ser um estímulo para nós, pois nos chama a atenção para o facto de a nossa luta não estar isolada, nos mostra que o combate da mulher é um combate da humanidade e nos faz sentir os progressos já realizados .
O objectivo central da Conferência é o de estudar as questões refe rentes à emancipação da mulher, encontrar as linhas de acção que a levarão à sua emancipação. Mas uma pergunta surge : Porquê preocupar mo-nos com a emancipação da mulher ? Põe-se ainda outra questão : qual a razão para convocarmos agora esta Conferência ?
Existem pessoas no nosso seio, a organização está consciente disso , que acham que devemos consagrar todos os nossos esforços à luta con tra o colonialismo, que a tarefa da emancipação da mulher neste quadro é secundária, pois leva -nos a um desperdício das nossas forças. Acres centam ainda que a situação em que vivemos, com escassez de escolas, com poucas mulheres instruídas, com as mulheres apegadas à tradição, não nos fornece as bases de partida para uma acção consequente ; por isso importa aguardar a independência, a construção duma base eco nómica, social e educacional sólida para desencadear a batalha. Outros dizem ainda, interpretando tendenciosamente os Estatutos,
que é necessário respeitar certas particularidades tradicionais locais, que não as podemos combater nesta fase, pois arriscamo -nos a perder o apoio das massas. Esses perguntam então : qual a necessidade, neste momento, de emancipar a mulher, quando a maioria esmagadora das mulheres é 44
indiferente ao assunto ? No fim de contas, concluem , a emancipação é artificial, é imposta pela FRELIMO às mulheres. Esta 6 uma questão muito séria. Exige estudo e ideias claras . b)
A necessidade da emancipação
A emancipação da mulher não é um acto de caridade, não resulta duma posição humanitária ou de compaixão. A libertação da mulher é uma necessidade fundamental da Revolução, uma garantia da sua con
tinuidade, uma condição do seu triunfo. A Revolução tem por objectivo essencial a destruição do sistema de exploração, a construção duma nova sociedade libertadora das potencialidades do ser humano e que o recon cilia com o trabalho, com a natureza . E dentro deste contexto que surge
a questão da emancipação da mulher. Duma maneira geral, no seio da sociedade, ela aparece como o ser
mais oprimido, mais humilhado, mais explorado. Ela é explorada atė pelo explorado, batida pelo homem rasgado pela palmatória, humilhada
pelo homem esmagado pela bota do patrão e do colono. Como fazer triunfar a Revolução sem libertar a mulher? Será pos sível liquidar-se o sistema de exploração, mantendo uma parte da socie. dade explorada ? Não se pode liquidar só uma parte da exploração e da opressão, não se pode arrancar ' metade das raízes da erva ruim sem que esta renasça mais forte ama a partir da outra metade que schreviveu. Como fazer então a Revolução sem mobilizar a mulher? Se mais de metade do povo expiorado e oprimido é constituído por mulheres, como deixá -las à margem da luta? A Revolução para ser feita necessita de mo bilizar todos os explorados e oprimidos, por consequência as mulheres
também . A Revolução para triunfar tem que liquidar a totalidade do sistema de exploração e opressão, libertar todos os explorados e oprimi dos, por isso tem que liquidar a exploração e opressão da mulher, é obri gada a libertar a mulher.
Considerando ainda a necessidade fundamental de a Revolução ser prosseguida pelas novas gerações, como poderemos assegurar a forma ção revolucionária das gerações de continuadores, se a mãe, primeira
educadora, se encontra á margem do processo revolucionário? Como fa zer do lar do explorado, do oprimido, uma célula do combate revolu cionário, um centro difusor da nossa linha, um estímulo para o enga jamento da família , quando a mulher permanece apática a este processo, indiferente à sociedade que está sendo criada e surda ao apelo do Povo ? Dizer-se que a mulher não sente a necessidade de se libertar, ou que muitas vezes é a FRELIMO , e não as mulheres, quem defende a eman cipação da mulher, é um argumento sem peso, que não resiste à análise. As mulheres sentem essa dominação, sentem a necessidade de modificar a sua situação . O que existe é que a dominação exercida pela sociedade, asfixiando- lhes a iniciativa, impede-lhes frequentemente de expri mirem as suas aspirações, impede -lhes de conceberem os métodos da sua
luta. É a este nivel que intervém a FRELIMO, vanguarda consciente 45
das mulheres e homens de Moçambique, do Povo oprimido; ela formula a linha, indica os métodos de combate.
Devemos compreender o fenómeno para evitar os falsos debates, os debates inúteis.
c) O momento de desencadear a batalha Surge ainda a questão de saber qual é o momento oportuno para desencadear a luta pela emancipação da mulher. Não podemos limitar o processo revolucionário a certos aspectos,
negligenciando outros, porque a Revolução seria bloqueada, seria des truída. As raízes do mal que desprezamos para arrancar mais tarde trans formar-se -iam em raízes de cancro que nos destruiriam , invadindo o corpo inteiro, antes de chegarmos a esse «mais tarde» .
A FRELIMO nas condições actuais já não pode fazer a luta armada sem fazer a Revolução. A condição para desenvolvimento da luta at: mada é atingir as raízes da exploração. A ideia de esperarmos para eman cipar a mulher mais tarde é errónea, significa deixarmos as ideias reac cionárias ganharem terreno para as combatermos quando estão fortes. E não combater o jacaré nas margens do rio, para o combatermos quando se encontra no meio da água. A luta armada, agindo como cápsula incubadora, criou já as condi ções para que as massas estejam receptivas às ideias de progresso e revo
lução. Não desencadearmos a batalha quando as condições estão madu ras é uma falta de visão política, um erro estratégico. E esta ligação íntima e indissolúvel entre revolução e libertação da
mulher que nos permite compreender também porque é que só agora surge esta Conferência, e não há 5 anos atrás por exemplo. Recuemos a uma outra experiência que vivemos : a LIFEMO. A LIFEMO criou-se em Mbeya, em Junho de 1966. Nessa reunião, onde só participaram pra ticamente elementos marginais na luta, elas elegeram uma direcção igno
rante da luta e do País, e fixaram-se algumas tarefas, fora das perspec tivas reais da luta. Poucos meses depois da Conferência da LIFEMO , da sua Direcção só restavam os nomes. Como um fruto podre, a LIFEMO decompôs-se por si própria. Porquê ? Quando a LIFEMO se constituiu , em que fase se encontrava a FRE
LIMO, a revolução moçambicana e a mulher? A FRELIMO ainda não tinha estruturas sólidas, a sua linha não estava suficientemente compreen
dida e assumida, porque ainda não fora posta à prova pela luta . Os seus quadros e direcção não estavam suficientementae temperados pela luta, não possuiam experiência .
Esta situação em que a linha, embora clara, não está assumida, em
jue as estruturas não são sólidas, a direcção não é experiente e os qua dros não estão temperados, bloqueava o aprofundamento da linha na prá tica. Não podíamos distinguir o fundamental do secundário, definir cor rectamente as nossas tarefas, dando prioridade ao principal. Assim encon trava-se ainda muito embrionário o processo de desenvolvimento da 46
popularização da guerra , ponto de partida, nas nossas condições, para a transformação da luta em Revolução.
Podemos pois dizer que, no momento da criação da LIFEMO, O processo revolucionário ainda se encontrava na sua fase inicial. Neste quadro compreende-se a dificuldade de se trayar a batalha pela eman cipação da mulher. Ela é inseparável do desenvolvimento da Revolução. Por consequência, para a LIFEMO, falar de emancipação da mu lher era apenas um exercício verbal, vazio, uma imitação do que se fazia no mundo, uma moda superficial. Assim era, porque nesse momento a mulher em geral não aparecia engajada na luta. E o que é mais importante ainda, as que estavam engajadas foram discriminadas, não foram convidadas a participar na Conferência. Sem engajamento, sem tarefa, a LIFEMO estava condenada a definhar, a tornar- se anémica e morrer. E foi isto, precisamente, o que aconteceu .
Hoje existem realmente as condições para o desencadeamento vito
rioso da batalha. A linha da FRELIMO foi assumida e aprofundou-se na prática, os nossos quadros ganham experiência, temperam-se na luta e assim o processo de purificação das nossas fileiras desencadeou-se. O processo revolucionário afirmou -se, a luta transformou -se já em Revolu ção, a unidade nacional torna-se unidade ideológica.
A participação da mulher na luta armada, tarefa principal na nossa etapa histórica, permite-lhe materializar a nossa unidade e cria as condi ções para a transformação da sua consciência : sentir-se responsável, ace
der ao engajamento consciente, assumir a análise crítica, compreender que a sociedade é criada por nós .
Sopra pois o vento da Revolução, e com ele obrigatoriamente sopra o vento da emancipação da mulher. O Comité Central da FRELIMO
fez -nos içar as velas, o momento é favorável para navegarmos. II. OS FUNDAMENTOS DA ALIENAÇÃO DA MULHER a)
O sistema de exploração como ponto de partida
É evidente que se falamos de emancipação da mulher isso significa implicitamente que ela é oprimida, explorada. Importa compreendermos as bases dessa opressão, dessa exploração . Comecemos por dizer que a opressão da mulher é uma consequên cia da sua exploração, a opressão na sociedade é sempre o resultado da exploração imposta. O colonialismo não nos veio ocupar com o objec tivo de nos prender, de nos chicotear ou dar palmatoadas. Ele invadiu
-nos, ocupou -nos, com o objectivo de explorar as nossas riquezas, explorar o nosso trabalho. Para nos explorar, para suprimir a nossa resistência
à exploração e impedir uma revolta contra ela, introduziu então o sis tema de opressão. A opressão física, com os tribunais, a polícia, as forças armadas, as prisões, as torturas, os massacres. A opressão moral, com o obscurantismo, a superstição, a ignorância, destinados a destruir o espí 47
rito de iniciativa criadora, liquidar o sentido de justiça e crítica, reduzir a pessoa à passividade, à aceitação do estado de explorado e oprimido como coisa normal. Dentro do processo surge então a humilhação e o desprezo, porque aquele que explora e oprime tem tendência a humilhar
e desprezar a vítima, considerá-la como naturalmente inferior. Aparece o racismo, forma suprema da humilhação e do desprezo . O mecanismo da alienação da mulher é idêntico ao mecanismo da
alienação do homem colonizado na sociedade colonial, ou do trabalhador na sociedade capitalista.
A partir do momento em que a humanidade primitiva começou a
produzir mais do que consumia, foram criadas as bases materiais para que no seio da sociedade surgisse uma camada que se iria apropriar dos
frutos do trabalho da maioria. É esta apropriação do resultado do tra balho das massas por um punhado de elementos na sociedade que cons titui a essência do sistema de exploração do homem pelo homem e o coração da contradição antagónica que há séculos divide a sociedade. Logo que se desencadeou o processo de exploração, a mulher na sua generalidade, como o homem, foi submetida à dominação das cama
das privilegiadas. A mulher é também um produtor, um trabalhador, mas com qualidades particulares. Possuir mulheres é possuir trabalhadores, trabalhadores gratuítos, trabalhadores cuja totalidade do esforço de tra balho pode ser apropriada sem resistência pelo esposo, que é amo ? senhor. Casar-se com muitas mulheres na sociedade de economia agrária torna -se um meio certo para acumular muitas riquezas. O marido asse gura-se de uma mão -de-obra gratuita, que não reclama nem se revolta contra a exploração. Daí a importância da poligamia nas zonas rurais de economia agrá
ria primitiva. A sociedade, compreendendo que a mulher é uma fonte de riqueza, exige que um preço seja pago. Os pais requerem do ' futuro
genro o pagamento dum preço, o « lobolo », para cederem a filha. A mu lher é comprada, herdada, como se fosse um bem material, uma fonte de riquezas.
Mas mais importante ainda: comparada com o escravo, por exemplo, que também é uma fonte de riquezas, que também é um trabalhador
gratuito, a mulher oferece duas outras vantagens ao seu proprietário : é uma fonte de prazer, e sobretudo é uma produtora de outros trabalha dores, uma produtora de novas fontes de riqueza.
Este último aspecto é particularmente significativo. Assim um marido terá na sociedade o direito de repudiar a mulher e de exigir a devolução do lobolo quando a mulher for estéril, ou o marido pensar que ela assim o é. Nota-se ainda que em muitas sociedades, conscientes do valor da
força de trabalho dos filhos gerados pela mulher, se estabelece o prin
cípio de que estes pertencem ao clã maternal, à família da mãe. Na nossa sociedade é também corrente a prática de os filhos continuarem a per tencer à família da mãe, sobretudo enquanto o marido não tiver satis feito a totalidade do lobolo, isto é, o preço da compra dessas riquezas.
E este contexto que produz a sobrevalorização da fertilidade da mulher, a transformação da relação homem -mulher em mero acto de procriação. 48
Mas uma situação particular surgiu. O explorador, graças à sua dominação sobre as massas, adquiria vastas riquezas, enormes proprie
dades, manadas de gado, ouro, jóias, etc.... Apesar das riquezas, como todo o homem , continuava mortal. Punha -se então o problema do destino dessas riquezas; por outras palavras, a questão da herança torna-se fun damental. A mulher é a produtora dos herdeiros.
Compreendemos assim que o ponto de partida da exploração da mu lher e sua consequente opressão se encontra no sistema de propriedade
privada dos meios de produção, no sistema de exploração do homem pelo homem .
b) Os mecanismos ideológicos e culturais da dominação A sociedade da propriedade privada dos meios de produção, socie dade de exploração do homem, cria e impõe a ideologia e cultura que
defenderão os seus valores, assegurarão a sua sobrevivência. A explora ção económica da mulher, a sua transformação em produtor sem direi tos, ao serviço do proprietário-esposo ou do proprietário-pai, exigem a
elaboração da ideologia e cultura adequadas, a organização dum sistema de educação que as transmitam. É evidente que não se trata dum acto único e total, mas dum processo que se elabora e refina durante milénios em que a sociedade existe .
O obscurantismo é o ponto de partida do processo . Manter a mulher na ignorância, ou só educá-la o mínimo necessário , é o princípio geral . Em toda a parte vemos que o analfabetismo é sempre superior nas mu lheres que, embora constituam a maioria da população, aparecem sempre como minoria nas escolas, nos liceus, nas universidades . As civilizações mais desenvolvidas do passado, como hoje ainda na
sociedade capitalista, sempre mantiveram a ciência como monopólio do homem, seu domínio exclusivo. Manter a mulher separada da ciência é impedi-la de descobrir que a sociedade é criada em função de certos interesses precisos, e que por consequência é possível modificar a socie dade.
O obscurantismo, a ignorância, são irmãos gémeos da superstição e os pais da passividade.
Todas as superstições, as religiões, sempre encontraram o terreno mais fértil no seio da mulher, porque esta se encontrava mergulhada na maior ignorância e obscurantismo. Na nossa sociedade os ritos e cerimó
nias aparecem como o veículo principal de transmissão dos conceitos da sociedade sobre a inferioridade da mulher, sobre a sua subserviência em relação ao homem. É a este nível ainda que se propagam numerosos mitos e superstições que se destinam objectivamente a destruir o espírito de iniciativa da mulher, e reduzi -la à passividade. A própria educação familiar acentua e reforça estes diversos aspectos. Desde criança a rapariga é educada duma maneira diferente do rapaz, é -lhe inculcado um sentimento de inferioridade.
Nada disso é surpreendente: como dissemos, a sociedade exploradora fomenta a ideologia, a cultura, a educação que servem os seus interesses. 49
Ela faz isso com a mulher, como o faz com o colonizado ou o trabalha dor nos países capitalistas. Todos eles são mantidos deliberadamente, na ignorância, obscurantismo e superstição, com vista a convencê-los a resi-. gnarem - se à sua situação, a inculcar-lhes o espírito de passividade e ser vilismo.
O racismo surge aqui: o colonizado é definido como ser humano de segunda categoria, em função da sua cor. A mulher é definida como ser
humano inferior por causa do seu sexo. Nos países capitalistas da Eu ropa dirão que a mulher é uma criatura com cabelos compridos e ideias curtas.
O processo de alienação mental atinge o ponto culminante quando o elemento explorado, reduzido à passividade total, já não consegue
imaginar que possa existir uma possibilidade de libertação, e ele próprio se torna em agente difusor da teoria da resignação e passividade. Deve mos reconhecer que a dominação multi-secular da mulher a reduziu em grande parte a este estado de passividade, que a impede mesmo de com preender a sua condição .
c) A definição do antagonismo
Importa compreender correctamente a natureza da çontradição ou das contradições que se encontram em jogo, pois só depois de as com preendermos estaremos em condições de definir os alvos do nosso ata que, conceber a estratégia e a táctica adequadas ao nosso combate.
Vimos que o fundamento da dominação da mulher se encontrava no sistema de organização da vida económica da sociedade: a propriedade privada dos meios de produção, que necessariamente conduz à explora ção do homem pelo homem.
Quer isto dizer que, na sua essência, a contradição entre a mulher e a ordem social, para além das condições específicas da sua situação, é a contradição entre ela e a exploração do homem pelo homem , entre
ela e a propriedade privada dos meios de produção. Por outras palavras, essa contradição é a mesma que existe entre as massas populares traba lhadoras e a ordem social exploradora.
Sejamos claros neste ponto : a contradição antagónica não é entre a mulher e o homem, mas sim entre a mulher e a ordem social, entre todos os explorados, mulheres e homens, e a ordem social. É esta situa
ção de explorada que explica a sua ausência de todas as tarefas de con cepção e decisão no seio da sociedade, que a exclui da elaboração das
concepções que organizam a vida económica, social, mesmo quando os seus interesses estão directamente E este o aspecto principal da contradição: a sua de decisão da sociedade. Esta contradição só pode
cultural e política, afectados. exclusão da esfera ser resolvida pela
Revolução porque só a Revolução destrói os alicerces da sociedade explo radora e reconstrói a sociedade em bases novas, que libertam a inicia tiva da mulher, a integram como ser responsável na sociedade e a asso ciam à elaboração das decisões.
Por consequência, da mesma maneira que não pode haver Revolução 50
sem libertação da mulher, a luta pela emancipação da mulher não pode tțiunfar sem a vitória da Revolução. Devemos ainda dizer que os fundamentos ideológicos e culturais da sociedade exploradora, que mantém dominada a mulher, são destruídos pelo progresso da Revolução ideológica e cultural, que impõe à socie
dade novos valores, novos métodos, novo conteúdo da educação e cultura. Mas além desta contradição antagónica entre a mulher e a ordem social, surgem ainda, como reflexo, outras contradições que, com carác ter secundário, opõem a mulher ao homem. O sistema de casamento, a autoridade marital fundada exclusiya
mente no sexo, a frequente brutalidade do mundo, a sua recusa siste mática em tratar a mulher como seu igual, constituem fontes de atritos
e contradições. Por vezes mesmo, em certos casos limites, estas contra dições secundárias, porque não resolvidas correctamente , agudizam -se e resultam em consequências graves, como o divórcio. Mas não são estes factos, por graves que possam ser, que alteram a natureza da contradição. Importa sublinhar este aspecto porque na nossa época presenciamos, sobretudo no mundo capitalista, uma ofensiva ideológica que, sob a
camuflagem de luta de libertação da mulher, pretende transformar em antagónica a contradição com o homem, dividindo assim homens e mu
lheres -explorados, para impedir que combatam a sociedade explora dora. Na realidade, para além da demagogia que encobre a sua natureza
real, esta ofensiva ideológica é uma ofensiva da sociedade capitalista para confundir as mulheres, desviar a sua atenção do alvo verdadeiro. No nosso seio aparecem pequenas manifestações desta ofensiva ideo lógica. Ouvimos aqui e acolá mulheres murmurarem contra os homens, como se fosse a diferença dos sexos a causa da sua exploração, como
se os homens fossem uns monstros sádicos que tiram o seu prazer da opressão da mulher. Homens e mulheres são produtos e vítimas da sociedade explora dora que os criou e educou. É contra ela essencialmente que mulheres e homens unidos devem combater.
A nossa experiência prática tem provado que os progressos obtidos na libertação da mulher resultam dos sucessos obtidos no nosso com bate comum contra o colonialismo e imperialismo, contra a exploração do homem pelo homem, pela construção da nova sociedade.
III .
QUESTÕES ESTRATEGICAS E TÁCTICAS
a ) As linhas de força da nossa acção
O combate pela emancipação da mulher exige uma clarificação das nossas ideias, como ponto de partida. Esta clarificação impõe -se tanto mais quanto pululam concepções erradas acerca da emancipação da mulher .
Há quem conceba a emancipação como uma igualdade mecânica 51
entre o homem e a mulher. Esta concepção vulgar manifesta-se muitas vezes no nosso seio. A emancipação seria então a mulher e o homem fazerem exactamente as mesmas coisas, dividirem mecânicamente as tare
fas no lar. «Se hoje lavei os pratos, amanhã lavarás tu, quer estejas ou não ocupado, quer tenhas ou não tempo». Se na FRELIMO ainda não há mulheres tractoristas ou motoristas é necessário imediatamente que haja, sem ter em conta as condições objectivas e subjectivas. A emanci
pação concebida mecânicamente leva, como vemos por exemplo nos paí ses capitalistas, a reclamações e atitudes que deturpam inteiramente o sentido da emancipação da mulher. A mulher emancipada é a que bebe ,
é a que fuma, é a que usa calças e mini-saias, a que se dedica à pro miscuidade sexual, a que recusa ter filhos, etc.
Outros, identificam a emancipação com a acumulação de diplomas, o diploma universitário em particular aparecendo como um certificado de emancipação.
Há ainda quem considere que a emancipação consiste em aceder -se a um certo nível económico , social, cultural.
Todas estas concepções são erradas e superficiais. Nenhuma delas atinge o coração da contradição nem propõe uma linha que verdadeira mente emancipe a mulher.
A emancipação exige uma acção a vários níveis essenciais. Importa primeiro traçar a linha política de acção. A mulher para se emancipar necessita de um engajamento político consciente. O que significa isto em termos práticos para o ponto que abordamos? Significa primeiramente que a linha deve ser traçada por uma orga nização política revolucionária que, assumindo a totalidade dos interesses das massas populares exploradas, as conduza na batalha contra a socie
dade velha. Só esta organização está em condições de formular a estra tégia global do combate libertador. Isto quer dizer concretamente, no nosso caso, que a mulher para se libertar deve assumir e viver criado ramente a linha política da FRELIMO . Fora disto ela lançar-se- á em combates estéreis, secundários, que a esgotarão inutilmente e sem sucesso .
Assumir e viver a linha exige o engajamento nas tarefas traçadas pela Organização. Como a planta para se desenvolver necessita de se enraizar na terra, a linha enraíza- se na prática revolucionária. É a prática revolucionária que destrói a sociedade exploradora, é ela que desencadeia o combate interno, faz desmoronar as concepções erradas que trazemos, é ela que liberta o nosso sentido crítico e iniciativa criadora. Exige -se neste contexto que a mulher se mobilize para o combate interno e para o combate das massas, e que ela se organize. Assim po
derá assumir a linha política para desencadear a ofensiva . Ela deve en gajar-se na batalha da educação política das novas gerações, na batalha da mobilização e organização das massas em grande escala. Assim o seu engajamento na luta de libertação tornar-se- á um acto concreto, levá -la - á a participar nas decisões que afectam o destino da Nação. Surge ainda a necessidade do engajamento nas tarefas da produção. A libertação das forças produtivas, o desencadeamento do processo de desenvolvimento económico , conduzirão ao aprofundamento ideoló 52
gico, tornarão mais sólido o conhecimento da realidade: a sociedade e a natureza .
Um terceiro aspecto é o da educação científica e cultural. A base científica e cultural permite à mulher aceder a uma concepção correcta
das suas relações com a natureza e a sociedade, destruindo assim os mitos gerados pelo obscurantismo que a oprimem mentalmente e a pri vam de iniciativa.
Assim progressivamente a mulher acederá a todos os níveis de concep ção , decisão e execução, na organização da vida das crianças e hospitais, das escolas e fábricas, do exército e da diplomacia, da arte, ciência e cultura, etc ..
Aqui devemos ainda salientar que o conjunto destas necessidades não são exclusivos da mulher, porque o homem também, como ela, aparece alienado, ainda que sob formas diferentes. Resta um aspecto final: o das relações entre o homem e a mulher, nomeadamente a concepção nova sobre o casal e o lar. Vemos já cla ramente o que não podem ser essas relações. Até hoje elas foram fun
dadas na pretensa superioridade do homem sobre a mulher, com o objec tivo de satisfazer o egoísmo do homem . Devemos dizer o que é novo na sociedade
que a relação fami
liar , a relação homem -mulher, deve ser fundada exclusivamente no amor.
Não falamos aqui das concepções românticas e banais do amor, que pouco mais são que excitação emocional e idealizações sobre a vida real .
