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Portuguese Pages 168 [169] Year 2020
Luiz Augusto Campos Carlos Machado
RAÇA E ELEIÇÕES NO BRASIL
Luiz Augusto Campos Carlos Machado
RAÇA E ELEIÇÕES NO BRASIL
GOVERNADOR (2018) SENADOR (2018) DEP FEDERAL (2018) VEREADOR DEP ESTADUAL (2016) PREFEITO (2016) (2018)
Eleito(a)s
8%
58%
Eleito(a)s
10%
54%
Eleito(a)s
13%
12% 18%
40%
Eleito(a)s
Eleito(a)s Candidato(a)s
11% 15%
Eleito(a)s Candidato(a)s
8% 9%
65% 54%
13%
Homem branco
Mulher branca
Homem não branco
Mulher não branca
Outras
3%
14%
24%
5% 15%
26% 28%
10%
2% 5%
22%
34%
62% 58%
23%
27%
61% 35%
6%
27%
63%
Candidato(a)s
4%
27%
65%
Candidato(a)s
Candidato(a)s
28%
69%
Candidato(a)s
23% 27%
3% 4%
2% 5%
Capítulo 1: Por que precisamos de mais político(a)s preto(a)s e pardo(a)s?1 A democracia representativa se legitimou historicamente apelando ao ideal de que a soberania popular se realizaria via eleições livres e universais. A ideia de que a cada homem cidadão corresponderia um voto implica que o direito de falar em nome de alguém pressupõe uma escolha prévia via eleições. No entanto, a discriminação sistemática contra determinados grupos e a sua consequente marginalização da política recolocaram no centro do debate a noção de representação de grupos e a questão sobre quem pode falar em nome de quem. Homens brancos, ainda que eleitos pelo voto popular, podem representar a contento a população como um todo? É justo e democrático que a representação política tenha um perfil social hegemônico, ainda que ela seja definida pelo voto universal e livre? Dilemas como esses têm contribuído para que a representação política de grupos ou políticas de presença se tornem um objeto privilegiado de discussão, tanto no âmbito da teoria política quanto no debate público. Cotas eleitorais para minorias políticas se difundiram de tal modo que foram adotadas pela maior parte das democracias liberais contemporâneas.2 Merecem destaque as discussões sobre a exclusão das mulheres das instâncias de poder, talvez o mais flagrante caso de sub-representação política ao redor do mundo. São poucas as democracias atuais que contam com uma participação paritária das mulheres na política, e menor ainda é o número de governos representativos que contariam com alguma proporcionalidade nesse quesito se dispensassem mecanismos institucionais para conferir alguma equidade na partilha dos recursos eleitorais ou na agregação de votos. Mesmo em nações onde há uma admirável igualdade de gênero em muitos campos sociais, como é caso dos países nórdicos, a paridade de gênero na política provavelmente não existiria sem cotas específicas. Isso atesta o quanto a sub-representação política de determinados grupos tem sido interpretada como uma injustiça social intrinsecamente antidemocrática. Mas a despeito do apelo pelas chamadas “políticas de presença” 1 Uma versão preliminar deste capítulo foi publicada em Campos (2015a). Agradecemos aos organizadores da obra e à editora por autorizarem a publicação desta versão. 2 Para se ter uma ideia do alcance atual dessas políticas, cf. http://www.quotaproject.org/ e http://www.queensu.ca/mcp/index.html. Acessos em: ago. 2020.
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ou medidas para a “representação política de grupos”, as premissas liberais subjacentes às democracias modernas não são suficientes para justificar tais medidas (Phillips, 1995, p. 27-56). Contudo, não obstante a representação de grupos seja um objeto privilegiado de debate, as teóricas e teóricos dedicados ao tema raramente conferem a devida atenção aos dilemas que cada tipo de minoria interpõe às suas teorias. A maior parte dessa bibliografia reivindica medidas de inclusão de grupos em geral, mas, quase sempre, toma como foco a sub-representação feminina. É verdade que, em muitos aspectos, as mulheres partilham uma situação de subalternidade similar àquela vivida por outros grupos. Mas isso não é suficiente para estender a grupos raciais, étnicos, religiosos etc. os argumentos que porventura sirvam para fundamentar a inclusão delas. No caso do Brasil, ainda que medidas para incluir mulheres na política tenham entrado na pauta parlamentar brasileira há algumas décadas, raras vezes medidas para a inclusão de negros no Legislativo chamaram a atenção da imprensa ou ocuparam lugar de destaque nos debates públicos. A Proposta de Emenda Constitucional 116 de 2011,3 de autoria dos deputados Luiz Alberto (PT-BA) e Luiz Paulo Cunha (PT-SP), é um exemplo disso. Ela sugeria um sistema de voto múltiplo, em que cada eleitor escolheria um candidato autodeclarado negro simultaneamente a sua escolha no sistema universal. Ao fim do pleito, os candidatos negros mais votados preencheriam vagas reservadas no Legislativo, sempre na proporção de dois terços da população negra total do país, segundo dados do IBGE. Não deixa de ser intrigante que um projeto nesse sentido tenha aparecido muitos anos depois de um análogo para mulheres. Mais importante ainda foi a virulência com que tal proposta foi rechaçada no debate público em 2013, quando chegou a entrar em pauta no Congresso Nacional (Braga, 2013; Cardoso, 2013; Constantino, 2013; Falcão, 2013; Magnoli, 2013). Como apontamos na Introdução, o tema só retornou ao debate público bem mais recentemente, por conta de uma consulta feita ao TSE pela deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ). Nela, a parlamentar questionava se as cotas de gênero e a regra que obriga os partidos a dividir de modo mais equânime seus recursos entre homens e mulheres não se estenderiam também às candidaturas negras. Embora o Tribunal tenha indeferido a criação de uma cota racial nas nominatas, ele entendeu que o critério de proporcionalidade de financiamento e tempo de televisão aplicado ao gênero também deveriam valer para os grupos raciais. 3 O inteiro teor da proposta pode ser consultado aqui: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=529275. Acesso em: ago. 2020.
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Voltaremos a esse tema no Capítulo 4, que trata sobre financiamento eleitoral. De todo modo, chama a atenção que o debate público sobre a questão tenha ignorado uma indagação anterior: por que grupos específicos da sociedade mereceriam mecanismos institucionais que garantissem alguma equidade na sua representatividade nos espaços políticos? Embora tal questão pareça ter uma resposta óbvia, ela esconde alguns meandros normativamente complexos que devem ser abordados para que pensemos que tipo de políticas de presença de fato podem tornar a representação política mais democrática. Isso posto, este capítulo apresenta algumas respostas possíveis a essa questão. Para tal, ele discute algumas justificações para a inclusão de grupos na representação política, sobretudo, suas potencialidades e seus limites quando utilizadas para refletir acerca da sub-representação de preto(a)s e pardo(a)s na política brasileira. Ao que parece, muito embora tais teorias pretendam justificar a inclusão de minorias raciais4 nas mesmas bases que justificam a inclusão de mulheres, tal empréstimo teórico apresenta problemas quando levamos em conta as especificidades das clivagens raciais existentes aqui. O que se segue está dividido em quatro partes. A primeira delas destaca os dilemas comumente enfrentados pelas teorias que pretendem justificar a representação de grupos. A segunda e a terceira seções discutem em que medida as duas justificações mais importantes para inclusão de grupos na representação – baseadas nos conceitos de interesse grupal e perspectiva social – podem ser mobilizadas para pensar o caso do(a)s negro(a)s no Brasil. A última seção aponta os principais dilemas a serem enfrentados por políticas para o incremento de negro(a)s na representação, sobretudo a questão relativa à possibilidade de que um grupo social represente (ou fale em nome) de outro grupo social. Representação de grupos e negro(a)s na política brasileira A despeito da inconstância, fluidez e multidimensionalidade que caracterizam as identidades raciais no Brasil, pesquisas distintas têm apontado, no mínimo desde a década 1940, a forte presença de preconceito racial nas relações sociais brasileiras. Mais recentemente, pesquisadores têm demonstrado, com base em dados estatísticos, como os autodeclarados brancos no país chegam a ter duas vezes mais chances de ascender socialmente do que os que 4 Não custa explicitar que o significado de minoria aqui é político e não quantitativo. Assim, as mulheres formam uma minoria política no Brasil por estarem ainda marginalizadas da política, muito embora sejam maioria quantitativa na sociedade como um todo.
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se declaram pardos ou pretos (Hasenbalg; Silva, 1988; Henriques, 2001; Ribeiro, 2006). Mesmo quando comparamos indivíduos com a mesma origem de classe, gênero e região, ainda assim os não brancos experimentam desvantagens sociais substantivas, o que sugere que a discriminação racial opera para além de outros tipos de discriminação, mormente de classe (Ribeiro, 2006). Mas apesar desse paradoxo e das dificuldades em identificar quem é negro(a) no Brasil, não parece suscitar polêmica a afirmação de que nossa política é majoritariamente branca. Isto é, ainda que possa haver ambivalência na determinação das fronteiras socialmente construídas para separar grupos racializados, a preponderância de políticos brancos atinge tal magnitude que quase dispensa pesquisas mais elaboradas para confirmá-la. Os dados oficiais que serão discutidos nos capítulos posteriores também confirmam esse diagnóstico impressionista. Como apontado anteriormente, a ideia de que a representação política deve espelhar as características dos eleitores não é nova. Contudo, desde o trabalho seminal da filósofa estadunidense Hanna Pitkin (1967), essa concepção “descritiva” ou “especular” de representação é considerada insuficiente para justificar medidas especiais para levar membros de grupos discriminados a instâncias decisórias. Para a autora, a concepção descritiva de representação dá tanta importância às semelhanças entre representados e representantes que o modo como esses últimos agem fica em segundo plano (Pitkin, 1967, p. 226). A persecução da vontade popular deixa de ser vista como um problema de ação política para ser reduzida a uma questão de similitude identitária. Dessa ótica, o melhor método para compor a representação política não seria o voto, mas o sorteio, o que tornaria a relação entre representantes e representados passiva e esvaziada do seu sentido político (Pitkin, 1967, p. 226). Todavia, mais do que sepultar demandas por representação de grupos, a crítica de Pitkin teve o efeito oposto. Ela incentivou um conjunto de autoras e autores a explorar justificativas mais elaboradas e complexas à inclusão de minorias na política formal. Nessa bibliografia, é possível identificar diferentes argumentos que pretendem legitimar as políticas de presença sem, contudo, recorrer a uma noção ingênua de representação descritiva ou especular. A cientista política inglesa Anne Phillips, por exemplo, apresenta quatro razões fundamentais para se adotarem políticas de presença. Para ela, a representação de grupos seria importante (1) para desconstruir estereótipos identitários (como aqueles que preconizam que mulheres não são aptas à política, por exemplo); (2) para permitir modalidade de agregação de agenda
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para além dos partidos políticos, possibilitando a ação legislativa por grupos; (3) para proteger grupos politicamente excluídos e, por isso, socialmente mais vulneráveis; e (4) para a pluralizar a agenda política (Phillips, 1995, p. 39). Porém, seu argumento básico é que políticas de presença são necessárias para que mulheres não tenham seus interesses marginalizados politicamente (Phillips, 1991; 1995). Jane Mansbridge, por seu turno, considera que uma representação especial para grupos se torna mais justificável em contextos sociais em que (1) há uma crise de confiança entre eleitos e eleitores de um grupo sub-representado; (2) clivagens políticas tradicionais entram em crise e interesses se tornam imprecisos; (3) há um contexto histórico que atribui a um dado grupo uma inabilidade intrínseca para o governo; ou (4) quando a deliberação sobre políticas para grupos perdem legitimidade por não incorporarem tais grupos no debate (Mansbridge, 1999). Já a cientista política Iris Marion Young insiste que nenhuma deliberação pública pode se dizer democrática se exclui perspectivas sociais oprimidas e se essa exclusão contribui para reforçar tal silenciamento (Young, 2000). Tal argumento se aproxima daquele esposado por Melissa Williams, para quem a representação especial é uma forma de dar voz a grupos marginalizados, aumentar a confiança entre representantes e representados e, finalmente, recuperar a memória das discriminações que eles sofreram (Williams, 2000). Essa lista está longe de esgotar as justificações possíveis para representação de grupos. Ainda assim, ela dá uma ideia da pluralidade de razões que podem ser arroladas para tal. É possível reduzi-la analiticamente se distinguirmos, de um lado, as justificações mais consequencialistas, as quais argumentam em prol de políticas de presença a partir dos efeitos potenciais que elas podem gerar e, de outro, as justificações mais principiológicas, as quais defendem a sub-representação como uma injustiça imposta a determinados grupos. Mais do que uma medida expediente, a representação de grupos é entendida no segundo caso como um direito passível de ser reivindicado por grupos marginalizados da política a despeito das consequências esperadas. Tal distinção não se baseia numa oposição entre argumentos práticos versus teóricos, ou entre argumentos substantivos versus formais. Como reconhece Phillips (1995, p. 46-7), toda demanda por políticas de presença depende do diagnóstico de uma exclusão estrutural e, logo, elas jamais são puramente teóricas ou baseadas em valores transcendentais. O que chamamos de argumento principiológico se refere às justificativas que possibilitam a um grupo demandar, a princípio, políticas de presença sem que para tal tenham de fazer referência a consequências cuja realização
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é incerta. Justificações consequencialistas se baseiam em prognósticos esperançosos quanto aos efeitos das medidas específicas para a representação de grupos, como quando se espera que o aumento do número de mulheres no Parlamento implique mais espaço para pautas feministas. Porém, não há garantias de que as mulheres eleitas serão necessariamente feministas. Daí a superioridade de justificações principiológicas, pois elas legitimam medidas de inclusão de grupos independentemente das consequências almejadas. Portanto, reconhecida a importância das razões consequencialistas, consideraremos aqui apenas as razões principiológicas, em específico, duas delas: a ideia de que a sub-representação de grupos implica a marginalização de interesses grupais potenciais, tal qual discutida por Anne Phillips (1995); e a noção de que nenhum Estado pode ser democrático se suas deliberações desconsideram algumas perspectivas sociais estruturalmente geradas, ideia articulada por Iris Marion Young (2000). Essas duas justificativas fundamentais não apenas servem para defender a potencial expediência de políticas de presença, mas também para legitimar, de acordo com princípios democráticos fundamentais, as demandas por representação de grupos para além da eficiência dessas medidas.5 Anne Phillips: políticas de presença para incluir interesses grupais Como já foi dito, a adoção de mecanismos eleitorais para garantir a representação de grupos contraria em várias dimensões alguns dos cânones da democracia liberal. Ao considerar que o objetivo da democracia é possibilitar a expressão dos interesses individuais, os utilitaristas britânicos do século XIX encaravam a política como espaço de representação de interesses e ideias, deixando para um segundo plano as características pessoais dos indivíduos. Porém, mesmo no trabalho de utilitaristas clássicos como Jeremy Bentham, James Mill e John Stuart-Mill, essas premissas são ocasionalmente flexibilizadas, o que não raro reduz o potencial democrático e antipaternalista de suas teorias. 5 Existem muitas outras justificações teóricas para a representação de grupos além daquelas aqui mencionadas, mas que não serão consideradas simplesmente por estarem deslocadas em relação à situação do(a)s negro(a)s brasileiro(a)s. Esse é o caso das teorias que defendem a inclusão de mulheres na política por conta da suposta ética diferenciada da mulher (Elschtain, 1981; Ruddick, 1989) ou daquelas que defendem a representação de grupos como mecanismo de autogoverno (Kymlicka, 1995). Como o foco final dessa discussão é a situação do(a)s negro(a)s na política brasileira, seria bizarro tentar aplicar a esse contexto uma justificação baseada numa suposta “ética negra” ou estrangeira ao contexto nacional, em que demandas por autogoverno territorial são estranhas à maioria da população negra.
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Sob a alegação de que pobres e mulheres tinham seus interesses incluídos nos interesses do patrão e do marido, James Mill, por exemplo, defendia o voto censitário e masculino (Mill, 2013, p. 282). Crítico da visão paternalista esposada por seu pai, John Stuart-Mill defendia que todos deveriam ter condições de desenvolver suas capacidades políticas (Stuart-Mill, 1981). Todavia, como essas capacidades se distribuem desigualmente, ele propôs que votos fossem distribuídos desigualmente conforme o mérito e a instrução dos eleitores. Indivíduos com melhor formação educacional seriam mais capazes de identificar seus interesses e, logo, deveriam ter mais votos do que os eleitores mais ignorantes (Stuart-Mill, 1981, p. 93). Em ambos os autores, características pessoais (condição social, formação etc.) modulam o princípio utilitarista de que cada um é o melhor juiz de seus interesses. Curiosamente, a reflexão contemporânea sobre representação e interesses inverte a reflexão original do utilitarismo. Grupos que têm menos condições de expressar seus interesses ou mesmo de formá-los por conta de opressões sistêmicas são vistos como objeto privilegiado de medidas específicas que garantam seu acesso à política. Como nota Anne Phillips, embora haja um entendimento de que as lealdades políticas se constroem mais em torno de ideias do que de pessoas, “não é uma restrição particularmente séria observar que essas lealdades são modeladas pelas comunidades nas quais as pessoas nasceram ou vivem” (Phillips, 1995, p. 1-2). Mas, se é relativamente simples demonstrar isso, não é tão fácil assim justificar a representação de grupos como forma de representar interesses. Isso porque seria essencialista supor que grupos como um todo possuem interesses básicos comuns, sejam eles objetivos (compartilhados por sua condição social) ou subjetivos (compartilhados pelo modo de pensar dos sujeitos envolvidos) (Phillips, 1995, p. 53). Há dentro de todo grupo social alguma pluralidade de opiniões, e, mesmo quando uma unanimidade parece existir, há de se questionar se ela não advém das hierarquias internas aos grupos. Ademais, supor que interesses objetivos existem para além das discordâncias internas a um grupo costuma legitimar discursos sobre a “falsa consciência” de seus membros que eventualmente discordarem de uma opinião majoritária, o que pode per se funcionar como mecanismo de dominação e pasteurização de grupos (Phillips, 1995, p. 68). No caso da população negra brasileira, isso tem a ver com a existência ou não de interesses específicos que a unifiquem (a luta antirracista, por exemplo) e como provar que tais interesses são comuns se a variedade de opiniões no interior do grupo é enorme.
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Contudo, Phillips argumenta que uma defesa da representação de grupos a partir da noção de interesse grupal não depende de um conceito objetivista de interesse, nem de uma visão monolítica das opiniões subjetivas dos grupos sociais. Bastaria reconhecermos que “as estruturas políticas e econômicas das sociedades contemporâneas exibem alto grau de discriminação sexual e racial e [que] onde há grupos definíveis, há inevitavelmente interesses de grupo” (Phillips, 2011, p. 344). Assim, seríamos obrigados a concordar que uma representação política de interesses jamais será completa sem levar em conta tais pertencimentos grupais. Tal conclusão dispensa uma noção forte de interesse basicamente porque: [...] a variedade de interesses das mulheres não refuta a ideia de que interesses têm uma orientação baseada no gênero [that interests are gendered]. Que algumas mulheres não tenham filhos não faz da gravidez um evento neutro em termos de gênero; que mulheres discordem profundamente sobre aborto não faz sua validade legal um problema de igual preocupação entre homens e mulheres; que mulheres estejam posições ocupacionais tão distintas na hierarquia não significa que elas têm o mesmo interesse que homens de sua classe. A argumentação a partir do interesse não depende que se estabeleça um interesse unificado para todas as mulheres: ela depende mais em se estabelecer uma diferença entre interesses entre mulheres e homens (Phillips, 1995, p. 68).
Desde já, é curioso notar como a interpretação de Phillips se aplica de modo mais fácil às distinções de gênero do que de raça. No primeiro caso, as discriminações sexuais tendem a levar a “grupos definíveis”, o que não ocorre necessariamente quando lidamos com distinções raciais, mormente no caso do Brasil. Isso tem a ver não apenas com as idiossincrasias constitutivas das relações raciais nacionais, mas também com o fato de que as sociedades existentes tendem a oficializar as distinções de gênero em praticamente todos seus registros burocráticos, o que não costuma ocorrer com as distinções raciais. De todo modo, a existência de discriminações raciais baseadas na aparência das pessoas já é suficiente para afirmar que, ao menos nesse aspecto, indivíduos potencialmente discrimináveis têm interesses específicos em comparação com aqueles imunes à discriminação, ainda que nós não possamos afirmar qual seria o conteúdo desse interesse. Importa menos para Phillips se mulheres (e negros) têm interesses claros que as especificam como grupo, e mais, se a condição delas na hierarquia social faz com que seus interesses sejam tendencialmente distintos em relação àqueles dos homens (e dos
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brancos). Segundo Phillips, isso por si só deveria contar como uma justificação para representação de grupos: “o caso das cotas [parlamentares] depende da ideia de que interesses são generificados [gendered], mas não presume um conjunto unificado de interesses das mulheres” (Phillips, 1995). Aliás, a crença de que o perfil social do representante importa mais do que as ideias que ele(a) defende é “[...] particularmente convincente onde interesses não são precisamente delineados, onde a agenda política foi construída sem referência a certas áreas, e onde mais se necessita [de] novas ideias para se trabalhar sobre o que é melhor fazer” (Phillips, 1995, p. 69). Logo, a ausência de um interesse grupal evidente não é um anteparo à representação de grupo, mas justamente o que a justifica. De acordo com Phillips, quando um grupo possui um entendimento consensual e claro sobre qual é seu interesse, a representação de grupos se torna dispensável, pois o grupo em questão tem todas as condições para se organizar politicamente e eleger representantes que se comprometam a perseguir tal interesse. Há aqui um ponto vital para a discussão da representação política específica para grupos raciais no Brasil. A histórica negação do nosso racismo, combinada com a fluidez das fronteiras raciais e com sua variação contextual impediu, e ainda impede, a constituição de interesses unificados da população preta e parda brasileira. Porém, se assumimos que o racismo é um fato estruturante em nossa sociedade, torna-se justificado pensar em políticas que visem compensar esses grupos, dando a eles a possibilidade de refletir politicamente sobre seus interesses e buscar sua efetivação. Argumentação semelhante pode ser encontrada no trabalho de Jane Mansbridge (1999). Para ela, a representação especial se justifica em contextos nos quais grupos em desvantagem não possuem interesses cristalizados. Em contextos políticos incertos, em que clivagens políticas tradicionais caem em descrédito e não surgem novas clivagens capazes de alcançar apoio, “a melhor forma de representar o interesse substantivo de alguém talvez seja escolher o representante cujas características combinem com as da pessoa sobre os temas que ela espera que emerjam” (Mansbridge, 1999, p. 644). A representação política visa não apenas comunicar os interesses previamente formados dos representados aos poderes constituídos, mas também agregá-los a partir do debate e da barganha política. Em cenários onde não está claro quais as melhores opções políticas sobre uma dada questão, introduzir representantes com experiências específicas sobre ela pode ajudar a cristalizar melhor os interesses. Note-se que as políticas de presença se justificam aqui como forma de melhorar a relação entre representantes entre si e não
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propriamente entre representantes e eleitores (Mansbridge, 1999, p. 644). Complementarmente, Phillips defende que “quanto mais fixos são os interesses, mais definidos e facilmente definíveis, menor o significado atrelado àquele que faz o trabalho de representante” (Phillips, 1995, p. 68). Isso não quer dizer, porém, que medidas de representação específica para mulheres e negros exijam que os eleitos sejam encarados como representantes de seus grupos de origem. Como foi dito, a existência de interesses grupais não implica que grupos tenham interesses unificados. Uma coisa é supor que grupos politicamente sub-representados tenham interesses marginalizados graças a tal exclusão política; outra coisa bem distinta é acreditar na existência de um interesse grupal objetivo ou, pior, defender que cabe ao membro eleito de um dado grupo representar o interesse objetivo deste. De acordo com Phillips: Graças as suas posições diferentes na sociedade, mulheres têm interesses objetivamente diferentes dos homens, mas a entrada de mulheres como atores individuais na cena política não significa que esses interesses são ativamente perseguidos. [...] Nós não podemos desafiar a noção de Burke de representação que define os eleitos acima dos eleitores e permite-lhes continuar com o que eles sabem melhor; e ao mesmo tempo tratar as mulheres como se elas tivessem uma missão especial além das linhas partidárias (Phillips, 1991, p. 72-4).
Em resumo, a defesa de Phillips por uma representação de grupos não implica uma defesa de representantes de grupos. Embora a representação de grupos seja importante para inibir a imposição de um interesse grupal sobre outro, ela não pode redundar numa defesa de que representantes se coloquem como porta-vozes do grupo ao qual pertencem, isto é, ninguém pode arrogar para si a consciência plena dos interesses grupais. Como consequência, políticas de presença são medidas para equalizar oportunidades e incluir na legislatura membros de grupos marginais, e não conferir a alguns de seus membros a posição de porta-voz único desses grupos. Embora costume se referir a grupos em geral, a defesa de políticas de presença construída por Phillips tende a ser mais assertiva quando a autora trata do caso das mulheres do que quando foca minorias étnico-raciais. Há duas ordens de fatores que, para ela, tornam as políticas de presença para grupos raciais mais complexas do que aquelas baseadas no gênero. De um lado, a inclusão de grupos raciais costuma suscitar mais problemas práticos, quase todos relacionados à fluidez e à sobreposição das distinções étnico-raciais. Como a própria Phillips afirma:
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Cotas raciais [no Parlamento] carregam em si associações históricas bem diferentes das cotas por gênero, e nós não podemos simplesmente colocar de lado sentidos históricos em nome da lógica abstrata. Gênero é também uma categoria mais simples, construída sobre diferenças imediatamente visíveis entre mulheres e homens. Raça e etnia são bem mais contestadas, e enquanto é relativamente fácil demarcar uma distinção entre comunidades majoritárias e minoritárias, as últimas sempre se subdividem em um número de minorias que não deveriam ser vistas como bem representadas por membros de outros grupos minoritários (Phillips, 1995, p. 98-9).
Conferir representação de grupo a negros poderia levar ao congelamento de identidades raciais e, no limite, deslocar para um segundo plano as relações de accountability6 entre representantes e representados graças à preexistência de uma falsa unidade grupal (Phillips, 1995, p. 101-7). Trocando em miúdos, isso quer dizer que cotas raciais poderiam institucionalizar a crença essencialista de que as diferenças raciais são objetivas e biológicas, além de autorizar políticos e políticas eleito(a)s a se considerarem “representantes do interesse negro” para além do que seus eleitores pleiteiam concretamente. Note-se que, para Phillips, as cotas raciais podem essencializar grupos raciais basicamente porque ignoram que eles se subdividem, o que leva ao problema das “minorias dentro da minoria”. Porém, ela tende a ignorar que esse mesmo problema se apresenta quando lidamos com cotas de gênero. Como muitas autoras do chamado feminismo interseccional destacam, é difícil crer que mulheres ricas sejam capazes de falar em nome de mulheres pobres, ou que mulheres brancas sejam capazes de falar em nome de mulheres negras (Crenshaw, 1991; Gonzalez, 1984; hooks, 1990[1982]). De todo modo, ainda que Phillips seja sensível ao problema das minorias dentro das minorias, ela insiste que tais dificuldades “práticas” não devem ser suficientes para condenar, de antemão, propostas de inclusão de minorias raciais ou étnicas. Nesses casos, “as sociedades têm de trabalhar duro para identificar mecanismos apropriados que não gerem efeitos perversos” (Phillips, 2007, p. 167).
6 Na falta de uma tradução adequada para português, utilizamos o termo accountability para fazer referência às relações de demanda e prestação de contas própria da interação entre representantes e representados. Para Pitkin, o bom representante político não é nem aquele que se parece com seus eleitores nem aquele que defende cegamente os interesses deles, mas justamente aquele que mantém um diálogo responsivo constante, isto é, que mantém relações de accountability.
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Os mecanismos procedimentais de redesenho distrital nos EUA (gerrymandering), por exemplo, seriam um bom exemplo de como é possível pensar na instituição para incluir negros na política sem, contudo, congelar identidades ou anular por completo a política de ideias (Phillips, 1995, p. 122). No sistema eleitoral estadunidense, as vagas para deputados federais são preenchidas pelos mais votados em distritos de alguns milhares de eleitores. Como o desenho desses distritos são marcados por um relativo grau de arbitrariedade, e como as mudanças urbanas reconfiguram constantemente a composição racial dos bairros, instruções normativas buscam privilegiar o desenho de distritos mais homogêneos racialmente como forma de reduzir as barreiras à eleição de negros (Cox; Holden, 2011). Porém, essa defesa da redistritagem como alternativa às cotas raciais não parece estar plenamente justificada por Phillips. Por razões evidentes, a redistritagem não pode ser encarada como uma alternativa no caso das mulheres, já que elas não se encontram geograficamente segregadas como parte dos negros estadunidenses. No entanto, existem mecanismos de inclusão política das mulheres mais leves e menos essencializadores, capazes de funcionar como alternativas às cotas de gênero tais como a distribuição mais equânime de financiamento de campanhas. Phillips, no entanto, acredita que esses mecanismos não são suficientes para a inclusão de gênero. Sobre o tema, ela afirma: [...] há apenas duas aproximações sérias à sub-representação das mulheres. A primeira [...] identifica obstáculos adicionais ao envolvimento político que muitas pessoas têm ignorado até aqui, inclusive, por exemplo, as horas de trabalho e condições de conselhos e assembleias, os preconceitos e convenções através dos quais os partidos selecionam seus candidatos e, no caso dos EUA, a absurda quantidade de dinheiro que se espera que os candidatos gastem. Onde qualquer dessas condições pode ser apontada como algo que discrimina especificamente contra as mulheres candidatas, as barreiras deverão ser reduzidas ou removidas. A segunda alternativa se recusa a assumir esse risco e, como nas estratégias recentemente adotadas por vários partidos políticos, inscreve procedimentos que assegurem um resultado mais equilibrado. A primeira abordagem continua a olhar-nos em nosso caráter de indivíduos abstratos e se concentra em reduzir a relevância de nosso sexo. A segunda reconhece que a sociedade é composta de grupos diferentes e que esses grupos podem desenvolver interesses diferentes. [...] A despeito de minhas reservas sobre o que pode significar “representação das mulheres”, a segunda alternativa é a defendida neste texto. O cânone liberal insiste em que as diferenças entre nós não devem importar, mas
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em sociedades dirigidas por grupos de interesses, é desonesto pretender que somos o mesmo (Phillips, 1991).
