Políticas e projetos na era das ideologias: A imprensa no Brasil republicano (1920-1940) 9788581486932

Sumário Folha de Rosto Página de Créditos Prefácio CAPÍTULO 1: A IMPRENSA DO PCB: 1920-1940 Introdução 1. Primórdios 1.1

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Table of contents :
Sumário
Folha de Rosto
Página de Créditos
Prefácio
CAPÍTULO 1: A IMPRENSA DO PCB: 1920-1940
Introdução
1. Primórdios
1.1 Movimento Comunista
1.2 A Classe Operária
1. Época de derrota
2. Proposta de União Nacional
Concluindo
Referências
Jornais Consultados:
CAPÍTULO 2: O NACIONALISMO XENÓFOBO NAS PÁGINAS DE GIL BLAS
Introdução
1. A ligação com o poder: distanciamento ou aproximação?
Considerações Finais
Referências
Fontes
1. Livros:
2. RevistasCAPÍTULO 3: A HEGEMONIA ILUSTRADA - A UNIVERSIDADE DE SÃO
PAULO NO PENSAMENTO POLÍTICO E CULTURAL DE JÚLIO DE
MESQUITA FILHO
1. O conservadorismo liberal do OESP
2. O governo ilustrado: a criação da Universidade de São Paulo (USP)
Considerações Finais
Referências
CAPÍTULO 4: IMPRENSA INTEGRALISTA - UM RECORTE
Conclusão
Referências
CAPÍTULO 5: AS REPRESENTAÇÕES DO FASCISMO ITALIANO NA
REVISTA INTELIGÊNCIA - MENSÁRIO DA OPINIÃO MUNDIAL (1935-1938)
Referências
CAPÍTULO 6: A EDUCAÇÃO INTEGRAL – “MORAL, FÍSICA E
INTELECTUAL” – NA AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA
1. Para compreender a educação integral moral, física e intelectual
Conclusões
Referências
CAPÍTULO 7: JOEL SILVEIRA - UM JORNALISTA NO ESTADO NOVO
1. Joel Silveira, Dom Casmurro e Diretrizes
2. O Estado Novo e a Guerra nas colaborações de Joel Silveira
Conclusão
Referências
CAPÍTULO 8: A CAMPANHA ANTIBRITÂNICA NAS PÁGINAS DO JORNAL
MEIO-DIA (1940-1941)
1. Contra a “plutocracia” inglesa
Conclusão
Referências
SOBRE OS AUTORES
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Políticas e projetos na era das ideologias: A imprensa no Brasil republicano (1920-1940)
 9788581486932

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CAPÍTULO 3: A HEGEMONIA ILUSTRADA - A UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO NO PENSAMENTO POLÍTICO E CULTURAL DE JÚLIO DE MESQUITA FILHO 1. O conservadorismo liberal do OESP 2. O governo ilustrado: a criação da Universidade de São Paulo (USP) Considerações Finais Referências CAPÍTULO 4: IMPRENSA INTEGRALISTA - UM RECORTE Conclusão Referências CAPÍTULO 5: AS REPRESENTAÇÕES DO FASCISMO ITALIANO NA REVISTA INTELIGÊNCIA - MENSÁRIO DA OPINIÃO MUNDIAL (1935-1938) Referências CAPÍTULO 6: A EDUCAÇÃO INTEGRAL – “MORAL, FÍSICA E INTELECTUAL” – NA AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA 1. Para compreender a educação integral moral, física e intelectual Conclusões Referências CAPÍTULO 7: JOEL SILVEIRA - UM JORNALISTA NO ESTADO NOVO 1. Joel Silveira, Dom Casmurro e Diretrizes 2. O Estado Novo e a Guerra nas colaborações de Joel Silveira Conclusão Referências CAPÍTULO 8: A CAMPANHA ANTIBRITÂNICA NAS PÁGINAS DO JORNAL MEIO-DIA (1940-1941) 1. Contra a “plutocracia” inglesa Conclusão Referências SOBRE OS AUTORES Paco Editorial

Prefácio Tania Regina de Luca Unesp/CNPq O leitor tem em mãos uma coletânea composta de oito ensaios que, a despeito de suas especificidades, privilegiam os impressos periódicos como fonte e analisam as décadas iniciais do século XX, sem ultrapassar, do ponto de vista cronológico, o primeiro governo Vargas (1930-1945). À exceção da professora Marly de Almeida Gomes Viana, que conta com vasta produção historiográfica, os demais colaboradores são pesquisadores jovens, que ainda não obtiveram o seu doutoramento ou o fizeram recentemente. Os títulos dos capítulos bem revelam a intenção de analisar jornais e revistas com viés ideológico bem marcado, com nítida predominância do espectro da direita. Esse é o caso do artigo de Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus a propósito do nacionalismo antilusitano da revista Gil Blas durante os dois primeiros anos de vida do periódico (1919-1920), num esforço para evidenciar os múltiplos significados que o termo poderia assumir no período. Particularmente instigante é a demonstração das relações entre a publicação e Epitácio Pessoa, alerta a respeito das articulações complexas entre imprensa e poder. Os textos de Rodolfo Fiorucci e Renata Duarte Simões abordam questões relativas ao integralismo, movimento que ocupou lugar de destaque na cena política dos anos 1930. O primeiro investigou as publicações fundadas no âmbito da Ação Integralista Brasileira (AIB) e evidenciou a diversidade e multiplicidade de títulos, que tinham em mira a difusão, para públicos específicos, dos ideais que professavam. A segmentação permite evocar a imprensa-empresa atual, com seus nichos voltados para setores muito bem determinados do mercado. Simões, por seu turno, perscruta as estratégias mobilizadas para arregimentar simpatizantes e enfatiza a concepção educacional que defendiam (a chamada “educação integral, moral física e intelectual”) e os esforços empregados para colocá-la em prática por meio de instituições específicas.

A polarização que marcou a década de 1930 também se manifesta em dois títulos ainda pouco explorados na historiografia sobre a imprensa: o jornal Meio-Dia, que circulou no Rio de Janeiro entre 1939 e 1941 e colocou-se ao lado da Alemanha nazista, uma opção pouco comum no nosso meio jornalístico, e a revista Inteligência, mensário paulistano aqui analisado entre os anos de 1935 e 1938. O estudo de João Franzolin a respeito da campanha antibritânica levada a cabo pelo periódico de Joaquim Inojosa permite desvelar os valores professados pela publicação, que seguiu apoiando o 3º Reich até o seu fechamento. Já o texto de Alexandre Costa trata de publicação a respeito da qual não há nenhum estudo específico e nem mesmo menções nas histórias da imprensa. A proposta de Inteligência assemelha-se à de Seleções, ou seja, tal como a norte-americana, que chegou ao Brasil apenas em 1942, a publicação comprometia-se a apresentar um sumário dos acontecimentos em curso no cenário internacional. Entretanto, como demonstra o autor, tratava-se de um olhar engajado, que tomava partido e defendia ideais caros aos regimes autoritários então em vigor na Itália e Alemanha. Caminhando no espectro político, os valores liberais professados pelo jornal O Estado de S. Paulo e seu proprietário, Júlio de Mesquita Filho, são objeto de reflexão de Guilherme Bravo, que se debruça nas razões que levaram o matutino a capitanear a criação da Universidade de São Paulo, isso num contexto em que a elite paulista gestava um projeto político-cultural que tinha por meta recolocá-la na direção dos destinos do país. O Estado Novo, instaurado em 1937, impôs um regime ditatorial e acabou com qualquer veleidade de conquista do poder pela via eleitoral. A censura imposta aos meios de comunicação, os tribunais de exceção e o projeto cultural implantado pelo poder deixavam pouca margem para a oposição. Entretanto, Danilo Ferrari bem evidencia que sempre havia a possibilidade de se opor, mesmo que fosse por vias transversas e nas entrelinhas, como exemplifica a atuação do jornalista Joel Silveira. O único texto dedicado à esquerda, o da professora Marly Vianna, passa em revista a imprensa do Partido Comunista nas décadas de 1920 e 1930. Fica evidente que o Partido sempre publicou seus periódicos, estivesse ou não na legalidade, e que o estudo dessas folhas permite acompanhar não apenas os desafios enfrentados a cada momento, mas também programas, estratégias e valores. A leitura desses ensaios testemunha a diversidade e vigor das pesquisas desenvolvidas em programas de pós-graduação da área de Humanidades, com particular ênfase na História, e a importância das fontes periódicas para a releitura desse passado recente, cujas marcas ainda se fazem presentes na vida política brasileira. CAPÍTULO 1: A IMPRENSA DO PCB: 1920-1940 Marly de Almeida Gomes Vianna Introdução O objetivo deste capítulo é analisar a imprensa do Partido Comunista do Brasil (PCB) durante as décadas de 1920 e 1930, o que significa saber da

política comunista nesse período. Quero entender como suas lideranças expressaram-se, com a finalidade de levar consciência à classe que pretendiam representar e ganhar adeptos para sua causa entre outras camadas da população; como, nas condições concretas do Brasil da época, os comunistas pensavam a situação do país, quais suas propostas de mudança e de que maneira pretendiam torná-las realidade. Os fundadores do PCB vieram todos do sindicalismo revolucionário, influenciados pela Revolução de Outubro na Rússia e convencidos de que uma forte organização política era indispensável para a concretização da revolução socialista. Diferiam dos anarquistas tanto nesse sentido quanto no da admissão de autoridades que comandassem e coordenassem não só a vida partidária, mas a organização da futura sociedade socialista. Por outro lado, sem o reformismo socialista, que buscava fundamentalmente vias legais para a chegada ao poder, os comunistas admitiam a participação nas eleições. 1. Primórdios Já em 1918 haviam começado as tentativas de organização de um partido político. O jornal A Liberdade, nº 29, de abril de 1919, publicou o programa de um partido comunista organizado no começo do mês, programa bastante próximo das posições anarquistas. A criação do partido havia sido planejada para aquele ano de 1918, ideia abortada pelo fracasso da tentativa de insurreição em novembro. O jornal Spartacus, em 1920, anunciava a criação do grupo comunista Zumbi, que também pouco se diferenciava das ideias anarquistas: Tendes amor à terra em que nascestes? Desejais que ela venha a figurar ao lado das outras pátrias na aurora que começa a despontar para a Humanidade? Desejais um Brasil grandioso, sem amos nem escravos? Desejais contribuir’ com o vosso apoio moral, para combater os males que nos infelicitam, que nos degradam, como o analfabetismo, a política, o alcoolismo, a prostituição e o desfibramento das energias juvenis? Crês, como nós, que no Brasil como no mundo, nem tudo está perdido? Credes num futuro mais belo? Numa vida digna de ser vivida? Alistai-vos imediatamente, como sócio, no “Grupo Comunista Brasileiro Zumbi”.[...] Contra a ditadura republicana, contra o predomínio da burguesia sobe as outras classes, contra o culto das incompetências, contra a exploração organizada, contra a mentira oficial. Pelo homem livre sobre a terra livre, pela emancipação da mulher, pelo culto à criança, que é o homem de amanhã, pela abolição dos privilégios de classe, pela ordem proveniente de um mútuo acordo entre os homens, pela República Universal, onde todos trabalhem e onde todos tenham direito à vida. ¹ 1.1 Movimento Comunista O PCB que sobreviveu foi o fundado em março de1922, embora sua imprensa começasse a ser divulgada em janeiro daquele ano. O recémfundado partido tinha pressa de ligar-se à Internacional Comunista (IC), o que lhe daria a força e o prestígio de que carecia internamente. Esse empenho em ser reconhecido pela organização internacional refletiu-se em

sua imprensa, como ficou explicitado na primeira publicação do PCB, a revista Movimento Comunista: Este mensário, órgão dos Grupos Comunistas do Brasil, tem por fim defender e propagar entre nós o programa da Internacional Comunista. Dentro dos modestos limites das nossas possibilidades, pretendemos tornálo um repositório mensal fidedigno de doutrina e informação do movimento comunista internacional. ² Nessa colocação está a principal característica das ideias do PCB em seus primórdios: a referência à Revolução Russa, à Internacional Comunista e à sociedade soviética. A recém-nascida imprensa comunista tratava muito pouco dos assuntos políticos nacionais. E nos raros artigos com pretensões teóricas encontram-se ainda fortes traços anarquistas. Escreveu Rodolfo Coutinho, dirigente do PC no Recife: O estudo da evolução passivista de nossa história, com as suas misérias, a falta de eficiência do pensamento revolucionário e a leveza de um caráter em formação convence de que há para nós uma necessidade visceral de Ação. A Ação, a inteligência agindo sobre a vontade, esclarecendo-a, despertando-a, é que nos pode salvar. [...] Como conseguira Ação? Estudando, refazendo corações e mentes. [...] A educação é o ponto central da política revolucionária entre nós ³ Apesar de tratar de alguns temas nacionais, como o das eleições disputadas em 1922 ⁴ , a esmagadora maioria dos artigos do mensário tratava de assuntos relacionados ao movimento comunista internacional, havendo um bom número de traduções de discursos e artigos de líderes internacionais. Podemos tomar como exemplo, para se ter uma ideia de como os comunistas faziam a propaganda de suas propostas nesses primeiros momentos de existência, o sumário da edição extraordinária de Movimento Comunista, nº5, de maio de 1922: “Viva a Rússia dos sovietes”, editorial escrito por Astrojildo Pereira; “A luta de classes na América”, por Upton Sinclair; “O gesto de Leibknecht”, por Fram; “A situação econômica da Rússia”, por S.M.A.; “O executivo da IC e a oposição operária´”, por L.H.A e “Makhno julgado pelos anarquistas da Ukrania”. Nenhum artigo sobre o Brasil. Os principais jornais com que trabalhei foram Movimento Comunista e A Classe Operária, referida quase sempre como Classop. Movimento Comunista foi publicado de janeiro de 1922 a junho de 1923 (23 números, dos quais tive acesso a 15) e A Classe Operária, periódico oficial do PCB, que começou a ser publicado em 1925 e foi até a década de 60. Não tive acesso à primeira fase de A Classe Operária, interrompida em 1927, mas somente a seu relançamento, a partir de 1928, tendo analisado o jornal até 1939-40. Em Movimento Comunista, os teóricos citados pela revista foram principalmente Stalin e líderes da IC, a maioria soviéticos. Para se ter uma ideia da importância, para o jovem partido brasileiro, do movimento comunista internacional e de que forma buscava ligar-se a ele, vejamos uma estatística sobre os temas do jornal. O nº 2 de Movimento Comunista tinha 13 artigos e somente o editorial era sobre o Brasil. O nº 3, com nove artigos, só o editorial sobre o Brasil; o nº 4 tinha oito artigos, nenhum sobre o Brasil;

n° 5, uma edição extra com seis artigos, aos quais já me referi, não tinha nenhum sobre Brasil; o nº 6, com nove artigos, só o editorial sobre Brasil. O nº 7 foi uma exceção. De junho de 1922, tinha cinco artigos sobre assuntos internacionais e quatro sobre o Brasil, porque o número anunciava o “lançamento definitivo” do PCB. O nº 8, com oito artigos, só o editorial sobre o Brasil; dos 13 artigos do nº 9-10, dois eram sobre o Brasil e 11 internacionais; o nº11, com dez artigos, tinha dois sobre o Brasil; o nº 12, de novembro de 1922, foi toda uma edição, nove artigos, dedicada ao aniversário da Revolução Russa e o nº 13, com dez artigos, apenas dois falavam de Brasil. Os números 18-19 tinham 18 artigos, quatro sobre o Brasil e 14 internacionais. O número é de março de 1923, e comemora o aniversário da Comuna de Paris, fala da tomada do poder pelos fascistas italianos e tem boa parte dedicada à reprodução de materiais do IV Congresso da IC. Temos assim que dos artigos publicados nos 15 números do jornal que analisei (13 fascículos) 104 trataram de assuntos do movimento comunista internacional (85,25%) e apenas 18 (14,25%) trataram de problemas brasileiros. E deve-se levar em conta que alguns dos artigos que tratavam do Brasil estavam referidos principalmente à Internacional. O editorial do nº 7, anunciando a formação do partido, dizia, por exemplo: Podemos, pois, desde agora, considerar-nos integrados de vez no seio da grande família proletária e revolucionária do mundo, a qual tem na Internacional de Moscou sua mais alta expressão ideológica e orgânica. Mas isso, com ser motivo de compreensível contentamento, constitue principalmente para nós outros, iniciadores do Partido, um feito da maior e mais grave responsabilidade. Ao constituir-se em seção brasileira da IC tomamos sobre os ombros o compromisso de uma intensa tarefa: desfraldar e sustentar, nesta parte da América, a bandeira vermelha da revolução mundial; formar, num só corpo orgânico, sólido e homogêneo, a vanguarda do proletariado nacional; organizar e orientar as grandes massas trabalhadoras do Brasil em suas lutas e movimentos de reivindicações ⁵ 1.2 A Classe Operária O jornal que melhor expressou as posições do PCB foi A Classe Operária. Movimento Comunista fez parte da constituição do partido e demonstrou a necessidade da jovem organização de respaldar-se na autoridade da Revolução Russa. Já A Classe Operária tratou dos problemas brasileiros na grande totalidade de seus artigos. Suas posições, entretanto, estavam muito dependentes dos interesses da IC e dos conceitos por ela utilizados, assim como de avaliações – quase sempre erradas – sobre a América do Sul. Tentativas de pensar a realidade nacional e propor uma atuação considerada concernente a ela – como a organização do Bloco Operário e Camponês – não foram bem-vistas pela IC. No início de 1930, além disso, Astrojildo Pereira, dentro da visão sectária e falsa da Internacional, foi expulso do partido como renegado, liquidacionista e antipartido.

O jornal, com a grande preocupação de ser aprovado pela IC, embora tratando de problemas brasileiros, usava palavras de ordem que, mesmo sendo justas, eram tão formalmente colocadas que não foram capazes de empolgar o operariado nacional. Por exemplo: O ÚNICO CAMINHO - é o da luta revolucionária das massas operárias e camponesas contra o imperialismo e os senhores feudais, pela terra, pela expulsão dos imperialistas, pelo governo operário e camponês! OS ÚNICOS ALIADOS - são as massas exploradas das cidades e dos campos! O ÚNICO CHEFE E GUIA – é o proletariado e seu partido de classe, o Partido Comunista! ⁶ Da primeira fase de A Classe Operária, em 1925, não temos exemplares, sabendo-se de suas publicações através do opúsculo de Rui Facó, A Classe Operária, 20 anos de luta ⁷ . Foi um período de afirmação da existência do partido, que não durou muito, pouco mais de dois meses e de 12 números. Antes de tratar do conteúdo do jornal, algumas informações sobre ele, tiradas de Astrojildo Pereira: Formação do PCB ⁸ e de Rui Facó. No ativoconferência da Comissão Executiva com delegados de células do Rio e de Niterói, a 22 de fevereiro de 1925, resolveu-se que Na atual situação, o aparelho que porá em movimento toda a engrenagem do Partido Comunista é um jornal. Com ele desenvolveremos a nova organização das células. Com ele poderemos penetrar no seio das massas. Com ele os trabalhadores ficarão a par do movimento nacional e internacional. Com ele orientaremos os trabalhadores sobre a sua atitude diante dos acontecimentos atuais do país. Vê-se, pois, que o jornal é um aparelho insubstituível, um aparelho único. E, sobre ele, devemos concentrar as energias, fazendo até sacrifícios. Está, portanto, fora de qualquer discussão, a necessidade de um jornal. ⁹ Seria o primeiro órgão oficial do PCB e a resolução foi ratificada pelo II Congresso do partido, que se realizou logo depois, nos dias 16, 17 e 18 de maio daquele ano de 1925. Essa primeira fase do jornal durou até 18 de julho, quando A Classe Operária foi fechada. O nº1 da Classop, segundo Facó, tinha quatro páginas, sendo que primeira estampava a letra e a música da Internacional, e tinha como subtítulo: “Jornal dos trabalhadores, feito por trabalhadores, para trabalhadores!” Foi impresso numa pequena tipografia da rua Frei Caneca. Editaram-se 12 números do periódico, fechado por motivo deste número 12 ter sido quase todo dedicado a criticar a visita de Albert Thomas ao Brasil. Thomas, convidado do governo brasileiro, era considerado pelos comunistas como um falso socialista, líder da “social-traição”, o que já haviam denunciado no número 11 do jornal. ¹⁰ No número 11 havia uma reportagem sobre a Fábrica de Tecidos Corcovado. Diz Facó, com razão, que tal reportagem era mais literária e fantasiosa do que política. Dizia-se: “A lã vem da tosquia do irracional. E o pano vem da tosquia do racional. Não vai grande diferença do borrego ao tecelão” ¹¹ E no

final: “Terminando, salientamos a desorganização dos operários da ‘Corcovado’ e, em geral, dos 10 mil operários da Gávea. Tratam de tudo, menos de organizar-se. Não, companheiros, em primeiros lugar estão os nossos direitos de trabalhadores”. O nº 12 trazia uma reportagem sobre a Fábrica Maria Ângela, dos Matarazzo, feita pelos próprios operários, focalizando os problemas reais dos trabalhadores: salários, horas de trabalho, regulamentação do trabalho de menores, moradia, escolas e reivindicações políticas: direito à livre organização, inclusive o direito de pertencer ao partido comunista. Mas foi o último número dessa fase. Somente três anos depois, a 1º de maio de 1928, o jornal voltou a circular. Dizia o 1º número dessa segunda fase: Aqui estamos de novo, A CLASSE OPERÁRIA... [...] A CLASSE OPERÁRIA era a própria voz da massa proletária. Ordenaram aos seus (da burguesia) representantes no governo que a fechassem. E ela foi fechada. Mas ressurge agora. Ressurge com o mesmo programa, com os mesmos objetivos, com os mesmos métodos. É o mesmo jornal dos trabalhadores, feito por trabalhadores, para trabalhadores. Cinco redatores na redação; quinhentos redatores espalhados no meio das massas oprimidas. Tal é o nosso programa de fazer jornalismo. ¹² Do número 24, de outubro de 1928, Rui Facó destacou a seção de correspondência operária, sob a responsabilidade de Octávio Brandão. Parece ter sido esta uma seção que realmente falava aos operários, pois chegavam cartas do Rio, de Campos, de São Paulo, de Santos, de Muritiba, de São Felix, de Juiz de Fora, Garanhuns e Pasmaceira. ¹³ No curto período de legalidade de que gozara, de janeiro a agosto de 1927, o PCB fundara o Bloco Operário (logo a seguir Bloco Operário e Camponês – BOC). A 1º de maio de 1929 o PCB fez uma grande edição da Classop, não só para comemorar o Dia do Trabalho como a eleição, pelo BOC, de dois vereadores no Distrito Federal: Octávio Brandão e Minervino de Oliveira. Em 1930, tratando de eleições presidenciais, o PCB, que havia lançado candidato à presidência da República, recomendava: “Votar no BOC é votar pela revolução!” e continuava, num artigo intitulado “O significado das eleições para o proletariado”: Enquanto o governo atual, essencialmente burguês, procura de todas as formas garantir a exploração econômica (...) a Aliança Liberal mistifica, tapeia, com uma demagogia fofa, a fim de enfeudá-lo às suas manobras. (...) Eis porque constitui um dever para o proletariado repelir estas manobras, opor-se à reação do governo e combater a mistificação da Aliança Liberal, apoiando as suas próprias organizações políticas, que são as únicas a defendê-lo e a guiá-lo nesta hora de grandes privações para a massa trabalhadora. Só o partido comunista será capaz de guiar as massas trabalhadores em suas lutas. Só ele deve merecer a confiança dos trabalhadores. ¹⁴

No número seguinte, o 86, de 22 de fevereiro daquele ano, reafirmava-se que “A luta pela eleição dos candidatos proletários é a luta pela revolução!” e denunciava-se outra vez “a mistificação da Aliança Liberal”. Outra posição inovadora do PCB à época foi a tentativa de fazer uma aliança com os tenentes. Em julho de 1929, A Classe Operária nº 63 afirmava: “Só a união da classe média ao proletariado poderá continuar a obra iniciada no 5 de julho” (de 1922). Era a teoria que vigorava no partido nessa época, a de que haveria uma terceira revolução: a primeira teria sido o 5 de julho de 1922, a segunda o 5 de julho de 1924 e a terceira, que estaria na ordem do dia, deveria ser preparada sob a direção política dos comunistas e direção militar dos tenentes. Com a intervenção da Internacional Comunista no PCB, a partir do final de 1929, e que levou ao afastamento de Astrojildo Pereira da direção do partido e do fechamento do BOC, a pretendida aliança com os tenentes passou a ser considerada posição de direita e os ataques a Prestes não se fizeram esperar. Em maio de 1930 o Cavaleiro da Esperança lançou seu famoso manifesto, no qual aceitava as posições do PCB. Mas os comunistas brasileiros foram implacáveis e um ano depois de terem proposto a aliança com os tenentes, diziam: A Aliança Liberal, chefiada pelos Antônios Carlos, Bernardes e Epitácios, assassinos dos revolucionários de 22 e 24, verdugos dos trabalhadores, passado o jogo eleitoral declara pela boca de Borges de Medeiros, que não lutará mais; porém ao mesmo tempo, reforça a perseguição contra os operários revolucionários no Rio Grande do Sul e em Minas Gerais e utiliza os seus aliados de “esquerda”, os democráticos e, sobretudo, Mauricio de Lacerda, na luta direta contra o nosso Partido e contra as largas massas operarias e camponesas. Nesta chantagem política da Aliança Liberal, a Coluna Prestes desempenha um papel particularmente vergonhoso e perigoso. A Coluna Prestes, que em 24 e 26, lutou de armas na mão contra os governantes atuais do Brasil, permitiu à Aliança Liberal, com o seu apoio e o seu silencio cúmplice, enganar ainda mais as massas, explorando as tradições revolucionarias da Coluna contra as massas e em proveito dos imperialistas yankees e dos grandes burgueses aliancistas. Este fato não é fruto do acaso, mas é devido a que a Coluna Prestes jamais teve um verdadeiro e claro programa revolucionário, jamais soube ligar a sua luta á luta dos operários e camponeses pelas reivindicações vitais destes últimos e, ainda, a que ela representa a pequena burguesia das cidades que oscila entre a burguesia e as massas, entre a revolução e a reação. A Coluna Prestes não quis marchar com o povo, com os operários e camponeses, para tomada da terra e para expulsar os imperialistas do Brasil, e é por isso que ela foi utilizada como joguete da Aliança Liberal em proveito dos planos do imperialismo norte americano. ¹⁵

Deixando de lado o fato de Prestes ser confundido com os tenentes que apoiaram Vargas – coisa que o Cavaleiro da Esperança negou-se a fazer – podemos notar que, politicamente, a análise é bastante correta. O período de intervenção direta da IC na vida do PCB foi de quase total desmantelamento do partido, com a chamada política de proletarização de seus quadros. O sectarismo dominava na política e as alianças não se concretizavam porque era preciso aceitar as posições do partido para participar dela. Enquanto todo o país se mobilizava pela Assembleia Nacional Constituinte, a Classop afirmava que somente as revoluções operária e camponesa resolveriam os problemas brasileiros. Desde a expulsão de Astrojildo, até junho de 1935, para todos os problemas nacionais levantados, a solução apresentada pelos comunistas consistia de três pontos: a união de operários e camponeses, soldados e marinheiros para a instalação, através da luta armada, de um governo de sovietes de operários e camponeses, soldados e marinheiros. A partir daí, como veremos adiante, a palavra de ordem foi a de “Por um Governo Popular, Nacional Revolucionário, com Prestes à frente”. O governo era sempre considerado fascista e a Câmara feudal-burguesa. Além disso, o partido superdimensionava qualquer luta. Um pequeno conflito transformava-se em combate antifascista e antifeudal das massas pré-revolucionárias, prontas a empunhar armas. Durante os anos 1930, o grande acerto do PCB, que se expressou em praticamente todos os números da Classop, foi a luta pela Paz, a denúncia da guerra que se aproximava e a luta pela democracia: externamente contra o nazi-fascismo e internamente contra o integralismo. A falta de ligação com a realidade brasileira, entretanto, e, principalmente a falta de base num forte movimento operário, levou os comunistas a confundir sua vontade com a realidade. A direção que fora reconstruída em 1933, e que contava com Antônio Maciel Bonfim – Miranda –, como secretário geral; Lauro Reginaldo da Rocha – Bangu – na seção de agitação e propaganda e com Honório de Freitas Guimarães – Martins – como secretário de organização, afirmava que a revolução estava na ordem do dia. As afirmações fantasiosas que Miranda fez em Moscou, na reunião de comunistas, no final de 1934 – e nas quais Prestes acreditou plenamente –, já vinham sendo anunciadas durante todo o ano de 1934. Miranda estava tão convencido do avanço da revolução que assinou alguns editoriais da Classop sem pseudônimo. Sobre a Assembleia Nacional Constituinte, o partido afirmava: “NEM CONSTITUINTE NEM GOVERNO DISCRICIONÁRIO! – Luta diária independente por pão, terra e liberdade! Governo dos Conselhos de operários, camponeses, soldados e marinheiros!” ¹⁶ .

As reivindicações imediatas, levantadas pelo PCB, diziam respeito ao salário e às condições de trabalho, as mesmas que as dos anarquistas e socialistas, mas com aspectos mais políticos. As principais exigências eram: 1. Pelo aumento dos salários. Por igual trabalho igual salário a todos os trabalhadores, sem distinção de sexo e idade. 2. Pela liberdade de todos os presos por questões sociais. Pela liberdade de organização, de greve, imprensa e reunião. 3. Contra a guerra imperialista. Pela volta imediata de todas as tropas das fronteiras. Pelo emprego de todo dinheiro destinado a armamentos para o auxílio dos desempregados e flagelados. 4. Pela distribuição do café destinado à queima e ao pagamento de armamentos e de todos os gêneros alimentícios acumulados nos grandes armazéns entre os necessitados. ¹⁷ Apesar da reestruturação da direção partidária ter sido um avanço, mantinha-se uma visão política pobre, da realidade. A primeira conferência nacional do partido, realizada em julho de 1934, dirigia-se aos: Ferroviários! Marítimos! Operários da Indústria Têxtil! Operários das Empresas Imperialistas de Transportes Urbanos! Operários de todo o País e de Todas as Indústrias! Assalariados Agrícolas! Colonos, Moradores, Foreiros, Arrendatários das Fazendas de Café, das Usinas de Açúcar, das Plantações de Borracha, de Cacau, de Mate e de Algodão! Vaqueiros! Cangaceiros e Coiteiros! Pobres! Toda a massa camponesas! Soldados e Marinheiros! Estudantes e Intelectuais Pobres! Pequenos e Médios Proprietários e Comerciantes urbanos e rurais! Funcionários públicos e particulares! Desempregados e Flagelados! Povo oprimido e explorado! ¹⁸ Depois de analisar a situação do país, terminava conclamando: “Aos camponeses do Nordeste! De São Paulo! De todo país” a elevar suas lutas “até a tomada violenta das terras que esses bandidos vos roubaram! Dividi as terras assim conquistadas entre vós mesmos e defendei sua posse pelas armas!” Aos soldados e marinheiros o PCB apelava para que utilizassem suas armas para lutar “contra os que nos fazem escravos”. Aos “negros e índios escravizados” conclama: “Uni-vos e levantai-vos em luta por vossos direitos econômicos”. Todos deviam lutar por um governo soviético operário e camponês, que resolveria os problemas do povo brasileiro. ¹⁹ A posição sobre a frente única se expressou num editorial do jornal, de outubro de 1934. É de se notar que o jornal saiu a 3 de outubro e que no dia 7 dava-se a famosa Batalha da Praça da Sé, quando, em frente única pela base, as forças de esquerda impediram que os integralistas comemorassem os dois anos da fundação da Ação Integralista do Brasil (AIB). Dizia o editorial intitulado “Nossa posição em face á Frente Única Proletária” Operários dos Sindicatos do Distrito Federal, filiados dos partidos Socialista Proletário, Liga Trotskista, Socialista, Trabalhista, proletários em geral:

O Partido Comunista (secção brasileira da I.C) recebeu um convite assinado por quatro partidos de composição operaria propondo uma Frente Única eleitoral. Único partido revolucionário do proletariado que, por esta mesma razão, desde há muitos anos se acha à margem da legalidade burguesa e cujos militantes estão á cabeça da maioria dos movimentos grevistas desencadeados ultimamente e enfrentaram a policia na histórica noite de 23 de agosto, o Partido Comunista tem lutado e luta com o apoio da massa operaria do Distrito Federal e do País por sua existência legal. O Partido Comunista do Brasil, de modo algum, pode renunciar a apresentar-se, com seu nome próprio as eleições, concitando o proletariado que quer a continuação das lutas e greves, que quer transformá-las em lutas cada vez mais profundas e extensas, lutas em cujo transcurso hão de formarse os Comitês de Frente Única de luta, com representantes operários das fabricas, camponeses, assalariados agrícolas, soldados e marinheiros, lutas que deverão conduzir até a derrubada do poder das camarilhas dominantes e á instalação do governo revolucionário dos Conselhos (soviets) dos operários e camponeses, verdadeiro governo democrático e popular das massas laboriosas e votar no seu partido, o Partido Comunista, para utilizar a tribuna da Câmara a fim de arrancar pela pressão dos movimentos de massa, na rua, as reivindicações mais sentidas! Isto não significa, porém, que o Partido Comunista não quer fazer Frente Única com os partidos mencionados e com os operários que os compõem. Por isto mesmo, o Partido Comunista fez novamente um convite a essas agrupações declarando-se disposto a concorrer á reunião de delegados para discutir a sua contra-proposta. Queremos Frente Única, queremos a unificação das forças proletárias do distrito federal e de todo o País para enfrentarmos a contra-revolução. Mas não queremos argumentar as ilusões democráticas, as ilusões de que uma representação proletária de ideologias heterogêneas pode resolver os problemas que afligem o proletariado e as massas populares cariocas. ²⁰ O nº 174 da Classop, de 11 de março de 1935, em seu editorial, assinado por Miranda, à pergunta de “Como as trabalhadores do Brasil resolverão a crise” respondia: “Lutando e pegando em armas contra os esfomeadores do Brasil!”. No editorial do jornal de março de 1935: “Novos golpes e novos massacres – qual deve ser a resposta das massas populares”, era também Miranda quem afirmava: A situação política se agrava cada vez mais. Aumentam a desordem e a confusão nos arraiais das camarilhas dominantes. Os conflitos aumentam nos estados entre os delegados interventores de Getúlio e Góis e os partidos de oposições estaduais. ...contra toda essa canalha, senhores de terras, das fábricas, dos bancos e sócios dos imperialistas opressores do Brasil, é contra essa gente que devemos pegar em armas, contra eles pegaremos em armas, lutaremos por terra e liberdade, pelos nossos direitos e reivindicações.

Pegaremos em armas para exigir as reivindicações mínimas do proletariado, oito horas de trabalho, férias, salário mínimo, assistência aos menores, aos velhos e à maternidade, etc. Pegaremos em armas para expulsar os imperialistas e seus sócios do Brasil, para nacionalizar as empresas de que eles agora são donos, para dividir as terras dos latifúndios, das grandes fazendas e garantir com as armas esta divisão entre todos os que querem e precisam de terras para trabalhar. Pegaremos em armas para garantir as mais amplas liberdades democráticas do povo do Brasil, de todos os trabalhadores nacionais e estrangeiros e contra as “leis Mostro”, contra todas as leis de arrocho, contra os bandos reacionários dos integralistas e os varreremos de uma vez para sempre. É este o caminho a seguir, a resposta a dar aos Getúlio, Bernardes...(...) Este é o caminho que o Partido Comunista do Brasil (sessão da IC) vem apontando há muito às massas populares: o caminho da revolução democrático-burguesa. (.....) É a revolução que avança e nem os Getúlios nem os Bernardes, com suas leis monstro, com integralismos, com os bandos de degoladores não poderão matar a revolução no Brasil. Ela avança, ela se aproxima e devemos desde já nos preparar para a luta armada. Uma vez começada a insurreição temos que leva-la para adiante custe o que custar e a levaremos porque temos à frente dela a classe mais decidida, o proletariado com o seu parido, o partido que mostra o caminho a seguir, que não recuará, que não trairá a revolução, que lutará com todas as suas forças pela revolução democrático-burguesa. ²¹ Era clara a crença do partido de que a revolução se aproximava e em março pedia: “Intensifiquemos o processo de revolução agrária no campo”. Dizia este editorial: “Os trabalhadores dos campos do Brasil marcham cada dia mais decididamente para as lutas pela revolução agrária”. ²² Numa sectária política de frente única, quando do surgimento da Aliança Nacional Libertadora, o PCB declarou que apoiava a organização ²³ mas não iria aderir a ela. No artigo sobre “A reunião da Aliança Nacional Libertadora no Teatro João Caetano” diz: “O Partido Comunista do Brasil (S. da I.C.), único partido revolucionário do proletariado, já explicou amplamente porque apoia a ANL. O partido não adere e nem nunca aderirá à ANL” ²⁴ . No entanto, logo que Prestes, aclamado dirigente de honra da ALN, começou a participar ativamente da organização – maio-junho de 1935 – o PCB aderiu a ela. O interessante de se notar é que, depois do sucesso da aliança e dos acontecimentos do segundo semestre de 1935, o partido passou a se dizer fundador da organização, o que a maioria dos militantes repetiu – e muitos ainda repetem –, sem qualquer base nos fatos reais. Depois da adesão de Prestes à ANL e do documento por ele lançado “Por um Governo Popular Nacional Revolucionário (GPNR)” o partido empenhou-se nessa tarefa. A palavra de ordem era a de um GPNR com Prestes à frente. Explicava-se “O que é o governo popular nacional revolucionário”, num editorial assinado por Luiz Carlos Prestes. Dizia o Cavaleiro da Esperança:

O governo popular nacional revolucionário será assim o governo do bloco revolucionário antiimperialista e antifeudal, do bloco de todos os antifascistas do Brasil. Um tal governo surgirá realmente de um amplo movimento de massas, baseado nos comitês de fábricas, de fazendas e populares, tendo ao seu lado os soldados e marinheiros, assim como os melhores oficiais, será no momento o único capaz de salvar o Brasil da catástrofe, de dar pão às massas esfomeadas, terra e trabalho à plebe miserável e nômade de nosso interior, melhor salário e garantias sociais ao proletariado, eliminar e mesmo acabar com os impostos sobre o pequeno comércio e as pequenas indústrias, dar ao povo hospitais e saneamento, educação e instrução, tudo na medida em que executa o programa revolucionário, expulsando os imperialistas, confiscando a nacionalizando as empresas imperialistas, confiscando o latifúndio, as plantações imperialistas e da Igreja, distribuindo a terra entre a população do campo e garantindo os mais amplos direitos democráticos. ²⁵ No mesmo número conclamava-se: “Todas as nossas forças pela instauração de um Governo Popular Nacional Revolucionário no Brasil” ²⁶ e no número seguinte dizia-se: O EXÉRCITO E A LUTA PELA LIBERTAÇÃO NACIONAL. LUIZ CARLOS PRESTES É O VERDADEIRO CHEFE DAS FORÇAS ARMADAS! A grande maioria dos nossos solados e marinheiros, praças e oficiais, por suas primeiras manifestações inequívocas, de há muito escolheram seu verdadeiro chefe na figura impoluta e legendária de Luiz Carlos Prestes, chefia esta não enviada do céu, não de um “messias infalível iluminado”, porém conquistada arduamente através de anos e anos de lutas de armas na mão contra os governos opressores e Epitácio, Bernardes, Washington Luiz, Getúlio Vargas, curtindo um doloroso exílio para estar sempre com o Exército, ao lado do povo e contra todos os opressores. E nesta qualidade Luiz Carlos Prestes, chefe indiscutível da ANL, não é somente o maior entre os maiores soldados do Brasil revolucionário, símbolo das tradições revolucionárias e democráticas das nossas forças armadas e do nosso povo secularmente oprimido e explorado, mas sim, desde já, É O CHEFE DO NOSSO EXÉRCITO POPULAR ANTIIMPERIALISTA QUE JUNTO E À FRENTE DO POVO TODO ACABARÁ COM, O ATUAL REGIME FEUDAL ESCRAVAGISTA, COM A DOMINAÇÃO EXTRANGEIRA, ATRAVÉS DA INSTAURAÇÃO DE UM GOVERNO POPULAR NACIONAL REVOLUCIONÁRIO QUE DARÁ ÀS MASSAS PÃO, TERRA E LIBERDADE! ²⁷ Desde então, até os movimentos armados de novembro, a Classop tinha a maioria de seus editoriais voltados para a conclamação de um GPNR com Prestes à frente. Convencidos que a luta armada estava na ordem do dia, Bangu ensinava “Como preparar e desencadear as lutas no campo” ²⁸ . No nº188, de 27 de agosto de 1935, saudando a instalação do VII Congresso da IC, chamava-se a que, “através de comícios, passeatas, greves, etc., mostremos nossa pujança proletária e popular nas lutas contra a guerra, o imperialismo, a reação, o integralismo e em defesa da União Soviética.” E afirmava-se: “As massas populares do Brasil marcham, através das lutas parciais, para as lutas decisivas pela Revolução Nacional Libertadora”.

