Uma Breve História Sobre Buracos Negros [1 ed.]


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Uma Breve História Sobre Buracos Negros [1 ed.]

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UMA BREVE HISTÓRIA SOBRE BURACOS NEGROS

Copyright © 2020, Victor Lins TÍTULO ORIGINAL

Uma breve história sobre buracos negros

SUMÁRIO

Prefácio

1

Os precursores

2

A física do buraco negro

3

Buracos negros são restos mortais

4

Radiação Hawking

5

Paradoxo da Informação

6

Ondas gravitacionais

7

Buracos de minhoca

8

Expectativas para o futuro

Apêndice: medindo a massa de estrelas

Para o meu pai, a força motriz que tornou tudo isso possível.

PREFÁCIO Se você está lendo esse livro, há uma razoável probabilidade de que é um entusiasta da ciência ou pelo menos um curioso, o que considero admirável. O curioso tem um instinto duvidoso natural, uma aura questionadora, isto é, dos que sempre se indaga o porquê das coisas e estar o tempo inteiro em busca das respostas para suas desconcertantes perguntas. Por essa razão, é natural você estar reflexivo sobre o porquê estou dedicando um livro unicamente para falar sobre buracos negros e suas implicações. Por que será que esses corpos escuros que não conseguimos enxergar possuem tanta relevância e estão sendo tão aclamados pela comunidade científica? Por que será que a detecção de ondas gravitacionais que em 2017 no LIGO (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory Horizon Telescope | Um projeto fundado em 1992 por Kip Thorne e Ronald Drever, visando detectar ondas gravitacionais) por físicos norte-americanos, oriundas da colisão de dois buracos negros, foi considerado algo tão revolucionário que os ditos físicos ganharam um prêmio Nobel da física? Por que será que físicos e astrônomos de todo o planeta comemoraram enormemente a obtenção da primeira fotografia de um buraco negro, em 2019, através do EHT (Event Horizon Telescope | Rede de telescópios que possibilitou a primeira fotografia de um buraco negro, localizado no centro da galáxia M87)?

Imagem: EHT

Caro leitor, reconheça: nós estamos vivendo a verdadeira fase de ouro da ciência. Talvez você possa estar pensando que a época de ouro residiu nos séculos passados, com o advento do eletromagnetismo de Maxwell, da Termodinâmica de Boltzmann, da relatividade de Einstein, da física quântica de Planck, Bohr, Dirac, Feynman e outras grandes mentes que nos propiciaram uma melhor descrição da natureza como um todo com suas teorias revolucionárias, assim como eu mesmo já cheguei a pensar uma vez, ou, ainda, pode cogitar que já se foi descoberto tanto na física clássica e moderna que parece não ter mais nada para descobrir. Uma infeliz (ou feliz) notícia para você: esse pensamento se trata de um equívoco.

Apesar dos séculos passados terem sido magistrais à luz da evolução da ciência — disso eu não discordo — não havia nada parecido com a tecnologia de ponta que se tem hoje; em um mero dispositivo que carregamos no bolso com acesso à internet, somos capazes de acessar milhares de livros e pesquisar qualquer coisa numa rede imensa chamada Google, sem falar na capacidade praticamente ilimitada de criação de programas nos atuais computadores. Tais atividades só eram possíveis de serem realizadas nos anos passados através de exaustivas horas de procura em bibliotecas, tempo perdido em translados, dentre outros, o que fazia todo o processo ser muito menos produtivo em relação ao que se pode fazer hoje. Seremos os pioneiros nas descobertas possibilitadas através dessa tecnologia oriunda da quarta revolução industrial. No tocante à forma como este livro está organizado, sugiro que você leia os primeiros quatro capítulos na ordem em que foram escritos, visto que eles são necessários para te dar uma base sólida e te preparar para os capítulos que sucedem. Os capítulos remanescentes podem ser lidos na ordem que você desejar, uma vez que eles não apresentam uma ordem a ser seguida necessariamente, em que são discutidos temas diversos relacionados aos buracos negros. O livro todo foi pensado e estruturado de tal forma que possuísse uma linguagem não muito técnica, que pudesse atender as expectativas de um leigo e também de um profissional; me inspirando no astrofísico que tanto admiro, Stephen Hawking. Recomendo que qualquer tipo de leitor deguste desse livro como um todo; procurei detalhar e aproveitar o máximo possível de cada capítulo, de tal forma que sempre terá algo novo a aprender ou relembrar, independente se você é novo ou experiente no assunto.

CAPÍTULO I Os Precursores Antes de Sir Isaac Newton, era de comum aceitação para as pessoas ordinárias que quando objetos eram lançados para cima, algo os fazia cair. O que não era compreendido fundamentalmente era o que fazia tais objetos sempre caírem, o que posteriormente viria a ser chamado de gravidade. Em 1687, Newton publicava a sua mais renomada obra: Philosophiae naturalis principia mathematica (Princípios Matemáticos da Filosofia Natural). No Principia, Newton formulou uma teoria da gravidade na qual afirmava que a mesma era a expressão da interação entre corpos dotados de massa; a chamada força de atração gravitacional era mútua, de igual intensidade e direção para ambos os corpos, porém de sentido oposto. Essa força poderia ser mensurada através da sua lei do inverso do quadrado da distância:

Nesse contexto, a gravidade era compreendida como uma consequência direta da influência de todos os corpos que possuíam massa — bastava que dois corpos estivessem no espaço e fossem dotados de massa não-nula que a força

gravitacional era sentida por ambos os corpos, de forma inexplicadamente automática. Apesar de apresentar um modelo para a gravidade e elaborar uma descrição matemática convincente e testável para diversos fenômenos, faltava na gravitação de Newton uma fundamentação real do porquê tudo aquilo ser verdade. Em outras palavras, por que a lei do inverso do quadrado da distância sempre seria válida? Qual é a natureza da interação dos corpos que gera a força de atração? Essas e outras perguntas se mantiveram sem resposta por muito tempo, mas a teoria de Newton foi muito bem aceita pela comunidade científica por causa das previsões de diversos fenômenos cotidianos e também de muitas situações astronômicas com um grau de precisão excelente para o século XVII. Em uma analogia não muito precisa, podemos dizer que é como se alguém tivesse percebido que um semáforo transita do sinal vermelho para o verde a cada 20 segundos. Houve a observação do fenômeno (a transição), a elaboração de uma equação que prevê quando o sinal vermelho troca para o verde (a formulação matemática), e os incansáveis testes de medição de tempo para confirmar que o semáforo realmente fazia aquilo todas as vezes, conforme ditava a equação (os experimentos comprobatórios). Apesar de tudo, não foi explicitado em momento algum o real motivo dos semáforos trocarem a cor de vermelho para verde, isto é, a natureza desta transição. Indo além, a concepção newtoniana de espaço-tempo era que essas duas entidades eram independentes uma da outra, com um espaço tridimensional para todo o universo e tempo absoluto, não havia nenhuma relação direta entre ambos. É necessário que fique claro o que era compreendido por tempo absoluto: o tempo corria na mesma rapidez para todos os observadores, passava de forma contínua e igualitária para todos os referenciais, independentemente do movimento desses. A teoria da gravidade posta por Newton mostrou-se um sucesso incomparável, pois conseguia ditar a mecânica dos corpos, até mesmo os celestes, com um excelente grau de

precisão para a época; era tida praticamente como irrefutável por muitos e a maioria dos físicos acreditaram veemente por séculos que ela era a real formulação que explicava a gravidade.