Em resumo, ela parece não considerar o problema das minorias dentro de minorias como sério o suficiente para interditar cotas de gênero. O mesmo, contudo, não acontece quando as cotas raciais surgem como opção. Há que se questionar, portanto, até que ponto os temores maiores de Phillips em relação à inclusão de negros vis-à-vis à inclusão de mulheres na representação não são, amiúde, um efeito do próprio modo como ela constrói sua teoria, a qual tenta justificar a inclusão de grupos e, simultaneamente, afastar os riscos da essencialização dos grupos e da relação entre eleitores e eleitos. Ao termo, a inclusão política de mulheres aparece como relativamente mais simples do que a de negros justamente porque as identidades de gênero se encontram mais fortemente naturalizadas e oficializadas que as distinções raciais. Ao que parece, quanto mais previamente essencializado é um grupo – isto é, quanto mais suas diferenças identitárias são oficializadas ou encaradas como naturais e evidentes –, mais fácil é incluí-lo na política. Quando lidamos, todavia, com diferenças identitárias fluidas, incertas ou sobrepostas, a representação de grupos se torna não apenas mais problemática de ser operacionalizada, mas potencialmente mais perigosa, pois encorajaria que os membros de grupos passem a ser encarados como porta-vozes de coletivos internamente muito heterogêneos. Logo, a essencialização das identidades raciais e das relações de representação parece ter um papel dúbio na teoria de Phillips. Ela ora funciona como uma facilitadora prática das políticas de presença, ora como uma consequência adversa de tais políticas. Ao que parece, a autora esposa uma noção unidimensional de representação política, para a qual mecanismos de inclusão funcionam como forma de equiparar oportunidades políticas entre grupos sem, contudo, gerar efeitos na constituição política do próprio grupo em questão. Porém, antes de discutir tal problema mais a fundo, é preciso entender como as justificações para as políticas de presença articuladas por Iris Marion Young tentam contornar algumas dessas antinomias. Iris Marion Young: representação de grupo para dar voz a perspectivas Assim como Phillips, a filósofa política estadunidense Iris Marion Young busca justificar medidas específicas para incrementar a presença de grupos oprimidos na política sem, contudo, apelar para noções reificadas e pasteurizadas de identidade e accountability. Segundo ela, “os membros de
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um grupo de gênero, racial etc. têm histórias de vida que os tornam muito diferentes entre si, com diferentes interesses e diferentes posicionamentos ideológicos” (Young, 2006, p. 142). Por isso, “o processo unificador requerido pela representação de grupos buscaria congelar relações fluidas numa identidade unificada, o que pode recriar exclusões opressivas” (Young, 2006, p. 143). Mas, em vez de investir em uma argumentação baseada no caráter generificado ou racializado dos interesses potenciais desses grupos, Young prefere adotar outra estratégia argumentativa. Embora reconheça que grupos podem de fato desenvolver opiniões e interesses similares, e que a exclusão política pode marginalizar tais opiniões e interesses, ela crê que a inclusão deve ser justificada com base em algo mais elementar. Para tal, Young critica o pressuposto implícito das noções correntes de representação política que, segundo ela, pressupõem que o representante eleito tem a função de presentificar algo ausente, como se políticas para mulheres tivessem a função de levar ao Parlamento uma aura feminina compartilhada. Contra essa “metafísica da presença” (Young, 2006, p. 146), evocada pelos usos correntes da noção de representação, Young propõe entendê-la como um relacionamento diferenciado (Young, 2006, p. 142). Mais do que uma identidade entre representante e representado, entender a representação política como relacionamento aberto no tempo e no espaço enfatizaria os vestígios (traces) que representantes e representados deixam uns nos outros (Young, 2006, p. 148). Nesse preâmbulo, já é possível identificar a tentativa de Young em aproximar sua defesa da representação de grupos da ideia de representação como relação aberta, central no trabalho de Hanna Pitkin (1967). Como já foi dito, Pitkin rechaça uma noção especular em prol de um conceito de representação como relação aberta de responsividade entre representado e representante (Pitkin, 1967, p. 226). Young retomará essa noção de relacionamento diferenciado para enfatizar que alguém pode se sentir representado politicamente não somente se um político partilhar dos seus interesses e opiniões, mas também se ele compartilhar de experiências gerais e modos quase inconscientes de enxergar a vida, isto é, de perspectivas: O que dou a entender quando digo que me sinto representado no processo político? Há muitas respostas possíveis para essa pergunta, mas três delas me parecem se destacar como as mais importantes. Primeiramente, sinto-me representado quando alguém está cuidando de interesses que reconheço como meus e que compartilho com algumas outras pessoas. Em segundo lugar, é importante para mim que os princípios, valores e prioridades que penso deveriam nortear as decisões
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políticas sejam verbalizados nas discussões que as deliberam. Por fim, sinto-me representado quando pelo menos algumas dessas discussões e deliberações sobre políticas captam e expressam o tipo de experiência social que me diz respeito, em razão da minha posição num grupo social e da história das relações desse grupo social (Young, 2006, p. 158).
Para entender o que vem a ser uma perspectiva social no pensamento de Young, é preciso resumir brevemente sua teoria da justiça que, de certo modo, antecede e inspira sua teoria democrática. Para ela, as relações de poder nas sociedades modernas não se resumem à concepção liberal de dominação, em que toda relação de poder é reduzida a uma interação entre indivíduos. Se entendemos que alguém é oprimido quando é impedido de se autodesenvolver enquanto pessoa e dominado quando vive algum constrangimento sistemático que o impede de se autodeterminar, percebemos que são instituições e estruturas sociais que oprimem e dominam grupos: [...] a tirania de um grupo dirigente sobre outro, como na África do Sul [do apartheid], deve certamente ser chamada de opressiva. Mas opressão também se refere a constrangimentos sistemáticos que não são necessariamente o resultado das intenções de um tirano. Opressão nesse sentido é estrutural mais do que o resultado das escolhas de um punhado de pessoas ou políticas. Suas causas estão intrinsecamente relacionadas a normas inquestionadas, hábitos e símbolos, nos pressupostos subjacentes a regras institucionais e nas consequências coletivas que seguem essas regras (Young, 1990a, p. 41).
Uma teoria que se pretenda realmente democrática deveria, assim, ser sensível ao fato de que as opressões vividas pelas pessoas envolvem menos as ações de uma classe dirigente e mais a universalização de valores morais arbitrários, os quais impõem estereótipos que encarceram determinados indivíduos numa dada identidade congelada. Nesse ponto, a democracia liberal falharia por se basear numa definição universal de ser humano, definição esta que exclui e silencia aqueles que a ela não se adequam. Ao presumir que todos os indivíduos são seres racionais e portadores de interesses conscientes, a democracia liberal terminaria por excluir da política o que ela mesma impede de ser racionalizado, como os interesses de grupos cujas experiências de opressão são renitentemente negadas. Isto é, a democracia liberal marginalizaria indivíduos que, graças a opressões sociais variadas, não são capazes de formar nem expressar seus interesses “racionalmente” (Young, 1990a, p. 41). Por isso, construir uma sociedade mais justa depende menos de políticas redistributivas imparciais e universalistas e mais de medidas que promovam
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a expressão das diferenças e recusem qualquer ideal universalista. O ideal liberal de um Estado imparcial, que age com base em valores transcendentais, seria pernicioso, pois ignora que cada lugar social impõe aos indivíduos uma perspectiva específica sobre o mundo. Para Young, todo ponto de vista moral “não surge de uma razão solitária [...], mas do encontro concreto com outros, que exigem que suas necessidades, seus desejos e suas perspectivas sejam reconhecidos” (Young, 1990a, p. 106). Logo, uma democracia radical deve dar voz na deliberação política às perspectivas sociais oprimidas e excluídas dela. Em sentido semelhante, Melissa Williams argumenta que o formalismo liberal é insuficiente para justificar políticas de presença justamente porque incapaz de abdicar de premissas teóricas abstratas (Williams, 2000, p. 63). Posto que a democracia liberal enxerga a representação como efeito de associações construídas em torno de interesses, grupos sociais que possuem identidades impostas (mulheres, negros etc.) não se encaixam nesse ideal, pois sua existência enquanto grupo não é voluntária. Ao contrário da associação em torno de um interesse constituído, a pertença a um gênero ou a uma raça não é ato voluntário: negros e mulheres pertencem a grupos independentemente de suas vontades (Williams, 2000, p. 63). Baseado nisso, ela defende: O argumento da voz para a igualdade política entende e compreende a natureza distintiva do pertencimento de grupo para grupos historicamente marginalizados. No processo ele fortalece um argumento para uma justa representação que se coloca em franco contraste com a representação liberal. Sua defesa da representação feminina contém certa similaridade com a demanda de Mill de que a exclusão permanente de qualquer classe de cidadãos inibe sua habilidade em confiar no governo; também é evidente um elemento da visão compartilhada por Mill e Burke que os cidadãos são os juízes últimos de seu próprio sofrimento. Mas o argumento da voz acrescenta uma reivindicação de igualdade para cada um desses argumentos, e que ressoa poderosamente com pressões recentes para um aumento da presença de grupos adscritos marginalizados nos órgãos legislativos: a igualdade política para as mulheres não depende apenas da expressão dos interesses das mulheres nos órgãos legislativos, mas da sua autorrepresentação (Williams, 2000, p. 74).
Ao mesmo tempo que estende um princípio antipaternalista, próprio da noção liberal de representação, o argumento que clama por vozes minoritárias na política vai além da noção liberal de representação, na medida em que parte de uma visão mais deliberativa da política e, portanto, menos atrelada à noção tradicional do Legislativo como lugar de barganha de interesses.
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Como Young, Williams não apenas critica a ausência das mulheres na política, mas também a concepção liberal de política como um todo (Williams, 2000, p. 78). Em muitos aspectos, a defesa da representação de grupos como forma de dar voz a perspectivas marginais na deliberação se aproxima do argumento de Phillips, baseado numa concepção genérica de que interesses tendem a acompanhar distinções estruturais. No entanto, há uma divergência fundamental entre as duas linhas argumentativas. Young e Williams não defendem a concessão de voz às perspectivas marginais para que elas possam constituir interesses, mas para que suas experiências, mesmo que vagamente formuladas, possam ser levadas em conta na deliberação. Por conta disso, o conceito de perspectiva social permite contornar algumas antinomias suscitadas pela noção de interesse grupal discutida na seção anterior. Basicamente, uma perspectiva social “não possui um determinado conteúdo específico” (Young, 2000, p. 137), tendo mais a ver com “um conjunto de questões, tipos de experiência e princípios com os quais um raciocínio começa mais do que com as conclusões a que ele chega” (Young, 2000, p. 137). Nesse aspecto, a teoria de Young parece se encaixar melhor à situação do(a)s negro(a)s no Brasil. Como algumas pesquisas indicam, é relativamente comum que pessoas socialmente vistas como negras não se reconheçam como tais (Muniz, 2012). Embora a negritude não seja sempre absorvida por vítimas potenciais da discriminação como elemento de construção identitária, é plausível supor que ela desempenha um papel central no lugar social que elas ocupam. Noutros termos, justificar medidas específicas para a inclusão política de pretos e pardos a partir da ideia de perspectiva social pode ser uma forma de contornar a baixa etnicidade da negritude no país (Sansone, 2003). Young não enxerga a inclusão de negros na política como intrinsicamente distinta da inclusão de mulheres. Em seus dois livros mais importantes (Young, 1990a; 2000), praticamente não existem passagens recomendando cuidados específicos para a inclusão de minorias étnicas ou raciais que poderiam ser dispensados no caso de mulheres. Por outro lado, a ideia de perspectiva social também enfrenta obstáculos se mobilizada para justificar representação especial para negro(a)s no Brasil. No limite, cada indivíduo possui uma dada perspectiva e, por isso, mereceria ser incluído da deliberação. Contudo, o conceito de perspectiva social em Young faz referência a um ponto de vista que é socialmente gerado por uma diferenciação estrutural. Logo, o conceito de perspectiva remete a um conjunto de experiências com a opressão que são efetivamente vividas, mas que não se articulam discursivamente porque
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a própria opressão impede que elas sejam consideradas dignas de politização (Young, 1990b). É justamente nesse ponto que a teoria de Young esbarra no mais incômodo paradoxo das relações raciais brasileiras, traduzido por Silva e Leão da seguinte maneira: Por um lado, as enormes e persistentes discrepâncias socioeconômicas entre os diferentes grupos raciais indicam que raça é um atributo central para se compreender a produção de desigualdades sociais do país. Por outro, as relações de sociabilidade fluidas, com grande quantidade de casamentos inter-raciais e pouca segregação residencial entre brancos e negros, sinalizam que no Brasil a mistura racial permite perpassar as questões de cor (Silva; Leão, 2012, p. 117).
O processo de estruturação das desigualdades raciais no Brasil convive com um modelo hibridizante das diferenças raciais. Utilizando os termos de Young, pode-se dizer que aqui a estrutura discriminatória não leva necessariamente à diferença. Desde os trabalhos pioneiros de Carlos Hasenbalg (1979) e Nelson do Valle Silva (1978), uma série de estudos tem mostrado que os autodeclarados pretos e pardos nos recenseamentos tendem a ter taxas de mobilidade social muito semelhantes e, sobretudo, bastante inferiores aos autodeclarados brancos. Mesmo quando são isolados os efeitos da classe de origem ou da educação nas chances de ascensão, a cor permanece como um resíduo explicativo forte de tal discrepância, o que fundamenta a suposição de que ao menos parte das desigualdades raciais no Brasil se justifica por práticas discriminatórias (Henriques, 2001; Ribeiro, 2006; Soares, 2000; Osório, 2003). Deduz-se disso que pretos e pardos ocupam lugares sociais muito similares, o que justificaria tratá-los em bloco. Desse prisma, o pardo seria uma espécie de “negro em si”, já que sofreria os efeitos da discriminação racial, mas não necessariamente um “negro para si”. Usando a terminologia de Young, pode-se dizer que pretos e pardos ocupam lugares estruturais muito semelhantes e, ao mesmo tempo, distantes do lugar social ocupado pelos brancos. Porém, autores mais preocupados com a fluidez simbólica de nossas classificações identitárias destacam a enorme complexidade subjacente à categoria “pardo” (Daflon, 2017; Fry, 1996; Harris et al., 1993; Maggie, 1996). Estrangeira ao modo como as pessoas definem sua cor na linguagem cotidiana, essa categoria esconderia uma enorme pluralidade de perspectivas sociais e, no limite, expressaria uma identidade racial que se entende como híbrida e flexível. Tais autores também argumentam que os dados estatísticos expressam apenas probabilidades médias e, por isso, não são suficientes para traduzir uma realidade complexa.
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É verdade que Young é consciente desse tipo de cacofonia que caracteriza as minorias políticas. Ao mesmo tempo que mulheres são oprimidas por definições supostamente universais da política, mulheres negras, imigrantes, deficientes ou pobres têm suas perspectivas específicas e, por isso, podem ser suplementarmente oprimidas por concepções feministas que partem de uma dada definição do que é ser mulher (Young, 1994). Para resolver dilemas como esse, Young propõe entender o gênero não como uma distinção entre grupos, mas como uma “série” no sentido dado ao termo por Sartre: Ao contrário de um grupo, formado em torno de objetivos compartilhados, uma série é um coletivo social cujos membros são unificados passivamente pelos objetos em torno dos quais suas ações são orientadas ou pelos resultados objetificados dos efeitos materiais das ações de outros. [...] Sartre descreve pessoas esperando por um ônibus como uma série. Eles são um coletivo ainda que minimamente relacionado um ao outro e seguem as regras da espera de um ônibus. Como um coletivo, eles estão juntos por suas relações a um objeto material, o ônibus, e a práticas sociais do transporte público. [...] Logo, como uma série, mulher é o nome de uma relação estrutural ligada a objetos materiais tal qual eles foram produzidos e organizados pela história. Mas a série mulher não é simples e unidimensional como passageiros de ônibus ou espectadores de rádio. Gênero, como classe, é um vasto, multifacetado, cheio de camadas, complexo e sobreposto conjunto de estruturas e objetos. Mulheres são indivíduos que são posicionados como femininos pelas atividades que circundam essas estruturas e objetos (Young, 1994, p. 726-28).
Conquanto este não seja o lugar apropriado para discutir a utilidade heurística dessa apropriação do conceito sartreano de série,7 é preciso destacar que ele está longe de resolver o problema da dualidade presente nas classificações raciais existentes no Brasil. O problema que os “não brancos” colocam à teoria de Young não tem a ver propriamente com a sobreposição de distinções estruturais – ainda que ela esteja igualmente presente – mas sim com o fato de que a construção do cidadão universal no Brasil articula, de forma complexa, 7 Não cabe aqui apontar as insuficiências da noção de serialidade para os fins de Young. Basta, porém, destacar que nesse ponto concordamos com Miguel quando ele afirma que “a concepção sartreana de “serialidade” exclui a percepção de uma identidade (ainda que imperfeitamente) compartilhada – importante no caso de gênero, segundo Young mesmo afirma em outros momentos [e que] parte do problema advém da compreensão subjacente de que a identidade de grupo simplesmente brotaria da experiência comum, que é o reverso da negação do caráter constitutivo da representação.” (Miguel, 2010, p. 34).
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uma valorização da branquitude combinada a uma apologia da miscigenação. Nesse cenário, marcas fenotípicas diversas podem significar condições sociais contíguas ou antagônicas.8 Quem fala por quem? Young e Phillips são igualmente críticas do modo como o individualismo liberal, próprio das atuais democracias representativas, funcionou e funciona como um mecanismo de exclusão grupal. Contra tal individualismo, que enxerga o povo e a sociedade como uma multidão indistinta de indivíduos, seria necessário entender que os grupos e pertencimentos identitários importam politicamente. É a partir disso que mecanismos eleitorais são pensados para aumentar a presença de membros de determinados grupos na representação. Contudo, ambas as autoras temem que tal concepção de representação pressuponha uma essencialização das identidades e dos vínculos políticos. Corre-se o risco de fazer com que as características da(o)s representantes política(o)s valham mais do que seus interesses e valores. Embutido na crítica ao individualismo próprio da democracia liberal está o risco de que identidades grupais sejam essencializadas a ponto de se sobreporem à liberdade individual. Nos termos de Phillips, tais políticas deixam de ser culturalmente libertadoras para se tornarem “camisas de força culturais” (Phillips, 2007, p. 14). Mais importante ainda é o receio de que a representação de grupos constitua representantes autossuficientes que dispensem a relação com seus representados. Mas, como nota Will Kymlicka (2008), nem sempre a crítica antiessencialista, articulada por essas autoras, esclarece quais são concretamente os riscos envolvidos em criar políticas específicas para grupos. Anne Phillips, por exemplo, parece temer mais a disseminação de um discurso essencializante pela sociedade do que propriamente o efeito essencializador das políticas da diferença. Seu maior temor é que uma ênfase nos direitos específicos de determinados grupos “exagere a unidade interna das culturas, solidifique diferenças que são frequentemente mais fluidas e faça pessoas de outra cultura parecerem mais exóticas e distintas do que elas realmente são” (Phillips, 2007, p. 14). Mas, nem por isso, ela defende que sejamos críticos das políticas para grupos, mas sim do fortalecimento de um “etos público multicultural” 8 Para uma discussão sobre as complexidades que envolvem branquitude, negritude e morenidade no Brasil, cf. Hofbauer (2006).
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(Phillips, 2007, p. 76). Já Young está mais preocupada com o risco de que políticas da diferença deem voz a um dado grupo às custas do silenciamento dos indivíduos e subgrupos que o compõem. Isso aconteceria quando mulheres reivindicam o direito de falar por todo o gênero feminino e, assim procedendo, normalizam uma dada concepção de mulher insensível à condição particular da mulher negra, da mulher pobre, da mulher lésbica etc. (Young, 1994). Longe de aplicar as teorias de Anne Phillips e Iris Marion Young à subrepresentação política dos negros no Brasil, este capítulo objetivou mostrar as contribuições dessas autoras para uma melhor compreensão das políticas de presença. Como apontado, os dilemas que tais teorias enfrentam quando contrapostas ao contexto nacional indicam lacunas que devem ser exploradas caso queiramos aprimorá-las e, sobretudo, melhor justificar políticas de presença para negros. Parece haver um dilema entre a condição simbólica e social de determinados grupos e as demandas por representação específica para eles. De um lado, quanto mais um dado grupo é discriminado e diferenciado socialmente, mais fácil se torna incluí-lo politicamente a partir de mecanismos institucionais específicos. Do outro lado, quanto mais forem relativizadas as fronteiras identitárias de um grupo e sua estabilidade sociológica, torna-se mais difícil incluí-lo na representação. No entanto, quanto mais fluido e inarticulado for uma identidade marginalizada, mais provável é que suas perspectivas sociais sejam silenciadas e seus interesses grupais obliterados no debate público. De um dado ponto de vista, são essas categorias que mais necessitam de políticas de presença. É justamente isso que torna a representação política de preto(a)s e pardo(a)s no Brasil algo urgente e complexo ao mesmo tempo. A importância do mito da democracia racial e sua apologia à mestiçagem na história brasileira não somente adiaram o reconhecimento oficial e oficioso da existência de racismo no país, mas também inibiram debates sobre a existência e o conteúdo dos interesses dos grupos discriminados. Não obstante suas diferentes estratégias históricas, quase todos os movimentos sociais organizados na luta antirracista foram impedidos de politizar suas demandas e discursos, mesmo aqueles mais conciliadores (Nascimento; Nascimento, 2000). Isso faz das políticas de presença uma etapa vital da luta antirracista no Brasil. No entanto, a negação do racismo brasileiro também levou não apenas à fluidez identitária como também a uma distribuição desigual das experiências com a discriminação, tornando difícil a justificação de políticas de presença para negros (ou pretos e pardos, ou não brancos etc.).
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Políticas de presença demandam forçosamente procedimentos de adscrição capazes de identificar o grupo a ser beneficiado. Em maior ou menor grau, tais procedimentos essencializam o coletivo de beneficiários em questão, pois rotulam indivíduos a partir de uma clivagem social específica, abstraindo suas múltiplas identidades e, ao mesmo tempo, ignorando as diferenças internas ao grupo ao qual ele é conectado. Cotas para negros no parlamento ou nas universidades em geral ignoram que uma miríade de pessoas não está segura em relação à sua identidade racial, não apenas porque tais identidades são fluidas, mas porque elas dependem de experiências com a discriminação que nunca são vividas – se o são – da mesma forma pelos membros potenciais do grupo. Parafraseando Max Weber (1982, p. 45-48), a negritude enquanto um conceito sociológico é uma probabilidade, isto é, uma identidade social ligada a experiências sociais que podem acontecer com determinadas pessoas em intensidade e frequências distintas, de maneiras e formas igualmente diversas. Os riscos desse essencialismo por adscrição se fazem presentes em qualquer ação afirmativa. Ele pode prejudicar os membros do grupo beneficiário quando ocorre aquilo que Brian Barry chama de “subinclusão”, isto é, quando pessoas discriminadas são excluídas da política por não se definirem como negras; e de sobreinclusão, quando não brancos que raramente são discriminados se beneficiam delas (Barry, 2001, p. 114). Toda ação afirmativa está suscetível aos riscos desse essencialismo por adscrição. Porém, existem formas de minimizá-lo e, mormente, avaliar em que medida ele está prejudicando um dado grupo. Mas ainda que os riscos desse tipo de essencialismo não possam ser contornados, ele deve ser considerado como mais um custo perante os benefícios esperados de uma política de discriminação positiva. Políticas públicas para grupos ou para indivíduos não são duas alternativas polares, mas sim duas faces intrinsecamente conectadas das políticas que visam lidar com os efeitos econômicos, políticos e sociais da discriminação sofrida por determinados grupos. Logo, o risco da essencialização por adscrição tem de ser mensurado e avaliado pragmaticamente, mas não deve ser considerado um impeditivo definitivo. Como defende Joan Scott: Se identidades de grupo são um fato da existência social e se as possibilidades de identidades individuais repousam sobre elas tanto em sentido positivo quanto negativo, então não faz sentido tentar acabar com os grupos ou propositadamente ignorar sua existência em nome dos direitos dos indivíduos. Faz mais sentido perguntar como os processos de diferenciação social operam e desenvolver análises de igualdade e discriminação que tratem as identidades não como entidades eternas, mas como efeitos de processos políticos e sociais. [...] Essas questões
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presumem que a identidade é um processo complexo e contingente suscetível a transformações. Elas também subentendem que política é a negociação de identidades e dos termos de diferença entre elas (Scott, 2005).
Contudo, políticas de presença colocam no horizonte de possibilidades um risco de essencialização mais específico. Isso porque elas tendem a fomentar noções de que os representantes eleitos desses grupos sejam encarados como porta-vozes naturais do grupo em questão. Em termos correntes, isso tem a ver com o risco de que mulheres negras, por exemplo, sejam vistas como as únicas representantes autorizadas a falar por mulheres negras. De um lado, isso ignoraria a possibilidade de que eleitoras negras prefiram legitimamente votar em indivíduos de outro perfil social e, de outro, que mesmo representantes negras eleitas devem manter uma relação de responsividade com suas eleitoras e eleitores, independente de seu perfil de gênero ou raça. Como vimos, tanto Phillips quanto Young são bastante sensíveis a esse risco. Quando Phillips enfatiza que políticas de presença visam incluir membros de um dado grupo e não representantes do grupo, ela está tentando garantir que a vinculação política entre os representantes e representados permaneça em aberto. A ideia de políticas de presença não é eleger porta-vozes de grupos inteiriços, mas indivíduos sistemática e injustamente afastados da política porque membros de grupos discriminamos. Quando Young insiste que nenhum representante grupal pode falar em nome de todo seu grupo, ela está tentando preservar as relações de accountability. A ideia de perspectiva social serve para indicar que o representante grupal leva para a política os vestígios de uma perspectiva social silenciada, e não a identidade intrínseca que ela mantém com aqueles que partilham sua posição social. Em ambos os casos, a eleição de membros de grupos marginais busca mais diversificar a representação política enquanto espaço coletivo de deliberação do que constituir representantes de grupos como porta-vozes plenipotenciários dos interesses de um dado perfil social. Políticas de presença para negros adicionam aos riscos próprios do essencialismo por adscrição os perigos particulares de um essencialismo por vinculação política. Tais riscos têm menos a ver com o fato de se tomar um grupo como homogêneo e mais com a possibilidade de que as relações de accountability sejam minadas pelas políticas de presença. O que importa perceber é que, assim como ocorre com o primeiro tipo de essencialismo, procedimentos institucionais podem ser utilizados para matizá-lo. Aliás, dentre as políticas mais usuais para a inclusão de minorias parece existir um balanceamento entre esses dois riscos de essencialização.
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Obviamente, a inclusão de grupos específicos nas nominatas partidárias de uma eleição proporcional demanda que eles sejam identificados para fazer parte das listas. Por outro lado, tais listas são submetidas ao veredito de todo o eleitorado. Logo, o processo de legitimação eleitoral deixa implícito que as mulheres incluídas na lista serão representantes não apenas do grupo a que pertencem, mas dos eleitores de modo geral. Como a definição dos que devem ser incluídos na lista depende de mecanismos de atribuição de identidades, esse modelo compensa os riscos do essencialismo por adscrição ao reduzir o risco de essencialização do vínculo político. Não é gratuito que esses riscos de essencialização por adscrição sejam baixos em se tratando das clivagens de gênero, posto que elas já são fortemente oficializadas pelo Estado e naturalizadas pela sociedade. Já no modelo baseado na redistritagem (gerrymandering), adotado nos EUA para incluir mais negros no parlamento, a relação entre os dois riscos é inversa. Como o sistema eleitoral estadunidense se baseia em distritos pequenos, nos quais vence quem obtiver a maioria simples dos votos, uma forma tradicional de incluir mais negros no parlamento é o redesenho dos distritos. Nesse caso, não é preciso determinar a composição das candidaturas (quantos negros ou brancos serão candidatos ou suas posições nas listas partidárias) como no modelo proporcional supramencionado. Basta desenhar distritos eleitorais mais homogêneos em termos raciais. Porém, o fato de o parlamentar ser eleito por um distrito de negros – isto é, um distrito desenhado deliberadamente para possuir mais negros em seu interior – torna-o institucionalmente um representante daquele grupo independentemente de ele ser negro. Logo, esse modelo compensa os riscos da essencialização do vínculo político reduzindo a essencialização por adscrição, o que vem sendo percebido por alguns estudiosos (cf. Guinier, 1991). A opção pelo gerrymandering não se justifica apenas pelo fato de as clivagens raciais acompanharem segregações espaciais nos EUA, mas pelo risco maior de essencialização por adscrição das medidas para a inclusão de negros na política em relação à inclusão de mulheres. Toda essa discussão nos permite ensaiar repostas a algumas das questões colocadas na introdução. Em primeiro lugar, medidas para incrementar a representação de grupos não implicam que o(a)s eleito(a)s devam atuar exclusivamente como representantes desses grupos ou seus únicos porta-vozes. Políticas de presença visam incluir perspectivas sociais marginalizadas e não supostos interesses grupais objetivos e pré-determinados. Disso se deduz, em segundo lugar, que político(a)s negro(a)s podem defender ideias dos mais diferentes matizes ideológicos, haja vista que sua inclusão não pressupõe um
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elo essencial com valores de esquerda ou de direita. Cotas raciais na política não visam incluir os supostos interesses pré-formados da população negra brasileira, mas possibilitar que politico(a)s desse grupo traduzam suas experiências sociais em projetos políticos, processo historicamente obstaculizado pela negação do racismo estrutural brasileiro. Em terceiro lugar, a falta de vozes diversas na política é um déficit democrático central e que diz respeito a todo(a)s. Por isso, não se trata aqui de defender que apenas negro(a)s votem em negr(a)s, mas que todo(a)s compreendam a centralidade de uma representação diversa para o avanço democrático. Como veremos no decorrer deste livro, o acesso a partidos políticos fortes e ao financiamento de campanha parecem ser os dois principais gargalos para a ascensão política de candidaturas pretas e pardas às esferas de poder. Embora uma política de cotas parlamentares como aquela proposta pela PEC 116 de 2011 não deva ser descartada, as cotas nas nominatas partidárias e uma melhor distribuição de recursos partidários podem vir a ter efeitos equivalentes, bem como reduzir os riscos de essencialização mencionados. Ambas as medidas demandam a identificação de candidaturas pretas e pardas para funcionarem, mas ainda submetem à decisão dos eleitores o veredito final. De toda maneira, se as discussões de Phillips e Young nos chamam a atenção para os riscos envolvidos nessas políticas, elas também nos ajudam a perceber que a ênfase em mecanismos institucionais para inclusão de grupos não deve nunca nos fazer esquecer que a sub-representação política dos negros é uma característica profundamente antidemocrática e injusta do nosso país, reprodutora de uma lógica que oblitera a reflexão autônoma de uma parcela da população sobre seus próprios problemas. Logo, o receio em relação aos riscos de essencialização nunca deve ser sobrepor à urgência de medidas para a inclusão política dos negros, sejam elas quais forem. Desenhos institucionais nesse sentido devem ser, portanto, criativos e pragmáticos, além de levar em conta os principais gargalos que arrastam preto(a)s e pardo(a)s do poder, gargalos que serão discutidos nos próximos capítulos.
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Capítulo 2: Por que preto(a)s e pardo(a)s estão fora da política?1 É frequente encontrar nas obras de sociólogo(a)s e antropólogo(a)s das relações raciais brasileiras hipóteses sobre como se deu historicamente a participação de negro(a)s na política (Oliveira, 2002). Apesar disso, a interface entre raça e eleições foi historicamente um objeto marginal de interesse das Ciências Sociais nacionais, muito embora existam vários exemplos históricos de candidaturas negras na política brasileira (Sotero, 2016). É apenas nos últimos anos que alguns trabalhos começam a ser produzidos nesse sentido, ainda que esporadicamente. A despeito disso, subjaz aos trabalhos mais antigos sobre o tema uma indagação comum, passível de ser genericamente formulada da seguinte maneira: em que medida as clivagens raciais existentes no Brasil se relacionam com preferências ideológico-políticas dos eleitores? De modo geral, tais estudos buscam estabelecer até que ponto existe uma correlação entre as preferências dos eleitores por determinados candidatos, partidos, ideologias etc. e o modo como eles se percebem ou são percebidos em termos raciais. O objetivo deste capítulo é inventariar essa ainda pequena literatura para definir quais contribuições ela faz para a área nos dias de hoje e que lacunas ainda devem ser exploradas. Como veremos, a bibliografia se centrou nos supostos vieses ideológicos e étnicos específicos aos votantes negros. Seu principal desafio foi produzir dados e empregar técnicas capazes de discernir o peso do pertencimento racial nas preferências dos eleitores e eleitoras daquele próprio do pertencimento de classe. Noutros termos, essa geração queria estabelecer se negro(a)s votavam de modo distinto do(a)s branco(a)s por conta da pertença racial ou porque eram, em sua maioria, pobres. Embora os primeiros textos dedicados à relação entre raça e eleições datem da década 1960, momento inicial da ciência política brasileira, essa agenda de pesquisa atraiu a atenção de pouco(a)s cientistas político(a)s desde então. Acreditamos que isso reflete, em parte, a ausência de dados oficiais sobre a raça/cor do(a)s político(a)s brasileiro(a)s, mas também um problema de foco. Ao concentrarem seus esforços em verificar a existência de preferências 1 Parte deste capítulo foi publicada em Dados (Campos, 2015b). Agradecemos aos editores do periódico por autorizarem a republicação desses trechos aqui.
