Tratado de Direito Privado, Tomo LVI - Direito das sucessões: Sucessão testamentária. Testamento em geral. Disposições testamentárias em geral. Herança e legados [56, 4ª ed.] 9788520343609


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Tratado de Direito Privado, Tomo LVI - Direito das sucessões: Sucessão testamentária. Testamento em geral. Disposições testamentárias em geral. Herança e legados [56, 4ª ed.]
 9788520343609

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42 M672 2012

Vol.56

TRATADO DE DIREITO PRIVADO

TRATADO D E DIREITO PRIVADO

Dirslor Responsável ANTONIO BEUNEIO

Diretora de Conteúdo Editorial G E S X E OE M E U O BRASA TAPAI

Diretora de Operações Editoriais ORISNE PAVAN

Analistas Documentais: Bethânia Mignolo dos Santos, Baino Martins Costa, Cristiane Gonzalez Basile de Faria, Danielle Candido de Oliveira, Henderson Fiirat de Oliveira e ítalo Façanha Costa. Editoração Eletrônica Coordenadora ROSELI CAMPOS DE CAKVAUÍO

Equipe de Editoração: Adriana Medeiros Chaves Martins, Ana Paula Lopes Correa, Carolina do Prado Fatel, Gabriel Braiíi Costa, Ladíslsu Francisco de lima Neto, Luciana Pereira dos Santos, Luiz Fernando Romeu, Marcelo de Oliveira Silva e Vera Lúcia Cirino. Produção gráfica: Caio Henrique Andrade.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Miranda, Pontes de, 1892-1979 Direito das sucessões, sucessão testamentária: testamento em gerai... / Pontes de Miranda; atualizado por Giselda Hironaka, Paulo tõbo. - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. - (coleção tratado de direito privado: parte especial; 56) • • ISBN 978-85-203-4360-9 1. Direito civil - 2 . Direito civil-Brasil I. Hironaka, Giselda. II. Lõbo, Paulo. III. Título IV. Série. 12-03332

CDU-347.4(81)

indicas para catálogo sistemático: 1. Brasil: Direito civil 347(81) 2. Brasil: Direito privado 347 (81)

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Pontes de Miranda

TRATADO DE DIREITO PRIVADO PARTE ESPECIAL

TOMO LVI DIREITO DAS SUCESSÕES Sucessão testamentária. Testamento em geral. Disposições testamentárias em geral. Herança e legados

Atualizado por

Giselda Hironaka Paulo Lobo

E D I T O R A i J ^ F 100 anos

REVISTA DOS TRIBU ¡MUS

TRATADO DE DIREITO PRIVADO PONTES DE MIRANDA PARTE E S P E C I A L TOMO LVI DIREITO DAS SUCES SÕES: Sucessão testamentária. Testamento em geral. Disposições testamentárias em geral. Herança e legados GISELDA HIRONAKA PAULO LÔBO

Atuaüzadores

© Originais do Tratado de Direito Privado - 6 0 Tomos:

PONTES DE MIRANDA © Desta Atualização [2012]:

EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS LTDA. ANTONIO BELINELO Diretor responsável Rua do Bosque, 820 - Barra Funda Tel. 11 3 6 1 3 - 8 4 0 0 - F a x 11 3613-8450 CEP 01136-000 - São Paulo, SP, Brasil TODOS os DIREITOS RESERVADOS. Proibida a reprodução total ou parcial, por qualquer meio ou processo, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, repTográficos, fonográficos, videográficos. Vedada a memorização e/ou a recuperação total ou parcial, bem como a inclusão de qualquer parte desta obra em qualquer sistema de processamento de dados. Essas proibições aplicam-se também às características gráficas da obra e à sua editoração. A violação dos direitos autorais é punível como crime (art 184 e parágrafos, do Código Penal), com pena de prisão e multa, conjuntamente com busca e apreensão e indenizações diversas (arts. 101 a 110 da Lei 9.610, de 19.02.1998, Lei dos Direitos Autorais). CENTRAL D E RELACIONAMENTO R T

(atendimento, em dias úteis, das 8 às 17 horas) Tel. 0800-702-2433 e-mail de atendimento ao consumidor: [email protected] Visite nosso site: www.rt.com.br Impresso no Brasil [04.2012] Profissional Fechamento desta edição [11.04.2012]

ISBN 978-85-203-4360-9 ISBN da Coleção 978-85-203-4321-0

À AMNÉRIS e à FRANCIS,

amor e gratidão de seu marido e de seu pai.

ÍNDICE GERAL DO T O M O

APRESENTAÇÃO, 9 APRESENTAÇÃO DOS ATUALIZADORES, 1 1 PREFÁCIO À 1.A EDIÇÃO, 1 3 SOBRE O AUTOR, 2 7 OBRAS PRINCIPAIS DO AUTOR, 3 1 SOBRE OS ATUALIZADORES, 3 5 PLANO GERAL DA COLEÇÃO, 3 7 TÁBUA SISTEMÁTICA DAS MATÉRIAS, 4 1 BIBLIOGRAFIA DO TOMO L V I , 4 4 9 ÍNDICES

Alfabético dos Autores citados, 521 Cronológico da Legislação, 552 Cronológico da Jurisprudência, 635 Alfabético das Matérias, 666

LVI

APRESENTAÇÃO

A Editora Revista dos Tribunais - RT tem a honra de oferecer ao público leitor esta nova edição do Tratado de Direito Privado, de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, reconhecidamente um dos mais ilustres juristas brasileiros, senão o maior. Para nós, da Editora, a republicação desta obra tem importância única: ao se consubstanciar num marco científico e editorial, pela contribuição que há tantas décadas traz à ciência do Direito e, especificamente, ao Direito Privado. Essas fundamentais características se compõem com as comemorações do primeiro centenário desta Casa Editorial e com a evocação dos 120 anos de nascimento do grande tratadista. O respeito ao texto original, também publicado por esta Editora em 1983, foi um dos maiores cuidados que nos determinamos a tomar, desde a estrutura e organização do texto, passando por alguns recursos usados pelo Autor, até a ortografia da época, com exceção do trema nas semivogais. O Direito, porém, como todas as ciências, vem sofrendo grandes transformações nas últimas décadas. Por isso, com o intuito de inserir a obra no contexto presente, notas atualizadoras foram elaboradas por juristas convidados entre os mais renomados do País. Inseridas ao final de cada tópico (§), encontram-se devidamente destacadas do texto original, apresentando a seguinte disposição: Panorama Atual: § x\ A - Legislação: indicação das alterações legislativas incidentes no instituto estudado § x: B - Doutrina: observações sobre as tendências atuais na interpretação doutrinária do instituto estudado § x: C - Jurisprudência: anotações sobre o posicionamento atual dos Tribunais a respeito do instituto estudado

Neste século de existencia, a Editora Revista dos Tribunais se manteve líder e pioneira na promoção do conhecimento, procurando fornecer soluções especializadas e qualificadas aos constantes e novos problemas jurídicos da sociedade, à prática judiciária e à normatização. Nas páginas que publicou, encontra-se o Direito sendo estudado e divulgado ao longo de cinco Constituições republicanas, duas guerras mundiais e diversos regimes políticos e contextos internacionais.

Mais recentemente, a revolução tecnológica, a era digital, e a globalização do conhecimento trouxeram desafios ainda mais complexos, e para acompanhar tudo isso, a Editora passou a compor, desde 2010, o grupo Thomson Reuters, incrementando substancialmente nossas condições de oferta de soluções ao mundo jurídico. Inovar, porém, não significa apenas "trazer novidades", mas também "renovar" e "restaurar". A obra de Pontes de Miranda permite tantas leituras, tamanha sua extensão e profundidade, que não se esgotam seu interesse e sua importância. E por isso, também - para inovar - republicamos seu Tratado de Direito Privado. Não podemos deixar de registrar, ainda, nossos mais profundos agradecimentos à família Pontes de Miranda, pela participação que fez possível a realização de um sonho. EDITORA REVISTA DOS TRIBUNAIS

APRESENTAÇÃO DOS

ATUALIZABORES

Talvez esta grande obra de PONTES DE MIRANDA, conhecida na intimidade jurídica como Tratado, seja mesmo a sua maior e mais importante obra. Quem não a conhece, no mundo jurídico? Eternamente citado, por docentes e profissionais do Direito, o Tratado de Direito Privado resiste - e sempre resistirá - à passagem do tempo e às mudanças da sociedade e das leis correspondentes. O raciocínio impecável do importante jurista brasileiro se estampa definitivamente nas letras jurídicas, levando-nos. a nós todos, a sempre consultar seus ensinamentos e suas reflexões, tão ricos. Por isso e por muito mais que isso, ficamos muitíssimo honrados com o convite da Editora Revista dos Tribunais para proceder à atualização dos seis últimos volumes do Tratado, correspondentes ao Direito das Sucessões. Para tanto, relemos uma vez mais, com extremo prazer e deleite intelectual, os capítulos e os parágrafos destes volumes, justamente para organizarmos a atualização pretendida pela Editora. A cada leitura, ficamos mais enriquecidos pela absorção do pensamento ponteano, como não podia deixar de ser. E, então, escrevemos as nossas notas, debaixo desta atmosfera de grandeza e de tanta inteligência. As notas de atualização desta obra ímpar de PONTES DE MIRANDA, de acordo com os critérios de padronização e uniformidade adotados pela Editora, especialmente quanto ao irrestrito respeito à integridade do texto original, estão assim distribuídas - entre nós, os atualizadores - do Tomo LVI do Tratado de Direito Privado: Título m Capítulo I - Giselda Hironaka Capítulo II - Giselda Hironaka Capítulo m - Giselda Hironaka Capítulo IV - Paulo Lôbo Capítulo V - Paulo Lôbo Capítulo VI - Giselda Hironaka

A divisão por capítulos atendeu a alguns critérios que combinamos, de sorte que cada um deles foi atualizado e assinado por um de nós, permitindo, então, uma identificação exata das notas de atualização. Foi assim que pretendemos trabalhar, e é assim que entregamos este segundo volume do Direito Sucessório (Tomo LVI) à comunidade jurídica de nosso país. São Paulo, abril de 2012 Professor PAULO LÔBO e Professora GISELDA HIRONAKA.

P R E F Á C I O À 1.A E D I Ç Ã O

1. Os sistemas jurídicos são sistemas lógicos, compostos de proposições que se referem a situações da vida, criadas pelos interesses mais diversos. Essas proposições, regras jurídicas, prevêem (ou vêem) que tais situações ocorrem, e incidem sobre elas, como se as marcassem. Em verdade, para quem está no mundo em que elas operam, as regras jurídicas marcam, dizem o que se há de considerar jurídico e, por exclusão, o que se não há de considerar jurídico. Donde ser útil pensar-se em termos de topologia: o que entra e o que não entra no mundo jurídico. Mediante essas regras, consegue o homem diminuir, de muito, o arbitrário da vida social, a desordem dos interêsses, o tumultuário dos movimentos humanos à cata do que deseja, ou do que lhe satisfaz algum apetite. As proposições jurídicas não são diferentes das outras proposições: empregam-se conceitos, para que se possa assegurar que, ocorrendo a, se terá a'. Seria impossível chegar-se até aí, sem que aos conceitos jurídicos não correspondessem fatos da vida, ainda quando esses fatos da vida sejam criados pelo pensamento humano. No fundo, a função social do direito é dar valores a interêsses, a bens da vida, e regular-lhes a distribuição entre os homens. Sofre o influxo de outros processos sociais mais estabilizadores do que êle, e é movido por processos sociais mais renovadores; de modo que desempenha, no campo .da ação social, papel semelhante ao da ciência, no campo do pensamento. Esse ponto é da maior importância. Para que se saiba qual a regra jurídica que incidiu, que incide, ou que incidirá, é preciso que se saiba o que é que se diz nela. Tal determinação do conteúdo da regra jurídica é função do intérprete, isto é, do juiz ou de alguém, jurista ou não, a que interesse a regra jurídica. O jurista é apenas, nesse plano, o especialista em conhecimentos das regras jurídicas e da interpretação delas, se bem que, para chegar a essa especialização e ser fecunda, leal, exata, a sua função, precise de conhecer o passado do sistema jurídico e, pois, de cada regra jurídica, e o sistema jurídico do seu tempo, no momento em que pensa, ou pensa e fala ou escreve.

Diz-se que interpretar é, em grande parte, estender a regra jurídica a fatos não previstos por ela com o que se ultrapassa o conceito técnico de analogia. Estaria tal missão compreendida no poder do juiz e, pois, do intérprete. Diz-se mais: pode o juiz, pois que deve proferir a sententia quae rei gerendae aptior est, encher as lacunas, ainda se falta a regra jurídica que se pudesse estender, pela analogia, ou outro processo interpretativo, aos fatos não previstos. Ainda mais: se a regra jurídica não é acertada, há de buscar-se, contra legem, a regra jurídica acertada. Nota-se em tudo isso que se pretendem contrapor a investigação do sistema jurídico, em toda a sua riqueza, dogmática e histórica, e a letra da lei. Exatamente o que se há de procurar é a conciliação das três, no que é possível; portanto, o sentido - dogmática e historicamente - mais adequado às relações humanas, sem se dar ensejo ao arbítrio do juiz. A separação dos poderes, legislativo e judiciário, esteia-se em discriminação das funções sociais (política, direito); e a história do princípio, a sua revelação através de milênios, a sua defesa como princípio constitucional, apenas traduz a evolução social. O êrro do legislador pode ser de expressão: prevalece, então, o pensamento que se tentou exprimir, se esse pensamento é captável no sistema jurídico; não se desce ao chamado espírito, ou à vontade do legislador, porque seria atravessar a linha distintiva do político e do jurídico; não se contraria o princípio de que a lei é para ser entendida pelo povo, no grau de cultura jurídica em que se acham os seus técnicos, e não para ser decifrada. Por outro lado, as circunstâncias sociais podem ter mudado: o envelhecimento da regra jurídica participa mais do julgamento do povo do que do decorrer do tempo; o problema torna-se mais de mecânica social do que de fontes e de interpretação das leis. 2. O sistema jurídico contém regras jurídicas; e essas se formulam com os conceitos jurídicos. Tem-se de estudar o fáctico, isto é, as relações humanas e os fatos, a que elas se referem, para se saber qual o suporte fáctico, isto é, aquilo sôbre que elas incidem, apontado por elas. Aí é que se exerce a função esclarecedora, discriminativa, crítica, retocadora, da pesquisa jurídica. O conceito de suporte fáctico tem de ser guardado pelos que querem entender as leis e as operações de interpretação e de julgamento. A regra jurídica "Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil" (Código Civil, art. 1.°) é regra jurídica de suporte fáctico simplicíssimo: "Homem". Se há um ser humano, se nasceu e vive um homem, a regra jurídica do art. 1.° incide. Incide, portanto, sôbre cada homem. Cada ho-

mem pode invocá-la a seu favor; o juiz tem dever de aplicá-la. Porém nem todos os suportes fácticos são tão simples. "São incapazes relativamente, os maiores de dezesseis e menores de vinte e um anos" (art. 6.°, I). Suporte fáctico: ser humano, dezesseis anos feitos. "Cessando a confusão, para logo se restabelecer, com todos os acessórios, a obrigação anterior" (art. 1.052). Suporte fáctico: A devedor a B, A sucessor do direito de B, mas a sucessão é temporária, qualquer que seja a causa. É fácil compreender-se qual a importância que têm a exatidão e a precisão dos conceitos, a boa escolha e a nitidez deles, bem como o rigor na concepção e formulação das regras jurídicas e no raciocinar-se com elas. Seja como fôr, há sempre dúvidas, que exsurgem, a respeito de fatos, que se têm, ou não, de meter nas categorias, e da categoria em que, no caso afirmativo, se haveriam de colocar. Outras, ainda, a propósito dos próprios conceitos e das regras jurídicas, que têm de ser entendidas e interpretadas. A missão principal do jurista é dominar o assoberbante material legislativo e jurisprudencial, que constitui o ramo do direito, sôbre que disserta, sem deixar de ver e de aprofundar o que provém dos outros ramos e como que perpassa por aquêle, a cada momento, e o traspassa, em vários sentidos. Mal dá êle por começada essa tarefa, impõe-se-lhe o estudo de cada uma das instituições jurídicas. Somente quando vai longe a sua investigação, horizontal e verticalmente, apanhando o sobredireito e o direito substancial, é que pode tratar a regra jurídica e o suporte fáctico, sôbre que ela incide, avançando, então, através dos efeitos de tal entrada do suporte fáctico no mundo jurídico. O direito privado apanha as relações dos indivíduos entre si, e cria-as entre êles; mas a técnica legislativa tem de levar em conta que alguns dêsses indivíduos são Estados, Estados-membros, Municípios, pessoas jurídicas de direito público, que também podem ser sujeitos de direitos privados. Interpretar leis é lê-las, entender-lhes e criticar-lhes o texto e revelar-lh.es o conteúdo. Pode ela chocar-se com outras leis, ou consigo mesma. Tais choques têm de ser reduzidos, eliminados; nenhuma contradição há de conter alei. O sistema jurídico, que é sistema lógico, há de ser entendido em tôda a sua pureza. Se, por um lado, há tôda a razão em se repelir o método de interpretação conceptualístico (que se concentrava na consideração dos conceitos, esquecendo-lhe as regras jurídicas em seu todo e, até, o sistema jurídico), método que nunca foi o dos velhos juristas portuguêses nem o dos brasileiros, temos de nos livrar dos métodos que não atendem a que as regras

jurídicas se fazem com os conceitos e êsses tem a sua fixação histórica e hão de ser precisados. Principalmente, tem-se de levar em conta que a regra jurídica, a lei, viveu e vive láfora, - foi para ser ouvida e lida pelos que hão de observá-la e é para ser lida, hoje, por êles. Nem o que estava na psique dos que a criaram, nem o que está na psique dos que hoje a criam, têm outro valor além do que serve à explicitação do que é que foi ouvido e lido por aqueles a que foi dirigida, ou o é por aquêles a quem hoje se dirige. O elemento histórico, que se há de reverenciar, é mais exterior, social, do que interior e psicológico. Se assim se afasta a pesquisa da vontade do legislador, no passado e no presente, o subjetivismo e o voluntarismo que - há mais de trinta e dois anos - combatemos (nosso Subjektivismus und Voluntarismus im Recht, Archivfür Rechts und Wirtschaftsphilosophie, 16, 522-543), há de evitar-se passar-se a outro subjetivismo e a outro voluntarismo, - o da indagação da vontade da lei. Ratio legis não é voluntas legis; lei não quer; lei regra, lei enuncia. O sentido é o que está na lei, conforme o sistema jurídico, e não o que se atribui ao legislador ter querido, nem à lei querer agora. Nem o que E. R. BIERLING (Juristische Prizipienlehre, IV, 230 e 256 s.), nem o que K . BINDING (Handbuch, I, 465) e J. KOHLER (Über die Interpretation der Gesetzen, Griinhuts Zeitschrift, 13, 1 s.) sustentavam. Interpretar é revelar as regras jurídicas que fazem parte do sistema jurídico, - pode ter sido escrita e pode não estar escrita, mas existir no sistema, pode estar escrita e facilmente êntender-se e apresentar certas dificuldades para ser entendida. Nas monocracias, os trabalhos preparatórios ficavam mais ocultos, raramente se publicavam com propósito de servir à interpretação, e quase sempre se perdiam, ao passo que a interpretação autêntica tinha todo o prestígio de lei, uma vez que não existia o princípio constitucional de irretroatividade da lei. Nas democracias, com o princípio da irretroatividade da lei, a interpretação autêntica ou é nova lei, ou não tem outro prestígio que o de seu valor intrínseco, se o tem; é interpretação como qualquer outra, sem qualquer peso a mais que lhe possa vir da procedência: o corpo legislativo somente pode, hoje, fazer lei para o futuro; não, para trás, ainda a pretexto de interpretar lei feita. O tribunal ou juiz que consultasse o Congresso Nacional cairia no ridículo, se bem que isso já tenha ocorrido na Europa. Se o legislador A ou os legisladores A, A' e A' : , quiseram a e todos os outros legisladores quiseram b, mas o que foi aprovado e publicado foi c,cé que é a regra jurídica. Bem assim, se todos quiseram a, e foi aprovado e publicado c. Os trabalhos preparatórios são, portanto, elemento de valor mínimo. O que foi publicado é a letra da lei, com as suas palavras e frases. Tem-se de interpretar, primeiro, gramatical-

mente, mas já aí as palavras podem revelar sentido que não coincide com o do dicionário vulgar (pode lá estar rescisão, e tratar-se de resolução; pode lá estar condição, e não ser de condido que se há de cogitar; pode falar-se de êrro, e só se dever entender o êrro de fato, e não o de direito). O sentido literal é o sentido literal da ciência do direito, tendo-se em vista que o próprio redator da lei ao redigi-la, exercia função da dimensão política, e não da dimensão jurídica, pode não ser jurista ou ser mau jurista, ou falso jurista, o que é pior. Demais, estava êle a redigir regra jurídica, ou regras jurídicas, que se vão embutir no sistema jurídico e tal inserção não é sem conseqüências para o conteúdo das regras jurídicas, nem sem conseqüências para o sistema jurídico. Jurisprudência contra a lei é jurisprudência contra êsse resultado. Por isso, regra jurídica não escrita pode dilatar ou diminuir o conteúdo da regra jurídica nova. Daí, quando se lê a lei, em verdade se ter na mente o sistema jurídico, em que ela entra, e se ler na história, no texto e na exposição sistemática. Os êrros de expressão da lei são corrigidos fácilmente porque o texto fica entre êsses dois componentes do material para a fixação do verdadeiro sentido. Na revelação de regra jurídica não escrita é que se nota maior liberdade do juiz. Nota-se; mas ¿há essa liberdade? Revelar a regra jurídica, se não está escrita, lendo-se na história e no sistema lógico, não é operação diferente de se ler na história, no texto e no sistema lógico. Não se cria a regra jurídica não escrita, como não se cria a regra jurídica escrita; ambas são reveladas, razão por que falar-se em lacuna do direito somente tem sentido se se critica o sistema jurídico, isto é, se se fala de iure condendo, ou se se alude a visão de primeiro exame, a algo que não se viu à primeira vista. Lacuna preenchida não é lacuna; lacuna que não é preenchível é lacuna de iure condendo. Analogia só se justifica se a ratio legis é a mesma (Ubi eadem ratio, idem ius); só se admite se, com ela, se revela, sem se substituir o juiz ao legislador: onde ela revela regra jurídica não-escrita, é analogia iuris, provém de explicitação do sistema jurídico e ainda é apenas reveladora, e não criadora. (A) Quando se revela por analogia legal, analogia legis, o que em verdade se faz é explicitar que a) a regra legal exprimiu, no texto, principio particular, e b) há princípio mais geral em que êle se contém. (B) Quando se revela por analogia iuris, explicita-se regra jurídica que se há de ter como a), pois já existe, não escrita, no sistema jurídico. Fora de (A) e de (B), a chamada analogia é edicção de regra jurídica, contra o principio da separação dos poderes.

3. A atividade mais relevante da ciência do direito consiste, portanto, em apontar quais os têrmos, com que se compuseram e com que se hão de compor as proposições ou enunciados, a que se dá o nome de regras jurídicas, e quais as regras jurídicas que, através dos tempos, foram adotadas e aplicadas. A sucessão histórica dessas regras obedece a leis sociológicas. Outra atividade, que não é menos inestimável do que aquela, está no interpretar o conteúdo das regras de cada momento e tirar delas certas normas ainda mais gerais, de modo a se ter em quase completa plenitude o sistema jurídico. Desde mais de dois milênios, porém principalmente nos últimos séculos, longo esforço de investigação, servido, aqui e ali, pela aparição de alguns espíritos geniais, conseguiu cristalizar a obra comum em enunciados sôbre os próprios enunciados e sôbre os têrmos, tornando cada vez "menos imperfeitas" a linguagem e a lógica do direito. A primeira necessidade da ciência jurídica passou a ser a mais rigorosa exatidão possível no delimitar os conceitos (E. I. BEKKER, System, I X ) . Os decênios passados puderam contemplar a obra imensa do século XIX, perceber o que não obtivera, até agora, "precisão"; e preparar-nos para a continuação criadora, que nunca seria possível sem a mole dos resultados anteriores e a depuração incessante de erros. O valor do método etnológico assenta em que precisamos conhecer as instituições jurídicas em seu bêrço, mesmo em seus nascedouros, ou para distinguirmos dos outros processos sociais de adaptação o direito, ou para podermos escalonar, no tempo, as formas que o direito foi assumindo. Só assim poderemos datar o que apareceu no momento próprio e o que apareceu em momento impróprio (regressões, prematuridade legislativas). Com o método etnológico e o histórico-comparativo, podemos alcançar a discriminação das fases, na evolução social (método sociológico científico ou faseológico, que foi sempre o seguido em nossas obras, quer de sociologia, quer de dogmática jurídica). O valor dos estudos históricos para o conhecimento do direito vigente assenta em que não se pode conhecer o presente, sem se conhecer o passado, não se pode conhecer o que é, sem se conhecer o que foi. Não se poderia situar, no tempo, na evolução jurídica, cada enunciado do sistema lógico; nem se colheria o que estava na psique dos elaboradores da lei, porque estava no ambiente social (e continuou de estar), e se supôs incluso nos textos, ou entre os textos; nem se poderiam fixar certos conceitos, nem se determinariam certas categorias, que têm os seus limites marcados

pelos fios históricos. Ainda onde o direito mudou muito, muito se há de inquirir do que não mudou. O direito muda muito onde em muito deixou de ser o que era. 4. A noção fundamental do direito é a de fato jurídico; depois, a de relação jurídica-, não a de direito subjetivo, que é já noção do plano dos efeitos; nem a de sujeito de direito, que é apenas têrmo da relação jurídica. Só há direitos subjetivos porque há sujeitos de direito; e só há sujeitos de direito porque há relações jurídicas. O grande trabalho da ciência jurídica tem sido o de examinar o que é que verdadeiramente se passa entre homens, quando se dizem credores, titulares ou sujeitos passivos de obrigações, autores e réus, proprietários, excipientes, etc. O esforço de dois milénios conseguiu precisar conceitos, dar forma sistemática à exposição, pôr êsses conhecimentos à disposição dos elaboradores de leis novas e aprimorar o senso crítico de algumas dezenas de gerações, até que, recentemente, se elevou a investigação ao nível da investigação das outras ciências, para maior precisão da linguagem e dos raciocínios. A subordinação dela à metodologia que resultou da lógica contemporânea, inclusive no que concerne à estrutura dos sistemas, é o último degrau a que se atingiu. Aliás, "ter direito" é, no falar diário, ambíguo, se não equívoco; Goethe tinha direito de escrever o que quisesse e, ainda naquele tempo, poderíamos ver no escrever o exercício de (direito de) liberdade de trabalho intelectual; A tem direito de se zangar com B, por B ter sido grosseiro, e vê-se bem que se está no mundo fáctico, a falar-se de direito, em sentido amplíssimo, que não é o sociológico, nem o técnico. Toda conveniência há em se evitar êsse sentido, extremamente largo, do falar comum; porém os juristas mesmos pecam em não verem que o direito abrange maior campo do que aquele que costumam, na rotina do ensino, da judicatura, ou da elaboração das leis, apontar ou pesquisar. Se A toma banho na praia, exerce direito de que êle não cogita, e é direito como os outros; se B vai ao cabeleireiro, com a filha, e diz que deseja as tranças do cabelo cortado, exerce direito. Onde quer que se distribuam bens da vida, inclusive os que se ligam à própria pessoa, aí está o sistema jurídico. Quem diz "aí está o sistema jurídico" diz há elementos fácticos sôbre os quais incidiu regra jurídica. Tal regra pode ser escrita, ou não escrita; em ambos os casos, faz parte do sistema jurídico, que é um cálculo lógico. A cada momento surgem problemas que somente podem ser resolvidos se se obedece a indicações e raciocínios exatos.

A incidencia da regra jurídica é que torna jurídicos os bens da vida. Muitas vêzes, porém, a incognita é a regra jurídica; outras vêzes, o conjunto de fatos, o suporte fáctico, em que a regra jurídica incide. Ali, responde-se às perguntas - "¿Há a regra jurídica e qual é?"; aqui, a duas outras "'¿Quais os elementos que compõem o suporte fáctico; e qual a natureza de cada um dêles?" Tais questões são inconfundíveis com as da irradiação de efeitos dessa impressão da norma jurídica no suporte fáctico. Por onde se vê que não é de admitir-se, em ciência, que se comece a exposição, a falar-se dos efeitos, da eficácia (direitos, deveres ou dívidas; pretensões, obrigações; ações e exceções), antes de se descrever como os elementos do mundo fáctico penetram no mundo jurídico. O direito dos nossos tempos, depois de se haver o homem libertado do direito do clã e da tribo, bem como do privatismo oligárquico da Idade Média, é baseado em que cada um tem campo de autonomia em que pode rumar, como entenda, a sua vida. Supõe-se em cada uma aptidão biológica, social e psico-individual para alcançar fins autônomos, escolhendo os fins e, ainda, criando fins seus. A intervenção do Estado é excepcional, pôsto que, na elaboração das leis, se adotem - para os indivíduos e para o Estado - regras que não podem ser alteradas pela vontade de cada um. Algumas criam direitos; outras, deveres; outras, pretensões, obrigações e ações, ou só pretensões e obrigações. Outras criam direitos sem os subjetivar, de modo que o efeito, a que então se chama direito, é reflexo da norma jurídica que incidiu, sem ser, pois, o seu efeito adequado ou, sequer, anexo. Nem sempre o efeito reflexo cria direito sem subjetivação; o interêsse é protegido sem a criação de direito subjetivo, ou, sequer, direito. Todavia, guardemo-nos de reduzir a essa categoria alguns fatos do mundo jurídico, que ofereceram dificuldades às gerações anteriores ao terem de os classificar {e.g., a lesão da propriedade, ou da pessoa); e mais ainda nos havemos de precatar contra discriminações concretas entre direito e interêsses protegidos que corresponderam a momentos já passados, a momentos em que eram verdadeiras (hoje não mais o são), tanto mais quanto tais discriminações podem ter resultado de deficiência do direito público de povos grandemente progredidos no direito privado. A afirmativa, por exemplo, de que não há no sistema jurídico regra que proíba, em geral, causar dano à pessoa ou ao patrimônio alheio (e.g., A. VON TUHR, Der Allgemeine Teil, I, 5 6 ) é falha: primeiro, desatende-se a que essa regra jurídica pode ser não-escrita e a que as regras jurídicas de sanções supõem a regra jurídica que se há de ter violado; segundo, não se vê que, noutro ramo do direito, que é o direito público, às vêzes no direito constitucional, a regra jurídica, que se supõe, vem, de ordinário, escrita.

5. Quando se trata de direito privado contemporâneo, poucos são os que se dão conta de que há mais de dois mil anos se vem elaborando toda a doutrina de que desfrutamos. Em verdade, foi como se, através desses milênios, estivesse o homem a descobrir o que seria melhor - ou é melhor - para regular as relações inter-humanas. "Descobrir" é o têrmo; pouco se criou: revelou-se, nos livros de doutrina, nas elaborações de regras jurídicas e nas críticas, o que se presta a resolver os problemas do interêsse humano. Às vêzes por muitos séculos se procurou solução. No final, o direito, ainda o direito não-costumeiro, é a obra de milhares e milhares de inteligências. Daí ter-se de colher, aqui e ali, a verdade. Fácil é assim imaginar-se o que representa de esforço intelectual, de pesquisa, a Parte Geral do Direito Privado. 6. A respeito de conter, ou não, o Código Civil regras jurídicas de direito administrativo (portanto, heterotópicas), e de poder alguma regra de direito civil ser invocada como subsidiária do direito público, especialmente administrativo, tem havido graves confusões, provenientes de leitura apressadas de livros estrangeiros. No art. 1.°, diz-se que o Código Civil regula "os direitos e obrigações de ordem privada", de modo que é o fundo comum para o direito civil e o comercial; porém não para o direito público: para êsse, a regra jurídica de direito privado somente pode ser invocada se é elemento do suporte fáctico de alguma regra jurídica publicística o fato jurídico privatístico, ou se - o que é causa das maiores confusões nos inexpertos - a regra jurídica privatística revela, no plano do direito privado, a existência de princípio geral de direito que também se há de revelar no direito público. Exemplo de discussão imprecisa por ocasião dos acórdãos do Supremo Tribunal Federal, a 23 de junho de 1943, 5 de junho de 1944 e 5 de agosto de 1949 (.R. dos T., 148, 777; R. de D. A., II, 560; R. F., 129,120). Em voto no acórdão da 2.a Câmara do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a 23 de fevereiro de 1948 (R. dos T., 184, 351), procurou-se critério distintivo, dizendo-se que, em direito privado, se permite o que não é proibido, ao passo que, no direito público, só se pode fazer o que é permitido; mas isso e fácil dito, sem qualquer apoio em princípios, - tanto há regras jurídicas permissivas e proibitivas no direito privado quanto no público e o campo da liberdade, no direito público, é ainda mais vasto do que no direito privado. 7. A Parte Geral do Direito é um dos ramos do Direito. Todo sistema jurídico é sistema lógico. Cada ramo também o é. Não é contemplação,

nem doutrina teleológica. Há de formar sistema lógico; ou, melhor, hã de ser apanhado do que é geral e comum no sistema lógico, ou geral e comum nos sistemas lógicos de que se trata. O sistema jurídico pode ser o do Estado A, ou um dos sistemas jurídicos (o direito civil, por exemplo) do Estado A; ou o dos Estados A, B, C, ou um dos sistemas dos Estados A, B, C. Ou se restrinja a definições, ou explicite princípios ou regras, ou é sistema lógico ou é parte de sistema. Embora seja possível pensar-se em Parte Geral do Direito em algum sistema hipotético (imaginário) X, ou X, Y, Z, a Parte Geral do Direito, ou do Direito Penal, ou do Direito Privado, ou a que fôr, é a de direito existente, ou de sistemas jurídicos existentes, ou de ramo do direito existente ou de ramo de sistemas jurídicos existentes. O seu programa não pode ser o de filosofia do direito, nem o de sociologia do direito; menos ainda o de história ou etnologia do direito; nem o dela pode suprir, ou eliminar os programas dessas disciplinas, nem o de qualquer delas, nem os de tôdas o suprem, ou eliminam. Alguns conceitos, é de notar-se, são sobre os sistemas lógicos a que se dá a qualificação de jurídicos; por exigência prática, foram incluídos na Parte Geral do Direito, para se não recorrer a remissões. Outros são conceitos de que se precisa e, pois, subentendidos, o que os faz definições. A Parte Geral do Direito Privado tem, necessariamente, de trabalhar com, os conceitos que são comuns a tòdos os ramos do direito e a todos os ramos do direito privado; e com os conceitos que somente são comuns aos ramos do direito civil, ou ao direito comercial, ou a outro ramo. 8. À doutrina pandectista do século XIX deve-se a elaboração da Parte Geral do direito civil a ponto de se haver imposto, no século XX, às codificações mais autorizadas, exceto, o que é lamentar-se, à codificação italiana. As categorias jurídicas foram classificadas; os seus conteúdos discutidos e aclarados; e não há negar-se que, aos primeiros decênios do século corrente, a tal ponto havia chegado a sistematização, que os esforços, a partir desses anos, foram em profundidade e no sentido de classificação de toda a teoria geral do direito, em irradiações do que se conseguira na Parte Geral do direito civil. Exatamente por isso, a obra, que verse, no meio do século XX, matéria que se acrisolou com tantas investigações e controvérsias, exige-se pôr-se em dia com o que deixaram os últimos grandes civilistas das três primeiras décadas e o que as duas últimas conseguiram corrigir e aperfeiçoar. Seria, porém, incompleto o pôr-se em dia, se não se atendesse ao que se irradiava, em compensação fecunda, dos outros ramos

do direito. Daí a razão de se reputar da mais alta responsabilidade empreendimento tão complexo, a despeito de caber a matéria, nos códigos, em duas centenas de artigos (§§ 1-240 do Código Civil alemão; arts. l.°-179 do Código Civil brasileiro). 9. A divisão das matérias da Parte Geral aparece, nesta obra, pela primeira vez, em ordem lógico-científica. Primeiro, expusemos o que concerne ao plano da existência; depois, o que se refere ao plano da validade; finalmente, o que somente pertence ao plano da eficácia. O fato jurídico, primeiro, é; se é, e somente se é, pode ser válido, nulo, anulável, rescindível, resolúvel, etc.; se é, e somente se é, pode irradiar efeitos, posto que haja fatos jurídicos que não os irradiam, ou ainda não os irradiam. No Plano I, a regra jurídica e o suporte fáctico sôbre que ela incide são o de que de início nos incumbimos tratar; depois da incidência, que torna fato jurídico o suporte fáctico, versa-se o que define os fatos jurídicos e os classifica. A personalidade e a capacidade entram no estudo do suporte fáctico, porque de tais conceitos precisamos desde logo. No Plano n, o assunto já supõe a existência dos fatos jurídicos; mais precisamente, dos atos jurídicos (negócios jurídicos e atos jurídicos stricto sensu), fora os fatos jurídicos stricto sensu. São a validade, a nulidade e a anulabilidade o que mais longamente nos ocupa. No Plano IH, cogitamos da eficácia, que supõe existência e, de ordinário, pelo menos, não ser nulo o ato jurídico. Respectivamente, Tomos I-HI, IV e V-VI. A diferença entre o mundo fáctico e o mundo jurídico vê-se bem entre o passeio que alguém faz à casa do amigo e a entrega da carta com a oferta de contrato, entre o ato de cercar, interiormente, o terreno que lhe pertence e o de invadir o terreno do vizinho, entre a avulsão interior ao terreno de A e a avulsão entre o terreno de A e o de B. Duas pessoas que se divertem jogando cartas, sem parar qualquer valor (somente fichas de osso ou de matéria plástica, que voltam ao dono), mantêm-se no mundo fáctico; e duas que fizeram paradas de dinheiro, fizeram entrar no mundo jurídico, desde o momento em que acordaram em tal jogo, o negócio jurídico dos arts. 1.4771.479 do Código Civil. A diferença entre o plano da existência e o plano da eficácia percebe-se claramente quando se considera o fato jurídico e o direito, o dever, a pretensão, a obrigação, a ação e a exceção, que são efeitos, ou a condição e o termo, que só operam no plano da eficácia, e o distrato, a resolução sem ser por advento de condição ou têrmo, a própria resilição e a denúncia, que se passam no plano da existência. O distrato desfaz o ato

jurídico; a resolução resolve o ato jurídico, a resilição resile-o; a denuncia atinge o ato jurídico. A condição e o têrmo somente apanham efeitos. 10. A fonte mais extensa do direito civil brasileiro é o Código Civil, que teve a data de 1.° de janeiro de 1916 e entrou em vigor um ano depois. "Este Código" disse o art. 1.°, "regula os direitos e obrigações de ordem privada concernentes às pessoas, aos bens e às suas relações". Em termos científicos, evitadas as elipses: o Código Civil regula os fatos de que resultam direitos e obrigações de ordem privada, quer de natureza pessoal, quer de natureza real. Como toda codificação, o Código Civil não foi exaustivo senão por algum tempo (= até a aparição de alguma regra jurídica derrogativa, ou a latere) e ainda assim não foi perfeita a sua exaustividade: somente onde se regulou alguma matéria foi, excluído o direito anterior (art. 1.807: "Ficam revogadas as Ordenações, Alvarás, Leis, Decretos, Resoluções, Usos e Costumes concernentes às matérias de direito civil reguladas neste Código"). No art. 1.806, estatuíra-se: "O Código Civil entrará em vigor no dia 1.° de janeiro de 1917". A fonte mais extensa do Código Comercial é o Código do Comércio (Lei n. 556, de 25 de junho de 1850). Os que não vivem atentos à história dos diferentes sistemas jurídicos dificilmente podem apreciar, com profundidade, a grande vantagem, que teve o Brasil, em receber o direito português e a doutrina jurídica dos séculos XV em diante, sem que direito estrangeiro fosse imposto por invasores ou em imitações apressadas, como aconteceu a muitos dos povos hispano-americanos, em relação ao Código Civil francês. O Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, que nos teria dado o melhor Código Civil do século X I X , prestou-nos, não se transformando em Código Civil, o serviço de pôr-nos em dia com o que êle genialmente entrevia e permitiu-nos sorrir dos imitadores do Código Civil francês, enquanto Portugal, imitando-o, deixou que a sua história jurídica se fizesse mais nossa do que déle. O Código Civil brasileiro é bem, como disse L . ENNECCERUS, a mais independente das codificações latino-americanas. Para quem observa, isentamente, o que se passou com o direito comercial, nota a artificialidade com que se quis arrancar do direito privado o todo suficiente para aparecer, como autônomo, ramo de direito privado que apenas consistia em algumas leis especiais e algumas regras jurídicas concernentes aos comerciantes. Algumas leis foram soldadas ao direito comercial sem se justificar tal soldagem deliberada e violenta.

11. A obra obedece a programa rigorosamente científico: a distinção entre mundo fáctico e mundo jurídico, que é o do sistema jurídico, vem à frente, e concorre imensamente para clarear os assuntos e para a solução de problemas delicados que perturbavam a ciência européia; depois, a distinção entre o plano da existência, o plano da validade e o plano da eficácia, sem a qual em tantas confusões incorrem os juristas, baralhando "ser", "valer" e "ter efeito", como se fossem equivalentes "ser", "ser válido", "ser eficaz", ou "não ser", "não ser válido", "ser ineficaz". A ciência do direito, colhendo das regras jurídicas, da sistemática e da prática os conceitos, obedece às diferenças; os juristas, aqui e ali, perdem-nas de vista. Tudo aconselha a que se ordenem as matérias com toda a precisão conceptual. Já TEIXEIRA DE FREITAS percebera que a parte do direito concernente à eficácia ("dos efeitos civis", dizia êle) havia de ser todo um livro, após as causas, as pessoas, os bens e os fatos jurídicos. Somente depois se trataria - no plano do direito civil - dos direitos pessoais e dos direitos reais. O Código Comercial fundir-se-ia, unificando-se o direito privado. Foi isso o que êle propôs em ofício de 20 de setembro de 1867, antes do Código suíço das Obrigações, - e a mediocridade circundante rejeitou. Há certo fio de coerência histórica e espiritual em realizarmos, já no plano da sistematização, com o material do direito vigente, complexo e de diferentes datas, versado lealmente, o que, no plano da técnica legislativa, fôra o sonho do jurista brasileiro, há quase um século. Serve isso para mostrar, mais uma vez, que o Brasil tem um destino, que lhe traçaram o universalismo português e as circunstâncias jurídico-morais da sua história de mais de quatro séculos. É Ele, e não apenas nós (o civilista do século XIX e o autor desta obra), que planeja e executa. Somos apenas os instrumentos da sua avançada na dimensão do Tempo, a serviço da ordem jurídica e da ciência, na América e no mundo. De nossa parte, outrem poderia levar a cabo esta obra, melhor e mais eficientemente; as circunstâncias trabalharam a nosso favor, de modo que cedo percebemos que sem elas não poderíamos, nem outrem qualquer poderia enfrentá-la. Também aí não se leve a conta de mérito excepcional do autor o que foi resultado, tão-só, da convergência, extremamente feliz, de múltiplos fatores, de ordem psíquica e de ordem material. Uma das circunstâncias foi a prática do direito, durante mais de quarenta anos; outra, a formação inicial, lógico-matemática; outra, a possibilidade de estar a par da ciência européia, especialmente alemã e austríaca, à custa de grandes sacrifícios. Porém não pesou menos o ter podido, materialmente,

realizar a obra, através de trinta anos de organização minudente e de disciplina estrita. A ciência precisa, para ser verdadeiramente prática, não se limitar ao prático ( R . VON JHERING, Jahrbücher für die Dogmatik, I, 18: "Die Wissenschaft darf, um wahrhaft praktisch zu sein, sich nicht auf das Praktische beschrãnken"). Esse pensamento nos voltou à memoria, varias vêzes ao revermos as provas deste livro. A falta de precisão de conceitos e de enunciados é o maior mal na justiça, que é obrigada a aplicar o direito, e dos escritores de direito, que não são obrigados a aplicá-lo, pois deliberam êles-mesmos escrever. O direito que está à base da civilização ocidental só se revestirá do seu prestígio se lhe restituirmos a antiga pujança, acrescida do que a investigação científica haja revelado. Não pode ser justo, aplicando o direito, quem não no sabe. A ciência há de preceder ao fazer-se justiça e ao falar-se sobre direitos, pretensões, ações e exceções. Para honestamente se versar, hoje, o direito privado brasileiro, precisa-se de preparação de alguns decênios, quer pela necessidade de se meditarem milhares de obras, quer pela assoberbante jurisprudência que se amontoou. Por outro lado, não se pode impor ao público a exposição sistemática, sem críticas, do direito privado. Tem-se de apontar o que se diz e está errado; e chamar-se atenção para os que, com o seu gênio, descobriram, ou, com o valor das suas convicções, sustentaram a verdade. Rio de Janeiro, 15 de março de 1954. Rua Prudente de Morais, 1356.

SOBRE O

AUTOR

FRANCISCO CAVALCANTI P O N T E S DE MIRANDA

Nasceu em Maceió, Estado de Alagoas, em 23 de abril de 1892. Faleceu no Rio de Janeiro, em 22 de dezembro de 1979. Foi um dos maiores juristas brasileiros. Também filósofo, matemático, sociólogo, deixou obras não só no campo do Direito, mas também da Filosofia, Sociologia, Matemática, Política e Literatura (poesia e prosa). Escreveu-as em português, francês, inglês, alemão e italiano. - Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, pela Faculdade de Recife, em 1911. - Membro do Instituto dos Advogados do Brasil, em 1918. - Membro Correspondente da Ordem dos Advogados de São Paulo, 16 de dezembro de 1919. - Conselheiro da Delegação Brasileira à V Conferência Internacional Americana, 1923. - Prêmio de Erudição da Academia Brasileira de Letras, 1924, pelo livro Introdução à Sociologia Geral. - Juiz de Órfãos, 1924. - Prêmio Único da Academia Brasileira de Letras, 1925, pelo livro A Sabedoria dos Instintos. - Prêmio Pedro Lessa, da Academia de Letras, 1925. - Professor Honoris Causa da Universidade Nacional do Rio de Janeiro, 1928. - Delegado do Brasil à V Conferência Internacional de Navegação Aérea, 1930. - Conferencista na Keiser Wilhelm-Stiftung, em Berlim, 1931.

- Membro da Comissão de Reforma Universitaria do Brasil, em 1931. - Membro da Comissão de Constituição, em 1932. - Chefe da Delegação do Brasil na Conferência Internacional de Navegação Aérea, em Haia, 1932. - Professor de Direito Internacional Privado na Académie de Droit International de la Haye, 1932. - Juiz dos Testamentos (Provedoria e Resíduos). - Desembargador do Tribunal de Apelação e Presidente das Câmaras de Apelação até 1939. Ministro Plenipotenciário de I a classe, em 1939. Embaixador em comissão, 3 de novembro de 1939, sendo designado para Colômbia de 1940 a 1941. Chefe da Delegação do Governo Brasileiro na XXVI Sessão da Conferência Internacional do Trabalho, em Nova Iorque, 25 de setembro de 1941. Representante do Brasil no Conselho Administrativo da Repartição Internacional do Trabalho, em Montreal, 29 de agosto de 1941; no posto de 15 de setembro de 1941 a março de 1943. Professor Honoris Causa da Universidade Federal do Recife, 1955. Ordem do Tesouro Sagrado do Império do Japão, Primeiro Grau, 1958. Medalha Comemorativa do Centenário do nascimento de Clóvis Beviláqua, 4 de outubro de 1959. Prémio Teixeira de Freitas, pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, 1961. Ordem do Mérito Jurídico Militar, pelo Superior Tribunal Militar, 1966. Medalha Monumento Nacional ao Imigrante, Caxias do Sul, 1966. Professor Honoris Causa da Universidade Federal de São Paulo, 1966. Comenda de Jurista Eminente, Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul, 1969.

- Professor Honorario da Faculdade de Direito de Caruaru, 26 de maio de 1969. - Grã-Cruz do Mérito da Única Ordem da República Federal da Alemanha, 1970. - Professor Honoris Causa da Universidade Federal de Santa Maria, Rio Grande do Sul, 8 de agosto del970. - Professor Honoris Causa da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 11 de agosto de 1970. - Titular Fundador da Legião de Honra do Marechal Rondon, 5 de maio de 1970. - Sumo Título de Mestre do Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 19 de setembro de 1970. - Professor Honoris Causa da Universidade Federal do Rio de Janeiro, 12 de agosto de 1971. - Premio Munis Freire de Pernambuco outorgado pela Associação dos Magistrados do Espirito Santo, 12 de agosto de 1974. - Prêmio Medalha Osvaldo Vergara outorgado pela OAB, Seção do Rio Grande do Sul, 6 de novembro de1974. - Professor Emérito da Faculdade de Direito de Olinda, 15 de maio de 1977. - Prêmio Medalha do Mérito Visconde de S. Leopoldo, Olinda, 15 de maio de 1977. - Professor Honoris Causa da Universidade Federal de Alagoas, 1978. - Prêmio Medalha do Mérito Artur Ramos outorgado pelo Governador de Alagoas, março de 1978. - Imortal da Academia Brasileira de Letras, 8 de março de 1979. - Membro Benemérito do Diretório Acadêmico Rui Barbosa. - Membro Efetivo do Instituto dos Advogados do Rio Grande do Sul. - Sócio Honorário do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. - Membro da Ordem dos Advogados do Brasil. - Membro da Academia Brasileira de Arte.

- Honra ao Mérito, Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. - Grau de Grã-Cruz (Ordem Albatroz) Museu de História, Sociedade Cultural Tradicionalista. - Membro da Association of Symbolic Logic. Membro da Academia Carioca de Letras. Membro da Academia de Artes. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Membro da Academia Brasileira de Letras. Cidadão Honorário de Minas Gerais.

OBRAS PRINCIPAIS DO

AUTOR

JURÍDICAS

Sistema de Ciência Positiva do Direito (1922), 2 Tomos; 2. ed., 1972,4 Tomos. Os Fundamentos atuais do Direito Constitucional (1932). Tratado do Direito Internacional Privado, 2 Tomos (1935). Tratado das Ações, I-VE (1971-1978). Tratado de Direito Privado, Tomos I-LX, 3. ed. Comentários à Constituição da República dos E. U. do Brasil (1934), Tomos I e IH. Comentários à Constituição de 10 de novembro de 1937, 1.° e 3.° Tomos. Comentários à Constituição de 1946, 3. ed., Tomos I-VIII. Comentários à Constituição de 1967, Tomos I-VI; 2. ed., com Emenda n. 1. La Conception du Droit internacional privé d'aprés la doctrine et la pratique au Brésil, Recueil des Cours de l'Académie de Droit Internacional de La Haye, T. 39, 1932. La Creation et la Personalité des personnes juridiques en Droit international privé, Mélanges Streit, Athènes, 1939. Nacionalidade e Naturalização no Direito brasileiro (1936). À Margem do Direito (1912). História e Prática do Habeas Corpus (1916); 7. ed. (1972), 2 Tomos. Tratado de Direito de Família, 3. ed., 3 Tomos (1947). Da Promessa de Recompensa (1927). Das Obrigações por Atos Ilícitos, 2 Tomos (1927). Dos Títulos ao Portador (1921); 2. ed., 1 Tomos. Fontes e Evolução do Direito Civil Brasileiro, história, lacunas e incorreções do Código Civil (1928). Tratado dos Testamentos, 5 Tomos (1930).

Tratado do Direito Cambiário: I. Letra de Câmbio. II. Nota Promissória. III. Duplicata Mercantil. IV. Cheque, 2. ed., 4 Tomos (1954-1955). Tratado de Direito Predial (1953); 5 Tomos, 2. ed. Comentários ao Código de Processo Civil (1939), 2. ed., Tomos I-IX. Comentários ao Código de Processo Civil (de 1973), Tomos I-XVH Embargos, Prejulgados e Revista no Direito processual brasileiro (1937). Tratado da Ação Rescisória (1973), 5. ed. História e Prática do Arresto ou Embargo (1937). Conceito e Importância da "unitas actus" (1939). Die Zivilgesetz der Gegenwart, Band IE, Brasilien (Einleitung von Dr. Pontes de Miranda), unter Mitwirkung von Dr. Pontes de Miranda u. Dr. Fritz Gericke, herausgegeben von Dr. Karl Heinscheimer (1928). Rechtsgefiihl und Begriffdes Rechts (1922). Begrijfdes Wertes und soziale Anpassimg (1922). Brasilien, Rechtsvergleichendes Handwõrterbuch, do Prof. Dr. Franz Schlegelberger, em colaboração (1929). Questões Forenses, 8 Tomos (1953). Princípio da relatividade gnosiológica e objetiva (1961). Dez anos de Pareceres, 1-10 (1974-1977). -

D E FILOSOFIA

O Problema Fundamental do Conhecimento (1937), 2. ed. (1972). Garra, Mão e Dedo (1953). Vorstellung von Raune, Alti del V Congresso Internazionale di Filosofia (1924), Napoli, 1925.

SOCIOLÓGICAS

Introdução à Sociologia Geral (1926), 1." prêmio da Academia Brasileira de Letras. A Moral do Futuro (1913). Democracia, Liberdade, Igualdade, os três caminhos (1945).

Introdução à Política Científica (1924). Método de Análise Sociopsicológica (1925). O Novos Direitos do Homem (1933). Direito à Subsistência e Direito ao Trabalho (1935). Direito à Educação (1933). Anarquismo, Comunismo, Socialismo (1933). Los Principios y Leis de Simetria en la Sociologia General, Madrid, 1925.

LITERÁRIAS

Poèmes et chansons (1969). Obras Literárias (1960), 2 Tomos. A Sabedoria dos Instintos (1921), 1.° prêmio da Academia de Letras, 2. ed., 1924. A Sabedoria da Inteligência (1923). O Sábio e o Artista, edição de luxo (1929). Penetração, poemas, edição de luxo (1930).

Inscrições da Estela Interior, poemas, edição de luxo (1930). Epikiire derWeisheit, München, 2. ed. (1973).

SOBRE OS

ATUALIZABORES

GISELDA M A R I A FERNANDES NOVAES HIRONAKA

Livre Docente e Doutora pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Professora Titular do Departamento de Direito Civil (DCV) da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Coordenadora Titular dos cursos de Graduação, Mestrado e Doutorado da Faculdade Autônoma de São Paulo - Fadisp. Consultora Pedagógica do Curso de Direito das Faculdades Alves Faria - Alfa em Goiânia (GO). Coordenadora Geral da área de Direito Civil da Escola Paulista de Direito - EPD, em São Paulo. Diretora nacional para a região sudeste do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM. Ex-Procuradora Federal. Advogada. Consultora jurídica, parecerista. Conferencista e palestrante em várias cidades brasileiras, e também no exterior. Autora de diversos artigos jurídicos, publicados em veículos da comunicação jurídica de vários Estados brasileiros, especialmente nas áreas do Direito Civil e do Direito Agrário.

PAULO L U I Z N E T T O L Ô B O

Doutor em Direito Civil pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre era Direito Privado pela Universidade Federal de Pernambuco(UFPE). Advogado. Professor Emérito da Universidade Federal de Alagoas. Professor Visitante dos Cursos de Doutorado e Mestrado em Direito da Universidade Federal de Pernambuco. Foi Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça, Procurador Geral do Estado de Alagoas, Conselheiro Federal da OAB, Presidente e Relator da Comissão do Conselho Federal da OAB que elaborou o projeto do Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906, de 1994), Presidente do Instituto dos Advogados de Alagoas, Presidente da Associação Brasileira de Ensino do Direito. Membro Fundador do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM e do Instituto de Direito Privado. Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros, da International Society of Family Law. do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor-Brasilcon, e do Instituto Luso-Brasileiro de Direito Comparado.

FLANO GERAL DA

COLEÇÃO

PARTE G E R A L

Tomo I - Introdução. Pessoas físicas e jurídicas. Tomo II - Bens. Fatos Jurídicos. Tomo m - Negócios Jurídicos. Representação. Conteúdo. Forma. Prova. Tomo IV - Validade. Nulidade. Anulabilidade. Tomo V - Eficácia jurídica. Determinações inexas e anexas. Direitos. Pretensões. Ações. Tomo VI - Exceções. Direitos mutilados. Exercício dos direitos, pretensões, ações e exceções. Prescrição.

PARTE ESPECIAL

Tomo VII - Direito de personalidade. Direito de família: direito matrimonial (Existência e validade do casamento). Tomo Vin - Dissolução da sociedade conjugai. Eficácia jurídica do casamento. Tomo IX - Direito de Família: Direito Parental. Direito Protetivo. Tomo X - Direito das Coisas: Posse. Tomo XI - Direito das Coisas: Propriedade. Aquisição da propriedade imobiliária. Tomo XII - Direito das Coisas: Condomínio. Edifício de apartamentos. Compáscuo. Terras devolutas. Terras de silvícolas. Tomo Xin - Direito das Coisas: Loteamento. Direitos de vizinhança. Tomo XIV - Direito das Coisas: Pretensões e ações imobiliárias dominicais. Perda da propriedade imobiliária. Tomo XV - Propriedade mobiliária (bens corpóreos).

Tomo XVI - Direito das Coisas: Propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade intelectual. Propriedade industrial. Tomo XVII - Direito das Coisas: Propriedade mobiliária (bens incorpóreos). Propriedade industrial (sinais distintivos). Tomo XVIII - Direito das Coisas: Direitos reais limitados. Enfiteuse. Servidões. Tomo XIX - Direito das Coisas: Usufruto. Uso. Habitação. Renda sobre o imóvel. Tomo XX - Direito das Coisas: Direitos reais de garantia. Hipoteca. Penhor. Anticrese. Tomo XXI - Direito das Coisas: Penhor rural. Penhor industrial. Penhor mercantil. Anticrese. Cédulas rurais pignoratícias, hipotecárias e mistas. Transmissões em garantia. Tomo XXH - Direito das Obrigações: Obrigações e suas espécies. Fontes e espécies de obrigações. Tomo X X m - Direito das Obrigações: Auto-regramento da vontade e lei. Alteração das relações jurídicas obrigacionais. Transferência de créditos. Assunção de dívida alheia. Transferência da posição subjetiva nos negócios jurídicos. Tomo XXTV - Direito das Obrigações: Efeitos das dívidas e das obrigações. Iuros. Extinção das dívidas e obrigações. Adimplemento. Arras. Liquidação. Depósito em consignação para adimplemento. Alienação para liberação. Adimplemento com sub-rogação. Imputação. Compensação. Tomo XXV - Direito das obrigações: Extinção das dívidas e obrigações. Dação em soluto. Confusão. Remissão de dívidas. Novação. Transação. Outros modos de extinção. Tomo XXVI - Direito das Obrigações: Conseqüências do inadimplemento. Exceções de contrato não adimplido, ou adimplido insatisfatòriamente, e de inseguridade. Enriquecimento injustificado. Estipulação a favor de terceiro. Eficácia protectiva de terceiro. Mudanças de circunstâncias. Compromisso. Tomo XXVH - Concurso de credores em geral. Privilégios. Concurso de credores civil. Tomo XXVHI - Direito das Obrigações: Falência. Caracterização da falência e decretação da falência. Efeitos jurídicos da decretação da falência. Declaração de ineficiência relativa de atos do falido. Ação revocatoria falencial. Tomo XXIX - Direito das Obrigações: Administração da massa falencial. Restituições e vindicações. Verificação de créditos. Classificação de créditos. Inquérito judicial. Liquidação. Extinção das obrigações.

Tomo XXX - Direito das obrigações: Concordatas. Crimes falenciais. Liquidações administrativas voluntarias e coativas. Tomo XXXI - Direito das Obrigações: Negocios jurídicos unilaterais. Denuncia. Revogação. Reconhecimento. Promessas unilaterais. Traspasso bancário. Promessa de recompensa. Concurso. Tomo XXXII - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais. Títulos ao portador. Tomo XXXHI - Direito das Obrigações: Títulos ao portador (continuação). Títulos nominativos. Títulos endossáveis. Tomo XXXIV - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais. Direito cambiário. Letra de Câmbio. Tomo XXXV - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais. Direito cambiário. Letra de Câmbio. Nota promissória. Tomo XXXVI - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos unilaterais Direito cambiariforme. Duplicata mercantil. Outros títulos cambiariformes. Tomo X X X V n - Direito das Obrigações: Negócios Jurídicos unilaterais. Direito cambiariforme. Cheque. Direito extracambiário e extracambiariforme. Direito internacional cambiário e cambiariforme. Tomo X X X V m - Direito das Obrigações: Negócios jurídicos bilaterais e negócios jurídicos plurilarerais. Pressupostos. Vícios de direito. Vícios do objeto. Evicção. Redibição. Espécies de negócios jurídicos bilaterais e de negócios jurídicos plurilaterals. Tomo XXXIX - Direito das Obrigações: Compra-e-venda. Troca. Contrato estimatório. Tomo XL - Direito das Obrigações: Locação de coisas. Locação de uso. Locação de uso e fruição. Tomo XLI - Direito das Obrigações: Locação de coisas. Renovação de contrato de locação. Fretamento. Tomo XLH - Direito das Obrigações: Mútuo. Mútuo a risco. Contrato de conta corrente. Abertura de crédito. Assinação e Acreditivo. Depósito. Tomo X L m - Direito das Obrigações: Mandato. Gestão de negócios alheios sem outorga. Mediação. Comissão. Corretagem. Tomo XLIV - Direito das Obrigações: Expedição. Contrato de agência. Representação de emprêsa. Fiança. Mandato de crédito. Constituição de renda. Promessa de dívida. Reconhecimento de dívida. Comunidade. Edição. Representação teatral, musical e de cinema. Empreitada.

Tomo XLV - Direito das Obrigações: Contrato de transporte. Contrato de parceria. Jogo e aposta. Contrato de seguro. Seguros terrestres, marítimos, fluviais, lacustres e aeronáuticos. Tomo XLVI - Direito das Obrigações: Contrato de Seguro (continuação). Seguro de vida. Seguros de acidentes pessoais. Seguro de responsabilidade. Seguro de crédito. Seguros de riscos especiais e de universalidade. Seguros mútuos. Resseguro. Contrato de comodato. Contrato de doação. Contrato de hospedagem.

Tomo XLVn - Direito das Obrigações: Contrato de locação de serviços. Contrato de trabalho. Tomo XLVUI - Direito das Obrigações: Contrato coletivo do trabalho. Contratos especiais de trabalho. Preposição comercial. Ações. Acordos em dissídios coletivos e individuais. Contrato de trabalho rural. TomoXLIX - Contrato de sociedade. Sociedades de pessoas. TomoL - Direito das Obrigações: Sociedade por ações. Tomo LI - Direito das Obrigações: Sociedade por ações (continuação). Sociedade em comandita por ações, Controle das sociedades. Sociedades de investimento, de crédito e de financiamento. Tomo LU - Direito das Obrigações: .Negócios jurídicos bancários e de Bolsa. Corretagem de seguros.Transferência de propriedade mobiliária, em segurança. Subscrição, distribuição e colocação de títulos e valores mobiliários. Tomo LIE - Direito das Obrigações: Fatos ilícitos absolutos. Atos-fatos ilícitos absolutos. Atos ilícitos absolutos. Responsabilidade. Danos causados por animais. Coisas inanimadas e danos. Estado e servidores. Profissionais. TomoLIV - Direito das Obrigações: Responsabilidade das emprêsas de transporte. Exercício ilícito na Justiça. Danos à pessoa. Acidentes do trabalho. Pretensão e ação. Dever de exibição. Liquidação das obrigações. Cominação. Tomo LV - Direito das Sucessões: Sucessão em Geral. Sucessão legítima. Tomo LVI - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Testamento em geral. Disposições testamentárias em geral. Herança e legados. Tomo LVE - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Disposições testamentárias em geral. Herança e legados. TomoLVm - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Disposições testamentárias em geral. Formas ordinárias do testamento. Tomo LIX - Direito das Sucessões: Sucessão testamentária. Testamentos. Codicilo. Revogação. Tomo LX - Direito das Sucessões: Testamenteiro. Inventário e Partilha.