Para nós o amor só pode existir entre seres livres e iguais, que possuem um ideal e engajamento comum , ao serviço das massas e da Revolução. É sobre esta base que se edifica a identidade moral e afectiva que cons titui o amor. Precisamos pois de descobrir esta nova dimensão , até hoje desconhecida no nosso País , b) A organização da mulher
Dentro do princípio de mobilizar, organizar e unir todas as forças para o combate, o Comité Central, satisfazendo as aspirações da cons ciência crescente da mulher moçambicana, decidiu constituir a Organiza ção da Mulher Moçambicana. A Organização da Mulher Moçambicana é uma estrutura de enqua
dramento e orientação da mulher moçambicana em geral, na batalha pela emancipação da mulher e pela Revolução. A sua tarefa central, além da anterior, é de mobilizar a opinião internacional a favor da nossa luta , e exprimir a solidariedade da mulher
e do Povo Moçambicano para com a luta libertadora e revolucionária das mulheres e dos Povos do mundo inteiro. Um combate, particular mente, impõe -se à Organização : manter sempre agudo o sentido real da emancipação , reforçar a luta ideológica contra as tentativas de desvir
tuar a luta da mulher e de isolá-la da Revolução . É a adesão firme à linha, compreendida , assumida e vivida no detalhe do quotidiano, que
fornecerá à Organização e à mulher o sentido necessário de vigilância, para detectar no embrião a mais pequena ofensiva ideológica reaccionária . 53
Estejamos seguros de que os inimigos colonialistas, como outras for ças reaccionárias e conservadoras, reagirão contra esta Conferência e seus resultados e esforçar-se- ão em transformar as decisões em letra morta .
Companheiros nossos, ainda presos a concepções erradas, terão dificul
dade em compreender o sentido profundo do combate da mulher e cria rão diversos obstáculos.
Mas os obstáculos maiores serão criados pela própria mulher, pelo
seu hábito de dependência , pela sua passividade, pelo peso que traz da velha sociedade.
Impõe -se unir as mulheres. A unidade é a arma fundamental do
combate, a força motriz . A linha política da FRELIMO é a vossa plata forma de unidade, mas contra ela se erguem o tribalismo, o regiona lismo, o racismo .
O tribalismo e o regionalismo impedem -vos de assumir a grandeza
do nosso País e da luta, não permitem compreender a complexidade da nossa Pátria, e sobretudo dispersam as vossas forças.
O racismo é uma atitude reaccionária. O inimigo não tem côr. O racismo tem como função, no nosso caso e em qualquer combate, difi cultar a definição do verdadeiro alvo, criar confusão para dividir as
forças revolucionárias e progressistas nacionais, enfraquecê-las e levá-las ao aniquilamento pelo inimigo comum explorador. O nosso combate fica isolado do combate mundial das forças progressistas contra a exploração do homem pelo homem.
Estes germes inimigos no nosso seio não são destruídos por palavras ou fórmulas mágicas. É necessário desencadear no seio da mulher o com bate ideológico que lhe faça conhecer claramente os males dessas con cepções reaccionárias. Paralelamente, um outro esforço de explicação deve ser feito para levar a mulher a compreender que a sua experiência de sofrimento, de exploração e de opressão, em Cabo Delgado e Gaza, em Niassa e Inhambane, em Tete e no Maputo, na Zambézia e Manica e Sofala e em Nampula, é a mesma. Todas trazem os mesmos calos, todas conheceram a mesma fome, a mesma miséria, o mesmo sofrimento, a mesma algema, a mesma viuvez, a mesma orfandade, as mesmas lágrimas provocadas pelo colonialismo, pela exploração. Descobrirmos as feridas e cicatrizes mútuas une-nos , mas a unidade
concretiza -se sobretudo no esforço comum, nos laços criados pelo tra balho colectivo, pelo estudo colectivo, pelo combate interno colectivo , pela crítica e auto -crítica, pela acção contra o colonialismo.
Devemos ainda aprender das experiências das nossas irmãs do mundo inteiro , dos povos do mundo inteiro. Isso ajudar-nos-á a compreender que não existem raças ou povos que sejam exploradores, opressores. Não há povos racistas, não há povos colonialistas. Abrindo-nos ao estudo das
experiências dos outros, não só beneficiaremos de lições úteis, como ainda compreenderemos que todos os países, todos os povos, odas as raças, travam o mesmo combate que nós : o combate contra os colonia listas e imperialistas , que não têm Pátria, o combate contra os explora dores, que não têm raça . Agindo assim saberemos ver como a luta da 54
mulher moçambicana e do nosso Povo é a luta de toda a humanidade, e compreenderemos o calor da solidariedade que nos une. Para reforçarmos a nossa unidade , para desenvolvermos a nossa únidade , convém ainda cultivar entre nós um espírito de relações huma nas harmoniosas, relações fraternais . Precisamos de abandonar o hábito
pernicioso de só encontrarmos identidade com aquelas que vêm da mes ma povoação que nós, ou falam a nossa língua, ou têm a mesma cultura e tradições, o mesmo nível educacional. Encontremos identidade, encon tremos irmãs, saibamos dar a nossa amizade e carinho, a nossa ajuda e fraternidade a todas aquelas que como nós são exploradas e oprimidas , connosco estão no grande combate da libertação da mulher, da Pátria e do Povo trabalhador.
Este conjunto de tarefas é sagrado para a Organização da Mulher
Moçambicana, porque pesa sobre a mulher a responsabilidade de formar novas gerações, livres do tribalismo, do regionalismo e do racismo, livres
da mentalidade arcaica de oprimir a mulher ou aceitar passivamente a opressão, livres da superstição, imbuídas do nosso espírito de classe e de sentimento internacionalista .
Importa ainda considerar a necessidade de lutar contra certas ati
tudes subjectivas, muito negativas. Muitas camaradas consideram o seu engajamento como transitório, enquanto forem solteiras, e têm a tendên
cia de se desligarem das tarefas revolucionárias desde que se casam. O regresso à povoação é considerado normal, e ser esposa torna-se à tarefa da mulher. Esta atitude é em numerosos casos encorajada pelos próprios
maridos, que continuam a conceber a mulher como propriedade privada, como dependente de si, existente em função de si e ligada a si quase como uma bagagem, de que ele dispõe a seu prazer e que deve acom
panhá-lo em cada deslocação. Isto está em conflito com as exigências da luta de libertação e do combate da mulher pela sua emancipação. Devemos mobilizar todas as mulheres para sentirem a necessidade de participar numa tarefa concreta, sentirem-se responsáveis e agentes acti vos da transformação da sociedade. Nesse quadro, as mulheres casadas em especial devem preocupar- se em dar um exemplo positivo às mais jovens e solteiras, e mostrar-lhes na prática que o casamento é um esti mulo para o prosseguimento das tarefas revolucionárias. c)
As estruturas da Organização da Mulher Moçambicana
Para poder funcionar, levar a cabo a sua tarefa de enquadrar e con duzir a mulher na luta pela sua emancipação e engajá-la cada vez mais
nas tarefas da Revolução, a Organização da Mulher Moçambicana neces sita de estruturas adequadas. Estamos seguros de que a participação de muitas camaradas engajadas nos diferentes sectores da luta, a experiên cia que elas acumularam e que aqui sintetizarão, o conhecimento que têm das dificuldades e necessidades existentes, permitirão a esta Confe rência definir as bases das estruturas a serem criadas e o seu funciona mento.
Algumas questões surgem no entanto : quem deve ser membro da 55
Organização da Mulher Moçambicana ? Como deve funcionar e quais as suas relações com o Destacamento Feminino ? Qual o seu lugar dentro da FRELIMO em geral?
Dissemos que a tarefa da Organização da Mulher Moçambicana é engajar toda a mulher moçambicana no combate pela emancipação e pela
Revolução. Assim ela deve realizar a frente mais larga possível, mobili zar e organizar e unir todas as mulheres que até este momento se man tiveram à margem do processo de transformação da nova sociedade, jovens
velhas, solteiras e casadas, instruídas e não instruídas, militan
tes e não militantes. A Organização da Mulher Moçambicana deve orga
nizar a mulher moçambicana lá onde ela se encontra, nos lugares de trabalho, nas escolas, nos hospitais, nos destacamentos, nas cooperativas, nos infantários, deve organizar a mulher na base ,, em cada círculo , em cada povoação .
A Organização da Mulher Moçambicana apalve como um novo braço da FRELIMO para atingir e engajar os sectores femininos que até hoje não atingimos e não engajámos devidamente.
Mas para conduzir este processo requer-se uma direcção experiente que tenha compreendido e assumido a linha, que a tenha vivido no pro
cesso do engajamento nas tarefas quotidianas da Revolução. Requer-se para isso que os membros da direcção tenham uma preparação e expe.
riência político -militares, base indispensável para poderem compreender a complexidade da situação e poderem continuamente ver com clareza a via a seguir.
O Destacamento Feminino, porque engaja a mulher na tarefa prin cipal da fase presente o combate directo contra o inimigo colonialista e imperialista é a estrutura de vanguarda da participação da mulher na luta, a estrutura que desempenha neste momento um papel extremamente activo na transformação da sociedade. Por isso, ele constitui o núcleo
motor da Organização da Mulher Moçambicana, a sua principal fonte de quadros. No entanto , o Destacamento Feminino não é a Organização da Mu
lher Moçambicana e esta não é o Destacamento Feminino. O Destaca mento Feminino é uma parte integrante do nosso exército, das Forças
Populares de Libertação de Moçambique, é um corpo político armado.
A Organização da Mulher Moçambicana, em contrapartida, engaja todas as mulheres, das que até hoje se encontram à margem da luta até àque
las que são combatentes na frente da Saúde, da Educação, da Produção, do Exército, etc.
Entre os dois sectores as relações são de complementaridade e ajuda mútua, o Destacamento Feminino aparecendo como uma força motriz , uma fonte de quadros, a Organização da Mulher Moçambicana como uma força mobilizadora que faz crescer a nossa base, que fornecerá novas forças ao Destacamento Feminino .
Para que a Organização da Mulher Moçambicana esteja em condi ções de assumir e realizar as importantes tarefas que lhe são confiadas pela FRELIMO, o Comité Central da FRELIMO decidiu organizar um 56
curso de preparação de quadros femininos, a realizar sob a direcção do Comité Executivo .
Integrada na FRELIMO, alimentando-se da linha política revolucio nária da FRELIMO, agindo como um membro do corpo harmonioso da nossa família revolucionária, no quadro das estruturas da FRELIMO, a Organização da Mulher Moçambicana levará a cabo a difícil tarefa que o povo, a mulher e a Revolução lhe incumbem. Camaradas,
Iniciam -se os trabalhos da Primeira Conferência da Mulher Moçam bicana.
Milhões de Mulheres Moçambicanas, que durante séculos viveram oprimidas, aguardam com ansiedade e esperança a aurora de Liberdade que aqui vai nascer. O Povo Moçambicano , a revolução moçambicana, necessitam do vosso engajamento, do vosso combate. Para a luta vocês dispõem da arma decisiva que é a linha política da FRELIMO, a linha sobre a emancipação da mulher. Queremos de novo salientar os aspectos mais importantes das nos sas concepções. A exploração da Mulher é um aspecto do sistema geral de explora ção do homem pelo homem . E esta exploração que cria as condições de alienação da mulher, a reduz à passividade e a exclui da esfera da toma da de decisões da sociedade. Assim as contradições antagónicas que existem são entre a mulher e a ordem social exploradora. Estas contra
dições são as mesmas que opõem a totalidade das massas exploradas do nosso país e do mundo às classes exploradoras. Só a Revolução é capaz de resolver definitivamente esta contradi ção, porque só ela incarna os interesses das massas exploradas, as mobi
liza, organiza e une para o combate, só ela é capaz de destruir a ordem social antiga. É a Revolução que instala no poder as massas exploradas,
as massas que viviam oprimidas e eram forçadas à passividade. A luta armada do nosso Povo contra o colonialismo e o imperialismo
é o ponto fundamental de partida da Revolução Moçambicana, o mo mento em que se desencadeia o processo libertador da terra, das mu lheres e dos homens.
A luta armada que se populariza na nossa Pátria age como uma estufa, que amadurece as condições para se iniciar e se enraizar o pro cesso revolucionário na nossa Pátria .
A experiência multi-secular de exploração e sofrimento das mulheres e homens de Moçambique, a descoberta da liberdade criada pelo poder popular nas zonas sob o nosso controle, tornaram o nosso povo receptivo às ideias de progresso e Revolução. As condições são propícias para a ofensiva na frente da libertação da mulher, momento importante do combate revolucionário . Sabemos já qual deve ser a nossa estratégia e táctica neste combate, em que não só teremos que lutar contra o inimigo colonialista mas tam
bém teremos de enfrentar a oposição suscitada pelas concepções erradas, que se enraizaram na consciência das mulheres e homens.
É fundamental que a mulher se encontre engajada na FRELIMO, 57
pois só a FRELIMO está em condições de assumir a totalidade dos inte
resses das massas exploradas da nosaa Pátria e assim formular a linha correcta de combate .
A Organização da Mulher Moçambicana que se constitui surge na estrutura da FRELIMO como um novo braço da nossa Revolução que deve atingir as largas massas de mulheres que até agora se conserva
ram à margem do processo de transformação que tem lugar na nossa Pátria. É a Organização da Mulher Moçambicana que deve trazer para a luta pela emancipação da Mulher e para a luta revolucionária nacional os milhões de mulheres do nosso país . A nossa luta não é uma luta isolada. O combate da Mulher moçam
bicana, o combate do Povo moçambicano, é uma parte integrante da
frente mundial da luta contra o colonialismo e imperialismo, contra a exploração do homem pelo homem, pela construção duma ordem social popular. Por isso mesmo sentimos como nossa a luta das nossas irmãs e
irmãos de Angola, que sob a direcção do MPLA, há já 12 anos comba tem o colonialismo português e o imperialismo. Como nossa sentimos também a luta das nossas irmãs e irmãos da Guiné - Bissau e Cabo Verde, que, dirigidos pelo PAIGC, desde 1963 com
batem a colonialismo português e o imperialismo. Por isso mesmo nos sentimos igualmente enlutados pelo recente assassinato do nosso Camarada Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC . Este crime bárbaro, tal como o assassinato do nosso primeiro Presidente, o Camarada Eduardo Chivambo Mondlane, é uma tentativa
de bloquear a marcha revolucionária dos nossos povos. Essa tentativa fracassou em Moçambique, é fracassará na Guiné-Bissau.
O combate pela consolidação da independência e pelo desenvolvi mento revolucionário da Tanzania, da Zâmbia, da Somália, do Congo, da Guiné, de toda a África, é o nosso combate, é o combate pela consoli dação da nossa rectaguarda estratégica. A recente vitória dos Povos heróicos do Vietnam e da Indochina
é um grande estímulo para o nosso combate. As Mulheres e os Homens
do Vietnam, dum pequeno país, dum país economicamente atrasado, conseguiram derrotar a maior e mais cruel potência imperialista do mundo, os Estados Unidos da América do Norte.
Sentimo-nos encorajados pelos sucessos alcançados pelas nossas irmās e irmãos dos países socialistas, que constroem a nova sociedade, a socie dade da liberdade e do progresso da mulher e do homem .
A luta difícil das nossas companheiras e companheiros da África do
Sul, do Zimbabwé, da Namíbia, é uma contribuição para a nossa luta, um combate na mesma trincheira em que nos encontramos.
As mulheres e os homens de Moçambique felicitam o povo português pela intensificação da luta em Portugal contra a guerra colonial e o fas A abertura da quarta frente de combate contra o colonialismo português em Portugal mesmo consolida a amizade e a solidariedade dos nossos Povos.
Saudamos todos os povos, saudamos as mulheres e os homens de 58
todos os Continentes que, anonimamente, como nós combatem para cons truir a nova sociedade. A todos dizemos que a luta do nosso povo se intensificará, a nossa revolução consolidar-se-á e triunfará, contribuindo assim para a vitória comum. Viva a 1.º Conferência da Mulher Moçambicana !
Viva Viva Viva Viva
a luta pela emancipação da mulher! a revolução moçambicana! o combate do povo moçambicano unido do Rovuma ao Maputo ! a Organização da Mulher Moçambicana!
Viva a FRELIMO !
A LUTA CONTINUA . INDEPENDENCIA OU MORTE , VENCEREMOS !
59
Estabelecer
o Poder Popular para servir as massas
Celebramos neste ano de 1974 o X aniversário do desencadeamento
da nossa luta armada. Dez anos durante os quais inúmeros militantes e o povo aceitaram toda a espécie de sacrifícios e todo o tipo de privações,
dez anos a superar dificuldades e a provarmos que somos capazes de alcançarmos a vitória . Começámos já a conhecer a vitória. Em regiões cada vez mais vastas da nossa Pátria o Povo já compara e diz «antes da revolução » e «hoje». O nosso Povo começa a saborear o preço da sua luta. Mas ao mesmo tempo todos estamos conscientes que a vitória final não é para amanhã e que um longo caminho nos espera. Qual a razão dos nossos sacrifícios ? Por que motivo o inimigo se
mostra tão intransigente e cruel ? E por que razão, apesar da condenação de todos os homens justos no mundo, ele continua a encontrar os apoios e ajudas necessários para prosseguir os seus crimes ? Será que tudo isto tem lugar apenas porque nós queremos a nossa independência ? Mas afinal em 1143 e em 1040 Portugal também lutou pela sua inde
pendência. Os Estados Unidos, que hoje apoiam o colonialismo português, fizeram no século XVIII uma guerra para se libertarem do colonialismo
britânico e serem independentes. A França e a Inglaterra, que financiam e armam Portugal fascista e colonialista, lutaram ainda há poucos anos, de 1939 a 1945, contra o fascismo hitleriano, sofrendo grandes perdas e sacrifícios afim de preservarem a independência nacional. 61
À volta de Moçambique encontramos muitos países independentes.
Madagáscar que era colónia francesa, Tanzânia , Zâmbia, Malawi, Swazi lândia, antigas colónias britânicas. E todos estes países tornaram -se inde pendentes através de negociações entre a potência colonizadora e a colónia .
Por que razão a Inglaterra e a França aceitaram reconhecer à maio
ria das suas colónias o direito à independência e hoje apoiam uma guerra colonial ?
Porquê então dez anos de guerra colonial, dez anos de bombardea
mentos, dez anos de massacres de populações, dez anos durante os quais a OTAN e os países ocidentais têm feito tudo para ajudar Portugal ? Nós dizemos frequentemente que no curso da luta a nossa grande vitória foi saber transformar a luta armada de libertação nacional em Revolução. Por outras palavras, o nosso objectivo final de luta não é
içar uma bandeira diferente da portuguesa, fazer eleições mais ou menos honestas em que pretos e não brancos são eleitos, ou ter no Palácio da
Ponta Vermelha em Lourenço Marques, um Presidente preto em vez dum governador branco. Nós dizemos que o nosso objectivo é conquistar a
independência completa, instalar um Poder Popular, construir uma Socie dade Nova sem exploração, para benefício de todos aqueles que se sen tem moçambicanos. É aqui que se encontra a explicação da guerra. Como um homem assaltado de piolhos é obrigado a mergulhar a roupa na água a ferver para matar os piolhos, sem se interessar pela cor ou origem dos piolhos,
nós fomos obrigados a aceitar mergulhar
nosso país no fogo da guerra
para liquidar a exploração, qualquer que seja a sua origem ou cor dos seus agentes.
o que está em causa é pois o estabelecimento do Pode. Popular que
afirma a nossa independência e personalidade e liquida a exploração, o que implica a destruição do Poder dos exploradores que a fomentam . E por isso mesmo que os países imperialistas que vivem da explora ção vêm socorrer Portugal, porque estão interessados em que a explo ração continue. Hoje, graças à nossa luta, um Poder novo constroi-se na nossa Pátria . Dez anos de Poder da FRELIMO não é muito. Jovens que somos
assumimos responsabilidades que esmagam os velhos. O Poder dos explo radores tem centenas e milhares de anos de experiência, enquanto o nosso Poder é jovem e ao mesmo tempo tem de resolver os problemas que o Poder milenário dos exploradores nunca conseguiu. O Poder novo não é uma coisa abstracta. O Poder novo somos nós,
com todas as nossas insuficiências, quem tem de o exercer. De nenhuma núvem vai descer o Homem Novo capaz de exercer
O
Poder novo .
A nossa responsabilidade é grande enquanto a nossa capacidade é ainda pequena. Mas temos uma grande vantagem que é decisiva: possui mos a linha de orientação correcta, as massas estão connosco . 62
Mas ao construirmos o nosso Poder , ao exercê-lo , trazemos em nós ,
nas ideias, nos hábitos e nos costumes, todas as deformações criadas pelo Poder antigo. Por isso continuamente temos que rectificar os nossos métodos de
trabalho, introduzir o bisturi da crítica e da autocrítica, para amputar a herança enorme, pesada e negativa que nos transmite a sociedade antiga. Para este décimo aniversário que celebraremos em breve, queremos
analisar o nosso Poder, repensar a nossa actividade , estudar que fize mos e o que resta para fazer e sobretudo corrigir as deformações. Começaremos por estudar, na primeira parte, o que é o Poder, o que exprime e que valores incarna. Analisaremos a diferença que existe na origem , natureza, métodos e objectivos entre o Poder colonial capita lista e o Poder Popular construído sob a direcção da FRELIMO. Ao abordarmos esta questão' crucial estaremos em condições de com
preender a razão porque o conflito entre nós e o inimigo é de tal maneira antagónico que só a guerra o pode resolver. Com efeito, a edificação do Poder Popular que exprime a subida ao Poder de uma nova classe, só é possível quando a classe anterior e o seu poder são derrubados. É ao assumirmos esta noção que estamos em condições de verificar a impossi
bilidade de conciliar os nossos interesses com os do inimigo, através de
pretensas autonomias ou de independências que salvaguardam a essência do Estado colonial capitalista .
A natureza popular do Poder em vias de edificação implica uma democracia profunda e real , que nunca existiu na História da nossa Pátria .
Assim como o Poder, a Democracia não é uma coisa abstracta : para que ela se exerça e possua um conteúdo concreto é necessário que orga
nizemos as condições para a sua materialização. Por isso uma segunda parte é consagrada ao estudo da Democracia ,
nova experiência que pela primeira vez o nosso Povo vive. Finalmente, porque nos nossos diversos centros o Poder Popular e Democrático já é exercido na prática, eles aparecem como laboratórios
da nossa experiência e centros difusores da nossa linha e dos seus resul tados práticos. Importa pois que precisemos como os nossos centros levem cumprir essa tarefa e quais os requisitos indispensáveis para que levem a cabo a sua missão histórica .
I.
O PODER DOS EXPLORADORES É PARA OPRIMIR O POVO . O NOSSO PODER É O PODER DO POVO
No processo do desenvolvimento histórico das sociedades , entre os
homens foram forjadas diversas relações sociais . Na aurora da Humanidade, quando se opera a transição dos simios
em homens, os seres pré-humanos viviam em bandos errantes dominados pela preocupação de sobreviver. A totalidade do esforço era consumida imediatamente e frequentemente ela não conseguia satisfazer as necessi 63
dades básicas. Os seres pré-humanos alimentavam -se de raízes, frutos selvagens e cadáveres de animais. Assim viveram durante centenas e milhares de anos os antepassados
da Humanidade. A partir dum certo momento esses antepassados come çam a utilizar ossos ou paus para escavarem as raízes, para caçar ani
mais. Começam a utilizar instrumentos para produzirem - a sua alimen tação. A produção, ainda que extremamente primitiva, inicia-se, o símio dá lugar ao homem. A produção demarca o homem do animal e liberta
o seu cérebro, abrindo -lhe o caminho para o progresso . Com o aparecimento da produção, numa primeira fase a colheita e caça, numa segunda fase a agricultura e a criação de gado, a Humani dade começa a desenvolver -se.
Surge a divisão do trabalho, o melhoramento dos instrumentos de produção e das técnicas de produção . Com isso o esforço produtivo do
homem já consegue produzir mais do que aquilo que ele próprio neces sita para subsistir. A produção cria um excedente.
O aparecimento de excedentes na produção fornece a base material, as condições objectivas para que surjam no seio da sociedade forças que procuram apropriar-se desses excedentes em detrimento dos que produ zem .
A sociedade divide- se em classes opostas, com interesses diferentes:
uns querem apropriar-se do fruto do trabalho dos outros, enquanto estes últimos recusam . As relações humanas, que até àquele momento eram
de cooperação, tornam -se relações de luta entre exploradores e explo rados.
claro que todo este processo levou centenas de milhares de anos, não foi do dia para a noite que surgiram interesses opostos, classes an tagónicas. Mas o fundamental é o processo. Desde que na sociedade apareceram interesses diferentes e antagó nicos, a questão do «Poder», o problema de saber quem deve decidir, que critérios usar para decidir e em favor de quem, tornou-se uma questão fundamental no seio da sociedade. Dirigir a sociedade significa organizar a sociedade para servir os interesses do grupo dirigente, impor a vontade deste grupo a todos os outros grupos, quer estejam de acordo ou não. Com o correr do tempo
o grupo dirigente leva os outros grupos a considerarem a sua dominação como a melhor, a mais justa e a mais sábia, a que corresponde aos interesses de todos.
Isto é assim até ao momento em que as novas forças no seio da sociedade tomam consciência dos seus interesses prejudicados pelo grupo dirigente, unem-se, lutam, derrubam o poder anterior e instalam o seu
novo poder, reorganizando a sociedade para satisfazer os seus apetites. Até a uma época recente da História da Humanidade, foram as
diversas classes exploradoras senhores de escravos, feudais, burgue ses quem sucessivamente dominou a sociedade e a organizou política, económica, ideológica, cultural, administrativa e juridicamente em seu favor. 64
Assim foi porque as largas massas exploradas nem tinham a sufi
ciente consciência de classe que as unisse, nem possuiam a ideologia capaz de lhes dar a visão do conjunto dos seus interesses e capaz de lhes fornecer a estratégia e táctica de luta adequadas para a conquista exercício do poder.
