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Portuguese Pages 703 [705] Year 2004
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or que os valores ocidentais triunfaram? Por que as idéias e
práticas ocidentais estão se espalhando pelo globo sem encontrar oposição? Neste trabalho abrangente e ambicioso de história militar e cultural, Victor Davis Hanson argumenta de maneira convincente que tudo pode ser explicado pelo jeito ocidental de matar. Com sua marca registrada, o talento para dar vida às áridas realidades das batalhas, Hanson recria de forma vívida nove confrontos importantes entre
exércitos ocidentais e não-ocidentais, da espantosa vitória grega em Salamina, em 480 a.C.., passando pela conquista da Cidade do México por Cortés, em 1521,
até a extenuante guerra urbana da Ofensiva do Tet, no Vietnã. Mas Hanson ultrapassa as convenções do gênero "armas e clarins" e revela as
bases culturais que determinaram o curso e as consequências de cada um desses confrontos, avançando, ao mesmo tempo, uma tese provocadora sobre as
razões para a dominação global do Ocidente. Em resposta àqueles que insistem no papel do meio ambiente e em outros fatores não-humanos, Hanson mostra que a ascensão do Ocidente não foi um acaso da geografia ou dos "germes", mas um resultado lógico do dinamismo cultural do Ocidente expressado em seu modo de guerrear .
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Por que O
Ocidente venceu Massacre e cultura da Grécia antiga ao Vietnã
Tradução Fernanda Abreu
2º Edição
Do original Carnage and Culture
Copyrighr O 2001 by Victor Davis Hanson
Copyright da tradução O 2002 by Ed iouro Public ações S.A. ISBN
original 0-385-50052-1
Todos os direitos reservados e protegido s pela Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998, É proibida a reprod
ução total ou parcial, por quaisquer mei os,
sem autorização prévia, por escrito, da edi tora. Diretor executivo - EDAURY CRUZ Gerente editorial - JiRO TAKAHASHI
Preparação de originais - MARIA JosÉ DE SANT 'ANNA
Produção editorial - CRISTIANE MARINHO
|
Copidesque - GisELE PORTO
Assistentes editoriais - FELIPE SCHUERY, JORGE AMARAL, CHRISTIANE CARDOZO E GILMAR MIRÂNDOL A Revisão tipográfica - SANDRA PÁSSARO E JAC QUELINE GUTIERREZ Capa, projeto práfico e editoração eletrônica JULIO MOREIRA Reproduções fotográficas - ANTONIO AUGU STO
Pesquisa Iconográfica - Luiz FERNANDO P SAMP AIO E MARIA CRISTINA GIOSEFFI Produção gráfica - JAQUELINE LAVÓR Gerente de PCP - LUCIENE BAPTISTA CIP - BRASIL. CATALOGAÇÃO.-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS,
H222p
RJ
Hanson, Victor Davis
Porque o Ocidente venceu / Victor Davis Hanson ; tradução de
Fernanda Abreu. - Rio de Janeiro : Ediouro,
Ls
2004.
Tradução de: Carnage and culture inclui bibliografia ISBN 85-00-01058-4 1. Batalhas.
I. Título.
2. História militar
02-1576.
CDD
904.7
CDU 355.48 04050607
04 05 06 07
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97654372 EDIOURO
PUBLICAÇÕES
RIO DE JANEIRO: Sede, Depr.to de Vendas e Expedição Rua Nova Jerusalém, 345 — |
S.A.
CEP 21042-230 — Rio de Janeiro — RJ
Tel.: (21) 3882-8200 — Fax: (21) 2260-6522 e-mail: livros(Wediouro.com.br e-mail: vendas(Vediouro.com.hr
Internet:
www.cediouro.com.br
Para Donald Kagan e Steven Ozment
Sumário Prefácio
2
Capítulo
1. Por que o Ocidente venceu 12
Assassinos esclarecidos * A primazia da batalha * Idéias ocidentais * A guerra à ocidental
Parte 1 - Criação Capítulo
2. Liberdade — ou “Viver como se quiser”
Salamina, 28 de setembro de 480 a.C.
49
Os afogados * Os aquemênidas e a liberdade * As guerras persas e a estratégia de Salamina * A batalha * Eleutheria * O legado de Salamina
Capítulo 3. Batalha decisiva S3 Gaugamela,
1º de outubro de 331 a.C.
Pontos de vista * A máquina militar macedônia * Surto assassino * Batalha decis iva e
guerra ocidental
Capítulo 4. Cidadãos soldados 147
Canas, 2 de agosto de 216 a.C.
Uma carnificina de verão * As mandíbulas de Aníbal * Cartago e o Ocidente *
Legiões de Roma * A idéia de uma nação em armas * “Governantes do mundo inteiro” — O legado
do militarismo cívico
Parte 2 - Continuidade Capítulo 5. Infantaria fundiária 197 Poitiers, 11 de outubro de 732
Cavalaria versus infantaria * O muro * O martelo * A ascensão do Islã * Idade das Trevas? *
Infantaria, propriedade e cidadania * Poitiers e mais além
6. A tecnologia e os resultados da razão 245
Tenochtitlán, 24 de junho de 1520 — 13 de agosto de 1521
As batalhas pela Cidade do México * Guerra asteca * A mentalidade dos conquistadores *
Racionalismo espanhol * Por que os castelhanos venceram * Razão e guerra
Capítulo
7. O mercado - ou O capitalismo mata 322
Lepanto, 7 de outubro de 1571
Guerra de galés * Lendas de Lepanto * A Europa e os otomanos * O capitalismo, a economia otomana e o Islã * À guerra e o mercado
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Capítulo
Parte 3 - Controle Rorke's Drift, 22 e 23 de janeiro de 1879
307 + À LA
Capítulo 8. Disciplina- ou Guerreiros nem sempre são soldados
Campos da morte * À moda imperial * Poder e impotência zulu * Coragem não é
necessariamente disciplina
Capítulo 9. Individualismo 473
Midway, de 4 a 8 de junho de 1942
Infernos flutuantes * A aniquilação dos devastadores * A frota imperial sai de cena * Japão ocidental e Japão não-ocidental * Espontaneidade e iniciativa individual em Midway * O individualismo na
guerra ocidental
Gapítulo
10. Desacordo e autocrítica 551
Tet, de 31 de janeiro a 6 de abril de 1968
Batalhas contra as cidades * A vitória como derrota * Depois da batalha * A guerra em meio a audito rias, escrutínio e autocrítica
Epílogo.
Guerra ocidental - Passado e futuro 623
O legado helênico * Outras batalhas? * A singularidade da cultura militar ocidental * A continuidade da letalidade ocidental * Ocidente contra Ocidente?
Glossário 645 Leituras complementares Índice 679
651
Prefácio
o longo deste livro, uso o termo “ocidental” para me referir à cultu-
ra da Antigiiidade clássica que surgiu na Grécia e em Roma; sobreviveu ao colapso do Império Romano; espalhou-se pelo oeste e pelo
norte europeu; em seguida, durante os grandes períodos de exploração e de colonização dos séculos XV a XIX, expandiu-se para as Américas, para a Aus-
trália e por regiões da Ásia e da África; e que hoje exerce um poder político, econômico, cultural e militar global muito maior do que poderia fazer pensar
o tamanho de seu território ou de sua população. Embora os títulos dos capítulos reflitam elementos-chave dessa tradição cultural ocidental comum, não devem ser interpretados como se todos os estados europeus compartilhassem sempre os mesmos valores, ou como se essas instituições e práticas centrais
não houvessem mudado ao longo de cerca de 2.500 anos de história. Mesmo admitindo que os críticos, em diversos aspectos, discordariam das razões para
o dinamismo militar europeu e para a natureza da civilização ocidental em si, não tenho interesse em entrar em tais debates culturais contemporâneos, já
que meu interesse é o poder militar do Ocidente, e não sua moralidade. Conseqiientemente, concentrei-me de maneira deliberada nas diferenças
entre Ocidente e Oriente que evidenciam a letalidade singular da cultura oci-
dental em guerra quando comparada a outras tradições vindas da Ásia, Africa
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ii Por que o Ocidente
venceu
e Américas. Essas generalizações válidas não de veriam fazer supor que em determinadas ocasiões não haja diferenças rea is entre estados europeus distin.
tos, ou que as culturas ocidentais e nãoocidentais sejam monolíticas ou este-
jam sempre em conflito umas com as outras. E apesar de discutir questões mais amplas sobre governo, religião e economia, meu objetivo principal é explicar o poder militar ocidental, e não natureza é evolução gerais da civili-
zação ocidental como um todo. Este, portanto, não é um livro escrito para esp ecialistas acadêmicos. O que
tentei foi oferecer ao leitor em geral uma sín tese da sociedade ocidental em guerra ao longo de cerca de 2.500 anos de his tória, concentrada em tendên-
cias gerais, e não em um trabalho original de pesqui sa primária dentro de um período histórico definido. Usei citações acadêmicas formais entre parênteses no texto apenas no caso das citações diretas mais longas — embora as informações detalhadas sobre o material factual sejam derivadas de fontes primárias e de livros e artigos secundários discutidos na conclusão do livro.
Tenho muitas pessoas a quem agradecer. Sabina Robinson e Karin Lee, do Honors Program da CSU em Fresno, foram revisoras eficazes. Katherine Becker, aluna de doutorado do programa de história militar da Ohio State Uni-
versity, ajudou com a editoração e com as tarefas bibliográficas. Mais uma vez, meu colega na área de clássicos na CSU em Fresno, professor Bruce Thornton, leu o manuscrito inteiro e evitou que eu cometesse diversos erros. O Dr Luis Costa, reitor da Escola de Artes e Humanidades da CSU em Fres no, forneceu uma bolsa de pesquisa oportuna que me permitiu visitar várias bibliotecas e levar o manuscrito até a apresentação final. Mais uma vez, tenh o uma dívida de gratidão para com ele. Também aprendi bastante sobre a guerra ocidental com os trabalhos de Geoffrey Parker, John Keegan e Barry Strauss, e em conversas e correspondência com Josiah Bunting III, Allan Millett, Geoffrey Parker, John Lynn e Robert
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Cowley. Gostaria de agradecer a Charles Garrigus, Donald Kagan, John Heath,
Steven Ozment e Bruce Thornton por sua amizade duradoura. Donald Kagan
e Steven Ozment me ensinaram muito sobre a civilização ocidental na última década; ambos me serviram como guardiães-modelo de nossa herança cultural em épocas muitas vezes assustadoras e deprimentes. Minha correspondên-
cia com Rita Atwood, Nick Germanicos, Debbie Kazazis, Michelle McKenna
e Rebecca Sinos foi de grande ajuda enquanto eu escrevia o manuscrito. A Sra. M.C. Drake, professora de arte dramática e de design na CSU em Fresno, desenhou a versão original dos mapas. Devo-lhe muitos agradecimentos. Meus agentes literários, Glen Hartley e Lynn Chu, que têm sido amigos por
mais de uma década e me deram os conselhos e o apoio que eu não poderia ter encontrado em outro lugar. Foram meu canal de comunicação entre uma fazenda bastante isolada ao sul de Fresno e o mundo complexo, e muitas vezes desnorteante, de Nova York. Do mesmo modo, devo ao meu editor na Double-
day, Adam Bellow, minha gratidão por este livro e por outros livros no passado.
Minha mulher, Cara, revisou o manuscrito final diagramado; mais uma vez lhe agradeço por seu apoio contínuo — e por manter a sanidade em uma casa com três adolescentes, seis cachorros, sete gatos, um passarinho, um coelho,
uma sede de fazenda de 120 anos de idade cheia de ruídos e vinte e quatro
hectares de ruinosas árvores e vinhas. Mais uma vez, meus três filhos, Susannah, William e Pauline, que, ao assumirem muitas das minhas responsabilidades na
fazenda e em casa, me ajudaram a poder terminar este livro.
VD.H. Selma, Califórnia
Setembro de 2000
1 Por que O
Ocidente
venceu
Ao som do clarim, os soldados pegaram suas armas e saíram. Ao atacar, cada vez
mais rápido, soltaram um grito alto, e sozinhos começaram a correr em direção ao acampamento. Mas um grande medo tomou conta das hordas bárbaras; a rainha cílice
fugiu imediatamente em sua carruagem, e as pessoas no mercado jogaram seus objetos no chão e também fugiram. Nesse momento, os gregos se aproximaram do acampamento dando grandes risadas. E a rainha cílice encheu-se de admiração diante do brilhante espetáculo e da ordem da falange; e Ciro deleitou-se diante do terror abjeto dos bárbaros ao verem os gregos.
Xenofonte, Anabasis [Anabase] (1.2.16-18)
Assassinos
esclarecidos
Até mesmo a situação difícil de assassinos empreendedores pode nos revelar alguma coisa. No verão de 401 a.C., 10.700 hoplitas gregos — soldados de infantaria pesadamente armados com lanças e escudos, e com o corpo protegido por armaduras — foram contratados por Ciro, o Jovem, para ajudá-lo em sua luta pelo trono persa. Muitos dos recrutas eram veteranos endurecidos pelos 27 anos da Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.). Mercenários, haviam
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Por que o Ocidente venceu
sido recrutados por todo o mundo de língua grega. Muitos eram renegados e
exilados assassinos. Tanto rapazes recém-saídos da adolescên cia quanto ho-
mens de meia-idade ainda robustos se alistavam para receber à paga. Muitos estavam desempregados e dispostos a qualquer coisa para encontrar trabalho lucrativo como assassinos no difícil período logo depois da guerra mortíf era que quase arruinara o mundo grego. Mas as fileiras contavam também com alguns estudantes de filosofia e de oratória privilegiados, que marchariam
Ásia adentro lado a lado com esses mercenários destituídos — aristo cratas como Xenofonte, aluno de Sócrates, e Próxenos, o general beócio, bem co-
mo médicos, oficiais profissionais, aspirantes a colonos e ricos gregos amigos do príncipe Ciro.
Depois de uma bem-sucedida marcha para o leste de quase dois mil e qui-
nhentos quilômetros, que dispersara toda a resistência, os gregos romperam a
linha real persa na batalha de Cunaxa, ao norte de Babilônia. O preço da destruição de toda uma ala do exército persa fora um único hoplita grego ferido por uma flecha. No entanto, a vitória dos Dez Mil na demonstração culminante da luta pelo trono persa foi frustrada quando seu empregador, Ciro, num rompante, cruzou a linha de batalha no encalço de seu irmão Artaxerxes e foi abatido pela guarda imperial persa. Subitamente confrontados por uma horda de inimigos e antigos aliados hostis, longe de casa, sem dinheiro, guias, mantimentos ou seu futuro rei, e sem dispor de um grande número de cavaleiros ou de soldados armados com projé-
teis, os soldados da infantaria expedicionária grega, agora órfãos, ainda assim votaram contra a rendição à monarquia persa. Em vez disso, prepararam-se para retornar ao mundo grego lutando. Essa brutal jornada através da Ásia ru-
mo ao norte, até as margens do mar Negro, é o tema central da Anabase de Xenofonte (“A marcha para o norte”), ele próprio um dos líderes dos Dez Mil durante a retirada. Embora cercados por milhares de inimigos, com seus generais originais cap-
turados e decapitados, forçados a atravessar os disputados territórios de mais 14
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de vinte povos diferentes, obrigados a enfrentar tempestades de neve, altos desfiladeiros e áridas estepes, sofrendo de gangrena, desnutrição e doenças constantes, bem como tendo
que combater várias tribos de selvagens, os gregos chegaram à segurança do mar Negro em sua maioria intactos — menos de um ano e meio depois de sair de casa. No caminho, haviam expulsado todas as forças asiáticas hostis. Cinco em cada seis homens chegaram em casa com vida, e a maioria dos mortos não fora perdida em batalha, mas sim nas altas neves da Armênia. Durante seu tormento,
os Dez Mil fica-
ram assombrados com os taoquianos, cujas mulheres e crianças pularam das altas coli-
nas de sua aldeia em um suicídio ritual em massa. Acharam igualmente espantosos os mossinecianos, bárbaros de pele branca que mantinham relações sexuais abertamente em público. Os calíbios viajavam com as cabeças cortadas de seus oponentes. Até mesmo O exército real da Pérsia parecia estranho: a
infantaria que perseguia os gregos, às vezes chicoteada por seus oficiais, fugira ao primeiro ataque da falange grega. No final das contas, o que surpreende o leitor da Anabase não é apenas a coragem, a perícia e a brutalidade do exército grego —
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que, afinal, não
tinha interesses na Ásia a não ser matar e Figura de um soldado hoplita.
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ganhar dinheiro —, mas sim o imenso abismo cultural entre os Dez Mil e as corajosas tribos contra as quais lutavam. Em que outro lugar do Mediterrâneo filósofos e estudantes de retórica podiam marchar em colunas ao lado de assassinos para atacar de frente os inimi-
gos? Onde mais todos os homens em armas podiam se sentir iguais a qualquer outro integrante do exército — ou pelo menos se sentir livre e no controle do
seu próprio destino? Que outro exército do mundo antigo elegia seus próprios líderes? E como pôde uma força tão pequena, por decisão própria, percorrer
os milhares de quilômetros que os separavam de casa em meio a milhares de inimigos hostis? Depois que os Dez Mil, que eram tanto uma “democracia em marcha”
quanto um exército contratado, deixaram o campo de batalha em Cunaxa, os soldados se reuniam rotineiramente em assembléias durante as quais votavam as propostas de seus líderes eleitos. Em tempos de crise, formavam comitês extraordinários para assegurar que houvesse arqueiros, cavaleiros e médicos
suficientes. Ao se verem confrontados com vários desafios inesperados, tanto naturais quanto humanos — rios intransponíveis, escassez de comida e inimi-
gos tribais desconhecidos —, formavam conselhos para debater e discutir novas táticas, construir novas armas e adotar modificações na organização.
Os generais eleitos marchavam e lutavam ao lado de seus homens — e tinham o cuidado de prestar contas fiscais de suas despesas. Os soldados nas fileiras buscavam uma batalha de choque corpo a corpo com seus inimigos. Todos aceitavam a necessidade de uma disciplina rigorosa
e lutavam ombro a ombro sempre que possível. Apesar de sua própria escassez crítica de tropas montadas, tinham apenas desdém pela cavalaria do Grande Rei. “Ninguém nunca morreu em batalha da mordida ou do coice de um cavalo”,
lembrou Xenofonte a seus soldados de infantaria cercados (Anabase 3.2.19). Ão chegar à costa do Mar Negro, os Dez Mil conduziram investigações judiciais e auditorias da performance de seus líderes durante o ano anterior, ao mesmo tempo em que indivíduos insatisfeitos tinham liberdade para escolher
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se separar e voltar sozinhos para casa. Um humilde pastor acadiano tinha o mesmo direito de voto do aristocrata Xenofonte, aluno de Sócrates, futuro
autor de tratados cujos temas iam da filosofia moral ao potencial de receita da antiga Atenas. *
E impossível conceber o equivalente persa dos Dez Mil. Imaginem a probabilidade da força de elite de infantaria pesada do rei persa —
os
chamados imortais, ou Amrtaka, que também somavam dez mil —, em desvantagem numérica de dez contra um, isolada e abandonada na Grécia,
marchando do Peloponeso à Tessália, derrotando as falanges numericamente superiores de todas as cidades-estado gregas que invadissem, até chegar à segurança do Helesponto. A história oferece um paralelo mais trágico e realista: o grande exército invasor do general persa Mardônio, derrotado em 479 a.C. pelos gregos numericamente inferiores na batalha
de Platéia, e em seguida forçados a voltar para casa, quase quinhentos quilômetros ao norte, através da Tessália e da Trácia. Apesar do enorme ta-
manho do exército e da ausência de qualquer perseguição organizada, poucos persas chegaram em casa. Claramente não eram como os Dez Mil. Seu rei os abandonara muito tempo atrás; depois da derrota em Salamina, Xerxes
marchara de volta para a segurança de sua corte no outono anterior. A superioridade tecnológica por si só não explica o miraculoso feito grego, embora Xenofonte sugira em vários trechos que o pesado equipamento de bronze, madeira e ferro dos Dez Mil não era comparável a nada que pudesse ser encontrado na Ásia. Tampouco existem provas de que os gregos
fossem por natureza “diferentes” dos homens do rei Artaxerxes. A idéia pseudocientífica posterior segundo a qual os europeus eram racialmente superiores aos persas não era defendida por nenhum grego na época. Embora fossem veteranos mercenários afeitos a saques e roubos, os Dez Mil
não eram mais selvagens nem mais belicosos do que outros invasores e saqueadores da época; tampouco eram um povo mais gentil ou de mais moral do que as tribos que encontraram na Ásia. À religião grega não dava muita
Por que o Ocidente venceu
importância a oferecer a outra face, nem a uma crença que considerasse a
guerra per se anormal ou amoral. O clima, a geografia e os recursos natu-
rais também pouco nos revelam. Na verdade, os homens de Xenofonte só
tinham a invejar os habitantes da Ásia Menor, cujas terras aráveis e riquezas naturais contrastavam com o sol o pobre da Grécia. De fato, os soldados e qualquer grego que viajasse para o leste eram avisados sobre O risco
de se tornar “comedores de lótus” letárgicos em uma paisagem natural tão
mais rica.
A Anabase, no entanto, deixa claro que os gregos lutavam de forma muito diferente de seus adversários, e que essas cara cterísticas de batalha puramente helênicas — a noção de liberdade pessoal, a rigorosa disciplina, as armas incomparáveis, a camaradagem igualitária, a in iciativa individual, a constante adaptação e flexibilidade tática, a preferência por bata lha de choque de infantaria pesada — eram por sua vez os dividendos assassin os da cultura helênica de modo geral. A maneira peculiar de matar dos gregos vinha do governo consensual, da igualdade entre as classes intermediárias, da audi toria civil de
assuntos militares e de uma separação entre política e religião, liberdad e ine dividualismo, e racionalismo. O tormento dos Dez Mil, em situação difíci l e próximos da extinção, fez vir à tona a pólis inata a todos os soldados gregos,
que a partir de então passaram a se comportar na campanha exatamen te como
civis em sua respectiva cidade-estado. De uma forma ou de outra, os Dez Mil seriam seguidos por intrusos europeus igualmente brutais: Agesilau e seus espartanos, Chares, O capitão mercenário, Alexandre, o Grande, Júlio César e séculos de dominaçã leo gionária, os cruzados, Hernán Cortés, os exploradores portugueses dos mare s asiáticos, os casacas vermelhas britânicos na Índia e na África e , pencas de
outros ladrões, bucaneiros, colonos, mercenários, imperialis tas e exploradores. A maioria das forças expedicionárias ocidentais post eriores estava em desvantagem numérica e geralmente combatia longe de casa. Mesmo assim, vencia seus inimigos numericamente superiore s e, com intensidades 18
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variadas, recorria a elementos da cultura ocidental para matar impiedosamente seus oponentes. Na longa história da prática militar européia, é quase um truísmo afirmar que a principal preocupação militar de um exército ocidental durante os últimos 2.500 anos foi outro exército ocidental. Poucos gregos morreram em Maratona
(490 a.C.). Milhares morreram nos embates posteriores de Neméia e Coronéia (394 a.€.), onde gregos combateram gregos. Em seguida, as guerras persas (480419 aC.) tiveram relativamente poucas mortes gregas. A Guerra do Peloponeso (431-404 a.C), entre estados gregos, foi um medonho banho de sangue. O próprio Alexandre matou mais europeus na Ásia do que as centenas de milhares
de persas sob Dario III. As guerras civis romanas quase arruinaram a república de um modo que mesmo Aníbal não conseguira. Waterloo, a batalha do rio Somme e o desembarque na Omaha Beach [praia de Omaha] apenas confirmam o holocausto que ocorre quando um ocidental encontra outro ocidental. Este livro tenta explicar por que isso acontece, por que os ocidentais usaram tanto sua civilização para matar os outros — para guerrear de modo
tão brutal e com tanta frequência sem serem mortos. No passado, no presente e no futuro, a história do dinamismo militar mundial acaba sendo um
estudo das proezas das armas ocidentais. Os estudiosos da guerra podem se ressentir de uma generalização tão ampla. Os acadêmicos das universida-
des vão considerar essa afirmação chauvinista, ou algo pior — e citar todas
as exceções que a derrubam, da batalha das Termópilas a Little Bis Hom. A maior parte do público em geral, por sua vez, desconhece a singular e contínua letalidade em armas de sua própria cultura. Mesmo assim, nos últimos 2.500 anos —
mesmo na Idade das Trevas, muito antes da “Revo-
lução Militar”, e não unicamente como resultado do Renascimento, da descoberta da América pelos europeus ou da Revolução Industrial —, tem
havido uma prática específica de guerra ocidental, uma base comum e uma maneira de lutar contínua que fizeram dos europeus os soldados mais mor-
tais da história da civilização.
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que o Ocidente venceu
A primazia da batalha A guerra como cultura Não me interessa aqui se a cultura militar européia é moralmente superior ou muito mais cruel do que a do não-Ocidente. Os conquistadores, que puseram fim ao sacrifício humano e à tortura na Grande Pirâmide da Cidade do
México, vinham de uma sociedade onde ainda se podia sentir o cheiro da Grande Inquisição e da feroz Reconquista, e deixaram em seu rastro um Novo Mundo doente e quase arruinado. Também estou pouco preocupado em justificar a moralidade de guerras específicas — em descobrir se um assassino
como Pizarro no Peru (que anunciou calmamente: “A época dos incas acabou”) era melhor ou pior do que seus mortíferos inimigos incas, se a Índia muito sofreu ou lucrou modestamente com a colonização inglesa, ou se os japoneses
tinham boas razões para bombardear Pearl Harbor ou os americanos para incinerar Tóquio. Minha curiosidade não é o coração sombrio do homem, mas sim sua capacidade de lutar — especificamente, como sua perícia militar
reflete práticas sociais, econômicas, políticas e culturais mais amplas que por si sós parecem pouco ter a ver com a guerra. Essa conexão entre valores e batalha não é original, mas tem uma linhagem
antiga. Os historiadores gregos, cujas narrativas estão centradas na guerra, quase sempre procuravam tirar dela lições culturais. Na história da Guerra do Peloponeso escrita por Tucídides, o general espartano Brásidas desprezou há
poucos governam muitos” (Tucídides 4.126). 20
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ra por gritos de terror ao se depararem com o ferro frio das fileiras de homens disciplinados. Por quê? Porque, como diz Brásidas a seus soldados, essas tribos são o produto de culturas “nas quais muitos não governam poucos, mas sim
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frentaram seus hoplitas espartanos. Esses homens, diz Brásidas sobre seus oponentes selvagens, não têm disciplina e, portanto, não podem suportar a batalha de choque. “Como todas as turbas”, eles trocaram sua atitude amedrontado-
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quase 2.500 anos a perícia militar das tribos da Ilíria e da Macedônia, que en-
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Ao contrário desses enormes exér-
citos de “bárbaros” aos gritos sem governos consensuais
ou constituições
escritas — “formidáveis em sua aparência exterior, com gritos altos insuportáveis e a aparência assustadora
das armas brandidas no ar” —, “cidadãos de estados como o seu”, garante Brásidas a seus homens, “mantêm sua
posição”. Reparem que Brásidas nada
diz sobre cor da pele, raça ou religião. Em vez disso, simplesmente relaciona a disciplina militar, o combate em fi-
leiras e a preferência por batalha de choque à existência de um govemno popular e consensual, que dava ao típico soldado de infantaria de uma
— Busto de Tucídides. Grande historiador grego.
Sua obra é um relato da Guerra do Peloponeso.
falange um sentimento de igualdade e uma coragem superior à dos inimigos. Quer queiramos ou não dispensar o retrato das tribos frenéticas pintado por
Brásidas como uma “invenção” ocidental chauvinista ou uma “ficção”, ou debater se sua própria oligarquia espartana era um governo de base ampla, ou argumentar que os soldados da infantaria ocidental caíam muitas vezes em emboscadas e eram surpreendidos por guerrilhas mais ágeis, é inegável que havia uma tradição dessa infantaria pesada disciplinada nas cidades-estado gregas de governo constitucional, e que isso não existia entre os povos tribais
do norte.
Em uma análise da cultura e do conflito, por que deveríamos nos concen-
trar em poucas horas de batalha e na experiência de combate do soldado típico — e não na épica sucessão de guerras, com sua dose de estratégias grandiosas, manobras táticas e vasto teatro de operações que se prestam tão melhor à cui21
Was
Por que o Ocidente venceu
dadosa exegese social e cultural? A história militar nunca deve ser isolada da trágica história da matança, que, em última análise, só pode ser encontrada Há batalha. A cultura na qual as forças armadas combatem é o que determina se milhares de jovens, em sua maioria inocen tes, estarão mortos ou apodrecen-
do depois da hora marcada para a batalha. Qu ando se trata de batalhas, abstrações como capitalismo ou militarismo cívico não são nada abstratas, mas sim realidades concretas que, no final das contas, determinaram se, em Lepanto,
camponeses turcos de 20 anos sobreviviam ou eram dizimados aos milhares, se
sapateiros e curtidores atenienses podiam voltar para casa em segurança depois
de perpetrar sua carnificina em Salamina ou se seus co rpos despedaçados iam dar nas costas da Ática. Existe uma verdade inerente na batalha. É difícil disf arçar o veredicto do campo de batalha, e praticamente impossível explicar seus mortos, ou sugerir que uma derrota abjeta seja algum tipo de vitória. Guerras são somas de batalhas, e batalhas são uma contagem de seres humanos que mata m ou morrem.
Como assinalaram observadores tão diversos quanto Aldous Huxley e Jo hn Keegan, escrever sobre conflitos no final das contas não é simplesmen te descrever fuzis superiores das tropas imperiais ou o corte incomparável do gládio romano, mas sim descrever a colisão de uma bala de metralhadora com a testa
amplas da ciência e da cultura.
no calor da batalha os de autômatos, em vez e cortinas de balas de com abordagens mais
O eufemismo nas narrativas de batalhas, ou a omissão completa da descrição das mortes, é quase uma ofensa mortal para O historiador milita r. Não é por acidente que escritores de guerra talentosos — de Ho mero, Tucídides, César, 22
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mente adormecem, em vez de serem destroçados, de que generais dão ordens a batalhões impessoais e companhias de garotos de 19 anos gritando em meio a nuvens de gás chumbo, ou de que um cadáver pútrido pouco tem a ver
e
de um adolescente, ou as artérias e os órgãos cortados e arrancados do ventre de um gaulês anônimo. Falar sobre a guerra de qualquer outro modo cria uma espécie de imoralidade; a idéia de que, ao serem atingidos, os soldados simples-
Victor
Davis
Hanson
Victor Hugo e Leon Tolstoi a Stephen Runciman, James Jones e Stephen Ambrose — equiparam táticas com sangue, e estratégia com cadáveres. Como
podemos escrever sobre questões culturais mais amplas em torno da guerra sem descrever a maneira como jovens matam e morrem, sem lembrar quantos milhares deles têm sua juventude roubada, seus físicos robustos transformados
em grude em poucos minutos no campo de batalha? Nossa dívida para com os mortos é descobrir a todo custo como a prática dos governos, da ciência, do direito e da religião determina instantaneamente
o destino de milhares de homens no campo de batalha — e por quê. Durante a Guerra do Golfo (1990-91), o criador da bomba americana inteligente, o montador na fábrica, o responsável pela logística que a encomendou, recebeu, estocou e carregou dentro de um jato, todos agiam de modo diferente de seus equivalentes iraquianos — se é que esses equivalentes exatos existiam —, e
também garantiam que um recruta inocente do exército de Saddam Hussein fosse feito em pedaços e tivesse poucas chances de escapar ao ataque, demonstrasse algum heroísmo em sua derrota, ou matasse o piloto que o estava matando. À razão pela qual adolescentes iraquianos serviam de alvo nos chamativos consoles de vídeo dos sofisticados helicópteros americanos, e não vice-versa,
ou pela qual soldados americanos da gélida Minnesota estavam mais bem equipados para combater no deserto do que recrutas da vizinha e escaldante Bagdá,
é em grande parte o resultado de uma herança cultural, não de coragem militar, e menos ainda um acidente geográfico ou genético. Em última instância, guerrear é matar. À história da guerra se torna absurda quando o historiador ignora as consegiências da morte.
As “grandes batalhas” A idéia de estudar “batalhas decisivas” arbitrárias caiu em desuso — estudos clássicos como The Fifteen Decisive Battles of the World [As quinze batalhas de-
cisivas do mundo], de Sir Edward Creasy, Decisive Battles Since Waterloo [Ba-
talhas decisivas desde Waterloo], de Thomas Knox, ou Decisive Battles of the
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Por que o Ocidente venceu
World: From Salamis to Madrid [Batalhas decisivas do mundo: de Salamina a Madri], de J.EC. Fuller. No passado, esses compêndios procuravam mostrar
como o destino da civilização dependia de um ou dois ataques bem-sucedidos em uma determinada batalha importante — aquele s atos individuais de covardia, coragem e sorte que Creasy chamava de “probabilidades humanas”, que combatiam “causas e efeitos” mais amplos ou as co rrentes deterministas que ele chamava de “fatalismo”. As grandes batalhas também eram selecionad as como objetos dignos de estudo ético e moral. Como admitia Creasy em seu prefácio, “existe uma inegável grandeza na coragem disciplinada, e no am or pela honra, que faz os combatentes enfrentarem agonia e destruição” (vii). As batalhas fazem aflorar o herói ou o covarde em todos nós. A lógica do sécu lo XIX era que não havia melhor maneira de formar o caráter do que a leitura de te xtos sobre o heroísmo e a covardia inerentes às lutas do passado. À primeira vis ta, é difícil discordar dos dois postulados de Creasy: o de que batalhas individuai po s dem mudar a história e o de que podem oferecer uma instrução moral atempora l. Se Temís-
tocles não estivesse presente em Salamina, os gregos poderi am muito bem ter
sido derrotados na frágil infância da civilização ocidental e depois subjug ados como a satrapia mais ocidental da Pérsia, com resultados catastróficos para a
história posterior da Europa. Do mesmo modo, podemos aprender lições de audácia marcial ao ler sobre o assustador ataque dos falangistas de Alexandre
em Gaugamela, ou sobre o preço da loucura no relato de Lívio sobre o comando
romano em Canas. Mesmo assim, eu gostaria de incluir esse gênero de grandes batalhas do século XIX com um propósito inteiramente diferente de identificar momentos cruciais da história ou louvar a bravura da guerra. Também existe na
batalha uma cristalização cultural, na qual as instituições insidiosas e, portanto ,
mais sutis, até então difusas e indefinidas, tornam-se severas é impiedosas na finalidade da matança organizada.
Nenhuma outra cultura, a não ser o Ocidente, poderia ter colo cado tal disci-
plina, moral e simples perícia tecnológica a serviç o da arte de matar como 24
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fizeram os europeus na insanidade de Verdun — uma abordagem industrial sustentada da matança pior do que o mais horrendo dos massacres tribais.
Nenhuma tribo indígena americana, nenhum impi zulu poderia ter comandado, suprido, armado — e matado e substituído — centenas de milhares de ho-
mens durante meses a fio em nome da causa política bastante abstrata de uma nação-estado. O mais corajoso dos apaches — cruelmente destemido em seus ataques e disputas nas grandes planícies americanas — teria voltado para casa
depois da primeira hora de Gettysburoe. Da mesma maneira, havia poucas chances de que, nos dias mais sombrios de dezembro de 1941 — com a Grã-Bretanha já sem forças, os nazistas às por-
tas de Moscou, os japoneses sobrevoando o Havaí —, o governo americano ordenasse que milhares de seus pilotos navais se atirassem sobre a grande frota de porta-aviões do almirante Yamamoto ou mandasse que aviões B-17 se jogassem sobre as refinarias de petróleo alemãs. Depois da derrocada catastró-
fica de Asdrúbal em Metauro, era pouco provável que a assembléia de Cartago, como fizera Roma depois do massacre muito pior de Canas, ordenasse uma mobilização generalizada de todos os seus cidadão aptos — uma verdadeira nação em armas que se levantasse para esmagar as odiadas legiões ressurgentes. Só na batalha podemos vislumbrar as razões mais gerais, difíceis de disfarçar e mais difíceis ainda de ignorar, de quando e como, precisamente, os
homens matam e morrem. Há cerca de um século, falando sobre a vitória de Alexandre em Gaugame-
la, Creasy escreveu que “não apenas ela derrubou uma dinastia oriental, como também estabeleceu governantes ocidentais em seu lugar. Ela quebrou a
monotonia do mundo oriental com a impressão de energia e civilização superior do Ocidente, assim como a atual missão inglesa é romper a estagnação mental e moral da Índia e da China despejando dentro e através delas a cor-
rente estimulante do comércio e da conquista anglo-saxões” (E. Creasy, The
qiis.s
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ef!
Fifteen Battles of the World [As quinze batalhas decisivas do mundo], 63). Praricamente tudo nessa afirmação é falso — com exceção de uma expressão indis-
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Por que o Ocidente venceu
cutível: “energia ocidental”. A Inglaterra estava na Índia, e não a Índia na
Inglaterra. Os bandidos de Alexandre estavam longe de ser emissários da cul. tura, e foram para o Oriente saquear e roubar, não “civilizar”. Mas eles mataram sem morrer por causa de uma tradição militar que havia séculos provara
ser diferente de qualquer outra no mundo antigo, ela própria prod uto de uma cultura social, econômica e política diferente da Pérsia aquemênida. a EE E
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Os nove confrontos escolhidos para este livro não foram selecionados apenas porque o destino de civilizações dependeu de seus desfechos — embora
no caso de Salamina, de Gaugamela e do cerco à Cidade do México esse foss e certamente o caso. Iampouco escolhi essas batalhas por causa de seu particular heroísmo ou coragem — um procedimento ético no qual também se espera que elogiemos ou desprezemos a própria fibra moral ou o caráter na-
cional dos povos. Embora a organização, a disciplina e as armas de um exército possam sem dúvida engrandecer ou minar o espírito marcial de um homem, a coragem, no entanto, é uma característica humana mais universal e, portanto, pouco nos revela a respeito da letalidade específica das Forças Armadas
de determinado povo, ou de sua cultura de modo geral. Intrinsecamente, os europeus não eram mais corajosos ou mais audazes do que os africanos, os asiáticos e os índios americanos que geralmente massacravam. Os guerreiros
astecas despedaçados pelos canhões de Cortés ou os zulus destroçados pelos fuzis Martini-Henry britânicos em Rorke's Drift podem ter sido os combatentes mais corajosos da história da guerra. Os bravos pilotos americanos que explodiram o Kaga em Midway não eram mais corajosos do que os bravos japoneses devorados por suas chamas.
Também sou incapaz de dar “lições” militares universais; O leitor não en-
contrará aqui anatomias de erros táticos que condenaram
todo um exército
— batalhas insensatas como a de Kursk, que arruinou os panzers alemães na Rússia, ou a precipitada expedição de Varrão à Germânia, que resultou em 26
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milhares
de
mortos
e praticamente
destruiu
as chances
de
Davis
Hanson
a
incorporar
Germânia ao Império Romano. É verdade que há algo na ídéia de uma “arte da guerra” atemporal que transcende os séculos e continentes e, portanto, é
inata ao homem durante a batalha, e não específica da cultura: a concentração de força, o uso correto da surpresa, ou a necessidade de linhas seguras de
suprimento e assim por diante. Ainda assim, a maioria desses livros sobre conhecimentos de batalha já foi escrita. Na maior parte de seus esforços para produzir verdades universais sobre como as guerras são vencidas e perdidas, eles geralmente não conseguem avaliar a bagagem cultural com a qual os exér-
citos adentram o campo de batalha. Em vez disso, selecionei esses confrontos pelo que eles nos revelam sobre a
cultura, especialmente sobre os elementos centrais da civilização ocidental. Eles são “marcantes” pelo que revelam sobre a maneira como uma sociedade combate, e não necessariamente por causa de sua importância histórica. Essas
batalhas são instantâneos de uma tradição cultural da guerra, e não capítulos progressivos de uma história completa da guerra ocidental. Nem todas são vitórias européias. Canas, por exemplo, foi uma horrenda derrota romana; o
Tet, um constrangimento político americano. Tampouco todos esses confrontos foram embates claros entre forças ocidentais e não-ocidentais. Podemos aprender quase tanto sobre o fenômeno da militarização de Forças Armadas como as de Cartago, do Japão imperial e do Vietnã do Norte, todas as quais adotaram em alguma proporção elementos da prática de batalha e armamen-
tos ocidentais que, consegientemente, lhes deram vantagens no campo de batalha inigualadas por seus vizinhos africanos e asiáticos — e que acabaram por possibilitar sua capacidade de matar, por sua vez, milhares de ocidentais. A esse respeito, deve haver alguma explicação comum para o fato de Dario HI ter contratado soldados gregos, de os otomanos terem transferido sua capital
para a recém-conquistada e européia Constantinopla, de os zulus terem usado fuzis Martini-Henry em Rorke's Drift, de o Soryu se parecer bastante com o
El
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Enterprise em Midway, e de as metralhadoras AK-47 e M-16 serem pratica-
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Por que o Ocidente venceu
mente idênticas. O contrário não era verdadeiro: Alexandre não contratou os Imortais; os cruzados não transferiram a capital da França ou da Inglaterra
para as conquistadas Tiro ou Jerusalém; os britânicos não arm aram seus regimentos com assegais; e a marinha americana não instaurou um treinamento
de espada como o dos samurais. Em um esforço para identificar temas comuns e recorrentes, busquei a di. versidade no sentido amplo da palavra: batalhas nav ais, aéreas e terrestres; batalhas no Novo Mundo, no Mediterrâneo e no Pacífi co, e na Europa, Ásia
e África; batalhas que foram ao mesmo tempo relativament e pequenas e também grandes; batalhas como Midway, cruciais, e outras, como Rorke's Drift, que foram em última instância irrelevantes; batalhas de colonos contra abo-
rígines, ou de estados contra impérios, ou de religião contra reli gião. Também procurei ilustrar as características bélicas ocidentais em suas ocorrênci as mais
improváveis: o valor do militarismo cívico em Canas, quando um exército de mercenários demoliu a milícia de Roma; a supremacia da infantaria na cha-
mada Idade das Trevas, supostamente impotente em uma época em que pensava que só o cavaleiro dominava o campo de batalha; a singularidade tecnologia e da pesquisa ocidental entre os conquistadores, produtos da quisição e da Reconquista; a superioridade da disciplina ocidental contra
se da Inos
zulus, o exército indígena mais disciplinado e bem organizado da África; e o valor da discordância e da autocrítica durante a Ofensiva do Tet, quando uma vitória militar clara no campo de batalha foi transformada em derrota por
uma oposição de zelo às vezes excessivo. É fácil ver que o militarismo cívico
ou a infantaria salvaram o Ocidente em Platéia, que as Forças Armadas da Inglaterra, França e Alemanha personificavam a excelência das tecnologias ocidentais, e que os exércitos coloniais eram mais disciplinados do que os ilhéus do Pacífico. Ainda assim, podemos aprender mais sobre o poder de rec upera-
ção da Europa e de sua cultura a partir desses cenários pessimistas, nos quais
a guerra ocidental não parece nem um pouco dinâmica à primeira vista, e até mesmo contraproducente para a luta pela próp ria vitória. 28
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A única outra constante além das diferenças na maioria dos conflitos entre
não-ocidentais e ocidentais é uma vaga noção de cronologia, que começa com
o mundo antigo e termina com a época moderna, começando com lanças e terminando com jatos. Essa ênfase na Antigiúidade clássica é deliberada: enquanto a maioria dos historiadores admite uma dominância européia no que diz respeito às armas do século XVI ao século XX, poucos observam que, desde a
sua criação, o Ocidente teve vantagens marciais sobre seus oponentes — ou
que tal dominação não se baseia meramente em armamentos superiores, mas
no próprio dinamismo cultural. As batalhas marcantes não refletem mudanças evolucionárias radicais na guerra através dos séculos. Embora a maneira
ocidental de guerrear tenha se tornado mais sofisticada e mortal com o tempo, suas principais bases foram bem estabelecidas na Antigiiidade clássica. Em consequência disso, todos os nossos exemplos refletem uma característica co-
mum na prática militar: a liberdade de expressão, por exemplo, era parte integrante da causa grega em nossa primeira batalha, Salamina, e característica do exército americano em nosso último exemplo, o Tet, cerca de 2.500 anos depois. Devo argumentar que o que levou à atual superioridade bélica do Ocidente (Parte Três: Controle) não foi uma alteração ou melhoria fundamental
do paradigma militar clássico (Parte Um: Criação), mas sim sua propagação gradual pela Europa e pelo hemisfério ocidental (Parte Dois: Continuidade). Essa questão de herança cultural é um dado histórico controverso, mas crítico, porque sugere que a letalidade ocidental deve continuar, mesmo apesar da
proliferação da tecnologia avançada fora do Ocidente. Os críticos podem desejar mais exemplos de reveses ocidentais. Ainda assim, horrendos desastres individuais como Carrhae (53 a.C.) não afetaram a superioridade final das forças ocidentais. A Pártia fica além do Eufrates, e as legiões
que ali morreram, a milhares de quilômetros de casa, formavam apenas um quinto do contingente militar romano disponível. Adrianópolis (378) e Manzikert (1071) foram derrotas ocidentais terríveis; mas os romanos e bizantinos
massacrados ali estavam em sua maioria em grande desvantagem numérica,
“
Por que o Ocidente venceu
longe de casa, eram mal comandados e agiam como emissários relutantes de
impérios decadentes. Alguém pode perguntar: “Onde está Dien Bien Phu?”, esquecendo que os vietminhs derrotaram os franceses no Vietnã, não na França, com artilharia, foguetes e armas automáticas concebidos pelos ocidentais; e não
com armas locais do Sudeste Asiático — e lutaram como patriotas, com grande ajuda chinesa, defendendo sua pátria, e não como soldados coloniais sem apoi o real da metrópole. Em Orã, no Afeganistão, em Argel, no Marrocos e na Índia, soldados espanhóis, franceses e britânicos em maior número foram algumas
vezes aniquilados — geralmente cercados, sem apoio logístico, e confrontados com oponentes numericamente superiores usando armas de fogo européias. Para cada Isandhlwana, onde ocidentais em grande inferioridade numérica
e mal comandados foram surpreendidos e massacrados por tropas indígenas,
há um Rorke's Drift, onde cento e trinta e nove soldados britânicos fizeram
frente a quatro mil zulus. Será que podemos imaginar o contrário — um punhado de zulus fazendo uma carnificina em milhares de casacas vermelhas armados com fuzis? Em todo caso, tanto o massacre de soldados britânicos quanto a matança de zulus não anulam de modo algum uma verdade genérica: Os exércitos europeus enfrentaram os africanos com armas, logística, orga-
nização e disciplina melhores, superando portanto a grande desvantagem numérica e a notável coragem de seus inimigos. Todas essas guerras contra os zulus foram travadas na África — era certamente impossível para esta última
sequer contemplar uma invasão da Inglaterra. Quando o rei zulu Cetshwayo quis ir a Londres, foi por curiosidade derrotada, vestindo terno e gravata, para deleitar e chocar a sociedade vitoriana.
Idéias ocidentais Proeminência ocidental?
Por trás da hegemonia econômica e política do Ocidente está a força peculiar das armas ocidentais, no passado e no presente. Militarmente, os uniformes dos 30
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exércitos mundiais de ambos os lados da linha de batalha moderna são hoje praticamente idênticos — cáqui ocidental, camuflagem e botas são usados quando iraquianos combatem iranianos ou quando somalis combatem etíopes.
Companhias, brigadas e divisões — os sucessores da prática militar romana — são os padrões globais de organização militar Os tanques chineses se parecem com os europeus; as metralhadoras africanas não se desenvolveram além dos modelos americanos; e os jatos asiáticos não incorporaram aos novos sistemas
de propulsão uma maneira coreana ou cambojana radicalmente nova de gerar impulso. Se um autocrata do Terceiro Mundo compra armas da China, da Índia ou do Brasil, só o faz porque esses países são capazes de copiar e fornecer armas de concepção ocidental a custo mais baixo do que o próprio Ocidente. Os exércitos locais do Vietnã e da América Central tiveram sucesso contra europeus — mas em grande parte devido ao fato de terem armas automáticas, poderosos explosivos e munição produzida segundo especificações ocidentais. Uma pequena escola, é bem verdade, argumentou que as forças não-
européias não eram de modo algum inferiores aos exércitos ocidentais. No entanto, um exame desses estudos de caso de derrotas européias — no Pací-
fico, na África, na Ásia e nas Américas — revela temas constantes e recorrentes. Na maioria dos casos, os europeus estavam em desvantagem numérica e
combatiam fora da Europa. Nos casos de derrota, os vencedores geralmente
empregavam algum tipo de armamento europeu; e raras foram as vezes em
que as derrotas ocidentais nas batalhas levaram a uma capitulação e a um armistício. Só alguns poucos lugares na África e na Ásia — Nepal, Tibet. Afeganistão e Etiópia — resistiram à entrada dos europeus. Outros que resistiram
— O exemplo mais notável é o Japão — imitaram quase totalmente as práticas militares ocidentais. Depois das Termópilas, e com exceção dos mouros na Espanha e dos mongóis na Europa oriental, não há praticamente nenhum
exemplo de forças armadas não-ocidentais derrotando europeus na Europa com armas não-européias. O fato de os exércitos coloniais europeus se verem
algumas vezes em grande desvantagem numérica, muitas vezes enfrentando
a
Por que o Ocidente venceu
guerreiros indígenas corajosos equipados com armas de fogo ocidentais, e se-
rem aniquilados pouco nos revela sobre a fraqueza militar ocidental. Aqueles que criticam a idéia da predominância militar ocidental às vezes assinalam a facilidade da transferência tecnológica argumentando que, por exemplo, os índios americanos se tornaram melhores atiradores do que os
colonos americanos, ou que os marroquinos logo dominaram a artilharia
portuguesa. Tais argumentos
têm o efeito paradoxal de provar o oposto do
absurda: não existe um conceito militar de “orientalização” nas forças armadas
ocidentais, ao menos no sentido em que culturas ocidentais adotam de forma integral as práticas e a tecnologia militar do Oriente. Meditação, religião e fi-
losofia não são a mesma coisa que produção científica, pesquisa científica e inovação tecnológica. Pouco importa onde uma arma foi descoberta primeiro, mas importa muito como ela foi produzida em massa, constantemente melhorada e empregada por soldados. No entanto, poucos estudiosos são capazes de
dissociar a questão da moralidade e da energia. Assim, qualquer exame das razões pelas quais as forças armadas ocidentais exerceram tamanho poder muitas vezes é alvo de suspeita de chauvinismo cultural. A natureza acima da cultura?
Seria a hegemonia ocidental um produto da sorte, da geografia e dos recursos naturais, ou seria ela, pelo contrário, um fenômeno tardio, devido em grande 32
e e — — e e —
versa da ocidentalização traz em si uma qualidade reducionista e, algumas vezes,
O
Como veremos no caso de Cartago e do Japão, a questão altamente contro-
e
para as descobertas científicas, a disseminação popular do conhecimento, sua aplicação prática e a arte da fabricação em massa.
=
cidade humana de utilizar, dominar e melhorar uma ferramenta é confundida com a questão cultural de fornecer um contexto intelectual, político e social
——
desejado: eram os ingleses quem estavam no Novo Mundo vendendo armas aos índios, e não vice-versa. Os marroquinos não estavam em Lisboa ensinando aos portugueses a arte da artilharia pesada tradicional islâmica. Aqui, a capa-
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parte à descoberta e à subsequente conquista do Novo Mundo (1492-1700) ou à Revolução Industrial (1750-1900)? Muitos citam as vantagens naturais e geográficas do Ocidente. Nessa linha de pensamento — popularizada sobretudo por Fernand Braudel e, mais recentemente, por Jared Diamond — as vantagens tecnológicas aparentemente “imediatas” do Ocidente, como armas
de fogo e aço, se devem em sua maioria a vantagens mais “finais” que são, em
grande parte, acidentais. Por exemplo, o eixo eurasiático favorecia uma longa estação de colheitas, um tipo diferente de criação animal e diversidade de
espécies. O aumento resultante da população urbana e da domesticação ani-
mal criou uma mistura letal de germes capazes de dizimar os forasteiros que não tivessem tido uma exposição continuada a eles, assegurando assim a imunidade biológica. A topografia européia tanto prevenia o acesso fácil de nômades hostis quanto promovia culturas rivais, cuja competição e confronto levavam a uma inovação e uma reação constantes. A Europa era abençoada
com jazidas abundantes, que tornavam possível a produção de ferro e aço, e : assim por diante.
Os deterministas naturais devem ser parabenizados por seus esforços, em sua maioria, para desprezar os genes. Os europeus não eram de maneira ne-
nhuma naturalmente mais espertos do que asiáticos, africanos ou nativos do Novo Mundo. Tampouco eram geneticamente mais estúpidos — como sugeriu desafortunadamente Jared Diamond, o determinista supostamente natural. Em uma referência particularmente perturbadora à inteligência racial, Diamond defende a inferioridade genética dos cérebros ocidentais: Os nativos da Nova Guiné... impressionaram-me por ser em média mais inteligentes,
mais alertas, mais expressivos e mais interessados nas coisas e nas pessoas do que o europeu ou o americano médio. Em algumas tarefas que se poderia razoavelmente supor
refletirem aspectos do funcionamento cerebral, como a capacidade de formar um mapa mental de uma região estranha, eles parecem consideravelmente mais competentes do que os ocidentais. (]. Diamond, Guns, Germs and Steel [ Armas, germes e aço], 20)
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Por que o Detdente venceu
Poderíamos nos perguntar qual teria sido a reação dos críticos se Dia mond houvesse trocado as palavras “nativos da Nova Guiné” e “europeus”. Será que
devemos acreditar que Colombo era desprovido da função mental de traçar
um “mapa mental” de uma região estranha em um oceano vazio?
Os esforços daqueles que buscam reduzir a história à biologia e à geog rafia
desprezam o poder e o mistério da cultura, e com freqiiência se tor nam desesperados. Embora a civilização chinesa tenha realmente dado ao mundo à pólvora e a imprensa, ela nunca desenvolveu o ambiente cultural receptiv o essencial para permitir que essas descobertas fossem compartil hadas pelo
povo em geral e, assim, livremente alteradas e constantemente mel horadas por indivíduos empreendedores para se adaptar a condições em constante mudança. Essa rigidez não se deveu à “unicidade chinesa crônica”, nem foi o resultado de uma “linha costeira pouco acidentada” ou da ausência de ilhas, mas deveu-se ao fato de um conjunto complexo de condições ter favorecido a autocracia imperial, que ficou entrincheirada em uma paisagem natural de modo nada diferente do ocorrido no Mediterrâneo. Por outro lado, Roma, cujo governo contínuo podia ser comparado em sua duração a muitas das dinastias da China imperial, era um império especial-
mente inovador, que tirava sua força da unidade e de quase quatro séculos de tranquilidade. Apesar da natureza em grande parte antiutilitária da ciência clássica, os romanos desenvolveram e em seguida disseminaram para milhões
de pessoas técnicas de construção sofisticadas, com cimento e arcos, prensas e bombas helicoidais e fábricas para produzir grandes suprimentos de todo tipo de coisa, de armas e armaduras a tinturas, tecidos de lã, vidro e móveis, uma
vez que o governo tinha pouco controle sobre a disseminação ou o uso do conhecimento. Do mesmo modo, os gregos exerceram ainda mais poder sobre outras culturas durante o período helenístico, quando seus exércitos nacionais devastaram o Oriente. Sob as dinastias sucessoras, a ciência aplicada helenís-
tica fez progressos práticos ausentes durante O período clássico, quando a Grécia era composta por mais de mil estados autônomos e em constante conflito . 34
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Fora da China, a unidade política trouxe a outras culturas tanto vantagens quanto atrofias. Nem a geografia nem a história política da China por si sós explicam sua cultura. Devemos nos lembrar também que a América é tão rica em terras férteis
quando a Europa — e trouxe prosperidade a muitas dinastias palacianas do Novo Mundo. A China, a Índia e a África são especialmente abençoadas com dádivas naturais, e têm estações de cultivo mais longas do que as do norte eu-
ropeu. É bem verdade que Roma e a Grécia estão situadas no Mediterrâneo central e, assim, formavam uma espécie de eixo para os mercadores vindos da
Europa, da Ásia ocidental e do norte da África — mas isso também acontecia com Cartago, cuja localização era tão afortunada quanto a de Roma. O fato é que nunca saberemos as razões precisas pelas quais a civilização ocidental na Grécia e em Roma enveredou por um caminho tão radicalmente diferente do de seus vizinhos do norte, do sul e do leste, especialmente quando o clima e
a geografia da Grécia e da Itália não eram especialmente diferentes daqueles das antigas Espanha, sul da França, Pérsia ocidental, Fenícia ou África do Norte.
Nesse tipo bem recente de determinismo biológico, vantagens naturais como a terra arável irrigável do Crescente Fértil ou as vastas planícies da Pérsia
e da China estimulam a unidade política, o que é algo “ruim”, enquanto a adversidade climática e geográfica leva à guerra e às lutas, o que em última instância é bom. No entanto, o Oriente não possui uma geografia uniforme — de fato, quem seria capaz de apontar as características que diferenciam um pequeno vale isolado na Grécia de seu equivalente praticamente idêntico na Pérsia ou na China? Sem saber, os biólogos modernos voltaram às áridas teorias históricas deterministas gregas, às teorias de Hipócrates, Heródoto e Platão, que afirmavam que o árido território grego tornava os helenos resistentes, da
mesma maneira que a abundância da Pérsia enfraquecia sua população. Na verdade, poucas sociedades antigas estavam situadas em uma posição mais desvantajosa do que Grécia, vizinha de um império aquemênida hostil de setenta milhões de habitantes, diretamente ao norte dos belicosos estados do 35
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Oriente Médio, com menos de metade de seu território arável , sem um único rio navegável, amaldiçoada com quase nenhuma fartura de recurs os naturais
a não ser algumas jazidas de ouro, metais e madeira, com uma costa vulnerável à frota persa e planícies do norte abertas à migração de nômades da
Europa e do sul da Ásia, e pequenos e vulneráveis est ados insulares mais perto da Ásia do que da Europa. Devemos culpar suas montanhas, que desencoraja-
vam o cultivo hidráulico extensivo e continham poucas riquez as, ou responsabilizar seu terreno rochoso por assegurar a fragmentação pol ítica que resultou na inovação? À antiga idéia vitoriana de que o interior do território da Grécia se exauriu com matanças internas está agora sendo sub stituída pela noção
biológica popular de que essa diversidade natural levou a uma “rival idade” que
deu ao Ocidente as vantagens para conquistar a inovação. As colheitas de grãos no Egito ptolemaico (305-31 a.C.) atingi ram níveis de produção impressionantes. Longe de criar um vale do Nilo exa urido que teria posto fim ao poder das dinastias egípcias, este floresceu como nun ca
antes quando ali se praticou uma agricultura à moda grega ou romana. Se os faraós foram condenados por causa das desvantagens da natureza e de um solo exausto, os ptolomeus que caminharam nesse mesmo solo com certeza
não o foram — Alexandria foi, durante quase quinhentos anos, o pólo cultural e econômico de todo o Mediterrâneo, de um modo que Karnak não fora capaz de ser. Como isso foi possível, quando milhares de colheitas anteriores deveriam ter exaurido a bacia do Nilo para os colonos gregos? Por que os faraós
pequenos funcionários para registrar inve ntários reais; a linguagem grega do 36
— em
Grandes mudanças culturais também poderiam ocorrer não no mesmo lugar, mas entre a mesma população. A escrita linear B miceniana do século XII a.C. era uma escrita desajeitada, em grande parte pictográfica, usada por
—
terrâneo que facilitasse o comércio entre a Ásia, a Europa e a África? A cultura no Egito — e não sua geografia, nem seu clima, nem seus recursos — obviamente mudou de 1200 a 300 a.C.
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não usaram o grande delta de Alexandria para criar um empório no Medi-
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século VII a.C. foi amplamente disseminada e facilitou a filosofia, a ciência, a literatura e a poesia. É óbvio que o clima, a geografia e os animais da Grécia
central não mudaram tanto assim em quinhentos anos. O que permitiu a uma linguagem escrita na Grécia continental desenvolver-se de maneira tão diferente em relação a outros lugares do Mediterrâneo e à antiga civilização helênica foi uma revolução radical da organização social, política e econômica. Os micenianos e os gregos das pólis viviam exatamente no mesmo lugar e falavam basicamente a mesma língua, mas seus respectivos valores e idéias ti-
nham um mundo de diferença entre si. A biologia e o meio ambiente da Grécia podem explicar por que ambas as culturas cultivavam oliveiras, criavam ovelhas, usavam pedras, tijolos de lama e telhas como materiais de constru-
ção, e podem até mesmo explicar por que usavam a mesma palavra para designar montanhas, vaca e mar, mas não explicam a enorme diferença entre a agricultura estatal miceniana e as propriedades familiares da pólis — e muito menos por que as forças armadas gregas clássicas eram muito mais dinâmicas
do que as dos antigos palácios. Ninguém nega o grande papel desempenhado pela geografia, pelo clima e pela história natural na história — é óbvio que os escandinavos desenvolveram idéias sobre o tempo, sobre viagens e sobre a guerra diferentes daquelas dos nativos de Java. A ausência de cavalos garantiu que incas e astecas não
tivessem a mobilidade de seus adversários espanhóis. Mesmo assim, o fato é que as antigas civilizações do Oriente Médio, da Índia, da China e da Ásia
muitas vezes dominaram durante longos períodos áreas de latitude, clima e
terreno semelhantes às do Ocidente, com mais ou menos as mesmas vanta-
gens e desvantagens quanto a recursos e a localização. Terreno, clima, temperatura, recursos naturais, fatalidade, sorte, alguns raros indivíduos brilhantes,
desastres naturais e muito mais — tudo isso tem influência na formação de uma cultura distinta, mas é impossível determinar exatamente quem, se o homem, a natureza ou a sorte, é o catalisador inicial das origens da civilização
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ocidental. O que fica claro, no entanto, é que, uma vez desenvolvido, o Oci-
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Por que o Ocidente venceu
dente, antigo e moderno, colocou muito menos impedimentos religiosos, cul. turais e políticos para a investigação natural, para a formação de capital e para a expressão individual do que outras sociedades, que muitas vezes eram teocracias, dinastias palacianas centralizadas ou uniões tribais.
Uma predominância tardia? Outros argumentaram que a ascensão do poder militar ocidental é relativa-
mente tardia, uma peculiaridade quer da disseminação da pólvora (1300- 1600), da descoberta do Novo Mundo (1492-1600) ou da Revolução Industrial (17501900), descartando a possibilidade de uma continuidade cultural da Grécia e de Roma que poderia explicar por que houve uma revolução militar ou industrial na Europa e não no Egito, na China ou no Brasil. Como no caso de qualquer
civilização, houve grandes desequilíbrios na influência do Ocidente, da Idade das Irevas de 500 a 800 d.C. a uma era relativamente isolada e, de certo modo, atrasada, entre os anos 800 e 1000, quando os europeus resistiram às inva-
sões de nômades do norte e do leste e dos muçulmanos. Mesmo assim, dois pontos precisam ser enfatizados a respeito da noção de uma predominância militar ocidental em matéria de armas relativamente tardia, caracterizada em
grande parte por uma superioridade tecnológica. Em primeiro lugar, durante quase mil anos (479 a.C. a 500 d.C.), a dominação militar ocidental era inques-
tionável, na medida em que estados relativamente pequenos na Grécia e na Itália exerciam uma supremacia militar sobre vizinhos muito maiores e mais populosos. As bases científicas, tecnológicas, políticas e culturais da cultura
clássica não se perderam totalmente, mas passaram diretamente do Império Romano para os reinos europeus ou foram descobertas durante o período carolíngio e, mais tarde, durante o Renascimento italiano. O ponto crítico a respeito das armas de fogo e dos explosivos não é terem subitamente dado hegemonia aos exércitos ocidentais, mas sim serem produ-
zidos com qualidade e em grande quantidade no Ocidente, e não em países nao-europeus — um fato em última instância explicado por uma tendência 38
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Hanson
cultural ocidental duradoura para o racionalismo, a livre investigação e a dis-
seminação do conhecimento que tem suas raízes na Antiguidade clássica e não é específica de nenhum período especial da história européia. Há também
algo radicalmente democrático com relação às armas de fogo que explica seu crescimento particularmente explosivo no Ocidente. As armas destroem a hierarquia do campo de batalha, marginalizando o rico cavaleiro de armadura e tornando irrelevante, em última instância, até mesmo o bem treinado arqueiro.
Não é nenhum acidente que o Japão feudal tenha acabado por considerar as armas de fogo revolucionárias e perigosas. O mundo islâmico nunca desen-
volveu as táticas de tiro em conjunto apropriadas para acompanhar armas tão antiéticas para a idéia da coragem pessoal do cavaleiro montado. O uso efi-
ciente de armas requer a associação do racionalismo e do capitalismo para
assegurar uma melhoria contínua do design, da fabricação e da produção, mas também requer uma tradição igualitária que acolha, em vez de temer, a entrada de recém-chegados ao campo de batalha. Mesmo depois da queda do Império Romano, o Ocidente, então supostamente atrasado e muito inferior às culturas da China e do mundo islâmico,
tinha uma força militar muito superior à que sua população e seu território poderiam deixar supor. Durante a chamada Idade das Trevas, os bizantinos dominaram o uso do “fogo grego”, o que permitiu a suas frotas superar a vantagem numérica das armadas islâmicas — como, por exemplo, na vitó-
ria de Leão III em 717 sobre uma frota islâmica bem superior do califa Sulaymãn. À descoberta européia da balista (por volta de 850) — que podia ser
fabricada com mais rapidez e a custo menor do que outros arcos compostos mais mortais — permitiu a milhares de soldados relativamente destreina-
dos o uso imediato de armas letais. Do século VI ao século XI, os bizantinos mantiveram a influência européia na Ásia e nenhum outro exército islâmi-
co se aventurou na Europa ocidental depois do início do século X. A Reconquista foi lenta, mas contínua e crescente. À queda de Roma, de certo
modo, significou a expansão do Ocidente muito mais ao norte, à medida r
39
e Por que o Ocidente venceu
N 1
A
que tribos germânicas se tornavam sedentárias, cristianizadas e mais oci-
dentais do que jamais haviam sido.
A fenomenal expansão européia do século XVI pode muito bem ter sido
impulsionada pela excelência ocidental em matéria de armas de fogo e bons navios, mas essas descobertas foram por sua vez o produto de uma abordagem
ocidental duradoura do capitalismo, da ciência e do racionalismo não encontrado em outras culturas. Assim, o renascimento militar do século XVI foi um novo despertar do dinamismo ocidental. E melhor chamá-lo de uma “transformação” da manifestação da superioridade ocidental no campo de batalha
que existira no mundo clássico durante um milênio e nunca fora
totalmente
perdida,
nem mesmo durante os mais negros dias da Idade das Trevas. Assim, a “Revolução Militar” não foi nenhum acidente, mas algo lógico, dadas as origens helênicas da civilização européia.
Não devemos esperar que a
liberdade grega seja idêntica à liberdade americana; a demo-
cracia grega ao governo parlamentar inglês; nem a ágora à Wall Street. A liberdade con-
quistada em Salamina não é exatamente a mesma assegura-
da em Midway, e muito menos RE
Laser
Imagem do filósofo grego Sócrates.
40
o que estava em jogo em Lepanto
ou
em
Tenochtitlán.
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4
Victor
Davis
Hanson
Todas as idéias são em parte prisioneiras de seu tempo e espaço, e grande parte da Grécia antiga pareceria hoje em dia estrangeira, quando não prejudicial, para a maioria dos ocidentais. A pólis nunca teria produzido uma Carta de Direitos; do mesmo modo, nunca entregaríamos nossas cortes ao voto da
maioria de um júri de massa sem o direito de apelo a um judiciário superior. Sócrates teria escutado seus direitos, teria tido a liberdade de escolher seu advogado, nunca teria testemunhado em seu próprio benefício, teria sido aconselhado a fazer um acordo e, quando condenado, teria ficado em liberda-
de sob fiança durante anos de apelação. Sua mensagem, que pareceu radical a seus pares atenienses, nos pareceria extremamente reacionária. A chave não
é olhar o passado e esperar ver ali o presente, mas sim identificar na história as sementes da mudança e do possível através do tempo e do espaço. Nesse sentido, Wall Street é muito mais próxima da ágora do que do palácio de Per-
sépolis, e a corte ateniense é semelhante à nossa de um modo que as leis do faraó e do sultão não são.
A guerra à ocidental O Ocidente alcançou a predominância militar de diversas maneiras que transcendem a mera superioridade em matéria de armas, e que nada têm a ver com moralidade ou genes. À guerra à moda ocidental é tão letal justamente por ser tão amoral —
raramente
perturbada por preocupações
com
rituais,
tradições, religião ou ética, por nada além da necessidade militar Não deve-
ramos nos deixar enredar pelo determinismo tecnológico, como se as ferramentas de guerra aparecessem em um vácuo e, num passe de mágica, transformassem a arte da guerra, sem pensar muito em como ou por que foram criadas
ou em como e por que eram usadas. Até mesmo o monopólio ocidental de tecnologia e ciência superiores nem sempre foi verdade — os trirremes de Temístocles em Salamina não eram melhores do que os de Xerxes, e os porta-aviões
do almirante Nagumo em Midway tinham aviões melhores do que os dos
4
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Por que o Ocidente venceu
americanos. O status da liberdade, do individualismo e do militarismo cívico nessas batalhas, no entanto, eram muito diferentes entre as duas forças oponentes. Como revelam quase todas as vezes tais confrontos, as vantagens ocidentais não se deviam meramente às armas superiores dos soldados europeus,
mas a uma infinidade de outros fatores, incluindo a organização, a disciplina, a disposição, a iniciativa, a flexibilidade e o comando.
Os exércitos ocidentais muitas vezes combatem com e por um sentimento de liberdade jurídica. Eles são frequentemente o produto do militarismo cívico ou de governos constitucionais, sendo assim supervisionados por pessoas exteriores à religião e às forças armadas em si. À rara palavra “cidadão” existe
nos vocabulários europeus. A infantaria pesada também é uma força particularmente ocidental — o que não é surpreendente, uma vez que as sociedades ocidentais valorizam muito a propriedade, e as terras com freguência perten-
cem a um largo estrato da sociedade. Já que a liberdade de investigação e o racionalismo são marcas registradas do Ocidente, os exércitos europeus marcharam para a guerra com armas superiores ou iguais às de seus adversários, e
foram muitas vezes supridos de forma bem mais generosa graças ao casamento ocidental entre capitalismo, finanças e logística sofisticada. Da mesma maneira, os europeus foram rápidos em alterar suas táticas, roubar avanços estrangeiros e
tomar emprestadas invenções quando, no mercado das idéias, suas próprias táticas e armas tradicionais se revelaram insuficientes. Tanto capitalistas quanto
cientistas ocidentais foram particularmente pragmáticos e utilitários, e pouco tiveram a temer de fundamentalistas religiosos, censores estatais ou rígidos conservadores culturais.
À guerra ocidental é geralmente uma extensão da idéia de política estatal, em vez de um simples esforço para obter território, status pessoal, riqueza ou vingança. As Forças Armadas ocidentais valorizam muito o individualismo, e muitas ve-
zes estão sujeitas a críticas e reclamações por parte dos civis que melhoram, mais do que prejudicam, sua capacidade de guerrear. A idéia da aniquilação, da batalha corpo a corpo que destrói o inimigo, parece ser um conceito especificamente 42
Victor
Davis
Hanson
ocidental, em grande parte desconhecido nos combates ritualísticos e na ênfase no engodo e no desgaste encontrados fora da Europa. Nunca houve na Europa
nada parecido com os samurais, os maoris ou a “guerra de flores” desde a primeira erosão dos protocolos da antiga batalha grega de hoplitas. Os ocidentais, em suma, há muito tempo viram a guerra como um método para fazer o que a política não conseguia e, portanto, estão dispostos a destruir, em vez de impedir ou humilhar, quem quer que esteja no seu caminho.
Em diversos períodos da história ocidental, o cardápio acima nem sempre foi encontrado em sua integralidade. Idéias que vão do governo consensual à
tolerância religiosa muitas vezes são valores ideais, e não modais. Ao longo de
grande parte da civilização ocidental, houve inúmeros compromissos, à medida que o que era conquistado se revelava menos do que aquilo que a cultura ocidental defendia como mais desejável. Os cruzados eram fanáticos religiosos; muitos dos primeiros exércitos europeus eram monárquicos, com uma super-
visão apenas ocasional por órgãos deliberativos. É difícil ver, no pequeno grupo de Cortés, uma total separação entre religião e política. Nenhum falan-
gista do exército de Alexandre votou nele para general, muito menos para rei. Dos séculos VI a IX d.C., há poucas provas de que as forças ocidentais tenham sempre gozado de absoluta superioridade tecnológica em relação a seus inimigos. As tribos germânicas eram aparentemente tão individualistas quanto os legionários romanos.
Ainda assim, idéias abstratas devem com fregiência ser avaliadas no contexto de suas épocas: embora os macedônios de Alexandre fossem revolucionários
que tinham destruído a liberdade grega, não havia como ignorar seus laços com a tradição helênica. Essa herança comum explica que os soldados da falange, os comandantes em campo e os generais na mesa de Alexandre manifestassem suas idéias com uma liberdade desconhecida na corte aquemênida. Embora a Inqui-
sição tenha sido um episódio de fanatismo ocidental, com frequência fora do controle de uma auditoria política, a soma de todas as suas sangrentas realizações nunca se comparou à quantidade de corpos sacrificados pelos astecas em apenas Desen
43 E
Por que o Ocidente venceu
quatro dias no Grande Templo a Huitzilopochtli, em 1487. Mesmo em relação a
questões mais controversas como a liberdade, o governo consensual e a discordância, não devemos julgar os fracassos do Ocidente pelas lentes do perfeccionismo utópico do presente, mas sim no contexto do cenário global da época. Os
valores ocidentais são absolutos, mas também são evolucionários, e não são perfeitos nem ao nascerem nem durante sua adolescência.
secas da civilização ocidental predeterminaram o sucesso europeu todas as vezes. O que afirmamos é que a civilização ocidental deu às forças armadas
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bem claros a respeito do espinhoso abismo entre determinismo e livre-arbítrio, Ão longo deste estudo, não estamos sugerindo que as características intrín-
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Em qualquer discussão sobre proezas militares, também deveríamos ser
européias uma série de vantagens que lhes permitiu operar com margem de erro e desvantagens táticas — inexperiência no campo de batalha, covardia dos soldados, números insuficientes, péssimos generais — bem maiores do que os de seus adversários. Sorte, iniciativa e coragem individuais, o brilho de um
Aníbal ou de um Saladino, ou simplesmente o número de guerreiros zulus ou
incas — tudo isso, dependendo da ocasião, era capaz de anular a inerente superioridade militar ocidental. Com o tempo, no entanto, a solidez do sistema de guerra ocidental venceu,
permitindo que terríveis desastres como Termópilas (480 a.C.), lago Trasimeno (217 a.C.), la Noche Triste (1520), Isandhlwana (1879) e Little Big Horn
Scipião Africano, Júlio César, Carlos Magno,
Ricardo Coração
de Leão e
Hernán Cortés, bem como a indivíduos corajosos hoje sem nome: a ala direita dos espartanos em Platéia (479 a.C.), os veteranos da Décima Legião de César na Gália (59-51 a.C.) ou os pesados cavaleiros em Arsuf (1191), cuja conduta no campo de batalha, aliada à sorte e aos erros inimigos, com frequência mudava o rumo do confronto.
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suas proezas a indivíduos brilhantes e selvagens como Alexandre, o Grande,
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colapso ocidental generalizado. Os exércitos ocidentais muitas vezes deviam
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(1876) não afetassem o desfecho mais amplo do conflito nem levassem a um
Victor
Davis
Hanson
Mesmo assim, muito do que foi rea-
lizado por ocidentais corajosos deve ser considerado em um cenário cultu-
ral mais amplo, que lhes dava vanta-
gens militares inerentes quase nunca compartilhadas por seus adversários. Devemos tomar cuidado para não julgar o histórico das habilidades militares ocidentais em termos absolutos, mas sempre em um contexto relativo
em relação às condições da época: os estudiosos podem discordar quanto à
eficácia das armas ocidentais, ao poder impressionante dos exércitos chinês e indiano, ao ocasional massacre de forças coloniais européias, mas, de modo geral, todos esses debates não
Carruagens de batalha.
devem perder de vista o fato de que as forças não-européias não navegavam pelo globo com nenhuma fregiiência e durante nenhum período, tomavam emprestado em vez de emprestar tecnologia militar, não colonizaram três novos continentes e geralmente combatiam os europeus em casa, e não na Europa. Embora exceções importantes sempre devam ser assinaladas, a generalização — evitada durante tanto tempo pelos estudiosos, seja por medo ou por ignorância — é indispensável à escrita da história.
Como mostrará o exame dessas batalhas, durante a longa evolução da arte da guerra ocidental existiu um núcleo mais ou menos comum de práticas que res-
surge geração após geração, algumas vezes aos pedaços, algumas vezes de maneira quase holística, o que explica por que a história da guerra é com tanta frequência a história brutal da vitória ocidental — e por que, hoje em dia, os mortais
exércitos ocidentais pouco têm a temer de outras forças que não eles próprios. -.
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Liberdade — ou “Viver como se quiser
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Salamina, 28 de setembro de 480 a.C. “Ó filhos da Grécia, sigam em frente! Libertem sua terra natal. Libertem seus fi-
lhos, suas mulheres, as imagens dos deuses de seus pais e as tumbas de seus ancestrais! Agora a luta é por tudo isso.”
Ésquilo, Persians [Persas] (401-4)
Os afogados Afogar-se no mar deve ser algo terrível — os braços se agitando nas ondas, os pulmões se enchendo de água salgada, o corpo se tornando lentamente pesado e inerte, o cérebro estalando e faiscando enquanto suas últimas moléculas de oxigênio se esgotam, a última visão consciente da luz do sol, tênue e cada vez mais fraca, ao longe acima da superfície em movimento. Ao fim do dia, no final de setembro de 480 a.C., um terço dos marinheiros da frota persa vivia justamente esses terríveis últimos instantes de sua existência. A alguns
quilômetros da acrópole ateniense incendiada, quarenta mil súditos imperiais de Xerxes flutuavam nas profundezas e nas ondas — mortos, agonizantes e
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q.
desesperados em meio aos escombros de mais de duzentos trirremes. Todos pereceram longe da Ásia, nas águas quen tes da costa do Egeu, todos fadados
a morrer no fundo no golfo de Sarônica. Sua úl tima visão terrena foi um pôrdo-sol grego sobre as montanhas de Salami na — ou seu implacável rei ao
longe, em cima do monte Egaleu, vendo-os afun dar entre as ondas. Ao con-
trário da batalha em terra firme, onde a letalidade é com tanta frequência atribuída à tecnologia da morte, e não ao cenári o da batalha em si, a guerra
no mar é uma grande destruidora de home ns, na qual o próprio oceano pode matar milhares sem a ajuda do homem ou de suas armas. Em Salamina, a maioria dos soldados morreu de água nos pulmõe s, não de aço nos corpos. Úriginalmente uma invenção fenícia ou eg ípcia, o antigo trirreme de bata-
lha era um barco a remo, e não a vela. À embarc ação era geralmente impulsionada por cento e setenta soldados. Uma trip ulação adicional de cerca de trinta marinheiros, arqueiros e timoneiros vi ajava no convés. Ao contrário
dos remadores das galés européias posteriores, os rema dores sentavam-se em grupos de três, uns acima dos outros, cada qual manejand o um único remo de comprimento padrão. A grande vantagem do design do tr irreme era sua extraordinária proporção entre peso, velocidade e propulsão. A form a esguia do barco e a complexa organização dos remadores tornava possível pa ra duzentos homens alcançar velocidades de quase nove nós em poucos segu ndos. Essa rapidez e agilidade garantiam que sua principal arma — um aríete de br onze de duas pontas preso à linha de flutuação da proa — atingisse em cheio qual quer barco no mar O antigo design de embarcação, remos e velas era tão complexo que, no século XVI, quando os trabalhadores dos estale iros venezianos tentaram reproduzir o método ateniense de remar, o re sultado foram
galés em sua maioria incapazes de navegar. Engenheiros mo dernos ainda não dominaram o design antigo, apesar do uso de uma avan çada tecnologia de computadores e de cerca de 2.500 anos de ex periência náutica.
O trirreme também era uma embarcação muito sobr ecarregada, frágil e
vulnerável, que colocava duzentos home ns no mar aberto com pouca margem 50
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Por que o Ocidente venceu
Victor
Davis
Hanson
de segurança — os remadores da fileira de baixo ficavam a poucos metros da linha da água. Ao contrário da guerra naval moderna, os navios antigos não
ofereciam quase nenhum tempo para a evacuação da tripulação. A maioria afundava quase instantaneamente quando atacada durante a batalha, já que mesmo um golpe de resvalo podia fazer entrar água no barco e jogar a tripulação no mar com rapidez.
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única
esperança
dos mari-
nheiros era chegar à terra firme ou agarrar-se a algum dos destroços que ficassem flutuando
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O trirreme era uma embarcação frágil e vulnerável.
depois do naufrágio. Para remadores e marinheiros que não soubessem nadar — e esses desafortunados eram numerosos no mundo antigo, representando quase a totalidade da frota persa —, a morte por afogamento vinha em segundos. Pouco importava que a maioria da tripulação não estivesse acorrentada como os escravos das galés do século XVI, já que os trirremes podiam virar ou se encher
de água sem muito aviso. As longas túnicas dos persas só pioravam as coisas. O dramaturgo Ésquilo, provavelmente um veterano de Salamina, descreveu oito anos depois sua impotência na água: “Os cadáveres dos entes queridos dos persas, encharcados de água salgada, eram em geral submersos e jogados de um lado
para o outro, sem vida em suas longas túnicas” (Persians [Persas], 2174-716).
Seu túmulo aquático entre a ilha de Salamina e o continente ático era um
Pequeno estreito, com pouco menos de dois quilômetros de largura. Como na maioria das batalhas marítimas da era pré-industrial, as respectivas frotas lu-
costa próxima. Esquilo recorda que “a costa de Salamina e tod as as costas pró-
ximas estão repletas dos corpos dos homens que pereceram por um funesto destino” (Persians [Persas], 272-73).
Milhares de egípcios, fenícios, cilícios e asiáticos de todo tipo foram parar nas costas de Salamina e da Ática, alguns presos aos destroços do que restara
dos duzentos navios. Os marinheiros gregos ma tavam os sobreviventes no mar
com dardos e flechas. Ao mesmo tempo, pesados infantes hoplitas percorriam as praias
com
de
arpões
Salamina
matando
os poucos
sobrevi-
ventes encalhados. Apesar da afir-
mação de Ésquilo de que “toda a armada
navios
sucumbiu”, centenas de
persas
conseguiram
fugir
da carnificina até um lugar seguro, aterrorizados demais pelas linhas ordenadas de oponentes gregos para socorrer seus companheiros. O orquestrador da vitória ateniense, almirante Temístocles, supostamente
percorreu a costa visto-
riando os destroços, e convidou seus homens a saquear o ouro e a prata dos corpos persas. Segundo Ésquilo, os corpos estavam laceraImagem de Ésquilo, fundador da tragédia grega.
Sua obra Persas (472 a.C.) retratou a vitória grega na
batalha de Salamina.
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dos pela arrebentação e haviam sido grotescamente atacados por animais marinhos.
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aconteceu em um espaço de apenas cerca de um quilômetro e meio quadrado, garantindo que os mortos coalhassem a sup erfície do mar e fossem dar na
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tavam perto da costa. À batalha, da qual participaram mais de mil trirremes
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Por que o Ocidente venceu
Victor
Davis
Hanson
Salamina — o nome ainda é sinônimo dos ideais abstratos de liberdade e “ascensão do Ocidente” — não é associada a um banho de sangue. Embora nenhum confronto mereça mais tal associação, as referências aos desastres de
batalhas durante as guerras persas evocam imagens do derradeiro contingente espartano em Termópilas (480 a.C.), exterminado até o último homem, e cujo líder dos duzentos e noventa e nove espartanos, o rei Leônidas, foi de-
capitado e teve sua cabeça empalada em uma estaca — ou os persas em Platéia
(479 a.C.), massacrados impiedosamente por hoplitas espartanos e obrigados a fugir para as terras da Beócia. No entanto, pelo menos duzentos navios
imperiais foram destruídos e naufragaram em Salamina. A maioria afundou
com toda sua tripulação de duzentos remadores e auxiliares, garantindo que
pelo menos quarenta mil marinheiros se afogassem e inúmeros outros fossem capturados ou mortos ao chegarem à costa. Por causa da pequena largura do estreito de Salamina e do tamanho da frota persa — algo entre seiscentos e mil e duzentos navios —, os mortos ficaram excessivamente visíveis e provo-
caram uma horrenda impressão no rei persa, Xerxes, que assistia à batalha das colinas próximas da Ática.
Uma vez que os gregos, em seu frenesi, estavam determinados a aniquilar os ocupantes de sua terra natal, e já que, como assinala Heródoto, “a maior parte dos bárbaros se afogava no mar porque não sabia nadar”, Salamina con-
tinua sendo uma das batalhas mais mortais de toda a história da guerra naval. Mais homens sucumbiram no pequeno estreito do que em Lepanto (cerca de duarenta ou cinquenta mil), do que todos os mortos da armada espanho la
(de vinte a trinta mil), do que espanhóis e franceses juntos em Trafalgar (quatorze mil), do que britânicos na batalha da Jutlândia (6.784) ou japoneses em Midway (2.155). Por outro lado, apenas quarenta trirremes gregos foram perdidos, e poderíamos imaginar que a maioria desses oito mil gregos que
abandonaram seus navios tenha se salvado. Heródoto diz que apenas “pouCos" gregos se afogaram, e que a maioria cruzou o estreito a nado até chegar a um lugar seguro. Raramente na história da guerra houve uma catástrofe tão 7
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mortal para um dos lados — e raramente, na época anterior à pólvora tanto S homens foram mortos em tão poucas horas.
As guerras greco-persas, que até a batalha de Mícale eram travad as exclu-
sivamente na Europa, tiveram terríveis carnificinas — nenhuma pior do que os milhares de afogados na costa da Ática. No pensamento grego, o afogamento era considerado a pior das mortes — a alma ficava vagando como uma
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sombra, incapaz de entrar no Hades até que seu corpo foss e encontrado e tivesse ritos finais adequados. Quase oitenta anos depois, a cort e ateniense executaria seus próprios generais bem-sucedidos depois da vitória naval das
pais e irmãos atenienses estavam se decompondo nas profundezas sem um enterro adequado. (Quem eram os quarenta mil marinheiros de Xerxes que se debatiam no estreito de Salamina? Quase nenhum pode ser localizado nos registros históricos. Conhecemos apenas alguns nomes dos membros da elite e daqueles com boas conexões, e mesmo assim apenas a partir de fontes gregas. Heródoto menciona apenas o irmão e almirante do rei Xerxes, Ariabignes, que afundou junto com seu navio. Ésquilo tem uma lista de generais e almirantes mortos:
Artembares, “lançado contra a costa cruel da Silênia”; Dadaces, “morto a lança quando pulava de seu barco”; os restos do senhor bactriano Tenagão, “despejados perto da ilha de Ajax”; e assim por diante. Ele continua, enume-
rando mais de uma dúzia de outros líderes cujos corpos flutuavam no canal. Em um trecho particularmente medonho, representado em um palco ateniense apenas oito anos depois da batalha, o dramaturgo faz um mensageiro persa descrever a tragédia humana: Os cascos de nossos navios viravam, e não era mais possível ver o mar, de tão coalhado com os destroços dos navios de guerra e os restos do que haviam sido homens.
As costas e os recifes estavam cheios dos nossos mortos, e cada um dos navios que um
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Arginusas (406 a.C.) justamente por terem sido incapazes de salv ar os sobreviventes flutuando na água — e devido à idéia de que centenas de maridos
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Por que o Ocidente venceu
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dia fizera parte da frota agora tentava fugir remando até um lugar seguro. Mas, como se nossos homens fossem atuns ou algum tipo de pescado de rede, 0 inimigo continuava a golpeá-los e cortá-os com remos quebrados e destroços dos navios naufragados. Assim, gritos e soluços ecoaram no mar aberto até o rosto negro da noite finalmente encobrir a cena. (Persians [Persas], 419-29)
Muitos desses desafortunados não eram persas, mas recrutas bactrianos,
fenícios, egípcios, cipriotas, carianos, cílices e membros de outros estados tributários do vasto império — incluindo gregos iônicos — que haviam viajado até Salamina coagidos pelo grande recrutamento de Xerxes. A maioria dos
remadores pouco tinha a dizer sobre as condições de sua própria participação, e menos vontade ainda de lutar no estreito de Salamina. Tanto Heródoto quando Ésquilo relatam que qualquer hesitação de sua parte em remar na ma-
nhã do dia 28 de setembro significava execução sumária. Um dos trechos mais horríveis de toda a literatura clássica é o relato de Heródoto sobre Pítio, o Lídio, que pediu permissão ao Grande Rei para que um de seus cinco filhos ficasse para trás para cuidar do ancião quando as forças imperiais deixaram a Ásia
rumo à Grécia. Em resposta, Xerxes mandou que o filho favorito de Pítio fosse
desmembrado — seu torso colocado de um dos lados da estrada, seus membros do outro —, de modo que o grande exército de recrutas que passava pelos pedaços mutilados e pútridos soubesse o preço da desobediência. Uma
das ironias de Salamina é que a heróica resistência grega, feita para revidar a agressão persa e preservar a liberdade grega, resultou na verdade no assassi-
nato de milhares de marinheiros asiáticos recrutados à força. Sob pena de morte, eles lutavam enquanto Xerxes observava a batalha naval de seu trono
em cima do monte Egaleu — com seu secretário ao seu lado, regist rando a
bravura e a covardia de seus súditos para posteriores recompensas e punições. Uma década antes, seis mil e quatrocentos persas morreram em Maratona
durante a malfadada invasão inicial de Dario. Apenas semanas antes de Salamina, mais de dez mil soldados imperiais foram sacrificados na “vitória” dos
Por que o Ocidente venceu
persas em Termópilas, que rompeu a resistência helênica e abriu caminho para a Grécia. E em Artemisium, perto do desfiladeiro, uma tempestade pode ter afundado mais de duzentos navios persas, resultando em um número de mortos quase igual ao de afogados em Salamina. No outono seguinte, mais
cinquenta mil súditos de Xerxes morreriam em Platéia, e outros cem mil
durante a última saída da Grécia. Assim, duzentos e cinquenta mil homens das tropas do rei estavam fadados a sucumbir em uma
tentativa vã de pri-
var um pequeno país balcânico de pouco mais de oitenta mil metros quadrados de sua liberdade. O fim das guerras persas não assinalou apenas uma derrocada persa, mas também uma perda catastrófica de contingente imperial. “A divina Salamina”, como os gregos celebravam a vitória naval, foi travada pela “liberdade dos gregos”. O preço dessa libertação foi o assassinato em massa de uma horda de povos que haviam sido escravizados, não por motivos religiosos, étnicos ou por ódio cultural da cultura helênica. Já que nenhum dos mortos de Xerxes era um cidadão livre em uma sociedade livre, é compreensível que não saiba-
mos quase nada sobre eles. Não há nenhuma peça de teatro persa dedicada à sua memória. Nenhum historiador persa registrou o nome dos corajosos, co-
mo Heródoto fizera em Termópilas, em Salamina e em Platéia. Xerxes não
emitiu nenhum decreto cívico de Persépolis em homenagem a seu sacrifício. Sua perda não foi registrada por nenhum cenotáfio público ou elegia pesarosa. Devemos aos mortos anônimos e em sua maioria inocentes a lembrança de
que a história de Salamina é sobretudo a saga de um dia de quarenta mil ho-
mens se debatendo, gritando e soluçando enquanto afundavam lentamente nas profundezas da costa ática. Como escreveu secamente Lord Byron sobre os anônimos “eles”: Um rei sentado na colina rochosa Acima da marinha Salamina E navios embaixo, aos milhares
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Davis
Hanson
E homens de nações —; todas suas!
Ele os contou ao amanhecer — E, quando o sol se pôs, onde estavam?
(Don Juan, 86.4)
Os aquemênidas e a liberdade Na época da batalha de Salamina, o Império Persa era imenso — um ter-
ritório de um milhão e seiscentos mil quilômetros quadrados, com quase setenta milhões de habitantes — e representava a maior hegemonia única da história do mundo civilizado. Por sua vez, a população de língua grega do continente era composta por menos de dois milhões de pessoas e ocupava
pouco mais de oitenta mil quilômetros quadrados. A Pérsia também era uma soberania relativamente jovem, com menos de 100 anos de idade, robusta
em seu período de maior poder — e em grande parte produto da genialidade de seu legendário rei Ciro, o Grande. Em um período não superior a trinta anos (circa 560-530 a.C.), Ciro transformara a relativamente pequena e isolada monarquia persa (Parsua, no que hoje é o Irã e o Curdistão) em um governo mundial. No final, ele acabou governando os povos conquistados da maior parte
da Ásia — do mar Egeu ao rio Indo, incluindo a maior parte do território entre o golfo Pérsico e o mar Vermelho ao sul e entre o mar Cáspio e o mar de Aral ao norte.
Depois da perda subsequente dos estados gregos iônicos nas costas do Egeu, os gregos do continente tornaram-se familiarizados com esse imenso e sofisti-
cado império que agora se expandia próximo a suas fronteiras orientais. O que os gregos aprenderam sobre a Pérsia — como no caso da experiência européia posterior com os otomanos — tanto os fascinou quanto os amedrontou. Mais tarde, toda uma série de talentosos políticos e de intrigantes renegados, como Demáratos, Temístocles e Alcibíades, ajudaria os persas contra seu próprio povo
grego e, no entanto, ao mesmo tempo, odiaria seus aliados por se aproveitarem
E
Por que o Ocidente venceu
abertamente de sua ambição pessoal. De modo semelhante, almira ntes, arma. dores e táticos italianos buscariam mais tarde empregos lucrativos junto aos otomanos. Ao relacionar cultura e ética, os moralistas gregos há muito haviam
relacionado a pobreza helênica com liberdade e exc elência, e a abundância
oriental com escravidão e decadência. Assim, o poeta Focíli des escreveu: “A pólis respeitadora das leis, embora pequena e localizad a em uma rocha alta, supera a insensata Nínive” (fragmento 4). Na época do reinado de Dario I (521-486 a.C.), a Pér sia era um império relativamente estável, governado pela chamada monarq uia aquemênida, que
exercia uma administração provincial sofisticada em cerca de vinte satrapias. Os governantes persas recolhiam impostos, forneciam soldados para campanhas nacionais, construífam e mantinham estradas nac ionais e um eficiente sistema postal real, e de modo geral deixavam aos povos con quistados a liber-
dade de adorar seus próprios deuses e de encontrar seus próprios meios de chegar aos níveis desejados de tributação imperial. Para os gregos, que nunca foram capazes de unificar adequadamente seu próprio continente muito me-
nor, a confederação aquemênida de todo um continente criava a imagem de uma força de homens e recursos que ultrapassava sua compreensão. O que mais espantava os ocidentais — podemos deixar de lado sua visão
apesar do clima parecido e de séculos de interação, um mundo separava as duas
culturas. Esse sistema estrangeiro não causara fraqueza e decadência, como alegavam os gregos às vezes, mas sim obviamente uma administração imperial mais ou menos eficiente e uma grande riqueza: Xerxes estava na Acrópole Brega, os gregos (ainda) não estavam em Persépolis. Uma imagem espantosa do poder persa era o que os gregos concluíam do relato de mercadore s itinerantes, de seus próprios escravos orientais, da comunicação de seus irmãos 58
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preconceituosa dos orientais como homens moles, fracos e afeminados — era a antítese quase total do Império Persa em relação a tudo o que fosse helênico, das práticas políticas e militares à vida econômica e social. Apenas poucos quilômetros de mar separavam a Ásia Menor das ilhas gregas do Egeu, mas,
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Davis
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iônicos, dos milhares de pessoas de língua grega que encontravam trabalho na burocracia persa, e das histórias esparsas de mercenários que voltavam para
casa. O sucesso da dinastia aquemênida sugeria que havia povos no mundo — e muito próximos da Grécia — que faziam as coisas de modo muito diferente, O que os tornava muito mais ricos e prósperos do que os gregos.
O governo absoluto de milhões de pessoas estava nas mãos de muito poucos. O rei e sua pequena corte de parentes e conselheiros (seus títulos persas
podem ser traduzidos de maneiras variadas, como “carregador de arco”, “portador de lança”, “amigos do rei”, “benfeitor do rei”, “olhos e ouvidos do rei”
etc.) supervisionavam a burocracia e o clero, que vivia do recolhimento dos impostos provinciais e da propriedade de grandes extensões de terra, enquan-
to um grupo de elites persas e de parentela aquemênida administrava o grande exército multicultural. Aparentemente, não havia nenhum conceito abstrato ou jurídico de liberdade na Pérsia aquemênida. Até mesmo os sátrapas eram designados como escravos na correspondência imperial: “O rei dos reis, Dario,
filho de Histapes, diz o seguinte a seu escravo Gadatas: “Soube que você não está obedecendo a meu comando em todos os aspectos...” (R. Meiggs e D. Lewis, orgs., Greek historical inscriptions [Inscrições históricas gregas], nº 12, 1-5). O monarca aquemênida era absoluto e, embora não fosse divino, era o
regente do deus Ahura Mazda na Terra. A prática da proskynêsis — ajoelharse diante do grande rei — era exigida de todos os súditos e estrangeiros. Mais tarde, Aristóteles considerou esse costume de adorar homens como deuses a
prova da grande diferença entre as noções orientais e gregas de individualis-
mo, política e religião. Enquanto os vitoriosos generais gregos das guerras persas — o regente Pausânias em Esparta, Miltíades e Temístocles em Atenas — eram severamente criticados por se identificarem com o triunfo grego, Xerxes,
ao tentar atravessar um acidentado Helesponto, fez com que o mar fosse açoitado e “marcado” por “desobedecer” às suas ordens. Códigos legais existem em qualquer civilização. Sob os persas, o sistema
judiciário local foi preservado na Lídia, no Egito, na Babilônia e na Iônia —
59 E
Por que o Ocidente venceu
com a condição de que a
lei aquemênida supervisionasse todos os estatutos e
fosse estabelecida e emendada conforme os desejos do grande rei em pessoa. Cada um dos homens flutuando na água no dia 28 de setembro não tinh a outra entidade legal senão a de bandaka, ou escravo, de Xerxes — um concei.
to tirado da antiga idéia babilônica de que o indivíduo era um ardu, um “es. cravo”, do monarca.
Ão contrário, praticamente todos os líderes políticos das cidades-estado da
Grécia do século V eram selecionados por sorteio, eleitos ou sujeitos a revisões
anuais por um conselho eleito. Nenhum arconte reivindic ava uma condição divina; as execuções por fiat eram consideradas assassinato; e uma severa vi. gilância era dedicada a evitar o ressurgimento dos tiranos, que haviam assolado
alguns dos mais prósperos e comerciais estados gregos no passado recente,
Mesmo os escravos e servos particulares das cidades-estado gre gas eram muitas vezes protegidos da tortura e do assassinato arbitrários. Essa s não eram abordagens alternativas do governo pelo estado, mas sim diferenças funda-
mentais na idéia de liberdade pessoal que ajudaria a determinar quem sobrevi-
veria e quem morreria em Salamina.
O exército imperial persa era imenso e seu alto comando exercido por parentes e elites que haviam prestado juramento ao rei. Em seu núcleo estavam infantes persas profissionais — os chamados Imortais eram os mais famosos —
recrutados em centenas de regiões diferentes, falavam dúzias de línguas e estavam armados com espadas, adagas, lanças curtas, picaretas, machados de guerra e dardos, e protegidos por escudos de vime, túnicas de couro e, às vezes, cotas de malha. O treinamento, o respeito rígido das fileiras e colunas e o
avanço e retirada em conjunto e coordenados eram praticamente desconhecidos. O ponto de vista grego que desprezava a qualidade da infantaria pesada
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çar cavaleiros e soldados de infantaria, os infantes persas eram geralmente
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importantes forças de cavalaria, cocheiros e soldados de arremesso. No lugar de uma força de choque pesadamente armada de piqueiros capazes de destro-
E
e vários contingentes de infantaria subsidiária leve e pesada, auxiliados por
Victor
Davis
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persa era, de modo geral, correto. Alguns anos depois, no início do século IV, Antíoco, um embaixador grego da Arcádia, disse que não havia na Pérsia um
só homem que pudesse combater os gregos. Durante a criação do Império Persa nas estepes asiáticas, não houve necessidade de lançar mão de falanges de cidadãos hoplitas vestidos com armaduras de trinta quilos.
O rei aquemênida nem sempre estava empoleirado em um trono observando o campo de batalha — como Xerxes em Termópilas e Salamína —, mas geralmente lutava em uma grande carruagem, cercado por guarda-costas, no
meio da linha de frente persa: a posição mais segura e mais lógica de onde dar
ordens. Os historiadores gregos insistiram na óbvia diferença: em caso de derrota, Os monarcas
persas fugiam antes de seus exércitos,
enquanto
não há
sequer uma batalha grega importante — Termópilas, Délio, Mantinéia, Leuctras — na qual os generais helênicos tenham sobrevivido à debandada de seus soldados. A catástrofe militar não trouxe represálias para o rei aquemênida em si; subordinados como os fenícios em Salamina eram pegos como bodes expiatórios e executados. Em contrapartida, também não havia nenhum general grego em toda a história da cidade-estado — Temístocles, Miltíades, Péricles, Alcibíades, Brásidas, Lisandro, Pelópidas, Epaminondas — que não
tenha sido em algum momento multado, exilado ou destituído, ou morto junto com seus soldados. Depois de suas maiores vitórias, alguns dos mais bemsucedidos e talentosos comandantes — os almirantes gregos vitoriosos nas Arginusas (406 a.C.) ou Epaminondas ao regressar da libertação dos hilotas
messenianos (369 a.C.) — passaram por tribunais para salvar suas vidas, nem tanto por acusações de covardia ou incompetência, mas sim pela desatenção com o bem-estar de seus homens ou pela falta de comunicação com seus su-
pervisores civis.
Em um território tão vasto quanto a Pérsia, teoricamente havia milhares de
proprietários agrários individuais e negociantes privados, mas o contraste econômico e cultural com a Grécia do século V era mais uma vez revelador. Na
Atenas clássica, não conhecemos uma única fazenda com mais de quarenta
Por que o Ocidente venceu
hectares, enquanto na Ásia — tanto sob os aquemênidas quanto mais tarde,
durante as dinastias helênicas — as propriedades ultrapassavam os Milhares de hectares. Um dos parentes de Xerxes podia ter mais terras“do que todos os remadores da frota persa reunidos. A maior parte das melhores terras do império estava sob controle direto de sacerdotes, que tinham meeiros Servos, e de nobres persas ausentes, que geralmente tinham vilarejos inteiros. O pró-
prio rei persa, teoricamente, tinha direito a todas as terras do império e podia
confiscar qualquer propriedade ou executar seu proprietário por fiat.
A própria Grécia tinha seu quinhão de hierarquias relativas à propriedade
agrária, mas a diferença estava na postura de um governo consensual em re-
lação à questão global da propriedade de terras. Propriedades pertencentes ao
poder público ou religioso eram limitadas em tamanho e relativamente raras
— não somando mais de 5% do território agregado ao redor de uma pólis. Leilões públicos de terras confiscadas eram comuns, e os preços das vendas públicas eram baixos e uniformes. As terras das novas colônias eram inventariadas e distribuídas por sorteio ou por venda pública, e nunca dadas a poucas elites. A chamada classe de infantaria hoplita possuía fazendas de cerca de quatro hectares. Na maioria das cidades-estado, eles constituíam de um terço
à metade da população cidadã e controlavam cerca de dois terços de toda a terra arável existente — um padrão de propriedade agrária muito mais igualitário do que, por exemplo, o da atual Califórnia, onde 5% dos proprietários
controlam 95% de todas as propriedades agrárias.
Nenhum cidadão grego podia ser executado arbitrariamente sem julgamento. Sua propriedade não estava sujeita a confisco, exceto depois da vota-
ção de um conselho, fosse ele uma boulz nas oligarquias de base ampla ou uma ekklesia sob a democracia. Na mentalidade grega, a capacidade de ter propriedade livremente — de ter direito legal a ela, melhorá-la e transmiti-la a seus descendentes — era a base da liberdade. Embora tais tradições agrárias clássi-
cas tenham sido erodidas posteriormente durante o Império Romano e no início da Idade das Trevas, com a criação de grandes propriedades vazias e feudos 62
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eclesiásticos, esse ideal não seria abandonado mas, pelo contrário, continuou a fornecer a base para a revolução e a reforma rural no Ocidente do Renascimento aos dias de hoje. Enquanto na Pérsia havia várias casas da moeda,
nossas fontes sobre a
administração imperial aquemênida — confirmadas pela posterior chegada dos saqueadores e pilhadores do exército de Alexandre, o Grande — sugerem que toneladas de lingotes armazenados não foram cunhadas, e que havia uma
estagnação crônica da economia persa. Com os metais guardados nos tesouros imperiais, os impostos provinciais eram na maioria das vezes pagos em espé-
cie sob a forma de “presentes” — alimentos, animais vivos, metais, escravos,
terras — e não em moeda, o que sugere altos impostos e uma economia do dinheiro pouco desenvolvida. Uma das razões para a expansão inicial veloz e para a inflação do mundo helenístico tardio (323-31 a.C.) foi a súbita conversão de metais preciosos guardados nos cofres aquemênidas em dinheiro cunhado pelos reis sucessores macedônios que, ao transformarem uma economia de comando em uma economia mais capitalista, contrataram milhares de construtores, armadores e mercenários.
A literatura persa — um conjunto de teatro, filosofia ou poesia longe da censura religiosa ou política — não existia. É bem verdade que o zoroastrianismo era uma investigação metafísica fascinante, mas sua razão de ser era
religiosa e, portanto, os parâmetros de seu pensamento e os tratados sagrados formavam uma coisa só, de tão impregnados por um zelo que impedia a especulação ilimitada e a verdadeira liberdade de opinião. A história — a noção
grega de liberdade de investigação, em que os registros e fontes do passado são continuamente sujeitos a questionamento e avaliação como parte de um esforço para fornecer uma narrativa da explicação independente do tempo — também era desconhecida entre os persas, pelo menos de forma amplamente disseminada. O que mais se aproximava dela eram as inscrições públicas dos
63
ls
próprios aquemênidas, nas quais um Dario I ou um Xerxes publicavam suas próprias res gestae:
Por que o Ocidente venceu
Um grande deus é Ahura Mazda, que criou esta terra, que criou o homem, que criou a paz para o homem, que fez Xerxes rei, um rei de muitos, um senhor de muitos, Sou Xerxes, o grande rei, rei dos reis, rei de terras que contêm muitos homens, rei nesta
grandiosa terra vasta e ampla, filho de Dario, o rei, um aquemênida, um persa, filho de um persa, um ariano, de semente ariana. (A. Olmstead, History of the Persian Empire [História do Império Persa), 231)
O imperador Augusto emitiu proclamações semelhantes na Roma imperial, mas ainda restavam um Suetônio, um Plutarco ou um Tácito para aca-
bar endireitando os registros. Assim como os otomanos mais tarde proibiriam as imprensas em todo o seu império por medo da liberdade de expressão, a idéia da crítica pública dos aquemênidas em documentos escritos era prati-
lácios ou tratados sagrados — dizem respeito ao rei, a seus sacerdotes e a seus burocratas de modo geral, e se limitam a assuntos relativos ao governo e à
religião. Mesmo que outras vias de expressão pública tenham existido, a vitória persa em Termópilas não poderia ter sido representada no palco ou lembrada na poesia sem a aprovação de Xerxes — e sem Xerxes como principal pro-
tagonista da vitória. A comemoração da vitória persa na Báctria prova bem isso: “Diz Xerxes o rei: Quando me tornei rei, havia nestas terras descritas alguém inquieto. Depois Ahura Mazda me ajudou. Pela graça de Ahura Mazda, castiguei essa terra e a coloquei em seu lugar” (A. Olmstead, History of the Persian Empire [História do Império Persa], 231).
A religião persa não era tão absolutista quanto a do Egito, na medida em que os aquemênidas eram agentes de Ahura Mazda, e não divindades em si.
Mesmo assim, o poder real era baseado no direito divino, e os éditos imperiais eram considerados um ato sagrado. Daí o refrão constante de todos os reis
aquemênidas: “De mim é Ahura Mazda, Ahura Mazda eu sou.” Quando ÁAlexandre, o Grande, aprendeu a dizer a mesma coisa, mesmo os mais leais de 64
e
Todos os textos persas — sejam eles inscrições públicas, inventários de pa-
e —————
camente desconhecida.
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seus senhores macedônios começaram a conspirar um assassinato, um golpe ou um retorno à Grécia. Em nível local, no entanto, os povos conquistados do Império Persa, como os babilônios e os judeus, podiam reverenciar seus próprios deuses. Já que nenhuma cultura no Oriente conquistado tinha nenhuma
tradição de religião separada da política, ou sequer abraçava o ideal da diver-
sidade religiosa, a maioria dos súditos persas não considerava a relação religiosa/política dos aquemênidas muito diferente da sua — e, se havia alguma
diferença, ela era mais tolerante. Dito isso, havia diversas castas de homens sagrados que não apenas gozavam de poder político como agentes do rei, mas também buscavam grandes propriedades para sustentar seu trabalho. Os magos oficiais de vestes brancas eram empregados pela monarquia como auditores religiosos em cerimônias
públicas e para assegurar a devoção dos súditos imperiais. A matemática e a astronomia eram avançadas, mas no final das contas subordinadas ao escrutínio relígioso e usadas para promover, em um contexto religioso, as artes da
divinação e da profecia. Um humanista como Protágoras (“O homem é a medida de todas as coisas”) ou um ateu racionalista como Anaxágoras (“O que quer que tenha vida, tanto o grande quanto o pequeno, a mente
[nous] os
controla a todos... o que quer que exista agora e que venha a existir, a mente
organizou”) não poderiam ter prosperado sob os aquemênidas. Na Pérsia, tal liberdade de pensamento só podia ocorrer se escapasse à vigilância imperial; e, caso fosse descoberta, estava sujeita à censura imperial imediata. Os gregos clássicos eram tão devotos quanto os persas, mas, quando cidadãos conserva-
dores se uniam para livrar suas cidades de provocadores ateus, buscavam primeiro um decreto majoritário do povo, ou pelo menos algo parecido com um julgamento por júri aberto.
Se, no passado, historiadores ocidentais usaram os trabalhos de autores gregos como Ésquilo, Heródoto, Xenofonte, Eurípides, Isócrates e Platão para construir estereótipos dos persas como decadentes, fracos, corruptos e enfeitiçados por eunucos e haréns, o exame cuidadoso dos arquivos imperiais e das
65
s
É
Por que o Ocidente venceu
inscrições dos aquemênidas deveria nos alertar para não ir tão longe na outra direção. O exército persa em Salamina não era decadente ou efeminado, mas
constituía um universo completamente diferente de quase qualquer coisa
existente na Grécia. No final das contas, no Oriente não havia pólis. A Pérs ia aquemênida — assim como a Turquia otomana ou os astecas de Montezuma — era uma imensa sociedade dividida em que milhões de habitantes eram gover-
nados por autocratas, supervisionados por teocratas e coagidos por gen erais
As guerras persas e a estratégia de Salamina Salamina foi a batalha central no confronto de duas culturas int eiramente
diferentes, uma gigantesca, rica e imperial, e a outra pequena, pob re e des-
centralizada. À primeira tirava sua enorme força dos impostos, do poder humano e da obediência que uma cultura palaciana centralizada pode obter
tão bem; a última, da espontaneidade, da inovação e da iniciativa que só surgem nas comunidades pequenas, autônomas e livres de homens iguais. Os próprios gregos contemporâneos acreditavam que o desfecho da guerra
dependia principalmente de uma questão de valores absolutos. De fato, pensavam que ele estivesse atrelado a seu próprio estranho conceito de liberdade, ou eleutheria — que desejavam conservar, e que Xerxes desejava destruir. Aos seus olhos, a guerra dependeria de quanto valia a liberdade e de em que medida ela seria capaz de neutralizar as enormes vantagens do
rei em termos de números, riqueza material e experiência militar. A vitória da infantaria ateniense em Maratona dez anos antes pusera fim a uma incursão punitiva local de Dario, um dia de batalha da qual apenas Atenas
e Platéia participaram do lado grego. Essa força expedicionária inicial da Pérsia em 490 a.C. não era grande segundo padrões posteriores — havia no máximo trinta mil invasores contra pouco mais de dez mil gregos. A mobilização subsequente de soldados de Xerxes, no entanto, era um exército totalmente diferente. 66
Victor
Davis
Hanson
Termópilas, travada uma década depois de Maratona, foi uma terrível der-
rota — apesar de toda sua bravura e da evocação da liberdade grega, talvez tenha sido a maior perda em toda a história das operações pan-helênicas, e
uma das poucas vezes na história em que um exército asiático derrotava uma força ocidental dentro da Europa. À batalha naval praticamente simultânea em Artemisium foi, no máximo, uma retirada estratégica grega. Assim, ao analisar por que os gregos venceram as guerras persas, resta-nos examinar apenas duas vitórias cruciais do conflito: Salamina e a batalha de infantaria posterior de Platéia.
Mícale (agosto de 479 a.C.), travada próxima à costa da Iônia na Ásia Menor, na mesma época, ou quase, de Platéia, dá início a um período de expan-
são grega no mar Egeu, mais do que a uma defesa do continente grego em si. No entanto, Mícale só foi possível graças à vitória anterior em Salamina.
Platéia, travada em um pequeno vale a cerca de dezesseis quilômetros ao sul
de Tebas, quase um ano depois da vitória grega em Salamina, foi um magnffico triunfo grego, que resultou na destruição da infantaria persa remanescente
no campo de batalha e marcou a expulsão final da Grécia das forças de infantaria do rei. Mesmo assim, essa batalha marcante — durante a qual o general persa Mardônio foi morto e a maioria dos persas sobreviventes foi executada
ou fugiu — só pode ser compreendida no contexto do sucesso tático, estratégico e espiritual de Salamina em setembro do ano anterior, que deu aos gregos o estímulo para continuar com a guerra. Mais tarde, em Platéia, os persas combateram sem o rei Xerxes, sem sua frota massacrada e sem seus melhores homens, que haviam morrido afogados em Salamina ou fugido para o território persa quase um ano antes, depois da derrota naval em Salamina. Não haveria apoio naval persa para a infantaria de Mardônio na costa da Beócia
oriental — ele jazia no fundo do canal de Salamina ou há muito fugira para o Oriente. Além disso, havia provavelmente mais infantes gregos em Platéia — de sessenta a setenta mil hoplitas, e um número ainda maior de soldados leves
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— do que em qualquer outra reunião de soldados em um único exército na
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a Por que o Ocidente
A| N t
venceu
X história grega. Heródoto acreditava que, juntos, os soldados helênicos ali pre. sentes chegavam a mais de cento e dez mil. Assim, os persas lutaram em Pla.
téia no verão de 479 a.C. como uma força rec entemente derrotada, sem a Im-
pressionante superioridade numérica de que gozavam em Salamina, e sem seu
rei e sua enorme frota. Em Platéia, os invasores não podiam ser auxiliados por
mar ou por terra. Por sua vez, os gregos confiantes encheram a pequena planí-
cie beócia, convencidos de que seus inimigos persas estavam fugi ndo da Ática,
desmoralizados por sua derrota em Salamina e abandonados por sua liderança política e militar. Como as coisas haviam sido diferentes um ano antes em Salamina — e como é difícil para o historiador imaginar como os gregos possam realmente ter vencido! Depois de evacuar sua zona rural e
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4 A çe : eo
sua cidade, Atenas — cuja frota recémER construída de duzentos navios representava dois terços do contingente
grego — relutava em lutar sequer um
metro
mais
ao sul. Pratica-
mente todos os cidadãos atenien-
ses haviam sido evacuados para a própria Salamina, para Égina
e para Troezem, Assim,
para
na Argólida.
os gregos,
em se-
tembro de 480 a.C., viajar mais para o sul do golfo de Sarônica equivalia a abandonar os refugiados civis da Ática às tropas de Xerxes — e, basicamente, a
pôr fim à idéia da própria Atenas que, com a perda de Sala-
Imagem de um elmo de bronze hoplita. 68
mina, ficaria desprovida de um
Victor
Davis
Hanson
centímetro sequer de solo nativo. “Se vocês não fizerem isso [lutar em Salamina]”, avisou Temístocles a seus aliados peloponesos, “então imediatamente pegaremos nossas coisas e iremos de barco até Siris, na Itália, um lugar que
nos pertence desde os tempos antigos, e onde o oráculo nos diz que devemos tundar uma colônia. E o resto de vocês, privados de aliados como nós, terá motivos para se lembrar de minhas palavras” (Heródoto, 8.62). Os gregos lutaram pela liberdade nas guerras persas, mas havia chefes de estado espertos no Peloponeso que desejavam adiar seu confronto final com Xerxes até que não houvesse outra alternativa e todas as outras cidades-estado houvessem primeiro aberto mão de suas derradeiras reservas naquela guerra do fim do mundo. Em Salamina, a maioria dos gregos reconhecia que uma maior participação
dos refugiados atenienses, ainda o maior poder naval na aliança pan-helênica,
dependia de dois pré-requisitos: uma batalha naval devia ser travada imediatamente depois da evacuação da Ática; e devia acontecer em uma área-tampão entre os persas e a vulnerável população civil dos próprios atenienses. Assim, uma batalha em setembro no litoral de Salamina era a única alternativa para garantir a participação ateniense, base da aliança. Todos os outros gregos do
norte, com poucas exceções, não só haviam cessado de resistir depois de sua terra natal ser derrotada, mas chegavam a fornecer homens para a causa de Xerxes. A ameaça dos atenienses de fugir de barco rumo ao Oriente não era só da boca para fora: eles realmente pretendiam abandonar a causa se os gregos
do sul não fizessem um último esforço de resistência em Salamina. Os atenienses haviam evacuado Atenas porque seus cerca de dez mil infantes hoplitas pesados não eram páreo para a horda persa. Depois da carnificina
em Iermópilas, nenhuma força hoplita pan-helênica estava disposta a marchar pela planície ática para defender a cidade contra um inimigo vitorioso, ao qual agora haviam se juntado os gregos desertores da Tessália e da Beócia. É bem verdade que a maioria dos gregos ainda preferia uma batalha decisiva, de
preferência em terra e com uma infantaria pesada. No entanto, até que as fontes
de apoio naval, de transporte e de ajuda aliada de Xerxes fossem arruinadas,
69 E
1
Por que o Ocidente venceu
qualquer empreitada espetacular desse tipo resultaria em pouco mai s do que
um massacre de gregos. Uma catástrofe heróica em Ter mópilas fora suficiente para a época, já que a maioria da população percebia que a existência de uma
enorme frota inimiga persa significava que qualquer defesa ter restre grega
poderia ser cercada por trás graças a plataformas navais, enquanto a perda da
Beócia eliminara um fundo comum de alguns dos melhor es hoplitas do conti. nente grego. Nenhuma ilha grande perto o suficiente da costa helê nica ao sul, entre
Salamina e o Istmo de Corinto, ou no litoral norte da pení nsula da Argólida, nenhum estreito ou enseada poderia ter oferecido à frota grega, men or e “mais
pesada”, um canal protegido que contrabalançasse a vantag em numérica da ar-
mada persa. Mesmo que os atenienses pudessem ter sido convencidos à lutar
ao sul de Salamina, transportando os refugiados de Égina e Salamina para o sul para juntar-se aos que já estavam em Troezem, havia apenas duas alternat ivas de defesa: uma batalha naval nas águas abertas do sul ou uma defesa terrestre suicida atrás das fortificações do próprio istmo. Nenhuma das duas oferecia esperança de vitória. Heródoto relata um discurso proferido por Temístocles para seus generais gregos antes da batalha, no qual ele rejeitava esse confronto naval na costa de Corinto: “Se vocês enfrentarem o inimigo no istmo, lutarão em
águas abertas, o que será uma enorme desvantagem para nós, já que nossos navios são mais pesados e estão em menor número. Além disso, perderíamos Salamina, Megara e Égina mesmo que fôssemos vitoriosos ali” (8.60).
Por outro lado, acrescentou Temístocles, uma luta em Salamina garantiria
aos peloponesos evitar que seus inimigos se aproximassem do istmo, mantendo-os assim longe de seu próprio território. Uma vitória em Salamina poderia salvar Atenas e o Peloponeso. Até mesmo um sucesso no istmo viria tarde demais para salvar a Ática. A chave para a defesa grega era manter
seus dois principais poderes, Atenas e Esparta, livres e comprometido s com o espírito de defesa pan-helênico. 70
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Mnesiphilius, um ateniense, avisara Temístocles anteriormente que, se os
gregos não lutassem em Salamina, havia poucas chances de a armada panhelênica se reunir novamente em uma só frota, mesmo no istmo. “Todos”,
previu Mnesiphilius, “vão se retirar para suas próprias cidades-estado, e nem Euribíades nem nenhum outro homem será capaz de mantê-los unidos, pelo contrário, a armada vai se separar” (8.57). Por essa razão, Heródoto faz com
que a rainha Artemísia, um dos almirantes de Xerxes, mesmo temendo por sua vida, aconselhe aos persas que evitem Salamina, esperem e gradualmente
rumem para o sul por terra até o istmo. Ela argumentou que uma batalha naval em Salamina seria a única chance de os gregos em conflito se unirem contra a ameaça persa. No relato de Heródoto, os gregos do Peloponeso se prenderam teimosamente à idéia de uma defesa por terra, e fortificaram apressadamente o istmo, enquanto seus almirantes discutiam em Salamina. Não apenas a frota
ateniense teria relutado em participar de um tal esforço dos estados peloponesos quando toda a população de Atenas estava aprisionada — de qualquer modo, seus navios teriam tido pouca utilidade em uma batalha atrás de fortificações —, mas há boas razões, como previa Heródoto, para
que ele houvesse fracassado. Uma frota persa intacta teria facilmente desembarcado soldados na retaguarda do exército grego ao longo de toda a costa do Peloponeso,
A última esperança da civilização helênica de derrotar um império vinte vezes maior do que o seu era forçar uma batalha em Salamina. A ínfima chance de vitória se devia em grande parte à genialidade estratégica e tática de Temístocles, e à coragem e audácia dos marinheiros da frota pan-helênica,
que lutavam por sua liberdade e pela sobrevivência de suas famílias. O problema, no entanto, era que, até 480 a.C., os gregos livres continuavam a provocar, votar e ameaçar uns aos outros, enquanto persas não-livres aneXavam cada vez mais sua terra natal. Essa liberdade de explorar estratégias diferentes, debater táticas e escutar as reclamações dos marinheiros era rui1
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que o Ocidente venceu
dosa e nada bonita de se ver, mas quando a batalha em si começou foram os gregos, e não os persas, que finalmente descobriram a melhor maneira de lutar no estreito de Salamina.
A batalha Se os quarenta mil afogados e seus companheiros houvessem vencido, não
teria havido Grécia autônoma,
e a própria civilização ocidental teria sido
abortada em sua infância de dois séculos. Salamina foi, em certo sentido, a úl-
tima chance para a frágil coalizão grega de derrotar Xerxes antes de suas forças ocuparem o Peloponeso ali perto e, assim, realizarem sua conquista final do continente grego. Os refugiados atenienses foram amontoados em alo-
jamentos improvisados nas ilhas próximas de Salamina e Égina e na cost a da Argólida, com sua própria cultura à beira da extinção. Devemos lembrar que,
quando a batalha de Salamina foi travada, os atenienses já haviam perdido
sua terra natal. A batalha não era um esforço para salvar, mas sim para recu-
perar o solo ancestral.
Infelizmente, nossas fontes antigas — o historiador Heródoto e o dramaturgo Ésquilo, além de relatos muito posteriores de Plutarco, Diodoro e Nepos — não nos dizem quase nada sobre a batalha em si, mas sugerem que a frota grega
reconstituída estava em desvantagem numérica de quase dois contra um, e talvez até três ou mesmo quatro contra um. Não temos certeza de quantos navios
havia na batalha de ambos os lados — dadas as perdas anteriores na primeira batalha naval em Artemisium, semana antes, e os subsegientes reforços —, mas deve ter havido algo entre trezentas e trezentas e setenta embarcações gregas enfrentando uma armada persa de bem mais de seiscentos navios de guerra.
Tanto Esquilo quando Heródoto, no entanto, tinham certeza de que a armada persa era ainda maior, com mais de mil navios e duzentos mil marinheiros. Se
estiverem certos, Salamina mobilizou o maior número de com batentes em um único confronto de toda a história da guerra naval. 72
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A maioria dos observadores antigos assinala que os marinheiros da frota
grega tinham menos experiência do que os da flotilha imperial persa, remadores veteranos da Fenícia, do Egito, da Ásia Menor, de Chipre e da própria Grécia. A armada ateniense mal tinha três anos de idade, e seus mais de duzentos navios haviam sido construídos de repente, segundo um conselho de Temístocles que, de forma previdente, temia o crescimento das outras frotas gregas — ou da frota persa. Com bem menos navios e menos perícia no mar, a
única esperança da armada pan-helênica, na opinião de Temístocles, era atrair a frota persa para os estreitos entre a ilha e o continente. Ali, os invasores não
teriam espaço para manobrar completamente e, assim, perderiam sua vantagem em matéria de contingente e de experiência marítima, enquanto os intré-
pidos remadores gregos abriam uma brecha atrás da outra nos navios da armada multicultural com os aríetes de seus trirremes. Heródoto também se refere aos navios gregos como “mais pesados” (baruteras). Isso não quer dizer necessariamente que os trirremes gregos tivessem melhor design ou navegassem melhor. Alguns estudiosos sugerem que Heródoto quis dizer que as embarcações gre-
gas eram encharcadas, construídas com madeira pouco envelhecida, ou maiores e menos elegantes — tanto menos manobráveis quanto mais difíceis de afundar — do que as persas. De qualquer maneira, era obviamente do interes-
se dos gregos não sair ao mar, onde não apenas estariam em desvantasem numérica, mas também em desvantagem do ponto de vista das manobras. Os persas, talvez enganados por uma astúcia de Temístocles, acreditavam que os atenienses estivessem recuando para o sul pela baía de Elêusis, através do estreito de Megara. Conseqientemente, eles dividiram, e portanto enfra-
queceram, suas forças, enviando navios para bloquear as saídas tanto pela
costa norte quanto pela costa oeste de Salamina. A frota do rei atacou logo antes da madrugada, remando para a frente em três linhas contra as duas linhas gregas. Muito rapidamente a armada se desorganizou devido aos ataques gregos e à confusão de ter tantos navios em águas tão confinadas. A unifor-
midade das tripulações gregas, sua disciplina superior e sua motivação maior Tr
73 E
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Por que o Ocidente venceu
ajudam a explicar por que eles foram capazes de atingir rep etidamente os
navios inimigos sem serem abordados pelo adversário numericamente superior. O experiente contingente egípcio sequer chegou a lutar, mas ficou ao lon-
ge, no norte, esperando em vão pelos gregos, que supostamente bateriam em
retirada de Megara.
Temístocles liderou o ataque pan-helênico em seu próprio trirreme. Sua
personalidade magnética e suas ameaças haviam mantido os gregos unidos depois da ocupação persa de todos os territórios ao norte do istmo: e suas promessas secretas, porém falsas, ao rei persa de uma rendição na véspera da
batalha haviam enganado Xerxes quanto às verdadeiras intenções gregas. Em todas as nossas breves descrições antigas, o tema comum é a disciplina grega
durante O ataque — navios avançando em ordem à medida que tripulações re-
mavam, recuavam e atacavam metodicamente obedecendo aos comandos —
em contraste com o caos e a confusão dos persas, que tentavam em vão abordar Os trirremes gregos a esmo e matar as tripulações.
A batalha talvez tenha durado oito horas, entre os dias 20 e 30 de setembro, mas mais provavelmente no dia 28 de setembro. Quando a noite caiu, os navios da frota persa estavam afundados ou haviam fugido, e o ânimo dos marinheiros invasores fora perdido. A maioria das embarcações inimigas fora afundada por aríetes, com os trirremes gregos avançando e recuando das toscas formações persas, que rapidamente se dispersaram, com os contingentes nacionais passando a operar sozinhos e em interesse próprio. Embora teoricamente o inimigo em fuga ainda fosse numericamente superior à frota grega, a
armada persa não era mais capaz de lutar, com mais de cem mil marinheiros
imperiais mortos, feridos, desaparecidos, foragidos ou navegando de volta rumo ao Egeu.
Poucos dias depois, o próprio Xerxes começou a marcha de volta para casa,
no Helesponto, acompanhado por sessenta mil infantes e deixando para trás seu comandante substituto, Mardônio, que ainda tinha uma enorme força par a continuar a luta no continente grego no ano seguinte. Os gregos declararam 74
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vitória imediatamente. Os atenienses logo reocupariam a Ática. Dentro de
poucos meses, infantes helênicos viriam de toda a Grécia para liquidar de vez as forças terrestres persas, que haviam se refugiado no norte, na Beócia, e estavam acampadas em Platéia.
Eleutheria Marinheiros livres em Salamina Como é o caso dos invadidos em todas as guerras, os gregos inferiores em número, pobres e cercados de 480 a.C. ainda tinham algumas vantagens intrínsecas sobre os persas: conhecimento do território, logística favorável e a possibilidade de usar fortificações para neutralizar a quantidade de seus oponentes. Heródoto também dá grande valor à armadura de bronze superior dos infantes gregos, que se mostrou tão crucial nas batalhas terrestres de
Maratona, Iermópilas e Platéia. Os próprios persas pareciam estupefatos pela disposição grega de buscar uma batalha decisiva destruidora, e especialmente pela terrível propensão da falange de colisões de choque. Eles não tinham noção alguma da disciplina grega que dava valor ao combate ordenado, na qual a principal ordem do guerreiro era permanecer em formação e não matar um grande número de inimigos. Essas características militares ocidentais inatas ressurgiriam no século seguinte e ajudam a explicar como europeus como
Xenofonte, Agesilau e Alexandre, com apenas poucos milhares de homens, foram capazes de fazer na Ásia o que Xerxes, com centenas de milhares de ho-
mens, fora incapaz de fazer na Europa. Uma vez tudo isso dito, os gregos que atacaram o inimigo de frente com seus aríetes em Salamina acreditavam que a liberdade (eleutheria) se revelara a verdadeira chave para sua vitória. A liberdade, segundo acreditavam, fizera
de seus guerreiros lutadores qualitativamente melhores do que os persas — ou qualquer outra tribo, povo ou estado não-livre, tanto no Ocidente quanto no Oriente —, criando dentro deles uma motivação superior e um incentivo
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Por que o € Jevelente venceu
mais forte para matar o inimigo. Ésquilo e Heródoto são claros quanto a isso Embora não estejamos tão interessados em suas respectivas descrições iz costumes
e motivações
persas, muitas
vezes
de segunda
mão
e passíveis de
parcialidade, ambos os autores são verossímeis ao relatar o que os gregos acre. ditavam estar em jogo em Salamina.
A moral que conclui Heródoto, por exemplo, é inconfundível: cidadãos li-
vres são melhores guerreiros, já que lutam por si mesmos, por suas famílias e
por sua propriedade, e não por reis, aristocratas ou sacerdotes. Eles aceitam um nível maior de disciplina do que soldados coagidos ou contratados. Depois de Maratona (490 a.C.), Heródoto observa que os atenienses lutavam muito melhor sob sua recém-conquistada democracia do que durante o longo reina-
do dos tiranos Peisistrátides: “Enquanto os atenienses eram chefiados por um governo despótico, não tinham mais sucesso na guerra do que qualquer um de seus vizinhos. Depois que se livraram do jugo, mostraram ser os melhores guerreiros do mundo.” Heródoto explica a razão disso: no passado, “não davam o melhor de si em combates porque estavam a serviço de um mestre; mas, como homens livres, cada indivíduo buscava obter algo para si mesmo” (5.78). (Quando perguntado por que os gregos não selavam a paz com a Pérsia depois da batalha, os enviados espartanos respondem a Hidarnes, coman-
dante militar das províncias ocidentais, que a razão era a liberdade: Hidarnes, o conselho que você nos dá não vem de um conhecimento completo de
nossa situação. Você só conhece metade do que está em jogo; a outra metade é um mis-
tério para você. A razão disso é que você compreende muito bem o que é a escravidão, mas nunca experimentou a liberdade, então não sabe se seu gosto é doce ou não. Se algum dia experimentasse a liberdade, você nos aconselharia a lutar não apenas com espadas, mas também com machados. (Heródoto 7. 135)
Como indica a epígrafe do capítulo, Ésquilo sugeria que os gregos haviam rumado para a batalha em Salamina dizendo uns aos outros “Liber tem sua 16
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terra natal. Libertem seus filhos, suas mulheres, as imagens dos deuses de seus pais e as tumbas de seus ancestrais!”
(Persians, [Persas] 402-5). Depois da
vitória em Salamina, os atenienses declinaram todas as ofertas de mediação com uma recusa sucinta: “Nós mesmos sabemos que o poder dos persas é muitas vezes maior do que o nosso; não é necessário debochar de nós por causa disso. Mesmo assim, por causa de nosso zelo com nossa liberdade, vamos nos
defender de qualquer maneira que formos capazes” (Heródoto 8.143). Para os gregos, a natureza da liberdade era quase religiosa. Os atenienses adoravam as
abstrações da “Democracia” e da “Liberdade”, esta última parte do culto a Zeus Eleutherios (Zeus, o Doador de Liberdade) — divindades que faziam mais
pelo ateniense médio do que Ahura Mazda jamais fizera por um súdito persa. O próprio Heródoto escreveu a respeito da vitória em Salamina: “A Grécia
foi salva pelos atenienses... que, tendo decidido que a Grécia deveria viver e preservar sua liberdade, conduziram à batalha os outros estados gregos que
ainda não haviam se rendido” (7.139). Quase um ano depois da batalha de Platéia, a aliança helênica exigia que, antes do combate, cada soldado fizesse
um juramento que começava assim: “Lutarei até a morte, e não darei mais valor à minha vida do que à liberdade” (Diodoro 11.29.3). Depois do fim da guerra, os gregos dedicaram
um monumento
à sua vitória no santuário de
Delfos com a inscrição: “Os salvadores da grande Grécia erguem este monu-
mento, depois de libertarem suas cidades-estado de uma abominável escravidão” (Diodoro 11.33.2).
Os observadores antigos não apenas acreditavam que Salamina e as outras batalhas das guerras persas haviam sido travadas em nome da liberdade contra uma “escravidão abominável”, mas em um sentido abstrato concordavam que ser livre era a base da batalha moral que permitiria superar o número e a
riqueza superiores de qualquer inimigo potencial. Os autores gregos muitas vezes associaram batalhas eficientes a uma milícia livre; a liberdade em si não assegurava a vitória, mas dava a um exército uma vantagem que poderia, em
qualquer ocasião, anular a liderança, o número ou o equipamento superiores
Por que o Ocidente venceu
de um inimigo. Aristóteles, que viveu em uma época de uso cada vez mais co. mum de soldados mercenários, mesmo assim não tinha dúvidas quanto a essa
relação entre liberdade e excelência militar. Sobre a cid ade- estado livre, ele
escreveu: “Os infantes da pólis consideram fugir uma morte em vez da segurança pela fuga. Por outro lado, que confiam desde o início na superioridade numérica, brem ser inferiores em número, temendo a morte mais
comachean Ethics [Ética de Nicômaco] 3.1116b16-23).
desgraça, e escolhem a soldados profissionais, fogem tão logo descodo que a desonra” (Ni.
O contraste óbvio entre gregos livres e o exército de servos em grande parte
multicultural geralmente recrutado pela Pérsia imperial sempre existiu. Xenofonte, por exemplo, faz Ciro, o Jovem explicar a seus mercenár ios gregos antes da batalha de Cunaxa (401 a.C.) por que os contratou para combater seu
próprio povo:
Homens da Grécia, não é por não ter tropas bárbaras suficientes que eu os trouxe até aqui para lutar em meu nome. Eu os trouxe até aqui porque pensei que fossem mais corajosos e fortes do que muitos soldados bárbaros. Assim, esforcem-se para ser dignos
da liberdade [eleutherias] que possuem, pela qual muito os admiro. Pois vocês bem sabem que a liberdade [eleutherian] é algo que eu escolheria antes de tudo o que possuo e de muito mais além disso. (Anabasis [Anabase] 1.73-4)
Esse trecho reflete todos os estereótipos tradicionais de um autor grego. Apesar disso, não devemos nos esquecer de três fatos importantes. Em primeiro lugar, o próprio Xenofonte era veterano de campanhas nas quais os gre-
gos haviam derrotado tropas asiáticas todas as vezes. Em segundo lugar, Dario,
Xerxes, Ciro e Antaxerxes (e o futuro Dario III) contrataram um grande número de mercenários gregos, enquanto
quase nenhuma pólis grega —
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muitas tinham capital para contratar soldados em quase qualquer lugar do mundo mediterrâneo — jamais procurou a infantaria persa. Em terceiro lugar,
Ciro admite que, do outro lado do Egeu, a inestimável liberdade da qual só 18
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ele goza, por ser um autocrata na Pérsia, estende-se para o homem comum. Setenta anos depois, em Cunaxa, não muito longe de onde os Dez Mil haviam derrotado seus adversários persas, Alexandre,
o Grande,
que lutara tanto
quanto qualquer outro para destruir a liberdade grega, mesmo assim lembrou
a seus macedônios, na véspera da batalha de Gaugamela (331 a.C.), que eles venceriam com facilidade. Ainda eram, gabou-se o rei, homens livres lutando
contra súditos escravos da Pérsia. Em toda a literatura grega, a singularidade da liberdade grega aparece claramente, uma idéia estranha que parece, em seu sentido abstrato, não ter existido em nenhuma outra cultura da época, mas ter surgido nos séculos VII
e VI entre os habitantes de língua grega dos pequenos e relativamente isolados vales agrícolas do continente, das ilhas do Egeu e da costa ocidental grega da Ásia Menor. A palavra “liberdade” ou seu equivalente — do mesmo modo que as igualmente estranhas “cidadão” (polites), “governo consensual” (politeia) e “democracia” (demokratia, isegoria) — não parece ser encontrada no léxico das antigas línguas contemporâneas, com exceção do latim (por exemplo, libertas; assim como civis, res publica). Nem os gauleses tribais ao norte nem os sofisticados egípcios ao sul do Mediterrâneo tinham idéias tão estapafúrdias.
A liberdade da cidade-estado grega não significa a liberdade de facto de tribos nômades que só querem vagar sem empecilho. O historiador Diodoro, por exemplo, admitia que até os animais selvagens lutavam por sua “liberdade”. Tampouco era o poder sem limite de que gozavam os governantes de elite em uma sociedade de classes como a Pérsia ou o Egito. Em vez disso, a descoberta pelos gregos da eleutheria revelou-se um conceito capaz de transcender os
caprichos do tempo e do espaço — urbana e rural, em paisagem densa ou esparsa, um governo consensual que era definido de modo estrito como nas oligarquias, ou amplamente praticado como nas democracias. Ela garantia ao
cidadão individual a liberdade de associação, a liberdade de eleger seus representantes, a liberdade de possuir propriedades e adquirir riquezas sem medo de confisco, e o protegia de punição e coação arbitrárias. T'=
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Nem todos eram livres nas mais de mil cidades-estado. Nos quatro séculos de história da pólis autônoma (700-300 a.C.), havia gradações nas quais as qualificações de propriedade eram altas, moderadas e ausentes, e os Cargos
públicos podiam ser abertos a poucos, a muitos ou a todos. Em muitos casos
havia cidadãos nominais que não tinham o direito de votar ou de expressar
tão livre e publicamente suas opiniões — embora até mesmo os estados mais oligárquicos nunca houvessem tentado estabelecer uma teocracia que pudesse
controlar o comportamento social, cultural e econômico de seus membros. Ainda assim, nenhuma das cidades-estado, do Mar Negro ao sul da Itália, estendia a igualdade política às mulheres, aos escravos e aos estrangeiros. Tais
conceitos louváveis se limitavam a pensadores utópicos e a poetas cômicos
como Aristófanes, os pré-socráticos, Platão e os filósofos estóicos.
Quanto a essa discriminação política grega, devemos ter em mente duas considerações. A primeira é que, de modo geral, os pecados dos gregos — escravidão, sexismo, exploração econômica, chauvinismo étnico — são em
grande parte os pecados humanos comuns a todas as culturas em todas as épocas. Os “outros” do mundo grego — estrangeiros, escravos, mulheres —
também eram “outros” em todas as outras sociedades da época (e algumas vezes continuam a ser “marginalizados” nas culturas não-ocidentais de hoje em dia, se a permanência da escravidão na África, o sistema de castas
indiano e a mutilação de mulheres puder servir de indicação). Em segundo lugar, a liberdade é uma idéia que evolui, um conceito milagroso e perigoso
que não conhece restrições lógicas na última fase de seu desenvolvimento,
depois de eclodida. A pólis primitiva dos séculos VII e VI insistia nas qualificações para a propriedade, abandonadas por Atenas e por outras demo-
cracias no século V. Na época da conquista macedônia do século IV, na li-
teratura, no palco, no debate filosófico e na oratória, os gregos clamavam
por uma liberdade e igualdade que pudessem ser estendidas a outros além
dos cidadãos homens nascidos na Grécia. Devemos tomar cuidado para não esperar a perfeição nos primeiros dois séculos de existência da liberdade; 80
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deveríamos, isso sim, apreciar o quão peculiar foi o fato de ela ter aparecido tão cedo sob qualquer forma.
O significado da liberdade Se perguntássemos a um marinheiro grego em Salamina: “O que é essa liberdade que o faz remar?”, ele poderia dar uma resposta em quatro partes. Em primeiro lugar, a liberdade de dizer o que quisesse. Na verdade, os gregos não possuíam uma, mas sim duas palavras para designar a liberdade de expressão: isegoria, igualdade no direito de falar publicamente na Assembléia, e parrhesia, o direito de dizer o que se quisesse. Nas palavras de Sófocles: “ho-
mens livres têm línguas livres” (fragmento 927a) — e um direito de expressão tão libertário não é encontrado apenas nos palcos atenienses, mas ao longo de
toda a campanha em Salamina. Conselhos eram convocados com fregiiência. Os atenienses debatiam se deviam evacuar a Ática, os peloponesos se deviam lutar no istmo ou em Corinto, e todos os gregos debatiam se deviam arriscar
tudo em Salamina — e, depois, quando e como o fariam. Estadistas como Euribíades, Temístocles, Adímantos e outros generais berravam e gritavam uns
com os outros em acaloradas discussões públicas. Essas deliberações constantes foram caracterizadas por Heródoto como “guerras de palavras” ou “grande empurra-empurra de palavras”. Antes da batalha, homens nas ruas ofereciam
livremente suas opiniões — o que o historiador Diodoro chama de “inquietação das massas” — e os generais, consequentemente, saíam às ruas para tomar o pulso do público. Mais tarde, os atenienses chegaram até mesmo a batizar seus trirremes de Demokratia, Eleutheria e Parrhêsia — uma nomenclatura que, na armada persa, teria custado a decapitação de seus capitães. A idéia de um navio persa chamado Liberdade de expressão era inconcebível.
Essa liberdade não existia do lado persa. O resultado era uma estratégia inferior, um alto comando isolado das realidades da frota, e nenhuma indica-
ção de que nenhum almirante persa tivesse qualquer participação no plano de ataque. Esquilo faz um coro de anciãos persas lamentar que a derrota em
Por que o Ocidente venceu
Salamina era um presságio de maus tempos: “Os homens não mais frearão suas línguas; pois agora que o jugo imperial foi rompido o povo é livre para
expressar seu pensamento como quiser” (Persians [Persas] 591-92). O vira. casaca espartano Demáratos aconselha Dicaeus a não falar sobre seus temores em relação à frota persa diante de seu rei, Xerxes: “Fique em silêncio e não fale com mais ninguém. Se suas palavras forem levadas ao rei, você perderá a
cabeça” (Heródoto 8.65). Depois da batalha, os almirantes fenícios dirigiram-se a Xerxes para reclamar por terem sido traídos pelos gregos iônicos, que haviam desertado a causa persa. Xerxes não gostou de suas críticas e mandou
decapitar todos eles. Enquanto se aproximavam de seus inimigos, os remadores gregos remavam com a segurança de poder exprimir suas preocupações quanto ao combate, enquanto os marinheiros persas se davam conta de que
fazer isso poderia significar sua própria execução imediata. Em segundo lugar, os remadores gregos em Salamina
também lutavam
acreditando que os governos de Atenas, Corinto, Égina, Esparta e dos outros
estados da aliança pan-helênica se baseavam no consenso dos cidadãos. Homens como Iemístocles e Euribíades eram eleitos diretamente pelo povo ou escolhidos por representantes populares. Em Salamina, os remadores gregos atacavam os navios dos oponentes com seus aríetes certos de que a batalha era uma escolha sua; os invasores afogados aceitavam a dura verdade de que
estavam no canal unicamente por causa do bel-prazer do rei persa. A longo prazo, os homens lutam melhor quando sabem que tiveram a liberdade de escolher a ocasião de suas próprias mortes.
Depois de Salamina, os veteranos gregos da batalha votaram a concessão de prêmios por heroísmo e de comendas. Por sua vez, os escribas imperiais desceram do posto de observação de Xerxes
tendo nas mãos as listas de
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punições pelo desastre persa. Anteriormente, na batalha das Termópilas, os soldados persas, como de costume, foram açoitados por seus oficiais para atacar Os gregos, enquanto os espartanos voluntariamente decidiram se sacrificar em nome da liberdade grega, até o último homem. Bater em um hoplita
eço
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grego durante a campanha poderia acarretar uma auditoria pública da conduta de um general. Chicotear a infantaria persa era considerado essencial
para manter a boa disposição do exército persa. Temístocles, rejeitado por seus próprios soldados, ridicularizado diante da assembléia ateniense e atacado no conselho pan-helênico, remou rumo à vitória lado a lado com seus ho-
mens, enquanto Xerxes ficava sentado em um banquinho ornamentado muito acima do canal — com cada um dos soldados recrutados lá embaixo temendo que os olhos do Grande Rei estivessem sobre ele. A coação e o medo da
execução podem ser ótimos incentivos para lutar, mas os gregos tinham razão quanto ao fato de a liberdade, a longo prazo, ser um motivo muito melhor. Em terceiro lugar, os gregos em Salamina tinham o direito de comprar e vender propriedades livremente, transmiti-las a seus herdeiros e melhorá-las ou negligenciá-las como quisessem, imunes da coação política ou religiosa e do confisco. Mesmo o marinheiro de Atenas que não possuísse terras podia, teoricamente, abrir uma loja, trocar suas mercadorias de couro por um peque-
no vinhedo ou oferecer seus serviços como carroceiro na esperança de acabar
obtendo algum capital e terras para seus filhos. A maioria dos afogados em Salamina trabalhava em grandes propriedades de reis, sátrapas, deuses ou
aristocratas. Os homens lutam melhor quando acreditam que a guerra vai salvar suas próprias terras, e não as de outra pessoa. Quando os persas saíram da Grécia, correram inúmeras histórias sobre as grandes quantidades de metais preciosos e lingotes deixados para trás — o que é compreensível quando nos
damos conta de que no Oriente não havia bancos nem nenhum outro mecanis-
mo que protegesse a riqueza privada do confisco ou da tributação arbitrária. Exércitos orientais posteriores traziam seu dinheiro consigo para a batalha, enquanto seus oponentes ocidentais o deixavam em casa, confiando na lei para proteger o capital privado do cidadão livre. Em Lepanto, Ali Pasha escondeu um tesouro em sua nau capitânia, o Sultana, enquanto
Don Juan não
tinha nada de sua fortuna pessoal no Reale. Se os gregos houvessem perdido em Salamina, a Ática teria se tornado imediatamente um domínio privado do E
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grande rei, que por sua vez a teria distribuído a elites e parentes favorecidos que a teriam sublocado a ex-soldados meeiros em condições longe de Serem
favoráveis. A liberdadeé a cola do capitalismo, uma sabedoria: amoral do mer .
cado que distribui bens e serviços a seus cidadãos com tanta eficiência. Finalmente, os gregos em Salamina tinham liberdade de ação. Alguns ate-
nienses teimosos, por exemplo, escolheram ficar na cidade e morrer na Acrópole. Outros peloponesos ficaram em casa para fortificar o istmo. Du rante toda a campanha, refugiados, soldados e observadores chegavam e partiam, alguns
para Égina, outros para Troezem e Salamina, como quisessem. Quando Pítio,
o Lídio, se atreveu a agir individualmente, o rei Xerxes mandou que seu fil ho
fosse cortado ao meio. Nenhum
ateniense cogitava cortar em pedaços ne-
nhum de seus co-cidadãos que preferissem não seguir o decreto geral da
assembléia para evacuar a Ática. Falando sobre a liberdade, Aristóteles observa que seu princípio-chave é que “um homem deve viver como desejar. Isso, eles dizem, é a marca da liberdade, já que, por outro lado, um homem que não vive como deseja é um escravo” (Politics [Políticas] 6.1317b10-13). Essa idéia
de liberdade como a capacidade soberana de escolher é homenageada no magistral discurso funéreo de Péricles, registrado no segundo livro da história
de Tucídides: “A liberdade da qual gozamos em nosso governo também se estende a nossa vida de todos os dias. Nela, longe de exercer uma vigilância severa uns sobre os outros, não sentimos necessidade de ter raiva de nosso vizinho
por ele fazer o que gosta.” Em Atenas, acrescenta ele um pouco mais adiante,
“podemos viver exatamente como quisermos” (2.37, 39). No exército persa, tal liberdade era restrita à elite aquemênida. Se ela existia para alguns remadores da frota, era resultado de um controle frouxo, ou de um parentesco €
dos favores reais, que podiam ser revogados a qualquer momento — e não de um privilégio inato, jurídico e abstrato de todos os cidadãos. Um marinheiro persa que preferisse ficar para trás na Ática ocupada, que discutisse com seu sátrapa ou que caminhasse sem permissão pela praia de
Xerxes tinha tantas chances de ser punido quanto seu equivalente do outro 84
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lado do estreito de Salamina tinha de ser deixado em paz. É verdade que os exércitos ocidentais muitas vezes são indisciplinados. Em Salamina, foi um milagre ter havido alguma unidade no ataque, ou mesmo um consenso míni-
mo quanto a um plano operacional que envolvia tantas entidades diversas e independentes —
essas escaramuças entre homens livres antes da batalha
também quase arruinariam o esforço cristão nas horas que precederam Lepanto. Apesar disso, a liberdade de ação mais uma vez rende dividendos durante
a batalha. Soldados e marinheiros improvisam e agem com espontaneidade se tiverem certeza de que não serão açoitados ou decapitados. Suas energias não são usadas para esconder o fracasso com medo da execução. Homens livres lutam abertamente com a convicção de que uma auditoria e uma investigação
posteriores de seus pares separarão os covardes dos corajosos. Por livre e espontânea vontade, Temístocles mandou uma mensagem secreta falsa para os persas antes da batalha. Os gregos se reuniram em uma últi-
ma assembléia geral dez minutos antes de lançar os navios ao mar. Sozinhos e em grupos, trirremes gregos se juntavam à frota no último minuto, vindos das
ilhas próximas e desertando da própria armada persa. O conservador ateniense Aristides, por iniciativa própria, aportou na ilha de Pistaléia para expulsar
a guarnição persa. Todos esses foram atos individuais e livres cometidos pelos mesmos homens acostumados a “viver como quisessem”. A liberdade de expressão apela para a sabedoria coletiva e é, portanto, crucial para o alto co-
mando. No acalorado debate sobre a defesa de Salamina, Plutarco relata que Temístocles dirigiu-se com rispidez a seu rival Euribíades, encarregado da frota peloponesa que expressara pouca disposição para lutar pelos atenienses
em Salamina: “Bata em mim, mas pelo menos me ouça!” (Temístocles 11.3).
Ele ouviu — e os gregos venceram.
Liberdade na batalha As idéias ocidentais de liberdade, que têm sua origem no conceito helênico primitivo de política como governo consensual (politeia) e na economia aberta 85
Por que o Ocidente venceu
que proporcionava ao indivíduo uma oportunidade de lucro (kerdos), Protegia
sua terra (kleros) e oferecia alguma independência e escapatória contra a coa
ção e a exploração, teriam um papel em quase todos os confrontos
travados
por soldados ocidentais. Aliada a outros elementos do paradigma ocidental, à
liberdade ajudaria a neutralizar a frequente fraqueza européia em matéria de contingente, imobilidade e linhas de suprimento vulneráveis. É fácil identificar o papel da liberdade entre as fileiras de homens em Sala. mina, mais do que na Cidade do México, em Lepanto — ou nos combates em
território ocidental como Agincourt, Waterloo e a batalha do rio Somme, Ainda assim, quaisquer que tenham sido as diferenças entre franceses e ingleses da Idade Média, ingleses e franceses do início do sécul o XIX ou alemães e aliados na Primeira Guerra Mundial, a noção compartilhada de liberdade em
ambos os lados da linha de batalha não estava sequer remotamente presente
nos exércitos fora da Europa.
merem os astecas, além de seus contínuos sacrifícios rituais da Grande Pirâ-
mide, era o mesmo que fazia os gregos temerem Xerxes, os venezianos temerem os otomanos, os britânicos temerem os zulus e os americanos temerem os ja-
poneses: a subserviência do indivíduo ao estado, ou a noção de que um súdito, desprovido de direitos, pudesse ser sumariamente executado por falar ou
mesmo por ficar calado de uma maneira que desagradasse a um monarca, imperador ou sacerdote.
Embora a severa obediência alimentada pela devoção incontestada traga força para o campo de batalha, ainda assim quando o nervo central dessa sociedade 86
E
súditos de um rei europeu mais liberdade do que ao recruta de um exército imperial chinês, a um janízaro do sultão ou a um dos guerreiros das flores de Montezuma, subordinados a um grau de controle social, econômico e mental desconhecido na maior parte da Europa. O que fazia os homens de Cortés te-
SS
Mesmo quando o governo constitucional era atrasado e perdido, e o legado clássico havia sido praticamente esquecido, a tradição ocidental de liberalidade econômica e cultural ainda assim sobreviveu o suficiente para dar aos
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Davis
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disciplinada é cortado — quando um Montezuma é raptado, um Xerxes ou um Dario III se afasta a galope da batalha em fuga evidente, um Cetshwayo zulu é
capturado, um almirante japonês comete suicídio — a força de vontade do servo ou súdito imperial coagido geralmente desaparece com ele, deixando em seu lugar o fatalismo ou o pânico. O Japão só se rendeu quando seu imperador con-
cordou; os Estados Unidos lutaram quando a declaração de guerra do presidente Roosevelt foi aprovada por uma legislatura eletiva, e cessaram o combate quan-
do esse mesmo órgão ratificou as propostas de paz do presidente Truman. A liberdade revela-se um trunfo militar. Ela aumenta a motivação do exér-
cito como um todo; dá confiança até mesmo ao mais reles dos soldados; e
repousa no consenso dos oficiais em vez de em um único comandante. À liberdade é mais do que simples autonomia, ou do que a idéia de que os homens sempre lutam em sua terra natal para repelir o invasor. Os persas derrotados
em Mícale (479 a.C.) e aniquilados anos depois por Alexandre, o Grande (334323 a.C.), lutaram como soldados defensivos para repelir a agressão estrangeira de sua terra natal. No entanto, foram derrotados como servos a serviço da soberania e da terra natal da Ásia aquemênida, e não como homens livres lutando pelo ideal da liberdade.
O legado de Salamina O interesse da história mundial estava por um fio. De um lado, o despotismo oriental, um mundo único sob um senhor e soberano; de outro, estados separados, insignificantes em tamanho e recursos, mas animados pela livre individualidade, estavam frente a frente em posição de batalha. Nunca na história a superioridade do poder espiritual sobre a capacidade material, e uma capacidade material não desprezível, evidenciou-se de
modo tão glorioso.
Assim escreveu Georg Hegel sobre Salamina em seu Philosophy of History
[Filosofia da história] (2.2.3) — um julgamento melodramático contrário às
Est
Por que o Ocidente venceu
idéias de Arnold Toynbee, que, em um de seus apartes mais tolos, sugeria que uma derrota grega para Xerxes poderia ter sido boa para a civilização helêni. ca: o déspota onipresente pelo menos os teria salvado de sua própria rivalida.
de interna. Toynbee deveria ter examinado cuidadosamente o destino da Iônia do século VI e a derrocada de sua liderança em matéria de filosofia, governo livre e expressão sem censura depois de um século de domínio oriental. Uma derrota grega em Salamina teria garantido o fim da civilização ocidental e de toda sua peculiar instituição da liberdade. A Iônia, as ilhas e o conti. nente grego teriam sido ocupados e transformados em uma satrapia ocidental
da Pérsia. Os poucos gregos que sobrevivessem como estados autônomos na Itália ou na Sicília teriam sucumbido ao ataque persa, ou teriam se tornado personagens insignificantes em um Mediterrâneo oriental que já era essencialmente um lago persa e cartaginense. Sem um continente grego livre, a sin-
gular cultura da pólis teria se perdido e levado consigo os próprios valores da jovem civilização ocidental. Em 480 a.C., a própria democracia tinha apenas 21 anos de idade, e a idéia de liberdade era apenas um conceito de duzentos anos compartilhado somente por poucas centenas de milhares de campônios em um recanto atrasado do Mediterrâneo oriental. O que permitiu mais tarde a Roma dominar a Grécia e Cartago foi seu exército mortal, sua capacidade de reunir poderio humano fazendo recrutamento de cidadãos livres, sua constituição elástica na qual os civis supervisionavam as operações militares e sua tra-
dição científica dinâmica que tudo produzia, de catapultas a uma avançada arte do cerco e soberbas armas e armaduras. Ainda assim, a maioria dessas práticas havia sido tomada emprestada diretamente dos gregos, ou inspirada por eles. Depois de Salamina, os gregos livres nunca temeriam outro poder estrangeiro
até encontrarem os romanos livres da república. Nenhum rei persa nunca mais poria os pés na Grécia. Durante os 2.000 anos seguintes, nenhum oriental
reivindicaria a Grécia, até a conquista otomana dos Bálcãs no século XV derro-
tar uma Hélade bizantina empobrecida, sem auxílio e bastante esquecida. An-
tes de Salamina, Atenas era uma cidade-estado bastante exc êntrica cujas €x88
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Desenho de soldados romanos em batalha. Depois de Salamina, os gregos livres nunca temeriam outro
poder estrangeiro até encontrarem os romanos livres da república.
periências com democracia radical tinham apenas vinte e sete anos, e o veredicto sobre seu sucesso ainda era incerto. Depois de Salamina, surgiu em Atenas uma cultura imperial democrática que governou o Egeu e nos deu Ésquilo, Sófocles, o Partenão,
Péricles, Sócrates e Tucídides. Salamina provou que
povos livres lutavam melhor do que povos não-livres, e que os mais livres dos livres — os atenienses — lutavam melhor do que todos.
Durante os três séculos e meio depois de Salamina, exércitos assassinos inspirados nos helênicos — os Dez Mil, os macedônios sob Alexandre, o Grande,
e os mercenários de Pirro —, de posse de uma tecnologia superior e de ráricas de choque, aterrorizariam os povos da Itália do sul até o rio Indo. A incomparável arquitetura da Grécia, do templo de Zeus em Olímpia ao Partenão de Atenas; a literatura eterna da Grécia, das tragédias, comédias e oratórias áticas n
89
Por que o Ocidente venceu
à própria história grega; O surgimento da pintura em vasos com tinta Verme.
lha, o domínio do realismo e do idealismo em escultura, e a expansão da idéia
de democracia — tudo isso veio das guerras persas, levando os historiadores literários e artísticos a marcar a vitória grega como a linha que separava as idades arcaica e clássica.
Há uma ironia final sobre Salamina e a idéia de liberdade. A vitória grepa
não só salvou o Ocidente, assegurando a sobrevivência do helenismo depois
de apenas dois séculos de cultura da pólis. Tão importante quanto isso foi q fato de ela também ter sido um catalisador para todo o renascimento demo-
crático ateniense, que alterou radicalmente a evolução da cidade-estado ao dar às pessoas livres ainda mais liberdade — algo além da imaginação de qual-
quer hoplita agrário que houvesse sido soldado no século VII a.C. Como Aristóteles viu mais de um século e meio depois, o que fora uma pólis grega bastante comum, em meio a um experimento recente de permitir que os pobres ali nascidos — os futuros heróis de Salamina — votassem, herdaria de repente
a liderança cultural da Grécia. Antes de Salamina, a maioria das cidades-estado pregas, preocupada com a volatilidade e a devassidão dos não-educados, dos pobres e dos errantes, exigia qualificações rígidas para a propriedade, o que limitava a cidadania plena a cerca de um terço da população nativa residente. Já que Salamina foi uma vi-
tória da “gente naval” mais pobre, e não um triunfo de infantaria dos pequenos proprietários de terra, no século seguinte a influência dos remadores atenienses não proprietários aumentaria significativamente. Os humildes e indigentes exigiriam uma representação política condizente com suas proezas no todo-poderoso mar. No Ocidente, aqueles que lutam exigem reconhecimento político. Essa classe naval que acabava de ganhar poder reformulou a democracia ateniense, transformando-a em um particularmente imprevisível e agressivo poder imperial de cidadãos livres, capazes de decidir fazer quase tudo que qui-
sessem em qualquer dia por um voto majoritário na Assembléia. A vontade do povo logo construiria os templos na acrópole, subsidiaria os escritores de 90
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tragédias, enviaria trirremes para o Egeu —
mas também
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exterminaria os
melianos e executaria Sócrates. Maratona criara o mito da infantaria atenien-
se; com Salamina, a marinha agora a suplantara. Platão argumentava que, enquanto Maratona dera início ao rol de sucessos gregos e Platéia o concluíra, Salamina “tornou os gregos piores como povo”. Para Platão, a democracia era uma forma de governo degenerada, e seus cidadãos encrenqueiros eram pouco mais do que “remendões carecas” exigindo direitos que não haviam merecido, uma igualdade de resultados em vez de uma igualdade de oportunidades, e o voto da maioria em vez do governo da lei.
Antes de Salamina, as cidades-estado gregas tinham toda uma série de proi-
bições constitucionais que limitavam a extensão daquela idéia radical, nova e peculiar de liberdade — qualificações de propriedade para votar, guerras travadas exclusivamente por proprietários cujo capital e renda davam-lhes privilégios,
e uma total ausência de impostos, marinhas e imperialismo. Esses protocolos da cidade-estado agrária livre tradicional haviam definido a liberdade e a igualdade no que diz respeito a uma minoria da população, que possuía muito capital, educação e terras. Antes de Salamina, a essência da pólis não era tanto a igual.
dade para todos, mas sim a busca de uma virtude moral para todos, comandada por um consenso de homens devidamente qualificados, talentosos e livres. Platão, Aristóteles e a maioria dos outros pensadores gregos, de Tucídides a Xenofonte, descontentes com o que acontecera depois de Salamina, não eram apenas elitistas. O que viam eram os perigos inerentes à latitude e influência vinda de um governo radicalmente democrático, do direito à propriedade, da
eleição por sorteio, do subsídio para a participação cívica, da liberdade de expressão e dos mercados livres. Segundo essa visão mais reacionária, sem os
obstáculos e equilíbrio naturais, uma pólis enlouquecida pela liberdade geraria inevitavelmente um cidadão altamente individualista, mas que só pensaria em si mesmo, e cujas liberdades e direitos ilimitados não dariam espaço para os sacrifícios comuns ou para a virtude moral. Filósofos ocidentais importantes
depois de Platão e Aristóteles — Hobbes, Hegel, Nietzsche e dúzias de outros
e X
Por que o € Jeidente venceu
—
manifestariam reservas quase idênticas a respeito dessa idéia singular de
democracia que dava aos cidadãos uma liberdade política ilimitada baseada em um direito inalienável — o de que os homens em geral nascem e devem morrer livres.
Melhor ainda, os conservadores pensavam que a política governamental deveria depender do voto majoritário apenas dos cidadãos educados e infor-
mados, com alguma solvência financeira. A guerra — assim como as batalhas de Maratona e Platéia — deveria ser travada em defesa da propriedade real,
em terra, e deveria exigir coragem marcial, e não apenas tecnologia, navios de guerra públicos ou número de homens. Os cidadãos deveriam possuir suas próprias fazendas, fornecer suas próprias armas, estar livres de impostos e de
um governo centralizado, e ser responsáveis por sua própria segurança econô-
mica — e não buscar trabalho remunerado, emprego público ou direitos go-
vernamentais. Os corajosos remadores de Salamina e seus navios construídos pelo governo e de sua propriedade mudaram tudo isso em uma tarde. Uma vez desencadeada, a liberdade política radical era um vírus que mesmo o mais au-
tocrático dos políticos ocidentais teria tido dificuldades para extinguir.
Com o Egeu aberto depois da retirada da frota persa em Salamina, e com Atenas agora na vanguarda da resistência grega, a democracia radical e sua re-
cusa da antiga pólis estática eram iminentes. Os filósofos podem ter detestado Salamina — as opiniões de Platão sobre a batalha beiravam a alta traição —, mas a vitória de Temístocles e de seus remadores em Salamina não apenas salvara a Grécia e o Ocidente, mas energizara irrevogavelmente as forças ocidentais e expandira a própria idéia de liberdade. Quarenta mil súditos imperiais afogados
no estreito de Salamina demonstravam muito bem o poder de uma idéia. Salamina não foi uma exceção, mas revelou-se o início de algo completamente inédito no Mediterrâneo oriental: a guerra à moda ocidental ultrapas sou as fronteiras da Grécia. Em apenas um século e meio, as práticas militares que haviam salvado a frota grega a poucos milhares de metros da costa aten iense levariam Alexandre, o Grande, até o rio Indo, quase cinco mil quil ômetros ao leste. 92
Batalha
Gaugamela,
decisiva
1º de outubro de 331 a.C. Os gregos, ouvi dizer, estão acostumados a guerrear da maneira mais estúpida pos-
sível, devido a sua tolice e temeridade. Depois de declarar guerra uns aos outros, eles buscam a melhor e mais regular planície e ali travam a batalha. O resultado é que mes-
mo os vencedores saem com grandes perdas; dos derrotados, digo apenas que são totalmente aniquilados. Heródoto, The Histones [As histórias] (7.9.2)
Pontos
de vista
O homem velho
Pobre Parmênio! Mais uma vez seria deixado para trás enquanto o divino Alexandre, lá longe, à direita, atacava a horda persa de frente. Quase toda a linha de batalha do exército macedônio seguiu seu rei. A Cavalaria dos Com-
panheiros, sob o comando do próprio filho de Parmênio, Filotas, a falange real de piqueiros, mercenários variados e os veteranos infantes carregando escudos,
ou hipaspistas — todos que iam a pé ou a cavalo, parecia, mas Parmênio estava
rumando para a direita e para a matança. Mais uma vez, o velho agiúentaria =
“
3
E
“
Por que o Ocidente venceu
firme; não haveria glória para Parmênio a
não ser no fato de ancorar a ala esquerda,
Ele ficou apenas com poucas centenas de seus aguerridos cavaleiros macedônios, auxiliados por companhias de piqueiros deixadas para trás sob o comando de Cratero
e Símias, alguns cavaleiros gregos liderados por Erígio, e os temíveis dois mil cavaleiros tessalônios sob Felipe. Anteriormente,
no rio Granico
(334
a.C.) e em Isso (333 a.C.), também coubera a Parmênio proteger a ala esquerda do exército macedônio — sua ala fora “recusada”, no jargão tático — enquanto o móvel Alexandre
passava
por uma
brecha
entre o centro e a esquerda persas, dava a
volta no inimigo e expulsava seu rei. À
principalmente as de Termópilas, Salamina e Maratona em sua obra Histórias.
mênio fosse soterrado pelas hordas montadas da Pérsia. Parmênio agienta firme;
Alexandre ataca — era essa a fórmula tra-
dicional que fazia de Alexandre o responsável pelas vitórias, e de Parmênio o único responsável pelas derrotas.