TÁBUA SISTEMÁTICA DAS

MATÉRIAS

TITULO III SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA CAPITULO I HISTORICIDADE DA S U C E S S Ã O

LEGÍTIMA

E TESTAMENTÁRIA

§ 5.646. FIGURAS JURÍDICAS DO PASSADO

55

1. Surgimento da sucessão testamentária. 2. Preformas do testamento § 5.647. APARIÇÃO DO TESTAMENTO

58

1. Figura jurídica típica. 2. Correspondências sinfrônicas. 3. Direito português § 5.648. SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA E SAISINA

62

1. Equiparação perfeita e completa quanto à saisina. 2. Direito alemão. 3. Direito suíço. 4. Código Civil austríaco. 5. Dois princípios. 6. Concepção científica da saisina. 7. Exame das opiniões. 8. Conseqüências do princípio § 5.649. CONFLUÊNCIA E LUTA DE DOIS PRINCÍPIOS

74

1. Adição da herança e aquisição automática. 2. Posse, na regra jurídica sôbre sucessão hereditária. 3. Tentativas de explicações § 5.650. PRECISÕES A RESPEITO DA POSSE

79

1. Posse no sentido próprio e posse dos herdeiros. 2. Relevância da distinção. 3. Objeto da posse. 4. Transmissão da posse § 5.651. ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA 1. Situação estabelecida após a morte. 2. Herança tida por aceita. 3. Transmissão por fôrça da lei. 4. Função da aceitação. 5. Renúncia de herança testamentária. 6. Credores e renúncia da herança. 7. Prazo

S4

para deliberação. 8. Renuncia da herança e credores do sucessível. 9. Legitimação ativa. 10. Noção supérflua da fraude. 11. Autorização judicial. 12. Nulidade e anulação da renúncia. 13. Transmissão do direito à manifestação de vontade. 14. Cláusula testamentária a respeito da falta de manifestação de vontade pelo sucessível que morre antes de deliberar. 15. Legitimação passiva. 16. Credores e destino dos bens. 17. Aceitação e credores § 5.652. REVOGAÇÃO DA ACEITAÇÃO PELO HERDEIRO

102

1. Revogação. 2. Revogabilidade da aceitação. 3. Irrevogabilidade da abstenção e da renúncia. 4. Anulabilidade por defeito do consentimento. 4.NH Casos de invalidade. 5. Direito patrimonial de ação de nulidade ou de anulação. 6. Defeitos de vontade (anulação ordinária e regra jurídica do Código Civil, art. 1.590, 1.a parte). 7. Efeitos da nulidade e revogação CAPÍTULO II TESTAMENTO EM GERAL

§ 5.653. CONCEITO E NATUREZA DO TESTAMENTO

109

1. Morte e testamento. 2. Definições* § 5.654. DIREITO DE TESTAR

111

1. Surgimento do direito de testar. 2. Renascença do testamento. 3. Origem do testamento § 5.655. EXECUÇÃO TESTAMENTÁRIA

115

1. Dados históricos. 2. Direito de hoje § 5.656. TESTAMENTOS NO DIREITO LUSO-BRASILEIRO

120

1. Inícios. 2. Ordenações Afonsinas § 5.657. BENS TESTÁVEIS

121

1. Direito romano. 2. Direito hodierno § 5.668. DEFINIÇÕES E PRESSUPOSTOS DE TESTAMENTO 1. Definição. 2. Revogabilidade essencial. 3. Sobre a definição do Código Civil. 4. Disposição no todo ou em parte. 5. Direito intertemporal e testamento Nota do Editorial: Numeração conforme obra original.

122

§ 5.659. FUNDAMENTO DA FACULDADE DE TESTAR 1. Lei e faculdade de testar. 2. Direito de testar, e não dever. 3. Interpretação do testamento. 4. Conteúdo da função personalíssima de testar. 5. Conseqüências de ser personalíssimo o direito de testar

128

§ 5.660. REVOGABILIDADE INDERROGÁVEL DO TESTAMENTO

133

1. Precisões. 2. Conceito de revogabilidade. 3. Elementos do passado. 4. Direito de hoje § 5.661. CLÁUSULAS DERROGATÓRIAS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

137

1. Conteúdo do princípio da revogabilidade. 2. Espécies de cláusulas derrogatórias § 5.662. PORÇÃO TESTÁVEL

141

1. Limite legal à disposição. 2. Pressupostos e limitações. 3. Exceção ao princípio da inviolabilidade das legítimas § 5.663. DISPOSIÇÕES ESTRANHAS AO PATRIMÔNIO

145

1. Dados históricos. 2. Amplitude do objeto § 5.664. CONTRATOS EM TESTAMENTOS

147

1. Posição da questão. 2. Promessa de prestação em testamento § 5.665. PACTOS SUCESSÓRIOS E INFLUÊNCIA NOS TESTAMENTOS

152

1. Espécies de pactos sucessórios. 2. Sobrevivência do benefício § 5.666. TESTAMENTO PARA EXCLUIR UM OU MAIS SUCESSÍVEIS "AB INTESTATO"

155

1. Exclusão de herdeiros não necessários. 2. Direito brasileiro § 5.667. INCADUCABILEDADE DO TESTAMENTO

157

1. Direito romano. 2. Direito contemporâneo. 3. Direito alemão, direito suíço e direito russo. 4. Direito italiano. 5. Direito português CAPÍTULO III C A P A C I D A D E PARA F A Z E R T E S T A M E N T O

§ 5.668. CAPACIDADE DE DIREITO E CAPACIDADE NEGOCIAL 1. Noções sobre capacidade de concluir negócio jurídico. 2. Pessoas físicas e pessoas jurídicas. 3. Incapazes de testar. 4. Posição jurídica do testador. 5. Beneficiados pelo testamento

161

§ 5.669. CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA ATIVA

165

1. Capacidades testamentárias ativa e passiva. 2. Técnica legislativa a respeito de capacidade § 5.670. MENORES DE DEZESSEIS ANOS (I)

166

1. Direito romano e outros sistemas. 2. Direito brasileiro § 5.671. LOUCOS DE TODO O GÊNERO (II)

169

1. Exercitabilidade dos direitos e de funções de ordem jurídica. 2. Ônus da prova da loucura. 3. Posição do oficial público no caso de tres vario do testador. 4. Intervalos lúcidos e testamento § 5.672. IMPERFEITO IUÍZO (Hl)

174

1. Conceito de imperfeito juízo. 2. Nulidade e anulabilidade. 3. Presunção de juízo perfeito. 4. Afirmativas de tabelião e faculdades mentais § 5.673. SURDOS-MUDOS QUE NÃO PUDEREM MANIFESTAR A SUA VONTADE (IV)

178

1. Pressupostos para validade. 2. Considerações "de lege ferenda". 3. Conseqüências da incidência da regra jurídica § 5.674. AUSENTES

180

1. Testamento de ausente. 2. Solução acertada § 5.675. PRÓDIGOS

181

1. Posição da questão no direito luso-brasileiro. 2. Direito romano. 3. Problema de técnica legislativa § 5.676. SILVÍCOLAS

184

1. Problema de técnica legislativa. 2. Precisões § 5.677. FALIDO E "FACTIO TESTAMENTI"

1§4

1. Capacidade testamentária ativa. 2. Alienabilidade § 5.678. EVOLUÇÃO TÉCNICA DA REGRA DE VALIDADE INTERTEMPORAL 1. Incapacidade superveniente. 2. Direito romano. 3. Direito moderno. 4. Natureza da regra jurídica. 5. Particularidade do Código Civil alemão

185

CAPÍTULO IV NEGÓCIO JURÍDICO DO TESTAMENTO, VALIDADE E EFICÁCIA

§ 5.679. NEGÓCIO JURÍDICO DO TESTAMENTO

189

1. Classificação do fato jurídico do testamento. 2. Validade e invalidade. 3. Maiores de dezesseis anos, incapazes. 4. Anulabilidade § 5.680. ÊRRO NAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

192

1. Conceito de êrro e testamento. 2. Restauração da verba testamentária. 3. Êrro no testamento § 5.681. RESERVA MENTAL

197

1. Regra jurídica a respeito de reserva mental. 2. Cláusula em que houve reserva mental. 3. Conceito de reserva mental e dados sôbre ela § 5.682. "FALSA DEMONSTRATION LAPSOS E ÊRROS DE REDAÇÃO

199

1. Falsa demonstração. 2. Erros de fácil emenda § 5.683. DOLO

201

1. Conceito e sanção. 2. Anulabilidade das disposições testamentárias. 3. Ação de anulação por dolo § 5.684. COAÇÃO E TESTAMENTO

205

1. Conceito e precisões. 2. Pressupostos. 3. Coação exercida pelo interessado ou por outrem. 4. Dados fácticos. 5. Ameaça de exercício normal de direito e temor reverenciai. 6. Coação exercida por terceiro. 7. Prova da coação § 5.685. SIMULAÇÃO

216

1. Conceito e espécies de simulação. 2. Simulação e outros vícios. 3. Três espécies principais de simulação. 4. Terceiros e alegação de simulação. 5. Conversão. 6. Ressalva e legitimação ativa do lesado pela simulação. 7. Regras jurídicas invocáveis § 5.686. FRAUDE FEITA PELO TESTADOR

225

1. Fraude contra credores. 2. Cláusulas testamentárias e fraude § 5.687. MUDANÇAS DAS CIRCUNSTÂNCIAS, CIRCUNSTÂNCIAS NOVAS E INTERPRETAÇÃO 1. Mudanças e repercussões. 2. Algumas questões e julgados. 3. Cláusula "rebus sic stantibus" e pressuposição "rebus sic stantibus"

227

§ 5.688. ANULABILIDADE E AÇÕES RESPECTIVAS

235

1. Causas de anulabilidade. 2. Dificuldade no plano doutrinário. 3. Prazos. 4. Nulidades e os vícios da vontade no espaço e no tempo § 5.689. INDIGNIDADE

244

1. Incapacidade e indignidade. 2. Eficácia sentenciai. 3. Morte do indigno § 5.690. DIREITO DAS GENTES E SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA

248

1. Relevância eventual. 2. Estado estrangeiro reconhecido sob govêrno não-reconhecido e Estado estrangeiro não-reconhecido. 3. Estado não-reconhecido. 4. Govêrno não-reconhecido e testamento. 5. Governo reconhecido e testamento § 5.691. DIREITO INTERTEMPORAL E TESTAMENTOS

254

1. Capacidade para testar. 2. Espécies proibidas. 3. Convalescença § 5.692. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO E TESTAMENTOS

256

1. Direito e sobredireito. 2. Remissão à lei estrangeira ou regra jurídica de reenvio. 3. Vocação hereditária. 4. Renúncia, em vida do decujo, pelo sucessível. 5. Indignidade e deserdação. 6. Princípio da coexistência dos contemplados e do decujo. 7. Momento da abertura da sucessão § 5.693. CONSIDERAÇÕES FINAIS

261

1. Explicação da comunhão hereditária. 2. Características da comunhão hereditária. 3. Aceitação. 4. Renúncia. 5. Legados e "modus" CAPÍTULO V D I S P O S I Ç Õ E S T E S T A M E N T Á R I A S EM G E R A L

§ 5.694. CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO DE DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS

269

1. Conceito e classificação. 2. Requisito da pessoalidade das disposições. 3. Distinções exigíveis e distinções eventuais § 5.695. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO

271

1. Separação das disposições. 2. Alcance do princípio § 5.696. VONTADES ÚLTIMAS COMO NEGÓCIOS JURÍDICOS 1. Pressupostos de validade. 2. Herança e legado. 3. Função do testamento

272

8 5 697 ILICITUDE E IMORALIDADE DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTA' RIAS

274

1. Imoralidade e invalidade. 2. Conteúdo do ato imoral ou do ato ilícito. 3. Bons costumes. 4. Ofensa aos bons costumes e tempo da apreciação. 5. Circunstâncias eventuais da atribuição. 6. Conhecimento de ilicitude. 7. Condenação e nulidade. 8. Exemplos de herança e legados contra os bons costumes. 9. Estado de necessidade e disposições contumeliosas § 5.698. NECESSIDADE DE ESTAR NO TESTAMENTO A DISPOSIÇÃO

283

1. Preliminares. 2. Plenitude da declaração de vontade § 5.699. DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS, CONDIÇÕES, TÊRMOS E MODOS

285

1. Negócio jurídico unilateral do testamento. 2. Condições vedadas. 3. Delimitações do assunto. 4. Disposições puras e simples. 5. Condições e termos. 6. Condição e "modus" § 5.700. CONDIÇÃO

290

1. Herança e legado. 2. Pressupostos da condição. 3. "Condicio iuris" e condição § 5.701. ESPÉCIES DE CONDIÇÕES

293

1. Condições suspensivas e condições resolutivas. 2. Critérios distintivos. 3. Condições resolutivas. 4. Condições casuais e potestativas. 5. Condição resolutiva no direito romano § 5.702. IMPOSSIBILIDADE, CONTRADITORIEDADE E PERPLEXIDADE DAS CONDIÇÕES

300

1. Precisões. 2. Condições contraditórias ou perplexas § 5.703. ININTELIGEBELIDADE E INUTILIDADE DE CONDIÇÕES

302

1. Condições ininteligíveis ou sem sentido. 2. Condições inúteis § 5.704. CONDIÇÕES FÍSICA E JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEIS 1. Conceituação. 2. Sanções. 3. Se é cogente a regra jurídica sobre impossibilidade física. 4. Condição impossibilitada, ou impossível, e têrmo. 5. Condição físicamente impossível. 6. Impossibilidade originária e impossibilidade subsequente. 7. Condição resolutiva

303

§ 5.705. CONDIÇÕES JURIDICAMENTE IMPOSSÍVEIS

310

1. Conceituação. 2. Mudança esperada de legislação. 3. Condições necessárias e testamentos. 4. Sorte das condições necessárias. 5. Considerações finais § 5.706. CONDIÇÕES ILÍCITAS E IMORAIS

314

1. Precisões. 2. Sorte das condições ilícitas e das condições imorais. 3. Condição de não casar. 4. "Quaestio facti". 5. Condição contra o casamento religioso § 5.707. CONSIDERAÇÕES GERAIS SÔBRE CONDIÇÕES DUVIDOSAS....

319

1. Análise do conteúdo. 2. Ilicitude e imoralidade § 5.708. "MODUS" OU ENCARGO

320

1. Conceituação. 2. Direito romano. 3. Direito germânico. 4. Direito civil brasileiro. 5. Conceito e natureza do encargo ("modus"). 6. Necessidade de precisões conceptuais. 7. "Modus" e condição suspensiva. 8. "Modus" e condição resolutiva. 9. "Modus" e contrato a favor de terceiro. 10. "Modus" e "nuda praecepta". 11. "Modus" e fideicomisso. 12. "Modus" e fundação. 13. ''Modus" e restrições de poder. 14. "Modus" assubjetivo e "modus" possivelmente subjetivo § 5.709. ESPÉCIES DE "MODUS"

331

1. Figura e espécies. 2. "Modus" com "modus". 3. "Modus" e cláusula penal. 4. Sucessividade de benefício modal § 5.710. PRESSUPOSTOS E POSIÇÕES DO "MODUS"

331

1. "Modus" e exigência legal da determinação dos sujeitos. 2. Casos de principalidade do "modus". 3. "Modus" excessivo em relação à deixa. 4. Requisitos jurídicos e aplicação do "modus". 5. Aplicações do "modus" § 5.711. ILICITUDE E IMPOSSIBILIDADE EM MATÉRIA DE "MODUS"....

337

1. Invalidade. 2. Anulabilidade do "modus" 3. "Modus" e herdeiros legítimos e necessários § 5.712. SURGIMENTO E SORTE DA OBRIGAÇÃO MODAL 1. Precisões. 2. Conseqüências da autonomia modal. 3. Situação jurídica do encarregado ou onerado modal. 4. Situação jurídica do beneficiado pelo "modus". 5. Unilateralidade da manifestação da vontade

340

5.713. "MODUS", PRESCRIÇÃO E PRAZOS PARA CUMPRIMENTO

345

1. Generalidades. 2. Prazo para cumprimento do "modus' § 5.714. OBJETO DO "MODUS'

347

1. Patrimonialidade e apatrimonialidade. 2. Interesse do disponente e do beneficiado § 5.715. CAUÇÃO MUCIANA

347

1. Conceito. 2. Fundamento da caução muciana. 3. Extensão da caução muciana. 4. Direito brasileiro § 5.716. CAUÇÃO AO "MODUS"

351

1. Precisões. 2. Direito brasileiro § 5.717. CAUÇÃO SOCINIANA

352

1. Cautela socini. 2. Inclusão subentendida § 5.718. RESTRIÇÕES DE PODER EM CLÁUSULAS TESTAMENTÁRIAS..

354

1. Cláusulas de restrição de poder. 2. Restrições de poder no Código Civil. 3. Cláusulas de restrição de poder e herdeiros necessários. 4. Declaração de vontade do testador. 5. Possibilidade das restrições de poder. 6. Impossibilidade e possibilidade superveniente. 7. Inalienabilidade perpétua e inalienabilidade temporária. 8. Cláusula de impenhorabilidade. 9. Cláusulas de indivisibilidade. 10. Incidência das cláusulas restritivas de poder § 5.719. MOTIVOS DE DISPOR E DEMONSTRAÇÃO

360

1. Causa e motivo. 2. Falsa demonstração, falso motivo e falsa condição. 3. Falsa condição. 4. Conseqüência interpretativa da inoperabilidade da falsa demonstração. 5. A questão de Cévola, na L. 88, § 10, D., de legatis et fideicommissis, 31 § 5.720. HERANÇAS E INSTITUIÇÕES INEXAS 1. Direito romano e Código Civil. 2. Conteúdo da regra jurídica. 3. Instituição e tempo. 4. Fundamento do "vestigium antiqui iuris". 5. Condição suspensiva e instantaneidade. 6. Legados. 7. Fonte e enttada em sistema diverso. 8. Inaplicabilidade aos legados. 9. A que, finalmente, se reduz a regra jurídica. 10. Exotismo da regra jurídica. 11. Termo suspensivo. 12. Termo resolutivo. 13. Regra jurídica sôbre encargos. 14. Limitações de poder

367

§ 5.721. DIREITO INTERTEMPORAL SÔBRE DISPOSIÇÕES TESTAMENTARIAS

375

1. Lei nova e disposições testamentárias. 2. Impossibilidade cognoscitiva. 3. Impossibilidade lógica. 4. Impossibilidade física. 5. Impossibilidade moral e jurídica. 6. "Modus". 7. Restrições de poder. 8. "Falsa demonstrado" § 5.722. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

379

1. Mudanças no espaço. 2. Condições e "modus". 3. Restrições de poder § 5.723. TEMPO E DIREITO INTERTEMPORAL

380

1. Conflitos de leis. 2. "Semel heres, semper heres", condições e termos às heranças § 5.724. AINDA O DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO

380

1. Conflitos de leis. 2. "Semel heres, semper heres", condições e termos apostos às heranças § 5.725. INTERPRETAÇÃO DAS VERBAS TESTAMENTÁRIAS

381

1. Função do juiz. 2. Duas regras fundamentais. 3. Conseqüências da unilateralidade das disposições. 4. Eliminações e distinções prévias. 5. Interpretação das leis e interpretação dos testamentos. 6. Formas testamentárias e conteúdo dos testamentos. 7. Diferença entre a interpretação dos testamentos e a dos negócios jurídicos de intercâmbio. 8. Regra geral do Código Civil, art. 85. 9. Disposição clara. 10. Interpretação filológica. 11. Declarações de vontade, e não intenções internas. 12. Regra especial do direito testamentario. 13. Interpretação dos testamentos no direito romano. 14. Direito anterior. 15. Soluções confusas. 16. Problema técnico e a praxe. 17. Preferibilidade da regra jurídica alemã. 18. Preferibilidade da regra jurídica brasileira. 19. Regras da interpretação das vontades últimas. 20. Declarações tácitas de vontade § 5.726. CIRCUNSTÂNCIAS NA INTERPRETAÇÃO DAS VERBAS

394

1. Apreciação judicial das circunstâncias. 2. Oficiais públicos e interpretação das verbas. 3. Cédulas referidas, notas, codicilos e depoimentos § 5.727. RELAÇÕES ENTRE O TESTAMENTO E A SUCESSÃO LEGÍTIMA... 1. Problemas e princípios. 2. Pretenso favor da sucessão "ab intestato". 3. Resultado das considerações anteriores. 4. Disposições ambíguas. 5. Dúvidas quanto a herdeiros legítimos. 6. Deixa a descendentes. 7. Deixa a descendente de terceiro

399

§ 5.728. DISPOSIÇÃO TESTAMENTARIA EM SI

406

1. Impossibilidades cognoscitiva, lógica, moral, jurídica. 2. Impossibilidade lógica. 3. Disposições extravagantes. 4. Cláusulas privatórias, aplicadas às disposições testamentárias. 5. Permissibilidade das cláusulas privatórias, aplicadas às disposições testamentárias. 6. Casos em que não opera a cláusula privatória. 7. Considerações finais § 5.729. CATEGORIAS JURÍDICAS E INTERPRETAÇÃO DOS TESTAMENTOS

410

1. Negócio jurídico. 2. Categorias jurídicas CAPÍTULO V I HERANÇA E LEGADO

§ 5.730. DISCRIMINAÇÃO FUNDAMENTAL: HERANÇA E LEGADO

413

1. Posição diante do testamento. 2. Casos de presunção geral. 3. Verba com ou sem especificação. 4. Limitações jurídicas. 5. Distribuição em bens móveis e imóveis. 6. Limitações à regra jurídica dos legados. 7. Deixa de todos bens móveis e imóveis. 8. Nomeação de testamenteiro que se pode interpretar como sendo instituição de herdeiro § 5.731. INTERPRETAÇÃO DISTINTIVA DAS DETERMINAÇÕES MODAIS...

417

1. "Modus" e interpretação. 2. Legados e "modus". 3. Regras práticas para se distinguirem "modus" e condições. 4. "Modus" e simples recomendações. 5. Deixa de núpcias § 5.732. CONSERVAÇÃO NO DIREITO TESTAMENTARIO

420

1. Conservação. 2. Conservação, por motivo da piedade, das instituições e dos legados. 3. Exemplos de conservação no direito testamentário hodierno. 4. Nulidade de testamento e conservação § 5.733. CONVERSÃO NO DIREITO TESTAMENTÁRIO 1. Conceito de negócio jurídico. 2. Favores e conversão. 3. Fixação do conceito de conversão. 4. Função da conversão. 5. Requisitos para a conversão. 6. Conversão nos sistemas jurídicos. 7. Conversão nas disposições testamentárias. 8. Conversão e fideicomisso. 9. "Error in nomine negotii". 10. Convalescença e conversão. 11. Conversão nos diferentes sistemas jurídicos. 12. Nulidade, inexistência e conversão. 13. Campo de aplicação do procedimento conversivo. 14. Previsão do autor do ato. 15. Entre interpretação e nulidade, prima a interpretação. 16. "Totius ut valeat quam ut pereat". 17. Testamento nulo e reconhecimento de dívida. 18. Gravames juridicamente impossíveis

425

§ 5.734. NATUREZA DA REGRA JURÍDICA

434

1. Regra jurídica interpretativa, porém, nem por isso, menos lei. 2. Questões de direito judiciário federal e de direito rescisório. 3. Aplicação da regra jurídica § 5.735. CONSIDERAÇÕES FINAIS SÔBRE INTERPRETAÇÃO

437

1. "Quaestio facti" e "quaestio iuris". 2. Efeito fixador da classificação da verba. 3. Quanto aos legitimados para discutir a interpretação § 5.736. DIREITO INTERTEMPORAL

438

1. Preliminares. 2. Mudança da lei sem conhecimento do testador (A). 3. Morte do testador antes da lei nova (B). 4. Morte após a lei nova (C). 5. Direito anterior como elemento de interpretação. 6. Herdeiros legítimos contemplados. 7. Deixa a descendentes de outrem § 5.737. DIREITO INTERNACIONAL PRIVADO 1. Problemas de sobredireito no espaço. 2. Limitações à autonomia. 3. Substância e efeitos. 4. Vontade interpretável e vontade não declarada

443

TÍTULO III

SUCESSÃO TESTAMENTARIA

CAPÍTULO I

HISTORICIDADE DA SUCESSÃO LEGÍTIMA E TESTAMENTÁRIA

§ 5.646. FIGURAS JURÍDICAS DO PASSADO 1. SURGIMENTO DA SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA. - Em todos os povos a herança testamentária é posterior à legítima. Só se testa se não há sui heredes. Assim nas XII Tábuas ( T H . SCHIRMER, Das Familienvermõgen, Zeitschrift der Savigny-Stiftung, Romanistische Abteilung, II, 165 s.), no direito ateniense ( C . C . BUNSEN, Disquisitio philologica de iure hereditario Atheniensium, 7 4 ; LUDWIG MITTEIS, Reichsrecht und Volksrecht, 332 s.; W. VAN HILLE, De Testamentis iure attico, 18 e 28). É geral a intervenção de autoridades religiosas e políticas, nas primeiras práticas testamentárias, cujas formas não excediam o testamento comicial, o thinx lombardo, a afatomia. A Idade Média estava cheia de costumes que atestavam a vigilância. Na Inglaterra (F. POLLOCK and F. W . MAITLAND, History of English Law, II, 327), quanto à real property. No direito talmúdico (Baba Batlira, f. 153 a). Nos povos primitivos, de que fala ALB. HERM. POST (Grundriss der ethnologischen Jurisprudent, II, 202). Ainda hoje, perdura no direito muçulmano (E. SACHAU, Muhammedanisches Recht, 228 s.) e estava no Código de Zurique, art. 982, como reminiscência do momento político-jurídico. Para tratarem múltiplas questões de que o testamento e o direito sucessório semeiam a vida, temos de recorrer, constantemente, à sociologia e à história. Só assim poderemos ter a consciência das fontes, que são heterogêneas, e só assim chegaremos à apreensão do fio funcional que as regras jurídicas hodiernas traçam.

Dos hábitos de espírito, próprios dos pandectistas, já RUDOLF VON observara que se não haviam despregado os historiadores do direito romano. Pior é exercerem tal função raciocinante, mas divorciada das verdades, os que tratam, nos nossos dias, de assuntos singularmente complexos e sutis. Procedimento, êsse, sensivelmente arbitrário. É escusado dizer-se que a matéria dos testamentos se ressente disso. Donde os erros sem conta. JHERING

O Direito das Sucessões compreende as regras sobre a vocação hereditária, o testamento, o regime jurídico da indivisão sucessória, e a maneira de inventariar e partilhar. Quanto ao direito de processo, muito há fora do Código Civil: são as regras de organização judiciária e de caráter estritamente processual, que hão de ser respeitadas em tudo que não discrepe a lei de direito material, que é o Código Civil. Conforme frisamos no Tomo LV, além do sentido geral, que lhe dá o étimo, de tomar o lugar de outrem, ocupar o mesmo sítio (o comprador sucede ao vendedor, o donatário ao doador, o arrematante à herança), suceder tem o senso restrito, que a idéia de morte implica. Então, em vez de abranger todos os modos de adquirir a propriedade, originários e derivados, restringe-se êle à noção de transmissão da totalidade de toda ou de parte da herança à pessoa, a que, por lei, ou por testamento, se devolve. Definindo-a, K . S . ZACIIARIAE V. LINGENTHAL, por um lapso, arbitrariamente, falou de totalidade ou parte alíquota: em verdade, a sucessão compreende partes alíquotas, aliquantes e até individuadas. Nesse sentido estrito, a sucessão pode ser definida subjetivamente e objetivamente. No sentido objetivo, é a universalidade, a massa de bens, que, com os elementos negativos (dívidas e outros), ficam, com a morte do defunto, para outrem. No sentido subjetivo, é o direito a receber tais bens. Alguns autores frisam a distinção entre direito de suceder e direito de sucessão. Aquele, direito e pretensão a receber, no momento da morte de outrem, a herança ou parte dela. Direito em potência, in habitu. Esse, direito efetivo, realizado, que a pessoa, herdeiro ou legatário, adquiriu, pela aceitação, expressa ou tácita, sôbre a herança, parte, ou coisas que a compõem. Direito in actu. Os arts. 1.572 e 1.690 do Código Civil dão a figura do primeiro. O art. 1.581, a do segundo. Mas, além déles, há direita a suceder, irrecusável no caso dos herdeiros necessários. Ora, tudo isso e sem pertinência. O herdeiro é titular do direito no momento da morte do decujo. A situação jurídica, fundamental, é essa. A posse, que está com outrem, é ofensiva, se passara ao herdeiro.

Aos bens, ou patrimônio, que o morto deixa, testado ou intestado, chama-se herança, monte, espólio, e pode compreender parte intestada, para ser devolvida aos herdeiros legítimos, e outra testada, para o cumprimento das disposições do testamento. Sôbre a origem da palavra heres, primeiro se lhe deu a de herus, senhor, dono, segundo CÍCERO, TITO LÍVIO, LUCRÉCIO e FESTUS. Mas, excluída essa, digladiam-se os etimologistas: a) Heres do grego % £ í o, mão, x e Q TI Ç, submetido (heres apud antiguos pro domino ponebatur, PAULUS-FESTUS, 71, que tem outra interpretação), antigo indico hárate, para VANICEK (Etymologisches Wõrterbuch der lateinischen Sprache, 2.a ed., 9 3 ; e BRUGMANN (Grundriss der vergleichenden Grammatik der indogermanischen Sprachen, 2.a ed., 133). b) Heres, grego % f| Q o ç pilhado, privado, x f| g a, viúva, velho indico jáhati, abandonado, deixado, cf. POTT, I, 68, FICK, I, 437, PRELLWITZ, verbo % f| Q o ç, HIRT, 34 s. BRUGMANN explica a sílaba - ed (XV, 103), contra PRELLWITZ (Beitrãge, 25, 31 s.: ed, comer, consumir). Contra, porque a herança romana não cabia no conceito de "abandonar" - WENGER ('Wõrten und Sachen, I, 8 9 s.); ZUPITZA (WochenschriftfürKlassischePhilologie, 1909, 674 s.). 2. PREFORMAS DO TESTAMENTO. - Nas civilizações não desenvolvidas, arcaicas, não se encontra a função atual do testamento. Mas outras instituições chegam, de per si, a resultados parecidos. a) Na Grécia, na índia, na Pérsia, na Manda, no País de Gales, na China, no Japão, nas populações pré-colombianas da América do Norte, na Arábia pré-islâmica, na antiga Hungria, o que se vê são atos jurídicos que atuam no círculo da família, e só em conseqüência, derivadamente, podem influir na vocação hereditária. Ora, quem diz "herança", dependente de status familiae, exclui a função específica do testamento. Nos povos citados, usava-se a adoção. Na Constituição de Diocleciano (Const. VI, 24,7), acha-se a adoptio infratrem, a fraternidade artificial, fraternitas do costume sírio-romano, as ad fratrationes lombardas, as Erbverbrüderungen dos nobres alemães. b) Noutras ocasiões, confere-se, sem o status familiae, a vocação hereditária: afatomia sálica e ripuária, thinx lombardo, cartas de affiliationes lombardas. Da afatomia fala o Título 46 "De hac famirem" da Lei Sálica. Espécie de adoptio in hereditatem, com que, por intermédio de alguém {Salmann), se buscava herdeiro a quem não no tinha (J. C. WACHTERUS,

Glossarium Germanicum, 1347: "Salmann, significat quantum potest, villicum, & cuiusvis domus possessorem, hominem salicum, patronum causae in curia, assessorem in curia, executorem iuris curialis, traditorem fiduciarium, si derivetur a selen tradere"). O nome vem de Sal, tradição de bem (J. G . SCHOTTELIUS, Ausführliche Arbeit von der deutschen Hauptsprach, 2 8 7 ; J. L . FRISCH, Teutschlateinische Wõrterbuch, II, 1 4 3 ; J. UND W . GRIMM, Deutsch.es Wõrterbuch, V I I I , 1 6 9 8 , Deutsche Rechtsalterthümer, 555). Apresentava três fases: no mallus indicatus, com a tradição simbólica, pela entrega da palha ao salmão e o indicar do futuro e definitivo destinatário; a instalação na casa do disponente, para, quanto a terceiros, adquirir a Gewere-, no mallus legitimus, em presença do rei, o salmão cumpria a missão, transferindo - "per festucam" - ao destinatário os bens confiados. No direito longobardo, em vez de Salmann, chama-se Gisel ao intermediário (Roth., 172), porém parece que, pelo menos longe da origem, é assaz secundária - e não de intermediário - a função do Gisel (TAMASSIA, Le Alienazioni degli immobili, 2 2 7 ) . No século V I I I , perde a afatomia a existência autônoma (H. AUFFROY, Involution du Testament, 2 1 0 ) . c) Contratos sucessórios, como se encontram na época franca, no Erbvertrag alemão; e, correspondencTo-lhes no passado, figuras típicas no direito babilónico, no hebraico e no egípcio. Também donationespost obitum, ou reservato usufructu, ou reservataprecaria, já na alta Idade Média. d) Transmissões por intermediários, como se notam na alta Idade Média cristã (executores testamentarios e entre vivos), que são fatos históricos, como aquêles, ajustáveis aos dos outros povos (e. g., o direito hebraico, o bizantino e o muçulmano). e) Liberalidades de um ou alguns objetos, de que são encarregados, à morte de alguém, os seus herdeiros. Às vêzes, ainda é só moral o dever de entrega (alta Idade Média cristã, direito hebraico e povos primitivos).

§ 5.647. APARIÇÃO DO TESTAMENTO 1. FIGURA JURÍDICA TÍPICA. - Verdade é que tudo isso bem longe estava do testamento. A devolução do patrimônio do decujo, fora e independentemente da ordem familial, pela só vontade do declarante, para depois da morte, tal é a característica do que depois, com fontes romanas,

se precisou. Não o mostra a Etnografia. Na própria Europa ocidental, foi grande a resistência. Ainda em 1837 o testamento inglês que recai em real property apresentava os traços de operação inter vivos, de conveyance. Na Suíça, revelou-o o costume. Já se quis invocar - para provar serem mais próximas do que se pensa as XII Tábuas (III, em vez de V antes de Cristo) - o argumento de nelas se achar a regra uti legassit super pecunia tutelave suae rei ita ius esto. Porém o muito de arcaico das XII Tábuas opõe-se a tal presença: contra a afirmativa dos escritores da época clássica, de PAUL FRÉDÉRIC GIRARD (Textes de Droit romain, 13; Manuel élémentaire de Droit romain, 790) e de historiadores e pandectistas, está a convicção sociológica. Aqui, a convicção sociológica, com os elementos da crítica comparativa e da etnologia jurídica, pode dizer: é possível que lá estivesse a frase, mas, então, êsse testamento é um nome idêntico para outra coisa. Aliás, a dúvida vem de mais de um século. Já em 1825, EDUARD GANS (Das Erbrecht, 37-74) via naquêle testamentum a criação de laços de família, algo de adoção (ad-rogação e adoção, só mais tarde, acreditava E . GANS, se distinguiram). Depois F. SCHULIN (Lehrbuch der Geschichte des Rõmischen Rechts, 458) insistiu na adoção post mortem: o testamento in calatis comitiis seria o equivalente do testamento grego com siçTtoiriotç. Contra ambos, um argumento: a adoção testamentaria só apareceu, em Roma, no fim da República. Mas pode ser falta de informes (A. LEPAS, L'adoption testamentaire à Rome, Nouvelle Révue Historique, 21,724; EDOUARD CUQ, Institutions juridiques des Romains, 236-239; Recherches historiques sur le testament "per aes et libram", Nouvelles Révue Historique, X, 540 s.; LUDWIG MITTEIS, Reichsrecht und Volksrecht, 340). Demais, há o exemplo, na Grécia, da transição da sucessão legítima para a testamentária, por intermédio da adoção (W. VAN HILLE, De Testamentis iure attico, 1; C. G. BRUNS, Die Testamente der griechischen Philosophen, Zeitschrift der Savigny-Stiftung, I, 6 s.). Discute-se se teria sido a adoção testamentária, que tarde se viu, sobrevivência de expediente que levou ao testamento. É a hipótese de RUDOLPH SOHM (Institutionen, 16. A ed., 6 7 5 s.). ¿Onde as provas convincentes? Como quer que seja, o testamento das XII Tábuas não era o que as compilações justinianéias conheciam. Deve ter sido a forma correspondente à afatomia franca e ao thinx lombardo. (II, 101) deu como se fôsse a mais velha forma de testamento l entendeu chamar calatis comitiis, feito perante o colégio dos pontífices e os comícios por cúrias, com a função - primitiva, assaz generaGAIO

0 ( ue

lizada - de testemunhas instrumentarias: função ativa, essa, que lhes atribuiu EDUARD GANS (II, 4 6 ) , após CHR. THOMASIUS, J. C . HEINÉCIO e A . D . TREKELL, seguido por alguns romanistas hodiernos, como TH. MOMMSEN, A . PERNICE, PAUL FREDERIC GIRARD, EDOUARD CUQ e E . LAMBERT. S u s -

tentaram o papel passivo, de simples assistência, EDUARD HOLDER (Beitrãge, 4 0 s.), OTTO KARLOWA (Rõmische Geschichte, II, 8 4 7 s.), M . VOIGT (Die XII Tafeln, 1 7 1 ) e F. GREIF (De 1'Origine áu Testament romain, 5 1 s.). Nos comêços de evolução, as testemunhas instrumentárias exercem papel ativo: e. g., aconselham, ou garantem moralmente a execução. Não era a só vontade do disponente que decidia, - e sim, também, a vontade coletiva. Os comícios legislavam. Era criação excepcional, dispensa, ato de poder. Falou-se em testamento legislativo. Esse encontro de vontades colaborantes, temo-lo noutros institutos similares: na afatomia franca depois da assembléia judiciária do povo (R. SCHRODER, Lehrbuch der deutschen Rechtsgeschichte, 334), no thinx lombardo, antes do edicto de Rotário ( A . HEUSLER, Institiitionen des deutschen Privatrechts, II, 6 2 2 ; ANTONIO PERTILE, Stoíia dei Diritto italiano, IV, 6; GEORG BESELER, Die Lehre von den Erbvertrãgen, I, 1 0 9 ) . T H . SCHIRMER (Das Familienvermõgen, Zeitschift der Savigny-Stiftung. R. A . , I I , 1 6 5 - 1 8 0 ) sustentou que, havendo sui heredes, não se podia, no velho direito romano, fazer testamento. O título do suus era mais direito de sucessão. Tanto assim que postumi agnatione testamentum rumpitur. Com a substituição pupilar, procurava-se "derrogar" a impossibilidade de instituir herdeiro com prejuízo de sui heredes. Contraprova: no direito grego, também se usou da substituição. Donde dizer E . LAMBERT (La. Fonction du Droit Civil comparé, 4 3 1 ) : "As duas teorias do direito clássico, rutura do testamento pela superveniência de herdeiro seu, substituição pupilar, são apenas, visivelmente, conseqüências do direito indelével de sucessibilidade, conferido, outrora aos sui heredes, conseqüências que sobreviveram à sua causa primitiva, transformando-se, aliás, porque receberam novas utilizações". Na versão de GAIO (II, 2 2 4 ) , de POMPÔNIO (L. 120, D . , de verborum significatione, 50, 16) e das próprias Institutas, lê-se uti legassit suae rei, ita ius esto. As XE Tábuas dispensaram a intervenção pontifícia! e da assembléia quando se tratasse de res sua. Excluída ficara à testabilidade a fortuna possuída em comum com os sui heredes. 2. CORRESPONDÊNCIAS SINFRÔNICAS. - Sociologicamente, o regime das XH Tábuas era, em correspondência de tempo social, o do thinx lombardo, da afatomia ripuária: havendo sui heredes, não podia fazer-se.

Quando se lê a formula das XII Tábuas - si intestato moritur, cui suus heres nec escit adgnatus próximas familiam habeto - deve-se entender: se existirem herdeiros necessários, não os há testamentarios; se não há aquelês, nem êsses, serão chamados os legais. Essa ordem, encontramo-la noutros povos: em Atenas ( C . C . BÜNSEN, Disquisitio philologica de iure hereditario Atheniensium, 74; R. CAILLEMER, Le droit de tester àAthènes, Annuairepour I'Encouragement des études, 27, s.), no velho direto cantonal de Berna é na índia moderna. 3. DIREITO PORTUGUÊS. - Quanto às fontes remotas do direito português, há os seguintes dados principais: (a) No Breviário de Alarico estão doações reservato usufructu, com a condido iuris da sobrevivência do donatário (VIE, 5, 1; Código Theod., ed. de MOMMSEN, V M , 1 2 , 1. E doações com reserva de posse (in qua sibi donator certum tempus possessionis reservai). Provàvelmente era revogável a doação mortis causa do Breviário. Foi o que o direito romano conseguiu meter nas fórmulas dos atos inter vivos, tirado do seu direito testamentário. No caso de morte, perigo, doença, viagem, o Breviário consignava a doação causa mortis, caducável com o afastamento do risco, (b) No Código Visigótico, o princípio é a irrevogabilidade, se houve a tradição da coisa: dação efetiva, ou simbólica, pela entrega da escritura. Mas o Código Visigótico também tratou das doações cujo efeito dependia da morte do doador, com reserva de usufruto, revogáveis (similitudo est testamenti, diz a lei). Note-se a diferença: no Código Visigótico, reservato usufructu, não há tradição da coisa. O doe. de 1.060 CDiplomata et Chartae, n. 425), em que pessoa que enferma "voluit testare", não era testamento. No Código Visigótico (V, 2,4, 6), testator, testare, testationem traduzem doador, doar, doação. Nêle, o testamento vem entre as "escrituras". Nada se disse sôbre a instituição do herdeiro, a aceitação da herança, os legados, os codicilos e os fideicomissos. Exigiu-se presença de testemunhas, porém não se disse o número. A noção do ato inter vivos perdurou. O romanismo mal se filtrou pelas grêtas da mentalidade gôdo-lusitana. Ainda no século XIII, com as Decretais de Gregório IX, não é o testamento romano que se vê. O Código Euriciano revela que os Visigodos já no século V tinham o testamento oriundo do contacto com os Romanos; mas a doutrina mantinha a ligação às donationes mortis causa (Cap. 308). Dos tempos anteriores ao direito reformador de Chindasvindo e de Recesvindo, cogitavam das voluntates a antiqua do Código Visigótico e os escritos de Santo Isidoro. Quase só se falava de testamentum se a vontade unilateral tinha a forma

escrita. No Codex Euricianus, cap. 335, e na Lex Visigothorum, IV, 2,12, falava-se de "voluntatem ordinare", ou de "ordinare". As Fórmulas Visigóticas e documento do século VI foram as melhores fontes sôbre o testamento visigótico na península hispânica. No documento de 516, testador foi um bispo, que, nas vésperas da morte, ditou a um diácono a disposição de vontade, para que valesse como testamento conforme o direito civil e o pretório e, se não valesse, tivesse a eficácia de codicilo ab intestato. Era a cláusula codicilar, assaz em uso naquêle tempo. O modelo foi o testamento romano do Baixo Império. Ê interessante observar-se que nele se confirma doação. A propósito das testemunhas, a Lex Visigothorum nenhuma referência fêz ao número das testemunhas. O testamento cerrado e o selado desapareceram, e à subscriptio se substituiu o sinal. O signumyà aparece nos gesta de aperiundo testamento, no ano 474 (C. Fontes iuris romani antiqui, 3 1 9 ; 7.A ed., 3 1 7 - 3 1 9 ; H. AUFFROY, L'Evolution du Testament des Origines au XlIIe siècle, 44), a despeito de Recesvindo já ter, pormenorizadamente, cogitado das scripturae olographae (Lex Visigothorum, II, 5, 16 e 17). O Breviário não se referiu ao têstamentum militis, mas aparecia no Edicto de Teodorico e na Lex Romana Burgundionum. G . BRUNS,

O registo, a publicatio, era apud curiam, mas, com a extinção das instituições municipais e o dificultamento do ato, atendeu-se às circunstâncias, sem, porém, se extinguir.

§ 5.648. S U C E S S Ã O T E S T A M E N T Á R I A E SAXSINA 1. EQUIPARAÇÃO PERFEITA E COMPLETA QUANTO À SAISINA. - A equiparação dos herdeiros testamentários aos herdeiros legítimos é completa: com o testamento, os instituídos sucecedem como, ex lege, os legítimos. Longe ficou o "solus Deus heredes facere potest, non homo", o "heredes gignuntur, non fiunt", que exprimia o princípio germânico, ainda representado no Código Civil francês, por influência das Coutumes, no conceito de legatarios universais e legatários a título singular (Código Civil francês, art. 724) Lê-se na 1.a alínea: "Les héritiers légitimes sont saisis de plein droit des biens, droits et actions du défunt, sous 1'obligation d'acquitter

toutes les charges de la succession". É a saisina iuris, pela qual propriedade e posse passam, ipso iure, aos herdeiros legítimos. Mas, apesar disso, há o r o m a n i s m o da aceitação, que constitui algo de superposto, de colado, de prêso por alfinêtes, de heterogêneo. Para penetrar e compreender a função d e s s a janela depois do corpo da casa, dêsse órgão que se enxertou onde não cabia, - e a História é cheia disso, como o é de teratologías a Natureza, os intérpretes (e.g., E . ACOLLAS, Manuel de Droit Civil, II, 192 s.) levantaram a questão da supensividade ou resolutividade da aceitação: isto é, ou o herdeiro recebe com a condição suspensiva de aceitar, ou com a condição resolutiva de renunciar. No direito brasileiro, a herança vai aos herdeiros, mesmo se não necessários, no momento da morte do decujo. No direito romano, não; porque isso somente ocorreu com os heredes necessarii. Por isso, até à aceitação, a herança jazia. Tinha-se de chamar quem fôsse herdeiro e ao mesmo tempo de cuidar do interêsse dos outros. Hoje, todos os herdeiros, legítimos e testamentários, são beneficiados pela saisina, de modo que, em boa terminologia, não há jacência da herança, ou se reduz o conteúdo conceptual a simples espera dos atos de adição. Por isso mesmo, se o herdeiro está na situação de haver alguém, mesmo se herdeiro fôsse, na posse da herança, cabe-lhe a ação para que êle restitua a posse e outros direitos da herança. Se há pluralidade de herdeiros, cada um tem a legitimação ativa quanto ao todo da herança, porque há entre êles comunhão de mão-comum. O fideicomissário não tem posse, de modo que não lhe tocam ações possessórias (Tomo X, § 1.092, 2). ¿Não pode êle ir contra terceiro para exercer a pretensão da herança, salvo se já se tornou em direito à herança? Para isso, só tem as pretensões contra o fiduciário (e.g., KARL BLUMENSTEIN, Der Erbschaftsanspruch nach dem BGB., 8); para outros, não: e.g., L. KUHLENBECK (Das Bürgerliche Gesetzbuch, II, 511), que admitia a pretensão de herança, indistintamente; cf. CARL SPRINGGUTH (Die Rechtsverhaltnisse zwischen Vorerben und Nacherben, 42). Não se há de confundir a pretensão da herança com a ação declaratória do direito à herança. O fideicomissário pode exercer a pretensão declaratória mesmo como litisconsorte ou terceiro que intervém. Se o direito do fiduciário acaba com a morte do decujo, o que se transfere já é a propriedade, ou a posse, ou uma e outra. Com a extensão da saisina, no direito brasileiro, quer se trate de herança legítima, quer de herança testamentária, a ação de qualquer herdeiro nao é ação para haver a herança. A ação de petição de herança é ação real, e não Pessoal. No direito alemão, o titular do Pfiichtteil é titular da preten-

são e de ação à aquisição do quinhão, do quanto (cf. RICHARD LEIBL, Das Pfiiclitteilsrecht, 6). No direito brasileiro, o que teria de ser do herdeiro - quer legítimo, quer testamentario - já o é (cf., para o direito francês, M. SCHUTZENSTEIN, Beitrãge zur Lehre vom Pflichtteilsrecht, 240). Se a condição é suspensiva, não há direito adquirido à coisa: os herdeiros do beneficiado, que morreu pendente condicione, não herdam a coisa. Herdam, ou, melhor, podem herdar o direito expectativo. Se não é de condição suspensiva que se trata, mas de termo inicial, há direito adquirido à coisa: está suspenso o exercido, e não a aquisição do direito. Os herdeiros do beneficiado que morreu antes do advento do termo, herdam o direito à coisa. O que decide quanto a haver condição ou têrmo, acontecimento certo ou incerto, é a intenção do testador. Velha lição, que o CARDEAL DE LUCA ilustrou. No caso de legado condicional (suspensivamente), adjudica-se ao herdeiro, ou testamenteiro, ou outro legatário, que tem de cumprir o que resulta da deixa. Esse pode reivindicar a coisa de quem quer que seja. Está com êle o domínio. ^ Quanto ao legado in diem, antes do dia o legatário não pode pedi-lo, mas com razão dizia PASCOAL JOSÉ DE MELO FREIRE que já adquiriu o direito, real ou pessoal (cf. art. 123). Tudo isso toma aspecto bem grave se perguntarmos: ¿pode o legatário ante conditionem vel diem renunciar? PAULO DE MOURA E YARABA, que tanto criticou e censurou o direito romano (fonte de acertos e males) trouxe à balha a L 45, § 1, D d e legatis et fideicommissis, 31: "Si sub condicione vel ex die certa nobis legatum sit. ante condicionem vel diem certum repudiare non possumus: nam nec pertinet ad nos, antequam dies veniet vel condicio existat". E vergastou a POMPONIUS: "A razão que dá o texto é porque antes do dia, ou condição, não se adquire o legado; cujo fundamento se reconhece o quanto é vão: 1.°) porque para renunciar um direito basta que possamos adquiri-lo; pois semelhante renunciação só se entende do direito contingente; 2.°) porque sôbre o fideicomisso condicional pode o fideicomissário transigir, como expressamente o decide a L 1, C, de pactis, 2, 3, ibi - Condicionis interfratres non iniquis rationibus conventione finir turn est".

incertum

E é inegável que pode ser matéria da renunciação aquêle direito que tem entidade bastante para ser transigido.

Escreveu PASCOAL JOSÉ DE M E L O FREIRE (Institutiones, H I , 8 3 ) : "Pro partem etiam legatum renuncian (potest)... quamvis sub condicione, vel ex die (hereditas) certa sit relictum, et quidem antequam dies veniat, vel condicio implertur". Porque o que êle renuncia não é o direito que vai vir, mas "o direito, a que êle", o ato jurídico "visa" (art. 118); e o direito a esse direito é o direito expectativo, é Wartrecht. A diferença entre o têrmo suspensivo e a condição suspensiva está, apenas, em que essa é mais enérgica na suspensividade; porém não é, nem podia ser, inexistência jurídica absoluta: obsta a um direito, que é condicionado; não, porém, ao que resulta do ato jurídico (contrato, testamento): há o direito a um direito. Por mais que possa destoar de leituras superficiais, essa é a construção. Daí a ineficácia da lei nova para ferir tais situações jurídicas criadas pela condição suspensiva e a herdabilidade de tais direitos eventuais, salvo lei especial ou declaração contrária. Quanto à alienabilidade (transferência, transação, renúncia, penhorabilidade, arrestabilidade), a regra é a afirmativa da possibilidade. Só não cabe onde o direito, a que visa, não no é. PAULO DE M O U R A E YARABA e ANDREAS VON T U H R (Der Allgemeine Teil, I, 2 2 4 ; cf. G . PLANCK, Kommentar, II, 556), após as lutas que se conheceram. No Código Civil francês, art. 1.181, 2.a alínea, diz-se: "1'obligation ne peut être éxecutée qu'aprés 1'événement". Dos textos o que mais se parece com o brasileiro é o do Código Civil alemão, § 158. Tirou-se do art. 1.181 do Código Civil francês que a posição jurídica não se herda. "Une chance", dirão os juristas franceses, "qui est considerée déjà comine un élément actif ou passif du patrimoine". Nihil adhuc debetur, sed spes est debitum ici. Mas, nesse estado, já o direito condicional é transmissível: êsse direito, que só existe em estado futuro ou virtual, passa aos herdeiros, com a morte do titular. É cedível, é renunciável. Os italianos não diziam outra coisa: há direito, se bem que não seja, precisa e completamente, o que haverá, quando se verificar a condição; transmite-se aos herdeiros do titular, de regra. Os juristas portugueses entenderam durante o tempo que medeia entre a declaração de vontade e a verificação ou falha da condição, há estado de pendência, que constitui situação especial regulada pelo Direito, e dela derivam direitos. São permitidos os atos conservativos.

Tais direitos condicionais, ou eventuais, podem ser transmitidos, quer por atos entre vivos, quer causa mortis (GUILHERME ALVES MOREIRA, Instituições do Direito Civil português, I, 480). Se a condição tem por objeto ato de uma das partes, que não seja pessoal, o herdeiro toma-lhe o lugar. A regra é a hereditariedade, não só das obrigações como de tôdas as posições jurídicas, oriundas de declaração de vontade. A condição suspensiva, só por si, não obsta à hereditariedade do direito expectativo. ¿Onde foram buscar o contrário ITABAIANA DE OLIVEIRA (Elementos de Direito das Sucessões, 281) e EDUARDO ESPÍNOLA (Manual, HL 2, 63), que muito parece ter-se impressionado com o art. 74, III, e o § único? Mas tais dizeres, oriundos da Comissão revisora (art. 188), não meras proposições definidoras, e não regras legislativas. Provàvelmente em FERREIRA ALVES (Manual do Código Civil, 1 9 , 1 5 0 ) . Não haverá herdabilidade quando a condição é ato pessoal do titular, ou quando, por lei, ou disposição do ato, deva verificar-se durante a vida do titular do direito expectativo, ou quando tocar a qualidade própria do titular. O direito expectativo do Código Civil, arts. 118, 121, é a Rechtsposition dos comentadores alemães, o Wartrecht, de que GREGOR SEMEKA (Das Wartrecht, Archiv für Bürgerliches Recht, 135,121 s.) e ANDREAS VON T U H R (Der Allgemeine Teil, tanto cogitaram e foi assunto deste Tratado, Tomo V, §§ 573678). Não há dúvida quanto à hereditariedade dêles, de regra. No Código Civil alemão, § 2.074, aparece a exceção à hereditariedade: 'Tendo feito o decujo disposição de última vontade sob condição suspensiva, deve presumir-se, em caso de» dúvida, que a liberalidade somente deve valer se o beneficiado sobreviver ao advento da condição". Não há, explícita, no Código Civil brasileiro, tal regra jurídica de interpretação. (Aliás, o "valer", gelten, foi têrmo impróprio, porque se trata da eficácia, e não de validade.) O Código Civil brasileiro, art. 118, coincide com o Código Civil alemão, § 158. Ora, lá, ninguém tiraria do § 158 que êle inibe a hereditariedade da posição jurídica. No Brasil, vemos tal dedução em ITABAIANA DE OLIVEIRA {Elementos de Direito das Sucessões, 281). Não está certo. As conseqüências seriam desastrosas: A contratou tantas sacas de açúcar para o dia 5 do mês próximo, se o Brasil tiver aderido ao convênio ou quando o Brasil aderir; morreu no intervalo, os seus herdeiros não herdariam isso. Herdam, sim. Herdam o Wartrecht, o direito expectativo; a posição jurí-

dica, que vai aos herdeiros como todos os outros elementos componentes do seu patrimônio, é herdável, transferível, como parte do patrimônio do titular do direito expectativo, e como ativo de uma massa. A posição jurídica, o direito expectativo do fideicomissário, é protegido pela combinação de restrições e de deveres do fideicomisso, como acontece noutras situações oriundas de condições suspensivas (art. 121). O art. 1.738 do Código Civil é exceção ao princípio da hereditariedade. Ainda no caso de legado, ou de herança com opção (Código Civil, art. 1.699), o direito passa ao herdeiro. Outra questão é a da aceitação: se não foi feita, e a instituição do herdeiro está adstrita a condição suspensiva, ainda não verificada, é inerdável; mas porque há texto expresso, especialíssimo (art. 1.585, in fine) Seria êrro estender-se tal regra jurídica sôbre herança ainda não aceita a outras heranças não aceitas. O art. 1.585, in fine, só se refere à aceitação não operada em vida do herdeiro, em caso de condição suspensiva. A deferência do art. 74, parágrafo único, nada tem com a herdabilidade do direito expectativo. O mais frisante exemplo é o da situação criada no intervalo entre a transmissão da herança (art. 1.572) e a aceitação ou renúncia. Ora, em se tratando de renúncia, que seria o caso mais próprio de aplicação do artigo 74, parágrafo único, se êle tivesse considerado direito já herdável ou direito não herdável, como direito deferido ou não deferido, respectivamente, nenhuma invocação seria preciso do art. 1.585. Não se tire das definições do art. 74, parágrafo único, qualquer regra legal, quer sôbre direito intertemporal, porque se chocaria com os princípios, quer sôbre a herdabilidade dos direitos, porque seria, na prática, calamitosa. Ius delatum, ius nondum delaüim: por exemplo, herdeiros necessários presumíveis (antes da morte do decujo), herdeiros necessários no momento da morte. No revogado Código Civil português, art. 2.011, foram equiparados herdeiros legítimos e testamentários. E lá vinha a aceitação cuidadosamente disciplinada. O Código Civil alemão fixa prazo à renúncia (§ 1.944, alínea 1.a). Bem assim, o Código Civil suíço (arts. 567 e 571, 1.a parte). Em virtude do desenvolvimento, que aí fica, restringiu-se o assunto, delimitou-se o campo em que se há de pôr o problema de interpretação do direito brasileiro: a) Nada tem o direito brasileiro, quanto à transmissão ipso iure, com o direito romano: o Código Civil, art. 1.572 claramente estatui transmitirem-se, desde logo, quer aos herdeiros legítimos, quer aos testamentários, o domínio e a posse (entenda-se a propriedade e a posse).

b) Como o direito francês, que é, nesse ponto, o mais germânico, o direito brasileiro tem a saisina; porém não a limitação aos herdeiros legítimos (e "naturais"), e aos legatários universais, no caso do art. 1.006 do Código Civil francês. 2. DIREITO ALEMÃO. - No Código Civil alemão, o § 1.922, que trata da transmissão por morte, fala em Vermõgen, patrimônio, ais Ganzes, "como todo". É o conceito da sucessão universal. Quanto à posse, estatui o § 857: "Der Besitz geht auf den Erben über". É a hereditariedade da posse, como já se tem, e o direito romano não a conheceu. A concepção alemã lutou na elaboração do Código Civil alemão e venceu o II Projeto, § 777 (Protokolle, V, 650 s.). A doutrina tirou do apodíctico princípio do § 857 tôdas as conseqüências de aplicação: tôdas as espécies de posse, que o testador tinha e suscetíveis de se lhe transmitir o exercício, passam aos herdeiros, cf. OTTO VON GIERKE (Deutsches Privatrecht, I I , § 115). E. I. BEKKER (,Aphorismen zur Besitzlehre, 17) e MARTIN WOLFF (Das Sachenrecht, Lehrbuch des Bürgerlichen Rechts, Hi, § 12,1, 4). Código Civil suíço, § 560, os herdeiros adquirem, de pleno direito, a universalidade da sucessão, desde que está aberta. Mit dem Tode, diz o texto alemão. No art. 567 consigna-se o prazo de três meses para a renúncia (répudier, diz o texto francês; zur Ausschlagung, no alemão). Contados da morte, para os legítimos; do dia da comunicação, para os instituídos. O prazo do art. 567 constitui direito cogente (A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch de A. EGGER, IH, 250). Se não a renuncia (art. 571, alínea 1), ou se a renuncia ilegalmente {e.g., sob condição ou reserva; EMIL STROHAL, Das deutsche Erbrecht, II, 16; EUGÈNE CURTI-FORRER, Commentaire du Code Civil suisse, 448; A. ESCHER, D I , 210), não importa. 3. DIREITO SUÍÇO. - NO

4. CÓDIGO CIVIL AUSTRÍACO. - Bem diferente é a solução no caso dos §§ 797-824 do Código Civil austríaco. Entre o decujo e os herdeiros interpõe-se o juiz. A aceitação é perante êle: nunca ela é tácita. O juiz aprecia a espécie, e dá ou não a posse. Se há testamento e sucessíveis ex lege, que pleiteiam a nulidade ou a anulação, a imissão não se faz. Nenhum dos litigantes recebe a herança: dá-se-lhe administrador. A ingerência do juiz é, evidentemente, grande. A preocupação fundamental é a de só se entregar o bem aos verdadeiros herdeiros. Com a adjudicação, confere-se a posse. E a posse, que então se confere, tem a vantagem da publicidade, porque

coincide com o registo fundiário e com as garantias da entabulação (§§ 819 e 436). Em comparação com outros sistemas, é de notar-se que nesses não se transcrevem as passagens mortis causa, donde a ocorrência das soluções de continuidade. Com o sistema jurídico brasileiro, coincide, em parte, mas quanto à propriedade, uma vez que, hoje, se transcrevem as partilhas e os cálculos de adjudicação: a posse é que, transmitida ex lege, fica sem publicidade. Aliás, mesmo a propriedade transmite-se com a morte (Código Civil brasileiro, art. 1.572), apenas - quanto aos efeitos divisórios depende da transcrição (art. 532,1). A transmissão aos herdeiros (Código Civil brasileiro, artigo 1.572) não precisa de registo: opera-se ex lege. Noutros sistemas jurídicos, procuraram-se expedientes para se dar publicação às transmissões causa mortis, conforme provam os projetos italianos de 1903 e de 1910. VITTORIO POLACCO (Delle successioni, II, 75) pensou na própria transcrição dos testamentos. Assim, se evitaria o tão longo decorrer entre a transmissão ex lege e a transcrição. Se bem que a ingerência judicial, no Brasil, não dê a posse, o sistema aparece fundamente atenuado, quase contraditório, quando os bens são apólices ou outros títulos, porque as repartições e estabelecimentos exigem, pelos regulamentos e estatutos respectivos, os alvarás ou ofícios do juiz. Mas há o artigo 1.572 do Código Civil, dir-se-á. Sim, há o art. 1.572. Mas ¿que é êle (argúi-se) diante da lei especial, ou dos estatutos da sociedade, que subordinam os efeitos da transmissão à intervenção decisória do juiz? De qualquer modo, está no ar, inesboçada, mas já perceptível em traços fugidios, solução nova da publicidade e da transmissão causa mortis, quando operada ex lege. A descoberta dos expedientes que tornem compossíveis um e outro princípio, que alternadamente os sistemas austríaco e brasileiro sacrificariam, constituiria problema de política jurídica, e - no momento - dos mais urgentes e delicados. As leis especiais e os estatutos só se podem referir a efeitos internos à emprêsa ou à entidade estatal ou paraestatal emissora. O testador não pode destruir o direito do Código Civil, artigo 1.572: é ius cogens, é inderrogável, pelos disponentes, a aquisição ipso iure da herança. O art. 1.665 não precisava dizê-lo, nem, verdadeiramente, o disse. Nas próprias disposições fideicomissárias, a herança - domínio e posse - passa, desde logo, aos herdeiros fiduciários. O direito do herdeiro, o direito condicionado ou não à herança, o direito de herdar, a qualidade hereditária, essa nasce simultaneamente, com a morte

do decujo, aos fiduciários e aos fideicomissários, indistintamente. O próprio fideicomissário é herdeiro do morto, e não do fiduciário. ¿É absoluto o princípio da aquisição ipso iurel ¿No caso de falencia, ou de insolvabilidade notoria? A lei não abriu exceção. Não havendo, no Código Civil, prazo fixo, como existe no alemão e no suíço, a exceção é escusada. Demais, o art. 1.590 contém a veia aberta da retratabilidade da própria aceitação. 5. Dois PRINCÍPIOS. - Vigoram no Brasil os dois princípios: a) o princípio da sucessão em todo, ou da universalidade da herança (Prinzip der Gescimtfolge): a herança passa aos herdeiros como todo, indo, como unidade (ativo e passivo, domínio, nuas propriedades, domínio útil, direitos reais, créditos), aos que são chamados e que recolhem, b) O principio da aquisição eo ipso {Prinzip des "eo ipso " - Erwerbes), pelo qual os bens da herança passam aos herdeiros, sem qualquer ato para os adquirir e sem necessidade de qualquer manifestação de vontade. "Aberta a sucessão", isto é, com a morte, transmitem-se os bens. £ o germânico Der Tote erbt den Lebendigen, le mort saisit le vif, a saisina de direito, saisina iuris. Não se pode falar em herança jacente (P. TUOR, Das Erbrecht, Kommentar zum Schweizerischen Zivilgesetzbuch, IH, 565): no Código Civil brasileiro, tal expressão é errônea, para designar a herança sujeita às procuras de herdeiros parentes; tecnicamente (arts. 1.591-1.594), contradição verbal. O art. 1.572 estatui que a herança se transmite, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentarios; o art. 1.603 inclui os Estados, o Distrito Federal e a União na classe dos legítimos; e o art. 1.594 diz que os bens arrecadados passam ao domínio do Estado, do Distrito Federal ou da União, decorridos cinco anos da abertura da sucessão (Decreto-lei n. 8.207, de 22 de novembro de 1945). Mas o domínio, se não havia herdeiros, passou, no dia da morte, àquelas pessoas jurídicas de direito público; se os havia, não passou, e somente passam cinco anos depois. Tem-se de interpretar, desfazendo-se a contradição intrínseca. 6. CONCEPÇÃO CIENTÍFICA DA SAISINA. - Finalmente, a construção. Foram propostas as explicações seguintes: a) Presunção da aceitação pelos herdeiros ( G . P. CHIRONI, Istituzioni di Diritto Civile italiano, II, 2. A ed., 4 0 5 s.; A . ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar, III, 183). Mas, em verdade, quanto ao fundamento histórico do princípio germânico da aquisição eo ipso, tal presunção constituiria elemento heterogêneo e acrescido pelos que têm dificuldade em explicar o

próprio princípio. Aliás, a dificuldade só existe onde se quer, com os conceitos romanos, esclarecer o elemento germânico. b) Condição suspensiva da aceitação. Explicação contraditória, porque o principio estabelece exatamente o contrário: a transmissão automática. Máxime historicamente. Incorreram nesse êrro A . HEUSLER (.Institutionen des Deutschen Privatrechts, II, 5 6 0 ) , EUGEN HUBER (System und Geschichte des schweizerischen Privatrechts, IV, 667) e L. REHFOUS-A. MARTIN, Introduction à 1'Etude du Code Civil suisse, 1 5 8 ) . c) Princípio da transmissão ipso iure. Haveria condição resolutiva da renúncia. É a solução teoricamente menos artificial, mas atendamos a que essa explicação pelo fato jurídico condicionado tornaria ato jurídico o que o não é. A transmissão deriva de acontecimento involuntário, que é a morte. Os atos jurídicos são fatos jurídicos, porém nem todos os fatos jurídicos são atos jurídicos. A condição, na espécie, seria daquela classe que se costuma chamar condição legal, pelo fato de serem efeito de ius cogens e inerentes ao instituto. d) Aceitação, com efeito retroativo, explicação que, posta por A. FÁBER e CESARE LOSANA, não se compadece com a existência indiscutível de dois princípios diferentes: o romano e o germânico. e) Condição resolutiva para o herdeiro chamado, suspensiva para o beneficiado pela renúncia; com a aceitação, cessaria o direito desse; com a renúncia, o daquêle. Certo, tudo se passa como se assim fôsse; mas ¿por que aludir-se a condição? f) Diante dos efeitos do art. 1.572 do Código Civil (cf. Código Civil alemão, § 1.922), entendia ERNST STAMPE (Unsere Recht und Begrijfsbildung, 55 s.) que só existia uma aquisição ipso iure, a do Fisco, porque não precisa aceitar nem deliberar: chegada a sua vez de suceder, sucede sem qualquer ato seu, sem qualquer possibilidade de se voltar sôbre a ordem do Código Civil. Nos outros casos, não; é a própria lei que se encarrega de atenuar, até à contradição, as conseqüências imediatas do art. 1.572: a aquisição dos outros sucessíveis não é definitiva, tanto assim que pode a herança ser renunciada, e os chamados se tratam como se não estivessem na sua vez. Daí falar na oferta causa mortis, que seria a situação do sucessível antes de aceitar ou renunciar, - oferta do que faleceu aos herdeiros. Vê-se bem quão desesperada foi a solução teórica de ERNST STAMPE, solução em que insistiu em 1922 (Juristische Wochenschrift, 50, 22), em nota a julgado da justiça. Interessante é notar-se que, no fim da sua exposição, aludiu a "mania de construir" dos juristas, esquecendo-se

de que a sua construção, aberrativa, concorreria para maior acúmulo de edificações opinativas. 7 . EXAME DAS OPINIÕES. - Alguns autores põem muito ao vivo a provisoriedade do herdeiro em espera; porque não é definitiva. É levar muito longe a noção de provisório: definitivo, então, não seria o proprietário de nenhum bem, porque pode dá-lo, vendê-lo, trocá-lo. Nem seria definitivo o proprietário de fundo que outro possui, porque a posse gera usucapião. O domínio e a posse transmitem-se, diz a lei, desde logo: herdeiro, êle o é, definitivamente; com a possibilidade de renunciar posteriormente, deixando de ser, de ter sido, como, ainda depois de aceitar, pode retratar a aceitação, ou renunciar a herança já aceita (ato de doação ou de alienação onerosa).

