248 24 22MB
Portuguese Pages [239] Year 1981
Engels Organizador: José Paulo Netto Coordenador Florestan Fernandes
GRANDES CIENTISTAS SOCIAIS
Textos básicos de Ciências Sociais, selecionados com a supervisão geral do Prol. Florestan Fernandes Abrangendo seis disciplinas fundamentais da ciência social ■ Sociologia, Historia, Economia, Psicologia, Política e Antropologia a coleção apresenta os autores modernos e contemporâneos de maior destaque mundial, focalizados através de introdução critica e biobibhografica, assinada por especialistas da universidade brasileira A essa introdução critica segue se uma coletanea dos textos mais representativos de cada autor. I O Q papel de Frtedrich Engels kMI_w| (1820-1895) na elaboração LIIMLLV do materialismo histórico e dialético é universalmente conhecido. Com idêntica relevância, avulta a sua contribuição critica e sistemática - para a teoria e a prática políticas do movimento socialista
Este volume apresenta vários textos engelsianos, antecedidos por referências biobibliográficas e uma introdução clara e didatica, reunidos na perspectiva de iluminar a política operaria com as determinações da ciência social. O objetivo desta antologia não é o de sintetizar o que seria o "pensamento político" de Engels: antes, ela pretende oferecer ao estudioso os pa râmetros básicos, afirmados conjuntural e es truturalmente, de um projeto revolucionário que se funda tanto na critica radical da econo mia política e do Estado quanto na denúncia dos vários reformismos Ou seja: os pontos car deais de uma estratégia e uma tática políti cas que se articulam sobre uma verdadeira (cons) ciência das lutas de classes.
Friedricfi Engels Organizador: José Paulo Netto
POLÍTICA
CIP-Brasil. Catalogação-na-Fonte Câmara Brasileira do Livro, SP
E48f
Engels, Friedrich, 1820-1895. Friedrich Engels : política / organizador (da cole tânea] José Paulo Netto ; [tradução José Paulo Netto ... et al.J. — São Paulo : Ática, 1981. (Grandes cientistas sociais ; 17) Inclui introdução sobre Engels, por José Paulo Netto. Bibliografia. 1. Comunismo 2. Engels, Friedrich, 1820-1895 3. Política I. Neto, José Paulo. II. Título. CDD—320 —320.092 —320.532
81-0990
1. 2. 3. 4.
r~—
Índices para catálogo sistemático: Ciência política 320 Cientistas políticos : Biografia e obra 320.092 Comunismo : Ciência política 320.532 Política 320
~
EDIÇÃO
Tradução: José Paulo Netto, Maria Fílomena Viegas, Marco Aurélio Nogueira e Apolônio dc Carvalho Copidesque: Oswaldo Faria, Nelson Nicolai e M. Carolina dc A. Boschi Coordenação editorial: M. Carolina de A. Boschi Consultoria geral: Prof. Florestan Fernandes
ARTE
Capa Projeto gráfico: El tfas And reato Arte-final: Rcné Etiene Ardanuy Texto Projeto gráfico: Virgínia Fujiwara Produção gráfica: Elaine Regina de Oliveira Supervisão gráfica: Ademir Carlos Schneider
~ 19 81
—
Todos os direitos reservados pela Editora Ática S.A. R. Barão de Iguape, 110 — Tel.: PBX 278-9322 (50 Ramais) C. Postal 8656 — End. Telegráfico “Bomlivro” — S. Paulo
SUMARIO INTRODUÇÃO — F. Engels: Subsídios para uma aproximação
(por José Paulo Netto),
27
TEXTOS DE ENGELS Esboço de uma crítica da Economia Política,
53
2.
Princípios do comunismo,
82
3.
Sobre a ação política da classe operária,
100
4.
Sobre a autoridade,
102
5.
A burguesia e o problema habitacional,
106
6.
0 programa dos exilados blanquistas da Comuna.
139
7.
0 socialismo científico.
1.47
8.
Teoria da violência,
164
9.
Classes sociais necessárias e supérfluas,
189
10.
Nota sobre o Estado,
194
11.
Sobre a questão camponesa,
199
12.
As lutas do classe na França (1848-1850), de Karl Marx,
207
Da correspondência — Fragmentos.
227
ÍNDICE ANALÍTICO E ONOMÁSTICO,
232
1,
13.
Textos para esta edição extraídos de:
Engels, F. Anti-Dühríng (M. E. Dühring houleverse la science). Paris, Éditions Socialcs, 1973»
Marx, K. e Engels, F. Correspondance. Moscou, Éditions du Progrès, 1976; Oeuvres choisies. Moscou, Éditions du Progrès, 1975; Oeuvres choisies en trois volumes. Moscou, Éditions du Progrès, 1970; Obras escolhidas. Trad. de Apolônio de Carvalho. Rio de Janeiro, Editorial Vitória, 1963. Temas de Ciências Humanas, São Paulo, Livr. Ed. Ciências Humanas, v. 3 e 5, 1978 e 1979.
INTRODUÇÃO
f
José Paulo Netto Professor Assistente do Instituto Superior de Beonomta da Universidade Técnica dc Lbibou o do Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa
Advertência do Organizador
A essencial problematiddade contida no projeto de reunir, num volume como este, textos significativos de F. ' Engels não reside nas compreensíveis limitações derivadas da dimensão deste livro — condicionada pelas normas editoriais que viabilizam a elaboração das antologias da coleção "Grandes Cientistas Sociais”. Radica, antes, na necessidade de comprimir o pensa mento engelsiano para encaixá-lo num âmbito restrito, neste caso a área deno minada "política”. Com efeito, na escala mesma em que a obra de F. Engels concretiza brilhantcmente as mais decisivas determinações teórico-metodológicas expres sas já precocemente em A ideologia alemã (e.g., "conhecemos apenas uma ciência, a ciência da História”), as instâncias científicas postuladas pela racio nalidade formal da divisão acadêmico-institucional da pesquisa teórica reve lam-se extremamente frágeis. A cada passagem, a pretensa especificidade do político é dilacerada na remissão à Economia Política, à História, à cultura; em síntese, a cada passagem, o pensamento engelsiano ultrapassa o político para resolvê-lo na totalidade complexa e dinâmica das oblcilvoçocs macroscó picas do ser social. Na medida em que os textos que selecionei Sugertrcm (10 leitor aquele dilaceramento e aquela ultrapassagem, na imanente tensão dialética que instauram entre logox e praxi.% nei/a med/da o pensamento do maior dos polemistas da tradição socialista não terá sido deformado. Uma outra ordem de questões é a relativa aos critérios que norteiam a organização de uma antologia — e este não é 0 lugar para discutidos, Meu procedimento, ao optar por certos textos c não por outros, foi parametrado pela preocupação em articular um conjunto que, mesmo sem apresentar uma organicidade perceptível à primeira vista, fornecesse um painel representa tivo do enfoque engelsiano sobre problemas centrais, também HO nosso tempo. Mesmo consciente dos riscos inerentes a qualquer tarefa deste gênero, quer-me parecer que o resultado do empreendimento é compatível com os fins a que se propõe esta coleção. Duas palavras finais ainda cabem aqui. Em primeiro iugar, quanto ao caráter desta edição. Como não se trata de uma edição crítica no estrito sentido da expressão, o aparato crítico de apoio foi reduzido drasticamente ás notas — e salvo as assinaladas com as iniciais F. E., que são do autor, praticamente todas as outras foram adapta das da edição Marx-Engels-Werke (Berlim, Dietz Verlag). Em segundo lugar, para o trabalho de cotejo com os Originais, devo declarar que me foi imprescindível o valioso apoio dos meus companheiros da editora e da revista Seara Nova. A esta equipe, que simboliza muito do Portugal de Abril e ã qual tive, a honra de me integrar, consigno os meus calorosos agradecimentos. Eisboa, verão de 1978
Cronologia
Esta seqüência de datas objetiva, con cisamente, fornecer ao lePor o enquadra mento cronológico da vida e da obra de F. Engels. Na tentativa de também su gerir a ambiência ideológica c histórica em que se desenvolveu o pensamento e a ação cngelsianos, fez-se rápida alusão à publicação de textos que mais direta mente concernem ao âmbito de preo cupações de Engels, bem como brevís sima menção a eventos históricos signi ficativos a elas ligados.
1820 edições
James Mill. Ensaio sobre o governo Malthus. Princípios de Economia Política Engels nasce a 28 de novembro, em Barmen, na Prússia renana, primeiro dos nove filhos de Friedrich Engels (1796-1860) e Elizabeth Franziska Mauritia van Haar (1797-1873)
1821 edição
Hegel. Filosofia do Direito
8
1823 edições DB Tracy. Tratado de Economia Política Fourier. Catecismo dos industriais evento Formulação da “Doutrina Monroe” 1824 evento As trade-unions inglesas são legalizadas
1825 edições
Saint-Simon. O novo cristianismo Hogdskin. O trabalho defendido contra as pretensões do capital 1828 edições J.-B. Say. Curso completo de Economia Política Buonarroti. A conspiração pela igualdade dita de Dabetif 1829 eventos Independência da Grécia Na Inglaterra, gencraliza-se um processo dc slndlcülizaçuo operária
1830 edições
Comtb. Curso de Filosofia Positiva (início) Hegel. Enciclopédia das Ciências Filosóficas (edição definitiva) eventos Rebelião nas províncias belgas dos Países Baixos Revolução na França, em julho 1831 edições
Gray, O sistema social Bõrne. Cartas de Paris (início). eventos Rebelião polonesa contra a Rússia Insurreição operária em Lyon
9
1832 evento Reforma eleitoral inglesa
1833 edição
Buchez. Introdução à Ciência da História 1834 edições
Fourier. Teoria da unidade universal Heine. Sobre a História da Religião e da Filosofia na Alemanha •Villeneuve-Bargbmont*, Economia Política cristã eventos Na Inglaterra, surge um efêmero sindicato nacional operário Operários alemães no exílio criam a Liga dos Proscritos Engels •sai da escola municipal de Barmcn para ingressar no liceu de Elberfeld. Aí se distingue pelo seu talento no aprendizado de línguas e pelas suas aptidões «artísticas 1835 edições D. Strauss. A vida de Jesus Tocqueville. A democracia na América
1836 eventos Em Londres, funda-se a Associação Nacional dos Trabalhadores A Liga dos Proscritos torna-se a Liga dos Justos 1837 edições M. Hess. História sagrada da humanidade Lamennais. O livro do povo Roddertus-Jagetzow. As reivindicações das classes operárias Carlyle. A revolução francesa 1838 evento Na Inglaterra, toma corpo o movimento cartista: após a publicação, em Londres, da “Carta do Povo”, surge, para reivindicá-la na prá tica, a Associação Nacional para a Conquista da Carta
10
Engels pressionado pelo pai, homem de negócios que pretende fazer do sou primogênito um empresário, não conclui o curso liceal: vai para Bremcn, estagiar na casa comercial Leupold 1839 edições
Blanc. A organização do trabalho Carlylb. O cartismo evento ê reconhecida a independência da Bélgica
vincula-se à “Jovem Alemanha”, Conhece K. Gutzkow, redator do periódico hamburgués Telegraph für DeutsMand, para o qual começa a escrever sob o pseudônimo de F. Oswald. Entre março e abril, publica as Cartas de Wuppertal, que causam escândalo pelo seu teor de crítica religiosa 1840 edições
PrOUDHOH. O que é a propriedade? Cabet. Viagem à Icária Engels começa a estudar os textos de Hegel 1841
edições OWEN. O que é socialismo? Feuerbach. A essência do cristianismo M. Hess. Triarquia européia List. Sistema de Economia Política Marx. Diferença entre a Filosofia da Natureza de Demócrito e Epicuro (redação) Engels em março, regressa a Barmen. Incompatibilizando-se com o pai, resolve prestar, como voluntário, o serviço militar. Em setembro, parte para Berlim, passando pela Suíça e pela Itália. Como ouvinte, assiste a cursos na Universidade de Berlim, notadamente os minis trados por Schelling. Neste ano e no seguinte, a par de manter vinculações com os jovens hegelianos, escreve dois panfletos contra
11
a filosofia de Schelling: Schelling e a revelação e Schelling, filó sofo cristão
1842 edições
Dézamy. O código da comunidade L. von Stbin. Socialismo c comunismo na França contemporânea Wbitling. As garantias da harmonia e da Uberdade E. Bauer. As tendências liberais na Alemanha Rodbertus-Jaghtzow. Para o conhecimento da situação da nossa economia
eventos Inicia-se a Guerra do ópio Na Inglaterra, o movimento cartista começa a experimentar um período de refluxo Engels rompe com a ideologia da “Jovem Alemanha”. Mantém estreita relação com o jovem hegeliano Arnold Ruge. Com E. Bauer, escreve um poema satírico anti-religioso, Como a Bíblia escapa milagrosamente a um atentado impudente ou O triunfo da fé. Colabora com o jornal Rheinische Zeitung, dirigido por Marx. Concluído o serviço militar, retorna a Barmen, através de Colônia, onde conhece M. Hess. Em Barmen, sob a pressão do pai, decide deslocar-se para a Inglaterra, para trabalhar na firma Ermen & Engels, em Manchester. Inclui Colônia no roteiro da viagem e então conhece Marx
1843
edições
Fbuerbach. Princípios da Filosofia do futuro B. Bauer. O problema judaico Marx. Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (redação) Engels radicado em Manchester, continua colaborando com o Rheinische Zeitung. Trava relações com Mary Burns, jovem operária irlan desa. Em Bradford, conhece o poeta G. Weerth. Começa a escre ver para a imprensa cartista. Em maio-junho, no continente, o jornal Schweizerischer Republicaner publica as suas “Cartas de Londres”. Mantém contatos com a Liga dos Justos
12
1844 edições M. Stirner. O único e sua propriedade Kierkegaard. O conceito de angústia Marx. A questão judaica; Manuscritos econômicos e filosóficos evento Revolta dos tecelões na Silésia Engels contactado pelo poeta G. Herwegh, envia para os Anais Franco-Alemães (editados em Paris por Marx e Ruge) o ensaio Esboço de uma crítica da Economia Política. Colabora com o jornal Vorwãrts. Em agosto, deixa a Inglaterra. Passando por Paris, reencontra Marx e elaboram o plano de um livro contra os jovens hegelianos, que será A sagrada família ou A crítica da crítica crítica (Contra Bruno Bauer e consortes) 1845 edições
Feuerbach. A essência da Religião Marx/Engels. A sagrada família Engels de volta a Barmen, dedica-se à propaganda socialista: na primeira quinzena de fevereiro, com Hess e Kòttgen, organiza uma série de debates sobre as ideias comunistas e profere os “Discursos de Elberfeld”. Em março, conclui o texto de A situação da classe operária na Inglaterra, publicado neste ano em Leipzig. Em abril, dirige-se para Bruxelas, onde se junta a Marx. Viajam à Inglaterra, entre julho c agosto, e consolida-se a amizade entre ambos, res paldada por evidente comunhão ideológica. No outono, começam a redigir A ideologia alemã (cujo texto integral só foi publicado cm 1932). Inicia sua vida em comum com Mary Burns 1846 edições
Proudhon. Filosofia da miséria Michelet. O povo evento Na Tnglaterra, é revogada a Lei dos Cereais Engels em janeiro, com Marx, cria em Bruxelas o primeiro Comitê de Correspondência Comunista da Liga dos Justos', ambos redigem
13
a “Circular contra Kricgc”, marco na luta contra o “socialismo verdadeiro”. Conhcco Weitling. Em agosto, desloca-sc para Paris, com a incumbfinciQ de estabelecer novos comitês de correspon dência 1847
edições
Considérant. Princípios do socialismo Blanc. História da revolução Marx. Miséria da Filosofia} Trabalho assalariado e capital eventos Crise econômica européia A Liga dos Justos torna-sc a Liga dos Comunistas Engels mantém relações com Cabct c Blanc. Em março-abril, escreve A questão constituciohal na Alemanha. Vai a Londres, cm junho, participando, com Marx, do I Congresso da Liga dos Justos. Em agosto, ambos fundam a Associação Operária Alemã de Bruxelas e, em setembro, tomam parte no Congresso Internacional dos Economistas Livre-Cambistas. Inicia sua colaboração com o perió dico Deutsche-Brüsseler-Zeitung. Em outubro, retorna a Paris e começa a escrever para o jornal La Réforme. Para o II Congresso da Liga dos Justos, cm novembro, redige os Princípios do comu nismo', neste congresso, juntamente com Marx, c encarregado de preparar o que será o Manifesto do Partido Comunista. Em de zembro, está novamente em Paris 1848
edições
Stuart Mill. Princípios de Economia Política Marx/Enoels. Manifesto do Partido Comunista eventos Revoluções democrático-populares na França, Itália e Estados germânicos Na Inglaterra, o cartismo entra em colapso Engels expulso da França por suas atividades políticas, chega a Bruxelas nos finais de janeiro. Com Marx, recebe plenos poderes de coor denação política, delegados pelo Comitê Central da Liga dos Comunistas. Em princípios de março, com a expulsão de Marx
14
do pois, assume sozinho as tarefas políticas da Liga na Bélgica. Um mês depois, reencontra-se brevemente com Marx em Paris, quando escrevem As reivindicações do Partido Comunista na Ale manha. Em finais de abril, já cm seu país, participa da redação do jornal que Marx anima em Colônia: Neue Rheinische Zeitung. Em outubro, procurado pela polícia, tenta asilar-se na Bélgica; preso c depois expulso, alcança a Suíça através da França — desta viagem produziu a memória De Paris a Berna. Em fins de outubro, está em Genebra 1849 edição
Proudhon. Confissões de um revolucionário evento Violenta repressão às revoluções do ano anterior Engels em janeiro, retorna à Colônia. Em fevereiro, ao lado de Marx, é levado a tribunal pelas posições assumidas pelo Neue Rheinisc/te Zeitung — ambos são absolvidos. Na primavera, engaja-se mili tarmente na resistência à reação; em maio, à frente de um batalhão operário, entra em Elberfeld. No mesmo mês, o Neue Rheinische Zeitung é interditado e Marx expulso da Prússia. Nos princípios de julho, caçado pelas autoridades, foge para a Suíça, onde escreve o panfleto Refutação, defendendo os revolucionários de Elberfeld. Em novembro, vai para Londres: reúne-se a Marx e reassume suas funções dirigentes na Liga dos Comunistas
1850
edições
MauRICE e Kingsley. Tratado sobre o socialismo cristão Marx. As lutas de classe na França evento Recuperação da economia européia Engels juntamente com Marx, organiza a revista do \Neue Rheinische Zeitung, da qual são tirados seis números praticamente redigidos pelos dois. Neste órgão publica A guerra dos camponeses na Ale manha. Em novembro, transfcre-sc para Mancbester: aí Viverá por quase vinte anos, trabalhando com G. Ermcn, correspondente dos empreendimentos de seu pai
15
1851 edições G. Ferrari. Filosofia da revolução Rodbertus-Jagetzow. Carias sociais Comte. Sistema dc Política Positiva Spencer. Estática social Proudhon. A idéia da revolução no século XIX eventos Na França, golpe de Estado do Luís Bonaparlo Nos Estados germânicos, violenta roprossEo à Liga dos Comunistas Engels atendendo a solicitação de Marx, escreve o texto Possibilidades e perspectivas de uma guerra da Santa Aliança contra a França em 1852. Para o jornal norLe-americano New York Daily Trlbune, escreve a série de artigos Revolução e contra-revolução na Ale manha, então publicados sob a assinatura de Marx
1852 edições
Comte. Catecismo positivista Marx. O dezoito brumário de Luís Bonaparte evento Extingue-se a Liga dos Comunistas Engels com Marx, prepara uma obra polêmica em defesa dos revolucioná rios dc 1848/1849: Os grandes homens oficiais da emigração. Os originais desaparecem pela ação do húngaro Bangya, agente policial 1853 edição
Godinbau. Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas 1854 evento Guerra da Crlmóla 1855 edições
Hbrzen. O povo russo e o socialismo Le Play. Os operários europeus
16
1856 Engels em maio, com Mary Burns, viaja à Irlanda
1857 eventos Crise econômica européia A França ocupa a Argélia Engels adoece gravemente, cm maio. Restabelecido, retoma seus trabalhos para jornais e revistas — ao tempo em que Marx prepara os materiais dos Fundamentos da crítica da Economia Política — analisa a situação no Oriente Médio, estuda a questão eslava e aprofunda suas reflexões sobre temas militares (para a Nova enci clopédia americana, editada por Dana, redige verbetes sobre a função militar) 1858 edições
Proudhon. Da justiça na revolução e na Igreja Lassalle. Filosofia de Herádito, o obscuro Marx. Contribuição à crítica da Economia Política evento intervenção francesa na Itália 1859 edições
Darwin. A origem das espécies Stuart Mill. A liberdade Lassalle. A guerra da Itália e a missão da Prússia evento guerra entre a Itália c a Áustria Engels escreve a brochura O Pó e o Reno, acerca da crise militar entre a França e a Áustria. Começa a colaborar com o jornal Das Volk
1860 evento Proclamação do reino da Itália
17
Engels consolida sua vido numa Hluinçüo econômica confortável — o que lhe permite contribuir dcclHlvnmonto para a sobrevivência finan ceira da família Mnrx. F,m abril, publica a brochura Savóia, Nice e o Reno, polemizando com Iuuaollo. Começa a colaborar com o periódico AllgancllW Mllltllr-Zellung
1861 edições
Bachofbn. () direito materno Stuart Mim.. ('onsldcraçtics acerca do governo representativo Prouduon. Teoria do Imposto; A guerra c a paz eventos A servi d Tm 6 ubolldn na Rússia Nos EUA, conflito entro o Norlo c o Sul
Engels viaja à Alemanha 1862 edição
Lassalle. A idéia da classe operária eventos Na França, grandes greves operárias Na Prússia, ascensão dc Bismarck Engels faz nova viagem à Alemanha 1863 eventos
Insurreição na Polônia Em Lcipzig, Lassalle cria a Associação Geral dos Trabalhadores Alemães’, cm Frankfurt, surge a Federação das Associações Operá rias Alemãs, a quo se ligará W. Licbknecht
Engels em janeiro, morrc-llw n companheira, Mary Bums. Esboça, mas nfio conclui, um texto nobre a rebelião polonesa 1864
edição
Tainb. História da literatura Inglesa
18
eventos Guerra entre a Áustria e a Dinamarca Etn Londres, nasce a Associação Internacional dos Trabalhadores (depois conhecida como a Primeira Internacional) Engels participa da fundação da Associação Internacional dos Trabalha dores. Juntamente com Marx, dispõe-se a colaborar com o jornal berlines Sozial-Demokrat. Passa a viver com Lizzie Bums 1865
edições
Lange. A questão operária Proudhon. A capacidade política das classes operárias C. Bernard. Introdução ao estudo da Medicina experimental Tylor, Pesquisas sobre a História prifnitiva da humanidade e sobre o desenvolvimento da civilização Engels com Marx, rompe com o Sozial-Demokrat, por sua orientação lassalleana. Em fevereiro, publica A questão militar na Prússia e o Partido Operário Alemão 1866
edições
Lange. História do materialismo Haeckel. Morfologia geral dos organismos eventos Guerra entre a Prússia c a Áustria Rebeliões na Irlanda
1867 edição
Marx. O capital (l.° volume) evento Nova reforma eleitoral inglesa Engels trava relações com Paul Lafargue e L. Kugelmann. EsLreita seus contatos com os revolucionários alemães, espccialmente W. Liebknecht e A. Bebei
19
1869 edlçQo J. DlTZOCN. y/i cxxOnelu do trabalho intelectual humano dtwrlM por uni trabalhador manual eventos N(i França, gnuidwi griweri iiportirlns Funda-NO 1'artldu Smlal IhwunTttltl dos Trabalhadores Alemães Kttfclx estuda nohiiliimrnln h hhiíiihi Foram iiiion vxlirniitmrnm linporúmlUN paru Engcls. Primeiramonto, cio os aproveitou pnnt um CNltido sistemático das ciências da natureza o da Nocledade. o quo lho proporcionou um cabedal de conhe cimentos, Qutontlcumonlo enciclopédico. Em segundo lugar, teve condiçbcN para dedicarão ao acompanhamento da situação sócio-política dos principais países, europeus o mio-europeus, o que fez dele uma autoridade Indiscutível cm política inlcrnaclonul.
A distância de Londres (c do continente), porém, não o impediu do Intervenções políticas efetivas, como o atesta o seu envolvimento na fundação da Associação Internacional cios Trabalhadores,
A sua produção teórica, nesse período, apresenta como traço ca racterístico a sua vinculação com uma impressionante atividade como publicista revolucionário — nessa fase da sua vida, Engels colabora com dezenas de jornais de vários países, ligados à imprensa operária ou à Imprensa da burguesia progressista. A primeira dessas produções de vulto é o conjunto de textos que, publicados sob o nome de Marx (que, efetivamente, colaborou em muitos dülcs), entre 1851 e 1852, no Neiv York Daily Tribune, foram reunidos no volume Revolução e contra-revolução na Alemanha.
Trata-se de uma meticulosa análise do processo revolucionário que, cm IKdK/1849, agitou os Estados germânicos. Numa linha interpreliillvn pióxlnia â desenvolvida por Marx no tratamento do mesmo jiriuTMMi mm rriiiçmi a França, Iingcls interessa-se tanto, como o compimlidio. pula Idriiliricaçho das bases sociais e econômicas dos grupos cm roíillllu, qumilu -* u aqui ele apresenta uma lematização ausente em Marx — pela técnica militar-revolucionária implementada pelos insurretos. A obra, portanto, é mais do que uma avaliação política do conteúdo social do processo revolucionário: é a primeira tentativa de analisar os aspectos insurrecionais do levantamento popular conduzida por um teórico do socialismo científico,
40
A atenção que Engels dedica às questões militares não resulta de qualquer idiossincrasia pessoal (pouco antes, este seu interesse já aparecia no estudo A guerra dos camponeses na Alemanha). Ao con trário, seu acurado enquadramento na ciência da guerra (e da insurrei ção) inseria-sc no seu enfoque da prática política revolucionária: ele estava convencido de que o preciso conhecimento objetivo da estratégia bélico-insurrccional era dc vital importância para o êxito do projeto revolucionário. Daí seu empenho nessas questões, que não só o tornou um analista militar de competência reconhecida como, ainda, fez dele, no seio do movimento socialista, o primeiro especialista nesse domínio. No fim dos anos cinquenta, com a emergência de novos movimentos populares, em função da crise econômica mundial, Engels teve ocasião de aplicar esses conhecimentos, em dois ensaios, nos quais a análise política se articula à investigação da conjuntura militar. Ambos centram-se sobre os eventos italianos de 1858, quando o Piemonte pretendeu unificai’ a Itália, sob a sua égide, com o apoio de Napoleão m, seguindo-se a guerra com a Áustria, no ano seguinte. Em O Pó e o Reno, concluído a 9 de março de 1859, Engels de fende a causa da emancipação c da unificação italiana, mas analisa a interferência francesa no quadro da redivisão européia e se detém na prospecção das características estratégicas do confronto. Quando, em seguida, Lassalle desenvolveu uma análise alternativa — que, no fundo, como que pré-lcgitimava a futura política exterior bismarckiana —, Engels volta à questão, no estudo Savóia, Nice e o Reno, publicado em abril de 1860; aí, ele retorna não só ao significado da intervenção francesa no contexto dos Estados europeus como, ainda, aprofunda as suas análises de caráter militar. Cinco anos depois, caberia a Engels assumir a tarefa de criticar as posições lassalleanas — depois da sua ruptura (e de Marx) com o Soziál-Demokrat. No ensaio A questão militar na Prússia e o Partido Operário Alemão, de fevereiro de 1865, a propósito do conflito que se abre na Prússia, com referência a reformas nas forças armadas, Engels submete à crítica a tática política dos lassalleanos e, ao mesmo tempo, a correlação das classes sociais, visando determinar a estratégia política correta para as forças revolucionárias. O texto, .que revela ainda a natureza bonapartista do modelo bismarckiano, é como que uma atuali zação das propostas do Manifesto do Partido Comunista para as con dições vigentes na Alemanha de seu tempo. -
41
Nos finais dessa década, Engels consagra-se ao estudo da história da Irlanda. O tema irlandês eslava na ordem do dia, com a questão da independência afetando inclusive os trabalhos da Internacional. Entre 1869 e 1870, Engels examina ioda a bibliografia existente sobre o assunto e planeja uma volumosa obra, da qual, porém, só escreve dois capítulos. Dos seus rascunhos conservados, pode-se, todavia, inferir que Engels pretendia fazer uma exaustiva análise do problema da Irlanda, desde a formação da nacionalidade até o domínio colonial inglês. A eclosão da guerra franco-prussiana o, depois, a instauração da Comuna de Paris interrompem essa investigação. Em sincronia com a Internacional, Engels dedica-se à defesa dos revolucionários simultanea mente à pesquisa da evolução militar do conflito, de que resultam as suas Notas sobre a Guerra, publicadas na Pall Mall Journal, de Londres.
Unia década de polémicas Liberto do “cativeiro egípcio”, Engels vai radicar-se cm Londres, onde viverá até a morte. Mal chega, é eleito, por unanimidade, membro do Conselho Geral da Internacional •— a 4 de setembro. Suas atividades no interior do organismo serão múltiplas, mas é na condução da luta interna contra as várias tendências antimarxistas que seu papel será de primeira plana, sobretudo no que se refere à liquidação institucional do bakuninismo.
Travado implacavelmente no interior da Internacional, esse com bate é um elemento do processo geral de afirmação do materialismo histórico e dialético como o marco de referência dos partidos operários revolucionários — processo áspero, não isento de traumatismo, que ganha ritmo ascendente nos anos setenta e se consolida na década seguinte. Sua repercussão, fora dos estritos quadros da Internacional, foi sensível, o que explica o fato de, especialmente nos anos setenta, a nlividndo teórica de Engels estar penetrada de um fortíssimo conteúdo polfimlco, Ncnnii fnsc, dciitnquo especial cabe à obra O problema da habitaçdt», cm 1K72-IM71 Um pouco antes, o Volkstaat, jornal da social•dcmoenichi idcmii, publicara umn série do artigos de A. Mülberger, «obro o problema da habitação, propondo soluções claramente vinculadas no projeto social do Proudhon. Engels debruça-se sobre a questão, preocupado não apcnüs com os equívocos teóricos e econômicos de Mülberger, mas também com 0 que revelavam: a confusão ideológica
42
reinante no partido alemão, É visando a clarificação do quadro ideoló gico da social-democracia que Engels debate o enfoque proudhoniano do problema habitacional: ressaltando o caráter debilmente reformista dessa abordagem, ele toma claras as conexões entre o problema habita cional tomado em si e a problemática geral posta pelo desenvolvimento do modo de produção capitalista.
Na segunda parte do opúsculo, que, em fascículos, foi publicado pelo mesmo Volkstaat, Engels analisa as soluções que, para o problema, são propostas pelo “socialismo” burguês, na obra de E. Sax, um dos seus ideólogos. Ele as reduz à sua efetiva indigência teórica e política, indicando que o tom moralizante que deixam transparecer é apenas o atestado da sua incapacidade para tomar os fenômenos sociais na sua essencialidade.
Contudo, a polêmica mais significativa que Engels inicia, nesse período, é ímediatamente ulterior ao* Programa de Golha, a partir do qual o nível teórico da social-democracia declina sensivelmente — c preciso não esquecer que as condições em que se fez a unificação das tendências existentes no movimento operário alemão foram duramente criticadas por Marx, e mesmo Engels considerou-as uma “capitulação de todo o proletariado socialista alemão diante do lassalleanismo”, É nesse período que as idéias de E. K. Dühring, pretensioso professor da Universidade de Berlim, encontram grande receptividade na social-democracia e chegam mesmo a ser apresentadas como “um novo comunismo”. No segundo semestre de 1876, Engels estuda minuciosa mente a obra de Dühring, convencendo-se de que estava diante de uma monumental coleção de absurdos, articulados à base de uma assombrosa ignorância acerca de tudo; entre janeiro e julho do ano seguinte, escreve O senhor Dühring subverte a ciência, que, em meio a problemas internos do jornal, sai em capítulos no Vorwdrts (sucessor do Volkstaaf). Numa escritura onde a ironia se entreeruza com a indignação, o texto — que contou com alguma colaboração de Marx no que sc refere à economia — não se atém somente à crítica implacável do “sistema” de Dühring: avança, quer para uma exposição sistemática do materia lismo histórico e dialético, quer para um balanço dos progressos reali zados até então pelas ciências da natureza. Obra de tônus enciclopédico, o Anli-Dühring, como se popularizou depois, exerceu uma enorme influência no seu tempo e, até hoje, tem funcionado como livro de iniciação ao pensamento marxista.
43
Nele, a concepção cngelsiana do motcriolismo histórico e dialético emerge na sua estrutura definitiva: distinguindo, na sua exposição, a filosofia, a economia política o o socialismo, Engcls já postula a futura divisão especializada entre o materialismo dialético e o materialismo histórico. E no intensivo tratamento que díi aos temas que seleciona, ole procura alcançar um lol grnu do «isteninticldodo que, por vezes, dada a homologia verificável entro o «cu procedimento o os padrões científicos dominantes na época, sacrifica n lensílo dialética específica operante nas relações do ser social. E bORtnntc significativo que, naquela obra, se regisLre um ponderável aproveitamento dos avanços das ciências bio-físico-químicas, numa porspcclivüçflo que tende n identificar o ser social com o ser orgânico. E sintomático» ainda, que o texto não recupere nenhuma dctomiinaçflo reforento è praxls como constitutiva do ser social.