Em Gaugamela, a esquerda macedônia comandada por Parmênio quase implodiu — ficou “jogada para trás e em apuros”, como observa secamente o antigo biógrafo Plutarco em sua vida de Alexandre (Alexander [Alexandre]
23.9-11). Na verdade, os homens de Parmênio estavam em grande desvantagem numérica — talvez de um contra três — e, por um breve momento, viram-se frente à aniquilação. Nossas fontes antigas sugerem que a disparidade 94
—— e
Descreveu intensamente as batalhas do mundo antigo,
exército imperial antes que o próprio Par-
e
Escultura de Heródoto, o “pai da história”.
tática de Alexandre sempre fora destruir o
Victor
Davis
Hanson
numérica em Gaugamela era maior na ala esquerda, onde os macedônios qua-
se foram dispersos durante o primeiro ataque. Os senhores montados mace-
dônios de Parmênio enfrentavam uma excelente cavalaria inimiga: cavaleiros armênios e capadócios, cerca de cingienta carruagens com foices, e mais uma
força mista de infantes persas e cavaleiros imperiais comandados pelo sátrapa da Síria, Mazeu em pessoa. Uma onda de quinze mil assassinos a cavalo estava prestes a se abater sobre a ilha de Parmênio, com cinco mil homens entre infantes e cavaleiros. Esses cavaleiros não deviam ser subestimados. Os cavalos persas eram um pouco maiores do que os macedônios. Em Gaugamela,
um grande número
tanto de cavaleiros quanto de montarias usava uma pesada armadura frontal. Das províncias orientais do império vinha uma tradição bem diferente de cavalaria, que viria a se parecer com os posteriores catafractas, ou cavaleiros em
pesadas cotas de malha montando imensos cavalos de batalha capazes de romper linhas fluidas de infantaria e cavalaria leves. Embora os cavaleiros persas não fossem tão eficientes em combates brutais corpo-a-corpo — seus dardos e espadas curtos não eram páreo para as lanças e as grandes espadas dos Companheiros de Alexandre —, o tamanho de suas montarias, suas pesadas
armaduras, seu grande número e o ímpeto do ataque resultaram em um brutal confronto com os homens parados de Parmênio.
Os marechais de Dario haviam aprendido o que a cavalaria pesada macedônia era capaz de fazer com os cavaleiros e a infantaria orientais e, portanto, em Gaugamela, estavam decididos enfim a providenciar forças montadas
mais bem-protegidas e mais numerosas do que seus adversários gregos — como se a guerra ainda pudesse ser ganha graças ao efetivo e ao material, e não à tática e ao talento. O historiador Cúrcio registra que, inicialmente, os macedônios ficaram chocados com a aparência desses novos guerreiros nôma-
des bactrianos e citas por causa de seus “rostos barbados e cabelos sem corte, além do enorme tamanho de seus corpos” (History of Alexander [História de
Alexandre], 4.13.6).
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Por que o Ocidente venceu
Parmênio estivera entre os primeiros europeus no círculo de Alexandre a invadir a Ásia, e mais tarde fora a rocha da linha real nas batalhas de Granico,
Isso, e agora Gaugamela. Parmênio já perdera um filho lutando por Alexandre, e seus últimos dois filhos sobreviventes morreriam em menos de um ano. Restava ao veterano de setenta anos de idade menos de um ano de vida. Seu
último filho, Filotas, que agora atacava junto com os Companheiros ao lado
do próprio Alexandre, logo seria torturado por seu rei e apedrejado até a morte diante dos soldados reunidos sob a falsa acusação de conspiração. Pobre
Parmênio, um dos últimos Companheiros originais de Felipe, que construíra o
exército de Alexandre antes mesmo de o rei nascer. Um marechal nas de inimigos persas nunca conseguiam matar em batalha — o Cúrcio disse que ele era “o mais hábil dos generais de Alexandre guerra” (History of Alexander [História de Alexandre], 4.13.4) —,
que centehistoriador na arte da Parmênio
mortos do pagamento de impostos. Agora, três anos depois, Alexandre estava se tornando uma espécie diferente de monarca — cada vez mais desconfiado de seus oficiais, logo recrutaria persas para o seu exército, extasiado com a pompa e a elegância de um teocrata oriental, e disposto a fazer algo muito
mais megalomaníaco do que a selvageria de saquear e destruir as satrapias ocidentais da Pérsia. A paranóia do rei o levaria a assassinar o único homem que
o ajudara a inventar seu exército, que anos antes eliminara a oposição aristo-
crática para a sucessão do próprio Alexandre, que ensinara ao jovem rei como manter sob controle os indisciplinados príncipes das planícies macedônias , fora e dentro do campo de batalha — e que mais uma vez agiientari a firme e salvaria o exército em Gaugamela. Uma das maiores ironias da carreira militar tardia de Alexandre foi sua destruição sistemática da própria classe de oficiais
que tornara possíveis todas as suas principais vitórias — um expurgo calculado 96
RR
Depois de sua primeira batalha na Ásia, no rio Granico, o rei dedicara estátuas aos Companheiros caídos, visitara os feridos, e liberara as famílias dos
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seria decapitado de forma ignominiosa em tempos de paz, por ordens do rei que tantas vezes salvara.
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Davis
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que só seria revelado depois desses marechais haverem garantido a destruição do exército aquemênida. A morte de Parmênio — que foi inesperadamente esfaqueado pelos cortesãos de Alexandre, golpeado mais ainda depois de sua morte, teve a cabeça cortada e enviada ao rei — ainda estava onze meses no futuro, na longínqua capital provinciana persa de Ecbátana. Agora o leal Parmênio tinha problemas
mais imediatos. Estava cercado. Cegado pela poeira levantada por milhares de cavalos de todos os lados, ainda não estava derrotado, apesar do que Diodoro chama de “peso e simples quantidade” do contingente de Mazeu (17.60.6). Pelo menos não ainda, e então ele reuniu sua velha guarda de nobres cavalei-
ros macedônios para chegar mais perto dos persas e cortar e golpear seus cavalos e seus rostos. Junto com os confiáveis tessalônios — a melhor cavalaria leve do mundo antigo —, ele repeliria as ondas do ataque e garantiria a proteção do exército macedônio em geral pela esquerda e por trás. Se Parmênio conseguisse deter só mais uma vez a previsível tentativa de cerco persa, protegesse a retaguarda macedônia e se livrasse de metade do exército persa, Alexandre — Alexandros Megas, rei da Ásia, divino filho de Zeus-Amôn, conquistador de Dario III, e logo imperador da Pérsia e arquiteto da mais bri-
lhante vitória da história do confronto entre Oriente e Ocidente — ainda
poderia continuar sua cavalgada rumo ao triunfo e terminar a destruição da própria dinastia aquemênida. Parmênio tinha dois problemas críticos. Por causa do cuidadoso desígnio de Dario, não havia nem montanhas nem mar no campo de batalha de Gauga-
mela — nem sequer um rio ou uma ravina ali perto para proteger as alas
macedônias da linha do inimigo, bem mais longa. Logo os cavaleiros persas à sua esquerda estavam se acumulando e cercando Parmênio por centenas de
metros, forçando a linha cada vez mais rarefeita de seus soldados em menor número a se dobrar, formando uma ferradura para que os inimigos não chegassem à retaguarda. Seus tessalônios logo à direita também contiveram uma onda de carruagens com foices e até mesmo alguns mercenários gregos, segurando
Por que o Ocidente venceu
firme para que o inimigo tivesse que dar a volta em Parmênio, em vez de passar por cima dele. Mais à direita, cerca de meio quilômetro atrás dos tessalônios, havia uma brecha cada vez maior na linha macedônia que ameaçava eliminar
todo o meio do exército. O ataque do próprio Alexandre pela direita se revelaria mortal para o inimigo, mas por enquanto sua investida levara consigo a maior parte da centro-direita do exército macedônio. Tudo o que restava de
uma reserva tática eram duas companhias de falangistas e alguns irregula res para proteger o flanco direito de Parmênio.
Centenas de cavaleiros veteranos persas e indianos se atiravam nessa bre-
cha e já estavam atacando a retaguarda do exército de Alexandre, entrand o no acampamento macedônio, saqueando víveres, matando os guardas e libertando os prisioneiros persas. A qualquer momento poderiam se virar para o flanco esquerdo isolado de Parmênio, juntar-se aos persas de Mazeu que cercavam os macedônios, e atacar por ambos os lados, encurralando e aniquilando o setuagenário e seus cavaleiros encurralados. Arriano relata que a essa altura Parmênio estava sendo “atacado por ambos os lados” (Anabasis [Anabase], 3.15.1). Se a esquerda macedônia pudesse ser rompida, os cavaleiros
própria frente persa. Parmênio podia ou proteger a ala esquerda macedônia, evitando que fosse cercada, ou manter a integridade do centro, mas não podia fazer as duas coisas.
A sede do inimigo por pilhagem provavelmente salvou Parmênio, já que os
persas e indianos na brecha pararam primeiro para matar os ajudantes de
acampamento desarmados. Saques e assassinatos fáceis pareciam aparentemente preferíveis a um ataque contra os ferozes cavaleiros macedônios. Ao perceber esse perigo, Parmênio imediatamente enviou um mensageiro na direção da nuvem de poeira lá longe, do outro lado do campo de batalha — sempre uma boa indicação da posição de Alexandre —, para encontrar o tur-
bulento rei e pedir ajuda. Enquanto isso, ordenou aos piqueiros de reserva que 98
E
persas poderiam terminar a matança surpreendendo o próprio Alexandre pela retaguarda, antes que os Companheiros a galope fossem capazes de romper a
Victor
Davis
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ainda estavam em sua ala que se virassem e começassem a golpear os persas no ataque. Parmênio então preparou seus próprios cavaleiros para um último
ataque através do círculo, esperando conseguir passar por ele e encontrar Ale-
xandre a meio caminho, em território neutro, arrasando a ala direita persa entre duas tenazes de cavaleiros. Os rumores de que Dario III, do outro lado do campo de batalha, estava fugindo para a retaguarda, e de que mesmo os
contingentes persas bem-sucedidos na frente estavam cambaleando, deram a Parmênio alguma esperança de que o pior houvesse passado. Ele aínda poderia sair com vida. Por ora, o general veterano ficou onde estava, enquanto
rompia a vaga de cavaleiros persas, preparando-se para o derradeiro ataque de sua vida ao encontro do rei.
A irritação de Alexandre
Maldito Parmênio, deve ter pensado Alexandre. O mensageiro em pânico
conseguiu de algum modo encontrá-lo em meio à poeira — resplandecente em um brilhante capacete de ferro incrustado com pedras preciosas, vestindo um magnífico cinto de guerra e armadura peitoral, montado no venerável Bu-
céfalo — no exato momento em que ele se preparava para perseguir o próprio rei Dario, que batia em retirada. A guarda imperial deste último e todo o meio
do exército persa estavam desmoronando e recuando para o norte. Poeira, eritos e corpos prejudicavam a visão, a audição e o tato enquanto Alexandre se perdia na confusão e mal conseguia distinguir a carruagem do rei em fuga. Arriano diz que seus cavaleiros “golpeavam os rostos de seus inimigos com lanças” enquanto a falange “eriçada de piques” os seguia e se abatia sobre o inimigo, bradando o antigo grito de guerra macedônio “alala, alala” (Anabasis [Anabase], 3.14.2-3). Se esse novo e repentino aviso de Parmênio fosse ver-
dade — que a mais de um quilômetro e meio à sua esquerda e atrás dele seu
velho marechal estava prestes a ser aniquilado — então não poderia haver
perseguição do rei aquemênida, nem manobra alguma até que a retaguarda de seu próprio exército estivesse segura. RF .
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Por que o Ocidente venceu
Era inoportuno para o triunfante Alexandre dar um giro de cento e Oite n.-
ta graus e voltar para a confusão de cavaleiros amontoados para salvar seu
general sênior. O historiador Cúrcio diz que Alexandre “rangeu os dentes de raiva” diante da simples idéia de abortar sua perseguição (History of Alexander
[História de Alexandre], 4.16.3). Depois de esperar pelo momento certo para avançar, Alexandre recuaria — não por culpa sua, mas por causa do sucesso
que seus próprios
tenentes
aparentemente
não conseguiam
acompanhar.
Enquanto Alexandre perdera o controle absoluto da batalha ao lançar-se para
cima das linhas persas, Parmênio e seus generais deveriam ter adivin hado os planos do rei: agúentar firme e girar para a esquerda. Alexandre, na direita, logo evitaria o movimento de cerco persa, enquanto os Companheiros se lançavam sobre a brecha inimiga que seria aberta. Bem antes desse resgate, Alexandre já estava ficando cada vez mais cansado do velho homem e de seu círculo de barões reacionários das planícies macedônias. Preguiçoso e complacente”, segundo Plutarco, era como o velho capitão se tornara em Gaugamela, “com a idade superando-lhe a coragem” (Alexander [Alexandre], 33.10-11). Todos os velhos nobres cavaleiros esta-
vam se tornando um bando incômodo — e suspeito: quanto mais para o leste
o exército marchava, mais esses comandantes de cavalaria sentiam saudades de suas casas. Quanto mais persas derrotavam, mais Parmênio e sua turma se
preocupavam com a possibilidade de ainda perder Quanto mais Alexandre falava de um império e de uma civilização mundial que surgiria sob sua cabeça dourada, mais esses campônios provincianos falavam em reles saques e em uma aposentadoria tranquila e rica na Europa. A idade e as saudades de casa haviam derrotado todos eles.
Três anos antes, no rio Granico, Parmênio avisara Alexandre de que o dia estava avançado demais para cruzar 0 rio e começar o ataque. Ele tentara evitar a investida, uma vez que até mesmo as águas do ponto de travessia já alcançavam a cintura, levando o rei a retrucar que sentiria vergonha de temer
um inimigo do outro lado de “um pequeno riacho” quando acabar a de cruzar 100
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o Helesponto (Arriano Anabasis [Anabase], 1.13.7)! Parmênio foi ignorado e à batalha vencida imediatamente. No ano seguinte, em Isso, um Parmênio agora com 68 anos de idade temia desnecessariamente que Alexandre pudesse ser envenenado antes da batalha. Durante os meses seguintes, Parmênio
desejara comprometer-se com uma batalha naval em vez de saquear as fortalezas da Fenícia! Ali, em Gaugamela, antes mesmo da batalha começar, mais uma vez um Parmênio amedrontado e sua velha guarda, paralisados pela visão da imensa horda de Dario, aconselharam um ataque noturno. Diante disso, Alexandre finalmente perdera a paciência: “Não vou roubar minha vitória”
(Plutarco Alexandre 31.12), insistindo em um confronto direto. Parmênio até
convencera (sabiamente) seu rei a fazer um reconhecimento do campo de ba-
talha nos dias que precederam o confronto para certificar-se de que não havia armadilhas escondidas na planície que pudessem prejudicar o ataque montado pela direita planejado por Alexandre.
A bajuladora corte de Alexandre ridicularizou o aviso do velho. O filósofo Calístenes (que ele próprio logo seria executado) é a fonte mais provável desses contos de moral pejorativa, que culminaram na história do conselho de
Parmênio para encerrar definitivamente o avanço para o leste. Antes da campanha de Gaugamela, ele supostamente aconselhara a aceitação da oferta de última hora feita por Dario de dar um Império Persa Ocidental a Alexandre,
sob a proteção de uma trégua generalizada. “Eu aceitaria se fosse você”, disse ele a seu rei. “E eu também, se fosse Parmênio”, rugiu Alexandre em resposta
(Plutarco Alexandre 29.8-9). No calor da batalha, com Dario quase a seu alcance, Alexandre não gos-
tou que Parmênio se preocupasse mais com a perda do acampamento mace-
dônio e de seus objetos de valor do que com o desfecho da batalha em si. Mesmo assim, mandou o mensageiro de volta com a promessa de que Alexandre e
seus Companheiros mudariam de rumo, embora não sem insultar Parmênio com a admoestação de que os vitoriosos juntam a bagagem de seus inimigos à sua, enquanto os derrotados não deveriam se preocupar com dinheiro ou com E
101 E
Por que o Ocidente venceu
escravos, mas sim em lutar corajosamente e morrer de maneira honrada, Parmênio não estava preocupado com sua própria bagagem, tampouco com o
rico acampamento inimigo, mas aterrorizado com relação à própria sobrevi.
vência de toda a sua ala e com o destino de um exército macedônio a Milhares de quilômetros do Egeu. Aquele mesmo temor acometeu Napoleão séculos
mais tarde, quando ele observou que Gaugamela fora uma grande vitória, mas
arriscada demais, já que uma derrota teria deixado Alexandre em dificuldades
-a novecentas léguas da Macedônia”. Parmênio sabia que o corajoso ataque
de seu rei, planejado de forma brilhante para romper a esquerda e o meio persas enfraquecidos, era no entanto uma tremenda aposta: uma brech a se abriu
nas linhas macedônias no instante em que os Companheiros partiram. Se
Alexandre estivesse certo quanto aos macedônios estarem a uma vitória de herdar todo o Império Persa, Parmênio também estava certo ao dizer que também estavam a uma derrota da aniquilação total — cinquenta mil europeus a dois mil e quinhentos quilômetros de casa em meio a um milhão de inimigos. Até a chegada do mensageiro de Parmênio, a batalha fora um dia perfeito.
Plutarco diz que o principal problema de Alexandre ao correr em direção à linha persa era o simples volume de mortos e feridos inimigos que impediam
a perseguição “segurando e se enroscando tanto nos cavaleiros quanto nos cavalos” (Alexander [Alexandre], 33.7). Arriano acrescenta que os cavaleiros estavam literalmente “empurrando” os persas antes de a falange chegar com suas lanças pontiagudas (Anabasis [Anabase], 3.14.2-3). O plano tático de
Alexandre era simples, mas tipicamente brilhante: enquanto Parmênio girava pela esquerda, detendo a ala direita persa e garantindo a segurança da reta-
guarda do exército, ele faria toda a linha macedônia girar lentamente para a direita, em direção ao solo pedregoso onde as carruagens com foices de Dario seriam inúteis. Em resposta, o rei persa seria forçado a mandar que sua ala esquerda rodeasse a ala direita de Alexandre e bloqueasse o movi mento dos macedônios — enfraquecendo assim suas próprias companhia s centrais no esforço de deter Alexandre. 102
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Alexandre continuaria a mandar contingentes sucessivos para a direita — armas leves, cavalos e infantaria — para forçar os contingentes persas que estavam rodeando seu exército a formar um gancho cada vez mais largo. Enquanto isso, o próprio Alexandre agiientaria firme com seus veteranos até ver uma brecha no coração da ala central do inímigo enfraquecido. Durante esse tempo, Alexandre estava segurando seu golpe principal — uma investida de seus Companheiros, dos hipaspistas e da falange. Com esses veteranos —
os melhores guerreiros jamais produzidos pelo mundo antigo —, ele atacaria pela brecha, atingindo o coração da linha persa e o próprio Dario. É verdade que o exército persa era muito maior e, teoricamente, poderia rodear ambas as alas dos macedônios. No entanto, enquanto seus cavaleiros e seus reservas
dirigiam os ataques pelos flancos para fora, a base do ataque persa sem dúvida ficaria mais escassa e enfraqueceria mais cedo ou mais tarde. A cada ata-
que pelos flancos, as tropas tinham que ser transferidas de algum lugar; Ale-
xandre tinha certeza de poder identificar esse lugar e explorá-lo antes que fosse tarde demais. A chave para Alexandre eram a organização, a tática e o momento certo.
Novos contingentes móveis de lutadores e cavaleiros leves tinham que ser colocados independentemente nas alas — amparados por uma linha reserva de seis mil e setecentos infantes pesados —, enquanto o melhor da cavalaria e dos falangistas macedônios ficaria de fora do combate preliminar, prontos como uma lâmina afiadíssima para o golpe decisivo no centro persa. Alexandre precisava atacar antes que suas duas alas fossem dominadas — mas não cedo demais, pois corria o risco de esbarrar no muro intransponível do centro persa que ainda não fora enfraquecido. Quando a tão esperada brecha na li-
nha persa se abriu por um instante, foi para lá que Alexandre galopou, direto
para cima da guarda imperial, direto para cima de Dario e rumo ao prêmio do próprio império.
Com a volta de Alexandre, o rei aquemênida escapou — apenas para ser assassinado nove meses depois por um de seus sátrapas, Besso. Um irritado =
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Em
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Por que o Ocidente venceu
Alexandre puxou as rédeas de Bucéfalo e deu meia-volta, afastando-se da nu.
vem poeirenta de homens e cavalos moribundos para disparar na direção oposta, rumo aos persas em retirada que quase haviam matado Parmênio. Mas
o velho barão não parecia mais estar em perigo; na verdade, Alexandre viu os
persas que haviam atacado Parmênio fugindo e deliberadamente galopou ag
seu encontro. Se ele não mataria a corte em fuga de Dario, pelo menos elimi. naria os melhores cavaleiros da Cítia e da Báctria nesse ataque secundário.
Todas as fontes antigas que chegaram até nós insistem que essa derradeira
colisão de cavaleiros foi o momento mais mortal de toda a batal ha. Mais de sessenta Companheiros caíram; centenas de cavalos de ambos os lados morre-
ram; e a cavalaria persa foi praticamente aniquilada. Arriano acrescenta que não havia “mais nenhum dardo sendo lançado nem cavalo sendo manobrado” (Anabasis [Anabase], 3.15.2), mas sim uma guerra de golpes contínuos. Mais de cingienta anos antes, na batalha de infantaria em Coronéia, o velho
ser atacado de frente, cara a cara, e de forma maciça.
Senhor da Ásia Alexandre viria a Gaugamela, pensou Dario. Pelo menos disso ele tinha cer-
teza. Assim, o rei se preparara para a chegada do macedônio, buscando uma
planície regular sem obstáculos para suas carruagens com foices, uma área aberta para seus elefantes, seus milhares de cavaleiros e sua linha de bata-
lha muito mais longa — mesmo Alexandre não seria capaz de superar tais vantagens de terreno e número. Finalmente, pensava Dario, uma batalha de 104
e — o
helênica, um inimigo no horizonte não devia ser evitado, ultrapassado ou ignorado se houvesse uma chance, por mais ínfima que fosse, de que pudesse
E
respeito da colisão mortal entre as pesadas tropas de choque. Na tradição
—
rei espartano Agesilau também fizera deliberadamente com que sua vitoriosa falange espartana atacasse uma coluna de hoplitas tebanos em fuga, e quase fora dizimado por causa disso. Uma batalha que não se parecia com “nenhuma outra de nossa época”: assim escreveu a testemunha ocular Xenofonte à
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cavalaria em uma planície aberta, justamente o tipo de guerra móvel no qual seus cavaleiros nômades eram especializados, e justamente o cenário temido pelos falangistas do Ocidente. Alexandre, Dario também sabia, iria à batalha
em Gaugamela, assim como atacara a massa persa cruzando o rio Granico e subindo suas altas margens, assim como certa vez ordenara a seus homens que
avançassem pelo riacho, pela paliçada e pelo aterro em Isso, assim como insistira em investir contra a quase inexpugnável Tiro e contra as muralhas maciças de Gaza, assim como sempre destruíra qualquer obstáculo, exército ou
cidadela — de carne ou de pedra — em seu caminho. Ele iria a Gaugamela, com ou sem rio, com ou sem terreno desfavorável, pensava Dario. Alexandre
iria ao terreno escolhido pelo rei Dario III e assim, mais uma vez, seria forçado a combater segundo os planos de Sua Majestade. E por que não? Aqueles gregos “muito estúpidos” sempre haviam feito jus-
tamente isso. Em Maratona, em Termópilas, em Salamina e em Platéia, eles haviam forçado batalhas decisivas contra os persas, embora estivessem em desvantagem numérica. Setenta e sete anos antes, não muito longe daquele
lugar, os encurralados hoplitas gregos dos Dez Mil haviam recusado os termos do ancestral de Dario, Artaxerxes II, preferindo sair lutando da Pérsia. Mesmo depois de seus generais serem atraídos para uma negociação perto da própria
Gaugamela, e depois de serem torturados e executados, os Dez Mil sem líder ainda assim haviam escolhido lutar. Haviam combatido durante todo o ano,
matando ao longo de todo o caminho até o mar Negro e a segurança. Então, já podendo ver a Europa, muitos deles haviam ficado, se juntando ao exército espartano na Ásia Menor, e tornando a combater os persas. Sim, pensava Dario, esse louco jovem macedônio subiria o rio Tigre, o perseguiria, e forçaria
uma batalha final pelo império de seus ancestrais.
Daquela vez, Dario escolhera bem o seu terreno. Havia poucas colinas. Alexandre não poderia usar nem um rio nem o mar para proteger seus flan-
cos. Os súditos de Dario haviam desobstruído a planície para facilitar o ataque
das carruagens com foices. Armadilhas e piques haviam sido escondidos onde =p
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Por que o Ocidente venceu
era mais provável que Alexandre aparecesse. Será que os macedônios algum dia haviam encontrado elefantes durante uma batalha?, perguntava-se o rei. Sua única preocupação? A maioria de seus mercenários hoplitas gregos,
em Isso. Em nenhum lugar da Pérsia havia infantes que lutassem tão bem em
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não estava mais com ele. À falange original de matadores helênicos contratados havia sido cercada e exterminada, ou capturada, em Granico. Seus substitutos — mais de vinte mil homens — haviam sido destruídos ou dispersados
O
que lutara tão bem nas duas batalhas campais anteriores contra Alexandre,
batalhas de choque, homens que estavam à altura dos piqueiros de Alexandre — o que sem dúvida não era o caso nem dos Imortais da Pérsia nem dos vistosos Carregadores de Maçãs” com suas famosas lanças de pontas esfér icas. Restavam agora ao rei Dario apenas dois mil hoplitas gregos e, portanto , não havia homens num império de setenta milhões dispostos a atacar o muro de piques macedônios. Alexandre venceu em Gaugamela e outros lugares da Ásia pelas mesmas razões que a infantaria grega vencera fora da Grécia: sua cul.
tura era uma cultura de batalha frontal, em colunas organizadas e enfileiradas, e não uma competição de mobilidade, superioridade numérica ou emboscadas. Não foi por acidente que os veteranos de Alexandre miraram seus piques
e espadas nos rostos da elite aristocrática persa montada, senhores que não tinham nenhuma experiência com um inimigo que procurava se jogar em cima deles, derrubá-los, e furá-los com lanças ou cortá-los em pedaços.
Será que as lendárias carruagens com foices de Dario — mais de duzentas foram reunidas no campo de batalha — não seriam capazes de esmagar a desastrada falange, se pudessem surgir de repente das linhas persas, percorrer O solo plano e encurralar os falangistas antes que pudessem se mover? Será que elefantes — Dario conseguira quinze elefantes na Índia — também não pode-
riam ser úteis se os indianos conseguissem fazê-los pass ar em segurança pelas
Dario sabia que realmente não tinha uma infantaria pesada de qualidade, mas milhares de cavaleiros em excesso, o que o fizera decidir que Gaugamela seria 106
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linhas persas e os guiassem direto para cima dos Companheiros de Alexandre!
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uma grande guerra de cavalos, a maior batalha de cavalaria da Ásia desde a
lendária batalha de Kadesch entre egípcios e hititas quase um milênio antes. Dario pode ter tido quase cingúenta mil homens montados contra menos de
oito mil cavaleiros de Alexandre. Se o rei pudesse atacar os flancos do exérci-
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to macedônio, mandar seus preciosos catafractas bactrianos e citas darem a
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Na majestosa tela reproduzida acima, pintada por Charles Le Brun (1619-90),
os homens de Alexandre limpam um campo de batalha repleto de prisioneiros e pilhagem em Gaugamela.
A realidade foi bem pior. Mais de cingiienta mil cadáveres foram deixados ao relento para apodrecer sob o sol de outubro. =
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Por que o Ocidente venceu
volta pela direita do inimigo, e simultaneamente fazer com que seu fiel Mazey
viesse por trás pela esquerda, então a terrível falange de Alexandre não seria
tão terrível assim — surpreendida pela retaguarda por assassinos montados que dariam a volta correndo e atacariam os desajeitados piqueiros Por trás,
Em Gaugamela, pela primeira vez na guerra pelo Império Persa, havia temí. veis veteranos das estepes do império oriental, homens que o próprio Alexan.
dre jamais encontrara antes nas satrapias ocidentais, homens de um calibre capaz de rodear e conduzir os macedônios rumo ao maciço centro persa em
movimento de Dario.
A última batalha do império No dia 1º de outubro de 331, uma vista aérea do campo de batalha de Gau-
gamela nos primeiros minutos do confronto teria revelado uma enorme caixa de três lados de macedônios em formação, ao mesmo tempo em que as duas alas de Alexandre se dobravam para trás, em seu esforço para manter os ini-
migos que os cercavam pelos lados, e não os deixar passar para sua retaguarda.
Menos de uma hora depois, no entanto, Gaugamela era um cenário radical. mente diferente, parecendo mais uma corrida entre cavaleiros desesperados de ambos os lados que haviam penetrado nas linhas de seus respectivos inimigos. Será que Alexandre e seus Companheiros conseguiriam passar pela brecha e destruir os persas antes que os cavaleiros de Dario penetrassem em uma brecha similar em suas próprias linhas? A resposta, claramente, era sim. De um
modo incomum, Alexandre desejava matar Dario, destruir seu exército e ani-
quilar todos os soldados inimigos no campo de batalha. Ele perseguia e mata-
va seus inimigos em fuga sem piedade até que eles deixassem de existir como força militar. Por todos esses motivos, cavalgava direto para cima dos persas: para golpear os rostos do inimigo com piques, para derrubá-los de seus cavalos com as
próprias mãos, para jogar seu próprio cavalo para cima dos cavalos maiores de Dario. Por tudo isso e muito mais, os fiéis Co mpanheiros
avançando na horda de cavaleiros inimigos. 108
seguiam seu rei
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Por sua vez, os persas e indianos que rompiam a linha macedônia rumavam direto para o depósito de víveres, mais preocupados com a vontade do rei de
libertar os prisioneiros reais aquemênidas do que com o árduo trabalho de li-
quidar Parmênio. Alexandre, em meio a um mar de persas, tratava de matar todo um exército, enquanto os persas entre os macedônios assassinavam os
guardas do acampamento. Para os cavaleiros persas das planícies, o saque, a rara chance de matar homens desarmados, o frenesi de cavalgar e pilhar em meio a tendas e vagões eram típicos da guerra nômade: é melhor pôr as mãos em saques do que os perder para algum bando rival de intrusos vorazes. Para
os macedônios e gregos, no entanto, atacar, matar e, melhor ainda, matar frente a frente eram a essência dos três séculos da guerra à moda ocidental. Gaugamela
(“a casa do camelo”) era a terceira, última e mais grandiosa
batalha de Alexandre contra o império aquemênida, mais uma matança do que um verdadeiro confronto em si, já que uma força numericamente superior
rapidamente se desintegrou por pânico, medo e devido às táticas brilhantes de seus adversários. Durante horas antes do anoitecer, Gaugamela foi uma história de milhares de súditos imperiais —
cinquenta mil é uma estimativa
razoável — furados por lanças e derrubados na retaguarda enquanto buscavam a segurança nas planícies do vale superior do Tigre. Os estudiosos não têm cer-
teza de quantos homens lutaram no dia 1º de outubro, e são unânimes apenas em rejeitar as fantasiosas alegações de fontes antigas segundo as quais mais de
um milhão de persas foram à batalha. O mais provável é que Dario tenha reunido bem mais de cem mil cavaleiros e infantes, contra quarenta e sete mil ma-
cedônios, dos quais de sete mil e quinhentos a oito mil cavaleiros — o maior exército europeu que até então Alexandre reunira. Alexandre pode ter tido mais
gregos em seu exército em Gaugamela do que durante suas duas batalhas anteriores, pois os mercenários helênicos — trácios, tessalônicos e corpulentos in-
fantes do Peloponeso — descobriam cada vez mais que o serviço na Macedônia significava vida e pilhagem, enquanto trabalhar para o rei aquemênida muito provavelmente acabaria em uma morte solitária em terras distantes.
Por que o Ocidente venceu
A Mesopotâmia era um local bastante bom para lutar. Ambos os exércitos tinham víveres em abundância e muita água. O clima era seco e ameno no início do outono; e havia solo plano suficiente para comportar milhares de matadores. Babilônia, com sua promessa de descanso, banquetes, pilhagem e mulheres para os vencedores, ficava a uma distância de três semanas de cami. nhada fácil rio abaixo.
Depois de arrancar os pedaços ocidentais do império e o Egito, Alexandre, no final do verão de 331 a.C., rumou para Babilônia com esperanças de capturar a antiga cidade e forçar um confronto com as últimas reservas militares do
Império Persa. Depois de testemunhar a derrota de seus próprios exércitos aquemênidas em Granico (334) e novamente em Isso (333), assim como de per-
der as fortalezas estratégicas de Tiro e Gaza, além das ricas províncias da
lônia, Fenícia, Egito e Cilícia, Dario compreendeu que devia finalmente ficar
quieto e lutar pela sobrevivência da metade oriental que restara de seu império. Escolheu uma pequena planície, quase quinhentos quilômetros ao norte de Babilônia, em um pequeno braço do rio Tigre, o Bumelo, a cerca de cento e vinte quilômetros da cidade de Arbela. Uma vez que as táticas de Alexandre eram bem conhecidas, Dario tinha uma boa idéia do que esperar. O rei, sempre na ala direita do inimigo, buscaria uma brecha ou uma entrada cercando sua própria esquerda, entraria com dois a três mil cavaleiros pesados, e se dirigiria diretamente para cima do alto comando persa, esperando poder criar uma brecha na massa humana, enquanto seus lanceiros com escudos e seus temidos piqueiros vinham em seguida. Ao mesmo tempo, Parmênio, à esquerda, agiientaria firme e giraria se preciso fosse, até que o ânimo do exército imperial fosse enfraquecido à medida que os aquemênidas corressem para salvar suas vidas. Dario sabia de tudo isso, mas não tinha como impedir; assim, a matança daquele dia seguiu o roteiro que Dario temera e que Alexandre planejara.
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midas, mas bem pouco práticas armas foram realmente usadas em massa em alguma batalha — e apunhalaram os condutores enquanto eles passavam. Os elefantes de Dario aparentemente entraram em pânico ou foram conduzidos através da falange — ou então sequer chegaram à frente de batalha. Tantos as carruagens quanto os elefantes foram encontrados praticamente intactos depois da batalha e levados como troféus. Os animais, depois de sua aparição inaugural em Gaugamela, tornaram-se um importante instrumento da guerra
helenística; as carruagens, por sua vez, tornaram-se pouco mais do que objetos da retórica dos romances gregos e dos esboços nos blocos de rascunhos de engenheiros ocidentais até a época de Leonardo da Vinci. As colunas de cerco persas não chegaram realmente a cercar seus inimigos; e o ataque decisivo de
indianos e persas que se chocou contra a esquerda e o centro macedônios agora estava atrás de pilhagem, e não de Parmênio. A consequência foi que, quando a poeira baixou na manhã do dia 2 de outubro, a planície de Gaugamela era uma confusão medonha — Diodoro diz que “toda a área do campo de batalha estava coberta de corpos” (17.50.61).
Cinquenta mil persas estavam mortos ou morrendo — não precisamos acreditar em alguns relatos antigos de trezentos mil mortos — em meio a um cenário de destruição generalizada com ajudantes de acampamento andando a esmo,
cavalos aleijados e saqueadores de mortos. Milhares de feridos rastejavam para os pequenos córregos e poças de lama das planícies aluviais próximas. O próprio Alexandre voltou ao campo de batalha para enterrar seus mortos.
Retirou pouco mais de cem homens de debaixo das carcaças de bem mais de mil cavalos macedônios. Quinhentos persas haviam morrido em Gaugamela para cada macedônio — tais eram as disparidades quando uma força poliglora
e multicultural de homens em pânico fugia em terreno plano diante de veteranos assassinos portando armas pesadas, com piques e uma experiente cavalaria, cuja única preocupação era não demonstrar fraqueza diante de companheiros de armas de toda uma vida. Os inúmeros corpos dos inimigos foram abandonados para se decompor sob o sol de outono. Alexandre, preocupado apenas com a FT
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Por que o Ocidente venceu
podridão e o cheiro, rapidamente deslocou seu exército para longe do fedor e rumou para o sul, para Babilônia e para o reino dos aquemênidas. “A batalha” observa Plutarco, “resultou no extermínio total do Império Persa” (Alexander [Alexandre], 34.1).
A máquina
militar macedônia
Houve ironia na conquista macedônia da Grécia e da Pérsia. Depois de pas.
sar duas décadas criando o exército que pacificara a Grécia, o pai de Alexan-
dre, Felipe II, fora estripado por um jovem aristocrata e amargo cortesão, Pausânias, talvez devido a um caso de amor homossexual terminado, mas mais provavelmente por ordens de Alexandre e sua mãe, Olímpia, para assegurar a sucessão do jovem príncipe. Se Felipe foi assassinado no momento em que seus mortíferos vinte anos de governo finalmente deram frutos para criar
o reino unificado da Macedônia e da Grécia, Alexandre também, depois de chegar ao Indo, morreria em Babilônia aos 33 anos de idade, sem aproveitar
o império pelo qual lutara durante tanto tempo e matara tantos homens. O exército real da Macedônia era de Felipe, não de Alexandre. Fora formado e comandado por Felipe durante mais de vinte anos, enquanto Alexandre esteve
em seu comando por pouco mais da metade desse período. Fora o rei Felipe quem criara um grandioso novo exército; fora Felipe quem o armara, comandara
e organizara de forma diferente de qualquer outra coisa já vista nas práticas gregas anteriores — para matar outros gregos. Conforme ficaria claro posteriormente, Alexandre considerou essa herança ainda mais útil para matar persas. Em teoria, o equipamento e as táticas de sua falange macedônia não eram tão radicalmente diferentes das dos tradicionais lanceiros hoplitas das cidades-estado gregas, embora os falangistas fossem mercenários e escolhidos à
dedo por serem os “mais altos e mais fortes” dos recrutas de Felipe. A lança de arremesso foi mantida, mas aumentada de dois metros e meio para entre cinco e cinco metros e meio, e dotada de uma ponta de ferro mais pes ada € 112
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de um cabo de bronze mais sólido. Assim, tornou-se um verdadeiro pique —
pensando quase sete quilos, mais de seis vezes mais do que a antiga lança hoplita — e exigia o uso das duas mãos para um controle e manejo adequados. Essas sarissai eram seguradas a dois metros do cabo, alcançando assim quase
quatro metros à frente dos falangistas, o que dava aos piqueiros macedônios uma vantagem de alcance de dois metros e meio a três metros superior às dos lanceiros hoplitas tradicionais. O antigo escudo redondo hoplita de cerca de um metro fora abandonado, e em seu lugar entrou um pequeno disco que pendia do pescoço ou do ombro; grevas, pesados peitorais de bronze e capacetes também foram quer substituídos por materiais de couro ou compostos,
quer abandonados completamente. Em meio às mudanças, as primeiras qua-
tro ou cinco fileiras, e não três, eram de piqueiros, perfazendo 40% a mais de armas na zona de ataque. Essa frente de batalha tão compacta também fornecia um poder ofensivo particularmente grande, assim como uma proteção
defensiva para as fileiras iniciais, que portavam armas mais leves. Em termos ideológicos, os escudos maiores, os grandes peitorais e capacetes, e as lanças de tamanho moderado dos tradicionais hoplitas gregos refletiam os antigos valores cívicos e defensivos da milícia de uma cidade-estado livre
— justamente a mentalidade oposta à dos falangistas macedônios armados com piques, protegidos de forma mais leve e agressivos. Estes últimos eram homens contratados e sem raízes, sem pólis, geralmente sem terras próprias, que acrescentaram vários metros à lança hoplita mas reduziram em dois
terços a área do escudo: matar e avançar, em vez de se proteger e garantir terreno, era o que importava. À essa falange de “companheiros a pé” (pezetairoi) implacáveis e profissionais, Felipe acrescentou a Cavalaria dos Companheiros (hetairoi), uma elite de cavaleiros aristocratas, vestindo pesadas armaduras e montados em cavalos fortes. A criação de cavalos sempre fora malvista ao sul, na cultura da cidade-estado grega; era um uso ineficiente de áreas peque-
nas, privilegiava uma elite que geralmente lutava pela autocracia e tinha pouco valor contra um muro de pequenos proprietários armados com lanças. md
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Na Macedônia era diferente: uma sociedade de duas, não três, classes de se nhores e servos, em um território tão vasto e amplo quanto a Tessália. É pre.
ciso lembrar que a Cavalaria dos Companheiros acabaria por combater Orientais
com armas leves, e não uma infantaria ocidental armada com lanças. Outro contingente de infantaria, com mais armadura e lanças mais curtas,
os “carregadores de escudos” (hipaspistas), também ocupava o centro da linha macedônia, ao lado da falange. Os hipaspistas eram as primeiras forças de in-
fantaria a suceder o primeiro
ataque
da Cavalaria
dos Companheiros,
fornecendo assim uma ligação importante entre o ataque montado e a subsequente chegada da falange em si. Grupos profissionais de infantaria leve, com fundas, arcos e dardos, completavam esse exército misto, garantindo tanto
um bombardeio preliminar quanto um crucial apoio de reserva. Em Gaugame-
la, foram eles — junto com os destemidos agrianianos — quem resistiram ao cerco da esquerda persa, enquanto Alexandre e os hetairoi chegavam, com os hipaspistas logo atrás e os pezetairoi um pouco depois, abrindo e ampliando a
brecha com seus piques. A antiga falange helênica fora reinventada por Felipe e, assim, ganhara
nova importância. Ela se desenvolveria ainda mais, distanciando-se da dependência do protocolo e ritual rurais que haviam feito os exércitos gregos lutarem
perto de casa e não serem capazes de se guarnecer para marchas mais prolongadas. A intenção de Felipe era criar um novo exército nacional capaz de superar as manobras de uma falange grega, e que ainda assim fosse capaz de atacar
com facilidade os imortais persas. Ele queria um exército como a falange dos
Dez Mil que dizimara a infantaria persa no campo de batalha em Cunaxa (401 a.C.), mas também um exército capaz de flanquear hoplitas gregos com armas
tão pesadas quanto as duas e bem mais mortíferas. A idéia central dos gregos de uma luta em massa em batalhas de choque continuou predominante na Macedônia. Integrada e protegida por forças tão variadas, a falange de verdadeiros piqueiros de Felipe era mais letal e mais ver
sátil do que as tradicionais colunas de hoplitas. “Nada”, concluiu o historiador 114
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Políbio quase dois séculos mais tarde, “pode enfrentar a falange. O romano sozinho com sua espada não pode nem derrubar nem passar pelas dez lanças que simultaneamente se abatem sobre ele” (18.30.9-10). Sem dúvida, Políbio estava certo: a idéia de que homens pudessem ficar firmes enquanto três,
quatro, cinco ou mais pontas de lança de ferro perfuravam seus membros, cabeças, pescoços,
torsos e pernas é improvável. Já que as cinco primeiras
fileiras da falange macedônia constituíam um terrível muro de pontas — com os piques da primeira fileira estendendo-se por três metros para dentro da
zona de combate —, um inimigo teria que passar por “uma tempestade de lanças”, vindas de todos os lados, antes de poder sequer chegar à fileira inicial da falange. Os falangistas macedônios concentravam toda sua atenção em golpear com
suas lanças mortíferas, sem o incômodo peso da antiga armadura hoplita — nem a necessidade de proteger os companheiros imediatamente à sua direita
com um enorme escudo. Movimentação ofensiva, piques nivelados e um ritmo constante para a frente eram o que importava; defesa, escudos grandes e a preocupação em proteger companheiros tinham pouca importância. (Quando a falange ganhava velocidade e suas lanças avançavam para a frente, nada podia deter a aterrorizante força do ferro grego no ataque. Imaginem os infeli-
zes persas esfacelados por golpes sucessivos: o principal problema para seus carrascos macedônios vitoriosos era manter as pontas de suas lanças livres de pedaços de equipamento inimigo e do peso dos corpos mutilados. As fontes literárias nos dão a impressão de que, nesse horrendo mundo de morte das falanges, não era a juventude esbelta nem os músculos elegantes que o comandante da infantaria buscava, mas sim velhos veteranos corpulentos e sujos, com
O estômago e a experiência para não hesitar diante da tarefa a ser cumprida e, assim, manter a formação durante o ataque e a colisão que vinha em seguida.
Usada com maior precisão e poder, a nova falange macedônia desferia um golpe impiedoso depois de o alvo ser identificado e fragilizado pelo trabalho da
cavalaria e dos contingentes auxiliares. Como martelos, os ataques da cavalaria mea
115 E
Por que o Ocidente venceu
macedônia se concentravam em um ponto da linha inimiga, rompiam-na «
acabavam fazendo o inimigo recuar até a parede da falange eriçada de lanças, Essa coordenação entre infantaria e cavalaria era uma evolução inteiramente nova na história da guerra ocidental e fora criada para tornar os números su.
pérfluos. As batalhas de Felipe não seriam grandes partidas de empurra-em.
purra entre falanges, mas sim repentinos rompantes napoleônicos em pontos precisos que, quando explorados, se romperiam, arruinando assim a moti. vação dos outros. Ao contrário das batalhas anteriores dentro da Grécia, onde
as forças eram equilibradas, o exército macedônio na Ásia tinha que pressupor que estaria em inferioridade numérica de três contra um. Os sucessores de Alexandre nas décadas posteriores à sua morte foram
muitas vezes criticados por abandonar sua estratégia de coordenação entre cavalaria e infantaria em prol da simples quantidade: aumentar o comprimento dos piques para seis metros ou mais e substituir uma cavalaria experiente e hábil por elefantes e uma artilharia de torção. Em sua defesa, capitães como Antígono, Seleuco, Eumênio e Ptolomeu não estavam, como
fantes ou outra falange. Consegiientemente, a fluidez e o domínio da cavalaria de Alexandre não foram propriamente esquecidos por seus sucessores,
E e
dônios e gregos contra os quais ataques montados tinham pouco efeito. Para romper uma falange de piqueiros em uma batalha decisiva, era preciso ele-
E
no caso de Alexandre, combatendo persas, mas sim outros exércitos mace-
mas considerados irrelevantes nas novas guerras onde exércitos de piqueiros macedônios e gregos eram comandados por veteranos europeus aguerridos
que teriam amedrontado os cavaleiros de Alexandre.
Felipe trouxera para a guerra ocidental uma noção mais sofisticada de guerra decisiva. É bem verdade que os combates frente a frente e de pé dos macedônios
eram reminiscências dos ataques de choque das falanges gregas do passado.
As colisões de uma infantaria compacta correndo, a ponta da lança entrando falangista macedônio. 116
Mas os macedônios
não matavam
mais apenas
por
E
no rosto do inimigo ainda eram os métodos helênicos preferidos de qualquer
Victor
Davis
Hanson
de to men tru ins o te men pal nci pri era a alh bat A . iais itor terr as teir fron de causa e aneuma política nacional ambiciosa. O destrutivo mecanismo de conquista
revolta cultural, e e al soci ão taç uie inq de cal radi e font uma era pe Feli de xação
e agrária dad uni com a var ser pre para a greg ção itui inst ora vad ser con uma não cultural olo toc pro no da luí inc vez uma tal, fron siva deci a alh bat A existente. , iros ione pris de a troc , tada limi ão uiç seg per , nção inte de ção fica noti grego — se aratorn , — lha bata de po cam do nto fro con no ria vitó a tar acei para rdo aco a peça mestra de uma nova guerra total de aniquilação brutal que o mundo iam hav a.C. VI e VII los sécu dos os greg s cito exér os uen peq Os . vira não a aind se encontrado em pequenas planícies para colidir, empurrar, apunhalar e forçar os adversários para fora do campo de batalha, e cerca de uma hora de batalha geralmente decidia toda a guerra. Os macedônios não viam razão para parar de
lutar quando o inimigo caía no campo de batalha quando este podia ser demolido completamente, sua casa e terras saqueadas, destruídas ou anexadas. Os homens de Felipe também eram de uma raça inteiramente diferente dos hoplitas gregos da cidade-estado. Em sua comédia perdida Philip [Felipe], o
dramaturgo Mnesímaco (circa 350 a.C.) faz seu falangista macedônio característico se gabar: Vocês sabem contra que tipo de homem terão que lutar? Nós, cujo jantar são espadas afiadas,
e que bebemos tochas flamejantes em lugar de vinho. Depois, como sobremesa, trazem-nos dardos cretenses partidos
e grandes piques lascados. Nossos travesseiros são escudos e peitorais, e ao lado de nossos pés estão arcos e fundas. Nós nos coroamos com grinaldas de catapultas. (Mnestmaco fragmento 7 [cf. Ateneu 10.421b])
Na conservadora oratória da pólis grega do século IV a.C., o próprio Felipe aparecia como um monstro manco de um olho só, um homem terrível E
E
Por que o Ocidente venceu
que lutaria a qualquer momento, de qualquer maneira. Demóstenes alerta va Os atenienses:
Vocês ouvem falar que Felipe marcha sem que se possa: fazê-lo parar, não por comandar uma falange de hoplitas, mas sim por ir acompanhado de lutadores, cavalo; ros, arqueiros, mercenários e tropas similares. Contando com tais forças, ele ataca im
povo que está em conflito consigo mesmo, e, quando por desconfiança ninguém se dis. põe a lutar por seu país, ele traz em seguida a artilharia e faz o cerco. Não preciso dizer. lhes que Felipe não conhece a diferença entre verão e inverno, e não tem uma estação reservada para o repouso.
(Demóstenes 9, Terceiro felípico 49-51)
Depois do assassinato de Felipe (336 a.C.), e da subsequente subjugação por Alexandre dos estados gregos depois da destruição de Tebas, o rei de 20 anos deu início à invasão persa planejada por seu falecido pai com uma vitória no rio Granico, perto do Helesponto (334). Em seu primeiro ataque selvagem no Gra-
nico, Alexandre fixou um padrão de batalha no qual podemos distinguir uma
sequência genérica de eventos que aparece em todos os seus três principais
batalhas aconteceram em planícies escolhidas por seus adversários); comando
RR
uma brilhante adaptação de um terreno geralmente desfavorável (todas as suas
E
triunfos posteriores em Isso (333), em Gaugamela (331) e no rio Hidaspe (326):
gando o inimigo atordoado a se atirar nas lanças da falange que avança; perse-
guição subseqiente das forças inimigas no campo de batalha, em um reflexo do impulso de Alexandre para eliminar, e não apenas derrotar, exércitos hostis. Em
todos esses casos, a destruidora palavra de ordem era enco ntrar o inimigo, ata-
cá-lo e aniquilá-lo em uma batalha aberta — à vitória não era da força mais nu118
ns
frente da Cavalaria dos Companheiros; incríveis ataques de cavalaria focalizados em um ponto concentrado da linha inimiga; cavaleiros na retaguarda obri-
=
por meio do temível exemplo de coragem pessoal — e quase sempre fatal — à
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Davis
Hanson
merosa, mas sim daquela que conseguisse se manter em formação e subjugar o inimigo como um conjunto coeso.
Alexandre nunca comandou um exército de mais de cinquenta mil homens — por necessidade, mais do que por vontade: ele foi forçado a deixar pelo menos quarenta mil macedônios na Grécia para manter a paz. Em suas primeiras batalhas (Granico e Isso, por exemplo), havia mais gregos lutando contra ele do que
com ele. Considerando que também eram necessárias forças de defesa e de policiamento para manter suas conquistas, é incrível — dadas as reservas de contin-
gente limitadas da Macedônia — que lhe sobrasse qualquer exército. Tais consi-
derações práticas sobre contingente são essenciais para qualquer avaliação de seus posteriores esforços “humanitários” para incluir persas e outros asiáticos em seu exército. Lembrem-se também de que, durante os primeiros quatro anos da
invasão (334-331), milhares de gregos rumaram para a Pérsia para lutar contra Alexandre, o “liberador” — e quase nenhum persa lutou por ele.
Para Alexandre, assim como para Napoleão, o tamanho do oponente pouco importava, já que ele se concentrava em apenas um pequeno segmento da
linha inimiga, enquanto os antigos marechais de seu pai seguravam o inimigo
em algum outro ponto. Ás reservas ajudariam a garantir que o inimigo não chegasse à retaguarda macedônia. O próprio Alexandre esperaria, buscaria uma brecha e enviaria sua formação de cavaleiros e piqueiros pesados para
destroçar o inimigo, com o ataque fazendo ondas de medo percorrer milhares de súditos imperiais bem menos disciplinados. Quem, no exército inimigo —
formado por homens de diferentes línguas e costumes — seria o primeiro a ficar e morrer diante dos macedônios enlouquecidos para que outros no exér-
cito do Grande Rei pudessem seguir seu sacrifício e subjugar Alexandre? E
Surto
assassino
Alexandre era grego? Lingiisticamente, não no sentido puro, já que poucos na Grécia central e do'sul compreendiam macedônio, um dialeto helênico dis119
Por que o Ocidente venceu
tante do grego dórico ou iônico como o inglês do estado americano do Arkan. sas é distante do de Oxford. Para os gregos, o problema da Macedônia não era sua língua rascante e em grande parte incompreensível, e muito menos ques.
tões raciais, mas sua cultura. Mais especificamente, não havia verdadeiras cidades-estado ao norte da fronteira da Grécia com a Tessália, apenas aldeias e vilarejos pobres alternados com as últimas grandes propriedades dos ricos criadores de cavalos — tudo isso supervisionado por um conglomerado de monarcas belicosos e geralmente mesquinhos cujos palácios e túmulos for.
mam atualmente a maior parte do registro arqueológico da antiga Macedônia Felipe unira esses senhores em um verdadeiro reino, e trouxera artistas, filósofos e cientistas helênicos para a Macedônia, subsidiando a entrada de talen-
tos gregos com o produto de saques e ouro roubado. Milhares de cientistas e artesãos gregos contratados acabaram por acom-
panhar Alexandre e seus macedônios na marcha para o leste, para assegurar sua superioridade tecnológica e organizacional sobre os exércitos aquemênidas: Diades, o engenheiro de cerco tessalônico que “tomou Tiro”, com seu co-
lega Charias e os outros projetistas, Filipo e Poseidônio; Górgias, o engenheiro
mentos e recenseavam estradas; os especialistas navais Nearcos e Onesícrito;
Eumênio, o chefe do serviço secretarial; o filósofo natural e historiador Calístenes e seus assistentes; e Aristóbolo, arquiteto e engenheiro. Os mace-
dônios também contrataram milhares de gregos do sul para seu exército, de mercenários a cientistas, todos em busca de uma paga regular e do patrocínio
da casa real. Enquanto a Guerra do Peloponeso (431-404 a.C.), travada por princípios e pela liderança da Grécia, quase arruinara as antigas cidades-estado gregas, a violência abertamente predatória de Alexandre no Oriente tinha
o efeito oposto para o mundo Ocidental de criar capital, e não de consumi-lo. O limite estabelecido por Felipe e Alexandre para a importação da tradição helênica era, como mais tarde no caso dos japoneses, a política — ta politika 120
EE
Baeton, Diongnetos e Filônides, que sistematicamente organizavam acampa-
ES
hidráulico, e Deinócrates, o planejador de cidades que concebeu Alexandria;
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Davis
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(“coisas da pólis”). Da Grécia — Felipe fora um jovem refém em Tebas (369368 a.C.) durante o auge do brilhante general tebano Epaminondas —, o rei acolheu a falange, e com ela a tradição de uma infantaria mais numerosa, de um ataque frontal decisivo, de fileiras disciplinadas e do começo da verdadeira manobra tática. Da Grécia, Felipe abraçou a tradição racionalista e a busca desinteressada da ciência e da investigação natural separada da religião e do
governo — só assim ele podia construir complicadas máquinas de cerco e catapultas de torção. Da Grécia, adotou as tradições de iniciativa individual, associadas a uma disciplina militar férrea que dava mais importância à soli-
dariedade de grupo do que ao número de inimigos mortos por guerreiros heróicos. Dessa forma, ele era capaz de recrutar e treinar destemidos falangis-
tas que atacariam um muro de pontas de ferro caso ele assim ordenasse. Antes da batalha em Gaugamela, Alexandre lembrou a seus mercenários contratados que eles eram ainda assim homens “livres” — ao contrário dos persas, que eram considerados meros escravos. Embora nenhum homem sequer houvesse votado em Alexandre para seu rei, existia mesmo assim alguma verdade no que ele dizia. O legado da liberdade helênica não devia ser definido inteiramente em termos políticos, mas, como observou Aristóteles, como o “fazer o que quiser”. Os falangistas de Alexandre, como os Dez Mil contratados anteriormente,
gozavam de uma liberdade de associação quando faziam reuniões animadas e turbulentas, votavam propostas convenientes para Alexandre, e gozavam de uma familiaridade com seus superiores nos banquetes e torneios esportivos reais desconhecida na corte persa. Mais tarde, mesmo assassinos contratados que não eram cidadãos acabariam ficando enojados diante do crescente orientalismo de Alexandre — e do repugnante costume da proskynêsis, ou de um homem livre se prostrando diante de outro como se este fosse um deus vivo. Felipe, no entanto, não tinha interesse em militarismo cívico, no controle
civil de suas forças armadas ou na liberdade política abstrata de seus soldados '— que eram toda a bagagem das fracas e briguentas cidades-estado. Ele ensi-
nou essa desconfiança a Alexandre — acrescentando-lhe também uma bri-
Por que o Ocidente venceu
lhante tirada de propaganda: a Grande Idéia de uma cruzada pan-helênic, para a Pérsia, o derradeiro Gótterdâmerung que puniria os aquemênidas por
terem queimado a acrópole ateniense, vingaria a escravização da Iônia helêni. ca e um século de intromissão em assuntos gregos, esvaziaria os tesouros persas para enriquecer os Bálcãs além de qualquer imaginação e proporcionaria uma unificação final de todos os povos de língua grega, finalmente uma verdadeira nação de homens em armas. Só assim, Felipe sabia, ele poderia deixar para trás uma Grécia segura e rumar para o leste. É verdade que sempre haveria patrio-
tas e agitadores como Demóstenes e Hipérides, que intrigariam e se revoltariam, e sempre haveria hoplitas gregos dispostos a combatê-lo na Ásia a soldo do Grande Rei. Sob sua falsa “Liga de Corinto”, Felipe podia dizer que estava matando “pela Grécia”, não por ele próprio. Em sua primeira “cruzada” européia, Felipe ofereceu a uma briguenta Grécia a unificação necessária para devastar um Oriente unificado e despótico.
Consegiientemente, toda a relação de Alexandre com o helenismo, com a própria cultura ocidental, é paradoxal. Nenhum homem sozinho fez mais para divulgar a arte, a literatura, a filosofia, a ciência, a arquitetura e a prática militar da cultura helênica no Oriente, além das fronteiras da Grécia continental,
do que Alexandre, o Grande — e nenhum estrangeiro fez mais para destruir trezentos anos de independência e liberdade dos gregos dentro da Grécia do que Felipe e seu filho. Alexandre, o Grande, reuniu mais soldados de língua grega para matar não-gregos do que qualquêr outro grego na história — e ele
próprio arquitetou a morte de mais gregos em Queronésia, em Tebas, no rio Granico e em Isso do que qualquer outro general grego na história. A intenção original de Alexandre era roubar e pilhar uma cleptocracia aquemênida
envelhecida. Ao fazer isso, ele liberou os impostos guardados por séculos, cujo dinheiro recém-cunhado alimentou um renascimento cultural nunca imagi-
nado sob o domínio persa, na medida em que centenas de aproveitadores, engenheiros e artesãos itinerantes gregos o seguiam Pérsia adentro. Alexandre foi para o leste, dizia ele, para difundir o helenismo: No entanto, nenhum filó122
Sa
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sofo, rei ou homem sagrado fez mais para orientalizar os gregos do que Alexandre, que enfraqueceu as seculares cidades-estado gregas de modo a abraçar a teocracia asiática, deixando como legado a prática helenística de três séculos de um deus-rei plutocrático, enfurnado e isolado de seus súditos em uma ca-
pital imperial. A expropriação por Alexandre da tradição militar helênica, sem os entraves do governo provinciano local e os empecilhos logísticos dos hoplitas amado-
res, significava que os gregos, pela primeira vez em sua história, poderiam encontrar os limites naturais de seu poder militar no distante rio Indo. Ao
mesmo tempo, a rejeição por Alexandre do governo constitucional, do militarismo cívico e da autonomia municipal assegurava que suas conquistas nun-
ca resultariam em uma civilização helênica estável na Ásia, ou mesmo em liberdade na Grécia — mas simplesmente nos reinos dos Sucessores (323-31 a.C.) de marechais posteriores que pensavam como ele. Durante três séculos, teocratas — macedônios, epiriotas, selêucidas, ptolemeus, atálidas — governariam, combateriam, pilhariam e levariam uma vida de esplendor em meio a
um verniz helênico de elites e profissionais da corte na Ásia e na África, até
serem finalmente subjugados pelas legiões da Roma republicana. Esta última, ao contrário dos gregos helenísticos, realmente combinaria as idéias de política helênica, militarismo cívico e batalha decisiva para criar imensas e mortais
forças de cidadãos com direito de voto, cujo governo criava o exército, em vez de o exército criar o governo. Quais foram os resultados políticos e culturais da batalha decisiva nas mãos
de Alexandre, o Grande? Historiadores antigos da idade romana, cujas fontes
formam uma conturbada trilha que remonta aos contemporâneos do próprio Alexandre, apresentam tanto um “bom” quanto um “mau” Alexandre — ora um Aquiles de Homero em carne e osso, cuja exuberância e fé juvenis fizeram
com que o helenismo florescesse como devia, ora um selvagem megalomanía-
co, bêbado e egoísta, que massacrou a maioria dos homens que encontrou pela frente antes de se virar contra os amigos e compatriotas de seu pai, homens 123:
Por que o Ocidente venceu
cuja lealdade e inteligência o haviam criado. Esse debate continua até hoje,
A maioria dos gregos contemporâneos desprezava Alexandre por tê-los Ptiva. do de sua liberdade e por chaciná-los de Tebas ao rio Granico. Se deixarmos de lado o romantismo posterior em relação a Alexandre — seus supostos esforços para criar a “irmandade da raça humana” ou para levar a “civilização” aos bárbaros —, podemos concordar que sua verdadeira genialidade era sobretudo militar e política, e não humanitária ou filosófica: uma brilhante inovação da guerra helênica, com a sensatez necessária para usar esse poder para liquidar e subornar rivais que quisessem fazer o mesmo com ele. Alexandre empregou a batalha decisiva de forma brilhante, de várias ma. neiras aterrorizantes que seus inventores
helênicos
há muito
conquistados
nunca haviam imaginado — e, num verdadeiro golpe de gênio, proclamou que matava em nome da idéia do amor fraterno. Cortés, um prodígio militar semelhante, também dizimaria as fileiras dos índios mexicanos, massacrando-os
em batalhas decisivas muito além de sua experiência cultural, e alegando fazê-lo em nome da coroa espanhola, da glória de Cristo e do progresso da civilização ocidental. Para Alexandre, a estratégia da guerra não significava a derrota do inimigo, a repatriação dos mortos, a construção de um monumento e a resolução das brigas existentes, mas sim, como lhe ensinara seu pai, a aniquilação
de todos os combatentes e a destruição da própria cultura que ousara mobi-
lizar tal oposição a seu governo imperial. Assim, a prática revolucionária de Alexandre de perseguir e destruir totalmente o inimigo derrotado assegurava um número de mortos em batalha inimaginável apenas poucas décadas antes.
No rio Granico (maio de 334 a.C.), Alexandre destruiu imediatamente O exército persa, cercou os mercenários gregos encurralados e massacrou quase
todos eles — com exceção de dois mil, que mandou de volta para a Macedônia como escravos. Nossas fontes discordam quanto aos números exatos de mortos; Alexandre pode ter exterminado entre quinze e dezoito mil gregos depois de a batalha estar praticamente vencida. Ele matou mais helenos em
um único dia do que o número somado dos soldados que haviam morrido 124
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tente aos medas nas batalhas de Maratona, Termópilas, Salamina e Platéia! mais o muit — mil e vint a gou che o nic Gra rio no as pers os mort de ero núm O do que em qualquer batalha hoplita isolada em dois séculos de guerra no cono tinente. Granico demonstrou duas coisas: Alexandre teria que matar com
nenhum outro ocidental jamais matara antes de alcançar seus objetivos políticos, e seria forçado a eliminar milhares de gregos que, quer por ambição, quer por princípio, estivessem dispostos a combatê-lo a serviço do rei persa. No ano seguinte, em Isso (333 a.C.), contra o grande exército de Dario Il
em pessoa, o número de mortos atingiu novos patamares nunca antes vistos em batalhas envolvendo um exército grego ou macedônio. Mais vinte mil mercenários gregos morreram, e de cinquenta a cem mil recrutas persas sucumbiram antes do final do dia — uma formidável proeza em matéria de tempo e espaço para chacinar mais de trezentos homens a cada minuto durante oito horas. Aquilo era o extermínio levado a um nível inédito, uma prova daquilo em que guerra à moda ocidental poderia se transformar quando a batalha de choque fosse usada para aniquilar o inimigo em vez de resolver vulgares dispu-
tas de fronteira. A falange macedônia não empurrava os homens para fora do campo de batalha, mas sim os massacrava pela retaguarda durante horas a fio,
mesmo depois de a batalha já estar decidida. Depois de Gaugamela, em sua quarta e última vitória sobre o príncipe indiano Porus no rio Hidaspe (326), Alexandre matou cerca de vinte mil inimigos. Números muito austeros sugerem que, no espaço de apenas oito anos, Alexandre, o Grande, tenha matado bem mais de duzentos mil homens apenas em batalhas decisivas — com um custo de poucas centenas de seus próprios macedônios. Só os hoplitas mercenários gregos em Granico e em Isso causaram-lhe problemas de verdade, e eles foram finalmente superados em número,
cercados e quase aniquilados — quase quarenta mil nas duas batalhas, o bastante para garantir que não havia praticamente nenhum disponível em Gaugamela. Apenas César, na Gália, e Cortés, no México, rivalizariam com o
recorde de Alexandre em matéria de mortos em campo de batalha e de mortes
125
Por que o Ocidente venceu
civis subsegiientes durante os anos de pacificação. A abordagem ocidental da guerra — colisão de choque e frontal com muros de soldados de infantaria profissionais altamente treinados e disciplinados — havia criado claramente
um desequilíbrio em matéria de baixas até então nunca visto na Ásia.
Entre uma e outra dessas batalhas formais, Alexandre também invadiu um bom número de cidades gregas e persas, demonstrando a verdade de que a
guerra à moda ocidental não era mais apenas uma técnica de batalha de infantaria, mas sim uma ideologia de ataque frontal brutal contra qualquer obs
táculo que estivesse no caminho. Alexandre capturou e escravizou sistemati. camente quase todas as cidades em seu caminho, começando pela Ásia
Menor, seguindo para a costa da Síria, depois para as satrapias da Pérsia, e ter minando com o massacre das comunidades indianas do Punjab. As fontes pouco nos dizem sobre o número exato de homens mortos por Alexandre na
captura de Mileto (334), Halicarnasso (334), Sagalasso (333), Pisídia (333), Celanae (333), Soli (333), no massacre de Branchideae (329), nas diversas fortalezas de Syr-Darya (329), na cidadela de Ariamazes (328), nas cidades
indianas de Massaga (327), Aornus (327) e Sangala (327). A maioria dessas fortalezas era maior do que Tebas, seu primeiro cerco, onde sei mil foram massacrados nas ruas. Arriano sugere que oitenta mil sucumbiram aos ataques às
cidades do sul do Punjab em volta de Sindimana, e que dezessete mil indianos tenham sido mortos e setenta mil capturados em Sangala. Uma estimativa conservadora suporia que duzentos e cingúenta mil residentes urbanos foram mortos diretamente entre 334 e 324 a.C., em sua maioria defensores civis que viviam no caminho de Alexandre para o leste. À carnificina mais bem documentada aconteceu na Fenícia, nas cidades de
Tiro e Gaza. Depois de meses de uma defesa heróica, Tiro caiu no dia 29 de julho de 332. Não temos um registro exato de quantos morreram na defesa da cidade, mas em seu último dia de existência de sete a oito mil residentes foram mor-
tos na confusão. Dois mil homens sobreviventes foram crucificados para mostrar como era fútil resistir. De vinte a trinta mil mulheres e crianças foram 126
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escravizadas. Tiro, como Tebas anteriormente, deixou de existir como comunidade. Gaza, mais ao sul da costa síria, veio em seguida. Depois de um cerco
de dois meses, Alexandre deixou que suas tropas assassinassem à vontade os habitantes da cidade. Todos os homens sírios foram exterminados. Quase dez
mil persas e árabes morreram. Todas as mulheres e crianças capturadas foram
vendidas aos milhares como escravas. Alexandre amarrou Batis, governador da cidade, perfurou seus tornozelos com tiras de couro e o arrastou pela cidade, ao estilo de Aquiles, até que a vítima torturada morresse. Durante a maior parte de sua década na Ásia, Alexandre foi incapaz de
atrair seus inimigos para uma batalha frontal e, portanto, levou a batalha até eles, marchando secretamente para o leste e sistematicamente incendiando aldeias, assassinando as elites locais e atacando fortalezas em guerras sujas de retaliação nas quais as tradições nômades de escaramuças, tocaias e ataques seguidos de fuga causavam o caos em seu exército. À lista de povos dizimados no que hoje são o Afeganistão, o Irã e o Punjab é quase interminável, mas uma pequena amostra pode dar uma idéia do espantoso número de tribos que foram pacificadas ou exterminadas pela propensão ocidental de Alexandre para avançar de maneira implacável contra os muitos pontos de assentamento inimigo. À sul de Susa, as aldeias montanhesas dos uxiis nos montes
Zagros foram sistematicamente pilhadas. A maioria de seus habitantes foi morta ou removida. Nos Portões de Susa, no Irã ocidental, durante sua aproximação de Persépolis, Alexandre dizimou as forças do sátrapa Ariobar-
zanes; apenas um punhado de sobreviventes escapou para as montanhas. Alexandre só precisou de cinco dias para perseguir e conquistar os mardis
do Irã oriental, incorporados ao império de Alexandre e forçados a fornecer homens, cavalos e reféns (331).
Na Báctria, Alexandre começou uma limpeza frenética quando se viu diante de revoltas e secessões locais. Dizia-se que uma comunidade de gregos expatriados, os chamados branchideae, haviam sido exterminados até o último
homem. Os sacans da Sogdiana — temíveis veteranos de Gaugamela — 127
Por que o Ocidente venceu
foram extintos, e seu território fora destruído. Convencido de que os ricos vi larejos do vale do Zervashan ao sul haviam auxiliado as rebeliões em Sogdiana, Alexandre também atacou suas fortalezas. Executou todos os defensores que encontrou vivos; oito mil foram mortos só na captura de Cirópolis. As re.
voltas na Báctria e na Sogdiana (3529-328) representaram pouco mais de dois anos de combates, pilhagens e execuções ininterruptas. Alexandre seguiu q
mesmo padrão de guerra total na Índia (327-326). Massacrou todos os defen. sores ao longo do rio Choes, em Bajaur. Depois de prometer aos assacenis cercados que lhes pouparia a vida caso capitulassem, ele executou todos os seus
soldados contratados que se renderam. As outras fortalezas, em Ora é Aornus, também foram atacadas. As guarnições foram provavelmente mortas. A
maioria das aldeias de mallis do sul do Punjab foi arrasada. Os refugiados civis foram massacrados quando fugiam para o deserto. A maioria das fontes concorda que dezenas de milhares de pessoas morreram. O Oriente nunca conhecera nada como o exército de Alexandre, que dava ao inimigo a escolha entre submeter-se ou morrer, e tinha disposição e poder para fazer as duas coisas. Nenhuma dessas tribos tinha chance alguma contra os macedônios em um combate direto. Sua única chance era travar puerras
esparsas nas montanhas, na esperança de retardar e frustrar o projeto de Alexandre, em vez de derrotá-lo diretamente. Em sua passagem pelo deserto de Gedrósia em 325 a.C., quando seus próprios homens não estavam morrendo, Alexandre atacou os oreitae. Seu tenente Leonnatus matou seis mil deles em uma única investida. Com a fome e a conquista militar, os oreitae viram seu território ser despovoado. Qualquer estimativa do custo humano da dominação da Báctria, do Irá e da Índia seria impossível, mas muitas aldeias e fortalezas provincianas
abrigavam milhares de pessoas.
Depois
da chegada de
Alexandre, suas comunidades foram destruídas e seus defensores homens mortos, escravizados ou recrutados. Qual o propósito de toda essa matança? Não se conhece os desejos de Ale-
xandre, embora a pacificação de um novo império dos restos do império aque128
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mênida seja a explicação mais provável para sua violência contínua Ásia adentro. Algumas vezes os macedônios matavam em trânsito ou nos quartéis-
generais; a máquina de guerra de Alexandre tornou-se tão letal que era um perigo até para si mesma. Depois que a capital persa, Persépolis, foi subjuga-
da, Alexandre permitiu que seus macedônios pilhassem a cidade e massacras-
sem seus habitantes gratuitamente por um dia inteiro. Os macedônios frenéticos pilharam até mesmo as casas dos habitantes comuns, levaram suas mulheres e venderam como escravo qualquer um que houvesse sobrevivido aquele dia
de matança aleatória. Plutarco observa que também houve muitos assassinatos de prisioneiros. Cúrcio acrescenta que muitos residentes preferiam pular dos muros com suas mulheres e filhos ou atear fogo às próprias casas e famílias do que ser eviscerados nas ruas. O suicídio em massa é raro entre as popula-
ções européias, mas é mais comum entre as vítimas das armas ocidentais: os povos não-ocidentais muitas vezes preferiram a morte coletiva voluntária ao se verem diante da impossibilidade de resistir às armas ocidentais, dos Dez Mil de Xenofonte às legiões romanas na Terra Santa aos americanos em Okinawa.
Depois de uma trégua de alguns meses, todo o tesouro imperial foi capturado — poucos metais preciosos foram encontrados em Persépolis por esca-
vadores modernos — e o palácio real incendiado durante uma orgia em massa de luxúria embriagada. O fogo provavelmente se espalhou além do palácio e,
durante algum tempo, tornou a capital inabitável. Fontes documentais relatam a enorme quantidade de pilhagem reunida — cento e vinte mil talentos segundo a maioria dos relatos, com o material saqueado necessitando de dez
mil pares de mulas e cinco mil camelos para ser transportado —, mas não calculam o custo humano. Se Persépolis era a capital de um império de milhões de habitantes, e sua população estivesse na casa das centenas de milhares, milhares de pessoas morreram durante as primeiras matanças, a subsequente
escravização e, finalmente, as deportações e expulsões. Em um império de setenta milhões, não havia nenhuma força policial local capaz de evitar que trinta mil veteranos do Ocidente fizessem o que bem en-
%
Por que 0 Oerdente venceu
tendessem. O resultado foi que centenas de milhares de pessoas morreram |j.
teralmente por estar no caminho de Alexandre. Macedônios e tribos indíge.
nas foram mortas na malfadada travessia de Alexandre do deserto de Gedró. sia no final do verão de 325, ao longo da costa norte do Oceano Índico, do delta do rio Indo ao golfo Pérsico. Fontes antigas fornecem relatos Sinistros
de sofrimento e morte durante a marcha de cerca de 740 quilômetros em ses.
senta dias. Alexandre embarcou com um exército de pelo menos trinta mil
combatentes, seguido por uma longa escolta de mais milhares de mulheres e crianças. Arriano, Diodoro, Plutarco e Estrabão mencionam inúmeras perdas
devidas à sede, à exaustão e à doença, e falam em dezenas de milhares de mor.
tos. Em três meses, Alexandre foi responsável por mais mortes entre seus
próprios soldados do que em uma década de baixas contra os soldados persas.
À verdadeira ameaça para os falangistas macedônios não era um reneg ado persa ou indiano, mas seu próprio general assassino.
Ao contrário das práticas anteriores das cidades-estado gregas, não havia no exército macedônio comandos compartilhados por uma banca de generais — não existiam auditorias civis, não havia ostracismo por voto ou julgamentos em tribunais para supervisionar o alto comando do exército macedônio e
seu rei. Como líder absoluto, Alexandre reagia às suspeitas de deslealdade com sentenças de morte instantâneas. Toda uma geração de nobres macedônios foi executada pelo rei a quem servia. Os assassinatos aumentaram com à paranóia e a demência de seus últimos anos —
e com a consciência de que
seus serviços durante batalhas diretas não eram mais necessários depois do colapso do exército real aquemênida e do extermínio e escravização dos perigosos mercenários gregos.
O julgamento simulado e a subseguente tortura e apedrejamento de seu general Filotas (330) são bem conhecidos. Longe de ser um conspirador, Filotas, que dividira o comando da cavalaria macedônia e lutara heroicamente em
todas as principais campanhas de Alexandre — ele liderou O ataque dos Companheiros à linha persa em Gaugamela — era cul pado de pouco mais do 130
Victor
Davis
Hanson
que arrogância e incapacidade de espalhar fofocas sobre possíveis dissensões em relação ao rei. Com a horrenda morte de Filotas, seu paí, Parmênio (sobre
quem não recaía nenhuma acusação) também foi assassinado. Vários outros nobres macedônios desapareceram ou foram mortos sumariamente à medida que o exército se afastava para o leste de Babilônia. O chamado Cleitus Negro, que salvara Alexandre em Granico, foi perfurado com lanças até a morte
durante um banquete embriagado pelo próprio rei, bêbado. Depois de alguns
pajens macedônios serem apedrejados até a morte por suspeita de rebelião
(327 a.C.), Alexandre executou o filósofo Calístenes, sobrinho de Aristóteles, que se opusera à pratica da proskynesis pelo rei.
Depois de sair do deserto de Gedrósia, Alexandre embarcou em um surto de sete dias de bebedeira e festanças, culminando em uma série de novos decretos
de execução. Os generais Cleandro e Sítacles, e mais tarde Agathon e Heracon, e seiscentos de seus soldados foram mortos sem aviso ou julgamento legal. Eram supostamente culpados de não-cumprimento do dever ou de insubordinação. O mais provável é que tenham sido eliminados por causa de seu
envolvimento anterior no cumprimento das ordens de Alexandre para exe-
cutar o popular Parmênio — um erro que não havia sido engolido com facilidade pelos soldados veteranos e exigira uma certa demonstração cerimonial de expiação.
Alexandre literalmente dizimou toda uma corporação de seis mil homens — a primeira demonstração clara na guerra à moda ocidental da prática de alinhar e executar um em cada dez soldados. Alexandre introduzira no Ocidente as idéias gêmeas de dizimação e crucifixão, vindas do Oriente e do sul. Por sua vez, a contribuição original que agora fazia à guerra à moda ocidental era a matança de batalhas decisivas completamente alheias a qualquer restrição moral ou auditoria cívica. Alexandre criou a idéia da batalha de choque como uma aniqui-
lação do inimigo. O mundo grego nunca vira nada comparável a ele. Alexandre, o Grande, não era um emissário bem-intencionado do helenismo. Era um adolescente enérgico, prático e um autêntico gênio militar, natu-
Por que o Ocidente vence
ralmente curioso e que via o valor propagandístico no fato de estar Cercado por homens letrados. Herdara do pai um exército assustadoramente Mortífero
e fora sábio o bastante para assegurar a lealdade de um grupo de administra
dores de batalha sagazes e experientes — pelo menos até a derrota do exército persa. Alexandre compreendeu como modificar a tradição helênica de bata.
lha decisiva para novos fins mortíferos, derrotando seus oponentes no Orien-
te, para quem a tocaia, a astúcia, a negociação, a pilhagem e o saque eram
preferíveis a uma colisão frontal de tropas de choque.
A idade helenística (323-31 a.C.) começou com a derradeira destruição da liberdade e da autonomia política grega por Alexandre. Sua introdução da cul.
tura militar grega para além do Egeu e o estímulo econômico provocado pela inundação do mundo grego com o interminável ouro e prata dos tesouros
imperiais persas alimentaram a opressão política e a disparidade econômica— ao mesmo tempo em que atraíram novos escritores e artistas para as novas cortes da época. Ele deixou monarquias de exploração em lugar das unidades políticas autônomas gregas — que, mesmo assim, recorreram às tradições oci dentais de racionalismo e aprendizado desinteressado para criar cidades, arte grandiosa e agricultura e comércio sofisticados. No mundo de Alexandre, não havia lugar para patriotas e políticos, mas muito mais oportunidade e dinheiro para artistas e acadêmicos do que no passado. Apesar de toda sua aparente devoção à cultura grega, Alexandre no fundo
morreu um homem mais próximo de Xerxes do que de Temístocles. Sob as posteriores dinastias helenísticas, o militarismo deu lugar a mercenários pagos, e a guerra consumiu orçamentos e homens em proporções astronômicas.
Os mercados livres, a pesquisa militar e a logística sofisticada se aliaram para formar exércitos ocidentais mortíferos inimagináveis algumas décadas antes.
À idéia ocidental de uma divindade entronizada tornou-se a norma nos esta” dos helenísticos sucessores — com toda a costumeira megalomania, matança gratuita e opressão que associamos às teocracias. Os estudiosos às vezes com param Alexandre a César, Aníbal ou Napoleão, que, por pura força de vonta” 132
Victor
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de e talento militar nato, também buscaram expandir seus impérios muito
além do que seus próprios recursos nativos poderiam permitir. Há afinidades
com cada um deles; mas um paralelo ainda melhor sería Adolf Hitler — uma comparação repugnante que sem dúvida vai chocar e perturbar a maioria dos classicistas e dos filelenos.
Hitler também concebeu uma marcha para o leste brilhante, porém brutal, durante o verão e o outono de 1941. Tanto ele quanto Alexandre eram raros
gênios militares do Ocidente, que se deram conta de que seus batalhões altamente móveis de tropas de choque eram incomparáveis a tudo que o mundo já vira. Ambos eram místicos confessos, dados à pilhagem e ao saque com a justificativa de serem emissários levando a “cultura” ocidental para o Oriente e “libertando” povos oprimidos de um império asiático corrupto e centralizado. Ambos eram gentis com os animais, demonstravam deferência em relação às mulheres (mas não se interessavam realmente por elas), falavam de seu pró-
prio destino e divindade, e podiam ser particularmente corteses com seus subordinados ao mesmo tempo em que planejavam a destruição de centenas de milhares de pessoas, e acabavam por assassinar grande parte de seus associa-
dos mais próximos e de seus melhores marechais-de-campo. Ambos eram filósofos pop semi-instruídos que davam suas ordens de destruição em massa com alusões à literatura e à poesia. Para cada promessa de uma “fraternidade humana” havia um “Reich de mil anos”; para cada casa de Píndaro salva entre as ruínas de Tebas havia as visões de uma nova Roma em Berlim; para cada Parmênio eviscerado havia um Rommel assassinado; para cada Tiro, Gaza ou
ria do helenismo eram capazes de criar soldados de imensa coragem e, assim, eram úteis para uma autocracia, Hitler utilizou o rico legado da Alemanha e sua cidadania livre para criar uma igualmente assustadora blitzkrieg. A história chama Alexandre de emissário de um governo mundial e de visionário, en-
:
o,
õ
E
Sogdiana devastadas, uma Varsóvia ou uma Kiev destruídas; e, para cada deserto de Gedrósia, havia uma Stalingrado suicida. Assim como Alexandre pensava que o individualismo europeu e a sabedo-
133
Por que o Ocidente venceu
quanto considera Hitler corretamente um monstro perturbad o e Assassino, Se Alexandre houvesse morrido em Granico ao entrar na Ásia (sua cabeça quase
foi partida ao meio por um cavaleiro inimigo), e se os panzers de Hitler não
houvessem sido detidos a alguns quilômetros de Moscou em dezembro de 1941 alguns historiadores poderiam considerar o macedônio simplesme nte um me.
galomaníaco desequilibrado cujas ambições insanas terminaram em um riacho
lamacento perto do Helesponto, e o segundo um conquistador selvag em, mas onipotente, que, graças a brilhantes batalhas decisivas, derrotou o brutal império comunista de Stalin.
O fracasso desses autocratas antigos e modernos — o imp ério de Alexandre se desintegrou em uma série de feudos em conflito antes de ser anexado por Roma, enquanto o Reich milenar de Hitler durou treze ano s — nos lembra que a batalha decisiva, a superioridade tecnológica, o capitalis mo e a disciplina incomparável só dão aos exércitos ocidentais vitórias efêmeras se lhes fal.
tar a base correspondente de liberdade, individualismo, auditoria cívica e go-
verno constitucional ocidentais. Dadas a complexidade e as origens da prática militar ocidental, ela é mais eficiente quando mantida dentro dos parâmetros de seu nascimento. O mundo antigo não produziu nenhum homem mais pessoalmente corajoso, militarmente brilhante e abjetamente assassino do que Alexandre, o anti-helênico, o primeiro verdadeiro conquistador europeu de
uma longa linhagem que ainda estava por vir.
Batalha decisiva e guerra ocidental Em última instância, as guerras são mais bem decididas por homens que se atacam de frente, apunhalam, golpeiam ou atiram a curta distânci a, e ex
pulsam fisicamente o inimigo do campo de batalha. As armas de arremesso podem ajudar nas batalhas de infantaria, mas por si sós são incapazes de derrotar um inimigo e decidir uma guerra — sejam elas zarabatanas, fundas ou morteiros: 134
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O fogo e só o fogo é inútil se o inimigo chegar a fazer contato. As armas de cho-
que são os esmagadores e tenazes que os atacantes seguram nas mãos. As armas de choque são instrumentos militares por excelência. Não apenas são empregadas por lutadores corajosos ansiosos para se aproximar do inimigo, desferir-lhe um golpe e ganhar uma decisão, mas são elas quem realmente matam. Elas vencem batalhas. (H. Tumey-High, Primitive War: Its Practice and Concepts [Guerra primitiva: sua prática e seus conceitos), 12)
Em Granico, Isso e Gaugamela, o exército persa estava parado, à espera da chegada de Alexandre, preocupado em escolher o melhor terreno para uma
defesa contra os invasores. Paliçadas, margens de rio, estrepes, carruagens com foices e elefantes estavam lá para parar o que os homens armados não conseguissem. A famosa resposta de Alexandre de que enfrentaria Dario III abertamente durante o dia, em vez de fazê-lo sorrateiramente à noite, é uma
das muitas anedotas que ilustram o desejo helênico de um confronto aberto, direto e mortal. Cúrcio relata que Alexandre também desdenhou a idéia de uma guerra de desgaste, e mais ainda a de uma longa negociação com Dario II: “lravar uma guerra com prisioneiros e mulheres não é do meu feitio; aquele
que odeio deve estar armado para a batalha” (History of Alexander [História de Alexandre] 4.11.18),
Antes de Gaugamela, Cúrcio observa que a única preocupação de Alexandre era que Dario pudesse não lutar. Quando Parmênio o despertou de um pesado sono na manhã da batalha, ele se levantou confiante e disse: “Enquanto
Dario estava ateando fogo ao campo, queimando aldeias e destruindo os suprimentos de comida, fiquei fora de mim. Mas agora, com que tenho que
me preocupar, já que ele está se preparando para uma luta aberta? Por Deus, ele satisfez todos os meus desejos” (4.13.23). Plutarco acrescenta que Alexan-
dre também explicou, na manhã de Gaugamela: “Qual o problema? Você não
acha que já parecemos ter ganhado, já que não precisamos mais vagar por um país vasto e desolado atrás de um Dario que evita uma batalha frontal?” 135
Por que o Ocidente venceu
(Alexandre [Alexandre] 32.3-4). Naquela mesma manhã, Alexandre foi encorajar suas tropas, dizendo-lhes que seus numerosos inimigos — “do lado deles há mais homens de pé, do nosso mais homens lutarão” — não eram sol.
dados de choque como eles, cobertos de cicatrizes e mutilados pelas colisões frontais. Os persas, disse ele a seus homens, não passavam de “uma turba
mista de bárbaros, na qual alguns atiram dardos, outros atiram pedras e ape-
nas alguns usam armas verdadeiras [iusta]” (Cúrcio, History of Alexander [His.
tória de Alexandre) 4.14.5). Na mentalidade ocidental, “armas verdadeiras”
são piques e espadas usados face a face em combates a curta distância, Durante a batalha em si, os macedônios em desvantagem numérica foram os únicos a atacar em conjunto para quebrar a linha inimiga. Uma vez em segurança do outro lado da horda, ignoraram o acampamento persa e foram dire-
tamente atrás da carruagem de Dario. Para onde quer que o rei fugisse, para lá iam os homens de Alexandre, praticamente matando seus cavalos de exaustão enquanto tentavam abater todos os homens do campo de batalha e capturar um rei em fuga.
De onde vem essa estranha idéia ocidental de batalha decisiva? De onde surgiu a idéia de que os homens deviam confrontar seus inimigos face a face, em uma colisão diurna de exércitos, sem astúcias ou emboscadas, com a clara intenção de destruir inteiramente o exército na planície ou morrer de forma honrada tentando fazê-lo? A batalha decisiva desenvolveu-se na Grécia do início do século VIII e não era encontrada antes ou em outro lugar. Os primeiros grandes confrontos entre exércitos egípcios e médio-orientais do segun-
do milênio a.C. não eram colisões de soldados de infantaria portando armas pesadas, mas sim amplas batalhas de manobras entre cavaleiros, condutores de carruagens e arqueiros. As circunstâncias do nascimento da batalha decisiva — guerras entre cidadãos pequenos proprietários, que votav am e depois
travavam suas próprias batalhas — explicam essa letalidade aterrorizante. S6 homens livres que votassem e gozassem de liberdade estariam dispos tos à aguentar tão terríveis colisões de infantaria, já que só o choque representava 136
Victor
Davis
Hanson
um método econômico de batalha que permitia aos conflitos serem breves, certeiros — e, ocasionalmente, mortais.
Nos séculos VII e Vl a.C., se uma pequena comunidade grega fosse auto-suficiente e governada pelos proprietários privados das terras ao seu redor, então a
guerra de hoplitas, muito mais do que as fortificações ou os postos de guarnição, fazia total sentido: reunir o maior e mais bem armado grupo de fazendeiros para
proteger as terras da maneira mais rápida, barata e decisiva possível. Era muito mais fácil e econômico para os fazendeiros defender suas terras em suas próprias terras do que cobrar impostos e contratar terceiros que não possuíssem terras para vigiar passagens — que, na montanhosa Grécia, eram tão onipresentes que invasores espertos seriam capazes de evitá-las de qualquer
maneira. Saques, tocaias e pilhagens ainda eram comuns — mas a escolha da resposta militar para ganhar ou proteger território era uma questão cívica,
uma questão que só podia ser votada pelos próprios infantes livres e proprietários de terras. Desse modo, outras maneiras de resolver conflitos pareciam longas, custosas e muitas vezes não decisivas.
À guerra de hoplitas por colisão de choque nos pequenos vales da Grécia antiga marca o verdadeiro início da guerra ocidental, uma idéia formal à qual se atrelavam implicações legais, éticas e políticas. Quase todas as guerras de
um dia entre pequenos proprietários impacientes dos séculos VIl e VI a.C. eram confrontos de infantaria por causa de terras, geralmente por causa de
faixas fronteiriças dotadas de prestígio agrário mais do que de uma valorizada fertilidade. Normalmente, o exército de uma cidade-estado, de uma Argos,
Tebas ou Esparta, confrontava seu adversário durante o dia em uma formação em colunas formal — a palavra “falange” significa fileiras ou pilhas de homens — segundo uma segiiência de eventos preestabelecida, que permitia à batalha ser brutal, mas não necessariamente tão mortal.
A partir daí surgiu todo um vocabulário para descrever os terríveis momentos da luta que é onipresente na literatura grega, refletindo a centralidade da batalha de choque na cultura grega de um modo mais evidente do que todos
137
Por que o Octdente venceu
os outros métodos de luta em outros lugares. Os embates de hoplitas em si
eram conhecidos como “formações” (parataxeis), “batalhas por acordo” (machai
ex homologou), “batalhas na planície” (machai en to pediõ) ou batalhas que
eram “justas e abertas” (machai ek tou dikaiaou kai phanerou). As estações e áreas do campo de batalha — as fileiras da frente (prôtostatai ou promachoi), a terra
de ninguém (metaixmion), o embate corpo a corpo (sustadon) — eram cuida. dosamente delimitadas. Estágios definidos — a primeira investida (droma),
o confronto e a quebra da linha (pararrêxis), os golpes de lanças (doratismos), o embate corporal (en chersi), empurrões (othismos), cercos (kuklosis) e expulsões (egklima ou trophe) — também eram formalmente reconhecidos. Essa nome n-
clatura sugere que a mecânica da batalha hoplita em si entrou para a cultura
popular de um modo que não acontecera com a guerra de cavalaria ou de infantaria leve. Os gregos da cidade-estado reconheciam que a guerra terrestre decisiva da sua época era diferente das práticas anteriores. Por exemplo, o historiador Tucídides começa sua história reconhecendo que os gregos primitivos não lutavam como os de sua própria época, e apresenta uma descrição da
ligação íntima entre as sociedades agrárias e a guerra terrestre. Segundo a descrição de Tucídides, o capital, as populações agrárias no continente e as
colheitas permanentes levaram à predominância da guerra terrestre decisi-
va. Aristóteles identificou de forma bem mais concreta a evolução da guer-
ra grega, e também deu grande ênfase ao surgimento posterior da batalha de infantaria em geral e dos infantes hoplitas em particular. Segundo ele, Os primeiros estados gregos que se desenvolveram depois das monarquias
eram principalmente comandados por cavaleiros aristocratas. Assim, sua guerra era uma guerra de cavalaria, uma vez que os hoplitas ainda não eram soldados
eficientes, não possuíam nem a “formação ordenada” nem a “experiência € conhecimento da movimentação de soldados”. Mais tarde, os hoplitas tornaram-se mais fortes, o que levou a uma transformação social e à ascensão dos
governos constitucionais (Politics [Política] 4.1297b16-24). 138
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Aristóteles indica que a guerra grega primitiva antes era travada por soldados montados, mas que, no surgimento da cidade-estado, evoluiu para batalhas entre infantes com armas pesadas. A ascensão desses soldados, e
presumivelmente a maneira como lutavam, deu aos hoplitas a proeminência política em suas pólis, levando à propagação dos governos constitucio-
nais. Enquanto as colisões em massa faziam parte da guerra mediterrânea em qualquer época e em qualquer lugar, na Grécia elas se tornaram o do-
mínio exclusivo de infantes pesadamente armados, que lutavam em colunas e
fileiras, atacavam e colidiam em um estilo realmente de choque. Além disso, a milícia dos gregos da pólis estava subordinada a um conjunto geral de protocolos com implicações políticas e culturais que ultrapassavam o campo de batalha: batalhas convencionais podiam decidir guerras inteiras, mesmo quando o potencial bélico do perdedor
não fosse exaurido
pela derrota.
Como vimos, Felipe pôs um fim definitivo à batalha hoplita como
uma resolução arbitrária do conflito em si. Ao fazer isso, ele tomou a
descoberta
grega
da batalha
de
choque de infantaria e aplicou-a a um conceito ocidental novo de guerra total. No surgimento da cidade-estado livre e na sombra de Felipe II, o orador Demóstenes, em
seu Terceiro filípico (48-52), composto em torno de 341 a.C., lamentava o quanto
a batalha
decisiva se
havia transformado em algo aterrorizante: “Enquanto todas as artes
Busto de Aristóteles, filósofo grego e discípulo de Platão.
Idennificou a evolução da guerra grega, dando importância ao surgimento posterior da batalha de mfantaria e em particular dos infantes hoplitas. z
E
fizeram grandes progressos, e n;
da é igual ao que era no Passado, acredito que nada foi mais alterado e melhorado do que as questões
relativas à guerra.” Ele Prossegue lembrando a seu público que, no
passado, “os lacedemônios, como todos os outros, costumavam passar quatro ou cinco meses —.
a estação estival — invadindo e destruindo o território do inimi.
go com hoplitas e exércitos cívicos, antes de partir de volta para casa.”
Finalmente,
Demóstenes
observa que os exércitos hoplitas estavam
tão “presos à tradição,
ou melhor,
eram tão bons cida-
dãos da pólis, que não usavam o dinheiro para buscar vantagens, mas sua guerra estava sujeita a regras € era travada em terreno aberto-.
Em contraste com essa tradição greco-macedônia em evolução,
Dario herdou um legado distinto, mas
muito
diferente,
um
legado
que remontava a Ciro, O Grande € ea
DR E
re
POTE
2
ed
Estátua de Demóstenes. Grande orador e excelente na
arte da retórica. Lamentava o quanto a batalha havia se
transformado em algo aterrorizante.
140
fora
enriquecido
pelo
combate
contra os pesados cavaleiros cita : ens e bactrianos, contra as carruas
egípcias
e contra
as populações
Victor
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tribais do leste e do norte montanhoso. O exército persa se apoiava na mobilidade, velocidade e astúcia, sendo assim especialmente forte em matéria de cavaleiros e arqueiros — e fraco em matéria de infantes pesados, como era condizente com um povo nômade das estepes, que não possuía tradições
agrárias de cidades-estado tampouco uma história de governo consensual.
O ethos guerreiro da Ásia não era o mesmo do pequeno proprietário fazen-
deiro. Nenhum meda, cita ou bactriano lotava a Assembléia, votava pela convocação, tirava sua armadura da parede, juntava-se a seu regimento local e, ao lado de seu “general”, marchava para enfrentar a falange inimiga em
uma colisão brutal — e depois voltava correndo para casa para defender suas próprias terras e conduzir uma auditoria pública do comportamento do exército e de seus generais durante a batalha.
Persas, medas, bactrianos, armênios, cilícios e lídios, que tinham um governo tribal ou estavam subordinados a um poder imperial, se apoiavam na superioridade numérica, nos bombardeios aéreos por soldados com armas de arremesso e arqueiros, e em grandes movimentos circulares de hordas de cavaleiros e carruagens para cercar o inimigo. Se um exército ocidental — os romanos tardios em Carrhae (53 a.C.) são um bom exemplo — fosse tolo o bastante para lutar nas vastas planícies da Ásia sem um apoio montado adequado, poderia muito bem ser cercado e suplantado por tais forças. Em
geral, a superioridade da infantaria ocidental e sua preferência pela batalha de choque significavam que, se o exército fosse conduzido adequadamente — por um Pausânias em Platéia (479 a.C.), por um César na Gália (59-50
a.C.) ou por um Alexandre em Gaugamela —, não havia força no mundo capaz de deter seu ataque. Os autocratas helenísticos que seguiam Alexandre, o Grande, haviam visto que suas falanges eram invencíveis diante das tropas asiáticas, e bastante adequadas umas contra as outras. Acabariam aprendendo que Roma trazia para cada batalha uma nova e arrogante belicosidade e burocracia de guerra, que eram os dividendos materiais e espirituais de uma Itália unifi-
Por que o Ocidente venceu
cada e politicamente estável e uma reencarnação da idéia do Mil itarismo cívico que ajudara os gregos a vencer em Salamina tanto tempo antes. Ag contrário das práticas de batalha helenísticas, a guerra decisiva Tomana
sempre era apresentada como uma necessidade legal (ius ad bellum), Uma investida supostamente defensiva imposta por beligerantes ao POVO rural
da Itália. Enquanto seus generais podem ter matado por laus e gloria, os pró. prios legionários republicanos sentiam-se confiantes de que lut avam para pre. servar as tradições de seus ancestrais (mos maiorum) e de acordo com os
decretos constitucionais de um governo eleito. Os exércitos romanos con. tinuaram a ganhar porque acrescentaram suas próprias novas con tribuições de regularização à guerra decisiva. Como veremos com o massacre incomp arável de Canas, o militarismo romano baseava-se em um con fronto em massa em batalhas frontais, e na aplicação de todo o mecanismo da ciênci a, da prática econômica e da estrutura política de inspiração helênica para explorar essa agressividade no campo de batalha de modo a aniquilar o inimigo em um só
dia se possível — ou ser praticamente destruído tentando fazê-lo. A guerra à moda grega não morreu com a ascensão e morte dos reinos helenísticos (323-31 a.C.) que se seguiram à divisão do império de Alexandre. Longe disso. Durante os dois milênios seguintes, na Europa, a batalha seria mais valorizada do que nunca por aqueles que não eram gregos, mas que haviam herdado seu dilema singularmente ocidental de ser capaz de fazer o que sabiam que às vezes não deviam fazer Durante algum tempo,
Alexandre, o Grande, criou um exército mortal ao separar a batalha decisi-
va do militarismo cívico; os romanos deram origem a forças armadas ainda mais mortais ao devolver a noção de batalha de choque à sua forma original de governo constitucional de um modo que ia muito além até mesmo
da imaginação helênica. Essa propensão ocidental para a batalha de choque também sobrevive u a Roma, nas longas guerras bizantinas de um século contra cav aleiros nômades e islâmicos, e nas mortíferas guerras internas entre os francos e depois 142
a
“ps
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Davis
Hanson
contra os muçulmanos. Os cavaleiros teutônicos da Idade Média adaptaram a idéia do combate face a face a ataques maciços de cavalaria pesada, que haviam sido muito úteis a suas forças em desvantagem numérica durante as Cruzadas no Oriente Médio. As falanges — exclusivamente euro-
péias — reapareceriam na Suíça, Alemanha, Espanha e Itália dos séculos
XIV e XV. Os pensadores abstratos do Renascimento buscaram aplicar antigas discussões sobre stratêgia (“generalato”) e taktika (a organização das tropas) para melhorar o atague dos piqueiros contemporâneos.
Pragma-
tistas tão diversos quanto Maquiavel, Justo Lípsio e Grotius também imaginavam tais exércitos a serviço constitucional do estado, dando-se conta de que infantes pesados recrutados entre os cidadãos livres pequenos proprietários eram os soldados de choque mais eficazes em uma colisão em massa. Esses pequenos exércitos da Europa central eram herdeiros da tra-
dição clássica de batalhas terrestres de choque. No século XVI, o Ocidente foi varrido por uma onda de batalhas de choque à medida que exércitos profissionais procuravam destruir a capacidade de resistência uns dos outros, de um modo ausente na China, na África ou nas Américas. Entre 1500
e 1900, ocorreram milhares de colisões de infantaria a mais dentro da Europa do que no resto do mundo.
Os astecas, que tentaram tirar Cortés e seus homens de seus cavalos de guerra e amarrar seus conquistadores como oferendas sacrificais na Grande
Pirâmide, tinham uma herança completamente diferente, uma herança que não via a batalha como uma ocasião de encontrar o inimigo e resolver a con-
tenda imediatamente por meio da destruição de sua capacidade de resistir. Pelo contrário, quando Cortés finalmente tomou a Cidade do México, avançou
destruindo
a cidade quarteirão por quarteirão,
preocupado
em
aniquilar os adversários astecas até que eles capitulassem ou deixassem de existir. Os zulus pensaram que, depois de sua única vitória em Isandhlwana,
Os britânicos recuariam, uma vez que haviam sido derrotados em batalha aberta.
Não lhes passava pela cabeça que a guerra ocidental significava uma série
Por que o Ocidente venceu
de batalhas desse tipo até que a força de vontade — ou a cultura sa adversário fosse eliminada. Os janízaros otomanos, que aprenderam e do
minaram a arte ocidental das armas de fogo, nunca adotaram a idéia oci. dental correspondente de combate como soldados de choque em colunas
disciplinadas, na qual o heroísmo individual era subordinado ao objetivo
maior de alcançar poder de fogo e colisão maciços, pois só isso seria capaz de obliterar o inimigo. Os marings na Nova Guiné, os maoris da Nova
Zelândia, os míticos heróis homéricos do passado grego pré-pólis e a maioria
dos outros povos tribais queriam que a guerra lhes trouxesse reconhecimento social, salvação religiosa ou status cultural — ou qualquer outra coisa que
não o desmembramento do inimigo no campo de batalha por meio do esforço coletivo do confronto de choque.
A idéia de batalha decisiva sobrevive no Ocidente. A idéia clássica de que um confronto frontal, de choque, é a única maneira de solucionar as guerras
explica em parte por que os americanos consideram honorável e eficaz bom. bardear os libaneses quando eles cometem um ato terrorista na Europa; ou fazer chover enormes projéteis de navios de guerra atracados na costa sobre aldeias palestinas de maneira aberta e “justa” quando um punhado de seus
residentes supostamente bombardeou de forma “covarde” marinheiros americanos que dormiam em seus alojamentos. Contanto que os ocidentais enfrentassem o inimigo em um confronto aberto de poder de fogo, a carnificina subsequente era vista como
relativamente imaterial:
terroristas que matassem
vergonhosamente algumas mulheres e crianças, ou estados que atacassem a bomba, de surpresa, uma frota ocidental em uma manhã de domingo, geral mente encontravam mortíferos exércitos mecanizados de retaliação em seu território e frotas de bombardeiros em seus céus à luz do dia.
Devido às tradições helênicas, nós do Ocidente chamamos as poucas baixas que sofremos devido ao terrorismo e à surpresa de “covardes”, e o número assustador de baixas que causamos com ataques abertos e diretos de “justo-
Para o ocidental, a verdadeira atrocidade não é o número de corpos, mas 3
144
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maneira como os soldados morreram e os protocolos segundo os quais foram mortos. Podemos compreender a insanidade de Verdun ou de Omaha Beach,
mas nunca poderemos aceitar a lógica de bem menos pessoas mortas em tocaias, atos de terrorismo ou devido à execução de prisioneiros e não-combatentes. Incinerar milhares de civis japoneses no dia 11 de março de 1945 é visto pelos
ocidentais como um ato menos medonho do que decapitar pilotos de B-29 capturados depois de saltarem de pára-quedas. Esse paradoxo será sempre verdadeiro? Entre os campos de batalha dos hoplitas da Antigiúidade clássica e a era atual existem as trincheiras da Primeira Guerra Mundial, os bombardeios maciços e os campos de concen-
tração da Segunda Guerra Mundial, e a ameaça apocalíptica da Terceira Guerra Mundial. O homem ocidental moderno se vê diante de uma espécie de dilema militar. Sua perícia em ataques frontais e batalhas decisivas — expandidos a teatros de combate acima da atmosfera terrestre e abaixo do mar — poderia pôr um fim a tudo aquilo que ele preza, apesar da nobreza de sua causa e da natureza moral de seu modo de guerrear. Nós no Ocidente podemos ter que lutar de maneiras não-ocidentais — em florestas, à noite, sorrateiramente, e como contraterroristas —
para combater
inimigos que não ousam nos enfrentar em batalhas de choque. Consequentemente, nem sempre poderemos recorrer inteiramente a nossas grandiosas tradições helênicas de tecnologia superior e à disciplina e ao fervor de nossos soldados cidadãos livres em batalhas de choque — a menos que estejamos diante de outro poder ocidental em uma colisão mortífera de exércitos semelhantes. Lembremos que Alexandre, o Grande, combateu principalmente não-gregos em batalhas curtas e decisivas nas quais pouco sofreu.
Quando encontrou outros ocidentais — seja na batalha frontal de Queronésia ou contra os mercenários gregos na Ásia Menor —, o resultado foi
uma assustadora carnificina. Deixo ao leitor o dilema da era moderna: o modo ocidental de lutar, que nos foi legado pelos gregos e melhorado por Alexandre, é tão destrutivo e 145
Por que o Ocidente venceu
tão letal que basicamente chegamos a um impasse. Poucos nã O-Ocide Nt is desejam encontrar nossos exércitos em batalha. A única respos ta a ad qu ada diante de um exército ocidental parece ser reunir outro exército ocid al, O est ado da tecnologia e do armamento é tal que um conflito entr € Poddere
ocidentais teria o resultado oposto de sua i ntençãoã helênica sultado seria uma matança abjeta de ambos os lados, e não
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um glorioso método de salvar vidas e manter os confli tos limitad
hora de heroísmo entre infantarias armadas, Alexandre, o Grande
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ropeus | que o suce um deram procuraram usar todo o poder de sua cultura para destruir seus inimigos em um horrendo instan te de batalha de choqu Hoje, esse momento é o que nos assombra.
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Cidadãos
soldados
Canas, 2 de agosto de 216 a.C. Os membros da infantaria da pólis consideram uma desgraça fugir, e escolhem a
morte em vez da segurança pela fuga. Por outro lado, soldados contratados, que desde o início confiam na superioridade de sua força, fogem assim que descobrem que estão em menor número, temendo a morte mais do que a desonra.
Aristóteles, Nicomachean Ethics [Ética a Nicômaco] (3.1116b16-23)
Uma
carnificina
de verão
No final da tarde de 2 de agosto de 216 a.C., não havia mais lugar para lutar
e muito pouco lugar para morrer. Devido à pressão esmagadora de seus companheiros
exaustos, os legionários romanos
não podiam recuar, avançar ou
sequer encontrar muito espaço para manejar suas espadas. Ibérios frenéticos
vestindo túnicas brancas e gauleses seminus estavam à sua frente. Veteranos missionários africanos apareciam de repente pelos lados. De trás vinham gri-
tos avisando que os cavaleiros celtas, ibérios e númidas haviam posto fim a
qualquer esperança de fuga. Milhares de homens contratados por Aníbal — 147
4
ease
Por que o Ocidente venceu
um verdadeiro compêndio dos antigos inimigos tribais de Roma — estavam
por toda parte. Em lugar nenhum havia cavalaria e reforços romanos SUficien. tes. Uma enorme massa de setenta mil almas corajosas estava cercada em uma pequena planície no sudoeste da Itália por um exército com metade do seu tamanho, mal organizado, mas comandado de forma brilhante, A confusão e o terror só aumentavam à medida que o entardecer se aproxi. mava, à medida que cada romano avançava às cegas e era cercado pelo inimi. go por todos os lados. Espremido em filas de trinta e cinco homens ou mais, o
impressionantes — e isso nunca voltaria a acontecer. E foi só em um desastre
similar em Adrianópolis (378 d.C.), seis séculos mais tarde, que o exército romano se organizou de forma tão compacta e desajeitada, tornando-se um
alvo fácil para mísseis e impedindo que a grande maioria de seus soldados sequer alcançasse o inimigo.
A visão da massa lutando deve ter sido espetacular, tornando-se em seguida repulsiva. Ao contrário dos romanos, os homens de Aníbal eram um grupo de aparência heterogênea. No centro, os celtas e gauleses em retirada lutavam sem roupa até a cintura ( nus”, segundo Políbio), como era o seu costume, pro vavelmente armados apenas com pesados escudos de madeira e espadas desajeitadas, praticamente sem ponta, e que só eram eficazes em golpes amplos,
longos, que deixavam o atacante vulnerável a estocadas rápidas vindas de baixo. Alguns poucos podem ter tido dardos ou lanças. Seus corpos brancos e mus culosos e seu tamanho avantajado eram tópicos muito apreciados pelos histo* riadores romanos, rápidos em concluir que os legionários italianos bronzeados; mais baixos, usavam o treinamento, a ordem e a disciplina para massacra f essas tribos aos milhares. Durante os dois séculos seguintes, comandantes como Caio Mário e César dizimariam ex ércitos inteiros compostos justamente 148
—— — -— — — —
ralado em uma coluna imóvel, de modo pouco habitual. Nunca antes os ho. mens de Roma haviam marchado para uma batalha na Itália em números tão
-
truição. Um maravilhoso exército concebido para ser fluido e flexível foi encur-
==
enorme tamanho da massa desajeitada começou por si só a garantir sua des.
Estátua de Júlio César.
Símbolo da glória, do
prestígio e do poder da Roma antiga, se
transformando em título hemorífico dos
149
ha
imperadrres romanos.
pm a
Por que o € Jerdente venceu
por esses guerreiros corajosos e fisicamente superiores. Quando Pensamos em massacres franceses, pensamos em Agincourt ou em Verdun, mas o verdade;. ro holocausto ocorreu em batalhas em sua maioria desconhecidas durante q
confronto de dois anos com os romanos, que mataram mais gauleses do que
em qualquer período anterior ou posterior. O aço romano, e não a doen ça ou a fome, foi o que condenou uma antiga França autônoma, cujos homens foram
sistematicamente exterminados em batalhas como nenhum outro povo jamais o seria em toda a história do domínio colonial ocidental. A anexação definiti. va da Gália por César fez as lutas fronteiriças americanas do século XIX parecerem brincadeira de criança — segundo os registros de Plu tarco , um milhão de mortos e um milhão de escravizados só nas últimas décadas da brutal conquista de dois séculos. Aníbal pode ter colocado esses corajosos gauleses no centro para provocar
a fúria dos romanos e, assim, fazê-los serem ainda mais cerc ados. Lívio observa que os gauleses eram os homens mais aterrorizantes de se ver de todas as
tropas de Aníbal. No mundo clássico, o estereótipo da selvageria inteiram ente não civilizada era pele branca, longos cabelos louros — ou pior, ruivos — oleosos e uma barba comprida e malcuidada. Quatro mil deles foram cortados em pedacinhos pelos metódicos italianos. Ao seu lado, na confusão, marcha-
vam espanhóis contratados — vistosos infantes com capacetes de ferro, pesados dardos e deslumbrantes túnicas brancas com bordas carmesins que, assim
como a nudez de seus pálidos aliados gálicos, logo serviriam apenas de orna-
mento para o banho de sangue. Ao contrário dos gauleses, os espanhóis também
manejavam uma espada curta de dois cortes — copiada e melhorada pelos romanos no gládio —, letal como arma de corte e de perfuração. Postados ao lado dos gauleses, eles foram derrubados sem piedade — embora Políbio diga que centenas, e não milhares, desses guerreiros mais bem arma dos e protegidos tenham morrido.
Na frente da massa romana que vinha chegando, a luta logo se degenerou, tornando-se um combate de espadas, com ho mens se empurrando, mordendo e =>:
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150
Victor
Davis
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arranhando. Apenas a retirada fingida contínua dos gauleses e espanhóis e o progressivo cerco pelos lados salvaram esses contingentes tribais sacrificais do completo aniquilamento. Tanto Lívio quanto Políbio se concentram na ruína
das legiões romanas cercadas, mas mais de cinco mil espanhóis e gauleses de-
vem ter sofrido terríveis ferimentos antes de serem pisoteados até a morte pelo rolo compressor legionário. Não ficamos sabendo como Aníbal e seu irmão Mago sobreviveram à matança, mas ambos permaneceram corajosamente entre as primeiras fileiras gálicas e espanholas, para garantir que seus companheiros batendo em retirada não se rendessem antes de a armadilha ser armada.
Os melhores homens de Aníbal eram os mercenários posicionados nos flancos e a quem ele ordenara que se virassem e atacassem os legionários que passavam, golpeando a esmo em sua sede de sangue. Eram temíveis soldados profissionais que haviam combatido uma série de tribos africanas, lutado com
os europeus durante sua marcha Espanha afora e ocasionalmente atacado seus próprios chefes cartagineses quando a paga não era satisfatória. Séculos
mais tarde, sua lendária agressividade impressionou o romancista Gustave Flaubert, cujo romance Salammbô tem como cenário uma de suas numerosas revoltas. Em Canas, eles provavelmente atacaram primeiro as fileiras romanas externas com dardos e depois abriram caminho pelos flancos romanos, já que os legionários mal podiam se virar de lado enquanto avançavam para enfren-
tar essa ameaça nova e inesperada.
Embora não estivessem acostumados com o equipamento romano — os africanos combatiam com mais fregiiência no estilo macedônio, como falangistas, com piques seguros pelas duas mãos —, eram veteranos assassinos, e mui-
to mais experientes do que os adolescentes que enchiam as fileiras romanas, enfraquecidos pelos milhares de mortos anteriormente em Trébia e no lago Irasimeno. Além disso, os pesados infantes africanos nos flancos estavam estacionários e descansados, enquanto os romanos que avançavam estavam
exaustos devido à matança e à pressão sobre os gauleses e espanhóis. Os pri-
meiros observavam sua presa com atenção, e os últimos não se davam conta
Por que o Ocidente venceu
do perigo. Em segundos, os assassinos transformaram-se nos assassinados, e « um milagre que mesmo mil africanos tenham sucumbido durante toda à tarde
— apenas um para cada cinquenta romanos. À colisão da infantaria africana com os flancos romanos deve ter sido horrenda, com densas colunas de le. gionários em movimento sendo subitamente cortadas e despedaçadas pelos seus lados vulneráveis, sem oportunidade nem espaço para parar e encarar os atacantes. Os infantes romanos eram muito bem protegidos pela frente, e ade.
quadamente por trás; mas seus lados ficavam relativamente desguarnecidos
— os braços expostos por trás dos escudos, menos armadura no corpo abaixo do ombro, e orelhas, pescoço e partes do lado da cabeça sem proteção.
Quem seria capaz de distinguir aliados de inimigos, enquanto africanos e italianos cortavam-se uns aos outros vestindo peitorais parecidos, capacetes com
cristas e carregando escudos oblongos romanos? Políbio alegava que, quando os africanos atingiram o amplo flanco romano, a ordem se perdeu de vez e a massa se abriu definitivamente. Os flancos traseiros e a base da coluna romana ainda não estavam cercados, e ali outra grande falha do exército romano tornou-se aparente: além de seu comando ruim, havia muito poucos cavaleiros. À maioria das tropas montadas ali presente era muito inferior aos cerca de dois mil homens da cavalaria leve númida no flanco direito, homens que
montavam desde a infância, capazes de lançar dardos de cima de cavalos a galope com uma acurácia mortal e de manusear espadas e machados de batalha
à queima-roupa com tanta facilidade montados quanto se estivessem a pé. Na
ala esquerda cartaginense, uma horda de oito mil cavaleiros espanhóis e gáli
cos — com lanças, espadas e pesados escudos de madeira — também destro-
cava a cavalaria romana. Aníbal reunira dez mil cavaleiros experientes em duas alas contra seis mil italianos com pouco treinamento. Depois de repelir
a cavalaria inimiga, os cavaleiros númidas e europeus viraram-se para ani quilar a infantaria compacta pela retaguarda.
A presença de cerca de dez mil cavaleiros descansados na base da coluna
romana e de vinte mil africanos nos flancos, com a poeira nos rostos dos 10º 152
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manos, os gritos dos gauleses e espanhóis mortos e a própria dificuldade de distinguir aliados de inimigos, transformou a pequena batalha estival em um abatedouro confuso. Três horas antes, o exército romano se pusera em marcha como uma assustadora massa de ferro, bronze e madeira, fileiras e mais fileiras
de capacetes com cristas, grandes escudos e dardos mortais em uma solene procissão de evidente orgulho contra os mercenários de Aníbal, heterogêneos e em menor número. Agora, pouco restava deles a não ser uma pilha de armas
quebradas, corpos sangrando, membros arrancados e milhares de homens semimortos rastejando pelo chão.
O terror da batalha não parece ser a simples matança de homens, mas sim a terrível metamorfose que transforma em minutos, em escala maciça, carne
em polpa, o limpo em sujo, o homem corajoso em um homem que chora e defeca. Do mesmo
modo que os quatro lindos porta-aviões do almirante Nagumo em Midway haviam sido uma demonstração de poder, graça e energia invicta às dez horas e
vinte e dois minutos da manhã
do dia 4 de junho de 1942, e seis minutos mais tarde eram infernos
em chamas feitos de corpos carbonizados e aço derretido, os milhares de guerreiros emplumados em perfeita ordem foram transformados quase instantaneamente de algo majestoso, quase um organismo vivo, em uma gigantesca
Couraça romana utilizada nas campanhas na Gália.
Por que o Ocidente venceu
confusão sem vida de sangue, entranhas, bronze amassado, ferro retorcido e ma de sa semana s de result ado o eram que materia e l Homen s deira partida. mento e de meses nas fundições foram reduzidos em poucos minutos à destroç x
e restos graças à inteligência de um único homem. Um comando brilhan te Por
si só é algo assustador — a simples idéia de que os processos mentais de um único cérebro, o de Aníbal ou o de Scipião, possam funcionar para destruir mi. lhares de jovens em uma única tarde.
Durante os 2.000 anos seguintes, táticos civis debateriam a mecânica do
massacre de Canas — seduzidos pela idéia de que um invasor numericament e inferior pudesse exterminar o inimigo em algumas horas simplesmente cer. cando-o. Tanto Clausewitz (“A atividade concêntrica contra o inimigo nãoé apropriada para o lado mais fraco”) quanto Napoleão consideravam a armadilha de Aníbal arriscada demais, e resultado mais de sorte do que de inteligência. Para o estrategista prussiano conde Alfred von Schlieffen, Canas não
foi a carnificina aleatória de milhares de homens, mas sim o sonho realiza do de um tático, “lindamente executado” e planejado até os mínimos detalhes — a essência do que a erudição militar combinada com o espírito de batalha pode
realizar. Schlieffen, que em sua época previu uma Alemanha sitiada por inimigos mais numerosos, considerava reconfortante que o intelecto de um só indi-
víduo pudesse anular o treinamento, a experiência e a simples superioridade
numérica de milhares de homens. De fato, Schlieffen escreveria um livro inteiro, devidamente intitulado Canas, sobre as tentativas repetidas e corajosas do exército prussiano de conseguir fazer um cerco como o de Aníbal em grande escala. À grande invasão alemã que terminou no rio Marne (setembro
de 1914) e na batalha de Tannenberg (agosto de 1914) foram esforços para encurralar e cercar exércitos inteiros, evocando assim a idéia mítica de Canas — sem uma verdadeira consciência de que o cerco tático, antigo e moderno, não levava necessariamente a uma vitória estratégica. No entanto, é raro para qualquer grande capitão encontrar um exército posicionado de forma tão ab-
surda quanto as legiões em agosto de 216 a.C . Os romanos, que poderiam ter 154
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cercado a fileira numericamente inferior de Aníbal por três quilômetros, apresentaram em vez disso uma frente que tinha praticamente a mesma largura —
sendo, assim, muito menos flexível. Muitos feridos haviam sido mutilados por pequenos bandos de saqueadores, € seus corpos que se contorciam foram deixados para trás para serem mortos por ladrões, pelo sol de agosto ou pelas tropas de limpeza cartaginesas na manhã seguinte. Dois séculos mais tarde, Lívio escreveu que milhares de ro-
manos, ainda vivos na manhã do dia 3 de agosto, foram despertados do sono e da agonia pelo frio da manhã,
apenas para serem “rapidamente mortos”
pelos saqueadores de Aníbal. Corpos romanos “foram descobertos com as cabeças enterradas no chão. Aparentemente, haviam cavado buracos do tamanho de suas cabeças e depois, pressionando a boca contra a terra, sufocando a si mesmos”
(22.51). Alguns milhares rastejavam pelo lugar como insetos
aleijados, expondo suas gargantas e suplicando para que os matassem e pusessem
fim a seu sofrimento. Lívio prossegue registrando exemplos de extraordinária coragem romana identificáveis apenas pela autópsia do campo de batalha: um númida que havia sido tirado vivo da pilha de mortos junto a um legionário
romano morto, com as orelhas e o nariz arrancados a dentadas pelo furioso infante romano a quem só restara o uso dos dentes. Parecia que os italianos lutavam desesperadamente mesmo quando sabiam que a vitória era impossível — uma descoberta que deve ter ficado evidente para a maioria deles depois dos primeiros minutos de batalha. À destruição em uma única tarde de cerca de cinquenta mil italianos que caíram na armadilha — mais de duzentos homens provavelmente morriam ou
eram feridos a cada minuto — era por si só um grande desafio físico de cortar vários homens com o poder dos músculos e do ferro em uma época em que não havia balas nem gases venenosos. Lívio (22.49) observa que os legionários “se recusavam a se mover” e enfatiza sua disposição para “morrer onde estavam”, que só fazia ainda mais “enraivecer o inimigo”. Deve ter havido pelo menos cento e treze mil litros de sangue derramados só no campo de batalha; 155
mesmo três séculos depois, o satirista Juvenal descreveu Canas como acéi dos “rios de sangue derramado”. O mar “ficou vermelho em Lepanto” com, sangue de trinta mil turcos massacrados, mas a maré limpou o lugar em minu. tos. À horrível carnificina de cingienta a cem mil homens na fase final do
cerco a Tenochtitlán aconteceu ao lado de um lago, cujas águas acabaram por atenuar o mau cheiro. Devido à profundidade das colunas romanas e às tá. cas de cerco de Aníbal, Canas virou um campo de batalha particularmente
pequeno, um dos menores campos de matança a ter abrigado um número tão
grande de homens em toda a história das batalhas de infantaria. Durante 0
resto do verão de 216 a.C., a planície de Canas conservou o mau cheiro das
entranhas em decomposição e da carne e do sangue pútridos. Segundo nossas fontes escritas — os historiadores gregos e romanos Apião,
Plutarco, Políbio e Lívio —, sabemos que o final da tarde do dia 2 de agosto
foi uma das poucas batalhas antigas nas quais um exército inteiro foi destruído depois de atacar o inimigo de frente. Em geral, o total extermínio de hoplitas, falangistas e legionários era raro e só podia ser obtido por ataques pelos lados, por uma longa perseguição de cavalaria ou por uma tocaia. Em Canas, todo o
exército romano avançava de frente como uma só unidade, ao mesmo tempo, em terreno desobstruído, garantindo uma magnífica colisão de armas que levaria quer a uma vitória espetacular quer a uma horrenda derrota. Políbio chamou o cerco à luz do dia em Canas de “assassinato”. Lívio também o com siderou uma matança, não uma batalha, e a má fama do combate explica por que Canas é uma das batalhas mais bem documentadas do mundo antigo — três relatos detalhados sobreviveram.
Nunca, durante os cinco séculos de história romana, tantos infantes e seus
líderes eleitos foram encurralados no campo de batalha sem certeza de poder escapar. Depois da batalha, Aníbal, de 38 anos, recolheria os anéis de ouro de
mais de oitenta cônsules, ex-cônsules, questores, tribunos e inúmeros membros
da classe equestre em um recipiente com capacidade para trinta e cinco litros:
NM
Historiadores militares elogiaram a inteligê ncia de Aníbal e puseram a culpa RA
AN
Por que o Ocidente venceu
156
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pela catástrofe romana no sistema burocrático romano de eleger e treinar seus
generais. Para eles, Canas é o resultado do embate entre uma inteligência tática singular e a mediocridade institucionalizada. Essa análise está longe de ser uma meia-verdade: se o sistema romano de liderança tática, com seu compro-
metimento com a supervisão civil e com o alto comando não-profissíonal no campo de batalha, era responsável por produzir uma sucessão de generais amadores que perderiam uma sequência de batalhas durante a Segunda Guerra Púnica (219-202 a.C.), ele também merece crédito por assegurar que Canas e os desastres anteriores nos rios Ticino e Trébia e no lago Trasimeno não tenham sido fatais para o esforço de guerra romano. Como tantas outras dessas batalhas marcantes, Canas é a exceção que confirma a regra: mesmo quan-
do os exércitos romanos eram mal comandados, estupidamente organizados, mesmo quando brigavam antes da batalha por causa do posicionamento ade-
quado, e mesmo quando enfrentavam uma inteligência superior, o desfecho catastrófico não era fatal para sua participação na guerra. À razão para essa espetacular resistência romana — um emblema dos exércitos ocidentais ao
longo da história — é o assunto deste capítulo.
As mandíbulas
de Aníbal
A derrota de agosto de 216 a.C. é geralmente atribuída a três fatores: os romanos estavam malcomandados e malorganizados; enfrentavam uma inteligência militar superior, Aníbal; e estavam desmoralizados por uma série de três derrotas nos vinte e quatro meses anteriores, que haviam custado mi-
lhares de seus pais, filhos e irmãos. Todas essas três explicações têm seu mérito.
O plano de batalha romano em Canas foi malpensado. Não fazia sentido para as legiões se aglomerarem em um terreno exíguo e plano, onde poderiam ser encurraladas e esmagadas entre duas frentes de infantaria inimiga agindo como tenazes e soldados montados movimentando-se rapidamente pela retaguarda.
157
“4
Nesses vales e desfiladeiros naturais ou feitos pelo homem, as companhias de
Por que o Ocidente venceu
infantaria não tinham chance de evoluir de forma independente, Mas est; vam sujeitas à aglomeração e podiam, assim, ser atacadas por todos os lados
Sem espaço para manobrar pelos lados, legionários individuais perdiam cg aberto e a capacidade fundamental de usar as espadas adequadamente. Como
falangistas em desvantagem — que usavam piques maciços, e não Pequenas espadas —, eles seriam obrigados a se afunilar em direção às colunas dos
espadachins e lanceiros pesadamente armados de Aníbal. Dúzias de colunas de legionários esperavam enfileirados atrás deles, incapazes de evitar sua
própria previsível aniquilação que estava por vir. O exército romano entraria no século seguinte esmagando colunas nas batalhas de Cinoscéfalas, Magnésia e Pidna, cercando e manobrando por fora falanges gregas bem mais desajeitadas.
Eles aprenderiam que o modo de derrotar os exércitos estrangeiros do Mediter. râneo era lutar de maneira oposta à de seu ataque em Canas. Devido à sucessão ininterrupta de sucessos de Aníbal durante sua descida
pela Itália do norte (218-216 a.C.), o Senado tirara o comando das legiões de
seu brilhante general Fabius Maximus — a quem eram dados poderes ditatoriais pro tempore no campo de batalha — e o devolvera a seus cônsules eleitos anualmente que, no ano de 216 a.C., eram o aristocrático e cuidadoso L. Emílio Paulo e o mais aventuroso Terêncio Varrão, este último supostamente um líder popular das massas. Estudiosos criticaram a decisão de Varrão de fazer
o exército cruzar o rio Áufido na manhã do dia 2 de agosto para chegar ao
terreno plano e sem árvores de Canas (o comando era exercido alternadamente pelos dois cônsules a cada dois dias). Na verdade, o general romano tinha razões para iniciar a batalha, já que as patrulhas montadas de Aníbal es tavam atacando suas fileiras, devastando o campo em volta e fazendo com
que fosse ainda mais difícil providenciar víveres para uma força tão grande.
O espectro de um exército tão enorme deu a seus homens a confiança de que poderiam pelo menos capturar Aníbal em uma planície aberta. Sua superioridade numérica e sua organização poderiam aniquilar seus mercenários, que não teriam chance de fazer uma tocaia ou se abrigar na esc uridão ou na neblina. 158
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Davis
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Um ano antes, O peso romano quase esmagara os cartagineses no lago Trasimeno antes de ser encurralado e flanqueado em meio à bruma. Em Canas, a planície era relativamente plana, o clima ventoso, mas razoavelmente bom, e os cartagineses pareciam estar posicionados apenas na frente das legiões, tor-
nando a possibilidade de embuste pouco provável. O verdadeiro erro de Varrão foi engajar a maioria de suas forças de uma só vez — apenas dez mil romanos ficaram de reserva, longe do campo de batalha, em dois acampamentos nas margens do rio —, sem manter uma terceira linha
pronta para explorar o sucesso ou evitar o colapso. Em todo caso, quer Varrão tenha se preocupado com a qualidade de seus novos recrutas substitutos, quer tenha desejado garantir que seu exército não fosse muito longe, ele reduziu sua linha de batalha para cerca de um quilômetro e meio. De um exército de
setenta a oitenta mil homens, não mais do que dois mil eram capazes de atacar o inimigo de frente na primeira investida. A profundidade da massa romana em alguns lugares da longa linha era bem superior a trinta e cinco homens, e podia chegar a cinquenta — a formação mais profunda na história da guerra clássica desde que a grande massa do exército tebano aniquilara os espartanos em Leuctras (371 a.C.). No entanto, nessa batalha anterior, a coluna tebana
tinha diante de si uma cavalaria pequena e um rei tímido, e era comandada pelo talentoso tático Epaminondas.
Pode ter havido apenas quarenta mil infantes cartagineses enfrentando um exército de quase o dobro desse tamanho. Certamente, a maioria dos ou-
tros inimigos que enfrentassem uma força assim tão grande teria sucumbido diante do ataque furioso dos legionários. A diferença, em grande parte, deveuse ao gênio tático de Aníbal, que adaptou seus planos de batalha justamente
para facilitar a impaciência da tática romana. Como vimos, Aníbal e seu ir-
mão Mago postaram-se com os menos confiáveis gauleses e espanhóis bem no clímax do ataque romano, convencidos de que sua presença poderia sustentar suas tropas pouco confiáveis durante tempo suficiente para conduzir uma
retirada gradual, um recuo lento, de modo a absorver o peso romano que 159
Fi
Por que o Ocidente venceu
avançava. O centro púnico estava virado na direção dos romanos —. Políbio
chamou essa curiosa formação de mênoeides kurtôma, uma “COnve xidade a forma de lua crescente” — tanto para esconder um pouco os piqueiros africa, nos nas alas quanto para dar a impressão de que a fileira era mais Profunda do
que realmente era. Esse formato permitia uma margem de recuo: quanto mais
o centro pudesse recuar sem cair, mais fácil seria para as alas se aba terem sobre
as formações romanas.
A chave para Aníbal e seus aliados europeus era sobrevive r até que a infan. taria norte-africana nas alas — a elite do exército de Aní bal — e a cavalaria vinda pela retaguarda e pelos lados pudessem cercar a imensa massa legionária, diminuindo assim sua pressão para a frente antes que ela esmaga sse o centro do
exército púnico. Lívio observou em sua história de Roma que o centro púnico estava muito pouco espalhado para “agiientar a pressão” ( 22.47). O problema
era que não havia mais do que de dois a três mil legionários à frente da imensa
coluna realmente lutando com armas na mão; os outros, mais de setenta mil,
seguiam em frente, às cegas, supondo que a parte ofensiva de seu exército estivesse rompendo a linha do inimigo pela frente. Os menos treinados esta-
vam provavelmente nas laterais — e foram, assim, os primeiros a enfr entar
as mandíbulas que se fechavam da soberba infantaria africana de Aníbal Qualquer que seja a estimativa de nossas fontes antigas em relação aos gauleses
e espanhóis, eles lutaram com bravura e, em certo sentido, salvaram a batalha para os cartagineses.
Bem a tempo, os ataques dos cavaleiros africanos pelos lados e por trás, à
onipresente barreira de projéteis e a enorme confusão de ver inimigos vindo de todas as direções frearam o avanço romano. Aníbal, à luz do dia e sem pro
teção, criara uma armadilha graças unicamente à organização e manobra de seus homens — e fizera isso enquanto combatia o centro do ataque romano,
convencido de que sua presença física no turbilhão permitiria a seus ibéricos
e gauleses exaustos e em desvantagem numérica recuar sem cair. O cerco logo foi completado. Uma fina barreira de sold ados púnicos e europeus irregulares 160
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segurava uma investida maciça de infantaria romana. Se cada legionário houvesse matado um homem antes de morrer, a batalha teria sido uma vitória romana decisiva. Se eles soubessem de antemão que seus adversários só tinham duas ou três fileiras de profundidade, as legiões poderiam ter se separado. O vento, a poeira, O barulho e o pânico causado por rumores de que o inimigo
estava por toda a parte só faziam aumentar o caos. Devido às enormes perdas durante os dois anos anteriores em Trébia e Trasimeno, os romanos em Canas
eram recrutas recentes, sem muitos veteranos para acalmar seus temores e, assim, desmoralizaram-se imediatamente ao se darem conta de que, pela ter-
ceira vez, um enorme exército romano estava sendo levado para uma armadilha púnica da qual poucos deveriam escapar com vida. Muitos eram provavel-
mente adolescentes e, assim, devem ter jogado longe as armas com frenesi no mesmo segundo em que perceberam que estavam encurralados. O grande es-
trategista Ardent du Picq acreditava que Aníbal havia avaliado bem que o “terror” e a “surpresa”, resultados de seu cerco, superariam “a coragem do
desespero nas massas”. Em suma, o pânico matou os legionários em Canas.
Ainda assim, a proeminência de tantas personalidades importantes romanas no campo de batalha — assim como a presença de médicos, advogados e outras elites nos portões de Auschwitz — deve ter gerado um falso sentimento
de que a destruição total era impossível. O exército em Canas era maior do que a população civil de todas as cidades italianas, com exceção de Roma, e
tinha aristocratas em número suficiente para ter comandado a maioria dos órgãos legislativos e executivos da república italiana.
Aníbal Barca (“Graça do relâmpago de Baal”) tinha pouco respeito pela reputação dos legionários. Aos 9 anos de idade, fizera um juramento de ódio eterno a Roma — dramaticamente representado no magnífico quadro a óleo de Jacob Amigoni — e foi um dos poucos estrangeiros em toda a história do mundo
antigo que chegou realmente a desejar o ataque frontal contra exércitos ocidentais. O africano desejava quebrar as legiões romanas logo no campo de batalha,
como parte de seu plano maior de desacreditar toda a idéia da invencibilidade
Por que o Ocidente venceu
militar romana
e, assim, alienar
tematicamente os aliados
de
Roma
sis. d;
Itália central e do sul.
Legiões despedaçadas e desgraça da significavam uma Itália fraca e divid; da, que deixaria Cartago livre Para conduzir seus negócios mercantis ny oeste do Mediterrâneo como quisesse
e, ao mesmo tempo, vingaria a ver gonha da derrota da Primeira Guerra Púnica (264-241 aC.). Desde que
descera dos Alpes em outubro de 218 até o massacre de Canas no dia 2 de
agosto de 216 a.C., Aníbal havia matado ou capturado em batalha algo entre oitenta e cem mil legionários, junto com centenas de membros das classes senatoriais e de cavaleiros, in-
cluindo dois cônsules no comando de seus exércitos e numerosos ex-cônsuTanto os escultores quanto os autores clássicos eram fascinados por Aníbal Barca (acima).
Embora lhe fossem atribuídos todos os traços estereotipados dos inimigos não-ocidentais — perfídia, arrogância e
crueldade —, havia também uma relutante admiração por sua habilidade, coragem e tenacidade diante de uma causa perdida. É notável que todas as obra s de arte e literatura sobre Aníbal que chegaram
até nós — a maioria das quais transmite empatia e romantismo — venham da mesma cult ura que destruiu seu país, sua família e ele próprio.
Ai
na
Eni E o E
Saias
162
les nas fileiras. No espaço de vinte é quatro meses, um terço das tropas de frente romanas,
compostas
por mais
de um terço de um milhão de homes em idade militar, seria morta, ferida ou capturada nos banhos de sangué em Ticino, Trébia, Trasimeno e Canas. Assim, Canas não foi um acaso. Depois Canas,
do massacre romano em . a Aníbal não marchou pa!
Victor
Davis
Hanson
Roma — para grande desolação dos chefes militares, de seu subordinado contemporâneo Maharbal (*Você sabe vencer uma batalha, Aníbal, mas não sabe
usar sua vitória” [Lívio 22.51]) ao marechal-de-campo Bernard Montgomery. Durante os quatorze anos seguintes, Aníbal teria uma série de vitórias e der-
rotas alternadas dentro da Itália com pouco efeito estratégico no curso da Segunda Guerra Púnica, até ser chamado de volta a Cartago para salvar sua terra
natal da invasão de Scipião Africano. Não muito longe da própria Cartago, em Zama (202 a.C.), as legiões de Scipião derrotaram os veteranos de Aníbal, e Cartago se curvou diante de severas exigências romanas que praticamente
puseram fim à sua existência como poder militar no Mediterrâneo. A destruição final da cidade viria apenas meio século mais tarde (146 a.C.).
Aníbal, que deixara Cartago e fora para a Europa em 219, fizera incons-
cientemente uma odisséia inútil de cerca de vinte anos, um vasto percurso pelo Mediterrâneo, pela Espanha, pelos Alpes e pela Itália, que chegou ao fim milhares de mortos depois, onde tudo começara — e mais uma vez com um exército romano livre para invadir a própria Cartago. Como concluiu o historiador Políbio sobre a recuperação romana depois de Canas e seu efeito sobre os cartagineses: “O prazer de Aníbal com sua vitória na batalha não era tão grande quanto sua tristeza ao ver com assombro como os romanos eram firmes e como tinham o espírito aberto em suas deliberações” (6.58.13).
Cartago e o Ocidente O fato notável em relação a Canas não é milhares de romanos terem sido massacrados tão facilmente na batalha, mas sim terem sido massacrados com tão pouco efeito estratégico. Um ano depois da batalha, os romanos eram ca-
pazes de mobilizar legiões tão boas quanto aquelas que caíram em agosto — elas próprias substitutas frescas do milhares de homens mortos anteriormente em Irébia e Trasimeno —, mas que agora seriam chefiadas por comandantes escolhidos pelo Senado, que haviam aprendido as lições da imbecilidade táti-
Por que o Ocidente venceu
ca do passado. Os estudiosos atribuem essa resistência de Roma à notáy ele pacidade de seu governo de reorganizar suas legiões, mobilizar seus Cidadão; e fazê-lo de uma maneira legal e constitucional que garantia o apoio até
mesmo do mais reles fazendeiro. Na Itália, Aníbal aprenderia que o exército romano não era apenas mais bem equipado, mais bem organizado, mais disc.
plinado e mais corajoso do que suas forças mercenárias, mas também muito
mais insidioso. Podia ser clonado e replicado à vontade mesmo depois do mais
abjeto dos desastres, já que recrutas e seus oficiais ainda se alistavam volunta.
riamente no exército, passavam por um árduo curso de treinamento €, assim, tor. navam-se ligados a seus pais, que apodreciam no solo de Canas, e a seus futuros filhos, que logo matariam milhares de africanos às portas da própria Cartago.
A vitória trouxe poucos soldados novos para Aníbal, enquanto a derrota
criou novas legiões inteiras para Roma. Um legionário na casa dos 50 anos que
fosse cortado em pedaços em Canas sem dúvida morria acreditando que seu neto pequeno, cidadão romano como ele, algum dia vestiria o mesmo tipo de armadura, passaria por treinamentos semelhantes — e, em alguma batalha futura, vingaria sua morte e a desgraça de Roma na África, não na Itália. E estava certo. O exército que massacraria os mercenários de Aníbal em Zama (202 a.C.) re-
presentava menos de um décimo da infantaria disponível e do poderio humano de infantaria e naval de que Roma dispunha na época. Durante todo o pesadelo que foi a Segunda Guerra Púnica, os romanos, como observou Lf-
vio, não pronunciaram uma palavra de paz” (22.61). O sucesso de Aníbal em Canas se parecia com a surpresa japonesa em Pearl Harbor — uma brilhante vitória tática que não teve conseguências estratégicas, e cuja tendência foi
reanimar, em vez de debilitar, o poderio humano dos derrotados. As assem” bléias de romanos e americanos mobilizaram imensos novos exércitos depois de suas vergonhas; as forças confiantes dos estados imperiais de guerra de ateago e do Japão descansaram em seus sucessos de batalha e mal cresceram É difícil atribuir o sucesso de Roma no aproveitamento de tais perdas cata” tróficas apenas a sua idéia singular de uma forma constitucional de governo 164
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levando em conta que os próprios cartagineses também haviam evoluído tanto além da monarquia quanto da tirania. Devido a sua raiz helenística comum, há
alguma similaridade superficial entre as constituições de Cartago e de Roma. Além disso, a língua materna fenícia de Cartago fora o protótipo do alfabeto
grego, enquanto a literatura púnica — libri Punici —, escrita em púnico e em prego, era muito respeitada pelos escritores romanos. Essa semelhança era natu-
ral, dada a integração similar de Cartago durante o último século à economia helenística do Mediterrâneo oriental, sua prática sofisticada da viticultura e da arboricultura, e seus próprios três séculos anteriores de contato com as cídadesestado gregas por meio de guerras constantes e da colonização da Sicília.
A costa cartaginesa era mais próxima das culturas ancestrais helênicas na Sicília e no sul da Itália do que Roma. Nos séculos IV e Il, muitos gregos eram mais familiarizados com os norte-africanos do litoral do que com os italianos das colinas da Itália central. Apesar das sinistras histórias de sacrifício de crianças no solo funerário sagrado (o tophet) — uma prática que parecia tornar-se mais popular à medida que Cartago se tornava mais urbana e rica —,, da grande burocracia de sacerdotes e divindades do deus Ba'al sedento de sangue e do registro brutal da dinastia magônida (cujos reis eram padres e co-
mandantes supremos no campo de batalha), os exércitos cartagineses mobilizados não eram tão diferentes dos outros mercenários do Mediterrâneo oriental, predominantemente helênico. Assim como as monarquias helenísticas da época, Cartago recrutava falanges de piqueiros, incorporava elefantes a suas colunas e empregava táticos e generais profissionais gregos para treinar e aconselhar seus soldados pagos. Embora em
desvantagem numérica, os homens de Aníbal não eram da mesma espécie dos astecas ou dos zulus, que sofriam de uma grande inferioridade tecnológica contra seus inimigos ocidentais mais numerosos. No sentido militar, Cartago também se tornara um estado quase ocidental ao combater exércitos de hoplitas gregos e
contratar mercenários falangistas desde a época de suas invasões à Sicília, no início do século V. O mercenário espartano Xantipo fora chamado para reorganizar 165
Por que o Ocidente venceu
todo o exército cartaginês durante a Primeira Guerra Púnica. Nossas fon
Es
antigas também lhe atribuem a importante vitória sobre o exército oman O de Regulus, derrotado às portas de Cartago em 255 a.C. O historiador grego So Sylus
acompanhou Aníbal em suas campanhas e serviu como transmissor direto d d Ex. periência e do exemplo militar helênico. O próprio Aníbal procurava estreitar laços com o rei Felipe V na Macedônia, na esperança de que os falangistas do
continente grego pudessem desembarcar na costa oriental da Itália para coorde. nar ataques conjuntos dos púnicos e dos macedônios a Roma.
Embora seu governo fosse mais aristocrático do que a constitu ição romana, Cartago, na época da Segunda Guerra Púnica, também era governada por dois magistrados eleitos anualmente (suffetes), que trabalhavam junto com um corpo deliberativo de trinta anciãos (gerousia) e uma alta corte de cento quatro juízes, cujas decisões eram todas ratificadas por uma assembléia popular de alguns milhares de nobres. Os historiadores Políbio e Lívi o eram capazes de usar, mesmo que de modo desajeitado, a nomenclatura política greg a e latina — ekklesia, boule, senatus, consul — para se referir aos cargos e instituições
cartagineses em suas descrições dos supervisores civis de Aníbal. Até mesmo Aristóteles, em sua Politics [Política], faz menções fregientes às práticas constitucionais cartaginesas em uma discussão sobre formas anteriores de oligar-
quias legítimas, elogiando seu governo misto que separava os poderes entre
órgãos judiciais, executivos e legislativos. Cartago pode ter sido uma colônia fenícia fundada na África do Norte no final do século IX a.C. pelo mítico Elisa Dido. Em relação à linguage m, à religião e à cultura, tratava-se de um povo semita que emigrara de sua cida de natal de Tiro. No entanto, no século III a.C., a natureza de sua estrutura po lítica era praticamente ocidental, e sua economia estava intimamente ligada
à costa norte do Mediterrâneo ocidental.
À principal diferença entre Roma e seu vizinho púnico do sul — além das questões religiosas e lingúísticas — era a no ção de cidadania e as responsabili dades e direitos inerentes ao fato de ser um civis romanus, uma idéi a política Lg ER
a cm
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que ia muito além dos aspectos legais de um corpo deliberativo que meramente seguisse preceitos constitucionais. A noção ocidental primitiva de go-
verno consensual, surgida no século VIII a.C. na Grécia rural, estava desde o início repleta de contradições, já que a descoberta original da política significava pouco mais do que uma população minoritária de proprietários médios que se reunia para tomar decisões sobre política comunitária. O conceito radical de que os cidadãos deveriam forjar seu próprio governo criou um paradoxo imediato: quem seriam esses cidadãos, e por quê? Se a participação cívica nas cidades-estado gregas primitivas, em grande parte oligárquicas, marcou originalmente uma invenção revolucionária de con-
senso por parte dos governados, tais governos, no entanto, representavam muitas vezes menos de um quarto da população residente total. Entretanto, como lamentava Platão, havia na cidade-estado uma constante tendência evolu-
cionária para o igualitarismo e a inclusão. No século V, especialmente na Beócia
e em alguns estados do Peloponeso, a qualificação para o direito de voto e de ocupar cargos no governo era tão pequena quanto uma fazenda de quatro hec-
tares ou seu equivalente em dinheiro.
O resultado acabou sendo que, no século V a.C., a grande maioria dos homens adultos livres residentes no território vizinho podia ter total participação no governo helênico. Na Atenas imperial, e em seus satélites democráticos, todo homem livre nascido de um cidadão homem, independentemente da riqueza ou da linhagem, podia reivindicar a cidadania completa, dando
origem a uma enorme marinha de remadores que eram cidadãos livres. Mais
surpreendente ainda é que a disseminação da ideologia democrática ocidental estendeu-se muito além das questões formais de voto, emprestando uma aura igualitária a todos os aspectos da cidade-estado, da familiaridade no falar
e no vestir a uma semelhança de aparência e comportamento públicos — uma liberalidade em relação à vida privada que sobreviveria até mesmo em períodos de monarquia e autocracia no Ocidente tardio. Conservadores como o anônimo conhecido como Velho Oligarca (circa 440 a.C.) lamentavam que, em 167
Atenas, escravos e pobres fossem tratados da mes
forma que homens de substância. Platão pensay Ma à Que a evolução lógica da democracia não tinh à fim; todas as hierarquias baseadas no mérito desap dre. ceriam na medida em que mesmo os Marujos come.
çassem a se considerar capitães, com um direi, inato de pegar no timão quer tivessem algum conhecimento da arte de navegar ou não. Até os animais em Atenas, zombava ele, acabariam por questionar por que também não eram considera.
dos iguais aos olhos de uma ideologia cujo objeti. vo era rebaixar todos a um nível comum. Embora muitas dessas tradições helênicas de autonomia e liberdade tenham sido erodidas pela ascensão dos dinastas Felipe e Alexandre (359-323 a.C.) e de seus sucessores imperiais (323-31 a.C.) Busto de Platão, filósofo grego. Lamentava a tendência, existente na
PR
a
igualitarismo e para a inclusão,
no mundo helenístico, os ideais da cidade-esta-
do não foram inteiramente esquecidos, mas sim incorporados por estados fora da própria ii Os
italianos,
por
exemplo,
aprenderam
mais
colônias gregas do sul da Itália do que aos reis helenísticos contemporâneos do outro lado do Adriático. Assim, uma das grandes ironias dos conflitos greco-romanos dos séculos III e II a.C. foi que as legiões eram mais helêni
cas do que os mercenários de linguagem grega que elas massacraram dentro da Grécia nas batalhas de Cinoscéfalas (197 a.C.) e Pidna (168 a.C.).
Infelizmente, no que diz respeito ao recrutamento de poderio humano milita! de qualidade, Cartago, ao contrário de Roma, não passara da primeira fase do soverno consensual de inspiração helenística. Seu governo continuava nas mãos de um corpo seleto de aristocratas e execut ivos proprietários de terras, eles
aacs
168
E
sobre governo constitucional graças às antigas
Victor
Davis
Hanson
próprios escolhidos dentro desse mesmo grupo de elite. Cartago era um vasto império comandado por um pequeno grupo deliberativo de mercadores e comerciantes nobres. Por sua vez, Roma tomara emprestado e melhorara o ideal grego de governo cívico graças a sua singular idéia de nação (natio) e de seu corolário
resultante que permitia a autonomia dos aliados de língua latina, concedendo tanto a cidadania plena (optimo iure) quanto parcial (sine suffragio) aos residentes
de outras comunidades italianas — e, nos séculos posteriores, cidadania plena a todos aqueles, de qualquer raça e língua, que aceitassem as leis romanas e
pagassem impostos. O que no início, na própria Roma, vinha sendo nominalmente um governo de aristocratas que falavam latim evoluiria logicamente para
um estado pluralista, no qual as assembléias locais teriam peso contra o senado, e os líderes populares poderiam vetar a legislação oligárquica. Mesmo cônsules como Flamínio e Varrão — o primeiro, morto em Trasimeno, o segundo, em
grande parte responsável pela catástrofe em Canas — eram supostamente “homens do povo” representando o desejo dos pobres de uma ação militar imediata, por oposição a aristocratas como Fabius Maximus, que preferiam ter paciên-
cia e aguardar. Eles não tinham equivalentes populares em Cartago.
Legiões de Roma Não se esperava que o exército romano perdesse, especialmente quando mobilizado com força total em solo italiano, e muito menos que fosse aniquilado. Já
no final do século II a.C., os legionários romanos haviam se tornado a infantaria mais mortífera do mundo justamente por causa de sua mobilidade, de seu soberbo equipamento, de sua singular disciplina e de sua engenhosa organização. O rei e peneral epirota Pirro (280-275 a.C.), os comandantes cartagineses da
Primeira Guerra Púnica (264-241 a.C.) e as tribos do norte da Gália (222 a.C.) poderiam confirmar o massacre que ocorria quando suas melhores tropas tenta-
vam enfrentar o modo romano de guerrear. Os romanos haviam desenvolvido um método móvel e flexível de combater capaz de perseguir e penetrar entre as 169
%
N
Por que o Ocidente venceu
forças tribais pouco organizadas na Gália e na Espanha, mas também de tom
frontais q batalhas em disciplinad os muito colunas de falangistas orientais
cerco ou por manipulação de terreno. A história do terceiro e segundo md romanos é uma história de mobilização legionária sangrenta Mediterrâneo afora primeiro para o oeste e para o sul, contra os ibérios e africanos (270-200 aC,)
depois contra os reinos helenísticos na Grécia e para o leste (202-146 a.C).
Para mostrar a abrangência das campanhas romanas e a variedade de expe.
riências dos legionários, Lívio relata em sua história de Roma o exemplo citado
com frequência do cidadão soldado romano Spurius Ligustinus. Em sua carreira
de trinta e dois anos no exército (200-168 a.C.), esse soldado de 50 anos, pai de oito filhos, lutou contra a falange de Felipe V na Grécia, combateu na Espanha, voltou à Grécia para lutar contra Antiocos III e os etólicos, depois voltou ao
serviço na Itália e em seguida partiu de novo para a Espanha. “Por quatro vezes”, afirmava Spurius no relato altamente retórico de Lívio, “em pouco anos, fui cen-
turião-chefe. Fui condecorado por bravura trinta e quatro vezes por meus comandantes; recebi seis coroas cívicas [por salvar a vida de um companheiro)” (42.34). Spurius poderia ter acrescentado que colidira com os piques dos falangistas macedônios, enfrentara os elefantes dos dinastas helenísticos e travara
guerras sujas contra lutadores tribais pelos Pireneus. A inteligência romana consistia em encontrar um meio de pegar um fazendeiro italiano como Spurius e fazê-lo lutar melhor do que qualquer soldado mercenário do Mediterrâneo.
Composta por algo entre quatro e seis mil infantes, a legião, no final do século
HI a.C., era na verdade um conglomerado pouco coeso de trinta companhias
chamadas manoplas (“dedos”), cada uma formada por duas “centúrias menores de sessenta a cem soldados, cada uma comandada por um centurião profissional e aguerrido, que dominava o sistema romano de avanço e ataqué
em uníssono. Quando uma legião romana marchava para o campo de batalha suas sessenta centúrias se moviam em três linhas compridas, e cada onda eta
capaz de se juntar em uma massa ou de se dispersar em contingentes menores d ependendo do terreno e da natureza do inimigo. Todo o desenho tático do
Victor
Davis
Hanson
Escultura de legionários romanos.
exército romano era previsto justamente para não entrar em colisões desajei-
tadas e maciças com colunas hostis, onde ele poderia ser vítima de um cerco ou ser rompido pela profundidade maior das formações inimigas. Ão contrário da falange grega que lhe dera origem, os legionários romanos
avançavam em formação fluida, à medida que uma fileira organizada de soldados lançava seus dardos, ou pila, e corria ao encontro do inimigo com sua mortal espada curta, o infame gládio de dois cortes, forjado em aço espanhol —
uma arma muito mais letal e versátil do que o pique macedônio. Escudos retangulares muitas vezes serviam eles próprios como armas ofensivas, e os legionários golpeavam a carne do inimigo com suas superfícies de metal. Com
º uso combinado de dardo, escudo grande e espada de duplo corte, os romanos
Por que o Ocidente venceu
haviam resolvido o antigo dilema da escolha entre projéteis e ataque Corpo a corpo, e entre fluidez e choque, e combinado as vantagens de ambos. Os le: gionários que lançavam seus dardos eram tão ofensivos quanto as tropas pro.
jéteis asiáticas; no entanto, com seus grandes escudos protegendo o corpo e suas espadas afiadíssimas, podiam servir também
como
soldados de choque do
mesmo modo que os falangistas gregos. Ao contrário da falange, porém, as três linhas de avanço sucessivo permitiam tanto reservas quanto a concentração
de força em pontos particularmente fracos da linha inimiga. Contra uma falange macedônia, os ataques de projéteis romanos podiam atordoar e ferir piqueiros, ao mesmo tempo em que manoplas individuais corriam para a batalha corpo a corpo em pontos fracos das colunas inimigas atingidas. Do mesmo modo, ao enfrentar homens das tribos norte-européias, as legiões podiam avançar como um muro para apresentar uma frente sólida dis-
ciplinada de escudo e espada para penetrar com facilidade entre os guerreiros pouco organizados dos exércitos tribais, que tinham pouca chance contra tropas
de choque disciplinadas. Contra ambos esses adversários, as duas linhas de ma-
noplas na retaguarda (principes e triari) observavam o ataque inicial das linhas da frente (hastati), ansiosas para explorar um sucesso ou evitar um colapso. Como
era enfrentar três fileiras de um exército romano
que avançava!
À maioria dos historiadores clássicos que escreveram sobre batalhas romanas — César, Lívio, Plutarco e Tácito, sobretudo — viu a colisão com olhos romanos. Seus relatos etnocêntricos e terríveis descrevem alemães desgrenhados de um
metro e oitenta de altura soltando ruídos estranhos, gritos de batalha profundos e ressonantes (o barritus) e batendo em seu equipamento; gauleses seminus gr”
tando com os cabelos besuntados e arrumados em cima da cabeça para aumentar sua altura aparente; ou grandes bandos de asiáticos vestindo túnicas e pintados,
cujo falatório e extravagância dão lugar ao avanço disciplinado de temíveis pro” fissionais — com a inteligência e a civilização derrotando a cada vez a vantagem numérica, o barbarismo e a força bruta. Pinturas de guerra, tatuagens, mulheres
de seios nus, gritos ululantes e uma coleção de colares de ferro, correntes, cab e
od Davis
Hanson
e
Victor
sa
los espetados e, ocasionalmente, cabeças e partes do corpo humano penduradas
nos cintos têm presença obrigatória em qualquer descrição ocidental da luta contra o Outro, das legiões romanas aos conquistadores espanhóis. No entanto, o que era realmente desumano e arrepiante não era o avanço dos “bárbaros”, mas sim o dos romanos. Como os cristãos em Lepanto e os britânicos em Rorke's Drift, as legiões lutavam em silêncio; aproximavam-se até cerca de trinta metros da terra de ninguém. A uma distância predeterminada, lançavam
primeiro seus pila de dois metros, gritando pela primeira vez em cadência ao soltarem as lanças. Imediatamente, e sem aviso, centenas de inimigos eram
empalados ou tinham seus escudos inutilizados pela chuva de projéteis. Em seguida, com suas espadas mortais desembainhadas, a primeira coluna abatia-se
sobre a massa inimiga estupefata. Os escudos oblongos tinham protuberâncias de ferro no centro, e os romanos usavam-nos como aríetes para bater e atordoar o inimigo, enquanto os legionários bem protegidos arrancavam braços, pernas e
cabeças no meio da confusão. Soldados individuais iam mais à frente para explorar as brechas onde mortos e feridos haviam caído. Quase imediatamente, todo
um segundo exército, a linha seguinte dos principi, surgia para aumentar as brechas na linha inimiga, abatendo com seus pila por cima das cabeças dos companheiros no tumulto, e todo o processo de atacar, lançar e cortar começava de novo — com mais uma terceira linha pronta na retaguarda.
a
a
a
O terror da guerra não reside na reação inteiramente humana das culturas tribais aos confrontos sangrentos — gritos e loucura ao dar e receber a morte, fúria na perseguição aos derrotados; medo quase histérico durante a fuga —, mas sim na estudada frieza do avanço romano, na previsibilidade do lançar de dardos e na consumada arte da luta com espadas, na sincronização de manopla com manopla em ataques cuidadosamente monitorados.
O verdadeiro horror é ver toda a imprevisível paixão e terror humano se transformar em um negócio previsível, em uma fria ciência destinada a matar o maior
Número de humanos possível, respeitando as limitações de poder muscular e do
aço das armas. O historiador judeu Josefo descreveu mais tarde esse profissio=
173 E.
E
Por que o Ocidente venceu
nalismo em seu resumo arrepiante das proezas legionárias: “Não estaria errado
quem dissesse que suas manobras de treinamento são batalhas sem derramamen. to de sangue, e que suas batalhas são manobras com derramamento de Sangue” Jewish War [Guerra judaica] 3.102-7). O intenso ódio em relação a essa maneira romana tão planejada de combater
certamente explica por que, quando as legiões romanas eram porventura Degas em situação de inferioridade numérica, mal comandadas e mal organizadas na Pártia, nas florestas da Germânia ou nas colinas da Gália, seus venc edores não
apenas matavam esses profissionais, mas continuavam a descarregar sua raiva nos cadáveres — decapitando-os, mutilando-os e exibindo os resto s de um inimigo que tantas vezes no passado fora capaz de matar sem morr er Os astecas também mutilavam os espanhóis — e com fregiiência comiam prisioneiros e
cadáveres; e embora esse comportamento fosse supostamente destinado a satisfazer a sede de sangue de seus deuses famintos, grande parte desses atos bárbaros se devia à raiva dos conquistadores vestidos em cotas de malh a, com suas lâminas de Toledo, seus canhões, suas balistas e suas colunas discipli nadas, que de modo frio e sistemático haviam massacrado milhares dos defensores de Tenochritlán. Depois da derrota britânica em Isandhlwana, os zulus decapitaram muitos dos britânicos e arrumaram as cabeças em semicírculo, em parte porque muitos de seus próprios companheiros haviam sido despedaçados
poucos minutos antes pelos tiros contínuos dos fuzis Martini-Henry.
O exército republicano romano não era simplesmente uma máquina. Sua
verdadeira força era o ímpeto natural da feroz infantaria de proprietários de terras da Itália, os intransigentes rústicos que votavam nas assembléias locais
das cidades e demos da Itália e que eram exatamente tão ferozes quanto 05
mais ameaçadores e mais altos europeus do norte. Na tradição de governo constitucional — o grego Políbio ficava maravilhado com a república romana, cuja separação de poderes, segundo ele, era uma melhoria em relação ao go Yermo consensual mais popular da cidade-estado helênica —,
haviam criado uma nação de cidadãos em armas livres. 174
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os romanos
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Victor
Davis
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Como a maioria dos gregos em Salamina, muitos dos proprietários romanos haviam voluntariamente imposto mobilizações cívicas, votado a favor da guerra em suas assembléias locais e marchado para Canas comandados por generais eleitos, determinados a expulsar os invasores cartagineses do solo italiano. Como os falangistas de Alexandre, o Grande, e influenciados pela tradição grega
primitiva de guerra decisiva, os romanos pouco confiavam em astúcias ou tocaias,
muito menos em arqueiros, cavaleiros ou escaramuçadores. Quem dera houvessem escutado os avisos de Fabius Maximus e continuado a travar uma guerra de
desgaste, não de aniquilação, contra um oponente brilhante como Aníbal. Melhor ainda, quem dera os exércitos romanos houvessem desenvolvido,
como Felipe e Alexandre, uma força de choque de cavalaria pesada que pu-
desse ter sido integrada ao avanço das manoplas e, assim, neutralizado a soberba mobilidade e vigor dos cavaleiros de Aníbal. As táticas de atraso e de
terra arrasada, assim como a cultura da elite montada, iam contra a tradição romana de infantaria frontal e de ataque de choque. Por várias razões culturais, militares e políticas, o cavaleiro raramente era o principal elemento dos
exércitos clássicos — quer em sua versão de senhor montado e enfeitado, quer em sua versão de atacante nômade pobre. O uso da cavalaria por Felipe e Alexandre era mais excepcional do que representativo das práticas militares
stegas € romanas, e os exércitos greco-romanos pagariam com sangue em
diversas ocasiões por essa falha tática. Apesar da simplicidade do avanço romano e da inexperiência ocasional dos recrutas, a disciplina das legiões não tinha rivais, e a força e a coragem da infantaria italiana eram incontestes. O senado romano, como a antiga assem-
bléia grega e os grupos da elite real macedônia, vinha de uma tradição que Procurava enviar seus exércitos para combater o inimigo de frente e, assim,
staças aos golpes de uma infantaria decisiva, destruí-lo em questão de horas. Poucos
comandantes
romanos foram processados por incompetência depois
q]
de uma derrota — apenas por covardia, por deixar de enfrentar o inimigo em uma batalha decisiva. Quando Varrão, o cônsul que sobreviveu a Canas, vol175
ds
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Por que o Ocidente venceu
tou a Roma depois da derrota, foi acolhido com entusiasmo: AParentemente seus erros táticos que resultaram em milhares de mortes haviam sido ofusca,
dos por seu desejo sincero de comandar jovens pequenos proprietários Toma.
nos inexperientes em um ataque frontal contra Aníbal rumo à morte. Os infantes que marcharam para a armadilha mortal em Canas estavam pro. vavelmente mais bem armados e equipados do que seus inim igos: seus escudos peitorais, capacetes e espadas eram frutos de uma tradição científica que incor. porara e aprimorara práticas militares encontradas em outros lugares. O Ociden-
te, ao contrário da maioria das outras culturas, sempre tomara emprestado e
incorporara livremente tradições alheias, sem se preocupar quer com o chauvi.
nismo nacional quer com a renúncia a costumes e tradições locais. Associada a
uma tradição racional de investigação e pesquisa científica, essa flexibilidade garantiu armas superiores nas mãos dos europeus. Ass im, a maioria dos mercenários europeus e africanos de Aníbal havia se reequipado com armas romanas melhores e com armaduras provenientes de saques depo is dos desastres italianos anteriores de Trébia e Trasimeno. Praticamente todos os inimigos de Roma
despiam os romanos mortos para pegar suas armas, enquanto poucos legionários
procuravam usar o equipamento de gauleses ou africanos mortos. O exército romano em Canas marcou o apogeu da tradição militar ocidental no final do século III a.C. No entanto, foi massacrado por um exército cartaginês desprovido de qualquer das vantagens culturais de Roma. Os homens de Aníbal usavam armas e tecnologia inferiores. Eram uma mi-
lícia mercenária,
e não cidadã. Tampouco
os estados púnicos recrutavam
em uma população livre de pequenos fazendeiros patriotas. Os cartagine-
ses não tinham qualquer conceito abstrato de liberdade política individu al
ou de militarismo cívico. Aristóteles nos conta que eles recomp ensavam seus guerreiros por mortes individuais — prática muito diferente da dos exércitos clássicos, que insistiam no fato de respeitar as colunas e manter à formação, evitar a fuga e proteger os companheiros. Spurius Ligustinus foi condecorado com coroas cívicas po r salvar seus companheiros, não por em” 176
E,
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pilhar mortos ou colecionar escalpos. Canas foi uma inversão abjeta do paradigma militar habitual do mundo antigo: um exército ocidental numericamente superior a seu adversário, lutando em casa, baseado em um poder
organizado de maneira pouco inteligente, mas mesmo assim selvagem, foi derrotado por um inimigo que buscava a vitória de suas tropas expedicionárias em menor número por meio da coordenação de seus contingentes e da brilhante organização de seus generais.