8. CONSEQÜÊNCIAS DO PRINCÍPIO. - Resulta do princípio posto no Código Civil, art. 1.572: a) Os herdeiros, quer legítimos, quer testamentários, podem, desde logo, exercer as ações de domínio. Mas fazem-no como proprietários pro indiviso, se há mais de um. b) Os herdeiros, legítimos, ou testamentários, podem reclamar, na qualidade de compossuidores, os bens da herança que se acham com terceiro, ou cuja posse terceiros turbam. c) Não existem bens sem dono, por motivo de morte. A expressão "herança jacente" é errônea; e o nome que se dá ao instituto dos arts. 1.5911.594 não tem o significado romano. Nem podia ter (arts. 1.572, 1.603). No spatium deliberandi, há sempre sujeitos da herança: nunca se dá a existência de bens que, pela morte do dono, fiquem adéspotas. d) Para a posse da herança - no direito brasileiro - os herdeiros não precisam de investidura judicial. Nem precisam eles de apreensão material. A formalidade da abertura ou da apresentação e do cumpra-se do testamento nada tem com o fato do Código Civil, art. 1.572: são formalidades do processo do testamento, que não tiram nem dão direitos; apenas, tratando-se de herdeiros testamentários, delas precisam eles, para a exigibilidade de alguns dos seus direitos, ou para a prova da qualidade de herdeiros ex testamento. Daí dizer-se que a função do juiz é receptiva, e não ativa. Os direitos dos herdeiros, êles os têm por força do ato testamentário, desde o dia dos efeitos (morte do testador), ainda que continuem em segrêdo as dispo-

sições (isto é, quando ainda fechado o testamento). A posse da herança vem-lhes da lei. Dá-se o mesmo quando particular o testamento e, pois, dependente das formalidades dos arts. 1.646-1.648 do Código Civil: são comprobatorias. O julgado opera desde a morte do testador. (Em todo o caso, na discussão, e enquanto se apura a verdade, pode o juiz ordenar atos conservativos, ou de tutela dos interessados, como o seqüestro. Mas isso pode êle decidir a respeito de quaisquer coisas sôbre cuja posse pairem fortes dúvidas, tal como se dá na espécie do Código Civil, art. 507, parágrafo único.) No caso de fideicomisso, discutiu-se se, com a morte do fiduciário, a posse dos bens fideicomitidos passa aos herdeiros do fiduciário, ou, desde logo, também ao fideicomissário. EMIL STROHAL (Das deutsche Erbrecht, III, 7 5 ) procurou reestudar a questão, tida como difícil. JULIUS BINDER (Die Rechtsstellung des Erben, III, 60), de acordo com a sua concepção geral, admitiu, sempre, a possibilidade de ipso iure passar aos fideicomissários a posse. Aliás, a opinião mais vulgar era a de transmitir-se aos pós-herdeiros com o implemento da condição, com advento do têrmo, ou a posse dos bens gravados. Mas pode ocorrer que a condição se adimpla ou o têrmo advenha em vida do fiduciário, que está de posse dos bens: ora, nesse caso, êle não perde, ipso iure, a posse, pois, ocorrendo-lhe a morte, passa, segundo alguns, a seus herdeiros, que a entregarão aos fideicomissários e, para outros, vai ao fideicomissário, automáticamente (JOHANNES BIERMANN, Das Sachenrecht, HL, § 5 7 ) . É possível mais puro trato de problema tão sutil. Com a morte do decujo nasceu o direito de herdeiro ao fiduciário e ao fideicomissário. Não há dúvida. Mas o fiduciário é que recebe o domínio resolúvel e a posse. Questão preliminar: ¿O fideicomissáriotem domínio? Segunda questão preliminar: o fideicomissário já tem posse, por força do art. 1.572, uma vez que a peça transmitida independe da veste de fato, isto é, a ordem legal abstrai do poder efetivo? Quanto ao domínio, o fideicomissário ainda não o tem: a condição, para o fiduciário, é resolutiva, e foi êle quem adquiriu o domínio. Se a posse do fiduciário é só mediata, com a morte dêle, vai ao fideicomissário. Mas, se é, também, imediata (direta), adquirida depois, não pode essa, sem qualquer ato de transmissão, isto é, por efeito do art. 1.572 (transmissão automática), passar ao fideicomissário: fica com os herdeiros do fiduciário, de quem o fideicomissário a haverá. Não épela ação de posse que há de reclamá-la contra os herdeiros.

O co-herdeiro, que foi acionado para cumprimento de dívida da herança, dívida da comunhão hereditaria ou só parcial, tem objeção contra o que atinja o seu patrimônio fora do que lhe passa com a morte do decujo, por direito sucessório. O que herdou entrou no seu patrimônio, com a saisina, mas permite, em virtude do beneficio de inventário, legalmente estabelecido, a discriminação.

§ 5.649. CONFLUÊNCIA E LUTA DE DOIS PRINCÍPIOS 1. ADIÇÃO DA HERANÇA E AQUISIÇÃO AUTOMÁTICA. - Rigorosamente, dois princípios disputam as preferências, e a História, aqui, os extrema, e ali, os mescla um ao outro: o princípio da adição da herança ou aquisição pelo ato jurídico do herdeiro; o princípio da situação criada pela acidentalidade da morte para os bens já comuns. A modernidade juntou-os, e fêz sistemas novos, que são os vigentes, mais próximos ou mais distantes da noção romana, mais próximos ou mais distantes do Sachsenspiegel, I, 33, m , 83, § 1, e do Preussisches Allgemeines Landrecht, I, 9, § 67 s. Na sucessão dos tronos, le roi est morí, vive le roil No primeiro sistema, são em tempos diferentes delação e aquisição', no segundo, simultâneos. A aditio operava a transmissão. Havia efeito retroativo à morte do sucedendo. Com ela, adquiria-se o domínio; não, porém, a posse. Posse seria questão de fato. Havia princípio da compropriedade familiar, e só a sucessão legítima operava tal comunidade. Morto o chefe, a administração tinha, naturalmente, de passar a outrem. Não se podia cogitar de aceitação, de aditio-, tão-pouco, de ingerência judicial, que fosse instrumento de passagem do chefe aos comproprietários. De hereditas iacens também não se podia falar. Não havia sucessores propriamente ditos. Havia a comunhão, sob a chefia; passada a chefia, continuava o que antes era: a comunhão, já sem aquêle que morreu. Der Todte erbt den Lebendigen. Mortuus saisit vivum. Saisina defuncti descendit in vivum. Le mort saisit le vif, son plus prochain héritier habile à lui succéder. No direito romano, havia o princípio da transmissão recta via ao legatário (L, 80, D., de legatis et fideicommissis, 31), donde as duas ações,

a real e a pessoal (L. 2, C, communia de legatis et fideicommissis et de in rem missione tollenda, 6, 43). Ao herdeiro o legatário havia de pedir a posse; se o legatário arbitràriamente se imitia, concedia-se ao herdeiro o interdictum quod legatorum (L. 1, § 1, D., quod legatorum, 43, 3). A diferença entre o direito romano e o hodierno, inclusive o brasileiro, resulta da posição de domínio e posse do herdeiro. Havia problema técnico, que os juristas romanos não resolveram, e parecia estarem a procurar, problema a que a modernidade, fundidos o sistema romano e o germânico, deu solução, de origem híbrida, porém, na teoria posterior e nos resultados, de tôda a inteireza. A saisina iuris estabeleceu a nova ordem. Der Todte erbt den Lebendigen, le mort saisit le vif, ou, na Itália, transeat possessio in heredem defuncti ipso iure sine aliqua apprehensione (Estatuto de Busseto, r. 54). No direito romano, havia a continuação da posse no sucessor a título universal, e a conjunção das posses no sucessor a título particular (L. 40 e L 31, § 5, D., de usurpationibus et usucapitionibus, 41, 3; L. 13, § 10, D., de adquirenda vel amittenda possessione, 41, 2). Todavia entre a delação e a adição, se outrem possuía a coisa, não havia espoliação, porque não havia possuidor (L. 6, § 2, D., pro emptore, 41, 4). O lapso constituía o problema técnico. Donde a lacuna na tutela possessória. A imaginação prática dos jurisconsultos romanos experimentou expedientes, como aquêle de obrigar a pronta adição, o interdictum quorum bonorum e, devido a Marco Aurélio, o crimen expilatae hereditatis. Expedientes, tão só. A vida posterior deu a solução; mas a vida, a experiência, só o ousou depois de ver a fórmula que trazia a concepção germânica da continuidade, da unidade patrimonial e da investidura imediata (saisina iuris). No conjunto do direito, êsse grito germânico dominou, mas como exceção, como direito singular, e por isso disse A . FÁBER, no Codex Fabrianus, L. VII, 6, IV: "beneficium possessionis consuetudinariae quod a defuncto in heredem recte continuatur singulare ius et privilegium est". Da saisina excluía-se o legatário, porque era sucessor a título particular. A vida aproveitou os dois sistemas e deu-se, historicamente e evolutivamente, o seguinte: ao direito romano somou-se o elemento germânico; a tutela jurídica da posse fêz-se possível, sem os incompletos expedientes romanos, de modo que a aspiração do direito romano se realizou com a fusão dos dois direitos; e teoria e prática consagraram a nova concepção da investidura imediata, que se coadunava com a necessidade social da sucessão, in universum ius.

2 . POSSE, NA REGRA JURÍDICA SÔBRE SUCESSÃO HEREDITARIA. - A p0S-

se de que fala o Código Civil, no art. 1.572, independe de qualquer efetividade: ela se transfere, saiba ou não o herdeiro que se lhe transferiu; posse nec animo nec corpore. O elemento germânico reponta, vê-se-lhe bem o traço de espiritualidade, que atravessa, firme, a materialidade das concepções romanas. Posse, que não precisa de ato ou gesto ou reconhecimento do possuidor. Um é, categórico, que a tradição germânica disse, e as leis escritas, após os costumes da França e de alhures, repetem. No tempo em que a posse bonorum (Código Civil, arts. 485-523) era de configuração romana, ao jeito de FR. VON SAVIGNY, isso criava embaraços teóricos; hoje, com a concepção nova, refletida no Código Civil brasileiro, esmaeceu. A lacuna romana foi preenchida, com a conseqüência de se transmitir ao herdeiro a posse dos bens de que o testador era proprietário e a dos pertencentes a outrem, desde que lhe coubesse a posse. Porém, como a posse do testador vai tôda ao herdeiro, o título testamentário atribui a propriedade ao legatário e a posse vai do testador ao herdeiro, em virtude da saisina iuris. Daí a cisão; e ter o legatário de pedir a posse. Em francês, saisine é palavra de origem germânica, que significa posse, - mais direito de possuir, ou possfe que o direito dá, do que posse no sentido de exercício efetivo. Tão portuguesa, como de outra língua, porque está nos textos do latim cosmopolita: saisina, in saisina. No brocardo francês, le mort saisit le vif, a psique germânico-latina da França bem se retrata: saisir, do germânico, traduz a passagem, por fôrça de direito, da posse do defunto aos herdeiros, isto é, palavra germânica para exprimir conceito germânico. A posse vai aos herdeiros que receberem a herança, quer dizer - potencialmente deslocável de grau, incluído o efeito da representação: se um dos chamados não aceita a herança, ela toca aos co-herdeiros, ou, se é o único, ou se todos renunciarem, aos sucessíveis do grau imediato. No Brasil, ao próprio cônjuge sobrevivo e ao Fisco (art. 1.603; cp. Código Civil francês, art. 724, que não se estende a êsses). Mas repugna aos nossos dias concepção da saisina coletiva aos parentes; só se refere a herdeiros. Em vez de seguirem os dados históricos e os veios do princípio, através dos tempos e em luta com o direito romano, que partia a posse, pontuando-a com a morte do decujo, e deixando lapso entre êsse momento e a tomada de posse pelos herdeiros, - os juristas deixam-se levar pela ambição de explicar o fato, que o art. 1.572 apodictamente cria, mas segundo os propósitos dos seus raciocínios.

É a exigência de explicação dogmática, que, por vezes, conduz a edificações só a priori. Aliás, para o bom êxito dos métodos científicos, êsse desejo de explicar tem de precipuamente buscar os dados históricos e os informes de sociologia. Todo caminho, que não seja êsse, pode ser desvirtuador das realidades e dos próprios preceitos que se querem explicados. 3. TENTATIVAS DE EXPLICAÇÕES. - a) JULIUS BINDER (Die Rechtsstellung des Erben, 47) entendeu que a posse do Código Civil alemão, § 857, é posição jurídica ligada ao poder efetivo, mas que se desprende, ao passar, do seu suporte fundamental, da sua base material. b) Em tal ato vêem W . TURNAU - K . FORSTER (Das Sachenrecht, 3.a ed., § 857) e MARTIN WOLFF (Das Sachenrecht, Lehrbuch, Hl, 36), apenas ficção da posse. Assim, também, ROTERING (Aus der Lehre vom Besitz, Archiv fiir Bürgerliches Recht, 27, 95 s.). c) FERDINAND K N I E P (Der Besitz des BGB., 1 6 8 ) esforçou-se por mostrar que só se transmite a pretensão para que continue a posse. d) Entendia HUGO KRESS (Besitz und Recht, 1 6 8 s. e 1 8 6 ) que os herdeiros adquirem a posse imediata (Verkersbesitz) sem apreensão, desde que saibam da morte e queiram ser herdeiros. £ estranho aludir a êsse elemento intruso da vontade do herdeiro. e) Para CARL CROME (System des deutschen bürgerlichen Rechts, m , 16 s.), trata-se de relação de posse, e nessa sucedem os herdeiros, sem dificuldades conceptuais e práticas. f) M. GREIFF ( G . PLANCK, Kommentar, III, 39) achava que o poder efetivo do decujo acabou com a morte: não poderia transmitir-se aos herdeiros; de modo que êsses precisam de tomar posse efetiva, para serem possuidores no sentido do artigo 485 (Código Civil alemão, § 854), e os arts. 496 e 1.572 (§ 857) não bastariam. (Na 4.a ed. de G . PLANCK, E. BRODMANN rediscutiu o assunto, e continuou a sustentar que a posse não é algo de separável da personalidade, - é relação de pessoa com a coisa; não pode ser tratada como se trata, por exemplo, o domínio. Mas acabou por explicar como ficção, "pelo menos"). g) A verdadeira teoria é a que busca o fundamento e a evolução do princípio, que é estranho ao direito romano; e dêle há de tirar, como fazemos, todas as conseqüências doutrinárias e práticas. Sem êsse elemento histórico-cultural, nada se consegue de sólido e de certo.

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.649. A - Legislação Sobre a transmissão imediata do acervo deixado pelo falecido aos seus sucessores e sobre o chamado droit de saisine, ver o art. 1.784 do CC/2002. Sobre a transmissão da herança por inteiro, aos sucessores, como se imóvel fosse, ver atual art. 80, II.

§ 5.649. B - Doutrina 1. A ficção jurídica denominada droit de saisine, que significa a concomitância de dois momentos, o da morte do autor da herança e o da transmissão do acervo que compõe a herança aos seus sucessores, legítimos ou testamentários, introduziu-se no direito português, por força de alvará de 1.754, chegando assim, ao direito brasileiro. No Código Civil de 1916, o princípio se encontra no art. 1.572 (atual art. 1.784). A redação do dispositivo atual é diferente da do dispositivo precedente, conservando, contudo, a mesma abertura, ao dizer "aberta a sucessão", bem como o advérbio de tempo "desde logo". Está a significar que o momento da transmissão é aquele que coincide com o Romento da morte do autor da herança, ainda que não se saiba quem serão os sucessores. "Devolução" ou "delação" são os vocábulos que refletem a atribuição de tais direitos aos sucessores do morto. 2. O atual direito suprimiu da regra a expressão "domínio e posse da herança", supressão esta que não constitui nenhum tipo de diminuição na compreensão e recepção do princípio da saisine, prosseguindo válida a regra que considera Imóvel", para todos os efeitos legais, o direito à sucessão aberta, conforme dispõe o atual art. 80, II (correspondendo ao art. 44, III, do CC/1916). Assim, já era desnecessária a presença daquela expressão "domínio e posse da herança", tendo sido adequada a modificação estipulada pela norma atual constante do art. 1.784. A posse que se transmite, pois, é a posse indireta dos bens que compõem o acervo hereditário, como um todo, até a partilha. A finalização do dispositivo legal em exame (art. 1.784 atual), assim como o dispositivo legal anterior (art. 1.572 do CC/1916), se faz pela qualificação dos herdeiros aos quais se transmite a herança, dizendo deles, "herdeiros legítimos e testamentários", a significar que a herança se transmite inteiramente a sucessores contemplados por meio de deixa testamentária (os testamentários), ou a sucessores que a lei contemplar, na ausência de testamento (os legítimos), ou a ambos, simultaneamente, observadas as restrições impostas pela lei quanto à facção de testamento.

§ 5.649. C - Jurisprudência O STJ entende que apesar de a herança ser transmitida ao tempo da morte do de cujus (princípio saisine), os herdeiros ficarão apenas com a posse indireta

dos bens, pois a administração da massa hereditária será, inicialmente, do administrador provisório, que representará o espólio judicial e extrajudicialmente, até ser aberto o inventário com a nomeação do inventariante, a quem incumbirá representar definitivamente o espólio. STJ, REsp 777.566/RS, j. 27.04.2010, rei. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJRS).

§ 5.650. PRECISÕES A RESPEITO DE POSSE 1. POSSE NO SENTIDO PRÓPRIO E POSSE DOS HERDEIROS. - A respeito de posse dos herdeiros e legatários, encontram-se no Código Civil os arts. 4 9 5 , 4 9 6 , 1 . 5 7 2 , 1 . 5 8 0 , 1 . 7 5 4 , 1 . 7 5 5 e 1 . 6 7 S . Mas, a despeito de usar-se a mesma palavra posse, cumpre distinguir-se da posse dos arts. 495 e 496, referida no capítulo sôbre posse (Direito das Coisas), rei possessio, Besitz ou Sachenbesitz, e posse dos demais artigos, que é a hereditatis possessio do direito romano, Erbschaftsbesitz,. São institutos distintos, outrora e hoje, que concernem a fatos idênticos.

Como havemos de ver, a hereditatis possessio apresenta, no direito romano, no comum e no vigente entre povos cultos, estrutura particular, que a olhos cuidadosos teria lembrado, na feitura dos Códigos Civis, nome que evitasse qualquer confusão. Se no Código Civil alemão se empregou o romanismo Erbschaftsbesitzer, para que se não misturasse com o Besitzer da doutrina da posse, nenhum cuidado tiveram os legisladores de outros Estados, desatentos a linhas mestras das instituições. Na prática, a diferença é de importância. Basta pensar-se em que a ação do possuidor, no caso do art. 495, combinado com os arts. 485, 499, 501, 502 e 504, esbarra, em se tratando de bens móveis, diante do art. 618 (usucapião, no caso de boa fé e posse ininterrupta de três anos), ou do art. 619 (ainda com má fé e sem título, durante cinco anos), ao passo que não prescrevem em tais tempos as ações oriundas da hereditatis possessio. Quando ja é nenhum o meio de reaver-se a posse, possessio rei, ainda perdura a ação contra o possuidor da herança. Em se tratando de imóveis, as ações possessórias têm de parar, diante de quem alega posse, com justo título e boa fé, de dez anos entre presentes, ou quinze entre ausentes (art. 551), e no entanto persistem os meios legais fundados no direito hereditário (e.g., petição de herança, querela de doação oficiosa). Cp. Código Civil, arts. 177, 179 e 1.772, § 2.°.

2. RELEVÂNCIA DA DISTINÇÃO. - É evidente a relevância da distinção. No instituto da posse da herança, dois elementos alteiam-se como indestrutíveis colunas, e é impossível, sem graves êrros, tomar-se uma por outra das duas construções heterogêneas, a posse do direito das coisas, que só ela rigorosamente merece chamar-se posse, e a outra, a do herdeiro, que se funda em título, e não no ter-se, de fato, o exercício, pleno, ou não, de algum dos poderes inerentes ao domínio, ou outro direito real (art. 485). Aquelas duas colunas, a que nos referimos, dão caráter próprio ao instituto: uma é o pensamento de universalidade, que dilata a significação mesma da palavra posse\ outra, o de título lucrativo, mas ineficaz, pelo qual alguém, em vez de herdeiro, possui (A. A. VON B U C H H O L T Z , Juristische Abhahdlungen, 10; RUDOLF LEONHARD, Die Erbschaftsbesitz, 76 s.; JOSEPH SCHAEFER, Vergleich zwischen Sachbesitz und Erbschaftsbesitz, 7 1 ) No fundo (bem significativo é o fato do excesso dos prazos da usucapião), privilégio para restaurar a ordem intrínseca, dentro do tempo (cp. JULIUS B I N D E R , Die Rechtsstellung des Erben, 421 s.). Os dois elementos dão à posse do herdeiro as ações que decorrem de particularidades de direito material e de direito processual, tão firmes, que R U D O L F LEONHARD não acreditava em que, no futuro, st apaguem (127) Foram baldados os propósitos assimiladores do Preussisches Allgemeines Landrecht e do Código Civil francês: teve a prática, fruto da vida, de trazer as águas ao leito próprio; bem assim, o exemplo do Código Civil alemão (§§ 2.0182.031). No Brasil, deixou-se à doutrina, mas, em verdade, subentendem-se as regras jurídicas materiais precisadoras do instituto e constitutivas do velho e tradicional direito das ações. Na posse, rei possessio, cogita-se de relação entre a pessoa e a totalidade dos sujeitos, a respeito de coisa sôbre a qual se exerce poder fáctico, estado social, que independe do direito à coisa. Nas ações fundadas no Código Civil, arts. 1.572, 1.580, 1.754, 1.755 e 1.769, alega-se direito. A ação de petição de herança compete ao herdeiro, legítimo ou testamentário, contra aquele que, com fundamento em direito sucessório que em verdade não tem, só possui os bens da herança (Código Civil alemão, § 2.018: "der auf Grund eines ihm in Wirklichkeit nicht zustehenden Erbrechts etwas aus der Erbschaft erlangt hat (Erbschaftsbesitzer)"; Código Civil brasileiro, art. 1.580: "ao terceiro, que indevidamente a possua"). Ação universal, que nada tem a ver com os efeitos da posse, nem com os da usucapião, pois, semelhante à reivindicação, constitui luta entre direitos, porém, luta de títulos, independente das regras jurídicas de aquisição por outro título que não seja o hereditário. Por isso mesmo, o réu pode

opor-lhe, não só a prescrição de vinte anos, que é a das ações do direito hereditário, como também o não se tratar de possuidor a título de herança, caso em que só seria possível a ação do art. 524, ineficaz além dos prazos usucapitivos. Aproveitemos o ensejo para meditar no punctum dolens: é o fato de o réu possuir com pretendido direito hereditário, isto é, crer-se ou ter-se por herdeiro, que lhe escancara as portas às investidas dos autores contra a sua posse, ainda depois de cumpridos os prazos que lhe dariam, se outro fôsse o título, a propriedade dos bens móveis (arts. 618 e 619), ou imóveis (arts. 550-552). 3. OBJETO DA POSSE. - Quanto ao próprio objeto, há diferença entre o que pode ser objeto de proteção possessória (Código Civil, arts. 485, 486 e 493,1, II) e o que pode ser compreendido sob o conceito de posse do herdeiro (arts. 1.572 e 1.580) ou de posse e administração (arts. 1.754 e 1.755) Se um título nominativo pode ser reclamado com fundamento na posse da herança, não no seria pelas ações dos arts. 499-519. Tudo que é patrimonial constitui objeto de hereditatis possessio. Não se compreendem na posse, em sentido próprio, os direitos, isto é, o que se pode ter sem ser objeto de direito das coisas. Pela mesma razão, não se poderia reclamar por ação possessória universitas iuris, ao passo que os herdeiros, com as ações do art. 1.580, pedem, precisamente, a herança, a universalidade, na qual se incluem dívidas ativas nominais, quiçá simples ações a serem propostas contra outros. Bastaria ler-se a L. 18, § 2.°, D., de hereditatis petitione, 5, 3. Agora vejamos, disse ULPIANO, que coisas se compreendem na petição da herança, et placuit universos res hereditarias in hoc indicium venire, sive iura sive corpora sint. Ora, sabemos quais os direitos, pretensões e ações que, em razão de recaírem em coisas, se protegem, mas, no direito romano, "possideri autem possunt quae sunt corporalia" (L. 3, pr., D., de adquirenda vel amittenda possessione, 41,2), nem se cogitaria de admitir posse sobre universalidade de coisas ( H . DERNBURG, Pandekten, I, § 176, nota 3, 407). Enquanto pende a ação dos herdeiros, o réu continua a ser protegido, pelas regras jurídicas sôbre posse, na sua posse. Na justa dos títulos, entre sujeitos determinados (autores e réus) não se apaga situação pessoal em relação a totalidade dos sujeitos, protegida em virtude de considerações de ordem social entre os cidadãos. Tão radical é o efeito da petição de herança, que ela busca ações nascidas contra o próprio possuidor, dívidas que, noutros casos, desapareceriam pela confusão dos sujeitos. Seria difícil conceber "posse" em tais espécies (RUDOLF LEONHARD, Der Erbschaftsbesitz, 11; ARNOLD LEINWEBER, Die

hereditatis petitio, 7). Pede-se um patrimonio (L. Gesammelte civilistische Schriften, II, 2 8 0 ) .

ARNDTS VON ARNES-

BERG,

Também no Código Civil alemão não se poderia pensar em "posse" que não fôsse poder fáctico sôbre coisas. Escapa ao conceito a chamada posse de direitos. O objeto da hereditatis possessio ultrapassa as raias do que a teoria e a lei traçaram à posse. Na ação de reivindicação, o réu é possuidor. Na de petição de herança, é de mister que o réu tenha adquirido algo da herança, ponto em que se percebe a má redação do art. 1 . 5 8 0 , § 1.°, que insiste na expressão "possua", afastando-se da precisa frase do Código Civil alemão, § 2.018 ("do que, em virtude de um direito hereditário, que, na realidade, não lhe pertence, adquiriu algo da herança"). Aqui, basta que faça a prova de ter adquirido, a título hereditário, ao passo que ali a posse no momento constitui um dos pressupostos de legitimação passiva (PAUL LANGHEINEKEN, Anspruch und Einrede, 1 5 7 ; R U D O L F LEONHARD, Der Erbschaftsbesitz, 2 4 ; EMIL STROHAL, Das deutsche Erbrecht, 2. A ed., 5 5 4 ) . Em todo o caso, há caracteres comuns quanto ao sujeito. No direito romano, o que tinha a posse jurídica, com animus dommi, ou era a) em relação de fato com o objeto da posse, b) quiliti se obtulit, ou c) qui dolo desiitpossidere, ou qui fecit quonimus possideret ( G . W . W E T Z E L L , Der rõmischen Vindicationsprozess, 2 1 4 s.); W . FRANCKE (Exegetisch-pragmatische Kommentar über den Pandektentitel de hereditatis petitio, 175 s.). Na rei vindicatio, também o detentor e o que não possuía para si, pois que êles tinham â facultas restituendi, pouco importando a boa ou má fé (WALTER NAGELSCHMEDT, Der Eigentumsanspruch wegen Besitzensziehung, 24), e na hereditatis petitio, como na possessória hereditatis petitio, seria impossível a ação contra o detentor, porque êsse, se está em situação de restituir, só possui alieno nomine, ou, como disse ULPIANO (L. 13, § 12, D., de hereditatis petitione, 5, 3), contemplatione alterius, ao contrário das ações possessórias que se exercem contra os detentores, parecendo que o exerce contra aquêle qui pro possessore possidet, se sem qualquer iusta causa possessionis ou nulo o titulus. No Código Civil alemão, a rei vindicatio dirige-se ao possuidor imediato, isto é, ao qui habet et tenet e ao mediato do § 868, aquêle em primeiro lugar ( O T T O WENDT, Der mittelbare Besitz der BGB., Archivfür civilistische Praxis, 87, 68 s.), porém não ao servidor da posse (§ 855); nem aos fictiposses sores, ao contrário, aqui, do direito romano (JOSEF SCHAEFER, Vergleich zwischen Sachbesitz und Erbschaftsbesitz, 82). Quanto a hereditatis possessio, trata-se de posse como pretendido herdeiro,

e s p é c i e de animus, como diz CARL CROME (System, V, 531), e essa subjetividade é que lhe dá a abertura para invasão além dos prazos usucapitórios. É preciso crer-se herdeiro sem se ser. No direito anterior e, com a mesma razão no vigente, claro está que, se ninguém impugna ao autor a qualidade de herdeiro, é inútil a ação. Se possui por título singular mas nulo, compete a rei vindicatio, e não a petição de herança. Se a questão é de posse, pode o herdeiro intentar as ações possessórias, que forem mais hábeis. O terceiro pode ter adquirido apenas a posse da herança. Então, a sua posição jurídica é a que teria o possuidor da herança, se não a tivesse alienado. Tem êle de entregar os frutos e outros proventos, inclusive aquêles de que adquiriu a propriedade. Se algum herdeiro tem direito relativo a algum bem da herança, inclusive, por exemplo, se obteve penhora, tem o possuidor de respeitá-lo e atender às suas conseqüências (cf. ALFRED NAVE, Einzelfrage und Erbschaftsanspruch, 2 5 s.).

4. TRANSMISSÃO DA POSSE. - A posse passa aos herdeiros legítimos e testamentários. Se só os há legítimos, fácil é saber-se quais são. Se pende algum processo de habilitação, ou de investigação de paternidade ou maternidade, de que aquela dependa, só a sentença fará certo o direito e com ela é que se pede a imissão de posse, se bem que o herdeiro assim reconhecido tenha sido proprietário e possuidor desde a abertura da sucessão. Se só existem herdeiros testamentários, foi a posse a todos os que herdaram do decujo por fôrça do testamento que se mandou cumprir. Daí a importância do "cumpra-se". O que é, segundo o testamento, herdeiro, ou legatário com posse, tem direito à imissão enquanto não passa em julgado a sentença que declara a nulidade ou anula o testamento. Após êsse trânsito, os que são herdeiros legítimos, ou testamentários segundo outro testamento, ou outra cláusula, é que podem propor a ação de imissão. Se há herdeiros legítimos e testamentários, cada um tem o direito à imissão segundo o seu título. Uma vez que o testamento dá a posse, desde logo, a algum legatário, cabe-lhe a ação de imissão. O herdeiro que é imitido na posse, que lhe faltava, quase sempre posse imediata, já estava na posse, em virtude da saisina. A sentença favorável na ação de imissão declara a posse em virtude da saisina e põe na posse que faltava o sucessor a causa de morte. A posse pelo legatário pode gerar a usucapião; não basta o decurso do prazo, porque a posse, que se transmitia, em virtude do princípio da

saisina, ao herdeiro ou ao legatario, pode ser retirado por outrem, mesmo se já houve a transcrição. O registo concerne à propriedade, e não à posse. Cp. o que diz L U I G I FERRI (La Trascrizione degli acquisti mortis causa e problemi connessi, 147 e 152).

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.650. A - Legislação Sobre posse no sentido próprio (Direito das Coisas), ver arts. 1.206 e 1.207 do CC/2002. Sobre posse de herdeiros (Direito das Sucessões), ver arts. 1.784, 1.791,1.977 e 1.978 da atual Legislação Civil.

§ 5.650. B - Doutrina 1. São pertinentes, na contemporaneidade, as anotações de Pontes de Miranda, no § 5.650, especialmente itens 1 e 2, sobre a posse em sentido próprio, aquela que está abrigada no Direito das Coisas, e a posse de herdeiro, esta que pertence ao Direito Sucessório. A maior importância da diferenciação encontra-se na repercussão processual relativamente a uma e outra "posse", já que a posse que assim merece mesmo ser considerada é a posse do Direito das Coisas; a posse de herdeiro, por seu turno, não decorre de situação fática, como aquela outra, mas advém de título sucessório.

§ 5.650. C - Jurisprudência Existindo composse sobre o bem litigioso em razão do droit de saisine ê direito do compossuidor esbulhado o manejo de ação de reintegração de posse, uma vez que a proteção à posse molestada não exige o efetivo exercício do poder tático - requisito exigido pelo tribunal de origem. STJ, REsp 537.363-RS, 3.a T., j. 20.04.2010, rei. Min. Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJRS).

§ 5.651. ACEITAÇÃO E RENÚNCIA DA HERANÇA 1. SITUAÇÃO ESTABELECIDA APÓS A MORTE. - A morte de alguém cria aos seus herdeiros testamentários, como aos legítimos, a situação decor-

rente do princípio da saisina: sucessão por êles no todo, segundo o princípio da universalidade da herança; e aquisição eo ipso, princípio segundo o qual os bens da herança passam aos herdeiros, sem qualquer ato deles para os adquirir. A aceitação e a renúncia têm efeitos de confirmação e de correção à imagem da transmissão. Se houve renúncia, a passagem foi feita sem dever ter sido: imagem falha da transmissão, porque essa não se deu. Procurou-se explicar a aceitação e a renúncia da herança como aceitação ou recusa de oferta, oferta causa mortis, como há as inter vivos. Extravagância inadmissível; a situação do sucessível é criada pela lei ou peta vontade do testador, sem qualquer laço contratual entre o sucessível e o hereditando. Podem as deliberações constar de têrmo judicial ou de escritura pública, sem a presença de outros interessados. Unilaterais: definitivadora, uma; abdicativa, a outra. Só há um sujeito, que é o declarante. Como tôdas as manifestações de vontade, supõem capacidade, representação dos absolutamente incapazes, ou assistência dos relativamente incapazes, manifestação de vontade do cônjuge. A renúncia da herança, ato abdicativo, cabe no Código Civil, art. 428, II. O curador de ausentes pode aceitar. 2. HERANÇA TIDA POR ACEITA. - N O caso do Código Civil,, art. 1 . 5 8 4 , tem-se "a herança por aceita". Intimado o sucessível correu o prazo. Não é aceitação expressa, mas tem eficácia como tal. Requer-se que seja intimado o sucessível, ainda que por edital, observadas nas intimações pessoais as regras jurídicas de capacidade. A aceitação não é sujeita a exigências de forma, no que difere da renúncia. De duas maneiras pode operar-se: a) expressamente; b) tacitamente, inclusive em pro herede gestio (exceto, por exemplo, os atos oficiosos, como o de funeral, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda interina, há a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros).

3. TRANSMISSÃO POR FÔRÇA DA LEI. - O sucessível, que faz valer o seu direito, perante terceiro, não pode ser obrigado a provar a sua aceitação; porque o direito lhe vai por fôrça da lei, e não por fôrça da aceitação. O pedido do Código Civil, art. 1.584, é independente: faz-se ao juiz do inventário, que examina o interêsse do suplicante. £ ponto delicado, que exige atenção. O autor de ação possessória, ou o réu, não pode exigir que o sucessível, réu ou autor, prove a aceitação. Trata-se de ato que se subsume no art. 1.581, § 2.°; portanto, praticável sem o ato de aceitação. Ainda mais: na propositura de ação, que importe aceitação, a outra parte não pode pretender que o sucessível prove a aceitação. Poderia propô-la ou defender

o espólio; se importa aceitação, ou se não importa, não cabe discutir-se no processo. O que o autor ou réu da ação pode pretender é que o sucessível prove a chamada, coisa diferente. aceitação definitiva a herança: mas o sucessível não procede sem direito de escolha, pois que a lei tornou revogável a declaração. Donde três fases: a) a do sucessível com alternativa, com o qual os credores da herança não têm ligação direta; h) a do que aceitou, e fica ligado aos credores da herança, e responde pelos atos que praticou, não como gestor da herança, mas sim como dono. A diferença é sutil, mas de importância prática: quem aceitou a herança, se, depois, a revoga, não pode invocar que tudo ocorreu como se não tivesse ocorrido; as penhoras feitas pelos credores valem; o endossante da cambial que pertencia ao herdeiro e de responsabilidade do morto fica exonerado se não foi protestada no lapso da abertura da sucessão e da vigência da aceitação, ou se, protestada, êle não pagou por ter ocorrido a confusão. Ora, êsse último efeito não aconteceria se o sucessível não tivesse aceito a herança. 4 . FUNÇÃO DA ACEITAÇÃO. - A

Antes de o chamado aceitar, o sucessivo pode requerer ao juízo que se protestem títulos, que se intimem ou citem possuidores, que se transcrevam títulos de aquisição sujeitos a registo, ou, por si só, levá-los a tais formalidades conservatórias. Nada obsta a que o sucessível do grau subseqüente, enquanto o preferido não aceita, peça a partilha dos bens, exerça as ações sucessorais, tome posse de bens, conteste ação contra o espólio, proponha a ação de nulidade de testamento. A jurisprudência francesa foi, acertadamente, até essas conseqüências, que, se dão ao subseqüente margem ampla de ação, assaz se justificam pelos perigos, para êle e para os terceiros, da inação do herdeiro. Os opositores criticam à jurisprudência ser fundada na inaceitável concepção da saisina coletiva ou virtual. mas são obrigados a reconhecer que as decisões, embora criticáveis, traduzem necessidade de fato (e.g., MARCEL PLANIOL e GEORGES RIPERT). É ladear o problema. Necessidade de fato, que cria direitos, é fundamento de direito, e não necessidade de fato. Ora, se existe fundamento para que se dêem aos sucessíveis da classe subseqüente atuações tão fortes, é que a situação dêles não é a de simples autorizados a atos de conservação. Êles têm poder maior: o do Código Civil, art. 1.584, que é a ação provocadora; mas dessa não se pode usar quanto aos ausentes, sem que se arrisquem os requerentes às conseqüências da aceitação presumida do art. 1.584, que os exclui definitivamente. Há, às vezes, interêsse em não se usar da ação provocatória.

A aceitação não se presume; mas pode ser tácita. Aqui, C. DEMOLOMBE (Cours de Code Napoléon, XV, n. 4), impressionado com a instantaneidade da saisina, entendia que por essa se presumia a aceitação. Mas sem razão: a aceitação não se presume; a saisina passa ao que recolhe, ao chamado, pois que aceitou, aos co-herdeiros ou aos sucessíveis da classe subseqüente, se o chamado recusou e êsses aceitaram. A saisina do sucessível terá sido, se houve aceitação; não terá sido, se, no caso, ocorre renúncia. A aceitação é absoluta, pura, indivisível. Absoluta, quer dizer: ato adversus omnes. A respeito de todos, de quem quer que seja. Não se pode aceitar para beneficiar a A, ou a B, e não a C. Pura, pode ser subordinada a condições, ou têrmo. Indivisível, ou se aceita por inteiro, ou se renuncia. A abstenção e a renúncia são atos abdicativos puros; não admitem condições, nem têrmos, nem divisão. Nem os beneficiados por um ou outro precisam aceitá-lo; têm de aceitar, ou recusar, a herança que lhes vai. Com a abstenção ou a renúncia, o que recusou põe-se fora da herança, desde todo o princípio, como estranho. Todos os sucessíveis podem renunciar a herança, sejam os testamentários, os legítimos não-necessários, ou os necessários. As vêzes, à morte do sucedendo, discute-se, em ação, a filiação ou a identidade do sucessível. Se o não sucessível renunciou e foi julgada a ação contra êle, renunciou o que não lhe era atribuído. Se renunciou e venceu como sucessível, válida e eficaz foi a renúncia. 5. RENÚNCIA E HERANÇA TESTAMENTÁRIA. - O renunciante, quer seja herdeiro legítimo, quer seja testamentário, abdica. Abdicação, que é renúncia, corte da própria figura. Quando êle renuncia a herança não a transmite: êle é que desaparece da sucessão; reputa-se nunca ter sido. É princípio comum. Mas os efeitos são reveladores de sutilezas que escapam ao princípio: a) Tolda a pureza do princípio, acima formulado, o fato de não se dar a representação (algo fica na figura do renunciante, tanto assim que êle não se reputa morto, para que descendente ou irmão o represente) A diferença, criada pela lei, entre a morte e a renúncia do herdeiro, mostra que o ato abdicativo não transmite a herança, que o renunciante não é, porém que o seu ato opera contra êle mais do que operaria a morte. A morte depois do testador, porque aos seus herdeiros iria o direito de manifestar-se: antes do testador, porque poderia dar-se a representação, b) A recusa pelos herdeiros testamentários, herdeiros feitos pela vontade do testador, e não pela lei, obedece aos arts. 1.710-1.716, ainda no que concerne ao art. 1-713, são ius disponitium e não ius cogens, como os arts. 1.588 e 1.589.

A renúncia da herança apaga a ligação do renunciante para com a herança. Êle, para os efeitos sucessórios, não foi. Herdeiro legítimo ou testamentario não teve saisina; tiveram-na os que se beneficiam com sua renúncia. Os outros herdeiros, ou os herdeiros do grau subseqüente na sucessão legítima, foram os donos e possuidores da herança desde o instante da morte do hereditando. A renúncia exige capacidade e certas formas. Só há renúncia expressa, para que se não presuma o abandono de um direito e não se criem, em tôrno de ato abdicativo, incertezas quanto a atos de que resultaria, ou não, a recusa tácita. A doutrina é no sentido de que, quaisquer que sejam as circunstâncias, as presunções hominis, as recusas não se presumem. Mas cumpre que se examinem dois casos, a) Se o sucessível aceita qualidade incompatível com a de herdeiro, ¿pode-se afirmar que não houve tácita recusa? ¿Não seria exemplo de renúncia tácita? O sucessível aceitou legado que se lhe fêz sob a condição de não intervir na sucessão a título de herdeiro: aí, a aceitação é exclusiva da qualidade de herdeiro. Alega-se que o testador, com isso legou e excluiu o herdeiro legítimo, o que podia fazer: não houve renúncia. Mas verdade é que o testador não fêz tal exclusão: instituiu, pois que admitiu fôsse herdeiro ou legatário. A exclusão tácita pode não existir no testamento. Se existir, tollitur quaestio. b) Se o sucessível deixa que expire o prazo sem deliberar, ¿recusou, tácitamente, a herança? A doutrina pende, quase tôda, para a afirmativa; mas incorre na grave confusão de renúncia com expiração de prazo. A identidade dos efeitos não faz idênticas as causas. Que a expiração do prazo tenha os mesmos efeitos que a recusa, não se discute: o art. 1.589 e o 1.594, 1.a parte, importam o mesmo quanto ao acrescímento e quanto ao recolher da sucessão; os herdeiros, a que se refere o art. 1.594, são os que se habilitarem segundo o art. 1.589, de certo modo implícito no art. 1.594. A renúncia tácita constituiria noção artificial, estranha; porque igual razão haveria para se presumir a aceitação, e porque o art. 1.581 foi claro em dizer que a renúncia deve constar, expressamente, de escritura pública, ou de têrmo judicial. A verdade está no seguinte: o direito de manifestar-se, por definição, é direito de aceitar ou de não aceitar; aceitação e renúncia são atos que se excluem, que bifurcam o querer e depois o unificam num só. Na expiração do prazo não há isso: nenhuma cisão do querer, e sim só a ausência do querer; nenhum ato volitivo, mas sim só a inexistência de atos volitivos. Não há duas faculdades distintas, não há o direito de escolher; há, em causa, o próprio direito de suceder. Por isso, com a expiração do prazo, não se afasta a aceitação, nem a renúncia; afastam-se, inescindàvelmente, uma e outra, porque cessa, com

o direito de sucessão, o direito de manifestar-se. Não renunciou; o que se dá é que, sem aceitar, nem renunciar, já não é herdeiro. Se não é herdeiro ¿como estar-se a discutir se houve, ou não, renúncia tácita? A renúncia não pode ser em testamento. Inserta em testamento, os herdeiros do testador renunciante podem usar do direito de deliberação. Não há renúncia de herança em testamento (F. HERZFELDER, J. Y. Staudingers Kommentar, V. 96). Os efeitos do testamento são co-instantâneos com a morte do testador, mas co-instantâneos também são as transmissões dos seus bens aos seus herdeiros. A êsse vai o direito de manifestação de vontade; a herança pode ser recusada no momento anterior a morte; portanto, não em testamento, ato cujos efeitos datam da morte. 6. CREDORES E RENÚNCIA DA HERANÇA. - ¿Podem os credores renunciar, em nome do herdeiro, a herança? A lei protege os credores contra as recusas prejudiciais (art. 1.586) Nada diz quanto às aceitações que sejam desfalcadoras do patrimônio do devedor. Parte da doutrina francesa, invocando o art. 1.166 do Código Civil francês, entende que os credores podem escolher entre aceitação ou renúncia (AUBRY et RAU, MARCEL PLANIOL, GEORGES RIPERT, contra: F. LAURENT, THÉOPHILE Hue). MARCEL PLANIOL sustentou que o Código Civil francês, art. 1.166, só autoriza o exercício de ações do devedor, interpretação restritiva, que se compreende, pôsto que resolva; THÉOPHILE Hue (Commentaire théorique et pratique du Code Civil, I, 75) suscitou distinção sutil entre "opção" e "aceitação", mas verdade é que os opositores frisaram bem o valor da própria escolha, desde a morte, isto é, existente, desde ela, no patrimônio do devedor. Outra questão no direito francês é o direito dos credores no caso de revogação da renúncia. Na França, os credores podem usar de tal direito em virtude do Código Civil francês, art. 1.166, mas lá a renúncia é revogável, à diferença do que ocorre no direito brasileiro. No Brasil, já os credores estão protegidos. No direito brasileiro, os credores não precisam proteger-se contra a aceitação ou a revogação da renúncia, porque o herdeiro só responde pelas forças da herança. Podem ser atacados pelos credores os atos do devedor que constituam diminuição do seu patrimônio, como os pagamentos de dívida do espólio. O direito de pedir a decretação de nulidade ou de anulação de ato jurídico constitui elemento patrimonial, que os credores podem penhorar. E penhorável o que resulta da nulidade absoluta (cp. PAULE MALLET, La Renonciation à succession, 194), ou relativa (art. 1.590, 1.a parte), por serem de fins pecuniários.

O direito moderno tem o princípio da liberdade do sucessível quanto à herança que lhe vai. A recusabilidade da herança, a renúncia, que antes seria repúdio, constitui princípio do moderno direito hereditário. Bem diferente a situação do herdeiro romano, do seu, quanto aos bens do falecido: adquiria-os ipso iure. Não porque fôsse, em todas as épocas, condómino, como, sem razão, querem muitos, e sim porque isso resultará de ter de suceder no culto e na missão político-jurídica de paterfamilias. Daí a explicação do imperador Gordiano a Fiorentino: não obstante o filho (suus) do seu irmão haver morrido antes de se abrirem as tábuas testamentárias, foi herdeiro do pai. Ocupação automática do lugar de herdeiro. Etiam ignorantes, e até sem a auctoritas tutoris, se duplo. Não se dava a oferta da herança, como aos estranhos. Eram sincrónicos, a morte e a aquisição pelo suus. Mas, ao lado dos herdeiros seus, havia os sucessores propriamente ditos, os que precisavam adir à herança, pois que não participavam do culto. Para eles introduziu-se o repúdio. Quando o direito romano conheceu a propriedade individual, em vez da familiar, os pais costumavam inserir nos testamentos a cláusula que subordinava a aquisição da herança à vontade do instituído: podia deserdar; portanto, podia inserir a cláusula. Depois, para CARLO FADDA (Concetti fondamentali del iDirito ereditario romano, 24), com os dados da vida, criou o pretor o benefício da abstenção; mas GIORGIO LA PIRA (La Successione ereditaria intestata e contro il testamento in dirito romano, 49) entendia que a instituição condicional pressupõe pleno desenvolvimento da abstentio. A opinião que temos, difere de uma e de outra: nada justifica a sucessividade que introduziu CARLO FADDA, nem a que sustentou GIORGIO LA PIRA. Com os elementos dos textos, são arbitrárias uma e outra: em verdade, são institutos distintos, com efeitos diferentes. A abstentio, de direito pretoriano, não eliminava ao suus a qualidade de herdeiro, civilmente adquirida, ao passo que, com a instituição condicional, pára a eficácia do testamento. A favor do que dizemos milita não ter uma abolido a outra. Com a abstentio procurou-se obviar aos inconvenientes da aquisição ipso iure pelo suus; mas a eliminação dos efeitos, restrita aos efeitos patrimoniais, não ia até o ponto de lhe tirar a qualidade de herdeiro (L. 30, 10, D., de fideicomissariis libertatibus, 40,5). Se o suus se abstinha, o que tinha não era seu herdeiro; donde serem eficazes: a substituição pupilar inserta no testamento, os fideicomissos universais, as manumissões diretas e fideicomissárias, e permanecer o ius sepulcri. A chamada renúncia dos nossos dias, que está no Código Civil, arts. 1.581-1.590, fundiu abstentio dos seus e o repudium dos herdeiros não-

-seus, atribuindo a essa forma nova (simetrização) os efeitos totais do repúdio. Mas há superveniencias interessantes: como a abstentio romana, a renúncia do Código Civil (renúncia a suceder e não ao já aceito), pode ser retratada no direito francês. No direito brasileiro, é irrevogável, mas pode ser anulada, como todos atos jurídicos, por violência, êrro ou dolo, e até pela fraude contra os- credores, além do que ocorre no caso do art. 1.586. A abstenção e a renúncia regem-se por princípios comuns, mas os efeitos são assaz diferentes. No direito brasileiro, o sucessível pode tomar dois caminhos: aceitar pura e simplesmente; recusar pura e simplesmente. Não há o terceiro caminho de alguns sistemas jurídicos, como o francês (aceitar sob benefício de inventário, porque, no direito vigente, o herdeiro só responde dentro das forças da herança, art. 1.587) Quando a sucessão se abre e nenhum dos herdeiros chamados a recolhê-la se apresenta, para fazer valer o seu direito e manifestar a vontade, diz-se vacante a herança, e tomam-se certas medidas, que adiante serão estudadas, para salvaguarda do interêsse dos sucessíveis e dos credores da herança, inclusive, nuns e noutros, a Fazenda, sucessível na falta de parentes e de cônjuge, e credora de impostos, taxas e multas. O direito cabe a qualquer sucessível. Ninguém é obrigado a aceitar herança, nem pode ser constrangido a renúncia. Exercem-no, na sucessão legítima, os chamados imediatos e os sucessivos, inclusive êsses, como veremos, antes da sua vocação, que é eventual e subordinada à recusa dos herdeiros da classe ou das classes mais próximas. Espera-se a manifestação de vontade dentro do prazo. O retardamento dela pode pôr em risco os interêsses dos sucessivos e dos credores, mas êles (máximos interessados, dentre todos os que são autorizados pela lei) têm a legitimação à medida do art. 1.584. Não obstante a eventualidade e subordinação do seu direito de recolher, é-lhes dado aceitar desde logo. Com êsse ato, fortifica-se a sua situação e podem exercer, com mais desenvoltura, em requerimentos aos juízes, ou por outros quaisquer meios judiciais ou extrajudiciais, as medidas legais. 7. PRAZO PARA DELIBERAÇÃO. — O prazo marcável pelo juiz, ou o prazo fixo do direito alemão e do suíço, constitui vantagem para os possíveis herdeiros próximos e para os credores. É de interêsse do credor do espólio saber quem aceita a herança, como do credor do herdeiro vigiar o ato abdicativo dêsse, a fim de usar do que lhe permite a lei. O Código Civil, no art. 1.584, diz que o prazo razoável, fixado pelo juiz, a reque-

rimento do interessado, não será maior de trinta dias. Mas isso não pode aplicar-se às instituições de pessoas jurídicas que precisem de autorização do Governo, porque, então, o prazo terá de contar-se depois dessa. ¿E o caso do nasciturus? ¿Marca-se o prazo ao representante legal ou ao curador do ventre? ¿Se nasce depois dos trinta dias? ¿Tal exigência formal lhe pôs a salvo os direitos, como diz o art. 4 do Código Civil? A solução deve ser a que teve o sistema jurídico alemão, mutatis mutandis. Desde a intimação corre o prazo, se já nasceu-, se, feita a intimação, o herdeiro ainda não nasceu, o prazo somente corre a partir do nascimento. ¿Quid inris, se, feita a intimação antes do nascimento, morre ou é destituído o representante? Certo, não se trata de prescrição, de modo que se pudesse aplicar o art. 169,1. É preclusivo o prazo. Tratando-se de menor sob tutela, isto é, nascituro não sob a curatela do pai ou da mãe, é imprescindível a autorização do juiz (art. 427, III), de modo que a fixação de prazo do art. 1.584 não pode ser atribuída ao juiz de órfãos: somente corre a partir da autorização. Se o representante não a requereu, o mais prudente proceder é o de um juiz oficiar ao outro, e certo bastará tal negligência para a destituição. Se o curador do nascituro é o pai ou a mãe, precisa, igualmente, de autorização (art. 386): a renúncia pode equivaler à alienação gratuita. Se o nascituro ou qualqueríoutro incapaz está sem representante legal, ou ficou sem êle, o prazo somente pode correr contra êle quando a incapacidade cessar, ou quando lhe fôr dado representante legal. Vale isso ainda quando a falta se dá durante o correr do prazo. Se nasce morto, não houve aquisição. Se eram dois, ou mais, e algum ou alguns nascem mortos, só se operou quanto ao outro ou aos outros. O prazo corre para cada pessoa. Se não nasce vivo o herdeiro, quem deve recolher a sucessão, ainda que representante do nascituro, precisa receber nova intimação com prazo fixado. Se o representante aceitou pelo nascituro e êsse nasce morto, pode aceitar por si, se é o herdeiro chamado. Aliás, se renunciou a parte que lhe cabia para beneficiar o nascituro, e êsse nasce morto, não pode retratar a renúncia, porque não houve dolo, nem violência, nem êrro; teria sido renúncia condicionada, e o Código Civil, no artigo 1.583, a proíbe. Mas, se aceitou, e nasce vivo o nascituro, pode revogar a aceitação: porquanto, se o art. 1.583 não permite a aceitação condicionada, o art. 1.590 admite que se revogue. O intimado pode alegar força maior (JULIUS BINDER, Rechtsstellung des Erben, 79 s.; EMIL STROHAL, § 61; contra HEEGER, Über die Anfechtung der Versãumung der Auschlagsfrist wegen Irrtum, 8 s.), assunto sem importância prática no Brasil, devido ao art. 1.590. ¿A falência do herdeiro não atinge de modo nenhum o

prazo do art. 1.584? Segundo o § 9 da Lei alemã de falência, é sem qualquer significação o concurso de credores. No Brasil, o art. 1.586 permite aceitação pelos credores do renunciante', mas isso, quer haja, ou não, falência, ou outro concurso de credores. 8. RENÚNCIA DA HERANÇA E CREDORES DO SUCESSÍVEL. - A renúncia priva o sucessível de todo o ativo hereditário. Por isso, pode prejudicar os credores. Rigorosamente, nem sempre há fraude contra eles; mas a técnica legislativa teve o fito de protegê-los, ainda quando não haja fraude. Daí a diferença entre o Código Civil, art. 1.586, e a ação Pauliana. Mera proteção do credor. Discute-se qual é o fundamento na França, de cujo sistema jurídico veio o art. 1.586, do Código Civil brasileiro. Entende-se que é aceitação pelo devedor, como seguimento a (implícita?) ação Pauliana (C. DEMOLOMBE, XV, Cours de Code Napoléon, n. 77), ou que deriva do art. 1.166, relativo ao direito dos credores de aceitar du chef de lew débiteur. Ora, em verdade, a criação francesa foi independente da noção de fraude; portanto, da ação Pauliana, e parece-nos errada a concatenação feita pelos escritores, aliás todos os que versaram o assunto (AÜBRY et RAU, Cours de Code Civil, DC, § 613, texto e nota 34; F. LAURENT, Principes de Droit Civil français, IX, n. 473; G . BAUDRY-LACANTINERIE et ALBERT WAHL, Traité théorique et pratique de Droit Civil, II, n. 1.707; PAULE MALLET, La Renonciation à la Succession, 170). 9. LEGITIMAÇÃO ATIVA. - Os credores, a que se refere o Código Civil, art. 1.586, são os do sucessível renunciante, e não os da herança. Em todo o caso, pergunta-se: ¿quid iuris, se a recusa é feita no intuito de lesar os legatarios? ¿Têm esses o mesmo direito? Afirmativamente, AUBRY et RAU, Cours de Droit Civil, I X , § 6 1 3 , nota 3 3 ; G . BAUDRY-LACANTINERRE et ALBERT WAHL, Traité théorique et pratique de Droit Civil, II, n. 1 . 7 1 5 e 1-716) Não temos dúvida em aceitar a solução (não a extensão); mas com outra explicação do propósito nocente, a) se prejudica o legado, e êsse tinha de ser cumprido pelo renunciante, e só por êle, o legado cai com a renúncia do herdeiro, e só o ânimo de ofender poderia intervir; b) se separável da personalidade do renunciante, cumpri-lo-ão aquêles a quem acrescer, ou a quem passarem os bens. O legatário, no caso a), tem a ação fundada na fraude ou na simulação, e não a do artigo 1.686, como teria o cônjuge contra o outro cônjuge que renunciasse a herança para fraudar o contrato antenupcial e desviar os bens que deveriam comunicar-se. Pode fundá-la no abuso do direito (Código Civil, art. 160,1). De qualquer modo,

é preciso provar-se que a fraude ou simulação existiu, ou que se usou, irregularmente, da faculdade legal de renunciar. 10. NOÇÃO SUPÉRFLUA DA FRAUDE. - Não é preciso provar-se a fraude, no que difere da ação Pauliana a ação oriunda do art. 1.586 do Código Civil. Aqui, o Código Civil, com o seu silêncio, dá ganho de causa à jurisprudência francesa contra a maioria dos autores, sem razão, êsses, em não assimilarem o art. 788 do Código Civil francês à ação Pauliana. Entre uma e outra solução está a decisão de Grenoble, a 29 de abril de 1852: se a lei não previu, é que "a evidência do prejuízo causado exclui tôda boa fé e põe em relevo a intenção manifesta de fraudar os credores" Seria presunção de má fé, posta na lei. Mas é intrusa tal explicação. Não se cogitou, e não se cogita, de prova da fraude: mostra-se, tão-só, que há prejuízo na renúncia. Se assim não fôsse, a lei teria mandado aplicar os arts. 106-113. A palavra "fraude" estava no projeto do Código Civil francês; substituíram-na por prejuízo. Propositadamente. Portanto, a prova da fraude não é necessária (assim, AUBRY et R A U , Cours de Droit Civil, I V , § 313; A. DEMANTE, Programme du Cours de Droit Civil jrançais, I I , n. 471 bis, I, I I ; A. D E M A N T E et COLMET DE SANTERRE, Cours analytique de Droit Civil, IH, n. 82 bis, IX, X). Mas argúem outros que ainda não se discutira o art. 1.167, para se saber se seria exigida, ou não, a fraude, para a ação Pauliana (C. DEMOLOMBE, Cours de Code Napolêon. 25, ns. 192-195; F. LAURENT, Principes de Droit Civil français, 16, n. 445; THÉOPHILE Hue, Commentaire théorique et pratique du Código Civil, VII, n. 221) Os dois únicos argumentos, que nos poderiam parecer sérios, seriam: o tratar-se desigualmente, sem razão, a doação, ato de alienação, mais suspeito, e a renúncia da herança, abdicativa. Se a herança, pelo fato dos herdeiros, se toma vantajosa, os credores podem aceitar pelo renunciante que se fundara no valor verdadeiro dela. Pergunta-se: ¿cumpre distinguir-se, do caso do acrescimento, o do herdeiro ou herdeiros da classe subseqüente? No primeiro, a renúncia prevaleceria; no segundo, dando-se a chamada, tem-se dito, valorizaram o que é seu e o que seria seu, se aceita pelos chamados à herança, não podem mais os credores usar da medida do art. 1.586, se bem que possam usar da ação Pauliana, provando-se a má fé do renunciante e dos favorecidos. Ora, não cabe distinção. No Brasil, HERMENEGILDO DE BARROS (Manual do Código Civil brasileiro, 18, 207 s.), continuou a ver no art. 1.586 mero caso da ação Pauliana e o seu comentário obedeceu a esse pensamento inicial; mas dispensou a prova da fraude, ponto incontroverso no Brasil. Além da medida do art. 1.586, os credores têm: a) a Pau-

liana, para os efeitos do art. 106-113; b) a ação por simulação da renuncia, ainda que se trate de credores posteriores a essa. 11. AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. - A lei fala em "autorização do juiz", como o Código Civil francês, art. 788. Discutiu-se se a autorização é necessária para se apreciar o valor da sucessão, e nela se verificar se há, ou não, prejuízo aos credores (CHABOT DEL'ALLIER, Questions transitoires sur le Code Napoléon, II, art. 788, n. 2); ou se constituiu mera formalidade ligada a aceitação (F. LAURENT, I X , n. 473, 476) A verdade é que o juiz verifica se cabe, na espécie, a medida do art. 1.586; não há autorizações que não constituam exame: se há prejuízo, concede-a; o que êle não pode fazer é entrar na apreciação do ser beneficiaria, ou não, para o credor, revogar a renúncia. 12. NULIDADE E ANULAÇÃO DA RENÚNCIA. - Pode acontecer que a renúncia seja nula ou anulável. Os credores podem alegá-lo. Poderiam ir contra a renúncia válida; a fortiori, contra a renúncia nula ou anulável. Quem pode o mais, pode o menos. Aliás, praticamente, nunca pedem a anulação, porque mais fácil é a medida do art. 1.586 que a decisão sôbre anulabilidade. 13. TRANSMISSÃO DO DIREITO À MANIFESTAÇÃO DE VONTADE. - D e -

pois de aberta a sucessão, e antes de se pronunciar herdeiro, é transmissível a causa de morte o direito de deliberar (Código Civil, art. 1 . 5 8 5 ) . Há quem assimile tal situação à de quem tem o direito de representação, por se tratar, em ambos os casos, de morte do sucessível. No caso de ius representationis, antes da morte do decujo dá-se a morte do que seria chamado à sucessão; depois da morte do decujo, também haveria. Mas, em verdade, o paralelo é ocasional. Os dois institutos nenhum parentesco têm, quer dogmático, quer histórico. O art. 585 é conseqüência lógica do art. 1-572, isto é, da saisina germânica, que o direito francês recebeu. Aliás, a experiência já ia abrindo brechas à regra romana hereditas nondum adita non transmittitur ad heredes (L. única, § 5, C, de caducis tollendi, 6, 51), por exemplo, a transmissio iustineanea (L. 19, C, de iure deliberandi et de adeunda vet adquirenda heriditate, 6, 30), para o caso em que o sucessível morresse dentro do ano em que lhe veio notícia da delação ou dentro dos termos eventualmente prefixados para deliberar. Mas, no direito brasileiro, como no francês, a hereditariedade da deliberação deriva do princípio da aquisição eo ipso.