Ê de mencionar que, ncsln altura, Engcls já levava a cabo duas pesquisas que ficarão inacabadas — o uma delas diretamente relacionada à problemática posta no Antl-Dührlng. Uma dessas pesquisas, iniciada no outono de 1873, consistia na seleção de materiais para a elaboração de uma história da Alemanha, cobrindo até os anos mais recentes. Eogels chegou mesmo a redigir vários esboços (que foram conservados sob o título de Notas sobre a Alemanha) para esse livro inacabado. O exame das páginas desse livro autoriza a dedução de que Engels pretendia traçar um painel da Alema nha desde a Idade Média, centrando-se mais sobre a etapa posterior à Rovolução Francesa; também indica que, para explicar a contemporânea “miséria alemã”, Engels se apoiaria na análise do tardio desenvolvimento capitalista e na ausência de unidade nacional — características da historiografia marxista posterior sobre a Alemanha. A outra pesquisa — que se liga ao Anti-Dühring —, ele a iniciara limibéin em 1873. Após interrompê-la, em 1876, voltara a cia um ano diqiols. ubimdonrmdo-n dc vez, cm 1883. Trata-se do livro, incompleto p Inupiilutdi), A Dialética da natureza. A conexão com a polêmica contra nü considera que, cm ambas as obras, expli Dllliilng r rvhlrnlp 55 cita np a tcntiilIvH c esta me parccc uma característica distintiva de Engels em reltiçtiti a Marx - dc estender ii natureza (ao mundo orgâ-. nlco o inorgânico) uh concepções materialistas dialéticas e históricas que, até então, pelo menos do modo patente, eram referidas especifica mente ao ser social. E, com efeito, para o Anti-Dühring, Engels valeu-se dc pesquisas que já realizara com vistas a A dialética da natureza.
44
Essa problemática obra, que permaneceu incondusa, cujos mate riais só foram inteiramente publicados em 1925 e cujo único paralelo, na história do marxismo, pode ser encontrado no trabalho de Lcnio, Materialismo e empiriocritiasmo (1909), essa problemática obra — repito — concebe o marxismo, como já ocorrera no Anti-Dühring, como uma concepção de mundo e pretende lançar as bases de uma ontologia materialista, Na verdade, com um assombroso domínio do que as ciên cias da natureza efetivaram até o terceiro quartel do século XIX, Engcls procura determinar, na natureza, uma dinâmica geral que corresponda a leis dc movimento homólogas àquelas que o método dialético identi ficou na sociedade (num procedimento que tinha como precursor o próprio Ilcgel). Do projeto, tal como ele nos chegou, resulta a conclusão de que as formas gerais do movimento do ser são dialéticas — mas resulta, ainda, uma tácita identificação entre a dialética operante na natureza e a dialética do ser social. Daí a problematicidade do pensa mento engelsiano; porque, se não parece discutível a dialética da natu reza, é pertinente o debate acerca da homologia que, nos seus esboços, Engels dá a impressão de afirmar, entre esta dialética e o movimento do ser social. Nessa questão dc fundo —• que, até hoje, é "ponto quente” do pensamento marxista — reside, prccisamcnte, a extensão daquele sistema de idéias particularniente engelsiano, a que já se fez alusão ao mcncionar-se o Anti-DUhring. Trata-se de um tipo de generalização teórica c metodológica que não se encontra em Marx; este, a partir da década de cinquenta, restringe as suas investigações e as suas conclusões à ontologia do scr social. No pensamento engelsiano, todavia, registra-se o trânsito tendencial dessas determinações, comuns a ele e a Marx, para uma ontologia geral e universal.
Engels c *O capitar De 1883 a 1895, justamente os seus doze últimos anos de vida, Engels entrega-se inteiramente a uma tarefa hercúlea: a edição do segundo e do terceiro livros de O capital (publicados, respcctivamcnte, em 1885 e 1895). Marx só concluíra o primeiro livro (publicado cm 1867), deixando uma enorme quantidade de materiais, cuja ordenação e estrutura não estavam, cm absoluto, definidas (sem mencionar, é daro, os delicados problemas de compreensão dos textos, em razão, até, da ilegibilidade da letra de Marx).
45
A importância desse empreendimento de Engels é visível no segundo livro. Mas é muito maior, infinitamente maior, no terceiro; neste caso, pode-se mesmo afirmar, sem se correr risco de exagero, que devemos o terceiro livro totalmente a ele — o manuscrito principal, de mais de mil páginas, apresentava pouco mais que esboços. Engels realizou a edição de ambos os livros com brilhantismo: à “totalidade artística” do livro primeiro, ele fez suceder uma totalidade fiel a seu objeto.
Ê de notar que o trabalho de edição desses materiais não constituía, de forma nenhuma, um exercício semelhante à compilação de extratos desordenados de um texto cuja sistemática fosse evidente. Consistia, antes, em apreender o movimento interno do pensamento objetivado nos esboços, localizar as suas incidências sobre o seu objeto, determinar as suas transições, estabelecer a complexa rede de mediações que eles repunham — em suma, o editá-los implicava a retrocaptação da lógica (dialética') que aquele pensamento instaurara. Realizar esse trabalho, portanto, era operar de um modo extrema mente inventivo. De um lado, pressupunha avançar da familiaridade com o contexto global da problemática do autor para a sua concreti zação em domínios inteiramente inéditos; de outro, requisitava a criação de uma estrutura expositiva que, em si mesma, enformasse logicamente o fluxo das concatenações categoriais. Sc, em 16 de agosto de 1867, Marx escrevera a Engels: “Este livro está acabado. E é a ti somente que eu o devo!” — maior razão tem o movimento revolucionário e a ciência social de, considerando os dois outros livros, reputá-los também como obras de Engels, um verdadeiro co-autor.
Os últimos anos A morte de Marx deixou a Engels a responsabilidade da direção do movimento revolucionário mundial. A eficácia política desse papel dirigente 6 documentada pela sua intervenção, direta ou não, em todas mm qiicMftcN do real interesse do movimento revolucionário e da sua tcorlu, om lodoN oh pontos da terra.* Um examo da correspondência de Engels, nesses anos derradeiros, é suficiente parQ dar conta da amplitude e da profundidade da sua prática teórica e política: das sugestões metodológicas à análise de problemas particulares, das críticas acerbas aos estímulos camaradas —
46
toda a sua atividade se desenrolou no sentido de impulsionar a poten cialidade criadora do pensamento e da ação socialista. Animava-o nessa tarefa, inclusive, um acentuado otimismo histórico, uma prospecção política que, apreciada hoje — com a compulsória carga dc ceticismo que as dramáticas experiências do século XX introduziram na nossa vida social —, chega a parecer excessivamente confiante.
O companheiro mais velho c sempre solícito, todavia, não vive os seus últimos anos na condição dc oráculo do movimento revolucionário extraindo a sua credibilidade das obras pretéritas. Marcou os seus últimos anos de vida com a sua característica pessoal: a dc um cientista social, cujas inquietudes teóricas determinavam um trabalho sistemático de pesquisa. As suas duas grandes obras derradeiras documentam exa tamente esse inesgotável vigor criativo.
Em 1884, entre março c maio, escreve, a partir de notas que Marx preparara à margem de trabalhos antropológicos dc L. H. Morgan, A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Nesse livro, Engels desenvolve um estudo genético das instituições sociais mais decisivas para construir um quadro detalhado da evolução social do gênero humano. Baseando sua argumentação em dados recolhidos pelas pesquisas de campo da antropologia da época, Engels concentra sua atenção na formulação de uma teoria sistemática de Estado; se os pres supostos de uma teoria de Estado já estavam contidos, e mesmo episo dicamente explicitados, na sua obra anterior (e na dc Marx), é nesse livro que cia encontra a sua tematização mais ampla, respaldada num enfoque que é, simultaneamente, sistemático e histórico.
Dois anos depois, tendo como motivação imediata uma obra de Starcke sobre Feucrbach, Engels publica o seu Ludwig Feuerbach e o fim da Filosofia clássica alemã, um dc seus livros mais divulgados. Esse texto revcla-sc demasiado importante, por três razões. Em primeiro lugar, é importante para reconstruir a própria evolução filosófica de Engels (e de Marx), na medida em que retoma à ambiência intelectual da sua juventude. Em segundo lugar, porque apresenta uma crítica org&nica, embora concisa, do sistema hegeliano, a partir das últimas concepções filosóficas do próprio Engels — portanto, uma crítica que contém o substrato da definitiva avaliação dc Engels sobre o papel de Hegel, na constituição do marxismo. E, finalmente, porque expressa (c, aqui, nos defrontamos com um enfoque que é genuinamente engelsiano) uma modalidade dc crítica e de historiografia filosófica que se tornaria canônica no pensamento revolucionário: a compreensão dos
conflitos filosóficos como mobilizados pelo confronto idealismo x ma terialismo.
O vigor criativo, que referimos há pouco, manifesta-se mesmo nos derradeiros meses dc vida dc Engels. No primeiro semestre de 1895, para uma reedição da * obra marxiana As lutas de classe na França (1848-1850), ele escreve um denso prefácio, onde, a par de indicações inovadoras para a estratégia política da social-democracia alemã, tece considerações extremamente polêmicas sobre o desenvolvimento da luta de classes, antecipando claramente a distinção gramsciana entre guerra de movimento e guerra de posições.
Engels faleceu na noite de 5 de agosto de 1895, em meio a dores lancinantes, provocadas por um câncer, no esôfago. Sua herança atravessa o século XX. Quando inteiramente assimi lada à de Marx, como o é, de fato, para a esmagadora maioria dos marxistas, parece envolvida por uma sacralidade que a torna invulne rável ao passar do tempo. Quando reconhecida também como um legado original, mostra-se susceptível de aporias — num exercício crítico que o próprio Engels sempre estimulou, ele, que jamais admitiu dogmas ou canonizações. Num caso como noutro, ela é simplesmente indispensável para a inteligência do ser social. E isto porque, apesar de Lenin fazer-lhe o necrológico a partir dos célebres versos de Nekrasov — Que fonte de razão se apagou! Que grande coração parou de pulsar! — ele permanece, ao lado de Marx, como um dos pensadores mais vivos dn nosso tempo.
B!hlh>|{rufla Um eficiente roteiro bibliográfico de Engels é o apresentado por Maximillen Rubel no apêndice da sua Bibliographie des oeuvres de Karl Marx (Paris, M. Rivière), e deve scr consultado por quem desejar um mapeamento intensivo da produção engelsiana. A mais confiável das edições das obras cngelsianas é a Marx-Engels Werke (conhecida pela sigla MEW), da Dietz Verlag, dc Berlim.
48 Dn mcsniQ editora é a excelente e compacta Marx-Engels Ausgewãhlte WeritCi SCleçSo de grande segurança textual.
Rccontcmente, o Instituto de Marxismo-Lcninismo, adjunto ao ComllG Central do Partido Comunista da União Soviética, anunciou aquela que deverá ser a mais completa edição das obras de Marx e Engels — uma colossal edição cm cem volumes, contendo todos os escritos dos fundadores do socialismo científico, acompanhados de meticuloso aparato crítico. Este projeto, todavia, só será implementado a médio prazo. No Brasil, as primeiras versões seguras dos trabalhos de Engels foram lançadas principal mente peia Editorial Vitória, empresa do Rio de Janeiro liquidada em 1964. Sob a sua chancela saíram, entre 1961 e 1964, os três volumes das Obras escolhidas de K. Marx e F. Engels. Atualmente, há indicações precisas de vários relançamentos de textos engclsianos, o que colocará à disposição do leitor brasileiro títulos que, até agora, praticamente só lhe eram acessíveis em edições italianas, francesas ou espanholas.
. Quanto à bibliografia sobre Engels — ainda muito parca cm nossa língua —, é naturalmente impossível, aqui, arrolar sequer o elenco das obras mais importantes. A listagem que se apresenta a seguir deve ser tomada apenas como um conjunto de sugestões para enquadrar e escla recer, a partir de angulaçõcs várias e contraditórias, a obra engelsiana. Abendroth, W. A short history of the european working dass. Nova York, Monthly Review Press, 1973. — . Sociedad antagónica y democracia política. Barcelona-México, Grijalbo, 1973. Alberoamo, F. Im teoria dello sviluppo in Marx e in Engels. Nápoles, Guida, 1973. Altiiússer, L. Análise crítica da teoria marxista. Rio de Janeiro, Zahar, 1967. Arvon, H. A filosofia alemã. Lisboa, Dom Quixote, 1972. Backhaus, W. Marx, Engels und die Sklaverei. Düsseldorf, Schwann, 1972. Bbbkl, A. My Life. Nova York, H. Fertig, 1973. Bottigelli, E. A gênese do socialismo científico. Lisboa, Estampa, 1972. Bruhat, J. Marx-Engels/Biografia crítica. Barcelona, Martínez Roca, 1975.
49
BuONPiNO, G. La política cultural e operaia de Marx e Lassalle alia revoluzione di novembre. Milão, Feltrinelli, 1975. Cerroni, U. Teoria política e socialismo. Lisboa, Europa-América, 1976. Chatelet, F., org. A filosofia e a história. Lisboa, Dom Quixote, 1976. Collettí, L. Marxism and Hegel. Londres, New Left, 1973. Cornu, A. Karl Marx et Friedrich Engels. Paris, PUF, 1958 et seqs. De Palma, A. Le macchine e Pindustria da Smith a Marx. Torino, Einaudi, 1971. Droz, J., org. Histoire générale du socialisme. Paris, PUF, 1972. Estaline, J. Obras. Lisboa, Vento de Leste, 1975. t. I. Fryberg, J. von, Fülberth, G. e Harrer, J. Geschichte der deutschen Sozial-demokratie (1863-1975). Colônia, Pahl-Rugenstein, 1975. Gerratana, V. Rrcercfte di storia dei marxismo. Roma, Riuniti, 1972. Gustafsson, B. Marxismo y revisionismo. Barcelona, Grijalbo, 1975. Kedrov, B. The classification of lhe sciences. Moscou, Progrès, 1977. t. I. Lbfebvre, H. Para compreender o pensamento de Karl Marx. Lisboa, Edições 70, 1976. — . De PÊtat. Paris, UGE, 1976. t. II. Lenine, V. I. Obras escolhidas em três tomos. Lisboa, Avante, 1977. t.1. Lowith, K. Da Hegel a Nietzsche. Torino, Einaudi, 1969. LüKÁCS, G. Ensaios sobre literatura. Rio de Janeiro, Civilização Bra sileira, 1965. . Werke. Neuwied-Berlim, Luchtcrhand, 1969, v. 10. Mandei., E. Crítica do eurocomunismo. Lisboa, Antídoto, 1978. Mauciin, S. Engels, Manchester and the yvorking class. Londres, Wieilcnlekl nnd Nicholson, 1974. Mayv.H, G. Friedrich Engels/La vita e Popera. Torino, Einaudi, 1969. McLeli.aND, D. The young hegelians and Karl Marx. Londres, Macmillun, 1969. — . Friedrich Engels» Londres, Fontana, 1977. Mbhring, F. Carlos Marx. México, Gandesa, 1960. Miliband, R. e Saville, J., orgs. The socialist register 1965. Londres-Nova York, Merlin-Monthly Review Press, 1965.
50
MONDOLFO, R. Estudos sobre Marx. S. Paulo, Mestre Jou, 1967. Pokrovskt, V. S., org. História das ideologias, Lisboa, Estampa, 1972 et seqs. Prestipino, G. El pensamiento filosófico de Engels. México, Siglo XXI, 1977. Reinicke, H. Friedrich Engels. Berlim, Merve, 1973. Stepanova, E. Friedrich Engels/Pequena biografia. Lisboa, Avante, 1977. Sultan, H. Gesellschaft und Staat bei Karl Marx und Friedrich Engels. Giessen, Rotdruck, 1973. Vranicki, P. Storia dei marxismo. Roma, Riuniti, 1973. Vv. Aa. Debatte um Engels. Reinbeck, Rowohlt, 1973. Vv. Aa. Friedrich Engels/Sa viet son oeuvre. Moscou, Progrès, 1976. Vv. Aa. Souvenirs sur Marx et Engels. Moscou, Langues Etrangères, 1958. Walton, P. e Gamble. A. Problemas dei marxismo contemporâneo. Barcelona, Grijalbo, 1977.
TEXTOS DE ENGELS
Sclcçüo c Revisão técnica da tradução: José Paulo Netto Tradução: José Paulo Netto, Maria Fllomcna Viegas, Marco Aurélio Nogucira. Apolônio de Carvalho
1.
ESBOÇO DE UMA CRÍTICA DA ECONOMIA POLÍTICA *
A economia política * 1 surgiu como conseqüência natural da expan são do comércio e, com ela, um elaborado sistema de fraudes consen tidas, uma completa ciência a favor do enriquecimento substituiu a troca simples, não-científica.
Esta economiâ política, ou melhor: esta ciência do enriquecimento, nascida do logro mútuo e da ambição dos comerciantes, traz na fronte a marca do egoísmo mais repugnante. Vivia-sc ainda sob a ingênua noção de que o ouro e o dinheiro constituíam a riqueza, e não havia nada de mais urgente a fazer do que proibir por toda parte a expor tação de metais “preciosos”. As nações viam-se mutuamente como ava rentos, cada uma agarrando seu valioso saco de dinheiro e lançando aos seus vizinhos olhares de inveja c desconfiança. Faziam tudo para extrair dos povos com que mantinham relações comerciais o máximo ♦ Reproduzido de Enoels, F. Esboço de uma crítica da Economia Política. Trad. de Maria Filomcr.a Viegas e revisão de José Paulo Netto. Temor de Ciências Hu manas, São Paulo, Livr. Ed. Ciências Humanas, 5: 1-29, 1979. Escrito em Manchester, entre Tinais de 1843 e janeiro de 1844, este ensaio foi publicado em fevereiro de 1844 na revista Anais Franco-Alemães, animada em Paris por Marx e Ruge. 1 No original, Dle Nationalõkonomle. Excelo uma única vez (cf. infra, nota 10), esta expressão foi traduzida por economia política.
54
cm mocdlli relendo no Interior das soas fronteiras aduaneiras o dinheiro apurado no final das contas.
A apllcaçDo verdadeiramente conseqüente deste princípio liquida ria O comércio. Pretendeu-se, então, ultrapassar este primeiro estágio: descobriu-se que o capital entesourado permanece morto, enquanto, cir culando, aumenta constantemente. Houve, portanto, maior sociabilidade: soltaram-se as moedas como apelo para que a elas se juntassem outras e reconheceu-se que não é de modo algum prejudicial pagar pela mer cadoria um preço demasiado elevado a A quando se pode vendê-la a B por um preço mais alto ainda. Sobre tais alicerces edificou-se o sistema mercantilista2 e nele o caráter cúpido do comércio assumiu já uma forma um pouco mais dis simulada: as nações efetuaram algumas aproximações, concluíram tra tados de comércio e amizade, entraram em negociações e testemunharam todas as amabilidades possíveis em honra ao máximo lucro. Mas, no fundo, era a velha sede de dinheiro de sempre, o velho egoísmo que explodia de tempos em tempos nas guerras que, neste período, se basea vam todas na rivalidade comercial. Em tais guerras, evidenciou-se que o comércio, como a pilhagem, se apóia na lei do mais forte; não havia escrúpulos em extorquir, pela astúcia ou pela força, tratados daquela espécie, desde que fossem considerados os mais favoráveis.
O ponto principal de todo o sistema mercantilista é a teoria da balança comercial. De fato, como continuava vigente o princípio de que o ouro e o dinheiro constituíam a riqueza, só eram apreciados como vantajosos os negócios que, em suma, traziam ao país moeda sonante. Para verificar isto, comparava-se a exportação e a importação. Se se exportava mais do que se importava, pensava-se que a diferença tinha entrado no país sob a forma dc moeda sonante e acreditava-se que aquele se tomara mais rico. A arte dos economistas consistia, assim, em velar para que, ao fim de cada ano, a exportação apresentasse um saldo favorável face à importação — e é em nome desta ridícula ilusão 2 O sistema mercantilista, teoria emergente no Renascimento c política econômica dominante em vários pontos da Europa Ocidental entre os séculos XVI e XVIÍI, apoiava-se em quatro idéias básicas: a) ênfase na posse dc metais preciosos, b) valorização do comércio externo e da indústria, c) consideração positiva do crescimento demográfico, d) recurso à ação do Estado para colimar os objetivos desejados.
55
que milhares do homens foram massacrados! Também o comércio teve liu auas cruzadas e a sua inquisição.
O século XVIII, o século da revolução, subverteu igualmentc a economia. Mas todas as revoluções deste século apenas abordaram uma face do anLagonismo, sem ultrapassar a outra. (Eis por que se contra punha ao espiritualismo abstrato o materialismo abstrato, à monarquia d ropública, ao direito divino o contrato social.) A revolução econômica, do repente, não poderia nunca superar esse antagonismo. Os pressu postos permaneceram os mesmos. O materialismo não atacou o desprezo o a humilhação do homem no cristianismo: limitou-se a instaurar a natureza como absoluto frente ao homem, substituindo-a ao deus cris tão. A política não pensou em examinar, cm si e para si, os pressupostos do Estado. A economia nem sequer teve a idéia de se interrogar sobre o que justifica a propriedade privada. É por esta razão que a nova economia constituiu apenas um progresso a meias: foi obrigada a des cobrir e a negar seus próprios pressupostos, a apelar ao recurso do sofisma c da hipocrisia para camuflar as contradições em que se debatia e para chegar às conclusões a que era conduzida não pelas suas próprias hipóteses, mas pelo espírito do século. Deste modo, a economia assume uma forma filantrópica, deixa de favorecer aos produtores para apoiar os consumidores; revela um santo horror pelas sangrentas desordens do sistema mercantilista e sugere que o vínculo comercial estabelece a amizade e a compreensão entre as nações e os indivíduos. Tudo corria bem, era magnífico! Mas os pressupostos muito cedo recomeçaram a manifestar-se e engendraram, em oposição a esta brilhante filantropia, a teoria da população de Malthus 8 — o sistema mais grosseiro e mais bárbaro que jamais existira, o sistema do desespero que reduziu a pó todas essas belas frases a propósito da fraternidade humana e da cida dania universal; engendraram e construíram o sistema fabril e a escra vidão moderna que, em desumanidade e crueldade, nada deve à antiga escravatura. A nova economia, o sistema do livre comércio, apoiado na Wealth of nations, de Adam Smith4, * * revela-se * como a hipocrisia, a 8 Thomas Robert Malthus (1766-1834), economista inglês a serviço da Compa nhia das Índias Ocidentais. Reagindo à legislação sobre os pobres (1795), publica, cm 179B, sob pseudônimo, o Ensaio sobre o princípio da população que, cinco anos depois, cm edição mais desenvolvida, aparece sob o verdadeiro nome do autor. 4 Trata-se da obra An inquire into lhe nature and lhe causes of the wealth of natians (1776), do filósofo e economista escocês Adam Smith (1723-1790). R
56
imoralidade e a inconsequência que, presentemente, afrontam todos os domínios da liberdade humana.
Mas o sistema de Smith não foi um progresso? Certamente que sim e, até mesmo, foi um progresso necessário. Era necessário que o sistema mercantilista, com seus monopólios e seus entraves à circulação, fosse subvertido para que aparecessem claras as verdadeiras consequên cias da propriedade privada; era necessário que todas as mesquinhas considerações locais e regionais passassem a segundo plano para que a luta do nosso tempo se tornasse universal e humana*6; era necessário que a teoria da propriedade privada abandonasse o puro empirismo, com suas pesquisas unicamente objetivas, para assumir caráter mais científico, que a tornasse igualmente responsável pelas suas resultantes e deslocasse a coisa para um campo humano em geral, onde a imoralidade contida na velha economia fosse conduzida à sua expressão mais elevada em razão da sua negação e da hipocrisia que necessariamente decorre da tentativa de negá-la. Tudo isto faz parte da natureza do processo. Reco nhecemos voluntariamente que só o estabelecimento e a realização do livre comércio nos colocaram em situação de avançar para além da economia da propriedade privada, mas, simultaneamente, temos o direito de situar esta liberdade de comércio na sua total nulidade teórica c prática. Nosso juízo terá razão de se revelar tanto mais duro quanto mais os economistas que avaliarmos se aproximam do nosso tempo. Enquanto Smith e Malthus só encontraram conclusos elementos dispersos, os eco nomistas mais recentes tinham à vista o sistema concluído na sua totali dade: as conseqüências estavam tiradas, as contradições manifestavam-se à luz do dia suficientemente claras e, contudo, eles não reexaminaram as premissas, aceitando responder sempre pelo processo como um todo. Quanto mais os economistas se aproximam do presente, mais se afastam da honestidade. Quanto mais o tempo avança, mais os sofismas necessa riamente aumentam. Ê por isto, por exemplo, que Ricardo ® é mais ° É interessante confrontar esta reflexão engclsiana referente ao caráter universal do combate revolucionário com a conclusão a que Marx chega na Contribuição à crítica da Filosofia do Direilo de Hegel e com as observações sobre o proleta riado contidas na primeira parte de A ideologia alemã. 6 David Ricardo (1772-1823), inglês, corretor de ações enriquecido através da especulação, abandona os negócios em 1814 e, em 1817, publica sua obra princi pal: The principies of Political Economy and taxation.
57
culpado quo Adam Smith e Mac Culloch 7 e Mill8 mais culpados que Ricardo, A economia moderna não chega mesmo a julgar convcnicn temente o sistema mercantilista, porque ela própria é parcial e está ainda apri sionada aos pressupostos deste sistema. Somente o ponto de vista que ultrapasse o antagonismo dos dois sistemas c critique seus pressupostos comuns, partindo de uma base universal puramente humana, poderá assi nalar a ambos sua posição exata. Ficará evidente que os defensores do livre comércio são monopolistas piores que os próprios mercantilistas antigos. Ficará evidente que, por trás do humanismo hipócrita dos mo dernos, se esconde um barbarismo que os antigos não imaginavam, que a confusão conceituai dos antigos é, confrontada com a lógica de dupla face dos seus detratores, ainda simples e conscqüentc, c que nenhuma das duas partes pode reprovar qualquer coisa à outra sem que isto se volte contra si. Ê também por isto que a economia liberal atual não pode compreender a restauração, por List9, do sistema mercantilista, enquanto, para nós, esta tarefa é inteiramente elementar. A inconse quência e a duplicidade da economia liberal deve necessariamente decompor-se nos seus constituintes essenciais: assim como a teologia deve ou voltar à fé cega ou avançar até a livre filosofia, é preciso que a liberdade de comércio produza, por um lado, a restauração dos mono pólios e, por outro, a supressão da propriedade privada. i
O único progresso positivo realizado pela economia liberal é o desenvolvimento das leis da propriedade privada. Estas certamente estão contidas nela, mesmo não sendo claramcntc expressas ou levadas até suas últimas conseqücncias. Daqui decorre que, sempre que se tratar de resolver como fazer fortuna rapidamente, em todas as controvérsias es tritamente econômicas, os defensores da liberdade comercial tem o direito a seu lado. Que fique bem claro que isto se dá nas controvérsias com os monopolistas e não com os adversários da propriedade privada, por que estes são capazes de dar respostas economicamente mais justas às 7 John Ramsay Mac Culloch (1789-1864), discípulo ortodoxo dc Ricardo, publica, cm 1825, Principies of Política! Economy e, um ano depois, a obra que Schumpcter considerou seu trabalho mais pretensioso: Essay on (he circunsfances wich de termine the rate of wages. Mames Mill (1773-1836), filósofo c economista escocês, amigo íntimo de Ri cardo e Bcntham, publica, em 1821, Elements of Política! Economy, em que as teses ricardianas são compatibilizadas com o utilitarismo de Bcntham. 0 Friedrich List (1789-1846), alemão, economista burguês, defensor do protecio nismo mais radical. ••
58
questões econômicas, como o comprovaram, já há bastante tempo, prá tica e teoricamente, os socialistas ingleses.
Na crítica à economia política, vamos examinar as categorias fun damentais, demonstrar a contradição introduzida pelo sistema da liber dade de comércio e extrair as conseqiiências dos dois aspectos da con tradição. • • • A expressão riqueza nacional impôs-se apenas pela sede de univer salidade dos economistas liberais. Enquanto existir a propriedade pri vada, esta expressão carece de sentido. A “riqueza nacional” dos ingle ses é muito grande e, contudo, o povo inglês é o mais miserável da Terra. Ou abandonamos completamente esta expressão ou, então, aceita mos as condições que lhe dão sentido. O mesmo se aplica às expressões economia nacional10, economia política, economia pública. Na situação atual, a ciência deveria chamar-se economia privada, porque suas rela ções públicas existem exclusivamente por amor à propriedade privada. A consequência mais imediata da propriedade privada é o comércio, a troca de necessidades recíprocas, a compra e a venda. Sob o império da propriedade privada, o comércio, como todas as atividades, deve constituir uma fonte imediata de lucro para quem o exerce; ou seja: cada um deve procurar vender o mais caro possível e comprar ao preço mais baixo. Cada compra ou venda colocam frente a frente dois homens com inLeresses absolutamente opostos. Este conflito se funda numa considerável hostilidade, porque cada um conhece as intenções do outro e sabe que se opõem às suas. A primeira resultante deste fato é, por um lado, a desconfiança recíproca e, por outro, a justificação desta descon fiança, que utiliza meios imorais para impor um fim que não lhe fica atrás. Ê assim, por exemplo, que o primeiro princípio do comércio é ocultar ou dissimular tudo o que possa diminuir o valor do artigo posto à venda. Resultado: no comércio é permitido tirar o maior partido da ignorância e da confiança da outra parte interessada, atribuindo à mer cadoria à venda propriedades que ela não possui. Numa palavra: o comércio é a burla legal. Qualquer comerciante, se honrar a verdade, testemunhar-me-á que a prática confere com esta teoria.
O sistema mercantilista tinha ainda uma certa franqueza católica, ingênua, e não escamoteava a essência imoral do comércio. Vimos 10 Nesta enumeração, fez-se a tradução de Nalionaltikonomie como economia nacional, uma vez que Engels a distingue de politische Oekonomie.
59
como patenteava aberlamente sua vil cupidez. A hostilidade mútua das nações no século XVIII, uma cobiça repugnante e a rivalidade comercial eram a resultante lógica do comércio cm geral. A opinião pública não estava ainda humanizada a tal ponto que fosse necessário camuflar coisas que decorriam da natureza conflitual e imanente do próprio co mércio.
Mas quando o Lutero da economia u, Adam Smith, fez a crítica da economia anterior, muito já mudara. O século humanizara-se, a razão soubera impor-se, a moral começava a fazer valer seu direito eterno. Os trutados comerciais extorquidos, as guerras comerciais, o orgulhoso isolamento nacional chocavam-se demasiado contra os pro gressos da consciência. A hipocrisia protestante substituiu a franqueza católica. Smith demonstrou que a humanidade também encontrava seu fundamento na essência do comércio e que este, “em vez de ser a maior fonte de discórdia e hostilidade”, deveria tornar-se “um ponto de har monia e amizade quer entre as nações, quer entre os indivíduos” (cf. Wealth of nations, liv. 4, cap. 3, § 2). De fato, faz parte da própria natureza do comércio que ele seja, no seu conjunto, vantajoso para todos os interesses! Smith tinha razão ao elogiar a humanidade do comércio. Nada no mundo é absolutamente imoral; o próprio comércio, por um lado, presta homenagem à moralidade e à humanidade. Mas que homenagem! A lei do mais forte, a vulgar pilhagem da Idade Média humanizou-se com o aparecimehto do comércio, e este também foi humanizado, entrando no sistema mercantilista como etapa inicial daquilo que se caracterizou pela proibição da saída de dinheiro; e, por sua vez, o próprio sistema mercantilista sofreu transformações humanizadoras. Naturalmente que faz parte do interesse dos comerciantes estabelecer boas relações com aqueles de quem compram barato e com aqueles a quem vendem caro. Para uma nação é muito prejudicial fomentar um estado hostil, tanto com seus fornecedores quanto com seus clientes: maior a amizade, mais ela é vantajosa. Esta é a humanidade do comércio, e esta maneira hipócrita de desviar a moralidade para fins imorais é o orgulho do sistema do livre comércio. Não fomos nós que destruímos a barbárie dos monopólios — indagam esses hipócritas —, não levamos a civiliza ção aos continentes longínquos, não diminuímos as guerras? Sim, fizeram tudo isto... mas como\ Destruíram os pequenos monopólios li Expressão retomada por Marx nos Manuscritos econômicas e filosóficos (1844)
60
para deixarem o caminho mais livre e desobstruído para o unico grande monopólio de base: a propriedade. Civilizaram os confins da Terra para conquistar um campo dc expansão para a sua ambição rasteira, criaram uma confraternização de povos que é apenas uma confraria de ladrões, e diminuíram as guerras para ganhar muito mais cm tempo de paz, para elevar a nível extremo a hostilidade particular c a guerra infame da concorrência! Quando é que fizeram alguma coisa por puro humanismo, com a consciência do que opõe o interesse geral ao interesse particular? Quando c que se mostraram morais sem estar interessados, sem acalentar no fundo motivos imorais e egoístas?