Historicamente, a primeira vez que as largas massas exploradas, após várias tentativas fracassadas, conquistaram e exerceram o Poder, foi em 1870 em Paris. A Comuna de Paris foi esmagada ao fim de alguns
meses pela coligação entre os reaccionários franceses e os reaccionários alemães, e 30 000 trabalhadores foram massacrados. Em 1917, finalmente, sob a direcção de Lenine, as massas exploradas
conquistaram o Poder na Rússia Tsarista e construiram a União Soviética, o primeiro Estado no mundo com o Povo no Poder. A partir da vitória
das forças democráticas na guerra anti-fascista, o Poder Popular esten deu - se a novos países como a China, a República Democrática da Coreia, e a República Democrática do Vietnam na Ásia. Na Europa, o Poder Po
pular foi erigido em numerosos países tais como a República Socialista da Roménia, a República Democrática Alemã, a República Socialista da Bul gária, etc.... Na América Latina, com a vitória das forças populares em Cuba em 1959 instalou -se o primeiro Estado Popular no continente ame ricano .
A instalação do Poder Popular tornou -se uma realidade para perto de
1/3 da Humanidade. As zonas em que as massas trabalhadoras conquista ram o Poder, são conhecidas como «campo socialista» constituído hoje por 14 países.
No nosso país, senhores de escravos, feudais, reis, imperadores, domi naram a sociedade até à conquista colonial. A burguesia colonialista insta lou -se então no poder e impôs a sua vontade a todas as camadas do país até ao momento em que a nossa luta começou a derrubá-la. A dominação sucessiva das diversas minorias exploradoras a dita dura sobre as massas — é exercida sempre duma maneira mais ou menos camuflada a fim de que as massas não compreendam a sua verdadeira situação e não se apercebam que estão sujeitas à opressão . No nosso país, antes da conquista colonial, os régulos e Chefes tribais que exerciam o poder afirmavam que o seu poder representava a vontade dos antepassados.
Por exemplo, em certos reinos, o Povo não podia ver a cara do rei, noutros casos era proibido falar ao rei, só se podia ouvir a sua voz . Ainda nos nossos dias, em algumas regiões em que o poder dos régu
los permaneceu relativamente intacto, é habitual encontrarmos situações deste género que camuflam , com os mitos e a superstição, a realidade cruel da opressão dos senhores feudais. Os colonialistas, para melhor camuflarem a sua dominação e impedi
rem as massas de compreenderem e se revoltarem contra a sua situação miserável, estimularam a superstição. Assim difundiram numerosas reli giões no nosso seio que, dividindo as massas, enfraqueciam -nas. Ao mesmo tempo as religiões todas elas pregavam ao Povo a resignação. 65
No nosso país os missionários ensinavam -nos que desobedecer ao go verno e ao colono era pecado, que devíamos estar muito gratos ao colonia lismo português porque nos trazia a verdadeira fé. No século passado, a Igreja justifica o comércio criminoso de escravos afirmando que este era
bom, pois permitiu que os escravos fossem baptizados. O actual arcebispo de Lourenço Marques, Custódio Alvim Pereira, muitas vezes repetiu publi camente que o Povo moçambicano não devia reivindicar a independência,
porque esta só podia servir o comunismo e o Islão, por outras palavras, a independência era um pecado contra Deus. No discurso feito em Junho de
1961 aos seminaristas da arquidiocese de Lourenço Marques, no tempo em que era ainda bispo coadjutor, ele exprimiu os seguintes princípios: 1. A independência é uma coisa indiferente para o bem dos homens. Pode ser boa quando se verificam condições geográficas e culturais , mas estas últimas ainda não existem em Moçambique.
2. Enquanto não existem estas condições, fundar ou tomar parte no movimento pela independência é agir contra a natureza.
3. Mesmo quando existem condições, a mãe Pátria tem o direito de se opor à independência desde que sejam respeitadas as liberdades e os direitos e se procure o bem estar e progresso civil e religioso para todos. 4. Todos os movimentos que utilizam a violência são contra o Direito
Natural, porque se a independência é um bem deve ser obtida por meios pacíficos.
5. Quando movimento é terrorista, o clero em consciência, não só é obrigado a abster-se como também a opôr -se. Isto é uma consequência lógica da natureza da sua missão .
6. Mesmo se o movimento é pacífico convém que o clero se abstenha para poder ser o guia espiritual de todos. O Superior pode impor esta abs tenção, como o faz em Lourenço Marques. 7. Os Povos nativos da África têm a obrigação de agradecer os bene fícios que lhes foram dados pelos colonizadores. 8. As pessoas instruídas têm a obrigação de combater abertamente as
ilusões dos menos instruídos sobre a independência. 9. A independência africana actual nasce quase sempre da Revolução e do comunismo . A doutrina da Santa Sé é bem clara na sua oposição ao
comunismo ateu e revolucionário : a grande revolução é a do Evangelho. 10. A palavra de ordem «a África para os africanos» é uma monstruo sidade filosófica , um desafio à civilização cristã porque os acontecimentos actuais mostram -nos que o Comunismo e o Islamismo desejam impôr a sua civilização aos africanos .
Nessa mesma intervenção o actual chefe da Igreja em Moçambique concluía :
«Amai a vossa terra que é Moçambique integrado em Portugal, da mesma maneira que um habitante do Algarve se interessa pela sua pro 66
víncia sem esquecer a Pátria comum ... os actuais movimentos de liber tação africanos são contra a Igreja ». Em resumo, segundo este prelado devemos agradecer a exploração
colonial, o trabalho forçado e a venda de homens para as minas, a pilha gem das nossas terras e as culturas forçadas. Devemos agradecer a opressão da palmatória, do chicote, das deportações para São Tomé. Devemos agradecer a humilhação do racismo e das mulheres violadas, os filhos do mato e o sermos transformados num Povo de moleques. Deve
mos agradecer o obscurantismo, a falta de escolas e a superstição, a falta de hospitais e assistência social. Devemos agradecer pois. Revoltarmo-nos contra isso é pecado, pegarmos em armas quando nos vêm massacrar como em Mueda, Xinavane, Lourenço Marques, Wiriyamu é pecado, é ser contra a Igreja.
Conhecemos muitas homílias dos bispos e padres católicos, muitas pregações de cheiques muçulmanos, muitos sermões de todas as igrejas protestantes, e até a uma época muito recente , todos nos diziam que nos
devíamos resignar, que devíamos aceitar e agradecer. Devemos notar no entanto que, perante os crimes crescentes come tidos pelo inimigo, nos últimos três anos erguem -se vozes cada vez mais numerosas nos meios religiosos condenando a guerra colonial e os seus
massacres. Mas estas vozes ainda aparecem como isoladas e assim não as podemos classificar como tomadas de posição oficiais, públicas e claras das Igrejas em Moçambique contra o colonialismo.
Mas além da superstição, a sociedade burguesa colonialista utiliza outros argumentos para camuflar e justificar o seu poder ditatorial. Eles dizem que nós somos uma raça inferior e atrasada, com costu
mes primitivos, um Povo ignorante que deve ser educado pela raça superior e avançada, cheia de bons costumes e de sabedoria. A Consti tuição portuguesa diz expressamente que a essência da Nação portuguesa é «civilizar» os «bárbaros» que nós somos. Eles repetem continuamente este argumento , muito embora toda a gente veja que em Portugal há mais de 40 % de analfabetos, que a miséria dos camponeses e do Povo português é enorme, o seu obscurantismo não é inferior ao nosso e têm tantas ou mais superstições do que nós, embora diferentes. Dizem isso quando nos querem convencer. Mas na prática, e quando formulam a sua linha política, dizem e fazem coisas muito diferentes.
O falecido cardeal arcebispo de Lourenço Marques, Teodosio Cle mente de Gouveia, numa pastoral de 1960 em que fixava a linha política das escolas escrevia :
«As escolas são necessárias, sim; mas as escolas em que ensinemos aos nativos o caminho da dignidade humana e a grandeza da nação que os protege » .
Vir-nos « educar » significa claramente tornar-nos submissos, escra vos mentais do colonialismo. + 67
O General Kaúlza de Arriaga, derrotado vergonhosamente em Mo çambique, nas lições que dava ao Curso de Altos Comandos do Exército colonial fascista, no ano lectivo de 1966-1967, dizia :
«Se em Angola ou Moçambique houvesse 20 ou 30 milhões de negros, o problema para nós seria extremamente grave; ainda bem que essas
populações são tão reduzidas. Eu não sei se isto resultou da exportação que se fez para o Brasil; se foi isso , ainda bem que se fez essa exportação ». Depois de aprovar o comércio infame de escravos, a forma mais de gradante da exploração e humilhação humana, o « civilizador » Kaúlza de Arriaga que publicamente discursava sobre a conquista do « coração dos africanos» e o « multiracialismo», preconizava ao mesmo tempo a liqui dação do nosso Povo. Assim ele diz que: « Outro problema muito importante é o problema da demografia: pri meiro, crescimento branco: depois, limitação do crescimento negro » .
A « igualdade racial » e a missão de « promoção das populações afri canas», são bem esclarecidas quando o general escreve : «a multiracialidade tem de ser autêntica e mantém -se autêntica mesmo
quando à sombra dela porventura precisamos de travar ligeiramente a promoção dos Povos negros. Depois temos de convencer esta gente que
estamos a promovê-los num ritmo adequado ... Claro que existe um outro demasiado eficientes na promo na: é que também não vamos ção dos negros, pois devemos promovê -los sim, mas nada de exageros » .
pro
Em resumo, «civilização», «educação», «promoção», são apenas para camuflagem da realidade concreta de exploração e pilhagem , opressão, brutalização e humilhação. Palavras bonitas para nos enganarem e ador
mecerem. Por isso, através de cada palavra de ordem do regime de opressão devemos ver a realidade que ela encobre. A burguesia afirma ainda que deve ser a minoria inteligente e capaz , os ricos e os doutores, quem deve governar a maioria que eles conside ram brutos e incapazes. Oliveira Salazar, o grande orientador do colonial-fascismo português, exprime claramente esta concepção dizendo (F. C. C. Egerton: Salazar, Portugal and her Leader ):
«Esta hierarquia entre o trabalho de invenção, organização e direcção e a execução propriamente dita, não só exprime uma necessidade ine rente da produção material, como também reflecte a desigualdade imposta pela natureza à capacidade dos indivíduos, uma coisa a que a sociedade não pode, nem deve ' tentar opor-se» .
Um dos maiores escritores portugueses, Eça de Queiroz, numa obra magistral em que denuncia e desmascara a burguesia - O Conde de 68
Abranhos explica -nos a mentalidade da burguesia exploradora e opressora através do sistema de educação universitária:
«Assim o estudante fica para sempre penetrado desta grande, ideja uma que sabe, outra que produz. A pri
social: que há duas classes
-
meira, naturalmente, sendo o cérebro, governa; a segunda sendo a mão ,
opera e veste, calça, nutre e paga a primeira... Bacharéus são os polí ticos, os oradores, os poetas e por adopção táctica, os capitalistas, os
banqueiros, os altos negociadores. Futricas são os carpinteiros, os trolhas, os cigarreiros, os alfaiates... Esta ideia de divisão em duas classes é salutar, porque assim educados nela, os que saem da universidade não correm o perigo de serem contaminados pela ideia contrária — ideia absurda, ateia, destruidora da harmonia universal - de que o futrica pode saber tanto como sabe o bacharel. Não, não pode: logo, as inteligências são desiguais e assim fica destruído esse princípio pernicioso da igualdade das inteli gências, base funesta dum socialismo perverso » . Os opressores, em particular a burguesia colonial, com o objectivo
de camuflarem a sua acção e manterem -nos ignorantes, passam a vida a gritar-nos nas orelhas que exercem o poder para benefício de todos,
ou da maioria, que o fazem para difundirem o progresso , a civilização, a religião cristã. Eles afirmam -nos sempre que é um grande sacrifício o exercício do poder, que são pesadíssimas as responsabilidades, que de
boa vontade e coração alegre as abandonariam , se a isso os não obri gasse o dever.
Os discursos que ouvimos, os artigos nos jornais, a propaganda na rádio , toda a máquina de intoxicação colonialista, diariamente nos tenta convencer que o poder dos opressores é o melhor do mundo, que nos
devemos sentir felizes pela dominação e só os ingratos, loucos e comu nistas podem pensar o contrário .
No entanto é muito diferente a realidade que podemos descobrir por detrás das palavras maravilhosas. Do Governador Geral ao Chefe do posto, todo o aparelho adminis trativo só tem um objectivo: fazer tudo para que as companhias, os ricos, os capitalistas, explorem o povo . As leis que são feitas, os impostos que são cobrados, as ordens que
são dadas, nunca servem o Povo, sempre são para benefício dos patrões. Se algumas vezes, aparentemente , uma lei parece beneficiar o Povo, é porque a revolta do Povo era muito forte e então fez -se qualquer coisa para tentar acalmar a cólera do Povo com o objectivo de desmobilizar
as massas e assim poder continuar a dominação colonial. Um exemplo disto foi a greve da estiva em Lourenço Marques em 1963. Antes da greve eles pagavam de 12 $ 00 a 15 $ 00 por dia aos estiva dores, mas depois da greve e apesar da repressão, temendo uma revolta mais séria dos estiv es, eles subiram os salários para 28 $ 00. Agora, por causa da guerra , em toda a parte se sobem os salários com o objec tivo de corromper as pessoas, fazer -lhes esquecer que vivem coloniza
das, exploradas, oprimidas, humilhadas. Da mesma maneira, nas zonas 69
em que eles temem que o povo comece a apoiar a luta, que a luta se
estenda para essa zona, os colonialistas diminuem logo a sua arrogância, difundem grandes fotografias de pretos e brancos juntos e aparente mente alegres. No entanto, trata -se apenas duma máscara, pois a PIDE
continua a prender ,' torturar e assassinar pessoas enquanto que para efeitos de propaganda se distribuem rebuçados às crianças. Mas a natureza da opressão continua a mesma. As leis do governo continuam a mandar-nos prender e a vender-nos para as minas da África do Sul. Quem ganha são os donos das minas de ouro, quem perde a vida, quem regressa tuberculoso, sem um braço ou uma perna, somos nós.
São as leis do governo quem nos obriga a cultivar o algodão e a
vendê-lo às companhias. Quem ganha são as companhias, mas somos nós quem nunca tem roupa para se vestir apesar de ter produzido o algodão. As leis do governo entregam -nos como máquina de trabalho às com
panhias de açúcar, às companhias de chá. As companhias ganham mui tos e muitos milhares de contos, mas nas nossas casas, de manhã nós
e as nossas famílias não temos chá nem açúcar. É a administração que nos prende se recusamos cumprir a vontade da companhia, é ela que nos força a irmos trabalhar nas machambas, nas minas e nas fábricas .
São os nossos impostos quem paga o vencimento dessa adminis tração que nos oprime, são os nossos impostos quem paga a polícia
que nos prende quando desobedecemos à companhia, são os nossos impostos quem paga o exército que nos massacra se nos revoltamos con tra a opressão.
Somos nós e o nosso trabalho quem paga tudo, mas quem é ser vido e obedecido são os que exploram. Os burgueses e os colonialistas dizem que os tribunais são impar ciais e fazem justiça . A propaganda diz que a justiça é cega para não
distinguir entre o rico ou o pobre, o grande senhor ou o pequeno tra balhador e assim dizer a verdade , dar o prémio ao justo, castigar o culpado.
Dizem isso é certo. Mas nunca ninguém ouviu dizer que os tribu nais da burguesia e do colonialismo mandaram devolver a terra aos
camponeses que foram espoliados. Hoje, como acontece para a barra gem da Cabora Bassa em que 25 000 pessoas foram espoliadas das suas terras e expulsas, nenhum tribunal nos dá razão. Ninguém ouviu dizer que o tribunal condenou a PIDE por assassinar e torturar pessoas ou por ter pessoas meses e anos na cadeia sem serem julgadas . Os tribunais con
denam os que lutam pelo Povo e aprovam, apoiam e elogiam os que massacram o Povo.
Estes exemplos muito concretos que toda a gente conhece, que cada um de nós verificou diariamente na sua vida, mostram muito cla ramente para que serve o poder dos colonialistas e capitalistas, quem é que dele beneficia .
Quando o poder está na mão dos exploradores, ele serve os explo 70
radores e impõe a ditadura dos exploradores. Na sociedade dos exploradores, para se exercer o poder é neces
sário pertencer ao grupo explorador, dedicar-se de corpo e espírito ao serviço dos exploradores. Na sociedade tradicional não é qualquer pessoa que pode ser
régulo. Para se ser régulo deve-se pertencer à camada feudal, ser da família do chefe, isto é, ser seu filho ou seu sobrinho. Quem designa o novo régulo ou é o régulo anterior ou um órgão composto por feudais .
Da mesma maneira se passa na sociedade burguesa, onde o poder
pertence às companhias, aos grande capitalistas e é exercido pelos ser vidores fiéis do capital. Toda a gente sabe que um Governador -Geral ou Ministro, além de se enriquecer durante o seu mandato, quando é substituído encon
tra imediatamente uma alta posição nos bancos e companhias. Deputa dos, governadores, ministros, saem das companhias e dos bancos para o governo, do governo para as companhias e para os bancos. Por exemplo , Pimentel dos Santos que agora é governador de Mo çambique, até à sua nomeação em Outubro de 1971 , entre os seus diversos cargos, tinha o de Presidente do Conselho de Administração da Companhia Mineira do Lobito. É claro que apesar de governador ele
continua ligado à sua companhia e servindo-a. Assim, em Setembro de 1972, a sua companhia, em associação com a Betlehem Steel dos Estados Unidos e a Companhia de Urânio de Moçambique, recebeu em concessão para a prospecção e exploração de minérios uma área de dezenas de milha res de quilómetros quadrados, compreendidas entre Cioco e Changara na Província de Tete. Podemos repetir o mesmo exemplo com cada um dos
ministros, governadores, deputados, etc.... No quadro de uma sociedade colonial como aquela que existe em
Moçambique controlada pelo colonialismo, além das « qualidades » exigi das pela sociedade burguesa normal, requere-se que o indivíduo per tença à raça colonizadora ou ao menos se encontre totalmente subme
tido ao colonizador, transformando -se então em verdadeiro fantoche. Estes factos conhecidos de todos, mostram-nos claramente que o Poder, o Estado, não são instrumentos técnicos e neutros, mas sim armas utilizadas pelas classes exploradores contra as massas exploradas .
A opressão que existe não é porque o chefe de posto, administra dor ou . governador são maus, têm mau coração ou se enchem de satis fação ao explorar-nos.
Duma maneira geral, individualmente, humanamente, eles não são nem melhores nem piores que qualquer outra pessoa, de qualquer outra raça .
Eles são aquilo que são em virtude da posição que ocupam. Se por acaso surge um administrador ou chefe de posto que sinta a sua consciência torturada pelos crimes que é forçado a praticar, se ele ousa opor-se aquilo que é a sua tarefa, ele é imediatamente afas tado, substituído, punido.
É por isso que afirmamos sempre lutar contra um sistema e não contra pessoas individualmente . 71
A prática do colonialismo português e da guerra de agressão em nada foram alteradas pelas melhores ou piores qualidades humanas de Marcelo Caetano, quando este substituiu Salazar, da mesma maneira que a prática criminosa e assassina da PIDE persiste sob o novo nome de DGS.
A existência de classes exploradoras, brancas ou negras ou de qual quer outra cor, produz um Poder e um Estado exploradores. Por isso nós dizemos sempre que lutamos contra a exploração do Homem pelo Homem, de que o colonialismo português é hoje a prin cipal expressão no nosso país. Por outras palavras, isto significa que o nosso objectivo é derrubar o Poder das classes exploradoras em Mo çambique representadas principalmente pelas burguesias coloniais e im perialistas, destruir o Estado Colonial, forma essencial da dominação colonialista e imperialista na nossa Pátria.
É necessário conhecer claramente estes pontos. Há nacionalistas, uns ingenuamente por não possuirem uma consciência de classe desen volvida, outros porque estão comprometidos com a exploração, que pensam que o objectivo da nossa luta deveria ser o de instalar um
Poder negro , em vez dum Poder branco, nomear ou eleger africanos para os diferentes postos políticos, administrativos, económicos e outros, que são hoje ocupados por brancos. Os primeiros, quando engajados na prática, compreendem e aceitam a necessidade da destruição do Estado explorador, enquanto os últimos, identificando -se ao sistema, recusam .a destruição do Estado explorador. Em resumo, para estes nacionalistas, a quem o Poder colonial, porque estrangeiro , não dá inteira satisfação, o objectivo final da luta seria na realidade o de « africanizar » a exploração.
É por isso que eles recusam a nossa ideologia revolucionária
como
recusam sobretudo as transformações da mentalidade e comportamento que exigimos, que pretendem não ter importância para o combate contra o colonialismo.
Esta posição é uma posição reaccionária que põe em causa a natu reza e o objectivo da luta . A nossa luta, para eles, deveria ser uma luta entre o Poder negro
e o Poder branco, quando para nós a luta é entre o Poder dos explo radores e o Poder Popular. Vimos já que num Estado explorador toda a máquina do Poder, as
suas leis, a sua administração, tribunais, polícia , exército, têm o objectivo único de manter a exploração, servir os exploradores. O Estado, o Poder, as leis, não são técnicas ou instrumentos neu
tros que podem igualmente ser utilizados pelo inimigo e por nós. Por isso a questão decisiva não é a de substituir o pessoal europeu pelo pessoal africano .
Da mesma maneira que os colonialistas têm o seu modo de com bater e nós temos o nosso, eles têm a sua ciência militar e nós a nossa ,
assim nós temos o nosso poder, e eles têm o deles. Há um antagonismo
entre nós e eles sobre a origem , natureza, métodos e objectivos do Poder.
Não podemos fundar um Estado popular, com as suas leis e sua 72
máquina administrativa, a partir dum Estado cujas leis, cuja máquina
administrativa foi inteiramente concebida pelos exploradores para os servir .
Não é governando com um Estado concebido para oprimir as mas sas que se pode servir as massas .
« Africanizar » o poder colonial e capitalista retira o sentido à nossa luta. Para que serviria a luta se continuássemos submetidos ao traba
lho forçado, às companhias, às minas, mesmo se tudo estiver cheio de gerentes e capatazes africanos? Para que o sacrifício se continuarmos
a ser obrigados a vender o gado e o algodão, em feiras que só bene ficiam .os comerciantes, mesmo se estes forem africanos? Qual a razão de ser de tanto sangue, se no fim continuássemos submetidos a
um
Estado que, mesmo se governado por moçambicanos, só serve os ricos
e os poderosos ? Como manter uma polícia que prende e tortura os trabalhadores, guardar um exército que dispara contra o Povo, mesmo se todos os generais forem pretos? Um Estado de ricos e poderosos em que uma minoria decide e
impõe a sua vontade, quer a aceitemos ou não, quer compreendamos ou não, é a continuação sob novas formas da situação contra a qual lutamos.
A questão do poder popular é a questão essencial da nossa Revo lução.
É neste quadro que se torna absurdo falar de autonomia, ou conceber uma independência que nos seja oferecida por Caetano ou sucessores.
As massas populares compreenderam, o seu instinto de classe fez -lhes compreender esta questão : a Independência, a autonomia, concebi das pelo imperialismo, pelo colonialismo, são tácticas destinadas a man terem tudo como antes, a manterem a exploração. Foi por isso, porque assumiram a defesa do seu poder, que as mas
sas aceitam os, sacrifícios mais heróicos para estender a luta e consolidar as zonas libertadas . Todas as ofensivas do inimigo, por mais furiosas e
violentas, têm -se quebrado diante desta intransigência firme das massas em defenderem o seu poder.
Quando no nosso seio, entre 1967 e 1969, o grupo de novos explora dores tinha conseguido em grande medida paralizar a direcção e começar
a desviar o sentido da nossa luta para implantar de novo uma ditadura de exploradores, foi o povo, o instinto de classe das nossas massas labo riosas que, assumindo o perigo que corríamos, deu as forças revolucio nárias no seio da direcção o apoio decisivo que nos conduziu à vitória. O nosso Poder representa os interesses do nosso povo trabalhador, exprime a nossa vontade de expulsar o colonialismo e o imperialismo e
criar uma sociedade nova sem exploração. O nosso Poder é a expressão revolucionária da aliança que, defendendo os interesses da nossa classe
camponesa e operária, une todas as camadas e grupos sociais, animados de espírito patriótico e democrático : operários, camponeses, trabalhadores das plantações e das serrações, das Concessões, trabalhadores das minas e caminhos de ferro , dos portos e indústrias, motoristas e mecânicos, inte 73
lectuais, técnicos e funcionários, estudantes e empregados, pequenos e médios comerciantes, etc ....
O poder que está a nascer traduz esta nova relação de forças que surge no nosso País, favorável à aliança popular. A antiga ditadura da minoria exploradora sobre o povo substitui-se o poder do povo, que se impõe a todas as forças colonialistas e classes reaccionárias, o Poder da maioria esmagadora que submete a ínfima minoria e destrói a exploração. O nosso Poder é diferente na forma e no conteúdo de tudo o que
existiu no passado no nosso País.
O Poder pertence ao povo, é exercido pelos seus autênticos repre sentantes, para servir os interesses do povo. Na reunião de Maio de 1970, o Comité Central da FRELIMO num
documento em que se define as qualidades de um membro do Comité Central afirma: «é entre os militantes que realizam de uma maneira
mais saliente estas qualidades de militante, que se deve escolher os mem bros que devem dirigir a organização e em particular os membros do Comité Central. O membro do Comité Central deve vir das fileiras da
luta. O membro do Comité Central deve distinguir -se pela sua devoção
à luta de libertação nacional, pelo abandono de si próprio para entre gar-se à luta e para servir os interesses do Povo » .