Algumas conseqüências dos arts. 1.572 e 1.585: a) Se C renuncia a herança de B, que estava na posição jurídica do art. 1.585, em relação à herança de A, isto é, se se achava no spatium deliberandi, prefixado ou ordinário, necessariamente renunciou o que lhe viria da herança de A. A herança de A estava no patrimônio de B. Mas os herdeiros B, em virtude do auto-afastamento de C, podem aceitar a herança de A; porque, não tendo prefalecido C, êle não pode ser representado na herança de A. Não houve renúncia da herança de A: o direito continua na herança de B, renunciada por C, mas, necessariamente, transmitida aos outros herdeiros de B (talvez, ao Estado). b) Se o herdeiro do sucessível falecido aceita a herança dêsse, nela entra o direito de aceitar ou renunciar a herança do decujo: pode aceitá-la, ou renunciá-la. Assim, se C aceita a herança de B, pode renunciar a de A. O que C herdou de B foi a faculdade de deliberar: aceitou a herança de B e, agora, resolve renunciar ou aceitar a de A. Até aqui, tudo é fácil, porque decorre, livremente, dos princípios. Admitamos que o herdeiro de B não seja somente C, mas haja C, C \ C", e não estejam de acordo em renunciar. Seria aceitação parcial ou renúncia parcial da herança de A, parcial subjetivamente. Os Códigos Civis procuram a solução técnica: A) No Código Civil francês, art. 782 (cf. Código Albertino, art. 995), aceitação forçada, a benefício de inventário. B) Solução da aceitação total pelos que querem aceitar (cf. Código Civil argentino, art. 3.316). C) Solução de renúncia da parte correspondente à quota hereditária (Código Civil alemão, § 1.952). D) Solução ibérica: "Se os herdeiros se não acordarem sôbre a aceitação ou sôbre a renúncia, podem uns aceitá-la e repudiá-la outros; mas, se uns quiserem aceitá-la simplesmente, e outros a benefício de inventário, haver-se-á por aceitada beneficiadamente (Código Civil português revogado, art. 2.031, Código Civil português de 1966, art. 2.058: "1. Se o sucessível chamado à herança falecer sem a haver aceitado ou repudiado, transmite-se nos seus herdeiros o direito de aceitar ou repudiar. 2. A transmissão só se verifica se os herdeiros aceitarem a herança do falecido, o que não os impede de repudiar, querendo, a herança a que este fora chamado". Cf. Código Civil espanhol, art. 1.007. A aceitação beneficiária obriga à conferência das liberalidades (C. Cours de Code Napoléon, X I V . 3 4 8 , F. Laurent, Cours élé-

DEMOLOMBE,

mentaire de Droit Civil, I X , 375; THÉOPHILE Hue, Commentaire théorique et pratique du Code Civil, 171; e outros. Se o desacordo só se produziu por isso, é possível que os outros se houvessem combinado para obrigar a conferir os bens. No antigo direito francês a solução era mais feliz: ao juiz decidir quid melius, e disso C. DELVINCOURT (Cours de Code Civil, II, 28, nota 7) e A. Demante tiraram que em certos casos os juízes do Código Civil poderiam impor a renúncia; mas o artigo é claro, tão claro quanto dogmaticamente cego. As soluções B) e C) são entre si contraditórias: aceitação total, renúncia parcial, e as conseqüências são as seguintes: tôda a herança do decujo vai aos que aceitaram, conforme a solução B); a herança do decujo (solução alemã) vai somente aos que aceitaram, de modo que a parte que corresponderia aos outros passa, não aos que aceitaram, mas aos que concorrem com o sucessível morto. Em todo o caso, é de notar-se que a interpretação do Código Civil alemão, § 1.952, não foi pacífica. ¿A quem havia de ir a parte do herdeiro renunciante na sucessão do primeiro decujo? Eis as soluções: a) aos herdeiros do primeiro decujo, que o seriam, se, ao tempo de morte, já tivesse falecido o sucessível, cujo ius deliberandi se herda (MAX HACHENBURG, Das BGB., 656; E. GOLDMANN e L . LILIENTHAL, Das Bürgerliche Gesetzbuch, 319; GEORG FROMMHOLD, Das Erbrecht, nota 1 b) ao § 1.952; H . MAYER-R. REÍS, Lehrbuch des Familien, und Erbrechts, I I , § 7 0 , nota 2 7 ; PAUL KÕLNE U. RICHARD FEIST, Die Nachlassbehandlung, § 146, B, IV, f, 2) Ficção, essa, de sérias e graves dificuldades, b) A quota dos renunciantes iria aos seus co-herdeiros (PAUL OERTMANN, Civilistische Rundschau, Archivfiir Biirgerliches Recht, 14, 366; 15, 443). c) Os herdeiros de B, sucessível morto, quando renunciam a parte da herança de A, não atendem à situação dos seus co-herdeiros: os herdeiros de A recebem o que foi atingido pela renúncia, de modo que houve derrogação do princípio de virtude da deliberação (F. RITGEN, em G. PLANCK, Kommentar, V. 4 8 ; L . ENNECCERUS U. H . LEHMANN, Lehrbuch, I I , 6 7 7 ; EMH, STROHAL, Das deutsche Erbrecht, § 6 1 , d, nota 5 ; H . DERNBURG, Das bürgerliche Recht, V, § 5 0 ; ANDREAS VON TUHR, Der Allgemeine Teil, I, nota 3 ; WILHELM ERNST KNITSCHKY, Erbschaft und Erbtheil, Archiv für die civilistische Praxis, 9 1 , 2 9 2 ; F. KRETZSCHMAR, Das Erbrecht, § 56, a. 2 7 ; CARL CROME, System, V, § 6 6 7 , nota 6 3 ; F. HERZFELDER J. v. Staudingers Kommentar, V, 113) Por isso mesmo, um co-herdeiro de B não fica sujeito às exigências de prazo, que caberia aos outros ou a algum dêles.

Se recorremos aos Motive (V, 493), veremos que os legisladores alemães não vacilaram em dar solução prática, ainda com o prejuízo de ferirem os princípios da comunhão ipso iure e da indivisibilidade da aceitação. Atenderam à circulação dos bens e ao que lhes pareceu vantagem econômica. Mas é preciso notar-se que só foram derrogados para se permitir a renúncia parcial: os que aceitaram, estão, entre si, sujeitos ao princípio. Qual a solução do direito brasileiro? É uma das lacunas do Código Civil. CLÓVIS BEVILÁQUA (Código Civil comentado, VI, 31) censurou e afastou a solução francesa, mas disse que "cada um se pronunciará segundo entender". Que solução seria essa? Não se sabe se aceitou a italiana que encontrara, ou a alemã. HERMENEGILDO DE BARROS (Manual do Código Civil brasileiro, 18, 204) foi claro: podem aceitá-la e outros renunciá-la, contanto que aceitação ("e a renúncia", acrescentou, mas foi lapso) não seja parcial. Noutros termos: se um aceita, a herança está tôda aceita. Não se tem, no Código Civil, nenhuma limitação ao art. 1.583, de modo que se mantém íntegro o princípio da impraticabilidade da aceitação. Tem-se o art. 1.585. A solução que vemos sacrificar a estrutura do direito hereditário, segundo a concepção (germânica) do art. 1.572, seria a solução que era a italiana. Tal regra jurídica constitui, por um lado, a medida técnica mais pura e mais acorde com os princípios, e, por outro, a mais afeiçoável ao sistema jurídico brasileiro. Outra, pura mas oposta, e derrogatória de um princípio, é a alemã; porém não está no sistema brasileiro, em nenhum dos artigos do Código Civil que se possam invocar. 1 4 . CLÁUSULA TESTAMENTÁRIA A RESPEITO DA FALTA DE MANIFESTAÇÃO DE VONTADE PELO SUCESSÍVEL QUE MORRE ANTES DE DELIBERAR. -

¿Pode o testador derrogar o Código Civil, artigo 1.585? Quer dizer: ¿pode êle dispor a intransmissibilidade do ius deliberandi? Trata-se, já se vê, de herdeiro instituído, que morre antes de deliberar. No Código Civil austríaco, § 809, há a solução permissiva. E tal regra jurídica deve ser a de todos os direitos contemporâneos. O testador, A, pode, nomeando B, dispor que, morto B antes de aceitar, nenhum dos herdeiros de B ou só alguns recebam o ius deliberandi. É caso de substituição vulgar, porque tal proibição de passagem eqüivale a substituição do herdeiro nomeado. O art. 1.585 tem a mais a parte final (condição suspensiva). ¿Pode o disponente revogá-la? Sim, porque pode substituir, e substituir é impor

passagem. Mais: pode escolher, dos herdeiros do herdeiro morto, quem receba, a despeito da condição. 15. LEGITIMAÇÃO PASSIVA. - O pedido do Código Civil, art. 1 . 5 8 6 , faz-se contra o renunciante, os herdeiros ou os sucessíveis da classe subseqüente. Êsses são partes, a título de intervenientes. (Se houve aceitação e, depois, cessão, sob a forma de renúncia, a ação somente pode ser a ação Pauliana: se gratuita, ou onerosa, a estranho, ou a herdeiros, ou sucessíveis de classe subseqüente. Está-se em planos de matéria contratual.) A cessão gratuita, pura e simples, da herança aos demais herdeiros, ou aos da classe subseqüente, constitui renúncia, e cabe a medida do art. 1 . 5 8 6 .

¿Até quando o credor do art. 1.586 pode aceitar pelo devedor herdeiro renunciante? Enquanto não se afasta a aceitação, cabe a intervenção do credor do renunciante. Ora, no direito brasileiro, não há prazo para isso; portanto, até passar em julgado a sentença que julgou o cálculo da adjudicação ou a partilha. O credor não é terceiro que possa impugnar tal adjudicação ou partilha passada em julgado para os herdeiros: a sua intervenção só pode ser em nome do renunciante, contra o qual já se operaram todos os efeitos da renúncia. Os herdeiros ou os herdeiros da classe subseqüente, com o pagamento dos credores do renunciante, podem afastá-los. 16. CREDORES E DESTINO DOS BENS. - Revogada a renúncia, pela aceitação dos credores, os bens que restarem do pagamento vão aos herdeiros ou aos sucessíveis da classe subseqüente. O Código Civil, art. 1.586, 2.a alínea, diz "herdeiros", e havemos de entender conforme as regras dos arts. 1.588 e 1.589. O credor não é herdeiro, nem se equipara a herdeiro: não fica com os direitos de ser nomeado inventariante, ou testamenteiro, como teria o renunciante: até a concorrência da soma dos seus créditos tem os direitos que sôbre os bens teria o sucessível, se aceitado houvesse. Se o herdeiro renunciante devia conferir, a aceitação pelos credores obriga-os a fazê-lo, como se o sucessível tivesse aceito; quer dizer, imputando-se à metade legítima necessária. Discutiu-se na França. A imputação será feita como se tivesse havido aceitação; e não, como entendeu a justiça francesa (Chambre des Requêtes, 2 de maio de 1899), que se apoiou no efeito relativo da revogação da renúncia, para decidir que a imputação continuaria a fazer-se sôbre a quota disponível. Solução duvidosa e pouco prática, porque obrigaria a duas liquidações, uma, da

renúncia (que teria existido em parte!), e outra, da aceitação pelos herdeiros. O direito do renunciante é o que seria. A atitude do credor insere-o na relação jurídica, tal qual seria e se admite que seja, para a eficácia da inserção dos credores. 17. ACEITAÇÃO E CREDORES. - Os credores não podem usar da medida do Código Civil, art. 1 . 5 8 6 , contra a aceitação. Só a renúncia pode prejudicá-los. HERMENEGILDO DE BARROS (Manual do Código Civil brasileiro, 18, 2 2 8 - 2 3 0 ) procurou, longamente, provar o contrário, invocando CLÓVIS BEVILÁQUA, em livro anterior ao Código Civil. Sem razão. Se o devedor aceita a sucessão e assume as dívidas da herança, não prejudicou os credores com a aceitação, e sim com o fato de assumir as dívidas, obrigação nova que nasce no dia em que a contraiu e pode não ser o dia da aceitação. Claro que contra essa obrigação podem os credores invocar os arts. 1 0 6 - 1 1 3 do Código Civil; não contra a aceitação, que, por força do art. 1 . 5 8 7 , não pode lesar os credores. No Código Cível argentino, art. 3 . 3 4 0 , compreende-se que se dê a revogação da aceitação pelos credores, porque lá existe responsabilidade ilimitada (arts. 3 . 3 4 2 , 3 . 3 4 3 e 3 . 3 7 1 ) . No Brasil, não. f

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.651. B - Doutrina 1. Ver comentários de Pontes de Miranda e respectiva atualização dos §§ 5.591, 5.592, 5.593,5.595, 5.596, no Tomo LV, Tit I, Cap. 3, desta obra, todos sobre aceitação e renúncia em geral. 2. Sobre renúncia na sucessão testamentária, algumas anotações importantes devem ser apontadas: a) pode ter acontecido que o testador já tivesse previsto um substituto ao herdeiro testamentário, em caso de renúncia deste; se este for o caso, a quota que seria destinada ao renunciante será integralmente destinada ao substituto testamentariamente designado. I b) se o herdeiro testamentário que agora renuncia fosse o único designado pelo testador, a sucessão será devolvida aos herdeiros legítimos, segundo a ordem de vocação estabelecida no art. 1.829 do CC/2002; tudo acontecerá como se testamento nenhum houvesse sido feito, c) mas, se houver mais de um herdeiro testamentário, conjuntamente, e um deles renunciar, produzir-se-á o direito de acrescer, conforme a regra dos arts. 1.941 e 1.942 do CC/2002. d) por outro lado, se houver mais de um herdeiro testamentário, mas se não a deixa for em conjunto, outro destino terá a parte do herdeiro testamentário isolado, isto é, i

devolver-se-á este quinhão objeto da renúncia aos herdeiros legítimos, conforme a ordem de vocação estabelecida no art. 1.829, já citado. 3. Ver comentários de Pontes de Miranda e atualização nos §§ 5.799 até 5.806, no Tomo LVIl, Tít. Ill, Cap. 12, desta obra, todos sobre direito de acrescer motivado também pela renúncia do herdeiro instituído. 4) A recusa levada a cabo por herdeiro testamentário - herdeiros feitos pela vontade do testador, e não pela lei, como diz Pontes de Miranda - tem o condão de apagar qualquer elo existente entre o renunciante e a herança, de forma que não se deu a saisine (ou saisina, como preferia Pontes de Miranda), não houve a transmissão, como se, para os efeitos sucessórios, o renunciante nunca tivesse existido. 5) Sobra razão ao autor desta obra quando, no § 5.651, item 5, afirma a diferença entre "renúncia" e "expiração do prazo sem deliberar se aceita, ou não, a deixa testamentária", ainda que idênticos sejam os efeitos de uma e de outra. Não existe renúncia tácita, senão apenas expressa, conforme o art. 1.806 da Lei vigente, que corresponde, parcialmente, ao art. 1.581 do CC/1916. 6) Aberta a sucessão, se nenhum sucessível houver, declara-se a vacância da herança que será destinada ao Estado, conforme arts. 1.819 a 1.823 do CC/2002. Ver comentários de Pontes de Miranda e atualização dos §§ 5.597 até 5.599, no Tomo LV, Tit. I, Cap. 4, desta obra, a respeito de herança jacente e vacante. 7) Na sua obra, Pontes de Miranda faz indagações acerca do direito sucessório do nascituro. Nos dias atuais, o assunto ganhou outra proporção, de sorte a que, hoje, têm legitimidade para herdar tanto as pessoas já nascidas, como as que já estão concebidas no momento do falecimento do autor da herança. É certo que, neste Código atual, ainda se diz que a personalidade começa com o nascimento com vida, embora a lei coloque a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Nota-se, na atual Legislação Civil que o legislador preferiu um meio termo entre as concepções doutrinárias sobre o tema, quer dizer, entre aqueles que adotam a posição natalista e aqueles outros, da posição concepcionista, que asseguram a personalidade desde o momento da fertilização. Por outra parte, ainda, a atual Legislação Civil também consagra direitos hereditários para a prole eventual, quer dizer, filhos ainda nem mesmo concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que estas ainda estejam vivas por ocasião de seu falecimento. Nesses casos, se o herdeiro testamentariamente contemplado não for concebido até dois anos passados da abertura da sucessão, aqueles bens que lhe haviam sido reservados retornarão ao acervo destinado aos herdeiros legítimos, a menos que o contrário tenha sido estipulado no testamento. 8) Como se vé, então, o novo Código Civil assegura direitos sucessórios à pessoa já nascida, ao nascituro (art. 1.798 do CC/2002) e também ao ainda não concebido (art. 1.799, I, do CC/2002), mas não faz qualquer referência ao embrião congelado, na expectativa de implantação posterior, no ventre materno. 9) Questiona-se, portanto, na ausência de lei, se o embrião - termo que, embora não seja jurídico, corresponde a um dos estágios de desenvolvimento do ovo, que passa por zigoto, mórula, blástula, gástruia, embrião e feto - teria, ou não, direitos sucessórios, mesmo antes de ser implantado no ventre feminino? Segundo a corrente concepcionista, no caso de "embrião pré-implantatório", a concepção já ocorreu, e, por isso, ele se enquadra

perfeitamente nas hipóteses previstas e descritas pelo art. 1.798 do novo Código, estando, então, legitimado a suceder. Encontra-se, o "embrião pré-implantatório", protegido pela Lei 11.105, de 24.03.2005, regulamentada pelo Dec. 5.591, de 22.11.2005, dele dizendo que já está concebido, apenas aguardando - in vitro ou na crioconservação - a implantação in vivo, para nidação. A consequência dessa conclusão é o reconhecimento do fato de que o "embrião pré-implantatório" está contemplado pela noção jurídica de nascituro. Os defensores e partidários dessa corrente concepcionista têm o entendimento de que o embrião, anteriormente a implantação, já é considerado "pessoa" e, por isso, já tem aptidão para a titularidade de direitos e deveres, aí incluídos os sucessórios.

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§ 5.651. C - Jurisprudência O STJ já decidiu que, após trânsito em julgado da sentença que homologa a partilha, não cabe pedido do banco credor de aceitação de herança de renunciante (devedor), pois o requerimento só poderia ser formulado enquanto estivessem pendentes os direitos hereditários do devedor; tampouco poderia penhorar, no rosto do arrolamento, bens que foram transmitidos aos demais herdeiros. REsp 754.468/PR, 4.a T., j. 27.10.2009, rei. Min. Luis Felipe Salomão.

§ 5.652. REVOGAÇÃO DA ACEITAÇÃO P E L O HERDEIRO

exame do Código Civil, art. 1 . 5 9 0 , dissocia três noções: a) a da revogabilidade da aceitação, criação legal; b) a da irrevogabilidade da renúncia com uma exceção única; c) a da anulabilidade da recusa e da aceitação, com a permissão do processo célere com referência à recusa (retratação do art. 1 . 5 9 0 , 1.A parte). No direito anterior, só o menor podia revogar a aceitação. 1. REVOGAÇÃO. - O

2. REVOGABILIDADE DA ACEITAÇÃO. - Pergunta-se: ¿a regra jurídica do Código Civil, art. 1.590, relativa à aceitação, deve ler-se como permissiva da livre revogabilidade, como se dá com a renúncia no direito francês, ou como se estivesse subentendido que só o pudesse ser nos casos de violência, êrro ou dolo? A doutrina corrente é pela segunda solução (HERMENEGILDO DE BARROS, Manual do Código Civil brasileiro, 18, 277; CLÓVIS BEVILÁQUA, Código Civil, VI, 37). Tal era o pensamento do Projeto de Felício dos Santos, art. 1.459, do Projeto primitivo, art. 1.747 (revisto, art. 1.922) e do parecer do Senado, art. 1.594. O texto

até 1913 fora o seguinte (Projeto da Câmara n. 1, 1902, art. 1.594): "A renúncia é retratável por violência, êrro e dôlo; a aceitação o é nos mesmos casos e mais quando, pela descoberta do testamento, a herança se reduz a menos de metade". Mas foi emendado (Senado, emenda número 1.547): "É retratável a renúncia quando proveniente de violência, êrro ou dolo, ouvidos os interessados. A aceitação pode retratar-se, se não resultar prejuízo a credores, sendo lícito a estes, no caso contrário, reclamar a providência referida no art. 1.590". Nenhuma referência aos mesmos casos; e isso, de propósito, como se vê dos motivos da Comissão Especial da Câmara (Projeto n. 2, 1913): "Compõe-se esta emenda de duas partes; na primeira acrescenta as palavras: ouvidos os interessados, com as quais supre a falta de clareza do art. 1.594, e na segunda modifica a disposição, facultando a renúncia de aceitação da herança e ressalvando a hipótese de prejuízo dos credores, com a providência consignada no art. 1.590. E conveniente a aceitação desta emenda". Ficou, pois, o Código Civil com a possibilidade de se voltar sôbre a aceitação, como, no direito francês, sôbre a renúncia, constituindo inovações de um e do outro sistema jurídico. A terminologia do Código Civil brasileiro é defeituosa: no fundo, o art. 1.590 contém dois elementos conceptuais diferentes, um de anulação, e outro, de revogação, a primeira fundada na violência, dolo, êrro, ou fraude, a segunda, sem necessidade de fundamento, se bem que, como declaração de vontade, se lhe possa argüir a nulidade ou a anulabilidade. A interpretação de CLÓVIS BEVILÁQUA ressentiu-se do vício de grande parte dos seus comentários: lei, através do texto legal, diferenciado, seria o que pretendera no seu projeto. Para explicar a inovação francesa, A . D E M A N T E (Cours analytique de Code Civil, HI, n. 111 bis I) alegava que a saisina só se refere ao sucessível chamado em segundo lugar sob a condição resolutoria de aceitação feita pela renúncia rebus ad hue integrus, - contraditório fundamento, porque resolução e salvaguarda de direitos adquiridos são conceitos que se repugnam e, além de contraditório, inaceitável, pois que há efeitos contra terceiros. F. LAURENT (Principes de Droit Civil français, IX, n. 450) renuncia a explicá-lo, por considerá-lo anomalia. Outros o viam como tendente a evitar a vacância, e eram quase todos os novos juristas. Mas nenhuma das explicações serve ao caso brasileiro, aliás só explicável pela consideração da fisionomia do direito hereditário do Código Civil: responsabilidade só dentro das forças da herança (art. 1.587); salvaguarda do interêsse dos credores (arts. 1.586 e 1.590, 2.a parte). Na inovação francesa criou-se situação anômala ao chamado em segundo lugar, pois seus credores, e.g.,

podem ter penhorado o quinhão, cujos débitos se confundiram. Por isso, a revogabilidade não persiste após a aceitação por êsse. Na inovação brasileira, não: aceita a herança, sob a possibilidade de revogar-se a aceitação, só os credores podiam ser lesados, mas os seus interêsses são acautelados pelo próprio art. 1.590, 2. a parte (art. 1.586). Se o falecido só deixou um herdeiro e netos representantes, a revogação da aceitação altera a vocação, porque, pelos arts. 1.588 e 1.589, os herdeiros do renunciante não herdam, mas, renunciada a herança pelo único herdeiro chamado em próprio nome, não cabe representação pelos netos, filhos do herdeiro premorto, e a herança devolve-se à classe subseqüente, que é composta dos netos em geral, filhos do premorto e do renunciante, por direito próprio e por cabeça (artigo 1.588). Aqui, a inovação da lei pode ser antes de julgado o cálculo, ou de ir à partilha. Tudo se tem de reformar, mas, indiscutivelmente, às expensas do revogador da aceitação. Não é absurda a inovação da lei, desde que a construção obedeça aos princípios jurídicos fundamentais, e não se introduzam noções estranhas. O art. 1.590 fêz revogável a aceitação, em vez de só considerá-la anulável por violência, êrro, ou dolo, como a renúncia. Dêle têm-se de concluir: a) que a aceitação é revogável; b) que é anulável, nos casos em que o é a renúncia, mas sem a celeridade do art. 1.590, 1.a parte (retratação). Â anulabilidade pode tocar à aceitação expressa como à tácita. 3 . IRREVOGABILIDADE DA ABSTENÇÃO E DA RENÚNCIA. - S e b e m q u e ,

na sua nem sempre precisa terminologia, o Código Civil diga que a renúncia é retratável, a própria lei brasileira basta para nos convencer, imediatamente, do contrário: no direito civil do Brasil, a renúncia é irrevogável. Aliás, a tradição do nosso direito é a irrevogabilidade. Assim, nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 87, § 3, na Consolidação de TEIXEIRA DE FREITAS, art. 1.040, § 1, e em CARLOS DE CARVALHO, artigo 1.723. O art. 1.590 não permite que se revogue a abstenção ou a renúncia. Se bem que use do adjetivo, somente estatuiu que fôsse anulável por êrro, violência, ou dolo, como todos os outros atos jurídicos, e por fraude contra os credores. A única particularidade é o processo célere. O art. 1.590 nada acrescenta, materialmente, ao que se entenderia possível se êsse artigo, na 1.a parte, não estivesse escrito; é supérfluo. Não assim o art. 1.586: quer tenha ou não sido proposta ou proposta e julgada a ação Pauliana, o credor ou credores podem, com requerimento ao juiz, que apreciará o prejuízo aos credores proveniente da renúncia, aceitar, em nome do herdeiro, a herança. E o caso único de revogabilidade da renúncia.

4. ANULABILIDADE POR DEFEITO DO CONSENTIMENTO. - A renúncia é "retratável" (melhor, anulável, infirmável) por violência, êrro ou dolo. Entendemos que também pela fraude (ação Pauliana), se bem que o Código Civil, art. 1.586, já acautele os credores. A aceitação também o é, conquanto a lei não o diga; mas sem fundamento no art. 1.590, e sim por se tratar de declaração de vontade (arts. 86-113). Não se confunda tal anulabilidade, que precisa de "ação", com a anulabilidade do Art. 1.590, 1.a parte, só referente à renúncia da herança, possível em simples requerimento, ouvidos os interessados (simplificação processual assaz importante), nem com a revogabilidade - ou, menos corretamente, livre retratabilidade - do art. 1.590, 2.a parte, criada pelo Senado em emenda aos projetos anteriores e novidade da lei brasileira. O art. 1.590,1. a parte, é singularidade do direito sucessório (OTTO WENDT, Unterlassungen und Versáumnisse im bürgerlichen Recht, Archivfiir die civilistische Praxis, 92, 231); maior ainda, a 2.a parte, - sem correspondentes legislativos. 4.NE CASOS DE INVALIDADE. - Além dos casos acima referidos, à aceitação e à renúncia pode ser decretada nulidade, ou anulação, por incapacidade absoluta ou relativa do sujeito; e à renúncia a nulidade, por falta ou defeito de forma. A nulidade pode ser invocada pelo renunciante, ou pelo aceitante, ou qualquer interessado. No caso de renúncia convencional (aceitação mais alienação), constituída, portanto, doação ou cessão, só os terceiros interessados podem intervir: a herança foi aceita. Está-se em matéria contratual, e não hereditária. 5 . DIREITO PATRIMONIAL DA AÇÃO DE NULIDADE OU DE ANULAÇÃO.

- E penhorável o direito patrimonial oriundo de ação de nulidade ou de anulação da renúncia da herança (PAULE MALLET, La Renonciation à la Succession, 195), quer no caso do art. 1.590, do Código Civil, quer nos de aplicação dos arts. 86-113, quer no de incapacidade, e falha ou defeito de forma. 6. DEFEITOS DE VONTADE (ANULAÇÃO ORDINÁJRIA E REGRA JURÍDICA a DO CÓDIGO CIVIL, ART. 1.590, 1. PARTE). - A aceitação e a renúncia são

anuláveis por defeito da vontade. Anuláveis, como os atos jurídicos entre vivos; aliás, trata-se de ato entre vivos, e não mortis causa (THEODOR a a a KIPP, Lehrbuch des bürgerlichen Rechts, III, 3. parte, 174; 9. , 2. ed., Nota do Editorial: Numeração c o n f o r m e obra original.

472). Não é o simples êrro que a faz anulável; é preciso que, sem êle, não tivesse havido a declaração. O êrro sôbre qualidade dos bens é suficiente para a eiva. O valor não é qualidade, mas deriva das qualidades dos bens que compõem a herança e de outros fatores ( L . ENNECCERUS, H. LEHMANN, Lehrbuch des bürgerlichen Rechts, I, § 1 5 7 , nota 2 7 , 4 2 7 ) ; portanto, o êrro sôbre êle fundamenta a ação, salvo se a apreciação fora subjetiva, ou não se atendeu a desvalorização de títulos, créditos, ou objetos. Constitui razão bastante, para se pedir a anulação por êrro, aparecer, após a recusa, herdeiro necessário que se desconhecia (THEODOR KIPP, n , 3. A parte, 1 7 5 ; 9 . A - 2 1 . A ed., 4 7 3 ) , ou outro testamento, que deva subsistir ou substituir o que se mandara cumprir. A reivindicação posterior da herança não pode ser razão de nulidade por êrro; foram fatos que deviam ser conhecidos pelos sucessíveis, não essenciais à herança ao tempo da abertura da sucessão. Se concerne à natureza do ativo, e não à das dívidas, será invocável Assim pensava E R N S T STAMPE, em nota a decisão alemã (Juristische Wochenschrift, 51, 22); porém com o errado fundamento de haver oferta causa mortis. O êrro sôbre a pessoa do hereditando pode ser alegado: a herança, que se aceitou, ou foi renunciada, não era de quem se supôs. Mas,?aqui, não houve, por bem dizer, aceitação, ou renúncia; a vontade foi nenhuma: aceitou-se ou renunciou-se outra coisa. Há de ser êrro de fato; salvo o que já dizíamos no Tratado dos Testamentos, sôbre escusabilidade excepcional do êrro de direito. O sucessível que deixa de renunciar, porque não sabia que estava a correr o prazo, pode alegar o êrro. Assim, H E E G E R , que dedicou ao assunto estudo especial. Em parte contra, K A R L A U G U S T HAUSER (Die Anfechtung der Versáumung der Erbausschlagungsfrist, Jherings Jahrbücher, 6 5 , 2 7 1 s.). Com aquela opinião, T H E O D O R K I P P ( I I I , 2. A parte, 1 7 6 ; 9. A -21. A ed., 4 7 4 ) . Basta que a intimação contenha dados inexatos (CARL CROME, System, V, 217, nota 3); mas esse caso é de vício formal da intimação, e não caso de êrro da renúncia. O art. 1.590 aplica-se ao caso do art. 1.584, que contém aceitação. A expiração do art. 1.584 pode ser atacada como o pode ser a aceitação. Primeiro, é revogável (art. 1.590); segundo, pode ser inquinada de nula ou de anulável. As nulidades são as dos atos jurídicos de direito material e as dos atos jurídicos processuais, inclusive as dos defeitos de vontade, que são as decorrentes de violência, êrro, dolo, ou fraude contra credores. 7 . EFEITOS DA NULIDADE E REVOGAÇÃO. - A ação de nulidade da aceitação não vale renúncia: continua, íntegro, o direito de deliberar. A ação de

n u l i d a d e da renuncia não importa aceitação: persiste, íntegro, o direito de deliberar. Porque tal é o princípio comum às declarações de vontade. Para que a nulidade da renuncia importasse aceitação, e inversamente, seria preciso que o Código Civil contivesse tal regra jurídica. Não na tem. Tem-na o Código Civil alemão, no § 1.957. A ratificação da renúncia é impossível; será preciso refazer-se tôda a renúncia, observadas as regras jurídicas omitidas.

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.652. A - Legislação Sobre irrevogabilidade dos atos de aceitação e renuncia da herança, ver o art. 1.812 do CC/2002. Quanto aos credores do renunciante, ver art. 1.813 do mesmo Código.

§ 5.652. B - Doutrina 1. Diferentemente do que dispunha o anterior Código Civil (art. 1.590), o atual Código, no art. 1812, dispõe serem irrevogáveis os atos de aceitação e de renúncia da herança. A Lei de hoje, ao contrário da lei antiga, lida com "revogação" (para dizer "irrevogáveis") e não com "retratação", como antes. Assim, operada a aceitação ou a renúncia, não há mais possibilidade de o aceitante, ou o renunciante, voltar atrás em sua decisão. Apenas se permitirá modificação nessa situação cristalizada se restar comprovado que o herdeiro que renunciou o fez | sob vício, como em qualquer outro ato jurídico, o que impediria a produção de ! efeitos. Não se trata, portanto, de revogação da vontade renunciativa original, i uma vez que, se viciado o ato, ele, na verdade, nunca tivera o condão de produ! zir os efeitos decorrentes. Nota-se que o assunto, nesses casos, não precisaria ! estar regulado no Direito das Sucessões, por se tratar de matéria pertinente à i teoria geral do direito, que abrange todos os casos de anulação (ou nulidade) de atos e negócios jurídicos que sejam marcados pela pecha do vício de voni tade ou de consentimento. Sem dúvida, melhor está o assunto nos dias atuais. ; 2. Com relação aos credores do renunciante, a Legislação Civil atual coloca à disposição deles solução bem melhor que aquela do direito anterior. O art. 1.813 do CC/2002 prescreve que se houver prejuízo para os credores do renunciante (e decorrentes da própria renúncia) poderão eles, desde que judicialmente autorizados, aceitá-la em nome do renunciante. Não mais é preciso recorrer à ação pauliana do passado. Então, desde que pagas as dívidas do renunciante, o remanescente de seu quinhão seguirá o destino normal, isto é, será devolvido

aos demais herdeiros. Prevalece, assim, a renúncia no que diz respeito a este saldo da quota renunciada.

§ 5.652. C - Jurisprudência O TJRJ anulou, por erro por falso motivo determinante, ato jurídico de renuncia da herança. A decisão, ainda, reconheceu que, no caso, a renuncia havia de ser anulada porque deixou a autora (renunciante) sem benefício algum, reduzida, pois, à condição de miserabilidade. ApCiv 0089698-73-2004.8.19.0001, 9.a Câm. Civ., j. 31.08.2010, rei. Des. Carlos Santos de Oliveira.

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CAPÍTULO II

TESTAMENTO EM GERAL

§ 5.653. CONCEITO E NATUREZA DO TESTAMENTO 1. MORTE E TESTAMENTO. - Com a morte, passam os bens da pessoa aos seus herdeiros. Atendem-se a interêsses gerais (estabilidade social e da família e outros proventos coletivos), no determinar-se a sucessão legítima (necessária ou não); bem assim, a interêsses do falecido, atendendo-se ao que, por sua vontade, dispôs no testamento. Testamento diz-se, assim, o escrito público ou particular, pelo qual alguém exprime o que deseja, para depois da morte, quanto aos seus bens, ou relações de ordem jurídica privada, como a nomeação de tutor aos filhos, ou a gerência de uma casa comercial que lhe pertence. Noutros tempos podia o testamento cogitar de efeitos de direito público. Hoje, isso repugna às idéias de democracia e de liberdade de escolha. Seria inconstitucional, por exemplo, estabelecer-se a sucessão, por testamento, de qualquer cargo, função, ou título. O último reduto da hereditariedade jurídica é o que concerne ao nome de família e ao patrimônio. 2. DEFINIÇÕES. - Testamento (diz-se) é o ato pelo qual a vontade de um morto cria, transmite ou extingue direitos. Porque "vontade de um morto cria", e não "vontade de um vivo, para depois da morte"? Quando o testador quis, vivia. Os efeitos, sim, com serem dependentes da morte, somente começam a partir dali. Tanto é certo que se trata de querer de vivo, que direitos há (excepcionalíssimos, é certo), que podem partir do ato testamentario e serem realizados desde êsse momento. Digamos, pois, que o testamento é o ato pelo qual a vontade de alguém se declara para o caso de morte, com eficácia de reconhecer, criar, transmitir ou extinguir direitos.

O testador declara o que quer. Porém não tem eficácia, desde logo, a sua vontade. Sai, como se ficasse a vogar, até que êle morra. Só então pára, para ter efeitos. Até à morte, pode voltar atrás, desfazer-se, essa vontade. A imagem é de ULPIANO: ambulatoria est usque ad vitae supremum exitum. Na faculdade de testar há inteiro reconhecimento legal da dignidade humana e concessão de ser assaz respeitável, só por si, a vontade individual. Não podia cedo aparecer, nas práticas sociais. Por outro lado, supõe grande enfraquecimento dos laços costumeiros entre os bens do defunto e as pessoas a êle ligadas. Se tal amortecimento não se verificasse, não se compreenderia que a vontade individual tão facilmente os cortasse e criasse outros, só dependentes dela.

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.653. A - Legislação A definição legal de testamento, está âisposta no art. 1.858 do CC/2002. Sobre a irrevogabilidade de disposições não patrimoniais, ver arts. 1.609, III e 1.610 do CC/2002.

§ 5.653. B - Doutrina 1. No direito anterior, a definição legal de testamento encontrava-se no art. 1.626, que apontava, desde logo, a revogabilidade do ato, sua principal característica. Atualmente, a definição se encontra no art. 1.858, sendo que a redação do dispositivo (que preferiu a expressão "mutabilidade" à expressão "revogabilidade") é diferente daquela que constava do Projeto de Código Civil, no ano de sua apresentação, 1975, redação esta que não dispensava a menção à "revogabilidade", atributo já há muito consagrado. A melhor doutrina brasileira considera inútil e tecnicamente incorreta a alteração redacional levada a cabo, e com a qual foi promulgado o novo Código. Porque o testamento é negócio mortis causa, exteriorizando a última vontade do testador, é obrigatório que se mantenha a chance de sua revogabilidade, já que, até a morte do declarante, é sempre possível que sua vontade testamentária seja revogada ou alterada. 2. O art. 1.969 do CC/2002 (correspondente ao art. 1.746 do CC/1916) dispõe sobre a forma pela qual deve acontecer a revogação de um testamento. No entanto, algumas disposições do testador em instrumento que agora pretende ver revogado, serão obrigatoriamente mantidas. É o que acontece com as disposições de natureza não patrimonial e que não têm o matiz de mortis causa. Assim, por exemplo, o reconhecimento voluntário de filho havido fora do casamento, que se torna irrevogável, conforme a

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regra dos arts. 1.609, III e 1.610 do CC/2002.0 art. 1.609 corresponde, em parte, ao art. 357 e seu parágrafo único do CC/1916; já o art. 1.610 é dispositivo sem correspondencia no Código anterior.

§ 5.653. C - Jurisprudência !

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A 3.a Turma do STJ, no julgamento do REsp 985.093/RJ, entendeu que a mens legis do art. 1.973 do CC/2002 (art. 1.750 do CC/1916) é a presunção de que o de cujus não disporia de seu patrimônio se soubesse que outro filho iria sobrevir ao testamento. Esta é a razão da lei romper o testamento. No caso discutido, o testador produziu testamento reconhecendo o recorrente como filho de criação e pedindo sua adoção. Apenas depois de sua morte a adoção foi efetuada. O recorrente pleiteou o rompimento deste testamento baseado no art. 1.973 do CC/2002, dado que a adoção apenas de efetivou depois da feitura do testamento. O pedido foi negado, pois os Ministros entenderam que o testador já tinha ciência da futura adoção e fez o testamento levando-a em conta. Portanto, a aplicação do art. 1.973, neste caso, iria contra sua própria mens legis. Votos divergentes do Min. Humberto Gomes de Barros e da Min. Nancy Andrighi (j. 05.08.2010, rei. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe 24.09.2010). Em relação à formalidade do testamento, conferir o REsp 147.959/SP, em que a 4.a Turma do STJ, por maioria, seguiu a doutrina de Pontes de Miranda acerca da razão de tal formalidade: impossibilidade de reparação da declaração de vontade (j. 14.12.2000, rei. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ 19.03.2001).

§ 5.654. DIREITO DE TESTAR 1. SURGIMENTO DO DIREITO DE TESTAR. - Para que surja o direito de testar, é de mister que a sociedade venha a querer que a nova lei rasgue um pouco de lei antiga, que a postulação político-individualística abra as brechas no costume, e que a família perca a extrema significação dos primeiros tempos. A concessão da simples sucessão do filho ao pai, fato social, por ser comum o patrimônio, resiste visivelmente, onde já se reconhece o direito de propriedade privada. Vimos, por exemplo, o direito hindu continuar sem testamento; na Ática, a despeito de Sólon, só no século IV antes de Cristo se há por certo o direito de testar. No direito de Gortina, longo tempo se passa sob o regime da propriedade privada, sem que apareça o testamento. Fruto tardo, nos Germanos, o testamento, o que se lê em TÁCITO pode ser repetido quase ao findar a Idade Média: heredes tamen successores que

suique liben, et nullum testamentum. Deus, e não o homem, faz os herdeiros, diziam eles: Gott, nicht der Mensch, machí die Erben. Em Esparta, a propriedade era indivisível e inalienável; passava, necessariamente, ao filho mais velho. Os cidadãos chamavam-se Iguais, constituíam a camada do povo com direitos políticos, elegiam os éforos, soberania nacional diante dos dois reis hereditários, chefes religiosos e do exército e do conselho dos gerontes (gerontos). Êsses, sob a presidência dos reis, dirigia a política interna e a exterior, julgando os próprios reis. Foi o éforo Epitadeus que, por simples decreto, permitiu a doação entre vivos e o testamento (PLUTARCO, Agis, 5 ) , o que é para surpreender pela transformação que à sociedade espartiata trazia tal medida. Nos Germanos, com a compropriedade familiar, força intensa e inerte do costume, não aparece o testamento. Nulla testamenta (TÁCITO, Germania, 20). Nas leis bárbaras, a despeito do contacto com os romanos, não o vemos brotar: mal se percebem as Leges - a afatomia franca e o thinx lombardo - que dependiam da existência de filhos ou da deserdação do filho sobrevivente. Algo de adoptio in hereditatem, negócios jurídicos entre vivos, sem os inconfundíveis traços dos;testamentos. A instituição nasce com os Merovíngios e os Carolíngios. A família perde a rigidez. Intervinham considerações de ordem afetiva (filhos de descendente premorto, cônjuge), religiosa (legados a pobres, corporações religiosas, principalmente), ou de amor próprio (privação de sepultura, se não provia a necessidades piedosas). Pode dizer-se que o velho testamento romano - a casca, o envoltório - serviu para que se enchesse de novos intuitos. Mas, no choque, no contraste entre o costume nórdico e o testamento romano, entre a compropriedade familiar e o instituto individualístico, dois fatos se observaram: a) o caráter de negócio jurídico entre vivos, que se lhe emprestou, às vêzes com a comparência de parentes e amigos, que assentiam (laudatores); b) a aparição dos executores testamentários (testamenteiros), originàriamente amigos, que recebiam a incumbência de executar a vontade do disponente. Sempre, ainda, negócio jurídico entre vivos. 2 . RENASCENÇA DO TESTAMENTO. - Comparando êsses tipos de obrigação póstuma, podemos ter melhor noção da fisionomia jurídica do que chamaremos a preforma primitiva do testamento. O que se sabe da Treuhand germânica completa o que sabemos da mancipatiofamiliae. Só mais tarde cessa tal feição entre vivos. Só após o século XI é que começa a operar-se a renascença do testamento propriamente dito. Deve-se, ainda,

aí, à Igreja, com a sua insistente vigilância da morte, os seus tribunais eclesiásticos, com o seu assíduo procurar de esmolas e de dádivas e com a sua política, tenaz, da absorção econômica. Mas, ainda no século X m , são freqüentes os negócios jurídicos (H. AUFFROY, L'Evolution du Testament, 594). A instituição de herdeiro, seguidor do morto, não reponta; renova-se o instituto do testamento, mas já não é romano o conteúdo. Falta a figura do continuador do grupo familial. Não é, digamos, negócio político jurídico, mas jurídico-econômico; não supõe a permanência temporal do círculo familia, e sim, estreitamente, a validade post mortem do querer individual. Vemos, por vêzes, sob o influxo religioso, associar-se o testamento à confessio in extremis. A penalidade da privação de sepultura diz bem da pressão da Igreja contra os que não testavam, isto é, não instituíam legados. Só no século XV começa a laicização do testamento no mundo cristianizado (J. ENGELMANN, Les Testaments coutumiers au XVe Siècle, 1 0 4 ) . Certo, continuaram as fórmulas de invocação de Deus e dos santos, os cuidados da alma, ainda hoje assaz freqüentes, e as disposições de intenção piedosa. Porém crescia a distribuição arreligiosa dos bens e a jurisdição dos tribunais civis. Afinal, proclamou-se o princípio da legítima e da reserva costumeira. No Codex Visigothorum, Livro IV, Título 5, L. 1, proibiu-se ao pai dispor de mais do que a têrça. Documentos portuguêses de 1138 e 1150 mostram que se respeitava a lei. As Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 97, receberam, através de costume, êsse princípio da livre disponibilidade da têrça. Assim, as Ordenações Manuelinas, Livro TV, Título 70, e as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 91, § 1. A Lei número 1.839, de 21 de dezembro de 1907, art. 2.°, aumentou a quota disponível, que passou a ser a metade. No mesmo sentido, o Código Civil, art. 1.576. 3. ORIGEM DO TESTAMENTO. - Vulgarmente se crê que, em Roma, provêm das XII Tábuas a instituição do testamento e a liberdade de testar. Historiadores remontavam a mais de século e meio, corrigindo a data da Lei. Porém O. CLERICE (Sul Diritto successorio del XII Tatole, 11 e 79) entendia que a Lei das XII Tábuas só proclamou a liberdade de testar para os bens não patrimoniais. Mas E. LAMBERT negou ao texto das Tábuas (uti legassit... ita ius esto) o caráter de verdadeiro testamento: o testamento comicial não merecia tal nome; os bens, que podiam ser legados, eram os nao-patrimoniais. Usou, para chegar a tais conclusões, do método comparativo: a liberdade de testar já constitui avanço social. Certo é que a com-

paração só esclarece até o meio: medievo e tempo romano começam ciclos relativos ao testamento, mas as linhas não são as mesmas. Daí as críticas. Em verdade são duas civilizações - a romana e a germânica; mas a comparação não é, como pareceu aos críticos, entre coisas incomparáveis: algo não se repete, quando se retomam ciclos: o fim da ciência, o seu trabalho específico, é, justamente, procurar o que no irrepetível se repete. Atributo da onipotência majestática do paterfamilias foi o testamento romano, ao passo que, ato de vontade individual a mirar a própria morte (e não a sucessão do poder familial), era o testamento medievo. Não há negar, em todo o caso, que dependeram de situações históricas comparáveis. Também ALFRED OBRIST (Essai sur les Origines du Testament romain, 2 s.), havia sustentado que a forma de liberdade testamentária dependia de grau elevado de cultura jurídica: originariamente, trata-se de adoção; a intervenção desse sucessor é que modifica a ordem legal. O testamentum calatis comitiis, que veio após a adoptio in hereditatem, permitiu ao sucessor não perder o status familiae. Mas era revogável, com o consentimento do herdeiro, e mais significou transmissão de culto doméstico que de propriedade. A isso era que se referia a Lei das XII Tábuas, para simplificar o ato. Com o desenvolvimento do testamentum per aes et libram é que aparece, mais preciso, o instituto. O pater não tinha poder para alterar a sucessão: o comunismo familial, em Roma, como entre os Germanos, evidentemente lho obstava. Tem-se de indagar como apareceu êsse direito. W . ERDMANN (Die Entwicklung der Testierfreihet im rõmischen Recht, Zeitschriftfiir vergleichende Rechtwessenschaft, 22, 1-32), feriu o ponto principal: pela intervenção do Estado, menos tirânico para o indivíduo e mais favorável à iniciativa individual. Quer dizer, completando-lhe o pensamento: círculo maior, menos despotismo; enfraquecimento da família, fortalecimento. Donde: liberdade testamentária, menor despotismo, menor fôrça exclusivista do círculo familial, maior eficiência do Estado, maior dignidade e respeito do querer individual (do pater familias, em Roma; das pessoas, nos nossos dias). A princípio, adoção. Depois, testamento comicial, quando faltavam heredes sui, e sem perda da família do instituidor. Mais tarde, liberdade de testar quanto à pecunia (bem individual), testamento per aes et libram, instituição de herdeiro (cf. nosso Introdução à Política Científica, 151: "Dos dois princípios, um concerne ao espaço, outro ao tempo-, um é a mais geral das leis sociológicas espaciais, outro a mais importante no que se refere à cultura, à civilização, ao tempo. Mas é preciso advertir em que tais princípios

são evolutivos. Se os dois se verificam, há, incontestàvelmente, evolução civilizadora. Se só o primeiro se realiza, é unilateral a evolução, porque é espacial, e não correlativa de aumento de civilidade. Se só o segundo atua, causas sutis separam o povo, prendem-no, seqüestram-no, e - determinada por elementos interiores - a evolução realiza-se unilateralmente, sem a correlação espacial, que lhe daria o surto evolutivo integral: aumento especial e diminuição do quantum despótico".)

§ 5.655. E X E C U Ç Ã O T E S T A M E N T Á R I A

1. DADOS HISTÓRICOS. - a) A mancipatio familiae, a execução testamentária dos costumes pré-românicos ou do direito hebraico foram formas diferentes, mas de um mesmo conceito jurídico. Entre a primeira e a segunda, pormenores devidos às concessões romana e germânica (assaz distintas), do direito de propriedade, ou das cerimônias de transmissão de direitos. b) No antigo direito inglês, também havia o use, que obviava à proibição da testamentariedade da real property. Outro expediente, o joint tenancy, que, estabelecida a compropriedade, faria do intermediário um joint-tenant. O executor da vontade, investido por ato entre vivos, recebia, em seu patrimônio, os bens, e depois os passava àqueles a quem o disponente queria beneficiar. Era o feoffee to uses, que, mais tarde, passou a reter a propriedade, só transferindo o use dos direitos. O surrender to use of will exerceu papel visível, que nos instrui sôbre as linhas evolutivas, sôbre a passagem do regime vedativo ao permissivo. Digamos, em têrmos romanos: da mancipatio familiae ao testamento per aes et libram. Transmissão por intermédio do senhor: fato que já conhecemos, mas, aqui, com as características que lhe vêm de se banhar na morfologia feudal. Algo de Salmann, na afatomia saliana. Em todo o caso, no surrender to use of will, não há liberdade de escolha. c) Na Idade Média, a função de executor testamentário, o testamenteiro do direito luso-brasileiro, desempenhou relevante papel. No Código Civil francês, menor foi a sua importância. Como surgiu? No velho direito, tmha a missão, criada como expediente de possibilidade jurídica, de ultimar doações pro anima. Depois, o padre tornou obrigatórias tais doações. Liquidador, protetor e defensor do testamento; mais: executor, intérprete e ate supridor, no caso de obscuridade, o testamenteiro chegou a ter, em

costumes locais, a tutela da viúva e dos filhos ( R . CAILLEMER, Origines et Développement de VExecution testamentaire, 77 e 79). 2. DIREITO DE HOJE. - A execução testamentaria toca ao testamenteiro, ou a quem a lei, na falta de testamenteiro, ou de exclusão, atribui tal função. É assunto para trato à parte. A distribuição entre co-herdeiros pode ser totalmente feita, ou em parte feita, pelo testador, no testamento, como pode ser judicial, ou amigável pelos co-herdeiros. A partilha em vida, essa, está ligada à necessariedade da herança. O Código Civil não admitiu que se fizesse partilha em vida se não há herdeiros legítimos, como pré-excluiu o contrato de herança. A ratio legis de só se pensar na partilha feita, em vida, pelo testador, se há herdeiros necessários, está em que, aí, os herdeiros são todos necessários e a atribuição de irrevogabilidade do negócio jurídico unilateral da partilha pelo decujo não implica permissão do contrato de herança, isto é, o pactum de succedendo, ou o pactum de non succedendo. Aliás, feita a partilha pelo pai, ou outro ascendente, a sentença sôbre a indignidade do herdeiro necessário se refletiria, ex tunc, na partilha. O ascendente testador, em vida, pode fazer a partilha de que corresponde à metade da herança, porque assim se respeitam as legítimas dos herdeiros necessários; porém não pode partilhar a outra metade se a reputou disponível, porque faltariam os legitimados. A distribuição é, então, entre metades e entre co-herdeiros necessários, e não entre co-herdeiros necessários e co-herdeiros testamentarios, porque esses ainda não existem. O princípio, vigente no direito brasileiro, como o era no direito luso-brasileiro, é o de ter o testador poder de distribuir no testamento os bens dos herdeiros, quer legítimos quer testamentários. O art. 1.776 do Código Civil (Código de Processo Civil, art. 502), que se refere a pai (leia-se: ascendente, em caso de haver herdeiros legítimos), não alude às cláusulas testamentárias distributivas dos bens da herança, porque, posta em testamento a discriminação, tem a partilha de observar o que o testador disse. As cláusulas testamentárias pelas quais o testador põe na quota hereditária determinado elemento é distributiva, porque, antes, nas mesmas cláusulas, ou noutras, se atribuiu à pessoa, ou às pessoas a herança. A distribuição pode ser a um, a alguns ou a todos os herdeiros (a para A, b para B, c para C). O que importa é que, com isso, não se ofenda a legítima de herdeiro necessário. Pode dar-se que o testador haja deixado a herança a A, B e C e, no distribuir haja omitido C, ou haja distribuído a a A, b a B, e

c a C, tendo perdido em vida, por alienação, ou outra causa, a propriedade de c. Se a distribuição não compreende todos os bens, a lei rege o que não foi distribuído pelo testador. Se há herdeiro necessário, ou se há herdeiros necessários, e o testador dispõe do patrimônio, respeitando a legítima do herdeiro necessário, ou dos herdeiros necessários, pode, no testamento, distribuir os bens. O art. 1.776 do Código Civil (Código de Processo Civil, art. 502) não se refere à distribuição no testamento, porque do princípio de auto-regramento da vontade resulta que tal volição distributiva é permitida, quer exista, quer não exista herdeiro necessário. Qualquer testador pode manifestá-la. No testamento, o testador disse quem é herdeiro testamentário, com a morte tomou-se irrevogável o testamento; nada obsta, portanto, a que se distribua o que há de caber a quem herdeiro é. Temos sempre acentuado que o testador pode atribuir, no testamento, a posse ao legatário (Tratado dos Testamentos, IH, § 1.069; Comentários ao Código de Processo Civil, DI, 1, 330. "... ou o legatário recebeu do testador, por disposição especial, a posse"; 1959, VI, 2.a ed., 162; Tratado de Direito Privado, X, § 1.154). Lê-se, com explicitude em M A N U E L DE ALMEIDA E SOUSA (Notas de Uso prático e críticas, IE, 408): "Há em Direito muitos casos em que o legatário, sem recorrer a ação alguma judicial, pode entrar na posse do legado por autoridade própria; como quando o testador expressa ou tácitamente lhe facultou essa autoridade, e em outros casos, que até o número de doze figuram e provam os Doutores". As ações de legatário são: a) a ação de reivindicação, se a propriedade de objeto legado se transferiu com a morte do testador; b) a ação cominatória segundo o art. 302, XII, do Código de Processo Civil; c) a ação condenatória, para que o herdeiro entregue o bem, ação pessoal ex testamento, não a ação de imissão de posse (ação adipiscendae possesions, conforme o art. 381,1, do Código de Processo Civil), porque ou êle recebeu a posse, por disposição do testamento e então há de exercer a ação possessória, que caiba, ou não a recebeu, nem recebeu o domínio, e não se poderia pensar numa ou noutra, ou, se recebeu o domínio, tem de pedir o domínio e a posse, como se o legado foi de bem pertencente ao herdeiro ou a legatário, cf. Código Civil, art. 1.679; d) as ações possessórias, se a posse foi transferida com a morte do testador, ou se já foi entregue pelo herdeiro. Para que haja legado, é preciso que se trate de disposição a causa de ' a título particular e autônomo. Portanto, que o direito não se haja

rnorte

de considerai- incluso ou em função da quota hereditária. Se o bem a que alude a verba testamentária se há de ter como elemento da herança, a qualidade de herdeiro afasta que se pense em legado. Diferentemente ocorre se, por exemplo, o testador dispôs que A teria a metade dos bens e B a outra metade, ou que a A, herdeiro legítimo, tocaria o que a lei lhe assegura e B seria herdeiro testamentário de um quarto da herança e legatário da casa em que B reside, ou em que o testador residia. Sôbre a casa não incidiriam os débitos da herança, salvo se, com a incolumidade, ocorreria ofensa à legítima do herdeiro necessário. A disposição de vontade pela qual o testador estabelece que determinado bem deve achar-se na quota do herdeiro não faz legatário o herdeiro, porque o testador apenas disse que na quota do herdeiro havia de achar-se o bem. O art. 27, a), do Decreto-lei n. 2.627, de 26 de setembro de 1940, estabelece que a transferência das ações nominativas se opera, por têrmo lavrado no livro de "Transferência das Ações Nominativas", datado e assinado pelo cedente e pelo cessionário, ou seus legítimos representantes". Acrescenta-se no § 1.°: "A transferência das ações nominativas, em virtude de transmissão por sucessão univérsal ou legado, de arrematação, adjudicação ou outro ato judicial, somente se fará mediante averbação no livro de "Registo de Ações Nominativas", em face de documento hábil, que ficará em poder da sociedade". Tem-se de atender a que a transmissão da propriedade das ações nominativas ou é entre vivos ou é a causa de morte. Entre vivos, transmissão somente há após o têrmo no livro de "Transferências das Ações Nominativas", tal como acontece com os bens imóveis e com os bens móveis para cuja transmissão da propriedade a lei exige o registo. Sempre que a propriedade se transmite pela saisina, as regras jurídicas sôbre registo, referentes à transferência (ato formal de transferência), não são atributivas do direito de propriedade. Êsse já existe. A eficácia é só interna e para determinados efeitos, como se o herdeiro sucedeu na propriedade de ações nominativas que precisam de registo na sociedade por ações, ou se sucedeu na propriedade de bem imóvel, cujo registo se haja de fazer. No intervalo, o herdeiro é dono, em virtude do art. 1.572 do Código Civil: falta a formalidade, que é indispensável para determinados efeitos. Se algum bem imóvel ou móvel, para cuja transmissão de propriedade se exige registo, é atribuído a credor da herança, a transmissão da propriedade somente se dá com o registo. Diferente é o que se passa sempre que

há transmissão legal da propriedade, como acontece com os herdeiros e os legatários que se achem na situação do art. 1.692 do Código Civil, inclusive em se tratando de títulos nominativos. Os poderes do inventariante resultam ou de regra jurídica imperativa, ou de manifestação de vontade do testador. Se o testador estabeleceu que determinado bem ou determinados bens têm de ser entregues imediatamente, ou em data certa ou incerta, a algum herdeiro, ou ao testamenteiro, ou a legatário, ou mesmo ficarem com outra pessoa, como, por exemplo, o banco depositário, até que se dê a posse imediata ao herdeiro ou ao legatário, a vontade do testador tem de ser cumprida. Bem assim, se o testador disse que nas votações ou quaisquer outros exercícios dos direitos de acionistas nas sociedades por ações teria de tomar parte, desde logo, algum herdeiro, ou legatário, ou, mesmo até que se fizesse a partilha, alguma pessoa como investido de podêres de representação da herança. O juiz tem de procurar conhecer o que quis o testador. Contra o que quis o testador, só se pode invocar regra jurídica que seja cogente, isto é, imperativa ou proibitiva. Fora daí, o que o testador quis êle podia querer, e à justiça compete o deferimento de tudo que seja necessário ao cumprimento da vontade do testador.

Panorama atual pelos Atualizadores i ! j

§ 5.655. A - Legislação

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Quanto à possibilidade de o próprio testador indicar bens e valores que comporão os quinhões hereditários, ver art. 2.014 do CC/2002, sem correspondência no Código Civil de 1916. Sobre a validade da partilha feita por ascendente, inter vivos ou rnortis causa, ver art. 2.018 do CC/2002; o procedimento extrajudicial Para inventários encontra regulamentação na Lei 11.441/2007.