Depois dc a economia liberal ter feito tudo para universalizar a hostilidade decompondo as nacionalidades, transformando a humani dade numa horda de bestas ferozes (acaso não são bestas ferozes os que se dedicam à concorrência?) que se entredevoram precisamente porque cada um partilha com todos os outros dos mesmos interesses —• após este trabalho preliminar, restava-lhe apenas um passo para chegar ao fim: dissolver a família. Para isso, o sistema fabril, sua bela invenção pessoal, correu cm seu auxílio. O último traço dos interesses comuns, a comunidade familiar de bens, foi minada pelo sistema fabril e — pelo menos aqui, na Inglaterra — está a ponto de ser dissolvida. Cotidiana mente, as crianças, logo que estão em idade de trabalhar (ou seja: quando chegam aos nove anos), gastam o salário em usos próprios o consideram a casa paterna como simples pensão, entregando aos pais uma certa quantia para alimentação c alojamento. Como poderia ser diferente? Poderia haver outro resultado que o isolamento dos interesses que está na base da liberdade de comércio? A partir do instante em que um princípio é posto cm movimento, ele prossegue em todas as suas conseqüências — por mais que isso desagrade aos economistas. Mas o economista, ele mesmo, não sabe a que causa serve, Não sabe que, com todo o seu raciocínio. egoísta, constitui apenas um elo da corrente do progresso universal da humanidade. Não sabe que, dissolvendo todos os interesses particulares, apenas abre a via à grande subversão para que caminha este século: a reconciliação da humanidade com a natureza e consigo mesma. • • •
A primeira categoria condicionada pelo comércio é o valor. Com relação a ele, como a propósito de todas as outras categorias, não existe conflito entre os economistas antigos c os modernos, porque aos mono polistas, na sua avidez pelo enriquecimento imediato, não lhes sobrava
61
lonipo para se ocuparem com categorias. Tcdos os litígios sobre questões desta espécie surgiram com os economistas modernos. Vivendo entre contradições, o economista também desdobra o valor: o valor abstrato ou valor real e o valor de troca. Acerca da natureza do valor real, houve, há muito, uma discussão entre os ingle ses, que definiam os custos de produção como expressão do valor real, 0 o francês Sayia, que pretendia medi-lo segundo a utilidade de um objeto. Desde o início do século, a discussão ficou pendente e desvaneceu-sc sem ser resolvida. Os economistas não sabem resolver nada.
Os ingleses — Mac Cirtloch e Ricardo em particular — afirmam que o valor abstrato de um objeto é determinado pelos custos de produção. Entenda-se: o valor abstrato, c não o valor de troca, o exchangeable value, o valor no comércio, que é algo completamcnte diferente. Por que os custos de produção são medida do valor? Por que — ouçam bem! — alguém, nas condições habituais, abstraindo o jogo da concorrência, venderia uma coisa mais barata do que lhe custou o produzi-la? Que temos a fazer aqui, se não se trata do valor comercial, da “venda”? Voltamos de novo ao comércio, ao comércio — e que comércio! — que devíamos excluir claramente, um comércio cujo dado principal, o jogo da concorrência, não deve ser tomado em consideração! Em primeiro lugar, havia um valor abstrato; agora, há também um comércio abstrato, um comércio sem concorrência, isto é: um homem sem corpo, um pensamento sem cérebro. E o economista sequer ima gina que, logo que a concorrência esteja fora de cogitação, não há a mínima garantia dc que o produtor venda sua mercadoria conforme os custos de produção? Que confusão!
Avancemos um pouco mais. Suponhamos, por um instante, que tudo funciona como diz o economista. Admitindo que alguém fez, graças a imenso esforço e elevados custos, qualquer coisa perfeitamente inútil, qualquer coisa que ninguém quer — isto vale o custo de produ ção? De modo algum — responde o economista —, pois quem quererá comprar isto? Dc repente, não reencontramos apenas a utilidade descrita por Say, mas, também, acima do mercado — com a compra — as relações concorrenciais. Ê impossível, e o economista, mesmo por um instante, não pode manter sua abstração. Não só o que ele se esforça por afastar a. todo custo, a concorrência, mas ainda o que ele ataca, a 12Jcan-Bapliste Say (1767-1832), francês, liberal que sc pretendia continuador dc Ricardo. Tornou-se célebre com o Traité tTÊconomle Politiquc (1803).
62
utilidade, ressurgem-lhe a todo momento. O valor abstrato e a sua determinação pelos custos de produção, com efeito, são abstrações, monstruosidades. Mas, por um momento, concedamos uma vez mais razão ao econo mista. Como é que ele pode determinar os custos de produção sem ter em conta o jogo da concorrência? No exame dos custos de produção, veremos que esta categoria também é baseada na concorrência, e ainda aí se expressa a dificuldade do economista para impor suas pretensões.
Se passamos a Say, reencontramos n mesma abstração: a utilidade de um objeto é algo puramente subjetivo e, portanto, não se pode calcular de modo absoluto, pelo menos enquanto não nos desembara çarmos das contradições. Segundo esta teoria, os objetos de primeira necessidade deveriam ter mais valor que os artigos de luxo. A única via para chegar a uma decisão de algum modo objetiva, aparentemente universal quanto à maior ou menor utilidade de um objeto, é, sob o domínio da propriedade privada, o jogo da concorrência, e é justamente este que deve ser afastado. Mas, se entramos com a relação concorren cial, introduzem-se também os custos de produção, porque ninguém venderá per uma soma menor do que a investida na produção. E, aqui também, um aspecto da oposição, apesar de o scr, volta-se contra o outro.
Tentemos ver claro no meio desta confusão. O valor de um objeto inchii estes dois fatores que foram arbitrariamente separados e, como se viu, sem qualquer sucesso para as partes em causa. O valor é a relação entre os custos de produção e a utilidade. A primeira aplicação do valor é resolver se um objeto deve ser produzido cm geral, ou seja: sc sua utilidade compensa o custo da sua produção. Só depois disto é que se põe a questão de uma aplicação do valor à troca. Perante a igualdade de custos de produção de dois objetos, a utilidade será o momento decisivo que definirá comparativamente o valor de cada um. Esta é a única base justa de troca. Mas, se a pomos de parte, quem decidirá da utilidade de um objeto? A simples opinião dos inte ressados? Assim, em todo o caso, um dos dois estará enganado. Ou tratar-se-á de uma determinação baseada na utilidade inerente ao objeto, independentemente das partes interessadas e que não lhes é imediata mente perceptível? Então a troca só pode ser feita por constrangimento, e cada uma delas julga que isto é abusivo. Não se pode suprimir esta contradição entre a utilidade real inerente a um objeto e a determinação desta utilidade, entre a determinação da utilidade e a liberdade daqueles
63
que fazem a troca sem suprimir a propriedade privada; e, logo que esta seja suprimida, já não se põe a questão da troca tal como ela existe atualmente. A aplicação prática do conceito de valor . reduzir-se-á, sempre, mais a este ato de decidir o que deve ser produzido e esta é sua verdadeira esfera.
Mas em que pé estão presentemente as coisas? Vimos .que o con ceito de valor é violentamente dilacerado e que cada um dos aspectos isolados é tomado pelo todo. Os custos de produção, alterados à partida pela concorrência, devem passar pelo próprio valor; o mesmo sucede com a utilidade simplesmente subjetiva, porque não se sabe encontrar outra. Para ajudar estas falsas definições a se manterem de pé, era necessário que em ambos os casos a concorrência fosse tida em conta; e o mais relevante é que, para os ingleses, a concorrência, face ao custo de produção, substitui a utilidade, enquanto, para Say, ao contrário, ela apresenta o custo de produção face à utilidade. Mas, qual utilidade? Qual custo de produção? A utilidade depende do acaso, da moda, do humor dos ricos; o custo de produção sobe ou desce com a relação contingente da oferta e da procura. O fundamento da diferença existente entre o valor real e o valor de troca reside no fato de que, no comércio, o valor de um objeto é diferente do suposto equivalente que se dá por ele, o que significa que este equivalente não é, em realidade, um único equivalente18. Este pretenso equivalente é o preço do objeto e, se o economista fosse honesto, empregaria esta palavra para o “valor comercial”. Mas é preciso sempre manter um pouco a aparência de que o preço concorda de qualquer modo com o valor, para que a imoralidade do comércio não se revele cruamente. Contudo, é absolutamente correto que o preço seja determinado pela ação recíproca do custo de produção e da concor rência — esta é a lei essencial da propriedade privada. Esta lei pura mente empírica foi a primeira coisa que o economista descobriu; e foi a partir dela que abstraiu então o valor real, ou seja, o preço no momento em que a relação da concorrência se equilibra, quando a oferta c a procura coincidem. Restam, naturalmcnte, os custos de pro dução e, nesta altura, o economista denomina-os valor real, enquanto são apenas um aspecto determinado do preço. Assim, na economia, deste modo tudo 6 colocado de cabeça para baixo: o valor que é, à partida, a fonte do preço, 6 situado na dependência do seu próprio pron* Itotii pniwngcm 6 rctomudii por Mmx cm
nipllcit.
64
duto. Esta inversão, sabe-se, é a essência da abstração (comparar Feuerbach sobre este ponto). • • •
Segundo o economista, os custos de produção de uma mercadoria são constituídos por três elementos que a produção e a fabricação requerem: a renda da propriedade relativa à parcela de terreno neces sária n produção da matéria-prima, o capital com o lucro e a retribuição do trabalho. Entretanto, aparece imediatamente que o capital e o trabalho são idênticos, posto que os economistas tenham visto que o capital é “trabalho acumulado”. Rcstam-nos dois aspectos: um, natural e objetivo — a terra —> e outro, humano e subjetivo — o trabalho que inclui o capital; e, além do capital, ainda um terceiro aspecto do qual o economista não cogita — refiro-me ao elemento espiritual da invenção, a par do simples elemento físico do trabalho. Mas que importa ao economista o espírito de invenção? Todas as invenções não lhe caíram do céu, sem que ele se metesse com elas? Uma só dentre elas lhe custou alguma coisa? Deverá ocupar-se da sua incidência nos custos de produ ção? Para ele, a terra, o capital e o trabalho são as condições da riqueza; ele não precisa de mais nada, pois a ciência não lhe diz respeito. Importa-lhe o fato de que com Berthollet x■ Arehlbald Alison (1792-1867), historiador escocês.
74
MnllhUâ) o Iniciador desta doutrina, defende que a população pres siona eonstantemonto os meios de subsistência, de modo que, desde que ft produçíio cresça, a população aumenta na mesma proporção, e que a tendência inerente à população para crescer além dos meios dc subsis tência disponíveis é a causa de toda a miséria e de todos os males. Se há homens a mais, devem ser suprimidos de uma maneira ou de outra, por morte violenta ou por fome. Mas, quando isto ocorre, há de novo um vazio que c logo ocupado por outros propagadores de população e a velha miséria recomeça. Acontece o mesmo em todas as circunstâncias, não somente no estado civilizado, mas também no estado natural: na Nova Holanda, onde a densidade é de um habitante por milha quadrada, os selvagens sofrem tanto de superpopulação como na Inglaterra. Abre viando: se quisermos ser coerentes, c preciso admitir que a terra já estava superpovoada quando existia apenas um homem. A conseqüência deste desenvolvimento é, portanto, a seguinte: já que os pobres são precisamente os excedentes, não há nada a fazer por eles senão levá-los à morte por inanição da forma mais suave possível; é preciso conven cê-los de que não se pode alterar nada e que toda a sua classe só tem o recurso de uma reprodução tão limitada quanto possível ou, se isso não for viável, sempre será melhor criar uma instituição estatal para matar sem dor as crianças dos pobres, como o propôs Marcus24 — por conseguinte, cada família trabalhadora tem o direito de ter dois filhos c meio; quantos vierem a mais, serão mortos sem dor. Dar esmola seria, então, um crime, visto que significa sustentar o acréscimo da po pulação excedente. Mas seria muito vantajoso fazer da pobreza um crime e transformar os albergues em estabelecimentos penitenciários, como já se fez na Inglaterra com a nova lei “liberal” referente aos pobres. Na verdade, contudo, esta teoria concorda muito mal com o ensinamento bíblico sobre a perfeição de Deus e da sua criação, mas “é uma fraca refutação aquela que argumenta com a Bíblia contra os fatos”! é preciso que eu exponha mais, que leve mais longe as consequên cias desta infame, desta abjeta doutrina, desta terrível blasfêmia contra a natureza e a humanidade? Com ela, enfim, levamos ao extremo a imoralidade do economista. O que são todas as guerras e os horrores do sistema dos monopólios face a esta teoria? E ela é precisamente a base da abóbada do sistema liberal da liberdade comercial, cuja queda arrasta
24 Pseudônimo do autor dc um panfleto, divulgado na Inglaterra por volta dc 1840, onde sc faz a publicidade da teoria dc Malthus.
75
ronslgo o edifício Inteiro, Porque, se demonstramos que a concorrência rt aqui a COUSQ dü miséria, da pobreza e do crime, quem ousará ainda defendê-la? Na sua obra antes citada, Alison desacreditou a teoria de Malthus leeorrondo à força produtiva da terra e contrapondo ao princípio de Malthus 0 fato de que todo homem adulto pode produzir mais do que lhe 6 necessário, sem o que a humanidade não poderia aumentar e mes mo subsistir. Sc assim não fosse, de que viveriam as novas gerações? MftS Alison não vai ao fundo do problema, e é por isto que, no fim dns contas, chega ao mesmo resultado que Malthus. Ele demonstra bem que 0 princípio de Malthus é incorreto, mas não pôde desvencilhar-sc ÜOS fatos que sustentaram o princípio malthusiano. Se Malthus não tivesse encarado o problema de forma tão tenden ciosa, teria a obrigação de ver .que a população, ou a força de trabalho excedente, mantém-se sempre ao lado de um excedente de riqueza, de capital, de propriedade fundiária. A população não é demasiado grande senão quando as forças produtivas são, em geral, demasiado elevadas. A situação de todos os países superpovoados, e parlicularmente a da Inglaterra, desde o tempo em que Malthus escreveu, mostra-o clara mente. Existiam aí os fatos que Malthus tinha que considerar na sua totalidade e que, ao serem considerados, deviam conduzir ao resultado exato; em vez disto, extraiu um e deixou os outros de lado, e foi assim que chegou ao seu louco resultado. O segundo erro que cometeu foi confundir os meios de subsistência com o emprego. Que a população pressiona constantemente sobre o consumo, cuja produção está relacio nada com os homens que é possível empregar, em suma: que a geração da força dc trabalho seja regulada hoje pela lei da concorrência e que esteja assim exposta às crises c às flutuações periódicas — são fatos que conferem a Malthus o mérito de os ter estabelecido. Mas as possi bilidades dc emprego não são os meios de subsistência. As possibilidades de emprego só aumentam, cm última instância, com o aumento do capi tal o da força chis máquinas; os meios dc subsistência aumentam desde que ii força produtiva seja uumentadu dc qualquer forma. Uma nova runlnidlçiui dit economia aparece aqui. A procura do economista não é ii vriduilrliii provimi, srii coiiNiimo é artificial. Para o economista, um voidmlrlio roiiMiimldor 6 itpriiitN o comprador efetivo que procura oferecer um npilvulciHu pelo que tecehe. Mas se está estabelecido que cada iidulhi produz mais do que ele próprio pode consumir, que os filhos são como árvores que restituem superabundantemente o qúe se despende com eles — e não são estes os fatos? —> seríamos tentados a pensar que
76
cndu tnibnlhudor poderia fabricar muito mais do que necessita e que, portanto, li comunidade deveria ter o prazer de lhe fornecer tudo o que elo precisa; seríamos tentados a pensar que uma família numerosa constitui um presente muito apreciado pela comunidade. Mas, com as suas grossoiras concepções, o economista não conhece outro equivalente SOnflO o dinheiro vivo que lhe metem na mão. Está de tal modo mergu lhado nas suas contradições que os fatos mais cloqücntcs o incomodam tão pouco como os princípios mais científicos. • • • Destruímos esta contradição pelo simples fato de a ultrapassar. Com a fusão dos interesses atualmente opostos desaparece a oposição entre superpopulação aqui e supercrcscimcnto da riqueza ali; desaparecerá este fato miraculoso, mais miraculoso do que todos os milagres de todas as religiões tomadas em conjunto: uma nação deve morrer de fome por pura riqueza e supérfluo; desaparecerá a afirmação insensata de que a terra não tem condições de alimentar os homens — esta afirmação c o apogeu da economia cristã, e a cada enunciado, a cada categoria, eu poderia mostrar, e fá-lo-ei oportunamente, que a nossa economia é essen cialmente cristã, que o malthusianismo é somente a expressão econômica do dogma religioso da contradição entre o espírito e a natureza c a corrupção mútua que dela decorre. Espero ter demonstrado, no.domínio da economia, a fragilidade desta contradição que, no referente à reli gião, foi há bastante tempo liquidada com ela; entrementes, não consi derarei como aceitável qualquer defesa do malthusianismo que não me explique, previamente, segundo seu próprio princípio, como um povo pode morrer de fome em meio ao supérfluo e não me compatibilize isto com a razão e com os fatos.
• • • O malthusianismo não foi mais do que uma transição absolutamente necessária que nos conduziu ilimitadamente mais longe. Graças a ele, como de maneira geral graças a economia, atentamos para a força pro dutiva da terra e da humanidade e, depois de ulLrapassar este desespero econômico, estamos imunizados para temer a superpopulação. Dele ex traímos os mais fortes argumentos econômicos para uma transformação social; pois que, mesmo que Malthus tivesse razão inteiramente, era necessário empreender sem demora esta transformação, porque só a formação cultural que ela permitirá dar às massas possibilitará a limi tação moral do instinto de procriação, que o próprio Malthus descreve como o remédio mais ativo e mais fácil para a superpopulação. Pelo
77
MOU vlós, conhecemos o mais profundo aviltamento da humanidade, sua dependência das relações concorrenciais; ele nos mostrou que, cm última unfilisc, a propriedade privada faz do homem uma mercadoria, cuja produção e destruição dependem, também elas, apenas da concorrência, ü quo o sistema concorrencial massacrou deste modo, c massacra, diaria mente milhões de homens; vimos tudo isto e tudo isto nos leva a supri mir este aviltamento da humanidade ao suprimir a propriedade privada, íl concorrência e os interesses antagônicos.
• • • Para retirar toda base ao receio geral da superpopulação, voltemos ainda à relação entre força produtiva e população. Malthus elaborou um cálculo sobre o qual funda todo o seu sistema. Segundo ele, a popu lação aumenta numa progressão geométrica (1-2-4-8-16-32, etc.) e a força produtiva da terra numa progressão aritmética (1-2-3-4-5-6, etc.). A diferença salta à vista, faz tremer — mas é correta? A extensão da terra é limitada, certo. A força de trabalho a utilizar aumenta com a população; admitamos mesmo que o acréscimo da rentabilidade pelo acréscimo de trabalho não aumente sempre na proporção do trabalho acrescido; falta ainda um terceiro elemento que seguramente não conta nunca para o economista: é a ciência, cujo crescimento é também ilimi tado e pelo menos tão rápido quanto o da população. O que o progresso da agricultura deste século não deve apenas à química (ver dois homens apenas: Humphrey Davy c Justus Liebig)? Mas a ciência desenvolve-se, no mínimo, tanto como a população: esta aumenta proporcionalmente ao número da última geração; a ciência progride proporcionalmente à massa de conhecimentos que lhe transfere a geração precedente e, nas condições correntes, desenvolve-se também segundo uma progressão geométrica — e o que é impossível à ciência? Mas 6 ridículo falar de superpopulação enquanto “o vale do Mississipi possui bastante terra virgem para que se possa transferir para lá toda a população da Eu ropa” 20 e, em geral, enquanto só um terço da terra pode ser considerado como cultivado, o a produção deste terço pode ser sextuplicada ou mais, com a utilização do molhornmcntos Já conhecidos20.
• • • A concorrência coloca capital contra capital, trabalho contra tra balho. propriedade fundiária contra propriedade fundiária, como também ■R A dtaçfio 6 extraída da obra, mencionada antes no texto, de Alison, Puiu questão 6 retomada e desenvolvida por Marx cm O capital.
78
cndtt UIU clostcs elementos contra os restantes. No combate, o vencedor 6 0 mnls forte, e, para antecipar o resultado desta luta, deveremos examinar n força dos combatentes. Em primeiro lugar, a propriedade fundiária O O capital são, cada um deles, mais fortes que o trabalho, porquo 0 trabalhador tem de trabalhar para viver, enquanto o proprie tário fundiário pode viver das suas rendas e o capitalista dos seus lucros o, om caso de necessidade, da propriedade fundiária capitalizada ou do capital. Por conseqüência, ao trabalho cabe apenas um mínimo vital, os meios de subsistência em estado bruto, ao passo que a maior parte dos produtos se reparte entre o capital e a propriedade fundiária. Ade mais, uni trabalhador mais forte afasta o mais fraco do mercado, o grande capital afasta aquele que c menor, a grande propriedade fun diária afasta a pequena. A prática confirma esta conclusão. As vantagons que os grandes fabricantes e comerciantes têm sobre os pequenos, as da grande propriedade fundiária sobre a propriedade de um só acre são conhecidas. A resultante disto é que, mesmo cm condições ordiná rias, o grande capital e a grande propriedade fundiária absorvem, segundo a lei do mais forte, o pequeno capital c a pequena propriedade, naquilo a que se chama concentração da propriedade. Durante as crises agrícolas c comerciais, esta concentração faz-se de forma muito mais rápida. De maneira geral, a grande propriedade cresce muito mais rapidamente que a pequena, porque uma parte menor da renda deve ser deduzida a título de despesas de exploração. Esta concentração de bens é, como todas as outras, uma lei imanente da propriedade privada; as classes médias estão, progressivamente, destinadas a desaparecer, até que o mundo esteja dividido em milionários e proletários indigentes, cm grandes proprietários fundiários e cm jornaleiros miseráveis. Todas as leis, toda a divisão da propriedade fundiária, toda eventual explosão do capita] nada poderão fazer com relação a isto: aquele resultado deve surgir c surgirá se não ocorrer uma transformação total das relações sociais, uma fusão dos interesses opostos, uma liquidação da propriedade privada. A livre concorrência, principal palavra-de-ordem dos economistas atuais, é uma impossibilidade. O monopólio, mesmo que não o tenha conseguido, pelo menos apresentava a intenção de preservar o consu midor das vigarices. Mas a liquidação do monopólio abre largamente todas as portas à charlatanice. Quando dizem que a concorrência contém em si o remédio para a vigarice, que ninguém comprará coisas de má qualidade — ou seja: que cada um deve ser um conhecedor de cada
79
Ui ligo que tldquiro, O que é impossível —•, justifica-se a necessidade do monopólio sobro muitos produtos. As farmácias, etc., devem ter um monopólio. E o artigo mais importante, o dinheiro, tem precisamente II maior necessidade dc ser monopolizado. Cada vez que deixou de ser monopólio do Estado, o meio de circulação produziu uma crise comer cial, e os economistas ingleses, entre eles o dr. Wade, reconheceram, também neste caso, a necessidade do monopólio. Mas nem o monopólio oferece garantias contra a moeda falsa. Seja por que lado for que se tome a questão, um aspecto é tão difícil quanto o outro: o monopólio engendra a livre concorrência e esta, por sua vez, o monopólio; por isto, é preciso que ambos desapareçam e que estas dificuldades sejam ultrapassadas pela supressão do princípio que as gera.
A concorrência penetrou todas as relações da nossa vida e com pletou a servidão recíproca em que os homens se encontram atualmente. A concorrência é a grande mola que impulsiona incansavelmente a nossa ordem (ou antes: a nossa desordem) social, que, envelhecendo sem vontade, a cada novo esforço despende também uma parcela das suas forças declinantes. A concorrência determina tanto a evolução numérica da humanidade quanto seu progresso moral. Quem está um pouco familiarizado com a estatística criminal seguramente observa a particular regularidade com que o crime progride todos os anos e com que certas causas suscitam determinados crimes. A extensão do sistema fabril acarreta, em toda parte, um aumento da criminalidade. Pode-se avaliar, antecipada e anualmente, o número de prisões, de atos crimi nosos e até de assassinatos, de assaltos, pequenos roubos, etc., para uma grande cidade ou um distrito com exatidão cada vez maior, como sc vepfica freqüentemente na Inglaterra. Esta regularidade demonstra que também o crime é regido pela concorrência, que a sociedade suscita uma procura dc crimes que é satisfeita por uma oferta apropriada; de monstra que o vazio criado pela prisão, pelo desterro e pelo enforca mento de alguns é logo preenchido por outros, do mesmo modo que toda redução demográfica é logo anulada pelos novos que nascem; noutros termos: demonstra que o crime faz tanta pressão sobre os meios dc repressão quanto as pessoas sobre os empregos. Pondo de parte outras considerações, deixo ao juízo dos meus leitores avaliar a justiça que, nestas circunstâncias, há na sanção aos criminosos. Para mim, trata-se simplesmente de expor aqui a extensão da concorrência e de
80
mostrar, nl6m disso» o que estado de profunda degradação a propriedade privada lança o homem. • • • No combate do capital e da terra contra o trabalho, estes dois primoiros elementos têm ainda uma vantagem particular sobre o último: a ajuda da ciência, porque também esta, nas condições atuais, é dirigida contra o trabalho. Quase todas as invenções mecânicas, por exemplo, foram provocadas pela falta de força de trabalho (e, especialmcnte, as máquinas de fiar algodão de Hargreave, Crompton e Arkwright). O trabalho nunca foi procurado sem que disso resultasse uma invenção .que aumentasse consideravelmente a força de trabalho, reduzindo assim a demanda de trabalho humano. A história da Inglaterra, de 1770 aos nossos dias, prova-o continuamente. A última grande invenção na fiação algodoeira, a self-acting mule, motivada unicamente pela procura de trabalho e pela alta dos salários, duplicou o trabalho mecânico, e, assim, reduziu pelo meio a necessidade de trabalho manual, despedindo do seu emprego metade dos trabalhadores c fazendo baixar pela metade o salário dos outros; ela reduziu a nada uma conspiração dos trabalha dores contra os fabricantes c destruiu o último resto de energia com a qual o trabalho mantinha ainda este combate desigual contra o capital (cf. Dr. Urb. Philosophy of manufactures. v. 2)^. O economista responde a isto afirmando que, no fim de contas, a maquinaria é favorá vel aos trabalhadores, na medida cm que toma a produção mais barata e cria, desta maneira, um mercado novo e mais vasto para seus produtos, e que, finalmente, ela reabsorve os trabalhadores jogados no desemprego. Isto é correto; mas o economista, aqui, esqueceu-se de que a criação da força de trabalho é regulada pela concorrência, que a força de trabalho pressiona constantcmente o mercado de trabalho c que, por consequên cia, quando estas vantagens estão a ponto de se manifestarem, já há à espera um excesso de concorrentes ao trabalho que tomam ilusória esta vantagem e que o prejuízo (a súbita supressão dos meios de subsistência para uma parte dos trabalhadores e, para a outra, a queda dos salários) não é ilusório? O economista esqueceu-se dc que o progresso da inven ção c infinito e que o prejuízo se multiplica ao infinito? Esqueceu-se de que, com a divisão do trabalho desenvolvida tão extremamente pela nossa civilização, um trabalhador não sobreviverá se não puder ser 17 Esta obra dc Andrcw Ure foi publicada em Londres, em 1835.
81
empregado junto de determinada máquina para uma tarefa precisa e limitada, e que a passagem de uma ocupação a outra, mais recente, é quase sempre francamente impossível para o trabalhador adulto? Ao examinar os efeitos da maquinaria, chego a um outro tema, mais distante: o sistema fabril — e não tenho tempo nem intenção de tratado aqui. De resto, espero brevemente ter a oportunidade de analisar, longa c profundamente, a ignóbil imoralidade deste sistema e de patentear, sem rodeios, a hipocrisia do economista, que aí se entronizou em todo o seu esplendor.
2.
1.
PRINCÍPIOS DO COMUNISMO *
O que é o comunismo?
O comunismo é a doutrina das condições de libertação do prole tariado. 2.
0 que é o proletariado?
0 proletariado 6 a classe social que obtém os seus meios de subsis tência exclusivamente da venda do seu trabalho *l, sem se beneficiar de qualquer lucro extraído de qualquer capital. Ê a classe, cuja felicidade e dor, vida e morte, e cuja completa existência dependem da procura de trabalho, ou seja, dos períodos de crise c de prosperidade dos negó cios, das flutuações de uma concorrência desenfreada. Em poucas ♦ Reproduzido de Engbu, F. Príncipes du comniunisme. In: Marx. K. e Engrls, F. Oeuvrej choisies en trote volumes. Moscou. Êd. du Progrta, 1970. v. 1, p. 82-99. Trad. por José Paulo Nctto e Maria Filomcna Viegas.
Os Princípios do comunismo, redigidos em novembro de 1847, só foram publi cados em 1914, no Vorwdrts, órgão da social-democracia alemã. Onginalmcntc, o texto era um projeto de programa para a Liga dos Comuntetar, depois, é de supor que o material se tenha constituído numa das bases para a redação do Manifesto do Partido Comunista. 1 Nessa altura do seu desenvolvimento teórico-ideológico, Engds (c, como ele, Marx) não distinguia entre venda de trabalho e venda da força de trabalho, ex pressão conceituai correta para o fenômeno aqui referido.
83
pulavras, 0 proletariado, ou a classe proletária, é a classe trabalhadora do século XIX. 3.
Isto quer dizer que nem sempre os proletários existiram?
Exala mente. Sempre houve classes pobres e trabalhadoras, e as classes trabalhadoras foram principalmente pobres. No entanto, traba lhadores e pobres, vivendo nas condições acima assinaladas, nem sempre existiram. Isto significa que os proletários não existiram sempre, assim como nem sempre existiu uma concorrência livre c desenfreada.
4.
Como surgiu o proletariado?
s
»
O proletariado nasceu com a Revolução Industrial, produzida na Inglaterra, na segunda metade do século XVm, e que logo se estendeu a lodos os países civilizados do mundo. Esta revolução foi desencadeada pola Invenção do máquina a vapor» das várias máquinas de fiação, do toar mecânico o do uma sério de outros inventos. Tais máquinas, que, devido a seu alto custo só so colocavam ao alcance dos grandes capi talistas» transformaram completamente o antigo modo de produção e alteraram totelmentc a situação dos antigos trabalhadores, uma vez que produziam melhor e a menor custo do que estes podiam fazer com as Nuns rocas o teares manuais. As máquinas colocaram a indústria inteiramonto nas mãos dos grandes capitalistas e reduziram a nada o valor da pequena propriedade dos trabalhadores (instrumentos, teares, etc.), do que resultaram a apropriação de tudo pelos capitalistas e a penúria dos trabalhadores. Foi assim que o sistema fabril se introduziu na pro dução do tecidos.
Progredindo o sistema fabril e a maquinaria, logo ambos se gene ralizaram a outro8 ramos da produção, espccialmente às confecções e à Imprensa, à cerâmica c à metalurgia. O trabalho começou a ser dividido ciulii vez nuilN entro os operários, do tal forma que o trabalhador, que, antes, linha feito uma peça completa, agora fazia apenas uma parte drssn peça. Issii divlsíto do trabalho permitiu que se produzisse mais rapldiimriun r, por ronNcqlIêncin, de modo mais barato, reduzindo a atividade de ciulit hiihidhmlor a um procedimento mecânico, muito sim ples, constnnlcmcnlo repelido, passível do ser realizado, de forma melhor, pelas máquinas. Desse modo, o como já acontecera com a fiação e a tecelagem, todos estes ramos da produção caíram, um após outro, sob o domínio do vapor, das máquinas e do sistema fabril; conseqüentc-
84
iHCiHOt cnfnini tumbóm nas mãos dos grandes capitalistas, ficando os trnluilhlulorCH privados de qualquer independência que ainda lhes tcsImio. Pouco ü pouco, o sistema fabril estendeu o seu domínio não só li Uxln n manufatura em sentido estrito, mas também às atividades nrlnaiiolfl, já que, também nessa esfera, os grandes capitalistas elimi naram os pequenos patrões de artífices, criando grandes oficinas, que possibilitavam diminuir os gastos e implementar uma elaborada divisão do trabalho. Eis como, atualmente, nos países civilizados, quase todos os tipos dc trabalho se realizam em fábricas, e em quase todos os tipos de pro dução a grande indústria suplanta o artesanato e a manufatura. Esse processo arruinou a antiga classe média, especialmente os pequenos artesãos, e transformou inteiramente a condição dos trabalhadores; com ele, surgem duas novas classes que, gradualmcntc, vão absorvendo todas as outras:
1.*) a classe dos grandes capitalistas, que, em todos os países civilizados, já estão de posse exclusiva de todos os meios de subsistência, das matérias-primas e dos instrumentos (má quinas, fábricas, etc.), necessários à produção dos meios de existência. Esta é a classe dos burgueses, isto é, a burguesia;
2?) a classe dos despossuídos, dos que, em virtude da despossesSüO, são obrigados a vender seu trabalho aos burgueses para receber, em troca, os meios necessários à sua subsistência. Esta ó a chamada classe dos proletários, isto é, o proletariado. 5. Em que condições se realiza a venda de trabalho dos prole tários aos burgueses? O trabalho 6 uma mercadoria como qualquer outra e, por conse guinte, o seu preço é determinado pelas mesmas leis que se aplicam às mercadorias. Sob o regime da grande indústria ou da livre concor rência — como veremos, os dois são a mesma coisa —•, o preço de uma mercadoria c, em média, sempre igual aos custos de sua produção; portanto, o preço do trabalho é igual ao custo de produção do trabalho. Ora, o custo de produção do trabalho consiste precisamcntc na quan tidade de meios dc subsistência indispensáveis para que o trabalhador mantenha a sua capacidade de trabalho e para que se impeça a extinção da classe operária. Por isso, o operário não receberá mais do que o necessário para sobreviver; o preço do trabalho, ou o salário, será,
85
enfim, o mais baixo, constituindo o mínimo indispensável para se manter a vida. Contudo, uma vez que, nos negócios, existem períodos melhores e piores, o operário receberá algumas vezes mais, outras, menos, da mesma forma que os capitalistas ganham mais, ou menos, pelos seus produtos. E como os capitalistas, na média dos bons e dos maus perío dos, não conseguem pelas mercadorias mais do que o seu custo de produção, também o operário não receberá, na média, mais do que o seu mínimo vital. Esta lei econômica dos salários verificar-se-á tanto mais estritamente quanto maior for o número de ramos da produção de que a grande indústria se tenha apoderado. 6.