Às vésperas das insurreições de novembro o partido dizia que estávamos “Em marcha para o Governo Popular Nacional Revolucionário!” Apesar de o fechamento da ANL ter parado o desenvolvimento da organização, insistiase que: O grande movimento de massas da Aliança Nacional Libertadora continua abalando o Brasil inteiro e penetrando até nas últimas aldeias dos sertões. A revolução nacional, antiimperialista continua em marcha acelerada para o dia da grande libertação do nosso país das garras do imperialismo. Amplia-se ainda mais a formação da Frente Popular. Essa Frente Popular ampla está mobilizando setores que não foram mobilizados com a ANL na legalidade. ²⁹ Esse aspecto chega a ser patético se analisamos o jornal do partido logo após as insurreições de novembro de 1935. O número 195, de 14 de dezembro de 1935, dava vivas à Revolução Nacional Libertadora, conclamando à preparação de novos e próximos combates. Depois da fragorosa derrota da insurreição no Rio de Janeiro, em que – isso é fundamental – não houve qualquer participação de massas populares e muito menos da classe operária, o editorial do jornal começa dizendo: O povo brasileiro, extremamente explorado pelo imperialismo, escorchado e oprimido pelas camorras dos senhores feudais e burgueses, agentes dos imperialistas, luta com cada vez mais decisão pela sua libertação e pela independência do Brasil. ³⁰ 1. Época de derrota A edição de fevereiro de 1936 trazia um editorial com o título “Começou a revolução”, em que fazia um balanço dos acontecimentos, apontava alguns erros e fraquezas do movimento, mas considerava que a revolução entrara já na ordem do dia da sociedade brasileira. Era uma questão de tempo – e de pouco tempo: O movimento nacional-libertador no Brasil entrou no caminho da luta aberta. O levante de massas populares e de soldados em Pernambuco e no Rio Grande do Norte, a insurreição de uma parte do Exército no Rio de Janeiro, dão início à grande luta armada de todo o povo brasileiro pela sua libertação nacional do jugo do imperialismo e de seus lacaios. ³¹ Acreditando, sem nenhuma base, por pura vontade, na existência de guerrilhas no Nordeste, pedia-se “apoio enérgico e decidido às colunas revolucionárias armadas e de guerrilheiros, no Nordeste e a formação de novas colunas do movimento libertador e revolucionário noutros pontos convenientes do país” e terminava-se afirmando: A revolução está em marcha para a frente. Mais fortes e experientes marchamos para os combates vitoriosos por pão, terra e liberdade, por um governo popular nacional revolucionário com Luiz Carlos Prestes à frente. ³² O editorial, que toma quase três páginas do jornal, é cansativamente repetitivo, os adjetivos “nacional-revolucionários” sendo repetidos à

exaustão. Isso nos lembra as palavras de Georges Haupt: “Os abusos de vocabulário escondem, frequentemente, a carência de análises”. ³³ O ano de 1936 foi de denúncias da repressão que se abatera sobre os comunistas, aliancistas e opositores do governo depois das insurreições. Dizia o editorial de dezembro Depois de obter de uma Câmara de lacaios as leis mais reacionárias contra os nacional-libertadores, o governo do agente imperialista e degolador de fronteira Getúlio Vargas se desmanda nas medidas as mais arbitrárias contra o povo brasileiro. Getúlio prometeu aos imperialistas seus sócios que meteria na prisão ou assassinaria o último brasileiro nacional-libertador, mas que, custe o que custar, garantiria a submissão do Brasil, como escravo, aos imperialistas. ³⁴ O número de abril de 1936 denunciava: ESTADO DE GUERRA: Guerra de morte a todo povo do Brasil Agora, com a decretação do Estado de Guerra, para o mais indiferente de todos os brasileiros aparece, em toda a sua ferocidade e hediondez, o papel de agentes cínicos e sinistros dos componentes da pandilha de Getúlio e Sales Oliveira, que está entregando os últimos restos do Brasil às hienas imperialistas. (A Classe Operária, janeiro de 1936, Nº194 – a discrepância de datas depende do local de impressão do jornal, este foi impresso em São Paulo). ³⁵ E conclamava: TODOS UNIDOS, OS QUE QUERIAM A SALVAÇÃO DO BRASIL! LUTAS E AÇÕES CONCRETAS DE FRENTE ÚNICA EM CADA LOCAL DE TRABALHO, EM CADA EMPRESA, FÁBRICA, FAZENDA, ESCOLA E QUARTEL! EM CADA BAIRRO, DISTRITO, MUNICÍPIO E CIDADE; PELA MELHORIA IMEDIATA DAS CONDIÇÕES DE EXISTÊNCIA DO POVO TRABALHADOR! COMISSÕES DE PROTESTO, CARTAS, TELEGRAMAS E MOÇÕES AO PARLAMENTO E AO GOVERNO; GREVES, COMÍCIOS E DEMONSTRAÇÕES EXIGINDO A SUSPENSÃO IMEDIATA DE TODAS AS MEDIDAS DE EXCEÇÃO E A LIBERTAÇÃO DE PRESTES E DEMAIS PRESOS POLÍTICOS! ³⁶ Durante os anos de 1936 e 1937 a imprensa partidária dedicou-se a denunciar as prisões torturas cometidas contra os presos políticos e a pedir liberdade para Prestes e os outros comunistas e aliancistas presos. Diziam também que O PC e a ANL e outras organizações revolucionárias – apesar da prisão de milhares de seus membros – continuam a viver e a lutar junto ao povo e o editorial conclamava: “FRENTE ÚNICA CONTRA GETÚLIO – EIS O CAMINMHO!”. Afirmavam ainda que “A SALVAÇÃO DOS BRASILEIROS DAS GARRAS SANGUINÁRIAS DO GETULISMO ASSASSINO E DO IMPERIALISMO LADRAVAZ EXIGE A UNIDADE DE AÇÃO DE TODAS AS FORÇAS POPULARES!” ³⁷

Os números-datas do jornal, em 1936, 37 e 38 se misturam, conforme fossem editados no Rio ou em São Paulo, ou mesmo sem explicação. Em agosto de 1936 a Classop Aparece com o seguinte editorial, do nº 197: “O TIRANO VARGAS, FASCISTA SEM CAMISA, TRAMA COM OS TERRORISTAS DO SIGMA UMA DITADURA CONTRA O POVO DO BRASIL” ³⁸ . O número de dezembro de 1936 reflete uma tênue mudança de política dos comunistas. Pensando nas eleições marcadas para março de 1938, o partido esboça uma posição de frente única mais aberta. Em longo artigo, chamado “Não, o PC não deixará de ser o PC!”, o jornal discute com hipotético e sectário militante. No final do artigo que responde a esse camarada, diz-se: ...Dizer que “o PC perderia sua integridade como P. de classe do proletariado...” Será porque o PCB está disposto a fazer todos os esforços para que a sucessão presidencial se processe sem efusão de sangue e que seja verdadeiramente democrática a eleição do sucessor do Monstro? Com o exemplo da França e da Espanha, em que os Partidos Comunistas participaram em blocos que estão governando, sem ter atingido essas posições pelas armas, vemos que eles não deixaram de ser Partidos Comunistas. Ao contrário, são verdadeiros Partidos Comunistas, que representam as aspirações do povo e do proletariado de seus países. Essa ideia do camarada X é a mesma dos anarquistas do princípio deste século, condenando a participação do POSDR na revolução burguesa e do parlamentarismo burguês. “Teoricamente, essa ideia representa o esquecimento dos princípios do marxismo (Lenin, Duas Táticas). Levamos em público as ideias do camarada X porque sabemos que não somente ele pensa assim. Haverá mais alguns camaradas com a mesma opinião. Nosso dever é não deixar que se assente pedras sobre pedras em alicerces imprestáveis. Portanto, acha-se aberta a discussão: a Classe Operária acha-se à disposição do camarada X e de todos os membros do Partido. Arariboia Recomendava-se a leitura de artigo, também de 1ª página: “PELA PAZ, PELA LIBERDADE, PELA ANISTIA!” ³⁹ Ainda com vistas às eleições, o PCB propunha: O povo brasileiro quer o respeito e a prática da Constituição. Com o povo, o PCB apoiará o candidato que empunhar, na campanha da sucessão presidencial, a bandeira da democracia republicana burguesa concretizada: 1º - Restabelecimento e aplicação da Constituição Brasileira, com a revogação das emendas inconstitucionais e suspensão do estado de guerra, respeito às imunidades parlamentares, revogação do Tribunal Infame, etc. 2º - Medidas eficientes para auxiliar o desenvolvimento e progresso das indústrias, lavoura e comércio nacionais.

3º - Anistia ampla, com a reintegração de todos os civis e militares demitidos por questão política. Assim como o PCB apoiará um candidato com tal programa, apoiará seu governo na medida em que aplicar o programa com que se apresentar e tiver sido eleito pelo povo brasileiro, e lutará ombro a ombro com todas as forças democráticas e progressistas contra qualquer provocação ou ataque dos que se colocarem a serviço do imperialismo e do fascismo. A Redação Janeiro de 1937 ⁴⁰ Denunciando o Estado Novo, o jornal dizia: A ditadura fascista de Getúlio PODE e DEVE ser destruída! A ditadura de Getúlio surge minada por profundas contradições. É o fruto de um longo processo de fascistização que se realiza principalmente a partir de novembro de 1935. A forma democrática de governo, estabelecida na Constituição de 1934 desde então não permite mais ao imperialismo e seus aliados internos conter a avalanche popular que surge com o despertar de todo o país para a luta pela Democracia e pela Libertação Nacional. Daí a Lei Monstro, o Estado de Guerra permanente, as medidas excepcionais e agora a “legalização” de tudo isso por um golpe fascista, codificado na monstruosa “constituição” getulista de 37. ⁴¹ E terminava: Cabe ao proletariado, - força mais conseqüentemente democrática – orientado e dirigido pelo seu partido de classe, congregar todos os agrupamentos políticos, todas as forças democráticas – TODO O POVOnuma vigorosa e ampla FRENTE COMUM DE AÇÃO PARA DESTRUIIOÇÃO da ditadura de Getúlio e por um governo realmente democrático. Que com as suas greves, manifestações de protesto, ligadas às suas próprias reivindicações econômicas, o proletariado forje essa vigorosa frente única, estimule todas as forças da democracia, todas as camadas da população e lhes indique o verdadeiro caminho da conquista da democracia e da Liberdade. ⁴² 1. Proposta de União Nacional Foi no número 207 da Classop, de abril de 1938, que encontrei a primeira menção à política de união nacional, que acabará por mudar os rumos da política do PCB, principalmente depois de encampada por Prestes. Pela importância que tem, transcrevo todo o editorial: UNIÃO NACIONAL PELA DEMOCRACIA E PELA PAZ Diante dos acontecimentos políticos que o mundo acaba de assistir, torna-se imperioso a todos os democratas e amigos da paz e da cultura, uma atitude decidida contra o fascismo e a guerra.

Depois da conquista da Abssínia, do Sarre e da Manchúria; quando os canhões troam no solo ensangüentado da Espanha e da China; depois da inominável e violenta ocupação da Áustria; quando o nazismo alemão lança “irado” suas vistas para o Brasil e ameaça converter seus núcleos coloniais do Sul em tropas de ocupação; quando o eixo fascista, por intermédio de sua agência integralista, tentava desencadear aqui uma guerra civil que lhe permitisse invadir nosso território; no momento em que três potências fascistas-militaristas ameaçam estender aos demais povo do mundo a morte, a destruição e o saque, nenhum homem de responsabilidade, que realmente preze a cultura e ame o seu povo tem o direito de silenciar ou se limitar a declarações vagas e platônicas. Daí a necessidade que se impõe imediatamente: A UNIÃO CADA VEZ MAIS FORTE ENTRE GOVERNOS E POVOS DOS PAÍSES DEMOCRÁTICOS PARA DEFESA DA DEMOCRACIA E DA PAZ, PARA A RESISTÊNCIA ATIVA CONTRA O IMPERIALISMO FASCISTA. UM PERIGO IMINENTE PARA O BRASIL Ninguém terá mais a coragem de negar que o nazismo para o Brasil é um perigo iminente. O que o Partido Comunistas vinha desde muito denunciando e combatendo, os fatos vieram provar de uma maneira irretorquível. O golpe integralista que acaba de ser desarticulado já não pode escapar aos olhos de ninguém, a não ser aqueles que insistem em não querer ver como uma prova de que o integralismo e o nazismo agem de mãos dadas na obra satânica de escravizar nosso povo às potências fascistas. Não faltaram sequer os punhais nazistas com que o braço traiçoeiro dos chefes integralistas queria apunhalar o nosso povo, a nossa família. Entretanto, os principais chefes do movimento não foram ainda presos nem processados e, segundo declarações oficiais, “escaparam” à vigilância” da polícia, estão foragidos... na embaixada alemã, segundo certos rumores... Não. O golpe foi superficialmente desarticulado, mas os focos de conspiração e atividades fascistas continuam impunes, existindo um ambiente favorável a seu rápido desenvolvimento. Este ambiente é produto da orientação antidemocrática e antipopular impressa à política nacional com o golpe de estado de 10 de novembro e do apoio da ala reacionária do governo de Getúlio, da complacência inadmissível e ajuda criminosa desses elementos ao integralismo nazista. Foi animado por esse apoio que Hitler teve a desfaçatez singular de afirmar que olha com rancor para as medidas antinazistas do governo do Brasil, mas que confia em que Getúlio Vargas – é ainda Hitler quem diz – conseguirá por ordem nos assuntos domésticos do país e facilitar seus planos. A ATITUDE DO SR. OSVALDO ARANHA E A POSIÇÃO DO PARTIDO COMUNISTA No momento em que o povo tinha os olhos fixos em seus dirigentes, aguardando deles uma resposta à insólita ameaça de Hitler, as palavras do sr. Osvaldo Aranha ecoaram simpática e entusiasticamente não só no Brasil mas em todos os países da América.

O Partido Comunista apoia sem reservas a atitude do Sr. Osvaldo Aranha e chama todas as forças políticas, todo o povo a fazer o mesmo. Entretanto, se é verdade que as palavras do Sr. Osvaldo Aranha refletem os anseios da ala democrática do atual governo e do povo, entretanto ele não é o presidente da República. É preciso que o Sr. Getúlio Vargas fale. Toda a imprensa e governos da América, todos os governos e povos democráticos do mundo secundam a nossa imprensa liberal, manifestam-se solidários com o Brasil. Por que só o nosso presidente cala? PELA UNIÃO DE TODOS OS GOVERNOS E POVOS DEMOCRÁTICOS DO MUNDO A recente nota de Litvinov aos representantes da imprensa estrangeira em Moscou, em nome do governo Soviético, une-se aos repetidos apelos de Roosevelt e Cárdenas à União dos povos e governos democráticos do mundo, pela paz e a democracia. Os pan-americanistas de coração não podem ficar surdos aos apelos dessas três personalidades marcantes entre os demais insignes estadistas da atualidade. O verdadeiro sentido do pan-americanismo deve colocar nosso continente unido, como força decisiva, ao lado das potências democráticas, para a derrota do fascismo e o bem-estar da humanidade. QUE É PRECISO FAZER? O Partido Comunista chama todo o povo, todas as organizações populares, democráticas e nacionalistas a reclamar do governo as seguintes medidas urgentes que o caso requer: Denúncia de todos os tratados feitos com as potências fascistas, tais como o acordo comercial com a Alemanha (marcos compensados) e outros; Nenhum quilo de nosso ferro, níquel, manganês ou algodão para os agressores fascistas; Todas as nossas riquezas do solo e subsolo a serviço da nossa defesa nacional e como reserva dos países democráticos para a luta contra o fascismo; Prisão e julgamento dos chefes integralistas como verdadeiros traidores da Pátria; Dissolução de todas as organizações fascistas e nazistas; Dissolução dos quistos emigratórios alemães, japoneses e outros que se mostrem perniciosos aos interesses nacionais e expulsão dos chefes e espiões estrangeiros (não se trata de campanha xenófoba; os trabalhadores, os que se adaptam às nossas leis e propugnam por nosso progresso merecem a nossa hospitalidade, solidariedade e respeito). Penalidade contra os jornais a serviço do fascismo estrangeiro, tais como os Diários Associados do Nauseabundo e A Nota, de Geraldo Rocha.

Apoio à imprensa que se coloca nesse momento contra a afronta nazista, como estão fazendo O Radical, Correio da Manhã, A Tarde, Diário Carioca, O Globo e outros. Que cesse a imoral propaganda nazista pela “Hora do Brasil”. Que cessem os provocadores e guerreiros vôos fascistas pelas costas e pontos estratégicos do Brasil. Demissão dos cargos públicos de todos os agentes nazistas. RESTITUIÇÃO AO POVO BRASILEIRO DAS GARANTIAS E DIREITOS DEMOCRÁTICOS CONSTANTES DAS CARTAS MAGNAS DE 91 E 34. LIBERDADE DE IMPENSA, ORGANIZAÇÃO E REUNIÃO. Diante da ameaça fascista que pesa sobre o mundo e particularmente sobre o nosso país, não é possível que as forças democráticas continuem divididas. O Partido Comunista do Brasil, apontando a atitude do ministro Osvaldo Aranha, declara que apoiará também qualquer medida que o Governo Federal venha a tomar para preservar nosso país de uma agressão nazista. Em defesa da Nação lutaremos ombro a ombro, por cima de qualquer divergência, com todas as forças nacionais, inclusive o Sr. Getúlio Vargas, se este se dispuser, como é do seu dever, se opor à investida do fascismo. Todos contra a agressão nazista! Anistia aos presos políticos! União Nacional em defesa da Democracia, da Paz e da nossa Independência! Rio, 28 de março de 1938 O Bureau Político do Partido Comunista do Brasil (S. da IC) ⁴³ Depois do golpe integralista de maio de 1938 os comunistas denunciaram: “Os acontecimentos da madrugada do dia 11 vieram confirmar, de maneira insofismável, a procedência das denúncias que o Partido Comunista vinha fazendo, desde longa data, sobre a ameaça de golpe integralista e da intervenção fascista estrangeira que paira sobre o nosso povo.” (Classop. nº 215, julho de 1938). Fruto da proposta política de união nacional, os comunistas parabenizaram Getúlio por ter vencido o golpe: ... o Partido Comunista, que desde há muito vinha conclamando a necessidade dessa frente nacional – não vacilou um minuto em levar o seu apoio ao governo da República no combate ao fascismo, desfraldando a bandeira da anistia, das liberdades democráticas. E em qualquer emergência os comunistas saberão ocupar o seu posto sem ver nisso um favor, mas apenas o cumprimento consciente do seu dever. ⁴⁴ Os presos comunistas, a 14 de maio de 1938, chegaram, inclusive, a enviar uma carta de apoio a Vargas. Redigida por Agildo Barata na Casa de Detenção, foi assinada por 12 militares que participaram da insurreição de novembro de 1935 no Rio. Congratulam-se com a “Nação Brasileira” na

pessoa do presidente “pelo esmagamento da bárbara intentona integralista de 11 de maio”, num momento em que o país estava sob a “ameaça terrível do assalto armado e da conquista, por parte de certas potências expansionistas e agressivas”. Diziam estar de total acordo com a declaração de Getúlio sobre a necessidade de “uma nova ordem” e se declaravam ao lado do governo na luta contra o integralismo, seus mentores estrangeiros e sequazes. Assinavam a carta: Agildo Barata, Agliberto Vieira de Azevedo, Álvaro Francisco de Souza, Sócrates Gonçalves da Silva, David Medeiros Filho, Benedito de Carvalho, Francisco Antônio Leivas Otero, José Gutman, Soveral Ferreira de Souza, Raul Pedroso, Humberto Baena de Morais Rego e Ivã Ramos Ribeiro. ⁴⁵ De 1938 em diante (até, inclusive, a cassação do mandato dos parlamentares comunistas, em maio de 1947) a palavra de ordem foi a de união nacional. Naquela época havia acerbada luta interna. O grupo de Bangu, que defendia a união nacional, ganhou o apoio da Internacional Comunista e derrotou com isso o grupo paulista, que foi expulso do partido e fundou a oposição comunista. A chamada fração de Sachetta instalou um comitê central provisório em SP: Sachetta, Hélio Manna, Heitor Ferreira Lima, Rocha Barros, Fuad de Melo, Tito Velio Battini (“Jaime”, jornalista), Carmo Giaconelli (“Dreifus”), Antônio da Costa Correia (estudante de direito), José Zacarias de Sá Carvalho (“Sumaré”, estudante de direito) e Issa Maluf. Em 1938 Preste começara a se corresponder com Bangu. Ele assinava Bento e Bangú, Silva. A correspondência foi possível graças à “Gilda”, ligada a alguém dentro da prisão e a “Abóbora” (Eduardo Xavier), membro da direção partidária e ligado a ela e a Bangú. Depois de estabelecida a política de União Nacional, com o aval da IC e aceita por Prestes, o jornal do partido atenuou suas críticas ao Estado Novo, deixando espaço para o que chamaram de “nacionalistas” e “liberais” do governo e, algumas vezes, apoiando Vargas. O tom dos comunistas mudou, como podemos perceber no seguinte artigo: As promessas do “Estado Novo Os fatos têm demonstrado que temos razão quando afirmamos que as promessas que vem fazendo o governo do ‘estrado novo” não terão nenhuma possibilidade de execução – e não passarão portanto de pura demagogia enquanto perdurar o regime de supressão das liberdades públicas implantado com o golpe de Estado de 10 de novembro de 1937. [...] Não poderão dizer que o Partido Comunista age apaixonadamente, que fazemos oposição sistemática e que temos por objetivo a desordem. Tais acusações não encontram eco no seio do povo, diante da atitude clara e serena que o PC vem assumindo desde longa data. Se é verdade que desde os primeiros dias do golpe de Estado de 10 de novembro, mostramos ao povo as verdadeiras características do “estado novo” como um instrumento do imperialismo e dos açambarcadores, também é verdade que, em face da participação do governo de elementos que se dizem democratas e nacionalistas., por ocasião dos golpes nazi-integralistas e diante das ameaças imperialistas contra a nossa soberania, o PC fez várias propostas para a modificação do atual estado de coisas, com o expurgo da ala

reacionária e fascista, com a concessão da anistia e a volta do país ao regime democrático. Propusemos a formação de um Governo de Frente Nacional, na base de um programa nacional-democrático, sem fazer restrições a pessoas, inclusive ao senhor Getúlio Vargas. E como o governo tem respondido às nossas propostas? Reforçando o terror policial, protegendo as empresas imperialistas e os especuladores e agravando cada vez mais situação e a miséria do povo. A responsabilidade cai portanto sobre o governo e seus chefes.Eles terão que decidir se vão arrostar com essa responsabilidade até o fim ou se preferem recuar. Quanto ao proletariado e as massas populares, esses, dia a dia se apercebem, com sua experiência, que só tem a confiar em suas próprias forças e que só unidos, seguindo o caminho que lhes traça o Partido Comunista, será possível conquistar seus direitos, realizar suas aspirações, num regime democrático, de paz e de progresso. ⁴⁶ Outro artigo mostrava as posições do PCB em relação às forças que deveriam ser unificadas para a revolução democrática. Em “Todos de pé contra as manobras dos traidores nacionais e pela União Nacional Democrática!” terminava-se dizendo: A solução não está, de certo, em golpes de mão aventureiristas, de finalidades obscuras, sem princípios definidos, sem programa, sem ligação com as forças vivas da nacionalidade – a massa trabalhadora das cidades e dos campos, o proletariado, a pequena burguesia urbana e rural, a burguesia nacional progressista, todos os que lutam por um Brasil livre da odiosa tutela estrangeira, todos os que lutam pela Liberdade, pelo direitos do homem e do cidadão. Um amplo movimento de opinião em que o povo e as Forças Armadas se congracem para o imediato restabelecimento das franquias constitucionais suprimidas pela ditadura getulista, esse é o único, justo, certo e verdadeiro caminho a seguir. E só assim poderemos arrancar o Brasil do caos em que se encontra, reorganizar e emancipar a sua economia, desenvolver a sua produção, melhorar o nível de vida do seu povo. O PCB apela para todos os elementos sinceramente nacionalistas, democráticos, liberais e progressistas – civis e militares, homens e mulheres, velhos e jovens – a fim de que se unam e, através dessa poderosa frente de ação, redobrem de esforços e de energias na luta sem tréguas nem quartel pela Democracia e pela Libertação Nacional. Unidos, à base de um programa verdadeiramente DEMOCRÁTICO, que de fato atenda às necessidades e aspirações do país e do povo, seremos em breve uma força que nenhum terror policial logrará deter, uma força que fará o imperialismo e seus agentes “estadonovistas” morderem irremediavelmente o pó da derrota. À campanha de intimidação e corrupção do “estado novo” respondamos, pois, com a união de todos os brasileiros, pela Anistia, pela convocação de uma constituinte, pela restauração das liberdades públicas, contra o regime de ilegalidade e de traição nacional encarnado na carta fascista de 10 de novembro. ⁴⁷

Esse foi o jornal de 1940 a que tive acesso. Em maio daquele ano toda a direção partidária fora presa. Não bastassem as cotidianas perseguições do Estado Novo, a direção presa escreveu autobiografias, onde contavam em detalhes suas atuações. Foi quando veio à tona o assassinato da jovem Elza Fernandes, mulher do secretário geral, Miranda. Os que a haviam matado levaram a polícia à casa onde Elza fora enterrada e contaram detalhes do ocorrido. Os comunistas voltaram a ter maiores possibilidades de ação com a declaração de guerra ao Eixo. Manifestaram-se também através de revistas, como Diretrizes, lançada em março de 1938, tendo como diretor Azevedo Amaral. O número 8, de novembro, participou que Azevedo Amaral deixara o cargo, nada mais tinha a ver com a revista, dirigida agora por Samuel Wainer. ⁴⁸ Em dezembro daquele ano lançara-se na Bahia a revista Seiva – João Falcão, Eduardo Guimarães, Emo Duarte, Virgidal da Silva. Concluindo A imprensa voltada para a classe operária foi principalmente a anarquista, a socialista e a comunista. A anarquista foi muito doutrinária, valorizando a educação da mente para uma consequente ação direta, ação individual, havendo muitas restrições à organização política e a hierarquias partidárias. Os socialistas predicavam uma sociedade sem classes para um futuro distante, sociedade que seria alcançada legalmente, por vias constitucionais, valorizando por isso, e extremamente, as eleições. Os comunistas souberam superar esses traços que não contribuíam para uma organização política, em especial dos operários. Mas seus apelos eram a um proletariado, por definição, forte e combativo, o verdadeiro sujeito das transformações revolucionárias, que precisava apenas tomar consciência dessa força e levantar-se pela sociedade sem classes e sem exploração, guiado pelo partido comunista. Por várias vezes os comunistas participaram das eleições, embora não as considerassem uma panaceia para as transformações sociais. Apesar disso, seus apelos aparecem como frases feitas, diretivas formais, que não levavam em conta o nível de politização e mobilização popular. Um movimento grevista intensificado tornava-se situação pré-revolucionária e qualquer descontentamento, em especial no setor militar, era visto como iminente insurreição. Dirigiam-se a uma classe operária, a uma massa camponesa, a soldados e marinheiros a partir de uma imagem idealizadas dessas classes e camadas sociais e faziam de conta que os pobres e explorados – aqueles todos a quem apelava a primeira conferência nacional, incluídos índios, coiteiros e cangaceiros – entendiam e lutariam por um governo de sovietes operários e camponeses, soldados e marinheiros. Apesar do formalismo de suas palavras de ordem, a partir das lutas antiintegralistas e antifascistas, com a criação da Aliança Nacional Libertadora, o movimento de massas cresceu muito e as palavras de ordem dos comunistas passaram a ser mais ouvidas. As insurreições de novembro de 1935 abortaram esse crescimento. Referências

ANDREUCCI, Franco. A difusão e a vulgarização do marxismo. In: HOBSBAWM, Eric, História do Marxismo, v. 2, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. BANDEIRA, Moniz. O ano vermelho. São Paulo: Brasiliense, 2 ed., 1980. FACÓ, Rui. A Classe Operária, 20 anos de luta. Rio de Janeiro: Ed. Horizonte Ltda.,1951. HARDMAN, Foot; LEONARDI, Victor. História da indústria e do trabalho no Brasil (das origens aos anos 20). São Paulo: Ática, 1991. HAUPT, Georges. La deuxième internationale -1889-1914. Paris: Ed. Mouton&Cia/La Haye, 1964. HOBSBAWM, Eric. “A cultura europeia e o marxismo entre o século XIX e XX”. In: __. História do Marxismo, v. 2, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. HOMON, A. Le socialisme e le congrès de Londres. Paris, 1897. LEUENROTH, Edgar. Anarquismo, roteiro da libertação social. Rio de Janeiro: Mundo Livre, 1963. MORAES FILHO, Evaristo de. O socialismo brasileiro. Brasília: Câmara dos Deputados/UNB, 1981. PEREIRA, Astrojildo. Formação do PCB, 1922/1928. Lisboa: Prelo, 1976. Jornais Consultados: A LIBERDADE – Rio de Janeiro, nº 29 – 04/1919 SPARTACUS – 1919-1920, números de 1 a 24. VIDA NOVA – órgão do PCB em Santos, nº 01 – 1/5/1922 MOVIMENTO COMUNISTA, Rio de Janeiro: nº2 – 02/1922 nº3 – 03/ 1922 nº4 – 04/1922 nº5 – 05/1922 nº6 – 05/1922 nº7 – 0612/1922 nº 8 – 07/1922 nº 9-10 – 08/1922 nº11 – 10/1922

nº12 – 11/1922 nº13 – 12/1922 A CLASSE OPERÁRIA Números 1, 2, 3 e 4 de 1928; 63 e 65 de 1929; 85, 86, 89, 92, 93, 94, 85 e 97, de 1930; 130, 132, 133, de 1931; 134, 145, de 1932; 154 de 1933; 160, 164, 167, 168, 170, de 1934 e 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 185, 186, 187, 188, 189, 190, 191 de 1935; 192, 193, 194, 105, 196, 197, 199, 200, 201, 205, 206, de 1936; 207, 208, 209, 211, 305, 206, 207, 208, de 1937; 207, 208, 209, 210, 214, 215, de 1938; 218, de 1939; e 219, de 1940. Notas 1 . Spartacus, nº 23, 1920. 2 . Movimento Comunista, nº 1, janeiro de 1922, editorial. 3 . Movimento Comunista, nº 4, p.109-10. 4 . “O proletariado nenhum interesse tem e intervir na contenda NiloBernardes” Movimento Comunista, nº 2, fevereiro de 1922, p. 38. 5 . Pereira, Astrojildo. Movimento Comunista nº 7, p.175-6. 6 . A Classe Operária, nº 94, julho de 1930 p.1. 7 . Rui. A Classe Operária, 20 anos de luta. 8 . Astrojildo. Formação do PCB, 3ª edição, São Paulo: Anita Garibaldi, 2012. 9 . “Relatório da Comissão do Jornal”, In Facó, op. cit. p. 5-6. 10 . op. cit. p. 6. 11 . Idem, p. 10. 12 . Idem. 13 . Idem, p. 12. 14 . A Classe Operária nº 85, 15 fevereiro 1930. 15 . A Classe Operária nº 92, 3 de julho de 1930. 16 . A Classe Operária, nº 154, de 16 de dezembro de 1933. 17 . A Classe Operária, nº 154, dezembro de 1933, p. 3. 18 . A Classe Operária, nº 164, de 1º de agosto de 1934, p. 1. 19 . A Classe Operária, nº 164, p. 7.

20 . A Classe Operária, nº 170, de 3 de outubro de 1934. 21 . A Classe Operária, nº 176, de 23 de março de 1935. 22 . A Classe Operária, nº 177, de 31 de março de 1935. 23 . A Classe Operária, nº 173, março de 1935. 24 . A Classe Operária, nº 178, de 10 de abril de 1935, p. 8. 25 . A Classe Operária, nº 184, de 20 de junho de 1935. 26 . Idem, p. 4. 27 . A Classe Operária, nº 185, de 2 de julho de 1935, p.8. 28 . A Classe Operária, nº 187, de 31 de julho de 1935, p.8. 29 . A Classe Operária, Nº 194, 20 de novembro de 1935. 30 . A Classe Operária, Nº 195, p. 1. 31 . Classop, São Paulo, fevereiro de 1936, nº 200. 32 . Idem. 33 . Haupt, La deuxième internationale - 1889-1914, p. 41. 34 . A Classe Operária, janeiro de 1936, nº 197. 35 . Idem. 36 . Idem. 37 . Classop, nº 200, junho de 1936. 38 . Classop, nº 200, agosto de 1936. 39 . Classop, nº 206, dezembro de 1936. 40 . Cassop, nº 208, 2/2/1937. 41 . Classop, nº 207, novembro de 1937. 42 . Idem. 43 . Classop nº 207, de abril de 1938. 44 . Idem. 45 . Arquivo Getúlio Vargas, CPDOC, FGV. 46 . A Classe Operária, nº 218, 26 de outubro de 1939, p. 6. 47 . Classop. nº 219, 1º de março de 1940.

48 . Diretrizes. Ano I, nº 8, novembro de 1938. CAPÍTULO 2: O NACIONALISMO XENÓFOBO NAS PÁGINAS DE GIL BLAS Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus Introdução A revista Gil Blas surgiu em fevereiro de 1919, em meio a uma sucessão presidencial e num contexto histórico marcado pelo crescimento do ideal nacionalista. Eixo aglutinador de tais propostas, o estudo da revista nos auxilia a compreender parte das iniciativas que viriam compor as diretrizes da direita e extrema direita surgida nos anos 1930, entre elas o Integralismo e a militância católica. No entanto, diferentemente do que fizera a historiografia até o momento, o periódico não pode ser estigmatizado segundo esse único viés. Ao longo de sua trajetória (1919-1923), a publicação atravessou várias fases, manifestas na alteração de seu subtítulo, materialidade, objetivos e colaboradores, ao sabor de interesses diversos. Neste artigo pretende-se salientar a fase inicial da revista, quando se optou por divulgar um nacionalismo xenófobo de cunho antilusitano, proposta que estava na ordem do dia, principalmente no Rio de Janeiro, então Capital Federal. Na década de 1920, o contexto de crise econômica, fruto das dificuldades atravessadas pela economia cafeeira, tornava ainda mais gritante a desigualdade social e o desemprego. Com isso, com a intensificação do nacionalismo, saiu-se em busca de responsáveis pelos males do país. Por outro lado, o crescimento da imigração portuguesa parecia ameaçar os trabalhadores do Rio de Janeiro, frente à competitividade instaurada no mercado de trabalho. ¹ Gladys Sabina Ribeiro salienta que o antilusitanismo foi alimentado por conflitos dessa natureza, pois os portugueses, que vinham “fazer a América”, sujeitavam-se às condições não aceitas pelos brasileiros. ² Diferentemente de parcelas significativas da população do Rio de Janeiro, prosperavam economicamente e socialmente, adquiriam imóveis e centros comerciais, o que gerava ressentimentos que foram o ponto de partida para a construção do estereótipo do português explorador e responsável pelos males da população carioca. Esse clima possibilitou o ressurgimento do jacobinismo, enquanto vertente do nacionalismo nativista, particularmente forte na cidade do Rio de Janeiro. ³ O posicionamento crítico em relação aos portugueses, que nunca deixou de existir, ganhou ainda mais força, justamente no lançamento de Gil Blas e vinculou-se a um nacionalismo extremado, que visava forjar as singularidades de uma identidade, ainda em construção. Assim, estava completada a equação; crise econômica, intensa imigração e busca de bodes expiatórios. Desta forma, no início da década de 1920, estimulado pelo nacionalismo, o antilusitanismo ganhou força no Rio de Janeiro, tendo em Gil Blas o seu principal interlocutor.

Gil Blas veio a público em 13 de fevereiro de 1919, estampando em sua capa o subtítulo “panfleto de combate”. O título Gil Blas remete ao romance de René de Lesage, publicado no século XVIII e a uma revista francesa do final do século XIX (1891-1903). ⁴ É difícil precisar quem era o efetivo proprietário e fundador da revista. Na capa, até julho de 1919, estampava-se que a propriedade do semanário cabia à Empresa Marques & C. e que a impressão era levada a cabo na oficina gráfica do Jornal do Brasil. Em outubro de 1920, anunciou-se que a publicação passou a pertencer a uma Sociedade Anônima, sem que se informassem os nomes de seus acionistas. O Conselho Fiscal era composto por Anthéro Pinto, Álvaro Bomílcar e Jerônimo de Mesquita, tendo como suplentes Trajano de Almeida Costa, Alberto Ildefonso de Oliveira e José Leôncio Mouzinho. O colaborador jurídico era o Dr. Sydenham Ribeiro, juiz do Estado do Rio de Janeiro. ⁵ Do primeiro ao último número Delamare foi o Diretor responsável e o Redator Chefe da revista. Alcebíades Delamare Nogueira da Gama nasceu em São Paulo, em 1888, e morreu no Rio de Janeiro, em 1951. Filho do professor Lamartine Delamare Nogueira da Gama, fundador do prestigiado Ginásio Nogueira da Gama ⁶ , em 1910 foi Presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto e bacharelou-se na Faculdade de Direito de São Paulo. Em 1914 casou-se com Marina Queirós Aranha, filha do jurista e cafeicultor José Queirós Aranha. Doutorouse em direito pela Universidade do Rio de Janeiro em 1917 e foi nomeado o primeiro promotor público da capital paulista, fazendo carreira na área. Em 1919, tornou-se professor de Direito Administrativo da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro, cidade na qual se projetou com um renomado escritório de advocacia. Em 1909, lançou seu primeiro livro, Primeiros ensaios, no qual analisou obras do poeta Augusto Franco e de Silvio Romero. Em 1917, Delamare publicou a tese que apresentou na Universidade de Direito do Rio de Janeiro; denominada, Economia, Política, Direito Administrativo e Finanças. Entre 1918 e 1920, publicou Epanaphoras Sociais. A obra dividida em três volumes consistia na tese apresentada no concurso para professor da Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Rio de Janeiro. Em 1923, publicou Momentos Nacionalistas, coletânea de discursos de Epitácio Pessoa e textos em defesa de sua administração governamental. Em 1921, disputou a eleição para Intendente do Conselho de Intendência da Capital Federal pelo 1° Distrito do Rio de Janeiro, mas foi vencido por Nicanor Carvalho. Nesse mesmo ano foi nomeado, por Decreto do Presidente Epitácio Pessoa, Fiscal dos Bancos do Rio de Janeiro e foi promovido, no ano seguinte, a Sub-Inspetor Geral de Bancos. Delamare também teve atuação ativa em movimentos de cunho nacionalista e católico. No ano de 1920 foi o idealizador da Ação Social Nacionalista (ASN), órgão fundado no Rio de Janeiro e que reuniu uma série de outros movimentos nacionalistas. Criado nos rastros das ligas, como a Liga da Defesa Nacional (1916) e a Liga Nacionalista de São Paulo (1917), a ASN era presidida por Afonso Celso e tinha Epitácio Pessoa no cargo de presidente de honra. ⁷ Em 1921 ajudou a criar o Apostolado Nacionalista, do qual foi presidente de honra. Ligado á ASN, o movimento era dirigido por

Astrigildo de Azevedo e tinha como objetivo unir catolicismo e nacionalismo. Em 1922, Delamare esteve entre os sócios fundadores do Centro Dom Vital e exerceu, a partir daí, forte militância católica. Ainda na década de 1920, publicou dois livros por órgãos identificados com a Igreja Católica: As Duas Bandeiras, de 1924, pelo Centro Dom Vital e Línguas de Fogo de 1926, pela Tipografia Annuário do Brasil. Em 1925 ajudou a fundar a Academia de Ciências Econômicas, Sociais e Políticas, no Rio de Janeiro. ⁸ Na década de 1930 esteve ligado também a outros movimentos como a Ação Imperial Patrionovista e Ação Integralista Brasileira, da qual atuou como advogado e procurador. A partir desse momento, aliado a militância do movimento Integralista, dirigiu seus estudos às cidades e biografias históricas brasileiras, publicando obras como Villa Rica, em 1935 e a coleção Ciclo dos Descobridores em 1936. Nos anos 1940 fez parte do Diretório Nacional do Partido de Representação Popular (PRP), fundado por Plínio Salgado, que reagrupou os ex-integrantes do Integralismo. No decorrer de sua vida colaborou, ainda, em jornais cariocas como: Jornal do Comércio, A Gazeta de Notícias, União, O Jornal e A Tarde, e em São Paulo escreveu no Vida Moderna. ⁹ Se em pouco mais de quatro anos de circulação, Delamare sempre figurou como diretor e redator chefe de Gil Blas, o mesmo não se pode dizer a respeito de seus colaboradores. Nesses quatro anos a maioria assinou apenas um artigo (11,1% do total), forte indício da presença pouco constante de um rol amplo de articulistas. Além disso, os números evidenciam que o corpo fixo de colaboradores era escasso e que a efetiva responsabilidade dos textos ficava a cargo dos redatores. Fortalece essa interpretação o fato de Afonso Celso e Álvaro Bomílcar, dois nomes de destaques no cenário intelectual da época e que mais colaboram com a revista, se responsabilizarem por um porcentual muito baixo de matérias assinadas (1,9 e 1,7%). Afonso Celso publicou seu primeiro texto na revista número 28, de 21 de agosto de 1919, mas participou de maneira regular somente a partir de 1920 e o fez até o fechamento do semanário. ¹⁰ Pode-se dizer que o fato de Afonso Celso e Bomílcar serem intelectuais de destaque na época, comprometidos com os ideais nacionalistas, os credenciavam a assinar um maior número de artigos na revista e colaborar nos rumos adotados pelo periódico desde então. Gil Blas surgiu em meio à crise política aberta pelo falecimento, em 17 de janeiro de 1919, de Rodrigues Alves, novamente eleito Presidente da República. Segundo a Constituição, o vice, Delfim Moreira, que assumiu em caráter provisório, não poderia manter-se no poder, sendo necessária a realização de um novo pleito. No número de estreia da revista afirmou-se, tanto no texto de apresentação, quanto no que detalhou o seu programa, que o periódico não tinha vínculos partidários. ¹¹ No entanto, nesse mesmo número, havia discreta nota, publicada no canto da página três, sem título nem autoria, na qual se lia: Temos motivos concretos para afirmar que dentro de quarenta e oito horas estará resolvido o complicado problema da sucessão presidencial pela aceitação unânime de uma formula conciliatória que evitará lutas e

campanhas improfícuas capaz de perturbar a paz interna no país e prejudicar o bom nome do Brasil no estrangeiro (...). ¹² Os responsáveis pelo novo periódico deixaram claro o posicionamento a favor de um candidato que pudesse “representar a conciliação”. ¹³ Depois de 25 de fevereiro de 1919, data em que Epitácio Pessoa foi confirmado como candidato, observa-se em Gil Blas a presença de vários artigos anônimos, nos quais se destacava o seu importante papel como Delegado na Conferência de Versalhes, numa nítida tentativa de difundir a imagem positiva do futuro presidente. ¹⁴ Uma vez anunciados os resultados da Convenção, na série de artigos, intitulados “À Nação”, publicada entre 20 de março e 3 de abril de 1919, não foram poupados elogios à Convenção, que “indicou o nome de Epitácio Pessoa para o pleito federal”. ¹⁵ Já na matéria “A força dispersa das oposições”, comentou-se que a oposição se dissolveu em virtude da “força e carisma” do candidato indicado na Convenção. ¹⁶ Após as eleições de abril de 1919, que confirmaram a vitória de Epitácio, a postura de Gil Blas tornou-se ainda mais explicita. Nelson Werneck Sodré bem assinalou que, no período em questão, marcado pela passagem da pequena imprensa para a grande imprensa, ainda subsistiam periódicos associados a indivíduos e aos seus interesses, sobretudo, em “fases de inquietações políticas - as sucessões presidenciais principalmente (...).” quando era “muito mais fácil comprar um jornal do que fundar um jornal; e é ainda mais prático comprar a opinião de um jornal do que comprar o jornal”. ¹⁷ Nesses casos os ideais subordinavam-se às relações de ordem pessoal, o que parece ter sido o caso de Gil Blas e Epitácio. Não há evidências que comprovem que Epitácio “comprou” a opinião de Gil Blas ou se colaborou de forma decisiva para sua circulação. Porém, seja qual for a natureza da motivação, pode-se afirmar que, diferentemente do que se grafou no seu número inaugural, Gil Blas nasceu com viés político e com o objetivo de dar sustentação à candidatura de Epitácio Pessoa ¹⁸ , situação, aliás, que condiz com o primeiro subtítulo da revista, “panfleto de combate”, ou seja, combate pela candidatura e eleição de Epitácio Pessoa. No seu número 34, de 3 de outubro de 1919, Gil Blas circulou com um novo subtítulo: “Panfleto Nacionalista”, o que por certo não se tratava de mera formalidade. No número anterior, informava-se que a revista havia se tornado “órgão de divulgação” de um movimento nacionalista, denominado Propaganda Nativista (PN). ¹⁹ A PN foi fundada em 21 de abril de 1919 por Álvaro Bomílcar e localizava-se na Rua General Câmara, n. 256, no Rio e Janeiro, juntamente com o Grêmio Floriano Peixoto. A ata de fundação da Propaganda Nativista também foi reproduzida em Gil Blas número 33. Wilson Martins destacou que os principais pontos da Propaganda Nativista já haviam sido expressos por Bomílcar em suas obras. ²⁰ Assim, em Preconceito de Raça no Brasil (1916), o presidente da PN atribuiu a responsabilidade do atraso econômico do país aos portugueses, sobretudo, aos da Capital Federal, cidade que teria “grande número de lusitanos, infiltrados no meio social, político e econômico brasileiro”. ²¹