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políticas específicas à população negra brasileira, tais estudos relegaram a um segundo plano outros condicionantes mais institucionais e sociais à ascensão política dela. O que se segue está dividido em três seções. Na primeira, resenhamos alguns trabalhos clássicos sobre o tema, produzidos entre os anos 1960 e 1990. Tais trabalhos merecem ser resenhados em separado dadas as características próprias do período (entremeado por longos interregnos autoritários que impactaram nas dinâmicas eleitorais) e suas limitações metodológicas (muitos foram desenvolvidos no vácuo de dados robustos sobre o fenômeno estudado). Na segunda seção, nos dedicamos a trabalhos produzidos após o processo de redemocratização do país, de restituição das eleições livres e da formação de partidos. Ao termo, apresentamos algumas das características gerais da bibliografia mais recente e delineamos algumas hipóteses de pesquisa, extraídas dessa bibliografia, capazes de nortear as análises dos capítulos posteriores. A bibliografia entre 1960-1990 Apesar do caráter fragmentado e esparso da bibliografia sobre raça e eleições no Brasil, as linhas gerais da agenda de pesquisa que predominou nesse campo, ao menos até os anos 1990, refletiu um conjunto de indagações razoavelmente estável. Em primeiro lugar, há um destaque para modelos analíticos que permitam isolar os efeitos da raça daqueles próprios do pertencimento de classe. Vale destacar que esse é o grande desafio até os dias atuais de pesquisas sobre a reprodução das desigualdades raciais no Brasil. Em um país onde a maioria da população negra se concentra nas classes inferiores, é difícil determinar em que medida uma característica ou comportamento específico dela se deve à classe ou à raça. Ademais, a classe social costuma se expressar de diversas formas que vão desde o nível de renda médio de um grupo, até suas ocupações profissionais, lugar de moradia etc. Daí a importância da utilização de análises que isolem os efeitos de cada uma das variáveis consideradas. Em segundo lugar, há um foco no papel das preferências eleitorais do(a) s votantes por candidaturas brancas, suposta explicação básica da sub-representação política de não branco(a)s no país. O primeiro ponto já é objeto de exploração num pequeno texto que funda essa área de pesquisa no Brasil, assinado por Bolívar Lamounier (1968). Para ele, as perspectivas dominantes sobre o comportamento político de negro(a)s no Brasil, mormente aquelas propaladas por nomes como Florestan Fernandas e Luiz Aguiar da Costa Pinto, entendiam-no como indiretamente relacionado à situação de classe e não à pertença racial. Nos seus termos:
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Simplificando, deliberadamente, por razões de espaço, à teoria da “integração do negro à sociedade de classes”, poder-se-ia dizer que seus proponentes não consideram que um problema especificamente político, vinculado a uma consciência de grupo racial-étnico, exista; ou, se existe, é demasiado secundário. Nenhum desses autores nega – pelo contrário, foram os primeiros a enfatizar – os fatores que apontam na direção contrária: a desigual estrutura de oportunidades; o preconceito que aumenta; a maior incidência de atos de discriminação; os padrões de segregação espacial, cada vez mais difíceis de manter (Lamounier, 1968, p. 41).
Daí a importância, a seu ver, de modelos estatísticos multivariados que pudessem estimar o peso relativo da pertença racial e da pertença de classe nas preferências e comportamentos dos eleitores negro(a)s. Ainda que não tenha efetivamente empregado tais técnicas, Lamounier destacava que elas deveriam ser empregadas em uma agenda dividida em três focos de pesquisa, a saber: [...] as atitudes ou preferências individuais, e comportamentos, também individuais [...] a formação de organizações ou movimentos coletivos [e] o funcionamento de um sistema, em conjunto, na medida em que este determina, através de seus valores e normas inclusive jurídicas, certos parâmetros, limitações que não é possível ignorar (Lamounier, 1968, p. 48).
Dos três itens elencados, pode-se considerar que o segundo vem sendo crescentemente abordado por sociólogo(a)s político(a)s interessado(a)s nas relações entre movimento negro, partidos políticos e Estado (Rios, 2014; Rodrigues; Monagreda; Porto, 2017; Soares, 2009; Sotero, 2016). O terceiro item, contudo, relacionado aos anteparos institucionais à ascensão política de preto(a)s e pardo(a)s, é o menos explorado de modo geral. Logo, foi a primeira frente da agenda formulada por Lamounier que concentrou a atenção de [alguns(algumas) pouco(a)s] cientistas político(a)s desde então. Amaury de Souza foi um desses. Em um pequeno texto publicado no início da década de 1970, ele buscou avaliar empiricamente se a população negra do Rio de Janeiro teria adotado preferências políticas específicas para além daquelas comuns às classes mais baixas. Para Souza, a passagem de uma sociedade escravocrata para uma sociedade competitiva se deu somente quando as elites brancas tiveram garantias suficientes de que o(a)s ex-escravo(a)s negro(a)s não teriam as mesmas condições de competição que elas. A opção pela substituição da mão de obra negra por migrantes europeus seria, segundo o
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autor, o melhor exemplo de estratégia articulada politicamente para impedir negros e negras de competir no mercado de trabalho (Souza, 1971, p. 62). Mas, mesmo reconhecendo esses esforços históricos em minar a competitividade e as vias de ascensão social dos ex-escravo(a)s e, sobretudo, impedir a formação de uma identidade grupal entre esse grupo, Souza acreditava que a raça era um fator interveniente importante para a explicação de determinados comportamentos políticos (Souza, 1971, p. 62-67). Daí o fato de ele se questionar: Em primeiro lugar, em que medida a experiência de desigualdades sociais por parte de um grupo étnico expressa-se em atitudes e comportamentos políticos diferenciais; em segundo lugar, e se a primeira pergunta comportar uma resposta positiva, sob que condições essa experiência se transmuta em uma solidariedade racial capaz de expressar-se como comportamento político coletivo; e, em terceiro lugar, como opera o sistema político de uma sociedade multirracial no sentido de desmobilizar o potencial de comportamento político coletivo (Souza, 1971, p. 63).
Pode-se dizer que essas indagações marcaram os textos sobre o tema publicados nas duas décadas posteriores. Tal influência reflete não apenas a elegância e simplicidade de sua formulação, mas o fato de o próprio autor ter coletado algumas evidências corroborantes das hipóteses que suscitou. A partir de um survey realizado em 1960, com uma amostra dos eleitores da cidade do Rio de Janeiro, Amaury de Souza respondia positivamente a sua primeira pergunta ao detectar uma preferência consistente do eleitorado negro pelos candidatos ligados ao trabalhismo varguista. Para ele, isto se explicava parcialmente pela adesão ao varguismo por parte da população negra, cuja condição de vida teria melhorado sensivelmente durante a era Vargas, mas também pelo fato de o trabalhismo tratar o negro como símbolo da emergente noção de “povo brasileiro” (Souza, 1971, p. 64). Dessa perspectiva, o “populismo” teria canalizado e conferido expressão política às experiências de desrespeito vividas pelos negros, mas, ao mesmo tempo, evitado que ela se traduzisse em termos estritamente raciais e diferencialistas (Souza, 1971, p. 64). Tal associação cognitiva seria confirmada pelos dados levantados na medida em que os negros se perceberiam como pertencentes a classes subalternas mais do que os brancos, mesmo nos casos em que tal associação não se confirmava concretamente. Mas apesar de não transformarem a raça em base para ação coletiva ou articulação política, os entrevistados pelo survey mostravam um comportamento político consistente
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de apoio ao PTB, legenda governista, contra os brancos que tendiam a apoiar candidaturas da UDN (Souza, 1971, p. 68). Tudo isso confirmaria “algumas hipóteses relativas ao comportamento político diferenciado negro no Rio de Janeiro”, patente na “preferência do negro pelo PTB além do que seria de se esperar dada a sua posição social” (Souza, 1971, p. 70). A despeito do caráter pioneiro da pesquisa de Souza e da sua complexidade técnica relativa à época, há que se notar certas limitações da metodologia empregada para isolar os efeitos da classe e da raça nas preferências político-partidárias do(a)s entrevistado(a)s. Não foram empregados, por exemplo, modelos capazes de isolar outras variáveis intervenientes como lugar de moradia do eleitor. Isso importa tendo em vista a marcada segregação de classe e raça imperante no Rio de Janeiro quando da realização do levantamento. Mais de uma década depois, Glaucio Ary Dillon Soares e Nelson do Valle Silva (1985) buscaram corrigir parte das incompletudes do estudo de Souza. Escrevendo já no contexto de redemocratização do país, os dois autores defendem que a preferência dos eleitores não brancos pelo trabalhismo permanecia, ainda que sob novas roupagens partidárias e ideológicas (Soares; Silva, 1985, p. 258). Para testar essa hipótese, Soares e Silva comparam a votação recebida por Leonel Brizola, candidato ao governo do estado em 1982, em toda a região metropolitana do Rio de Janeiro. Na tentativa de isolar o efeito do pertencimento racial de variáveis como classe e local de residência, eles operam uma análise a partir de dados ecológicos sobre o perfil dos eleitores desses municípios segundo o censo de 1980 e as votações que eles registraram (Soares; Silva, 1985, p. 280). Tal comparação importa não apenas porque Brizola era, naquela ocasião, o herdeiro autorreivindicado do petebismo, mas também porque o contexto político adverso o obrigara a reformular seu discurso trabalhista. Apelidado por Darcy Ribeiro de “socialismo moreno”, esse novo trabalhismo buscava, sobretudo, adaptar as premissas ideológicas do socialismo europeu às idiossincrasias da sociedade brasileira (Sento-Sé, 2004) e, em segundo plano, matizar o foco marxista na dominação de classes para incorporar ao discurso político a opressão sofrida pelos negros e indígenas (Soares; Silva, 1985, p. 256). Esse discurso permitiu, dentre outras coisas, que o PDT mantivesse algum compromisso com o socialismo, mas incorporasse em suas listas eleitorais duas importantes lideranças de movimentos étnico-raciais como o líder indígena Mário Juruna e o militante histórico do movimento negro Abdias do Nascimento. Vale notar uma sutil disjunção entre tal discurso e o trabalhismo varguista clássico: aqui, a raça já emerge como significante político, ainda
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que sua autonomia semântica seja restringida pelo peso conferido à classe trabalhadora: O PDT de Brizola teve uma característica distinta importante: foi o partido que mais enfatizou o tema racial, tanto em seus programas quanto na sua plataforma eleitoral. O ponto quatro da plataforma do partido enfatizava “o compromisso com a população negra”. A ideologia do partido, com uma formulação um tanto desconexa, foi apelidada “socialismo moreno”. Esse socialismo moreno, porém, não trazia em seu bojo qualquer implicação racial ou étnica, sendo simplesmente uma forma de socialismo adaptado ao Brasil, um tipo mais suave de socialismo, em contraposição ao socialismo eurocêntrico, mais duro. Entretanto, o socialismo moreno implicava também uma participação maior de não brancos, em função de seu próprio caráter não europeu. Além disso, o PDT fez questão de apresentar vários candidatos não brancos, inclusive o líder negro mais conhecido do Brasil, Abdias do Nascimento, um cantor mulato conhecido, Agnaldo Timóteo, e um cacique indígena, Mario Juruna (Soares; Silva, 1985, p. 257).
Comparando votação e dados contextuais, Soares e Silva concluem que há uma correlação relevante entre a preponderância de não brancos em municípios da região metropolitana e a vitória de Brizola nesses municípios (Soares; Silva, 1985, p. 269). Segundo os resultados e isolando alguns fatores intervenientes, os municípios com maior proporção de “pardos” tenderam, de fato, a conferir mais votos a Brizola, ainda que o mesmo não valha para aqueles com maior proporção de brancos, de um lado, e “negros”,2 de outro (Soares; Silva, 1985, p. 270). Mesmo reconhecendo as dificuldades em explicar tal viés brizolista dos grupos pardos, Soares e Silva arrolam três hipóteses. A primeira argumenta que a distância social entre as elites políticas do PDT – ricas e brancas – e a massa negra e pobre dificultaria a conquista política desse contingente, mas o mesmo não valeria para os pardos. A segunda destaca que os negros são geograficamente mais marginais que os pardos, além de possuírem taxas mais acentuadas de analfabetismo, o que justificaria a preferência por candidatos de direita em detrimento dos pedetistas. A terceira e última hipótese apela para a teoria de Carl Degler, segundo a qual “ser mulato” aumentaria as chances de ascensão social da parte mais clara da “população de cor”, o que explicaria por que “negros” tenderiam a votar de modos distintos dos “pardos”. 2 Soares e Silva utilizam a classificação “negros” e “pardos” em vez de “pretos” e “pardos” por se valerem da PNAD de 1976 que trazia múltiplas formas de captar a raça/cor dos entrevistados.
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Há de se destacar, contudo, que as limitações intrínsecas aos dados utilizados por Souza, Soares e Silva tornam tais conclusões problemáticas, como os próprios autores reconhecem. A primeira delas, tem a ver com a própria natureza das comparações ensaiadas, trabalhadas a partir de bases de dados muito distintas, formadas com variáveis específicas e coletadas em momentos históricos diferentes. A segunda, e mais relevante, é a própria comparação de resultados eleitorais agregados por município e o comportamento dos grupos majoritários em seu interior. O risco da falácia ecológica é o de imputar aos grupos sobrerrepresentados o comportamento mais comum, quando, a rigor, tal relação não é forçosa. Noutros termos, não é porque um município com maioria negra prefere um determinado candidato que essa população prefira tal candidato, ao que se adiciona o fato de que as zonas eleitorais não correspondem necessariamente à localização geográfica de residência. A bibliografia entre 1990-2020 Após a década de 1990, as pesquisas sobre raça e eleições ganharam novo fôlego e se complexificaram metodologicamente, muito embora a quantidade de investigações produzidas ainda seja pequena. Além disso, permanece o foco na existência ou não de preferências eleitorais racialmente orientadas e na utilização de surveys específicos para a avaliação dessa hipótese. Aplicando um conjunto de regressões logísticas a dados de um survey sobre opções eleitorais em cinco municípios de cinco unidades federativas distintas, Mônica Mata de Castro buscou estabelecer “se a variável raça tem algum poder explicativo na opção eleitoral dos entrevistados” (Castro, 1993, p. 477). Além de levar em conta a suposta preferência dos não brancos por candidatos de esquerda e/ou mais “populistas”, Castro observou, também, a proporção de eleitores que planejavam votar em branco ou nulo nas eleições do período, seu interesse pela política, escolaridade, renda familiar e idade. Ela conclui que, embora “o contexto socioeconômico [seja] mais ou menos central” no comportamento eleitoral dos entrevistados, “o efeito raça é [...] ambíguo: pretos e pardos se alienam mais que os brancos, mas, quando decidem participar do processo eleitoral, escolhem em proporção relativamente maior os candidatos de esquerda” (Castro, 1993, p. 483). Porém, apesar de ser não branco aumentar a probabilidade de um comportamento eleitoral “mais radical”, isto estaria longe de implicar uma etnização do voto, haja vista a maior alienação eleitoral desses contingentes (Castro, 1993, p. 485). Para a autora, isso mostraria duas formas opostas de reagir à discriminação,
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uma via politização e preferência pela esquerda e outra via abstencionismo político. Mais do que isso, essas reações à discriminação seriam condicionadas não apenas pela raça, mas, mormente, pelo duplo pertencimento de raça e classe: Assim, se os grupos de posição mais baixa na estrutura social são aqueles que tendem a se alienar mais do processo eleitoral, os pretos ou os pardos pobres tenderiam a se alienar mais ainda. De outro lado, se maior grau de escolaridade implica, para o eleitorado em geral, escolha de candidatos mais moderados, de centro, os pretos e pardos nessa posição, diferentemente dos brancos, optariam mais pela esquerda ou se alienariam do processo eleitoral. Os dois fatores, considerados em interação complexa, parecem importantes para explicar a opção eleitoral e não um deles com exclusão do outro (Castro, 1993, p. 486).
Ao termo, essa ambivalência classista do comportamento político dos não brancos ajudaria a explicar, segundo Castro, a distância entre lideranças e bases do movimento negro brasileiro e, sobretudo, sua dificuldade em politizar a questão racial para setores mais amplos da população. Enquanto os líderes do movimento negro, oriundos em grande medida da classe média, tenderiam a radicalizar o discurso, a sua base potencial seria tão desprovida de recursos materiais e simbólicos que sua resposta política à discriminação seria a autoalienação. Também trabalhando com os dados de duas pesquisas de intenção de voto para presidente da República em 1994, ambas realizadas pelo Instituto Datafolha, Reginaldo Prandi assevera haver “clara tendência do eleitorado preto e pardo para votar preferencialmente em Luiz Inácio Lula da Silva” (Prandi, 1996, p. 12). Mesmo isolando variáveis como classe, escolaridade e idade, a vantagem de Lula aumentaria nos estratos não brancos, enquanto Fernando Henrique Cardoso teria obtido mais votos nos estratos brancos. Essa vantagem de Lula dentre os não brancos não seria, contudo, tão intensa em termos estatísticos, mas constante nos diferentes coortes analisados. Por isso, Prandi não acredita que tal viés expresse um “voto étnico à esquerda”, mas, sim, um voto de protesto, através do qual as populações negras “tenham tido, pelo voto em Lula, a possibilidade de expressar uma dimensão de sua identidade, na qual a exteriorização da discordância e o protesto têm um lugar importante” (Prandi, 1996, p. 13). Vale destacar que tal interpretação não seria de todo contraditória diante daquela suscitada por Castro. A rigor, pretos e pardos continuariam tendendo a um voto em desacordo com o sistema, variando apenas a sua tradução em voto à esquerda ou alienação eleitoral. Por
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outro lado, tal tendência estaria em todos os coortes de renda para Prandi, enquanto para Castro ela se manifestaria de modo distinto de acordo com a classe. Outra novidade do modelo utilizado por Prandi tem a ver com o maior tamanho da amostra e, graças a isso, a possibilidade de trabalhar com pretos e pardos de modo desagregado. Além da conclusão supramencionada, isso permitiu ao autor detectar uma preferência por Lula maior dentre os pretos em relação aos pardos, mesmo quando controladas as demais variáveis do modelo. Tudo isso o leva a crer que, “extraindo-se os efeitos de sexo, idade, localização do município, renda familiar e escolaridade, não há dúvida que persiste um efeito devido a diferenças raciais” (Prandi, 1996, p. 9). Isso não implica, porém, que raça seja o fator que mais impacta nas preferências eleitorais dos pesquisados. Nessa dimensão, idade e escolaridade parecem prever melhor o voto em Lula ou FHC nas eleições de 1994 do que cor, embora novamente seu efeito não seja desprezível (Prandi, 1996, p. 11). Contudo, as conclusões convergentes de Castro e Prandi sobre o voto étnico no Brasil estão longe de ser consensuais. Também trabalhando com dados de um levantamento do Instituto Datafolha, Elza Berquó e Luiz Felipe de Alencastro acreditam haver indícios fortes de emergência do voto étnico dentre os negros apenas em São Paulo, mas não para o Espírito Santo. Merece destaque o fato de os autores utilizarem o que tenha sido provavelmente o primeiro levantamento eleitoral intencionalmente pensado para testar a hipótese do voto étnico, definido como “o processo de escolha política no qual a afiliação do candidato a um grupo étnico ou cultural predetermina o sufrágio dos eleitores identificados a este grupo” (Berquó; Alencastro, 1992, p. 79). Por conta disso, os surveys realizados nos dois estados da federação não apenas incluíram as variáveis raciais e socioeconômicas dos anteriores, mas uma pergunta específica sobre se “os eleitores negros deveriam votar sempre em candidatos negros, e assim ter mais representantes no Congresso, ou deveriam votar sem levar isso em conta” (Berquó; Alencastro, 1992, p. 80). Embora reconheçam que os dados dos dois estados são inconclusivos para avaliar a difusão do voto étnico em âmbito nacional, os autores creem haver uma tendência ao seu fortalecimento (Berquó; Alencastro, 1992, p. 86). Apesar disso tudo, o levantamento utiliza uma classificação de cor heterodoxa e bastante distinta do modelo tradicional consagrado pelo IBGE, o que suscita alguns problemas metodológicos. Nele, os entrevistados foram questionados se se enxergavam como brancos, morenos, mulatos ou negros. Como já apontado por Nelson do Valle Silva, embora as categorias “mulato”
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e, sobretudo, “moreno” fossem mais palatáveis e empregadas pela população brasileira, sua elasticidade semântica reduzia sua capacidade demarcatória: “Ser moreno é perfeitamente ambíguo, podendo significar cabelo moreno – e há brancos morenos nesse sentido – como pele morena” (Silva, 1999a). Não é gratuito que os autores notem que os autodeclarados “morenos” em São Paulo possuem um perfil socioeconômico mais próximo dos brancos, enquanto o mesmo grupo se aproxima dos “mulatos” e “negros” no Espírito Santo (Berquó; Alencastro, 1992, p. 82). Tudo isso prejudica não apenas a comparabilidade entre os dados processados por Berquó e Alencastro, como também a validade dos achados mencionados. Gladys Mitchell (2009), por seu turno, desloca esse debate em torno da existência de um suposto viés ideológico no voto negro ao focar na relação entre cor/raça autodeclarada do eleitor e sua preferência por candidatos negros. Para ela, tão importante quanto avaliar se não brancos preferem candidatos de esquerda ou de oposição é indagar se os subgrupos que compõem esse agregado tendem a votar em negros. Por isto, ela se baseia em entrevistas realizadas em 2006 com eleitores de três bairros de Salvador e cinco em São Paulo. Baseados em uma amostragem aleatória das ruas dessas localidades, moradores selecionados foram questionados sobre sua identificação racial e se já haviam votado em candidatos negros. A variáveis com maior impacto na preferência eleitoral por candidatos negros foram estimadas a partir de modelos de regressão que consideram como variáveis independentes a cor do respondente, sua cidade, sexo, idade, status socioeconômico, bairro e identidades coletivas forte e fraca etc. (Mitchell, 2009, p. 290). A partir desses dados, Mitchell conclui que “à medida que as cores se tornam mais escuras, ou à medida que a identificação pela cor se move do branco ao negro no espectro das cores, aumenta a estimativa de probabilidade de que um afro-brasileiro em Salvador e São Paulo vote em um candidato negro” (Mitchell, 2009, p. 294). Segundo ela, tal propensão tende a aumentar à medida que esses “afro-brasileiros” sobem na hierarquia social e que se engajam mais fortemente à militância identitária (Mitchell, 2009, p. 301). Isso não exclui que outros fatores não raciais tenham algum peso nessa escolha, como idade e bairro, proporcionalmente os mais importantes. Todavia, um estudo mais recente e metodologicamente mais complexo parece se contrapor a essas previsões de fortalecimento do voto étnico. Utilizando diferentes técnicas de pesquisa e modelos de análise, Natália Bueno e Thad Dunning (2017) tentam determinar quais elementos melhor explicam a sub-representação política dos negros no Brasil. A partir da heteroclassificação das fotos de uma amostra com cinco mil candidato(a)s a diferentes
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cargos nas eleições de 2010, os autores percebem que a ausência dos negros da política não pode ser atribuída exclusivamente a um viés no recrutamento das candidaturas. Para testar em que medida negro(a)s são preterido(a)s pelas decisões dos eleitores, Bueno e Dunning realizam um complexo estudo experimental no qual demandam a uma amostra de eleitores que escolham o candidato mais votável em um programa eleitoral televisivo ficcional. Os trajes do(a)s candidato(a)s fictício(a)s foram meticulosamente manipulados com o objetivo de saber se candidatos não brancos têm menor apelo que os equivalentes brancos, independentemente de outras características de sua aparência. Porém, os autores não perceberam com tal experimento nenhuma preferência significativa por candidatos brancos (Bueno; Dunning, 2017). Ao que parece, o único viés estatisticamente relevante e capaz de explicar o que filtra os candidatos negros “pode estar na desigualdade de recursos entre políticos brancos e não brancos” (Bueno; Dunning, 2017, p. 47), já que os dados do TSE sugerem que “candidatos brancos recebem mais contribuições de campanha do que não brancos” (Bueno; Dunning, 2017, p. 45). O trabalho de Bueno e Dunning é um dos poucos que tentam explicar a sub-representação dos negros de forma múltipla, recorrendo a diferentes tipos de pesquisa para testar hipóteses distintas. Contudo, as dificuldades do experimento desenhado pelos autores e, sobretudo, a opção pela amostragem os impedem de perceber o papel que as dinâmicas partidárias podem ter na sub-representação dos negros na política. Vale notar que a própria distribuição desigual de recursos de campanhas, apontada por Bueno e Dunning como possível variável explicativa, sugere que as dinâmicas intra e interpartidárias podem ter grande relevância na sub-representação dos negros na política. De modo geral, um problema desta literatura é o fato de ela focar mais na verificação de um viés étnico ou etnicamente orientado na demanda dos eleitores do que na oferta de candidaturas. Como vários autores têm sugerido, parece haver não apenas uma orientação ideológica no comportamento eleitoral do(a)s preto(a)s e pardo(a)s, mas também uma maior abertura de determinados partidos às candidaturas destes grupos. Cloves Oliveira percebeu, em uma pesquisa sobre as eleições para vereadores em Salvador, uma preponderância de candidatos negros nos partidos de esquerda e mais identificados com o trabalhismo (Oliveira, 1991, p. 98). A partir de entrevistas com dirigentes políticos, Meneguello, Mano e Gorski (2012) destacam não apenas a maior centralidade que partidos de esquerda dão à presença de negros em suas listas, mas também a maior facilidade que eles têm em recrutar esses contingentes nos movimentos sociais.
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Logo, é preciso avaliar de forma mais sistemática a existência de um viés racial no recrutamento de candidaturas pelos partidos nacionais, sobretudo porque as dinâmicas partidárias parecem ter grande peso na sub-representação política de grupos. Sem excluir de antemão a existência de vieses raciais nas escolhas dos eleitores, o objetivo deste trabalho é avaliar em que medida há um viés racial no modo como o sistema partidário brasileiro lida com as candidaturas. Isto envolve não apenas uma investigação em torno da maior ou menor proporção de candidatos não brancos, como fazem Bueno e Dunning (2017), mas também uma avaliação da distribuição desses candidatos em diferentes legendas, com chances maiores ou menores de sucesso eleitoral. Investigar essa dimensão é importante, aliás, para determinar em que medida há uma maior sensibilidade para a questão racial nos partidos ditos de esquerda ou socialistas. Como apontado até aqui, o principal obstáculo enfrentando historicamente pelas pesquisas sobre raça e eleições foi a ausência de dados sobre a cor autodeclarada dos candidatos e políticos brasileiros. Ao contrário do que ocorre com a variável gênero, devidamente indexada nos arquivos do TSE há décadas, a cor dos candidatos não costumava ser computada nos registros eleitorais. Apenas a partir do ano de 2014, o TSE passou a exigir dos candidatos registrados nas eleições que declarassem sua raça/cor. Porém, as pesquisas sobre raça e eleições feitas antes disso foram obrigadas a “produzir” esse dado. Normalmente, foram empregados três expedientes metodológicos: a heteroclassificação, a autoclassificação e métodos mistos. Em pesquisas como as feitas por Meneguello et al. (2012), optou-se pela cor autodeclarada pelos políticos. Nesses casos, os pesquisadores entraram em contato diretamente com os políticos incluídos no recorte e os questionam sobre como eles se classificam. Como todos os outros, esse método apresenta vantagens e desvantagens. A principal vantagem é respeitar as normatizações internacionais que recomendam a autoclassificação como meio de delineamento de fronteiras identitárias, já que isso viabiliza pesquisas sobre pertencimentos grupais sem desconsiderar a autonomia dos indivíduos. Ademais, a autoclassificação torna os levantamentos sobre os políticos comparáveis aos dados produzidos pelo IBGE, que também adota a autoclassificação. Por outro lado, a autoclassificação tem problemas. Em primeiro lugar, quase nunca é possível obter informações sobre todos os políticos incluídos num dado recorte dadas as dificuldades de acesso a esse grupo. Em segundo lugar, é preciso lembrar também que muitos políticos se recusam a responder a tal questão. Embora as pesquisas do IBGE tenham de lidar também
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com recusas desse tipo, elas adquirem outro significado nas pesquisas com políticos. A politização da questão racial no Brasil tem criado resistências em alguns setores políticos. Por isso, seus membros costumam se recusar a adotar uma dada distinção racial. Uma alternativa intermediária é recorrer às burocracias dos partidos ou das instituições estatais em busca de dados secundários, como faz Cloves Oliveira (1991). Não obstante essa estratégia contorne as dificuldades de acessar determinados políticos, ou mesmo suas resistências pessoais, ela coloca todos os problemas relativos à arbitrariedade dos dados fornecidos, que dificilmente podem ter sua validade testada. Diante disso, uma alternativa é a heteroclassificação, em que fotos dos candidatos são submetidas à avaliação de outras pessoas (Bueno; Dunning, 2017; Campos, 2015b). Evidentemente, tal método suscita inúmeros problemas. Além de questões éticas (nem sempre alguém classificado como branco se enxerga como branco), existe toda uma série de problemas relacionados à comparação com os dados levantados pelo IBGE. Aliás, em um país com classificações raciais fluidas, é difícil crer que a heteroclassificação forneça dados estáveis e válidos. Por outro lado, a heteroclassificação também tem suas vantagens relativas. Em primeiro lugar, ela capta como determinados políticos tendem a ser classificados pelos outros. Em segundo lugar, vários estudos têm atestado que é alta a correlação entre a maneira como as pessoas autodeclaram sua cor e o modo como são percebidas pelos outros (Muniz, 2012; Prandi, 1996; Silva, 1999b), relativizando a tese de que nossas categorias de classificações raciais seriam arbitrárias ou fluidas demais. Em terceiro lugar, mesmo que concordemos que há uma grande fluidez no nosso modelo classificatório, ela pode ser contornada pela adoção de uma heteroclassificação múltipla, em que várias pessoas classificam as mesmas fotos. Não obstante, a autodeclaração apresentada ao TSE ainda guarda uma série de incógnitas. A informação é disponibilizada ao TSE através das fichas de registro de candidatura. Essas fichas podem ser preenchidas pelos próprios candidatos, seus assessores ou a burocracia do partido. Dessa forma, em alguns casos pode haver declaração que não tenha passado pelo crivo e atenção do candidato em si. Ao mesmo tempo, cabe ter em mente que os objetivos por trás dessa declaração também podem variar. Considerando a persistência do efeito do mito da democracia racial, a classe política brasileira também está plasmada sob esse referencial. Esses aspectos adicionam complexidade ao se trabalhar com as informações disponibilizadas pelo TSE sobre a autodeclaração racial de candidatos no Brasil.