Que classes trabalhadoras existiam antes da revolução indus
trial? As classes trabalhadoras têm sempre vivido, de acordo com os dife rentes estádios de desenvolvimento da sociedade, cm diversas condições c com distintas relações com as classes possuidoras e dominantes. Na Antigüidade, os trabalhadores eram escravos de seus amos, como ainda ocorre cm muitos países atrasados, e mesmo no sul dos Estados Unidos. Na Idade Média, eram servos dos nobres proprietários de terras, como ainda ocorre na Hungria, na Polônia e na Rússia. Na Idade Média, e, na verdade, precisamente até à Revolução Industrial, havia também, nas cidades, artesãos que trabalhavam a serviço da pequena burguesia. Gra dualmente, à medida que se desenvolviam as manufaturas, estes artesãos transformaram-se em trabalhadores empregados por grandes capitalistas.
7.
Que diferença existe entre o proletário e o escravo?
O escravo é vendido de uma vez para sempre; o proletário é for çado a vender-se diariamente, de hora em hora. Todo escravo, indivi dualmente, propriedade de um só dono, tem assegurada a sua existência, por mais miserável que esta seja, pelo próprio interesse do amo. O proletário, por ncu turno, 6 propriedado da classe burguesa; assim, não tem uwgurndn n nuii existência — seu trabalho só é comprado quando nlguéin km nercNNldndo dele. A existência só 6 assegurada à classe opcrárln. nHo no opriáiiu tomado individualmente. O escravo está à mnrgcm dn concorrência; o proletário está imerso nela e sofre todas as NUitH ritilunçficN. () escravo ccmtii como uma coisa, não é membro da Noclcdndc civil; o proletário 6 reconhecido como pessoa, componente dessa soclcdado. ConscqUenlcmcnle, embora o escravo possa ter uma existência melhor, o proletário pertenço a uma etapa superior de desen-
86
volvlmcnlo social o situa-se, ele próprio, a um nível social mais alto que 0 escravo. Esto se liberta, quando, de todas as relações da propriedado privada, suprime apenas uma, a escravatura, com o que, então, lonia-so UíU proletário; eni troca, o proletário só pode libertar-se supri mindo a propriedade privada em geral.
8.
Que diferença existe entre o proletário e o servo?
O servo possui c utiliza um instrumento de produção, um pedaço de terra, em troca do que entrega parte do seu produto ou executa determinado tipo de trabalho. O proletário trabalha com instrumentos que pertencem a outro, por conta desse outro, cm troca de uma parte do produto. O servo dá; o proletário recebe. O servo tem a sua exis tência assegurada; o proletário, não. O proletário sofre a concorrência; o servo, não. O servo pode libertar-se por três formas: refugiando-se na cidade e tornando-se artesão; tTansformando-se em livre arrenda tário, pagando a seu senhor em dinheiro em vez de em bens e serviços; ou, ainda, expulsando da terra o senhor feudal e assumindo a proprie dade. Em poucas palavras, ele se liberta, de uma maneira ou de outra, ingressando na classe possuidora e na esfera da concorrência. O pro letário liberta-se suprimindo a concorrência, a propriedade privada e todas as diferenças de classe.
9.
Que diferença existe entre o proletário e o artesão?2
10. Que diferença existe entre o proletário e o trabalhador da manufatura? O trabalhador da manufatura, do século XVI ao século XVD1, ainda possuía, com muito poucas exceções, instrumentos de produção —o seu tear, a roca da família e um pedaço de terra que cultivava nas horas vagas. O proletário não tem nada disso. O trabalhador da manufatura quase sempre vivia no campo, relacionando-se com o seu patrão ou senhor de forma mais ou menos patriarcal. O proletário vive principalmente na cidade e relaciona-se com o seu patrão por vínculos puramente monetários. A grande indústria arranca o trabalhador da manufatura, eliminando as suas relações patriarcais, liqüidando a pro priedade que ainda possuía, — cm suma, transforma-o em proletário. 2 No manuscrito original, não há resposta a essa pergunta.
87
11. Quais foram as conseqüências imediatas da Revolução Indus trial e da divisão da sociedade em burgueses e proletários? Em primeiro lugar, os preços cada vez mais baratos dos produtos industriais destruíram, em quase todos os países, o velho sistema manufatureiro ou a indústria articulada sobre o trabalho manual. Todos os países semibárbaros que, até então, estavam mais ou menos à margem do desenvolvimento histórico e cuja indúslria se apoiava na manufatura, foram violentamente arrancados do seu isolamento. Começaram a comprar aos ingleses mercadorias mais baratas, levando à ruína e à morte os seus próprios trabalhadores. Assim, países, que durante milê nios não conheceram nenhuma transformação, como, por exemplo, a índia, passaram por uma completa revolução, e mesmo a China encon tra-se a caminho dc uma modificação radical. Chegamos ao ponto cm que a invenção de uma nova máquina, na Inglaterra, pode, no espaço de um ano, levar à fome milhões de operários chineses. Desse modo, a grande indústria vinculou entre si todos os povos da terra, fundiu todos os mercados locais num único mercado mundial, preparou em todas as partes o terreno para a civilização e o progresso e deu margem a que as transformações ocorrentes nos países civilizados repercutissem neces sariamente em todos os outros. Por isso, se os trabalhadores da Ingla terra ou da França se libertarem agora, certamente haverá revoluções nos outros países, revoluções que, mais cedo ou mais tarde, realizarão a libertação das suas classes trabalhadoras. Em segundo lugar, em todas as partes onde a grande indústria liquidou a manufatura, a burguesia aumentou extraordinariamente o seu poder econômico, erigindo-se na classe mais decisiva. Consequentemente, a burguesia, nos países onde esse processo se realizou, tomou em suas müos 0 poder político e substituiu a dominação das classes que a precederam: a aristocracia, os chefes das corporações e seus represen tantes, n monarquia absoluta. A burguesia aniquilou o poder da aristo cracia, da nobroza, abolindo o vínculo às terras ou a sua inalienabilidade c liquidando os seus privilégios. Destruiu o poder dos chefes das corIHunçÕcs, arrasando com todos os grêmios c com lodos os privilégios grcmlah. Hm lodo lugar, implantou a livre-concorrência, isto é, uma niiullçflii mirln! qiin prrnillu a lodos ingressar em qualquer setor da produção, dcNtlr que posNuam o capital necessário. Isto significa que, a paillr daí, om nicmbroN da Nocicdndu só suo desiguais na medida em que o Não ON Hcus capitais; 6 n declaração pública de que o capital é a força decisiva c quo os capltaliNlas, a classe burguesa, constituem a classe decisiva. A livre-concorrência 6 indispensável ao estabelecimento da
88
griindo hldúndlu, porquo 6 sob seu reino que esta pode avançar. DesUuIikIo li pintor HOCloI da nobreza e das corporações, a burguesia destruiu UunbóiH cl «OU poder público: instituindo-se como classe decisiva, a huigllCNill proclomou-se a classe dominante. Fê-lo instaurando o sistema rupruNOntíltlvo, assentado na igualdade burguesa perante a lei e no reco nhecimento legal da livre-concorrência, que tomou, nos países europeus, a forma dc monarquia constitucional. Nesta, apenas votam aqueles que detêm um certo capital — os membros da burguesia. Esses eleitores escolhem deputados que, usando a prerrogativa de votar impostos, deci dem por um governo burguês.
Em terceiro lugar, a Revolução Industrial criou, em todas as partes, juntamente com o desenvolvimento da burguesia, o proletariado. Na mesma proporção em que cresce o poder econômico da burguesia, cresce numericamente o proletariado. Já que os proletários só podem ser em pregados pelo capital, c visto que o capital só cresce através do trabalho, o crescimento do proletariado produz-se em exata correspondência com o crescimento do capital. Ao mesmo tempo, a Revolução Industrial concentra burgueses e proletários na cidade, onde a indústria é mais rentável. Por outro lado, essa concentração dc grandes massas num mesmo local propicia ao proletariado a consciência da sua própria força. Além disso, quanto mais se desenvolve este processo, mais se inventam noves máquinas que poupam trabalho, o que aumenta a pressão sobre os salários, reduzindo-os, como dissemos, ao mínimo, o que toma progressivamente mais insuportável a situação do proletariado. Dessa forma, o crescente descontentamento do proletariado junta-se ao seu progressivo poderio, com a Revolução Industrial preparando caminho para a revolução social, que o proletariado realizará. 12.
Que outras consequências teve a Revolução Industrial?
Com a máquina a vapor e outras invenções, a Revolução Industrial criou os meios para aumentar, de modo rápido, a baixo custo c num processo sem fim, a produção industrial. Graças a isso, a livre-concor rência, que está necessariamente ligada à grande indústria, revestiu-se logo de um caráter extraordinariamente violento: uma multidão de capitalistas lançou-se à indústria, e em pouco tempo produziu-sc mais do que se podia consumir. Como conseqücncia, mercadorias deixaram de ser vendidas, advindo a chamada crise comercial: fábricas tiveram que fechar, proprietários foram à falência e operários, submetidos à
89
fome, reinando a mais profunda miséria por toda parte. Passado algum tempo, venderam-se os produtos em excesso, as fábricas recomeçaram a operar, os salários subiram e, pouco a pouco, os negócios voltaram a prosperar. Mas, foi por pouco tempo: de novo houve excesso de pro dução e uma nova crise ocorreu, seguindo o mesmo curso que a anterior. Desde o princípio do século XIX, a situação da indústria tem oscilado continuamente entre períodos de prosperidade e períodos de crise; regu larmente, a cada cinco ou sete anos, tem ocorrido nova crise, trazendo sempre as maiores dificuldades para os trabalhadores e acompanhando-se de uma agitação revolucionária generalizada e de enormes perigos para o regime existente.
13.
O que resulta dessas crises comerciais periódicas?
Em primeiro lugar, ocorre que a grande indústria, no início depen dendo da livre-concorrência, logo a ultrapassa: esta (e, em termos gerais, a produção industrial nas mãos de uns poucos particulares) converteu-se numa camisa-de-força que deve e tem de ser rompida. A grande indústria, enquanto for mantida sobre a base atual, acarreta de sete em sete anos um caos generalizado, que faz perigar a civilização e não apenas joga na miséria os proletários, mas também arruina muitos burgueses. Assim, a grande indústria ou tem de eliminar-se a si mesma, o que não é possível, ou toma inevitavelmente necessária uma organi zação completamente nova da sociedade, na qual a propriedade deixe de ser dirigida por uns poucos capitalistas cm concorrência, para ser orientada por toda a sociedade operando segundo um plano definido e levando em conta as necessidades de todos. Em segundo lugar, resulta que a grande indústria c a expansão ilimitada da produção, que ela possibilitou, permitem a criação de um regime social em que se produza tanto e de tal modo que qualquer membro da sociedade eslQrú em condições de desenvolver e exercitar livremente Uxlns as suas forças o faculdodes. Assim, as características dit grande IndÚNlrln, que, nu sociedade atual, produzem miséria e crise, pomiltlião, sob liniii forniu diferente de sociedade, abolir a miséria c n drprmflo cutlintróricn. Vemos, pois, claramente, que:
I) nos dliiN do hoje, entes males só podom ser atribuídos ao regime so cial, quo deixou de corresponder às exigências da situação real; I!) Já existem condições paru a supressão de todos estes males, por meio da construção de uma nova ordem social.
90
14.
Como deverá ser esta nova ordem social?
Anles do mais nada, a administração da indústria e da produção om gorul deixará de pertencer a uns poucos indivíduos que concorrem Olltro si: ao contrário, todos os ramos da produção passam para a sociedade como um todo, ou seja, serão administrados cm benefício de toda a sociedade, segundo um plano geral e com a participação de todos. Portanto, a nova ordem social abolirá a concorrência, substituindo-a pela associação. Na medida em que a administração da indústria por uns poucos supõe necessariamente a existência da propriedade privada, e na medida em que a concorrência não é mais que a expressão dessa forma de administração, c claro que a propriedade privada não pode ser separada da concorrência e da administração particular da indústria; assim, a propriedade privada também deve ser suprimida e seu lugar será ocupado pela utilização coletiva de todos os instrumentos de produção e pela distribuição dos produtos segundo um acordo comum — numa palavra, a propriedade privada será substituída pelo que se denomina a comunidade de bens. De fato, a supressão da propriedade privada é a expressão mais simples e mais característica da revolução da ordem social, que se tomou possível graças ao progresso da indústria. Justamente por isto, os comunistas apresentam essa supressão como a sua principal reivindicação. 15.
A supressão da propriedade privada não era possível antes?
Não. Toda transformação da ordem social e toda mudança nas relações de propriedade são a conseqüência necessária da emergência de novas forças produtivas que não se ajustam mais às velhas relações de propriedade. A própria propriedade privada surgiu assim. Ela nfio existiu sempre; quando, nos fins da Idade Média, apareceu o novo modo de produção sob a forma de manufatura, ultrapassando os limites da propriedade feudal c grcmial, essa manufatura, que desbordava as velhas relações de propriedade, originou uma nova forma de propriedade: a propriedade privada. E como, para a manufatura e para o primeiro estádio de desenvolvimento da grande indústria, não era possível nenhu ma outra forma de propriedade, a ordem social fundada na propriedade privada era a única possível. Enquanto for impossível produzir não apenas o bastante para todos, mas ainda um certo excedente para a expansão do capital social e das forças produtivas — enquanto isto for impossível, tem de haver uma classe dirigente, que disponha das forças produtivas da sociedade, e uma classe pobre e oprimida. A constituição c a natureza dessas classes dependem do grau de desenvol-
91
vimcnto da produção. A sociedade medieval, que tem por base a explo ração da terra, nos apresenta o senhor feudal e o servo; as cidades da Baixa Idade Média nos mostram o chefe da corporação, o oficial artesão e o jornaleiro; no século XVII, temos o proprietário da manufatura c o seu trabalhador; no século XIX, aparece o proprietário da grande fábrica c o proletário. É claro que, até Qgora, as forças produtivas não se tinham desenvolvido ainda, a ponto de permitir que se produza o suficiente para todos e de revelar a transformação da propriedade pri vada num obstáculo ao seu progresso. Atualmente, porém, graças ao desenvolvimento da grande indústria, — em primeiro lugar, constituíranj-se capitais e forças produtivas em proporções sem precedentes, e existem meios para aumentar infini tamente, a curto prazo, essas mesmas forças produtivas; — em segundo lugar, tais forças produtivas estão concentradas nas mãos de um reduzido número de burgueses, enquanto que a grande massa do povo se transforma progressivamente em classe operária, cuja situação se toma tanto mais precária e insuportável quanto mais aumenta a riqueza dos burgueses; — em terceiro lugar, essas poderosas forças produtivas, que se expandem facilmente a ponto de ultrapassar os limites da propriedade privada e da burguesia, provocam continuamente as maiores comoções na ordem social. Tais fatos não só permitem a abolição da propriedade privada, como também fazem-na absolutamente necessária..
16. Será possível a abolição da propriedade privada por meios pacíficos?
Seria desejável a abolição da propriedade privada por essa via, c os comunistas seriam os últimos a se oporem a ela. Os comunistas sabem perfeitamente que todas as conspirações, além de inúteis, são mesmo prejudiciais: têm consciência de que as revoluções não são feitas premeditada e arbitrariamente, sendo, antes, em todas as partes, uma conseqüência necessária de circunstâncias independentes da vontade c da direção de partidos ou classes. Ao mesmo tempo, os comunistas vêem que o desenvolvimento do proletariado, em quase todos os países, tem sido violentamente reprimido, e que, assim, os próprios inimigos do comunismo preparam a revolução com todas as suas forças. Sc, por fim, o proletariado oprimido é lançado na revolução, nós, comunistas, defenderemos na prática, tal como agora o fazemos por palavras, a causa da classe operária.
92
17.
.Yen! ptwstvcl abolir repentinamente a propriedade privada?
NHii, nilti norfi possível, assim como não é possível aumentar repen(Imimrnti' uri forças produtivas atuais na escala necessária à criação de liniii rconomln coletiva. Por isto, a revolução proletária que se aproxlnm, wgiindo todas as probabilidades, transformará gradualmcnte a miclediido ülual c só abolirá a propriedade privada quando estiver dis ponível a necessária quantidade de meios de produção.
18.
Qual será o curso desta revolução?
Ela estabelecerá, antes de mais nada, um regime democrático e, portanto, direta ou indiretamente, a dominação política do proletariado. Dominação direta na Inglaterra, onde o proletariado constitui já a maioria da população; indireta na França e na Alemanha, onde a maioria da população engloba proletários, pequenos camponeses e pequenos burgueses urbanos, que, transitando para o proletariado c tendo a satisfação dos seus interesses políticos dependente da classe operária, podem aderir às suas reivindicações (talvez isto venha a custar uma segunda luta, mas o resultado só podo ser a vitória do proletariado). A democracia seria absolutamente inútil para o proletariado se não fosse imediatamente usada como meio para realizar amplas medidas, dirigidos diretamente contra a propriedade privada, cujos objetivos são nssogurnr a vitória do proletariado. As medidas mais importantes, nas condições atuais, são:
1) limitação da propriedade privada através do impostos progressivos, pesado tributação sobro heranças, supressão da herança colateral (irmãos, sobrinhos, etc.), empréstimos compulsórios, etc.; 2) expropriação gradual de latifundiários, industriais, proprietários de navios e ferrovias, em parte através da pressão operada pela concorrência da indústria estatal, em parte através da indenização em títulos; 3) confisco dos bens de todos os emigrantes8 c de todos os que sc rebelarem contra a maioria da população;
4) organização do trabalho e do emprego dos proletários nas terras, fábricas e oficinas nacionalizadas, abolindo-se a concorrência entre 8 Os emigrantes a que Engcls aqui se refere são, nnturalznente, aqueles que. após n tomada do poder pelo proletariado, não querem lubmetcr-ae à sua dominação o so transferem para o estrangeiro.
93
os trabalhadores; os proprietários que ainda existirem serão obri gados a pagar salários tão altos como os pagos pelo Estado; 5) idêntica obrigação de trabalho para todos os membros da socie dade, até a supressão completa da propriedade privada. Formação de contingentes de trabalho, especialmcnte para a agricultura; 6) centralização dos créditos e do sistema bancário nas mãos do Esta do, através de um banco nacional com capital estatal. Supressão dos bancos privados; 7) expansão do número de fábricas, oficinas, ferrovias e navios na cionalizados, extensão do cultivo a novas terras e aperfeiçoamento da exploração dc outras — cm consonância com o aumento do capital c do número de trabalhadores;
8) educação de todas as crianças, a partir do momento em que pos sam prescindir dos cuidados matemos, em estabelecimentos gratui tos estatais. Vinculação do ensino com o trabalho fabril; 9) construção, em lugares públicos, de grandes palácios que sirvam de residência a comunidades dc cidadãos que trabalham na indús tria e na agricultura, de forma a unir as vantagens da vida da cidade e do campo, suprimindo o caráter unilateral e as desvan tagens de uma e de outra;
10) destruição de todos os bairros e casas insalubres e mal construídas; 11) iguais direitos de herança para filhos legítimos e ilegítimos; 12) concentração de todos os meios de transporte nas mãos da nação. Evidentemente, é impossível levar a cabo essas medidas, de ime diato. Mas, umas implicam outras: uma vez empreendido o primeiro ataque radical contra a propriedade privada, o proletariado ver-se-á forçado a ir sempre mais adiante, concentrando nas mãos do Estado todo o capital, toda a agricultura, toda a indústria, todos os transportes c todo o sistema cambial. Ê para essa direção que apontam as medidas mencionadas, que serão aplicadas e terão um efeito centralizador na escala mesma em que o trabalho do proletariado multiplique as forças produtivas do país. Finàlmente, quando todo o capital, toda a produção e todo o sistema cambial estiverem reunidos nas mãos da nação, a pro priedade privada desaparecerá, o dinheiro tornar-se-á supérfluo e os homens ter-se-ão transformado tanto que poderão ser suprimidas também as últimas formas de relações da antiga sociedade.
94
19.
Unia revolução como esta é possível num único país?
Nílo4. A grande indústria, criando o mercado mundial, vinculou líio ONtraknmcntc os povos do globo, espccialmente os mais civilizados, quo o quo acontece com uip repercute sobre o outro. Além disto, ela nlvolou, nos países civilizados, a tal ponto o desenvolvimento social que, om todos eles, a burguesia c o proletariado tornaram-se as duas classes decisivas da sociedade, com a sua luta convertendo-se no principal combate dos nossos dias. Consequentemente, a revolução comunista não será uma revolução puramente nacional: produzir-se-á simultanea mente em todos os países civilizados, ou seja, pelo menos na Inglaterra, na América, na França e na Alemanha. Em cada um desses países, a revolução se desenrolará mais ou menos rapidamente, de acordo com 0 próprio desenvolvimento industrial, a acumulação de riquezas e a quantidade de forças produtivas; por isto, será mais lenta e difícil na Alemanha e mais rápida e fácil na Inglaterra. Por outro lado, ela exer cerá um considerável impacto nos outros países do mundo, alterando radicalmente o curso do desenvolvimento que têm seguido até agora. Trata-se de uma revolução universal e, por isso, terá um âmbito também universal. 20. Quais serão as conseqüências da abolição definitiva da pro priedade privada? Retirando aos capitalistas a utilização das forças produtivas e dos meios de distribuição, a sociedade administrá-los-á segundo um plano baseado na disponibilidade dos recursos e nas necessidades sociais gerais. Assim, o mais importante é que desaparecerão os resultados maléficos do atual sistema industrial. As crises serão eliminadas; a produção ampliada, que é, atualmente, a superprodução causadora da miséria, será então insuficiente e deverá ser largamente expandida. Ao invés de engendrar a penúria, a superprodução ultrapassará as exigências elementares da sociedade para assegurar a satisfação das necessidades de todos; criará novas necessidades e, ao mesmo tempo, os meios de as satisfazer. Constituirá a condição e a causa do progresso, sem realizá-lo, como até agora, ao preço de catástrofes periódicas. Liberta das amarras da propriedade privada, a grande indústria se desenvolverá cm propor 4 Como se sabe, a teoria do socialismo num só país é estranha aos fundadores do materialismo histórico e dialético. Somente após a morte de Lenin é que ela se propagou no movimento comunista internacional, especialmente sob a influência de Stalin.
95
ções tais que seu estágio atual parecerá tão insignificante quanto o da manufatura frente à indústria moderna. Este desenvolvimento possibi litará à sociedade uma massa suficiente de produtos para satisfazer as necessidades dc cada um. O mesmo ocorrerá com a agricultura: esta — na qual em razão da propriedade privada e do parcelamento dos latifúndios se torna difícil aplicar os melhoramentos já existentes c os processos resultantes da ciência — experimentará um novo incremen to e colocará à disposição da sociedade uma quantidade suficiente de produtos. Desse modo, a sociedade produzirá o bastante para orga nizar a distribuição, visando a satisfação das necessidades de todos. Ademais, tomar-sc-á supérflua a divisão da sociedade em classes distintas e antagônicas — divisão que, aliás, será incompatível com o novo sistema social. A existência das classes sc funda na divisão do trabalho, e esta, sob sua forma atual, perecerá, uma vez que, para elevar a pro dução agrícola e industrial aos níveis indicados, não bastam apenas os meios físicos e mecânicos — na mesma proporção, há que desenvolver as capacidades dos homens que os manejam. E, assim como os cam poneses e trabalhadores das manufaturas do século XVIII mudaram radicalmente o seu modo de viver e se transformaram em homens complctamentc diferentes ao serem incorporados à grande indústria, a exploração em comum da produção por toda a sociedade e o novo desenvolvimento dela derivado reclamarão e criarão homens totalmente novos. A gestão coletiva da produção não pode ser realizada por homens como os de hoje, presos a um ramo da produção, sujeitos a ele, explorados por ele, mutilados porque só podem desenvolver uma dns suas capacidades à custa das demais, e que só conhecem um setor (ou parto dele) da produção. A indústria dos dias correntes já vai se tomando cadn vez mais incompatível com esse tipo de homem. Por razões multo mais fortes, uma indústria que funcione planificadamente, graças tio esforço comum dc toda a sociedade, exige homens com capa cidades desenvolvidas univcrsalmente, aptos a se orientarem no contexto global da pnxluçíio. O sistema da divisão de trabalho, que coQverte um em camponês, outro cm sapateiro, este em operário fabril e aquele em especulador du bolsa, esto regime, em nossos dias já solapado pela máquina, desaparecerá. A educação permitirá aos jovens assimi larem rapidamente, na prática, lodo o conjunto da produção e lhes permitirá deslocarem-sc suecas! vamen lo dc um ramo da produção a outro, segundo necessidades sociais ou inclinações individuais. Conseqüentcmente, a educação libertará os indivíduos da unilateralidade, que lhes é imposta pela atual divisão do trabalho. Dessa maneira, a socie-
96
dado organizado sobro bases comunistas possibilitará a seus membros 0 emprego multilatcral das suas faculdades desenvolvidas universalmente. Com ol(U desaparecerão necessariamente as classes sociais: sua exis tência 6 Incompatível com as classes, e sua construção fornece os meios paru u supressão das diferenças de classe.
Outra conseqüência é a eliminação da oposição entre cidade e campo. A exploração da indústria e da agricultura pelos mesmos homens, e não por duas classes distintas, é, em função de razões ma teriais, uma condição necessária da associação comunista. A dispersão dos agricultores c a concentração dos proletários 6 uma forma que corresponde a uma fase atrasada da agricultura e da indústria c, ainda, um obstáculo ao progresso, hoje mesmo já sensível.
A associação geral de todos os membros da sociedade para a utili zação coletiva e racional das forças produtivas; a intensificação da produção em proporções suficientes para a satisfação das necessidades de todos; a liquidação do regime atual, cm que as necessidades de alguns são satisfeitas à custa de outros; a completa supressão das classes sociais e dos seus antagonismos; o desenvolvimento universal das poten cialidades humanas de todos os membros da sociedade, graças à elimi nação da atual divisão do trabalho, à troca de atividades, à educação industrial e à participação de todos no usufruto dos bens criados coleti vamente, e, enfim, graças à fusão entre a cidade e o campo — eis as principais consequências da supressão da propriedade privada. 21.
Que Influência o comunismo exercerá sobre a família?
As relações entre os dois sexos terão um caráter puramente privado, pertinente apenas aos interessados, sem qualquer intervenção da socie dade. Isto será possível já que, com a abolição da propriedade privada e com a educação dos filhos pela sociedade, cairão por terra .as duas bases do matrimônio atual, a dependência da mulher em relação ao homem e a dependência dos filhos em relação aos pais. Reside aqui, precisamente, a resposta à algaraviada moralista dos filisteus quanto ao que chamam a comunidade de mulheres do comunismo. A comunidade de mulheres é um fenômeno típico da sociedade burguesa, hoje existente sob a forma dc prostituição; mas a prostituição repousa sobre a pro priedade privada c desaparecerá com ela. Longe, pois, de implantar a comunidade de mulheres, o comunismo a liquidará.
97
22. Qual será a atitude do comunismo perante as nacionalidades existentes? 56 23. tentes? 24.
Qual será a atitude do comunismo perante as religiões exis
Qual a diferença entre os comunistas e os socialistas?
Os chamados socialistas agrupam-se em três categorias. A primeira se constitui de partidários da sociedade feudal o patriarcal, que foi e está sendo destruída a cada instante pela grande indústria, pelo mercado mundial e pela sociedade burguesa que ambos criaram. Dos males da sociedade moderna, eles retiram a conclusão de que é preciso restaurar a sociedade feudal e patriarcal, que os desconhecia. Todas as suas propostas, direta ou indiretamente, se encaminham para esse objetivo. Os comunistas lutarão sempre, energicamente, contra essa espécie de socialistas reacionários, porque, apesar da sua pretensa compaixão pela miséria do proletariado, e apesar das lágrimas de dor que por ela derramam, eles a)
propõem-se um objetivo absolutamente impossível;
b)
sonham com a restauração do poder da aristocracia, dos mestres gremiais e dos proprietários dc manufaturas, com a sua corte dc senhores absolutos ou feudais, funcionários, soldados e padres — uma sociedade que, certamente livre dos males atuais, traria consigo, pelo menos, outros tantos males, e que, além de tudo, não ofereceria sequor a perspectiva dc emancipar, através de um regime comunista, ()n trabalhadores oprimidos;
r)
HKNitrnm os rous verdadeiros sentimentos toda vez que o proletariado lUiin cio modo rovolucionário e comunista — aliam-sc imediatamcnlo il burguesia contra a classe operária.
A segunda categoria compõe-se de partidários da sociedade atual, aos quais os males nccessariomonte provocados por ela despertam temo res acerca dc sun sobrovivfincla. Consequentemente, eles pretendem conservar essa sociedade Nuprlnilndo-lho os defeitos. Uns propõem me didas meramente filantrópicas; outros» grandiosos planos reformistas, 5 No manuscrito origina], tanto a resposla n esta pergunta quanto à seguinte é expressa pela palavra permanece. È dc supor quo Engols se referisse a respostas já constantes de outros projetos prévios para o programa da Liga dos Comunistas.
98
que, sob o pretexto da organização social, visara conservar as bases da sociedade aluai» mantendo a propriedade privada. Os comunistas devem combater também, incansavelmente, estes socialistas burgueses, porque oles trabalham para os seus inimigos e defendem precisamente a socie dade que os comunistas querem destruir.
Finalmente, a terceira categoria constitui-se de socialistas demo cráticos, que trilham o mesmo caminho que os comunistas, propondo-se levar a cabo uma parte das medidas indicadas na resposta à pergunta 18, mas não como medidas de transição ao comunismo e sim como um meio suficiente para acabar com a miséria e os males da sociedade atual. Os socialistas democráticos, ou são proletários que ainda não têm uma consciência clara das condições que determinam a emancipação da sua classe, ou são representantes da pequena burguesia, isto é, da classe cujos interesses, sob muitos aspectos, coincidem com os do proletariado, até o momento em que se implantam a democracia e as medidas socia listas inerentes a ela. Por isso, os Comunistas, nos momentos de ação, devem entender-se com esses socialistas c, em geral, devem procurar com eles uma possível política comum, sempre c quando não se ponham a serviço da burguesia dominante nem ataquem os comunistas. Ê claro que esse acordo para a ação não exclui a discussão' das divergências existentes entre eles e os comunistas. 25. Qual a atitude dos comunistas perante os outros partidos políticos da nossa época?
Essa atitude varia de país para país. Na Inglaterra, na França e na Bélgica, onde domina a burguesia, os comunistas ainda têm interesses comuns com diversos partidos democráticos, tanto mais estreitos quanto mais esses partidos, nas medidas socialistas quo hoje proclamam, se aproximem dos objetivos dos comunistas — ou seja: quanto mais clara e resolutamente eles defendam os interesses do proletariado e nele se apóiem. Na Inglaterra, por exemplo, o movimento cartista integrado por operários, está incomensuravclmente mais próximo dos comunistas que os democratas pequeno-burgueses ou os chamados radicais. Na América do Norte, onde se proclamou uma constituição demo crática, os comuiastas deverão apoiar o partido que volte esta consti• O movimento cartista, cujo nome deriva da Carta do Povo — manifesto reivindicador de vários direitos cívicos c trabalhistas —> empolgou a classe operária inglesa na década de trinta, do século XIX. Pode-se afirmar que foi o primeiro grande movimento operário organizado.
99
luíçflo contra a burguesia, utilizando-a cm benefício do proletariado — ou seja, devem apoiar o partido da reforma agrária nacional.