A adesão e divulgação do programa da Propaganda Nativista e a divulgação de um discurso nacionalista testemunham uma guinada de Gil Blas em direção ao nacional e não por acaso seu novo subtítulo fez jus às novas preocupações abraçadas. No entanto, tal nacionalismo começava a surgir pautado pela xenofobia ao elemento português, fator primordial no discurso de Álvaro Bomílcar. ²² Para ele somente pela via de um nacionalismo combativo o Brasil poderia, enfim desfrutar de autonomia também econômica, já que o país estava preso aos interesses de exploradores internacionais, principalmente, portugueses. ²³ Esse era o ponto principal de seu discurso que passou a ser reproduzido em Gil Blas, a partir desse momento. Não é por mera coincidência, que Bomílcar tornou-se colaborador da revista em julho de 1919 e foi o responsável por assinar o maior número de textos com foco no nacionalismo (6,4% do total dos artigos sobre o tema e 4,2% dentre os assinados) que, vale destacar, em geral não traziam assinaturas. Juntamente com ele, nomes pouco expressivos no cenário intelectual e jornalístico da época, como Raymundo Magalhães e o pastor presbiteriano Themudo Lessa, compartilhavam de tal postura xenófoba no semanário (assinaram, respectivamente, 5,7% e 4,3% dos textos sobre o tema e 3,9% e 2,7% das matérias assinadas). ²⁴ No entanto, o indício que a revista passaria a propagar o antilusitanismo como sua principal bandeira é a postura de seu Diretor, que a partir desse segundo semestre de 1919 passou a publicar artigos com tal viés xenófobo. Nesse ano, Alcebíades Delamare respondeu por 1,4% dos artigos que tratavam da questão nacional e do antilusitanismo. A atração do diretor da revista pelo nacionalismo fica evidente em seus livros. Em Primeiros Ensaios (1909), sua obra de estreia, Delamare comentou ensaios de dois intelectuais brasileiros do começo de século XX, Estudo e Escritos, do poeta Augusto Franco, e Allemanismo (sic) no Sul do Brasil, de Silvio Romero. Neles deixou evidente a preocupação com a construção de uma identidade nacional brasileira que deveria ser imune a influência estrangeira. ²⁵ Pelas mesmas razões, endossou as posições de Silvio Romero, que denunciou a colonização alemã no Sul do Brasil e seus perigos para afirmação da cultura brasileira. ²⁶ Como Bomílcar, Delamare transpôs o discurso nacionalista de suas obras para as páginas de Gil Blas, salientando “o problema” do monopólio da imprensa, da economia e da cultura brasileiras, por estrangeiros especificamente, portugueses. ²⁷ Assim, não foi por acaso que em outubro de 1919 a revista apresentou um novo subtítulo, “Panfleto de Nacionalista”. A partir desse momento, cresceu de modo significativo o número de textos com tons nacionalistas que, aliás, perfez quase um terço de tudo que foi publicado nesse ano. A maior parte dessas matérias (64,6%) não continha assinatura, ou seja, estava a cargo da redação, ou melhor, dos responsáveis pelo periódico. Antes disso já a partir de fins de julho de 1919, Gil Blas passou a defender uma campanha nacionalista ²⁸ que se estendeu por vários meses e que foi

apresentada como “uma obrigação do povo brasileiro”. ²⁹ A campanha consistia num rol de artigos de tons lusófobos, nos quais se reivindicava a nacionalização da indústria, comércio, imprensa, língua falada e escrita e do teatro. Como de hábito a grande maioria destes textos (72%) não eram assinados. Insistia-se no fato de que as empresas internacionais só desejavam explorar a mão de obra e os recursos naturais brasileiros, pouco se importando em beneficiar o país. ³⁰ Reivindicava-se uma lei de nacionalização que coibisse o monopólio de setores da economia brasileira por capitais estrangeiros. O alvo principal eram os portugueses, que controlariam a indústria. ³¹ É interessante notar que, diferentemente do que se afirmava na revista, a partir dos anos 1920, o predomínio do capital estrangeiro na economia brasileira esteve longe de ser português. De fato, passou das mãos dos ingleses para a dos norte-americanos. ³² Na melhor das hipóteses, a campanha de nacionalização da indústria divulgada pela revista tinha algum sentido na Capital Federal, (que na época passava por uma grave crise inflacionária), mas não tinha alcance nacional. Daí a insistência em prol da nacionalização do comércio e o ataque aos portugueses, que tinham uma acentuada participação desse ramo no Rio de Janeiro. O argumento, na maioria das vezes, era que os portugueses “não se estabeleciam no campo” e o comércio, principalmente do Distrito Federal, estava basicamente, em suas mãos. ³³ Publicou-se até mesmo uma lista de casas de comércio portuguesas no Rio de Janeiro nas quais “o verdadeiro cidadão brasileiro não deveria comprar”. ³⁴ Além disso, defendia-se que o Brasil deveria distanciar-se de qualquer identificação com o Estado português e a ex-metrópole exploradora. Temiase nesse caso um processo de recolonização do Brasil. À dependência econômica, que se julgava ainda existir, aliava-se o temor à política, daí as campanhas contra o controle econômico e uma suposta Confederação Luso Brasileira, que acreditavam teria, inclusive, a intenção de recolonizar o Brasil. ³⁵ Tal crítica ficou evidente no artigo “Ilusão Patriótica”, em que o autor, se autodenominando Álvaro Tupinambá, afirmou que: “(...) devemos construir o patriotismo para poder construir um país forte e se desvincular dos vícios que herdamos” da colonização, (..) “resgatar a força que temos em nossa raça miscigenada, pois só desta forma conseguiremos a verdadeira autonomia (...) porque, a rigor, somos ainda tributários econômicos, colonos de Portugal”, já que “os portugueses controlam nosso comércio e nossa indústria incipiente”. ³⁶ Assim, não se tratou de mera coincidência que, nesse momento, tenha surgido em Gil Blas campanha contra a Confederação Luso-Brasileira, já que se acreditava que uma suposta união política entre os dois países resultaria num processo de recolonização do Brasil. Havia o temor de uma iniciativa que, segundo especulavam, partia do próprio Estado português. Victruvio Marcondes afirmou que “a Confederação era uma ideia formulada por intelectuais portugueses, com o apoio do Estado português, para recolonizar o Brasil” e afirmou que a suposta união era “uma utopia inventada por intelectuais da imprensa lusitana e enviada para o Brasil”, e “o que seria pior, estava sendo aceita por alguns intelectuais daqui”. ³⁷

Além de combaterem o imigrante português e a colônia portuguesa, os responsáveis por tais matérias pareciam acreditar sinceramente na possibilidade de uma volta do Brasil à situação colonial. Na revista, os que alardeavam essas ameaças insistiam em destacar a presença de grupos radicais, nostálgicos da antiga glória portuguesa, que só conservava algumas colônias na África. ³⁸ Não se pode esquecer que o período foi marcado por intensas disputas imperialistas, que acabavam por dotar tal discurso de alguma plausibilidade. Além disso, a crise econômica e social que assolava Portugal, no começo do século XX, permitiu retomar a discussão a respeito da identidade e do Estado Nacional. Um país que tinha sido pioneiro das grandes navegações, com um poder centralizado e forte, enfrentava, nesse momento, grandes dificuldades para se firmar frente às grandes potências europeias. Não se pode desprezar o quanto, nesse momento, a ideia de nação vinculava-se com o potencial militar ou com o tamanho territorial do Estado. ³⁹ A necessidade de retomar a ideia de uma nação forte militarmente, saltava aos olhos da intelectualidade portuguesa e de grupos como o movimento Republicano Português. Em 1891, com o Ultimatum Inglês, floresceu um sentimento nacionalista antimonárquico e de oposição ao imperialismo inglês. ⁴⁰ Pode-se dizer que tal iniciativa foi uma das várias ações que influenciaram o nacionalismo republicano português e que balizaram a revolução republicana no Porto em 1891 e a campanha da Proclamação da República Portuguesa em 1910. É importante salientar que esse nacionalismo republicano não se preocupava com a unidade territorial e linguística do Estado, que desde o século XIII tinha fronteiras estáveis, mas com a necessidade de regenerar a economia, a sociedade e o prestígio internacional de Portugal. Com a instalação da República e a continuidade da crise econômica e social, agravada com a entrada de Portugal na 1ª Guerra, o nacionalismo desvinculou-se da questão republicana e surgiram grupos com posicionamentos e objetivos diversificados. O problema não era mais o regime, mas a situação do país, daí a busca de modelos e soluções para salvar o Estado português, que ostentava uma tradição dignificante, de cultura e literatura com prestígio internacional, o que remetia para os feitos da colonização lusa. ⁴¹ Nesse contexto ganhou força o nacionalismo de cunho monárquico, o saudosismo literário e grupos como Renascença Portuguesa e Integralismo Português, além de revistas literárias e políticas que abordavam tais questões como Águia, Seara Nova, Vida Portuguesa, entre outras. ⁴² Tal como no Brasil, o nacionalismo português também assumia significações diversas. Em publicações lusitanas as propostas podiam assumir posição radical, como a defesa de uma política para emigração portuguesa que garantisse a manutenção da cultura lusitana no Brasil e que cooperasse para a inserção e manutenção dos emigrantes na economia brasileira, ou formar uma Confederação Luso Brasileira, haja vista que as particularidades culturais entre os países possibilitariam uma junção política e econômica. ⁴³

Assim, a proposta de uma Confederação Luso-Brasileira, com objetivos políticos e econômicos, estava no horizonte de uma, dentre as várias vertentes do nacionalismo português da época. Tais discussões também eram recorrentes na campanha nacionalista de Gil Blas, no entanto, a partir de um ponto de vista oposto, ou seja, do país que tinha sido colonizado pelos portugueses e que tentava se impor como nação independente em relação a sua “eterna metrópole”. Desta forma, em Gil Blas propugnava-se exatamente o contrário do que se perseguia em algumas revistas nacionalistas portuguesas. ⁴⁴ Nesse momento, era opinião recorrente na revista que, na imprensa portuguesa, havia campanhas de grupos nacionalistas a favor de uma suposta união entre Brasil e Portugal, além de propostas de recolonização do Brasil, sem maiores diferenciações entre as correntes em luta. ⁴⁵ Os articulistas responsáveis por esses artigos limitavam-se a repetir as más intenções de um “projeto nacionalista português”, fruto de uma postura expansionista, articulada em Portugal e que teria como alvo o Brasil. ⁴⁶ Não parece demais afirmar que o nacionalismo antilusitano, presente em Gil Blas pode ser entendido como uma resposta a esse nacionalismo português extremado, mais especificamente àqueles que propunham uma união política entre Brasil e Portugal, por meio da Confederação Luso-Brasileira, tal como divulgado por intelectuais portugueses, em publicações nacionalistas lusitanas da época. Além disso, nesses artigos, identificou-se a crença de que os primeiros passos para a concretização de uma suposta recolonização do Brasil era atestada pela internacionalização da nossa indústria, comércio, imprensa e cultura, setores que estariam nas mãos dos portugueses residentes no Brasil e, principalmente, na Capital da República. ⁴⁷ A discussão proposta em Gil Blas diferenciava-se de outros órgãos da imprensa, como a Revista do Brasil que, na sua primeira fase (1916-1925), defendia um ideal de nacionalidade que tomava São Paulo como modelo para todo o país. O patriotismo de Gil Blas buscava enaltecer os traços que, supostamente, pudessem nos diferenciar de Portugal e do imigrante lusitano, que se estabelecia no comércio, na imprensa e na cultura, situação peculiar à realidade da Capital Federal. O que permite afirmar que o nacionalismo defendido e publicado no semanário nesse momento poderia ser denominado de um nacionalismo à carioca, restrito ao panorama do Rio de Janeiro. 1. A ligação com o poder: distanciamento ou aproximação? A relação entre iniciativas políticas federais e campanhas nacionalistas da revista constitui-se num aspecto essencial para esclarecer porque a questão nacional foi, gradualmente, tomando conta do semanário, em compasso com a nomeação e, depois, com a posse de Epitácio Pessoa. O fato de os ideais de Gil Blas estarem alinhados com as propostas governamentais revela que não foi coincidência que a divulgação do nacionalismo ganhasse força no semanário assim que Epitácio Pessoa assumiu o cargo, em julho de 1919. Vale destacar que as diretrizes do novo governo foram divulgadas em 3 de setembro, enquanto que o projeto

nacionalista ganhou espaço a partir do exemplar de 4 de setembro de 1919, momento em que tais textos superaram, em termos quantitativos, os de outras temáticas. Na carta enviada ao Congresso, logo após ser nomeado candidato pela Convenção, Epitácio afirmava: Temos nós brasileiros o mau veso de descrer do nosso futuro, de deprimir o que nos pertence, amesquinhar as nossas instituições, desacreditar os nossos serviços, difamar os nossos homens. Empenhemo-nos todos, senhores, com a maior energia, em corrigir esse hábito, deplorável, tão surpreendente numa nação nova e viril. Tenhamos todos no seu justo valor e merecido apreço ao nosso patrimônio moral, constituído de leis e instituições que atestam a mais adiantada cultura, de homens públicos que nada tem de invejar aos de outras terras em inteligência, em operosidade e em caráter. ⁴⁸ No entanto, o nacionalismo marcadamente antilusitano, que passou a ocupar as páginas de Gil Blas, nem sempre esteve em sintonia com o entendimento de Epitácio. Nesse sentido, mesmo compartilhando ideais próximos aos defendidos por Epitácio Pessoa, o antilusitanismo exacerbado acabou por comprometer uma ligação mais íntima das propostas da revista com os círculos governamentais, já que tal acirramento de tensões não figurava entre as propostas defendidas pelo presidente: (...) não aprovava a mística (do movimento) nacionalista na sua instintiva desconfiança do homem de fora e, sobretudo, o português, mas (...) a própria feição intelectual do seu patriotismo, no entanto, se por um lado o preservava dos exageros jacobinos, por outro lado o persuadia da força oportuna que a ideia nacionalista representava para a nossa transformação numa verdadeira nacionalidade (...). ⁴⁹ Não por acaso, a revista enfrentava um impasse: ou mantinha suas posições ortodoxas e afastava-se do circulo do poder, ou diversificava seu ideário e mantinha a aliança com o Catete. Aliado, a isso, em 1920, a revista passou a apoiar a Ação Social Nacionalista (ASN), um novo movimento nacionalista idealizado e fundado por Delamare, em 13 de fevereiro de 1920, data que marcou o exemplar comemorativo do primeiro ano de circulação de Gil Blas. Nesse número, Delamare convidou os leitores dotados de “sentimento patriótico” a se apresentarem no salão de honra do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (IHGB), às cinco horas da tarde, a fim de reunir os vários movimentos nacionalistas. ⁵⁰ O programa da ASN evidenciava ambiguidades, pois, comungava das posturas radicais da PN, mas também dialogava com tendências mais moderadas. No artigo 4° do seu programa, havia reconsiderações de caráter mais comedido em relação aos estrangeiros, sugerindo que se “(...) dirijamse ao interior, onde mais deles se necessita” e para que “assimilasse (...) o estrangeiro ao nacional”. ⁵¹ Afonso Celso foi nomeado Presidente, com quatro vices: Deputado Camillo Prates, Senador Justo Chermont, Dr. Raul Guedes e Álvaro Bomílcar. Havia

um conselho deliberativo, denominado Conselho Supremo, composto pelo Ministro Dr. Homero Batista, o Deputado Federal Ildefonso Albano, o Senador Pires Ferreira, Conde Ernesto Pereira Carneiro, dono do Jornal do Brasil, Coelho Neto e Carlos Maul. Além disso, Epitácio pessoa foi nomeado como Presidente de Honra do movimento. Coube a Delamare redigir os objetivos da ASN, que se resumiam a propor uma intensa campanha de nacionalização do país. É digno de nota que o idealizador do movimento não ocupou cargos de direção, preenchidos por políticos e intelectuais influentes, critério utilizado também para escolha do chefe, Afonso Celso. É bastante provável que o intuito de colocar na linha de frente nomes importantes do cenário político e intelectual brasileiro visasse dotar o movimento de credibilidade e legitimidade e, não por acaso, Epitácio Pessoa foi escolhido como Presidente de Honra. O fato de Afonso Celso ser nomeado o principal nome do movimento divulgado por Gil Blas, fez com que ele passasse a participar ativamente da revista. Essa intensa participação contribuiu para mudar o perfil do semanário. Nos seus textos assinados fica explícito que sua apreensão do nacionalismo diferenciava-se da que havia sido, até então, defendida nas páginas da revista. Já no discurso de posse na ASN, salientou que não era “contra os estrangeiros que querem ajudar no crescimento do país”. ⁵² Chamava a atenção para as possibilidades de crescimento do Brasil, atribuídas ao seu povo, cultura e riquezas e incluiu a necessidade de se aceitar o estrangeiro que contribuísse para o “engrandecimento da nação, independente de sua nacionalidade” ⁵³ , num diapasão muito diverso do predominante nas páginas de Gil Blas ao longo do segundo semestre de 1919. Tal leitura era compartilhada por José Balthazar da Silveira e Carlos Maul, sem a lusofobia típica de Delamare e Bomílcar, num tom que pode ser caracterizado como moderado. ⁵⁴ A sua forte ligação com a Monarquia e Pedro II distanciava-o do antilusitanismo. ⁵⁵ Celso exaltava a colonização portuguesa, tida como menos exploradora e violenta se comparada a de outros países. Não responsabilizava os portugueses pela escravidão no Brasil, além disso, afirmava que os fatos que mereciam ser relembrados não eram os movimentos emancipacionistas, mas sim episódios como a catequese indígena, a epopeia dos bandeirantes e a expulsão dos holandeses, iniciativas creditadas ao colonizador lusitano, o que estaria em sintonia com a simpatia nutrida pela monarquia . ⁵⁶ Ele fez questão de deixar tal ponto explícito em Gil Blas ao salientar que não “era contra o povo português e a colonização portuguesa”. ⁵⁷ No que era acompanhado por seu companheiro de IHGB, Epitácio Pessoa. Assim, ambos eram favoráveis aos imigrantes que viessem a contribuir para a economia brasileira, mas condenavam os “indesejáveis”, portadores de doutrinas tidas como “exóticas” e revolucionárias, ou seja, os estrangeiros que, por palavras ou ações, voltavam-se contra a ordem política, econômica, moral e social existentes, “considerados nocivos à sociedade e perigosos à segurança pública – regra geral, aqueles que, por meios variados,

contestavam a propriedade, o trabalho, a família, a moral cristã e os poderes constituídos (...)”. ⁵⁸ Tal presença sistemática de Afonso Celso nas páginas de Gil Blas significou a divulgação de uma proposta nacionalista, presente em artigos e seções, em consonância com as iniciativas do Presidente da República. Percebe-se, portanto, num primeiro momento, a presença de várias propostas de cunho nacional, algumas mais próximas do discurso proveniente das hostes governamentais e a antilusitana, que não era endossada pelo executivo, numa mescla complexa que aliava perfil doutrinário ao lado do apoio pessoal a Epitácio Pessoa. Entretanto, o antilusitanismo continuava presente na revista e somava 52% de todos os textos dedicados ao nacionalismo, o que lhe assegurou, em 1920, a condição de discurso mais presente no periódico (10,7% do total de artigos publicados). A situação começou a mudar a partir do momento que postura antilusitana deixou as páginas de Gil Blas e tomou as ruas. O semanário saiu em defesa de Alcebíades Delamare e contra os que o atacavam. ⁵⁹ Ainda em 1919, Trajano de Almeida escreveu artigo no qual tentava justificar a participação de Delamare em confusão ocorrida no Largo da Carioca entre membros da Propaganda Nativista e adeptos da Confederação Luso-Brasileira. ⁶⁰ Posteriormente, no número 88, de 14 de outubro de 1920, o próprio Delamare defendeu-se contra os que acusavam seu posicionamento de “radical, violento e intolerante”. Respondeu a Adamastor Magalhães, dono do jornal Brazil/Portugal que, em texto publicado em A Pátria, afirmou que o diretor de Gil Blas teria mandado capangas destruir parte de seu jornal. Delamare asseverou que tal acusação era uma “mentira deslavada” e que ele “defende seu nacionalismo por meio das palavras e não da força”. ⁶¹ Nesse mesmo número, publicou outro texto, do Deputado Maurício de Lacerda (um dos principais opositores de Epitácio Pessoa na Câmara) que, segundo ele, apontou-o como o responsável por incitar os membros da ASN a tumultuar a reunião na Câmara dos Deputados. O diretor da revista afirmou que “não incitava a violência, pois a base da ação nacionalista, da qual fazia parte se baseava toda ela no amor e não no ódio”, já que era “conservadora e não libertária, serena e não apaixonada, definitiva, permanente e disciplinada”. ⁶² O fato de a radicalidade da revista sair do âmbito do discurso e tomar às ruas e transmutar-se em arruaça acabava por colocar a ordem vigente, carro chefe da política presidencial, em xeque. O envolvimento do diretor de Gil Blas nesses conflitos, somado à publicação de artigos lusófobos, não poderiam se adequar com o intento de fazer de Gil Blas uma publicação que apoiava e divulgava iniciativas presidenciais.

Frente ao rumo dos acontecimentos, Afonso Celso dirigiu carta aberta a Delamare, publicada na edição de 15 de abril de 1920, na qual afirmava que “muitos críticos estão denominando a Ação Social Nacionalista como xenófoba”, o que ocorria por conta “de alguns artigos escritos por colaboradores de Gil Blas”. Solicitava “prudência nas publicações de artigos mais exaltados, pois não se deve perder o foco do movimento que é a construção da brasilidade”. ⁶³ Nota-se que tal recomendação revelava não só a preocupação com os rumos que a revista e o movimento que presidia iam tomando, mas deixam patente a contradição que a defesa de diferentes posicionamentos nacionalistas assumia no interior da revista. Da mesma forma que Celso, o Presidente fazia questão de desvincular seu discurso do antilusitanismo, o que tornava cada vez mais difícil renovar a afinidade do impresso com as iniciativas presidenciais, já que Afonso Celso e Epitácio Pessoa não desejavam ver seus nomes envolvidos com desordens de rua. Além disso, deve-se salientar que os interesses pessoais de Delamare também estavam em jogo. Em julho de 1920 ele anunciou a intenção de disputar as eleições para Deputado Federal por São Paulo. Nesse mesmo mês, publicaram-se cartas de apoio de Carlos Maul, Álvaro Bomílcar e Afonso Celso, nomeado seu “principal defensor”. ⁶⁴ Em um artigo de 8 de julho, Delamare pediu a Washington Luiz que intercedesse junto ao PRP para indicá-lo ao cargo. A julgar pelas suas palavras, a entrada de Delamare na vida política constituía-se numa tentativa de “lutar mais intensamente pela causa nacionalista”. ⁶⁵ O estigma de intolerante e violento, poderia comprometer suas pretensões eleitorais e é significativo que, um mês após o anúncio de suas intenções, o tom radical de seus escritos tenha assumido caráter mais moderado. ⁶⁶ Vale acompanhar a cronologia de sua produção em Gil Blas. Em 21 de abril, publicou texto lusófobo, no qual afirmava que “O Jornal está a favor de interesses lusitanos e por isso é contra o Brasil” ⁶⁷ ; em 06 de maio de 1920 defendeu o teatro nacional e responsabilizou os portugueses por “não deixarem nosso teatro crescer” ⁶⁸ . Já em 24 de junho, acusou dois jornais que preferiu não nomear “de controle português” e “interesse em colocar Brasil contra Argentina” para enfraquecer o Brasil e “facilitar a recolonização, que é o verdadeiro desejo dos lusos” ⁶⁹ . Mas, em 05 de agosto, na revista número 78, portanto após ter declarado interesse em disputar o cargo de Deputado Federal, mudou significativamente de postura e apresentou os objetivos de Gil Blas nos seguintes termos: Gil Blas é órgão genuinamente nacionalista, radicalmente republicano e intransigentemente católico. Como campeão único do nacionalismo radical, Gil Blas não objetiva em suas campanhas nenhuma hostilidade contra os estrangeiros, cuja coligação útil e proveitosa á obra da grandeza e prosperidade do Brasil muito aprecia, louva e proclama. ⁷⁰ A partir de então, Delamare deslocou-se, gradualmente, para um nacionalismo que assumia contornos católicos, situação que o aproximava de Afonso Celso, que era:

Católico fervoroso (....) agraciado com o título de conde pelo Vaticano, em virtude de suas sucessivas demonstrações de fé (...) Afonso Celso subordinava a razão à crença em Deus, para identificar com maior clareza os traços contínuos da vontade divina (...) convertido no motor da história, Deus seria constantemente nomeado, invocado e evocado em todas reflexões desse intelectual católico, cujos discursos se constituem qual uma sucessão de orações e profissão de fé. ⁷¹ Daí em diante o nacionalismo católico e moderado passou a tomar conta da revista, a ponto de, nos seus últimos números, Gil Blas se apresentar como uma publicação eminentemente católica. ⁷² Considerações Finais A análise sistemática da publicação evidenciou a sua complexidade e as constantes alterações de rumo, que impedem que se atribua a Gil Blas um perfil único. Pelo contrário, seus objetivos e ideais perseguidos, alguns deles frutos de projetos de cunho pessoal do diretor, mudaram ao sabor de interesses diversos, que incluíam a tentativa de manter a revista próxima da política presidencial. Cabe ressaltar que a relação entre Gil Blas e o atribulado, mas pouco estudado, governo Epitácio Pessoa não é mencionada na historiografia, que se limita a associar a publicação ao clima nacionalista imperante nos anos 1920. De outra parte, foi possível, a partir de um estudo detalhado do semanário, distinguir os diferentes sentidos que o nacionalismo assumia. As várias alterações nos ideais perseguidos, apesar de sempre capitaneada por Delamare, não configuram um projeto único e coeso, muito pelo contrário, dependendo do momento, mudam as temáticas, os colaboradores, as ênfases. A preocupação com a questão nacional foi uma constante, o que não autoriza, contudo, a tomar a publicação como dotada de linha única e coerente, tendo em vista os diferentes sentidos que a mesma assumiu ao longo da existência do semanário. Assim, pode-se afirmar que por pouco mais de um ano Gil Blas foi um importante órgão divulgador do nacionalismo antilusitano, caracterizando uma forma diversa de nacionalismo, que denominamos nacionalismo á carioca. No entanto, como se pôde ver, tal constatação não nos possibilita caracterizar a revista como um órgão meramente xenófobo e antiportuguês, pois em seus quatro anos de circulação, em virtude de interesses e situações diversas, Gil Blas comungou com várias posturas e divulgou iniciativas plurais e muitas vezes opostas. Tal situação serve como uma alerta às práticas historiográficas imediatistas, que na ânsia de atribuir rótulos e definições buscam recortes radicais das fontes históricas. Tal fragmentação que tem como objetivo alcançar as facilitações de uma produção em massa, requerida pelas pesquisas acadêmicas, pode produzir um sentido inverso aos objetivos da investigação científica, ou seja, uma análise crítica e aprofundada possibilitada por um exame acurado e sistemático de uma série documental. Referências

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Rio de Janeiro), passaram por ele vários nomes de destaque da nossa sociedade como Cândido Mota Filho, José Moura Resende e Cassiano Ricardo. O então Ginásio Nogueira da Gama foi o responsável pela denominação de “Athenas Paulista” ao município de Jacareí, atribuída pelo Deputado Manoel Jacinto Domingos de Castro como reconhecimento pela qualidade educacional existente na cidade. Em 1920, esse Ginásio foi transferido para Guaratinguetá, onde funciona até hoje”. Disponível em: < http://www.fundacaocultural.com.br >. Acesso em: 29 set., 2008. 7 . Como nas Ligas, a ASN propunha a nacionalização do país, no entanto, aquelas tinham um programa mais formulado e defendiam o voto secreto, o serviço militar e a educação cívica, o movimento organizado por Delamare difundia a nacionalização por meio do combate ao imigrante, tido como explorador e revolucionário. Conferir. Oliveira, L., A questão nacional na primeira República, p. 148-149; ADDUCI, Cássia Chrispiniano. Uma nação à paulista: nacionalismo e regionalismo em São Paulo. 2002. 203 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, p.31-43; Deutsch, Las Derechas, p. 109-117. 8 . De acordo com Wilson Martins tal associação tinha como principal objetivo divulgar propósitos nacionalistas. Martins, História da inteligência brasileira, p. 323. 9 Coutinho; Sousa, Enciclopédia da Literatura Brasileira, p. 583 e Menezes, R., Dicionário Literário Ilustrado, p. 297. 10 . Sobre a biografia e produção intelectual de Bomílcar e Afonso Celso conferir: Jesus, op. cit., p. 55-60. 11 . Delamare afirmou que a revista surgia: “Sem ligações políticas de qualquer espécie (...)”. Direção, Á Guisa de Programa. GB, n. 1, p. 1, fev. 1919. No artigo de apresentação da revista, Basílio de Magalhães afirmou que Gil Blas “nascia sem peias partidárias”. Magalhães, Basílio de. GB, n. 1, p. 1, fev. 1919. 12 . GB, n. 1, p. 3, 13 fev. 1919. 13 . Idem. 14 . O que faz Epitácio Pessoa na Conferência. GB, n. 2, p. 6, 20 fev. 1919 e Do Palácio de Versalhes - O internacionalismo do Rio Amazonas. GB. n. 3, p. 14, 27 fev. 1919. 15 . Conferir a série de artigos intitulados “À Nação” e publicados em: GB, n. 6, p. 12, 20 mar. 1919; GB, n. 7, p. 11, 27 mar. 1919; GB, n. 8, p. 11, 3 abr. 1919. 16 . A força dispersa das oposições. GB, n.5, p. 11, 13 mar. 1919. 17 . Sodré, A História da Imprensa no Brasil, p. 275-276. 18 . O interesse em dar em Gil Blas ênfase às temáticas políticas foi confirmado por Álvaro Bomílcar em uma obra publicada em 1926, na qual

salientou o intuito de “fazer da revista um esteio de propostas que impressionasse estadistas brasileiros”, conferir: Bomílcar, A conquista no conceito moderno, p. 25. 19 . Propaganda Nativista. GB, n. 33. p.9, 25 set. 1919. Sobre a Propaganda Nativista conferir: Oliveira, op. cit., p. 150; Deutsch, op. cit., p. 16. 20 . Martins, op. cit., p. 190. 21 . Bomílcar, O preconceito de Raça no Brasil, p. 45, grifo nosso. 22 . Bomílcar defendia a miscigenação racial, mas alertava que o único entrave estava na contribuição vinda do branco português. Idem, ibidem, p. 16. 23 . Idem, A política no Brasil ou o Nacionalismo radical, p. 167. 24 . Raymundo Magalhães, pai do escritor Raymundo Magalhães Jr., da Academia Brasileira de Letras, nasceu em Ubajara, Ceará em 1885 e morreu em 1928, foi poeta, jornalista e publicou a obra Vocabulário Popular em 1911. Vicente do Rego Themudo Lessa (1874-1939), pai do romancista Orígenes Lessa, nasceu em 1874, morreu em 1939 e participou do movimento que fundou a primeira Igreja Presbiteriana no Brasil e destacouse como o primeiro historiador do presbiterianismo no Brasil. Em 1938, lançou Os anais da 1° Igreja Presbiteriana do Brasil. 25 . Delamare, Primeiros ensaios, p. 26. 26 . Idem, ibidem, p. 93; conferir também: Idem, Línguas de Fogo, p. 4; Epanaphoras Sociais. GB. n. 31, p. 9, 11 set. 1919. 27 . Idem, Ainda Confederação. GB, n. 46, p. 2, 23 dez. 1919. 28 . As nossas campanhas. GB, n. 24. p.1, 24 jul. 1919. 29 . A questão nacionalista - A minha profissão de fé. GB. n. 36. p. 2, 16 out. 1919. 30 . Ver, Pandemônio da Light. GB. n. 6, p. 9, 20 mar. 1919. Conferir também o artigo, Prepotências da Light. GB, n. 5, p. 7, 13 mar. 1919, no qual os seus serviços foram considerados onerosos para os cofres públicos. 31 . Conferir a série “As manobras do Sr. Lourival Fontes”, publicada em: GB, n. 29, p. 4, 28 ago. 1919; GB, n. 30, p. 6, 4 set. 1919; GB, n. 31, p. 1, 11 set. 1919; n. GB, n. 32, p. 7, 18 set. 1919; GB, n. 33, p. 5, 25 set. 1919; GB, n. 34, p. 5, 2 out. 1919. 32 . Rodrigues, O Brasil na década de 1920, p. 21. 33 . A Nacionalização do Comércio. GB, n. 35, p. 2-4, 9 out. 1919. 34 . Cadastro comercial brasileiro. GB, n. 37, p. 5, 23 out. 1919. A Nacionalização do Comércio. GB, n. 35, p. 2-4, 9 out. 1919 e A nacionalização do comércio através do prisma de um sociólogo consumado.

GB. n. 36, p. 3, 16 out. 1919. Já nas décadas de 1820, 1830 e na Revolta da Praieira de 1848 reivindicava-se a exclusividade do comércio de retalho para os brasileiros. Responsabilizavam-se os lusos pelo preço elevado dos gêneros básicos, nacionais e importados, por venderem a crédito e exigirem juros. Conferir: Ribeiro, Mata Galegos, p. 16; Lobo, Imigração portuguesa no Brasil, p. 27, 34. 35 . Sobre a Confederação Luso-Brasileira, conferir: Guimarães, Relações culturais lusos brasileiras. Anais. Usos do Passado. XII Encontro Regional de História, p. 2. 36 . Tupinambá, Álvaro. Ilusão Patriótica. GB, n. 30, p. 5, 4 set. 1919. 37 .Marcondes, Victrúvio. Utopia Lusitana. GB, n. 30. p.5, 4 set.1919. 38 . Lessa, Themudo. Eterna colônia. GB, n. 28, p. 1, 21 ago. 1919. 39 . Serpa, Portugal no Brasil: a escrita dos irmãos desavindos. Revista brasileira de história, v. 20, n. 39, p. 67-114. 40 . Em 1891, a Inglaterra, disputava com os EUA, a França e a Holanda o maior espaço imperial, por isso reivindicou a posse dos territórios coloniais africanos situados entre Angola e Moçambique. Esta atitude dos ingleses consubstanciou-se na elaboração de um mapa - o “Mapa Cor-de-Rosa” - no qual se destacou de cor-de-rosa as zonas que pretendia retirar ao domínio português. Esta situação gerou em Portugal uma forte contestação nacional frente à impotência do Império e um forte clima de ódio aos ingleses. Conferir: Teixeira, Política interna e política externa no Portugal de 1890: O Ultimatum Inglês. Análise Social. Revista do Instituto de Ciências Sociais de Lisboa, v. XXIII, n. 98, p. 687-719. 41 . Sobre tais propostas ligadas ao nacionalismo lusitano conferir: Rocha, Revistas literárias do século XX em Portugal, p. 268-288; Sousa, Convergências e Divergências: revistas Literárias em perspectiva, p. 16-21; Marques, Guia de História da 1° República Portuguesa; Martins, Pequena História da Imprensa Portuguesa. 42 . Serpa, op. cit., p. 70. 43 . Ibidem. 44 . Sobre as publicações portuguesas nacionalistas dessa época que dialogavam com tal postura, conferir: Rocha, op. cit., p. 268-288; Martins, op. cit., p. 73-114. 45 . Conferir: Os verdadeiros “indesejáveis”. GB, n. 36, p. 13, 16 out. 1919. No artigo, criticaram-se as publicações portugueses que desejavam divulgar e incentivar a Confederação Luso-Brasileira e cooptar nossos intelectuais e nossa imprensa para tal campanha. 46 . Idem.

47 . Conferir: Machado, Paula. A obra de nossos “irmãos” de “além-mar”. GB, n. 39, p. 7, 6 nov. 1919. 48 . Pessoa, Pela Verdade, p. 56-57. 49 . Gabaglia, Epitácio Pessoa (1865-1942), p. 649-650. 50 . Delamare, Alcebíades, GB, n. 53, p. 5, 13 fev. 1920. 51 . Idem, op. cit., p. 191-194. 52 . Celso, Afonso. Ação Social Nacionalista: a memorável reunião do dia 13. GB, n. 54, p. 1-2, 20 fev. 1920. 53 . Idem, Reconhecimento e Consagração do Nacionalismo. GB, n. 88, p. 1, 14 out. 1920; Idem, Três escopos da Ação Social. GB, n. 70, p. 4, 10 jun. 1920. 54 . Victrúvio Marcondes reafirmava a grandeza territorial e natural do país, mantida graças à força dos bandeirantes paulistas que ajudaram a desenhar o mapa do território nacional. Marcondes, Victrúvio. As Bandeiras. GB, n. 88, p. 9, 14 out. 1920. José Balthazar da Silveira argumentava que a grandeza territorial do país deve ser preservada, já que particulariza positivamente o Brasil. Silveira, José Balthazar. A lição dos fatos. GB, n.59, p.11, 25 mar. 1920. 55 . Essa relação de Afonso Celso com Pedro II lhe “valeu o mote republicano no Império, monarquista na República”. Guimarães, Da Escola Palatina ao Silogeu, p. 46. 56 . Conferir: Oliveira, L., op. cit., p. 130. 57 . Celso, Afonso. Três escopos da Ação Social. GB, n. 70, p. 4, 10 jun. 1920. 58 . Menezes, L., op. cit., p. 91. 59 . Deve-se destacar nesse caso o caráter polêmico de Delamare “polemista ardoroso, idealista 100%, desses, que não poupam nem o seu tempo, nem a sua pessoa”. Gabaglia, op. cit., p. 648. 60 . Almeida, Trajano de. “Estrondoso Fracasso”- A obra da Propaganda Nativista e do Partido Nacional. GB, n. 26, p. 2, 7 ago. 1919. 61 . Delamare, Alcebíades. Mentira deslavada. GB, n. 88, p. 4, 14 out. 1920. 62 . Idem, O diretor e o Sr. Maurício. GB, n. 88, p. 6, 14 out. 1920. Juntamente com Nicanor Nascimento, Maurício de Lacerda é apontado como o principal líder oposicionista de Epitácio na Câmara dos Deputados. Dias, Epitácio Pessoa, In: Abreu; et al., Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro, p. 4582. 63 . Celso, Afonso, Carta, In: A Palavra do Mestre. GB, n. 62, p. 2, 15 abr. 1920.

64 . As eleições federais em São Paulo: A candidatura do diretor de Gil Blas. GB, n. 72, p. 11, 24 jun. 1920; As eleições federais em São Paulo: A candidatura do diretor de Gil Blas. GB, n. 73, p. 5, 2 jul. 1920. 65 . As eleições federais em São Paulo: A candidatura do diretor de Gil Blas. GB, n.74, p. 5, 8 jul.1920. 66 . Foi na revista de 15 de abril que Afonso Celso recomendou a Delamare, pela primeira vez, o abandono do tom radical da revista. Celso, Afonso, Carta, In: A Palavra do Mestre. GB, n. 62, p. 2, 15 abr. 1920. 67 . Delamare, Alcebíades. O rabo do macaco. GB, n. 63, p. 1, 21 abr. 1920. 68 . Delamare, Idem, Teatro Nacional. GB, n .65, p. 10, 6 maio 1920. 69 . Delamare, Idem, Uma intriga infame. GB, n. 72, p. 6, 24 jun. 1920. 70 . Direção. Declaração necessária. GB, n. 78, p. 3, 5 ago. 1920. 71 . Guimarães, op. cit., p. 66-67. 72 . Sobre essa fase da revista mais próxima do nacionalismo católico e do catolicismo, conferir: Jesus, Op. cit. p. 120-179. CAPÍTULO 3: A HEGEMONIA ILUSTRADA - A UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO NO PENSAMENTO POLÍTICO E CULTURAL DE JÚLIO DE MESQUITA FILHO Guilherme Pigozzi Bravo Este capítulo ¹ propõe a discussão do projeto educacional elaborado por Júlio de Mesquita Filho. Para o jornalista, a república brasileira mostrava-se decadente no campo político e social, graças à abolição da escravatura e o consequente afastamento das elites intelectuais da máquina política nacional, dominada pelas oligarquias estaduais que se perpetuavam no poder, por meio de práticas eleitorais fraudulentas. A Universidade de São Paulo (USP), de acordo com o jornalista, tinha como principal missão a formação e renovação das elites intelectuais que ficariam responsáveis pelo destino do país e, também, pela construção de uma “mística nacional”, ou seja, de uma consciência coletiva, possibilitando, desta maneira, a “adaptação” da democracia no Brasil. Diante do exposto, torna-se de fundamental importância a compreensão do pensamento de Antonio Gramsci, e a utilização deste como referencial teórico, posto que, ao invés de proporcionar a consolidação do regime democrático, a criação da USP fazia, sim, parte dos planos para a hegemonia de uma fração da classe dirigente paulista, representada pelo grupo que controlava o jornal O Estado de S. Paulo (OESP). Antonio Gramsci, ao analisar a realidade social, o faz a partir de uma perspectiva totalizadora. Assim, não há uma separação total entre as esferas econômica, política e cultural, mas todas permanecem vinculadas por uma relação dialética, de unidade-distinção, ou seja, estão unidas, mas

conservam certa autonomia ² . O político e o cultural não figuram como simples expressão das relações de produção. No entender de Giorgio Baratta ³ , nos escritos de Gramsci, A cultura, por um lado, é superestrutura frente à produção social das mercadorias. Por outro lado, ela mesma é estrutura ou participa da estrutura, seja enquanto produção específica, parte da produção social, seja enquanto aspecto cultural [...] da determinação econômica do valor da força trabalho. Neste sentido, de acordo com Guido Liguori, elimina-se a divisão “[...] rígida entre economia, política e sociedade. [...] Para Gramsci, estrutura e superestrutura, economia, política e cultura são esferas ao mesmo tempo unidas e autônomas da realidade” ⁴ . Segundo o pensador marxista sardo, o estudo da realidade social deve levar em consideração o papel que desempenha cada uma das referidas esferas na construção e na organização do real e do ser social. Ao contrário dos economicistas, tal metodologia analítica destaca a ação fundamental desempenhada pelas dimensões cultural, ideológica e política no desenvolvimento do processo histórico. Conforme Ivete Simionatto, [...] não é, assim, o predomínio das questões políticas, econômicas ou culturais que explica a realidade social, mas antes o princípio da totalidade, que leva em conta as especificidades e determinações desses momentos parciais e seus encadeamentos. ⁵ Desta maneira, dadas as relações entre o econômico, o político e o social, o exercício da hegemonia por um grupo social assenta-se não só no terreno das relações de produção, mas, também, no plano político e cultural: Uma classe é hegemônica, dirigente e dominante, até o momento em que através de sua ação política, ideológica, cultural - consegue manter articulado um grupo de forças heterogêneas, consegue impedir que o contraste existente entre tais forças exploda, provocando assim uma crise na ideologia dominante, que leve à recusa de tal ideologia, fato que irá coincidir com a crise política das forças no poder. ⁶ A complexidade das relações políticas e sociais, ocasionada pela socialização da política, leva Gramsci a distinguir duas esferas superestruturais que, organicamente ligadas, em uma relação de unidade-distinção, formam o Estado ampliado: a sociedade política e a sociedade civil. A sociedade política é constituída por instituições e mecanismos por meio dos quais a classe dominante detém o monopólio legítimo da violência e da coerção. Os seus portadores materiais são os aparelhos repressivos do Estado. A sociedade civil, por sua vez, é constituída pelos organismos sociais responsáveis pela elaboração e difusão de ideologias (sistema escolar, partidos, jornais). Os seus portadores materiais são os denominados “aparelhos privados de hegemonia” ⁷ .