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§ 5.655. B - Doutrina

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1. Segundo o art. 2.014 do CC/2002 (dispositivo sem correspondência no anterior Código), o testador pode indicar os bens e valores que ele deseja que integrem os quinhões de seus sucessores, deliberando, ele mesmo, a partilha, para depois de sua morte. Desde que o valor destes quinhões, assim formados, corresponda ao valor que teriam, em caso de partilha propriamente dita, prevalece a vontade do testador. Esta possibilidade, que a nova Lei Civil oferece ao testador de organizar a composição dos quinhões como desejar, não tem o condão

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de transformar o herdeiro em legatário, contudo. 2. Já o art. 2.018 do CC/2002 (parcialmente correspondente ao art. 1.776 do CC/1916) declara a validade de partilha-doação (inter vivos) ou de partilha-testamento (mortis causa), desde que esses atos não ofendam a legítima dos herdeiros necessários. 3. Quanto à primeira espécie, a doutrina tem rejeitado a expressão "partilha em vida", por não se tratar, verdadeiramente, de uma partilha, como fase final do processo de inventário, mas sim de ato inter vivos correspondente às disposições patrimoniais que podem ser promovidas por qualquer pessoa, no curso de sua vida, especialmente a doação. O instrumento e as formalidades deste ato de liberalidade devem atender às regras previstas para a doação e que se encontram, no atual Código Civil, entre os arts. 538 a 564. 4. Quanto à segunda espécie - "partilha-testamento" - , só terá eficácia com a morte do testador ascendente, desde que respeitada à quota reservatória dos herdeiros necessários. O procedimento, bem por isso, só poderá ser o judicial, afastado o procedimento extrajudicial, previsto pela Lei 11.441/2007 que alterou os arts. 982, 983 e 1.031 do CPC em vigor, e que elenca entre os pressupostos de admissibilidade desse procedimento, justamente a ausência de testamento deixado pelo falecido.

§ 5.655. C - Jurisprudência No REsp 853.133/SC, a 3.a Turma do STJ entendeu que a cessão de quotas hereditárias em favor do monte, feite por instrumento particular, mas homologada em juízo, tem efeitos plenos. No caso em debate, tal cessão havia sido feita em favor do cônjuge sobrevivente para que este, posteriormente, fizesse partilha dos bens aos outros herdeiros-renunciantes por meio de doação. Tal doação foi considerada exigível juridicamente, pois não consistia em mera liberalidade (j. 06.05.2008, rei. Min. Humberto Gomes de Barros, DJe 20.11.2008).

§ 5.656. T E S T A M E N T O S N O D I R E I T O L U S O - B R A S X L E I R O

1. INÍCIOS. - Em Portugal, os testamentos foram, originariamente, pro anima. Tudo se passou sem destoar da lei sociológica. Vejamos alguns documentos. No de Afonso I: "Placuit mihi de meo habere partem quandam assumere, et dare pro anima mea". No de Afonso HI: "Facio testamentum meum, ut Dominus propitietur animae meae, et non consideret peccata mea". No de Dinis: "Pera proll de minha alma... E o que per alguma maneira per si, ou per outrem, embargar, aja a maldiçam de Deus, e a minha, pera todo sempre, e seja condenado com Judas traedor em fundo do Inferno". No meio das asseverações, é de ver a finura com que P. J. DE MELO FREIRE toca, de leve, o problema fundamental dos testamentos. Isso, que a

hodierna ciência assentou, de serem recentes, nos povos, os atos testament á r i o s , já o jurisconsulto lusitano (no meio dos que remontavam ao Génese e a Adão!), tinha por firme (cf. Institutiones, III, 5, § 2, onde êle mostra que fôra, antes, pro bono et remedio animae suae, e ato de recomendação e confiança em prelados e na Igreja). Tudo faz ver que o princípio germânico atuava em Portugal e através da Igreja; surgiam, não os testamentos, mas aquelas preformas de que se falou. O elemento romano não bastava para vencer o apego à sucessão legítima. No fim da Idade Média, é a luta entre a realeza (crescente, fortalecida pelo despotismo jurídico dos textos romanos imperiais) e o feudalismo. Com Afonso IH, triunfou o Coi-pus Iuris Civilis. 2. ORDENAÇÕES AFONSINAS. - Nas Ordenações Afonsinas, podemos ver, em resquícios de uma e aparição escrita de outra, as duas épocas da formação do testamento em Portugal: no Livro IV, Título 96, § 1.°, há o antigo testar em benefício da alma (resposta de Dom João I a requerimento da clerezia, "em que dizem que som agravados na execuçom dos testamentos, que non perteecem a nós de direito, mas aos Prelados nas cousas piedosas"); no Título 97, a recepção do direito imperial. A revolução jurídica, que se operou, não pôde apagar os traços feudais, consuetudinários. Copiou a legislação romana, associando-se às outras cores do direito gótico e local. Continuou, na doutrina posterior às Ordenações Filipinas, a instituição de herdeiro a ser caput et fundamentam totius testamenti, princípio a que negavam valia os espíritos livres de P. J. DE M E L O FREIRE e COELHO DA ROCHA. Depois, no Brasil, TEIXEIRA DE FREITAS. Contra êles, veemente, se insurgiu F. DE P. LACERDA DE ALMEIDA (Sucessões, 247-251). Não lhe deu razão o Código Civil, mas, nem por isso, se esqueceu do antigo conceito (e. g., art. 1.665, onde reponta, um tanto insólita, a regra Semel heres semper heres). Devemos raciocinar com o conceito de aquisição de bens a título gratuito, mortis causa, se bem que a herança se haja de considerar universalidade (art. 57).

§ 5.657. B E N S TESTÁVEIS 1. DIREITO ROMANO. - Diante de uma das variantes da sit, a de ULPIANO (Reg., XI, 14: uti legassit tutelave suae EDOUARD CUQ (Recherches historiques sur le testament

regra uti legasrei), pretendeu "per aes et li-

bram", Nouvelle Révue Historique, 540 e 647; Institutions, 282 e 301) que o texto só se referisse à pecúnia (res nec mancipi), e não à familia (res mancipi), tão-pouco, a heredium, bens da comunhão doméstica. A revolução das XII Tábuas seria só a da liberdade de legar objetos de plena propriedade individual. Não seria, assim, tão profundo o golpe. Só depois se operou, com a ação simetrizadora da jurisprudência, à medida que a compropriedade familiar cedia, a testabilidade dos outros bens. No direito testamentário romano, há os adágios institutio heredis est caput et fundamentum testamenti et nemo partim intestatus decedere potest, que têm tido várias explicações. Em verdade, trata-se de sobrevivência das antigas formas de disposição. Formas anteriores às XII Tábuas. Com a instituição calatis comitiis, podia o cidadão, sem filhos, para continuar a sua personalidade, criar-se com o assentimento do povo, associado ao seu patrimônio. Já não era o status familiae, nem a submissão ao pátrio poder. Preforma de testamento. Pode-se mostrar, no direito grego, o momento correspondente. 2. DIREITO HODIERNO. - Hoje, só não é testável o bem que não pode ser transmitido, seja em geral, seja ; por faltar ao beneficiado pressuposto para a aquisição, (e. g., nacionalidade).

§ 5.658. DEFINIÇÃO E PRESSUPOSTOS DE TESTAMENTO

1. DEFINIÇÃO. - Testamento é o negócio jurídico unilateral, de última vontade, pelo qual alguém, nos limites da lei, e para depois de sua morte, dispõe dos seus bens, no todo ou em parte, ou algo determina para efeitos jurídicos. Diz o Código Civil, art. 1.626: "Considera-se testamento o ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, no todo ou em parte, do seu patrimônio para depois da sua morte". Trata-se de declaração unilateral de vontade, não-receptícia (não existe qualquer aceitante ou recebedor da declaração de última vontade). Ninguém é comparte, ou destinatário. No testamento público ou no testamento cerrado, o tabelião recebe o que se lhe dita, sem participar do negócio jurídico em si: inscreve, quiçá escreva pelo testador. Mero instrumento, com funções acauteladoras. Tanto assim que poderia o disponente escrever o testamento particular: seria válido. A sombra que se vê, o outro

pólo da relação jurídica, é a mesma dos outros negocios jurídicos unilaterais, nos direitos reais, nas aquisições não consensuais da propriedade. A voz social, que obriga ao prometido, ou faculta a disposição, ou reconhece o nascer do direito de propriedade. Por isso mesmo, para ser válido o testamento, não é de mister que dêle se saiba: opera os seus efeitos, à abertura da sucessão, ainda que os herdeiros e legatários nada saibam. Mas ainda: não é preciso, para sua perfeição, que faleça o testador, menos ainda que nas cláusulas consintam os beneficiados. O que importa é que o testador tenha capacidade para fazê-lo e o faça dentro da lei. Tanto êle independe da morte, ou de qualquer ato de outrem, que se lhe há de aplicar, e só se lhe pode exigir, a lei do tempo em que foi feito. Enlouqueça o testador, mude-se a legislação, nada importa: estava perfeito quando se fêz. Os casos dos artigos 1.750 e 1.751 só se podem fundar em presunção de "outro querer" do testador: advieram-lhe filhos, ou netos, ou existiam herdeiros necessários, que êle, ao testar, desconhecia. Na doutrina, somente A. KÕPPEN (Lehrbuch des heutigen rõmischen Erbrechts, § 66) ousou considerar negotia imperfecta os testamentos: dependeriam da morte do testador e de certas circunstâncias. Donde duas conseqüências: não valer, sobrevindo incapacidade; não valer, se há os herdeiros, posteriores ou ignorados, de que acima se falou. Nem ao direito romano (H. DERNBURG, Pandekten, m , § 66, nota 2), nem ao Código Civil alemão (F. ENDEMANN, Lehrbuch des Bürgerliches Rechts, III, § 33, 247), nem ao Código Civil brasileiro, nem aos princípios gerais de direito que o método científico revela, poderia servir tal teoria.

2. REVOGABILIDADE ESSENCIAL. - No dizer-se que é ato de última vontade, está implícita a revogabilidade essencial. Testamento, que não fôsse revogável, não seria ato de última vontade, mas de vontade, de determinado momento, que se fixou. Dizendo-se declaração de vontade última, fôra redundante acrescentar-se "revogável". Personalíssima, porque, do contrário, não seria vontade do testador, mas de outrem, em colaboração ou contra a vontade do disponente, a liberdade de dispor em testamento constitui incompressível atributo do direito de propriedade. As disposições, que êle pode conter, ou são positivas (deixo, lego, mando que se dê dos alugueres das casas uma pensão a B), ou negativas, como as deserdações, as revogações, totais ou parciais, de testamento anterior e as clausulações de legítimas. Além das disposições sucessórias, há outras de direito de família, ou de direito das obrigações, ou de direito das coisas, que podem vir nos testamentos.

- Na definição do Código Civil, não se atendeu à vontade testamentária quanto às relações de direito de família e às demais, se bem que alhures o reconheça (por exemplo. Código Civil, artigos 407, parágrafo único, e 410,1). Dêsse assunto, trataremos adiante. Como veremos ao cogitarmos do art. 1.769, não é de mister a instituição de herdeiro. O art. 1.626, de si só, deixa resolvidos ou suscitados os seguintes pontos, que adiante versaremos: a) disposição, "no todo, ou em parte"; b) direito a testar, nascido da lei e de conformidade com ela; c) função personalíssima de testar; d) revogabilidade inderrogável do testamento; e) testamento de conformidade com a lei, pois às vêzes só se dispõe de parte do patrimônio (porção testável);/) disposições estranhas ao patrimônio; g) impreclusividade do testamento. 3 . SÔBRE A DEFINIÇÃO DO CÓDIGO CIVIL.

4. DISPOSIÇÃO NO TODO OU EM PARTE. - A possibilidade de testar todo o patrimônio já significa evolução jurídica. Com a liberdade de testar - sem se estabelecer status familiae, diretamente - denuncia-se já se não tratar de fato religioso-político, mas puramente jurídico-econômico. Superou-se, também, o princípio rígido da essencialidade da instituição do herdeiro. O testador pode dispor em parte, distribuir tôda a herança em legados, só prover a certos encargos. É pena que se não tenha libertado, de todo, o Código Civil da regra seme i heres semper heres e das suas conseqüências. O direito romano, recebido em Portugal, lançou raízes fundas, de que no Brasil os legisladores não se desenvencilham. Há certa surdez mórbida aos brados, de século em século, que se ouvem, mas não se atendeu a certas considerações de P. J. DE M E L O FREIRE e de TEIXEIRA DE FREITAS. É vulgar invocar-se, sistemáticamente, o velho direito romano como o inspirador do testamento. Mas erra-se nisso. Através dos tempos, palavras dificilmente mostram identidade: o evoluir das coisas muda-lhes o sentido. Um instituto pode transformar-se, fazer-se outro, inteiramente diverso, nos fins e nos processos, sem perder o antigo nome. O elemento germânico, a sugestão de vida, a praxe, são forças que também se contam. Hoje, ¿quais são os bens sôbre que pode dispor o testador? A resposta faz-nos volver às sucessões em geral, aos princípios comuns: todos os bens herdáveis. Não foi sempre assim. 5 . DIREITO INTERTEMPORAL E TESTAMENTO. - O testamento, negócio jurídico unilateral, sempre revogável, que se faz para eficácia a partir do momento da morte, supõe que no seu conteúdo esteja a ú l t i m a vontade do testador. Não há direitos de outrem, antes da morte; mas da lei - vigente

nesse instante - depende a sua existência, a sua validade e a sua eficácia. Todavia, com o lapso entre a feitura do testamento e a morte, pode ocorrer que haja diferença entre a lei do momento da feitura, a de alguma data intercalar e a do montante da morte. Não é possível testar-se no instante da morte. A manifestação de vontade é última, porque não existiu outra, com os pressupostos fonnais e materiais, para entrar no acervo jurídico e ser válida. A forma do testamento tem de obedecer à lei do momento em que se faz o testamento. Aqui, temos de tratar do conteúdo do testamento, e não da forma. Na doutrina do século passado, tôda a matéria testamentária, a partir da capacidade de testar e da faculdade de dispor, era submetida à lei do momento do ato. Para isso era invocada a Novela 66, cap. 1, §§ 2-5, em que, aliás, só se via solução justinianéia para caso particular. As críticas estão, principalmente, em K. J. H Ü T T N E R (Über die rückwirkende Kraft der Gesetze zur Erlãuterung des § 5 des õsterreichischen Bürgerlichen Gesetzbuchs, § 4 0 ) , e foram assaz justas (F. VON SAVIGNY, System des heutigen rõmischen Rechts, V I U , 4 7 3 ; JOSEPH UNGER, System des õsterreichischen allgemeinen Privatrechts, I, 5.a ed., 144). Hoje, chegou-se a distinções acertadas. Pode ocorrer a) que a lei nova vede o testamento, portanto - não tenha a faculdade de testar, que se não confunde com a capacidade de testar, como pode dar-se b) que, entre a época do testamento, quando se admitia, e a da morte, medeie a da proibição, ou c) que fôsse vedado quando se testou e seja permitido por ocasião da morte. Na espécie a), tem o juiz de submeter-se a essa atitude hostil do legislador (JOSEPH UNGER, System, I, 5.a ed., 144), reveladora de recuo histórico. Passar-se-ia o mesmo se a nova lex só atingisse a capacidade de testar, ao quanto da testabilidade. Quanto à espécie b), antes do Código Civil francês, a jurisprudência francesa era pela invalidade das regras jurídicas concernentes à faculdade de testar, como, por exemplo, das relativas à quota legal do momento da morte; o Código Civil francês considerou atendíveis as regras jurídicas sôbre disposições universais a causa da morte, excedentes da quota disponível e redutibilidade daquelas a essas; portanto, o princípio da não-revogabilidade da lei vedativa intermediária. Só se atendiam às regras jurídicas do momento de testar e as do momento da morte do testador. Era a esteira do adágio Media témpora non nocent (cp. L. 49, § 1, D., de heredibus instituendis, 28,5). A lei posterior repararia a invalidade com que a lei intermédia ferira

a instituição. Contra isso argumentava-se: se o testador aliena a propriedade do bem que legara, retira o efeito da disposição, o que se não confunde com a revogação, que desfaz, diretamente, a verba testamentária; ora, há leis que tolhem efeitos e leis que invalidam, e compreenda-se que possam não incidir aquelas, por ocasião da morte do testador, e essas, não. O corte por essas é definitivo. A lei nova não poderia ter a função de vontade do testador, para fazer voltar o que o testador sabia que estava desfeito. Quanto ao adágio Media témpora non nocent não seria invocável, porque só se refere a mudança na pessoa do instituído entre a feitura do testamento e a morte do testados. O maior argumento a favor do respeito da vontade manifestada está em que o testamento foi negócio jurídico unilateral (ato jurídico unilateral perfeito) e, a despeito da lei intermédia que o atingiu, o testador não cogitou de substituí-lo, porque a sua vontade não mudou. (Contra: o testador conta com a incidência, que ocorreu, da lei intermédia de invalidade.) O testamento é declaração de última vontade, e há o princípio do favor testamenti; portanto, o que se há de entender é que o testador contava, ao morrer, com aquilo que fizera. Quanto à espécie c), que é a de lei vedativa, ao tempo da testamentificação, e de lei permissiva, ao tempo da morte, logo se traz à balha o princípio Quod initio vitiosum est, tractu temporis convalescere non potest. Quando o decujo testou, a manifestação de vontade não teve qualquer validade, de modo que a lex nova somente poderia ter qualquer eficácia quanto ao negócio jurídico inválido do passado, se contivesse regra jurídica sanatoria, retroeficaz, e o sistema jurídico, no plano do direito constitucional, considerasse válida tal regra jurídica. A capacidade para testar é capacidade especial, principalmente por ser personalíssimo o negócio jurídico unilateral do testamento. Problemas assaz delicados apresentam-se à doutrina. ¿Quem, hoje, não poderia testar, mas testou antes da lex nova, morre com o testamento que fizera?

Panorama atual pelos Atuallzadores § 5.658. A - Legislação Sobre a capacidade de testar e sobre disposição testamentária parcial ou total dos bens, ver art. 1.857, caput, do CC/2002. Quanto à impossibilidade de se testar além da metade do patrimônio do testador, se houver herdeiros necessários, ver o § 1.° do art. 1.857 do CC/2002. A possibilidade de, por via do testamento, se operar disposições de caráter não patrimonial, encontra regulamentação legal no

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§ 2.° do art. 1.857 do CC/2002. Sobre as características do negocio jurídico testamento, ver art. 1.858 do CC/2002.

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§ 5.658. B - Doutrina

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1 . 0 artigo vestibular da "Sucessão Testamentária", no art. 1.626 do CC/1916 - continha significativo defeito, qual seja, o de conceituar institutos ou categorias jurídicas. Assim, o art. 1.626 trazia o conceito de testamento, a exemplo de outros Códigos da época, todos seguindo o modelo do Código Napoleão de 1804. Mas, seu maior defeito foi ter procedido de modo restritivo ao conceituar, de modo que alcançava apenas as disposições relacionadas ao patrimônio do testador, sem ter deixado espaço para outra importante finalidade, qual seja, a de dispor acerca de aspectos não patrimoniais (como, por exemplo, o reconhecimento voluntário de paternidade), assunto que não foi esquecido pelo legislador civil atual, já que, no § 2° do art. 1.857 do CC/2002, está disposto que as disposições testamentárias de caráter não patrimonial são igualmente válidas. E completa dizendo que a validade persistirá mesmo que o testador apenas a estas disposições não patrimoniais tenha se limitado. Mesmo relativamente ao caput, mais acertada é a redação do artigo atual, eis que retirou o estilo de conceito, para compor-se por melo de outro estilo, vale dizer, o de designar quem é que tem legitimidade para testar. Assim sendo, e embora o atual Código não defina expressamente o que seja testamento, já ficam suas fundamentais características positivadas neste art. 1.857 e também no subsequente art. 1.858, de tal sorte que é possível dizer, do testamento, que é negócio jurídico unilateral, de caráter personalíssimo, solene, gratuito e eminentemente revogável. Por ser ato personalíssimo, fica completamente afastada a possibilidade de validação do chamado testamento conjuntivo, que é aquele feito juntamente com outra pessoa, num mesmo instrumento, conforme a letra do art. 1.863 do CC/2002. Outra inclusão que fez o atual Código Civil está no § 1 d o mesmo art. 1.857, ao relembrar que, no testamento, se exclui a chamada legítima dos herdeiros necessários, isto é, se o testador os tiver, só poderá testar até 50% de seu acervo patrimonial. É certo que a redação do referido parágrafo não é perfeita, e poderia ter sido bem melhor. No entanto, o dispositivo ganha foros de inovação, o que é bem vindo. 2. Já o art. 1.858 do CC/2002, que também é dispositivo sem correspondência na Lei Civil anterior, registra aquela outra característica do testamento, segundo a qual ele pode ser revogado a qualquer tempo, e o direito que cabe ao testador de revogá-lo não é objeto de renúncia. O princípio da revogabilidade do testamento é inderrogável. O posterior art. 1.969 do CC/2002 descreve a forma pela qual se pode exercer este direito de modificar, alterar ou revogar o testamento. 3. A lei que vigora à época da facção do testamento é a que regula a sua forma exterior. Vigora, portanto, o princípio tempus regit actum. Por força desta regra, segundo o juízo quase unânime de toda a doutrina civilística e de [ direito intertemporal, constituindo uma communis opinio doctorum, o testamento é nulo, de nulidade absoluta, não tendo efeito algum. Quer dizer: o Código Civil indica claramente quais as solenidades que devem ser cumpridas em cada forma testa| mentária, e estas têm que ser rigorosamente cumpridas, sob pena de nulidade. ¡

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§ 5.658. C - Jurisprudência A 4.a Turma do STJ, ao julgar o REsp 701.917/SP, entendeu que as formalidades ditadas pelo Código Civil de 1916 para a criação de testamento devem ser flexibilizadas à luz do art. 1.876 do CC/2002 e arts. 1.133 do CPC e 1.648 do CC/1916, para que se atenda mais à vontade do testador do que às formalidades testamentárias (j- 02.02.2010, rei. Min. Luís Felipe Salomão, DJe 01.03.2010).

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§ 5.659. FUNDAMENTO DA FACULDADE DE TESTAR 1. L E I E FACILIDADE DE TESTAR. - No declarar que alguém deixa os bens aos herdeiros, legítimos ou testamentários, e aos legatários, a lei estatui que tais bens obedeçam à lei do decujo (ou à dos herdeiros, conforme o caso), e passem às pessoas designadas pela lei dentre os parentes do morto ou indicadas por êle. Desde o uti lingua nuncupassit, ita ius esto das XE Tábuas até o Código Civil, art. 1.626, o fundamento é o mesmo: a lei permite que, dentro de certas circunstâncias e limites, a vontade declarada do testador substitua a lei. Seja exercício de direito. A vontade interna não tem tal efeito. A vontade que se há de investigar é a externa, a manifestada, que não precisa de provas do querer interno: não deve a ter-se o juiz às palavras em sentido ordinário; em cada espécie, há de procurar conhecer o contexto, as circunstâncias, o que esclareça a declaração do testador, esclarecimento que, por vêzes, lhe mostrará, por exemplo, sob a palavra "usufruto", simples cláusula de inalienabilidade, ou vice-versa. A procura de tal intenção manifestada é o que lhe impõe a lei (Código Civil, art. 85), com o propósito de afastar a interpretação literal, assaz perigosa, tanto na interpretação das leis quanto na interpretação dos negócios jurídicos.

2. DIREITO DE TESTAR, E NÃO DEVER. - O testamento é ato permitido ao homem. Nunca houve formal dever de testar. Em geral, a Igreja, que nele sempre teve magnífico instrumento, pugnou pela liberdade de fazê-lo. O povo e alguns juristas cercaram-no de desconfianças: p e r t u r b a a paz pública (diziam uns); estraga patrimônios e heranças (argumento que também vale contra as partilhas obrigatórias); serve a maquinações, a falsidades e aos heredípetas. Nos séculos em que se digladiavam, como, aliás, ainda hoje, os dois princípios, o da sucessão legítima e o da liberdade de testar, cada série de batalhadores buscava argumentos, religiosos, filosóficos, político-econô-

micos, às suas convicções. Assim, há os que tiravam do direito divino a origem e liberdade do ato testamentário (J. G. HEINÉCIO, G. A. STRUVE e P. MÜLLER, MANUEL RIBEIRO NETO, DOMINGOS ANTUNES PORTUGAL, FRANCISCO PINHEIRO). OS

outros, só do direito civil (HENRIQUE

COCCEIUS

e SAMUEL COCCEIUS, CHR. THOMASIUS, SAMUEL STRYK, J. H . BOEHMER

e GOUVEIA PINTO). Mas o que nêles se 16 sôbre a origem do testamento assaz se ressente dos parcos recursos de direito comparado e do quase nenhum critério sociológico. Aqui FURGOLE, dentro da cronologia católica, vai até Adão; ali, com êle, M A N U E L DE ALMEIDA E SOUSA, até o Gênese, 10, v. 5 e 25, e a inadmissível testação dos povos de Espanha e da Lusitânia, antes do domínio romano. Para os nossos olhos de hoje, com os recursos de cronologia, de direito comparado e de crítica histórica, constitui pitoresco exame o folhear tantas páginas de errado informe e de imprestável sabedoria. Profunda lição de humildade e ao mesmo tempo de confiança na evolução da ciência, - mais se avança no tempo, após o século XVIII, mas sabemos dos antigos o que êle de si mesmo não sabiam. Na mecânica da sociedade hodierna, os dois princípios mantêm-se em equilíbrio. Cerca-se de formalidades ato testamentário, vigia-se-lhe, quanto possível, a aplicação. Mas, no policiá-lo internamente, bem pouco se lhe evita aquela liberdade mal entendida, de que falava a Lei de 9 de setembro de 1769, pois que não se entra na apreciação da justiça ou injustiça das deixas. A lei tomou cautelas quanto ao exterior e ao interior dos testamentos; fixou a parte disponível, se há parentes em linha reta. Mas, em verdade, optou pela liberdade, a fim de evitar que se possa intrometer nas disposições testamentárias o critério de outrem. 3. INTERPRETAÇÃO DO TESTAMENTO. - Intervém aqui a questão dos atos jurídicos favoráveis e odiosos. Favorabilia late, odiosa stricte sunt interpretanda. Em poucos assuntos, as regras jurídicas seriam mais frágeis e transitórias. Interpretar favorável o testamento seria interpretar estritamente o favorável à sucessão legítima. Resolver-se, na dúvida, por essa, seria ferir-se aquêle. CHR. THOMASIUS, J. G . HEINÉCIO e outros tinham razão em mostrar, contra HUGO GRÓCIO, a ideia relata da questão dos favoráveis: resolver por um é resolver contra outro. Dois favores, duas soluções possíveis. Claro que, na dúvida, se haveria de resolver pelo testamento e em favor das disposições de última vontade. Mas é preciso distinguir-se. Uma coisa é existência, validade de testamento, e outra, luta de situações, existente e válido o testamento, entre a sucessão legítima e a testamentária. O que então se procura há de ser a vontade do testador, e

o argumento da regra jurídica dos favorabilia nada pode resolver. Fundamentum interpretationis ultimaram voluntatum, escrevia SAMUEL STRYK (De Cautelis testamentorum, 315), non debere esse islum praetensum favorenu sed voluntatem deftincti, a qua obfavorem nunquam deflectendum. A questão assaz se complica no caso de dois ou mais testamentos. Só sentidos histórico e evolutivo podem dar ao jurista o roteiro científico. A razão contemporânea persuade-se de que a ampla liberdade de testar seria causa de ímpias sugestões, de extorsões maliciosas, de simulações e de falsidades (Lei de 9 de setembro de 1769, pr.) Se, hoje, a tivéssemos de adotar, forçosamente passariam ao Estado deveres que incumbem aos pais: ou cresceriam os impostos, ou ocuparia o lugar dos herdeiros necessários a Fazenda Pública. De qualquer modo volver-se-ia ao equilíbrio. Enquanto os outros povos discutiam tudo isso, no direito inglês não havia legítima, parte intestável, a que a lei desse destino hereditário prefixo: o testador podia dispor de todos os bens ( S . SCHUSTER, Bürgerliche Rechtspflege in England, 243). 4 . C O N T E Ú D O DA FUNÇÃO PERSONALÍSSIMA DE TESTAR. - . O testamento só pode ser feito pela própria pessoa (Código Civil alemão, § 2 . 0 6 4 ; Código Civil, arts. 1 . 6 2 3 , 1 , 1.638,^11, 1 . 6 4 0 e 1 . 6 4 5 , 1 ) . Donde se conclui: d) que não é possível constituir mandatário, ou servir-se alguém de representante, ainda legal, para fazer testamento; b) que os absolutamente incapazes (menores de dezesseis anos, loucos, e os privados momentaneamente de juízo, os surdos-mudos que não exprimem a vontade), nem por isso, nem por intermédio de outrem, podem testar (art. 1 . 6 2 7 ) ; c) que o testador não pode deixar a outrem a determinação da identidade de pessoa incerta (art. 1.667 II), nem a do objeto do legado (art. 1.667 IV), nem o decidir sôbre a validade, ou não-validade, de uma cláusula, ou da sua eficácia, ou ineficácia. A personalidade do testamento refere-se assim à vontade como à declaração. Não constituem exceção ao princípio os testamentos dos artigos 1 . 6 5 6 - 1 . 6 5 9 (marítimo) e 1 6 6 0 - 1 6 6 3 (militai"): o terceiro, aí, serve apenas de instrumento. Assim como o Código Civil francês e o Código Civil alemão, desconhece o Código Civil brasileiro o instituto da substituição pupilar ou quase-pupilar do direito romano. Tinha-o o revogado Código Civil português, arts. 1.859-1863 (menores e interditos). No Código Civil português de 1967, artigos 2.297-2.300, foram mantidas a substituição, pupilar e a quase-pupilar. Antes do Código Civil brasileiro, regiam as Ordenações Filipinas, Livro IV. Título 87, §§ 7-11 (substituição pupilar e exemplar ou

quase-pupilar); de modo que, no Brasil, ainda seriam possíveis, após 1917, questões de direito intertemporal. 5. CONSEQÜÊNCIAS DE SER PERSONALÍSSIMO O DIREITO DE TESTAR. -

Por isso que é personalíssima a função de testar, é preciso que a vontade se conceba, não em termos enunciativos, mas dispositivos. Outrossim, deve ter por fonte a vontade do testador, o que vale dizer - exercida livremente, indene a temores, a violências, fraudes, artifícios, ou captações. De ser ato personalíssimo o testamento resulta: não poder ser feito por procurador; nem delegada a outrem a instituição; nem, sequer, deixada ao arbítrio do herdeiro, ou de outrem, o valor do legado; nem cometida a terceiro a designação da identidade do herdeiro, ou o legatário; nem atribuída à vontade de outrem a eficácia ou ineficácia da disposição; nem afastada da imediata escolha do testador, com a instituição disjuntiva que se não pudesse tomar por verdadeiramente copulativa, ou condicional para um ou ambos. Demos exemplos. Não valem as disposições testamentárias: "deixo a têrça parte dos meus bens à pessoa, que minha mulher, no dia da minha morte, designar"; "cabe ao meu sobrinho A um legado, cujo valor meu filho fixará"; "serão meus legatários A, B e C, se a isso não se opuser meu pai"; "serão meus herdeiros os dois filhos de meu irmão ou os três de minha irmã"; "fica a D o edifício maior, se A não designar pessoa mais digna". Mas valem as disposições testamentárias que digam: "deixo dois prédios aos pobres" (entender-se-á aos pobres do domicílio do testador); "deix:o mil apólices federais aos estabelecimentos de caridade"; "a fazenda situada no Estado em que nasci, deixo-a a um dos sobrinhos de lá, que minha mulher (ou B) o determinar"; "lego cem ações ao menor, filho de C, empregado da fábrica, que eu dirigia, e minha mulher escolher"; "deixo duzentas ações ao operário que a diretoria julgar, pelo mérito, que deve receber"; "meu irmão fixará o valor do legado que eu quero que se faça ao meu advogado, a quem devo serviços de porte". Todos êsses casos são atenuações ao princípio geral da indelegabilidade da voluntas testantium. Demais, cumpre advertir: a incerteza que se ressalva somente permite a estranhos poder relativo de eleição. O círculo é estreito (família, pobres, estabelecimentos de caridade ou de assistência pública, membros de corpo coletivo ou de estabelecimento designado, remuneração de serviços). Claro que, tendo havido a disposição "deixo a A ou B, se solteiro", há de entender-se que é herdeiro ou legatário o que se não haja casado. Nesse caso, há instituição condicional. Portanto, válida. É a cláusula si in Capitolium ascendent, como se previa na L. 68, D., de heredibus instituendis,

28, 5. Por outro lado, sob a aparência disjuntiva é possível que se trate de legado, ou de herança, em verba, na verdade, copulativa. Exemplo: "deixo os três predios, um situado aqui, outro em Petrópolis e outro em São Paulo, que caberão a A, ou a B, ou a C". O ato de dispor, positivo ou negativo, não pode ser por intermédio de representante, nem de substituto. Quer quanto ao conteúdo, quer quanto à validade, quer quanto aos efeitos. Mas basta que deixe sinais inconfundíveis, para que se não trate de despersonalização do ato de testar: "deixo as apólices a a g, que o meu testamenteiro entregará ao sobrinho que primeiro fôr promovido a capitão". Adiante, a propósito dos arts. 1.667 e 1.668, miudearemos os casos.

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.659. A - Legislação Sobre interpretação do testamento, ver o art. 1.899 do CC/2002, à vista do art. 112 do CC/2002, este dispositivo revelando regra geral de interpretação dos negócios jurídicos em geral (entre eles o testamento), e aquele outro dispositivo tornando específica a regra, dirigindo-se propriamente ao testamento.

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§ 5.659. B - Doutrina

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Tanto o Código Civil anterior (art. 1.666 do CC/1916), como o atual Código Civil (art. 1.899 do CC/2002), sobre a interpretação do testamento, a mesma regra vigorou e vigora, a dizer que, na dúvida entre interpretações distintas, deverá prevalecer aquela que melhor assegure a observância da vontade do testador. Embora o valor indicativo - e especializado - do melhor caminho de interpretação, o dispositivo (tanto lá na Lei Civil anterior, quanto na atual) poderia ter sido dispensado, eis que a mesma regra, de sorte geral, encontra-se no art. 112 do CC/2002 (correspondente ao art. 85 do CC/1916), ao prescrever que nas declarações de vontade se valorizará mais a intenção ali consubstanciada, e não o sentido literal da linguagem. Pontes de Miranda já advertira antes, neste mesmo volume LVI (§ 5.725, adiante) que se deveria dar um entendimento útil ao art. 1.666 do CC/1916, vale dizer, que se houvesse ambiguidade de interpretação do testamento, dever-se-ia buscar a interpretação melhor e mais eficaz, registrando que esta eficácia não atenderá apenas ao perfil econômico, senão, também, o perfil jurídico e prático. A lição ponteana permanece atual, portanto. Enfim, a regra de interpretação, contida no atual art. 1.899, deverá atentar para a busca e certificação dos efeitos que foram, realmente, queridos pelo testador, no momento da facção do testamento, que alberga a expressão de sua última vontade.

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§ 5.659. C - Jurisprudência No REsp 753.261/SP, a 3.a Turma do STJ debateu a questão da unicidade do ato de testar. No caso em julgamento, a minuta de um testamento foi lavrada no Cartório pelo Oficial sem a presença do testador e testemunhas, e este, posteriormente, foi até à residência do testador colher as assinaturas e cumprir as outras formalidades legais. Isto ocorreu a pedido do próprio testador, que não conseguiria se dirigir pessoalmente até o Cartório em razão de sua idade avançada. Os Ministros entenderam que a lisura do processo foi mantida, e que a mitigação da formalidade foi plenamente justificada, devendo o testamento ser mantido (j. 23.11.2010, rei. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 05.04.2010).

§ 5.660. REVOGABILIDADE INDERROGÁVEL DO TESTAMENTO 1. PRECISÕES. - O testamento, figura jurídico-econômica dos nossos dias, é essencialmente revogável. Nisso difere das primitivas formas de testar, de caráter religioso-político. Só se torna irrevogável com a morte. Até então é a "virtude ambulatória", da imagem atribuída a ULPIANO. OS seus efeitos são a partir do óbito. Nem sempre foi assim. O testamento comicial não esperava o dia da morte. Com as afatomias e as hereditoriae, tinha efeitos imediatos - isto é, desde o dia das cerimónias. O instituído não era apenas alguém que podia vir a ser herdeiro. Era sucessor, com o direito de o ser, desde já. Em todo o caso, a irruptibilidade não pode ser invocada como característica de tais formas primitivas: na Lei de Gortina, podia ser desfeito por outra decisão comicial (F. SCHULIN, Das griechische Testament verglichen mit dem rõmischen, 3 6 ; LUDWIG MITTEIS, Reichsrecht und Volksrecht, 2 1 3 - 2 1 9 ) , ao passo que, no costume germânico, era irruptível. Revogável, pela só vontade do disponente, não. Aqui se torna evidente a diferença em relação ao testamento propriamente dito. 2. CONCEITO DE REVOGABILIDADE. - Dizer-se que era revogável o testamento romano constitui anacronismo. Tem-se de precisar o que se tem como testamento. Dizendo desfazível ad nutum, pomos preconceito moderno sob as palavras. Hoje, sim, êle o é; porque, sem fazermos outro, podemos romper o já feito. Antes, não: revogava-o o nôvo testamento, mas apenas pelo fato, bem simples, de substituir-se uma instituição à outra, sem lapso que justificasse o conceito posterior de revogabilidade com a solução da continuidade testamentária. Tudo faz crer na interpolação

da frase - ambulatoria est enim, voluntas defuncti usque ad vitae supremurn exitum - no final da L. 4, D., de adimendis vel transferendis legatis ve! fideicommissis, 34, 4; ( B O Z Z O N I , Testamento romano primitivo e sa revocabilità, 1 4 s.; A N T O N I O SUMAN, "Favor testamenti", e "Voluntas testantium", 127; G . SEGRÉ, cf. PIETRO BONFANTE, Istituzioni di Diritto Romano, 616). Mais radical, GEORG BESELER (Die Lehre von den Erbvertragen, III, 50). Somente reputou genuína a primeira parte da L. 32, § 3, D., 24, 1, até à palavra valere, mas aí, ainda válido todo o texto, não se poderia falar de revogabilidade. De qualquer modo, um testamento substitui a outro. Essa, a revogabilidade romana. Aliás, não se diria revocatum, mas ruptum. Era de ruptio, e não de revocatio, que se tratava. O que era essencial consistia na designação do sucessor: vindo outro, ainda no caso de póstumo, rompia-se o instrumento anterior. Donde melhor dizer-se (o que consulta a continuidade histórica do direito romano): irrevogável, mas rompível pelo nôvo ato testatório. Continuava de ser principal a nomeação do heres. Só o testamento regular desfazia, iure civili, o anterior. Justiniano permitiu (não como hoje) a revogação dos testamentos. Adiante, a propósito do Código Civil, art. 1.769. A revogação do testamento sõ se teve em Roma, em 530, com a inovação justinianéia. Ainda assim quando da feitura haviam passado dez anos (cfr. FR. M Ü H L E N B R U C H , em C H R . F R . VON GLÜCK, Ausfürliche Erlãutening der Pandekten, 38,178; contra J. W. MARCKART, Interpretationum recept. iur. civ. Lectionum, II, 111, que interpretava o texto, sem a exigência do decurso). Foi o primeiro golpe decisivo na instituição de herdeiro e em favor da voluntas testantium (L. 27, C, de testamentis: quemadmodum testamenta ordinatur, 6, 23). No ano seguinte, na L. 30, C , 6, 23, o respeito à vontade mais se acentuou: - frisou-se a distinção pretoriana entre o corte da linha pelo testador e o corte contra a sua vontade, ou fortuitamente. Já o testamento não se conservava contra explícita vontade; subordinava-se-lhe a existência eficaz à persistência do querer. Se volvemos alguns séculos antes de Justiniano, quando se dizia não valer (= não existir) o testamento que o testador abriu, - e teremos a GAIO, com a solução, para a consciência de hoje, absurda, - nihilominus iure civili valeat. "Valere" era, então, existir. 3. ELEMENTOS DO PASSADO. - Na história do testamento, vemos persistirem, sem razão de ser, caracteres de outros momentos históricos. Dificilmente se desliga do ato jurídico entre vivos, que originariamente foi. Persistiram resquícios àofamiliae emptor, tornado figura inútil, e da ir-

revogabilidade. Se quisermos sintetizar, podemos dizer: crescentemente se favorece a revogabilidade, mas, em compensação, se criam rigores ao ato jurídico revocatorio. Já não intervém a exigência de se substituir um testamento a outro, com o intuito de se evitar o desaparecimento da comunidade doméstica, do culto privado. Mas, em verdade, tais caracteres pertencem a épocas que não tinham o testamento propriamente dito. Em todo o caso, passaram séculos e séculos, sem que se apagasse o caráter de ato jurídico entre vivos, como a entrega do testamento em mãos dos executores, que, no Medievo, os deviam assistir e neles colaborar (R. CAILLEMER, Origines et Développement de 1'Exécution testamentaire, 323-331). Certo, é uma dessas sobrevivências o que se lia e se lê em leis de organizações judiciárias e de funções do Ministério Público, quando, enumerando as atribuições do Curador de testamentos, lhe dava e lhe dá a de promover a exibição dos testamentos em poder dos testamenteiros. No direito atual, não é só em poder dêles que pode estar o testamento. O "detentor" de que fala o art. 1.756 do Código Civil, é, talvez, o herdeiro, ou outrem, que não seja testamenteiro. No direito muçulmano, a aceitação é revogável, para uns (SHAFTITE, Minhâdjat-Talibin, II, 2 8 2 ) , e irrevogável, para outros (HAMILTON-GRADY, Redaya. 6 9 7 ) . Após a morte, sempre revogável (A. QUERRY, Droit musulmán, I, 6 2 9 ) No Direito romano, são visíveis as sobrevivências, como essa, da incapacidade de ser testemunha com que se feria o emptor familiae (GAIO, II, 105-108). Na Inglaterra, só em 1 8 3 7 , com o Wills Act, foi que se apagaram as sobrevivências do originário ato jurídico entre vivos. A revogabilidade ad nutum é característica de testamento moderno. A vontade, para usar a imagem atribuída a ULPIANO, sai a andar, até que o declarante morra. É ambulatória até a morte. Até parar, definitivamente, é-lhe livre voltar. Não se dava o mesmo nas outras formas, das épocas em que não havia testamento propriamente dito. Fruto de decisão comicial, com a função interventora das primitivas testemunhas instrumentarias, o testamento calatis comitiis, é de admitir-se, só se rompia por outra decisão (PAUL FRÉDÉRIC GIRARD, Manuel élémentaire de Droit romain, 7 9 9 ; E . LAMBERT, La Fonction du Droit Civil comparé, I, 424). Assim também na lei de Gortina (F. SCHULIN, Das griechische Testament, 3 6 ) . A adoção in hereditatem do costume germânico não podia revogar-se, nem rompei-se. Os romanistas atribuem às XII Tábuas verdadeira revolução: o ato comicial passava a dar aos indivíduos podêres extraordinários, como os

de instituir herdeiros, deserdar, legar, nomear tutores. Somente mais tarde a quaerela inofficiosi testamenti pôs têrmo a tal regime de extremo individualismo. Mas uma coisa é a lenda de historia jurídica, o texto, e outra, a verdade. É vulgar que algo se afirme em Roma sôbre historia romana, ou escritor grego diga algo sôbre a Grécia, sem que possamos crer no que êsses antigos disseram. Pouco importa que os juristas romanos vissem no testamento das XII Tábuas o que ao tempo dêles havia. Os hodiernos recursos científicos, para conhecer a história dêles, são outros, e mais seguros. Corrigimo-lhes datas, fatos, interpretações. Sabemos reduzir ao devido valor os informes lendários. Agora, raciocinemos com espírito de hoje. Vida é mudança. Legado que hoje se faz, amanhã talvez não no mereça o legatário. Quem hoje se escolheu e se incluiu entre os herdeiros, talvez, no ano próximo, ou no mês que vem, seja inimigo, e se deva excluir. Pode bem ser que, feito o testamento, se descubram o manejo, os ardis, as insinceridades, com que se conseguiu o testamento. O próprio testador pode cair em si da paixão, maldade, ira, contemplação, fraqueza moral, demasiado rigor, com que instituiu ou excluiu herdeiro. Maior experiência da vida pode sugerir-lhe expedientes clausuladores, que acautelem os bens dos descendentes ou beneficiados. Talvez simples maneira de execução dos encargos. Impunha-se, tinha de induzir-se essa regra jurídica fundamental da revogabilidade inderrogável dos testamentos. No direito contemporâneo, é o princípio geral. Primeira conseqüência: não se pode prometer, nem dispor sôbre revogabilidade. 4 . DIREITO DE HOJE. - O Código Civil cogita da revogação do testamento (arts. 1 . 7 4 6 - 1 . 7 4 9 ) , da ruptura, ruptio, do testamento (arts. 1 . 7 5 0 1 . 7 5 2 ) , e da caducidade dos legados (arts. 1 . 7 0 8 e 1 . 7 0 9 ) . Não dedicou regra jurídica especial à perda de eficácia das disposições testamentárias, por ter mediado negócio jurídico entre vivos, de eficácia anterior ao comêço da eficácia do testamento, que é no momento que se segue à morte do testador. Tal assunto pertence, por sua generalidade, à Parte Geral do Direito Civil. Se ao tempo de se iniciar a eficácia do testamento, que é negócio jurídico perfeito em vida do testador, mas de efeitos só com a sua morte, o testador concluiu negócio jurídico com cuja eficácia seria incompatível a eficácia do testamento, deixa êsse de a ter, enquanto aquela eficácia não cessa, ou deixa êsse de a ter para sempre, se aquela eficácia não cessa nunca. Se o testador pôs na quota do herdeiro o direito de habitação (Código Civil, artigos 7 4 6 - 7 4 8 ) da casa H e , em vida, deu em usufruto a casa H a outrem, ou lhe doou a propriedade a outrem, a disposição testamentária é

ineficaz, porque não se pode habitar, por direito, o que, por direito, outrem usufrui, ou não pertence ao testador Para se resolverem os problemas relativos a isso, ou se teria de lançar mão de analogia com as espécies do artigo 1.708,1-m, do Código Civil, ou do princípio geral de direito, segundo o qual a eficácia do fato jurídico só se produz, se não há, no mundo jurídico, eficácia que a pré-elimine. Se a deixa é legado, o art. 1.708,1-V. incide. E. g., o testador quis legar biblioteca para ser aberta ao público, constituindo-se fundação, e vende, antes de morrer, o prédio, ou quase todos os livros, - mudou de vontade, sem haver revogação, que é retirada da voz {revocado), e a disposição testamentária caduca. Outrossim, se o testador diz legar fazenda, para pôsto de ensino agrícola, e a loteia, antes de morrer, não deixando o que se preste ao cumprimento da sua vontade. Ambas as espécies cabem no art. 1.708, I. Porque, aí, a alienação não operou como diminutiva do valor, mas sim como modificativa da coisa, tornando-a inadequada à deixa testamentária, em sua forma, ou em sua destinação. E a adenção, espécie de caducidade (iadimptio legatis).

§ 5.661. CLÁUSULAS DERROGATÓRIAS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO 1. CONTEÚDO DO PRINCÍPIO DA REVOGABILIDADE. - A revogabilidade é tão essencial ao testamento que, ainda onde se permite o contrato de herança, como na Alemanha, são nulas (Código Civil alemão, § 2.302) as próprias cláusulas que obriguem a fazer ou a não fazer, a revogar ou não revogar qualquer disposição de última vontade. Não se proíbe o contrato com efeito de sucessão, mas proíbe-se o pacto de ter de dispor ou de não dispor (EMIL STROHAL, Das deutsche Erbrecht, I, 83). No direito brasileiro, que exclui o próprio contrato de herança, a revogabilidade mantém inteira pureza. No Código Civil, não se tem princípio expresso especial, mas vale o mesmo a definição do art. 1.626, que o diz "ato revogável": "Considera-se testamento o ato revogável pelo qual alguém, de conformidade com a lei, dispõe, em todo ou em parte, do seu patrimônio para depois de sua morte". Na L. 22, pr., D., de legatis et fideicommissis, 32, disse-se: "nemo enim earn sibi potest legem dicere, ut a priore ei recedere non liceat". Código Civil italiano, art. 587. É a invalidade de qualquer cláusula, admitida ou

não pelo uso. Não só a cláusula derrogatória absoluta, impropriamente chamada cassatória (JOSEPH UNGER, System des õsterreichischen allgemeinen Privatrechts, 107), na qual se diz não haver valor qualquer testamento futuro; também a relativa, que preestabelece formalidades, ou pressupostos de conteúdo, para que valham os testamentos posteriores. Houve tempo em que se quis permitida a cláusula derrogatória relativa, para maior garantia da liberdade de testar: ficaria o disponente incólume às pressões dos parentes ou de estranhos, que o obrigassem a testar contra a sua vontade; faria testamento, e não valeria. Mas havemos de convir que maiores seriam os perigos, que de tal vínculo voluntário derivariam, e não se justificaria, perante a segurança pública, tal expediente imunizador às coações. Passado muito tempo, esquecer-se-ia o testador do que escreveu e exigiu, como forma, ao seu querer futuro, testaria sem isso, e teríamos a nulidade de ato que, na verdade, conteria o seu querer. Com a prática de tal cláusula, surgiram, pululantes, os inconvenientes. Para evitá-los, distinções, exceções, pretendidas cautelas, que constituíam trama inextricável. Daí, no século XVIU, as leis que a aboliram. Na Itália, em 1729. Na França, em 1735. Em Portugal, vimos admitir-se que a pessoa se privasse da liberdade de testar, máxime, em relação a alguma coisa ( M A N U E L DE ALMEIDA E SOUSA, Tratado prático e crítico de todo o Direito Enfitêutico, I, 256), mas isso passou. Na Áustria, o § 716 do Código Civil imunizava de tais cláusulas a liberdade de testar, mas dizia: se, na disposição posterior, não se houver expressamente revogado a cláusula derrogatória geral e especial, ter-se-á por válida a cláusula precedente, e não a posterior. Só a 19 de março de 1916, a Novela 3, § 61, veio integrar na corrente geral o velho direito austríaco. Em Portugal, as dificultações de ordem formal (selo das armas, nódoas de sangue) eram da simpatia dos juristas, por serem menos restritivas que favorecedoras da liberdade de testar: com elas, dizia FRANCISCO PINHEIRO (Tractatus de Testamentis, 6 , seção 2 , § 2.°, n. 17) não se priva a si mesmo o testador da faculdade de pôr de parte o primeiro testamento e fazer nôvo, sendo-lhe permitido, nesse, derrogar a própria cláusula anterior; demais disso, pela aposição da cláusula derrogatória, favorece-se a liberdade de testar com o evitamento dos efeitos das coações. Ainda quando lograssem nôvo testamento compulsório, a forma salvaria a vontade livre: testou, mas não vale. As opiniões de SAMUEL STRYK e outros vigoravam. FRANCISCO PINHEIRO e M A N U E L ÁLVARES PEGAS deram exemplos minuciosos. Ainda MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, sem as admitir, diante do direito dos povos cultos (Ordenação de Luís XV, art. 76; Preussisches

Allgemeines Landrecht, II, 7, Título 17, art. 1.°, § 10.°; Código da Sabóia, V Título 1.°, § 25), escrevia: "Inventaram-se as cláusulas derrogatórias formalizadas de muitos modos, e não deixam de ter alguma eqüidade no (único quanto a mim) caso em que o testador, testando livremente, teme ser depois sugerido e atacado por algumas pessoas, para testar a favor delas, e, não o fazendo, cair na sua indignação, desprêzo, etc." 2. ESPÉCIES DE CLÁUSULAS DERROGATÓRIAS. - Havia três classes de cláusulas derrogatórias: potestatis, solennitatis, voluntatis. Umas consistiam na renúncia à faculdade de fazer outro testamento. Outras pré-rejeitavam as solenidades legais, ou, além delas, escolhiam outras, especiais. As últimas preestabeleciam que outro testamento posterior não valesse: a) per verba generalia, por exemplo: "não quero que qualquer outro testamento posterior vigore"; b) per verba specialia, por exemplo: "não valerá qualquer outro, se no fim, ou no princípio, não houver a saudação angélica". Usavam-se em França ( C . DEMOLOMBE, Cours de Code Napoléon, V, 123); e umas e outras, em Portugal (FRANCISCO PINHEIRO, Tractatus de Testamentis, 6, 2, § 2.°, ns. 18, 1 9 ; M A N U E L RIBEIRO N E T O , Comentaria in Ius Civile, I, 14, ns. 3-5). Se percorremos os tratados encontramos a possível revogação de tais cláusulas, o que eliminaria, até certo ponto, a inconveniência. A revogação geral (dos testamentos anteriores) era insuficiente: encontrava a eficiência da cláusula derrogatória antes concebida. Mas a revogação especial (da cláusula derrogatória contida em testamento anterior) tinha-se por plenamente eficaz. Considerava-se ociosa a revogação in individuo (da cláusula tal como foi concebida): pela razão de poder tê-la esquecido o testador, e ficar, em conseqüência, privado da liberdade de testar. Hoje, é princípio geral de direito que tais cláusulas, umas, as clausulae potestatis, contrariam a revogabilidade essencial dos testamentos, outras, as clausulae solennitatis, as solenidades legais do ato que são de ordem pública, e as outras, as clausulae voluntatis, igualmente ferem a liberdade testamentária. Quanto a essas, não se exigindo a regovação in individuo, não seriam tão perigosas. Mas ¿que poderiam adiantar, revogáveis por simples alusão? Um descuido, e esqueceria ao testador revogar, no nôvo, a cláusula derrogatória inserta no testamento anterior. Mais ainda: seriam inúteis, por passarem aos formulários as revogações e constituírem fórmulas, tabelioas, maquinalmente copiadas. Hoje, em vez delas, os que querem testar, ou não testar, e se acham coagidos, recorrem aos meios policiais, à justiça dos testamentos ou, se testaram, deixam elementos para nulidade.

Em matéria testamentaria, não cabe a escolha de formas pelo declarante, como se daria com os contratos (Código Civil, art. 133): não se admitem outros testamentos que não sejam os ordinários (público, cerrado, particular, art. 1.629) e os especiais contemplados no Código Civil (arts 1.631, 1.656 e 1.663).

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.661. A - Legislação A revogabilidade do testamento e a forma de fazê-lo, estão previstas no art. 1.969 do CC/2002. Sobre revogação total ou parcial, ver art. 1.970 do CC/2002. A respeito dos efeitos da revogação, ver art. 1.971. Quanto à revogação do testamento cerrado, ver art. 1.972 do CC/2002.

§5.661. B-Doutrina Como já se registrou, antes, o princípio da revogabilidade do testamento é inderrogávei E o direito de revogá-lo é irrenunciável. Quer dizer: tanto a revogabilidade, quanto a possibilidade de se alterar, mudar ou extinguir o testamento, a qualquer tempo, é da própria essência do negócio jurídico unilateral em questão. Direito inderrogávei e irrenunciável. Os dispositivos legais do Código Civil de 2002 (arts. 1.969 a 1.972) equivalem perfeitamente aos dispositivos legais do Código Civil de 1916 (arts. 1.746 a 1.749). O testamento só pode ser revogado por atos que atendam às formalidades exigidas por lei, para este negócio jurídico unilateral. O art. 1.969 do CC/2002 determina que a revogação só se faça (de modo expresso) pelos mesmos modos e forma pelos quais pode ser feito. Mas isso não significa que o ato de revogação deva ter perfeita correspondência, quanto ao modo e forma que foram utilizados na facção do testamento. Assim, um testamento público, por exemplo, pode ser revogado por um novo testamento particular. Para outras considerações sobre revogabilidade do testamento, remete-se o con| suiente também aos comentários de atualização estampados no § 5.653 e no § | 5.658, neste mesmo volume LVI, antes. 2. De acordo com o art. 1.970 do CC/2002 I (equivalente ao art. 1.747 do CC/1916), pode o testamento ser revogado no todo j ou em parte. Como antes, prevalece a regra inserta no parágrafo único, segundo | a qual, sendo parcial a revogação, permanece válido e eficaz o testamento anterior "em tudo que não for contrário ao posterior. Mas, se o testamento posterior revogar inteiramente o anterior, este será absolutamente ineficaz. Também será ineficaz para todos os efeitos o testamento cerrado que houver sido aberto ou dilacerado, pelo testador ou por qualquer outra pessoa, com o seu consentimento. É a regra contida no art. 1.972 do CC/2002, que repete a regra do art. 1.749 do ¡

! ;

CC/1916. Não há, então e enfim, nenhuma distância entre as duas codificações, permanecendo íntegra a doutrina ponteana a este respeito.

§ 5.661. C - Jurisprudência

i í

No Agln 0168774-13.2011.8.26.0000, julgado pela 3.a Câm. de Direito Privado doTJSP, discutiu-se o reconhecimento de paternidade de filho do testador, após a morte deste último. O agravo buscava o rompimento do testamento. O testamento havia sido feito sobre a parte disponível. O herdeiro, que seria o único beneficiado pelo testamento, alegou que o testador já sabia da existência do ora agravado, e que não o havia mencionado no testamento porque não quis. Assim, o testamento deveria ser mantido. Os desembargadores entenderam que tal questão deve ser decidida pelas vias ordinárias, por depender de dilação probatória, não sendo os autos do inventário adequados para tal 0- 31.01.2012, rei. Des. João Pazine Neto).

§ 5.662. PORÇÃO TESTÁVEL 1. LIMITE LEGAL À DISPOSIÇÃO. - O primeiro limite que se impõe à liberdade no testar é o das regras jurídicas asseguradoras da porção destinada aos herdeiros necessários. O testar só se exerce no que sobra, na outra porção do patrimônio. Se o excede, constitui disposição que, ao morrer o decujo, ofende o direito dos herdeiros necessários. Tanto assim que se não invalida o ato inteiro de dispor, - reduz-se, apenas, à metade disponível. Mais precisamente: tem-se por nulo e ineficaz o que apanha o quanto inviolável. É isso o que se estabelece no Código Civil, art. 1.727.

Cumpre, porém, que se recorde a exposição do Tomo LV. Enquanto as doações a estranhos, ou a sucessíveis legítimos que não são descendentes, são doações definitivas, que têm de caber na quota disponível, as doações e outras liberalidades a descendentes, têm-se como adiantamento da legítima do herdeiro necessário descendente, salvo se o doador afasta a incidência da regra jurídica. Daí poder ocorrer que, a despeito de se ter de saber, a cada doação, qual, no momento, o valor da porção disponível, os valores dos adiantamentos de legítima tenham sido maiores, de modo que, ao morrer o decujo, a porção disponível seja pequena em relação ao que receberam e recebem os herdeiros legítimos necessários, descendentes do decujo. O direito das sucessões estabelece qual a parte disponível e qual a parte que, falecendo o proprietário ou titular de direitos, seria dos herdeiros

necessários. Para que as doações não prejudiquem os futuros herdeiros legítimos, há a sanção de nulidade do contrato (nulidade parcial), no tocante ao excesso em relação àquilo de que o doador poderia dispor no momento da liberalidade. 2. PRESSUPOSTOS E LIMITAÇÕES. - Outras raias existem: tôdas as que derivam de lei que não constitua princípio derrogável pela vontade particular. Daí dizer-se que o testador não pode fazer com que não incidam sôbre as suas disposições outras regras legais, como dispensar de contas os testamenteiros (Ordenações Filipinas, Livro I, Título 62 pr.; Lei de 9 de setembro de 1769) e deturpar figuras jurídicas (exemplo: criar direitos reais além dos que a lei conhece). Dizer-se que a lei fixa porção testável é supor-se direito dos herdeiros necessários no momento da morte do decujo. Testar-se-ia todo o patrimônio se não houvesse a lei que o vedasse. A lei somente o veda se há tais herdeiros. Se os há, as legítimas têm de ser respeitadas, mas a tal inviolabilidade se abrem exceções (clausulabilidade das legítimas; partilha feita pelo testador, desde que não viole a integridade quantitativa da quota hereditária). O que o decujo doou, ou, gratuitamente, atribuiu a alguém, sem ser em adiantamento de legítima, de modo que se haja de computar na porção disponível, é somado para que se saiba qual a porção disponível no momento da morte do decujo. As liberalidades, em tais espécies, são predetrações, e não adiantamento de legítima, nem simples detrações. Se as liberalidades foram válidas, por se ter observado a exigência que resulta do Código Civil, art. 1.176, nada se pode retirar aos beneficiados. Todavia, os valores são computados para se saber qual a quota disponível, se há, no momento da morte do decujo. Não se fale de técnica para complementação da legítima (Ergãnzung des Pflichtteiles, Código Civil alemão, § 2 . 3 2 5 ; com razão, K U R T H A N K W I T Z , Die Einwirkung von Zuwendungen des Erblassers unter Lebenden auf die Gestaltung der Pflichtteilsanpriiche, 8 s.). O valor dos bens da herança, no momento da morte, é o valor de venda, e não o da renda. Tem-se de apreciar o valor comum de cada objeto singular do patrimônio. Advirta-se, porém, que, por exemplo, emprêsa industrial pode ter valor distinto, maior ou menor, daquêles que têm os objetos singulares que a compõem. Aí, o que importa é o valor da unidade econômica, cujos objetos podem ser vendidos, à parte, por aquêles suces-

sores que a hajam recebido, se lhes convém. Se a empresa continua, após a morte do decujo, com os sucessores, de modo nenhum se pode fazer o cálculo pelos elementos componentes da emprêsa. A determinação do valor do todo, ou de parte, ou de unidade, pelo decujo, de jeito nenhum tem eficácia jurídica. Foi ineficaz a declaração dêle. Para o cálculo das porções não se pode tomar por base avaliação das entidades estatais, ou de autarquias, ou de quaisquer outras entidades, exceto bolsas. Se algum direito, pretensão ou ação depende de condição suspensiva, não se inclui no cômputo. Implida a condição, há de ser feito o suplemento. Dá-se o mesmo se não fôra avaliado o direito inseguro, ou a pretensão ou ação duvidosa, e sobrevêm certeza ou seguridade. O inventariante, como o testamenteiro, tem, no intervalo, de providenciar para que se torne certo o direito e sem dúvidas a pretensão ou a ação. No tocante ao cálculo da herança, as relações jurídicas que, com a transmissão hereditária, se extinguiram, por ser caso de confusão extintiva, não se consideram extintas. Feito o cálculo dos valores dos bens da herança (bens de que era titular o decujo no momento em que faleceu, pelo valor que é o da avaliação ao tempo do inventário, mais o dos bens que foram doados, a título de adiantamento de legítima, ou não, pelos valores que foram os do tempo das doações), sabe-se qual o valor da porção das legítimas. Quem teve adiantamento de legítima, que cabe no quinhão, e isso não basta, recebe o que falta. Quem não teve adiantamento da legítima recebe todo o quinhão. Quem teve doação sem adiantamento de legítima, e o quanto era de disponibilidade ao tempo da abertura da sucessão, recebe o quinhão integralmente. Noutro lugar falaremos de correção monetária, quanto a herdeiros necessários. 3 . EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE DAS LEGÍTIMAS.

-

Antes do Decreto n. 1 . 8 3 9 , de 3 1 de dezembro de 1 9 0 7 , as legitimas eram invioláveis, e o princípio da inviolabilidade, incidia em tôda a plenitude. O art. 3.° estatuiu: "O direito dos herdeiros, mencionados no artigo precedente, não impede que o testador determine que sejam convertidos em outras espécies os bens que constituírem a legítima, prescreva-lhes a incomunicabilidade, atribua à mulher herdeira a livre administração, estabeleça as condições da inalienabilidade temporária ou vitalícia, a qual não prejudicará a livre disposição testamentária, e na falta desta a transferên-

cia dos bens aos herdeiros legítimos, desembaraçados de qualquer ônus". Na história do direito nacional, o Decreto n. 1.839 constituiu alteração notável: não só antepôs aos parentes colaterais o cônjuge sobrevivente e limitou à metade a legítima, como também limitou ao sexto grau a sucessão legal (hoje, quarto grau, Código Civil, art. 1.612, com a redação de 1946) e acolheu as possibilidades, de que tratou o art. 3.°, bem representativas de triunfo e invasão da liberdade de testar na zona, antes intangível, da sucessão legítima. No art. 1.723, o Código Civil reafirmou: "Não obstante o direito reconhecido aos descendentes e ascendentes no artigo 1.721, pode o testador determinar a conversão dos bens da legítima em outras espécies, prescrever-lhes a incomunicabilidade, confiá-los à livre administração da mulher herdeira, e estabelecer-lhes condições de inalienabilidade temporária ou vitalícia. A cláusula de inalienabilidade, entretanto, não obstará à livre disposição dos bens por testamento e, em falta deste, à sua transmissão, desembaraçados de qualquer ônus, aos herdeiros legítimos".