Imagem: ScienceMan

Apesar do seu indiscutível sucesso, a gravitação newtoniana enfrentou algumas situações adversas, que não conseguia explicar de forma satisfatória, como o problema com a precessão do periélio de Mercúrio. Explicando brevemente, havia uma discrepância entre os valores previstos pela teoria da gravidade de Newton e os

valores efetivamente mensurados em experimentos no que se refere à gradual rotação da linha que une o periélio (menor distância do planeta até o sol na órbita executada) e o afélio (maior distância do planeta até o sol na órbita executada). A explicação para essa discrepância a priori poderia se pautar em erros experimentais, falhas humanas. Todavia, a diferença de valores obtida era suficientemente grande para não ser um problema oriundo de erros desta natureza. Por séculos, esse problema se manteve não solucionado; esses foram uns dos primeiros sinais que nos alertavam sobre precisar de uma nova formulação da teoria da gravidade. A situação persistiu, até que no início do século XX um jovem alemão deixou toda a comunidade científica em choque ao afirmar que a gravitação newtoniana e o conceito de espaçotempo vigente na época estavam equivocados. Esse jovem viera a ser considerado uma das mentes mais brilhantes da história da humanidade; se tratava de ninguém menos que Albert Einstein. Em primeiro lugar, com a sua recém-nascida e publicada teoria da relatividade especial, Einstein afirmava que o espaço e o tempo eram duas coisas indissociáveis, ou seja, mudanças no espaço interferiam na forma como passava o tempo e mudanças no tempo influenciavam no espaço. Além disso, Einstein estabelecia dois postulados principais: 1. As leis da física não possuem referencial inercial preferencial; elas são as mesmas em todos eles. 2. Uma vez no vácuo, a velocidade da luz tem o mesmo valor c para todos os referenciais inerciais. Não obstante, dez anos depois, Einstein publica a teoria da relatividade geral (GR), sua maior obra prima: uma nova teoria da gravidade. Diferentemente da gravitação universal de Newton, onde a gravidade era apenas uma força de atração resultante da interação entre corpos dotados de massa, a relatividade geral explica a natureza da gravidade de uma forma muito mais fundamental: tratava-se de uma consequência da métrica do espaço-tempo, isto é, uma propriedade geométrica.

De forma breve, o espaço-tempo é interpretado como uma malha flexível que chamamos de “fábrica”. Corpos dotados de massa, fazem com que a fábrica do espaço-tempo se curve, deformando regiões adjacentes e fazendo com que corpos nessas localidades escorreguem pela curva, o que interpretamos como uma atração. Conforme os corpos fossem escorregando e chegando mais perto, a curva vai ficando mais íngreme, intensificando cada vez mais a atração sentida.

Imagem: NASA

No caso do Sol e da Terra, o Sol possui uma massa muito maior que a da Terra, então é por isso que percebemos a Terra orbitar em torno do sol de forma mais acentuada do que o contrário. Entretanto, a nível geral, toda a matéria deforma o

espaço-tempo em algum grau; algumas se sobressaem mais do que outras. Essa nova interpretação mudara toda a realidade do que se pensava que era o Universo, além de resolver com maestria as situações adversas que a gravitação newtoniana não conseguia; era realmente uma teoria revolucionária. Apesar da animação e do sucesso sem igual, Einstein ainda não possuía evidências de fato experimentais que pudessem comprovar sua teoria; a relatividade geral estava muitos anos à frente do seu tempo. Por essa razão, Einstein enfrentou o ceticismo de muitos físicos por todo o mundo que, de início, acreditavam que a relatividade era apenas uma manipulação matemática que seria dificilmente comprovada experimentalmente; estavam adeptos à mecânica de Newton, em sua zona de conforto, entretanto perceberam a validez da relatividade certo tempo depois. Meses se passaram, a tecnologia e as oportunidades foram aparecendo gradativamente, e a relatividade passava a cada teste a que era submetida. Conquistando cada vez mais espaço e aceitação na comunidade científica, Albert foi considerado um verdadeiro gênio, patrimônio da humanidade. Com o passar do tempo, não só a relatividade transformou nosso entendimento da natureza como também previu fenômenos e eventos que pareciam ser cada vez mais exóticos e contra-intuitivos. Convido o leitor para um experimento mental muito similar ao de Einstein em meados de 1916 e que será o ponto de partida fundamental para o desenvolvimento de todo esse livro.

Imagem: Roen Kelly

Imagine a malha do espaço-tempo sem nenhum corpo por perto, plana. Agora, adicione o nosso Sol ao sistema em questão e imagine a deformação que esse corpo induz na malha. Qualquer objeto que passe suficientemente próximo ao Sol irá “escorregar” pela deformação do espaço mencionada, curvando sua trajetória. Você já entende que quanto maior a massa de um corpo, maior será a deformação induzida no espaço-tempo e, consequentemente, uma maior atração gravitacional será sentida por corpos adjacentes. Seguindo esse raciocínio, até mesmo a luz, dotada da maior velocidade do Universo condicionada pela relatividade restrita, pode ser influenciada pela deformação de um corpo suficientemente massivo no espaço, afinal, ela sempre percorre as geodésicas.

Lembre-se que uma geodésica é a menor distância entre dois pontos. Num plano, a geodésica é a reta que une os dois pontos, mas em um espaço-tempo com outra simetria a geodésica pode ser uma curva. Com um raciocínio muito similar a este e com soluções coerentes em suas equações, Einstein previu, há mais de 100 anos, a existência de certos corpos no Universo que, postumamente a ele, viriam a ser chamados de buracos negros por John Wheeler. A motivação para esse nome se dá ao fato de que se nem mesmo a luz consegue escapar do buraco negro, não haverá a chegada da mesma aos nossos olhos, nem a interpretação de imagem pelo nosso cérebro e, consequentemente, não veremos nada além de um corpo negro deformando intensamente o espaço-tempo ao seu redor.

CAPÍTULO II a fÍSICA DO bURACO nEGRO Buracos negros são corpos exóticos do cosmo que deformam o espaço-tempo de forma tão intensa que nem mesmo a luz — o que há de mais veloz no universo até onde sabemos — consegue escapar. Nossa missão a partir de agora é compreender o básico do funcionamento desses corpos, sua constituição e elementos fundamentais.

Imagem: James Provost

Na imagem, pode-se observar a deformação no espaçotempo causada pelo nosso Sol, por uma estrela de nêutrons e por um buraco negro. Apesar da ilustração não estar em escala (precisaríamos de um papel de um tamanho extraordinário para conseguir representar a deformação real de um buraco negro), é possível perceber a diferença de deformação relativa a cada corpo. Alguns elementos do buraco negro que merecem grande destaque são o seu horizonte de eventos e a sua singularidade, que aparecem em formas diferentes a depender do tipo do buraco negro. Um buraco negro pode ser caracterizado completamente por três quantidades: massa, spin e carga elétrica. Entre os 4 principais tipos de buracos negros, há alguns com spin nulo, outros com carga elétrica nula, mas nenhum buraco negro admite massa nula. O conceito de massa e carga elétrica provavelmente são bem mais familiares para você do que o de spin, contudo todos serão esclarecidos em seguida. A massa nada mais é do que a quantidade de matéria que constitui um dado corpo; no sistema internacional de unidades ela é medida em quilogramas (kg). A carga elétrica, por sua vez, trata-se de uma propriedade física fundamental que dita as interações eletromagnéticas. Já o spin, caracteriza a rotação da singularidade de um buraco negro, ou seja, está intimamente ligado com seu momento angular. Como todas as estrelas conhecidas rotacionam e, também, a colisão de dois corpos que rotacionam tendem a compor um outro corpo que também rotaciona, afinal, é mais provável se associarem de uma maneira aleatória cujo resultado dê um spin não-nulo do que ser arranjado de um modo específico em que o spin reduza-se a zero e o corpo não rotacione, o esperado é de que todos os buracos negros presentes na natureza rotacionem; alguns em sentido horário, outros em anti-hórario, uns mais rapidamente e outros mais devagar.

Baseando-se nessas três características fundamentais, a solução das equações da relatividade geral nos mostraram a existência de 4 tipos de buracos negros, que recebem o nome em homenagem aos que foram respónsáveis pelas soluções: (I) Schwarzschild, (II) Kerr, (III) Reissner–Nordström e (IV) Kerr– Newman. I. Schwarzschild (carga elétrica Q = 0, spin J = 0) O buraco negro de Schwarzschild é um buraco negro estático (não possui rotação nem carga elétrica). Esse é o tipo de buraco negro mais simples em relação aos demais e acreditamos que buracos negros desse tipo dificilmente se formam de fato na natureza.

Imagem: Kurzgesagt – In a Nutshell

Possui uma “superfície matemática” limite, chamada de horizonte de eventos. Para entender como a mesma funciona, acompanhe a analogia a seguir. Quando uma pessoa se aproxima de uma queda d’água, existe um ponto limite até onde se pode chegar, antes que o retorno se torne impossível.