Ambas as esferas distinguem-se, ainda, pela função que cada uma exerce na organização da vida social e na articulação das relações de poder presentes em uma sociedade. As sociedades política e civil atuam no sentido de promover adesão a determinadas relações econômicas, políticas e sociais, de acordo com os interesses da classe dominante. A maneira como constroem tal adesão é diferente. De acordo com Carlos Nelson Coutinho ⁸ , [...] no âmbito e através da sociedade civil, as classes buscam exercer sua hegemonia, ou seja, buscam ganhar aliados para as suas posições mediante a direção política e o consenso; por meio da sociedade política, ao contrário, as classes exercem uma ditadura, ou mais precisamente, uma dominação mediante a coerção. ⁹ Por ser uma esfera em que as classes buscam conquistar a direção política e ideológica, por meio da construção de um consenso, a sociedade civil caracteriza-se como um espaço de lutas, de conflitos. Assim, neste espaço onde as diferentes visões de mundo (ideologias), disputam entre si maior influência sobre os diversos setores da sociedade ¹⁰ , o papel desempenhado pelos organismos de cultura, como, por exemplo, o jornal ¹¹ , torna-se de fundamental importância, pois assume o papel de um partido político: Deve-se sublinhar a importância e o significado que têm os partidos políticos, no mundo moderno, na elaboração e difusão das concepções do mundo, na medida em que elaboram essencialmente a ética e a política adequadas a elas, isto é, em que funcionam como “experimentadores” históricos de tais concepções. Os partidos selecionam individualmente a massa atuante, e esta seleção opera-se simultaneamente nos campos prático e teórico, com uma relação tão mais estreita entre teoria e prática quanto mais seja a concepção vitalmente e radicalmente inovadora e antagônica aos antigos modos de pensar. Por isso, pode-se dizer que os partidos são os elaboradores das novas intelectualidades integrais e totalitárias [...]. ¹² De acordo com Perseu Abramo ¹³ , tanto os partidos políticos quanto os órgãos da imprensa têm, em suas ações, objetivos semelhantes, senão iguais, ou seja, direcionar uma parcela significativa da população, ou toda ela, para projetos políticos que, embora se revelem ora conservadores, ora transformadores em relação às instituições, visam sempre ao poder. Para Serge Berstein ¹⁴ , “[...] no interior de uma nação existe uma pluralidade de culturas políticas, mas com zonas de abrangência que correspondem à área dos valores partilhados.” Assim, se o campo dos valores partilhados for significativamente grande, têm-se então a cultura política dominante ¹⁵ . Para que tal cultura seja dominante, necessário se faz que ela traga [...] uma resposta baseada nos problemas da sociedade, penetre nos espíritos sobre forma de um conjunto de representações de caráter normativo e acabe por surgir como evidente a um grupo importante de cidadãos ¹⁶ . E, neste contexto, tem relevante papel a ação da imprensa ¹⁷ . Tal ação

[...] é variada, por vezes contraditória, e é a composição de influências diversas que acaba por dar ao homem uma cultura política, a qual é mais uma resultante do que uma mensagem unívoca. Esta adquire-se no clima cultural em que mergulha cada indivíduo pela difusão de temas, de modelos, de normas, de modos de raciocínio que, com a repetição, acabam por ser interiorizados e que o tornam sensível à recepção de ideias ou à adoção de comportamentos convenientes. Que o cultural prepara o terreno do político aparece desde já como uma evidência de que alguns retiraram estratégias. ¹⁸ Desta maneira, o exercício do poder configura-se não só pelo domínio dos meios legais de violência e coerção e das relações de produção, mas, também, pela conquista do consenso e da liderança político-ideológica: A classe dominante consegue, assim, legitimar sua ideologia, porque, em primeiro lugar, detém a posse do Estado e dos principais instrumentos hegemônicos [...] e, em segundo, possui o poder econômico, que representa uma grande força no seio da sociedade civil, pois, além de controlar a produção e a distribuição dos bens econômicos, organiza e distribui as ideias. ¹⁹ Em especial no Brasil, país em que há ainda um grande número de iletrados, e grande parcela da população é de analfabetos funcionais, torna-se mais fácil, à imprensa, conduzir a esfera pública. Assim, para grande parte dos meios de comunicação, interessa apenas denunciar o que não esteja de acordo com suas necessidades ou projetos. Nesse grande jogo de interesses, elegem-se ou derrubam-se governantes, partidos, instituições... Neste sentido, A escolha de um jornal como objeto de estudo justifica-se por entender-se a imprensa fundamentalmente como instrumento de manipulação de interesses e de intervenção na vida social; nega-se, pois, aqui, aquelas perspectivas que a tomam como um mero ‘veículo de informações’, transmissor imparcial e neutro dos acontecimentos, nível isolado da realidade político-social na qual se insere. ²⁰ A cultura política de uma sociedade é algo que se define e se cristaliza ao longo do tempo. Nossas concepções, nossa visão de mundo advêm de nossa convivência com outras pessoas, numa simbiose que nos permite evoluir, tanto no que culturalmente se refere a nossa formação e atuação individuais, quanto no papel que desempenhamos coletivamente. Assim, estamos sempre suscetíveis à incorporação de novos valores, novas tendências oriundas do meio social em que vivemos, o qual, por sua vez, não se isola do contexto universal em que se insere. Por este motivo, A compreensão crítica de si mesmo é obtida, [...], através de uma luta de ‘hegemonias’ políticas, de direções contrastantes, primeiro no campo da ética, depois no da política, atingindo, finalmente uma elaboração superior da própria concepção do real. A consciência de fazer parte de uma determinada força hegemônica (isto é, a consciência política) é a primeira fase de uma ulterior e progressiva autoconsciência, na qual teoria e prática finalmente se unificam. Portanto, também a unidade de teoria e prática é [...] um devir histórico, que [...] progride até a aquisição real e completa de uma

concepção do mundo coerente e unitária. É por isso que se deve chamar a atenção para o fato de que o desenvolvimento político do conceito de hegemonia representa [...] um grande progresso filosófico, já que implica e supõe necessariamente uma unidade intelectual e uma ética adequada a uma concepção do real que superou o senso comum e tornou-se crítica [...] ²¹ Assim, a escolha de O Estado de S. Paulo (OESP), para objeto de análise, deu-se, sobretudo, pela importância e influência que este conquistou, desde sua fundação, em 1875, “[...] como instrumento de intervenção na vida política brasileira e na modelagem da consciência de segmentos significativos da sociedade.” ²² 1. O conservadorismo liberal do OESP Fundado em 1875, com o nome de “A Província de S. Paulo”, o periódico ganhou notoriedade ²³ na defesa dos ideais republicanos e liberais. Buscando uma participação ativa no cenário político, econômico e social do país, a atuação política de seus representantes “[...] se orientava por um projeto idealizado para o Brasil e para São Paulo, cujas bases se prendiam ao corpo de ideias que compõem a doutrina liberal, [...]” ²⁴ A direção deste projeto, que propunha a reconstrução do Estado e a regeneração dos costumes políticos do país, ficaria nas mãos de uma força dirigente paulista que, considerada superior em relação aos demais brasileiros, a partir de critérios de raça, nascimento e tradição histórica ²⁵ , cabia não só a construção de uma “consciência coletiva” como também a condução dos destinos do país. Alicerçado nos preceitos do Liberalismo, o pensamento político, social e cultural defendido pelo matutino caracterizavase pela preservação das liberdades individuais e do direito de propriedade. De acordo com Maria Sylvia de Carvalho Franco ²⁶ , o termo propriedade, em Locke, designa aquilo que é próprio ao homem, aquilo que lhe pertence. Dado que a propriedade é algo natural ao homem, ela está submetida às leis da natureza. Nesse sentido, o direito de propriedade, para o indivíduo, assenta-se na posse de seu corpo e na capacidade de utilizar suas habilidades. No momento em que realiza esta sua capacidade, ao atuar no mundo, o homem constitui-se a si mesmo. O mundo natural, por sua vez, só existirá integralmente por meio da ação humana: [...] A natureza existe no mundo exterior, mas só se configura ao ser posta em contato com as potencialidades humanas, as quais também só existem quando se atualizam na prática. A natureza é efetiva quando útil, ao ser constituída pela ação humana; o homem só é um espécime completo quando se exterioriza no mundo e põe em operação uma atividade que define o contorno das coisas. Por isso mesmo, o homem é essencialmente proprietário, [...]. ²⁷ O Estado de natureza é regido por leis naturais que podem ser conhecidas por todos, por meio da razão e sensibilidade. Estas leis tornam-se efetivas no momento em que o homem exterioriza suas potencialidades no mundo. Dado que as leis naturais são passíveis de serem conhecidas por meio da razão, somente os que a utilizam podem ser contados entre aqueles que pertencem

ao estado de natureza. Se o homem se constitui no momento em que se torna proprietário, ou seja, quando age diretamente na natureza, apropriando-se de algo, somente aqueles que assim procedem pertencem à comunidade dos humanos. Os que não conseguiram, por sua própria culpa, tal intento, permanecem excluídos, marginalizados, inferiores. Se o homem conseguiu tornar-se proprietário, deve-se ao fato de que, conhecedor das leis naturais, aplicou-as quando se pôs em atividade no mundo natural. Para Maria Sylvia de Carvalho Franco ²⁸ , é neste ponto que se pode perceber que a igualdade dos proprietários alicerça-se em uma desigualdade, pois todos os homens, embora biologicamente iguais, possuem capacidades e habilidades distintas, tanto para agir na natureza, quanto para conhecer a lei que a rege. Além do mais, se o contrato social fundamenta-se na necessidade de preservação da propriedade, por um Estado, significa que a transgressão às leis naturais já figura como uma possibilidade real. O Estado deve punir aqueles que transgridem as leis naturais, ou seja, os não-proprietários. Neste sentido, o liberalismo pode ser considerado [...] uma doutrina que legitima a destruição do outro, dos desiguais ou diferentes por natureza. Sua teoria explícita da preservação de toda a humanidade consiste precisamente no seu contrário, ou seja, legitima o extermínio de parte dela. Determina-se com isso, uma oposição radical: de um lado, os naturalmente iguais, os proprietários – humanos, perfeitos, pacíficos, membros da comunidade harmoniosa e legal; de outro, os naturalmente diferentes, os não-proprietários - inumanos, degenerados, animalescos, ferozes, alheios às leis da razão ²⁹ . A vida e a liberdade, em Locke, da mesma maneira que as posses materiais, estão condicionadas à atividade humana sobre a natureza, ou seja, a capacidade humana de produzi-las no instante em que se apropria de algo. A defesa da propriedade na sociedade civil significa, assim, a defesa da vida e da liberdade do indivíduo: [...] na realidade, reconhecia-se implicitamente que a ‘natureza’ humana não residia dentro do indivíduo, mas na unidade do homem e das forças materiais: portanto, a conquista das forças materiais é uma maneira - e a mais importante - de conquistar a personalidade, [...] ³⁰ A sociedade transforma-se, então, em um espaço onde se estabelece uma relação entre proprietários que, por meio de um contrato, instauram um poder político, cuja finalidade é garantir a posse e o usufruto da propriedade e as condições para que as relações de troca entre eles transcorram dentro dos limites da ordem. Como a vida e a liberdade estão condicionadas à posse, qualquer atentado contra a propriedade significa ameaça à própria existência do indivíduo. De fato, esta relação direta entre propriedade, vida e liberdade encerra outra questão: aqueles que, por sua inépcia, não conseguiram tornar-se proprietários, perderam, assim, sua liberdade, sua existência autônoma. Devem permanecer tutelados, dominados.

Um governo caracteriza-se bom, em relação aos trabalhadores, quando consegue mantê-los, por qualquer meio, impossibilitados de organizar-se contra uma ordem “natural”, cujas leis estes não conseguem compreender. Segundo Locke, os assalariados não possuíam interesses. A questão social torna-se, então, assunto de Estado. Cabe a este tornar a classe trabalhadora produtora da riqueza nacional ³¹ . O proletariado, dada a sua “irracionalidade”, não estaria qualificado para participar efetivamente na comunidade política; portanto, não poderia realizar qualquer revolução ou movimento que pudesse colocar em risco os alicerces do poder. Tornam-se dependentes do Estado pela incapacidade de viver de acordo com as leis da natureza e por meio do raciocínio. Neste sentido, vê-se que o liberalismo reconheceu “[...] sempre uma personalidade política somente à propriedade, isto é, o homem valeria não por si mesmo, mas enquanto integrado por bens materiais.” ³² Diante do exposto, pode-se afirmar que, neste trabalho, Liberalismo não será considerado como sinônimo de Democracia. Ao analisar os interesses sociais que o primeiro sustenta, percebe-se que o pensamento liberal, ao estabelecer relação entre liberdade e livre gozo da propriedade, constrói uma distinção entre uma “comunidade dos livres”, os proprietários, e os nãolivres, os não-proprietários. Neste ponto, há de se concordar com Maria Helena Rolim Capelato que, ao analisar a imprensa liberal paulista, considera o pensamento liberal como “[...] uma teoria de dominação social [...] e nesse aspecto é autoritário.” ³³ O autoritarismo presente no pensamento liberal ajuda-nos a compreender o comportamento do jornal ao apoiar o controle político e social exercido pelo Estado sobre a classe trabalhadora, por meio da cooptação e da coerção. A ascensão de um movimento operário autônomo representava, para os liberais do OESP, uma ameaça tanto à liberdade quanto ao domínio político e econômico da “comunidade dos livres”. Além disso, para o matutino, as situações de conflito entre Capital e Trabalho configuravam terreno fértil para o fortalecimento do comunismo. Ainda, para o periódico, a “ordem social” constituía-se um fator imprescindível para a evolução política e econômica do país, o que pressupunha o controle ideológico dos trabalhadores, de forma a torná-los dóceis, produtivos, ordeiros e “resistentes” às investidas perniciosas dos comunistas, considerados como “inimigos da propriedade” ³⁴ . Neste sentido, a manutenção da ordem ³⁵ apresenta-se como indispensável para a evolução da sociedade brasileira rumo à democratização e à realização das aspirações liberais. Segundo Maria Helena Capelato, ³⁶ as ciências sociais marcaram presença no projeto reformador dos liberais do OESP. Júlio de Mesquita Filho (JMF), por exemplo, admirava a Sociologia, destacando o papel fundamental que esta tinha na apreensão científica da sociedade. Ao falar dos princípios que norteavam a ação do jornal, a influência da metodologia e das categorias de análise das ciências empíricas torna-se explícita: Em que consistem tais princípios? No respeito ao liberalismo, [...], no seu sentido real, no sentido que lhe imprimiu o espírito do século XIX, em que

nasceu e prosperou. Esse espírito, vós os sabeis, fora uma conseqüência do enorme progresso das ciências matemáticas, físicas e naturais nos primórdios daquela centúria, e se caracterizou por uma confiança ilimitada no poder da experimentação. Experimentar era o mot d´ordre, e só acreditar naquilo que a Ciência afirmasse, o postulado lógico da inteligência. Eis a natureza fundamental do liberalismo, [...], limita-se a observar o curso natural dos acontecimentos, para pautar, por eles, as suas ações. Assim, aceitará a intervenção do Estado, neste ou naquele setor das atividades humanas, segundo as circunstâncias e sempre que o determinismo dos fatos o aconselhe ³⁷ . Por sua importância na questão do controle social, a sociologia foi invocada constantemente nas discussões acerca da reforma do ensino e da organização do mundo do trabalho: A seiva da ordem, a vocação da lei perduram como elementos vitais que circulam no sangue dos organismos sadios e preparam o ambiente de paz e confiança em que vivem e trabalham as suas populações, [...]. ³⁸ Nestes assuntos, os liberais aproximavam-se das propostas autoritárias. Admitia-se, no entanto, a ausência destas nos campos político e econômico, nos quais não deveriam interferir. Para Thomas Skidmore ³⁹ , a doutrina positivista era um atrativo aos membros da elite dominante, os quais vislumbravam o crescimento econômico do país sem que necessariamente houvesse qualquer “mobilização social”. Concebendo a maioria da população brasileira como uma massa amorfa, analfabeta e sem capacidade de atuação política, a elite reconhecia no “aspecto autoritário do positivismo” um paradigma de modernização e justificação de sua posição social e política. A “vantagem”, para os liberais, da utilização dos pressupostos teóricos de Auguste Comte e Èmile Durkheim, residia no fato de que, para ambos, os conflitos sociais não estão ligados à ordem econômica, mas, sim, a uma questão de sociabilidade. Assim, a solução para a “questão social” encontrava-se na formação ético-moral do indivíduo, como forma de integrálo e ajustá-lo ao corpo social, o que conferiria a possibilidade de uma convivência coletiva nos limites de uma ordem estabelecida. Além de Auguste Comte e Émile Durkheim, Herbert Spencer e Mendel também figuram entre as escolhas teóricas de JMF. De acordo com Maria Rolim Capelato e Maria Lígia Prado, ⁴⁰ teóricos do evolucionismo, dentre os quais, por exemplo, Spencer, “[...] acreditavam que as mudanças sociais eram lentas, graduais e contínuas e que levavam, em todos os domínios do universo, ao desenvolvimento de formas progressivamente mais altas.” Assim, influenciados pelo evolucionismo de Spencer, os liberais acreditavam que a evolução do país rumo ao progresso deveria ser realizada de maneira pacífica e ordeira. Por isso, condenavam qualquer movimento radical de transformação, como a revolução, considerada uma ameaça ao organismo social. Neste sentido, as propostas reformistas propostas pelos representantes do OESP restringiam-se ao âmbito da reforma política e educacional.

O evolucionismo orgânico de Spencer prestava-se, assim, aos objetivos de dominação social. A vantagem de se adotar o modelo social spenceriano residia, também, no fato de que o pensador preserva, em seu modelo social orgânico, as liberdades individuais e a ausência de um Estado centralizado. No que tange às influências intelectuais de pensadores brasileiros sobre JMF, identifica-se nele certa admiração por Capistrano de Abreu, Oliveira Vianna e Euclides da Cunha. Tais pensadores também foram influenciados pelo evolucionismo de Spencer e pelo Positivismo Comteano. Além destes teóricos, ressalta-se a importância das teorias evolucionistas de Darwin e das teorias raciais. De acordo com José Carlos Reis ⁴¹ , tais intelectuais Tinham, agora, uma preocupação ‘cientificista’. Comte, Buckle, Darwin, Spencer serão as referências intelectuais predominantes. […] A formação intelectual de Capistrano se deu nesse ambiente determinista, cientificista, até racista. Discutia-se, então, o positivismo, o determinismo climático, o determinismo biológico, o spencerianismo, o comtismo, o darwinismo, as teorias raciais. Pensava-se que a sociedade poderia ser estudada com a mesma objetividade com que se estudava a natureza, pois também se submetia a leis gerais de desenvolvimento. […] Euclides da Cunha, O. Vianna, Sílvio Romero, Tobias Barreto, enfim, a geração de Capistrano de Abreu, discutia darwinismo social, luta pela vida, seleção das espécies, […] Após identificação das raízes intelectuais que influenciaram a formação cultural de Júlio de Mesquita Filho, pode-se, agora, analisar a aplicação de tais teorias no estudo da sociedade brasileira, empreendido pelo jornalista ⁴² . A face autoritária e conservadora de seu pensamento torna-se explícita quando, ao justificar a superioridade política, econômica, cultural e social de São Paulo, sob a hegemonia dos paulistas do “grupo do Estado” ⁴³ , demonstra ser o liberalismo totalmente compatível com as teorias organicistas, evolucionistas e racistas ⁴⁴ . 1. O governo ilustrado: a criação da Universidade de São Paulo (USP) O projeto educacional proposto por Júlio de Mesquita Filho (JMF) voltava-se à formação e renovação das elites ilustradas paulistas, condição para a conquista e manutenção da hegemonia política e cultural de São Paulo no cenário nacional. Ao justificar a criação da USP, em 25 de Janeiro de 1934, JMF disse: Vencidos pelas armas ⁴⁵ , sabíamos perfeitamente que só pela ciência e pela perseverança no esforço, voltaríamos a exercer a hegemonia que durante longas décadas desfrutáramos no seio da Federação. Paulistas até a medula, herdáramos da nossa ascendência bandeirante o gosto pelos planos arrojados e a paciência necessária à execução dos grandes empreendimentos. Ora, que maior monumento poderíamos erguer, [...], do que a Universidade? ⁴⁶

Conforme Sergio Miceli ⁴⁷ , o desenvolvimento das Ciências Sociais no Estado paulista resultou da iniciativa de uma fração culta da elite dirigente paulista, desejosa de reconquistar a “[...] hegemonia perdida em 30 e tripudiada em 1932, [...]”. Segundo JMF, a situação do ensino no Brasil era caótica, o que explicava a má qualidade dos quadros políticos que dominavam a cena pública durante a Primeira República: Ao mais superficial observador não escapará, realmente, a insuficiência intelectual das chamadas classes cultas do país. Nada existe entre nós que se pareça com essas admiráveis legiões de estudiosos desinteressados, que do ambiente sereno das bibliotecas e dos laboratórios indicam, em todas as nações cultas do universo, as diretrizes seguras por onde trilham confiantes os homens de ação. Essa falha lamentável a que devemos atribuir, em última análise, a situação crítica que atravessamos, se evidencia na pobreza inacreditável da nossa produção intelectual. ⁴⁸ Toda crise política e social era, também, explicada pela ação dessas lideranças, cuja formação cultural deu-se nos centros nacionais de educação. Neste sentido, o Brasil tornava-se um “problema de cultura”: E se atribuíamos a série infinita de gravíssimos erros praticados dentro das fronteiras do nosso Estado pela ditadura à mentalidade primária dos seus prepostos, não nos parecia menos evidente que só uma reforma radical do aparelho escolar do país e a instauração de uma vigorosa política educacional poderiam evitar a catástrofe final que os movimentos de 1922, de 24, de 30 e 32 nada mais faziam do que prenunciar. [...] O problema brasileiro era, antes de mais nada, um problema de cultura. ⁴⁹ Se, para Júlio de Mesquita Filho, o temor do conflito social estava diretamente ligado ao “perigo vermelho”, ou seja, ao comunismo, a função do aparelho educacional seria a formação cultural de um povo, a partir de uma fórmula intelectual baseada em uma unidade de doutrina e orientação, evitando-se, assim, “[...] a demagogia dos agitadores profissionais como as ousadias dos dominadores do momento”. ⁵⁰ A formação intelectual da população nacional ficaria, então, a cargo das elites formadas nos centros universitários, que se transformariam em modeladores de uma consciência nacional e de um espírito cívico: Procurando dar consistência material à ideia universitária, tinha em mente os que conceberam dotar o País de um cérebro poderoso e coordenado que, a coberto da transitoriedade dos governos, pudesse gerar os sentimentos, a vontade, a organização e a disciplina intelectual a que os povos verdadeiramente fortes devem as suas melhores vitórias. ⁵¹ Como um centro “[...] concatenador da mentalidade nacional, [...]” ⁵² a Universidade seria composta, hierarquicamente, pelos ensinos superior e secundário, e o sistema educacional primário, cuja tarefa seria a de estabelecer um “[...] contacto entre a massa popular e as elites pensantes.” ⁵³ De acordo com José Luís Beired ⁵⁴ (1998, p.128), no pensamento de Gramsci,

[...] os intelectuais são encarados como os responsáveis pelo nexo teoriaprática, pelo encontro entre elites e povo, em suma, pela criação da vontade nacional-popular. Evita-se, desta maneira, a existência de um vácuo entre governantes e governados. Ao ensino secundário, caberia a função de estabelecimento de uma “mentalidade média nacional”, cujos valores e capacidades formariam a base cultural de uma elite dirigente. Assim, os centros de estudos secundários constituiriam os locais nos quais se concentrariam as mentes que seriam transformadas em elites intelectuais. Ao expor o conceito de sociedade que o projeto educacional proposto pelo “grupo do Estado” implica, Irene Cardoso revela que: A concepção de sociedade, [...], expressa-se por uma estratificação social em termos de elite/classes médias/massas, que correspondem respectivamente a camadas formadas pelas universidades, pelo ensino secundário e pelo ensino primário. As elites constituiriam o vértice dos vários estratos articulados, sendo ‘filtradas’ através deles. O que sustenta a concepção democrática, [...], é a educação, na medida em que permite a circulação das elites através de um processo de ‘filtragem’ de elementos dos vários estratos, [...]. ⁵⁵ Pode-se perceber que o conceito de democracia presente no projeto educacional liga-se à escolha de elementos da população ⁵⁶ , “filtrados” nos centros de estudos secundários, para compor o quadro de uma elite intelectual que, capaz de formular e solucionar os problemas do país por meio da unificação dos “interesses nacionais”, e restabelecendo a ordem política e social, conduziria os destinos políticos do Brasil. De acordo com Gramsci ⁵⁷ , No sistema hegemônico, existe democracia entre o grupo dirigente e os grupos dirigidos na medida em que o desenvolvimento da economia e, por conseguinte, a legislação que expressa este desenvolvimento favorecem a passagem molecular dos grupos dirigidos para o grupo dirigente. A influência que as classes ilustradas conquistariam sobre a consciência e a ação das massas seria fundamental para a implantação e manutenção da democracia: Refundida a nossa cultura e restabelecida a disciplina na mentalidade de um povo, sob a ação purificadora daqueles núcleos de meditação e estudos, não tardaria que a nação se aquietasse e que desaparecessem os vícios inumeráveis do nosso aparelho político-administrativo. [...] Filtrada através dos vários estratos que constituem normalmente uma sociedade organizada e perfeitamente articulada, a ação das elites formadas no cadinho dos centros superiores de cultura refletir-se-ia na consciência popular. Esta não deixaria de reagir benéfica e eficientemente ante as tentativas periódicas e cada vez mais ousadas dos detentores do poder, hostis às liberdades individuais. ⁵⁸ Em um de seus editoriais, o jornal publicou:

Está na moda dizer-se mal da democracia. Conquanto os países onde ela foi suprimida continuem a padecer aflições, [...], não faltam apóstolos de regimes ditatoriais a pregar a excelência desses regimes. [...] Entretanto, os fatos vem demonstrando o contrário. Tivemos uma eleição magnífica. Foi o melhor desmentido aos que proclamaram a incapacidade do nosso povo para o exercício do, [...], voto. [...] Não é a democracia a culpada de muita coisa errada que se descobre e que se leva à sua conta no cenário político do Brasil. Os culpados são os políticos de escassa educação cívica que por infelicidade, [...], ocuparam postos de relevo na administração pública. Não é a democracia que não presta, é a educação dos que a tem aplicado. Bastou que o poder passasse para as mãos de homens que fizeram sua educação política, [...], nos campos de oposição para que se verificasse logo que o regime democrático, [...], nada tinha de invejar, no capítulo das virtudes, a quaisquer outros regimes. [...] Reanimem-se os céticos e tenham confiança os ingênuos. Ainda é possível consertarem-se as coisas, no Brasil, dentro do regime democrático. Não acreditamos, mesmo, que elas se consultem fora deste regime, [...] ⁵⁹ Essa relação estabelecida entre conservação dos princípios democráticos e elites intelectuais como classe dirigente seria fundamental para que o perigo da “tirania da maioria”, ou seja, a ameaça de degeneração da democracia em um regime despótico fosse evitado. O temor em relação ao despotismo ligava-se à destruição das “liberdades democráticas” pelo comunismo: Conhecendo perfeitamente o papel desempenhado pelas elites nas democracias, os discípulos, não direi do marxismo, mas de sua contrafação, o leninismo, procuram atingi-las, pois não desconhecem que democracia e elite são palavras sinônimas, que uma não poderá jamais existir sem a outra e que, eliminada esta, será aquela a presa fácil e obrigada da ditadura. ⁶⁰ É interessante ressaltar que a existência de uma elite intelectual exercendo uma liderança política, econômica e ideológica sobre o restante da população não só reforça o caráter excludente da democracia liberal como, também, justifica a presença de um Estado “onipotente” nas ocasiões em que os pilares que sustentam o poder econômico e político das classes dominantes estiverem ameaçados pelo “populacho”. Em tais ocasiões, podese perceber a convergência existente entre autoritarismo e liberalismo, pois, para este, “governo das elites” torna-se sinônimo de “Democracia” e, como tal, garantia de sua existência ⁶¹ : [...] a democracia no seu conceito mais moderno - reside no fato de a totalidade de seus membros haver alcançado um tal grau de cultura que o povo, isto é, a totalidade de sua população - proletariado e classe rural, média e superior - compreende perfeitamente que, diante da extrema complexidade dos problemas com que luta hoje uma nação não lhe cabe a ele povo tratá-los diretamente, mas delegar poderes aos mais capazes para desempenhar as funções em que se subdividem as atividades do Estado. [...] Sabe o cidadão até onde vai a sua competência e que esta não pode ir além da escolha deste ou daquele entre os mais aptos para desempenhar esta ou aquela missão político-administrativa. Trata-se, portanto, de um sistema essencialmente diferenciado e fundamentalmente hierarquizado. ⁶²

Para os liberais do OESP, a grande missão reservada às elites intelectuais residia na capacidade de dirigir, representar e organizar as massas, de modo que estas, disciplinadas e controladas, não oferecessem nenhum risco ao domínio político e econômico reservado àquelas. Além disso, havia uma forte preocupação quanto ao triunfo político das massas, representado pela “tirania da maioria”, que implicava o predomínio dos interesses coletivos sobre os individuais. Neste ponto, os representantes do jornal aproximaramse do pensamento de José Ortega y Gasset, para o qual a resignação e a submissão faziam parte do destino histórico das massas: Numa boa organização das coisas públicas a massa não atua por si mesma. Essa é sua missão. Veio ao mundo para ser dirigida, influída, representada, organizada - até para deixar de ser massa, ou, pelo menos, aspirar a isso. Mas não veio ao mundo para fazer tudo isso por si mesma. Precisa nortear sua vida pela instância superior, constituída pelas minorias excelentes. ⁶³ A partir desta definição de democracia ⁶⁴ como um regime de governo “diferenciado” e “hierarquizado”, pode-se discutir sua relação com o pensamento liberal, mais especificamente, sobre os princípios democráticos que são incorporados à doutrina liberal. O Liberalismo, ao condicionar a liberdade ao livre usufruto da propriedade, coloca em condição de igualdade somente os “livres”, os “proprietários”. Os não-proprietários, ou, os “não-livres”, tornar-se-iam, neste sentido, os “nãoiguais”. É, portanto, nesta questão da igualdade, pelo menos de uma igualdade econômica, que o pensamento liberal torna-se incompatível com os ideais democráticos. Porém, para Norberto Bobbio, ⁶⁵ alguns aspectos da democracia podem ser incorporados pela doutrina liberal sem que a liberdade econômica da “comunidade dos livres” seja ameaçada. ⁶⁶ Para tanto, é necessário que se considere a democracia a partir de seu “significado jurídico-institucional”, ou seja, como um “método”, como um “conjunto de regras do jogo” político: Não só o liberalismo é compatível com a democracia, mas a democracia pode ser considerada como natural desenvolvimento do Estado liberal apenas se tomada não pelo lado de seu ideal igualitário, mas pelo lado de sua fórmula política, [...]. ⁶⁷ A garantia jurídico-institucional de direitos políticos, bem como a das liberdades individuais, reforçam a ilusão de igualdade. Além de garantir a legitimação do poder, o voto secreto e universal torna-se sinônimo de soberania popular, de “vontade do povo”. Entretanto, o poder político pode ser exercido, também, por meio de uma influência nas decisões políticas, na formação e organização ideológica ⁶⁸ de um público eleitor: O fato, porém, é que não é verdade, de modo algum, que o número seja a ‘lei suprema’ nem que o peso da opinião de cada eleitor seja ‘exatamente’ igual. Os números, mesmo neste caso, são um simples valor instrumental, que dão uma medida e uma relação e nada mais. E, de resto, o que é que se mede? Mede-se exatamente a eficácia e a capacidade de expansão e de persuasão das opiniões de poucos, das minorias ativas, das elites, das vanguardas. [...] As ideias e as opiniões não ‘nascem’ espontaneamente no cérebro de cada

indivíduo: tiveram um centro de formação, de irradiação, de difusão e de persuasão, houve um grupo de homens ou até mesmo uma individualidade que as elaborou e apresentou na forma política de atualidade. [...] Se este pretenso grupo de excelências, apesar das infindáveis forças materiais que possui, não obtém o consenso da maioria, deve ser julgado ou inepto ou não representante dos interesses ‘nacionais’, que não podem deixar de prevalecer quando se trata de induzir a vontade nacional num sentido e não noutro. ⁶⁹ Visto que as eleições na Primeira República eram dominadas por fraudes e corrupções, com a finalidade de garantir a vitória do partido oligárquico hegemônico, os setores dissidentes ⁷⁰ propuseram, como solução para a moralização dos costumes políticos brasileiros, uma transformação do sistema eleitoral, ou seja, a adoção do voto secreto, além de um projeto pedagógico que objetivava a transformação do povo em eleitores conscientes. Acreditava-se que seria possível alcançar o poder de maneira pacífica, sem a utilização de recursos violentos que ameaçassem a ordem social. Assim, a vantagem desta escolha, para os conservadores liberais do OESP, residiria no fato de que a ordem social não seria ameaçada. A substituição dos homens na liderança política ocorreria sem o risco de provocar uma convulsão social Substituído o regime oligárquico, afastado o perigo de uma revolução social, com o controle social e político das classes trabalhadoras, que, assim, não corriam o risco de serem influenciadas pelos ideais “exóticos” dos comunistas, a democratização de São Paulo seria completada pelo ressurgimento das elites intelectuais na vida pública: “As elites intelectuais, refugiadas desde o advento da oligarquia nas carreiras liberais, voltariam à tona, atraídas pela purificação da atmosfera política.” ⁷¹ Com a volta das elites intelectuais ao poder, a democracia paulista seria “expandida” para todo o país e sua implantação no Brasil estaria condicionada ao papel que essa nova classe dirigente de São Paulo iria desempenhar: Essa forma de democracia, que é a que estamos praticando em São Paulo, com os resultados maravilhosos que todos contemplam, por que não há de ser levada ao resto do país? [...] a ambição que nós paulistas tivermos de estender a todo o Brasil métodos que já fizeram sua prova e que produziram na sociedade paulista uma evidente elevação geral da dignidade do homem. ⁷² Ao se observar atentamente os resultados que a adoção do voto secreto traria para São Paulo e, consequentemente, para o Brasil, pode-se perceber que, ao invés de proporcionar a consolidação do regime democrático, tal medida fazia parte dos planos para a hegemonia política do “grupo do Estado”. Além disso, fica claro que a Democracia constituir-se-ia no único regime de governo que possibilitaria a construção, via manipulação, de uma opinião pública que refletisse os valores defendidos pelos liberais do OESP. Se a

hegemonia política se conquista pelo consenso, nada mais oportuna do que a escolha feita. Considerações Finais Para uma classe tornar-se uma força dominante, ou seja, conquistar o poder político e o monopólio legítimo da violência e repressão deve, antes, tornarse força dirigente, função na qual deverá permanecer mesmo quando exercer o poder: A supremacia de um grupo social se manifesta de dois modos, como ‘domínio e como ‘direção intelectual e moral’. Um grupo social domina os grupos adversários que visa a ‘liquidar’ ou submeter inclusive com a força armada, e dirige os grupos afins e aliados. Um grupo social pode e, aliás, deve ser dirigente já antes de conquistar o poder governamental (esta é uma das condições principais para a própria conquista do poder); depois, quando exerce o poder e mesmo se o mantêm fortemente nas mãos, torna-se dominante, mas deve continuar a ser também ‘dirigente’. ⁷³ A sociedade civil, “[...] espaço autônomo e específico, [...]” ⁷⁴ de manifestação da hegemonia, é constituída por instituições responsáveis pela construção e difusão das ideologias, como escolas, partidos políticos, sindicatos e jornais: O exercício ‘normal’ da hegemonia, [...], caracteriza-se pela combinação da força e do consenso, que se equilibram de modo variado, sem que a força suplante em muito o consenso, mas, ao contrário, tentando fazer com que a força pareça apoiada no consenso da maioria ⁷⁵ , expresso pelos chamados órgãos da opinião pública - jornais e associações [...] ⁷⁶ Os jornais, de acordo com Gramsci, consideram os leitores, a partir de um determinado ponto de vista, como elementos passíveis de manipulação, forjáveis ideologicamente, além de, “[...] como elementos ‘econômicos’, capazes de adquirir as publicações e de fazê-las adquirir por outros.” ⁷⁷ . Além de ser objeto da ação formativa dos periódicos, o público leitor tornase consumidor de notícias, em um contexto amplamente mercadológico. Neste caso, os jornais se assemelham a um partido político, ou seja, exercem a função de direção e organização de uma opinião pública a partir de uma dada concepção ideológica. Em relação ao projeto de criação da USP, a universidade torna-se um centro de formação e reprodução de uma classe intelectual dirigente, educada a partir de uma concepção de mundo que nortearia as suas ações no campo cultural e político. Pode-se, desta maneira, considerar estes intelectuais como “orgânicos”, ou seja, que têm a capacidade de expressar as demandas e interesses de uma classe social, de forma a torná-la homogênea e consciente de sua função no plano econômico, político e social. Desta maneira, as funções desempenhadas pelos intelectuais não podem ser dissociadas das relações econômicas, políticas e sociais. Como organizadores da cultura e das demais dimensões humanas, atuam na transformação, ou conservação, de uma estrutura social ⁷⁸ .

Se a ideologia é fundamental na determinação das ações práticas dos homens, a luta pela construção de uma hegemonia, pela conquista de um consenso, dá-se, não só no plano político, econômico ou social, mas também no terreno das práticas e instituições culturais. Daí a importância que o jornal e a universidade assumiram no projeto de poder político e cultural de Julio de Mesquita Filho e o “grupo do Estado”, pois “[...] toda a relação de ‘hegemonia’ é necessariamente uma relação pedagógica.” ⁷⁹ e a opinião pública “[...] é o ponto de contato entre a ‘sociedade civil’ e a ‘sociedade política’, entre o consenso e a força, [...] é o conteúdo político da vontade política pública.” ⁸⁰ . Neste sentido, a universidade e, neste contexto, o OESP, podem ser considerados como “aparelhos privados de hegemonia” ⁸¹ que atuam na construção de consensos e na conformação e cristalização de um imaginário político, econômico, cultural e social, garantindo, assim, não só a hegemonia de uma classe, como, também, legitimando a sua dominação política. Referências ABRAMO, Perseu. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003. BARATTA, Giorgio. As rosas e os cadernos: o pensamento dialógico de Antonio Gramsci. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. BEIRED, José Luís. A função social dos intelectuais. In: AGGIO, Alberto (org.). Gramsci: a vitalidade de um pensamento. São Paulo, Edunesp, 1998, p. 121-132. BERSTEIN, Serge. A Cultura Política. In: RIOUX, Jean Pierre; SIRINELLI, Jean-François. Para uma História Cultural. Lisboa: Editorial Estampa, 1998. BOBBIO, Norberto. Liberalismo e Democracia. São Paulo: Ed. Brasiliense, 2005. BOURDIEU, Pierre. A opinião pública não existe. In:__. Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 173-183. BRAVO, Guilherme P. O papel conservador dos liberais: a ANL e os Levantes Nacional-Libertadores de Novembro de 1935 nas páginas do jornal O Estado de S. Paulo. 2012. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – FFC – Universidade Estadual Paulista, Marília. BUTTIGIEG, Joseph. Educação e Hegemonia. In: COUTINHO, Carlos Nelson; TEIXEIRA, Andréa de Paula (Orgs.). Ler Gramsci, entender a realidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p. 39-49. CAPELATO, Maria Helena. PRADO, Maria Lígia. O Bravo Matutino (Imprensa e Ideologia no jornal O Estado de São Paulo). São Paulo: AlfaÔmega, 1980. CAPELATO, Maria Helena. Os Arautos do Liberalismo – Imprensa Paulista 1920-1945. São Paulo: Brasiliense, 1988.

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10 . Assim, “[...] nas situações reais, as opiniões são forças e as relações entre opiniões são conflitos de força entre os grupos.” Bourdieu, A opinião pública não existe. In:__. Questões de Sociologia, p. 180. 11 . Para Gramsci, a imprensa seria uma “[...] organização material voltada para manter, defender e desenvolver a ‘frente’ teórica e ideológica.” Por exercer tal papel, constituiria na “parte mais dinâmica” da estrutura ideológica de uma classe. Gramsci, Cadernos do Cárcere – O Princípio Educativo. Jornalisamo, p. 78. 12 . Gramsci, Antonio. Cadernos do Cárcere - Introdução ao Estudo da Filosofia. A filosofia de Benedetto Croce, p. 105. 13 . Abramo, Padrões de manipulação na grande imprensa, p. 45. 14 . Berstein, A Cultura Política. In: Rioux; Sirinelli, Para uma História Cultural, p. 354. 15 . “[...] os partidos têm representatividade, em maior ou menor grau, na medida em que exprimem interesses e valores de segmentos sociais; por isso destacam, entre seus membros, os que disputam e exercem mandatos de representação, [...]. Os órgãos de comunicação agem como se também recebessem mandatos de representação popular, e alguns se proclamam explicitamente como detentores de mandatos. Oscilam entre se autosuporem demiurgos da vontade divina ou mandatários do povo, e confundem o consumo de seus produtos ou o índice de tiragem e audiência com o voto popular depositado em urna.” Abramo, op. cit., p. 45-46. 16 . Berstein, op. cit., p. 356. 17 . “O discurso jornalístico contribui, desta forma, na produção de verdades locais, as quais, ligadas circularmente aos sistemas de poder, vão sendo disseminadas como consensos sociais.” Mariani, O PCB e a Imprensa, p. 226. 18 . Berstein, op. cit., p. 357. 19 . Simionatto, op. cit., p. 57. 20 . Capelato; Prado, O Bravo Matutino (Imprensa e Ideologia no jornal O Estado de São Paulo), p. 19. 21 . Gramsci, Cadernos do Cárcere- Introdução ao Estudo da Filosofia. A filosofia de Benedetto Croce, p. 103-104. 22 . Capelato; Prado, op. cit., p. 23. 23 . “Entre 1890, quando Júlio de Mesquita assume a direção de O Estado de S. Paulo, e 1917, a tiragem passa de 7 mil para 53.600 exemplares diários.” Miceli, Intelectuais à brasileira, p. 249. 24 . Capelato; Prado, op. cit., p. 23.