A idéia de uma
nação em armas
Algumas cidades-estado gregas do passado ocasionalmente haviam aceitado novos cidadãos, mas tais concessões eram honoríficas e raras. A maior parte do comércio da pólis grega permanecia nas mãos de estrangeiros resi-
dentes não-cidadãos, os brilhantes e laboriosos metecas, que podiam possuir mais capital do que qualquer cidadão mas, mesmo assim, não tinham o direito de votar na assembléia. Os gregos tinham muito ciúme de sua autonomia e de sua liberdade e eram muito chauvinistas em relação ao campo em torno de suas cidades para conceder em grande escala a estrangeiros e
imigrantes — ou até mesmo a gregos de cidades-estado diferentes — os mesmos direitos de cidadania dos valorosos agricultores que cultivavam suas terras ancestrais.
Embora alguns pensadores gregos tão diversos quanto Heródoto e Isócrates tenham acabado por considerar a “precidade”, to Hellenikon, um ideal em vez de um pré-requisito de língua ou de raça — aberto a qualquer estrangeiro que compartilhasse as bases culturais e políticas da pólis —, a ascensão da monarquia macedônia minou a evolução da cidade-estado consensual e indepen-
dente. O poderio humano militar sempre fora a grande perdição dos exércitos gregos clássicos — uma escassez de infantes provocada pelo pré-requisito pouco racional de que todos os soldados deviam ser cidadãos, mas nem todos os residentes deviam ser cidadãos. Até mesmo os pobres que haviam remado por 177
A sã
Por que o Ocidente venceu
sua liberdade em Salamina equiparavam-se em núme ro aos ESCTAVOS E eg. trangeiros que não tinham — e não teriam — direito de inf luir no 80Verno de Atenas. Essa concepção estreita de cidadania logo condenaria à cid ade-estado
grega independente.
Por sua vez, a cultura que Aníbal combateu na Itália passava por uma transformação revolucionária quanto à idéia do que era Roma. A ironia da
Segunda Guerra Púnica foi que Aníbal, inimigo jurado de Roma, muito con.
tribuiu para tornar as bases sociais e militares de Roma ainda mais fortes, in. corporando o antigo “forasteiro” ao estado romano. Co m sua invasão, ele ajudou a acelerar uma segunda revolução na história do gov erno republicano ocidental, que iria muito além das constituições provincia nas das cidades-esta. do gregas. À criação de uma verdadeira nação-estado ter ia ramificações militares que fariam todo o mundo mediterrâneo tremer até seu âm ago — o que ajuda a explicar grande parte do assustador dinamismo militar atu al do Ocidente, Na crise que se sucedeu a Canas, a qualificação de propriedade exigida para 0 serviço de infantaria — ela própria uma idéia tomada emprestad a do conceito grego de censo hoplita — foi reduzida à metade, e depois disso contin uamente dimunuída durante o século II até ser completamente extinta por Mário. A população da Itália — samnitas, etrários e os povos de língua gre ga do sul — era aliada a Roma em diversos graus. Mesmo a desconfiança dos confe-
derados italianos em relação a tudo que fosse romano não era nem tanto O resultado do medo e do ódio da dominação estrangeira, mas sim da inveja e
do ressentimento por eles ainda terem se tornado cidadãos romanos com direitos plenos para exercer cargos públicos e votar. No mundo antigo , o Outro com frequência migrava para cidades helênicas e italianas atrás de oportuni-
dades econômicas e de maior liberdade. Sob os gregos, dependendo da oca sião, eles encontravam tolerância, indiferença ou prosperidade; entre os romanos, podiam encontrar a cidadania. Em suma, os soldados italianos recrutados para combater a presença de Aníbal foram mais um catali sador em uma evolução já em curso rumo à paridade en tre Roma e a Itália. 178
=
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Já no século Il havia em Roma muitos visionários que clamavam por uma cidadania plena que se estendesse a toda a Itália — a questão não seria resolvida até as Guerras Sociais do início do século 1 a.C. — ou por um reconhecimento de que comunidades inteiras próximas de Roma em matéria de ideologia e circunstâncias materiais deveriam em teoria acabar sendo incorporadas à nação romana. Na época da invasão de Aníbal, as comunidades italianas que não falavam latim eram apesar de tudo consideradas cidadãs romanas, e eram
protegidas pela lei romana mesmo não sendo membros plenos votantes da república. A necessidade de fortalecer o apoio italiano, de prover as legiões com novos soldados e de evitar as deserções para Aníbal acelerou as concessões de Roma a seus aliados. Sob a república tardia e o império que viria em seguída, escravos libertos e povos italianos não-mediterrâneos se veriam praticamente
em pé de igualdade perante a lei com os romanos de sangue azul. Essa idéia revolucionária de cidadania ocidental — ainda mais repleta de direitos e responsabilidades — traria imenso poderio humano para as legiões cada vez maiores e um arcabouço legal que garantiria aos homens que fossem lutar o sentimento de que eles próprios, no sentido formal e contratual, haviam
ratificado as condições de seu serviço durante o combate. O antigo mundo
ocidental logo passaria a se definir pela cultura, em vez de pela raça, cor da pele ou língua. Essa idéia por si só acabaria por proporcionar enormes vantagens para seus exércitos no campo de batalha. Nos séculos posteriores do
império, os legionários de uma guarnição de fronteira no norte da Inglaterra
ou no norte da África teriam uma aparência diferente e falariam uma língua
diferente da dos homens que haviam morrido em Canas. Às vezes seriam vítimas de preconceitos culturais por parte dos nativos italianos; mesmo assim, também seriam equipados e organizados da mesma maneira que os soldados tomanos tradicionais e, como cidadãos, considerariam seu serviço militar um
acordo contratual, e não um recrutamento compulsório ad hoc.
Até mesmo uma quantidade significativa de escravos das guerras púnicas chegou a ser libertada e, dependendo de suas contribuições militares, a receber 179
-
MH
Por que o Ocidente venceu
a cidadania romana. Depois de Canas, eles participariam do exército e se eman. cipariam aos milhares. Em suma, os romanos haviam transformado a idéia da pólis no conceito de natio: a romanidade logo deixaria de ser definida de forma concreta e definitiva pela raça, geografia ou mesmo pelo nascimento livre. Pelo contrário, a cidadania teoricamente poderia ser adquirida um dia por aqueles
que não falavam latim, ou até mesmo pelos nascidos escravos, e que viviam fora
da Itália — se pudessem convencer os órgãos deliberativos relevantes que eram romanos em espírito e possuíam disposição para entrar para O serviço militar
romano e pagar impostos em troca da proteção da lei romana e da segurança
proporcionada por uma economia livre e mercantil. Irês séculos depois de Canas, Juvenal ridicularizaria os “greguinhos famintos” que andavam apressados pelas ruas de Roma, mas eram esses homens quem comandavam a vida comercial da cidade e que se revelariam, assim como milhares de outros estrangeiros como eles, cidadãos legionários tão bons quanto
quaisquer italianos. Foi Roma, e não a Grécia clássica, quem criou a idéia moderna expansiva de cidadania ocidental e a noção de valores plutocráticos que florescem em uma economia em crescimento e livre. Logo seria o dinhei-
ro, e não necessariamente o berço, os antepassados ou a profissão, que traria
consigo o status romano. O ex-escravo Trimálquio e os convidados libertos e nouveau riche de seu jantar, que se refastelam no luxo no romance de Petrônio do século 1 d.C., Satyricon, eram a consegiuência lógica de toda a evolução romana em matéria de inclusão cívica — social, econômica e cultural — que
continuou mesmo depois de a liberdade política nacional começar a ser extinta sob o império. Não é por acidente que alguns dos autores latinos mais romanos e chauvinistas — Terêncio, Horácio, Públio Ciro, Políbio e Josefo — eram eles próprios filhos de libertos, ex-escravos, africanos, asiáticos, gregos
ou judeus. No século II d.C. já não era comum encontrar um imperador romano que houvesse nascido em Roma. Qual foi o efeito dessa grande di-
ferença nas idéias respectivas de cidadania por parte dos antagonistas no combate de agosto de 216 a.C.? Um efeito muito grande — muito poucos subs180
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titutos mercenários treinados à disposição de Aníbal depois de uma exuberan-
te vitória, e uma infinidade de recrutas novatos para a milícia romana depois de uma terrível derrota. Os gregos haviam inventado anteriormente a idéia de militarismo cívico, a
noção de que aqueles que votam também devem lutar para proteger a comunidade, que em troca lhes dera direitos. O resultado foi que as cidades-estado
clássicas chegaram a mobilizar infantarias que reuniam quase a metade de sua população residente do sexo masculino. Na batalha de Platéia (479 a.C.), cerca de setenta mil cidadãos gregos livres aniquilaram um exército persa de duzentos e cinquenta mil recrutas compulsórios. Foi um bom começo para a mobilização das reservas de poderio humano das pequenas repúblicas fundiárias helênicas muito além da antiga elite aristocrática. Mesmo assim, o potencial de militarismo cívi-
co nunca foi devidamente valorizado pelos gregos devido a sua noção ferozmente defendida de cidadania que não se estendia a todos os residentes da pólis. Os gregos haviam mantido a Hélade a salvo da ocupação persa em parte graças à idéia revolucionária de que todos os cidadãos deviam participar da batalha mas, pelos
mesmos motivos, perderam sua autonomia para os macedônios um século e meio depois por causa de uma escassez desses mesmos cidadãos guerreiros. À consegiiência dessa visão estreita da guerra foi a ascensão do exército real de Felipe e Alexandre, que pouco se importavam com os homens que lutavam, contanto que lutassem bem e fossem leais a quem os estava pagando. Os macedônios e seus sucessores não eram democratas. Mesmo assim, sua disposição para acolher tanto macedônios quanto gregos em seus exércitos
profissionais multiculturais com um salário comum — unindo os desesperados por um desejo compartilhado de pilhagem e glória, em vez de dividi-los
por língua, local de origem e orgulho étnico — era de certo modo perversamente igualitária de uma maneira inconcebível pelas cidades-estado clássicas. Essa ascensão de grandes exércitos de mercenários de inspiração grega no perodo helenístico (323-31 a.C.) resolveu o tradicional problema de contingente, mas o fez de uma forma que muitas vezes eliminou o ímpeto cívico anterior da
Por que o Ocrdente venceu
cidade-estado. Esse dilema anteriormente incomodara Xenofonte, Platão « Aristóteles, que viram seu ideal de grandes exércitos de cidadãos soldados desaparecer durante suas vidas. Os gregos eram capazes de reunir Exércitos
consideráveis ou patrióticos e cumpridores de seu dever, mas não mais exérci. tos tanto em número suficiente quanto corajosos. Cada grego morto na bata-
lha de Queronésia (338 a.C.), em um esforço malogrado para preservar sua liberdade, votara para fazê-lo. Nenhum dos macedônios de Felipe II que os matou tinha o poder de opinar diretamente sobre onde, como ou por que
combatia. O fato de os primeiros — malcomandados, menos bem equipados
e organizados de forma aleatória — quase terem derrotado o imenso exército de Felipe é um tributo ao espírito do governo cívico. A solução para esse paradoxo clássico era mobilizar valorosos exércitos de cidadãos que fossem ao mesmo tempo imensos e combinassem a descoberta clássica grega do militarismo cívico com a disposição dos dinastas helenísticos para recrutar infantes em todos os segmentos da sociedade. A
nação romana e sua idéia radical de cidadania expansiva acabariam por fazer as duas coisas de forma brilhante — assegurando com isso que seus exércitos fossem maiores do que os dos gregos clássicos, e ainda assim bem mais patrióticos do que os mercenários que se alistavam aos milhares no serviço aos monarcas helenísticos.
Essa idéia de uma vasta nação em armas — quando a guerra estourou, em 218 a.C., havia mais de trezentos e vinte e cinco mil cidadãos romanos adultos espalhados pela Itália, dos quais quase duzentos e cinguenta mil estavam aptos para o serviço militar na frente de batalha — era incompreensível para os cartagineses, que restringiam a cidadania a um pequeno grupo que falava
púnico dentro e ao redor de Cartago. Pior ainda, de um ponto de vista militar, a cidadania, para Os cartagineses, nunca abraçou totalmente a tradição
helênica de recrutamentos cívicos — cidadãos que gozam de direitos devem
lutar por sua manutenção. Cartago tampouco tinha um conceito da idéia romana de nação independente de localização, raça e língua. As tribos afri canas 182
Victor
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próximas de Cartago, e até mesmo seus próprios mercenários, eram tão passí-
veis de combater o estado púnico quanto os romanos. Se olharmos com atenção, com exceção da aparência superficial de alguns poucos representan-
tes da elite, pouco havia de ocidental na abordagem cartaginense da política e da guerra. Ao contrário dos gregos, Cartago não insistia para que seus próprios cidadãos travassem suas próprias batalhas. Ao contrário dos romanos, faltava-
lhe o mecanismo para incorporar aliados norte-africanos ou europeus ocidentais, povos conquistados ou servos em relativa igualdade política com os cartagineses natos — daí as constantes e muitas vezes bárbaras guerras contra seus próprios exércitos mercenários rebeldes. Tampouco havia sequer a falsa aparência de que a assembléia cartaginesa representava o desejo de uma não-elite. Cartago parece ter sido uma sociedade de no máximo duas, e não três classes
— alguns poucos privilegiados comerciais corpo de servos e trabalhadores do campo O senado romano era provavelmente nês, mas não havia assembléias púnicas
e aristocráticos eram servidos por um desprovidos de direitos civis.
tão aristocrático quando o cartagiequivalentes que pudessem se contrapor ao poder aristocrático, e pouca tradição de reformistas populares — um Licínio, um Hortênsio, um Graco — que buscassem ampliar os direitos civis, permitir às classe médias e aos “novos homens” obter altos cargos, e promover
a reforma agrária e uma redistribuição das terras. De um ponto de vista militar, O resultado eram a escassez crônica de soldados púnicos e uma dependência total em relação ao recrutamento mercenário. Ambos esses fenômenos sig-
nificavam que, independentemente do quanto a liderança dos exércitos carta-
gineses fosse brilhante, e apesar de sua experiência de batalha adquirida por meio de guerras incessantes, a longo prazo eles veriam que era praticamente impos-
sível mobilizar tropas tão numerosas ou patrióticas quanto as legiões. Séculos depois de Canas, os romanos continuaram a criar enormes exércitos mesmo du-
tante os piores momentos das guerras civis; durante os dezessete anos de combates depois de César cruzar o Rubicão (49-32 a.C.), quatrocentos e vinte mil
homens, contando apenas os italianos, foram recrutados pelas Forças Armadas.
EA
Por que o Ocidente venceu
Por sua vez, para que Aníbal fosse vitorioso, ele precisava de muito Mais do
que derrotar os romanos em Canas; precisava vencer quatro ou cinco dessas batalhas seguidas para eliminar um contingente de bem mais de duzentos ; cinquenta mil agricultores italianos por toda a Itália, homens entre 17 e 7%
anos que lutavam quer pela conservação quer pela promessa da cidadania
romana. Aníbal precisava realizar esse massacre com um exército que prova. velmente não continha um único cidadão cartaginês votante sequer, mas era
formado por mercenários africanos e de tribos européias. Os dois grupos com. batiam não pela expectativa da cidadania cartaginesa, nem pela liberdade de
conduzir seus próprios negócios, mas principalmente quer por ódio a Roma
quer pelo dinheiro e pela pilhagem que seu líder forte pudesse continuar a fornecer — ambos incentivos de peso, mas que, no final, não eram páreo para agricultores que haviam votado para substituir seus companheiros mortos em Canas e para lutar até o fim de modo a garantir a segurança do populus romanus, a preservação da res publica e a honra de sua cultura ancestral, mos
maiorum. À maioria dos agricultores italianos imaginava corretamente que seus filhos teriam um futuro melhor sob o republicanismo romano do que aliados a um estado aristocrático, estrangeiro e mercantil como Cartago.
“Governantes do mundo militarismo cívico
inteiro” - O legado do
O poderio humano de Roma Não-romanos e gregos do mundo
antigo sempre podiam mobilizar grandes
números de guerreiros — gauleses, espanhóis, persas, africanos e outros —
mas esses contingentes tribais e exércitos mercenários não constituíam de mo-
do algum uma nação em armas. Nenhum dos formidáveis adversários de Roma nos séculos subsegiuentes jamais compreenderia essa idéia dual ocidental de cidadão/soldado livre. Os impressionantes númidas de Jug urta (112-10%
aC.), as centenas de milhares de germânicos liderados por Ari ovisto (58 a.C) 184
Victor
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os duzentos e cinquenta mil que se juntaram ao líder tribal gaulês Vercingetórix
(52 a.C.) e a multidão de godos que cruzou o Danúbio para matar milhares de romanos em Adrianópolis vezes numerosíssimos.
(378 d.C.) eram guerreiros formidáveis, e muitas
Muitos desses adversários tinham
uma
rica história tri-
bal e criavam complicados métodos de organização militar. Mesmo assim,
Escultura de um grupo de pretorianos. Posteriormente assumiriam importantes funções na luta pelo poder em Roma.
Por que o Ocidente venceu
continuavam a ser, no fundo, exércitos sazonais — recrutamentos Migratórios e ad hoc cujas condições de serviço dependiam unicamente da paga, da pilha.
gem e do magnetismo e habilidade de um comandante de batalha ou de um
regime específico. Quando tais forças ficavam saciadas, retrocediam: quando derrotadas, debandavam; e, quando vitoriosas, geralmente não eram eficazes por mais de outra vitória no campo de batalha.
As vantagens do sistema republicano ficaram imediatamente aparentes nos dias que se seguiram ao desastre de Canas. O governo e a cultura de Roma foram
sacudidos até suas bases. Em sua descrição dos dias que se seguiram a Canas, Lí. vio confessa que “nunca, exceto quando a própria Roma foi capturada, houve tanto terror e confusão dentro dos muros da cidade. Assim, devo confessar que sou incapaz de cumprir a tarefa de narrar, e não vou tentar fornecer uma descrição
completa, que apenas ficaria distante da verdade” (22.54). Grande parte da Itália do sul começou a desertar ou parou de enviar homens e material para Roma durante algum tempo. A rica cidade de Capua foi capturada por Aníbal. Outras
cidades na Campânia e na Pulha caíram em seguida. Um exército romano na Espanha, liderado por Póstumo, cônsul eleito do ano de 215 a.C., foi aniquilado,
e o cônsul foi morto; Lívio diz que mais de vinte mil legionários morreram e que o crânio de Póstumo foi esvaziado para ser usado como cálice pelos gauleses.
A frota cartaginesa estava próxima da costa da Sicília, saqueando à vontade. Metade dos cônsules eleitos entre 218 e 215 havia sido morta em batalhas — Flamínio, Servílio, Paulo e Póstumo. Os outros haviam caído em desgraça.
Qual foi a reação de Roma a essas catástrofes nacionais? Uma vez restaurada
a calma nas ruas e evitado o pânico, o Senado se reuniu e emitiu sistematicamen-
te uma série de decretos, que lembravam as decisões abrangentes tomadas pelos
atenienses depois da catástrofe em Termópilas, pelos bizantinos, no século VI d.C; depois do colapso do Império ocidental, pelos venezianos depois da queda de Chipre, em 1571, e pelos americanos depois de Pearl Harbor. Marcellus seria
enviado à Sicília para restaurar a ordem. Guarnições protegeriam pontes € estradas que levavam a Roma. Todos os homens capazes da cidade seriam inte: 186
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Davis
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grados à milícia doméstica para defender os muros. Marco Júnio foi designado ditador, com diretrizes formais para mobilizar exércitos de qualquer maneira possível. Ele cumpriu a tarefa de forma magnífica. Mais de vinte mil homens foram
recrutados em quatro novas legiões. Alguns legionários ainda não tinham completado 177 anos. Oito mil escravos foram comprados com dinheiro público e armados, com a instrução de que a demonstração de coragem em batalha por
Roma poderia levar à liberdade. O próprio Júnio libertou seis mil prisioneiros e assumiu o comando direto dessa nova legião de criminosos. Os alíados italianos
foram solicitados a recrutar oitenta mil soldados adicionais antes do fim do ano. Enquanto durasse a guerra, seria criado a cada ano o equivalente a quase duas legiões para assegurar uma substituição regular das perdas em batalha. As armas eram escassas: os homens de Aníbal agora tinham em seu poder a maioria das armas abandonadas que fora fabricada na Itália durante a última década. Para que equipamentos novos fossem manufaturados, templos e edifícios públicos foram privados de seus ancestrais ex-votos militares.
Um ano depois da derrota, a marinha romana estava na ofensiva na Sicília, todas as perdas de Canas haviam sido substituídas, e as legiões três vezes derrotadas tinham o dobro do tamanho da força vitoriosa de Aníbal que descansava em alojamentos de inverno no sul da Itália. O contraste com o exército
de Aníbal é notável: enquanto Roma elaborava uma legislação de emergência para mobilizar novas legiões, os veteranos de Aníbal passavam os dias reco-
lhendo destroços do campo de batalha enquanto seus engenhosos comandan-
tes negociavam com seus cautelosos supervisores aristocráticos em Cartago o
envio de mais homens.
A continuidade dos cidadãos soldados Durante os cinco séculos seguintes, os exércitos romanos se veriam diante de uma sucessão de gênios táticos, mais Pirros e Aníbais, cuja inteligência levaria
à aniquilação de exércitos romanos mal liderados: o caolho Sertório e seus temíveis renegados romano-ibéricos, o corajoso Spartacus e sua enorme turba Po
187
Por que o Ocidente venceu
de aguerridos gladiadores, o sagaz Jugurta da Numídia, o astuto Mitrídates L Ponto, Vercingetórix à frente de uma imensa horda de celtas e gauleses, e os par. tas que exterminaram o triúnviro Crasso e a maior parte de seu exército. Juntos esses inimigos de Roma massacraram quase meio milhão de legionários no sa po de batalha. No final, todo esse glorioso combate de nada adiantou. Pratica. mente todos esses futuros conquistadores acabaram mortos ou acorrentados,
mero exército. As mais espantosas vitórias desses inimigos de Roma significavam
mais um exército romano no horizonte, enquanto seus próprios exércitos se der.
retiam com uma simples derrota.
Com a transição para o império e o subseguente colapso de Roma (31 a.C. 416 d.C.), o republicanismo praticamente desapareceria da Europa durante al
gum tempo. Em determinadas épocas, os exércitos ocidentais se tornariam tão mercenários quanto seus adversários, e muitas vezes, em algumas áreas, igualmente tribais. No entanto, a idéia de um cidadão votante que fosse guerreiro e a tradição de toda uma cultura que entrasse livremente no campo de batalha se-
guindo diretrizes constitucionais com generais eleitos estavam arraigadas de-
mais para serem inteiramente esquecidas. Nos dias obscuros do império tardio e durante o caos subsegiiente, o ideal segundo o qual os homens que lutassem deveriam ser cidadãos,
com
direitos e responsabilidades
legais perante a
comunidade — e algumas vezes extralegais — permaneceu. Mesmo com o fim aparente do militarismo cívico, os chamados soldados pro-
fissionais da Roma imperial, assim como seus equivalentes republicanos dos séculos anteriores, ainda encontravam no exército do império uma continuação de cinco séculos de leis codificadas. Para o recruta médio, isso significava prote:
ção contra o recrutamento arbitrário, pagas constantes, proteções contratuais re: lativas ao serviço e uma aposentadoria fixa — e não pelotões de recrutamento, mobilizações ad hoc ou punições arbitrárias. Os direitos do soldado individual
chegaram a aumentar durante o império, a tal ponto que suas reivindicações po! 188
a
contas, eles estavam combatendo um sistema e uma idéia assustadores, não um
-
seus exércitos exterminados, escravizados, crucificados ou em fuga. Afinal de
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maiores salários e maior liberdade tenderam a tornar os generais de província mais receptivos a suas reclamações do que haviam sido os líderes republicanos
eleitos do passado. Assim como o próspero império e sua economía mediterrânea beneficiavam ex-escravos, pobres e estrangeiros em um nível inimaginável sob as repúblicas agrárias mais democráticas da Itália central, milhares de legionários
profissionais na fronteira também encontravam os burocratas imperiais mais receptivos a suas necessidades, ao mesmo tempo em que sua capacidade de eleger oficiais de estado era minada e se perdia.
O militarismo cívico seria mantido vivo mesmo quando o republicanismo estivesse em declínio, em uma linha de transmissão direta desde a Antigúidade
clássica pelas elites no poder e pela religião, assim como nas tradições folclóricas
populares. Esse era um fenômeno inteiramente ocidental. O guerreiro como cidadão e o exército como uma reunião de guerreiros com direitos legais e responsabilidades cívicas eram idéias que não existiam em nenhuma outra cultura fora da Europa. A Ásia, a África e as Américas não compartilhavam nenhuma
herança intelectual ou cultural com Roma e a Grécia e, assim, não tinham onde se basear para a adoção total da noção peculiar romana republicana de assembléias votantes e de cidadãos soldados formais. Mesmo durante a chamada Idade das Trevas na Europa “bárbara” (500-1000 d.C), os exércitos cívicos — merovíngios na Europa ocidental, visigodos na Espanha e lombardos na Itália, assim como os bizantinos no Oriente — adotariam
uma nomenclatura e uma organização romana para defender suas civitates usando o recrutamento de cidadãos soldados. A capacidade da Europa do norte de construir fortificações e estradas e sua avançada ciência militar que manteve o Islã afastado foram transmitidas diretamente pela antiga administração imperial
romana; exercito, legio, regnum, imperium e outras terminologias militares e políticas latinas — ou, no Oriente, seus equivalentes gregos — continuaram a ser a
linguagem da guerra do século V d.C. até o período medieval. Os estratagemas de Frontinus e de Valério Máximo com relação ao uso de exércitos cívicos seriam
cuidadosamente estudados na Idade Média tardia. Os escritores patrísticos do 189
Por que o Octdente venceu
| império tardio, da Idade das Trevas e da cristandade medieval — de Ambr ósio
Agostinho a Graciano em seu Decretum (1140) e Tomás de Aquino na Summa Theologiae — apontavam as condições sob as quais a comunidade cristã poderia
com os valores de uma cidadania mobilizada. Durante o Renascimento, os preceitos militares de pensadores tão diversos quando Xenofonte e Vegetius — o autor latino mais citado do mundo antigo entre os séculos V e VII d.C. — seriam adotados por italianos como Leonardo
Brunni e Maquiavel. Manuscritos de Vegetius em formato de bolso, traduzidos pa-
ra o inglês, francês, alemão, italiano, português e espanhol foram publicad para os
serem usados pelos generais medievais no campo de batalha. Até mesmo os con.
quistadores do reino autocrático de Carlos V estavam imbuídos da noção de que eram uma pequena nação em armas enquanto marchavam rumo a Tenochtitlán,
com cada soldado gozando de direitos e proteções particulares derivados de sua condição de súdito espanhol, desconhecidos entre seus adversários mexicanos. O próprio governo constitucional acabaria reaparecendo e se expandindo entre os piqueiros da Suíça durante a Idade Média, novamente na Itália do século XV e, de certo modo, nunca seria esquecido até mesmo na Grécia bizantina monárquica, antes de se tornar firmemente arraigado com a ascensão da nação-
estado moderna na Europa, nas Américas e na Austrália. Em todos esses casos, o melhor exemplo para aqueles que, como Montesquieu, Rousseau e Guibert, defendiam uma volta à “nação em armas”, era o estado clássico, é os autores aos quais se equiparavam eram Salústio, Cícero, Lívio e Plutarco, com suas histórias das grandes mobilizações da República romana. Cidadãos como assassinos
O militarismo cívico em si nem sempre conseguia garantir a superi oridade numérica dos exércitos ocidentais — o contingente conjunto da Europa é de suas colônias muitas vezes se revelaria inferior ao da Ásia, da Áfr ica e das Ame “ ricas. lampouco uma naçãoE em armas teri:a sempre a vitória garantida por cau 190
a
TP
travar uma guerra justa e legal (ius in bello), uma guerra que estivesse de acordo
iii
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de sua motivação superior. Em determinadas ocasiões, a cristandade demons-
traria que o Sermão da Montanha é um incentivo menos eficaz para guerreiros do que ajihad. Além disso, os exércitos ocidentais que se aventuraram no estrangeiro e cruzaram O oceano fregiientemente seriam pequenos, profissionais e, ocasionalmente, mercenários. Mesmo assim, o ideal de uma defesa coletiva por cidadãos livres — os recrutas francos, os piqueiros da Suíça, os marinheiros de Veneza ou os pequenos proprietários da Inglaterra e França — ajudaria a garantir que, durante a maior parte do tempo, a Europa pós-romana em si estivesse a salvo de invasões, e que suas tropas expedicionárias de além-mar fossem treinadas, organizadas e lideradas com um zelo vindo de muito além de uma estreita casta aristocrática — e fossem, assim, mais do que páreo para os números e as
habilidades de seus adversários não-ocidentais.
De novo, estes últimos eram, algumas vezes, homens corajosos. Às vezes combatiam em nome de uma causa melhor do que a dos ocidentais que invadiam seu país, escravizavam impiedosamente seu povo, massacravam mulheres e crianças
garantia exércitos numerosos e valentes, não necessariamente forças que respeitassem as aspirações culturais e nacionais dos outros e a santidade da vida humana em geral. Nessa visão estreita da eficácia militar, nenhum outro povo em nenhuma
ocasião —
fossem persas, chineses, cartagineses, indianos, turcos, árabes, africanos ou índios americanos — jamais marcharia como cidadãos livres
com uma concepção abstrata de direitos cívicos e formalmente dirigido por uma assembléia eleita, mas seria mais frequentemente pago, estaria com medo ou se-
ria obrigado a servir a um chefe sultão, imperador ou deus. No final, esse fato por Si só muitas vezes representava uma desvantagem no campo de batalha. InfelizMente, o método ocidental de criar exércitos públicos e termos legais de serviço não era necessariamente uma questão de bem ou mal, justiça ou injustiça, certo ou errado, mas sim uma questão de perícia militar.
enc
e saqueavam seus tesouros. O estudo do dinamismo militar não é necessariamente uma investigação da moralidade — exércitos do calibre dos de Roma muitas vezes foram capazes de fazer o que não deveriam. O militarismo cívico
Por que o Ocidente venceu
Qual o significado de Canas? A pior derrota em um único dia na história de qualquer força militar não alterou em nada o desfecho final da guerra. A simples
estupidez simbolizada por generais incompetentes e táticas ruins neutralizara ã
vantagem intrínseca dos exércitos ocidentais: disciplina superior, domínio e pre. ferência por investidas de choque, tecnologia e disposição para se mobilizar em massa para uma batalha decisiva. O planejamento ruim também anulara as van. tagens naturais dos romanos em batalha: um combate em casa, em maior núme-.
ro, e na defensiva. À má sorte (combater um gênio militar no auge de sua vida) e a inexperiência dos soldados (jovens recrutas lutando contra um exército de veteranos mercenários) garantiram aos romanos problemas inesperados. No £.
nal, tudo isso fez bem pouca diferença.
As verdadeiras lições de Canas não são a arte do cerco ou o segredo do gênio tático de Aníbal, e por isso eles têm sido há muito tempo ignorados pelos historiadores militares. Os estudantes da guerra nunca devem se contentar em apren-
der simplesmente como os homens travam uma batalha, mas devem sempre se perguntar por que os soldados lutam como lutam e, no final das contas, por que
lutam. O paradoxo trágico da guerra é que muitas vezes a coragem, a audácia e
o heroísmo no campo de batalha — o que guerreiros corajosos são capazes de fazer, ver, ouvir e sentir no ímpeto de matar — são obscurecidos por elementos
muito maiores, abstratos e muitas vezes insidiosos. A tecnologia, o capital, a natureza dos governos, a maneira como os homens são recrutados e remunerados,
e não apenas a simples força muscular e a quantidade de corpos disponíveis, são os grandes fatores decisivos nos conflitos entre culturas díspares e, até hoje, determinam com mais fregiiência que lado vence e que lado perde — e que ho-
mens estão fadados a morrer, e quais estão fadados a continuar vivendo. Ingênuo Aníbal — que comandou milhares de temíveis guerreiros Itália aden-
tro na crença de que sua inteligência seria confrontada com outros generais € guerreiros semelhantes aos seus, e não com instituições sem rosto e anônimas do
republicanismo e do militarismo cívico em si —, que acreditava que aquela guerra poderia ser decidida pelo heroísmo e astúcia efêmeros de seus homens em 192
Victor
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Canas, e não pelo poder duradouro de uma idéia. Os cidadãos, ficou claro, são
os assassinos mais mortais da história.
Estudiosos e estudantes contemporâneos em geral muitas vezes demonstram uma empatia natural com Aníbal. É fácil defender um injustiçado tão corajoso quanto Aníbal, e ainda mais fácil para nós, modernos, considerar abominável à
agressão e o imperialismo da Roma do século III ao século 1 a.C. — sua cota de espanhóis, gauleses, gregos, africanos e asiáticos mortos, afinal, apela ao espírito moral. Mas se nos perguntarmos quais as consegiências militares do governo
constitucional e os dividendos de batalha resultantes em matéria de cidadania, a resposta não está no “comandante caolho empoleirado em seu monstruoso aní-
mal” de Juvenal, mas sim nos homens anônimos e silenciosos que foram estripados e deixados para apodrecer sob o sol de agosto de Canas.
constituição e à rara harmonia entre assuntos civis e militares sob o governo consensual. O resultado do massacre do dia 2 de agosto de 216 a.C. afetou o historiador grego como nenhum outro acontecimento na história romana. Ele usou a oportunidade para apresentar uma longa análise da constituição e das legiões romanas — praticamente todo o livro 6 de sua história — que até hoje ainda é o relato mais claro e mais conciso sobre essas instituições. Políbio terminou sua dissertação sobre o notável sistema constitucional e militar de Roma com uma
reflexão final sobre o resultado de Canas:
Pois embora os romanos houvessem claramente sido derrotados no campo de batalha, e sua reputação militar houvesse sido arruinada, ainda assim, devido à singulari-
dade de sua constituição e à sabedoria de seu conselho deliberativo, eles não apenas recuperaram a soberania da Itália e acabaram por conquistar os cartagineses, mas, em
poucos anos, eles próprios tomaram-se os govemantes do mundo inteiro. (3.118.7-9)
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Políbio, que testemunhou em primeira mão a bárbara destruição posterior de Cartago em 146 a.C. e escreveu sobre Canas setenta anos depois da derrota romana, atribuía corretamente a recuperação de Roma depois da catástrofe a sua
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11 de outubro de 732 Mas uma vez que as cidades-estado cresceram e que as que possuíam infantes com armaduras pesadas se tornaram mais fortes, mais pessoas passaram a fazer parte do governo.
Aristóteles, Politics [Política] (4.1297b16-24, 28)
Cavalaria
versus infantaria
O confronto, no campo de batalha, entre o soldado a pé e o cavaleiro é universal, ancestral e brutal. Cavaleiros sempre foram impiedosos ao alcançar, pisotear
e matar impunemente infantes em fuga ou grupos desafortunados de pobres escaramuçadores desorganizados. Em certo sentido, essa matança de soldados de infantaria isolados ou aterrorizados por cavaleiros montados é covarde, seja
quando Pedro de Alvarado abate a flechas os astecas desarmados, quando o 17º Regimento britânico de lanceiros massacra os zulus aterrorizados em
Ulundi, ou quando os espadachins mongóis invadem as aldeias da Ásia Menor. Em Omdurman
(1896), um jovem Winston Churchill descreveu em estilo EIA
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tados e em fuga.
Há também uma questão de classe na guerra entre soldados a cavalo e sol dados a pé, na qual o desdém aristocrático do nobre em tempos de paz é ins. tantaneamente concretizado no golpe assassino de sua lança ou de seu sabre
para baixo. Ou talvez a insolência natural do cavaleiro não seja totalmente derivada do histórico de seu nascimento e de sua riqueza, mas surja no instante
em que ele monta e, assim, adquire liberdade de movimentos, relati va impunidade e a necessidade de um séquito de criados, ao contrário de seus irmãos
no chão. O mesmo pode ser dito do piloto de caça moderno, cujo domínio do ar, velocidade e controle de uma máquina complexa fazem com que bombardear e metralhar soldados pareçam atos praticamente sem esforço e, portan-
to, de maneira um tanto macabra, quase merecidos —
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uma tarefa diferente
da de atirar de frente em homens que atacam sua trincheira.
Em caso de derrota, o veloz cavaleiro pode evitar a morte fugindo — os pou-
cos britânicos que sobreviveram à matança zulu em Islandhlwana estavam quase todos montados. Em caso de vitória, cavaleiros descansados e limpos geralmente
aparecem não se sabe de onde para matar — mas só depois de terminada a batalha mais árdua de seus companheiros inferiores no chão. A cavalaria lócria que
praticamente alcançou um Sócrates em fuga na batalha de Délio (424 a.C.) sóo fez depois de seus aliados hoplitas tebanos quebrarem a falange ateniense. Na maioria das vezes, no início das batalhas, os cavaleiros temem linhas de infantes ferozes. Cavaleiros montados do mundo todo, quer tenham nascido no universo
do cavalo, quer tenham sido convidados à entrar nele, sempre odiaram balistas, um muro de lanças, uma linha de escudos ou uma chuva de balas — qualquer
coisa que permita ao homem sem montaria destruir em segundos o capital, O
treinamento, o material e o orgulho de seu superior montado.
Assim como, em tempos de paz, as classes médias e baixas sempre são mais
abundantes do que a elite, na batalha ocidental os cav aleiros raramente SãO 198
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impetuoso o último ataque dos lanceiros britânicos, mas a história desse ataque é sobretudo a perfuração sistemática com lanças de homens já derro.
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tão numerosos quanto os soldados de infantaria. Enquanto longe da matança caótica do campo de batalha o homem rico tem do seu lado as estruturas previsíveis da sociedade, durante o confronto esses protocolos de classe e tradição nada significam. A guerra é, em certo sentido, democrática, como aprende-
ram os fracassos Grant e Sherman: a carnificina da batalha é uma das poucas arenas nas quais engenhosidade, músculos e coragem ainda podem vencer privilégio, protocolos e preconceitos. Nenhum cavalo atacará um muro de piques cerrados. Se tentar fazer isso, até mesmo o guerreiro montado protegido pela mais pesada das cotas de ma-
lha será jogado ou puxado para fora de sua montaria e morto no chão. Em uma multidão compacta de espadas e pontas de lanças balançando, onde o cavaleiro não pode usar sua velocidade para atacar ou para recuar, mesmo a
vantagem de sua altura e o poder do ângulo de seus golpes não são garantia de sucesso. Consegiientemente, os exércitos valorizam infantes pesados disciplinados porque, quando organizados e mobilizados de maneira correta, eles podem matar cavaleiros. Os soldados de infantaria são mais ágeis. Podem surgir facilmente por trás do cavaleiro, que só se vira com dificuldade. O pique ou espada afiada do infante penetra nos flancos, no traseiro, nas pernas e nos
olhos do animal, e pode fazer o pobre cavalo recuar em questão de milissegundos, jogando seu cavaleiro a uma altura de vários metros, com uma aterrissagem muitas vezes mortal para um homem vestindo uma armadura pesada. Cavalos são alvos grandes e, quando feridos, podem se tornar os inimigos, e não os aliados de seus cavaleiros. Soldados de infantaria têm as duas mãos livres para lutar, e não uma sempre presa às rédeas.
Montar um cavalo também é algo perigoso em si, e já matou milhares de
homens em tempos de paz. Xenofonte lembrou a seus Dez Mil, que iam a pé, que eles gozavam de vantagens intrínsecas em relação aos persas montados:
“Nosso equilíbrio é muito melhor do que o dos cavaleiros; eles se seguram nos lombos dos cavalos, com medo não apenas de nós, mas também de cair” (Anabasis [Anabase], 3.2.19). O cavaleiro consumado George S. Patton quase
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Por que o € deidente venceu
ficou aleijado quando galopava em casa, por esporte, e escapou ileso das balas e granadas alemãs. Durante o pior período da Guerra Civil, Grant também fo imobilizado não por armas inimigas, mas porque sua montaria empinou. Em bora cavaleiros ataquem com muito mais velocidade, matem com um golpe
rápido da lança ou do sabre e desapareçam em minutos, os infantes têm a van.
tagem quando a zona de combate se enche de soldados e a luta se dá frente a
frente. Foi pouco sensato até mesmo para a melhor das cavalarias atacar for.
mações de aguerridos soldados de infantaria, quer em Gaugamela, Agincour t
ou Waterloo — e os europeus, mais do que qualquer outra cultura na história da civilização, produziram infantes que desejavam encontrar o inimigo frente
a frente, de perto, montado ou não.
O muro Em Poitiers, a multidão islâmica de berberes e árabes montados, geralmente
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conhecida pelos europeus como sarracenos por causa do território original das tribos sírias do Oriente Médio, abateu-se sobre a linha de infantes francos. Charles Martel e seu exército misto — lanceiros, infantaria leve e nobres aris-
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tocráticos que haviam ido à batalha a cavalo — se puseram em formação no
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chão para agientar firme durante horas, até o cair da noite. Os árabes lança-
vam flechas de suas montarias e arranhavam os francos com golpes de espada
e lanças enquanto rodeavam seus flancos e lados; mas não matavam nem desalojavam os europeus.
Os parcos relatos sobreviventes da batalha de Poitiers concordam em um ponto: os invasores islâmicos se abateram repetidamente sobre os francos, que ficaram parados e formados em um quadrado protetor de soldados de infantaria. Os infantes na defesa, que bloqueavam a estrad a para Tours, repeliam metodicamente as investidas até que os atacantes recuassem para seus acarm
pamentos. À crônica do sucessor de Isidoro relata que os francos (ou melhor, “
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homens da Europa”) eram um “mar irredutível” (104-5). Eles “mantinham-% GA
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juntos uns dos outros” e duros como um “muro”. “Como uma massa de gelo, mantinham-se firmemente juntos.” Então, “com grandes golpes de suas espadas”, atacaram os árabes. A imagem da crônica contemporânea é claramente uma imagem de soldados de infantaria praticamente imóveis, em formação
ombro a ombro, usando espadas e lanças para repelir ataques repetidos de cavaleiros. À surpreendente força dos francos era o peso coletivo de seus corpos e sua perícia no combate corpo a corpo. No quarto livro da série da Crô-
nica de Fredegar, ficamos sabendo ainda que Charles Martel “levou com bravura sua linha de batalha” até diante dos árabes. Depois “lançou-se sobre eles como um grande homem de batalha”. Charles os fez debandar, devastou
seu acampamento, matou seu general, Abd ar-Rahman, e os “espalhou como restos de feno”. Claramente, algum tipo de “muro” havia salvado a França. Abd ar-Rahman fora detido pelas “muitas lanças” dos francos.
Como foi essa luta confusa em Poitiers? Os francos eram grandes e fisicamente imponentes, estavam bem protegidos por camisas de cota de malha ou por túnicas de couro cobertas com escamas de metal. Seus escudos redondos, como os dos antigos hoplitas gregos, tinham quase um metro de diâmetro e
eram curvos, feitos de madeira pesada e dura, solidamente construídos com alças de ferro e cobertos de couro. Se um homem fosse forte e experiente o bastante para manejar tal monstruosidade, havia poucas chances de uma fle-
cha ou mesmo de um dardo ultrapassar sua espessura de quase dois cenrímetros e meio. Um pequeno capacete cônico de ferro protegia a cabeça, ideal para evitar os golpes dirigidos para baixo dos cavaleiros. Cada infante franco
ia para o combate com mais de trinta quilos de armas e armadura, que o tor-
navam quase tão inútil em uma escaramuça desorganizada quanto invulnerável em uma formação densa.
No passado, em batalhas contra os romanos, os guerreiros das tribos ger-
mânicas quase sem roupa quer lançavam seus temíveis machados de uma distância de quatorze metros, quer usavam suas lanças leves antes de completar o ataque com suas grandes espadas de dois cortes — armas que exigiam bastante
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espaço para golpes horizontais ou verticais. À batalha na fronteira rapida mente se transformara em uma confusão de duelos individuais e proezas nú
armas, antes de os ataques sucessivos das coortes romanas quebrarem a regis. tência bárbara. No entanto, já no século VIII, os infantes francos estavam Menos
propensos a usar os tradicionais dardos ou machados, e evitando o combat e individual a distância em prol da técnica mais clássica romana de combat e em
uníssono. Em Poitiers, é mais provável que os francos bem protegidos tenham
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O quadro romântico de Carl von Steuben retratando a Batalha de Poitiers dá uma idéia do poder da “massa de gelo” franca, a parede de lanceiros em cotas de malha que repeliu os repetidos ataques montados ds cavaleiros islâmicos. A batalha foi considerada um episódio importante na preservação do cristianismo, no qual a fé superara a vantagem numérica, o que explica sua iconografia proeminentemente religiosa.
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usado lanças mais sólidas para golpear de frente, e pequenas espadas que podiam ser manejadas para cima, enquanto mantinham os escudos na altura do peito em uma linha contínua.
Quando as fontes falam do “muro”, da “massa de gelo” e das “linhas irredutíveis” da infantaria, deveríamos imaginar literalmente uma muralha humana, praticamente invulnerável, com seus escudos muito próximos uns dos outros à frente de corpos protegidos por armaduras, e armas estendidas pa-
ra atingir o baixo-ventre dos cavaleiros islâmicos tolos o bastante para atacar Os francos a galope. Incapazes de penetrar na formação franca, a
maioria dos árabes, aturdida, dava meia-volta para atirar flechas, lançar dardos ou golpear com suas longas espadas. Não houve tentativa por parte dos cavaleiros islâmicos de atingir as linhas européias de frente, num esforço de penetrar na falange. Seria impossível rompê-la com uma simples colisão. Em vez disso, os muçulmanos vinham em grupos grandes, a galope, solpeavam os francos mais desajeitados, atiravam flechas e depois safam correndo conforme a linha inimiga avançava, na esperança de que seus ataques e o movimento irregular do inimigo resultassem em brechas que pudessem ser exploradas por cavaleiros sucessivos. Em resposta, cada soldado franco, com seu escudo levantado, alojava sua
lança nas pernas dos cavaleiros ou no rosto e nos flancos de sua montaria,
depois dava golpes horizontais e estocadas com a espada para fazer o cavaleiro cair, batendo com o escudo durante todo o tempo — a pesada protuberância
de ferro em seu centro era por si só uma arma formidável — nas partes expos-
tas do corpo do inimigo. Avançando gradualmente em massa, os francos então continuavam a pisotear e golpear cavaleiros caídos a seus pés — tomando cuidado para se manter em contato próximo o tempo todo. Em meio à poeira e à confusão da batalha, era menos importante para as linhas de soldados de
infantaria ver o inimigo do que manter a formação enquanto avançavam lentamente, golpeando qualquer coisa à sua frente. Por sua vez, os homens montados que lutavam individualmente precisavam de uma visão desimpedida
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para procurar brechas na linha adversária ou para mirar nos soldados ferid l
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e desorientados que pudessem proporcionar uma rara passagem para den tro da massa inimiga. Era exaustivo para soldados de infantaria pesadamente arm ados bater com os escudos e usar lanças para golpear alvos montados móveis. Havia também
outros fatores críticos na batalha além de meras questões de resistência. Â cur
ta distância, um soldado de infantaria era um alvo bem menos convidativo do
que um guerreiro montado: o capacete cônico do primeiro, seus membros e
ombros cobertos por armaduras e seu escudo levantado tornavam-no pratica. mente invulnerável. O mesmo não podia ser dito dos árabes montados. Quando seus cavalos eram feridos ou suas canelas cortadas, eles podiam cair facil. mente, e no chão não tinham a menor chance. Os cronistas dão a impressão
de que Abd ar-Rahman nunca previra que seu bando de guerreiro s muito
velozes se veria diante de uma vasta massa de soldados de infant aria pesadamente armados em um vale confinado. Em tais condições, os ingredientes que faziam de seu exército o terror das ruas de Poitiers — cavaleiros isolados galo pando atrás de grupos desprotegidos de duas ou três pessoas — garantiram seu
massacre por uma linha pouco móvel de lanceiros com armaduras. Os homens de Charles eram a primeira geração desses soldados de infantaria pesadamente armados da Europa ocidental a enfrentar exércitos islâmicos. Assim, Poitiers inauguraria uma luta de quase mil anos entre a disciplina, a
força e o armamento pesado dos europeus ocidentais e a mobilidade, a quantidade e a perícia individual de seus inimigos islâmicos. Enquanto os francos
mantivessem suas fileiras — e, milagrosamente, parecem ter mantido a formação mesmo depois da batalha, em vez de perseguir os árabes em retirada — era impossível quebrar sua formação ou derrotá-los. Embora relatos contem-
porâneos sugiram equivocadamente que pouco mais de mil francos morreram, enquanto milhares de árabes teriam sucumbido, pode muito bem ser verdade
que Charles tenha perdido apenas uma fração de seus homens ao repe lir um
Humigo em quantidade surpreendentemente grande para a época. Como todas 204
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as batalhas de cavalaria, Poitiers foi uma confusão sanguínolenta, que deixou milhares de cavalos feridos e agonizantes, material abandonado e árabes mor-
tos e feridos. Poucos feridos foram feitos prisioneiros — devido a seu histórico anterior de assassinato e saques em Poitiers. A palavra Europenses, usada pelo continuador de Isidoro, faz uma de suas
primeiras aparições na narrativa histórica como um nome genérico para os ocidentais. Embora o cronista talvez tenha querido dizer que o exército de Charles era um amálgama de várias tribos germânicas e gaulesas, sua intenção também pode ter sido pretender que “europeus” enfatizasse uma linha divisó-
ria cultural então em ascensão: os homens acima dos Pireneus ainda lutavam à moda romana de infantaria pesada e, apesar de todas as suas guerras internas, eram mais próximos entre si do que díspares diante de exércitos islâmicos.
Depois da batalha, os respectivos exércitos, que já haviam se observado durante uma semana antes do confronto, voltaram para seus acampamentos. Os francos se prepararam para atacar novamente ao raiar do dia, ansiando por
novos reforços e esperando que uma nova onda de cavaleiros árabes atacasse suas posições. Em vez disso, quando voltaram ao campo de batalha com a luz
do dia, todo o exército árabe havia desaparecido, deixando atrás de si tendas e butim — e seus mortos espalhados pelo campo de batalha. Seu emir e líder da invasão, Abd ar-Rahman, também estava morto. O projeto islâmico de saquear e ocupar a cidade de Tours ali perto — eles haviam saqueado a igreja de santo Hilário em Poitiers alguns dias antes da batalha — foi abandonado.
Poitiers foi apenas o começo de uma expulsão gradual dos muçulmanos do sul da França. Na década seguinte, os senhores francos derrotariam outros
ataques da Espanha islâmica, e o próprio Charles logo derrotaria os exércitos Sarracenos em Avignon (737) e Corbiêre (738). Mesmo assim, Poitiers marcou o ponto máximo do avanço islâmico na Europa: nunca mais os exércitos
muçulmanos chegariam tão ao norte. Com a expulsão quase simultânea dos
árabes dos portos de Constantinopla em 717, a onda islâmica do século anterior foi finalmente detida na periferia da Europa.
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O martelo Não conhecemos a data exata da batalha — que provavelmente Ocorreu em um sábado de outubro de 732. Alguns historiadores continuam a chamar o
confronto de batalha de Tours, já que a batalha em si aconteceu em algum ponto da antiga estrada romana entre Iours e Poitiers. À posterior hosti lidade
cristã em relação a Charles Martel devido a seu confisco de propriedades ecle. siásticas incentivou os cronistas medievais a ignorar ou menosprezar seu feito;
e a glória superior dos subsegientes cruzados naturalmente obscureceu esse
confronto inicial entre exércitos muçulmanos e europeus ocidentais. A maior
parte da mitologia contemporânea e moderna em torno da batalha pode ser facilmente descartada. Os muçulmanos não invadiram com centenas de milhares de homens — trezentos mil dos quais, segundo uma das fontes, foram
mortos. Tão provável quanto essa hipótese é que as duas forças tenham sido mais ou menos do mesmo tamanho — algo entre vinte e trinta mil homens. Devido ao sucesso dos francos no recrutamento da população rural para proteger suas fazendas e propriedades, é possível que o número de europeus tenha superado o de invasores. Embora as perdas árabes tenham sido bem maiores do que o número de mortos francos, nem por isso os atacantes foram eliminados. Cerca de dez mil árabes foram mortos em Poitiers. À expansão praticamente contemporânea da primeira onda do feudalismo
também não explica a vitória franca. A expropriação de terras eclesiásticas por Charles, para que fossem distribuídas entre seus senhores e servidores,
ocorreu principalmente depois da batalha. Tampouco o sucesso de Charles foi o resultado dos estribos recém-adotados pela cavalaria européia, como se ale-
gou algumas vezes. Na verdade, os estribos apareceram no Ocidente décadas antes, mas só parece ter havido na Europa ocidental uma valorização dispersa de sua verdadeira importância — e mesmo assim bem mais tarde, entre 0º
anos 800 e 1000. Ao enfatizar o dinamismo tecnológico franco e as repentina
Movações organizacionais para explicar a derrota muçulmana, a maioria dos 206
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estudiosos compreendeu mal dois pilares da batalha antiga: o fato de que uma
boa infantaria pesada, contanto que permanecesse em formação e encontrasse uma posição defensável, geralmente derrotava uma boa cavalaria: e o fato de que um exército de cavaleiros longe de casa precisava de um sistema logís-
tico sofisticado se quisesse ser algo mais do que uma turba de salteadores, em uma busca constante de pilhagem e saque.
A invasão de Abd ar-Rahman em 732 não foi em si uma tentativa sistemática de conquistar a França e estabelecer o domínio islâmico ao norte dos Pireneus. Os cronistas contemporâneos
deram
muita importância
ao papel
proeminente da pilhagem em seus relatos da batalha: os árabes saquearam todas as igrejas e monastérios em seu caminho até Poitiers, estavam carregados de butim antes da batalha e deixaram tendas cheias de pilhagem no meio da noite para garantir sua fuga. Tanto a motivação quanto a mobilidade dos muçulmanos estavam provavelmente reduzidas quando estes chegaram a Poi-
tiers, já que estavam sobrecarregados com bagagens e prisioneiros. Se os muçulmanos houvessem vencido — Poitiers fica a pouco mais de 320 km de Paris —, esses saques teriam sido contínuos e talvez tivessem acabado por criar um enclave muçulmano semelhante ao que havia sido estabelecido no sul da Espanha duas décadas antes.
No entanto, o domínio islâmico permanente de toda a França era improvável, principalmente porque os francos liderados por Charles possuíam um exército bem-armado e corajoso de cerca de trinta mil infantes, auxiliados por alguns milhares de cavaleiros pesados. Além disso, durante boa parte do final do século VIII, os árabes e seus súditos berberes na Espanha lutaram tanto entre si quanto contra os europeus, à medida que tribos sírias impunham
a cultura islâmica com dificuldade aos nativos da África do Norte muito a Oeste. Em 915, os muçulmanos foram expulsos completamente da fronteira |
sul da França. Durante a maior parte do século IX, era mais provável francos
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atacarem localidades muçulmanas nos Pireneus do que muçulmanos invadirem a França.
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Charles venceu em Poitiers por diversas razões. Seus homens lutavam Di seus lares, e não por saques longe de suas bases de operações. Os exércitos es
tavam equilibrados, e a paridade numérica aproximada é uma vantagem para
o defensor. Embora ambos os lados tivessem cotas de malha e espadas de aço
adaptadas dos antigos modelos romanos padronizados, os francos Provavelmente
usavam armaduras e armas mais pesadas. Os carolíngios tomavam cuidado para
proibir a exportação de suas cotas de malha e de suas armas ofensivas, sugerindo qualidade e quantidade superiores. Charles fundara uma posição natural.
mente forte em Poitiers, na qual sua falange de infantes não podia ser rodeada ou cercada. Mantinha suas fileiras próximas e estava aparentemente determinado a travar o combate inteiro na defensiva. Por sua surpreendente resistência aos ataques montados em Poitiers, Charles tornou-se conhecido como “o Martelo” (Martellus) — uma alusão ao martelador bíblico, Judas Macabeu, cujos exérci-
tos israelitas haviam destruído os sírios graças a uma intervenção divina. Durante grande parte do século VII, os muçulmanos haviam derrotado uma série de inimigos fracos — persas sassânidas e bizantinos espalhados pela Ásia, e visigodos na África do Norte e na Espanha — com forças montadas relativamente pequenas. No entanto, quando Abd ar-Rahman cruzou os Pireneus, encontrou nos francos uma força inteiramente nova. Os estudiosos
franceses da batalha estavam em grande parte certos quando observaram que os árabes haviam sido bem-sucedidos contra intrusos nômades semelhantes a
eles, como visigodos e vândalos, que haviam eles próprios migrado para o norte da África e a Espanha, mas se depararam com um muro ao combater campo-
neses francos que eram nativos da Europa. Aos seus olhos, a batalha de Poitiers foi um confronto de saqueadores e soldados “sédentarisés”, que eram sedentátios, possuíam terras e consideravam a batalha mais do que um ataque isolado.
Descendentes dos germani descritos por Tácito no século I d.C., os francos viviam originalmente no território que hoje é a Holanda e no leste da Alemanha em torno do baixo Reno. Parecem ter migrado em grande quantidade pa ra a Gália próxima em torno do século V. Os estudiosos não são unânimes 208
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quanto à origem da palavra “francos”; a maioria a associa quer a seu famoso
machado de atirar, o francisca, quer à antiga palavra germânica freh/frec, que significa “corajoso” ou “selvagem”. De todo modo, sob o reinado de Clóvis
(481-511 d.C.), as tribos francas se uniram na antiga província romana da Gália e formaram o que viria a ser conhecido como a monarquia merovíngia, batizada em homenagem ao lendário chefe franco Meroveu (Merovaeus), avô de Clóvis, que lutara contra os hunos em Chãlons (451 d.C.).
Depois da morte de Clóvis, uma série de guerras dinásticas entre seus descendentes levou à criação de reinos independentes: a Borgonha, a sudoeste, nos vales superiores do Sena, do Ródano e do Loire; a Austrásia, a leste do
outro lado dos rios Mosa, Mosela e Reno; e a Nêustria, a oeste, ao longo das grandes planícies junto à costa do Atlântico. Em 700, a Gália era um insignificante reino de estados belicosos até o reinado de Charles Martel; mesmo assim, Os francos viam a si mesmos cada vez mais como uma nação, e não uma
tribo, mais de acordo com a tradição clássica do que com a tradição germânica. De fato, os merovíngios procuravam identificar seus ancestrais francos não
como as escuras florestas da Germânia, mas sim como as migrações de troianos míticos depois da conquista de Tróia. Charles Martel não estava na linha sucessória direta do trono merovíncgio, mas era o filho bastardo do rei Pepino. Apesar da falta de uma reivindicação legal do reino franco — Charles era governador do palácio, o equivalente de
um duque entre os francos austrasianos —, ele se esforçou durante toda a vida para unir esses reinos. Suas vitórias acabaram por estabelecer as bases da di-
nastia carolíngia, bem maior e mais forte que, sob seu neto Carlos Magno, testemunhou a reunificação da Europa central. Durante os dezoito anos de
guerra civil ininterrupta, de 714 a 732, Charles consolidou o reino tripartite de Clóvis e depois rapidamente expandiu sua autoridade pela Gália. Quase
todos os anos do reinado de Charles até sua morte, em 741, foram dedicados às
guerras para unificar a Gália ou para livrar a Europa do Islã. Em 734, ele lutou na Borgonha; no ano seguinte, ampliou sua consolidação da Aquitânia. E
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Por que o Ocidente venceu
Durante os anos de 736-41, houve mais uma vez guerras na Borgonha, a Provença e contra os saxões. Essas primeiras lutas acabaram permitindo que seu filho Pepino (714/1768), rei de 751 a 768, governasse oficialmente uma
Francia unificada como o primeiro rei carolíngio. Geralmente, os relatos de Poitiers se esquecem de que, quando Charles levou seus infantes para o cam.
po de batalha, eles eram veteranos endurecidos por praticamente vinte anos de combate constante contra uma variedade de inimigos francos, germânicos
e islâmicos. Além de sua formidável vitória sobre Abd ar-Rahman em Poitiers, os contem. porâneos registram três grandes feitos de Charles, que refletem a continuidade das abordagens clássicas de religião e governo. O primeiro deles foi o restabeleci. mento do controle político sobre a Igreja por meio da apropriação de mais terras eclesiásticas para proprietários privados, que por sua vez serviriam no exército
nacional de Charles. Em segundo lugar, ele tentou levar mais secularização à hierarquia da Igreja, indicando seus próprios servidores e generais aos cargos cristãos. Em terceiro lugar, Charles estendeu o controle franco para a maior
parte da província da Gália e conseguiu juntar senhores e barões locais em um exército nacional que derrotou sistematicamente as incursões islâmicas até que a Gália se viu livre de ataques muçulmanos por praticamente uma geração. Todo lar livre no reino de Charles devia fornecer um guerreiro adulto para O exército nacional, na maioria das vezes um infante pesadamente armado que lu-
taria junto a soldados de infantaria armados de modo semelhante, com grandes
escudos de madeira, túnicas de couro reforçado ou de cota de malha, capacetes de metal cônicos, montantes e lanças, dardos, machados ou uma combinação destas últimas três armas. Fortes antecedentes clássicos explicam a preponderância dos soldados de infantaria com armas pesadas nos exércitos merovíngios As tropas merovíngias eram muito influenciadas pelo Império Romano € sum
instituições, e comparativamente haviam herdado poucas características dos franco
que constituíam apenas uma minoria da população e uma parte pequena das forçs
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Victor
Davis
TEM
Hanson
que combatiam. Como em muitos aspectos da vida merovíngia, a organização militar lembra a România, e não a Germânia. (B. Bachrach, Merovingian Military
Organization [Organização militar merovíngia), 128)
O legado mais importante de Charles Martel, além da criação de um estado ocidental unificado forte o bastante para resistir à pressão do avanço islá-
mico pelo sul da Europa, foi ter dado continuidade à tradição clássica de recrutar homens livres para formar uma grande força de infantaria, na qual cidadãos, e não escravos ou servos obrigados, formavam o núcleo do exército.
Charles restabeleceu o princípio de que a monarquia franca e a Igreja eram entidades separadas, e de que em última instância as terras e cargos da Igreja
dependiam de um monarca central. Tudo isso era uma antítese em relação a seus adversários em Poitiers. Em teoria, durante os mil anos de guerra seguintes, todos os estados políticos muçulmanos seriam teocracias subservientes às leis
do Alcorão, enquanto seus exércitos em grande parte montados eram construídos em torno de um núcleo de soldados servis. Os abismos culturais de mil anos de idade, característicos das antigas guerras greco-romanas contra aque-
mênidas e sassânidas, ressurgiram na luta cristã contra o Isla.
À ascensão
do
Islã
O profeta Maomé morreu exatamente cem anos antes da batalha de Poitiers.
Naquele século entre 632 e 732, um povo árabe pequeno e bastante impotente se ergueu para conquistar o Império Persa dos sassânidas, arrancar todo o Oriente Médio e grande parte da Ásia Menor dos bizantinos, e estabelecer um domínio teocrático pela África do Norte. No passado, os romanos haviam
construído um muro para proteger sua província da Síria das tribos guerreiras da Arábia, pensando que um povo do deserto empobrecido e nômade, sem
nenhum povoado de verdade, com uma população pequena e sem nenhuma
211 RR
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capacidade logística sistemática constituía uma ameaça pequena. No entanto, E
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Por que o Ocidente
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venceu
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por volta da metade do século VIII, o reino dos árabes subitamente em ascen. são controlava três continentes e uma área maior do que o próprio antigo Im. pério Romano. As conquistas árabes foram o resultado de dois fenôme nos: o Contato ante. rior com os bizantinos, dos quais tomaram emprestado, saqueara e depois m
adaptaram armas, armaduras e algumas das organizações militares; e a fraque.
za dos sassânidas persas e dos sucessores visigodos bárb aros nas antigas pro.
víncias romanas da Ásia e da África do Norte. Muitas vezes se esquece o fato
de que o dinamismo islâmico entre os séculos VIIL e X representou uma recon.
quista de um território que havia sido dominado em grande parte por outros
povos, da Pérsia ou da Europa. Apesar de pr aticamente setecentos anos de domínio grego e romano no norte da África, as popu lações locais ainda conser.
vavam práticas religiosas, lingiúísticas e culturais nativas, e seu número superava em muito o de europeus e o de suas próprias elites oc identalizadas educadas, Tudo isso foi varrido pelo Islã. Uma vez que as antigas prov íncias asiáticas e africanas voltaram à religião e ao domínio do Oriente, a Euro pa foi a única parte do antigo Império Romano a não ser invadida pelo sul e pelo leste islá -
mico. No entanto, a conquista da Europa central — a “Grande Terr a” dos cro-
nistas árabes — era outra história. Era compreensível que o Islã — sem tradição
de infantaria pesada, batalha de choque ou militarismo cívico, e sem a capaci-
dade de criar rotas sofisticadas de suprimento e transporte — suspendesse seu ataque contra o Ocidente até a ascensão dos otomanos no século XV.
A fraqueza de outros impérios, o empréstimo das armas e da organização dos
bizantinos e o papel natural do reino asiático na Ásia em si ainda não explicam inteiramente as milagrosas conquistas islâmicas. Os exércitos árabes também
venceram por causa da natureza peculiar de sua recém-criada religião, que oferecia aos nômades incentivos específicos para lutar. Era o surgimento de uma nova
conexão entre guerra e fé, a criação de uma cultura divi na capaz de recompensar com O paraíso a matança de infiéis e à pilhagem de cidades cristãs. Matar e sa-
quear estavam agora inseridos em seu contexto correto, como atos de piedade. £12
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Por que 0 Ocidente venceu
Em segundo lugar, o violento ataque dos muçulmanos aos reinos persas, bizan. tinos e europeus era considerado um ato natural — um destino. O mundo não
era mais dividido por fronteiras nacionais ou esferas étnicas, mas era o domínio único de Maomé — contanto que seus seguidores fossem corajosos o bastante
para realizar as visões do profeta. O Islã não era uma religião estática ou reflexiva, mas um credo dinâmico que considerava a conquista e a conversão pré-re-
quisitos para a harmonia mundial. O Islã chegou em um momento oportuno
para a conquista, na medida em que os depauperados centros urbanos dos im.
périos persa e bizantino do século VII estavam especialmente vulneráveis a
grandes ataques montados de guerreiros corajosos.
Por fim, até mesmo a raça, a classe e o status eram secundários em relação à fé. O escravo, o pobre e tanto o estrangeiro de pele mais escura quanto o de
pele mais clara eram todos bem-vindos no exército de Maomé — contanto que jurassem fidelidade ao Islã. O exército de Abd ar-Rahman que adentrou
Poitiers era provavelmente composto em sua maioria por convertidos berberes, supervisionados por árabes sírios e cheio de visigodos e judeus espanhóis conquistados e convertidos. Os árabes eram uma tribo relativamente peque-
na e, portanto, a mecânica da pacificação e o controle de seus domínios islâmicos recém-adquiridos seriam impossíveis sem a participação ativa dos próprios
povos conquistados.
Os contrastes entre a ascensão relâmpago do Islã e a expansão gradual da
cristandade foram discutidos com fregiiência, mas permanecem notáveis. Na famosa argumentação de Edward Gibbon, em termos estritamente militares,
O
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a ascensão da cristandade por mil anos depois da queda do Império Romano do Ocidente (500-1500) enfraquecera os exércitos ocidentais. A atrofia militar européia não se deveu apenas às crescentes cisões religiosas e rivalidades
dinásticas, nem mesmo à perda de uma língua latina e de uma cultura romaná uniformes, mas deveu-se em parte à própria natureza do dogma cristão. A adoração de um Jesus bastante místico, que não era um homem deste
mundo — não era um soldado, um mercador, ou um político —, a mensagem 214
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do Sermão no monte das Oliveiras e à exortação de “devolver a César o que é de César” se revelariam por algum tempo incentivos fracos para atingir a
unidade política européia, a ortodoxia religiosa e o poder militar. As tradições pacifistas da cristandade no curto prazo contrastavam muito com o Islã, que teoricamente dizia que os muçulmanos não deveriam combater seguidores da mesma fé, mas sim matar todos os outros até “não haver nenhum Deus senão Alá”. No século XII, os pais da Igreja ainda tentavam negar um enterro cristão decente a qualquer cavaleiro morto durante uma justa ou um torneio; seu objetivo não era apenas preservar os europeus para a luta contra o Islã, mas tam-
bém remover o espetáculo sangrento e bárbaro da experiência cotidiana da
sociedade cristã. Mostrar a outra face, repugnar o combate sangrento e preparar-se para o próximo mundo no mundo presente era antiético para a maioria das noções clássicas tradicionais de militarismo cívico, patriotismo e busca do reconhecimento marcial do estado. A mensagem do Novo Testamento era muito diferente da Ilíada, da Eneida — e do Alcorão.
O exército dos árabes nunca fora concebido para uma colisão sistemática com uma infantaria pesada, seguida pela apropriação do território e pela
instalação de guarnições permanentes ao modo do imperialismo ocidental das tropas macedônias, romanas e bizantinas. O exército islâmico — ele próprio em grande parte montado — apoiava-se na rapidez, na mobilidade
e no terror, na convicção de que a ideologia, e não as muralhas, garantiriam vitórias duradouras. Ataques montados e tocaias, e não batalhas decisivas entre falanges de infantaria pesada, caracterizavam a maneira muçulmana de guerrear:
A composição dos exércitos islâmicos era muito diferente da dos ocidentais. Cavaleiros de todos os tipos eram predominantes e a infantaria tinha um-papel limitado... Confiava-se muito na tocaia, em parte por esta ser uma tática óbvia para a cava-
laria leve. Mas o verdadeiro grande contraste entre Oriente e Ocidente era a abordagem da batalha. Em todos os lugares, os confrontos corpo a corpo eram decisivos e a tra215
N
Por que o Ocidente venceu
dição ocidental era fazer isso o mais rapidamente possível. No Oriente, a Cavalari leve podia rodear e desfazer formações com movimentos rápidos. O. France, Westem Warfare in the age of the Crusades [Guerra ocidental na idade das Cruzadas |212.1 3)
Enquanto os árabes enfrentassem impérios moribundos como os Sassânidas
ou as tribos de visigodos do norte da África e da Esp anha, o sucesso estava garantido. Nenhum desses poderes era capaz de fornecer números suficientes de infantes armados para travar um combate Corpo a corpo com os muçulma. nos; depois da desastrosa batalha de Manzikert (1071), até mesmo os bizanti. nos perceberiam que não tinham mais nem o con tingente nem o suporte logístico para derrotar o Islã na Ásia. A expansão vertiginosa do Islã foi estarrecedora. Em 634, apenas dois anos
depois da morte de Maomé, os exércitos muçulmano s estavam bem avançados em sua conquista da Pérsia. A Síria caiu em 636; Jerusalém foi capturada
em 638; e Alexandria foi invadida em 641, abrindo todo o oeste do reino visigodo. Quarenta anos depois, os muçulmanos estavam às portas da próp ria Constantinopla, e de 673 a 677 praticamente conseguiram capturar a cidade. Em 681, os árabes se aproximaram do Atlântico, formalizando a incorporação islâmica dos antigos reinos dos bérberes. Cartago foi tomada definitivamente
em 698, e sua última rainha, Kahina, foi capturada e sua cabeça enviada ao califa em Damasco. Agora, apenas vinte e sete quilômetros separavam o Islã da Europa em si. Em 715, os visigodos haviam sido conquistados na Espanha,
e incursões periódicas no sul da França eram comuns. Em 718, os árabes haviam cruzado os Pireneus em grande número e ocupado Narbona, matando todos os habitantes do sexo masculino é vendendo as mulheres e cria nças co mo escravos. Em 720, saqueavam livremente a Aquitânia. A grande expedição de 732 comandada por Abd ar-Rahman, governador da Espanha moura, já havia capturado Poitiers e estava avançando para saquear Tours quando foi
interceptada por Charles Martel entre as aldeia s de Vieux-Poitiers e Moussais* la-Bataille, na estrada para Orlé ans.
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Durante o resto do século IX e no século X, à guerra entre Oriente e Ocidente estouraria no norte da Espanha, no sul da Itália, na Sicília e em outras
grandes ilhas do Mediterrâneo, na medida em que o antigo mare nostrum do Império Romano tornava-se a nova linha de batalha entre duas culturas inteiramente opostas. À presença de navios muçulmanos no Mediterrâneo e as guerras quase constantes contra os bizantinos no Adriático e no Egeu signifi-
cavam que a Europa ocidental e a oriental se separariam permanentemente. A idéia de uma unificação do antigo império foi abandonada definitivamente,
deixando em seu lugar uma rivalidade crescente na Europa entre um Oriente monolítico, imperial e cristão ortodoxo e os estados fragmentados e em guerra constante do Ocidente romano católico. No entanto, a guerra de cavaleiros só tinha vantagens limitadas. Os exércitos montados eram difíceis de transportar por mar; exigiam enormes quantidades de forragem e de pasto, e era difícil fazê-los passar por desfiladeiros nas montanhas
em grande número. Quando os muçulmanos chegaram aos vales da Espanha e da Europa oriental, a paisagem não era a das estepes ou do deserto, não favorecendo assim grandes movimentações de cavalaria pelas laterais. Além disso, as forças médio-orientais nunca foram numerosas o bastante para criar as bases de
um exército nacional; pelo contrário, se tornariam dependentes de soldados escravos — mamelucos no Oriente Médio e, mais tarde, janízaros entre os oto-
manos. Depois de a maré islâmica engolfar o litoral da Europa ocidental e o Império Bizantino, seu avanço começou a ser contido. Foi estabelecida uma linha estática de defesa, à medida que a civilização do Ocidente — na Espanha, nos
Bálcãs e no leste do Mediterrâneo — voltava lentamente à ofensiva com uma infantaria formada em sua maioria por homens livres.
Idade
das Trevas?
Com o colapso do Império Romano do Ocidente no final do século V d.C., o domínio do império desapareceu na Europa do norte, e com ele desapareceu 217
Por que o Ocidente venceu
também, durante algum tempo, uma economia de mercado integrada n Mediterrâneo, na África do Norte e na Ásia. A ausência de legiões para forne.
cer segurança no campo contra criminosos e invasores-levou num Primeiro
momento a uma fragmentação ainda maior das terras, uma vez que fortif.
cações maciças, e não a coragem dos soldados em batalha aberta, eram Vistas como a defesa mais confiável para as cidades. A falta de impostos centr aliza.
dos significava que aquedutos, plataformas, pontes e canais de irrigação não tinham manutenção adequada e eram muitas vezes abandonados, levando não apenas à perda de água potável nas cidades, mas também a um declínio na produtividade agrícola, já que os vales se assoreavam e que os terrenos
aplainados se erodiam.
À erosão do governo imperial central e o colapso da cultura urbana tam-
bém significaram o fim dos grandes exércitos fixos. Na ausência da autoridade
de Roma, a Itália, a Espanha, a Gália e a Bretanha foram varridas por uma série de invasões e migrações de vândalos, godos, lombardos, hunos, francos e germânicos. No entanto, os recém-chegados vitoriosos dos séculos VI e VII
não eram mais nômades, mas em geral se instalavam de forma permanente em território romano,
convertiam-se gradualmente
ao cristianismo, aprendiam
algum latim e criavam pequenos reinos guiados de maneira frouxa pela antiga tradição burocrática e legal romana. Embora os novos exércitos da Europa ocidental fossem pequenos e fragmentados em comparação a Roma e muitas
em colunas, e não em escaramuças tribais, quando se fazia necessário travar batalhas decisivas. O colapso definitivo de Roma também causou um declínio da população
da Europa ocidental; e a atividade econômica permaneceu letárgica durante grande parte da chamada Idade das Trevas, entre 500 e 800. A cristandade começou a se apropriar de terras públicas e privadas; pois precisava de enormes propriedades para manter monastérios, igrejas e conventos cujo clero, nº 218
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vezes ficassem escondidos em castelos e cidades fortificadas, mesmo assim continuavam a se apoiar em recrutamentos de infantes pesados que combatiam
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sentido estritamente econômico, não era especialmente produtivo. Assim como as propriedades dos antigos patrícios romanos foram algumas vezes expropriadas de forma insensata para a criação de cavalos pela aristocracia de francos e lombardos, a Igreja também usou as colheitas das escassas e
preciosas terras aráveis para sustentar uma vasta burocracia e um ambicioso programa de construção. Ao final do século V d.C., não havia um único
reino, da Itália lombarda à Espanha dos visigodos, capaz de mobilizar sozinho um exército do tamanho da força romana que fora aniquilada em Canas
setecentos anos antes. Ainda assim, a queda de Roma muitas vezes propagou, em vez de destruir
diretamente, a civilização clássica, na medida em que os fragmentos do império lentamente se recuperavam e mantinham vivo o núcleo cultural do antigo Ocidente. A escrita continuou. Mesmo a literatura e a investigação científica nunca foram completamente perdidas. O latim continuou a ser a língua escrita universal do governo, da religião e do direito da Itália ao mar do Norte. À Idade das Trevas (o termo referia-se originalmente à escassez de fontes
escritas sobre a época) não foi nem tanto caracterizada pelo caos de um império caído, mas sim pela nova difusão de grande parte da cultura clássica — língua, arquitetura, práticas militares, religião e perícia econômica — pela Europa do norte, especialmente pela Alemanha, França, Inglaterra, Irlanda e Escandinávia.
O Islã se espalhara no sul e no leste com a criação de um estado teocrático inteiramente novo; em contraste, os resquícios da cultura clássica, aliados à cristandade, avançaram pela Europa do norte e do oeste devido ao colapso do Império Romano. “Apesar da confusão e da destruição resultan-
tes”, observou Henri Pirenne a respeito do suposto fim da civilização romana no norte da Europa durante o século V d.C., “nenhum novo princípio apareceu
na ordem econômica ou social, nem na situação linguística, tampouco nas instituições existentes. A civilização que sobreviveu foi a mediterrânea” hammed
and
Charlemagne
[Maomé
e Carlos Magno],
284).
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Por que o Ocidente venceu
Na verdade, os séculos VI e VII viram melhorias. Durante as últimas dé. cadas do Império Romano, houvera um deslocamento gradual da população
agrária, concentrações de grandes quantidades de riqueza e um CONstante conflito de classes nas cidades. A continuidade da cultura clássica na Gália antiga do século VI ao século VIII, mesmo em condições materiais ra.
dicalmente diferentes e turbulentas, significou com frequência que o po. verno local estava mais atento aos problemas rurais do que Roma estivera
durante seus últimos dois séculos. Sob os merovíngios e carolíngios, em lugar algum surgiu o enorme número de escravos que caracterizara a civilização ro-
mana (no século IV d.C., em algumas partes do império, quase um quarto da população era servil). Embora a riqueza e a idéia de nação romana tenham desaparecido do Ocidente durante algum tempo, a tradição militar mortal da Antiguidade clássica foi, apesar de tudo, mantida viva. A maioria das gran-
des descobertas militares do milênio seguinte, tanto em matéria de armas quando de táticas, teria origem na Europa — elas ainda eram os dividendos
da abordagem ocidental da disseminação dos dados empíricos, do método científico e da livre investigação.
O “fogo grego” surgiu em Bizâncio em algum momento por volta de 675. Embora seus ingredientes exatos e as proporções da mistura permaneçam desconhecidos até hoje, a torrente de chamas projetada pelas galés bizantinas era aparentemente uma poderosa fusão de nafta, enxofre, petróleo e cal que não podia ser apagada pela água — uma espuma tóxica praticamente indestrutível capaz de incinerar os navios inimigos em segundos. Tão engenhoso
quanto a química do fogo grego era o volvia um conhecimento importante mecânica. Um recipiente vedado era foles e injetado com ar comprimido
método como ele era expelido, que ende bombas, pressurização e engenharia
aquecido por baixo com combustível é de uma bomba. Em seguida, a mistura comprimida era forçada para fora por outra saída para dentro de um longo tU” bo de bronze. A massa em forma de geléia era acesa na ponta do cano, € 0 1% sultado era um mar de chama contínuo expelido por esse antigo lança-chamas: 220
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Navios
equipados
com
esses potentes instrumentos
permitiram
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à pequena
marinha bizantina dominar o Mediterrâneo oriental e, em algumas ocasiões, salvaram a própria Constantinopla — a mais dramática delas foi a incineração da armada islâmica do califa Sulayman em 717, por Leão III, nas águas em torno da capital. As origens exatas do estribo estão cercadas de controvérsias — ele pode ter sido originalmente uma criação asiática —, mas em 1000 d.C. a maioria
dos cavaleiros ocidentais usava novas selas equipadas com estribos, mesmo
havendo tomado conhecimento de seu uso por intermédio dos árabes, que haviam copiado os modelos originais quer dos bizantinos, quer graças ao comércio com o Oriente no início do século VII. Nos reinos europeus ocidentais, o estribo não era visto apenas como uma ajuda para o controle do cavalo, mas também como parte integrante da emergência de um novo cavaleiro armado
com lança, capaz pela primeira vez de absorver o choque do ataque com lança a um alvo fixo e a galope sem ser lançado para fora da montaria. Embora tais lanceiros nunca fossem capazes de romper uma verdadeira infantaria, peque-
nas formações podiam facilmente alcançar grupos isolados de soldados de infantaria tanto durante o ataque quanto durante a retirada. O estribo não significava que os exércitos europeus ocidentais fossem dominados por lanceiros pesados, mas sim que esses exércitos, compostos em sua maioria por
infantaria, podiam, em momentos-chave da batalha —
quando apareciam
brechas nas linhas inimigas, ou durante a debandada — enviar pequenos grupos
de cavaleiros mortíferos para matar impunemente infantes leves e soldados de infantaria mal-organizados.
A balista — que em 850 já era usada em toda a Europa — era um derivado menor do clássico “arco de barriga”, no qual uma manivela manual fora subs-
tituída por grandes cabos de torção e rodas dentadas. Estudiosos citam as
deficiências da balista em comparação tanto com o posterior arco inglês quanto com o arco misto oriental — ambos tinham alcance maior e atiravam flechas com mais rapidez. A balista, no entanto, exigia muito menos treinamento 221
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que o Ocidente venceu
para ser usada do que qualquer um dos dois, não cansava o arqueiro tanto
quanto arcos que precisavam ser esticados com a mão, e suas flechas Menores
e feitas inteiramente de metal tinham maior poder de penetração a curta dis. tância. Só as flechas de balista eram capazes de penetrar nas pesadas cotas de
malha do cavaleiro, e isso significava que um homem relativamente pobre,
sem muito treinamento, era capaz de matar tanto um cavaleiro aristocrático
quanto sua montaria vestida com armadura em questão de segundos, usando um pequeno projétil de metal. Conseguentemente, a Igreja emitiu vários éditos contra o uso da balista — uma tentativa de repressão tecnológica condenada
ao fracasso e sem nenhuma herança no Ocidente —, e finalmente recuou até uma posição que exigia o banimento das balistas em todas as guerras intra. muros entre cristãos.
As máquinas de cerco passaram por melhorias contínuas. Depois de 1180,
grandes catapultas eram acionadas por contrapesos em vez de apenas por torção. Esses trabucos muitas vezes tinham contrapesos de dez toneladas e eram capazes de lançar pedras de cento e trinta e seis quilos a bem mais de noventa metros, superando em cinco vezes o peso lançado pelas antigas catapultas
romanas de tração e mantendo praticamente o mesmo alcance. Por sua vez, as fortificações eram construídas inteiramente de pedra e tinham alturas inconcebíveis pelos engenheiros clássicos, cheias de intrincadas torres, ameias e
torres internas. Os castelos e muros europeus não apenas eram maiores e mais sólidos do que os da África e do Oriente Médio, mas também mais numerosos
devido a melhorias no corte, transporte e levantamento de pedras. A armadura em
chapas,
comum
por volta de
1250,
também
era uma
especialidade
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européia que assegurava à maioria dos cavaleiros e infantes europeus uma pro
teção bem melhor do que a de seus adversários islâmicos. Quando a pólvora foi introduzida pelos chineses no século XIV, só a Europa era capaz de fabricar canhões confiáveis e pesados — Constantinopla caiu em 1453 praças aos esforços de uma artilharia fabricada na Europa —, e armas de mão com trava de mecha em número suficiente. Da mesma forma, navios inteirame nte equipados,
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com várias velas, eram comuns nas águas européias em 1430, e superavam qualquer embarcação das marinhas otomana ou chinesa.
A chave para essa contínua capacidade ocidental de fabricar boas armas. junto com uma doutrina tática fluida e inovadora, era à adoção de uma pes-
quisa militar conduzida abertamente, aliando teoria e experiência de campo, para oferecer conselhos pragmáticos aos comandantes no campo de batalha. Os manuais romanos tardios de Frontinus, e mais ainda os de Vegetius, continuaram a ser copiados até mesmo durante a Idade das Trevas e tornaram-se uma espécie de bíblia para muitos guerreiros europeus ocidentais. Rabano
Mauro, o arcebispo de Mainz do século IX, publicou uma edição anotada de De re militari especialmente destinada a melhorar o modo franco de guerrear. Durante os quatrocentos anos seguintes, adaptações e traduções de Vegerius foram publicadas por toda a Europa por Alfonso X (1252-84), Bono Gimabo-
ni (1250) e Jean de Meung (1284). A arte do cerco européia em si não tinha rivais, justamente porque seguia
a tradição anterior da poliorketika clássica (as artes de “cercar a pólis”). Manuais como o Mappae Clavicula instruíam os sitiantes no uso de máquinas e instrumentos incendiários. Os imperadores Maurício (Ars militaris) e Leão Vl
(lactica) enfatizavam as táticas de infantaria e navais bizantinas ao preparar manuais ensinando seus generais e almirantes a manter o mar Mediterrâneo
e seus portos livres de frotas árabes. Por sua vez, os escritos islâmicos sobre a guerra raramente eram abstratos ou teóricos — ou mesmo práticos —, mas sim mais holísticos e filosóficos, e se preocupavam em grande parte com as re-
gras corretas e com a conduta da jihad. Entre os primeiros francos, essa necessidade de escrever sobre a guerra e
publicar manuais sobre sua prática era um costume herdado diretamente dos pensadores romanos e gregos.A prática militar não existia em um vá-
cuo, mas estava intimamente relacionada à presença de uma elite instruída familiarizada com as idéias clássicas de organização e armamento militares. Sob os carolíngios, adotou-se uma abordagem sistemática para a preservação
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Por que o Ocidente venceu
dos manuscritos
clássicos, junto com
esforços para garantir uma
educaçã
na tradição greco-romana:
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Embora fosse definida pela religião, a Europa também era uma comunidade de estudiosos que liam e escreviam a mesma língua latina e resg ataram grande parte do
legado da Antigiiidade de uma perda irrecuperável. Nos séculos IX e X, os mestres de escola elaboraram um novo currículo de estudos baseado em parte nos clássi cos que haviam redescoberto. Ào fazer isso, criaram as bases das práticas educacionais por séculos. (P Riché, The Carolingians [Os carolíngios], 361)
Além disso, a tradição historiográfica da Grécia e de Roma continuou no Oriente e Ocidente cristãos, especialmente as propensões helênicas e roma-
nas de Heródoto, Tucídides, Lívio e Tácito de ver a história em grande parte com o relato da guerra e da política. Assim, Gregório de Tours (534-94, História dos francos), Procópio (nascido por volta de 500, História das guerras de Justiniano), Isidoro de Sevilha (História dos godos, escrito em 624) e Beda, o
Venerável (672-735, Eclesiastical History of England [História eclesiástica da Inglaterra]) forneceram detalhes antropológicos sobre várias tribos como parte de exegeses maiores de conquistas e derrotas interculturais. Os trabalhos de
centenas de outros cronistas e compiladores menos conhecidos circularam pela Europa, e o simples número de títulos era incomparável a qualquer outra
coisa publicada em outro lugar. Houve diversos historiadores islâmicos primitivos, muitos dos quais im-
parciais e notavelmente críticos, mas poucos consideravam que a história existia antes da era do Profeta (daí a máxima “O Islã anula tudo o que hou-
ve antes dele”). Além disso, os parâmetros de investigação eram limitados
pelo Alcorão, cuja primazia literária e histórica não tolerava a competição de meros mortais. Ao contrário da historiografia clássica — parece haver Poucos indícios de qualquer tradução árabe antiga dos principais historia dores gregos —, os lapsos morais, e não os erros táticos ou falhas estruturais 224
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eram citados como razões para as derrotas islâmicas. Depois de Poitiers, os cronistas árabes, como no caso dos observadores otomanos depois de Lepanto, atribuíram a carnificina islâmica a sua própria maldade e impíedade, que causaram a
ira de Alá.
O arado puxado por cavalos e com pontas de ferro surgiu primeiro na Eu-
ropa, permitindo que as terras fossem trabalhadas com mais rapidez e profundidade do que com as antigas pás de madeira puxadas por bois. A capacidade de arar com mais eficiência proporcionou aos ocidentais mais comida e mais
oportunidades do que a seus vizinhos do sul e do leste. Já no final do século XII, os moinhos de vento, diferentes de qualquer coisa existente no Oriente Médio ou na Ásia,
apareceram na Inglaterra e no norte da Europa. Com um eixo
horizontal rotativo e um sistema de engrenagens, essas máquinas eram capazes de moer trigo em quantidades inimagináveis quer na Antiguidade clássica quer no não-Ocidente contemporâneo. Rodas d'água melhoradas — mais de cinco mil só na Inglaterra no século XI — eram usadas não apenas para moer grãos, mas também para fabricar papel, tecido e metal. O resultado foi que os
exércitos ocidentais puderam fazer campanhas mais longe de casa — tanto porque eram capazes de levar uma quantidade maior de víveres, quanto porque os agricultores podiam se ausentar por períodos mais longos. Os historiadores
geralmente observam a falta de disciplina dos exércitos de cruzados, as constantes disputas no comando, as horrendas condições dos acampamentos e a ocasional imbecilidade de suas táticas, esquecendo-se de que o transporte
e a manutenção de milhares de soldados do outro lado do Mediterrâneo era um feito de genialidade logística que os exércitos islâmicos da época eram incapazes de reproduzir.
ociÀ ciência e a tecnologia por si sós não salvaram os exércitos europeus
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dentais, menores e mais fragmentados, de seus adversários. As tradições clássicas de organização de infantaria € de recrutamento de soldados também foram mantidas vivas. O comando e a disciplina militares seguiram a tradição e latina. romana e assim, naturalmente, à nomenclatura permaneceu grega 225
Por que o Ocidente venceu
Os imperadores bizantinos, a exemplo dos senhores macedônios, Teferiam-se a seus soldados como systratidtai — “companheiros em armas”. Os generais, as.
sim como na Grécia clássica, continuaram a ser stratêgoi e os soldados Stratidtai,
enquanto no Ocidente os soldados livres eram milites, tanto pedites (soldados
de infantaria) quanto equites (cavaleiros). Cidadãos continuavam a Ser recru.
tados segundo códigos de conduta divulgados e legais — os chamados “ capitulares” —, com direitos e responsabilidades explícitos. O exército de Charles Martel não era tão disciplinado nem tão grande quando um exército consular romano, mas a maneira como seus lanceiros e
espadachins pesadamente armados foram recrutados, atacaram a pé e conser. varam a formação era consistente com a tradição clássica. As campanhas precisavam da aprovação de assembléias, e os governantes passavam por auditorias
depois da batalha.
Ao final do século VIII, dois obstáculos aparentemente insuperáveis que outrora haviam enfraquecido os recrutamentos imperiais romanos dos séculos V e VI d.C. — o fato de os cidadãos romanos não servirem em seu
próprio exército e as restrições religiosas contra o militarismo cívico e as
guerras de conquista levantadas pela Igreja cristã primitiva — estavam começando a ruir. Agostinho compusera seu Cidade de Deus depois do saque a Roma em 410 d.C. para associar a punição divina à punição dos pecados dos romanos. Mesmo antes disso, alguns imperadores cristãos, como Graciano, haviam banido estátuas públicas e comemorações de vitórias
militares, de certo modo paradoxais em relação à mensagem de Cristo de paz e perdão. No entanto, no início da época medieval, o antigo pacifismo dos pais da Igreja romana como Tertuliano (Ad martyres, De corona militis), Orígenes (Exhortatio ad martyrium, De Principiis) e Lactâncio (De mortibus
persecutorum) era geralmente ignorado, na medida em que o credo do Antigo
Testamento e sua idéia de guerras contra os infiéis tornavam a ganhar pri-
mazia em detrimento da mensagem dos Evangelhos. Tomás de Aquino, po!
exemplo, podia enumerar as condições das guerras cristãs “justas”, nas quai s 226
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a causa do conflito podia fazer da guerra uma empreitada moral crist a. A cristandade jamais demonstraria o fervor marcial do Islã, mas, durante a
Idade das Irevas, reprimiu até certo ponto suas pretensões pacifistas dos primeiros tempos e sua distância dos assuntos dos políticos mundanos. O que era evocado para manter o Islã a distância eram as proezas militares de Josué
e de Sansão, e não as exortações à paz de Jesus.
Francos, lombardos, godos e vândalos podem ter sido tribais, e seus exércitos eram mal organizados; mesmo assim, esses “bárbaros” compartilhavam a
idéia comum de que, como homens livres de sua comunidade, eram obrigados a lutar — e estavam livres para dispor do resultado da pilhagem dos inimigos.
Nesse sentido de militarismo cívico, lembravam mais os antigos exércitos clássicos de um passado republicano do que os legionários imperiais contratados na fronteira defensiva de Roma:
A confiança maciça em cidadãos soldados no Ocidente diminuiu as demandas ao governo central por fundos para sustentar o exército... De fato, a flexibilidade do Oci-
dente na melhoria de evoluções surgidas durante o Império Romano tardio teve como resultado imensas forças militares que, por exemplo, provaram seu valor no sucesso dos estados cruzados por duzentos anos contra obstáculos assustadores. (B. Bachrach, “Early medieval Europe” [A Europa medieval primitiva], in K Raaflaub e N. Rosenstein, orgs., War and Society in the Ancient and Medieval Worlds [Guerra e
sociedade no mundo antigo e medieval], 294)
As legiões haviam desmoronado não por causa de fraquezas de organização, atrasos tecnológicos ou mesmo problemas de comando e disciplina, mas sim por causa da escassez de cidadãos livres dispostos a lutar por sua própria liberdade e pelos valores de sua civilização. Os bárbaros tinham guerreiros
corajosos desse tipo e, quando absorveram os fatos básicos do militarismo romano, surgiram vários exércitos ocidentais locais eficientes — como os mu-
culmanos aprenderam em Poitiers. -
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Por que o Ocidente venceu
Infantaria, propriedade e cidadania Um monopólio montado?
Charles Martel e seus sucessores carolíngios — seu filho, Pepino III, e seu Neto Carlos Magno — fundariam as bases do estado feudal medieval, ao qual, por volta do ano 1000 d.C., tradicionalmente associamos cavaleiros, galanteria e grandes cavalos de guerra em cotas de malha. O consenso geral é que, entre o colapso definitivo de Roma (500 d.C.) e o uso generalizado da pólvora (1400),
o cavaleiro montado dominou os campos de batalha da Europa. Na verdade, na maior parte das grandes batalhas durante esse milênio, os infantes continuaram
a superar numericamente a cavalaria em pelo menos cinco contra um. Mesmo na Idade Média tardia, nas três grandes batalhas da Guerra dos Cem Anos — Crécy (1346), a segunda grande batalha em Poitiers (1356) e
Agincourt (1415) —, a maioria dos combatentes montados, que eram mino-
ria tanto no exército inglês quanto no francês, desmontou e lutou no chão. Os temíveis cavaleiros de Cortés, que fizeram em pedaços a numerosa massa de astecas, representavam menos de 10% dos conquistadores no México. O muro de infantaria de Charles Martel em Poitiers não era nenhuma aberração — os infantes francos, suíços e bizantinos constituíam o núcleo mais importante de seus respectivos exércitos medievais. Embora seja verdade que a arte medieval glorificava o cavaleiro como um aristocrata, que a Igreja tentou inculcar nele um sentimento de responsabili-
dade moral pela preservação da sociedade cristã, e que a maioria das monarquias tirava seu apoio natural das elites montadas, os cavaleiros nunca foram
numerosos, econômicos ou versáteis o bastante na Europa para garantir O SU-
cesso em confrontos maiores — especialmente em batalhas que podiam envolver até vinte ou trinta mil combatentes. Não há nenhum confronto carolíngio importante no qual os infantes
não
fossem
a força
dominante
no campo de
batalha. O papel do feudalismo e o romance do guerreiro montado primitivo
devem ser considerados em uma perspectiva cultural adequada: 228
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Herdeiro do reino franc o conseguiu reunir quase toda a Europa cristã e ocidental.
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Por que o Ocidente venceu
Apesar da ênfase na propriedade de cavalos, o feudalismo carolíngio não deve ser
equiparado ao sistema militar dos nômades. As terras cultivadas da Europa ocidental não podiam suportar uma grande população de cavalos, e os exércitos feudais queres.
pondiam ao chamados às armas não se pareciam nem um pouco com uma horda de povos montados. A diferença estava em grande medida na cultura militar das tribos teutônicas, que enfatizavam o combate cara a cara com armas de penetração, tradição essa reforçada por seus encontros com o exército romano antes deste perder seu treina.
mento legionário. Essa cultura fora preservada quando os guerreiros ocidentais haviam passado a combater montados, e reforçada pelas potencialidades do equipamento que vestiam e das armas que usavam quando montados. (J. Keegan, History of Warfare [História da guerra], 285)
O exército de Charles Martel na batalha de Poitiers era a continuação de uma tradição ocidental de 1.400 anos iniciada na Grécia e em Roma, que valorizava a infantaria fundiária. As razões para esse chauvinismo ocidental original em relação a soldados de infantaria pesadamente armados e bem-protegidos eram mais uma vez específicas da Europa, e se deviam em grande parte às realidades econômicas, políticas, sociais e militares que ha-
viam sido estabelecidas séculos antes na Grécia e sobrevivido ao colapso de Roma. Para recrutar uma infantaria eficaz — ou seja, capaz de fazer frente
a ataques montados e de atacar e derrotar fileiras de arqueiros e de soldados com armas de arremesso —
no mundo
antigo e medieval, havia três
pré-requisitos. Em primeiro lugar, a geografia: os melhores infantes eram populações rurais consolidadas, produto de uma geografia em grande parte
formada por vales e planícies situadas entre cadeias de montanhas que
favoreciam a agricultura intensiva. Em contraste, os terrenos montanhosos são o lar dos pastores que, com fundas, arcos e dardos, dominam as artes da tocaia e do patrulhamento das estradas de trânsito — como, por exemplo, as diversas tribos das montanhas da Ásia central que atacaram os Dez Mil de Xenofonte em sua retirada para o mar Negro. Por outro lado, as estepes
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ou planícies ininterruptas favorecem cavaleiros nômades e trib ais, garantindo
pasto em profusão e, mais importante, espaço para os grandes movimento s de
cavalaria que podem rodear e cercar colunas de soldados de infantaria — como descobriram, por exemplo, os romanos na Pártia. No entanto, a Europa, dos Bálcãs às Ilhas Britânicas, era em grande parte um continente de boas
terras aráveis e vales, entrecortado por montanhas e rios, ideal para as operações de infantes pesados: solo plano para ataques decisivos de soldados de infantaria de difícil mobilidade, com colinas e montanhas próximas para
evitar um ataque montado pelos lados.
Em segundo lugar, os melhores infantes da era pré-industrial eram geralmente produto de um governo centralizado, e não tribal. As cidades-estado e
as repúblicas tinham o poder de mobilizar a grande maioria da população, treiná-la a marchar em cadência e a manter-se em formação, e eliminar, ou pelo menos unificar, barões privados e clãs de elite. É verdade que o fim do Império Romano destruiu por séculos a idéia clássica de uma vasta nação em armas e de uma autoridade política central forte que contratasse, treinasse, pagasse e aposentasse duzentos e cinquenta mil legionários uniformemente ar-
mados pelo mundo mediterrâneo afora. No entanto, em uma escala muito reduzida, as comunidades locais no Ocidente e uma Bizâncio isolada tentavam manter vivas as antigas tradições clássicas de organizar arrendatários e pequenos proprietários por meio de recrutamentos em grande escala, unindo-os em uma defesa organizada de sua terra natal.
Em terceiro lugar, a produção de uma infantaria potente e numerosa também
exigia um semblante de igualitarismo, quando não um governo
consensual — ou pelo menos a ausência de servidão generalizada. Infantes bem-sucedidos precisavam de capital suficiente para fornecer armas ade-
quadas. Precisavam de algum tipo de voz política, ou de uma relação recíproca com os mais ricos, para assegurar-lhes um sentimento de autonomia limitada. Idealmente, os melhores soldados de infantaria eram proprietários ou usufrufam de terras aráveis e, assim, lutavam com um sentimento 231
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Por que o Ocidente venceu
de chauvinismo territorial — a idéia de que combatiam ombro Contra om. bro para proteger uma propriedade real que consideravam sua. Na Idade das Trevas e na Idade Média, a paisagem da Europa não mudou em relação à época clássica. Embora o controle central de Roma houvesse desaparecido e a população rural autônoma houvesse sido em grande parte
perdida logo no século III d.C., mesmo assim a Europa ocidental mantinha uma população rural viável de tamanho considerável, que encontrava no se.
nhor local e no rei regional uma semelhança com o antigo sistema de recruta. mento e de luta com homens de mesma espécie. Embora sejam chamados
algumas vezes de “livres dependentes”, os soldados de infantaria da Europa
entre 600 e 1000 d.C. não eram servis e tinham uma situação política bem melhor do que a dos servos orientais. Todos os deveres e obrigações tinham em contrapartida determinados direitos e privilégios. Em contraste, o grande
general bizantino Belisário (500-65 d.C.) não estava muito longe da verdade quando descreveu a infantaria oriental na Pérsia como rústicos indisciplina-
dos forçados a juntar-se ao exército apenas para derrubar muralhas, pilhar cadáveres e auxiliar soldados de verdade. Não havia nada como os janízaros ou os mamelucos na Europa ocidental.
As origens da infantaria pesada De onde surgiu essa tradição ocidental de supremacia da infantaria que sobreviveu até mesmo ao colapso de Roma? Na Grécia, e não antes disso. Como vimos
anteriormente, ao discutir sua invenção da batalha de choque, a criação da pólis helênica (800-600 a.C.) foi o resultado de uma nova classe de pequenos proprietários livres que, como infantes hoplitas pesadamente armados, se juntavam em
falanges e participavam de batalhas de choque por causa de disputas territoriais. Seu surgimento marcou o declínio dos cavaleiros aristocráticos que haviam goza” do de privilégios durante séculos. O surgimento dos infantes foi um desenvolvimento revolucionário inédito, quer no próprio passado miceniano dos gregos,
quer no mundo contemporâneo do Mediterrâneo ocidental .
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A medida que as terras cultivadas começaram a ser distribuídas de maneira mais equitativa e cultivadas com mais intensidade, o pasto para os cavalos tornou-se escasso. Mesmo quando era possível encontrar forragem, os cavalos não faziam sentido economicamente. Dez hectares dedicados ao cultivo de
grãos, árvores e vinhas podiam alimentar uma família de cinco ou seis pessoas, em vez de proporcionar uma montaria para um único homem rico. Na época de Charles Martel, um cavalo custava tanto quanto vinte cabeças de gado.
Em relação à quantidade de forragem consumida, o gado também era mais eficiente por trás do arado; e, é claro, o gado fornecia carne. Por sua vez, muitos
europeus tinham um tabu cultural em relação a comer carne de cavalo. Na mitologia grega, cavalos como Arion, Pégaso e os corcéis falantes da Ilíada eram
venerados e quase humanos em sua lealdade, coragem e inteligência. Não fazia sentido nem para a agricultura nem para a cultura criar cavalos nas planícies
povoadas e nas pequenas comunidades da Grécia antiga. Quando a cidadania foi estendida aos agricultores médios da Grécia dos séculos VIII a VI a.C., a defesa da comunidade passou para as mãos dos pro-
prietários, que votavam para escolher quando e onde lutar — geralmente em
batalhas curtas e decisivas de colisão de infantaria pesada, de modo a assegurar resultados claros e permitir aos combatentes agricultores que voltassem logo para casa e para suas colheitas. Entre os pequenos proprietários hoplitas, montar a cavalo não tinha relação com prestígio, mas com a suspeita de intriga política por parte de direitistas ricos que podiam derrubar o governo popu-
lar. Considerava-se que os homens que possuíam cavalos haviam, de algum modo,
desviado recursos da comunidade
para seu uso particular. Militar-
mente, as lanças das fileiras compactas das falanges tornavam os ataques de cavaleiros — sem estribos e montando pequenos pôneis — impotentes. Da mes-
ma maneira que era mais barato “criar” uma família do que um cavalo em um Pequeno pedaço de terra, era mais econômico para um estado treinar um agricultor com uma lança a manter-se em formação do que um senhor montado a permanecer no cavalo durante um combate.
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Por que o Ocidente venceu
O resultado foi que, até Alexandre, o Grande, quatro século s de Cultura helênica crucificaram os cavaleiros. Em Esparta, Xenofonte alegava que ape.
nas os “mais fracos e menos ansiosos pela glória” montavam cavalos (Hellenica 6.4.11). Essa visão desdenhosa da cavalaria era comum em toda a Grécia clás.
sica; o orador Lísias, por exemplo, gabou-se à assembléia de que, em uma ba.
talha no rio Haliartos (395 a.C.), seu cliente, o rico aristocrata Mantit heos,
escolhera enfrentar o perigo como hoplita, em vez de servir “em segurança”
como cavaleiro (16.13). Alexandre se deu conta de que esse monopólio da
infantaria nas cidades-estado gregas não tinha sentido mili tar quando a guer-
ra se afastava para além dos pequenos vales do continente e env olvia diver-
sos inimigos asiáticos — arqueiros, tropas armadas leves e cavaleiro s armados de maneira variada — nas vastas planícies e terrenos montanhosos do Ori ente. Ele também nutria antipatia, e não fidelidade, pelo agrarianismo . Seus Companheiros macedônios aristocráticos, assim como os cavaleiros leves tessalô.
nicos que o acompanhavam, eram senhores montados, que viviam em grandes propriedades nas grandes planícies do norte da Grécia. Todos eram produtos
da monarquia, e não de um governo consensual. Há toda uma série de trechos na literatura antiga que reflete esse ideal segun-
do o qual pequenas propriedades produziam bons infantes, enquanto grandes propriedades produziam apenas uma pequena elite de cavaleiros: o papel ade-
quado da terra arável é nutrir famílias de infantaria, e não ficar improdutiva ou
criar cavalos. Aristóteles lamentava que na sua época, no final do século IV a.C, O território em volta de Esparta não fosse mais habitado por lares de hoplitas espartanos — embora, segundo ele, aquela região pudesse ter sustentado “trinta mil hoplitas” (Política 2.1270931). Na sua época, no final do século I a.€., o bió“grafo Plutarco deplorava o esvaziamento em grande escala do campo greg o,
observando que o país todo mal podia recrutar “três mil hoplitas”, praticamente o mesmo tamanho da força que Megara sozinha mobilizara na batalha de Platéia (Obras morais 414A). Do mesmo modo, ao comentar a natureza elitista de um esquadrão da Cavalaria dos Companheiros de Felipe, o historiador Teopompo
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observou que, embora fossem apenas oitocentos, eles possuíam a renda equivalente a “não menos de dez mil proprietários gregos das melhores e mais produtivas terras” (Fragmentos de história grega 115, 225). O que Teopompo quis dizer foi que terras cultivadas de forma intensiva tinham como resultado uma abundância de infantaria hoplita, e que esse era um ideal político, cultural e militar — ao contrário das grandes propriedades do norte que sustentavam cavaleiros, não
soldados proprietários, alimentando assim a autocracia.
Apesar da perícia dos Companheiros montados, Felipe e Alexandre apren-
deram mais com os gregos do que estes com eles, já que o núcleo do exército
imperial da Macedônia era formado pelas lanças dos falangistas e hipaspistas
— não mais do que 20% do exército de Alexandre iam montados. Alexandre
conquistou a Pérsia graças a uma combinação de cavalos e piqueiros; mas esse legado quer foi rapidamente esquecido pelos Sucessores, quer considerado
irrelevante nas guerras subsequentes contra outros dinastas macedônios. Entre 323 e 31 a.C., o Oriente helenístico foi convulsionado por uma guerra praticamente"constante, que geralmente era decidida pela colisão de piquei-
ros treinados profissionalmente, os únicos capazes de derrubar outros infantes e expulsar o inimigo do campo de batalha. O próprio Alexandre, que retalhou as fileiras da infantaria persa, poderia ter tido bem menos sucesso se houvesse atacado de frente os falangistas de seus próprios generais Sucessores.
Durante quase mil anos, Roma depositou sua fé na infantaria, uma tradição que cresceu entre os pequenos proprietários italianos dos séculos IV e II a.C.
que protegiam o governo republicano por meio de seu próprio serviço nas legiões. Pequenos números de cavaleiros eram recrutados no exército romano como auxi-
liares de tribos do norte europeu e de povos nômades do norte da África. Essas tradições de infantaria eram resistentes. Junto com elas, a incapacidade de desen-
volver um contingente de cavalaria altamente treinado do calibre dos Companheiros de Alexandre custou a Roma em diversas ocasiões, da camificina de Crasso na Pártia (53 a.C.) ao triunfo dos godos contra Valeriano em Adrianópolis (378 d.C). Mais uma vez, à história da Grécia e de Roma continua a
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história de um milênio de superioridade militar sobre seus inimigos, dominância que foi o resultado de uma primazia em matéria de infantaria fundiária. Continuidade clássica na Idade das Trevas e na Idade Média A queda de Roma significou um retorno às condições da primeira Idade das Trevas européia (1100-800 a.C.), antes da pólis, quando os barões locais, a
criação de gado e os guerreiros montados dominavam uma paisagem grega
maior, caótica e pouco habitada? Não inteiramente, porque as tradições de
Roma, como vimos, não foram esquecidas, e a segunda Idade das Trevas eu. ropéia, entre 500 e 1000 d.C., nunca foi tão obscura quanto logo depois do
colapso dos reinos micenianos na Grécia. Durante a confusão dos séculos Ve VI] d.C., a infantaria continuou a ser a principal força dos bizantinos — que lutavam com uma proporção de quatro homens a pé contra um montado =
mesmo quando acabaram desenvolvendo cavaleiros de choque em cotas de
malha montando cavalos maiores com estribos.
Francos, normandos e bizantinos tinham orgulho das temíveis investidas de sua elite bastante pequena de cavaleiros em pesadas cotas de malha, que de certo modo representavam a idéia ocidental de soldados de infantaria com armaduras e piques transferidos para o lombo de cavalos. Os cavaleiros oci-
dentais eram em geral lanceiros mais bem armados, mais pesados e mais mortíferos do que seus equivalentes islâmicos mais frágeis e móveis, refletindo assim justamente a preferência européia por batalhas de choque decisivas. No entanto, durante as batalhas maiores na Europa e no exército de cruzados na Terra Santa, esses temíveis ataques de cavalaria significavam desastre, a não
ser que houvesse um contingente bem maior de infantes para chocar-se com
o inimigo. Era geralmente a infantaria, e não os cavaleiros, que determinava o desfecho dos conflitos carolíngios.
Mesmo com a adoção dos estribos na Europa ocidental em algum momento entre 800 e 1000 d.C., a maioria dos cavaleiros pesadamente armados não era capaz de atacar uma infantaria bem treinada que estivesse bem postada
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em seu lugar, com escudos e lanças em posição de combate. Além disso, nem todos os cavaleiros eram muito ricos. Muitas vezes, grupos de cavaleir os de
propriedades mais modestas estavam acostumados a desmontar e lutar no
chão. Os cavalos por si sós nem sempre equivaliam a uma verdadeira cavalaria de choque, mas serviam como um tipo de táxi que transportava infantes
pesados até o local da batalha. Não se trata de dizer que a Europa mobilizava poucos cavaleiros bons, mas sim que as tropas montadas eram sempre superadas em número pela infantaria. O glamour e a mitologia da Idade das Trevas e da Idade Média diziam respeito a cavaleiros montados. Em pequenas batalhas e ataques surpresa, cavaleiros em cotas de malha tinham uma enorme vantagem sobre camponeses desprotegidos. Embora a Europa nunca tenha possuído o pasto necessário a uma verdadeira cultura do cavalo — os cavaleiros nômades podiam levar de cinco a dez pôneis junto com cada cavaleiro montado —, suas ricas propriedades geralmente permitiam a produção de animais
suficientes para criar um pequeno quadro de cavaleiros montados que, como pequenos senhores, ajudaram a criar o sistema da vassalagem e, com ele, o feudalismo medieval primitivo. A ausência de um estado central também significava que treinamentos sistemáticos e uniformes eram geralmente difíceis para soldados de infantaria. A sabedoria popular contemporânea sugeria que, na batalha, cem cavaleiros bem-treinados com armaduras podiam valer mil
soldados de infantaria camponeses mal-organizados. No entanto, em volta das ilhas de cavaleiros aristocráticos, ainda havia um
mar de rústicos que constituía a maioria de todos os exércitos europeus em períodos de grande crise. A maior parte deles consistia em pequenos proprietários
que, como vassalos, davam porcentagens de suas colheitas a senhores ricos em
troca de proteção, ou gozavam eles próprios de doações de propriedade, rece-
bendo assim dos aristocratas o usufruto da terra em troca de serviço militar. Embora faltasse aos soldados de infantaria do exército de Charles Martel o conceito
integral de cidadania encontrado na Grécia clássica e na Roma republicana, esses agricultores médios eram mesmo assim reconhecidos como homens livres,
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com direitos e responsabilidades protegidos por aristocratas locais. Não tinha
o mesmo status dos mercenários, pastores, servos ou simples Escravos que : mavam grande parte dos exércitos posteriores berberes, mongóis, árabes e ot
manos a invadir a Europa. Esses homens (os landwehr) eram a espinha dai das primeiras forças armadas carolíngias, especialmente dura nte o declínio das cidades e do comércio depois da desintegração do Império Romano: À medida que a estrutura econômica se tomava pre dominantemente agrária, o ser-
viço militar teve tendência a se tomar intimamente associado à propri edade de terras. Cada família livre devia o serviço de um homem com arm as e equipamento completo,
e essa obrigação militar tornou-se hereditária. Assim, o exé rcito franco tornou-se um
contingente de homens livres servindo segundo a vontade do rei, sob o comando de seu
representante local. (]. Beeler, Warfare in Feudal Europe [Gu erra na Europa feudal),
1730-1200, 9)
O uso cada vez mais difundido do estribo, que permitia aos cavaleiros atacar soldados a pé espalhados e mal treinados, e a necessidade de combater a cavalaria móvel islâmica levaram a um papel mais importante dos cavaleiros
aristocráticos no século X. No entanto, mesmo então, a idéia de exércitos in-
teiros de cavaleiros pesados movimentando-se pelo campo de batalha é mais uma vez, em grande parte, um mito.
O valor dos infantes E legítimo valorizar um segmento do exército em detrimento de outro? Quem
pode definir se arqueiros, cavalaria, artilharia ou fuzileiros navais são os maiores trunfos no campo de batalha, considerando as diferenças de terreno, clima é objetivos estratégicos? Em todo grande exército — no de Alexandre, no de
Napoleão, no de Wellington —, cavaleiros, infantes e soldados de arremesso agiram de forma concertada; sem essa simetria na batalha, todos os grandes capit ã s Pitãe
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i teri; am tido um sucesso ilusório. A cavalaria sempre podia; atacar é
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recuar a uma velocidade maior do que a infantaria, e transmitia um elemen-
to de terror psicológico que faltava até mesmo aos mais ferozes infantes.
Devido ao fato de a grande maioria dos adversários do Ocidente combater montada e ser extremamente móvel, era imprescindível que os europeus desenvolvessem forças de bons soldados a cavalo para combatê-los. As vit órias eram com frequência incompletas sem a perseguição dos derrotado s por ca-
valeiros montados.
Dito isso, a vitória permanente na guerra, tanto antiga quanto moderna, é impossível sem excelentes soldados de infantaria, os únicos capazes de se
aproximar do inimigo cara a cara, abatê-lo ou destroçá-lo, ocupar o campo de
batalha e tomar posse física da terra disputada. Suas antigas armas — espadas e lanças — são baratas e mais mortíferas do que armas projéteis. Os soldados de infantaria, e não os cavaleiros, eram críticos na realização de cercos e na defesa de muralhas — local muito mais frequente dos confrontos medievais do que o campo de batalha aberto. Além disso, a infantaria era muito mais ver-
sátil em terrenos difíceis, fossem eles florestas densas ou montanhas altas, ou
nas áreas sem terras férteis onde havia pouco pasto e forragem. Cavaleiros e arqueiros — como as brigadas modernas de blindados móveis, artilharia e aviões — podiam ajudar, mas por si sós não eram capazes de substituir os soldados de infantaria. Em última instância, a guerra é uma questão de econo-
mia, na qual as opções de todos os estados são limitadas por sua capacidade de produzir bens e serviços; assim, qualquer força armada calcula o maior poder mi-
litar pelo menor custo. Os exércitos da Idade das Trevas e da época medieval, assim como seus predecessores clássicos, não estavam imunes a tais limitações e, desse modo, aprenderam rapidamente que, em uma comparação homem a ho-
mem, era possível obter infantaria a um décimo do custo de tropas montadas.
Com o surgimento da pólvora e das armas de fogo portáteis entre os sécu-
los XIV e XVI, a infantaria entrou em uma fase particularmente mortífera;
atiradores, não apenas piqueiros, eram capazes de dizimar as fileiras de lan-
Ceiros montados, já que os cavalos se tornavam cada vez mais vulneráveis.
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No entanto, nem em todos os lugares a proliferação das armas de fogo pelo globo resultou automaticamente na criação de batalhões disciplinados de sol.
dados armados com elas. Os otomanos nunca dominaram a arte das salvas de disparos em formação. Os janízaros atiravam da mesma maneira que golpea.
vam — como indivíduos heróicos em combate individual. Do mesmo modo, os cavaleiros montados da África do Norte atiravam geralmente com Mosque tões montados em cavalos e camelos, em rápidos ataques surpresa e expedições de pilhagem. Os nativos da África e do Novo Mundo viam as armas de fogo como dardos ou setas melhorados, e também desconheciam a possibilidade de atirar em salvas e em sequência. A introdução de armas de fogo por-
táteis tampouco criou exércitos eficazes na China e no Japão. Só na Europa a arte de carregar, atirar e recarregar em uníssono foi domi-
nada; e apenas na Inglaterra, Alemanha, Espanha, Itália e nos outros estados centrais do Ocidente existia uma tradição de infantaria anterior, da Idade das
Irevas e da Idade Média, que sobrevivera à Antigiiidade clássica e transfor-
mara as antigas táticas de choque das tribos germânicas em confrontos ordenados cara a cara. À era da pólvora testemunhou a ascensão da Europa justamente porque as armas de fogo — produzidas em massa e fáceis de serem usadas por indivíduos — eram mais bem empregadas por colunas e linhas pre-
existentes de infantes disciplinados. Na era anterior ao fuzil de repetição e automático, atiradores com arcabuzes e mosquetes enfileirados com os pés no
chão ofereciam um fogo mais concentrado, certeiro e rápido do que os que usavam suas armas quer no lombo de animais, quer agindo sozinhos e em escara-
muças. Em certo sentido, as armas européias do Renascimento eram vista como as sucessoras naturais dos piques medievais. :
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Poitiers e mais além Uma linha de marcha vitoriosa havia sido prolongada mil e seiscentos quilômetros ou acima da rocha de Gibraltar até as margens do Loire; a repetição de um espaço igua 240
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teria levado os sarracenos aos confins da Polímia e às terras altas da Escócia: o Reno não é mais intransponível do que o Nilo ou 0 Eufrates, e a frota arábica poderia ter
navegado sem um combate naval até a for do Tâmisa Tal vez a interpretação do
Alcorão fosse hoje ensinada nas escolas de Oxford, e seus alunos poderiam dem onstrar a um povo circuncidado a santidade e a verdade da revelação de Maomé. (E. Gibbon, Declínio e queda do Império Romano, vol. 7)
Assim escreveu Edward Gibbon — talvez com ironia, ou pelo menos intrigado com a possibilidade de uma Oxford não-cristá — sobre as possíveis consequências de uma derrota franca em Poitiers. A maioria dos historiadores renomados dos séculos XVIII e XIX, como Gibbon, considerava Poitiers uma batalha crucial que marcara o auge do avanço muçulmano na Europa. Leo-
pold von Ranke considerava Poitiers o momento decisivo de “uma das épocas mais importantes da história do mundo, o início do século VIII, quando por um lado o maometanismo ameaçava espalhar-se pela Itália e pela Gália” (História da Reforma, vol. 1, 5). Edward Creasy incluía Poitiers em seu seleto grupo de “batalhas decisivas mundiais”, e também pensava que o combate marcara a salvação da Europa: “O progresso da civilização e o desenvolvi
mento das nacionalidades e governos da Europa moderna dali para a frente embarcaram em uma carreira não ininterrupta mas, no final das contas,
incontestável” (The Fifteen Decisive Battles oh the World [As quinze batalhas decisivas do mundo], 167). Falando de Poitiers, Hans Delbriick, o grande historiador militar alemão, disse que não houve “nenhuma batalha mais importante na história mundial” (As invasões bárbaras, 441).
Observadores mais céticos, como Sir Charles Oman e J.EC. Fuller, não esta-
vam tão convencidos de que a civilização ocidental fora salva diretamente em Poitiers, mas mostraram-se impressionados pelo fato de a batalha ter marcado o
surgimento de um novo consenso que mais tarde salvaria a Europa: corajosos infantes francos de uma cultura carolíngia, acompanhados por seus senhores montados, finalmente puderam oferecer uma resistência ocidental tanto contra 7
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Por que o Ocidente venceu
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atacantes muçulmanos quanto contra os vikings. Como escreveu Oman: “No futuro, ouvimos falar em invasões francas da Espanha, e não em invasões sarra. cenas da Gália” (The Dark Ages [A Idade das Trevas], 476-918, 299).
Estudiosos recentes sugeriram que Poitiers — tão mal registrada nas fontes contemporâneas — foi um mero ataque surpresa e, portanto, uma “Construção” da mitologia ocidental, ou que uma vitória muçulmana poderia ter sido prefe.
rível à continuação da dominância franca. O que fica claro é que Poitiers mar. cou uma continuidade generalizada da bem-sucedida defesa ocidental da Europa. Entusiasmado com a vitória em Poitiers, Charles Martel seguiu em frente
para livrar o sul da França dos atacantes islâmicos durante décadas, unificar os reinos belicosos de modo a criar as bases do império carolíngio, e assegurar a provisão de soldados disponíveis e confiáveis pelos domínios locais.
A expansão do controle direto da Ásia e do norte da África pelos romanos (de 100 a.C. a 400 d.C.) fora uma aberração de quinhentos anos — a imposição do direito, dos costumes, da língua e da organização política romana a milhões de pessoas entre os povos conquistados ao sul e ao leste, simultaneamen-
te à assimilação de mais milhões de pessoas dos povos bárbaros ao norte. Com a inevitável redução do império no século V d.C., ficou claro que O classicismo, afinal de contas, não es-
tava morto, que havia sido notavel-
mente
bem-sucedido
na conquista
das mentes de seus próprios supostos conquistadores: o núcleo da Europa manteria precedentes cristãos € TO” manos e assim, mais uma VEZ, come-
çaria a estender sua influência além
de suas próprias fronteiras:
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Não apenas a conversão da Polónia, da Hungria e dos reinos escandin avos aumentou a zona de influência da cristandade latina ao rente e do leste, mas o Islã recuou na
Espanha, graças ao progresso da Reconquista, e no Mediterrâneo, com a anexação da Sicília e o estabelecimento de estados latinos no Oriente Médio. Ao mesmo tempo, no esteio de um movimento que não era apenas militar, mas também econ ômico e demográfico, uma nova Germânia foi criada do outro lado do Elba. Diante de seus inimi-
gos, vizinhos ou rivais, os guerreiros do Ocidente tiveram uma segiência de sucessos. Essa expansão é ainda mais notável por ter ocorrido em uma época de crescente frag-
mentação de poder. (P Contamine, War in the Middle Ages [Guerra na Idade Média], 30)
A história de Bizâncio é a de uma resistência de mil anos à invasão persa e islâmica. A queda de Constantinopla foi vista como um acontecimento ter-
rível mesmo na cristandade, mas durante séculos a engenhosidade e a disciplina bizantinas haviam destruído uma sucessão de exércitos islâmicos muito maiores. À capital caiu mil anos depois do colapso de Roma — e só depois de
ter sido em grande parte isolada e abandonada pelo Ocidente. O reinado de Carlos Magno (768-814) testemunhou a expulsão final da maioria dos muçulmanos da França e da Itália e a criação de um estado europeu central que espalhou sua influência pela França, pela Alemanha, pela Escandinávia e até ao norte da Espanha. Já em 1096, uma Europa ocidental fragmentada era forte o bastante para mandar milhares de soldados cruzar o mar até o Oriente Médio. Em uma série de três grandes cruzadas entre 1096 e 1189, os europeus ocuparam Jerusalém e Barantiram enclaves ocidentais no coração do Islã. Durante a Idade Média, foi a Europa, e não o Oriente Médio, que esteve mais a salvo de ataques estrangeiros.
Ão contrário dos cruzados, era impossível para qualquer exército muçulmano transportar grandes exércitos por mar para atacar o coração da Europa. As armadas árabes haviam aprendido muitos anos antes, nos séculos VIL e VII, o auge do poder islâmico, que era impossível tomar a vizinha Constantinopla.
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Por que o Ocidente venceu
Essa capacidade de recuperação européia oferece a explicação Correta para o
grande avanço do poder ocidental no Novo Mundo, na Ásia e na África depois de 1500. A força renovada da Europa contra o Outro na era da pólvora foi facil; tada pelo ouro do Novo Mundo, pelo uso maciço de armas de fogo e pelos novos
projetos de arquitetura militar. No entanto, a tarefa correta do historiador não é simplesmente acompanhar o trajeto desse incrível aumento da influência euro.
péia, mas também se perguntar por que a “Revolução Militar” ocorreu na Europa e não em outro lugar. A resposta é que, durante a Idade Média e a Idade das Trevas, as tradições militares européias baseadas na Antigiúidade clássica foram mantidas vivas e melhoradas por uma série de guerras sangrentas contra exérci-
tos islâmicos, invasores vikings, mongóis e tribos bárbaras do norte. Os principais componentes da tradição militar ocidental de liberdade, batalha decisiva, militarismo cívico, racionalismo, mercados vibrantes, disciplina, discordância e liber-
dade de crítica não foram eliminados pela queda de Roma. Pelo contrário, eles formaram a base de uma sucessão de exércitos merovíngios, carolíngios, franceses, italianos, holandeses, suíços, alemães, ingleses e espanhóis que deram conti-
nuidade à tradição militar da Antigiiidade clássica.
A chave dessa tenacidade era a valorização antiga e medieval dos soldados de infantaria, e em particular a idéia de proprietários livres, e não escravos ou servos, servirem como infantes pesadamente armados. Quando as armas de fogo entraram em cena, foi muito mais fácil para a Europa do que para outras
culturas converter fileiras de lanceiros e piqueiros em arcabuzeiros, que ati ravam da mesma maneira como antes golpeavam — em uníssono, obedecen-
do a um comando, ombro a ombro e em formação. Cortés na Cidade do México e os cristãos em Lepanto foram vitoriosos em grande parte por não serem
o produto de um povo nômade a cavalo, de uma sociedade tribal ou mesmo de uma autocracia teocrática, mas por receberem sua herança dos robustos soldados de infantaria de pequenos vales povoados e comunidades rurais — O tipo de homem que formou um verdadeiro muro de gelo em Poitiers e, assim)
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derrotou Abd Ar-Rahman. 244
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A tecnologia e os
resultados da razão Tenochtitlán, 24 de junho de 1520 — 13 de agosto de 1521 O homem é um animal astuto. Suas ferramentas
fazem dele o senhor dos animais do campo e dos que andam nas montanhas... Ele sabe lidar com todas as coisas,
e não há nada que enfrente sem um ardil... Com algum tipo de astúcia, inventiva Além de todas as expectativas, Ele algumas vezes alcança o mal, E, algumas vezes, o bem. Sófocles, Antígona (347-67)
As batalhas pela Cidade do México Sitiados — de 24 a 30 de junho de 1520
Nuvens de dardos, pedras atiradas por fundas e flechas feriram quarenta e seis conquistadores. Doze morreram na hora. Nas estreitas ruelas em torno do 245
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quartel general de Cortés, os espanhóis eram atacados por todos os lados.
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declaro”, escreveu a testemunha ocular Bernal Díaz del Castillo sobre O apuro subitamente desesperado dos espanhóis em Tenochtitlán, “não saber como des. crever isso, pois nem canhões, nem mosquetes, nem balistas adiantavam, nem a luta corpo a corpo, nem matar trinta ou quarenta inimigos a cada ataque nosso,
pois eles ainda continuavam lutando em fileiras tão cerradas e com ainda mais
energia do que no começo” (A descoberta e a conquista do México, 302). As chances agora estavam dramaticamente contra os castelhanos, em número
muito inferior, que tolamente haviam levado toda sua pequena força para den. tro da cidade insular de Tenochtitlán. Durante aquela terrível semana, os espanhóis desistiram das grandiosas idéias que haviam se enraizado durante os oito
meses precedentes de sua ocupação da Cidade do México. A idéia de governar a cidade como senhores europeus parecia agora uma loucura completa. Logo a noção de uma trégua ou de uma rendição asteca tornou-se igualmente ridícula. Finalmente, os homens de Cortés começaram a duvidar até de conseguirem sair
vivos da cidade infernal, muito menos sair com seu tesouro de ouro saqueado.*
Só o fogo repetido de seus arcabuzeiros e balistários, e os eventuais disparos
dos canhões — geralmente cerca de trinta atacantes méxicas caíam com cada tiro — permitiram ao valoroso Diego de Ordaz voltar ao quartel-general caste-
lhano e dizer a seu caudilho que falhara em sua tentativa de furar o cerco: as ruas estavam todas bloqueadas e cheias de uma multidão enfurecida. Mesmo assim, os homens de Ordaz arrancaram membros inteiros dos méxicas sem armaduras
com suas espadas de Toledo. As lanças de ferro dos cavaleiros em cotas de malha
mataram ainda mais inimigos com um único golpe. A metralha dos canhões despedaçou ondas e mais ondas de méxicas. Alguns cavalos pisotearam dúzias de astecas desprotegidos. Os ferozes mastins espanhóis morderam as pernas e braços a da (do náuatle axtlan), embora Montezuma e sets súditos provavelmente se auto-intitulassem “méxicas”. O termo “astecas” passou a ser usado comumente por cronis tas europeus depois do século XVII. A maioria dos soldados espanhóis de Cortés era castelhana; assim, emprego *
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ambas as palavras para descrever seus conqui stadores.
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dos atacantes que gritavam. Salvas de flechas de balista e bolas de chu mbo dos arcabuzes destroçaram índios a distâncias de noventa metros ou mais. A densidade da guerra metropolitana e o grande núm ero de guerreiros índios enfurecidos e corajosos eram experiências novas para os invictos conquistadores. Seus comandantes, veteranos das guerras da Espanha contra a
Itália e os otomanos, nunca haviam visto tamanha audácia ou bravura em todas as suas lutas no Mediterrâneo. Ordaz logo descobriria que sua perícia tecnológica e tática podia não ser mais capaz de anular a superioridade numérica do inimigo se os espanhóis fossem continuamente forçados a lutar nas ruelas e corredores estreitos de Tenochtitlán, onde podiam ser encurralados e apedrejados dos telhados por homens muitas vezes tão corajosos quanto
eles próprios. Os astecas mais desesperados estavam começando a matar alguns de seus soldados, e não apenas a imobilizá-los no chão e amarrá-los, levando-os como prisioneiros para seus deuses famintos. A derrocada dessa investida preliminar dos quatrocentos conquistadores de
Ordaz — incluindo quase todos os balistários e arcabuzeiros espanhóis deixados por Cortés — era prova suficiente de que não havia como sair da cidade fortificada. Ou assim parecia. Os aliados próximos no litoral, em Tlacopán (atual Tacuba), haviam sabiamente aconselhado Cortés no dia anterior a não
tornar a entrar na temida Tenochtitlán, mas a ficar com eles na costa do lago Texcoco. “Senhor”, imploraram eles a Cortés, “fique aqui em Tacuba, ou em
Coyoacán, ou em Texcoco... porque aqui no continente, nesses prados, se os méxicas se insurgirem, o senhor se defenderia melhor do que na cidade” (H. Thomas, Conquest [Conquista], 395).
Excelente conselho, mas na capital méxica de Tenochtitlán estava o cuidadosamente guardado tesouro asteca conquistado, o imperador refém, Montezuma, e Pedro de Alvarado, cercado com menos de cem dos melhores
conquistadores da expedição. Estes haviam ficado para trás quando Cortés marchara de volta para a costa para combater uma oposição espanhola rival
a sua campanha. Além disso, com o novo contingente do exército cubano de
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tiva fracassada de seu comandante de subverter a conquista de Tenochtitlán Cortés tinha mais de mil soldados. Depois de sua breve excursão a Vera Cruz tinha ainda mais armas e suprimentos do que quando seus homens haviam
desmontado os navios pela primeira vez e marchado para o interior em julho de 1519, chegando à capital de Montezuma no dia 8 de novembro do mesmo ano. Por que deveria se preocupar agora! e
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Que tribo, em todo o México, mostrara poder deter tal força? Nos doz e me-
ses precedentes, maias, totonacas, tlaxcaltecas, otomis e cholutecas hav iam aprendido a futilidade de se opor a lanceiros montados, armas de pólvora, ba-
listas, ferozes cães de guerra e aço espanhol — sem falar nas clássicas táticas de
batalha de infantaria em massa e no comando do próprio Cortés, que procurava aniquilar os inimigos, e não os capturar, usando quadrados de infantaria disci-
plinados, ataques montados cuidadosamente cronometrados e salvas maciças
de tiros. Sem dúvida, considerando que Cortés inicialmente marchara sobre
Tenochtitlán em novembro de 1519 com quinhentos conquistadores, eles poderiam agora sair da cidade com a mesma facilidade, em junho de 1520, com mais de mil e duzentos homens?
Cortés anunciou orgulhosamente aos ansiosos residentes de Tlacopán que, na verdade, seus castelhanos tornariam a percorrer as estradas elevadas até à
capital de sua futura Nova Espanha — o presente de Cortés ao rei adolescente, Carlos V. Fariam uma demonstração de força, derrubariam mais alguns ídolos, ameaçariam
alguns
nobres
astecas,
tornariam
a entrar no palácio
imperial, recolheriam seus saques, resgatariam Alvarado, e depois ordenariam a Montezuma que pusesse fim à resistência fútil de seus súditos. Mas depois de Cortés entrar em Tenochtitlán e juntar-se aos homens de Alvarado, o contingente inteiro logo foi isolado no palácio de Axayácatl e no templo de Tezcatlipoca. Os méxicas, outrora amistosos, bloqueavam as três saídas de sua grande capital insular. Mais de mil espanhóis, com um pequeno contingente de seus corajosos aliados tlaxcaltecas — cerca de dois mil índios
inimigos dos astecas — estavam completamente cercados em uma pequena Casamata por bem mais de duzentos mil astecas furiosos e um número cres-
cente de seus aliados tributários das comunidades em volta do lago. Quando ficou claro que o prisioneiro Montezuma não tinha mais controle sobre seus súditos, e que Ordaz não conseguira encontrar uma saída, os castelhanos jun-
taram seu ouro, encolheram-se e começaram a planejar sua fuga antes de se-
tem completamente aniquilados.
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Por que 0 Oerdente venceu
Se o diabólico Narváe; E agora meio cepo e aCOrrenta.
do na prisão de Cortés não houvesse interrompido seus planos, Cortés e seus fan áti-
cos teriam derrubado todos os ídolos de pedra astecas, desin-
fetado as pirâmides no Vale do México do mau cheiro dos res-
tos humanos, jogado os sacerdotes méxicas lá de cima com
rendos sacrifícios, banido o canibalismo e a sodomia, intro-
duzido o amor do Salvador e O CREROLS IME TRIM O BISPARTIVM TRIVMPHIS GLO. ROSSINI, VERA ET
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como doge dessa Veneza da
presente de Cortés ao rei adolescente Carlos V
Nova Espanha! E que feitos uma força de trabalhadores tão imensa poderia realizar para seus supervisores
europeus sob a tutela megalomanífaca de Cortés! Quantos tesouros de ouro subterrâneos poderiam ser desencavados por tal multidão de mineiros! Quan do os espanhóis
entraram
em Tenochtitlán,
os méxicas
assombrados
haviam
pensado, durante algum tempo, que os gananciosos soldados de Cortés eram deuses de pele branca, seus cavalos, centauros sobrenaturais que falavam com omens, seus canhões, armas de trovão assassinas vindas do céu. E seus enormes h
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seus odiosos mantos de pele humana, erradicado os hor-
Victor
Davis
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mastins de dentes afiados? Certamente não se pareciam em nada com os pe-
quenos cães de colo locais, que eram castrados e comidos; par eciam mais dia-
bólicas criaturas dentadas mitológicas. Eram essas as fantasias castelhan as
destruídas pelos milhares de astecas enfurecidos que estavam agora às portas
da casamata espanhola.
Apesar da derrota do exército de Narváez por Cortés, da incorp oração das tropas do primeiro a seu exército e de seu retorno bem-sucedido pelas estradas elevadas para dentro da cidade insular, tudo de repente dera terrivelmente errado na capital. Em sua ausência, o maníaco Pedro de Alva-
rado massacrara milhares de nobres méxicas e provocara hostilidades contra suas mulheres e crianças desarmadas. Os enlouquecidos castelhan os haviam assassinado pessoas que assistiam a festivais sob o pretexto de que
elas planejavam uma insurreição. Ou seria sua suposta volta ao hábito agor a proibido do sacrifício humano, ou a própria paranóia de Alvarado, sua cobiça diante da visão de tanto ouro e jóias nas vestes cerimonia is dos
nobres astecas, ou por fim, talvez, o simples deleite sádi co do aristocrata
montado em fazer despedaçar centenas de méxicas indefeso s, mas odiados? Ainda não estava completamente claro como Alvarado e seu pequeno séquito de menos de cem conquistadores haviam conseguid o massacrar mais de oito mil astecas, mesmo inicialmente surpresos e desarmados em um lugar confinado. Somente o mal teria levado tão longe um homem como Alvarado. De todo modo, bastou Cortés se ausentar por menos de dois mes es para Seus nervosos tenentes desencadearem uma sangrenta revolta de seus anfi-
triões outrora pacificados. “Você fez mal”, disse Cortés ao voltar, repreenden-
do o cabeça quente. “Falhou com sua fidelidade. Sua conduta foi a de um
louco” (W. Prescott, History of the conquest of Mexico [História da conqui sta
do México], 407-8). Ou talvez a de um psicopata — alguns anos depois da Carnificina, testemunhas astecas relatavam os efeitos das espadas de aço e lanças de ferro sobre corpos desprotegidos: 25]
Por que o Ocidente venceu
Eles atacavam todo os celebrantes, apunhalando-os por trás com suas lanças, e 3 vítimas caíam no chão instantaneamente com as entranhas penduradas para fora
Outros eram decapitados: eles cortavam suas cabeças, ou partiam-nas em pedaços, Ou
tros ainda eram golpeados nos ombros, e tinham os braços arrancados dos coros
Alguns eram feridos nas coxas, outros na panturrilha. Atingiam outros na barriga, e suas entranhas derramavam-se pelo chão. Alguns tentavam fugir, mas ao Cortérem seus intestinos se arrastavam pelo chão; seus pés pareciam tropeçar em suas próprias entranhas. (M. Leon-Portilla, org., As lanças partidas, 76)
Agora, pouco mais de um mês depois, os próprios espanhóis não conse. guiam encontrar uma saída. Durante uma semana, fizeram surtidas de re. conhecimento de seu quartel-general,
avaliando a resistência asteca em
tentativas vãs de encontrar uma saída até as estradas elevadas do lago Texcoco. À noite, pelas janelas de seu quartel-general, os homens de Cortés viam as
cabeças de seus companheiros mortos se balançando em estacas; grunhindo e fazendo gestos selvagens como se os corpos em putrefação fossem algum tipo de mortos falantes, os astecas os usavam como espécies de bonecos para aterrorizar os espanhóis encurralados. Apesar das baixas crescentes nessas bata-
lhas mortais em torno do reduto espanhol, ainda era provável que qualquer castelhano que tropeçasse durante o combate fosse amarrado e levado prisioneiro, para marcar a retomada dos sacrifícios no alto da Grande Pirâmide. Os suprimentos de água potável e comida dos espanhóis foram interrompidos, já que estavam bloqueados e eram continuamente bombardeados com projéteis atirados dos telhados próximos.
Depois de uma semana desse caos, Cortés se desesperou e, no momento da
crise, só foi capaz de sobreviver graças à confiança em suas máquinas impro” visadas e em sua própria sagacidade militar Enquanto isso, os canhões cuspiam
metralha que dizimava os grupos de astecas, matando centenas e frustrando
seus esforços para invadir o refúgio dos espanhóis. Os homens de Cortés cava” ram um poço para obter água salobra. De alguma maneira, usando a madeira 252
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e as vigas dos telhados dos templos astecas, conseguiram construir teletes, ou tanques de madeira móveis, capazes de proteger até homens enquanto atiravam e golpeavam com segurança pelas engenhoca. Seus engenheiros esperavam assim limpar a área em
Davis
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grandes manvinte e cinco aberturas da
volta do pa-
lácio de Axayácatl e pôr fim aos ataques noturnos com projéteis. Finalmente, Cortés arrastou o próprio Montezuma desacreditado até o te-
lhado do templo para ordenar a seus súditos lá embaixo que desistissem. Em
vez de fazer isso, os méxicas exaltados vaiaram o imperador acorrentado e
apedrejaram seu outrora divino governante. Os espanhóis logo tornaram a levar O imperador zonzo para dentro, só para descobrir que Montezuma fora mor-
talmente ferido — e com ele se extinguia sua última chance de negociação. Relatos rivais posteriores sugeriram que os castelhanos, em sua fúria, haviam assassinado o imperador — e por causa de rumores segundo os quais, mais
cedo, Montezuma enviara mensageiros ao usurpador espanhol Narváez, na costa, pedindo-lhe que juntasse suas forças com ele contra Cortés. Em seguida, Cortés invadiu o templo próximo de Yopico. As recé mconstruídas máquinas de cerco o protegeram, junto com os quarenta hom ens
que subiram a pirâmide, derrubaram ídolos, atiraram os sacerdotes de cima
de seu santuário, destruíram os depósitos de peles humanas cerimoniais, e de modo geral livraram a torre rival dos arqueiros e atiradores de funda que
haviam semeado a morte entre os espanhóis. A matança desesperada foi guiada pela religião e pela tática: surtidas contra a ameaça militar imediata dos projéteis inimigos, aliadas à contínua cruzada cristã para obli terar todos os vestígios da máquina sacrifical méxica. Embora a guerra religios a fosse inicialmente vista como um impedimento por alguns conquistadores, Os espanhóis estavam aprendendo que a destruição dos ídolos e sacerdotes astecas também trazia vantagens para O campo de batalha — já que minava
à Motivação e a coesão do inimigo, uma vez que os astecas se desesperavam
dO ver os deuses que lutavam para alimentar incapazes de evitar sua pró-
Pria destruição.
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Na luta por Yopico, Cortés tornou a ferir sua mão machucada e quase fo; jogado de cima da pirâmide no meio da terrível confusão. O encomiasta con. temporâneo Bernal Díaz del Castillo descreveu a subida enlouguecida de; espanhóis a Yopico: “Ah! Que luta e que terrível batalha a que aconteceu; era
uma coisa memorável ver-nos todos pingando sangue e cobertos de feridas é
outros mortos” (A descoberta e a conquista do México, 306). Pelo menos outros vinte conquistadores foram mortos nessa desesperada segunda surtida; apesar
dos canhões, dos cavalos e das máquinas de cerco, havia astecas demais em um espaço muito confinado para tornar possível qualquer progresso. Agora a pólvora estava escasseando e a quantidade de balas diminuindo (será que o ou-
ro e a prata deveriam ser derretidos para fazer balas de canhão?, perguntava-se
Cortés). Seus feridos estavam com fome e sem tratamento médico. As próprias paredes de tijolos de lama do templo estavam ruindo com o impacto de milhares de projéteis e pedras. Como um mensageiro asteca observou ao falar com os espanhóis, os méxicas e seus aliados podiam perder duzentos e cinquenta homens para cada espanhol, e ainda assim aniquilar os hóspedes encurralados. No final dessa última semana de junho de 1520, Cortés estava em uma encruzilhada. A escolha, como lhe diziam seus tenentes, era aparentemente clara:
fugir de mãos vazias ou ficar e morrer com o ouro naquela suposta nova cidade tributária. Num comportamento típico, o caudilho não escolheu nenhuma das duas opções. Em vez disso, tentaria uma fuga noturna pela estrada elevada, apesar da chuva e da neblina, e levaria embora, debaixo do nariz dos astecas, as imensas barras de ouro saqueado e os sacos de jóias preciosas. Os castelhanos abafariam os cascos dos cavalos. Cortés os mandaria carregar uma recém-construída ponte móvel para atravessar as falhas nas estradas elevadas. Eles car-
regariam os cavalos com as barras de ouro e fariam os soldados levar o resto —
cada homem decidiria a quantidade de ouro que carregaria debaixo da túnica ou do peitoral, escolhendo marchar rico e pesado rumo ao futuro confronto, OU ficar ágil e pobre — e talvez sobreviver. Nas palavras do cronista contemporáneo Francisco López de Gómara: “Entre nossos homens, os que estavam mai 254
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carregados com roupas, ouro e jóias eram os primeiros a morrer, e aquele s que
se salvavam carregavam menos coisas e seguiam em frente destem idos. Assim, os que morreram, morreram ricos, e seu ouro os matou” (Cor tés, 222).
Durante as duas décadas seguintes, os sobreviventes daquela terr ível noite de tristeza se lançariam em recriminações, processos judiciais e calúni as mútuas para determinar com exatidão quanto ouro fora carregado e quanto fora salvo. A maior parte fora obviamente perdida, mas mesmo assim as acusaç ões continuavam. De qualquer modo, Cortés confiscaria qualquer metal pre cioso
que os sortudos houvessem trazido em seus corpos. Mas tudo isso estava ano s
e centenas de mortos no futuro. Por ora, os mil e trezentos conqui stadores de
Cortés precisavam encontrar uma saída daquela ilha brumosa que se tran sformara tão de repente de seu paraíso em seu pátio de execução.
Noche triste — de 30 de junho a 1º de julho de 1520 À noite estava escura como breu e chovia. Mesmo ass im, os castelhanos quase
conseguiram fugir, cruzando milagrosamente três canais — o Tecpantrinco, o Tacuba e o Atenchicalco — que cortavam a estrada elevad a por onde podiam fugir até a cidade costeira de Tlacopán. Estavam pra ticamente fora de Tenochtitlán, enfileirados em uma longa coluna na bar ragem acima do lago Texcoco. Até ali, sua fenomenal ponte portátil funcionar a, compensando as brechas em sua rota de fuga. No entanto, quando começaram a atravessar o quarto canal, o Mixocoatechialtitlan, uma mulher que buscava água viu o gru-
po desajeitado e deu o alarme: “Méxicas, venham depressa, nossos inimigos estão indo embora.” O sacerdote de Huitzilopochtli ouviu seus gritos e correu desesperado para reunir os guerreiros: “Chefes méxicas, seus inimigos estão
escapando! Corram para suas canoas de guerra” (H. Thomas, Conquest [Con-
quista], 410).
Minutos depois, o lago Texcoco estava coalhado com centenas de canoas ,
que largavam tripulantes em vários lugares ao longo da estreita estrada elev ada à
255 E ;
Por que o Ocidente venceu
para emboscar a coluna. Outras atracavam ao lado do exército e SUfocavam os castelhanos com projéteis. A ponte portátil logo cedeu com o peso dos fugi. tivos frenéticos. Dali em diante, a única maneira de sair era pisando NOS cor.
pos dos cavalos de carga e dos companheiros da frente que caíam no canal. e que tinham o efeito macabro de servir de destroços flutuantes para permitir a passagem de seus aterrorizados companheiros. Hordas saíam de Tenochtitlán
e atacavam os conquistadores em fuga por trás, enquanto um novo contin-
gente asteca bloqueava seu avanço. As quatro chalupas dos espanhóis —. 0
controle do lago Texcoco era crucial para qualquer combate bem-sucedido nas
estradas elevadas — haviam sido incendiadas muito tempo atrás. Uma ajuda por água era impossível. O que se viu durante as seis horas seguintes foi a maior derrota européia no Novo
Mundo
desde sua descoberta por Colombo,
enquanto
os espanhóis
pesadamente armados, muitos deles carregados com o ouro escondido nas armaduras, lutavam para armar seus canhões, manter os cavalos calmos, organizar seus arcabuzeiros e balistários, e de algum modo, sob constante ataque aéreo, encher de detritos a brecha que impedia sua fuga. Testemunhas méxicas contemporâneas descreveram mais tarde a confusão da cena, quando os espanhóis se deram conta de que sua rota de fuga ruíra, a ponte caíra, e um ca-
nal aberto impedia seu avanço: (Quando os espanhóis chegaram ao Canal dos toltecas, o Tlatecayohuacan, ati-
raram-se de cabeça na água como se estivessem pulando de um morro. Os tlaxcaltecas, aliados de Tliliuhquitepec, os soldados de infantaria e cavaleiros espanhóis, as
boucas mulheres que acompanhavam o exército — todos chegavam à beira é pulavam. O canal logo ficou entupido com os corpos de homens e cavalos; eles preen” chiam a brecha da estrada elevada com seus próprios corpos afogados. Os que vinham atrás atravessavam para o outro lado andando sobre os cadáveres. (M. Leon Portilla, The Broken Spears [As lanças partidas] , 85-86)
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Davis
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Os que tinham a sorte de estar no início da coluna chegaram à margem, seguidos de perto pelo próprio Cortés e pela segunda divisão — mas mais ninguém. Reunindo cinco de seus melhores cavaleiros que haviam chegad o
do outro lado — Ávila, Gonzalo, Morla, Olid e o temível Sandoval —, Cortés
deu meia-volta e lançou-se sobre os milhares de afogados para tentar abrir uma brecha pela qual os poucos membros de seu exército que ainda estavam vivos
pudessem se salvar. Tarde demais.
Pelo menos metade de seus castelhanos foi cercada por méxicas, enquanto dúzias de outros eram empurrados da estrada elevada para dentro d'água, alguns golpeados até a morte por guerreiros em canoas com lâminas de obsidiana, outros capturados, amarrados e arrastados pelos inimigos no lago Texcoco.
Muitos guerreiros méxicas eram excelentes nadadores e muito mais móveis na
água do que os conquistadores com suas pesadas cargas e muitas vezes vestindo cotas de malha. O próprio Cortés foi atingido, ficou desacordado e quase foi algemado antes de ser puxado novamente para a segurança por seus com-
panheiros Olea e Quifiones. Não seria a última vez que a obsessão asteca de capturar Malinche para seus deuses, em vez de matá-lo de uma vez, salvaria Cortés de ser feito em pedaços. De manhãzinha,
até mesmo o assassino Alvarado foi enfim dominado e
perdeu o controle da retaguarda. Sem cavalo e ferido, ele cambaleou até a margem sozinho, depois de saltar por cima da brecha. Nunca mais se ouviu
falar de seu comandante, Juan Velázquez de Léon, provavelmente morto, afogado ou arrastado vivo para ser sacrificado e comido. Embora os espanhóis houvessem iniciado a marcha durante a noite chuvosa e brumosa como um
exército ordenado de quatro divisões, a marcha de fuga rapidamente se tornou cada um por si, à medida que os europeus confusos eram cercados e praticamente empurrados para dentro da água ao longo dos dois quilômetros de estrada elevada através do lago Texcoco.
Ão ver os detritos humanos à sua frente, alguns dos homens de Alvarado Na retaguarda deram meia-volta e fugiram de volta para o reduto dentro de MP es
257 E.
Por que o Oecrdente venceu
Tenochtitlán. Aparentemente, preferiam um último e glorioso confronto er n terra firme a morrer de tanto apanhar, à noite, em meio à lama da estrada el e.
vada. Uma vez ali, esse malfadado bando de desgarrados SUPOstamente en
se com alguns outros castelhanos aterrorizados que haviam sid 0 provavelmente atr ás de barricadas no tem deixados para tr ás na confusão controu-
Escultura de um guerreiro asteca
Victor
Davis
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plo próximo de Tezcatlipoca — ou que não quiseram arriscar a surtida pelo lago Texcoco. Até duzentos castelhanos jamais conseguiram sair de Tenochtitlán. Mais tarde, relatos astecas contariam que, depois de alguns dias de feroz resistência, eles seriam mortos ou capturados e sacrificados. Menos da metade dos castelhanos e tlaxcaltecas finalmente cambaleou até a
terra firme. O que os salvou da aparente aniquilação foi a determinação quase maníaca do próprio Cortés. Longe de entrar em pânico, Cortés rapidamente organizou em Ilacopán o que sobrara de seu pequeno exército e, no dia seguin-
te, iniciou a longa viagem de quase duzentos e quarenta quilômetros de volta à capital tlaxcalteca, grande parte da qual passava por um terreno hostil e aci-
dentado. Apesar de toda a matança asteca, seus melhores homens haviam sobrevivido. Alvarado — em circunstâncias dúbias — conseguira atravessar as estradas elevadas, embora houvesse perdido praticamente todos os homens que comandava. Os outros grandes cavaleiros — Ávila, Grado, Olid, Ordas,
Rangel, Sandoval e Tapia — ainda estavam vivos. Assim como a incontrolável e mortífera María de Estrada, que um dia tanto aterrorizara os méxicas como uma espécie de deusa cristã sobrenatural.
A sobrevivência desses assassinos experientes garantiu que os espanhóis conservassem um núcleo de guerreiros montados. Esses poucos soldados de confiança haviam tido uma vasta experiência de atacar sem pestanejar multi-
dões de índios, golpeando-os quase impunemente com suas lanças e espadas — um grande contraste com a qualidade dos últimos recrutas da expedição fracassada de Narváez. Em sua maioria, os recém-chegados carregavam ouro demais, tinham muito mais medo dos méxicas e pouca afinidade com Cortés
e sua coorte original e aguerrida que desembarcara no outono de 1519. Cortés também observou que a leal e inestimável tradutora Doãa Marina,
a La Malinche em pessoa, estava sã e salva. Muito mais importante, seu car-
Pinteiro naval, Martín López, conseguira atravessar a barragem. Embora gravemente ferido, ele também sobrevivera. “Bom vamos indo, não nos falta nada”,
disse o caudilho a suas tropas em frangalhos e desmoralizadas. Na hora de sua
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E
Ss.
Por que o Ocidente venceu
maior derrota, Cortés se deu conta de que ainda tinha os serviços do Único homem capaz de construir novos navios, o que lhe permitiria vencer em sua futura volta, inevitável e mortal. O contraste com os méxicas era Surpreen.
dente: depois de expulsar os espanhóis, milhares dos vencedores corajosos
comemoraram e, durante algumas horas críticas, deixaram de perseguir pou. cas centenas de fugitivos — que, praticamente destruídos, já estavam de al.
gum modo determinados a voltar para exterminar seus algozes.
Fuga - de 2 a 9 de julho, 1520 Quando o dia raiou depois da Noche Triste, quase oitocentos europeus es-
tavam mortos ou desaparecidos. Mais da metade dos castelhanos que entrara
em lenochtitlán durante o mês anterior sucumbira, e quer apodrecia no lago, quer estava prestes a ter o peito aberto durante um ritual. Nove meses de constantes campanhas espanholas e cuidadosas alianças com dezenas de cidades indígenas de nada haviam adiantado. Os seis meses de conspiração dentro da própria Ienochtitlán para tomar a cidade pacificamente, caracterizados alter-
nadamente por ameaças e reconciliações com Montezuma, também haviam sido aparentemente desperdiçados. Em cerca de seis horas de matança nos diques, Cortés literalmente perdera o exército que levara praticamente um ano para criar. Soldados vigorosos como Alonso de Escobar e Velázquez de Léon estavam desaparecidos — e, logicamente, presumia-se que haviam sido
arrastados para cima do Grande Templo de Huitzilopochtli para terem seus
corações arrancados durante o desfile de vitória dos méxicas. Os sacerdotes méxicas já estavam preparando troféus com cabeças castelhanas para mandar
para as aldeias vizinhas nas margens do lago e mais além como prova da mortalidade dos forasteiros — acompanhados de ameaças para não ajudar os fugitivos desesperados, que sangravam e fugiam como homens, não como deuses.
Relatos astecas contemporâneos descrevem os dias que se seguiram imediatamente à Noite Triste” dos castelhanos em Tenochtitlán: bz
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Mas eles seperaram os corpos dos espanhóis dos outros: alinharam-nos em fileiras em um lugar diferente. Seus corpos estavam brancos como os brotos novos do bambu,
brancos como os brotos de agave. Eles removiam os “veados” [cavalos] mortos que haviam carregado os deuses” em seus ombros. Depois reuniam tudo que os espanhóis
haviam abandonado em seu pânico. Quando um homem via algo que queria, ele pegava, e aquilo se tomava sua propriedade; ele suspendia o objeto nas costas e o levava para casa. Eles também juntaram todas as armas que haviam sido deixadas para trás ou caído no canal — canhões, arcabuzes, espadas, lanças, arcos e flechas — junto com todos os capacetes de aço, cotas de malha e peitorais, e os escudos de metal, madeira e couro. (M. Leon-Portilla, The Broken Spears [As lanças partidas), 89)
Praticamente todos os sobreviventes espanhóis estavam feridos ou doentes. Depois de semanas de marcha respirando a poeira do verão, de comida ruim
e feridas malcuidadas no refúgio de Tenochtitlán, e da necessidade constante de usar seus pesados peitorais de metal, muitos desenvolveram moléstias pulmonares — mais provavelmente pneumonia — e dúzias morreram durante o
caminho de volta. Apesar das condições deploráveis de seus homens, Cortés ainda assim precisava deixar Tlacopán e as margens do lago o mais rápido possível, enquanto os méxicas celebravam e se reorganizavam. A maioria do
ouro roubado se fora. Os canhões estavam no fundo do Lago Texcoco. Quase
todos os arcabuzes e balistas haviam sido perdidos. As poucas armas que res-
tavam não tinham pólvora nem ferrolhos. Teoricamente, os méxicas, com as
armas tiradas dos mortos na estrada elevada e dos espanhóis condenados que
haviam voltado ao quartel-general, dispunham de melhores armas projéteis do que os castelhanos. Não há nenhum relato exato do número de tlaxcaltecas mortos ou capturados — sem dúvida o número de mortos passou de mil. Os outros reforços de
índios aliados estavam a quilômetros de distância. A pequena guarnição espa-
nhola em Vera Cruz estava incomunicável. No total, Cortés calculava haver perdido 70% de seus cavalos e 65% de seus homens. Pior ainda, estava a mais
Por que o Octdente venceu
de duzentos e quarenta quilômetros da cidade amistosa mais próxima,
Tlax.
cala. Sobravam-lhe muitos aliados? Por ora, ele estava na margem da cidade de Tlacopán, aparentemente ainda neutra. No entanto, dentro de horas mi.
lhares de méxicas estariam em seu encalço, com subornos e incentivos para quaisquer confederados que pudessem prender e entregar os pobres castelhanos esfomeados. O truque era sair do vale com vida, já que toda a planície estava cheia de antigos aliados cada vez mais hostis, ansiosos para pegar carona na vitória asteca.
Quer Cortés soubesse disso o tempo todo ou não, sua sorte estava prestes a mudar drasticamente. Em primeiro lugar, ele não estava a bem dizer cercado, pelo menos não ainda. Aparentemente, os astecas não estavam completamente familiarizados com esse novo tipo de batalha européia que, ao contrário de suas costumeiras “guerras de flores”, campanhas cujo objetivo era a submis-
são, nada tinham a ver com regras ou rituais, menos ainda com prisioneiros, mas se baseavam na ciência de matar o inimigo diretamente, perseguir os derrotados, pôr fim à sua vontade de resistir e, assim, obter por meio da matança O que as negociações e a política não haviam conseguido. Segundo os preceitos das guerras de aniquilação européias, deixar um homem como Cortés —
ou Alexandre, o Grande, Júlio César, Ricardo Coração de Leão, Napoleão ou Lorde Chelmsford — escapar com seu exército depois da derrota não era uma vitória, mas apenas uma garantia de que a próxima rodada seria ainda mais sangrenta, quando uma força com mais raiva, mais experiência e mais conhe-
cimento voltasse para acertar as contas de uma vez por todas.
Cortés, por sua vez, fizera grandes estragos junto aos méxicas. O massacre
de Alvarado algumas semanas antes no festival de Toxcatl, tolo e covarde,
mas letal, privara os méxicas desavisados dos melhores membros de sua liderança militar — é de se perguntar se o massacre diabólico de Alvarado tivera a aprovação implícita do ausente Cortés, já que causara danos irreparáveis à
causa asteca. Milhares de outros guerreiros nobres haviam sido mortos ou gta” vemente feridos durante a semana de combate no final de junho. O imperador 262
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mais poderoso dos méxicas fora morto vergonhosamente enquanto se dirigia a seus súditos (ou imediatamente depois). Os tributos vitais haviam sido permanentemente interrompidos. Centenas de casas em Tenochtitlán haviam sido
incendiadas, e dúzias de santuários saqueados e profanados. Depois da batalha, ainda sob o choque do combate, os méxicas haviam retornado a suas tarefas em Tenochtitlán, como se o perigo houvesse final
mente terminado, limpando a sujeira em suas ruas, felizes por se verem livres dos intrusos assassinos e de sua terrível propensão para destruir quase tudo em que tocavam. Mais importante do que as consideráveis perdas méxicas era
uma série de sete esquadrilhas separadas de navios espanhóis que navegava
rumo a Vera Cruz, trazendo mais pólvora, balistas, cavalos e canhões de Cuba
e da Espanha, cheias de homens desesperados farejando lucro e dispostos a se juntar ao suposto banquete de ouro. Cortés sabia que a morte de tantos patrícios espanhóis, e os subsequentes rumores de sacrifício e consumo de carne humana, enraiveceriam os orgulhosos castelhanos e despertariam o sentimento de honra de cada homem para
voltar e levar fogo e ruína àqueles canibais infiéis. Cortés avaliara as modalidades da guerra asteca: sua principal preocupação era capturar, não matar; suas armas podiam atordoar, mas raramente matavam sem golpes repetidos.
Os guerreiros astecas preferiam embates em vez das táticas de massa de ataque de nadas. Suas brigadas organizavam-se em dos com plumas e carregando bandeiras,
individuais com espadas e porretes, choque em fileiras e colunas disciplitorno de elegantes tenentes enfeitacuja morte poderia fazer seus contin-
Bentes regionais fugirem em pânico. O comandante-chefe era distante e, em geral, não ficava perto de seus homens durante a batalha. O exército asteca era ainda mais odiado pelos outros índios do que os castelhanos.
Cortés agora estava em terra firme, longe das infernais estradas elevadas e das canoas, com espaço para seus cavalos e para suas falanges de espadachins.
Em seu medo e depressão depois da Noche Triste, ele não se dera conta, em meio à Matança de seus castelhanos e tlaxcaltecas, de que ainda havia milhares de 263
Por que o ( Jerdente venceu
Espanhóis decepam as mãos de guerreiros astecas.