Quero dizer, passado esse ponto, não importa quanto você tente nadar, não conseguirá voltar e irá cair. Entretanto, se a pessoa não passar do referido ponto limite, ainda é possível nadar em sentido contrário e estar fora de perigo. Algo muito similar acontece nos buracos negros: o “ponto limite” é o que chamamos de horizonte de eventos. Qualquer coisa que cruze o horizonte de eventos precisa estar se movendo a uma velocidade superior à velocidade da luz para retornar. Pelo segundo postulado da teoria da relatividade especial, sabemos que isso é impossível e, portanto, não há retorno de forma alguma caso um corpo surpasse o horizonte de eventos de um buraco negro. Analogamente à queda d’água, ainda é possível escapar da atração do buraco negro caso o corpo não tenha cruzado ainda o horizonte de eventos. É possível calcular o raio de influência desse horizonte de eventos ou, formalmente falando para esse tipo de buraco negro, o raio de Schwarzschild. Como é de se esperar, o referido raio é diretamente proporcional à massa do buraco negro — quanto maior a massa, maior será a deformação no espaço e, assim, a atração gravitacional é expressa com mais intensidade, mesmo para corpos distantes. Além disso, a métrica de Schwarzschild nos diz que há um ponto central, interno ao buraco negro, em que a curvatura do espaço-tempo é infinita: uma singularidade gravitacional.

Imagem: University of Alberta

Trata-se de um ponto (volume nulo), densidade e curvatura infinita e não podemos vê-la já que ela localiza-se internamente ao buraco negro. Apesar de suas características incomuns e de não entendermos perfeitamente o que se passa na singularidade, ela faz parte da interpretação das equações que nós temos e que funcionam tão bem no geral. II. Kerr (Q = 0, J ≠ 0). Um buraco negro de Kerr possui spin não-nulo (ele rotaciona), diferentemente de um buraco negro de Schwarzschild (que é estático). Por sinal, a observação de ondas gravitacionais pelo LIGO foi a primeira observação direta de buracos negros de Kerr. Em primeiro lugar, o fato do buraco negro estar rotacionando resulta numa grande diferença no modo como o

espaço-tempo adjacente se comporta, através do efeito framedragging (arrasto de referenciais, em tradução literal), também chamado de efeito de Lense–Thirring. Esse efeito afirma que os corpos rotatórios deformam o espaço-tempo em determinada forma que a órbita de partículas adjacentes acaba sofrendo precessão (mudança na orientação do eixo de rotação). Explicado brevemente, se um corpo qualquer for lançado em direção a um buraco negro, além de tender a entrar, ele também vai tender a acompanhar o movimento de rotação do buraco negro; não por causa de um torque mas, por causa da curvatura rotatória do espaço-tempo associada ao corpo em si. O grande detalhe é que se a massa do objeto-fonte não for grande o suficiente, é muito difícil conseguir detectar esse efeito; como os buracos negros normalmente têm massa enorme, não costuma ser uma dificuldade. O frame-dragging não ocorre na mecânica newtoniana, uma vez que, nessa, o campo gravitacional dos corpos depende da sua massa e não da rotação dos corpos. Estando perto o bastante, todos os corpos — incluindo a luz — devem rotacionar juntamente numa região que chamamos de ergosfera. Trata-se de uma região adjacente ao “lado de fora” do horizonte de eventos e, de certo modo, é uma potencial fonte de energia praticamente inesgotável para os humanos. Caso a energia rotacional do buraco negro esteja localizada na ergosfera, é possível roubar energia desse espaço-tempo rotatório devido ao impulso fornecido por essa região que está em intensa movimentação, através de um processo chamado de Mecanismo Penrose. Nesse procedimento, o buraco negro sofre uma pequena redução em seu momento angular e ocorre uma transferência de sua energia para o corpo impulsionado. Apesar de promissor, esse mecanismo possui algumas barreiras físicas, tecnológicas e financeiras para ser efetivamente executado no contexto evolutivo vigente.

Em segundo lugar, os buracos negros de Kerr possuem singularidade e horizonte de eventos distintos dos presentes no buraco negro de Schwarzschild. Enquanto a singularidade de Schwarzschild era um ponto, a de Kerr é um anel, visto que o momento angular de um buraco negro de Kerr não é nulo e, portanto, não poderia ser um ponto — pontos não rotacionam. Ademais, no buraco negro de Schwarzschild, apenas o horizonte de eventos dividia o meio de fora e de dentro do buraco negro, enquanto que no buraco negro de Kerr temos duas “superfícies limiares” que chamaremos de superfície externa e superfície interna. A superfície externa cerca a ergosfera, enquanto que a interna cerca o horizonte de eventos que estávamos acostumados a falar no buraco negro de Schwarzschild. Ambas as superfícies são singularidades aparentes — isso quer dizer que deixam de ser singularidade quando um sistema de coordenadas mais adequado é adotado, logo, só precisamos nos preocupar com a singularidade em anel, no centro. III e IV. Reissner–Nordström (Q ≠ 0, J = 0) e Kerr–Newman (Q ≠ 0, J ≠ 0). Esses dois tipos de buracos negros assumem que os mesmos possuem uma carga elétrica diferente de zero e, portanto, levam em conta interações eletromagnéticas e a energia associada ao campo eletromagnético. A grande diferença é que o buraco negro de Reissner–Nordström não rotaciona, enquanto que o de Kerr–Newman, sim. Apesar dessas métricas serem tanto soluções quanto os buracos negros de Schwarzschild e de Kerr, é extremamente improvável que esses tipos de buracos negros existam na natureza, uma vez que para curtas distâncias a força eletromagnética é cerca de 40 vezes maior que a gravitacional e, portanto, um buraco negro desse tipo seria extremamente instável. Todavia, é interessante saber que o buraco negro de Kerr– Newman é a maior generalização possível para as soluções das

equações de GR — esse é o tipo mais complicado de buraco negro que conseguimos prever. Indo além, colocando em perspectiva a importância de entendermos as singularidades, há teorias que consideram que o estado inicial do universo, o que antecede o Big Bang, poderia ser uma singularidade. Existem várias teorias que buscam explicar o que havia antes do Big Bang, apesar de que até o momento não temos nenhuma prova concreta e bem aceita, com procedimentos experimentais e reproduzíveis, por enquanto. A futura teoria da gravitação quântica, uma teoria a ser desenvolvida que seja capaz de unificar GR com a mecânica quântica (QM), deve nos trazer respostas para esses problemas como as singularidades — elas são sinais de que a teoria da relatividade geral não está completa. Até o momento, a teoria das cordas e a teoria da gravidade quântica em loop são as mais estudadas; estamos apostando nossas fichas que uma dessas duas possa realizar essa tarefa tão difícil que é unificar GR e QM. Reitero: estamos vivendo a época de ouro da ciência. Ademais, uma pergunta muito comum é como conseguimos obter uma fotografia real de um buraco negro se, em tese, não conseguimos vê-lo. Além desses, há aqueles que perguntam como é possível afirmar que é impraticável observar um buraco negro já que, sem muita dificuldade, conseguimos observar aquele “círculo brilhante” que circunda o corpo negro central. A resposta para as duas perguntas é relativamente simples de se entender: o que conseguimos ver não é o buraco negro em si, mas sim o disco de acreção que comumente realiza um movimento orbital ao redor dos buracos negros. O disco de acreção é um conjunto de materiais e dejetos espaciais que estão dispersos e adjacentes ao buraco negro, orbitando-o. O brilho observado é oriundo da transformação da energia gravitacional, envolvida no processo, em calor, irradiada na superfície do disco.

Por essa razão, a partir de agora, não confunda: o brilho que vemos próximo ao buraco negro é o disco de acreção circundante, não o buraco negro em si. Por conseguinte, distribuídos pelo universo, temos os buracos negros clássicos — que possuem massa algumas vezes a do nosso Sol — e outros chamados de supermassivos — que possuem massa milhões ou bilhões de vezes maior que o Sol e são formados, principalmente, pela colisão com outros buracos negros. Uma curiosidade que relativamente poucas pessoas sabem: a maioria esmagadora do centro das galáxias abrigam buracos negros supermassivos, inclusive o centro da nossa galáxia, a Via Láctea. Sem sombra dúvidas, é algo que deve ser estudado e desenvolvido nos próximos anos, visando elevar a nossa civilização a um nível jamais visto de controle de energia. Por vezes, apesar de uma ideia não dar certo como se espera, o simples desenvolvimento e raciocínio da mesma faz com que outros indivíduos possam aprimorá-la ou criar outras que possuam caminhos similares e praticáveis. A ciência é dinâmica e está sempre se reinventando; os pesquisadores de seriedade estão sempre lendo exaustivamente, escrevendo, compartilhando, errando e aprendendo.

Imagem: ESO, ESA/Hubble, M. Kornmesser

CAPÍTULO III Buracos negros são restos mortais Uma outra dúvida muito comum sobre os buracos negros é em relação a sua formação. Quero dizer, nesse momento da sua leitura você já entende bem o que é um buraco negro e como ele funciona, entretanto se não teve contato prévio com o assunto provavelmente não faz ideia de que maneira um corpo extremo como esse se forma. Para compreender isso melhor, preciso te explicar sobre o ciclo de vida de uma estrela, afinal, a formação mais comum de um buraco negro está diretamente ligada com as estrelas: buracos negros são restos mortais estelares. A origem das estrelas reside nas nebulosas — enormes nuvens de gás concentradas, principalmente, em hidrogênio.