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Questões metodológicas e hipóteses de pesquisa Isso tudo leva a crer que autodeclaração e heterodeclaração são estratégias complementares, que podem levar a informações e diagnósticos diferentes a depender do interesse e das indagações de pesquisa. Nos capítulos que se seguem, optamos por trabalhar apenas com bases de dados posteriores a 2014 e que, portanto, já contassem com informações sobre a cor/raça autodeclarada do(a)s candidato(a)s. Com todas as limitações metodológicas a que os estudos sobre essa questão estavam submetidos até 2014, a bibliografia sobre o tema suscitou algumas hipóteses explicativas para a sub-representação racial que, desde então, podem ser submetidas a testes mais robustos. Parte dos capítulos seguintes apresentará evidências para testar ou ao menos discutir cada uma dessas hipóteses. Uma primeira hipótese relaciona a sub-representação de preto(a)s e pardo(a)s à carência de candidaturas desse perfil. Desse prisma, não haveria por que indagar sobre traços racistas das preferências dos eleitores se eles não têm sequer a possibilidade de votar em candidato(a)s não branco(a)s. Esse(a)s, por seu turno, não conseguiriam chegar a ser candidato(a)s dados os poderosos filtros interpostos pelos partidos políticos, que tendem a privilegiar elites partidárias tradicionais e indivíduos oriundos de classes mais altas ou mais propensas para as carreiras políticas. Uma segunda hipótese entende que o filtro que exclui preto(a)s e pardo(a)s tem menos a ver com um alheamento político do(a)s mesmo(a)s, estando mais relacionado à posse desigual de recursos sociais eleitoralmente valiosos, como nível educacional, origem de classe etc. Segundo essa perspectiva, a sub-representação racial não teria causas propriamente raciais, mas sim socioeconômicas. Dada a patente sobreposição entre pobreza e negritude no Brasil, de um lado, e as diminutas chances dos mais pobres se elegerem, do outro, a sub-representação de preto(a)s e pardo(a)s na política seria um efeito indireto da sub-representação das classes inferiores de modo geral nas esferas de poder. Para testar tal hipótese, buscamos estimar qual o efeito comparado de pertencer a uma determinada classe e grupo racial nas chances eleitorais de candidatas e candidatos. Uma terceira hipótese explica a sub-representação de preto(a)s e pardo(a)s como resultado de um viés da distribuição de recursos de campanha, os quais, como se sabe, costumam ter enorme impacto na distribuição de votos. Neste caso, uma variável propriamente política, isto é, relacionada ao processo eleitoral, é tomada como potencial condicionante das chances eleitorais
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de preto(a)s e pardo(a)s. Note-se que o acesso a recursos de campanha pode ser tomado como elemento que explica as chances eleitorais de um(a) candidato(a), e as desigualdades entre elas, assim como variável a ser explicada. Nesse segundo caso, interessa menos o efeito que os gastos de campanha tem na obtenção de votos e mais a possibilidade de que branco(a)s consigam obter mais recursos de campanha em comparação a preto(a)s e pardo(a)s. Nossas análises abordarão ambas as possibilidades. Finalmente, uma quarta hipótese atribui essa sub-representação ao acesso diferencial que esses contingentes têm às estruturas partidárias que garantem maior expressão eleitoral. Segundo a lei eleitoral brasileira, o partido político é a única via de acesso aos cargos eletivos. Ele não apenas funciona como porteiro político, permitindo ou interditando o registro de determinadas candidaturas, como também é o gestor de parte dos recursos financeiros de campanha, do tempo de televisão disponibilizado no horário político-eleitoral gratuito e dos potenciais assessores eleitorais. Sendo assim, trata-se uma variável basilar para estimar as chances eleitorais dos diferentes grupos raciais. Todo esse conjunto de hipóteses é complementar a uma quinta conjectura explicativa: talvez, a sub-representação de preto(a)s e pardo(a)s se deva aos preconceitos e a preferências racistas dos eleitores. De certo modo, é essa a pergunta implícita ou explícita na maior parte da bibliografia sobre o tema, a saber: “há um viés racista na escolha dos eleitores brasileiros?”. Tal hipótese não será investigada aqui, em parte porque tal pergunta coloca desafios metodológicos consideráveis à investigação empírica, mas também porque acreditamos ser necessário testar todas as hipóteses anteriores antes de averiguar a existência de vieses raciais próprios do eleitor. Por isso, os capítulos que se seguem buscam responder às hipóteses supracitadas utilizando estratégias metodológicas distintas, mas sem investigar esta última. Espera-se, assim, contribuir para incrementar o conhecimento dos condicionantes da sub-representação de negro(a)s na política formal brasileira.
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Capítulo 3: Recrutamento Partidário1 Costumamos considerar as eleições como mecanismo político democrático porque supomos que, a partir delas, qualquer cidadã ou cidadão pode se candidatar, ser votado(a) ou eleito(a), independentemente de sua raça, gênero, classe etc. No entanto, as democracias representativas concretas estão longe desse ideal. Em quase todas elas, existem inúmeros obstáculos à candidatura de grupos sociais historicamente discriminados. Por isso, antes de discutirmos as chances de pessoas de grupos subalternos se elegerem, é preciso investigar se elas têm condições minimamente equânimes de se lançarem na disputa política como candidatas e candidatos. Vale lembrar que, no Brasil e em grande parte das democracias representativas ao redor do mundo, partidos políticos monopolizam o direito de lançar postulantes a cargos eletivos. E, mesmo nos países onde candidaturas independentes são permitidas, os partidos permanecem sendo espaços privilegiados de profissionalização de seus membros e potencialização de suas chances eleitorais. O objetivo deste capítulo é discutir as desigualdades de acesso de candidaturas pretas e pardas às listas eleitorais, mas também considerando critérios de gênero, região e classe. Tendo em vista a histórica sobreposição entre raça e classe no Brasil, buscaremos isolar o efeito da cor na distribuição de preto(a)s e pardo(a)s nas diferentes legendas. O mesmo vale para a interação complexa dessas variáveis com o gênero, elemento central na distribuição de oportunidades políticas no país. Como veremos, embora as desigualdades raciais não pareçam marcantes quando observamos a oferta total de candidaturas, elas se tornam mais profundas quando examinamos sua distribuição por partidos específicos e as cruzamos com as outras variáveis mencionadas. O capítulo está organizado em três seções. A primeira delas avaliará a oferta de candidaturas brancas e não brancas nas eleições legislativas de 2014 (eleições para deputado federal), 2016 (eleições para vereador) e 2018 (eleições para deputado federal). Na segunda seção, mostraremos que existem desigualdades substantivas entre os partidos quanto à distribuição racial de seus candidatos. Na terceira e última seção, mostraremos a interface
1 Parte deste capítulo foi publicada na Revista de Sociologia e Política (Campos; Machado, 2017). Agradecemos aos editores do periódico por autorizarem a republicação desses trechos aqui.
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dessas desigualdades raciais com aquelas relacionadas à classe e ao gênero dos candidatos e candidatas recrutados. Partidos politicamente mais consolidados concedem menor espaço a candidaturas pretas e pardas, as quais tendem a se concentrar em partidos menores e eleitoralmente mais fracos. Ao mesmo tempo, na maior parte desses casos, mulheres pretas ou pardas são particularmente mais atingidas. Embora os partidos costumem dar preferência a indivíduos de classes médias e altas, estratos sociais majoritariamente brancos, as desigualdades raciais de recrutamento não podem ser consideradas reflexo automático da estratificação socioeconômica. A distribuição racial das candidaturas no Brasil Os dados disponibilizados pelo TSE indicam que a soma do(a)s candidato(a)s preto(a)s e pardo(a)s nas listas partidárias se distanciou da participação desses dois contingentes na população nacional, mas não de forma muito expressiva. De acordo com o censo de 2010, 47,9% da população brasileira se declarou branca, 43,2% se declarou parda e 7,4% se declarou preta. Conforme indica o gráfico 2, o(a)s candidato(a)s à Câmara dos Deputados autodeclarado(a)s branco(a)s nas eleições de 2014 somaram 59,4%, enquanto o(a)s autodeclarado(a)s pardo(a)s perfizeram 30,2%, e preto(a)s, 9,6%.2 Ou seja, as candidaturas brancas aparecem sobrerrepresentadas em relação à população nacional na ordem de mais de doze pontos percentuais. Ainda de acordo com o gráfico 2, observa-se uma maior aproximação entre a distribuição racial na população e a oferta geral de candidatos e candidatas a vereador em 2016. Por fim, nas eleições de 2018, retorna-se a um padrão próximo àquele observado em 2014, com 57,2% de candidaturas brancas, 30,8% pardas e 10,9% pretas. A redução no número de candidaturas brancas foi seguida por uma ampliação entre as candidaturas pretas em um ponto percentual, em relação a 2014. Tais tendências não se alteram substantivamente em 2018, quando a distribuição racial do(a)s candidato(a)s preto(a)s e pardo(a)s se aproxima daquela verificada em 2014.
2 Se somados, esses percentuais não atingem 100% pois eles não consideram a proporção de candidato(a)s que se declararam amarelo(a)s e indígenas. Como tais contingentes correspondem a um percentual pequeno da população, as análises que se seguem ao gráfico 1 não considerarão o(a)s amarelo(a)s e indígenas. As únicas Unidades da Federação nas quais o efeito de incluir a população indígena seria mais sensível são Roraima, onde 11% da população se autodeclarou indígena, e Amazonas, com 5%.
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Gráfico 2. Distribuição racial da população brasileira e do total de candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal 7,4%
43,2%
47,9%
População
9,6%
30,2%
59,4%
10,9%
39,6%
30,8%
57,2%
50,7%
2014 Deputado(a) Federal Branco(a)s
8,9%
2016 Vereador(a)
Pardo(a)s
Preto(a)s
2018 Deputado(a) Federal
Outro(a)s
Fonte: os autores com dados do TSE e IBGE.
Embora exista um déficit de candidaturas não brancas em relação à população brasileira em todos os pleitos, ele não é suficiente para explicar a sub-representação de preto(a)s e pardo(a)s depois das eleições. Como veremos no capítulo 6, a defasagem de eleito(a)s em relação às candidaturas é bem mais aguda, evidenciando que entre a nomeação de um(a) candidato(a) e a sua eleição persiste um filtro mais potente para a restrição de não branco(a)s do que aquele operado para a apresentação nas listas partidárias. Tais hipóteses têm de ser avaliadas levando-se em conta que as desigualdades raciais assumem formas diferentes a depender da região brasileira analisada, com impactos distintos em cada unidade da federação (Meneguello; Mano; Gorski, 2012). Ademais, a população preta e parda nos estados varia substantivamente, bem como o grau de articulação política desses grupos e sua penetração nas estruturas partidárias. Isso fica evidente quando comparamos a relação entre o percentual de não brancos na população de cada estado e nas listas partidárias. Enquanto estados da região Norte apresentam em média mais de 50% de candidaturas não brancas, nos estados da Região Sul
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do país esses valores chegam, no máximo, a 15%. Contudo, considerando a pequena população não branca nos estados da Região Sul, seria de se esperar um menor número de candidaturas, de fato. Daí a importância de analisar essas disparidades a partir da máxima variação possível. Essa relação pode ser mensurada com base na comparação entre o percentual de branco(a)s e não branco(a)s na população, nas nominatas e dentre os eleitos de cada estado brasileiro. De modo geral, é possível notar uma correlação entre o percentual de preto(a)s e pardo(a)s na população e nas listas partidárias, com indicam os gráficos a seguir. Neles, cada ponto representa uma Unidade da Federação. Os três primeiros gráficos mostram a correlação entre a proporção de não branco(a)s na população de cada estado (eixo horizontal X) e o percentual de todos os candidatos não branco(a)s de cada estado (eixo horizontal Y) para cada uma das eleições legislativas: deputado federal em 2014, vereador em 2016 e deputado federal em 2018. Os estados representados abaixo da linha tracejada possuem um déficit de candidaturas pretas e pardas e um “excesso” de candidaturas brancas; os estados mais próximos dessa linha possuem uma proporção mais ou menos equânime de não branco(a)s na população e nas listas; e o estados indicados acima da linha tracejada possuem certa vantagem de candidaturas pretas e pardas em relação à população do estado. Como é possível notar, não houve nenhum estado em 2014 que lançou uma proporção maior de candidato(a)s a deputado(a) federal preto(a)s e pardo(a)s do que a representatividade desse grupo na sua respectiva população. Em 2016, alguns poucos estados lançaram um montante levemente maior de candidato(a)s preto(a)s e pardo(a)s a vereança, como Espírito Santo, Rondônia, Rio de Janeiro, Paraná e Alagoas. Em 2018, um número maior de estados apresentou uma proporção superior de candidato(a)s não branco(a)s do que aquela existente em sua população. Mas a regra geral nos três anos foi a existência de um pequeno déficit de candidaturas não brancas em todos os estados, já que todos os pontos se aproximam da linha diagonal tracejada que representa o equilíbrio.
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Gráfico 3. Correlação entre o percentual de pretos e pardos na população (X) e nas nominatas para deputado(a) federal (Y) de cada estado em 2014
2014: Deputado(a) Federal 100%
Percentual de candidatos não branco(a)s
90% 80%
AC AP PI BA RR PA AM PE
70% 60% 50%
RJ MS
40% 30%
SP
PB
MG
RO AL
SE CE MT DF TO RN
MA
ES
GO
20% SC
10% 0%
PR
RS 0%
10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Percentual de não branco(a)s na população Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
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Gráfico 4. Correlação entre o percentual de pretos e pardos na população (X) e nas nominatas para vereador(a) (Y) de cada estado em 2016
2016: Vereador(a) 100%
Percentual de candidatos não brancos(a)s
90% 80% 70% PB GO
60%
40% 30%
MT
SP PR
20%
0%
PE
RN MGES RJ MS
50%
10%
PA TO AC AM BA SE AP MA RR AL CE PI RO
RS SC 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Percentual de não branco(a)s na população Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
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Gráfico 5. Correlação entre o percentual de pretos e pardos na população (X) e nas nominatas para deputado(a) federal (Y) de cada estado em 2018
2018: Deputado(a) Federal 100%
Percentual de candidatos não branco(a)s
90% 80%
AP
70% 60% 50% 40% SP
30% 20%
RS SC
10% 0%
0%
BA SE AC AM RR PA CE MA MT RO PI DF RJ PE TO MG RN ES GO AL MS
PB
PR
10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% 90% 100%
Percentual de não branco(a)s na população Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Embora a quantidade de candidato(a)s branco(a)s seja levemente superior a de candidato(a)s preto(a)s e pardo(a)s, há um relativo equilíbrio na composição agregada das nominatas quando consideramos como base a distribuição racial de cada Unidade da Federação. Isso pode sugerir que o acesso aos partidos políticos não é um grande filtro de exclusão de grupos raciais específicos, a despeito do pequeno viés em favor dos brancos. Dessa perspectiva, não seria possível atribuir completamente a sub-representação de não branco(a)s na política brasileira apenas por uma oferta menor ou desigual de candidato(a)s não branco(a)s. Ainda assim, isso não é suficiente para se imputar aos eleitore(a)s a responsabilidade pela exclusão dos candidato(a)s não
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branco(a)s da Câmara dos Deputados e nas Câmaras de Vereador. Antes, é preciso determinar em que medida essas candidaturas se distribuem de forma equânime pelos partidos. A distribuição racial das listas partidárias Há uma grande variação no percentual de candidato(a)s branco(a)s e não branco(a)s lançado(a)s pelos partidos brasileiros. Os gráficos a seguir mostram a proporção de branco(a)s e não branco(a)s por partido e em cada uma das três eleições consideradas. Há desde casos como o Novo, cujas candidaturas possuíam apenas 10% de não branco(a)s em 2016 e 16% em 2018, até o PCB, que registrou cerca de 58% de candidato(a)s não branco(a)s em 2014 e 50% em 2018, além de apresentar a maior proporção de candidaturas não brancas a vereador em 2016, totalizando 67% de suas nominatas. Vale notar também que essas desigualdades na participação de não branco(a)s não acompanham as tradicionais linhas ideológico-partidárias, como parte da bibliografia especializada apostava (Oliveira, 1991). Partidos tradicionalmente considerados de “esquerda” como PSB e PPS lançaram mais de 60% de candidato(a)s branco(a)s nas eleições à Câmara dos Deputados, enquanto partidos mais à “direita”, como PTN, PSL e PSDC, apresentaram quase 60% de candidaturas não brancas em 2014 – no entanto, é importante notar que esse padrão desaparece em 2018, pois nestes últimos partidos houve maior quantidade de candidaturas brancas nesse pleito. Na realidade, é possível afirmar que não há um padrão claro entre eleições para parte significativa dos partidos. Se em 2014 o PCO lançou seis candidaturas não brancas num total de nove (67%), em 2018 o partido lançou dez de 31 (32%). No entanto, entre os partidos de grande porte, é possível identificar a persistência de um padrão quanto à composição racial. De um lado, os partidos mais consolidados no sistema parecem possuir uma maior quantidade de branco(a)s, enquanto os partidos menores e mais fracos eleitoralmente apresentam uma quantidade maior de candidaturas não brancas. Partidos grandes como PMDB, PSDB, DEM e PT costumam ter em média 70% de suas nominatas compostas por branco(a)s, enquanto partidos pequenos como PSDC, PCB, PTN, PPL e PSL3, em média, 40% de candidato(a)s 3 Em 2014 e 2016 o PSL pode ser caracterizado como um partido pequeno com viés religioso. O crescimento da bancada na Câmara dos Deputados em 2018 está relacionado à vitória de Jair Bolsonaro à presidência e à profunda modificação do perfil de candidaturas apresentadas pelo partido, o qual se aproxima do padrão de partidos de grande porte. Em 2014 o partido
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branco(a)s. Grosso modo, os partidos maiores tendem a buscar ou atrair candidaturas brancas, enquanto os partidos menores tendem a lançar proporcionalmente mais candidato(a)s não branco(a)s. Gráfico 6. Distribuição racial das candidaturas por cada partido em 2014 para deputado(a) federal, em 2016 para vereador(a) e em 2018 para deputado(a) federal 2014: Deputado(a) Federal 0% PMDB/MDB PSDB PT DEM PP PSD PDT PSB PTB PL/PR PPS/CIDADANIA PRB PV SD PC do B PROS PSC PSL PHS PTN/PODE PRP PTC PMN PEN/PATRI PT do B/AVANTE PSDC/DC PRTB PMB REDE PPL PSOL NOVO PCB PCO PSTU
50%
2016: Vereador(a) 100%
79% 73% 63% 69% 73% 74% 54% 66% 76% 62% 67% 57% 64% 57% 49% 60% 64% 38% 57% 41% 57% 47% 54% 61% 54% 42% 55%
21% 27% 37% 31% 27% 26% 46% 34% 24% 38% 33% 43% 36% 43% 51% 40% 36% 62% 43% 59% 43% 53% 46% 39% 46% 58% 45%
40% 49%
60% 51%
42% 33% 54%
58% 67% 46%
0%
50%
100%
0%
41% 42% 50% 45% 42% 48% 46% 47% 43% 49% 48% 54% 45% 51% 64% 56% 52% 56% 54% 55% 55% 60% 60% 52% 57% 57% 59% 58% 48% 64% 58%
59% 58% 50% 55% 58% 52% 54% 53% 57% 51% 52% 46% 55% 49% 36% 44% 48% 44% 46% 45% 45% 40% 40% 48% 43% 43% 41% 42% 52% 36% 42%
10%
90% 34% 50% 39%
2018: Deputado(a) Federal
66% 50% 61%
50% 65% 76% 54% 63% 74% 69% 56% 67% 62% 64% 68% 66% 67% 50% 53% 64% 45% 63% 50% 60% 53% 49% 48% 50% 61% 54% 58% 56% 44% 50% 49% 84% 58% 83% 46%
100% 35% 24% 46% 37% 26% 31% 44% 33% 38% 36% 32% 34% 33% 50% 48% 36% 55% 37% 50% 40% 47% 51% 52% 50% 39% 46% 42% 44% 56% 50% 51% 16% 42% 17% 54%
Branco(a) Não branco(a)
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
O Gráfico 6, por sua vez, permite antever uma clivagem importante entre os partidos. Com base em uma classificação utilizada por Campos (2015b), distribuímos os 32 partidos de acordo com seu “tamanho”. Considerando apresentava 63% de candidaturas não brancas, ao passo que em 2018 as mesmas candidaturas caem para 37%.
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dados como o número de filiado(a)s declarado(a)s por partido, a bancada conquistada na Câmara dos Deputados nas eleições prévias e a votação obtida nas eleições de 2012, os partidos foram divididos em três grupos: partidos grandes (PMDB/MDB, PT, DEM e PSDB), partidos médios (PDT, PTB, PP, PL/PR/Republicanos, PSB, PPS/Cidadania, PCdoB, PV, PRB, SD*, PROS* e PSD) e partidos pequenos (PRP, PMN, PSOL, PSL, PSC, PTC, PTdoB/ AVANTE, PSDC/DC, PHS, PTN/Podemos, PRTB, PCB, PPL, PSTU, PEN/ PATRI*, Novo, Rede, PMB e PCO).4 O gráfico a seguir indica o percentual total de candidato(a)s em cada um desses estratos partidários conforme seu grupo racial, nas eleições de 2014. Como é possível perceber, há uma enorme preponderância de branco(a)s (71%) nos partidos grandes, comparada a uma quase paridade racial nos partidos classificados como pequenos. Gráfico 7. Distribuição racial das candidaturas de acordo com o tamanho de cada partido nas eleições de 2014 para deputado(a) federal Branco(a)s
Não branco(a)s
29%
36%
71%
64%
Grande
Médio
48%
52%
Pequeno
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
No entanto, o percentual total de preto(a)s e pardo(a)s nas eleições para as câmaras legislativas nos três anos sofreram flutuações. A quantidade relativa de preto(a)s e pardo(a)s lançado(a)s por partidos grandes nas eleições federais de 2018 (36%) foi maior àquela nas eleições de 2014 (28%). Mas a despeito da variação, preto(a)s e pardo(a)s se concentraram em partidos 4 Os partidos marcados com um asterisco disputaram suas primeiras eleições em 2014 e, por isso, foram encaixados nos grupos de acordo com sua votação nesse pleito.
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pequenos nas três eleições, estando relativamente marginalizados dos partidos grandes, conforme o gráfico a seguir. Gráfico 8. Percentual de candidato(a)s preto(a)s e pardo(a)s por tipo de partido nas três eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal 2014
2016
2018 56% 48%
48%
45%
43% 36%
36%
36%
29%
Grande
Médio
Pequeno
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Esses dados exemplificam o efeito da tradição eleitoral sobre a reprodução de padrões partidários. Líderes partidários olham para o passado, para o registro histórico dos ganhos eleitorais (Cox, 1998, p. 14-33). A vitória é percebida pelas elites partidárias como fruto de estratégias eleitorais bem-sucedidas, e, do ponto de vista de candidato(a)s, as suas características são vistas como positivas ou negativas para atrair votos. Partidos de maior porte são aqueles que historicamente foram capazes de se beneficiar eleitoralmente com a combinação de efeitos das regras eleitorais e predisposições de comportamento do eleitorado. No contexto brasileiro, ao olhar para o histórico eleitoral, elites partidárias supõem um perfil vencedor, encabeçado por homens brancos. Esse é o padrão de sucesso eleitoral observado no Brasil, não havendo incentivo na dinâmica eleitoral para a mudança de estratégia por partidos investidos em aumentar seus ganhos eleitorais. A mudança desse padrão não ocorrerá sem alteração do contexto político. Para líderes partidários investirem em candidaturas não brancas é necessário o surgimento de alguma novidade, um desafio à continuidade dos padrões de sucesso observados no
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passado (Panebianco, 2005, p. 3-39). Até as eleições de 2018, o incentivo para uma mudança de comportamento por partidos de maior porte permanece reduzido com relação à questão racial;5 no entanto, é perceptível uma alteração com relação a desigualdades entre homens e mulheres. Isso nos leva a observar o contexto de partidos de menor porte. Devido a observarem menores chances de vitória, legendas menores tendem a adotar uma tática de seleção de candidaturas menos restrita, aceitando perfis mais variados. Provavelmente, isso abre mais oportunidades políticas para candidato(a)s não branco(a)s de classes profissionais mais baixas. Se essa hipótese for verdadeira, os partidos menores também tenderão a recrutar menos candidato(a)s de classes altas e muito altas, as mais interessantes no que concerne o potencial de votação, considerando novamente o padrão do perfil vencedor nas eleições brasileiras. Mas para avaliar essa hipótese, é preciso considerar a raça das candidaturas na intersecção com outras clivagens sociais, como classe e gênero. A distribuição racial das listas de acordo com classe e gênero Uma imagem mais acurada das desigualdades raciais na política depende de análises capazes de entender as suas interações com outros marcadores sociais, como classe e gênero. Como uma extensa bibliografia vem apontado, a intersecção entre desigualdades raciais e de gênero é complexa e está longe de ser uma simples relação aritmética de acumulação de desigualdades, muito embora as mulheres permaneçam sofrendo em média mais desvantagens comparativas (Crenshaw, 1991). Isso vale também para a origem de classe, embora a interação aqui seja relativamente mais complexa de ser explicada analiticamente. Desde as suas origens, a Sociologia Política tem demonstrado que a origem de classe tem um impacto importante no sucesso político de candidato(a)s. Indivíduos que ocupam o topo da pirâmide social tendem sistematicamente a ter mais chances de ocupar o topo das hierarquias políticas (Gaxie, 2012). Isso não implica, porém, que as classes mais abastadas sejam as únicas com vantagens políticas, haja vista a importância de outros recursos sociais para além daqueles propriamente econômicos. Algumas pesquisas demonstram 5 A recente decisão do TSE quanto à distribuição de recursos do fundo eleitoral para candidaturas negras pode exercer uma pressão significativa para uma mudança de comportamento, porém, ainda é necessário observar as consequências dessa medida. Discutiremos esses aspectos nos capítulos posteriores.
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que profissionais do direito, médicos e professores costumam ter mais chances de se eleger do que grandes empresários, por exemplo (Rodrigues, 2006; Santos, 1997), ainda que essas tendências sejam bem mais complexas no Brasil, pois nas eleições de 2006 é possível perceber um número elevado de empresários eleitos (Marques, 2012). Ao que tudo indica, o contato direto com o público e as habilidades comunicativas cultivadas por esses profissionais são recursos valiosos nas disputas eleitorais (Norris; Lovenduski, 1995, p. 110). É notória a sobreposição no Brasil entre estrutura de classe e fronteiras étnico-raciais. Por isso, é preciso considerar em que medida a sub-representação política dos preto(a)s e pardo(a)s reflete mais uma exclusão prévia, baseada na classe social de origem, ou se desigualdades estritamente raciais permanecem mesmo quando controlamos a origem de classe. Levando em conta essas especificidades, trabalhamos aqui com uma divisão de classes sociais baseada no critério clássico da posição ocupada no mercado. Distinguimonos, portanto, de outras empreitadas que consideram esquemas de classe que incorporam a maior ou menor propensão política de determinadas ocupações (Codato; Costa; Massimo, 2014). Como a sobreposição entre classe e raça na sociedade tende a obedecer a critérios próprios da distribuição de recursos e posições sociais no mercado, acreditamos ser mais adequado perante nossos objetivos trabalhar com um conceito de classe focado na economia. Com base nas ocupações profissionais registradas pelo TSE, e inspirados nos esquemas de classe tradicionalmente utilizados pela sociologia da estratificação social brasileira (Erikson; Goldthorpe; Portocarero, 1979; Pastore; Silva, 2000; Ribeiro, 2006), operamos com cinco categorias fundamentais: (1) classe baixa – trabalhadore(a)s rurais, manuais e doméstico(a)s, artesãos(ãs) e técnico(a)s de escritório com pouca formação; (2) classe média – técnico(a)s com formação superior, artistas, funcionário(a)s público(a)s de baixo escalão e comerciantes; (3) classe alta – profissionais diplomado(a)s no Ensino Superior, funcionário(a)s público(a)s de médio escalão e pequeno(a)s empresário(a)s; (4) classe muito alta – político(a)s já eleito(a)s para outro cargo, grandes empresário(a)s e funcionário(a)s público(a)s que ocupam carreiras de Estado; (5) outro(a)s – ocupações não classificadas na base do TSE. Essa tipologia considera com maior atenção os estratos superiores da estratificação social, haja vista a origem privilegiada da maior parte das candidaturas registradas. Como esperado, a quantidade de preto(a)s e pardo(a)s decresce à medida que subimos na hierarquia de classes. Apenas a título de exemplificação, o gráfico 9 apresenta a distribuição de candidaturas a deputado(a) federal
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nas eleições de 2018 de acordo com a raça e a classe de origem. Verifica-se que 57% dos candidatos e candidatas de classe baixa foram preto(a)s ou pardo(a)s, enquanto 69% dos candidatos e candidatas de classe alta foram branco(a)s: Gráfico 9. Distribuição racial por classe social das candidaturas nas eleições para deputado(a) federal de 20186 Alta
69%
Média alta
Média baixa
Baixa
Outra
30%
65%
34%
51%
47%
42%
57%
50%
Branco(a)s
48%
Não branco(a)s
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Esses dados indicam o quão desigual é a seleção da classe política nacional quando comparamos seu perfil socioeconômico com a população em geral. É verdade que a literatura especializada em recrutamento político vem indicando a tendência de que os parlamentos sejam uma espécie de imagem invertida da pirâmide social de seus países, em que as classes baixas formam uma ínfima minoria nos parlamentos contra uma sobrerrepresentação das classes mais altas (Gaxie, 2012). A literatura brasileira também confirma essa tendência, embora indique certas particularidades (Codato; Costa; Massimo, 2014). De todo modo, essa distribuição de classes sociais é bastante desigual entre os partidos também, como indica o gráfico 10 a seguir. Ele mostra o percentual de candidato(a)s de classes alta e média alta em cada agremiação nas três eleições. Como é possível notar, os partidos maiores e 6 A categoria “Outra” congrega ocupações de difícil categorização como “sacerdote” ou “profissional liberal”, além de candidaturas cuja ocupação foi registrada efetivamente como “outra” na base do TSE.
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mais tradicionais são os que mais lançam candidaturas de classes alta/média alta (Santos; Serna, 2007), com exceção do Novo, partido fundado recentemente mas recordista em apresentação da candidaturas com esse perfil. Já partidos menores e mais próximos da extrema-esquerda do espectro político tendem a lançar menos candidato(a)s de classes alta/média alta. Gráfico 10. Percentual de candidatos de classes alta e média alta por tipo de partido em cada uma das três eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal NOVO
78%
PP
31%
PMDB/MDB
60%
32%
64% 69%
PSDB
30%
62%
PSD
30%
62% 65%
PR
28% 32%
55%
27%
PSB
55%
25%
PPS
66%
25%
53% 30%
SD
49%
23%
PV
45%
25%
PEN/PATRI
41%
23%
PSDC/DC
55% 44% 45%
REDE
27%
44%
23%
PRP
41%44%
23%
PT do B/AVANTE
38%
20%
PPL
39% 22%
PRTB
21%
PTC
21%
PSOL
21%
PMB
38%
14%
PCB
10%
PCO
44% 33% 34% 36%
25%
31%
16% 19%
0% 0%
47% 45%
37% 39% 28%
21%
PSTU
46% 43% 43%
19%
PMN
51%
34%
20%
PHS
57%
46% 51% 24%
PODE
58%
43%
20%
PC do B
61% 53% 54%
23%
PSC
56%
51% 56%
24%
PSL
59%
48%
25%
PRB
65%
47%
PDT
66%
57% 62%
28%
PROS
66% 59%
29%
PTB
71%
60% 65%
PT DEM
85%
73%
44% 10%
20%
30%
40% 2018
2016
50%
60%
70%
80%
90%
2014
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
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Apesar de apresentar um padrão similar àquele da distribuição racial dos partidos, o Gráfico 10 ainda não nos permite dizer que a maior presença de branco(a)s em um dado partido reflita uma preferência dele por candidato(a)s de classe alta, como veremos no fim deste capítulo. Antes disso, porém, é necessário avaliar a distribuição interseccional de raça e gênero nas três eleições analisadas. Como se sabe, mulheres costumam ter ainda menos chances de compor as nominatas e se eleger na história do Brasil (Araújo, 2001), com especial desvantagem para as mulheres negras. Esse cenário mudou timidamente com uma alteração da lei de cotas de gênero em 2009, estabelecendo o preenchimento do 30% para cada gênero, e da equiparação na distribuição de recursos de campanha também de 30% em 2018 após uma decisão do TSE.7
7 As cotas de gênero nos partidos passaram por distintas modificações desde sua primeira proposição, ainda na década de 1990 (cf. Lei 9.100/1995 e Lei 9.504/1997). Porém, o percentual de candidaturas femininas à Câmara dos Deputados só ultrapassou os 20% em 2010 (22,7%) após a Lei 12.034/2009, a qual determinou que os partidos teriam que preencher, em vez de somente reservar, um mínimo de 30% das candidaturas femininas nas listas eleitorais. Nas eleições a partir de 2014, o TSE consolidou o entendimento de que a cota incidiria sobre as candidaturas efetivamente apresentadas e não sobre o universo das candidaturas possíveis. Já a resolução 23.568 de 22 de maio de 2018 do TSE determinou a aplicação mínima de 30% do total recebido do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) e de 30% do tempo no horário gratuito de propaganda eleitoral para as candidaturas femininas. Agradecemos a Danusa Marques e Flávia Biroli por esse esclarecimento.
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Gráfico 11. Distribuição racial e de gênero da população brasileira e do total de candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal 25%
13%
15%
27%
33%
25% 16%
17%
25% 43%
33%
23% População (censo 2010) Homem branco
2014 Deputado(a) Federal Mulher branca
2016 Vereador(a) Homem não branco
14% 27% 18%
40%
2018 Deputado(a) Federal Mulher não branca
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
O gráfico acima pode dar a falsa impressão de que as cotas existentes para mulheres, e aquelas conjecturadas para preto(a)s e pardo(a)s, não são tão necessárias, haja vista a relativa representatividade dos grupos nas nominatas. Mas novamente, as desigualdades entre os partidos permanecem, sobretudo no quesito racial, já que a lei estabelece cotas de gênero, mas não de raça. Enquanto partidos como o Novo lançaram 61% de candidatos homens brancos e apenas 3% de mulheres negras em 2016, o PSTU foi a legenda que no mesmo ano mais se aproximou dos percentuais existentes na população: suas nominatas somaram 33% de candidatos a vereador homens e brancos, 20% de homens pretos ou pardos, 21% de mulheres brancas e 26% de mulheres pretas ou pardas. De acordo com o gráfico 12, repete-se o padrão de partidos mais consolidados lançando nominatas menos diversas, embora tal tendência seja menos marcada e rígida, variando entre as três eleições analisadas.