O mesmo documento, ao expor as qualidades exigidas do militante da FRELIMO, sublinha :
«É um servidor das massas e sacrifica-se pela maioria ».
Quer isto dizer que, enquanto na outra zona, na zona dos explora dores, se exige do dirigente ser um servidor dos exploradores, saído das suas fileiras, na nossa zona o dirigente sai das massas, das fileiras da luta, e é um servidor das massas que está pronto a sacrificar tudo, incluindo a própria vida, em benefício da maioria, na defesa da maioria. A maioria somos nós, nós camponeses, nós operários, nós trabalha dores nascidos do povo explorado, dominado, e que temos o objectivo de nos libertarmos, de construir a nova sociedade, a sociedade que cor responde aos nossos interesses.
A nossa luta já instalou o nosso poder em vastas regiões da nossa Pátria. Nessas regiões são os nossos interesses que comandam . A linha
política da FRELIMO que exprime esses interesses aplica -se diariamente em todos os sectores de trabalho para beneficiar a maioria. A linha polí tica da FRELIMO que orienta o nosso poder transforma diariamente as
relações sociais, as relações entre os homens, ela transforma a sociedade . A nossa linha transforma a natureza, põe os recursos da nossa terra à disposição da maioria, mobiliza as leis da natureza para beneficiar as largas massas .
A partir do momento em que o nosso poder se exerceu na educa ção, definimos que a tarefa desta era de educar o homem para vencer a guerra, construir uma sociedade nova e desenvolver a Pátria.
O nosso ensino destina-se a pôr a ciência ao serviço do povo e da
revolução, a fazer dos alunos, estudantes e intelectuais, trabalhadores ao serviço dos outros trabalhadores. 74
Quando tomámos o poder na frente da saúde, dissemos que no tra
balho hospitalar devemos materializar o princípio de que a revolução liberta o povo .
Não queremos hospitais para ricos onde trabalham grandes técnicos que são ricos e servem os ricos. Pouco nos importa o luxo dos hospitais burgueses e colonialistas, o que nos interessa é fazer do nosso hospital uma base, um destacamento operacional de luta contra a doença física e também a doença que mina o espírito, a superstição, a ignorância , o tribalismo, o espírito burguês. Em Cabo Delgado, em Niassa, em Tete, em Manica e Sofala, as com panhias, os ricos proprietários abandonam as nossas zonas e fogem .
Assim o nosso poder instala-se na produção. Já não são as compa nhias e os ricos que definem os objectivos da produção e do trabalho e beneficiam do nosso esforço .
Hoje, porque temos o Pođer, a produção liberta o homem, dá-lhe a sua identidade de transformador da natureza e da sociedade. Produ
zimos para aprender e aprendemos para produzir e lutar melhor, pro duzimos para satisfazer as nossas necessidades, para alimentar as nossas crianças e famílias, vivermos melhor.
O nosso Poder cria a produção colectiva ao serviço do Povo e da Revolução, destrói a produção exploradora , transforma os produtores
individualistas em produtores integrados na colectividade. A produção em vez de dividir os homens em explorados e exploradores une-os agora
todos, faz de todos servidores do Povo , desenyolvendo o bem estar do Povo.
Nas zonas livres o Estado colonial e burguês foi destruído, as estru
turas feudais desapareceram . Surge um novo Poder que é democrático, que é nosso.
Os elementos que exercem o Poder gozam realmente da confiança das massas pois cresceram politicamente no seio da luta das massas. Eles discutem continuamente com as massas. As novas orientações, as novas directrizes, vêm da discussão e da experiência prática das massas, são
assumidas pelas massas para serem aplicadas. Do Círculo à Localidade, do Distrito à Província e à Nação, pela
primeira vez na nossa História, o Povo tem um poder que é seu , que não sente como coisa estranha que o submete . Poder que pertence à maioria explorada e que impõe a vontade desta a toda a Nação, assim é o nosso Poder.
II. ORGANIZAR A VIDA DEMOCRATICA O exercício do Poder , a sua forma e os seus métodos , devem corres ponder ao seu conteúdo .
Mas acontece muitas vezes que o conteúdo novo seja ainda guar dado nas garrafas velhas, isto é, exprime-se pela forma antiga. O nosso Estatuto ao definir os métodos de trabalho na FRELIMO -- capitulo VII, alínea a ) e seguintes expressamente estabelece uma 75
série de pontos que podem ser resumidos nas fórmulas seguintes: livro discussão, submissão da minoria à maioria, responsabilidade colectiva, crí tica e autocrítica do trabalho e do comportamento . O nosso Estatuto, o conteúdo da nossa acção, exigem uma demo
cracia real, uma verdadeira liberdade de expressão de opinião, uma dis cussão profunda àcerca das decisões que tomamos. Por isso na nossa vida damos tanta importância às reuniões com as massas e com os combatentes. São as reuniões que permitem auscultar
o verdadeiro sentimento e consciência da base, detectar as contradições, explicar e fazer assumir a linha e as orientações concretas para cada situação específica .
As nossas decisões devem sempre ser democráticas no conteúdo e na
forma. No conteúdo quer dizer que elas correspondem aos interesses reais das largas massas. Na forma significa que as largas massas devem parti cipar na elaboração da decisão, senti-la como delas e não imposta de cima para baixo. É evidente que há situações concretas, de emergência, em que o res
ponsável tem que assumir a tarefa de decidir só sem consultar ninguém . Numa emboscada o comandante não vai reunir os combatentes para que estes votem o momento em que se abre o fogo, se dá o assalto ou ordem de recuo .
Mas em contrapartida, quanto mais e melhor antes da batalha o res
ponsável discutiu com os combatentes, lhes fez assumir o sentido e objectivo da batalha em que se engajam , as dificuldades e a táctica a seguir, tanto mais estes estarão disciplinados na linha do fogo, mais pron tos estarão para o sacrifício, porque a vitória depende dum bom combate que resulta do comando que libertou a iniciativa da base.
Pode acontecer por vezes que no curso da discussão um compa nheiro ou se exprima mal, ou mesmo exponha uma ideia errada. A nossa tendência pode ser então a de o mandar calar, na base da nossa autori dade. O resultado é negativo: primeiro porque esse orador sentir -se- á
incompreendindo e persistirá na sua ideia errada indo até murmurar fora da reunião. Segundo, e mais importante ainda, para se combater uma ideia errada é necessário que todos, ou a larga maioria, compreendam como e porque a ideia é errada .
A democracia no seio do Partido é uma condição indispensável para que todos e cada um se sintam engajados e responsáveis da situação, pois que a criação e desenvolvimento da situação sempre foram asso ciados .
É certo que nas estruturas temos escalões diferentes. Na prática o tipo e natureza de cada discussão variam em função do escalão em que
a discussão se estabelece, o que é normal. Mas o princípio de discutir e elaborar a decisão em conjunto deve sempre ser mantido.
A decisão burocrática, isto é, a decisão tomada pura e simplesmente pelo chefe ou direcção sem que haja um debate e explicação com as O que é difícil massas, embora possa ter um conteúdo excelente za e ili sas ima lis não mob as mas , que em últ aná são quem a deve assumir , pôr em aplicação e defender. 76
A decisão burocrática arrisca-se, embora tendo um bom conteúdo,
a não corresponder ao nível de compreensão das massas, por outras pala vras, ser irrealista e criar uma contradição que teria sido evitada se uma discussão tivesse tido lugar.
A discussão democrática exige uma preparação rigorosa. Antes da discussão devemos proceder a uma investigação cuidadosa do assunto ou assuntos a debater, detectar o sentido geral da questão, estarmos cla ros sobre a linha do partido na matéria. Assim preparados estamos em condições de orientar a discussão e
formular as orientações correctas, as palavras de ordem exactas. Devemos sempre considerar que, se uma orientação em si é correcta,
muitas vezes se tentamos impô -la pode ser negativa por não corresponder à compreensão das massas . Em particular, as orientações que contrariam as tradições devem ser introduzidas progressivamente, depois de uma mobilização profunda que toque em especial o sector ou sectores que são mais vítimas dessa tradição. Ao orientarmos uma discussão devemos utilizar a táctica de unir os
sectores conscientes, isolar as forças recalcitrantes, ganhar ao ponto de vista justo a maioria hesitante. Por isso nas discussões não podemos ser abstractos, temos que tocar os pontos concretos, raspar as crostas para que sangrem as feridas e assim
todos sintam realmente a necessidade da resolução do problema. Preparar pois a discussão como quem prepara um combate : fazer um reconhecimento estratégico e táctico dos pontos a discutir, conhecer
os pontos fracos e fortes nossos e daquilo que queremos combater, orga nizar e dispor correctamente as nossas ideias, conhecermos como avan çar e como recuar se necessário .
Para levarmos a cabo a ofensiva de democratização dos nossos mé
todos de trabalho, devemos dar uma importância à democracia política, económica e militar no nosso seio.
Ao trabalharmos devemos sempre ter em mente que o Poder pertence ao Povo e somos todos igualmente oprimidos e humilhados, vendidos e explorados, massacrados, que somos irmãos da mesma classe com uma mesma missão: servir o Povo . É esta a base da nossa unidade, o ponto de partida da nossa democracia.
A democracia política é fundada na discussão colectiva, na resolu
ção colectiva dos nossos problemas. Todos e cada um são chamados a exprimirem os seus pontos de vista sobre como melhor servir o Povo em cada situação concreta. Todos e cada um são responsáveis pela vida da Organização, pelo desenvolvimento e consolidação da luta e Revolução. Todos e cada um têm o dever de desenvolver criadoramente a nossa linha, sintetizando as nossas experiências ricas, adquiridas no combate político e armado contra o inimigo, na transformação da sociedade, na mobilização das leis da natureza a favor do progresso colectivo. Os erros cometidos, individuais ou colectivos, as violações da nossa linha e da nossa disciplina devem servir -nos para nos educar. As lições
tiradas dos erros devem ser discutidas pelas massas para que elas adqui ram a nova experiência. As violações da linha e as agressões contra a 77
nossa disciplina devem ser objecto de discussão e crítica pública das massas. Fazendo assim, por um lado utilizamos os erros para aprofundar a nossa consciência política, e por outro lado entregamos às massas a defesa da linha e da disciplina, que é a sua propriedade. A tendência de certos camaradas de esconder perante as massas os erros cometidos especialmente por responsáveis, reflecte falta de demo
cracia política e falta de confiança nas massas. O poder pertence ao Povo trabalhador. A linha política exprime os interesses das massas laboriosas e a disciplina é a sentinela que defende
a linha. Assim é evidente que a defesa da linha e da disciplina compete primeiramente às massas populares, essa defesa é a defesa da sua vida. Confiar às massas a tarefa de criticar os erros, os desvios e agres sões contra a linha e a disciplina é afirmar também que os erros, os des vios e agressões, os crimes, são antes de tudo actos políticos que reflec
tem ou insuficiências na compreensão da linha ou oposição à linha. Neste quadro a denúncia e crítica públicas constituem lições políticas que nos educam e educam também aquele que violou a linha. Ể por esta razão que nos opomos de maneira geral aos julgamentos secretos ou à preocupação imediata com a elaboração de códigos penais
e disciplinares. O julgamento secreto quando introduzido como sistema impede as massas de exercerem o seu Poder e abre o caminho para
abusos eventuais. Os códigos por seu lado tendem a congelar a evolução dinâmica e o processo de transformação constante em que nos engajamos e podem por isso facilmente despolitizar e burocratizar a justiça. A democracia militar é assegurada pela participação de todos na sin tetização das nossas experiências de combate, no estudo colectivo do conjunto do nosso país e do inimigo, nas lições tiradas em comum sobre cada acção, na discussão constante sobre os métodos para estendermos a luta armada a novas zonas e consolidar a nossa rectaguarda. A democracia económica insere-se directamente no nosso combate
pela liquidação do sistema de exploração do homem. Asseguramos a democracia económica abolindo primeiramente o
poder das companhias e das classes exploradoras coloniais-capitalistas, ou tradicionais-feudais. Impedindo que estas classes explorem os trabalha dores, criamos as bases da democracia económica.
O nosso trabalho de mobilização e organização das massas na trans formação da produção individual ou familiar em produção colectiva con solida o processo da democracia económica. Com efeito, agindo assim
impedimos que a produção individual ou familiar degenere em proprie dade exploradora originando classes de novos exploradores. Simultânea mente tornamos concreto o princípio justo de que todas as riquezas do. nosso país e o nosso esforço pertencem à colectividade, servem a colec
tividade e destinam-se a desenvolver e melhorar as condições de vida e o bem estar do Povo.
Neste quadro, o trabalho, a participação na produção não só é um dever como também um direito de todos e cada um .
Para a Revolução não há desempregados, inúteis ou inválidos, talen tos que não possam ser utilizados. Todos têm o dever e o direito de 78
participarem na luta colectiva pela transformação da sociedade e pela
utilização dos recursos da natureza em proveito da colectividade. A par ticipação na produção une-nos à nossa classe, e a recusa de participação na produção exprime uma oposição à nossa linha e um apoio aos explo radores.
A discussão colectiva sobre os métodos de aumentar, diversificar e
melhorar a nossa produção, a síntese constante e colectiva das nossas ex periências positivas e negativas, a decisão tomada e mcomum sobre o método de repartição dos frutos da produção tendo em conta as necessi dades quer da guerra, quer da elevação do nível de vida das largas massas, garantem o desenvolvimento da democracia económica.
Dentro deste quadro compreendemos que manifestações de preguiça no nosso seio, a falta de respeito pelos bens do Povo e da Organização, constituem atentados graves contra a nossa linha política de democracia económica, expressões dum espírito de parasita, espírito de explorador.
O processo e a experiência da democracia é novo no nosso país. O nosso Povo, porque sempre viveu sujeito à dominação das diversas classes
exploradoras, nunca conheceu a democracia, ela afirma-se já a diversos níveis : político, económico, militar. Ela é exercida ainda no quadro das
estruturas da Organização. Importa na fase presente alargarmos o campo da sua aplicação, materializando assim ainda mais o princípio de que o Poder pertence às massas trabalhadoras.
Dentro deste quadro, uma necessidade importante, que corresponde à consolidação do Poder nas zonas libertadas, é a de progressivamente, começando dos escalões inferiores, ir generalizando o sistema de eleições
para a designação dos responsáveis civis da população, por outras pala vras, criarmos verdadeiras estruturas democráticas de base do Poc
admi
nistrativo .
É evidente que as eleições não podem ser anárquicas, mas têm de ser orientadas de maneira a que a escolha das massas recaia nos elementos que assumiram na ideia e comportamento a linha do Partido, possuam capacidade de iniciativa e de organização.
Importa por isso exercer uma grande vigilância para impedir que sejam eleitos elementos com tendências exploradoras, embora gozando de
popularidade — por razões subjectivas ou acções demagógicas. Velhos e jovens, homens e mulheres, igualmente devem participar na escolha e devem aparecer no exercício das responsabilidads lutando contra a tendência arcaica de discriminar a mulher e os jovens.
Devemos compreender que na medida em que a revolução se desen ' volve e se consolida e a vida se reorganiza, uma divisão de tarefas cada vez mais nítida se estabelece entre a organização política, a administração e as estruturas militares.
A associação cada vez maior de representantes eleitos das populações
às tarefas de administração das mesmas, fomenta a iniciativa das massas e habitua as massas à vida democrática , cria um sentido de responsabili dade colectiva, leva as massas a exercerem o poder. Em definitivo, na fase final, a tarefa do Partido político é dirigir, organizar, orientar e educar as massas; a tarefa das estruturas administra 79
tivas é pôr em prática as decisões nos diferentes campos da vida econó mica e social, enquanto que a tarefa da estrutura militar é apoiar as massas e protegê-las, expulsar o inimigo da Pátria, defender a Pátria e participar activamente na sua reconstrução.
O Partido dirige e orienta a reorganização da vida das massas e a reconstrução nacional, como orienta e dirige o exército, definindo- lhe os alvos, educando a consciência. O exército cria as condições para libertar o Povo e a terra. A administração, ela põe em aplicação as directrizes
sobre a reconstrução nacional. Na fase actual em que aumentam e se diversificam as tarefas da
administração, importa progressivamente irmos democratizando os métodos de trabalho e de designação de responsáveis.
Os nossos métodos de trabalho não são secundários, pois que são eles quem materializa a aplicação das decisões.
Para um órgão de direcção trabalhar com as massas necessita que esteja unido. Quando existem contradições num órgão de direcção nasce o boato, a intriga e a calúnia . Cada facção procurará mobilizar apoio para a sua corrente, dividindo as massas. Quando estamos desunidos, dividimos as massas e os combatentes, conduzimos a base a perder confiança na direc
ção, a desmobilizar-se e tornar -se inactiva, abrimos brechas por onde o inimigo penetra. Finalmente dividimos os nossos amigos. Para estarmos unidos e unirmos as massas, devemo-nos conhecer bem. Conhecermo-nos bem é sabermos que estamos correctos na ideia e
no comportamento , e quando há algo de incorrecto, estarmos prontos a assumir a responsabilidade, submetendo-nos à crítica e auto -crítica. A unidade no seio da direcção, à volta da linha correcta seja a que
escalão for, é a força motriz do sector e condição para o sucesso da tarefa. Da mesma maneira que uma pessoa se deve alimentar diariamente a fim de que o seu corpo se encontre em condições propícias para aguen tar as tarefas e dificuldades, assim também a unidade se alimenta diaria mente .
A vida colectiva, o trabalho colectivo, o estudo em conjunto , a crítica
e auto-crítica, a ajuda mútua, são alimentos, os sais e vitaminas da unidade. Os membros da direcção não devem ter vidas separadas uns dos outros, cada um ter uma vida própria e só se juntarem no momento em que há reuniões. Os membros duma direcção, tendo em conta é claro as tarefas de cada um e as deslocações necessárias, devem esforçar-se por viverem juntos, conhecendo-se assim melhor no quotidiano, apreendendo as deficiências de cada um, para melhor se corrigirem mutuamente . Tra balharem juntos, produzirem juntos, suarem juntos, juntos sofrerem 08 rigores da marcha, juntos superarem as dificuldades do inimigo, da natu reza, cria laços fortes de amizade e respeito mútuo. O que nos liga não são palavras, mas muitas acções que vivemos juntos servindo o Povo, liga -nos uma unidade irrigada pelo suor e sofrimento, fertilizada pelo sangue. Assim , quando sentimos que um companheiro está atrasado, vamo-nos esforçar por fazê-lo avançar. 80
Temos que compreender que a ignorância de um é um ponto fraco colectivo e afecta o trabalho de todos.
Como podemos aceitar, por exemplo, que o nosso companheiro con tinue analfabeto, sem falar português ? Será necessário, para alfabetizar mos esse camarada, para lhe ensinarmos português, que se reuna o Comité Central e vote uma resolução sobre isso ? O ponto fraco de um nunca pode servir de ponto forte para ninguém , o ponto fraco de um, o erro de um dificulta o trabalho de todos, prejudica a nossa tarefa, enfraquece a colectividade.
A nossa preocupação é de avançar como as vagas do mar, avançar em conjunto, não deixar outros atrasados e ignorantes cometendo erros. Organizar o estudo político, científico e literário para em conjunto assumirmos a situação e dispormos da técnica capaz de nos ajudar a supe rar as dificuldades. Utilizar com frequência a crítica e auto -crítica, tanto para rectificar os métodos de trabalho, como para corrigir os erros e desvios individuais. Mas não fazer da crítica e auto -crítica uma rotina religiosa, uma espécie de confessionário em que dizemos os pecados, somos absolvidos, recebemos uma penitência e preparamo-nos para repetir as mesmas situações.
Combatermos energicamente o espírito de vitória, a auto -satisfação. Nada mais ridículo e falso do que ouvir um camarada dizer que « tudo está bem, a situação é boa». Afirmações como esta mostram auto -satisfação e rotina, como demons tram falta de análise, incapacidade para detectar as deficiências e orga nizar o combate contra elas .
A falta de análise e estudo conduz à ignorância dos problemas e à hesitação perante as situações concretas, um vacilante não pode ter autoridade perante as massas .
Um elemento não é responsável, não é dirigente, apenas porque foi eleito ou designado para executar uma tarefa.
A verdadeira autoridade que faz um dirigente, é a autoridade política. Quando um dirigente não possui a confiança dos seus companheiros
e das massas, ou tendo - a possuído perdeu-a, cai na autoridade administra tiva, no autoritarismo.
Possuir autoridade política é primeiramente demonstrar, pelo compor tamento e ideias, que se assumiu a linha do partido e se vive essa linha continuamente .
O dirigente é em todo o momento o representante, o defensor e o exemplo da linha política da FRELIMO. Se surge uma contradição entre a linha e o comportamento do diri gente, este não se encontra em condições de perante as massas representar, defender e mostrar o que é a linha. Costumamos dizer duma maneira vulgar, que aquele que tem bife na boca não pode falar.
Por outras palavras, um responsável que é indisciplinado, por muito que fale de disciplina, só explicará na realidade a indisciplina e com a sua indisciplina vai fomentar liberalismo e anarquia. 81
Um responsável que desvia bens do Partido para satisfazer os seus interesses e vícios poderá fazer mil discursos sobre a importância de res peitar os bens do Partido e do Povo, o preço do sangue com que esse material foi adquirido. Na realidade ele só pode ensinar corrupção às pessoas, e estas lutarão entre si para ver quem mais e melhor se beneficia dos bens do Partido, quem mais e melhor explorará a seu favor o sangue e suor do Povo.
Um responsável que recuse ter calos nas mãos poderá fazer centenas de reuniões sobre a produção, mas isso não levará ninguém a produzir e não organizará uma só cooperativa. Um responsável que fale de produção colectiva e queira manter a sua
machamba e o seu gado, continuará a ensinar que devemos persistir na propriedade privada. Um responsável que organiza o combate contra as tradições que opri mem a mulher e é o primeiro a aceitar que os filhos e filhas sejam subme tidos aos ritos de iniciação, na realidade mobiliza as massas para continua rem mergulhadas nas tradições reaccionárias.
Um responsável que vem explicar o valor da higiene e saúde e é incapaz de cavar uma só. latrina, de limpar a sua casa e libertá-la de moscas e mosquitos, que não ferve a água de beber, que continua a recorrer a curandeiros e feiticeiros, conduz pelo seu exemplo o Povo i fazer o mesmo .
Em resumo, as massas dirão sempre : ele diz palavras porque lhe deram ordem de dizer essas palavras, mas essas palavras são vazias como o vento. Deixa passar e tudo continuará como antes. O resultado é que o responsável, pelo seu comportamento, cria o caos, e temendo a censura dos seus superiores, temendo ser afastado do seu
posto que rodeou de privilégios, vai impor uma ditadura às massas para criar uma fachada de coisas bonitas quando tudo está em ruínas. Em vez de discutir e convencer, berrará ordens, dará punições, e ao mesmo tempo, porque com a sua vida cria compromissos, não pode punir oſ seus cúmplices, criando um sentimento geral de injustiça, não pode punir os que conhecem os seus pontos fracos criando liberalismo. Este responsável cria todas as condições favoráveis para fomentar
contradições nas massas, divisões, abre as portas e janelas aos boatos e intrigas, em resumo, instala uma base inimiga onde deveria ser um centro difusor da vida da FRELIMO .
A autoridade política exige do responsável uma alta disciplina, isto é, que as suas ideias, vontade e comportamento se identifiquem totalmente com a linha da FRELIMO e as decisões dos órgãos competentes. A auto ridade política requer ainda competência, vontade de aprender, capacidade em reconhecer as próprias limitações e decisão em combatê-las. Um incompetente não está em condições de dirigir e organizar. Para manter a sua posição imporá decisões, e como estas terão de ser erradas, ele impedirá a discussão e a crítica. Ao mesmo tempo ele oprimirá todos aqueles em quem sente qualidades superiores, porque conhecendo apenas
a sua ambição, ignorando as necessidades do conjunto , ele vê na compe tência dos outros « concorrência » .
82
Quanto mais competente é um elemento, mais vontade de aprender dos outros ele tem, melhor reconhecerá as suas limitações e lutará contra
elas. Por isso fomentará sempre um espírito colectivo, a discussão, estimu lará a iniciativa dos seus subordinados e combaterá o burocratismo que dificulta e trava o progresso .
Um dirigente deve possuir a visão do conjunto, a única que lhe per mite compreender como a sua tarefa ou sector de actividade se integra no
processo geral da luta. Assim poderá definir os objectivos e prioridades do seu trabalho a curto, médio e longo termo .
É estabelecendo as prioridades correctamente que se pode planificar o trabalho. Planificar significa organizar a tempo os recursos materiais e humanos, criar as condições políticas e materiais para se atingirem os
objectivos programados dentro do período determinado, estabelecer a es tratégia e a táctica adequadas para utilização mais eficiente dos recursos de maneira a cumprir-se correctamente o plano. Um aspecto final que é exigido do dirigente é a preocupação cons tante pela melhoria das condições de vida das massas e combatentes. A Revolução destina -se a criar melhores condições de vida .
Isso implica as transformações materiais que fornecem à base objec tiva da elevação do nível de vida. Esta acção requer também uma acção de explicação e educação para que por um lado se compreenda a necessi dade da transformação e por outro se compreenda como beneficiar da transformação e como a utilizar. Assim, por exemplo, não basta criar-se uma horta, é necessário ainda que as pessoas compreendam o benefício que lhes traz o consumo da sa lada e como a consumir. Não é suficiente cavarem -se latrinas numa povoa
ção ou base : é indispensável explicar-se qual a sua necessidade e como as utilizar.
Em última análise, um responsável, uma direcção, exprimem a nossa linha .