Imagem: NASA, ESA/Hubble and the Hubble Heritage Team Os pilares de criação - Nebulosa Eagle

Devido a sua própria gravidade, a acumulação de matéria nesses ambientes faz com que o aglomerado colapse num núcleo. Nesse núcleo, os átomos de hidrogênio em alto contingente chocam-se e as fusões nucleares transformam o hidrogênio em

hélio, liberando quantidades exorbitantes de energia: uma estrela acaba de nascer.

Imagem: iStock

A atração da gravidade gerada pelo aglomerado de matéria gera forças radiais (forças cuja orientação coincide com a direção do raio de uma simetria esférica. que “empurram para dentro”), em direção ao ponto central, enquanto que a energia em forma de radiação oriunda da fusão de hidrogênio em hélio gera forças radiais que “empurram para fora”. Esse equilíbrio é chamado de equilíbrio hidrostático e é o que mantém a estrela ativa, transformando hidrogênio em hélio como combustível para isso, de início. Caso a estrela em questão for um pouco mais massiva do que o nosso Sol, as fusões nucleares resultam em elementos cada vez mais pesados, passando por átomos de carbono, neônio, oxigênio, silício, até, finalmente, chegar em ferro. O grande problema da formação de ferro é que, diferentemente dos outros átomos mencionados, ela não libera a

energia necessária para manter a estrela ativa; é um combustível relativamente fraco para a estrela. A acumulação de ferro no núcleo começa a aumentar drasticamente e o equilíbrio hidrostático é perdido: a gravidade vence a radiação. Por conseguinte, o núcleo colapsa num ponto central e a estrela sofre uma implosão magistral: uma supernova, formando todos os elementos do universo de uma vez. Nessas condições, há duas possibilidades: a supernova dá origem a uma estrela de nêutrons ou toda a massa do núcleo colapsa num buraco negro.

Imagem: Casey Reed, Penn State University Estrela de Nêutrons (representação)

Imagem: NASA Buraco Negro (representação)

Para sabermos se a supernova resulta numa estrela de nêutrons ou num buraco negro, precisamos medir a massa do corpo resultante. Atualmente existem diversos métodos para mensurar a massa desse produto final. Procurando mencionar o método mais simples possível, as leis de Kepler ainda hoje podem ser utilizadas para produzir resultados de precisão satisfatória. Quando analisamos buracos negros ou estrelas de nêutrons em movimento orbital, é possível utilizar a 3° lei de Kepler para estimar a massa do corpo em questão; é bastante simples e funcional. Uma vez medida a massa do corpo, verificamos se ela excede ou não aproximadamente 1,44 massas solares, também conhecido como o limite de Schönberg–Chandrasekhar, onde o primeiro é um brasileiro e o segundo é um indiano. Em caso positivo, a degenerescência eletrônica vigente se rompe, os elétrons se combinam com prótons e formam nêutrons, resultando na famosa estrela de nêutrons. Entretanto, caso o corpo tenha uma massa equivalente a aproximadamente 2,5 massas solares ou superior, a supernova

produziu um buraco negro, visto que há massa o suficiente para deformar o espaço-tempo de modo a não deixar a luz escapar. Vale mencionar que se a massa do corpo resultante for menor do que o limite de Schönberg–Chandrasekhar, em geral não haverá supernova, mas sim a formação de uma anã-branca. Entrando em detalhes, caso uma estrela chegue no fim de sua vida e não possua gravidade o suficiente para colapsar, ocorre um resfriamento: a estrela exaure sua energia por bilhões de anos, formando uma anã-branca.

Imagem: University of Warwick/Mark Garlick

É nesse contexto de fusões nucleares, supernovas, formação de elementos químicos, restos mortais e evolução que nascem um dos corpos mais exóticos do cosmo, os buracos negros.

Entretanto, o universo é demasiado vasto; uma imensidão que o cérebro humano é incapaz de sequer imaginar, não sabemos o que há mais de exótico por aí. Com toda a certeza, ainda há diversos tipos de corpos exóticos que não fomos capazes de detectar, que ainda nos renderão excelentes descobertas e um entendimento cada vez melhor da natureza. Buracos negros são uma dessas entidades do cosmo que apesar de as vezes aparentarmos saber muito, sabemos pouquíssimo. O estudo desses corpos ainda está incrivelmente em alta até hoje; inúmeras pesquisas promissoras estão sendo feitas utilizando os buracos negros como recurso ou ideia central. Não obstante, 50% do Nobel da física do ano em que esse livro foi publicado foi dado a Roger Penrose pela descoberta de que a formação de buracos negros é uma robusta previsão da teoria da relatividade geral e os outros 50% foram divididos por Andrea Ghez e Reinhard Genzel, por terem detectado um supermassivo e compacto objeto no centro da Via Láctea (os indícios indicam que trata-se de um buraco negro). Fica cada vez mais difícil de discordar de mim: estamos vivendo a época de ouro da ciência.

Imagem: Nobel Prize

CAPÍTULO IV Radiação Hawking Para fechar o ciclo básico, ainda preciso falar sobre como os buracos negros morrem. No início do século passado, com o advento da relatividade geral de Einstein e a teorização dos buracos negros, imaginavase que esses corpos eram capazes de “sugar” tudo que passasse por perto, drenando matéria e energia. A teoria era recém-nascida e os seus resultados estavam em constante validação e até então, os físicos não faziam ideia se tais corpos exóticos morriam e, em caso positivo, como morreriam. Algumas décadas se passaram e gradativamente os físicos foram entendendo cada vez melhor o funcionamento dos buracos negros, de tal forma que, em 1974, Stephen Hawking publicou um artigo na Nature, entitulado “Black hole explosions?" (Explosões de buracos negros?), apresentando a primeira teoria muito bem fundamentada de como os buracos negros poderiam morrer. O fenômeno em questão veio a se tornar conhecido depois como “Radiação Hawking”. Antes de te explicar o que é a radiação Hawking, preciso que você entenda o que são flutuações quânticas e partículas virtuais. Em física quântica, o princípio da incerteza de Heisenberg nos diz que é impossível saber ao mesmo tempo com 100% de precisão a posição e a velocidade de uma dada partícula. O espaço sideral é composto por campos fundamentais, como o eletromagnético e o campo de glúons, que resultam em interações como a força elétrica e força nuclear forte, respectivamente.

Essa formulação faz parte do que chamamos hoje de Teoria Quântica de Campos.

Imagem: Krishnaswamy Sankaran

Levando em conta o princípio da incerteza de Heisenberg, é possível observar a presença de “flutuações” temporárias nestes campos, que são entendidas como pares de “partículas virtuais”, sendo uma delas uma partícula de matéria e a outra de antimatéria, que normalmente se aniquilam em curtíssimo tempo, liberando energia.

Imagem: Emok

Apesar dessas “flutuações do vácuo” talvez parecerem mais místicas do que de teor científico, realmente é um fenômeno verídico e a presença de partículas virtuais já foi comprovada por experiências como a que envolve o efeito Casimir (Esse efeito é causado devido ao espaço "vazio" ter flutuações quânticas, pares de partículas-antipartículas virtuais que a todo

momento aparecem do vácuo e retornam ao vácuo um instante depois). Tendo plena noção que a todo tempo e em essencialmente todos os lugares, mesmo no vácuo, está ocorrendo a formação e aniquilação de partículas virtuais intensamente, é possível compreender como funciona o fenômeno da radiação Hawking. Prepare-se para mais um experimento mental, buscando a maior verossimilhança possível com o que Hawking teve quando estava desenvolvendo a ideia.

Imagem: B. Kiziltan/T. Karacan

Considere que você está bem próximo ao horizonte de eventos de um determinado buraco negro, porém do lado de fora. Feche seus olhos e tente imaginar a formação dos vários pares de partículas virtuais nessa vizinhança — as partículas de matéria e antimatéria se separando e depois se aniquilando para formar fótons (partículas de luz). Suponha, agora, que uma flutuação quântica gera um par de partículas virtuais exatamente na limiar que separa o lado de fora e o de dentro do buraco negro — o horizonte de eventos. Uma dessas partículas viaja em direção a entrar no buraco negro enquanto que a outra em direção ao lado de fora. Para um observador de fora, é como se o buraco negro tivesse acabado de “expelir” uma partícula para o meio, afinal, a outra não pôde ser vista já que tinha acabado de adentrar no buraco negro.