Na Suíça, os radicais, apesar de constituírem um partido muito heterogêneo, são os únicos com os quais os comunistas podem entender-se, e, entre eles, destacam-so como os mais avançados os dc Vaud e o!> de Genebra. Na Alemanha, finalmente, ainda não se travou a batalha decisiva entre a burguesia e a monarquia absoluta. Mas, como os comunistas não podem acabar com a burguesia antes que ela chegue ao poder, convém-lhes ajudá-la a conquistá-lo, o quanto antes, para que, o quanto antes, possam eliminá-la. Os comunistas, portanto, devem sempre tomar o partido da burguesia liberal contra os governos, recusando-se, contudo, a compartilhar das ilusões burguesas ou a dar ouvidos às promessas sedutoras acerca das mágicas vantagens que acarretará ao proletariado o triunfo da burguesia. As únicas vantagens que a vitória da burguesia pode oferecer aos comunistas são: 1°) diversas concessões que facilitem aos comunistas a defesa, a dis cussão e a propaganda dos seus princípios, e, consequentemente, a união do proletariado numa classe organizada, unida e disposta à luta; e,
2,°) a certeza de que, derrubados os governos absolutos, passa a primeiro plano a luta entre os proletários e os burgueses. A partir desse mo mento, a política do partido dos comunistas será, na Alemanha, a mesma que nos países em que já existe a dominação burguesa.
3.
SOBRE A AÇÀO POLÍTICA DA CLASSE OPERÁRIA *
Em política, a abstenção absoluta é impossível. Todos os jornais abstencionistas fazem política — o quid da questão consiste, unicamente, em se saber como a fazem e que política fazem.
Para nós, a abstenção é inviável. O partido operário já existe como partido político, na maioria dos países, e não seremos nós que o destrui remos, pregando a abstenção. A experiência da vida atual, a opressão política a que os governos existentes submetem os trabalhadores (tanto com objetivos políticos como sociais) obriga-os a se dedicarem, querendo ou não, à política. Pregar a abstenção política aos operários significa lançá-los aos braços da política burguesa. A abstenção política é total mente impossível, sobretudo após a Comuna de Paris *1, que colocou na ordem do dia a ação política do proletariado. ♦ Reproduzido de Engels, F. Discours sur 1’aclion politique de la classe ouvrière. In: Marx, K. e Enqbls, F. Oeuvres choisies en troto volumes. Moscou, Fd. du Progrès, 1970. V. 2, p. 260-1. Trad. por José Paulo Netto e Maria Filomena Viegas.
Este é o resumo — preparado pelo próprio orador — da intervenção de Engcls na sessão de 21/9/1871, da Conferência da I Internacional, realizada em Londres, entre os dias 17 c 23 daquele mês. A primeira publicação desse texto data de 1934, no número 29 da revista Kommuntotícheski Internatlonal. 1 Engels refere-se aqui ao governo revolucionário da classe operária que, entre 28 de março e 28 de maio de 1871, constituiu a primeira experiência histórica da ditadura do proletariado.
101
Queremos a abolição dos clüsses sociais. Qual o meio para alcançar esse objetivo? — A dominação política do proletariado, E, enfim, quan do todos se põem do acordo sobro esse ponto, pedem-nos que não nos metamos em política! Todos os abstencionistas se protendom revolucionários, e até revo lucionários por excelência. Mas a revolução é a suprema ação política: quem a deseja, deve desejar o que a viabiliza, a ação política que a prepara, que propicia aos operários a educação revolucionária, sem a qual, no dia seguinte ao da luta, eles seruo enganados pelos Favre e pelos Pyata. Contudo, a política a que devem dedicar-se os trabalhadores é a política operária. O partido operário não pode constituir-se como apên dice de um partido burguês qualquer, mas como partido autônomo, com objetivo e política próprios. As liberdades políticas, o direito de reunião e associação e a liber dade de imprensa — estas são as nossas armas. Deveremos cruzar os braços e abstermo-nos quando nos queiram tirá-las?
Diz-se que toda ação política implica o reconhecimento do estado de coisas existente. Mas quando esse estado nos proporciona meios para lutar contra ele, recorrer a tais meios não significa legitimar o status quo.
Vime (lKtl 58-9). Mais ainda: esse pensamento o etmduz a um arroubo poético, desencadeando nele um lírico entusiasmo:
"Uma coisa bem carnctcrisllca 6 a nostalgia do homem pela propriedade da terra; é um instinto quo nem mesmo o ritmo febril da vida mercantil atual conseguiu enfraquecer. C o sontlmenlo inconsciente da importân cia da conquista econômica que represontn a propriedade fundiária. Com esta, o homem adquiro sogurnnçn, íleo, por assim dizer, enraizado ao solo, e toda a economia (I) possui nela a sua base mais durável. Mas a virtude benfazeja da propriedado fundiária estende-se muito além dessas vantagens materiais. Aquele que 6 bastante feliz, por possuir esta propriedade, atingiu o mais elevado grau Imaginável de Independência econômica', dispõe de um domínio que administra e governa soberanamente; é o senhor de si próprio; goza de um certo poder e de uma segurança para os maus dias; a consciência que tem do si próprio aumenta e, com ela, a sua força moral. Daí advém o pro fundo significado da propriedade para a questão em vista... O traba lhador, atualmente exposto, indefeso, às variações da conjuntura, na perpétua dependência do patrão, estaria assim, até certo ponto, liberto dcssQ situação precária, tornando-se um capitalista e estando seguro contra os riscos do desemprego ou da incapacidade para trabalhar, graças ao crédito imobiliário que, por conseqüência, ser-lhe-ia aberto. Elcvor-se-la assim da classe dos não possuidores à dos possuidores» (p. 63). O senhor Sax parece supor que o homem é, essencialmente, um CtuuponCs; do contrário, não imaginaria nos trabalhadores das nossas friindcH cidades uma nostalgia pela propriedade fundiária que, até hoje, ninguém nunca neles descobriu. Para eles, a liberdade de movimento 6 n primeira condição vital e, para isto, a propriedade fundiária só pode nnr um entrave. Proporcioncm-lhes casas que lhes pertençam, acorrenleni iiON do novo il glebn e quebrar-se-á a sua força de resistência à mliiçiui iIon Milftrios pelos Industriais, Um trabalhador, considerado ImlIvIdimltniMilo, jumIo, ho prcduir, vender a sua casinhola, mas, em caso ili’ girw hóiln ou dc rrlw IndiiNtrhil guncrnlizjidn, todas as casas pertenrmilr* nu* linbiilhmhurN ntiiigldon nciIiiiu falulinonto postas à venda e, jmh uAu ruronhiulnm compradores ou seriam vendidas a um ptrço imiito hihulnr no ihi nim compni. P,, nu todas elas encontrassem compimloir^ n gininlr trhumn pi oposta pülü senhor Sax para resolver ti pitthlrmn Imhlhuhmal mim In irihi/ldn n lUldll, sendo-lhe necessário irromrçm iln pilnríphi. Nr ou porln* vivem im mundo do imaginário, o urtdiiH Snx ó um piirln iiflmil, 6 do qtiom NOnha que o proprietário fundiário “iithiglu t> mnl* ttllu gnm imaginável do independência econômlwT, que desfruta du "min wgunmçn", "tornar-se-ia um capitalista”,
114
•'estaria nogurn contra os riscos do desemprego ou da incapacidade para trubalhur, graças ao crédito imobiliário que, por consequência, ser-lhe-ia aborto**! ClC. Dasta que o senhor Sax olhe para os pequenos camponeses, r.n França o nQ Renânia: as suas casas e os seus campos estão hipote cado* uló Jnals não poder; a sua colheita, mesmo quando ainda na terra, jfi pertence aos credores; e não são eles que administram soberanamente 0 seu “domínio”, mas o usurário, o advogado e o oficial de justiça. Sem dúvida, este é o mais alto grau de independência econômica imagin ável. .. para o usurário. E. para que os trabalhadores ponham o mais depressa possível a sua casinhola sobre a suá soberania, o piedoso e previdente senhor Sax indica-lhes o crédito (Realkredit) que lhes é aberto e ao qual podem recorrer, em caso de desemprego ou de incapa cidade de trabalho, cm vez de caírem sob o encargo da assistência pública.
De qualquer modo, o senhor Sax resolveu a questão levantada inicialmente: o operário “tornar-se um capitalista” pela aquisição da sua casa própria. O capital confere o poder de dispor do trabalho não pago de ou trem. A casinhola do trabalhador só se toma, portanto, capital se ele a alugar a um terceiro e, então, apropriar-se, sob a forma de aluguel, de uma parte do trabalho desse terceiro. Habitando-a ele próprio, impede que, precisamente, essa casa se tome capital, tal como o paletó (que eu compro ao alfaiate e visto) deixa, neste mesmo instante, de ser capital. O trabalhador que possui uma casa no valor de mil táleres já não é, evidentemente, um proletário, mas é preciso que o senhor Sax apareça para considerá-lo um capitalista.
O capitalismo do nosso trabalhador tem outro aspecto. Suponha mos que, numa determinada região industrial, seja regra que cada tra balhador possua a sua casa própria. Nesse caso, a classe operária dessa região estaria alojada gratuitamente; as despesas com habitação já não entrariam no valor da sua força de trabalho. Mas, qualquer redução nas despesas de produção da força de trabalho, quer dizer, qualquer redução um pouco durável do preço dos meios de subsistência do operário, equivaleria, “partindo das leis de bronze da doutrina da economia política”, a exercer uma pressão sobré o valor da força de trabalho que, finalmente, implicaria uma redução equivalente no salário. Este sofreria, pois, uma redução na importância economizada em média sobre o aluguel corrente, o que quer dizer que o trabalhador pagaria o aluguel da sua própria casa não como anterionnente, sob a forma dc
115
ijuanlln em dinheiro pegf. ao proprietário, mas sob a forma de trabalho llfto pego executado por conta do industrial que o emprega. Assim, as economias investidas pelo trabalhador na sua casa tomar-se-iam em certa medida capital... não pnrn olo, mas para o capitalista, seu patrão.
Nem mesmo no papel o senhor Sax consegue iransformar o seu nporário num capitalista. Note-se que, tudo quanto precedo, valo para todas as chamadas reformas sociais, que tendem a realizar uma economia ou a reduzir o preço dos meios de subsistência do operário. Com efeito, ou elas são aplicadas em grande escala daí resultando uma correspondeuLe redução cio salário, ou são experiências isoladas, pelo simples falo de serem exceções provando que a sua aplicação cm grande escala 6 incompatível com 0 modo de produção capitalista vigente. Suponhamos que, numa regido, pela introdução generalizada de cooperativas de consumo, conxcgulu-sc reduzir em vinte por cento os meios de subsistência do operário; ll longo prazo, o salário será aí também reduzido de cerca de vinte por ernto, quer dizer, na proporção mesma em que os meios de subsistência cm questão entram na manutenção do operário. Se, por exemplo, o operário aplica 3/4 do seu salário semanal na aquisição desses meios do MUbfllfttêncla, o salário acabará por baixar em 3/4 de 20, ou seja, cm qtllnzo por cento. Em suma: logo que uma dessas reformas para reaItznr economias se generalizar, o trabalhador passa a receber a menos no ncu Mülário um valor igual às referidas economias que Ihc permitem viver iiiiiIn barato. Dê-se a cada trabalhador um rendimento indepen dente, fruto da poupança, de 52 táleres e o seu salário semanal acabará por baixar um lálcr. Assim, quanto mais ele economiza, menos salário reeobo. Portanto, não economiza no seu próprio interesse, mas no do cnpltttüxln. Que mal» 6 preciso fazer para “despertar nele a primeira vlrludo oconftmlca, o sentido da poupança” (p. ó4)?
resta, o senhor Sax aprcm-io om dizer-nos que os trabalhadotti divim tornsMO proprietários dai «uax casas, não Lanto no seu Inlsrstas uomu nu dos capitalistas: *NÍO lá l flsiss npsrârla, mm n Mcleclndo no seu conjunto, (cm o ffllslfflo lnttttsss Iffl VSP o maior nómorn • l« ••*«« ...... |m»^ MtB pífio» da produção ocasionais, e para a •MH ........ i>tu.t> dt MN< Nanhum sebo que quantidade do I • MB |Mi MTMdo, nem mesmo que quantidade será •....... -..hHhI MÚOB MÚB H • ItU artigo individual satisfará uma neces........ 1, M Mtatod U ÜtftbU cu, Bld matmo, io poderá ser vendido, t m «. d* iDUÇtdt d* jmdü|Í0 Mia, a produção mercantil, como
152
todíiN iiN aulriiN formas de produção, tem as suas leis originais, imanentes, iiiNvpnríivulN; u estas, apesar da anarquia, acabam por se impor. Elas se nuinlfr.tnm na única forma de elo social que subsiste, a troca, e mostnun-Nü mm produtores individuais como leis coercitivas da concorrência. A princípio, suo ignoradas pelos produtores; é necessário que, pouco li pouco, lltrovés de uma longa experiência, eles as descúbram. Elas se lliipítam, portanto, sem os produtores, contra eles, como leis naturais dei Niiu forma de produção, como leis cegas. O produto domina os pro dutores.
Na sociedade medieval, especialmente nos seus primeiros séculos, a produção estava cssencialmente orientada para o consumo pessoal, para a satisfação das necessidades do produtor e de sua família. Nos lugnros, como o campo, cm que existiam relações de dependência pes soal, ela contribuía também para satisfazer as necessidades do senhor feudal. N(lo se produzia, então, nenhuma troca e, por conscqüência, os produtos não tinham o caráter de mercadoria. A família do campo nês produzia quase tudo o que consumia — instrumentos, vestuário, alimentação. Somente quando surge um excedente em relação a neces sidades e tributos a pagar ao senhor feudal é que produz mercadorias; esto excedente, lançado no processo de troca, posto à venda, torna-se mercadoria. É verdade que os artesãos da cidade foram, desde o início, obrigadas a produzir para troca. Mas também eles, através do seu írubulho, cobriam a maior parte das suas necessidades: possuíam hortas o IKqucnoM lolCN de terra; enviavam seu gndo para os pastos comunais; obtinham madeira para construção e combustível das florestas comu nais; aa mulheres fiavam o linho, a Kl, etc. A produção para troca, a produção de mercadorias, estava apenas nos seus primórdios. Daí a troca limitada, o mercado exíguo, o modo de produção estável, o isola mento do exterior, a associação local interna: a marca9 no campo e a corporação na cidade. Mas, com o alargamento da produção mercantil e, sobretudo, com 0 aparecimento do modo de produção capitalista, as leis da produção mercantil, até então apenas vislumbradas, entraram em ação de maneira mais franca e poderosa. As estruturas antigas se deterioraram, desfez-so o velho isolamento e os produtores transformaram-se cada vez mais em •A marca é o nome da antiga comuna germânica baseada na propriedade comu nal da terra. Muitos dot «cus traços so conservaram até nossos dias, nlo só cm países germânicos como ainda nos ocidentais conquistados pelos germânicos.
153
produtores de mercadorias independentes e isolados. Apareceu a anar quia da produção social, que se foi enraizando progressivamente. No entanto, o instrumento principal utilizado pelo modo de produção capi talista para acentuar essa anarquia da produção social era precisamente o oposto disso, isto é, a organização crescente da produção em cada estabelecimento, dentro de cada fábrica. E quando essa organização atinge um ramo qualquer da indústria, não admite a seu lado nenhum processo de exploração mais antigo. Onde se apoderou do artesanato, liquidou o artesão. O campo de trabalho transformou-se num campo de batalha. As grandes descobertas geográficas e as empresas de colo nização, que se seguiram a elas, aceleraram a mudança do artesanato em manufatura. A luta não se travou entre os produtores locais apenas: foi aumentando, a ponto de transformar-se cm lutas nacionais — as guerras comerciais dos séculos XVII e XVHL Finalmente, a grande indústria e o estabelecimento do mercado universalizaram a luta e de ram-lhe uma violência inaudita. Tanto entre capitalistas isolados como entre nações, são as condições naturais ou artificiais da produção que decidem da sobrevivência, caso sejam mais ou menos favoráveis. O vencido é implacavelmente destruído. É a luta pela vida, de que falava Danvin, transposta da natureza para o sociedade, com fúria redobrada. A condição do animal na natureza aparece como o clímax do desenvol vimento humano. A contradição entre a produção social e a apropria ção capitalista manifesta-se como antagonismo entre a organização da produção em cada fábrica e a anarquia da produção no conjunto da sociedade.
Nessas duas formas de contradição imanentes ao modo de produ ção capitalista, este tem de se mover, caminhando, sem poder ultrapasmí In. por aquele “círculo vicioso” que Fourier descobrira. Mas, o que l*initlrr ulndn nílo podia ver no seu tempo era que esse círculo vai se mlidhmdn pouco 11 pouco, num movimento Ncmclhnntc a uma espiral, ipit\ iiiiini nu lithlfii doN plimdiiN. chcgmíi n wil Dm quando entrar em iiilhAo min o um iriilii», P. n huçii dit iiiiiut|iiiu social da produção «pi* MmmMiU i adii vr/ iimh o mimrni do pinldúlios, e serão as massas pioltlíhlo, pm ii*ii iiatiui, qiip liqiihlitiihi ii iimirqufa na produção. A fotV* MHMtqutN nu pinduçAo tiirhil 6 qim ItitHNÍorma a perfectibilidade UdlnllN do mAipihmw iIr gniiido itiihiMilit mmi(l lei imperativa para mdii mpHuItMii. obtlgNiidii o ri n|H'iri'lçniu vudu vez mais as suas máipihiN». •uh piMin ik RHiihitii Mm, iiprifciçour -máquinas significa Imiifti •iipMImi ii hnbnlliH humano. No n aparecimento e o desenvolvhiwnhi dii mm|ulruirIn ilgnim u n nulnillliilçho de milhares de trabalha-
154
dorcti mniunilti por um pequeno número de trabalhadores dc máquinas, CM lipoi folçoonicmtos na maquinaria significam a ctiminação cada vez lHiilor do liin grande número de trabalhadores de máquinas e, em última nuálino, o aparecimento de um grande número de trabalhadores que UXCCiloiU us necessidades médias de emprego do capital — um verda deiro cxórcito industrial de reserva, conforme a designação que usei em 1845 4, exército disponível para as épocas em que a indústria trabalha Mob pressão e que é posto na rua durante a quebra que, necessariamente, seguo à prosperidade; exército, em suma, que é a cadeia que prende porpetuamente a classe operária e que serve aos interesses capitalistas, funfcionando como regulador para baixar os salários. Como Marx o disse, é assim que as máquinas se tornam a arma mais poderosa do capital contra a classe operária, que os meios de trnbalho arrancam sem cessar os meios de subsistência das mãos do operário, que o produto do trabalho do operário sc transforma no seu opressor. A economia dos meios de trabalho acarreta, concomitantemente, a dilapidação bru tal da força dc trabalho, representando um roubo em relação às con dições normais da função do trabalho; a maquinaria, o principal meio para reduzir o tempo de trabalho, converte-se no meio mais infalível para transformar toda a vida do trabalhador e da sua família em tempo disponível para a valorização do capital; eis por que o excesso de tra bnlho para uns significa o desemprego para outros, e a grande indústria, que cnçn novos consumidores por todo o planeta, limita no seu país o conminui (Ina massas ao mínimo de íome, restringindo assim o mercado Interno. “A icl quo equilibra o processo do acumulação do capital e o aumento du excesso dc população, ou exército industrial de reserva, acorrenta o trabalhador ao capital de maneira mais firme que os servos de Vulcano acorrentaram Prometeu ao rochedo. Ê essa lei que estabelece uma correlação fatal entre a acumulação de capital e a acumulação da miséria» de tal forma que a acumulação de riqueza implica, no pólo oposto, a acumulação de pobreza, sofrimento, ignorância, embru tecimento, degradação moral, escravatura, e isto do lado da classe que produz o próprio capital*9 (Makx, K. O Capital, p. 671.)
Quanto a esperar do modo de produção capitalista uma outra re partição dos produtos, equivaleria a pedir aos eletrodos dc uma bateria, quando ligados a ela, que não decompusessem a água e que não pro duzissem oxigênio, no pólo positivo, e hidrogênio, no negativo. 4 E.ngeís refere-se aqui à sua obra A situação da classe operária na Inglaterra.
155
Constatamos como a perfectibilidade, levada ao máximo, da ma quinaria moderna transforma-se, por efeito da anarquia da produção social, numa lei imperativa para o capitalista industrial, obrigando-o a melhorar constantemente as suas máquinas, a aumentar sempre a sua força de produção. A simples possibilidade de estender o domínio da sua produção surge, para ele, como uma outra lei igualmente imperativa. A enorme força de expansão da grande indústria, ao lado da força de expansão dos gases, é uma autêntica brincadeira de criança — e esta força nos aparece agora como uma necessidade de expansão qualitativa e quantitativa que desafia qualquer obstáculo. Este se consubstancia no consumo e no mercado que a grande indústria implica, mas que são dominados por leis inteiramente diversas, de ação muito menos elástica e enérgica: a expansão do consumo e do mercado não pode acompanhar a expansão da produção. A colisão é inevitável e, como não pode ser solucionada no âmbito do modo de produção capitalista, é periódica. A produção capitalista gera um novo círculo vicioso.
Com efeito, desde 1825, quando se sentiu a primeira crise geral, a totalidade do mundo industrial e comercial, com a produção e a troca no conjunto das nações civilizadas e dos seus satélites mais ou menos bárbaros, desequilibra-se aproximadamente de dez em dez anos. O co mércio estagna, os mercados superlotam-se, os produtos existem em tão grande quanlidade que não são vendáveis, o dinheiro torna-se invisível, o crédito desaparece, as fábricas param, as massas trabalhadoras care cem de meios de subsistência porque produziram demasiados meios de NUbsIstôncla, as falências e vendas forçadas sucedcm-sc ininterruptamente. A estagnação mantém-se durante anos, forças produtivas e produtos Nilo düNlruídos cm massa, até que as quantidades acumuladas no mer endo nu CNCOiim, com maior ou menor desvalorização, e a produção e n lioeit, pouco li pouco, retomam o acu ritmo. Esto acelera-se progresNlvnniriilr, piuwn n wr um Irote, o troto iinliiatrlnl iransforma-sc cm grtliipr. I» giilnpr riinvritc nc rin .\trrplr rluist*n da indústria, do coiiiltiin, ilo riMtlii. ilii imprviihiçnii i\ npÓN oh saltos mais perigosos, tildo tiMHii imim nu hindu iln piiçn11. U a mesma scqüência se
imHiIa wuii iitalfe iihM • Nu qii» •• ipÍpia I «U iiwh»* ilr piinlii^íüi c dc produtos nas crises, H «tgiiiuhi titti|iMiii iIim hMliHlihh. wni llrilliti. iriill/udo a 21 de fevereiro de II/I, lakiiliHi t|ii* ii pi*jiil*n lutai. 11 ImlilMihi siderúrgica alemã, durante a illilni* •ilw, hil ita qiiNhiMauIua • r iliico milhões de marcos. (F. E.)
150
bnl n ovni experiência que assistimos cinco vezes desde 1825, e nrilr litniurilh) (1877) pela sexta vez. O caráter dessas crises é tão nllIditmrnlo marcado que Fourier as abrangeu a todas, quando classifi cou n primeira como crise pletórica, crise de superabundância. Niim crises, o que se vê é a contradição entre a produção social o li apropriação capitalista chegar à explosão violenta. A circulação de mercadorias é momentaneamente paralisada. O meio de circulação, o dinheiro, torna-se um obstáculo à própria circulação — todas as leis da produção e da circulação são viradas ao avesso. A colisão econômica atinge o auge: o modo de produção revolta-se contra o modo de troca, as forças produtivas revoltam-se contra o modo de produção para o qual se tornaram demasiado grandes. O fato de a organização social da produção, no interior da fábrica, ter-se desenvolvido a ponto de se incompatibilizar com a anarquia da produção, na sociedade, anarquia que existe paralelamente e acima dela — este fato tomou-sc visível para os capitalistas pela violenta concen tração de capitais que se realizou durante as crises, à custa da ruína de um elevado número de grandes capitalistas e de um número ainda maior de pequenos capitalistas. O conjunto dos mecanismos do modo de pro dução capitalista recusa-se a funcionar, sob a pressão das forças produ tivas que ele próprio criou. O modo de produção é impotente para transformar essa massa de meios de produção cm capital — ficam Inativos, c 6 por esta razão que o exército industrial de reserva permanece também inativo. Meios de produção, meios de subsistência, trabalha dores disponfvois, todos os elementos de produção e de riqueza geral existem em excesso. Mas “u superabundância torna-se a fonte da penúria e da miséria” (Fourier), porque é precisamente ela que impede a trans formação dos meios de produção e de subsistência em capital, pois, na sociedade capitalista, os meios de produção não podem ser acionados a não ser que, previamente, tenham se tomado capital — meios para a exploração da força de trabalho humana. A necessidade dos meios de produção e subsistência assumirem a qualidade de capital interpõe-se como um fantasma entre capitalistas c trabalhadores. É ela o único fator que impede a conjugação das alavancas materiais e humanas da produção. Portanto, por um lado, o modo de produção capitalista mostra a sua própria incapacidade para continuar gerindo essas forças produ tivas; por outro, as forças produtivas pressionam crescentemente no sentido da supressão da contradição, para se libertarem da sua qualidade de capital, para o reconhecimento efetivo do seu caráter de forças pro dutivas sociais.
1B7 é esta reação das forças produtivas contra a sua qualidade de capital, pelo reconhecimento do seu caráter social, que obriga a classe capitalista a debruçar-se cada vez mais sobre elas c as Lratar, na medida em que isto é possível no interior do regime capitalista, como forças sociais. A fase de crescimento, com a sua expansão ilimitada do crédito, bem como a própria crise, através da destruição de grandes empreendi mentos capitalistas — isto conduz a esta forma de socialização de con sideráveis massas de meios de produção que se nos apresentam sob a forma das diferentes sociedades por ações. Muitos desses meios dc pro dução e de comunicação são tão colossais que excluem qualquer outra maneira de exploração capitalista — como c o caso das ferrovias. Mas, a um certo estágio de desenvolvimento, mesmo esta suposta única maneira de exploração capitalista se revela insuficiente, e os grandes produtores nacionais de um mesmo ramo industrial constituem um trust, união que visa regular a produção: determinam a quantidade total a produzir, a forma de dividi-la entre si c a fixação prévia do preço de venda. No entanto, como os (rusts também se desequilibram nas épocas de crise, surge a necessidade de uma socialização ainda mais concen trada: numerosíssimos ramos industriais sc transformam numa única grande sociedade por ações, e a concorrência interior é substituída pelo monopólio dessa sociedade única. Foi isto o que aconteceu em 1890, com a produção inglesa de álcalis: após a fusão de 48 fábricas, ela está agora nas mãos de uma única sociedade e de uma única direção, com um capital de cento e vinte milhões de marcos 7.
Nos trusts, a livre-concorrência transformou-se cm monopólio — a produção anárquica da sociedade capitalista tem de ceder ante a pro dução planificada da sociedade socialista que se aproxima. É claro que, dc início, quem ganha com isso são os capitalistas. Mas, aqui a explo ração torna-se tão descarada que é necessário que venha a ser suprimida. Nenhum povo suportaria uma produção dirigida somente por trusts, uma exploração tão cínica da comunidade exercida por um pequeno número de colecionadores de ações. Seja como for, com trusts ou sem eles, é necessário, finalmente, que o representante oficial da sociedade capitalista, o Estado, assuma a direção *. 7 ()< dndos que se reforom n fnloi poalarloree n 1R77. quando Engels redigiu este loxlü, fornm acrescentadoi polo autor na odlçfia Inglesa do livro, preparada em 1NV2. " Digo “6 necessário’1, poli ó npanii na mio cm que os meios dc produção e de comunicação são demolindo grandn para poderem ser dirigidos por sociedades par açôei que a eitallzoçBa ii torna uma ntceaildndo econômica — é neste caso,
158
A neiwikladc da transformação em propriedade estatal surge, intchilinriKe, entro os grandes organismos de comunicação: correios, tdópnfiwie ferrovias. No un crises revelaram a incapacidade da burguesia para continuar /•nliiiln uh forças produtivas modernas, a transformação dos grandes iirf.iinlnmos de produção e comunicação cm sociedades por ações e em propriedades estatais revela que a burguesia não é necessária para o exercício desta gestão. Todas as funções sociais do capitalismo são agora asseguradas por empregados remunerados. O capitalista não tem outra atividade social que a de embolsar os rendimentos, juntar ações e jogar na Bolsa onde os diversos capitalistas se espoliam mutuamente. O modo de i *>dução capitalista, que começou por reduzir o número de operários, redi agora lunibúm o dos capitalistas, lançando-os, não no exército indus al de reserva, mas na condição de população supérflua. Mas, nem : trans formação cm sociedades por ações, nem a transformação em propi edades do Estado anulam a qualidade de capital das forças produtivas. No que sc refere às sociedades por ações, isso é evidente; por sua vez, o Estado moderno não é mais do que a organização que a sociedade burguesa criou para manter as condições exteriores gerais do modo de produção capitalista, quer contra os ataques dos operários quer contra iiN itlnqucs de capitalistas individuais. O Estado moderno, qualquer que Nuja h Nim forma, 6 uma máquina essencialmcnte capitalista: é o Estado (Ion capiliillHUis é o capitalista coletivo ideal. Quanto mais se apropria upciuiR. qtic ela •Ugrilflcii. um progresso econômico, mesmo sendo realizada pelo 1'studu lüiiül. Aqui, n itlgnl flcuçfio 6 a do quo so chegou a uma nova fase, que nnlevedo à lomada de posso do iodas as forças produtivas pela sociedade. Reccnicmcnto, porém, verificou-se. depois que Blsmarck enveredou pdo caminho das cstaliZíiÇÕes, o surgimento dum certo Üpo de falso socialismo, que degenerou aqui c acolá em servilismo, que afirma ser socialista Ioda estatização, mesmo a de Bismarck. Ê evidente que, se a estatização é socialista, Napoleão e Mettcrnich devem sor contados entre os fundadores do socialismo — afinal, eles eatatizaram u indústria tabaqueira. Se o Estado belga, por razões políticas e financeiras triviais, construiu os suas principais ferrovias; se Bismarck, sem quaisquer constrangimen tos econômicos, estatizou as principais ferrovias da Prússia, para melhor as orga nizar em tempo de guerra, para fazer dos seus empregados um rebanho eleitoral a seu serviço e, sobretudo, para obter uma nova fonte de receitas independente do parlamento — nada disso, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, lem algo a ver com medidas socialistas. Se assim fosse, teríamos de considerar como instituições socialistas a Sociedade Real de Comércio Marítimo, a Manufatura Real de Porcelanas e, até no exército, o alfaiate da companhia, liem como a estatização proposta, por volta dos anos trinta, no reinado de Fre derico Guilherme III — a dos bordéis. (F. E.)
1BD
das forças produtivas e quanto mais se toma um capitalista coletivo do fato, tanto mais explora os cidadãos. Os operários continuam a sor assalariados, proletários; o domínio capitalista não é abolido — 6 elevado ao máximo. Mas, chegando a esse máximo, desequilibra-se: a propriedade do Estado sobre as forças produtivas não soluciona o pro blema, mas encerra em si o processo formal dessa solução. Ela só pode consistir em que a natureza social das forças produtivas modernas seja efetivamente reconhecida, e que, portanto, o modo dc produção, dc apropriação e de troca seja harmonizado com aquela natureza social. Isto só pode verificar-se quando a sociedade se apoderar, abertamente e sem desvios, das forças produtivas que se agigantaram demais, a ponto dc não poderem ser geridas .por outra entidade que não o conjunto da sociedade. Ê dessa maneira que os produtores farão prevalecer, cons cientemente, o caráter social dos meios de produção e dos produtos, que hoje se voltam contra os próprios produtores, desequilibrando periodi camente a produção e a troca, impondo-sc através da violência e da destruição, como so fora uma cega lei da natureza. Assim, esse caráter social transformar-se-á, dc causa do perturbações e ruínas cíclicas, em possante alavanca do processo do produção. Na verdade, as forças socialmenle ativas agem como forças da natureza: são cegas, violentas, destruidoras — enquanto não as conhe cemos e dominamos. Uma vez identificadas, uma vez compreendida a sua essência, depende apenas de nós controlá-las à nossa vontade, utilizá-las para os nossos objetivos. Isto é particularmente correto com relação às enormes forças produtivas atuais. Enquanto nos recusarmos a compreender a sua natureza e o seu caráter — e é a esta compreensão que se opõem o modo de produção capitalista c os seus defensores —, elas atuam, apesar dos nossos esforços, contra nós, dominando-nos. Porém, compreendidas na sua essência, elas podem, nas mãos dos produtores associados, deixar de ser demônios dominadores para serem servos dóceis. E esta a diferença que existe entre a força destruidora da eletricidade contida no raio e a eletricidade dominada no telégrafo e no arco elétrico, a diferença entre o incêndio e o fogo que trabalha para o homem. Conhecida a natureza das forças produtivas atuais, veremos a anarquia social da produção ser substituída por uma regula mentação socialmenle planejada da produção, segundo as necessidades tanto da comunidade como de cada indivíduo. Assim, o modo dc apro priação capitalista, no qual o produto domina primeiro o produtor e depois o apropriador, será substituído por uma forma dc apropriação fundada sobre a natureza dos meios de produção: de um lado, apropria-
160
ção social direta, como meio dc conservar e desenvolver a produção; doutro, apropriação individual direta, como meio de subsistência e felicidade. Transformando massas cada vez maiores da população em proletários, o modo de produção capitalista cria o poder que, sob pena dc sucumbir, vê-se obrigado a realizar essa revolução. Pressionando cada vez mais no sentido de que os grandes meios de produção pas sem para as mãos do Estado, ele mostra a via para a realização desta revolução. O proletariado apropria-se do poder do Estado e trans forma os meios de produção em propriedade do Estado. Dessa forma, suprimindo-se como proletariado, suprime todas as diferenças e oposi ções de classe, bem como o Estado enquanto Estado. A sociedade anterior, que se movia no quadro dos antagonismos de classe, necessi tava do Estado, isto é, de uma organização da classe exploradora, para poder manter as condições exteriores da produção, mas, principalmente, para dominar pela força a classe explorada nas condições de opressão criadas pelo modo de produção existente (escravatura, servidão, salariado). O Estado era o representante oficial de toda a sociedade, a sua síntese em um corpo social visível, mas apenas na medida em que era o Estado de todos, o que nunca aconteceu: na Antigüidade, o Estado representava os proprietários de escravos; na Idade Média, a nobreza feudal; na nossa época, a burguesia. Quando o Estado, enfim, tornar-se o representante dc toda a sociedade, tomar-se-á imediatamente supérfluo. E isso porque já não haverá mais classe social que seja necessário manter na opressão; porque, sendo eliminado o domínio de classes e a luta pela existência individual resultante da anterior anarquia na produção, eliminam-se igualmentc os conflitos c os excessos daí derivados. Nada mais há a reprimir, e torna-sc desnecessário um poder repressivo, isto é, o Estado. O primeiro ato cm que o Estado aparece realmente como o representante de toda a sociedade — n apropriação dos meios de pro dução em nome da sociedade — 6, simultaneamente, o seu último ato enquanto Estado. A intervenção de um poder de Estado nas relações sociais toma-se supérflua num campo após outro, e ele entra naturalmente na inatividade. O governo dos homens cede seu lugar à administração das coisas e à direção das operações de produção. O Estado não é “abolido**: extingue-se. Ê isto o que toma vazia dc sentido a expressão “Estado popular livre**, tanto do ponto de vista da sua legitimação temporária como palavra-de-ordem quanto do ponto de vista da sua influência teórica como idéia científica, esvaziando, ainda, a reivindi cação dos chamados anarquistas para os quais o Estado deve ser abolido de uma hora para outra.