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Gráfico 12. Distribuição por raça e gênero de cada partido das candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal 2014 Deputado(a) Federal 0% PMDB/MDB
50%
2016 Vereador(a) 100%
16%
55%
0%
50%
52%
PT
49%
23%
32%
DEM
52%
22%
36%
PP
53%
18%
38%
PSD
57%
17%
35%
PDT
42%
PSB
48%
PTB
55%
PL/PR
45%
PPS
50%
14%
30% 21% 16% 27% 22%
32% 33%
38%
30%
34%
34%
35%
34%
45%
27%
36%
43%
29%
32%
30%
37% 31% 35%
24%
43%
PROS
45%
29%
30%
39%
PSC
45%
25%
32%
37%
PSL PHS PTN/PODE PRP
25% 43% 29% 43%
PTC
33%
PMN
36%
PEN/PATRI PT do B/AVANTE PSDC/DC PRTB
41% 29% 40% 29% 41% 31% 29%
45% 38% 30% 40%
33% 45% 37%
PMB
29%
39%
30%
38%
29%
38%
30%
39%
31%
PSOL
34%
40% 35%
PCO PSTU
40% 67%
33%
43% 50% 45% 47% 50% 45% 43% 38% 33%
34% 30%
45% 31%
36%
44% 34%
36%
38%
33%
40%
37%
33%
31%
37%
28%
40%
29%
39%
37%
41%
36%
23%
33% 45%
27%
38%
20% 20%
39% 39%
Homem não branco
31% 32%
32% 32%
41%
36%
33%
33%
34%
54% 44%
Mulher branca
44%
27%
34%
Homem branco
Mulher não branca
46% 38% 32%
21%
20%
59% 51%
41%
61% 24%
30%
46%
42%
NOVO PCB
51% 38%
26%
36%
PPL
100%
26%
23%
REDE
50% 42%
29% 33%
36%
SD
31%
31%
35%
PV
32%
29% 33%
42%
PC do B
0%
28%
39%
PRB
26%
100%
39%
PSDB
2018 Deputado(a) Federal
29%
45% 50% 26%
33% 37%
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
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Os dados discutidos aqui apresentam alguns padrões recorrentes. De um lado, há alguma desigualdade racial e de gênero na oferta total de candidato(a)s a deputado(a) federal (2014 e 2018) e vereador(a) (2016). No entanto, a cota para mulheres estabeleceu um piso que vem sendo obedecido pelos partidos de modo geral, haja vista que, desde 2014, esses enfrentam o risco de terem a lista impugnada. Ademais, o montante de candidaturas pretas e pardas não dista substantivamente da participação desses grupos na população. Ao mesmo tempo, há alguma variação dessas desigualdades de acordo com a região e o estado no Brasil, ainda que elas costumem acompanhar o contexto demográfico mais amplo. É quando olhamos os partidos individualmente que percebemos desigualdades mais relevantes. Da perspectiva racial, partidos maiores e consolidados tendem a lançar menos candidato(a)s preto(a)s e pardo(a)s, do mesmo modo que a cota para mulheres nem sempre inclui com intensidade equivalente mulheres negras. Tudo isso mostra que políticas de cotas nas nominatas têm o papel de uniformizar a distribuição de grupos sociais em desvantagem do que em garantir uma oferta total minimamente diversa de candidaturas. Mas para além disso tudo, os perfis dos candidatos e candidatas analisados distam substantivamente daqueles do(a)s eleito(a)s. Para entender por que isso ocorre, é valioso se debruçar sobre o acesso a recursos de financiamento de campanha. O impacto desse aspecto já é vastamente consolidado na literatura (cf. Sacchet; Speck, 2012); no entanto, é importante enfatizar que o acesso a financiamento significa alcançar redes de interesse e vantagens, além de uma posição social vantajosa para ser consagrado merecedor desse aporte. Por esses fatores, o estigma racial pode ser considerado como um dos elementos que dificultam a obtenção de recursos por parte de candidaturas não brancas, como será abordado adiante.
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Capítulo 4 – Recursos de Campanha Toda vitória eleitoral resulta de um conjunto amplo de fatores, como veremos detalhadamente no próximo capítulo. Contudo, os recursos financeiros investidos em uma campanha são cruciais para o sucesso. O dinheiro viabiliza a contratação de profissionais e espaços de divulgação centrais em qualquer pleito. Diferentes pesquisas têm mostrado a alta correlação entre os recursos de campanha e votação obtida (cf. Mancuso, 2015). Porém é importante destacar: alto volume de arrecadação é insuficiente para garantir uma vitória (Lemos; Marcelino; Pederiva., 2010). Nas eleições de 2014, 2016 e 20181, por exemplo, a correlação2 entre recursos de campanha e votação obtida foi de 0,651; 0,175; e 0,543, respectivamente, indicando impacto relevante nas eleições para a Câmara dos Deputados, mas não para as Câmaras de Vereadores. Ainda que existam candidaturas com muitos recursos e sem grande sucesso eleitoral, o oposto não é igualmente válido: ter poucos recursos de campanha praticamente inviabiliza vitórias, especialmente nas disputas para legislativos estaduais e federais (Lemos; Marcelino; Pederiva, 2010). Neste capítulo analisaremos as desigualdades raciais e de gênero no acesso a financiamento de campanha. Antes de tratar diretamente disso, cabe abordar, contudo, três aspectos sobre as regras do jogo nas eleições analisadas. O primeiro tem a ver com a informação utilizada para estimar o impacto do dinheiro nas chances eleitorais: se a arrecadação de recursos ou os gastos efetivados. Não há um consenso entre pesquisadore(a)s do assunto, mas a pequena variação dos efeitos observados pelo uso indistinto das duas informações indica baixa diferença no resultado da análise (Mancuso, 2015, p. 158). Neste capítulo trabalhamos com a arrecadação por ela servir melhor como indicador da capacidade que determinadas candidaturas têm em mobilizar recursos públicos (dos partidos) e privados para suas campanhas. Pretendemos com este capítulo não apenas desdobrar a discussão sobre quem pode se tornar 1 Neste capítulo trataremos os dados apenas das candidaturas cujo registro não foi considerado inapto pelo TSE. É importante ressaltar que existe uma elevada quantidade de casos sem informação de receitas ou gastos em todos os anos. 2 Devido à variação de condição de disputa entre os distritos eleitorais, a correlação entre votos e receita foi calculada a partir da relação entre votação dos candidatos sobre o quociente eleitoral de cada distrito e o total de arrecadação dividido pelo total de arrecadação no distrito e centralizado na média desses valores.
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candidata(o) no Brasil, mas também investigar a existência de vieses raciais e de gênero que impedem determinadas candidaturas de se tornarem viáveis ou competitivas. O segundo aspecto é a variação na legislação eleitoral ao longo dos anos. Nenhuma das eleições analisadas apresenta regras idênticas,3 apesar de as três permitirem uma estrutura mista de financiamento, ou seja, com aportes públicos e privados. Nas eleições de 2014 persistia a autorização para empresas doarem recursos de campanha, o que deixa de ser permitido em 2016. Ao declarar a inconstitucionalidade do financiamento empresarial em 2015, o STF reorganizou a estrutura da competição eleitoral. Sem os recursos abundantes do empresariado, a classe política rapidamente buscou uma alternativa. No mesmo ano, o Congresso Nacional ampliou o Fundo Partidário de 311 milhões de reais em 2016 para um volume de 819 milhões de reais. Ainda com relação aos impactos da reforma eleitoral de 2015, coube à Justiça Eleitoral, não mais aos partidos políticos, fixar o limite de gastos para cada disputa. Entretanto, ao mesmo tempo, foi autorizado o custeio total de uma campanha com recursos pessoais do(a)s candidato(a)s, outra inovação em relação ao pleito de 2014. Essa medida favoreceu campanhas das pessoas mais ricas, capazes de suprir a interdição das doações de pessoas jurídicas com o emprego de suas fortunas pessoais. Nas eleições de 2018, por seu turno, o sistema político assegurou recursos públicos adicionais através do recém-criado Fundo Especial de Financiamento de Campanha, que acrescentou ao pleito um montante de 1,7 bilhão de reais. Restrições aos gastos de candidata(o)s com sua própria campanha4 só ocorreram a partir de 2019, não tendo efeito, portanto, sobre as eleições analisadas. Apesar de algumas dessas medidas serem tratadas como positivas, seus efeitos no sistema político brasileiro ainda estão por ser desvendados. A proibição de arrecadação de recursos empresariais provavelmente foi contornada por formas indiretas de financiamento, além de privilegiarem pessoas físicas com grandes fortunas, como já foi dito. Muito possivelmente, parte desses recursos que se avolumaram nos tradicionais estoques de caixa dois. Ao mesmo tempo, a tendência a beneficiar candidaturas de pessoas ricas prejudicou a população não branca, historicamente concentrada nos estratos sociais mais baixos.
3 Desde 1994 não tivemos um par de eleições que ocorresse com exatamente as mesmas regras eleitorais. Mudanças graduais são regra no caso da legislação eleitoral brasileira. 4 Atualmente o autofinanciamento está restrito a até 10% do limite de gastos delimitados para o cargo em disputa.
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Por fim, o terceiro aspecto tem a ver com a confiabilidade das informações registradas no TSE sobre a arrecadação. Ao longo dos anos houve ganhos relevantes nesse sentido, em grande parte devido à informatização do Tribunal entre 2000 e 2010. Além desse aspecto, regulamentações como a Instrução Normativa Conjunta SRF/TSE n. 609 de 2006 permitiram o cruzamento de informação de declarações da receita federal com os gastos de campanha, reforçando a confiabilidade das prestações de contas. Porém, os bancos de dados disponibilizados apresentam lacunas significativas. Entre as 5.347 candidaturas concorrendo em 2014 para a Câmara dos Deputados, 2.404 não apresentam informações sobre receita de campanha ao TSE, o que representa 45% dos casos daquele ano. A ausência de informações sobre o financiamento está mais concentrada em candidaturas que receberam menor votação, perfil no qual 62% dos casos não dispõem de prestação de contas, quase o dobro do valor destinado às candidaturas mais votadas (33% dos casos). Esse padrão se repete em 2016 e 2018. Apesar dessas limitações, as considerações teóricas sobre o impacto de recursos financeiros nas eleições em combinação com achados empíricos anteriores encorajam o uso dessa dimensão para compreender as estruturas de desigualdade político-eleitoral. O que se segue está dividido em quatro seções. Na primeira, apresentamos dados gerais sobre a distribuição desigual dos recursos de campanha entre grupos raciais e de gênero. A segunda focará nas discrepâncias regionais nessa distribuição entre os distintos estados da federação e terceira analisará as desigualdades entre os partidos. A quarta e última seção apresenta a distribuição desigual dos distintos grupos interseccionais analisados ao longo dos diferentes estratos da votação. Dados gerais sobre a distribuição de recursos Se nas eleições de 2014 a média entre as candidaturas pretas, pardas e indígenas não alcançou 100 mil reais em nenhum dos perfis, entre brancos esse valor ultrapassou 269 mil. Em 2018, houve uma ligeira retração dessa diferença, mas candidaturas brancas permanecem recebendo mais que o dobro daquelas não brancas. No caso das disputas pelas vereanças de 2014, foram as candidaturas amarelas aquelas com maior média de financiamento, seguidas por brancas, pardas e pretas, tendo menor concentração de recursos as indígenas.
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Tabela 1: média de arrecadação (R$), por raça e ano Raça/Cor
2014
2016
2018
Amarela
122.700,07
4.164,14
83.086,51
Branca
269.727,51
3.718,15
227.692,94
Indígena
11.382,19
2.064,58
36.640,10
Parda
91.646,97
2.877,84
112.416,03
Preta
76.817,81
2.502,49
89.378,49
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Exatamente por existirem enormes disparidades de financiamento entre candidata(o)s, poucas pessoas com alto volume de recurso podem gerar distorções substantivas. Uma comparação mais simples pode ser obtida através do somatório do financiamento disponível para cada perfil racial e/ou de sexo. Nesse aspecto não estamos tratando, portanto, das chances individuais de vitória, mas de enxergar padrões na desigualdade de distribuição de recursos para a disputa eleitoral, isto é, a concentração de recursos depositadas em diferentes perfis raciais. Tendo isso em mente, o gráfico a seguir apresenta o somatório da arrecadação por perfil social, considerando raça e gênero:
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Gráfico 13. Distribuição do somatório de receita de campanha por raça e gênero das candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal
11,8%
Homens brancos
Mulheres brancas
Mulheres pardas
Homens pretos
Homens pardos Mulheres pretas 1,5% 5,6%
0,8% 3,5% 1,5%
1,8% 2,6% 4,9%
7,0% 15,3%
8,8% 29,8%
16,9%
12,3% 73,5% 58,4% 43,6%
2014 Deputado(a) Federal
2016 Vereador(a)
2018 Deputado(a) Federal
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Existe uma variação entre as eleições, em parte explicada pelas mudanças no formato do financiamento eleitoral e pela maior concentração do eleitorado nos pleitos municipais. Mas em todas as disputas, homens brancos abocanham a maior parcela dos recursos disponíveis para as eleições brasileiras. Em 2014 essa desigualdade é maior, pois homens brancos tiveram a sua disposição 73% de todos os recursos investidos na campanha eleitoral para a Câmara dos Deputados. Em uma distante segunda colocação homens pardos obtiveram 11,8% e mulheres brancas em seguida observaram 8,8%. Note-se que candidaturas brancas, independentemente do gênero, concentram mais de 81% da arrecadação eleitoral. Como já observamos, é menos desigual o acesso de preto(a)s e pardo(a)s às nominatas das eleições municipais, o mesmo valendo para o financiamento de campanha. Nas eleições para vereador em 2016, o total de homens brancos obteve 43% dos recursos, permanecendo como o grupo a receber mais
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investimento. Entretanto, a distância entre eles e homens pardos não é tão intensa quanto no caso das eleições de 2014. Apesar de mulheres brancas concentrarem mais recursos em relação às eleições para a Câmara Baixa em 2014, a distância entre estas e mulheres pardas é também relativamente menor em 2016. É importante notar que as eleições municipais devem ser entendidas como uma forma inicial de entrada de atores sociais na vida política, sendo ao mesmo tempo um espaço menos concorrido do que nas eleições gerais. Isso ajuda a compreender a maior dispersão de recursos para essas eleições. Ademais, o acesso a recursos nessas eleições é reduzido, sobretudo em 2016, quando o financiamento empresarial foi proibido próximo às eleições. Já em 2018 houve uma retração na concentração de financiamento para homens brancos em comparação ao pleito de 2014. Ainda assim, eles acumularam 58% dos recursos de campanha, seguidos por mulheres brancas com 16,9% e homens pardos com 15,2%. Homens e mulheres pretos permanecem com baixos valores disponíveis, apesar de um notável crescimento (mesmo que com valores bastante reduzidos) para mulheres pretas, que de 0,8% das receitas em 2014 chegam a 1,8% em 2018. A capacidade de financiamento de uma candidatura se deve a uma rede complexa de relações sociais. Se, por um lado, o apoio do partido pode ser entendido como central para o sucesso de uma candidatura, esse aspecto é insuficiente para explicar a captação de financiamento eleitoral. A posição e as relações sociais de cada candidato(a) impactam diretamente nos diferentes potenciais individuais de arrecadação. Pertencer a uma classe com maior reconhecimento social e acesso ao convívio com pessoas em posição de alto poder econômico pode facilitar a obtenção de doações empresariais, licitamente ainda em 2014, ou individuais a partir de 2016. Não se deve desconsiderar também as diferenças de capacidade de autofinanciamento disponíveis a pessoas em classes mais altas. É a partir dessa estrutura social que candidaturas não brancas são prejudicadas. No entanto, a origem de classe não é a única característica determinante da capacidade de arrecadação de uma dada candidatura. Às desigualdades de classe se somam as desvantagens cumulativas vividas pela população negra e as desvantagens de gênero, mesmo para aquele(a)s que chegam às classes altas. Os gráficos a seguir mostram a medida de financiamento obtido em cada um dos grupos de raça e gênero apenas nas classes classificadas aqui como média alta e alta. Em todos os pleitos, a arrecadação de homens brancos é a mais elevada, chegando a superar a marca de R$ 500 mil reais em 2014, o dobro do valor médio obtido por candidaturas femininas brancas,
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enquanto preto(a)s e pardo(a)s observam valores ainda mais reduzidos. Esses dados evidenciam como a localização de classe não é suficiente para dirimir as desigualdades raciais e de gênero presentes no acesso a financiamento. Novamente, as eleições de 2018 observam uma suavização desse padrão, mais ainda longe de sua dissolução. Quanto às eleições municipais de 2016 a principal estrutura de vantagens é masculina, porém também com impacto das desigualdades raciais. Gráfico 14. Distribuição da média de receita de campanha por raça e gênero das candidaturas de classes alta e média alta nas eleições de 2014 e de 2018 para deputado(a) federal
2014 e 2018: Deputado(a) Federal R$ 600.000,00 R$ 500.000,00 R$ 400.000,00 R$ 300.000,00 R$ 200.000,00 R$ 100.000,00 R$ 0,00
Homem branco
Mulher branca
Homem pardo 2014
Mulher parda
Homem preto
Mulher preta
2018
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
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Gráfico 15. Distribuição da média de receita de campanha por raça e gênero das candidaturas de classes alta e média alta nas eleições de 2016 para vereador(a)
2016: Vereador(a) R$ 9.000,00 R$ 8.000,00 R$ 7.000,00 R$ 6.000,00 R$ 5.000,00 R$ 4.000,00 R$ 3.000,00 R$ 2.000,00 R$ 1.000,00 R$ 0,00
Homem branco
Mulher branca
Homem pardo
Mulher parda
Homem preto
Mulher preta
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
A distribuição de recursos por estado A distribuição de recursos apresenta diferenças sensíveis a depender do local onde a disputa eleitoral ocorre. Como observado no gráfico 16, em todas as eleições analisadas os estados da Região Sul apresentam mais de 80% dos recursos de campanha concentrados na população branca. Por outro lado, na Região Norte situam-se os estados com maior direcionamento de recursos para não branco(a)s, o que pode ser reflexo da maior quantidade de candidaturas desse perfil. No entanto, existem variações relevantes internas às regiões. Se Acre e Roraima são destaques quanto a recursos para candidaturas não brancas, Tocantins se encontra no extremo oposto tanto em 2014 como em 2018. No Centro-Oeste, Goiás apresentou indicadores negativos para as candidaturas não brancas em 2014 e 2018, porém pardo(a)s conseguem obter aportes financeiros relevantes nas eleições municipais de 2016. Um padrão parecido pode ser observado em Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, porém menos acentuado. Ao considerar as maiores variações em relação à de concentração de em de candidaturas brancas, excluindo os estados do Sul, Mato Grosso se destaca em todas as eleições. Em 2014 Piauí, Sergipe e Rio Grande do Norte apresentaram as piores situações de arrecadação financeira para candidaturas
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não brancas, enquanto em 2018 essas posições foram ocupadas por Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Pernambuco e São Paulo. Independente dessas posições, os gráficos das eleições gerais evidenciam um cenário generalizadamente negativo para não branco(a)s. Por fim cabe destacar Piauí e Tocantins, que, em comparação aos estados de suas respectivas regiões, apresentam para as eleições federais maior concentração de recursos em candidaturas brancas, enfatizando a importância de tratar das especificidades desse corredor centro-norte, composto pelos estados de Piauí, Tocantins, Goiás e Mato Grosso, cuja dinâmica da disputa política em termos raciais se aproxima. Gráfico 16. Proporção do somatório da receita de campanha, por raça e gênero e UF, nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal 2014 Deputado(a) Federal 0% AC AP
50% 29% 41%
30%
50%
34% 43%
28% 77%
AL
80%
BA
29%
73%
MA
71%
PB
62%
PE
59%
PI RN
38%
62%
DF MS
57%
23%
50% 54%
84% 68%
ES
71%
47%
31%
48%
40% 41%
31%
40% 55% 36%
30%
42%
58%
60% 33%
26% 43%
37%
43%
Mulher não branca
28% 28%
61%
17%
51%
19%
44%
38%
69%
16%
14%
44%
37%
71%
15%
MG
75%
RJ
76%
14%
55%
SP
75%
15%
59%
Homem não branco
72% 29%
48%
Mulher branca 26%
44%
25%
34%
Homem branco
82%
29%
MT
32%
47%
43%
22%
80%
38%
33%
56%
30%
47%
22%
51%
39%
38%
31%
17%
60%
20%
36% 35%
20%
44%
27%
38% 40%
30%
21%
100%
33%
27%
51%
23% 14%
52%
21%
39%
88%
50%
37%
37%
41%
SE GO
18% 34%
48%
48% 58%
21%
21%
0% 25%
19%
27%
65%
CE
100%
60%
27%
54%
TO
2018 Deputado(a) Federal
50%
28% 22%
38%
0% 13%
66%
PA RR
100% 38%
AM RO
2016 Vereador(a)
26% 20%
62%
16%
68%
PR
93%
67%
83%
RS
92%
70%
85%
SC
90%
73%
65%
31%
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Ao considerarmos raça e gênero das candidaturas nas eleições de 2014, fica evidente a concentração de recursos para homens brancos, para os quais estão disponíveis mais de 50% dos recursos disponíveis em 21 Unidades da
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Federação. Apenas no Acre, Amapá, Rondônia, Roraima e Piauí isso não ocorre, nos quais parte substantiva observa montante elevado para candidaturas de mulheres brancas. Ainda em relação à Região Norte, encontra-se o único contexto no qual homens pretos obtêm a pluralidade dos recursos, perfazendo 32% da receita arrecadada em Roraima. Fora da Região Norte, apenas em Pernambuco e Paraíba constata-se um volume maior de recursos para homens pardos, respectivamente, 34% e 31%. Mulheres pardas concentram mais recursos do que mulheres brancas em Bahia, Maranhão, Pernambuco e Sergipe, porém em todos os casos isso significa menos de 5% do somatório da receita dos respectivos estados. Nas eleições municipais, apenas nos estados da Região Sul, além de Rio de Janeiro e São Paulo, homens brancos ultrapassam 50% dos recursos de campanha. Nos demais estados, a maior concentração ocorre para homens pardos. A situação mais vantajosa para mulheres brancas ocorre nos estados do Sul, onde concentram entre 16% e 21% da arrecadação. Mulheres pardas alcançam entre 14% e 16% no Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Roraima, Sergipe e Tocantins. Homens pretos chegam a 11% e 9%, respectivamente, na Bahia e em Piauí. O financiamento de candidaturas de mulheres pretas é residual em 2016. Em comparação às eleições gerais anteriores, 2018 observa a perda da primazia de homens brancos na Bahia, Ceará, Distrito Federal, Maranhão, Paraíba, Piauí, Sergipe e Tocantins. Essas perdas ocorreram, na maior parte dos casos, em benefício de mulheres brancas e pardas, sendo Rondônia a única situação na qual mulheres pretas obtiveram arrecadação mais robusta, chegando a 7%. Contudo, a vantagem masculina branca se acirrou em Pernambuco, saindo de 59% em 2014 para 82% em 2018. Para melhor explorar os vieses raciais do acesso a recursos, é importante comparar o financiamento médio de branco(a)s e não branco(a)s. Isso porque regiões como Norte e Nordeste, em que a soma investida em não branco(a)s parece grande, são justamente aquelas em que mais candidaturas desse grupo se lançam. Uma forma de contornar essas distorções é calcular a razão entre o financiamento médio de branco(a)s e o de não branco(a)s. Basicamente, dividimos a receita média das candidaturas não brancas pela receita média das candidaturas brancas. Valores abaixo de 1 indicam desvantagem para candidaturas não brancas em relação às candidaturas brancas, enquanto valores acima de 1 indicam vantagem para candidaturas não brancas.5 5 Valores abaixo de 1 podem ser lidos como a proporção de receitas de não brancos em relação à receita de brancos. Valores acima de 1 indicam quantas vezes a média da receita de não brancos ultrapassa a média de receita de brancos.
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Gráfico 17. Razão das receitas médias entre branco(a)s e não branco(a)s por estado nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal 2018 Deputado(a) Federal AC
0,43 0,46
AP
0,40
AM N
2016 Vereador(a) 0,74
0,51
0,22
PA
0,56 0,30
0,80
0,59
0,83
RO
0,74
RR TO
0,04
0,46 0,62 0,36 0,37
CE NE
0,52
0,24
0,77
0,48
0,76
PB
0,870,92
PE
0,15
0,44
0,05
SE
0,75
0,30 0,11
0,77
0,32
0,640,69 0,09
0,19
0,81
MS
0,20
MT
0,20
0,31
0,79 0,48
ES
0,45
MG
0,73 0,67
0,91
0,26 0,28
RJ
0,90
0,24
SP
0,43 0,37
PR
0,65 0,53
0,89
0,120,18
RS SC
0,89
0,72
DF GO
1,25
0,61
0,41
RN
CO
1,41 0,71
0,22
MA
PI
1,19
0,79
0,15
BA
SE
0,96
0,520,570,63
AL
S
2014 Deputado(a) Federal
0,80
0,15 0,16 0,06
0,92 0,44
0,74
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Nas eleições de 2014 não se observa vantagem para candidaturas não brancas em nenhuma Unidade da Federação, isto é, em todos os estados, preto(a)s e pardo(a)s receberam menos recursos em média que seus/suas competidore(a)s branco(a)s. Os contextos mais desiguais são observados em TO, PI e SC. Por esse indicador as situações menos desiguais são observadas nos estados do Norte e Nordeste. À exceção da Paraíba, onde as receitas médias de branco(a)s e não branco(a)s se aproximaram, a distância entre os dois grupos é elevada no geral. Para as eleições municipais registra-se desvantagem para não branco(a)s; contudo, com menor dispersão. Nesse contexto, os cenários
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de maior distância entre branco(a)s e não branco(a)s se encontram na Região Norte, com os casos de AP, AM, PA e RR, todos com razão entre 0,51 e 0,59. Por fim, as eleições de 2018 trazem variações significativas, havendo cenários de vantagem para não branco(a)s em RO, AL e PB, chegando a obter 40% a mais de recursos em relação a branco(a)s no último caso. No entanto, persistem desigualdades profundas, tal como em PE, GO e SC, locais cujo acesso a recursos para candidaturas não brancas representa, respectivamente, 15%, 9% e 15%. Há uma redução das desvantagens contra não branco(a)s, contudo, o cenário permanece desfavorável para candidaturas não brancas. A distribuição de recursos por partido Da mesma forma que as Unidades da Federação, existem variações significativas entre partidos. Em 2014 apenas PCO, PCB e PC do B observaram um somatório da receita maior entre não brancos do que entre suas contrapartes brancas. Partidos de maior porte, como PMDB e PSDB, se destacam pela concentração de recursos em candidaturas brancas, 90% para o primeiro e 97% para o segundo. É importante considerar, contudo, a existência de partidos de médio ou pequeno porte que abrigaram um número relativamente maior de candidaturas não brancas, com destaque para PSC, PR ou PRP. No caso do primeiro, 82% dos recursos estavam concentrados em candidaturas brancas, as quais perfaziam 37% do rol da nominata do partido. Para ficar nos casos citados, PR e PRP observaram concentração de 79% de recursos em candidaturas brancas. Isso evidencia a complexidade de tratar das condições desiguais de participação na disputa eleitoral para brancos e não brancos.
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Gráfico 18. Proporção do somatório da receita de campanha por raça e gênero em cada partido nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal 2014 Deputado(a) Federal PMDB/MDB PSDB PT DEM PP PSD PDT PSB PTB PL/PR PPS/CIDADANIA PRB PV SD PC do B PROS PSC PSL PHS PTN/PODE PRP PTC PMN PEN/PATRI PT do B/AVANTE PSDC/DC PRTB PMB REDE PPL PSOL NOVO PCB PCO PSTU
84% 89% 70% 88% 76% 82% 62% 68% 62% 71% 73% 62% 57% 31% 80% 26% 44% 67% 30% 65% 53% 40% 78% 36% 44% 69% 25% 60% 38% 50% 88% 64% 40% 54% 32% 58%
35% 49% 29% 40% 56%
52%
54% 60%
2016 Vereador(a) 50% 29% 51% 27% 39% 35% 44% 36% 50% 28% 43% 33% 46% 33% 46% 33% 45% 32% 43% 36% 45% 36% 36% 41% 45% 36% 40% 41% 37% 42% 32% 50% 39% 38% 40% 42% 39% 39% 39% 45% 37% 43% 32% 48% 35% 48% 38% 38% 31% 50% 36% 46% 32% 46% 32% 33% 53% 26% 31% 48% 39% 38% 36% 61% 16% 59% 25% 49% 18% 40%
2018 Deputado(a) Federal 65% 61% 54% 62% 67% 67% 63% 72% 61% 51% 50% 50% 68% 48% 48% 55% 40% 57% 37% 35% 54% 50% 55% 34% 58% 41% 64% 34% 34% 57% 61% 52% 46% 36% 69% 32% 80% 20% 19% 29%
Homem branco Mulher branca Homem não branco Mulher não branca
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
As eleições de 2018 apresentam alterações nessa distribuição, porém o efeito do tamanho do partido se intensifica. É possível constatar uma atenuação das desigualdades entre todos os partidos, inclusive aqueles de maior porte. Tomemos o caso de PMDB e PSDB. Em ambos o somatório de recursos para candidaturas brancas se reduziu de 2014 para 2018. No PMDB, o total de recursos investidos em candidaturas de brancos e brancas saiu de 92% em
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2014 para 77% em 2018. No PSDB, a redução foi ligeiramente menor, saindo de 97% em 2014 para 84% em 2018. Contudo, a disponibilidade de mais recursos de campanha para candidaturas não brancas é mais evidente em partidos de pequeno porte. Inclusive, é interessante a mudança do perfil do PTC, no qual 49% das receitas obtidas por candidato(a)s estão concentradas em pardo(a)s e, principalmente, do PSOL, no qual preto(a)s concentram 31% dos recursos obtidos pelo total de candidaturas do partido. Quanto às eleições municipais de 2016, a distribuição de recursos é menos desigual, apesar de haver a tendência de partidos de maior porte continuarem reservando maior montante de recursos para homens brancos. O único partido de menor porte a se aproximar do padrão de partidos de maior porte é o Novo, no qual o baixo número de candidaturas não brancas – menos de 10% – não chega a concentrar 4% do total de receitas de campanha do partido. Também cabe destacar maior volume de recursos disponíveis a candidaturas brancas no PSB (57%) e no PTB (59%), valor superado apenas pelo Novo e pela Rede (66%). A intersecção entre raça e gênero permite localizar mais adequadamente as tendências partidárias. Na vasta maioria dos partidos em 2014 a maior parcela de recursos está alocada para homens brancos. Exceções são PC do B, PTN, PTC, PCB e PCO. Nos casos de PTN e PTC, encontram-se, inclusive, as maiores quantidades de recursos em perfis femininos brancos. Apenas partidos mais à esquerda, como PC do B, PCB e PCO, apresentam maior disponibilidade de recursos entre homens pretos. Mulheres pretas observam maior agregação de financiamento nos casos do PT e PSTU. Entre os partidos de maior porte, PSB e DEM apresentam os somatórios mais elevados para homens pardos. Em 2016 apenas Novo, Rede e PSB tiveram mais de 50% das receitas dos candidatos dos partidos destinadas às candidaturas de homens brancos. Existe uma leve tendência à maior dispersão entre os diferentes perfis ao sair de partidos de maior porte para aqueles de menor porte. Em meio aos partidos de maior porte, mulheres brancas alcançam entre 14% e 15% do total de financiamento obtido pelos candidatos de partidos como PMDB, PSDB, PSD, PP e PT. A quantidade de recursos é mais abundante para mulheres pardas atuantes no PR e PC do B. Desconsiderando PSTU, PCB e PCO, homens pretos conseguem concentrar mais recursos nos contextos do PT, PC do B, PROS e PSOL. A situação para mulheres pretas é similar, exceto com relação ao PROS. Mas novamente, a análise da soma de recursos obtidos por perfil pode escamotear desigualdades internas. Daí a importância de observar, como
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fizemos por estados, a relação entre as médias de financiamento obtido por branco(a)s e não branco(a)s em cada legenda. O gráfico a seguir mostra a razão entre as médias de receita de campanha em cada um dos partidos políticos e para as três eleições consideradas: Gráfico 19. Distribuição da razão da receita de campanha por raça e partido nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
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Entre os partidos de maior porte são percebidas as maiores desigualdades entre branco(a)s e não branco(a)s. Em 2014, por exemplo, as candidaturas não brancas do PSDB receberam em média 8% dos recursos arrecadados por suas contrapartes brancas, uma desvantagem reportada na análise sobre o somatório de receitas de campanha e confirmada na avaliação das médias. Nas eleições gerais seguintes, o partido observa patamares próximos à razão de outros partidos do mesmo porte, aumentando de 8% para 70% a média de recursos de candidaturas não brancas comparadas às brancas lançadas pelos tucanos. Apesar desse tipo de variação positiva para candidaturas não brancas, deve-se ressaltar a persistência da desvantagem recorrente do(a)s mesmo(a)s entre os partidos de maior porte, seja em 2014 ou 2018. Vantagens para não branco(a)s são registradas pelo PC do B em 2014 e PTC, PMB, PCB e PSTU em 2018. As eleições municipais apresentam um cenário mais complexo. De forma geral, a defasagem máxima observada é de 0,65 – curiosamente no caso do PC do B. Com relação a partidos de maior porte o PSDB apresenta maior desigualdade, novamente, com valor da razão de 0,74, enquanto PMDB, PT e DEM apresentam, respectivamente, valores de 0,86, 0,93 e 0,97. A distribuição dos recursos por decis Ainda assim, devem-se ressaltar as limitações desses indicadores. Como já afirmamos, a maior parte das pessoas que disputa eleições não possui chance real de se eleger. Para além da análise da soma do financiamento, é necessário discutir como os recursos estão distribuídos entre os candidatos e candidatas de diferentes perfis sociais. Isso é possível analisando a distribuição de cada um dos grupos interseccionais de raça e gênero nos diferentes estratos de financiamento. Nos gráficos a seguir está a distribuição do financiamento de campanha por decis, isto é, o decil 1 se refere aos candidatos nos 10% inferiores da distribuição de financiamento, enquanto o decil 9 se refere aos últimos 10% dessa distribuição.