Imagem: guysoft42

De acordo com a equivalência massa-energia, isso significaria que o buraco negro acabou de perder energia para o meio. Por essa razão, todos esses pares de partículas virtuais que se separam na vizinhança do horizonte de eventos fazem com que o buraco negro perca sua energia de modo gradual, por bilhões e bilhões de anos, até esfriar totalmente e desaparecer por completo. Essa é a causa de morte mais provável para todos os buracos negros que conhecemos e foi essa a ideia desenvolvida por Stephen Hawking. Foi simplesmente genial “tirar isso da cartola” começando apenas com a imaginação. Hawking provou que, apesar de todas as dificuldades físicas e biológicas enfrentadas, ainda era possível produzir física teórica de excelente qualidade; não tem desculpas pra ninguém.

Apesar do sucesso que dispensa comentários, a radiação Hawking trazia consigo um problema que perturbou a consciência dos físicos da época: o paradoxo da informação. Como a radiação Hawking previa, os buracos negros iam perdendo energia paulatinamente até desaparecer sem deixar nenhum rastro aparente além da sua radiação. Isso era um grande problema uma vez que toda a informação que uma vez entrou no buraco negro aparentemente foi perdida, o que vai extremamente em desacordo com os pilares fundamentais de QM.

CAPÍTULO V O paradoxo da Informação A teoria da relatividade geral de Einstein e a mecânica quântica, ambas desenvolvidas no século passado, são duas teorias que possuem um sucesso incomparável em suas respectivas áreas. Apesar disso, quando tentamos juntar as duas magistrais teorias para resolver algumas questões extremas do cosmo, como os buracos negros, ocorrem frustrações, irregularidades, absurdos ao ponto de diversos físicos até evitarem falar sobre esse assunto — é extremamente incômodo para eles. Conforme nosso conhecimento sobre o universo vai ficando cada vez mais amplo, nós vamos ficando mais curiosos e, por essa razão, acabamos por encontrar problemas que a priori parecem insolúveis ou, até mesmo, paradoxos. Conhecendo essas dificuldades cada vez mais presentes, há algumas décadas os físicos começaram a procurar a denominada teoria de tudo ou “theory of everything”. Essa teoria deve ser capaz de nos mostrar como unificar a relatividade com a mecânica quântica, ou seja, a elaboração da teoria da gravitação quântica. Muitas tentativas foram feitas nos últimos tempos, contudo as duas teorias mais promissoras, como mencionado anteriormente, são a teoria das cordas e a teoria da gravitação quântica em loop. Em poucas palavras, a teoria das cordas afirma que os constituintes fundamentais de tudo no universo não são os quarks, muito menos os átomos; tratam-se de cordas cósmicas cujas vibrações diferentes estão associadas à partículas diferentes.

Já a gravidade quântica em loop busca elaborar a gravitação quântica a partir de modificações em GR e QM (uma quantização do espaço-tempo como um todo) conservando suas características originais. Você deve estar se perguntando o que tudo isso tem a ver com buracos negros e eu te respondo: de um jeito ou de outro, buracos negros podem ser a nossa porta de entrada para descobrir a teoria da gravitação quântica.

Imagem: University of Colorado at Boulder

Para entender as razões por trás disso, preciso começar te explicando o que nós físicos entendemos por informação. De modo geral, a informação é entendida como uma propriedade da organização dos átomos, uma identidade. Por exemplo, considere um grupo de átomos de carbono. Arranjados de determinada forma, os átomos compõem o que chamamos de grafite. Todavia, se arranjarmos de outra maneira, podemos formar algo completamente diferente: o diamante.

Imagem: Jeffrey Hamilton / Getty Images

A composição molecular dos dois corpos é a mesma, entretanto a informação que obtemos deles depende da forma como os átomos foram organizados. Apesar desta ser apenas uma particular analogia de como entendemos a informação, é essencial que você tenha assimilado que a informação é uma propriedade da forma como os átomos estão dispostos, sejam esses arranjos algo simples ou complicado, em visão macroscópica ou em escala atômica. Os “tijolos” que compõem o universo atual — os átomos — são os mesmos átomos que surgiram com a sua formação — o Big Bang. O que variou com o passar do tempo é a informação, ou seja, como esses átomos se combinaram no passar dos tempos para representar cada singular corpo, evento e fenômeno diverso da natureza.

Se não houvesse essa distinção, possibilitada pela informação de cada qual, tudo no universo seria idêntico — um amontoado de partículas distribuídas; seria impossível distinguir um objeto do outro no cosmo. Indo além, de acordo com a mecânica quântica, a informação não pode ser perdida/destruída, apesar de poder alterar a sua forma.

Para colocar isso em perspectiva, caso ateássemos fogo numa fotografia de família, em um dispositivo especial de modo a conseguir manter controle de cada singular átomo nesse ambiente, teoricamente seria possível rearranjar os átomos novamente para recompor a fotografia queimada. Na vida real isso é impraticável, uma vez que quando o papel inicia o processo de combustão, durante a queima há a liberação de CO2 e outros compostos, de tal forma que seria impossível conseguir restituir cada átomo perdido e também a

energia que foi cedida para o meio, transformada em calor, propagado por todos os lados. Nesse caso, para fins práticos, atear fogo numa foto é um processo tão irreversível quanto quebrar um copo de vidro e querer que ele volte à sua forma original. Agora que ficou claro o significado do que chamamos de informação, vou te explicar o que tudo isso tem a ver com buracos negros. Como você já sabe, corpos que atravessam o horizonte de eventos do buraco negro não são capazes de retornar, uma vez que eles precisariam estar se movendo a uma velocidade maior do que a da luz para isso. O que não temos certeza absoluta ainda é o que acontece com a informação após um corpo ultrapassar o horizonte de eventos. Caso você concorde em utilizar a relatividade geral para explicar isso, a teoria afirma que nada de especial ocorre — o corpo é atraído em direção à singularidade e a gravidade intensa do buraco negro iria esticar o corpo, separando suas células/constituintes, destroçando-o, e a informação ficaria dentro do buraco negro. Por outro lado, caso você opte por utilizar a mecânica quântica para visualizar o problema, lembrará das flutuações quânticas que mencionei no capítulo sobre radiação Hawking. Ademais, um corpo que tente atravessar o horizonte de eventos irá se deparar com uma “parede de fogo” e será vaporizado em instantes, levando em conta o acúmulo de radiação Hawking sendo expelida pelo buraco negro. É aí que mora o problema. Por conta da radiação, nós sabemos que os buracos negros vão perdendo sua energia/matéria com o tempo, até que eventualmente desapareçam deixando como restos mortais apenas a sua radiação.

A pergunta que não quer calar é: se um dado objeto cai dentro de um buraco negro e muito tempo depois os buracos negros desaparecem, deixando apenas radiação de lado, para onde foi a informação do corpo que caiu? A informação carregada pelos corpos que entraram aparentemente foi perdida! Numa analogia simples, os buracos negros funcionariam como um liquidificador: coloca-se vários ingredientes dentro e, após ativado, transforma-se tudo numa mistura homogênea só, sem nenhum rastro do que havia antes. O fato da informação ser aparentemente perdida é um paradoxo porque, segundo a mecânica quântica, a informação é indestrutível. Diante de toda essa problemática, existem 3 opções relevantes para o que poderia acontecer com a informação: (I) a informação é realmente perdida, (II) a informação pode estar escondida, ou (III) a informação é conservada.

I. Caso a informação tiver sido perdida, os princípios fundamentais da mecânica quântica estariam perdidos e nós iríamos precisar descartar e esquecer toda a física que funciona tão bem para a maioria dos inúmeros eventos e fenômenos físicos. II. Utilizando um mecanismo que desconhecemos, os buracos negros podem estar transferindo a informação que entra no mesmo para um lugar que não podemos acessar, como se a informação tivesse escondida de nós. De forma análoga, é como se ter um smartphone cheio de fotografias e não poder vê-las por não ter a senha que desbloqueia o celular. Sabemos que as fotos estão lá, elas não foram perdidas, mas também não é muito útil as ter guardadas em um lugar em que não podemos acessar, então ainda se trata de um problema que precisaríamos resolver. III. Se a informação estiver segura e localizada no buraco negro, primeiramente isso gera um certo alívio porque sabemos que não será preciso descartar totalmente a física do modo que conhecemos. Em segundo lugar, para entender de que modo isso poderia acontecer, imagine um buraco negro com 100% de sua capacidade preenchida. Conforme matéria adicional cai no buraco negro, o mesmo aumenta de tamanho para dar mais espaço à matéria adicional; há uma relação direta entre a área de superfície do buraco negro e a quantidade de matéria que cai no mesmo. Apesar de parecer um absurdo o fato de os buracos negros poderem armazenar em sua superfície a informação de todos os corpos que adentram ao longo de sua vida, fique ciente: mesmo o menor buraco negro pode armazenar mais informação em sua superfície do que todos os dados já produzidos na história da humanidade. O processo funciona como se os buracos negros estivessem compactando a informação numa criptografia particular capaz de ser armazenada em um minúsculo pixel de sua superfície.