25 . O direito ao poder político das elites paulistas era justificado por meio dos critérios de tradição histórica, fundamentada nos desígnios de uma “providência”, “índole” e nascimento: “Uma fatalidade histórica quis que de São Paulo sempre partisse a palavra ou o gesto decisivo para os destinos do Brasil, nos momentos mais aflitivos da sua evolução. Aqui se plasmou a raça, daqui partiram os que deveriam traçar as fronteiras dentro das quais haveríamos de evolver. [...] Porque, pois, faltarmos à nossa secular missão e não darmos agora início à autonomia popular, integrando definitivamente a nacionalidade no conjunto dos povos democráticos do Universo?” Mesquita Filho, A crise nacional, p. 63-64. Essa superioridade de São Paulo fez com que o Brasil se tornasse um “problema” paulista: “Porque, senhores, o Brasil nada mais é do que um problema posto pelas Bandeiras; e, ou nós paulistas de hoje e de amanhã o resolveremos, ou teremos irremediavelmente falido na missão que nos legaram os nossos antepassados, [...] tirar essa imensa massa do seu estado atual, ainda quase amorfo, para dar-lhe consistência diferenciada e definida.” Mesquita Filho, Política e Cultura, p. 166-167. 26 . Franco, “All the world was América” – John Locke, Liberalismo e Propriedade como Conceito Antropológico. In: Revista USP, n. 17, p. 38. 27 . Ibidem, p. 40. 28 . Ibidem, p. 42. 29 . Ibidem, p. 46. 30 . Gramsci, Cadernos do Cárcere- Introdução ao Estudo da Filosofia. A filosofia de Benedetto Croce, p. 262. 31 . Macpherson, A teoria política do individualismo possessivo, p. 240. 32 . Gramsci, op. cit., p. 261. 33 . Capelato, Os Arautos do Liberalismo, p. 23. 34 . O jornal reconhecia a luta dos trabalhadores para se organizar em defesa dos interesses da classe, desde que se mostrasse justa e realizada de forma disciplinada e dentro da ordem, colaborando assim, para o desenvolvimento do país. Entretanto, o matutino enfatizava que a defesa do operário não significava tolerância com o comunismo. Os seus articulistas apresentaram-se como ferrenhos defensores dos direitos e das reivindicações operárias, ao mesmo tempo em que se diziam neutros em relação aos interesses das classes dominantes e do proletariado. Assim, por não representar nenhum interesse específico de qualquer setor social, o periódico concorreria, unicamente, para a manutenção da paz social. Porém, tal comportamento reflete, também, a intenção do jornal de combater a influência que as propostas antiliberais poderiam exercer no interior do movimento operário, por meio da construção de um consenso positivo, no seio das massas trabalhadoras, em relação aos valores do capital. Ao invés de colocar-se abertamente em defesa dos interesses patronais, o periódico concentrou-se no “[...] espraiamento dos valores liberais e capitalistas aos próprios trabalhadores, [...]” Fonseca, O Consenso Forjado, p. 187-188. Neste sentido, a “paz social” nada mais representa do que a salvaguarda da

propriedade privada e a garantia ao desenvolvimento do sistema capitalista no país. 35 . Para Francisco Fonseca, op. cit., p. 173, “[...] o jornal O Estado de S. Paulo caracteriza-se por defender posições liberal-conservadoras e tradicionalistas. Sua existência secular fez que sua visão de mundo tenha-se tornado um amálgama, uma vez que seu perfilhamento à doutrina liberal convive com a defesa renitente da ordem, da autoridade, da hierarquia social e também da reação à mobilização popular e aos direitos sociais, [...].” 36 . Capelato, op. cit., p. 22. 37 . Mesquita Filho, Política e Cultura, p. 71-72. 38 . OESP, Notas e Informações, 12-04-1935, p. 03. Ressalte-se que “[...] ordem, isto é, seu exercício, constitui-se, para o jornal, uma necessidade das classes sociais detentoras, gestoras e agregadas do Capital, servindo portanto à dominação. Para além do claro caráter de classe que essa posição expressa, é importante reiterar a influência positivista do liberalismo do jornal.” Fonseca, op. cit., p. 175. 39 . Skidmore, Thomas. Preto no Branco: Raça e nacionalidade no pensamento brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1989, p. 28. 40 . Capelato; Prado, op. cit., p. 96. 41 . Reis, As identidades do Brasil, p. 89-90. 42 . Com a morte do pai, em 1927, o jornalista tornou-se o nome mais importante no comando do OESP. Entendemos, portanto, que qualquer publicação do periódico, a partir daquele ano, esteve vinculada ao projeto de hegemonia política e cultural idealizado por JMF. A análise dos editorais e dos artigos publicados no jornal considerou, também, as concepções ideológicas de “Julinho”. A partir dos pressupostos analíticos por meio dos quais JMF construiu seus projetos políticos, pretendeu-se, também, compreender a relação existente entre Liberalismo, Democracia e Autoritarismo. 43 . Segundo Irene Cardoso, “O ‘grupo do Estado’ considera-se a Comunhão paulista. [...] A Comunhão paulista não se identifica com o Estado de São Paulo (Estado da Federação), mas é a representação ideológica que o ‘grupo do Estado’ faz de si mesmo”. Cardoso, A universidade da comunhão paulista, p. 41. O OESP, porém, mantinha-se “neutro” em relação ao “grupo do Estado”, “[...] para preservar o seu perfil enquanto órgão de imprensa”, ou seja, transmitir ao leitor a ideia de imparcialidade. Idem, p. 45 44 . Se a condição marginal do escravo, para JMF, constituiu um fator de estabilidade política e social no Império, a crise e a decadência moral e política, no período republicano, deveram-se, também, à abolição da escravatura: “Promulgado o decreto de 13 de Maio, entrou a circular no sistema arterial do nosso organismo político a massa impura e formidável de dois milhões de negros, subitamente investidos das prerrogativas constitucionais.” Mesquita Filho, A crise Nacional, p. 9. A principal

consequência da Abolição consistiu, para Júlio de Mesquita Filho, certamente, no afastamento das elites intelectuais do poder e, consequentemente, no surgimento de uma nova categoria de políticos: “[...] o caos mental em que nos submergiu o refluxo de africanos, que dos centros agrícolas se derramou pelas cidades do litoral, onde floresciam e doutrinavam as elites intelectuais, [...] veio favorecer a eclosão de um tipo político profissional, cuja mentalidade, [...], mais se aproximaria do estalão geral das broncas massas eleitorais da república, fato patente no declínio regular dos valores mentais que se têm sucedido na suprema magistratura da nação.” Idem, p. 18-19. O Brasil sonhado por “Julinho” ancorava-se na eliminação total da raça negra e na consequente “purificação” do sangue ariano. Em seu projeto de modernização do país, a presença do negro constituía um anacronismo, visto que este já havia cumprido o seu papel, ou seja, o de escravo. 45 . JMF faz alusão à Revolução Constitucionalista de 1932. 46 . Mesquita Filho, Política e Cultura, p. 199. 47 . Miceli (org.), História das Ciências Sociais no Brasil, p. 106. 48 . Mesquita Filho, A crise Nacional, p. 76. 49 . Mesquita Filho, Política e Cultura, p. 164. 50 . Mesquita Filho, A crise Nacional, p. 85. 51 . Mesquita Filho, Política e Cultura, p. 84. 52 . Ibdem, p.84. 53 . Mesquita Filho, A crise Nacional, p. 84. 54 . Beired, A função social dos intelectuais. In: Aggio (org.), Gramsci, p. 128. 55 . Cardoso, op. cit., p. 37. 56 . A classe média representava, para o jornal, um “[...] celeiro de líderes, pois a sociedade que o OESP requer é a ‘sociedade cujo pilar de sustentação é a classe média, na qual o poder público vai buscar sempre os quadros e líderes que necessita’, [...].” Fonseca, op. cit., p. 191. 57 . Gramsci, Cadernos do Cárcere – Maquiavel. Notas sobre o Estado e a Política, p. 287. 58 . Mesquita Filho, A crise Nacional, p. 91. 59 . OESP, Notas e Informações, 16-04, 1935, p. 03. 60 . Mesquita Filho, Política e Cultura, p. 208. 61 . Domenico Losurdo, ao comentar os discursos dos liberais norteamericanos no século XIX, demonstra claramente que, para a doutrina

liberal, em que a liberdade e a vida estão condicionadas à posse , “a comunidade dos livres”, dos proprietários tem, entre outras, uma delimitação cultural: “Para que possa realizar-se uma liberdade ordenada, no exercício do poder não podem estar os ‘mecânicos’ e a gente comum ‘carente de qualquer conhecimento no âmbito das ciências e das artes liberais’; ao contrário, ‘devem estar os que receberam uma educação liberal, o grau normal de erudição nas artes e nas ciências liberais’; e estes ‘são os bens nascidos e ricos’.” Losurdo, Contra-História do Liberalismo, p. 257. 62 . Mesquita Filho, A Democracia e o Fenômeno Brasileiro. In: __. A Doutrina democrática e a realidade nacional, p. 20-21. 63 . Ortega y Gasset, A rebelião das Massas, p. 149. 64 . “A concepção de democracia, para OESP, aparentemente não inclui nem a participação popular nem a resolução da iníqua situação social brasileira. Estaria circunscrita à estabilidade político-institucional e à preservação da ordem. “[...] Trata-se, portanto, agora pelo ângulo social, de uma visão mais uma vez restrita e conservadora da democracia” Fonseca, op. cit., p. 267. 65 . Bobbio, Liberalismo e Democracia. 66 . Sobre a relação entre Democracia e Liberalismo ver: Macpherson, A democracia liberal. 67 . Bobbio, op. cit., p. 42-43. 68 . Para Antonio Gramsci, as ideologias configuram-se como uma determinada visão de mundo relacionada a uma ação prática que exerce influência no comportamento dos indivíduos. “Elas ‘organizam’ as massas humanas, formam o terreno no qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc.” Gramsci, Cadernos do Cárcere Introdução ao Estudo da Filosofia. A filosofia de Benedetto Croce, p. 237. 69 . Gramsci, Cadernos do Cárcere – Maquiavel. Notas sobre o Estado e a Política, p. 82. 70 . O “grupo do Estado” formava, juntamente com o Partido Democrático (PD), a chamada Dissidência Paulista, em oposição ao Partido Republicano Paulista (PRP). 71 . Mesquita Filho, A crise Nacional, p. 62. 72 . OESP, Notas e Informações, 29-01-1937 apud Cardoso, op. cit., p. 165. 73 . Gramsci, Cadernos do Cárcere - O Risorgimento. Notas sobre a História da Itália, p. 62-63. 74 . Coutinho, Gramsci, p. 128. 75 . “Sabemos que todo exercício de força se acompanha de um discurso visando a legitimar a força de quem o exerce; podemos mesmo dizer que é próprio de toda relação de força só ter toda a sua força na medida em que se dissimula enquanto tal. [...] Tal é o efeito fundamental da pesquisa de

opinião: constituir a ideia de que existe uma opinião pública unânime, portanto legitimar uma política e reforçar as relações de força que a fundamentam ou a tornam possível.” Bourdieu, op. cit., p. 175. 76 . Gramsci, Cadernos do Cárcere – Maquiavel. Notas sobre o Estado e a Política, p. 95. 77 . Gramsci, Cadernos do Cárcere – O Princípio Educativo. Jornalismo, p. 256. 78 . Gramsci, Os intelectuais e a organização da Cultura, 1991. 79 . Gramsci, Cadernos do Cárcere- Introdução ao Estudo da Filosofia. A filosofia de Benedetto Croce, p. 399. 80 . Gramsci, Cadernos do Cárcere – Maquiavel. Notas sobre o Estado e a Política, p. 265. 81 . De acordo com Carlos Nelson Coutinho, os “aparelhos privados de hegemonia”, para Gramsci, constituem “[...] os organismos de participação política aos quais se adere voluntariamente (e, por isso, são ‘privados’) e que não se caracterizam pelo uso da repressão.” Coutinho, Gramsci, p. 125. CAPÍTULO 4: IMPRENSA INTEGRALISTA - UM RECORTE Rodolfo Fiorucci A Ação Integralista Brasileira (AIB) foi o primeiro partido de massas a ter organização nacional, atuando em todos os Estados brasileiros e tendo milhares de filiados. Liderado por Plínio Salgado, jornalista e escritor paulista, valeu-se de diversos recursos para cooptar militantes e simpatizantes nos anos 1930, ancorado numa ideologia que dialogava muito com o fascismo italiano, mas que apresentava caracteres próprios e até certo ponto originais. Também foi a primeira vez que um partido brasileiro utilizou a imprensa de forma sistemática, criando rede de jornais e revistas próprios. Cabe nas páginas que seguem tratar do periodismo integralista de uma maneira ampliada, focando as principais publicações do movimento durante seu período de existência legal (1932-37). No entanto, antes de tanger os periódicos dos camisas verdes (como eram chamados os militantes por conta da cor do uniforme que trajavam), é preciso entender como se iniciou o trabalho jornalístico do Chefe Plínio Salgado, que levaria à organização da estrutura de imprensa da AIB, o que faz pensar, inicialmente, o jornal A Razão que, embora não integralista, foi a matriz ideológica do movimento e polo aglutinador das futuras lideranças. Fundado em São Paulo por Alfredo Egydio de Souza Aranha, no dia 5 de junho de 1931, o jornal tinha claro objetivo político. Seus redatores principais eram Plínio Salgado e Santiago Dantas, contando com diversos colaboradores, como Heráclito Sobral Pinto, Alceu Amoroso Lima, Brito Broca, E. Vilhena de Morais, Laura Jacobina Lacombe, Fausto Ferraz, Mário Gracciotti, Silveira Bueno, Eduardo Rossi, Alberto Conte e André Dreyfuss.

Ainda contava com textos assinados de personalidades italianas, inclusive do próprio Benito Mussolini. ¹ Em carta de fevereiro de 1931, Salgado contava sobre o planejamento do jornal, veículo de um nacionalismo radical, que coordenaria o pensamento conservador, sendo totalmente contrário ao materialismo histórico, mais voltado para regimes de força com o intuito de barrar desavenças de classes. Portanto, a simpatia pela doutrina fascista seria inequívoca, uma vez que os dirigentes do jornal apreciavam os governos de extrema direita europeus. Em editorial de 21 de janeiro de 1932 ficou clara a posição prófascismo de A Razão, apontando a doutrina como possível saída para os problemas da nação. ² Nesse caminho, a contrariedade ao movimento constitucionalista paulista foi natural, pois Salgado e Dantas eram adeptos de um governo mais centralizador, autoritário e não liberal-democrático. Contudo, tal postura causou reação das forças paulistas insurretas que, em 23 de maio de 1932, empastelaram a redação, em reação às críticas veiculadas naquele contexto revolucionário. Salgado foi o mentor intelectual do jornal durante sua existência, o que explica em parte a ideologia predominante em suas páginas. Afinal, Plínio tinha viajado para a Itália, financiado pelo futuro dono do jornal, tendo contato direto com o fascismo e com seu líder, Mussolini. Lá, afirmou que o Brasil precisava de algo parecido, e que trabalharia para iniciar um movimento de massas por aqui. Para tanto, criticava a grande imprensa brasileira, de caráter empresarial, que veiculava informações aleatórias, desprezando a função formativa. ³ A Razão foi, assim, a tentativa de praticar um jornalismo diferente, que primava pela orientação de um público carente e alheio ao poder. Circulava diariamente em São Paulo (distribuído nacionalmente pelos correios), em formato tabloide e contando com dez páginas. Apresentava-se como de informações gerais, abordando variadas temáticas, como as relacionadas a colunas sociais, esportes, teatro, cinema e literatura. Isso, porém, não disfarçava seu conteúdo impregnado pela política, ainda que não de críticas diretas ao governo - sob o risco de ser fechado por força da censura. Era mais voltado a proposições do que a ataques, trabalhando pacientemente sobre a opinião pública. Plínio Salgado, em sua coluna fixa, “Nota Política”, estabeleceu as diretrizes que conformariam essa nova proposta: a doutrina integralista. Já dicotomizava as discussões entre o materialismo e o espiritualismo, enxergando o mundo de forma generalizante, dividido entre o “bem” e o “mal”. Propunha, pois, a partir de sua coluna, oferecer um caminho à população, de acordo com suas avaliações, como denotava o primeiro texto da coluna: No Brasil, não há ainda um sentimento coletivo de interesse nacional. Cumpre-nos, ao iniciar a discussão dos problemas que este momento nos suscita, declarar, como base de nossa orientação segura, que não há interesses estaduais diante dos supremos interesses nacionais.

Colocando-nos nesse ponto de vista de nacionalismo integral, é que iniciamos a nossa ação jornalística neste trepidante momento da vida brasileira. Nesta nota diária, iremos traçar a linha de um pensamento político, procurando marcar os rumos que nos parecem mais acertados às nossas condições e necessidades. ⁴ É evidente a intenção de iniciar um movimento político por meio da ação jornalística, mesmo que, seja bem provável, nem tivesse imaginado algo parecido com a AIB. Mas os caminhos eram delineados pouco a pouco, nos mais de 300 editoriais de sua autoria. Não à toa foi de A Razão que saiu o grupo formador da SEP, antecâmara do integralismo. Nesses espaços discutiam a falta de cultura do povo brasileiro, mal formado, que necessitaria de orientação segura para tirar o país do atraso em que se encontrava. Os agentes desse papel seriam, sem dúvida, para os membros da SEP, eles próprios. E a ferramenta mais eficaz para levar a cabo tal projeto seria a imprensa. Nas palavras de Plínio, havia muito a ser consertado: Somos ainda um povo muito rudimentar. Quase primário. Confundimos cultura com erudição; pensamento com literatura; política com politicagem; governo com administração; estadista com técnico especializado; inteligência com esperteza; valentia com crueldade; honestidade com timidez; coerência doutrinária com partidária; fidelidade a princípios com fidelidade a pessoas; e nenhuma atitude é compreendida sem que se origine de algum interesse pessoal. ⁵ Em sua visão havia muito a fazer pelo povo brasileiro, e a palavra escrita era o caminho mais rápido para atingir os objetivos. Rodrigo Oliveira é categórico ao afirmar que Salgado havia aprendido que a imprensa era forte instrumento ideológico ainda quando redator do Correio Paulistano, entendendo que o consenso tinha muito mais êxito do que a força. ⁶ Isto é, o periodismo deveria ter uma função pedagógica e doutrinária, não se entregando ao mercado. No Código de Ética da Imprensa, Salgado diz: “faze do jornal um órgão de educação e criação, jamais um órgão passivo, escravizado às massas”. ⁷ Com base nessa concepção de imprensa, buscou organizar uma rede ampla de jornais e revistas, especialmente para fazer frente ao maior concorrente, da linha liberal, os Diários Associados de Assis Chateubriand. É contestável o sucesso de tal empreitada, todavia, no que concerne a imprensa política, foi de longe a mais expressiva. No período de existência legal da AIB foram editados 138 jornais (2 de circulação nacional, 30 regionais e 106 locais), 8 revistas (2 nacionais e 6 regionais), panfletos, cartazes e mais de três mil boletins referentes aos serviços de cada núcleo. Mais que um jornalismo político, pode-se dizer que a AIB se valeu de uma mídia política, pois além dos recursos mencionados, o rádio e o cinema foram exaustivamente empregados no processo doutrinário, o que demonstra o esforço de ampliação espacial da palavra do sigma. O integralismo, ainda nos anos 1930, tentou utilizar todos os recursos disponíveis em função da política e da doutrina.

Todo esse esforço em divulgar uma nova ideologia “redentora” a partir da imprensa, com investimentos incalculáveis em recursos humanos e financeiros, tinha uma razão de ser, afinal, para Plínio (...) a imprensa deveria assumir a responsabilidade da discussão dos grandes assuntos que interessam à Nação. E não podem nem devem se circunscrever apenas à matéria mais empírica, aos temas simplesmente práticos. É à imprensa que compete teorizar e doutrinar. Para orientar e conduzir. Para arrancar o país da confusão e elevá-los às claras definições e às atitudes nítidas e fortes. Nem se diga que isso deveria competir às revistas. Pois em todos os países – e basta citar a Itália e a França, de onde conhecemos admiráveis mensários ou semanários de alta cultura – em que a revista desempenha um papel notável junto ás classes intelectuais, vivem órgãos de imprensa , destinados ao grande público, que encaminham todas as questões para uma plana elevada. E essa deve ser hoje a missão da imprensa. A de educadora das massas. A de fixadora de direções. Cumpre à imprensa do Brasil assumir uma atitude á altura do nosso momento histórico. ⁸ A AIB lançou mão, portanto, de três tipos de jornais: 1) Circulação Nacional e coordenados pela chefia nacional – Monitor Integralista e A Offensiva; 2) Circulação Provincial ou Regional sob a chefia provincial – A Razão (PR), Século XX (RJ), Anauê (MG), A voz D’Oeste (SP), por exemplo; 3) Circulação Local coordenado pelo núcleo municipal (normalmente com tiragens quinzenais ou mensais) – O Bandeirante (Caxias do Sul), Voz do Sigma (Bagé), Anauê (Jaú), entre outros. Essa divisão supõe que a doutrina deveria atingir todos os níveis sociais e regionais do país, sem desprezar qualquer setor ou camada social dentro do território nacional. Dado o grande número de publicações, a responsabilidade pelo financiamento de cada uma ficava com seus diretores, não sendo incumbência da direção nacional integralista. Isso não significava que não havia uma padronização a seguir. A Secretaria Nacional de Imprensa (SNI) e a Secretaria Nacional de Propaganda (SNP) esforçavam-se para controlar a feitura dos periódicos e o conteúdo veiculado, prezando pela homogeneidade doutrinária e ideológica, a fim de não deixar transparecer desentendimentos internos dos líderes. Além desses dois órgãos, o Sigma Jornaes Reunidos foi desenvolvido com o mesmo fito, o de padronizar as publicações verdes. Como revela Rodrigo Oliveira, ⁹ falar desse conglomerado jornalístico integralista é bastante difícil, pois não há fontes que iluminem suas funções e existência. O fato é que a partir de outubro de 1935 diversas publicações passaram a estampar o nome “Sigma Jornaes Reunidos” em suas páginas, sem nunca aparecer qualquer logomarca que simbolizasse a organização. O autor afirma também que pouca influencia exerceu sobre as publicações, inclusive não havendo a obrigatoriedade destas se ligarem ao conglomerado, cenário modificado a partir de 1937, quando os interesses eleitorais afunilaram os olhares sobre a imprensa do sigma. ¹⁰ Outro estratagema era o compromisso de todo periódico enviar à SNI e ao Chefe Nacional um exemplar de cada edição, o que possibilitaria o acompanhamento dos conteúdos espalhados em páginas verdes por todo o Brasil.

Não obstante os mecanismos de controle, não se pode imaginar que havia total fiscalização. O número de publicações era enorme, sem mencionar a dimensão do território nacional. Nos anos 1930 locomover-se pelo país afora não era tarefa tão simples. Ainda nas asserções de Oliveira, desta vez retiradas de sua dissertação, Os jornais do interior não apresentavam uma mera reprodução dos jornais dos grandes centros. Embora reproduzissem a ideologia integralista, esta se dava a partir da leitura feita por esses militantes locais (pela escolha subjetiva desses indivíduos). A maior parte das matérias assinadas que encontramos em nossas pesquisas era de membros dos núcleos que produziam os jornais, e quando reproduziam uma matéria de outro jornal, apresentavam a citação. ¹¹ Vê-se que nos jornais regionais havia margem de liberdade, sendo que grande parte dos conteúdos divulgados diziam respeito à localidade, mesmo que o caráter doutrinário estivesse presente. Na verdade, mais eficiente que o controle vindo de fora dos núcleos, era o autocontrole dos lideres locais e regionais, que se baseavam na palavra oficial do Chefe, a qual tinha acesso por meio da publicação oficial do movimento, o Monitor Integralista – todos os núcleos deveriam adquiri-lo –, sem esquecer os panfletos e boletins impressos aos montes e que chegavam ao interior. Isto é, produzir consenso garantia certa tranquilidade aos dirigentes da AIB, porque exercer a censura de maneira contundente seria muito mais trabalhoso. Por isso que, no Congresso de Imprensa Integralista, realizado em dezembro de 1936, foi editado o Código de Ética, objetivando oferecer um norte aos donos de jornais. ¹² Apenas duas publicações apresentavam características próprias, em certa medida até mesmo empregando outro ponto de vista sobre a mesma doutrina integralista. Tratavam-se das dirigidas pelas duas figuras abaixo de Plínio, Gustavo Barroso, com o jornal Século XX (1935-1937), e Miguel Reale, com Acção (1936-1938). ¹³ Como tinham ideias particulares, Reale, principal teórico do movimento, buscou dar sua cara ao seu jornal, focando bastante na teoria corporativista-sindicalista do Estado Integral, ¹⁴ e Barroso usou o Século XX para estampar na história da AIB uma faceta antissemita. Remetendo a Cavalari (1999) e Leal (2006), a AIB colocou em circulação oito diários: A Offensiva (RJ), Acção (SP), O Imparcial (BA), Diário do Nordeste (PE), A Província (AL), A Razão (CE), Acção (MA) e Correio da Noite (RS). Também se contabiliza oito revistas: Anauê! (RJ), Panorama (SP), Brasil Feminino (RJ), Sigma (Niterói), Anauê (Resende) ¹⁵ , Falena (Campos dos Goytacazes), Invicta (PR) e Única (Salvador). Destas, as de maior expressão foram as três primeiras, cabendo às restantes papéis secundários e alcance limitado. Por fim, vale elencar o jornal que se tornou uma espécie de Diário Oficial, Monitor Integralista, no qual se publicavam as diretrizes da AIB, estatutos, palavra do Chefe etc. O professor Pedro Ernesto Fagundes divide em dois momentos o periodismo integralista: um voltado ao militante, com a função exclusiva de doutrinar e unificar o discurso; outro mais flexível, posto em prática mediante interesses eleitorais, a partir da transformação da AIB em partido. ¹⁶ Contudo, não se

pode entender cada qual de maneira monolítica, como se não houvesse espaço para intersecção. Como alertou Oliveira, mesmo que tenha amaciado o discurso doutrinário pesado, a imprensa integralista nunca deixou de ser militante, tendo na verdade dificuldades para reproduzir outro tipo de fala. ¹⁷ Tão logo aconteceu o manifesto de outubro de 1932 que lançava a AIB, se deu a fundação do primeiro jornal do movimento. Em dezembro do mesmo ano apareceu em São Paulo O Integralista que, organizado por estudantes da faculdade de Direito de São Paulo, era o porta-voz do Departamento Universitário dos camisas-verdes, circulando de forma intermitente durante toda a legalidade integralista, totalizando dez edições no período. No ano seguinte, surgiu um jornal com estilo de revista, o Variedades: Gazeta Literária-Política-Noticiosa, com conteúdo dividido entre textos doutrinários e amenidades sobre cinema, teatro e literatura. Ainda neste ano, apareceu o jornal que se tornaria órgão oficial do movimento, o Monitor Integralista. Tinha circulação interna em relação à AIB, sendo de exclusividade dos militantes, especialmente dos chefes e núcleos. Inicialmente quinzenal, passou a bimestral, trimestral e quadrimestral, preenchendo seu interior com determinações oficiais da chefia nacional. Ali se encontravam regras de comportamento, resoluções, estatutos, diretrizes doutrinárias, padrões de vestimenta etc. O Monitor Integralista era o veículo responsável pela homogeneização do movimento, pois circulava de Norte a Sul, levando ao militante amazonense exatamente a mesma orientação recebida pelo gaúcho. Outras duas publicações também merecem destaque por conta de sua importância dentro do movimento: A Offensiva, o diário nacional do movimento, e Acção, que circulou no Estado mais desenvolvido da nação (São Paulo). O primeiro foi o mais importante da AIB nos anos 1930, alcançando todo o território brasileiro. Sua fundação esteve nas mãos do secretario nacional de propaganda, Madeiras de Freitas, que dirigiu o jornal junto com Plínio Salgado até 1936. Aqui cabe uma ponderação. É bem provável que o principal dirigente tenha sido Freitas, por conta de todos os afazeres do Chefe, que em incontáveis ocasiões sequer estava presente no Rio de Janeiro, viajando pelo Brasil em bandeiras ou palestrando, participando de debates e inaugurações. No entanto, A Offensiva era apontado como o veiculo de orientação direta de Plínio, e sua direção foi atribuída a ele até 1936, quando a campanha presidencial o afastou do jornal. Fundado em 17 de maio de 1934, iniciou com circulação semanal, o que perdurou até janeiro de 1936, e sua venda era mediante assinaturas – os núcleos eram obrigados a adquiri-lo. De acordo com Renata Simões, o jornal passou por três fases distintas, adequando-se aos interesses internos da AIB e ao contexto imediato. ¹⁸ Na primeira fase (n° 1 ao n° 89/maio de 1934 a janeiro de 1936), com periodicidade semanal, seu conteúdo era claramente doutrinário, sempre alocando no cabeçalho de sua primeira página palavras de ordem com textos curtos, de fácil assimilação, que ditavam os pontos básicos da mensagem transmitida pelo jornal. Aí sempre se encontrava críticas ao comunismo e/ou

liberalismo, como também apontava a marcha do integralismo para a revolução, como pode ser visto na imagem abaixo.

Fonte: Oliveira, 2009, p. 152 Entre 1934-1935 era impresso nas oficinas do Diário de Notícias, assim como vários periódicos integralistas, mantendo poucos funcionários pagos e contando com a colaboração voluntária de vários militantes, dirigentes e intelectuais do movimento. O primeiro editorial de A Offensiva apresentava o jornal como o porta-voz de uma alternativa ao governo, que colocaria em marcha uma revolução com sentido lógico, oposta à revolução de 1930. Seria uma revolução de cultura e espírito, que conduziria a humanidade ao caminho correto. Portanto, o jornal seria uma ofensiva não contra um governo ou uma classe, mas sim uma ofensiva contra uma civilização que, por sua vez, vivia sob a égide da liberal-democracia. ¹⁹ Ainda na primeira página vinha alocada a coluna de Plínio Salgado, com caráter de editorial, bem parecida com a ”Nota Política” de A Razão. Com textos simples, voltados ao grande público, objetivava difundir a doutrina integralista. De acordo com Oliveira, Este exemplo da coluna editorial de Plínio Salgado é significante, pois demonstra como o integralismo era definido, didaticamente, através da contraposição com os defeitos de outras ideologias. O espaço desta parte destinada a Salgado é fundamental, como instrumento da manutenção do seu poder pessoal dentro do integralismo. Se olharmos com atenção, veremos que ele é o único nome presente em todas as edições do jornal. Nem mesmo Barroso e Reale tem tamanho destaque. ²⁰ Não à toa apareceu como uma espécie de subtítulo no jornal o seguinte: “Orientação de Plínio Salgado”. Essa inserção é sintomática. A Offensiva se apresentava como o veículo oficial de divulgação da palavra do Chefe, o que dava um peso maior à publicação. Como estava diretamente orientada por Salgado, todo camisa-verde deveria lê-la, além de seguir à risca os ditames impressos.

O jornal circulava todas as quintas-feiras, o que mudou a partir de 16 de março de 1935, quando passou a sair aos sábados, por conveniência administrativa, já que a maioria dos colaboradores exerciam outras funções durante a semana. Porém essa periodicidade em breve mudaria com a transformação da AIB para partido político. Visando novos objetivos, a circulação diária do jornal seria mais eficaz para a propaganda eleitoral, tanto que, a partir da edição n° 77, mudou a sede da Rua Sete de Setembro para a Rua da Quitanda, n° 51, espaço maior que comportaria as necessidades de um diário. ²¹ Nesse momento, portanto, tem início a segunda fase (n° 90 ao n° 660/de 28 de janeiro de 1936 a 3 de dezembro de 1937), na qual A Offensiva se tornou um diário matutino, que ia a público de terça a domingo. Pelo ritmo mais acelerado e pelas novas metas traçadas, não seria mais apenas doutrinário, dedicando-se a informações variadas, além de ampliar o número e as temáticas das seções – “Integralismo nas Províncias”, “A Semana Internacional”, “Secção Comercial”, “Página Médica”, “Conselho de Hygiene”, “Página Syndical”, “Moda Feminina”, “Secção Universitária”, entre outras. Não significa, entretanto, que o caráter doutrinário tenha desaparecido. Trata-se de entender que outras temáticas surgiram, o que diluiu o excesso dos textos políticos e ideológicos, mas eles não desapareceram. Muito pelo contrário, em A Offensiva essa tendência não minorava, já que era a principal publicação da AIB, o que deveria, consequentemente, insistir na doutrina reiteradamente. Como já não podia contar apenas com colaborações, contratou vários dos articulistas da 1ª fase, e se dedicou mais ao embate partidário, até mesmo lançando a Seção Eleitoral, que instruía o público sobre leis, regulamentos eleitorais e procedimentos. O resultado disso foi a eleição, em 1936, de 500 vereadores, 20 prefeitos e 4 deputados estaduais. A campanha ficou mais intensa no ano de 1937, já que o pleito era pela presidência, alvo principal da AIB. Até que o golpe de novembro de 1937 que instituiu o Estado Novo deu início à última fase do jornal. Nesta (n° 661 ao n° 748 / 4 de dezembro de 1937 a 19 de março de 1938), qualquer conteúdo doutrinário foi limado, por conta das proibições de Getúlio Vargas à imprensa. Os textos relativos à AIB (que passou a ser ABC – Associação Brasileira de Cultura) restringiam-se a atividades de assistência e culturais. Não se falava mais ao integralista e sim ao brasileiro, sem utilizar palavra de ordem, mas uma orientação acerca do nacionalismo. A partir daí não tardou a derrocada total do jornal que desapareceria pela inépcia em se tornar um diário comum. Aliás, a própria AIB, transvestida em ABC, minguaria lentamente. A estrutura e a direção da nova associação, a ABC, permitiram que a AIB continuasse, ainda que de forma velada, sua campanha doutrinária. Essa campanha delongou-se até maio do ano seguinte [1938], quando a AIB parece ter mudado de tática. Abandonou-se a tática educativa, a “Revolução do Espírito”, e adotou-se a revolução violenta para a tomada do poder. O atentado a Vargas no Palácio Guanabara, realizado por um pequeno grupo de integralistas em maio de 1938, segundo Cavalari, parece ter sido resultado dessa nova tática. A Intentona Integralista, como ficou conhecida,

foi totalmente dominada por Vargas que, em seguida, desencadeou intensa campanha contra o integralismo, com prisão e exílio de seus líderes. ²² O jornal A Offensiva era financiado pela sociedade anônima “Sigma Editora” até 1935, cujas ações estavam à venda para todo integralista que quisesse contribuir, inclusive “as listas de contribuição” ficavam nas sedes dos núcleos. Outra forma de financiamento do jornal era a publicação de anúncios em suas páginas, método comum do jornalismo desde o início do século XX, quando a propaganda deixa o espaço exclusivo das publicações “comerciais” e incorpora-se à imprensa periódica. ²³ Após dois anos de existência A Offensiva se tornou o diário de maior tiragem do movimento, chegando aos lares mais distantes. Isso indica o potencial comercial adquirido por suas páginas, o que soube ser usado por seus dirigentes. Leandro Pereira Gonçalves e Renata Duarte Simões explicam que nesse período a publicidade de produtos não-integralistas era muito mais numerosa que a dos camisas-verdes, muitas vezes não tendo relação alguma com a doutrina da AIB, quando não dela se distinguia. ²⁴ Os autores afirmam que a propaganda foi fundamental para manter o jornal, destacando que em algumas edições o número de páginas chegou a dobrar ou triplicar para comportar os anúncios. ²⁵ Evidente que A Offensiva discursava para convencer o leitor a adquirir os produtos integralistas, apelando para o amor à causa, à Pátria e ao Chefe, sendo exemplar um camisa-verde que seguisse os preceitos da AIB e usasse seus símbolos, como a camisa, broches, cintos, objetos de decoração etc. Contudo, longe de se configurar como prática opcional, a propaganda emerge como procedimento coercitivo, obrigando o integralista a fazer uso do que lhe é ordenado, a fim de manter o movimento uno. Outro elemento de destaque foi a fotografia, mais utilizada a partir de 1936 na remodelação do jornal, momento em que apresentava uma tiragem de 30 mil exemplares. ²⁶ No entanto, o recurso iconográfico teve maior ênfase na revista Anauê!, a revista ilustrada apontada como a mais importante do movimento, que abusou da fotografia em todas as suas edições. Antes, porém, de tratar da revista Anauê!, importa atentar para o jornal Acção e outras publicações de relevância da AIB. A verdade é que A Offensiva, Anauê! e Acção são mormente apontados como os principais veículos de comunicação da AIB nos anos 1930, pois tinham o objetivo de chegar a número maior de leitores, o que ia ao encontro dos interesses eleitorais partidários. Fundado em 7 de outubro de 1936 pelo advogado paulista e principal teórico da AIB, Miguel Reale, Acção iniciou com oito páginas e chegou a ter vinte. Sediado na Rua do Carmo, número 17, dividia sua redação com a do jornal O Dia, o que era bastante comum à época. Onze meses após seu lançamento, transferiu seu endereço para espaço independente, na Rua Irmã Simplícia, 17 e 17-A. ²⁷

Fonte: Barbosa, 2007, p. 114. Seu diretor, até seu fechamento em abril de 1938, sempre foi Reale, apoiado por Paulo Paulista de Ulhoa Cintra, secretário geral da publicação. Cintra era advogado também, chefe municipal da AIB em São Bernardo e tornou-se membro da Câmara dos Quatrocentos. ²⁸ Além deles, destacam-se os nomes de Eduardo Graziano (médico e chefe da AIB em São Paulo por um período), gerente do Acção durante quase toda sua existência (até 14 de janeiro de 1938), e José Ribeiro de Barros, que assumiu essa função nos últimos três meses do jornal. Por fim, Mario Mazzei Guimarães (chefe municipal da AIB em Colina) e Benedito Vaz (Advogado e jornalista, não teve papel de destaque no movimento) eram os redatores principais. ²⁹ Reale afirmava que Acção tinha sido uma iniciativa quase individual, com o apoio de alguns amigos que pretendiam lançar um periódico. Isso demonstra que, embora houvesse um movimento em prol da campanha eleitoral, nem tudo era perfeito na organização da AIB, sendo que atitudes importantes eram tomadas de maneira unilateral, como o lançamento de uma publicação num dos Estados mais importantes do país. Quanto a sua tiragem, há dados que apontam 78 mil e outros até 400 mil exemplares, ³⁰ o que é uma diferença expressiva, uma vez que ambos se referem ao final de 1937. Independente do montante exato, o fato é que possuía tiragem significativa, o que dava representatividade ao periódico de Reale no universo de publicações integralistas. Não à toa está elencado entre os principais veículos dos camisas-verdes, pois não se restringiu apenas à doutrinação, exercendo papel elevado entre os integralistas paulistas. Acção buscou se apresentar como jornal moderno, adotando técnicas de ilustração e fotojornalismo, valendo-se de seções variadas mirando público amplo. Adequou seu formato, diagramação e distribuição interna com o tempo, tanto que após seu primeiro ano de circulação passou do formato “standart” (60 cm de altura por 48 de largura)

para o “tabloide” (49 cm de altura por 33 de largura). Ao mesmo tempo passou de vespertino para matutino. ³¹ De acordo com Jefferson Barbosa, seus eixos principais eram três: 1) Conjuntura política nacional (especialmente a sucessão presidencial); 2) Projeto político e econômico do Estado Integral (visto que Reale era o principal teórico); 3) Conjuntura política internacional. ³² Todas se desenvolveram juntas, até o golpe do Estado Novo. Depois disso os dois primeiros eixos praticamente desapareceram, já que as eleições foram canceladas e estava terminantemente proibido manifestações e exposições de qualquer texto, palavra de ordem ou símbolos de partidos políticos. Importa lembrar, não obstante, que dentro dos temas mais abordados apareceram o antissemitismo ³³ (ainda que Reale não se mostrasse abertamente avesso ao judaísmo) e a defesa e admiração aos regimes fascistas e de extrema-direita europeus. Foram muitos os artigos que trataram da Itália, Alemanha e Espanha, sempre com teor positivo. Havia também assuntos variados, como esportes, saúde, trabalhadores, ensino etc, mas que, no fundo, não largavam a intenção doutrinária. Não se pode ignorar, no entanto, que, dado os devidos destaques às temáticas citadas, o ponto alto do jornal sempre foi o próprio integralismo e o ataque fervoroso ao liberalismo-democrático e, consequentemente, ao comunismo, posto que os camisas-verdes entendiam essas duas ideologias como irmãs. Acção sobreviveu com base nas vendas em bancas, ³⁴ assinaturas e publicidade. Como os outros veículos de destaque da AIB, gozou de sensível apelo comercial, uma vez que sustentava tiragem numerosa e atingia público abrangente. Suas páginas não deixaram de ter anúncios, o que o ajudou a se manter. Essa sustentabilidade financeira, por outro lado, não era item determinante. Em contexto bastante conturbado politicamente, eram posturas ideológicas e doutrinárias que ameaçavam a circulação de um periódico, que poderia ser barrado pela censura. Renato Dotta, com vistas a esse momento, chamou o processo de dissolução de Acção de “lenta agonia”, algo que se iniciou em meados de 1937 e culminou com o fechamento do jornal em abril de 1938. ³⁵ Isso porque, ainda durante a campanha presidencial, aos poucos, deixou de citar Plínio e passou a apoiar Vargas (algo acordado pela AIB e Salgado), inclusive estimulando a instauração do Estado Novo. Começava a tomar um caminho sem volta. Pós-golpe, manteve o mesmo posicionamento, o que só mudou com a clara e manifesta má vontade do governo com relação aos integralistas. Camisas-verdes foram perseguidos e presos por diversos motivos, e o jornal paulista começava a mostrar resistência velada ao regime, como a publicação de trechos bíblicos sem razão aparente. Acção foi ficando cada vez mais opaco diante da pressão política, sendo que o movimento não mais resistiria juntamente com suas publicações remanescentes. Era o fim do principal diário verde paulista. Por fim, é indispensável tratar das revistas do movimento integralista. Como dito anteriormente, foram oito contabilizadas até hoje, no entanto, apenas três tiveram destaque acentuado, às outras restando circulação e tiragem menos expressivas. Tratam-se de Panorama, Brasil Feminino e Anauê!. Três

revistas que ocuparam local específico entre os camisas-verdes, dedicandose cada qual a um nicho determinado. Panorama, a revista de alta cultura do movimento, foi lançada em janeiro de 1936 com o intuito de atender a um grupo especifico dentro da AIB, os intelectuais, já que até então a imprensa era voltada para o militante comum. Como os jornais eram doutrinários ou, com o passar do tempo, também de informações gerais, a elite do movimento ficava de fora, já que o que ia para os periódicos eram suas teorias dissolvidas e simplificadas. Portanto, para atender essa demanda, por iniciativa de Ruy Arruda Camargo, foi fundada a revista em São Paulo, sendo dirigida por Miguel Reale, o Secretário Nacional de Doutrina. ³⁶ Como bem indicou Oliveira, a apresentação da primeira edição deixava claro a que público se direciona: O Integralismo é, ao mesmo tempo, ação imediata e revolução mediata. Como ação, está vigilante, na defesa da ordem, indispensável ao trabalho paciente de cultura, de revisão, de crítica, de criação das elites do nosso movimento. Como revolução, não se processa nas confabulações escusas dos Catilinas, à paisana ou fardados, que articulam elementos para os golpes à força bruta; pelo contrário, realiza-se no plano da inteligência, pela objetivação segura de uma finalidade inspirada em conceitos doutrinários e consoante as realidades sociais e econômicas dia-a-dia pesquisadas no cenário nacional. Esta revista está arregimentada neste segundo plano. Suas páginas refletem todo o esforço de uma elite, o anseio de uma geração desejosa de concretizar, em relevos mais práticos, a aplicação de um princípio geral, de um método de estudo e de criação. ³⁷ De fato, a apresentação dos colaboradores apontava para a elite nacional e regional do movimento, o que levou a uma publicação dedicada aos debates teóricos, às discussões filosóficas e políticas, aos textos de mais profundidade, consoante aos interesses da alta cúpula. Os recursos gráficos e diagramáticos também não eram os mais atrativos, especialmente se comparados aos da revista Anauê! e Brasil Feminino, que tinham mais acuidade em suas feituras. Isso porque o foco não era o mercado, não era atrair militantes ou eleitores, era discutir e desenvolver a doutrina, para que outros veículos a disseminassem. Ainda nas palavras de Oliveira, A revista era dividida em quatro partes. A primeira era destinada aos artigos de autores integralistas (não tinha uma denominação específica); a segunda, “Homens e Ideias”, e discutia a vida de grandes homens e/ou grandes obras; a terceira, chamada “Recortes em Revista”, e apresentava matérias publicadas em jornais e revistas de várias regiões do país; por fim, “Mentores da Nacionalidade”, apresentando trechos de obras e/ou artigos de pensadores políticos nacionais. ³⁸ Isso demonstra que existia alguma diversidade interna, porém, não caracterizando uma revista voltada para assuntos variados. Embora dividida

em quatro partes, todas tinham conteúdo mais profundo e exigente, até mesmo as que reproduziam trechos de periódicos, posto que o objetivo disso não era informar, mas explanar a forma como a doutrina chegava ao militante, a fim de se realizar análises sobre isso. Os recursos gráficos mais explorados foram as caricaturas, o que arejava minimamente o interior bastante carregado por textos. Mas ficava nítido que não interessava à Panorama atrair o olhar, isso desde a capa, que não apelava para imagens, cores fortes etc, distribuindo apenas o sumário com os autores e títulos dos artigos, como na primeira edição abaixo.