Assim a sua qualidade central é a defesa da linha, a preocupação pela vida da Organização política, pela vida das massas e combatentes .
É este o critério supremo para apreciarmos os méritos do nosso tra balho, a pedra de toque para distinguirmos a direcção correcta e eficaz da direcção incompetente e errada. Na zona colonialista e capitalista a direcção é julgada em função dos
benefícios que a sua actividade traz para as classes exploradoras e a sua capacidade em impedir e reprimir o movimento reivindicativo das massas. Porque o nosso objectivo é servir o Povo e o Poder pertence ao Povo, o nosso critério são as transformações operadas no seio da sociedade e a utilização dos recursos da natureza em benefício das largas massas.
III. CENTROS DÍFUSORES DA LINHA
Um centro nosso , educacional ou sanitário, um infantário ou posto comercial, uma cooperativa ou destacamento, uma base ou um distrito, para além da sua tarefa específica, tem a missão fundamental de ser um 83
centro difusor da nossa linha e da nova vida, um modelo da nova socie dade em construção e das novas relações sociais entre os homens. Como uma lanterna na noite escura nos indica o caminho a seguir, os nossos centros mostram às massas o processo de construção da nova sociedade. Isto implica que os centros apareçam como agentes dinâmicos na transformação da mentalidade do homem, e forças motrizes na mobili zação das leis e recursos da natureza para elevar o nível de vida das massas .
No processo de transformação do homem e da sociedade encontramos numerosos obstáculos.
Compete-nos transformar a massa enorme, diversa e rica, que do Ro vuma ao Maputo e dos confins de Tete ao Oceano Indico, constitui o nosso Povo. Há velhos incrustados em tradições arcaicas e jovens defor mados pelos falsos valores do colonialismo e capitalismo. Temos mulheres
a quem durante milénios a sociedade oprimiu asfixiando a iniciativa. Vêm para as nossas fileiras advogados e engenheiros, sociólogos e economistas, técnicos e intelectuais, frequentemente endoutrinados pela burguesia para desprezarem o trabalho manual e se conceberem como uma elite dirigente que nada tem a aprender. Mas encontramos também camponeses analfa
betos com uma experiência do mundo limitada aos horizontes da sua povoação, a quem a dominação colonial inculca a ideia de que constituem uma massa ignorante e bruta incapaz de raciocinar ou possuir iniciativa. Das fábricas e das minas, das serrações e das plantações, dos transportes chega-nos uma classe operária embrionária , com uma consciência de classe
fraca e ainda incapaz de assumir o seu papel dirigente no processo de transformação da sociedade. Das administrações e escritórios, das casas
comerciais e bancárias vêm a nós funcionários e empregados eivados duma mentalidade pequeno -burguesa. As zonas rurais e urbanas enviam -nos continuamente novos elementos
possuindo as suas deformações especificas. Nas zonas rurais a vida é particularmente desorganizada, sem noção
de programa ou pontualidade, profundamente dominada pela rotina e tra dições ultrapassadas que inibem o progresso e paralizam a iniciativa. Para o camponês o Poder é o governo hostil e estrangeiro que se manifesta pela
_caderneta e imposto, pelo recrutamento forçado e os baixos preços fixa dos à venda dos produtos penosamente obtidos, pela palmatória e machila . O terror asfixia a iniciativa. O homem vive em contradição permanente com uma natureza que desconhece e teme, com um Estado que o explora,
oprime e humilha. As suas relações sociais vão pouco para além da povoa ção em que vive e quando muito estendem -se ao grupo linguístico que é seu .
Na cidade colonial-capitalista a luta pela sobrevivência é feroz e força os seres ao egoismo, à concorrência. A ambição, a luta para mais e melhor
explorar outros homens destroem a confiança entre as pessoas e fazem delas rivais. Funcionários e empregados fomentam calúnias e intrigas con
tra colegas para serem promovidos em seu detrimento. Adulam -se chefes, procuram -se «cunhas», arranjam -se alianças de uns contra outros, humi lham-se as pessoas para salvaguardarem o seu pão quotidiano. A cultura 84
degenerada colonial capitalista exalta gostos degradantes e corruptos que animalizam o homem. A cada um é inculcado o desejo do Poder e do luxo construidos por cima da exploração e humilhação dos outros seres . No campo, como sobretudo na cidade, domina ainda a onda de opressão colonial-fascista. A acção da PIDE procura infundir um terror permanente nas pessoas que as conduza a resignar-se à fatalidade dum des tino de exploração e dominação . O desencadeamento da luta e as vitórias que alcançamos mostram
duma maneira concreta que não existe nenhum destino ou fatalidade, que somos capazes de transformar a sociedade e criar uma Nova Vida.
Por isso as pessoas procuram a FRELIMO. Todos odeiam o inimigo, a opressão e a humilhação, a exploração e o terror, muito embora fre quentemente não esteja bem clara a definição do inimigo . Todos anseiam
pela liberdade e estão dispostos a sacrificar-se por ela mesmo quando ainda ignorem como exprimir correctamente o seu conteúdo . Todos aspi
ram a um mundo diferente ainda que não possam precisar qual a dife rença .
Assim, sem clareza, com dúvidas e incertezas, com vícios e defeitos,
com tradições mortas e gostos decadentes, presos no tribalismo ou no indi vidualismo, com a iniciativa asfixiada e a inteligência temendo pensar, com os complexos herdados e impostos, cada um chega à luta, cada um
vem à FRELIMO procurando a resposta certa, o caminho correcto . A nossa tarefa é a de a todos integrar e transformar em servidores
do Povo, combatentes defendendo os interesses das massas exploradas, militantes da causa da libertação da Pátria.
Nenhum milagre virá ajudar -nos nesta tarefa gigantesca. O processo de transformação é feito pelos homens que somos, lutando continuamente contra as nossas próprias limitações. Para nos transformarmos e transformarmos os homens que cada dia chegam a nós precisamos de viver organizados, por outras palavras possuir o aparelho, as estruturas capazes de aplicarem a linha. Sem estarmos organizados não conseguimos transformar-nos a nós
próprios e seremos ao contrário arrastados pelo peso dos hábitos e gostos da outra zona .
Viver organizado significa primeiramente possuir estruturas. As estru turas são a presença organizada da FRELIMO no nosso seio. São elas que nos mostram qual a nossa tarefa, como ela se combina com todas as outras tarefas e como estamos assim integrados no corpo da FRELIMO . Sem as estruturas, por outras palavras sem a integração na FRELIMO , viveremos isolados, como membros fora do corpo.
É evidente que por mais inteligente, dinâmica, trabalhadora é dedi cada que uma pessoa seja, ela não pode sózinha fazer todos os trabalhos do centro em que vive . São as estruturas que nos fornecem os mecanismos adequados para distribuirmos as tarefas entre nós .
As estruturas fornecem -nos os canais apropriados para a resolução
dos problemas que enfrentamos no nosso trabalho e na nossa vida. É através das nossas estruturas que asseguramos a discussão dos nos sos problemas, descobrimos como aplicar a nossa linha duma maneira 85
criadora em cada situação concreta enfrentada. É no quadro das nossas estruturas que corrigimos os nossos métodos de trabalho.
As estruturas são o instrumento da democratização da nossa vida, pois que levam à participação de todos duma maneira organizada, à solu ção dos problemas de maneira colectiva. Quando levamos todos a participarem na resolução dos problemas, quando fazemos que todos e cada um se sinta responsável pela resolução
dos problemas enfrentados, estamos a colectivizar a nossa direcção, a colectivizar a nossa vida .
As estruturas não caem do céu, elas são produtos de situações pre cisas e respondem a necessidades concretas. Quer dizer que as estruturas devem ser operacionais, isto é, responder às necessidades e situações pre cisas de um dado centro. Elas devem permitir uma divisão e coordenação
das tarefas do centro, a execução da tarefa principal e das outras tarefas revolucionárias.
É evidente que não vivemos uma situação estacionária : o desenvolvi mento da luta, a acção inimiga modificam constantemente a situação que
vivemos. A modificação da situação, a mudança de condições requerem que as estruturas se adaptem a elas. As estruturas devem adaptar-se à vida, não é a vida que se deve submeter às estruturas . Isto significa que as estruturas devem ser flexíveis, para poderem sempre adaptar-se à situação concreta .
As estruturas têm uma função: assegurar uma continuidade e desen volvimento do trabalho, permitir que as nossas tarefas sejam cumpridas correctamente em todas as condições, por outras palavras, elas devem ser dinâmicas, elas são transmissoras da energia que faz movimentar a máquina. Mas as estruturas são também os homens , sem eles as estruturas
tornam-se apenas bonecos, mais ou menos bem desenhados numa folha de papel ou num quadro. Frequentemente no processo da revolução surgem erros e desvios, muito embora a linha seja clara e as estruturas adequadas. É ao nível das insuficiências que possuímos, que devemos situar a causa destes erros e desvios .
O desenvolvimento da nossa Revolução, a extensão e consolidação da nossa luta armada suscitam o aparecimento de novas contradições. Cada progresso suscita sempre uma reacção, a Revolução é sempre oposta pela contra-revolução. A contradição principal que surge entre nós na fase presente é entre as exigências da situação e a nossa capacidade.
A luta, a instalação do poder popular, desenvolvem -se mais rapida mente do que a consciência e a capacidade dos quadros, sobre quem pesa a tarefa de orientar, canalizar e dinamizar o processo geral. O aspecto principal desta contradição manifesta -se na incapacidade das estruturas de alguns centros em resolverem por si correctamente os diferentes problemas que surgem, a sua dificuldade em definir e planificar as tarefas, a impossibilidade desses centros em integrarem e transformarem 86
efectivos crescentes que lhes são confiados, as populações cada vez mais numerosas de que são responsáveis. Ora todos nós possuímos uma linha clara de orientação, uma linha provada pela prática : a linha da FRELIMO, que cobre todos os aspectos da nossa vida e todos os sectores da nossa luta. A análise criadora da
linha permite-nos encontrar a resposta adequada para cada situação con creta que enfrentamos. As nossas estruturas têm acompanhado a evolução da situação, estamos sempre a organizar-nos. Temos connosco as massas, temos as estruturas, a linha.
Então onde se encontra a causa da contradição ? Como resolver a contradição para passarmos a uma fase superior ? A resposta está nos
quadros, que são o factor decisivo na aplicação da linha e na vida das estruturas. Perguntamos, porque é que os quadros veteranos da luta, que cons truiram com numerosos sacrifícios aquilo que somos hoje, se deixam, como dizemos, ultrapassar ? Temos primeiramente como causa desta situação, o espírito de vitória .
As grandes vitórias que alcançamos, tanto no campo da luta armada como no da liquidação das forças reaccionárias e na destruição das infil trações inimigas no nosso seio, ou ainda na reconstrução nacional, levam certos camaradas a só verem vitórias contínuas, a desprezarem tactica
mente o inimigo , a considerarem sempre a situação como « normal», «boa», e nunca tiram lições dos revezes, não estudam como combater as nossas limitações.
Por isso deixam de estudar a nossa linha, acham que já conhecem o suficiente e aí estão as vitórias a prová-lo. O resultado é o abandono da análise política, a nossa consciência torna- se insensível aos desvios e agressões contra a linha e assim não conseguimos detectar e destruir no ovo as infiltrações ideológicas, morais e físicas do inimigo.
Negligenciam o estudo científico, consideram que já sabem o sufi ciente, tanto mais que aí estão as vitórias a prová -lo. Mas o desenvolvi
mento da guerra e da reconstrução nacional requerem conhecimentos científicos cada vez mais sólidos e superiores, e nós não os temos. Como resultado desta atitude a nossa ignorância bloqueia o progresso, e o que não progride estagna e apodrece. Deixam de estudar o inimigo, consideram que já o conhecem sufi cientemente, e a prova é que aí estão as vitórias. Mas as manobras do inimigo evoluem continuamente, e o seu espírito criminoso e desesperado cresce com cada derrota. Não estudar continuamente o inimigo, despre
zá- lo tacticamente, leva-nos à rotina, e por isso a sermos surpreendidos pelas novas manobras do inimigo, pelos seus novos crimes. Assim, em vez de mantermos a ofensiva, em vez de destruirmos a cobra quando está no ovo, caímos na defensiva, descobrimos a cobra quando, já adulta, levanta a sua cabeça venenosa para nos liquidar. Abandonam o combate interno pouco a pouco, já estamos suficien temente puros, já nos demarcámos o suficiente do inimigo porque não temos contacto físico com ele. Pouco a pouco a velha vida, a vida da 87
outra zona penetra, o liberalismo introduz-se, a corrupção surge, os com promissos começam a paralizar-nos, as ideias erradas pululam , a supersti ção espalha-se. Cria-se com isto o clima de relaxamento, a desconfiança e a injustiça infiltram -se, a divisão surge e o inimigo descobre que o terreno começa a fertilizar-se para ele poder agir. O espírito de vitória é uma manifestação de oportunismo de es querda : leva-nos a desprezar tacticamente o inimigo, conduz-nos ao aven tureirismo. Cedo ou tarde o espírito de vitória far-nos- á pagar em sacri
fícios, far-nos-á pagar caramente em baixas pesadas e inúteis os erros que cometemos.
O espírito de vitória é irmão gémeo do espírito de derrota, o opor tunismo de esquerda é a outra face do oportunismo de direita. Quando, em consequência dos erros cometidos pelo espírito de
vitória, se sofrem revezes, os aventureiros caem então no espírito de derrota, temem o inimigo do ponto de vista estratégico, começam a só analisar fracassos, deixam de ver os progressos da luta. Como tinham o espírito de vitórią rápida, a guerra torna-se « interminável » nas suas cabe
ças. As vitórias alcançadas são para eles casuais e isoladas. Com este espírito passam a realizar as suas tarefas com um desinte resse evidente, abandonam totalmente a visão de conjunto, só vêm erros nos trabalhos efectuados pelos outros camaradas, mas recusam -se a apon
tar e discutir os erros, a propôr soluções justas. Preferem o murmúrio à crítica e auto -crítica, a intriga à discussão aberta . Criam os seus grupi nhos, os seus aliados.
Só analisar fracassos, só ver erros, torna-se uma maneira de justificar e camuflar o abandono das posições revolucionárias, o desinteresse pelo trabalho.
Criam -se doenças e problemas imaginários, apresentam -se como incompreendidos, perseguidos, mártires de conspirações e inimigos que só existem na sua imaginação ociosa e doentia. Os corpos continuam na nossa zona, mas os espíritos já se instalaram na outra zona, sonhando com o conforto e corrupção vistos como coisas maravilhosas.
Uma outra insuficiência que aparece frequentemente ligada às mani festações anteriores é o espírito de « veterano » , de « antigo » na guerra e
política e por isso sabe tudo, nada tem a aprender sobretudo das novas gerações. As novas gerações em particular, cheias de dinamismo e dese
josas de introduzir novas ideias e métodos, são concebidas como con
correntes indesejáveis que vêm desalojar os « veteranos» da sua rotina e privilégios. Estes « veteranos », que de veteranos só possuem a antiguidade e não a riqueza duma experiência sintetizada para ser transmitida às novas gerações, são elementos estagnados mentalmente. Cumprem rotineiramente as suas tarefas sem se preocuparem em introduzir novos métodos nascidos
da experiência adquirida. Ao trabalhar não se preocupam em realizar a tarefa o melhor e mais rapidamente possível, e cometem erros que justi ficam dizendo que errar é humano . Têm vergonha de reconhecer a sua
ignorância e assim recusam - se a aprender, persistindo nos velhos cami 88
nhos errados. A sua antiguidade é pretexto para reclamarem privilégios e darem prioridade aos seus problemas pessoais e egoistas. Querem um tratamento especial porque são antigos, esquecendo-se que dos veteranos exigimos sobretudo um espírito e comportamento exemplares que nos eduquem na Nova Vida. Impedem a promoção de novos quadros e novas forças e procuram semear a desconfiança contra elas. Fazem isso porque perderam a visão do conjunto e a noção das necessidades crescentes da guerra e reconstrução nacional. Preocupam -se pois com postos e não com as tarefas da luta, querem defender privilégios e rotinas que os transfor mam em pequenos capitalistas..
Estas manifestações exprimem a contradição permanente entre o velho e o novo, o progresso e a rotina, o espírito de desenvolvimento e o espírito conservador. Esta contradição é própria de todas as revoluções e o método para a tratar correctamente é de educar os quadros no espí rito de progresso , na visão do conjunto e no sentido de servir as massas
ganhando as novas gerações para desenvolver o trabalho. As novas gerações também devem ser educadas correctamente. Estas novas gerações, quando nas nossas zonas libertadas, quando crescem nos nossos centros, são frequentemente consideradas automatica
mente como « revolucionárias», impregnadas da nossa linha. Elas próprias assim também o pensam . Por isso negligencia -se por vezes o trabalho político no seu seio, o combate colectivo contra os gostos, os vícios e defeitos da outra zona. Sem qualquer base e porque simplesmente cres ceram fora da presença inimiga, consideram -se as novas gerações livres do passado .
Isto é um erro grave e perigoso que pode conduzir à formação de pequenos reaccionários no nosso seio, quando estamos convencidos de que formamos gerações de continuadores da revolução. Devemos compreender que as novas gerações crescem em contacto com as velhas gerações que lhes transmitem os vícios do passado. A nossa prática demonstra-nos como é que crianças e jovens nos nossos próprios centros são contaminados pelas ideias, hábitos e gostos deca
dentes. Na nossa situação a acção subversiva do inimigo também desem penha um papel importante na introdução e fomento dos valores e práticas da outra zona . Finalmente, e durante todo o período em que
ainda subsistir o capitalismo e o imperialismo no mundo, a sua propa ganda e subversão far-se -ão sentir entre nós, e a conquista da indepen dência e do Poder não constituem de modo algum garantia de impermea bilização contra os valores decadentes. Com efeito , não é em dez ou vinte anos que se liquidam os pesos mortos duma herança milenária. Os valores, os gostos, as concepções que vêm do passado, ainda que contrárias à linha, contrárias à nossa vida, contrárias ao progresso , continuam fortes. A luta abalou -os, mas ainda é muito cedo para cantarmos vitórias. Este combate político terá que pros seguir durante dezenas de anos, até que realmente a mentalidade nova
ganhe a quase totalidade da sociedade e novos problemas e contradições surjam exigindo novos combates. Por outro lado, as novas gerações cres ceram sem contacto directo com a exploração, a opressão , a humilhação 89
próprias da sociedade colonialista e capitalista. Elas conhecem os bombar deamentos, mas nunca sofreram a palmatória, combateram contra heli cópteros mas nunca foram submetidas ao trabalho forçado, liquidaram soldados inimigos mas não foram presas para pagar impostos, testemu nharam crimes mas nunca foram vendidas para as minas. No seio das largas massas existe uma rica experiência de sofrimento, um enorme potencial de ódio contra o inimigo,. Mas as experiências não são suficientemente trocadas, não são suficientemente sintetizadas para que se aprofunde o conhecimento e o ódio contra o inimigo, contra a
exploração. Podemos dizer que se desperdiça a experiência de sofrimento que devia servir para formar as novas gerações e consolidar a consciência das massas em geral.
Para superar estas deficiências e resolver as contradições da fase pre
sente, a ofensiva ideológica e organizacional impõe-se. Isto significa agir ao nível das secções e do grupo, no que respeita à organização do exército, e dos círculos no que concerne a organização das massas .
Mas para que realmente transformemos as secções e círculos em cé lulas de base, em centros da nossa vida política, sentiu -se a necessidade de agir sobre os quadros, porque é sobre estes que recai a tarefa de dinami zação da base.
Devemos dinamizar cada sector de trabalho com os elementos que, pelo seu comportamento e pelas suas ideias, demonstram ter assumido
criadoramente a nossa linha e fazerem parte da vanguarda da nossa organização, que possuem o espírito de iniciativa e visão do conjunto, se preocupam em combinar a sua tarefa principal com as outras tarefas revo
lucionárias, engajam -se no combate interno, estudam e são sensíveis aos mínimos desvios e agressões contra a linha, defendem a disciplina que é a sentinela da nossa linha política. Para além dos problemas concretos e das feridas precisas existentes em cada sector, direcção e quadros devem preocupar-se em : a) Representar, inculcar e defender a nossa linha no seu sector ; b) fazer assumir e defender a nossa disciplina que é a sentinela da nossa política ;
c) pôr a política nos postos de comando em todas as nossas acti vidades ;
d) organizar o sector de trabalho, organizá -lo no espírito de com bate entre duas linhas e na demarcação crescente entre nós e o inimigo, na aquisição da visão de conjunto e na combinação entre a tarefa princi pal e as outras tarefas revolucionárias ; e) organizar e orientar os militantes na análise crítica diária das
actividades individuais e colectivas e na sintetização das experiências, na libertação da iniciativa e na destruição do espírito de rotina e na criação do espírito de inovação e progresso ; f ) organizar e orientar o sector de trabalho no estudo político, na
alfabetização e elevação do nível científico, no estudo e análise da nossa situação e do inimigo ; * 90
g)
manter uma ofensiva intensa e permanente de combate colectivo
e de purificação das nossas fileiras dos elementos incorrigíveis, imper meáveis à linha e que persistem nos gostos corruptos, nos vícios e defei tos, e, recusam a transformação ; h) organizar e orientar o estudo das experiências teóricas e práticas
das outras revoluções, a fim de tirar lições úteis para a nossa situação, e educar os militantes no espírito revolucionário internacionalista. Podemos afirmar essencialmente que a ofensiva ideológica deve-nos criar uma consciência política sólida fundada em três pontos centrais : 1. Conhecimento profundo da nossa linha política.
2. Conhecimento íntimo da nossa luta, tanto na sua evolução como no seu significado para o nosso Povo e os outros Povos do Mundo. 3. Confiança total nas massas unidas e organizadas sob a direcção da nossa linha correcta, estar consciente de que as massas neste quadro
compreendem e assumem a luta, têm energia criadora e são invencíveis , qualquer que seja o adversário e a sua força. A dinamização exige uma investigação cuidadosa, tanto para deter minar os problemas concretos existentes no sector em que devemos agir, como também na selecção do núcleo dinamizador, que realmente deve ser composto por elementos de vanguarda. Dinamizando os quadros, que são o factor decisivo na aplicação da nossa linha política, estaremos em condições de transformar as secções e círculos em células de base da nossa organização política.
É esta acção que nos habilitará a enquadrar e transformar a vida das massas que em número crescente se integram na nossa organização, asse gurando assim o alargamento consolidado da nossa frente . Esta acção
criará ainda as condições para que se constitua no nosso seio a vanguarda organizada do nosso Povo e das classes trabalhadoras exploradas, instru mento indispensável para o desenvolvimento da revolução democrática e popular em Moçambique. Neste quadro, a natureza das relações entre os nossos centros e as
massas populares tem um papel fundamental. São as massas a fonte de vida da nossa organização, são elas a força principal e decisiva no processo da libertação da nossa Pátria e na cons trução da nossa sociedade. O combate é feito e ganho por elas e destina-se a satisfazer os seus interesses.
Qualquer centro nosso é um centro colectivo ao serviço das massas,
um centro que sintetizando as experiências da revolução leva essas expe riências às largas massas para desenvolver o processo de transformação. Servimos as massas dando - lhes o exemplo da aplicação da nossa linha. da vida.
Quando o nosso comportamento de militantes corresponde à linha, estamos a educar as massas na nova vida .
Servimos as massas dando -lhes o exemplo de vida organizada, incul
cando- lhes métodos para viverem organizadas, orientando-as para se orga nizarem cada vez melhor. 91
E organizando as massas, é criando estruturas democráticas e popula res no seu seio que poderemos transformar a sociedade. São as estruturas criadas no seio do círculo que orientarão os cam
poneses, criadores de gado, pescadores, artesãos, a organizarem -se colecti vamente para produzirem nas cooperativas, melhorarem as suas técnicas produtivas, diversificarem e aumentarem a produção , elevando assim o nível de vida das massas. É evidente que o exemplo da produção colec tiya nos centros, dos seus resultados, as machambas, as hortas, as árvores de fruto , as lagoas artificiais ou naturais para a criação de peixe, serão as melhores testemunhas do valor e veracidade da nossa capacidade colectiva em transformar a sociedade.
São as estruturas criadas no seio do círculo que levarão as massas a organizarem -se em destacamentos que punem qualquer acção inimiga contra a povoação, as machambas e locais de trabalho. E o trabalho orga nizativo que transformará cada povoação, cada machamba, numa fonte de
sofrimentos e baixas para o inimigo. O exemplo dado por cada um dos nossos centros na defesa contra as agressões inimigas, o nosso trabalho de instrução militar no seio das massas , o sabermos estimular a imaginação e iniciativa criadora das massas para combinarem as armas e armadilhas tradicionalmente utilizadas contra as feras com as armas modernas, torna rão impossíveis qualquer acção generalizada do inimigo contra o nosso Povo .
São as estruturas criadas no seio do círculo que, elevando a consciên cia política das massas e conduzindo estas ao aprofundamento da demar cação com o inimigo, aguçarão a sensibilidade das massas contra as ma
nobras ou infiltrações do inimigo, permitindo assim que as destruamos no embrião.