É o equivalente a escrever uma carta à mão, em caligrafia, e depois transformá-la em um PDF: o conteúdo do texto é o mesmo, entretanto a informação foi armazenada em formatos diferentes — um deles se encontra no papel e o outro no mundo binário dos computadores. Essa solução, explicada brevemente, é o que chamamos de princípio holográfico. Todavia, se ela de fato estiver correta, nós precisamos ressignificar todo o nosso entendimento do universo — tudo o que vemos e não vemos ao nosso redor seriam hologramas; projeções 3D de uma informação que é armazenada em 2D. A física que detalha o princípio holográfico ainda é um pouco “turva” e complicada de entender, até mesmo para os físicos que a desenvolveram; mergulhar nessa teoria foge do escopo deste livro, o princípio holográfico é algo que ainda precisa ser revisitado e estudado com muita cautela.

Em suma, é necessário haver a elaboração de uma nova teoria que englobe as considerações da relatividade geral juntamente com os da mecânica quântica e que consiga explicar o que de fato ocorreu com a informação que entra nos buracos negros. Agora eu espero que vocês tenham entendido quando eu mencionei que buracos negros podem ser a nossa porta de entrada para descobrir a teoria da gravitação quântica — eles nos obrigam a procurar por uma teoria que unifique GR e QM, com a esperança de que isso nos ajude a solucionar o paradoxo. Apesar de todas as altas expectativas de que o paradoxo da informação poderia conter insights para o desenvolvimento da teoria da gravitação quântica, atualmente o paradoxo parece estar chegando ao seu fim e sem precisar fazer menção a uma teoria de tudo. Tudo começou quando, em meados de 1970, o físico canadense Don Page, que era orientado por Stephen Hawking e Kip Thorne, colaborou para que o desenvolvimento da radiação Hawking fosse possível. Com o consequente aparecimento de um paradoxo, Don ficou completamente perturbado; ele sabia que a possibilidade da informação não se conservar violava os pilares fundamentais da mecânica quântica. Com esse estopim, as discordâncias com seus orientadores fez com que Page rompesse com Hawking e Thorne, que apostaram com o mesmo que a informação que entrava nos buracos negros era de fato perdida, via radiação Hawking. Page argumentava que os buracos negros precisavam liberar ou pelo menos preservar a informação de alguma forma; isso era o mínimo aceitável para garantir o bem-estar da mecânica quântica. Depois de um certo tempo pensando sobre o problema, Don teve um insight e percebeu que havia um ponto chave que estava sendo relativamente negligenciado: o entrelaçamento quântico.

As partículas virtuais que levam à radiação Hawking são entrelaçadas, o que significa que seus estados quânticos estão intimamente ligados não importa se elas estejam a milhões de anos-luz de distância — um influencia no outro a qualquer custo. A radiação Hawking emitida mantém uma relação de entrelaçamento com o buraco negro em si (já que a outra partícula do par ultrapassa o horizonte de eventos). Quando medimos a radiação ou as características acerca do buraco negro por si só, não encontramos nada de especial que pudesse ajudar a solucionar o paradoxo. Entretanto, caso sejam medidos os dois ao mesmo tempo, é possível encontrar um padrão.

É como se estivéssemos diante de uma porta e da chave para abrir a porta: caso examinássemos a chave sozinha, ela não aparentaria possuir nenhuma utilidade, muito menos uma porta que não abre a nenhum custo senão com sua chave específica, mas se pararmos para analisar a chave e a porta em conjunto, é possível extrair algo muito útil a partir disso. Page calculou o que acontecia com a entropia de entrelaçamento que, em termos simples, mede a quantidade

total de entrelaçamento entre o buraco negro e a radiação Hawking, durante a vida do buraco negro No começo, a entropia de entrelaçamento seria nula, uma vez que o buraco negro ainda não emitiu nenhuma radiação para se entrelaçar. No final, a entropia de entrelaçamento seria mais uma vez nula, uma vez que não haveria mais buraco negro algum, entretanto a informação estaria preservada por conta do entrelaçamento com a radiação. No meio do processo, a entropia de entrelaçamento se comportaria como um “V” invertido: ela começa nula, cresce até certo ponto (num tempo chamado de Tempo de Page), decresce e volta a ser nula. Essa curva veio posteriormente a ser chamada de Curva de Page.

Imagem: Samuel Velasco/QuantaMagazine

Foi estabelecido pelo mesmo que caso a entropia de entrelaçamento siga a curva de Page, então a informação sairia

do buraco negro, transformando o problema em um cálculo. Nos últimos 2 anos, físicos têm mostrado que a entropia de entrelaçamento dos buracos negros de fato segue a curva de Page, o que é um forte sinal de que a informação sai do mesmo no final de sua vida, ou seja, não é perdida. Em sua versão mais recente, o trabalho que começou em 2018 conseguiu explicar o fenômeno sem precisar se justificar por uma possível teoria de tudo. O que nos resta é ficarmos felizes em saber que o paradoxo que há décadas assola os físico enfim está sendo solucionado, além de continuar estudando os buracos negros como um recurso para desvendar a gravitação quântica.

CAPÍTULO VI oNDAS gRAVITACIONAIS Já sabemos que os corpos curvam a fábrica do espaçotempo, proporcionalmente à sua massa. Conforme esses corpos transladam ou rotacionam, o efeito resultante é a criação de ondulações no espaço que se propagam a partir do corpo de origem e vão perdendo intensidade com o tempo. A essas ondulações damos o nome de ondas gravitacionais.

Imagem: R. HURT/CALTECH-JPL

A situação é análoga ao que acontece quando uma pedra é lançada sobre um calmo lago: podemos ver ondulações

circulares que se propagam a partir do ponto em que a pedra caiu. Com o passar do tempo essas ondas vão desaparecendo, perdendo intensidade, da mesma forma que as ondas gravitacionais.

Imagem: Forance/Shutterstock.

Ademais, devido à deformação que elas causam no espaço por onde viajam, um efeito especial que as ondas gravitacionais induzem é o de alargamento e compressão dos corpos pelos quais as ondas passam, tanto na horizontal quanto na vertical, alterando sua forma em escala atômica. Esse efeito oscilatório na forma dos corpos acontece sempre que uma onda gravitacional passa por eles, contudo é um evento dificílimo de ser detectado porque, em geral, as ondas gravitacionais viajam por bilhões de anos antes de passar

pela Terra, ou seja, já estão com uma baixíssima intensidade, além de serem muitíssimo pequenas. Essa dificuldade tornou impossível a detecção de ondas gravitacionais por muitos anos, até que foi elaborado o projeto LIGO por Kip Thorne e Ronald Drever, do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), e Rainer Weiss, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), e o detector foi construído. O Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferômetro Laser (LIGO) é um projeto atual que visa detectar a presença de ondas gravitacionais através da análise dos efeitos de compressão da mesma na onda resultante da interferência de dois lasers colocados a uma distância de 4000 metros cada.

Imagem: LIGO

Para reduzir eventuais erros experimentais e distinguir sons causados por ruídos locais, foram construídos dois interferômetros; um localizado em Hanford (Califórnia) e outro

em Livingston (Montana), cidades em extremos opostos dos Estados Unidos, arranjados em forma de “L”. Uma série de dificuldades faz com que o dispositivo montado precisasse conter constituintes especiais e uma tecnologia de ponta, de modo que o resultado final pudesse conter um alto grau de precisão. Dentre as dificuldades enfrentadas, posso citar: ● As ondas gravitacionais são incrivelmente pequenas, o que faz com que a compressão e o alargamento induzidos pelas mesmas sejam de 1 parte em 1021. Isso é o equivalente a considerar a distância do planeta Terra até a Alpha Centauri (40000000000000 km) e desejar avaliar variações nessa distância da ordem da espessura de um fio de cabelo (0,00000001 km). Por essa razão, os lasers percorrem distâncias de 4 km até as superfícies refletoras, a fim de que possamos avaliar as variações mais expressivamente.