Panorama atual pelos Atualizadores §5.662. A-Legislação Sobre o rol das pessoas sucessíveis que são consideradas herdeiros necessários, ver art. 1.845 do CC/2002. Quanto à legítima dos herdeiros necessários, ver art. 1.846; sobre o seu cálculo, ver art. 1.847 do CC/2002.

§ 5.662. B - Doutrina 1 . 0 Código Civil de 2002 alterou a redação dos dispositivos relacionados aos herdeiros necessários, bem como incluiu novos dispositivos, sem correspondência no Código Civil anterior. Assim, por exemplo, está o atuai art. 1.846 que define o que seja a legítima dos herdeiros necessários, fazendo-o com redação clara, afastando a prolixidade própria do anterior Código (art. 1.721 do CC/1916, especialmente a 2.a parte do caput). O art. 1.845 do CC/2002, por sua vez, elencou o rol das pessoas sucessíveis que são consideradas herdeiros necessários, acrescentando - além dos descendentes e ascendentes - a pessoa do cônjuge sobrevivo. Se existirem herdeiros necessários, então, o testador não poderá testar senão até a metade de seu patrimônio, eis que permanecerá reservada a outra metade (legítima) para aqueles herdeiros, obrigatoriamente. A legítima, portanto, pertence aos herdeiros necessários; se a deixa testamentária invadir esta porção hereditária, o negócio jurídico será ineficaz relativamente à parte que excedeu a quota dis-

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ponível. 2. Mais uma vez o legislador do Código de 2002 (art. 1.847) mostrou seu estilo claro e conciso, afastando o teor prolixo da anterior Lei Civil (art. 1.722 do CC/1916), ao dispor a respeito do cálculo da legítima dos herdeiros necessários. A modificação mais significativa corresponde à indicação do modo de se efetivar este cálculo: não pelo total de bens existentes, mas sim pelo valor destes bens. Se ocorreram doações inoficiosas, os herdeiros prejudicados podem se valer de ação própria (querela de doação inoficiosa) para realimentar a metade indisponível (ou legítima dos herdeiros necessários) que houvera sido invadida. Se esse prejuízo ao herdeiro necessário resultar de venda de bens do autor da herança a outro herdeiro, e sem o consentimento dos demais, será possível reequilibrar as quotas por meio de outra ação (ação por fraude de legítima). 3. Importa registrar que, se os chamados a suceder forem os ascendentes do falecido, não será possível pleitear o retorno das liberalidades que a eles tenham sido concedidas.

§ 5.662. C - Jurisprudência A 4.a Turma do STJ, no julgamento do REsp 112.254/SP, considerou a doação como inoficiosa apenas naquilo que ultrapassou a parte disponível do doador no momento da liberalidade (j. 16.11.2004, rei. Min. Fernando Gonçalves, DJ 06.12.2004).

§ 5.663. D I S P O S I Ç Õ E S E S T R A N H A S A O P A T R I M Ô N I O 1. DADOS HISTÓRICOS. - No passado, fato religioso-político, menos do que jurídico-econômico, continham os testamentos regras jurídicas de tôda a natureza, inclusive de direito público. Hoje, se bem que mais jurídico-econômico, não perdeu êle a possibilidade de conter declarações de vontade de ordem não patrimonial, e até de não conter qualquer cláusula referente a bens. E é certo. Pode haver testamento sem conteúdo econômico. Hoje, testamento é o negócio jurídico (e não mais jurídico-religioso ou jurídico-político), pelo qual se estabelece a sucessão testamentária, ou o cumprimento da vontade última. Por êle, com o caráter de declaração de última vontade, a pessoa designa quem tem, por sua morte, de suceder-lhe, em todo o patrimônio, ou em parte aliquanta ou alíquota, em valor ou em certo bem. Qualquer noção de representação do defunto, de continuação da personalidade, seria extemporânea; e o anacronismo prejudicaria a interpretação e a aplicação dos textos legais. Nem sequer se mantém a necessidade da instituição de herdeiro. Por isso mesmo, seria errada, hoje, a definição de J. H. CORREIA TELES (Digesto Português, IH,

§ 1.4S1): "Disposição em que alguém institui um ou muitos herdeiros". Não seria admissível, hoje, a argumentação romanística de F. DE P. LACERDA DE ALMEIDA (.Sucessões, IX), fora de tempo. Em todo o caso, podendo haver testamento sem disposição de bens, é deficiente, como fôra a de M . A . C O E L H O DA R O C H A (Instituições de Direito Civil português, § 673), a definição do Código Civil, art. 1.626. Lendo-a, poder-se-ia, enganosamente, concluir: a) que não há testamento sem disposição de bens; b) que não são testamentárias as disposições estranhas a êsse dispor. No direito brasileiro, não é solenidade intrínseca dos testamentos a instituição de herdeiro. Pode-se testar sem o instituir, distribuindo-se, em legados, toda a herança (art. 1.769), ou, apenas, para dar encargos aos herdeiros legítimos, desde que se lhes respeite, em se tratando de herdeiros necessários, a porção intestável. Já no direito anterior, as Ordenações Filipinas, Liv. IV, Título 86, pr., não faziam imprescindível, no testamento, a instituição de herdeiro, a despeito da referência a codicilo, dito, aliás, "pequeno testamento". Pode ocorrer testamento que nada diga quanto à instituição de herdeiros, nem disponha sôbre legados, nem dê a herdeiros legítimos encargo ou modus. Tal o que alguém faça (e é assaz usado) com o só intento de clausular, nos limites da lei (art. 1.723), a legítima, a metade hereditária. Na espécie, tôda a herança vai aos herdeiros necessários, como se não houvesse testamento. Nem por isso deixa de ser cumprido o negócio jurídico mortis causa, que se limitou, por exemplo, a mandar converter em apólices todo o acervo, ou parte dêle, ou a mandar comprar prédios, a gravá-los de inalienabilidade, de incomunicabilidade ou de livre administração. Ao triunfo da vontade individual contra a família, conceito sacropolítico, correspondem a desnecessariedade da instituição do herdeiro (os bens podem passar a dois ou mais, sem qualquer vínculo abstrato entre o decujo e o sucessor), contra o direito romano, a revogação nua do testamento, que desfaz o que antes se fêz, e até o concurso creditório em torno dos bens do defunto (Código Civil alemão, §§ 1.970, 1.975, 1.977 e 2.061; Código Civil brasileiro, art. 1.554, cf. art. 1.569,1, m , V, VII). Já vimos que a instituição de herdeiro não é solenidade intrínseca dos testamentos. Outrossim, que há e se usam os testamentos só destinados a clausular como inalienáveis, incomunicáveis, ou de livre administração, alguns, algum, ou tocos os bens, ou a obrigar à conversão os bens da herança legítima. São testamentos sem herdeiros instituídos, sem legados e sem modus.

objeto do testamento excede, pois, o conceito de patrimonialidade. Daí ter dito TEIXEIRA DE FREITAS, em nota 3 3 a GOUVEIA PINTO, que é todo o lícito. Não sendo possível definir tal objeto senão como o quid do direito de querer nas disposições de última vontade, importa enunciar-se que o objeto é omnis scibile. Volve-se ã questão: ¿É possível, no testamento, incluir-se a cláusula de não se revogar a doação, cujo objeto se entregou ou só se entregará depois da morte? Noutros termos: ¿ "Entende-se revogável a doação a causa de morte, inserta em testamento?". Sim, pela natureza do negócio jurídico. "¿Pré-elide-se tal interpretação pela renúncia à revogação?" Por outro lado, ¿fora do testamento, pode admitir-se a revogabilidade? Não, porque repugna aos contratos a potestativa pura. A doação a causa de morte, doação in facto esse, mais legado é que doação: revoga-se ad libitum. A introdução do pacto de non revocando transformá-la-ia em doação entre vivos; portanto, cairia na questão preliminar: ¿pode-se, em testamento, fazer contrato ou qualquer declaração irrevogável, ou a revogabilidade do testamento contagia tudo que nele se diz? É o de que iremos cogitar. 2. AMPLITUDE DO OBJETO. - O

§ 5.664. CONTRATOS EM TESTAMENTOS 1. POSIÇÃO DA QUESTÃO. - Velha questão, essa, que separava os escritores europeus dos séculos XVII e XVIII, vindo, com a mesma dura divergência, até os nossos dias. Para bem tratá-la, é de mister dividi-la em três pontos: a) ¿em testamento pode-se fazer contrato?; b) feito em testamento, ¿pode revogá-lo o testador, a despeito de cláusula, que excetue, para o caso, a revogabilidade da cédula?; c) anulado o testamento, ¿subsiste o contrato?

a) Negativamente, J . H . CORREIA TELES (Digesto Português, § 2 4 6 ) . Afirmativamente, TEIXEIRA DE FREITAS (Tratado dos Testamentos e Sucessões, 36), que escreveu: "Meu alvitre é favorável aos contratos, sejam quais forem, - ou para consumar os executados, ou para propô-los, ou para aceitar propostas" (cp. Consolidação das Leis Civis, art. 605, nota). Antes, P. J. DE MELO FREIRE Qnstitutiones luris Civilis Lusitani, III, 5.A ed., 4 1 ) , sem distinguir, dizia poderem celebrar-se, nos testamentos, doações, contratos, e outros atos externos, porque nenhuma lei portuguêsa o proibia, antes o supunha permitido: "Donationes, contractas, et reliqui actus, qui externi

vocantur, inter testandum celebran recte possunt; nulla enim Patria lege prohibentur; quinimo donationes expresse adprobatur, Ord. lib. 1, tit. 62, § 1, "in fine". Era fraco o argumento tirado do direito positivo: resolver-se, para os contratos, fôra resolver-se para as doações, mas resolver-se para as doações (que, feitas em testamento, seriam legados, e legatum est donatio testamento relicta), não seria resolver-se para os contratos em geral. MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA, que lhe censurou a concisão, desceu à questão prática da prova (Notas do uso prático, IH, 257): se em testamento público, fácil será fazer-se o contrato comisto com o testamento; idem, se em testamento cerrado, subscrevendo os contraentes a cédula e o ato de aprovação (II, 562), lição de M A N U E L ÁLVARES SOLANO DO VALE (Cogitationes luridicae atque Forenses, c. 1, n. 40); se em testamento particular, seria preciso que o contrato não dependesse de escritura pública. Raciocínio perfeito, quanto ao testamento público; é escritura; por ela provar-se-iam os mais graves contratos; a certidão bastaria para lhes dar prova. Quanto aos outros, não há negar a nenhuma firmeza que teriam: o romper apagaria todos os vestígios; seriam impossíveis as provas. Mas verdade é que, obrigado nêles alguém, poderia o testador ter interesse em conservá-los. Por outro lado, o que disse M A N U E L DE ALMEIDA E SOUSA sôbre o testamento particular e os contratos que se devem fazer por escritura pública, ter-se-á de dizer quanto aos testamentos cerrados, que não poderiam valer o mesmo que os feitos por instrumento público: o ato de aprovação não os iguala aos que se escrevem nas notas dos tabeliães. Havia os que conciliavam. M A N U E L RIBEIRO N E T O (Commentaria in Ius Civile, n. 46) dizia: se o objeto do ato ou do contrato é pertinente ao do testamento (aceitação do encargo pelo legatário, da tutela pelo tutor testamentário), pode celebrar-se o ato ou o contrato; se não toca ao objeto do que se testa, não vale: "Inter actos seu contractus celebrates circa rem quae testamentum spectat, nec ab illo sunt alieni, nec omnino diversi, quia spectant ad illud, quod quis post mortem suam fieri vult, et inter actos seu contractos, qui fuerint extranei, ita ut ad negotium testamenti non pertineant. In primo casu dicendum est recte posse praedictos contractas in testamento celebrari; nec ob il annullari testamentum; secus in secundo casu, in quo interpositione contractus annullari testamentum existimamus". Antes de respondermos, precisemos: a) estão fora de dúvida os contratos sôbre a herança da pessoa viva: são nulos; b) mas, com o carater definitivo (promessa), ou de oferta, valem os contratos que não se referem a herança, isto é, se não importam contrato de sucessão. Se têm forma especial, é de mister que respeitem a lei nesse pormenor.

b) An huiusmodi contractus in testamento celebratus, possit a testatore revocari. Ofertado, pode ser retirada a oferta se não houve aceitação e nos mais casos de que se vai falar. Aceita a oferta, torna-se definitivo o negócio jurídico. A revogabilidade das disposições testamentárias não pode infirmar, pelo contágio, o que se rege por outros princípios. A irrevogabilidade da declaração contratual nos testamentos participa (e não poderia ser de outra maneira) da teoria geral dos contratos. Regem a espécie os arts. 1.080-1.088 do Código Civil. Se o testador propõe vender a casa a outrem que não os herdeiros, sem prazo, e a pessoa, presente, não declara aceitar, claro que êle pode retirar a oferta. Se, ausente, remete cópia do testamento, somente poderá retirar a oferta depois de decorrido tempo suficiente para a volta da resposta. Dá-se a mesma revogabilidade se ocorre um dos casos do artigo 1.081, IH e IV. Pode suceder que a declaração em testamento seja aceitação, e não oferta. Então, é irrevogável o contrato. De qualquer modo, a promessa de contratar venda, troca, locação, torna-se irrevogável com a morte do testador: o interessado pode aceitar por declaração ao herdeiro (R. DEMOGUE, Effets d'une promesse de vente d'un droit indivis faite par testament, Révue trimestrielle de Droit Civil, 26, 989, contra a Corte de Cassação, 20 de junho de 1927). Em todo o caso, cumpre ao juiz examinar as circunstâncias, a natureza do negócio jurídico, os têrmos da declaração de vontade que no testamento se inseriu (arg. ao art. 1.080). c) An annulato testamento subsistat contractus. Anulado, se por vício de vontade, concernente, também, ao dado contratual, claro que se anula o contrato. Por incapacidade do testador, idem. Se nulo por defeito de forma, cumpre distinguir. As formalidades dos testamentos às vêzes excedem as dos contratos: o que é demais não prejudica, nem a falta da demasia pode ter o efeito de prejudicar o suficiente. Mais ainda. Nos atos que declaram direitos, em vez de os constituírem (diferença, essa, que é de natureza capital no trato do assunto), a revogação do testamento não pode produzir, de direito, a retirada do que se declarou. É possível, nos testamentos, haver tais declarações, porém elas nada têm de comum com o conteúdo patrimonial, ou não, essencialmente revogável, dos testamentos. Seria ofender a declarabilidade daquelas comunicar-lhes a revogabilidade inderrogável dos atos constitutivos de direitos, que integram a figura jurídico-econômica do testamento (art. 1.626). Pode suceder que a declaração, por exemplo - o reconhecimento de filho - se faça em testamento particular ou secreto. Mais ainda: em escritura publica de testamento, sem os requisitos do testamento público, porém com todos os que em geral se exigem aos atos notariais; em testamento

cerrado, cuja cédula esteja perfeita, porém nulo o ato de aprovação. Se o testador rompe o testamento particular, cujas declarações necessariamente as testemunhas conhecem (arts. 1.645, HI, e 1.647), nada obsta a que, na ação de filiação, sejam elas inquiridas. Então, pelo desaparecimento do ato escrito, a lembrança do ato de reconhecer apenas constitui elemento de prova. A revogação pela destruição do instrumento implica retirada de fato. Se a destruição não foi devida ao testador, o processo, que reconstitui o testamento particular, reconstitui a parte dêle que reconhecia o filho. Se o reconhecimento se fêz em testamento cerrado, que o testador não comunicou às testemunhas (o que é a regra), destruído, ou extraviado, não se poderia cogitar do efeito de tão secreta declaração. Feito em testamento público, sem os requisitos dos arts. 1.632-1.634, porém com as formalidades gerais das escrituras públicas, seria absurdo negar-se a firmeza do reconhecimento, que o art. 357 permite se faça no têrmo do nascimento, mediante escritura pública, ou por testamento. Tanto mais quanto é princípio expresso que o reconhecimento do filho não se pode subordinar a condição ou têrmo (art. 361). Se impecável o testamento, mas nuamente ou por outro testamento o testador o revoga, persiste o reconhecimento já feito, a que não se poderia atribuir qualquer condição; a fortiori, a potestativa pura. Feito em testamento cerrado, que foi lido, ou secreto, após aberto e desconstituído por defeito do ato de aprovação, vale, como elemento de prova, o depoimento dos que ouviram, ou, no segundo caso, a despeito da nulidade do ato notarial, será o escrito do testador (não o a rôgo), um daqueles a que se refere o Código Civil, art. 363, HI. A respeito do testamento cerrado, anulado, ou nulo, por defeito do ato de aprovação, mas escrito pelo testador, seguiu a opinião aproximada da boa doutrina o voto vencido de RAFAEL MAGALHÃES, em julgado do Tribunal de Minas Gerais, a 5 de julho de 1922: "O testamento em questão está maculado de vícios substanciais, que lhe tiram, absolutamente, os foros de documento autêntico e solene. Tais são: 1.°) o não ter sido o auto de aprovação subscrito pela parte (o testador); 2.°) o não ter sido o mesmo auto lido às testemunhas antes de por elas assinado. É preceito de lei que o instrumento público nulo, se está assinado pela parte, vale como particular, e pode constituir princípio de prova por escrito (art. 691 do Reg. n. 737). Na espécie sujeita, todavia, nem êsse apreço limitado se pode atribuir ao "auto de aprovação", porque lhe falta - a êsse instrumento - precisamente o requisito da "subscrição da parte", que é o elemento principal da autenticidade. É êsse auto de aprovação, apesar disso, que se invoca para se demonstrar a autenticidade da cédula testamentária. É dêle que se tira a prova da "espontânea apresentação dessa

cédula ao tabelião pelo de cuius, pessoalmente, com a declaração de ter sido, a seu rôgo, escrita por outrem e assinada por êle". É déle que se tira ainda a certeza "da apresentação da cédula, do instrumento lavrado pelo tabelião e assinado por cinco testemunhas presentes, as quais assistiram à entrega, ouviram as declarações do de cuius e viram o oficial lavrar o instrumento pedido". Atribui-se assim fé às declarações constantes de documento não assinado pelo declarante nem por alguém a seu rôgo - contra o que vem estatuído no art. 131 do Código Civil. Resta, entretanto, a cédula, que está assinada pelo testador. E nessa cédula vem declarada a filiação de Luís Espínola. Mas êsse documento está por outrem escrito e sem testemunhas, tem a simples valia de "comêço de prova" ou "meia prova", como diz a Ordenação. Não pode ser o documento "autêntico" de que fala o art. 7.° do Decreto n. 181, de 24 de janeiro de 1890, documento que per se prove a filiação natural paterna. Pode ser, quando muito, o escrito a que se refere o art. 363 do Código Civil, emanado daquêle a quem se atribui a paternidade e contendo o reconhecimento expresso da filiação; escrito êsse quê, nos têrmos do citado artigo dá ao filho ilegítimo ação - "ação própria" - contra o pai ou seus herdeiros para demandar o reconhecimento da filiação". Pelo exposto, julgando não provado o reconhecimento voluntário, nem tendo sido ainda decretado o reconhecimento judicial, mediante ação do filho ilegítimo contra os herdeiros do pai, assiste ao autor, que é irmão do de cuius, em falta de herdeiro mais graduado na ordem da vocação hereditária - o interêsse de agir, que se lhe contesta". Se o testamento particular está em forma legal, escrito e assinado, portanto, pelo testador, e assinado pelas testemunhas, mas não pode ser confirmado, pela exigência do artigo 1.648. também constitui o escrito do art. 363, IH, isto é permite a ação. 2. PROMESSA DE PRESTAÇÃO EM TESTAMENTO. - Pode ocorrer que o testador prometa vender um edifício, ou parte dêle, usando, para isso, do próprio testamento. Na ocasião de abrir-se ou de cumprir-se, vê-se o que prometeu. Vale a promessa. A êsse respeito sucedeu, na França, caso típico: no testamento, um condômino prometeu a outro vender-lhe a sua parte no imóvel indiviso (obrigação pessoal, por se tratar de promessa de venda), mas, na partilha dos bens, coube à mulher meeira, e não ao espólio, o imóvel. Vendeu-o a um legatário universal. A Côrte de Cassação, a 20 de junho de 1927, resolveu que a ação não poderia ser contra êsse, terceiro adquirente. Caducara, com a morte, a promessa. Raciocínio, êsse, insustentável. Partiu da seguinte consideração: "La promesse de vente faite par testa-

raent n'a pu devenir synallagnatique par ¡'acceptation et se transformer en contrat, puisqu'elle ne constitue qu'une disposition faite par testament". A propósito, é de lembrar-se a crítica de R . DEMOGUE (Effets d'une promesse de vente, d'un droit indivis faite par testament, Révue trimestrielle de Droit Civil, 26, 989): "Sans doute on est peu habitue a voir un contrat se greffer sin- un testament. Mais la technique doit être souple et se prêter aux formes que necessite l'utilité pratique. Si une personne a manifesté sa volonté par testament pourquoi celle-ci ne se compléterait-elle pas par une déclaration du tiers a Théritier?"

§ 5.665. P A C T O S S U C E S S Ó R I O S E INFLUÊNCIA NOS TESTAMENTOS

1. ESPÉCIES DE PACTOS SUCESSÓRIOS. - Os pactos sucessórios são de três espécies: de sucedendo, pelos quais alguém vai herdar, suceder, quiçá mutuamente (pacta de mutua successione); de non succedendo, pelos quais alguém renuncia à herança de outrem; de tertii dispositione, pelos quais se dispõe da herança de terceiro. Rigorosamente, duas: a de suceder e a de não suceder. As Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 70, proibiam o contrato sôbre a herança de pessoa viva; suscetível de confirmação por juramento (§§ 3 e 4), com o que se conciliavam o direito romano e o canónico, na espécie do § 4 (contrato contra direito, confirmação no julgamento). Distinção sutil que não dispensa a leitura dos textos. Mas ao princípio geral da interdição dos pactos sucessórios, além da exceção do § 4, firmavam as Ordenações Filipinas, Livro TV, Título 46, pr., a de permitirem-se convenções hereditárias insertas nos pactos antenupciais: "Todos os casamentos feitos em nossos Reinos e senhorios se entendem serem feitos por carta de ametade: salvo quando entre as partes outra cousa fôr acordada e contratada, porque então se guardará o que entre eles fôr contratado". Dir-se-á que o texto precisava de interpretação. Mas, sôbre ser o uso universal das nações (SAMUEL STRYK, W. A. LAUTERBACH), como frisou MANUEL DE ALMEIDA E SOUSA (Notas do uso prático, II, 369, 397), veio a Lei de 17 de agosto de 1761, § 8, que, referindo-se às mulheres nobres, reconheceu a existência da regra singular, permissiva: podiam "estipular com seus respectivos esposos, assim para a vida como para a morte, as reservas e condições que bem lhes parecer, como até agora se praticou sem a me-

§ 5.665.

PACTOS SUCESSÓRIOS E INFLUÊNCIA NOS TESTAMENTOS

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nor diferença". Indiscutível o valor interpretativo (TEIXEIRA DE FREITAS, Tratado dos Testamentos e Sucessões, 281 s.; Consolidação das Leis Civis, art. 354, nota 13). Pouco importava a vantagem. Podiam ser recíprocos e igualmente vantajosos, ou desiguais. Era o que pensavam, com M A N U E L DE ALMEIDA E SOUSA e J . H . CORREIA TELES (Digesto Português, II, § 124 s„ Manual do Tabelião, § 141), M. A. C O E L H O DA ROCHA (Instituições de Direito Civil português, II, § 731), CARLOS DE CARVALHO (Nova Consolidação das Leis Civis, art. 1.488, parágrafo único) e F. DE P. LACERDA DE ALMEIDA (Sucessões, 517-520). Contra: L A F A I E T E RODRIGUES PEREIRA (Direitos de Família, 347-349) e CLÓVIS BEVILÁQUA (Direito das Sucessões, § 79, 283). De qualquer modo, era assaz embaraçosa a construção de tais pactos, - feitos em convenções, tinham de ser revogáveis, pelo essencial às últimas vontades: ao contrário dos pactos antenupciais simples, nos quais non agitur de successione in casum mortis, resistiam à própria convenção sôbre irrevogabilidade ( W . A. LAUTERBACH, Collegium Pandectanim Theoretico-practicum studio, II, 446), contra a opinião de M A N U E L DE ALMEIDA E SOUSA, que admitia não se revogar o pacto, se intervinha a cláusula. BORGES CARNEIRO (Direito Civil de Portugal, n , § 133, 1, 6, 7) considerava irrevogáveis os pactos simples e revogáveis os feitos por morte: se dêles constasse a revogabilidade, ter-se-iam por simples. Mas não construiu a última espécie do instituto. TEIXEIRA DE FREITAS (Formulário, §§ 368 e 313) permitia, sem distinções, estipular-se a irrevogabilidade. Presunção de serem revogáveis, elidível pela convenção. Sendo mistos os pactos, cada parte reger-se-ia pela sua lei. Onde faltasse atualidade, interviria a presunção de ser revogável. Onde houvesse atualidade, impor-se-ia, pela construção, a irrevogabilidade. Contra Ruí BARBOSA (R. de D., 45, 39-57) e F. DE P. LACERDA DE ALMEIDA (Sucessões, 517-520), decidiu a 2.a Câmara da Côrte de Apelação do Distrito Federal, a 1 de dezembro de 1916, seguindo o Supremo Tribunal, a 7 de maio de 1913. Foi o influxo simplista de LAFAIETE RODRIGUES PEREIRA e CLÓVIS BEVILÁQUA. Volver-se-á ao assunto. Os testamentos e os codicilos são negócios jurídicos, unilaterais, a causa de morte. Há outros negócios jurídicos a causa de morte, isto é, que somente têm a eficácia com a morte de alguém seja do manifestante em vida, ou seja de outrem. Mas, aí, há eficácia desde logo, de que deriva a irrevogabilidade, e não a conclusão sem ser possível a revogação, como se passa com o testamento ou o codicilo. A doação mortis causa apenas retarda a completitude da eficácia, porque já se manifesta a vontade, sem retirabilidade da vox.

Não se deve dizer que a vontade individual, nos testamentos e nos codicilos, vá além da morte do decujo. A vontade foi manifestada, era revogável, mas deixou de ser revogável no momento da morte. Desse momento em diante, o que há é efeito da manifestação de vontade, que fôra posta no negócio jurídico unilateral. O direito brasileiro não tem os pactos sucessórios. Nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 70, §§ 3.° e 4.°, havia explícita proibição de pactos sucessórios, ou de promessas unilaterais sucessórias, se de suceder. O pacto e a promessa de não suceder eram permitidos se juramento os confirmasse. No § 3.°, dizia-se: "assi como se algum homem prometesse a outro sob certa pena de o fazer herdeiro em parte, ou em todo, ou lhe fizesse doação entre vivos sob certa pena de todos seus bens móveis e de raiz, direitos e cauções havidos, e por haver, não reservando dêles para si cousa alguma: ou fôsse feito contrato sôbre a herança de pessoa viva, por que aquele, que não devia ser seu herdeiro, o seja sob certa pena; porque tais contratos são assi ilícitos e por Direito reprovados, que não podem se por juramento confirmados: E per conseguinte as penas em êles postas se não podem pedir, nem demandar". No § 4.°: "E sendo os contratos tais, que posto que sejam contra Direito, podem ser confirmados perjuramente, poder-se-á levar a pena entre os contraentes posta, se o contrato não fôr cumprido per aquele, que prometeu de o cumprir, assi como, se fôsse feito contrato entre dous, ou mais que esperavam ser herdeiros por morte de algum, que ainda seja vivo, que por sua morte algum dêles não herdasse em sua herança, ou se algum dêles fizer convença com aquêle, de cuja herança se trata, per que possa herdar nela, ou em outro resultante caso; porque ainda que tal contrato em alguns casos por Direito não valha, pode-se confirmar segundo Direito Canónico por juramento, por não ser tão reprovado, como os outros, de que se acima faz menção. E per tanto bem se pode pedir e levar a pena prometida em êle, se se não cumprir". O texto prende-se a lei de Afonso IV, de que se cogitou nas Ordenações Afonsinas, Livro IV, Título 62, § 6. A Lei de 22 de setembro de 1828 extinguiu o Desembargo do Paço, a que competia a permissão do juramento confirmatorio, e dela se tirou que não mais havia possibilidade de pacto sucessório ou de promessa sucessória. 2. SOBREVIVÊNCIA DO BENEFÍCIO. - Tendo o testador, no testamento, doado coisa, ou parte, alíquota ou aliquanta, para o dia de sua morte, se, a êsse tempo, o donatário sobrevive a terceiro, que, vivo recebe a coisa ou

i, T E S T A M E N T O

PARA EXCLUIR

U M

OU MAIS S U C E S S Í V E I S "ABINTESTATO"

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deixa, - trata-se de negócio hereditário perfeitamente construtível com as re°ras do direito de sucessões. Se, fora do testamento, faz o mesmo, trata-se de negócio jurídico entre vivos, irrevogável, portanto, e figurável pelo elemento condicional. As dificuldades, que podem ocorrer, não consistem na intervenção da pressuposta premorte de outrem. Advém das mesmas combinações ou formas comistas a que antes, mais de espaço, se aludiu.

§ 5.666. TESTAMENTO PARA EXCLUIR UM OU MAIS SUCESSÍVEIS "AB INTESTATO" 1. EXCLUSÃO DE HERDEIROS NÃO NECESSÁRIOS. - Se o testador, que tinha dois ou mais parentes sucessíveis, não necessários, faz testamento, para dizer que não deseja herde seus bens um déles, vale o testamento, como se, em vez de excetuar a êsse, chamasse a sucessão o outro ou chamasse os outros não excluídos. No Código Civil alemão há regra jurídica expressa (§ 1.938): "Pode o decujo, por testamento, sem instituir herdeiro, excluir da sucessão legal um parente ou cônjuge". Na Alemanha, a Fazenda é herdeiro legítimo, § 1.936; porém não se exclui. Se o testador declara o que acima dissemos, procede-se como se o herdeiro excluído não existisse. 2. DIREITO BRASILEIRO. - No direito brasileiro, a solução tem de ser a mesma. Nem é de mister ao testamento conter instituição de herdeiro (Código Civil, art. 1 . 7 6 9 ) ; e no art. 1 . 7 4 2 se permite que se ordene no testamento a deserdação. Se, havendo herdeiros necessários, isso se permite (pois que a êles concerne o ato de deserdar), com mais forte razão se quer excluir cônjuge ou parente colateral: quem, pelos não contemplar, testando tudo o que tem, os exclui (art. 1 . 7 2 5 ) , claro é que os pode excluir de modo expresso: "Não quero que A me suceda", "A não será meu herdeiro". Na L. 24, C, de testamentis: quemadmodum testamenta ordinantur, 6, 23, disse-se: "Consideramos que se devem extirpar as ambigüidades que se originam da imperícia ou da desídia dos que escrevem: os testamentos, e (ou) se a instituição de herdeiros foi escrita depois da dação dos legados, ou se se omitiu outra formalidade, sem intenção do testador, ou por falta do tabelião ou de outrem que escreveu o testamento a ninguém concedemos em tal ocasião, faculdade para subverter a vontade do testador ou diminuí-la". Ambiguitates, quae vel imperitia vel desidia testamenta conscribentium oriuntur,

resecandas esse censemus et, sive institutio heredum post legatoram dationes scripta sit vel alia praetermissa sit observatio non ex mente testatoris, sed vitio tabellionis vel alterius qui testamentum scribt, nulli licentiam concedimus per eam ocasionem testatoris voluntatem subvertere vel minuere). Alguns intérpretes de hoje entendem que, assim, Justiniano aboliu a exigência da nomeação do herdeiro, a necessidade da heredis institutio (por exemplo, PIETRO B O N F A N T E , Scritti giuridici vapi, 1 , 1 3 5 ; CONTARDO FERRINI, Manuale di Pandette, 4. A ed, 6 0 3 ; S. DI M A R Z O , Istituzione di Diritto romano, 5.A ed., 442, 453 e 494). Verdade é, porém, que só há referência a testamentum scriptum e alógrafo. Só se levou em consideração a alografia, tanto que se fala da "imperitia vel desidia testamenta conseribentiam". Nas Instituías, § 34, de legatis, 2, 20, não há distinção. O que mais importa é a heredis institutio, que era caput testamenti.

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.666. A - Legislação

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Sobre a exclusão sucessória de herdeiros colaterais, ver o art. 1.850 do CC/2002 que modifica o art. 1.725 do CC/1916.

§ 5.666. B - Doutrina Na Lei anterior, a exclusão sucessória endereçava-se ao cônjuge ou a parentes colaterais-, no Código Civil agora em vigor, tal exclusão diz respeito apenas a j herdeiros colaterais. A razão é simples. Atualmente o cônjuge encontra-se incluído j no rol dos herdeiros necessários, inclusão esta não verificada no Código anterior; | além disso, a expressão herdeiros colaterais é muito mais técnica que aquela usada, ou seja, parentes colaterais. Se o testador quiser afastar da sucessão seus herdeiros colaterais, não há necessidade de excluí-los expressamente; basta que j o testador disponha, para depois de sua morte, da totalidade de seu patrimônio, j sem contemplar esses herdeiros colaterais que deseja ver afastados. j

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§ 5.666. C - Jurisprudência

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No julgamento do Agln 70033511734, pela 8. Câm. Cível doTJRS, afastou-se da sucessão o parente colateral justamente pelo fato de o testador haver disponibiiizado a totalidade de seu patrimônio, aplicando-se, pois, a regra prevista no art. 1.850 do CC/2002 (j. 25.11.2010, rei. Des. Alzir Felippe Schmitz).

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§ 5.667. I N C A D U C A B I L I D A D E D O T E S T A M E N T O 1. DIREITO ROMANO. - No direito romano, introduziu-se - antes de 418 (imperadores Honorio e Teodósio) - espécie assaz curiosa de ruptio de testamento: a prescrição decenal (L. 6, C. Theod., de testamentis et codicillis, 4, 4). Fundava-se na presunção da mutabilidade do querer: em dez anos, não haveria de ser a mesma a vontade do testador. Por outro lado, em dez anos podia ocorrer estarem mortas as testemunhas (cf. FR. M Ü H L E N BRUCH, em CHR. FR. GLÜCK, Ausführliche Erlãuterung der Pandecten, 3 8 , 174). Ora, se algo se devia de presumir era que tal vontade não mudara: se houvesse mudado, poderia o testador tê-la expresso noutro testamento. Em 530, aboliu tal caducidade Justiniano: o decênio, por si só, não rompe o testamento; mas, tendo passado êle, podia ser feita a prova da revogação perante três testemunhas ou perante o juiz (CHR. FR. MÜHLENBRUCH, 3 8 , 178). A L. 27, C., de testamentis: quem admodum testamenta ordinantur, 6, 23, foi de alta importância, porque, além disso, admitiu a revogação (note-se: a revogação, e não a ruptio) sem nova instituição. 2. DIREITO CONTEMPORÂNEO. - Hoje, não há prazos para caducidade, além do qual se rompam os testamentos, nem para revogá-los é mister aguardar-se qualquer período. Feito hoje, ao meio-dia, pode ser revogado no minuto após ter sido feito. Basta dilacerá-lo o testador, ou ditar outro, com as formalidades legais. Assinado aos dezesseis anos, pode ser aberto e cumprido quando o testador morrer, quiçá aos oitenta, aos noventa, aos cem e tantos anos.

3. DIREITO ALEMÃO, DIREITO suíço E DIREITO RUSSO. - No Código Civil alemão, trata-se do testamento, disposição unilateral do decujo, e do contrato de herança (Erbvertrag), de natureza bilateral. Às vêzes, o Código Civil alemão chama ao testamento "disposição de última vontade" (•letztwillige Verfiigung). A contrário do contrato de herança, é revogável o ato testamentário. Não se cogitou de codicilos, nem de cartas ou cédulas hereditárias (Nachzettel). Não os há. Nem o princípio Nemo pro parte testatus, pro parte intestatus decedere potest, nem o outro - Se mel heres semper heres - poderiam ser invocados. Não se conhece fideicomisso universal. A reserva (.Pflichtteil) consiste na metade da quota hereditária legal. No Código Civil suíço, há o pacto sucessório (arts. 468 e 481) e o testamento. Se há descendentes, pais, irmãos, irmãs ou cônjuge, a faculdade de dispor fica sujeita ao respeito das reservas ou quotas (Pflichtteil): se há

descendente, a quota é de três quartos do que lhe caberia; se pai e mãe, a metade; para cada um dos irmãos, um quarto do seu direito à sucessão; se cônjuge sobrevivente, concorrendo com herdeiros legais, todo o direito de propriedade e reserva, mas sê-lo-á da metade, se é êle herdeiro único (art. 471). Isso, em relação ao cônjuge sobrevivente, não se tratando de usufruto. No caso de usufruto, concorrendo com herdeiros legais, a reserva dos descendentes será de seis dezesseis avos da propriedade e seis dezesseis avos do submetido a usufruto, seja, em conjunto, doze dezesseis avos (EUGÈNE CURTI-FORRER, Commentaire du Code Civil suisse, 3 7 2 ) . Mas, analisando o art. 4 7 3 , A. ESCHER (Das Erbrecht, Kommentar, III, 3 5 ) procurou o conteúdo de tal regra jurídica, que deixa ao testador a faculdade de dispor de tôda a parte dos descendentes em proveito do cônjuge, redutível, por segundas núpcias, à metade, e do art. 462, que reconhece ao cônjuge a opção entre o quarto da propriedade e o usufruto da metade, havendo descendentes. Tem direito ao quarto de propriedade e a três quartos de usufruto, concorrendo com pai e mãe ou a sua posteridade, ou, em concurso com avós, ou sua posteridade, à metade de propriedade e metade de usufruto. A conclusão de A. ESCHER é diferente da que deu EUGÈNE CURTT-FORRER. O direito sucessório suíço constitui intrincado cálculo aritmético, cujos fins difícilmente se percebem: esmerou-se em frações, bem reveladoras do hábito, junto à limpidez expositiva e elegante, de tratar certos problemas jurídicos, como quem faz relógios. No Código Civil russo de 1922 definiu-se o testamento: disposição para o caso de morte, em forma escrita, seja para deixar um bem a uma, ou a algumas pessoas, entre as designadas no art. 418 (herdeiros), seja para repartir êsse bem entre algumas delas, ou entre tôdas essas pessoas, de maneira diferente da prevista no art. 420. Privadas, pelo testador, dos direitos sucessórios tôdas as pessoas mencionadas no artigo 418, passavam os bens ao Estado, segundo os arts. 417 e 433. Só existia sucessão até dez mil rublos-ouro, feita a dedução das dívidas do defunto (art. 416). São herdeiros legais: os descendentes, o cônjuge sobrevivente e as pessoas incapazes de trabalhar ou indigentes, que estavam a cargo do defunto, há um ano, pelo menos, antes da morte (art. 418). Só os vivos ou concebidos podem herdar. Se não há testamento, herdam em partes iguais (art. 420). Os que viviam com o defunto recebem, sem se ter em conta o limite, os bens que constituíram a instalação e proviam às necessidades correntes do lar, excluídos os objetos de luxo (art. 421). Mas foi revogada a parte em letra grifa. Não há, pois, herdeiros testamentários fora do art. 418. Pode o testador dispor

que o herdeiro cumpra o que ditar a favor de uma, algumas ou todas as pessoas designadas na lei (arts. 418 e 422), e os beneficiários podem exigir a execução (art. 423). Permitem-se as substituições testamentárias, sem se sair das pessoas do art. 418. O testamento tem de ser assinado pelo testador e apresentado a órgão notarial, para ser inserto no registo de atos. No caso de analfabetos, assina-o terceiro por êles. A pública forma segundo o registo de atos faz as vezes do original (art. 425). O posterior revoga o anterior, no que o altera (art. 426, 1.a parte). Pode-se revogar o testamento sem se fazer nôvo, por declaração notariada ou judicial, que se inscreve no registo de atos ou no protocolo judiciário (2.a parte). A execução incumbe aos herdeiros instituídos, salvo se o testador encarregou alguém (executor testamentário, "testamenteiro" do direito brasileiro); mas deve ter consentido o encarregado (art. 427). Desde fevereiro de 1926, a integralidade da sucessão passa aos herdeiros, abolido o limite de dez mil rublos; mas as categorias de sucessíveis ficaram. Foram revogados os artigos 415, 419, in fine, 422, in fine, e 424, in fine. 4. DIREITO ITALIANO. - No direito italiano, o testamento ordinário não caduca por tempo. As disposições testamentárias, a essas, se foram atendidos todos os requisitos de fundo e de forma, pode acontecer que fato superveniente, tal como ocorre se houve revogação do testamento, ou de outro testamento posterior que revogue a disposição, ou de fato estranho à vontade do testador, impedidos ficam os efeitos. Falam os juristas de eficácia, que se extingue. Mas a revogação é retirada da vox, portanto exclusão do próprio suposto fáctico. Quanto ao testamento em caso de moléstia contagiosa, calamidade publica ou infortúnio, há têrmo dito de eficácia (termine di ejficacia). Lêse no Código Civil italiano, art. 610: "II testamento ricevuto nel modo indicate dall'articolo precedente perde la sua efficacia tre mesi dopo la cessazione delia causa che ha impedito al testatore di valersi delle forme ordinarie. Se il testatore muore nell'intervallo, il testamento deve essere depositato, appena è possibile, nell'archivio notarile del luogo in cui è stato ricevuto". Quanto ao testamento marítimo, diz o art. 615: "II testamento fatto durante il viaggio per mare, nella forma stabilita dagli articoli 611 e seguenti, perde la sua efficacia tre mesi dopo lo sbarco del testatore in 11 n l u °go dove è possibile fare testamento nelle forme ordinarie". Ainda, a respeito do testamento a bordo de aeronave, estabelece o art. 616, 1.a

alínea: "Al testamento fatto a bordo di un aeromobile durante il viaggio si applicano le disposizioni degli articoli 611 a 615". 5. DIREITO PORTUGUÊS. - No Código Civil português (de 1966), depois de cogitar dos testamentos de forma especial, o art. 2.222 estatui: " 1 . 0 testamento celebrado por alguma das formas especiais previstas na presente seção fica sem efeito decorridos dois meses sôbre a cessação da causa que impedia o testador de testar segundo as formas comuns. 2. Se no decurso dêste prazo o testador fôr colocado de nôvo em circunstâncias. 3. A entidade perante quem fôr feito o testamento deve esclarecer o testador acêrca do disposto no n. 1, fazendo menção do fato no próprio testamento; a falta de cumprimento dêste preceito não determina a nulidade do ato".

CAPÍTULO III CAPACIDADE PARA FAZER

TESTAMENTO

§ 5.668. C A P A C I D A D E D E D I R E I T O E C A P A C I D A D E N E G O C I A L 1. NOÇÕES SÔBRE CAPACIDADE DE CONCLUIR NEGÓCIO JURÍDICO.

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Todo homem é capaz de direitos e obrigações na ordem civil (capacidade de direito, Código Civil, art. 2.°). Além das pessoas físicas, existem as pessoas jurídicas, mas o testamento é ato essencialmente ligado ao fato da morte física: só o ser humano pode testar. Mas, entre êsses, há os que, pela insuficiência social (menores de dezesseis anos, silvícolas inadaptados, loucos), ou por ocasional perturbação do juízo, ou, ainda, pela impossibilidade material de manifestar a vontade, não podem testar (incapacidade de testar, art. 1.627). Outros, que são inábeis para determinadas formas testamentárias (inaptidão para o ato formal). Somente da capacidade negocial para o testamento é que temos de tratar. 2. PESSOAS FÍSICAS E PESSOAS JURÍDICAS. - A S pessoas jurídicas não testam. Não é por não poderem dispor. Contratam, doam, alienam. Dispõem sôbre o próprio destino dos bens, nos casos de extinção, que são imagens da morte física. ¿Será porque a personalidade delas só se justifica pelo fim socialmente útil que lhes dá a ordem jurídica? Testar supõe morte; portanto, ultrapassa o fim. ¿Será porque, perpétuas, não poderiam testar; e , temporárias, o fim lhes é previsto? Tudo isso cairia em especulação. As pessoas jurídicas não testam, porque, na determinação histórica, o testamento serviu à pessoa física, na transmissão religioso-política, político-jurídica, jurídico-econômica, e o direito vigente não se desprendeu do conceito de morte física, realística, no definir o testamento.

3. INCAPAZES DE TESTAR. - Diz o Código Civil, art. 1.627: "São incapazes de testar. I. Os menores de dezesseis anos. II. Os loucos de todo o gênero. III. Os que, ao testar, não estejam em seu perfeito juízo. IV. Os surdos-mudos, que não puderem manifestar a sua vontade". Não podiam testar: os menores de quatorze anos e as menores de doze (Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, pr.); os filhos-famflias, ainda que os pais consentissem, exceto quanto aos bens castrenses e quase-castrenses (Livro IV, Título 81, § 3.°, Título 83, § 1.°, e Título 91, § 1.°); os loucos e os pródigos tolhidos da administração de seus bens (Livro IV, Título 81, § 5.°); os religiosos professos (Título 81, § 4.°). Com a Constituição do Império, art. 179, § 5.°, cessou a incapacidade testamentária dos hereges e apóstatas, por não ser possível perseguir-se alguém por motivos de religião. Por outro lado, a despeito de se falar de morte civil no Código Comercial, art. 157, 3, imitação do Código Comercial português, não se incluiu entre incapazes os condenados À pena última (TEIXEIRA DE FREITAS, Consolidação das Leis Civis, art. 993, nota 6). O escravo tinha capacidade testamentária passiva (Lei n. 2.040, de 28 de setembro de 1871, art. 4), porém não a ativa (Livro IV, Título 81, § 4.°; Aviso n. 16, de 13 de fevereiro de 1850). Valia o testamento do louco em momentos lúcidos (Consolidação das Leis Civis, art. 995). A disposição referente a religiosos professos já se achava revogada. 4. POSIÇÃO JURÍDICA DO TESTADOR. - O testamento supõe sujeito de direito que seja o testador. Deve estar consciente e livre, conhecer a natureza do ato que pratica, e partirem de si, e não de outrem, as vontades que exprime: liberdade e testamentificação são inscindíveis. O conjunto de pressupostos para ser capaz de testar, isto é, ser declarante no negócio jurídico unilateral testamentário - necessários e suficientes - é a capacidade testamentária, menos extensa que a capacidade de direito (personalidade), porque há pessoas que não testam, se bem que sejam capazes de ser sujeitos de direito (e.g., menores de dezesseis anos). Além dos que são pessoas, e não testam por defeito ocasional, e os que não testam, por defeito de idade (insuficiência social), há os que, pessoas, nunca poderão testar, e são as pessoas jurídicas, que também não adotam, nem se inserem em família. 5. BENEFICIADOS PELO TESTAMENTO. - A disposição testamentária beneficia a alguém: herdeiro, legatário, ou favorecido pelo modus. No beneficiado hão de exigir-se a personalidade (capacidade de direito) e a capacidade para adquirir por testamento (testamentificação passiva).

Fala-se de incapacidade testamentária ativa relativa, que se distinguiria da incapacidade testamentária absoluta, segundo o Código Civil, art. 1.627, e seria: a) a que consistiria na vedação de usar de certas formas testamentárias; b) a de só dispor de alguma parte do patrimônio; c) a proibição de testar em favor de certas pessoas. Mas seria estender-se a situações heterogêneas a noção de capacidade. A primeira circunstância é exigência legal: tanto não é relativa à capacidade, que pode ter de reger-se pela lex loci, em vez de o ser pela lex successionis. A segunda é a exigência do respeito aos direitos dos herdeiros necessários, oriundo da organização da família, dentro do tempo. A terceira é o rechaço, a impressão, o verso, o reflexo da incapacidade testamentária passiva: mais interessa ao testado que ao testador. Falar-se em incapacidade testamentária ativa, no sentido da letra c, seria optar-se por injustificável terminologia, que o Código Civil, art. 1.719, à semelhança de outros, refugou. A capacidade de testar e a de receber por testamento não coincidem: o louco, o menor de dezesseis anos, podem receber por testamento, e não podem testar; as pessoas jurídicas, as fundações, não testam, e podem receber o que se lhes deixa. Mais ainda: pode contemplar-se, em certas circunstâncias, o que ainda não nasceu, nem foi concebido.

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.668. A - Legislação !

Sobre a capacidade/incapacidade de testar, ver art. 1.860 do CC/2002. Sobre a superveniencia de incapacidade do testador capaz, ou sobre a superveniencia de capacidade do testador incapaz, ver art. 1861 do CC/2002.

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§ 5.668. B - Doutrina

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Para testar, o testador (pessoa física) deve possuir capacidade genérica Para os negócios jurídicos, em geral, ressalvadas as restrições legais, próprias do testamento. Esta faculdade de testar é de ordem pública, portanto, irrenunciável. Assim, e considerando a generalidade, podem testar as pessoas capazes, escolhendo livremente a forma que elejam para o exercício deste direito. Quanto à excepcionalidade, a Lei Civil arrola os casos em que, embora capazes - mas particularmente inábeis, à vista de não possuírem qualidades

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físicas ou requisitos intelectuais indispensáveis - certas pessoas não podem escolher determinadas formas testamentais, como, por exemplo, o mudo, o surdo-mudo, o cego, o analfabeto e o impedido, ainda que temporariamente, de ler. Assim, o mudo e o surdo-mudo só estão autorizados a testar por meio de testamento cerrado (art. 1.873 do CC/2002); o cego só pode se utilizar da forma pública para exercer o seu direito de testar (art. 1.867 do CC/2002); o analfabeto ou aquele que não pode ler não podem fazer testamento cerrado (art. 1.872 do CC/2002); e quem não sabe ler nem assinar está impedido de fazer testamento particular (art. 1.876 do CC/2002). 2. O atual art. 1.860, parágrafo único, do CC/2002, determina que os maiores de 16 anos têm capacidade especial para outorgar testamento. Os incapazes de testar, segundo a Lei Civil em vigor, seriam os absolutamente incapazes (art. 3.° do CC/2002) e os relativamente incapazes (art. 4.° do CC/2002). Vale dizer, é nulo o testamento feito por incapazes. Mas é importante mencionar - a melhor doutrina mostra que há (e deve haver) exceções, toda vez que a facção do negócio jurídico unilateral tenha sido produzida em momentos de lucidez e discernimento suficientes para emprestar validade e, depois, eficácia, a tal testamento. É o caso do deficiente mental que tenha discernimento apenas reduzido, se, no momento da facção, estivesse lúcido e com grau suficiente de discernimento; esta condição deve ser constatada e provada no momento da outorga do testamento. Ou ainda, o ébrio habitual, que poderá testar se, naquele momento, estiver completamente sóbrio (o que se deve provar absolutamente); ou o viciado em tóxico, se no momento de testar estivesse completamente livre dos efeitos das drogas (situação que também deve ser devidamente comprovada). Ainda devem ser excepcionados certos incapazes, como o pródigo (mesmo porque, entre os atos que ele não pode praticar, não se encontra o testamento) ou como o excepcional, de estiver com suficiente grau de discernimento, à época. Como se vê, todas as circunstâncias que puderem ser indicativas de excepcionalidade, referentemente às restrições à capacidade de testar dos incapazes, devem ser analisadas em cada caso concreto e suas peculiaridades. Desta sorte, nota-se que o Código Civil de 1916 esteve mais bem redigido que a atual legislação. A generalidade posta pelo legislador atual (incapazes), não melhorou a aplicação do dispositivo restritivo do exercício do direito de testar. 2. Quanto à capacidade ou incapacidade das pessoas para fazer testamento, aplica-se a regra tempus regit actum, de tal sorte que a lei que rege a capacidade testamentária é a vigente ao tempo da facção do testamento.

§ 5.668. C - Jurisprudência Por ocasião do julgamento do Agin 1136949/SP, o Ministro do egrégio STJ, Raul Araújo, entendeu que a perícia indireta, realizada após a morte do autor da herança, não pode prevalecer sobre pareceres médicos lavrados durante a vida do testador que atestaram sua plena capacidade civil. (STJ, Agln 1136949/SP, j. 24.11.2010, rei. Min. Raul Araújo Filho, DJ 29.11.2010)

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§ 5.669. C A P A C I D A D E T E S T A M E N T Á R I A ATIVA

- Na sucessão exige-se que haja no testador a capacidade de testar; e nos herdeiros e legatários, a capacidade de suceder por testamento. Capacidade testamentária ativa e capacidade testamentária passiva. Direito de testar é o direito de declarar o querer, por disposição de última vontade. Como capacidade de direito, todos o têm; como capacidade, não de direito, mas de testar, só o têm aquelas pessoas que o Código Civil, art. 1 . 6 2 7 , não exclui. A regra é que tôdas as pessoas físicas são capazes. Só se poderia considerar a incapacidade como excepcional. Não seria admissível o princípio contrário. Nem, tão-pouco, presumir-se a incapacidade ativa. Ainda a propósito de doenças e moléstias, todos são capazes, exceto os que a lei exclui. Por isso mesmo, seria ocioso dizer-se, como fazia o Código de Zurique, § 993, não influir na capacidade de testar a doença de corpo. É verdade que, em alguns estilos notariais, se escreve "achando-se são de corpo e de espírito", ou "achando-se são de corpo e alma"; a primeira parte constitui declaração inútil (VITTORIO POLACCO, Delle Successioni, 1 6 0 ) . Não se deve restringir, nem assimilar a capacidade testamentaria aos fundamentos da capacidade de exercício dos arts. 5 e 6 do Código Civil. Tanto assim que os maiores de dezesseis anos e menores de vinte e um têm plena capacidade de testar, se bem que, para outros atos negociais ou não-negociais, sejam relativamente incapazes e precisem da assistência dos pais ou dos tutôres. Também não se há de confundir a capacidade testamentária ativa com a capacidade de disposição: há limitações ao direito de dispor sem qualquer repercussão nas declarações mortis causa. Os homens casados e mulheres casadas estão sujeitos a várias limitações no dispor, e, quanto a êsses mesmos bens, podem, livremente, testar. O condômino somente pode dispor como em vida poderia; o sucessor será condômino. 1. CAPACIDADES TESTAMENTÁRIAS ATIVA E PASSIVA.

testamentária,

2. TÉCNICA LEGISLATIVA A RESPEITO DE CAPACIDADE - A capacidade civil (Código Civil, arts. 6,1, e 9) não coincide com a capacidade nupcial (art. 183, XII), nem com a capacidade de ser testemunha (art. 142, III), nem com a capacidade de testar (art. 1.627,1). A civil começa aos vinte e um anos, quiçá, mas acidentalmente, pela venia aetatis, aos dezoito (artigo 9,1), pelo casamento, pelo exercício de emprêgo público efetivo, pela colação de grau científico em curso de ensino superior, ou pelo estabelecimento civil ou comercial, com economia própria (art. 9, II-V). A nupcial, aos dezesseis, para a mulher, e aos dezoito, para os homens. A de ser tes-

temunha (capacidade euremática, arts. 142, HI, e 1.650,1) e a capacidade testamentária são simétricas e indiferentes ao sexo. De modo que, antes de poder o menor praticar, por si só, atos jurídicos entre vivos (salvo oculta ação dolosa, art. 155), pode testar válidamente. ¿Qual a razão de tal diferença? Quando se trata de atos entre vivos, o menor aliena, ou vincula-se, faz-se devedor, obriga-se, imediata e irrevogàvelmente, conforme os princípios: compreende-se que se lhe exija mais experimentado conhecimento da vida, pois são atos de homem a homem, ainda quando unilaterais. (Nas disposições de última vontade, minora o inconveniente da idade a inderrogável revogabilidade do testamento, cujos efeitos são mediatos.) No Código Civil brasileiro, tal capacidade é a priori, e até os dezoito anos não será possível a emancipação do menor, de modo que a incapacidade relativa, a priori, até os dezoito anos, é atenuada pela dolosidade da declaração, art. 155. É particularmente notável a simetria entre os sexos, que o Código Civil, só excetuado na capacidade nupcial, estabeleceu a respeito da idade. Comparando-se a capacidade nupcial e a testamentária, vê-se que o Código Civil considerou o ato matrimonial, para o homem, mais grave que o testamento. Porém seria superficial tal conclusão. No exigir dezesseis anos às mulheres e dezoito anos aos homens, para que se possam casar, a lei atendeu a considerações relativas à geração. A capacidade de testar precisa ser apurada ao tempo da disposição. A do momento da morte não tem, no direito brasileiro, nenhuma importância. Das incapacidades, que o Código Civil enuncia (Código Civil, art. 1.627), a do inciso I é a priori, dependente, tão-só, da idade; a do inciso II, é a priori, ou ipso iure, se há interdição: havendo-a e provando-se, é nulo o testamento; mas será a posteriori, dependente de prova, se não houve interdição; a do inciso III, sempre a posteriori, requere prova; a do inciso IV, coincide com a capacidade de exercício segundo o art. 5, III: pode ser a priori, se houve interdição, e será a posteriori, se não houve.

§ 5.670. M E N O R E S D E DEZESSEIS ANOS (I) 1. DIREITO ROMANO E OUTROS SISTEMAS. - No direito romano, já a L . 2 5 , § 1, D . , de mortis causa donationibus et capionibus, 3 9 , 6 , p e r m i t i a

que o filho-famílias fizesse doação mortis causa, mas não podia testar. O testamento não era, então, jurídico-econômico (patrimonial): era nomea-

ção de sucessor (fato religioso-político), na soberania do grupo familiar. Nos nossos dias, o Código Civil francês, art. 904, permite ao que já fêz dezesseis anos, porém é menor, dispor em testamento, até a metade da parte disponente (semelhantes, quanto aos pródigos, algumas legislações). Trata-se de tentativa de solução técnica, conciliatória. No Código Civil austríaco, § 568, regra jurídica parecida, a propósito de pródigo, foi assaz censurada (JOSEPH UNGER, System des õsterreichischen allgemeinen Privatrechts, VI, 4). No direito inglês, a capacidade de testar também começa aos vinte e um anos (K. WERTHEIM, Wõrterbuch des englischen Rechts, 565). No direito francês, a propósito de testamentificação do menor, contém o Código Civil, arts. 488 e 904, curioso expediente a que chamaríamos de semicapacidade objetiva. Diz o art. 904: "Le mineur parvenu à 1'âge de seize ans ne pourra disposer que par testament, et jusqu'á concurrence seulement de la moitié des biens dont la loi permet au majeur de disposer". A emancipação nenhum efeito tem na capacidade testamentária: o art. 904 atua até os vinte e um anos. Se, a despeito disso, o menor testa porção maior que a do art. 904, não são nulos os legados, mas redutíveis à parte permitida em lei. Tal parte não é a metade da fortuna do menor, mas a metade da porção testável. Assaz se censurou o expediente francês (e. g., F. LAURENT, Principes, XI, 191; TH. Hue, Commentaire, VI, 113): alguns juristas não concebem meia capacidade para um só e mesmo ato, e prefeririam a incapacidade absoluta. Historicamente, os Costumes de Paris (art. 293), de Calais (art. 86) e de Orléans (art. 293) estabeleciam a intestabilidade dos móveis e dos adquiridos até vinte anos e dos próprios até vinte e cinco. Considerações do interêsse dos herdeiros introduziram a testabilidade de uma porção, restrita, do patrimônio do menor. Diante das duas tradições, a romana e a costumeira, o Código Civil francês elaborou o art. 904, bem significativo da sobrevivência de ambas. A Lei francesa de 28 de agosto de 1916 acrescentou ao artigo 904: "Toutefois, s'il est appelé sous les drapeaux pour une campagne de guerre, il pourra, pendant la durée des hostilités, disposer da la même quotité que s'il était majeur en faveur de l'un quelconque de ses parents ou de plusieurs dentre eux et jusqu'au sixième degré inclusivement ou encore en faveur de son conjoint survivant. À défaut de parents au sixième degré inclusivement, le mineur pourra disposer comme le ferait un majeur". 2. DIREITO BRASILEIRO. - No direito brasileiro, o menor de vinte e um anos e maior de dezesseis está plenamente habilitado, por exemplo, para

ir a cartório e ditar ao tabelião o seu testamento. A simples prova de ter o pai vedado o ato do filho, ou criado dificuldades à livre manifestação da vontade testamentária, constitui causa suficiente para as medidas do art. 394 ou 395,1 e III, do Código Civil, além da responsabilidade criminal respectiva, na salvaguarda penal da liberdade de testar. Se o abuso parte de tutor, êsse, além de ser punido, deve ser destituído. Escrito pelo menor, ou escrito por outrem e por êle assinado, ou a rôgo, aprovando-o o oficial público, vale igualmente o testamento cerrado. Diga-se o mesmo do testamento particular hológrafo. A lei não veda ao pai, ou tutor, ser testemunha testamentária. Mas, se isso não causa invalidade (tanto mais quanto ficaria excluída a instituição a ascendentes, descendentes, irmãos e cônjuge do pai ou tutor, ou a qualquer dêsses (arts. 1.650, IV e V. e 1.719, II), é desaconselhável, pela possibilidade de ação de anulação com fundamento nos arts. 98 e 101 do Código Civil (coação).

Panorama atual pelos Atualizadores

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§ 5.670. A - Legislação

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Sobre a relativa incapacidade dos maiores de 16 anos, ver art. 4.° do CC/2002, que alterou substancialmente o corte etário registrado no Código Civil de 1916.

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§ 5.670. B - Doutrina i Foi substancial a alteração legislativa contida no atual Código Civil, diferente do que estava na Lei anterior. O legislador de 2002 reduziu a idade para que alguém atinja a maioridade civil, de 21 para 18 anos. Portanto, agora os maiores de 16 anos e menores de 18 anos, formam a categoria dos relativamente incapazes. Em regra, essas pessoas só podem praticar atos da vida civil se estiverem assistidos por seus representantes. No entanto, há atos que esses menores poderão praticar sem assistência, entre eles o de elaborar testamento (art. 1.860, parágrafo único, do CC/2002). Vale a pena registrar que o legislador institui idade mínima para testar (16 anos completos, portanto), mas não institui idade máxima, desde que o idoso esteja com a sua capacidade mental plena. Por outro lado, a emancipação legal matrimonial, que admite a antecipação da idade núbil (16 anos), desde que haja o consentimento dos pais, tornando capazes os menores que se casam, não lhes atribui, no entanto, capacidade para testar, se tiverem menos que 16 anos.

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§ 5.670. C - Jurisprudência Em relação à capacidade de testar do idoso, no julgamento da ApCiv 70019922699, a 7.a Câmara Cível doTJRS afastou o pedido anulação de testamento, pois não restou comprovado qualquer incapacidade do testador à época da confecção do instrumento, sendo a simples idade avançada um argumento iníquo para a anulação do testamento (TJRS, ApCiv 70019922699,7.a Câm. Civ., j 08.08.2007, rei. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves).

§ 5.671. LOUCOS DE TODO O GÊNERO (II) 1. EXERCITABILIDADE DOS DIREITOS E DE FUNÇÕES DE ORDEM JURÍ-

- Para a exercitabilidade dos direitos, a lei parte do pressuposto da consciência, da liberdade dos atos, e torna função da suficiência social, assim a responsabilidade penal como a capacidade civil, geral ou especial. Donde as regras jurídicas concernentes aos loucos em geral (Código Civil, artigo 5, II) e à incapacidade testamentária por loucura, ou imperfeição episódica de juízo. DICA.