101
Depois do aparecimento histórico do modo de produção capitalista, a apropriação do conjunto dos meios de produção pela sociedade foi apresentada, de forma mais ou menos vaga, tanto aos olhos de indivíduos quanto de grupos, como um ideal para o futuro. Ela só podia tomar-sc possível, isto é, transformar-se cm necessidade histórica, quando exis tissem condições materiais para sua realização. Como qualquer outro progresso social, ela é praticável não pela compreensão do fato de que a existência de classes contraria a justiça, a igualdade, etc., não pela simples vontade de abolir essas classes, mas sim por certas condições econômicas novas. A divisão da sociedade cm uma classe exploradora e uma classe explorada, uma classe dominante c uma classe dominada, era uma conseqüência necessária do desenvolvimento atingido pela produção, no passado. Enquanto o trabalho total da sociedade apenas fornecer um rendimento que mal excede o estritamente necessário para assegurar a existência de todos, enquanto o trabalho reclamar todo ou quase todo o tempo da grande maioria dos membros da sociedade, esta dividír-sc-á compulsoriamcntc cm classes. Ao lado dessa grande maio ria cxclusivamenle dedicada ao trabalho forma-se uma classe liberta do trabalho diretamente produtivo, que se ocupa dos assuntos comuns da sociedade: direção do trabalho, negócios políticos, justiça, ciência, belas-artes, etc. É, pois, a divisão do trabalho que está na base da divisão em classes. Isso não impede que esta divisão cm classes tenha sido alcançada pela violência e pelo roubo, pela esperteza c pela fraude, e que a classe dominante, uma vez instalada na sela, se abstenha de con solidar sua posição de domínio à custa da classe trabalhadora, trans formando a direção social numa maior exploração das massas. Mas se, de acordo com isto, a divisão em classes tem uma certa legitimidade histórica, ela só a tem para uma dada época, para determinadas condições sociais. Ela se baseava na insuficiência da produção, e será eliminada pelo pleno desenvolvimento das forças produtivas modernas. Com efeito, a abolição das classes sociais supõe um grau de desenvolvimento histórico cm que a existência não apenas dc determinada classe cjoininante mas da classe dominante cm geral c, conseqüentemenle, da própria diferenciação de classes se tomou um anQcronismo, uma velharia. Supõe um elevado grau de desenvolvimento da produção, no qual a apropriação dos meios de produção c dos produtos, por conseguinte, o domínio político, o monopólio da cultura c da direção intelectual por uma classe particular, sc tomou não apenas supérflua, mos algo que, do ponto dc vista econômico, político c intelectual» constitui um obstáculo ao pro gresso.
162
Esso momento foi atingido agora. Se o fracasso político e intelectual da burguesia já não é, de forma alguma, um segredo para ela mesma, o seu fracasso econômico repctc-se a cada dez anos. Em cada crise, a sociedade se asfixia sob o fardo das suas próprias forças produtivas c dos produtos que não pode utilizar. E choca-se, impotente, contra esta contradição absurda: os produtores nada têm a consumir porque há falta de consumidores. A força de expansão dos meios de produção fez romperem-se as cadeias que limitavam o modo de produção capitalista. A sua libertação de tais entraves é a única condição para um desenvol vimento ininterrupto das forças produtivas, progredindo a um ritmo cada vez mais rápido e, por conseqüência, para um aumento pratica mente ilimitado. E isto não é tudo. A apropriação social dos meios de produção elimina não somente a inibição artificial da produção atual mente em vigor, mas também o desperdício de forças produtivas e de produtos que, hoje, é o corolário indiscutível da produção capitalista, que atinge o seu paroxismo nas épocas de crise. Ademais, liberta urna massa de meios de produção e de produtos para a coletividade, elimi nando a dilapidação estúpida representada pelo luxo das classes domi nantes e seus prepostos políticos. A possibilidade de assegurar, através da produção social, a todos os membros da sociedade uma vida não só inteiramente satisfatória do ponto de vista material e que a cada dia se enriquece mais, mas garantindo-lhe ainda o desenvolvimento e o exer cício livres e completos das suas capacidades físicas e intelectuais — esta possibilidade existe hoje pela primeira vez, mas existe9.
Com a apropriação dos meios de produção pela sociedade, a produção de mercadorias 6 eliminada e, com ela, elimina-se o domínio do produto sobre o produtor. A anarquia no interior da produção social é substituída pela organização planificada consciente. A luta pela exis tência individual chega ao fim. Assim, pela primeira vez, o homem separa-se, em certo sentido, definitivamente, do reino animal: passa de ® Algumas cifras poderão dar uma idéia aproximada da força de expansão doe meios de produção modernos, mesmo no quadro capitalista. Segundo os últimos cálculos de Giffen, n riqueza total da Inglaterra e da Irlanda atingia, em números redondos: 1JB14 — 2.200 milhões de libras — 44 bilhões de marcos; 1865 — 6.100 milhões de libras — 122 bilhões de marcos; 1875 — 8.500 milhões de libras — 170 bilhões de marcos. Esses números foram extraídos da conferência de Robcrt Giffen, lUcejir accumularions of capital in the United Kingdom, proferida a 15 de janeiro de 1878, na Sociedade dc Estatística, c publicada em março do mesmo ano, em Londres, no Didrio da Sociedade de Estatística. (F. H)
103
condições animais de existflncia para condições verdadeiramente huma nas. O conjunto de condições de vida, no qual o homem se insere e que, até aqui, o dominava, passa agorn a estar sob o seu domínio o controle: pela primeira vez, os homens se tomam senhores reais e conscientes da natureza, enquanto senhores da sua própria vida social. As leis da sua prática social que, até aqui, se lhes apresentavam como leis naturais, são, a partir de agora, manipuladas conscientemente pelos homens, controladas por eles. A vida em sociedade, própria dos homens e que, até aqui, se lhes aparecia como resultante da natureza e da História, surge agora como um ato autêntico e Hvrc. As forças estranhas e objetivas que até agora dominavam a História passam a estar sob o domínio do homem. Apenas a partir de então os homens podem fazer conscientemente a História; só a partir desse momento as causas sociais postas em movimento por eles terão, de modo preponderante e numa medida cada vez maior, os efeitos por eles pretendidos. Será o salto da humanidade do reino da necessidade para o reino da liberdade.
TEORIA DA VIOLÊNCIA ♦
8.
I “A relação da política geral com as formas do direito econômico é determinada no meu sistema de uma maneira tio decisiva e, ao mesmo tempo, tão original, que não seria supérfluo, para facilitar o estudo, remeter cspecialmente para ele. A forma das relações políticas é o elemento histórico fundamental c as dependências econômicas são apenas um c/elto OU um caso particular — são, portanto, sempre fatos de segunda ordem. Alguns dos sistemas socialistas recentes adotam, ♦ Reproduzido de Cnobls, F. Thóoric do la vlolenco. In: — . A.nti-DOhrbig (M. E. Dührlng boulaverse la scienee). Paris, Êdiüons Soclales, 1973, p. 185-212. Trad. por José Paulo Netto c Maria Fdomena Viegas. Este texto (que constitui os capítulos II, III e IV da segunda parte da obra O senhor E. Dllhrlng subverte a ciência, publicada, em partes, no Vonvãrts e, em livro, em 1878) desenvolve, em polêmica com Dühring *l, a análise engclsiana da funcio nalidade sócio-histórica da violência. Sobre esse texto, Engels projetou vários desdobramentos, a partir dos quais construiria uma obra, intitulada O papel da violência na história. O projeto nlo se concluiu, embora Engels tenha deixado um longo capítulo que, sob o mesmo título, foi publicado, cm 1895/1896, na Nêue Zeit. 1 £. K. Dühring (1833-1921), economista vulgar alemão» filósofo eclético (tentou combinar o idealismo, o positivismo c o materialismo vulgar}, assistente da Uni versidade de Berlim, entre 1863 c 1877. Nos anos setenta, com um grupo de seguidores, tentou fazer-se passar como grande ideólogo, pretendendo influir na orientação teórica da social-democracia alemã.
1UH como princípio diretor, a enganosa aparência de uma relação complc* tamente inversa, tão inversa que salta à vista, fazendo, por assim dizer, sair das situações econômicas as infra-estruturas políticas. Ora, é verdade que esses fatos de segunda ordem existem e que, atualmente, são os mais evidentes; mas, é preciso procurar o elemento primordial na violência política imediata c não apenas num poder econômico indireto.*1
Igualmente, noutro tópico, o senhor Dühring parte “da tese de que as situações políticas são a causa decisiva do estado econômico, e que a relação inversa não representa mais do que uma reação de segunda ordem... Enquanto não tomarmos o agrupamento político como ponto de partida c o tratarmos exclusivamente como meio para fins alimentares, por mais bela figura de socialista radical c revolucionário que assumamos, carregaremos sempre uma oculta dose de reaçao larvar**.
Esta é a teoria do senhor Dühring. Aqui, como em muitas outras passagens, ela é muito simplesmente enunciada, pode-se dizer mesmo decretada. Em nenhuma parte dos seus três grossos volumes, ele nos apresenta sequer um mínimo vestígio de prova ou de refutação da opinião adversa. E os argumentos poderiam ser de tal maneira baratos, como as amoras, que o senhor Dühring jamais no-los ofereceria. A coisa já está demonstrada pelo famoso pecado original, com que Robinson subjugou Sexta-Feira. Era um ato de violência, logo, um ato político. E, como essa sujeição constitui o ponto de partida e o fato fundamental de toda história passada, inoculando-lhe o pecado original da injustiça, a tal ponto que nos períodos ulteriores apenas foi atenuado e “metamorfoseado em formas econômicas mais indiretas de depen dência”; e como, por outro lado, toda a “propriedade fundada na violência**, ainda hoje cm vigor, tem por base essa sujeição primitiva —• 6 claro que todos os fenômenos econômicos se explicam por meio de causas políticas, ou seja, pela violência. E aquele que julgar essa expli cação insuficiente, fá-lo porque é um reacionário larvar. Observemos, em primeiro lugar, que não é menos necessário ter por si mesmo tanto deslumbramento, como o senhor Dühring o tem por si próprio, para achar “original” uma opinião que de modo algum o é. A idéia de que as ações políLicas de primeiro plano são o fator decisivo da História é tão antiga como a própria historiografia, e esta é a razão principal por se ter conservado tão pouca coisa da evolução dos povos, que se realizou silcnciosamenle, por detrás dessas cenas grandiosas, que, segundo o nosso autor, empurram as coisas para a frente. Esta idéia dominou toda a concepção histórica no passado e só fói desacreditada
166
pelos llJstorlíldorcs burgueses da época da Restauração — a única “orlglnillkllldo” nisso, é que, mais uma vez, o senhor Dühring não sabe nada do nado. Contudo, admitamos, por um instante, que o senhor Dühring tem razão no afirmar que, até hoje, toda a História se pode reduzir à sujeição do homem pelo homem; estamos muito longe de atingir o cerne do problema. Porque, logo vem a pergunta: como é que Robinson. pôde chegar a subjugar Sexta-Feira? Simples prazer? Claro que não. Vemos, pelo contrário, que Sexta-Feira “é recrutado à força para o serviço econômico, como escravo ou sim ples instrumento, e que, de resto, é mantido apenas como instrumento**.
Robinson subjugou Sexta-Feira apenas para que ele trabalhe em seu proveito. E como é que Robinson pôde aproveitar o trabalho de Sexta-Feira? Unicamente pelo fato de que Sexta-Feira produziu, com seu trabalho, mais meios de subsistência do que os que Robinson é obrigado a dar-lhe para que ele continue capaz de trabalhar. Portanto, contrariamente às expressas instruções do senhor Dühring, Robinson não “tomou o agrupamento político” que estabelecia a sujeição de Sexta-Feira “como ponto de partida, tratando-o exclusivamente como meio para fins alimentares” — que Robinson se arranje agora com o senhor Dühring, seu mestre e senhor. Este exemplo pueril que o senhor Dühring tirou da sua própria cabeça, para demonstrar que a violência é o elemento histórico funda mental, demonstra somente que a violência é apenas o meio, enquanto a vantagem econômica 6 o fim. E, na medida cm que o fim é “mais fundamental” que o meio empregado para o alcançar, na mesma medida o aspecto econômico da relação é mais fundamental na História do que o aspecto político. O exemplo demonstra, pois, exatamente o contrário do que o senhor Dühring deveria provar. E o que se passa com Robinson e Sexta-Feira, passa-se com todos os casos de dominação e servidão que se verificaram até agora. A opressão sempre foi, para empregar a elegante expressão do senhor Dühring, “um meio para fins alimentares” (entendendo-se tais fins em sentido amplo), mas nunca, em parte alguma, um agrupamento político “introduzido por si mesmo”. Somente o senhor Dühring pode imaginar que os impostos não são, no Estado, mais que “efeitos de segunda ordem”, ou que o agrupamento político de hoje, burguesia dominante e proletariado dominado, existe “por si mesmo” e não para “os fins alimentares” dos burgueses reinantes, isto é, para o lucro e a acumulação do capital.
107
No entanto, voltemos aos nossos dois homens. Robinson, ‘‘de es pada em punho", faz do Sexta-Feira seu escravo. Mas, para consegui-lo, Robinson necessita do algo além da espada. Um escravo não pode sim plesmente fazer de tudo. Para se tirar dele bastante proveito, é preciso dispor de duas coisas: primeiro, utensílios e objetos necessários ao tra balho do escravo e, segundo, meios para o manter cm condições míni mas de sobrevivência. Logo, antes que a escravatura fosse possível, era preciso já que se atingisse um certo nível de produção c que um certo grau de desigualdade se verificasse na distribuição. E, para que o trabalho servil se tome o modo de produção dominante em toda uma sociedade, é necessário um crescimento ainda bem mais considerável da produção, do comércio e da acumulação da riqueza. Nas antigas comu nidades naturais de propriedade coletiva da terra, ou a escravatura não aparece ou só desempenha um papel muito secundário. Era o que acon tecia na Roma primitiva, cidade camponesa; pelo contrário, quando Roma se tomou "cidade universal" e a propriedade fundiária italiana passou cada vez mais para as mãos de uma classe reduzida de proprietá rios extremamente ricos, a população camponesa foi substituída por uma população de escravos. Se, na época das guerras médicas, o número de escravos atingia, na Coríntia, 460.000 e, cm Égina, 470.000, e se a sua proporção cra de dez para cada um habitante livre, cra preciso, para isso, qualquer coisa a mais do que a “violência", ou seja: uma indústria de arte e um artesanato, muito desenvolvidos, e um amplo comércio. Nos Estados Unidos, a escravatura repousava muito menos na violência do que na indústria inglesa do algodão; nas regiões em que o algodão não se adaptava ou não era cultivado, como nos Estados limítrofes, a criação de escravos para os Estados algodoeiros extinguiu-se por si mes ma, sem qualquer violência, simplesmente porque não era compensa dora.
Se, portanto, o senhor Dühring considera a propriedade atual como propriedade assente na violência e a qualifica como "forma dc domi nação que não tem talvez apenas por base a exclusão do próximo do uso dos meios naturais de existência, mas também, o que é mais signi ficativo, a sujeição do homem a um serviço dc escravo" — ele vira de pernas para o ar a relação. A sujeição do homem a um serviço dc escravo, em todas as suas formas, supõe, dn parle do senhor de escravos, a existência dos meios de trabalho, sem os quais não se poderia utilizar o homem subjugado; e, por outro lado, da parte do escravo, supõe a existência dos meios de subsistência, sem os quais não se poderia con servar o escravo vivo. Supõe, desde logo e por conseqüência, cm todos
168
os cnsos, u posso do uma certa riqueza que ultrapassa a média. Como 6 quo CSlU NO originou? Em qualquer hipótese, é evidente que pode ter origem no roubo, quer dizer: pode basear-se na violência — mas isto n(lo 6, do modo algum, necessário. Ela pode ter origem no roubo, no trabalho, no comércio, na vigarice. O que é necessário é que ela tenha sido ganha pelo trabalho, antes de ser roubada. Em geral, a propriedade privada não aparece, de modo algum, na História como resultante do roubo ou da violência. Ao contrário: ela já existe, se bem que limitada a certos objetos, na antiga comunidade natural de todos os povos civilizados. No interior dessa comunidade, ela evolui primeiro na troca com estrangeiros, até tomar forma mercantil. Quanto mais os produtos da comunidade tomam a forma mercantil (ou seja: quanto menos sejam produzidos para o próprio uso do produtor e quanto mais o são tendo em vista a troca), tanto mais a troca, mesmo no interior da comunidade, supera a divisão primitiva do trabalho, tanto mais o estado de riqueza dos diversos membros sc toma desigual, tanto mais a velha comunidade da propriedade fundiária fica profundamente solapada e tanto mais a comunidade se encaminha rapidamente para a sua dissolução numa aldeia de camponeses parcelares. O despotismo oriental e a inconstante dominação de povos nômades conquistadores não puderam, durante milênios, desmantelar essas velhas comunidades; é a destruição progressiva da sua indústria doméstica natural — pela concorrência dos produtos da grande indústria — que ocasiona pro gressivamente a sua dissolução. Aqui, não há violência, como não há violência no parcelamento ainda em curso da propriedade fundiária coletiva das “comunidades rurais” das margens do Mosela e do Hochwald: são os próprios camponeses que estão interessados na sua substituição pela propriedade privada da terra. Até à formação de uma aristocracia primitiva, tal como se verificou entre os celtas, entre os germanos c tal como se verificou no Penjab, a propriedade privada não se baseia, de modo algum, em primeiro lugar na. violência, mas no livre-consentimento c no costume. Por toda a parte em que a propriedade privada se cons titui, verifica-se que ela surge como conscqüência de relações de pro dução e de troca modificadas, que favorecem o crescimento da produção e o desenvolvimento das trocas — ela tem, portanto, causas econômicas. A violência, aqui, não desempenha papel nenhum. É evidente, pois, que a instituição da propriedade privada deve existir, antes que um ladrão sc aproprie do bem de outrem. A violência pode, de fato, deslocar a posse, mas não pode engendrar a propriedade privada enquanto tal.
1«U
Mas, até para explicar a “sujeição do homem a um trabalho do escravo’* sob a sua forma mais moderna, o trabalho assalariado, níio podemos fazer intervir a violência, nem a propriedade fundada na vio lência. Já referimos o papel que desempenha, na dissolução da comuni dade antiga — logo, na generalização direta ou indireta da propriedade privada —, a transformação dos produtos do trabalho cm mercadorias, a sua produção não para o consumo pessoal mas para a troca. Ora, n*(? capital, Marx provou luminosamente — e, acerca disso, o senhor Diihring não tuge nem muge — que, a um certo nível de desenvolvi mento, a produção mercantil sc transforma em produção capitalista e que, nesse estágio, “a lei da apropriação que tem por base a produção e a circulação de mercadorias, ou lei da propriedade privada, converte-se, pelo efeito inevitável da sua própria dialética interna, no seu oposto: a troca de equivalentes; esta, que aparecia como operação primitiva, mudou de tal modo que conservou apenas a aparência de troca, pelo fato de que, primeiramenle, a porção do capital trocada pela força de trabalho não é mais do que uma parte da apropriação sem equivalente do pro duto do trabalho de outrem, e que, em segundo lugar, ela não deve ser substituída apenas pelo seu produtor, o operário, mas deve ser substituída com um novo excedente. Primitivamente, a propriedade nos aparecia com base no trabalho pessoal... Agora [no fim da expla nação de Marx] ela aparece do lado do capitalista, como o direito de sc apropriar do trabalho de outrem sem o pagar e, do lado do operário, como a impossibilidade de se apropriar do seu próprio produto. A separação entre a propriedade e o trabalho torna-se a conseqüência necessária de uma lei que, aparentemente, partia da sua unidade”.
Em outras palavras: mesmo excluindo qualquer possibilidade de roubo, de violência e de fraude, admitindo-se que toda propriedade privada assenta, originariamente, sobre o trabalho pessoal do possuidor e que, no decorrer do processo, apenas se trocam valores iguais por valores iguais, obtemos, mesmo assim, necessariamente, na sequência do desenvolvimento da produção e da trocQ, o modo atual de produção capitalista, a monopolização dos meios do produção e de subsistência por uma classe reduzida e o enfraquecimento da outra, que constitui a imensa maioria, no nível de proletários não possuidores; alcançamos a alternância periódica de produção vertiginosa e de crise comercial — em suma, toda a anarquia da produção de hoje. Todo o processo se explica por causas puramcnlo económicas, sem que fosse necessário recorrer uma só vez ao roubo, à violência, ao Estado ou a qualquer outra ingerência política. A “propriedade fundada na violência” revela-
170
NCt itltiihl uniu fanfarronada destinada a ocultar a ignorância do ciiirwi iimiI dnri coisQB.
vnrtio, expresso historicamente, é a história do desenvolvimento cln Imrguwlll. Se “as condições políticas são a causa determinante do imlmlii econômico”, a burguesia moderna não deve ter-se desenvolvido iin ItiUl contra o feuçialismo, mas, antes, deve ter sido o seu menino mlimido, cujo nascimento foi mais que desejado. E todo mundo sabe quo foi oxatamente o que ocorreu: classe oprimida, a princípio tribu tária da nobreza reinante, recrutada entre indivíduos sujeitos à corvéia c sorvos de todos os tipos, foi numa luta sem tréguas contra a nobreza que a burguesia conquistou no poder um lugar depois do outro e, finalmente, apropriou-se do poder cm todos os países mais evoluídos: na França, derrubando diretamente a nobreza; na Inglaterra, aburguesan do-a cada vez mais até transformá-la no seu paramento decorativo. E como conseguiu isso? Simplesmente por uma transformação do “estado econômico”, a que se seguiu mais ccdo ou mais tarde uma transformação das situações políticas. A luta da burguesia contra a nobreza feudal é a luta da cidade contra o campo, da indústria contra a propriedade fundiária, da economia monetária contra a economia natural; e as armas decisivas dos burgueses nessa luta foram os seus meios de poder econô mico > incessantemente acrescidos pela expansão da indústria, primeiro nrtcsnnal, depois manufatureira, e pelo crescimento do comércio. No decorrer dessa luta, a força política esteve ao lado da nobreza, exceto num período cm que o poder real utilizou a burguesia contra a nobreza, pura conservar uma ordem posta em xeque. Mas, a partir do momento em que a burguesia, politicamente ainda frágil, começou, mercê do seu pcxlur econômico crescente, a tornar-se perigosa, a realeza aliou-se novamento com a nobreza e provocou, assim, primeiro na Inglaterra, depois na França, a revolução da burguesia. Na França, as condições políticas continuavam sem alteração, enquanto que o estado econômico se tornava demasiado avançado para elas. Do ponto de vista político, li nobreza era tudo, e a burguesia, nada; do ponto de vista social, a burguesia era agora a classe mais importante no Estado, enquanto que a nobreza via escaparem-se-lhe das mãos todas as suas funções sociais rcslring:ndo-se a pôr em caixa, na forma de rendimentos, a remuneração dessas funções desaparecidas. Mas, não é tudo: em toda a sua evolução C cm ioda a sua produção, a burguesia ficara prisioneira das formas políticas feudais da Idade Média, para as quais essa produção — não só cm termos de manufatura, como também de artesanato — tornara-se desde há muito bastante grande, limitadas pelos mil e um privilégios
171
corporativos e pelas barreiras alfandegárias locais e provinciais, slmplüN entraves à produção. A revolução burguesa põe fim a tudo isso, sem, contudo, adaptar, segundo os princípios do senhor Dühring, o estado econômico às condições políticas — exatamente o que a nobreza e a realeza tentaram em vão durante decênios — e sim, ao contrário, mar ginalizando o velho aparato político apodrecido c criando condições políticas sob as quais o novo “Estado econômico’* podia subsistir e desenvolver-se. Nessa atmosfera política e jurídica feita à sua medida, a burguesia floresceu brilhantemente, tão brilhantemente que, agora, não está longe da posição ocupada pela nobreza cm 1789: ela se torna progressivamente um obstáculo ao progresso social. Ela se afasta cada vez mais da atividade produtiva e se transforma, crescentemente, como a nobreza no seu tempo, numa classe que nada mais faz que receber rendimentos. E foi sem o menor simulacro de violência, mas de uma maneira inteiramente econômica que ela realizou essa subversão da sua própria posição e a criação de uma nova classe: o proletariado. Mais ainda: de modo algum ela desejou esse resultado da sua própria ação; ele se lhe impôs como uma força irresistível, contra a sua vontade. As suas próprias forças produtivas tornaram-se demasiado poderosas para obedecer à sua direção e empurram, como que sob o efeito de uma necessidade natural, toda a sociedade burguesa ou para a ruína ou para a revolução. E se os burgueses, agora, recorrem à violência para salvar da hecatombe o “estado econômico” que entra em deterioração, com isso apenas demonstram que são vítimas da mesma ilusão do senhor Dühring, segundo a qual “as condições políticas são a causa determi nante do estado econômico”. Ê que eles se julgam, tal como o senhor Dühring, capazes de transformar, com os “meios primitivos”, com a “violência política imediata”, esses “fatos de segunda ordem”, o estado econômico e a sua inelutável evolução. Julgam-se capazes de salvar o mundo graças ao poder de fogo dos canhões Krupp e das espingardas Mauser, capazes de salvá-lo dos efeitos econômicos da máquina a vapor e do maquinismo moderno (que eles mesmos colocaram em movimento), do comércio mundial e do desenvolvimento dos bancos e do crédito.
, n No entanto, consideremos mais de perto essa “violência” onipo tente do senhor Dühring. Robinson subjugou Sexta-Feira “de espada na mão”. Onde é que ele foi buscar a espada? Até nas ilhas imaginá-
172
1ÍUN illtii mbliiNtUllullW (is espadas não crescem nas árvores, e o senhor Dülnlng Miui üNclürccô a nossa dúvida. Do mesmo modo que Robinson pftdo riininlnir uma espada, podemos admitir que, num belo dia, Sexta-bclrii iipnrccou com um revólver na mão. .. e então toda a relação do “violência” se inverte: Sexta-Feira ordena e Robinson obedece. Pedimos desculpas ao leitor por tanto regressar a estas historietas dc Jardim de infância, tão distantes do domínio da ciência. Mas, o que fiizor? Somos obrigados a aplicar conscienciosamente o método axio mático do senhor Dühring e não é nossa a culpa se temos que nos movimentar no âmbito da pura puerilidade. Logo, o revólver triunfa sobre a espada e até o mais entusiasta amador dos mais pueris axiomas reconhecerá, sem dúvida, que a violência não é um simples ato de volição, mas exige, para sua realização, condições previas muito reais, cm particular instrumentos, dos quais o mais perfeito triunfa sobre o mais rudimentar; reconhecerá que, por outro Jado, esses instrumentos devem ser produzidos, o que quer dizer que também o produtor de instrumentos mais perfeitos triunfa sobre o produtor de instrumentos menos perfeitos, c que, numa palavra, a vitória da violência assenta (grosseiramente falando de armas) na produção militar, a qual, por sua vez, assenta na produção em geral... assenta, portanto, no “poder econômico”, no “estado econômico” — nos meios materiais que estão à disposição da violência.
A violência custa caro; a violência de hoje, o exército e a marinha de guerra, ílea um absurdo — uma “loucura”, como sabemos por expe riência própria. Mas a violência não pode fazer dinheiro; quando muito, pode saquear o que já existe, o que não encerra ení si grande significado, como também sabemos por experiência própria, graças aos bilhões franceses 2. O dinheiro, portanto, no final das contas, deve sair mesmo é da produção econômica, e a violência, uma vez mais, é determinada pelo “estado econômico”, que lhe arranja os meios para armar e con servar o seu arsenal. Mas só isso não basta. Nada depende mais de condições econômicas prévias do que justamente o exército e a marinha. Armamento, composição, organização, tática e estratégia dependem, antes dc mais nada, do nível atingido pela produção c pela comunicação. Não foram as “livres criações do espírito” de capitães de gênio que, nessa matéria, tiveram um efeito revolucionário: foi a invenção de armas mais eficientes e a modificação do material humano — o soldado; na 2V. nota 28 do texto “A burguesia e o problema habitacional”.
17.1
melhor das hipóteses, a influência dos capitães do gênio limilou-sc n adaptar o método do combato às armas e aos combatentes novos.
No início do século XIV, a pólvora para canhão passou dos árabes para os europeus ocidontais e revolucionou, como todos sabem, todo o conceito de guerra. Porém, a introdução da pólvora para canhão e a adoção de armas de fogo não foram, de modo algum, um ato de violên cia — foram um progresso industrial, um progresso econômico. A in dústria é sempre a indústria, quer se oriente para a produção, quer para a destruição de objetos. E a introdução das armas de fogo teve um efeito revolucionário não só na condução mesma da guerra, como ainda nas relações políticas, relações de dominação e de sujeição. Para se obter pólvora e armas de fogo, eram necessários a indústria e o dinheiro, e ambos pertenciam aos burgueses das cidades. Ê por isso que as armas de fogo, desde o início, foram as armas das cidades e da monarquia ascendente, nelas apoiada, contra a nobreza feudal. As muralhas até então impenetráveis dos castelos dos nobres caíram sob os tiros dos canhões burgueses, as balas dos arcabuzes burgueses atravessaram as couraças dos cavaleiros. Com a derrota da cavalaria encouraçada da nobreza, caiu também a sua dominação; com o desenvolvimento da burguesia, a infantaria e a artilharia tomaram-se, cada vez mais, as armas decisivas — sob a pressão da artilharia, a arte da guerra teve que anexar uma nova subdivisão complclamente industrial: o corpo de engenharia.