Fonte: www.umhistoriador.wordpress.com Outra característica marcante era a forma de representação de Plínio Salgado em suas páginas. Diferente de outras publicações verdes, não havia culto ao Chefe, não era visto como mártir, mas sim como grande estadista. Óbvio que sua imagem não era ignorada e, muito menos, disposta ao mesmo patamar dos outros líderes; o que mudava era a forma de tratamento. Se para os militantes comuns era um salvador, para a elite intelectual era um teórico e político respeitado. Na verdade, Panorama serviu bem a Plínio para manter sua imagem como ideólogo do movimento, sendo um dos que mais escrevia na revista, afinal, quem mais se destacava e de certa forma ocupava o cargo de pensador mais eficiente da AIB era Reale, travando “disputa” com o chefe. ³⁹ Em suma, Panorama teve função específica no movimento, servindo como polo de discussão ideológica entre a elite integralista, local de fermentação intelectual e produção teórica, alimentando as páginas periódicas da imprensa verde com a doutrina predeterminada. Como todas as publicações da AIB, desapareceu junto com o partido após o golpe estadonovista. A revista de circulação regional de mais destaque foi a Brasil Feminino. Lançada no Rio de Janeiro, no ano de 1932, já apresentava caráter moralista cristão e nacionalista, mas não se tratava de uma publicação integralista. Pode-se inferir que foi uma reação de setores conservadores diante dos

novos ares cosmopolitas que atingiam a capital da República (mesma coisa em São Paulo). As transformações citadinas e o desenvolvimento econômico ofereceram novas possibilidades às mulheres num ambiente antes exclusivamente masculino, o que, com alguma relevância, alterou padrões comportamentais. Diante dessa gaiola que se abria, alguns grupos se viram impelidos pela moralidade cristã a tentar fechar a portinhola novamente. A imagem da mulher moderna, ousada e independente, que chegava dos EUA por meio do marketing, desestabilizou o tripé mãe/esposa/dona de casa, o que assustou uma sociedade tradicionalmente conservadora. Brasil Feminino teve cinco anos de dificuldades financeiras para se manter, o que era explanado pela sua diretora Iveta Ribeiro. Todavia, devido ao seu caráter moralista-cristão-conservador, a revista atrairia o interesse do Chefe dos camisas-verdes, preocupado também com o processo de emancipação feminina. Assim, Plínio Salgado ofereceu ajuda financeira em troca de nova postura da publicação, o que ocorreu a partir de sua edição n° 35 (maio de 1937), quando se tornou integralista. ⁴⁰ A “nova” revista Brasil Feminino possuía um caráter peculiar diante das outras revistas do mesmo período. Enquanto as revistas ilustradas, como O Cruzeiro e A Cigarra, tratavam, nas suas páginas, dos assuntos femininos, como moda, comportamento e beleza, a revista Brasil Feminino procurava abordar, em seus exemplares, assuntos históricos e questões políticas, uma vez que o periódico “da mulher, pela mulher e para a mulher” integralista tinha como função principal aprofundar a educação feminina. ⁴¹ A partir desse momento a Secretaria Nacional de Arregimentação Feminina e Pliniana (SNAFP), cuja diretora era Irene de Freitas Henriques, exerceu grande influência na revista, orientando a publicação de acordo com a visão integralista sobre a mulher. Os símbolos e imagens da AIB tornaram-se recorrentes, como na seção Arte no Lar, com dicas de artesanato para enfeitar objetos domésticos como toalhas, roupas, utensílios e porcelanas com ícones integralistas. Seria uma invasão da simbologia do sigma nas residências, introduzidos pela mulher, figura de destaque na orientação dos filhos e na condução moral do lar. Ou seja, seria bastante eficaz para a cooptação de toda a família, desde a mais tenra idade (plinianos). Era uma revista com linguagem simples, atrativa e de abordagem nacionalista, que contou com seções variadas com o intuito de atingir o maior público possível. Também apelou em muitos momentos, chegando a creditar a invasão do comunismo nos lares brasileiros à modernização da mulher, daí o papel crucial do integralismo, surgindo como salvador nesse contexto. ⁴² Não se pode esquecer, ademais, que 1937 era o ano chave para os camisasverdes, com vistas às eleições presidenciais, motivo forte o suficiente para investir com mais afinco na arregimentação feminina, papel que poderia ser exercido categoricamente por Brasil Feminino, haja vista suas características ideológicas bem próximas às integralistas. Por isso Plínio Salgado não deixou escapar a oportunidade de prender a publicação à AIB num momento de fragilidade financeira.

Por fim, basta reproduzir o excerto de uma edição do periódico para explanar o tipo de mulher desejada pelo movimento: Sê pura, por amor à pureza; estudiosa por necessidade de saber para ensinar; verdadeira, em obediência à verdade; crente, por sede de perfeição moral; esforçada, pelo desejo de produzir; ordeira, pelo respeito à ordem; disciplinada, por dever de exemplo; nacionalista, por querer o bem maior da pátria; caridosa, pela graça de Deus; trabalhadora, pelo sentido do progresso comum; e sinceramente integralista, para a glória do Chefe e para o bem do Brasil. ⁴³ Como se vê, o exemplo de mulher era a mãe, professora, cristã, obediente e integralista. Uma representação bastante conservadora e machista do ser feminino, que tentava barrar o processo de modernização comportamental que se desenvolvia lentamente nos maiores centros urbanos do país. A AIB tentava salvar a mulher “pura”. Ainda assim, o fazia com certa contradição, pois o integralismo, apesar do esforço de controle e educação, permitiu à mulher muitas vezes assumir postura moderna, forte e decidida, colocando-a no espaço público. Deste modo, era comum ultrapassarem o limite da idealidade feminina não se restringindo ao papel de disciplinada e maternal. ⁴⁴ No afã de conquistar mentes, militância e votos femininos, o integralismo impulsionou a mulher, jogou-a no espaço público, deu a ela representatividade e força, ao mesmo tempo em que buscava moldar sua liberdade, impor limites e regras. Trabalhou nesse jogo arriscado que, como consequência, por algumas vezes estimulou a modernização dessa mulher integralista. Na dupla preocupação entre a doutrina e a eleição, a AIB ao mesmo tempo retrocedeu e avançou no que tange à libertação e modernização feminina nos anos 1930, sempre se ancorando na sua imprensa. Por fim, importa mencionar a revista que foi considerada a mais importante do movimento, Anauê!, classificada como ilustrada e de variedades. Marcada na memória integralista mais pelas expectativas criadas em torno dela do que pela efetividade de suas ações, o periódico se propunha mensal e intentava ser o museu iconográfico do integralismo. Como já debatido em outro trabalho, Anauê! teve duas fases enquanto circulou, uma sob a gestão de Eurípedes Cardoso de Menezes (edições 1 a 12) e a outra sob a responsabilidade de Manoel Ferraz Hasslocher (edições 13 a 22). ⁴⁵ Esses 22 números circularam entre janeiro de 1935 e dezembro de 1937, com grande irregularidade na primeira fase e regularizada na segunda. Na verdade, sob a batuta de Eurípedes, a revista nunca conseguiu se firmar, enfrentando problemas financeiros e administrativos sérios, que fez com que a publicação ficasse até cinco meses sem circular. Eurípedes serviu ao sínodo luterano entre 1933 e 1935, ocasião em que manifestou aptidões jornalísticas contribuindo com o Mensageiro Luterano (Porto Alegre / 1917-), periódico voltado aos jovens cristãos, assim como tendo efetivo envolvimento com a comunidade local, no Rio de Janeiro. ⁴⁶ Contudo, quando lançou Anauê!, periódico político e doutrinário, embora se autodenominasse ilustrado e de variedades, viu-se obrigado a se afastar do

cargo religioso, já que o sínodo não permitia atuações de seus membros em hostes políticas. No mesmo ano de 1935, abandonou o protestantismo e se ligou ao catolicismo, mudanças que o próprio Eurípedes relata em seu livro De claridade em claridade. ⁴⁷ O fato é que nessa primeira fase a revista não conseguiu cumprir seu papel, mantendo conteúdo bastante doutrinário e maçante, o que prejudicava sua inclusão num público amplo. Por isso, com as pretensões eleitorais da AIB, que se tronou partido em 1935, toda recebeu orientações para mudanças no discurso, o que refletiu em Anauê!. Foi vendida a outro integralista, Manoel Hasslocher, que tinha sido Chefe Provincial do Rio Grande do Sul e mantinha ligações muito próximas com o chefe dos camisas-verdes, além de ser Conselheiro Nacional e membro do Diretório Nacional da AIB. Proveniente de uma família de jornalistas, talvez essa ascendência tenha sido determinante para a nova fase da revista, que se manteve regular, saindo todo mês, a partir de março de 1937. Realmente o mensário se mostrou diferenciado, com seções fixas e variadas, mais páginas, inclusão de desenhos, charges, piadas e palavras-cruzadas. De acordo com estudo anterior, O fato é que esses pequenos problemas seriam minimizados, já que sob novo comando a publicação se tornaria estável, mantendo padrão em sua periodicidade – saindo todo mês - e aumentado o número de páginas para 64 por edição, sem oscilações. Os responsáveis por essa melhora na organização da revista foram o diretor-responsável Hasslocher e os diretores auxiliares José Loureiro Júnior e Almeida Salles. ⁴⁸ Contudo, ainda que diferente, não se pode dizer que Anauê! tenha abandonado a doutrina. Pelo contrário, o fito ideológico se manteve forte, embora mais bem trabalhado, menos incisivo, e com recursos alternativos de cooptação e orientação, principalmente o iconográfico. Essa nova fase não teve muito tempo para ser trabalhada, pois, junto com quase toda imprensa verde, Anauê! foi proibida de circular com a implantação do Estado Novo de Vargas, o que macula a sua imagem de revista principal e de grande circulação. Isto é, teve uma primeira fase conturbada e problemática, o que prejudicou seu desenvolvimento, e na segunda, quando melhorou sua administração, pouco circulou, sem contar que ainda tinha fortes concorrentes no mercado, revistas mais bem elaboradas e mercadológicas, como O Cruzeiro, Careta, A Cigarra e Fon-Fon. Conclusão Como se viu até agora, o periodismo verde se valeu dos recursos disponíveis para abraçar o maior número de leitores e chegar às regiões mais distantes do território nacional. Os jornais focavam mais as massas, enquanto as revistas dirigiam-se aos grupos que escapavam ao discurso mais generalizado, seja por uma questão de gênero, idade ou erudição. Nesse caminho, buscou-se enquadrar todos os grupos dentro da rede de difusão ideológica que os integralistas construíram (Oliveira, 2009, p. 203), o que não significa que o objetivo tenha sido atingido.

A maioria dos periódicos integralistas foi de pequenos jornais, com pequena tiragem, circulação local e de curta duração. Isso faz repensar a estrutura de imprensa verde, muitas vezes apontada pelos próprios integralistas e até pela historiografia como uma rede forte, com considerável influencia nacional. Como discerniu Jefferson Barbosa, a alcunha de partido de massa não pode se transferir para a imprensa integralista, pois ela não foi de massa, muito pelo contrário. ⁴⁹ Era uma imprensa político-partidária, que sustentava um tom doutrinário maçante e que, por isso, não atingiu grande número de leitores. Tomando por base tais asserções, entende-se que a definição de Jefferson Barbosa é eficaz para mencionar a dinâmica impressa da AIB. Diz ele que a propaganda política integralista, feita por meio de sua imprensa, é entendida como um “canal de difusão ideológica de partido de massa” (2007, p. 69). ⁵⁰ Ou seja, não se deve confundir agente (partido), veículo (imprensa) e receptor (público), muito menos sob a ótica das intencionalidades, obnubilando dados factíveis. Se por um lado a AIB foi de fato um partido de massa, não se pode dizer o mesmo de sua imprensa. No presente estudo, procurou-se evidenciar as principais publicações ligadas à AIB, com intuito de apresentar um retrato pontual do que se considerou como os mais importantes periódicos do movimento durante os anos 1930. Ainda assim, percebeu-se que essas folhas apresentavam graves problemas para se manter, o que certamente era mais grave nas pequenas publicações. Todavia, para se construir de fato uma visão pormenorizada da imprensa verde é preciso estudos mais pontuais, que tomem os periódicos individualmente como fonte e objeto, o que poderá em conjunto elaborar um panorama mais apurado dessa estrutura de imprensa dentro da história do periodismo brasileiro. Referências BARBOSA, Jefferson Rodrigues. A imprensa integralista e o jornal Acção: vínculos ideológicos entre a extrema direita no século XX. In: GONÇALVES, Leandro Pereira; SIMÕES, Renata Duarte. Entre tipos e recortes: histórias da imprensa integralista. Guaíba: Sob Medida, 2011. . Sob a sombra do eixo. Camisas verdes e o jornal integralista Acção (1936-1938). 2007. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – UNESP, Marília. . Integralismo e ideologia autocrática chauvinista regressiva: crítica aos herdeiros do sigma. 2012. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – UNESP, Marília. BULHÕES, Tatiana da Silva. Evidências esmagadoras de seus atos: fotografias e imprensa na construção da imagem pública da Ação integralista Brasileira (1932-1937). 2007. Dissertação (Mestrado em História) – UFF, Rio de Janeiro.

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OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. A imprensa da Ação Integralista Brasileira em perspectiva. In: GONÇALVES, Leandro P.; SIMÕES, Renata Duarte. Entre Tipos e Recortes: histórias da imprensa integralista. Guaíba: Sob Medida, 2011. . “Perante o tribunal da História”: o anticomunismo da Ação Integralista Brasileira (1932-37). 2004. Dissertação (Mestrado em História) – PUC-RS, Porto Alegre. SIMÕES, Renata. Imprensa oficial integralista: usos e ciclos de vida do jornal A Offensiva. In: GONÇALVES, Leandro Pereira; SIMÕES, Renata Duarte. Entre tipos e recortes: histórias da imprensa integralista. Guaíba: Sob Medida, 2011. TRINDADE, Hélgio. Integralismo: o fascismo brasileiro na década de 30. São Paulo: Difel, 1979. Notas 1 . CPDOC – verbete. 2 . Idem. 3 . Oliveira, Imprensa integralista, imprensa militante (1932-1937), p. 100-101. 4 . A Razão, 5/6/1931, p. 3, grifos meus. 5 . Plínio citado por Oliveira, op. cit., p. 9. 6 . Oliveira, A imprensa da Ação Integralista Brasileira em perspectiva. In: Gonçalves; Simões, Entre Tipos e Recortes, p. 22. 7 . Código de Ética, Monitor Integralista, ano V, n° 17, p. 14, 20 fev. 1937. 8 . Citado por Leal, Imprensa Integralista (1932-1937), p. 44. 9 . Oliveira, Imprensa integralista, imprensa militante (1932-1937). 10 . Ibidem, p. 204-206. 11 . Oliveira, “Perante o tribunal da História”, p. 120. 12 . Barbosa, A imprensa integralista e o jornal Acção. In: Gonçalves; Simões, Entre tipos e recortes, p. 135. 13 . Oliveira, Imprensa integralista, imprensa militante (1932-1937), p. 173. 14 . Barbosa, Sob a sombra do eixo, p. 113; Idem, Integralismo e ideologia autocrática chauvinista regressiva, p. 145. 15 . Esta não se trata da revista ilustrada Anauê!. Foi uma publicação de pouca expressão do núcleo de Resende, que quase não deixou sinal de sua existência.

16 . Fagundes, Páginas verdes. Rio de Janeiro. In: Gonçalves; Simões, Entre tipos e recortes, p. 245. 17 . Oliveira, op. cit. 18 . Simões, Imprensa oficial integralista: usos e ciclos de vida do jornal A Offensiva. In: Gonçalves; Simões, Entre tipos e recortes, p. 47-82. 19 . A Offensiva, 17/01/1934, p. 1. 20 . Oliveira, op. cit., p. 154. 21 . Simões, op. cit., p. 54-57. 22 . Ibidem, p. 66. 23 . Bulhões, “Evidências esmagadoras de seus atos”, p. 54. 24 . Gonçalves; Simões, A propaganda no jornal A Offensiva. In: Victor (org.). À direita da Direita, p. 100. 25 . Ibidem, p. 112. 26 . Bulhões, op. cit., p. 59. 27 . Carneiro; Kossoy (orgs.). A imprensa confiscada pelo DEOPS (1924-1954), p. 62. 28 . A Câmara dos Quatrocentos, órgão consultivo da AIB, formada em junho de 1937 era “composta de militantes de diversas províncias integralistas” (Ver TRINDADE, 1979, p. 175). 29 . Dotta, Acção. In: Gonçalves; Simões, Entre tipos e recortes, p. 165-166. 30 . Ver Dotta, op. cit., p. 167; Barbosa, Sob a sombra do eixo, p. 113, respectivamente. 31 . Dotta, op. cit. 32 . Barbosa, A imprensa integralista e o jornal Acção. In: Gonçalves; Simões, Entre tipos e recortes, p. 140. 33 . De acordo com Tucci Carneiro, ainda que fossem encontrados por todo o período de Acção textos antissemitas, sua maior concentração se deu depois do golpe de Vargas em novembro de 1937. Talvez isso se deva ao revigoramento do xenofobismo dentro do governo estadonovista e ao inicial apoio do jornal ao regime (1995, p. 393). Já Renato Dotta afirma que até o golpe de 1937 o antissemitismo não era comum em suas páginas, o que mudou posteriormente (2011, p. 169). 34 . Importante lembrar que a atuação de bancas era discreta, pois apenas na virada para os anos 1940 elas passaram a ser comuns (Martins, Revistas em revista, p. 236).

35 . Dotta, op. cit., p. 165-182. 36 . Leal, op. cit., p. 63. 37 . Panorama, jan. 1936, p. 1. 38 . Oliveira, Imprensa integralista, imprensa militante (1932-1937), p. 197. 39 . Ibidem, p. 198-199. 40 . Mancilha, Nas páginas da imprensa feminina. In: Gonçalves; Simões, Entre tipos e recortes, p. 185-186. 41 . Ibidem, p. 187. 42 . Ibidem, p. 194. 43 . Brasil Feminino, n° 38, nov. 1937, p. 34. 44 . Mancilha, op. cit., p. 201-202. 45 . Ver Fiorucci, As capas da revista Anauê! (1935-1937). In: Gonçalves; Simões, Entre tipos e recortes, p. 21-44. 46 . Huff Junior, Protestantismo, Modernização e Estado Leigo, Rever, ano 8, mar. 2008. 47 . Menezes, De claridade em claridade. 48 . Fiorucci, A revista Anauê! (1935-1937) e sua organização dentro da estrutura de imprensa integralista. In: Victor (org.). À direita da Direita, p. 136. 49 . Barbosa, Sob a sombra do eixo, p. 66-67. 50 . Ibidem, p. 69. CAPÍTULO 5: AS REPRESENTAÇÕES DO FASCISMO ITALIANO NA REVISTA INTELIGÊNCIA - MENSÁRIO DA OPINIÃO MUNDIAL (1935-1938) Alexandre Andrade da Costa Os anos 1930 foram marcados pelo choque entre as ideologias de direita e da esquerda europeia. Comunismo, fascismo e nacional-socialismo foram responsáveis pela formação de uma geração de intelectuais que defendiam tais visões de mundo no intuito de substituir o sistema político liberaldemocrata então criticado pelos mais diferentes grupos sociais em vários países do mundo. No Brasil, este período também foi de intensa batalha ideológica marcada pela polarização entre comunistas, liberais e integralistas, desejosos de chegar ao poder. A imprensa, meio privilegiado de propagação de doutrinas ocupou nesse cenário um papel de destaque, pois, por meio dela, os intelectuais destes grupos atuaram na tentativa de cooptar seguidores e divulgar seus preceitos

políticos. Inteligência se lançou no espaço público para apresentar uma alternativa ao leitor brasileiro, sem, contudo, deixar de reconhecer os matizes que a conjuntura política possuía. Inteligência nasceu de uma proposta feita por Mário Graciotti a Samuel Ribeiro em São Paulo, no início da década de 1930 e constituiu-se em revista sem similar no cenário do impresso periódico no Brasil. É importante caracterizar estas duas personagens cujas trajetórias pelos universos dos negócios e dos periódicos se entrelaçaram no intuito de lançar no mercado de bens culturais e simbólicos brasileiros mais um produto. Samuel Ribeiro, convidado a dirigir o novo impresso, nasceu em Santos, no bairro Quartéis, no dia 8 de janeiro de 1882 e faleceu em sua residência, em São Paulo, à Rua Maranhão, em 7 de setembro de 1952. Casou-se no Rio de Janeiro a 6 de julho de 1915, com Heloisa Guinle, filha de Eduardo Palassim Guinle e Guilhermina Coutinho Guinle. Natural de São Paulo, nasceu em 23 de abril de 1890 e faleceu na mesma cidade, a 19 de maio de 1990. Não tiveram filhos. O casamento com uma das herdeiras de Eduardo Guinle possibilitou a entrada de Samuel Ribeiro no campo da mais alta elite econômica do Brasil, porque o pai da noiva era proprietário da Companhia Docas, que monopolizava o trabalho no Porto de Santos além de outros investimentos. Nesse sentido, a união com Heloísa Guinle representou um grande aporte de capital social a Samuel Ribeiro que, a partir de então, seguiu carreira no mundo dos negócios. Sem relação direta com o mundo das letras, sua atuação como diretor de um periódico que angariou sucesso de público, deveu-se à associação com um homem cuja trajetória foi marcada pela participação em diversas e distintas iniciativas editoriais. Samuel era engenheiro civil, formado pela Escola Politécnica de São Paulo, e foi presidente da Caixa Econômica Federal, entre 27 de junho de 1931 e 15 de abril de 1946. Durante sua gestão, foi construído e inaugurado, no dia 29 de agosto 1939, o imponente prédio da paulista à Praça da Sé. ¹ Vale destacar que Ribeiro e Graciotti ocuparam cargos no governo paulista à época do movimento de 1930. O primeiro foi tesoureiro da Comissão de Assistência Social do Estado, da qual o segundo era diretor. ² Além disso, durante o Estado Novo, Samuel Ribeiro intermediou a tentativa de compra, por parte do regime estadonovista, do jornal O Estado de S. Paulo, quando seu proprietário, Júlio de Mesquita Filho, encontrava-se no exílio, pela segunda vez. Apesar dos esforços envidados a compra foi embargada pelo dono do jornal que se recusava a vender o matutino. O episódio, no entanto, demonstra a circulação de Samuel Ribeiro pelas mais expressivas esferas de poder durante a ditadura de Getúlio Vargas. O nome do então diretor da Caixa Econômica Federal esteve associado a diversas atividades. Ao que parece, Samuel Ribeiro era presença bastante requisitada nos círculos econômico-financeiros da capital, além de dedicar-se a outros hobbies, como a criação de cães. ³ Mario Graciotti nasceu em São Paulo, em 1902, na Rua Itaboca, no bairro do Bom Retiro, filho do Sr. José Graciotti, marceneiro, e de D. Ada Graciotti. Neto de italianos que vieram para o Brasil no final do século XIX, afirmou “que sua infância foi diferente da de muitas crianças da época, porque teve acesso a livros, ou melhor, além da possibilidade de ler bons autores,

também se interessava por literatura.” ⁴ Era formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Foi diretor técnico da Comissão de Assistência Social, por ele organizada, como dependência do Estado. Participou da Revolução Constitucionalista de 32. Fundou diversas revistas e, em 1943, o Clube do Livro, onde foram editadas diversas obras nacionais e internacionais, vendidas a preços acessíveis. Em 1934, foi eleito para a Academia Paulista de Letras, de onde saiu dois anos depois, voltando novamente em 1968, em nova eleição, para ocupar a Cadeira n. 37. Em 1977, juntamente com outros jornalistas, fundou a Academia Paulista de Jornalismo, da qual foi o titular e primeiro presidente. Foi diretor da Fundação do Livro Escolar, representando a Academia Paulista de Letras, e redator durante anos do Diário Popular. Foi também um dos fundadores e presidente da Ordem dos Velhos Jornalistas. Incentivador da leitura como a melhor maneira de educar o povo, deixa diversos livros publicados e, entre eles, O livro é o caminho da salvação. Pelo seu fecundo trabalho em prol dos livros, recebeu ao longo de sua vida diversos prêmios ⁵ Em 1974, a atividade de Mário Graciotti à frente de revistas e demais periódicos foi analisada por Marcelo Dantas, do jornal O Estado de S. Paulo, que concluiu: “Quando se escrever a história do livro entre nós, o papel de Mário Graciotti estará ao lado de um Monteiro Lobato, um José Olympio, um Octalles Marcondes Ferreira e outros servidores da cultura nacional”. ⁶ Participaram também da fundação de Inteligência: José Maria Machado, ligado ao grupo que fundou a SEP, no qual era responsável pelas seções de política e economia (ambos os assuntos prioritários de Inteligência), e conhecia Mário Graciotti, a quem auxiliava desde que este era responsável pela seção Vida Nacional do jornal Fanfulla; ⁷ Celestino Fazzio, integrante do corpo docente do Lyceu Piratininga, fundado em 1933, anunciante no mensário e, posteriormente, chefe dos escritórios de Samuel Ribeiro, também na capital. ⁸ A figura de Celestino Fazzio, neste período, estava associada à de professor, epíteto que antecede seu nome na imprensa paulistana daqueles anos. Todavia, sua atuação também articulava-se à rede bancária, pois ocupou o cargo de diretor-superintendente do Banco Cooperativo Central do Estado de São Paulo, em 1943. A divisão interna apresentava a seguinte estruturação: em primeiro plano, a Seção Política, que ocupava a maior parte do mensário; em segundo, a seção Economia, que tratava de assuntos econômicos globais e nacionais; a seção Ciênciaera a segunda mais extensa e apresentava os resultados de pesquisas e inovações tecnológicas; a quarta, Arte, na qual os redatores inseriam discussões sobre teatro, música e literatura; enfim, a seção Varia ultimava as páginas da revista e tratava de assuntos de distintos ramos do saber. Como forma de atrair uma gama maior de leitores, os responsáveis por Inteligência realizavam concursos que premiavam textos, telas, traduções ou produção literária que apresentassem características nacionalistas. ⁹ A utilização de material iconográfico estava longe de ser uma novidade nesse momento. Desde o início do século XX, as revistas estabeleceram forte vínculo com (...) a ‘celebração do progresso’ marca do periodismo paulista do início do século XX. A cidade de São Paulo era enaltecida como o palco das

transformações e da modernização constantes. Nesse sentido, a estratégia de exposição era clara: o que aparecia nas páginas coloridas e aquilo que não era publicado constituíam partes de um mesmo discurso. ¹⁰ Ao estudar uma revista francesa que circulou até 1940, Helouise Costa chamou atenção para características que podem ser estendidas para a imprensa do período: (...) o aproveitamento do grande potencial oferecido pelas revistas ilustradas de cunho comercial ocorreria primeiramente na Alemanha, onde o espírito liberal da República de Weimar propiciou o surgimento de uma imprensa dinâmica e diversificada, fundamentada no poder da fotografia. Essa experiência não tardaria a fazer escola na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos. Uma das primeiras revistas ilustradas a assimilar o legado da imprensa alemã seria a francesa Vu, fundada em março de 1928, a partir do modelo da Berliner Illustrierte Zeitung. Como seu próprio nome indica, Vu pretendia ser uma revista centrada na informação visual. ¹¹ De acordo com a autora, tais periódicos instauraram uma determinada “pedagogia do olhar”, direcionada para grandes públicos, o que contribuía para “ampliar a percepção do novo observador urbano e desenvolver a sua capacidade de discernimento diante da profusão de imagens da sociedade moderna”. ¹² Pelo exposto, não parece errôneo atribuir o sucesso de Inteligência ao fato de que ela se inseria neste campo de publicações, moldadas a partir de matrizes europeias, que serviram de inspiração para mais de um grupo de editores e jornalistas. A circulação dos impressos em âmbito internacional possibilitou o estabelecimento de referenciais responsáveis pelo aparecimento, no Brasil, de periódicos ilustrados que, via fotografia, desenho ou caricatura, tornaram mais complexas e ricas as páginas revisteiras. Em Inteligência, as caricaturas compunham, concomitante aos textos, uma estratégia editorial fundamental para Mário Graciotti. Por meio delas, os editores pretendiam transmitir uma determinada leitura de mundo que nada tinha de inocente. Uma das caricaturas inseridas em um dos nos números iniciais da revista denotava essa percepção.

Inteligência, Ano I, nº 2, p. 20, fev.1935.

O texto no qual a imagem foi alocada se intitulava “Monarquia norteamericana? Roosevelt 1º? Porque não?”, extraído da revista Vanity Fair e assinado por H. L. Mencken. Nele, o autor questionava esta possibilidade e concluía que “mais cedo ou mais tarde teremos de ter um rei”. Para ele, isso ocorreria uma vez que “o povo mais simples suporta mal as liberdades que lhe concederam e durante duas gerações tem tentado libertar-se delas”. Tais conclusões apareciam logo abaixo do título e serviam de resumo para o que o leitor encontraria ao longo do artigo. Essa estratégia gráfica prevaleceu nos artigos cuja extensão era maior ao longo dos quais, se alocavam as caricaturas da política internacional.

Inteligência, Ano I, nº 2, p. 18, fev. 1935. No caso acima, texto e imagem deixavam claro que as discussões sobre os sistemas políticos se encontravam em ebulição inclusive nos Estados Unidos. Enquanto o autor defendia a instalação de uma monarquia a imagem mostrava o globo terrestre confuso a observar as diversas sendas apontadas pelas placas. É interessante observar que há uma alternância de cores entre os caminhos apontados que talvez sugiram aqueles perigosos e que deveriam se evitar enquanto os mais claros se tornavam possibilidades plausíveis. O personagem, estupefato, parece se sentir confuso não pela variada gama de possibilidades, mas sim pelas indicações que apontam em sua direção: Comunismo, Radicalismo e Despotismo. Enquanto estas miravam diretamente nele e outras na dimensão oposta, destacava-se outra, síntese entre a direita e a esquerda, em direção ao horizonte, no qual se viam pássaros a voar. A despeito de se tratar de uma imagem recortada de uma revista norteamericana, não restam dúvidas de que seu conteúdo privilegiava o fascismo como paradigma político para as demais nações do mundo. Pode-se indagar,

todavia, se tal imagem não foi modificada, antes de ser inserida nas páginas do mensário paulistano, pelos editores que a selecionaram. Não parece uma atividade complexa manter a estrutura do desenho e alterar as inscrições que a compunham no intuito de difundir tal apreensão da realidade. De fato, ao longo desse período, os intelectuais responsáveis pela publicação erigiram uma representação do fascismo que tinha por finalidade aproximar do leitor as informações sobre as conquistas italianas. Para isso, diversas estratégias foram utilizadas, como a inserção de entrevistas com o líder do movimento, Benito Mussolini e de caricaturas que mostravam o ditador italiano esmagando inimigos e celebrando a vitória com aliados. Ao longo desta primeira fase, Inteligência se tornou uma imensa galeria na qual foram expostas as realizações de todos os ditadores europeus, de Salazar a Hitler, de Francisco Franco aos perfis laudatórios de Mussolini. O totalitarismo de esquerda, liderado por Stalin também foi objeto de análises e comentários nas páginas da revista que não poupou esforços no sentido de condenar as práticas e métodos dos comunistas soviéticos. O regime de Mussolini deveria servir de paradigma ao Brasil, devido às suas conquistas em todas as esferas, nacional e internacional, pois era cheio de virtudes e pleno, em realizações. A estratégia dos responsáveis pela publicação, neste caso, era fazer do elogio do fascismo uma ponte para o integralismo uma vez que, no Brasil, o movimento de Plínio Salgado era o que mais se aproximava da perfeição italiana. Desse modo, a tática consistia em exaltar os princípios básicos do integralismo por intermédio da leitura que eles fizeram da ideologia capitaneada por Mussolini. Os textos selecionados possuíam um caráter pedagógico e doutrinário e apresentavam aos leitores um perfil de liderança que se articulava ao do líder integralista. Além disso, nos primeiros anos em que circulou, a revista promoveu o debate de doutrinas econômicas, defendendo o corporativismo como solução para os problemas nacionais. Diferentemente do que ocorreu com a imagem de Stalin, divulgada nas páginas do periódico, de maneira negativa, Mussolini ocupou considerável espaço nos primeiros anos da publicação como um chefe de Estado que trabalhava o tempo inteiro em benefício de seu povo. Mário Graciotti, pertencente ao círculo italiano fascista de São Paulo, foi um defensor daquela ideologia durante e depois os acontecimentos que conturbaram os anos 1930 e 1940. Anos depois, ao referir-se a esse período, Graciotti elaborou sua defesa da ideologia fascista: (...) a concepção do fascismo nada tem de comum com uma atual concepção política, encarada como reacionária a qual não quer diálogo democrático. A simbologia adotada por Mussolini vem da antiga Roma dos litores, oficiais encarregados entre os romanos da época, de acompanhar e proteger os soberanos ou certos magistrados de relevo. Os litores marchavam em fileira, estavam munidos de um machado, envolvido este por um feixe de varas (‘fasci’) que traziam sobre o ombro esquerdo e que constituía a insígnia do poder supremo, como a indicar a força da união de todos. (...) O seu partido, ou a sua doutrina, fascismo, pretendia despertar no povo italiano um sentido unitário de apoio e de força nacionalista, sentimento este que estava enfraquecendo a olhos vistos. E assim, situando-se entre o extremado

comunismo e o vacilante capitalismo, Mussolini empolgou grande parte do povo italiano, ávido de trabalho e de paz. ¹³ O excerto, cujo estilo está longe de ser dos mais elegantes, evidencia a tentativa de justificar o já derrotado movimento fascista, agora transformado em vítima de um mal entendido histórico, que ele se esforça por justificar remetendo às práticas ritualísticas e tradições herdadas do Império Romano. Não admira que em 1935, ao iniciar a publicação do mensário paulistano, ele tivesse conferido grande destaque à Itália, por meio de textos e caricaturas. Não resta dúvida que o mensário atuou, ao longo de sua primeira fase, na defesa dos ideais e metas propugnadas pelo governo italiano, como fica evidente nas imagens publicadas na revista. O primeiro ano de circulação coincidiu com as reivindicações coloniais de Mussolini no continente africano, período no qual ele tentou revisar os acordos diplomáticos firmados após a Primeira Guerra Mundial, que excluíram os italianos das benesses concedidas aos vitoriosos. Duas entrevistas com o líder italiano serviram de mote para evidenciar que tipo de personalidade dominava o cenário internacional naquele período. Na primeira delas, o autor assinalava que: (...) encontrei Mussolini ligeiramente emagrecido, mas, sempre cheio de vivacidade, ágil, enérgico e senhor de si, dando uma extraordinária impressão de mocidade e de força. (...) Da sua boca não sai uma única palavra acrimoniosa. Essa lucidez imperturbável, essa segurança tranqüila causaram-me profunda impressão. (...) A Itália, mais que qualquer outra nação europeia, necessita de colônias. Deveria tê-las recebido após a guerra. Não as recebeu o que não foi nada justo. (...) A Grã-Bretanha conhecia também, no conjunto e nos seus pormenores, tudo quanto a Itália preparava contra a Abissínia. (...) Para todos aqueles que nos criticam os italianos são lobos; os etíopes cordeiros. Entretanto esses cordeiros possuem bons dentes!” ¹⁴ O Duce, apesar de apresentar jovialidade era provido de uma “lucidez imperturbável”, que impressionou o interlocutor. A imagem que se tinha de Mussolini, por meio da leitura, era a de um líder que defendia uma causa nobre e justa, uma vez que todos reconheciam – inclusive a Inglaterra – que a Itália deveria ter recebido colônias depois da Primeira Guerra Mundial. ¹⁵ A conclusão remeteu ao conflito entre italianos e abissínios que são mostrados como cordeiros de “bons dentes”. ¹⁶ Deve-se questionar o motivo que levou os responsáveis pela publicação a escolher esse gênero textual para tratar de Mussolini. As entrevistas apresentavam ao leitor brasileiro a imagem de um chefe devotado cujo cotidiano era tomado pelos ingentes esforços de trabalhar pelo bem da nação. Em última análise, tais conversas ganhavam tons de propaganda política principalmente quando articulado às imagens que compunham a revista. Em 1935, o ditador deu início a uma campanha contra a Abissínia, na tentativa de recriar um império colonial em detrimento das posições francobritânicas. Inteligência cobriu amplamente a questão e esforçou-se por

mostrar Mussolini como um poderoso líder e a Sociedade das Nações como símbolo da falência das nações democráticas. O volume de Novembro de 1935 foi construído com esse propósito. Nele, os redatores imprimiram duas imagens de Mussolini em um texto que tinha a SDN como mote de análise. O artigo, assinado por Emmanuel Berl, era proveniente de Marianne, revista francesa de grande circulação e defendia a herança do parlamento das nações, pois “por mais fraca e incerta que seja, representa ainda o melhor recurso dos homens contra as guerras que o ameaçam”. Enquanto, isso, as imagens foram recortadas dos periódicos The New York Times e The Star, de Melbourne. Por meio delas, o leitor concluía que a defesa apresentada pelo autor do texto era vã pois Mussolini ditava ordens no rádio, ladeado por diplomatas que conversam e pisava, com sua enorme bota, metáfora geográfica, sobre os obstáculos que lhe apareciam pelo caminho.

Inteligência, Ano I, nº 11, p. 23, nov. 1935.

Inteligência, Ano I, nº 11, p. 24, nov. 1935.

Na primeira legenda, um dos diplomatas perguntava se “não será possível desligáramos o rádio enquanto conversamos de paz?” e na segunda, reproduzia-se um trecho do discurso de Mussolini que dizia “a Itália está agora definitivamente em marcha”. Ambas as caricaturas contrariam in totum o sentido do texto porque elas representam a negação absoluta da defesa daquela instituição. Na verdade, a essa altura, o ditador italiano já comandava seus exércitos na Abissínia, flagrante descumprimento dos pactos internacionais firmados até então. A contradição é potencializada pela origem das fontes, uma norte-americana e outra australiana, nações que tinham razões para discordar da maneira como a qual a Itália agia no cenário externo. Dessa forma, o leitor tinha em mãos um texto francês que defendia a SDN, incrustado de duas imagens que demonstravam o contrário, extraídos de periódicos de nações democráticas e como pano de fundo, a guerra deflagrada. Assim, os argumentos do autor perdiam força diante das imagens e da realidade que o contradizia. Entretanto, os artigos selecionados de revistas e jornais das nações que compunham o campo democrático como os Estados Unidos, Inglaterra e França serviam para tentar matizar as intenções dos responsáveis pela publicação. Ao apresentarem as fontes utilizadas para a composição da revista, Mário Graciotti e seus colaboradores elencavam uma série de órgãos de imprensa que sugeriam equilíbrio entre as temáticas e diversificação das fontes. Contudo, ao cotejar os conteúdos e as imagens o que se percebe é que o processo de montagem do mosaico era responsável por uma modificação nos sentidos que tal material apresentava. No novo formato, ressignificados por esta operação intelectual, as temáticas eram articuladas aos propósitos e às diretrizes do grupo de Mário Graciotti. As imagens da Guerra na Abissínia são uma evidencia de como este sistema funcionava. Entre agosto de 1935 e maio de 1936, data da vitória das tropas italianas neste conflito, Inteligência engajou-se na luta ao publicar diversas caricaturas por meio das quais dava sustentação à agressão fascista no continente africano. Tal atitude se dava em conformidade com as publicações integralistas que, àquela altura, também se articularam para demonstrar a força do regime de Mussolini e o papel civilizador que os europeus desempenhavam na África. ¹⁷ O caráter propagandístico de tal ação fica evidenciado quando se tomam alguns números sobre o material iconográfico selecionado naquele período. Em agosto de 1935, dois meses antes de a guerra ter início, os responsáveis pela publicação extraíram cinco caricaturas que tratavam do problema político que envolvia a Itália e a Abissínia em um total de dez imagens publicadas naquele volume. Dentre elas, algumas chamam a atenção por seu caráter agressivo e pejorativo em relação aos africanos.

Inteligência, Ano I, nº 8, p. 24, ago. 1935.

Inteligência, Ano I, n. 9, p. 40, set. 1935. As revistas italianas Il Guerin Meschino e Il Travaso delle idee foram as principais fornecedoras de imagens para o questão da guerra ítalo-abissínia. Por meio delas, os responsáveis pela publicação de Inteligência disseminaram imagens que martelavam a barbárie na qual viviam os cidadãos do país africano cujos costumes foram ridicularizados nas páginas do mensário. Impressa junto a um texto do periódico francês L’Echo de Paris, da autoria de Pertinax, no qual o autor criticava a posição britânica durante tal conflito, a primeira caricatura mostrava uma mulher a utilizar uma espécie de bomba de veneno como perfume sob o título de “A Abissínia civiliza-se” enquanto a segunda, nomeada “Gentlemen”, trazia dois homens que seguravam seus animais de estimação: o inglês tinha consigo um cão ao passo que o abissínio, um macaco. O texto no qual tal imagem se inseria tratava da relação de amor que o homem havia estabelecido com a guerra. Relação que para o autor, “os homens amam a guerra”. É este o desafio com que os cientistas e os engenheiros sociais de qualquer sociedade futura terão de defrontar-se, sese quiser deter a civilização ocidental na sua marcha para o holocausto final. ¹⁸

Civilização e barbárie foram traços manejados em profusão para caracterizar tal embate no qual o fascismo simbolizava a higiene, a força da máquina enquanto seu inimigo foi demonstrado como portador do atraso e da doença. Em outro cenário devidamente formatado pelos intelectuais que editavam o mensário, o leitor se deparava com um artigo intitulado “Impressões da Abissínia”. Nele, Pierre Sassard, ex-diretor do Hospital Menelik em AdisAbeba apresentava um panorama no país africano que contribuía para elevar os preconceitos contra aquela nação. Extraído de Vu, revista francesa, o longo artigo trazia dados que demonstravam, por exemplo, que 75 a 80% da população abissínia é sifilítica. A maior parte das vezes, a doença manifesta-se exteriormente. É ela que mata mais de metade das crianças no seio das mães ou nos primeiros anos de vida. ¹⁹ Alocadas em meio a tais dados, duas caricaturas ressaltavam mais características negativas daquele povo. O atraso era motivo de chacota no quadro intitulado “Os Grandes acontecimentos”, onde para enviar uma mensagem à SDN os abissínios utilizavam uma garrafa jogada ao mar enquanto, na outra página, era evidenciada a precariedade das instalações da nação africana. A proximidade temática das imagens quase faz com que se perca de vista a diferença de origem das mesmas, uma norte-americana e outra italiana, que corroboravam o teor do artigo publicado originalmente por Vu. O mesmo formato foi repetido no volume de março de 1936 no qual o leitor encontrava um texto, extraído de L’Europe Nouvelle, periódico francês, em meio ao qual foi inserida uma caricatura da revista italiana Guerin Meschino. O texto de Pierre Dominique buscava sumarizar os métodos que distinguiam o fascismo das demais ideologias que lutavam na esfera política internacional naquele momento. A síntese aparecia logo abaixo do título e alertava para que “não nos esqueçamos isto: enquanto o bolchevismo sempre pouco se preocupou com a legalidade, o fascismo sempre procurou salvaguardar as aparências legais”. Em outro trecho, ele completava: Ao contrário, o fascismo, seja qual for, seja onde for que se manifeste, e quaisquer que sejam as condições em que triunfe, reveste ou procura revestir sempre as aparências legais. Se, por um momento, foge da legalidade, volta a ela imediatamente. Os exemplos de Mussolini e de Hitler são formais. ²⁰ O artigo selecionado pelos redatores de Inteligência postulava que a premissa da legalidade era cara aos movimentos fascistas do mundo todo conclusão à qual chegou após uma analogia com o bolchevismo. No canto inferior direito, a caricatura da política internacional corroborava tal assertiva ao exemplificar que a guerra contra a Abissínia era justa, legal do ponto de vista do Direito Internacional das potências revisoras. Os métodos do fascismo italiano eram o combate a todos os aliados que pretendiam auxiliar Hailé Selassié, a franco-maçonaria, o bolchevismo, o mercador de canhões.

Deve-se levar em consideração que a maneira de apresentar as questões possivelmente se articulava aos possíveis efeitos que as imagens escolhidas deveriam causar no leitor. Assim sendo, não seria errôneo estabelecer que os amigos do líder da Abissínia eram vistos senão como inimigos declarados, com muita desconfiança no Brasil das primeiras décadas do século XX. Nesse sentido, como os movimentos fascistas agiam de acordo com a legalidade e a justiça, também o Brasil deveria solucionar esse problema, uma vez que possuía em seu território elementos comunistas e da francomaçonaria e um chefe de movimento político que se mirava nos “exemplos formais” para lutar pelo poder.