índios — tepanecas, totonacas, chalcatecas e outros tlaxcaltecas — que não estavam dispostos a se juntar aos astecas, mas hesitavam. Muitos ansiavam
em segredo para que os espanhóis voltassem a Tenochtitlán. Para Cortés, a Noche Triste fora uma grande derrota. No entanto, para à
maior parte dos guerreiros dos povos indígenas inimigos dos astecas, que forneciam a comida para as mesas da elite asteca e seus próprios corpos para OS infernai ernais deuses astecas, pensar que o exérdns cito do caudilho encontrara uma
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maneira de entrar na cidade fortificada, raptara o odiado imperador e matara milhares de astecas em sua retirada era motivo de admiração, não de desprezo. Nem todas as histórias que se espalharam pelo vale do México eram de triunfo asteca sobre os castelhanos; elas também relatavam que os letais e audaciosos
homens brancos haviam conseguido abrir caminho pela força até a segurança
atravessando as temidas estradas elevadas. Os relatos insistiam no fato de que milhares de astecas haviam sido massacrados, não apenas nas centenas de castelhanos mortos. O novo imperador asteca, Cuitláhuac, podia se gabar de que as
peles e crânios em suas vitrines eram os de Cortés, Sandoval e Alvarado, mas logo veio à tona a verdade de que os três lendários assassinos estavam vivos e determinados a voltar. Até mesmo as histórias confiantes do embaixador asteca,
segundo as quais cerca de quarenta e cinco castelhanos deixados para trás em Tlaxcala haviam sido atacados e mortos a caminho da costa, tiveram pouco impacto. Enquanto as tribos do México, hesitantes, pesavam os prós e contras
e alimentavam suas queixas em relação ao tributo humano anual exigido pelos astecas, muitos preferiam a brutalidade castelhana à asteca — e talve-
preferissem o Jesus Cristo dos assassinos brancos, que não conheciam,
ao
Huitzilopochtli sedento de sangue que lhes era por demais familiar. Por fim, corria o boato de que a chegada recente de um navio europeu na
costa — supostamente um negreiro africano da frota de Narváez — trazia a
varíola. Assim, os castelhanos, à beira da extinção no verão de 1520, sanhatam um novo e inesperado aliado: um bacilo letal frente a uma população sem
muita imunidade. Entre pessoas que dormiam em cabanas coletivas, eram em Sua maioria habitantes urbanos, e não rurais, geralmente comiam e tomavam
banho juntas, e não tinham nenhuma experiência biológica ou cultural das
epidemias européias, novos germes fariam rapidamente centenas de milhares de mortos —
fossem eles amigáveis, neutros ou hostis —, eliminando muito
mais guerreiros astecas do que as lâminas de Toledo dos castelhanos. Na manhã do dia 2 de julho, molhados, feridos e à beira da aniquilação, Cortés e seu lamentável bando em Tlacopán mal sabiam que, em poucos meses, seus homens 265
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não apenas recuperariam a reputação de temíveis estrangeiros com lâminas de
aço e armas trovejantes, mas mais uma vez tomariam a forma de super-homens, os únicos não infectados por aquela terrível nova maldição dos deuses.
Assim, naquele dia 2 de julho de 1520, Cortés reuniu seus homens e, durante os dias seguintes, seguiu seu caminho com dificuldade sob ameaças constantes,
Finalmente, por volta da metade do caminho de volta à segurança junto aos tlaxcaltecas, na pequena aldeia de Otumba, o novo imperador méxica Cuitlá. huac e seu grande exército alcançaram os castelhanos. Os relatos espanhóis posteriores registram a presença de quarenta mil soldados, um número plausível levando-se em conta a mudança de campo das aldeias imediatamente vizinhas a Tlacopán. Os méxicas rapidamente cercaram os homens de Cortés e, durante as seis horas seguintes, gradualmente os derrotaram, pois restavam menos de vinte cavalos, todos estavam feridos, e não havia canhões nem arcabuzes. Mesmo os céticos admitem que a inferioridade numérica dos espanhóis de Cortés na planí-
cie de Otumba possa ter chegado a até cem contra um. (Quando os espanhóis estavam quase sendo destruídos, Cortés viu o coman-
dante da linha asteca, o cihuacoatl, e seus subordinados vestidos com roupas de cores brilhantes e elegantes plumas, com o próprio líder carregando o estandarte emplumado asteca nas costas. Díaz del Castillo observa que Cortés não se impressionou com a terrível insígnia, mas, pelo contrário, destacou Sandoval, Olid, Ávila, Alvarado e Juan de Salamanca — os mais mortíferos
lanceiros da época — e entrou com eles no meio da multidão. “Quando Cortés o viu com muitos outros chefes méxicas, todos usando grandes plumas,
disse a nossos capitães: Agora, senhores, vamos abrir caminho até eles e não deixar nenhum ileso.” (B. Diáz del Castillo, A descoberta e a conquista do México, 320). Apesar da grande superioridade numérica e da recente vitória nas estradas elevadas, os astecas não tinham como se defender de ataques mon-
tados em uma planície e de fileiras compactas de espadachins — e a planície
de Otumba fora feita sob medida para os cavaleiros espanhóis. Nenhum dos méxicas jamais encontrara um inimigo montado que atacasse diretamen te seu 266
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cihuacoatl. Com seu líder destroçado pelos lanceiros e O estandarte asteca nas mãos dos espanhóis, milhares fugiram de volta para Ienochtitlán. A batalha de Otumba, apenas oito dias depois da Noche Triste, foi em mui-
tos sentidos a maior vitória de Cortés. Em um trecho famoso, William Prescott observou o papel da disciplina, da ciência militar e da liderança pessoal
de Hernán Cortés no repentino revés de fortuna asteca (Cuitláhuac, como
Montezuma antes dele, ficou de fora do combate):
Os índios estavam com força total, enquanto os cristãos estavam arruinados pela doença, pela fome e por sofrimentos demorados; sem canhões ou armas de fogo, e defi-
cientes em seu aparato militar que tantas vezes infligira terror aos inimigos bárbaros — deficientes até mesmo no medo provocado por um nome vitorioso. Mas tinham a disciplina do seu lado, uma determinação desesperada, e uma confiança implícita em seu comandante. (História da conquista do México, 465)
Quando Cortés finalmente conseguiu abrir caminho, à força, até a segu-
rança de Tlaxcala, muitos de seus homens, especialmente os poucos sobre-
viventes dentre os últimos a chegarem, que haviam se juntado a ele depois de desertar das forças de seu arquiinimigo Narváez, estavam exaustos e cansados do México. A maioria estava disposta a marchar até Vera Cruz para
encontrar um navio que os levasse de volta a Cuba. Outros estavam furiosos por Juan Páez, deixado para trás em Tlaxcala quando Cortés entrara em Tenochtitlán, ter mantido sua posição — embora ele tivesse uma força de
Milhares de tlaxcaltecas ansiosos para marchar em socorro dos conquistadores cercados quando souberam que eles e seus patrícios estavam encurralados na capital asteca. Além disso, o exército exausto recebeu a notícia da tOcaia e do assassinato de uma força auxiliar de quarenta e cinco espanhóis que tentara chegar a Vera Cruz.
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Então Cortés só fez piorar as coisas: anunciou que confiscaria todo o ouro
tirado da cidade para comprar provisões. Também proibiu que qualquer dos 267
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sobreviventes marchasse até a costa para encontrar um navio que os levasse
para casa. Francisco López de Gómara escreveu sobre a reação dos homens: O que Cortés pensa estar fazendo? Por que quer nos manter aqui para morrer
morte maligna? O que tem contra nós para não nos deixar partir? Nossas cabeças estão
partidas, nossos corpos apodrecendo e cobertos de feridas e bolhas, exangues, fracos e nus. Estamos em uma terra estranha, pobres, doentes, cercados por inimigos, e sem es. perança de nos levantar do lugar onde cairmos. Seríamos tolos e idiotas se nos deixássemos correr outro risco como o último. Ao contrário dele, não desejamos a morte de um
tolo, pois ele, em sua sede insaciável de glória e autoridade, não liga para a própria
morte, e menos ainda para a nossa. Não leva em consideração o fato de estar sem homens, armas de fogo, armas e cavalos (que são quem agiienta o impacto da guerra), e de não ter provisões, o que é a pior falta de todas. (Cortés, 228)
Ninguém poderia prever que, apenas treze meses depois, Hernán Cortés
voltaria a Tenochtitlán, mataria milhares de pessoas e eliminaria a nação asteCd para
sempre.
À destruição de Tenochtitlán — de 28 de abril a 13 de agosto de 1521 Depois de chegarem à segurança da cidade tlaxcalteca de Hueyotlipan no dia 9 de julho de 1520, a situação dos espanhóis foi melhorando cada vez mais
durante o resto do ano. Em julho, os tlaxcaltecas concordaram com uma aliança perpétua — tinham meios de recrutar quase cingiienta mil guerreiros de seus territórios aliados — em troca de uma parcela do butim de Teno-
chtitlán, de uma suspensão perpétua de tributos e de uma presença fortificada dentro da cidade quando a capital asteca fosse conquistada. Durante o mês de agosto, Cortés voltou a reunir seu exército e, à frente de milhares de tlaxcaltecas, invadiu a fortaleza de Tepeaca e começou a atacar sistematicamente as aldeias ao redor. Em setembro, o brilhante Martín López recebeu os melhores 268
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artesãos do exército, milhares de trabalhadores tlaxcaltecas e o material que fora salvo dos navios destruídos em Vera Cruz, e deu-lhes a ordem para construir quatorze bergantins que pudessem ser desmontado, carregados por cima
das montanhas até Tenochtitlán, remontados e lançados ao lago Texcoco. Já no final daquele mês, a virulenta epidemia de varíola que partira de Vera Cruz chegou a Tenochtitlán. Milhares de méxicas começaram a morrer do que
pensaram de início tratar-se de uma misteriosa doença de pele. Sobreviventes
méxicas relataram a Bernardino de Sahagún os terríveis sintomas; ele, por sua vez, registrou seus relatos de uma maneira digna de Tucídides: Bolhas estouravam em nossos rostos, nossos peitos, nossas barrigas; ficávamos cobertos de bolhas dolorosas da cabeça aos pés. A doença era tão terrível que ninguém podia andar ou se mover. Os doentes ficavam tão horrivelmente fracos que só podiam
permanecer deitados em suas camas como cadáveres, incapazes de mover os membros ou mesmo as cabeças. Não conseguiam deitar de barriga para baixo ou rolar de um lado para o outro. Caso mexessem o corpo, gritavam de dor. Muitos morreram dessa braga e muitos outros de fome. Eram incapazes de se levantar para buscar comida, e todas as outras pessoas estavam doentes demais para cuidar deles, então morriam de fome em suas camas. Algumas pessoas desenvolviam uma forma mais branda da
doença; sofriam menos do que as outras e se recuperavam bem. Mas não conseguiam escapar completamente. Suas feições ficavam desfiguradas porque, quando uma bolha
estourava, abria uma bexiga feia na pele. E alguns dos sobreviventes ficaram completamente cegos. (M. León-Portilla, org., The Broken Spears [As lanças partidas], 85-86)
O sucessor de Montezuma, Cuitláhuac, que atacara Cortés em Otumba, sucumbiu à doença e foi substituído pelo mais jovem e mais audacioso Cuauh-
témoc, Este último acabaria por entregar uma Tenochtitlán destruída — o terceiro imperador asteca em menos de um ano a enfrentar Hernán Cortés.
Essa estranha segiência de acontecimentos, que transformou gradual-
Mente o exército arruinado de Cortés em uma terrível força vingadora contra 269
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os astecas, continuou sem trégua. No final do outono de 1520, sete esqua dei lhas de navios atracaram em Vera Cruz, somando mais duzentos homens aos
quinhentos conquistadores remanescentes de Cortés. Pela primeira vez em seis meses, havia cavalos novos e muita pólvora, canhões, arcabuzes e balistas. Além disso, Cortés enviou navios a Hispaniola e à Jamaica para buscar mais cavalos e armas. Enquanto isso, durante boa parte de setembro de 1520, en-
quanto estava subjugando os tepeacos, o sempre confiável Sandoval conquis.
tara todas as tribos entre Tlaxcala e a costa, garantindo assim o trânsito seguro
de suprimentos entre Vera Cruz e o quartel-general dos conquistadores em Tlaxcala. Se a grande cidade de Tenochtitlán era amplamente abastecida por transporte aquático, os espanhóis tinham todo o Atlântico para desembarcar
suprimentos em Vera Cruz com segurança. No entanto, enquanto Cortés era capaz de construir uma frota para impedir o avanço das canoas de Tenochtitlán, nenhum guerreiro asteca tinha a menor idéia de como evitar que as “montanhas flutuantes” atracassem em Vera Cruz com mais outras infernais criaturas de pele branca e suas armas trovejantes.
Quando o novo ano de 1521 chegou, Cortés pacificara a maioria das tribos hostis entre Vera Cruz e Tenochtitlán, e ganhara muitos suprimentos e soldados adicionais. Estava no meio de um enorme programa de construção de navios para garantir proteção naval quando sua infantaria e cavalaria voltassem
às estradas elevadas no lago. Cortés pode ter começado sua marcha de volta a Ienochtitlán com cerca de quinhentos e cingienta infantes espanhóis — 0 que ainda representava metade do número
de castelhanos
que fugira da
cidade em junho do ano anterior —, incluindo oitenta arcabuzeiros e balistá-
rios, junto com pelo menos quarenta cavalos descansados e nove canhões novos.
Além disso, ele escolheu dez mil dos melhores guerreiros tlaxcaltecas, en
quanto eram feitos os preparativos para a marcha sobre as cidades-satélites em volta de Tenochtitlán. No início de abril de 152 1, o novo exército estava as portas da capital méxica, os navios prontos para partir e os grupos de ata-
que haviam começado a cortar sistematicamente o suprimento de comida € 2170
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água da cidade. Essa segunda ofensiva não teve nada do semblante de conciliação e aliança da primeira “visita”. Depois da Noche Triste, Cortés estava determinado a obter a rendição incondicional do novo imperador, Cuauhtémoc, e de seu povo, ou então a derrotar o exército asteca no campo de batalha. Se os astecas não capitulassem, os castelhanos destruiriam Tenochtitlán quarteirão por quar-
teirão e a entregariam aos tlaxcaltecas para que eles a saqueassem — o que faz lembrar a maneira como Alexandre subjugara Tebas e depois permiítira aos beó-
cios das redondezas roubar, escravizar e matar os sobreviventes impunemente. No final de abril, depois de seis meses de campanhas constantes no campo em torno de Tenochtitlán para amputar o império tributário asteca, o exérci-
to reconstituído de Cortés estava de volta às estradas elevadas e fazia um cerco à cidade. A maioria das cidades das margens do lago e do Vale do México fora subjugada ou se juntara a Cortés. Um ano antes, podia ter sido pouco prudente para os espanhóis entrar em uma cidade fortificada em uma ilha, mas agora Cortés estava ansioso para provar que era ainda mais tolo para os méxicas ficar lá dentro, já que os antigos sitiantes dos castelhanos iam se tornar os sitiados. Em 28 de abril de 1521, os bergantins de fundo chato de Martín López — com velas, remos, canhões nos conveses e recheados de balistários
e arcabuzeiros — já haviam atravessado as montanhas, estavam remontados e foram lançados ao lago Texcoco para garantir que as canoas astecas não ata-
cassem mais os castelhanos nas estradas elevadas. Em um mundo sem cavalos ou bois — ou mesmo rodas —, uma enorme cidade de duzentos e cinquenta mil habitantes como Tenochtitlán só podia ser abastecida por via aquática. De
fato, sua sobrevivência diária dependia de toneladas de milho, peixe, frutas e
Vegetais trazidos pelo lago por milhares de canoas. A destruição daquela frota não apenas aleijaria o poder militar asteca, mas também faria com que a cidade, esfomeada, se rendesse. Aos gritos de “Castilha, Castilha, Tlaxcala, Tlaxcala!”, Cortés guiou seu
exército de espanhóis e índios em direção à própria Tenochtitlán. Embora os observadores contemporâneos estimassem o tamanho da coalizão em quase
Por que o Ocidente venceu
um milhão de homens, era mais provável que o exército invasor tivesse de cinquenta a setenta e cinco mil soldados. Com os reforços de última hora de Vera Cruz, ele foi incrementado por setecentos ou oitocentos soldados de iris fantaria castelhanos, noventa cavaleiros, cento e vinte balistários e arcabuzeiros
e três grandes canhões, bem como falconetes menores e o poder de fogo dos quatorze bergantins. Muitos castelhanos também tinham novos capacetes, espadas, às vezes peitorais, e escudos, tudo de aço, além de peças de reposição
para as armas. O plano de Cortés era simples. Cada um de seus três cavaleiros veteranos
— Alvarado, Olid e Sandoval — lideraria um quarto do exército pelos três principais diques até a cidade. A estrada elevada até Tlacopán seria deixada
aberta por algum tempo, mas vigiada, para permitir que os fugitivos escapassem do cerco. O próprio Cortés levaria a quarta parte do exército e embarca-
ria nos bergantins com cerca de trezentos castelhanos, mais ou menos vinte e cinco por embarcação. Além disso, milhares de texcocos e tlaxcaltecas os seguiriam em barcos — posteriormente, Ixtlilxochitl, líder dos texcocos, ale-
garia que seus homens haviam ocupado dezesseis mil canoas da armada de Cortés. A frota combinada auxiliaria os três ataques por terra, reforçaria o
bloqueio e destruiria as embarcações inimigas. Em 1º de junho de 1521, Cortés já cortara completamente o abastecimento de água potável da cidade e invadira a fortaleza insular de Tepepolco, usada pelos méxicas para coordenar seus ataques às multifacetadas invasões castelha-
nas. Os espanhóis consideravam que o cerco começara oficialmente no dia 30 de maio, quando eles haviam bloqueado as rotas de abastecimento da cidade
dias” entre 30 de maio e 13 de agosto de 1521. Mas o progresso continuou difícil pelo resto do verão, já que o número de astecas ainda era muito superior ao de invasores. Eles fincaram estacas pontudas na lama do lago para destro” çar os bergantins e invadiram a nau capitânia, a Capitana. Se não fossem 9 corajoso Martín López — sob alguns aspectos o mais impressionante dos 212
rr
— e depois comemorariam a destruição de Tenochtitlán nos “setenta e cinco
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homens de Cortés — e um pequeno grupo de espadachins, que se uniram para
repelir os piratas astecas e matar os que queriam amarrar e carregar o caudilho, tanto a Capitana quanto seu capitão teriam sido capturados.
Os castelhanos também estavam percebendo que não precisavam apenas derrotar o exército asteca, mas tinham que invadir a cidade e arrasá-la se
quisessem eliminar toda a resistência. O ataque espanhol em quatro frentes avançaria lentamente
pelas estradas elevadas, entraria nos subúrbios e
depois recuaria de volta à segurança durante a noite. O sucesso foi deter-
minado pela forma como Cortés preencheu as brechas nos díques e manteve intactas as estradas elevadas. Assim, os espanhóis poderiam se mover
livremente, conforme fossem desmantelando os quarteirões de Tenochtitlán, demolindo templos, muros e casas. Gradualmente, os cavaleiros, balistários e arcabuzeiros ganhariam terreno para operar e encontrariam linhas
de tiro desobstruídas, ao mesmo tempo em que eliminariam a fonte de tocaias nos cantos e ruas estreitas. Cortés usou a experiência européia de dois mil anos na arte do cerco — a antiga ciência helênica da poliorcética (“cercar a pólis”) — que atacava o suprimento de água, comida e esgoto da cidade-alvo enquanto a artilharia, as surtidas e os ataques de projéteis se concentravam nos pontos fracos das defesas astecas para aumentar os flagelos naturais da fome e da peste.
Se os espanhóis entrassem demais na própria Tenochtitlán — onde poderiam ser vítimas de tocaias e ataques coletivos enquanto seus diques de fuga eram obstruídos —, estavam sujeitos à aniquilação. Mas se os bergantins mantivessem as estradas elevadas livres, então a cada dia os atacantes poderiam
atravessá-los para dentro da cidade, destruir um ou dois quarteirões, matar mais centenas de astecas e depois recuar durante a noite para seu complexo
fortificado. Geralmente, os soldados de infantaria avançavam, defendidos pelos tiros dos canhões, arcabuzes e balistas, atacando os astecas desarmados
com suas lâminas de Toledo. Em momentos-chave, dúzias de lanceiros montados vestindo cotas de malha atacavam concentrações do inimigo ou sur-
Por que o Ocidente venceu
preendiam os méxicas em tocaias quando, ao entardecer, estes perseguiam
com imprudência os soldados de infantaria que recuavam. Ao final do mês de
junho, o imperador Cuauhtémoc já vira a futilidade da tática asteca e Teavaliou radicalmente suas defesas, removendo a maioria da população sobrevivente de Tenochtitlán propriamente dita — guerreiros, civis e até mesmo S
ídolos e efígies dos deuses do Grande Templo — até o subúrbio insular vizi. nho de Tlatelolco, ao norte. Foi uma atitude sábia: a mudança na defesa fez os espanhóis se aproximarem, acreditando equivocadamente que os astecas haviam sido derrotados e estavam fugindo. Além disso, os castelhanos não sabiam que Tlatelolco era um lugar muito mais populoso, muito mais propício
para a guerra urbana do que as largas avenidas de uma Tenochtitlán em grande parte destruída.
À chave para o combate era privar os espanhóis de espaço para seus cavalos atacarem, não dar lugar para sua infantaria formar colunas e impedir que tivessem linhas de visão desobstruídas para sua artilharia e armas de fogo. Quando a batalha se deslocou para Tlatelolco, os tlatelolcos se junta-
ram aos astecas no ataque aos castelhanos pelas ruas estreitas e sinuosas e na obstrução do acesso ao continente pelas estradas elevadas. O próprio Cortés foi derrubado do cavalo e, pela terceira vez, quase levado embora; Cristóbal de Olea e um tlaxcalteca desconhecido atacaram os méxicas furiosos, cortando-lhes as mãos e salvando assim seu caudilho. Na tocaia inicial em Tlatelolco, mais de cingienta espanhóis foram amarrados e levados em-
bora, enquanto milhares de tlaxcaltecas pagavam pela impetuosidade dos castelhanos sendo mortos ou capturados. Um bergantim foi afundado e outro precioso canhão foi perdido. Os méxicas decapitaram imediatamente alguns de seus prisioneiros, ace nando com os corpos diante dos espanhóis em retirada, dizendo serem os de Cortés e seus oficiais: “Assim os mataremos, como matamos Malinche e San-
doval.” Quando os espanhóis chegaram à segurança, ouviu-se o som dos tam bores. Bernal Díaz del Castillo relembra o que aconteceu em seguida:
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Quando eles os levaram até uma pequena praça na frente do oratório, onde ficam
seus malditos ídolos, nós os vimos colocarem plumas nas cabeças de muitos deles e, carregando nas mãos coisas parecidas com leques, os forçarem a dançar diante de Huichilobos, e depois de terem dançado eles imediatamente os colocavam de costas em algumas pedras bastante estreitas que haviam sido preparadas como lugares de sacriftcio, e com facas de pedra abriam seus peitos e tiravam de dentro os corações palpitantes e ofereciam-nos aos ídolos que ali estavam, e chutavam os corpos degraus abaixo, e
açougueiros índios que esperavam no final cortavam os braços e pés e esfolavam a pele de seus rostos, e depois preparavam-na como couro de luvas ainda com as barbas, e
guardavam-nas para os festivais, quando organizavam orgias embriagadas, e comiam sua came preparada em chilmole. (A descoberta e a conquista do México, 436)
Os espanhóis temiam uma repetição da Noche Triste. Os méxicas gritavam com os tlaxcaltecas, jogando-lhes as pernas assadas de seus compatriotas capturados e pedaços dos castelhanos. “Comam da carne desses teules [castelhanos) e de seus irmãos, pois já estamos saciados dela, e vocês podem se entupir com isso” (A descoberta e a conquista do México, 437). Quando os aliados indígenas de Cortés ficaram sabendo que os astecas estavam comendo carne espa-
nhola e que dezenas de conquistadores amarrados estavam sendo adornados com plumas e obrigados a subir os degraus da pirâmide para serem sacrificados,
praticamente toda a aliança com os índios desmoronou subitamente. A maioria
dos líderes índios temia a volta do terror asteca, percebendo que os próprios europeus eram tão vulneráveis diante dos famintos deuses astecas quanto eles
próprios haviam sido antes da chegada dos espanhóis. Enquanto isso, Cortés e seus homens cuidavam das feridas e se reorganizavam ao mesmo tempo em que Cuauhtémoc reunia seus aliados, procurava novo apoio e enviava partes
dos corpos dos castelhanos capturados e de seus cavalos para os vilarejos ao
tedor do lago Texcoco como prova do fracasso espanhol. Mas então algo es-
tranho aconteceu — ou talvez algo previsível, levando em conta a incapacidade Méxica de reagir imediatamente na manhã seguinte à Noche Triste. Durante a
275 E E
Por que o Ocidente venceu
maior parte do mês de julho, os astecas não atacaram o complexo fortificado cercado dos espanhóis. A fome, a doença, a grande destruição de sua Cidade
e os milhares de mortos em batalha haviam dizimado seu exército. Mais uma vez, era quase como se os astecas houvessem perdido a coragem depois de sua
dramática vitória. Matar e sacrificar castelhanos não deteve os invasores, e Cortés ficava mais confiante depois de uma derrota. Durante a última parte do mês de julho, os exaustos astecas não eram mais capazes de cortar os diques, garantindo assim aos castelhanos livre acesso para
dentro e para fora de Tenochtitlán e de Tlatelolco. Os suprimentos vindos de Vera Cruz chegavam até Cortés sem interrupção. Seus homens faziam mais
pólvora descendo para dentro do monte Popocatépetl para buscar enxofre, ingrediente vital para sua fabricação. Desertores astecas confirmavam que Tenochtitlán estava morrendo de fome e que o imperador de 18 anos era cada vez menos capaz de organizar uma resistência eficaz. Em sua célebre terceira
carta a Carlos V, Cortés descreveu a situação desesperada dos astecas: As pessoas da cidade tinham que andar sobre seus mortos, enquanto outras
nadavam ou se afogavam nas águas daquele grande lago onde ficavam suas canoas; de fato, o sofrimento era tão grande que não conseguíamos entender como eles o suporta-
vam. Inúmeros homens, mulheres e crianças vinham até nós e, em sua ânsia para escapar, muitos eram empurrados para dentro da água, onde se afogavam em meio à
profusão de cadáveres; e parecia que mais de cingienta mil haviam sucumbido de tanto beber água salgada, de fome e devido ao cheiro fétido. Para que não descobríssemos sua
situação, eles não ousavam jogar esses corpos na água onde os bergantins pudessem
encontrá-los, nem jogá-los para fora de suas fronteiras, onde os soldados poderiam vê los, então nas ruas onde estavam encontrávamos pilhas de mortos tão altas que éramos
obrigados a andar sobre elas. (Letters ffom Mexico [Cartas do México], 263-64)
Os cavaleiros castelhanos percorriam os diques à vontade e matavam àº
centenas de pessoas que saíam de suas choupanas em Tlatelolco à procura 276
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de comida. Os tlaxcaltecas tornavam-se cada vez mais difíceis de manejar; percorriam a cidade massacrando — e às vezes comendo — qualquer méxi-
ca que encontrassem. No dia 13 de agosto, Sandoval e García Holguín capturaram Cuauhtémoc fugindo em uma canoa. Ambos disputaram a honra de receber o prêmio por sua captura, o que levou Cortés a intervir, da mesma
maneira, imaginava ele, que Mário e Sila haviam brigado pelo rei númida algemado Jugurta. Fernando de Alva Ixtlilxochitl, um descendente do príncipe aliado de Texcoco, Ixtlilxochitl, autor de uma história do lado in-
dígena aliado décadas depois da conquista, relatou o discurso de rendição de Cuauhtémoc. Ah capitão, já fiz tudo o que estava em meu poder para defend meu reino er e libertá-lo de suas mãos. E, já que minha fortuna não foi favorável, tire minha vida, o que
seria muito justo. E com isso porá fim ao reino mexicano, já que destruiu meu reino e meus vassalos. (Ally of Cortés [Aliado de Cortés], 52)
Cortés pouparia o jovem insperador, depois o levaria consigo em sua desastrosa expedição a Honduras — apenas para enforcá-lo vergonhosamente durante a viagem, em 1523, sob acusações inventadas de que estava incitando revolta entre os aliados idígenas. Desde que a cidade fora isolada, no final de maio, mais de cem mil astecas haviam morrido no confronto, junto com pelo menos cem castelhanos e vinte mil índios aliados. Mas isso era uma porcentagem pequena das verdadeiras
perdas durante a batalha de dois anos pela Cidade do México. A doença, a fome e as lutas constantes haviam praticamente dizimado a população de Tenochtitlán. A contagem final dos mortos acabaria chegando a mais de um
milhão de pessoas dentre os povos ao redor do lago Texcoco. Durante toda a campanha de dois anos, desde que Cortés chegara procedente de Vera Cruz,
as perdas espanholas não passavam de mil homens, dos cerca de mil e seiscentOs que, em épocas, diversas, haviam lutado por Tenochtitlán.
Por que o Ocidente venceu
A carnificina que estava por vir seria ainda mais assustadora. Nas décadas
seguintes, a varíola foi seguida pelo sarampo, pela peste bubônica e depois pela gripe, pela coqueluche e pela caxumba, reduzindo a população do México cen. tral de mais de oito milhões de habitantes quando Cortés desembarcara a bem
menos de um milhão e meio cinqiienta anos depois. Em menos de dois anos, Cortés e seu pequeno exército haviam dado início a uma cadeia de acontecimentos que mudou o rosto de todo um subcontinente e destruiu uma civilização Guerra
asteca
Há inúmeros equívocos e estereótipos relativos aos astecas em guerra. Com
frequência, os mesoamericanos são vistos como pouco mais do que bizarros
selvagens que lutavam em hordas apenas para facilitar o sacrifício humano em grande escala, e faziam prisioneiros por causa de esquisitas regras de combate que os impediam de matar o inimigo no campo de batalha. Mais recentemente, alguns defensores os reinventaram como os gregos do Novo Mundo, cuja impressionante arquitetura simbolizava uma civilização esclarecida e progressista que não sacrificava nem comia realmente outros humanos, e não via razão para desenvolver uma tecnologia militar da qual não precisava. Na verdade, os astecas não eram nem gregos nem selvagens, mas sim astutos imperialistas
teocráticos que haviam criado de maneira implacável um império político
pouco unificado baseado na percepção do terror, sustentado por um exército mortífero e alimentado por um amplo sistema de tributos.
O que diferenciava a guerra asteca da européia eram suas restrições culturais e geográficas muito maiores. Sem cavalos ou bois, ou mesmo a roda, 0 escopo operacional dos astecas era limitado pela quantidade de comida e de
suprimentos capazes de serem transportados por seus carregadores humanos. A medida que Tenochtitlán expandia sua influência pela Mesoamérica, que O tamanho da cidade aumentava e que a guerra se tornava cada vez mais previ”
sível, a organização política de todo o subcontinente mexicano 218
tornou-Sé
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mais vulnerável ao ataque: os europeus poderiam fazer ruir toda a estrutura imperial decapitando uma pequena elite em uma cidade insular, que precisava do transporte por água de toneladas de comida para sua sobrevivência.
As guerras cessaram durante breves períodos entre outubro e abril — exatamente na época em que Cortés entrou em Tenochtitlán, em outubro de
1519 — para permitir que os trabalhadores agrícolas cuidassem das colheitas.
Os combates eram em geral raros durante a estação chuvosa entre maio e setembro, e a batalha noturna também era desencorajada. Em contraste, os
espanhóis, um povo marítimo em um clima temperado, e veteranos das mortíferas guerras na Europa e no Mediterrâneo, estavam dispostos e eram capa-
zes de lutar durante o ano todo, de dia ou de noite, em casa e no estrangeiro, em terra ou no mar, com poucas restrições naturais ou humanas. Muitos confrontos entre os astecas e seus vizinhos começaram como “guerras de flores” (xochiyaoyotl). Esses confrontos encenados, sem muitas mortes de guerreiros de elite de ambos os lados, revelavam a superioridade asteca —
devida ao melhor treinamento, zelo e experiência de batalha de seus guerrei-
ros — e, portanto, a futilidade de uma verdadeira insurreição armada. Se a resistência inimiga persistisse, as guerras de flores podiam tornar-se verdadei-
ras batalhas de conquista destinadas a derrotar um inimigo completamente e anexar seu território. Levando isso em conta, devemos supor que a criação do império asteca resultara em milhares de mesoamericanos mortos em guerras
somente durante o século XV Embora os guerreiros mesoamericanos fossem adeptos do manejo de armas, dois outros fatores inibiam sua capacidade de matar soldados inimigos em grande número diretamente. Em todas as guerras, a captura de prisioneiros
para sacrifícios humanos era uma prova importante da capacidade individual de batalha e do status social, e era considerada crítica para a saúde religiosa
da comunidade como um todo. Com ainda mais frequência, os sacrifícios eram Ocasiões brutais para uma terrível intimidação, para espetáculos sangrentos
destinados a alertar os adversários em potencial sobre as consequências da =
a EO
=
Por que o Ocidente venceu
resistência. Por exemplo, o rei asteca Ahuitzotl supostamente Organizara q carnificina de oitenta mil e quatrocentos prisioneiros durante um sacrifício de sangue de quatro dias na inauguração do Grande Templo a Huitzilopochtli em Tenochtitlán, em 1487 — por si só um enorme feito em matéria de assassinato industrializado. A taxa de matança de Ahuitzotl, de quatorze Vítimas por minuto durante as noventa e seis horas do banho de sangue, ultrapassava em muito a taxa de mortes por dia seja em Auschwitz ou em Dachau. A presen-
ça de quatro mesas de sacrifício convexas — posicionadas de tal forma que as vítimas podiam ser facilmente chutadas pirâmide abaixo — transformava o sacrifício humano em um processo de linha de montagem. Companhias de novos carrascos substituíam periodicamente aqueles exaustos pelos repetidos
golpes com lâminas de obsidiana, para garantir que todas as vítimas fossem despachadas durante o festival. Não conhecemos o número de vítimas sacrificadas em condições normais, mas certamente eram milhares. Ixtlilxochrtitl acreditava que uma em cada cinco crianças dos tributários méxicas era morta a cada ano, embora a estimativa mais baixa do bispo Don Carlos Zumárraga, de vinte mil por ano, seja mais plausível. Estranhamente, poucos estudiosos compararam a propensão asteca para eliminar milhares de seus vizinhos por
meio de matanças cuidadosamente organizadas ao extermínio nazista de judeus, ciganos e outros europeus do leste. Embora os astecas fossem capazes de lutar até a morte em circunstâncias difíceis, o treinamento dos guerreiros nos métodos de nocautear, amarrar e passar
os prisioneiros por cima das fileiras se revelaria um impedimento diante dos espanhóis. Os estudiosos que alegam que os astecas rapidamente abandonaram
as noções de combate ritual ao enfrentar Cortés estão corretos, mas devem admitir que era difícil para os guerreiros descartar anos de tal treinamento militar em poucos meses — especialmente contra espadachins e piqueiros espanhóis treinados desde a adolescência na arte de matar com um só golpe. Não podemos ter certeza de até que ponto esses rituais eram baseados em restrições tecnológicas, mas as ferramentas de guerra astecas — madeira,
Na h
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pedra, sílex, obsidiana, couro e algodão — eram incapazes, por si sós, de matar guerreiros em grande número. Os montantes (machuahuitl) e espadas (tepoztopilli) eram de madeira, com lascas de obsidiana incrustadas em suas lâminas
de fio duplo. Ambos eram páreo para a dureza do metal, mas apenas por al-
guns golpes antes de as lascas se soltarem ou de as lâminas perderem o corte. As espadas astecas não tinham pontas, enquanto as pontas das lanças também faziam delas armas pouco propícias para as estocadas.
Já que a infantaria aristocrática do exército asteca era particularmente ineficiente contra os soldados de infantaria e a cavalaria espanhola, os comandantes indígenas dependiam de uma série de armas de arremesso capazes de penetrar
nos braços, pernas, pescoços e rostos desprotegidos dos homens de Cortés.
Um tipo peculiar de atirador de lanças (atlatl) consistia em um bastão de madeira de cerca de sessenta centímetros, com encaixes e um gancho em uma das pontas no qual era preso o projétil. Dardos endurecidos pelo foso (tlacochti) às vezes tinham uma ponta de sílex; quando usados com o atlatl, esses projéteis eram certeiros a distâncias de quarenta e seis metros. No entanto,
eram praticamente inúteis contra armaduras de metal e incapazes de furar até mesmo camadas de algodão a grandes distâncias. Os astecas usavam arcos simples (tlahuitolli) em vez de arcos compostos. Embora pudessem alcançar uma cadência de tiro rápida, com mais de vinte flechas (yaomitl) por aljava,
essas armas não tinham o poder penetrante nem alcançavam as distâncias dos modelos europeus que, desde a Antiguidade clássica, eram feitos de chifre, couro e madeira colados.
Muitos relatos provam o perigo dos mísseis de pedra astecas; e embora os índios lançadores de funda não tivessem balas de metal nem fundas sofisticadas, mesmo assim eram capazes de ferir partes desprotegidas do corpo a distâncias de quase noventa e um metros. Os escudos astecas de madeira, couro e plumas, assim como suas roupas de guerra de algodão, podiam deter as lâmi-
nas de pedra mesoamericanas, mas não tinham utilidade contra o aço de Toledo, as flechas de metal das balistas ou os tiros de arcabuz. E correto generalizar
Por que o Ocidente venceu
dizendo que as armas de Montezuma eram inferiores em calibre à artilharia às armas mísseis, à armadura corporal e ao armamento ofensivo do exército
de
Alexandre, o Grande, dezoito séculos antes.
O México tinha todos os recursos naturais necessários para uma indústria de armamentos sofisticada. Não havia escassez de minério de ferro, abun.
dante em Taxco. Havia muito cobre em Michoacán. O vulcão Popocatépetl fornecia suprimentos de enxofre. De fato, um ano depois da conquista, o pró-
prio Cortés, contrariando os éditos da coroa, estava produzindo pólvora e fundindo mosquetes e até mesmo canhões maiores nos antigos territórios dos astecas. Por que, com tamanha reserva de ingredientes para munição, os aste-
cas produziam apenas porretes, lâminas de lascas de obsidiana, e dardos e arcos e flechas? A explicação mais popular sugere a necessidade. Já que o objetivo da guerra asteca era mais capturar do que matar, as lâminas de pedra eram suficientes contra outros mesoamericanos armados do mesmo modo. A impli-
cação é que os astecas poderiam ter fabricado armas comparáveis às dos europeus, mas não viam razão para tal despesa adicional em seu tipo de guerra ritualística cujo objetivo era nocautear, e não causar a morte. No entanto,
essa alegação de know-how tecnológico latente é absurda para uma cultura
que não tinha uma tradição racional sofisticada de investigação natural. O mais provável é que o contrário seja verdadeiro: os astecas não eram capazes
de fundir metais ou armas de fogo e, por isso, eram forçados a travar guerras rituais com armas capazes sobretudo de ferir, e com as quais era difícil matar. Contra um exército feroz e grande como o dos tlaxcaltecas, é difícil imaginar
como os astecas, apesar de sua grande superioridade numérica, poderiam ter travado uma guerra de aniquilação com armas não-metálicas — o que expli caria por que Tlaxcala era em grande parte autônoma, e resolvia seus conflitos com os astecas com guerras de flores quase cerimoniais.
A batalha asteca, como a luta zulu ou os ataques das tribos germânicas, erê
uma batalha de cerco. Grupos de guerreiros tentavam sistematicamente cer
car O inimigo, com as linhas de frente atacando e atordoando os adversários 282
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antes de passá-los para as fileiras de trás para serem amarrados e carregados para longe. Consegiientemente, a necessidade de fazer os prisioneiros mar-
charem de volta com o exército também contribuía para a incapacidade dos astecas de fazer campanhas longe de casa, já que a multidão combinada de vencedores e perdedores só aumentava as exigências logísticas. Embora houvesse um exército nacional
asteca, na verdade os contingentes locais se
aglomeravam em torno de seus próprios capitães e podiam deixar totalmente o campo de batalha caso seus líderes ou estandartes caíssem. Francisco de Aguilar relata a luta desesperada em Otumba, depois da Noche Triste: Abrindo caminho à força entre os índios, fazendo maravilhas em matéria de iden-
tificar e matar os capitães, reconhecíveis por seus escudos de ouro, e desprezando os guerreiros comuns, Cortés foi capaz de alcançar seu capitão-general e matá-lo com um golpe de lança... Enquanto isso acontecia, nós, soldados de infantaria comandados por Diego de Ordaz, estávamos completamente cercados pelos índios, que tinham praticamente as mãos sobre nós, mas, quando o capitão Hemán Cortés matou seu capitãogeneral, eles começaram a recuar e a nos dar espaço, então poucos nos perseguir (É de Fuentes, Conquistadors [Conquistadores], 156)
Novos grupos de soldados podiam entrar na luta a cada quinze minutos
mais ou menos, já que não havia nenhum conceito de batalha de choque de-
cisiva na qual soldados de infantaria pesadamente armados buscassem colidir
de frente com o inimigo no primeiro encontro. Fileiras e colunas eram inexistentes; os guerreiros não atacavam nem recuavam juntos ou sob comando;
mísseis e flechas não eram atirados em salvas. Tampouco as tropas de arremesSO eram usadas junto com os ataques de infantaria. Sem cavalos, a doutrina de
batalha dos astecas era em grande parte unidimensional, uma doutrina onde o treinamento melhor e o maior número dos guerreiros do imperador, aliados à
Pompa e circunstância dos guerreiros emplumados e estandartes, bastavam para derrubar ou amedrontar a resistência.
283 E [1
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———e
Por que o Ocidente venceu
Finalmente, a sociedade asteca era muito mais segmentada, mesmo com:
parada à Espanha aristocrática do século XVI. As armas, o treinamento, as armaduras e o posicionamento em batalha da maioria dos guerreiros Méxicas
eram baseados em nascimento e status. Em um padrão cíclico de causa e efei. to, essas imensas vantagens inatas davam aos aristocratas a prioridade para fazer prisioneiros no campo de batalha, o que por sua vez era uma prova de sua excelência marcial — levando então a ainda mais privilégios. Os espanhóis também eram uma sociedade baseada em classes, mas, durante a invasão, di. versos conquistadores modestos
iam montados
conforme
as exigências da
situação militar. Arcabuzes, balistas e lâminas de aço eram distribuídos livremente no exército. O combustível que movia o exército de Cortés não era nem tanto o privilégio aristocrático, mas sim um desejo desesperado, tanto da
parte dos fidalgos quando dos mais pobres, de conseguir dinheiro e fama suficientes para progredir na sociedade castelhana. No campo de batalha em si, o resultado era que, em matéria de armas, táticas, recrutamento e liderança, o exército espanhol operava segundo princípios meritocráticos de simples matança: homens e ferramentas eram treinados e projetados para primeiro desmembrar, e depois obter avanço social, prestígio e recompensas religiosas. Era mais
provável que a matança resultasse em status do que o status em matança.
A mentalidade dos conquistadores Os brutais conquistadores que acompanharam Hernán Cortés ao vale de Tenochtitlán parecem, à primeira vista, pouco representativos da tradição racionalista ocidental. Muitos dos mais notórios eram cristãos castelhanos fanáticos que viviam em um mundo maniqueísta absoluto do bem contra O
mal. A Espanha do século XVI, sob o reinado de Carlos V, estava em plena
Inquisição (que começara oficialmente em 1481), e a queima de bruxas, a tor tura e os tribunais secretos aterrorizavam a zona rural. Judeus, mouros e pro” testantes eram presas fáceis, além dos católicos de fé duvidosa acusados de 284
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qualquer coisa, desde tomar banho todos os dias até ler livros importados. Esperava-se de todos os que entravam para o serviço real uma aderência sem hesitação a um catolicismo ortodoxo sitiado, e era essa à ideologia de quase todos os conquistadores que navegaram rumo ao Ocidente — algumas vezes em detrimento da lógica política e militar.
Imagem das várias formas de punição praticadas pela Inquisição
Ão se verem cercados por uns duzentos mil inimigos méxicas no meio de Tenochtitlán, Cortés e seus seguidores fizeram a Montezuma a insana exigên-
cia de que ele derrubasse os ídolos astecas para que seus súditos pudessem ser convertidos em massa ao cristianismo. Os padres católicos eram comuns no NoVO Mundo;
diversos freis dominicanos, franciscanos e jeronimitas recebiam po-
deres imperiais de auditoria para garantir a conversão dos índios ao cristianismo, 285 És
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Por que o Ocidente venceu
em vez de sua morte gratuita. O que viram — corações ainda batendo sendo arrancados do peito de vítimas de sacrifícios, quartos manchados de Sangue
humanos, prateleiras de crânios, sacerdotes cobertos por peles humanas aterrorizou os padres espanhóis. Eles estavam convencidos de que os astecas
e seus vizinhos eram satânicos, e que seus rituais de sacrifício humano e canibalismo eram obra do Anticristo. Um conquistador anônimo resumiu a repulsa espanhola: Todas as pessoas dessa província da Nova Espanha, e mesmo das províncias vizi-
nhas, comem came humana e a valorizam mais do que qualquer outro alimento no mundo; tanto assim que geralmente vão à guerra e arriscam suas vidas só para matar pessoas para comer. A maioria deles, como eu disse, é sodomita, e eles bebem em exces-
so. (P de Fuentes, Conquistadores, 181)
Para proteger as forças reduzidas da cristandade da contaminação dessas
supostas legiões das trevas, frequentar a missa, confessar-se e ser absolvido eram pré-requisitos dos espanhóis antes da batalha. Durante toda a violenta campanha de dois anos, os conquistadores estavam convencidos de que uma série
de seres sobrenaturais pairava sobre suas cabeças, protegendo-os. Logo, altares começaram a coalhar a paisagem mexicana para agradecer à Virgem e aos
diversos santos as vitórias e a salvação dos astecas infiéis. O objetivo da conquista era tanto arrebanhar almas quanto ganhar ouro e territórios, e a posição de facto da Igreja era geralmente de que a matança dos conquistadores era
errada e contraproducente, mas que era melhor para os méxicas morrer do
que viver como agentes praticantes do demônio.
Martinho Lutero foi excomungado no ano em que Cortés ocupou Tenochti-
tlán pela primeira vez, mas mesmo assim o protestantismo nascente e o debate sobre doutrina religiosa por ele suscitado não encontrariam uma platéia Té ceptiva na Castilha contemporânea. Apenas três décadas antes de Cortés colo
car os pés no México, Ferdinando e Isabella haviam finalmente terminado à 286
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Reconquista de quatro séculos, unindo Aragão e Castilha e expulsando os
mouros de Granada em 1492, e criando ao mesmo tempo a moderna naçãoestado da Espanha. Durante grande parte do século subseguente, a coroa es-
teve ocupada debelando insurreições no sul da Espanha entre os mouriscos, que protestavam pedindo a volta do domínio islâmico. Além disso, devido a
sua presença perto da Itália e na África do Norte, a Espanha também passou a ser um estado fronteiriço na resistência européia ao avanço otomano, além de estar atolada em suas lutas periódicas contra as cidades-estado italianas e os holandeses rebeldes. Assim, os temidos veteranos que desembarcaram em Vera Cruz estavam a um mundo de distância dos fazendeiros e exilados religiosos que desembarcaram em Plymouth Rock. O fanatismo cristão e o catolicismo rígido eram as principais defesas das culturas do sul do Mediterrâneo sitiadas por inimigos islâmicos pelo sul e pelo leste, e pelos novos adversários protestantes do norte da Europa. Os europeus
protestantes estavam longe das linhas de frente do ataque islâmico; e, sem as fortes tradições de fidelidade ou um autocrata centralizado em Roma, podiam considerar a Reforma religiosa com uma indulgência que os italianos, espanhóis e gregos não podiam se permitir. Na época da conquista do México, a Espanha se sentia cada vez mais cercada por todos os lados. Graças a seu poder econômico e influência comercial, os poderosos judeus podiam explorar e dominar
O campesinato católico; fanáticos protestantes podiam esquadrinhar a zona rural da Espanha, minando as igrejas locais e os estados papais; mouros e otomanos podiam conspirar para a reintegração da Espanha ao mundo islâmi-
co, derrubando assim a nova criação nacional de Ferdinando e Isabella. Na Paranóica mentalidade espanhola, a Inquisição e a Reconquista eram as únicas responsáveis pela salvação da Espanha, mas, mesmo assim, a sobrevivên-
cia a longo prazo da nova nação dependia de uma classe de cavaleiros capazes de espalhar o catolicismo para o Novo Mundo antes que ele também fosse
colonizado por europeus do norte e seus tesouros usados para alimentar as lutas religiosas no Velho Mun do.
287 E RR
É
Por que 0 ODerdente venceu
Com inimigos reais e palpáveis como esses, não era nenhuma SUTPresa que, à medida que o século XVI avançava, a Espanha se tornasse cada vez mais
repressora — o estudo no estrangeiro era algumas vezes desencoraj ado, a cultura
da Europa do norte era frequentemente ignorada e a pesquisa era basicamente
não-secular. Quando Cortés partiu para o Novo Mundo, o antigo universo mediterrâneo do Império Romano estava prestes a passar por uma grande mu.
dança revolucionária. A exploração das rotas comerciais do Atlântico, o protes. tantismo e mudanças econômicas radicais transfeririam insidiosamente o poder econômico para longe do mundo Mediterrâneo em direção às nações atlânticas da Europa do norte: Inglaterra, Holanda, França e os estados germânicos. Antes de os castelhanos porem os pés do Novo Mundo, já se estabelecera ali um sentimento de zelo missionário e de audácia militar inexistente no mesmo grau no resto da Europa. A Espanha se considerava uma continuidade do Santo Império Romano. Habsburgo Carlos V não era apenas o imperador de
uma nova nação, mas o herdeiro justo dos domínios dos antigos imperadores romanos. Os mais talentosos desses últimos — Trajano e Adriano são os primeiros nomes a vir à mente — haviam nascido na Ibéria. A coragem dos anti-
gos ibéricos era lendária, tanto antes quanto depois da conquista romana.
O massacre de Aníbal em Canas, por exemplo, teria sido impossível sem a audácia de seus mercenários ibéricos. Não existe um personagem mais mortal e romântico na literatura romana do que o renegado Sertório e seu exército
de rebeldes ibéricos, que devorou legiões romanas por quase uma década em
seu reduto espanhol (83-73 a.C.). Assim, os povos indígenas do México foram
particularmente desafortunados por verem desembarcar em suas costas não
apenas intrusos europeus ou peregrinos religiosos per se, mas os guerreiros mais audaciosos, mortíferos e zelosos do mundo europeu do século XVI, os homens mais cruéis que a Espanha tinha a oferecer em seu mais importante século de grandeza imperial. O que motivava Cortés e seus homens era à busca do status quando voltas: sem à Espanha e
288
a esperança de um enriquecimento material no Novo Mundo:
Victor
Davis
Hanson
terras livres e grandes propriedades no México, é claro, e, para os mais idealistas, as recompensas espirituais por converter milhões de pessoas ao cristianismo. No entanto, acima de tudo, o que atraía era o ouro. O ouro era O primeiro assunto das perguntas feitas aos índios. Objetos sem valor, facas de ferro e vidro eram
trocados por ouro. Só o ouro satisfazia os castelhanos, e não as lindas plumas, os intrincados tecidos de algodão ou mesmo os elaborados pratos de prata dos méxicas. O ouro podia transformar um homem em nobre na Espanha; o ouro podia
permitir à falida coroa espanhola acompanhar as economias mais eficientes da Inglaterra e da Holanda e, assim, manter o império dos Habsburgos na Europa. Um quarto de toda a renda da Espanha imperial acabaria vindo dos metais do México e do Peru: cento e oitenta toneladas de ouro e dezesseis mil toneladas
de prata do Novo Mundo chegariam às costas espanholas entre 1500 e 1650. O ouro méxica e peruano poderia abastecer as galés para manter os turcos
afastados e pagar os exércitos na Holanda. Ouro na mão não significava beleza, mas sim poder, dinheiro, status — e por isso os intrincados lagartos, patos e peixes de ouro dos méxicas, produto de centenas de horas de cuidadoso artesanato do Novo Mundo, eram derretidos e transformados em barras de
ouro portáteis que tinham o poder de comprar tanto mercadorias quanto serviços. Para os espanhóis, o metal brilhante era um prazer abstrato e distante, em vez de imediato e concreto; horas de perícia indígena não tinham valor se comparadas aos bens, ao status e à segurança que aquele metal podia
comprar. Quando Cortés viu o elaborado trabalho com ouro de seus anfitriões, à primeira coisa que lhe veio à cabeça não foi apenas sua própria futura riqueza, nem mesmo os tributos à coroa espanhola, mas o capital que poderia
Ser armazenado para comprar mais cavalos, pólvora, arcabuzes, canhões e ba-
listas dos navios vindos de Cuba e da Espanha. Os índios do México ficaram
tão intrigados com as demandas incessantes dos conquistadores por ouro que
No início acreditaram na artimanha castelhana segundo a qual eles precisa-
vam do metal como remédio para “seus corações”; alguns astecas mais criativos acreditavam que os espanhóis até comiam aquele tolo pó dourado!
Por que o Octdente venceit
No Novo Mundo do século seguinte à descoberta de Colombo, o Conquis. tador era a lei; havia pouca supervisão imperial nos territórios americanos subpovoados e vastos. Os estrangeiros eram excluídos da América Central e da América do Sul — franceses e ingleses, especialmente, não eram bem-vindos
Governadores chegavam, envolviam-se na mesquinharia da política local,
eram geralmente
chamados
de volta, mortos,
morriam
de doença — o
saqueavam a província que governavam. A monarquia espanhola ficava à quase cinco semanas de viagem, e sua burocracia era transitória, difícil de lo. calizar e notória por sua inatividade. Para decidir sobre a aposentadoria do
vice-rei do Peru, uma de suas auditorias levou treze anos e consumiu cingienta mil folhas de papel, e, mesmo assim, só chegou a uma conclusão em 1603, muito depois de o ex-vice-rei já ter morrido. Havia uma conhecida propensão do governo para sancionar post facto qual-
quer explorador audacioso que encontrasse novas terras e metais para a coroa. A maneira de evitar uma residencia, ou investigação real sobre as falcatruas de
um governador provincial, era prolongar a situação, liderar uma expedição, colonizar novos territórios para a coroa, alegar o batismo em massa dos índios, e depois enviar para a Espanha o quinto real de todo o ouro, prata e jóias que
pudessem ser saqueados dos índios. O ouro podia mascarar a insubordinação; o ouro podia mitigar a preocupação dos padres com a dizimação, em vez da conversão,
dos índios americanos;
o ouro podia transformar um renegado
castelhano ou um assassino andaluz no equivalente a um vice-rei aos olhos dos ministros do rei — valendo-lhe uma pensão imperial ou pelo menos um brasão em sua velhice. Com a descoberta do Novo Mundo, a sociedade espa
nhola começou a deixar de ser uma aristocracia fundiária para se tornar uma plutocracia,
permitindo
a todo
um
grupo de aventureiros
anteriormente
pobres e medíocres avançar socialmente por meio da aquisição de uma fortur na nas Américas.
Poucos aventureiros castelhanos levavam suas famílias. Menos ainda pro” curavam uma nova vida na lida da agricultura como pequenos proprietários 290
Victor
O desejo não era cultivar um pedaço de terra só seu e
Davis
Hanson
assim, pela auto-sufi-
ciência, criar uma família livre e imune da perseguição religiosa e da opressão política européia, mas sim se tornar o proprietário ausente de um enorme ran-
cho, no qual centenas de índios poderiam criar gado, cavar minas e fabricar
mercadorias de luxo, como o café ou o açúcar, para garantir uma renda estável ao caudilho. Muito poucos conquistadores tinham qualquer dúvida sobre a primazia da coroa ou do Papa. Ao contrário dos colonos da América do Norte, os primeiros espanhóis vieram para o Novo Mundo como emissários, e não
fugitivos, da igreja de sua terra natal. Alguns líderes castelhanos no Caribe eram veteranos aguerridos das campanhas da Itália e das guerras contínuas contra os mouriscos na Espanha e os otomanos no Mediterrâneo. Poucos, como Cortés, eram fidalgos de poucas posses, mas com pretensões aristocráticas,
cujas famílias gozavam de alguma isenção de vários impostos imperiais. A maioria era composta por jovens na casa dos 20 anos, ansiosos para voltar para a
Espanha aos 40 anos com posição social, dinheiro e grandes propriedades — algo impossível para a maioria deles caso ficassem em sua terra natal. O resultado foi que o México era visto não como um lugar para começar o mundo
novamente, como a Nova Inglaterra puritana, mas sim como uma fonte útil de vigilância espanhola contra as forças das trevas. À vida econômica da Castilha do século XVI estava em recessão. A agricultura, especialmente, estava em declínio, já que pequenos senhores e padres
gerenciavam grandes propriedades de gado bovino e ovino. A expulsão dos judeus e dos mouriscos — duzentos e cinquenta mil mouriscos durante o sé-
culo XV — dizimara a economia rural espanhola; a imigração para o Novo Mundo veio para privar ainda mais a Península Ibérica de centenas de milha-
res de seus cidadãos mais enérgicos. Embora lucrativas durante algum tempo, as rotas comerciais do Atlântico eram perigosas devido ao clima, aos ataques de europeus do norte e aos piratas independentes. A troca de metal do Novo
Mundo por mercadorias de luxo do Velho Mundo — quadros, móveis, roupas, livros —
acabaria arruinando as economias
tanto da Espanha quanto do ”
291 E
Por que o Ocidente venceu
México, na medida em que ambos ficavam cada vez mais para trás em Telação ao
norte da Europa e à América do Norte, que estavam desenvolvendo Pequenos proprietários agricultores e capitalistas empreendedores. A simples Mineração e a fabricação de itens de luxo não substituiam uma produção manufatureira
em larga escala e uma agricultura orientada para o mercado, e o ouro do Novo
Mundo escondeu as deficiências estruturais da economia espanhola duran te quase um século. Havia um excesso de famílias nobres e títulos entre OS con-
quistadores castelhanos, mas pouco dinheiro de verdade e quase nenhuma
oportunidade de ascensão social na Espanha. Não é nenhuma surpresa que
quase um milhão de castelhanos tenha partido para o Novo Mundo durante os dois séculos depois de Colombo.
Em 1500, os livros impressos já haviam se espalhado pela Espanha, e toda
uma geração de aristocratas era versada não somente em tratados religiosos e de ciência militar, mas também em poemas, baladas e romances fantásticos cheios de amazonas, monstros marinhos, fontes da juventude e lendárias ci-
dades de ouro. Futuros magnatas arruinados partiam para o Ocidente — mais de duzentos navios espanhóis viajaram para as Índias só entre 1506 e 1518 — não apenas para escapar da pobreza na Espanha, não simplesmente para enriquecer e enriquecer a coroa espanhola, e não inteiramente para converter milhões de pessoas ao catolicismo nas futuras guerras religiosas. Os conquistadores também se lançavam ao mar porque o Novo Mundo, com sua flora, fauna e povos indígenas bizarros, era visto como uma fonte de mitos populares,
maravilhas e pura aventura — um desafio adequado para um jovem cavaleiro corajoso e piedoso. No fim das contas, Atlântida (as Antilhas), as amazonas (o tio Amazonas)
e a Califórnia (a ilha do romance Las Sergas de Esplandián)
realmente existiam.
Todos os conquistadores tinham o mesmo objetivo claro de esmagar a Opo*
sição indígena, saquear o país em busca de ouro, converter os gentios ao cris tianismo, aproveitar as mulheres locais, ter filhos mestiços — Cortés parece
ter tido vários — e depois fundar propriedades e baronias nas quais os magníficos 292
Victor
Davis
Hanson
espanhóis cheios de terras poderiam supervisionar imensas tropas de trabalha-
dores indígenas na exportação de comida e metal do Novo Mundo. Aos 20 e
poucos anos, Cortés anunciou, em seu primeiro ano no Novo Mundo, que “jantaria ao som das trombetas ou morreria na forca”, e depois passou grande parte da casa dos 20 e 30 anos juntando uma fortuna em ouro e fazendas em Cuba — capital que ajudaria a financiar uma expedição às novas terras do México, que poderia trazer ainda mais riqueza. Livres para explorar e conquistar um mundo caribenho desconhecido entre
1492 e 1540, cinquenta anos depois os conquistadores se tornaram curiosidades anacrônicas, quando não verdadeiros problemas. Basta ver o declínio das
fortunas de Cortés e de seus caballeros durante a década posterior à conquista de 1521. O grande crítico do imperialismo espanhol no Novo Mundo, o frei
dominicano Bartolomé de Las Casas, reclamava dos “quarenta anos” (1502-42)
durante os quais um punhado de seus conterrâneos, por meio da conquista militar, da doença e da exploração econômica, dizimara a população da bacia caribenha. Em 1550, a América espanhola já era um mundo de burocratas,
mineiros e padres, sem espaço para guerreiros castelhanos empobrecidos isolados, que desejavam participar sem supervisão das intrigas da coroa e do pontificado e, assim, arruinar o trabalho mais cuidadoso de outros para extrair almas e ouro do povo e do solo das Américas. Tanto o rei quanto a Igreja
estavam começando a entender que homens como Cortés tinham uma tendência perturbadora para esfolar, em vez de tosquiar, o rebanho do Novo
Mundo, e não pouparam esforços para garantir que a era do conquistador fos-
se exterminada apenas poucos anos depois de sua criação.
À primeira geração a se instalar e explorar a bacia caribenha foi de homens duros como Diego Velázquez, governador de Cuba, aguerrido pela segunda Viagem de Colombo e pelas batalhas finais para libertar Granada; Francisco de Garay, governante da recém-fundada Jamaica, outro veterano das explora-
ções de Colombo e parente por afinidade do famoso explorador; e Pedro Arias Dávila, caudilho do Panamá, um sobrevivente endurecido pelas batalhas das
Por que o Ocidente venceu
guerras civis espanholas e, aos 78 anos, o mais implacável dos Bovernadores
espanhóis. O próprio Hernán Cortés era natural de Medellín, filho de um len. dário soldado com cingienta anos de serviço militar para a coroa. Os conquistadores estavam a um mundo de distância dos padres e ho. mens de letras que vieram em seguida solidificar e burocratizar o que esses
homens bem mais brutais haviam ganho pelo fio da espada, homens que compartilhavam aquilo que hoje nos parece uma moralidade irregular: matar índios desarmados durante uma batalha não trazia opróbrio, assim como transformar toda uma população conquistada em batalhões de servos sem contrato. Por
outro lado, o sacrifício humano, o canibalismo, o travestismo e a sodomia provocavam indignação moral e ultraje, assim como a falta de roupas, a proprie-
dade privada, a monogamia e o trabalho físico contínuo. Grande parte do mun. do ético dos castelhanos baseava-se no status aparente, nas boas maneiras e na
pretensão de civilização, não em questões fundamentais de vida ou morte: Na mentalidade do espanhol do século XVI, o membro de uma comunidade civilizada era um citadino vestido com calça e casaca, e com os cabelos curtos. Sua casa não era infestada por pulgas e carrapatos. Ele fazia suas refeições à mesa v não no chão. Não se entregava a vícios antinaturais e, se cometia adultério, era punic» Sua mulher — que era sua única mulher, e não uma entre muitas — não carregava seus
filhos nas costas como uma macaca, e ele esperava que seu filho, e não seu sobrinho, recebesse sua herança. Não passava seu tempo se embebedando; e tinha um sentimen-
to adequado de respeito pela propriedade — pela sua e pela dos outros... (). Elliott, Spain and its world [A Espanha e seu mundo], 55-56)
Racionalismo espanhol O legado dos homens de Cortés e de outros como eles foi uma brilhante
conquista militar — e a dizimação da população indígena do Caribe e do Mé-
*ico em apenas 30 anos, graças à conquista militar, à destruição das práticas 294
Victor
Davis
Hanson
agrícolas locais e à importação involuntária da varíola, catapora e gripe. Como o “heleno” Alexandre, o Grande, o “cristão” Cortés matou milhares, saqueou te-
souros imperiais, destruiu e fundou cidades, torturou e assassinou — e alegou
ter feito tudo isso para a melhoria do gênero humano. Suas cartas para Carlos V proclamando seu interesse na criação de uma irmandade entre todos os
nativos e os espanhóis eram muito semelhantes ao juramento de Alexandre em Ópis (324 a.C.), no qual ele proclamou um novo mundo que incluía todas
as raças e religiões. Em ambos os casos, o número de corpos contava uma história diferente.
Os conquistadores estavam longe de ser fanáticos ignorantes. Apesar de toda sua devoção religiosa, não viviam no mundo mítico dos méxicas — Mon-
tezuma enviou uma série de magos e necromantes para amaldiçoar e enfeitiçar os castelhanos que se aproximavam —, mas sim em um universo romântico
que, em última instância, apesar de suas histórias fantásticas e de seus rumores improváveis, confiava na percepção natural e nos fatos concretos. Apesar de toda sua fúria, os espanhóis não acreditavam que os méxicas fos-
sem agentes sobre-humanos do demônio, mas sim sofisticadas tribos indíge-
nas que podiam ser conhecidas, dobradas e conquistadas por meio de uma combinação de intriga política e armas castelhanas. Os méxicas tinham tão
pouca familiaridade com os espanhóis quanto os espanhóis com os méxicas,
mas a diferença — além do fato óbvio de que foram os espanhóis, e não os méxicas, que viajavam metade do mundo para conquistar um povo desconhecido — era que os homens de Cortés vinham de uma tradição de dois mil
anos capaz de explicar fenômenos estranhos sem recorrer à exegese religiosa.
Por meio da percepção dos sentidos, do apoio de um conjunto preexistente de conhecimento abstrato e do raciocínio indutivo, os castelhanos rapidamente
avaliaram a organização política de Tenochtitlán, a capacidade militar de seu exército e a religião geral da nação méxica.
Eles nunca haviam visto nada como os sacerdotes méxicas, com seus cabelos emaranhados, cheios de sangue seco, e seus casacos de pele humana, nem 295
Por que o Ocidente venceu
os sacrifícios em massa ou os rituais onde se arrancavam os corações sangran. do de vítimas drogadas. Mas logo perceberam que esses homens sagrados ind.
genas não eram deuses. Apesar de toda a retórica da Igreja Católica, não eram sequer demônios, mas sim humanos conduzindo alguma espécie de ritual reli.
gioso bizarro, logicamente capazes de causar o ódio de seus aliados subordinados. O cristianismo lhes dizia que a religião asteca era má; mas a tradição intelectual
européia lhes dava as ferramentas para investigá-la, testar suas fraquezas e acabar por destruí-la. Os astecas, por sua vez, semanas depois da chegada dos caste.
lhanos, ainda não sabiam ao certo se estavam diante de homens ou de semi. deuses, centauros ou cavalos, navios ou montanhas flutuantes, divindades
estrangeiras ou domésticas, trovões ou armas, emissários ou inimigos. O próprio Cortés era semi-educado e, durante algum tempo, trabalhara
como escrivão, estudara iatim e lera as guerras gálicas de César e outras histó-
rias militares clássicas. Pelo menos alguns de seus sucessos nas horas mais ne-
gras das guerras méxicas deveram-se a sua oratória hipnotizante, aliada a alusões clássicas a Cícero e Aristóteles e pontuada de frases latinas de historiadores e
dramaturgos romanos. Devemos lembrar que no século I a.C., durante os últimos dias da República romana e os primeiros anos do principado, a Espanha
era o centro intelectual da Europa, produzindo filósofos morais como os Sê-
necas velho e jovem, o poeta Marcial e o agrônomo Columella. Embora a Inquisição e a intolerância religiosa que varriam a Espanha logo fossem isolar a Península Ibérica dos principais centros de aprendizado da Europa do norte, levando a um declínio claro já em 1650, no século XVI o exér-
cito da Espanha ainda estava na vanguarda da tecnologia militar e da ciência
tática abstrata. Muitos dos homens que marchavam com Cortés não eram
simples escrivães, fidalgos falidos e padres familiarizados com a literatura latina, mas leitores ávidos de tratados políticos e científicos espanhóis contemporâneos. Mais importante, eles haviam sido treinados como burocratas e advogados; segundo o método indutivo da reunião de provas, antecedentes e direito, a pro
var algo diante de uma platéia de semelhantes supostamente desinteressados. 296
Victor
Davis
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Os conquistadores de Cortés podem não ter sido intelectuais, mas estavam
equipados com as melhores armas da Europa do século XVI e escolados pelas experiências anteriores de combate aos mouros, italianos e turcos. As bases de ciência militar ocidental abstrata de cerca de dois milênios, de fortificações, arte do cerco, táticas de batalha, balística e manobras de cavalaria até à logís-
tica, combates com piques e espadas e tratamento médico no campo de batalha garantiam que seria preciso literalmente centenas de méxicas para matar cada castelhano. Quando eram surpreendidos e cercados, os espanhóis se organizavam em fileiras e colunas, lutavam em uníssono com uma disciplina inquestionável e atiravam em salvas. Nas inúmeras crises repentinas e inesperadas
que surgiam a cada semana, Cortés e seus conselheiros próximos — o brilhante Martín López, o corajoso e equilibrado Sandoval e o temperamental Alvarado — não apenas rezavam, mas se reuniam calmamente, discutiam e decidiam
uma solução tática ou mecânica para salvar seu erro de ter marchado para dentro de uma fortaleza insular habitada por milhares de pessoas. Cortés também se preocupava que suas ações fossem registradas, criticadas, submetidas a auditorias e conhecidas por milhares de pessoas na Espanha. O individualismo espanhol era evidente o tempo todo. Os homens mais improváveis apareciam com idéias — algumas malcosturadas, como no caso do
veterano das guerras italianas que, à medida que a pólvora ficava mais escassa, convenceu Cortés de que era capaz de construir uma enorme catapulta (que se revelaria um fracasso total). Havia uma familiaridade entre soldados e generais desconhecida entre os méxicas: nenhum guerreiro asteca podia ousar se aproximar de Montezuma
ou de seu sucessor Cuauhtémoc para propor uma nova
abordagem da construção de navios, da tática e da logística. Assim como os “Companheiros” de Alexandre gozavam de um nível de intimidade com seu rei
inimaginável entre Dario e seus Imortais, Cortés comia, dormia e via suas sugestões recusadas por seus caballeros de um modo inconcebível entre os méxicas.
Ocidentais haviam se aventurado em térras não-ocidentais para viajar, escTever e registrar desde a emergência dos logógrafos iônicos do século VI a.C. 297
Por que o Ocidente venceu
Periegetas como Cadmo, Dionísio, Charon, Damastes e Hecateu — que aca. bariam sendo seguidos na Ásia e no Egito por exploradores e conquistadores
como os imperialistas atenienses, os Dez Mil de Xenofonte e Alexandre, q Grande — haviam escrito tratados didáticos sobre a Pérsia (Persica) e sobre
viagens fora da Grécia (Periploi). Em contraste, durante a grande invasão da Grécia por Xerxes (480 a.C.), o rei aparentemente tinha pouca ou nenhuma
informação sobre a natureza das cidades-estado helênicas. Essa rica tradição helênica de investigação natural foi continuada por mer.
cadores, exploradores, conquistadores e cientistas romanos cujo horizonte se ampliou para incluir todo o Mediterrâneo, o norte da África e a Europa. Ao
contrário dos imperadores astecas, Cortés tinha a vantagem de uma tradição antropológica de literatura escrita que descrevia fenômenos e povos estrangeiros, catalogando-os, avaliando-os e explicando seu meio ambiente natural
que remontava a Heródoto, Hipócrates, Aristóteles e Plínio — a idéia ocidental antiquíssima e arrogante segundo a qual nada é inexplicável para a boa razão, contanto que o investigador tenha informações empíricas suficientes e um
método indutivo adequado. Montezuma quer temia quer venerava a novidade que não conseguia explicar; Cortés buscava explicar a novidade que nem temia nem venerava. No final, essa foi uma das razões para que Tenochtitlán,
e não Vera Cruz — quem dirá Sevilha —, fosse a cidade em ruínas.
Por que os castelhanos venceram O inexplicável gê insulares cidades nas viviam pessoas mil Quase duzentos e cinquenta
meas de Tenochtitlán e Tlatelolco. Mais de um milhão de outros méxicas de língua náuatle em torno do lago eram súditos tributários do império asteca Ainda mais pessoas fora do vale do México deviam obediência a Tenochtitlán-
A grande praça de mercado de Tenochtitlán era capaz de conter sessenta ; mil pessoas. A cidade em si era maior do que a maioria dos centros urbano 298
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da Europa — Sevilha, a maior cidade da Espanha, tinha menos de cem mil
habitantes. Estradas elevadas engenhosamente construídas com inúmeras pontes levadiças, um grande aqueduto de pedra, templos piramidais maiores
(em volume) do que as pirâmides do Egito e frotas de milhares de canoas em
um lago projetado faziam da fortaleza insular um lugar inexpugnável e uma maravilha arquitetônica.
Jardins flutuantes, zoológicos de animais tropicais exóticos e uma enorme elite
religiosa e política privilegiada vestindo ouro, jóias e plumas exóticas intrigaram os homens de Cortés o bastante para fazê-los jurar, em relatos contemporâneos,
que nenhuma cidade européia podia se comparar a Tenochtitlán em matéria de
riqueza, poder, beleza e tamanho. Ainda assim, em dois anos, uma pequena força castelhana — sem linhas de abastecimento seguras, não familiarizada com o território e os costumes locais, inicialmente atacada por todos os grupos nativos que
encontrava, sofrendo com as doenças tropicais e com uma dieta estranha, antagonizada por seus próprios superiores em Cuba e, mais tarde, confrontada por outra força castelhana enviada para prender Cortés — derrotou o império asteca, inaugurando uma série de eventos que dizimariam a maior parte de sua população e arruinariam a majestosa capital de Tenochtitlán. Os próprios espanhóis atribuíram incorretamente seu incrível sucesso a sua virtude inata, inteligência superior e à religião cristã. Durante quase quinhentos anos, tanto os críticos mexicanos quanto europeus propuseram uma va-
riedade de explicações contraditórias para esse feito aparentemente impossível,
explicações que vão do papel dos aliados tlaxcaltecas e das doenças à genialidade do próprio Cortés e aos empecilhos culturais relativos à estimativa de tempo e à comunicação sistemática. Poucos buscaram respostas no contexto
mais amplo de uma longa e letal tradição militar ocidental. Aliados indígenas? Teria Cortés oposto índios a outros índios, em uma aliança cínica que viu Uma guerra civil no México destruir sua própria cultura, com Cortés como 299
Por que o Ocidente venceu
beneficiário único e final? Para interpretar a conquista do México COMO tendo se devido essencialmente a disputas internas entre nações méxicas, três pio:
posições precisariam ser verdadeiras. Em primeiro lugar, as tribos Mesoamer;. canas poderiam ter destruído Tenochtitlán algum tempo antes sozinhas, sem
ajuda espanhola. No entanto, relatos contemporâneos provam que as tribos vizinhas haviam fracassado em tentativas de derrubar os méxicas antes da
chegada dos espanhóis, e depois haviam sido ineficazes na luta contra os aste-
cas sem apoio europeu. Em segundo lugar, depois da destruição da Cidade do
México, os índios mexicanos poderiam ter se virado contra os espanhóis, renovado seus ataques aos europeus como haviam feito durante a chegada de Cortés, e depois aniquilado completamente a presença castelhana, garantindo sua autonomia perpétua tanto dos opressores astecas quanto dos espanhóis. O
contrário ocorreu: a destruição de Tenochtitlán marcou o fim de toda autono-
mia méxica. Nenhuma tribo indígena poderia ter derrotado os astecas antes da chegada dos espanhóis, tampouco nenhum índio poderia ter derrubado os espanhóis depois da conquista. Em terceiro lugar, os povos mesoamericanos, beligerantes e divididos, foram cooptados por uma força européia unida e coesa, sugerindo que as lutas internas, e não a superioridade militar espanhola, era o que impedia uma vitória indígena. No entanto, os europeus tinham quase tantas dissidências em suas fileiras quanto os nativos do México. O próprio Cortés
escapou por pouco de ser preso em Cuba e foi alvo de diversos complôs de assassinato. Foi oficialmente tachado de renegado pelas autoridades de Hispaniola e forçado a roubar e desapropriar suprimentos. Em meio a delicadas
negociações com Montezuma, foi obrigado a abandonar Tenochtitlán. Deixando apenas uma pequena força comandada por Alvarado, seus homens per-
correram o difícil e perigoso caminho de quatrocentos e dois quilômetros de volta a Vera Cruz e depois enfrentaram e derrotaram uma armada maior do que a sua comandada por Narváez — o tempo todo sob o ataque de vários
Povos mesoamericanos que queriam justamente capitalizar em cima desses 8 nais de fraqueza. 300
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Em suma, um Cortés disposto ao combate, sem sanção oficial e vítima de um status praticamente de renegado entre seus superiores caribenhos, transformou um mundo indígena preexistente de tensão e batalha constantes em
uma guerra inteiramente nova de aniquilação total contra o povo mais poderoso da história do México — algo impossível sem uma tecnologia superior,
cavalos e tática. Ao final dessa campanha, em poucos anos, ele colocou todo o México sob a autoridade espanhola, uma condição que, com exceção de revoltas ocasionais, caracterizaria a história mexicana da queda de Tenochtitlán em 1521 até a guerra de independência no século XIX. Em todas as discussões sobre a conquista mexicana, os números pouco nos revelam. À disciplina, a tática e a tecnologia dos invasores, e não o enorme tamanho do exército asteca ou os contingentes igualmente imensos de seus inimigos indígenas, explicam por que o império asteca desapa-
receu em menos de dois anos depois da chegada de Cortés. Os espanhóis transformaram conflitos indígenas rotineiros em uma guerra final de aniquilação, e em seguida puseram fim à autonomia de todas as tribos do México. Depois da desastrosa Noche Triste de 1º de julho de 1520, Cortés perdeu a maioria de seus aliados tlaxcaltecas e foi cercado por milhares de guerreiros de tribos hostis. A própria Tlaxcala ficava a quilômetros de distância e estava deliberando quanto a manter ou não a aliança. No entanto, ajudados principalmente por apenas alguns tlaxcaltecas sobreviventes, os espanhóis abriram caminho à força para fora do lago Texcoco, massacraram milhares de índios em sua marcha e
coagiram outros a tornar a se juntar à sua fede-
tação. Além disso, no início de julho de 1521 — quase um ano exatamente depois da Noche Triste —, depois de ser vítima de uma tocaia em Tlate-
lolco, a maioria dos aliados de Cortés sumiu subitamente e sem aviso, enquanto dúzias de prisioneiros castelhanos eram carregados para cima da Grande Pirâmide para morrer em um horrendo festival público. Relatos indígenas do espetáculo que se seguiu explicam por que a coalizão de Cortés
SE evaporou subitamente:
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Por que 0 Ocidente venceu
Um por um, eles eram forçados a subir até a plataforma do templo, onde eram sa
depois seus aliados, io primeiro, iam espanhóis Os crificados pelos sacerdotes.
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mortos. Assim que os sacrifícios terminavam, os astecas cravavam as cabeças dos espanhóis em remos ou piques. Também alinharam as cabeças de seus cavalos, Pu.
seram as cabeças dos cavalos no fundo e as cabeças dos espanhóis por cima, e as pa cionaram de modo que os rostos ficassem virados para o sol. (M. León-Portilla, The Broken Spears [As lanças partidas], 107)
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Pirâmide da Lua, localizada na cidade-santuário de Teotihuacan, a maior da América pré-colombiana.
Fontes contemporâneas assinalam que, àquela altura, menos de cem indígenas mesoamericanos sobravam do exército indígena inicialmente grande
recrutado por Cortés nas aldeias do lago. Os povos mais distantes de Malinalco e Tula se revoltaram imediatamente, fazendo com que Cortés enviasse exp
dições punitivas contra eles para garantir a fidelidade dos senhores hesitantes de Cuernavaca e Otomí.
Em todos esses confrontos, as disparidades numéricas são estarrecedoras, já que no campo de batalha a proporção de castelhanos era de menos de um hor E SR AnÃCOS mem para cada cem — uma disparidade muito maior até do que a dos britânico 302
Victor
Davis
Hanson
na maioria dos confrontos das guerras zulus em 1879. Em meio a essas revol. tas e à dissolução de seu exército, ainda assim Cortés manteve O cerco a Teno-
chtitlán, conquistou os aliados rebeldes e reintegrou os mesoamericanos céticos
a seu exército. Aparentemente, os astecas sitiados não podiam conquistar os castelhanos isolados; tampouco os outros povos do México se sentiam confiantes sozinhos para destruir Ienochtitlán sem ajuda espanhola — e, no entanto, eles próprios não marcharam pelas estradas elevadas para matar O enfraque-
cido Cortés. Talvez seja difícil para os estudiosos modernos, presos a suas mesas, entender o enorme pânico na mente daqueles que eram rotineiramente cortados
em pedaços pelo aço de Toledo, despedaçados pela metralha dos canhões, pisoteados por cavaleiros em cotas de malha, dilacerados por mastins e cujos mem-
bros eram rasgados com impunidade por balas de mosquete e flechas de balistas — sem falar nos milhares de homens sumariamente executados sem aviso por Cortés e Alvarado em Cholula e no templo de Tlacochcalco. Nos relatos orais
contemporâneos em náuatle e nos relatos escritos espanhóis há dúzias de cenas sangrentas descrevendo o desmembramento e evisceramento de mesoamericanos pelo aço e pelos tiros espanhóis, acompanhadas de descrições do
terror completo que essas confusões provocavam nas populações indígenas. Nós, do século XX, que testemunhamos a morte nas câmaras de gás de milhões de judeus por apenas algumas centenas de guardas nazistas, ou centenas de milhares de cambojanos assassinados por poucos milhares de khmer vermelhos perturbados e covardes, não deveríamos achar surpreendente que o horror e o medo incutidos por sofisticadas armas da morte pudessem com tanta frequência e tão facilmente neutralizar a vantagem numérica.
O distinto estudioso asteca Ross Hassig assinalou corretamente que a maioria das narrativas da conquista subestima a contribuição mesoamericana Para a vitória espanhola. Então sejamos claros: Cortés não poderia ter con-
quistado Tenochtitlán em apenas dois anos sem o amplo apoio de aliados indíBenas (inicialmente totonacas e, mais tarde, tlaxcaltecas); tampouco os índios 7
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ao redor da cidade, que haviam combatido os astecas em vão durante décadas
antes da chegada dos europeus, poderiam ter destruído a capital asteca sem o apoio de Cortés. À avaliação correta do papel crítico da participação indípe na é um problema de grau, e envolve a questão de tempo e custo.
As dezenas de milhares de índios que, como guerreiros, carregadores e tra. balhadores na construção, ajudaram, lutaram ao seu lado e alimentaram Cortés
eram indispensáveis para o esforço castelhano. Sem sua ajuda, Cortés teria pre. cisado de milhares de reforços espanhóis e teria perdido centenas de outros homens em um esforço que poderia ter levado uma década ou mais. No en. tanto, teria realizado sua conquista mesmo que houvesse combatido um Mé.
xico unido sem ajuda indígena. À conquista espanhola do México — contra populações sem cavalos, roda, armas de aço ou de ferro, navios transoceânicos, armas movidas a pólvora e uma longa tradição de cerco científico — é emblemática de um padrão sistemático de conquista brutal do Novo Mundo que, em outros lugares, não exigiu necessariamente a cumplicidade indígena. Os mesoamericanos combateram os astecas não porque estivessem apai-
xonados pelos espanhóis — na verdade, durante boa parte do ano de 1519 do início de 1520, eles tentaram exterminar Cortés —, mas porque encontra-
ram um inimigo inesperado e poderoso que poderia ser lançado contra seu adversário ainda maior, Tenochtitlán, que chacinara sistematicamente suas
mulheres e crianças de maneira medonha e abominável. As guerras quase
constantes contra os astecas no século anterior haviam deixado a maioria dos povos mesoamericanos entre o interior e a costa — especialmente os tlaxcaltecas — quer submetidos a um jugo opressivo, que sangrava seus campos € muitas vezes sua população por tributos materiais e humanos, quer submeti-
dos a um estado de sítio que podia durar até seis meses por ano para evitar às depredações astecas.
À aparição dos espanhóis convenceu a maioria dos súditos do império aste ca de que havia um povo que eles não poderiam derrotar, mas que poderia
aniquilar seus arquiinimigos, os méxicas, e que possuía imensas vantagens tec 304
Victor
Davis
Hanson
nológicas e materiais — como lembraram os previdentes defensores astecas aos tlaxcaltecas durante os terríveis últimos dias do cerco — capazes de permitir-lhes estabelecer uma hegemonia duradoura sobre todos os índios do México. Devemos ver a contribuição indígena como o combustível que alimentava O fogo que consumiu os astecas, mas devemos reconhecer que a faísca e a chama eram espanholas. Sem a presença espanhola, nem mesmo os corajosos tlaxcaltecas teriam se libertado — e até então não tinham se libertado — da
opressão asteca. Considerando a capacidade ocidental de produzir armas mor-
tais, sua propensão para criar mercadorias baratas e em grande quantidade, e sua tradição de considerar a guerra em termos pragmáticos, e não ritualísticos, como um mecanismo para alcançar fins políticos, não é surpresa que os mesoamericanos, as tribos africanas e os indígenas norte-americanos tenham se jun-
tado às forças européias para ajudar a matar os astecas, os zulus e os lakotas.
A chave para desmantelar o império asteca, que centralizava suas comunicações, sua burocracia e seu exército em uma fortaleza insular, era a destrui-
ção de Tenochtitlán — uma tarefa que nenhuma tribo mesoamericana podia executar, menos ainda considerar. É verdade que os povos indígenas procuraram usar Cortés como um trunfo tático em sua guerra contra os méxicas. Mas não conseguiram de modo algum entender os objetivos estratégicos mais amplos dos espanhóis no sentido de destruir o império asteca como pré-requisito para anexar o México como tributário do império espanhol — e assim, inconscientemente, tornaram-se peões na antiguíssima tradição européia de pensamento estratégico que era praticamente estrangeira à sua própria idéia de para que servia a guerra.
Nem os tlaxcaltecas nem os méxicas tinham nenhuma noção abstrata de que a guerra fosse o árbitro derradeiro e final da política, uma idéia exclusi-
vamente européia que remonta à observação amoral de Aristóteles no primeito livro de sua Política de que a finalidade da guerra é sempre a “aquisição” e, Portanto, é um fenômeno natural que ocorre quando um estado é muito mais
forte do que o outro e assim busca “naturalmente” a subjugação política de 305
|
Por que o Ocidente venceu
seu rival inferior por qualquer meio possível. Tais pontos de vista foram ma;
tarde o tema das Histórias de Políbio, estiveram onipresentes nas guerras gálicas de César, e foram mais uma vez ampliados e discutidos em termos abst ratos por
pensadores ocidentais tão diversos quanto Maquiavel, Hobbes e Clausewitz. Em suas Leis, Platão pressupunha que todo estado, quando seus rec ursos estivessem
esgotados, procuraria anexar ou incorporar terras que não fossem suas, como um resultado lógico de sua ambição e de seu interesse próprios. Doença?
Não existem números precisos relativos à contagem final dos astecas mor. tos de doença durante os anos de 1519-21. Esse é um assunto altamente controverso, que envolve não apenas números, mas questões de intenção deliberada
e culpa européia.
Durante
a maior
parte
do século XVI, o
México foi atingido por uma sucessão de doenças européias — varíola, gripe, peste, caxumba, coqueluche e sarampo — que reduziram sua população indígena de 75 a 95% em relação a seu total antes da invasão. Em uma das maiores tragédias de toda a subjugação européia das Américas, um subcon-
tinente mexicano que podia ter abrigado quase vinte e cinco milhões de pessoas antes da conquista espanhola era habitado apenas por um ou dois milhões um século depois. Para nossos fins estritamente militares, no entanto, estamos interessados aqui pela questão mais estreita e em grande parte amoral da simples eficácia militar.
Até onde a epidemia de varíola de 1520 pode explicar sozinha a conquista
espanhola de Tenochtitlán em agosto de 1521? Observadores indígenas, que mais tarde descreveram a varíola para os espanhóis em detalhes cruciantes,
acreditavam que a epidemia dizimara quase uma pessoa em cada quinze dentro
da própria Tenochtitlán. Estudiosos modernos estimaram que algo entre 20 e 40% de toda a população do México central — tanto astecas quanto seus inimi-
gos — sucumbiram à primeira vaga da epidemia. Talvez o número de astecas mortos da doença durante os dois anos nos quais Cortés esteve ocupad o com à 306
Victor
conquista do México
Davis
Hanson
tenha chegado a vinte ou trinta mil, um número estar-
recedor de baixas que certamente aj udou a enfraquecer o poder dos méxicas.
Por mais horríveis que sejam esses números, não está claro que a varíola tenha tido muito a ver com a destruição final de Tenochtitlán, embora a criação
subsequente da província da Nova Espanha tenha sido possibilitada pelos mi-
lhões que morreram no século seguinte à vitória de Cortés, especialmente
durante as epidemias de tifo de 1545-48 e 1576-81. Segundo o Códice florentino, a primeira epidemia da doença teve uma trajetória definida e limitada,
espalhando-se pela população a partir do início de setembro até o final de novembro de 1520. Depois praticamente desapareceu até o momento do grande cerco (de abril a agosto de 1521). Quando Cortés se aproximou de Tenochti-
tlán para sua segunda campanha, em abril de 1521, a cidade estivera praticamente livre da doença por quase seis meses. À varíola também matou milhares
de aliados de Cortés em números ainda maiores do que os astecas, já que os totonacas, os chalcatecas e os tlaxcaltecas estavam em contato mais estreito com a sucessão de desembarques europeus em Vera Cruz, onde a epidemia se originou. Além disso, a doença parece ter sido mais virulenta na costa, perto
da base de operações espanholas e entre as tribos aliadas de Cortés. Em um grau limitado, o isolamento insular de Tenochtitlán, sua altitude e a terra de
ninguém do campo de batalha proporcionavam uma barreira inicial, por mais fraca que viesse a se revelar posteriormente, contra focos diretos de infecção. O argumento da doença é uma faca de dois gumes: havia uma variedade de
doenças tropicais com as quais os europeus não tinham quase nenhuma experência e contra as quais não tinham quase nenhuma imunidade. A maioria
dos relatos contemporâneos menciona males constantes nos brônquios e tebres que enfraqueciam seriamente, e algumas vezes matavam, os soldados de Cortés. As malárias e disenterias do Novo Mundo eram muito mais virulentas do que epidemias semelhantes na Espanha. Alguns também sofriam de úlceras do
tipo sifilítico, uma experiência particularmente desagradável para homens em armaduras nos trópicos. Além disso, nem todos os homens de Cortés haviam r
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Por que o Ocidente venceu
sido expostos à varíola e adquirido imunidade contra uma doença que aind dizimava milhares de pessoas nas principais áreas urbanas da Europa. Devi á
ao pequeno número de homens em seu exército, até mesmo poucas dúzias de espanhóis com a doença poderiam ter tido um efeito tão grande na eficácia militar relativa dos conquistadores quanto os milhares de índios infectados
em um império asteca de mais de um milhão de pessoas. Nas próprias cartas de Cortés e nos anais dos observadores espanhóis contemporâneos, a varíola,
embora mencionada, nunca é caracterizada como um fator predominante em qualquer dos dois lados do combate. Isso porque os castelhanos, eles próprios
afligidos por um batalhão de doenças e incapazes de detectar qualquer fraqueza repentina na defesa de Tenochtitlán, nunca perceberam realmente o grau no qual a epidemia se tornara pandêmica entre seus inimigos. O que impedia os europeus de serem dizimados por essas novas febres e antigas doenças pode ser explicado tanto pela demografia e cultura quanto por
causas biológicas. Na condição de grupo em grande parte heterogêneo de jovens guerreiros do sexo masculino, com origens e experiências de viagem variadas, os castelhanos raramente ficavam aglomerados em alojamentos urbanos
em contato constante com mulheres, crianças e idosos. Também não tinham quase nenhuma responsabilidade ou necessidade de cuidar dos civis infecta-
dos. Além de uma certa imunidade biológica à varíola, havia entre os recémchegados espanhóis uma longa tradição empírica no combate a epidemias de doenças — Sevilha perderia metade de sua população para a peste em 1600,
mas mesmo assim se recuperaria sem ser destruída quer pela doença quer por uma invasão estrangeira oportunista.
Durante o combate, os conquistadores aplicavam compressas de lã e algo
dão nos ferimentos e descobriam, de modo medonho, que a gordura de índios mortos pouco tempo antes funcionava como um excelente ungiiento e creme
cicatrizante. Embora o conhecimento sobre vírus e bacilos fosse obviamente inexistente na Espanha do século XVI, e na verdade todo o mecanismo dos agentes infecciosos fosse ignorado, os espanhóis realmente se valeram de um e
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longa tradição empírica que remontava aos escritores médicos clássicos como Hipócrates e Galeno, que se apoiaram em observações de primeira mão das epidemias nas cidades gregas e italianas e, assim, ajudaram a estabelecer as tra-
dições ocidentais, enfatizando a importância de uma quarentena adequada, das dietas medicinais, do sono e da incineração cuidadosa dos mortos. Como consegiiência desse longo legado, os espanhóis se deram conta de
que o contato próximo com os doentes espalhava a infecção, de que os mortos precisavam ser imediatamente descartados, de que a progressão das doenças era previsível pela observação cuidadosa dos sintomas, e de que o processo de observação, diagnóstico e prognóstico empírico era superior a meros sortilé-
gios e sacrifícios. Os padres católicos poderiam ter argumentado que uma pessoa ficava doente como punição divina por pecados anteriores, e oferecido
preces como meios de cura, mas a maioria dos espanhóis percebeu que, uma vez que a infecção se instalava, seguia-se um curso previsível da doença, curso esse que podia ser melhorado até certo ponto por remédios, cuidados extremados, dieta e isolamento.
Em contraste, os povos indígenas do México, assim como os antigos egípcios e muitos padres católicos, acreditavam que as doenças internas eram obras de deuses ou adversários maus, que desejavam punir ou tomar possessão dos afligidos — e que poderiam, portanto, ser vencidas por feitiços e sortilégios. Os videntes astecas consultavam a disposição de feijões lançados sobre a
tecidos de algodão para determinar a etiologia da doença. Sacrifícios variados,
humanos e animais, sem dúvida acalmariam o irado Macuilxochitl ou Tezcatli-
Ppoca — ou seria Xipa? À idéia de que dormir e tomar banho em grupo, frequentar saunas públicas, comer no chão, vestir peles humanas, praticar o canibalismo ou não enterrar e eliminar imediatamente os mortos tinha algo a
ver com a disseminação da doença era pouco conhecida mesmo entre os herboristas mesoamericanos.
A verdadeira vantagem da epidemia de varíola para Cortés não foi a redução do número
de astecas em si, mas sim suas consequências culturais e
Por que 0 Oerdente venceu
políticas. Já que os espanhóis não morriam com a mesma fregiiência que os indi
Í. tem algum durante esquecida parte grande em — genas, espalhou-se a idéia
depois da Noche Triste — de que os europeus eram mais do que mortais, À med aa a dizimava e mesoamericana população pela
da que a varíola se espalhava
te, os castelhanos tomavam cuidado para apoiar e ajudar apenas os novos [ad
que fossem favoráveis à sua causa. À varíola aumentou a reputação de forca sobre-humana dos espanhóis e solidificou seu apoio entre os aliados indígenas apesar do fato de a doença matar tanto aliados quanto inimigos — e, assim, o
teve nenhum efeito real na paridade numérica entre atacantes e sitiados Confusão cultural?
Uma explicação popular recente para o milagre espanhol é a noção de confusão cultural. Quer se elabore uma exegese, semiótica segundo a qual os astecas concebiam e expressavam a realidade de maneira radicalmente diferente dos espanhóis e, assim, ficaram assombrados a ponto de se tornarem impotentes com a chegada européia, quer se utilize o argumento mais lógico de que sua cultura não praticava um tipo de guerra capaz de derrotar um inimigo tão diferente. É verdade que, de início, os astecas estavam inconscientes do perigo representado pelos espanhóis e por sua tecnologia e tática militar superiores. Eles podem ter acreditado que os conquistadores eram algum tipo de seres divinos — o tão profetizado retorno do deus de pele clara Quetzalcoatl e de
sua corte vinda do outro lado do mar. Muitos méxicas acreditavam que as ar-
mas de fogo espanholas eram armas de trovão, que seus navios transoceânicos eram montanhas flutuantes, e que seus cavalos eram algum tipo de animal
divino parecido com centauros, com cavaleiro e animal se confundindo em uma só criatura. Muitos estudiosos argumentam que a ausência de uma escrita silábica, a natureza altamente ritualizada do discurso formal asteca e as idéias
estrangeiras dos espanhóis tornaram os astecas confusos com o comportamen”
to direto dos europeus e vulneráveis a seu método de causa e efeito em matéria de política estatal e guerra, 310
Victor
Davis
Hanson
Muito antes da chegada dos espanhóis a Vera Cruz, Montezuma parece ter
associado os rumores de sua presença no Caribe ao retorno previsto de Quetzalcoatl e à derrubada do império asteca. A combinação de autoridade religiosa e poder político absoluto nas mãos de um único líder, associada à visão de mundo mítica de Montezuma, explica em parte a decisão fatal da hierarquia asteca de deixar Cortés entrar em Tenochtitlán em novembro de 1519. Eles
logo viram que os espanhóis não eram deuses coisa nenhuma, mas sua hesitação e medo iniciais tinham dado a Cortés uma vantagem crítica na campanha. Outros salientaram a ubigiuidade do ritual religioso na vida asteca, especialmente o grau no qual a guerra asteca era escrita e convencional, com a ênfase suprema na captura de prisioneiros que serviam como vítimas sacrificais para
seus deuses, e não na morte imediata do inimigo. Segundo esse ponto de vista, os conquistadores espanhóis
(incluindo Cortés)
poderiam
ter sido mortos
centenas de vezes, mas escaparam devido aos esforços inúteis dos astecas para capturá-los vivos.
Como no caso da epidemia de varíola, o argumento é uma questão de grau. Os méxicas podem ter acreditado que Cortés e seus homens eram divindades e quer baixado a guarda, quer sentido medo de atacar esses “deuses” quando eles estavam cercados e vulneráveis dentro de Tenochtitlán no final de 1519. Os astecas não tentaram matar os espanhóis em batalha imediatamente e, portanto, perderam inúmeras oportunidades de exterminar seu inimigo em
grande inferioridade numérica. Quando a Noche Triste chegou, os espanhóis estavam em Tenochtitlán havia quase oito meses. Os astecas tiveram a opor-
tunidade de examiná-los em primeira mão — sua inclinação para comer, dormir, defecar, tentar fazer sexo com as mulheres índias e demonstrar ambição por ouro. Graças aos relatórios que haviam chegado às mãos de Montezuma muito tempo antes, eles sabiam que, na guerra anterior dos espanhóis
contra otomis e tlaxcaltecas (de abril a novembro de 1519), os espanhóis haviam sangrado como homens. Na verdade, alguns deles haviam sido mortos em ba-
talha, tornando bastante claro o fato de que seus corpos físicos eram semelhantes
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Por que o Ocidente venceu
aos de qualquer um no México. Antes de entrarem em Tenochtitlán, Cavalos também haviam sido derrubados, cortados em pedaços e sacrificados: quando
chegaram, estava claro para todos no Vale do México que aqueles animais eram
criaturas muito semelhantes aos cervos e sem nenhuma propensão divina.
No primeiro verdadeiro confronto militar nas estradas elevadas, em 1: dé
julho de 1520, os astecas cercaram Cortés com a idéia clara de exterminar homens, não deuses. Nas condições desses ataques noturnos maciços nos di.
ques estreitos, era praticamente impossível capturar os castelhanos, e não foi
por acidente que a grande maioria dos cerca de seiscentos a oitocentos espa-
nhóis perdidos naquela noite foram deliberadamente mortos imediatamente ou deixados para se afogar.
Nas lutas subseguentes durante a fuga espanhola para Tlaxcala, e nova. mente no cerco final a Tenochtitlán, os méxicas usaram lâminas de Toledo capturadas. Podem até ter tentado coagir os conquistadores capturados a lhes
mostrar como usar as balistas. Os méxicas mudavam com frequência de tática, aprendendo a evitar ataques surpresa nas planícies, e demonstraram engenhosidade durante o grande cerco ao confinar seus confrontos aos estreitos corre-
dores da cidade, onde tocaias e ataques com projéteis poderiam neutralizar os cavalos e canhões dos espanhóis. Os astecas acabaram percebendo que os espanhóis faziam questão de matá-los e, assim, logicamente desconfiaram de todas as afirmações da mediação espanhola. Eles escameciam de seus inimigos tlaxcaltecas com alegações previdentes de que, depois de sua própria derrota, eles tam-
bém acabariam escravos dos espanhóis.
Se os astecas combateram com alguma desvantagem, era uma desvantagem de treinamento e de costume que os ensinara a capturar e amarrar um adversário em vez de parti-lo em pedaços — hábitos que se revelariam difíceis de
abandonar, mesmo contra assassinos como os espanhóis, que não davam né
nhuma trégua. Ainda assim, precisamos lembrar que a noção de que soldados
deviam procurar capturar em vez de matar seus inimigos é totalmente não ocidental, e só faz reafirmar nossa tese geral de que todo o cardápio da guerrê A a AV
312
Victor
Davis
Hanson
ocidental — suas táticas de aniquilação, ataques em massa, fileiras e colunas disciplinadas e tecnologia superior — foi em grande parte responsável pela
conquista do México.
Além do grande problema do armamento inferior e da tática, a maior des-
vantagem cultural dos astecas muitas vezes passava desapercebida: o antigo problema do colapso de sistemas que ameaça qualquer dinastia palaciana na
qual o poder político é concentrado em uma pequena elite — outro fenômeno não-europeu que deu enormes vantagens aos exércitos ocidentais em combates contra culturas diferentes. A destruição abrupta dos palácios micenianos
(por volta de 1200 a.C.), a súbita desintegração do Império Persa com a fuga de Dario III em Gaugamela, o fim dos incas e a rápida queda da União Soviética provam que as dinastias palacianas são extremamente vulneráveis a estí-
mulos externos. Todas as vezes que uma pequena elite busca controlar toda a
atividade econômica e política de uma cidadela fortificada, de um reduto insular, de um grande palácio ou de um Kremlin murado, a queda do império vem logo depois da destituição, fuga ou descrédito desses eminentes personagens imperiais — mais uma vez em contraste com as entidades políticas e econômicas ocidentais, mais descentralizadas, menos estratificadas e contro-
ladas localmente. O próprio Cortés percebeu essa vulnerabilidade, raptando Montezuma uma semana depois de sua chegada. A fuga final do imperador seguinte, Cuauhtémoc, em agosto de 1521, marcou o fim abrupto da última resistência dos astecas.
Malinche
Às grandes narrativas de William Prescott e Hugh Thomas sugerem que o colapso abrupto dos méxicas, com poucos custos para os espanhóis, teria sido
impossível sem o gênio singular e a audácia criminosa de Hernán Cortés —
apelidado pelos índios de “Malinche”, derivado do nome nahuatl, Mainulli ou Malinali, de sua companheira maia constante e intérprete, a brilhante e irrepri-
mível Dofia Marina. Onipresente em quase todos os relatos europeus modernos 313
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que o Ocidente renceu
da conquista está a implicação de que outros conquistadores — até mes
Cuba, Narváez, de governador o Velázquez, como intrépidos homens
na,
para prender Cortés, ou os próprios valorosos capangas de Cortés, o bis
Sandoval e o inquieto Alvarado — não teriam sido capazes de reproduzir q feito de Cortés. Não é preciso acreditar na teoria histórica do “grande homem” para perce.
ber que, em várias ocasiões importantes — o desmonte inicial dos navios e a marcha para o interior, a guerra e depois a brilhante aliança com Tlaxcala, o
rapto de Montezuma, a derrota de Narváez e a milagrosa apropriação de su tropas sem quase nenhum custo humano, a jornada heróica depois da Noche
Triste, a marcha de volta e o lançamento dos bergantins, e a recuperação de-
pois da derrocada final em Tlatelolco —, a expedição só foi salva pela bravura,
pela oratória e pela compreensão política de Cortés. Apenas sete anos antes
da conquista de 1521, Pánfilo Narváez, que não conseguira deter Cortés e perdera um olho tentando, liderou uma expedição à Flórida, comparável em tamanho à força inicial de Cortés no México, que contava com quinhentos homens e cem cavalos. Aparentemente, apenas quatro conquistadores sobre-
viveram. Levaram anos para serem resgatados — ilustrando a catástrofe abjeta passível de ocorrer com forças espanholas no Novo Mundo, mesmo bem abastecidas, quando guiadas por homens sem habilidade e coragem. Manuel Orozco y Berra pinta um retrato quase maquiavélico de Cortés,
além do bem e do mal, mas claramente diferente de qualquer outro homem
de sua geração: Considerem sua ingratidão para com Diego Velázquez, suas relações dúbias é enganosas com as tribos, sua traição de Montezuma. Atribuam-lhe o inútil massacre de Cholula, o assassinato do monarca asteca, seu insaciável desejo de ouro e prazeres Não esqueçam que ele matou sua primeira mulher, Catalina Juárex, que cometeu um
ato de baixeza ao torturar Cuauhtémoc, que arruinou seu rival, Garay, e que, ao mar ter-se no comando, tomou-se suspeito da morte de Luis Ponce e de Marcos de Aguilar
Victor
Dav's
Imagem dos espanhóis montados a cavalo, desconhecidos pelos astecas. Eram para eles
monstros que soltavam fogo pelas narinas. O líder dos espanhóis aparece como um deus.
Hanson
Por que o Ocidente venceu
Podem até acusá-lo de tudo mais que a história registra como provado. Mas também reconheçam o fato de que ele era um político sagaz e um capitão valente e capaz; de que realizou sozinho um dos feitos mais espantosos dos tempos modemos. (Lxelilxoch; ] Aliado de Cortés, xxvi)
Cortés era de fato um guerreiro, um intrigante implacável e um político de energia sobre-humana e cujo talento não se comparava nem ao de seus bri. lhantes rivais na exploração do Novo Mundo pela Espanha no século XVI Em diversas ocasiões ficou à beira da morte por causa de vírus tropicais, e con-
traiu um caso grave de malária antes mesmo de partir da Espanha. Nas batalhas
da Cidade do México, quase sofreu uma concussão e foi ferido na mão, no pé e
na perna. Em três ocasiões, quase foi capturado e arrastado para ser sacrificado na Grande Pirâmide em Tenochrtitlán. Evitou diversas tentativas de assassinato por parte de vários homens e neutralizou rivais na distante corte de Carlos V
Cortés teve vários filhos com várias mulheres, e foi acusado de assassinar sua
primeira mulher, Catalina. Quase morto durante a Noche Triste, ferido, com seu exército cercado por inimigos, Cortés se recusou a buscar refúgio na segu-
rança de Vera Cruz — devido ao fanatismo religioso, à honra castelhana, ao patriotismo espanhol, à simples ambição ou à reputação pessoal, ou a uma mistura de tudo isso e um pouco mais: Lembrei-me de que a fortuna sempre favorece os ousados, e também de que éra-
mos cristãos confiantes na grande bondade de Deus, que não nos deixaria perecer totalmente nem nos permitiria perder uma terra tão grande e nobre que fora, ou estava prestes a ser, súdita de Sua Majestade; tampouco eu podia abandonar um serviço tão grande pois, se continuássemos a guerra, mais uma vez subjugartamos à terra
como fizéramos antes. Assim, determinei que de maneira nenhuma cruzaria as mon tanhas até a costa. Pelo contrário, ignorando todos os perigos e a labuta que podiam recair sobre nós, eu disse a eles que não abandonaria esta terra, pois, além de uma
vergonha para mim e de um perigo para todos, isso seria uma grande traição à Sua
Victor
Davis
Hanson
Majestade; em vez disso, decidi enfrentar nossos inimigos assim que pudesse e antagonizá-los de todas as maneiras possíveis. (H. Cortés, Letters from Mex ico [Cartas do México], 145)
Cortés viu bem mais da metade de seus homens — cerca de mil em um total de mil e seiscentos — ser morta ou capturada em um período de dois anos. Em três ocasiões, seus sobreviventes doentes e feridos estiveram à beira de uma revolta. Ele raptou Montezuma, guerreou contra o irmão e o sobrinho
do imperador asteca, combateu e repeliu diversas vezes seus aliados tlaxcaltecas, e derrotou e em seguida anexou uma força espanhola enviada para levá-lo de volta acorrentado. Navegou até a Espanha para defender sua causa, levou
uma enorme força para a Guatemala e alegou ainda poder liderar uma viagem à China se lhe dessem navios e homens. Tudo isso vindo de um pequeno homem de um metro e sessenta e dois centímetros e cerca de sessenta e oito quilos, que chegara a Hispaniola sem um tostão aos 20 anos de idade, em 1504. Dito isso, sem cavalos, armas de fogo, armas de aço, armaduras, navios, cães e balistas, sem falar na experiência militar de seus tenentes que, somados,
eram versados na construção de navios, na fabricação de pólvora e no uso integrado de táticas de cavalaria e infantaria, até mesmo Cortés teria fracas-
sado. À disparidade — muito mais marcada do que no confronto entre Roma e Cartago ou nos conflitos entre Macedônia e Pérsia — era grande demais para que seu resultado final fosse alterado até mesmo por um líder asteca bri-
lhante ou um conquistador espanhol inepto. Se Alvarado ou Sandoval hou-
vessem liderado os castelhanos até a Cidade do México em novembro de 1520, e houvessem encontrado um impetuoso Cuauhtémoc em vez de um cauteloso e confuso Montezuma, toda a expedição poderia ter fracassado. No entanto, assim como sete frotas sucessivas atracaram na costa do México durante a Tecuperação de Cortés em 1521, teria havido expedições maiores para repor
as perdas de uma derrota inicial, algumas delas lideradas por generais melhotes, com ainda mais homens — havia trinta mil espanhóis nos povoados Si
Por que o Ocidente venceu
caribenhos mais próximos. Depois do desastre da Noche Triste, o próprio C Ortás alegou que sua vida pouco valia, já que havia agora milhares de castelhanos no Novo Mundo capazes de tomar seu lugar e subjugar os astecas. À conquista do México foi uma das raras vezes na história nas quais a tec.
nologia por si só — uma Europa em pleno Renascimento enfrentando inimi.
gos que não tinham nem cavalos, nem roda, e menos ainda metais e pólvora — desequilibrou as variáveis de genialidade e realização humana individual. A subjugação do oeste da América do Norte foi realizada em quatro décadas de guerras concertadas sem um conquistador europeu tão habilidoso quanto
Cortés nem um centro nervoso centralizado e vulnerável como a cidade insu. lar de Tenochtitlán. A batalha pela fronteira americana foi marcada por vários generais de língua inglesa incompetentes, que perderam seu comando e suas vidas em ataques idiotas contra tribos indígenas corajosas e engenhosas providas de armas e cavalos ocidentais em uma paisagem vasta — tudo isso sem muito efeito para a contínua apropriação de terras e a derrota sistemática dos grupos de guerra indígenas. Também deveríamos ter em mente que os explo-
radores nórdicos da costa noroeste da América do Norte dos séculos X e XI — os primeiros agressores europeus no Novo Mundo — tiveram pouco sucesso
permanente contra as tribos indígenas por causa de sua falta de armas de fogo,
cavalos e táticas sofisticadas e de sua incapacidade para desembarcar em números suficientes em flotilhas sucessivas de grandes navios transoceânicos. Nem a excelência nórdica em matéria de navegação e marinharia nem suas legendárias proezas com armas bastaram para garantir a conquista ou à colo
nização sem um suprimento fácil e contínuo de homens e material. Armas e táticas espanholas Estudiosos modernos que atribuem o espantoso sucesso castelhano à contusão cultural, à doença, aos aliados indígenas e a uma série de outras causa 2
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menores relutam em admitir o papel crítico da superioridade tecnológica é militar ocidental. Talvez eles temam que tais conclusões suponham um euro” 318
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centrismo ou sugiram a proeminência mental ou moral do Ocidente. Mas o enorme abismo entre O equipamento e as táticas dos exércitos méxicas e espanhóis não é uma questão de virtude ou de genes, mas sim de cultura e história. Em todas as categorias de armas e armaduras, os espanhóis eram muito superores a todas as tribos indígenas que encontraram. Suas espadas de aço eram mais afiadas e mais leves do que os porretes méxicas de ponta de obsidiana, e mantinham o corte por muito mais tempo. Quando usados por espadachins experientes
tanto em estocadas quanto em golpes
amplos , essas armas eram ca-
pazes de arrancar membros inteiros e acabar com um oponente sem armadura em um único golpe — como comprovam as fontes escritas e as obras de arte
méxicas. A espada do conquistador era uma descendente direta do gládio romano, ele também uma lâmina originalmente espanhola que dera ao legionário romano o maior poder de penetração de qualquer arma no Mediterrâneo antigo. Todos os 1.600 castelhanos que lutaram em diversas ocasiões no México estavam
equipados com essas espadas letais, o que explica em grande parte as vitórias espanholas mesmo quando eles dispunham de poucas balas e flechas. Muitos soldados levavam longos piques de freixo. A maioria tinha de três metros e meio a quatro metros e meio de comprimento, e pesadas pontas metálicas afiadas. Como os sarissai macedônios, que inspiraram essas armas,
Os piques espanhóis, quando manejados por grupos compactos de homens — O tercio castelhano tornou-se durante algum tempo a força de infantaria mais mortal da Espanha do século XVI —, criavam um muro intransponível. No falar espanhol, formavam um “milharal de ferro” no qual não se podia penetrar.
Quando o pique era usado como lança por um cavaleiro de armadura perseBuindo inimigos isolados, um único golpe podia arrancar a cabeça de um homem. Finalmente, havia também centenas de dardos mais leves com pon-
tas de aço, as jabalinas, que, assim como a pila romana, eram mortais quando atiradas por espadachins se aproximando para o ataque.
Praticamente todos os espanhóis usavam capacetes de aço que também pro-j
(egiam partes do rosto e nos quais nem flechas nem pedras podiam penetrar. 319
Por que o Ocidente venceu
Muitos vestiam peitorais de aço e carregavam escudos reforçados Com aço es ou porretes de golpes pelos mortos foram que explica por que poucos astecas. Em vez disso, os que morriam eram cercados e jogados no chão, a
dúzias de guerreiros méxicas tentando empurrar ou derrubar os pesados cas
telhanos com suas armaduras. Tampouco nenhuma tribo do Novo Mundo
jamais experimentara a idéia européia de colisão de infantaria de choque
uma tradição que tinha sua origem na falange do século VII a.C,, nos campos da morte da antiga Grécia, e que raramente era encontrada fora da Europa, O maior problema para os europeus em muitas batalhas de infantaria con. | tra os tlaxcaltecas e os astecas era a exaustão. Os espanhóis em cotas de ma.
lha, quase invulneráveis às espadas e ataques de projéteis, logo se cansavam depois de golpes e estocadas constantes com lâminas e lanças pesadas, e final. mente eram forçados a recuar para trás da linha de tiro dos canhões e das armas
menores:
Eles os cercavam [os espanhóis] por todos os lados, os espanhóis começavam a golpeá-los, matando-os como moscas. Assim que alguns eram mortos, novos homens
os substituíam. Os espanhóis eram como uma pequena ilha no meio do mar, atingida pelas ondas por todos os lados. Esse terrível conflito durou quatro horas. Durante esse tempo, muitos mexicanos morreram, assim como praticamente todos os aliados espa-
nhóis e alguns dos próprios espanhóis. (Quando chegou o meio-dia, com o esforço into lerável da batalha, os espanhóis começaram a mostrar cansaço. (B. Sahagiún, The
Conquest of Mexico [A conquista do México], 96)
Cada castelhano abatia dúzias de inimigos, e em alguns casos centenas, P* ra garantir sua própria sobrevivência, um enorme esforço de força muscular €
resistência para homens relativamente pequenos vestindo cotas de malhas:
Noss㺠ado. arrast e rado empur ser ou ar tropeç era o Sua principal preocupaçã
fontes relatam que, durante os dois anos de combates, centenas de castelha” Ê
nos foram feridos, mas praticamente todos esses cortes e contusões eram ? 08 320
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membros, e raramente eram fatais. À maneira de matar homens é perfurandolhes o peito ou o rosto com estocadas de lâminas de metal, e isso era praticamente impossível para os astecas, que enfrentavam soldados de infantaria vestindo cotas de malha.
Estudiosos que desdenham a importância do aço espanhol precisam explicar por que, depois da Noche Triste e da tocaia em Tlatelolco, os astecas rapidamente usaram as poucas espadas e lanças espanholas que haviam capturado. Por que os tlaxcaltecas acolheram a infantaria espanhola como uma grande vantagem em todos os confrontos de infantaria contra os astecas, alegando que só eles eram capazes de golpear através das linhas astecas? Durante a es-
tação úmida, muitos conquistadores pensavam que os tecidos feitos com retalhos de algodão locais, mais leves e mais confortáveis, ofereciam proteção
suficiente contra os projéteis e as lâminas indígenas de ponta de pedra. Ocasio-
nalmente, deixavam de usar a cota de malha — uma prova cabal de que pouco temiam as armas astecas, apesar de elas serem manejadas por alguns dos mais ferozes combatentes da história da guerra. As armas de metal superiores eram apenas parte da vantagem espanhola.
Os arcabuzes e balistas eram mais certeiros e tinham maior alcance e muito mais poder de penetração do que qualquer funda ou flecha indígena. A balista espanhola era capaz de lançar uma flecha em arco a uma distância de mais de cento e oitenta metros, e era mortalmente certeira em tiros diretos a uma
distância de mais de noventa. Seu uso exigia pouca habilidade, e as flechas e
Peças de reposição eram fabricadas facilmente com materiais indígenas. A grande desvantagem eram o peso da máquina (quase sete quilos) e a cadência de tiro relativamente lenta (uma flecha por minuto). Embora os arqueiros astecas pudessem atirar cinco ou seis flechas por minuto, raramente atingiam al-
VOS a cento e oitenta metros, e mesmo em distâncias menores suas flechas de
Ponta de sílex não eram capazes de penetrar nos órgãos vitais dos espanhóis pro-
tegidos pelas armaduras. As flechas indígenas também eram bem menos certeitas do que as flechas de balista. Além disso, eram necessários anos para aprender F-—-
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Por que o Ocidente venceu
a usar O arco, enquanto um castelhano podia usar a balista de um com
nheiro morto ou ferido em minutos.
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Os arcabuzes (antigos mosquetes com um mecanismo de disparo de Ham de mecha) tinham em grande parte as mesmas vantagens e desvantagens di
balista — enorme poder de penetração, pouco treinamento exigido, boa pon.
taria e grande alcance, contra baixas cadências de tiro e peso —, Mas eram ainda mais mortais para deter vários guerreiros sem armaduras com um úni E
tiro. Eram também mais fáceis de serem fabricados e consertados. A verda. deira vantagem das armas de fogo não estava no fato de serem mais fáceis de usar — eram desajeitadas e difíceis de carregar —, mas sim em sua melhor
pontaria e capacidade de matar. Um bom atirador podia matar.com alguma
segurança a uns cento e trinta e sete metros. À curta distância, seus enormes.
projéteis — algumas balas de chumbo chegavam a pesar cento e setenta gramas
— com fregiência perfuravam o corpo de mais de um asteca desarmado. Cortés tinha quase oitenta arcabuzeiros e balistários ao voltar a Tenochtitlán
na primavera de 1521. Em fileiras compactas, com arqueiros disparando flechas por cima da cabeça dos atiradores, seus homens eram capazes de lançar ondas de dez ou quinze projéteis a cada dez segundos. Durante períodos curtos de dez ou quinze minutos, contra as grandés concentrações de méxicas onde as perdas eram poucas, os castelhanos eram capazes de matar centenas
de inimigos, especialmente quando protegidos por piqueiros, em embarcações ou em cima de fortificações. Na guerra européia contemporânea, havia um ressurgimento crescente da tática e do armamento, já que os arcabuzeiros estavam despedaçando
té
mesmo as mais disciplinadas fileiras de piqueiros suíços e espanhóis em Mari gano (1519), La Bicocca (1522) e Ticino (1525). Se os novos mosquetes, dis parados em salvas bem programadas, eram capazes de destroçar colunas de Piqueiros europeus rápidos e bem disciplinados, havia pouca dúvida de sua efr cácia contra multidões maiores, mas menos organizadas e pouco protegidas, de : guerreiros astecas. Mesmo
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que os astecas houvessem
«nado O capturado e dominad
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uso dos arcabuzes, essa tecnologia, sem um arcabouço científico que a apoias-
se, logo teria estagnado: os arcabuzes foram só uma fase na contínua evolução das armas de fogo européias que logo produziria pederneiras, canos mais bem fundidos, estriamento e uma pólvora melhorada. Nas planícies, os espanhóis tinham quase um século de experiência em batalhas que integravam piqueiros e arcabuzeiros — esses últimos avança-
vam, atiravam, recuavam para trás de uma muralha de lanças para recarregar,
depois tornavam a avançar para atirar — para deter os ataques da cavalaria aristocrática européia. Contra os soldados de infantaria méxicas, praticamen-
te nus, esses quadrados de infantaria muitas vezes testados eram praticamente invulneráveis. Os céticos em relação à superioridade da pólvora européia
devem se lembrar de que as táticas de cerco dos exércitos indígenas — os zulus são um excelente exemplo — tornaram as armas ocidentais particular-
mente letais muito antes da época dos fuzis de repetição. À disciplina espanhola era legendária. Canhões, mosquetes e balistas eram disparados segundo ordens, formando uma sinfonia assassina contra as multidões no ataque. Era raro que um arcabuzeiro ou balistário fugisse caso seu superior imediato fosse abatido. Por sua vez, os contingentes regionais dos astecas eram propensos à desintegração quando os reverenciados cuachpantli —
os elegantes estandartes montados em molduras de bambu e levados nas costas por guerreiros ilustres — caíam ou eram capturados. A coragem e a proeza
com armas de um indivíduo nem sempre eram sinônimos de disciplina militar, que no Ocidente geralmente se caracteriza pela manutenção da formação
e pela luta ombro a ombro. No entanto, o que mais aterrorizava os astecas eram os canhões espanhóis, às vezes dotados de rodas ou instalados em cima de carroças, com pelo menos alguns dos modelos de tiro mais rápido recarregáveis pela culatra. As fontes
discordam quanto ao número e tipo exato dos canhões usados pelos homens
de Cortés durante a campanha de dois anos (muitos foram perdidos durante a Noche Triste), mas os espanhóis levavam de dez a quinze canhões, de pequenos
|
323
minuto e meio, em tiros diretos de até quatrocentos e cinquenta e Sete metros ou tiros em arco cujo alcance chegava quase a oitocentos metros. Quando
apon-
tadas para os méxicas no ataque, cada salva arrancava membros, cabeças e tor. sos, já que os tiros atingiam dúzias de guerreiros. Os cronistas espanhóis dão grande importância aos cavalos de Cortés —.
havia quarenta cavalos no último cerco a Tenochtitlán — e ao terror comple-
to que causavam nos astecas. No início, os méxicas os consideravam estra-
nhos centauros semi-humanos, ou criaturas divinas capazes de conversar com
seus cavaleiros, e só depois se deram conta de que eram grandes animais ruminantes, como algum tipo de cervo gigantesco. Além das vantagens óbvias que os cavalos proporcionavam na batalha — aterrorizar o inimigo, reconhe-
cer o terreno, transportar objetos e permitir a mobilidade dos cavaleiros —, eles eram invencíveis quando montados por lanceiros em cotas de malha, o que levou Bernal Díaz del Castillo a qualificá-los de “única esperança de so-
brevivência” dos espanhóis. Historicamente, o único modo de derrotar uma cavalaria era com um com-
bate em massa, como os francos haviam feito em Poitiers, ou com piques
estendidos à moda das falanges suíças, ou, como os franceses, disparando uma
cortina de tiros de mosquete quando um ataque montado se aproximava. Os astecas não eram capazes de fazer nada disso, já que lhes faltavam uma tradição de infantaria fundiária, guerra de choque e armas de fogo de qualquer tipo. Caso tentassem se juntar em grandes números para obstruir o caminho de ca
valeiros no ataque, logo se tornavam vulneráveis às rajadas de canhão. Assim, combinados com a artilharia, os cavaleiros espanhóis se revelaram morta is
tanto perseguindo e golpeando astecas individuais com suas lanças quanto 324
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balas de canhão e pedras de até quatro quilos e meio. Os falconetes ci recarregáveis pela culatra eram capazes de lançar quase um cartucho a cada
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tanto metralha — caixas de projéteis de ferro menores — quanto etan É
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falconetes a lombardos maiores. Quando usados de maneira adequada é lana que mort ais, abso luta ment e arma s tra as turbas astecas, eram
Errar TE
Por que o Ocidente venceu
Davis
Hanson
fazendo com que O inimigo buscasse se proteger em grupos, oferecendo assim
alvos melhores para os canhões de Cortés. Ao contrário dos cavalos da Antigúidade, as montarias de Cortés não eram
pôneis, mas sim árabes berberes andaluzes, criados a partir de cavalos árabes
maiores levados para a Espanha pelos mouros. Observadores ingleses afirmaram posteriormente que os cavalos das Índias Ocidentais eram os melhores
que jamais haviam visto. Seu grande tamanho e a perícia de seus cavaleiros —
aristocratas espanhóis
como
Sandoval e Alvarado montavam
desde a
infância e eram mestres na arte de golpear com a lança de cima da sela — formavam um espetáculo aterrorizante: É extraordinário o caos que uma dúzia de cavaleiros pode criar em uma enorme horda de índios: e, de fato, parece que esses cavaleiros não causavam danos diretos, mas que a súbita aparição desses “centauros” (para usar a palavra de del Castillo) causava tanta
desmoralização que os índios vacilavam, permitindo aos infantes espanhóis atacá-los com uma força renovada... Os índios não tinham idéia de como lidar com esse animal sobrenatural, metade animal, metade humano, e simplesmente ficavam paralisados quando os cascos barulhentos e as espadas brilhantes se abatiam sobre eles. (J. White, Cortés and
the downfall of the Aztec Empire [Cortés e a queda do império asteca], 169)
Nem todas as armas que se revelariam tão letais eram objetos trazidos da Espanha. Algumas das mais letais estavam nas mentes dos próprios conquistadores, projetos mentais latentes de máquinas de matar que emergiam de
suas cabeças para se tornarem reais somente diante das exigências do combate. Os espanhóis perceberam rapidamente que, em meio à vasta riqueza do México, existiam matérias-primas desconhecidas — e inexploradas — para fabri-
car armas no estilo europeu, de boa madeira para navios e máquinas de cerco a jazidas de metal para lâminas e ingredientes para pólvora.
A sugestão de que os recursos naturais por si sós determinam o dinamismo
cultural ou militar é popular. Se isso fosse verdade, deveríamos lembrar que os
ei
RA
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325 E
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e
Por que o Ocidente venceu
astecas estavam sentados em cima de um paraíso para um mercador de guer — um subcontinente inteiro repleto de ingredientes de pólvora, ferro, beat aço. Na verdade, o que condenou os astecas foi a ausência de uma abordagem
sistemática do aprendizado e da ciência abstrata, e não a escassez de jazidas ou minerais. Talvez lhes faltassem rodas devido à ausência de cavalos; mas
eles também eram inteiramente desprovidos de outros instrumentos de guerra é comércio baseados na roda — carrinhos de mão, riquixás, rodas d'água, polias e engrenagens — porque lhes faltava tanto uma tradição racional de ciência quanto uma atmosfera de pesquisa desinteressada. Em nenhuma outra ocasião a abordagem espanhola ficou mais aparente do que em sua construção ad hoc de máquinas de batalha baseadas em modelos de máquinas de cerco e de navios que remontavam à Antigiiidade clássica
Durante a luta feroz na véspera da Noche Triste, os espanhóis construíram em poucas horas três manteletes, torres de madeira portáteis para proteger os arcabuzeiros e balistários que disparavam por cima das cabeças dos infantes. Mais tarde, quando Cortés descobriu que as estradas elevadas estavam bloqueadas, ele ordenou a construção de pontes portáteis — uma especialidade
européia que já existia nas campanhas de César contra a Gália e a Germânia. Depois da fuga de Tenochtitlán, eles fabricaram pólvora com o enxofre tirado da “montanha da fumaça” ali perto (o monte Popocatépetl, 5.452 metros aci-
ma do nível do mar). Ferreiros indígenas receberam projetos e instruções espa-
nholas para ajudá-los a fabricar mais de cem mil pontas de cobre para seus pró prios arcos, e outras cingiúenta mil flechas de metal para as balistas espanholas. Em um esforço para economizar pólvora, até mesmo uma catapulta gigante foi fabricada durante o último cerco — e aparentemente a mecânica de seu molinete, de sua armadura e de suas molas fora mal projetada por amadores, já que ela se mostrou ineficaz.
O projeto mais impressionante foi o brilhante lançamento de treze bergantins pré-fabricados por Martín López. Os bergantins eram enormes embarcações semelhantes a galés, com mais de doze metros de comprimento e quas e três 326
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metros na boca extrema, movidos por velas e pás, mas com um fundo chato . do qual apenas sessenta centímetros ficavam submersos e, portanto, eram par-
ticularmente adaptados às águas rasas e pantanosas do lago Texcoco. Cada bergantim carregava vinte e cinco homens e podia levar alguns cavalos, bem como um canhão grande. Para fabricar esses navios, os espanhóis mobilizaram milhares de tlaxcaltecas para transportar madeira e o ferro salvo de seus na-
vios encalhados em Vera Cruz. Em seguida, López fez seus grupos de trabalhadores indígenas cuidadosamente organizados desmontarem inteiramente os bergântins e transportá-los por cima das montanhas em uma grande coluna
de cerca de cingienta mil carregadores e guerreiros até o lago Texcoco.
Quando chegaram a Tenochtitlán na estação da seca, López projetou um canal de-três metros e meio de largura e mais ou menos a mesma profundi-
dade pelo qual os navios poderiam passar dos pântanos para as águas mais profundas do lago: este último projeto mobilizou quarenta mil tlaxcaltecas durante sete semanas.
Os bergantins se revelaram o fator mais decisivo de toda a guerra, já que
eram tripulados por um terço da força espanhola e carregavam quase 75% dos canhões, arcabuzes e balistas. Os navios mantiveram
as estradas elevadas
livres, garantiram a segurança dos acampamentos espanhóis à noite, desembarcaram infantaria em pontos fracos das linhas inimigas, fizeram um bloqueio extenuante à cidade, destroçaram sistematicamente centenas de canoas astecas e transportaram comida e suprimentos essenciais para Os vários contingentes espanhóis isolados. Transformaram o lago Texcoco da maior vulnera-
bilidade espanhola em seu maior trunfo. Seus altos conveses evitavam que
inimigos subissem no navio e davam ampla cobertura para os arcabuzeiros e ba-
listários dispararem e recarregarem suas armas — uma característica da habilidade ocidental tradicional de combinar táticas de infantaria e táticas navais: No entanto, em última análise, Tenochtitlán teve uma importância que não pode ser atribuída a Salamina: Tenocheitlán foi sinônimo de vitória final, de conclusão para a
Por que o Ocidente venceu
guerra; Salamina não. Em Salamina, uma civilização foi desafiada; em finas i Hitlám uma civilização foi destruída. E possível que em toda a história não exista mi
Onfronto
naval tão vitorioso que tenha concluído uma guerra e posto fim a uma Civilização (C Gardiner, Naval Power in the Conquest of Me xico [Poder naval na CONquista d 0 México], 188)
lago Texcoco, os bergantins mostraram-se muito mais engenhosos para com. bater nas águas nativas dos astecas do que qualquer navio construído no Mé.
xico durante toda a história de sua civilização — um feito que só fora possível graças a uma abordagem sistemática da ciência e da razão que estivera onipresente no Ocidente por dois milênios. Quase todos os elementos da tradição militar ocidental desempenharam
seus respectivos papéis para assegurar uma vitória espanhola, superando problemas de inferioridade numérica, logística e geografia desconhecida. As centenas de milhares de páginas de processos legais, inquéritos formais e mandados judiciais espanhóis posteriores à guerra são uma prova do grande sentimento de liberdade e direito de cada guerreiro: um sentimento de militarismo cívico de indivíduos com direitos e privilégios que nem Cortés nem os espanhóis
podiam violar sem apoio constitucional. Enquanto seguiam ao encontro de Narváez, alguns dos homens de Cortés capturaram Alonzo de Mata, um emissário que levava papéis judiciais e uma convocação exigindo o retorno de seu
líder. O que se seguiu foi um debate legal sobre o status oficial de Mata, que
terminou quando este último não conseguiu exibir documentos provando sua condição de verdadeiro tabelião real; portanto, ele não tinha autoridade para garantir a autenticidade de seus próprios decretos. Na verdade, durante o século XVI, havia um forte sentimento de liber-
dade política na Espanha, talvez mais bem simbolizado no tratado Gobierno del ciudadano, de Juan de Costa (1549-95), sobre os direitos e comport” ss mento adequados do cidadãoa em uma comunidade constitucional. Por vol td 328
———
Apesar de terem sido fabricados a mais de cento e sessenta quilômetros do
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Davis
Hanson
da mesma época, Jerónimo de Blancas, um biógrafo de Cortés, escreveu Aragonesium rerum comentarii (1588), sobre a natureza contratual da mo-
narquia aragonense e seu relacionamento com os braços legislativo e judi-
cial do governo.
A atração castelhana por combates horrendos — nas ruas de Tenochti-
tlán, nas estradas elevadas, na planície de Otumba, no lago Texcoco — não era compartilhada pelos méxicas, que preferiam um espetáculo diurno no
qual o status, o ritual e a captura de prisioneiros eram às vezes parte integrante da batalha. Durante o confronto, ávidos mercadores e empreendedores espanhóis do Novo Mundo e da Espanha aportaram em Vera Cruz para fornecer balas, comida, armas e cavalos a Cortés. Próximo da extinção, Cortés ainda assim confiscava tanto o ouro de seus inimigos quanto o
de seus amigos para pagar seus suprimentos, certo de que, em uma sociedade de mercados livres, se houvesse lucro para ser obtido em Vera Cruz,
acabariam surgindo em Tenochtitlán malandros europeus carregados com pólvora fresca, armas e homens. Os conquistadores,
comandados
em momentos
diferentes por San-
doval, Ordaz, Olid ou Alvarado, deveram suas vidas a um sistema abstra-
to de comando e obediência, e não apenas a um líder magnético como Cortés. Durante a conquista, a iniciativa individual deu a Cortés inúmeras vantagens. Até as reclamações constantes de seus homens sem papas na
língua e a ameaça de auditorias e inquéritos formais das autoridades espa-
nholas forçavam Cortés a consultar seus tenentes mais graduados a respeito de assuntos estratégicos e a bolar suas táticas sabendo que vários críticos apareceriam caso ele fracassasse. Todos esses componentes da tradição militar ocidental davam aos espanhóis uma enorme dianteira. No entanto,
em última análise, foi uma tradição de racionalismo com cerca de dois milênios de idade que garantiu que as ferramentas de batalha de Hernán Cortés fossem capazes de matar milhares de pessoas a mais do que as de Seus inimigos. =
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Por que o Ocidente venceu
Razão e guerra Da Idade da Pedra em diante, as pessoas sempre se dedicaram a alguma a
r-
ma de atividade científica destinada a melhorar a guerra Organizada No entanto, começando com os gregos, a cultura ocidental mostrou uma propen são singular para pensar de maneira abstrata, debater o conhecimento livre
mente, separado da religião e da política, e inventar maneiras de adaptar os
progressos teóricos a um uso prático por meio da conjunção da liberdade com o capitalismo. O resultado foi um aumento constante da capacidade técnica
dos exércitos ocidentais de matar seus adversários. Não é estranho que hopli-
tas gregos, legionários romanos, cavaleiros medievais, frotas bizantinas, solda. dos de infantaria renascentistas, galés mediterrâneas e arcabuzeiros ocidentais estivessem geralmente equipados com um poder destrutivo maior do que o de seus adversários? Nem mesmo a captura ou a compra de armas ocidentais não
é uma garantia de paridade tecnológica — como aprenderam os otomanos,
indianos e chineses —, na medida em que o armamento europeu é um fenômeno em evolução, que torna as armas obsoletas quase no mesmo instante em que armas novas são criadas. A criatividade nunca foi um monopólio europeu, muito menos o brilhantismo intelectual. O que ocorre é que a disposição ocidental para fabricar armas superiores é frequentemente baseada em sua
habilidade incomparável para tomar emprestado, adotar e roubar idéias sem
dar importância às mudanças sociais, religiosas ou políticas que a nova tecno-
logia geralmente traz — como provam a incorporação e a melhoria do trirreme, do gládio romano, do astrolábio e da pólvora.
Os estudiosos têm razão em assinalar que os europeus não inventaram 38 armas de fogo, nem tiveram o monopólio de seu uso. Mas devem admitir quê a capacidade de fabricar e distribuir armas de fogo em grande escala e melho” rar sua letalidade foi exclusiva da Europa. Desde a introdução da pólvora no século XIV até os dias de hoje, todas as principais melhorias em armas de fog? — a trava de mecha, a pederneira, a cápsula de percussão, a pólvora sem cheiro; =.
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se E Dareim =: A
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o cano de fuzil, o cartucho minié, o fuzil de repetição e a metralhadora — aconteceram no Ocidente ou com patrocínio ocidental. Como regra geral, os europeus não empregaram nem importaram armas otomanas ou chinesas, assim como não basearam sua técnica de produzir munições em modelos asiáticos ou africanos.
Essa idéia de inovação e melhoria contínua no uso da tecnologia é personificada pelo ditame de Aristóteles em sua Metafísica, segundo o qual as teorias dos filósofos anteriores contribuem para uma espécie de conjunto de saber
grego em constante evolução. Na Física (204B), ele admite: “No caso de todas as descobertas, o resultado de esforços anteriores transmitidos por outros tém
sido melhorados aos poucos por aqueles que os têm recebido.” O desenvolvimento tecnológico ocidental é em grande parte uma consequência da pesqui-
sa empírica, da aquisição de conhecimento por meio da percepção dos sentidos, observação e teste dos fenômenos, e do registro desses dados de modo que a informação factual em si seja atemporal, aumentando e tornando-se mais exata graças à crítica coletiva e à modificação trazida pelo tempo. O fato de Aristóteles, Xenofonte e Enéias Tático terem existido no início da cultura ocidental, e de nada comparável ter existido no Novo Mundo explica por. que, séculos depois, um Cortés foi capaz de fabricar canhões e pólvora no Novo
Mundo, enquanto os astecas não conseguiam usar a artilharia espanhola que capturavam, e por que durante séculos o potencial letal das terras ao redor de
Tenochtitlán permaneceu intacto, mas foi explorado meses depois da chega-
da dos espanhóis em busca de pólvora e minérios.
À superioridade tecnológica ocidental não é apenas um resultado do renascimento militar do século XVI ou um acidente da história, muito menos uma consequência dos recursos naturais, mas baseia-se em um método de investi-
8ação antiquíssimo, em uma mentalidade peculiar que remonta aos gregos e que não existia antes deles. Embora o matemático teórico Arquimedes tenha
SUPostamente feito um desabafo segundo o qual “todo o ofício da engenharia
é sórdido e ignóbil, assim como todo tipo de arte que se presta ao mero uso e 331
Por que o Ocidente venceu
ao lucro”, suas máquinas — engrenagens, supostamente uma grande placa q d anos dois por Siracusa de captura a vidro refletora de calor — atrasaram à a modelos copiou apenas não romana Primeira Guerra Púnica, a marinha gos e cartagineses, mas garantiu sua vitória com uso de melhorias inovad a
como o corvus, uma espécie de guincho que levantava os navios inimigos e os
tirava da água. Muito antes dos B-29 americanos lançarem napalm em Tó quio os bizantinos usavam tubos de latão para expelir bolas comprimidas de a
grego, uma mistura secreta de nafta, enxofre e cal que, assim como seu parente moderno, continuava a queimar mesmo quando molhada.
O conhecimento militar também era abstrato e publicado, não apenas empírico. Os manuais militares ocidentais, de Eliano (Taktike theoria) e Vege. tius (Epitoma rei militaris) aos grandes manuais de balística e tática do século XVI (como, por exemplo, Practica manual de artiglierra, de Luigi Collado [1586], ou De militia romana,
e Justo Lípsio [1595-96]), aliam conhecimentos
de primeira mão e uma investigação teórica abstrata a conselhos práticos. Em contraste, as mais brilhantes obras militares chinesas e islâmicas são textos
muito mais ambiciosos e holísticos, o que os torna menos pragmáticos como verdadeiros guias da arte de matar, misturados a religião, política ou filosofia e cheios de ilusões e axiomas, de Alá ao yin e yang, quente e frio, um e muitos. À coragem no campo de batalha é uma característica humana. Mas a ca”
pacidade de fabricar armas por meio de uma produção em massa para dar va zão a essa bravura é um fenômeno cultural. Como Alexandre, o Grande, Júlio César, Dom João da Áustria e outros capitães ocidentais, Cortés muitas vezes aniquilou sem piedade seus adversários em superioridade numérica, não por
que seus próprios soldados fossem necessariamente melhores na guerra, mê qm ed E si cipa ê sim porque suas tradições de livre investigação, racionalismo e ciência cert a” mente o eram.
332
O mercado - ou O capitalismo mata Lepanto, 7 de outubro de 1571 Capital acumulado, não cobranças forçadas, é o que sustenta as guerras. Tucídides, A Guerra do Peloponeso (1.141.5)
Guerra
de galés
Sem trégua
Seriam barcaças mercantes? O almirante otomano Miezzinzade Ali Pasha nunca vira nada parecido com os seis estranhos navios que flutuavam algumas
centenas de metros à frente de suas próprias galés de ataque. Talvez fossem algum tipo de embarcação de abastecimento? Obviamente eram novas e imen-
sas — e estavam vindo direto para cima de sua nau capitânia, o Sultana! Na verdade, os seis estranhos colossos eram galeaças venezianas recém-construídas.
Cada uma carregava quase cinquenta armas pesadas — brilhando a estibordo e bombordo, atirando por cima da proa e da popa, os tiros pareciam ecoar por
todos os lados. Cada uma dessas monstruosidades tinindo de novas era capaz de
disparar mais de seis vezes mais balas do que os maiores barcos a remo europeus
“=, só em termos de poder de fogo, valia uma dúzia das galés comuns do sultão. 333
Por que o Ocidente venceu
Em mares calmos como aqueles, tais embarcações também eram ágei
com velas e remos, eram capazes de manobrar e de se virar para atirar e
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das as direções. Então quatro dos seis mastodontes flutuantes Começar am a destroçar metodicamente as galés de Ali Pasha — “tanta horribile e b CTbetua tempesta”, registrou um relato contemporâneo. Metralha e balas de doi S quilos e meio rasgavam o convés dos navios turcos. Os projéteis mais raros de tr eze
quilos e meio, e até de vinte e sete quilos, destroçavam partes inteiras dos na vios turcos na linha de flutuação — destruindo completamente homens, tá. buas e remos. “Navios grandes, navios grandes com grandes canhões”, era o que gritavam
supostamente as tripulações turcas ao verem o fogo assassino iminente. Dois dos comandantes das galeaças, Antonio e Ambrogio Bragadino, acabavam de
ficar sabendo da medonha tortura e assassinato de seu irmão Marcantonio
em Chipre algumas semanas antes. Os irmãos mandaram então que centenas de seus atiradores disparassem continuamente, determinados, naquela manhá de domingo, a se vingar sem fazer nenhum prisioneiro. Se os navios de Ali não pudessem passar pelas galeaças para se aproximar rapidamente da armada cristã, toda a frota otomana, apesar de seu tamanho
bem maior, seria sistematicamente destroçada no mar: O mar estava inteiramente coberto de homens, vergas, remos, cascos, cabres tantes e vários tipos de armamentos, e era incrível que apenas seis galeaças hou-
vessem causado tamanha destruição, pois elas até então não haviam sido testadas Pa à frente de uma batalha naval. (K.M. Setton, The Papacy and the Levant [ O pado e o Levante], 1056)
A maioria dos observadores cristãos acreditava que um terço da armad :
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otomana fora dispersado, incapacitado ou afundado antes da batalha entre as
galés propriamente dita haver sequer começado. Até dez mil marinheiros E , s cos foram lançados ao mar depois que suas galés foram destruída em t”inta 334
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minutos de disparos de apenas quatro navios europeus — duas das seis galea-
ças, na ala direita, saíram da formação e não participaram muito da ação. Ali Pasha vira nessas estranhas galeaças um gostinho do que seria o futuro da
guerra naval, e esse futuro não estava nos aríetes, abordadores ou remadores,
mas sim nos canhões de ferro produzidos em massa, nos conveses altos e nas grandes embarcações.
Mesmo assim, uma parte do centro da frota otomana, noventa e seis galés e sua escolta, lideradas pelo Sultana de Ali Pasha, seguiu em frente e final.
mente: deua volta nos tiros incessantes em direção ao La Reale de Dom João
— outra enorme galé, que zarpara do porto de Sevilha e fora enfeitada pelas
mãos de artista do próprio Juan Batista Vázquez. O elegante estandarte bordado do príncipe, representando a Crucificação e as armas entrelaçadas da Espanha, de Veneza. e da Santa Sé, marcava para quem quisesse ver o centro da linha cristã, onde Dom João tinha ao seu lado o capitão pontifical Marcan-
tonio Colonria — que morreria bravamente na batalha que se iniciava — e o setuagenário veneziano Sebastian Veniero. Graças à genialidade singular e à
magnanimidade de Dom João, um genovês, um veneziano e um espanhol compartilhavam o comando tático da frágil frota confederada. À medida que os navios turcos atingidos se aproximavam da armada da Santa Liga, padres corriam pelos conveses, abençoando as tripulações nos últimos segundos antes da colisão das galés; muitos deles iam armados e tinham
toda a intenção de oferecer a seu rebanho, além do reconforto espiritual, recon-
forto material: “Meus filhos”, dissera Dom João a seus homens minutos antes da colisão, “vamos conquistar ou morrer, conforme o Céu determinar”. Crucifixos
adornavam cada navio da frota em Lepanto. Os cristãos, e não os supostamente
“fanáticos” muçulmanos, lutariam como homens possuídos. Todos estavam furiosos por causa. dos rumores sobre as mais recentes atrocidades otomanas em
Chipre e Corfu, e convencidos de que aquela era a melhor e a última chance
que teriam para enfrentar a frota turca em uma batalha decisiva e, assim, busCar a retribuição por décadas de ataques islâmicos em seu litoral. — d-
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Por que o Ocidente venceu
Logo oitocentos soldados cristãos e turcos se misturaram no Sultana de
próprio uma ornamentada galé com conveses de nogueira negra polida. Ny entanto, apesar de toda sua beleza, faltavam ao Sultana as redes de Proteção contra a abordagem do Reale, o que fez dele o principal local da matança das duas linhas, um verdadeiro campo de batalha flutuante entre a cruz e o Cres. cente. Por duas vezes, os cristãos, a maioria dos quais vestia peitorais de ferro
e atirava com arcabuzes, quase conseguiram penetrar no centro do navio de Ali Pasha antes de serem detidos por hordas de turcos. Galeotas Otomanas menores, que haviam sobrevivido à surriada inicial das galeaças, atracavam
constantemente ao lado das duas naus capitânias ancoradas e descarregavam reforços, na esperança de que o grande número de homens e a perícia dos janízaros pudessem anular a superioridade da infantaria espanhola e italiana em matéria de armas de fogo, armaduras e coesão de grupo. Outros navios cris. tãos também estavam se aproximado do Sultana e descarregando novos arca-
buzeiros para juntar-se à luta pelo navio de Ali Pasha. Muitas das galés européias, particularmente as embarcações espanholas, eram maiores do que suas equivalentes otomanas. Seus conveses mais altos
permitiam aos grupos de abordagem pular para dentro dos navios turcos,
enquanto centenas de outros atiradores cristãos que permaneciam a bordo atiravam impunemente cristãos —
para baixo nos arqueiros inimigos encurralados. Os
especialmente
os espanhóis
—
também
estavam
familiarizados
uma bala de arcabuz no crânio. Logo sua cabeça estava espetada em um pique e suspensa no tombadilho superior do Reale, enquanto sua querida bandeira
dourada e verde de Meca era arrancada do mastro, e a flâmula pontifical, SU”
pensa em seu lugar. Quando suas tripulações viram que seu almirante f ora 336
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com ataques em massa, nos quais a disciplina, a coesão e o simples peso SU” peravam a bravura individual e a perícia marcial dos janízaros. Finalmente, uma derradeira investida comandada pelo próprio Dom João brandindo seu machado de batalha e seu montante, subjugou a tripulação do Sultana. Atirando flechas com seu pequeno arco, Ali Pasha foi derrubado com
O
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decapitado e que a nau capitânia do sultão era agora a do próprio Dom João, o pânico dominou o que restava dos noventa e seis navios no centro da frota otomana. Os espanhóis afastaram suas embarcações do navio da morte e procuraram outros alvos para continuar sua vingança,
Enquanto isso, a ala esquerda dos cristãos, comandada por Agostino Bar-
barigo — que sucumbiria a um horrendo ferimento no olho poucos dias depois da batalha — foi cercada e começou a ser guiada para cima do conti-
nente etólico pela ala direita otomana, mais comprida, liderada pelo astuto Mehmed Siroco (“Suluk”). De fato, as três alas da frota de Dom João formavam uma linha de batalha de apenas cerca de seis mil oitocentos e cin-
quenta metros; assim, os almirantes da Santa Liga tinham razão de temer que a frente mais comprida dos otomanos desse a volta em suas alas e os atacasse
por trás. No entanto, em um brilhante feito de marinharia, Barbarigo deu meia-volta, manteve a maioria dos navios inimigos na frente de sua própria
linha e depois começou a empurrá-los para a costa enquanto fazia chover tiros sobre seus conveses e aguardava a abordagem inevitável das galés turcas
numericamente superiores. Barbarigo tinha sob seu comando as melhores galés do Arsenal de Veneza — entre as quais o Cristo Erguido, o Fortuna e o Cavalo Marinho —, e tanto seus navios em inferioridade numérica quanto suas tripulações eram qualitativamente superiores a seus equivalentes otomanos. Quando os soldados turcos exauriram sua munição de flechas — muitas das quais tinham a ponta envenenada —, a briga entre Siroco e Barbarigo tornou-se uma espécie de nova batalha de infantaria em terra. Os cristãos frené-
ticos, vestindo armaduras, equipados com armas de fogo e avançando pelos conveses em densas fileiras e colunas, descobriram que podiam matar sistema-
ticamente os camponeses turcos, a maioria dos quais ficou logo sem flechas, não tinha proteção de metal no corpo, arcabuzes, nem a ajuda dos janízaros.
De perto, nos conveses das galés, o fogo dos arcabuzes rasgava os corpos dos turcos desarmados, matando e ferindo em quase todos os disparos. Mehmed
Siroco também perderia a cabeça, e seu corpo desarticulado seria atirado ao
E
Por que o Ocidente venceu
mar com asco. Os cristãos afundaram ou capturaram a maioria de Seus
os nl nem poupara m não e tripulan tes, os quenta e seis navios, mataram tr se ou galé nenhum a que alegaria m tarde, Mais feridos. os rendiam nem
lação escapara. pi As tropas de Barbarigo fizeram questão de abater cada um dos Marinheiro e soldados otomanos que encontravam, atordoados e, a essa altura, em hi maioria, indefesos, enquanto libertavam milhares de escravos cristãos acor. rentados nas galés — quinze mil no total seriam libertados em Lepanto. Re.
latos italianos e espanhóis glorificam repetidamente a salvação dos escravos
europeus, mas só admitem de passagem que a maioria dos turcos em Lepanto
foi provavelmente morta a sangue frio enquanto implorava por clemência no
convés ou flutuava indefesa em meio aos detritos na água. Mesmo assim, 0 custo de preservar a ala esquerda de Dom João foi alto. A maioria dos melhores
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líderes navais venezianos — Marino Contarini, Vincenzo Querini e Andrea Barbarigo, sobrinho de Agostino — foi abatida durante a provação. Só na ala direita, sob o comando do veterano genovês Gian Andrea Dorea, os cristãos ainda corriam algum perigo. Flutuando cada vez mais para a direita, Dorea parecia atrasar e negligenciar a proteção da frente central cristã. Os almirantes da Santa Liga poderiam jurar que Dorea estava rumando para a lateral, mais para longe do centro de Dom João do que para a frente, em direção
à frota turca. Será que o astuto veneziano, como foi aventado mais tarde, esperava salvar seus próprios navios de uma possível destruição? Em todo caso, as galés cristãs que acabavam de colidir com o centro de Ali Pasha estavam preocupadas
porque, se Dorea continuasse remando para a direita para evitar
que seu contingente nacional fosse cercado e atacado pelo mortal e lendário corsário Uluj Ali, seus próprios flancos logo estariam expostos. Em minutos, seus piores temores se realizaram. Abriu-se uma brecha na frente cristã entre a direita e o centro. Uluj Ali e uma dúzia de galés otomanas, da mesma maneira que Alexandre fizera em Gaugamela, imediatamente penetraram na brecha e se dirigiram para os flancos e traseiras do centro cris-
tão exausto. Foi aí que ocorreu o maior número de baixas cristãs na batalha. Às galés surpreendidas eram vítimas de surriadas sem ter chance de se virar e
atirar. Os gananciosos corsários de Uluj começaram a levar embora seus teSOUros; os conveses das galés venezianas e espanholas, em menor número — entre elas, três eram tripuladas pelos Cavaleiros de Malta, sob o comando do
lendário Pietro Giustiniani —, encheram-se de mortos e feridos. No entanto, infelizmente para os otomanos, o derradeiro esforço de Uluj era movido pela ganância, e ele parava para coletar tesouros em vez de seguir em frente para atacar outras galés inimigas com aríetes e destroçá-las. Dois dos almirantes mais corajosos da Liga — Juan de Cardona e Álvaro
de Bazán, marquês de Santa Cruz, no comando da reserva cristã de mais de quarenta galés — estavam justamente prontos para essa eventualidade. Com a ajuda das galés vitoriosas do centro cristão, os navios de reserva começaram
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a atirar em Uluj. Em minutos, os canhões cristãos mandaram embora o a a e seu contingente fugido, e toas as cortado houvesse sário. Se ele não destroçado. Ainda assim, o custo da timidez de Andrea Dorea para os o foi alto. A fuga de Uluj era ainda mais lamentável: ele era o último almirante
turco veterano do Mediterrâneo ainda vivo, supervisionaria a recons trução da frota do sultão no ano seguinte e a bem-sucedida captura de Túnis em 1574, Centro, direita e esquerda — os cristãos agora haviam alcançado o sucesso em toda a extensão da linha de batalha. A vitória deveu-se em parte à bar. ragem inicial assassina das galeaças, que foram colocadas quase um quilametro e meio à frente da frota, e em parte à melhor qualidade e ao número superior de canhões nas galés individuais européias, que atiravam por cima
das proas truncadas, direto na linha de flutuação dos navios turcos. O fogo dos
turcos passava alto demais, e no fim das contas era como se não existisse. Em quase todos os casos, os navios cristãos literalmente destruíram seus inimigos na troca de tiros. (Quando as galés foram ancoradas e o combate passou a ser
de infantaria nos conveses, os europeus — especialmente o contingente espanhol de 27.800 homens, dos quais 7.300 eram mercenários germânicos —
mostraram-se superiores aos soldados de infantaria turcos. Os arcabuzes dos espanhóis pesavam de sete a nove quilos, e eram capazes de atirar balas de cinquenta e seis gramas a uma distância de trezentos e setenta a quatrocentos €
sessenta metros, rasgando toda carne em seu caminho. Os otomanos só eram
bem-sucedidos quando conseguiam rodear galés cristãs isoladas, soterrá-las com uma chuva de flechas e subjugar os defensores feridos. Tinham pouca ex periência com a guerra de choque de infantaria pesada em um local confinado, onde a vitória era obtida com solidariedade e disciplina de grupo, não com heroísmo ou manobras pessoais.
Às três e meia da tarde de domingo, pouco mais de quatro horas depois das galeaças abrirem fogo, a batalha estava terminada. Mais de cento e cinque?” ta muçulmanos e cristãos haviam sido mortos em cada minuto do combate,
colocando o total de quarenta mil mortos de Lepanto — milhares de outro 5 340
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soldados estavam feridos ou desaparecidos — junto com Salamina, Canas e a batalha do rio Somme na lista das matanças mais sangrentas da história da guerra ocorridas em um só dia, em terra ou no mar Quando terminou, dois terços de todas as galés da grande frota mediterrânea do Império Otomano
haviam se transformado em destroços flutuantes ou estavam sendo rebocadas pelas galés cristãs em direção ao Ocidente.
Esgotos flutuantes Quase cento e oitenta mil homens estiveram presentes em Lepanto, re-
mando, atirando e golpeando uns aos outros sob condições que soldados da era moderna mal podem imaginar. As galés de guerra de ambos os lados eram navios imundos, terríveis, tão sujos em uma inspeção quanto pareciam elegantes a distância. Uma vez engajadas em um combate mortal, tornavam-se pouco mais do que pavorosas plataformas da morte flutuantes, e não
mais os esguios navios das fábulas antigas deslizando pela espuma branca do Mediterrâneo. As mudanças radicais dos dois últimos milênios em matéria de combate naval não se deviam nem tanto a avanços tecnológicos ou
a modelos náuticos. Os trirremes gregos clássicos e as galés venezianas não eram tão diferentes em tamanho, construção e propulsão. O que houve foi alterações na manutenção e na operação destas últimas embarcações, especificamente o trabalho forçado de remadores acorrentados, grandes contin-
gentes de marinheiros a bordo, e viagens com distâncias muito maiores em mar aberto. Enquanto a frota de invasão ateniense de 415 a.C. atracara sua embarcação bem mais leve na costa a cada noite de sua viagem tortuosa de várias se-
manas do Pireu até a Sicília, no século XVI as galés ocasionalmente eram capazes de atravessar o Mediterrâneo de uma só vez. leoricamente, esses navios podiam transportar um suprimento de água que durava vinte dias — e, assim, navegar dia e noite sem uma cobertura adequada para seus remadores escravos. Além disso, as viagens através do Mediterrâneo entre a Ásia
341,
Por que o Ocidente venceu
Menor e a Espanha e França — das quais praticamente não se tinha notfe; na Antigiidade — eram comuns em 1571 e muitas vezes duravam dias É sem paradas noturnas em portos seguros. As grandes galés de guerra venezianas em Lepanto tinham em geral cento
e sessenta pés ou mais de comprimento e quase trinta pés de largura no ponto
mais largo. De vinte a quarenta bancos de remos saíam por cada lado do na.
vio, e era preciso cinco homens para manejar cada enorme remo de trinta e seis metros e meio, criando tripulações duas ou três vezes mais num erosas do
que as da Antiguidade clássica. As velas só eram içadas durante o caminho de
ida e volta da batalha — ou por períodos curtos durante o combate, quando um ataque repentino podia ser auxiliado por um vento de popa. A maior quan-
tidade possível de marinheiros, arqueiros e arcabuzeiros se aglomerava nos conveses, algumas vezes quase afundando a galé com o peso combinado de quatrocentos a quinhentos remadores e soldados. Além do poder de fogo das equipes de abordagem — quase duzentos infantes independentes por navio —, cada galé atacava sua presa com um esporão de ferro de nove a dezoito metros e até vinte canhões: os maiores na popa e na proa, e os mais numerosos, de um quilo e trezentos a um quilo e oitocentos, dispostos aleatoriamente
ao longo dos conveses para as surriadas. À principal arma de muitas galés era A NA E PR 1 TA | NR SEsSSS O PROA ARMS
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diferentes em tamanho, construção e propulsão.
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canhão de bronze de cento e setenta e cinco milímetros e várias
toneladas, capaz de atirar uma bala de vinte e sete quilos a mais de um qui-
lômetro e meio.
Embora a galé fosse um navio um tanto frágil, capaz de virar mesmo em pequenas tempestades (no final do século XVI, os estados cristãos perdiam
quase quarenta galés por ano para o mau tempo no Mediterrâneo), era uma embarcação fácil de ser construída. Os modelos esguios e padronizados resultavam em uma galé capaz de navegar em picos de velocidade de vinte minutos
a oito nós ou mais, e seus lados baixos permitiam aos marinheiros correr por todo o navio e pular para uma embarcação capturada. O tamanho das equipes de remadores e a proximidade dos homens da água, no entanto, tornavam esses barcos muito ruins para O trânsito e, durante uma batalha, transformavam-
nos em uma capela mortuária. As galés e suas tripulações eram atacadas com aríetes, perfuradas por balas de canhão e metralha, queimadas por granadas incendiárias e submetidas ao fogo de enfiada de pequenas armas de fogo e flechas. À ausência de conveses altos, armaduras e cobertura pesada era uma garantia
de terríveis fatalidades diante de quase qualquer obstáculo. O historiador contemporâneo Gianpietro Contarini dizia que as águas em torno de Lepanto eram “tutto il mare sanguinoso” — um mar de sangue —, com
milhares de cristãos e turcos sangrando até a morte na água. Milhares de outros feridos se apgarravam aos destroços da batalha em meio aos corpos flutuantes. Testemunhas oculares relatam que os janízaros encurralados — alvos fáceis
devido a seu tamanho, a suas roupas vistosas e a suas plumas esvoaçantes —
encolhiam-se e buscavam abrigo debaixo dos bancos de remadores enquanto as galés turcas eram destroçadas por tiros de canhão e submetidas ao fogo de enfiada dos arcabuzes dos conveses cristãos mais altos. Finalmente, sem mais muni-
ção, os janízaros começaram a lançar tudo o que encontravam no convés,
incluindo limões e laranjas, para cima dos atiradores cristãos assassinos.
Tantos combatentes estavam confinados em um espaço tão pequeno —
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Lepanto: uma das mais violentas batalhas navais da história. Cristãos e turcos sangrando até a morte na água
de 900 m” — que poucos tiros erravam o alvo, fossem eles movidos por mts
culos ou pólvora. Enquanto nos antigos embates de trirremes a maioria das mortes se devia ao afogamento, nas batalhas navais do século XVI os homens morriam geralmente de flechas e balas de canhão, quando não eram abatidos por equipes de abordagem enquanto remavam acorrentados e imóveis. A galés eram engenhosamente concebidas para águas relativamente calmas
de modo geral, há pouca maré no Mediterrâneo — e seu poder de fogo velocidade fazia delas terríveis predadores de navios mercantes. No entant? 1
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quando galé encontrava galé, suas vantagens muitas vezes eram neutralizadas,
e a batalha resultante se parecia mais com uma confusa competição livre em terra do que com uma disputa de marinharia.
O alcance máximo dos canhões da maioria das galés menores não passava de quatrocentos e sessenta metros. Devido às baixas cadências de tiro — espe-
cialmente na frota otomana —, a maioria dos navios só conseguia disparar uma salva antes de seu alvo percorrer a distância que os separava é usar O aríete para abrir uma brecha em seu convés, ou abordar o navio enquanto os atacantes tentavam desesperadamente recarregar. Uma das verdadeiras vantagens européias em Lepanto era ter canhões mais numerosos e mais pesados
espalhados pela frota — a artilharia veneziana era a mais cuidadosamente fabri-
cada do mundo —, capazes de concentrar seus tiros nas galés otomanas enquanto elas se aproximavam para abordar, garantindo que uma única salva de dúzias de armas pesadas pudesse aniquilar toda a primeira leva de invasores. O advento dos canhões, arcabuzeiros e remadores escravos acorrentados
levou à antiga idéia de navios de guerra a remo uma taxa de mortandade e sofrimento sem precedentes em Lepanto, um tormento inconcebível pelas tripu-
lações de Salamina dois milênios antes, apesar das perdas agregadas da batalha
antiga terem sido maiores. Com frequência, tripulações de navios inteiros — centenas de remadores e soldados — eram massacradas ao serem intercepta-
das, abordadas e submetidas ao fogo de enfiada à queima-roupa de canhões e de tiros de mosquete antipessoais. Gianpietro Contarini diz que, em Lepanto,
houve uma enorme confusão de espadas, cimitarras, clavas de ferro, facas, flechas, arcabuzes e granadas incendiárias em cada navio. Uma fonte espanhola cita uma galé na ala direita onde, depois da batalha, todos os homens foram
encontrados mortos ou feridos. Era um truísmo dizer que as forças navais européias no Mediterrâneo — especialmente os venezianos — não tinham o
mesmo número de homens dos otomanos, e, assim, contavam cada vez mais
com o poder de fogo para fazer o que os músculos não conseguiam. À guerra de Balés também deixava os combatentes muito mais vulneráveis do que em
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Por que o Ocidente venceu
terra: nos navios sobrecarregados, mal havia espaço para se virar, €om
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volta cortava todas as rotas de fuga. A armadura dos cristãos e as túnica bolsas dos otomanos davam poucas chances de permanecer à tona quand um soldado era jogado ou caía na água. À maioria dos conveses era peca
talmente encerada e besuntada de óleo para prejudicar a circulação e fia com que intrusos escorregassem.
O aríete ainda era frequentemente usado pelos otomanos, assim como a abordagem de espadachins e arqueiros. Mas a introdução de canhões capazes de atirar projéteis de ferro ou pedra de quase quatorze quilos, ou mais, direto
na lateral de uma galé baixa também significava que os mares revoltos podiam
engolfar remadores acorrentados em poucos minutos. Muitas palés turcas afundaram ou foram abandonadas em Lepanto, e não levadas como prêmios,
já que os tiros de canhão, e não a abordagem, haviam causado sua perdição. Os protocolos clássicos de ataque em uníssono com os esporões apontados para a frente, navio por navio, para evitar ataques inimigos, não eram tão im-
portantes quando os novos navios europeus estavam repletos de canhões por
todos os lados e podiam atirar em qualquer direção. Para poupar pólvora e chumbo, os cristãos em barcos menores usavam longos piques para espetar quaisquer turcos que encontrassem ainda vivos no mar. O aríete acabou sendo condenado pelo advento de canhões fundidos em
bronze relativamente abundantes: embarcar cada uma das armas de mais de duas toneladas exigia remadores adicionais para recuperar a velocidade original de uma galé sobrecarregada. Mas o aumento de remadores acrescentava ainda
mais peso ao navio, exigia ainda mais espaço no convés e no fim das contas 16 velava que as leis da física limitavam o tamanho e o peso que uma galé podia te! para ainda ser utilizável no mar — isso sem considerar o problema da alimem tação e da manutenção de quatrocentos remadores, tripulação e atiradores: À solução não era nem mesmo as novas e bem armadas galeaças, mà a galeões maiores, de três mastros. Os galeões não tinham remos; no entanto com conveses mais altos e velas largas, só eles possuíam a área, as tripulaç” mm
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menores € O poder de locomoção necessário para carregar um núm ero cada
vez maior de canhões pesados e toneladas de balas e pólvora estocadas. Na-
vios maiores também podiam navegar nos difíceis Atlântico e Pacífico, e per-
manecer no mar durante semanas, ao contrário da galé mediterrânea. Ao contrário da Espanha e da França, os otomanos não tinham portos no Atlântico e assim, no século XVII, faltavam-lhes a experiência de navegação transo-
ceânica e o simples conhecimento tecnológico para construir galeões de primeira categoria. Era mais comum ver navios de guerra europeus do que palés otomanas nas águas islâmicas do Golfo Pérsico e do Mar Vermelho. O nome Lepanto evoca imagens claras de vistosos estandartes renascentis-
tas, grandes telas a óleo de mestres europeus, e uma variedade de comemora-
ções espirituais e materiais cristãs fascinantes. No entanto, a vida a bordo de uma galé mediterrânea do século XVI era praticamente intolerável. A maioria dos navios em serviço contínuo apodrecia e ficava inutilizável em cinco anos. Ão contrário do antigo trirreme, que era movido por remadores escravos com menos frequência e tinha mais espaço para cada remador, o escravo das galés era geralmente acorrentado a seu banco de remo ao lado de quatro outros. Ele urinava, defecava e, em mares revoltos, muitas vezes vomitava no lugar onde
estava preso. Vestindo um simples tapa-sexo, não tinha proteção contra a água do mar, a chuva ou o gelo — nem contra o calor escaldante do verão mediter-
râneo, que constituía a maior parte da temporada de navegação. O remador do século XVI também não estava livre, como seu equivalente antigo, para descer do navio. Seu navio tampouco buscava abrigo em terra quando a noite caía —
então ele às vezes trabalhava, dormia e comia em seu banco por dias a fio.