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Gráfico 20. Distribuição das candidaturas por decil da receita de campanha, considerando raça e gênero das candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal
2014 (Deputado/a Federal) Homem branco
Mulher branca
Homem não branco
Mulher não branca
30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Gráfico 21. Distribuição das candidaturas por decil da receita de campanha, considerando raça e gênero das candidaturas nas eleições de 2016 para vereador(a)
2016 (Vereador/a) Homem branco
Mulher branca
Homem não branco
Mulher não branca
30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
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Gráfico 22. Distribuição das candidaturas por decil da receita de campanha, considerando raça e gênero das candidaturas nas eleições de 2018 para deputado(a) federal
2018 (Deputado/a Federal) Homem branco
Mulher branca
Homem não branco
Mulher não branca
30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Há uma distribuição desigual dos quatro grupos considerados nos primeiros decis (1 e 2) e nos últimos (8 e 9). Os decis intermediários (3 a 7) mostram uma distribuição mais regular dos quatro grupos, o que pode sugerir certa igualdade na distribuição de recursos entre esses grupos. No entanto, é preciso destacar que os eleitos e eleitas costumam ser recrutados nos decis 8 e 9, onde há um nítido privilégio para os candidatos homens e brancos, enquanto ocorre brusca queda dos demais perfis, em especial mulheres não brancas. Ou seja, quando observamos com uma lupa quem de fato está na disputa política, quem é competitivo, quem possui os recursos para ser competitivo, reduz-se a quantidade de mulheres e não brancos, impactando de forma severa as chances eleitorais desses grupos. Padrão muito similar é encontrado nas eleições de 2018 para a Câmara dos Deputados. As candidaturas dos quatro grupos apresentam uma igualdade maior entre todos os perfis até o nono decil, quando registra-se novamente maior concentração das candidaturas masculinas brancas. Deve-se notar a redução da disparidade entre homens brancos e mulheres brancas, a qual pode ser atribuída à interpretação dada pelo TSE à lei de cotas femininas em 2018, quando 30% dos recursos do fundo eleitoral foram destinados a candidaturas femininas. Mas no mesmo gráfico, torna-se evidente a disparidade racial
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entre mulheres brancas e não brancas, pois as últimas apresentam maior concentração nas distribuições mais baixas da receita de campanha e menor no último decil. As eleições para vereador apresentam uma dinâmica levemente diferente. Apesar de a vantagem masculina branca, ela se vê menos acentuada do que no contexto nacional. Homens não brancos também apresentam concentração expressiva no último decil analisado, mas as desigualdades de gênero se mantêm. Com base nessas desigualdades de entrada na competição política, já se torna possível antever o grau das dificuldades para o sucesso eleitoral de candidaturas não brancas. A concentração de recursos de campanha é central para o sucesso de uma campanha eleitoral. Sem dispor de recursos financeiros, a possibilidade de se destacar frente à imensa quantidade de concorrentes é uma vã ilusão. Por maior que seja a dedicação investida, uma campanha bem financiada terá larga vantagem. No entanto, algumas particularidades de cada eleição devem ser destacadas. É justamente em 2016, quando o financiamento empresarial ainda era permitido, que encontramos as maiores desigualdades. A doação de dinheiro para candidaturas com maiores chances de vitória, promovida, portanto, a partir das estruturas de privilégio e preconceito existentes no mercado, tinha impactos nas desigualdades raciais. Seria importante investigar essa dinâmica em eleições anteriores, o que não é viável devido à ausência da declaração racial antes de 2014. Mas não é desprezível identificar esta como uma das possíveis causas da dificuldade de ganhos eleitorais por não brancos. Como trataremos no capítulo seguinte, os resultados eleitorais de 2018 apresentam ganhos para a população não branca, apesar da persistência do quadro geral de desigualdades. Provocados por uma consulta da deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), os ministros do TSE decidiram em agosto de 2020 estender aos(às) preto(a)s e pardo(a)s as regras de financiamento aplicadas às mulheres em 2018. No entanto, os ministros entenderam não ser função do tribunal estabelecer uma cota racial nas nominatas, o que pode levar a um desincentivo ao lançamento de preto(a)s e pardo(a)s aos pleitos municipais deste ano.
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Capítulo 5: Votação e Chances Eleitorais No nosso sistema eleitoral, a votação obtida e as vagas conquistadas numa eleição não são correspondentes absolutos. Todo sistema eleitoral agrega e reorganiza os votos depositados nas urnas, produzindo algum grau de distorção entre a porcentagem de votos e a porcentagem de cadeiras. Por isso, tão importante quanto analisar a quantidade de preto(a)s e pardo(a)s eleito(a) s é mensurar como os votos numa dada eleição se distribuem entre distintos grupos raciais. As eleições para cargos proporcionais no Brasil – vereadora(e)s, deputada(o)s estaduais/distritais e federais – são definidas com base em etapas. Primeiro, divide-se o número de votos válidos recebidos pelo número de cadeiras em disputa naquela eleição, o que define o chamado “quociente eleitoral”. O número de vagas ocupadas por um dado partido/coligação será proporcional a quantas vezes seus votos ultrapassarem esse quociente eleitoral. Os valores inteiros definem quantas cadeiras cada partido terá direito. Mas como nem sempre os partidos alcançam esses valores inteiros, é comum haver “sobras de votos” e vagas não atribuídas. Nesses casos, a votação total do partido (a soma dos votos em seus candidatos e na legenda) é dividida pelo número de vagas obtidas por ele mais um. O partido com maior valor leva uma vaga a mais e assim por diante.1 Por esse motivo, dedicaremos mais atenção neste capítulo à votação recebida por cada um dos grupos raciais e interseccionais. Isso nos permitirá melhor compreender os elementos que mais impactam nas chances eleitorais de candidato(a)s preto(a)s e pardo(a)s nas diferentes eleições analisadas. O que se segue está dividido em três partes. Na primeira, analisamos as somas de votos direcionadas para cada um dos perfis de raça e gênero, tanto por região quanto por partido. Na segunda, apresentamos a razão entre a votação média de branco(a)s e não branco(a)s. Finalmente, apresentamos na terceira 1 Existem mudanças significativas no cálculo de distribuição de cadeiras nas três eleições aqui analisadas. Até 2016, um partido político só poderia concorrer à distribuição dessas sobras eleitorais caso ultrapassasse ao menos uma vez o quociente eleitoral. Já em 2018, a distribuição de sobras passou a ocorrer entre todos os partidos, não apenas entre aqueles que ultrapassassem o valor do quociente eleitoral. O efeito imediato esperado dessa medida era liberar os partidos de médio porte da necessidade de coligações com partidos de maior porte. Essa mudança, de certa forma, buscava antecipar o fim das coligações partidárias para cargos proporcionais, norma aplicada somente em 2020.
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seção a análise por decis que indica a concentração de candidaturas de cada grupo nos diferentes estratos de votação. A soma dos votos de cada perfil Para avaliar a distribuição de apoio do eleitorado em meio aos diferentes perfis raciais, um primeiro índice relevante é o somatório dos votos obtidos por cada um dos perfis raciais e de gênero, como mostrado no gráfico 14: Gráfico 23. Distribuição do somatório da votação por raça e gênero das candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal Homens brancos
Mulheres brancas
Homens pardos
Mulheres pardas
Homens pretos
Mulheres pretas
0,8% 3,5% 14,6%
1,3% 6,3%
1,3%
7,4%
4,9%
30,8%
1,1% 3,7% 17,9%
2,5%
12,4%
9,6%
72,1% 61,4% 46,3%
2014 Deputado(a) Federal
2016 Vereador(a)
2018 Deputado(a) Federal
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Entre as eleições de 2014 e 2018 percebe-se uma retração de 6 pontos percentuais da votação obtida por candidaturas brancas de ambos os sexos, um leve aumento de 0,5 p.p. entre preta(o)s e um aumento de 4 p.p. entre parda(o)s. Há, portanto, uma tímida diminuição das desigualdades raciais. Mas a variação entre candidaturas brancas ocorreu em sentidos diferentes para
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homens e mulheres. Para os homens brancos, houve uma retração da votação, enquanto para as mulheres brancas ocorreu um incremento de 5 p.p. de 2014 para 2018. Entre as candidaturas pardas, é possível perceber um aumento de 2,4 p.p. para as mulheres e 3,3 p.p. para os homens. Homens pretos somaram 3,4% das votações em 2014 e 3,7% em 2018, enquanto mulheres pretas subiram de 0,8% das votações para 1,1%. De modo geral, a comparação das duas eleições para deputado(a) federal sugere ganhos raciais bastante tímidos. As eleições municipais apresentam uma maior variação de votação e menor desigualdade relativa para os grupos interseccionais. Homens brancos obtiveram em 2014 cerca de 46% dos votos, bem menos que os homens brancos nas eleições federais representadas no gráfico. Porém, as desigualdades de gênero permanecem agudas, tendo em vista que homens pardos acumulam 30% dos votos, enquanto candidatas brancas e pardas alcançaram 9,6% e 4,9% da votação, respectivamente. Todavia, esses padrões de votação estão distribuídos de forma bastante diversa no território nacional. Nas eleições de 2014, a Região Norte é a única na qual homens brancos não recebem um montante desproporcional dos votos, o que talvez reflita o fato de esse contingente ser menor na população e nas listas partidárias. Apenas no Pará e Tocantins há mais de 50% dos votos destinados a esse perfil. Por sua vez, mulheres brancas somam mais votos no computo geral em Rondônia, Roraima e Tocantins. Entre as candidaturas pretas e pardas, destaca-se acesso a maior volume de votos para homens em estados como Acre, Amapá, Amazonas, Roraima, Bahia e Pernambuco, enquanto Amapá e Piauí apresentam os melhores cenários relativos para candidaturas femininas pretas e pardas. A comparação com as eleições e 2018 trazem variações relevantes. Apenas nos estados da Região Sul, além de Minas Gerais e Pernambuco, candidaturas masculinas brancas ultrapassam a concentração de mais de 70% dos votos. Candidaturas femininas brancas observam os cenários mais favoráveis em UFs de diferentes regiões: Acre, Tocantins, Piauí, São Paulo e Santa Catarina. No caso de homens e mulheres preta(o)s e parda(o)s, repete-se a tendência de 2014, quando as melhores situações se encontravam em estados das regiões Norte e Nordeste. Com relação ao contexto municipal, a dicotomia Norte/Sul se torna mais evidente. Será nos estados da Região Sul e em São Paulo onde homens e mulheres branco(a)s concentraram a maior parcela de votação. Ao mesmo tempo, candidaturas pretas e pardas, masculinas ou femininas, conseguem as melhores situações de votação na Região Norte, além de Maranhão, no caso de mulheres.
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Gráfico 24. Distribuição do somatório da votação por raça, gênero e UF das candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal 2014 Deputado(a) Federal AC AP AM
15%
40%
39%
54%
40%
PA
35%
52% 33%
39%
RR
34%
45%
TO AL BA
26%
67%
23%
73%
MA PB PE
69% 75% 74%
RN
71%
SE
75%
GO MS
MG RJ
63% 60%
22%
58%
36% 84%
78%
38% 37%
SP
85%
PR
87%
RS
90%
SC
89%
37%
48%
48%
75%
56%
28%
44% 38%
22%
36% 45%
51% 46%
26%
69%
62%
40%
47% 38%
36%
47%
36%
49%
Mulher não branca
66% 75%
31%
69%
Homem não branco
48%
38%
62%
Mulher branca
67%
42%
56%
Homem branco
62% 31%
44% 46%
23%
63%
45%
52%
60%
51%
32%
59%
36% 41%
47% 42%
40%
71% 60%
48%
42%
54%
26%
19%
34%
34%
65%
21%
52%
35%
52%
29%
52%
39% 34%
54%
20%
44%
30%
26%
56%
MT ES
24% 40%
56%
PI
DF
23% 28%
61%
65%
19%
20%
42%
51%
CE
19%
31%
34%
29%
57%
30%
RO
2018 Deputado(a) Federal
66%
23%
41%
23%
2016 Vereador(a)
33%
49%
21%
68%
15%
74%
7%
78%
6%
78% 86% 72%
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Quanto à dinâmica partidária, novamente há diversidade de situações. Porém, o tamanho do partido permanece como critério central. Em todas as eleições, os partidos de maior porte, como PMDB/MDB, PSDB, PP e PTB, apresentaram uma maior quantidade de votos em candidaturas masculinas brancas (em 2016, o recém-criado Novo se soma a esse grupo). Nas eleições nacionais entre os partidos de maior porte, apenas o PT apresentará menos de 70% de votação em homens brancos. Com relação a mulheres brancas, estas recebem maior proporção da votação entre partidos como o PPS, PTN/ PODE, PTC e PCO nas eleições de 2014, e PC do B, PMB, PSOL e PSTU em 2018. Nas eleições municipais, apenas partidos muito pequenos, tal como Novo, PCO e PSTU, engajam uma votação feminina branca mais expressiva. Nas eleições de 2014, mulheres pretas e pardas conseguem obter uma parcela mais expressiva de votação em partidos como PC do B e PSTU, enquanto em
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2018, elas conseguem maior parcela dos votos em termos comparativos em partidos de pequeno porte como PMB, Rede, PSOL, PCB, PCO e PSTU, algo similar a 2016. No caso de homens pretos e pardos, as eleições de 2014 e 2016 apresentam certa tendência comum. Na primeira, as melhores situações são observadas entre PTC, PSDC/DC, PPL, PCB e PCO. Em 2016, destacam-se PTC, PRTB, PPL e PCB. As eleições nacionais de 2018 complexificam essa situação, alcançando alguns partidos de médio porte, tal como PC do B, PSC e PHS, além de PEN/PATRI e PPL. Gráfico 25. Distribuição do somatório da votação por raça, gênero e partido das candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal 2014 Deputado(a) Federal PMDB/MDB PSDB PT DEM PP PSD PDT PSB PTB PL/PR PPS/CIDADANIA PRB PV SD PC do B PROS PSC PSL PHS PTN/PODE PRP PTC PMN PEN/PATRI PT do B/AVANTE PSDC/DC PRTB PMB REDE PPL PSOL NOVO PCB PCO PSTU
2016 Vereador(a)
82% 84% 69%
74%
28%
70%
35% 36%
28% 28%
62% 60%
36%
48%
35%
69%
46%
39%
69%
46%
38%
40%
34% 65% 63%
27%
74% 26%
40%
44%
43%
42%
40%
46%
54% 78% 57% 50% 64%
46% 53%
51%
37%
49%
41% 38% 47% 69% 28% 30%
47%
38% 33%
51%
33%
38% 32%
51% 56%
29%
30%
42%
30%
67% 16% 19%
28%
61%
Homem branco
38%
Mulher branca
47%
Homem não branco
70% 48% 43% 64%
33% 35% 60% 28% 48% 38% 52% 35% 59% 27% 56% 31% 27% 24% 29% 21% 51% 26% 35% 53% 39% 28%
Mulher não branca
72% 62%
52% 30%
32% 27% 39%
48%
49%
37%
22%
67%
47%
45%
40%
33% 41% 26%
68% 51%
58%
46%
33%
27%
67%
27%
40%
46%
39%
51% 30%
76% 54%
46%
40%
77%
42%
47%
34%
22% 24% 28%
75%
70%
43%
43%
36%
62%
29%
34%
49%
23%
61%
44%
40%
73% 63%
75% 70%
32%
52%
75%
62%
36%
48%
23%
53%
30%
53% 46%
83%
31%
30%
54% 48%
82%
30%
54% 46%
81%
2018 Deputado(a) Federal
63% 34%
29%
30%
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
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A razão entre as médias dos votos de cada perfil No entanto, o somatório das votações pode ser superestimado pela menor presença de determinados grupos raciais nas listas de uma região ou legenda. Daí a importância em se avaliar a concentração de votação em branco(a)s e não branco(a)s de modo comparado. Como no capítulo anterior, calculamos um índice baseado na divisão da votação média obtida por candidato(a)s branco(a)s e a votação média de candidato(a)s não branco(a)s.2 Os valores dessa razão situados abaixo de 1 indicam desvantagem para não branco(a)s e acima de 1 vantagem para este(a)s. Ao adicionar essa dimensão para a análise, as vantagens competitivas de brancos se destacam mesmo em contextos nos quais não brancos apresentam um agregado maior de votos, como é possível observar no gráfico 26:
2 Para o cálculo das médias foi utilizado o valor da votação de cada candidatura pelo valor do quociente eleitoral no distrito eleitoral em disputa. Esse procedimento é necessário para permitir a comparação entre contextos de disputa distintos, tendo em vista que a mesma votação em um município de pequeno porte e em uma metrópole significam resultados eleitorais distintos.
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Gráfico 26. Razão das votações médias entre branco(a)s e não branco(a)s por estado nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Com é possível perceber pelo gráfico 26, candidato(a)s não branco(a)s recebem menor votação média em praticamente todos os estados e eleições. As exceções são as eleições de 2016 em Tocantins, Roraima e Acre e de 2018 em Mato Grosso, Paraíba, Alagoas e Rondônia, todos casos com índice igual
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ou maior que 1. Exceto essa desvantagem para não branco(a)s, não há outros padrões regulares no gráfico. A desvantagem de votação média para não branco(a)s é maior nas eleições de 2014 e 2018 em estados como Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo, Rio Grande do Norte, dentre outros. Novamente, as desigualdades raciais caem nas eleições municipais, mas sem anular a desvantagem de preto(a)s e pardo(a)s. De forma geral, a votação média de não branco(a)s e branco(a)s se aproxima nos estados das regiões Norte e Nordeste, havendo acirramento das desigualdades nas regiões Sudeste e Sul. Afora exceções, parece haver alguma correlação entre os resultados sobre as médias comparadas de votação (gráfico 26) com as médias de receitas por unidade da federação (gráfico 17 do capítulo anterior), sobretudo nas eleições federais. A correlação entre as razões de receita e de votação entre as distintas Unidades da Federação foi de 0,51 em 2014 e de 0,76 em 2018. Embora não seja objeto central deste livro, é importante registrar que essa variação pode ser explicada pela mudança na estrutura do financiamento de campanha, seja devido à proibição de financiamento empresarial. Quanto às variações da razão de votação média entre branco(a)s e não branco(a)s nos partidos, dois aspectos se destacam. Por um lado, partidos que já apresentavam grande desigualdade racial quanto a esse aspecto em 2014 – a saber, PSDB, PR, PPS, PSL, PHS, PTN, PRP, PEN e PRTB – tornaram-se menos desiguais nas eleições de 2018, apresentando valores maiores na razão de médias. Ainda nas eleições de 2014, por exemplo, legendas como PSB, PC do B, PTC, PCO e PSTU observaram igualdade ou vantagem de votação média de não branco(a)s em relação a branco(a)s. Já em 2018, esta mesma situação é observada por PV, PHS, AVANTE/PT do B, PRTB, PMB, PPL, PCO e PSTU, todos partidos nanicos. Com relação aos partidos de maior porte, houve de forma geral um ganho em termos de redução das desigualdades apenas por parte de PSDB, PP e PSD. Note-se que, nas eleições municipais de 2014, os valores da razão tendem a ser mais baixos, o que sugere maior desigualdade de votações médias em comparação com as eleições federais.
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Gráfico 27. Razão das votações médias por raça e partido das candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
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A distribuição da votação por decis Os dados analisados até aqui sugerem uma variação das desigualdades raciais nos partidos e regiões, seja pela análise da soma de votos, seja pela observação da razão de média. No entanto, esses números ignoram que a competição eleitoral no Brasil possui um enorme número de candidatos para poucas vagas. Ademais, há uma extrema desigualdade entre as votações, com pouco(a)s candidato(a)s concentrando um alto percentual dos votos. Apenas para se ter uma ideia, 10% dos candidatos mais votados concentraram 52% das votações em 2014, 43% em 2016 e 72% em 2018.3 Na prática, isso quer dizer que a competição eleitoral se concentra entre 30% e 20% de todas as candidaturas lançadas em um pleito. Analogamente, algo entre 70% e 80% dos candidato(a)s têm pouca ou nenhuma chance de obter um mínimo razoável de votos, menos ainda de se elegerem. Daí a importância de observar como os diferentes grupos raciais e de gênero se distribuem nos diferentes estratos de votação. Nos gráficos a seguir, dividimos a quantidade total de votos recebidos pelas candidaturas em dez partes, o que nos leva a nove “decis”. Os primeiros decis se referem às candidaturas que receberam menos votos e os últimos àquelas com mais votos. Em todas as eleições é notável a maior concentração de candidaturas não brancas nos decis de votação mais baixa (decis de 1 a 3), passando por decis intermediários nos quais há uma distribuição aproximada entre branca(o)s e não branca(o)s (decis 4 a 7). Porém, nos três decis finais (7 a 9), a presença de candidaturas de mulheres brancas, homens negros e mulheres negras despenca. Em 2014 é possível perceber dois níveis de disputa distintos, marcados mais pelo gênero do que pela raça. O impacto da raça na distribuição pelos decis pode ser percebido a partir do oitavo decil, quando mulheres e homens não branca(o)s se descolam de suas contrapartes brancas. É importante notar que esse distanciamento é concentrado entre homens brancos, de forma que a curva referente a esse grupo apresenta crescimento ao final da distribuição, enquanto no caso de mulheres brancas percebe-se a manutenção da mesma inclinação desde o sexto até o último decil.
3 Calculado a partir da votação recebida por candidato(a) dividida pelo valor do quociente eleitoral no distrito eleitoral pelo qual concorreu.
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Gráfico 28. Distribuição das candidaturas por decil da votação, considerando raça e sexo das candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal
2014 Deputado(a) Federal Homem branco
Mulher branca
Homem preto e pardo
Mulher preta e parda
35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Gráfico 29. Distribuição das candidaturas por decil da votação, considerando raça e sexo das candidaturas nas eleições de 2016 para vereador(a)
2016 Vereador(a) Homem branco
Mulher branca
Homem preto e pardo
Mulher preta e parda
35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
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Gráfico 30. Distribuição das candidaturas por decil da votação, considerando raça e sexo das candidaturas nas eleições de 2018 para deputado(a) federal
2018 Deputado(a) Federal Homem branco
Mulher branca
Homem preto e pardo
Mulher preta e parda
35% 30% 25% 20% 15% 10% 5% 0%
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Em 2018 há um maior embaralhamento dos diferentes perfis entre os decis 3 e 6, sugerindo maior igualdade de votação entre as candidaturas. É importante relacionar essas curvas àquelas apresentadas sobre a distribuição de financiamento de campanha no capítulo anterior, pois são reflexo da maior dispersão de recursos. No entanto, a variação entre o oitavo e o nono decis apresenta padrão próximo ao de 2014, com vantagem na concentração de votação por homens brancos, apesar de haver redução. Considerando as eleições de 2016, onde se aponta um cenário de maior igualdade na competição política em termos raciais, a vantagem de homens brancos permanece, porém de modo mais reduzido. Na política municipal, as diferenças entre candidaturas femininas e masculinas também é marcada como nas eleições de 2014. Em 2016, no entanto, não há proximidade entre homens não brancos em mulheres no geral, tal como ocorre nos últimos decis das eleições nacionais. Essas informações servem para enfatizar a importância da localização das candidaturas na curva de distribuição de votos. Nas eleições federais, toda(o)s a(o)s eleita(o)s encontram-se nos dois últimos decis. Dessa forma, uma distribuição proporcional de receitas ou recursos políticos para todas as candidaturas de grupos subalternos terá efeitos limitados caso seus membros não consigam alcançar votações vultuosas.
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Porém, cabe questionar, ainda, se essas desigualdades raciais e de gênero nas votações obtidas não refletiriam as desvantagens enfrentadas por mulheres e negro(a)s na sociedade como um todo. Dito de outro modo, as análises feitas até aqui não permitem inferir que é a raça de uma candidatura que afeta suas chances eleitorais ou se é a origem de classe das candidaturas negras que mais impacta nesse processo. Por trás desses questionamentos está a tese de que a desigualdade racial na política não seria um problema decorrente de vieses estritamente raciais, e sim fruto da origem de classe. A princípio, essa visão pode ser facilmente endossada pelos estudos sobre elites políticas. Em sua maioria, a classe política é composta por pessoas com acesso ao ensino superior, pertencentes aos setores mais ricos da sociedade, com atuação profissional em áreas de prestígio social. O pertencimento à elite social é um importante atalho para participar da elite política brasileira. Dessa forma, a participação de não branco(a)s na representação política seria reduzida porque ele(a)s conformariam uma parcela pequena das classes altas no Brasil. Para avaliar em que medida as chances eleitorais das candidaturas pretas e pardas são menores por conta de sua origem de classe, é necessário analisar se o impacto da raça persiste ao controlar o efeito da escolaridade e das ocupações de classe do(a)s candidato(a)s. Para tanto, foi produzida uma análise de regressão quantílica, que permite verificar o efeito de diferentes variáveis sobre a votação recebida pelas candidaturas considerando a variação entre os diferentes decis da distribuição de votação.4 Basicamente, a regressão quantílica múltipla calcula as chances de diferentes características, chamadas de variáveis independentes, afetarem uma outra característica, chamada de variável dependente. A especificidade da regressão quantílica está em observar variações que esses efeitos podem ter em diferentes pontos da distribuição da variável dependente. No caso específico em tela, a variável dependente trabalhada é a votação recebida pelas candidaturas, sendo que uma das características consideradas é o perfil de candidatura (negra, por exemplo), permitindo identificar qual proporção de votos essas candidaturas recebem mais ou menos do que as candidaturas concorrentes (brancas) em cada um dos quantis (decis, por exemplo) de votação, mesmo considerando o efeito concomitante de outras variáveis como grau de instrução, classe de origem etc.5 4 É comum o uso de análises de regressão multivariadas nesse tipo de caso. Contudo, a especificidade da concentração de votação exige um modelo estatístico que leve esse aspecto em consideração. Uma discussão pormenorizada disso pode ser encontrada em Machado, Campos e Reich (2019). 5
O modelo estatístico completo da regressão encontra-se nos anexos ao final do livro.
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As três curvas a seguir mostram o efeito da raça das candidaturas sobre as chances de elas obterem votos em cada um dos quantis e controlando as variáveis anteriormente destacadas. Valores mais próximos de zero indicam maior igualdade de chances, enquanto valores negativos indicam desvantagens para candidaturas negras. Gráfico 31. Efeitos de cor/raça sobre a votação em regressão quantílica, controlada por gênero, instrução, classe social e reeleição das candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal 2014
2016
2018
0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 -0,1 -0,2 -0,3 -0,4 -0,5
1
2
3
4
5
6
7
8
9
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Como é possível perceber, nas eleições de 2014 (linha mais escura) as candidaturas não brancas menos votadas apresentaram chances similares de obter votos em relação às candidaturas brancas igualmente menos votadas. Isso quer dizer que, dentre os menos votados, não existiram fortes desigualdades estritamente raciais. Contudo, quando ultrapassamos o quantil 7, as candidaturas não brancas são afetadas negativamente em comparação às brancas. Aquelas obtêm 23% menos votos do que candidaturas brancas,6 enquanto no quantil 9 a desvantagem é da ordem de 55% menos votos. Isso mostra um efeito específico da raça que não pode ser atribuído à origem de classe ou 6 Para a regressão foi necessário realizar a transformação logarítmica da variável dependente, portanto, os coeficientes do gráfico 19 devem ser interpretados usando a fórmula exp(𝛽) – 1.
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grau de instrução, nos estratos superiores de votação. Pulando para as eleições de 2018, a raça tem um efeito negativo linear, porém menos acentuado que em 2014, apresentando vantagem para branco(a)s de 22% mais de votos em relação a não branco(a)s no quantil 9. Já nas eleições municipais de 2016 observa-se um efeito negativo constante, porém relativamente menor, da raça de candidata(o)s sobre a votação recebida, com uma tendência à redução nos perfis mais competitivos. Contudo, é sempre necessário ressaltar que o tratamento desse efeito em cidades de grande porte, particularmente aquelas com mais de 500 mil eleitores, apresenta um acirramento negativo do efeito de ser não branco no apoio eleitoral. O gráfico indica que ser negro ou negra representa um efeito negativo nas chances de obter votos no geral e nas três eleições analisadas, mesmo isolando o efeito da origem social subalterna desses grupos. No entanto, essa desvantagem cresce nos estratos mais competitivos das eleições, justamente aqueles de onde é recrutada a maior parte dos eleitos. A desvantagem do(a)s negro(a)s entre esses estratos era alta e desigual nas eleições de 2014 e foi levemente moderada nas eleições de 2018. Já nas eleições municipais de 2016, a desvantagem do(a)s negro(a)s foi mais uniforme nos diferentes estratos, mesmo quando descontados os efeitos de outras variáveis socioeconômicas como grau de instrução, status ocupacional etc. A proporção de eleitos de cada perfil Resta questionar como esses padrões de votação afetaram o número de eleitos. Como dito no início deste capítulo, a conquista de uma cadeira legislativa depende de fatores institucionais relacionados ao número de votos, mas não redutíveis a este. O Gráfico 32 representa visualmente a distribuição racial das candidaturas vitoriosas. Branco(a)s correspondem a 80,1% do(a)s deputado(a)s federais eleitos em 2014, enquanto pardo(a)s correspondem a 15,8%, e preto(a)s, a 4,1%. Em 2018, a proporção de preto(a)s se mantém, porém a variação entre branco(a)s e pardo(a)s fica em 75% e 20,3%, respectivamente. Com isso, deve-se notar que o crescimento da representação não branca ocorreu sobretudo entre pardo(a)s. Nas eleições municipais de 2016 há proporcionalmente uma quantidade ligeiramente maior de preto(a)s, com 5% entre as vereanças, além da existência de sobrerrepresentação de candidaturas brancas, porém com uma gradação mais contida. Há uma menor desigualdade entre os perfis de candidaturas analisados nas eleições de 2016, mas isso não significa que houve uma equalização perfeita. A diferença entre a composição racial da Câmara dos Deputados e a da
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população permanece superior a 20 pontos percentuais. A incidência das regras eleitorais, em especial a localização partidária das candidaturas, é central para explicar a reprodução dessas desigualdades. Gráfico 32. Distribuição de eleito(a)s por raça e gênero das candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal Homens brancos
Mulheres brancas
Homens pardos
Mulheres pardas
Homens pretos
Mulheres pretas
14,4%
0,6% 3,5% 1,4%
8,0%
0,6% 4,5% 4,4%
32,9%
18,5%
0,8% 3,3% 1,8%
12,3%
8,5%
72,1%
62,8% 49,1%
2014 Deputado(a) Federal
2016 Vereador(a)
2018 Deputado(a) Federal
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Ao considerar as variações por gênero, é importante ressaltar o crescimento da proporção de mulheres eleitas de 2014 para 2018. Mas isso se deve basicamente ao aumento das chances eleitorais das mulheres brancas. A variação entre mulheres pretas foi de 0,2 p.p. e entre mulheres pardas de 0,4 p.p., enquanto dentre mulheres brancas foi de 4,3 p.p. Como indicado no capítulo 4, o aumento no financiamento eleitoral feminino, promovido pelas mudanças legislativas e jurídicas, foi maior entre mulheres brancas do que não brancas. No caso das eleições de 2016, é importante ressaltar que apenas entre as mulheres pardas se observa um maior espaço na representação legislativa.