Imagem: Carlos Castilla/iStockPhoto



Mesmo com os braços do interferômetro sendo colocados a uma distância de 4 km, as variações a serem avaliadas nas distâncias ainda são da ordem de 0,000000000000000001 metros, ou ainda 1 parte em 10.000 de um próton. ● Existem muitíssimos outros tipos de vibrações causadas por ruídos e sons indesejados oriundos do ambiente, dificultando a medição. Consequentemente, os espelhos utilizados são os mais suaves já criados.

Imagem: Caltech/MIT/LIGO Lab



De modo a manter a velocidade de onda (laser) constante, foi preciso desenvolver um maquinário que garantisse uma altíssima estabilidade no trajeto percorrido pelo laser, visando manter o seu comprimento de onda constante.

Diante de todos esses empecilhos, uma grande equipe de engenheiros, físicos, programadores e outros profissionais foram reunidos para que as soluções fossem bem pensadas e implementadas. Nascia, assim, o LIGO.

Imagem: Erin Meyer, Kristin Samuelson/LIGO Collaboration

O experimento funciona da seguinte maneira: 1. Lasers são lançados em direção à duas superfícies que os refletem, retornando em direção à sua fonte. 2. No caminho de volta as ondas dos lasers interferem e é medido o tempo que foi gasto para ir e voltar no trajeto mencionado acima. 3. Caso os tempos para os lasers percorrerem a distância determinada não sejam idênticos para os dois braços do “L”, isso significa que as ondas gravitacionais atuaram de forma a comprimir um dos braços e alargar o outro, logo, torna-se possível perceber a diferença de tempo e notar a diferença de “cor” gerada pela interferência dos lasers.

O projeto foi finalizado com sucesso e todo o dispositivo foi montado.

Imagem: Erin Meyer, Kristin Samuelson/LIGO Collaboration

Depois disso, o que restava aos físicos, astrônomos e engenheiros colaboradores do projeto era esperar ansiosamente até que as ondas gravitacionais fossem detectadas. Mais de 10 anos se passaram desde o primeiro dia de funcionamento do LIGO, até que em 14 de setembro de 2015 foi detectada a presença de ondas gravitacionais oriundas da fusão de dois buracos negros a 1,2 bilhão de anos-luz da Terra.

Imagem: NASA/SXS Lensing

Pela primeira vez, depois de mais de 100 anos de teoria da relatividade, onde até mesmo o próprio Albert Einstein desacreditava que as suas previstas ondas gravitacionais poderiam ser detectadas na prática, tal fenômeno foi observado. Toda a comunidade científica do mundo entrou em festa; foi uma das descobertas do século. Por conseguinte, foi possível constatar que eventos exóticos como a colisão de buracos negros acontecem com mais frequência do que imaginávamos, uma área totalmente nova na pesquisa científica foi aberta. O Nobel da Física de 2017 foi atribuído a Kip Thorne, Rainer Weiss e Barry Barish "por contribuições decisivas para o detector LIGO e a observação de ondas gravitacionais".

Imagem: Nobel Prize

As ondas gravitacionais contém informações valiosíssimas para nosso entendimento do universo: o rastro do que acontece de mais estranho e inimaginável no cosmo.

CAPÍTULO VII bURACOS DE mINHOCA A teoria da relatividade geral de Einstein certamente nos rendeu uma interpretação ímpar do Universo. Justamente por ser uma teoria que envolve muita matemática, as soluções para as suas equações renderam interpretações inesperadas, como a teorização de buracos negros ou de buracos de minhoca, corpos totalmente exóticos e incomuns à experiência humana que a priori eram tidos puramente como entidades matemáticas e sem real significado físico. Provavelmente você já deve ter visto em algum filme de ficção científica algum nerd pegar um papel e caneta, desenhar uma reta conectando dois pontos, dobrar o papel de modo aos dois pontos coincidirem e atravessar a caneta nessa interseção. Trata-se de uma tentativa de representar os buracos de minhoca: “portais” que conectam dois locais distantes do Universo, nos fazendo viajar pelo espaço e pelo tempo mais rapidamente do que a própria luz.

Em teoria, posso citar 3 modelos principais para os buracos de minhoca: (I) pontes de Einstein-Rosen, (II) guiados por cordas cósmicas e (III) feitos pela humanidade. I. Pontes de Einstein-Rosen Quando pensamos em buracos negros, imaginamos corpos cuja gravidade é tão intensa que nem mesmo a luz consegue escapar. Após um corpo cruzar o horizonte de eventos, ele é atraído até o centro do buraco negro, a singularidade.

Entretanto, existe a possibilidade de que talvez não haja singularidade alguma. Como alternativa, o buracos negro pode deformar o espaço-tempo de forma tão intensa que seria possível conectar dois pontos do espaço, incrivelmente distantes um do outro, conectados por uma interseção possibilitada por uma dobra na fábrica do espaço-tempo análoga à do papel.

Imagem: edobric / Shutterstock

Não obstante, há ainda a possibilidade de que do outro lado do horizonte de eventos haja um universo espelhado, onde o tempo passaria ao contrário em relação ao nosso. Nesse contexto, teríamos do outro lado o que chamamos de buraco branco. Esses corpos se comportam de modo completamente oposto aos buracos negros: para navegar dentro dos buracos

brancos é necessário se mover mais velozmente do que a luz, portanto, tudo tende a ser expelido do mesmo.

Imagem: Shutterstock / Reprodução Live Science

O grande problema das pontes de Einstein-Rosen (também chamadas de buracos de minhoca de Schwarzschild) é que não é possível atravessá-las, pois elas são extremamente instáveis. A atração gravitacional é tão intensa que o caminho que conecta as duas pontas do buraco de minhoca colapsa sobre si mesmo, fechando a conexão entre os horizontes de evento dos dois buracos. Por essa razão, o buraco de minhoca de Schwarzschild não nos interessa tanto do ponto de vista prático, já que não poderíamos atravessá-lo. Todavia, estes ainda compõem um campo de pesquisa muito importante porque nos auxiliam a ter entendimento mais preciso da natureza, além de propiciar novas perguntas e/ou respostas sobre o tema em questão. II. Guiados por cordas cósmicas

Caso a teoria das cordas esteja correta e revele-se a nossa verdadeira teoria da gravitação quântica, é possível que, em instantes após o Big Bang dar início ao Universo em que vivemos, diversos buracos de minhoca terem sido criados diante das flutuações quânticas que ocorrem a todo instante e dos pares de partículas virtuais que estão em entrelaçamento quântico, sustentados por cordas cósmicas (as entidades fundamentais da teoria das cordas), que estariam submetidas a tensões de magnitude imensa para suportar isso.

Imagem: Kurzgesagt – In a Nutshell

Como a atração gravitacional sempre tende a compactar os corpos, a principal função da corda cósmica seria a de opor uma resistência à gravidade, mantendo o equilíbrio do buraco de minhoca e fazendo com que os seres humanos pudessem atravessá-lo. Do ponto de vista prático, esses buracos de minhoca seriam muito mais úteis pois poderiam ser utilizados por nós para viagens interestelares sem precisar aguardar milhares de anos

para isso (condição imposta pelo limite da natureza sob a velocidade da luz). III. Feitos pelo homem Para que os humanos consigam produzir buracos de minhoca por si só, seria necessário que nós achássemos e estudássemos como manipular matéria de massa negativa/densidade de energia negativa. A esse tipo de matéria os físicos deram o nome de matéria exótica. Ao contrário da matéria tradicional como a conhecemos (massa positiva, que atrai), a matéria exótica iria trabalhar de forma repulsiva, de modo que conseguiríamos manter abertos e atravessáveis os buracos de minhoca. Atualmente, o candidato mais forte a nos proporcionar matéria exótica é o espaço “vazio” em si, o vácuo. Reitero que o vácuo não é absolutamente vazio — existem flutuações quânticas criando partículas virtuais a todo instante, sendo essas de massa positiva. Em um cenário em que os humanos pudessem manipular o espaço de forma similar, seria possível gerar massa negativa em vez de positiva, criando a tão desejada matéria exótica. Apesar de toda a empolgação e teorização estabelecida nos parágrafos supracitados, diversos problemas surgem quando falamos sobre buracos de minhoca. Apenas para colocar em perspectiva, pode-se citar a violação de um dos postulados da teoria da relatividade especial (nada pode ultrapassar a velocidade da luz) e também outros problemas em relação a causalidade dos eventos do Universo oriundos por viagens no tempo. Reforço que até o momento não fomos capazes de detectar nenhum tipo de buraco de minhoca e que a maioria do trabalho feito até então é puramente teórico e especulativo. Apesar disso, não desanime ou perca a sua imaginação. É um ponto positivo que imaginemos esses eventos exóticos e que persistimos até o fim no desenvolvimento de nossas ideias. O próprio Einstein admitiu que um dos pontos-chave para conseguir desenvolver a relatividade especial foi passar um bom