Biscoitos secos e um copo de vinho eram a alimentação padrão, e não os bolos
é Provisões adequadas característicos das rações dos homens livres na antiga marinha ateniense. Quando uma frota de cem desses navios atracava, uma ver-
dadeira cidade flutuante de quarenta mil bocas famintas rapidamente esgotava as Teservas de comida locais, enquanto o fétido carregamento de toneladas de “goto in natura espalhava doenças e um cheiro nauseabundo pelo porto. =
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2
Por que o Ocidente venceu
Relatos contemporâneos também descrevem alguns detalhes bizarros
só fazem confirmar o horror. Marinheiros, soldados e remadores usavam| c cos de pescoço perfumados — supostamente a origem da predileção dos a
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do Mediterrâneo por perfumes fortes — para disfarçar o mau cheiro € evitar
que vomitassem. Quando moscas, baratas, piolhos, pulgas e ratos infestavam um navio, e suas tábuas de dez centímetros de espessura ficavam encharcadas
de lixo, os capitães — particularmente os mais delicados Cavaleiros — algumas vezes afundavam propositalmente seus navios perto da esperança de que algumas horas de submersão total na água do mar livrá-los de seu carregamento de animais nocivos. As doenças —
de Malta Costa, na pudessem mais fre.
quentemente cólera e tifo — podiam dizimar flotilhas inteiras, o que era com.
preensível quando quatro ou cinco homens ficavam acorrentados noite e dia uns ao lado dos outros, marinando em seus piolhos, pulgas, excrementos, uri-
na e suor. Eram essas as condições de trabalho dos quase duzentos mil marinhei-
ros desesperados que colidiram no dia 7 de outubro de 1571. Cultura e inovação militar em Lepanto Situada na costa ocidental da Grécia, Lepanto era um lugar provável para uma batalha naval entre a Europa e seus inimigos, já que se encontrava na di-
visa geral entre os Bálcãs controlados pelos otomanos e o Mediterrâneo ocidental dos cristãos. No Mediterrâneo, quando o Oriente encontrava o Ocidente, às como águas ao largo do golfo de Corinto eram um eixo lógico de batalha,
demonstram os dois grandes combates navais próximos em Áctio (31 aC) € vinte trezentos de mais pouco a ficava Salamina própria A Prévesa (1538).
quilômetros a leste, do outro lado do istmo de Corinto. Depois de uma berm-
sucedida temporada de conquistas em Chipre, a frota otomana estava plane
jando passar o inverno na pequena baía da atual comunidade turística de Naupacto, na costa noroeste dentro do golfo. Quando a primavera chegas
e suas tripulações estivessem descansadas e reequipadas, Ali Pasha, O almirante E
do sultão, ansiava por uma temporada de pilhagem longe de Istambul
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Victor
Davis
Hanson
«alvez por uma invasão das próprias
Em resposta ao ataque a Malta
(1565), ao massacre de cristãos pelos turcos em Famagusta em agosto de 1571 e à subsequente aparição
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de agosto.
mM teonihihii i Refigil |!
costas européias para arrematar a captura de Chipre no último mês ie meme
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de atacantes otomanos nas costas
européias, a confederação de Vene-
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otomana antes da chegada do in-
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frota combinada da recém-batizada Santa Liga atravessara o Adriático
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grandiosa, embora um tanto instá-
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za, Espanha e estados pontificais
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Filipe II como rei de Espanha. verno, e antes que o Mediterrâneo ficasse revolto demais para uma batalha decisiva entre barcos a remo. O medo da aliança era que uma frota otomana tão grande passando o inverno perto da
Europa ocidental fosse percorrer o Adriático saqueando, raptando e matando à vontade
nas comunidades
costeiras italianas, ou saqueasse até mesmo
a
própria Veneza.
Em vez de ser alcançados e derrotados em pequenas flotilhas pela enorme
marinha predatória do sultão, o Papa Pio V finalmente convencera Filipe II
da Espanha e o senado veneziano a lançar suas frotas combinadas em um combate de vida ou morte para livrar de uma vez por todas o Mediterrâneo ocidental da ameaça turca. Se não encontrassem os otomanos naquele outono, 349
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Por que o Ocidente venceu
avisou o Papa, era muito provável que a unanimidade de ação se per É fã a sozinho resistir a vez uma mais forçado seria Cada estado cristão acordos com o sultão por conta própria.
A frota da Santa
Liga
em Cort
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me estava turca armada a que setembro de sabendo já na noite de 28
não muito longe, na costa não-ocidental do golfo de Corinto. Quando, uma q
mana depois, sua frota chegou à costa da Etólia, Dom João convenceu seus almi
rantes belicosos a atacar os turcos no dia seguinte, na manhã do domingo 7 de outubro. Ele interrompeu o debate com um sucinto: “Senhores, a hora de discu. tir já passou e chegou a hora de lutar.” Como em Salamina, europeus beligerantes enfrentaram um comando asiático unificado, embora autocrático.
O que faltava à Santa Liga em matéria de homens e navios (os otomanos gozavam de uma vantagem numérica de pelo menos trinta galés, um nú. mero ainda maior de navios leves, e
pelo menos vinte mil soldados) era mais do que compensado pela liderança tática superior dos europeus € pelas numerosas e sutis vantagens em
matéria de tecnologia náutica. O al mirante
dos
confederados, . Dom
João da Áustria, filho ilegítimo de Carlos V da Espanha e meio-irmão do rei da época, Filipe Il, era um dos
mais notáveis capitães de um mundo e ct ra ca I XV lo cu sé do eo ân rr te medi o
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mais rápidos longe dos muros. O ideal era que os atiradores fossem posi cionados ombro a ombro para criar uma cortina de tiros e evitar que os zulus
402
Victor
Se e houvesse rem
tempo,
os
obstáculos
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maiores
Davis
Hanson
inicialmente
ser
ovidos do solo em torno do laager, formando um campo de tiro aberto pa-
is seriam espalhados galhos de arbustos espinhodepo qual NO — os leir fuzi os ra bradas, ou, melhor ainda, construídas trincheiras e muretas
sos e garrafas que
ardar à entrada de guerreiros descalços e expostos. A artilharia de € para T6t campo — € metralhadoras primitivas Gatling, quando disponíveis — deveria ser ancorada em pontos vulneráveis do laager para desviar as ondas de ata-
«antes na direção dos tiros de fuzis nos lados. Tudo isso era necessário para superar as vantagens intrínsecas dos zulus: enorme superioridade numérica,
velocidade e surpresa. Para serem bem-sucedidos, os europeus em grande desvantagem numérica precisavam matar Os zulus a metros de distância, antes
que os guerreiros pulassem correndo para dentro de suas linhas. No entanto, em Isandhlwana, os britânicos não seguiram nenhum desses protocolos cui-
dadosamente estabelecidos por eles mesmos. Por quê? Isandhlwana foi o primeiro grande confronto da Guerra Zulu, e os oficiais britânicos, em sua arrogância inicial, não haviam avaliado como os zulus eram hábeis em movimentar milhares de guerreiros por longas distâncias e permanecer a poucos metros dos acampamentos britânicos sem ser detectados. Embora o
fuzil Martini-Henry tivesse um alcance de mais de mil e trezentos metros e disparasse uma bala mortal de calibre 45 pesando mais de trezentos gramas, e perdesse pouca precisão mesmo a grandes distâncias, ele era, entretanto, uma arma de um único tiro, e não uma arma de repetição. É verdade que fuzileiros experientes, com a quantidade padrão de setenta cartuchos no bolso, eram capazes de disparar até doze tiros por minuto durante algum tempo. Mas a
Necessidade de carregar cada bala individualmente significava que linhas “Parsas de soldados britânicos, distantes de fortificações ou de quadrados reforçados, podiam ser subjugadas por ondas de zulus que chegavam correndo,
à que dúzias de atacantes cercavam fuzileiros individuais enquanto estes pro“tavam cartuchos. Mesmo os melhores fuzileiros podiam levar cinco segundos Par
à Tetirar um cartucho, carregar um novo, mirar e atirar — uma cadência !
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Por que o Ocidente
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rupções, por menores que fossem, no suprimento de cartuchos —. « houve várias em Isandhlwana —, então o hiato subsegiente de salvas regulares
podia permitir a um impi veloz percorrer a distância crítica da zona de Matan-
ça, penetrar nas linhas britânicas e dizimá-las. Mesmo com os bolsos cheios um fuzileiro que atirasse depressa podia esgotar seu suprimento pessoal de al tuchos em cinco ou seis minutos, e em seguida ver-se em desvantagem numérica em combates corpo a corpo com armas brancas.
Nos Estados Unidos, fuzis de repetição Spencer e Henry haviam sido usa-
dos nos últimos anos da Guerra Civil; a tropas unionistas comandadas por
Sherman haviam usado os dois em suas marchas através da Geórgia e das Carolinas no outono de 1864 e no início de 1865. O model o de fuzil de repe-
tição calibre 32 com ação de alavanca Winchester, de 1873, era onipresente nas planícies americanas e capaz de disparar três vezes mais rápido do que o Martini-Henry — bem mais de trinta balas por minuto, comparadas às dez ou doze do Martini. Mas o conservadorismo militar britânico inato (o mosquete
de pederneira anterior, conhecido como Brown Bess, fora mantido como arma
padrão da infantaria durante décadas), a arrogância que considerava que as
armas de repetição não eram críticas nas guerras coloniais contra indígenas
armados com lanças, as economias financeiras de pouca visão e o desejo de um fuzil pesado, poderoso, que pudesse disparar uma bala enorme a grandes
distâncias, todos esses fatores evitaram a adoção de armas de tiro muito mais rápidas e de menor calibre no exército inglês. A Guerra Anglo-Zulu foi prati-
camente a última ocasião em que soldados europeus usaram fuzis de tiro únifornecer disparos repetidos à guarnição. Na manhã de 22 de janeiro, não havia consciência da necessidade de tomar cuidado entre os oficiais britânicos. Isandhlwana seria a batalha que o comandante inglês na Zululândia, Lorde Chelmsford, quisera e conseguira; uma
chance de opor fuzileiros britânicos, auxiliados por cavalaria e artilharia, K
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co contra forças indígenas, e em Isandhlwana não havia armas Gatling para
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Davis
Hanson
pode f orça militar conjunta da nação zulu. Esse desejo por uma batalha aberta ficar por que Chelmsford ignorou a enxurrada de mensagens recebidas de seu
exp
cercado durante o final da manhã e o começo da tarde do dia 22. ento acampar
Na sua cabeça, a presença do exército zulu em uma planície aberta era algo para ser come
morado, não temido. Os britânicos haviam buscado uma batalha deci-
nsideravam uma campanha curta e pouco custosa. e co ar qu in O rm a te par iva 5 A vantagem agora estava do seu lado. O verdadeiro medo dos oficiais era uma guerrilha demorada de escaramuças e tocaias constantes, não uma colisão de armas à luz do dia à moda européia. Chelmsford também tinha artilharia e mais de quinhentos mil cartuchos de
munição de fuzil no acampamento em Isandhlwana. Além disso, havia ótimos batalhões presentes, como o 24º Regimento, com muita experiência em disparar salvas sucessivas de tiros que matariam em massa qualquer inimigo indí-
gena no ataque a uma distância de mais de novecentos metros, e o aniquilariam
a duzentos e setenta. Ou pelo menos era assim que se pensava. O principal impi zulu de cerca de vinte mil guerreiros estava se movendo havia dias, e tinha que correr ainda mais de oito quilômetros antes de
chegar em Isandhlwana. Os zulus que, assim como os astecas, haviam desenvolvido sua guerra a partir de guerras ritualísticas, ainda preferiam lutar durante o dia e em multidões — e sempre preferiam se aproximar abertamente para tentar seu famoso movimento de cerco: eram alvos perfeitos
para fileiras disciplinadas de fuzileiros britânicos. Lorde Chelmsford sabia disso e, portanto, tinha poucas preocupações aparentes. Quatro décadas antes, em dezembro de 1838, Andres Pretorius, com menos de quinhentos
fazendeiros bôeres, não tinha derrotado doze mil zulus no rio Ncome (conhecido por causa disso como rio Sangrento), matando na hora mais de três mil e ferindo milhares de outros? Ao contrário dos ingleses, os bôeres
haviam usado mosquetes de pederneira de tiro lento, menos precisos e deSajeitados, disparando metodicamente de seu laager protegido por vagões em
direção às massas de zulus que atacavam durante mais de duas horas, a
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Por que o Ocidente
venceu
antes de mandar os cavaleiros perseguirem centenas de outros Inimigos f e. ridos ou em fuga. O que então, exatamente, além da ingenuidade e da arrogância, dera erra.
do quatro décadas depois em Isandhlwana? Os britânicos haviam invadido à Zululândia em janeiro de 1879 com três desajeitadas colunas, cuja força totalizava cerca de dezessete mil homens. Um comprido trem de suprimento de
setecentos e vinte e cinco vagões e sete mil e seiscentos bois transportava ali.
mentos, tendas, jogos de peças de artilharia e cerca de dois milhões de cartuchos de munição para uma campanha que se supunha breve, de dois ou três meses — balas suficientes para atirar em cada homem, mulher e criança zulu cerca
uma batalha decisiva, evitando uma guerrilha ou uma súbita invasão importante de Natal, governada pelos britânicos. De todo modo, a ausência de boas estradas na Zululândia tornava pratica-
mente impossível movimentar todos os 725 vagões da força de invasão em fila
única. Devido à experiência de várias guerras contra outras tribos do sul da África, e a um ataque recente a kraals zulus alguns dias antes, os britânicos estavam convencidos de que nenhum ataque indígena na África poderia fazer frente a
salvas contínuas de tiros de fuzis europeus. A história acabaria por dar-lhes razão, mas essa segurança dependia de um pouco de precaução disciplinada.
O próprio Chelmsford
pertencia à coluna
central que acampava eM Isandhlwana. Mas ele diluiu ainda mais a força de seu centro saindo em mar”
ma
cha na manhã do ataque com dois mil e quinhentos homens — muito mais do que o número que ficara para trás no acampamento — à procura de supos* 406
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suas forças para avançar sobre a cidadela zulu em Ulundi com três colunas que atravessariam a fronteira de 320 quilômetros a intervalos de 113 a 64 quilômetros. Assim, ele poderia sistematicamente impelir os zulus a entrar em
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ao todo havia pouco mais de cinco mil e quatrocentos infantes britânicos regulares sob seu comando —, o plano de Chelmsford era separar ainda mais
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nas e colonos em si mal representasse um terço da força do exército zulu —
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de dez vezes. Embora a força mista de infantaria britânica, auxiliares indíge-
Victor
Davis
Hanson
Ulundi: última batalha da guerra anglo-zulu.
tos impis de cerca de vinte mil zulus. Embora avisado às nove e meia, a apenas dezenove quilômetros de distância, que os britânicos estavam sendo
atacados em Isandhlwana, Chelmsford pensou que Pulleine, Dumford e Seus soldados estavam apenas sendo testados por batedores inimigos e não
corriam perigo de verdade. Assim, durante o resto da manhã e o início da tarde, uma força britânica maior do que fora deixada para ser aniquilada em Isandhlwana
acamparia a uma distância de menos de quatro horas a pé, e
mesmo assim não enviaria nenhuma ajuda — apesar de receber uma série de mensagens dizendo que seus homens estavam cercados e desesperados.
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Por que o Ocrdente venceu
Aparentemente, Chelmsford acreditava que ele, e não Pulleine em Isandh e que o ia zulu princ ipal força verda deira da perto mais na, estava E nto podia lidar com aquele ataque secundário sozinho. Ele se revelaria todos os aspectos. Se houvesse marchado imediatamente ao receber a e
mensagem de Pulleine, Chelmsford talvez tivesse chegado em Isandhlwana du. rante o auge da batalha, restaurando assim a força original do acampamento
e superando desse modo os erros táticos de seus subordinados. O tenente-coronel Henry Pulleine, junto com o temer ário
Durnford, mere. ce grande parte da responsabilidade pela catástrofe que se seguiu. Depois da partida de Chelmsford, Pulleine, que nunca participara de um combate, e
muito menos estivera no comando de uma força de batalha tão grande, não
tomou providências para posicionar suas forças em quadrado durante o primeiro ataque. Em vez disso, menos de seiscentos soldados britânicos foram posicionados de modo a cobrir mais de um quilômetro e meio na frente do
acampamento — uma distância grande demais para formar qualquer tipo de linha de defesa sólida. Na
verdade,
Pulleine ordenou
a suas companhias
espalhadas que avançassem em direção aos zulus para formar uma linha que pudesse se juntar com as tropas montadas de Durnford. Este último, tolamen-
te, se deslocara para bem longe do acampamento e em seguida, nessa posição recuada, colocara sua fina linha de indígenas distante demais das companhias regulares de fuzileiros britânicos. Também não haveria nenhuma reserva; o flanco esquerdo não foi defendi-
do, mas mantido aberto. Desde o início, os britânicos nunca chegaram a oferecer um círculo completo de resistência, deixando os vagões e tendas completamente indefesos. Alguns homens haviam se precipitado para fora das
tendas sem baionetas ou cartuchos extras. Os zulus não poderiam ter desejado melhor configuração para atacar. Depois de uma trégua inicial na batalha de
cerca de quinze minutos — os zulus se assombraram ao ver centenas de seus mais bravos guerreiros destroçados a mais de novecentos metros pelas primei ras salvas britânicas —, Pulleine ainda teve uma segunda oportunidade de 408
Victor
Davis
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recuar todas as suas unidades para o acampamento, onde poderiam ter tor-
nado a formar um quadrado em volta de alguns dos vagões, da comida e das caixas de munição. Em vez disso, por causa do pânico, da inexperiência ou de uma avaliação inadequada do perigo que suas tropas corriam, ele não ordenou
nenhuma mudança na formação. Na noite anterior, os vagões não haviam sido colocados em forma de laager e, assim, o acampamento em si estendia-se por bem mais de um quilômetro e
duzentos. O próprio Chelmsford, depois de emitir ordens no início da cam-
nanha segundo as quais os laagers eram obrigatórios e as trincheiras desejáveis, resolveu não insistir em nenhuma de duas coisas em Isandhlwana. Ele
alegou que planejava sair do acampamento temporário de Isandhlwana no dia seguinte. Mais tarde, declarou que seus companheiros inexperientes teriam levado a noite toda para formar as fortificações com os vagões, que o solo era difícil demais para cavar e entrincheirar, e que a encosta natural assegurava-
lhes terreno mais alto e, assim, um campo de tiro de qualquer maneira seguro em caso de ataque. (Quase todos os oficiais coloniais no acampamento que
tinham experiência com zulus ficaram alarmados com a falta de preparações; apenas os que partiram na manhã seguinte com Chelmsford sobreviveram. As declarações escritas oficiais do próprio Chelmsford — enfatizando a necessidade de sólidos laagers todas as noites, de comunicação constante entre colunas, de patrulhas de cavalaria fregientes e de um estado de alerta permanente para ataques surpresa dos zulus — eram apenas documentos de
registro. Na prática, ele operava com a crença equivocada de que colunas de mil a dois mil europeus com fuzis Martini-Henry podiam fazer o que quisessem. E, embora houvesse meio milhão de cartuchos calibre 45 no acampamento,
quase todos os defensores ficaram sem balas muito antes da carnificina final.
À munição ficava guardada em um depósito central, em pesadas caixas de madeira fechadas por placas de cobre presas às tampas com parafusos, e não fora distribuída generosamente entre as diversas companhias. De fato, as tropas indígenas de Durnford logo ficaram impedidas de chegar ao depósito de armas.
4
Por que o Ocidente venceu
Outras companhias coloniais e nativas podem ter tido a reposição Tecusad a da in abrindo estavam que de alegação a sob intenden te, por um evasivo
mente caixas pertencentes ao 24º Regimento! Os relatos dos sobras
descrevem a confusão de homens desesperados tentando arrombar as fa caixas com suas baionetas, catando as balas e depois correndo freneticamente até suas linhas distantes para continuar a atirar. Os grupos de reposição que
ps
cartuchos acessíveis frequentemente tinham que andar quase oitocentos metros para reabastecer os fuzileiros mais distantes. Mesmo depois da desastrosa decisão de não transformar o acampamento em laager, de enviar
mais da metade da força em uma missão inútil na manhã da batalha, e de espalhar os defensores remanescentes em uma posição indefensável, os britã-
nicos poderiam muito bem, mesmo assim, ter resistido à investida zulu, munição em abundância houvesse sido distribuída por toda a defesa. Depois que as companhias individuais do 24º Regimento foram subjuga-
das, alguns recuaram de volta para os vagões em busca de abrigo e de cartuchos. Segundo relatos orais zulus, o capitão Younghusband estava entre os últimos a morrer, disparando da base do vagão até ser morto a tiros pela turba à sua volta. As narrativas zulus insistem na disciplina dos últimos momentos
dos defensores britânicos: “Ah, aqueles soldados vermelhos em Isandhlwana, eram tão poucos, e como lutaram! Caífam como pedras — cada homem em seu lugar” (D. Clammer, The Zulu War [A Guerra Zulu], 86). Várias testemu-
nhas contam que Durnford juntou um círculo de fuzileiros, gritando “Fogo” a intervalos precisos enquanto sua munição limitada se esgotava. Nos últimos horrendos minutos de golpes de lanças e tiros, nenhum batalhão de fuzileiros
britânicos regulares se dispersou e fugiu, apesar de seu número ser inferior ao
do inimigo em uma proporção de mais de quarenta contra um. Assim terminou a carnificina na colina de Isandhlwana, o mais divulgado fracasso da história colonial britânica, embora não o mais custoso. Apesar de
a imprensa londrina logo ter alardeado a incompetência generalizada que levara à calamidade, ela mal mencionou que dois mil zulus haviam sido mortos
410
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na hora e que outros dois mil haviam rastejado para morrer longe dali ou fica-
do tão mutilados por ferimentos que não puderam mais combater. Assim, a ánica derrota britânica incontestável na Guerra Zulu também levou o maior número de vítimas da nação zulu de toda a guerra. Em cada minuto da batalha,
os defensores condenados haviam matado ou ferido mais de trinta zulus! Já que não mais de seiscentos homens no acampamento estavam de fato atirando com
fuzis Martini-Henry, podemos supor que cada soldado de infantaria britânico tenha matado ou ferido em média entre cinco e sete zulus antes de sucumbir. Ao ouvir a notícia de sua “vitória”, o rei Cetshwayo observou com tristeza:
“Uma assegai foi cravada no ventre da nação. Não há lágrimas suficientes para chorar os mortos.” O preço da destruição de uma pequena guarnição britânica fora a morte ou o ferimento de praticamente um décimo de seu exército. Cornelius Vign, que estava visitando os zulus na época, relatou o luto em massa de mulheres e crianças organizado no kraal de um certo Msundusi, morto
em Isandhlwana, uma cena que deve ter sido repetida milhares de vezes em
homenagem aos mortos zulus nas semanas depois da batalha: “Quando eles
entravam ou chegavam perto do kraal, ficavam se lamentando em frente aos kraals, rolando pelo chão sem nunca se acalmar; à noite, seu lamento era de cortar o coração de qualquer um” (C. Vign, Cetshwayo Dutchman [O holandês
de Cetshwayo], 28). Na guerra à moda zulu, a derrota britânica sugeria um fim definitivo das hostilidades. Afinal, uma tribo oponente fora dizimada em batalha aberta e, assim, logicamente, pararia de combater. “O rei ficou con-
tente quando soube que seu povo fora vitorioso contra os brancos”, escreveu Vign, que servia como tradutor holandês para Cetshwayo, “e pensou que a guerra agora terminaria, supondo que os brancos
não tinham mais soldados”
(Cetshawayo Dutchman [O holandês de Cetshwayo], 30). Outro impi zulu com mais de quatro mil reservas descansados, em sua Maioria de meia-idade, rumava agora para Rorke's Drift, a dez quilômetros de distância, para enfrentar um pequeno contingente de pouco mais de cem soldados britânicos que guarneciam tranquilamente uma estação de abastecimento
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Por que o Ocidente venceu
e um hospital. Uma vez que aqueles soldados isolados houvessem sido elim:
nados, o resto dos britânicos sem dúvida veria a futilida de de Seu ataque Fe cuaria de volta para Natal. Seria uma das gran des ironias das guerras br em ai britânicos e zulus que, ao primeiro aviso do ataque, dois tenentes
idades excepcionais” no comando em Rorke's Drift tenham imediatamente
começado a fortificar sua posição, a formar uma linha co mpacta, a distribuir
munição livremente e, assim, nas dezessei s horas seguintes, tenham usado q
disciplina do exército britânico para compensar a im ensa vantagem numérica e a grande bravura de um exército zulu inteiramente descansado.
“Seria difícil imaginar posição pior” Ão contrário do terreno alto de Isandhlwana, tudo em Rorke's Drift favore -
cia os zulus. As duas pequenas casas de pedra, antigas granjas transformadas em uma estação missionária a cerca de trinta e seis metros de distância uma da outra, eram praticamente indefensáveis. Uma delas era usada como hospital pelos britânicos. Ali havia soldados feridos ou doentes que de algum modo
precisavam ser incorporados a uma defesa improvisada do acampamento. Os tetos de sapê significavam que o depósito e o hospital podiam ser incendiados. Pior ainda, o terreno alto em três dos quatro lados do posto logo seria dominado pelos zulus. Havia alguns obstáculos — pomares, muros, fossos, constru-
ções —, em torno do posto avançado, que poderiam impedir o fogo e permitir aos guerreiros correr em busca de abrigo. À colina de Oskarberg, ao sul do acampamento, permitia que atiradores de
elite inimigos disparassem livremente contra defensores ao longo de toda à encosta norte. Além disso, centenas dos mais modernos fuzis europeus estavam nas mãos dos zulus, que horas antes, em Isandhlwana, também haviam saqueado mais de duzentos e cingienta mil cartuchos de munição calibre 49.
Quando o ataque começou, pouco depois das cinco da tarde, escurecia, dan-
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aos zulus enquanto
eles começavam
a cercar o posto avançado.
Resid i a I A ; “+ânica da defesa britânt “Seria difícil imaginar posição pior”, observou um oficial
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do cobertura
412
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Davis
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em Rorke's Drift. Os britânicos se viam com um contingente que representa-
va apenas 5% do tamanho da força que acabava de sucumbir em Isandhlwana
“e lá, o posicionamento e o terreno haviam favorecido os condenados.
Nenhum oficial sênior experiente podia ser encontrado no complexo. Pouco antes do meio-dia, o comandante da pequena guarnição, o major honorário
Henry Spalding, cavalgara de Rorke's Drift até Helpmakaar, a dezesseis qui-
lômetros de distância, para buscar reforços, deixando o posto nas mãos de dois
oficiais juniores. Ao partir, chamou seu subordinado John Chard para lembrarlhe que agora ele estava no comando — mas acrescentou que não havia quase nenhuma possibilidade de ação durante sua curta ausência. A maioria dos homens da guarnição estava desapontada porque a verdadeira oportunidade de ação e de glória estava a alguns quilômetros ao norte, na Zululândia propriamente dita, em Isandhlwana, onde a coluna central tentava expulsar os
impis zulus — e não em um depósito de suprimentos de fronteira em Natal, muito atrás das supostas linhas de frente. O tenente John Chard chegara à África do Sul havia apenas poucas semanas, e pertencia
aos engenheiros
reais; ele supervisionava
a construção
de
uma balsa no vau alguns metros mais abaixo. Seu co-comandante era o tenente Gonville Bromhead, responsável pela companhia B, 2º Batalhão do 24º Regimento, cujas outras companhias estavam sendo aniquiladas em
Isandhlwana. Nem Chard nem Bromhead, que era praticamente surdo, tinham muita experiência de campo de batalha. Certamente não eram considerados Oficiais brilhantes por seus superiores — “inútil”, escrevera certa vez sobre
Bromhead um de seus superiores. Nada no histórico de nenhum dos dois preVia o grande heroísmo e liderança que ambos demonstrariam nas dez desespe-
tadas horas de tiroteio constante que estavam por vir. Mas um antigo mestre
Sargento, James Dalton — com mais de um metro e oitenta e oito de altura,
um peito largo como um barril e 50 anos de idade —, encarregado do comisSariado, combatera muitas vezes e parece ter estado envolvido em muitas das decisões-chave iniciais relativas à defesa do posto avançado. 413
Por que o Ocidente venceu
Além da ausência de fortificações naturais e de um comando sênior e apenas o Havia numér ica. desv anta gem grand e em estava posto riente, o
acamados à e trinta e nove soldados britânicos, e trinta e cinco estavam cluindo os cozinheiros, serventes e carreteiros, apenas oitenta eram vei a fuzileiros. Nos minutos seguintes ao recebimento da notícia de que 0 regimen. to em Isandhlwana fora dizimado, e novos impis de mais de quatro mil zulus
estavam a caminho, um número perturbador de europeus em fuga e auxiliares indígenas aterrorizados, que poderiam ter ajudado a guarnição encurralada, fugiram a cavalo rumo à segurança de Natal, mais a oeste. Embor a os relatos britânicos sugiram que o ataque zulu tenha sido casual e espontâneo , é bem mais provável que os líderes tribais tenham percebido que a maioria dos supri-
mentos de Chelmsford estava em Rorke's Drift. A captura do posto avançado
alimentaria milhares de zulus famintos e praticamente eliminaria os estoques da
coluna central.
A idéia de que oitenta fuzileiros podiam fazer o que quase dois mil não podiam parecia absurda. Os ocidentais muitas vezes combateram em inferioridade
numérica — algumas vezes de forma crítica, como em Salamina, Gaugamela, Tenochtitlán, Lepanto e Midway —, mas mesmo assim tinham exércitos de
alguns milhares de homens com os quais oferecer resistência. Até mesmo Cortés, em seu ataque final à Cidade do México, tinha centenas de europeus, não dúzias.
À inferioridade numérica, como vimos, pode ser superada por tecnologia superior, soldados corajosos, boa infantaria, suprimentos abundantes e disciplina, mas os europeus precisavam da coesão ou do poder de fogo de centenas de homens para oferecer um semblante de resistência a milhares de adversários. Os cinquenta mil de Alexandre, o Grande, podiam derrotar duzentos e cinquenta mil sol-
dados persas; no entanto, se tivesse apenas dez mil homens na manhã de 1 de outubro de 331 a.C., Mazeu teria subjugado Parmênio, e os macedônios poderiam muito bem ter sido mortos até o último homem.
Um par de soldados britânicos foi despachado para o posto próximo de TO a Helpmakaar para trazer reforços. Em seguida, os refugiados ocasionais QU
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Victor
Davis
Hanson
haviam escapado de Isandhlwana — a maioria remanescente dos carabineiros coloniais de Natal e da polícia montada — passaram a cavalo pelo posto avan-
cado e se recusaram a ajudar em sua defesa. Cerca de cem cavaleiros coloniais
«ob o comando do tenente Vause, que viera de Isandhlwana mais cedo e romara posição em Rorke's Drift, foram embora subitamente ao ver o tamanho do exército zulu no ataque. Sua partida tirou cem fuzis Martini-Henry poten-
ciais das parcas defesas da guarnição. Quando eles fugiram, a companhia de fuzileiros africanos indígenas do capitão Stephenson também fugiu, junto com o próprio Stephenson e alguns oficiais europeus subalternos. Os homens de
Chard atiraram em um sargento enquanto ele escapava a galope. Além do efeito óbvio sobre a motivação dos homens — nas duas ou três horas entre a confirmação do desastre de Isandhlwana e o ataque à guarnição
em Rorke's Drift, os defensores britânicos haviam visto uma série de tropas coloniais e indígenas chegarem, espalharem histórias de horror e depois fugirem aterrorizadas —, a redução no número de homens para a defesa da área mudou todo o plano de resistência. Se Chard e Bromhead poderiam ter tido
quatrocentos e cinquenta homens ou algo assim para guamecer o pequeno muro quando receberam a notícia do ataque iminente, teriam sorte de ter cem homens habilidosos ou saudáveis o bastante para disparar um fuzil — apenas cerca de um atirador para cada três metros e sessenta centímetros do muro improvisado. Chard determinou rapidamente que as fortificações precisariam
de muros interiores adicionais, para servir de santuário interno quando o re-
duto exterior esparsamente guarnecido e construído com sacos de farinha fosse
inevitavelmente subjugado.
O inimigo era especialmente formidável. O exército que se aproximava tinha mais de quatro mil zulus sob o comando do irmão do rei Cetshwayo, o
Príncipe Dabulamanzi. Este último descumprira as ordens do irmão sob dois
aspectos: não deveria ter entrado em Natal, cidade comandada pelos britâni-
Cos, pela Zululândia — Rorke's Drift ficava logo do outro lado da fronteira
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—, e deveria ter evitado atacar qualquer soldado britânico atrás de mur os.
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Por que o Ocidente venceu
Embora estivesse no comando de duas das mais antigas divisões do exérci
de Cetshwayo — de três mil a três mil e quinhentos soldados uThulwana e uDloko eram em sua maioria homens casados ent
Cito
re 40 e50an 0
de idade —, Dabulamanzi tinha mil ou tros homens solteiros de 30 e Poucos
anos no inDlu-yengwe. Todos haviam servido na reserv a em Isandhlwana. Antes do ataque a Rorke's Drift, haviam passado as úl timas horas Matando
fugitivos e feridos que percorriam a planície em seus esforços desesperados para escapar. Depois de seus zulus terem cruzado o rio Búfalo em segurança
em direção a Natal, Dabulamanzi rapidamente uniu as três divisões e come. çou a se preparar para fazer a força inteira atacar o posto avançado britânico. Alguns poucos guerreiros tinham alguma experiênci a nas lutas tribais da últi.
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ma década. Mais importante, estavam relativamente descan sados e não haviam
tido muita participação na carnificina de Isandhlwana, onde um dé cimo dos homens da nação zulu fora ferido ou morto em uma única tarde. Todos pensavam que deveriam usar suas lanças antes de voltar para casa, especialmente considerando o espantoso sucesso de seus companheiros em romper as linhas britânicas em Isandhlwana. Por fim, alguns dentre eles tinham seus próprios mosquetes, e um grupo menor saqueara alguns dos quase oitocentos fuzis Martini-Henry e centenas de milhares de cartuchos de munição encontrados em Isandhlwana. Se atiradores de elite pudessem fornecer cober-
tura enquanto o grupo todo atacava de frente as partes mais fracas do muro norte, então os zulus poderiam tomar o complexo no primeiro ataque. O problema que os zulus desconheciam, no entanto, era a natureza dos sol-
dados da Companhia B do 24º Regimento encurralada em Rorke's Drift. Como os espartanos de Leônidas nas Termópilas, não havia praticamente ne nhuma possibilidade de fuga, apesar de suas chances pequenas e da batalha
macabra que se seguiria. Pelo menos oitenta eram fuzileiros britânicos regulacerca de duzentos e setenta metros e derrubar uma massa densa de soldados
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res, e bons atiradores geralmente eram capazes de acertar um guerreiro zulu à =
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no ataque a pouco mais de novecentos. Todos estavam determinados a ven 416
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mu morrer ali mesmo, e morrer era do à quantidade
Davis
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possibilidade mais provável, consideran-
esmagadora de inimigos. Por que os britânicos decidiram
jutar em condições tão lamentáveis? Eles possuíam uma disciplina que vinha
do treinamento e do regulamento do exército britânico, do medo e respeito
por seus oficiais, e da camaradagem e lealdade uns com os outros. Uma vez que estavam atrás de fortificações improvisadas, os zulus não podiam recorrer aos movimentos de cerco e infiltração que haviam se revelado tão bemsucedidos em Isandhlwana. Para tomar o complexo, os zulus teriam que enfrentar os disparos de fuzis e baionetas, pular os muros improvisados e matar
todos os homens no complexo. O tiroteio em si duraria dez horas ininterruptas — com os casacas verme-
lhas britânicos destroçando metodicamente corpos zulus à queima-roupa com tiros de fuzil de calibre 45 e apunhalando braços, pernas e ventres expostos com golpes de baioneta afiadíssimas, e os zulus, com menos sucesso, tentando apunhalar os ombros ou pescoços dos fuzileiros nos muros a golpes de assegai
e esperando que seus próprios atiradores pudessem, de algum modo, acertar os casacas vermelhas brilhantes de cima das colinas. Durante a tarde do dia 22 e o início da manhã do dia 23, Chard e Bromhead transformariam sua
pequena guarnição em uma verdadeira chuva de tiros que encheria de chumbo os corpos de centenas de guerreiros zulus, baseando toda a matança no
respeito rígido das práticas militares e da disciplina britânica formal, que faziam Os homens nos muros atirarem continuamente, sem trégua, com ombros, bra-
ços e mãos azuis e ensangiúentados por queimaduras de pólvora e pelo imen-
SO coice dos fuzis Martini-Henry.
Dezesseis horas em Rorke's Drift 14:30h, 22 de janeiro de 1879. Minutos depois de receber a notícia da carmnifici-
na em Isandhlwana, Chard, Bromhead e Dalton concordaram que era impossí-
Vel fugir de Rorke's Drift levando os feridos nos lentos vagões puxados por bois. —
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Em vez disso, ordenaram que todas as tendas fossem desarmadas, Mas aba
donadas do lado de fora do complexo para servir de obstáculo OS atac ante
N-
s, Em seguida, mediram a circunferência e rapidamente planej aram UM murod e defesa. O grande estoque de pesadas caixas de biscoito e sacos de fari nha do depósito podia fornecer proteção limitada à guarni ção — se de algum mo. do conseguissem, na hora seguinte, ou quase isso, empilh á-los até a altura do peito formando uma espécie de muro. Nesse aspecto, a experi ência de Chard como engenheiro real se revelou inestimável. Imediatament e, ele, Bromhead e
Dalton organizaram equipes de trabalho e começaram a constr uir um para.
peito para ligar os dois prédios de concreto, os vagões estacionados e o kraal de
pedra, formando um círculo oblongo de defesa. Os soldad os e membros das tropas indígenas que ainda não haviam fugido empilharam as caixas (quarenta
—
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e cinco quilos) e os sacos de farinha (noventa quilos) a uma altura de um metro
e vinte a um metro e meio, para dar alguma proteção aos fuzileiros enquanto mi-
ravam e recarregavam.
Os sacos eram um presente de Deus, já que seu peso e densidade impediam as balas de perfurar o muro britânico, ao mesmo tempo em que era quase impossível derrubá-los por causa de seu peso. Buracos foram abertos na parede externa do hospital para permitir aos pacientes atirarem nos impis que se apro-
ximassem pelo sul. Em um feito assombroso de trabalho improvisado, oficiais, soldados indígenas, doentes e alistados britânicos construíram, em pouco mais de uma hora, uma barricada de cerca de trezentos e sessenta metros — tudo
sob a ameaça iminente de aniquilação. Felizmente, havia um pequeno declive no lado norte do complexo, e o muro de sacos de farinha foi incorporado à essa vantagem natural, formando uma defesa cuja face externa muitas vezes ultrapassava um metro e oitenta. Nenhum zulu podia pular aquela altura, mas
teria que suspender o corpo diante de balas e baionetas britânicas. | 15:30h, 22 de janeiro de 1879. Chard, que exercia o comando da defesa devido a sua pequena superioridade sobre Bromhead, voltou ao rio, buscou seu Pp“ queno destacamento de engenharia que trabalhava na balsa, trouxe o vagão 38 418
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de água e as ferramentas, e evacuou a plataforma. Embora agora tivesse certesa, praças à diversos mensageiros, de que os milhares de zulus que acabavam de massacrar uma força vinte vezes maior do que a sua vinham em sua direção, nem ele nem seus homens demonstraram nenhum sinal visível de pânico.
Em vez disso, ele e Bromhead percorreram cuidadosamente a circunferên-
cia do pequeno forte improvisado, assegurando-se de que o muro tinha um metro e vinte em toda sua extensão. Em seguida, ordenaram o fim dos tra-
balhos, para garantir que os homens exaustos pudessem descansar antes do
ataque generalizado. Fuzileiros do 24º Regimento estavam posicionados a intervalos adequados,
com as cartucheiras cheias e pilhas de cartuchos adicionais amontoadas a seus pés. As baionetas estavam fixadas. Em menos de duas horas, e sob ameaça de
destruição, dois oficiais menores, sem praticamente nenhuma experiência da África, muito menos dos zulus, fizeram o contrário de seus comandantes mais experientes em Isandhlwana — e, assim, deram a seus combatentes em gran-
de inferioridade numérica uma chance de sobrevivência que os condenados em Isandhlwana jamais tiveram. 16:30h, 22 de janeiro de 1879. Com a chegada dos zulus e os primeiros tiros esparsos, os contingentes indígenas e coloniais fugiram subitamente, deixan-
do para trás a Companhia B do 2º Batalhão do 24º Regimento, com sua força esquelética de menos de cem soldados britânicos regulares, que tiveram então
que se reorganizar no muro enfraquecido. Chard percebeu que a fortificação Original logo poderia se revelar um perímetro grande demais para ser defendi-
do com forças muito reduzidas — ele tinha pouco mais de cem homens caPazes, não mais quatrocentos e cinquenta —, então construiu um segundo muro de caixas de biscoito, que ia de norte a sul ligando o armazém ao muro horte, e de fato criava um circuito muito menor para O caso de o muro no-
teste ser tomado. 17:30h, 22 de janeiro de 1879. O tiroteio de verdade começou no muro norte de sacos de farinha. Era ali que as forças britânicas estavam mais rarefeitas, e
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Por que o Ocidente venceu
havia uma série de obstáculos naturais desafortunados — o pomar, a ce 1
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um fosso a apenas vinte e sete metros de distância, um matagal e o muro d
um metro e oitenta logo depois das defesas britânicas — que davam às a
de zulus que chegavam correndo lugares onde se esconder para coordenar z ataque. Enquanto isso, nas encostas de Oskarberg, ao sul, alg uns zulus com os fuzis Martini-Henry capturados atiravam nas costas dos defensores britânicos
do muro norte, acertando ocasionalmente. Aos gritos de “Us uthu! Usuthu!” os mil homens do inDlu-yengwe corriam em direçã o ao muro sul. Em tida todo o posto avançado estava sob ataque — dos tiros da colina de Oskarberg,
dos repetidos ataques de vagas de lanceiros contra os mur os, e pelos tiros esporádicos dos zulus escondidos no fosso e atrás da cerca, dos préd ios e das ár. vores logo depois do muro britânico. Durante a hora e meia que se seguiu, algumas dúzias de soldados brit ânicos no muro norte repeliram uma vaga de zulus atrás da outra, a maioria dos quais logo descobria que era impossível pular os sacos de farinha sem levar um tiro ou um golpe de baioneta. O principal problema para os britânicos era o superaqueci-
mento dos fuzis. Quando os canos dos Martini-Henry começavam lentamente a ficar vermelhos, o invólucro de latão mole dos cartuchos começava a se expandir quando estes eram inseridos, obstruindo a culatra e algumas vezes impedindo o disparo, exigindo que o soldado os removesse com a vareta de limpeza — e per-
mitindo assim que pequenos grupos de zulus se aglomerassem debaixo dos sacos e começassem a suspender uns aos outros por cima Bromhead organizou ataques interiores de fuzileiros com baionetas e destroçar os zulus que pulassem por do número crescente de mortos e feridos britânicos centenas fuzileiro paros de
da barricada. Em resposta, selecionados para golpear cima dos sacos. A maioria
era atingida por trás pelas de zulus empoleirados nas alturas de Oskarberg. Quase nenhum foi morto por assegais zulus. Se os zulus tivessem coordenado seus E fuzil e seus tiros tivessem sido certeiros, poderiam facilmente ter ating!
do toda a guarnição britânica, na medida em que tinham centenas de atiradores comparados à reles força de tiro britânica de menos de cem homens. 420
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19:00h, 22 de janeiro de 1879. Quando a noite caiu, o hospital estava em chamas, ameaçando os pacientes de morrerem queimados e, com sua captura,
o colapso de todo o muro oeste. Durante a hora seguinte ou pouco mais, em uma escapada heróica, todos os homens conseguiram sair com vida, com exceção de oito — mais ou menos na mesma hora em que Chard ordenou à
guarnição inteira que recuasse para trás do muro secundário de caixas de bis-
«oito que ia de norte a sul. Enquanto essa força reduzida defendia cerca de um terço de seu perímetro original, uma posição de recuo adicional — e derradeira — foi fortificada às pressas. Esse último refúgio consistia em um reduto circular de sacos de farinha empilhados a uma altura de dois metros e setenta, formando um abrigo para os evacuados do hospital e um muro secundário de cima do qual era possível atirar sobre as cabeças dos fuzileiros do muro que ruía.
Em algum lugar da planície lá fora — talvez a apenas poucas centenas de metros além do círculo zulu —, o major Spalding finalmente chegou com os prometidos reforços de Helpmakaar. No entanto, ao ver o clarão do hospital em chamas e a turba zulu, deu meia-volta e levou suas reservas de novo para
Helpmakaar. Aparentemente, estava convencido de que seus homens e o acampamento já haviam sido destruídos. Se Spalding houvesse continuado,
havia uma boa chance de que tivesse conseguido penetrar no complexo para contribuir com reforços críticos no clímax da batalha. 22:00h, 22 de janeiro de 1879. Depois de quase cinco horas de tiroteio, a bata-
lha começou lentamente a favorecer os britânicos. Em seu relatório oficial, o te-
nente Chard observou: “Um fogo incoerente continuou durante toda a noite, vários ataques foram tentados e repelidos, e o vigor da batalha continuou até depois da meia-noite. Lutando com grande calma, nossos homens não desperdiçaram um só tiro, e a luz vinda do hospital em chamas nos proporcionou grande ajuda”
Narrative of Field Operations Connected with the Zulu War of 1849 [Narrativa das operações de campo relacionadas à Guerra Zulu de 1879, 46-47].
Com a chegada da noite, os atiradores zulus em Oskarberg haviam aos poucos perdido seus alvos e em seguida se juntado à desordem generalizada.
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Por que o Ocidente venceu
O novo perímetro reduzido incorporara o sólido armazém como SEU Muro su eliminando teoricamente a possibilidade de os soldados nos mur os Poderem ser atingidos por trás. Como observou Chard, o hospital em chamas tinha u
0 efeito inesperado de iluminar a área imedia ta em volta do acampamento e assim, tornar visíveis os zulus correndo em direção às defesas britânicas. Embora houvesse vários britânicos mortos e feridos, o cir cuito reduzido signi.
ficava que os fuzileiros também estavam at irando muito mais juntos em sua
última posição, proporcionando uma maior conc entração de tiros de fuzil do que antes e tornando o estoque de munição mais eficiente. Se os britânicos estavam exaustos desde seu frenesi para fortificar o complexo, sete horas antes, os zulus estavam ainda menos em forma — já que pratic amente não comiam havia dois dias e estavam marchando ou lutando sem pa rar havia doze horas. 25:50h, 22 de janeiro de 1879. Os britânicos abandonaram o kra al de pedra que formara o lado nordeste de seu muro e agora estavam limi tados a um pequeno circuito de menos de cento e trinta e sete metros de compriment o. Muitas de suas baionetas — horrendas armas de aço triangular de cerca de cingiienta e três centímetros de comprimento — estavam tortas ou deformadas. Os canos de suas armas queimavam-lhes as mãos e não paravam de emperrar. À maioria imaginava que um ataque final dos cerca de três mil zulus em cima das colinas finalmente subjugaria a guarnição. Os soldados encur-
ralados na pequena área não tinham como imaginar o número de inimigos mortos por seus fuzis, nem a imensa fome e cansaço que se abatia sobre os atacantes à medida que se aproximava a meia-noite. Ainda assim, os zulus continuaram a testar o fogo britânico, em esforços
vãos para pular os muros. Na maior parte das vezes, eram atingidos por tiros ou baionetas enquanto lutavam para afastar os canos dos fuzis britânicos — além do aço incandescente também queimar muitas vezes suas mãos e braços na confusão. No entanto, depois da meia-noite, os ataques se tornaram esporádicos, e Chard e Bromhead despacharam metade dos defen-
: o E sores para consertar o muro de sacos de farinha, distribuir munição e traz
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de água para dentro do perímetro para se preparar para a esperada
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4:00h, 23 de janeiro de 1879. Com a primeira luz da manhã, Chard verificou O que restava do campo de batalha e ordenou às equipes que come-
cassem mais uma vez a fortificar o muro, a recolher as armas zulus do terreno de morte e a explorar cuidadosamente a planície em torno do posto avancado. Os zulus haviam desaparecido misteriosamente, mas, mesmo assim,
soldados permaneceram nas barricadas esperando o reinício de um ataque generalizado.
7.00h, 23 de janeiro de 1879. Uma enorme linha de zulus apareceu subita-
mente a0 longo dos cumes em volta, mas depois pareceu se afastar cansada, abandonando o cerco no momento em que um ataque final teria sem dúvida subjugado a guarnição. Estavam exaustos e famintos demais para continuar, ou então haviam visto a coluna de reposição de Lorde Chelmsford ao longe. Uma patrulha de reconhecimento descobriu 351 inimigos mortos; o número de feri-
dos que rastejou para longe e acabou morrendo pode ter somado mais duzen-
tos homens ao total de mortos. Relatos posteriores sugerem que o número de mortos zulus ficou entre quatrocentos e oitocentos, já que corpos foram encontrados a quilômetros de Rorke's Drift durante várias semanas. Isso se aplicava, de maneira geral, a toda a Guerra Zulu: os britânicos subestimavam muito o número de mortos zulus, já que imediatamente depois das batalhas raramente se afastavam mais de oitocentos metros para contar corpos, e não tinham idéia
de que a maioria dos zulus que acertavam, sem cuidados médicos nem comida ou água, rastejava para longe para morrer. Os britânicos perderam apenas
quinze mortos e doze feridos. O coronel Harford, que chegou com a coluna de reposição de Chelmsford no dia seguinte, observou que a destruição do forte
“dava a aparência e o sentimento da devastação depois de um furacão, com os
corpos dos mortos adicionados, e a única coisa que permanecia inteira era uma fortaleza circular em miniatura feita de sacos de farinha no centro” (D. Child, org., O diário da Guerra Zulu do coronel Henry Harford, C.B., 37). TE=—=—
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Depois da batalha, os britânicos contaram mais de vinte mil cartuch Uchos gastos, um número fenomenal para apenas cem soldados, ou alg o assim | » Teal. mente atirando. Em mais de oito horas de tiroteio ininterrupto, a B ua TNição disparara cerca de duzentos cartuchos de calibre 45 por soldad o
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cada soldado britânico matara ou ferira aproxima damente cinco zulu S. Para c ada casaca vermelha morto, mais de trin zu ta lus caíram, numa inversão compl Ê -
ta do que fora Isandhlwana:
Em ambas as ações, os zulus empregaram o mesm o estratagema de cerco simples,
atacando en masse sem grande sofisticação, mas com extraordinária coragem, Rorke's Drift mostrou que uma companhia de infantari a resoluta armada com fuzis era capaz de repelir quatro mil zulus — contanto que se respeitas se um determinado número e preceitos: 1) uma formação de combate compacta ; 2) uma defesa rudi-
mentar, ou laager, atrás da qual combater: 3) um suprimento de munição à mão, As duas primeiras dessas três condições haviam sido enfatizadas repetidam ente pelos bôeres; a terceira era elementar. A conclusão era inevitável, A diferença entre o
desastre maior de Isandhkwana e o triunfo menor de Rorke's Drift foi que um par de tenentes não particularmente brilhantes tomou as precauções necessárias negligenciadas por seus superiores. (A. Lloyd, A Guerra Zulu, 1879, 103)
Em um período de vinte e quatro horas que incluiu a maior vitória na história zulu, o rei Cetshwayo mesmo assim perdera em Isandhlwana e Rorke's Drift bem mais de quatro mil guerreiros de seu exército de vinte mil homens.
Ainda havia duas colunas inimigas em seu território; e uma Inglaterra provo cada se esforçava para enviar milhares de novos recrutas para perpetrar um massacre. A nação zulu não tinha experiência com uma força moderna de fuzileiros disciplinados que miravam, atiravam e recarregavam armas de fogo
modernas obedecendo a comandos, e, quando atiravam individualmente, fa-
ziam-no de acordo com protocolos rígidos em relação ao alcance e à natureza do alvo.
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Por que Os britânicos em Rorke's Drift triunfaram contra tantos obstáculos? Eles claramente dispunham de mais comida, tratamento médico e munição; seus
soldados atiravam muito melhor. O mais importante: seu sistema de disciplina institucionalizada garantia uma cortina de fogo contínua, diferente de tudo que
fora visto antes nas guerras indígenas da África. A economia industrializada e nteiramente capitalista da Inglaterra tinha a capacidade de transportar e suprir
milhares daqueles homens a quilômetros de casa. A ciência européia era responsável pelo fuzil Martini-Henry — uma arma terrível cuja enorme bala e temível
precisão ajudou a destruir totalmente os homens da nação zulu. Durante toda a campanha, os oficiais britânicos haviam buscado batalhas
decisivas para ganhar ou perder a guerra em confrontos abertos. Durante as dezesseis horas nos muros de Rorke's Drift, dúzias de soldados britânicos — o oficial assistente interino do comissariado Dalton (Cruz Vitória), que foi o ver-
dadeiro baluarte da organização dos defensores, o cirurgião Reynolds (Cruz Vitória), que criou a estação improvisada para os feridos, e o soldado raso Hook (Cruz Vitória), que resgatou os feridos do hospital — tomaram a inicia-
tiva e agiram de maneira independente para melhorar as defesas. Todos os atiradores nos muros haviam entrado para o exército com uma noção clara de direitos e responsabilidades, com uma lealdade cega em relação a seus pares no regimento. Essa disciplina regimental obrigava os homens a continuar ati-
rando até a exaustão ou a morte — e o rígido treinamento britânico no manuseio de armas de fogo garantia que eles em geral acertassem no que miravam. No dia 22 de janeiro de 1879, a guamição em Rorke's Drift mostrou ser for-
mada pelos cem homens mais perigosos do mundo.
À moda imperial Por que combater os zulus À maioria dos conflitos ao mesmo tempo começa e não começa por causa
de disputas de fronteira. Foi assim com a Guerra Anglo-Zulu de 1879, que —
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Por que o Ocidente venceu
aparentemente começou por causa de desavenças em relação às fronteir
do e exatas entre a Zululândia e as províncias européias de Natal
mas que, na verdade, era inevitável devido ao desejo colonial de fist dt mais força de trabalho e mais segurança. Além do pretexto de um ataque ni cial, os britânicos não tinham nenhuma razão aparente para invadir a Zulu. lândia. Até mesmo a maioria dos ministros de estado em Londr es não desejava nenhum envolvimento com uma guerra no sul da África em uma época em que os interesses mais importantes do império na India, no Afeganistão e no Egito
exigiam todos os seus recursos. Nenhum observador de nenhum dos dois lados
alegou que um exército zulu houvesse cruzado a fronteira de Natal ou do
lransvaal para dar início às hostilidades. As ordens repetidas do rei Cetsh wayo eram evitar o envio de seus impis para o outro lado da fronteira da Zululâ ndia. Embora outras partes da África do Sul fossem relativamente desabitadas quando rancheiros e fazendeiros holandeses e ingleses se instalaram ali pela
primeira vez durante os séculos XVII a XIX, a Zululândia era o lar ancestral de diversas tribos e fora relativamente ignorada pelos europeus. No entanto, quando a guerra estourou, em 1879, uma divisão genérica das terras do sul da África já estava bem estabelecida, marcando claramente as fronteiras do reino zulu autônomo e densamente habitado do rei Cetshwayo. Mesmo assim, no
início de janeiro de 1879, Lorde Chelmsford cruzou o rio Búfalo-Tugela com
uma força combinada de mais de dezessete mil homens e invadiu a nação zulu sob ordens do alto comissário da África do Sul, Sir Bartle Frere. Embora Chelmsford estivesse aparentemente “protegendo” Natal, sua verdadeira mis-
são era encontrar os impis zulus, destruí-los em batalhas campais, capturar
Cetshwayo e desmantelar assim a própria nação zulu autônoma. Desde o início, a Guerra Anglo-Zulu foi uma guerra de agressão contra o povo zulu, tr
vada para eliminar para sempre a ameaça de um imenso exército indígena recrutado do outro lado da fronteira de assentamentos britânicos e bôeres; cuja população era relativamente esparsa. O administrador do Transvaal, Lorde Shepstone, exprimiu de maneira sincera a preocupação britânica com 426
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a presença dos impis zulus: “Se os trinta mil guerreiros de Cetshwayo houvessem sido transformados a tempo em trabalhadores assalariados, a Zululândia teria sido um território próspero e pacífico em vez do que é agora, uma fonte de perigo perpétuo para si mesma e para seus vizinhos” (J. Guy, A destruição do reino
eulu, 47). Depois de anos de disputas fronteiriças com os bôeres do Transvaal vizinho, a questão da integridade territorial da Zululândia fora colocada anteriormente para uma
comissão de investigação de fronteira patrocinada pelos
britânicos, que imediatamente declarou a Frere que as terras disputadas em questão provavelmente pertenciam aos zulus! Os membros da comissão con-
cluíram que a agressão bôer, acompanhada pela aquiescência britânica, e não
a expansão imperial zulu, era a responsável pela crise na fronteira. Devido à natureza dos métodos europeus — e especialmente bôeres — de criação de gado, cada família autônoma precisava literalmente de milhares de hectares, criando um paradoxo na paisagem local: uma população colonial que exigia imensas quantidades de território anteriormente tribal, mas à qual, por si só,
faltava a densidade populacional necessária para defender o próprio território que expropriara. Na província vizinha de Natal, mais de 80% das terras — cerca de quatro milhões de hectares — pertenciam a apenas vinte mil europeus, deixando oitocentos mil hectares das terras menos desejáveis para serem disputados por trezentos mil indígenas africanos. Sozinhos, os colonos
europeus não tinham força necessária para proteger o que haviam tomado com tanto ímpeto.
Uma vez que o governo britânico não tinha real interesse em anexar a Zululândia — onde havia poucas riquezas naturais, muita doença e uma poPulação
orgulhosa
e difícil de governar
—,
e já que
não
havia
provas
de
agressão zulu quer contra Natal quer contra o Transvaal, as razões exatas pelas quais o exército britânico invadiu a área em 1879 ainda permanecem um mis-
tério. Os motivos imediatos podem provavelmente ser encontrados na grande liberdade de ação dada ao imprevisível Frere, determinado a causar a guerra
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Por que o Ocidente venceu
a qualquer custo na crença de que a maré da história estava inevitavel
contrária ao tipo peculiar de militarismo zulu — e no fato de que, co |
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quista da Zululândia, ele talvez pudesse ser reconhecido Como pró-cônsul : | | ; sul im. perial de uma nova e imensa Africa do Sul confederada. Mais especificamente, Frere e seus subordinados estavam Preocupados so
bretudo com o exército zulu de cerca de quarenta mil guerreiros, um conti n. gente extraordinário para um povo cuja população provavelmente não passa va de duzentas e cinguenta mil pessoas. Na conc epção de Frere, a existência
de um exército indígena tão poderoso nas fronteiras das colônias européias
era um desastre em potencial, especialmente levando em conta o histó rico de
conquistas zulus no século anterior e as demandas constantes dos colonos brancos por terras para pastagem. Frere aparentemente insistia no fato de que o exército zulu estivera mobilizado e, no entanto, em paz com os britânicos
durante cerca de trinta e sete anos, e que o rompimento desse status quo anterior e pacífico teria que começar com os europeus. As reclamações do mais ponderado Sir Henry Bulwer, governador de Natal, de que os britânicos deve-
riam respeitar os resultados de sua própria comissão de investigação foram
descartadas. Em vez disso, Frere buscou estender a proteção de seu governo aos agressivos colonos bôeres, ávidos para que o exército imperial da Ingla-
terra acertasse as contas com sua antiga nêmesis, os zulus. Desesperado para dar início às hostilidades, Frere utilizou três incidentes que, segundo alegou, tornavam a guerra inevitável. Um chefe zulu, Sihayo, trouxera de volta à força de Natal, protetorado britânico, duas de suas mulheres adúlteras, antes de executá-las na Zululândia — algo chocante para a noção
pessoal britânica de santidade territorial nutrida por Frere e para a suposta moralidade inglesa do século XIX de modo geral. Em seguida, o rei Cetshwayo
se recusara a entregar Sihayo. Em resposta, como os príncipes gregos au
juraram navegar até Tróia por causa de um suposto rapto, os britânicos con” sideraram que uma questão de honra exigia uma resposta imediata ao rapto Em seguida, uma equipe de reconhecimento imperial ao longo do rio Tugela, 428
Victor
Davis
Hanson
ate à Zululândia e Natal, fora detida — embora não machucada — por alguns grupos de caça zulus, que suspeitavam corretamente que aquela expe
dição de mapeamento era um prelúdio à anexação formal de algumas de suas terras fronteiriças. Finalmente, para desgosto ainda maior de Frere, alguns missionários haviam recentemente deixado a Zululândia, alegando que seus cristãos zulus convertidos eram com frequência maltratados e algumas vezes mortos por Cetshwayo. Em grande parte baseando-se em informações de segunda mão, e aparente-
mente sob a alegação de que os zulus não estavam se comportando em seu próprio país como cavalheiros britânicos, Frere considerou ter motivos legais para uma invasão em larga escala da soberana Zululândia. Seu ultimato exi-
gia que Cetshwayo abandonasse seu notável sistema de organização militar e, com ele, seu próprio imenso exército. A resposta do rei zulu, traduzida várias
vezes e reproduzida em diversas fontes, era surpreendente por sua sinceridade e orgulho: Eu algum dia disse a Somtseu [Shepstone, representante britânico na Zululândia] que não mataria? Ele disse aos brancos que eu fiz tal acordo? Porque, se disse, ele os enganou. Eu mato; mas ainda não considero ter feito nada em matéria de matar. Por que os brancos começam sem motivo? Eu ainda nem comecei a matar; é o costume da
nossa nação e não vou abrir mão disso. Por que o governador de Natal me fala sobre as minhas leis? Por acaso eu vou a Natal ditar a ele suas regras... (Cf. D. Morris, A lavagem das lanças, 280)
Os colonos, tanto bôeres quanto britânicos — a escravidão fora proibida no sul da África décadas atrás —, queriam uma força de trabalho barata para
desenvolver suas fazendas e a infra-estrutura das colônias no Transvaal e em Natal. Obviamente não apreciavam a idéia de quarenta mil homens zulus estarem sujeitos ao serviço militar, e de ser pouco provável que cruzassem a
fronteira desarmados e em busca de emprego como trabalhadores migrantes
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E Por que o Ocidente venceu
baratos. Sir Gamet Wolseley, que substituiu Chelmsford como Comandan
te. chefe das forças britânicas ao final da guerra, também reg istrou em seu diário tio a noção britânica de como seria a Zululândia ideal dep ois da guerra:
Nossas controvérsias com Cetshwayo, que fora consid erado culpado de crueldade; para com o seu povo: o fato de ele tirar vidas sem julgamento e de sob seu govemo fiém a vida nem a propriedade estarem seguras. O fato de, belo sistema militar que man.
tinha, ele impedir seus homens de se casarem e de tra balhar e assim Os manter pobres.
No futuro todos os homens devem poder se casar e ir e vir como quiserem e trabalhar
para quem quiserem, para que possam se tornar ricos e prósperos como querem os que
sejam. (A. Preston, org., The South African journal of Sir Gamet Wolseley [O diário sul-africano de Sir Garmnet Wolseley], 1879-1880, 59)
Além disso, os empreendedores locais gostavam da idéia de um comprometimento militar britânico com a colônia — a coroa acabaria gastan do cerca de 5,25 milhões de libras durante as guerras zulus — e, assim, faziam fila para
abastecer o exército. Proprietários de cavalos e gado, fabricantes de vagões e carreteiros de Natal acolhiam a oportunidade de elevar os preços a níveis astronômicos, do mesmo modo que os residentes coloniais apreciavam a injeção
de capital e de população no sul da África. Chelmsford e a corporação de ofi-
ciais britânicos em Natal também estavam ansiosos pela chance de uma vitó: ER
ria barata, rápida e gloriosa que sóe poderia fazer avançar suas carreira: s. Hav ja
grande competição entre oficiais para participar da futura invasão — u aventura militar ansiosamente prevista como curta, relativamente segu Ani contra um adversário recon hecicheia de oportunidades para ganhar glória o
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damente corajoso, mas tecnologicamente atrasado. Os europeus e o Outro
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a foi o resultado de uma ati tude Em um sentido mais amplo, a guerra também Ud
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mais insidiosa britânica,
430
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sá
e caracteristicamente européia,
para com povos
indí-
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Victor
genas,
baseada
em uma
estranha mistura de chauvinismo,
Davis
Hanson
imperialismo vio-
lento e boas intenções muitas vezes mal direcionadas. Para os britânicos, o
exército de Cetshwayo era um empecilho para a chance de “civilização” de seu povo, que logicamente deveria abraçar de bom grado a religião e a cultura
Je uma raça “superior”. O cristianismo poderia proporcionar aos zulus o fim da poligamia, dos assassinatos e execuções aleatórios, do canibalismo ocasio-
nal, da mutilação dos mortos, da nudez e sodomia degradantes e daquilo que os missionários consideravam uma infinidade de práticas sexuais ritualísticas
bizarras relacionadas à purificação dos guerreiros — o uku-hlobonga, ou sexo intercrural (entre as coxas) sem penetração fálica para os guerreiros solteiros, e o sula izembe, coito completo para os casados depois do combate para “lim-
par a lança”. À lei inglesa também evitaria a matança aleatória dos súditos de Cetshwayo e levaria a uma cidadania sedentária em vez de nômade, fornecen-
do assim a base necessária para uma economia
capitalista eficiente que
respeitasse a propriedade privada e criasse um padrão de vida mais alto — ou o contrário.
Em 1856, assinalaram os britânicos, em uma cruel guerra civil, Cetshwayo massacrara mais de sete mil guerreiros de seu irmão, junto com outras vinte
mil pessoas de sua própria família tribal, incluindo idosos, mulheres e crianças. Aquele campo da morte no rio Tugela ficou desde então conhecido como Mathambo, “o lugar dos ossos”. Anteriormente, Shaka matara dez vezes o número de vítimas de Cetshwayo. Os reis zulus, assim como a monarquia asteCa, haviam matado muito mais indígenas em suas próprias guerras tribais e em surtos de assassinatos aleatórios do que os europeus nos campos de batalha da
Conquista. Na véspera de sua sucessão, Cetshwayo matara praticamente todos Os irmãos, primos e parentes distantes na Zululândia que pudessem de alguma maneira contestar seu direito ao trono.
O poder do exército britânico era considerado prova suficiente da superioridade do modo de vida europeu de maneira geral — ou pelo menos era
O que se pensava na véspera do que Frere e Chelmsford antecipavam como
Por que o Ocidente venceu
uma conquista rápida. Em todo caso, os britânicos cru zaram a fronte; ita no dia 11 de janeiro, e Frere escreveu com orgulho: “Espero que , com a ajud à de Deus, muito poucas semanas
nos permitam agora nos livrar do íncuh 0 que durante tanto tempo sufocou praticamen te toda a vida dessas colônias” (C. Goodfellow, A Grã-Bretanha e a Co nfederação Sul-Africana, 1870. 1881, 165).
Assim como a experiência espanhola no México e a expansão americana
para o oeste, a conquista britânica da Zululând ia seguiu uma segiiência M uitas vezes previsível de acontecime ntos que, durante cerca de quatro séculos, Caracterizaram a entrada européia na Ásia, nas Américas, na Austrália e na África.
Em 1800, a Europa continha apenas cento e oitenta dos quase novecentos mi. lhões de pessoas da população mundial, mas ocupava ou controlava de uma forma ou de outra quase 85% da superfície terrestre do globo. Em 1890, dois terços dos navios transoceânicos eram britânicos, e metade do comércio marí.
timo do mundo era efetuada por embarcações de fabricação britânica — à maior parte do transporte pelos oceanos de algum modo facilitava ou gerava lucros para o imperialismo britânico. A capacidade produtiva das fábricas británicas e a perícia da frota imperial e da marinha mercante significavam que homens e mercadorias podiam ser descarregados em qualquer parte do globo em
questão de semanas — uma capacidade que não era compartilhada por nenhum outro país fora da Europa, e por bem poucos dentro dela. De certo modo, a GráBretanha estava na Ásia, na África, na Austrália e nas Américas simplesmente
por ser o único povo do mundo a poder fazer isso com facilidade. A exploração marítima européia inicial do século XVI levara a uma colonização esporádica de terras estrangeiras, seguida por uma subsegiente invasão e conquista em larga escala. Em geral, um pequeno grupo de europeus ae
franceses no sudoeste da Ásia, espanhóis nas Américas, alemães na África central, britânicos em quase todo lugar — provocava hostilidades anexando terras diretamente ou invadindo territórios de caça ou pastagem indígenas em busca de minerais, ouro, portos ou qualquer outra coisa. Colonos e merca-
4 : ; 1 E dores geralmente vinham em seguida , com a intençã o de se instalar de f orma
432
Victor
permanente.
Davis
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Documentos legais — fossem eles decretos da coroa espanhola
ou elaboradas proclamações de burocratas britânicos — eram rapidamente fabricados e lidos para uma realeza indígena analfabeta para fornecer o pretexto ocidental necessário à anexação. Era um costume ocidental estranho, mas característico, ler em voz alta uma lista de reclamações antes de um
exército europeu massacrar seus adversários indígenas e analfabetos. Assim como Cortés antes dele, Lorde Frere tomou cuidado para basear sua destruí-
ção de uma nação inteira na premissa publicada de um direito legal e moral: ele emitiu uma declaração de exigências de treze pontos que Cetshwayo, analfabeto, era incapaz de ler, e cuja lógica não conseguia compreender inteiramente mesmo depois de o documento ser traduzido.
Geralmente, devido à arrogância do comando europeu, à confiança demasiada na mera tecnologia e à ignorância em relação ao enorme tamanho
das forças indígenas, forças expedicionárias iniciais e diminutas eram massacradas — a Noche Triste e Isandhlwana podiam ser comparadas a inúmeras outras derrocadas na Indochina, nos Estados Unidos, na África Central
e na Índia. A venda posterior de armas de fogo européias em períodos do século XIX deu alguma trégua aos povos indígenas, como o massacre de cavaleiros americanos em Little Big Horn (1876), a derrocada britânica em
Maiwand, no Afeganistão (1880) e a vitória etíope contra os italianos em Adwa
(1896). No entanto, essas derrotas européias — grande parte das quais ficou restrita ao final do século XIX, quando fuzis de repetição de manu-
Selo simples e cartuchos em grande quantidade eram comercializados livremente com povos indígenas — foram quase imediatamente seguidas Por novos ataques de exércitos ocidentais mais cautelosos, mais bem equipados e mais bem comandados, que buscavam não apenas terras, mas, suPostamente como vingança, a conquista completa e às vezes a destruição de um povo.
Ao longo de todos os conflitos coloniais, a conspurcação dos mortos europeus depois de uma derrota inicial — os espanhóis sacrificados nas pirâ7
433
Pa
RR
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Por que o Ocidente venceu
mides da Cidade do México, os soldados eviscerados em Isandhlwan britânicos decapitados em Khartum — era posteriormente evocada com d,
Os
0 causa suficiente para não dar trégua e aniquilar o inimigo, contanto que Os europeus efe
tuassem o massacre em batalhas campais segundo sua Noção de
regras justas de combate. Quase sempre, os europeus ficavam ultrajados aa descobrir os cadáveres decapitados, escalp elados ou eviscerados de suas pe-
quenas guarnições derrotadas. Para eles, tais mutila ções — cometidas depois
da batalha, contra os mortos, sem poupar mulheres nem crianças — eram atos muito mais depravados do que o fato de des troçarem os corpos dos guerreiros indígenas a tiros de canhão e de fuzil — atos cometidos em batalha contra q
classe de guerreiros viva.
Líderes tribais como Montezuma, Cavalo Lou co e Cetshwayo eram oca-
sionalmente retratados nas crônicas européias como fig uras dignas de com.
paixão. Não existem relatos indígenas escritos, a não ser as entrevistas orais registradas por missionários e exploradores cristãos. Lídere s indígenas em
geral afirmavam ingenuamente
que o fato de repelir os invasores europeus
poderia significar o fim das hostilidades, sem saber que sua própria vitória temporária contra uma força européia inicial selava seu destino diante de uma segunda onda de ocidentais que acolhiam com satisfação o pretexto da vingança para cimentar seus planos de conquista. O canibalismo e o sacrifício humano, a mutilação dos mortos, o assassinato de prisioneiros, a adoração de ídolos, a poligamia e a ausência de lei escrita
eram tipicamente citados como pretextos para a anexação de território pelos europeus durante seus quatro séculos de colonialismo nas Américas, na Ásia € na África. Ao contrário de seus adversários, os franceses, espanhóis e britânicos
anunciavam que era com relutância que matavam milhares de pessoas, ia uma necessidade inevitável para melhorar a vida de povos indígenas por meio do difícil processo de ocidentalização. Missionários, altos oficiais da igreja intelectuais britânicos faziam objeções à ganância imperialista, mas buscavam
a rise a soluções por meio da melhoriaÀ e da assim ilação, em vez da retirada: «os Os gulus 434
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Hanson
deveriam ser ocidentalizados, transformados em súditos britânicos civilizados
e assim protegidos pela lei tanto da opressão imperial quando de sua própria selvageria indígena. Poucos críticos liberais, e muitas vezes nenhum, aconselhavam os europeus a voltarem para casa e deixarem os zulus em paz — ou, conforme O caso, livres para assassinar e continuar as guerras tribais contra
seu próprio povo. Geralmente, um Cortés ou um Chelmsford encontravam diversos aliados indígenas para ajudar sua causa, já que os europeus procuravam atacar pri-
meiro as tribos mais
numerosas
e guerreiras da região a ser conquistada,
acreditando que a queda de uma nação asteca ou zulu poria fim à instabilidade indígena da região e traria aliados solidários entre aqueles que haviam anteriormente sofrido nas mãos desses mesmos regimes guerreiros. Fornecer armas de fogo ou bens materiais europeus para os indígenas também garantia que sempre haveria vastos contingentes tribais nas Américas ou na África
para se juntar às expedições européias, sequiosos por pilhagem, pela segurança em relação a seus inimigos e por um suprimento contínuo de outras miu-
dezas trazidas por negociantes ocidentais. Também não devemos esquecer que muitos indígenas, vítimas de décadas de matanças tribais, odiavam os astecas e zulus bem mais do que odiavam os europeus. O combate em si, pelo menos nessas lutas coloniais de primeira geração,
seguia um roteiro típico que opunha a tecnologia e a disciplina à coragem e ao número. Assim, os zulus, como os astecas, não fabricavam suas próprias
armas de fogo e não entendiam a batalha decisiva ocidental na qual fileiras de soldados procuravam atacar ou atirar cuidadosamente em uníssono, e fazê-lo de maneira ordenada e obedecendo ao comando antes, durante e depois da colisão. Os zulus haviam capturado e negociado armas durante déCadas, mas a idéia britânica de salvas maciças contínuas e regulares — por
sua vez resultado de cuidadoso treinamento e de um amplo sistema de disciplina — era totalmente estrangeira à maneira africana de guerrear.
Mesmo com o uso de cerca de oitenta fuzis Martini-Henry modernos e de =
CERTA ÃO
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Por que o Ocidente venceu
centenas de milhares de cartuchos de munição tomados depois de Isandhlya
Na, a pontaria dos zulus era ainda assim esporádica, inexata e quase sempre inef icaz
Em teoria, depois de Isandhlwana, a nação zulu estav tão be a m armad a quanto o que restara da coluna central britânica e era vinte Vez es mais nume. rosa. No entanto, assim como os arcabuzeiros otomanos em Lepanto nunca dominaram a prática européia de formação de mosquetaria em massa e de
tiros em uníssono, os atiradores de elite zulus viam as armas de fogo simples. mente como uma arma indígena mais eficaz — uma clava com maior poder de penetração ou uma assegai com um alc ance maior —. para aumentar q ênfase tradicional nas proezas de batalha individua is. Os zulus quase sempre
miravam alto, seguindo a lógica de que, como um dardo, o projétil da arma logo perderia o impulso e cairia. Embora tenham captur ado algumas armas de combate em Isandhlwana e levado até mesmo cofres de munição e vapões de
suprimentos, os impis nunca usaram essa artilharia contra os britânicos — pois faltavam-lhes não apenas a experiência e o conhecimento da artilhar ia pesa-
da, mas também a disciplina para carregar, mirar e disparar armas pesadas a intervalos regulares, sem falar nos hábeis carreteiros necessários para atrelar gado de tração aos cofres. Portos e navios transoceânicos eram cruciais para o poder europeu, pro-
porcionando ao conflito um manancial quase infinito de armas de fogo e suprimentos manufaturados. Na Guerra Zulu, homens, armas, comida e munição
eram continuamente trazidos por mar da Cidade do Cabo e de Durban. Depois do desastre de Isandhlwana, um exército britânico inteiramente novo — quase
dez mil outros soldados alistados e mais de quatrocentos oficiais —, começaram a chegar a Natal procedentes da Inglaterra em menos de cinquenta dias. Geralmente, os exércitos indígenas não tinham noção de que uma Vera Cruz ou uma Durban eram apenas estações de trânsito, que permitiam aos conquis*
tadores espanhóis ou britânicos obter o número de homens que quisessem em questão de semanas de uma Europa superpopulosa e inquieta a milhares de quilômetros — mas apenas algumas semanas — de distância.
436
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Hanson
As forças astecas, islâmicas ou zulus quase sempre dependiam de movi-
mentos rápidos de cerco e rodeio, que haviam funcionado muito bem contra ribos indígenas vizinhas. Sem muita improvisação, eles confiavam em guerreiros altamente treinados, muito mais móveis, numericamente superiores e co-
rajosos para emboscar ou surpreender contingentes europeus menores e menos
ágeis — empreitadas bem-sucedidas em paisagens locais de arbustos densos,
dorestas ou matas. Mesmo em batalhas finais contra europeus, os rituais de batalha tradicionais em geral não eram totalmente comprometidos, o que tornava menos provável para os povos indígenas lutarem à noite, raramente os fazia acompanhar
suas
ocasionais
vitórias
militares
com
uma
perseguição
desenfreada e algumas vezes permitia que fenômenos culturais (como, por
exemplo, festivais religiosos, festividades de dança e de alimentação antes da batalha, rituais de fertilidade anuais) ou naturais (como, por exemplo, considerações sazonais, observações
astronômicas pouco usuais)
atropelassem
a
simples eficácia de batalha. Depois da invasão de Lorde Chelmsford, Cetshwayo reuniu seu exército e fez com que seus curandeiros induzissem o vômito em cerca de vinte mil homens da linha de frente. Foram precisos três dias para
administrar a poção, fazer com que cada guerreiro passasse diante de uma enorme vala de vômito, e depois fazê-los esperar em jejum até o exército todo
ser purificado”, enfraquecendo seriamente a energia crítica dos impis. Dos gregos em diante, os ocidentais também tiveram vários rituais de guerra: sacrifícios, discursos ou danças antes da batalha; dias sagrados de trégua; vestimentas e treinamento cerimoniais. Mas essas práticas tradicionais eram algumas
vezes
improvisadas,
muitas
vezes
adiadas
ou
mesmo
inteiramente
abandonadas, caso a necessidade militar assim o exigisse. De maneira previsível, à maioria dos exércitos europeus não praticava rituais de batalha de jejum, vômito,
purga ou automutilação que pudessem prejudicar a eficácia dos sol-
dados no campo de batalha. O mais provável, como preparação para a batalha,
era que os soldados europeus recebessem uma dose de rum, uma exortação severa ou um lembrete de última hora do protocolo de tiro. Desde a época
A
Por que o Ocidente venceu
grega, sacrifícios e rituais antes da batalha haviam sido forjados já 1 Jd Que ao Blam mais para aumentar a moral do exército do que como verdadeiro c dNa | de Comunicação com os deuses. Os europeus estavam dispostos a lutar 365 dias por ano, de dia ou de n.: independentemente das exigências de sua fé cristã ou do ano natural o
tempo, a doença e a geografia difícil eram vistos como simples Midias
e
superados pela tecnologia, pela disciplina militar e pelo capital Neces.
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sários, e taramente eram uma expressão de má vontade divina ou da hostili dade de espíritos ii Os europeus muitas vezes consideravam derrotas Perri penieia de maneira diferente de seus adversários na Ásia, nos Estados Unidos ou na África. A derrota não era à manifestação de um deus EA ou de uma sina desfavorável, mas sim uma falha racional de tática, logística ou tecnologia, que poderia ser facilmente remediada na próxima
Clausewitz, consideravam a batalha uma continuação da política por outros meios. Ao contrário dos zulus, o exército britânico não via a guerra em grande parte como uma ocasião para guerreiros individuais acumularem saques, mulheres ou prestígio. Era mais frequente que povos indígenas lutassem ao lado dos europeus do que indivíduos europeus lutarem com os indígenas. Cortés encontrou ajuda
nas centenas de milhares de tlaxcaltecas no México, assim como os britânicos nos chamados kaffirs na África. Tanto os astecas quanto os zulus não encontraram praticamente nenhum europeu disposto a lutar do seu lado contra outros invasores brancos. Narváez queria destruir Cortés, não a causa espanhola, €
assim, depois de sua derrota, a maioria de seus homens se juntou à marcha contra Ienochtitlán. John Dunn ocasionalmente ajudou os zulus mas, na Guerra
Anglo-Zulu de 1879, rapidamente tornou à se aliar aos britânicos. Nenhum europeu sequer lutou nas fileiras de Cetshwayo contra os britânicos, embora 438
a
oportunidade — e quase sempre havia uma próxima oportunidade até a conquista — por meio de análise e auditoria cuidadosas. Os britânicos na Zululândia, assim como todos os exércitos ocidentais, e como constatou
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Davis
Hanson
dos os bôeres desprezassem o governo inglês na África. Por sua vez, mi| | =
: de africanos se alistaram em divers os regimaentos coloniais. lhares € O problema para os europeus ocorria na maioria das vezes contra seus pró-
pro
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E olonos; tanto os bôeres na África quanto os americanos travaram guerras prios E discinl Di Anci contra os britân icos, usando armas, disciplina e tátide independência caras
cas € m muitos casos iguais ou superiores às de seus governantes britânicos.
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tCirTa em
tre ingleses e bôeres, descendentes de holandeses e calvinistas franceses. Tal episódio ficou conhecido como Guerra dos Bôeres (ocorrida no sul da África).
Por que o Ocidente venceu
Os bôeres, por exemplo, mataram muito mais ingleses em uma única a da Guerra dos Bôeres — quase 1.800 só em Magersfon tein, Stormbe T8 e Co. lenso do dia 11 ao dia 16 de dezembro de 1899 — do que os zulus durante a
os combates de 1879!
Ódos
Muitos estudiosos relutaram em discutir a questão da superioridade milita européia, quer por confundirem-na com questões mais amplas de ins ou moralidade, quer por focalizarem derrotas fossem típicas e, assim, negarem a regra geral verdade, a capacidade européia de conquistar longe da Europa, superando enormes problemas relativamente pequeno de combatentes e com
européias ocasionais como j de dominância ocidental. não-europeus — geralmente
de logística, com um número frequência em terrenos e climas pouco familiares e hostis — nada tem a ver com questões de inteligência, moralidade inata ou superioridade religiosa, mas ilustra mais uma vez a continuidade de uma tradição cultural peculiar, iniciada pelos gre gos, que rendeu dividendos inesperados para os exércitos ocidentais nos campos de batalha.
Post-mortem zulu O que aconteceu depois de Rorke's Drift é uma representação bastante fiel da guerra colonial típica travada no final do século XIX, que se reproduziu repetidamente no Congo, no Egito, no Sudão, no Afeganistão e no Punjab. Depois da vitória da guarnição em Rorke's Drift, Lorde Chelmsford, com um exército muito aumentado, tornou a invadir a Zululândia. Além dos sangrentos empates anteriores naquele ano em Ineyzane (22 de janeiro), no rio Intom-
bi (11 de março), no cerco à pequena guarnição em Eshowe (de 6 de fevereiro a 3 de abril) e em Hlobane (de 27 a 28 de março), os britânicos travaram em seguida três batalhas decisivas em Kambula (29 de março), Gingidhlovu (2 de abril) e Ulundi (4 de julho). Nos dois primeiros desses três confrontos, tropas
britânicas e coloniais, em acampamentos fortificados, teriam aniquilado total mente os atacantes zulus se estes últimos houvessem persistido em suas inves: tidas praticamente suicidas e em suas ondas humanas até o sangrento final. 440
Victor
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Hanson
Na última batalha da guerra, em Ulundi, travada perto do quartel-general do rei Cetshwayo, um quadrado de infantaria britânica — repleto de artilha“ia e de metralhadoras Gatling — abandonou deliberadamente seu acampa-
mento fortificado para marchar rumo a um confronto aberto, incitando assim um ataque dos zulus, que haviam aprendido a futilidade de atacar fortifi-
cações, mas não a estupidez equivalente de tentar romper uma formação sólida de fuzileiros europeus em uma planície desobstruída para o tiro. Em menos de
quarenta minutos, O quadrado britânico de cerca de 4.165 europeus e 1.152 africanos repeliu vinte mil zulus, matando pelo menos mil e quinhentos durante o combate e ferindo o dobro, muitos dos quais se afastaram para morrer escondidos. Quando tudo terminou, os mortos britânicos e zulus foram enterrados no
campo de batalha de Ulundi; de um modo tipicamente ocidental, os britânicos erigiram uma placa sobre aqueles que haviam dizimado: “Em memória dos
bravos guerreiros aqui caídos em 1879 defendendo a Antiga Ordem Zulu.” Assim como os espanhóis no México e os americanos no oeste, os britânicos
não apenas haviam derrotado seus inimigos mais numerosos, mas destruído sua autonomia e sua cultura. Livros continuam a ser escritos sobre o punhado de casacas vermelhas britânicos que agiientou firme em Rorke's Drift, mas não mais do que poucas dúzias de nomes restam dos vários milhares de cora-
josos zulus destroçados pelos fuzis Martini-Henry. Nesse sentido, eles se juntaram tragicamente aos milhares de persas, astecas e turcos anônimos que foram mortos en masse é permanecem esquecidos como indivíduos, como
Pessoas de verdade, a não ser pelos números abstratos dos historiadores de “quarenta mil” mortos ou “vinte mil” desaparecidos. Pelo contrário, a máquina da historiografia ocidental — ela própria um dividendo da tradição
livre e racional — homenageia em detalhe seus mortos bem menos numeTosos. Sem um Heródoto, um Bernal Díaz del Castillo ou um Gianpietro
Contarini, a bravura dos homens em batalha desaparece quando seus corPos apodrecem.
Por que o Ocidente venceu
Quando a Guerra Zulu estourou, em janeiro de 1879, Cetshwayo a” tar com algo entre trinta e quarenta mil homens disponíveis. Seis mes là con. mil deles a dez menos pelo tiros a derruba do haviam britânic os os tarde,
campos de batalha da Zululândia, e sem dúvida a mesma titia
S Vários “ SUcumbiy posteriormente aos ferimentos. Nunca houve um registro exato dos nús
zulus; mas a ausência de cuidados médicos e a natureza das balas Calibre 45 l
fuzis Martini-Henry sugerem que milhares de soldados feridos durante a guerra tenham morrido de choque ou infecção, ou simplesmente sangrado até a morte
O projétil pesado e macio de um fuzil Martini-Henry, sem contar o material béli.
co representado pelas metralhadoras Gatling e pelas peças de artilharia, abria um
terrível rombo no corpo humano, como demonstravam os corpos mutilados e
cheios de cicatrizes dos poucos veteranos zulus sobreviventes. De fato, em um
dos piores dias da história colonial inglesa, 22 de janeiro de 1879, o exército bri. tânico mesmo assim pode ter matado mais de cinco mil zulus em Isandhlwana, Rorke's Drift e Ineyzane, ou entre 12% e 16% de todo o exército zulu. Ão final da guerra, a maior parte do gado da nação zulu fora morta, dispersa-
da ou roubada. Seu sistema de arregimentação imperial estava em pedaços, já
que os britânicos impunham
uma
paz impraticável,
dividindo o reino de
Cetshwayo em treze estados beligerantes — uma solução que evitava propo sitalmente a prosperidade na Zululândia e novas guerras contra suas colônias
européias vizinhas. A “vitória” de 1879 foi obtida à custa de apenas 1.007
soldados britânicos mortos em batalha, junto com 76 oficiais. Um número pe-
queno e indeterminado de soldados adicionais sucumbiu às doenças tropicais
e aos ferimentos. Durante os seis meses da guerra, o soldado britânico matara em média dez ou mais zulus para cada companheiro perdido, apesar de estar geralmente em menor número em diversas batalhas a uma razão de entre cinco e quarenta contra um. O legado britânico da invasão, da conquista em
campo de batalha e do assentamento bastante vergonhoso, que dividiu o povo
zulu em facções belicosas impotentes, foi o fim de um estado independente € a virtual destruição de todo um modo de vid a. 442 e
Taça
E
Victor
Davis
Hanson
poder e impotência zulu Shaka
A África não produziu mais tribos guerreiras como os zulus. Das centenas de
oxércitos tribais do continente, nenhum era tão sofisticado quanto os impis »ulus, seja em sua organização, seja em sua estrutura de comando. Nas guer-
ras indígenas do continente, nenhuma outra tribo conseguia se comparar aos »ulus em matéria de disciplina. Os zulus eram o único exército indígena que abandonara em grande parte as armas mísseis em prol de uma lança curta para
lutar perto do inimigo. No entanto, uma minúscula força britânica dizimou o exército mais temido da África em questão de meses. Como isso foi possível? Como o império asteca antes da invasão espanhola, a nação zulu era uma criação relativamente nova quando os europeus chegaram em Natal em quantidade significativa durante o século XIX. Por quase trezentos anos antes de 1800, os zulus eram apenas uma dúzia de tribos nômades de língua banto
que lentamente migraram para o que hoje são Natal e a Zululândia. No tanto, no início do século XIX, Dingiswayo, um chefe dos mthethwa, uma muitas tribos nguni, rompeu radicalmente com a prática banto tradicional ataques locais e escaramuças ao tentar incorporar tribos derrotadas a
endas
de um
exército nacional.
Em seu esforço para construir um sistema federado por meio da criação de um exército profissional, Dingiswayo eliminou a prática anterior de guerras itualísticas travadas em sua maioria com armas de arremesso por causa de direitos de pastagem, nas quais o número de mortos era relativamente baixo é Os não-combatentes geralmente não eram atingidos. Durante os oito anos de seu reinado (1808-16), Dingiswayo criou as bases do império zulu eliminando os protocolos ancestrais da cultura banto no sudoeste da África, incorPorando tribos derrotadas em vez de exterminá-las ou escravizá-las, buscando
O comércio com os portugueses ao longo da costa e tornando a própria vida civil subordinada ao treinamento militar. Um de seus tenentes mais bem-sucedidos, T E
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Por que o Ocidente venceu
O líder revolucionário Shaka, da pequena tribo zulu, acabou assumi ndo o «
Ontrole do império (1816-28) e transformando-o par a servir a um enorme eXérci ito permanente
de um modo que nem o próprio Dingiswayo imaginara. As m E danças revolucionárias de Shaka na pr ática militar marcam à verdadeira as. cens ão do poder zulu,
um reino guerreiro que existiria por quase sessen ta anos (1816-76) até a conquista br itânica. Antes de ser assass inado por Seus irmãos
em 1828, Shaka alterara completamente o modo africano de guerrear, resisti.
ra à dominação branca, matara cing úenta mil de Seus inimigos em batalh a e assassinara gratuitamente um número ai nda maior de Seus próprios cidadãos
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em acessos cada vez mais freqji en. tes de demência imperial. O le.
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gado do reinado de doze anos de Shaka foi uma coalizão imperial frouxa de cerca de meio milhão de súditos e um exército nacional de quase cinquenta mil guerreiros,
Durante essa década de formação
do novo império zulu, talvez um milhão de indígenas africanos tenham sido mortos ou sucumbido à fome como resultado direto dos devaneios imperiais de Shaka. Assim, a África do Sul ilustra uma característica em grande parte não
reconhecida da experiência militar colonial
européia:
na África,
na Ásia e nas Américas, tanto 38 cine
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Imagem de Shaka, rei dos zulus.
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tribos indígenas quanto os euro”
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geralmente
matavam
mais
membros de seu próprio povo eh
Victor
Davis
Hanson
hatalha do que uns aos outros. Entre 1820 e 1902, por exemplo, Shaka e seus sucessores mataram muito mais zulus do que Lorde Chelmsford, e os bôeres mataram muito mais britânicos do que Cetshwayo.
um estado fortificado Muitos mitos e muito romance cercam o exército zulu, mas podemos descartar a idéia popular de que seus guerreiros lutavam tão bem por causa da abstinência sexual obrigatória ou do uso de drogas estimulantes — ou mesmo de que aprenderam seu sistema regimental e suas táticas de cerco aterrori-
antes com mercadores britânicos ou holandeses. Os homens zulus tinham várias válvulas de escape sexuais antes do casamento, praticamente só levavam rapé durante as campanhas, só fumavam maconha ocasionalmente, bebiam uma cerveja leve e criaram seu método de avanço em batalha inteiramente com base em sua própria experiência de décadas derrotando guerreiros tribais. A idéia geral de arregimentação militar, ou talvez até o conhecimento da fundição de pontas de lança de metal de alta qualidade, pode ter sido derivada
da observação dos primeiros exércitos coloniais europeus, mas o refinado sistema de regimentos por faixa etária e de ataques à maneira dos búfalos eram desenvolvimentos totalmente indígenas. A inegável preponderância do poder zulu advinha de três fontes tradicionais de eficácia militar: contingente, mobilização e tática. Todos os três eram conflitantes com quase todos os métodos de luta africanos tradicionais. A conquista das tribos bantos no sudeste da África sob a liderança de Shaka sighificou que, durante a maior parte do século XIX até a conquista britânica — durante
os reinados
subsequentes
dos
reis Dingane
(1828-40),
Mpande
(1840-72) e Cetshwayo (1872-79) —, os zulus controlaram uma população de duzentas e cinquenta a quinhentas mil pessoas, e eram capazes de recrutar um
exército de quarenta a cinquenta mil soldados em cerca de trinta e cinco impis, Muitas vezes superior a qualquer força, negra ou branca, que a África era
Capaz de produzir. FT -
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Por que o Ocidente venceu
Ao contrário dos outros exércitos tribais da mata, os zulus não era m mente uma horda que lutava como uma multidão ad hoc. Eles não e
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dm combates rituais nos quais os protocolos cost umeiros e a guerra com dimasd e arremesso desencorajavam a
letalidade. Pelo contrário, Os impis zulu s eram reflexos dos costumes sociais fundamentais da própria naç dO zulu, uma socieda, de construída sob quase todos os aspectos para a contínua aquisição de pilh
agem e a necessidade, para os súditos indivi duais, de ter uma experiência de ma tança em primeira mão.= Se o gu| erreiro asteca buscava um histórico de prisi Oneiros para avançar sua posição social, um zulu tinha po uco status ou chance de formar sua própria família até ter “lavado a lança” no sangue de um ini migo.
Toda a nação era arregimentada — à moda da antiga Esparta — segundo sis. temas de faixa etária capazes de passar por cima até mes mo de filiações tribais.
Os meninos deviam passar por um treinamento militar for mal e servir como car.
regadores de bagagem aos 14 ou 15 anos de idade. No final da adolescência,
quando entravam nos impis, esperava-se que a maior parte dos hom ens zulus fossem guerreiros completos capazes de correr oitenta quilômetros por dia sem sapatos. Coortes de homens solteiros eram organizadas em regimentos perpétuos,
e não era permitido aos homens se casarem oficialmente antes dos 35 anos de
idade sem uma compensação especial; assim, a capacidade de estabelecer uma
família independente funcionava como uma grande linha divisória social dentro do exército. No sistema de Shaka, o número de homens abaixo dos 35 anos
de idade obrigados a permanecer solteiros e sujeitos a um serviço militar constante chegava a vinte mil. Mesmo os guerreiros mais velhos, que podiam ter esposas
oficiais e formar seus próprios kraals, ou unidades familiares autônomas, muitas vezes se viam em vez disso comprometidos em longas campanhas militares. Ainda assim, a noção de “celibato” forçado entre os guerreiros é exas* rada, já que os homens zulus com frequência participavam de uma série de atividades sexuais com mulheres, que evitavam apenas a penetração com pleta. O “celibato” significava, isso sim, que não era permitido aos guerrei ros ter companheiras fixas para formar unidades familiares autônomas 0! 446
Victor
Davis
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«er relações sexuais com virgens antes do final da casa dos 30 anos de idade. já que O atraso da maternidade entre as jovens zulus significava uma re-
dução da fertilidade zulu em si, esses ritos de faixa etária podem na verdade «er sido criados por Shaka para controlar a população da Zululândia — e a exploração insustentável dos pastos pela criação de gado em uma paisagem já superpopulosa.
Qualquer que tenha sido a causa exata da prática peculiar de arregimentação por faixa etária, O resultado era um esprit de corps raro entre os soldados, já que os impis — marcados por nomes, arranjos de cabeça, jóias, plumas e insígnias de escudo específicos — geralmente lutavam como unidades separadas durante toda a vida das coortes de guerreiros divididos por idade. Tatica-
mente, o modo de ataque zulu era simples, mas eficiente. A movimentação de batalha fora batizada em homenagem ao búfalo do Cabo, já que cada impi era dividido em quatro grupos, incluindo os flancos, ou “chifres”, de dois regimen-
tos mais novos. Essas alas rapidamente se espalhavam pelos dois lados do inimigo, esperando cercar a força oponente e empurrá-la de volta contra o
“peito”, ou o regimento veterano dos impis, enquanto os “lombos”, ou os reservas mais velhos, chegavam por trás quando a força hostil estivesse totalmente no ataque. Embora previsível, a padronização do ataque mostrou-se bemsucedida contra tribos rivais das planícies, devido à astuta capacidade dos
zulus de se esgueirar sem serem vistos pela grama e pelos arbustos, correr para cercar e rodear um inimigo surpreso e então acabar com ele em combate próximo com estocadas de lança e porretes.
Sob o reinado de Shaka, o exército em grande parte abandonara a lança de arremesso em troca da assegai mais curta, usada para apunhalar — que seria agora chamada de iKlwa, por causa do som de sucção que produzia ao ser retitado do peito ou da barriga de um inimigo —, e do grande escudo em couro de boi. A nova assegai tinha uma lâmina de ferro muito maior e mais pesada
do que sua companheira de arremesso, e um cabo bem mais curto, já que era muito mais frequência
como
uma
arma
de estocada,
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feita para ser usada com
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Por que o Ocidente venceu
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associada ao escudo maior. Como um legionár io romano, que também se apt ximava do inimigo para combater cara a cara, o guerreiro zulu podia ga ter ou prender seu escudo no inimigo enquanto golpeava rapidamente a um movimento seco, de baixo para cima, de sua assegai, cujo tamanho relati;
vamente pequeno e lâmina afiada a tornavam mais seme lhante ão gládio do que a uma lança grega. Cada guerreiro também brandia um knobkerrie, a porrete de madeira com um cabo na extremidade. Ao contrário de quase to-
das as outras forças tribais da África, os zul us combatiam face a face sem
armas de arremesso, e esperavam encontrar o in imigo de frente e derrotá-lo 1
graças a uma coragem maior, à perícia com as armas e à força muscular Uniformes brilhantes — incluindo plumas de vári os tipos, borlas de rabo de boi e colares e arranjos de cabeça de ouro —, gritos de guerra, golpes de lança contra o escudo e danças antes da batalha eram destin ados a causar medo no
inimigo antes do primeiro ataque.
Tipicamente, um impi zulu era capaz de percorrer de 161 a 322 quil ômetros em uma campanha em questão de três dias, já que carregava pouca comida ou suprimentos, mas esperava-se que vivesse do gado capturado do inimigo. Jovens meninos, ou uDibi, carregavam esteiras de dormir e toda a comida que conseguissem empacotar e ainda assim acompanhar a velocida-
de dos impis. Uma vez o inimigo identificado, os líderes dos impis se reuniam para atribuir regimentos específicos aos chifres, peito e lombos. O exército se aproximava do inimigo correndo, com a intenção de cercá-lo e esmagálo em questão de minutos, e em seguida pilhava o território dos vencidos antes de partir de volta para casa. Na batalha em si, o treinamento de uma vida toda com a assegai e o knobkerrie, junto com a ótima condição física
dos impis e com sua experiência em cerco rápido, resultava em uma vanta* gem de combate evidente para os guerreiros zulus durante confrontos frenté a frente. No entanto, panegiristas da coragem zulu, tanto no passado qua nto no presente, com frequência esqueceram a fraqueza militar inerente desse sistema, as falhas inerentes que o tornavam extremamente vulneráv el não 448
Victor
Davis
Hanson
apenas aos exércitos formais europeus, como os britânicos, mas até mesmo
» milícias coloniais de bôeres e colonos britânicos em grande inferioridade mumérica e menos bem treinados. Em primeiro lugar, embora os guerreiros zulus passassem por um árduo
treinamento militar e depois fossem submetidos a uma arregimentação vitalícia e muitas vezes brutal em seus impis, suas consegiuentes coragem e ferocidade não resultavam em nada comparável à noção européia de disciplina mi-
litar, cuja ênfase estava no treinamento, na formação fechada de linha e coluna, nas salvas coletivas sincronizadas, em uma rígida cadeia de comando, em no-
ções abstratas de tática e estratégia, e em um código escrito de justiça militar. Em vez disso, os impis rivais podiam brigar entre si e até se matar em disputas
internas que ultrapassavam em muito qualquer das brigas de socos entre regimentos, típicas do exército britânico. Tampouco havia um verdadeiro sistema de comando, já que os impis individuais muitas vezes desobedeciam às ordens diretas de seu rei — os regimentos uThulwana, uDloko e inDlu-yengwe em Rorke's Drift ignoraram as
ordens de Cetshwayo de não atacar a posição fortificada nem se aventurar na direção de Natal —, lutando como unidades independentes sem co-
mando sincronizado. Assim, o uThulwana e o uDloko encontraram o regimento inDlu-yengwe quase inteiramente por acaso, já que o mais jovem inDlu-
jengwe desafiara o príncipe Dabulamanzi a juntar seus dois impis mais velhos para um ataque ad hoc a Rorke's Drift. Com exceção de um plano de ataque frouxo, apenas esboçado, não havia nenhuma abordagem sistemática de
disciplina e marcha cerrada, o que resultava em um caos generalizado durante o combate
em si e em poucas chances de que os recuos não se
transformassem em simples debandadas ou de que os ataques se seguissem
em ondas ordenadas. Enquanto combatiam face a face, os zulus o faziam
como indivíduos; os impis não se apoiavam em fileiras cerradas e em golpes
de lança simultâneos para causar um efeito de choque na primeira colisão.
Contra Rorke's Drift, uma série de ataques sem coordenação causou a disiu
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sipação da força zulu. Por sua vez, um súbito ataque em massa destinado da e conce ntrad o ponto um contr a guerr eiros de milha res arremeter
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da em poucos minutos teria subjugado toda a guarnição.
O guerreiro zulu vivia em um mundo de espíritos e feitiçaria que era a an.
títese da ênfase européia um tanto pagã na simples eficácia militar governada por regras e regulamentos abstratos e pela tecnologia brutal de fuzis, metra. lhadoras Gatling e artilharia. Antes da batalha, feiticeiros prepararam poções
feitas com intestinos de touros sacrificados, ervas e água, para dar aos guer-
reiros a força necessária para enfrentar a provação que estava por vir. Os zulus
eram obrigados a seguir dietas rígidas e ingeriam eméticos — que só poderiam ter enfraquecido sua energia — e pedaços de carne humana cerimonial.
Depois de matar um inimigo, o cadáver era estripado para permitir ao espírito escapar e evitar a retribuição contra o assassino.
Feiticeiros tentavam enfei-
tiçar clãs rivais por meio de maldições e feitiços de tipo vodu. A misteriosa capacidade dos soldados britânicos de matar milhares de zulus no ataque com tiros de fuzil e perder pouquíssimos homens também só era explicada pela magia, não pela lógica do treinamento, da ciência e da disciplina. Assim, de-
pois de cada terrível massacre, as táticas zulus não mudavam em nada, já que a superstição era evocada para explicar a milagrosa cortina de chumbo que acolhia os impis quando eles se aproximavam das linhas britânicas.
Na mentalidade zulu, a feitiçaria explicava por que os britânicos matavam centenas de homens com seus fuzis, enquanto os zulus, com as mesmas armas
capturadas, invariavelmente acertavam um percentual pequeno de seus alvos
— em todos os casos, quase sempre atirando alto demais (para dar “poder” à bala) e nunca em salvas coordenadas. Depois da terrível derrota zulu em Kambula, os guerreiros sobreviventes tiveram certeza da intervenção de cria turas sobrenaturais do lado britânico e, assim, perguntaram a Cornelius Vig"
por que “tantos pássaros brancos, como eles nunca haviam visto antes, vinham voando para cima deles do lado dos brancos? E por que eles também eram ata” 7 Ê os! cados por cães e macacos, vestidos e carregando armas de fogo nos ombr 450
Victor
Davis
Hanson
: “Os Jm m deles chegou a me dizer que vira quatro leões no laager. Eles diziam
rancos não lutam de forma justa; eles trazem animais para nos destruir” (C. vign, O holandês de Cetshwayo, 38). Em ataques posteriores contra europeus, ia, imagilhar arti de os osiv expl em fuzis seus com avam atir is triba atacantes mando que as cápsulas continham pequenos homens brancos que explodiam m convenava est nos era vet os , rra gue da ois Dep ta. vol sua à os tod ar para mat pen ora tet pro aço de a tin cor uma por s ado rot der o sid cidos de que haviam durada pelos britânicos sobre seu exército, talvez uma explicação divina para o muro de chumbo disparado pelos casacas vermelhas ou para os reflexos das baionetas britânicas.
Bravos e fracos As táticas zulus eram estáticas e, assim, previsíveis para os europeus. Um acampamento fortificado ou um quadrado de infantaria britânico podia prever um movimento de cerco duplo desde o início, como prelúdio para o avanço do “peito” principal. Embora em teoria os “lombos” fossem uma reserva móvel, eles não obedeciam ao comando central e, assim, não eram di-
rigidos a pontos específicos de resistência ou fraqueza na linha inimiga. Frequentemente não desempenhavam nenhum papel no combate e tinham tanta probabilidade de fugir quanto de dar apoio em caso de fracasso inicial do pei-
to e dos chifres.
Dá-se muita importância à impressionante mobilidade zulu, mas dois fatores-chave são com frequência ignorados. O exército era capaz de carregar poucas armas de fogo — embora quase vinte mil mosquetes e fuzis houVessem entrado na Zululândia durante décadas antes da invasão britânica
— devido à ausência de qualquer transporte com rodas para carregar reser-
vas grandes de cartuchos. Além disso, já que não carregavam comida em Blande quantidade, os exércitos zulus dependiam de uma vitória imediata
451
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antes de serem assolados pela exaustão e pela fome. Em Rorke's Drift, um é E Sforço final concertado 20 raiar do dia poderia ter rompido as defesas britâni-
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Por que o Ocidente venceu
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cas, mas pela manhã os sitiantes zulus não tinham comido Pratic amente nad a fis ica men te enf raq de uec ere pon a m to fam int os est e ava m dias havia dois
E fácil para os estudiosos modernos ridicularizar os pesados trens de supri. mentos e a imobilidade das lúgubres colunas de Chelmsford. Mas o exércit britânico, ao contrário dos zulus, chegava ao combate bem alimentado, a suprido e com um estoque praticamente ilimitado de munição e armas de fogo. Os vagões britânicos podem ter parecido quase cômicos — cin co metros e
meio de comprimento, um metro de oitenta de largura e mais de um metro e
meio de altura — e exigiam de dez a dezenove bois atrelados para se deslocar até oito quilômetros por dia no difícil terreno da Zululândia. No enta nto, eram capazes de transportar impressionantes 3.629 quilos de armas e munição, bem como uma grande quantidade de forragem para os animais, comida para os soldados e água. Em batalhas posteriores, qualquer zulu que conse-
guisse entrar nos acampamentos britânicos abria imediatamente as provisões capturadas no meio da batalha — como mostrou mais tarde a comida parcialmente devorada na boca dos cadáveres. O soldado britânico na África, queimado de sol, com seu equipamento ela-
borado e pesado, tornou-se uma caricatura da impraticabilidade, da ignorância e do vício pelo conforto material. Na verdade, ele era um guerreiro muito mais
letal do que seu oponente zulu de roupas leves e ágil. Recentemente, este último
foi quase endeusado nas universidades americanas — tragicamente, no caso do
genocida Shaka — como algum tipo-de irresistível e mortal defensor da liberdade. Ele não era nem destemido nem amava a liberdade. Na realidade, O homem mais mortal da África era tipicamente um pálido soldado britânico, com pouco mais de um metro e sessenta e sete de altura, sessenta e oito quilos, ligeiramente desnutrido, na maioria das vezes recrutado nos guetos industriais da Inglaterra, extremamente sobrecarregado com um fuzil de quatro quilos e meio e cerca de vinte e sete quilos de comida, água e munições no cinto e na mochi
la. Na verdade, esse guerreiro aparentemente pouco impressionante tipicamente abateu três ou mais zulus em quase todos os confrontos da guerra. 452
Victor
Davis
Hanson
coe e ad id un a um mo co o mig ini o tra con ia est inv A maioria dos impis não armadura corporal sempre garantira que os lanceiros zulus de ncia ,Se, e a ausê é id o capazes de atacar de frente nem mesmo as linhas de seus s m e s s e v i nunca t
, s a l m o a r u m a d o i c v e i a d s n e i f a e s inimigos É ribais. Os escudos eram usado par d
não para formar um grande muro de proteção. Os zulus só praticavam um ao modo método de guerra do tipo escaramuça, semelhante, nesse aspecto, asteca de correr rumo às linhas inimigas para apunhalar e golpear em pequenos
grupos. Se o atacante estivesse em grande inferioridade numérica, aterrorizado ou em formação frouxa, então o ataque e o cerco zulu eram inevitavelmente
bem-sucedidos. No entanto, contra uma posição fortificada ou um quadrado defensável de fuzileiros britânicos, toda a linha de ataque se rompia e se disper-
cava diante das salvas contínuas ou dos subsegientes ataques de baionetas. Nem mesmo a aquisição de armas de fogo alterou as táticas estáticas dos zulus, já que os atiradores sozinhos tentavam disparar esporadicamente contra o inimigo enquanto outros guerreiros atacavam com lanças. Nenhum zulu aprendia nem a atacar em linha, nem a disparar sob ordens. Cetshwayo nunca buscou um método completo de carregar e disparar armas de fogo, apesar da disponibilidade de armas na Zululândia durante cerca de cinquenta anos antes da Guerra Anglo-Zulu de 1879. Embora os cavalos houvessem sido introduzidos no sul da África mais de dois séculos antes, os zulus só montavam
esporadicamente, não criavam cavalos em grande quantidade nem adotavam nenhuma abordagem metódica para a criação de patrulhas montadas — asse-
gurando aos britânicos sentinelas mais móveis e perseguidores mais mortais logo depois da batalha.
O resultado geralmente era um método de ataque aleatório por parte dos zulus, tanto com armas tradicionais quanto européias, no qual milhares de homens corriam mais ou menos de qualquer maneira rumo ao inimigo, en-
quanto outros atiravam a esmo de longe, esperando que seu grande número, Seu barulho e sua velocidade fossem causar o pânico ou o colapso do adver-
sário, Em Isandhlwana, as esparsas linhas britânicas, as brechas nas formações
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453 E.
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Por que o Ocidente venceu
e a má distribuição de munição permitiram suc esso a tais atacantes
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camente todos os confrontos posteriores — o fiasco noturno de Hlobane é
exceção notável —, a tática de ataques malcoordenados se Tevelou suic Ca ida Quando tais ataques fracassavam, nunca havia ordem de técuar, muito Né
uma retirada durante o combate ou surtidas de cobertura Organizadas. Pelo
contrário, impis inteiros, como as tribos germânicas nas fronteiras romanas, se
desfaziam e fugiam enlouquecidos do inimigo. Nas guerras zulus, milhares eram alcançados por cavaleiros britânicos usando lanças, tiros e punhais para golpear à vontade depois que o ataque dos impis era rompido e que o pâni co
se instalava.
Relatos britânicos descrevem centenas de incidentes de incomparável bravura zulu — homens na casa dos 40 e 50 anos de idade que atacavam de frente canos de metralhadoras Gatling enquanto estas disparavam, e cen tenas de guerreiros que pisoteavam seus próprios mortos para lutar com as baionetas dos
fuzileiros britânicos em Rorke's Drift antes de os fuzis Martini-Henry descarregarem suas enormes balas em seus pescoços e rostos. Durante os combates preliminares antes da batalha final de Ulundi, Frances Colenso registra que “um
único guerreiro, perseguido por vários lanceiros, foi alcançado e viu que era impossível fugir. Ele se virou e encarou seus inimigos; abrindo os braços, apresentou o peito nu para O aço sem pestanejar e caiu, diante do adversário, como um soldado corajoso deveria fazer” (History of the Zulu War and its origins [História da Guerra Zulu e de suas origens], 438). Nas guerras tribais do sul da África,
os zulus descobriram que, durante quase um século, sua coragem,
proezas físicas, velocidade e quantidade incomparáveis proporcionaram vk tória decisiva e muitas vezes o massacre de seus inimigos. No entanto, em um
combate contra fileiras disciplinadas de fuzileiros britânicos treinados, seu método anterior de sucesso equivalia a uma autodestruição em nível nacional.
Embora os zulus houvessem descartado grande parte dos rituais militares tradicionais do sul da África — guerra com armas de arremesso, confronto is
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cenados e captura de prisioneiros para resgates —, Cetshwayo aparentem 454
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Davis
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nda considerava a guerra em curso contra os britânicos um evento encenado
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apedia “um lutaria exército seu concepção, sua Em militar. eza o pr «solado de
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» e depois chegaria a um acordo com os britânicos. Se a liderança zulu hou-
vesse examinado tanto as vitórias quanto as derrotas de Isandhlwana e Rorke's Drift, teria se descartado todo o método tradicional de ataque e instigado uma
em britânicos vagões capturar pudesse tocaias, de meio por qual, guerrilha na e fortificadas posições atacar custo, todo a evitado, se teria e — movimento quadrados de infantaria britânica. Quando a guerra começou, o próprio Cetshwayo parecia ter percebido que a vantagem estava toda do lado dos zulus — con-
tanto que evitassem fuzileiros britânicos em posições fortificadas e só combates-
sem Os europeus em ataques surpresa, enquanto estivessem em trânsito, e à noite. Os zulus tinham um exército muito maior, conheciam o terreno intimamen-
te e haviam sido avisados claramente do avanço das três colunas britânicas. Além disso, era praticamente
impossível
atravessar a Zululândia —
sem
estradas, em grande parte não mapeada, cortada por rios e riachos, montanhosa e cheia de ravinas e desfiladeiros — com vagões cheios de toneladas de equipamentos que mal podiam viajar mais de oito quilômetros em um dia bom.
Ataques zulus constantes a essas colunas poderiam ter embrenhado os regimentos britânicos cada vez mais para dentro da Zululândia, deixando-os sem ter como recorrer a novos suprimentos, e prolongando assim uma guerra que não tinha o apoio nem dos oficiais em geral nem do primeiro ministro em
Londres. Em vez disso, o ritual, o costume e a tradição asseguraram que os chifres, o peito e o lombo dos impis zulus atacassem como de hábito — e fossem, assim, massacrados, como de hábito, por fuzileiros britânicos. Embora os zulus fossem famosos por sua obediência aos éditos reais, desde
O reinado de Shaka — que rotineiramente estrangulava aqueles que espirravam ou riam na sua frente, ou que simplesmente olhavam para ele —, havia uma arbitrariedade em torno da punição, que, a longo prazo, tinha tendência
à minar a coesão e o comando central dos zulus. Praticamente todos os princiPais líderes zulus, de Dingiswayo e Shaka a Cetshwayo — provavelmente Aee
455.
Y
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Por que o Ocidente venceu
envenenado depois da conquista britânica — foram assass inados. Mpand pai de Cetshwayo, reinou por mais de trinta anos (1840-72) e morre
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dormindo, mas só porque delegou grande parte de seu poder aos i mp Is e, no final da vida, a seu filho.
loc ais
Por sua vez, o exército britânico, que rotineiramente açoitava e prendia seus criminosos, tinha um código escrito de punição e leis. Soldados indivi-
duais sabiam mais ou menos o que se esperava deles, supunham que a justiça seria aplicada de forma relativamente uniforme e previsível pelas fileiras, e consideravam-se sacrossantos com relação a execuç ões arbitrárias. Em sua
maioria, seguiam ordens movidos por uma noção de justiça, não por simples medo. Nenhum oficial ou magistrado tinha poder absoluto sobre um subordinado da mesma maneira que um rei zulu ou ast eca. O pequeno exército
profissional da Inglaterra era muito mais representativo do militarismo cívico do que os milhares de recrutas dos impis de Cetshwayo: os primeiros lutavam com a convicção de que a vida militar era uma reflexão dos costumes e valo res civis, os últimos com a idéia de que a sociedade refletia o exército. Em uma
nação de milhões de pessoas, o exército britânico era pequeno, mas nem mesmo a rainha podia executar um único soldado sem pelo menos uma audiência ou um julgamento.
Coragem
não é necessariamente
disciplina
As tradições do exército britânico Em 1879, havia exércitos europeus maiores e mais bem organizados do un exército colonial britânico — especialmente o francês e o alemão. À mort
fera Guerra Civil Americana (1861-65) e a curta porém violenta Guerra Franco-Persa (1870-71) puseram fim ao uso comum da cavalaria em massa € das táticas de marchas lentas em fileiras ordenadas. A metralhadora, os ara
fuzis de repetição e as bombas de artilharia destruíram as últimas pretensos z
,
aristocráticas dos fidalgos montados e marcaram o alvorecer da guerra in
456 =
4d
dus
Victor
Davis
Hanson
nicos, com .) moderna. Por sua vez, depois de Wateorloo (1815), os britâ ; trid cas exceções (a desastrosa Guerra da Criméia de 1854-56 é a exceção que
pou confirma
à regra), travaram guerras coloniais contra inimigos que não tinham
. adas stic sofi cas táti nem s, ada bor ela s açõe ific fort nem as, ern mod s arma nem que O resultado foi a manutenção de um exército peculiarmente reacionário,
se distanciava cada vez mais da evolução ocidental moderna em direção a
o — mais enormes contingentes de conscritos bem armados. O exército vitorian
do que à marinha — espelhava as divisões de classe da sociedade britânica. Uma vez que em grande parte não precisava temer outras forças mais modernas, européias e americanas, não viu necessidade, até a última hora, de
abandonar táticas de épocas passadas ou de substituir o mérito pelo berço
como o principal critério para promoção na carreira. Foi só na década anterior à Guerra Zulu que o subsecretário de guerra bri-
tânico, Edward Cardwell, finalmente fez qualquer tentativa significativa de eliminar a compra de cargos, melhorar as condições dos alistados e apressar a
Batalha da Guerra da Criméia.
s
haPR!
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ad
a
Por que o Octdente venceu
adoção de fuzis, artilharia e metralhadoras Gatling modernas. Mesmo ass:
sim,
em 1879 ainda havia apenas cento e oitenta mil soldados britânicos fis —— Muito menos do que o exército de duzentos e cinquenta mil homens do ] E a ; — *Mpério Romano
— para defender um império que se estendia pela Ásia, África Au ) e trália e América do Norte e onde havia conflitos fregiente s na Índia, no Afeganistão e no sul e oeste da África. Número ins uficiente de homens e pre. conceitos de classe não eram os únicos problemas. O exército também era assolado por crises orçamentárias crônicas — a mar inha ainda recebia a maior parte dos fundos de defesa britânicos —, o que levava a salári os baixos e a ar.
mas com frequência fora de moda. No final do século XIX, um número ele.
vado demais de oficiais, mesmo depois da abolição do sistem a em que os aris-
tocratas literalmente compravam cargos, ainda estava imbuído de uma men.
talidade conservadora que via com suspeita a ciência e à conseq uente perícia mecânica que alimentava uma sociedade industrial. O que salvou o exérci to britânico e fez dele uma força policial letal nas guerras coloniais do século XIX,
apesar de malcomandado e inadequadamente financiado, foram sua disciplina e treinamento lendários. Em sua maioria, os casacas vermelhas britânicos eram mais treinados e mais motivados do que praticamente quaisquer outros
soldados no mundo. Quando formados em seus infames quadrados, eram os melhores soldados tanto dentro quanto fora da Europa no disparo de uma sal-
va letal de tiros de fuzil tanto certeiros quando contínuos. Nos minutos antes do ataque a Rorke's Drift, nenhum soldado britânico fugiu para se juntar às centenas de colonos e soldados indígenas que deban-
daram antes da chegada dos milhares de zulus. Pelo contrário, menos de cem
homens capazes dispararam continuamente mais de vinte mil tiros de fuzil é
permaneceram nos muros por cerca de dezesseis horas. Horas antes, no banho de sangue em Isandhlwana, praticamente todas as companhias
regulares do é
Regimento do exército britânico regular foram subjugadas in situ em vez de dis persadas durante a fuga. Uguku, um veterano zulu do massacre, descreveu de
pois o último esforço dos britânicos: 458
Victor
Davis
Hanson
Eles estavam completamente cercados por todos os lados, e ficaram de costas uns
para Os OULTOS; cercando alguns homens que estavam no centro. Sua munição a essa
altura havia terminado, com exceção dos poucos revólveres que disparavam à queimaroupa. Éramos incapazes de quebrar seu quadrado antes de matar um grande número
deles, lançando nossas assegais a distâncias curtas. Acabamos subjugando-os dessa maneira. (E Colenso, História da Guerra Zulu e de suas origens, 413)
Em Rorke's Drift, nos instantes antes da chegada dos zulus, os homens do renente Chard atiraram em um sargento europeu que tentava fugir com o Con-
tingente Indígena de Natal do capitão Stephenson. Chard não sentiu necessidade de mencionar isso em seu relatório, e a corporação de oficiais britânica não realizou nenhuma investigação a respeito da morte aparentemente justificada de um oficial sem patente que abandonou seu posto. Mais tarde, Sir Garnet Wolseley chegou a criticar os tenentes Melville e Coghill, a valente dupla que tentou salvar a bandeira da rainha em Isandhlwana. Segundo Wolseley, quaisquer que fossem as circunstâncias, os soldados britânicos não deveriam nunca tentar sair
do acampamento enquanto seus homens cercados estivessem vivos e ainda lutando — apesar da santidade do estandarte regimental. Os poucos soldados
montados que escaparam de Isandhlwana depois do colapso da resistência da infantaria naturalmente foram objeto de suspeita posterior.
Depois do desastre menor no rio Intombi, o tenente Harward foi submetido à corte marcial por ter tentado sair em busca de ajuda enquanto seus colegas ainda
“tavam cercados pelos zulus. Embora Harward tenha sido absolvido por uma Corte militar, o general Wolseley insistiu para que seu próprio desacordo fosse lido diante de cada regimento do exército. A aversão de Wolseley à idéia de um ofiCial britânico abandonando seus homens permeava sua apologia das fileiras e co-
lunas, e ilustrava a confiança que depositava na lendária disciplina do exército: Quanto mais desamparada a posição em que um oficial encontrar seus homens, maior é seu dever de ficar e compartilhar seu destino, seja ele bom ou ruim. É porque
a =
T
—
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Por que o Ocidente venceu
o soldado britânico sempre fez isso que ele ocupa a posição que lhe conf ere a estima
mundo, e possui a influência que tem nas fileiras de nosso exército. O soldado
do
na
Abren. deu a sentir que, aconteça o que acontecer, ele bode, no momento de maior perig 0, ter uma fé implícita em seu oficial, sabendo que este jamais irá desertá-lo não bortam quais sejam as circunstâncias. E a essa fé do soldado britânico em seus oficiais Que
vemos a maioria dos feitos corajosos registrados em nossos anai s militares; e , porqu
eo
veredicto dessa corte marcial atinge a raiz dessa fé, considerei necessário marcar oficial
mente meu enfático desacordo com a teoria na qual o veredicto foi ba seado. (D Clammer, A Guerra Zulu, 143)
A grande força do exército britânico era formar linhas e quadrados. Na primeira formação, cada fileira de três ou quatro linhas de soldados — geralmente deitados, ajoelhados e de pé — disparava sob comand o, recarregava e disparava novamente de cinco a dez segundos depois. A. sequên cia exata de tiros da companhia inteira garantia uma cortina de fogo praticamente cont ínua mesmo com fuzis Martini-Henry de um único tiro. Em quadrado, pelo menos quatro ângulos retos garantiam um centro seguro para bagagens, um refúgio para os feridos e uma reserva — a integridade de todo o quadrado baseava-se na idéia de que nenhum soldado britânico cederia em nenhum ponto do perímetro. Ge-
ralmente, para assegurar o controle de fogo, fincavam-se estacas no campo de batalha a intervalos de 91 metros para permitir aos sargentos de artilharia cali-
brar as sequências de tiros e aos fuzileiros individuais mirar seus disparos. O ataque de um lanceiro britânico contra os zulus era igualmente assustador em seus estágios cuidadosamente disciplinados: O 17º Regimento de Lanceiros — do próprio duque de Cambridge — era um te” mento orgulhoso. “Morte ou glória” era o seu bordão, e, entre suas honras de batalha, estava Balaclava. Drury-Lowe [coronel do regimento] os posicionava meticulosamente, como se estivessem em um desfile... Montados em seus grandes cavalos ingleses; ; “quim, com seus uniformes azuis debruados de branco, os soldados pareciam uma máqu
460
Victor
Davis
Hanson
val a precisão de suas vestimentas. Drury-Lowe avançava seu regimento a passadas, em uma coluna de soldados e, à medida que o solo se aplainava, dava as ordens: “Trotem
— Formem esquadrões — Formem linha?” e então, com os homens enfileirados em duas
linhas, “Galopem!”, os cavalos disparavam, e, quando a linha de lanças de pontas de
aço freava, com as insígnias ao vento, Ataquem!”,
E
e ouvia-se um brado da formação.
O regimento rapidamente alcançava os zulus em fuga, e as lanças, tão inclementes
quanto as assegais, levantavam e abaixavam à proporção que os soldados empalavam um guerreiro após o outro, e sacudiam as pontas para livrar-se dos corpos. (D. Clammer, A Guerra Zulu, 214)
O que é a disciplina ocidental?
A demonstração de coragem sob ataque é uma característica humana comum aos guerreiros de qualquer lugar do mundo. Todos os guerreiros são capazes de demonstrar extraordinária bravura. Tampouco a obediência ao comando, subsidiária da coragem, é uma característica tipicamente ocidental. Tanto exércitos
tribais quanto civilizados encontram o sucesso graças ao medo, ou mesmo ao terror, que o líder, general, rei ou autocrata inspira em seus guerreiros. Os zulus isolados que empunhavam os canos em brasa dos fuzis Martini-Henry na barricada norte em Rorke's Drift eram tão corajosos quanto os ingleses que os destroçavam calmamente segundos depois a tiros de fuzil com balas de calibre 45. Iambém
eram quase tão obedientes a seus respectivos generais, atacando as posições fortificadas em ondas humanas sob seu comando.
No entanto, no final, foram os zulus — que podiam ser executados com um Meneio de cabeça de seu rei —, e não os britânicos, que fugiram de Rorke's Drift: Parece paradoxal para nós que homens tão corajosos em seus ataques fugissem em pânico quando esses ataques acabavam fracassando. Não parecia paradoxal para os
qulus. Eles esperavam fugir correndo caso seus ataques fracassassem... Uma vez que um punhado de homens começava a sair correndo, o efeito sobre os outros era contagioso, como na maioria dos exércitos. Os regimentos de Shaka também fugiam assim às + -
461 AR
AN
&— A
E
Por que o Ocidente venceu
vezes. Era esse o fim tradicional de uma bat alha ulu. Eles destruíam Seus inim; Migos saíam correndo. (R. Edgerton, Eles lutaram como leões, 188) "
Horas antes, depois do momento de sua maio r vitória em Isandhlwa
Na, d maioria dos impis voltou para casa com os saques — muito diferentes, 3 em sua
vitória, dos mortíferos lanceiros britânicos que, seis meses depois em seguida ao massacre em Ulundi, continuar am a perseguir os zulus derrotados durante ho Tas J
a fio. Por que zulus corajosos e obedientes tanto na vit ória quanto na derrota não têm a disciplina de soldados britânicos corajosos e obedientes?
Dos gregos em diante, os ocidentais procuraram dis tinguir momentos indivi. duais de coragem e obediência dos líderes de uma coragem mais ampla, institu-
cionalizada, que deriva da harmonia, da disciplina, do treinamento e dos valores
igualitários para soldados e oficiais. Começando com a tradiç ão helênica, os
europeus tomaram cuidado para organizar supostos tipos de co ragem em uma hierarquia, do ímpeto isolado dos atos individuais corajosos à bravura coesa e co-
letiva ao longo de uma linha de batalha — insistindo que a primeira era apenas ocasionalmente crítica para a vitória, enquanto a última sempre o era.
Depois da batalha de Platéia (479 a.C.), por exemplo, Heródoto observou que Os espartanos não haviam conferido o prêmio de valor a Aristodemo, que saíra da formação em ataques quase suicidas para apunhalar os persas. Em vez disso, Os espartanos deram o prêmio a um certo Posidônio, que lutara bravamente, mas “sem nenhum desejo de ser morto” (9.71), na falange ao lado de seus compa-
nheiros hoplitas. Heródoto em seguida sugere que Aristodemo não lutara com à razão, mas sim como um louco desejoso de redimir sua reputação manchada por ter faltado ao glorioso ataque final nas Termópilas, no verão anterior.
O padrão grego de coragem está inextricavelmente ligado ao treinamento e à disciplina: o hoplita deve lutar com razão fria, não com frenesi. Ele considera 2 própria vida valiosa, não barata, e, no entanto, está disposto a oferecê-la à pólis.
Seu sucesso na batalha não depende unicamente de quantos homens mata OU de quanto valor pessoal demonstra, mas do grau em que sua participação na bata” 462
Victor
Davis
Hanson
ha ajuda o avanço de seus companheiros, a manutenção da ordem em caso de a é
Jerrota ou a preservação da formação sob ataque.
Essa ênfase na santidade do grupo não era apenas um ethos espartano, mas um
código aceito de maneira generalizada pelas cidades-estado gregas. Na literatura
srega, lemos com frequência sobre o mesmo tema da coesão do grupo entre soldados comuns — todos os cidadãos podem ser bons soldados, bastando para isso «e dedicarem à defesa de seus companheiros e da cultura em geral. No segundo
livro de Tucídides, o general ateniense Péricles lembra à Assembléia durante seu discurso funerário que os homens verdadeiramente corajosos não são os loucos
que “estão em maus lençóis e por isso têm a melhor das desculpas para não se
importarem com suas vidas”. Esses homens, segundo ele, “não têm esperança de dias melhores”. Pelo contrário, os realmente corajosos são aqueles “para quem sofrer um desastre faz uma enorme diferença” (Tucídides 2.43.6). Em toda a literatura grega, a necessidade de permanecer na formação, O treinamento e a disciplina aparecem como mais importantes do que a simples força e ousadia. Os homens carregam seus escudos, escreveu Plutarco, “para proteger a linha inteira” (Obras morais 2204). A verdadeira força e bravura era carregar um escudo em formação e não matar dúzias de inimigos em combate individual,
coisa própria para Os épicos e para a mitologia. Xenofonte nos lembra que essa coesão e disciplina de grupo vêm dos proprietários de terras livres: “No combate, assim como no trabalho da terra, é necessário ter a ajuda de outras pessoas” (Oeconomicus 5. 14). As punições só eram conferidas aos que jogavam seus escudos no chão, quebravam a formação ou provocavam pânico, nunca aos que não
“ONseguiam matar inimigos suficientes.
Da mesma maneira, não há nada a não ser desdém por elegantes guerreiros tribais,
gritos altos ou um
barulho
aterrador se tais demonstrações
não forem
acompanhadas pela disciplina para marchar e permanecer em formação. “ImaSens não causam ferimentos”, diz Ésquilo (Sete contra Tebas, 397-99). Tucídides
“2 O general espartano Brásidas resumir o desprezo ocidental primitivo pela Suerra tribal em seu ataque contra vilarejos ilírios: r
463
&
Por que o Ocidente venceu
No início do ataque, eles causam terror para os que não têm experiência
Têm uma aparência realmente terrível devido a sua grande quantidade: 50 do de seus gritos é intolerável; e eles criam uma imagem de terror mes
Com eles
bróprio ala;
dem suas armas inutilmente. Mas não são o que parece m quando se trata de comba
ler corpo a corpo aqueles capazes de suportar tais ameaças. Já que não têm nenhuma
ordem regular de batalha, não sentem vergonha de abandonar qualquer posição dia
do pressionados; e, já que tanto fugir quanto atacar é considerado igualmente honrado, sua coragem nunca pode ser testada de verdade... Caso se possa agiientar seu Primeiro
ataque, tais turbas só darão demonstrações de coragem de longe, com ameaças. No en.
tanto, para aqueles que cedem a eles, eles os perseg uem de perto, ansiosos para demons. trar coragem quando a situação parece segura. (4. 126 .5-7)
Os zulus eram bem mais propensos do que os ilír ios a conduzir um ataque contra fileiras sólidas; no entanto, de modo geral, o contra ste feito por Tucídides
entre os gritos e espetáculo e a manutenção da formação — “o rdem regular de batalha” — se aplica à Guerra Anglo-Zulu. Em ambas as guerras, era mais provável que soldados capazes de manter a formação, aceitar e transmitir ordens e reconhecer uma cadeia central de comando avançassem, mantivessem a
posição e recuassem em uníssono e em formação. Através do tempo e do espaço,
esse movimento de homens sistemático, e não aleatório, revela-se o mais eficaz
para matar O inimigo.
O paradigma clássico | tipicamente, Aristóteles era o mais sistemático dos pensadores gregos para e secar a natureza da coragem e sua relação com o interesse próprio, a obediência
e a disciplina. Ele chega praticamente às me smas conclusões dos outros E sadores gregos ao explicar por que determinados tipos de coragem são preferívels
e mais duradouros do que outros — e inseparáveis da noção de estado e de fiança no governo. Em sua cuidadosa análise dos cinco tipos de bravura militar Je Aristóteles dá precedência à coragem cívica, que os cidadãos soldados amad ores 464
Victor
Davis
Hanson
os únicos à possuir devido a seu medo da covardia diante de sua comunidade
são e de seus co- -cidadãos e a seu desejo de reconhecimento da virtude que tais corsos públicos oferecem aos homens altruístas. “Um homem”, observa Aristóteles,
: endo eco a Péricles, “não deve ser bravo por ser forçado a sê-lo, mas porque a coragem em si é uma coisa nobre” (Ética à Nicômaco 3.8.5).
Aristóteles também reconhece uma segunda coragem aparente, a dos solda-
dos mais bem treinados e superiormente equipados que podem se dar ao luxo de er corajosos por possuírem vantagens materiais. No entanto, alerta que esses
homens supostamente corajosos não o são realmente: quando suas vantagens ransitórias desaparecem, é provável que fujam. Aristóteles também reconhece um terceiro tipo de bravura aparente, muitas vezes confundida com a verdadeira coragem: a do louco que, devido à dor, ao frenesi ou à raiva, combate sem razão e sem consideração pela morte — ou pelo bem-estar de seus companheiros. Essa também é uma coragem transitória que pode desaparecer, enquanto o espírito de audácia é permanente. Tampouco a quarta e a quinta categorias de Aristóteles, respectivamente a
do otimista cego e a do ignorante, correspondem ao critério de coragem. Seu espírito de guerra pode se basear em princípios errôneos, sendo, portanto, efêmero. Alguns homens são corajosos porque pesaram cuidadosamente os prós
e contras, e descobriram que a vantagem está do seu lado; mas tais combatentes podem estar errados em sua avaliação do campo de batalha ou ainda inconscientes de que a vantagem é caprichosa e pode mudar em segundos. Em qualquer um dos casos, a coragem não se baseia em valores e caráter, e menos aindaé produto de um sistema, não sendo, portanto, nem duradoura nem
“empre confiável no calor da batalha. Do mesmo modo, os ignorantes só lutam bem porque têm a impressão equivo-
cada de que a vantagem está do seu lado; eles fogem quando se dão conta de seu
Yerdadeiro perigo. Assim como o otimista, o inconsciente reflete uma coragem
'elativa, não um valor absoluto. Em seu diálogo Laches, Platão diz a mesma coisa duando Sócrates argumenta que a verdadeira coragem é a capacidade do solda-
a
Por que o Ocidente venceu
do de lutar e permanecer na formação, mesmo sabendo que as vanta contra ele — ao contrário do herói aparente, que combate com bravo a
tà apen
quando tem todas as vantagens do seu lado.
“8
Muito cedo na cultura ocidental, a noção de disciplina foi institucionalizad como permanecer na formação e obedecer às ordens dos oficiais superiore j
autoridade era conferida por prerrogativas constitucionais. Õ
ret
Nua
dos efebos atenienses — os jovens recrutas militares que, durante dois anos
deviam proteger o porto do Pireu e o interior da Ática — continha a segui no E guinte | promessa: “E não abandonarei o homem ao meu lado, qualquer que seja minha posição na formação... Oferecerei minha pronta obediência a qualquer momen to ii que estiverem exercendo sua autoridade com prudência, e às leis esta-
belecidas e àquelas que serão ponderadamente aplicadas no futuro” (M. Todd, Greek Historical Inscriptions [Inscrições históricas gregas], Oxford, 1948, vol. 2, 204). Autores como Xenofonte e Políbio falavam de exércitos como muros, cada camada uma companhia individual, cada tijolo um soldado — com o cimento da
disciplina mantendo homens e companhias em seus lugares exatos e garantindo a integridade da alvenaria. A alternativa, nas palavras de Xenofonte, era o caos, “como uma multidão deixando um teatro” (Comandante de cavalaria 7.2). A cultura clássica aceitava o fato de os milicianos não serem nem aterrorizados por
seus superiores nem descuidadamente corajosos. Pelo contrário, eles eram previsíveis na batalha, tanto em seu posicionamento quanto no movimento de seus
próprios corpos e em sua prontidão mental e espiritual para aceitar comandos.
No calor do combate, é provável que todos os homens percam o medo de seu rei antes da morte. A coragem, na visão de Aristóteles, também pode ser uma emoção caprichosa. Os cossacos, como os historiadores modernos observaram com relação a todos os guerreiros nômades desse tipo, eram implacáveis nas per
seguições, mas muitas vezes de uma covardia abjeta quando os papéis se inver tiam e eles se viam em batalhas de choque contra colunas inimigas. O exército romano procurou burocratizar ainda mais a coragem cívica pr
meio do treinamento e do respeito rígido a uma formação cerrada, ao ímpeto re” 466
Victor
gl
Davis
Hanson
mental e ao reconhecimento de que a bravura não era a proeza individual. Em
inído o roman judeu iador histor o Josefo, citada, muito e famosa ação observ ma U
cio do século I d.C., comentava a superioridade romana no campo de batalha:
Ao olhar as forças armadas romanas, pode-se ver que o Império chegou às suas mãos como resultado de seu valor, e não como um presente do destino. Pois elas não esperam o início da guerra para praticar com armas, tampouco ficam sentadas à toa
em tempos de paz, mobilizando-se apenas em momentos de necessidade. Em vez disso,
parecem ter nascido com armas nas mãos; nunca fazem uma pausa no treinamento nem esperam o surgimento de emergências... Não seria incorreto dizer que suas
manobras são como batalhas sem sangue, e suas batalhas manobras sangrentas. (Guerra judaica 3.102-7)
Quase quatrocentos anos depois, Vegetius, autor de um manual sobre as instituições militares romanas no século IV d.C., pôde mais uma vez ver esse treina-
mento e essa organização na raiz do sucesso romano em batalha: “A vitória não foi proporcionada pela simples quantidade e pela coragem inata, mas por perícia é treinamento. Vemos que o povo romano não deveu a conquista do mundo a Outra causa senão o treinamento militar, a disciplina em seus acampamentos e a
Prática da guerra” (Vegetius, Epitoma rei militaris 1.1). A popularidade de Ve8etius com os francos e outras monarquias germânicas que se desenvolveram na Europa ocidental durante a Idade Média veio dessa ênfase na criação de linhas
é colunas disciplinadas. Aos seus olhos, ele mostrava como o furor teutônico
podia ser adequadamente canalizado para a criação de soldados de infantaria
corajosos, porém disciplinados. Tr “inamento, fileiras, ordem e comando
al como emergiu na Europa, a disciplina é uma tentativa de institucio-
alização de um determinado tipo de coragem por meio do treinamento e d ss | º to d Tepetição, e manifesta-se na preservação da formação e da ordem. Essa
à
467 do
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mo
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Por que o Ocidente
venceu
N obsessão ocidental pelo treinamento em formação cer rada baseia-se no fa
de que, enquanto todos os homens correm o risco de se aSSUstar e fy ; quando a situação se torna desesperada, o treina mento e à confiança aaa alterar esse comportamento. A chave não é fazer de cada homem um herói
mas criar homens que em regra geral sejam mais corajosos do que seus ati:
dos destreinados ao encarar um ataque inimigo e que no calor da batalha sigam as ordens de seus superiores para proteger os homens ao seu lado. Eles obedecem a um sistema cívico eterno e perm anente, não a uma tribo, famí. lia ou amigos do momento.
Como a disciplina é obtida e sustentada dur ante séculos? Exércitos pre.
&os, TOMANOS e europeus posteriores enco ntraram a Tesposta no treinamen-
to e em um contrato escrito claro entre soldad o e Estado. Comandantes do século XVII como Guilherme Luís de Nassau rel acionavam diretamente sua preferência pelo poder de fogo maciço a escritores gre gos e romanos que descreviam táticas enfatizando a necessidade dos falangist as e legionários permanecerem em formação cerrada. A capacidade de marchar em ord em e de se alinhar em formação tem vantagens imediatas e mais abstratas. Os sol.
dados podem ser movimentados e receber ordens com mais rapidez e eficiência quando marcham em formações cerradas. Colunas e linhas cerradas são fontes de fogo contínuo e tornam possíveis salvas segiienciais de com-
panhias de fuzileiros. No entanto, em um sentido mais amplo, o treinamen-
to em si reforça a atenção dos soldados aos comandos. A disposição para
marchar no mesmo passo de seus companheiros está na base da prontidão de um soldado ocidental para fazer exatamente o que seu oficial no comando ordenar. Um homem capaz de encontrar sua posição em uma formação, marchar em cadência com seus companheiros
e manter a formação está
mais propenso a obedecer a outras ordens mais importantes, a usar suas armãs segundo comandos e em última instância a derrotar o inimigo.
Os ocidentais em particular colocam uma ênfase muito maior justam ente nessa estranha noção de manter-se junto em linha: 468
Victor
Davis
Hanson
Mas na verdade o treinamento em formação cerrada surpreende por sua ausência na maioria dos exércitos e tradições militares. De fato, em uma perspectiva mundial, a maneira como gregos e romanos e em seguida europeus modernos exploraram o efeito
psicológico de manter-se unidos no tempo era uma estranheza, não a norma da história militar. Por que motivo os europeus se especializaram na exploração das possibilidades
extraordinárias do treinamento em formação cerrada? Together in Time [Juntos através do tempo], 4)
(W McNeill,
Keeping
McNeill prossegue fornecendo diversas respostas para sua própria pergunta, mas a noção de comunidade cívica, ou a idéia de que homens livres estabelecem um contrato consensual com seus exércitos e, assim, esperam direitos e aceitam
responsabilidades, é central para toda a sua discussão. Em tal ambiente, o treinamento não é considerado necessariamente opressivo nem mesmo para ocidentais altamente individualistas, mas sim uma manifestação óbvia de igualitarismo que transforma todos os soldados, vindos dos mais variados lugares, em uma única entidade uniformemente vestida, de aparência idêntica e movimentos fluidos, onde a identidade de cada um e seu status individual desaparecem por algum tempo. Segundo McNeill, o treinamento era bastante condizente com a “cidadania ativa, participativa, que era a marca registrada dos conceitos grego e romano de liberdade” (112). Podemos acrescentar que a formação cerrada da
falange grega, onde cada homem ocupava uma posição egiiidistante de outro, “la uma reflexão da assembléia, na qual cada cidadão homem tinha os mesmos
direitos de outro — e ambas as corporações igualitárias eram alimentadas, em
última instância, pelo campo grego, onde as inúmeras pequenas fazendas, e não
imensas propriedades, eram a norma.
Por exemplo, os adolescentes que entram no primeiro ano do Virginia Mili-
(ary Institute (VMI) têm imediatamente seus cabelos raspados, suas roupas civis Tetidas e aprendem a treinar e marchar em cadência — na medida em que iden-
tidades de classe, raça ou política desaparecem nas colunas de cadetes de apa“Ncia, movimento e cantos idênticos. Mesmo a mais temível gangue de rua ou
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469
&
ep a
Por que o Ocidente venceu
de motoqueiros, armada com metralhadoras Uzi e anos de experiência em ' isparar contra outros delinqiuentes, não teria sequer uma chance contra um tegi mento armado de colegas de turma do VMI — nenhum dos quais tem s es um registro de prisão por contravenção séria nem disparou um único tiro com
raiva em toda a vida. No entanto, ao contrário de infantes nazistas ou stalinis. tas bem disciplinados marchando, a passo de ganso, os cadete s do VMI conhe.
cem inteiramente as condições de seu serviço e são muito bem protegidos de
julgamentos caprichosos por um sistema de justiça militar — e aceitam O fato de que a violência gratuita de sua parte será severamen te punida. É esse o poder
do treinamento e da disciplina por ele gerada na criaçã o da lealdade cívica a partir de obrigações tribais e familiares. O combate em fileiras e em formação é, em certo sen tido, a derradeira
manifestação do igualitarismo ocidental, já que toda a hierarquia exterior
ao campo de batalha desaparece diante do anonimato de uma falange de
companheiros iguais em espírito e em treinamento. É provável que os car-
tagineses tenham contratado o mestre de treinamento espartano Xantipo na Primeira Guerra Púnica pelo mesmo motivo que os japoneses recruta-
ram instrutores franceses e alemães durante o final do século XIX: para
criar soldados, fossem eles falangistas ou fuzileiros, capazes de manobrar e
marchar em fileiras e, assim, de lutar à maneira mortífera dos ocidentais —
como tanto os romanos quanto os americanos rapidamente descobririam. Há cerca de dois milênios, Vegetius assinalou essa ênfase tipicamente o a
Ta
=
a
.
A
r
ue
cl-
dental no treinamento: Logo no começo de seu treinamento, os recrutas devem aprender o passo militar Pois na marcha e na batalha nada deve ser protegido com mais diligência do que o fato
de todos os soldados marcharem em cadência. Isso só pode ser obtido por práticas repetidas, graças às quais eles aprendem como marchar rapidamente e em formação Um exército que estiver dividido e desordenado corre sempre sério perigo diante do mimigo. (Epitoma rei militaris 1.1.9)
470
Victor
Davis
Hanson
A ênfase na defesa, ou a crença, como vimos em Heródoto, de que é a idéi a a par l tra cen é , ado sum con ino ass ass um ser que do r fugi me lhor não es tel stó Ari ), 5ff 4b1 132 (7. ca íti Pol sua Em r. ita mil a lin eu ropéia de discip pouco ênfase cuja pólis à exteriores povos de costumes s o h n a r t s e S relata O ce i l á c m u e r d e b e m b e d o as não p t i habitua c s o o g — i m i n i r O a t a | está em m espetos fincam ibéricos os homem, um matado terem de antes cerimonial quantos homens eles maem volta d os túmulos dos guerreiros para marcar
é o, at nt ci um o , nã ço la um ar m us os ve ni de dô ce a, ma os lh ta ba em t «ram terem matado um homem em batalha —, em grande contraste com os cosrumes da cidade-estado. O exército zulu também pertencia a essa longa tradição tribal, já que seus guerreiros recebiam colares de galhos de sal-
gueiro representando o número de “presas” confirmadas de cada um.
Como também assinalou Aristóteles, a ênfase ocidental na coesão defensiva, intimamente associada ao treinamento e à ordem, dá o maior valor à manuten-
ção da integridade de uma posição ou formação. Todos os códigos de justiça militar no Ocidente claramente definem a covardia como em primeiro lugar fugir da
formação ou abandonar suas fileiras, pouco importando a situação, e não como
não conseguir matar um número específico de inimigos. Se um guerreiro asteca encontrava prestígio em subjugar e capturar um rol de prisioneiros nobres, um arcabuzeiro ou piqueiro espanhol era congratulado por manter seu lugar na linha
e garantir a coesão da linha ou coluna enquanto ela esmagava anonimamente o inimigo. No contexto das guerras zulus, os britânicos, assim como os zulus, pos-
Sufam um método de ataque e uma maneira previsível de lutar. Mas o sistema britânico acentuava a formação, o treinamento e a ordem, e chamava de corajo“Os aqueles que defendiam esses mesmos valores. Em um sentido abstrato, sol-
dados que lutam como um só — que atiram em salvas, atacam em grupo segun-
do ordens, recuam quando comandados e não perseguem o adversário de forma impensada, prematura ou durante muito tempo — derrotam o inimigo.
À Guerra Anglo-Zulu de 1879 fornece exemplos surpreendentes de coragem
zulu confrontada à disciplina britânica. No entanto, embora o exército zulu 471
T
E
E 4
| Por que o Ocidente venceu
fosse com freqiiência tão corajoso quanto o britânico, ninguém podia ale Bar fosse disciplinado:
qu
A invenção-chave é a do estado, ou seja, a de um con trole social civil e nãobase. do em parentesco. O govemo civil é a linha divisó ria, a fronteira, o horizonte enie aquilo que é civilizado e aquilo que não o é. Só o estado bode reunir grandes exércitos
Só ele pode disciplinar e treinar homens, transformando-os em soldados, não em as
reiros. Só o governo pode comandar, não exigir, e pode punir aqu eles que não estão com
vontade de lutar naquele dia... O guerreiro primitivo não tinha o apoio de um govemo
organizado, estruturado. Ele não estava disposto a se submeter à disciplina, e era inca. paz ou não tinha paciência para obedecer a comandos bre cisos. Só descobria os brinct.
bios táticos inerentes à caça animal... Estava preocupado demais de forma imediata com o confronto iminente para planejar campanhas em vez de batalhas. (H. Tumey-
High, Primitive War [Guerra primitiva], 258)
Onze Cruzes Vitória foram atribuídas em Rorke's Drift — praticamente uma para cada dez soldados que lutaram. Nenhuma delas foi atribuída com base nas “presas”, embora tenhamos diversas testemunhas oculares de atira-
dores britânicos individuais matando dúzias de zulus a grandes distâncias. Críticos modernos sugerem que tal generosidade na atribuição das comendas
teve como objetivo amenizar o desastre de Isandhlwana e reassegurar um público vitoriano cético de que a capacidade de combater do soldado britânico continuava inabalável. Talvez sim, talvez não. No entanto, nos longos anais
de história militar, é difícil encontrar alguma batalha como Rorke's Drift onde uma força cercada, em inferioridade numérica de quarenta contra um
tenha sobrevivido e matado vinte homens para cada defensor perdido. Mas também é raro encontrar guerreiros tão bem treinados quanto os soldados
europeus, e ainda mais raro encontrar europeus tão disciplinados quanto & casacas vermelhas britânicos do final do século XIX.
472
e
individualismo
Midway, de 4 a 8 de junho de 1942 Mas quando os homens não são seus próprios mestres e independentes, e sim governados por déspotas, não são realmente capazes militarmente, mas apenas parecem guerreiros... Pois as almas dos homens são escravizadas e eles se recusam a correr riscos
imediatos e impensados para aumentar o poder de alguma outra pessoa. Mas povos independentes, que correm riscos por si mesmos e não por outros, estão dispostos e prontos para encarar o perigo, pois eles próprios colhem os louros da vitória. Assim, as
instituições contribuem muito para o valor militar. Hipócrates, Ares, águas, lugares (16,25)
Infernos flutuantes Havia dois lugares mortais para se estar na manhã de 4 de junho de 1942, durante o primeiro dia da batalha de Midway — àquela altura a maior bata-
lha de porta-aviões da história da guerra naval. O primeiro era nos quatro Porta-aviões japoneses sob ataque aéreo de caças de mergulho americanos. Todos
tinham
seus aviões
estacionados
nos
conveses,
sendo
reabastecidos
e
473 Es ol
Por que o Ocidente venceu
rearmados, quando foram subitamente atacados. Tanques de gasolina , pod rosos explosivos e munição foram indiscriminadamente expostos a uma a ;
de bombas americanas de 230 e 450 quilos. Os con veses-hangares mais di
também foram atingidos com intensidade por munições e torpedos. Tripula. ções frenéticas tentavam em vão mudar seus armamento s de um ataque ter.
restre planejado a Midway para um súbito ataque improvisado à frota de porta-aviões americana, que acabara de ser localizada a menos de 320 qui. lômetros a leste. Em circunstâncias de vulnerabilidade de portaaviões raras como essa, uma única bomba de 450 quilos que atingisse o convés repleto de aviões cheios de gás e armados poderia detonar uma série de explosões capazes de incinerar toda a embarcação e mandá-la para o fundo do mar em minutos — 450 qui.
los de explosivos arruinariam em um ou dois minutos o que cinco anos de tra. balho e mais de 27 mil toneladas de aço haviam cri ado. Durante a batalha de Midway, três dos estimados porta-aviões imperiais japoneses — o Akagi, Kaga
e o Soryu, todos veteranos de uma sequência ininterrupta de sucessos japo neses durante os seis meses anteriores — estavam justamente nesse estado de
absoluta vulnerabilidade quando os caças de mergulho americanos começaram a mergulhar de cabeça de alturas que atingiam seis mil metros, inteiramente invisíveis de baixo. Em menos de seis minutos — de 10:22h a 10:28h do dia 4 de junho de 1942 —, o orgulho da frota de porta-aviões japonesa foi devorado pelas chamas, e o curso da Segunda Guerra Mundial no Pacífico alterado radicalmente. Ao contrário das grandes batalhas navais do passado — Artemisium (480 a.C.), Salamina (480 a.C.), Áctio (31 a.C.), Lepanto (1571), Trafalgar (1805) e Jutlândia (1916) —, Midway foi travada em mar aberto: quando os marinheiros perdiam sua plataforma de segurança, tanto 08
tripulantes ilesos quanto os queimados não encontrariam nem a costa nem pequenos barcos para resgatá-los.
Com suas 33 mil toneladas e seu arsenal de setenta e dois bombardeiros á Las ente caças, o Kaga (Felic1...idade maior”) foi ” provavelmente atacado inicialm 474
Victor
Davis
Hanson
or vinte e cinco caças de mergulho americanos SBD Dauntless, dos esqua-
io VB-6 e VS-6, liderados pelo experiente piloto Wade McClusky, do portaMcClusky conseguiram de aviões dos Nove e. Enterpris ericano am aviões
o do eçã dir m na ra ha ul rg me os Tod s. rea iaé ant s esa def eis rív ter as pel ssar pa
porta-aviões a mais de 400 quilômetros por hora. Quatro bombas atingiram o
alvo. Em segundos, aviões japoneses carregados de gás, armados e prontos para decolar começaram em vez disso a explodir, criando imensos rombos do
convés de decolagem e matando quase todo mundo ao redor. Todos os objetos de metal no convés — ferramentas, canos, peças — se transformaram em estilhaços mortais que estraçalhavam toda carne em seu caminho. Duas bom-
bas americanas posteriores destroçaram o elevador do navio e puseram fogo em todos os aviões armados esperando embaixo no convés-hangar. Uma bomba explodiu a ilha do porta-aviões, matando todos os oficiais na coberta, inclusive o capitão do Kaga. (Quase na mesma hora, a energia acabou. O Kaga estacou no meio do mar
e começou a explodir. Era raro que porta-aviões se partissem em dois e afun-
dassem com rapidez. Eles não eram frequentemente alcançados e atingidos pelas grandes bombas dos encouraçados, e estavam entre os mais navegáveis
dos grandes navios mesmo quando torpedeados — o que era raro, devido a sua rede protetora de cruzados e destróieres. Mesmo assim, em minutos, oitocentos tripulantes do Kaga foram queimados vivos, desmembrados ou desinte-
Brados. Mesmo sem os horrendos estilhaços de armas navais de 40 centímetros, à Buerra aérea entre navios, com sua combinação letal de bombas, torpedos,
tiros de metralhadora e combustível de aviação, podia ser uma experiência aterradora. Apesar de os japoneses terem feito exatamente a mesma coisa com navios de batalha americanos seis meses antes em Pearl Harbor, seus por-
ta-aviões em chamas agora não estavam no cais, mas sim em alto-mar, a cen-
tenas de quilômetros do território controlado pelos japoneses. Sua única tênue esperança de resgate e cuidados médicos eram outros navios japoneses, eles próprios sob ataque aéreo e, assim, temerosos de chegar perto demais dos
Ê
vi
%
a
Por que o Ocidente venceu a
porta-aviões explodindo e em chamas. Alguns oficiais prefer iram afundar Í suas embarcações, por vergonha de desapontar seu imperador.
Cá
Praticamente na mesma hora em que o Kag a foi atingido, seu Navio-irmão
de 34 mil toneladas, o Akagi (“Castelo vermelho”) — a nau capitânia do almi
rante Nagumo —, com a maioria de seus ses senta e três aviões, foi na dido exatamente da mesma maneira por Dick Best e pelo Menos cinco caç as de
mergulho SBD da 1º Divisão do Esquadrão Bombarde iro VB.-6, também do porta-aviões Enterprise. Apesar de es se grupo menor de atacantes aéreos somar apenas pouco mais de duas toneladas de ma terial bélico, o Akagi tam.
bém estava prestes a lançar pelo menos quarenta aviões cheios de gás e arma.
dos, que partiriam para destruir o Yorktown. Pelo me nos duas, talvez três das
bombas
americanas
atingiram o porta-aviões. As explosões incinerara m os aviões japoneses enquanto decolavam e abriram rombos no convés, antes de chegarem aos voláteis tanques de combustível e depósitos no nível inferior O contra-almirante Kusaka registrou que O convés estava pegando fogo e armas antiaéreas e metralhadoras disparavam automaticamente, detonadas pelo incêndio a bordo do navio. Havia corpos por toda
parte, e não era possível dizer o que seria atingido em seguida... Minhas mãos e meus pés estavam queimados — uma queimadura bem séria em um dos pés. Foi assim que acabamos abandonando o Akagi — num corre-corre, sem ordem de nenhum tipo. (W. Smith, Midway, 111)
Ão contrário daqueles que são atacados em confrontos terrestres, homens
atacados por estilhaços e bombas em porta-aviões no mar têm pouco espa
ço para fugir, já que sua escapada é limitada pelo pequeno perímetro do convés de decolagem. Um infante atacado pelos infernais estilhaços +
Guadalcanal
podia correr, cavar ou encontrar abrigo; um marinheiro
japonês em um porta-aviões explodindo em Midway tinha que escolher .
a
tre ser queimado vivo, sufocar dentro do navio, ser bombardeado e trag ado 476
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« um convés de decolagem em chamas, ou pular para dentro do mar para afogar, Ser queimado em alto-mar ou ocasionalmente atacado por tubase “des nas águas quentes do Pacífico. A maior esperança de um japonês à po
deriva era ser resgatado por navios americanos, o que significava a vida e a segurança de um campo de prisioneiros nos Estados Unidos. O pior pesadelo para um marinheiro ou piloto americano nas águas de Midway era ser capturado pela marinha japonesa, que conduzia um rápido interrogatório
seguido quer pela decapitação, quer pelo lançamento do soldado ao mar com pesos amarrados no corpo. Quanto aos atacantes, ao contrário do bombardeio “de precisão” a grandes altitudes por aviões de vários motores a seis mil metros ou mais, era bem mais provável que caças de mergulho navais atingissem o alvo — contanto que os
próprios pilotos não fossem engolfados por suas próprias explosões, abatidos a tiros, ou simplesmente fossem incapazes de sair de um mergulho que os levava até poucos metros do convés inimigo. Em Midway, um único caça de mergulho Dauntless aproximando-se a trezentos metros acima do alvo com uma bomba de 230 quilos revelava-se mais letal do que um esquadrão inteiro de
quinze B-17 a 5 ou 6 quilômetros de altura, apesar de cada um deles despejar quase quatro toneladas de explosivos.
Uma dessas bombas dos caça de mergulho americanos atingiu o hangar e pôs fogo nos torpedos armazenados do Akagi, que imediatamente come-
saram a destruir o navio de dentro para fora. Ao contrário dos porta-aviões britânicos,
nem os japoneses, mais rápidos e ágeis, nem os americanos
ti-
nham conveses blindados. Suas rampas de madeira ofereciam pouca proteção para o combustível, os aviões e as bombas armazenados embaixo —
é eles próprios pegavam fogo com facilidade junto com os aviões que se Preparavam para decolar. Mais de duzentos homens do Akagi morreram ou desapareceram em segundos. Um oficial naval e célebre piloto japonês do
Akagi, Mitsuo Fuchida, relembrou a calamidade generalizada dentro do porta-aviões:
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Por que o Ocidente venceu
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Nesta aquarela de Midway pintada por Griffin Baily Coale, tanto o Kaga quando o Akagi são incendiadospt ão sHT* primeira leva de caças de mergulho americanos. Os Zeros japoneses mergulham no mar, abatidos pela apançã dos 5 deira ma de presa de caças Wildcat voando mais alto. Os aviões equipados com gás e armados nos conveses ta japoneses garantiam que mesmo poucas bombas americanas foram capazes de pôr fogo no porta-aviões. Mais nos conveses japoneses funcionavam como alvos natH pintados nascentes sóis os pilotos relataram que
4178
rais.
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Desci uma escada aos tropeços e cheguei ao ready room. Ele já estava abarrotado com vítimas de graves queimaduras do convés do hangar. Uma nova explosão foi rapidamente seguida por várias outras, e cada uma delas fazia a estrutura da coberta
mremer. A fumaça do hangar em chamas entrava pelos corredores e chegava à coberta
e ao ready room, forçando-nos a buscar outro abrigo. Tomando a subir para a coberta, pude ver que o Kaga e o Soryu também haviam sido atingidos e soltavam pesadas colunas de fumaça negra. À cena era horrível de se contemplar. (M. Fuchida e M.
Okimiya, Midway, the battle that doomed Japan [ Midway, a batalha que condenou o Japão), 179)
Os melhores pilotos navais da frota imperial estavam sendo massacrados em questão de minutos. Tão importante quanto isso era a perda das tripulações de porta-aviões mais experientes do exército japonês, especialistas raros
e insubstituíveis que, graças a uma longa experiência, haviam dominado a difícil arte de armar, manter e abastecer rapidamente os aviões em um navio em constante movimento.
Nesse incrível período de seis minutos, um terceiro porta-aviões japonês, o Soryu (“Dragão verde”), de 18 mil toneladas, estava prestes a sofrer o mesmo inferno infligido a seus dois navios irmãos. Dessa vez, os danos foram causa-
dos por Max Leslie e seu 3º Esquadrão de Bombardeiros do porta-aviões ameicano Yorktown, àquela altura a pouco mais de cento e sessenta quilômetros
de distância. Da tripulação do Soryu, 718 homens, foram imediatamente inci-
herados. Nenhum dos armamentos dos caças de mergulho americanos consistia “Mm armas eficazes para furar blindados, o que na maioria das circunstâncias era uma desvantagem clara, já que tais armamentos eram incapazes de perfurar de uma vez só até mesmo os conveses de madeira para explodir nos depósitos Interiores, motores e tanques de combustível lá embaixo. Considerando o fra-
“asso absoluto de quarenta e um torpedeiros americanos minutos antes, pareCia haver poucas chances de atingir o interior vulnerável só com as pequenas
bombas dos Dauntless de modo a afundar o porta-aviões. No entanto, como =
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479
à
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ão
Ei
Por que o Octdente venceu
no caso do Akagi e do Kaga, naquele dia as bombas americanas mais leves 4 Iam foram porta-av iões três os todos que já veram uma sorte inesperada:
alvos mais edi os decolag a em, para aviões seus prepara ndo endidos
de m 5 nos porta-aviões japoneses às 10:22h eram na verdade seus conveses d-
deira. As explosões dos bombardeiros e caças japoneses expostos e carregados
fariam o impacto de sua própria gasolina e das bombas descer direto para o
interior de seus próprios navios. Nessas condições raras, uma bomba ameri.
cana poderia detonar dúzias de outras bombas no convés. Ao ser atingido, o Soryu estava a cerca de dezesseis a dezenove quilômetros ao norte e ao leste dos dois outros porta-aviões em chamas, e também se preparava para lançar aviões em um ataque aéreo maciço contra os três
porta-aviões americanos. Os treze caças de mergulho de Leslie chegaram de mais de quatro mil e duzentos metros sem serem notados — os caças japoneses estavam ocupados demais no nível do mar terminando seu mas-
sacre dos últimos torpedeiros americanos de Lem Massey que restavam para patrulhar as nuvens lá em cima. Pelo menos três bombas dos pilotos do Yorktown atingiram o Soryu — armamentos de 450 quilos jogados de uma
altura de quase quinhentos metros —, rapidamente transformando o porta-aviões menor em um inferno, já que as detonações das próprias bombas,
dos aviões japoneses que explodiam, dos dutos de gás e da munição parti-
ram o navio em pedaços. Em segundos, toda a energia foi perdida. Depois de trinta minutos, foi dada a ordem de abandonar navio. O capitão do Soryt,
almirante Yanagimoto, foi visto pela última vez gritando “Banzai” na coberta em chamas. Os quatro últimos aviões do esquadrão de ataque de Leslie avaliaram que não havia necessidade de lançar outras bombas no Soryu desSê Ri » o de um encouraçado e des alteraram sua rota na direção então truído,
tróier
Sob o convés,o Tatsuya Otawa, um dos pilotos do Soryu, viu: que “ tudo esta” 'ble e Vic 2! ibl red Inc d, Lor (W. gás” de s que tan , as mb bo , ões va explodindo — avi ma + por mar ao tory [Incrível vitória], 174) — antes de também ser jogado y
bomba por um dos lados do navio. 480
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o 7 Hiryu (“Dragão rn de mo s mai o s, | onê jap ões avi tapor imo O que quarto € últ
essud o a par ra vía des se e ent vam ssi gre pro vo ador”), de 20 mil toneladas, que
do exército e da marinha iros arde bomb de s tino matu es ataqu os e te durant
s a a ç de r a a i c d e de n m o i e r e t p d r da u n a o a p p r , m a g y e c a s w s e o d d i a m M e e s baasea próseu çar lan e pôd yu Hir o s, uto min Em ã. nh ma a pel mergulho americanos
porta-aviões o a par u bui tri con que o un, kto Yor ao r ado ast dev que prio ata junho, uma de 4 dia do al fin no o, ant ent No . ndo nda afu americano acabar sem formação de caças de mergulho americanos do Enterprise e do Yorktown,
das 16:00h, escolta de caças também finalmente o encontrou. Pouco antes
apacivinte e quatro SBD do Enterprise, dez dos quais órfãos do Yorktown inc
itt Dew e Best k Dic , her lag Gal Earl es ent ten s pelo dos era lid do, rna ade e “ado
W Shumway, mergulharam das nuvens sem serem notados. Quatro bombas atingiram em cheio o alvo, e mais uma vez os americanos puseram fogo em caças e bombardeiros japoneses prontos para a decolagem. O elevador de aviões do Hiryu foi jogado para fora do convés e lançado contra a coberta. Quase todos os mortos se viram presos sob o convés e cercados por labaredas furiosas — mais de quatrocentos homens morreram. O capitão do Hiryu, con-
tra-almirante Tamon Yamaguchi, um dos comandantes mais inteligentes e agressivos da marinha japonesa, permaneceu na coberta e afundou junto com
seu navio — uma perda irreparável, já que muitos acreditavam que ele estava sendo treinado para ser o sucessor do próprio almirante Yamamoto, comandante-chefe da frota imperial. Quando um ajudante lhe disse que ainda havia no cofre do navio algum dinheiro que poderia ser salvo, Yamaguchi ordenou
que o deixassem lá. “Vamos precisar de dinheiro para uma boa refeição do
inferno”, murmurou ele (W. Lord, Incrível vitória, 251). Em menos de doze horas, 2.155 marinheiros japoneses estavam mortos,
quatro porta-aviões de frota estavam em ruínas e logo afundariam, e mais de 332 aviões, junto com seus pilotos mais experientes, haviam sido perdidos.