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Compreender o maior número relativo de eleito(a)s branco(a)s passa por observar a dinâmica interna dos partidos. Diante do número total de candidaturas lançadas, o gráfico 33 mostra a distribuição racial e de gênero dentre os eleitos por partidos. Nas eleições nacionais de 2014 e 2018, a tendência entre os partidos é a sobrerrepresentação de homens brancos, à exceção do PC do B e do PSC em ambas as eleições e do PTN em 2014. Entre os partidos de maior porte em 2014, homens brancos eleitos perfazem 80% nos casos de PMDB, PSDB, PP e PSD, mantendo-se acima de 65% para PT e DEM. Esse mesmo conjunto de partidos observou retração nesses valores para uma média de 68% nas eleições de 2018. As bancadas com maior concentração de não branca(o)s estão localizadas nos partidos de menor porte na Câmara dos Deputados, com destaque aos já citados PC do B e PSC, além de SD, PRB e PSOL. É sempre importante recordar que, nesses casos, estamos falando de bancadas diminutas, o que dificulta inferir qualquer tendência dos números. Com relação às eleições para as Câmaras de Vereadores em 2016, observa-se uma distribuição mais uniforme entre os partidos, apesar de ligeira tendência à sobrerrepresentação branca entre partidos de maior porte, em particular PMDB, PSDB, DEM e PP. Proporcionalmente, o conjunto de eleita(o)s não branca(o)s mais expressiva(o)s é observado nos casos do PC do B, PRB, PROS e Podemos. Apesar de mais expressivas em comparação às eleições nacionais, as vagas ocupadas por mulheres não brancas nunca alcançam a faixa dos 10% de eleitas, em qualquer partido.
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Gráfico 33. Distribuição de eleito(a)s por raça, gênero e partido das candidaturas nas eleições de 2014 para deputado(a) federal, de 2016 para vereador(a) e de 2018 para deputado(a) federal 2014 Deputado(a) Federal
2016 Vereador(a)
PMDB/MDB
80%
56%
30%
PSDB
85%
55%
32%
PT
PSD
PSB
59%
PTB
PRB
30%
30%
PROS
73%
Outros
30% 27% 31%
54%
PSL
PSOL
38% 40%
60%
100% 50%
25% 60%
100%
40%
69%
39%
48%
39%
72%
40%
50%
SD
74%
68%
52%
67%
72%
30%
36%
47%
80%
57%
34%
50%
53%
68%
PPS
PTN/PODE
35%
80%
PL/PR
PSC
47%
89% 60%
76% 62%
39%
56%
82%
PDT
PC do B
53%
76%
PP
PV
45%
67%
DEM
2018 Deputado(a) Federal
51% 45% 34% 40% 46%
60%
46%
50%
37%
22%
41%
Homem não branco
25%
Mulher não branca
31%
33%
33%
50%
42%
47%
30%
75%
49%
40%
Mulher Branca
25%
62%
42%
39%
30%
75%
36%
46%
48%
52%
42%
40%
Homem branco
80%
33%
54%
29%
50%
54%
29%
73% 40%
58%
30%
61%
Fonte: os autores, a partir das bases de dados do TSE (2020).
Com este capítulo fica evidente a complexidade do funcionamento do sistema representativo brasileiro, bem como de seus efeitos na sub-representação de mulheres brancas, homens negros e, sobretudo, de mulheres negras. As chances eleitorais desses grupos são definidas por múltiplos filtros que vão desde a indicação partidária, passando pela obtenção de financiamento, até a votação. Mas mesmo candidato(a)s com elevada votação relativa não têm o sucesso garantido caso sua legenda não some votos suficientes para obter cadeiras. A despeito da repetitiva ênfase nos atributos personalistas do sistema eleitoral brasileiro, o partido é definidor para qualquer estratégia de candidaturas pretas e pardas. Nesse sentido, compreender e operar a partir das lógicas
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internas dos partidos é fundamental para iniciar alguma forma de modificação no atual cenário de reduzida representação da população negra. Se por um lado os dados de 2018 podem trazer esperança quanto à mitigação do viés racial na representação política, é necessário olhar para esses dados de forma cautelosa. Fábio Vidal dos Santos (2019), por exemplo, argumenta que grande parte da(o)s parlamentares autodeclarado(a)s pardo(a)s poderiam ser identificado(a)s, por heteroclassificação como branco(a)s. Embora haja a necessidade de mais pesquisas sobre o tema que comparem de modo mais sistemático os padrões de auto e heteroclassificação do(a)s eleito(a)s, cabe questionar se a diminuição das desigualdades raciais detectada em 2018 não reflete uma mudança no padrão de classificação racial das candidaturas. Este contexto está em uma encruzilhada no exato momento de redação destas palavras. A forma como o financiamento eleitoral será distribuído entre candidaturas negras nas eleições de 2020 e posteriormente em 2022 produzirá impactos significativos na representação política brasileira, principalmente por se tratar de medida que impactará todos os partidos políticos. Contudo, é necessária atenção a alguns aspectos. Por um lado, as eleições de 2018 evidenciam uma efetiva queda do impacto do financiamento de campanha no resultado eleitoral em relação a 2014. Outros fatores não contabilizados pelas informações usualmente trabalhadas pelos estudos eleitorais ganham força. Não apenas o uso da internet, mas particularmente o aporte de caixa 2 por meio de recursos ilícitos e formas ilegais de propagação de campanha através das redes sociais.7 Essa é uma forma efetiva para empresas burlarem a proibição de financiamento de pessoa jurídica na dinâmica eleitoral. A isso combina-se outra prática, a qual assume ares facilmente aceitos pela justiça eleitoral, que se trata dos aglomerados empresariais de formação política. Através das startups protopartidárias, forma-se outra maneira de pessoas jurídicas investirem seus recursos na política, através de mecanismos mais indiretos, de fato, porém não menos efetivos quanto ao potencial de alocar representantes de seus interesses diretamente no Parlamento. 7 A exemplo da prática de compra de bases de dados com contatos de telefones de terceiros para disparo em massa de mensagens, tal como noticiado pela Folha de São Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2018/10/empresarios-bancam-campanha-contra-o-pt-pelo-whatsapp.shtml. Sobre esse assunto, a ombudsman do jornal se posicionou sustentando a validade da reportagem (https://www1.folha.uol.com.br/colunas/paula-cesarino-costa-ombudsman/2018/11/caixa-dois-nao-tem-recibo.shtml) e recentemente novos fatos abordados em meio à CPMI das Fake News corroboram os achados originais: https://www1.folha.uol.com.br/ poder/2020/02/veja-quais-foram-as-mentiras-a-cpmi-de-ex-funcionario-de-empresa-de-disparo-em-massa.shtml. Acessos em: ago. 2020.
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Esses aspectos evidenciam a potencial redução do impacto do financiamento de campanha registrado sobre o resultado eleitoral. Não seria de se estranhar o repentino sucesso da aplicação de ações afirmativas para a distribuição de recursos do fundo eleitoral no exato momento em que esses recursos possivelmente terão seu impacto reduzido a partir das eleições de 2022. Não significa a perda de relevância, porém a redução de seu impacto. A disputa por poder no interior dos partidos, dessa forma, surge novamente como um aspecto central para se pensar na possibilidade de ampliação do sucesso eleitoral por parte de não branca(o)s.
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Capítulo 6: Raça e Ação Legislativa1 Com Ana Júlia França Monteiro A baixa representação de negro(a)s na política tem impactos no lugar ocupado pelas pautas antirracistas dentro do Parlamento? Para responder a essa pergunta, é preciso observar os projetos e debates existentes dentro dos legislativos brasileiros, mormente na Câmara dos Deputados. Pode-se conjecturar que a relativa ausência de negro(a)s desse espaço afeta a capacidade propositiva sobre legislações relacionadas a seus interesses e perspectivas, tal qual discutimos no capítulo 1. Mas, mesmo que pautas como essa penetrem no Parlamento, é preciso considerar as dificuldades de mobilização em seu suporte num cenário de extrema sub-representação. Vale destacar que, a sub-representação prejudica a atuação desses grupos na ocupação de cargos internos relevantes no Parlamento. Observar a história do processo legislativo sobre a temática racial e abordar a deliberação sobre uma legislação recente podem auxiliar a compreender os limites da representação política dados por esse contexto de reduzida representação parlamentar. Este capítulo analisa a produção legislativa brasileira sobre raça entre 1946 e 2018. Partindo do diagnóstico da sub-representação de políticos pretos e pardos no legislativo brasileiro, nos questionamos qual o espaço de pautas conectadas à raça nesse contexto. Projetos de Lei sobre Raça (1946 a 2018) A contabilização de propostas legislativas sobre temáticas relacionadas à questão racial já foi registrada por Escosteguy (2003) e Sousa (2009). Ambos os estudos identificaram que a tematização mais intensa sobre a questão racial nas proposições apresentadas no Congresso Nacional ocorreu apenas a partir dos anos 1980. Além de reavaliar as contribuições dos autores, este capítulo complementará essas análises com o período entre 2002 e 2018,2 acompa1 Este capítulo foi escrito com colaboração de Ana Júlia França Monteiro e uma versão inicial foi apresentada no GT Relações Raciais: desigualdades, identidades e políticas públicas, no 39o Encontro Anual da Anpocs. 2 Para tanto, foram solicitados os registros dos projetos de lei junto à Coordenação de Relacionamento, Pesquisa e Informação (Cedi) da Câmara dos Deputados, que disponibilizou informações de todos os projetos de lei do período proposto, contendo ano, origem, proposição,
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nhando, portanto, mais de meio século da tramitação legislativa na Câmara dos Deputados sobre o tema. Durante o período analisado há um total de 140.216 proposições que tramitaram em algum momento pela Câmara dos Deputados. Desse universo as proposições foram categorizadas através de um dicionário de palavras usualmente relacionadas à questão racial, como “racismo”, “raça”, “racial”, “negro”, “discriminação”, “cota” etc.3 Chegou-se ao resultado de cerca de 700 proposições relacionadas à questão,4 sendo necessário realizar uma recategorização, pois alguns dos termos utilizados na busca retornaram ementas que não tratavam exatamente sobre o tema das relações raciais. Após a classificação a partir das ementas, chegou-se à quantidade de 250 proposições que estavam relacionadas à questão racial.5 Esse dado já prenuncia o grau de restrição das temáticas raciais na esfera pública política brasileira, como indica o gráfico a seguir. Apenas com o início da abertura política, em meio ao governo Figueiredo, há um adensamento desse tema.
documento de origem (quando existente), partido, autor, Unidade da Federação, entre outros dados de todos os projetos de lei do intervalo temporal em questão. 3 Foram utilizados os termos: escravidão, escravagismo, escravagista, escravocrata, escravo, escrava, Zumbi, Palmares, abolição, racismo, raça, racial, raciais, antirracismo, cor, negro, negra, preto, preta, afro, afrodescendente, afro-brasileiro, afro-brasileira, afirmativa, discriminação, cota, apartheid, negroide, criolo, criola, negreiro, mestiço, mestiça, mestiçagem, mulato, mulata. 4 O espaço restrito na esfera legislativa para o tema fica evidente quando feita a comparação com o número de proposições que versam sobre o tema da saúde. Entre estas constata-se um total geral de 914 proposições entre os anos de 1990 e 2006 (Baptista, 2010), enquanto a temática racial foi apresentada somente 96 vezes durante o mesmo período. 5 Apenas para exemplificar, existiam proposições sobre discriminação apenas para deficientes ou que por conter o termo Preto, ao tratar sobre o município de São José do Rio Preto, foram marcados pela classificação automática de texto.
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Gráfico 34. Número absoluto de propostas na CD que versam sobre questão racial, por mandato presidencial 54
29 23
23 19
3
5
2
4
2
3
3
22
22 15
21
Fonte: os autores com dados da Câmara dos Deputados.
Como observado por Escosteguy (2003), a tematização torna-se mais recorrente a partir do governo Figueiredo e encontra nos dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) momentos de alta proposição legislativa. Apesar da preponderância de projetos de parlamentares do PT, o autor nota um recuo dessas proposições nos dois mandatos de Luís Inácio Lula da Silva e durante o primeiro mandato de Dilma Rousseff. Uma possível explicação para essa retração seria o processo de institucionalização dessa agenda através da criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), espaço de interlocução e articulação com os movimentos sociais para além da esfera parlamentar. O período posterior à queda de Rousseff sustenta essa hipótese: nele, a atividade legislativa sobre o tema alcança os maiores patamares desde 1945. Sob a presidência de Michel Temer, a Seppir perde a centralidade e o destaque anterior, esvaziando a interação institucional entre movimento negro e o Governo Federal. Os últimos anos do segundo mandato de Lula e os três primeiros anos do primeiro mandato de Rousseff, em especial, são aqueles de menor atenção do Legislativo para o tema desde os anos 1980. Ao mesmo tempo, é importante notar a retomada da atividade legislativa sobre a questão racial como um possível refluxo decorrente da crise iniciada em 2013, como se pode observar com o destaque da produção legislativa mais recente, por ano legislativo:
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Gráfico 35. Número absoluto de propostas na CD que versam sobre questão racial, por ano legislativo (2007 a 2018) 19 15 12 11
9
8 5
4 1
1
3
2
2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018
Fonte: os autores com dados da Câmara dos Deputados.
A partir de 2014, a produção legislativa acerca das questões raciais volta a se intensificar, entrando em 2015 com 19 proposições, o ápice de toda a série histórica. Essa variação pode representar um retorno de atores centrais do movimento negro à negociação parlamentar após o rápido esvaziamento do apoio ao governo Rousseff, seja em suas bases populares ou parlamentares. Esse movimento de tensão entre o governo e o movimento negro pode ser caracterizado pela unificação das Secretarias de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), de Políticas para Mulheres (SPM) e de Direitos Humanos na forma do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos, algo que foi questionado por lideranças sociais ligadas a essas temáticas.6 Para além da discussão sobre contextos de governo nos quais há estímulo à produção legislativa sobre o tema, cabe localizar a caracterização sobre quais setores internos ao Parlamento se dedicam à questão. De modo disparado, o PT é a legenda à qual se ligam os parlamentares mais dedicados à temática, perfazendo mais de 35% das autorias de propostas de legislação sobre a questão racial no período considerado. Em segundo lugar, com quase 6 Ver: https://www.camara.leg.br/noticias/474602-ENTIDADES-DE-DIREITOS-HUMANOS-CRITICAM-FUSAO-DE-SECRETARIAS-EM-MINISTERIO. Acesso em: ago. 2020.
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um terço apenas do montante de proposituras petistas, vem o PMDB e, em seguida, o PDT. Gráfico 36. Número absoluto de propostas na CD que versam sobre questão racial, por partido (1945-2018) PT
89
PMDB
32
PDT
18
PRB
11
PFL/DEM
10
MDB
9
PC do B
9
PDS
9
PL/PR
7
PSD
6
PTB
6
PSDB
5
PTB2
5
Executivo
4
UDN
4
PSB
3
PV
3
ARENA
3
Outros
17
Fonte: os autores com dados da Câmara dos Deputados.
Apesar de não apresentarem a mesma ênfase que o PT, representantes do PMDB e do PDT destacam-se em relação à contribuição dos demais partidos, bem mais dispersa. Cabe destacar que, entre os partidos do período 1945-1964, o PTB apresenta maior destaque, seguido pela UDN ou pelo PSD.
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Já no contexto da Ditadura Militar, o MDB concentra a produção legislativa sobre o tema, em que pesem o bipartidarismo imperante no período e as profundas restrições à autonomia do parlamento. Essas informações já insinuam que a ação parlamentar dedicada à raça não obedeceu nesses períodos à clivagem partidária entre esquerda e direita. Isso não se aplica para o período posterior à democratização, em grande medida por conta do enorme peso que o PT assume, como já foi dito. O gráfico 37 retoma a distribuição dos partidos em torno desses eixos: Gráfico 37. Distribuição de propostas na CD que versam sobre questão racial, por posicionamento ideológico do partido do proponente (1945-2018) Esquerda/Progressista
Centro
Direita/Conservadora
Outros
3%
23%
56% 18%
Fonte: os autores com dados da Câmara dos Deputados.
O(a)s principais autore(a)s A temática é mais recorrentemente abordada por representantes vinculados a partidos de esquerda ou de posições progressistas, pois 56% das autorias de projetos sobre temas da questão racial estavam vinculadas a esse posicionamento, considerando toda a produção do período. Partidos de direita ou
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conservadores correspondem à autoria de 23,2 da temática. Deve-se atentar que não se avalia a qualidade das propostas quanto ao posicionamento sobre o enfrentamento das desigualdades raciais. De fato, parte do corpo de textos analisados defende posições contrárias às pautas do movimento negro. Em relação à autoria nominal dos projetos, existe uma alta concentração da produção em seis parlamentares, perfazendo conjuntamente 24,8% da produção legislativa sobre a questão racial nas décadas consideradas. A lista a seguir apresenta os nomes do(a)s parlamentares com projetos ligados ao tema: Tabela 2. Proposições sobre questão racial, por autoria nominal Autoria
n
%
Paulo Paim
18
7,2%
Benedita Da Silva
17
6,8%
Luiz Alberto
8
3,2%
Tia Eron
7
2,8%
Abdias Nascimento
6
2,4%
Adalberto Camargo
6
2,4%
Laura Carneiro
4
1,6%
Poder Executivo
4
1,6%
Vicentinho
4
1,6%
Francisco Amaral
3
1,2%
Haroldo Lima
3
1,2%
Iniry Lopes
3
1,2%
Jose Camargo
3
1,2%
Pompeo De Mattos
3
1,2%
Fonte: os autores, a partir de dados da CEDI/CD
Todos os parlamentares com 6 ou mais proposições possuem intensa interlocução com as pautas do movimento negro. O parlamentar com a maior produção nas oito décadas analisadas é Paulo Paim. Ex-deputado e atual senador da República pelo Rio Grande do Sul, Paim é filiado ao PT e possui forte interlocução com o movimento negro. Em segundo lugar, Benedita da Silva é também vinculada ao PT é natural do Rio de Janeiro, tendo sido prefeita da cidade e governadora do seu estado. Tia Eron é a única parlamentar desse
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topo a se identificar com um partido de direita, o PRB da Bahia, tendo atuado como vereadora em Salvador. Em seguida, Luiz Alberto é outro nome petista, também da Bahia, historicamente associado ao movimento negro local. Abdias Nascimento e Adalberto Camargo possuem seis proposições, sendo ambos personagens diretamente ligados ao movimento negro. Nascimento foi eleito suplente de Darcy Ribeiro pelo PDT durante os anos 1980, tendo sido fundador do Teatro Experimental do Negro (TEN) e do Movimento Negro Unificado (MNU), além de fazer do centro de sua ação parlamentar a denúncia do racismo. Adalberto Camargo era filiado ao MDB, tendo sido o primeiro negro a ser eleito deputado federal no país pelo estado de São Paulo dois anos após o golpe de 1964. No grupo das dez autorias que produziram mais projetos de lei relacionados à questão racial, sete são negras ou negros, sendo necessário destacar que, entre aqueles com mais ênfase na produção legislativa sobre o tema, tendo apresentado pelo menos seis projetos, todos são negras ou negros. Embora esses dados sejam insuficientes para atrelar a identificação racial dos parlamentares a seu compromisso com a questão racial, é evidente a associação entre a propositura de leis relacionadas ao tema e o fato de a maioria ser negra. Em relação à distribuição de projetos de lei por estado da federação, destacam-se o Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia. Apesar de inicialmente ser possível atribuir essa distribuição ao tamanho da representação política dessas Unidades da Federação, a ordenação delas não obedece a esse critério. Ao que parece, o ranqueamento dos estados parece obedecer à existência de parlamentares neles originados e dedicados à questão racial, como antes mencionado. Ainda assim é importante notar que as regiões com maior concentração da população preta e parda – Nordeste e Norte – apresentam uma quantidade reduzida de propostas avançadas pelos representantes dessas localidades.
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Tabela 3. Proposições sobre questão racial, por UF UF
n
%
UF
n
%
RJ/GB
62
24,8
AM
4
1,6
SP
45
18,0
CE
4
1,6
RS
32
12,8
PA
3
1,2
BA
23
9,2
GO
3
1,2
MG
11
4,4
RO
3
1,2
AL
8
3,2
MA
3
1,2
ES
6
2,4
SC
2
0,8
PB
6
2,4
PE
1
0,4
MT
5
2,0
AC
1
0,4
DF
5
2,0
PI
1
0,4
TO
5
2,0
Outros
9
3,6
AP
4
1,6
TOTAL
250
100
MS
4
1,6
Fonte: os autores, a partir de dados da CEDI/CD
Ainda em termos da variação regional, o gráfico a seguir apresenta a distribuição de proposições originais por região brasileira em cada mandato. Apesar da concentração esperada na Região Sudeste, há uma importante variação temporal, marcada pela primazia observada por essa região durante os anos 1980, seguida de uma equiparação na atividade legislativa com as demais regiões entre os governos FHC e Lula. Um padrão comum pode ser notado entre as demais regiões, em termos do crescimento da produção legislativa sobre o tema no período entre os governos Collor e o segundo de Fernando Henrique Cardoso, algo que se inicia mais tardiamente no Norte e CentroOeste, para em seguida apresentar certa estabilidade a partir dos governos petistas. É importante notar que durante o governo Dilma há um forte retorno da preponderância do Sudeste sobre o tema, bem como a retomada das proposições oriundas do Nordeste a partir do segundo governo Rousseff.
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Gráfico 38. Proposições sobre a questão racial, por região e mandato presidencial 30 25 20 15 10 5 0
Sudeste
Nordeste
Sul
Norte
Centro-Oeste
Outros
Fonte: os autores com dados da Câmara dos Deputados.
Uma linha de investigação para explicar esses achados pode estar no papel assumido pela institucionalização da questão racial através da instauração da Seppir, abrindo novos canais de interlocução entre sociedade civil, Legislativo e Executivo. Contudo, esta não é a única hipótese. Uma explicação possível, para além da criação da Seppir e de outros canais institucionais, poderia decorrer da aprovação de diversos projetos de lei sobre a questão no início dos anos 2000, provocando a queda da demanda por essa temática. Contudo, a proliferação abrupta de projetos sobre a temática em 2015 não é explicada por esse entendimento. De todo modo, é patente a marginalidade da questão racial no Legislativo. Isso implica não apenas as dificuldades em institucionalizar politicamente essa pauta, mas também a preponderância de enquadramentos desracializantes no debate de projetos de lei com implicações e consequências específicas para grupos racializados. Portanto, além de observar a marginalidade das proposituras diretamente relacionadas à raça, é preciso considerar como se dão os debates parlamentares em torno de questões ligadas à população negra, mas cujo esforço de desracialização retira dos textos legislativos o termo.
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Capítulo 7: Debates acerca da Redução da Maioridade Penal1 Com Juliana Cavalcante Um dos problemas em analisar o debate legislativo a partir dos projetos de lei explicitamente sobre raça é a restrição do foco. O capítulo anterior mostrou como a temática racial é marginal no Legislativo, a despeito da atuação de importantes nomes da militância negra nesse debate. Por outro lado, a população preta e parda brasileira é atingida por normas legais que não necessariamente utilizam raça como uma dimensão estruturante de sua redação. As diversas políticas públicas encampadas pelo Estado, das medidas de promoção da saúde à segurança pública, afetam diretamente nossas desigualdades raciais, mesmo que não sejam nominalmente direcionadas a elas. Por outro lado, o histórico de negação do racismo no Brasil impede que essas distintas temáticas sejam fraseadas em termos raciais. Por isso, tão ou mais importante do que investigar como a questão racial é tratada explicitamente no Parlamento é pesquisar como ela é impedida de emergir enquanto tal. Para tal, propomos aqui um breve estudo de caso do debate acerca da Proposta de Emenda Constitucional 171, de 1993, que tratava da redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade, cuja tramitação se acelerou no ano de 2015. Trata-se de um debate ligado à expressão de nossas desigualdades raciais, mas cuja dimensão racial foi obstaculizada na Câmara. Central às demandas dos movimentos negros está a integridade física da população negra. Em meio a esses aspectos, dois temores recaem sobre ela: a violência policial e o encarceramento em massa. Ambos podem ser compreendidos historicamente e como efeito do racismo presente. Com o fim da escravidão, a restrição da liberdade da população negra foi uma constante. O encarceramento de ex-escravizada(o)s com base em referenciais preconceituosos presentes no código penal de 1890, que tipificava capoeira enquanto crime, e a partir da lei de contravenções penais de 1942, qualificando o crime 1 Este capítulo foi escrito em colaboração com Juliana Cavalcante e teve uma versão anterior publicada no livro Poder e Desigualdades: gênero, raça e classe na política brasileira, organizado por Thiago Trindade e Danusa Marques.
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de “vadiagem”, promoveu a força motriz na constituição de um viés racial do encarceramento brasileiro. Nos dias atuais, a raça ocupa um lugar central nas formas de sujeição criminal, o que mantém a população negra, sobretudo masculina, como alvo privilegiado da violência policial e do encarceramento. Portanto, a discussão acerca da redução da maioridade penal atinge sobremaneira essa parcela da população. No entanto, os debates parlamentares em torno do tema raramente consideraram a sua dimensão racial. Isso fica patente quando analisamos a discussão sobre a proposta de redução da maioridade penal. Reivindicada publicamente pelos setores políticos mais conservadores da sociedade desde os anos 1990, essa pauta teve um avanço significativo na Câmara dos Deputados a partir de 2015, quando o deputado conservador Eduardo Cunha assumiu sua presidência e acelerou o processo de tramitação da PEC 171/1993.2 Desde o início dos anos 2000, diferentes setores da sociedade passaram a apoiar de modo mais enfático a redução da maioridade penal. De acordo com Campos (2009), a imprensa nacional contribuiu para o agendamento do tema ao enfatizar entre 2004 e 2007 diversos casos de assassinato com a participação de menores, respectivamente os casos de Umbuguaçu e de João Hélio. As reações da classe política foram rápidas, e logo seriam debatidas diversas propostas legislativas sobre o tema. As pesquisas de opinião apontaram nesse momento grande apoio na sociedade à redução (Campos, 2009, p. 505), algo que ainda persiste (Barbosa; Huning, 2015). No entanto, os efeitos da medida na redução dos índices de criminalidade costumam ser questionados por pesquisas comparativas. Segundo achados de Lins, Figueiredo e Silva (2016), países que implementaram medidas de reduzir a maioridade penal não observaram recuo estatisticamente significativo de indicadores de criminalidade. A maioria dos jovens hoje submetidos à pena privativa de liberdade, como uma das medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, é composta por negros, totalizando 61% dos 26.209 jovens nessa situação, segundo levantamento do Sinase de 2015.3 São eles que, caso a redução estivesse em vigor, estariam condenados a penas elevadas em 2 A exemplo desse tipo de mobilização é possível observar mais de 150 instituições signatárias de um manifesto contra a redução da maioridade penal, como se observa no site “18 razões para a não redução da maioridade penal” (disponível em: https://18razoes.wordpress.com/ quem-somos/. Acesso em: ago. 2020). 3 Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-adolescente/Levantamento_2015.pdf/@@download/file/levantamento_2015.pdf. Acesso em: ago. 2020.
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penitenciárias de adultos, onde já ocorre o predomínio de detentos negros: 67% da população carcerária de acordo com dados do Ministério da Justiça (Brasil, 2015, p. 50). No que se segue, analisaremos dois aspectos desse processo. Primeiro, quais foram as vozes autorizadas e reconhecidas pelos parlamentares como interlocutoras e como guias para a deliberação do projeto em questão. Segundo, quais foram os tipos de parlamentares que se posicionaram contra e a favor da redução da maioridade penal. Para tanto, foram analisadas as discussões apresentadas em torno da PEC 171/93, iniciando com a justificativa do autor da mesma para em seguida apresentar os discursos que surgiram nas discussões sobre o projeto em 2015, tanto no interior das comissões pelas quais tramitou, mas também os discursos proferidos no plenário da Câmara dos Deputados durante os dias de sua deliberação final e aprovação. A PEC 171/1993 Para compreender a forma como o corpo de representantes reagiu à discussão, foram analisados os discursos parlamentares proferidos durante a avaliação da Proposta de Emenda à Constituição sobre a Redução da Maioridade Penal (PEC 171/1993). Tomou-se por objeto de análise o texto de justificativa do projeto, datado de 1993, e todos os discursos proferidos nas sessões das comissões pelas quais a PEC tramitou em 2015. Os discursos foram categorizados em torno de padrões discursivos apresentados, do perfil dos debatedores e, em especial, do espaço disponível para o tratamento da questão racial na discussão. A justificativa apresentada pelo então deputado federal Benedito Domingues (PP-DF), ele próprio negro, estipula como reivindicação a redução da inimputabilidade penal para menores de 16 anos, alterando o atual teor do art. 228 da Constituição Federal do Brasil. Para o autor, seria necessário atualizar as definições sobre a idade para imputação por crime devido às diferenças entre a idade mental de jovens dos anos 1940, ano de promulgação do código penal brasileiro que inspirou as definições da Constituição de 1988, e a condição atual da juventude. Ainda segundo a PEC, “o noticiário diariamente publica que a maioria dos crimes de assalto, de roubo, de assassinato e de latrocínio são praticados por menores de 18 anos, quase sempre aliciados por adultos”. A redução da maioridade surge, nesse contexto, tratada a partir da expectativa de um princípio educativo da lei, pois se “pretende com a redução
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da idade penalmente imputável para os menores de dezesseis anos é dar-lhes direitos e consequentemente responsabilidade, e não puni-los ou mandá-los para a cadeia”. No caso de manutenção da atual legislação, Domingues considera que “continuaremos com a possibilidade crescente de ver os moços com seu caráter marcado negativamente, sem serem interrompidos para uma possível correção, educação e resgate”, configurando a leitura de uma consequência negativa de não haver modificação quanto à maioridade penal, algo que também é fomentado pela visão de que, ao falhar em agir no sentido da proposta, “já não teremos que nos preocupar com a reabilitação de jovens, mas já estaremos vendo as idades menores contaminadas e o pavor em nossas ruas, escolas e residências marcando indelevelmente a vida nacional”. Discursos parlamentares Apesar de sua apresentação ainda no ano de 1993, e da reemergência do projeto em diversos momentos, é apenas em 2015 que a PEC terá seu trâmite concluído na Câmara dos Deputados. Desde seu desarquivamento em 6/2/2015 e aprovação em segundo turno na sessão deliberativa do plenário de 19/8/2015, o projeto foi apreciado em comissão especial designada para tratar especificamente do assunto, além da Comissão de Constituição e Justiça. No que tange à análise sobre a constitucionalidade, houve um equilíbrio maior de falas defendendo e criticando a redução da idade. Ao se passar para discursos proferidos na Comissão Especial, contudo, a tendência a posições mais favoráveis à redução se intensifica, algo que se manterá na discussão em Plenário.