Em última análise, é esta estruturação que torna irreversível a liber tação duma zona e nos conduz a rechaçar as invasões e agressões inimigas por poderosas que estas sejam. É evidente que para os nossos centros dinamizarem a vida das largas massas e transformarem a sociedade, isto exige que cada centro e cada militante afectado num centro assumam a missão de servidores das massas
e continuamente, duma maneira exemplar e sem qualquer relaxamento, res peitem integralmente os interesses das massas. Não poderemos nunca tolerar que um militante nosso ouse utilizar o poder ou a arma que lhe foram confiados para servir o Povo, para cometer qualquer violação dos interesses do Povo, por mínima que seja. Devemos ser intransigentes perante qualquer liberdade tomada com as mulheres e abuso aos bens do Povo, ou qualquer injustiça cometida contra as popu lações. Isto é parte integrante da nossa linha, da nossa disciplina, e con dição indispensável para que as massas possam sempre distinguir, sem hesitação, as nossas acçõees das do inimigo. Servir as massas, transmitir -lhes a arma invencível da nossa linha, as nossas experiências, orientá -las na elevação do nível ideológico e organi zativo , é a missão de todos os nossos centros nas suas relações com as massas .
92
Iniciamos o décimo ano da nossa guerra popular de libertação contra o colonialismo português e o imperialismo. Durante estes dez anos de luta armada, estes doze anos da existência
da FRELIMO, a situação da nossa Pátria e do mundo sofrem alterações profundas.
Os nossos objectivos iniciais de independência nacional aprofunda ram-se no processo de desenvolvimento da guerra popular, criando as bases
da revolução nacional democrática e popular para instaurar o poder po pular, o poder das largas massas trabalhadoras do nosso país. A extensão da luta armada para zonas onde dominam grandes inte resses económicos e estratégicos do imperialismo, levou-nos a uma con frontação directa com este, tornando imediato e concreto o conteúdo anti -imperialista do nosso combate. As graves derrotas político -militares sofridas pelas forças coloniais
portuguesas, a sua incapacidade manifesta em bloquear a progressão do combate libertador, forçaram a direcção inimiga a modificar a natureza da agressão contra o nosso Povo, com o intuito de salvaguardar os interesses fundamentais imperialistas: a exploração das massas trabalhadoras nacio nais, a pilhagem dos nossos recursos e a destruição do movimento revolu cionário na África Austral em particular e no continente em geral. É neste contexto que se situa a entrada da África do Sul e Rodésia na guerra contra nós, o reforço do apoio militar, financeiro e técnico, a
transmissão das experiências de agressão aos colonialistas portugueses e aliados, pelos Estados imperialistas, em particular os Estados Unidos, França, Alemanha Federal e Inglaterra. Assim
a internacionalização da agressão contra
0
nosso
Povo
tornou -se uma realidade, a guerra colonial assume já o carácter de guerra imperialista de agressão. Com o objectivo de diminuir as suas baixas crescentes e alarmantes,
o comando inimigo decidiu modificar a côr dos cadáveres, « moçambica nizar» a guerra pela criação dum exército fantoche, recrutado à força e enquadrado por portugueses: OPV, GE, GEP, etc....
Esta acção permitiria ainda camuflar perante a opinião mundial a agressão estrangeira contra o nosso Povo. Estas modificações da situação requerem de nós uma resposta ade quada .
Definimos no passado que as nossas tarefas essenciais eram as de intensificar o trabalho político no seio dos quadros, estender a luta e con
solidar as nossas zonas. A IV Sessão do nosso Comité Central eleito pelo II Congresso (Dezembro de 1972), ao dar-nos a palavra de ordem de gene ralizar a ofensiva para estabelecermos a nosso favor a correlação de
forças com o inimigo, precisou que isso requeria a popularização da nossa linha, isto é, fazer que ela seja assumida e vivida pelas largas massas, a
democratização dos métodos de trabalho e a colectivização da direcção. Mais recentemente, ao estudarmos os meios para criarmos as condi ções para a aplicação destas directrizes, definimos duas orientações funda mentais: a intensificação da ofensiva ideológica em direcção dos quadros,
combatentes e massas, a intensificação do trabalho organizacional pela 93
constituição de grupos e secções como células de base, no seio do exér
cito, e fazer dos círculos a base da nossa acção política no seio das massas. Os diversos centros da FRELIMO militares, educacionais, sani tários, infantários, de produção, de comércio têm um papel decisivo a desempenhar: são eles o centro difusor da nossa linha. Para as largas massas, é a eles que compete mostrar duma maneira prática a superioridade e justeza dos nossos princípios e objectivos. Em resumo, é sobre os nossos centros que recai a responsabilidade de transmitir às massas duma maneira viva a linha política da FRELIMO.
É sobre cada um dos militantes que recai a responsabilidade de enrai zar a revolução na nossa Pátria, garantir a sua vitória, única justificação para a imensidade de sacrifícios, para o mar de sangue que já consentimos. É nos nossos centros que se encontram as respostas, é lá que possui
mos as forjas do Homem Novo, da Sociedade Nova. Por isso, ao prepararmos as celebrações do décimo ano da nossa guerra popular, transmitimos a todos os nossos centros e militantes a pa lavra de ordem :
«DEMARCAR O NOSSO PODER DO PODER DO INIMIGO , ESTABELECER O PODER ' POPULAR PARA SERVIR AS MASSAS » .
94
Fazer da escola
uma base
Durante o processo do nosso trabalho temos enfrentado crises que surgem e correspondem ao desequilibrio existente entre a nossa consciência e o grau de desenvolvimento e potencialidades da nossa luta .
Essas crises surgem nos mais diversos
para o Povo tomar
sectores, e embora elas sejam sempre circunscritas e resolvidas, compete -nos sintetizar as suas lições de maneira a
podermos beneficiar da experiência adquirida com vista à resolução das novas situações. O texto que se segue é uma síntese duma
o poder
crise
surgida
num
centro
de
ensino. Todavia as lições tiradas não
interessam apenas a esse centro ou ao sector da educação . A questão central da fase que atra vessamos é a do estabelecimento do
poder popular. Por isso os obstáculos que surgem nesta via , sejam eles numa escola , num hospital, numa cooperativa, numa localidade, num destacamento , são problemas que interessam a todos os militantes e em que militantes de todos OS sectores devem contribuir activamente para se encontrar a solu ção justa .
Ao publicarmos este texto do cama rada Presidente , fruto da discussão sobre a crise que atravessava um cen
tro educucional, fornecemos a todos os militantes um instrumento que os aju dará a resolver correctamente os pro
blemas enfrentados no seu sector. JULHO de 1974
I. O CRESCIMENTO RESULTA DA SOLUÇÃO CORRECTA DAS CONTRADIÇÕES A existência de contradições é um fenómeno natural e inevitável
para o progresso . Ao nível da natureza, ao nível das formações sociais, todo o desenvolvimento resulta do choque dos antagonismos que precederam a nova fase.
O aparecimento entre nós de fenómenos de conservantismo, ainda que em escala reduzida, exprimem a oposição ao processo revolucionário que se desenvolve, e pela oposição que suscitam, contribuem para a con solidação e progresso da revolução.
Engajados como estamos numa revolução democrática e popular que integra e desenvolve a libertação nacional, o critério supremo que utiliza mos para julgar cada fenómeno , cada manifestação, é o de saber como se inserem estes factos na luta pela instauração do poder popular e pela criação duma nova mentalidade e de novas relações sociais entre os homens.
Ao analisarmos a situação presente na Escola, a sua evolução e crises, verificamos a existência de manifestações que exprimem a oposição do 95
velho ao novo , o peso da herança morta face ao dinamismo da sociedade que se constrói.
Embora o fenómeno seja localizado e não tenha proporções graves,
importa-nos como revolucionários analisá-lo com profundidade e colher mos dele as lições que se impõem . Isto é tanto mais importante quanto o fenómeno em análise é uma experiência rica, cujo estudo e solução nos permitirá resolver situações idênticas que se verificarão inevitavelmente à escala nacional. Fazendo -o , elevamos pois as lições da prática à categoria de teoria, enriquecemos a nossa teoria revolucionária , instrumento indispensável pa ra o triunfo da revolução. Esquematizando os problemas actuais, constatamos que estes se si tuam em três grandes categorias.
a) A luta contra os complexos como luta entre o Velho e o Novo
Entre professores, entre alunos, entre ambos aparecem numerosos complexos: complexo de inferioridade e, de superioridade, complexo de veteranismo e de falta de experiência, etc.. A causa fundamental dos complexos encontra-se na diversidade das vivências de cada um .
O aluno que teve ocasião de participar nas FPLM, que se encontrou envolvido nesta ou naquela operação militar, estimar -se - á superior ao professor a quem a organização nunca confiou uma tarefa no campo mi litar. Esta « superioridade» tenderá a manifestar-se duma maneira mais forte ainda se o professor é estrangeiro.
Dentro deste espírito dificilmente o aluno poderá possuir a capaci dade política e psicológica para aprender do professor, pondo assim em causa o cumprimento correcto da tarefa que lhe foi confiada. Esta atitude errada reflecte uma incompreensão do nosso princípio de que não há entre nós tarefas civis ou militares nem existem pequenas ou grandes tarefas, pois que todas as tarefas estando ao serviço do Povo, elas são igualmente revolucionárias. Do lado do professor, armado de diplomas e de experiências cienti ficas e teóricas por vezes ricas, haverá a tendência de desprezar o aluno, sobretudo quando, as circunstâncias históricas tendo asfixiado a sua inicia tiva, o aluno sente dificuldade em ordenar e exprimir correcta e livre mente o seu pensamento . Assim também professor se privará de apren
der do aluno. Este tipo de mentalidade é um dos produtos da deformação capitalista que classifica os homens em função dos diplomas, a que con fere uma auréola mística de sabedoria. É um reflexo ainda de mentalidade
exploradora de oposição, entre o trabalho manual, que é desprezado, e o trabalho intelectual que é considerado. Esta concepção é profundamente
errónea pois que pretende separar e opõe idealisticamente a teoria à prá tica, e nega o valor fundamental da prática como única fonte das ideias e critério para julgar a correcção das mesmas. Como variante dos complexos já citados encontramos ainda o espírito 96
dos «veteranos», que de veteranos só possuem a antiguidade na organi zação. Presos na rotina, incapazes de adquirirem nova maneira de pensar, novos métodos de trabalho, estes falsos veteranos vêm nos novos quadros os concorrentes que os desalojarão dos seus pequenos tronos. Assim uti lizam contra os novos quadros a antiguidade com o objectivo de lhes asfixiar a iniciativa, e recusam aprender a experiência dos novos quadros , as novas ideias que estes trazem . Procuram fechar as portas da organiza ção às novas forças alegando que os novos só surgem quando se desenha a vitória, ou insinuando que os novos são elementos infiltrados. No seu individualismo não vêm as necessidades da organização, e a sua cegueira
egoísta até lhes impede de compreender que toda a gente não nasceu ao mesmo tempo e por consequência não pode simultaneamente ingressar nas fileiras revolucionárias .
Os complexos de inferioridade e superioridade impedem a aplicação do nosso princípio justo de aprendermos uns dos outros para progredir mos em conjunto. No nosso seio as forças reaccionárias, dado o nosso circunstancialismo particular, esforçam -se por explorar estes complexos de maneira a suscitarem conflitos raciais .
O racismo, seja ele de brancos em relação a negros ou de negros em
relação a brancos, é uma das formas mais degradantes e humilhantes do sistema de exploração do homem, o instrumento preferido das classes reaccionárias para dividir, isolar e aniquilar as forças progressistas. Para nós o racismo e os seus irmãos gémeos o tribalismo e o regionalismo, cons tituem autênticos crimes contra-revolucionários .
Os complexos que se manifestam exprimem o peso da mentalidade velha que ainda transportamos em nós . A luta para liquidarmos esta herança é um dos momentos essenciais da criação da nova mentalidade .
b) A vigilância revolucionária oposta à desconfiança Os complexos existentes, produtos do conflito entre o velho e o novo, semeiam entre nós um clima de desconfiança. As pessoas que concebem as suas relações na base da concorrência e da rivalidade necessariamente se regozijarão com cada limitação, erro ou fracasso do «adversário» e continuamente se esforçarão por criar condi
ções propícias para a destruição do «rival» .
Integrados neste esquema de pensamento a desconfiança sistemática contra todos fará parte da vida quotidiana. Num clima de desconfiança , de rivalidades, estabelecem -se por um lado alianças sem princípio, na base de ambições ou gostos decadentes, e por outro lado bloqueiam-se todas as possibilidades dum diálogo sério e construtivo no seio da comunidade .
Neste contexto aberto de divisão gera-se o clima propício aos boatos, calúnias, intrigas. Os panfletos e cartas anónimas substituem -se à crítica e auto -crítica . 97
Este ambiente é capitalista, profundamente desagregador e contrário ao clima de camaradagem que deve reinar entre nós.
No seio da FRELIMO, por maioria de razão num centro nosso em que a tarefa central é a da criação duma mentalidade nova e dum novo
tipo de relações sociais, não pode existir um clima de desconfiança e de divisão. A unidade é a nossa força principal, é a unidade que constrói e consolida a nossa sociedade.
Assim as potencialidades e as capacidades de cada um, porque se des tinam a servir o povo, são valores que interessam a toda a comunidade.
Da mesma maneira os erros, as limitações ou insuficiências de cada um , porque impedem de servir correctamente as massas, constituem um pro blema colectivo.
Desenvolver as capacidades de cada militante, apoiá -lo no combate
contra as suas insuficiências, são preocupações da organização e de todos. Por isso precisamente nos definimos como camaradas.
Nas relações entre camaradas não há lugar para desconfianças e mé todos policiais, que fundados no segredo e nas alianças sem princípio , conduzem ao aniquilamento da vigilância revolucionária e à criação dum clima de intimidação e terror.
A desconfiança é a oposição criada pela reacção à vigilância revolucionária .
A vigilância revolucionária é o resultado dum trabalho político no seio das massas, que fazendo - as assumir a linha e o comportamento cor
respondente, as conduz - a reagirem contra qualquer agressão ideológica ou infiltração inimiga, por mais embrionárias ou veladas que sejam . A vigilância revolucionária funda-se na unidade profunda das massas
à volta da linha correcta, na confiança total existente entre militantes que lutam pela mesma causa. É esta confiança que leva cada um a decla rar sem medo os seus erros e limitações, seguro de que todos o ajuda rão a vencer os obstáculos que enfrenta :
É no clima de confiança, de relações harmoniosas, de relações de
camaradagem que é possível libertar a iniciativa de todos, valorizar os ta lentos de todos , para que em conjunto todos cresçam .
c) Ditadura e liberalismo produtos da divisão O florescimento de complexos, o clima de desconfiança reflectem
um confito entre duas linhas no nosso seio, demonstram que estamos divididos .
A divisão opera-se no comportamento e ela é real mesmo quando as palavras e os cartazes clamam a unidade. Diversas são as causas da divisão. Mencionamos os complexos que
reflectem a luta entre o conservantismo e o progresso . Podemos falar tam bém das violações à nossa moralidade revolucionária que exprimem a
oposição dos gostos corruptos e decadentes da sociedade burguesa e feu dal aos novos valores introduzidos pela sociedade revolucionária. Estes conflitos e muitos outros dividem -nos. Podem parecer coisas 98
pequenas e secundárias, mas na realidade são aspectos da luta global da · velha sociedade que tende ainda a sobreviver. Quando no seio da direcção revolucionária um ou mais elementos se encontram apegados às forças do passado, a direcção fica dividida. A divisão da direcção repercute-se sobre a base e gera um clima doentio. Uma direcção comprometida, uma direcção dividida, perde a sua
autoridade política e moral e procurará manter o poder através dum re forço constante do autoritarismo, de medidas administrativas e discipli nares, em resumo ela instalará a ditadura onde devia haver a democracia .
As ordens de serviço tendo substituído a discussão com a base, as punições ocupando o lugar da crítica e da auto-crítica, a base será de novo asfixiada e verá o seu poder usurpado por um punhado de burocratas.
Estes burocratas, no entanto , porque possuem vícios e defeitos que acarinham, porque em vez de entregarem os seus pontos fracos à crítica
e auto -crítica desejam protegê-los, cedo ou tarde praticarão actos escan dalosos que os forçarão a compromissos. Assim, dentro das pequenas ditaduras, os burocratas criarão a sua corte de favoritos , composta por elementos que conhecem e colaboram com os seus pontos fracos .
Quando os grandes se corrompem os pequenos imitam.
Os favoritos ficam impunes e os que não têm protecção servem de alvo para as decisões e punicões arbitrárias. Podem -se manter aparências de métodos democráticos e de colecti vismo na direcção fazendo-se numerosas e longas reuniões, onde na rea lidade nada se discute. Pode-se cobrir o liberalismo com punições severas
que atingem os pequenos culpados. Pode-se manter uma aparência de dinamismo com numerosas acti
vidades que em nada ou pouco servem o processo de transformação . Na realidade encontramo-nos apenas perante uma ditadura burocráti ca que coexiste com o liberalismo que ela necessariamente cria. Estamos
perante uma contradição entre a base e a direcção que se agrava conti nuamente devido ao sentimento de injustiça . A nossa experiência tem demonstrado que quando num centro se ma
nifesta um clima de divisão, quando surgem numerosas entorses à nossa moralidade revolucionária, quando se verifica uma asfixia na capacidade criadora da base, isso reflecte divisões e compromissos no seio da direcção .
É no topo que devemos procurar muitas vezes a origem dos proble
mas que surgem na base, e na base devemos saber encontrar a inspiração e a força para solucionar as contradições surgidas, no sentido do progresso . II. ASSUMIR E INTERIORIZAR A LINHA
A única força que possuimos são as massas unidas e conscientes dos seus interesses.
Unir e consciencializar o povo é a tarefa da vanguarda que se en contra armada da linha política correcta . 99
A experiência provou que sendo fracos e pouco numerosos no início , não possuindo nem o poder político , nem o poder militar, nem o poder económico, fomos capazes no entanto de progressivamente nos tornarmos fortes, conquistar à nossa causa os milhões de moçambicanos, e assim adquirimos o poder político, o poder militar e o poder económico . A causa do nosso sucesso encontra -se precisamente na justeza da nossa linha polí tica. Inversamente verificamos que o regime colonial fascista, que contro lava a terra e os homens, possuia uma imensa força militar apoiada pelo imperialismo, dispunha de enormes recursos económicos que lhe eram
facultados pelos monopólios, tudo perdeu porque, sendo a sua causa injusta e representando os interesses de um punhado de exploradores, a sua linha era necessariamente errada.
Conquistar-se ou perder -se o poder depende da linha política, ou ainda por outras palavras, depende dos interesses à que corresponde essa linha, a quem ela serve. A nossa linha política resulta do combate das massas laboriosas exploradas pela sua emancipação e foi temperada na luta política armada do nosso povo contra o colonialismo, imperialismo e a exploração, pela conquista e edificação do Poder Popular.
Cada vitória que alcançamos, cada fracasso que registamos, encon tram o seu fundamento na maneira como fizemos assumir e viver a linha
pelas largas massas. A crise atravessada pela escola é uma consequência directa dos des
vios que aí se verificaram na aplicação da nossa linha, desvios esses que conduziram à utilização de métodos“ errados de trabalho. Antes, porque a linha era correcta, co
uimos ter alunos e alunas e criar a escola
onde esta não existia. Quando a linha se desviou começamos a perder alunos e alunas, e se os edifícios da escola restaram , esta como centro de formação do homem novo correu o risco de desaparecer. a)
O professor e o aluno como militantes
Na FRELIMO encontramo- nos todos engajados na tarefa grandiosa de servir as massas, edificar o'poder popular, criar um novo tipo de relações entre nós, educar o homem numa mentalidade nova. O professor e o aluno antes de mais são militantes desta causa gi gantesca .
Ser - se militante não é viver -se num centro da FRELIMO sem con tacto físico com o colonialismo. Numerosos são os que militando nas zonas ocupadas nunca frequentaram um centro da FRELIMO e vivem em contacto permanente e directo com o colonialismo. Nem sequer o cumprimento duma tarefa da organização é a característica essencial do militante, porque entre nós tivemos, em todos os sectores e em todos
os níveis, quem aparentemente cumprisse tarefas incluindo no campo da luta armada e todavia se opusesse à nossa linha, e mesmo servisse o inimigo .
O militante é aquele que vive a preocupação da organização e que 100
no detalhe do quotidiano, pela aplicação criadora que faz da nossa linha, se torna para todos um modelo do servidor do povo , do edificador da nova sociedade. A tarefa que lhe é confiada é cumprida com o sentido que ela está ao serviço do povo, e recebendo a sua missão do povo : a ele tudo consagra incluindo a própria vida. Ser militante como professor, não consiste apenas em preparar cor rectamente as aulas, explicar claramente a matéria e corrigir com justiça os exercícios.
Evidentemente que isso faz parte da tarefa do professor, mas não basta. Isso também o fazem professores burgueses animados de cons ciência profissional.
Na sua essência o professor militante é aquele que pelo seu exemplo e ensino contribui para a formação duma nova mentalidade no aluno. O professor militante é para todos um ponto de referência, uma ilustração permanente do comportamento correcto . O professor militante aprende do aluno e sabe orientá -lo na síntese
das experiências e libertação da iniciativa. O professor militante é um elemento activo na prática do trabalho produtivo que mobiliza os recur sos da natureza e fornece novas ideias ao homem. O professor militante
está consciente das suas limitações e abre-se à auto-crítica e à crítica , incluindo a dos alunos. O professor militante possui no mais alto grau
a consciência de pertencer à classe trabalhadora . O professor militante é um combatente pela vitória dos novos valores, uma alavanca na liber tação, iniciativa criadora dos alunos .
Nas circunstâncias em que vivemos, forçosamente dependemos e de penderemos ainda por um longo período de professores estrangeiros, que assumindo o seu dever internacionalista vêm contribuir no campo do ensino para a vitória da revolução moçambicana.
Vários destes professores são enviados por partidos revolucionários cujo combate e princípios se identificam com os nossos. Eles represen tam junto de nós os seus povos, o combate das suas classes trabalhado ras, a linha dos seus partidos. Eles possuem uma experiência revolucio nária teórica e prática que nos será útil se transmitida correctamente, sem mecanicismos estéreis. Eles devem também saber aprender da nossa
experiência teórica e prática que é uma contribuição para a revolução mundial.
Outros professores estrangeiros, embora não engajados em partidos revolucionários, participam no combate das forças democráticas dos seus países, são solidários com a luta anti-colonialista e anti-imperialista do nosso povo e desejam contribuir para a vitória da luta de libertação. Eles possuem um sentimento internacionalista e uma experiência rica que queremos aprender.
Todavia, para que os camaradas estrangeiros possam contribuir devi damente, nós devemos ser capazes de os integrar nas realidade da nossa sociedade e do nosso combate. Não somente nas perspectivas, mas também nas limitações e circunstancialismos próprios da nossa sociedade. Fa zendo -o, levá- lo -emos a compreender a nossa sociedade, evitaremos trans 101
posições mecânicas e nefastas de experiências, e saberemos salvaguardar a originalidade da nossa personalidade. · A definição do aluno como militante também se assevera necessária.
Embora a tarefa central do aluno seja a de estudar, isso em nada o dis
tingue dum aluno burguês. A caracterização do aluno militante situa-se ao nível dos objectivos e métodos do seu estudo. O aluno militante ao estudar cumpre uma tarefa que lhe foi con fiada pelas massas para as servir. Nele não pode existir a obsessão mito
lógica do diploma, a esperança dos salários e privilégios, a noção de que faz parte duma elite de futuros governantes.
A política obscurantista e de subdesenvolvimento prosseguida pelos colonialistas fez com que na nossa sociedade o estudo seja ainda um privilégio , uma vez que as condições não permitem que todos possam aceder ao ensino.
Assim, aquele que estuda incarna a vontade de progresso de todo o povo e consegue estudar devido aos sacrifícios inumeráveis consentidos pelas largas massas. Foi a libertação da terra e dos homens ao preço do sangue, que criou as condições materiais para a existência da escola. É a solidariedade para com o sangue vertido em Moçambique que conduz as forças democráticas no mundo a aceitarem privações, para fornecerem meios materiais às nossas escolas .
Neste contexto, qualquer atitude de elitismo, qualquer concepção de se aproveitar do estudo para explorar as massas, reflecte um espírito capitalista e contra-revolucionário . O aluno militante tem presente que
estudo se destina a habilitá-lo
a melhor servir as massas e nunca para, como o colonialista , se instalar como parasita no dorso do povo . O aluno militante assume a necessidade de combinar o estudo com
a produção, com o objectivo de levar a escola a ser auto-suficiente, para reconciliar a sua inteligência com a mão e adquirir pela prática da pro dução novas ideias; e fundamentalmente manter viva a noção de per tencer à classe trabalhadora .
O aluno militante encontra-se engajado no combate pela emancipa
ção das classes trabalhadoras às quais se identifica. Na sua actividade escolar, o estudo e a aplicação criadora da nossa
linha política, da teoria revolucionária, ocupam um lugar central. É a linha política da nossa classe que habilitará o aluno a utilizar os conheci mentos adquiridos para o serviço das massas. b)
A Escola como centro democrático
Desde que situamos alunos e professores como militantes da causa popular, devemos concluir que entre eles não podem subsistir antago nismos. As contradições que surgirão serão sempre secundárias e resol vidas na base do interesse das massas.
Nestas condições é imperativo que a nossa escola seja um centro democrático . 102
Deve-se no entanto sublinhar que enquanto o ensino não se genera lizar, enquanto ele de facto for privilégio de uma minoria, haverá o risco grave de que, traindo a sua origem social, alunos e professores se cons tituam em elite privilegiada.
De toda a maneira, agora e no futuro, a garantia primeira da demo cracia no ensino consiste em criar as condições para que as largas mas
sas laboriosas acedam ao ensino e tomem os postos de comando nesta frente.