Ântes do final da batalha, um pesado cruzador fora afundado, e outro seriamente
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tl a
danificado. O Akagi, o Kaga, o Hiryu e o Soryu, orgulho da frota imperial, vete-
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N
Por que o Ocidente
venceu
ranos de campanhas contra os chineses, br itânicos e americanos,
desc
dNsa.
vam no fundo do oceano Pacífico. Em seis minutos, a vantagem da pue naval no Pacífico passara de vez para o lado americano, à medida que É E
res temores do almirantado japonês de uma retaliação americana Maciça E confirmavam depois de apenas seis meses de combates. Em termos estritamente militares, o número de mortos em Midway não foi
grande — menos de 4 mil nas duas frotas. As perd as foram SÓ uma fração do
que os romanos haviam sofrido em Cana s, ou os persas em Gaugamela, e Muito
menos custosas do que os banhos de sangue das grandes batalhas de Salami. na, Lepanto, Irafalgar e Jutlândia— ou do que a posterior carnificina ja. ponesa no golfo de Leyte. Mas o naufrágio dos porta-av iões representava um investimento insubstituível de milhões de dias de precioso trabalho quali. ficado e de um capital ainda mais escasso — e a única possibilidade de os japoneses destruírem tanto a frota quanto as bases americanas no Pacífico.
Mais de cem dos melhores pilotos de porta-aviões morreram em um só dia, 0 equivalente a toda a turma de aviadores navais que o Japão era capaz de formar em um ano. Nunca o exército japonês perdera de maneira tão dramática
quando a tecnologia, o material, a experiência e o número estavam tão decididamente a seu favor Em Washington, o almirante Ernest ]. King, chefe de todas as operações navais americanas, concluiu a respeito da ação do dia4
de junho que a batalha de Midway fora a primeira derrota decisiva da marinha japonesa em trezentos e cinquenta anos e restaurara o equilíbrio de poderio naval no Pacífico. Mais uma vez, os porta-aviões em si eram insubstituíveis. Durante toda à
Segunda Guerra Mundial, os japoneses só produziram mais sete desses enor mes navios; os americanos, por sua vez, encomendariam mais de cem
id
aviões de frota, leves e de apoio até o final da guerra. Os americanos também construiriam ou consertariam vinte e quatro encouraçados — apesar de er perdido praticamente toda sua frota destes últimos em Pearl Harbor — e UM q : 4 . . : número incalculável de cruzadores, destróieres, submarinos e navios de ea ap olo 482
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anos da guerra, os americanos construíram ro quat os e ant Dur . leves e ados pes o. dezesseis navios de guerra importantes para cada navio japonês construíd
e
a mais alta produtividade mensal de todos os , japoneses Os para or pi Ainda va sa as ap e tr nt ul me ra s ra nê po to ja ci ér ex a do e nh ri s ma ve da na ro modelos de ae
mil aviões, e no verão de 1945 esse número fora reduzido pela metade devido aos de escassez à e fábricas as dispersar de e necessidad à , americanos bombardeios material e homens. Em contraste, os americanos logo estavam produzindo um a cada es component mil cem de cerca de B-24 pesado o bombardeir sofisticado
sessenta e três minutos; os trabalhadores da construção aérea americana, em número muito superior aos japoneses, também eram quatro vezes mais produtivos do que seus equivalentes inimigos. Em agosto de 1945, menos de quatro anos depois do início da guerra, os Estados Unidos haviam produzido quase trezentas
mil aeronaves e 87.620 navios de guerra. Já em meados de 1944, a indústria americana estava produzindo frotas novas inteiras a cada seis meses, cheias de aeronaves navais de tamanho comparável à toda a força americana em Midway. Depois de 1943, tanto navios quando aviões americanos — dezesseis novos
porta-aviões de classe Essex equipados com caças de mergulho Hellbomber, caças
Corsair e Hellcat e torpedeiros Avenger — eram superiores em qualidade e em quantidade a qualquer coisa existente nas forças armadas japonesas. Os modernos encouraçados de classe Iowa que apareceram na segunda metade da guerra
eram superiores em velocidade, armamento, alcance e proteção defensiva a qual-
quer coisa encomendada pela marinha japonesa, e eram encouraçados muito mais eficazes até do que os monstruosos Yamato e Musashi. Em poucos meses
depois de Midway, não só as forças navais e aéreas dos Estados Unidos haviam compensado todas as perdas em Midway, mas todas as suas forças armadas estavam crescendo em progressão geométrica, enquanto a marinha japonesa na verdade começou a encolher, já que fábricas ultrapassadas e muitas vezes bombardeadas não eram sequer capazes de substituir navios e aviões obsoletos perdidos para as armas americanas, quem dirá fabricar novos. Era uma repetição exata
483
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do arsenal de Veneza e do resultado de Canas.
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Ainda assim, o bombardeio americano na manhã do dia 4 de junho caro. O Homet perdera onze de seus doze caças Wildcat, o Ea
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caças de mergulho e caças, e o Enterprise, quatorze caças de mergulho
E um caça. Mas essas perdas eram toleráveis quando comparad as ao massacre quase total dos torpedeiros americanos minutos antes. *
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A aniquilação dos devastadores A batalha de Midway pode ser entendida por dois ac ontecimentos inextri-
cavelmente ligados: a destruição de uma força militar am ericana inteira por pilotos de caça japoneses que, momentos depois, levou à derrota dos próprios porta-aviões japoneses. Um destino tão mortal quanto estar em um dos porta-
aviões japoneses na batalha de Midway era estar pilotando um dos pesados é
ultrapassados torpedeiros TBD Devastators que, no início da manhã de 4 de junho, haviam dado início ao ataque dos porta-aviões americanos. Em certo sentido, sua aniquilação pelos caças Zero japoneses, junto com o combate
acirrado de alguns caças Wildcat americanos, dera a seus companheiros que pilotavam caças de mergulho a oportunidade de atacar sem serem vistos ou atingidos. Todos
os torpedeiros
americanos
fariam abordagens
corajosas à
frota japonesa; nenhum atingiria o alvo; e quase todos, com suas tripulações
de dois homens, seriam abatidos. Dos oitenta e dois homens que rumaram para Os porta-aviões japoneses nos TBD, apenas treze sobreviveram. No entan-
to, um dos comandantes aéreos japoneses em Midway, Mitsuo Fuchida, zom-
bara dos americanos em seu relatório oficial na véspera da batalha, dizendo que lhes faltava vontade de lutar.
No início da guerra, os TBD Devastators encomendados em meados da década de 1930 já não eram capazes de devastar nada; na realidade, não passavar
de caixões voadores tanto para o piloto quanto para o atirador atrás deste
(Quando carregados com seu único torpedo obsoleto de 450 quilos — por si sÓ
a pouco confiável e tão propenso a cair| fora do alvo sem causar danos quanto a
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0 explodir quando o atingia —, nã por hora. Com carga quilômetros ilômetros. (Quando 0 u 8 q s 2 a en ap
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os aviões em si mal conseguiam atingir 160 total, tinham um alcance de combate de
atacavam navios rumando em direção con-
«ária a trinta nós, OS TBD eram forçados a chegar muito perto do mar para
s de reaí es dad oci vel a am av vo que já da, qua ade m ge da or garantir uma ab a. Os aviões pro de to ven se ves hou não se — a hor por os etr lôm qui 96 de menos o terrivelmente longa e imaçã aprox Essa r. decola guiam conse l a m s o d a g e r ar
c
y a w , s d e i s M m e e e u n q o p o a s r j a e ç Z a a s c s r i o a e a s p c v o á v a f al exp osta os torn
de m lhava mergu e mais ou nta quare de s grupo em m voava vezes algumas muito alto a 483 quilômetros por hora. Ao contrário das aeronaves ameri«anas obsoletas, os torpedeiros japoneses em 1941 podiam mergulhar a praticamente 483 quilômetros por hora e lançar um torpedo bem mais pesado e mais eficaz a uma distância maior. No dia 4 de junho, trinta e cinco dos quarenta e um Devastators foram abatidos ao atacar os porta-aviões japoneses — fato que hoje mal se pode
compreender dados os protocolos da prática militar americana porânea, onde tropas que gozam de uma superioridade tecnológica, e numérica arrasadora algumas vezes não entram no confronto por perder um punhado de combatentes. A maioria das tripulações dos
contem-
material medo de Devasta-
tors jamais decolara armada com um torpedo do convés de um porta-aviões
— e agora estava sendo enviada em uma missão em suas aeronaves decrépi-
tas, que mal tinham combustível para voltar para casa, contra um alvo em grande parte desconhecido e não localizado. Mais tarde, as forças armadas americanas ficaram horrorizadas com o uso de aviões kamikaze japoneses no
final da guerra; no entanto, as ordens para os ataques dos Devastators em Midway foram praticamente suicidas.
Midway foi a última grande batalha na qual os torpedeiros obsoletos foram usados; em Midway propriamente dita, alguns pilotos navais já estavam no comando de um pequeno número dos substitutos mais novos, os Grumman
1
485.
ali
1
TBF Avengers, que no final da guerra, armados com novos torpedos, acumu-
i Por que o Ocidente venceu
lariam um recorde formidável de ataques baixos à frota jap onesa. ' Os A Ven. gers podiam atingir quase o dobro da velocidade dos Devastators ' Carr e Bavam duas vezes mais armamentos e eram capazes de aguentar muito mais
agressões. No entanto, nenhum deles ainda subs tituíra os antigos TBD em nenhum dos porta-aviões em Midway — na verd ade, dezenove dos Aven.
gers substitutos haviam chegado em Pearl Harbor vindos de Norfolk. na Virgínia, nos Estados Unidos, no dia 29 de maio, um dia depois de o Home a par para Midway. Apenas seis foram transp ortados até os pilotos em Midway. Se os Avengers houvessem substituído os Deva stators em todos os três por.
ta-aviões, o número de navios afundados pelos americanos poderia ter sido ainda maior, e a perda de pilotos certamente teria sido menor — embora, como veremos, o fator decisivo em Midway, em certo sentido, tenha sido a
simples vulnerabilidade dos aviões obsoletos, que atraíram os ávidos Zeros em bandos, enquanto o verdadeiro perigo para a frota japonesa vo ava alto,
e não baixo, nos céus. Em todo caso, o historiador naval Samuel Eliot Mo -
rison, em observações que lembram o relato de Canas escrito por Lívio, intitulou um capítulo inteiro de sua narrativa “O massacre dos torpedeiros”.
Foi realmente um massacre abjeto. Na manhã de 5 de junho, o tenente comandante John C. “Jack” Waldron, comandante do esquadrão de torpedeiros VI-8 no Homet, distribuiu cópias de sua mensagem final às tripulações pouco antes da decolagem. Os papéis
mimeografados terminavam com um tom melancólico:
Minha maior esperança é que encontremos uma situação tática favorável, mas se
não a encontrarmos e o pior acontecer, quero que cada um de nós faça 0 possível
para destruir nossos inimigos. Se sobrar apenas um avião para uma aproximação
final, quero que esse homem entre e acerte. Que deus nos acompanhe a todos. Boa Midway sorte, boas aterrissagens, e vamos acabar com eles! (G. Prange, Miracle in [Milagre em Midway], 240)
A86
E,
Victor
de
Davis
Hanson
Jack waldron decolou do Hornet para o último vôo de sua vida às 8:06h, li“ando quinze Devastators contra a frota japonesa. Os trínta e cinco caças
apoio do Hornet logo passaram a voar de t Wildca caças dez os e ho ul de merg
s, escondidos pelas nuvens. Waldron teve que or at st s va do De sa s pe do ma aci
encontrar e atacar sozinho os porta-aviões — uma tarefa praticamente imposcível, já que não havia nem Wildcats para repelir os Zeros que atacassem nem '
caças de mergulho Dauntless voando alto para evitar os disparos antiaéreos
da frota imperial. Em vez disso, todas as defesas aéreas e marítimas dos navios
japoneses seriam apontadas para os lentos aviões de Waldron que se aproxi-
mavam sobre a água a 160 quilômetros por hora. Os caças de mergulho do
Homet tiveram sorte ainda pior: nunca chegaram a encontrar a frota japonesa e, assim, não soltaram uma única bomba. O fracasso dos caças de mergulho e dos caças do Hornet em encontrar seus alvos talvez não tenha sido um acontecimento tão espantoso quanto observam alguns historiadores, se lembrarmos que os aviões individuais não tinham nem radares eficientes nem instru-
mentos de navegação avançados e eram em sua maioria pilotados por homens inexperientes — nenhum dos pilotos do Homet jamais participara de nenhum combate — voando sobre um Pacífico infinito e indistinto à procura de pequenos pontos lá embaixo.
Devido às numerosas manobras diversivas para evitar ataques de Midway ho início da manhã, os porta-aviões japoneses sob o comando do almirante Nagumo
não estavam exatamente
navegando
na posição calculada pelos
americanos para quando os bombardeiros e caças americanos chegassem.
Instintivamente, diatamente
Waldron antecipou a mudança de rota do inimigo; ele ime-
mudou
sua rota para o norte e, assim, comandou
o primeiro es-
quadrão aéreo naval americano ao encontro da frota japonesa.
Sem a proteção de caças ou bombardeiros aliados por cima, dando-se conta de que era o primeiro piloto americano a atacar e conformado com o fato de que, depois de torpedear a frota japonesa, seus aviões não teriam sequer gasolina suficente para voltar a seu porta-aviões de origem mesmo se sobrevivessem à apro487 4
Poa
T
QasisEs
ds N
or que o Ocidente venceu
ximação de bombardeio, Waldron mandou uma mensagem de rád io comuni ICan. do ao Homet sua intenção de seguir em frente de qualquer maneira. O E Pitão Marc Mitscher recordou que Waldron “pro meteu que seguiria em frente apes ar de todos os obstáculos, sabendo muito bem que seu esquad rão esta
Va conde. nado à destruição sem nenhuma chance de volta ao porta- av iões em Seguran. ça” (5. Morison, Coral Sea, Midway and Submarine Acti ons [Mar de Coral Mid
way e ações submarinas], maio de 1942 — agosto de 1942, 117). O primeiro Zero a se aproximar derrubou um dos TBD de Waldron, e
durante os minutos seguintes quatorze aviões do esquadrão de torpedeiros 8
também foram sucessivamente abatidos a tiros de metralhadora e canhão. Os
poucos aviões que chegaram perto o bastan te para lançar seus torpedos erraram completamente o Akagi e o Soryu. Os Devast ators atingidos que não explodiram com os tiros de metralhadora se desintegraram ao atingir o mar, batendo
nas ondas e capotando a 160 quilômetros por hora. O própri o Waldron foi visto pela última vez de pé em sua cabine em chamas. Sua intuição e sua experiência de navegação acabaram levando o esquadrão de torpedeiros 8 diretamente
para cima dos porta-aviões japoneses, mas infelizmente os caças de mergulho e os caças do Homet ainda estavam atrás dele, em sua maioria perdidos, e es-
palhados muito mais acima — e ele estava pilotando um TBD Devastator. Batalhas de infantaria nas guerras modernas são muitas vezes brutais e aterrorizantes, mas os ferimentos dos pilotos navais são ainda mais cruéis e suas chances de sobrevivência praticamente nulas. Geralmente pensamos que a cou-
raça de metal da aeronave, sua capota de vidro e o assento blindado debaixo do piloto desviam os tiros e dão ao ocupante atingido um mínimo de proteção. Na verdade, já que os aviões muitas vezes atingiam uma chuva de balas em alta velocidade, a força combinada da bala e do alvo em movimento em geral literal
mente dilacerava o piloto. Além disso, o piloto naval da Segunda Guerra Mundial ficava sentando em cima de milhares de quilos de combustível e fortes explosivos a centímetros de seus pés, prontos para transformá-lo em pó no instante em E que os tiros de canhãoa e rastreadores do inimigo detonavam a mistura le tal. 488
Victor
Davis
Hanson
Ford Pilotar um Devastator carregado em Midway seria como dirigir um
Corcel na pista da direita, com a mala e os assentos carregados de dinamite, do tiros de metraaran disp am pass dos rápi mais bem tos pilo os Outr nto nqua e fhadora. Ao contrário do cuidado com os feridos nos combates terrestres,
até mesmo ferimentos aparentemente não-fatais não podiam receber trata-
Levar retaguarda. a para evacuado ser podia não piloto o e do, rápi to men um tiro er a O começo, não o fim do sofrimento — a mesma arma de fogo que fazia sangrar também danificava ou destruía o próprio avião, prometendo
em alguns segundos um impacto ainda pior e a subsegiente bola de fogo causada pela explosão da gasolina. Mesmo em tempos de paz, o local do de-
sastre de um avião de passageiros no mar fica coalhado de pequenos pedacos de metal da aeronave — e os corpos bem mais frágeis dos ocupantes são pulverizados ou carbonizados até ficarem irreconhecíveis pela força do impacto e do incêndio subsequente. Em um ataque ideal a um porta-aviões, os Devastators deveriam chegar por
último, depois de os caças de mergulho SBD Dauntless terem mergulhado de uma altura de mais de quatro mil e quinhentos metros, com caças Wildcat
mergulhando de alturas ainda maiores para dar cobertura a seu ataque. Então, uma vez que os navios e aviões inimigos estivessem ocupados, os pesados tor-
pedeiros teoricamente poderiam entrar no meio da confusão pelo nível do mar sem serem atingidos, para disparar seus torpedos. No entanto, devido ao
equívoco americano quanto à navegação, todos os Devastators de Waldron
receberam a totalidade do impacto do ataque antiaéreo e aéreo japonês. Nenhum avião do esquadrão de torpedeiros 8 sobreviveu. Dos trinta tripulantes que deixaram o Hornet às oito horas daquela manhã, apenas o guarda-marinha George H. Gay sobreviveu ao massacre; embora ferido, conseguiu de alguma maneira se esgueirar para fora de seu Devastator quando este caiu no
mar e depois flutuar sem ser notado em meio aos navios japoneses até ser enContrado na água por um avião de resgate americano na tarde seguinte. O
489
tt
destino do esquadrão de torpedeiros 8 foi apenas o primeiro dos três massacres
A
X
|
Por que o Ocidente venceu
de esquadrões de torpedeiros no dia 4 de junho, mas só temos o relato po Ste. rior de Gay para saber o que aconteceu nos últimos minutos das vi das dos vi Inte e nove membros de seu esquadrão. Enquanto os mortíferos Zeros volt avam periodicamente aos Porta-av iáões “AVi
para se reabastecer e se rearmar durante o tiroteio da manhã, um obse
Tvador
no Akagi assinalou que “as tripulações de serviço recebi am com al egria os pilotos que voltavam, davam-lh es tapinhas nos ombros e gritavam palavr de as
incentivo. Assim que o avião ficava pronto no vamente, o piloto dava um sinal
com a cabeça, empurrava o afogador e subi a rugindo de volta aos céus. Essa
cena se repetia incontáveis vezes enquanto a desesperada batalha aérea conti.
nuava (M. Fuchida e M. Okimiya, Midway, a batalha que condenou o Japão, 176). Os pilotos americanos tinham poucas chances de se recuperar mesmo
que sobrevivessem ao ataque dos Zeros; a maioria dos que conseguiam sair de seus bombardeiros que afundavam era metralhada na água. Os dois pilotos
navais que sabemos terem sido capturados em Midway foram interr ogados e, pouco depois amarrados, carregados com pesos e lançados ao mar. À ordempadrão para os navios de patrulha japoneses era interrogar Os prisioneiros para
conhecer a situação do inimigo e em seguida “dar-lhes um fim adequado”. A motivação geral a bordo dos porta-aviões japoneses era alta e no limite da arrogância. E por que não? Até ali, a frota não sofrera nenhuma derrota real e só tinha desprezo pelo potencial de combate dos marinheiros, soldados de infantaria e pilotos americanos. Desde o início da guerra, no dia 7 de de-
zembro de 1941, só os porta-aviões japoneses haviam afundado ou danificado oito encouraçados e dois cruzadores (Pearl Harbor, 7 de dezembro) e bombar-
deado e afundado os encouraçados britânicos Repulse e Prince of Wales (ia
costa de Kuantan, 10 de dezembro), os cruzadores Houston e Marblehead E norte de Java, 4 de fevereiro de 1942), os cruzadores britânicos Exeter, Comual
e Dorsetshire (27 de fevereiro na costa de Tiilatjap e 5 de abril perto de çó
lombo). Eles mandaram para o fundo do mar ou danificaram seriamente US :
porta-aviões aliados (HMS Hermes, perto de Trincomalee, em 9 de abril, € 490
Le:
Victor
Davis
Hanson
ngton € Yorktoum [danificado], na batalha do mar de Coral, em 8 de maio) xin
p
«udo ao custo de poucos destróieres e de um único porta-aviões leve. Nos encouraçado e um ham tin dos Uni s ado Est os , way Mid para os ativ epar [
apenas
| “£ rês porta-aviões em toda sua frota do Pacífico. Os americanos aínda E
não haviam
afundado
um
único
navio
japonês
importante.
O
ex-piloto
ram Masatake Okumiya e O engenheiro aeronáutico Jiro Horikoshi resumi
e os primeiros nt ra s du sa ne po as ja re aé lva na as ri tó vi e de esse notável record
seis meses da guerra:
O número de navios inimigos e japoneses perdidos nos primeiros seis meses da guer-
ra era literalmente a materialização do conceito de “condições ideais de combate” da marinha de “só travar uma batalha naval decisiva sob controle aéreo”. Durante os dez anos anteriores à Guerra do Pacífico, havíamos treinado nossos pilotos implicitamente a acreditar que batalhas navais travadas sob nosso comando do ar só poderiam resultar em vitórias nossas. As fases iniciais da Guerra do Pacífico confirmaram dramaticamente essa crença. (M. Okumiya e J. Horikoshi, Zero!, 153)
Essa segurança muitas vezes explicava a crueldade gratuita para com os soldados capturados, considerados covardes por terem se rendido. Durante a cam-
panha anterior da ilha de Wake, imediatamente depois de Pearl Harbor, ma-
inheiros japoneses haviam agredido e espancado rotineiramente marinheiros americanos capturados antes de despachá-los para campos no Japão e na China. Pelo menos cinco americanos foram decapitados durante cerimônias no con-
vés de uma das embarcações, e em seguida tiveram seus corpos mutilados debaixo de gritos de incentivo dos marinheiros japoneses, antes de serem joBados ao mar. Desde o início da Guerra do Pacífico, houve uma selvageria na
abordagem japonesa da batalha — decorrente em parte de uma animosidade
"acial inata, em parte da perversão do antigo código Bushido de protocolo Militar pelos militaristas japoneses durante os anos 1930, em parte da raiva contida pela longa presença colonial européia na Ásia — que logo provocaria pn
491 E
a
ao
Por que o Ocidente venceu
retaliações das forças anglo-americanas. Esse ódio mútuo explica grande
da tensão e da coragem dos combatentes em Midway.
Parte
Japoneses quase sempre continua vam a chacinar e torturar Prisione iros
ados
Bem depois de a matança no campo de batalha ter terminado, os sola d
rendi. dos e desarmados — na China, nas Fi lipinas e no Pacífico — com mui to Mais
frequência do que os britânicos ou os americanos. Os aliados não tinham nada que se comparasse aos campos de concentração japoneses,
riências
médicas
macabras
e fuzilamentos
rotineiros
não
eram
incomuns
É bem verdade que os americanos às vezes cometiam brutalidades em escala
bem maior, como provam o bombarde io de cidades japonesas e os ataques nucleares a Hiroshima e Nagasaki. No enta nto, aos olhos dos americanos — e
Isso era totalmente característico da guerra à mo da ocidental que tivera sua
origem nos campos da morte à luz do dia da Grécia an tiga e se transformara nos conceitos romano, medieval e cristão de gu erra justa (ius in bello) —, seu bombardeio indiscriminado era muito diferente do assass inato de prisioneiros. Os aliados matavam em escala maciça, mas quase exclus ivamente em
ataques abertos e diretos, com verdadeira notificaçã de in tenção, geral. o
mente como represália e sob fogo hostil — e não geralmente em campos ou depois de terminado o tiroteio. A defesa antiaérea é os caças japoneses tentavam abater a tripulação dos bombardeiros que saltava de pára-quedas,
geralmente
executada
depois
de uma
aterrissagem forçada em território
inimigo. Para os americanos, os japoneses estavam “livres” em combate
aberto para impedir ataques de bombardeiros a seus alvos urbanos e indus: triais. Eles sabiam que os aviões americanos estavam chegando e deveriam esperar retaliações por terem começado a guerra e conduzir agressões nã China e no Pacífico de modo inteiramente cruel e bestial. Os americanos pensavam ainda que, contanto que matassem durante a troca de mi j fizessem como parte de um esforço para destruir a base militar-indust rial
;
Japão imperial, tudo era mais ou menos permitido em uma batalha campa” : ue as Por sua vez, os japon eses simplesmente contavam os morto
s e viam 9
492 dd
la
Victor
LÊ 5
Davis
Hanson
« americanas haviam matado centenas de milhares de civis inocen» mais do que Os prisioneiros americanos torturados e executados pelos
ores e guardas de seus campos. ad interrog Essa dicotomia era verdadeira em relação a todos os confrontos Oriente-
Ocidente na história da guerra: os ocidentais se queixavam das execuções cumárias e tortura de seus combatentes capturados indefesos, enquanto suas
próprias forças muito mais bem armadas e equipadas massacravam abertamente e “de forma justa” milhares de pessoas durante o combate. Os não-ocidentais consideravam bárbaros esses ataques com metralhadoras, barragens
de artilharia e bombardeios maciços contra seus próprios soldados mal-equipa-
dos e contra civis ainda mais vulneráveis — mesmo que com frequência muti-
lassem e executassem prisioneiros de guerra. Nesse sentido, por exemplo, Hernán Cortés e Lorde Chelmsford ficaram indignados quando os astecas e zulus torturaram e mataram prisioneiros, mas eles próprios consideravam nor-
mal, no calor da batalha, perseguir e abater pelas costas, com lanças, milhares de indígenas americanos e zulus malprotegidos. Os britânicos ficaram escandalizados pela decapitação e pela profanação de seus mortos em Isandhlwana, mas pensavam que metralhar centenas de guerreiros zulus armados com lanças na batalha de Ulundi era jogar limpo. Para os americanos, os bombardeios ea incineração de quase duzentos mil soldados, trabalhadores e civis japoneses em uma única semana em Tóquio durante o mês de março de 1945 e o
envio de japoneses capturados para campos de prisioneiros de guerra relati-
“amente humanos no interior dos Estados Unidos faziam perfeito sentido, militarmente falando; para Os japoneses, o assassinato de pilotos de B-29 aba-
tidos, geralmente por decapitação sumária, era uma pequena recompensa pela “Temação de centenas de milhares de seus patrícios. Mais ou menos na mesma hora em que o esquadrão de torpedeiros 8 de Waldron estava sendo aniquilado em seu ataque condenado ao Soryu, outro Stupo de Devastators — os quatorze torpedeiros do esquadrão de torpedeiros Ó do tenente comandante Eugene E. Lindsey, do Enterprise — sobrevoaram o
493
T-
q or
“
N
Por que o Ocidente venceu
Akagi e rumaram para o Kaga. Embora os torpedeiros do Enterprise tiv
bad q mais experiência do que os Devastators de Waldron — alguns a nã Wake e Marshall de ilhas das recentes campanha s tido nas = Lindsey, assim como os aviões do Homet, vinham sem escolta de aa a ajuda de caças de mergulho, que ainda estavam lá em cima Nas nuvens, A,
falhas de cálculo originais para encontrar a frota japonesa, a cobertura das
nuvens e a grande variação de altitude entre os torpedeiros, caças de Mergu. lho e os caças fizeram com que esse grupo de Devastators também perdesse
contato logo no início com as outras escoltas de caças do Enterprise . Estas últi. mas nunca encontraram os torpedeiros ou caças de mergulho de seu porta-
aviões e retornaram ao Enterprise sem disparar um único tiro.
Essa ausência completa de aeronaves de apoio garantiu que o massacre do esquadrão de torpedeiros 6 fosse inevitável. No entanto, a facilidade com que os japoneses derrubaram essa segunda leva de torpedeiros deu aos atiradores navais da frota imperial um falso sentimento de segurança — alguns oficiais pensaram que fossem capazes de abater a força naval americana inteira, sem sequer atacar seus porta-aviões pelo ar. O comandante aéreo Genda, no Akag, comparou corretamente os Devastators a mulas cansadas. Depois de algumas horas derrubando os bombardeiros com base terrestre e os torpedeiros dos porta-aviões, os tripulantes da frota imperial consideraram os americanos Surpreendentemente corajosos, mas amadores e inexperientes, com aviões antl-
quados e torpedos abaixo dos padrões. Sua avaliação de modo geral estava correta em praticamente todos os aspectos.
Vinte e cinco Zeros dos porta-aviões visados desceram do alto de sum patrulhas aéreas para destroçar o esquadrão de torpedeiros 6, a quilômetros
da frota japonesa. Durante quinze minutos, defesas antiaéreas e caças despe daçaram os pesados Devastators, que se dividiram para formar um au pelos dois lados do Kaga. O avião de Lindsey foi um dos primeiros a Ser una do e rapidamente pegou fogo. Finalmente, às 9:58h, quase duas horas depor erto É : de terem decolado do Enterprise, quatro TBD sobreviventes chegaram P 494
Victor
Davis
Hanson
Esses o. alv o u ngi ati um nh Ne a. Kag no os ped tor s seu çar lan a suficiente par
os tr Ou . ar lt vo a ue aq at o nd gu se desse ze or at qu s do es iõ av os ic ún os oram
O
É
O . mar no do ci re pa sa de am vi ha os an ic er am vinte tripulantes dos torpedeiros
u. uo in nt co D TB dos re ac ss ma
contra os re aé es rõ ad qu es do an nç la m va ta es os Três porta-aviões american
e agora o o, nh ju de 4 dia do h 00 8: das ta vol por ay dw a frota japonesa em Mi esquado ey ss Ma m Le de s or at st va De ze do os — s ro ei ataque final de torped em ra ho a sm me na s no me ou is ma u ry So o ou nç ca drão 3 do Yorktoun — al os mo co m si As . mar no do in ca m va ta es se ri rp te En do e que os TBD do Homet olta de esc sem am gar che sey Mas de ões avi os s, ado den con os eir ped outros tor enas Ap . sa ne po ja a re aé e a re aé ti an sa fe de da o çã en at a da to do in ra caças, at yu. Hir o tra con os ped tor çar lan a par te tan bas o to per am cinco TBD chegar am uir seg os Zer dez a seis De o. alv do ge lon to mui os tid aba am for es Três del O os remanescentes do esquadrão de torpedeiros 3 por todo o caminho até mais porta-aviões, forçando as pesadas aeronaves americanas a chegar a pouco
de 45 metros do mar.
Assim como Waldron e Lindsey antes dele, Massey não sobreviveu aquela manhã. Perícia ou coragem nada significavam quando se estava pilotando um Devastator obsoleto. Os poucos tripulantes do esquadrão de torpedeiros 3
que conseguiram voltar relataram que Massey fora um dos primeiros a ser atingidos e fora visto pela última vez de pé na asa de seu avião, depois de
se esgueirar para fora de uma cabine em chamas. À pequena e pouco nu-
merosa escolta de caças do Yorktown comandada por Jimmy Thatch estava lutando corajosamente com outros Zeros quilômetros acima de Massey e
era incapaz de ajudar seu esquadrão de torpedeiros 5. Novamente, por uma desafortunada mistura de má sorte, incompetência generalizada e ação incorreta da tripulação, toda a força de caças de mergulho e de caças do ter-
ceiro porta-aviões americano, o Hornet, não teve absolutamente nenhum papel nos ataques iniciais à frota japonesa. Todos os Wildcats e Dauntlesses do Hornet deram meia-volta para o porta-aviões ou se espatifaram no mar
Er
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Por que o Ocidente venceu
por falta de combustível. Só os torpedeiros de Waldron eNcontraram qr: migo e foram abatidos sem exceção. pic Depois de os japoneses repelirem o terceiro ataque de torpedeiros americanos
a cobertura protetora dos Zeros da frota estava desorganizada e próxima do nív | do mar, e não na altura necessária acima da frota, em formação, à espreita Ê
caças de mergulho. Depois do tiroteio da manhã, muitos caças Japoneses esta.
vam aterrissando para se reabastecer e se rearmar, e toda a atenção do arsena l
antiaéreo da frota estava concentrada em abater os últ imos torpedeiros conde. nados no nível do mar. Por milagre, praticamente no mesmo instante em que 0 terceiro e último ataque de T'BD foi repelido, dúzias de bombardeir os Dauntless
do Enterprise e do Yorktown finalmente chegaram voando alto, como se aqu ela fosse sua deixa. As primeiras 102 aeronaves dos porta-aviões americanos haviam
sido abatidas ou perdidas, mas ainda restavam cinqiienta caças de mergulho — menos de um terço da força original — para iniciar o ataque. Agora, para sua completa surpresa, eles mergulharam incólumes de uma altura de mais de qua-
tro mil e quinhentos metros para incendiar o Akagi, o Kaga e o Soryu. Para o americano moderno às vésperas do novo milênio, esses pilotos de
porta-aviões de mais de meio século atrás — Massey, Waldron e Lindsey, vis-
tos pela última vez tentando se libertar de um mar de chamas enquanto seus aviões eram destroçados por Zeros — parecem agora exemplos sobre-humanos daquilo que constituía o heroísmo nos meses sombrios depois da Segunda Guerra Mundial. Até seus nomes parecem quase caricaturas de uma masculi-
nidade americana antiga e robusta — Max Leslie, Lem Massey, Wade McClusky Jack Waldron —, combatentes condenados que não eram todos conscritos de m
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18 anos de idade, mas geralmente eram casados e tinham filhos, e pilotava . E ; E ; a o oa TUM disposição, simples com não e entusiasmo, com aviões seus decrépitos E
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famílias em um fim pelo fogo acima da frota japonesa, transformando suas ”
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fãos em poucos segundos se preciso fosse para defender tudo aquilo que vê 4
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rizavam. É de se perguntar se os Estados Unidos de Nicoles, Ashleys € Jas .
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suburbanos e viciados em videogames verão homens assim novamente. 496
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Victor
Davis
Hanson
A frota imperial sai de cena s da Segunda Guerra Mundial navai has batal es maior das uma foi Midway
depois, foi um dos cone, assim com o à batalha do golfo de Leyte dois anos vos da história da guerra naval. Travada em s si xo ci de le e mp co is ma os nt fro
«rês dias ao longo da linha do tempo internacional, teve um teatro de mais de 1.600 quilômetros de largura. A batalha viu ataques de porta-aviões japo-
meses contra Midway, confrontos de porta-aviões com torpedeiros e caças de mergulho,
embates
aéreos entre Zeros e caças americanos tanto de base
+errestre quanto de porta-aviões, torpedos de submarinos e contra-ataques
de destróieres, surtidas de caças de mergulho e bombardeiros americanos de grande altitude baseados em Midway, e esforços inúteis de encouraçados e
pesados cruzadores japoneses para trocar tiros com porta-aviões e cruzadores americanos. Na primeira semana de junho de 1942, homens acima, so-
bre e debaixo do vasto Oceano Pacífico tentavam freneticamente explodir uns aos outros. O arquiteto do bem-sucedido ataque surpresa japonês a Pearl Harbor, almirante Yamamoto, reuniu quase duzentos navios de guerra para a ofensiva de Midway-Aleutas — porta-aviões, encouraçados, cruzadores, destróieres, sub-
marinos e navios de transporte de tropas —, cujo deslocamento conjunto ultrapassava 1,5 milhão de toneladas, tripulados por mais de cem mil marinheiros e pilotos, e comandados por vinte almirantes. Oitenta e seis desses navios combateriam só no teatro de Midway. Assim, a escala do confronto com a frota americana chegaria perto do enorme número de combatentes pre-
sentes nas batalhas navais de proporções gargantuélicas do passado entre
Oriente e Ocidente em Salamina (cento e cinquenta a duzentos e cinquenta mil) ou Lepanto (cento e oitenta a duzentos mil). À frota japonesa que par-
tiu para Midway era a maior e mais poderosa flotilha da história da guerra naVal — até os próprios americanos reunirem uma armada maior e ainda mais mortal em pouco mais de dois anos na batalha do golfo de Leyte. F
497
SEN
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Mesas
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Por que o Ocidente venceu
Os pilotos nos porta-aviões Akagi, Kaga, Hi ryu e Soryu estavam e melhores do Japão e tinham muito mais anos de experiência do qu =
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“ Seus equivalentes novatos na frota americana. A arma da inteira tinha um d Orça
aérea potencial de quase setecentos aviõ es de base naval e terrest Te porta-aviões e transportes, e mais de trezentos só pert á perto de Midway. Os oneses estavam tão seguros
Havaí”
de uma vitóri
— que consideravam a campa nha
E
]
em ja-
im
um prelúdio para as operações 1
]
ainda mais vastas que idealmente permit iriam sua imbatível força de porta. aviões chegar até a Nova Cale dônia e as ilhas Fiji no início de jul ho de 1942 e, mais tarde, no mesmo mês, bomb ardear Sydney e as bases aliadas
no sul da Austrália, antes de reunir toda a fro ta para um golpe decisivo contra o Havaí no início de agosto. No início de outono do 1942, o sonho de Ya mamoto de uma ofensiva.
relâmpago contra os americanos perplexos e desprepara dos estaria completo com a ocupação de Midway. Depois da perda de todas as sua s bases no
Pacífico, do corte de suas linhas de abastecimento para a Austráli e de a, sua
frota no Pacífico ter sido afundada, os Estados Unidos certamente pediriam uma paz negociada — uma paz que ratificaria o controle japonês da Ásia e demarcaria no Pacífico limites claros para a influência americana. O bom-
bardeio surpresa a Tóquio no dia 18 de abril por bombardeiros médios B25 baseados em porta-aviões apenas convencera o alto comando japonês a apressar seus derradeiros planos de verão para livrar o Pacífico do incômodo americano. Os estudiosos com frequência apontaram defeitos nos diversos componentes do plano de Yamamoto, que se revelaria sofisticado demais, mal coordenado e com um número excessivo de objetivos: a conquista de Midway, a ocupação o da frota americana | de parte das Aleutas ocidentais e a destruição de po r ta-
aviões eram objetivos difíceis de serem realizados em uníssono e, às vezes; quai
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paradoxais. Assim, a frota japonesa foi fragmentada em uma série de forç sde a
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. , . ru ataque desconexas — pelo menos cinco, com seus próprios diversos subgruP
498
os
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tão dispersas e com
Davis
Hanson
frequência sem comunicação que os
zar sua enorme superioridade numérifocali de es capaz foram nunca es pones ja
«a em um único lugar.
idealmente, os navios de Yamamoto
dariam início às hostilidades
despachando mais de quinze submarinos a leste de Midway para detectar logo
a oeste. Os subst í co a da va ou a an Ha nd do ic vi er a o ot am çã fr da ma xi a apro marinos eram capazes de abastecer aviões de busca marítima, bem como de -omunicar de antemão à frota principal o tamanho e o número dos inimigos
que se aproximavam antes de torpedear os encouraçados em trânsito. No entanto, devido à soberba inteligência americana com relação a todo o modo
japonês de atacar, praticamente todos os submarinos chegaram tarde demais. Eles não deram nenhuma informação a Yamamoto sobre o progresso dos americanos. Durante a maior parte do início da batalha, ficaram muito para trás da maioria da frota americana, sem ter idéia de que os americanos na verdade
já estavam fora de Midway e esperando pelos porta-aviões japoneses.
Em seguida, uma força do norte comandada pelo vice-almirante Moshiro Hosogaya lideraria dois porta-aviões leves, seis cruzadores pesados e leves, do-
ze destróieres, seis submarinos e outros navios variados, junto com dois mil e
quinhentos homens, para ocupar as Aleutas — um ataque que se revelaria taticamente bem-sucedido, mas sem nenhuma vantagem estratégica para os ja-
poneses. Enquanto a ocupação de Midway podia levar a ataques ao Havaí e ao quartel-general da frota americana, ninguém no almirantado japonês jamais soube explicar o significado a longo prazo de ocupar uma ou duas gélidas ilhas no mar de Bering, onde havia poucos soldados americanos e nenhuma indústria — e que ficavam longe tanto do Havaí quanto da costa oeste dos Estados Unidos. Contra Midway em si, os japoneses enviariam a 1º Força de Ataque Móvel de Porta-aviões, com o Akagi, Kaga, Hiryu e Soryu, apoiada por subgrupos de
dois encouraçados, três cruzadores e onze destróieres. Depois que as aerona-
ves dos porta-aviões houvessem enfraquecido a ilha por meio de inúmeras 499
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Por que o Ocidente venceu
surtidas de bombardeio, o contra-almirante Raizo Tanaka chegaria com d Oze navios de transporte e três destróieres de transport e carregando cin Co mil homens para ocupar Midway. Se a força de ocupação precis asse de c
se a frota americana mordesse a isca e tentasse reagir à invasão, o vice -almi.
rante lakeo Kurita então providenciaria mais pode r de fogo para o ataque co m quatro
cruzadores pesados e dois destróieres — que se juntariam à força ainda
maior de dois encouraçados, quatro cruz adores pesados, um cruzador leve oito destróieres e um porta-aviões leve do almirante Ko ndo. Os fas
imaginavam uma marinha americana atrasada, desfal cada e ingênua desespe.
rada para atacar uma sucessão de navios fantoche , que seria esmagada por
porta-aviões e encouraçados imperiais ainda ma iores e mais mortais que estariam à espera.
O contra-almirante Ruitaro Fujita viria em seguida com doi s porta-aviões de aviões anfíbios e dois navios menores para ocupar a pequena ilha próx ima de Kure, na esperança de estabelecer uma força aérea com base terrestre para
ajudar no reconhecimento de Midway e nos ataques contra a frota americana. Em um confronto de superfície, os americanos nada tinham que se comparasse
à artilharia pesada japonesa, e se os porta-aviões perdessem sua rede de prote-
ção aérea ou se encontrassem perto demais da rápida frota japonesa, não havia nada em seu arsenal para impedir os encouraçados de explodirem os navios
americanos pelos ares.
O coração da armada japonesa estava em outro lugar. Quatro encouraçados, dois cruzadores leves e doze destróieres estavam bem ao norte de ame sob o comando do vice-almirante Takasu, junto com a força principal do almirante Yamamoto de três encouraçados — incluindo o monstruoso Yamato, de 64
mil toneladas, cujas armas de 46 centímetros eram capazes de disparar enorme gs
arde
dor leve, nove
projéteis a uma distância superior a quarenta metros —, um cruza
destróieres e três porta-aviões leves. Essa força do norte daria cobertura q flancos dos ataques às Aleutas e teoricamente se posicionaria para voltar ca miniO Midway, no sudoeste, caso os americanos resistissem à invasão ali. O ra E
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Victor
Davis
Hanson
era que ele criara uma corrente de ferro de forças navais interlimamoto de Ya o uma área de mil e seiscentos quilômetros das Aleutas a Midway, gadas, cobrind imp
edindo qualquer movimento dos americanos para o oeste, para garantir
s haveria outro ataque de bombas americanas no continente mal que nunca
havia uma certa lógica simples no complexidade, sua toda de Apesar nês. japo plano japonês: ao bloquear o Pacífico norte entre as Aleutas e a própria Mid-
way, Yamamoto garantia que suas forças norte ou sul pudessem expulsar os americanos em desvantagem numérica e atordoados. Estes últimos teriam que lutar ou ver suas ilhas, tanto ao norte quanto ao sul, perdidas. Estranho que
o sacrifício de menos de cem pilotos de torpedeiro americanos inexperientes renha arruinado todas as elaboradas idéias de Yamamoto para aniquilar a frota americana do Pacífico. A grande distância entre os dois grupos também significava que os americanos em desvantagem numérica não seriam capazes de proteger os dois ao mesmo tempo. Os encouraçados e porta-aviões de Yamamoto funcionariam como uma
espécie de reserva que ficaria por perto para se dirigir ao ponto do contraataque americano, enquanto as forças de ataque das Aleutas e de Midway e suas frotas de encouraçados e cruzadores completassem suas invasões. Era improvável que os tímidos americanos aparecessem antes das Aleutas e de Midway estarem ocupadas — e então seriam acolhidos por bombardeiros de base ter-
restre vindos das recém-adquiridas bases e por aviões navais livres da tarefa de proteger vulneráveis navios de transporte de tropas. Já que a frota japonesa não
fora derrotada até ali e estava em vantagem numérica, de qualquer maneira, não seria necessário utilizar toda a sua força para destruir um oponente ameriCano fraco e inexperiente.
O único problema aparente para os japoneses era que eles pensavam que Os americanos em grande desvantagem numérica seriam complacentes e surPreendidos, em vez de estarem preparados e à espera. Na véspera da batalha,
O relatório do serviço secreto do almirante Nagumo concluiu: “Embora falte ao inimigo a vontade de lutar, é provável que ele contra-ataque se nossas
id se
0,
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tao
1.
Por que o Ocidente venceu
operações de ocupação progredirem de modo satisfatório.” Aparentemente Yamamoto
não
imaginava
que
os
americanos,
anteriormente
derrotados
um
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—
pudessem prever os desembarques em Midway — e muito menos que chegariam ali primeiro com três porta-aviões para se concentrar na força de porta-aviões
japonesa comandada por Nagumo. Mas os americanos tinham radares em seus navios e na própria Midway, que na verdade funcionaria como um porta-aviões impossível de afundar.
Na conjectura americana de uma guerra de porta-aviões deliberadamente travada muito próxima a Midway, as forças estavam mais ou menos equilibradas
— quatro porta-aviões japoneses contra três americanos, estes últimos auxilia. dos por apoio aéreo da ilha. À moda napoleônica, o almirante Chester Nimitz lidaria com segmentos da corrente de Yamamoto, destruindo elos isolados até que as chances estivessem mais equilibradas: afundar primeiro os porta-aviões, o coração da frota japonesa, depois evitar os desembarques estrategicamente mais importantes em Midway e finalmente voltar-se para um ataque aéreo aos encouraçados e cruzadores de Yamamoto, se necessário fosse.
Só reunir aquela frota colossal significava que os navios japoneses deixavam portos a quase três mil quilômetros de distância uns dos outros e, mesmo uma vez em seus destinos, alguns navios permaneciam a mil e seiscentos qui-
lômetros de distância. Se o silêncio de rádio fosse ser mantido, a probabilidade
de todos os componentes da armada preservarem suas comunicações era pequena — o que era crítico quando um dos elementos-chave do desajeitado plano era atrair a frota americana em inferioridade numérica, que seria cercada ao mesmo tempo por forças superiores convergindo do norte e do sul.
Para fazer frente a essas forças, os americanos mal conseguiram reunir três porta-aviões — incluindo o seriamente danificado Yorktown, que acabava de voltar quase destruído da batalha do mar de Coral. Um pequeno contingente comandado pelo contra-almirante Robert Theobald foi enviado às Aleutas com dois cruzadores pesados, três cruzadores leves e dez destróieres, mas foi mal movimentado e não desempenhou nenhum papel para evitar o desembarque 502
Victor
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= nonês ou seu ataque de navios inimigos. Não havia nenhum encouraçajaP o so, dis vez Em . way Mid a o iad env ser e ess pud que aí do americano no Hav
zacru oito nas ape — ha tin que o te men ada ess apr niu reu itz Nim fmirante d way Mid de da ron a iam faz s ino mar sub ve eno Dez dores e quinze destróieres.
a Pearl Harbor. ado ao fraO plano japonês era difícil de executar, mas em si não estava fad ecat as as tod em al eri imp a frot da ca éri num em tag casso, dada a enorme van entanto, como No es. ent eri exp s mai to mui es açõ pul tri s sua e gorias de navio
resultado da do e e bat com do , nto ame nej pla do os tic crí os ági est veremos, em e ent alm eci esp am for es ent pat as as tod em s ano ric ame batalha, os soldados teve não es del a ori mai A s. vei isí rev imp pre sem e os, ric ênt exc até s, inovadore xis ine ou as vag m era s ore eri sup dos ens ord as ndo qua s çõe tru ins medo de ditar ão raç ope de s olo toc pro aos ria trá con e ent tam ple com a eir man uma de — tentes es na frota imperial, que por sua vez refletia muitos dos valores e atitud predominantes inerentes à sociedade japonesa. O resultado foi que os americanos improvisaram quando seus planos deram errado, recorreram a métodos de ataque inovadores quando a ortodoxia mostrou-se improdutiva — não muito diferentes dos cristãos que serraram as proas de suas galés em Lepanto
para aumentar a precisão dos canhões, ou de Cortés, que enviou seus homens pa-
ra dentro de um vulcão para repor seus estoques de pólvora.
Japão ocidental e Japão não-ocidental Em Midway, os americanos só tinham vantagem tecnológica em matéria de radares e comunicação. Suas principais aeronaves de porta-aviões — caças
Wildcat, torpedeiros Devastators e caças de mergulho Dauntless — eram uniformemente inferiores aos modelos japoneses, que eram mais velozes, mais
manobráveis e tinham armas mais confiáveis. Em 1942, os torpedos japoneses
eram os melhores do mundo, e os americanos talvez fossem os piores. O caça Zero — leve, veloz e fácil de construir — era um produto da genialidade da 503
Por que o Ocidente venceu
engenharia. Não havia nada parecido na força aérea americana em 194] ad os quan to mode rnos tão eram japo nese s port a-av iões quat ro Mesmo os
los britânicos e americanos. O Japão construíra encouraçados que eram os maiores dos mares: o Yamato e o Musashi, que logo seria lançado, Cuja tonela gem bruta e armamentos eram muito superiores aos de qualquer navio de su.
perfície da marinha britânica ou americana no início da guerra.
Está claro que a vitória americana em Midway não se deveu —. como foi alegado por alguns observadores japoneses depois da guerra — à superiorida.
de da tecnologia ocidental. De fato, durante bem mais de meio século, o Japão
adotara muitos dos preceitos da organização militar e dos métodos de armamento europeus, como parte de uma revolução maciça da sociedade japonesa para incorporar a ciência e a produção industrial ocidental. No início do sécu. lo XX, um estado com poucos recursos naturais tornara-se uma verdadeira potência mundial, em grande parte graças a sua adoção do modo ocidental de guerra. Os navios japoneses em Midway eram a encarnação da ciência militar ocidental, não asiática.
O Japão nunca fora colonizado nem conquistado por ocidentais até 1945. Sua distância da Europa, sua proximidade dos Estados Unidos do século XIX, isolacionista e voltado para o interior, a ausência de terras convidativas €
recursos abundantes e uma enorme população faminta tornavam-no pouco atraente para os conquistadores ocidentais em potencial. No entanto, em seus
encontros iniciais tardios com o Ocidente, no século XIX, o Japão decidira
conscientemente reproduzir e melhorar os métodos ocidentais de produção €
pesquisa tecnológica, em vez de rejeitá-los. Embora o avião tenha sido inven tado nos Estados Unidos, o encouraçado blindado autopropulsionado e o porta
aviões na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, e toda a noção de uma marinha
transoceânica, movida a óleo, fosse um desenvolvimento inteiramente europeu
em 1941 os japoneses haviam igualado, e em alguns casos ultrapassado, tanto os britânicos quanto os americanos em matéria de projetos navais e aéreos. Ao com trário de outros países asiáticos — a China se destaca pa:ticularmente —
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0
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Japão, no final do século XIX, começara gradualmente a ignorar suas inibições
culturais inatas para adaptar um grande número de idéias ocidentais de capiralismo,
desenvolvimento industrial e operações militares. Até mesmo seus
conservadores culturais reconheciam que nunca poderiam resistir aos bárbaros e demônios ocidentais simplesmente com uma coragem superior e com o
vigor de um samurai. A sobrevivência do Japão seria encontrada na adoção de
armas e métodos de produção em massa europeus — com a engenhosidade japonesa pronta a melhorá-los a cada passo do caminho, onde fosse necessário. Depois do primeiro contato com os portugueses em meados do século XVI, com os quais aprenderam a fabricar armas de fogo, os japoneses em poucas
décadas estavam equipando exércitos inteiros com canhões e mosquetes melhorados — e, ao mesmo tempo, desafiando a hierarquia samurai, cujo capital marcial baseava-se em preceitos espirituais, antitecnológicos, xenófobos e
antimodernos. Como reação a essas novas tecnologias, os senhores feudais desarmaram gradualmente a população e evitaram novas importações de armas como parte de uma proibição generalizada de toda influência estrangeira. O resultado foi que, já no início do século XVII, praticamente todo o comércio fora do Japão era proibido por lei. O cristianismo tornou-se ilegal, e a maioria dos estrangeiros foi deportada. Em 1635, o Japão estava mais uma vez isolado de todo e qualquer contato com os bárbaros “narigudos e malcheirosos”, uma
situação que permaneceria estática até o almirante Matthew Perry chegar à baía de Tóquio em 1853 com uma armada de formidáveis navios de guerra americanos.
Aquela altura, O progresso tecnológico japonês estava praticamente
estagnado, e em todo o arsenal nacional sobravam apenas algumas armas de fogo com as quais resistir aos americanos. Os canhões e as cápsulas explosivas de Perry, sua frota movida a vapor e seus fuzileiros navais armados convenceram os japoneses a aceitar navios estranBeiros. Em 1854, quando Perry voltou ao Japão procedente da China, os japoNeses assinaram tratados formais permitindo o acesso de navios americanos às Suas águas e a livre circulação nos mares próximos. Várias nações européias
Por que o Ocidente venceu
seguiram seu exemplo e começaram a negociar com o Japão e a interferir em
todo o subcontinente asiático. No entanto, tal humilhação trouxe Mudanças radicais. Ao contrário do ressentimento oriental na China e na Ásia do sudes. te, a reação japonesa à interferência estrangeira era equiparar-se em vez de ficar com raiva, pois reconheciam a loucura de uma rejeição da ciência Ocidental pelo poder imperial. Depois de alguns esforços fúteis de resistência, a cultura
japonesa, em uma revolução abrangente e sem precedentes no sentido tanto
ideológico quanto material, começou a adotar em larga escala as práticas de manufatura e das finanças ocidentais.
Já no último quarto do século XIX, o poder dos senhores de guerra japo-
neses estava no fim. Em
1877, em Satsuma, uma derradeira rebelião de
guerreiros samurai armados com espadas tradicionais e mosquetes de trava de mecha foi severamente derrotada por um exército de conscritos, armados e treinados à moda européia, provando aos japoneses que o modo de guer-
ra ocidental superava classes, tradição e herança nacional, e era insidiosamente eficaz ao se basear unicamente na utilidade em campo de batalha. Os clãs de samurais eram agora meras curiosidades, e a população se uniu
atrás de um imperador e do novo esforço para reproduzir a moderna naçãoestado européia:
Fuzis e canhões foram encomendados à França... Quando a Alemanha derrotou a
França em 1871, os japoneses rapidamente se aliaram aos vencedores. Logo soldados Japoneses estavam marchando a passo de ganso e seguindo táticas de infantaria prussianas. Os oficiais navais japoneses, a maioria dos quais eram samurais do antes rebelde clã Satsuma, eram formados pela marinha real britânica, com fregiiência depois de anos no mar a bordo de navios britânicos. Os novos navios japoneses tam-
bém seriam construídos na Inglaterra, pois a Grã-Bretanha comandava os mares € O
japoneses desejavam aprender com os melhores. A ocidentalização do Japão não se li-
mitava a assuntos militares. As artes, a literatura, a ciência, a música e a moda ocidentais também vicejavam. Alunos das universidades se atiravam sobre qualquer coisa
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que fosse ocidental... enquanto samurais se tomavam industrialistas, magnatas de
estrada de ferro e banqueiros. (R. Edgerton, Warrrios of the Rising Sun [Guerreiros do sol nascente], 44)
O resultado foi que, em 1894, os japoneses haviam expulsado a China da
Coréia — graças a forças armadas completamente ocidentalizadas que eram mais bem organizadas e mais bem armadas do que qualquer outro exército na Ásia. Enquanto os chineses só ocasionalmente haviam importado armas e navios europeus, e em seguida geralmente resistido à infra-estrutura necessária para a fabricação de sua própria indústria moderna de armas, o exército e ma-
rinha japoneses estavam utilizando os frutos da produção de armas nascente mas vicejante do Japão e adotando a mais recente doutrina tática européia,
aliada a seus próprios esforços inovadores como ataques noturnos e ataques
em massa a pontos fracos previamente identificados. Durante
a Revolução
dos Boxers, em
1900, as forças expedicionárias
japonesas se mostraram as mais bem armadas, disciplinadas e organizadas de todos os contingentes liderados por europeus que marcharam para libertar Pequim. E, quando a Guerra Russo-Japonesa estourou em 1904, embora em
grande desvantagem numérica, os japoneses provaram não só que suas forças navais e terrestres eram mais bem estruturadas e disciplinadas do que contingentes russos bem maiores, mas também que suas armas, navios, munições e métodos de abastecimento modernos eram muito superiores. Seu poder de fo-
80 naval era especialmente mortífero, e aplicado com muito mais acurácia e Cadências de tiro e distâncias maiores do que o dos russos. Em uma das revoluções mais notáveis da história das armas, o Japão se tor-
Nou, em mais de um quarto de século (1870-1904), quase o equivalente militar das melhores potências européias. Embora lhe faltassem a população e os Tecursos naturais de seus vizinhos imediatos, Rússia e China, o Japão demons-
tara que, com um exército ocidentalizado de primeira linha, era capaz de derTotar forças muito superiores em número. Assim, o Japão é a refutação clássica 507
&—
F
Por que o Ocidente venceu
da idéia hoje popular de que a topografia, os recursos como depósitos de ferro
e carvão, ou a suscetibilidade genética a doenças e outros fatores Naturais são os grandes determinantes do dinamismo cultural e das proezas Militares, O continente japonês não mudou — antes, durante e depois de sua Milagros a
ascensão militar de um século —, mas o que não ficou estático foi a reprodu.
ção radical, durante o século XIX, de elementos da tradição ocidental comple. tamente estrangeiros a sua herança nacional. Não apenas os almirantes e generais japoneses tinham as mesmas TOupas e títulos de seus equivalentes europeus, mas seus navios e armas também eram
praticamente idênticos. Infelizmente para seus adversários asiáticos, as forças
armadas ocidentalizadas do Japão não eram apenas uma fase passageira. O Japão não considerava as armas e táticas ocidentais um complemento das doutrinas militares japonesas de séculos de idade, nem uma ostentação apa-
rente, mas sim uma reestruturação radical, fundamental e permanente das forças armadas do Japão que levaria à hegemonia na Ásia. No entanto, a adoção em larga escala pelos japoneses da tecnologia ocidental nem sempre era o que parecia à primeira vista. Ainda havia tradições culturais japonesas persistentes que ressurgiam para impedir uma abordagem
verdadeiramente ocidental da pesquisa científica e do desenvolvimento de armas. Os japoneses sempre haviam tido uma atitude ambígua em relação a
seus próprios árduos esforços de ocidentalização:
Depois da visita de Perry, os japoneses foram obrigados a admitir que a tecnologia ocidental, se não todos os outros aspectos da cultura ocidental, também eram muito
superiores aos seus. Reconhecimentos como esse seriam perturbadores para qualquer povo e eram especialmente humilhantes para os jaboneses porque eles, mais do qu qualquer outro povo do mundo, estavam imbuídos de um sentimento de grandeza a inerente superioridade e até mesmo de divindade de sua própria raça “Yamato”. À am
bivalência dos japoneses em relação a seu valor era visivelmente dolorosa. Já que muito se sentiam inferiores, passaram a temer e odiar os ocidentais como anteriormente 508
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Davis
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haviam temido e odiado os chineses. Quando os ocidentais mais tarde se revelaram vulneráveis, a tentação de destruí-los cresceu. (R. Edgerton, Warrrions of the Rising Sum [Guerreiros do sol nascente), 306)
O posicionamento oficial do governo japonês, que lentamente buscou cons«ruir uma desculpa sistemática para a reconhecida incongruência existente no
de riais indust sos proces os e ogia tecnol a te ramen intei r adota país um de o fat ma cultura inteiramente diferente — e supostamente corrupta e bárbara —, foi particularmente infeliz. A resposta que acabou surgindo era formulada
essencialmente em termos racistas e chauvinistas: os europeus eram descritos
não apenas como decadentes, feios, malcheirosos e egoístas, mas também como naturalmente estragados, mimados e molengas — homens preguiçosos
que só haviam vencido graças a suas astutas invenções e máquinas, e não à coragem inerente de sua masculinidade. Já no início do século XX, vinha se cristalizando uma sofisticada exegese
japonesa sobre toda a relação entre tecnologia européia e cultura japonesa: os japoneses eram uma raça superior de guerreiros que simplesmente haviam tomado emprestado idéias estrangeiras para permitir a seus guerreiros mais
heróicos competir em pé de igualdade. Assim, embora industrialistas e cientistas pesquisadores continuassem a modernizar a economia e as Forças Armadas
japonesas segundo preceitos europeus, a população em geral continuaria a ser uma sociedade em grande parte hierárquica, autocrática e asiática — e as
idéias de liberalismo ocidental seriam rejeitadas com tanta veemência quanto a Ciência européia seria imitada. O Japão continuaria a ser governado por noções ancestrais de vergonha que ditavam todos os aspectos do comportamento público, delineando a ma-
heira como o japonês médio expressava emoções, agia em público e gastava dinheiro com moradia e bens materiais. A devoção ao imperador seria absoluta.
O individualismo, no sentido ocidental decadente, não seguiria no encalço da importação de tecnologia européia. As forças armadas teriam controle quase me
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209 E.
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Por que o Ocidente venceu
total do governo. Assim, o paradoxo clássico surgiu imediatamente: as armas e a organização militar ocidental, modernas e de rápida evolução, poderiam ser integradas a uma cultura japonesa estática sem a bagagem política e cult.
ral complementar de individualismo, governo consensual, capitalismo do tipo
laissez-faire e liberdade de expressão? Um dos argumentos deste livro é que a guerra à moda ocidental baseia-se não apenas na supremacia tecnológica, mas em toda uma série de instituições políticas, sociais e culturais responsáveis por
vantagens militares que vão muito além da posse de armas sofisticadas. À tec. nologia superior não pode simplesmente ser importada; se não quisermos que
ela se torne imediatamente estática e, portanto, obsoleta, devemos adotar
também as práticas complementares de livre investigação, método científico, pesquisa sem entraves e produção de capital. A ausência de grandes reservas de recursos naturais dentro do Japão, a as-
censão do fascismo na Europa durante os anos 1920 e 1930, o histórico de racismo dos colonos europeus e a discriminação contra os imigrantes asiáticos para
os Estados Unidos ajudaram a solidificar a posição dos nacionalistas e militaristas de direita japoneses antes da Segunda Guerra Mundial. Para um país pequeno como o Japão, sem terras ou reservas materiais, mas preso a uma
grande população, cercado por uma presença colonial européia em Hong Kong, em Cingapura,
em Macau,
nas Filipinas e no sudeste da Ásia, €
confrontado com um forte exército americano no Pacífico, era natural que à veia ancestral de coragem samurai renascesse. O antigo código cavalheiresco Bushido, a idéia xintoísta de um povo j aponês escolhido e a tradicional exultação do guerreiro podiam ser transformados, na era industrial, em uma idéia intransigente e visivelmente racista de que os estrangeiros eram fracos € CO”
vardes e, portanto, presas fáceis para o pior tipo de atrocidade quando a gue” ra inevitável estourasse.
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iaponesa e O destino manifesto do Japão. Sob esse aspecto, a mistura de autorie religiosa não era diferente da dos aquemênidas, árabes, astecas e otom
anos, € inteiramente contrária a seus respectivos adversários ocidentais.
A segunda base era O código samurai ancestral e feudal reinterpretado e refor-
mulado como Bushido por militaristas do século XIX — a idéia de que os valores guerreiros de uma elite medieval podiam ser superpostos a toda a nova nação-estado do Japão moderno.
Essa outra tensão na cultura japonesa — a suspeita permanente de tudo
que fosse estrangeiro — e O início das hostilidades com a China em 1931 tornaram mais difícil a importação das inovações tecnológicas mais recentes do estrangeiro. Quanto mais um Japão belicoso buscava um exército nacio-
nalista, mas ocidentalizado, menos provável era que os Estados Unidos e a Grã-Bretanha lhe oferecessem créditos financeiros fáceis, as tecnologias mais recentes e recursos importados. Em casa, quanto mais o Japão busca-
va os mais recentes projetos de material militar estrangeiro, mais sua pró-
pria hipocrisia se tornava aparente. Afinal, ele estava novamente tomando emprestada a ciência de uma sociedade que desprezava ostensivamente como corrupta e inferior, e ainda assim recusava-se a passar pela reestruturação po-
lítica e cultural radical em moldes ocidentais que asseguraria uma paridade tecnológica sustentável. O mesmo paradoxo afligiria grande parte do Terceiro
Mundo durante o resto do século XX: comprar tecnologia ocidental não é a mesma coisa que a manter, adaptá-la, fabricá-la e treinar seus cidadãos para usá-la e melhorá-la. O Japão, por exemplo, nunca teve aviões melhores que Os americanos em Midway, mas tinha noções de individualismo, liberdade e
política muito diferentes das culturas ocidentais. A ascensão dos governos Militares japoneses, com sua insistência na adoração do imperador, continuou a sufocar o debate livre, o individualismo e o desacordo popular — no momen-
t0 em que uma abordagem assim aberta da pesquisa e da política industrial era totalmente crucial para o crescimento sustentado e para a inovação da indústria de armas japonesa. Essa combinação de hostilidade ocidental em relação
|
511
:
Por que o Ocidente venceu
ao militarismo japonês e da relutância do próprio Japão em abr açar uma sociedade aberta e livre resultou em uma estagnação generalizada da i Nova ção tecnológica — e em uma ocasional incapac idade para sequer usar a nialidade natural.
.
se-
Embora a marinha japonesa fosse tecnologicamente equivalente, ou talvez superior aos americanos em Midway em junho de 1942, essa paridade não poderia durar quando o governo americano, a indústria privada e a cidadania
em geral se mobilizassem para a guerra. De fato, apenas um ano e meio depois de Pearl Harbor, não apenas as forças japonesas eram numericamente inferiores ao exército americano, mas também estavam muito atrás em áreas-chave como design aeronáutico, artilharia, tanques, radares, pesquisa nuclear, medicina, suprimento de comida, construção de bases e produção em massa de material. Em 1944, a força aérea, o exército e a marinha japoneses estavam
usando mais ou menos o mesmo equipamento com o qual haviam começado
a guerra, enquanto seus equivalentes americanos estavam produzindo aviões, navios e veículos dificilmente imagináveis em 1941.
Praticamente a única razão para a inferioridade das armas americanas em Midway era uma complacência generalizada depois da Primeira Guerra Mundial, alimentada pelas idéias utópicas do país sobre a paz mundial, por seu iso-
lacionismo e por uma depressão econômica. Ao final de 1941, os americanos
ainda estavam despertando de quase duas décadas de total negligência em
relação à prontidão militar, e não estavam livres de um crescimento econômico lento e de altas taxas de desemprego. Por sua vez, durante quase dez anos, os japoneses haviam dedicado uma porcentagem bem maior de seu produto
nacional bem menor a despesas com a defesa e haviam reunido muito mais
pesquisas empíricas de primeira mão nos campos de batalha da China. Em Midway — talvez pela última vez na guerra —, os japoneses tinham aviões €
navios tanto melhores quanto mais numerosos. Também não há nenhuma prova real de que as ocidentalizadas forças 3º
madas japonesas estivessem relutando em travar uma batalha decisiva de 512
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acordo com a prática ocidental de confronto frontal. À primeira vista, a mari-
nha japonesa era tão agressiva quanto os americanos. Sua adaptação das táticas
se revelaria XIX, século o durante feita massa, em e frontal ataque de alemãs
de cama artilhari a e icos automát fuzis os adoras, metralh as contra desastrosa
pos americanos. Seus imensos encouraçados eram uma prova de que sua marinavios os pedaços em fazer para superior fogo de poder um usar nha pretendia de superfície inimigos em duelos de artilharia convencionais, como aconte-
cera contra os russos em 1904. Embora seja verdade que as tradições militares
originais da guerra samurai tinham fortes elementos rituais capazes de colocar a forma acima da funcionalidade — embora conhecidas desde o século XVI, as armas de fogo foram mais ou menos proibidas durante os duzentos anos seguintes
— a marinha japonesa em 1941 era agressiva e geralmente estava tão disposta quanto os americanos a travar uma batalha frontal até a morte. Junto com a importação das armas ocidentais viera a idéia ocidental de ataque frontal. O ponto no qual os japoneses estavam em óbvia desvantagem em sua abordagem das práticas de batalha ocidentais era a incapacidade de usar esses confrontos táticos decisivos para conduzir uma guerra implacável de aniquilação
total — uma prática chocante totalmente alheia a suas tradições samurais. Os japoneses não se sentiam à vontade com a noção ocidental bastante diferente de ir atrás do inimigo abertamente, buscando uma colisão de choque brutal,
cuja mortalidade seria decisiva para o lado que tivesse maior poder de fogo, disciplina e homens. Em vez disso, contra os russos em 1904-5 e contra os chineses de 1951-517, as Forças Armadas japonesas travaram uma sucessão de batalhas brilhantes, mas essas vitórias em si ficavam com fregiiência incompletas e não eram vistas
necessariamente como parte de um plano estratégico global para destruir o
inimigo de frente até ele perder a capacidade de combater. Os japoneses sabiam Muito sobre matar milhares de combatentes no campo de batalha e estavam dispostos a sacrificar uma quantidade ainda maior de seus próprios homens em ataques frontais suicidas e heróicos contra posições entrincheiradas, mas
»
3
deita
Por que o Ocidente venceu
essa ferocidade marcial não era a mesma coisa que o desejo Ocidental encontros de choque contínuos e sustentados até que um dos lados saí sê
vitorioso ou aniquilado. No modo de guerra japonês, assim como no Visc
e bat alh de a cam po em cal a ami dad e súbi to, co, a surpresa, O ataque
E
sonra deveriam forçar um oponente a sentar-se à mesa de negociações
discutir concessões.
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No caso da Guerra do Pacífico, a preferência japonesa por distração e sur
presa, em detrimento de uma série de ações frontais , significava a perda fre. quente de oportunidades-chave. Depois de um brilha nte ataque inesperado a Pearl Harbor, que deixara os americanos sem defesa, não havia um plano de prosseguimento para continuar a bombardear a ilha até ela se render, seguido
talvez por ataques a portos da costa oeste para destruir o último refúgio da frota de porta-aviões do Pacífico. Em vez disso, os porta-aviões do almira nte Nagumo
afastaram-se imediatamente do Havaí depois dos primeiros ataque s na manhã de domingo, 7 de dezembro, deixando incólumes os cruciais tanques de combustível americanos que abasteciam toda a frota do Pacífico — e deixan do os porta-aviões americanos escondidos e intocados. Na batalha do mar de Cora l, nas semanas que precederam Midway,
uma vitória tática japonesa levou a
uma derrota estratégica quando os japoneses, aturdidos com a feroz resistên-
cia americana e com a perda de dúzias de seus melhores pilotos de porta-
aviões, adiaram a invasão de Port Moresby. Tanto a batalha de Midway quanto o posterior e monumental confronto no polfo de Leyte viram as táticas japo-
nesas fracassarem em grande parte devido à dispersão de suas forças, na crença ingênua de que o inimigo podia ser enganado, em vez de encontrado e destruído: Eles superestimavam a surpresa, que funcionara tão bem no começo, e sempre
imaginavam que poderiam tê-la. Adoravam táticas de distração — forças aparecendo em lugares estranhos para confundir o inimigo e tirá-lo de sua base. Acreditavam que o padrão da batalha decisiva fosse o mesmo no mar que em terra — atrair o inimigo 514
Victor
Davis
Hanson
para uma situação tática desfavorável, obstruir sua retirada, atacá-lo pelos flancos e depois concentrar para matar. (S. Morison, Coral Sea, Midway and Submarine Actions [Mar de Coral, Midway e ações submarinas], maio de 1942 — agosto de 1942, 78)
A mobilidade e a astúcia japonesas refletiam-se não apenas no famoso ditado do almirante Yamamoto sobre a capacidade industrial relativa dos dois beligerantes — de que ele poderia fazer e acontecer no Pacífico por seis meses,
mas nada podia prometer depois disso. Na verdade, quase todos os estrategis-
«as sérios nas Forças Armadas japonesas também reconheciam seu desconforto diante de uma situação bastante nova de guerra total contra os americanos e
britânicos, que exigiria confrontos frontais contínuos com a frota anglo-americana. Em 1941, ninguém no alto comando japonês parecia ter consciência de que, aos olhos ocidentais, um ataque surpresa aos americanos levaria à guerra total, na qual os Estados Unidos destruiriam seu adversário ou enfren-
tariam a aniquilação tentando fazê-lo. Mas esse era um erro histórico dos nãoocidentais, começando com a invasão da Grécia por Xerxes: supor que as
democracias eram de algum modo fracas e tímidas. Embora fossem lentos para se zangar, Os governos constitucionais ocidentais geralmente preferiam guerras de aniquilação — riscar os melianos do mapa no Egeu, espalhar sal no solo
de Cartago, praticamente transformar a Irlanda em um deserto, arrasar Jerusalém antes de reocupá-la, confinar uma cultura inteira de indígenas ameri-
canos a reservas, pulverizar cidades japonesas — e eram adversários muito Mais mortais do que dinastas e autocratas militares. Apesar de adaptações
Ocasionalmente brilhantes de embuste e surpresa, e do registro claro de suces-
so na “abordagem indireta” da guerra — a grande invasão de Messênia por Epaminondas
(369 a.C.) e a Marcha Rumo ao Mar de Sherman (1864) são
exemplos notáveis —, as Forças Armadas ocidentais continuavam a acreditar
que o modo mais econômico de fazer a guerra era encontrar o inimigo, reunir
forças suficientes para subjugá-lo, e depois avançar direta e abertamente para aniquilá-lo no campo de batalha — tudo como parte de uma tradição cultural
Por que o Ocidente venceu
de pôr fim às hostilidades de maneira rápida, decisiva e definitiva. Ler à Tespei das operações navais americanas na Segunda Guerra Mundial é e
a uma série de esforços contínuos para avançar rumo ao oeste na y os todos fisic ament e toma e r japon esa, frota a devas e tar Japão, descobrir ritórios pertencentes ao governo do Japão antes de chegar ao país em si O
marinheiros americanos em Midway também eram a primeira leva de um enorme recrutamento que mobilizaria doze milhões de cidadãos nas Forças
Armadas. À maneira dos romanos depois de Canas ou das democracias na Primeira Guerra Mundial, os representantes políticos american os haviam votado pela guerra contra o Japão. As pesquisas revelavam um apoio público quase unânime a um medonho conflito de aniquilação contra os responsáveis
por Pearl Harbor. Os Estados Unidos também continuariam a ter eleições durante o conflito, enquanto o governo eleito dava forma a uma das mais radicais
revoluções industriais e culturais da história da república, transformando o país em um grande campo de produção de armas. Os japoneses, por sua vez, só haviam adotado esporadicamente as idéias
européias de governo constitucional e militarismo cívico do século XIX — e
ambas haviam sido desacreditadas pelos regimes militares dos anos 1930. Os pensadores militares japoneses acreditavam que um método muito superior de recrutar exércitos numerosos e corajosos — e um exército mais compatí vel com suas próprias tradições culturais — era inculcar toda a população
com uma devoção fanática ao imperador e com uma crença generalizada na supremacia inevitável do povo japonês. Só alguns oficiais experientes e sábios eram capazes de avaliar o espírito guerreiro japonês, e a maioria deles via pouca necessidade de um debate público sobre a sensatez de atacar a maior potên cia industrial do mundo:
O que os ocidentais não percebiam era que, debaixo da aparente modernidade é och
dentalização, o Japão ainda era oriental, e sua passagem do feudalismo para o impera lismo fora tão rápida que seus líderes, a quem só interessavam os métodos ocidentais,
216
Victor
Davis
Hanson
não seus valores, não tiveram nem tempo nem inclinação para desenvolver o liberalisno e o humanitarismo. (J. Toland, The Rising Sun [O sol nascente), vol. 1, 74)
Depois da batalha de Midway, a magnitude do desastre foi escondida do povo japonês — até os feridos eram mantidos isolados —, que recebeu a notícia de uma gr ande “vitória” nas Aleutas. De forma inteiramente diferente, o elei-
+orado americano não só recebia detalhes minuciosos da batalha como podia
s jaigo cód que de l vita o açã orm inf a e ant ort imp nal jor um em ler também poneses haviam sido decifrados antes mesmo de o tiroteio começar. O indivi-
dualismo estava incluído no consenso de grupo japonês:
Uma vez que ela [a liderança japonesa] estava imbuída da ideologia nacional, eralhe difícil, quando não impossível, analisar a situação militar de maneira friamente realista e científica. O treinamento militar japonês dava ênfase à “mobilização espiritual” — Seishin Kyoiku — como o aspecto mais importante da preparação dos soldados para a batalha. Essencialmente, isso era uma doutrinação no espírito e nos princíi-
pios da ideologia nacional japonesa: a identificação do indivíduo com a nação e sua subordinação à vontade do Imperador. Isso era a continuidade de um processo que começara muito antes, nas escolas. Uma das razões para o recrutamento no Japão era
a oportunidade para as Forças Armadas de treinar praticamente toda a população masculina nos ideais do Bushido e do Kodo (o Modo Imperial). (5. Huntington, The Soldier and the State [O soldado e o estado], 128)
O resultado foi que, durante a maior parte da guerra, o Japão mobilizou grandes forças e tropas altamente motivadas — em Midway havia muito mais homens em armas japoneses do que americanos, e estava claro que eles eram igualmente corajosos e ávidos por combater.
Mas a ausência de militarismo
Cívico — a idéia de uma cidadania livre que votasse para estabelecer as con-
dições de seu próprio serviço militar por meio de um governo consensual — também significava um tipo diferente de guerreiro: o fanatismo tão frequenE -
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ss
517 É = E Qsiis,
Por que o Ocidente venceu
temente estereotipado, e não uma obrigação contratual, a Coragem em ve; À razão fria, a uniformidade em vez da individualidade, a adoção do suicídio deu do sacrifício, e o elogio oficial à coragem nacional anônima em vez da cita ão individual e de decretos honoríficos pessoais. Essas diferenças cultura is mais
sutis apareceriam claramente em Midway — e também ajudariam a explicar por que um inimigo numericamente superior foi derrotado tão completamente. Muito se insiste na desvantagem aparentemente marcada do Japão cmi
matéria de recursos naturais, em sua população menor e em seu território pe.
queno. Em Midway, no entanto, graças a seu impéri o recém-adquirido, o Japão tinha acesso a uma grande quantidade de petróleo para seus navios e comi
da para seus marinheiros, cujo número era muito superior ao de americanos, É preciso lembrar que a população do Japão era quase metad e da dos Estados
Unidos. Seu império florescente no Pacífico trouxera-lhe um grande suprimento de metais estratégicos, borracha e petróleo, e ele tinha uma boa déca-
da de vantagem no equipamento de suas Forças Armadas. Na prática, com a fronteira russa quase silenciosa em 1941 e com grandes pedaços da Mancháúria ocupada relativamente adormecidos durante a maior parte de 1941-42,0
Japão combatia um único adversário: as Forças Armadas anglo-americanas do Pacífico — ao contrário dos Estados Unidos, que dedicavam a maior parte
de seu equipamento e a maioria de suas Forças Armadas à derrota dos alemães e dos italianos e ao suprimento dos britânicos, chineses e soviéticos a milhares
de quilômetros de distância. Eram os Estados Unidos, e não o Japão, que esta-
vam na difícil situação, pouco invejável e imprudente, de travar uma guerra de dois fronts com adversários mortais e aliados mais fracos. Enquanto os És tados Unidos adotaram claramente uma política de derrotar primeiro os nazis-
tas, praticamente todos os recursos do Japão foram mobilizados para atacar 08 anglo-americanos na Ásia e no Pacífico. Durante bem mais de meio século, 9 japoneses haviam feito transferências críticas de práticas econômicas € mil tares ocidentais, criando uma marinha moderna e uma econo mia industrial
sofisticada. Ao menos durante um breve período de um ou dois anos, essa já 518
Victor
duradoura
adaptação
da
tecnologia
européia
permitira-lhe
Davis
Hanson
competir com
qualquer potência militar ocidental, como provaram suas espantosas vitórias
navais nos seis primeiros meses da Segunda Guerra Mundial. Quando o condito começou, O Japão tinha fontes seguras de matérias-primas e um exército nos sa, one jap al raci e dad ori eri sup da ão igi rel na o ead bas em franca atividade
valores marciais e no destino imperial,
O fervor religioso, o Bushido, o haraquiri, o fato de afundar com o próprio navio e os kamikazes davam aos japoneses um sentimento de arrogância na vitória — e de fanatismo e fatalismo na derrota. Mas tais práticas muitas vezes tinham ramificações negativas na prática mundana da guerra em si e demonstrariam não serem substitutos para o individualismo sem entraves de um inimigo “decadente”. Almirantes brilhantes ainda são necessários depois que seus navios explodem. Pilotos experientes são mais valiosos como instrutores do que como bombardeiros suicidas. Oficiais menores que tenham uma opinião em vez de ficarem em silêncio são um elemento crítico; avaliar a
culpa em vez de aceitá-la pode ser vergonhoso, mas é com frequência indispensável na guerra; e a experiência de generais talentosos é perdida quando eles cometem haraquiri. Do mesmo modo, marinheiros japoneses engenhosos
têm uma experiência de primeira mão que os almirantes deveriam escutar li
vremente., Os estrategistas da guerra precisam temer um eleitorado informa-
do e exaltado; e discutir estratégia com um imperador é em geral um exercício bem mais frutífero do que fazer-lhe reverências.
Apesar das alegações de ter criado uma Ampla Esfera Oriental de Co-pros-
peridade Asiática entre os outros povos orientais conquistados na Coréia, no Sudeste Asiático, na China e nas ilhas do Pacífico, o Japão não possuía nenhu-
ma tradição duradoura de cidadania com voto livre nem a idéia de que os asiáticos não-japoneses poderiam querer se alistar no exército japonês na esperança de algum dia receber as mesmas garantias e liberdades constitucionais dos próprios japoneses. O Japão viveria e morreria segundo o conceito
da raça —
definindo (e demonizando)
os Estados Unidos como um povo q
o
519 4.
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Por que o Ocidente venceu
“branco” e o Japão, consequentemente, como um povo “amarelo” aparent heat ' a du ra nt e Jap ão, pró pri do o De nt ro sup erior. do, mas claramente
Midway, não houve imprensa livre nem eleições, mas sim uma ditadura ii um impera dorte de vo nt as ad es se gu nd o tar que funcionou aparentemente
O resultado foi uma fascinante anomalia: embora os países asiáticos em como do Japão houvessem sido submetidos a décadas de oneroso racismo e imperia.
lismo por parte de franceses, holandeses, alemães, britân icos e americanos, depois das celebrações iniciais de boas-vindas a seus libertado res asiáticos, as populações indígenas estavam mais propensas a ajudar os americ anos “brancos” do que os japoneses, seus irmão asiáticos. Afinal, o governo eleito do pri
meiro poderia, em algum futuro distante, estender a independênci a a seus subordinados e satélites; a ditadura do último — que se aut odefinia como
raça, mais do que como idéia — só produziria exploração econômica, sem nenhuma chance de paridade em qualquer data futura. É mais provável que os corações dos homens em uma democracia mudem e evoluam do que a vontade do imperador.
Enquanto em teoria os americanos seriam uma cultura, e não uma raç a (embora os negros, por exemplo, vergonhosamente ainda não pudessem votar em muitos estados americanos e combatessem no Pacífico em papéis segregados,
muitas vezes como cozinheiros ou serventes), todo o credo do militarismo Japonês repousava sobre a suposição implícita da superioridade japonesa inata em relação a seus povos asiáticos subordinados “inferiores”. Se O Japão houvesse adotado uma tradição democrática ocidental e efetuado uma mudança
cultural em direção ao individualismo e à auto-expressão, poderia muito bem ter sido capaz de consolidar todo o subcontinente asiático contra o avanço
europeu — mas, nesse caso, talvez a Segunda Guerra Mundial não tiv esse se”
quer sido necessária.
Se a ausência de tais instituições liberais prejudicou o esforço de guerra jap" nês como um todo no dia 4 de junho de 1942, foi a arregimentação da própria cultura militar japonesa, visível principalmente na total ausência de individuali520
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Cartão postal italiano onde aparece um samurai representando a ascensão do militarismo japonês.
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Por que o Ocidente venceu
dade, que se revelou crítica para uma batalha tão veloz e de tão longo à
À a supe re bat alh da a min uci mai oso s exa me Um Mid way . cance quanto fé intrínseca dos americanos no individualismo, ele próprio podia E a“
trava-se decisiva a cada instante do confronto. Muito mais do que a a a surpresa ou o acidente, o poder do indivíduo em si explica a incrível x tória americana.
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de expressão uma longa tradição de governo consensual e liberdade
Espontaneidade e iniciativa individual em Midway Sugerir que os americanos em Midway eram individualistas, enquanto os marinheiros e pilotos japoneses eram autômatos incapazes de pensar seria fazer
uma caricatura da complexa relação entre soldado e estado. A obediência está no centro da vida militar em quase todas as culturas. Sem uma cadeia de comando, as ordens e a disciplina militar não podem existir A marinha americana em Midway era altamente disciplinada, e houve milhares de soldados japoneses imaginativos e brilhantes que deram o melhor de si em esforços ad hoc para remediar o desastre de 4 de junho. Dito isso, o individualismo era uma noção muito diferente na cultura tradi
cional do Japão, cuja cidadania durante séculos considerara pouco necessário
eleger representantes, escrever e dizer livremente o que pensava, ou fazer de monstrações espontâneas em busca de soluções para suas queixas: Uma disposição para subordinar o indivíduo ao grupo, para sacrificar interesses
individuais para o bem da família, da aldeia e da nação (ficando entendido que, em
caso de incompatibilidade entre esses bens, o bem do grupo maior deve vir primeiro)
combinada a uma ênfase na harmonia da família, da aldeia e da nação que conside
rava moralmente errada qualquer ameaça à unidade, e segundo à qual aquele que criava conflito desafiando o status quo estava obrigatoriamente errado. (R. Dor: Land Reform in Japan [Reforma Agrária no Japão], 393) 522
Victor
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Mesmo OS estudiosos que discordam da visão estereotipada e eurocêntrica segundo à qual os japoneses pouco valorizam o individualismo — e, consegúeno próprio governo consensual — admitiram que a noção japonesa de temente, indivíduo se desenvolveu de maneira diferente de sua prática no Ocidente:
Para o leitor ocidental, mesmo aquele que viveu os anos 1930 na Alemanha, a pi"âmide autoritária que sustenta o exército japonês, baseada nessas aldeias estratificadas, deve parecer sufocante e restritiva. Como a maioria de nós poderia se dispor a subordinar completamente nossa individualidade à família, à aldeia e à nação? No
entanto, não há razão para concluir que os japoneses que não pertenciam à camada proeminente dessa sociedade orgânica acreditassem que estavam sendo sufocados, ou submetidos a uma ditadura, ou, se acreditavam, não há razão para concluir que se
importassem. (R. Smethurst, A Social Basis for Prewar Japanese Militarism [Uma
base social para o militarismo japonês pré-guerra], 182)
Não queremos sugerir que soldados japoneses altamente motivados e disciplinados, uniformemente corajosos e sem exceção dispostos a morrer por seu imperador, fossem nesse aspecto guerreiros menos capazes do que os americanos. Pelo contrário, em uma batalha complexa e prolongada como Midway, e mais ainda durante a Guerra do Pacífico em geral, a frota imperial perdeu inúmeras oportunidades devido a uma falta de iniciativa endêmica das forças armadas japonesas — e isso era típico, mais do que excepcional, em relação à sociedade japonesa em geral. Mitsuo Fuchida e Masatake Okumiya, veteranos graduados
da marinha japonesa, propõem
uma
análise quase à moda
de
Tucídides para a derrota de sua marinha imperial em Midway: Em última análise, a principal causa da derrota do Japão, não apenas na batalha de Midway, mas em toda a guerra, tem raízes profundas no caráter nacional japonês.
Nosso povo possui uma irracionalidade e uma impulsividade que resultam em ações de-
nossa sordenadas e muitas vezes contraditórias. Uma tradição de provincianismo toma pi
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523
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%
Por que o Ocidente venceu
mentalidade estreita e dogmática, nos faz relutar em descartar Preconceitos e ser ken para adotar até mesmo melhorias necessárias, caso exija m um novo conceito. o
e vacilantes, sucumbimos facilmente ao orgulho, o que por sua vez nos faz des sá os outros. Oportunistas, mas sem espírito de ousadia e independência, temos eo
a colocar nossa confiança nos outros e a nos submeter a superiores. (M. Fuchida eM Okumiya, Midway, a batalha que condenou o Japão, 247)
Em pelo menos quatro ocasiões críticas — na quebra dos códigos navais
japoneses, no conserto do porta-aviões Yorktoun, na natureza do comando
naval americano e no comportamento dos pilotos americanos —, a fé americana na individualidade em vez de no consenso de grupo, na espontaneidade em vez de no hábito, e na informalidade em vez de na hierarquia rev elou-se decisiva em Midway.
Os decifradores de códigos O contraste mais óbvio estava no terreno crítico do serviço secreto, que
pode ter decidido a batalha antes de ela começar. O deciframento de mensagens codificadas alteradas constantemente, por oposição à espionagem por
trás das linhas e ao serviço secreto em geral, é uma arte nobre, Ela combina habilidades matemáticas complexas, um conhecimento sofisticado de lin-
gúística, uma consciência social e histórica do contexto no qual as mensagens secretas são transmitidas, uma avaliação sensata do que é provável e do que está absolutamente provado estar sendo transmitido. O exemplo dos brilhantes esforços britânicos para quebrar códigos alemães ultra-secretos — é decriptação em Bletchley Park das mensagens telegrafadas da Wehrmacht coletivamente conhecidas como ULTRA — ilustra que os melhores decifradores de códigos são pensadores individualistas, frequentemente excêntri-
cos, vindos de todas as áreas, embora muitas vezes mais representados po!
indivíduos que pertencem formalmente aos departamentos de matemátic? e línguas das universidades. 524
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Davis
Hanson
mia Essas mentes altamente criativas funcionam melhor quando têm autono
tar. mili na ipli disc de s olo toc pro aos ção rela em ada liz era gen e rdad uma libe não ndo qua a, uad deq ina a nci quê fre com é r ado ifr dec do A personalidade contraditória,
à arregimentação militar. Os criptoanalisadores da marinha
americana, em sua informalidade e não-conformidade, se parecem com os renegados pouco ortodoxos que criaram a revolução dos computadores quaum ida dúv sem é Não a. rni ifó Cal da cio Silí do e Val no de tar s mai s -enta ano acidente que, de todos os beligerantes da Segunda Guerra Mundial, os britânicos e americanos, com braços militares formais de criptoanálise desde a Primeira Guerra Mundial e universidades completamente autônomas, tenham sido os melhores decifradores de códigos — e os japoneses os piores. Antes de a frota japonesa sequer chegar perto de Midway, o alto comando
americano conhecia aproximadamente a localização, a direção, os horários e os objetivos da armada de Yamamoto. Os frenéticos esforços americanos para fortificar e equipar Midway, anteriormente em grande parte negligenciada, com aviões, artilharia e homens; a rápida mobilização da resposta naval americana; o fracasso dos submarinos japoneses em encontrar, muito menos atacar, a frota americana; e o trajeto seguro dos porta-aviões americanos até um ponto
estratégico onde esperar pela chegada dos navios japoneses se deveram ao de-
ciframento, pela marinha americana, de mensagens telegráficas japonesas codificadas. Em meados de maio de 1942, Midway ficou subitamente repleta
de armas, aviões e defensores, e é difícil imaginar que a força de invasão japonesa pudesse ter tomado com facilidade a ilha principal, mesmo que sua frota houvesse derrotado os porta-aviões americanos.
Os homens que geralmente levam o crédito pelo pioneirismo no esforço
americano de quebrar os importantes códigos navais japoneses — conhecidos como JN-25, com cerca de 45 mil números de cinco dígitos — foram os comandantes Joseph J. Rochefort e Laurence Safford. “Eu não mantinha bons
arquivos”, confessou Rochefort sobre seu trabalho. “Levava tudo na cabeça”
(G. Prange, Miracle at Midway [Milagre em Midway], 20). De chinelos e paletó Za SENNA,
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cal
Por que o Ocidente venceu
de smoking, Rochefort comandava uma estranhamente autônoma Unid ade de Serviço Secreto de Combate da Frota do Pacífico (conhecida como H a quem Safford dera liberdade mais ou menos total para decifrar trans to, Missõe | japonesas da maneira que bem entendessem em um escritório sem janelas um porão de Pearl Harbor:
s
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É difícil determinar qual dos dois era o mais excêntrico. Safford, formado pela Academia Naval de Annapolis em 1916, era uma daquelas pessoas que enlouquece os alfaiates de uniformes e as organizações bem ordenadas. Tinha os cabelos cortados
no estilo “cientista louco" e uma fala desarticulada porque sua boca não conseguia acompanhar seu pensamento; seu forte era a matemática pura. Rochefort tinha maneiras suaves, era dedicado e sério, mas também persistente, enérgico e impaciente
em relação a hierarquias e burocracia, e sua mente não havia sido afetada por um treinamento ortodoxo de oficial. (D. van der Vat, A campanha do Pacífico, Segunda Guerra Mundial, 88-89)
O grupo coeso de Rochefort tinha total apoio do tradicional almirante Nimitz, que não se abalava nem um pouco com a aparência de seus homens ou com a maneira como a HYPO
era administrada. É verdade que aquele conjunto de
homens nada militares, livres pensadores de aparência estranha, fazia muitas pes-
soas franzirem o cenho no alto comando americano — o almirante King não dava muito valor à sua operação. Mas é impossível imaginar seus equivalentes na marinha japonesa, onde aquela informalidade, a negligência do protocolo, 38
roupas e aparência estranhas e a não manutenção de registros meticulosos, além
de um desprezo generalizado pela vida militar não podiam ser desculpados sob a alegação de que um grupo de intelectuais e outros esquisitões do gênero pre
cisavam daquela liberdade e da isenção de outro tipo de esforço militar. Os estudiosos mais sérios de Midway não hesitam em atribuir grande parte da vitória americana ao esforço de Rochefort. Samuel Eliot Morison concluit .
que Midway
526
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“foi uma vitória da inteligência aplicada com bravura e sensatez
)
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(Mar de Coral, Midway e ações submarinas, maio de 1942 — agosto de 1942, a afirmam a 158). OS veteranos € historiadores japoneses Fuchida e Okumiy
a em sua análise da primeira grande derrota naval dos japoneses
nos tempos modernos: Não resta a menor dúvida de que a descoberta antecipada do plano de ataque japonês foi a causa principal e imediata da derrota do Japão. Visto do lado japonês, esse sucesso do serviço secreto do inimigo se traduzia em um fracasso de nossa parte — um fracasso em tomar as precauções adequadas para manter o segredo de nossos planos...
Mas essa foi uma vitória do serviço secreto americano em um sentido muito mais amplo. Tão importante quanto as conquistas positivas do serviço secreto do inimigo nessa ocasião foi o funcionamento ruim e ineficiente do serviço secreto japonês. (Midway, a batalha que condenou o Japão, 232)
O individualismo de Rochefort e de seu grupo — e sua capacidade e liberdade para funcionar de forma bem-sucedida com o exército americano — era representativo de uma longa ênfase ocidental na expressão e iniciativa particulares que eram dividendos do governo constitucional, do capitalismo de mercado e da liberdade pessoal. Centenas de marinheiros japoneses corajosos seriam cremados em Midway porque um oficial que trabalhava de chinelos
sabia que eles estavam chegando. O conserto do Yorktown Se q serviço permitiu aos americanos conhecer de antemão o plano de ata-
a incrível restauração do porta-aviões danificado Yorktown garantiu que houvesse três, e não dois, porta-aviões americanos para enfrentar os quatro do almirante Nagumo. Sem o papel vital dos esquadrões aéreos do Yorktown em afundar os porta-aviões japoneses, e se O porta-aviões não
que japonês,
houvesse desviado toda a contra-ofensiva japonesa do Enterprise e do Home,
à batalha poderia facilmente ter sido perdida. Os embates constantes dos
rd. E”
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dano RR
Por que o Ocidente venceu
caças Wildcat de Jimmy Thatch, os soberbos bombardeios de Mergulho d não e Massey Lem de Devast ators dos sacrifí o cio e Leslie SBD de Max sido possíveis se não fosse o inovador serviço de conserto da nave-mãe a alguns dias antes em Pearl Harbor.
S
O Yorktown sofrera sérios danos menos de um mês antes de Midway: no dia 8 de maio, durante a batalha do mar de Coral, fora atingido diretamente pot
pelo menos uma bomba e várias haviam errado por pouco. Os bombardeiros navais japoneses haviam arruinado o convés de decolagem, destruído galerias e anteparos dentro do navio, diminuído sua velocidade para vinte e cinco nós e rachado sua blindagem. Várias bombas que quase o atingiram haviam fun. cionado
como
ataques submarinos
e rompido
seus dutos de combustível, o
que resultara em grandes vazamentos de óleo. O navio chegou com esforço a Pearl Harbor no dia 27 de maio, com cabos elétricos interiores e tanques de
Em 1942, os bombardeiros SBD e TBD americanos já eram obsoletos. No entanto, em Midway,
os ruidosos mergulhos dos SBD (acima) revelaram-se letais e não encontraram oposição — devido ao sacrifício não planejado e trágico dos torbedeiros TBD muito mais abaixo.
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pelos dos ima diz o sid iam hav eos aér s rõe uad esq s Seu s. ado uin «ombustível arr aviões e pela artilharia antiaérea japonesa. Em todo caso, os japoneses estaoria das mai A al. Cor de mar no ra nda afu wn kto Yor O que vam convencidos de levaria to ple com to ser con um que via pre s ana ric estimativas profissionais ame
nar a tor e ess pud io nav o que a par , seis e ent elm siv pos es, pelo menos três mes . o ã ç i e f r e p m o c r a g e v a n r a ao g m e u h o c t k r o Y s o i d o p s e o d t u n u i o m ç e m o o t r c e Em vez disso, o cons
como oad esc se ves hou uer seq a águ a que es Ant . bor Har rl Pea de dique seco
o e nçã ute man de os nic téc os, eir enh eng , iro ale est do a for a par e ent pletam
icam , soa pes em itz Nim nte ira alm o pel dos nha mpa aco es, diversos fabricant
danos os o and ion pec ins s, lho joe os até as bot com io nav rme eno o pel nhavam ias ênc vid pro de es har Mil to. ser con seu a par o ári ess nec al eri mat o e anotando individuais foram tomadas imediatamente: solMais de 1.400 homens — ajustadores navais, carpinteiros navais, maquinistas,
dadores, eletricistas — começaram a entrar no navio por cima e por baixo; eles e os dia operários do estaleiro trabalharam em tumos durante o resto daquele dia, durante o seguinte e durante as duas noites inteiras, fabricando os pilares e as placas de convés
necessárias para restaurar a força estrutural do navio e substituindo os cabos, instrumentos e acessórios danificados na explosão. (S. Morison, Coral Sea, Midway and — Submarine Actions [Mar de Coral, Midway e ações submarinas), maio de 1942 agosto de 1942, 81)
Os residentes locais reclamaram de quedas de luz, já que centenas de soldas elétricas exauriam a energia elétrica da ilha. Grande parte do trabalho foi feita ad hoc, sem planos ou instruções formais: Não havia tempo para planos ou esboços. Os homens trabalharam diretamente nas
dania utur estr uma a am gav che ndo Qua o. navi o para idas traz aço de as vigas e barr ficada, os operadores de maçarico tiravam a pior parte; os ajustadores posicionavam
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.
e
Por que o Ocidente venceu
uma nova seção e cortavam-na de acordo com o contomo do dano; aparelhad Ores soladores vinham em seguida, “pregando” a nova peça no lugar. E seguiam ara q j xima tarefa... (W. Lord, Incredible Victory [Incrível vitória], 36. 37)
Ó-
O resultado foi que, menos de sessenta e oito horas depois de sua Chegada, na manhã de sábado, 30 de maio, o Yorktown, com eletricistas e Mecânicos ainda a bordo, aparelhado com novos aviões e pilotos substitutos, deixou q dique seco. Os últimos reparadores deixaram o porta-aviões em lanchas a motor enquanto este saía do porto, ao encontro dos porta-aviões do almirante Nagumo. Para comemorar o incrível feito, a banda do porta-aviões que agora rumava para o oeste, e não de volta ao leste como previsto anteriormente,
ironicamente tocou “California, Here 1 Come” (Califórnia, aqui vou eu”) no convés de decolagem todo remendado. Muito diferente foi a reação japonesa aos danos e à perda de pilotos de seus dois mais novos e mais mortais porta-aviões, o Shokaku e o Zuikaku, quando
este último voltou da mesma batalha do mar de Coral. Sobre o Shokaku, que chegou à base naval de Kure (dez dias antes de o Yorktoum chegar em Pearl Harbor e com muito menos danos estruturais), o comandante aéreo da frota, capitão Yoshitake Miwa, concluiu que, apesar de não serem sérios, seus danos
poderiam exigir três meses de reparos. Seu porta-aviões irmão, o Zuikaku, embora totalmente intocado pelos americanos, perdera 40% de sua tripulação
aérea no mar de Coral; assim, ficou no porto em excelentes condições durante
toda a batalha de Midway, esperando aviões e pilotos de reposição. O contras te entre a resposta americana e a japonesa em relação ao conserto dos dano respectivos do mar de Coral era inegável: Ele [Nimitz] precisa ter todos os porta-aviões disponíveis, daí o ímpeto e à urgência
por trás de sua pressão para pôr o mutilado Yortoum em condições de combate. Foi
bp uma tremenda performance e uma vitória preliminar dramática. Por sua ves japoneses foram lentos para consertar o Shokaku e reequipar o Zuikaku, confiantes
530
pn
Victor
Davis
Hanson
que seriam capazes de dizimar a frota americana do Pacífico sem a ajuda dos dois veteanos de Pearl Harbor. (G. Prange, Miracle at Midway [Milagre em Midway], 384)
Caso os papéis houvessem sido invertidos — se o comando inovador e as fro-
tas de reparo houvessem sido mobilizados em Kure, não em Pearl Harbor —, o os ican amer es -aviõ porta três, não e dois, do enta enfr teria mo Nagu ante almir com seis porta-aviões, e não quatro. Nesse caso, é difícil imaginar como o Enterbrise e o Hornet poderiam ter escapado de afundar. Conhecemos
o talento do comando
americano que insistiu no conserto
imediato do Yorktown. Mas o que em grande parte se perdeu no registro histórico foram as centenas de decisões individuais e a engenhosidade indivi-
dual dos soldadores, rebitadores, eletricistas, carpinteiros e oficiais de suprimen-
to americanos que, por conta própria e sem ordens escritas, transformaram um navio praticamente arruinado em um arsenal flutuante que ajudaria a afundar a 1º Força de Ataque Móvel de Porta-Aviões do almirante Nagumo. Flexibilidade no comando
O grandioso plano de ataque do almirante Yamamoto em Midway era inflexível. Poucos ou nenhum de seus subordinados mais astutos fizeram algum esforço sistemático para convencer seu almirante de que os trunfos da frota imperial estariam dispersos demais, de que aviões e navios precioSos seriam desperdiçados nas operações das Aleutas, e de que toda a estra-
tégia contraditória de destruir a frota americana ao mesmo tempo em que se invadia uma ilha a mil e seiscentos quilômetros de distância era absurda. Uma longa tradição de deferência aos superiores, aliada à reputação de Yamamoto depois de Pearl Harbor, impedia qualquer diálogo sério que pudesse
ter resultado em pelo menos algumas alterações. O chefe do Estado-Maior do almirante Nagumo, contra-almirante Kusaka, comentou a respeito das Teservas pessoais de muitos oficiais graduados com relação à fórmula de Ya-
Mamoto: “O fato era que o plano já fora decidido pelo quartel-general da +
531
T
,
Por que o Ocidente venceu
Frota Combinada, e éramos forçados a aceitá-lo como ele fora concebida»
(G. Prange, Miracle in Midway [Milagre em Midway], 28),
O rígido sistema estratégico de Yamamoto quase causou problemas táticos
que também refletiam uma hierarquia institucional no comando| imperial ja ponês que desencorajava a iniciativa e o pensamento independente. Os críti. cos da liderança japonesa em Midway geralmente insistem nas decisões-chay
do almirante Nagumo na manhã do dia 4 de junho: (1) sua ordem para enviar
a maior parte dos caças que dariam cobertura de proteção à frota junto com
os bombardeiros para atacar Midway: (2) sua decisão para enviar também todos os quatro bombardeiros de uma só vez contra Midway, sem manter uma reserva no caso da aparição súbita dos porta-aviões americanos; e (3) sua determinação crucial de não enviar seus aviões imediatamente ao saber da presença dos porta-aviões americanos, mas, em vez disso, ordenar que fossem
reequipados como torpedeiros navais e não bombardeiros. Em todas as três decisões, Nagumo — que se suicidou em uma casamata subterrânea em Saipan em junho de 1944 — simplesmente respeitou o procedimento padrão da marinha japonesa, sem perceber como o confronto com os americanos poderia ser diferente das outras experiências de vitórias fáceis contra adversários surpresos, em desvantagem numérica e inexperientes.
Quanto aos ataques contra Midway propriamente dita, o protocolo tradicio-
nal da frota japonesa era de que todas as surtidas de bombardeio fossem acompanhadas por grandes escoltas de caças. No entanto, no dia 4 de junho, duas condições dos céus acima de Midway imediatamente tornaram essa abordagem doutrinária sujeita a alterações: as defesas de caça de Midway não eram eficazes, o que tornava os bombardeiros capazes de atingir seus alvos com uma coberturê mínima de caças; em segundo lugar, a incapacidade dos japoneses de localizar ? frota americana sugere que a permanência de uma grande reserva de caças acim
dos porta-aviões de Nagumo era crucial contra possíveis ataques navais amem canos. No entanto, nem Nagumo nem seus oficiais viram necessidade de altera” suas antigas crenças para se adaptar às condições presen tes.
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Nagumo mobilizou quase todo seu esquadrão aéreo contra um alvo que não ar ent res rep de az cap os ir de ar mb bo ou as caç de ça for era móvel nem tinha uma para a frota japonesa ou para seus aviões. A imóvel Midway não
de Nagumo, o secret o serviç pelo a perdid er 5 podia
nem era capaz de arruínar
mal-sucedidos mente seguida eios bombard Os m provara como iões, porta-av «eus
e não detecda manhã. Por sua vez, O Enterprise, o Homet e o Yorktoun, móveis
rados, certamente eram capazes das duas coisas. Segurar metade de sua força de bombardeiros, pronta para atacar a frota com força as caç s seu ha tin man to uan enq s, uto min de o stã que em ana ric ame
otal acima dos porta-aviões teria sido uma mudança inovadora e não ortodo
xa para Nagumo. Assim, ele ainda poderia enviar surtidas muito menores e re. ana ric ame al nav ça sen pre a zar ali loc a tav ten to uan enq , way Mid tra con ulares Na guerra naval, lançar todas as forças ao mesmo tempo às vezes era uma boa estratégia — era exatamente o que fariam os almirantes americanos contra
Nagumo nos minutos que estavam por vir —, mas apenas como prevenção
contra porta-aviões velozes, cujos caças de mergulho eram mortais; fazia pouco sentido contra ilhas cujas aeronaves eram obsoletas e notoriamente incapazes de atingir um navio no mar. Nagumo — e nesse caso a culpa deve ser atribuída em grande parte ao plano grandioso do almirante Yamamoto — estava se concentrando no objetivo errado, que lhe traria poucos danos, enquanto negligenciava justamente o alvo capaz de afundar seus navios. Mais crítica ainda foi a decisão de rearmar seus bombardeiros antes de
enviá-los instantaneamente contra os porta-aviões americanos recém-descobertos. A inegável vantagem de ter todos os aviões carregando torpedos em
vez de bombas foi imediatamente neutralizada pelo fato de ter todos os quatro Porta-aviões japoneses ao mesmo
tempo expostos com uma confusão esparra-
mada de gasolina, aviões armados e bombas em seus conveses de decolagem. Nagumo também estava preocupado pelo fato de enviar seus bombardeiros
F
533
IT
“á
imediatamente sem uma escolta de caças — os pilotos destes últimos estavam exaustos por causa do ataque a Midway, ocupados dando cobertura aérea ou
AoTA a
K
Por que o Ocidente venceu
ainda reabastecendo. No entanto, seus caças de mergulho sem escolta
tCrian
pelo menos localizado a frota americana; alguns teriam passado pela def causado danos. Foi o desejo de destruir o inimigo a todo custo e e
aviões longe de um convés de decolagem visado que fez o almi rante Spru A E enviar naquela mesma tarde todos os caças de mergulho disponíveis a
brise e do Yorktown contra o Hiryu. Mesmo sem o apoio de caças, os ie nos fizeram em pedaços os porta-aviões japoneses. E Atacar alvos terrestres com bombas e navios com excelentes torpedos japo
e
era uma boa política; mas batalhas raramente levam boas políticas em
consideração e, em vez disso, exigem uma adaptação imed iata. Na guerra de porta-aviões, os aviões de uma frota devem estar no ar defendendo os navios
e longe caçando o inimigo. Como observam Fuchida e Okumiya, “Nagumo
escolheu o que lhe pareceu o procedimento ortodoxo e seguro, e nesse momento selou o destino de seus porta-aviões” (Midway, a batalha que condenou o Japão, 237). Até mesmo o almirante Kusaka admitiu mais tarde que segurar
um número substancial de aviões armados e prontos para decolar imediata mente assim que os porta-aviões inimigos fossem localizados era uma boa política de garantia, mas admitiu também que a cautela parecia inútil em
Midway: “Era quase intolerável para o comandante na frente de batalha manter metade de sua força pronta indefinidamente apenas para uma força inimiga que poderia nem estar na área” (G. Prange, Miracle in Midway [Milagre em Midway], 215). Por fim, houve uma abordagem institucional, fossilizada até, do uso japonês dos porta-aviões e encouraçados, que não se adaptou às realidades de batalha altamente voláteis e em constante mudança do teatro do Pacífico. Na guerra
contra os americanos, encouraçados não eram mais veículos de prestígio nacio” nal cuja principal missão era atingir outros encouraçados e pulverizar cruZ
dores e destróieres. Em vez disso, eram extremamente eficazes para detectar po” ta-aviões muito mais valiosos — contribuindo com seu enorme arsenal antiaéreo para a proteção dos insubstituíveis porta-aviões, cercando-os para garantir que 534
Victor
Davis
Hanson
submarinos € aviões que se aproximassem precisassem primeiro absorver seu
ataque (os encouraçados em geral eram tentadores para os pilotos, mas mais í
difíceis de atingir do ar, mais blindados e menos vulneráveis a torpedos), ao giam os transportes de soldados e disparavam com e t o o p e r m m p mo qu e e t es m suas enormes armas de quarenta a quarenta e cinco centímetros contra alvos na costa.
Se todos os encouraçados de Yamamoto houvessem cercado os portaaviões de Nagumo e depois, à noite, houvessem avançado para explodir as pistas de decolagem de Midway, haveria uma boa probabilidade de que mais bombardeiros americanos tivessem sido abatidos, de que muito mais aviões de base tanto terrestre quanto naval houvessem desviado seus ataques dos portaaviões japoneses para os impressionantes navios de guerra e de que não hou-
vesse existido a necessidade imperativa de lançar aviões navais contra Midway, já que ela estava sob ataque naval constante dos numerosos encouraçados de Yamamoto. Em vez disso, os encouraçados não participaram da batalha. Durante a maior parte da guerra, os imensos Yamato e Musashi, assim como outros encouraçados iguais a eles, ficaram completamente ociosos, e raramente foram mobilizados corretamente em qualquer dos confrontos japoneses
do Pacífico. Por sua vez, depois do desastre de Pearl Harbor, do subsequente
afundamento dos britânicos Prince of Wales e Repulse, e de numerosos cruzadores pesados pelos bombardeiros navais japoneses, os americanos rapidamente criaram um papel inteiramente novo para Os encouraçados. Dali em
diante, os mastodontes da marinha navegariam junto dos porta-aviões sempre
que possível, como em Okinawa, onde poderiam proteger e desviar disparos ou, como nas Filipinas e em Normandy Beach, atingir forças terrestres inimigas.
Idealmente, grupos de porta-aviões também deveriam navegar em forma-
ções em ziguezague para dispersar ataques aéreos. Infelizmente, os japoneses abordaram
Midway
justamente
da maneira oposta:
reuniram seus quatro
por-
ta-aviões em posições bem próximas, ao mesmo tempo em que seus importantes
encouraçados estavam muito distantes. Teria sido muito melhor formarem —p
535 E T
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Por que o Ocidente venceu
duas, ou até mesmo três, forças-tarefa de porta-aviões, cada uma a oit quilômetros da outra, para coordenar os ataques aéreos dos quatro navi IOS persos. Desse modo, teriam podido diluir os bombardeiros que os ata “1a
4
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Cavam
como na prática americana das Forças-tarefa duplas 16 e 17, que permit;
Mme bombas as todas absorve r Yorktou n danific ado ao anteriormente Pode-se Je ataque. qualqu er de Homet e Enterpri se afastad os os liberando imaginar o que teria acontecido em Midway se o impetuoso e incrivelmente combativo almirante Yamaguchi houvesse sido enviad o a oitenta quilômetros
do Kaga e do Akagi, com controle direto dos recursos aéreos do Hiryu e do Soryu — com mais ou menos uma dúzia de encouraçados japoneses protegendo as duas forças-tarefa de porta-aviões. Mas tal tática teria exigido uma verdadeira descentralização e um comando supremo lateral, elástico , em vez de
uma hierarquia de inúmeras camadas sob o poder absoluto de um almirante que estava virtualmente incomunicável.
O sistema de comando americano era bem mais flexível, e as ordens da
frota eram fundamentalmente tolerantes o bastante para permitir alterações à medida que a batalha de Midway progredia. Essencialmente, o almirante Nimitz instruiu o almirante Frank J. Fletcher e o almirante Spruance a fazer
uso do serviço secreto americano aproximando-se pelo lado da frota japonesa maior, a atacá-la duramente com todas as armas que tivessem e depois a recuar quando
os navios de superfície japoneses viessem
em
seu socorro. O:
detalhes do ataque americano proposto — na verdade, a natureza da mobili-
zação dos navios em si — foram deixados à cargo dos comandantes, Fletcher e Spruance. As ordens de Nimitz instruíam ambos à “infligir um máximo de danos ao inimigo empregando táticas fortes de atrito”. Seus ataques deveriam
ser governados pelo princípio do risco calculado, que deve ser interpretado da seguinte maneira: evitar expor sua força ao ataque de forças inimigas supe riores sem boas perspectivas de infligir danos ainda maiores ao inimigo como
resultado dessa exposição” (G. Prange, Miracle in Midway [Milagre em Mid-
536
!
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iniciar um Por sua VEZ, O almirante Nagumo sentiu-se obrigado pelo dever a
ataque do modo “correto”, enquanto os almirantes Spruance e Fletcher, inteiano ramente sozinhos, enviaram praticamente todo o esquadrão aéreo americ uance e FletSpr de ação Essa . ade nid rtu opo ra mei pri na ses atrás dos japone
cher pode ter sido precipitada, mas eles baseavam-se na crença de que, em
uma guerra de porta-aviões, O primeiro ataque em geral é o mais crítico, já que migo e pode pulverizar a pode acabar com a capacidade de retaliação do ini
própria plataforma de centenas de aviões que estão no ar. Quando havia raros desacordos no alto escalão do almirantado japonês,
essa tensão geralmente se manifestava de maneiras contraproducentes e estranhamente formalistas: ofertas para renunciar ou mesmo cometer suicídio,
esforços rivais para aceitar em vez de atribuir culpa, determinação para afundar com o navio para se redimir de erros táticos — ou até mesmo, durante a campanha de Pearl Harbor, um combate corpo a corpo entre os almirantes Nagumo e Yamaguchi por causa do posicionamento dos porta-aviões deste último. Como era diferente o informal e relaxado sistema americano. No Yorktoun
danificado,
o almirante
Fletcher
transferiu
para
o almirante
Spruance decisões-chave sobre o lançamento dos aviões da frota — sem rancores ou preocupações com a honra do comando: Ele [Fletcher] sabia muito bem que o almirante que conduzisse seus navios na maior vitória naval americana da Segunda Guerra Mundial seria um herói popular,
com lugar garantido na história. No entanto, quando se deu conta de que não podia mais comandar sua unidade de ataque aéreo com eficiência máxima, passou as rédeas para Spruance. Foi um ato de integridade altruísta e patriotismo em ação. Às
er, mas ele foi o vínreputações de Nimitz e de Spruance nunca obscureceram Fletch culo entre os dois, um homem de talento que tinha a inteligência e o caráter para dar
liberdade de ação a um homem de gênio. (G. Prange, Miracle in Midway [Milagre em Midway], 386)
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Por que o Ocidente venceu
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Tanto a tradição militar japonesa quanto a americana davam grande val Or ao comando supremo no campo de batalha — um marco da prática milir ar ocidental desde a cultura de generais hoplitas lutando na Primeira fila da
falange grega —, mas os americanos estavam mu ito mais dispostos a abando.
nar a forma em prol da funcionalidade em um teatro complexo da magnitude de Midway. O almirante Yamamoto, que inve ntara todo aquele plano ineye. cutável, estava no Yamato. No entanto, uma vez que Os japoneses estavam respeitando um silêncio de rádio, e que o navio de guerra do almirante nave.
gava muito longe da cena da batalha de porta-aviões , não havia quase nenhu-
ma chance de comunicação instantânea e dir eta entre os oficiais na batalha e
o alto comando japonês. Yamamoto tinha quase tan to controle em Midway
quanto Xerxes em seu trono imperial encarapitado nas colinas acima de Sala. mina — mas tinha bem menos informações de pri meira mão sobre o progresso da batalha.
Em comparação, o almirante Nimitz em Pearl Harbor teve uma avaliação quase instantânea dos acontecimentos de junho de 1947 enquanto estes ocorriam, mantendo assim um constante diálogo consultivo co m seus almirantes. Na
verdade, em seu escritório em Pearl Harbor, Nimitz estava mui to mais próximo da ação em Midway, tanto concreta quanto eletronicamente, do que Yamamoto
em seu encouraçado no mar. A tradição Japonesa segundo a qual o co mandante supremo ficava no primeiro navio da frota (e em um encouraçado durant e uma guerra de porta-aviões!), a disposição do inexperiente comandante de um porta-
aviões para afundar junto com seu navio e à aceitação incont estada de um plano tático vindo de cima eram atitudes disciplinadas e soldadescas, mas não práticas
necessariamente eficazes do ponto de vista militar Como um senhor de guerra exaltado, Yamamoto bolou seu plano formal, ordenou a seus subordinados que 9
seguissem, e depois, em relativo isolamento e silêncio, singrou rumo à batalha nO
enorme, ostentatório — e praticamente irrelevante — Yamato.
Infelizmente, seus adversários pouco ligaram para a tradição samurai, mas se mantiveram em constante comunicação eletrônica e fizeram consul tas ad hoc 538
Victor
Hitler conversa com seus assessores
Davis
Hanson
Por que o Ocidente venceu
à medida que estabeleciam novos planos de contingên cia €, OCasiona mente, mudavam o comando de mãos. Os alm irantes americanos preferiam supervisionar o abandono completo de seus navios que afundavam
portanto, caracteristicamente, perdiam menos homens quando suas e cações afundavam. Eles estavam mais dispostos a obter um novo navio de
guerra do que a afundar com o antigo, aprendendo com a derrota, em vez de se deixar consumir por ela. Quando milhares de seus marinheiros tentavam buscar a salvação durante os últimos momentos de um navio que afundava, eles pouco ligavam se a fotografia do presidente Roosevelt logo fosse repousar no fundo do oceano.
Nem todas as batalhas navais exigem imaginação e adaptação. Almirant es
americanos excêntricos, tenazes e independentes como Halsey e Fletcher ocasionalmente podiam quase pôr sua frota em perigo tamanha sua agressividade
— como durante as batalhas do mar de Coral, os confrontos de Guadalcanal
e a vitória no golfo de Leyte. No entanto, de modo geral, quando se trata de uma guerra de porta-aviões ou da batalha em si, é um truísmo dizer que o conflito armado é algo pouco claro, que planos estabelecidos muitas vezes se tor-
nam obsoletos no instante em que o tiroteio começa, e que a reação, a inovação e a iniciativa muitas vezes superam os méritos do método, do consenso e
do respeito da hierarquia e do protocolo. Sob esse aspecto, é vantajoso ter no
campo de batalha soldados mais independentes do que previsíveis, com oficiais que avaliem o que funciona naquele momento, em vez de respeitarem O que é aceito como convencional.
A iniciativa dos pilotos
Os americanos tinham aviões antiquados, pilotos muitas vezes inábeis, € pouca experiência em guerra de porta-aviões. No entanto, lançaram ata ques aéreos repetidos, onde tripulações aéreas altamente individualistas empregaram
surtidas
imprevisíveis e métodos
de ataque
não ortodoxos
cujo efeito foi desintegrar a frota japonesa de porta-aviões e permitir su2 540
Victor
destruição
Davis
Hanson
balançaram es iõ av art po nos s se ne po ja es or ad final. Observ
a
cabeça diante do amadorismo dos primeiros oito fúteis ataques aéreos americanos, com aviões de base terrestre e naval — e depois seu queixos cairam qua
ndo a nona onda de caças de mergulho saiu do nada para des-
truir sua frota.
Os estudiosos muitas vezes observam que os bombardeiros e pilotos na-
ght VindiVau , oes fal Buf er wst Bre ndo ota pil — ay dw Mi em os ead bas vais cators, novos torpedeiros Avenger, ultrapassados caças de mergulhos SBD da marinha, caças Wildcat, bombardeiros leves B-26 Marauder e B-17
Flying Fortresses — não conseguiram causar nenhum dano real à frota ja-
ponesa. No entanto, seus ataques repetidos, embora descoordenados, espontâneos e de pouca perícia, eram praticamente constantes, tendo assim o efeito de manter os japoneses desatentos e seus importantes pilotos ocupados, rapidamente cansados e com frequência precisando de combustível e munição. Antes de os porta-aviões serem finalmente incendiados, nada menos do que cinco surtidas partiram de Midway em si, muitas vezes fruto
da iniciativa dos próprios pilotos.
Antes do dia da batalha decisiva, pouco depois do meio-dia de 3 de junho, nove B-17 do exército deixaram Midway para atacar a frota japonesa que se aproximava quando esta ainda estava a quase mil quilômetros de distância.
Os pilotos não tinham nenhuma experiência de combate e carregavam, juntos, menos de onze toneladas de bombas. Não acertaram um só alvo. Horas
depois, quando os B-17 voltaram a Midway, um grupo heterogêneo de aviões de reconhecimento PBY — que mal conseguiam atingir cento e sessenta quilômetros por hora — decolou. Cada um deles estava temporariamente armado com um único torpedo e rumou para a frota japonesa, e para outro ataque surpresa noturno. Com exceção de danos leves a um navio-tanque, essa se-
gunda e ainda mais bizarra surtida teve pouco efeito. Na manhã
seguinte, às 7:00h, enquanto os porta-aviões japoneses esta-
541 y
|
PR
af
vam ocupados atacando Midway, torpedeiros e B-Z6 americanos vindos das
pomar mm
A Por que o Ocidente venceu
ilhas mais uma vez rumaram para a frota de porta-aviões do almirany Nagumo. Não havia nenhum caça de verdade, muito menos uma es integrada entre os esquadrões. No Akagi, o tenente Ogavwa COnsiderou
inepto todo o ataque da manhã — um julgamento que se confirmou quan. do os Zeros da frota imperial abateram a maioria dos Avengers e um dos
quatro B-26. Mais uma vez, os americanos não acertaram nenhum alvo
Pouco mais de uma hora depois, quinze B-17 sobrevoaram Novamente
a frota japonesa para dar início a um quarto bombardeio americano. Lan.
çando seus armamentos de quase seis mil metros de altura, os Fortresses
só chegaram perto com poucas bombas — mais tarde, eles fariam alega. ções fantasiosas de danos —, mas novamente não atingiram nenhum alvo. Alguns minutos depois, onze decrépitos Vindicators da marinha che-
garam e começaram antiquados bombardeios de planagem de alturas tão pequenas quanto cento e cinquenta metros. Também não atingiram nenhum alvo.
Todos os cinco ataques de Midway foram espontâneos, feitos por pilotos
fuzileiros, da marinha e do exército em
uma
estranha
mistura de pelo
menos cinco tipos diferentes de bombardeiros, atacando de alturas que iam de cento e cingienta a seis mil metros, sem preparação adequada, com tor-
pedos defeituosos e bombas incapazes de danificar seriamente navios blindados modernos. Quando eles terminaram, todos os navios japoneses estavam intactos, metade dos aviões de Midway havia sido destruída, mas
a frota estava desgastada e cansada depois de horas de vigilância e tiroteio
contínuos — exatamente no instante em que as três ondas condenadas de
Devastators do Enterprise, do Hornet e do Yorktown apareceram no hor
zonte para começar seus igualmente improdutivos ataques de torpedos- Ê
capitão Fuchida e o comandante Okumiya resumiram os ataques de Midway com
ênfase
especial
no
quão
ocupados
Os japoneses
primeiras cinco surtidas aéreas americanas:
542
estiveram
repelindo as
Victor
Davis
Hanson
Nossa conclusão geral foi que pouco tínhamos a temer das táticas ofensivas do
inimigo. No entanto, paradoxalmente, a própria ineficácia dos ataques inimigos até então contribuiu, e muito, para o triunfo final americano. Negligenciamos algumas
precauções óbvias que, caso houvessem sido tomadas, poderiam ter evitado o fiasco que se seguiu algumas horas depois. Os sacrifícios aparentemente fúteis feitos pelos
aviões do inimigo baseados em terra, afinal, não foram em vão. (Midway, a batalha que condenou o Japão, 163) Como vimos, os pilotos dos torpedeiros dos três porta-aviões americanos
também eram muito inovadores, embora tenham tido basicamente o mesmo destino devido a seu equipamento inferior e à sua falta de experiência. No entanto, na verdade, poucos pilotos navais deveriam sequer ter localizado a frota americana. Os caças de mergulho e os caças do Hornet não o fizeram; 45 aviões, ou quase um terço dos 152 aviões iniciais do primeiro ataque americano, nunca sequer viram o inimigo. O contato por rádio com Midway era difícil, e nenhum relatório atualizado foi passado para os pilo-
tos depois da decolagem, indicando que os japoneses haviam alterado radicalmente seu trajeto a partir de Midway e estavam indo quase na direção
oposta. Durante a hora ou pouco mais necessária para que os americanos chegassem
até Os japoneses, Os porta-aviões inimigos estariam de cinquen-
ta a sessenta e cinco quilômetros mais ao norte em relação a sua última posição identificada, e assim, teoricamente, a salvo dos bombardeiros que se
aproximavam, operando no limite de sua capacidade, com pouco combus-
tível e indo na direção errada.
Alguns comandantes aéreos americanos ignoraram as ordens operacionais padrão e, portanto, encontraram os japoneses por iniciativa própria. Jack Waldron, comandante aéreo dos Devastators do Homet, disse a seu esquadrão: “Apenas me sigam. Vou levá-los até eles” (W. Smith, Mid-
way, 102). Ele os levou até eles, e até sua morte — supondo corretamente mudaria
de curso quando
DR a º
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abit
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tivesse notícia dos porta-aviões
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que Nagumo
4
Por que 0 Ocidente venceu
americanos. A engenhosidade de Waldron garantiu que ele encontrasse
e ai, abatidos, fossem aviões seus os todos japoneses e, portanto, que proteção
de caças japonesa,
durante
o massacre
dos americanos,
ca
alheia ao perigo dos caças de mergulho mais acima. Se Waldron não houv eia
mudado de rumo, nunca teria encontrado a frota inimiga, e é provável ai
os japoneses tivessem derrotado com muito mais facilidade os outros ata: ques e estivessem à espera dos SBD. Do mesmo modo, quando Wade McClusky, no comando do caças de
mergulho do Enterprise, chegou no ponto de interceptação planejado, q duzentos e cingúenta quilômetros, seus aviões tampouco encontraram alguma frota japonesa. Ele também, instintivamente, avaliou no mesmo instante que os porta-aviões de Nagumo haviam mudado de rota (foi auxi-
liado pelo rastro do destróier japonês Arashi, que navegava a todo vapor
para alcançar a força de Nagumo) e, assim, começou a fazer uma larga busca circular pelos porta-aviões japoneses, que encontrou no limite da reser-
va de combustível de seus bombardeiros. Se McClusky não houvesse adivinhado, e adivinhado corretamente — ou se houvesse voado em círculos enquanto tentava obter ordens pelo rádio —, os bombardeiros do Enterprise, assim como os do Hornet, não teriam tido papel no combate. Tanto O
Akagi quanto o Kaga teriam escapado, e certamente o Enterprise ou o Homet logo teriam sentido sua fúria. Não é nenhuma surpresa que O capitão do
Enterprise, George Murray, tenha qualificado a iniciativa de McClusky de
“a decisão mais importante de toda a ação” (G. Prange, Miracle in Midwa) [Milagre em Midway], 260).
Durante as aproximações de bombardeio propriamente ditas, pilotos americanos individuais tomaram decisões rápidas para redirecionar Seu ataques de modo contrário às últimas ordens recebidas, quando viam que navios danificados precisavam de mais atenção ou sentiam que seria me” lhor lançar as bombas em alvos novos. A improvisação garantiu quê 0 Hiryu fosse afundado, e o cruzador pesado Mogami, seriamente danificado, 544
Victor
Davis
Hanson
«mbos sofreram ataques devastadores de bombardeiros americanos
já q tro lugar. cujas ordens haviam sido para estar em ou .*
ue
anos ic er am s to lo pi es , ess so io ag nt co e o id em st de mo as si tu Com seu en ando não , qu es az ic ef in ser ia nc iê eg fr m co am di po re liv to en am ns de pe seados em simplesmente perigosos, como vimos nos ataques dos aviões ba e , as ri rá me te m ra fo 17 Bde as ad is ov pr im as id rt Midway. Algumas das su nho, ju de 6 dia No o. an ic er am o in ar bm su um ar ac at a ou eg uma delas ch dear a ilha de ar mb bo e e it no à ar vo ra pa 24 Bde o at ns se in o rç um esfo contraen o nã es iõ av os — to je ab so as ac fr um o ad lt su Wake teve como re
nker, Ti ce en ar Cl l ra ne ge r jo ma o , ão ss mi da te an nd ma co am à ilha e o
ação entre os piloar mp co a um m, si as o sm . Me do ra nt co en foi is ma a nunc
ela rev s se ne po ja e os an ic er o am ir de ar mb bo e ça , ca to en im ec nh tos de reco
ção. Em Midta ap ad e va ti ia ic in de r io ma m a be an ic er am de da ci pa ca a um renmia ono aut essa co, ífi Pac do rra Gue a a tod em ia cer nte aco way, como deu frutos.
O individualismo na guerra ocidental Os americanos perderiam dúzias de porta-aviões, encouraçados e cruzadores nos três anos seguintes a Midway frente a marinheiros e pilotos japoneses corajosos e inteligentes, na medida em que os Estados Unidos tentavam arruinar o Japão, em vez de remover a ameaça do exército japonês. Em Gua-
dalcanal, Tarawa, Peleliu, Iwo Jima, Okinawa e em várias ações navais no litoral das ilhas Salomão, milhares de americanos de todas as forças armadas seriam massacrados por ataques japoneses planejados e organizados.
No entanto, um fato espantoso permanece: em menos de quatro anos, depois de serem surpreendidos e pegos em um estado de despreparo total, os
Estados Unidos — ao mesmo tempo em que dedicavam a maior parte de suas
forças ao teatro de operações europeu, e sem ataques banzai, kamikazes ou
suicídios rituais — não apenas derrotaram um enorme e experiente exército 245.
nm %
X
or que o Ocidente venceu
japonês, mas também destruíram a própria nação japonesa, pondo fim Ri aii Ria i existência de meioa.século como formidável potência militar € estado
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ma
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mente industrial. À marinha, o exército e a aeronáutica japoneses não à Pe, nas perderam a Guerra do Pacífico, mas deixaram de existir O resultado foi que, em agosto de 1945, a nação japonesa esta va em estado muito pior do que um século antes, em 1853, quando O coman. dante Perry chegara à baía de Tóquio e ajudara a impulsionar a ociden.
talização original do Japão. Um século de ocidentalização sem liberalização
não proporcionara ao Japão uma paridade com as potências ocidentais, mas fizera com que fosse destruído por elas. Uma longa tradição de con. fiança na iniciativa individual, em forte contraste com uma ênfase oriental venerável no consenso de grupo, na obediência à autoridade imperial
ou divina e na subjugação do indivíduo à sociedade, foi crítica para essa conquista militar americana inédita e brutal ao longo de cerca de quarenta e cinco meses. Midway
foi o começo
do fim para os japoneses, que
perderam ali não apenas seus melhores pilotos, tripulações aéreas insubs-
tituíveis e o coração de sua frota de porta-aviões — mas, mais importante, viram sua confiança ser destruída em três dias a tal ponto que passaram a temer enfrentar os navios americanos no horizonte, em vez de an: slar por isso.
Havia muito que o individualismo tinha um papel na eficácia militar oci-
dental, e ele geralmente se manifestava no campo de batalha em três níveis: no comando supremo, nos próprios soldados e na sociedade em geral
que fornecia e armava seus combatentes. Todas as culturas são capazes de
criar líderes militares brilhantes e altamente idiossincráticos que exercem independência e intuição. Roma enfrentou alguns desses comandantes ri bais e monarcas
orientais
talentosos —
Jugurta,
Vercingetórix,
Boudicca,
Mitridates —, cuja habilidade geralmente levou a vitórias no cam po de batalha. No entanto, seu individualismo, e o de outros como eles que 08 S!” cederiam, não era característico de sua cultura em geral, mas proeminente '
546
Victor
Davis
Hanson
de sua apenas na medida em que gozavam de poder absoluto. Assim, depois e morte — € todos os inimigos de Roma geralmente morriam em combat ou cometiam suicídio —, suas guerras de liberação ruíram, sugerindo que l
ceu tipo de monarquia,
teocracia ou tirania raramente era capaz de pro-
duzir uma sucessão de líderes militares talentosos, muito menos uma nação de seguidores capazes de confiar em sua própria iniciativa e autono-
mia para guerrear. O mesmo se pode dizer de dinastas como os faraós, os potentados do No«o Mundo no México e no Peru, e os imperadores chineses e sultões otomanos que, da mesma maneira, centralizavam a autoridade militar em suas próprias mãos e desencorajavam a iniciativa de seus súditos, garantindo que a chance de vitória não dependesse da improvisação militar, mas ape-
nas de seu próprio julgamento — muitas vezes defeituoso. Por sua vez, ge-
nerais como Temístocles, o gênio espartano Lisandro, Scipião Africano, o brilhante bizantino Belizário, Cortés, e modernos como George Patton e
Curtius LeMay discordavam de seu próprio estado, eram cercados por subordinados igualmente independentes e ansiavam por explorar a iniciativa de seus homens, em vez de apenas sua disciplina. Os
soldados
nas
fileiras
exércitos
dos
com
ocidentais
frequência
exercitavam uma independência de julgamento não encontrada em outras sociedades. Pode-se pensar no “velho” da batalha de Mantinéia (418 àa.€.), que parou a batalha para alertar o alto comando espartano de sua movi-
mentação insensata; na brutal relação de toma lá dá cá entre os Dez Mil de
Xenofonte
na Ásia Menor
(401
a.C.), que
eram
uma
tanto
democracia
móvel em armas quanto um bando de matadores contratados; nos vários bandos
excêntricos
da
aristocracia
franca,
que
tanto
brigavam
entre
si
quanto lutavam contra o inimigo durante as Cruzadas; no desacordo entre
os almirantes antes de Lepanto, ou nos soldados de carreira britânicos na Índia e na África durante o século XIX, cuja habilidade e imaginação trouxeram sucesso apesar de um alto comando medíocre.
Por que o Ocidente venceu
Todas as pessoas, às vezes, agem como indivíduos e, como seres E que são, valorizam sua liberdade e sua independência.
Mas 0
Mano
5
cimento formal e com fregiiência legal da esfera soberana de ação ind; ivi. dual de uma pessoa — ação social, política e cultural — é UM Concei com nad vezes alguma s amedro nta, que concei to ocident al, unicamente as
a maioria do mundo
A
&
não-ocidental.
TEconhe.
O individualismo,
ao contrário : governo consensual e do reconhecimento da liberdade política, é uma SR tidade cultural, e não política. Ele é o dividendo da política e da economia
ocidental, que dá aos indivíduos liberdade no sentido abstrato e concreto estimulando assim a curiosidade e a iniciativa pessoal, ausentes das asE
dades onde não há verdadeiros cidadãos e nem o governo nem os merca-
dos são livres.
Como vimos no caso de Salamina e de Canas, as tradições ocidentais de liberdade, governo constitucional, direitos de propriedade e militarismo cí. vico geram um individualismo insidioso. A ekklesia ateniense votou a favor da desastrosa expedição da Sicília (415-413 a.C.) e em seguida adotou me-
didas decisivas e heróicas para manter Atenas na guerra por mais nove anos
— praticamente da mesma maneira que o parlamento britânico, no século XIX, ou o congresso americano, no século XX, autorizaram diversos tipos
de medidas políticas ou econômicas que transferiram o esforço de guerra
para milhares de cidadãos autônomos e de pensamento livre. Entre a afirmação do sofista do século V Protágoras de que “o homem é a medida de todas as coisas” e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada
pelas Nações Unidas em 1948 e redigida por juristas ocidentais (“os povos das Nações Unidas vêm na Carta reafirmar sua fé nos direitos humanos fun
damentais, na dignidade e no valor da pessoa humana é nos direitos igual
do homem e da mulher...”), há uma tradição de dois mil e quinhentos anos
de liberdade pessoal e confiança inata no indivíduo, em vez de no coletivo político ou religioso, que não tem equivalente fora do Ocidente. Para o bem ou para o mal, poucos ocidentais acreditam que uma vaca sagrada seja mais 548
Victor
Davis
Hanson
importante do que um humano, que a peregrinação religiosa seja o ápice da vezes neas muit seja ida suic ue ataq um ra guer na que vida de uma pessoa,
a scar arri deva e ent bat com um que ou al, vidu indi cessário para à excelência
vida para salvar o retrato do imperador. Por sua vez, O Japão, no lugar de comandantes supremos independentes,
obediênuma em iava conf , rana sobe ura slat legi uma e es ador inov soldados cia férrea, assim como a maior parte dos adversários ocidentais dos últimos
do leta comp o issã subm uma e da rígi ia arqu hier Uma . meio e nios dois milê indivíduo à divindade do imperador japonês significavam que a sensatez de
um pequeno grupo de militaristas definia políticas em grande parte sem ratificação ou mesmo conhecimento do povo japonês, que nunca sequer era considerado formado por pessoas livres, com direitos específicos desde o nas-
cimento e protegidos pelo estado. Como os enormes exércitos do antigo Oriente imperial, todo esse controle centralizado e essa ideologia de massa levaram a um exército maravilhosamente treinado, grande e corajoso, mas vulnerável aos contra-ataques de uma nação em armas que usava a sabedoria de milhares de indivíduos de pensamento livre. Como fim da Guerra do Pacífico, a ruína da sociedade japonesa e a des-
graça dos militaristas, o último bloqueio à implementação completa de uma democracia parlamentar no estilo ocidental e de tudo que a acompanhava, que vigorara durante o século anterior, foi removido. A introdução de um
governo constitucional depois da guerra trouxe a reforma agrária. À liberdade da imprensa e de discordância, a emancipação das mulheres e a criação de uma classe média de consumidores foram outros dividendos da ocupação americana. O resultado — se não foi uma reinterpretação japonesa
tadical do papel do indivíduo e da sociedade — foi pelo menos que, na virada do milênio, o Japão tinha um dos exércitos mais bem liderados, mais ino-
vadores e mais tecnologicamente avançados do mundo — completamente
controlado por uma legislatura eleita e por um executivo superior, e sujeito a auditoria civil. E-
a =
T
Por
que
O Ocidente
venceu
Se sua adoção parcial, no passado, da pesquisa e desenvolvimento | | milit ar ocidentais praticamente proporcionou ao Japão paridade tecnolópica Com a 5 forças armadas européias e americanas na virada do século, sua atual € muit mais abrangente adaptação das instituições políticas e sociais ocidentaj S asse. :
=
a
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quai
os
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gurou-lhe um exército que, pelo menos do ponto de vista tático, é prati a qualqu exército da Europa hoje. No Próximo séc E
mente equivalente
er
e o progresso científico do Japão em matéria de armas não dependerá
vamente da imitação estrangeira, mas será movido pela máquina de sua pró
pria sociedade livre e liberal — se ele continuar a estimu lar o talento e a
ini.
ciativa individual em um grau desconhecido em qualquer período de ser longo e belicoso passado.
550
10 Desacordo e autocrítica Tet, de 31 de janeiro a 6 de abril de 1968 A expedição à Sicília não foi nem tanto um erro de julgamento, considerando o ini-
migo contra o qual se lutava, quanto um caso de má administração dos planejadores que, posteriormente, não tomaram as medidas necessárias para apoiar os primeiros homens que enviaram. Em vez disso, voltaram-se para rivalidades pessoais quanto à lide-
rança do povo, e consequentemente não só conduziram sem muita motivação a guerra no campo de batalha, como também levaram pela primeira vez a discórdia civil para a frente de batalha doméstica... E, no entanto, não fracassaram até finalmente se voltarem
uns contra os outros e se entregarem às querelas pessoais que trouxeram sua tuna.
Tucídides, A Guerra do Peloponeso (2.65.12-13)
Batalhas contra as cidades Embaixada americana, Saigon Saigon estava tranquila, como deveria estar durante o feriado. Uma trégua de trinta e seis horas estava em vigor para celebrar o Tet Nguyen Dan e diversos festivais em comemoração ao ano novo lunar. De todo modo, era raro que 551 :
ESTA
a
Por que o Ocidente venceu
os vietcongues fossem até os centros urbanos do sul do Vietnã Para atac;
so mudou isso Tudo signifi cativo. taman ho de forças com abertamente namente e sem aviso-prévio no início da manhã de 31 de janeiro de 1968 Todo o Vietnã do Sul, ou assim parecia segundo os relatórios em Pânico a
chegaram aos quartéis-generais americanos em Saigon, tornara. se alvo de
ataques de inimigos infiltrados em questão de minutos. Cidades, Povoados e até mesmo aldeias rurais — mais de cem ao todo — estavam sendo invadidos.
Tal cenário de início pareceu absurdo aos comandantes americanos. Eles es. tavam convencidos de que o inimigo nunca faria um ataque em massa, espe. cialmente não depois dos bombardeios de 1967, que haviam gradualmente virado a maré contra o Vietnã do Norte. O centro do poder americano no Vietnã do Sul era a capital, Saigon, su-
postamente uma fortaleza sacrossanta. O bastião dessa vasta rede de apoio
civil e militar, o MACV
(Comando de Assistência Militar Vietnã), era a embaixada americana, e seus feios muros de concreto eram a imagem da força e do comprometimento dos Estados Unidos para deter a incursão co-
munista vinda do norte e possibilitar a criação posterior de uma nação
democrática
e capitalista no sul. Depois
do sucesso estonteante da Se-
gunda Guerra Mundial, duas décadas antes, e da salvação de uma Coréia do Sul capitalista e “livre” em 1953, as forças armadas americanas ainda
operavam com um sentimento de invencibilidade durante os primeiros anos no Vietnã. A seus olhos, o problema no Sudeste Asiático não era derrotar
O inimigo, mas sim encontrá-lo e em seguida incitá-lo a se expor e lutar, quando então ele seria prontamente destruído pelo esmagador poder de fogo americano.
Mas as ruas de uma cidade eram tão inimigas da guerra ocidental quanto uma floresta densa. Se os americanos quisessem bombardear e atirar aberta mente, incinerando assim milhares de comunistas, então os norte-vietnamitãs atacariam sorrateiramente e à noite, e nem sempre sequer com a desculpa
de atirar exclusivamente contra combatentes. De fato, a embaixada tam” 252
Victor
Davis
Hanson
objetivo de toda a maciça eiro prim o era ade, verd na — alvo um era ém b nimiga que começou nação afora mais ou menos às 3:00h da ma-
ofensiva 1 nhá de 31 de janeiro. Cerca de quatro mil guerrilheiros vietcongues, muitos
usando roupas civis e logo auxiliados por unidades infiltradas do exército regular do Vietnã do Norte, atacaram praticamente todas as principais íns-
talações sul-vietnamitas e do governo americano em Saigon. Centenas de cioficiais menores tentaram invadir os quartéis-generais militares do Exér
+o da República do Vietnã (ARVN), as estações da rádio e televisão estatais,
prédios da polícia, agências governamentais e casas individuais de mem-
bros do exército, da polícia e de oficiais americanos em um plano ensandecido para causar uma insurreição generalizada na população e inaugurar assim a tão prometida guerra de libertação nacional.
Dezenove comandos vietcongues planejaram invadir a embaixada americana isolada e dominar um punhado de guardas surpresos e sonolentos. Chegando de caminhão e táxi, eles abriram um buraco no muro do prédio, mataram cinco fuzileiros navais americanos e então começaram a disparar granadas e armas automáticas contra as pesadas portas da chancelaria principal, em uma tentativa vã de entrar mais propriamente nos escritórios da embaixada. O que pensaria o público americano, quando em apenas poucas horas as transmissões de televisão enviassem à nação imagens de vietcongues espiando pela
janela do escritório do próprio embaixador Ellsworth Bunker? Isso não aconteceria. Em cinco horas, helicópteros haviam despejado soldados americanos no local. Os americanos mataram todos os dezenove inimigos infiltrados e isolaram a embaixada. O ataque inimigo, assim como dúzias de outros ataques naquela mesma
manhã
contra O palácio do presidente
Nguyen Van Thieu e outros prédios vietnamitas e americanos, foi uma comPleta surpresa e, no entanto, ao mesmo
tempo,
um
fracasso. Enquanto
inci-
tavam seus soldados, os planejadores no Vietnã do Norte se gabavam de que Os ataques marcariam um levante generalizado contra os americanos e seus anfitriões
vietnamitas
“fantoches”:
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1
3
1 G ad N Por que o Ocidente venceu
Sigam em frente com agressividade para efetuar ataques decisivos e repetidos
5 de
modo a aniquilar o maior número possível de soldados americanos, satélites e fantoche,
associados a uma luta política e atividades de proselitismo militar. Demonstrem
o
máximo seu heroísmo revolucionário superando todos os contratempos e dificuldades c fazendo sacrifícios para serem capazes de lutar de maneira cont ínua e agressiva Estejam preparados para esmagar qualquer contra-ataque ini migo e manter seu posto de observação revolucionário sob quaisquer circunstâncias. (L, Berman, “Ofensiva do Ter, em M. Gilbert e W. Head, orgs., The Ter Offensive [A ofensiva do Ter], 21)
No entanto, a maioria dos residentes de Saigon importava-se mui to mais com a falta de segurança e os tiroteios a esmo nas ruas. Preocupados, oficiais e burocratas americanos e vietnamitas se fecharam em milhares de residências particulares e começaram a atirar contra qualquer pessoa suspeita.
Poucos vietnamitas tinham qualquer desejo de se voltar contra seu próprio governo, muito menos contra os americanos, e a maioria da população local observava a situação de fora. Quase ninguém se juntou ao “levante” comunista. À maioria estava atenta para monitorar de perto o grau de sucesso dos vietcongues — avaliando as probabilidades de que os comunistas, e não os americanos, logo pudessem estar controlando suas vidas. Como os tlaxcalte-
cas que seguiram Cortés para matar outros índios mexicanos, ou os soldados tribais aliados de Chelmsford na Zululândia, os sul-vietnamitas estavam prontos para lutar ao lado dos mortíferos ocidentais contra os odiados comunistas
|
— mas só se os americanos pudessem garantir o sucesso militar e trazer alívio aa permanente ao Vietnã. Agora, sua própria embaixada estava sendo atacada: |
|
No meio da manhã, os americanos estavam limpando a bagunça na em
baixada quando o embaixador Bunker chegou ao trabalho, acompanhado po! dúzias de câmeras de televisão e repórteres, muitos dos quais transmitiram mensagens fantásticas de que os vietcongues haviam dominado a embaixa
da americana por algum tempo e estavam ocupando a chancelaria principal. A informação errada não vinha apenas da imprensa. Nos Estados Unidos; ? 554
Victor
Davis
Hanson
presidente Lyndon B. Johnson apressou-se em garantir à nação que o ataque se parecia mais com uma rebelião em um gueto de Detroit do que com uma operação militar importante. O general William Westmoreland, encarregado
do comando americano no Vietnã, insistiria com a nação que os ataques siste-
máticos eram meras tentativas de distração para retirar os recursos do cerco que estava acontecendo em Khesanh, bem mais ao norte. Mesmo assím, ele considerava oportunas aquelas concentrações de inimigos, já que elas constiruíam alvos bem mais fáceis para o esmagador poder de fogo americano; en-
quanto os políticos se atormentavam por causa da ofensiva, Westmoreland via ali uma chance de vitória decisiva. O mês seguinte mostraria que as pressuposições iniciais de Westmoreland segundo as quais o Tet era um enorme golpe de astúcia estavam erra-
das, mas que ele estava certo em sua crença de que agora era mais provável que milhares de vietnamitas inimigos ficassem expostos, vulneráveis e fossem logo aniquilados. Todo o esforço dos três anos anteriores de Westmoreland no Vietnã fora no sentido de criar condições para uma batalha decisiva ocidental tradicional, na qual o exército americano pudesse utilizar
sua infantaria de choque maravilhosamente bem treinada e disciplinada e sua enorme superioridade tecnológica e material para destroçar o inimigo e de-
pois voltar para casa. O problema dos americanos no Vietnã, assim como dos ocidentais no estrangeiro em geral, sempre fora a relutância do inimi-
go em travar batalhas definidas, transformando em vez disso a guerra em
um conflito de infiltração, combate na selva, bombardeios terroristas e ataques a casas isoladas. Fora na retirada, e não na batalha, que Dario III enContrara segurança diante de Alexandre; Abd ar-Rahman teve muito mais
Sucesso ao saquear Narbona do que ao encontrar Charles Martel em Poi-
tiers; os astecas algumas vezes venciam quando atacavam os espanhóis à Noite, de surpresa, ou em desfiladeiros nas montanhas. Teria sido muito me-
lhor para Cetshwayo fazer tocaias em vagões do que atacar quadrados de infantaria britânicos.
-
=
Ep 0".
-
%
Ectatid.
A À
Por que o Ocidente venceu
Durante a semana seguinte de combate, se ssenta milhões de american nos Estados Unidos viram um retrato um pouco diferente do ataque da pri meira noite. As câmeras transmitiam imagens de alguns
americanos Mortos
na embaixada. Tanques e morteiros cortavam as ruas de Saigon. As manche. tes diziam: “A guerra chega a Saigon”. Uma fotografia especial mente pertur. badora foi mostrada na televisão durante dias: o general Nguyen Ngoc Loan
explodindo os miolos de um vietcongue infiltrado que fora capturado. O fato
de o prisioneiro ter feito parte de unidades infiltrada qu s e pouco antes haviam abatido muitas das forças de segurança de Loan, incluindo um ofi cial em casa com sua mulher e filhos, ou de que os agentes inimigos sem unifor me e vesti.
dos como civis não recebiam o mesmo tratamento dos soldados cap turados, perdeu-se no frenesi jornalístico. Eddie Adams, o fotógrafo da Associat Pre ed ss
que tirou a foto para a revista Life, ganhou o prêmio Pulitzer de fotografi a. A imagem desses miolos espalhados aparentemente resumia toda a con. fusão do Tet — americanos moribundos incapazes de proteger o centro nervoso de sua força expedicionária maciça, enquanto seus corruptos aliados sul-
vietnamitas atiravam nos desarmados e inocentes — em uma época em que o público tinha certeza de que “havia luz no fim do túnel”. Enquanto assistiam à televisão, os americanos se perguntavam se a vitória realmente estava pró-
xima e não sabiam em que ou em quem acreditar:
O fato de a grande fotografia da Ofensiva do Tet ter sido a imagem de Eddie Adams de um general sul-vietnamita atirando em um homem cujas mãos estavam amarradas
nas costas diz muito sobre essa guerra, assim como O fato de a citação mais memorável ter sido o epigrama de Peter Amett condenando Ben Tre: “Tomou-se necessário destruir a cidade para salvá-la”, e de o único prêmio Pulitzer atribuído especificamente
para uma reportagem sobre a Ofensiva do Ter ter ido dois anos depois para Seymotr M. Hersh, que nunca pusera os bés no Vietnã, por expor o massacre de mais de cem
civis perpetrado pelo exército americano em My Lai. (D. Oberdorfer, Tet, 332)
556
Victor
Davis
Hanson
Do lado de fora da embaixada, uma batalha cruel teve início na pista de corridas de Phu Tho, ocupada pelos vietcongues como o principal elemen«o de seu ataque,
um eixo de tráfego para várias grandes avenidas com
espaços abertos suficientes para coordenar
um
exército inteiro. As casas
»m torno da pista foram ocupadas por centenas de atiradores. Foi preciso ima semana de combate de casa em casa para os soldados americanos e as
forças do ARVN localizarem e expulsarem os vietcongues, que raramente se rendiam e tinham que ser mortos praticamente até o último homem. No entanto, na televisão, os americanos estavam sendo responsabilizados por explodir residências, como
se ninguém percebesse que os atiradores ur-
banos estavam disparando contra fuzileiros navais no meio de uma trégua de feriado.
Foi preciso quase três semanas para que os últimos infiltradores organizados fossem mortos ou expulsos de Saigon. Uma companhia de fuzileiros navais do 3º Batalhão, 7º Divisão de Infantaria, tentou invadir a pista de corridas de Phu Tho e localizar um batalhão vietcongue em um combate brutal típico do conflito urbano: Fuzis sem recuo abriam rombos em paredes, bocais de granadas eram atirados pelos
buracos abertos e então os soldados pulavam por essas entradas fumegantes. Centenas de civis em pânico corriam na frente dos veículos de transporte blindados enquanto a batalha continuava. A coluna continuou a enfrentar os vietcongues em ferozes comba-
tes de casa em casa enquanto se aproximava cada vez mais da pista de corrida. Aviões de artilharia desciam zunindo para explodir estruturas com salvas de minigun e foguetes. À uma da tarde [31 de janeiro], a companhia avançara mais dois quarteirões. Então os vietcongues recuaram para posições escavadas atrás dos bancos de concreto
do parque, protegidos por armas pesadas localizadas nas torres de concreto das arquibancadas, ao lado da pista de corrida em si. (S. Stanton, The Rise and Fall of an American Army [Ascensão e queda de um exército americano], 225)
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Por que o Ocidente venceu
Banho de sangue em Hué Combates urbanos ainda piores aconteciam mais ao norte, perto da Rá
Desmilitarizada (DMZ), na capital provinciana de Hué — uma antiga e p; |
toresca cidade imperial do Vietnã outrora unificado, com cerca de cento quarenta mil habitantes. Embora fosse a terceira maior cidade do Vietnã ma
Sul e ficasse perto da fronteira com o Vietnã do Norte, Hué Pe rmanecer,
até ali relativamente intocada pela guerra. Essa situaçã logo mudari o a Mais ou menos no mesmo instante em que a embaixada americana foi ata. cada, três colunas de forças norte-vietnamitas, inclui ndo dois regimentos inteiros e dois batalhões de vietcongues — os número s acabariam por che-
gar a doze mil soldados — invadiram a cidade. Logo encontra ram-se com
infiltradores que haviam se misturado às multidões do feriad o do Tet, afastaram rapidamente as pequenas guarnições do ARVN e em se gui da ocuparam a Cidadela”, uma fortaleza maciça com vista para a cidade velha em meio a antigos palácios e templos. Depois de os norte-vietnamitas assumirem o controle, agentes eram envia-
dos sistematicamente à procura de soldados sul-vietnamitas, oficiais do go-
verno, simpatizantes americanos e estrangeiros em geral. Foram reunidas
entre quatro e seis mil pessoas. A maioria morreu espancada ou fuzilada. Médicos, padres e professores eram especialmente visados. Três mil corpos
acabaram sendo encontrados em valas comuns. Os outros foram registrados como “desaparecidos”. Embora os repórteres ocidentais logo fossem estar onipresentes em Hué, poucos comentaram as execuções; os que o fizeram com
freqiiência negaram que tivessem ocorrido. O contra-ataque americano liderado pelos fuzileiros navais foi feroz levando a vinte e seis dias de combate contínuo, ataques com tanques, 1 forços e ataques aéreos para tecapturar a Cidadela praticamente demolida. Como em Saigon, os fuzileiros muitas vezes não tinham idéia de onde estavam nem de quem era o inimigo até serem alvos de tiros vindos de 2º
sas residenciais:
558
|
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Davis
Hanson
Finalmente comecei a entender por que tivéramos tanta dificuldade para atravessar a rua. Muitas daquelas casas tinham um andar só, mas algumas eram sobrados, e pro-
porcionavam posições de tiro excelentes e vantajosas para os membros do NVA [Exército do Vietnã do Norte]. Dessas posições, o NVA podia atirar diretamente em nós, à queima-roupa, enquanto tentávamos correr pelas ruas. Aquilo era óbvio e entendíamos a situação claramente, então mirávamos nossos tiros de resposta nas janelas e portas
das casas do outro lado da rua, que eram as prováveis posições de tiro inimigas. O que
não percebêramos era que o NVA também estava atirando em nós de posições bem conectadas e escavadas entre as casas, no nível da rua. (N. Warr, Phase Line Green
[Fase linha verde), 159-60)
Os americanos
haviam
sido treinados para uma
guerra de manobras
e
aniquilação, na qual percorriam pântanos e florestas para travar tiroteios intensos, mas breves, antes de chamar a artilharia e os ataques aéreos e voltar para suas casamatas fortificadas e relativamente seguras. Como para os soldados hoplitas ou os casacas vermelhas de Lorde Chelmsford, o objetivo da guerra
era encontrar o inimigo e derrotá-lo graças ao poder de fogo superior dos ocidentais, ele próprio um produto da disciplina, tecnologia e suprimento superiores. No entanto, embora o general Westmoreland alegasse que o Tet fosse um equívoco do inimigo, pois dava a suas forças a rara oportunidade de en-
frentar os norte-vietnamitas abertamente, poucas das ofensivas inimigas durante o Tet resultaram em colisões ocidentais tradicionais de batalhas de choque. Na maioria dos casos, fazer valer a vantagem americana em termos de poder de fogo significava despejar artilharia e ataques aéreos sobre residên-
cias urbanas que abrigavam atiradores vietcongues — e cuja destruição só faria alienar seus proprietários sul-vietnamitas e incitar uma cobertura hostil da imprensa americana.
Em Hué, os vietcongues e norte-vietnamitas se infiltravam em pequenas unidades independentes, à noite, e geralmente sem uniforme. Disparavam armas automáticas, morteiros e bocais de granada das janelas das casas, de trás 559
Por que o Ocidente venceu
ç
Fuzileiros navais mantêm a posição em uma das torres da fortaleza de pedra de Hué.
de muros e em grupo, forçando os fuzileiros navais a um contra-at aque que fazia lembrar Stalingrado, no qual o inimigo precisava ser expulso quarteirão por quarteirão, o que causava a destruição de centenas de residências. Muitas
vezes, a escolha dos americanos era ser atingidos aleatoriamente por atiradores escondidos ou explodir construções inteiras — e com fregiiência históricas
— usando morteiros e bombardeios aéreos :
Eles tinham a barba por fazer, estavam sujos e cobertos pela poeira dos br édios de
tijolos e pedra despedaçados. Suor e manchas de sangue cobriam seus uniformes. Seis
cotovelos e joelhos saíam por furos dos uniformes, os mesmos que usavam havia sema
nas... Os fuzileiros navais, que haviam sido treinados para ser uma força de reação móvel e anfíbia, haviam se transformado em toupeiras. Haviam virado uma coleção
estática e imóvel de ratos, encolhidos em pilhas de escombros de casas, cercados bo 560
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muros de pátios furados por balas, carros queimados e árvores e postes derrubado.
A morte esperava para bater em seu ombro a qualquer momento, e muitos jamais
saberiam de onde ela viera. (G. Smith, The Siege of Hue [O cerco a Hué], 158)
No entanto, em menos de um mês, o inimigo foi expulso de Hué. A última contagem de mortos mostrava um desequilíbrio dramático. Os americanos e seus aliados sul-vietnamitas — a companhia de elite dos Panteras Negras (Hac
Bao) teve O privilégio de invadir o palácio imperial e abater os últimos resistentes inimigos — haviam matado 5.113 inimigos. Apenas 147 soldados
americanos foram perdidos em combate, com 857 feridos — números que por
si sós teriam assinalado uma vitória importante em ambas as guerras mundiais.
No entanto, os repórteres que percorriam Hué livremente ignoraram os sacri-
fícios respectivos e não se interessaram pela situação tática global. Em vez disso, o que mais fizeram foi entrevistar soldados americanos no meio do sujo combate de rua. Muitas vezes enviavam aos Estados Unidos minientrevistas como a reproduzida abaixo, com um fuzileiro que fazia uma pausa de um minuto no combate:
Qual a pior parte? Não saber onde eles estão — essa é a pior parte. Ficar andando de um lado para o outro, correndo por esgotos, pelas sarjetas, em qualquer lugar. Eles podem estar em
qualquer lugar. Só espere poder ficar vivo, um dia de cada vez. Todo mundo só quer
voltar para casa e voltar a estudar. E mais ou menos isso.
Você perdeu algum amigo? Alguns. Perdemos um outro dia. Tudo isso é um horror, na verdade. (S. Kamou;, Vietnã, 533)
261.
ta
Pela primeira vez na história da guerra ocidental — na verdade, pela primeira vez na história de qualquer conflito em qualquer lugar e em qualquer
E
me
Por que o Ocidente venceu
época —, soldados podiam ser vistos instantaneamente, no calor da bata
lha,
por milhões de pais, irmãos e amigos na segurança de suas salas de e Star. Imagens dos mortos e feridos eram enviadas para os Estados Unidos com de-
talhes escabrosos — e em cores — por repórteres de qualquer país, que eram
quase totalmente livres para ir até lá, ver e enviar o que quisessem, com muita
probabilidade de que aquilo fosse ouvido, lido ou visto pelo público Votante
americano horas, quando não minutos, depois. Qua ndo tais Progressos tecno.
lógicos nas comunicações instantâneas de vídeo, muitas vezes em trechos abre.
viados e sem contexto, foram associados à ênfase ocidental tradicional na liberdade irrestrita, o resultado foi rapidamente um nível de veem ência civil con. tra a guerra raramente visto no passado, mesmo entre as vozes discordantes
contra a expedição ateniense à Sicília, contra a conquista européia das Américas ou contra a conduta britânica durante a Guerra Zulu e a Guerra dos Bôeres. Enquanto os americanos viam fotos de atrozes matanças na televisão e entre-
vistas com fuzileiros navais enojados, que descobriam que seus aliados sul-vi etnamitas eram tão relutantes em atacar posições fixas a seu lado quanto seus
inimigos norte-vietnamitas eram mortais, quase nenhuma reportagem foi publi-
cada sobre os massacres de inocentes perpetrados pelos norte-vietnamitas.
Muito menos houve qualquer avaliação da surpreendente habilidade de fuzi-
leiros navais americanos surpresos e em inferioridade numérica de expulsar dez mil inimigos de um centro urbano fortificado em pouco mais de três semanas a0 custo de menos de cento e cingienta mortos. Por mais brutal que tenha se reve-
lado, Hué foi mais uma impressionante vitória militar americana, talvez um feito
marcial cuja bravura rivalize com qualquer bravura demonstrada na Primeira ou na Segunda Guerra Mundial. E os americanos não tinham terminado. Khesanh
(Quando os norte-vietnamitas e os vietcongues quebraram a trégua de trint a
e seis horas do Tet no dia 31 de janeiro, atacaram sistematicamente as cidades
principais de Saigon, Quangtri, Hué, Da Nang, Nha Trang, Qui Nhon, Kon562
Victor
Davis
Hanson
tum, Ban Me Thuot, My Tho, Can Tho e Ben Tre com mais de oitenta mil soldados. Ao todo, trinta e seis das quarenta e quatro capitais provincianas
foram invadidas em um período em que 50% do exército vietnamita estavam de folga por causa do feriado. No entanto, na maioria dos lugares, com exceção de Saigon e Hué, os infiltradores inimigos foram expulsos em uma os amerie porqu só, si por el notáv feito um foi que a-ata contr Esse a. seman canos foram pegos de surpresa —
alertas do serviço secreto quanto ao ta-
manho e à data da invasão haviam sido emitidos algumas semanas antes, mas haviam sido em grande parte ignorados pelo alto comando do MACV, em
constante altercação.