Inteligência, Ano II, nº 15, p. 38-39, mar. 1936. Como se vê, a moldura utilizada pelos responsáveis pela seleção do material nas revistas e jornais internacionais tinha como característica principal uma uniformização que imprimia, não obstante as profundas divergências ideológicas dos países de origem, uma enganosa homogeneidade ao material recolhido. Tal uniformização foi responsável, nestes primeiros anos de circulação, pela colocação do fascismo no centro do mosaico criado por Mario Graciotti que atuava como mediador, tradutor, editor das temáticas recortadas e justapostas nas páginas da revista por ele idealizada. ²¹

Inteligência, Ano I, nº 10, p. 28-29, out. 1935. Entre 1935 e 1938, não somente as caricaturas da política internacional mas também o material textual selecionado por Mário Graciotti nas diversas revistas internacionais defendiam: o nacionalismo, o corporativismo e o fascismo além de criticar o maquinismo-tecnicismo, o capitalismo e o comunismo, bandeiras caras ao movimento nascido em São Paulo na década de 1930. A seleção realizada pelos responsáveis por Inteligência transformou críticas a Mussolini numa construção laudatória. O leitor, que deveria aprender a ler o mundo a partir da revista, longe de receber um panorama neutro ou equilibrado, tinha em mãos uma interpretação bem urdida e que – esperava-se – capaz de convencê-lo da força das nações totalitárias, principalmente da Itália, em detrimento das democracias ocidentais. Referências ALVES, Vagner Camilo. O Brasil e a Segunda Guerra Mundial. História de um envolvimento forçado. Rio de Janeiro: PUC/São Paulo: Loyola, 2002. ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. ARON, Raymond. Democracia e totalitarismo. Lisboa: Editorial Presença, 1966. BANDEIRA, Moniz. Presença dos Estados Unidos no Brasil: dois séculos de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1973. __. Formação do Império Americano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. BLOCH, Marc. Strange Defeat. A statement of Evidence written in 1940. New York: W. W. Norton, 1999. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989. __. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 1992. BURKE, Peter. O que é Historia Cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2005. CARDOSO, Ciro Flamarion; MALERBA, Jurandir (orgs.). Representações. Contribuição a um debate transdisciplinar. Campinas: Papirus, 2000. CHARTIER, Roger. A História Cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1988. __. Cultura escrita, literatura e história: conversas de Roger Chartier com Carlos Aguirre Anaya, Jesús Anaya Rosique, Daniel Gondin e Antônio Saborit. Porto Alegre: ArtMed, 2001. __. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Unesp/Imprensa Oficial do Estado, 1999.

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pela sua obra de difusão cultural; pelo seu livro, Portugal, recebeu o Prêmio Internacional Silva Martha, da Associação Comercial de Lisboa. Do ‘Pen Club de São Paulo’, recebeu Prêmio de Ensaio Ermínio de Moraes, pelo seu livro O mundo antes do Dilúvio; Prêmio de História, pelo seu trabalho Viagem ao redor das Origens e Prêmio de Ensaio Ermínio de Moraes pelo seu livro O Firmamento do Universo Finito; a Prefeitura de São Paulo outorgou-lhe o Prêmio de Literatura Juvenil pelo seu trabalho O mundo antes do Dilúvio; Em concurso promovido pelo Jornal de Letras, do Rio, em 1968, Mário Graciotti foi considerado um dos ’10 mais da cultura brasileira’; Em 1972, o Governo da República concedeu-lhe a Ordem do Mérito Nacional Educativo e o Governo de São Paulo a Ordem do Ipiranga”. In: Graciotti, op. cit. 6 . Dantas, Marcelo. Literatura elitista e literatura para o povo. O Estado de S. Paulo, 20 jan. 1974, p. 05. 7 . Ricardo Figueiredo de Castro afirma que o jornal italiano era “fascista”. Ver Castro, Ricardo Figueiredo de. Op. cit, p. 361. Mario Graciotti também trabalhou com José Maria Machado no jornal A Razão. Em uma de suas referências a seu trabalho na imprensa periódica durante os anos 1930 ele afirma que o jornal nacionalista fora “Inaugurado no dia 29 de junho de 1931, após a Revolução Liberal de 1930, chefiada por Getúlio Vargas e Oswaldo Aranha, este primo do dr. Alfredo Egydio. (...) Era redator-chefe do jornal ‘A Razão’ o escritor Plínio Salgado, tendo como companheiros de redação, entre outros, San Tiago Dantas, Marques Rebelo, Nuto Sant’Anna, José Maria Machado, (...) e o redator destas linhas”. Graciotti, op. cit. 8 . Folha de S. Paulo, 3 ago. 1940, p. 1. 9 . O exemplar de junho de 1937 instituiu o prêmio Guilherme Guinle, a fim de estimular a dignidade profissional e a produtividade escolar. 10 . Cohen, Ilka Stern. Diversificação e segmentação dos impressos, In: Luca, Tânia Regina; Martins, Ana Luisa. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008, p. 112. 11 . A análise compõe a argumentação apresentada em: Surpresas da objetiva: novos modos de ver nas revistas ilustradas modernas, In: Samain, Etienne (org). Como pensam as imagens. Campinas: Unicamp, 2012, p. 157. 12 . Ibidem, p. 168. 13 . Ibidem, p. 213-214. 14 . Recouly, Raymond. Uma entrevista com Mussolini, Inteligência, Ano I, nº 11, p. 25-30, Nov. 1935. 15 . Em outra oportunidade, um dos autores que tiveram seu texto selecionado pelos intelectuais que compunham a revista, relacionou Mussolini ao místico, sublime: “Parecia-me que, por maior que fosse sua força de vontade, estava dominado por energias superiores, possuído por essas grandes correntes que plasmam o destino do mundo, e quando me disse: ‘Eu não posso recuar’, não tive necessidade de refletir e considerar se

tinha ou não razão: era a intuição direta que me afirmara que ele pertencia, ele o povo que transformou, aos poderes que regem a humanidade”. In: Roma, Londres, Genebra: pontos nevrálgicos da Europa, Inteligência, Ano I, nº 12, p. 13-19, Dez. 1935. Para se ter a exata dimensão da magnitude do problema do abastecimento dos exércitos europeus conflagrados, um dos articulistas recordou-se da frase de Clemenceau, para quem “uma gota de petróleo vale uma gota de sangue”. In: O domínio do petróleo, s/a, Inteligência, ano II, nº 14, p. 16, fev. 1936. 16 . A revista Inteligência participou ativamente das discussões do conflito entre Itália e Abssínia principalmente por meio das caricaturas do cenário internacional. 17 . Ao estudar o conflito ítalo-abissinio no jornal integralista A Offensiva, Murilo Antonio Paschoaleto concluiu que “por meio da análise documental fica evidente não apenas o apoio e a simpatia integralista à causa italiana, mas também que os integralistas, por intermédio das páginas do principal periódico do movimento, despenderam enormes esforços no intuito de transmitir, à sociedade brasileira, uma imagem simpática do regime fascista italiano”. In: A guerra da Abissínia nas páginas do jornal integralista A Offensiva 1935-1938. Disponível em: < http://www.cih.uem.br/anais/2011/ trabalhos/335.pdf >. Acesso em: ago. 2013. 18 . Os homens amam a guerra, Inteligência, Ano I, nº 9, p. 37, Set. 1935. 19 . Impressões da Abissínia, Inteligência, Ano I, nº 10, p. 30, out. 1935. 20 . Inteligência, Ano II, nº 15, p. 38, mar. 1936. 21 . A atuação de Mário Graciotti como intelectual, responsável por várias iniciativas no campo do impresso no Brasil dos anos 1930, não está registrada na historiografia. É inspirador o estudo de Darnton, Robert. O diabo na água benta. Ou a arte da calúnia e da difamação de Luís XIV a Napoleão. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 344, na qual se refere aos libelistas, ou seja, aqueles que “(...) não escreviam narrativas de fluxo livre nem enchiam páginas em branco com sua própria prosa; pelo contrário, eram autores munidos de tesoura e cola, que montavam textos a partir de um estoque comum de anedotas, ainda que também tivessem fontes privadas de informação”. Não parece equivocado aproximar a ação de Graciotti à desses homens. CAPÍTULO 6: A EDUCAÇÃO INTEGRAL – “MORAL, FÍSICA E INTELECTUAL” – NA AÇÃO INTEGRALISTA BRASILEIRA Renata Duarte Simões A Ação Integralista Brasileira (AIB), movimento social de extrema-direita arquitetado por Plínio Salgado, emergiu no Brasil, na década de 1930, como o primeiro movimento de massas do País. Criada oficialmente em 7 de outubro de 1932, desde seu princípio esteve orientada por um forte sentimento nacionalista e logrou intenso e rápido crescimento, tornando-se partido político em 1935. ¹

Contando, em 1937, com mais de um milhão de membros inscritos em suas fileiras, ² o integralismo propagou seu discurso de modo surpreendente e angariou adeptos em diferentes classes sociais, o que possibilitou que criasse escolas; fundasse ambulatórios e lactários; elegesse vereadores, prefeitos e deputados integralistas, atuando no meio político como partido; que elaborasse, através de seus militantes, inúmeras obras doutrinárias; que criasse cursos de enfermagem, puericultura, educação física, entre outros; que promovesse inúmeras reuniões doutrinárias, passeatas, congressos, seminários e eventos que tornaram públicos sua popularidade e alcance doutrinário. O integralismo, que priorizava a arregimentação e o enquadramento dos militantes em uma sólida estrutura hierárquica, investiu expressivamente na preparação de seus quadros através da “educação integral” – moral, física e intelectual – para formar o soldado que considerava apto a lutar pela Nação e pela causa do movimento e para formar uma massa eleitoral alfabetizada e votante, já que se tornou partido político de anseios presidenciais. Nesse sentido, fundou escolas nos núcleos espalhados por diversas regiões brasileiras e realizou investimentos para fazer funcionar os estabelecimentos de ensino que criava. Preparou os professores através dos cursos que organizava e propagou esses cursos entre os militantes inscritos em suas fileiras, almejando, com tais medidas, a alfabetização, escolarização e doutrinamento dos seus membros. Além das escolas, a AIB lançou mão de um vasto conjunto de dispositivos textuais para educar/doutrinar seus militantes, foram inúmeros jornais, livros, artigos, cartas e documentos utilizados pelo movimento a fim de difundir a doutrina nos diferentes meios e mais distantes e diversos locais. Ao todo foram criados mais de cem diferentes jornais publicados em cidades de todo o Brasil, além das obras e enciclopédias que orientavam os integralistas sobre o comportamento e comprometimento a ser assumido no projeto de construção da “Pátria Integral”. Acrescenta-se a essas iniciativas a criação de “Bandeiras de oradores”, militantes em viagem pela educação e difusão da doutrina integralista pelos quinhões do Brasil. Esse aparato escolar/doutrinário, fundamentado na “educação integral” e posto em funcionamento pela AIB para a alfabetização, escolarização e doutrinamento dos “camisas-verdes”, como eram chamados os militantes integralistas, é neste artigo abordado. 1. Para compreender a educação integral moral, física e intelectual Com a finalidade de transmitir a seus membros cultura e uma moralidade própria, compreendendo a importância da educação para “revolução de espírito”, o integralismo fundou e buscou manter uma rede de escolas que funcionava junto aos núcleos Municipais e Distritais, podendo ser percebido claramente o doutrinamento integralista das crianças e adultos que frequentavam essas instituições. Nas escolas integralistas, o discurso veiculado advogava a formação completa do homem, investindo-se na “educação integral” – moral, física e intelectual. Plínio Salgado, Chefe supremo do movimento, ao falar sobre a

formação do integralista, afirmava que “o verdadeiro ideal educativo é o que se propõe a educar o homem todo”, sendo o homem todo, a seu ver, o conjunto do homem físico, do homem intelectual, do homem cívico e do homem espiritual. ³ Para que o militante se tornasse um “soldado” obstinado a defender a Nação, o integralismo objetivava “[...] a realização plena de sua personalidade segundo sua natureza e seu destino. O papel, por conseguinte, da educação, era dar ao homem meios para que essa realização se efetivasse [...]”, ⁴ evitando, a todo custo, unilateralidade dos sistemas educacionais. Nesse sentido, a “educação integral” para o homem integral não poderia se despreocupar de nenhuma de suas facetas, “deveria ser física, científica, artística, econômica, social, política e religiosa”. ⁵ Leopoldo Aires, na Enciclopédia do Integralismo, explica o que o movimento defendia para que cada uma dessas faces fosse atingida: Ao homem espiritual ensina os deveres para com Deus, para consigo e para com o próximo; ao homem cívico os deveres com a Pátria; ao homem intelectual dá-lhe escolas e cultura; ao homem físico oferece-lhe os meios adequados ao cuidado da saúde, à conservação da robustez, à higienização, à valorização nacional da força muscular, afinal o integralismo propicia ao homem integral tudo aquilo com que ele possa efetivamente contribuir para glória de Deus, para honra da Pátria e para a necessidade dos seus filhos. ⁶ Argumentava-se em prol da educação “absolutamente integrada na plenitude dos ideais do Sigma para que [fosse] o brasileiro consciente de suas energias vitais” e criticava-se rispidamente a educação apregoada pelo liberalismo que, segundo a AIB, ao “fingir” se destinar à democracia, dava ao homem uma educação perigosa, pois, “sendo ela de finalidade neutra, [acarretaria] resultados destrutivos”. ⁷ A “educação integral” foi referenciada pela AIB como redentora do povo “imaturo”, do “povo-criança”, redentora da massa popular, que por ser “inconsciente e estúpida”, é incapaz de conduzir-se sozinha. Esse “povocriança”, segundo o integralismo, mais do que ser educado, precisava ser vigiado, pois seria incapaz de se autogerir, tornando-se “presa fácil de políticos desonestos, de falsas promessas”. ⁸ Para evitar “a escravidão do Brasil”, o integralismo apresentava-se como “guardião do que deveria ser mais caro ao povo brasileiro, ou seja, a dignidade, o espiritualismo, o civismo e a moral”. ⁹ Salgado abordou inúmeras vezes, em seus escritos, a necessidade, que a seu ver fazia-se urgente, de educar, ou seja, doutrinar e vigiar o povo: “Em 30, a minha palavra foi a mesma de 32: é preciso educar, educar, educar. Hoje, acrescento outra palavra: educar e vigiar [...]. Hoje temos de educar como uma sentinela à porta da Grande Escola”. ¹⁰

O público-alvo da “revolução de espírito”, por meio da “educação integral”, era constituído pelas massas integralistas, pelos simpatizantes e também pelas elites. Logo, o movimento integralista se processava num duplo sentido: o da arregimentação disciplinar das suas legiões e o da formação de suas elites. ¹¹ A AIB buscava, ao mesmo tempo, a consolidação e a expansão de suas fileiras. Para a “arregimentação disciplinar”, promovia-se a “doutrinação”. Essa se destinava às “[...] massas integralistas ou não, com o fim de esclarecer a consciência pública sobre os grandes problemas sociais e políticos encarados pela AIB”. ¹² Com tal objetivo, o integralismo desenvolveu “viva a propaganda por todo o Brasil”. ¹³ A ideia de forjar o movimento foi amplamente utilizada pela AIB. A formação dos doutrinadores, dos técnicos e das elites se dava por meio dos “Estudos Integralistas” e dos “Altos Estudos Integralistas”, organizados pelos “Departamentos de Estudos” que, por sua vez, eram supervisionados pelo Departamento Nacional de Doutrina. ¹⁴ Os técnicos para os Departamentos de Estudos e os doutrinadores para a propaganda nacional da AIB eram formados por meio dos “Estudos Integralistas”, enquanto as “elites” eram formadas pelos “Altos Estudos”. Esses últimos visavam “[...] apenas à cultura superior das elites integralistas ou a habilitação para funções que o Chefe Nacional lhes [reservasse]”. ¹⁵ Os cursos de “Estudos Integralistas”, com duração regular de oito meses, eram compostos por seis disciplinas: “1) História Social Brasileira; 2) Introdução à Sociologia Geral; 3) Noções de Direito Corporativo; 4) História das Doutrinas Econômicas; 5) Noções Gerais de Organizações Políticas; e 6) História Militar Brasileira (obrigatória para as autoridades da Milícia)”. ¹⁶ Os cursos de “Altos Estudos”, com duração de dez meses, eram compostos por cinco disciplinas: 1) Teoria do Estado; 2) História do Estado; 3) Organização Nacional Corporativa; 4) Filosofia Social; e 5) Filosofia da Pedagogia. ¹⁷ Ao final desses cursos, os integralistas eram submetidos a um “exame final de licenciamento” que “não [admitia] notas ou gradações”, mas que os habilitava “à doutrinação de propaganda”. ¹⁸ A elite formada pelos “Altos Estudos” tinha como incumbência principal divulgar a doutrina e auxiliar na formação das massas. Uma das “preocupações máximas” do integralismo era a de fundar escolas para educar as massas, pois se argumentava que “povo sem instrução é povo sem vontade, povo que desconhece os seus direitos”. ¹⁹ A AIB entendia a instrução do povo como um problema básico. Gomes, militante que escreveu para revista integralista Anauê, chegou a mencionar que o analfabetismo era a maior das “pragas sociais que gera todos os vícios e torpezas, dos quais o maior é o comunismo, atualmente mais ou menos oficializado”. ²⁰

Se a educação e o doutrinamento salvariam a nação, tornando o povo consciente de sua força e importância nacional, na percepção integralista também o tornaria consciente para lutar contra seus inimigos, entre eles o comunismo, considerado pela AIB o mais ameaçador e perigoso oponente da Pátria. Nesse sentido, a educação/doutrinamento era o eixo em torno do qual girava grande parte dos ideais integralistas. Os dirigentes estavam convencidos de que precisavam doutrinar as massas, de acordo com os ditames do movimento, para libertá-las de seus inimigos e, contraditoriamente, governálas. ²¹ Logo, faziam uso de um discurso em prol da educação, da alfabetização: “nada de útil e duradouro se fará num país onde a maior das pragas sociais é o analfabetismo”. ²² Objetivando educar/doutrinar as massas, a AIB incentivava os núcleos para que criassem estabelecimentos de ensino em todas as localidades onde fosse possível esse “magnífico empreendimento”, publicando, inclusive, notas elogiosas a essas ações em seus jornais e revistas. ²³ A escola instalada pelo núcleo da “Casa-verde”, em São Paulo, na qual setenta crianças foram matriculadas, atestava os esforços empreendidos pela AIB para educar as crianças pobres do bairro, funcionando como “um segundo lar” onde receberiam, “além de instrução, educação cívica, moral e física”. ²⁴ A “exemplo” do que ocorria em outras regiões do território nacional, “na longínqua Província de Sergipe”, uma nova escola noturna foi fundada em julho de 1936, matriculando o total de 49 alunos. A escola, instalada na Vila de Boquim, tinha como diretor Boaventura Viera da Costa, então Secretário Municipal de Estudos, e como auxiliar de ensino o Secretário Municipal de Educação Política, Mario Barreto. ²⁵ Em Alagoas, um estabelecimento de ensino primário foi fundado, “com grande brilhantismo”, em 1º de julho de 1936, no “próspero” Município de Traipu, recebendo o nome de “Escola Dr. Sinay Tavares”. ²⁶ Em Belo Horizonte/MG, o Departamento Municipal Feminino instalou, segundo o veiculado em A Offensiva de 8 de julho de 1936, três estabelecimentos de ensino primário para crianças e adultos, recebendo as denominações de “Tiradentes”, “Plínio Salgado” e “Almeida Salles”. Nesse mesmo jornal, a chamada na primeira página anuncia: “educar o povo pela escola é o novo e grande esforço do Integralismo”. ²⁷ No jornal A Offensiva de 28 de agosto de 1936, a notícia “O integralismo alfabetiza o Brasil” destaca que “promover a difusão do ensino primário às populações do interior do Brasil tem sido a obra grandiosa do Integralismo, certo que está da necessidade imperiosa da alfabetização do povo, como ponto inicial para construção de uma Pátria forte e unida”. A notícia ainda destaca a fundação de mais uma escola no Município de Castelo/ES, já possuindo, à época, 40 alunos matriculados. A escola, segundo o periódico, recebeu o nome de um grande mártir integralista, morto nas proximidades de Cachoeiro de Itapemirim/ES: “Escola Integralista Alberto Secchin”. ²⁸ Com essas e várias outras escolas postas em funcionamento o integralismo intentava alfabetizar e doutrinar seus militantes para que fossem obedientes e para que construíssem uma nova Nação. Compreendia-se que educando e, destacadamente, “doutrinando a massa brasileira, eternamente explorada”,

os integralistas haveriam de construir uma “Nação forte, poderosa e instruída”, mas não só isto, pois o principal é que essa Nação fosse disciplinada e subserviente. ²⁹ A obediência aos dirigentes integralistas era difundida entre os militantes desde a mais tenra idade, devendo o “camisa-verde” prestar juramento de fidelidade à doutrina do movimento e ao Chefe Nacional, Plínio Salgado, eleito por plebiscito em caráter perpétuo. Os escritos de Salgado alegavam que o integralista deveria jurar por Deus e por sua honra trabalhar pela AIB, executando o comando do Chefe e de seus superiores hierárquicos, cumprindo todos os seus compromissos a fim de manter-se como membro do movimento. As páginas desses documentos ressaltam que ao integralista não competia discutir as ordens de seus superiores hierárquicos, mesmo que absurdas porque isso geraria desordem e anarquia: O integralista nunca deixará de cumprir uma ordem de seus superiores, ainda quando a julgue errada, porque uma ordem certa e discutida torna-se mais perniciosa do que uma errada e cumprida, porque esta, pelo menos, prestigia o princípio de autoridade e revela, em quem obedece, um trunfo moral sobre si próprio. ³⁰ Salgado argumentava que a exigência da obediência justificava-se na medida em que se afirma que quem não sabe obedecer jamais saberá comandar. Fundamental era, segundo ele, que o integralista soubesse obedecer, “já que o integralismo é, também, uma escola de comandantes”. ³¹ Com a finalidade de “orientar” e “disciplinar a liberdade”, para educar vigiando, a obediência e a submissão, a subserviência e a “fidelidade aos superiores” foram exigidas, desde muito cedo, por meio da “Cartilha do Pliniano”, na qual se encontram estabelecidos os deveres do jovem integralista. Observa-se, em tal documento, que morrer pela pátria e pelo Chefe Nacional deveria ser a maior ambição do jovem militante. As atividades da infância e da juventude na AIB eram coordenadas pelo Departamento dos Plinianos que, submisso à Secretaria Nacional de Arregimentação Feminina e dos Plinianos (SNAFP), tinha por finalidade “reunir, disciplinar e educar, através da Escola Ativa, todos os brasileiros, de ambos os sexos, até 15 anos de idade, de modo a realizar o seu aperfeiçoamento moral, cívico, intelectual e físico”. ³² O Departamento dos Plinianos era composto por seis divisões. À Divisão de Educação cabia transmitir aos plinianos conhecimentos sobre a doutrina integralista, esportes, educação moral e cívica, preceitos de higiene, entre outros. Esses conhecimentos ficavam a cargo de cinco seções: a) Educação Integralista – ensino da Cartilha do Pliniano, noções de Direito Integralista, sociologia e economia, de acordo com o programa elaborado pelo DNP; b) Educação Esportiva – para a difusão do esporte como meio eugênico de preparação física da criança; c) Educação Moral e Cívica – para a formação de caracteres, despertando nos jovens o amor e o respeito aos nossos maiores e ensinando-lhes a amar a Pátria; d) Educação Sanitária – para a disseminação dos preceitos de higiene individual e coletiva extensivos às famílias [...]; e) Boas Maneiras – para ensinar aos jovens

hábitos cortezes e educados, o modo de se conduzirem em público e os cuidados que devem ter para com as senhoras e os homens de idade. ³³ O integralismo empreendeu “uma grande e patriótica” campanha de alfabetização. Onde existisse um núcleo, por determinação do Chefe Nacional, deveria ser instalada uma escola, “prova incontestável de que os camisas-verdes já trabalham positivamente pelo bem do Brasil prestando ao povo da nossa terra muitos serviços que o governo não pode dar, por deficiência do Estado liberal”. ³⁴ Também não se admitia, segundo o exposto em A Offensiva, o Estado como a “única autoridade em matéria educativa”, nem se atribuía à família ou à Igreja o “direito supremo de educar”. ³⁵ O integralismo não “admitia” que fossem exercidas “ditaduras educacionais” por qualquer um dos “grupos naturais da sociedade” e defendia a formação do homem, provendo o seu espírito e elevando a sua alma: “Educar é formar o homem inteligente, o homem bom, o homem como a sociedade e a religião o exigem: inteligência poderosa e pura num corpo vigoroso e são”. ³⁶ O sentimento nacionalista, que seria estimulado nos brasileiros, segundo ideais integralistas, pela educação e doutrinamento das massas, libertaria o povo do comunismo, do “materialismo imperialista e burguês” e da “cobiça” de outros países. Motivado pela ausência do Governo, “negligente no campo educacional”, e na luta contra o “comodismo e a indiferença”, ³⁷ O integralismo realiza sua campanha gloriosa de libertação nacional abrindo escolas. Para a infância brasileira que não recebe dos governos a instrução e o cuidado precisos, o Sigma abre escolas primarias. E todas as sedes de camisas-verdes são escolas de adultos, onde se aprende a cantar o Hino da Pátria melhor e a amar profundamente a nossa terra e a nossa gente, e a trabalhar pela grandeza do Brasil. ³⁸ A nacionalização seria promovida, apostavam os dirigentes do movimento, “pela força construtora e admirável da doutrina integralista”. Onde não houvesse chegado a atenção dos poderes constituídos para “dar aos brasileiros as luzes do alfabetismo e as mais elementares noções de civismo e de educação social-econômico-sanitária”, a AIB, argumentavam, fundaria escolas de nacionalismo e mestres nacionalistas, “que desvendariam a milhares de brasileiros a grandiosidade fenomenal da Pátria territorial e da nacionalidade surpreendentemente privilegiada”. ³⁹ Por meio da educação, “do milagre educativo”, o integralismo esperançava assegurar a personalidade de filhos de uma “Nação nova”; objetivava o país “à admiração universal”, dando ao povo brasileiro “a consciência de si mesmo, a consciência do que vale em face dos outros povos”. ⁴⁰ Ao integralista era ensinado, desde criança, que deveria preferir sempre o produto que fosse nacional, ou seja, tudo que fosse produzido no Brasil e pelo povo brasileiro, ainda que fosse inferior aos “importados”: A doutrina integralista, como um facho potente de luz criadora, está nacionalizando a nossa gente pelo ensino do ABC, pelo ensino do culto aos nossos grandes homens do passado; pelo ensino do credo ardente pelo pavilhão auriverde que defende a nossa soberania e que exprime a nossa

existência de povo em marcha, na vanguarda das mais fortes nações modernas; pelo ensino do respeito por nós mesmos, pela nossa inteligência, pelo nosso trabalho, pelas nossas realizações; pelo ensino da perfeita compreensão do espírito cristão que sempre nos tem querido guiar e que nem sempre tem sido entendido, ensinando-nos a preferir, sempre, o que for “nosso”, mesmo, porventura, inferior a tudo que não for “nosso”, por muito superior que nos pareça, pois que, só assim, poderão existir e progredir. ⁴¹ Objetivando educar a infância e a juventude, o integralismo convocou a mulher militante, atribuindo-lhe à atividade do magistério em função de sua capacidade de “dar-se”, “de sacrificar-se”, auxiliando na formação dos integralistas e da Pátria. O integralismo manifestava-se em defesa de um programa educativo/doutrinário em que a função educativa cabia “por excelência” à mulher, devendo ela trabalhar de modo “intensivo e imediato nesse setor”. ⁴² As mulheres eram chamadas a trabalhar pela restauração dos costumes, “guiando a bom caminho os que ensaiam os primeiros passos e reconduzindo à senda reta os transviados”. ⁴³ Os dirigentes integralistas confiavam à mulher “o milagre da regeneração e da redenção de uma raça” através da educação, da “missão evangelizadora”, pois compreendiam que ela se “sacrificaria, que ela se dedicaria inteiramente à instrução dos pequeninos entregues ao seu cuidado e ao seu carinho”: ⁴⁴ Pelas vossas mãos, mulher brasileira, construiremos uma grande pátria, [...] pelas vossas mãos construiremos o Brasil que sonhamos. Queremos ver em cada brasileiro a sentinela avançada da nossa grande obra; queremos ver em cada brasileiro a atalaia da honra, da dignidade e da liberdade. Ides mostrar a todas as crianças [...] tudo que é belo, tudo que é digno. Com vosso exemplo ensinareis a necessidade do sacrifício. Sereis vós a formadora de uma mentalidade sã, consciente e digna. [...] Enaltecendo o respeito, criareis na criança o espírito da disciplina. ⁴⁵ Sua “missão” junto à prole era considerada “a maior e mais elevada das existentes sobre a face da terra”. Os cuidados com o outro que deveriam se iniciar na infância, dado que as crianças eram vistas como o futuro da AIB e da Pátria, refletiam grande parte dos esforços do integralismo na formação de uma raça forte. O integralismo difundia um discurso de preservação da saúde física, de propagação da educação moral e de formação intelectual, cabendo à mulher os cuidados e a orientação dos plinianos. Coragem era solicitada a mulher no desempenho da tarefa educacional, pois a marcha pelo bem do Brasil, ao lado dos maridos e filhos, era vista como fundamental para conquista do País e na luta contra o comunismo que, segundo o Conego Rezende, pretendia “escravizar o povo”. ⁴⁶ À atividade do magistério a mulher deveria se dedicar sem mensurar sacrifícios, pela felicidade do dever cumprido: “é imenso o campo que nós é aberto no sentido da educação companheiras, nele teremos um futuro cheio de trabalho e de sacrifícios... sacrifícios que faremos com um sorriso pelo bem de todas as crianças desta imensa terra brasileira”. ⁴⁷ A ideia de redenção pela abnegação, do sofrimento e do sacrifício foi amplamente utilizada pelo movimento como meios para despertar a Nação e

a alma de um povo: “A alma de um povo só se desperta com sacrifício e dor”. ⁴⁸ Criou-se uma mística do sofrimento, sendo preciso sofrer para alcançar a salvação nacional. O integralista deveria estar consciente da possibilidade de ser perseguido, injustiçado, apontado como louco, ser incompreendido, injuriado e caluniado. ⁴⁹ Câmara, ⁵⁰ em seus escritos, a fim de resguardar a ideologia integralista, indicou às futuras professoras os problemas que poderiam enfrentar: Professorandas Camisas Verdes! Não voz seduz o trabalho criador que temos de realizar? Recompensas materiais o Integralismo não tem para vós. Sofrimentos sem conta encontrareis em vosso caminho [...]. Não duvido que um dia sejais proibidas de usar o nome de professoras e haja quem pense mesmo em tomar vossos anéis. Diante dessas possíveis ameaças, o autor solicitou que as professoras fossem fortes e perseverassem: Camisas Verdes! O lindo não é viver as horas fáceis. Belas, heroicas são as horas ásperas das escaladas difíceis. Não vos contenteis com a luz banal que as planícies contemplam. Os píncaros que nunca foram escalados, as pontas íngremes, cortantes, devem guardar o segredo das auroras inéditas, cheias de esplendor. ⁵¹ Para educar e disciplinar a infância e a juventude integralista, tornando-as obedientes aos seus princípios, a AIB indicou às mães a necessidade de matricular seus filhos nas escolas que criou, responsabilizando-as pelo futuro da Nação e pela “felicidade Universal”. ⁵² As escolas integralistas, em função do forte sentimento nacionalista presente nos quadros do movimento, deveriam funcionar com uma proposta educacional específica para o povo brasileiro, respeitando as características e condições da raça: “nada de transpor para nosso meio escolas pedagógicas não adequadas à nossa índole e às nossas condições”. ⁵³ Nesse sentimento, bastante divulgado pela AIB, estava fundamentada, em grande parte, a doutrina integralista. O nacionalismo, segundo Plínio Salgado, não era para os integralistas “apenas o culto à Bandeira e ao Hino Nacional”, era “a profunda consciência das necessidades, do caráter, das tendências, das aspirações da Pátria e do valor da raça” e deveria ser cultivado desde a infância nos militantes, também por meio das escolas integralistas. ⁵⁴ Essas instituições, que segundo dados obtidos em jornais integralistas, em 1937 somavam um número bastante significativo de 3.000 escolas, ⁵⁵ deveriam gerir o ensino de modo padronizado, funcionando como reflexos umas das outras. Havia a preocupação de que a doutrina fosse transmitida aos militantes de modo uniforme, que os alunos fossem educados pelos mesmos princípios. Em funcionamento nas sedes integralistas, as escolas, assim como outros órgãos da AIB, deveriam obedecer a um criterioso padrão de instalação, apesar das condições de improviso em que muitas funcionavam. As escolas primárias integralistas e as escolas de alfabetização de adultos instalavamse, geralmente, em salas improvisadas nos núcleos, com carteiras

arranjadas, doadas ou compradas com colaboração dos militantes. A maior parte dessas escolas resumia-se a uma pequena sala e os alunos utilizavam o uniforme do próprio movimento, ou seja, o uniforme elaborado para a infância e juventude integralista: “camisa verde; calça branca ou azul; lenço branco com passador de couro ou de pano verde; botinas pretas; casquete integralista; e cinto preto com o Sigma na fivela”. ⁵⁶ As escolas integralistas destinavam-se, primordialmente, aos pobres e menos favorecidos e pretendiam educar gratuitamente os filhos de operários, integralistas ou não. As escolas e bibliotecas integralistas que funcionassem fora de suas sedes – assim como láctários, ambulatórios, museus, etc. – deveriam possuir, por determinação do Regulamento intitulado “Protocollos e rituais integralistas”: a) “uma tabuleta indicativa na parte externa”, lembrando que o local funcionava “graças” aos esforços dos integralistas; b) “um relógio de parede com a sua legenda” – “A nossa hora chegará”, na parte interna; c) “o retrato do Chefe Nacional com as bandeiras Integralista e Nacional cruzadas”; d) “um dístico ou cartaz com os seguintes dizeres: – Esta casa é para todos os brasileiros, pelo bem do Brasil – Anauê!”; e) “um livro de visitas para colher impressões”. ⁵⁷ Era “expressamente proibido dar nome de pessoas vivas, integralistas ou não, inclusive do Chefe Nacional”, às escolas, campos de esportes, ambulatórios, lactários, bibliotecas, enfermarias ou a qualquer outra instituição da AIB. Às instituições integralistas, inclusive escolas, seriam dados nomes de ‘Martyres Integralistas’ e de integralistas falecidos, de brasileiros ilustres mortos que se recomendaram à Pátria pelos seus feitos guerreiros, políticos ou científicos, nomes de lendas, feitos históricos, episódios heroicos, nomes de tribos e nações indígenas, de rios, cidades, acidentes geográficos [...] e, finalmente, de datas caras aos brasileiros e, em particular, aos ‘camisas verdes’. ⁵⁸ Destinadas a ambos os sexos, as escolas de alfabetização funcionavam nos períodos diurno e noturno, reservando-se o horário noturno, em alguns núcleos, somente aos adultos. Os plinianos, como eram chamados as crianças e jovens integralistas, à medida que aprendiam a ler e escrever, aprendiam também sobre a doutrina integralista. O ensino nessas escolas era baseado na tríade “Deus, Pátria e família”, considerada sustentáculo social para o fortalecimento do Brasil: Toda a educação do Estado Integral se baseia no culto extremado desta tríade admirável, o culto da Pátria e de suas tradições; o amor a Deus, à família, à ordem, à obediência e à disciplina, eis o que ensinaremos aos brasileiros. ⁵⁹ Ao ingressarem na Juventude Integralista, militância mirim do Sigma, os plinianos “infantis” (crianças de quatro a seis anos) seriam recebidos com o “ritual escoteiro” e os “currupiras” (crianças de sete a nove anos) com o seguinte compromisso:

Prometo ser um soldadinho de Deus, da Pátria e da Família; prometo ser obediente a meus pais, a meus mestres e aos meus chefes; prometo ser amigo de meus irmãos, colegas e companheiros, prestando-lhes serviços, defendendo-os e amando-os; prometo ser aplicado nos estudos para tornarme útil a Deus, à Pátria e à Família; prometo ser fiel ao código do escoteiro integralista. ⁶⁰ Os vanguardeiros (meninos de 10 a 12 anos) e os pioneiros (jovens de 13 a 15 anos), por sua vez, assumiriam o mesmo compromisso assumido pelos “currupiras” e prestariam juramento à Bandeira Nacional: Bandeira da minha Pátria, Prometo servir ao Brasil, na hora da alegria e na hora do sofrimento, no dia da glória e no dia do sacrifício. Prometo respeitar a liberdade, a justiça e a lei. Prometo defender, na sua pureza, o legado moral, e na sua integridade, o patrimônio territorial que recebi de meus antepassados. Salve Bandeira do Brasil!!! ⁶¹ Cuidados o intelecto e a moral, restava cuidar do físico, aspecto sobre o qual a AIB dedicava especial atenção, investindo na prática da educação física e esportes. A educação física era compreendida pela AIB como parte integrante e fundamental da educação pela qual se desejava formar o soldado integralista, capaz de lutar pelos ideais de sua Pátria. A importância conferida pelo movimento à educação física é bastante significativa, sendo dela, segundo A Offensiva de 8 de junho de 1935, [...] a função de preparar para vida, de dar normalidade e capacidade as funções orgânicas, tonicidade aos músculos, resistência ao esqueleto, flexibilidade às articulações, controle ao sistema nervoso. Argumentava-se que a doutrina integralista seria ensinada com intuito de desenvolver no povo a consciência da grandeza nacional, “este sentimento tão necessário ao patriotismo e civismo de seus filhos”; e o estudo e a intensificação da eugenia por um “bem preparado Método de cultura esportiva”. Por intermédio da cultura esportiva a AIB buscava fortalecer o físico dos militantes, “robustecendo-os para ambientes de luta tanto na paz quanto na guerra”. ⁶² Entre os jovens e as crianças que ingressassem na Juventude Integralista, o Departamento dos plinianos procuraria “desenvolver o sentimento de civismo aprimorando-lhes o caráter”, promovendo o desenvolvimento físico, pela prática de jogos desportivos, excursões e passeios. ⁶³ A “instrução” física para plinianas seria dirigida por uma monitora nomeada pela SNAFP, escolhida dentre aquelas que apresentassem “melhores provas de obediência, cumprimento do dever e de inteligência”. ⁶⁴ Aos “infantis” seria ministrada a “instrução” em jardins da infância, por meio de “jogos e diversões, além da educação física do 2º grau elementar”. ⁶⁵ A “instrução” dos “currupiras” seria realizada de acordo com os preceitos do “Guia dos Escoteiros”. ⁶⁶ Aos vanguardeiros seria ministrada a “educação física do 1º grau secundário” e aos pioneiros “a de 2º grau secundário”. ⁶⁷

As “instruções” físicas ocorreriam aos domingos e feriados para não prejudicar os trabalhos escolares e o descanso dos plinianos. ⁶⁸ Mensalmente realizar-se-ia uma excursão ao campo ou às praias para que os plinianos pudessem “desenvolver o espírito de iniciativa tendo vida própria”. ⁶⁹ Semestralmente seria agendado um acampamento, aproveitando-se as férias de junho e dezembro. ⁷⁰ Formados intelectual, moral e fisicamente, segundo o movimento, estariam os homens (crianças, jovens e adultos) mais confiantes, seguros, firmes nas decisões. Essas qualidades eram vistas como fundamentais ao soldado que se pretendia formar para defesa da “Nação Integral”. Nesse sentido, a educação física era aplicada com a finalidade de disciplinar os quadros integralistas e de militarizar seus membros para torná-los “soldados” obstinados a defender a Pátria, ou melhor, obstinados a defender os ideais integralistas. Plínio Salgado, Chefe Nacional da AIB no período de 1932 a 1938, defendia uma revolução desarmada para o Brasil, mas não deixava de mencionar que, havendo necessidade, o membro da fileira integralista deveria estar preparado física e mentalmente para sair às ruas e lutar pela Pátria. À educação física cabia o papel de prepará-lo para assumir seu posto em defesa da “Nação Integral”. Por conseguinte, ao modo de pensar integralista, estariam as gerações futuras também preparadas. Nesse contexto, a educação física integralista assumia uma função militarizante e fazia perceber sua concepção eugênica. Contudo, nem só com educação para a infância e para a juventude preocupava-se a AIB. A educação/doutrinamento dos adultos também era visada pelo movimento. A alfabetização de uma massa eleitoral fazia-se necessária para o partido político que buscava eleger seus candidatos, que ambicionava eleger Plínio Salgado à Presidência da República. A alfabetização de adultos, “que arrancaria os brasileiros da ignorância”, funcionava, no mesmo espaço que as escolas primárias para plinianos, mas, geralmente, no período da noite, e expressava a urgência integralista em atrair, arregimentar e alfabetizar o maior número de brasileiros. Com fins políticos, advogava-se que o integralismo era o único partido “do povo e para o povo”, porque era o único que o amparava em sua pobreza, que o curava em suas enfermidades e que o instruía, “intelectual e moralmente”, dignificando-o e o elevando. ⁷¹ A arregimentação e alfabetização na AIB, para ampliação do número de membros votantes, ocorria essencialmente por intermédio das militantes. Em A Offensiva de 16 de maio de 1937, a Página da Blusa-verde inicia divulgação da campanha eleitoral promovida também pela SNAFP e, “considerando de suma importância a cooperação feminina nos serviços de preparação e qualificação eleitoral”, convoca, através de uma Directiva, a mulher a integrar essa campanha. A cargo da integralista que “sabe querer trabalhar até o sacrifício pelas grandes causas”, cabia alistar, alfabetizar e qualificar o eleitorado do movimento:

cada voto que conseguimos para a eleição do nosso candidato equivale a uma porção de cimento na argamassa da construção nacional, porque quem votar conosco saberá concorrer firmemente para unificação da Pátria. ⁷² Aproximando-se as eleições de 1937, a AIB intensificou a campanha integralista pela eleição de Plínio Salgado e convidou a mulher a “trabalhar com afinco para uma sistemática e produtiva reação em prol da alfabetização e preparo eleitoral dos que ainda não [podiam] cumprir com o seu dever para com a Pátria” ⁷³ por não estarem alfabetizados. A finalidade maior da campanha de alfabetização está explícita em A Offensiva de 15 agosto de 1937, p. 15: “estamos certas de que a mulher levará um número elevadíssimo de votos a Plínio Salgado, porque ela está vivamente empenhada nesta campanha. Ensinais a ler pelo Brasil!”. O movimento destacava que o primordial em sua campanha política era a alfabetização e educação do povo, abrindo, para alcançar seus objetivos, várias escolas que combateriam a ignorância e a miséria, utilizadas pelos inimigos do Sigma e da Pátria para dominar o povo. Se os inimigos do Sigma desejavam, segundo afirmavam os integralistas, “escravizar” os brasileiros, o integralismo se colocava como redentor dos incultos, pois estaria preparando-os, por meio da alfabetização, para “construção de um Brasil livre e forte”: “é desta maneira que agem os integralistas, dão ao caboclo os conhecimentos fundamentais e assim o libertam da escravidão e ignorância em que o deixou a politicagem liberal”. ⁷⁴ Além das escolas primárias para os plinianos e das escolas de alfabetização de adultos, que eram em maior número e as mais importantes, existiam ainda as escolas de ensino profissional. À AIB não preocupava somente o ensino das letras, o movimento também direcionava atenção aos conhecimentos das artes e dos ofícios, “facilitando aos companheiros a aquisição dos seus proventos pela prática da técnica profissional”, em Escolas de Corte e Costura, de Enfermagem, Datilografia, Taquigafria, etc. Nesse sentido, os dirigentes integralistas argumentavam que o movimento estava “lançando as bases de uma civilização” ⁷⁵ e convocavam os militantes a “construir o edifício imortal de uma potência una e indivisível, que há de marcar aos olhos de mundo civilizado e cristão, a expressão absoluta de fé, predestinada a salvar o Brasil!”. ⁷⁶ A Offensiva de 2 de julho de 1936, em sua primeira e segunda páginas, noticia a criação de um “Club Agrícola Escolar Integralista”, na Vila São Miguel, Província da Bahia, composto por alunos de quatro escolas do Município. Sob a direção do militante Manoel da Rocha Barbosa, o “Club” profissionalizante constituía, segundo o jornal, “uma nova modalidade de esforços desenvolvidos pelo Sigma em benefício da instrução nacional”, funcionando como “exemplo de patriotismo e de amor ao Brasil!”. Não só pelo ensino na escola seriam educadas as massas. A Offensiva, órgão oficioso e de circulação nacional, foi utilizado pela AIB para fazer chegar aos mais distantes núcleos e militantes novidades sobre suas atividades e realizações e para transmitir/popularizar sua doutrina. Os congressos, passeatas, cursos e festas pelas datas comemorativas recebiam lugar de destaque nos periódicos do movimento.