A democracia no ensino, e a sua consolidação na escola, dependem ainda estreitamente dos objectivos e métodos de trabalho. Inúmeras vezes a FRELIMO tem explicado a nossa linha política no campo da educação e os seus objectivos . Aqui importa apenas relem brar a palavra de ordem saída da II Conferência do DEC que sintetiza a nossa linha: Educar o homem para vencer a guerra, construir uma sociedade nova e desenvolver a Pátria .
Esta linha, pondo a educação ao serviço dos interesses populares, garante os objectivos democráticos do nosso combate neste sector. Resta a questão essencial dos métodos de trabalho que assegurem a democracia efectiva no centro de ensino e na educação em geral. Partindo do nosso princípio de que devemos aprender uns dos outros, podemos encontrar os meios que apliquem criadoramente essa orientação.
Os professores devem aprender entre eles. Os alunos devem apren der entre eles. Professores e alunos devem aprender uns dos outros. Isto significa uma troca constante de experiências a todos os níveis, e um esforço a cada nível para sintetizar as experiências.
Professores nacionais e estrangeiros deverão continuamente trocar as respectivas experiências, procurar em conjunto métodos para inovar e melhorar a sua acção. Por vezes , notamos a este niyel tendências chau vinistas que visam excluir os nossos companheiros estrangeiros desta troca salutar de experiências, ou mesmo ainda e mais nefasto, a tendên cia de menosprezar as outras experiências simplesmente porque estran geiras. Vivendo juntos e trabalhando juntos, ao excluirmos da discussão
os companheiros estrangeiros criamos neles um justo ressentimento e pri vamo-nos de opiniões e ideias que são ricas, porque frutos duma prática. Ao nível dos alunos,
seio das turmas, no seio dos grupos e
cções
criados nas turmas, o princípio do estudo colectivo e progresso em con junto deve ser de rigor. Não nos interessa termos um aluno muito brilhante e quarenta que não sabem, pois por mais genial que seja o primeiro, sozinho nunca poderá satisfazer as necessidades que temos. Como dizemos sempre, progredimos como as vagas do mar que avançando em conjunto e constantemente desfazem os maiores rochedos.
Finalmente, entre os dois sectores, professores e alunos, importa regu larmente discutir -se sobre as vitórias e fracassos registados no curso do trabalho, de maneira a tirarem -se as lições necessárias ao progresso colec tivo .
Este processo de trabalho em conjunto implica uma abertura perma nente à crítica e auto-crítica, individual e colectiva. 103
O trabalho em conjunto , a crítica e auto -crítica, não se confinam
somente aos aspectos estrictamente escolares. Seria um erro, pois que a missão da escola, para além da de instrução científica, é de educar, e a educação é um processo global. Seria ainda um erro uma vez que nenhum centro nosso, incluindo a escola , cumpre apenas uma tarefa . O trabalho colectivo, a troca de experiências, a crítica e auto- crítica estendem-se pois à totalidade das actividades do centro e da vida de cada um.
É através deste processo que conseguimos obter um verdadeiro conhe cimento mútuo, conhecimento fundado no esforço comum , na demons tração pela prática dos valores e limites de cada um. A democratização dos métodos de trabalho, fundados na colectivi zação da nossa vida, torna-se dentro deste quadro uma fonte inesgotável
para o reforço quotidiano da nossa unidade, dos nossos laços fraternais de camaradagem . c ) A colectivização da direcção integra as massas no Poder Intimamente ligado ao processo de democratização dos métodos de
trabalho encontra -se o da colectivização da direcção. Trata-se essencialmente de organizar estruturas adequadas no seio da escola que conduzam todos e cada um a sentirem - se realmente respon sáveis pela vida do centro . A direcção não é nem pode ser o monopólio dum grupo, que decide e impõe orientações.
Assim como mesmo a árvore mais alta se enraiza no chão e sempre cresce de baixo para cima, as orientações devem surgir do sentimento e da consciência da base, actuando a vanguarda como o adubo que for talece e acelera o processo da tomada de consciência. Cremos que em cada turma se devem organizar grupos e secções. Os responsáveis dos grupos e secções deverão ser escolhidos pelos pró prios alunos, orientando -se esta escolha de maneira a que sejam elemen tos de vanguarda quem dirija os grupos e as secções. Importa sempre,
para se dirigir correctamente, que se goze da confiança política e moral das pessoas que se dirige, por isso insistimos na eleição democrática dos responsáveis.
Ao nível da turma, os responsáveis pelas secções constituirão um conselho de turma que será responsável pela totalidade dos problemas dos seus camaradas, tendo como missão prioritária a aplicação e defesa da nossa linha política e disciplina.
Os representantes de cada Conselho de Turma deverão participar com o corpo directivo da escola na discussão e resolução dos problemas da escola .
Importa tanto quanto possível que a administração da escola esteja confiada aos próprios alunos. Em definitivo a escola pertence -lhes e é participando activamente na sua gestão que poderão adquirir o sentido de responsabilidade pela propriedade colectiva.
Defendendo nós o princípio de que o Poder deve pertencer às massas, 104
é justo que desde a escola preparemos os alunos para assumirem o Poder. A colectivização da direcção não exclui todavia o princípio essen cial do centralismo democrático, ou seja a subordinação da minoria à maioria e dos escalões inferiores aos escalões superiores. Mas é precisamente pela participação constante da base na elabora ção das decisões que asseguramos que o centralismo seja democrático e não burocrático .
Uma questão central para o funcionamento correcto de uma direc ção, uma condição essencial para que ela leve a cabo com sucesso a sua
tarefa , é que no comportamento individual e colectivo dos membros da direcção não surjam atitudes que ponham em causa a nossa linha. Uma direcção, particularmente numa escola, educa sobretudo pelo
exemplo. Se as palavras de apoio à linha forem contrariadas pelos actos, estar-se -á de facto a ensinar-se aos alunos a violarem a linha e a serem hipócritas. A exemplaridade permanente da conduta individual e colectiva dos juisito fundamental para o cesso do membros da direcção é um trabalho .
Assim a direcção conquistará a confiança política e moral da base ,
e comprometida apenas com a revolução, possuirá sempre a idoneidade
para intervir contra qualquer agressão à nossa linha e disciplina. A todo o momento a direcção deve ter como preocupação suprema a luta para levar as massas a assumirem e viverem a nossa linha polí tica, garantia da nossa unidade e instrumento para a realização das aspi rações das largas massas .
III .
CRIANDO O HOMEM NOVO
A construção da Nova Sociedade em que estamos empenhados é indissociável da criação do Homem Novo. Na medida em que modificamos a base material da sociedade cria mos as condições objectivas para o estabelecimento de novas relações entre os Homens, liquidamos os fundamentos sobre que assentava a velha mentalidade e criamos condições para fomentar a nova mentalidade . To
davia impõe-se um trabalho árduo de educação da consciência, não só
porque a modificação da mentalidade não surge automaticamente com a transformação da infra -estrutura, mas também porque à nova mentali
dade opõe-se activamente a enorme e pesada herança que transportamos connosco .
Por isso, assim como temos que desencadear uma luta política dura para destruir o sistema de organização social que permite a exploração, igualmente, ao nível da consciência dos valores morais e culturais, somos obrigados a fazer o mesmo combate. Mesmo quando destruídos os sistemas de exploração, se não comba termos a mentalidade que os determina, cedo ou tarde, lenta ou rapida mente, o sistema renascerá das suas cinzas fecundado pelos valores nega 105
tivos que foram preservados em nós. A contra-revolução, devido à he rança que trazemos, surge como que espontaneamente. Pela inércia ou activamente, ela opõe-se continuamente a todo o progresso . São estas as
causas que explicam porque o progresso da revolução exige um combate permanente, e que cada afrouxamento no combate conduz logo a um re forço das forças conservadoras. Assim também , quanto mais se desen volve a nossa luta, quanto maiores são as nossas vitórias, quanto mais
desalojamos o inimigo, mais violenta se torna a sua oposição. E isto que explica os fracassos que eventualmente sofremos nas ba talhas políticas nos nossos próprios centros. É isto que explica as bata lhas que perdemos quando elementos da juventude, já educados fora da sociedade colonial e capitalista, se deixam 'corromper e praticam actos contra - revolucionários.
Não há revolucionários espontâneos, embora a revolução e a sua vitória historicamente sejam inevitáveis. A tarefa de educar o Homem para adquirir a mentalidade nova aparece logicamente como uma necessidade premente para a consolidação e desenvolvimento do processo revolucionário . Nesta tarefa geral inserem-se alguns aspectos essenciais que a prática tem demonstrado constituirem pontos fracos no nosso trabalho.
a)
A libertação do pensamento e iniciativa
Na nossa sociedade tradicional duas forças agiram para asfixiar a capacidade de raciocínio e a iniciativa do Homem.
A sociedade africana, quando da invasão colonial, ainda não tinha procedido à separação entre a ciência física e a metafísica. Os fenóme
nos da natureza e as suas leis não eram estudados objectivamente e eram considerados como expressões e manifestações de um sobrenatural. Assim , embora os conhecimentos práticos fossem vastos, em certos campos, no meadamente o da medicina e botânica, ainda não se tinha desenvolvido
uma verdadeira ciência . As relações entre o Homem e a natureza ainda
eram interpretadas como relações entre o Homem e forças sobrenaturais, mais ou menos hostis, a quem importava apaziguar continuamente . O nível do desenvolvimento económico, salvo raras excepções, ainda não tinha imposto relações sociais para além das fronteiras clânicas ou tribais . A sociedade, que se encontrava no limiar do feudalismo, era pois uma sociedade fechada, apegada às suas tradições, receosa do contacto com o exterior e das transformações. Esta sociedade vai ser deslocada e rompida com o colonialismo. Numa primeira fase o comércio da escravatura e as guerras suscitadas por este comércio provocam uma hecatombe sem paralelo em toda a história da humanidade. Os sobreviventes abandonam terras e povoações, procuram refúgio nas zonas mais inacessíveis, fogem a todo o contacto . Neste pro cesso perde-se um capital imenso do saber colectivo da sociedade, e o que
resta, até para ser protegido, sacraliza -se e torna -se objecto de transmissões rituais. O dogmatismo do método esteriliza completamente a ciência 106
nascente, tanto mais que a inovação é considerada como uma profanação ou até sacrilégio .
O colonialismo, que se enraiza para melhor explorar o homem , pros segue uma política sistemática de obscurantismo e secreta o racismo, com o seu irmão gémeo o paternalismo. homem africano é conside rado como incapaz de aceder ao conhecimento científico e quando muito apenas susceptível de adquirir um conhecimento por via emotiva. A submissão da sociedade ao sobrenatural e o mito racista da inca
pacidade vão bloquear a iniciativa e o pensamento. A nossa luta de libertação veio romper este esquema,
demonstrando
a nossa capacidade em transformar a sociedade e utilizar a nosso favor as leis da natureza, e provando que a inteligência e o trabalho colectivo do Homem tudo podiam criar. Mas se descobrimos e verificámos na prática que este princípio era
correcto, isso não significa automaticamente que o princípio tenha já impregnado a nossa mentalidade e tenha sido assumido pela sociedade. Ao nível do ensino, nas nossas escolas, importa que prioritariamente se trave esta batalha contra o obscurantismo.
Trata -se de fazer compreender a universalidade da matéria e a dia léctica do seu desenvolvimento, rompendo com o peso arcaico do sobre natural. Trata -se de ligar continuamente a teoria à prática para que
todos e cada um possam adquirir e comprovar as suas ideias.
Para que melhor se enraizem as ideias correctas, para que melhor se elevem as sinteses da prática à categoria de teoria científica e revolu cionária, temos sistematicamente preconizado o princípio do trabalho colectivo : estudarem - se e debaterem -se as lições, as matérias científicas
e a prática ao nível do grupo , da secção e da turma . Criar-se o ambiente que promova o debate e o espírito analítico e crítico. Criar-se uma sã emulação revolucionária entre grupos, secções e turmas com vista a enco rajar as iniciativas criadoras, a ruptura constante com a rotina e o con servantismo.
b)
O conhecimento , base da nossa cam amaradagem
A nossa camaradagem, o tipo especial de relações que temos entre nós derivam do profundo conhecimento mútuo que possuimos. Quando dizemos « conhecermo-nos não nos referimos à identifica
ção de caras e nomes e outros detalhes superficiais. Do mesmo modo,
ao dizermos « relações de camaradagem» não consideramos que estas se resumam simplesmente em falarmos uns com os outros ou vivermos juntos.
Nas formações que nos precederam, as relações sociais entre as pes soas estabeleciam -se essencialmente na base da posição que cada uma
ocupava em relação à propriedade dos meios de produção. A sociedade tradicional onde o processo de polarização dos grupos sociais em classes antagónicas numa certa medida foi bloqueado pelo
colonialismo, as relações entre as pessoas encontravam-se condicionadas 107
por factores subjectivos como a pertença a uma determinada classe de idade, sociedade secreta, clã, grupo étnico, etc.. Estas concepções das relações sociais entre os homens são rejeitadas pela sociedade que construimos. O ponto de partida das nossas relações é a consciência de perten cermos à mesma classe trabalhadora, explorada, oprimida e humilhada. Edificamos os nossos laços no quadro da nossa identificação com o com
bate e a linha política próprios da nossa classe. Porque membros de uma mesma classe e Partido revolucionário ,
nas nossas relações domina o princípio da ajuda mútua e confiança total.
Para nos ajudarmos mutuamente devemos -nos conhecer nas nossas potencialidades e limitações: assim seremos capazes de ajudar cada um a
materializar e desenvolver as primeiras e combater a liquidar as últimas. O verdadeiro revelador daquilo que cada um é, o critério do seu valor é a prática. Na luta política no seio das massas, na participação na produção colectiva, no estudo da nossa linha e da ciência , no com bate contra o inimigo directo e as ideias e os valores errados, revelamos realmente de que lado estamos, a quem servimos e quais as nossas autên ticas convicções. Assim engajados na prática, revelando nela o que so mos, demonstramos sem equívocos a nossa personalidade e os nossos
camaradas estão em condições de nos orientar na nossa auto -crítica, de nos ajudarem pela sua crítica fraternal.
Nesta base se edifica a confiança dos nossos camaradas em relação a nós. Eles descobrirão aquilo de que somos realmente capazes e poderão encarregar-nos de cumprirmos as missões que estão à altura das nossas
possibilidades, e continuamente ajudar-nos-ão a progredir na via revolu cionária.
Tendo juntos suado na marcha e no combate de transformação da natureza, tendo juntos estudado os problemas e juntos sintetizado as nossas experiências, tendo juntos desencadeado a luta contra as ideias e os valores errados, em cada uma dessas batalhas que juntos trava mos, com a ajuda mútua e a confiança gera-se entre nós a verdadeira amizade .
Amizade fundada em princípios e temperada na prática revolucio nária, amizade que nos permite utilizar entre nós o termo «camarada » .
Com esta explicação compreendemos quanto valor damos à expres são camarada, termo que transmite a convicção de um engajamento mú
tuo na causa da nossa classe. Porque o conceito de camarada se forja e se tempera no nosso combate e muito do nosso suor e sangue o im pregna, ele não pode ser usado de qualquer maneira e nunca sobretudo como um substituto para « senhor» .
c)
Para uma nova relação entre o homem e a mulher
Ao definirmos as relações de camaradagem entre nós um capítulo
especial deve ser reservado à relação homem -mulher, uma vez que esta apresenta problemas específicos. 108
A relação homem -mulher encontra-se profundamente viciada pela sociedade tradicional- feudal e colonial-capitalista ,
A sociedade tradicional negou toda a personalidade à mulher, redu ziu - a a um simples instrumento. de reprodução e de produção. O colo
nialismo e o capitalismo acrescentaram a esta situação a formasuprema
de degradação: a comercialização do sexo. No entanto é certo também que para explorar a força de trabalho da mulher o capitalismo sentiu a necessidade de a integrar na produção social, fazendo -o criou a base para que a mulher assumisse uma consciência mais clara da sua condição e por consequência se integrasse no movimento revolucionário . Mas todos no entanto nos encontramos largamente condicionados pela herança que recebemos e de que ainda não nos conseguimos desem baraçar.
Numa larga medida até este momento os homens só concebem a mu lher como objecto sexual e a mulher passivamente aceita este papel. A participação da mulher nas tarefas revolucionárias ainda não conseguiu transformar completamente esta mentalidade, pois que homem e mulher se encontram largamente condicionados pelo passado. É verdade que a linha está definida e ela é bem clara, mas não me
nos certo também que as nossas deformações produzem frequentes des vios a esta linha.
Pensamos que as nossas escolas são as frentes onde encontramos as
condições mais favoráveis para alcançarmos êxito nesta batalha. Subtraí dos à influência nefasta do passado, confrontados com a verdade cientí
fica e submetidos à prática reveladora, alunos e alunas podem, se orien tados correctamente, estabelecer entre si relações de igualdade conducen tes a relações de camaradagem. Nesta batalha devemos também saber educar os alunos e alunas para
assumirem a verdadeira natureza da afectividade e o significado da relação amorosa na nova sociedade que edificamos . O conceito de amor é um conceito revolucionário . A sociedade tra
dicional e feudal ignorou - o inteiramente, uma vez que entre homem e mulher só havia uma relação de fecundação e produção; a poligamia, os casamentos prematuros, o lobolo e outras manifestações degradantes de antemão excluíam o sentido de igualdade, de identidade e criação mútua,
o sentido de engajamento e responsabilidade sobre os quais se edifica o verdadeiro amor .
O colonialismo e o capitalismo, se afirmam a noção do amor, esva ziam -no contudo de um sentido válido . Este amor é reduzido a uma mera
emoção superficial, fundado na beleza do corpo , nas maneiras da pessoa e sobretudo na posição social.
Como camaradagem, o amor para nós deve fundar -se principalmente no conhecimento e identidade resultantes duma adesão mútua à causa popular. Por isso mesmo na fórmula do casamento entre nós se utiliza a ex
pressão de «estímulo». O amor, o casamento concebidos como um estímulo
para a transformação mútua ao serviço das massas. Notamos que estes conceitos, porque novos, porque radicalmente di 109
ferentes dos que tínhamos vivido, nem sempre são explicados às novas gerações e quando o são, frequentemente isso é feito de uma maneira su perficial e sem a preocupação de levar as novas gerações a assumirem e viverem a nova ideia.
Quando camaradas solteiras ficam grávidas consideramos isso escan daloso, quando na realidade não é a gravidez, simples consequência bio lógica, que é escandalosa . O verdadeiro escândalo é o não termos sabidos educar essas cama
radas, não lhes termos feito assumir o verdadeiro sentido do amor e como a própria relação sexual se integra dentro do amor e dentro da vida. O
escândalo está ainda no facto de várias vezes essa gravidez surgir num clima de total irresponsabilidade dos seus autores. Impõe-se uma batalha política ao nível sobretudo das novas gerações, para que triunfe a nossa concepção do amor, concepção criadora e revo lucionária .
CONCLUSÃO
O processo revolucionário não conhece só vitórias.
No campo da educação particularmente, porque delicado, porque o que está em causa é a formação da consciência , os fracassos são
frequentes.
Na verdade sabemos bem o que não queremos: a opressão, a explo ração, as humilhações.
Quanto ao que queremos e como obter o que queremos, forçosa mente as nossas ideias ainda são vagas. Elas nascem da prática, são cor rigidas pela prática. Sobre o homem novo, a sua definição e os métodos de o construir , a nossa experiência é nova, recente, a nossa prática é ainda
limitada. É normal pois que registemos por vezes fracassos.
Mas é a partir dos insucessos que aprendemos. As forças revolucio nárias, porque se encontram unidas às massas e nelas buscam a inspira
ção e a força, porque possuem a ideologia correcta e os métodos apro priados, são as únicas que estão em condições de transformar cada fracasso em ponto de partida para um sucesso.
É dentro desta perspectiva, e no quadro da etapa exaltante em que nos encontramos agora engajados, que se impõe a aplicação duma nova palavra de ordem : FAZER DA ESCOLA UMA BASE PARA O POVO TOMAR O PODER.
110
Embora elaborado em 1973, como res posta a uma situação concreta , este
Impermeabilizemo-nos sobre contra as manobras
texto tem hoje e conservará sempre uma grande actualidade. As mesmas armas subversivas que o
colonialismo português utilizou durante
subversivas,
intensificando a ofensiva ideológica
e organizacional no seio dos
combatentes e massas
a guerra contra as Forças de Liber tação continuam a ser usadas pelos
reaccionários nacionais e pelo imperia lismo, agora já para retirar o sentido revolucionário ao poder conquistado pelo Povo . Mais do que nunca impõe portanto Vigilância Total, uma visando detectar os agentes actuals ou potenciais do inimigo , através do seu comportamento político e moral. Por isso publicamos agora este texto , -se
conservando a introdução que na al tura , em escrita .
Novembro
de 1973,
fora
MARÇO DE 1975
INTRODUÇÃO
Ao comentar a derrota da grande ofensiva «Nó Górdio» em 1970, o General Sá Viana Rebelo, então Ministro da Defesa Nacional do Governo
colonial fascista, declarou que o único método para destruir a FRELIMO era a subversão.
Já em 1967 , quando as nossas forças tinham passado a uma fase supe
rior da luta, implantando as bases do poder popular e desencadeando ope rações de grande envergadura, o inimigo recorreu à subversão para deter o avanço impetuoso do nosso combate.
Foi derrotado, mas sofremos revezes . De novo, hoje ele intensifica a subversão, esperando que tenhamos relaxado a nossa vigilância por causa dos grandes sucessos que alcançamos.
Em particular, de 1972 para cá têm-se sucedido vagas contínuas de
subversão. Nos agentes inimigos encontramos velhos e jovens, homens e mulheres, antigos membros da FRELIMO e falsos desertores das fileiras inimigas .
As massas organizadas e armadas pela nossa linha têm desmascarado e destruído as ofensivas subversivas.
Mas não basta : devemos sintetisar a experiência adquirida, devemos rever as insuficiências que ainda temos e que constituem sempre as brechas por onde o inimigo tenta penetrar. O presente texto resulta de numerosas reuniões com as massas e com
batentes onde, em conjunto, sintetizámos as nossas experiências. Trata-se, pois, de um texto de estudo que deve ser enriquecido pela nossa prática e análise . Presidência .
Novembro de 1973 . 111
1. As grandes derrotas político-militares sofridas pelos colonialistas portugueses obrigaram o inimigo a intensificar a acção subversiva, o terro rismo e o crime, como únicos meios para salvar os seus interesses. 2. O nosso Exército Popular, que tem a missão de ser uma força de
vanguarda na defesa dos interesses populares e que, pelo combate armado contra o inimigo, libertando a terra e os homens , cria as condições mate riais para a aplicação da nossa linha, é um alvo central para a subversão e crimes do inimigo.
3. Os nossos centros, onde transformamos o homem, onde educamos este na mentalidade nova que revolucionariza Moçambique, são o objecto que o inimigo mais procura destruir. Compreende-se: a guerra é um con flito armado entre duas linhas políticas opostas que reflectem interesses antagónicos. A destruição dum centro , em que se educa o Homem na cons ciência dos seus interesses de explorado e se lhe inculca os princípios da nossa linha, só pode resultar na neutralização da acção de transformação
do homem e, por isso, traduz-se em vitória para o inimigo. 4. Os fracassos sofridos pelo inimigo tornam -no mais cruel e mais perfido, mais refinado e criminoso. Velhos e novos métodos subversivos e criminosos são introduzidos e combinados.
Para levar a cabo a sua acção subversiva, o inimigo conta com dois elementos principais : a)
Os agentes infiltrados e traidores .
b)
As nossas insuficiências .
MODO DE ACTUAÇÃO E OBJECTIVOS DOS AGENTES 5. Os agentes actuam das mais diversas maneiras : uns camuflam -se
de combatentes da FRELIMO e vão cometendo crimes e provocações contra as populações, incluindo europeias, para criar confusão sobre os
objectivos e métodos da FRELIMO; outros procuram passar despercebidos, de maneira a viverem no nosso seio para nos desagregar politicamente,
espionar e cometer crimes contra o Povo, a Organização e a sua direcção. Mas, sejam quais forem os métodos e objectivos imediatos, na sua essência a acção inimiga visa três alvos políticos essenciais : a nossa unidade que é a nossa força motriz. Destruindo a unidade não estaremos em condições de operar.
a nossa linha que define as bases da unidade, o inimigo, os nossos
objectivos e métodos. Destruída a linha não estaremos em condições de definir o alvo das nossas armas, não saberemos distinguir os amigos dos inimigos. Na confusão assim gerada seremos destruídos.
a nossa disciplina que é a sentinela da nossa linha. Destruindo a disciplina, introduz-se o relaxamento político e moral que leva ao liberalismo. Com o liberalismo nascem os compromissos e alianças sem princípio. Nesta fase, a unidade está minada, cria-se a descon fiança entre os grupinhos, a vigilância é destruída. Começa a reinar a confusão e, em breve , a anarquia e as lutas internas sem prin 112
cípio . O inimigo principal é esquecido e combatemo-nos entre nós , reina o caos . A derrota é , então, iminente.
6. Na maneira de agir dos agentes, nós encontramos sempre alguns destes objectivos que se manifestam pelas acções de : a) Dividir as massas, utilizando para isso o tribalismo, o regiona lismo, o racismo, a superstição, a religião. O inimigo que nos massacra pretende ensinar-nos quem são os nossos amigos e inimgos. b) Desmobilizar e desorganizar as massas, e levá-las a desistir da luta armada contra o colonialismo.
Para isso, procura -se explorar as dificuldades criadas pela acção inimiga e fazem -se promessas fantásticas e ridículas de vida confortável e agradável no arame farpado.