Muito embora números relativamente pequenos de soldados houvessem se infiltrado em instalações-chave no centro das principais cidades como Saigon e Hué, os norte-vietnamitas inicialmente conseguiram um dividendo psicológico muito fora de proporção em relação aos verdadeiros danos
infligidos aos americanos e a seus aliados. Eles estavam aprendendo rapidamente que não precisavam vencer a ofensiva, mas apenas dominar por
alguns dias áreas supostamente seguras de modo a causar uma tempestade de recriminação e tumulto nos Estados Unidos. Além disso, no início, o co-
mando americano estava confuso em relação às intenções do inimigo. O próprio general Westmoreland pensava que as ofensivas do Tet eram ráti-
cas de distração para atrair as forças americanas para longe do cerco a Khesanh.
No entanto, a verdade era mais provavelmente o contrário: o cerco inicial
a Khesanh tinha por objetivo desviar a atenção dos ataques urbanos que viriam na semana seguinte.
Pouco depois das cinco da manhã de 21 de janeiro, dez dias antes do início formal da Ofensiva do Tet, milhares de soldados norte-vietnamitas montaram uma barricada de artilharia como parte de um ataque generalizado a uma base americana em Khesanh. Esta última era uma guarnição avançada perto da DMZ cujo objetivo era cortar o abastecimento em soldados e material do
Vietnã do Norte. Durante a última semana de janeiro, notícias sobre a base
o
563 Es e do
e
Por que o Ocidente venceu
cercada correram o mundo. Muitos jornais chamaram o cerco de novo Die Bien Phu, onde em 1954 uma guarnição francesa quase foi aniquilada a de seus dezesseis mil sobreviventes se renderem.
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No entanto, em Khesanh, os ataques aéreos diários, os reabastecimentos :
cada hora, a evacuação relativamente segura de refugiados laosenses e vietn a.
mitas e a comunicação constante mantiveram os seis mil soldados cercados em
condições relativamente boas. Manter o controle de uma Khesanh cercada tinha muito valor estratégico? É difícil encontrar algum. Os americanos deci.
diram usar o posto avançado isolado como isca, aparentemente em um plano deliberado para atrair divisões norte-vietnamitas inteiras para um primeiro combate aberto, ou então estavam preocupados que uma rendição fosse uma demonstração de fraqueza crítica em um ano de eleições nos Estados Unidos, quando os protestos contra a guerra estavam aumentando. Qualquer que tenha sido o raciocínio por trás da decisão de ficar, longe de ser um novo Dien Bien Phu, Khesanh foi mais uma devastadora demonstração do poder de fogo
americano. Enquanto os franceses haviam estado isolados, em menor número, sem muito apoio aéreo e isolados no Vietnã do Norte perto da fronteira chinesa, os americanos estavam sendo abastecidos diariamente, estavam reforça-
dos, ao sul da DMZ, em constante e fácil comunicação, e eram capazes de des-
pejar toneladas de armamentos sobre o inimigo. Entretanto, os fuzileiros navais cercados também estavam no meio de um mar de experientes soldados nortevietnamitas e eles próprios não tinham muita certeza de sua missão exata. Qual
era o plano americano final para Khesanh? Seria ela uma chave para a defesa
da DMZ e para possíveis operações futuras no Laos, como defendia Westmoreland, ou simplesmente uma zona de matança para aumentar o número de inimigos mortos e, portanto, seria abandonada quando o cerco terminasse!
Veteranos soldados norte-vietnamitas haviam surpreendido e invadido à
guarnição laosense e vietnamita em Lang Vei, ali perto, junto com seus conse”
lheiros americanos, o que lhes dera controle total das rotas terrestres até Khesanh. Logo a base estava sendo atacada quase a cada hora — em alguns 564
Victor
Davis
Hanson
dias o número de descargas de artilharia, foguetes e morteiros chegava a cem — em um esforço para cansar os fuzileiros navais e destruir a pista de pouso. Os norte-vietnamitas estavam equipados com algumas das armas soviéticas e chinesas mais recentes, como o morteiro pesado de 122mm, mísseis superfície-superfície, lança-chamas, tanques e artilharia pesada de 130mm, em sua maioria adaptações de modelos básicos da Segunda Guerra Mundial e baseados em modelos originais alemães, franceses e americanos. Milhares de con-
selheiros chineses e soviéticos trabalhavam no norte de maneira furtiva, mas contínua, para descarregar as baterias de artilharia e treinar os vietnamitas para usá-las.
Apesar dessas novas armas letais, o contra-ataque americano era assustador; tratava-se de uma das artilharias e dos ataques aéreos mais mortíferos
da história das batalhas de infantaria. Durante o cerco de quase três meses — de 20 de janeiro a meados de abril de 1968 —, 110.022 toneladas de bombas foram lançadas e 142.081 descargas de artilharia foram disparadas. Alguns estimaram que o verdadeiro total americano ultrapassava os duzentos mil tiros de canhão. Um poder de fogo espantoso assim exigia um rearmamento constante; e quatorze mil toneladas de reabastecimento acabaram sendo enviadas de avião a Khesanh, sempre sob um fogo contínuo. Milhares de norte-vietnamitas foram incinerados na selva em torno do acampamento.
A maioria das estimativas avalia o número de inimigos mortos e severamen-
te feridos em torno de dez mil — metade dos vinte mil que se acredita terem participado do cerco originalmente.
Khesanh se tornaria um abjeto massacre de comunistas. Se, nos Estados Unidos, americanos dentro e fora do congresso protestavam considerando Inúteis as mortes de fuzileiros navais na defesa de um posto avançado de fronteira, os norte-vietnamitas não se manifestavam publicamente a respeito de
Sua própria lógica de sacrificar milhares de seus jovens em um esforço fracasSado para atacar uma pequena pista de pouso. Um piloto da força aérea ameri-
cana observou, com relação à matança:
565 f
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Por que o Ocidente venceu
Em meados de fevereiro, a área se parecia com o resto do Vietnã, | MOntanhosa e « densas florestas e muito pouca visibilidade através da vegeta ção. Cinco semanas depois
a floresta se transformara literalmente em um deserto — grandes pedaços de terra que mada, nua, quase sem nenhuma árvore de pé, uma paisagem de estilhaços € Crateras de
bombas (T. Hoopes, The limits of Intervention [Os limites da intervenção), 2] 3
Menos de duzentos americanos foram mortos, com mil e seisce ntos feridos, 845 dos quais foram evacuados. Sem dúvida, os números reais foram um pouco
mais altos, quando se consideram o combate dentro e em torno de Khesanh em Lang Vei, o esforço de resgate por terra em abril (Operação Pégaso) e a perd a de pilotos de transporte e de combate. Ainda assim, para cada americ ano morto em Khesanh, cinquenta norte-vietnamitas perderam a vida — números cujo desequilíbrio se assemelha à horrenda proporção de mortos entre os espanhóis e astecas no México ou os britânicos e os zulus no sul da África. Em vez de considerar o massacre incrível, durante todo o cerco a mídia americana previu uma terrível derrota. Depois do começo das ofensivas do
Ter, e da captura praticamente simultânea do navio do serviço secreto Pueblo em águas coreanas, a revista Life alertou seus leitores sobre reveses americanos generalizados culminando com “o grande banho de sangue em Khe Sanh”.
Um mês depois do início do cerco, quando a intensidade do contra-ataque
americano estava bem estabelecida, Arthur Schlesinger Jr. escreveu no Washing-
ton Post, em 22 de março: “O que quer que façamos, não podemos repetir Dien Bien Phu.” Em seguida, ele alertava os americanos: “Não vamos sacrificar nossos
corajosos
homens
à loucura
de generais
e à obstinação
dos presi*
dentes.” Oliver E. Chub Jr. fez eco à histeria generalizada no New Republic: segundo ele, lembrando a observação de Bismarck sobre o valor relativo dos soldados alemães em relação à intervenção nos Bálcãs, Khesanh “não valia à vida de um único fuzileiro naval”, Ele concluía que o cerco “poderia se tran”
formar facilmente em um desastre militar sem precedentes na Guerra do Vietnã” (B. Nalty, Air Power and the Fight for Khe Sanh [Poderio aéreo e O com” 566
Victor
Davis
Hanson
bate por Khe Sanh], 39-40). Enquanto isso, três semanas depois do começo
do cerco; esquadrilhas de B-52 — em uma prévia das táticas de bombardeio da Guerra do Golfo anos depois — haviam criado um sistema de grades em torno da base sitiada, na qual três bombardeiros despejavam uma chuva de explo-
«ivos e napalm em uma área de um quilômetro por dois a cada noventa minutos, vinte e quatro horas por dia. A força aérea começou
metodicamente
a
destruir quase todas as coisas vivas a uma distância de até um quilômetro dos muros da base.
O cerco terminou no dia 6 de abril, e com ele os últimos combates que haviam sobrado depois da fase mais intensa da Ofensiva do Ter. No entanto, no final de junho, o MACV, convencido de que a resistência fora uma arrebata-
dora vitória americana, ordenou que a base fosse desmantelada. No dia 5 de
julho, Khesanh foi varrida do mapa! Os americanos destruíram em horas o Rr: =
Foto: Antonio Augusto na
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Por que o Ocidente venceu
que os comunistas norte-vietnamitas não havi am sido capazes de destruir
em
meses. Todas as pontes na rodovia 9 ali perto, que semanas antes haviam sid 0 laboriosamente consertadas para permitir aos comboios terrestres chega E até os fuzileiros encurralados, foram sistematicamente explodidas. Depois da Ofensiva do Tet e das subsegientes interrupções nos bombardeios, os ameri. canos estavam aparentemente determinados a abandonar sua idéia anterior
de cercar a DMZ e estacionar tropas em áreas de defesa avançadas perto da fronteira norte-vietnamita. Os fuzileiros navais que haviam enfrentado fogo
constante durante quase três meses ficaram furiosos e quase se revo ltaram ao ouvir a notícia; para eles, o domínio da base, e não o número de inimigos mor. tos, era a prova de que seus amigos perdidos pelo menos haviam morrido por alguma coisa tangível.
Em abril de 1968, os dois candidatos à futura disputa presidencial amer icana falavam em diminuir a presença militar americana, fosse a promessa de Robert Kennedy de uma retirada negociada, fossem as alusões de Hubert Humphrey a
interrupções nos bombardeios, fosse a alternativa de Richard Nixon de uma
“vietnamização” gradual. Como observou o almirante Ulysses Grant Sharp, comandante naval americano da frota do Pacífico, depois da incrível vitória americana em Khesanh: “Eles ficaram tão histéricos lá em Washington por cau-
sa da Ofensiva do Tet que desistiram e decidiram terminar a guerra mesmo que não fossem vencê-la” (B. Nalty, Air Power and the Fight for Khe Sanh [O poder aéreo e o combate por Khe Sanh], 104). A corajosa defesa da base, os terríveis
danos causados aos norte-vietnamitas e o abandono repentino de Khesanh são
todos emblemas do que o Vietnã se tornara no final da primavera de 1968, um
atoleiro no qual as operações militares não estavam necessariamente relacio”
nadas às opiniões sobre o valor ou o desenrolar da guerra. Mais até do que Hlué, Khesanh revelou a incompetência do alto comando, a bravura e a disciplina dos fuzileiros navais, a espantosa superioridade tecnológica da força aérea — €? histeria completa de grande parte da mídia americana que, durante a guertà, -
. frequentemente subestima va a capaci:dade americana de ferir o iniE migy o, para ? 0
568
Victor
Davis
Hanson
inal do conflito exagerar as perdas e o sofrimento dos comunistas. O embaixador sul-vietnamita nos Estados Unidos, Bui Diem, talvez tenha sido quem meÉ
lhor resumiu O paradoxo de vencer, e ainda assim perder, o Tet: Pouco tempo depois, ficou claro para mim que a retirada completa das forças americanas do Vietnã seria apenas uma questão de tempo e modalidades. Nesse sentido, os
ataques do Tet em 1968 podiam muito bem ser considerados um prelúdio ao fim da guerra cinco anos depois. Assim, o Tet foi o clímax da segunda Guerra da Indochina. De fato, para mim, o Tet foi o momento em que a opinião pública americana e as con-
cebções equivocadas transformaram em derrota uma vitória potencial. (My Recollections of the Tet Offensive “Minhas lembranças da Ofensiva do Ter”, em M. Gilbert e W Head, orgs., The Tet Offensive [A Ofensiva do Tet], 133)
A vitória
como
derrota
Atoleiro
Depois do Tet, as forças armadas americanas se gabaram com frequência de não terem sofrido nenhuma derrota importante diante das forças inimigas durante
todo o conflito do Vietnã. Essa alegação, mesmo para toda a década de envolvimento americano, é em grande parte verdadeira, exceto no caso de poucas bases pequenas ocupadas por conselheiros americanos que foram algumas vezes surpreendidas e ocasionalmente dominadas por algum tempo. Embora várias fases da Ofensiva do Tet durassem meses, O primeiro estágio do combate praticamente
terminou em pouco menos de um mês. No final de fevereiro de 1968, Hué estava livre, e Khesanh foi libertada no começo de abril; cidades menores foram libertadas e protegidas ao final da primeira semana dos ataques. Apesar da cobertura de mídia sensacionalista do Tet, as pesquisas de opi-
nião pública continuavam a mostrar que a maioria dos cidadãos americanos apoiava a participação dos Estados Unidos durante toda a ofensiva — alguMas pesquisas revelaram que 70% dos cidadãos desejavam a vitória militar em Fr
:
569
&
ds.
Por que o Ocidente venceu
vez da retirada. Walter Cronkite podia ter voltado do Vietnã e ANUNci ad
milhões de americanos que suas forças armadas estavam atoladas em um Ê
pate e que “a única saída racional... seria negociar, não como Vencedores o |
como um povo honrado” (N. Graeber, The Scholar's View of Vietnam N o nião do estudioso sobre o Vietnã”, em D. Showalter e J. Albert, An Ameri É
Dilemma [Um dilema americano], 29), mas a maioria dos americanos aind q desejava apoiar uma guerra que pensava poder ser ganha com pletamente. O problema das forças armadas no Vietnã, pelo men os a curto prazo, não era
a ausência de uma maioria aprovadora nos Estados Unidos, mas sim o cresci-
mento de uma minoria de críticos sonora, influente e mui to sofisticada —. ativistas que davam muito mais importância a terminar logo o envolvimento
americano do que a maioria dos defensores dava a mantê-lo. No sentido estritamente militar, a tragédia do Tet não foi o fracasso. À calamidade foi que, depois da vitória, os americanos não conseguir am capitalizar o desbaratamento dos comunistas, cessaram os bombardeios e deram ao inimigo uma impressão de fraqueza e não de exultação em seu sucesso. De fato, a vitória decisiva do Tet em 1968 marcou o início de um recuo americano radical. À grande mobilização de 1965-67 logo atingiu o número de 543 mil soldados , em 4 de abril de 1968, e depois declinaria de forma abrupta, de modo que, em 1º de dezembro de 1972, havia menos de trinta mil soldados no Vietnã, e praticamente nenhum depois do cessar-fogo de 1973. O pre sidente Johnson parecia entender a natureza de seu próprio dilema de ganhar batalhas e perder a guerra de relações públicas nos Estados Unidos quando se dirigiu a seu gabi nete em 28 de fevereiro de 1968, um mês depois do início do Tet: Témos que tomar cuidado com afirmações como as feitas por Westmoreland 0
voltar e dizer que via “luz no fim do túnel”. Agora temos o choque dessa Ofensiva do Tet. Ho Chi Minh nunca foi eleito para nada... Ele é como L sob vários aspectos.» Mas
nós, o presidente e o gabinete, somos chamados de assassinos, e eles nunca dizem nada
sobre o Sr. Ho. Os cartazes estão por toda parte. Todos dixer “Acabem coma guerra”,
570
Victor
Davis
Hanson
mas ninguém nunca vê nenhum deles aqui. Então ele inicia a Ofensiva do Tet, rompe
a trégua e prossegue bombardeando 44 cidades, tudo isso na hora em que estamos fazendo uma pausa nos bombardeios. É como o advogado rural que fez o melhor dis-
curso de sua vida, mas cujo cliente foi eletrocutado. Somos assim agora. (L. Berman, “Ofensiva do Tet”, em M. Gilbert e W. Head, orgs., The Tet Offensive [ A Ofensiva do Tet]),
43 )
Até mesmo os norte-vietnamitas admitiam ter sofrido uma terrível derro-
ta. Algo em torno de quarenta mil vietcongues e soldados regulares do NVA
haviam sido mortos em poucas semanas. Mais inimigos morreram durante o
ano de 1968 do que todos os americanos perdidos durante todo o envolvi mento dos Estados Unidos por mais de uma década. A estratégia comunista de colocar funcionários locais nas ruas revelou-se um desastre completo.
Longe de causar uma insurreição generalizada, isso apenas terminou em ba-
nho de sangue, destruindo a infra-estrutura vietcongue no sul por pelo menos
dois anos. Depois do Tet, a Frente de Liberação Nacional (NLF) ficou praticamente sem braço militar eficaz. Este teve que ser reconstruído do zero sem seus organizadores mais veteranos. Foram esses os custos do total equívoco
norte-vietnamita em relação à letalidade do poder aéreo americano, à disciplina de suas tropas e à esmagadora superioridade de seu sistema de abastecimento — fatores que, no campo de batalha, eram capazes de superar por mais
algum tempo as desvantagens da surpresa, de um comando ruim e dos distúrbios sociais nos Estados Unidos. Vários comunistas de alta patente admitiram posteriormente o terrível pre-
ço do Tet. O coronel general Tran Van Tra, em um discurso tipicamente
dúbio, admitiu, no entanto, as perdas causadas pelo erro desastroso de atacar diretamente
Os americanos:
Não nos baseamos em cálculos científicos ou em uma avaliação cuidadosa de todos os fatores, mas em parte em uma ilusão baseada em nossos desejos subjetivos. Por esse ER
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Por que o Ocidente venceu
motivo, embora a decisão tenha sido sensata, engenhosa e tomada em boa hora, e em bora sua implementação tenha sido bem organizada e audaciosa — houve excelente co. ordenação nos campos de batalhas, todos agiram com muita coragem, sacrificaram s = vidas e foi criado um divisor de águas estratégico no Vietnã e na Indochina —, sofremos
grandes sacrifícios e perdas em relação a homens e material, especialment e entre Os fim. cionários de vários níveis, que claramente nos enfraqueceram. (R. Ford, Tet 1968, 139)
Se os norte-vietnamitas sabiam que haviam perdido a Ofensiva do Tet, por que, aos olhos da maioria dos observadores ocidentais, parecia que o inimi go na verdade tinha ganho?
Grande parte dos problemas de percepção veio das elevadas expectativas
imediatamente anteriores à ofensiva. As forças armadas americanas encurraladas, atingidas em cheio pelo movimento contrário à guerra, haviam garantido prematuramente ao público, no início de 1968, que a guerra estava se encami.
nhando para uma vitória americana. Como parte dessa avaliação otimista demais, elas remediaram o erro admitindo que não bastava mais para os americanos derrotar o inimigo completamente no campo de batalha. Em 1968, era igualmente essencial para as forças armadas atingir pelo menos quatro outros objetivos se quisessem calar a oposição nos Estados Unidos e continuar a ter
o apoio público: provar que, depois de quatro anos de intensos combates ter-
Testres, Os norte-vietnamitas estavam próximos da capitulação; fornecer provas incontestáveis de que os sul-vietnamitas estavam finalmente prontos para
cumprir a maioria de suas obrigações de defesa; garantir que os Estados Unidos pudessem efetuar uma retirada rápida com um mínimo de baixas; e dar ao públi co a segurança de que o Vietnã do Sul era uma democracia liberal e humana.
O Tet, uma vitória americana clara, frustrou essas pretensões. Ele mostrou que todos esses objetivos agora eram problemáticos; de modo paradoxal, à derrota acabou demonstrando que a estratégia de longo prazo dos norte-vielnamitas estava consciente dos custos humanos de uma política tão sacrificante mesmo que não se preocupassem com isso. Uma vez que eles estavam dispostos 572
RE!
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a perder milhares de homens em nome de uma chance de combater os ameri-anos, O tempo estava do lado dos comunistas. Um oficial do serviço secreto americano resumiu à brutal estratégia de atrito do general Vo Nguyen Giap: «O exército dele não manda caixões para o norte; é pelo número de caixões americanos voltando para os Estados Unidos que Giap mede seu sucesso” (G
Lewy America in Vietman [Os Estados Unidos no Vietnã], 68). Enquanto os soviéticos e chineses continuassem a fornecer armas de últi-
ma geração, enquanto os vietcongues pudessem posar para jornalistas, acadêmicos e pacifistas americanos influentes como liberacionistas e patriotas, em
vez de desrespeitadores de trégua e assassinos terroristas, e enquanto as forças armadas americanas tentassem travar uma guerra convencional com regras de combate absurdas e contando corpos, e não território tomado e dominado, os norte-vietnamitas continuariam a mobilizar inúmeros novos recrutas com a
promessa de uma futura nação livre — e sempre matariam alguns americanos na terrível aritmética da respectiva contagem de corpos. Um mensageiro asteca
alertou Cortés certa vez de que os méxicas podiam perder duzentos e cinquenta homens para cada castelhano e ainda assim vencer. No contexto moderno,
esse aviso teve um profundo efeito no general Westmoreland — não porque
houvesse americanos de menos ou inimigos demais no campo de batalha, mas porque, politicamente, havia um verdadeiro limite estabelecido para as baixas americanas. O contexto político americano pode ter acreditado que o Viemã
era uma guerra representativa de um conflito mundial de vinte e cinco anos contra a tirania comunista; mas o povo americano duvidava cada vez mais da necessidade de mandar seu dinheiro público e seus filhos para tão longe, quando era pouco provável que os chineses e russos chegassem aos Estados Unidos
pelo Vietnã. Se Westmoreland fosse Cortés em Tenochtitlán em 1520, teria relatado a ameaça asteca ao rei Filipe, pedido instruções e exigido mais con-
quistadores antes de prosseguir. Na verdade, Cortés concordou com o progNóstico asteca da disparidade numérica e, assim, planejou matar 250 astecas
Para cada conquistador que perdesse:
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Por que o Ocidente venceu
Durante a Ofensiva do Tet, oitocentos mil refugiados ao todo deixa seus povoados, muitos deles rumando para Saigon, que logo teria sua q A lação inchada até quase quatro milhões de pessoas. O programa de sta , rural patrocinado pelos americanos, conhecido como Apoio às Operações So e ao Desenvolvimento Revolucionário (CORDS) estava em frangalh os, à a
dida que se perdia a esperança de um dia proteger completamente a zona ai O ataque a Hué, os massacres ali perpetrados e a inva são da exobaieada chocou muitos sul-viernamitas. Se os burocratas americanos no cent ro de Sai. gon não estavam imunes aos ataques, qual era o nível de segurança dos viet. namitas da zona rural? Khesanh, salva de maneira heróica por ser uma base.
chave perto da DMZ, foi abandonada e destruída — sem consideração por
seu simbolismo em uma guerra repleta de simbolismos. O subsecretário da força aérea, Iownsend Hoopes, resumiu a depressão americana: Uma coisa estava clara para todos nós: a ofensiva do Tet era o elogiiente contraponto do efusivo otimismo de novembro. Ela mostrara de forma conclusiva que os Estados Unidos, na verdade, não controlavam a situação, que eles na verdade não
estavam ganhando, que o inimigo ainda tinha enorme força e vitalidade — certamente o bastante para destruir a idéia de uma vitória aliada clara na mente de todos os homens objetivos... Em meados de fevereiro, até mesmo o fiel e conservador Wall Street Journal dizia: “Pensamos que o povo americano deveria estar se preparando para
aceitar, se é que já não aceitou, a perspectiva de que todo o esforço no Vietnã possa estar condenado, de que possa estar ruindo sob nossos pés.” (The Limits of Intervention [Os limites da intervenção], 146-47)
Depois
da vitória do Tet, as forças armadas americanas
pediram mais
duzentos e seis mil soldados e duzentos e cinquenta mil reservas adicionais —
o que não era exatamente uma demonstração para o povo americano de qué suas forças armadas estavam vencendo à guerra no chão. Hoopes chamou
esse pedido de :
574
EL
“espantoso”. Sem novas táticas de batalha ou uma estratég!? H
”
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de longo prazo, à liderança do MACV previa uma presença americana ainda maior, acima do limite de quinhentos e vinte e cinco mil homens. No entanto, o povo americano se perguntava: os Estados Unidos não haviam derrotado a Wehrmacht alemã na Normandia, pouco mais de vinte anos antes, com menos soldados em menos tempo? Os pedidos de mais homens foram ignorados.
Os registros das forças armadas americanas no Vietnã eram notórios por sua inexatidão na estimativa do número de inimigos mortos, mas, por necessi-
dade, eram mais precisos no registro das baixas americanas. Assim, a maioria
dos observadores acreditava que o Tet custara entre mil e dois mil mortos
americanos. O povo americano se importava pouco com o fato de seus soldados estarem matando
os inimigos em proporções jamais vistas de trinta ou
quarenta homens para cada soldado americano perdido. Do mesmo modo que as forças armadas, eles olhavam para a contagem de corpos —
mas, assim
como o general Giap, para a contagem de corpos americanos, e não nortevietnamitas —, e viram-na atingir níveis intoleráveis de mais de trezentos ou quatrocentos mortos por semana.
É estranho que, no auge de uma tradição militar letal de dois mil e quinhentos anos, os planejadores americanos tenham ignorado completamente Os preceitos de toda a herança militar ocidental. Cortés — também em menor número, longe de casa, em um clima estranho, quase tendo que enfrentar insurreições entre seus próprios soldados e sob ameaças de ser chamado de
volta a seu país de origem, combatendo um inimigo fanático que lhe não dava trégua, com aliados instáveis — pelo menos sabia que seus próprios soldados
é à coroa espanhola pouco se importavam com o verdadeiro número de cor-
POs inimigos que fossem capazes de contar, mas se importavam muito com o fato de ele tomar e controlar Tenochtitlán e, assim, pôr fim à resistência com Seu exército em grande parte vivo. Lorde Chelmsford — também cercado de Críticos dentro e fora do exército, sob ameaças de demissão, sem conhecer o
tamanho exato, a natureza e a localização do inimigo, suspeitando dos colonos bôeres, dos idealistas ingleses e dos aliados tribais — pelo menos percebeu que,
fas: O
mars
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Por que o Ocidente venceu
até ele invadir a Zululândia, destruir o núcleo dos kraals reais e Capturar q rei
a guerra continuaria, apesar dos milhares de zulus abati dos por seus Mortíferos fuzis Martini-Henry.
Os generais americanos nunca entenderam completamente, ou Nunca con. seguiram transmitir com sucesso para a liderança política em Washington, es.
sa lição simples: a de que o número de inimigos mortos pouco significava se o território dos sul-vietnamitas não fosse protegido e controlado e se o Vietn ã do Norte antagonista não fosse invadido, humilhado ou tornado impotente. Poucos, ou nenhum alto oficial americano, se demitiram por princípio por causa
das desastrosas regras de combate que garantiam a seus corajosos soldados morrer sem uma chance real de vitória militar decisiva. Era como se milhares de soldados, formados nas melhores academias militares americanas, não ti-
vessem idéia de sua própria herança militar letal de guerra à moda ocidental.
Analogias, verdadeiras e falsas No sexto e sétimo livros de sua história da Guerra do Peloponeso (431-404 a€.), Tucídides relata uma lista de erros cometidos pela liderança ateniense e por seus cidadãos durante e depois da viagem de sua armada à Sicília (415413 a.C.). Ele nos conta que havia um acalorado debate em relação à própria decisão de enviar a frota e que os aliados de Atenas na Sicília, exigindo ajuda frente à agressão de Siracusa, revelaram-se corruptos, cheios de duplicidade,
fracos e, no final, inúteis no campo de batalha. O principal arquiteto ateniense
da expedição, Alcibíades, foi chamado de volta para casa por uma Assembléia volátil antes sequer de entrar no combate. Ele acabou ajudando o inimigo €
indo morar em Esparta — a grande antagonista de Atenas durante os vinte € sete anos da Guerra do Peloponeso.
Os outros comandantes, Lamaco e Nícias, estavam indecisos, hesitantes € paranóicos quanto às consequências políticas de se atolar em uma guerra im
possível de vencer, apesar da força esmagadora trazida de Atenas. De fato, à relutância do velho conservador Nícias em atacar Siracusa de maneira deci216
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cia de reforços maciços, parecia motivada mais pela gên exi sua a à a a pação com seu futuro político do que com sensatez estratégica. Embora
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ente dizendo que a campanha poderia ter sido vencida se os ate-
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diz ele, , enses ateni Os es. lusõ conc as mesm essas izer ntrad às VEZES parece | e suprimentos em ios nav , ens hom — s dua mas , ada arm não mall daram uma rais. ne ge us se r po a ad it is qu re a e qu do até r io quantidade ma , ou, como na ia cl fo so ia éd ag tr a um mo co lê se a íli Sic da to la re seu al, No fin chineos er at mb co e de ad id il ib ss po a e br so ou rv se ob y le ad Br o general Omar co
errada ra ho na , do ra er r ga lu no , da ra er ra er gu “a , 50 19 os an s do ses no início opede ro at te um era , as nt co das al fin no a, íli Sic A ”. do ra er o e com o inimig eAt de r ma s r ro po et ôm il s qu to en ez tr e mil a va ca fi , vo te no en am ir rações inte
nas, era uma potência que não atacara Atenas diretamente e fora atacada em uma hora na qual o exército espartano, em casa, estava livre para marchar até
os muros de Atenas.
Não é nenhuma surpresa, diz Tucídides, que o público ateniense tenha per-
dido rapidamente a confiança com as notícias constantes dos impasses alémmar e da necessidade de ainda mais homens e material. Em uma sociedade
consensual, antiga ou moderna, vozes se elevam quando operações militares além-mar se revelam caras, custosas em vidas e sem a promessa de uma vitória
no final. Nesse sentido, o aumento do sentimento antiguerra americano era previsível. O desacordo nos Estados Unidos era coerente com toda a história da oposição ocidental a suas próprias práticas militares nas raras ocasiões em que
à vitória se revela esquiva — muitas vezes com resultados que não são neces“ariamente negativos para os interesses a longo prazo do estado, embora se re-
Conheça que são muito danosos para os infelizes soldados no campo de batalha.
Os objetivos dos americanos, tanto locais quanto geopolíticos, estavam
Mais ou menos claros desde o início: a segurança de um estado vietnamita
Tão-comunista independente no sul e com ele o fim de uma agressão comunista generalizada no Sudeste da Ásia. Mas os métodos para atingir esses objetivos
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aparentemente morais eram bem menos aparentes. A fórmula para a vitória
nunca foi realmente pensada. Os eventuais custos nunca foram seriamente computados. No início dos anos 1960, acreditava-se, idealmente, que os amas
ricanos treinariam um sofisticado exército democrático de resistência. Em dois
ou três anos, o ARNV, reconstituído, talvez pudesse se defe nder, mesmo que, como no caso da Coréia, precisasse de uma presença americana quase perma.
nente de trinta mil soldados americanos ou algo assim ao longo de uma zona
desmilitarizada para preservar a paz. Um povo vietnamita agradecido então apoiaria esse novo governo democrático e se alistaria voluntariamente em seu exército para salvar o país do comunismo, que no passado causara tantas mor. tes e deslocamentos de civis. Ou assim se pensava.
No entanto, em 1964, os comunistas se mostra ram mais duros, os sul-vietnamitas mais fracos, e o povo americano mais cético do que previsto. Naquele
ponto — em algum momento entre o final de 1964 e meados de 1965 —,o presidente Johnson iniciou uma estratégia desastrosa de constante intensificação das agressões, sem mudar as regras terrestres que hav iam norteado as operações de pequenos
contingentes
americanos
anteriores.
O presidente
nada sabia sobre assuntos militares. Não demonstrou estar consciente de que aquele compromisso tremendo de enviar centenas de milhares de soldados americanos para o Vietnã para derrotar comunistas do Terc eiro Mundo — mais de meio milhão de soldados, 1,2 milhão de bombas por ano, milhares de inimigos mortos todo mês, de trezentos a quatro centos americanos mortos por
aventuras soviéticas depois da percepção de uma fraqueza americana, aumentar a inquietação doméstica e acentuar a incompetência do gov erno sul-vietnamita. Quando os impérios comprometem tais forças em aventuras militares, O tempo torna-se um inimigo, e não um aliado, à medi da que a incapacidade de alcançar o sucesso faz a dúvida — fatal para qualquer hegemonia — sair do campo de batalha e chegar a aliados inquie tos e cidadãos em suas casas. 578
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No entanto, durante quase uma década, os americanos seguiram travando
ima guerra em terreno não-convencional sem a presença de linhas de batalha
Jaramente demarcadas ou mesmo de uma frente interna. Já que a estratégia global era deter o progresso do comunismo na Ásia e evitar a todo custo contontos com Os soviéticos ou com os chineses, mesmo indiretos ou acidentais, surgiram
alguns paradoxos que detinham os planejadores todas as vezes em
que se debatia uma mudança da estratégia americana. De maneira geral, a política que prevalecia era uma relutância em bombardear portos — o que não foi permitido até 1972 — ou dizimar instalações-chave do governo em Hanói ou Haifong por medo de matar fornecedores e consultores comunistas estrangeiros. Havia uma proibição absoluta e inquestionável de invadir o Vietnã do Norte. Estações de força urbanas e depósitos que forneciam energia para descarregar suprimentos de guerra ficaram fora dos bombardeios durante anos. Duran-
te a maior parte da guerra, não se teve permissão para entrar pela força no Camboja, na Tailândia ou no Laos, locais de grandes depósitos de suprimento e santuários inimigos. O ponto forte eram os ataques aéreos e de artilharia, assim como as bases defensivas fortificadas, em vez de ambiciosas ofensivas de
guerrilha e esforços continuados de contra-insurgência para livrar as cidades e povoados dos vietcongues. À ironia foi que, em seus esforços
equivocados
para restringir a guerra se-
gundo parâmetros obscuros e pouco pensados, a administração americana satantiu que a matança continuasse por quase uma década. No mundo con-
fuso do Vietnã, os bombardeios indiscriminados de florestas podiam ser vistos
Como práticas militares aceitáveis, enquanto os bem mais humanos ataques de precisão a fábricas e docas em Hanói não o eram — e, assim, o resultado foram milhares de vidas americanas sacrificadas à derrota. Depois da guerra, Pessoas que visitavam Hanói se surpreendiam pela cidade parecer ter sido Pouco danificada pelos bombardeios —
apesar das afirmações dos ativistas
ANtiguerra de que as forças armadas americanas haviam matado milhares de
Pessoas nas ruas e quase destruído a capital.
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As administrações Johnson e Nixon pensaram que pode riam realizar Outra Coréia — uma vitória, pode-se dizer, obtida apesar de um governo sul-corea. no corrupto, de um enorme exército chinês que entrara na guerra, de quase cinquenta mil vidas americanas perdidas e de rígidos parâmetros políticos na
maneira como o conflito fora travado. No entanto, toda a analogia coreana é geralmente mal-interpretada. Em termos relativos, tanto os soviéticos qua nto os chineses eram muito mais fracos do que os Estados Unidos em 1950 do que em 1965. Na guerra anterior, nenhum deles fizera uma ameaça nuclear crível ao litoral americano. Mas o governo dos Estados Unidos subestimou ainda mais o tradicional medo chinês do poder militar amer icano convencional,
esquecendo-se de que os comunistas haviam perdido oitocentos mil mortos
na Coréia por ataques maciços da força aérea e artilharia ame ricanas, e de modo geral não tinham nenhuma vontade de repetir essa derrot a no Vietnã. Embora fosse verdade que era preciso tomar precauções para não pro vocar os
poderes nucleares comunistas, na maioria dos casos uma preocu pação imode-
rada com os russos e chineses diminuiu indevidamente a abrangência das reações americanas.
Em 1965, embora os americanos estivessem convencidos do potenc ial para um envolvimento maior e possivelmente nuclear, eles evitavam atingir navios
soviéticos em águas norte-vietnamitas, perseguir caças nas fronteiras nacio-
nais e ameaçar Hanói a ponto de tornar necessária uma intervenç ão soviética
ou chinesa para salvar o regime. A administração Johnson considerava pre fe-
rível perder vidas americanas discretamente para voluntários chineses e russos a vê-los morrer abertamente em uma batalha. Além disso, os pilotos americanos haviam rapidamente dominado os céus da Coréia do Norte, mas em 1972 havia uma sofisticada defesa aérea soviética e chinesa no Vie tnã — oito mil
armas antiaéreas, duzentas e cingiienta baterias de mís seis superfície-ar, entre duzentos e trezentos jatos de caça modernos e milhares de conselhei ros es-
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Q terreno do Vietnã tinha florestas muito mais densas do que as da Coréia,
rornando à exatidão dos bombardeios mais difícil, já que a vegetação escondia a localização precisa dos soldados inimigos. Muito mais importante, o presidente sul-coreano, Syngman Rhee, anga-
iara mais apoio doméstico do que qualquer um dos líderes sul-vietnamitas. Rhee conseguira posar como protetor da autonomia coreana frente aos fanroches dos stalinistas chineses no norte — do mesmo modo que Ho Chi Minh fizera no Vietnã ao lembrar à população que os americanos eram apenas os últimos imperialistas em uma longa linhagem de agressores japoneses e chineses, todos os quais haviam acabado sendo expulsos do território vietnamita. Na Coréia, os americanos estavam convencidos de que sua persistência estancara uma onda comunista em direção ao Japão. Poucos,
por outro lado, acreditavam que a perda do Vietnã teria como resultado uma esfera de influência comunista muito maior do que o Sudeste Asiático
— e poucos cidadãos ou soldados americanos se importavam com o Sudeste Asiático. Em 1964, os americanos também eram um povo diferente da
época imediatamente posterior à guerra, nos anos 1950, no início da Guerra Fria — eram mais afluentes, tinham uma mentalidade mais reformadora e muitas vezes estavam cansados de duas décadas de um custoso e constante
combate ao progresso do comunismo mundial. Por fim, na Coréia, os Estados Unidos enfrentaram uma verdadeira ameaça de bloco comunista unificado; em 1965, no entanto, muitos ameri-
canos sentiam — em geral de maneira ingênua, sem dúvida — que a China e a Rússia eram praticamente inimigas, que o Vietnã era um inimigo chinês
tradicional, e que os comunistas do Camboja, do Laos e da Tailândia nunca
haviam se unificado completamente, e eles próprios tinham uma longa história de antagonismo entre si e contra os vietnamitas. Assim, tornou-se Muito mais difícil convencer os aliados americanos ou o próprio povo do Vietnã de que a agressão comunista punha em perigo a Europa ou os Estados Unidos:
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O comunismo viermamita, por mais odioso que parecesse, não apresentava nenhu. ma ameaça clara à segurança nacional americana. Se o Vietnã ficasse na África ou na
Ásia ocidental, em vez de na fronteira da China, uma tomada de poder comunista depois da saída dos colonialistas franceses ou de um regime local anticomunista teria causado apenas uma preocupação passageira. (D. Oberdorfer, Tet!, 334)
Todas essas considerações teriam sido discutidas se os Estados Unidos hou-
vessem ganho a guerra de maneira decisiva e rápida. Mas essa vitória imaginada era impossível sob as condições em que as forças armadas conduziram a
guerra — e milhões de americanos ficariam com raiva e ansiosos para culpar suas próprias forças armadas e líderes políticos justamente por essa ign orância
e incompetência.
Discordâncias
Já em 1965, três anos antes do Tet, grandes discordâncias com relação à conduta da guerra haviam surgido dentro das forças armadas e da estrutura política americana, à medida que a mídia e a cultura popular chegavam ao consenso de que a guerra não apenas era errada, como cada vez mais amoral. Na esquerda radical, uma antiga coalizão de comunistas, socialistas e pacifistas, aliados a diversos dissidentes e anarquistas mais novos — a gama toda, de Tom Hayden, Jane Fonda e Abbie Hoffman a Susan Sontag, Mary McCarthy,
Ramsey
Clark
e os irmãos Berrigan —,
defendia abertamente
uma
retirada
americana. Mesmo sem considerá-la bem-vinda, eles aceitavam a derrota € viam o papel americano como previsivelmente imperialista, raci sta e exploratório — condizente, segundo eles, com grande parte da história americana.
De fato, muitos desejavam organizar tribunais de guerra para condenar gene-
rais e políticos americanos.
Menos extremos, mas talvez igualmente ingênuos, eram muitos liberais tra-
dicionais que se tornavam cada vez mais ra dicalizados à medida que a guerra progredia. Eles consideravam os norte-vietnamitas mais como socialistas 582
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ouropeus € viam o conflito do Vietnã apenas como uma “guerra civil” — apecar da confirmação de atrocidades norte-vietnamitas já no início dos anos 1950, do envolvimento direto soviético e chinês, e de quase nenhum vestígio
am retia s exigi facçõe s essas Amba Sul. ã do o Vietn no nism comu ao de apoio ada imediata dos Estados Unidos e defendiam abertamente, ou eram índifeentes, a uma vitória militar dos norte-vietnamitas. Os democratas moderados ainda acreditavam na idéia da Guerra Fria de contenção. No entanto, depois do Tet, dissidentes e ex-membros da admiínistração Johnson, como Robert McNamara, consideraram que o custo da vitória
no Vietnã talvez fosse alto demais, e seus efeitos, ambíguos demais para a sociedade americana. Muitos argumentavam que os soldados americanos poderiam ser mais bem mobilizados em outros lugares, especialmente como proteção
contra agressões soviéticas e chinesas na Europa e na Coréia. De modo geral, em 1970, esses moderados defendiam um acordo negociado e, caso fosse impossível, uma retirada americana gradual, mas irrevogável, para salvar o país
de destruir a si mesmo. Os conservadores também estavam divididos. Os da extrema direita, como
Barry Goldwater e George Wallace, cujo companheiro de chapa em 1968 fora Curtis LeMay, não viam razão para a guerra não ser terminada de maneira rápida e vitoriosa, usando qualquer meio possível — incluindo uma invasão do norte e talvez o uso de armas nucleares táticas. Eles confiavam na superio-
idade tática militar americana em relação aos norte-vietnamitas e em suas Yantagens estratégicas em relação à Rússia e à China. O que faltava, a seus olhos, não era poder americano, mas vontade. Muitos outros republicanos mais de centro também estavam furiosos com
dS Tegras militares de combate, mas acreditavam que uma guerra convenciodal vigorosa poderia trazer resultados bastante rápidos sem a necessidade de Uma invasão em grande escala do norte ou de uma declaração de guerra. Assim, Preconizavam mais bombardeios no Vietnã do Norte, ataques ao Laos, ao Camboja e à Tailândia, perseguições aéreas acirradas em países supostamente T-
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neutros, colocação de minas em portos inimigos, e um bloqueio das água
vietnamitas. Em 1970, a vietnamização sob Richard Nixon era seu credo o esperança de que um bombardeio americano contínuo incrementaria a e tência dos próprios sul-vietnamitas.
Por fim, alguns populistas de centro e isolacionistas conservadores, que iam de senadores como Wayne Morse e Mike Mansfield aos editores do Wall Street Journal, argumentavam que o Vietnã estava totalmente fora da esfera dos in. teresses americanos e que não valia sequer um americano morto. Seus apelos
para a retirada, no entanto, estavam centrados no terrível desperdício de vidas e de capital americano na Ásia — muito ao contrário de seus equivalentes na esquerda radical, que pareciam se preocupar mais com os mortos vietnamitas do que com os americanos.
Outras discordâncias não eram tão ideológicas. Os habitantes do sul dos
Estados Unidos, por exemplo, davam muito valor à “honra” americana e, de modo geral, apoiavam uma intensificação da guerra caso ela levasse à vitória, enquanto era mais provável que os americanos da Nova Inglaterra e da costa
oeste defendessem uma retirada imediata. Líderes negros e hispânicos, mesmo
que porcentagens significativas de seus eleitorados estivessem fadados a servir
e morrer no Vietnã, consideravam a resistência à guerra integral para a ques-
tão mais ampla dos direitos civis e das alianças com brancos liberais, então de modo geral aprovavam um fim imediato à qualquer custo. As mulheres tinham tendência a valorizar mais à paz do que a vitória. Os mais instruídos
eram favoráveis a uma reavaliação, quando não a um reconhecimento da derrota, enquanto os que não tinham instrução superior eram mais propensos à
apoiar a política oficial americana. No contexto da identificação do apoio à guerra, as denominações tradia cionais UU “republicà ano” H e Li “democrata” começaram a significa r pouca coisa. Até
mesmo
as oposições Ç Pp
mais
ríoi rígidas,
como
"E gaviões”
e
“nomba
s”,
geralmente
evoluíam p para “fascistas” e* “ comunistas” ipod , e em última agia mi instância para “criminosos de Bu guerra” e “traidores” — a es todos reminiscentes do vívido retrato pintado
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s do impasse em Corcira (Corfu; 427 a.C.) no terceiro livro de “Ao serem confrontadas com guerras debilitantes, as sociedades
iz vern fino do ando livr se e ent uam tin con vão , des ídi Tuc ta rela ais, ensu «ons hoa e ção era mod a e, dad ili civ a e — de lda icu dif com ido de cultura adquir nestidade da oxtremismo. livre incerta
do s ima vít ras mei pri as e, nt me el iv is ev pr e, -s expressão tornam e ad ed ci so a um em is íve vis pre am er s ia nc dâ or sc di as ess s Toda quanto à conduta e aos gastos de uma guerra aparentemente nes, as tragéa f ó t . s o r r i a t r s l e a A a u d e ç e p t r d e o s e p p A c m n i e e v
impossível de dias de Eurípides e a história de Tucídides durante a Guerra do Peloponeso civida io iníc no as lic ibé ant s cia dân cor dis de es ent ced pre tos mui em rec ofe lização ocidental. No entanto, o que tornou a questão do protesto no Vietnã muito diferente da longa tradição de oposição ocidental às operações militares foram talvez três fatores novos na cultura ocidental. Em primeiro lugar, a era eletrônica garantiu que a matança fosse transmitida
pela televisão de forma instantânea. Poucos líderes militares americanos, que
davam total liberdade aos repórteres e fotógrafos de televisão, perceberam as ramificações dessa revolução de mídia. A Primeira ou a Segunda Guerra Mundial poderiam ter tido um fim diferente caso os europeus houvessem assistido em primeira mão ao ataque da batalha do rio Somme, ou se os cidadãos dos Estados Unidos houvessem visto a carnificina em Omaha Beach enquanto os
repórteres comentavam no rádio a insanidade do ataque americano a posições fixas vindo de um mar revolto. Os filmes da batalha do rio Somme, na verda-
de, chocaram o público britânico; e se esse filmes houvessem sido mais nume-
rosos, e se houvessem sido transmitidos ao vivo, a Inglaterra poderia muito bem ter perdido inteiramente o apoio público para a guerra. Com atraso, O
alto comando americano finalmente admitiu a abrangência real das revolucionárias mudanças na cobertura mediática da guerra no Vietnã: A imagem de algumas casas de Saigon em chamas, apresentada por um narrador com voz sotuma como um exemplo da destruição causada na capital, criou a impressão
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Por que o Ocidente venceu
inevitável de que as coisas eram assim em toda Saigon ou na maior barte da cidad é Essa tendência humana a generalizar a partir de um fato único para cheg ar a uma conclusão universal sempre foi uma das principais causas das visões distorcidas em relação
ao Vietnã e certamente contribuiu para o pessimismo nos Esta dos
Unidos depois da
Ofensiva do Tet em 1968. (M. Taylor, Swords and Plowshanes [Espadas e relhas de arado), 215)
Essa total espontaneidade das imagens visuais, com a exigên cia conjunta de montagem e comentário a cada segundo, também valorizava muito mais a
integridade e a competência jornalística — em uma época em que os repórteres eram escassos e enviados ao Vietnã sem muita experi ência ou instruções.
Milhões de pessoas podiam ver um soldado americano pôr fogo em um povoa-
do rural, mas não ouvir nenhum comentário imediato explicando por quê. O bombardeio de Hué foi transmitido no mundo todo, cri ando uma onda crescente de antiamericanismo, enquanto as valas comuns de milhares de inocentes mortos pelos comunistas na mesma cidade não eram vis tas simultaneamente nas telas das TVs americanas. Em segundo lugar, a Guerra do Vietnã aconteceu durante o períod o de
maior convulsão cultural e política da história americana — dir eitos civis,
liberação feminina, rock, drogas e revolução sexual —, faz endo com que a guerra funcionasse como catalisador genérico para todos os tipos de atividade contra o poder estabelecido e como ponto de encontro par a uma grande variedade de dissidentes. Equipes de fotojornalismo e de televisão
se adaptaram à nova cultura de mídia em sua abordagem contrária , diferenciando-se assim dos antigos repórteres escritos das guerras passadas. de os candidatos a Patton nas forças armadas amer icanas desejavam breves missões no Vietnã apenas para angariar experiência de combate e manche-
tes para futuras promoções, da mesma maneira jornalistas e repórteres de
carreira podiam encontrar um status im ediato de fama e celebridade caso
flagrassem um exemplo especialmente chocante de ignomínia ou incom586
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«ência americana. O fato de tantos altos oficiais e repórteres — que dispe m a respeito da guerra, mas eram muito parecidos no que dizia cordava resp
eito à natureza de sua respectiva conduta carreirista — mentirem ha-
itualmente para o povo americano era lamentável, mas previsível, dada a
natureza do envolvimento americano. Em terceiro lugar, no início dos anos 1960, os Estados Unidos estavam no
auge da prosperidade econômica, atingindo um nível geral de riqueza jamais experimentado por nenhuma outra civilização. O resultado foram literalmenre milhões de americanos discordantes — estudantes, intelectuais, jornalistas — com acesso a viagens, lazer e dinheiro sem as restrições da antiga rotina do trabalho constante e repetitivo. Um estilo de vida de liberdade, mobilidade e riqueza antes restrito a uma pequena aristocracia estava agora disponível para
milhões de pessoas. Enquanto, no passado, alunos pobres das universidades dedicavam longas horas ao estudo e se preocupavam com notas e futuros empregos, os professores raramente deixavam seus campi e muitas vezes tinham cargas horárias de aula pesadíssimas, nos Estados Unidos do início dos anos
1960, milhões de ativistas tinham tempo e liberdade para viajar — e dinheiro para gastar energia em protestos e ativismo em geral.
A televisão tinha orçamentos maiores para correspondentes mundo afora, ransmissões via satélite, viagens aéreas e reportagens investigativas. As uni-
versidades ofereciam ensino gratuito, adiamento do serviço militar e bolsas senerosas. Doações, anos sabáticos, bolsas de estudo e editoras subsidiadas ofereciam a uma classe acadêmica anteriormente empobrecida novas oportu-
hidades para publicar seus trabalhos e disseminar a crítica da guerra. O movimento pacifista tornou-se
uma
indústria multimilionária,
cuja existência,
assim como os grandes gastos no Vietnã, estava inteiramente baseada na enorme produtividade da economia capitalista americana. O resultado foi que, muitas vezes, o nível de protesto atravessava as fronteiras tradicionais da
discordância e ajudava o inimigo diretamente, como confessariam mais tarde Os norte-vietnamitas: ai
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A cada dia nossa liderança ouvia o noticiário mundial no rádio às nove da mm dz
para acompanhar o crescimento do movimento pacifista americano. Visitas de pesos como Jane Fonda e o antigo promotor geral Ramsey Clark a Hanói nos davam a con: fiança de que devíamos agientar firme as derrotas no campo de batalha. Ficamos extasiados quando Jane Fonda, usando um vestido vietnamita, disse em uma coletiva
de imprensa que tinha vergonha das ações americanas na guerra e lutaria do nosso lado. (L. Sorley, A Better War [Uma guerra melhor], 93)
Na longa história da guerra ocidental, é difícil imagin ar um conflito mais difícil do que o do Vietnã, onde o soldado americano tin ha uma série de inimigos inconcebíveis por combatentes anteriores: cidadãos de seu próprio país que condenavam suas atividades e ajudavam o inimigo, civ is vietnamitas que podiam se revelar terroristas e infiltradores vietcongues a qua lquer momento
e em qualquer lugar, e seu próprio governo que, baseado em critérios alheios à lógica militar, restringia onde e como ele podia retaliar diante do inim igo. As mitologias do Vietnã A imprensa e a mídia americanas entenderam relativamente rápido o que acon -
tecia na maioria dos casos em relação ao Vietnã: as forças armadas e a admi-
nistração em Washington em geral iludiam e às vezes mentiam à respei to do
andamento da guerra. As táticas americanas — especialmente o bombardeio intenso de matas e florestas — eram ineficazes, quando não ocasionalmente desumanas e contraproducentes. O método de isenção do serviço militar não
era igualitário. O governo sul-vietnamita era com fregiiência desonesto. Às re-
gras de combate eram risíveis. Assim, os jornalistas e repórteres estavam absolutamente certos ao afirmarem que o alto comando americano era inepto em sua condução daquela
guerra estranha. Apenas 15% dos cerca de 536 mil homens no Vietnã eram
soldados de combate. Embora fosse verdade que não havia de modo algum áreas seguras no Vietnã devido a terroristas e infiltradores, a grande maioria 88
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ano de veteranos não tinha muito contato com o inimigo. Depois de um
quando os raros soldados americanos do front já estavam acostuma-
serviço; dos 208 TÍgOTES da guerra, eram abruptamente mandados de volta para casa.
Os oficiais geralmente não passavam dos seis meses de combate; e algumas bases de escalões da retaguarda eram cheias de piscinas, cinemas e boates. Esses problemas críticos precisavam de exposição pública e a tiveram. A
discordância tinha um valor inestimável e ajudava a provocar um novo exame da finalidade, da conduta e da própria moralidade daquela guerra não-declaada tão distante das fronteiras americanas. Uma reforma militar, a necessidade
de uma legislação relativa ao abuso de poder presidencial e uma reflexão sobre a sensatez das intervenções americanas no estrangeiro foram consegiiências do movimento pacifista. Depois de 1968, as forças armadas americanas lutaram com mais inteligência, ficaram mais enxutas e, sob o comando do general Creighton W. Abrams, eliminaram muitos dos abusos apontados pela mídia.
No final das contas, como no caso da desastrosa expedição da antiga Atenas
contra a Sicília, era pertinente ponderar que não era interessante para os Estados Unidos fazer tamanho investimento de seu tesouro nacional e de vi-
das humanas tão longe de casa, em uma guerra que não podia ser vencida diretamente com as regras de combate aceitas pela Guerra Fria, que tornavam Praticamente impossível cortar as rotas de abastecimento comunistas ou in-
vadir o norte. No entanto, dentro dessa crítica genérica da política americana, muitas Vezes surgia uma histeria — a previsível liberdade de uma sociedade ociden-
tal livre e rica que tanto incomodara os críticos da democracia, de Platão a Hegel
que ocultava a verdade e a substituía pela mitologia. O resultado é que, hoje
em dia, poucas pessoas sabem se um Vietnã do Sul independente e não-comu-
Nista era viável depois da vitória americana do Tet ou durante o bombardeio de Punição ao norte em 1973 — se os fatos relativos ao progresso da guerra
OU à história e conduta sórdidas dos comunistas norte-vietnamitas houvessem 81
ido relatados ao povo americano de maneira precisa e sóbria. Apesar da E
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cobertura de mídia, no entanto, podemos especular que bem menos Vietna. mitas teriam morrido ou se exilado caso os comunistas não houvessem con.
quistado o país inteiro em 1975.
Praticamente tudo o que foi relatado pela imprensa ocidental sobre o Tet foi tão ilusório quanto as alegações norte-vietnamitas de uma grande Vitória
militar ou a garantia militar americana de que a ofensiva comunista não tinha
consegiências políticas de longo prazo duradouras que pudessem levar à uma mudança da política americana. Em Big Story [Grande matéria], o repórter veterano Peter Braestrup dedicou um enorme trabalho de dois volumes à ex.
posição das enganações e, às vezes, mentiras completas propagadas pela mídia
ocidental sobre a Ofensiva do Tet. Segundo ele, a história de uma árdua vitória americana, caracterizada por notável coragem dos americanos, não condizia nem com o sensacionalismo que construía as carreiras jornalísticas, nem com
os sentimentos antiguerra generalizados dos próprios repórteres. Embora o governo sul-vietnamita não fosse exatamente jeffersoniano, não
era verdade que nem a Frente de Liberação Nacional nem os norte-vietnamitas tivessem apoio popular maciço entre os sul-vietnamitas. Antes do Tet, os
comunistas se gabavam — e assim foi noticiado — de que 10 dos 14 milhões de sul-vietnamitas viviam em setores controlados diretamente por eles e assim, pela lógica, seriam favoráveis à “liberação do Tet”. Na verdade, a grande maioria dos sul-vietnamitas vivia em zonas de segurança do ARNV ou ameri-
canas. Quase ninguém se juntou ao levante generalizado. A maioria ficou mais, não menos, aterrorizada em relação aos comunistas depois da fracassada
Ofensiva do Tet. Hué não foi deixada completamente em ruínas. Longe de ser despovoada e quase abandonada, a cidade recebeu toneladas de ajuda americana
para a reconstrução. No final do ano, a maioria dos refugiados voltara, € à cidade funcionava praticamente como antes dos combates. Mesmo assim, o relato da mídia foi diferente: “a única maneira de conquistar Hué era pela destruiçãoEssa observação errônea fez eco à famosa reportagem de Peter Arnett sobre
o relato de um oficial americano a respeito dos combat es em Ben Tre, um Pº 590
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a cidade para ir destru sário neces ou-se “Torn g: Mekon rio do delta no do vOc calvá-la” (D. Oberdorfer, Tet!, 184). No entanto, havia poucas provas — exce«o as do próprio Arnett — de que algum oficial americano houvesse dito qualquer coisa desse tipo. Mas foi essa a notícia dada a um público americano estupefato e indignado, como uma prova da reação deliberada e impensada
das forças armadas durante a Ofensiva do Tet. Arnett nunca identificou pelo nome o oficial que supostamente lhe serviu de fonte. Tampouco conseguiu nenhuma declaração — civil ou militar — para corroborar sua afirmação.
Uma investigação militar para encontrar o oficial culpado não deu resultado. Na verdade, os conselheiros americanos em Ben Tre, dominados por vietcon-
gues, podem muito bem ter solicitado ataques aéreos para evitar sua própria
aniquilação; e tais bombardeios provavelmente causaram mortes de civis. Mas não existiam provas de que os americanos haviam destruído Ben Tre deliberadamente, ou num ato de política oficial. Foto: Antomo Augusto
Por que o Ocidente venceu
Tampouco o bombardeio do sul e do norte teve co mo alvo civis inocentes. A maior matança de inocentes foi resultado da art ilharia e dos ataques de
guerrilha indiscriminados dos norte-vietnamitas e vietcongues. A Paisagem
vietnamita não se tornou estéril devido aos bombardeios americano s nem ao uso de herbicidas. Apenas 10% da zona rural foram alvo de desfolhantes du-
rante os programas de pulverização entre 1962 e 1971, e ali mo ravam menos
de 3% da população. Durante o ano do Tet, novas variedades de arroz importado foram plantadas em quarenta mil hectares. Em 1969, a produção de arroz atingiu 5,5 milhões de toneladas métricas, maior do que a de qualquer ano desde a Segunda Guerra Mundial. Em 1971, essas variedade s milagrosas de
arroz americano haviam dado origem à maior colheita da história do Vietnã do Sul, com cerca de 6,1 milhões de toneladas métricas. Em 1972, sob pressão americana, o governo sul-vietnamita finalmente concedeu a propriedade de mais de oitocentos mil hectares a quase quatrocentos mil agricultores — em uma época em que a propriedade privada praticamente não exi stia no norte, onde, durante os anos 1950, milhares de pessoas haviam sido acusadas de
capitalismo e exiladas ou mortas, muitas vezes por possuir áreas que não che gavam a um hectare. O que arruinou a economia rural vietnamita foi a infi l-
tração vietcongue na zona rural e a coletivização das terras rurais — confirmada depois de 1975, quando, em tempo de paz, a produção agrícola de todos os tipos despencou. No final dos anos 1970, o Vietnã era um dos países mais pobres do mundo, próximo da inanição em uma área da Ásia cercada pela ri-
queza do Japão, da Indonésia e da Coréia do Sul. O aumento mínimo do nível
da economia durante os anos 1980 e 1990 baseou-se inteiramente na intro
dução de reformas de mercado modestas. Tampouco todos os críticos da presença americana no Vietnã eram dissi-
dentes por princípio. Mesmo muito depois da guerra, vários dele s confessaram
abertamente serem favoráveis a uma vitória comunista, transmitindo assim uma visão romântica do Tet que revelava mais sobre sua própria ideologia do que qualquer relato verdadeiro do que acontecera no ca mpo de batalha: 592
Victor
Davis
Hanson
De muneira mais geral, a Ofensiva do Tet contribuiu de forma poderosa para a reconstrução de um certo tipo de presença socialista nos Estados Unidos... À medida
que os insurgentes apareciam, “gritando seus slogans e lutando com uma fúria capaz de deixar os nervos em frangalhos”, percebíamos que não eram apenas vítimas nobres,
mas que venceriam a guerra. Impulsionados pelo ímpeto de sua missão, queríamos ser associados aos revolucionários vietnamitas (o Tet fez da bandeira do NLF um emble-
ma) e descobrir como nossa visão recém-descoberta do “poder ao povo” poderia ser realizada aqui nos Estados Unidos... A Ofensiva demonstrou que o socialismo não era apenas um posicionamento moral ou uma tendência acadêmica, mas uma verdadeira
possibilidade personificada pela ação coletiva de um verdadeiro povo. (D. Hunt,
Remembering the Tet Offensive “Recordando a Ofensiva do Ter”, em M. Gettleman et al., orgs., Vietnam and America [O Vietnã e os Estados Unidos], 376)
Os massacres em Hué, a derrota generalizada dos norte-vietnamitas durante o Tet e o desgosto pelo comunismo tanto no Vietnã do Sul quanto nos Estados Unidos foram completamente ignorados. Em vez disso, o ataque e as
execuções assassinas dos norte-vietnamitas durante uma trégua de feriado foram chamadas de “rápidas e pacíficas” (366). Embora os sul-vietnamitas fossem corruptos e algumas vezes brutais, nunca se envolveram em massacres totais na mesma escala do norte. Muito antes das mortes em Hué, os comunistas haviam construído um sórdido histórico de
execuções e perseguições que foi esquecido ou permaneceu ignorado pelos críticos da guerra. Nunca houve nenhuma intenção dos norte-viernamitas de participar honestamente de uma eleição nacional em 1956 que teria permitido a todos os vietnamitas votar livremente e sem coação: em 1976, es-
sas eleições “livres” fizeram com que os comunistas tivessem 99% dos votos. Quando o país fora oficialmente dividido (1954), nove em cada dez refugiados
foram para o sul em vez de para o norte — e o número total de refugiados que Votou com os pés acabou chegando a quase um milhão. Muito mais de dez mil
Vietnamitas foram executados durante a coletivização fundiária comunista do
4
Por que o Ocidente venceu
início dos anos 1950; na verdade, o número pode ter ficado próximo de cem mil — um prelúdio ao futuro holocausto cambojano de 1977-78. Ainda mais tarde, proeminentes críticos pacifistas pediam: Nós, que estávamos no Vietnã e nos opusemos ao esforço americano ali, esperá. vamos o desaparecimento instantâneo do Governo Revoluci onário Provisório e a
imposição de um domínio do norte? Eu não esperava. Nós antecipá vamos uma reconciliação, como aconteceu na Hungria depois da revolução? Era isso que eu esperava. Nós prevíamos toda uma rede de campos de reeducação onde dezenas de milhares de pessoas seriam encarceradas sem julgamento bor períodos indefinidos? Esperávamos que os liberadores fossem condenados alguns anos depois pela Anistia Internacional por violarem os direitos humanos? Esperávamos que cent enas de milhares de boat people se lançassem ao mar e deixassem as terras ancestra is que tanto valorizavam? (W. Shawcross, The Consequence of the War for Indochin a “A
consegiiência da guerra para a Indochina”, em H. Salisbury, org., Vietnam Reconsidered [O Vietnã reconsiderado], 244)
As respostas eram “é claro” — e estavam claras para qualquer observador
sensato do atroz histórico de direitos civis dos norte-vietnamitas nas décadas
antes da guerra ou dos massacres sistemáticos perpetrados pelos chefes do Partido Comunista na União Soviética e na China. Talvez o maior crime
moral dos dissidentes americanos tenha sido seu silêncio unânime posterior a
respeito do holocausto cambojano — realmente um dos acontecimentos mais
horríveis e desumanos do século XX. Os poucos que escreveram sobre a ma-
tança com frequência culpavam os Estados Unidos pelo khmer vermelho — co-
mo se aqueles que combatiam o comunismo houvessem causado uma vitória
comunista que levara a um holocausto comunista.
No entanto, nem todas as críticas à guerra americana era m mera pose aca”
dêmica. Centenas de americanos visitaram Hanói para ajudar os norte-viet-
namitas. Iom Hayden e Jane Fonda divulgaram propaganda hostil aos soldados 594
Victor
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s mai foi ia graf (a Troi de o filh seu ram iza bat nte ame rad ibe .mericanos e del etnamita. No vi ert no ói her um a m ge na me ho em ) oy Tr arde mudada para
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l ráve favo ante bast a rafi biog uma eveu escr m sta ber Hal vid a D meio da guerra, mo Martin co es nt ne mi oe pr is era Lib . 1)) 197 k, Yor a ov [N de Ho Chi Minh (Ho
anci lue ínf am er s ta mi na et vi ert no os que te en am ls | uther King alegaram fa os se an ic er am s io de ar mb bo os e qu e a an ic er am dos pelos ideais da constituição l. ia nd Mu ra er Gu a nd gu Se a e nt ra du as st zi s na pareciam com as atrocidade ameaos am ir nt ra ga n so er My l ae ch Mi e er ek th Ap t er rb He mo co Comunistas m ra ra nt co en se s bo Am . os ad at tr m be am er ra ricanos que os prisioneiros de guer em e a mit tna vie tenor io rád a pel s ado ist rev ent am for os, mig ini com altos oficiais
. seguida deram conferências sobre a nobreza da causa comunista ucom os m via te Nor do tnã Vie ao s ano ric ame s nte ita vis os al, ger De modo rgue de s oso min cri mo co s ano ric ame ros nei sio pri os e s”, rói “he o com as nist ta. David Dillinger, que interrogou prisioneiros de guerra americanos em Hanói, qualificou sua tortura de “embuste de prisioneiros de guerra”, alegando que a administração Nixon fabricara relatórios de prisioneiros americanos torturados e inocentes. “A única tortura comprovada relativa aos prisioneiros
americanos em poder dos norte-vietnamitas”, pontificava Dillinger, é a tor-
tura das famílias dos prisioneiros pelo Departamento de Estado, pelo Fentágono e pela Casa Branca” (G. Lewy, America in Vietnam [Os Estados Unidos no Vietnã], 336). Anne Weills resumiu melhor os sentimentos dos ativistas em
uma observação bem posterior: “Vocês deveriam entender que era considerado uma grande honra para nós do movimento pacifista poder ir ao Viemã e en-
contrar Mm. Binh em Paris [chefe da delegação da Frente de Libertação Nacional). Essas eram nossas heroínas e heróis” (J. Clinton, The Loyal Opposition [A oposição leal], 124). Allen Ginsberg escreveu um poema: “Deixem
Os vietcongues vencer o exército americano:... e se as coisas fossem como eu quero, perderíamos e nossa determinação/seria quebrada/e nossos exércitos
dispersados” (Colected Poems, 1947-80 [Poemas reunidos, 1947-580], Nova
Tork, 1984, 478).
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Por que o Ocidente venceu
Noam Chomsky, que visitou Hanói em 1970, anos depois de terminada a guerra, resumiu melhor a opinião persistente dos ativistas pacifistas sobre os Estados Unidos: Atacamos um país, matamos vários milhões de pessoas, arruinamos o lugar, faze mos guerra química, deixamos o país coalhado de bombas que ainda matam pessoas, faxe-
mos uma guerra química intensa com centenas de milhares de vítimas e, depois de tudo
isso, a única questão humanitária é se somos honestos a respeito de informações sobre pilotos americanos abatidos durante os bombardeios. É essa a única questão humanitária que resta. Seria preciso olhar para a Alemanha nazista para encontrar esse nível de covardia e maldade. (J. Clinton, The Lovyal Opposition [A oposição leal], 195)
Para infelicidade dos repórteres e ativistas antiguerra, o jornalista francês Jean Lacouture, cujo louvável livro Ho Chi Minh, de 1968, serviu de fonte para a biografia de Halberstam, admitiu mais tarde em uma entrevista que a ideologia, e não a verdade, orientou grande parte das reportagens sobre a guerra:
Meu comportamento foi algumas vezes mais o de um militante do que o de um jor-
nalista. Dissimulei alguns defeitos do Vietnã do Norte na guerra contra os americanos, porque acreditava que a causa dos norte-vietnamitas fosse boa e justa o suficiente para que eu expusesse seus erros. Eu não considerava oportuno expor a natureza stalinista
do regime norte-vietnamita, justamente no momento em que Nixon estava bombardeando Hanói. (G. Sevy, org., The American Experience in Vietnam [A experiência americana no Vietnã], 262)
Um repórter americano veterano da Ásia, Keyes Beech, fez uma nova avaliação da cobertura da guerra uma década depois da derrota americana: A mídia ajudou a perder a guerra. Ah, ajudou sim, não devido a alguma conspiração generalizada, mas pela maneira como a guerra foi noticiada. O que muitas vezes 596
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nã. parece ser esquecido é que a guerra foi perdida nos Estados Unidos, não no Viet am a guerOs soldados americanos nunca perderam uma batalha; mas nunca vencer ra... ÀS pessoas que visitavam aquela cidade miserável e empobrecida [Hanói] tamento hostil que tra do m are lam rec tas nami viet es triõ anfi seus iam ouv s muitas veze
lose a to w (Ho os. temp os velh bons aos o açã par com em sa ren imp da «ecebem hoje
osta de resp a ra: guer uma er perd mo “Co ' Man Asia “Old na m fro onse resp a War:
[O Vietnã red ide ons Rec m tna Vie , org. y, sbur Sali H. em a”, Ási da lobo ho um “vel reconsiderado], 152)
ano ric ame o dad sol do no tor em gia olo mit a um a tod ou cri ém A mídia tamb ter ende ge Lon . dos Uni s ado Est aos a tav vol que tnã Vie do e do veterano pós se res est de o rbi stú (di PT DS de rer sof ia, ênc eri exp a m co louquecido era vet os , gas dro em o iad vic ou a atr oól alc um a do uzi red ser ou o) traumátic nos se readaptaram mais ou menos tão bem quanto outros veteranos de guerra
e não demonstraram nenhuma incidência maior de doenças mentais do que a encontrada na população em geral: O retrato do veterano do Vietnã como bem ajustado e pouco afetado pela guerra ã teria minado as alegações dos pacifistas e, assim, provas de que os veteranos do Viem
estavam se readaptando ou haviam se readaptado bem à sociedade americana tinham tendência a ser ocultadas por recriminações descontroladas e estridentes contra o gover-
no americano. (E. Dean, Shook over Hell [Lançado sobre o inferno], 185)
O uso de drogas não era mais alto no Vietnã do que nas mesmas faixas
etárias na população civil em geral. Pelo contrário, a maioria dos veteranos mais tarde exprimiu remorso com relação à perda sem sentido de amigos e
também com relação a sua incapacidade de vencer a guerra, à subsequente tomada de poder comunista, aos campos de relocação, aos boat people e ao
holocausto cambojano. Noventa e um por cento daqueles que serviram no Vietnã mais tarde afirmaram que estavam contentes por tê-lo feito.
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Tampouco o número de negros e hispânicos mortos no Vietnã foi desproporcional em relação a sua porcentagem na população em geral, como parte de algum complô racista do governo americano. O perfil estatístico com-
pleto de Thomas Thayer concluiu que “Os negros não foram Injustiçados
no Vietnã em termos de mortes em combate, apesar das alegações contrá.
rias... O americano típico morto em combate era um homem branco, solda. do de linha e recrutado que fazia parte de uma unidade do exército ou da marinha. Tinha 21 anos de idade ou menos” (War without Fronts [Guerra sem fronts], 114). Oitenta e seis por cento de todos os mortos aparecem
nos registros como caucasianos.
Se alguma generalização devia ser feita, era sobretudo uma generalização
de classe. A grande maioria daqueles que lutaram no Vietnã como soldados de combate na frente de batalha — dois terços dos quais não eram convocados, mas sim voluntários — era desproporcionalmente composto de brancos de classe baixa dos estados rurais e sulistas. Eram rapazes de um universo sociocultural muito diferente dos jornalistas que os retrataram de modo equivocado, dos ativistas e acadêmicos pacifistas que os castigaram e dos generais do alto
comando militar que os guiaram tão mal, em sua maioria de classe média e alta. À classe era a terceira via com a qual os ativistas antiguerra não se preocupavam. Talvez essa inquietação explique por que filmes populares como O franco-atirador (classificado pelo correspondente de guerra de esquerda
Peter Arnett como “lixo fascista”), a música do Creedence Clearwater Revival (por exemplo, a canção “Fortunate Son” [“O filho afortunado”]) e as primeiras canções de Bruce Springsteen (como por exemplo “Shut Out the Light” [Apague a luz] e “Bom in the USA” [Nascido nos EUA]) — todos os
quais lidavam com atitudes étnicas ou de classe baixa com relação às iniquidades na conduta da guerra — foram ignorados ou criticados pelos críticos mais elitistas do Vietnã. No entanto, longe de serem malucos, rebeldes ou de siludidos, a maioria desses soldados que lutaram corajosamente no Vietná havia sido composta de voluntários, Os quais mais tarde afirmaram sentir um
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os que an ic er am dos to cen por e set e a nt ve No o. viç ser seu de or gulho descarado urnos no Vietnã obtiveram dispensas honradas das forças armadas. Tais atitudes e conduta por parte dos soldados americanos eram partícularÉ
mente surpreendentes
em
uma
guerra
não-declarada-que
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mais de uma
ciou noti se nte ame rar bém Tam as. oros horr ões diç con em ada trav foi e da déca
que o Vietnã foi uma guerra muito mais brutal para aqueles que nela serviram do que a Segunda Guerra Mundial — mais uma prova do notável histórico do «oldado americano. Os soldados de infantaria no Pacífico, por exemplo, combateram em média por quarenta dias em quatro anos; os soldados de combate
no campo de batalha do Vietnã tinham em média mais de duzentos dias de contato com o inimigo em um único ano de serviço.
A maioria dos livros americanos sobre a Guerra do Vietnã publicados entre 1968 e 1973 não é exata. Ao contrário dos relatos contemporâneos da Guerra Zulu ou de Midway, eles frequentemente reuniram informações seletivas e fi zeram exegeses quer para corroborar a opinião pública doméstica contem-
porânea, quer para defender opiniões, posições e condutas passadas de acurácia ou ética duvidosa. A maioria das narrativas dedicou seções inteiras a cerca de centena de civis mortos pelos americanos em My Lai, mas não dizia quase nada sobre as quase três mil covas daqueles executados a sangue frio pelos comunistas em Hué. A grande tragédia do movimento pacifista, sua tragédia silenciosa, foi que sua própria falta de credibilidade, justiça e apego pela hipérbole contribuíram tanto para macular a consagrada tradição ocidental de discordância aberta e cuidadosa auditoria das operações militares quanto os pio(ES excessos das forças armadas americanas no Vietnã.
Depois da batalha Um Vietnã unificado À guerra dos americanos durou ainda mais cinco anos depois do Ter. Com a
Fetirada das tropas terrestres e do suporte aéreo americano do Vietnã em
a
N
Por que o Ocidente venceu
1973-74, a derrota final do Vietnã do Sul foi assegurada. O apoio SOViético e chinês aumentou sem precisar se preocupar com os bombardeios americanos,
Imediatamente depois dos acordos de paz negociados em 1973, os Norte-viet.
namitas enviaram quatro vezes mais suprimentos militares para o sul do que durante o ano de guerra de 1972 — tamanha sua confiança na imunidade dos ataques aéreos americanos. Ao contrário da situação na Coréia, onde os Es.
tados Unidos deixaram milhares de soldados para garantir o armistício, em março de 1973 praticamente todos os soldados americanos haviam sido repa-
triados. Saigon caiu diante de uma ofensiva comunista maciça no dia 30 de abril de 1975. No entanto, os norte-vietnamitas haviam pagado um preço terrível pela vitória — pelo menos um milhão de mortos em combate, e talvez o mesmo número de desaparecidos e feridos. No final, os comunistas tinham
quatro vezes mais mortos de guerra do que o exército sul-vietnamita sozinho. Foram feitas muitas acusações de que os americanos podem inadvertidamente ter matado cinquenta mil civis em mais de uma década de bombar-
deios. Se isso for verdade, essa foi uma consegiiência terrível e trágica da guerra, e revela as insuficiências dos bombardeios muitas vezes indiscriminados efe-
tuados pela força aérea em estradas rurais, florestas e aldeias de maneira a interromper o fluxo de suprimentos. No entanto, como porcentagem da população norte-vietnamita total, esse número desafortunado ainda representa-
va um total de mortes civis bem inferior ao ocorrido na Alemanha e no Japão durante a Segunda Guerra Mundial — e uma fração dos cerca de quatrocentos mil civis que se acredita terem sido mortos por bombardeios e lançamentos de foguetes comunistas indiscriminados nas cidades, bem como ataques terro-
ristas. Na derrota, os americanos perderam cingiienta e oito mil mortos nº total e gastaram mais de 150 bilhões de dólares, sem contar os custos sociais
e culturais nos Estados Unidos.
Uma vitória comunista causou mais mortes e ainda mais êxodo aos vietna” mitas do que décadas de guerra — mais frequentemente mortes lentas por inẠnição, encarceramento e fuga, e não assassinatos em massa diretos. No passado; 600
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do Vietnã, ocupação pelos japoneses e franceses levara a êxodos moderados
ma
; nada na história do país era comparável às partidas em massa do
| depois da tomada de poder comunista em 1975. Os números s concorda que bem o , s s o o i i d a r u i ó t r t s s o i o e i d d a s a m r a a t m «ão con
Vietnã do Su exatos
lhas mi a de n e t n e c e o; rc ba de ís m pa a o r a x i s e d oa mais de um milhão de pess
a. in Ch a a par o sm me e dia lân Tai a inh viz à a par ra «es cruzaram a fronteira por ter da migrao ava ass rap ult s paí o am xar dei que as mit tna vie de al tot O número mais ara som que 4, 195 em s paí do ão tiç par a e ant dur sul ção original para o setendo lhe aco am bar aca dos Uni s ado Est os Só s. soa pes de de um milhão tais, den oci ses paí ros out e sul, do cos áti asi e as mit tna vie mil centos e cinquenta es tad pes tem em ou os gad fra nau ios nav em am er rr mo que mais um milhão. Os oria subornava mai a s, paí o xar dei a par ; mil cem e nta que cin re somaram ent
a inh mar a pel ar o-m alt em a bad rou ser a par nas ape — s sta uni oficiais com
tnavie s sta uni com os 0, 198 em , que so dis m alé ar erv obs e e-s Dev a. mit tna vie mitas também haviam exilado milhares de pessoas de etnia chinesa em uma
campanha nacional de limpeza étnica. Nos dois primeiros anos depois da queda de Saigon (1975-77), havia quase o dobro de vítimas civis no Sudeste Asiático — vítimas do holocausto camboja-
no, das execuções sumárias, das horrendas condições dos campos de concentração e de tentativas fracassadas de fuga dos refugiados — em comparação a todas o ens int s mai ano ric ame nto ime olv env de s ano dez e ant dur tas aquelas mor e os eir enh eng s, ico méd de es har mil os re sob do oga err int ser . Ao 74) 65(19
profissionais enviados para os campos de concentração, um oficial norte-viet-
namita disse: “Devemos nos livrar do lixo burguês.” No entanto, em particular,
o chefe comunista da assessoria de imprensa em Ho Chi Minh City observou a respeito da emigração para os Estados Unidos: “Abram as portas é todo mundo iria embora da noite para o dia” (S. Karnow, Vietnam [Vietnã], 32, 36).
Não existem estimativas do número de pessoas mortas nos campos de re-
educação — quarenta foram criados só no Vietnã do Sul —, mas acredita-se que tenham sido milhares. A elite do Partido Comunista rapidamente escolheu
E
N
Por que o ( Jerelente venceu
as residências americanas e sul-vietnamitas mais luxuosas para Mora r, À es querda americana tentou alegar que o Vietnã do Sul era governado por uma aristocracia corrupta; mas esses roubos empalideceram quando comparados
ao governo comunista que tomou o poder em 1975, sob o qual até Mesmo os navios chineses e soviéticos eram obrigados a pagar propinas para descarregar suas mercadorias em Haifong, e oficiais locais faziam fortuna fornecendo isenções para qualquer um que quisesse sair do país ou fugir dos cam pos. À
maioria dos relatos da mídia sobre o Vietnã depois da guerra não suge ria que a paz era mais custosa para o Sudeste Asiático do que a guerra contra os americanos, que os oficiais comunistas mataram ou expulsaram muito mais
patrícios em vinte e quatro meses de armistício do que os americano s em uma década de conflito.
À curto prazo, a situação da teoria do dominó, tão ridicularizada pelos críti-
cos da Guerra Fria, revelou-se em grande parte verdadeira. Com a que da do Vietnã, o Camboja e o Laos passaram ao domínio dos comunistas; a Tailândia
foi marginalizada durante algum tempo e forçada a romper a maior parte de seus laços com os americanos. Depois de 1975, a União Soviética mostro u uma tendência mais forte, e não reduzida, para intervir no estrangeiro, e conflitos explodiram no Afeganistão, na América Central e no leste da Áfri ca.
Depois da guerra, em vez de diminuir, o exército comunista vietnamita cres-
ceu. Ele logo seria a maior força terrestre do mundo, depois da China e da Rússia — o número de homens na linha de combate e soldados paramilitares chegava a três milhões —, e posteriormente combater tanto o Camboja quanto a China. Poucos ativistas americanos do antigo movimento pacifista protestaram em relação às centenas de milhares de asiáticos que mataram uns a08
outros de 1975 a 1980. Mas, afinal, todos os que morriam de ambos os lados eram comunistas.
À experiência do Vietnã se destaca como a pior situação ima ginável para uma sociedade livre em guerra — um teste fundamentalmente distorcido para a instituição da liberdade de crítica, no qual muitos dos dissidentes igno” 602
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ma verdade, tinham ferramentas de comunicação instantâneas e muito ravd prios solpró s seu com que do o mig ini o com s mai vam iza pat sim e po derosas, dados. No entanto, os efeitos dessa crítica, mesmo em condições tão singulaq
»
r dos Estados Unidos a longo prazo. A perda do Vietnã pode O ram mina não es, res, considerando para O comunismo não foi um arauto dos acontecimentos futuros,
os « marcha aparentemente inevitável do capitalismo democrático durante
rono pat igo ant o o sm me até rer var por bou aca que é mar uma — 90 anos 1980 e do Vietnã, a União Soviética, e erodir a ortodoxia na China comunista. Hoje, genuí179 dos 192 países autônomos do mundo têm algum tipo de legislação
na, com representantes eleitos. O Vietnã, assim como a Cuba de Castro, estava, e está, do lado errado da história.
Os deterministas argumentarão que, mais cedo ou mais tarde, o Vietnã vai ser libertado, e que a guerra americana foi em grande parte um teatro periférico de perdas americanas desnecessárias que não afetou a contenção principal do comunismo soviético ou o inevitável avanço global do capitalismo consumista democrático. Os dominós existiram, mas foram pequenos demais para terem importância global. Por outro lado, os defensores da guerra ainda poderão argumentar que o conflito no Vietnã enfraqueceu o comunismo e ajudou a proteger
as Filipinas, a Malásia e Cingapura — e que a derrota final americana garantiu que milhares de asiáticos do sul fossem mortos ou condenados a sofrer com a pobreza ou a tirania até que uma onda supostamente inevitável de liberdade à moda ocidental os alcance no século XXI. Para os milhões de mortos no Sudeste Asiático imediatamente após a retirada americana, e para os milhares de ameticanos e vietnamitas, hoje apodrecendo, mortos no Vietnã em uma cruzada mal
guiada para evitar justamente essas atrocidades que ocorreram posteriormente, esses “e se” com relação ao futuro de longo prazo do Vietnã nada significam.
O Vietnã e a guerra à moda ocidental Em suas operações cotidianas, as forças armadas americanas no Vietnã, lon-
ge de serem incompetentes, refletiram todos os elementos letais do paradigma |
603 E. Te
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2X a
Por que o Ocidente venceu
ocidental tradicional. Apesar dos relatos exagerados de intenso uso de drogas e de sedição, o soldado americano continuou disciplinado e bem treinado, mes. mo quando ficou claro que a guerra não estava sendo travada para vencer e mesmo com um número considerável de críticos enfáticos nos Estados Unidos,
Quaisquer que sejam as desigualdades do contingente, o militarismo Cívico
ainda estava muito ativo nos Estados Unidos. Com mudanças posteriores na
idade de voto, todos os soldados de 18 anos ou mais podiam manifestar seus pontos de vista nas eleições nacionais e expressar livremente para os jornalistas suas opiniões sobre as condições de seu próprio serviço militar O contrário não era verdadeiro com relação aos vietcongues e aos norte-vietnamitas.
Acreditava-se que a maioria dos soldados americanos votava em líderes que defendessem a continuação do envolvimento militar no Vietnã. Quando lutavam no Vietnã, era verdade, de modo geral, que a maioria dos americanos
queria que eles estivessem ali; quando começaram a ir embora, a maioria dos americanos preferia que eles fizessem isso. Mais uma vez, o voto e a liberdade de expressão não eram característicos nem do exército vietcongue, nem do
norte-vietnamita. Em última instância, essa diferença-chave foi reconhecida até mesmo pelos comunistas vencedores. O ex-general vietcongue Pham Xuan
An observou mais tarde, enojado: “Todo aquele discurso sobre “libertação vinte, trinta anos atrás, todos os complôs, todos os corpos produziram este país
empobrecido, destruído, comandado por uma gangue de teóricos semi-instruídos cruéis e paternalistas” (L. Sorley, A Best War [Uma guerra melhor], 384). Foi pela liberdade que os americanos lutaram, e aqueles que lutaram eram livres. Mas paradoxalmente, embora não tenham gozado de quase nenhuma
liberdade durante o conflito, a promessa de liberdade foi o que motivou muitos dos vietnamitas que se aliaram a uma causa comunista disfarçada de guerra de independência. Garantiram ao camponês vietnamita uma guerra de “liberta” =" : Ja: : ção” — sendo liberta s uma idéia muito romana republicana, e não uma herançê
indígena vietnamita. No entanto, já que os comunistas haviam lutado contt nuamente contra Os japoneses, franceses e americanos durante cerca de trintê 604
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rnar em paz — e, assim, nunca gove de dade tuni opor à ram tive a nunc os, an ponsabilizados pela realização de suas promessas. Essa ilusão desaS E T m a r fo n o p s e e r a t r e m n v u e a e m h e v d l e o a t d n n i a f , 5 u a 7 q eu com a vitóri de 19 p arec )
sabilização por três décadas de retórica democrática. Duang Van Toaí, antígo
defensor dos vietcongues, explicou o paradoxo que fizera ele e outros ajuda“em um movimento tão hostil à liberdade:
Assim como outros do movimento de oposição no Vietnã e nos Estados Unidos, eu
estava hipnotizado pelos programas políticos pregados pela Frente de Libertação Nacional, que incluíam a famosa e correta política de reconciliação nacional sem represálias e uma política de não-alinhamento com uma independência dos americanos, russos e chineses... Sob o domínio dos japoneses, havia quase dois milhões de vietnamitas morrendo de fome, mas ninguém foi embora do Vietnã. Sob os governos de Saigon durante
a guerra, centenas de milhares de prisioneiros foram presos e encarcerados, mas ninguém foi embora do país. No entanto, aqueles que são pró-Hanói ou que estão hipnotizados pela propaganda de Hanói alegam que os boat people são refugiados econômicos... [mas] entre os refugiados... também estavam vietcongues, antigos líderes da oposição, e mesmo o ex-ministro vietcongue da Justiça. Vocês podem imaginar a situação da justiça em um país se o ministro da Justiça desse país teve que fugir. (Freedom and the Vietnamese “A liberdade e os vietnamitas”, em H. Salisbury, org., The Viemam
Reconsidered [O Vietnã reconsiderado], 225)
A garantia da ausência de eleições livres, da inexistência da propriedade Privada e da não-liberdade de expressão não foram o modo como os vietcongues e os norte-vietnamitas solidificaram seu exército, mas sim as noções muito
Ccidentais da criação de uma “república” de oficiais eleitos e de uma imprensa livre. O resultado foi que os soldados vietnamitas a serviço do comunismo (ele Próprio uma consegiiência européia do século XIX de um pensamento utópico Ocidental que remontava a Platão) lutaram como nacionalistas contra estran-
Beiros, na esperança equivocada de obter justamente aquele ideal ocidental
4 tt
605 f
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*
PK
Por que o Ocidente venceu
de liberdade pessoal e de autonomia nacional. Em vez disso, des cobriram que em 1975, na primeira oportunidade de paz verdadeira em três décadas de
guerra, seu próprio governo não era realmente uma república e eles não tinham praticamente liberdade nenhuma.
Outra ironia pouco observada de toda a
guerra vietnamita foi que aqueles que resistiram aos americano s O fizeram
incorporando as promessas — mas nunca a realidade — dos Estados Unidos:
sonhos vazios que enganaram não apenas seus próprios soldados, mas grande parte do sistema acadêmico e jornalístico americano também. A República Democrática do Vietnã, que era o nome oficial do Vietnã do Norte com unista, não tirou sua nomenclatura das tradições consagradas do Sud este Asiá-
tico ou das perversões do stalinismo, mas sim da linguagem de liberdade da Grécia e de Roma. No entanto, nunca haveria nem democraci a nem repúbli ca no Vietnã. À economia
americana
produziu um
excesso de armas,
suprimentos de
guerra e bens de consumo no Vietnã que teve o efeito de atrair mais de um milhão de camponeses da zona rural para uma Saigon já superlotada com três milhões de pessoas, e de criar ao mesmo tempo uma economia em expansão .
Em geral, a economia capitalista americana considerava muito mais fácil en-
viar material a milhares de quilômetros por mar e por ar do que a China ou a Rússia a seus clientes bem ao seu lado. As armas americanas também eram geralmente melhores do que as do inimigo, especialmente nas áreas de comu-
nicações, aeronáutica, radares, navios e tanques. Nos casos em que os vietcongues e norte-vietnamitas alcançavam a paridade — principal mente em
fuzis automáticos, morteiros, armas antitanque, minas e granadas —, ela era
apenas um resultado da importação de armas russas é chinesas, elas próprias
fabricadas a partir de projetos europeus ou resultado da tradição ocidental de pesquisa. A história soviética da produção e do desenvolvimento de armas é à história da ajuda americana durante a Segunda Guerra Mundial, da cópia e da
captura de armas alemãs na frente oriental (1941-45), do recrutamento de cien” tistas alemães depois da guerra, da constante imitação de modelos ocidental 606
ae
Victor
Davis
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meio da espionagem e da defecção, e em última instância da importação,
por
s XVIII e XIX, de consultores britânicos, franceses e alemães o l u c é s S O durante
tas. s i r a s z c a d a m r s a a m odernizar as forç
Os vietnamitas não se apoiavam em nenhuma tradição científica nativa —
pará
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bam de as feit s iva nat ais sso ipe ant s lha adi arm de os cas uns alg de com exceção
bu e madeira — para fabricar suas ferramentas de matar. Sem as armas de estilo europeu, os comunistas teriam sido aniquilados. O mesmo se pode dizer da ivalentes equ Os as. mit tna vie s ada arm ças for das a lin cip dis da e ão zaç ani org norte-vietnamitas para termos como “divisão” e “general”, aliados a um treinamento no uso de armas automáticas e em táticas de infantaria, foram em
última instância copiados de exemplos soviéticos e chineses — eles próprios tomados emprestados de forças armadas ocidentais. Embora os norte-vietnamitas tenham feito mudanças inegáveis nas operações de batalha para refletir
as realidades do país, foi uma grande ironia da guerra que os americanos tenham sido mortos por fuzis automáticos incrivelmente parecidos com os M14e M-16, e por soldados rasos, tenentes, companhias e regimentos cujo nível
mais básico de organização espelhava o seu próprio. Era praticamente preciso
um especialista para distinguir um morteiro americano de 8Imm de seu equivalente norte-vietnamita de 82mm.
Apesar da importação total das armas e da organização ocidental pelos hnorte-vietnamitas, os americanos rapidamente aprenderam que suas próprias forças armadas — livres, individualistas, maravilhosamente abastecidas, dota-
das de equipamentos especializados e ávidas por batalhas de choque decisivas — não eram estáticas. Pelo contrário, as forças armadas americanas evoluíram na longo da guerra e se revelaram superiores às norte-vietnamitas, apesar das
Péssimas rotas de abastecimento, da ausência de frentes e linhas de batalha
Claras, das regras de combate restritivas que anulavam a preferência ocidental pela batalha decisiva e da oposição doméstica.
Em 1944, nenhum exército americano teria combatido os alemães na França sem permissão para cruzar o Reno ou para bombardear Berlim à vontade.
Pd
Por que o Ocidente venceu
O Japão teria vencido a Segunda Guerra Mundial caso os Est ados Unidos
houvessem simplesmente combatido nas florestas e ocupado as cidades do im.
pério japonês, prometendo não bombardear Tóquio, minar seus Portos, atacar seus santuários ou invadir seus domínios nativos, enquanto jornalistas e Críticos
visitavam Tóquio e se dirigiam aos soldados americanos pelas estações de rá. dio japonesas. Nem Truman nem Roosevelt teriam oferecido uma negociação com Hitler ou Stalin depois dos desembarques bem-sucedidos na Normandia
ou da devastadora campanha de bombardeio a Tóquio em março de 1945. Na
Segunda Guerra Mundial, soldados morriam em busca da vitória, não para evitar uma retirada ou pressionar governos totalitários a discutir um armistício. Em uma guerra, é insano não empregar a totalidade de seu poder militar,
ou garantir ao inimigo que existem santuários para recolhimento, alvos fora dos limites e uma disposição para cessar as operações a qualquer momento quando o pretexto de negociações for oferecido. As forças armadas americanas em si não reagiram bem a essas imposições orwellianas às operações. O número de soldados em posições de retaguarda aumentou — algo entre 80% e 90% de todos os soldados que foram ao Vietnã
nunca viram um verdadeiro combate. Turnos de serviço de um ano garantiam que muitos soldados inexperientes morressem nos primeiros meses de
combate, enquanto os sobreviventes eram mandados
de volta para casa
quando ganhavam experiência e tinham mais probabilidade de serem líderes eficazes para ensinar aos outros a permanecerem vivos no campo de
batalha. As forças armadas com frequência transformaram o Vietná em um pesadelo burocrático americano: “A lista do Estado-Maior do Comando de Assistência Militar tinha mais de cingiienta páginas. Inclufa um chefe do Es: tado-Maior, dois comandantes substitutos e suas equipes, um chefe de estadomaior substituto para assuntos econômicos, dois encarregados substitutos, UM secretariado de Estado-Maior e três equipes" completas, uma equipe geral,
uma “equipe especial” e uma “equipe pessoal" (R. Spector, After Tet [Depois
do Tet], 215).
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Davis
Hanson
Algumas vezes, à insistência para combater de maneira direta e aberta dua alh bat — al ion dic tra tal den oci rra gue da cia rên apa a a umi ass rante à batalha
de choque, ataque direto, poder de fogo esmagador — sem o corolário que a acompanhava
de conquistar e dominar território. Destroçar o inímigo com
um fogo mais poderoso e avançar com uma infantaria terrestre disciplinada , dre xan Ale de ia opé eur tar mili ão diç tra a com rdo aco de nte ame estavam inteir o Grande, e Charles Martel. Tomar e depois abandonar propriedades captura-
das a grande custo não estava. No dia 10 de maio de 1969, por exemplo, o ge-
neral Melvin Zais, comandante da 101º Aerotransportada, enviou suas tropas
contra a infame “Hamburger Hill” (a colina 937, conhecida como Colina do Hambúrguer). Em um horrendo tiroteio envolvendo um ataque direto ao cume, cinqiienta e seis de seus homens foram mortos e mais de quinhentos inimigos abatidos. Em resposta aos ataques vociferantes de políticos nos Estados Unidos por causa da aparente inutilidade das vidas americanas perdidas
naquele confronto de dez contra um — a colina foi abandonada abruptamente depois da captura —, Zais inconscientemente resumiu toda a maneira
ocidental de guerrear e por que ela nem sempre levava necessariamente à vitória estratégica no Vietnã: Aquela colina estava na minha área de operações, era ali que o inimigo estava,
foi ali que eu o ataquei... Se eu o encontrar em outra colina... garanto-lhes que vou
atacá-lo... É verdade que a colina 937, como pedaço de terreno específico, não tinha um significado particular. No entanto, o fato de a força inimiga estar localizada ali tinha um significado primordial. (G. Lewy, America in Vietnam [Os Estados Unidos no Vietnã], 144) Uma
guerra limitada que ignorava a captura e a proteção de território, e
que em sua essência procurava evitar a derrota de um Viernã do Sul com frequência corrupto, em vez de obter a vitória contra um aguerrido exército
comunista do Vietnã do Norte — quer sabiamente, por motivos necessários 609
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LL” x.
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Por que o Ocidente venceu
X para evitar um conflito maior, quer de modo equivocado, devido a temo res
inventados de uma intervenção sovi ética e chinesa ——» “ra UM referend o =
bre a sensatez política americana, não um indica dor verdadeiro do poder mili. tar ocidental. Poucos, naquela époc a e hoje em dia, duvidam que os Estados Unidos pudessem ter vencido a Guer ra do Vietnã; muitos não têm Cert eza se eles deveriam tê-lo feito.
Quem perdeu a guerra? Apesar de discussões recentes alegan do o contrário, a mídia em si não perdeu
a Guerra do Vietnã. Os jornalistas não arrancaram uma derrota política da vitória militar. Pelo contrário, eles apenas contribuíram para o colapso do poder
e da resistência americana ao acentu ar os frequentes deslizes americano s e a corrupção sul-vietnamita, sem pre star muita atenção às atrocidades norte-
vietnamitas, à história brutal do comunism o na Ásia e às questões geopolíticas em jogo. Sua capacidade de generalizar derrotas americanas relativamente menores € exagerar vitórias comunistas mod estas com frequência ajudou a mudar a opinião pública, dando-lhes assim uma influência exagerada junto aos políticos americanos que guiavam o curso da guerra. Sim, em última instância foi o própri o comando militar americano que m comprometeu a guerra, apesar dos sol dados corajosos, dos bons equipamentos e da abundância de suprimentos. o alto escalão perdeu o conflito porque se
acomodou sem imaginação diante de condições de auditoria e escrutínio po-
lítico que tornavam a vitória difícil, mas não impossível. Os conservadores €
os liberais por princípio estavam certos em sua avaliação do absurdo da estratégia americana predominante: os Pri meiros, ao exigirem que os Estados
Unidos lutassem para vencer qualquer guerra em que entrassem, os últimos, ao insistirem que os Estados Unidos não podiam lutar para vencer devido à situa-
ção política, e portanto não deve riam lutar, Assi
condições nas quais se julgava que à guerra deveria ser travada, e o cu sto né cessário para travá-la daquela maneira, determinou que não estava interessad a 610
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dade ter vencido a guerra facili com iam poder as armad forças As . pagá-lo n em pá
que lhes pediam que guerra a travar como sabiam não mas travar, m queria que ( vencessem — uma guerra ainda assim possível de ser vencida com audácia e
engenhosidade. Portanto, o que fizeram foi bombardear de maneira incessante
e pouco sensata — quarenta € três toneladas e meia para cada quilômetro quadrado no Vietnã, duzentos e vinte e sete quilos de explosivos para cada homem, mulher e criança no país —, sem sequer saber por que centenas de milhares de vietnamitas lutavam em nome de uma ditadura comunista assas-
sina que logo escravizaria seu país e arruinaria sua economia. Sem se preocupar com o sofrimento humano ou com a miséria dos vietnamitas sob o comu-
nismo, um realista da escola de Bismarck argumentaria que não era do interesse geopolítico dos Estados Unidos gastar tamanha quantidade de homens e capítal em um país relativamente insignificante que, se deixado sozinho como uma ditadura comunista, provavelmente se tornaria um incômodo para seus vizinhos comunistas tanto quanto o era para os Estados Unidos — quando a
verdadeira mudança na Guerra Fria significava que o combate não era mais simplesmente por território, mas estava relacionado à economia, à tecnologia
e à cultura de consumo de massa globais.
Se a intenção da mídia e dos jornalistas que enviavam para casa suas reportagens parciais e frequentemente unilaterais não era avisar os Estados Unidos da inconsistência de seus próprios políticos e comando militar, o resultado, no entanto, foi algumas vezes justamente esse. A longa tradição ocidental de liberdade de expressão e de autocrítica acabou não arruinando Os Estados Unidos, apesar da ruína de sua causa no Vietnã. Os comunistas ganharam a guerra e perderam a paz, massacrando seu povo e destruindo sua economia — tudo em uma sociedade fechada e censurada. Apesar de sua
propensão para odiar a si mesmos, os Estados Unidos perderam a guerra e ganharam a paz, seu modelo de democracia e capitalismo ganhou adeptos
como nunca, e suas forças armadas reformistas emergiram mais fortes, e não
mais
fracas,
depois
da
tormenta.
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Por que o Ocidente renceu
Os relatos do Vietnã — livros, filmes, documentos oficiais — Continuam
a ser um fenômeno quase exclusivamente ocidental. Os ativistas antiguerra criticaram esse monopólio
da informação
enquanto
eles próprios
Continua-
vam a publicar textos e fazer conferências em uma sociedade livre, contribuindo assim para esse mesmo domínio das publicações ocidentais. A versão Foto: Antonia Augusto
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mista da guerra, quando por fim surgiu impressa ou filmada, foi imecom que a publicação desde ram ida duv cos Pou . smo ici cet de eto obj e ent tam dia iate
a disseminação a lav tro con que o ern gov o que e e, livr era não es açõ orm inf seas
ricado conhecimento não tinha credibilidade. Por sua vez, o governo ame no e seus críticos muitas vezes demonstraram duplicidade, mas raramente con s ato rel de o cad mer se Nes o. unt ass mo mes o re sob € ao mesmo tempo
ditantes, a maioria dos observadores sentia que a liberdade era uma garanar que lug er lqu qua em e dad aci ver a a cav bus to, tan por e, e dad Ha de ver
ia não fossem os relatos norte-vietnamitas, chineses ou russos. À experiênc — «mericana na Guerra do Vietnã — tenha ela sido nobre ou vergonhosa
permanece uma história quase exclusivamente ocidental.
A querra em e autocrítica
meio a auditorias, escrutínio
Embora a modalidade das auditorias civis, da discordância e da autocrítica
durante a Guerra do Vietnã fosse diferente das práticas ocidentais anteriores, seu espírito, no entanto, não chegava a ser novo. Péricles (“Cabeça de ce-
bola”) fora ridicularizado nos palcos atenienses da mesma maneira que O general Westmoreland
(“Waste-More-Land”,
“Desperdice-Mais-Território”)
foi malhado nos campi americanos. Foi Péricles, e não Westmoreland,
quem marcou a ferro as testas de seus prisioneiros e foi atacado por críti-
cos atenienses por tê-lo feito. Jane Fonda flertou com os inimigos de sua
nação, justamente como haviam feito os direitistas atenienses que bajularam Esparta nos meses finais da Guerra do Peloponeso. Lembrem-se que
Platão, em um desabafo quase traidor, chamou a grande vitória em Salamina de erro que fizera dos atenienses um povo pior. Para Ésquilo, a guerra nada mais era do que a “comida de Ares”. Sófocles à via como “o pai de nossos infortúnios. Até mesmo o imperialista Péricles
podia chamá-la de “insensatez total”. “Eles arrasam um território e cha==
613
is. ê
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E ate NV
Por que o Ocidente venceu
mam isso de paz”, disse Tácito a respeito da conduta romana nas guerras coloniais. A matéria-prima da história, da dramaturgia, da oratória, da poesia e da arte ocidentais — Brueghel, Goya e Picasso — sempre foi uma Crítica aberta aos conflitos contemporâneos e muitas vezes ao absurdo da guerra
em geral. Os dramas de Eurípides, encenados diante de quase vinte mil ci.
dadãos atenienses com direito a voto, refletem o entendimento crescente
dos custos humanos e materiais da batalha durante a Guerra do Pelo. poneso. As três décadas de pestes, golpes de estado, destruição de estados neutros e desastre na Sicília foram bem mais parecidas com o Vietnã do que com a Segunda Guerra Mundial. As troianas, de Eurípides, encenada pouco
depois do massacre ateniense dos melianos (415 a.C.), relata como as esposas, mães e filhos inocentes dos troianos, e não apenas os soldados, sofrem as consequências da guerra. O dramaturgo cômico Aristófanes tam-
bém escreveu várias peças — Os Acarnianos, Paz e Lisístrata — que ridicu-
larizam o tráfico sem fim de acusações de guerra que interessam mais aos
próprios aproveitadores e megalomaníacos do que aos cidadãos. Enquanto um exército espartano marchava pela zona rural de Atenas, o povo ateniense via seus próprios cidadãos denegrirem a política de evacuação forçada e de guerra contínua contra Esparta.
A conduta de Jane Fonda, Tom Hayden e dos irmãos Berrigan pode ter sido traidora, mas não no mesmo nível dos gregos que, em 480 a.C., juntaram-se aos persas em Salamina. As coletivas de imprensa em Saigon — conhecidas como “As Loucuras das Cinco da Tarde” — podem ter sido cáus-
ticas e caracterizadas por ataques e contra-ataques sem fim, mas não eram
menos veementes do que as altercações quase físicas que ocorreram entre Temístocles e seus co-almirantes na véspera de Salamina, ou os enforcamentos e a guerra praticamente declarada entre espanhóis e italianos horas
antes do combate em Lepanto. A mídia pode ter destruído a reputação do general Westmoreland, mas não mais do que a mexeriqueira Assembléia de Atenas fez com o herói Iemístocles, que foi exilado e morreu no estrangeiro: 614
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casa. A crítica à Guerra do Vietnã arruinou Lyndon Johnson, mas de nido ba fez Péso ne po lo Pe do ra er Gu à o açã rel em s ia nc dâ or sc À tormenta das di É
cicles ser multado — e o levou à exaustão, à doença e à morte antes do final
. os an te se e e nt vi de to li nf co do o an Jo terceiro
on gt in sh Wa em as mit tna vie tenor es ent sid dis ve hou não o Assim com , xes Xer , Hué em os dad sol os pri pró s seu de re sac mas protestando contra o sidências nem dis va era tol não ói, Han em uro itb Pol o que do mo mo s e do m ntes fenícios a r i o m n l s i a o t d s , e e d , o s z d e a v s m m i u e . a r s m Lemb auditoria
is qua os os tod io, Líd o o, Píti re pob do ou na ami Sal em dos Jesmembra . ConRei nde Gra o com r nta ume arg er pod nte ame cad ivo equ am tar edi acr inuou à ser um truísmo o fato de um grego em Salamina, um romano em Canas, um veneziano em Lepanto, um inglês em Rorke's Drift e os americanos em Midway e no Vietnã poderem lutar e dizer o que quisessem — o
que não era verdade em relação aos persas, cartagineses, otomanos, zulus, japoneses e vietnamitas. Até mesmo autocratas como Alexandre ou Cor-
tés respondiam rotineiramente a críticas entre seus companheiros e sol-
dados de um modo com o qual os imperadores astecas e persas não estavam acostumados.
Lyndon Johnson pode ter sido destruído por seus críticos domésticos,
mas milênios antes até mesmo
o autocrata Alexandre, o Grande, não es-
capou ao escrutínio dos opositores ocidentais. O filósofo Diógenes, ao ser perguntado por Alexandre o que desejava,
supostamente
respondeu
que
gostaria que o rei saísse debaixo do seu sol. Alexandre era sem dúvida um assassino e um homem perigoso, que durante algum tempo desvirtuou a li-
berdade ocidental, mas era um autocrata amador quando comparado aos aquemênidas persas. Era muito mais provável que discutisse com seus ge-
Nnerais macedônios do que Xerxes com seus sátrapas, muito mais provável que fosse atacado na sala da assembléia por um Demóstenes — e muito
Mais provável que um filósofo o mandasse sair de seu caminho em uma es-
—B
quina de rua do que Dario na corte de Persépolis. Hernán Cortés, que deu
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Por que o Ocidente venceu
a seu rei um subcontinente e navios de metais preciosos, foi entr etanto em
grande parte banido e condenado ao ostracismo na velhice, e sua audácia
e matanças passadas eram mais objeto de crítica dos clérigos, da censura dos
burocratas e de processos judiciais de antigos colegas do que motivo para elogios e comemorações duradouros da coroa espanhola. Durante toda a tormenta do Vietnã, o congresso e o presidente discordavam a respeito da condução da guerra, e diversos generais compareceram diante do congresso para testemunhar, ao mesmo tempo em que congressistas e senadores eram convocados à Casa Branca para justificar seus votos “desleais”. No entanto, ao contrário dos republicanos romanos, poucos generais americanos tinham seus próprios comandos militares separados. Os senadores americanos raramente interferiam no campo de batalha. As querelas e o recurso à imprensa no Vietnã empalideciam diante do confronto entre cônsules na noite anterior a Canas. L. Emílio Paulo e o destemido C. Terêncio Varrão, ambos oficiais eleitos, desprezavam-se mutuamente, e, portanto, os planos para
seu exército comum tinham propósitos disparatados. Fabius Maximus, cuja estratégia acabou por reverter o curso da Segunda Guerra Púnica, foi durante algum tempo o homem menos popular de Roma, chamado de covarde por suas
táticas de atraso. O feito de Charles Martel em Poitiers foi com fregiiência ignorado por cronistas posteriores em grande parte porque ele fora demonizado pela Igreja como confiscador de terras eclesiásticas. No meio de sua conquista, Cortés foi taxado de criminoso por Diego
Velázquez, governador de Cuba. Sua própria estada na Cidade do México foi interrompida quando Pánfilo de Narváez chegou a Vera Cruz com uma ordem para sua prisão. O padre Bernardino de Sahagún teve poucas coisas boas a dizer sobre seu próprio patrício, Hernán Cortés, mas escreveu com empatia sobre os indígenas massacrados pelo conquistador. Apesar de todas as cartas “oficiais” de Cortés para Carlos V, uma história um pouco diferente nos é transmitida por seus contemporâneos.
Bartolomé de Las Casas
considerava abominável a maneira como os espanhóis tratavam os índios 616
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» assim, escreveu em detalhes sobre os pecados da conquista. Ao morrer, 1
É
Cortés estava quase totalmente ignorado, depreciado, fora severamente criticado em diversos escritos e precisava de dinheiro. Por sua vez, o pouco
abemos sobre os críticos de Montezuma vem de fontes escritas espanholas, não mexicanas. Enquanto os espanhóis criticavam Cortés em seu que
5
sucesso por sua cupidez e crueldade, os senhores astecas só atacavam Montezuma por seu fracasso em expulsar os espanhóis de Tenochtitlán. Nenhum
asteca escreveu a respeito ou criticou a decisão de matar milhares de inocentes na Grande Pirâmide.
John Colenso, bispo de Natal, e suas filhas dedicaram a vída a informar o público britânico da crueldade de seu governo em relação aos zulus. Por sua vez, a imprensa britânica divulgou notícias sensacionalistas e muitas vezes inexatas sobre Isandhlwana, convencendo o público a mobilizar um contingente de substituição desnecessariamente grande, mas também a
questionar se tudo aquilo fora mesmo necessário. Poucas carreiras — não a de Chelmsford nem a de seu sucessor, Sir Garnet Wolseley — foram melhoradas com o combate. Os Colenso foram mais ou menos tão ativos na defesa
dos zulus durante a guerra e tão críticos da desumanidade britânica quanto os ativistas antiguerra simpatizaram com os norte-vietnamitas.
Os japoneses leram relatos de Midway nos jornais como uma grande vitória; marinheiros feridos foram mantidos em hospitais para garantir que
a notícia do desastre não chegasse ao público. O almirante Yamamoto criara sozinho o plano defeituoso e não tolerava discordâncias. Tudo isso con-
trastava com um discurso público americano intenso, no qual detalhes importantes sobre o serviço secreto que influíra na batalha vazaram para os jornais antes de o combate ter sequer começado. À estratégia americana era debatida em reuniões abertas convocadas pelo almirante Nimitz, e os resul-
tados eram enviados a Washington para serem ratificados ou rejeitados por um governo eleito. Ho Chi Minh, apesar de comunista confesso, era muito
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mais aparentado com os militaristas japoneses do que com os americanos.
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= Por que o ( detdente venceu
Os vietnamitas muitas vezes se voltavam para acadêmicos, figuras reli. giosas e intelectuais americanos em tentativas de anular o poder americ ano,
coisa que seu próprio exército não conseguia fazer. Quando comunista
para denegrir os americanos
a campanha
e santificar os Notte-vietnamitas
chegou ao nível mundial, não foi nenhum acidente que o tenha feito em grande parte por meio da mídia ocidental, não comuni sta ou terceiro-
mundista. “Fantoches americanos” e “fomentadore s de guerra capitalistas subservientes” podem ter soado bem nos campi american os, mas esse não era o vocabulário da verdade e, portanto, não foi o que conv enceu o pú-
blico americano a acabar com sua guerra no Vietnã. Só o New York Times
e o programa de televisão 60 Minutes eram capazes de fazer o que o Pravda e o Daily Worker não eram: passar para o povo americano a id éia de que a
guerra era impossível de ser ganha e injusta. Para os norte -v ietnamitas, os americanos escandalosos, confusos e fracionados — tanto os Wi lliam E Buckley quanto as Jane Fonda — não eram nem tanto maus ou bons, mas sim insidiosos.
Portanto, o que devemos pensar desse princípio final da prática militar
E SS
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ocidental, esse estranho hábito de 2.500 anos de sujeitar as operações militares a uma auditoria política e a um escrutínio público constantes e muitas vezes autodestrutivos? Será que alguma coisa boa pode ser produzida por uma cidadania ocidental volátil que dita quando, onde e como seus soldados
devem lutar, ao mesmo tempo em que permite a seus escritores, artistas € jornalistas criticar de forma livre e algumas vezes selvagem a conduta de seus próprios soldados? Com certeza, no caso da divulgação da Ofensiva do Tet e da Guerra do Vietnã — cuja veemência e absurdo a tornam um estudo de caso fundamental de toda a sensatez de permitir discordâncias e ata
ques abertos às forças armadas —, poderia-se argumentar que a liberdade
do público perdeu uma guerra que os Estados Unidos poderiam ter ganho! 618
aa!
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se a conduta de uma mídia sem rédeas e o constante escrutínio público das mais diminutas operações militares prejudicou o esforço americano no Vietnã, também é verdade que as instituições e o processo e dessa auto-recriminação ajudaram a corrigir sérios problemas nas táticas até mesmo
na estratégia americanas. Sob O comando do general Abrams, as forças amadas dos Estados Unidos no Vietnã travaram uma guerra muito mais eficaz de 1968 a 1971 do que entre 1965 e 1967, em grande parte por causa
de discordâncias dentro e fora das forças armadas. O bombardeio de 1973, longe de ser ineficaz e indiscriminado, levou os comunistas de volta à mesa
de negociação graças à destruição de apenas algumas instalações-chave no Vietnã do Norte. A chamada campanha Linebacker II de Nixon foi muito mais letal para a máquina de guerra de Hanói do que a muito criticada e indiscriminada campanha Rolling Thunder de anos antes. Se em 1965 a administração Johnson não tinha idéia do que estava em jogo no Vietnã, ou de quais seriam as regras de combate finais, em 1971 o governo Nixon entendia muito bem o dilema americano. Como resultado do sentimento antiguerra e da liberdade de discordância, Nixon conhecia muito bem a natureza do atoleiro em que estava. Mais importante ainda, o Tet não foi uma batalha única, nem o Vietnã
em si uma guerra isolada. Ambos ocorreram em meio ao cenário mundial da Guerra Fria, um combate de valores e culturas muito mais global. Nesse
contexto, a liberdade do Ocidente, ao mesmo tempo em que foi prejudicial aos pobres soldados enviados para repelir a Ofensiva do Tet, teve a longo prazo O efeito de ganhar, em vez de comprometer, a credibilidade americana. Para derrotar o Ocidente, muitas vezes não é necessário apenas repelir seus
exércitos, mas também extinguir seu monopólio singular da disseminação da informação, para aniquilar não apenas seus soldados, mas seus emissários
da liberdade de expressão. Esse componente mais insidioso da prática militar ocidental nunca foi
compreendido pelos comunistas supostamente astutos e tenazes do Vietnã T
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X
Por que o Ocidente venceu
do Norte. Em vez disso, eles ficaram confusos com a presença Americana
no Vietnã, condenando sua administração, mas tomando cuidado para evi.
tar uma crítica generalizada de seu povo; amaldiçoando suas forças ar. madas, mas louvando seu serviço secreto; extasiando-se diante das reportagens manipuladas da mídia, mas ocasionalmente ofendidos e magoados quando surgia uma história verdadeira sobre a natureza de seu próprio re.
gime assassino; confortáveis com a transmissão da “liberação” de Saigon pela televisão americana, mas furiosos com a cobertura posterior dos boat people. Se os norte-vietnamitas perplexos ficavam agradecidos pelo fato de o Washington Post dizer coisas piores sobre suas próprias forças armadas do que sobre os comunistas, e se ficavam curiosos pelo fato de uma estrela de
cinema americana posar em Hanói em cima de uma bateria de artilharia em vez de encenar uma peça de teatro patriótica no Carnegie Hall — e
ainda voltar para casa sem uma sentença de prisão —, também ficaram fu-
riosos ao serem perguntados sobre a natureza das eleições “livres” de 1976, e surpresos diante dos poucos repórteres corajosos que revelaram ao mundo o holocausto comunista no Camboja. Assim, essa estranha propensão à autocrítica, à auditoria civil e à crítica
popular das operações militares — em si parte da tradição ocidental mais ampla de liberdade pessoal, governo consensual e individualismo — cria um pa-
radoxo. O incentivo da avaliação aberta e o reconhecimento de erros dentro
das forças armadas acabaram por gerar um melhor planejamento e uma Tes-
posta mais flexível diante da adversidade. A consciência de que a conduta militar será questionada pelos próprios soldados, sujeita a auditorias e escrutínio de pessoas totalmente alheias às forças armadas, e interpretada, analisada e muitas vezes mal retratada diante do público pelos repórteres pode ga rantir responsabilidade e assegurar um maior intercâmbio de pontos de vista. Ao mesmo tempo, essa liberdade para distorcer pode com frequência prejudicar as operações militares do momento, como constatou o próprio Tucídides
e como temeu Platão na República — e como foi o caso da Ofensiva do Tet nº
620
il
Victor
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Vietná Devido à sinceridade e à histeria que substituíram uma avaliação ponsua agonia no Vietnã do prolonga ter podem Unidos Estados os , a v i t i s o p e derada mente não a guerra contra o comua , t s o a r p s h e m a l c m a a m t c e a b o e perdid l
É
ada quanh c e e d f o a ã d t e i c o a s m m o u e d s i s s e v s i o t d nismo. de OS Estados Uni
do a i d , r a e s h p a l m o a t d a i b c a n e r v m m o te e a t b i i r u m e d o o ã , p t ã o 0 Vietn en
íu depois d o , l a c p i m e t i u é q i o v ã o o i S d n i m U a c o e c r a m o p e d b , o a guerr de m e t n a o h ã l ç r e a n m t e e i o v s l ã r i t e m o s t t i n a n n i m e a u m g — i e v no Af de seu envol de polítia d i s , a n a c e i i d t c á p s t é o n m i e d r ã e n m t t s e e o i s d o V o n i d n U + dos Esta o a ã s ç s o a u ã e g r ç t e a n n l à e , e r a m r e c o e e i f t d g i i a é d u d s t m i a a l m r i t c s e e b ca e im
da liberdade de crítica, do debate público e de reportagens não censuradas sobre seu erro. Como é estranho que as mesmas instituições capazes de frustrar os progressos de batalha diários do Ocidente possam também assegurar o triunfo derradeiro de sua causa. Se o comprometimento ocidental com a auto-
crítica foi em parte responsável pela derrota americana no Vietnã, então essa instituição também foi fundamental para a explosão da influência ocidental global nas décadas posteriores à guerra — ao mesmo tempo em que o enorme e muitas vezes belicoso exército vietnamita lutava por um regime cada vez
mais desprezado em seu próprio país, banido no exterior e falido econômica e moralmente.
Nas próximas décadas, o que vai acontecer é que o Vietnã vai se parecer muito mais com o Ocidente do que o Ocidente com o Vietnã. No final, é mais provável que a liberdade de expressão, a manchete chamativa, a re-
velação bombástica e a idéia de que o comandante-chefe é um homem de
terno e gravata, e não de óculos escuros, ombreiras e revólver, ganhem
guerras do que as percam, dentro e fora do campo de batalha. Tucídides, que deplorou a estupidez ateniense na ocasião da expedição da Sicília e não
tinha quase nada de bom para dizer sobre a assembléia ateniense e seus retóricos incorrigíveis, mostrava-se entretanto impressionado com a incrível propensão ateniense para corrigir erros passados e para perseverar diante das
mais graves adversidades. =
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Por que o Ocidente venceu
Se começamos este capítulo com a crítica ácida de Tucídides à incons.
tância ateniense e a sua falta de apoio à sua própria expedição, deveríamos terminá-lo citando outra observação menos conhecida do filósofo a Tespei. to da conduta de guerra de uma cultura tão aberta. Tucídides acreditava
que os siracusanos haviam se revelado guerreiros tão bons contra Atenas
porque também eram uma sociedade livre e “democrática igual aos ate. nienses” (A Guerra do Peloponeso, 7.55.2). Ele concluiu que as sociedades livres são as mais resistentes na guerra: “Os siracusanos demonstraram isso
muito bem. Pois foi justamente por serem o povo cujo caráter mais se assemelhava aos atenienses, que os combateram com tanto sucesso” (8.96. 5).
622
Epílogo Guerra ocidental — Passado e futuro Para cada estado, a guerra é sempre incessante e perpétua contra qualquer outro
estado... Pois aquilo que a maioria dos homens chama de “paz” na verdade é só um nome — na verdade, todos os estados, por sua própria natureza, estão sempre travando uma guerra informal contra todos os outros estados. Platão, Leis (1.6264A)
O legado helênico Dos combates da Grécia antiga às guerras de todo o século XX, há uma certa continuidade da prática militar ocidental. Como sugere a epígrafe do capítulo, essa herança da guerra ocidental não pode ser encontrada integralmente em Outro lugar, tampouco começa antes dos gregos. Não havia uma noção egípcia
de liberdade pessoal nas fileiras militares; não existia uma concepção persa de Militarismo cívico ou de auditoria civil do exército do Grande Rei; os trácios
nunca abraçaram a tradição científica; não havia linhas disciplinadas de falanBistas de choque na Fenícia; e não existia uma infantaria fundiária de pequenos
Proprietários de terra na antiga Cítia — e, portanto, não houve forças armadas no Mediterrâneo antigo como os gregos em Termópilas, Salamina ou Platéia.
Por que o Ocidente venceu
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Essa tradição de 2.500 anos não só explica por que as forças ocidentais superaram grandes obstáculos para derrotar seus adversários, mas também sua
surpreendente capacidade de projetar o poder muito além da costa da Europa e da América. A quantidade de soldados, a localização, a comida, a saúde, o clima, a religião — os fatores habituais que determinam o sucesso ou o fracas-
so das guerras — em última instância pouco fizeram para deter os exércitos ocidentais, cuja cultura mais abrangente lhes permitiu desafiar tanto o ho-
mem quanto a natureza. Até mesmo a genialidade tática de um Aníbal de nada serviu. Isso não equivale a dizer que, ao longo de três milênios, todas as forças oci-
dentais tiveram o mesmo modelo exato em sua abordagem da guerra durante períodos de revoltas, tirania e decadência. Os falangistas são muito diferentes dos soldados, e a vitória em Tenochtitlán é distante de Salamina. Tampouco
devemos esquecer que o não-Ocidente também mobilizou exércitos mortais, como os mongóis, os otomanos e os comunistas vietnamitas, que derrotaram
toda a oposição na Ásia durante séculos e mantiveram a Europa afastada. Mas as afinidades militares nas guerras ocidentais ao longo do tempo e do espaço, dos gregos até o presente, são excepcionais, duradouras e muitas vezes igno-
tadas — o que sugere que os historiadores da atualidade não deram o devido valor ao legado clássico que tem estado no centro da energia militar ociden-
tal através dos tempos. À medida que os capítulos deste livro se sucedem, há uma sensação de déjá vu, um sentimento estranho de que falangistas, legionátios, soldados de infantaria em cotas de malha, conquistadores, casacas vermelhas, soldados e fuzileiros navais compartilhavam determinadas idéias centais recorrentes sobre como travar e vencer guerras. Nas batalhas contra os povos da Ásia, África e Novo Mundo, tanto tribais
quanto imperiais, houve um legado compartilhado através dos séculos que Permitiu aos europeus e americanos vencer de maneira consistente e mortífera — ou ser derrotados em raras ocasiões e quando o inimigo adotava sua própria
Organização militar, tomava emprestado suas armas, ou os encurralava longe 625
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Por que o Ocidente venceu
de casa. Percebam que em nenhum desses estudos de caso as Vitórias oe dentais foram o produto de uma inteligência superior inata, de uma moralj. dade cristã ou de qualquer noção de excepcionalidade religiosa ou genética.
Embora persas, cartagineses, muçulmanos, astecas, otomanos, zulus e japo-
neses tenham combatido de maneiras muito diferentes, eles compartilham
duas afinidades ao longo do tempo: nenhum deles lutava exatamente como os ocidentais — tampouco do outro lado dos oceanos. Xerxes, Dario HI, Abd ar-Rahman, Montezuma, Ali Pasha e Cetshwayo consideravam a guerra uma cruzada teocrática, tribal ou dinástica, na qual a velocidade, o engodo, o número de homens ou a coragem eram capazes de superar a disciplina da infan taria ocidental ou a tecnologia e o capital da Europa. Montezuma não podi a conceber um combate no Mediterrâneo, assim como Ali Pasha nunca veria as Américas.
Apenas nos poucos episódios que examinamos, as similaridades são claras. Os marinheiros gregos em 480 a.C., na maneira como criaram e tripularam sua frota, discutiram e votaram sua estratégia antes da batalha, e escolheram sua liderança e submeteram-na a auditoria, eram muito mais parecidos com os venezianos em Lepanto dois milênios depois do que com os homens do sultão que,
por lei, eram escravos como os homens de Xerxes em Salamina. Do mesmo modo, as fileiras e linhas do pequeno exército de falangistas expedicionários de Alexandre foram replicadas, em espírito, em Canas, assim como em Rorke's Drift
e nas outras batalhas da Guerra Zulu. Casacas vermelhas britânicos em desvantagem numérica disparavam sob ordens, buscavam formar colunas e atacavam
sob comando e em uníssono. As colunas e linhas compactas da falange, fosse ela
composta por piqueiros macedônios ou por atiradores britânicos, não são conhecidas fora da experiência européia. A maneira como Roma reconstituiu seus
exércitos depois da derrota em Canas não foi tão diferente assim da recuperação americana depois de Pearl Harbor nos meses anteriores à Midway. Ambas as culturas, após a derrota, apelaram para tradições republicanas comuns de recruta”
mento de sua população de votantes livres para criar nações -em-armas. 626
Victor
Davis
Hanson
É uma regra geral o fato de a falange macedônia, assim como o exército de
s ke' Ror em ica tân bri hia pan com a e o ant Lep em stã cri ta fro à , tés Hernán Cor ia Hav os. ári ers adv s seu de às s ore eri sup to mui as arm com ado lut Drift, «erem fis, locai rais natu rsos recu ricos seus de ar apes cas, aste os que e e c d n pouca cha s o n a m o , t s a e o s t o u s , a e q i d s r l e o a z v u b o u l b ó a a p ri arc ssem por conta próp se isd s n u u , l f e u d z e s o a u d q e a d u i r o l i a e u m q e i z r s n p e m d mbricasse canhõe de bro s mortal mai era z abu arc um que de da vi dú a uc po e — y sem fuzis Martini-Henr
seu que do al let s mai los qui 68 2.2 de o an zi ne ve ão nh ca do que um dardo, um ão Jap O i. ega ass a um a or eri sup to mui 45 e ibr cal de «one otomano, e uma bala pro de az cap era pa ro Eu a só que , em ag nt va sua a par aprendeu no século XIX, er lqu qua a s ore eri sup to mui am er os ad aç ur co en que e jetar encouraçados — am er at mb co não as mit tna vie tenor Os ão. Jap do mar coisa que flutuasse no com as lanças tribais de seu passado. or. eri sup a ogi nol tec que do s mai é tal den oci r ita mil er pod o No entanto, das nte sta con ca íti pol ria ito aud a e paz da or fav a o nt me vi mo o Assim como ameforças armadas no Vietnã condicionaram o comportamento dos exércitos ticanos no Sudeste Asiático, o bispo Colenso e sua família publicaram críticas contra à invasão britânica da Zululândia. A narrativa da conquista espanhola
rci exé do e dad ali mor a ar tic cri a cav bus n agú Sah de o din nar do México por Ber
, vieteca ast ade ied soc na vel ebí onc inc o mod um de — eos rân ter con s seu to de namita ou zulu. Não é nenhum acidente o fato de Temístocles, assim como os em uma vitoriosos Cortés e Lorde Chelmsford, não ter morrido como um herói
enfraquecia dân cor dis a Ess os. mig ini s seu de re sac mas o pel a cid ade pátria agr
, pre sem m Ne s? tai den oci dos ar rre gue de e dad aci cap a r ceu de modo regula ica não crít e ria ito aud de tal den oci ão diç tra À zo. pra go lon a pelo menos não egurar que ass a par im ass do vin ser ia, opé eur e dad ili dib cre a apenas estabeleceu
tal; ela a história escrita e publicada da guerra fosse em grande parte ociden ma últi em lha, bata de po cam do fora de lado do tes men que u tro mos também instância, tinham influência no modo como o tesouro e os homens de sua nação as. pri pró si de s ada arm ças for as es vez s uma alg do van sal , eram gastos
627.
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Por que o Ocidente venceu
Outras
batalhas?
As batalhas deste estudo são apresentadas como exemplos rep resentativos de traços gerais, e não como leis absolutas das forças armada s. São episódios que
refletem temas recorrentes, não capítulos em uma história completa da guerra ocidental. Dito isso, no entanto, não tenho certeza de que as conclusões teriam sido muito diferentes se houvéssemos examinado outros confro ntos escolhi. dos aleatoriamente mais ou menos nos mesmos períodos e lug ares com desfechos semelhantes — digamos, Platéia (479 a.C.), Granico (33 4 a.C.), Trasimeno (217 a.C.), Covadonga (718), a conquista do Peru (1532-39), o cerco a Malta (1565), mar de Coral (1942) e Inchon (1950). Sobre quase todos esses confron-
tos, pairam os mesmos paradigmas de liberdade, batalha de cho que decisiva,
militarismo cívico, tecnologia, capitalismo, individualismo e auditoria civil e discordância aberta. Concretamente, há uma grande distância ent re o fogo grego e o napalm, entre o ostracismo e o impeachment, mas em um uni verso abstrato eles não são tão distantes.
Nem mesmo um catálogo aleatório exclusivamente com derrotas abjetas
ocidentais — Termópilas (480 a.C.), Carrhae (53 d.C.), Adrianópolis (378 d.C.), Manzikert (1071), Constantinopla (1453), Adwa (1896), Pearl Harbor
(1941) e Dien Bien Phu (1953-54) — levaria a conclusões radica lmente dife-
rentes. Na maioria desses casos, exércitos ocidentais em grande desvantagem numérica (os romanos sob Crasso, os bizantinos sob Romanos, os italiano s na Etiópia, os franceses no Vietnã) foram mal dispostos ou mal prep arados — e, mais uma vez, estavam muito longe da Europa. Mesmo essas catástrofes nem
sempre colocaram em perigo imediato Grécia, Roma, Itália, Estados Unidos
ou França. As derrotas que tiveram um impacto histórico mais dur adouro — Adrianópolis, Constantinopla ou Dien Bien Phu aconteceram nas fronteiras do território europeu e próximas ao fim de regimes ou impérios decade ntes. E o Outro vitorioso tinha em suas fileiras armas de inspiração ocidental ou
consultores treinados no Ocidente.
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A herança militar ocidental, em si um dividendo de uma estrutura cultural
muito maior € peculiar, não determinou de alguma maneira pré-ordenada o desfecho de todos os confrontos entre Ocidente e não-Ocidente. Não fosse por
Chard, Bromhead e Dalton, Rorke's Drift poderia facilmente ter sido perdida.
calamina, Lepanto e Midway também tiveram seu quinhão de comando tático
brilhante. As guerras são travadas por homens instáveis e em condições reais que são totalmente imprevisíveis — calor, frio e chuva, em condições tropicais ou quase árticas, perto e longe de casa. Os exércitos ocidentais na África, na Ásia
e nas Américas, como soldados em qualquer lugar, foram muitas vezes aniquilados — muitas vezes comandados por tolos e colocados na guerra errada, no lugar errado e na hora errada. Mas seus exércitos, pelas razões que este livro assinalou, lutaram com uma margem de erro bem maior do que seus adversários. Durante os dois últimos séculos, Temístocles, Alexandre, o Grande, Cortés e
os oficiais britânicos e americanos gozaram de vantagens inatas que, a longo prazo, eram capazes de neutralizar os efeitos terríveis de um generalato imbecil,
táticas defeituosas, linhas de suprimento complicadas, terrenos difíceis e menor número de homens — ou um simples “dia ruim”. Essas vantagens eram imediatas e em grande parte culturais, e não eram produto de genes, germes ou da geo-
grafia de um passado distante. O império zulu estava condenado a ser conquistado pelos britânicos decididos a invadir suas fronteiras, independentemente da
vitória em Isandhlwana, apesar dos lapsos táticos de Lorde Chelmsford, e sem levar em consideração os corajosos impis. Ao examinar muitos desses cenários desfavoráveis da abordagem ocidental da guerra, como Canas ou Tet, a tenacidade e a letalidade do Ocidente parecem ainda mais notáveis. Se a tradição de discordância pode sobreviver ao
Vietnã, então seu lugar na prática militar ocidental permanece inquestionável.
Se a infantaria ocidental prevaleceu durante a chamada Idade das Trevas do Cavaleiro montado, então suas vantagens intrínsecas em Poitiers parecem ainda mais evidentes tanto antes quanto depois. Recrutar legiões de cidadãos livres em Canas para acabar perdendo para o exército mercenário de Aníbal requer uma
9É
Por que o Oetidente venceu
avaliação cuidadosa de todo o valor do militarismo cívico. A guerra Contra os zulus, o exército mais disciplinado e mais organizado da África, é uma lição im. provável, mas valiosa para compreender o valor incomparável da ordem das 1
colunas e das fileiras ocidentais.
A singularidade da cultura militar ocidental Discutir as proezas militares ocidentais requer uma precisão na nomenclatura
muitas vezes ausente na maioria dos relatos da história da guerra. A liberdade política — uma idéia que não pode ser encontrada em nenhum lugar fora do Ocidente — não é uma característica universal da humanidade. As eleições e
constituições ocidentais não são iguais à liberdade tribal, na qual muitas terras e poucas pessoas ocasionalmente dão aos indivíduos a oportunidade de encontrar solidão e independência. O desejo de lutar como homens livres também é diferente do simples impulso de defensores que expulsam tiranos e potências estrangeiras de sua terra natal. Persas, astecas, zulus e norte-vietnamitas deseja-
vam ver-se livres de soldados estrangeiros em seu solo natal, mas lutavam pela autonomia de sua cultura — não como cidadãos livres votantes com direitos protegidos por constituições escritas e ratificadas. Um zulu podia percorrer com relativa liberdade as planícies do sul da África, gozando de um estilo de vida de
certo modo mais “livre” do que um casaca vermelha britânico em um alojamen-
to apinhado; mas era o zulu, e não o inglês, quem estava sujeito a ser executado
com um meneio de cabeça de seu rei. Shaka provara isso dezenas de milhares de vezes. Os comunistas norte-vietnamitas prometeram a seus soldados, de maneira
dúbia, uma “república democrática” no estilo ocidental — não uma dinastia asiática, um estado policial comunista ou uma sociedade feudal — como recom-
pensa por travar uma guerra nacionalista contra intrusos estrangeiros. Todos os exércitos às vezes se envolvem em confrontos de massa; poucos
preferem fazê-lo em horrendas colisões de choque e evitam lutar a distância ou de maneira dissimulada quando existe ao menos a oportunidade de uma batalha 630
parstito
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tecisiva. Do mesmo modo, dos persas aos otomanos, os exércitos muitas vezes fora do Ocium nenh dos; solda tar recru de os ticad sofis s o d o t é m desenvolveram
o ç i i m v r e s u e s e o u t q o i e c t d í n l e p m m i endi dente rec rutou guerreiros com o ent ria ina erm det que es livr os adã cid de tus sta seu de e ant egr int te par a litar fazi comuns são ia ntar infa de os dad Sol ra. guer à m iria eles que por e o m o c quando, uistam e doq n o a, c ss m ma e m t e a b m o c e es qu nt fa , in s as ma ur em todas as cult te en am iv us cl ex e dad ali eci esp a um são e fac a e fac minam territórios e lutam proa, ian med nia ada cid a um de ão diç tra ga lon a um ocidental — produto de
es es on mp ca de nte dia to tan el táv for con des tra mos se prietária de terras, que
sem terra quando de aristocratas montados. por ia các efi sua ar ent aum de o sm me ou a, arm uma r usa A capacidade de es dad nti qua em as arm ar ric fab e ar ent inv a l áve par com é meio da prática, não oeur s fuzi r usa de s aze cap m era s ano ric ame ios índ os e nos ica maciças. Os afr e as onh cor tar ser con de te men nal sio oca e s ore rad ati s mio exí nar peus, de se tor nde gra em as arm ir duz pro de zes apa inc m era o, ant ent No . dos bra que canos de enou s ado hor mel s elo mod uir str con de da ain os men e o, tant se e, dad nti qua contrar na literatura escrita os princípios abstratos de balísticas e munições para levar a cabo uma pesquisa avançada.
da ta tra abs ão teç pro a mas , ana hum ca sti erí act car uma é Comprar e vender com a e s nto ime est inv e s juro dos o açã liz ona uci tit ins a a, vad pri propriedade de merda ven a que do s mai é mo lis ita cap O são. o não os cad mer preensão dos cadorias, mais do que a existência do dinheiro, e mais do que a presença do bazar. Ele é, sim, uma prática ocidental peculiar que reconhece o interesse pessoal do homem e canaliza essa cupidez para a produção de grandes quantidades
instituias ant gar de e es livr os cad mer de o mei por iços serv e as ori de mercad e de cionalizadas de lucro pessoal, de livre intercâmbio, de capital depositado
propriedade privada.
assinos poGuerreiros não são necessariamente soldados. Os dois tipos de ass
mas soldados disciplinados valorizam mais o grupo do que o herói isolado e podem ser ensinados a marchar em ordem, apunhalar, golpear
dem ser corajosos,
631
ing ma
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Por que o Ocidente venceu
ou atirar em conjunto e sob comando, e a avançar e recuar em uníssono —. algo
impossível mesmo para os mais bravos astecas, zulus ou persas. Todo exército possui homens de audácia, mas poucos incentivam a iniciativ a em Suas fileiras, e acolhem com satisfação as inovações, em vez de temê-las, tamanha sua preocupação de que um exército de soldados de pensamento independente na guerra se revele o mesmo que cidadãos em tempos de paz. Disputas entre soldados
e discordâncias em um pequeno grupo de generais — sej am capitães de Hitler
ou senhores astecas — são traços universais das forças armadas. Mas a institu-
cionalização da crítica nas forças armadas — a subserviênci a dos soldados a líderes políticos, a existência de tribunais, de códigos uni formes de disciplina sujeitos a revisão, apelo e ratificação — é desconhecida fora do Ocidente.
A liberdade entre os cidadãos de criticar guerras e guerreir os de maneira aberta e exagerada não tem linhagem fora da tradição européia.
A continuidade
da letalidade
ocidental
E quanto ao presente e ao futuro? Será que essa herança letal da guerra oci-
dental vai — e deve — continuar? Em uma série de guerras de fron teira durante os anos 1947-48, 1956, 1967, 1973 e 1982, a pequena nação de Israel combat eu
e derrotou de forma decisiva uma coalizão frouxa de seus vizinhos árabes, supridos com armas sofisticadas pela União Soviética, pela China e pela França. Du-
rante essas décadas, a população de Israel nunca ultrapassou os cinco milhões
de habitantes, enquanto a dos antagonistas ao seu redor — que em épocas diversas incluíram a Síria, o Egito, o Líbano, a Jordânia, o Iraque e os esta dos
do Golfo — era bem superior a cem milhões. Apesar de ter fronteiras pratica mente indefensáveis e uma pequena população de base, e de ser muitas vezes surpreendido, o exército israelense em desvantagem numérica — ele próprio a
criação de uma brilhante geração de emigrantes europeus — mobilizou constantemente exércitos mais bem organizados, mais bem supridos e mais discipli-
nados de soldados maravilhosamente treinados e ind ividualistas. A própria
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Fast
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rlibe e es livr es içõ ele es, livr os cad mer de ca áti ocr dem ade ied soc Israel era uma
dade de expressão. Seus inimigos simplesmente não eram.
Em menos de três meses — de 2 de abril a 14 de junho de 1982 —, uma força expedicionária britânica atravessou cerca de treze mil quilômetros de mares re-
voltos e expulsou um exército argentino entrincheirado nas Malvinas, que tinha o apoio fácil dos navios e aviões do litoral patagônio a apenas 322 quilômetros de distância. Ao custo de cerca de 255 vidas britânicas — em sua maioria marinheiros mortos em ataques de mísseis a cruzadores da Marinha Real —, o governo de Margaret Thatcher reconquistou as pequenas ilhas do Atlântico Sul com pouco custo, apesar de enormes problemas logísticos, das excelentes armas
importadas de seu adversário e da completa surpresa da invasão argentina inicial. Mais uma vez, a sociedade democrática e capitalista do Reino Unido enviou combatentes mais bem treinados e mais disciplinados para essa estranha guerrinha, soldados muito diferentes dos mobilizados pela ditadura argentina.
No dia 17 de janeiro de 1991, uma coalizão de aliados americanos derrotou o exército veterano do Iraque — 1,2 milhão de soldados em terra, 3.850 peças
de artilharia, 5.800 tanques, 5.100 outros veículos blindados — em quatro dias, com uma perda de menos de 150 servidores e servidoras americanos, a maioria dos quais foi morta por ataques de mísseis, fogo aliado ou outros acidentes. As forças armadas de Saddam Hussein, assim como as da Argentina, haviam com-
prado excelente equipamento. Muitos de seus soldados eram veteranos experentes de uma guerra brutal contra o Irã. Estavam entrincheirados em sua terra
natal, ou próximo a ela. Sua invasão anterior do Kuwait, assim como a tomada das Malvinas e a Guerra do Yom Kippur, fora uma completa surpresa. O exérci-
to iraquiano podia ser facilmente suprido por rodovias de Bagdá.
Os soldados iraquianos não eram apenas maldisciplinados e mal-organizados. Nenhum deles era um indivíduo livre, em qualquer sentido do termo. A Guar-
da Republicana se revelou mais ou menos tão eficaz contra os ocidentais quando os Imortais de Xerxes. Nenhum dos soldados incinerados por jatos america-
nos votara para invadir o Kuwait ou combater os Estados Unidos. Os próprios
t. ' +.
a N
Por que 0 Oerdente venceu
planos militares de Saddam estavam agora sujeitos a revisão: sua economia era uma extensão de um negócio familiar interno. Seu material militar de gás ve. nenoso a tanques e minas — era todo importado. Qualquer jornalis ta iraquiano que questionasse a sensatez de invadir o Kuwait tinha probabil idades de termi.
nar como Pítio, o Lídio, na véspera da invasão da Grécia por Xerxes. As forças
armadas iraquianas — elas próprias sem capacidade de invadir a Europa ou os
Estados Unidos — foram praticamente aniquiladas não muito longe dos cam.
pos de batalha de Cunaxa e Gaugamela, onde os Dez Mil de Xenofonte e Ale-
xandre, o Grande, também haviam derrotado exércitos indí genas asiáticos im. periais tantos anos antes.
Uma análise da maioria das outras guerras recentes sugere que até mesmo a
importação direta de tanques, aviões e armas ocidentais, ou a adoção mento projetado pelo Ocidente vindo de outras fontes nem sempre sucesso do Outro. O fato de os oficiais árabes e argentinos terem sido no estrangeiro pouco significava. Tampouco tinha muita importância
de armagarante o
treinados o fato de
seus exércitos serem organizados e moldados com base nos da Europa. Israel, a Grã-Bretanha e os Estados Unidos, e seus principais parceiros europeus na
Guerra do Golfo, muitas vezes apesar de uma logística difícil, encontraram vitória de maneira relativamente fácil, depois de combates curtos e violentos, graças a uma combinação de práticas comuns unicamente à Europa durante os
últimos 2.500 anos de guerra ocidental.
Muito simplesmente, as forças armadas israelenses, britânicas e americanas compartilhavam uma abordagem cultural comum da guerra — uma tradi ção holística que transcendia morteiros e jatos, e uma tradição muito diferente da
de seus respectivos e algumas vezes corajosos adversários. Nada do que ocorreu
nas últimas décadas do século XX sugere um fim da dominância militar ociden-
tal, e muito menos da guerra em si. Se os Estados Unidos houvessem utilizado
todo seu arsenal de poder militar brutal e combatido sem restrições políticas, à
guerra no Vietnã teria terminado em um ano ou dois e podia muito bem ter sido
semelhante ao desfecho assimétrico da Guerra do Golf o.
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o futuro: a par s ei áv ov pr res ita mil os ri ná ce s trê os id Geralmente são discut nenhuma
guerra, guerras ocasionais ou uma
única guerra, que poria fim ao
. são cus dis ta mui sem ia tas fan ra mei pri a tar car des s emo pod que mundo. Penso A guerra, como nos ensinam os gregos, parece inata à espécie humana, nosso
“pai de rodos”, como diz Heráclito. Tanto os idealistas de esquerda quanto os os urn sot s ano eli heg ou nos tia kan tas pis uto eles am sej — a eit dir de pessimistas rgue da fim um am vir pre es vez s uma alg — ia tór his da fim preocupados com O
s smo ani org de de égi a sob bal glo paz a vam era esp ros mei pri ra civilizada. Os e das Uni ões Naç as pel s ado arn enc nte eme ent rec s mai judiciais internacionais,
pelo Tribunal Mundial; os últimos lamentavam uma atrofia global crescente
da como resultado de uma uniformidade deprimente do capitalismo mundial e democracia de direito, sob a qual os cidadãos não heróicos e irritados do planeta não se arriscariam a nada que possa ameaçar seu conforto. No entanto, uma administração Clinton ( 1992-2000) muitas vezes idea
lista e de autoproclamado pacifismo mobilizou as forças armadas america-
nas para mais movimentações estrangeiras do que qualquer presidente do século XX. As guerras contemporâneas não são apenas frequentes, mas muitas vezes brutais de uma maneira inimaginável no século XIX. Os holocaustos de Ruanda e dos Bálcãs foram banhos de sangue tribais do tipo pré-
civilizado, em sua maioria imunes a pressões e denúncias internacionais. A Guerra do Golfo de 1991 recorreu ao poder dos Estados Unidos até a reserva de sua Guarda Nacional, um estado de mobilização raramente atingido
mesmo durante as piores crises da Guerra Fria. Uma porcentagem não
insignificante do suprimento mundial de petróleo foi, durante algum tem-
po, embargada, queimada ou ameaçada no mar. Belgrado foi bombardeada
e o Danúbio bloqueado; e houve assassinatos em massa desenfreados dutante seis anos na Bósnia e no Kosovo, a apenas horas de Roma, Atenas e
Berlim. Ao que parece, nações, clãs e tribos continuarão a lutar apesar de ameaças e sanções internacionais e das lições da história, a despeito da intervenção da única superpotência mundial, não obstante o absurdo econô635
a” =
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E
Por que o Ocidente venceu
mico inerente à aritmética militar moderna. A conduta de uma guerra pod ser racional, mas geralmente suas origens não o são.
Do mesmo modo, apesar de uma uniformidade crescente nas forças armadas mundiais — suas armas automáticas, suas cadeias de comando e a aparência de
seus uniformes estão se tornando profundamente ocidentais —, há pou ca esperança de uma nova cultura global ter inaugurado uma época de paz perpétua Esses consumidores de diferentes raças, religiões, línguas e nações, todos ai do Adidas, comprando programas de computador da Microsoft e bebendo Coca-Cola são tão propensos a se matar uns aos outros quanto antes — e em
seguida assistir à reprise do seriado Gilligans's Island [A ilha dos birutas] no canal internacional de televisão.
Intelectuais talentosos com visão e personalidade, produtos dess a nova cul.
tura intelectual ocidentalizada, só podiam suspirar quando , durante a primavera de 1982, nos mares isolados e bravios do Atlântico sul, marinh eiros britânicos
explodiam argentinos e vice-versa. Jorge Luis Borges, o argentino de educação européia vencedor do prêmio Nobel, comentou a respeito das questões ridículas em jogo na Guerra das Malvinas que as duas nações civilizadas eram “como dois carecas lutando por um pente”. Mas elas lutaram, e nenhuma se parecia com os
“homens sem peito” de Nietzsche que poderiam pensar que alguns milhares de colinas ventosas de poeira no meio do nada não valiam uma interrupção de seus
jogos de futebol de domingo na televisão. Tucídides, que alegava escrever história como “um bem para todo o sempre”, nos lembra que os estados lutam por “medo, interesse próprio e honra” — nem sempre por razão, necessidade
ar ou sobrevivência. Mesmo nesta época de decadência, apesar das previsões sombrias de Platão, Hegel, Nietzsche e Spengler, a honra ainda existe €, assim penso, ainda vai fazer pessoas morrerem por algum tempo no futuro.
E verdade que alguns dos ingredientes-chave da guerra ocidental tradício nal parecem quase desaparecidos. Os exércitos mercen ários nos Estados Uni-
mente profissionais, mas abrigos para os desfavorecid os pela sociedade que
636
”
Victor
procuram
Davis
Hanson
sua única oportunidade econômica no serviço militar, conscientes
Je que pessoas de uma classe social muito diferente vão determinar onde, quando e como eles vão lutar e morrer. Hoje,
menos americanos —
tanto sol-
dados quanto civis — votam do que em qualquer outra época. A maioria deles não tem noção alguma da natureza de suas próprias forças armadas ou de sua relação histórica com seu governo e com seus cidadãos. A ascensão de
um enorme governo federal e de corporações globais reduziu o número de americanos que trabalham como indivíduos autônomos, seja como agricul-
tores familiares, pequenos empresários ou proprietários de lojas de bairro. Para muitos, liberdade significa ausência de responsabilidade, enquanto a cultura
do shopping center, do vídeo e da internet parece gerar uniformidade e complacência, em vez de racionalismo, individualismo e iniciativa. Será, então,
que o Ocidente sempre vai ter pessoas do tipo das que lutaram em Midway,
ou dos cidadãos que remaram por sua liberdade em Salamina, ou dos jovens que correram para reformar sua legião desfalcada depois de Canas? Os pessimistas vêem nos adolescentes letárgicos dos subúrbios americanos ricos as sementes da decadência. Mas não tenho tanta certeza de termos chega-
do ao fundo do poço. Enquanto a Europa e os Estados Unidos continuarem aderindo às estruturas do governo constitucional, do capitalismo, da liberdade de associação religiosa e política, da liberdade de expressão e da tolerância intelectual, a história nos ensina que os ocidentais, em caso de necessidade, ainda po-
dem mobilizar soldados corajosos, disciplinados e bem-equipados que matarão
como nenhum outro no planeta. Penso que nossas instituições, se não erodirem completamente e se não forem derrubadas, podem sobreviver a períodos de
decadência causada por nosso sucesso material, épocas em que toda a noção crítica de militarismo cívico parece prejudicial ao aproveitamento do excesso mate-
rial, e a um tempo em que a liberdade de expressão é usada para focalizar nossas próprias
imperfeições,
sem
se preocupar
com
a natureza
medonha
de
nossos
inimigos. Nem todos os elementos da abordagem ocidental da guerra sempre estiveram presentes da Europa. As emanações do republicanismo romano man-
Por
que
o
Ocidente
PeEHCOU
tiveram o império vivo muito depois do ideal de um cidadão soldado ter às vezes cedido o lugar a um exército de mercenários. Tampouco o segundo cenário é provável, o de uma guerra total causada por uns Estados Unidos, uma Europa, uma Rússia ou uma China nucleares, ou por um mundo islâmico guerreiro que incineraria o planeta. Dois inimigos colossais — a União Soviética e os Estados Unidos — não empregaram seus imensos arsenais nucleares durante os cerca de cinquenta anos da Guer ra Fria. Não há razão
para pensar que nenhum deles esteja mais belicoso, e não menos, depois da queda
do comunismo. Seu legado para os outros é a contenção nuclear, não sua impru dência. Os arsenais estratégicos, tanto nucleares quanto biológicos, estão diminuindo, não crescendo. Se a história do conflito militar puder servir de guia, também não há por que acreditar que a posse de armas nucleares sempre será sinônimo de uma destruição mútua garantida. Sistemas defensivos no cosm os já estão prestes a ser desenvolvidos. A capacidade de desferir golpes é uma lei da história militar, embora tenha ficado esquecida no último meio século, durante a
ameaça de um apocalipse nuclear. A balança tende mais uma vez para a defensiva, com vastas somas sendo empregadas na proteção antimísseis, na resistência à
revolta e mesmo em armaduras corporais para desviar balas, estilhaços e chamas.
Neste novo século, qualquer nação que ameace usar a bomba atômica sabe
que estará diante de duas alternativas desagradáveis: uma represália maciça na mesma moeda, e logo a possibilidade de que seu uso seja desviado ou destruído
antes de ferir o adversário. Prudência, e não prodigalidade, no uso de armas nucleares continua a ser o protocolo nas guerras quentes e frias. A peste, O gás asfixiante e novos vírus ainda não imaginados nos matarão à todos no futuro, é o que nos dizem. Mas os historiadores militares responderão que as forças de vigi
lância, as intensas defesas de fronteira, as tecnologias de prevenção e vacinação
e os serviços de contra-espionagem também nunca ficam estáticos. O espectro da repressão vem de um fenômeno humano, não culturalmente específico, nã medida em que todas as nações — até mesmo as democracias — correm riscos para proteger seus interesses próprios. Um estado renegado que patroc ine um 638
Victor
Davis
Hanson
terrorista biológico em Manhattan ainda assim está consciente de que a continuação de sua própria existência é medida por pouco mais do que os quinze mi-
, il ss mí um de ia ór et aj tr da s nuto
Se estamos fadados a não ter nem a paz perpétua nem uma única conflagração para pôr fim à espécie, a terceira opção, a de guerras convencionais aleatórias e ainda mais mortais (mais homens e mulheres morreram em combate desde a
Segunda Guerra Mundial do que os que sucumbiram naquele conflito), parece ser uma certeza nos anos que virão. Nós, do Ocidente, ainda trememos ao lem-
brar da carnificina da Segunda Guerra Mundial em grande parte porque ela tirou as vidas de tantos ocidentais. Esquecemo-nos de que muitos mais coreanos, chineses, africanos, indianos e asiáticos do sudeste morreram em guerras tribais em
sua maioria esquecidas, nas mãos de seus próprios governos e durante conflitos
localizados da Guerra Fria no meio século depois do fim da Alemanha de Hitler. Nesse aspecto, o futuro da guerra ocidental parece de algum modo mais perturbador, já que tantas pessoas morreram desde 1945 devido à difusão das armas e táticas ocidentais para fora do Ocidente. A preocupação mais óbvia é a expansão contínua de noções ocidentais de disciplina militar, tecnologia, batalha deci-
siva e capitalismo sem o berço de liberdade, militarismo cívico, auditoria civil e
discordância que as acompanha. As autocracias semi-ocidentais no horizonte — uma China, Coréia ou Irã nucleares — logo podem, por meio da compra ou da promoção de uma elite científica e militar treinada no ocidente, adquirir a capa-
cidade de praticamente se igualar à pesquisa e desenvolvimento de armamento e organização da Europa e dos Estados Unidos sem a simples importação ou ven-
da — e sem nenhuma noção de afinidade em relação a seus mentores originais, mas sim uma abjeta hostilidade. Tão mortal quanto sistemas de direcionamento
por satélite na China é uma cadeia de comando chinesa cuja flexibilidade e iniciativa sejam moldadas nas da Europa e dos Estados Unidos, ou uma indústria de munições privada em vez de estatal.
Nesses novos conflitos pontuais que virão, o não-Ocidente será capaz de importar as armas € a organização e doutrina militares ocidentais e separá-las de seu
639 639
= =. =
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N
Por que o Ocidente venceu
berço histórico? Com uma elite científica, uma China, um Irã, um Vietnã ou ri Paquistão capitalistas podem realmente, por qualquer período duradouro, equi. par e organizar um exército sofisticado, superior a quaisquer forças armadas oci. dentais, sem cidadãos livres, individualismo na hierarquia de comando, auditorias
constantes e fiscalização de sua estratégia e táticas? Ou esses futuros antagonistas simplesmente colheriam o fruto do Ocidente, que logo murcha sem as profundas
raízes da tolerância intelectual, religiosa e política? Será que eles apenas vencerão
batalhas ocasionais, mas não guerras, ou talvez nos ameacem sempre com o és: pectro de meia dúzia de mísseis de ponta nucleares sobre Los Angeles?
Um comando militar pode roubar segredos diariamente pela internet mas, se não puder discutir essas idéias abertamente com sua liderança civil e militar, então não há garantia de que essa informação será aplicada da melhor maneira para
assegurar uma paridade com o Ocidente. Mesmo que nossos adversários atuais adotassem um governo consensual, a liberdade de expressão e economias de mercado, será que então realmente continuariam a ser nossos adversários? Será que a adoção da cultura ocidental gradualmente sufocaria séculos de hostilidade
religiosa, étnica, cultural e racial em relação ao próprio Ocidente? Talvez sim, talvez não. Mas essa não é a única questão relevante, pois não há garantia agora, nem tampouco houve no passado, de que o próprio Ocidente seja monolítico,
sempre estável ou não vulnerável a voltar seu enorme arsenal contra si próprio. É menos provável que estados que se tornem inteiramente ocidentais ataquem
o Ocidente tradicional, mas não menos provável o bastante para garantir que eles
nunca atacarão o Ocidente tradicional — e uns aos outros. Ao longo da história, o horror da guerra organizada não foi representado pelos constantes conflitos fora da Europa entre sociedades tribais, nem mesmo entre o Ocidente e o Outro, mas sim pelas explosões muito mais mortais dentro da Europa entre ocidentais. Parece me que, quanto mais o mundo se torna uniformemente ocidental, maior o cam po de batalha europeizado se tornará. Assim, deveríamos tomar nota de outra verdade geral que se desprende destes estudos. Geralmente, a história dos ocidentais combatendo uns aos outros é umê
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Es
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o de eçã exc m Co . dos Uni s ado Est dos e opa Eur da a for narrativa de batalhas Xer— pa ro Eu da ria ife per na ca âmi isl e na ica afr momentos de intrusão asiática,
ves, Aníbal, os mongóis, mouros e otomanos —, o núcleo da cultura ocidental em '
izonte sugehor no a Nad . ano Rom o éri Imp do da que a de des igo per e corr não «i
dos ou opa Eur da tro den es ant ort imp s rra gue ão var tra is nta ide -oc não OS re que lresu o foi ela te, den Oci do rior inte o u olo ass a alh bat a ndo Qua Estados Unidos. Não s. tai den oci ias ênc pot e entr nia emo heg pela s luta de ou tado da guerra civil século do que vejo razão para que tal cenário não seja mais provável no próximo
. tal den oci gma adi par do fora de o lad do ão est que es uel daq mvasões e ataques
Ocidente
contra
Ocidente
stali capi a, aci ocr dem de as had til par com as idéi de l dia mun ão ans exp a Com mo, liberdade de expressão, individualismo e de uma economia globalmente conectada, pode ser que as guerras de abrangência mundial sejam menos prováveis. No entanto, também será verdade que, quando as guerras estourarem, elas serão muito mais letais e utilizarão todos os recursos de uma tradição militar mortal.
Hoje temos vislumbres disso — conflitos tribais em que armas ocidentais hor-
rendas são usadas por pessoas que não têm idéia de como criá-las. No entanto, o perigo futuro não é apenas a expansão de armas atômicas e de
jatos de caça F-16, mas muito mais a disseminação do conhecimento, do racionalismo, da criação de universidades livres e talvez até o crescimento da democracia, do capitalismo e do individualismo através do mundo — os ingredientes
reais, como vimos nestes estudos de caso, de um tipo mais mortífero de batalha. A maioria das pessoas vê no avanço do racionalismo, do capitalismo, da democracia e de seus valores subsidiários as sementes de paz e prosperidade perpé-
tuas. Talvez, mas devemos nos lembrar de que essas idéias também são as bases que criaram as armas mais mortais do mundo no passado. A grande ameaça para O futuro, como sempre foi o caso no passado, não é o declínio moral do Ocidente, nem a ameaça do Outro hoje recoberto pelo verniz
E e 641
4
Por que o Ocidente venceu
de armas sofisticadas, mas sim o antigo espectro de uma horrenda guerra dentro
do próprio Ocidente, da antiga Europa e dos Estados Unidos, com todos os seus recursos de dinamismo econômico, militar e político ocidental. Em um só dia Gettysburg matou mais americanos do que todas as guerras indígenas do século XIX. Uma pequena força bôer matou mais soldados britânicos em seis dias do
que os zulus em um ano. À maioria das crises que castigaram o mundo durante
o século XX veio das duas guerras mundiais da Europa — o status da Alemanha, a divisão e a unificação da Europa, a ascensão e a queda do Império Russo, a
expansão do comunismo depois da derrota do fascismo, a confusão nos Bálcãs e
a entrada dos Estados Unidos nas questões mundiais.
Muitos aceitaram o truísmo de que democracias não lutam contra outras
democracias. As estatísticas parecem confirmar essa crença animadora. No entanto, no contexto ocidental, dada a letalidade das armas ocidentais, há
pouca margem de erro, já que mesmo uma única guerra européia intramuros pode ter como consequência o massacre e o caos cultural. Na verdade, os governos consensuais combateram com frequência outros governos consensuais ocidentais. Atenas arruinou sua cultura ao invadir a democrática Sicília (415
aC.). À democrática Beócia combateu a Atenas democrática em Mantinéia
(362 a.C.). À Roma republicana pôs fim aos estados confederados aqueus da Grécia e arrasou Corinto (146 a.C.). As repúblicas italianas do Renascimento
estavam constantemente brigando umas com as outras. A França revolucio-
nária e a Inglaterra parlamentar eram inimigas mortais; os Estados Unidos democráticos lutaram duas vezes contra o governo consensual da Grã-Bretanha.
Havia um presidente e um senado unionista e outro confederado. Os bôeres e britânicos na África do Sul tinham representantes eleitos diferentes. Ambos os primeiros-ministros eleitos da Índia e do Paquistão ameaçaram um ao outro ocasionalmente. A presença de um parlamento palestino não trouxe paz 30
Oriente Médio; e não há nenhuma garantia de que, caso sua autonomia cres* ça, esse órgão eleito esteja menos propenso do que Yasser Arafat a combater
Israel. Também havia um tipo de parlamento sob o kaiser Hitler subiu 20 642
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Davis
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pela primeira vez por eleições, não por golpe. A entrada da Rússia na amentar. Chechênia recebeu aprovação parl poder
É mais provável que as democracias não façam guerra umas com as outras; e nt ue eq bs su to fli con do os lad os s bo am —, m era fiz e mas quando fazem — apóiam-se no cardápio completo e terrível da própria guerra ocidental. Para cada
Nícias, pode haver um equivalente democrático Hermócrates de Siracusa; para ; nte cie efi sa ove gen a doc uma , ano ezi ven l ena Ars do em tag mon cada linha de cada para Lee; um er hav bem to mui e pod nt, Gra o dad sol o adã cid para cada a tist cien o nad rei nte ame alt e o ric ênt exc cada para ; Colt um , osa enh eng Mauser den tal den oci civil ra guer A res. rada dos o ânic brit io gên um , mão ale de foguetes
tão nto eve um nte ame ari ess nec será não dos Uni s ado Est dos ou opa Eur tro da de na Chi na idas perd as que do s vida mais r tira de fato les simp pelo fico stró cata Mao ou durante os cingienta anos de banho de sangue na África — embora tais conflitos possam muito bem ultrapassar esses totais. Pelo contrário, O fratricídio
ocidental, como foi o caso no passado, ameaça toda uma civilização que, para O bem ou para o mal, deu ao mundo seu padrão de vida atual e é a fonte de sua industrialização, de seu avanço tecnológico, de sua cultura popular e dos mode-
los de sua organização política. Deveríamos ficar apreensivos por revoltas fundamentais surgirem mais uma vez na Europa, mais ainda do que em qualquer época depois dos anos 19350. O crescimento da influência de uma Alemanha unificada mal começou. O es-
pectro de um estado pan-europeu enfatiza a posição cada vez mais ambígua da Grã-Bretanha e parece criar unidade entre seus membros por meio de um anta-
gonismo e de uma inveja coletiva em relação aos Estados Unidos. A insegurança da Europa do leste faz parte de um dilema mais amplo diante de uma Rússia nem
européia nem asiática. O orgulho e os temores do Japão ocidentalizado permanecem — acentuados pela ascensão de uma China capitalista e pela imprevisibilidade das duas Coréias, que elas próprias prometem uma nova identidade
nacionalista unificada, talvez abastecida pelo capitalismo sul-coreano e pelas armas
nucleares norte-coreanas.
a
À ressurgência
do isolacionismo
nos Estados
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X
Por que o Ocidente venceu
Unidos cresce em um momento em que sua própria intervenção alcança
ma
pico histórico e, no entanto, o apoio a ela está em baixa. Waterloo, a batalh do Somme, Verdun, Dresden e a Normandia parecem os fantasmas mais mor. tais capazes de assombrar o mundo no futuro. Não estou tão preocupado com guerras constantes no futuro milênio entre o Ocidente e o não-Ocidente — por exemplo, novos focos de conflito no Oriente Médio e adjacências, ou insurreições assassinas na África e na América do Sul — se tais teatros, apesar dos armamentos mortais, permanecerem fora da tra-
dição ocidental e adotarem abordagens indígenas diferentes do combate. Pelo
contrário, se a história puder servir de guia para o futuro, o verdadeiro risco para O progresso e a civilização mundial não surgiu sempre quando um exército Oci-
dental voltou seu arsenal mortal contra si próprio? Se assim for, rezemos por mais
meio século de aberrante paz européia e americana, por mais algumas décadas de
um raro comportamento ocidental tão paradoxal em relação a seu próprio passado. Lembremo-nos também que, quanto mais ocidental o mundo se tornar, mais provável será que todas as suas guerras sejam cada vez mais ocidentais em sua natureza e, assim, ainda mais mortais. Todos podemos muitos bem ser
ocidentais no próximo milênio, e isso poderia de fato ser algo muito perigoso. À cultura não é uma simples construção mas, quando se trata de guerra, uma
realidade muito mortífera que com frequência determina a vida ou a morte de milhares de rapazes e moças em sua maioria inocentes. A civilização ocidental deu à humanidade o único sistema econômico que
funciona, uma tradição racionalista que por si só nos permite ter progresso mate-
rial e tecnológico, a única estrutura política que garante a liberdade do indivíduo, um sistema de ética e uma religião que trazem à tona o melhor da huma-
nidade — e a prática de armas mais letal possível. Esperemos pelo menos poder
entender esse legado. Trata-se de uma herança pesada e algumas vezes amea-
çadora que não devemos negar nem da qual devemos sentir vergonha — deve mos, isso sim, insistir para que nossa maneira mortal de guerrear sirva para fazer avançar, e não para enterrar, nossa civilização. 644
Glossário
anabase: Palavra grega que significa “marchar terra acima”; também é o título de obras dos historiadores Xenofonte e Arriano, que escreveram crônicas sobre as marchas Ásia adentro dos Dez Mil e de Alexandre, o Grande, respectivamente.