Todos os negócios jurídicos e todos os atos jurídicos stricto sensu exigem a vontade, inteligente e livre, segundo o conceito da coexistência social. Nesse ponto, o direito do artigo 1.627, II, coincide com o do art. 5.°, II, que regula os atos jurídicos em geral, com o art. 1.650, n, referente às testemunhas testamentárias, e com o art. 142,1, que dos loucos fala como incapazes de testemunhar, instrumentária ou probatoriamente, em quaisquer atos da vida jurídica. Se o testador, ao tempo de testar, estava interdito por loucura, deve o juiz, diante da prova, negar o cumpra-se: trata-se, em verdade, de simples verificação de datas. O respeito aos atos do registo público impõe tal procedimento. Se é certo que são igualmente nulos os atos praticados pelo louco interdito e pelo não interdito, pois que a interdição apenas declara a infirmitas mentis, não é menos certo que a prévia declaração de tal insanidade vulnera, fundamentalmente, sem dependência de declaração de loucura, que já se fêz, os atos pelo louco praticados. Muito diferente da invalibilidade implícita (LORENZO BORRI, Istituzioni di Medicina Giuridica, 107), da faculdade de fazer a prova da loucura, para que se declare simultáneamente com a nulidade do ato. Diferença, essa, assaz importante: quanto ao ato praticado pelo louco interdito, se houve a declaração da lou-

cura, basta, depois, a decretação da nulidade do ato; quanto ao ato praticado pelo louco não interdito, vão ser feitas ao mesmo tempo a declaração da loucura e a decretação da nulidade do ato do louco, com a eficácia ex tunc. Num e noutro caso, a nulidade é absoluta, com a só distinção que lhe advém da sucessividade, ou da simultaneidade das duas decisões. Durante o tempo posterior à interdição, permanece, absoluta, a incapacidade: não é possível provar-se a injustiça da decretação judicial, passada em julgado, quer pela afirmação de momentos lúcidos, quer pela mesma evidenciação da sanidade indiscontínua do espírito. É a antinomia eventual da verdade e do julgado. 2. Ô N U S DA PROVA DA LOUCURA. - O ônus da prova cabe ao autor da ação de nulidade de testamento. (Já se viu que, tendo havido interdição, o registo basta, e dispensa o processo de nulidade.) Deve o autor provar que a insanidade existia no momento do negócio jurídico testamentario. A prova pode fazer-se por todos os meios: testemunhas, depoimentos, documentos particulares, indícios, presunções e perícias; cabe ao juiz apreciar as circunstâncias. Nesse assunto, todo fato positivo - mais importa do que múltiplos informes negativos (J. .RAECKE, Kurzgefasstes Lehrbuch der gerichtlichen Psyschiatiie, 66): o tabelião, as testemunhas, o médico da casa podem ter-se enganado; se é certo que do escrito, da natureza e do teor das disposições se pode tirar argumento contra a capacidade, não é menos que, ainda sensatas as declarações, e tão acertadas como as faria qualquer pessoa sã, pode não valer o testamento. Se é certo que em todos os homens se presumem o senso e a razão, todos sabemos que é por sinais extrínsecos, inclusive as palavras, que se prova a loucura, e não repugna a prova testemunhal (ANDREA ALCIATO, Tractatus de Praesumptionibus, 149). Quanto às cartas, além da letra e do preñóme exarado numa delas, concorre a verossimilhança, que é elemento assaz importante na virtus probandi dos escritos (JOH. WILH. VON TEVENAR, Theorie des Beweises im Civilprocess, nova ed., 242). Há fatos patológicos que provocam algo de anormal, sem tirar ao indivíduo a aptidão necessária à administração da fortuna e à capacidade de testar. Exemplo vulgar temos em pessoas devotadas, e x c e s s i v a m e n t e , ao espiritismo ou às ciências ocultas. A matéria é tanto mais delicada quanto são passados os indícios da vida física. A perícia psiquiátrica forense recai em pessoa que já morreu. No entanto - fora do caso do exame em vida, para testar - a pergunta é sempre esta: "¿Deve ou não considerar-se como

a expressão de vontade sã o testamento do falecido?". O que importa é verificar-se se havia distúrbios, que diminuíssem, ou abolissem a faculdade de testar: a) se havia estado psíquico anormal; b) qual o distúrbio; c) se, no momento da testamentificação, se achava em grau reputado perturbante ou elidente da normal determinação da vontade. Tem-se de levar em consideração o informe sôbre a pessoa e o ambiente em que vivia, a fim de se conhecerem as circunstâncias mais próximas das disposições testamentárias. No próprio texto da cédula, pode haver indícios; e. g., indicações que não correspondam ao patrimônio, ou à situação jurídica de todos os bens, ou de alguns bens ou não-inteligibilidade das disposições. Para haver capacidade psíquica, que as leis, para se dispor por testamento, fazem exigida, a) o testador deve ter inteira consciência do significado das disposições testamentárias, das suas relações fácticas e jurídicas, e claro conhecimento das declarações que faz e da sua importância para si e para os co-interessados, b) deve achar-se livre de tôda perturbação episódica, quer exterior (coação, ameaças, dolo, sugestões caluniantes, que induzam em êrro), quer interior (ira, embriaguez). Na perícia, o ponto de partida é o próprio escrito, se feito pelo testador, ou, pelo menos, por êle subscrito. Vão os médicos, com os informes sôbre a saúde física e mental, redigir história, tão exata quanto possível, de quem já não existe. Todos os dados são indiretos. Através de escritos, de informações da vizinhança, de criados, de fregueses, ou de pessoas do trato diário, terão em conta os caracteres psíquicos do testador, as suas particularidades, os seus sentimentos habituais, as suas simpatias e aversões, as suas relações de família e de sociedade. É de grande importância verificarem os peritos quais as pessoas que estavam em contacto com o testador antes, durante e depois do testamento, se vivia retirado, por vontade própria, ou por exigência de outrem, se certas pessoas, que deviam viver em contacto com o testador, eram, de fato, dêle afastadas. Na apreciação dos distúrbios, deve o juiz dar valor aos que só se revelaram nas proximidades da feitura do testamento, porque as debilidades de vontade, as irritabilidades permanentes, se fossem de natureza a eliminar a capacidade volitiva, provàvelmente teriam levado a atos de desbarato pecuniário, a gestos incompreensíveis e às medidas de interdição. Nesse ponto, surge questão, que a prática põe em relêvo: proposta a interdição por loucura, e negada, trânsita em julgado a sentença, ¿pode ser promovida, após a morte, a nulidade do testamento? Sim, porque pode ter ocorrido não se terem trazido a exame todos os informes pertinentes. A

própria propositura, ainda que sancionada pela justiça, poderia ter sido um dos processos postos em prática pelos interessados na testamentificação. Quanto ao suicídio, próximo do testamento, não basta êle, de si só, para provar o estado psíquico de insuficiência testamentária. 3 . POSIÇÃO DO OFICIAL PÚBLICO NO CASO DE TRESVARIO DO TESTA-

DOR. - Se, na ocasião de se fazer o testamento público ou de se aprovar o testamento cerrado, tresvaria o testador, ¿que há de fazer o oficial público? Alguns escritores declaravam ter visto muitos casos em que o oficial público interrompeu a aprovação e inutilizou o testamento, declarando não continuar porque o testador se não achava com inteireza de juízo, com a integritas mentis. Mas tal prática lhes parecera inconveniente: faz do oficial público juiz do ato que é chamado a legalizar. Por isso, propunham: chamar-se a atenção das testemunhas, mencionarem-se os desvarios no auto de aprovação. Outros distinguiram, perigosamente, desvarios antes e depois das perguntas: se antes, obstam à aprovação; se depois, deve declarar tal circunstância, e uma testemunha, e não o testador, assina. Ao juiz ficaria reservada a questão da validade do testamento. A tal opinião desde já opomos: ¿por que nã0:0 há de assinar o testador? ¿Não constituirá a assinatura elemento para os exames futuros? TEIXEIRA DE FREITAS cortava, pelo cerne, a questão: "Não há meio têrmo entre o tabelião aprovar, ou não aprovar o testamento, para que arrogue o arbítrio de lavrar, em vez de um instrumento de aprovação, outro de nova espécie, não autorizado por lei alguma, virgem na prática, que provoca inesperadas questões e decisões: o tabelião é fiscal único do ato, as leis confiaram em sua fé pública; se aprova o testamento do tresvariado, as partes interessadas podem responsabilizá-lo criminalmente, e civilmente anular a aprovação; se recusa aprovar, nada feito, caso irremediável, como se não fôsse chamado algum tabelião". Sim, menos quanto à irremediabilidade. Ao direito repugna isso: deve, se se julga em mente sã, requerer o exame, como fundamento para a queixa ou denúncia contra o tabelião; ou proceder contra êle, desde logo, para que sôbre a capacidade civil não paire a suspeita que resultaria de ter, inutilmente, procurado o tabelião, que se recusou a tomar-lhe as declarações, ou a aprovar o testamento cerrado. O mesmo havemos de entender quanto ao agonizante. As partes interessadas podem requerer ao juízo competente o exame de sanidade, a fim de não se suspeitar do testamento do Código Civil, art. 1.638, escrito pelo testador, ou a rôgo, e da aprovação por outro tabelião. Em todo o caso, a aprovação é essencial ao testamento cerrado; e o ser escrito e assinado, ao particular. As circuns-

tâncias devem ser atendidas: é válido o testamento curto, abreviado, de quem está quase a morrer, - ainda que murmurando ao ser escrito ("seja lido perante as testemunhas", art. 1.655). 4. INTERVALOS LÚCIDOS E TESTAMENTO. - O direito brasileiro não conhece os intervalos lúcidos. Foi revogada a regra jurídica das Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, pr. e § 2. Lia-se então: "O Varão menor de quatorze anos, ou a fêmea menor de doze, não podem fazer testamento, nem o furioso. Porém, se não tiver o furor contínuo, mas per luas, ou dilúcidos intervalos, valerá o testamento, que fêz, estando quieto e fora do furor, constando disso claramente; como também valerá o testamento, que antes do furor tiver feito. E isso, que dizemos do furioso, se entenderá também no que nasceu mentecapto, ou que veio a carecer de juízo por doença, ou qualquer outra maneira". § 2.°: "E se o que tem dilúcidos intervalos fizer o seu testamento, e se duvidar se o fêz, estando em seu perfeito juízo, deve-se considerar a qualidade da disposição e testamento; se o que nêle se dispõe é tão razoado, e feito com tão boa ordem, como fizera um homem de são juízo, deve-se presumir e crer, que no tempo que o fêz estava em seu perfeito juízo. E sendo feito em outro modo, se presumirá o contrário". No sistema do Código Civil, a loucura é continuidade, não há momentos de lucidez. Nesse ponto venceu a velha e sozinha opinião de CHR. THOMASIUS, para quem não havia, nos loucos, intermissão ou lúcidos intervalos: leis e escritores, que outra coisa diziam (e eram todos), erraram. E o êrro, acrescentava, vinha do Código de Justiniano, donde passou aos povos da Europa. No seu tempo e depois, médicos e juristas, contra tal afirmativa se insurgiram: era inquinar de estupidez o Código de Frederico, II, 7, 2, § 2, bem como as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, § 2.°. Bem mais tarde, na memorável oração de P. J. DE M E L O FREIRE, sôbre o testamento de melancólicos, FREIRE DE MELO, seu sobrinho, sustentou (Notas, em P. J. DE MELO FREIRE, Alegação jurídica, 15) a esporádica, mas hoje vitoriosa opinião de CHR. THOMASIUS. Com o triunfo, perdido ficou o esforço especulativo, perdidas as sutis regras presuntivas e as cautelas, que estão nas obras de ZACCHIA, de SCALONA, de SAMUEL STRIK e de tantos outros juristas. Mas, se, no sistema do Código Civil, loucura é continuidade, admite-se que deixe de haver juízo perfeito, sem haver loucura. Não há momentos lúcidos: a vida do louco constitui, para a lei, escuridade contínua, sem relâmpagos de consciência jurídica. Porém a lei mesma, à continuidade iluminada dos sãos reconhece manchas escuras. Daí falar-se (art. 1.627, III) nos que, ao testar, não estejam em perfeito juízo.

Panorama atual pelos Atualizadores §5.671. A-Legislação Sobre a incapacidade absoluta do enfermo ou deficiente mental, ver art 3 0 II, do CC/2002.

§ 5.671. B-Doutrina o legislador do Código Civil de 2002, ao elencar as pessoas que são absolutamente incapazes, retirou a antiga e tão polêmica expressão loucos de todos os gêneros desse rol, por entender que a expressão era discriminatória e violava o princípio da dignidade humana, preferindo a expressão pessoas que, por enfermidade ou deficiência mental. A expressão deficiência foi aditada ao projeto original, o qual se referia apenas à enfermidade. A doutrina jurídica e médica informam que não teria sido preciso este acréscimo, uma vez que deficiência está compreendida no gênero enfermidade.Trata-se, enfim, da deficiência mental congênita ou adquirida, por moléstia do encéfalo, por traumatismo ou por lesão somática, ou mesmo por desenvolvimento deficitário dos centros cerebrais. Como : já mencionado por Pontes de Miranda nesta obra, relativamente ao entendimento extraído do anterior Código, o Sireito Civil contemporâneo também não aceita os chamados intervalos lúcidos como momentos de interrupção da incapacidade absoluta. A razão para tanto deve se dar em prol da segurança jurídica das relações e condutas humanas. A dificuldade em se comprovar momentos de lucidez dentro do quadro patológico geral se tornaria muito visível e, daí, poderia gerar a insegurança, a qual, de nenhum modo pode campear nos negócios jurídicos em geral, e também no testamento. Pontes dissera: a loucura é continuidade, não há momentos de lucidez. Assim permanece.

§ 5.671. C - Jurisprudência o TJSP, ao julgar a Ap 9.150475-68-2007.8.260000, entendeu por bem anular um testamento produzido por pessoa que, em razão de esquizofrenia, apresentava episódios de delírios, não levando em consideração a questão de se, no momento de testar, o testador estava ou não lúcido. (TJSP, Ap 9.150475-682007.8.260000,09.11.2010).

§ 5.672. IMPERFEITO JUÍZO (Hl) 1. CONCEITO DE IMPERFEITO JUÍZO. - Ato de extraordinária significação como é o testamento, estatui-se que só o podem fazer os que estão

em perfeito juízo. Não só os loucos, os menores de dezesseis anos e os surdos-mudos, que não podem manifestar a sua vontade, - como também aqueles, sãos, maiores da idade referida, que ocasionalmente não podem ser cridos em discernimento, em inteira capacidade de deliberar. Os dois casos típicos são a embriaguez e a ira. A embriaguez é tida como loucura passageira, porém não é à ebriedade que se refere o Código Civil, art. 1.627, DI. Quanto à ira, cumpre que se examine, mais de perto, a questão. Seria perigoso que se considerassem nulas tôdas as cédulas ou disposições testamentárias feitas ab irato. Impõem-se-nos distinções, que por si mesmas se revelam. A ira contínua de um pai, por atos reprováveis do filho, levando-o a só lhe deixar a legítima, constitui uso da faculdade que a lei lhe dá, e não o podemos cercear de dispor, livremente, da metade do que tem. Valeria o mesmo que destruir, com a invocação do color insaniae, a faculdade de apreciar por si e sem a intervenção de outrem, nos testadores, o ato de testamento. Mas, se a ira, passageira e totalmente ofuscante da inteligência, traduz o momentâneo de um estado de espírito, e não o contínuo ou último querer do testador, então se patenteia aquela circunstância que o Código Civil prevê: não se achar, ao testar, em perfeito juízo. Transitória, sim; nem por isso, menos provada incapacidade natural. Ao direito antigo, que estabelecia a nulidade necessária do testamento ab irato (hoc colore quasi non sanae mentis fuerint), sucedeu, como doutrina, regra jurídica indutiva que podemos enunciar: se a ira ou cólera é tão violenta que vulnera a capacidade psíquica, dá-se um dos casos de não perfeito juízo (art. 1.627, IH). Por isso, vemos julgar-se nulo o testamento de tão iradas disposições contra a família que só se explicariam por verdadeira insanidade de espírito (Cassação de França, 20 de fevereiro de 1876). 2. NULIDADE E ANULABILIDADE. - Não se confundam com os testamentos nulos, por não se achar em perfeito juízo o testador, os testamentos anuláveis por sugestão, coação, ou captação. Nessas espécies, seria êrro, a respeito dos que dispuseram por engano ou temor de ameaça, falar-se em infirmeza momentânea da mente. Se o testador testou, quando, indignado, não estava em estado de discernir, e. g., se êle mesmo o reconheceu em caita, ou ato que tanto valha, como voltar a residir com a pessoa que deu causa à ira - nulo é o testamento. Mas, tendo havido, não ato determinado pela ira, porém abatimento de espírito, pela violência ou captação, é anulável o testamento, conforme o sistema de invalidades, atos nulos e atos anuláveis, que está no Código Civil. Se algumas testemunhas depõem pelo bom juízo, e outras, pela loucura, ou pela perturbação ocasional do testador, sem

darem razões convincentes do que dizem, hão de ser cridas, de preferencia aquelas ( M A N U E L DE ALMEIDA E SOUSA, Segundas Linhas sôbre o Processo Civil, 571). Muito se invocou a regra * Plus valent duo testes de sana mente, quam mille de furore deponentes (cp. ANTÔNIO MENDES AROUCA Allegationes Iuris, 2 6 2 ; M A N U E L ÁLVARES PEGAS, Tractatus de Exclusione, Inclusione, Successione, et Erectione Maioratus, IV, § 45); porém não existe no sistema jurídico tal regra interpretativa. - Ainda agonizante, a balbuciar, há de presumir-se com juízo perfeito o testador. Nos velhos tratadistas é controversa a questão. Uns, como SAMUEL STRIK (De Cautelis testamentorum, cap. 4, § 36), exigiam tivessem sido articuladas as palavras, e de modo ativo, isto é, cum bono intellectu, et memoria; ita ut ex eius loquella manifestum fiat, et concludi possit testatorem sanae mentia fuisse. Outros, menos exigentes, satisfaziam-se com o apanhar do sanus sensus das palavras balbuciadas e do animus testamenti faciendi. Tudo, em verdade, se reduz a questão de fato, como bem discutiram, firmados nos velhos julgadores e na doutrina, FRANCISCO DE CALDAS PEREIRA (Consilia, 19, n. 1 8 ; 2 4 , n. 3 ) , e ANTÔNIO MENDES AROUCA (Allegationes Iuris, 2 6 0 ) . Fica a palavra aos médicos: furore non probato, vale o testamento. Escusado é dizer-se que se não compadece o estado atual da ciência com as mil e uma questiúnculas sôbre o juízo perfeito, como iactare lapides non est probatio dementiae, ou ex melancholia non arguitur furor, aut dementia, de que se pontilham, especulativamente, as obras de J . MASCARDO, FARINÁCIO, FRANCISCO MANTICA e outros. Em todo o caso, retenhamos a que vem formulada em BARTOLO DE SAXOFENATO, GRACIANO, JACOB MENÓQUIO, JOSEPH RAMON e ANTÔNIO M E N D E S AROUCA; as testemunhas falam do fato, sôbre que depõem, e não da capacidade do testador, testes de iure deponentes non probant, como diz o último (26). Hão de referir-se ao tempo em que o testador escreveu ou ditou o testamento. Quem vai julgar, pelas circunstâncias, é o juiz: o parecer dos médicos serve-lhe, apenas, de auxílio, como todo laudo pericial. 3. PRESUNÇÃO DE JUÍZO PERFEITO.

4 . AFIRMATIVAS DO TABELIÃO E FACULDADES MENTAIS. - S e b e m q u e

parecesse ao oficial e às testemunhas, ao fazer-se o testamento, ou ao se escrever o auto de aprovação, achar-se em perfeito e pleno gôzo das faculdades mentais o testador, pode ser feita a prova da loucura (Código Civil, art. 1.627, II) ou do imperfeito juízo (art. 1.627, I I I ) . Notario não é perito médico-legal: não poderia ter plena fé o que a respeito dissesse. Da fe' dos

oficiais públicos resulta a presunção de direito que provas em contrário podem destruir; mas a fé pública não se estende à afirmação de estados psíquicos - e não é prova a respeito da sanidade mental do testador, quando, por exemplo, pela qualidade das próprias disposições, se mostra que não se achava êle em seu perfeito juízo (TEIXEIRA DE FREITAS, Tratado dos Testamentos e Sucessões, de A. J. GOUVEIA PINTO, 22). Mas, ainda que tão sensatas, como as faria qualquer outro em estado normal, não vale, a despeito do que disse o tabelião sôbre sanidade, o testamento do louco (Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, § 1; Consolidação das Leis Civis, art. 993, § 3.°). A afirmativa, escrita, do tabelião, e posteriormente assegurada, de que estava em perfeito juízo o testador, não basta para prová-lo (CHR. TOMASIUS, FRANCISCO DE CALDAS PEREIRA, P. J . DE M E L O FREIRE). M a s

tem-se por verdadeira enquanto se não prova o contrário (ANTÔNIO MENDES AROUCA, Allegationes iuris, 2 6 2 : "non probate furore, plena fit probatio per notarium pro sana mente"). Com maioria de razão, se concorrem, contestes, as testemunhas do testamento público ou cerrado (82, n. 22): "tabellionis testimonium cum testibus testamentariis, quando alia concurrunt, multam faciunt probatione sanae mentis". Quando haja provas da demência, contra o dizer do tabelião e das testemunhas instrumentarias, muito faz o dito déle a favor da cédula, - somente pode o juiz, para ser justo, em sendo o caso, decidir pela nulidade, por valerem, na espécie concreta, mais aquelas do que essas. A fé pública dos tabeliães é quanto ao que escrevem, relativamente ao ato que diante dêles se passou. Qualidade que depende de outra aptidão técnica, não poderia ser por êle certificada. Daí, se, ao contrário do que se diz no instrumento, estava louco o testador, não se pode classificar como criminoso, só por isso, o ato notarial. Sê-lo-á, porém, e constituirá escritura em falso, dizer o tabelião que o testador ditava, em perfeito juízo, disposições bem redigidas, coerentes, e provar-se que se achava em estado de delírio, a pronunciar frases truncadas e sem senso.

Panorama atual pelos Atualizadores §5.672. A-Legislação Sobre incapacidade absoluta, mas transitória, verart.3.°, III, do CC/2002.

§ 5.672. B - Doutrina

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1. O legislador de 2002 acolheu posições doutrinárias e jurisprudenciais que já existiam durante a vigência do Código de 1916, acerca de se conseguir separar o que são enfermidades mentais que não possuem intervalos lúcidos (como se viu no comentário do § anterior, deste capítulo) e que resultam numa situação permanente, dos estados transitórios de obnubilação mental (diminuição da lucidez associada à presença de um conteúdo anormal na consciência), como a embriaguez, o sono hipnótico, traumatismos, descontrole emocional significativo, estado de coma, transe mediúnico, efeito de drogas, por exemplo. A doutrina de Pontes de Miranda é pioneira nesse mister e o jurista já se posicionava a favor da hipótese (não contemplada na Lei de 1916) de existir incapacidade absoluta, porém transitória. O Código de 2002, então, incorporou a hipótese, no inc. Ill do art. 3.°, para registrar a impossibilidade, ainda que temporária, de expressão da própria vontade. Por força deste dispositivo legal, serão nulos os atos praticados durante tais estados transitórios.

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§ 5.672. C - Jurisprudência

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Sobre a incapacidade absoluta, porém transitória, a 10. Câmara Cível do TJMG anulou procuração dada por sujeito que estava internado em hospital devido a um acidente vascular cerebrsl, pois os desembargadores entenderam que o mandante não havia ainda se recuperado do acidente a ponto de gerir sua própria vida civil (TJMG, ApCiv 1.0699.02.018427-0/001,10.a Câm. Civ., j. 28.08.2007, rei. Des. Alberto Aluízio Pacheco de Andrade).

§ 5.673. S U R D O S - M U D Q S Q U E N Ã O P U D E R E M M A N I F E S T A R A SUA V O N T A D E (IV)

1. PRESSUPOSTOS PARA VALIDADE. - Se O surdo-mudo pode ler e escrever, pode fazer testamento cerrado (Código Civil, art. 1.642). Do testamento particular está excluído, de lege lata (não de legeferenda), porque a forma hológrafa requer a leitura pelo testador perante as testemunhas (art. 1.645, El). Por não poder fazer, de viva voz, as declarações, tira-se-lhe o testar sob forma pública (art. 1.635). Tal o que deriva de interpretação literal da lei. De modo que a incapacidade para testar (art. 1.627, IV) e menor que a regulação do uso das formas. Haveria capazes que, de fato, não poderiam testar. Ao falarmos dos arts. 1.635, 1.641 e 1.642, trataremos dos casos irresolvidos. Se o surdo-mudo não é totalmente mudo, isto e, fala com dificuldade, pode testar. É o surdo do art. 1.635, que lerá o testa-

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5.673. S U R D O S - M U D O S QUE NÃO P U D E R E M M A N I F E S T A R A SUA V O N T A D E (IV)



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mento, se souber ler, ou, se não souber ler, designará quem o leia, em seu lugar, presentes as testemunhas. Com a sua meia-voz fará as declarações ao tabelião, que deve especificar tudo, sob pena de responsabilidade civil e criminal. "Os que ouvem e falam com dificuldade", diziam as Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, § 5, "poderão fazer testamento". 2. CONSIDERAÇÕES "DE LEGE FERENDA". - No assunto de mudez e surdez, seria acertado que as legislações estabelecessem princípio mais adequável às realidades: desde que possa ser suprida a falta de um dos sentidos, comprovado, assim, o conhecimento e causa do que se lhe atribui, pode testar o mudo ou o surdo. Ficariam as espécies à apreciação do juiz. Suprir-se-ia, pela escrita, a mudez; a surdez, pela leitura direta; as duas, pela escrita ou outro meio de expressão.

conseqüências das proibições do Código Civil, art. 1.627, consistem na nulidade do ato. Pergunta-se: ¿ato posterior, em tempo de capacidade, pode cobrir o testamento nulo? Sim, se o verdadeiro ato fôr o nôvo, e. g., revogação parcial, pelo maior, de testamento, que fizera antes dos dezesseis anos (KONRAD COSACK, Lehrbuch, II, 706). Por outro lado, a regra da lei pessoal pode criar situações especialíssimas. De qualquer modo, o menor alemão não pode, mesmo no estrangeiro, testar por testamento hológrafo (CARL CROME, System, V, 54), mas há de valer o do menor domiciliado no Brasil, se o fêz na Alemanha, porque a lei brasileira acolhe a lex domicilii. 3. CONSEQÜÊNCIAS DA INCIDÊNCIA DA REGRA JURÍDICA. - AS

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.673. A - Legislação Sobre a incapacidade absoluta e/ou capacidade relativa do mudo, do surdo e do surdo-mudo, ver art. 3.°, Ill, do CC/2002.

§ 5.673. B - Doutrina O item 2, deste § 5.673, contém mais um momento de prognóstico realizado por Pontes de Miranda, quando escreveu suas considerações de lege ferenda, mencionando que nas questões relacionadas à incapacidade dos portadores de mudez, surdez, ou surdo-mudez "seria mais acertado que as legislações estabe-

lecessem principio mais adequável às realidades" E ele explica: "desde que possa ser suprida a falta de um dos sentidos, comprovado, assim, o conhecimento e causa do que se lhe atribui, pode testar o mudo ou o surdo". Pois bem o Código Civil de 2002 acolheu estas considerações doutrinárias ao redigir o inc. Ill do art. 3.°, que traz expressão mais ampla, incluindo ai o surdo, o mudo e o surdo-mudo que puderem manifestar sua vontade, por outro modo que não a voz (como a escrita) ou que não a oitiva (como a leitura direta), com o que supririam as suas deficiências e/ou restrições físicas. Como escreveu Pontes de Miranda, "ficariam as espécies à apreciação do juiz", caso a caso.

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§ 5.673. C-Jurisprudência O julgamento da ApCiv 1.0620.06.021008-0/001, na 6.a Câmara Civil do TJMG, discutiu-se sobre a possibilidade de anulação de testamento de sujeito quase surdo e cedo. Entendeu-se que, cumpridas as formalidades, não poderia se falar em anulação, pois só se poderia considerá-la caso o testador fosse totalmente surdo e cego (TJMG, ApCiv 1.0620.06.021008-0/001, 6.a Câm. Civ., j. 10.02.2009, rei. DEs. Emane Fidélis, DJ24.04.2009).

§5.674. AUSENTES 1. TESTAMENTO DE AUSENTE. - O Código Civil, art. 1 . 6 2 7 , não inclui os ausentes entre os incapazes de testar. Censurou-se a exclusão, pelo fulminar a lei (art. 5, TV) com a incapacidade absoluta, e a eles não se aludir quanto à incapacidade testamentária ativa. Ora, se testamento havia, abre-se. Se testamento alhures aparece, cumpre-se. As palavras de ULPIANO "de statu suo dubitantes vel errantes testamentum facere non possunt, ut divus Pius rescripsif' hoje têm significação assaz esvaziada de conteúdo. Quem testa há de testar em algum lugar. Testamento é notícia. Se se só tem notícia do testador e do testamento após a morte, ¿por que se não haveria de observar o testamento que o ausente entendeu de fazer no lugar em que estava?

- Ainda declarada ausente em q u a l q u e r ponto do Brasil, não fica a pessoa privada de exercer direitos no lugar em que se acha. (Pode, até, no lugar em que esteja, casar-se, exercer cargo público, comprar, vender, comerciar.) Com a boa doutrina, PRATES DA FONSECA (Sucessão testamentária, 50); contra, sem razão, ITABAIANA DE OLIVEIRA (Elementos de Direito das Sucessões, 201). 2 . SOLUÇÃO ACERTADA.

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Panorama atual pelos Atualizadores § 5.674. A - Legislação A respeito de ausência, ver arts. 22 a 25 do CC/2002.

§ 5.674. B - Doutrina O Código Civil atual repeliu a inclusão do ausente no rol dos incapazes, abandonando a deformação conceituai de antes (Código de 1916), tendo cogitado, apenas, de disciplinar o instituto da ausência (arts. 22 a 25 do CC/2002), cujas atualizações devem ser buscadas nos correspondentes livro e capítulo deste Tratado de Direito Privado, ora atualizado. Foi sadia a alteração proposta pelo legislador de 2002, uma vez que a ausência é instituto completamente diverso da incapacidade.

§ 5.674. C - Jurisprudência No julgamento do MS 0029006-72.2011.8.26.0000, argumentou-se que a declaração de ausência, em última análise, visa à sucessão dos bens deixados pelo ausente. Assim, foi aplicada por analogia a Súmula 161 do STJ, que determina a competência da justiça estadual para autorizar o levantamento dos valores relativos ao PIS/Pasep e FGTS quando do falecimento do titular da conta (TJSP, MS 0029006-72.2011.8.26.0000, 5.a Câm. de Direito Privado, j. 21.07.2011, rei. Des. Christiane Santini).

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§ 5.675. PRÓDIGOS 1- POSIÇÃO DA QUESTÃO NO DIREITO LUSO-BRASILEIRO. - ¿Podem os pródigos testar? No regime das Ordenações Filipinas, não podia fazer testamento o pródigo, "a que é defesa e tolhida a administração de seus bens" (Livro IV, Título 81, § 4). JOSÉ FERREIRA BORGES (.Instituições de Medicina Forense, 3 3 7 ) reputava injusta a regra jurídica, e TEIXEIRA DE FREITAS (Consolidação das Leis Civis, art. 9 9 3 , § 3) apoiava tal censura. Somente era incapaz, entende-se, se estava interdito. No caso negativo, ainda que por todos fôsse reputado pródigo, podia testar (A. J. GOUVEIA PINTO, Tratado regular eprático de Testamentos e Sucessões, 6.A ed., 108).

2. DIREITO ROMANO. - No direito romano equiparava-se o pródigo ao furioso (§ 2.°, I, quibus non est permissum testamenta facere, 2, 12;

L. 18, pr., D., qui testamenta facere possunt et quemadmodum testamenta fiant, 28, 1), pela razão que dava ULPIANO, aludindo à mancipatio, com que, na antiga forma de testamento, imaginariamente se vendia a herança: não podia vender, não podia mancipar. Concluía-se que não podia testar "quoniam commercio illi interdictan est et ob id familiam mancipare non potest". A Nov. n. 39 (de Leão), atenuou o princípio e mandou que se apreciasse o ato do pródigo, a fim de se julgar do vício. 3. PROBLEMA DE TÉCNICA LEGISLATIVA. - A capacidade do pródigo envolve problema sutilíssimo de técnica legislativa (de lege ferenda). a) Nas pegadas do Preussisches Allgemeines Landrecht 1,12, §§ 27 s., e do Código albertino (arts. 701, 704) e do modenês (art. 687), o Código Civil austríaco (§ 568) permitiu que a pessoa tida como pródigo pudesse testar sôbre a metade, abrindo-se, necessàriamente, quanto à outra, a sucessão legítima, b) O Código Civil de Zurique, § 994, permitiu-lhe testar, porém com a aprovação da autoridade tutelar. Expediente, êsse, que repugna, evidentemente, ao ato personalíssimo, íntimo, do testamento, c) A terceira solução é a do testar incondicionado, que é a do direito brasileiro e de outros sistemas jurídicos. Mas intervém consideração bebida nas realidades: os atos de desperdício podem ser um dos indícios para a prova do imperfeito juízo, da loucura. A solução da incapacidade estava nas Ordenações Filipinas, Livro IV, Título 81, §*4. Examinando o direito anterior, dissemos em 1916 (Direito de Familia, § 202, nota 53) ter sido violência iníqua, que o Código Civil aboliu, pois o art. 1.627, que enumera os incapazes de testar, não incluiu o pródigo. É verdade que o inciso EI do art. 1.627 considera incapazes "os que, ao testar, não estejam em seu perfeito juízo", mas é preciso advertir-se que o Código Civil, embora, cientificamente, prodigalidade seja anormalidade psíquica, não na tem como tal; e, para evitar gradações na incapacidade do pródigo, circunscreveu a curadoria, deixando ao interdito a suficiente aptidão jurídica para exercer os atos que não lhe foram proibidos. Pode acontecer que haja a interdição por prodigalidade, e venham a requerer a nuüdade do testamento por se achar o testador entre as pessoas de que trata o art. 1.627, II e III. Outra questão. Isso é possível, como seria a respeito de quaisquer indivíduos, ainda os que não fossem pródigos, nem interditos por prodigalidade. Os loucos e os fora do juízo perfeito, a que se refere o art. 1.627, II e IH, não precisam estar interditos, para que se lhes ataque o testamento. A interdição dos loucos apenas lhes declara o estado: nada mais. Antes dela, se havia loucura, nulos são os atos.

Se a prodigalidade é mais loucura do que simples degeneração ou resultado de convivências, ao argüido de dissipar seus bens deve dar-se, não o curador para o patrimônio, porém a curatela dos loucos (já em nosso Direito de Família, 1.a edição, § 196).

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.675. A - Legislação Sobre a incapacidade relativa (e geral) do pródigo, ver art. 4.°, IV, do CC/2002.

§ 5.675. B - Doutrina

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Manteve o Código de 2002 a mesma restrição de capacidade que o Código anterior já emprestava à pessoa do pródigo, ainda que o assunto tenha sido objeto de muitas polêmicas e divergências, no sentido de se entender, ou não, que ele devesse ser mantido no rol dos relativamente incapazes, privando-o exclusivamente dos atos que possam comprometer a sua fortuna. O debate vem desde a década de 60, principalmente, entre nós, a buscar consolidar a prodigalidade como enfermidade mental, pelo que estaria coberta por outro dispositivo legal (art. 3.°, II, do CC/2002). Não faz muito sentido, para além desta consideração, manter a inabilitação específica (patrimonial, na verdade), para estas pessoas. O pródigo pode estar no rol dos relativamente incapazes, mas ponderava Pontes de Miranda, quanto à sua incapacidade para testar, ele parece estar incluído no elenco daqueles do inc. II do art. 3.° do CC/2002, ou seja, as pessoas portadoras de enfermidades ou deficiências mentais, absolutamente incapazes. No entanto, avançou o pensamento científico e doutrinário, até os dias de hoje, eis que se reflete, contemporaneamente, a ideia segundo a qual, na análise interpretativa do caput do art. 1.860 do CC/2002, de caráter sistemático, finalístico e teleológico do preceito, fica afastada aquela conclusão fechada de antes, para admitir que os relativamente capazes, entre eles os pródigos, podem, sim, fazer testamento. O tempo e a jurisprudência dirão se a doutrina desta nossa época prevalecerá.

§ 5.675. C - Jurisprudência Ao julgar a ApCiv 1.0137.06.000436-3/001, a 1 1.a Câmara Cível do TJMG decretou, por maioria, a nulidade de testamento feito por pródigo sem assistência do curador provisório, pois teria havido desrespeito aos arts. 1.782 e 1.860 do CC/2002 (TJMG, ApCiv 1.0137.06.000436-3/001,11.a Câm. Civ., j. 16.04.2008, m.v., rei. Des. Fernando Caldeira Brant).

§ 5.676. S I L V Í C O L A 1. PROBLEMA DE TÉCNICA LEGISLATIVA. - Sociológicamente, a incapacidade por deficiência de idade é simétrica à dos selvagens incultos, de que o Código Civil não cogitou na incapacidade para testar. No art. 6.°, IV, os silvícolas foram incluídos entre os relativamente incapazes: ficam sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis, e em regulamentos especiais (art. 6.°, parágrafo único). À medida que se forem adaptando à civilização do país, cessa êsse regime. Ora, se o silvícola comparece e fala em língua nacional ao tabelião, pode testar por testamento público. Se escreve o testamento, ou, escrito a rôgo, o assina, e o leva, em presença, pelo menos, de cinco testemunhas, a oficial público que o aprove - vale êsse testamento cerrado. Com maioria de razão, se o escreve todo e o assina, com as mais formalidades do testamento hológrafo. Donde se tira o princípio: o exercício da testamentificação pelo silvícola prova, por si, o estado em que se achava de suficiência social. Se testou, era capaz.

2. PRECISÕES. - Os silvícolas estão sob a tutela do Estado, à medida em que se adaptam à civilização. Se os bens pertencem ao silvícola, e dêles pode dispor em vida, dêles pode dispor testamentàriamente (cf. Tomo I, § 62, 4; TV, § 384, 1, onde há a classificação técnica).

§ 5.677. F A L I D O E " F A C T I Q T E S T A M E N T I "

1. CAPACIDADE TESTAMENTÁRIA ATIVA. - Pode testar o falido, no que não constitua disposição dos bens compreendidos na falência. Isso não quer dizer que êle sofra limitação em sua capacidade testamentária: o objeto, sujeito à execução falencial, é que escapa aos efeitos da disposição, como escaparia o dinheiro entregue a repartição pública em fiança e já destinado ao reembolso do alcance. Trata-se de ineficácia relativa da testamentificação. 2. ALIENABILIDADE. - A pessoa falida, ou pessoa contra a qual se abriu concurso de credores ou liquidação forçada, somente pode testar no tocante aos bens que, no momento da morte, seriam alienáveis por ela entre vivos. Apenas se tem de atender a limitações objetivas. A instituição de herdeiro ou de legatário rege-se pelos respectivos princípios.

§ 5.678. E V O L U Ç Ã O T É C N I C A D A R E G R A D E V A L I D A D E I N T E R T E M P O R A L



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§ 5.678. E V O L U Ç Ã O T É C N I C A D A R E G R A D E VALIDADE I N T E R T E M P O R A L

1. INCAPACIDADE SUPERVENIENTE. - Diz o Código Civil, art. 1.628: "A incapacidade superveniente não invalida o testamento eficaz, nem o testamento de incapaz se valida com a superveniencia da capacidade". Feitas num momento A, as disposições de última vontade devem, por definição, reger o futuro. Ainda mais do que os atos entre vivos, porque só se destinam a isso, a partir da morte. No meio tempo entre a feitura e o óbito podem mudar os dados e as circunstâncias concernentes ao sujeito e às leis. A regra jurídica do art. 1.628 concerne às mudanças subjetivas, que influam na capacidade de testar. Na capacidade de fazer testamento, e não na capacidade de direito, porque a essa, sobrevindo, não se teria de aplicar o art. 1.628; a regra jurídica somente tem por fito o interesse do sujeito, e a mudança na capacidade de direito apagaria o próprio sujeito. O que a regra jurídica estatui é que só se exija a capacidade de testar no momento da feitura. Não importa que, por alterações subjetivas, diminua, ou se apague. Já vimos que também a lei, se muda (mudança objetiva), nenhum efeito terá. Porém tudo isso só se conseguiu aos poucos. Houve evidente evolução técnica. 2. DIREITO ROMANO. - A capitis deminutio, posterior ao testamento, tornava-o irritum, segundo o direito civil, ainda que, depois, o testador recuperasse a capacidade. Exatamente como sucederia àquele a quem nascesse um filho e depois lhe morresse: o testamentum ruptum não voltava à vida. Era a exigência da continuidade do ente capaz: os pressupostos subjetivos tinham de ser sem interrupção, até à morte. O testamento não era simples declaração de vontade, o último querer válidamente expresso, mas o querer permanente, que pudesse ser válidamente expresso desde a feitura até os últimos momentos. O direito pretoriano exigiu a capacidade no momento de testar, em que o testador pratica o ato testamentário, e no momento da morte, em que vai dar-se o contacto com o meio ambiente, derivado da delação. Mas - e aqui o punctum saliens - êsse contacto não é entre testador e ato. E entre o ato, perfeito desde o tempo em que se fêz o testamento, e os que adquiriram os bens. A morte não é um contacto entre o testador e os sucessores. É corte. 3. DIREITO MODERNO. - O direito moderno, firmando a regra jurídica que está no Código Civil, no art. 1.628, procede como se raciocinasse da

maneira que dissemos: vale como declaração de vontade a última declaração de vontade, válidamente feita. O testamento ato jurídico perfeito passa a ter, ainda uma vez, conseqüências lógicas de grande alcance prático. AGOSTINHO BARBOSA, ÁLVARO VALASCO e P. J . DE M E L O FREIRE, s e m

formularem o princípio, aplicavam-no, recusando a lição romana. M. A. C O E L H O DA R O C H A (Instituições de Direito Civil português, § 6 7 6 ) foi mais explícito. A capacidade, ao tempo da feitura, como pressuposto necessário e suficiente, vem-nos dêsse tempo, se bem que não formulada a regra jurídica, que o anterior Código Civil italiano, art. 763, última alínea, inserira de modo claro (cf. Código Civil espanhol, art. 666; uruguaio, art. 8 3 2 ; venezuelano, art. 8 2 7 ; argentino, art. 3 . 6 1 1 ; chileno, art. 1 . 0 0 6 ; durante a elaboração do Código Civil brasileiro, art. 1 . 6 2 8 , eliminou-se o art. 1.632 do Projeto primitivo, que dizia: "O filho-famílias, com capacidade testamentária, só não pode dispor dos bens profectícios"). 4 . NATUREZA DA REGRA JURÍDICA. - O princípio geral é o de regularl e a sucessão pela lei vigente ao tempo da morte. O art. 1.628 do Código Civil não constitui exceção a êsse princípio. Mas, em direito intertemporal, há regra jurídica que lhe corresponde: a capacidade atende à lei do momento em que se testou, em vez de regular-se pela do óbito. Em vez de acompanhar a lei da herança, regula-se pela mesma consideração de contemporaneidade do ato e da aptidão, que domina o direito intertemporal da capacidade negocial (FRIEDRICH AFFOLTER, System des Deutschen Biirgerlichen Übergangsrechts, 204). Trata-se, pois, não de exceção propriamente, mas de outro princípio. A regra jurídica do art. 1.628 incide e a superveniência da incapacidade é devida ao testador (enlouqueceu, tomou-se surdo-mudo sem poder manifestar o que quer). A regra do direito intertemporal incide se a superveniência da incapacidade deriva de lei nova, que torne incapaz o que, ao testar, não no era. Mas, aqui, em virtude do direito intertemporal, e não do art. 1.628, relativo a mudanças no sujeito, e não no direito. Diga-se o mesmo quanto à superveniência da capacidade, subjetiva ou legalmente operada. 5 . PARTICULARIDADE DO CÓDIGO C I V I L ALEMÃO. - Algumas legislações mantêm a incapacidade testamentária do pródigo, inclusive o Código Civil alemão, § 2 . 2 2 9 , alínea 3. A , onde se diz que a incapacidade começa com a apresentação do pedido. Mas pode ser revogado o testamento que se fêz antes da interdição ( § 2 . 2 5 3 ) . É da essência do testamento a livre revogabilidade. Para revogar disposições de última

§ 5.678. EVOLUÇÃO TÉCNICA DA REGRADE VALIDADE INTERTEMPORAL



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vontade, pressupõe-se a capacidade de testar (Motive, V, 297). ¿Por que, então, aos fracos de espírito, aos pródigos, aos ébrios, criou o Código Civil alemão, § 2.253, a alínea 2.a, introduzida pelo Bundesrat, como algo de extravagante no campo do direito? ¿Por se presumir malfeita a disposição anterior e, diante do movimento do interdito, parecer conveniente respeitar o intuito revogatório? ¿Constituiu resquício de favor à sucessão legítima? Interpretando-se a lei, conclui-se que a revogação pelo interdito pode ser total ou parcial, sendo admitidas as revogações de quaisquer cláusulas positivas. A capacidade é limitação à desconstituição; revogações, de conteúdo positivo, não seriam possíveis. Parece-nos reminiscência daquelas regras que atribuíam ao pródigo plena capacidade para adquirir e nenhuma para dispor. De qualquer modo, há grave questão no direito do Código Civil alemão: se o pródigo revoga um testamento, havendo mais de um, ¿fica em vigor o antecedente? Indiretamente, é caso de disposição positiva pelo interdito. A solução é afirmativa (F. E N D E MANN, Lehrbuch, III, 2 7 5 ) . Outra: ¿pode revogar o interdito a revogação? Não, dizem KONRAD COSACK (Lehrbuch, II, § 3 8 6 , 1, b) e F. RITGEN, (Biirgerliches Gesetzbuch, 4 7 5 ) . Sim, insiste F. ENDEMANN, que reputa revogar a revogação espécie semelhante à anterior. Do contrário, a lei diria que só uma vez poderia usar a revogação. Com êle, EMIL STROHAL (Das deutsche Erbrecht, § 4 2 , 3) Com os outros, K Ü N T Z E L (Beitrãge zur Erlüuterung des Deutschen Rechts, 4 1 , 5 9 8 s.) e K . RICHARD (Einfiuss der Entmündigung aufdie Testierfahigkeit, 21).

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.678. A - Legislação Sobre incapacidade/ capacidade superveniente do testador, não modificar o testamento feito antes, sob a anterior situação, ver art. 1.861 do CC/2002, equivalente ao art. 1.628 do CC/1916.

§ 5.678. B - Doutrina O Código Civil de 2002 manteve a mesma regra (e a mesma redação) do antigo art. 1.628, para dizer que a incapacidade superveniente do testado não invalida o testamento feito antes desta circunstância; e que, por outro lado, a capacidade superveniente do testador, não valida o testamento anteriormente feito, sob aquela condição de incapacidade.

§ 5.678. C - Jurisprudência Por ocasião do julgamento do REsp 1278787, ao decidir que a capacidade para prática de ato jurídico deve existir no momento do ato jurídico, ainda que desapareça posteriormente, o Superior Tribunal de Justiça confirmou a regra de que não há, no sistema jurídico brasileiro, a chamada "invalidade superveniente" (STJ, REsp 1278787, j. 11.11.2011, rei. Min. Sidnei Beneti, DJ21.11.2011).

CAPÍTULO I V NEGOCIO JURÍDICO DO

TESTAMENTO,

VALIDADE E EFICÁCIA

§ 5.679. NEGOCIO JURÍDICO DO TESTAMENTO testamento é ato jurídico; mais precisamente: negocio jurídico unilateral. Como tal, sujeito aos princípios gerais. 1. CLASSIFICAÇÃO DO FATO JURÍDICO DO TESTAMENTO. - O

2. VALIDADE E INVALIDADE. - O testamento pode ser nulo ou anulável. A validade do ato jurídico requer agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei (Código Civil, art. 82). a) É nulo o testamento: se foi feito por pessoa incapaz de testar; se fôr ilícito, ou impossível, o seu objeto; se não revestir a forma prescrita em lei; se fôr preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; se a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito (art. 145,1-V). Podem alegar tais nulidades qualquer interessado e o Curador de Testamentos, pois que lhe cabe intervir no cumprimento das disposições de última vontade (art. 146) Devem ser decretadas pelo juiz, quando conhecer dos atos ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento dos interessados (art. 146, parágrafo único). Portanto, se o juiz as encontra provadas (d. fortiori, evidentes do próprio teor do testamento), não é preciso propor-se a ação. As nulidades derivadas deforma podem, como as outras, ser de direito civil (teoria geral, parte geral) e de direito sucessório, isto é, específicas; porque, antes de ser de direito de sucessões o testamento, é ato jurídico, mais precisamente negócio jurídico unilateral. Por isso, submete-se às regras jurídicas

gerais. Mas êsse antes não quer dizer que se tenha de considerar imperfeito (erradamente, C. F. A . KÕEPPEN, Lehrbuch des heutigen rõmischen Erbrechts 4 2 0 ) : feito, o testamento é ato perfeito e acabado (F. ENDBMANN, Lehrbuch des Bürgerlichen Rechts, DI, 506). A morte, de que dependem os efeitos, é fato seguro: virá. Com a vontade dos beneficiados nada tem que ver. Quiçá, com a morte dêles: pode caducar a disposição, porém não o testamento. Se a disposição viola a lei, é nula. Aí, é essencial distinguirem-se das regras jurídicas cogentes, as regras jurídicas para a ausência de disposição e as regras jurídicas interpretativas (não-cogentes). Como adiante se dirá, o juiz tem de interpretar, de modo a preferir a própria solução que reconheça eficácia à verba testamentária (Código Civil, art. 1.666). À diferença do que se passa em relação aos outros atos jurídicos, a interpretação parte de presunção da validade pelo art. 1.666, porém tal presunção não é absoluta. Ilicitude do objeto quer dizer: ilicitude do móvel, do fim, do conteúdo da disposição de última vontade (F. E N D E M A N N , Lehrbuch des Bürgerlichen Rechts, IH, 513). Mas, ainda aí, a apreciação é in concreto. O homem casado, rico, que praticou estudos sôbre a prostituição, pode - se essa era a conclusão científica ou moral dos seus estudos - deixar a sua fortuna para a higiene das prostitutas. O fim piedoso e o intuito de concorrer para a ciência exercem, em tais casos, influência enobrecedora do objeto abstratamente ilícito. Outro dispôs: "deixo tantos milhões a cada uma das mulheres com quem, antes de casar, vivi". Nada obsta a que se legitimem as pretendentes; as provas são as das relações sexuais anteriores ao casamento (e. g., cartas, bilhetes, pagamento de aluguer de apartamento). A própria religião cristã santificou antigos pecadores. 3 . MAIORES DE DEZESSEIS ANOS, INCAPAZES. - O testador pode ser maior de dezesseis anos, são de espírito, testar em seu perfeito juízo, não ser surdo-mudo, usar de uma das formas testamentárias que a lei permite, e, não obstante, poder ser anulado o seu testamento. Não se trata da nulidade por incapacidade de testar (Código Civil, arts. 1.627 e 145,1), nem da nulidade por preterição de forma ou solenidade que a lei considera essencial para a sua validade (arts. 1.629, 1.631 e 145, III e IV), mas da anulabilidade, que resulte de êrro substancial (art. 85), de dolo (art. 92), ou de coação (artigo 98), ou de simulação (art. 102). 4 . ANULABILIDADE. - É

anulável o t e s t a m e n t o

por

vício r e s u l t a n t e

de:

a) ê r r o ; b) d o l o ; c) c o a ç ã o ; d) s i m u l a ç ã o ; e) f r a u d e (art. 1 4 6 , II). R a r í s s i m o ,

nos dois últimos casos. Têm de ser propostas as ações, mas, aqui, cumpre atender-se à contingência da primária e predominante importância da interpretação. O que é principal é saber-se o que o testador quis. A função do juiz consiste em buscar essa verdade subjetiva. Isso lhe dá poder de pronunciar-se, implícita ou explicitamente, sôbre a vontade do testador, ressalvando, se se argúi, a ação de nulidade ou de anulação. No caso do art. 146, parágrafo único, há situação parecida (se bem que em sentido contrário): o juiz pode pronunciar as nulidades que encontre provadas, mas, se não as encontra provadas e elas existem, o meio para os interessados conseguirem a decretação é a ação de nulidade, se bem que, com isso, as espécies não se tornem simples anulabilidades. Se são muitas as disposições do testamento, e só uma anulada por coação, por êrro, ou dolo, ou simulação, ou fraude, as outras valem. Mas, se foi o testamento mesmo, o todo, que se obteve por dolo, coação, ou simulação, ou fraude, então todo êle é anulável e, anulado, nada vale (A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar, IH, 2 8 ) .

Panorama atual pelos Atualizadores !

I

§ 5.679. A - Legislação

; í

Sobre invalidade de testamento, conferir as regras gerais do Código Civil de 2002: art. 166 (nulidade) e art. 171 (anulabilidade).

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§ 5.679. B - Doutrina

; :

1.0 Código Civil de 2002 sistematizou o tratamento legal do negócio jurídico, do qual o testamento é espécie, na Parte Geral. No que respeita às invalidades, a simulação passou a compor as hipóteses de nulidades e não somente de anulabilidade, como era qualificada na legislação anterior. As hipóteses de anulabilidade foram acrescidas do estado de perigo e da lesão, mas esta não pode ser aplicada ao testamento, pois sua configuração depende da desproporcionalidade das prestações das partes de negócio jurídico bilateral. 2. A conservação do negócio jurídico, aplicável à parte final do tópico 4 do § 5.679 acima, está prevista expressamente no art. 184 do CC/2002. Ocorre quando a nulidade ou anulabilidade de parte - por exemplo, de cláusula ou cláusulas do testamento - não compromete ou contamina a totalidade do negócio jurídico, que pode sobreviver e atingir o escopo prático pretendido. O princípio da conservação serve também para a invalidade parcial de alguma cláusula do testamento, quando for possível dar sentido útil à parte restante.

§ 5.679. C - Jurisprudência Para o STJ, não se deve priorizar a forma em detrimento da vontade do testador (STJ, REsp 828616/MG, 3.a T„ j. 05.09.2006, v.u., rei. Min. Castro Filho, DJ 23.10.2006, p. 313); e o nascimento de um novo descendente não toma inválido o testamento em relação aos bens integrantes da parte disponível, destinados a terceira pessoa (STJ, REsp 240720/SP, 4.a T., j. 28.08.2003, v.u., rei. Min. Aldir Passarinho Junior, 0/06.10.2003, p. 273 ).

§ 5.680. ÊRRO NAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS palavra êrro envolve fatos distintos: êrro impróprio (F. VON SAVIGNY), que concerne a vontade; êrro próprio, que recai no conteúdo da declaração e, em conseqüência, torna viciada a declaração; êrro iirelevante, que supõe desatenção, pouco exame, e não atinge a validade do ato. O primeiro obsta ao querer, e daí a terminologia de C . LAROMBIÈRE: "erreur obstacle". O ato, pelo fato obstativo, não se compõe. É empecilho à existência. Bem diferente do segundo, que torna defeituoso o ato. O terceiro deixa incólume a manifestação de vontade: mera vigilância do foro interno do declarante. O sistema jurídico exige maiores precisões (cf. Tomo IV, §§ 430-437, 382, 383,401,3, e 412, 1). 1. CONCEITO DE ÊRRO E TESTAMENTO. - A

Exemplos de êrro, que exclui, e de êrro que não exclui a manifestação de vontade, razão por que se há de proceder à verificação e classificar-se o êrro: testar, crendo vender; deixar legado a filho, e não ser, êsse, filho, e poder-se provar; legar alguém uma casa que se lhe doou, e apurar-se não se ter doado ao testador, mas a outrem; legar uma fazenda, crendo legar outra; deixar a herança aos três filhos de A, e serem quatro. O êrro, que exclui o querer, ou a declaração em si, não constitui fundamento para a anulabilidade. É um to be or not to be. Às vêzes, há êrro impróprio, mas, nem por isso, deixou de haver vontade expressa. O êrro pode ser irrelevante; então, cumpre ao juiz do testamento procurar a interpretação que, sem absurdo, salve a proposição testamentária: buscar a vontade verdadeira do testador, a intenção dominante. Exemplo: quis referir-se aos "três" filhos de A, com quem conviveu, ou a todos os filhos do casal A, se bem que, ao escrever, só se referisse aos três da época do testamento, os que com êle mais conviviam, - ali, só aos três aproveita o testamento; aqui, só se pode entendei

que a expressão "três" foi acidental, lapso. Entre dar ao êrro significação obstativa e classificá-lo como obscuridade, deve preferir-se isso, que explicita, em vez de invalidar a disposição de vontade. É preciso que não haja qualquer correspondência entre a vontade interna e a manifestação externa para que se trate de êrro-obstáculo. Se não há qualquer correspondência, não é de mister a ação de anulação das disposições testamentárias: o juiz, interpretando o testamento, declara a inexistência de vontade manifestada. Não se trata de conteúdo da vontade, ou êrro, vício da declaração, mas de êrro que incide na própria expressão da vontade. Nos testamentos, os equívocos nas palavras empregadas, ou por ignorância da língua, ou por qualquer outra razão, devem ser reduzidos a questões de exegese. Bem assim, o lapsus linguae e o lapsus calami. O êrro que influi na manifestação da vontade nem sempre (e raro) invalida a disposição testamentária. O que o fere, sempre, é o êrro que influi na detenninação do querer. Nos da primeira espécie, se é possível restaurar a vontade do testador, cabe ao juiz fazê-lo. Vale a máxima Falsa demonstrate non nocet, de que oportunamente se vai tratar. Se falha qualquer propósito de se reconstruir o pensamento, então a disposição testamentária se considera riscada, nenhuma, e não simplesmente anulável por êrro. Se o testador, erradamente, lega a B a casa da rua Áurea, crendo que foi B quem o salvou do mar, ou que conheceu em Poços de Caldas, errou propriamente: não é a expressão da vontade, mas o conteúdo dela, que falhou. No Código Civil brasileiro, não se distinguem os êrros obstáculos (ou impróprios de F. VON SAVIGNY) e os próprios, os que obstem e os que viciem a vontade, e pertence à classe das codificações que, passando sôbre a distinção, se afastam da doutrina savigniana, como o Código Civil chileno, art. 1.453, o argentino, arts. 1.044, 1.045, o Código suíço das Obrigações, de 1911 (arts. 23-27; de 1881, arts. 19 s.) e o Código Civil alemão (§§ 119 e 120). Nos testamentos, o texto já está sob os olhos do juiz para a aplicação, para o cumprimento, de proposição a proposição, minuciosamente: no distinguir o êrro e a dificuldade de inteligência, o juiz tem de pronunciar-se. Pronunciando-se, decide. Dirá se há êrro impróprio, excludente, ou êrro impróprio, interpretável, ou - o que será possível - matéria dependente de maior indagação, por ser evidentemente de êrro próprio que se disputa. Seo êrro concerne à natureza do ato jurídico do testamento, de modo que não seja testamento o que se fêz, não há ato jurídico que possa ser

tido como disposição de última vontade. É - juridicamente - inexistente: faltam-lhe, forçosamente, algumas das solenidades essenciais, o que permite ao juiz não no cumprir e logo o declarar no despacho. Mas êsse êrro pode ser de tal ordem que não fira, na essência, o ato, que não o torne visivelmente nenhum. Ser substancial, sim, e dêle emanar a declaração de vontade, porém depender de maior exame, de indagação. Então, na esteira dos sistemas jurídicos chileno, argentino, uruguaio, colombiano, suíço e alemão, há de ser tido como viciante do consentimento, anulatório, e não excludente. O êrro sôbre o nomen iuris só seria causa de anulabilidade se o testador, fazendo o escrito público ou particular, não fêz, na verdade, testamento. O que importa é a conseqüência jurídica. Se o êrro recai no objeto - e. g., o testador tem filhos e, sabendo ter tirado sorte grande, lega valor de prêmio a um afilhado e deixa aos filhos a sua fortuna, mas foi falsa a notícia do bilhete de loteria - ainda que o legado não diga ser do prêmio, se houve êrro quanto ao objeto, é anulável a disposição de última vontade. O êrro na designação das pessoas e das coisas, se não se errou quanto às pessoas e às coisas, não torna anulável a disposição de última vontade. Se, na designação, não se estabeleceu a identidade física do objeto, ou a sua natureza abstrata, nem, tão-pouco, se lhe fêz a individuação, e só se lhe deu a categoria, qualquer objeto, que entre na classe, pode servir a cumprir-se a disposição ou cláusula testamentária, não devendo ser o melhor (salvo acordo dos outros interessados), nem o pior (salvo escolha ou aquiescência do legatário). Todavia, casos há em que elementos do testamento, ou circunstâncias da vida do testador, ou de legatário, mostram tratar-se de subespécie. Quanto ao êrro sôbre a quantidade, pode ser, ou não, essencial. Legar os três prédios da rua R, de dois andares, se só de um é dono, nada importa. Legar x alqueires que possui em Campos se não são x, mas x+y ou x-y, - que poderia viciar? Nesses casos, a interpretação da verba passa a frente da questão dos defeitos do ato jurídico. É da natureza do negócio jurídico unilateral mais tocar à interpretação do que à apreciação dos fatos tôda solução sôbre discrepância de expressão. Ato unilateral, de última vontade, só se anula, por êrro, a disposição testamentária, quando fracassa a interpretação. Qualquer qualidade ou atributo, que o testador eleve à categoria de motivo determinante do negócio jurídico, é essencial. O pensamento do declarante faz ou desfaz a essencialidade das qualidades. E, pois, em re-

lação a êsse pensamento que se há de apreciar o êrro sôbre a qualidade. A regra é que as coisas têm as qualidades essenciais que, normalmente, as caracterizam. A vontade pode mudá-las; mas só a intervenção da vontade as muda. As qualidades essenciais da pessoa são fundamentais em certas instituições e legados. É possível êrro sôbre o objeto, fora dos legados, - e. g., se o testador dá instruções para a partilha. O êrro do testador não obriga a reparação (cp. Código Civil alemão, § 2.078, III). Pode ter efeitos de minoração do legado, de restituição do indevido e outros. Mas o testador, errando, não se obrigou a ressarcir o dano. 2. RESTAURAÇÃO DA VERBA TESTAMENTÁRIA. - É da natureza do negócio jurídico unilateral de última vontade ser mais fácil a restauração da verba testamentária em que houve êrro do que o seria no ato entre vivos (ANDREAS VON TUHR, Der Allgemeine Teil, I I , 6 0 1 ) . Trata-se de interpretação que só atende ao ponto de vista individual do testador: não se tendo outra vontade, a que atender, o êrro dificilmente encobre a vontade, dificilmente terá sido de natureza a excluí-la. Procura-se a direção em que quis, o que, em verdade, quis. No ato entre vivos, será preciso (de ordinário) o consensus: se um quis a A e outro a B, nada se fêz. No testamento, não: se o testador fala em A, mas referia-se, em verdade, a B, vale o legado como, afastada a má expressão, êle, realmente, quis. Donde: só se pronuncia a anulação por êrro, quando a restauração não faria a vontade manifestada corresponder à verdadeira vontade do testador. O assunto implica a interpretação do testamento (art. 1.666), de que não cabe, nesse lugar, tratar-se. 3. ÊRRO NO TESTAMENTO. - Para os êrros nas disposições de última vontade, ocorre: a) a necessária e suficiente causalidade subjetiva do êrro; b) a corrigibilidade do êrro de fato ou de direito, mais facilmente do que se daria nos atos entre vivos. Para isso, a interpretação tem de desenvolver-se do lado do testador, sem qualquer consideração de boa fé do beneficiado ou de recepção da vontade; c) às qualidades essenciais da pessoa ou da coisa só se atendem subjetivamente, isto é, só se vêem do lado do sujeito que testou. O que importa é a verdadeira vontade do testador: pode errar na linguagem, nos efeitos jurídicos: será cumprido o que êle quis. Desde que se possa revelar o querer do disponente, tudo se recompõe e observa. A von-

tade do testador é o que mais deve merecer: nela está o principal objeto da pesquisa. Se ocorre que foi alegada a anulabilidade, - negada essa, intervém a interpretação, mas tal seguimento não é necessário: a interpretação é positiva, ao passo que negativa a anulabilidade. Se o juiz o interpretou, prevalece a situação positiva, até que se anule, pelo meio próprio, o testamento, ou a disposição de última vontade. Discute-se se pode determinar a anulabilidade da disposição testamentária o êrro essencial de direito, máxime sôbre a causa. A doutrina imediata foi no sentido de não ter cogitado o Código Civil do êrro de direito, porque (dizia-se) só o êrro de fato pode influir na eficácia da vontade: "o êrro de direito poderá referir-se à capacidade do agente, à proibição do ato, ou à sua forma; não à essência mesma dêle, ao seu conteúdo" (CLÓVIS B E VILÁQUA, Código Civil comentado, I, 354). Certo, se sôbre a capacidade do agente, nulo está o ato, e não anulável por êrro (art. 145,1). Se proibido o ato também há nulidade (art. 145, II), e não anulabilidade. Se o êrro consiste em violação da forma prescrita em lei, quando a lei exija a observância do que estabeleceu, ou tenha por essencial à validade algum requisito (art. 145, HI e IV), há nulidade, e não anulabilidade por êrro. Resta saber-se se os casos mencionados pelo autor do Projeto esgotam os êrros de direito. Doutrinàriamente, o Código Civil francês, arts. 1.109 e 1.110, não distinguiu, - o nemini ius ignorare licet não vai até os extremos de tornar impossível o êrro de direito. Assim D'AGUESSEAU, L . LAROMBIÈRE, F. LAURENT, AUBRY e R A U , MARCEL PLANIOL, CARL CROME, C . BEUDANT. O q u e se

colima, na lei, sem se distinguir, é proteger a boa fé nos atos humanos. A regra Nemo censetur ignorare legem não poderia invadir tais domínios. O velho Código Civil italiano, art. 1.109, admitiu, expressamente, que o êrro de direito produzisse nulidade do contrato "quando êle é causa única e principal". Aliás, a distinção não é fácil. Êrro de direito é o que concerne à norma jurídica. Êrro de fato, o que recai nos fatos ou nos pressupostos exigidos para a incidência de uma regra jurídica. A falsa interpretação de uma lei é êrro de fato? A certos fatos correspondem certas relações jurídicas: se o êrro recai nesses fatos, é de fato; se são conhecidos os fatos, e o que se ignora é a eficácia que a lei lhes atribui, - é de direito o êrro. O êrro de direito consiste, pois, na ignorância ou mau informe de uma regra de direito, ou na falsa interpretação ou inexata interpretação de uma lei. O error iuris não é êrro invalidante, no direito brasileiro. A regra jurídica, se tinha de incidir, incide.