O inimigo que nos explora e oprime pretende ensinar-nos onde vive remos melhor.
c) Criar contradições entre as massas e o Exército Popular, a fim de isolar e aniquilar este, deixando as massas sem o seu braço armado.
Para isso, o inimigo ou comete provocações e crimes contra o Povo , camuflando -os de acções nossas, ou tenta fazer confundir os erros de indi víduos com a linha da Organização .
O inimigo, que está a ser destruído pelas forças armadas criadas pelo Povo, pretende levar-nos a destruirmos a nossa própria força. d) Desmobilizar e desorganizar o Exército, a fim de que este cesse de cumprir as tarefas da Organização. Para isso, o inimigo tenta umas vezes fomentar o espírito de vitória que, através da subestimação táctica do inimigo, conduz ao relaxamento do estudo e vigilância. Outras vezes fomenta o espírito de derrota, o receio do inimigo no ponto de vista estratégico, a destruição da visão de progresso da nossa luta e a destruição do espírito de superar dificuldades . O inimigo, explorando o regionalismo e o espírito de conforto, pro cura ainda provocar deserções das zonas de avanço para a rectaguarda, duma região para outra.
O inimigo que é derrotado pelas nossas forças pretende ensinar-nos que espírito devemos possuir, onde devemos combater e como devemos viver.
e)
Criar contradições no seio da Direcção para a dividir, semeando
a desconfiança e paralizando - a assim. Para isso, o inimigo fomenta o espírito de ambição que leva a classi
ficar as tarefas revolucionárias em pequenas e grandes. Nesta acção ele mobiliza ainda o tribalismo e o regionalismo, a fim de que as pessoas
comecem a ver nos membros da Direcção representantes de grupos linguís ticos e regiões, em vez de verem na Direcção a expressão do poder popular e os representantes da linha.
f) Criar contradições entre a Direcção e a base, para isolar a Di recção e assim ser fácil a sua liquidação.
Para isso, o inimigo lança campanhas para demonstrar que a Direcção 113
vive muito bem e a base muito mal . Campanhas de boatos para dene grirem a integridade e honestidade revolucionárias de certos camaradas
são desencadeadas. Invenções absurdas e calúnias baixas são lançadas. As dificuldades e sacrifícios criados pela acção criminosa do inimigo são
imputados a elementos da Direcção. Assim se procura criar a desconfiança entre nós para se desagregar a unidade no seio da Direcção e a unidade entre esta e a base.
O inimigo , que é derrotado pela orientação correcta dada pela Direc ção, pretende vir dizer -nos quem deve estar na Direcção e com que tarefas, o que representa a nossa Direcção e como deve ela agir. g) Fomentar e estimular ideias e comportamentos reaccionários, para
esbater a demarcação entre as zonas, corromper as massas e particular mente a juventude, a fim de destruir ou bloquear o processo da Revolução. Para isso, o inimigo utiliza métodos insidiosos na nossa zona, como na zona que ele ocupa , tentando transformar esta última num bastião de ideias e gostos reaccionários, impenetrável à Revolução . Assim , entre a juventude escolar é fomentado o desprezo pelo traba lho manual e pelas massas, classificadas de brutas e incapazes, a fim de se criar uma elite nos centros de ensino, totalmente integrada nas ideias
burguesas. A esta juventude é-lhe inculcada ainda a ideia que deve dirigir a Nação e o Poder conquistado pelo combate das massas ditas ignorantes. Esta ofensiva, que entre nós atinge o ponto culminante no período 1967 -1968, é hoje intensificada nos estabelecimentos escolares das zonas ocu padas.
O princípio de combate contra o individualismo e de valorização do
espírito colectivo é classificado como destruição da personalidade. O com bate de transformação da mentalidade pela combinação da educação polí tica com a prática da produção, da luta política e armada e a experimen tação científica é tratada como lavagem do cérebro. A destruição de vícios e defeitos pela combinação do combate interno com a crítica das massas e auto -crítica é exposta como uma humilhação degradante. A abolição dos castigos físicos em favor da reeducação da mentalidade é denunciada como
destruidora da dignidade. O combate pela emancipação da mulher e ins tauração de um novo clima e tipo de relações entre o homem e a mulher, fundadas na igualdade e respeito mútuo , é concebido como anti-natural e contrário às tendências e instintos humanos, opostos às nossas tradições.
A preocupação em liquidarmos os gostos e vícios degradantes introduzidos pelos exploradores tais como o consumo de drogas, a embriaguez e a prostituição é difamada como restritiva das liberdades individuais e preocupação por coisas pequenas e secundárias. O inimigo que corrompe, degrada e humilha, que explora e oprime, pretende vir -nos ensinar como devemos viver, quais devem ser os nossos gostos e moralidade .
h) Provocar pequenas e numerosas violações da nossa disciplina e
criar desordens no nosso seio, para desviar a atenção do nosso combate contra o inimigo principal. Assim , fomentam-se saídas ilegais dos nossos centros e zonas, estimu la-se o consumo de bebidas alcoólicas e de drogas, incentiva-se a prosti 114
tuição. Outras vezes, para combater a formação científica do Homem , lançam -se campanhas para disseminar a superstição nas mais diversas formas. Procura -se ainda introduzir a preguiça que é um germe do espírito
capitalista de explorador. Tenta-se criar a atitude de recusa de cumprimento de tarefas, ou de cumprimento indiferente das tarefas, sem preocupação pelo tempo e modo de as cumprir. O inimigo, que assumiu que a nossa disciplina é o reflexo da nossa linha e a sentinela desta, pretende levar-nos, a nós mesmos, a agredirmos e destruirmos a nossa sentinela, para melhor nos poder assaltar.
AS NOSSAS INSUFICIENCIAS
7. Os agentes inimigos, ao virem actuar no nosso seio, contam com as nossas insuficiências e limitações, com os nossos vícios e defeitos, que constituem para eles como que acampamentos morais reaccionários insta lados nas nossas cabeças .
Reconhecemos esses acampamentos morais reaccionários e combatê-los é liquidar as fraquezas que o inimigo explora e considera como seus verda deiros aliados. A destruição desses acampamentos morais reaccionários limita o campo do inimigo e deixa- o isolado: com efeito , ao fazermos isso,
aprofundamos a demarcação entre o comportamento das duas zonas e, assim , detecta-se imediatamente qualquer acção ou ideia estranha. 8. As principais insuficiências que detectamos na fase presente são as seguintes:
a) O tribalismo, o regionalismo e o racismo : estes são os coman dantes chefes das forças morais inimigas. Eles fazem-nos perder o sentido de quem é amigo e quem é inimigo, criam -nos confusão sobre o alvo para as nossas armas, dividem -nos, enfraquecem -nos, criam as condições para sermos devorados e aniquilados bocada por bocado. O tribalismo, o regio
nalismo e o racismo impedem -nos de assumir a grandeza do nosso país e da nossa luta, fazem -nos perder o sentido do nosso combate. Com eles dei xamos de saber por que combatemos, contra quem combatemos, quem são as forças que combatem connosco, quem são os nossos aliados naturais.
TRIBALISMO
O tribalismo semeia o princípio de que há grupos étnicos superiores e inferiores, corajosos e não corajosos, inimigos do opressor e submissos ao opressor, com mais direitos e menos direitos, com mais representantes na Direcção e menos representantes. Esta é a velha arma do colonialismo, que ele nunca abandonará.
Arma que já provou os seus méritos infames na liquidação da resistência nacional à conquista colonialista. O inimigo considera com razão o tribalismo o seu melhor amigo. 115 1
O General Kaulza de Arriaga, no curso que deu em 1966-1967 aos Altos Comandos Portugueses, apreciava o tribalismo da seguinte maneira :
« No que respeita à qualidade da população, há um outro factor que perturbou, segundo me parece, alguns dos senhores e talvez mesmo tenha escandalizado alguns que é este : o factor positivo estratégico resultante de a grande massa da população negra estar ainda em estado tribal. Com perturbação ou sem perturbação, com escândalo ou sem escândalo, esse factor é altamente positivo». O tribalismo é a arma estratégica do colonialismo, o factor altamente positivo com que ele conta para nos derrotar.
Hoje estamos a vencer a guerra porque estamos unidos. Estamos a construir uma Nação porque liquidamos a tribo. Ganhamos a nossa perso nalidade e respeito mundial porque do Rovuma ao Maputo, e do Oceano Indico aos confins de Tete aparecemos como um só . Povo, suportando
todos os sacrifícios e superando dificuldades, para conquistar a indepen dência nacional e instalar o poder popular.
REGIONALISMO
O regionalismo insidiosamente pretende que certas regiões combatem mais do que outras e que, por isso, devem ser privilegiadas, que existem no nosso País regiões que se querem libertar e outras que não querem . Esta é uma variante rejuvenescida do tribalismo, uma camuflagem da velha arma da divisão.
Todas as regiões do nosso país combatem e odeiam o colonialismo, o imperialismo e a exploração. Nenhuma região poderia combater sòzinha e a luta que se desenvolve em cada sítio é o resultado da luta que se desen volve em toda a parte. Um braço que pretendesse viver fora do corpo logo apodreceria. Os regionalistas não sabem assumir a visão do conjunto e por isso
são incapazes de compreender a causa da existência de fases diferentes de luta no nosso País. Combatentes de todo o Moçambique sacrificaram -se para libertar cada uma das regiões do nosso País. Nas zonas ocupadas
pelo inimigo , em condições muito difíceis e no meio da repressão mais cruel, clandestinamente as massas preparam -se para desencadear a luta
armada. Enormes efectivos inimigos estão concentrados e paralizados nas zonas em que ainda não se desencadeou a luta armada, porque o inimigo compreende precisamente que as zonas dominadas são um campo de minas que pode rebentar a qualquer momento .
RACISMO
O racismo classifica os Povos e as pessoas em função da cor da pele. Assim, ser-se inteligente ou não, ser-se trabalhador ou preguiçoso, 116
ser-se. patriota ou lacaio, ser-se revolucionário ou não, não dependeria do comportamento pessoal mas da cor da pele.
O racismo divide as forças revolucionárias tanto no plano interno como internacional e conduz-nos a unirmo-nos com reaccionários.
O colonialismo, o imperialismo e o capitalismo não têm côr nem têm Pátria .
O renegado e traidor é de todas as raças. A nossa luta tem provado que os agentes mais perigosos, os que vêm minar os caminhos das popu lações e os que se infiltram no nosso seio são sobretudo pretos, como a maioria do nosso Povo. O racismo desvirtua o sentido da nossa luta e leva - a a transformar-se
numa luta reaccionária e fascista entre raças. A nossa luta é uma luta
revolucionária dos explorados contra os exploradores. É uma luta política, ideológica, económica, cultural e social fundada nos interesses das largas massas trabalhadoras oprimidas. O racismo impede-nos de integrar a nossa luta no combate geral da
Humanidade contra o colonialismo, o imperialismo e a exploração do Homem, opõe -se abertamente ao internacionalismo que é um ponto funda mental da nossa linha.
O racismo combate a solidariedade internacional e nega a nossa expe
riência. A prática da nossa Revolução demonstra largamente que todos os Povos, incluindo o Povo português, todas as raças, incluindo a branca, apoiam a nossa luta .
AMBIÇÃO
b) A experiência demonstrou -nos já que não é no seio das massas que se encontram os defensores do tribalismo e regionalismo, assim como do racismo.
Os verdadeiros alto -falantes destas teorias reaccionárias do inimigo são os ambiciosos .
Os ambiciosos classificam as tarefas em grandes e pequenas, recusando o nosso princípio justo de que todas as nossas tarefas são grandes porque servem a Revolução e o Povo. Os ambiciosos não reconhecem as suas incapacidades e limitações , exageram a sua contribuição à luta e desprezam a dos outros. Continua mente exigem privilégios para si e não se preocupam com a situação das massas .
Em cada camarada dedicado à Revolução e competente no seu tra
balho vêem um concorrente que é preciso destruir. Praticam a política de fechar as portas à promoção de novos quadros e, quando vêem novas forças aderirem à luta, sentem-se contrariados e ameaçados nas suas posições.
Para atingir os seus fins mesquinhos e egoístas, fomentam campanhas de boatos para denegrir e destruir os que consideram como rivais e criam um clima de desconfiança e opressão contra as novas forças para as isolar e desmobilizar .
117
Os ambiciosos disseminam ideias tribais, regionais e racistas para
tentarem constituir uma força que os apoie nos seus objectivos. Dividem
-nos, querem dividir as massas para consolidarem o seu poder. Destroem na prática a demarcação entre amigo e inimigo, a fim de na confusão de fenderem as suas posições. Recorrem à corrupção e suborno de camaradas para os utilizarem nas suas manobras pérfidas.
Os ambiciosos são criminosos em potência : para satisfazer a sua ambição, estão prontos a recorrer ao crime. Nuns casos, podem organizar a liquidação física de camaradas definidos como concorrentes. Noutros casos, aliam -se com o inimigo principal para conquistarem o poder. Quando descobertos ou quando vêem que já não têm campo para as suas manobras, desertam .
VICIOS HERDADOS
c) A falta de combate interno, a falta dum ambiente de crítica e auto -crítica, permitem que os gostos, vícios e defeitos herdados da outra zona e que constituem verdadeiros acampamentos inimigos instalados nas
nossas próprias cabeças, se desenvolvam e controlem o nosso pensamento e comportamento .
Uma vez dominados por esses gostos, vícios e defeitos, o inimigo que nos estuda estará pronto a tudo fazer para os alimentar .
Escravizados que nos encontramos, estamos prontos a trair a Pátria e a vender o Povo, a conduzir camaradas à morte , para em troca rece
bermos o dinheiro, a bebida, a prostituta que nos satisfaça na nossa podridão .
A guerra e o conforto, a revolução e a corrupção são incompatíveis, não coexistem .
O gosto pelo conforto e corrupção leva-nos a violar a nossa linha e agredir a nossa disciplina. Obrigatoriamente cedo ou tarde, o nosso com portamento será conhecido por alguns e, para mantermos o comporta
mento relaxado que acarinhamos, faremos compromissos com esses alguns que conhecem os nossos pontos fracos. O compromisso significa tolerarmos violações da linha e da disci plina, para que as nossas próprias violações não sejam denunciadas. O
compromisso é uma aliança na base de gostos decadentes. O compromisso é uma expressão do liberalismo, uma tentativa de reconciliação e coexistência de linhas e comportamentos que são opostos. A coexistência com a linha e a vida da zona inimiga significa, na prática, combate contra a nossa linha e a nossa vida. Com efeito, o prin
cipal meio para educarmos os combatentes e as massas é o nosso exemplo; ora, desde que o nosso exemplo seja o da outra zona, estamos a educar as massas e combatentes para seguirem a velha vida. O relaxamento moral, os compromissos e o liberalismo destroem a demarcação entre nós e o inimigo. Quando a demarcação é destruída, os agentes físicos do inimigo podem pulular sem ser reconhecidos, pois que
nada distingue a sua vida da nossa, as suas acções das nossas. 118
A prática tem demonstrado sistematicamente que os destacamentos,
distritos ou centros, em que o inimigo se infiltra mais facilmente, são aqueles em que precisamente o relaxamento moral domina. O combate interno e a luta aberta contra os gostos da outra zona , vícios e defeitos, são uma condição indispensável para nos tornarmos impermeáveis ao inimigo.
MILITARISMO
d) o espírito militarista - o conceber-se todos os problemas em termos puramente militares, o transformar-se a disciplina numa obe diência cega às ordens do escalão superior, o querer fazer-se dos militan tes e combatentes automáticos executores do comando , - é uma insuficiência muito grave.
O militarismo é a linha dos fascistas. O militarismo exprime a linha política de dominação terrorista das massas pelas classes exploradoras . O militarismo é a disciplina do medo e da punição, da supressão da liber dade de pensamento e discussão . As tendências nosso seio :
militaristas
manifestam-se
de
duas
maneiras
no
1. O desprezo pelo trabalho político, pela instrução política e pelo estudo político. A valorização única das operações e da ins trução militar, a separação das operações e da instrução da linha política.
2. O desprezo pelo trabalho organizacional no seio das massas . Estas são concebidas apenas como carregadores de material e for necedores de comida .
Estas manifestações, quando não exprimem uma ignorância crassa, manifestam uma concepção reaccionária. É o trabalho político que nos dá alicerces sólidos para a nossa unidade, que nos faz compreender e assumir a grandeza do nosso País, a razão de ser da nossa luta e a sua dimensão. É este trabalho
que aguça e sensibiliza a nossa consciência contra qualquer desvio ou agressão contra a linha, por mínimos que sejam. É o trabalho político que cria as condições ideológicas para a transformação da
mentalidade e da sociedade. E o trabalho e estudo político que nos definem os alvos das nossas armas e nos explicam com quem nos devemos unir e contra quem devemos combater.
O trabalho organizacional torna operativa a unidade, leva as ideias à prática, conduz a linha a materializar-se no detalhe do quotidiano. Sem o trabalho político privamos as massas da arma fundamen
tal da nossa ideologia, desarmamos o Povo. Sem o trabalho orga nizativo, embora possuindo a arma, condenamo-la a enferrujar-se pelo não uso . 119
Quando as massas estão organizadas e armadas da nossa linha poli tica, elas são sensíveis à mais pequena ofensiva ideológica reaccionária e detectam no embrião qualquer tentativa de infiltração inimiga. Além
disso, as massas organizadas e armadas da nossa ideologia impedem -nos de desviarmos a linha e cairmos vítimas dos nossos vícios e defeitos,
protegendo assim a Direcção, física e politicamente.
ESPIRITO DE «SABE TUDO »
e) O espírito de « sabe tudo », de «dono» da política e da guerra , que não tem nada para aprender, além de reflectir a mentalidade capita lista, um orgulho desmesurado, ridículo , e uma tacanhez enorme de espí. rito, é o caminho rápido e seguro para a estagnação mental. O desprezo pelo estudo político, que é uma recusa da Revolução, não permite elevar o nível da nossa consciência e responder às exigências crescentes da Revolução, conduz-nos a sermos ultrapassados. Sem o estudo político constante, perdemos a noção da fase em que nos encontramos do processo revolucionário e da guerra. Ficamos deso rientados sem conhecer as exigências, a estratégia e táctica a serem segui
das. Encontramo-nos perdidos perante a complexidade da fase presente caracterizada, por um lado, pela transformação da guerra colonial em
guerra imperialista de agressão e, por outro , pela intensificação de mano bras políticas destinadas a camuflar a agressão. Não saberemos como
orientar os combatentes e as massas nas tarefas da implantação do poder popular e democrático e reconstrução da Pátria. O desprezo pelo estudo científico, que reflecte a preguiça mental e
complexo de superioridade, impede-nos de desenvolvermos a luta em todos os sentidos e tirarmos a melhor utilização dos nossos efectivos e armas, de melhorarmos e diversificarmos a nossa produção, de elevarmos o nível dos nossos serviços educacionais e sociais. Nós combatemos um inimigo bem armado, instruído, com uma expe
riência secular de guerras de agressão e opressão, habituado aos métodos mais cruéis e às manobras mais perfidas. O inimigo beneficia ainda dos
conselhos e instruções dos seus aliados imperialistas, todos eles experi mentados em guerras de agressão .
Neste quadro, subestimar o estudo político que nos esclarece sobre as intenções do inimigo e subestimar o estudo científico que nos torna mais aptos a dominar a natureza e as armas, é cegamente convidarmos derrotas ou sacrifícios inúteis .
ESPIRITO DE VITORIA
f) O espírito de vitória leva-nos a conceber a Revolução e a guerra como um processo linear em que caminhamos de vitória para vitória. O espírito de vitória impede-nos de estudarmos e tirarmos lições dos fra cassos e erros, que são vistos como casos isolados, e assim leva-nos a 120
repetirmos os mesmos erros . O espírito de vitória conduz ao desprezo táctico do inimigo e por isso deixamos de estudar o inimigo e ficamos
surpreendidos pelas suas novas manobras e crimes. O espírito de vitória é uma manifestação de subjectivismo, de superficialidade de análise. Uma expressão particularmente perigosa do espírito de vitória é a de
considerar como revolucionários, automaticamente, todos os que vivem connosco ou crescem nas nossas zonas e centros .
Não se considerar que onde há revolução é obrigatório surgir a contra-revolução, ignorar que onde há linha correcta que defende os inte resses das largas massas devem surgir forças que, identificando-se às classes exploradoras, procuram destruir a linha correcta, é criar as con dições para que o inimigo fraco se consolide e se torne forte. O princípio de não combater o jacaré quando, pequeno, vive nas margens do rio, esperando destruí-lo quando, grande, penetra nas águas profundas , conduz a sacrifícios inúteis .
À medida que a revolução progride e ganha assim novas forças con quistadas pela clareza dos nossos princípios e prática, aparecem traidores e renegados. A revolução progride destruindo os privilégios das minorias opressoras e exploradoras, impedindo que surjam novas forças explora doras e opressoras que substituam as antigas . Por isso, os que não têm campo para satisfazer as suas ambições mesquinhas erguem -se contra nós. A revolução progride transformando os nossos gostos decadentes, herda dos da velha sociedade, destruindo os nossos vícios e defeitos. A nova vida ganha as largas massas , mas o punhado de corruptos renitentes ergue -se contra nós.
Pensar-se que ser antigo nas nossas fileiras, viver e crescer nas nossas
zonas transforma automaticamente as pessoas em revolucionárias, é igno rar o peso das ideias, gostos e comportamentos reaccionários, é permitir que cresçam e proliferem, em toda a liberdade, pequenos e médios reac cionários, que um dia se tornarão grandes reaccionários.
O combate entre as duas linhas, entre a revolução e a reacção, é um combate permanente e diário que nunca pode ser relaxado. A prática demonstrou na História da nossa Revolução, como na His tória de todas as revoluções, que o progresso é acompanhado de oposição e que é entre veteranos e antigos que o inimigo recruta os melhores agen
tes, traidores e renegados. A cobra escondida no capim é mais perigosa
do que a cobra exposta no quintal nú. 9. A luta contra as manobras subversivas do inimigo não é nova
para nós. É tão antiga como a Revolução e durará enquanto houver Re volução, quer dizer sempre. O princípio da contradição é universale permanente ; a Revolução cria os seus inimigos. O POVO - DEFENSOR DA REVOLUÇÃO 10. A base da defesa da Revolução encontra-se nas largas massas .
A Revolução pertence-lhes, é o resultado dos seus sacrifícios inúmeros, é a sua esperança de uma vida digna e melhor. 121
É pois às massas que deve ser confiada a tarefa de destruição das manobras subversivas .
São as massas organizadas e armadas da nossa ideologia quem pode
criar um muro impenetrável a todas as infiltrações inimigas, defendendo assim a Revolução e a vida dos seus dirigentes.
A vigilância e a segurança não são actividades secretas dum grupinho especializado. A vigilância faz -se em toda a parte e em todo o momento. 11. É no círculo e é no grupo e secção, é sob a orientação dos Comités do Partido em cada sector de trabalho e em cada destacamento. que a vigilância deve viver.
É a este nível que deve ser desencadeado o combate contra as nossas
insuficiências, gostos corruptos, vícios e defeitos, que são as brechas por onde o inimigo penetra.
E a este nível que devemos desalojar todos os comportamentos e ideias que não se coadunam com a nova vida.
É a este nível que se opera a demarcação com o inimigo, se cria o fosso intransponível para os seus agentes físicos e morais. 12. Na luta contra as manobras pérfidas do inimigo devemos pôr em aplicação a palavra de ordem : « IMPERMEABILIZEMO -NOS CONTRA AS MANOBRAS SUB VERSIVAS , INTENSIFICANDO A OFENSIVA IDEOLOGICA E ORGANIZACIONAL NO SEIO DOS COMBATENTES E MASSAS».
122
Índice
PÁG . ...
Ao leitor
5
Produzir é aprender . Aprender para produzir e lutar melhor
3
Educar o homem para vencer a guerra criar uma sociedade nova e desenvolver a Pátria
17
No trabalho sanitário materializemos o princípio de que a revolução liberta o Povo
29
A libertação da mulher é uma necessidade da revolução, garantia da sua continuidade, condição do seu triunfo
41
Estabelecer o Poder Popular para servir as massas
61
Fazer da escola uma base para o Povo tomar o Poder
95
Impermeabilizemo-nos contra as manobras subversivas, intensificando
a ofensiva ideológica e organizacional no seio dos combatentes e
massas
111
123
1
ESTE LIVRO ACABOU DE IMPRIMIR-SE AOS 22 DE
ABRIL DE 1975, ANO DA INDEPENDENCIA DE MO
ÇAMBIQUE, NA TIPOGRA FIA DO BEIRA »
«NOTICIAS DA
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estudos e orientações TRADITS O RACISMO DESVIRTUA O SENTIDO DA NOSSA LUTA E LEVA - A A TRANS FORMAR-SE NUMA LUTA REACCIONA
RIA E FASCISTA ENTRE RAÇAS. A NOSSA LUTA É UMA LUTA REVOLU CIONÁRIA DOS EXPLORADOS CON TRA OS EXPLORADORES . É UMA
LUTA POLITICA, IDEOLÓGICA, ECO NÓMICA CULTURAL E SOCIAL FUNDADA NOS INTERESSES DAS LARGAS MASSAS TRABALHADORAS OPRIMIDAS.
21 355U 1/03
BR 4534 31150-109 NLB
ABRIL 1975
ANO DA INDEPENDENCIA NACIONAL
StanfordUniversityLibraries
UTSTILU . 3 6105 112 276 790