O desenvolvimento das armas de fogo se fez muito lentamente. O canhão continuava muito pesado e o arcabuz, grosseiro, apesar de inúmeras inovações de detalhe. Foram precisos mais de três séculos para aperfeiçoar uma arma apta a equipar toda a infantaria. Só no princípio do século XVm a espingarda de pederneira com baioneta supera definitivamente a lança, como armamento do infante. A infan taria de então compunha-se de mercenários a serviço de príncipes, muito bem preparados fisicamente mas pouco confiáveis, e que só podiam ser mantidos em avião através da paulada; seu recrutamento era feito entre os elementos mais depravados da sociedade e, frequentemente, entre prisioneiros de guerra alistados à força. A única forma de combate na qual esses soldados podiam utilizar a nove espingarda era a tática linear, que alcançou a sua máxima perfeição no reinado de Frederico n. Toda a infantaria de um exército cra disposta em três filas, num quadrilátero oco muito extenso e que, em ordem do batalha, movia-sc cm bloco; quando muito, autorizava-sc a uma das duas alas avançar ou recuar um ponto. Essa massa desajeitada só podia mover-se ordenadamente em terreno completamente plano e, mesmo aí, lentamcntc (75 passos por
174
mlntiln); nu decorrer da ação era impossívelmudar a ordem de batalha e, mini vez qno n Infantaria abrisse fogo, a vitória ou a derrota dccidiam• no lepimdiinnionte. .t |!»mu rígida formação chocou-se, na guerra da independência nnilc americana, com bandos de rebeldes que, na verdade, não sabiam fnzur exercícios militares, mas que atiravam muito bem com as suas CíinibltniM estriadas. Eles combatiam pelos seus próprios interesses e, portanto, não desertavam como os mercenários; ademais, não tinham a gentileza de enfrentar os ingleses dispondo-se em linha e em terreno descoberto, mas se apresentavam em grupos de atiradores dispersos e muito móveis, a coberto das florestas. A linha era aqui impotente e sucumbia a esses adversários invisíveis e inacessíveis. Descobria-se a posição dos atiradores; método de combate novo, devido a um material humano modificado. O que a Revolução Americana começou, a Revolução Francesa concluiu. Aos exércitos muito bem treinados da coligação, ela só podia opor massas mal habilitadas, porém numerosas — em suma, a mobili zação maciça de toda a nação. Com essas massas era preciso proteger Paris e cobrir zonas determinadas, e isto só põdia ser feito com a vitória das massas numa batalha a descoberto. O simples combate de atiradores era insuficiente; era necessário encontrar uma formação para a utilização das massas — nasceu a coluna. A formação em coluna permitia, mesmo a tropas mal treinadas, mover-se ordenadamente e com boa rapidez de marcha (100 passos por minuto). Permitia romper a velha formação cm linha, combater cm qualquer terreno (mesmo os terrenos mais des favoráveis), agrupar as tropas da maneira que conviesse, articulá-las com o combate de atiradores dispersos, deter, como também ocupar e fatigar as tropas inimigas até que chegasse o momento de separá-las no ponto decisivo da posição, mantendo as massas cm reserva. Se, por conseguinte, esse novo método de combate (que se apoiava na com binação tanto do atiradores quanto da coluna, e na distribuição do exército cm divisões, ou corpos autônomos, compostos por todas as armas, exército esse levado à sua perfeição por Napoleão — tanto em seu aspecto tático quanto estratégico) tornovn-so necessário, era sobretudo por causa da modificação do material humano, o soldado da Revolução Francesa.. Mas elo pressupunha, ainda, duas condições prévias de grande relevância: em primeiro lugar, n montagem das peças de campanha em carretas ligeiras, aperfeiçoadas por Gribeauval, o, cm segundo lugar, a arqueadura da coronha da espingarda, que até aí era um prolongamento do cano, em linha reta; introduzido na França, em 1777, esse tipo de
175
espingarda de caça permitia visualizar um adversário isolado com grandes chances de o atingir. Sem esses progressos, teria sido impossível operar com atiradores armados com a antiga espingarda.
O sistema revolucionário, que era o armamento de todo o povo, depressa foi limitado à circunscrição (da qual os ricos se livraram pelo resgate) e adotado, sob essa forma, na maior parte de todos os Estados do continente. Apenas a Prússia, com o seu sistema de Landwehr8, tentou recorrer mais largamente à força militar do povo. Ademais, u Prússia foi o primeiro Estado que, depois do papel sem futuro desempe nhado pela boa espingarda de cano estriado que fora aperfeiçoada entre 1830 e 1860, equipou toda a sua infantaria com a arma mais moderna, a espingarda estriada de carregar pela culatra. Ê a essas duas inovações que ela deve os seus êxitos de 1866. Na guerra franco-alemã, peia primeira vez, opuseram-se dois exér citos que dispunham, ambos, da espingarda estriada de carregar pela culatra, e que conservavam formações táticas essencialmente semelhantes às do tempo da velha espingarda de pederneira de cano liso, com exceção da introdução da coluna de companhia, com ajuda da qual os prussianos tentaram encontrar uma forma de combate mais apropriada ao novo armamento. Mas, quando, em 18 de agosto, cm Saint-Privat, a guarda prussiana quis fazer um teste sério da coluna de companhia, os cinco regimentos mais envolvidos perderam, em cerca de cento e vinte mi nutos, mais de um terço do seu efetivo (176 oficiais e 5 114 homens) e, a partir desse dia, a coluna de companhia foi condenada como formação de combate, tal como a coluna de batalhão e a linha. Abandonou-se qualquer tentativa de, futuramente, expor ao fogo do inimigo qualquer espécie de formação fechada, e, do lado alemão, só se combatia com esses grupos densos de atiradores nos quais até aqui, sob a chuva de balas bem apontadas, a coluna já se tinha geralmente decomposto e que eram tidos como indisciplinados; e, do mesmo modo, no campo de tiro inimigo, o passo de corrida tomou-se a única forma de deslocação. Mais uma vez, o soldado tinha sido mais esperto que o oficial: ele encontrara, instintivamente, a única forma de combate que até hoje funciona sob o fogo das espingardas dc carregar pela culatra, e ele a impôs com sucesso, apesar da resistência do comando. A guerra franco-alemü assinQlou uma inflexão importantíssima. Em primeiro lugar, depois dela, dados os aperfeiçoamentos das armas, 8 Sitiem a dc exército de reserva.
170
mín jiiuiTi’ uni novo progresso capaz de uma influência decisiva imn numiu. Ouillldo so possuem canhões com os quais se pode atingir um halidliHn praticamente fora do campo da visão humana, ou quando nn wipliigiirdiiN podem fazer o mesmo com relação a indivíduos isolados, ou iiliuln qunndo a arma é mais rápida que a vista humana — quando Irilu pxlnlo, lodos os outros progressos são mais ou menos irrelevantes puni li guerra em campo aberto. Sob esse aspecto, no essencial, a era do desenvolvimento está encerrada. Mas, em segundo lugar, essa guerra obrigou todos os grandes Estados continentais a introduzir, para re forçar as suas defesas, o sistema prussiano do Landwehr^ com o que assumem uma despesa militar que os arruinará. O exército tornou-se o fim principal do Estado: os povos só servem para fornecer soldados e ninntô-los. O militarismo domina e devora a Europa. Mas, ele traz consigo o germe da sua própria dissolução. A competição entre os diversos Estados obriga-os, por um lado, a gastar, a cada ano, mais dinheiro com o exército, a marinha, os canhões, ctc., e, portanto, a acelerar a sua falência; por outro lado, obriga-os a levar cada vez mais a sério o serviço militar obrigatório e, no fim de contas, a familiarizar todo o povo com o manejo das armas, capacitando-o para, num dado momento, fazer triunfar a sua vontade sobre a majestade do comando militar. Esse momento surge logo que a massa do povo — operários urbanos e camponeses — tenha uma vontade. Nesse instante, o exército dinástico transforma-se cm exército popular: a máquina recusa o serviço c o m 111 turismo perece pela dialética do seu próprio desenvolvimento. O que a democracia de 1848 não pôde realizar, precisamente porque cru btiriiucxa e níio proletária — o aLo de dar às massas trabalhadoras uma vontade cujo conteúdo corresponda à sua situação de classe —, ó socialismo realizará infalivelmente. O que vai significar a destruição interior do militarismo e, com ele, de todos os exércitos permanentes. Essa é uma das moralidades da nossa história da infantaria moder na. A outra, que nos remete novamente ao senhor Dühring, é que toda organização e método de combate dos exércitos e, consequentemente, a vitória ou a derrota encontram-se dependentes das condições materiais (isto é, econômicas), do material de armamento e do material humano —* em suma: encontram-se dependentes tanto da quantidade e da quali dade da técnica quanto da população. Só um povo de caçadores, como os americanos, podia rcdescobrir o combate de atiradores — e, se eram caçadores, eram-no somento por razões econômicas, do mesmo modo que, agora, é por razões puramento econômicas que os próprios ianques dos velhos Estados se transformam cm camponeses, industriais, mari-
177
nhciros e negociantes que tiroteiam não em florestas virgens, mas no campo da especulação, onde também levam muito longe a utilização das massas. Só o burguês, particularmcnto no campo, podia encontrar exércitos de massas e livres formas de movimentação para abater as rígidas formações em linha — imagens militares do absolutismo. E nós vimos, caso a caso, como é que os progressos da técnica, desde que aplicados e aplicáveis ao domínio militar, depressa obrigam, quase forçosamente, a transformações de método no exército. Por outro lado, um suboficial zeloso pode explicar ao senhor Dilhring como a condução da guerra depende tanto da produtividade e dos meios de comunicação da retaguarda como dos meios de comunicação do teatro das operações. Em resumo, sempre e em toda a parte, foram as condições e os meios econômicos que ajudaram a “violência” a alcançar a vitória, sem o que ela deixaria de ser “violência”. Aquele que seguisse os princípios do senhor Dühring para reformar a organização militar só havia de colher derrotas Se passamos de terra para mar, os últimos vinte anos por si só nos oferecem transformações de alcance ainda mais profundo. O navio de combate da guerra da Criméia tinha duas ou três pontes de madeira, 60 a 100 canhões, movi a-se graças às velas e só possuía um motor a vapor de mínima utilização. Transportava principalmente peças de 32 libras, com um corpo de canhão de cerca de 50 quintais de 100 libras, e poucas peças de 68 libras pesando 95 quintais. Quase no fim da guerra apareceram as baterias flutuantes blindadas, pesados monstros quase imóveis, mas invulneráveis à artilharia de então. Depressa a blindagem dc aço também foi transferida para os navios de linha: a princípio fina, uma espessura dc quatro polegadas já passava por ser extremamente pesada. Mas logo o progresso da artilharia ultrapassou o da blindagem: para cada espessura da blindagem empregada, cncontrou-se, uma após outra, a peça que a perfurava com mais facilidade. De um lado, espes suras de 10, 12, 14 e até 24 polegadas (a Itália vai mandar construir um navio com uma blindagem de três pés dc espessura); doutro lado, canhões estriados pesando 25, 35, 80 o até 100 toneladas (dc 20 quin tais), atirando, a distâncias nunca vistas, peças de 300, 400, 1 700 c 2 000 libras. O navio dc combalo do hoje é um gigantesco vapor a hélice, blindado, que vai do 8 a 9 mil toneladas com 6 a 8 mil cavalos 4 No Estado-Maior Prussiano, sabe-nc Imo multo bem. “O fundamento das coisas militares é, em primeiro lugnr, a forma da vkla econômica dos povos em geral”, diz o senhor Max Iahns, capitão do Enlado-Mídor geral, numa conferência cien tífica (Kfiln Ztg.. 20 abril 1876, p. 3). (F. E.)
1711
ili« jmiKiii Im. rum turres móveis, 4a 6 peças pesadas (no máximo) c i mu uniu puta que termina abaixo da linha de flutuação com um esporão ilriilliiiiilii li níundar os inimigos — uma colossal máquina de guerra, im qiml ii vapor tonto impulsiona o motor quanto a pilotagem, a manoIiiii iln âncora, a rotação das torres, a pontaria e o carregamento das prçan, ii bombagem da água, a recolha e o lançamento dos escaleres (elri também movidos a vapor). A corrida entre a blindagem c a uHcíiela do tiro está tão longe de terminar que hoje, regra geral, um navio de guerra se toma obsoleto antes de ser lançado ao mar. E, hoje, esse navio não é apenas um produto, mas uma verdadeira amostra da grande indústria moderna, uma fábrica flutuante — que, antes de tudo, produz desperdícios. O país em que a grande indústria está desenvol vida tem, quase sempre, o monopólio desse tipo de construção naval. Todos os couraçados, sejam turcos, sejam russos (quase todos), sejam alemães (a maior parle), são construídos na Inglaterra. As placas de blindagem, para qualquer emprego, são produzidas quase unicamente em Shcffield; das três fábricas metalúrgicas européias capazes de fomecor peças pesadas, duas (Woolwick e Elswick) são inglesas e uma (Krupp) é alemã.
Assim, palpavelmente, vemos que “a violência política imediata” que 6, para o senhor Dühring, “a causa decisiva do estado econô mico” — está completamente determinada pelo estado econômico. Vemos como não só a produção, mas ainda a manutenção do instru mento de violência no mar, o navio de guerra, tomou-sc um ramo da indústria moderna. E ninguém está mais contrariado com isso do que a própria violência, isto é, o Estado, a quem hoje um navio custa tanto quanto, antes, umo frota — c porque, antes mesmo de irem à água, essas fortunas gastas já são inúteis. E, certamente, lamenta tanto quanto 0 senhor Dühring o fato de que o homem do estado econômico, o engenheiro, é agora mais importante a bordo do que o comandante, o homem da “violência imediata”. Pela nossa parte, não lamentamos que, na competição entre a couraça c o canhão, o navio de guerra aperfeiçoc-se ao cúmulo do requinte, o que o coloca tanto fora dos orçamentos razoáveis como fora da viabilidade para a guerra •; não o lamentamos, porque isso expressa, 0 O aperfeiçoamento do grande produto da grande indústria para a guerra naval, o torpedo do propulsão automática, parece destinado a realizar esse processo: o menor torpedeiro seria, nessas condições, superior ao mais potente couraçado. (F. F.)
179
no domínio naval, as leis internas do movimento pelo qual o militarismo, como qualquer outro fenômeno histórico, desaparece cm função do seu próprio desenvolvimento.
E, igualmente, aqui se evidencia que nuo 6 verdade que “o elemento primordial deva ser procurado na violência política imediata e não apenas num poder econômico indireto”. Ao contrário: o que é o “ele mento primordial’* da própria violência senão o poder econômico, o fato de dispor dos meios de poder da grande indústria? A violência política sobre o mar, que repousa nos navios de guerra modernos, revela-se não como sendo imediata, mas como sendo determinada pela mediação econômica, pelo desenvolvimento da metalurgia e da técnica em minas de carvão. E para que tudo isto? Que, na próxima guerra, se passe o comando naval às mãos do senhor Dühring, e ele destruirá todas as forças blindadas do Estado moderno sem torpedos ou outros artifícios, apenas apoiado nas obras e nas graças da sua “violência polí tica imediata”.
m "É uma circunstância importantíssima o fato de a dominação da natu reza não se ter em geral [I] passado [uma dominação que se passou!] senão graças à dominação do homem. Nunca, cm parte alguma, a valorização da propriedade fundiária em grande extensão foi realizada sem a prévia sujeição do homem a qualquer forma de escravatura ou servidão. O estabelecimento de uma dominação econômica sobre as coisas teve como condição prévia a dominação política, social e econô mica do homem sobre o homem. Como se poderia imaginar um grande proprietário fundiário sem se imaginar, ao mesmo tempo, a sua sobera nia sobre escravos, servos ou homens indírctamenle privados de liber dade? Que significado teria, para uma exploração agrícola de enverga dura, a força de um indivíduo, a que sc acrescentaria, quando muito, a da sua família? A exploração da terra ou a extensão da dominação econômica sobre ela a uma escala quo ultrapassa as forças naturais do indivíduo só foi possível até aqui, nu llhtórin, porque, antes da domi nação sobre a lerrn, ou simultaneamente a ela, efetuou-se a correspon dente dominação do homem. Nus períodos ulteriores da evolução, esta dominação foi suavizada... A fornia ahtal nos Estados de elevada civilização é um salarlado’ mnlN ou iuüium dirigido pela dominação policial. E, portanto, nesse militrhuln quo wmcnla a possibilidade prática desse gênero de exploração fimdlárin o |l| da grande propriedade fun diária. Naturalmcntc, Ioda* iin oiUni* espécies de distribuição de rique zas devem explicar-se hlMorlcitmenlo do uma maneira análoga, e o fato
180
iki i|U0 ii homem depende indiretamente do homem — fato que cons titui luijo O traço fundamental dos estados econômicos mais desenvolvkloil não pode compreender-se e explicar-se por si só, mos apenas corno uma herança um pouco metamorfoseada de uma sujeição e uma dominação diretas que existiram anteriormente." Assim doutrina o senhor Dühring.
Tese: a dominação da natureza (pelo homem) supõe a dominação do homem (pelo homem). Prova: a exploração da propriedade fun diária em grande extensão nunca se realizou em parte alguma a não ser através da escravatura. Prova da prova: como podería haver grandes latifundiários sem escravos, uma vez que só o latifundiário e a sua família não poderiam trabalhar senão uma parcela mínima da terra? Logo: para provar que o homem, a fim de subjugar a natureza, subjugou primeiro o homem, o senhor Dühring metamorfoseia sem cerimônia a "natureza” em "propriedade fundiária de grande extensão” e reconverte rapidamente essa propriedade fundiária — sem que se soubesse a quem ela pertence! — em propriedade de um grande latifundiário que, natu ralmente, não pode cultivá-la sem escravos. Primeiro: a "dominação da natureza” e a "exploração da proprie dade fundiária” não são, cm absoluto, a mesma coisa. A dominação da natureza pratica-sc com a grande indústria numa escala muito mais colossal do que com a agricultura que, até agora, é compelida a aceitar os condicionalismos meteorológicos, sem controlá-los.
Segundo: se nos limitamos à exploração da grande propriedade fundiária, o que importa saber é a quem ela pertence. Eis por que, na origem de todos os povos civilizados, encontramos, não a "grande pro priedade fundiária” que o senhor Dühring introduz aqui fraudulenta mente, por um dos seus habituais truques de "dialética natural”, mas sim comunidades de tribo ou de aldeia com a propriedade em comum do solo. Das Índias à Irlanda, a exploração da grande propriedade fun diária foi levada a cabo originalmente por estas comunidades de tribo ou aldeia, quer sob a forma de cultura cm comum das terras por conta da comunidade, quer sob a forma de parcelas agrárias individuais atri buídas às famílias pela comunidade, com usufruto comum permanente das florestas e das pastagens. Ê, uma vez mais, característica dos "estudos técnicos mais penetrantes” do senhor Dühring "no domínio político c jurídico” a sua ignorância de tudo isso — a sua obra respira uma total ignorância por trabalhos que fizeram época, quer os de Maurer sobre a constituição primitiva da marca germânica, quer toda a litera-
181
Lura, sempre mais volumosa e inspirada especialmente em Maurer, que se consagra a demonstrar a comunidade primitiva da propriedade fun diária entre todos os povos civilizados dn Europa e da Ásia, expondo as suas formas de existência e de dissolução. No domínio do direito francês e inglês, o senhor Dlibring exercita também n sua ignorância — para não falar do alemão, onde ela é ainda maior. O homem que se insurge tão violentamente contra o limitado horizonte dos professores da universidade está ainda, no domínio do direito alemão, no mesmo ponto em que esses professores estavam há vinte anos. Não passa de ‘livre-criação e imaginação" do senhor Dühring a afirmação de que, para explorar a grande propriedade fundiária, foram necessários latifundiários e escravos. Em todo o Oriente, onde ou o Estado ou a comuna detém a propriedade da terra, o próprio termo proprietário fundiário não existe. Sobre este fato, o senhor Dühring poderia aconselhar-se com os juristas ingleses que, nas Índias, tortura ram o seu espírito para resolver a questão — quem é o proprietário fundiário? E não tiveram mais êxito que o príncipe Henrique LXXI1, de Rcuss-Greiz-Scbleitz-Lobenstein-Eborswalde, quando colocava a questão: "O que é um guarda-noturno?".
Os turcos foram os primeiros a introduzir no Oriente, nos países que conquistaram, uma espécie de feudalismo agrário. A partir dos tempos heróicos, a Grécia entra na História com uma divisão em classes que não é mais do que o produto evidente de uma longa Pré-História desconhecida; mas, também aí, a terra é explorada principalmentc por camponeses independentes; os grandes domínios dos nobres c dos prín cipes dinásticos constituem exceção e, de resto, desaparecem rapida mente. A Itália foi desbravada especialmente por camponeses; quando, nos últimos anos da República romana, os grandes domínios (os lati fúndio) suplantaram os camponeses parcelares e os substituíram por escravos, substituíram, ao mesmo tempo, a cultura pela pecuária e, como Plínio já o sabia, levaram a Itália à ruína (latifundia Italiam perdidere), .Na Idade Media, é n cultura camponesa que domina em toda a Europa (sobretudo quando se desbravaram as terras incultas), admitindo-se que pouco importa para a questão que catamos a discutir se os camponeses tinham de pagar taxas a alguns acnhorcN feudais, e de que tipo seriam esses tributos. Os colonos vindos dli Frísia, da Baixa Saxônia, de Flandres e do Reno inferior, que cultivaram n terra arrancada aos eslavos n leste do EIba, fizeram-no como camponeses livres com taxas de renda muito favoráveis, mas de modo algum sob "qualquer forma de corvéia”. Na Améria do Norte, a grande maioria do país foi aberta à cultura pelo
182
(rnhiilhn de cumponcscs livrei, enquanto que oi grandes proprietários du hiil, riilll seus escravos e a sua exploração desenfreada, esgotaram O aolu ntó calo SÓ produzir pinheiros, de modo que a cultura do algodão CNloudoUHiO cada vez mais para oeste. Na Austrália e na Nova Zelândia, IikIiui um tentativas do governo ingl&s para criar artificialmente uma urlslocraclQ rural (oram mal sucedidas. Em resumo, com exceção das colônias tropicais e subtropicais (onde o clima impede o trabalho à européia), o grunde proprietário fundiário, que se serve dos seus escravos ou servos para subjugar a natureza e cultivar a terra, revela-se uma pura criação do pensamento. Pelo contrário, quando surge, na Antigüidade, como na Itália, ele não desbrava terras incultas, mas transforma em pastagens as terras cultiváveis desbravadas pelos camponeses, des povoando e arruinando regiões inteiras. Apenas na época moderna, depois que o aumento demográfico elevou a exploração da terra e, sobretudo, depois que o desenvolvimento da agronomia permitiu utilizar melhor mesmo as terras medíocres — foi somente então que a grande propriedade fundiária começou a participar sensivelmente no desbrava mento de terras incultas e de pastagens, e isto, preferencialmente, rou bando os terrenos comunais aos camponeses, tanto na Inglaterra como na Alemanha. E a coisa não se fez sem contrapartida: por cada acre de terra que os grandes proprietários desbravaram na Inglaterra, trans formaram na Escócia pelo menos três acres de terra arável em pastagens * para carneiros e, no final das contas, em simples terreno de caça grossa. Aqui nos interessa, apenas, a afirmação do senhor Dühring, segundo a qual o desbravamento de grandes extensões de terra, logo, enfim, de quase todos as terras civilizadas, nlo foi “nunca e em parte alguma” efetuado senão por grandes proprietários fundiários e seus escravos — afirmação que, como vimos, tem como condição prévia uma inaudita ignorância histórica. Não temos, pois, de nos preocupar em saber em que medida, nas diversas épocas históricas, extensões de terra já com pletamente ou em grande parte desbravadas foram cultivadas por escravos (como no apogeu da Grécia) ou por servos (como nas herdades senhoriais da Idade Média), nem temos de nos preocupar em saber qual foi a função social dos grandes latifundiários, nas diferentes épocas.
Depois de nos presentear com um quadro de imaginação digno de grandes mestres — onde não sabemos o que mais apreciar: se os truques na dedução, se as falsificações históricas —, o senhor Dühring exclama com ar triunfal: “Naturalmente, todas as outras espécies de distribuição do riquezas devem explicar-se historicamente de uma maneira análogal”
183
O que lhe poupa, evidentemente, a mínima palavra, por exemplo, sobre a gênese do capital. Se com a sua dominação do homem pelo homem como condição prévia para a dominação da natureza o senhor Dühring quer dizer apenas, e genericamente, que todo o nosso estado econômico atual, o nível hoje alcançado pela agricultura e pela indústria, resulta de uma história social que se prolonga cm oposições do classe, em relações de dominação e de escravatura, cie afirma um verdadeiro lugar-comum, conhecido desde o Manifesto do Partido Comunista, Na verdade, o problema está em explicar a origem das classes e das relações de domi nação, e se para isso o senhor Dühring tem apenas a palavra “violência”, não progredimos nada. O simples fato de que, em todos os tempos, dominados e explorados são bem mais numerosos que dominadores e exploradores e que, portanto, a violência real está nas mãos dos últimos, basta, por si só, para clarificar a loucura de toda essa história da violência. A questão, pois, é explicar as relações de dominação e de escravatura. Elas nasceram por duas vias distintas. Tal como os homens saem primitivamente do reino animal — no sentido estrito —, assim entram na história; semi-animais, grosseiros, impotentes ainda para fazer frente às forças da natureza, ignorantes ainda das suas próprias forças; conseqüentementc, pobres como os animais e apenas mais produtivos que eles. Reina então uma certa igualdade nas condições de existência e, para os chefes de família, tam bém uma espécie de igualdade nas posições sociais — há, pelo menos, ausência de classes sociais, ausência que se prolonga nas comunidades naturais agrárias dos ulteriores povos civilizados. Em cada uma dessas comunidades existem, desde o início, certos interesses comuns, cuja defesa deve ser atribuída a indivíduos, mesmo que sob o controle do conjunto: julgamento de litígios; repressão das usurpações de certos indivíduos para além dos seus direitos; vigilância das águas, sobretudo miN regiões quente*; flnnlnwnic, o diulu o enrúter primitivo c selvagem das cimdlçõcH. rimçõeN rrliglouiM. IMiin delegações de funções cnconImiii Nr rtiiiMiiiilrinriilr itivi niiiiiiiilihidcr e representam premissas dr iiiii pndrt dr 1'Mndii, hutni n poiirii, iw forço* produtivas aumentam; ii i irM*inieiil(i deinogr Afiro grui hilrtrwN, orn comuns, ora antagônicos, riifrr hn dlvcrm conniiildmlrn, nijn ngi upiiincnto em conjunto provoca linda uniu vez umu novii dlvlMUi do trabalho, provocando também a
184
crlnçun do órgiioe paru defender os interesses comuns o proteger contra os aningonlNinos. Esses órgãos (os quais, como representantes dos inlcrvKscM comuns do todo o grupo, têm perante cada comunidade con•idcmdti isoladamente uma situação particular, por vezes até em oposição q ola) assumem depressa uma autonomia maior, quer por causa da horeditariedade do cargo, que os isola num mundo em que tudo se passa conforme a natureza, quer pela impossibilidade crescente de serem dis pensados à medida que aumentam os conflitos com outros grupos. Como, dessa passagem para a autonomia cm face da sociedade, a função social pôde elevar-te, com o tempo, à dominação sobre a sociedade; como, quando a ocasião era oportuna, o servidor de outrora se meta morfoseou pouco a pouco cm senhor; como, segundo as circunstâncias, este senhor tomou o aspecto de déspota ou de sátrapa oriental, de dinasta entre os gregos, de chefe do dã, etc., c cm que medjda, nessa metamorfose, ele se valeu da violência; como, no final das contas, os senhores dominantes se uniram na formação de uma classe dominante — estas «fio questões que não temos de estudar aqui. O que interessa, apenas, é constatar que, em toda parte, uma (unção social está na base da dominação política, e que esta só subsistiu quando preencheu a função social que lhe era confiada. Qualquer que seja o número dos poderes despóticos que surgiram ou declinaram na Pérsia e nas Índias, cada um soube muito exatamente que era, antes de mais nada, o encarregado da irrigação dos vales, sem o que nenhuma cultura era possível. Estava reservado aos esclarecidos ingleses não notarem isso nas índias: eles permitiram a ruína dos sistemas de irrigação e barragens c, finalmente agora, descobrem, pelo retorno regular do espectro da fome, que negli genciaram a única atividade capaz de dar à sua dominação uma legiti midade pelo menos igual i dos seus antecessores.
Mas, ao lado da formação das classes, desenrola-se outro processo. A divisão natural do trabalho no seio da família rural permitiu, a um certo nível de desenvolvimento, introduzir uma ou mais forças de tra balho estranhas. Assim ocorreu, particularmente, nas regiões em que a velha propriedade comunal da terra já se desagregara, ou, pelo menos, nas regiões em que a velha cultura em comum dera lugar à cultura individual dos lotes de terra pelas respectivas famílias. A produção desenvolvera-se a tal ponto que a força de trabalho humano podia agora produzir excedentes; existiam meios para manter mais forças de trabalho e para ocupá-las — a força de trabalho adquiriu valor. Mas, a comu nidade a que se pertencia e a associação de que se fazia parte não forneciam forças de trabalho excedentes. Em troca, a guerra as for-
185
necia, e a guerra cra tão velha como a existência simultânea de vários grupos de comunidades justapostas. Até aí, só se fez uma coisa: pri sioneiros de guerra, que eram sacrificados (cm tempos mais recuados, eram devorados). No nível do “estado econômico” agora atingido, os prisioneiros adquiriam um valor: deixava-se-lhes, portanto, a vida c utilizava-se o seu trabalho. Foi assim que a violência, ao invés de dominar a situação econômica, foi posta a seu serviço. Estava inven tada a escravatura. Ela logo se tomou a forma dominante da produção entre todos os povos cujo desenvolvimento rompia com a velha comu nidade, mas foi, também, uma das causas principais da sua decadência. Somente a escravatura possibilitou em grande escala a divisão de tra balho entre a indústria c a agricultura e, por conseqüência, o apogeu do mundo antigo, o helenismo. Sem escravatura não haveria Estado grego, arte grega, ciência grega. Sem escravatura, o império romano é impensável. Ora, sem a base do helenismo c da romanização, impensá vel é a Europa moderna. Não devemos esquecer que toda a nossa evolução econômica, política e intelectual tem por condição prévia uma situação na qual a escravatura era essencialmente necessária. Nesse sentido, pode-se afirmar que, sem a escravatura antiga, não seria pos sível o socialismo moderno.
Não é' preciso grande esforço para, com fórmulas abstratas, decla rar guerra à escravatura e despejar sobre ela uma moralidade superior. Lamenlavelmente, com isso nada se enuncia, exceto o que todo mundo já sabe, isto é: que as instituições antigas já não correspondem às nossas condições atuais e aos sentimentos determinados por elas. Isso nada nos diz sobre o modo como.aquelas instituições surgiram, existiram ou cumpriram determinadas funções. E, se nos debruçamos sobre esses problemas, somos obrigados a dizer, por mais contraditório e herético que pareça, que a introdução da escravatura nas circunstâncias de então significava um enorme progresso. A humnnidndc começa pelo animal e necessitou do meios bárbaros, quase nninuils, para so desvencilhar da própria biirbíirlc. As nnligns comunidade*. onde subsistiram, continuam Iiíi milênio* Niib n foinm iiihIm gtossHiii dr PMndo, o despotismo oriental, dim fiidlii* *i Rimln. No mído rins mo dkMilvcrnm os povos progrediram, r o mhi pilnirho piiigirwi rroitOnilrii nmslNliu no aumento c no demuiviilvhiirntii tia iituivrw tio Iriihidho escravo. A coisa é lÍMtii iMiipiniiiii ii liiiluilhii hiiiiiMiui riu olitihi tilo pouco produtivo que hiiurilii uni runlrnlr intiiliiiu, n itiiiiiciilii diis forças produtivas, a cMlrnMin do roinóiilii, o itrunivolvlmriilo do Estado e do direito, a fundnçiui dn nrte c da clOiicln ao mini |mmsívcíh graças a uma divisão
186
rcíorçnthi tki Irubiilhu, que, necessariamente, teria como fundamento a gnuulv dlvlMio do trabalho entre as massas que forneciam trabalho IMnunl bhnplcs e os poucos privilegiados entregues à sua direção, ao comórvlo, aos assuntos de Estado e, mais Urde, às ocupações artísticas c científicas, A forma mais simples» mais natural, dessa divisão do trabalho era justamente a escravatura. Levando em conta os antece dentes históricos do inundo antigo, especialmente do mundo grego, a marcha progressiva para uma sociedade fundada nas oposições de classe só podia realizar-se sob a fornia de escravatura. Mesmo para os escravos, isto significou um progresso: os prisioneiros de guerra entre oa quais eram recrutados passaram assim, a conservar, pelo menos a vida, quando antes eram simplesmente sacrificados (e, em tempos anteriores, eram assados).
Acrescentemos» nesse passo, que até hoje todas as contradições históricas entre classes exploradoras e exploradas, dominantes e domina das, encontram sua explicação nesta mesma produtividade relativamente baixa do trabalho humano. Enquanto a população que efetivnmente trabalha está de tal modo absorvida pelo seu trabalho necessário que já não lhe resta tempo para prover os assuntos comuns da sociedade — direção do trabalho, negócios do Estado, questões jurídicas, artes, ciên cias, etc. —, é necessária uma classe particular que, liberta do trabalho efetivo, possa prover estes assuntos (o que nunca a impediu de impor, em seu próprio proveito, uma carga de trabalho cada vez mais pesada às classes trabalhadoras) Só o enorme crescimento das forças produti vas atingido pela grande indústria permite distribuir o trabalho por todos os membros da sociedade, sem exceção, e, assim, limitar o tempo de trabalho de cada um, de modo que a todos reste tempo livre suficiente para participar dos assuntos gerais da sociedade — tanto teóricos quanto práticos, ê, portanto, apenas agora que toda classe dominante e explo radora se tomou supérflua, tornou-se mesmo um obstáculo ao desenvol vimento social, e é apenas agora que ela será impiedosamente liqüidada, por mais senhora que ainda seja da "violência política imediata". Se, pois, o senhor Dühring torce o nariz ao helenismo porque era fundado na escravatura, ele tem iguais razões para reprovar aos gregos o não terem possuído máquinas a vapor e telégrafos elétricos. E se ele afirma que a moderna escravidão do salariado é apenas uma herança um pouco metamorfoseada o suavizada da escravatura, e que não se explica por si mesma (quer dizer, pelos leis econômicas da sociedade moderna), ou isto significa que salariado e escravatura são formas de opressão e dominação de classe (o que nenhuma criança ignora)» ou
187
isto é falso. Porque, assim, seríamos também obrigados a dizer que o salariado se explica como uma forme moderada de antropofagia, forma primitiva, constatada em todas as pQrtcs, do utilização de inimigos ven cidos.