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.680. A - Legislação Sobre o erro, invalidante do testamento, conferir as regras gerais dos arts. 138 a 144 do CC/2002.

§ 5.680. B - Doutrina 1. Além do erro de fato, em relação a pessoas ou coisas, em que pode incorrer o testador, o direito brasileiro atual, após o Código Civil de 2002, passou a admitir, em situações excepcionais, o erro de direito e o erro de motivo. 2. O erro de direito admissível é apenas o determinante do testamento ou o único motivo da disposição testamentária, sendo exigíveis dois requisitos: a) não pode ser meio intencional para deixar de aplicar o direito, mediante negócio jurídico; b) o único motivo para realizar o negócio jurídico era a convicção de que não havia a norma legal contrária à disposição testamentária. Com essas características, o erro de direito configura erro invalidante do testamento. 3. Ordinariamente, no direito brasileiro, o motivo que leva as pessoas a realizarem negócios jurídicos, como o testamento, não pode ser considerado, porque radica no âmbito psicológico e não se exprime em manifestação ou declaração. Todavia, quando o motivo for determinante e expresso no testamento, o erro (ou falsidade) do motivo pode qualificar-se como erro substancial. 4 . 0 direito de impugnar o testamento, em virtude do erro essencial, decai em cinco anos, contados a partir da data do seu registro.

§ 5.680. C - Jurisprudência Inclina-se a jurisprudência do STJ pelo aproveitamento do testamento quando, não obstante a existência de certos vícios formais, a essência do ato se mantém íntegra (STJ, REsp 600746/PR, 4. a T„ j. 20.05.2010, v.u., rei. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe 15.06.2010).

§ 5.681. RESERVA MENTAL 1. REGRA JURÍDICA A RESPEITO DE RESERVA MENTAL. - Estatui o § 116 do Código Civil alemão: "Pelo só fato de ter feito o declarante a restrição mental de não querer o que declarava, não é nula a declaração de vontade. E nula a declaração se é feita a alguém (einem Anderen) que conheça a restrição". O Código Civil brasileiro não possui regra jurídica escrita que

corresponda ao § 116, nem outra com o conteúdo do § 118 do Código Civil alemão: "É nula a declaração de vontade não sèriamente opinada, que foi feita com a esperança de que se lhe não denegasse a falta de seriedade". No primeiro caso estão o dizer-se, sem se querer o que se diz, a pilhéria má, ou a malévola disposição, que quase se equivalem. No segundo, o gracejo. Foi omisso o Código Civil brasileiro, mas as regras jurídicas correspondentes à do § 116 e à do § 118, existem, não-escritas, no sistema jurídico brasileiro, e repousam no interêsse público, na necessidade de segurança das relações da vida. Por isso, vale a manifestação de vontade, ainda que tenha havido a reserva mental, e não pode valer o testamento hológrafo, feito em dia de festa, sem qualquer intuito de que o juiz o cumprisse após a morte do testador. Não houve ato jurídico. (O § 116 do Código Civil alemão não importou, como se procurou sustentar, a aceitação de teoria da declaração, a Erklãrungstheorie\ se a tivesse adotado, o § 1 1 6 não seria de mister (F. HERZFELDER, J. V. Saudingers Kommentar, 445). Sôbre reserva mental, Tomos I, § 35, 3, 4; N, § 2 4 5 , 2 ; M , § § 2 5 2 , 3 ; 3 2 6 , 2 ; 3 1 5 , 1 ; IV, § § 4 1 2 , 5 ; 4 6 4 , 1; 4 8 1 ; V I , § 6 5 8 , 5.

A pilhéria má, com o intuito de que outrem creia, não invalida o testamento, nem a disposição. Assim, se o testador deixou legado, por pilhéria, a B, vale o legado; porque êle quis enganar, seduzir, e o direito não pode permitir que se brinque com as relações jurídicas. Mas, se falta o intuito de enganar, de maldade astuciosa, como o de angariar simpatias, e não passou de gracejo, - não há declaração de vontade. - A cláusula em que houve reserva mental pode ser anulável por outro motivo (e.g., dolo, ameaças, coações; Código Civil, art. 1 4 7 , I I ) . Assim, JOSEF KOHLER (Lehrbuch des biirgerlichen Rechts, I, 487) e E. RIEZLER (J. V. Staudingers Kommentar, I, 445). No direito alemão, vale a reserva, se aquêle, com quem se tratou, sabia que a fizera o declarante (§ 116, 2.A alínea). Mas isso só se reporta às declarações dependentes de recepção (empfangsbedürftige Willenserklãrung). Salvo nos casamentos, pois do instituto do casamento não se pode abusar, nem com êle brincar (Motive, IV, 65). No contrato hereditário, que o Código alemão admite, cabe invocar-se todo o § 116; nos testamentos, só a alinea 1.A. Portanto, qualquer que tenha sido a reserva mental, válido é o testamento (FR. HELLMANN, Vortrdge, 87; E. MEISCHEIDER, Die letzwilligen Verfugungen, 84). 2 . CLÁUSULA EM QUE HOUVE RESERVA MENTAL.

3. CONCEITO DE RESERVA MENTAL E DADOS SÔBRE ELA. - Alguns juristas atribuem ao direito canónico o conceito da reserva mental, mas ou-

§ 5 . 6 8 2 . "FALSA DEMONSTRATIO", L A P S O S E Ê R R O S D E R E D A Ç Ã O



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tros, como ANTON GRAF VON PESTALOZZA, consideraram êrro. Foram os moralistas que a estabeleceram, ligada ao princípio não mentirás (cf. Tomo IV, § 481, 1). Naturalmente, para os casos de necessitas e quando grave imminet discrimen, tratavam os moralistas das restriotiones quas mentales dicunt. Neles, muito se encontra sôbre o materialiter verbis uti, a distinção entre scientia communicabilis e scientia incommunicabilis, aequivocatio e restrictio mentalis, e as escalas, como a de SANCHEZ (Opus morale in praecepta decalogi, 1723,1, 1. IE, 4, n. 15). Há quem tenha como restrição mental - a mais inofensiva (ANTON GRAF VON PESTALOZZA, Der Begrijf der Mentalreservation, 3 ) - a troca de uma palavra por outra, a anfibologia; mas seria engano considerar reserva mental a troca de palavras: trata-se de equivocação, que o juiz desfará, interpretando a verba testamentária, como se dá, vulgarmente, com as palavras usufruto e fideicomisso, usufruto e inalienabilidade.

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.681. B-Doutrina

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O Código Civil de 2002 não admite qualquer efeito à reserva mental, isto é, o que o testador guardou consigo em sua mente e não revelou, principalmente quando diverge em seu íntimo do que efetivamente declarou. Doutrinariamente, admite-se que a reserva mental possa prevalecer quando o destinatário tiver dela tomado conhecimento, porque de certa forma foi exteriorizada. Mas não poderá prevalecer quando confrontar com declaração de vontade, pois esta é exteriorização expressa que a torna indiscutível. Essa regra de admissão mitigada da reserva mental já se encontrava nos projetos de Códigos das Obrigações de 1941 e de 1965.

§ 5.682. "FALSA DEMONSTRATION LAPSOS E ÊRROS DE REDAÇÃO 1. FALSA DEMONSTRAÇÃO. - Aplica-se em matéria de testamentos a regra Falsa demonstrado non nocet. É corolário do Código Civil, art. 85, onde se veda a interpretação literal com prejuízo do verdadeiro sentido da vontade manifestada (ERICH DANZ, Die Auslegung der Rechtsgeschãf-

te, 235). Não se devem levai- em conta descuidos, lapsos, ou palavras, cujo sentido usual é diferente, quando as circunstâncias mais claramente falem que as paites desagregadas do contexto. Diz E . HOLDER (Kommentar, 17): "O que, ao falar ou escrever, se equivoca, declara, em vez do escrito ou falado, outra coisa, sempre que aquelas palavras, pelo contexto do discurso, adquirem outro sentido". O essencial, assim em testamentos, como em negócios jurídicos de intercâmbio, não são os meios, de que se serve o declarante, mas o que se há de entender com os sinais de que usou. Quer dizer: o sentido real, efetivo, da declaração (ERICH D A N Z , Die Auslegung der Rechtsgeschãfte, 145). Para fixar-se tal sentido real dos testamentos, pode-se recorrer a circunstâncias alheias à declaração, manifestações ocasionais do declarante, utilizando-se delas para completar o incompleto, corrigir o equívoco, e determinar o sentido de expressões poucos freqüentes ou empregadas em acepção esporádica (EMIL STROHAL, Das deutsche Erbrecht, I, 1 3 8 ; F . R I T G E N , em G . PLANCK, Biirgerliches Gesetzbuch, V, 3 3 7 , 3 3 8 ; E R I C H D A N Z , Die Auslegung der Rechtsgeschãfte, § 31,4). 2. ERROS DE FÁCIL EMENDA. - Não são óbices errôneos de fácil emenda: Almeida, em vez de Almada; B em vez de A, quando foi A, e não B, que prestou o serviço ao parente ou ao próprio testador. "Deixo trinta contos ao meu médico Manuel Alves, a cujos carinhos sou reconhecido". Se o médico se chama Manuel Ramos, e não Alves, há de se entender o que deve ser, e não o que está na letra da verba testamentária. As circunstâncias dizem o que é de mister; e, se é a intenção manifestada pelo testador, e não o sentido literal que se pesquisa, acertado é que se observe o que elas disseram. Nos próprios testamentos hológrafos, as erratas não os viciam (ERICH D A N Z , Die Auslegung der Rechtsgeschãfte, § 3 1 , 4 ; sentença do Supremo Tribunal alemão de 6 de dezembro de 1 9 0 6 ) . No caso da falsa demonstratio não se dá êrro; porque, se bem que falsa a indicação, "as palavras do declarante se interpretam no sentido que correspondem à sua vontade interna; somente se tem por declarar o que corresponde à sua vontade interna, só essa declaração existe, e só ela vale, pois que se formulou com a forma exigida" (ERICH D A N Z , Die Auslegung der Rechtsgeschãfte, 2.a ed., 235 s.). Se o testador deixa ao seu sobrinho, "o ilustre pianista A", a quantia de trezentos mil cruzeiros novos, pois que "muito me honra em ver o seu nome exaltado", mas o sobrinho não se chama A, e sim B, ainda que A também toque piano, o chamado a suceder, testamentariamente, não é A, e sim, por via de interpretação, B.

§ 5.683. D O L O 1. CONCEITO E SANÇÃO. - AS negociações, os artifícios, os gabos, os louvores, dons afetivos, com o intuito de insinuar-se para herdeiro ou legatário de outrem, escapam, em regra, às sanções anulatórias. Mas, se há dolo - isto é, quando se põem por verdadeiros fatos que o não são, ou se empregam meios ilícitos, como a calúnia - anulável é a disposição testamentária. Cumpre insistir. A regra é que todos podem proceder de modo a agradar, seduzir, angariai" afeições, ou por meio de gestos, carícias, palavras, lisonjas, conselhos, ou por exteriorização de opiniões pessoais contra outrem. Em matéria testamentária, o dolo, que possa haver, dirige-se contra terceiros, herdeiros necessários, ou possíveis herdeiros instituídos ou legatários. Mas a linha divisória entre a permissibilidade da captação ou simulação e a viciação da vontade dificilmente se conceitua: depende e coincide com a intervenção de dolo. Que é dolo? Melhor: ¿Qual é êsse dolo que pode fazer anulável o testamento?

- Os atos jurídicos são anuláveis por dolo, quando êsse foi a sua causa (Código Civil, art. 92). Supõe-se, no testador, representação errônea das circunstâncias que lhe determinam a vontade, induzimento em êrro, ou aproveitamento do êrro. Mas, na espécie, não é o êrro que vicia, - é a falta de liberdade da vontade, ou o ato ilícito do autor do dolo. Fica uma estreita margem para o dolo, que o êrro lhe deixa; mas essa margem é autônoma. Há êrros que por si sós não tornariam anuláveis a disposição de última vontade, mas, somados ao dolo, a viciam. E dolos, pouco caracterizados, que não viciariam, sendo anuláveis por êrro as disposições; bem como manobras, que levam a êrros retificáveis, pela corrigibilidade dos êrros nos testamentos. Para que o dolo vicie a disposição de última vontade, é preciso: a) que haja intenção de induzir o testador a testar, a deixar em herança ou em legado ou em modus, - a beneficiar, em suma, ou deixar de beneficiar alguém; b) que os artifícios fraudulentos sejam graves: o direito não pode pretender a pureza da vida, a perfeita correção moral das relações humanas; c) que seja a causa da declaração da vontade. 2. ANULABILIDADE DAS DISPOSIÇÕES TESTAMENTÁRIAS.

No dolo há intuito de prejudicar: ou pelo fazer herdeiro alguém, em vez de outrem; ou pelo deserdar; ou pela insinuação de disposições que sejam nulas. Exige-se vontade direta, não de prejudicar, como querem alguns, mas dos efeitos jurídicos. O que se faz passar por sobrinho, para ser beneficiado, não tem direito de lesar alguém, se o testador não tem her-

deiros necessários, nem cogita de alguém para ser instituído herdeiro, ou legatario. Mas o dolo existe. Há o dolo positivo, fazer acreditar por verdadeiros fatos que o não são, e o negativo, ocultar circunstâncias, não revelar a verdade. Quanto ao último, toma-se positivo, se acompanhado de artifícios para ocultar. Assim, se a pessoa que vivia com o testador, oculta a morte de alguém, para que o testador contemple o morto, nulamente, - o dolo não pode aproveitar-lhe. Se o testamento diz: "deixo a A; se êsse morrer, antes de mim, a B", não tem importância prática. Mas se diz: "deixo a A, e morto A, que é solteiro e não tem filhos, a B", e B ocultou ter-se casado A e haver filhos, claro que, provado o dolo, se anula a disposição. O requisito da gravidade do artifício fraudulento torna sem grande interêsse a omissão ou dolo negativo, - a gravidade do artifício ou das circunstâncias, sela-o com a dolosidade positiva. Na apreciação da gravidade entram em linha de conta as circunstâncias pessoais do testador, do autor do dolo, as situações de família e do próprio caso. O dolo, de que se trata, é o dolus causam dans ou principal, e não o incidens (Código Civil, arts. 92 e 93). A distinção é oriunda dos glosadores (SPRENGER, Über dolus causam dans and incidens, Archivfiir die civilistische Praxis, 8 8 , 3 6 1 ) , e não do direito romano. Aliás, já o notara GERH NOODT, no século XVII. O Código Civil alemão, § 1 2 3 , não se preocupa com ela; mas o Código Civil brasileiro, art. 92, manteve-a. Exige a causalidade. O dolus incidens só permite a ação de perdas e danos, art. 93. Nos testamentos, o art. 92 é que interessa: o dolo causa determinante do ato; e não o acidental, que não impediria, se conhecido, a feitura da disposição. Cf. Tomo IV, § 449. Tem, pois, grande importância a distinção. O dolus incidens é estranho ao ato testamentário, em si. A diferença entre êle e o dolus causam dans está explicita no Código Civil; dela se ocuparam GERH NOODT (Opera omnia, 145, 522), CHR. FR. VON GLÜCK (Ausführliche Erlüuterung der Pandecten, IV, 113 s.), C . J. M . VALETT (Praktisch-theoretische Abhandlungen, 63 s.), reconhecida por C H R . FR. VON MÜHLENBRUCH (Doctrina Pandectarum, § 337), A . F. J. THIBAUT (System der Pandektenrechts, § 148, n), ALB. SCHWEPPE (Das Rõmische Privatrecht, V, 4.a ed., 540 s.), J. A . SEUFFERT (Praktisches Pandektenrecht, II, § 261, n. 1), R . VON HOLZSCHUHER (Theorie und Casuistik, I , 3 3 0 ) , JOSEPH UNGER (System, § 8 1 ) , A . VON VANGEROW (Lehrbuch der Pandekten, III, § 6 0 5 ) , B. WINDSCHEID (Lehrbuch, § 7 8 , n. 5, 7 ) , L. ARNDTS (Lehrbuch der Pandekten, § 2 3 7 , / e g), FREGELSBERGER (Pandekten, I, § 1 4 6 , I I I ) , F. VON ZIEGLER (Über Betrug

beim Vertragsschlusse, 22 s.), e não por G. C. BURCHARDI (Die Lehre von der Wiedereinsetzung in den vorigen Stand, 331-333) A. BECHMANN (Pandekten, I, § 104, 248). M a s (pergunta-se), o dolus incidens, o que, revelado,

não levaria a não-testar, a não dispor, e só modificaria a disposição - nunca poderá ser invocado em atos unilaterais como o testamento? Seria perigoso dogmáticamente afirmar-se o completo desinterêsse do dolo acidental, acessório (Nebenbetrug dos alemães), do dolus incidens da glosa. Provado êle - por exemplo, por um herdeiro contra outro, ou contra o legatário, que insinuou o testador, de modo a iludi-lo, dizendo valer menos a propriedade, a substituir uma por outra, - creio que a ação de indenização cabe (art. 93). É como se restaura o equilíbrio social, uma vez que, não havendo, na espécie, dolus causam dans, em que se funde a ação de nulidade relativa, ficaria sem remédio a ofensa, e sem repressão o ato doloso. E preciso que o autor da ação de anulação tenha interêsse na anulação. Interêsses nos efeitos, como bem frisou A . BECHMANN (Der Kauf nach gemeinem Recht, 303). Do próprio dolo ninguém pode aproveitar-se. Nem, sequer, o pode alegar. Dolum proprium allegans non est audiendus (J. E . J. MÜLLER, Promptuarum iuris novum, 580). Do ato do que enganou nenhum direito lhe deve vir (SPRENGER, Über dolus causam dans und incidens, Archivfiir die civilistische Praxis, 88, 381). Diz o art. art. 97: "Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o ato, ou reclamar indenização". Se o dolo de um é incidens e o do outro é causam dans'? Na L. 203, D., de diversis regulis iuris antiqui, 50,17, põe-se por princípio - quod quis ex culpa sua damnum sentit, non intellegitur damnum sentire - mas, na L. 45, § 1, D., de actionibus empti venditi, 19, 1, vem a exceção (cp. FR. MOMMSEN, Beitrãge, I, 108, nota 12; SPRENGER, Ueber dolus causam dans und incidens, Archivfür die civilistische Praxis, 88, 388). A culpa leve, o dolo acessório, não escusaria o dolo causam dans. Não se presume o dolo; precisa ser provado. Mas, para a prova, servem todos os meios que a lei admite, inclusive as presunções. Dizer-se que o dolo não se presume e dizer-se que êle se pode provar por presunções não são coisas contraditórias. Inicialmente incumbe ao que alega dar a prova (por isso, o dolo não se presume); e fatos, dados, circunstâncias, que façam nascer presunções, podem bastar para prová-lo (por isso, prova-se o dolo com presunções). Mais ou menos tal raciocínio desenvolveu-se na Câmara dos Deputados, ao tempo da elaboração do Código Civil (Trabalhos, V, 126, 127). Cabe ao juiz examinar os dados probatórios, quiçá presunções,

e decidir se houve dolo, ou se o não houve. Nos próprios Códigos Civis que têm o princípio (supérfluo, porque evidente) de se não presumir o dolo (Código Civil francês, art. 1.116; chileno, 1.459; colombiano, 1.516), presunções bastam. Dir-se-á que, em tal fluidez de provas, é enorme o arbítrio do juiz. Que fazer? A dificuldade de provar-se o dolo não poderia ter o efeito de prescindir-se da anulabilidade. Às vêzes, a lei presume o dolo (e.g., art. 1.719). E presume de modo inelidível. 3. AÇÃO DE ANULAÇÃO POR DOLO. - A ação de anulação por vício de dolo (causam dans) cabe aos interessados e a seus herdeiros e sucessores. O art. 198, § 9.°, V, b, do Código Civil, diz que a ação de anulação por dolo prescreve em quatro anos (erradamente, somente se refere a contrato). Não disse que a partir do conhecimento pelo interessado, e sim do ato. Ora, os interessados só o são a partir da morte do testador; portanto, só a partir do cumpra-se nos testamentos é que se deve contar o prazo. E os ausentes? Da ciência, ainda presumida (editais). No caso de indenização (dolus incidens), a ação é de trinta anos. Perdido o prazo para a ação anulatória (dolus causam dons), não o está para a de ressarcimento, porque o dolus causam dans contém o incidens e a pretensão à indenização só prescreve em trinta anos. O dolo pode ser de qualquer herdeiro ou legatário, beneficiado, parente, ou qualquer pessoa que não tenha interêsse direto na realização do ato testamentário e no seu cumprimento (AUBBY et RAU, Cours, IV, 5 0 5 - 5 0 6 , nota 26). O dolo estranho vicia a disposição testamentária, se foi a causa de haver disposto, em tal sentido, o testador. Isto é: se essencial, e não acidental. Cumpre notar que em matéria testamentária (e isso também vale para os contratos de herança, nos povos que o admitem, F. RITGEN, em G. PLANCK, Das Bürgerliche Recht, V, 5 2 8 ) , não é preciso que o interessado, ou beneficiado, conhecesse ou devesse, conhecer o dolo para que se possa pedir a anulação com êsse fundamento: o art. 95 do Código Civil e o § 123 do Código Civil alemão são estranhos ao domínio das disposições de última vontade, essencialmente unilaterais.

Panorama atual pelos Atualizadores § 5.683. A - Legislação Sobre o dolo, invalidante do testamento, conferir as regras gerais dos arts. 145 a 150 do CC/2002; sobre a decadência do direito de impugná-lo, ver o art. 1.859.

§ 5.683. B - Doutrina

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1. As regras gerais do Código Civil de 2002 são voltadas essencialmente ao negócio jurídico bilateral, o que torna exigente sua adaptação ao testamento, negócio jurídico unilateral por excelência. 2. No direito brasileiro, o dolo é causa de anulabilidade, enquanto em outros ordenamentos jurídicos leva à nulidade, em virtude da gravidade da intenção de prejudicar, do emprego da vontade para iludir, 3. A acepção de dolo em direito civil, inclusive no direito das sucessões, difere da empregada em direito penai, que é o desígnio criminoso, a intenção criminosa de fazer o mal, de praticar o crime ou o delito, por ação ou por omissão, querendo o agente o resultado delituoso ou assumindo o risco de produzi-lo. 4. Não há necessidade de o dolo atingir o núcleo essencial do testamento, levando-o à inteira anulabilidade. Pode haver dolo sobre determinada disposição testamentária, sobre ela incidindo a anulabilidade. 5 . 0 direito de impugnar o testamento, em virtude do dolo, decai em cinco anos, contados a partir da data do seu registro.

§ 5.684. COAÇÃO E TESTAMENTO 1. CONCEITO E PRECISÕES. - A coação, para viciar a manifestação da vontade, há de ser tal, que incuta ao paciente fundado temor de dano à sua pessoa, à sua família ou a seus bens, iminente e igual, pelo menos, ao receável do ato extorquido (art. 98). É afuerza do Código Civil argentino, arts. 936-943, e do chileno, a violence do francês, a violenza do italiano, a Drohung do alemão, a gegründete Furcht do suíço. Alguns sistemas jurídicos distinguem a coação obstativa de consentir e a que vicia o consentimento. Violência da primeira categoria tornaria inexistente, por ser vis absoluta, e ter sido outrem o autor do ato jurídico, em vez de, viciadamente, a pessoa de quem se quis o consentimento. Torná-la-ia instrumento mecânico da vontade de coator. Na coação propriamente dita, há consentimento, o que diminui, sem excluir, de todo, a liberdade. No Código Civil brasileiro, não se fêz referência à violência-obstáculo e à violência-vício. Apenas se fala de temor, situação que permite preferir a prática do ato viciado ao dano à pessoa, à família, ou aos bens do sujeito. Se há vis absoluta, nada feito: aí, o caso não é de anulabilidade, mas excludente da própria declaração de vontade (CARL CROME, System, I, 428). De declaração de vontade, o ato só tem a aparência; e, para que se cogite de anulabilidade, é preciso que exista declaração, que se anule, isto é, que tenha consentido, viciadamente, o declarante. Coactus voluit. No Código Civil argentino, arts. 936 e 937, há a anulabilidade para todos os casos, ain-

da de vis absoluta, a exemplo do Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, art. 4 8 8 . A coação vicia o ato porque o querer não foi livre. Mas há quem procure outro fundamento: a reprovabilidade, firmada na imoralidade da violência ( W . VON BLUME, Beitrãge, Jherings Jahrbücher, 3 8 , 2 2 8 s.; JOSEF KOHLER, Lehrbuch, I, 517). É digno de menção o critério, mas, historicamente, não é êsse o fundamento das anulabilidades pela coação. Contudo - praticamente - sempre que se apreciam a ameaça e os seus efeitos, não se devem desprezar as sugestões nascidas da antieticidade da violência. 2. PRESSUPOSTOS. - Para que a coação faça anulável o testamento, ou a disposição, é preciso: a) que seja a causa determinante do ato ou verba testamentária; b) que seja justificado o temor, - ameaças, que não podiam intimidar, não bastam; c) que o temor seja de dano, referente à pessoa do paciente, à família dêle, ou aos seus bens. Não seria suficiente poder ligar-se a disposição à violência, remota, ou, se contemporânea do ato, não inquinável de ser-lhe a causa. Exemplo: se o testador, antes dela, havia pensado dispor, ou fizera esboço, ou iniciara o testamento tal como foi feito. A vis compulsiva pode consistir em violência atual, ou em ameaça. Mas ameaça - não do ato coativo, mas das conseqüências, dos efeitos - há, também, naquela. Há meios materiais e meios morais de coagir. Todos podem tornar anulável a disposição, ou o testamento. O próprio dano temido pode ser moral: desonra, desconsideração pública, ridículo. Temores pânicos e insensatos não viciam o ato. Mas o direito contemporâneo não exige tipo abstrato de homem, resistente, por igual, às ameaças. O juiz tem de se levar em conta a receptividade do paciente. O dizer - Vani timoris insta excusatio non est — hoje só significa dever ser fundado o temor; sem se excluir a consideração das qualidades e circunstâncias pessoais do testador. A lei fala em dano à pessoa, à família ou a bens do paciente. Que se há de entender por família, no art. 98? Houve evolução técnica. No Código Civil francês, art. 1.113, no espanhol, art. 1.267, 2.a alínea, no chileno, art. 1.456, no colombiano, 1.513, e no da Luisiana, 1.835, não se acolheu expressão genérica, mas marido, mulher, seus ascendentes, ou seus descendentes. Descendentes ou ascendentes ilegítimos, acrescentaram o Código Civil argentino, art. 937, o uruguaio, 1.246; e o de North Dakota, art. 5.290: cônjuge, ascendente, descendente, filho adotivo e seu cônjuge. Próximos, preferem outros (e. g., Lei suíça, art. 30). O velho Código Civil italiano, artigo 1.113, ao sistema napoleónico juntou o de deixar ao juiz pronunciar-se sôbre a nulidade, segundo as circunstâncias "tratandosi di

altre persone". Desprezou o termo jurídico-parental para ver o cerne da jurídica: o laço afetivo, que pode existir sem essa relação de família, a que se aferravam os outros códigos. No mesmo sentido o nôvo Código Civil italiano, art. 1.436, alínea 2.a: "Se il male minacciato riguarda altre persone, l'annullamento del contratto è rimesso alia prudente valutazione delle circostanze da parte del giudice". O Código Civil português revogado perdera de vista o laço afetivo, talvez por mera extrapolação jurídica, talvez por possibilidade receptiva de atuar no coagido o dano a estranho (art. 666, parágrafo único): "A coação consiste no emprêgo da fôrça física, ou de quaisquer meios, que produzam danos, ou fortes receios dêles, relativamente à pessoa, honra ou fazenda do contraente ou de terceiros". No Código Civil português de 1966, art. 255 (cf. art. 220, 1) estatui-se: "1. Diz-se feita sob coação moral a declaração negocial determinada pelo receio de um mal de que o declarante foi ilicitamente ameaçado com o fim de obter déle a declaração. 2. A ameaça tanto pode respeitar à pessoa como à honra ou fazenda do declarante ou de terceiro. 3. Não constitui coação a ameaça do exercício normal de um direito nem o simples temor reverenciai". Acrescenta o art. 256: "A declaração negocial extorquida por coação é anulável, ainda que esta provenha de terceiro; neste caso, porém, é necessário que seja grave o mal e justificado o receio da sua consumação". Evidentemente, o juiz tem de apreciar: a coação é estado que se verifica no sujeito coagido. A jurisprudência francesa - em sua louvável atitude de completar a lei, nunca assaz encarecido, e em tantos casos - fêz o artigo compreensivo dos ilegítimos. L . LAROMBIÈRE (Traité theorique et pratique des Obligations, I, 7 8 ) e C. DEMOLOMBE (Cours, 24, n. 162) consideram-no demonstrativo, exemplificante, e não taxativo, e incluíram tios, irmãos e amigos. Revelaram o conteúdo da regra jurídica, que é pro affectu. A decisão de Paris de 31 de março de 1906, que se ateve ao sangue, foi de irritante retrocesso. O amigo pode valer mais do que o pai. Certo, nem sempre, e raro. Porém, então, é preciso examinar as circunstâncias. Daí a solução italiana, digna de louvor. Os próprios tribunais anglo-saxões vão até os colaterais e afins. regra

Resta a terminologia suíça: "eine ihm nahe verbundene Person", "un de ses proches" (Código suíço das Obrigações de 1911, art. 30). Não é só o parente: não se disse nahe Verwandte, mas nahe verfundene Person, ~ expressão que também se encontra no art. 126, alínea 1.a, e no Código Civil suíço, arts. 126 e 477, alínea 1.a. A apreciação é deixada ao juiz, que examina o caso particular (H. OSER, Das Obligationenrecht, Kommentar de A. EGGER, V, 126). Direito, como o suíço, que sabe prezar a amizade,

e reconhecer-lhe efeitos jurídicos da máxima importancia (os amigos íntimos podem pedir a anulação do casamento obtido por coação, art. 126), não podia dar à coação viciante dos atos jurídicos em geral o limite do dano aos parentes. Daí o art. 30, como, no direito sucessório, o critério de equiparar à ofensa à pessoa do decujo a ofensa aos próximos (Código Civil suíço, art. 477, alínea 1.a), inclusive aos amigos (A. SCHNEIDER, Das schweizerische Obligationenrecht, nota ao art. 27 do Código suíço das Obrigações de 1881; E. STADLER, Die Enterbung, 33), máxime se vivem sob o mesmo teto (A. ESCHER, Das Erbrecht, Kommentar, IH, 41). Trata-se de expressão elástica que remete à apreciação do juiz o caso circunstancial (P. TUOR, Das Erbrecht, Kommentar de M A X GMÜR, I I I , 176). Quanto ao direito brasileiro, família é compreensiva de cônjuge e filhos menores (Código Civil, arts. 233,1, m , V, e 70), ou de cônjuge, filhos solteiros e domésticos (art. 744). Mas há conceito de direito sucessório: até o quarto grau, na linha colateral. Seja como fôr, no momento, a que se chegou, de consciência jurídica e de evolução técnica, a que se deu tão científica solução, não pode o intérprete, menos ainda o juiz, deixar de considerar a regra legal referente aos ligados por sangue e afinidade, porque, na verdade, ordinariamente,-são amados, como abrangente da coação por ameaça de dano a pessoas que se não presumem, legalmente, amigos, porém são tanto ou mais que os parentes. A referência é a favor do cônjuge, dos ascendentes, descendentes, legítimos ou ilegítimos, irmãos e sobrinhos, mas alcança outros parentes, provado o afeto, a íntima convivência. A violência vicia quando dirigida a não-parente que valha, para o coagido, quase ou o mesmo que sua pessoa, - o grande amigo, a noiva, o afilhado querido, o protetor por quem se fariam sacrifícios. Assim teremos ficado onde a ciência nos diz. Nem a extrapolação (não se chame liberal, porque não serve a liberdade-, mero escorregar de racionalistas intemperantes), nem o Código Civil francês textual (o Código Civil francês interpretado é outro). Em suma, o critério pro affectu. Noutros têrmos, a dor que o testador coagido sente. Êsse elemento de dor, ou que atua dolorosamente, é de capital importância (R TUOR, Das Erbrecht Kommentar de MAX GMÜR, IH, 176). Nos nossos dias, se a lei faz alusões, que podem ser discutidas como taxativas ou exemplificativas, o intérprete bem orientado só é coerente com a evolução técnica se considera a lei por fixadora do quod plerumque fit e os mais casos como de apreciação judicial. Alguns escritores consideram a sugestão hipnótica como excludente, e não só viciante da vontade ( L . KUHLENBECK, Von den Pandekten zum biirgerlichen Gesetzbuch, I, 450). Com a sua grande perícia, TEIXEIRA DE

(Esboço, art. 509) cogitava do assunto, e no mesmo sentido. No direito testamentário, a matéria é de alta relevância. Mas qualquer princípio a priori seria perigoso. Há sugestão e sugestão. Se é possível ao hipnotizador ordenar que A, no dia seguinte, vá ao tabelião e teste (exemplo que nos dá L. KUHLENBECK, Von den Pandekten zum bürgerlichen Gesetzbuch, I, 450), também é possível que a sugestão só modifique o consentimento. Juridicamente - para que se trate de vício - é preciso que se possa dizer coactus voluit- mas como afirmar que, em todos os casos, o querer é de hipnotizador? O Projeto de COELHO RODRIGUES, art. 350, falava de sugestão hipnótica ou magnética, exercida por quem tiver o hábito de as praticar. Seriam espécie de coação moral. O Projeto primitivo adotou o mesmo critério, chamando-lhes sugestões (art. 115, parágrafo único). Censuraram-no a Faculdade Livre do Rio de Janeiro (Trabalhos, II, 50) e o Prof. NINA RIBEIRO, que desenvolveu, lúcidamente, a crítica (Trabalhos, II, 322): "foi a idéia incompleta que tinham da incapacidade por insanidade mental transitória, da inconsciência mórbida, que levou o Dr. Clóvis Beviláqua, como Coelho Rodrigues, a dar à sugestão hipnótica ou provocada situação, que lhe não pode convir. Reproduzindo a disposição do art. 350 do Projeto Coelho Rodrigues, que entre os meios de coação moral compreende as sugestões hipnóticas ou magnéticas, quando a pessoa a quem forem atribuídas tiver o hábito de as praticar, o Projeto revisto conserva no parágrafo único do art. 115 o disposto no art. 115 do Projeto primitivo, isto é, que entre os meios de coação moral se compreendem as sugestões hipnóticas. O Projeto primitivo havia retirado da definição de Coelho Rodrigues a consideração restritiva da qualidade de hipnotizador habitual no criminoso, assim como havia suprimido o qualificativo de moral dado à coação por sugestão. Delicada, como é essa doutrina, pelas incertezas científicas, que ainda rodeiam o assunto, e pelas inovações que introduz nos códigos, devemos aferir o seu valor à luz das opiniões mais autorizadas em psicologia aplicada e experimental, das quais não nos seria lícito afastarmo-nos aqui. Ora, tão atacável é a doutrina de psicologia forense de todos esses artigos, como a definição legal, que êles dão, de sugestões criminosas. Por que sugestão hipnótica? Os progressos realizados pela ciência no conhecimento das sugestões deixam hoje bem esclarecidas as diferenças existentes entre sugestão e hipnotismo. O estado hipnótico, já de sua natureza simples efeito da sugestão, não é mais do que condição mental, que facilita a realização das sugestões feitas durante êle. O fato capital é, pois, a sugestão, que tanto se pode dar em estado hipnótico, como em estado de vigília". E continuou: Pela minha parte, preferiria denominar as de que deve tratar um Código FREITAS

Civil de sugestões artificiais criminosas, o que as extremaria, por um lado das sugestões normais, e, por outro lado, das sugestões experimentáis terapêuticas, também artificiais, patológicas, provocadas, mas lícitas ou permitidas. A expressão - sugestão hipnótica - é hoje empregada em dois sentidos distintos: ou em acepção genérica, para designar sugestões artificiais ou patológicas, em oposição às sugestões normais; ou em sentido restrito para distinguir, entre as sugestões patológicas artificiais, as provocadas em estado hipnótico, das produzidas em estado de vigília. Se, pois, Clóvis Beviláqua escreve que "é de grande inconveniência para a doutrina que os termos técnicos que se prestem a mais de uma significação, e só diante da inexistência de outra expressão é tolerável essa inópia idiomática", é claro que na lei escrita jamais se poderá tolerar semelhante coisa. No entanto, precisamente Coelho Rodrigues e Clóvis Beviláqua evidentemente empregaram o têrmo - sugestão hipnótica - cada qual exclusivamente num dos dois sentidos apontados. Quando o Dr. Coelho Rodrigues estabeleceu no seu projeto equivalência entre os qualificativos - hipnótica e magnética - pensou naturalmente designar assim as sugestões artificiais, aquelas que forem conhecidas graças aos estudos do magnetismo e do hipnotismo. Nesse sentido, os qualificativos são, de fato, equivalentes, e a expressão magnéticas - não merecia o ponto de interrogação que lhe pôs Clóvis. Ao contrário, Clóvis dá à expressão sugestão hipnótica o sentido restrito de sugestão feita em estado de sono hipnótico. As doutrinas de Campili e dos jurisconsultos brasileiros, mesmo em sua divergência, equivalem a desprezar nos alienados a condição fundamental de perturbação mental mórbida, como causa suficiente de sua incapacidade civil, para ir buscar, no modo imperfeito, porque ainda funciona a mente no naufrágio das faculdades ou funções mentais desagregadas pela moléstia, as condições da anulação dos atos civis, segundo os vícios do consentimento, que daí resultarem. E assim se poderia falar de êrro nos alienados, que sofressem de ilusões e alucinações; de coação moral nos dementes; de dolo nas explorações criminosas, das perversões afetivas do melancólico, dos delírios dos paranóicos, etc., nos quais a volição, como as funções intelectivas, tem ilusórias aparências de integridade. No entanto, se é verdade que é na possibilidade de todos êsses vícios dos atos jurídicos que está a razão de ser prática da incapacidade dos alienados, essa se funda de fato num princípio geral de uma lesão da conduta, na impossibilidade que traz a moléstia ao doente de se governar, o que é uma conseqüência do consenso e harmonia das funções mentais comprometidas, ainda no caso de perturbações aparentemente circunscritas a êste ou aquêle domínio da inteligência. Foi em nome

dêstes princípios que a medicina condenou a doutrina da responsabilidade parcial, e a lei acabou sancionando o seu aresto. Não se queira estender, pois, ao domínio da inteligência doente ou anormal regras jurídicas, que só se destinam a exercício da saúde e normalidades psíquicas. E os vícios do consentimento pressupõem a sanidade mental, pois é a incapacidade o recurso jurídico contra os desvios da insanidade mental". A verdadeira solução é deixar-se à Ciência dizer a palavra atual sôbre o assunto, que mais lhe pertence que ao direito. Se a sugestão foi excludente ou viciante da vontade, responde a perícia. Somente ela pode dizer o que a psicologia decide quanto ao caso; e o juiz, ouvindo-lhe o parecer, estudando-o, conferindo as premissas com os dados de fato e com as outras circunstâncias (quiçá, e não raro, presunções de dolo, coação de outra natureza), proferirá a sentença. No estado atual dos conhecimentos, ao hipnotismo reconhecem os autores maior valor inibitório que de sugestão faciendv. assim, fácil será ordenar-se que a pessoa não teste, pois é grande o poder de inibição; mas difícil conseguir-se de alguém o que em verdade não queria, nem estava nas premissas do seu caráter. O fato, que vemos referido em vários livros, da experiência da sugestão para testar de determinada maneira, não prova totalmente o poder da sugestão de testar: podia bem ser que estivesse em propósito do testador, e seria o papel da sugestão hipnótica mais revelador que determinador do fato. De qualquer modo, é assaz prudente deixar-se à ciência o que é da ciência. 3. COAÇÃO EXERCIDA PELO INTERESSADO OU POR OUTREM. - A coação pode ter sido exercida pelo interessado (herdeiro, legatário, beneficiado), ou por outrem. A ação coatora pode ser com ameaça direta (males físicos, lei, execução de títulos), ou velada (a do médico que põe em quarentena, para não poder testar, o paciente). A coação pode consistir em ameaça, dano ao próprio coator que tenta suicidar-se (por exemplo). Trata-se, em verdade, aí, de coação exercida sôbre os sentimentos afetivos do paciente. Tudo o que exerce pressão no querer pode constituir coação, no sentido da lei, e torna anulável o ato. O credor que tem pronto o arresto, mas dêle desistirá se o devedor o contemplar no testamento, coage. É anulável a disposição. Dir-se-á que o credor pode - legitimamente - ameaçar, para conseguir nôvo contrato. Mas: outro contrato não é testamento; ainda nos contratos, há linha de separação entre a ameaça lícita e a ilícita, assunto que, em matéria testamentária, se torna mais simples.

Se o coagido teria querido o mesmo que viciadamente quis, mas por outro motivo, sim; não se há anulabilidade ANDREAS VON TUHR, DerAllgemeine Teil, II, 612, nota 55.) 4. DADOS FÁCTICOS. - Está no Código Civil, art. 99: "No apreciar a coação, se terá em conta o sexo, a idade, a condição, a saúde, o temperamento do paciente e tôdas as demais circunstancias, que lhe possam influir na gravidade". Em vez do tipo abstrato de homem, que o direito romano fixava, ou tentava fixar, objetivamente, acolheu-se o critério subjetivo (Código Civil francês, art. 1.112) Em alguns sistemas jurídicos, ao lado do critério subjetivo concreto, ainda se vê a reminiscência romanística da personne raisonable ou da persona sensata, correspondentes jurídicos do homem médio, do homem bom cidadão e outras abstrações. Por isso mesmo, querendo salvar a contradição napoleónica da coação apreciada in abstracto e da coação apreciada in concreto, interveio (sempre os sofismas da conciliação do passado morto com o tempo nôvo repontante!) a ardilosa explicação de COLMET DE SANTERRE: O abstrato seria o máximo exigível pelo juiz e o concreto algo de campo livre até êsse máximo. Donde: se a violência faria impressão a qualquer pessoa razoável, bastava, não cabendo apreciar-se, in concreto, o tipo acima do normal em energia e capacidade de resistir às ameaças e coações; se a violência, pequena embora, devido à fragilidade da pessoa, efetivamente podia intimidar, é de ser levada em conta para a anulação do ato (Pandectes Françaises, 43, II, 34, 35). Se observamos, contemplativamente, tal explicação, engenhosa e sutil, e se a julgamos sociologicamente, claro que se nos depara um daquêles casos de pertinaz procura da interpretação que salve a lei, que dê aparente homogeneidade a texto evidentemente heterogêneo. Digamos que lá está o direito romano, e o racionalismo do tipo abstrato, e, na 2.a parte do artigo 1.112 do Código Civil francês, a atenuação já conhecida em R . POTHIER, que pretendera justapor, coerentes, os dois sistemas. Em verdade, como quase sempre sói acontecer, um expulsa o outro. O art. 1.112 é bem certidão de idade do Código Civil francês e dos que o imitaram. A evolução técnica tinha de completar-se. O direito acaba por enterrar a múmia romanística do tipo abstrato de resistência. Sucessão normal: ao critério a priori o critério da realidade concreta e observada. E a trilha do Código Civil espanhol, do argentino, do uruguaio, do montenegrino. No próprio direito anglo-saxão começou a operar-se a passagem de um a outro sistema. Resta saber se a apreciação concreta é unilateral, isto é, somente quanto ao sexo, idade, condição, saúde, ou temperamento do paciente. No

brasileiro, é bilateral: lá está escrito "e todas as demais circunstâncias que lhe possam influir na gravidade" (cf. Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, art. 492). Claramente, o montenegrino. A verdadeira interpretação científica do art. 99 é a seguinte: tudo que justifique a intimidação, esteja no sujeito coator ou no coagido, é suficiente para a anulação do ato. Assim, é anulável a disposição testamentária que foi obtida: a) pela ameaça ou sugestão imperiosa (não o temor reverenciai do tutor ao tutelado, do pai ao filho); b) mediante a declaração de publicar cartas de alguém (timor infamiae); c) ou mediante os gestos ameaçados de boxeador, ou pessoa extremamente forte, à pessoa frágil; d) por mera circunstância de se acharem sós em uma ilha, porão, navio, túnel, esconderijo, floresta ou outro lugar isolado; e) por palavras, atos ou gestos, feitos a testador de timidez e imaginação doentias. O elemento repressibilidade social da violência que, como vimos, se quis caracterizasse a anulabilidade por coação, teria no art. 99 forte apoio: fracos e tímidos são os mais protegidos por êle. Todavia, rigorosamente, o art. 99 pode, em vez de favorecer, desfavorecer: o militar, por exemplo, presume-se homem de coragem, a educação física e moral que recebe, prepara-o para isso; a mesma violência, suficiente à anulabilidade de ato praticado pelo menor testador, não bastaria em relação a pugilista profissional ou amador. O sexo, que a lei manda levar-se em conta, não opera abstratamente: o revólver, que intimida a senhora caseira, intimidaria menos uma caçadora, ou desportista, ou mulher de temperamento viril. 5. AMEAÇA DE EXERCÍCIO NORMAL DE DIREITO E TEMOR REVEREN-

- Diz o Código Civil, art. 100: "não se considera coação a ameaça do exercício normal de um direito, nem o simples temor reverenciai". Duas questões: exercício normal de direito (no art. 160,1, também se fala em "exercício regular de um direito reconhecido"); e temor reverenciai. Cf., hoje, o Código Civil português, art. 255, 3. (a) Exercício normal de direito: o mesmo é dizer-se exercício regular de direito, ou, negativamente, exercício não abusivo de um direito. Tratar e de princípio indiscutido de direito moderno (Código Civil austríaco, §§ 870 e 874; argentino, art. 939; alemão, § 266; Lei suíça, art. 50, 2.a parte). Se o exercício é irregular constitui abuso do direito; é suficiente para a anulação, como bastaria para a ação de atos ilícitos. O exercício anormal pode ser qualitativo ou quantitativo. Exemplos: se o credor ameaça mandar cobrar ao futuro sogro, rico, do devedor; se, em vez de somente cobrar, põe, para a não cobrança, a condição de testar o devedor a favor do credor ou de outrem. Em geral, a ameaça de meios legais é injusta em

CIAL.

relação a o fim, se feita, não para o fim direto, que lhe reconhece a lei, mas para segundo fim, estranho ao conteúdo da pretensão. De modo que, na ordinariedade dos casos, a imposição necessàriamente vicia a disposição de última vontade: é segundo fim, estranho ao conteúdo da pretensão'do credor. O T T O FISCHER-WILHELM H E N L E (Bürgerliches Gesetzbuch, 1 2 3 ) dizem ser legítima a ameaça se é contrária ao direito e meio ou o fim. Se bem que W . VON B L U M E (Beitráge, Jherings Jahrbiicher, 3 8 , 2 4 2 ) advirta que a distinção não traz vantagens, em alguns casos é de grande ajuda; e. g., se a coação é meio, isto é, se o exercício anormal de direito se emprega para se obter a disposição, claro é que faz anulável o ato; se o exercício é normal, mas o credor, por exemplo, aproveita a situação legitimamente criada (meio legítimo), para conseguir, coagindo, a disposição testamentária (fim contrário a direito). Aqui, não é o art. 100 que se deve invocar, mas o art. 99 ("e todas as demais circunstâncias, que lhe possam influir na gravidade"). De qualquer maneira a ilegitimidade do fim é plus se exercício inicialmente normal do direito. (b) Temor reverenciai: TEIXEIRA DE FREITAS enumerou os casos de temor reverenciai (Esboço, art. 495, H V ) : a) o temor dos descendentes para com os ascendentes; b) o da'mulhcr para com o marido; c) o dos domésticos para com o amo; d) o de qualquer subordinado para com o seu superior. No temor reverenciai, há, não o temor de dano, mas o de desgostar com o que sugere, ou afasta. Supõe dever de obediência ou de respeito especial. Na evolução técnica da regra jurídica, vemos o Código Civil francês, art. 1 . 1 1 4 , que só se referiu a pai, mãe, ou outro ascendente, mas a jurisprudência francesa, aqui, como a respeito do art. 1 . 3 8 4 , § 2 . ° (e. g., PONTES DE MIRANDA, Das Obrigações por Atos Ilícitos, 2 8 1 , 2 8 9 e 2 9 1 ) , deu maior largueza ao princípio: o art. 1.114 passou a ser meramente exemplificativo. Alguns Códigos Civis italianos (e. g., de Guastala, em 1 8 2 0 , art. 1 . 0 8 9 , da Sardenha, em 1 9 3 7 , art. 1 . 2 0 1 ) acrescentaram o temor da mulher para com o marido. Tivemos, em seguida, o degrau exemplificativo do Esboço de TEIXEIRA DE FREITAS, que o Código Civil argentino, art. 9 4 0 , adotou, e o degrau indutivo do Código Civü chileno (art. 1 . 4 5 6 , 2.A alínea): "El temor reverenciai, esto es, el solo temor de desagradar a las personas a quienes se debe sumisión i respeto, no basta para viciar el consentimiento"), e do italiano revogado (art. 1.114: "II solo timore riverenziale, senza che sia intervenuta violenza, non basta per annullare il contralto") e do italiano de hoje (art. 1.431): "II solo timore riverenziale non è causa di annullamento del contralto". Tem a fórmula indutiva o Código Civil brasileiro. Cumpre observar que essa pré-exclusão da invalidade, que se concede ao dever de

combatida por VESEMBÉCIO, deixa ao exame judicial a questão da sua pureza: porque o temor reverenciai não basta para fundamentar a anulabilidade, porém não escusa a violência ou ameaça. Os exemplos esclarecem: se o pai usa da situação de pai, ameaçando o filho de lhe cortar as relações com a família, se o filho não testa a favor do próprio pai, ou dos irmãos, aquêle cortar de relações é elemento positivo, plus, que se soma ao temor reverencial, e se, por si só, êsse não faria anulável o ato jurídico, aquêle, por si basta. O temor reverencial é faca bigúmea: pode tornar-se agravante da ameaça. Sozinho, não constitui coação: é o simples temor, a que se refere o Código Civil, art. 100. Acompanhado, serve à apreciação in concreto da violência, segundo o princípio salutar do art. 99. Tal o direito contemporâneo: el solo temor reverenciai do Código Civil chileno, il solo timore do italiano, the mere reverential fear do Código Civil da Luisiana, art. 1.859, correspondem ao "simples temor" do brasileiro e às distinções do direito anglo-saxão. Aliás, parece que as leis nem deviam falar em tal insuficiência do temor reverencial: é o verso do dever. Compreende-se a omissão do direito suíço e do alemão. respeito,

6. COAÇÃO EXERCIDA POR TERCEIRO. - Diz o Código Civil, art. 101: "A coação vicia o ato, ainda quando exercida por terceiros". E o § 1.°: "Se a coação exercida por terceiro fôr previamente conhecida à parte, a quem aproveita, responderá esta solidariamente com aquêle por tôdas as perdas e danos" § 2.°: "Se a parte prejudicada com a anulação do ato não soube da coação exercida por terceiro, só êste responderá pelas perdas e danos". Que a coação pode ser exercida por terceiro, não há dúvida. Mas é possível cogitar-se da ação de indenização? Creio que sim. Se o testador dispôs coagido, e foram partilhados os bens e de qualquer modo desfalcado o espólio, provando-se, na ação competente, a coação exercida por terceiro, e anulado o ato, há a ação de indenização, cumulável com a anulatória. 7. PROVA DA COAÇÃO. - A coação não se presume. Quem a alega deve dar provas. Mas, como a respeito do dolo, cabem todos os meios de prova, inclusive as presunções. Aliás, raramente se pode pensar em coação que não envolva o seu tanto de dolo. Se o dano temido fôr à família, cumpre ao autor da ação, para estabelecer a admissibilidade do temor pro affectu, mediante a presunção legal, provar o parentesco existente, ou, melhor, a situação d& família. Isso tem por fim isentá-lo de provar o grau de afeição. Quando não se trata de parentes, mas houve, efetivamente, coação pro affectu, tem o autor de provar o grau de afeição existente entre o testador e

aquêle sôbre quem recairia o dano à pessoa ou aos bens. Cumpre advertir que o dano pode também ser do filho daquêle a quem tão intimamente se achava ligado o testador. Não é possível cercear-se o juiz na apreciação dos casos concretos.

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Panorama atual pelos Atualizadores

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§ 5.684. A - Legislação

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Sobre a coação, invalidante do testamento, conferir as regras gerais dos arts, 151 a 155 do CC/2002, onde couber.

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§ 5.684. B - Doutrina

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1. Tal como o Código anterior, o Código Civil de 2002 concentrou-se no fundado temor, para caracterizar a coação. Todavia, impôs, além do temor de dano iminente, que este fosse considerável à pessoa do testador ou à sua família, e admitiu que também haveria coação quando dirigida a pessoa que não fosse integrante da família do testador, dependente da consideração das circunstâncias, pelo juiz. 2. A coação, que pode levar à anulação do testamento, é o receio do mal que leva o testador a beneficiar-o coator ou quem este designe, em disposição testamentária. A declaração do testador, apesar de viciada, é consciente. O coagido vê-se diante do dilema de não realizar a declaração e sofrer o provável dano ou realizá-la para evitar este, com possibilidade de pleitear sua anulação. 3. São requisitos para ocorrência da coação: a) que seja essencial ou principal; b) que haja ânimo ou intenção de extorquir a declaração; c) a gravidade do dano; d) a ilicitude da ameaça, em razão dos meios empregados ou dos fins colimados; e) justificado receio de realização do mal. 4. A coação oriunda de terceiro pode não levar à invalidação do testamento se o beneficiário da disposição testamentária não tiver conhecimento dela. 5 . 0 direito de impugnar o testamento, em virtude da coação, decai em cinco anos, contados a partir da data do seu registro.

§ 5.685. S I M U L A Ç Ã O

1. CONCEITO E ESPÉCIES DE SIMULAÇÃO. - O dolo e a simulação do testador, se violam a lei, não são só dolo e simulação: são ilícito procedimento, quer quanto ao móvel, quer quanto ao fim, quer quanto ao conteúdo

§ 5.685. SIMULAÇÃO • 217

da disposição. De modo que dolo e simulação do testador constituem, se violam lei imperativa, causa de nulidade, e não de anulabilidade (F. ENDEMANN, Lehrbuch, III, 5 1 2 , nota 13, 5 1 3 ) , -facere infi-audem legis. O mesmo dir-se-á fraude ci lei. As simulações mais vulgares são as de data e as de não-doação, que obrigaria o herdeiro a colacionar. Sempre que a simulação é para evitar ou aplicar, indevidamente, norma legal, há nulidade, fraude à lei; e anulabilidade, por simulação propriamente dita. Mas, se o testador simula o ato jurídico (venda de bens, em vez de doação ao herdeiro, que teria de colacionar; reconhecimento de dívida, em vez de doação), há simulação, com todos os característicos do vício e, então, cabe a ação de anulação. Pode ter sido simulado o próprio ato, e. g., se o disponente testou em vez de doar. Mas, então, pode haver êrro. Pelo menos, mais êrro que simulação. Talvez dolo. 2. SIMULAÇÃO E OUTROS VÍCIOS. - Diz o Código Civil, art. 1 0 2 : "Haverá simulação nos atos jurídicos em geral: I. Quando aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas das a quem realmente se conferem ou transmitem. II. Quanto contiverem declaração, confissão, condição, ou cláusula não verdadeira. III. Quando os instrumentos particulares forem antedatados, ou pós-datados". Já se tratou da reserva mental e do ato nãosério. Nem de uma, nem de outro, falou a lei brasileira. A simulação é terceira espécie. Em sentido amplo, a palavra simulação abrange: a reserva mental em que há divergência entre a vontade declarada e a vontade real; o gracejo, que não se destina a produzir efeitos jurídicos; a simulação stricto sensu. Mas, no sentido do artigo 102, só a última espécie seria de considerar-se. Preliminarmente, há generalizada opinião de que só existe simulação se concertada com o aceitante, ou a pessoa a quem se destina. Restringir-se-ia aos negócios jurídicos bilaterais. A inteligência com a parte, a quem se dirige, distingui-la-ia da reserva mental, fato unilateral, portanto possível em quaisquer atos jurídicos. Escapariam ao vício da simulação todos os atos unilaterais. Nesses, seria impossível distinguir da reserva mental a simulação propriamente dita; nos atos bilaterais, simulação unilateral não seria simulação: seria dolo. Daí não vermos tratado, nos testamentos, o caso de invalidade por simulação. Parece que os escritores procuram limitar os vícios aos sós exemplos do êrro, do dolo e da coação. Não se poderia ter no direito brasileiro idêntica atitude: no Código Civil (ao contrário do Projeto primitivo art. 102, como no Projeto de COELHO RODRIGUES, art. 3 3 5 , que somente falavam de atos entre vivos), a simulação apanha os atos jurídicos em geral, portanto os atos jurídicos mortis

causa. Uma coisa é o testamento, outras são as diferentes disposições que êle contém. A questão terá, pois, de ser discutida. No Esboço, TEIXEIRA DE FREITAS distinguiu da simulação nos atos jurídicos em geral a simulação nos atos entre vivos (art. 521; "Haverá simulação nos atos jurídicos em geral: 1.°. Quando constituírem ou transmitirem direitos a interpostas pessoas, que não forem aquelas, para quem realmente se constituem ou transmitem. 2.°. Quando contiverem qualquer declaração, confissão ou cláusula, que não fôr verdadeira"; art. 522: "Haverá simulação nos atos entre vivos: 1.°. Quando as partes os tiverem celebrado, sem intenção de realizar o ato aparente ou qualquer outro. Haverá em tal caso simulação absoluta. 2.°. Quando as partes os tiverem disfarçado, na intenção de realizarem outro ato de diversa natureza. Haverá em tal caso simulação relativa. 3.°. Quando a data dos instrumentos particulares também não fôr verdadeira". O Código Civil não distinguiu. Do art. 102,1, a própria lei dá, no art. 1.720, aplicação especial: são nulas (sic) as disposições em favor de incapazes de adquirir por testamento, ainda quando simulem a forma de contrato oneroso, ou os beneficiem por interposta pessoa. Aí, o declarante quis fazer aparecer ato jurídico válido, para evitar a invalidade do ato que realmente quis. Daquele só se quis a aparência. Nisso diferença-se dos atos ostensivos em fraude à lei e dos em fraude aos credores, verdadeiramente queridos. Nada obsta a que a teratologia da vontade chegue ao ponto de casos simulados em que também se verifique a fraude da lei ou a fraude dos credores: vistos de um lado, simulam; vistos de outro, são negócios jurídicos sem jaça, isto é, que não tiveram fito de dar aparência de ser ao negócio que se escolheu, na divergência intencional entre aparência e realidade, e sim o de chegar, através dêles, à eficácia de resultados proibidos, ou à equivalência de tais resultados.

Na reserva mental, não se quis enganar, valendo, ao passo que, na simulação, se quis a validade do ato aparente, ou no que se refere à sua existência (simulação absoluta), ou no que se refere à natureza, ao conteúdo, ou à interposição de pessoa (simulação relativa). Trataremos das três espécies principais de simulação: a) interposição de pessoa; b) declaração, confissão, condição ou cláusula não-verdadeira; c) instrumento particular antedatado ou pós-datado. Na interposição de pessoa, o intuito do testador é fazer acreditar na existência de beneficiado 3 . TRÊS ESPÉCIES PRINCIPAIS DE SIMULAÇÃO. - (a)

(o da declaração), ao qual, na verdade, não se conferem direitos nem proventos: é o beneficiado aparente, que serve à missão simulante de encobrir o verdadeiro beneficiado. Se analisamos as relações, vemos: há negócio jurídico efetivamente querido, quis-se o ato, a disposição de última vontade; o que não se quis, mas quis-se aparentar, foi beneficiar o titular do direito que se declarou; não há divergência entre a disposição querida e a declarada, e sim entre o sujeito beneficiado pela disposição querida e o outro favorecido pela declarada. Portanto, é relativa a simulação. Quase sempre com isso se pretende deixar herança, legado, ou outro benefício, a quem por lei era incapaz (Código Civil, art. 1.720); mas nem sempre a interposição tem êsse intuito de beneficiar o que não pode suceder: o testador pode querer ocultar o verdadeiro interessado e servir-se, para isso, da pessoa interposta, da Zwischenperson de F. REGELSBERGER. A rigor, o fiduciário é pessoa interposta real\ o que entregará o legado ao incapaz é pessoa interposta real, para só ferirmos os casos dos interpostos simulados; mas deixemos dito que, ainda real a interposição, se tem por fim fugir à proibição legal, não vale a deixa, porém não por ser simulação, e sim por ser in fraudem legis. A interposição, que vicia, é a que aparenta conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas a que realmente se conferem ou transmitem (Código Civil, art. 102,1). A fraude na interposição real é caso de nulidade e facilmente se descobre. Depende de provas a interposição simulada, que vicia a disposição e constitui causa de anulabilidade. As vêzes, a lei, querendo adiantar-se à prova, faz certos casos passarem de uma categoria para outra. Entende, por exemplo, que o pai, a mãe, os descendentes, o cônjuge do incapaz figuram nas declarações testamentárias como pessoas interpostas (art. 1.720). •(b) O testador pode dispor livremente dos seus bens. Se simulou, mas, com a simulação, não teve intenção de violar a lei, ou de prejudicar terceiro, não pode constituir vício a simulação. São válidas as disposições testamentárias. Se violou a lei, ou se prejudicou direitos de outrem, é que se lhes pode apurar a validade: os lesados com a simulação, o Curador de Testamentos ou a Fazenda requere a anulação, ou, nos casos de nulidade, a decretação dela. Nada obsta a que o testador deixe a quem bem entende o seu patrimônio, usando de interposição de pessoa, uma vez que não viole legítimas, nem fira de qualquer modo a lei ou os direitos de terceiros. Seria absurdo anular-se a disposição pelo simples fato da não veracidade do beneficiado: é direito dêle ocultar, se o entende proveitoso ou aconselhável, o beneficio testamentário. Aqui vigoram os mesmos princípios que teriam de reger os atos chamados de caridade velada.

(c) Quanto à declaração, à confissão, ou à cláusula não verdadeira, se o negócio jurídico é absolutamente simulado, como se o testador le