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Gráfico 39. Posicionamento do discurso em relação à PEC 171/1993, por local de apresentação do discurso
43%
40%
57%
60%
CE (49)
Plenário (138)
53%
47%
CCJ (34)
redução
manutenção
Fonte: os autores com dados da Câmara dos Deputados.
As posições favoráveis ou contrárias apresentam forte correlação com o partido do parlamentar. Por um lado, todos os discursos proferidos por parlamentares do PT e do PSOL foram favoráveis à manutenção do texto constitucional, enquanto o PR, PRB, PP e SD apresentaram apenas discursos favoráveis à redução da maioridade penal. Ainda é importante notar que, mesmo entre os demais partidos, a divergência interna é bastante reduzida, pois o DEM, o PSD e o PSDB, entre um ou dois discursos, foram contrários à redução da maioridade. As únicas exceções foram os partidos de centro-esquerda, como o PDT, o PSB e o PPS, nos quais se observou maior divisão de posições.
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Gráfico 40. Distribuição do posicionamento do discurso em relação à PEC 171/1993, por partido redução
manutenção
PT (34)
100%
DEM (19) PDT (18)
89% 39%
61%
PR (18)
100%
PSDB (17)
29% 93%
PRB (12)
100%
PP (11)
100% 30%
7%
70% 44%
56%
PSOL (8)
100%
SD (7)
100%
PSC (5)
100%
Outros (15)
6%
71%
PSD (14)
PSB (9)
0%
94%
PMDB (14)
PPS (10)
11%
53%
47%
Fonte: os autores com dados da Câmara dos Deputados.
No que tange aos aspectos substantivos da deliberação, é possível identificar que a posição favorável à PEC mobiliza mais recorrentemente argumentos embasados em “defesa da segurança pública”, “vinculados à opinião pública” e “argumentos morais”. Por sua vez, os posicionamentos contrários à PEC raramente mobilizam essas mesmas estratégias argumentativas, focando
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em argumentos “jurídicos” e sobre “injustiça social”, como apresentado no gráfico 41. Gráfico 41. Distribuição do posicionamento do discurso em relação à PEC 171/1993, por argumento redução
manutenção
defesa da segurança pública (93)
89,2%
opinião pública (69) injustiça social (51) argumentos jurídicos (46)
95,7% 25,5%
74,5%
34,8%
65,2%
argumentos morais não religiosos (27) argumentos científicos (14)
92,6% 21,4%
nenhum (11) sistema penitenciário degenera (11) outro (35)
10,8%
7,4% 78,6%
54,5% 18,2%
45,5% 81,8%
22,9%
77,1%
Fonte: os autores com dados da Câmara dos Deputados.
É importante notar que a forma do discurso parlamentar privilegia expressões retóricas, sobretudo em pequeno expediente, sendo raro o desenvolvimento mais argumentativo dos pontos de vista. Dessa forma, a argumentação apresentada costuma se servir de uma justificativa do próprio parlamentar sobre a sua posição. Apenas quatro discursos citam algum órgão da sociedade civil, entre os quais são mencionados órgãos estrangeiros – como Anistia Internacional, ONU ou Unicef – e organizações de classe, como OAB, AMB, Anadep. Um único discurso, da deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ), menciona movimentos sociais de estudantes (UNE e Umesb) e o movimento “Amanhecer contra a Redução”. É importante notar que nenhum outro discurso mencionou quaisquer instituições ou organismo social que se apresentem em defesa desse argumento, muito menos organizações específicas do movimento negro. O que fica patente é uma ausência de diálogo entre apoiadores e detratores da PEC, apesar de uma ênfase maior no primeiro grupo. Do total de 131
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discursos favoráveis à redução, 96 não apresentaram um contra-argumento. Ou seja, 73% dos parlamentares que apoiaram essa posição não reconheceram a necessidade de responder aos argumentos anteriormente apresentados por seus adversários na discussão. Por outro lado, entre as 90 manifestações favoráveis à manutenção do atual texto constitucional, 53% não apresentaram contra-argumentação. Feita essa caracterização geral do debate parlamentar, cabe investigar de qual forma a temática racial foi incorporada nessa discussão. De todos os 258 discursos analisados, apenas oito trouxeram algum tipo de consideração sobre o tema. Ou seja, apesar dos efeitos dessa medida para a juventude negra, como enfatizam organizações da sociedade civil ou no meio acadêmico, a reflexão sobre esse aspecto é ignorada pelos representantes da Câmara dos Deputados. A composição da comissão especial para análise da PEC 171/1993 é sintomática. Entre seus 27 membros, apenas Wladimir Costa (PSD-PA) e Weverton Rocha (PDT-MA) se autodeclararam pardos; ao considerar os suplentes da comissão, é possível somar o nome do deputado Silas Câmara (PSD-AM). Apesar do ativismo do PT sobre o tema, como apresentado no início deste capítulo, e mesmo com uma das maiores bancadas negras na Câmara dos Deputados, o partido não considerou relevante adicionar uma voz negra à discussão particular da PEC. No contexto da CCJ não houve qualquer discurso que atentasse para aspectos relacionados ao potencial impacto da PEC sobre jovens negros. Quanto à CE, podem-se notar dois momentos de discussão. Em reunião a 15 de abril de 2020, o deputado Weverton Rocha (PDT-MA) abordou o tema pela primeira vez: Se estivermos errados, vamos nos convencer e colocar essa molecada, essa juventude preta e pobre dentro das penitenciárias, não tem problema, não. Agora, se tivermos a oportunidade de mostrar que esse não é o caminho, que o caminho é totalmente contrário, e é o que nós precisamos discutir aqui dentro, também esperamos poder convencê-los.
Durante a mesma sessão, a deputada Magda Mofatto (PR-GO) se posicionou contra a colocação do deputado pedetista, questionando o potencial de a PEC incidir sobre a juventude negra: Eu discordo um bocado quando dizem que o criminoso, principalmente o adolescente criminoso pobre e negro, é sempre mais condenado do
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que se fosse de uma procedência diferenciada. Eu discordo totalmente e acredito que aquele que tem índole mesmo não tem procedência. Aquele que tem índole ao malfeito, pratica o malfeito em qualquer situação. Ele é infrator e criminoso em qualquer situação. Se assim não fosse, não teríamos o exemplo do índio Galdino, que foi vítima não de preto ou de pobre, mas de menores de uma sociedade aparentemente de bem, de uma sociedade abastada.
A outra situação na qual ocorre a menção ao aspecto racial decorre de uma reação ao discurso do advogado criminalista Pedro Paulo Castelo Branco durante a sessão da Comissão Especial de 20 de maio de 2020, quando foram lembradas as teses de Cesare Lombroso, importante teórico do racismo cientificista do século XIX que associava o comportamento criminoso à pertença racial dos indivíduos: A minha sogra repetia este ditado: “O espinho de pequeno já traz a ponta”. Se se aplicar a teoria de Lombroso, ou de Cesare Beccaria, depois de ler atentamente a obra Dos Delitos e das Penas, vai-se verificar que não tem jeito. Ou seja, mesmo que o indivíduo seja adulto ou menor de idade, se ele tiver potencial, se tiver intenção de praticar o crime, se já trouxer esse estigma da crueldade nele próprio, não há lei, não há pena, não há câmara de gás, não há nada que vá constrangê-lo de praticar esse delito, essa conduta delituosa que alguns chamam de ato infracional, como diz o ECA, e para o adulto acima de 18 anos é conduta ilícita.
Essa fala suscitou a manifestação da deputada Érika Kokay, a qual enfatiza o aspecto discriminatório das ideias de Lombroso contra negros e imigrantes: Professor, estimular o Estado vingativo é entrar na barbárie. Estimular o Estado vingativo é dizer que nós não temos um Estado Democrático de Direito. Falar em Lombroso? Lombroso nasceu em 1835. Lombroso dizia que é uma característica física que define a vida delituosa. Lombroso dizia que se pode saber se uma pessoa nasce em conflito ou nasce para o conflito com a lei pelo tamanho do crânio ou tamanho da mandíbula. E Lombroso foi um dos grandes defensores e um dos grandes arcabouços teóricos para a lógica de dizer que todo judeu tinha de ser exterminado, o que se deu e se concretizou nos campos de concentração. Portanto, nós não podemos resgatar Lombroso, e eu concluo, porque Lombroso dizia que a maioria dos criminosos eram negros e imigrantes que entravam na Itália. Portanto, essa é uma lógica fascista, que precisa ser desconstruída, a de que há pessoas que nascem em conflito com a lei ou para o conflito com a lei. Se esse raciocínio for levado
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a cabo, nós vamos ter então justificativa para aprisionar recém-nascidos, ou justificativa para levar crianças, como os nazistas levavam, para os fornos crematórios e os campos de concentração.
Os demais discursos que abordaram o tema foram apresentados na tribuna do Plenário, todos eles proferidos por parlamentares vinculados ao PT ou ao PC do B. A deputada Moema Gramacho (PT-BA) ressalta o acordo em torno da emenda aglutinativa nº 16, a qual retirou o tráfico de drogas entre os crimes imputáveis a menores de 18 anos do texto original, de forma a possibilitar a formação de apoio à aprovação da matéria: Tiraram tráfico de drogas para a redução da maioridade penal, ou seja, mais uma vez beneficiando os filhos dos ricos, porque os filhos dos ricos que traficam não vão para os presídios. Vão de novo prender negro e pobre, que são aqueles que estão nesta lei.
A deputada Luciana Santos (PC do B-PE) apresentou em Plenário a informação de que a população carcerária brasileira é composta por 60% de negros, no mesmo sentido elaborado pelo parlamentar Reginal Lopes (PTMG) quando este se refere à maioria de negros em medidas socioeducativas. O deputado Orlando Silva (PC do B-SP), por sua vez, enfatiza os números de jovens mortos no Brasil, dentre os quais 80% são negros. Por fim, a deputada Benedita da Silva se refere ao impacto nas comunidades negras: Nós estamos falando como se fossem os filhos dos outros, aqueles filhos das mulheres pobres, aqueles filhos e filhas de uma comunidade negra. Este é o perfil que nós encontramos nas estruturas e nas instituições perversas, que fazem com que os nossos filhos e as nossas filhas não tenham, sem dúvida nenhuma, esperança de frequentar uma boa escola, uma universidade.
Independente da avaliação do conteúdo dos discursos a referenciar a temática racial no contexto da redução da maioridade penal, os mesmos exemplificam os limites para evocar o assunto em meio ao atual ambiente parlamentar. Representantes engajados com pautas antirracistas devem agir estrategicamente para avançar essa agenda. A maioria do parlamento possui sua identidade, mesmo quando de forma inconsciente, formada a partir de marcas de socialização predominantemente brancas, cuja atenção para os impactos das desigualdades raciais é desconsiderada ou assumida como secundária. A justificativa da matéria apresentada por Benedito Domingues trouxe um tom em 1993 que permaneceu no tratamento discursivo dos defensores
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da matéria, que se refere a tomar em baixa consideração os argumentos contrários à reivindicação apresentada. A ênfase de Domingues em questões relativas apenas à maturidade dos jovens atuais ignora em grande medida as colocações contrárias à matéria a partir de critérios sociais. É importante frisar que a justificativa inicial busca tratar da qualificação de imputação de crime com base em critérios biológicos. Não dar voz à posição do outro é estratégico para o sucesso no processo de convencimento, mas traz efeitos para a qualidade do debate político que não podem ser colocados de lado. Quando se observa que há uma atenção mais reduzida à contra-argumentação por parte dos defensores da redução da maioridade penal, forma-se o cenário para aquilo que Fairclough e Fairclough (2012) denominam como discursos meramente ideológicos, que não dão espaço para melhoria de argumentos, pois não estão abertos ao embate de ideias. Apesar da aprovação na Câmara dos Deputados, a proposta da PEC 171/1993 foi arquivada ao ser remetida ao Senado e até o momento não houve alteração em sua situação. Não obstante, a análise da discussão sobre o tema evidencia a dificuldade para que temas centrais à agenda política do movimento negro tenham perspectivas antirracistas representadas no Parlamento. A discussão ocorrida na Câmara evidencia os limites da representação política produzidos sob dinâmicas eleitorais em condições de extrema desigualdade social e econômica. Como apresentado no início deste capítulo, o baixo número de um grupo social nos espaços representativos impõe dificuldades à tematização das demandas relacionadas às experiências de vida desses grupos. Ao se considerarem as manifestações do movimento negro sobre o tema, tornam-se evidentes as dificuldades impostas para trazer suas perspectivas para dentro do Congresso Nacional, já que não houve condição concreta de impactar na discussão do Parlamento. Nesse sentido, os achados sobre a dinâmica eleitoral e a dinâmica parlamentar se encontram. As lideranças partidárias brasileiras ainda rejeitam encarar o tema das desigualdades raciais como central para a organização da sociedade. Se no momento eleitoral não há destinação de recursos e estímulos partidários efetivos para candidaturas não brancas, não surpreende que mesmo partidos com maior aproximação à temática antirracista são incapazes de valorizar a importância da participação de pessoas não brancas no debate de temas cujo efeito de possíveis políticas públicas será sentido mais intensamente para preto(a)s, pardo(a)s e indígenas. A disputa pela valorização de valores antirracistas na política brasileira depende de forma crucial da disputa no interior das organizações partidárias acerca da importância dessa dimensão.
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Conclusão Não há uma resposta conclusiva nem unilateral para a questão que norteou este livro, a saber: o que impede preto(a)s e pardo(a)s de se elegerem na mesma frequência que branco(a)s? No entanto, os dados discutidos até aqui apontam para sentidos similares. Grosso modo, não é possível atribuir a sub-representação de não brancos nos legislativos brasileiros à relativa escassez de candidatos com esse perfil. De fato, existem menos preto(a)s e pardo(a)s nas listas partidárias do que a proporção desse grupo na população. Porém, esse hiato não costuma ser grande o suficiente para explicar a magnitude da sub-representação deles na política. Há, por sua vez, uma grande desigualdade na distribuição dos grupos raciais pelas listas dos diferentes partidos. Na ausência de cotas nas nominatas, como já ocorre para homens e mulheres, alguns partidos maiores e mais tradicionais tendem a dar mais espaço para elites políticas brancas. Do outro lado, partidos políticos menores e marginais na disputa tendem a ter um maior equilíbrio racial dentre seus indicados, sem que isso se traduza em equalização das chances eleitorais. Ao contrário, embora preto(a)s e pardo(a)s se concentrem em partidos menores, suas chances eleitorais nestes são sensivelmente inferiores àquelas do(a)s pouco(a)s preto(a)s e pardo(a)s que penetram legendas de maior projeção política. Como vimos, candidato(a)s não branco(a)s possuem menos recursos sociais eleitoralmente valiosos, como origem em ocupações abastadas, do que seus/suas concorrentes branco(a)s. Todavia, as distâncias entre branco(a)s e não branco(a)s aumenta somente quando observamos os estratos superiores de instrução. Mas essas desigualdades não servem por si só para explicar a desvantagem competitiva a não branco(a)s. Como é notório, esse estrato da população brasileira costuma advir das classes mais baixas de nossa hierarquia socioeconômica e, por isso, é sempre contestável afirmar que as desvantagens que ele(a)s enfrentam podem ser atribuídas unicamente à sua pertença racial. Na tentativa de isolar o efeito da raça sobre o efeito da instrução ou da classe, fez-se necessário correlacionar o acesso do(a)s candidato(a)s a recursos eleitorais relevantes (financiamentos para campanha e votos) a outras variáveis em modelos analíticos multivariados. Ao que parece, é o baixo acesso a financiamentos de campanha a variável que mais impacta nas menores chances eleitorais de preto(a)s e pardo(a)s,
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muito embora esse efeito decresça nas eleições municipais. Ademais, o financiamento permanece como recurso fundamental mesmo quando controlamos os efeitos somados de outras variáveis, como gênero e grau de instrução. Embora variáveis como essas, além de classe de origem, sejam mais relevantes no acesso a financiamento, ser não branco(a) tem, ainda assim, um efeito negativo nas chances de obter recursos financeiros para custear as campanhas. É nos estratos superiores da competição eleitoral que as desigualdades entre brancos e não brancos cresce mais sensivelmente. Entre 70% e 80% das candidaturas aos legislativos federal e municipais não têm qualquer chance de se eleger e participam da disputa apenas para ajudar seus partidos a atingirem o quociente eleitoral. Isso quer dizer que a disputa eleitoral se dá a rigor entre 20% e 30% das candidaturas que têm maior potencial de votação. É nesses estratos superiores da competição que percebemos menos candidato(a)s preto(a)s e pardo(a)s. Essas observações nos permitem ensaiar algumas conclusões. Em primeiro lugar, parece haver uma perniciosa interação entre as dinâmicas sociológicas da discriminação racial no Brasil e o funcionamento próprio do nosso sistema eleitoral. Do ponto de vista sociológico, nossos dados parecem corroborar a ideia de que preto(a)s e pardo(a)s enfrentam dificuldades maiores de ascensão à medida que se acirra a competitividade por recursos socialmente valiosos. Algo similar parece ocorrer na política: a discriminação racial não apenas permanece operando em diferentes contextos competitivos, mas o aumento dessa competição parece aumentar a marginalização dos negros. Nos estratos de receita e votação das eleições em que a competitividade dos candidatos é menor, a situação do(a)s não branco(a)s é pouco diferente daquela do(a)s branco(a)s. Já nas faixas que concentram as candidaturas mais competitivas, as distâncias entre os dois grupos aumentam sensivelmente, sempre em prejuízo do(a)s não branco(a)s. Concomitante, há um elemento político, decorrente das tradições partidárias apoiadas em experiências eleitorais anteriores. O século XX observou no Brasil uma presença limitada de candidaturas não brancas bem-sucedidas eleitoralmente. Lideranças partidárias absorveram essa informação como um sinal do baixo desempenho de candidaturas pretas e pardas, sem considerar desigualdades factuais quanto a recursos de campanha, exposição midiática etc. Com isso, as portas de entrada na disputa eleitoral de forma efetiva encontraram-se fechadas para não branco(a)s. Esses mecanismos reforçam, constituem e reificam os empecilhos decorrentes da competição política, abordados acima.
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A despeito do discurso igualitário, subjacente aos mecanismos de seleção eleitoral próprios das democracias representativas, a eleição não garante por si só a igualdade de oportunidades. Ao contrário, o componente “democrático” das eleições não decorre da igualdade de oportunidade entre os competidores, mas do igual peso de cada eleitor em um contexto de sufrágio universal. Como destaca Bernard Manin (2002[1997]), eleições livres dão ao eleitor a possibilidade de escolher o representante político a partir da característica mais relevante que ele reputar por meio do voto, cabendo às candidaturas acumularem recursos cuja principal proeza será destacar-se em meio à diversidade de opções (Manin, 2002[1997], p. 136). Uma das marcas centrais da eleição é, portanto, que ela não visa produzir necessariamente representantes similares aos eleitores, mas sim destacar dentre os cidadãos e cidadãs aqueles em tese mais vocacionados ao trabalho representativo (Manin, 2002[1997], p. 160). Por conta desse elemento aristocrático das democracias representativas, as chances de sucesso eleitoral estão condicionadas à capacidade de acesso de um dado grupo social a uma elite de candidaturas competitivas. Daí a necessidade de medidas específicas que mitiguem os componentes aristocráticos da democracia representativa. Não basta apenas que uma parte considerável das candidaturas seja de preto(a)s e pardo(a)s, pois os eleitos permanecem sendo aqueles que estão no topo tanto em termos da distribuição de recursos de campanha como nos últimos estratos de votação. Noutros termos, não basta apenas ter maior acesso médio a recursos e votos para se eleger, é preciso ter acesso ao seleto grupo com mais recursos do que todos os demais. Para além do resultado desses números, fica a pergunta: por que o Brasil precisa de mais negros e negras na política? A questão está longe de ser simples. O princípio básico das democracias representativas é que a composição da política deveria refletir as escolhas dos eleitores e eleitoras. Estes são vistos como os melhores juízes de seus interesses e valores e, portanto, as características da representação política refletiriam a vontade popular manifestada nas urnas. Além disso, a inclusão de negros na política não necessariamente levará ao fortalecimento de uma pauta antirracismo, já que nem todo(a) negro(a) está necessariamente comprometido com essa bandeira. Apesar de as pautas antirracistas terem estado historicamente associadas a lideranças negras, não é forçoso que sempre será assim. E a ascensão recente de mulheres e negros de extrema-direita ao Parlamento mostra que não há qualquer associação necessária entre perfil social e ação política progressista.
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Ainda assim, existem boas razões para defender medidas que incrementem a participação de preto(a)s e pardo(a)s nas esferas decisórias. Primeiro, porque a composição da representação política não reflete apenas as preferências dos eleitores, mas também as restrições presentes na própria competição eleitoral, como discutimos extensamente até aqui. Mesmo em um cenário futuro de competição eleitoral mais equânime, é possível que eleitores e eleitoras permaneçam escolhendo candidato(a)s branco(a)s, embora as pesquisas disponíveis não detectem vieses raciais por parte desses. Ainda assim, a inclusão de mais negro(a)s na política permanecerá importante. Como já sugerimos, não é forçoso que políticas mulheres, por exemplo, defendam a descriminalização do aborto, do mesmo modo, nem todo político negro defenderá políticas de ação afirmativa racial. Contudo, a política não pode ser reduzida a um espaço de embate entre interesses e opiniões. Muitas problemáticas que penetram o Parlamento suscitam questões novas sobre as quais o(a)s eleito(a)s nem sempre têm visões e preferências consolidadas. A política não é apenas o espaço de expressão de interesses e valores pré-formados, mas também da deliberação pelo diálogo e da eventual modificação das visões tanto de eleitos quanto de eleitores. Por isso é relevante incluir nessas deliberações a experiência vivida, porém silenciada, de grupos subalternos. Uma discussão das leis sobre aborto será necessariamente limitada se só contar com as perspectivas de homens sobre a temática. Do mesmo modo, um debate sobre a expansão das ações afirmativas raciais que envolva apenas brancos terá limites patentes, por exemplo. Daí a importância de se considerarem as perspectivas e o conhecimento vivido pelos setores das populações mais atingidas, positiva ou negativamente, pela ação estatal que o(a)s dizem respeito. Isso não nos deve levar a crer, contudo, que políticas mulheres ou políticas e políticos negra(o)s só devam adentrar o Parlamento porque possuem um conhecimento vivido e importante na deliberação das temáticas específicas que o(a)s dizem respeito. É óbvio que as discussões em torno de temáticas relacionadas às desigualdades e às discriminações raciais e de gênero se beneficiarão mais da inclusão de mulheres, negros e mulheres negras na política, mas isso não é tudo. Vivemos em um país profundamente desigual, no qual a parte mais dependente das políticas estatais de saúde, educação e segurança, entre outras, é justamente aquela sem voz política. Ademais, raça e gênero são clivagens estruturantes da sociedade e do modo como nosso Estado se organizou historicamente. Toda questão política – das medidas econômicas de austeridade a políticas educacionais para jovens – possui dimensões raciais e de gênero. Logo, a inclusão desses grupos na representação política não visa
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apenas reduzir os problemas sociais que lhes são específicos: ela visa, sobretudo, tornar nossa sociedade mais democrática.
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Anexos Anexo 1. Categorização das ocupações registradas no TSE em classes sociais Classe Ocupações registradas Membro Do Ministério Público, Governador, Senador, Piloto De Aviação Comercial, Navegador, Mecânico De Voo E Assemelhados, Tabelião, Pecuarista, Controlador De Alta Tráfego Aéreo, Prefeito, Empresário, Deputado, Produtor Agropecuário, Industrial, Vereador, Ministro De Estado, Diretor De Empresas, Capitalista De Ativos Financeiros, Magistrado, Diplomata. Economista, Agrônomo, Arquiteto, Arqueólogo, Geólogo, Biólogo, Médico, Ator E Diretor De Espetáculos Públicos, Engenheiro, Matemático E Atuário, Advogado, Astrônomo, Contador, Farmacêutico, Escritor E Crítico, Zootecnista, Fiscal, Administrador, Petroleiro, Odontólogo, Servidor Público Federal, Agricultor, Veterinário, Trabalhador Florestal, Servidor Público Civil Aposentado, Professor De Ensino Superior, Média Servidor Público Estadual, Publicitário, Comunicólogo, Geógrafo, Psicólogo, Historiador, Alta Policial Civil, Enfermeiro, Jornalista E Redator, Militar Reformado, Pedagogo, Estatístico, Nutricionista E Assemelhados, Fonoaudiólogo, Membro Das Forças Armadas, Químico, Economista Doméstico, Sociólogo, Cientista Político, Geofísico, Meteorologista, Bacteriologista E Assemelhados, Biomédico, Arquivista E Museólogo, Oceanógrafo, Comandante De Embarcações, Leiloeiro, Avaliador E Assemelhados, Servidor Da Justiça Eleitoral, Paramédico, Antropólogo, Físico. Aposentado (Exceto Servidor Público), Bombeiro Militar, Técnico Têxtil, Corretor De Imóveis, Seguros, Títulos E Valores, Professor De Ensino Fundamental, Bancário E Economiário, Guia De Turismo, Operador De Instalação De Produção De Energia Elétrica E Nuclear, Trabalhador De Minas E Pedreiras, Sondador E Assemelhados, Coreógrafo E Bailarino, Serventuário De Justiça, Desenhista, Agente De Serviços Funerários E Embalsamador, Policial Militar, Fisioterapeuta E Terapeuta Ocupacional, Assistente Social, Terapeuta, Massagista, Comerciante, Professor De Ensino Médio, Astrólogo, Professor E Instrutor De Formação Profissional, Técnico Em Agronomia E Agrimensura, Programador De Computador, Agente De Saúde E Sanitarista, Técnico Média De Contabilidade, Estatística, Economia Doméstica E Administração, Técnico Em Baixa Edificações, Operador De Aparelhos De Produção Industrial, Operador De Computador, Gerente, Diretor De Estabelecimento De Ensino, Agente Administrativo, Trabalhador Dos Serviços De Contabilidade, De Caixa E Assemelhados, Ocupante De Cargo Em Comissão, Servidor Público Municipal, Agenciador De Propaganda, Técnico De Eletricidade, Eletrônica E Telecomunicações, Decorador, Técnico De Enfermagem E Assemelhados (Exceto Enfermeiro), Técnico De Mineração, Metalurgia E Geologia, Fotógrafo E Assemelhados, Relações-Públicas, Eletricista E Assemelhados, Mecânico De Manutenção, Agente Postal, Operador De Implemento De Agricultura, Pecuária E Exploração Florestal, Técnico Em Informática, Trabalhador De Artes Gráficas, Trabalhador Em Atividade De Processamento Químico
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Trabalhador Metalúrgico E Siderúrgico, Trabalhador De Fabricação, Vulcanização E Reparação De Pneumáticos, Comerciário, Técnico De Obras Civis, Estradas, Saneamento E Assemelhados, Tradutor, Intérprete E Filólogo, Técnico De Química, Analista De Sistemas, Estudante, Bolsista, Estagiário E Assemelhados, Auxiliar De Laboratório, Torneiro Mecânico, Protético, Trabalhador De Hotelaria, Securitário, Agente De Viagem, Ferroviário, Bibliotecário, Cantor E Compositor, Atleta Profissional E Técnico Média Em Desportos, Técnico De Mecânica, Operador De Equipamento De Rádio, Televisão, Baixa Som E Cinema, Técnico De Biologia, Técnico De Laboratório E Raios X, Produtor De (cont.) Espetáculos Públicos, Detetive Particular, Jornaleiro, Montador De Estrutura Metálica, Tapeceiro, Bombeiro E Instalador De Gás, Água, Esgoto E Assemelhados, Montador De Máquinas, Operador De Equipamento Médico E Odontológico, Trabalhador De Tratamento De Fumo E De Fabricação De Cigarros/Charutos, Fiscal De Transporte Coletivo, Mestre E Contramestre De Embarcação, Modelo, Joalheiro E Ourives, Trabalhador De Fabricação De Produtos De Borracha E Plástico, Comissário De Bordo. Despachante, Estivador, Carregador E Assemelhados, Estofador, Carpinteiro, Marceneiro E Assemelhados, Cobrador De Transporte Coletivo, Trabalhador De Fabricação De Roupas, Governanta, Representante Comercial, Telefonista, Trabalhador De Fabricação De Produtos Têxteis (Exceto Roupas), Garimpeiro, Supervisor, Inspetor E Agente De Compras E Vendas, Motorista De Veículos De Transporte De Carga, Encanador, Soldador, Chapeador E Caldeireiro, Fiandeiro, Tecelão, Tingidor E Assemelhados, Alfaiate E Costureiro, Padeiro, Confeiteiro E Assemelhados, Secretário E Datilógrafo, Vendedor Pracista, Representante, Caixeiro-Viajante E Assemelhados, Trabalhador De Construção Civil, Dona De Casa, Marinheiro Civil, Canoeiro, Embarcado E Assemelhados, Auxiliar De Escritório E Assemelhados, Embalador, Empacotador E Assemelhados, Digitador, Ceramista E Oleiro, Trabalhador De Fabricação E Preparação De Alimentos E Bebidas, Vendedor De Comércio Varejista E Atacadista, Lavandeiro, Baixa Tintureiro E Assemelhados, Almoxarife, Cozinheiro, Artista De Circo, Trabalhador De Usinagem De Metais, Taxista, Motorista De Veículos De Transporte Coletivo De Passageiros, Engraxate, Trabalhador Rural, Pescador, Cabeleireiro E Barbeiro, Lavador De Veículos, Garçom, Recepcionista, Serralheiro, Carvoeiro, Artesão, Porteiro De Edifício, Ascensorista, Garagista E Zelador, Empregado Doméstico, Vigilante, Motorista Particular, Manicure E Maquiador, Jardineiro, Faxineiro, Esteticista, Trabalhador De Fabricação De Calçados E Artefatos De Couro, Gari Ou Lixeiro, Catador De Recicláveis, Cortador, Polidor E Gravador De Pedras, Atendente De Lanchonete E Restaurante, Feirante, Ambulante E Mascate, Motoboy, Funileiro, Bombeiro Civil, Maquinista E Foguista De Embarcações E Assemelhados, Chapeleiro, Frentista, Escultor E Pintor, Lanterneiro E Pintor De Veículos, Office-Boy E Contínuo, Chaveiro, Leiturista, Guardador De Veículos, Salva-Vidas, Coveiro, Demonstrador, Trabalhador De Curtimento, Taquígrafo E Estenógrafo. Outros, Trabalhador De Fabricação De Papel E Papelão, Artista Plástico E Assemelhados, Outras Locutor E Comentarista De Rádio E Televisão E Radialista, Sacerdote Ou Membro De Ordem Ou Seita Religiosa, Músico, Não Divulgável.
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Anexo 2. Resultado das regressões quantílicas para votação (variável dependente) de 2014 (Capítulo 5)
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Anexo 3. Resultado das regressões quantílicas para votação (variável dependente) de 2016 (Capítulo 5)
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Anexo 4. Resultado das regressões quantílicas para votação (variável dependente) de 2018 (Capítulo 5)
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Anexo 5. Categorização da posição ideológica dos partidos políticos Partido DEM NOVO PC do B PCB PCO PDT PEN/PATRI PHS PL/PR PMB PMDB/MDB PMN PP PPL PPS/CIDADANIA PRB/REPUBLICANOS PROS PRP PRTB PSB PSC PSD PSDB PSDC/DC PSL PSOL PSTU PT PT do B/AVANTE PTB PTC PTN/PODE PV REDE SD
Posição Ideológica DIREITA DIREITA ESQUERDA ESQUERDA ESQUERDA ESQUERDA DIREITA CENTRO DIREITA DIREITA CENTRO DIREITA DIREITA CENTRO CENTRO DIREITA DIREITA DIREITA DIREITA ESQUERDA DIREITA CENTRO CENTRO DIREITA DIREITA ESQUERDA ESQUERDA ESQUERDA DIREITA DIREITA DIREITA DIREITA CENTRO CENTRO DIREITA
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esta obra foi composta em Minion Pro 11/14 pela Editora Zouk e impressa em papel Pólen Soft 80g/m2 pela gráfica Odisséia em novembro de 2020
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