O papel que a violência desempenha na História, em face da evolu ção económica, é, portanto, claro. Primeiro, toda violência política repousa primitivamente sobre uma função econômica de caráter social e cresce na medida cm que a dissolução das comunidades primitivas metamorfoseia os membros da sociedade cm produtores privados, tor nando-os, assim, mais estranhos ainda aos gestores das funções sociais comuns. Segundo, depois de se tomar independente frente à sociedade, a violência política pode atuar cm duas direções: ou no sentido e na dire ção da evolução econômica norma^ — e, nesse caso, não há conflito entre ambas e a evolução econômica é acelerada — ou a violência atua contra a evolução econômica — e, nesse caso, salvo raras exceções, ela sucumbe geralmente ao desenvolvimento econômico. Estas raras exceções são casos isolados de conquistas, em que os conquistadores mais bárbaros exterminaram ou expulsaram a população de uma região ou deixaram perder forças produtivas com as quais não sabiam o que fazer. Foi o que aconteceu com os cristãos, na Espanha mourisca — nada fizeram com os sistemas de irrigação dos árabes, sobre os quais assentavam uma agricultura e uma horticultura altamente desenvolvidas. Toda a con quista de um povo mais bárbaro perturba, evidentemente, o desenvol vimento econômico e liquida numerosas forças produtivas. Mas, na enorme maioria dos casos de conquista durável, o conquistador mais grosseiro é obrigado a adaptar-se ao “estado econômico” mais elevado que resulta da conquista: é assimilado pelos conquistados c chega mesmo a adotar a sua língua. Mas num país — excetuados os casos de conquista — em que a violência interior do Estado entra em conflito com sua evolução econô mica, como acontece, até certo ponto, com quase todo poder político , até hoje, a luta termina sempre com a derrota do poder político. Sem exceção e sem piedade, a evolução econômica vai abrindo caminho — mencionamos o último dos exemplos mais notáveis: a Revolução Francesa. Sc, do acordo com n doulrlnu do senhor Diihring, o estado econômico e, com cio, n vldu cvonômlcn do uma região determinada dependessem simplcimwnlo dn vluWiwlii (mlíllcn, não compreenderíamos como» depois de 184K, binlriln» (hillhurmo IV não conseguiu, apesar do seu “magnífico exército”. Ininxlu/lr nc> ncu país as corporações medlovnlM o outras manlnx romãnlicitN, supornndo as ferrovias, as máquinas
100
ii vii|Mir r ii unindo Indústria quo então começavam a desenvolver-se. Nimii niinpiivmlcrfamos por que o czar russo, muito mais poderoso, niiitiliiiii mi Incnpuz não só de pagar as suas dívidas mas também de manter n nua “violência*’ sem se servir, constantemente, da situação mmflmlcn da Europa Ocidental. Pnra o senhor Dühring, a violência é o mal absoluto; o primeiro ido violento é, para ele, o pecado original: todo o seu argumento não ptuisa do uma lumentação sobre o modo como toda a História, até aqui, foi contaminada por esse pecado original, sobre a infame desnaturação de todas as leis naturais c sociais por esta força diabólica, a violência. Mas o fato de a violência desempenhar ainda um outro papel na Histó ria — o papel revolucionário — segundo as palavras de Marx, o papel de parteira de toda velha sociedade que traz em si uma nova, para ser o instrumento graças ao qual o movimento social triunfa e destrói as for mas políticas esclerosadas e mortas — sobre isso, nem uma palavrinha do senhor Dühring. É entre suspiros lacrimejantes que ele admite que a violência talvez seja necessária para liquidar o regime de exploração — não vai mal, não vai mal! E diz: todo o emprego de violência des moraliza quem se vale dela.
E incrível essa afirmação ante os elevados impulsos morais e inte lectuais de todas as revoluções vitoriosasl É incrível dizer isso na Alemanha, onde um combate violento, que pode até ser imposto ao povo, teria pelo menos a vantagem de purgar o servilismo que, depois da humilhação da Guerra dos Trinta Anos, penetrou na consciência na cional! £ incrívol dizer que essa mentalidade de pregador anêmico, ignorante o impotente pretende lmpor-se ao partido mais revolucionário que a História conhecei
9.
CLASSES SOCIAIS NECESSÁRIAS E SUPÉRFLUAS *
Frequentemente se tem perguntado até que ponto as diferentes classes da sociedade são úteis ou inclusive necessárias. E, como é na tural, a resposta a esta pergunta tem sido distinta em cada época histó rica específica considerada, Houve inegavelmente um tempo em que a aristocracia fundiária era um elemento inevitável e necessário da sociedade. Isso, entretanto, foi há muito, muitíssimo tempo. Logo veio a época em que surgiu, com a mesma inevitável necessidade, uma classe média capitalista (uma bourgeoisie, como a denominam os fran ceses) que, lutando contra a aristocracia fundiária, destruiu seu poder político e tomou-se, por sua vez, econômica e politicamente predomi nante. Mas, desde o nascimento das classes, nunca houve uma época cm que a sociedade tenha podido subsistir sem uma classe trabalhadora. O nome e o status social desta classe mudaram: os escravos foram substituídos pelos servos e estes, por seu turno, cederam seu posto aos • trabalhadores livres — livres da servidão, mas livres também de qual quer patrimônio na terra a não ser n «un própria força de trabalho. ♦ Reproduzido de Enows, F. (tomei aochiis necessários c supérfluas. Trad. dc Marco Aurélio Nogueira. Trnit" tlr (tfnrltu Hnmnnas. Suo Paulo, Livr. Ed. Ciências Humanas, 3: 13*7, 1978. Este texto, publicado a 6 dc iigoMo cio IMXI no periódico Thc Labotir Standard. semanário das trad^tmlottn IngkwiR editado cm Ix)ndres entre 1881 e 1884, é o último de uma série dc on/o mllgiM que Fngoto escreveu entre maio e agosto daquele tno, a pedido da rcdiiçüo do Jornui.
190
Miin 6 rvliIi'h!m ipie, quulnqucr quo sejam as mudanças que ocorram nas ciiniiiihM kIIhn niicnprodutoras da sociedade, esta jamais poderá viver MMii iiiiiit rhirmo do produtores. Portanto, esta ciasse é necessária sob Imlnn uri condições — embora deva chegar o dia em que ela deixará ilv MT lliuii classe e compreenderá toda a sociedade.
Miw a que necessidade responde, atualmente, a existência de cada tiniu destas três classes? Na Inglaterra, a aristocracia fundiária é, para dizer o mínimo, economicamente inútil, enquanto, na Irlanda e na Escócia, se converteu num verdadeiro incômodo, por sua tendência a despovoar o país. Todo o mérito de que podem vangloriar-se os latifundiários irlandeses e esco ceses é o de obrigar as pessoas a emigrarem para o outro lado do oceano ou a morrerem de fome, substituindo-as por ovelhas ou veados. Deixemos a concorrência dos alimentos vegetais e animais norte-americanos desen volver-se um pouco mais e veremos como a aristocracia fundiária in glesa fará o mesmo, ao menos aquela parte desta aristocracia que tem recursos para isso, por ter como respaldo numerosos bens urbanos. De resto, a concorrência dos alimentos norte-americanos logo nos libertará. E, quando isto acontecer, tanto melhor, pois a ação política da aristo cracia (que será então destruída) constitui uma verdadeira praga nacio nal, tanto na Câmara dos Lordes como na Câmara dos Comuns Mas o que ocorre com a classe média capitalista, a classe liberal o ilustrada que fundou o império colonial britânico c instituiu a liber dade Inglesa? Esta ó a classe que reformou o Parlamento em 1832, aboliu as leis dos cercais 1 c reduziu, uma após a outra, as taxas alfan degários. C n classe quo criou o continua dirigindo as gigantescas manu faturas, a imensa marinha mercante e a cada vez mais extensa rede ferro viária da Inglaterra. Certamente, tudo parece indicar que esta classe deve ser ao menos tão necessária quanto a classe operária, que é por ela dirigida e liderada de progresso em progresso.
A função econômica da classe média capitalista tem consistido, na realidade, em criar o moderno sistema de manufaturas e meios de co municação movidos a vapor e cm destruir os obstáculos económicos c políticos que dificultavam ou impediam o desenvolvimento deste sistema. Enquanto cumpriu esta função, é inegável que a classe média capitalista foi, sob os condições existentes, uma classe necessária. Agora, porém, continua a sê-lo? Continua cumprindo, na atualidade, sua função essen1 Thr Corn Laws.
191
dal, a função de gerenciar e ampliar a produção social em benefício da sodedade inteira? Vejamos. Comecemos pelos meios de comunicação. Encontraremos o telé grafo nas mãos do governo. As estradas dc ferro e boa parte das em barcações a vapor de grande tonelagem não são propriedades de capita listas individuais que dirigem seus próprios negócios, mas sim dc sodedades por ações cujos negócios são dirigidos por servidores remune rados, por funcionários que ocupam, de todos os pontos de vista, posi ções superiores e são melhor pagos do que os operários comuns. Quanto aos diretores e acionistas, ambos sabem muito bem que quanto menos os primeiros (diretores) interferirem na direção e os segundos (adonistas) na supervisão, melhor para seus negócios. Uma frouxa e principalmcnte superfidal supervisão é, de fato, a única função que permanece nas mãos dos proprietários das empresas. Assim, pois, vemos que, na realidade, a única atividade reservada aos proprietários capitalistas des tas gigantescas empresas é a dc cobrar semcstralmente os seus dividen dos. A função social dos capitalistas foi transferida, aqui, para empre gados a soldo da empresa; mas o capitalista continua a embolsar, sob a forma de dividendos, o pagamento por aquelas funções, embora tenha deixado de desempenhá-las. No entanto, uma outra função ainda está reservada ao capitalista, a quem a extensão das grandes empresas obrigou a “retirar-se” de seu posto de direção. Esta função consiste cm especular na Bolsa com suas ações. Nossos “retirados” (ou, na realidade, substituídos) capitalistas não têm nada melhor para fazer, e podem dedicar-se a especular a seu bel-prazer nesse Templo dc Mamon 2 que é a Bolsa. São movidos, nessa atividade, pela deliberada intenção de embolsar todo o dinheiro que julgam merecer; e isto apesar de afirmarem que a origem de toda pro priedade é o trabalho e a poupança — a origem talvez, mas certamente não o fim. Pode existir hipocrisia maior do quo a de fechar à força as pequenas casas dc jogos, quando a nossa sociedade capitalista não pode viver sem uma imensa casa dc jogos onde se perdem e se ganham mi lhões e que constitui o verdadeiro centro desta sociedade? Aqui, de fato, a existência dos capitalistas “retinidos” e dos acionistas revela-se não apenas supérflua, mas também iwifcitnmcnle perniciosa.
O que é verdade puni n* rcnovlns o para os barcos a vapor está também se tomando, cndii vez iiiiiín, verdadeiro para todas as grandes Mamon: dous da cobiça.
102
muiuihitiiiHri v rmprcMW comerciais. Durante os últimos dez anos, pelo iiMHinrif Iimii iMudu na ordem do dia a “fundação” de sociedades anônililith, Inln ó, a transformação de grandes empresas privadas em compa nhia» limitadas (sociedades por ações). Desde os grandes armazéns da (*lly du Manchestcr até os altos-fornos e as minas de carvão de Gales o dii norte da Inglaterra c as fábricas de Lancashire, tudo tem estado ou está sendo envolvido por esta operação. Em todo o Oldham deve hnver apenas uma fábrica têxtil em mãos de um particular; até mesmo os comerciantes individuais estão sendo substituídos, cada vez mais, poçr “armazéns cooperativos1’ — a grande maioria dos quais tem de coope rativo apenas o nome; mas disso falaremos em outra ocasião. Vemos, então, que é o próprio desenvolvimento do sistema capitalista de pro dução que íaz do capitalista uma figura tão supérflua como o tecelão manual. Com a diferença, entretanto, de que o tecelão manual se vê condenado a uma lenta morte por fome, enquanto o deslocado capita lista está condenado a uma lenta morte por excesso de alimentação. Mas numa coisa eles são igualmente semelhantes: ambos ignoram o que será deles.
O resultado a que chegamos, portanto, é este: o desenvolvimento econômico da nossa atual sociedade tende, cada vez mais, a concentrar, a socializar a produção em empresas gigantescas, que não podem mais sor dirigidas por capitalistas individuais. Toda a velha baboseira acerca do “olho do chefe”3 e das maravilhas de que este é capaz transformu-sc num completo contra-senso tão logo uma empresa alcança certo tamanho. Tentemos imnginnr o “olho do chefe” da Companhia de Estrados dc Ferro de Londres c do Nordeste da Inglaterra! Mas aquilo que o chefe nâo pode fazer cm empresas como esta, o trabalhador — os servidores assalariados da Companhia — pode fazê-lo, e o faz com êxito. Assim, o capitalista não poderá mais exigir seus dividendos como “soldo por supervisão”, já que não supervisiona nada. Devemo-nos lembrar bem disso quando os defensores do Capital atordoarem nossos ouvidos com essa frase vazia. Em nossa última edição semanal, já tentamos mostrar que a classe capitalista lem-sc tornado também incapaz de dirigir o gigantesco sis tema produtivo deste país; procuramos demonstrar que, de um lado, * 77ir r.yr «/ //«• masfer — é evidente que Engels referc-ie ao -espírito empremirllil" tlprcu do capitalismo clássico, ao empresário capitalista individual.
193
esta classe expandiu a produção de tal modo que periodicamente abarro ta de produtos os mercados; e, de outro» tornou-se cada vez mais in capaz de fazer-se valer írcnlc à concorrência oslrangeira. Vemos, assim, que não só podemos dirigir muito bem QS grandes indústrias do país sem a interferência da classe capitalista como, também, que esta inter ferência está-se tornando cada vez mais um incômodo.
Voltamos a dizer-lhe, mais uma vez: — Rctire-scl Dê à classe operária a chance de demonstrar do que 6 capaz!
10.
NOTA SOBRE O ESTADO *
Já estudamos, uma a uma, as três formas principais através das quais o Estado se ergueu sobre as ruínas da gens. Atenas apresenta a forma que podemos considerar mais pura, mais clássica; ali, o Estado nasceu direta e fundainentalmente dos antagonismos de classe, que se desenvolviam no próprio seio da sociedade gentílica. Em Roma, a sociedndo gentílica converteu-se numa aristocracia fechada, por entre uma plebe numorosn o mantida à parte, sem direitos, mas com deveres; a vitória da plebo destruiu a antiga constituição da gens e, sobre os seus cacombros, instituiu o Estado, ondo não se tardaram a confundir a aristocruclit gonlfllca o a plebe, Finalmcnte, entre os germanos, vencedores do Império Romano, o Estado surgiu em função direta da conquista de vastos territórios estrangeiros que o regime gentílico cra impotente para dominar. Como, porém, a essa conquista não correspondia uma luta séria com a antiga população nem uma divisão do trabalho mais avan çada; como o grau de desenvolvimento de vencMos e vencedores cra quoso o mesmo — e, conseqüentemente, persistia a antiga base econô mica da sociedade —, a gens pôde manter-se ainda por muitos séculos, • Fragmento extraído de Marx, K. c Enobiji, F. Oeuvres choisies en trois volumes. Moscou, Éd. du Progrès, 1970. v. 3, p. 345-50. Trad. por José Paulo NcCto c Ma riu Fllomcna Viegas. FllO (exto — cujo título é da responsabilidade do organizador — constitui um frugmonto do Último capítulo de A origem da família, da propriedade privada e do Estado, obra que Engels escreveu em 1884.
195
sob forma modificada, territorial, na constituição da marca, e também pôde mesmo rejuvenescer durante certo tempo, de modo atenuado, nas famílias nobres e patrícias dos anos posloriores, e até em famílias cam ponesas, como em Dithmarschcn x. O Estado não é, pois, dc modo algum, um poder que se impôs à sociedade de fora para dentro; nem é a “realização da idéia moral” ou “a imagem e a realidade da razão”, como queria Hegcl. O Estado é, antes, um produto da sociedade, quando esta atinge um determinado grau de desenvolvimento; é a revelação dc que essa sociedade enredou-se numa irremediável contradição consigo mesma e que está dividida por antagonismos irreconciliáveis, que não consegue superar. Mas, para que esses antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e não afundem a sociedade numa luta fatal, torna-se necessário um poder colocado aparentemente acima da socie dade, chamado a amortecer o conflito c a mantê-lo nos limites da “or dem”. Esto poder, oriundo da sociedade, mas posto sobre ela e dela distanciando-se progressivamonto, é o Estado. Distinguindo-se da antiga organização gentílica, o Estado caracte riza-se, em primeiro lugar, pelo agrupamento dos seus súditos dc acordo com uma divisão territorial. As velhas associações gentílicas, consti tuídas e sustentadas por vínculos de sangue, tornaram-se, como vimos, em grande parte, insuficientes porque supunham a ligação dos seus mem bros a um determinado território, o que deixara dc acontecer há muito tempo. O território permanecera, mas os homens ganharam a liberdade de movimento. Tomada a divisão territorial como ponto de partida, deixou-se aos cidadãos o exercido dos seus direitos e deveres onde estivessem estabelecidos, independentemente de tribos ou gens. Esta organização dos súditos do Estado conforme o território é comum a todos os Estados. Por isto, parece-nos natural; mas, em capítulos ante riores, vimos como foram necessárias longas o renhidas lutas antes que cm Atenas o om Roma ela pudesso substituir a antiga organização gen tílica. O aquindo Irnça cnractcrísllco 6 n Inrtllulçfio de uma força pública, qur Já nii» «r IdcMilIflrn n>m n juivn rin nrmns. A necessidade dessa hirçn rajrrlnl drilvii iln illvlMIii dn Nirlnliulo om classes, que impossiblllln qiudqiiri iiignuIrnçRii niniadn mpnnlAnca do toda a população. ' 1 C> pihiieho hlatmkMtiM i|iia lave uma kléki, pelo iiieitow iiproxlmada, da natureza da geiw foi NIfImiIh, ao arti iimlin Imenlo ilu gens dilhársico, no qual laiiihém deve a mia millkIdade mo tialat iki awnilo (F. E.). O Dílhmarichcn 6 um Irilllóllo n rnidiiMte do aluai Fk Ideawlg lliiUleln,
100
(hi nm iivi ri liihy.iíivuiil também uma população; os 90 mil cidadãos de AIimiim rui i uiiridlufüm uma classe privilegiada em confronto com os ;IM mil rtivnivos. O exército popular da democracia ateniense era uma fiHÇH ptibllcn aristocrática contra os escravos, visando mantê-los subniIrvNin; todavia, para manter a ordem entre os cidadãos, também foi pirvlno criar uma força policia!, como já dissemos. Essa força pública existe cm lodo Estado; é formada não só por homens armados como, ainda, por instituições coercitivas dc todo o gênero, desconhecidas na sociedade da gens. Ela pode ser pouco importante e até quase nula nas sociedades que ainda não desenvolveram os seus antagonismos de classe, ou ém regiões distantes, como aconteceu em certos lugares e cm certas épocas nos Estados Unidos da América. Mas se fortalece na medida em que se tomam agudos os antagonismos de classe no interior do Estado e na medida cm que os Estados contíguos crescem e experi mentam aumento demográfico. Basta-nos observar a Europa de hoje, onde a luta de classes e a rivalidade nas conquistas levaram a força pública a um tal grau de crescimento que cia ameaça engolir a sociedade inteira e o próprio Estado. Para sustentar essa força pública, são exigidas contribuições aos cidadãos do Estado: os impostos. A sociedade gentílica os desconhecia, mas nós sabemos muito bem o que são. E, com os progressos da civi lização, inclusive os impostos se tomaram insuficientes: o listado saca letras sobre o futuro, contrai empréstimos — contrai dívidas dc Estado, A velha Europa, por experiência própria, está cm condições de também nos falar sobre isso. Donos da força pública e do direito de recolher impostos, os fun cionários, como órgãos da sociedade, põem-se então acima dela. O livrc-respciio, voluntariamente tributado, aos órgãos da constituição gen tílica já não lhes basta, mesmo que pudessem conquistá-lo: veículos dc um poder tornado estranho à sociedade, precisam impor respeito atra vés de leis de exceção, cora as quais gozam de um privilégio e dc uma inviolabilidade especiais. O mais reles dos beleguins do Estado civilizado tem mais “autoridade” do que todos os órgãos da sociedade gentílica juntos; no entanto, o príncipe mais poderoso, o maior homem público ou o general da civilização podem invejar o mais modesto dos chefes do gens, pelo respeito espontâneo e indi&cutido que se lhe dedicava — esto existia mesmo dentro da sociedade; aqueles vêem-se compelidos a pretender representar algo que parece estranho à sociedade e acima dela. Como o Estado nasceu da necessidade de conter o antagonismo das classes, e como, ao mesmo tempo, nasceu no interior do conflito entro cios, torna-se geralmente um Estado cm que predomina a classe
197
mais poderosa, a classe economicamente dominante, a classe que, por seu intermédio, se converte também cm classe politicamente dominante e adquire novos meios para a repressão o a exploração da classe opri mida. Assim, o Estado antigo foi, sobretudo, o Estado dos senhores de escravos para manter subjugados a estes; o Estado feudal foi o orga nismo de que se valeu a nobreza para manter a sujeição dos servos e camponeses dependentes; e o moderno Estado representativo é o ins trumento dc que se serve o capital para explorar o trabalho assalariado. Entretanto, excepcionalmente, há períodos cm que as lutas de classe se equilibram de tal modo que o poder do Estado, como mediador apa rente, adquire certa autonomia momentânea cm face das ciasses. En contrava-se nesta situação a monarquia absoluta dos séculos XVII e XVm, íiel-da-balança entre a nobreza e os cidadãos; do mesmo modo, o bonapartismo do primeiro império francês e principalmcnte do segundo, que jogava com os proletários contra a burguesia e com esta contra aqueles. O mais recente caso desse gênero, em que opressores e opri midos aparecem igualmentc ridículos, é o do novo império alemão, da nação bismarckiana: aqui, capitalistas o proletários são postos na ba lança uns contra os outros e são igual mento ludibriados, para o exclusivo gozo dos degenerados junkers prussionos.
Além disso, na maioria dos Estados históricos, os direitos conce didos aos cidadãos são regulados de acordo com as suas posses, pelo que se vê claramcnte que o Estado é um organismo para a proteção dos que possuem contra os que não possuem. Foi o que vimos em Atenas e em Roma, onde a classificação da população era estabelecida pelo montante de bens. O mesmo acontece no Estado feudal da Idade Média, onde o poder político era distribuído segundo a importância da pro priedade territorial. E é o que podemos ver no censo eleitoral dos modernos Estados representativos. No entanto, esse reconhecimento político dos diferenças dc fortuna não tem nada do essencial; pelo con trário, ntó revela um grau inferior do desenvolvimento do Estado. A ropíiblien dcmocrúticn — n maia clcviulii cIiim formas de Estado, e que, nua idunh rondlçücN nocIiiK vai iipiurccndo como uma necessidade rndn vrz nml* Inrhdávrl r ronio n linini fonna dc Estado sob a qual poilr uri iHtvmlii ii ullliiiii r drfhdtlvn hiUiilhii entre o proletariado e a Ixirgiiraln nâo irronhrrr iimh. nrirhdniride, iin diferenças de forllinn. N’rln, n iliptr/it ririir'liiilhrluiiiriilr n wu jxidcr, embora de mo do innh NCguiti: ilr um Indo. mili ii íoifiiH tlr ronupçüo direta dos fundotiúrloN do HMiuIu r nu Atnólrii nironlnunos o exemplo clássico —- c, dc outro, mib n foinin dr idhinçn nitro o governo e a Bolsa. Esta
1DU
iilhinçH iiiiiridl/A oc com facilidade tanto maior quanto mais forem nu dívidas do Estado e quanto mais as sociedades anônimas foiiMH ninccntrondo nas suas mãos, além dos transportes, a própria IIKhIiiçiu»! fazendo da Bolsa o seu centro. Tanto quanto a América, a liiivtl república francesa é um exemplo muito claro disso, e também a Vülhn Suíça já deu sua contribuição nesse terreno. Mas que a república dcniocrúticn não é imprescindível para essa fraternal união entre Bolsa o Estado prova-o, além da Inglaterra, o novo império alemão, onde não se sabe quem foi alçado mais alto pelo sufrágio universal — se Bismarck ou se Bleichrõder*. E, finalmente, é diretamente ainda pelo sufrágio universal que a classe possuidora domina. Enquanto a classe opri mida — no nosso caso, o proletariado — não está madura para pro mover, ela própria, a sua emancipação, *a maioria dos seus membros considera a ordem social existente como a única possível, e, politica mente, forma a retaguarda da classe capitalista, a sua ala de extrema esquerda. Entretanto, na medida em que vai amadurecendo para a auto-emancipação, ela constitui-se como um partido independente e elege os seus próprios representantes, e não os dos capitalistas. O su frágio universal é, assim, o índice do amadurecimento da classe operá ria; no Estado atual, não passa disso, nem poderá passar jamais — mas é o suficiente. No dia cm que o termômetro do sufrágio universal re gistrar para os trabalhadores o ponto de ebulição, eles saberão — tanto quanto os capitalistas — o que lhes cnbe fazer.
Portanto, o Estado não existe ctemamente. Houve sociedades que se organizaram sem ele, nfio tiveram a menor noção do que ele repre sentava. Ao chegar a certa fase de desenvolvimento econômico, que estava necessariamente ligada à divisão da sociedade em classes, esta divisão tornou o Estado uma necessidade. Estamos agora aproxi mando-nos rapidamente de uma fase de desenvolvimento da produção em que a existência de classes não só deixa de ser compulsória, mas até sc transforma em obstáculo à própria produção. As classes vão desaparecer, e de maneira tão inevitável como surgiram no passado. Com o seu desaparecimento, também desaparece o Estado, inelutavclmente. A sociedade, reorganizando de um modo novo a produção, na base de uma livre-associação de produtores iguais, mandará toda a máquina do Estado ao lugar que ela merece: o museu das antigüidades, ao lado da roca e do machado de bronze. *G. Bleichrõder (1822-1893), banqueiro e especulador alemão, conselheiro de Bismarck.
11.
SOBRE A QUESTÃO CAMPONESA *
Há uma questão sobre a qual, indiscutivelmente, nossos camaradas franceses têm razão: nenhuma transformação revolucionária duradoura pode ser realizada, na França, sc se voltar contra os pequenos campo neses. Parecc-mc, porém, que eles se equivocam quanto à forma para envolver o camponês. Pelo que parece, pretendem ganhar os camponeses da noite para o dia e, se possível, já nas próximas eleições gerais. Somente podem consegui-lo, entretanto, mediante promessas genéricas muito arriscadas e em cuja defesa são forçados a aventar considerações teóricas mais arriscadas ainda. Sc se analisam as coisas mais de perto, vê-se logo que as afirmações gerais entram em contradição umas com as outras (a de claração, por exemplo, de que se deseja manter um estado de coisas que se reconhece fatalmente condenado a desaparecer); e que as me didas concretas sfio ou complctamcnto ineficazes (como as leis contra a usura), ou reivindicaçOos oporárln* do caráter geral ou medidas que
» ♦ Hrpmlii/hlii ilf> PNmhh, P. M piitblrnm caniponts na França e na Alemanha (rmrtfo). In: Ma«. K. r pHa»nn, P. Uhim nrulhtdas, Trad. de Apolônio de ('niviiIIiii. Mhi di* J mirim, PiIíIiiiIhI VIIAcIm. 1QM. v. 3, p. 225-43. P«lr Irilu irpmdii/ fiagnimliM Ma araumla |Miln ilo inllgu A QucílOo camponesa nn íriíii^u r iM A/rnitift/hi, irdlgldo rnlir H r 'íí dn novembro de 1894 e publi cado na irvhia Nrur /elt. VwIm Immll/ii^ltn niMrldaitn foi dlrelamenie motivada pclM tr«c«i pmgiNmâlha' do pai lido npriAilu fiuncb, ta quais Engels reagiu jxjlomknnienla.
200 lillllltfin hivinririu im grandes latifundiários ou, ainda, para terminar, iolvhitlh‘Hçni’n rujo alcance não é considerável c está mesmo longe de o Nur, nimpiiriulOS ao que interessa aos pequenos camponeses. Donde nu conclui quo a parte prática e concreta do programa se encarrega, por nI niCHinu, dc corrigir a primeira arremetida frustrada e de reduzir a llinllCN rcülmcnte inócuos as grandes frases da fundamentação, com a huq aparência perigosa1.
Falemos francamente: pelos preconceitos que lhe advêm de toda a sua situação econômica, de sua educação, do isolamento em que vive — e que a imprensa burguesa e os grandes latifundiários nela infundem constantemente —, só poderiamos conquistar, da noite para o dia, a massa dos pequenos camponeses se lhes prometêssemos coisas que nós mesmos sabemos que não poderíamos realizar. Teríamos que lhes pro meter não só a defesa da sua propriedade contra toda eventualidade decorrente dos poderes econômicos em ação, mas ainda: libertá-los das taxas que já os oprimem e converter o arrendatário çm proprietário livre e pagar as dívidas do proprietário esmagado pelas hipotecas. Se isto fosse possível, voltaríamos à situação que serviu de ponto de partida para se chegar, forçosamente, à situação atual: não teríamos libertado o camponês, teríamos apenas conseguido para ele o direito de respirar por um momento — mas já na forca. Não temos qualquer interesse em conquistar o camponês, da noite para o dia, para que, em seguida — por não lhe termos oferecido o que prome Lêramos —, ele nos volte as costas, novamente, do dia para a noite. Em nosso partido não há lugar para o camponês que reivindica que lhe eternizemos a posse da sua propriedade parcelar, assim como nele não há lugar para o mestre-artesão que deseja perpetuar a sua situação de mestre. Para eles, há lugar entre os anti-semitas — que os procurem, c aí ser-lhes-á prometida a salvação das suas pequenas ex plorações. E, à proporção em que vejam o que existe por trás das frases brilhantes e o tipo das melodias que saem dos violinos que en feitam o céu anti-semita, hão de compreender, cada vez mais, que nós, os que prometemos menos e procuramos a salvação por um caminho muito diferente, representamos, no fim das contas, a saída mais segura. 1 Escrevendo este ensaio, Engcto polemizava contra n política agrária preconizada pelo partida operário francês. Blo mc referiu, oxplicllamente, às propostas con cretas avançadas cm 1892 pelo partido, no Congresso de Marselha e, ainda, à fundamentação teórica de tais propostas, elaborada cm 1894, no Congresso dc N antes.
201
Se os franceses possuíssem, como nós aqui, uma ruidosa demagogia anti-semita, muito dificilmente teriam cometido o erro de Nantes 2.
Qual é, pois, nossa posição face aos pequenos camponeses, e como devemos proceder, em relação a eles, no dia em que subamos ao poder? Em primeiro lugar, é absolutamente exata a afirmação inscrita noprograma francês segundo a qual, mesmo prevendo o inevitável desapa recimento dos pequenos camponeses, não nos cabe, de modo algum, apressar este desaparecimento através da nossa atividade.
E, em segundo lugar, é também evidente que, ao nos apossarmos do poder de Estado, não poderemos pensar em expropriar violenta mente os pequenos camponeses (com indenizações ou sem elas), como seremos obrigados a fazer com os grandes latifundiários. Face aos pe quenos camponeses, nossa tarefa consistirá, antes de tudo, em orientar sua produção individual e sua propriedade privada para um regime cooperativo — não pela força e sim pelo exemplo, oferecendo-lhes condições sociais para tanto. E, neste domínio, certamcnte, teremos muito mais meios do que os necessários para abrir ao pequeno campo nês a perspectiva de vantagens que, já hoje, começam a lhe parecer evidentes.
Há quase vinte anos, os socialistas dinamarqueses traçaram planos semelhantes. A rigor, contam em seu país uma única cidade — Co penhague —, e, por isto mesmo, fora dela, têm que se dedicar quase cxclusivamcntc à propaganda no campo. Os camponeses de uma aldeia ou paróquia — há, na Dinamarca, muitas aglomerações camponesas bastante grandes — reunirão suas terras e formarão uma grande fazenda, cultivá-la-ão coletivamente e repartirão os frutos do trabalho propor cionalmente às terras trazidas ao fundo comum, ao dinheiro fornecido antecipadamente e ao trabalho com que tiverem contribuído. A pequena propriedade, na Dinamarca, desempenha um papel apenas acessório. Sc, porém, aplicarmos estas idéias a uma região de propriedade parcelar, veremos que, com o emprego comum titis parcelas e o cultivo em grnntlo cscnln tln ftron lodil, (rrcmoN o excedente de uma parte das forças de trabalho que aulei w ullllziivimi iilL Esto economia de trabalho conMltiil, pirrhnmrnlr, uma clitw pilnrlpah vantagens da grande lavoura. *Hm pimwgeii' nrUotlotrm itai» mitlo, Vagei* ecmipurn o quadro francês com U liUlIUÇflo íilcnifl dnf r*lit irfriêiidu tton llgtl1)NUncn(OS políticos anti-semitas. A monção no Meim de Nimlrw" irindiauí *r à rnUiilêgla política explicitada pelo partido fruncên nu acu coagí rua nuquelu dilndo (setembro de 1894).
Pinit i-vm fiupi ilc tmbiilho, po