tempo em seus experimentos mentais, imaginando como seria viajar por um feixe de luz. As melhores ideias na física nascem a partir da imaginação; algumas delas acabam por serem teorias de sucesso, outras são tidas como equívoco mas não deixam de também ser um resultado. Não é apenas porque algumas teorias parecem adversas ou incomuns que elas estão erradas. Como já foi mencionado, nas fases iniciais em que a relatividade foi concebida, a mesma foi recebida com ceticismo por diversos físicos respeitados da época e, apesar disso, a relatividade geral passa com sucesso a cada teste a que é submetida até hoje. Ademais, há pouco tempo, foi possível obter a primeira fotografia de um buraco negro e a mesma vai de acordo com as previsões da relatividade. Talvez, um dia, desse mesmo modo, nós sejamos também capazes de detectar um buraco de minhoca; na forma da ponte de Einstein-Rosen, guiados por cordas cósmicas, feitos pelo homem ou algum outro tipo que ainda não conhecemos. A paciência é uma virtude.

CAPÍTULO VIII Expectativas para o futuro Neste livro, embarcamos numa jornada para conhecer um pouco melhor um dos corpos mais misteriosos do cosmo: os buracos negros. Foi possível entender o que levou as primeiras ideias que teorizaram os buracos negros — os precursores —, o que são, como funcionam, como morrem e também foram discutidos diversos temas acerca de buracos negros e como eles influenciam em diferentes fenômenos, como as ondas gravitacionais, a questão da informação, e os buracos de minhoca. Apesar, tudo que foi dissertado neste manuscrito é apenas um infinitésimo perante a imensidão que é o estudo do cosmo. Nós ainda estamos engatinhando no estudo dos buracos negros, fazendo progresso gradativamente, compreendendo cada vez melhor como funcionam e como eles podem nos dar respostas valiosas sobre outras teorias na física. Estamos preenchendo a “tábula rasa” que Locke tanto falava em seus escritos. Para os anos que sucedem a escrita desse livro, acredito que continuem a fazer muitas pesquisas de seriedade acerca dos buracos negros, dos buracos de minhoca, da matéria exótica, da matéria e energia escura, na busca da teoria da gravitação quântica, na procura por exoplanetas, na detecção de novas ondas gravitacionais que possam nos dar maior lucidez sobre o que se passa no cosmo e, também, por último mas não menos importante, a revisão das teorias vigentes para avaliar se realmente são coerentes ou se precisam ser modificadas. É assim que funciona a ciência — ela é completamente dinâmica, escrita à lápis, de modo que os autores sempre possam revisar

seus cálculos e suas ideias com a possibilidade de apagar, refazer, ressignificar e inovar. O advento da tecnologia da quarta revolução industrial permitiu, entre outras coisas, a inclusão de mais pessoas na educação — atualmente é possível ter acesso a literalmente milhões de livros online e imprimir, conversar com intelectuais do outro lado do mundo, ler artigos de diversos jornais de seriedade, atender a cursos online gratuitos, se atualizar, pertencer. Nunca foi tão simples ter acesso à educação de qualidade. Hoje, praticamente qualquer computador pode executar milhões de cálculos por segundo, simulações computacionais são capazes de desenhar proteínas precursoras para o desenvolvimento de vacinas, representar fenômenos físicos como a morte de uma estrela, a utilização dos computadores quânticos para acelerar ainda mais o processo e muitos outros feitos que só foram possíveis por conta dessa tecnologia. As reais expectativas para o futuro são consequência da aliança das contribuições científicas das grandes mentes presentes em cada geração, juntamente com a tecnologia que hoje nós possuímos. Essa não é a primeira nem última vez que falarei isso em minha vida: estamos vivendo a verdadeira época de ouro da ciência, onde a fundamental natureza por trás do universo ainda precisa ser descoberta, a teoria de tudo ainda precisa ser elaborada, os paradoxos precisam ser resolvidos e as teorias equivocadas, refutadas. Assim como a entropia do universo tende a aumentar continuamente e como o tempo só anda para frente, a certeza de que o nosso instinto curioso é o combustível imprescindível para que o desenvolvimento científico consiga proceder, é plena. Livros são a única máquina do tempo que nós temos acesso atualmente, eles são capazes de conectar os pensamentos mais desconcertantes dos autores do presente com seus leitores do futuro e também a imaginação dos leitores do presente com os autores do passado; o tempo é uma teimosa ilusão da percepção humana.

Que essa obra e muitas outras sejam meu legado a fim de inspirar, informar e educar meus contemporâneos — jovens e velhos cientistas — e também os meus sucessores, que virão em próximas gerações para igualmente deixar seus legados para o mundo. Estudar física é uma tentativa de entender o comportamento da natureza; do princípio da incerteza de Heisenberg até a teoria da relatividade geral de Einstein, nós estamos cercados por fenômenos caóticos e harmônicos. É impossível tentar prever os futuros paradigmas da física, e é exatamente essa a beleza por trás de tudo; a mudança contínua no modo em que as pessoas pensam e na nossa interpretação do universo permite a física se reinventar, assim como uma vez a humanidade considerou que a Terra era o centro do universo e Aristarco, Galileu e Kepler quebraram esse paradigma. Enfim, a física é o conjunto de leis que governam a natureza, algumas simples outras complexas, algumas determinísticas outras probabilísticas, que ditam o comportamento de corpos gigantes como buracos negros mas também de corpos microscópicos como os átomos. Felizmente, o homo sapiens é uma espécie extremamente teimosa, facilmente provocada por desafios e um tanto quanto ambiciosa para desejar compreender como a natureza que a cerca funciona em seus níveis mais fundamentais.

APÊNDICE mEDINDO A MASSA DE ESTRELAS Buscando abordar um pouco mais do que apenas as leis de Kepler, apresento aqui uma possível maneira para se medir a massa das estrelas a partir de uma simples proporção com a sua luminosidade. A relação massa-luminosidade nos diz o seguinte:

Portanto, conhecendo a massa e a luminosidade do nosso Sol, podemos utilizar dessa relação como base para saber a massa da outra estrela, bastando medir a sua luminosidade (quantidade de energia que chega à Terra por segundo, liberada pela estrela). Para calcular a luminosidade, podemos utilizar da sua relação com o brilho da estrela, dada pela equação a seguir: Onde d é a distância da Terra até a estrela e b é o brilho aparente da estrela visto por nós aqui da Terra. Apesar da simplicidade, esse método é um tanto quanto obsoleto para fins de alta precisão. Hoje em dia, utilizam-se dispositivos altamente sensíveis à luz para poder medir o brilho das estrelas. O outro procedimento analítico para medir a massa de estrelas, mais tradicional, é analisando a sua mecânica. A terceira lei de Kepler é uma lei que pode ser aplicada para relacionar o período de órbita de um corpo qualquer, com o semi-eixo maior da órbita elíptica em questão. Essa relação envolve um termo que depende da massa do sistema de referência, e é a partir daí que conseguimos mensurá-la. A equação é dada a seguir:

Caso seja utilizado T em anos terrestres, R em Unidades Astronômicas (1 UA = 1 distância Terra-Sol) e M em massas solares, então

e a equação se reduz para:

Agora podemos aplicar essa equação num caso real. Considere o sistema solar binário Sirius, que possui um período orbital de 50 anos terrestres e a distância que separa as duas estrelas é de 20 UA. Determine, em massas solares, o valor da massa combinada das estrelas desse sistema binário. Aplicando a equação mencionada anteriormente, temos: Portanto, a massa combinada das duas estrelas que compõem o Sirius é de 3.2 massas solares. Aplicando agora a relação de massa-luminosidade, podemos calcular a massa de cada uma das estrelas. Considerando que a luminosidade da primeira estrela foi medida como sendo 23 vezes a do nosso Sol, qual é a massa de cada uma das estrelas?

Se a massa da primeira estrela é 2.2 massas solares e a massa do sistema binário é 3.2 massa solares, então a massa da segunda estrela é a diferença 3.2 - 2.2 = 1 massa solar. Apesar dos métodos serem simples, acabam sendo bem eficientes até certo grau de precisão e eles são utilizados por físicos e astrônomos há muitíssimos anos.