Aquemênidas: A casa real governante no Império Persa entre 557 e 323 a.C.
arcabuz: Antigo mosquete com trava de mecha, que geralmente precisava do apoio de um barril para sustentar seu grande peso. ARVN: Exército da República do Vietnã — as forças armadas do governo sul-vietnamita.
assegai: A lança curta zulu, equipada com uma grande ponta de metal e usada para
apunhalar em vez de para lançar. astecas: Povo que vivia em Aztlán (“lugar branco das garças”), localizado em volta de Tenochtitlán: usado como sinônimo do termo mais genérico “méxicas”, os residentes »
do império asteca no México central.
Ática: O interior e o território cívico ao redor da cidade de Atenas. bizantinos: De modo geral, a civilização do Império Romano do Oriente que desen-
volveu gradualmente uma cultura exclusivamente grega depois da fundação de Cons-
tantinopla, em 330 d.C.: os bizantinos mantiveram vivas as tradições do Império Ro-
mano em um contexto grego durante mil anos, até sua destruição em 1453.
= m
Por que o Ocidente venceu
bôers: Colonizadores europeus na Africa do Sul, originalmente de descen dênc holandesa. boule: Em geral, o corpo superior do poder legislativo na maioria das cidades-estado Bregas
Bushido: “O caminho do guerreiro” — o chamado código dos samurais, um amálea ma de valores defendidos pelos militares japoneses logo antes da Segunda Guerra Mundial, que continha elementos do zen-budismo, do feu dalismo japonês e do fas. cismo dos anos 30.
caudilho: Palavra de origem espanhola que significa “líder”: muitas vezes usada no
contexto do Caribe e do México do século XVI onde, durante uma ou duas gerações os conquistadores e governantes espanhóis exerceram um pod er quase absoluto.
Cavalaria dos Companheiros: A cavalaria pesada composta por veteranos que protegia os flancos do exército de Alexandre, o Grande, e servia como a aristocracia da sociedade macedônia. centuriões: Os principais oficiais profissionais da legião romana, cada um responsável por uma centúria de cerca de cem soldados. Com as reformas do início da República, restaram sessenta centuriões por legião, mas seis eram lotados em cada uma das dez coortes, as novas unidades táticas principais do exército romano. cônsules: Os dois oficiais executivos da república romana, eleitos anualmente, encarregados da execução dos decretos do senado e da liderança dos grandes exércitos nas batalhas.
Cruz Vitória: A maior condecoração por bravura medalha de bronze na forma de uma cruz de Malta.
do exército britânico —
uma
devshirme: Inspeção otomana das províncias cristãs conquistadas a cada quatro anos, para selecionar jovens cristãos adequados para a con versão forçada ao Islã e a poste-
rior entrada para o serviço público otomano.
Dez Mil: Mercenários gregos contratados por Ciro, o Jovem, em 401 a.C. para auxi liar seu exército persa em sua luta para conquistar a coroa da Pérsia. DMZ: a zona desmilitarizada, fronteira oficial entre o Vietnã do Norte e o Vietnã do Sul estabelecida pelos acordos de paz de 1954; supostamente imune a operações militares de ambos os lados; na verdade, foi o cenário dos c bates mais violentos om
durante a Guerra do Vietnã. 646
i
á Victor
Davis
Hanson
na maioria das cidadesvoto de direito com os cidadã os todos de léia Assemb ssia: ekkl estado gregas.
ítica. eleutheria: A antiga palavra grega para liberdade pol istia em cons que s ado arm e ent tem for tas ngis fala ou itas hopl de ão maç falange: For
ofundidade. pr de ns me ho eis ess dez a o oit m co s ro ei nc la colunas de
na falangistas: Oficiais de infantaria macedônios armados com píques que lutavam
falange da era helenística.
galé: Grande barco a remos com uma só vela, com lados particularmente baixos, usado como navio de guerra no Mediterrâneo dos tempos romanos ao final do século XVI. galeaça: Grande galé híbrida com três velas, lados altos e muitos canhões; usada ocasionalmente como navio de guerra no Mediterrâneo durante os séculos XVI e XVII galeão: Grande veleiro com várias velas e três ou quatro conveses, usado tanto para o comércio quanto para a guerra em alto-mar entre os séculos XV e XVII
galeota: Galé pequena e rápida, geralmente com duas velas e movida tanto a remo quanto a vento.
gládio: A espada romana curta dos legionários, com cerca de cinco centímetros de largura e sessenta centímetros de comprimento, usada tanto para cortar quanto para
apunhalar; pensa-se que o gládio seja uma adaptação de uma antiga arma espanhola. Guerras Púnicas: Três guerras (264-241 a.C.; 218-201 a.C.; 149-146 a.C.) travadas entre Roma e Cartago, que acabaram levando à destruição da própria Cartago. helênico: Literalmente “grego”; em geral usado para descrever o período da história grega entre 700 e 323 a.€. helenístico: Era da história mediterrânea oriental entre a morte de Alexandre, o
Grande (323 a.C.), e a vitória romana na batalha de Áctio (31 a.C.)
hidalgos: Pequena nobreza espanhola empobrecida, composta em sua maioria por castelhanos, andaluzes e extremenos, que foram para o Novo Mundo como conquistadores atrás de fortuna, celebridade e um status social revigorado.
hipaspistas: “Carregadores de escudo”, oficiais de infantaria do exército macedônio com grande escudos e lanças curtas, que faziam uma defesa flexível entre a Cavalaria dos Companheiros e à falange propriamente dita.
"a,
Por que o Ocidente venceu
hoplita: Oficial de infantaria pesada do exército grego, que lutava com armadura um grande escudo e uma lança em formação de massa. O termo referia-se origi.
nalmente à classe agrária das cidades-estado gregas, capaz de adquirir o equipa.
mento necessário, mas acabou sendo usado para se referir a qualquer soldado que
lutasse na falange.
Idade das Trevas: Termo cronológico usado para se refe rir ao período entre o ano 500
e o ano 1000 na Europa ocidental, durante o qual o colapso das instituições após a
queda do Império Romano levou a uma escassez de informações sobre os quinhentos anos subseguentes de história européia.
Idade Média: Termo cronológico que descreve, de mod o geral, cerca de mil anos de história européia, entre o colapso de Roma (por volta de 450 d.C.) e o início do Renascimento (por volta de 1450); usado com mais frequênci a em associação com a
Europa Ocidental.
Imortais: Oficiais de infantaria seletos que formavam a guarda impe rial do império aquemênida e cujos números permaneciam constantes em dez mil. impi: Termo genérico para o exército zulu reunido, mas mais normalmente
mento zulu individual.
um regi-
jihad: Guerra religiosa de muçulmanos contra aqueles considerados inimigos do Isla. kraal: Pequeno povoado zulu cercado por uma paliçada tosca; também usado para designar abrigo de gado e, em um sentido mais genéri co, um lar zulu.
laager: Acampamento de africâneres, geralmente cercado por vagões interl igados.
legionários: Soldados de infantaria romanos, entre 300 a.C. e 500 d.C. , equipados com um dardo (pilum), uma espada curta (gladius) e um grande escudo oblongo (scutum), que lutavam em uma legião de cerca de seis mil homens.
MACV: Military Assistance Command Vietnam, Comando de Assistência Militar do Vietnã — o título da presença militar americana no Vietnã do Sul. Malinche: Nome indígena de Cortés, derivado do asteca mainulli ou Malinali (o décimo segundo mês do calendário mexicano); originalm ente era o nome de Dofia Marina, a companheira e tradutora de Cortés, passando em seguida, por associação; a ser usado para designar o próprio Cortés.
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mamelucos: Casta servil de guerreiros que acabou por dominar o Egito dos séculos xIII ao XVI
manopla: Unidade do exército romano que em sua força total contava com cerca de 200 legionários; trinta manoplas formavam uma legião de seis mil soldados. Durante a maior parte da república inicial, as manoplas eram as principais unidades táticas do exército.
medieval: Adjetivo usado para se referir à cultura da Idade Média, do latim medius (“meio”) + aevum (“idade”).
meteca: Um residente estrangeiro em uma cidade-estado grega; mais numerosos em Atenas. metralha: Aglomerados de pequenas bolas de ferro lançadas de canhões como projéteis antipessoais.
metralhadora Gatling: Metralhadora primitiva que atingia altas taxas de tiros pela rotação de canos em torno de um eixo central movido a manivela. Natal: Colônia britânica no sudoeste da Africa, localizada imediatamente ao sul e a
oeste da Zululândia, com capital em Durban. ocidental: Adjetivo genérico referente à civilização européia que se desenvolveu na Grécia e a oeste da Grécia, e defendia valores primordiais que deram origem à antigúidade clássica, entre os quais o governo constitucional, as liberdades civis, o livre intercâmbio de idéias, a autocrítica, a propriedade privada, o capitalismo e a separação
entre pensamento religioso e pensamento político/científico. pan-helênico: Literalmente “todos os gregos”; geralmente usado em associação com a aliança frouxa de cidades-estado gregas que lutaram contra a Pérsia. pique: Longa estaca com uma ponta de metal afiada; os piques, ao contrário das
lanças, tinham geralmente mais de três metros de comprimento e exigiam o uso de ambas as mãos. São mais comumente associados aos macedônios e à infantaria me-
dieval suíça. pólis: Cidade-estado grega politicamente autônoma, incluindo o centro urbano e o
território rural ao seu redor; plural: poleis.
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proskynêsis: Ato de se prostrar diante de um senhor e/ou beijar seus pés; uma prática
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Por que o Ocidente venceu
normal na Pérsia, mas considerada repugnante para a cultura helênica quando A| xandre tentou introduzi-la entre suas tropas.
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res publica: Forma romana de governo consensual na qual representantes públicos com mais frequência do que o próprio povo, decidiam por voto tanto quem seriam os oficiais executivos quanto a legislação geral. *
5
:
samurai: Guerreiro feudal japonês, cujo código militar de conduta e valores mític os os militares japoneses tentaram ressuscitar e instilar em seus soldados durante Os anos 1930 e o início dos 40.
sarissa: Pique comprido de cerca de quatro a seis metros carregado com ambas as mãos pelos membros da infantaria macedônia. timariota: Senhor otomano que recebia terras conquistadas e o controle de servos rurais em troca da promessa de fornecer soldados durante a guerra.
tribunos: Os seis oficiais militares superiores de uma legião; no sentido político, magistrados do Estado encarregados de resguardar os interesses da plebe. trirreme: Navio de guerra grego com três fileiras de remadores, num total de cerca de 170 homens.
vietcongue: Supostamente, um grupo rebelde comunista independente do Vietnã do Sul; na verdade, um exército dependente da direção e do sustento do governo comunista do Vietnã do Norte.
650
1
Leituras Complementares
CaríTULO UM: POR QUE O OCIDENTE VENCEU
Há todo um gênero acadêmico dedicado às diversas explicações da dominação militar ocidental, principalmente a partir do século XVI. Ver, principalmente, C. Cipolla, Guns, Sails and Empires: Technological Innovation and the Early Phases of European Expansionism
(Armas, velas e impérios: inovação tecnológica e as primeiras fases do expansionismo europeu, Cambridge, 1965); M. Roberts, The Military Revolution, 1560-1660 (A revolução
militar, 1560-1660, Belfast, 1956); G. Parker, The Military Revolution: Military Innovation and the Rise of the West, 1500-1800 (A revolução militar: inovação militar e a ascensão do
Ocidente, 1500-1800, 2º ed., Cambridge, 1996); ]. Black, A Military Revolution? Military Change and European Society, 1550-1800 (Uma revolução militar? Transformação militar e sociedade européia, 1550-1800, Basingstoke, Inglaterra, 1991); P Curtin, The World and
the West: The European Challenge and the Overseas Response in the Age of Empire (O mundo e o Ocidente: o desafio europeu e a resposta ultramarina na era do império, Cambridge, 2000); D. Eltis, The Military Revolution in Sixteenth-Century Europe (A revolução militar na Europa do século XVI, Nova York, 1995); e C. Rodgers, org., The Military Revolution Debate:
Readings on the Military Transformation of Early Modem Europe (O debate da revolução mili-
tar: palestras sobre a transformação militar da Europa no início da era moderna, Boulder, Colo., 1995). Para a argumentação sobre uma revolução militar ainda anterior, ver A. Avton e JL. Price, orgs. The Medieval Military Revolution: State, Society and Military Change im Medieval and Early Modem Europe (A revolução militar medieval: estado, sociedade e trans-
formação militar na Europa da Idade Média e do início da era moderna, Nova York, 1995).
651 -..
Por que o Ocidente venceu
Sobre os contatos entre Oriente e ocidente e os intercâmbios tecnológicos , ver D
Ralston, Importing the European Army: The Introduction of European Military Techniques nã Institutions into the Extra-European World, 1600-1914 (Importando o exército euro peu; a introdução de técnicas e instituições militares européias no mundo eXtTa-europeu, 1600. 1914, Chicago, 1990); R. Mac Adams, Paths of Fire: An Anthropo logist's Inquiry into Westem
Technology (Trilhas de fogo: uma investigação antropológica sobre a tecnologia Ocidental,
Princeton, N.)., 1996); L. White, Machina Ex Deo: Essays in the Dynamism of Westem Culture (Machina Ex Deo: ensaios sobre o dinamismo da cultura ocidental, Cambridpe, Mass., 1968); e sobretudo D. Headrick, Tools of Empi re: Technology and European
Imperialism in the Nineteenth Century (Ferramentas do império a tecn ologia e o imperialis-
mo europeu no século XIX, Nova York, 1981). A questão mais ampla do dinamismo cultural europeu é abordada de forma brilhante em dois livros: D. Landes, The Wealth and Po.
verty of Nations: Why Some Are So Rich and Some So Poor (A riqueza e a pobreza das nações: por que algumas são tão ricas e outras tão pobres, Nova York, 1998), e E.L. Jones, The European Miracle: Environments, Economies and Geopolitics in the History of Europe and Asia (O milagre europeu: meio-ambientes, economias e geopolítica na história da Europa e da Ásia, Cambridge, 1987). Ver também os ensaios de L. Harrison e S. Huntington, orgs,, Culture Matters: How Values Shape Human Progress (Questão de cultura: como os valores influenciam o progresso humano, Nova York, 2000). Uma boa discussão sobre a natureza da cultura ocidental e as críti cas que sofreu no meio universitário pode ser encontrada em três trabalhos cativantes: K. Wind shuttle, The Killing of History: How Literary Critics and Social Theorists are Murdering Our Past (O assas sinato da história: como os críticos literários e os teóricos sociais estão mat ando nosso passado, Nova York, 1996); A. Herman, The Idea of Decline in Western History (A idéia do declínio na história ocidental, Nova Tork, 1997); e D. Gress, From Plato to NATO: The Idea of the West and Its Opponents (De Platão à OTAN: a idéia do Ocidente e seus oponentes, Nova York, 1998). Ver também T Sowell, Conquests and Cultures: An International
History (Conquistas e culturas: uma história internacional, Nova York, 1998).
Por sua vez, a bibliografia sobre a crítica antiocidental é imensa, mas uma boa introdução à natureza e à metodologia acadêmica sobre o assunto é K. Sale, The Conquest of Paradise: Christopher Columbus and the Columbian Legacy (A conquista do Paraíso: Cristóvão Colombo e seu legado, Nova York, 1990); D. Peers, org., Warfare and Empires: Contact
and Conflict Between European and Non-European Military and Maritime Forces and Cultures
(Guerra e impérios: contato e conflito entre forças e culturas militares e marítimas €Uropéias e não-européias, Brookfield, Vt,,
1997); E Fernández-Armesto, Milênio: uma
652
Victor
Davis
Hanson
história dos nossos últimos mil anos, Record, 1999; M. Adas, Machines and Measure of Men:
science, Technology and Ideologies of Western Dominance (Máquinas e limite humanos: ciência, tecnologia e ideologias da dominação ocidental, Nova York, 1989); T. Todorov, A con-
quista da América: a questão do outro, Martins Fontes, 1988; e E Jameson e M. Miyoshi, orgs., The Cultures of Globalization (As culturas da globalização, Durham e Londres, 1998). Abordagens pós-modernas da dominação ocidental caracterizam M. Foucault, A arqueo-
logia do saber, Forense Universitária, 2000; M. de Certeau, À escrita da história, Forense Universitária, 200; E. Said, Culture and Imperialism (Cultura e imperialismo, Londres, 1993); Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente, Cia. Das Letras, 2000; E Jameson, Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio, Ática, 1996). Para uma amostra da
defesa tradicionalista da civilização ocidental, ver S. Cough, Basic Values of Westemn Civilization (Valores básicos da civilização ocidental, Nova York, 1960), e C.N. Parkinson, East and West
(Oriente
e Ocidente,
Londres,
1963). N. Douglas
cria uma divertida
polêmica sobre o Ocidente em Good-Bye to Westem Culture (Adeus à cultura ocidental,
Nova York, 1930). Obras representativas das explicações biológicas e geográficas da ascensão ocidental são ). Diamond, Armas, germes e aço, Record, 2001; A. Crosby, Imperialismo ecológico: a expansão
biológica da Europa, 900-1900, Cia. Das Letras, 2000); e M. Harris, Cannibals and Kings: The Origins of Cultures (Canibais e reis: as origens das culturas, Nova York, 1978). Um esforço
para contrabalançar o determinismo natural com a iniciativa e a cultura humana é encontrado em W. McNeill, The Rise of the West (A ascensão do Ocidente, Chicago, 1991), e The Pursuit of Power: Technology, Armed Force and Society Since A.D. 1000 (A busca do poder: tec-
nologia, força armada e sociedade desde o ano 1000, Chigago, 1982). Um estupendo estudo da relação entre cultura e guerra é Uma história da guerra, Cia. Das Letras, 2001, de J. Keegan. Ver também K. Raaflaub e N. Rosenstein, orgs., War and Society in the Ancient and Medieval Worlds (Guerra e sociedade no mundo antigo e medieval, Cambridge, Mass., 1998). O melhor começo para os estudos das “Grandes Baralhas” é E. Creasy, The Fifteen Decisive Battles of the World: From Marathon to Waterloo (As quinze
batalhas decisivas do mundo: de Maratona a Waterloo, Nova York, 1908); T. Knox, Decisive Battles Since Waterloo (Batalhas decisivas desde Waterloo, Nova York, 1887); J.FC.
Fuller, A Military History of the Westem World (Uma história militar do mundo ocidental,
Nova York, 1987); e R. Gabriel e D. Boose, The Great Battles of Antiquiry: À Strategic and Tactical Guide to Great Battles That Shaped the Development of War (As grandes batalhas da Antigiiidade: um guia estratégico e tático para as grandes batalhas que forjaram o desenvolvimento da guerra, Westport, Conn., 1994).
653 -.
2
,
Por que o Ocidente venceu CAPÍTULO DOIS: LIBERDADE — OU “VIVER COMO SE QUISER”
Salamina, 28 de setembro de 480 a.C.
Os principais problemas associados à batalha dizem respeito à data exata da luta, ao
tamanho da frota persa, à suposta astúcia de Temístocles e à identificação de ilhas especí.
ficas no estreito de Salamina. Essas questões são discutidas em várias boas histórias das Guerras Persas em inglês. Ver, por exemplo, J. Lazenby, The Defense of Greece, 490-479 B.C. (A defesa da Grécia, 490-479 a.C., Warminster, Inglaterra, 1993 ); P Green, The Greco-Persian Wars (As guerras greco-persas, Berkeley, Calif., 1994); e C, Hignett, Xerxes Invasion of Greece (A invasão da Grécia por Xerxes, Oxford, 1963). Ainda útil é G.B. Grundy, The Great Persian War and lts Preliminaries (A grande guerra persa e suas preliminares, Londres, 1901). Sob certos aspectos, a magistral crônica de George Grote sobre Salamina no quinto volume de seu History of Greece (História da Grécia, 22 ed., Nova
York,
1899) ainda não foi superada; hoje, uma nova edição, com introdução de Paul
Cartledge, está disponível pela Routledge (Londres, 2000). Diversos estudiosos tentaram destrinchar a complicada topografia e os conflitantes relatos antigos da batalha. Ver G. Roux, “Eschyle, Hérodote, Diodore, Plutarque racon-
tent la baraille de Salamine” (Ésquilo, Heródoto, Diodoro, Plutarco contam a batalha de
Salamina), Bulletin de Correspondance Hellénique 98 (1974), 51-94, e os trec hos relevantes em H. Delbriick, Warfare in Antiquity (Guerra na Antiguidade), vol. 1 de The Hist ory of the Art of War (A história da arte da guerra, Westport, Conn., 1975); N.G.L. Hammond,
Studies in Greek History (Estudos sobre história grega, Oxford, 1973); e WK. Pritchett, Studies in Ancient Greek Topograbhy (Estudos sobre topografia grega antiga, Berkeley e Los Angeles, 1965). Para comentários sobre os trechos gregos pertinentes em Heródoto € Plutarco, ver WW. How e ]. Wells, orgs., A Commentary on Herodotus (Um comentário sobre Heródoto, Oxford, 1912), vol. 2, 378-87, e E ]. Frost, Plutarch's Themistocles: A Historical Commentary (O Temístocles de Plutarco: um comentário histórico, Princeton, N.), 1980). A idéia de liberdade no mundo grego é discutida em vários livros. Comece com À.
Momigliano, “The Persian empire and Greek Freedom” (O Império Persa e a liberdade grega), em À. Ryan, org., The Idea of Freedom: Essays in Honour of Isaiah Berl in (A idéia de liberdade: ensaios em homenagem a Isaiah Berlin, Oxford, 1979), 139-51; e O. Patterson;
Freedom in the Making of Westem Culture (Liberdade na construção da cultura ocidental, Nova York, 1991). Ver também os ensaios de Economy and Society in Ancient Greece
(Economia e sociedade na Grécia Antiga, Nova York, 1982), de MI. Finley. Para o simbolismo posterior de Salamina na ideologia popular ateniense, ver C. Meier, Athens: A 654
Victor
Davis
Hanson
ouro, Portrait of the City in Its Golden Age (Atenas: um retrato da cidade em sua idade de Nova York, 1998), e N. Loraux, A invenção de Atenas, Ed. 34, 1994). Há um grande número de bons estudos sobre os aquemênidas que utilizam fontes persas, além da literatura grega. Ver H. Sancisi-Weerdenburg e A. Kuhrt, Achaemenid History e síntese, [: Sources, Structures and Synthesis (Cultura aquemênida I: Fontes, estruturas Leiden, 1987); J. Boardman et al., orgs., The Cambridge Ancient History (História antiga , de Cambrigde), 2' ed., Persia, Greece and the Westem Mediterranean c.525 to 479 (Pérsia Grécia e o Mediterrâneo ocidental c. 525 a 479, Cambridge, 1988); ].M. Cook, The Persian
Empire (O Império Persa, Nova York, 1985); M. Dandamaev, A Political History of the Achaemenid Empire (Uma história política do Império Aquemênida, Leiden, 1989); e A.T. Olmstead, History of the Persian Empire, Achaemenid Period (História do Império Persa, período aquemênida, Chicago, 1948). Sobre a história do Irã, ver o capítulo sobre os aquemênidas em R. Frye, The History of Ancient Iran (História do Irã antigo, Munique, 1984). E sobre a carta de Dario a Gadatas, ver R. Meiggs e D. Lewis, orgs., A Selection of Greek
Historical Inscriptions to the End of the Fifth Century B.C.
(Uma seleção de inscrições
históricas gregas até o final do século V a.C., Oxford, reimpr., 1989).
Relatos mais específicos sobre as relações culturais entre a Grécia e a Pérsia existem em D. Lewis, Sparta and Persia: Lectures Delivered at the University of Cincinnati, Autumn 1976,
in Memory of Donald W. Bradeen (Esparta e Pérsia: Conferências feitas na Universidade de Cincinnati no outono de 1976, em memória de Donald W. Bradeen, Leiden, 1971), e Selected Papers in Greek and Near Eastem History (Artigos selecionados sobre história da Grécia e do Oriente Médio, Cambridge, 1997); A.R. Burn, Persia and the Greeks: The Defense of the West, c. 546-478 B.C. (A Pérsia e os gregos: À defesa do Ocidente, 246-4176
a.C., Nova York, reimpr, 1984); M. Miller, Athens and Persia in the Fifth Century B.C.
(Atenas e a Pérsia no quinto século a.C., Cambridge, 1997); e sobretudo o artigo de 5. Averintsev, “Ancient Greek 'Literature' and Near Eastern “Writings': The Opposition and
Encounter of Two Creative Principles, Part One: The Oppositions” (“Literatura' grega e “escritos” antigos do Oriente Médio: A oposição e o encontro de dois princípios criativos, Parte Um: As oposições), Arion 7.1 (Primavera/Verão 1999), 1-39. Para uma sinopse acessível sobre o exército persa, ver A. Ferrill, The Origins of War: From the Stone Age to Alexander the Great (As origens da guerra: Da Idade da Pedra a Alexandre, o Grande, No-
va York, 1985). Sobre as marinhas e o poderio marítimo grego em geral, ver C. Starr, The Influence of Sea-Power on Ancient History (A influência do poder marítimo na história antiga, Nova York, 1989); L. Casson, The Ancient Mariners: Seafarers and Seamanship in the Ancient 655
E.
ma e
a =
que o Ocidente venceu
World (Os navegadores antigos: homens do mar e marinharia no mundo antigo, Princ Eton, NJ., 1971); e J.S. Morrison e R.T. Williams, Greek Oared Ships 900-322 BC. (Barcos pre
gos a remo 900-322 a.€., Londres, 1968). Para reconstruções do trirreme antigo, consultar
J.S. Morrison, J.E Coates e N.B. Ranov, The Athenian Trireme: The History and Reconstruction of an Ancient Greek Warship (O trirreme ateniense: história e recons trução de um navio de guerra antigo, Cambridge, 2000), e An Athenian Trireme Rec onstructed: The British Sea Trials of 'Olympias' (Um trirreme ateniense reconstru ído: os desafios marítimos britâni. cos de “Olympias”), British Archaeological Series 486 (Oxford, 1987). Há também uma indústria acadêmica em expansão que relata as supost as percepções preconceituosas dos gregos em relação à Pérsia; ver E. Hall, Invent ing the Barbarian: Greek Self. Definition Through Tragedy (A invenção do bárbaro: auto-definição grega pela tragédia, Oxford, 1989); E Hartog, The Mirror of Herodotus (O espelho de Heródo to, Berkeley e Los Angeles, 1988); e P Georges, Barbarian Asia and the Greek Experienc e: From the Archaic Period to the Age of Xenophon (Ásia bárbara e a experiência grega: do períod o arcaico à época de Xenofonte, Baltimore, Md., 1994). Um exemplo extremo é P Spr ingborg, Western Republicanism and the Oriental Prince (Republicanismo ocidental e o príncipe orient al, Austin, Tex., 1992). CaríTULO TRÊS: BATALHA DECISIVA Gaugamela, 1º de outubro de 331 a.C.
Gaugamela é abordada de forma abrangente em vários gêneros aca dêmicos, em sua
maioria pequenos artigos em publicações acadêmicas. Para o leitor genérico, é melh or começar com as histórias puramente militares do reinado de Alexandre. Há uma boa,
porém breve, monografia sobre a batalha escrita por E.W. Mar dsen, The Campaign of Gaugamela (A campanha de Gaugamela, Liverpool, 1964). Gaugamela também é parte importante de uma discussão em J.EC. Fuller The Generalship of Alexander the Great (O generalato de Alexandre, o Grande, Londres, 1958); ela é criticada com compet ência por H. Delbrick em Warfare in Antiquity (Guerra na Antiguidade), vol.1 de The Hist ory of the Art of War (A história da arte da guerra, Westport, Conn,, 1975) e J.EC. Fuller, A Militar)
History of the Westem World (Uma história militar do mundo antigo), vol. 1 (Londres,
1954); ela também pode ser encontrada em E. Creasy, The Fifteen Decisive Battles of the
World: From Marathon to Waterloo (As quinze batalhas decisivas do mundo: de Maratona
a Waterloo, Nova York, 1908).
Para assuntos puramente militares, ver também J. Ashley, The Macedonian Empire: The
Era of Warfare Under Philip II and Alexander the Greay, 359.323 B.C, (O Império Macedô656
Victor
nico:
Davis
Hanson
ferson, N.C,, Jef , a.C. 3 -32 359 , nde Gra o , dre xan Ale e II pe Fili sob rra a era da gue
Great ant the Logostics of the Macedonian Army (Alexandre, the der xan Ale , els Eng D. e 1998) mmond é Ha .L. N.G 8). 197 f., Cali ey, kel Ber o, nic edô mac to rci exé do ca ísti o Grande ea log r qualquer faze ao nte lha bri os men bem mas , dre xan Ale de to rci exé o e sobr r fala ao brilhante
King at: Gre the der xan Ale em es açõ liz rea s sua de e o análise histórica de seu reinad , Park ado est de m me ho e e ant and com rei, : nde Gra o e, ndr exa (Al man tes Sta and der Comman Called Vulgate Authors, SoThe at: Gre the der xan Ale of s ian tor His ee Thr em 9); 198 , N.). ge, Rid nde: os chamados Gra o , dre xan Ale de s ore iad tor his ês (Ir s tiu Cur and in, Just us, Diodor G.T Griffith, A autores populares, Diodoro, Justino e Cúrcio, Cambridge, 1983); e, com
1979). History of Macedonia (Uma história da Macedônia), vol. 2 (Oxford, a reconAs complexas fontes antigas de informação sobre Gaugamela — em sua maiori mais ciliações dos relatos contraditórios de Plutarco, Diodoro, Arriano e Cúrcio — são de bem discutidas em ].R. Hamilton, Plutarch's Alexander: A Commentary (O Alexandre Plutarco: um comentário, Oxford, 1969); N.G.L. Hammond, Sources for Alexander the Great: An Analysis of Plutarch's Life and Arrian's Anabasis Alexandros (Fontes para Alexandre, o Grande: uma análise da Vida de Plutarco e da Anabasis Alexandros de Arriano, Cambridge,
1993);
A.B.
Bosworth,
A
Historical Commentary
on Arrian's
History
of
Alexander (Um comentário histórico sobre a história de Alexandre de Arriano), vol. 1
(Oxford, 1980); ].C. Yardley, Justin: Epitome of the Philippic History of Pompeius Trogus, Books 11-12: Alexander the Great (Justino: epítome da história filípica de Pompeius Trogus,
Livros 11-12: Alexandre, o Grande,
Oxford,
1997); ]. Atkinson, A Commentary on O.
Curtius Rufus” Historiae Alexandri Magni, Books 3 & 4 (Um comentário sobre a Historiae Alexandri Magni de Q. Cúrcio Rufo, Londres,
1980); e L. Pearson, The Lost Histories of
Alexander the Great (As histórias perdidas de Alexandre, o Grande, Nova York, 1960). Existem inúmeras biografias de Alexandre, o Grande que discutem a campanha de Gaugamela. As mais acessíveis em inglês são Alexander the Great (Alexandre, o Grande,
Londres, 1973), de R. Lane Fox; Alexander of Macedon (Alexandre da Macedônia, Ber-
keley e Los Angeles, 1974), de PR Green; Alexander the Great (Alexandre, o Grande, Nova York, 1967), de U. Wilcken; e sobretudo o retrato sóbrio e excelente teito por A.B. Bos-
worth, Conquest and Empire: The Reign of Alexander the Great (Conquista e império: o reinado de Alexandre, o Grande, Cambridge, 1988). Apesar dos trabalhos de Bosworth e Green e de importantes artigos acadêmicos de E. Badian, a aventura de Alexandre, o Grande, como rei, filósofo e defensor da irmandade universal tornou-se novamente objeto de interesse tanto nos Estados Unidos quanto em outros lugares, nos tempos atuais de mulriculturalismo e tensão étnica renovada nos Bálcãs.
657 +.
Por que o Ocidente venceu
Para as origens e tradições ocidentais de batalhas decisivas, ver VD. Hanson, The Wes.
tem Way of War: Infantry Battle in Classical Greece (Guerra à mod a ocidental: ba talhas de infantaria na Grécia clássica, Berkeley, 2000); e The Othe r Greeks: The Family Farm and the Agrarian Roots of Western Civilization (Os outros gregos: a fazenda familiar e as raízes
agrárias da civilização ocidental, Berkeley, 1999 ); D. Dawson, As origens da guerra no ocidental: militarismo e moralidade no mundo antigo, Biblioteca do Exército, 1999); R. Weiglev, The Age of Battles: The Quest for Decisive Warfares from Breitenfield to Waterloo
(A
Era das
batalhas: a busca pela guerra decisiva de Breitenfield a Wat erloo, Bloomington, Ind, 1991); R. Preston e S. Wise, Men in Arms: A Hi story of Warfare in Its Imerrelationship with s
Westem Society (Homens em armas: uma his tória da arte da guerra em suas interrelaçõe s com a sociedade ocidental, Nova York, 1970); e G. Craig e E Gilbert, orgs., Makers of Modem Strategy: Military Thought from Machiavelli to Hitler (Os criadores da estratégia moderna:
o pensamento militar de Maquiavel a Hitler, Prince ton, N.., 1943). Para a diferença entre as escaramuças primitivas e as colisões de choque “civilizadas”, ver H.H. Turney-High, Primitive War: Its Practice and Concepts (Guerra pri Columbia, S.C., 1971).
mitiva: sua prática e seus conceitos,
Fontes gerais sobre a Pérsia são discutidas no capítu lo anterior dedicado a Salamina, mas existem alguns trabalhos específicos sobre a era aq uemênida tardia, e especialmente sobre Dario III. Ver, por exemplo, E.Herzfeld, The Per sian Empire (O império persa, Wiesbaden, 1968); A. Stein, Old Routes of Western Ira n: Narrative of an Archaeological Journey (Rotas
antigas do Irã ocidental: narrativa de uma jornad a arqueológica, Nova York, 1969); e, para uma visão Tevisionista, P Briant, Histoire de Vempire perse (História do Império Persa, Paris, 1996).
CaríTULO QUATRO: CIDADÃOS SOLD ADOS Canas, 2 de agosto de 216 a.C.
As fontes primárias sobre Canas são os his toriadores Políbio
(3.110-118)
e Lívio
(22.44-50), e informações anedóticas podem ser encontradas em Apiano, no Fabius de Plutarco e em Cassius Dio. Os principais problemas da batalha são conciliar os números bem maiores de Políbio tanto para o tamanho ( oit| enta e seisNo mil) quanto para o mero núme de mortos (setenta mil) no exército ro mano,
Victor
cina
Davis
Hanson
Controvérsias menos críticas envolvem a exatidão do armamento e das táticas dos
com píques, ou com s, espada com m lutava eles — Aníbal de nos africa € us europe aliados ide os dois? —, bem como O posicionamento dos acampamentos romanos. Relatos gráficos da batalha em si podem ser encontrados em M. Samuels, “The Reality of Cannae” (A realidade de Canas), Militárgechichtliche Mitteilungen 47 (1990), 7-29; P
Sabin, “The Mechanics of Battle in the Second Punic War” (A mecânica da batalha na Segunda Guerra Púnica), Bulletin of the Institute of Classical Studies 67 (1996), 59-79; e V. Hanson, “Cannae” (Canas) em R. Crowley, org., The Experience of War (A experiência da
guerra, Nova York, 1992). Para as questões mais amplas, topográficas, táticas e estratégicas que cercam Canas, ver EW Walbank, A Historical Commentary on Polybius (Um comentário histórico sobre Políbio), vol. 1 (Oxford, 1957), 435-49; J. Kromayer e G. Veith, Antike Schlachtfelder in Italien
und Afrika (Antigos campos de batalha na Itália e na África, Berlim, 1912), vol. 1, 34146; e H. Delbriick, Warfare in Antiquity (A guerra na Antiguidade), vol. 1 de The History of the Art of War (A história da arte da guerra, Westport, Conn.,
1975), (Berlim, 1920),
vol. 1, 315-35.
O relato mais equilibrado e pesquisado da Segunda Guerra Púnica e da batalha de Canas é o excelente Hannibal's War: A Military History of the Second Punic War (A guerra de Aníbal: uma história militar da Segunda Guerra Púnica, Norman, Okla., 1998), de J.F. Lazenby, que tem uma narrativa sustentada de perto por fontes antigas. Para um estudo mais geral, ver B. Craven, The Punic Wars (As Guerras Púnicas, Nova York, 1980), e N. Bagnall,
The Punic Wars (As Guerras Púnicas, Londres, 1990).
Para biografias militares de Aníbal para o leitor em geral, consultar Hannibal (Aníbal, Darmstadt, Alemanha, 1974), de K. Christ; Hannibal (Aníbal, Paris, 1995), de S. Lanul; Hannibal's War (A guerra de Aníbal, Gloucestershire, Inglaterra, 1997), de J. Peddie; e Hannibal's Campaigns (As campanhas de Aníbal, Cambridge, 1981), de 1. Bath. Questões relacio-
nadas ao efetivo e ao potencial de mobilização militar romana são analisadas em À. Ioynbes, Hannibal's Legacy (O legado de Aníbal), 2 vols. (Londres, 1965), e, sobretudo, em P Brunt, Italian Manpower 225 B.C.-A.D. 14 (Efetivo italiano, 225 a.C.-14 d.C., Londres, 1971).
Existem relatos bons e acessíveis da história e das instituições da antiga Cartago em D.
Soren, A. Ben Khader e H. Slim, Carthage: Uncovering the Mysteries and Splendours of Anciet Tunisia (Cartago: desvendando os mistérios e esplendores da antiga Tunísia, Nova York, 1990); ]. Pedley, org., New Light on Ancient Carthage (Uma nova luz sobre a antiga
Cartago, Ann Arbor, Mich., 1980); e G. e C. Picard, The Life and Death of Carthage (Vida
e morte de Cartago, Nova York, 1968). S. Lancel, Carthage: A History (Cartago: uma
659 s-
i
vê
N
= Por que o Ocidente venceu
história, Oxford, 1995) conduz uma narrativa vívida da interação entre Rom a e Carta po.
O painel estratégico mais amplo do imperialismo romano e das Guerras Púni cas é discu.
tido em W.V. Harris, War and Imperialism in Republican Rome, 327-70 B.C. (Guerra e impe. rialismo na República Romana, 327-70 a.C., Oxford, 2º ed., 1984), e ].s. Richards ou Hispaniae, Spain, and the Development of Roman Imperialism, 218-82 BC. (His paniae, Es: panha e o desenvolvimento do imperialismo romano, 218-82 a.C, Nova York, 1996). A tradição de militarismo cívico e governo constitucion al em sua relação com a eficá. cia militar são temas de D. Dawson, The Origins of West em Warfare (As origens da guerra ocidental, Boulder, Colo., 1996), e discutidos em detalhe por É Rahe em Republics, Ancient and Modem (Repúblicas antigas e modernas, Chapel Hill, N.C., 1992). Em uma série de artigos e livros, B. Bachrach defendeu uma cont inuidade militar na Europa ocidental e do
norte sem muita interrupção desde os tempos imperiais romanos até a Idade Média; ver,
sobretudo,
o seu
Merivingian
Military
Organization
merovíngia [481-751], Minneapolis, Minn., 1972).
(481-751 )
(Organização
militar
A bibliografia do exército romano é vasta; uma boa introdução às legiões da república é EE. Adcock, The Roman Art of War Under the Repu blic (A arte da guerra romana sob a República, Cambridge, Mass., 1940); HM.D. Parker, The Roman Legions (As legiões romanas), 2º ed. (Oxford, 1971); B. Campbell, The Roman Arms, 31 B.C.-A.D. 37: À sourcebook (O exército romano 31 a.C.-37 d.C.: uma fonte primária, Londres, 1994); e L. Keppie, The Making of the Roman Army (A criação do exército romano, lotowa, N.)., 1984). Para a influência de Canas no pensamento militar ocidental posterior, verJ Kersétz, “Die Schlacht bei Cannae und ihr Einfluss auf die Entwicklung der
Kriegkunst”
(A batalha de Canas e sua influência na evolução da arte da guerra), Beitrúge der Martín-Luther Universitiit (1980), 29-4 3; A. von Schliefen, Cannae (Fort
Leavenworth, Kans., 1931); e A. du Pica, Battle Studies (Estudos de batalhas, Harris-
burg, Pa., 1987).
CapríTULO CINCO: INFANTARIA FUNDIÁRI A Poitiers, 11 de outubro de 732 Não temos quase nenhum relato contemporâne o completo sobre a batalha de Poitiers;
já que muitas das fontes-padrão para a Antiguidade tardia e o início da Idade das Irevas terminam antes de 732. Gregório de Tours Parou sua Historia Francorum em 594. O anônimo Liber Historiae Francorum foi concluído em 727. A história de Beda, o Veneráve l, termina em 731, um ano antes da batalha.
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Embora a Chronicle of Fredegar (Crônica de Fredegar) termine em 642, um continuador deixou um breve relato do combate em 732 (J.M. Wallace-Hadrill, The Four Books of the Chronicle of Fredegar with Its Continuations [Os quatro livros da crônica de Fredegar com
suas continuações, Londres, 1960]), assim como o continuador anônimo de Chronicle of Isidore (Crônica de Isidoro), T. Mommsen, Isidori Continuatio Hispana, Monumenta Germa-
aiae Historica, Auctores Antiquissimi, vol, 11 [Berlim, 1961]). A ausência de bons relatos de primeira mão da batalha levou a avaliações muito contrastantes de sua conduta e de sua importância. É comum ler nos principais relatos sobre a época — escritos quase exclu-
sivamente em alemão e em francês antes de 1950 — que Poitiers marcou a ascensão do feudalismo, a dominação dos cavaleiros pesados com estribos, e a salvação da civilização ocidental, mesmo que relatos mais sóbrios neguem que os cavaleiros tenham tido um papel muito importante, ou mesmo qualquer papel, em Poitiers, afirmando que o feudalismo, conforme surgiu posteriormente, estava a anos daquela época, e que a invasão de Abd ar-Rahman foi apenas uma em meio a uma série de pequenas incursões que gradualmente diminuíram durante o século VIII, à medida que o conflito muçulmano na Espanha e a consolidação dos francos na Europa conspiravam inevitavelmente para o enfraquecimento da expansão islâmica vinda dos Pireneus. O mais provável é que Poitiers tenha sido uma vitória compreensível de oficiais de infantaria corajosos e na defensiva, e não o resul-
tado de um monumental avanço tecnológico ou militar, um reflexo da fraqueza árabe crescente nas operações extensas ao norte, e não por si só a salvação do Ocidente cristão.
Para a batalha de Poitiers em si, ver a monografia de M. Mercier e A. Seguin, Charles Martel et la bataille de Poitiers (Charles Martel e a batalha de Poitiers, Paris, 1944). Consultar, sobretudo, o trabalho de B.S. Bachrach, “Charles Martel, Mounted Shock Combat, the Stirrup, and Feudalism” (Charles Martel, o combate de choque montado, o estribo e
o feudalismo), em seu Armies and Politics in the Early Medieval West (Exército e política no ocidente medieval primitivo, Aldershot, Inglaterra, 1993). Essa coletânea de ensaios funciona como uma reunião dos argumentos mais convincentes de Bachrach sobre a importância relativa da cavalaria, dos cavaleiros e das fortificações durante os períodos merovíngio e carolíngio. Ver também
os seus Merovingian
Military Organization
(Organização
militar
merovíngia, Minneapolis, Minn., 1972), e “Early Medieval Europe” (Europa Medieval pri-
mitiva), em K. Raaflaub e N. Rosenstein, orgs, War and Society in the Ancient Medieval Worlds (Guerra e sociedade nos mundos medievais antigos, Washington. D.C., 1999).
Sobre os francos, os merovíngios tardios e os carolíngios primitivos, há boas análises em K. Scherman, The Birth of France (O nascimento da França, Nova York, 1987); P Riché, The Carolingians: A Family Who Forged Europe (Os carolíngios: uma família que forjou a
Ls” T
nd
no
qe
le
Por que o Ocidente venceu
X Europa, Filadélfia, 1993); E. James, The Origins of France: From Clovis to the Capetians 500-1000 (As origens da França: de Clóvis à dinastia dos Capeto, 5300-1000, Londres, 1982); e H. Delbriick, The Barbarian Invasions (As invasões bárbaras), vol. 2 de The His. tory of the Art of War (A história da arte da guerra, Westport, Conn., 1980).
Para a vida de Charles Martel, ver R. Geberding, The Rise of the Carolingians and the Liber Historiae Francorum (A ascensão dos carolíngios e o Liber Historiae Francoru m, Oxford, 1987). Para duas narrativas famosas da batalha, consultar J.EC. Fuller, A Military Hist ory of the Western World, vol. 1, From the Earliest Times to the Battle of Lepanto (Uma história militar do mundo ocidental, vol. 1, Dos primórdios à batalha de Lepanto, Londres, 1954), 339. 50, e
E. Creasy, The Fifteen Decisive Battles of the World: From Mara thon to Waterloo (As quinze batalhas decisivas do mundo: de Maratona a Waterloo, Nova York, 1908), 157-69.
Um apanhado das guerras européias entre 500 e 1000 d.C. é feito por D. Nicole em Medieval Warfare: Source Book, vol. 2, Christian Europe and Its Neighbors (Guerra medieval: Fonte Primária, vol. 2, A Europa cristã e seus vizinhos, Nova York, 1996), que contém
muito material comparativo. Talvez o relato mais acessível e anal ítico seja J. Beeler,
Warfare in Feudal Europe, 730-1200 (Guerra na Europa feudal, 7001200, Ithaca, N.Y, 1971). Detalhes gerais sobre armas e serviço militar — embora em sua maioria posteriores ao ano mil — podem ser obtidos em diversos manuais padrão, especial mente em P Contamine, War in the Middle Ages (Guerra na Idade Média, Londres, 1984), e E Lot, Dart militaire et les armées au Moyen Age en Europe et dans le Proche Orient (A arte milit ar e os exércitos na Idade Média na Europa e no Oriente Médio), 2 vols. (Paris, 1946), que contém uma lista de fontes secundárias alemãs e francesas relativa s à batalha. Há menções
esparsas também em M. Keen, org., Medieval Warfare (Guerra medieval, Oxford, 1999 ); T.
Wise, Medieval Warfare
(Guerra medieval, Nova York, 1976); e A.VB. Norman, The Medieval Soldier (O soldado medieval, Nova York, 1971). Para as guerras tardias dos fran-
cos e europeus ocidentais, consultar ]. France, Western Warfare in the Age of the Crusades,
1000-1300 (Guerra ocidental na era das Cruzadas, 1000-130 0, Ithaca, N.Y., 1999), e Victory in the East: A Military History of the First Crusade (Vitória no Oriente: uma história militar da Primeira Cruzada, Cambridge, 1994)
Ensaios valiosos sobre os aspectos culturais da guerra mediev al estão reunidos em D. Kagay e L. Andrew Villalon, orgs., The Circle of War in the Middle Ages: Essays on Me dieval Military and Naval History (O círculo da guerra da Idade Média: ensaios sobr e história militar e naval medieval, Suffolk, Inglaterra, 1999). Há algumas excelentes ilustrações em T. Newark, The Barbarians: Warriors and Wars of the Dark Ages (Os bárbaros: guerreiros e guerras da Idade das Trevas, Londres 1988). 662
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Idéias provocantes sobre a cultura e a história mais amplas da Europa durante a chamarlemagne Cha and ed amm Moh e, enn Pir H. em as rad ont enc ser da Idade das Trevas podem
ouse, Mohammed, (Maomé e Carlos Magno, Londres, 1939), e R. Hodges e D. Whiteh Carlos , omé (Ma sis The e enn Pir the and gy olo hae Arc : ope Eur of s gin Ori Charlemagne, and the 1983). Para Magno e as origens da Europa: a arqueologia e a tese de Pirenne, Ithaca, N.Y., te, começar com den Oci no ia Méd e Idad da ual lect inte so ver uni o e sobr ão adr s-p aio ens electual da int vida (A s Age dle Mid the in ope Eur tem Wes of Life tual llec R. Dales, The Inte
WC. Bark, Ongins of the e ), 1980 , D.C. n. gto hin Was ia, Méd de Ida na tal den oci Europa ênfase uma Para 8). 195 f, Cali rd, nfo Sta al, iev med do mun do Medieval World (Origens tem Intellectual Tradition, 400Wes the of ns tio nda fou al iev Med , ish Gol M. ver a, ri rá te li mais
nn., Co n, ve Ha w , 00 Ne 14 0l, 40 ta en l id ua oc ct le te ão in iç ad s tr ai da ev 1400 (Bases medi C. Oman em The de ia Méd e Idad a e sobr rão pad e sico clás io ensa o bém tam Ver ). 1997
1928). Dark Ages, 476-918 (A Idade das Trevas, 476-918, Londres, militar árabe são A história primitiva do Islã e a criação de uma dispendiosa cultura
ravos (Esc y Polit mic Isla the of n utio Evol The es: Hors on es Slav em ne Cro P por as analisad montados: a evolução do estado islâmico, Cambridge, 1980), e Meccan Trade and the Rise ver também of Islam (O comércio de Meca e a ascensão do Islã, Princeton, N.J., 1987); , 600-750 d.C. mica islâ a tóri (His 132) . (A.A 0 -75 600 A.D. ory, Hist mic Isla , ban Sha M.A.
[A.H. 132], Cambridge, 1971). Para o significado de Poitiers a longo prazo, ver a especulação contra-factual de B. Strauss, “The Dark Ages Made Lighter” (Esclarecendo a Idade das Trevas), em R. Cowley, org., What If? (E se?, Nova York, 1998), 71-92.
CAPÍTULO SEIS: À TECNOLOGIA E OS RESULTADOS DA RAZÃO
Tenochtitlán, 24 de junho de 1520 — 13 de agosto de 1521
acadêA conquista do México ocupou um lugar central no palco das guerras culturais
as vindas, na maior prov de uso ao eito resp diz que no o etud sobr as, âne por tem con s mica as espanholas parte das vezes, quer de testemunhas oculares espanholas quer de coletâne descrições espanhode narrativas orais astecas. Os estudiosos aceitam com frequência as
mercados, las da magnificência de Tenochtitlán e da beleza de seus jardins, zoológicos e e canibalissobr res auto mos mes dos os onh med mais tos rela Os e ent cam ati enf mas rejeitam radigmas” mo e imolação humana sistemática, sacrifício e tortura. As “construções” e “pa
europeus são considerados um contexto inapropriado para a compreensão da cultura astemexicanos sejam eloca, mesmo que a arte, à arquitetura e o conhecimento astronômico
/A
a
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giados em termos estéticos e científicos mais ou menos clássicos. Ainda assim, não nos int
Es ressamos aqui por julgamentos morais rel ativos, mas sim pela eficácia militar; não NOs atemo s tanto à amoralidade dos conquistadores quanto aos métodos de sua conquista. Deveríamos nos lembrar também de que nossa argumentação atual em defesa do dina. mismo militar baseado na proeminência tec nológica nem sempre é compartilhado pelo s relatos espanhóis da época, que de forma bastante equivocada enfatizam a “superioridade” mora
l, a inteligência inata e a virtude cristã do conquistador. Existem diversas narrativas de justificado renome sobre à conquista espanhola, Talvez a melhor delas, por seu simples poder descriti vo, seja a de WH. Prescott, History of the Conquest of Mexico (História da conquista do México, Nova York, 1843). Para os leitores modernos do inglês, H. Thomas, Conquest: Montezuma, Cortés and the Fall of Old Mexi co (Conquista: Montezuma, Cortés e a queda do antigo México, Nova York, 1993), tem va.
lor inestimável. Ver também R.C. Padden, The Hummingbird and the Hawk: Conquest and Sovereignity in the Valley of Mexico, 1503-1541 (O beija-flor e o gavião: conquista e soberania no Vale do México, 1503-1541, Columbus, Óhio, 1967). Para uma boa discussão comparativa, ver também A.B. Bosworth, Alexander and the East (Alexandre e o Oriente, Oxford, 1996). Há uma infinidade de relatos contemporâneos e quase contemporâneos sobre a conquista. Começar com a narrativa magistral de Bernal Díaz del Castillo, The Discovery and
Conquest of Mexico, 1517-1521 (A descoberta e conquista do México, 1517-1521), trad. A.P Maudslay (Nova York, 1956); as cartas de Hernán Cortés, cuja confiabilidade foi muitas ve-
zes questionada (Letters from Mexico [Car tas do México],
trad. A. Pagden
[Nova York,
1971); e P de Fuentes, The Conquistador s: First-Person Accounts of the Conquest of Mexico
(Os conquistadores: relatos da conquista do México na primeira pessoa, Nova York, 196 3). Para narrativas astecas e críticas violentas à conquista esp anhola, ver Bernardino de Sahagún, General History of the Things of New Spain: Florentine Codex, Book 12 — The Conquest of Mexico (História Geral das Coisas da Nova Espanha: Códice Florentino, Livro 12 — À con-
quista do México), trad. H. Cline (Salt Lake Cit y, Utah, 1975), e a antologia organizada por Miguel Leon-Portilla, The Broken Spears: The Axtec Account of the Conquest of Mexi co (As
lanças partidas: a versão asteca da conquista do México), 2º ed, (Boston, 1992). Ver também Fernando de Alva Ixtlilxochitl, Alky of Cortés (Aliado de Cortés, El Paso, Tex., 1969). As biografias de Cortés são incontáveis; as mais acessíveis são S. Madariaga, Hernán Cortés: Conqueror of Mexico (Hernán Cor tés: conquistador do México, Garden Cit y, NX
1969); e J.M. White, Cortés and the Downfall of the Axtec Empire: A Study in a Conflict of Cultures (Cortés e a queda do império asteca: estudo de um conflito cultural, Nova York,
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The és: Cort , ara Góm de z Lópe o cisc Fran de a âne por tem con e quas fia ogra 1971). A hagi Life of the Conqueror by His Secretary (Cortés: a vida do conquistador por seu secretário, perkeley, Calif., 1964) contém muita informação não disponível em outras obras.
Um estudo especializado das práticas militares espanholas do século XVI pode ser
encontrado em 6. Parker, The Army of Flanders and the Spanish Road, 1567-1659: The Logistics of Spanish Victory and Defeat in the Low Countries! Wars (O exército de Flandres e
a estrada espanhola, 1567-1659: a logística da vitória e derrota espanholas na guerra dos Países Baixos, Cambridge,
1972), e R. Martínez e T. Barker, orgs., Armed Forces in Spain
Past and Present (As forças armadas na Espanha ontem e hoje, Boulder, Colo., 1988). So-
bre a condição genérica da arte da guerra européia durante os séculos XVI e XVII, ver C.
Cipolla, Guns, Sails and Empires: Technological Innovation and the Early Phases of European Expansionism 1400-1700 (Armas, velas e impérios: inovação tecnológica e as primeiras fases do expansionismo europeu 1400-1700, Cambridge, 1965); ). Black, European Warfare 1160-1815 (A guerra à moda européia 1160-1815, New Haven, Conn., 1994); e F. Tallett,
War and Society in Early-Modem Europe, 1495-1715 (Guerra e sociedade na Europa do início da era moderna, 1495-1715, Londres e Nova York, 1992). Sobre a posição política e militar da Espanha no século XVI e os efeitos de seu império em sua influência na Europa, ver ].H. Elliott, Spain and Its World, 1500-1700: Selected Essays (A Espanha e seu mundo, 1500-1700: ensaios selecionados, New Haven, Conn., 1989), e R. Kagan e G. Parker, orgs.,
Spain, Europe and the Atlantic World: Essays in Honour of John H. Elliot (A Espanha, a Europa e o mundo atlântico: ensaios em homenagem a John H. Elliott, Cambridge, 1995).
Ross Hassig escreveu uma série de livros fundamentais sobre a arte da guerra asteca que procuram explicar a conquista a partir de um ponto de vista dos nativos: Mexico and the Spanish Conquest (O México e a conquista espanhola, Londres e Nova York, 1994):
Axtec Warfare: Political Expansion and Imperial Control (A guerra à moda asteca: expansão política e controle imperial, Norman, Okla., 1988); e War and Society in Ancient Mesoame-
rica (Guerra e sociedade na antiga Mesoamérica, Berkeley e Los Angeles, 1992). Para questões mais amplas sobre cultura e sociedades astecas, consultar P Carasco, The Tenocha Empire of Ancient Mexico: The Triple Alliance of Tenochiitlán, Tetzcoco e Tlacopan (O império tenocha do antigo México: a tripla aliança de Tenochtitlán, Tetzcoco e Tlacopan, Nor-
man, Okla., 1999) e G. Collier, R. Rosaldo e J. Wirth, The Inca and Aztec States, 14001800: Anthropology and History (Os estados inca e asteca, 1400-1800: antropologia e história, Nova York, 1982).
O papel-chave dos bergantins espanhóis no lago Texcoco é abordado em C.H. Gardiner, Naval Power in the Conquest of Mexico (Poderio naval na conquista do México, Austin,
665 E cl É...
Es A
Por que o Ocidente
venceu
N Tex, 1956), e em seu Martin López: Conquistador Citizen of Mexico (Mar tín López: cidadão conquistador do México, Lexington, Ky., 1958). Para explicações culturais que minimizam o papel da tática e tecnologia européias na conquista, ver o artigo de G. Raudzens, “So Why Were the Aztecs Conquered, and What
Were the Wider Implications? Testing Military Superiority as a Cause of Europe's Preindustrial Colonial Conquests” (Afinal, por que os astecas foram conquistados, e quais foram as implicações mais profundas disso? Testando a superioridade militar como causa das
conquistas coloniais européias pré-industriais), War in History 2.1 (1995), 81-104. Ver
também T. Todorov, A conquista da América: a questão do outro, Martins Fontes, 1988); 1. Clendinnen, Ambivalent Conquests: Maya and Spaniard in Yucatan, 1517-1570 (Conquis tas ambivalentes: maias e espanhóis em Yucatan, 1517-1570, Cambridge, 1987); e 1. Clen -
dinnen, Aztecs: An Interpretation (Astecas: uma interpretação, Cambridge, 1991). Final.
mente, para uma crítica de todas essas abordagens, ver K. Windschuttle , The Killing of History: How Literary Critics and Social Theorists Are Murdering Our Past (O assassinato da
História: como os críticos literários e os teóricos sociais estão mat ando nosso passado, Nova York, 1997).
CaríTULO SETE: O MERCADO — OU O CAPITALISMO MATA Lepanto, 7 de outubro de 1571
Durante séculos, os relatos sobre Lepanto estiveram envoltos em um triu nfalismo cristão que enfatizava o grande alívio causado no Ocidente pelo fato de a expansão dos turcos através do Mediterrâneo ter sido finalmente contida. Estu dos mais recentes da batalha estão notavelmente livres de parcialidade ideológica. Ainda falta, no entanto, uma monografia acadêmica em inglês dedicada exclusivamente ao embate em si. Consegiientemente, com frequência nos esquecemos de que, com exce ção de Salamina e Canas, Lepanto pode ter sido a carnificina de um dia mais mortal da história européia. Sem dúvida em nenhum outro conflito os ocidentais mMassacraram mais prisioneiros do que os italianos e os espanhóis depois dessa batalha, quando a maioria dos milhares de marinheiros turcos perdeu a vida. A batalha de Lepanto está ao lado de Somme e Canas como um tes-
tamento da capacidade humana de superar os limites do tempo e do espaço matando, lite-
ralmente, milhares de seres humanos em poucas horas.
Para relatos completos da batalha que discutem fontes primárias em italiano, espanhol! e turco, ver G. Parker, Spain and the Netherlands, 1559.1 659 (A Espanha e os Países Baixos,
1559-1659, Short Hills, N.)., 1979); D, Cantemir, The History of the Growth and Deca of
666
ad
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V.
a
Victor
Davis
Hanson
trad. N. o), man oto o éri imp do a nci adê dec e ão ens asc da ria stó thehe Ottoman Empire (Hi Londres, Tinda (Londres, 1734); A. Wiel, The navy of Venice (A marinha de Veneza,
04-1571), vol.4, The (12 nt Leva the and cy Papa The on, Sett . K.M e, ment cial espe 6; ); 1910 4, O vol. 1], 157 04[12 e ant Lev o e ado Pap (O V Pius to II us Juli from ury sixteenth Cent the Second ip Phil of n Reig the of ory Hist ). 1984 ia, délf Fila céculo XVI de Júlio III a Pio MV tém uma con , cott Pres . W.H de ), 1904 fia, adél (Fil 4 vol. II), pe Fili de (História do reinado
de baixas, a ero núm o re sob s rdo aco des de o eçã exc m Co a. alh bat da narrativa atraente iências estratégiseg con as e ga gre ta cos da os xim pró ios nav uns alg de o içã verdadeira pos antes a respeito ort imp s ica dêm aca s sia vér tro con cas pou há zo, pra go lon cas da vitória a
dos acontecimentos da batalha em si. of Lepanto and Its le tt Ba he “T , ss He C. , A. r as ve ad iz al ci pe es is es ma çõ ia Para aval mediterória hist na r luga seu e o ant Lep de lha bata (A ory” Hist n nea rra ite Place in Med nte: La crise de Lépa re, Lesu M. o, etud sobr e, 3, 53-7 2), (197 57 ent Pres and Past a), râne bém disVempire ottoman (Lepanto: a crise do império otomano, Paris, 1971). Existem tam
cussões inestimáveis sobre a estratégia e as táticas de Lepanto nos estudos de C. Oman, A History of the Art of War in the Sixteenth Century (Uma história da arte da guerra no século XVI, Nova York, 1937); ].EC. Fuller, A Military History of the Westem World, vol. 1, From
the Earliest Times to the Battle of Lepanto (Uma história militar do mundo ocidental, vol. 1, Dos primórdios à batalha de Lepanto, Londres, 1954); e R.€. Anderson, Naval Wars in the
Levant, 1559-1853 (Guerras navais no Levante, 1559-1853, Princeton, N.J., 1952).
Lepanto e as fontes primárias sobre a batalha também são o assunto de capítulos de relatos acadêmicos sobre a arte da guerra no século XVI; ver, por exemplo, 6. Hanlon, The Twilight of a Military Tradition: Italian Aristocrats and European Conflicts, 1560-1800 (O crepúsculo de uma tradição militar: aristocratas italianos e conflitos europeus, 1560-1800,
Nova York, 1998); J.E Guilmartin, Jr., Gunpowder and Galleys: Changing Technology and Mediterranean Warfare at Sea in the Sixteenth Century (Pólvora e galés: mudanças tecnológicas e guerra mediterrânea no século XVI, Cambridge, 1974); e WL. Rodgers, Naval Warfare Under Oars, 4th to 16th Centuries (Guerra naval a remos, sécs. IV a XVI, AnnaThe Age of the polis, Md., 1967). Há boas ilustrações em R. Gardiner e J. Morrison, orgs., Galley: Mediterranean Oared Vessels Since Pre-Classical Times (A era das galés: embarca1995). Ver tamções a remo mediterrâneas desde a época pré-clássica, Annapolis, Md., bém EC. Lane, Venetian Ships and Shipbuilders of the Renaissance (Navios e armadores venezianos do Renascimento, Westport, Conn.., 1975).
Existem algumas narrativas da batalha acessíveis para os leitores em geral, com boas
ilustrações contemporâneas. Ver, por exemplo, R. Marx, The Batle of Lepanto,
1571
(A
|
N
Por que o Ocidente venceu
batalha de Lepanto, 1571, Cleveland, Ohio, 1966), e ]. Beeching, The Galleys of Lepanto (As galés de Lepanto, Londres, 1982). Informações valiosas sobre Lepanto podem ser
encontradas nas biografias de Dom João da Áustria,
especialmente no clássico de W 9tir-
ling-Maxwell, Don John of Austria (Dom João da Áustria, Londres, 1883), com seu Cotejo de fontes contemporâneas; ver também a comovente narrativa de C. Petrie, Don John of Austria (Dom João da Áustria, Nova York, 1967). Sobre a espetacular comemoração da
vitória cristã na arte e na literatura, ver L. von Pastor, The History of the Popes, from the Close of the Middle Ages (A história dos papas desde o fim da Idade Média, Londres, 1923). Uma antologia, Il Mediterraneo nella seconda metã del “500 alla huce di Lepanto (O Mediterrâneo na segunda metade do século XVI à luz de Lepanto, Florença, 1974), de G. Benzoni, org., contém um perspicaz artigo em inglês para os leitores em geral sobre as fontes otomanas para o conflito: H. Inalcik, “Lepanto in Ottoman Sources” (Lepanto nas fontes otomanas), 185-92.
Para as condições da economia e sociedade mediterrâneas no século XV I, ver D. Vaughan, Europe and the Turk: A Pattem of Alliances (A Europa e os turcos: um padrão de alianças, Nova York, 1976); K. Karpatr, org., The Ottoman State and Its Place in World History (O estado
otomano e seu lugar na história mundial, Leiden, 1974); e H. Koenigsberger e G. Mosse,
Europe in the Sixteenth Century (A Europa no século XVI, Nova York, 1968). Para questões de geografia e capitalismo, ver, sobretudo, os trabalhos de E Braudel, Civilization and Capitalism, 15th-18h Century: The Perspective of the World (Civilização e capitalismo, sécs. XV a XVIII: a perspectiva do mundo, Nova York, 1979) e The Mediterranean and the Mediterranean World in the Age of Philip II (O Mediterrâneo e o mundo mediterrâneo na época de Filipe II), vol. 1
(Nova York, 1972). Ver também EL. Jones, The European Miracle: Environments, Economies, and Geopolitics in the History of Europe and Asia (O milagre europeu: meio ambientes, economias e geopolítica na história da Europa e da Ásia, Cambr idge, 1987). Para práticas militares ocidentais primitivas, ver J. France , Westem Warfare in the Age of the Crusades, 1000-1300 (A guerra ocidental no tempo das Cruzadas, 1000-1300, Ithaca, N.Y. 1999). Relatos mais detalhados sobre o exército e a marinha turca são encontrados
em R. Murphey, Ottoman Warfare, 1500-1700 (A Brunswick, N.J., 1999). Sobre a economia de Veneza, of Europe, 1081-1797 (Veneza: o pivô da Europa, Tenenti, Piracy and the Decline of Venice, 1580. 1615 1580-1615, Berkeley e Los Angeles, 1967).
guerra otomana, 1500-1700, New ver W.H. McNeill, Venice: The Hinge 1081-1797, Chicago, 1974), e À. (A pirataria e o declínio de Veneza, :
boas introduções
Victor
são
Davis
Hanson
The encontradas nos estudos compreensivos de H. Inalcik, The Ottoman empire:
no: a idade clássica, 1300-1600, Londres, otoma o impéri (O 1600 1300, l a e c g i A s s Cla as do pom e l y h b t r o n u e r t e P n h s t r ( e s m x e i C e e i w h k S in t Po of Tur 1973); WE.D. Allen, Probl
and ire Emp n oma Ott the of ory Hist w, Sha S. ); 1963 s, dre Lon , XVI lo sécu der turco no Modem Turkey, vol. 1, Empire of the Gazas: The Rise and Decline of the Ottoman Empire, ério dos Imp 1, vol. a, ern mod a qui Tur da é o man oto o éri imp do a tóri (His 1280-1808 Estudos ). , 1976 dge bri , Cam 808 0-1 128 o, man oto o éri imp do ínio decl e ão ens asc Gazas: Wheat), A. de 93 , , s 19 rk a o v Yo n o a N m s o n t a s o m (O o t t s e e O h t o T n sã e c e is r is ma gera croft, e The Ottoman Turks: An Introductory History to 1923 (Os turcos otomanos: uma história introdutória até 1923, Londres, 1997), de J. McCarthy.
A relação entre o Islá e o capitalismo é um campo minado de controvérsias, já que
analistas ocidentais enfatizam com frequência as restrições de mercado inerentes encontradas nos governos muçulmanos, ao mesmo tempo em que estudiosos muçulmanos argumentam não haver nada incompatível com os mercados livres na fé islâmica. Para uma análise dos problemas, ver H. Islamoglu-Inan, org., The Ottoman Empire and the World-
Economy (O império otomano e a economia mundial, Cambridge, 1987); M. Choudhury, Contributions to Islamic Economic Theory (Contribuições à teoria econômica islâmica, Lon-
dres, 1986): e M. Abdul-Rauf, A Muslim's Reflections on Democratic Capitalism (Reflexões de um muçulmano sobre capitalismo democrático, Washington, D.C., 1984). David Landes escreveu duas excelentes avaliações do papel do capitalismo nas relações entre Oriente e Ocidente: The Rise of Capitalism (A ascensão do capitalismo, Nova York, 1966), e Prometeu desacorrentado: transformação tecnológica e desenvolvimento industrial na Europa Ocidental de 1570 até a nossa época, Nova Fronteira, 1994.
Capítulo Oito: Disciplina — ou Guerreiros nem sempre são soldados
Rorke's Drift, 22 e 23 de janeiro de 1879 Existe uma história britânica oficial da guerra, repleta de notas de rodapé, que é um modelo de erudição do século XIX: Narrative of Field Operations Connected with the Zulu
War of 1879 (Narrativa de operações de campo relacionada à guerra zulu de 1879, Londres, 1881). Também foram publicados alguns livros de memórias fascinantes relacionados com a guerra. Henry Harford, que falava zulu, era um funcionário do Natal Native
Contingent, o Contingente Indígena de Natal, e esteve envolvido no auge da batalha da coluna central; ver D. Child, org. The Zulu War Journal of Colonel Henry Harford, C.B. (O diário de guerra zulu do coronel Henry Harford, C.B., Hamden, Conn., 1980). Uma defe-
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e
Por que o Ocidente venceu
4X
sa do coronel Durnford, cujas manobras mal-orientadas podem ter perdido Isandhlwana, assim como um relato contemporâneo compreensivo em relação aos zulus, pode ser encontrado em FE. Colenso (filha do bispo de Natal), History of the Zulu War and lts Origins (História da guerra zulu e suas origens, Westport, Conn., 1970). Para um relato escrito logo após Isandhlwana e Rorke's Drift por um veterano das guerra s tribais na África do Sul, ver também T. Lucas, The Zulus and the British Frontiers (Os zulus e as fronteiras britânicas, Londres, 1879). Há uma pequena quantidade de informação sobre o fim
da Guerra Zulu nos diários de Sir Garnet Wolseley: A. Preston, org., The South African Joumal of Sir Gamet Wolseley, 1879-1880 (O diário sul-africano de Sir Garnet Wolseley, Cidade do Cabo, 1973). De maior valor são as memórias de um tradutor bôer contratado
pelos zulus, Cornelius Vign, cujo diário foi traduzido do holandês pelo bispo J.W. Colenso: C. Vign, Cetshwayo's Dutchman: Being the Private Joumal of a White Trader in Zululand Du-
ring the British Invasion (O holandês de Cetshwayo: diário particular de um mercador branco na Zululândia durante a invasão britânica, Nova York, 1969).
). Guy escreveu um retrato compreensivo da queda e do futuro do reino zulu que explica bem as razões econômicas da guerra, especificamente a natureza exploratória da vida colonial britânica e bôer: The Destruction of the Zulu Kingdom: The Civil War in Zululand,
18/9-1884 (A destruição do reino zulu: a guerra civil na Zululândia, 1879-1884, Cidade do Cabo, 1979). Ver também C.E Goodfellow, Great Britain and South African Confede-
ration, 1870-1881 (A Grã-Bretanha e a Confederação Sul-Africana, 18701881, Londres, 1966) e, sobretudo, J.PC. Laband e PS. Thompson, Field Guide to the War in Zululand and
the Defence of Natal, 1879 (Guia de campanha da guerra na Zululândia e da defesa de Na-
tal, 1879, Pietermaritzburg, África do Sul, 1983).
Para uma narrativa clássica da ascensão dos zulus e da Guerra Anglo-Zulu de 1879, ver D. Morris, The Washing of Spears: A History of the Rise of the Zulu Nation Under Shaka and Its Fall in the Zulu War of 1879 (A lavagem das lanças: uma históri a da ascensão da nação zulu sob Shaka e de sua queda na Guerra Zulu de 1879, Nova York, 1965). As principais campanhas da guerra são bem abordadas por D. Clammer, The Zulu War (A Guerra Zulu, Nova York,
1973); M. Barthorp, The Zulu War (A Guerra Zulu, Poole, Inglaterra, 1980), que contém ilustrações inestimáveis; e A. Lloyd, The Zulu War 1879 (A Guerra Zulu, 1879, Londres, 1974). Os relatos mais atualizados da guerra estão em R. Edgerton, Like Lions They Fought: The Zulu
War and the Last Black Empire in South Africa (Ele s luta ram como leões: a Guerra Zulu e o últi-
mo império negro da África do Sul , Nova York, 19 88), que tem explicações gráficas dos
embates em si, e S. Clarke, org., Zululand at War: The Conduc: of the Anglo-Zulu War (Zululândia em guerra: a condução da guerra anglo-zulu, Johanesburgo, 1984 ).
670
Victor
Davis
Hanson
Existem algumas monografias dedicadas integralmente a Rorke's Drift. Talvez a mais conhecida seja Rorke's Drift: A Victorian Epic (Rorke's Drift: um épico vitoriano, Londres,
1975), de M. Glover, mas também há ilustrações e fotografias fascinantes em J.W. Bancroft, Terrible Ninght at Rorke's Drift (Noite terrível em Rorke's Drift, Londres, 1988). Ver também
R. Furneux,
The
Zulu
War:
Isandhlwana
and Rorke's
Drift
(A
Guerra
Zulu:
Isandhlwana e Rorke's Drift, Londres, 1963).
A bibliografia sobre a cultura zulu e a breve existência de seu império é vasta mas, além de relatos completos, há também introducões acessíveis em inglês às principais questões e
problemas. Ver as diversas análises em J. Selby, Shaka's Heirs (Os herdeiros de Shaka, Londres, 1971); o clássico de A.T. Bryant, The Zulu People: As They Were Before the White Man
Came (O povo zulu: como eles eram antes que o homem branco chegasse, Nova York, 1970); e ].Y. Gibson, The story of the Zulus (A história dos zulus, Nova York, 1970). Um missionário americano, Josiah Tyler, deixou uma narrativa vívida da vida e dos costumes zulus em Forty Years Among the Zulus (Quarenta anos entre os zulus, Boston, 1891). Talvez
o melhor relato do exército zulu seja I. Knight, The Anatomy of the Zulu Army: From Shaka to Cetshwayo, 1818-1879 (Anatomia do exército zulu: de Shaka a Cetshwayo, 1818-1879, Londres, 1995). Para uma pequena amostra da infinidade de publicações sobre o exército britânico
do século XIX, ver G. Harries-Jenkins, The Army in Victorian Society (O exército na sociedade vitoriana, Londres, 1977); G.St.). Barclay, The Empire is Marching (O império está marchando, Londres, 1976); T. Pakenham, The Boer War (A Guerra dos Bôe-
tes, Nova York, 1979); M. Carver, The Seven Ages of the British Army (As sete idades do exército britânico, Nova York, 1984); e J. Haswell, The British Army: A Concise His-
tory (O exército britânico: uma história concisa, Londres, 1975). Sobre a importância dos treinamentos, ver W.H. McNeill, Keeping Together in Time: Dance and Drill in Human History (Juntos através do tempo: a dança e o treinamento na história humana, Cambridge, Mass., 1995); e sobre a relação entre treinamento, bravura e a natureza da coragem, ver W. Miller, The Mistery of Courage (O mistério da coragem, Cambridge,
Mass., 2000). Para relatos genéricos sobre a natureza das guerras tribais, ver B. Ferguson e N.L. White-
head, orgs., War in the Tribal Zone: Expanding States and Indigenous Warfare (Guerra na zona tribal: estados em expansão e guerra indígena, Santa Fé, N.M., 1992); J. Haas, org., The Anthropology of War (A antropologia da guerra, Cambridge, 1990); e, sobretudo, o clássico
de H.H. Turney-High, Primitive War: Its Practice and Concepts (Guerra primitiva: sua práti-
ca e seus conceitos, Columbia, S.C., 1971).
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Por que o ( Jerelente venceu
Capítulo Nove: Individualismo
Midway, de 4 a 8 de junho de 1942
À batalha de Midway foi assunto de vários livros, e muitas vezes consitui o capítulo
“mediano” (midway, em inglês, significa o meio do caminho) nas análises compl etas do
teatro de operações do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial. Para monografias sobre a batalha em si, seria bom começar com G. Prange (auxiliado por D. Goldstein e K.
Dillion), Miracle at Midway (Milagre em Midway, Nova York, 1982), que aborda os principais problemas. Rendezvous at Midway: U.S.S. Yorktoun and the Japanese Carrier Fleet (Encontro marcado em Midway: U.S.S. Yorktown e a frota Japonesa de porta-aviões, Nova York, 1967), de P Frank e J. Harrington, contém uma análise do conserto, do retorno e do afundamento do Yorktown durante a batalha. Incredible Victory (Incrível vitória, Nova York, 1967), de Walter Lord, é um relato popular bem escrito baseado em entrevistas de
primeira mão orais e escritas de veteranos japoneses e americanos da batalha. Além disso, existem pelo menos quatro estudos gerais que descrevem amplamente a batalha do ponto
de vista americano: A. Barker, Midway: The Tuming Point (Midway: a batalha decisiva, Nova York, 1971); R. Hough, The Batile of Midway (A batal ha de Midway, Nova Yrok, 1970); WW. Smith, Midway: Tuming Point of the Pacific (Midway: a batalha decisiva do Pacífico, Nova York, 1966); e 1. Werstein, The Battle of Midway (A batalha de Midway, Nova York, 1961).
Para capítulos relativos a Midway em histórias gerais do teatro do Pacíf ico, Coral Sea, Midway, and Submarine Actions, May 1942-August 1942 (Mar de Coral, Midway e ações submarinas, maio de 1942 -agosto de 1942), vol. 4 de Histo ry of United States Naval Operations in World War II (História das operações navais dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial, Nova York, 1949), de Samuel Eliot Morison, ainda é inestimável; sua leitura deve ser complementada por J. Costello, The Pacifi c War, 1941-1945 (A guerra no
Pacífico, 1941-1945, Nova York, 1981); e H. Willmott, The Barrier and the Javelin: Japanese and Allied Pacific Strategies, February to June 1942 (A barreira e o dardo: estratégias japonesas e aliadas no Pacífico, fevereiro a junho de 1942, Annapolis, Md., 1983). The Pacific Campaign, World War Il: The U.S.-Japanese Naval War, 1941.45 (A campanha do Pacífi co, Segunda Guerra Mundial: a guerra nava l entre americanos e japoneses, 1941-4 5), de D. van der Vat, faz uma boa análise geral da batalha, com informações inestimáveis do lado
japonês. Em The Price of Admiralty: The Evolution of Naval Warfare (O preço do almiranta-
do: a evolução da guerra naval, Nova York, 1989), de John Keegan, Midway é discutida
Victor
norta-aviões. Why the Allies Won
Davis
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(Por que os aliados venceram, Nova York, 1996), de
R. Overy, também tem alguns trechos astutos dedicados à batalha que enfatizam as van-
tagens japonesas em termos de armas e de experiência. A importância das operações do serviço secreto americano é discutida em The Codebreakers: The Story of Secret Writing (Os
decifradores de códigos: a história da escrita secreta, Nova York, 1996), de D. Kahn, e em The American Magic: Codes, Cyphers and the Defeat of Japan (A mágica americana: códi-
gos, escritas cifradas e a derrota do Japão, Nova York, 1982), de R. Lewin. Há algumas monografias, desenhos, mapas, tabelas e estatísticas úteis relativos à mari-
nha japonesa em The Imperial Japanese Navy (A marinha imperial japonesa, Garden City, NY.
1971), de A. Watts e B. Gordon, e em Victory at Sea: World War Il in the Pacific
(Vitória no mar: a Segunda Guerra Mundial no Pacífico, Nova York, 1995), de J. Dun-
ningan e À. Nof. Em Midway, the Battle that Doomed Japan: The Japanese Navy's Story (Midway, a bata-
lha que condenou o Japão: a história da marinha japonesa, Annapolis. Md., 1955), dois veteranos da campanha de Midway-Aleutas, M. Fuchida e M. Okumiya, escreveram um fascinante livro de memórias do lado japonês, equilibrado e reflexivo do início ao fim. M. Okumiya e J. Horikoshi, junto com M. Caidin (Zero! [Zero!, Nova York, 195 61), discutem
Midway no contexto da guerra naval aérea do Pacífico. O diário de M. Ugaki, Fading Victory: The Diary of Admiral Matome Ugaki 1941-45 (Vitória evanescente: o diário do al-
mirante Matome Ugaki, 1941-45, Pittsburgh, Pa., 1991) também é interessante. Existe
uma antologia de relatos de testemunhas oculares japonesas dos principais confrontos navais no teatro do Pacífico em D. Evans, org., The Japanese Navy in World War II in the Words of Former Naval Officers (A marinha japonesa na Segunda Guerra Mundial nas
palavras de ex-oficiais navais, Annapolis, Md., 1986).
Há também bons capítulos do ponto de vista japonês em R. O'Connor, The Imperial Jabanese Navy in World War II (A marinha imperial japonesa na Segunda Guerra Mundial, Annapolis, Md., 1969); P Dull, A Battle History of the Imperial Japanese Navy (Uma
história das batalhas da marinha imperial japonesa, Annapolis, Md., 1978); E. Andrie, Death of a Nayy: Japanese Naval Action in World War Il (Morte de uma marinha: a ação
naval japonesa na Segunda Guerra Mundial, Nova York, 1957); e J. Toland, The Rising Sun: The Decline and Fall of the Japanese Empire, 1936-1945 (O sol nascente: declínio e queda
do império japonês, 1936-1945), 2 vols. (Nova York, 1970).
Pode-se aprender muito sobre a batalha nas biografias dos comandantes supremos inimigos. Ver H. Agawa, The Reluctant Admiral: Yamamoto and the Imperial Navy (O almirante relutante: Yamamoto e a marinha imperial, Annapolis, Md., 1979); ]. Potter.
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Yamamoto: The Man Who Menaced America
(Yamamoto:
o homem
que ameaçou os
Estados Unidos, Nova York, 1965); T. Buell, The Quiet Warrior: A Biography of Admiral Raymond A. Spruance (O guerreiro tranquilo: uma biografia do almir ante Raymond A. Spruance, Boston, 1974); e E. Hoyt, How They Won the War in the Pacific: Nimitz and His Admirals (Como eles venceram a guerra no Pacífico: Nimitz e seus almirantes, Nova
York, 1970).
Alguns livros discutem o processo de ocidentalização do Japão. Ver, de maneira 5. Eisenstadt, Japanese Civilization: A Comparative View (Civilização japonesa: uma comparativa, Chicago, 1995); e M. e S. Harries, Soldiers of the Sun: The Rise and Fall Imperial Japanese Army 1868-1945 (Soldados do sol: ascensão e queda do exército
rial japonês 1868-1945, Nova York, 1991). Uma
geral, visão of the impe-
avaliação mais acadêmica e detalhada
pode ser encontrada em J. Arnason, Social Theory and Japanese Experience: The Dual Ci. vilization (Teoria social e a experiência japonesa: a civilização dual, Nova York, 1997). As especificidades da adaptação japonesa às praticas militares ocidentais e à tecnologia européia durante o século XIX podem ser encontradas em E.L. Presseisen, Before Aggression: Europeans Prepare the Japanese Army (Antes da agressão: os europeus preparam o exército japonês, Tucson, Ariz., 1965); R. P Dore, Land Reform in Japan (Reforma agrária
no Japão, Londres, 1959): e, sobretudo, S.P Huntington, O soldado e o estado: teoria e política das relações civis e militares, Biblioteca do Exército, 1996.
Sobre a história militar japonesa e as pressuposições culturais japonesas na organização e na prática da guerra, ver T. Cleary, The Japanese Art of War: Understanding the Culture of
Strategy (A arte da guerra japonesa: para entender a cultura da estratégia, Boston, 1991), e
R.). Smethurst, A Social Basis for Prewar Japanese Militarism: The army and the Rural Commu-
nity (Uma base social para o militarismo Japonês do pré-guerra: o exército e a comunidade
rural, Berkeley e Los Angeles, 1974). Em Warriors of the Rising Sun: A History of the Japanese Military (Guerreiros do sol nascente: uma história do militarismo japonês, Nova York, 1997), Robert Edgerton fornece uma boa discussão sobre o comportamento japonês em relação aos Povos conquistados e capturados, e sugere que o per íodo de brutalidade entre 1930 e 1945 pode ter sido uma aberração na longa história de prática militar japonesa. Capítulo Dez: Discordância e autocrític a Tet, 31 de janeiro — 6 de abril de 1968 Talvez se tenha escrito mais sobre o Vie tnã do que sobre todas as outras batalh as deste
livro juntas, o que sem dúvida é um reflexo da Tiqueza e da influência da mídia e do meio
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editorial americano, bem como de um certo ensimesmamento da atual geração de americanos, que cresceu depois da Segunda Guerra Mundial. Existem diferenças óbvias
a respeito da condução da Guerra do Vietnã mas, cada vez mais, elas parecem estar baseadas mais na cronologia do que na ideologia. Muito do que foi publicado entre 1965
e 1978 é hostil à presença e à estratégia americanas, quer resulte do trabalho de críticos de esquerda que insistem na desumanidade da presença dos Estados Unidos, quer tenha sido produzido por estudiosos conservadores que citam a inépcia militar associada a uma liderança política fraca.
No entanto, no início dos anos 1980 — depois da ausência de eleições livres em um Vietnã unificado, do êxodo em massa dos boat people do Vietnã, do holocausto cambojano, da invasão do Afeganistão pelos soviéticos e da crise de reféns no Irã —, houve uma mudança gradual, mas perceptível, das opiniões sobre o Vietnã. Embora a maioria dos americanos continuasse concordando que a guerra fora um erro, talvez desnecessário, muitos argumentavam que, apesar de tudo, a causa fora mais certa do que errada, e que a guerra poderia ter sido ganha com a estratégia militar decisiva correta. Havia uma expressão de segurança no rosto dos revisionistas que sentiam que a história, de algum modo, lhes dera razão, e uma atitude preocupada, e às vezes até apologética, nos críticos mais veementes do período anterior, alguns dos quais haviam visitado o Viernã do Norte, elogiado os regimes comunistas do Sudeste Asiático, e divulgado pelo rádio propaganda
contra soldados americanos no campo de batalha. Para uma sinopse sobre vários temas de pesquisa, ver J.S. Olson, The Viemam War: Handbook of the Literature and Research (A Guerra do Vietnã: manual de literatura e
pesquisa, Westport, Conn., 1993), e R.D. Burns e M. Leitenberg, The Wars in Viernam, Cambodia, and Laos, 1945-1982 (As guerras no Vietnã, no Cambodja e no Laos, 19451982, Santa Barbara, Calif., 1983). Para o Tet em si, começar com a algo datada, mas ainda inestimável, monografia de D. Oberdorfer, Tet! (Tet!, Nova York, 1971). Existem alguns ensaios reveladores sobre a ofensiva reunidos em M.). Gilbert e W. Head, orgs., The Tet Offensive (A Ofensiva do Ter, Westport, Conn., 1996). Ver também W. Pearson, Viernam Studies: The War in the Northem Provinces, 1966-8 (Estudos sobre o Vietnã: a guerra nas províncias do norte, 1966-8, Washington, D.C., 1975). Também existem bons capítulos
sobre a Ofensiva do Tet nas histórias-padrão da batalha como, por exemplo, S. Stanton, The
Rise and Fall of an American Army:
U.S.
Ground
Forces
in Viemam,
1965-1973
(Ascensão e queda de um exército americano: as forças terrestres americanas do Vietnã,
1965-1973, Novato, Calif., 1985). O extenso estudo em dois volumes de P Braestrup sobre a cobertura do Tet ainda é um retrato condenatório da mídia americana: P Braestrup, Big B£Z5s
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Por que o Ocidente venceu
N Story: How the American Press and Television Reported and Interpreted the Crisis of Tet | 968 n Viemam and Washington (Grande matéria: como a imprensa e a televisão america na no-
ticiaram e interpretaram a crise do Tet em 1968 no Vietnã e em Washington, Boulder, Colo., 1977). Alguns mapas e ilustrações interessantes sobre a Ofensiva do Tet podem ser encontrados em Tet Offensive 1968: Tuming Point in Vietnam (Ofensiva do Tet, 1968: a
batalha decisiva do Vietnã, Londres, 1990), de ]. Arnold.
Sobre o fracasso dos serviços secretos americanos em predizer corretamente a surpresa
do Tet, ver E Ford, Tet 1968: Understanding the Surprise (Tet, 1968: para entender a surpresa, Londres, 1995), que culpa as brigas políticas entre agências de serviço secreto que acabaram por não permitir o uso correto das excelentes informações brutas que se pôde juntar. Existem alguns ensaios inestimáveis sobre a guerra e, especialmente, sobre o papel
do poder aéreo durante a ofesiva em D. Showalter e ).G. Albert, An American Dilemma:
Viernam, 1964-1973 (Um dilema americano: Viernã, 1964-1973, Chicago, 1993); sobre as
operações militares depois do Tet, ver R. Spector, After Tet: The Bloodiest Year in Vietnam (Depois do Tet: o ano mais sangrento no Vietnã, Nova York, 1993). Para estatísticas sobre os soldados que lutaram no Vietnã — idade, origem econômica, tipo de serviço, raça, taxas de mortalidade etc. —, ver T. Thayer, War Without Fronts: The
American Experience in Vietnam (Guerra sem fronts: a experiência americana no Vietnã, Boulder, Colo., 1985); e, sobre as percepções errôneas a respeito dos veterano s do Vietnã: E.T. Dean, Shook Over Hell: Post-Traumatic Stress, Vietnam, and the Civil War (Lançados sobre o Inferno: estresse pós-traumático, Vietnã e a guerra civil, Norman, Okla., 1989). Algumas das intrigas políticas em Washington que cercaram a Ofensiva do Tet são discutidas por T. Hoopes em The Limits of Intervention: An Inside Account of How the Johnson Policy of Escalation in Vietnam Was Reversed (Os limites da intervenção: um relato interno de como a política de escalação de Johnson no Vietnã foi revertida, Nova York, 1973), que tem um capítulo dedicado à ofensiva. As razões para a derrota americana no Vietnã são examinadas cuidadosamente por J.
Record em The Wrong War: Why We Lost in Vietnam (A guerra errada: por que perdemos
no Vietnã, Annapolis, Md., 1998) — sobretudo a inépcia militar e a ausência de razões políticas e estratégicas para estar ali em primeiro lugar. G. Lewy, America in Viemam (Os
Estados Unidos no Vietnã, Nova York, 1978); L. Sorley, A Better War: The Unexamined Victories and Final tragedy of America's Last tears in Vietnam (Uma guerra melhor: as vi1999);
e M.
Lind, Vietnam,
the Necessary War: A
ricanos no Vietnã, Nova York,
Reint erpretation of America's
Most Disastrous Military Conflict (Vietnã, a guerra necessária: u ma reinterpretação do conflito
676
Victor
Davis
Hanson
militar mais desatroso dos Estados Unindos, Nova York, 1999), mencionam as represen-
tações equivocadas da Ofensiva do Tet como parte de esforços mais abrangentes para cor-
rigir a idéia habitual de que a Guerra do Vietnã não poderia ser ganha e era moralmente errada — talvez melhor representada pelos relatos populares de S. Karnow, Vietnam: A
History (Vietnã: uma história, Nova York, 1983), e N. Sheehan, A Bright Shining Lie: John Paul Vann and America in Vietnam (Uma mentira reluzente: John Paul Vann e os Estados
Unidos no Vietnã, Nova York, 1998). A Ofensiva do Tet aparece com força em várias coletâneas de documentos, discursos e
artigos primários que são usados como bibliografia nos cursos universitários; os organí-
zadores dessas antologias têm uma abordagem crítica da intervenção americana e da conduta militar no Vietnã em geral. Ver J. Werner e D. Hunt, orgs., The American War in Vietnam (A guerra americana no Vietnã, Ithaca, N.Y., 1993); G. Sevy, org., The American
Experience in Vietnam: A Reader (A experiência americana no Vietnã: uma antologia,
Norman, Okla., 1989): M. Gettleman et al., orgs., Vietnam and America: A Documented History (O Vietnã e os Estados Unidos: uma história documentada, Nova York, 1995); e ]. Rowe e R. Berg, orgs. The American War and American Culture (A guerra americana e
a cultura americana, Nova York, 1991). Coletâneas de documentos (até 1965) mais equilibradas são encontradas em M. Raskin e B. Fall, orgs., The Vietnam Reader: Articles and Documents on American Foreign Policy and the Viet-Nam Crisis (A antologia do Vietnã: artigos e documentos sobre política externa americana e a crise do Vietnã, Nova York, 1965),
e H. Salisbury, org., Viernam Reconsidered: Lessons from a War (O Vietnã reconsiderado: lições de uma guerra, Nova York, 1994). Para relatos favoráveis desses protestadores que visitaram o Vietnã do Norte, ver M. Hershberger, Traveling to Vietnam: American Peace Activists and the War (Viagem ao Vietnã: os pacifistas americanos e a guerra, Syracuse, N.Y., 1998), e J. Clinton, The Loyal Opposition: Americans in North Viemam, 1965-1972 (A oposição leal: americanos no Vietnã do Norte, 1965-1972, Boulder, Colo., 1995). Existem também numerosas narrativas recentes sobre o combate de vinte e seis dias, de casa em casa, em Hué, muitas delas livros de memórias de veteranos da penosa experiência. Ver N. Warr, Phase Line Green: The Battle for Hue, 1968 (Fase linha verde: a batalha de Hué, 1968, Annapolis, Md., 1997); K. Nolan, Battle for Hue, Tet, 1968 (A batalha
de Hué, Tet, 1968, Novato, Calif., 1983); G. Smith, The Siege of Hue (O cerco a Hue,
Boulder Colo., 1999); e E. Hammel, Fire in the Streets: The Battle for Hue, Ter 1968 (Fogo nas ruas: a batalha de Hué, Tet, 1968, Chicago, 1991). Sobre Khesanh, ver a narrativa comovedora de J. Prados e R. Stubbe, Valley of Decision: The Siege of Khe Sanh (Vale de
decisão: o cerco a Khe Sanh, Nova York, 1991), e também R. Pisor, The Siege of Khe Sanh
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Por que 0 Oedente venceu
(O cerco a Khe Sanh, Nova York, 1982). O papel da força aérea no cerco é bem relatado por B. Nalty em Air Power and the Fight for Khe Sanh (Poderio aéreo e o combate por Khe Sanh, Washington, D.C., 1973), publicado pelo Office of Air Force History, o Escritório
de História da Força Aérea Americana.
Existem bons livros de memórias revisionistas, com opiniões fortes, escritos logo depois da guerra por alguns dos principais personagens militares americanos envolvidos no conflito. Começar com W.C. Westmoreland, A Soldier Reports (Relatório de um soldado, Nova
York, 1976); M. Taylor, Swords and Plowshares (Espadas e relhas de arado, Nova York,
1972); e U.S. Sharp, Strategy for Defeat: Vietnam in Retrospect (Estratégia para a derrota: o Vietnã em retrospecto, Nova York, 1978).
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E
A
Abrams, Creighton W., 589, 619 Áctio, 348, 474 Adams, Eddie, 556 Adb ar-Rahman, 201, 204, 208, 214, 216, 244, 555 Adímantos, 81 Adrianópolis, 29, 148, 185 Africano, Scipião, 44 Agesilau, 18, 75, 104 Apincourt, 86 Agostinho, 226 Ahura Mazda, 59, 64 Alcibíades, 57, 61, 576
Alexandre (Plutarco), 94-95, 100-02, 110, 128, 129, 135 Alexandre, o Grande, 18, 44, 92, 155-34, 168 aniquilação e guerra total, 117-18, 12429 assassinato do pai, 112 batalha decisiva, resultados da, 122-34 Bucéfalo (cavalo de), 99, 104 conquista da Grécia, 118, 121-23
conquista do Oriente Médio e da India, 125-27
críticas a; crucifixão introduzida por, 131 dizimação, 131 em Gaugamela, 95-96, 98-105, 109, 112, 118, 142 evolução rumo à paranóia, megalomania
e despotismo, 96, 100, 122-23, 130-31 exército de, 43, 79, 89, 118-19
fórmula de ataques de, 94-95, 104-5, 118-19 Gaza e, 105, 126 Granico, rio, 100, 118-19, 122, 124
Hidaspe, 118 Hitler comparado a, 132-33
influência helênica, 26, 119-23 Isso, 101, 105, 116 juramento em Ópis; liberdade e, 121-23 número de homens mortos por, 19,
124-21
Parmênio e, 93-104, 131, 135
Pérsia, campanha da, 122-23 prática da proskynesis, 121, 131 qualidades de liderança, 118-19 saque dos tesouros aquemênidas, 392 Tiro e, 105, 126
Ver também Gaugamela; exército macedônio.
z
00 E.
Por que 0 Oetdente venceu
Ali Pasha, Miezzinzade, 333, 336, 348, 3555-571, 3419-160, 399 Ali Pasha, Turghud, 377-78 Ali, Hassan, 365 Ali, Uluj, 339, 377 Aliado de Cortés, Ixtlilxochitl, 277-78, 280, 316 Alvarado, Pedro de, 197, 251, 257, 266, 272, 297, 314, 325, 329 Ambrose, Stephen, 23 Anabase (Arrian), 98-102, 126, 130 Anabase (Xenofonte), 13-6, 78 Anaxágoras, 65 Andrea Dorea, Gian, 339 Aníbal, 19, 44 brilhantismo, 154, 156
campanha depois de Canas, 163, 186-87
derrota de, 162-63 em Canas, 147-57 exército sem cidadãos, 183 exército sem substitutos, 180-81 influência helênica, 165-66
ingênuo, 192-93
irmão, Mago, 151, 159 origem, 162-63 Aniquilação, 42, 53, 117, 124, 125-29, 142, 262, 442, 515 Antígona (Sófocles), 245 Antígono, 116 Antíoco, 61 Aornus, 126, 128 Apião, 156 Aquino, Tomás de, 190 Aquitânia, 216 Aragonesium rerum comentarii (Blancas), 329 Argentina, 633, 636 Arginusas, 54, 61 Argos, 137 Ariamazes, 126 Ariobarzanes, 127 Ariovisto, 184 Aristides, 85
680
Aristodemo, 462 Aristóteles, 59, 90, 91, 98, 138, 166, 176, 192, 197, 234, 305, 331, 391, 464-66, 471
Armas, germes e aço (Diamond), 33.34 Armas. Ver Tecnologia: batalhas específicas
Arnett, Peter, 590-91, 598
Arquimedes, 331
Arriano, 98-9, 101-02, 126
Arsouf, 44 Artaxerxes, 14, 17, 78, 105 Artemisium, 56, 67, 72, 474
Asdrúbal, 25 Astecas, 66, 246 Ahuitzotl, massacre de prisioneiros de, 251, 262
massacre dos por Alvarado, 251-52, 262
aniquilação por Cortés dos, 125, 301-2
armamento, 280-82, 318-19, 320-21 brutalidade dos, 265 como imperialistas teocráticos, 278, 297 confundem espanhóis com deuses, 25051, 296, 310 Cuauhtémoc, 271, 297, 313 Cuitláhuac, 265, 269
desvantagem tecnológica e confusão
cultural dos, 165, 246-47, 310-13, 31825 epidemia de varíola, doenças européias
e vitória dos espanhóis, 265-66, 269-70,
306-10, falta de dental, falta de
311 familiaridade com a guerra oci262 disciplina militar, 323-24
fuga de Cortés e celebração, 261 guerras das flores, 43, 262, 279, 282 herança e táticas de guerra, 27884
mutilação de espanhóis pelos, 173-74,
246-47, 260-61, 275 patentes militares e status, 383 perda de liderança e colapso, 312-13
Victor
4, sacrifício humano e tortura, 20, 45-4 86, 252, 260-61, 279-81, 284-81, 301-02 subserviência do indivíduo ao estado, 86: rendição, 277 5 táticas de guerra, 283, 312-13, 437, 55 tesouro, 247, 289 Ver também Cidade do México e Montezuma Atenas: cidadania, 80, 167, 177-78 ataque persa e destruição da Acrópole, 61 disciplina militar, 466 erros, Guerra do Peloponeso e Sicília, 548, 5176-717, 642 evacuação dos cidadãos, 68-69, 84 governo, 82
liberdade em, 84, 88-92 Macedônia, invasão, 118 Maratona, 66 nomes de trirremes, 81 poderio naval de, 69, 93 renascimento democrático, 90 Salamina, vitória de e, 75, 88-92 Augusto (Otávio César), 64 Auschwitz, 161, 280 Avignon, 205
B
Bachrach, B., 211 Báctria, 64, 127 Barbarigo, Agostino, 337, 351, 361
Barbarossa, Khaireddin, 365, 377-78
Base social para o militarismo japonês do préguerra, Uma (Smethurst), 523 Batalha de choque: britânica, 143 Batalha(s) decisivas, 116-19 como característica militar ocidental, 74-76, 109, 135, 142-46, 200 Cortés, 143, 244-45 eficácia da, 134-35 espanhola, 320 evolução das, 136-37
Davis
Hanson
grega, 16, 17, 20, 115, 136-41, 142 guerra à moda ocidental e, 134-36, 367, 435, 512, 515-16 Lepanto, 370 Macedônia, 106-7, 114-15, 135-37, 139
povos indígenas e falta de entendimento das, 435 relutância do Japão em se envolver em, 512-15 resultados das de Alexandre, 122-34 romana, 141-42 Batalhas decisivas desde Waterloo (Knox), 23 Batalhas decisivas do mundo: de Salamina a Madri (Fuller), 23 Bazán, Alvaro de Beda, o Venerável, 224 Belisário, 232, 547 Best, Dick, 481 Bizantinos, 212, 215, 216, 220, 223, 226, 231, 236, 332, 366 Blancas, Jerónimo de, 329 Bôeres, 402-3, 405, 424-25, 426, 427, 440, 445 Borges, Jorge Luis, 636 Bradley, Omar, 577 Bragadino, Antonio e Ambrogio, 334 Bragadino, Marcantonio, 364 Branchideae, 126, 12/ Brásidas, 20, 21, 61, 463 Braudel, Fernand, 33 Bromhead, Gonville, 413, 415, 418-19 Brunni, Leonardo, 190 Bulwer, Henry, 428 Bunker, Ellsworth, 553-54
Byron, Lorde (George Gordon), 56
C
Calamech, Andrea, 362 Calíbios, 15 Calístenes, 101, 120, 131 Camboja, 494, 602, 620
681
é
Por que o ( Jerdente venceu
Campanha do Pacífico, A (van der Va t), 526
Canas (Schlieffen), 154
Canas, 27, 142, 1471-193 armadilha de Aníbal, 151, 154, 159-60
lições de, 158 baixas romanas, 148, 150-53, 155-57, 169 batalha de, 151-56, 159-6]
cavalaria em, 152-55
derrota, causas, 157-58 exército de Aníbal, composição do, 14853 exército romano em, 150-53, 160-63 local da batalha, 158-59 loucura do comando romano, 24, 154, 157-59, 160-61, 175-76 luta de Aníbal em, 151 massacre em, 154-57 perdas de Aníbal, 151 resposta de Roma à derrota, 25, 164-65, 186 significado de, 192-93 tamanho dos exércitos em, 147, 152, 159, 162 Cancíon de Lepanto (Herrera), 362 Capitalismo, 42, 643 armamento: fabricação, desenvolvimento, disseminação, 41-43, 329, 330-32, 354, 368, 370, 374, 386-93 cultura e, 386-90 espanhol no Novo Mundo, 328-29 Veneza, 372-75 europeu, 368 grego, 85, 391-92 império otomano e Islã, 385-90 kerdos (lucro), 390 propriedade agrária e propriedade privada como valor ocidental, 61-62, 83-84 reis sucessores macedônios e, 63 Cardona, Juan de Cardwell, Edward, 457 Carlos Magno, 44, 228, 243 Carolíngios, Os (Riché), 224
682
Carrhae, 29, 141
Cartago: adoção de táticas militares romanas, 27, 32
como estado quase ocidental, 165-66 conquista islâmica, 216-17
cultura, derrota, história, Primeira
165-69 193 166 Guerra Púnica, 162, 169
Segunda Guerra Púnica, 157, 163, 178 valores culturais e governo diferentes de
Roma, 25, 166-69, 176 Cartas do México (Cortés), 316-17 Castillo, Bernal Díaz del, 246, 254, 266, 2714, 441 Catafractas, 95 cavalaria: britânica, Isandhlwana, 397-98 bizantinos, 236 cavaleiro montado, 228-29, 235, 238
condições que favoreciam, 230-31, 267
conquistadores, 247, 266-67 defesa contra, 324-25 dos Companheiros, 93-5, 100, 101, 106, 108, 234-35 estribos, 206, 221, 235 européia, 238 exército persa, 94-96, 97, 102-3, 106-8 infantaria versus, 16, 137-41, 197-200, 228, 233-34 islâmica, 215 Poitiers, 200-1, 203-5, 206 Cavaleiros de Malta, 348 Cavalo Louco, 434 Celanae, 126 Cerco a Hué, O (Smith), 560-61 Cervantes, Miguel de, 362, 385 César, Júlio, 18, 22, 44, 125, 141, 172, 306 Cetshwayo, rei, 30, 87, 393, 411, 424,
126-31, 434, 437, 442, 445, 454.56, 555 Chãlons, 209
Chard, John, 413, 415, 418-19, 421-23
Chelmsford, Lorde, 400, 404-09, 426, 430, 431, 440, 55961 ,7
Victor
yina, 34 DL E
sipre, 334, 335, 364, 388
am
coma
a
mm
a
cm
E
mmsky, Noam, 596 hub, Oliver E., 566 yurchill, Winston, 197 Cícero, 190
Cidade de Deus (Agostinho), 226 Cidade do México (Tenochtitlán), 40,
156, 174, 190, 246, 299 aliados de Cortés e conquista, 249, 269, 299-306 baixas entre os conquistadores, 245-49, 251-52, 257, 261-62, 273-74, 271-18 baixas mexicanas, 246-47, 251-52, 253, 259, 263-65, 271- 78
batalhas por, 245-78
bergantins espanhóis, 327 cavalaria, 197, 228, 246, 323-24 cerco a, 26, 245-55
destruição da, 268-78 epidemia de varíola, doenças européias e vitória, 265-66, 268, 269, 306-10, 311
fim da autonomia mexicana, 300, 304-6 fuga de Cortés, 260-68
maior derrota européia, 255-60
maquinário de batalha dos espanhóis,
326-27 motivação dos espanhóis, 288-89 Noche triste, 44, 255-60, 263-64, 323-24 objetivo estratégico dos espanhóis, 305 por que Cortés venceu, 298-329 rendição dos astecas, 276-78 superioridade numérica mexicana, 246, 249-50, 271, 298-99 superioridade tecnológica dos espanhóis, 246, 274, 282, 310-13, 317-29 tamanho das forças de Cortés, 250, 271.72 tamanho e grandeza da cidade, 298-99 táticas de guerra total na, 141-42, 215, 216-78, 327-28
Davis
Hanson
teoria da confusão cultural mexicana, 310-13 Ver também astecas; Cortés; Montezuma Cinoscéfalas, 158, 168 Ciro, o Grande, 57-58, 78
Ciro, o Jovem, 13, 387
Clausewitz, Karl von, 154, 306, 438 Cleitus Negro, 131 Clóvis, 209 Colenso, Frances, 454, 459 Colenso, John, 617, 627 Colonna, Marcantonio, 335, 350-51 Conquista (Thomas), 247, 255, 313
Conquista do México, A (Sahagún), 320,
616, 627 Constantinopla, 27, 205, 216, 222, 243, 366, 378 Contarini, Gianpietro, 343, 358, 441 Corbiêre, 205 Coréia, Guerra da, 580-81 Corfu, 335, 350, 364 Corinto, 82 Coronéia,
19, 104
Córsega, 365
Cortés, Hernán “Malinche”, 18, 43, 44, 124, 291, 294, 313 aliados no México, 247-49, 268, 299306, 307-8, 316-17,438 arte do cerco, 273, 326-28 batalha de Otumba, 266-67, 329 cavalaria, 197-98, 228, 324-35 cerco à Cidade do México e, 249-51
conquista do México, 247-49, 269-71, 433
democracia e dissidência entre soldados,
297
destino de, 615-16, 627
destruição da Cidade do México e do império asteca, 268-78 educação, 296 epidemia de varíola, doenças européias e vitória, 265-66, 269, 306-10, 311 E
683 &
U Por que o Ocidente venceu
exército disciplinado de, 297 forças mortais e zelosas, 288 fuga da Cidade do México (Noche Triste), 260-68, 301, 316, 325 genialidade e audácia da liderança, 31519, 328-29, 547 motivação, 268-94
Narváez e, 247-48, 250-51, 300, 314, 616 números de homens mortos por, 246-47,
251-54, 259, 263-65, 2771-718 pai de filhos mestiços, 292, 316 fuga, 260-68 perdas, 245-49, 251-52, 257-59, 261-62, 214, 271-18, 317, 320 racionalismo de; razões do sucesso, 244
reforços, 262-65, 270
resistência dos homens a doenças nati-
vas, 309-10 tamanho do exército, 249, 270-71
táticas de aniquilação e de guerra total, 142, 262, 272-74, 276-78, 294-95, 299301 composição do exército, 296 maquinaria de batalha projetada, 325-26 Ver também Cidade do México; Espanha;visão dos espanhóis como mais do que mortais e, 310.
Costa, Juan de, 328 Cratero, 94 Creasy, Edward, 23-26, 241 cristandade: atitude em relação aos povos indígenas, 430-41 catolicismo mediterrâneo, 287 Espanha e fanatismo, 284-88 Europa e, 218 guerras “justas”, 190, 226, 367, 493 guerras pontificais contra os otomanos (ver Lepanto); Islã versus, 214-15 militar e tratados contra a guerra, 214. 15, 227, 367
protestantismo e fragmentação religiosa, 365, 367-70
684
reação aos astecas, 285-87
Crônica de Fredegar, 201 Cruzadas, 18, 43, 243, 367
Cultura ocidental: amoralidade da guerra na, 41 “cidadão”, 41, 78-79 armas de fogo e explosivos na, 38, 239-44 batalha decisiva, 134-46, 329, 368, 435 capitalismo e guerra, 39, 367-68, 385-93 caráter letal singular da cultura na guerra, 9-10 catalizador das origens da, 36-38 conquista brutal do Novo Mundo, 304 contemporânea, 636-38 continuidade cultural da Grécia e de Roma, 38, 41, 188-90, 210, 222-28, 230-32, 242-44, 365-67, 623.27 cristandade e forças armadas, 212-15 cultura e capacidade de lutar, 20-23, 2729, 44 Idade das Trevas, 40, 189, 217-27 soldados mortais criados pela, 19, 41-45
definição, 9
democracia, liberdade e proezas militares, 29, 44, 82-83, 85-87, 88-90, 136-
37, 166-68, 231, 238, 372-75, 517 desacordo e autocrítica (liberdade de expressão), 29, 38, 22-24, 330-32, 374 desenvolvimento da nação-estado e dinamismo militar, 177-86, 190-91, 231 desequilíbrio Oriente-Ocidente, 383-85
disciplina das forças armadas (ver tam-
bém Disciplina), 27-29, 73, 108-9, 120, 328-29, 456, 472 disseminação do conhecimento, 35-36,
38, 81.85, 222-23, 330-32, 370, 547-48, 10-76, 585, 613-22, 626-28
exércitos públicos e tempos de serviço
legais, 192, 328-29
expansão européia do século XVI, 40
forças expedicionárias, capacidade de lutar melhor do que os inimigos, 18-19
Victor
Davis
Hanson
44-50 5 , 3 2 0 5 , 1 2 0 2 1 , 59 , 42 , s a armad 1-40 infantaria pesada, 41, 197, 23 insanidade da matança em Verdun e, 25
valores e batalha, conexão entre, 20, 181, 329, 438-40 viagens e tradição de investigação natural, 297-98, 330-32 Cunaxa, 14, 78 Cúrcio, 95, 100, 135
literatura e historiografia, tradição de, 197-98, 331-32, 360-61, 440-42,
D
futuro da, 637-44
sandes batalhas e elementos centrais
o e forças m s i l a u d i v i d n i ; 8 2 7 2 , da
2 guerras “iustas”, 190, 226, 367, 49
611-13
renascimento militar, século XVI, 40,
244 manuais de guerra, 223, 331-32
massacre impiedoso e, 19 militarismo cívico (cidadãos soldados), 145, 169-77, 182-93, 210-11, 328-29, 367-68, 517 comando do campo de batalha, 538 modo de guerra, 41-45, 92, 109, 125-26, 141-46, 328-29, 437-40, 492-94, 60310, 630-44 exército ocidental vs. exército ocidental, 19, 641-44 padrões globais de organização militar, 30-32, 636-37 prática e armamento adotados por nações africanas e asiáticas, 27-28 predominância tardia, 38-41 proeminência da, 30-40
propriedade agrária e propriedade privada, 61-62, 83-84, 91 racionalismo, 39, 294-98, 374 Renascimento, 189 resistência da, 29, 44, 88, 156-57, 18687, 243-44, 621-22 separação entre Igreja € Estado, 211-12, 437-38 tática de batalha de choque, 74-76, 109, | 135-46, 199-200 tecnologia da (ver também tecnologia e A arte da guerra), 27-29, 330-32 ão 1ntradição de investigação e inovaç telectual, 330-32, 374
Dalton, James, 413, 417, 425 Dario II, 19, 27, 78, 95, 101-11, 125, 135, 313, 555 Dario, 55, 58, 63, 66, 78 Dávila, Pedro Arias, 293-94
Declínio e a queda do Império Romano
(Gibbon), 241 Decretum (Graciano), 190 Delbriick, Hans, 241 Délio, 61, 198 Demáratos, 57, 82 Democracia(s): disciplina, combate em
fileiras e batalha de choque, 20-22, 73, 108-9, 120, 136-46, 199-200, 231, 297 como valor ocidental, 44, 88
efeito sobre as forças armadas, 16, 20, 44, 74-17, 81, 85-88 expansão e renascimento ateniense,
90-92 grega primitiva, 167, 174 perigos inerentes, 91-92 resistência da cultura e, 88, 164 romana, 166; guerras entre, 641-44 Demóstenes, 118, 139, 615
Descoberta e a conquista do México, A (Castillo), 245-46, 254, 266, 275 Destruição do reino zulu, A (Guy), 427 Dez Mil, 14-18, 79, 89, 105, 230, 298 Diamond, Jared, 33-34 Diário de guerra zulu do coronel Henry Harford, O (Child), 423 Diário sul-africano de Sir Gamet Wolseley, O, 450 Dien Bien Phu, 30, 564 e
Por que o Ocidente venceu
Dilema americano, Um (Showalter e Albert), 570 Diodoro, 72, 77, 79, 81, 97, 111, 1350 Diógenes, 615
Disciplina das forças armadas: falta de nos astecas, 323 britânica em Isandhlwana, 410 britânica em Rorke's Drift, 416, 424-25 cultura ocidental e, 27-29, 461-64 espanhola, 297, 323 falta de nos zulus, 450
grega, 73-6
Idade das Trevas, 225-26 macedônia, 105-10, 120-22
paradigma clássico, 464-67
romana, 175 treinamento, fileiras, ordem e comando, 467-12 Dizimação, 131
Dom João da Áustria (Stirling-Maxwell), 370
Dom João da Áustria, 335, 336, 337, 350-
53, 364-65 Dom Juan (Byron), 56-57 Dom Quixote (Cervantes), 385 Durnford, Anthony W., 397-98, 400, 407, 408
E
cães usados na guerra, 246-47, 249.50 )
Carlos V, 288, 295
cavalaria, 197, 228, 246-47, 323-24
como centro intelectual da Europa, 296 como continuação do Santo Império
Romano, 287-88 como plutocracia, 290 economia dos castelhanos, 291-92 conquista das Américas e ocupação, motivações, 2586-87, 288, 290.97
conquista das Américas, razão para o
sucesso, 298-329
conquista islâmica, 216-17, 286-88
conquistadores, 20, 28, 189, 247, 283. 84, 296-97, 329 cristãos castelhanos, 284-86, 287, 288, 290, 294-95 expulsão dos judeus e mouriscos, 291 Ferdinando e Isabela, 286-87
forças armadas disciplinadas da, 297, 323 Grande Inquisição, 20, 43, 284, 296
individualismo, 297 infantaria (ver também conquistadores, acima), 319 investida otomana e, 287 legado de Cortés e seus homens, 294-95 liberdade política, 328-29
maquinário de batalha criado, 326-27
Égina, 82
Egito, 36, 64 Eles lutaram como leões (Edgerton), 462 Epaminondas, 61, 159, 515
Erígio, 94 Espanha e seu mundo, A (Elliot), 294 Espanha: aliados no México, 268, 274, 299-306
antiga combatendo os romanos, 148
Armada, 53; apoio constitucional e avanços sociais nas forças armadas, 283-84, 328-29 armamento, 246-47, 296-97, 318-23
686
ouro, desejo de, 289-91, 292 Peru, conquista do, 290
Póstumo morto na, 186 práticas médicas, 308-9 racionalismo, 294-98
reação às perdas na Cidade do México, 263-65 Reconquista, 20, 40, 287, 288 repulsa em relação às práticas astecas, 284-87
táticas, 323.20
treinamento de espadachins e piqueiros ,
280-81 Esparta, 18, 20, 21, 59, 82, 137, 392
Victor
Coronéia, 104 Termópilas, 53, 61, 82, 416 Ésquilo, 49, 51-52, 54-55, 65, 76-77, 82, 89 Estado otomano e seu lugar na história mundial, O (Inalcik), 389
Estados Unidos no Viernã, Os (Lewy), 573, 609
Estados Unidos: clima, geografia, recursos naturais, 34-35
bombardeio de cidades e ataque nuclear
pelos, 492-93 construção de aviões, Segunda Guerra Mundial, 482-83
construção de navios, Segunda Guerra
Mundial, 482-83 desacordo e Guerra do Vietnã, 569-76, 582-88, 589, 611-22
forças militares, tamanho e mobilização
das, 516 frota naval, 489-91 governo Clinton, mobilizações externas
do, 635 governo eleito e declaração de guerra,
37, 516 herança cultural e abordagem da guerra, 43-25, 144-45, 491-93 individualismo nos, e Midway, 520, 522-45 liberdade de expressão, 29 liberdade, 40
negligência das forças armadas, entre
guerras, 512 perturbações culturais e políticas,
86-87 quebra de códigos pelos, 524-27 reforma das forças armadas, 589 resposta a Pearl Harbor, 164 serviço secreto militar, 498-99 tecnologia de armas, 23, 511-12 teoria do dominó, 602 Ver também Midway; Vietnã, Guerra do Estrabão, 130
Estrada, María de, 259
Davis
Hanson
Ética a Nicômaco (Aristóteles), 78, 147,
465-66
Eumênio, 116 Euribíades, 81, 85
Eurípides, 65, 614 Europa: aliados entre povos indígenas, 434-35, 438 ameaça otomana à (ver também Lepanto), 366-70 armamento e equipamento, fabricação de, 358, 370, 389-91, 393 (ver também francos)
arte do cerco, 223, 273 atitude em relação a povos indígenas, 430-40 avanços islâmicos e conteção da, 199-205, 208-9, 216-18, 241-44, 350-51, 364-65, 382-85
capitalismo e cultura, 385-90,393 cavaleiro montado na, 228-29, 236-37 colonização (ver imperialismo, abaixo),
220-27 contingente, recrutamento e disponibilidade, 358-60, 370 continuidade clássica na, 242-44 cristandade e, 218 doença, novas febres e antigas doenças,
resistência a, 308-10
domínio do uso de armas de fogo em
unissono, 239-41, 243-44 expansão do século XVI, 40, 432
financiamento da guerra, 370 forças armadas como cidadãos soldados, 210-11, 226-28 fragmentada por conflitos religiosos, 364-71 guerra como continuação da política, 438 Guerra dos Cem Anos, 228 imperialismo, África, Ásia, Austrália, Américas, 425-42
infantaria, Idade das Trevas e Idade Média, 235-44
— o
687 +.
Por que 0 Oetdente venceu
invasões e migrações, Idade das Trevas, 217-18 manuais romanos de guerra, 222-25 origem do mundo, 205 progressos tecnológicos na Idade Média, 222-25 queda de Roma e Idade das Trevas, 217-19 superioridade militar, 440 tradição militar mortal da Antiguidade clássica mantida viva na, 221-27 Exército britânico: baixas, Guerra AngloZulu, 442 cavalaria, 198-99 disciplina, 410, 416-17, 425, 457-58, 471-72
quebra de códigos, 524 soldado do na África, 452-57 suprimentos, 451-52 17º Regimento de Lanceiros, 197, 460 tamanho do no século XIX, 458 tradições do, 456-61
armamento, 403-5, 442, 458
Exército cartaginense: mercenários africanos, 151-52 armas, 150-51 elefantes usados no, 159 espanhóis no, 150, 159
gauleses no, 165
homens contratados, 147-48, 165, 183 Exército macedônio, 112-19 armas e equipamento, 94-95, 112-14, 134-37 autocracia no, 130-31 batalha de choque, 114, 134-41 batalha decisiva e guerra total, 117, 123-34
carregadores de escudos (hipaspistas), 114
cavalaria e Companheiros (hetairoi), 93. 95, 113-14 combatendo como homens livres ou mercenários, 78, 90, 121
688
companheiros a pé (pezetairoi), 113 de Alexandre, 114-15 de Felipe, 114, 116-18, 122 elefantes, 106 falangistas, 43, 106, 112-17 generais, 93-99
inferioridade numérica na Ásia, 116 opinião e desacordo, 43
táticas de batalha, 115-16 tradição helênica, 43 Ver também Alexandre, o Grande
Gaugamela; Felipe Experiência americana no Vietnã, A (Sevy) 596
F
Falange: espanhola, 320-21 grega, 13, 14, 16-17, 43, 61, 75, 112, 136-41, 232-36, 320, 470 Macedônia, 43, 106-8, 112-17, 172, 235 romana, 170-73 Famagusta, 349, 364 Fase linha verde (Warr), 559 Felipe (Mnesímaco), 117 Felipe da Macedônia; conceito de guerra total e, 139 Fenícios, 61
Filipe II da Espanha, 349
Filosofia da história, A (Hegel), 87 Filotas, 93, 130 Física (Aristóteles), 331 Flamínio, 169 Flaubert, Gustave, 151
Fletcher, Almirante Frank ]., 216, 536-37, 540 Focílides, 58
Forças armadas gregas: aniquilação,
política de, 42-3, 52-53 agredir um hoplita, 82-83 armas e equipamento, 18, 75, 112-15 cidadãos soldados, : como “democracias
1
Victor
em marcha”, 16 diferença cultural dos oponentes, 14-16 eleição de líderes, prêmios, 16, 82 exército em Platéia, 67-68
infantaria e marinha; líderes lutando lado a lado com seus homens, 16, 61 infantaria pesada versus cavalaria, 16, 41, 138-41 liberdade para se alistar, abandonar, 84 líderes criticados, julgados ou punidos
depois das batalhas, 54, 59-62, 82-83
mercenários, 13-18, 27, 78 moral, 73 os Dez Mil, 14-18, 79, 89, 105
Hanson
força expedicionária na Grécia, 66 fuga de soldados, 14-15 frota, 51 Imortais (Amrtaka), 17, 60, 106 intimidada pelas falanges, 106-8 liberdade restrita à elite, 84 Pítio, o Lídio e, 55, 84
ethos guerreiro, 141 rei na batalha, 61
saque, 109 táticas de batalha e abordagem da guerra, 139-42 Ver também Gaugamela, Salamina
aradigma clássico: coragem, obediência,
disciplina; governo consensual e liberdade, impacto do, 17-18, 20-22, 57 pólis inata nas, 18 rituais e sacrifícios antes das batalhas; tática de batalha de choque, 16, 18, 21, 75, 94-95, 104, 115, 136-37
soldados hoplitas (falange), 13, 14, 17, 43, 61, 75, 112-13, 136-41 tecnologia e, 18
tradição helênica, 26
trirremes, 41, 50, 73, 81
tropas disciplinadas, 22, 73, 74, 15-16 Ver também batalhas específicas Forças armadas persas, 60
“Carregadores de Maçã”, 106
armas e equipamento, 60, 95
baixas em Salamina, 49-50 cavalaria, 95, 106-7 chicoteamento da infantaria, 15, 83
conscrição e coerção de soldados, 55, 57,60, 78-79 desacordo ou desobediência punidos,
55, 81
Davis
!
destruição das por Alexandre, 124-29 elefantes, 106
exército derrotado de Mardônio comparado aos Dez Mil, 17
9 falta de combate disciplinado, 108-
Forças armadas romanas: prática da aniquilação, 142 armas, 152, 170-73, 175-77, 187 batalha de choque e, 142, 172, 175 cavalaria e, 235-36 derrota de Aníbal, 161-63 disciplina, 172-74, 175, 467 falange e, 170-73 gládio, 22, 150, 170, 319 guerra decisiva, 142, 175 infantaria, 169-77, 204, 235 erros do líder em Canas, 24 legiões, 169-77, 231 liberdade e superioridade das, 88, 165 militarismo cívico (cidadãos soldados), 142, 147, 169-77, 182-88, 190-91 ódio às, 173-74 resistência, 156, 163-65, 184-88 sistema de liderança e fiscalização civil, 156 Forças navais: americanas, 482, 497-98
ascensão britânica das, 385 bergantins espanhóis, 326-28 condições, guerra de galés, 347-48 coruus, 332 frota otomana, 345, 354, 369 galés espanholas, 333-36, 351-54 galés venezianas ou genovesas, 337, 341-45, 351-54, 368-69, 371-73 Ver também Lepanto; Midway
-
Por que o Ocidente venceu
Salamina; guerra de galés, 343-47
inovação americana e, 535 japonesas, Segunda Guerra Mundial,
482, 490, 496-97, 531-37 Lepanto, inovações militares, 356, 368-69 morte por afogamento, 49-54, 345 romanas, 331 superioridade espanhola, 384-85 táticas clássicas, 345-4/ tratados e manuais, 374 trirremes gregos, 41, 50, 73, 81, 341-42, 343 Fragmentos de história grega (Ileopompo), 235 França, 30, 365-66 Ver também francos France, )., 215
francos: ancestrais, 209 armas e equipamento, 200-4 Cruzadas e, 367 dinastia carolíngia, 209-10, 223, 230, 238 forças armadas como cidadãos soldados, 210-11, 226-27, 236-38 infantaria (sédentarisés), 199-205, 209, 226, 235, 236-39 invasores islâmicos e, 204-6, 207, 214 manuais de guerra, 223 monarquia merovíngia, 209, 210 nome, origem, 209 em Poitiers, 200-6, 207-8 reinos dos, 209 Frere, Bartle, 426, 427-30, 431-33 Frontius, 189, 223
Fujita, Almirante Ruitaro, 500 Fuller, J.FC., 24, 241 Fuzileiros navais, 144
G
Gália e galeses, 44, 150-51, 173-74, 184 Ver também francos Gallagher, Earl, 481
690
Garay, Francisco de, 293
Gaugamela; ataque de Alexandre em plano tático de Alexandre; batalha: local da batalha, 97, 104-11 armamento, 94-95
baixas macedônias, 104 baixas persas, 105, 111-12
Cavalaria dos Companheiros, 93-95, 100-02, 106-8
elefantes, 106-8, 111 exército e cavalaria persa, 94-98, 102-3,
105-8 força macedônia em, 93-95, 108-110 fuga de Dario, 101-3, 136 importância da vitória de Alexandre, 26, 141 líderes macedônios, 93-99 Mazeu, 95, 97
quase derrota dos macedônios, 93-99 tamanho das forças oponentes, 94-95, 109 táticas de batalha dos macedônios para combate corpo a corpo, 105-8, 135 disciplina macedônia, 108-9 táticas de batalha persas, 105-11 tradição militar do mundo helênico e, 26 Gay, George H., 489 Gaza, 105, 110, 126-27
Genghis Khan, 393 Gettysburg, 25 Giap, Vo Nguyen, 573 Gibbon, Edward, 214, 241 Giustiniani, Pietro, 350
Godos, 185, 227
Gómara, Francisco López de, 254, 268 Goviero del ciudadano (Costa), 328 Grã-Bretanha e a Confederação SulAfricana, 1870-1881, A (Goodfellow) Grã-Bretanha: aliados entre povos indígenas, 440
atitude em relação a povos indígenas e à
Guerra Anglo-Zulu, 430-40
afundamento do Prince of Wales e do
Victor
Reprise, 535 governo parlamentar, 40 Malvinas, 633, 656 por que combater os zulus, 425-30
otomanos e, 366 reposição de suprimentos e de contingente na guerra, 4356-351
superioriade militar e industrial da, 432-33 Ver também exército britânico Isandhlwana; Rorke's Drift Grande matéria (Braestrup), 590 Grandes batalhas: critério de escolha outros confrontos e a herança militar ocidental; valor do estudo Granico, rio, 100, 106, 110, 118, 119, 122, 124, 125, 135 Grécia: Alexandre, o Grande e, 118-23, 132-34
arte da guerra ocidental começou na, 136-38
arte, 90 Atenas atacada pela Pérsia, 58 capitalismo na, 86 cidadania; cidades-estado, liberdade da, 79-80 clima, geografia e recursos naturais, 18, 35 conquista otomana, 387, 388
conquista por Alexandre, 118 desenvolvimento cultural, causas, 33-37 falta de unidade, 58 filosofia e pensamento livre, 64-66 governo consensual, 18, 82
guerra como resposta militar à invasão, 136-38
idade helênica, ciência aplicada na, 34 idades arcaica e clássica, 90 legado helênico; tradição helênica de investigação natural; hisória registrada por (e livre investigação), 63, 90 léxico ligado à liberdade, 79 léxico ligado à luta, 138 liberdade, 41, 58, 60, 75-92
Davis
Hanson
Liga de Corinto, 122 literatura, 89 micenianos comparados à, 37 morte por afogamento, 53 Pérsia, percepção da e relação com a, 57-59, 66
população e tamanho, 57 propriedade agrária e propriedade privada, 61-62, 83-84, 91-92 religião, 17-18, 64-66, 77 sistema legal e político, 59-61 unificação, 122-23, 132-33
Ver também forças armadas gregas Platéia; Salamina
Gregório de Tours, 224 Guerra aérea: pilotos americanos, inicitativa dos, 540-45 Grumman TBF Avengers, 485-86 Guerra do Golfo, 567 Ilha de Wake, bombardeio à, 545 japonesa, 533-34
japoneses, pilotos, 482, 498 Khesanh, 563-66 Midway, 474-79, 482-97
SBD Dauntless, bombardeiros, 475,
495-96
TBD Devastators, 484-96, 528, 542
Wildcat, caças, 484, 489, 495, 528 Zero, caças, 484-97, 503, 542 Guerra como cultura, 20-23, 630-32
à moda ocidental, 41-45, 92, 109, 125,
141-46, 437-38, 492-94, 603-10, 62327, 629-30 aniquilação como conceito ocidental, 42-43, 116-18, 262, 515-16 batalhas decisivas e, 134-46 conceitos de covardia e justiça, 144, 492-94 cristalização na batalha, 25
Espanha e conquista do Novo Mundo, 294-98 exército em campo e bagagem cultural,
27-28
-P—
691 E
Por que o ( derdente venceu
fé e, conceito islâmico de guerra, 21415 grandes batalhas, estudo das, 23-30 importância do modo de matar, 144-45, 433-34, 492-94
povos primitivos, rituais e sacrifícios pré-batalha, 437
Guerra do Golfo, 23, 361, 387, 567, 634, 635
Guerra do Peloponeso, 13, 19-21, 120
Guerra do Peloponeso, A (Tucídides), 333, 551, 576, 622
Guerra e sociedade no mundo antigo e
medieval (Raaflaub e Rosenstein), 227 Guerra judaica (Josefo), 174, 467 Guerra melhor, Uma (Sorley), 604 Guerra ocidental na era das Cruzadas (France), 215-16 Guerra primitiva: sua prática e seus conceitos (Turney-High), 135, 472 Guerra sem fronts (Thavyer), 598 Guerra Zulu, A (Barthorp), 400 Guerra Zulu, A (Clammer), 401, 410, 460, 461 Guerra Zulu, A (Lloyd), 424
Guerras gálicas (Caesar), 306 Guerras Greco-Persas. Ver também batalhas específicas Guerreiros do sol nascente (Edgerton), 50609 Guilherme Luis de Nassau, 468
H
Halsey, William Frederick, 540 Hassig, Ross, 303 Hegel, Georg, 87,91 Helicarnasso, 126 Heródoto, 35, 54, 56, 69, 71-72, 76, 77, 81, 224, 397, 441, 462 Herrera, Fernando de, 362 Hidames, 76 Hidaspe, rio, 118, 125
692
Hipócrates, 35, 473
História da conquista do México (Prescott), 251, 267, 313
História da Guerra Zulu e sua origem
(Colenso), 454, 459 História da Reforma (Ranke), 241 História de Alexandre (Cúrcio), 95-96, 100, 135-36 História do Império Persa (Olmstead), 37,38 Histórias, As (Heródoto), 397 Hitler, Adolf, Alexandre comparado a, 133 Ho Chi Min (Lacouture), 596 Hobbes, 91, 306
Holandês de Cetshwayo, O (Vign), 411, 451 Homero, 22
Hook, Soldado, 425 Hosogaya, Moshiro, 499
Hugo, Victor, 23 Hussein, Saddam, 387, 633
Huxley, Aldous, 22
]
Idade das Trevas, A (Oman), 242 Império Otomano, O (Inalcik), 378 Império Otomano: exército de escravos, subordinados, recrutas, 356-57, 369-70,
377
armamento e tecnologia militar, 353-55
armas de fogo, falta de domínio, 239,
355 ascensão do, 211-17
capital, problemas de, e falta de sistema bancário, 375, 381-82, 385-90
captura, escravização e roubo de crianças cristãs, 377
colaboradores italianos, 58
colonização da Europa, ataques surpresa, crescimento do império, 348-50, 369, 380, 382-85 comparação com Veneza, 371-75
contingente e material, dificuldade de substituição, 358 |
Victor
cultura e abordagem da guerra, 143-45, 247 cultura, 374, 379-82
devshirme, 376-71 economia do, 370, 375-76 escravos, uso de, 378-80 falta de registro da história militar, 360 força naval do, 333-36 governo e organização política, 375-81 guerra, tradições de, e religião, 367-69 historiadores, 224
autocracia e despotismo, 370, 375, 380-81
invasão da Espanha, 287 janízaros, 240, 336, 337, 343, 369 Lepanto, significado de, 382-65
propriedade agrária, 380
relação européia com o, 58, 365-71 religião e restrições à investigação intelectual, 376-78, 381 religião, 333-35 sistema militar, 376-77, 379-80 subserviência do indivíduo ao estado, 86
transferência de capital para Constantinopla, 27, 378 Ver também Islã; Lepanto Império Zulu: guerra anglo-zulu como
guerra de agressão contra os zulus, 42530, 440-42 armamento ocidental, 27-28, 442
armamento, 398-400, 442, 447-48, 450-51
arte da guerra, método e táticas, 404-5, 436, 437, 446-50, 451-56, 471
atitude britânica em relação aos povos indígenas e, 430-40
baixas, Guerra Anglo-Zulu, 442
carnificina do pelos 172 Regimento de
Lanceiros britânicos, 197 coragem do, 44, 453-55, 460-61, 471 cultura do, 430-32, 446 derrota do rio Sangrento, 402-04
Davis
Hanson
derrota do, 30, 424-25, 441.42
desvantagem tecnológica do, 165, 435-36 disciplina militar, falta de, 450, 461-62, 411 exército, convocação do, 393 fraqueza da força militar, 451-56 guerra civil, 431-32 guerreiros, mobilidade dos, 403-4, 451.52 imperialismo britânico e, 425-30 império, criação do, 443-44 impis (regimentos), 397, 426 invasão britânica da Zululândia, 406 poder militar do, 444-51 raiva e mutilação dos oponentes, 17374, 402
religião, rituais e guerra, 430-31, 437,
450-51 Shaka, 443-45, 448, 452, 455
sistema militar, 455-56 subserviência do indivíduo ao Estado,
86 tática de infestação e vulnerabilidade, 323, 449
táticas de luta dos bôeres, 405, 423-25 valores culturais e abordagem da guerra,
25, 142, 443-44
Ver também Cetshwavyo; Isandhlwana;
Rorker's Drift Incas, 20, 44
Incrível Vitória (Lord), 480, 530
Índia, 20, 35, 125-26, 128
Individualismo, 42, 43, 60, 121, 503-4,
522-50 arte da guerra ocidental e, 545-50
conserto do Yorktoum, 527-31 flexibilidade no comando, 531-40 iniciativa de pilotos americanos,
540-45
perigos do, 547-48 quebra de códigos e, 524-27
Infantaria: vantagens, 198-99
Por que o Ocidente venceu
capitalismo e, 385-90 cavalaria, 215-17
armas da, 238-40 cavalaria vs, 16, 42, 137-41, 197-200, 215, 228-30, 234-35 continuidade clássica na Idade das
como teocracia, 211, 219
composição das forças armadas, 214.1 5 conquista do Oriente Médio, 216.17 conquistas árabes, 211-14
Trevas e na Idade Média, 235-38
em Poitiers, 200-5, 206, 228, 230 espanhola, 318-19 exércitos medievais e, 228-32 falangistas macedônios, 43, 106-8, 112-17, 235 igualitarismo e, 231, 297-98 origens da pesada, 232-36 pólvora e armas de fogo e, 239 pré-requisitos para enviar ao campo de batalha, 230-31 romana, 169-77, 205, 231 soldados hoplitas gregos (falange), 13, 14, 17, 43,61, 75, 112-13, 136-41
valor da, 238-40
Ver também batalha de choque Inscrições históricas gregas, 59 Invasões bárbaras, As (Delbriick), 24] Irã, 127 Iraque, 23, 633
Isandhlwana, 30, 44, 174, 198, 393 24º Regimento, 399.402, 405, 410 armamento britânico; armamento zulu, 398 baixas britânicas, 398-402, 409-10 baixas zulus, 402, 411 batalha de, 397-402, 404, 406-9, 410
disciplina britânica, 410
erros britânicos, 398-401, 404-5, 406-9
forças (impis) zulus, 398, 401, 405
forças britânicas, 397-400 massacre final, 409 mutilação dos mortos, 402
Isidoro de Sevilha, 205, 224 Islã, 39 avanços na Europa e parada do, 200-5, 207-9, 216, 217, 240-44, 350.51, 365, 383-85 África e Ásia Menor, 365
694 -
j
a
E
=»
Constantinopla e, 243 cristandade versus, 214.15 exército, composição do, 216-18 expansão da religião pelo, 212-17,219 expulsão da Espanha, 286-87 expulsão da França, 205-6 guerra e fé, 214, 367 historiadores, 224 modo de guerrear, 215 predominância, 211-18 táticas de guerra, 437 tradição militar, 211-14, 216-17,355 Ver também Turquia otomana: Poitiers Isócrates, 65, 177 Isso, 101, 105, 110, 118, 119, 125 Ixtilxochitl, Fernando de Alva, 277, 280, 316
J
Jaime I, 362
Japão: campanha das Aleutas, 498, 499 ataques suicidas, 25 Bushido, 491 caráter decisivo de Midway, 483 conflitos russos e chineses, 513
cultura e modo de guerrear no, 354,
504-5, 508-11, 513, 5 16-17, 518-19, 538, 540-41 batalha decisiva, relutância japonesa em travar, 512.15 derrota, 545.46 disciplina militar, 523, 52 6 estratégia militar, 498-502, 51215, 531.37
feudal, e armas de fogo, 38 -39
forças navais, 490-91, 497.523, 540-41
Victor
governo, 509, 516-17, 519
individualismo vs. subordinação ao estado, e falta de iniciativa, 86-87, 522-24, 530, 549-50
informação pública controlada, 617
ocidental e não-ocidental, 503-22, 546 paradoxo inerente ao adotar armas e
sistema militar ocidental, 509-12,
546
pensamento militar, pré-guerra, 511
práticas de batalha ocidentais e armamento usado, 27-28, 31-32, 469-70, 506-08 prisioneiros, tratamento dos, 490, 491 samurai, 43, 506, 513, 538 Shaku e Zuikaku, consertos, 530
substituição de materiais e equipamento
de guerra, falta de, 482-83, 512, 530
tecnologia militar, 504-08 Tóquio, bombardeio americano a, 20, 498
Jerusalém, conquista muçulmana, 216-17 Johnson, Lyndon B., 555, 570, 218, 615 Jones, James, 23 Josefo, 173, 467
Jugurta, 184, 188, 546 Júnio, Marco, 187 Juntos através do tempo (McNeill), 469 Jutlândia, 474 Juvenal, 156, 180
K
Kadesch, 107-8 Keegan, John, 22 King, Ernest J., 482, 526 Knox, Thomas, 23 Kondo, almirante, 500
Kurita, Almirante Takeo, 500 Kursk, 26 Kusaka, Almirante, 476, 531, 534
L
La nova scientia Lacouture, Jean, Lago Trasimeno, Lançados sobre o
Davis
Hanson
(Tartaglia), 374 596 44, 151, 157, 159, 161 Inferno (Dean), 597
Lanças partidas, As (Leon-Portilla), 261, 269, 302
Las Casas, Bartolomé de, 293, 616
Lavagem das lanças, A (Morris), 429 Leão III, 39, 416 Leis (Platão), 623
LeMay, Curtis, 547, 583 Léon, Juan Veláquez de, 257, 260 Leônidas, rei, 53, 416 Lepanto, 22, 40, 83-86, 156, 173, 225, 244 armamento e equipamento cristão, 33536, 345-46, 353-54, 355-56 armamento e equipamento turco, 337, 353-55 baixas cristãs, 338-39, 343, 345-46 baixas turcas, 334, 337-39, 340-41, 358 batalha de, 333-41, 362-65 busca da batalha decisiva, 370 capitalismo e vitória, 393 celebração e comemoração da vitória, 361-62 combate disciplinado, cristãos, 337 confederação da Santa Liga, 335, 349 conflito de culturas e ideologias em, 378-80 cultura e inovação militar em, 348-57 derrota turca, 339, 358, 382-83 frota naval turca, 333-34, 350, 355, 497 frota naval, confederação, 333-39, 341. 46, 351-56, 497 janízaros, 336, 337, 343, 357, 358, 370 La Reale, 335-36 lendas de, 358-65 libertação de escravos cristãos das galés,
551
695
fue.
Por que 0 Oedente
vencem
local da batalha, 348, 474 marinheiros, cidadãos livres ou independentes, Santa Liga, 356-57, 369 marinheiros, escravos, subordinados e recrutas, Turquia, 356, 369-70, 376-77 relatos históricos, 359-61
significado de, 383-85
Sultana, 333, 335, 336 Ver também forças navais; visão religiosa de, 362-65 Leslie, Max, 479, 496, 528 Leuctras, 61, 159 Leyte, Golfo de, 497, 514 Liberdade de expressão e desacordo, 8182, 627-28 em Lepanto, 370 em Salamina, 29, 81-83 Estados Unidos e Vietnã, 29, 569-76, 582-88, 613-22 grego, 81, 84-85, 547-48, 575-77, 613-15 Liberdade: aquemênidas comparados aos grepos, 57-66, 615 renascimento democrático na Grécia, 90-92 como conceito em desenvolvimento, 19-82 como valor militar, 82-83, 85-90, 136-7, 547-50 como valor ocidental, 44, 87-90, 136-37, 547-50 eleutheria e significado para os gregos, 15-85, 66 Guerra do Vietnã e valores americanos, 604-7 infantaria, Idade das Trevas e Idade Média e, 237 Salamina e, 50, 57, 66, 71-72, 75-97
Ligustinus, Spurius, 170
Limites da intervenção, Os (Hoopes), 565, 547 Lindsey, Eugene E., 493-96 Lisandro, 61, 547
696
Lísias, 234
Little Big Horn, 44
Lívio, 24, 150-51, 155, 156, 160, 163, 164, 166, 170, 186, 190, 224, 486 Loan, Nguyen Ngoc, 556 López, Martín, 259, 268, 271, 272, 297, 326-27
M
Macedônia: batalha como política de est ado e expansão, 116-17 clima, geografia e recursos naturais, 113 criação de cavalos na, 113
cunhagem de dinheiro na, 63 economia capitalista e, 63 Macedônia-Grécia unificadas, 112
Reis Sucessores, 63, 116, 123, 132 Ver também Alexandre, o Grande Magnésia, 158 Maharbal, 163 Malta, 348 Malvinas, 633, 636 Mantinéia, 61 Manutius, Aldus, 374 Manzikert, 29
Maomé e Carlos Magno (Pirenne), 219
Maomé, 211, 213-14 Maoris, 43, Maquiavel, 190, 306 Mar de Coral, 514 Mar de Coral, Midway e ações submarina, maio de 1942 a agosto de 1942 (Morison), 515, 5217, 529
Maratona, 19, 55, 66, 75, 76, 91-92, 105,
125 Mardônio, 17,67, 74 Marina, Doria, 259, 313 Marne, 154
Martel, Charles “Martelo”, 200, 201, 20411, 216, 226, 228, 230, 237, 242, 555, 616
Massapa, 126
Massey, Lem, 495, 496, 528
Victor
Mauro, Rábano, 223
Máximo, Fábio, 158, 169, 616 Máximo, Valério, 189 Mazeu, 95
McClusky, Wade, 475, 496, 544 Metafísica (Aristóteles), 331 Metauro, 25 Methlagazulu, 400 Mícale, batalha de, 54, 67 Micenianos, 37 Midway (Smith), 476, 543 Midway, 153 aviões japoneses, 41, 474-75, 479, 484 batalha de, 473-84, 487-96, 541-42 Enterprise, 75, 481, 484, 493-95, 534 estratégia e flexibilidade de comando americanas, 536-40 estratégia japonesa, 498-503, 531-37 guerra aérea, 474, 477, 480, 481, 48496, 540-45 Akagi, 476, 477, 480, 481, 490, 494, 496, 499
Hiryu, 481, 495, 499, 544
Homet, 484, 486, 487, 488, 494, 495 inovação americana e vitória, 502-3, 520-45 Kaga, 26, 474, 481, 494, 496, 499 liberdade, individualismo e militarismo cívico e vitória em, 39-42 local da batalha, 474-75 Mogami, 544 natureza crucial de, 28, 481-83 número de navios, 497 perdas americanas, 484, 489-90
perdas japonesas, 475-76, 481-82
porta-aviões americanos, 4/4-75, 479-
80, 483, 494-95, 502 porta-aviões japoneses, 473-74, 484
quebra de código americana, 524-29 radar americano, 501-2
resgate de marinheiros ou pilotos, 47677, 490 Soryu, 479, 480, 481, 493, 495, 499
Davis
Hanson
vitória americana, razões da, 517-19, 524-45 Yamato, 538 Yorktoun, 479, 481, 484, 495, 502, 52731,534, 537 Midway, a batalha que condenou o Japão (Fuchida), 479, 490, 524, 527, 534, 543 Milagre em Midway (Prange), 486, 525, 530-31, 536-37, 544
Milagre europeu, O (Jones), 382-83
Mileto, 126 Miltíades, 59, 60 Mitrídates, 188, 546 Mnesiphilius, 71, 117 Mocinecianos, 15 Montesquieu, 190 Montezuma, 66, 86, 248, 250, 253, 260, 285, 295, 298, 311, 313, 434 Montgomery, Bernard, 163 Morison, Samuel Eliot, 486, 514-15, 526 Murray, George, 544
N
Nagumo, Almirante, 41, 153, 476, 487, 502, 514, 531-37 Napoleão, 102, 119, 154 Narbona, 216
Narrativa das operações de campo relacionadas
à Guerra Zulu de 1879, 401, 421 Narváez, Pánfilo de, 248, 250, 251, 253, 259, 300, 314, 616 Navios e armadores venezianos do Renascimento (Lane), 372 Neméia, 19 Nepos, 72 Nietzsche, Friedrich, 91 Nimitz, Chester William, 526, 529-31, 536, 537, 617 Norte-vietnamitas. Ver Ter; Vietnã, Guerra do Nova Guiné, 144 Númidas, 184
Por que o Ocidente venceu
Õ
Ofensiva do Tet, A (Gilbert e Head, orgs.), 554, 569, 571-72 Ogawa, Tenente, 542 Omaha Beach, 19 Oman, Charles, 241.42 Omdurman, 197 Oposição leal, A (Clinton), 595 Ordaz, Diego de, 246-47, 249 Organização militar merovíngia (Bachrach), 211
Otawa, Tatsuya, 480 Otomanos, Os (Wheatcroft), 355 Otumba, 266-67, 329
P
Parmênio, 93-104, 110, 131, 135 Partia, 29, 174, 188, 231 Patton, George S., 199, 547 Paulo, L. Emílio, 158, 616 Pausânias, 59, 112, 14] Pearl Harbor, 20, 164, 490, 497, 515 Pelópidas, 61 Péricles, 61, 84, 89, 391, 463, 613, 615
Persas, Os (Ésquilo), 49, 51-5, 72, 76-77, 81-82 Persépolis, 56, 58, 127, 129 Pérsia: império aquemênida, 26, 35, 5766, 97 capital, 57 ciência na, 65 Ciro, o Jovem, 13, 14 clima, geografia, recursos naturais, 18, 35-36 conceito de liberdade pessoal ou legal inexistente, 64 conquista Macedônia, 97-98, 124-29
conquista pelos exércitos muçulmanos,
216 Cunaxa, batalha de, 14 Dez Mil gregos e a, 14-18, 79, 89, 105
698 a
hr
economia, 37 governo, 59-60, 64-65 habitantes como escravos ou servos do rei, 57, 59
história, registro, desconhecida, 63 literatura, falta de, 56, 63 mercenários gregos contratados, 13-14, 27, 106, 125-26 perda das Guerras Persas, ramificações, 55-57 poder real, 64-65 prática da proskynçsis, 59 propriedade agrária, 61 registros públicos, 63-64 religião, 59, 63-65 sistema legal, 59-60 subserviência do indivíduo ao estado, 86 Ver também Cunaxa. persas, forças armadas; Platéia Pica, Ardent du, 161
Pidna, 158, 168 Pio V, 349 Pirenne, Henri, 219 Pirotechnia (Biriguccio), 374 Pirro, 89, 168 Pisídia, 126 Pítio, o Lídio, 55, 84, 615 Platão, 35, 65, 91, 92, 167, 182, 306, 391, 465, 613, 620, 623 Platéia (cidade-estado), 66 Platéia, batalha de, 67,91, 462 armas, 75 exército derrotado de Mardônio, comparado aos Dez Mil, 17-18 baixas persas, 51-53, 55-56, 181
exército grego em, 67, 105 flanco direito dos espartanos, 44 militarismo cívico e infantaria fundiária, 28, 181 relatos da, 56
vitória em, 141
Plutarco, 64, 12, 85, 94, 100, 101-2, 112, 129, 130, 135, 156, 190, 234, 463
Victor
Poderio aéreo e o combate por Khe Sanh, Poderio naval na conquista do México (Gardiner),328
Poitiers: local da batalha, 207-8,
216-17 armamento e equipamento, 207-8
baixas islâmicas, 205-6
cavalaria; derrota das forças islâmicas, 199-200, 203, 206 disciplina dos francos, 206, 207-8, 226-
21 exército de Martel como continuação da tradição ocidental, 230, 242 francos, infantaria como muro, 200-5, 244 importância da vitória franca em, 24044 sarracenos, 200, 216 tamanho dos exércitos em, 204-06 vitória franca, razões da, 207-8 Políbio, 115, 152, 156, 160, 166, 174, 193, 306, 466 Política (Aristóteles), 84, 166, 197, 234, 505, 471 Pólvora e galés (Guilmartin), 359 Pontificado e o Levante, O (Setton), 334 Póstumo, 186
Practica manual de artiglierra (Collado), 374
Pretorius, Andrés, 405 Prévesa, 348
Problemas do poder turco no século XVI (Allen), 384 Procópio, 224 Protágoras, 65, 548 Pulleine, Henri, 400, 407, 408
Davis
R
Racionalismo, 39, 294-98, 374 Ranke, Leopold von, 241
Reflexões de um muçulmano sobre capitalis-
mo (Abdul-Rauf), 388 Reforma agrária no Japão (Dore), 522
Regimento de navegación (Medina), 374 Resistência do sistema de guerra ocidental, 28-29, 44, 88, 156-57, 164, 187, 312-13, 621-22
Reynolds (cirurgião em Rorke's Drift), 424-25 Ricardo Coração de Leão, 44 Riché, P, 224 Rochefort, Joseph, 525-26 Roma, 147-93
capitalismo em, 392-93
cidadania e democracia, 166-69, 174,
177-86
cidadãos, número de, 182 clima, geografia e recursos naturais, 35 conquista da Grécia, 167-68 contingente, 184-88
convocação de cidadãos depois de
Canas, 24, 163-65, 184-86
escravos, forças armadas e cidadania, 179
Guerras Civis, 19 Guerras Púnicas, 147-93 historiadores de, 64 império inovador e progresso tecnológi-
co, 34, 175-77 livre expressão e investigação em, 64,
615
nação-estado, 177-86
Primeira Guerra Púnica, 162, 169, 332 Segunda Guerra Púnica, 157, 163-64,
178, 616
Queironéia, 122, 145, 182 Quinze batalhas decisivas do mundo, As (Creasy), 23-26, 241
Hanson
tentativas de Varro de conquistar a
Germânia, 26
Rorke's Drift, 28, 30, 173, 412-25 24º Regimento, 413, 416, 458 armamento britânico, 416-18, 424.25
Por que o ( deredente vence
local da batalha, 52, 70-71, 348, 474 maior número de combatentes em gue r-
armamento zulu, 412 baixas britânicas, 423 baixas zulus, 422-23 batalha, 41, 416-25, 458-59
ra naval, 73
chamada de reforços, 414-15, 421 construção da muralha britânica, 418 desertores mortos a bala, 459
disciplina das tropas britânicas, comparada aos espartanos em Termópilas, 416-17, 425 fuga dos cavaleiros, 415 erros zulus em, 417 falta de oficiais superiores britânicos, 414 forças zulus, 414, 415-17 local da batalha, 412 número de soldados britânicos (80 fuzileiros), 414 premiação com Cruzes Vitória, 472 vitória britânica, razões da, 425 Runciman, Stephen, 23
S
Safford, Laurence, 525
Sagalasso, 126 Saladino, 44 Salamina: relatos de, 57
morte de aliados gregos em, 55 morte por afogamento, 49-54
número de navios, 51-52, 72-73 perdas gregas, 53-54, 124.25
retirada persa, fuga da, 52 Temístocles e, 41, 52, 69-71, 73, 74, 81.
5,85, 614 vantagens gregas, 75-76
Xerxes, assistindo à batalha de longe,
53, 55, 61, 82-83 Xerxes, recuo de, 74, 86 Salammbô (Flaubert), 151 Salusto, 190 Sandoval, 257, 266, 272, 297, 314, 325, 329 Sangala, 126 Santa Liga, 335, 349.50 Ver também Lepanto Satyricon (Petrônio), 180 Schlesinger, Arthur Jr, 566 Schliefen, Alfred von, 154 Segunda Guerra Mundial, 26
ver tambem Japão; Midway
baixas persas, 49-52 batalha, 71-75 bodes expiatórios persas, 61 descrição após a batalha, 53-55 desfecho hipotético se os gregos houvessem perdido, 24, 87-88 desvantagens gregas, 67-70, 105-6 elite persa em, 54 estratégia de, 66-72 exército grego igualitário e vitória em, 22, 42
forças persas, composição das, 51-56 importância da vitória grega, 26 legado, 87-92 liberdade (eleutheria) e vitória em, 40,
56, 60, 66, 87-92
dg 2»
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atra as RT Tati avo
Seleuco, 116 Sertório, 187, 288
Sete contra Tebas (Ésquilo), 463-64
Sevilha, 299, 308 Shaka, 443.44, 452, 455 Shakespeare, William, 362 Sharp, Ulysses Grant, 568 Shepstone, Lorde, 426, 429 Shumway, Dewitt W., 481 Sicília, 165, 168, 186, 217, 349, 548, 576 Messina, 351, 362
Símias, 94
Siracusa, 332, 576-78, 622
Siroco, Mehmed, 337
Smith, Adam, 376 Sócrates, 89, 91, 198, 465 Sófocles, 89, 245, 613
Victor
Sokullu, Mehmet, 378
n), 517 o t g n i t n u H ( O , do ta es o e o ad ld so
Soli, 126 Somme, 19, 86
Sosylus, 166
Spalding, Henry, 413, 421
Spartacus, 18/
Spruance, Almirante, 554, 536-37 Suetônio, 64, 379
Suicídio em massa, 129 Sulaymãn, 39, 221 Siúleyman, o Magnífico, 378
Summa Theologiae (Aquino, 190, 226-27)
Syr-Darya, 126
1
Tácito, 64, 208, 224, 614 Takasu, Almirante, 500 Tamerlão, 393 Tanaka, Raizo, 500 Tático, Enéas, 331
Tebas, 67, 104, 118, 121, 122, 159, 198 Tecnologia e guerra, 28-29, 34, 38-40, 177
“fogo grego”, 220, 332 aço espanhol, 22, 150-51, 170, 316-19,
320
adoção de práticas e armamentos de batalha ocidentais pela África e Ásia,
21, 30-31 americana, 503-5
arado, com ponta de ferro e moinhos, 225
armadura, 222 armas de fogo e explosivos, 34, 39, 222, 239-41, 321-23, 330-31 balista, 39, 221-22, 321 canhão e artilharia, 346 canhão, 323, 353 capitalismo, desenvolvimento e suprimento, 41-43, 330-32, 354, 367, 370, 374, 386-93 castelos e fortificações, 222
Davis
Hanson
conquista das Américas e, 318-19
conquista do México por Cortés, papel na, 317-29 cultura ocidental e, 27-29, 34, 38-40, 175-76 empréstimo de outras culturas, 175 Grécia, 17 Idade das Trevas e Europa, 220
infantaria não substituída por, 134-35 japonesa, 503-5 manuais, 223, 332, 374 máquinas de cerco, 222 mosquetão de pederneira Brown Bess, 404 pilotos de caça, 198 ramificações sociais, 354 razão, pensamento abstrato e tradição de invetigação científica, 330-32 rifle de repetição Winchester, 404 rifles Martini-Henry; mídia e comunicações, 398, 403, 420, 425, 441-42
rifles Spencer e Henry, 404 Temístocles (Plutarco), 85
Temístocles, 24, 41, 52, 57, 59, 61, 69-71,
73, 74, 81-83, 85, 92, 547, 627 Tenochrtitlán. Ver Cidade do México
Teopompo, 234-35 Terceiro felíbico (Demóstenes), 139 Termópilas, 44, 53, 56, 61, 67, 70, 75, 82,
105, 125, 416, 462
Tessália e tessalônios, 96, 97, 120, 234
Tet (Ford), 571 Ter! (Oberdorfer), 556, 582, 591
Tet, 27; armamento americano, 565 armamento norte-vietnamita, 564-65 baixas americanas, 562, 566, 575-76 baixas norte-viernamitas, 562, 566, 57172 cidades atacadas, 562-63 Hué, 558-62, 574 cobertura de mídia, 556-57, 561-62, 565-68, 570, 589, 592, 619
forças norte-vietnamitas, 562-63
Em 701 sk.
Por que o Ocidente venceu
Kesanh, 574
Saigon, ataque à embaixada americana, 551.57 Ver também Vietnã, Guerra do; vitória
americana, paradoxo da, 569, 571-73 Thatch, Jimmy, 495, 528 Ticino, 157 Tinker, Clarence, 545 Tiro, 105, 110, 120, 126-27 Toledo, Don García de, 374 Tolstoi, Leon, 23
Toynbee, Arnold, 88
Trafalgar, 53 Trébia, rio, 151, 157, 161 Trevas, Idade das, 217-27, 236-38, 242.44, 361 Tribos germânicas, 43, 172-73, 186, 201, 208-9
Trimálquio. 180 Troianas, As (Eurípides), 614
Tucídides, 20, 21, 22, 84, 89, 91, 138, 187, 224, 333, 391, 463-64, 551, 576-77, 585, 620, 622, 636 Turney-High, 135 Turquia. Ver Otomano, Império
U
Ulundi, 197, 406, 440, 454, 462 União Soviética, colapso da, 313, 620-21
v
Varrão, Terêncio, 158-59, 169, 175, 616 Vause, Tenente, 415 Vegetius, 190, 223, 332, 467, 470 Velázquez, Diego, 293, 314, 616 Veneza, 371-75 ameaça otomana a, 350-51, 352, 367. 68
aprendizado, investigação intelectual e ciência militar, 374
Arsenal, 371-73
702
artilharia, 345
capitalismo e governo constitucional,
372-76 comércio, 366 frota, 337, 341-45 imprensa, 379 Lepanto e, 335-36, 349.50 manufatura de barcos e armas, 371 Veniero, Sebastian, 335, 350 Vercingetórix, 185, 188, 393, 546 Verdun, cultura e matança contínua em, 25 Vietnã (Karnow), 561 Vietnã e os Estados Unidos, O (Gettleman et al.), 593 Vietnã reconsiderado, O (Salisbury), 594, 596-97, 605 Vietnã, Guerra do: pós-guerra, 599-603, 621-22 aliados americanos, sul-vietnamitas, 553-54 analogias com a Grécia clássica, 576-78, 585, 614-15 apoio dos dissidentes americanos aos comunistas, 595 armamento, 606-8 baixas civis, 592, 599.601 baixas norte-vietnamitas, 599-600 cobertura de mídia da, 554-57, 562, 565-68, 569-70, 585-88, 609, 614, 618-19 como atoleiro, 569-76 derrota, causas da, 609-13 desacordo e, 570-76, 582-88, 589, 611-22 erros americanos, 578-82, 588-89, 610-11
estratégia norte-vietnamita, 551-53, 258-60, 562-64, 572.73 generais americanos, herança da guerra à moda ocidental e, 575-76 guerra à moda ocidental e, 603-10 guerra decisiva, dificuldade em travat ,
Victor
552-53, 555, 959, 609 Hamburger Hill, 609
histórias e relatos da, 612-13
imagem da execução de soldados, 555-57
intensificação, 578-79 Khesanh, cerco a, 555 limitações do envolvimento americano,
580-81, 608-9 mitologias e erros da mídia sobre, 58889
objetivos americanos, 577-80 queda do sul, 599-600 Saigon, 551-57, 574 soldado americano na, 596-99, 603-4 Ver também Tet Vign, Cornelius, 411
W
Waldron, John C. “Jack”, 486-88, 493, 495, 496, 543.44 Waterloo, 19, 86, 457 Westmoreland, William, 555, 559, 563, 564, 613 Wolseley, Garnet, 430, 459, 617
X
Xantipo, 165, 470 Xenofonte, 65, 78, 91, 104, 199, 23 0, 234, 298, 331, 463, 466 Xerxes, 41, 53, 55, 56, 58-64, 66 , 67, 74, 78, 82, 83, 86-87, 298, 515, 615
Y
Yamaguchi, Tamon, 481, 536 Yamamoto, Almirante, 481, 535, 497, 499, 501-2, 515, 531, 538, 617 Yanagimoto, Almirante, 480
Davis
/
Zais, Melvin, 609
Zama, 163
Zero! (Okumiya e Horikoshi), 491
Zoroastrianismo, 63 Zumárraga, Don Carlos, 280
Hansor
Cada batalha ilustra um elemento crucial na singular e poderosa matriz
da identidade ocidental. Hanson SAIO ale g= Reis CT CTa AEE
dos exércitos
bem-sucedidos — que incluem iniciativa
individual, melhor organização, maior disciplina, acesso a armas exclusivas e, ainda, adaptação e flexibilidade tética. Ele então mostra de que maneira essas características se desenvolvem e florescem como resultado de instituições tão tipicamente ocidentais quanto O
governo consensual, a liberdade de investigação e a iniciativa inovadora, O racionalismo e o valor dado a liberdade e ao individualismo. São esses, argumenta Hanson, os valores culturais que permitiram aos exércitos ocidentais, muitas vezes em
desvantagem numérica e longe de casa, matarem seus oponentes e imporem seus
ideais sociais, econômicos e politicos à outras civilizações.
Victor Davis Hanson é historiador
militar e professor de clássicos na Universidade Estadual da California, em Fresno. Escreveu vários livros
populares sobre a querra classica, entre Os quais The Other Greeks, The Western Vvay
of War e The Soul of Batile. Vive em Selma, na Califórnia.
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