Plínio Salgado conferia também ao jornal a função de educação/ doutrinamento: Neste país de vastos latifúndios onde o jornal é o único instrumento de penetração da palavra escrita e de massas urbanas, onde o espírito de conquista e de aventura de uma civilização trepidante de acompanhamentos não permite os vagares dos estudos, a imprensa não pode abandonar a sua feição educacional, de suprema orientadora da nacionalidade. ⁷⁷ O integralismo concebia o jornal como instrumento de educação para a população “menos culta”. Em entrevista concedida a A Offensiva, Ernani Silva Bruno, Secretário de Doutrina e Estudos, explica o porquê desse pensar: [...] a população alfabetizada do Brasil está, por força de circunstâncias facilmente verificáveis, muito menos em contato com o livro, com a biblioteca, com a conferência educativa, do que com o seu jornal e com sua revista ligeira”, e completou, “o homem do povo, das grandes cidades, homem que nunca teve um livro nas mãos lê o jornal. ⁷⁸ Aos mais cultos, considerados mais aptos para compreensão da doutrina, a abordagem deveria ser feita por intermédio dos livros. Aos intelectuais cabia o papel de educar “as massas”, de preparar a doutrina e transmiti-la ao povo. Era deles o dever de escrever para o jornal, cabendo-lhes “fazer do jornalismo uma força de transformação social, um veículo de pensamentos construtores, um campo de debate doutrinário”. ⁷⁹ A AIB ainda criou bibliotecas com livros integralistas para divulgar sua doutrina e com o objetivo de “colecionar tudo quanto possa interessar à infância, à juventude e chefes de Departamentos em matéria de educação sob todos os seus aspectos”. ⁸⁰ Na Província da Guanabara, em agosto de 1936, foi inaugurada uma dessas bibliotecas que já havia adquirido “umas dezenas de livros e esperava ir integrando as suas coleções no que fosse necessário ao estudo e pesquisa dos integralistas”. Na nota de divulgação, publicada em A Offensiva, estava explícito a quem se direcionava esse espaço: “especialmente aos intelectuais pesquisadores da Secretaria de Estudos”. ⁸¹ Desejando “vencer” pela persuasão, o integralismo também criou as “Bandeiras de oradores” que percorriam o país de norte a sul “levando a palavra do Sigma às populações abandonadas do Sertão e ao povo acético das Metrópoles”, para educar e disciplinar esse “povo necessitado” de instrução e esclarecimento. ⁸² As “Bandeiras”, destinadas a percorrer as Províncias, Municípios e cidades, “no interesse da propaganda doutrinária, fundação de núcleos e escolas, qualificação e campanha eleitora, etc.”, deveriam ser constituídas de integralistas que tivessem “qualidade de oradores”. Um dos integralistas da bandeira seria designado a desempenhar o papel de chefe, ficando “responsável pela sua conduta e eficiência”, e outro integralista seria designado à função de tesoureiro, ficando “responsável pelos gastos do dinheiro confiado à Bandeira”. ⁸³ As “Bandeiras de oradores” possibilitaram o acesso de muitos brasileiros aos preceitos doutrinários do Sigma.

Por meio desses dispositivos, entre outros, que foram criados pela AIB para educar/doutrinar seus quadros, assim como tornar seus filiados aptos a votar, com vistas à eleição para Presidência da República, a AIB ampliou o número de escolas em seus núcleos, angariou eleitores e propagou sua ideologia. Conclusões Com base nos textos analisados, foi possível verificar que a ideia de “educação integral para o homem integral”, ou seja, de formação completa do homem e da mulher, do ponto de vista físico, moral e intelectual, apresentava-se como uma constante do discurso integralista. A AIB investiu esforços para criar escolas e mobilizar estratégias para educar seus quadros e torná-los obedientes à sua doutrina e estrutura hierárquica. As escolas primárias ensinavam às crianças a obediência, enquanto as escolas de alfabetização para adultos, além de alfabetizar e doutrinar, cooperavam para inchar as fileiras integralistas com militantes aptos a votar, fosse pela qualificação dos já inscritos ou pela arregimentação de novos adeptos que frequentavam esses espaços. Todavia, o projeto de “educação integral” para os integralistas não dependia da construção de local específico para sua consolidação, organizando-se em vários espaços educativos, formais ou não formais, pelos jornais, panfletos, nas reuniões doutrinárias, etc. Se o integralismo empregou o discurso de educação para promover a libertação do povo, para conscientização da importância do sentimento nacionalista, para desenvolvimento do País, para promoção da eugenia e higiene, para divulgação da prática salutar dos esportes, para melhoria e engrandecimento da raça, não o fez sem objetivos de arregimentar, doutrinar e aumentar o número de eleitores em suas fileiras. Contudo, não só a esses intentos as escolas integralistas se prestaram, pois possibilitaram a crianças e adultos o acesso à educação, assim como ampliaram a possibilidade de atuação das mulheres da classe média no espaço público, pois que se tornaram professoras. Referências AIRES, L. O sentido da formação pliniana. In: SALGADO, Plínio. Obras completas. São Paulo: Edit. das Américas. 1955, p. 71-77. CÂMARA, H. Pedagogia integralista. In: SALGADO, Plínio. Obras completas. São Paulo: Edit. das Américas. 1955. p. 27-37. SALGADO, P. Código de Ética Jornalística. In: Monitor Integralista, ano V, n. 17, 20 de fevereiro de 1937, p. 14. __. Despertemos a Nação. Rio de Janeiro: José Olympio. 1935. __. Obras Completas. São Paulo/SP: Editora das Américas, 1955. __. Páginas de combate. Rio de Janeiro: Livr. José Olympio, 1937.

__. Para se compreender este livro. Enciclopédia do integralismo. São Paulo: Clássica Brasileira, 1959, p. 8-14. Notas 1 . Cavalari, 1999. 2 . Não há documentos de cunho historiográfico em relação ao número de filiados na AIB, dessa forma, seguiu-se a contabilidade oficial do movimento, divulgada no jornal Monitor Integralista. 3 . Salgado, Para se compreender este livro. Enciclopédia do integralismo, p. 8. 4 . Ibidem. 5 . Aires, O sentido da formação pliniana. In: Salgado, Obras completas, p. 75. 6 . Ibidem. 7 . Ibidem. 8 . Câmara, Pedagogia integralista, In: Salgado, Obras completas, p. 30. 9 . Ibidem. 10 . Salgado, Páginas de combate, p. 66. 11 . Cavalari, 1999. 12 . Decreto que regulamenta a Instrução Doutrinária entre Integralistas. Art. 2º. In: Salgado, Plínio (Org.). Enciclopédia do integralismo. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1959, v. IX, p. 150. 13 . Ibidem, p. 149. 14 . Decreto que regulamenta a Instrução Doutrinária entre Integralistas, op. cit., Arts. 3º e 4º, p. 150. 15 . Ibidem. 16 . Ibidem, Art. 5º, p. 150-151. 17 . Ibidem, Art. 6º, p. 151. 18 . Ibidem, Arts. 8º e 9º. 19 . A Offensiva, 24 maio 1936, p. 1. 20 . Gomes, Ordival. Ensino. Anauê, n. 1, s/p. 21 . A Offensiva, 29 jan. 1937, p. 9. 22 . Ibidem.

23 . A Offensiva, 24 maio 1936, p. 1. 24 . A Offensiva, 14 jun. 1936, p. 13. 25 . A Offensiva, 1º jul. 1936, p. 1 e 5. 26 . A Offensiva, 3 jul. 1936, p. 1. 27 . A Offensiva, 8 jul. 1936, p. 1. 28 . A Offensiva, 28 ago. 1936, p. 1. 29 . Gomes, op. cit. 30 . Salgado, Obras Completas, p. 29. 31 . Ibidem. 32 . Departamento dos Plinianos. I – Dos Fins, Art. 1º. Enciclopédia do integralismo, p. 174. 33 . Departamento dos Plinianos. IV – Das Divisões, Art. 6º. Enciclopédia do integralismo, p. 176. 34 . A Offensiva, 14 jun. 1936, p. 13. 35 . Lamy, Elza. A Educação e o Integralismo. A Offensiva, 10 jan. 1936, p. 15. 36 . Ibidem. 37 . Monteiro, Edith. O papel da mulher em face do espírito christão. A Offensiva, 24 out. 1937, p. 15. 38 . Como os integralistas realizam a sua campanha de libertação nacional. A Offensiva, 24 set. 1937, p. 1. 39 . Ribeiro, Iveta. O segundo milagre. A Offensiva, 27 dez. 1936, p. 15. 40 . Ibidem. 41 . Ibidem. 42 . Gomes, Carolina. A finalidade da mulher brasileira – Página da Blusaverde. A Offensiva, 22 nov. 1936, p. 15. 43 . Rezende, Conego Dr. José de Mello. A mulher e o integralismo. A Offensiva, 27 set. 1936, p. 13. 44 . Guimarães, C. A. M. Carta a um pliniano – Página da Blusa-verde. A Offensiva, 7 mar. 1937, p. 15. 45 . Anauê, n. 1, anno I, p. s/n. 46 . Rezende, op. cit., p. 13, nota 36.

47 . A mulher e a educação. A Offensiva, 6 set. 1934, p. 2. 48 . Salgado, Despertemos a Nação, p. 197. 49 . Cavalari, 1999. 50 . Câmara, op. cit., p. 36. 51 . Ibidem, p. 37. 52 . Ottoni, Virgínia Portella. A criança e o integralismo. A Offensiva, 25 jul. 1937, p. 15. 53 . Gomes, op. cit. 54 . Monteiro, Edith. Por Deus, pela Pátria e pela família! A Offensiva, 5 set. 1937, p. 15. 55 . As realizações da AIB. Monitor Integralista, ano V, 7 out. 1937, p. 8. 56 . Departamento dos Plinianos. XI – Do uniforme e equipamentos, Art. 28º. Enciclopédia do integralismo, p. 182. 57 . “Protocollos e Rituais”. Cap. VIII – Das sedes integralistas, Art. 102, p. 31. Regulamento publicado no jornal Monitor Integralista n. 18 e reproduzido pela Livraria Dias Vasconcellos, em edição especial, de 1937, para o Núcleo Municipal de Niterói. 58 . Ibidem, Art. 91, § Único, p. 28. 59 . Gomes, Ordival. Ensino. Anauê, n. 1, s/p. 60 . Departamento dos Plinianos. XIII – Do Compromisso, Art. 34º. Enciclopédia do integralismo, p. 184. 61 . Ibidem, Art. 33º, p. 183. 62 . Gomes, op. cit., Edith. A doutrina integralista. A Offensiva, 22 ago. 1937, p. 15. 63 . Departamento dos Plinianos. XV – Da Instrução, Art. 38º. Enciclopédia do integralismo, p. 184. 64 . Ibidem, Art. 38º, § 1, p. 185. 65 . Ibidem, Art. 39º. 66 . Ibidem, Art. 40º. 67 . Ibidem, Art. 41º. 68 . Ibidem, Art. 42º. 69 . Ibidem, Art. 42º, § Único.

70 . Ibidem. 71 . As obras de assistência social do Integralismo no ES. A Offensiva, 6 jun. 1937, p. 5. 72 . A Secretaria Nacional de Arregimentação Feminina e Pliniana e a Campanha Eleitoral. Página da Blusa-verde. A Offensiva, 18 jul. 1937, p. 15. 73 . Monteiro, Edith. Porque me fiz integralista. A Offensiva, 4 jul. 1937, p. 15. 74 . A Offensiva, 27 out. 1937, p. 1. 75 . A Offensiva, 17 jun. 1936, p. 1. 76 . Monteiro, op. cit., p. 15. 77 . Salgado, Plínio. A Offensiva, 16 dez. 1936, p. 1, cham. 78 . A Offensiva, 15 dez. 1936, p. 1. 79 . Salgado, Plínio. A Offensiva, 15 dez. 1936, p. 3. 80 . Departamento dos Plinianos. III – Da organização; Art. 3º, 2º Biblioteca. Enciclopédia do integralismo, p. 175. 81 . Uma grande realização integralista. A Offensiva, 9 ago. 1936, p. 13. 82 . O integralismo em Sergipe. Anauê, n. 15, maio 1937, p. 35. 83 . “Protocollos e Rituais”. Cap. XV - Bandeiras, Art. 197, p. 63. CAPÍTULO 7: JOEL SILVEIRA - UM JORNALISTA NO ESTADO NOVO ¹ Danilo Wenseslau Ferrari Joel Silveira foi jornalista de destaque na história da imprensa no Brasil, durante os anos 1930 e 1940. Em agosto de 2007, o autor morreu envolto numa aura de heroísmo e de glória. Seu nome traz à lembrança a figura do correspondente que acompanhou a Força Expedicionária Brasileira (FEB), à Itália, nos momentos finais da Segunda Guerra Mundial e do repórter reverenciado por seus pares como precursor de determinadas práticas jornalísticas. Adjetivos como “dromedário” e “dinossauro” associam-se à sua imagem de testemunha de eventos marcantes na história do Brasil republicano. Neste texto, apresenta-se análise da atuação política de Joel Silveira, por meio de suas colaborações no jornal literário Dom Casmurro e na revista Diretrizes, entre 1937 e 1944, época em que o jornalista atuou no Brasil, antes de se tornar correspondente de guerra. Silveira iniciou-se no jornalismo numa época de intensa censura sobre tal ofício. Durante o Estado Novo (1937-1945), governo autoritário de Getúlio Vargas, a imprensa era considerada pelos governantes como extensão do Estado e serviço de utilidade pública. O contexto conturbado também trazia a Segunda Guerra

Mundial (1939-1945) como pauta do dia nas redações de jornais e revistas. Quais teriam sido os posicionamentos assumidos por Silveira diante deste cenário? No final de sua vida, ao afastar-se das atividades profissionais, Joel dedicouse ao registro de suas memórias concedendo entrevistas e escrevendo uma série de textos e livros sobre sua trajetória profissional. ² Em tal produção, o período do Estado Novo foi lembrado com particular ênfase. Nestas lembranças, o autor construiu uma autoimagem que quis legar de si, como repórter que se opôs heroicamente à ditadura de Vargas, mesmo reconhecendo os limites impostos pela censura. Porém, as memórias de Joel destoam do discurso historiográfico produzido sobre o período, no qual se demonstrou a eficácia das atividades governamentais no sentido de controlar a produção e difusão das informações, não deixando margens para a oposição, implacavelmente perseguida. A resistência de Joel à ditadura teria sido apenas uma construção autobiográfica? A análise de sua produção jornalística, à luz da bibliografia sobre a época, pode ajudar a responder a esta questão. 1. Joel Silveira, Dom Casmurro e Diretrizes Silveira nasceu em Lagarto, interior de Sergipe, em 1918. O sonho de se tornar literato famoso impulsionou sua partida para a capital da república, o Rio de Janeiro, em 1937, aos dezoito anos de idade. Na nova cidade, seguiu um caminho que era comum a muitos aspirantes à glória no mundo das letras: iniciou o curso de Direito e tornou-se colaborador de jornais e revistas, para garantir o sustento próprio e buscar algum reconhecimento no cenário cultural do período. Joel também ensaiou carreira literária, ao publicar seus primeiros livros, mas estas atividades foram deixadas de lado, pois o autor despontou como jornalista e repórter, profissão que seguiu durante toda sua vida. Logo em 1937, Joel teve sua primeira grande oportunidade como jornalista, ao conseguir emprego no jornal Dom Casmurro. No periódico, o autor assinou artigos, contos, crônicas, algumas seções e reportagens, além de ocupar cargos de direção, como redator e secretário de redação. A experiência foi oportuna para o desconhecido sergipano que, assim, se projetava na nova cidade. No final de 1940, obteve a chance de integrar o expediente de Diretrizes, revista de maior notoriedade. Nesta publicação, além de redator e secretário de redação, Joel Silveira despontou como repórter, publicando textos que lhe valeram reconhecimento no ofício. Sua atuação na revista durou até 1944, data em que Diretrizes saiu de circulação.

Dom Casmurro e Diretrizes eram publicações culturais e literárias que oferecem aos intelectuais espaço privilegiado para a intervenção nos debates públicos da época. Dom Casmurro surgiu em 1937, fundado pelos escritores Brício de Abreu e Álvaro Moreyra, que desejavam um jornal tão crítico, como um “Casmurro”, em referência ao famoso romance de Machado de Assis. O periódico foi um importante espaço de sociabilidade intelectual do Rio de Janeiro, nos anos 1930 e 1940. Sua proposta editorial expunha a intenção de discutir temas culturais e literários, mas as candentes questões políticas não foram deixadas de lado. Diretrizes surgiu como revista mensal em abril de 1938, idealizada por Azevedo Amaral e Samuel Wainer. Amaral foi ideólogo do Estado Novo e propunha, com a nova publicação, discutir as “diretrizes políticas, econômicas e culturais”, da situação instalada no país, em novembro de 1937. Entretanto, o intelectual deixou a direção do periódico, ainda em 1938, por desentendimentos com seu sócio. Sob a égide exclusiva de Samuel Wainer, Diretrizes teve sua concepção política alterada. No final de 1940, quando Joel Silveira integrou seu expediente, a revista passava por uma série de reestruturações que alteraram sua periodicidade para semanal, mudança que confirmou a importância da revista na vida cultural da época. Dom Casmurro e Diretrizes circularam entre os marcos temporais do Estado Novo. A existência dos dois periódicos, assim como suas congêneres, esteve ligada às particularidades do contexto político em que circularam, pois raras as exceções, não ultrapassaram o ano de 1945, data da queda de Getúlio Vargas: “as revistas fundadas no início dos anos 1930 não tiveram sobrevida significativa após a queda do regime”. ³ Nas palavras de Tania de Luca, Dom Casmurro e Diretrizes foram publicações “entre as letras e a política”. Resta saber quais tipos de projetos para o Brasil, diante do cenário nacional e internacional, foram abarcados por seus colaboradores, em suas páginas. 1. O Estado Novo e a Guerra nas colaborações de Joel Silveira Na época em que Joel Silveira partiu para o Rio de Janeiro e iniciou sua carreira como jornalista, a imprensa estava submetida a um rígido regime de censura. Desde que chegou ao poder, no início dos anos 1930, Getúlio Vargas demonstrou interesse em controlar as atividades de diversos setores, em particular o cultural, por meio da criação de sucessivos órgãos de censura. Evidentemente o controle à imprensa não foi exercido apenas no período, mas houve grande investimento na propaganda governamental e repressão à cultura, como até então não se havia visto. ⁴ Vargas conquistou o poder apoiado por uma aliança heterogênea de setores sociais e políticos do país que visavam destituir a oligarquia mineira e paulista da presidência da república. ⁵

Logo após o golpe, diversos órgãos de imprensa foram empastelados e o novo governo reprimiu as manifestações de opositores. O embrionário Departamento Oficial de Propaganda (DOP), criado com a função de divulgar os atos dos governantes e impedir a publicação de críticas, deu origem aos demais órgãos que institucionalizaram a censura no período. Sob inspiração do Ministério da Informação Popular e da Propaganda (1933), da Alemanha, criou-se o Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural (DNPDC), em 1934, subordinado ao Ministério da Justiça. ⁶ A tentativa dos comunistas de derrubar Vargas em 1935 ofereceu ao governo prerrogativas para criação do poderoso Tribunal de Segurança Nacional, cuja atribuição era a de perseguir e julgar seus opositores. Em novembro de 1937, Getúlio perpetrou um novo golpe, que deu origem ao Estado Novo. Outra constituição foi imposta ao país. Seu artigo 122 alterou por completo as relações entre Estado e imprensa, considerada, a partir de então, como extensão do governo e “atividade de caráter público” ⁷ , enquanto o jornalismo foi designado como a profissão do “sacerdócio cívico”. ⁸ O golpe de 1937 foi resultado de uma articulação da cúpula do governo Vargas com apoio das forças armadas. Os partidos políticos deixaram de existir e os grupos dissidentes caíram na ilegalidade. O cenário para os aspirantes à carreira intelectual não era dos mais tranquilos. Finalmente em dezembro de 1939, após sucessivas reorganizações, o Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural (DNPDC) transfigurou-se no temido Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão de “superpoderes”, diretamente subordinado à Presidência da República. A direção coube a Lourival Fontes, conhecido como “Goebbels tupiniquim”. ⁹ O DIP acompanhou as atividades de associações esportivas, recreativas, diversões públicas (circos, dancings, bilhares, bailes pagos, espetáculos), foi responsável pelo registro de artistas, fiscalização de teatros, concessão de prêmios literários, cinematográficos, teatrais e musicais, edição de livros, revistas, tradução de autores internacionais, controle de tipografias, produção e distribuição de filmes. Coordenou também o registro de profissionais da saúde como médicos, dentistas, farmacêuticos e parteiras, além de fiscalizar a divulgação de medicamentos. Para dar conta do território nacional, a instituição possuiu braços regionais, os DEIP’S (Departamentos Estaduais de Imprensa e Propaganda). ¹⁰ O órgão também teve divisões de rádio, cinema, teatro e turismo, mas apesar da importância que os novos meios de comunicação conquistaram na época, os jornais e as revistas ainda eram os principais difusores de informação e os responsáveis pelo DIP conheciam estas dimensões. A instituição criou publicações como o jornal A Manhã e a revista Cultura Política, cuja função era a de difundir a ideologia do regime. Em 1940, o governo encampou o grupo do jornal A Noite, formado pela Rádio Nacional, pelas revistas Vamos ler e Carioca e por outros jornais incorporados às Empresas da União. Entre os órgãos de imprensa que não foram administrados diretamente pelo governo, estabeleceu-se uma troca de favores, atendendo a certas

reivindicações dos jornalistas, tal como regulamentação profissional, que lhes garantiu direitos trabalhistas. De acordo com Maria Helena Capelato, foram raros os jornais e revistas que não se deixaram corromper por verbas e favores oferecidos pelo governo. ¹¹ Joel Silveira registrou esta situação em seus relatos memorativos sobre o período: Era um alto negócio para os donos de jornais colaborar com a ditadura de Getúlio e não protestar contra a censura e todas as outras limitações impostas pelo regime. Os jornais mantinham a qualidade, os diretores podiam pagar mais aos repórteres, as vendas permaneciam altas e não havia conflito com o governo. ¹² O DIP também exerceu seu controle por meio de censura prévia. Havia um censor nas redações dos periódicos e os originais dos textos eram remetidos para análise. Os jornalistas recebiam ligações telefônicas anônimas e bilhetes alertando assuntos proibidos. Criou-se a Agência Nacional para distribuir notícias orientadas pelo DIP no sentido de direcionar o material publicado pela imprensa a favor dos governantes. ¹³ O DIP também foi responsável pela distribuição do papel linha d’água, importado da Europa e utilizado na impressão dos periódicos. Para conseguir uma cota, era preciso que as publicações se registrassem junto ao órgão repressor. Os que não conseguiram tal registro foram proibidos de circular: Diante da nova ordenação jurídica, impressos periódicos foram obrigados a se registrar no DIP e as estimativas indicam que cerca de 30% não conseguiu obter a necessária autorização e deixou de circular. À exigência de mesma natureza já se submetia os que trabalhavam como jornalistas, norma ainda mais legitimada sob a justificativa de que agora exerciam função de caráter público. ¹⁴ Percebe-se que durante o Estado Novo, criou-se uma eficiente rede de propaganda política e controle da informação, como até então não se havia visto. Os responsáveis pelos diversos jornais e revistas foram obrigados a abordar assuntos de interesse dos governantes, que contribuíssem para a construção de uma imagem positiva da nova situação. Além disso, uma série de assuntos foi proibida. Não se permitia veicular matérias sobre problemas brasileiros como carestia de vida, caos urbano ou outros assuntos que comprometessem a suposta “ordem” estabelecida. A ditadura de Getúlio inseriu-se num contexto mais amplo de avanço do totalitarismo pelo mundo. A Primeira Guerra Mundial, a Revolução Russa de 1917 e a grande crise financeira de 1929 contribuíram para o descrédito dos sistemas liberais e democráticos, possibilitando o surgimento de novas lideranças autoritárias. De acordo com Eric Hobsbawn, estes regimes provocaram a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), momento final do período que o estudioso batizou como “Era da Catástrofe”. ¹⁵ No conflito, os países do Eixo (Itália, Japão e Alemanha) enfrentaram os aliados (França, Inglaterra e Estados Unidos, auxiliados pela socialista União Soviética). O cenário político era efervescente. O governo nacionalista de Vargas perseguiu o comunismo, temendo que a “onda vermelha” se alastrasse. Os imigrados do leste europeu eram automaticamente identificados como comunistas Além disso, restringiram-se as atividades dos estrangeiros,

principalmente alemães, japoneses e italianos, considerados “súditos do Eixo”. ¹⁶ A perseguição intensificou-se após meados de 1942, quando o governo brasileiro declarou apoio aos aliados na guerra. O contexto internacional foi decisivo para os rumos da situação brasileira, expondo as contradições do regime, que lutava na guerra ao lado das democracias. ¹⁷ A historiografia relativa ao Estado Novo é bastante diversificada. A quantidade de estudos sobre o período aumentou a partir dos anos 1980, quando mudanças no cenário político brasileiro contribuíram para que se questionassem as origens da organização do Estado nacional. O livro Estado Novo – Ideologia e Poder organizado por Lúcia Lippi Oliveira, Angela de Castro Gomes e Mônica Pimenta Velloso, marcou a retomada de interesse pelo Estado Novo que permanecia “envolto em uma nuvem de relativo esquecimento”. ¹⁸ A partir de então, surgiram obras que inquiriram o período em seus mais variados aspectos. ¹⁹ Os estudiosos mobilizaram a documentação governamental conservada nos arquivos. Em linhas gerais, a bibliografia apresentou o período a partir da perspectiva dos governantes, devido à dificuldade de se localizar outros registros, em especial, os da oposição, implacavelmente perseguida. O próprio Joel Silveira reconheceu, em suas memórias, a dificuldade de questionar o regime: “O DIP era terrível. Era de grandes profissionais da imprensa também. De maneira que eles sabiam todos os truques. Eles também eram jornalistas. Era muito difícil enganá-los, muito mesmo.” ²⁰ Sobre a questão, chegou-se a tal quadro: As resistências ao autoritarismo foram fortemente reprimidas e muitas vezes não deixaram registro porque até a memória dessas lutas de oposição foi controlada e, muitas vezes, destruída. O historiador que trabalha com esse período sempre fica devendo ao leitor a reconstituição da história do antiestado-novismo, até hoje pouco explorada pela dificuldade de localização de dados. ²¹ O resultado desta lacuna foi uma visão monolítica sobre a imprensa do período, que teria sucumbido aos desígnios do executivo. De outra parte, a sistemática análise do conteúdo de alguns impressos reconstituiu as vozes da oposição, por meio de estratégias de burlar os estreitos limites da censura. ²² Alguns jornalistas, como o próprio Joel Silveira, reconheceram, anos mais tarde, em suas memórias, que atuaram no sentido de resistir ao regime de Vargas. Para o brasilianista Robert Levine, entretanto, esta postura de resistência não foi possível a Silveira, por conta da censura, sendo expressa somente em sua obra memorialística, produzida anos após o período. ²³ Porém, estes relatos ainda são pouco explorados pelos historiadores e se esta oposição ocorreu de fato, é preciso averiguar as maneiras pelas quais foi possível sua realização. O controle à informação também teve seus limites? Em suas colaborações para Dom Casmurro e Diretrizes, Joel Silveira externou críticas à situação vigente no país, bem como ao avanço do totalitarismo de direita e flertou com o socialismo, apontado como solução para os problemas do país e do mundo, no cenário de após guerra. A oposição ao governo de Vargas apareceu nas colaborações do autor, desde

seus primeiros tempos no Dom Casmurro. Meses após sua chegada ao Rio de Janeiro (1937), Silveira demonstrou que este era o ponto de vista que defenderia. O jornalista expôs seu descontentamento com uma possível candidatura de Getúlio Vargas nas eleições que seriam marcadas para o ano seguinte (1938): Temos diante da vista nova representação de um espetáculo antigo e chatíssimo. De quatro em quatro anos, o Brasil, com uma dose de paciência que chega ao extremo, assiste, impassível e irônico, ao estrondejar daqueles que se apresentam perante o povo como mensageiros da sua vontade e admiração. Mercê do grande amor que o sr. Getúlio Vargas vem devotando pelo poder, estacionando e fazendo o Brasil estacionar durante oito macilentos anos, há muito que não se repetia a história de sempre. Agora novamente a peça vai subir ao palco. O que se nota, porém, na representação de hoje, é uma nova maneira de agir dos personagens principais. Todos que apareceram antes, eleitos e apontados sem a presença popular, entendiam ser o Brasil uma única classe. Agradando os latifundiários, aos donos de meio mundo, estava tudo correndo às mil maravilhas. Na certa que os que assim pensavam, pensavam com sapiência. Nunca fomos nada, nós que somos o povo, nunca representamos coisa alguma nos festins quatrienais. ²⁴ No artigo, além de criticar Vargas, Silveira cobrou um posicionamento dos intelectuais diante da situação, chamando o escritor José Américo de Almeida a apresentar sua plataforma de governo, pois seria um dos candidatos à presidência da república, nas eleições de 1938, que não se realizaram. Vale lembrar que, na ocasião da publicação da nota acima, o Estado Novo ainda não havia sido decretado. Porém, o governo de Vargas já se encontrava bastante amparado no sentido de censurar as atividades da imprensa e punir os transgressores, o que parece não ter inibido o jovem Silveira. Porém, não foi sempre que Joel abordou as questões políticas diretamente. No jornal Dom Casmurro, o autor assinou por mais de um ano (entre 1938 e 1939), Aconteceu nesta semana..., seção de faits divers, na qual abordava temas que extrapolavam a ordem do cotidiano, como assassinatos, roubos, acidentes automobilísticos, ou que envolvessem bondes e trens, suicídios e outras catástrofes. Estas tragédias urbanas eram temas que a censura proibia. Na época, era vedado aos jornalistas dar publicidade a “acidentes, desastres, catástrofes, naufrágios, queda de avião; incidentes como brigas, agressões, crimes, corrupção, suborno, processos, inquéritos, sindicâncias etc” ²⁵ . Mesmo quando se tornou responsável pela seção de crítica literária, Podia ser pior, em Dom Casmurro, Joel não deixou de abordar temas como a falta de água no Rio de Janeiro, que segundo o autor, não teria sido noticiada pelos jornais. Na saborosa crônica, aparentemente fortuita, um chuveiro vazio “gozava” de um indivíduo ensaboado à espera de água: Não, não! Isso não veio nos jornais. Sei perfeitamente que os jornais têm coisas mais importantes para contar ao povo. Não condeno os jornais. Absolutamente. Quero apenas pedir uma palavra de conforto para o desgraçado que esta manhã, foi despojado de sua alegria. Uma palavra de carinho para aquele que amanheceu alegre como uma nuvem feliz como um

cavalo de corrida para aquele que teve toda a sua felicidade assassinada por um chuveiro sem importância. Sim, podem existir tragédias no mundo. Pode existir a fome, pode existir a guerra e os fuzilamentos em massa. Mas não, todas estas tragédias não são menores do que a tragédia de um homem ensaboado que se desespera sob um chuveiro calado. Meditai, meus senhores, sobre isto. Vós que tendes banheiros em casa, que tendes chuveiros – meditais. Meditais profundamente. Eis que a espuma do “lifebuoy” cai sobre os vossos olhos. E vossos olhos não se abrirão. Sobre vós, centenas de olhinhos cínicos, vos contemplam. Contemplam vosso desespero vossa angústia, acompanham com um gozo infinito – gozo que só os chuveiros vazios podem ter – os vossos mil pequenos planos de destruição, de morte. E vós sois um ente sem préstimo, sois uma caricatura ridícula – nem ao menos podeis gritar sem o risco de entupir vossa boca com a espuma perversa e terrível do “life-buoy”. Diante de todas as grandes tragédias que neste momento afligem a humanidade eu quero arrancar da penumbra esta tragédia pouco falada e comentada – a tragédia do carioca que perdeu a sua felicidade sob um chuveiro sem função. ²⁶ É interessante destacar que a crônica acima apareceu em letras menores que os demais textos da mesma página. Os editores de Dom Casmurro tinham consciência que o assunto era proibido. Portanto, as letras menores não eram ocasionais. É provável que tenham sido mobilizadas para despistar o olhar dos censores, que se concentrariam nos textos de letras maiores, considerados mais importantes. É possível afirmar que os recursos de diagramação foram mobilizados como estratégias na publicação de matérias, cujo teor não era recomendado pelos censores. Nas reportagens publicadas em Diretrizes, Silveira persistiu em suas críticas à situação vigente, abordando temas proibidos, como a pobreza vivida por alguns de seus entrevistados ou sujeitos/temas das matérias. Uma das mais famosas reportagens de Silveira no período foi “Grã-finos em São Paulo”, matéria debochada e jocosa sobre a elite paulistana, publicada em 1943. Parte do sucesso do texto e do interesse dos leitores, que culminou em sua republicação pelos editores da revista, residia na temática abordada. Joel Silveira tocou em questões delicadas para o período ao descortinar, para o culto leitor de Diretrizes, o mundo de desigualdade social que crescia a passos largos durante a Era Vargas, mas que a propaganda governamental ansiava em ocultar:

De manhã cedo, os operários paulistas enchem os bondes e os três suburbanos. Vem gente de todos os lados de São Paulo, gente que povoará o maior parque industrial d aamérica do Sul. Esta é também a hora de Lili voltar para casa. Lili viveu outra de suas grandes e alegres noites. Lili é uma delicada flor paulista, como uma orquídea rara. Lili tem atrás de si, quatrocentos anos de lutas, de sucesso, de alegrias e de decepções. Os antepassados de Lili fizeram várias coisas essencialmente paulistas: entraram pela mata adentro, descobriram rios, montanhas, florestas, fundaram cidades. Outros plantaram café e ficaram ricos. Outros mais recentes, construíram fábricas que se meteram em indústrias. Ficaram ainda mais ricos. Lili é a última – e Lili não precisa fazer mai nada. Lili não ouve o barulho dos motores nem o apito das chaminés. Lili não entende de nada, é uma flor sem problemas, nem angústias. Lili diz apenas: nunca tive uma vida social tão intensa, São Paulo está adorável. ²⁷ No mesmo sentido, Joel Silveira realizou reportagem sobre os baixos salários dos condutores de transporte público do Rio de Janeiro. Na matéria, o jornalista afirmou que a guerra e a crise dos combustíveis fizeram com que a demanda pelos ônibus aumentasse, intensificando o trabalho dos condutores, remunerados por um ordenado inadequado. De acordo com o texto, os representantes do Sindicato dos Condutores de Veículos Rodoviários entraram com uma representação na Justiça do Trabalho contra o Sindicato das Empresas de Transporte. Na reportagem, Silveira elaborou um quadro no qual demonstrou as condições de vida de um trabalhador de ônibus e sua família. O jornalista equacionou os gastos com alimentação, aluguel, luz, transporte e previdência e apontou que tal orçamento os proibia de frequentar cinema e teatro e consumir carnes como peixe, galinha, lombo e outros produtos como frutas, ovos manteiga, massas etc. ²⁸ Uma das muitas imagens que Getúlio Vargas legou de si foi a de “pai dos pobres”, por conta dos benefícios legislativos que concedeu aos trabalhadores. Entretanto, durante seu governo, o fosso entre ricos e pobres aumentou, como comprovaram inúmeras cartas de pedido de ajuda recebidas diariamente pelo presidente da República. ²⁹ As reformas que visaram modernizar o país concentraram-se nas regiões litorâneas e nas capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, agravando as diferenças com o interior, esquecido pelas políticas públicas. ³⁰ Esta situação foi percebida por Silveira que descreveu a condição de miséria de camponeses no Rio Grande do Sul: A fartura nacional é apenas um acontecimento litorâneo. A miséria está em toda a parte: no interior, em todos os seus caminhos, com as populações do norte e do centro. O que se chama de “marginal”, no Rio Grande, é o cassaco nordestino ou o rompe-terra das regiões centrais, gente afligida pelas mesmas necessidades, acossada pelos mesmos problemas, inutilizada pela mesma penúria. ³¹ A crítica à situação vigente também se deu nas reportagens que Silveira realizou com artistas, que abordaram a falta de incentivos do governo no campo cultural. Neste sentido, Silveira entrevistou o palhaço Dudu, diretor da trupe de teatro ambulante “Pavilhão” e no final da reportagem questionou o entrevistado a respeito do Serviço Nacional de Teatro (S. N. T.).

Joel quis saber se a entidade pública auxiliava Dudu e sua trupe. O palhaço respondeu que a instituição nada fazia pelo seu grupo e afirmou ainda que foi necessário procurar diretamente o presidente Vargas. É interessante notar que o próprio jornalista conduziu seu interlocutor ao tema que lhe interessava: • E o S. N. T.? • Nunca fez nada por ele [o grupo Pavilhão]. Diz que o pavilhão não é teatro, o que não é verdade. (...) Sobre o S. N. T. Dudu tem ainda uma história para contar. Conta: • Um dia eu fui pessoalmente ao Presidente Getúlio pedir uma ajuda para o Pavilhão. Ele concedeu imediatamente ordenando ao Serviço Nacional de Teatro que me desse uma subvenção mensal de cinco contos. Mas só recebi um mês. Quando fui buscar o dinheiro no mês seguinte. Disseram-me uma coisa engraçada. • O que foi? -Disseram-me que não havia verba. E até hoje nunca mais recebi um tostão. Vou novamente falar com o Presidente, aliás, já pedi audiência. ³² Como estas críticas passaram pelo crivo dos censores? É importante observar que geralmente o assunto surgia somente no final da entrevista, num canto de página. É possível afirmar que se tratou de intenção dos editores em despistar o olhar dos censores que se concentrariam nos textos publicados em lugares de destaque nas páginas da revista. Ao ler o início das reportagens, perceberiam que não apresentavam problemas e abandonariam a leitura sem chegar à conclusão do texto. Por outro lado, ainda não havia o padrão de reportagem da “pirâmide invertida”, própria do jornalismo americano, que a imprensa brasileira incorporou nos anos seguintes, no qual os assuntos considerados mais importantes ficavam no início da matéria, dando sequência aos de menor importância. As reportagens de Joel Silveira seguiram o oposto desta lógica, apresentando dados biográficos e demais informações sobre o entrevistado e/ou tema da matéria enquanto a política era abordada no final. Porém, não foi sempre que Joel Silveira e os editores de Dom Casmurro e Diretrizes publicaram suas críticas com discrição. Estes jornalistas também ousaram dar destaque aos seus questionamentos, e enfrentar possíveis consequências. Este foi o caso da reportagem que Joel Silveira fez sobre o escritor Monteiro Lobato, em Diretrizes. É possível afirmar que a matéria foi o auge da resistência de Silveira e em relação ao Estado Novo. A escolha de Lobato como entrevistado era arriscada. O autor já era um literato bastante consagrado, na época da reportagem, mas estava na mira da censura, no Estado Novo. Nos anos 1930 e 1940, o escritor tornou-se um dos principais opositores do governo de Vargas, por conta de sua defesa pela privatização da exploração do petróleo, questão estatizada pelos governantes. Suas obras de literatura

infantil foram consideradas subversivas e retiradas das bibliotecas escolares. Lobato foi preso três vezes por conta de suas críticas ao Conselho Nacional de Petróleo, instituído durante o governo Vargas. Do ponto de vista político, a ação de Lobato na Era Vargas garantiu-lhe o respeito e a admiração dos que se opunham à ditadura, o que colabora para entender sua crescente aproximação das correntes de esquerda. ³³ Silveira encontrou-se com Lobato no apartamento do escritor, na Aclimação, em São Paulo. Na reportagem, Silveira alegou que se tratava dos 25 anos da publicação de Urupês, primeiro livro de Lobato. Nas perguntas, o jornalista teve o cuidado de não abordar os problemas que o escritor vinha enfrentando com os órgãos repressores. Joel Silveira questionou Lobato a respeito das traduções que o escritor fazia na época da reportagem. O entrevistado contou sobre um livro que estava traduzindo, Um mundo, de Wendel Wilkie. ³⁴ Lobato descreveu a obra cujo autor era contra os “imperialismos” e não admitia ditaduras. O tradutor posicionou-se a favor das ideias de Wilkie e afirmou que “um governo deve sair do povo como fumaça de uma fogueira”, frase que os editores de Diretrizes deram destaque, ao escolhê-la como manchete da reportagem. O texto foi matéria de capa da revista naquele número, que estampou uma foto de Monteiro Lobato e a manchete como chamada de conteúdo. Para Lobato, um governo que não viesse da “emanação popular” estaria condenado ao desaparecimento: • Wilkie não admite mais imperialismos, nem o britânico e nem sequer os imperialismos internos dos Estados Unidos (...). Também não admite ele nenhuma espécie de ditadura, não concebe nenhum governo que não seja de pura emanação popular. Um governo deve sair do povo como fumaça de uma fogueira. Aliás eu penso como ele, governo que não for assim é cavilação, não tem legitimidade está condenado ao desaparecimento em conseqüência do inevitável resultado desta guerra. ³⁵ A reportagem de Joel Silveira sobre Monteiro Lobato tornou-se antológica e passou para a memória do autor como a causa que levou o DIP ao fechamento de Diretrizes. De fato, os responsáveis pela publicação foram bastante ousados ao dar destaque às declarações de Lobato, mas o fim do periódico deu-se somente no ano seguinte, por motivos diversos. O equívoco da lembrança de Joel foi reproduzido em diversas referências sobre o jornalista e sobre a revista de Samuel Wainer. ³⁶ O esquecimento não foi mero efeito do tempo sobre a memória, pois Joel tomou para si a responsabilidade pelo fechamento de Diretrizes, construindo uma imagem de repórter heróico, que combateu o Estado Novo, como se verificou anteriormente. Apesar da ousadia de Joel Silveira em entrevistar Monteiro Lobato, não se deve esquecer que em 1943 o Estado Novo aproximava-se de seu fim, enfraquecido por conta do apoio do governo brasileiro aos aliados, na guerra. O alinhamento com regimes democráticos como o dos Estados Unidos e os ataques de submarinos alemães aos navios brasileiros, em meados de 1942, provocaram o questionamento da situação interna e a

queda de membros do governo, admiradores do nazifascismo, como Lourival Fontes, do DIP. ³⁷ Por outro lado, não se deve menosprezar a ação da censura e da propaganda política, que persistiam. Se as manifestações contra a ditadura ganhavam força, os governantes não temiam em reagir em face delas. O contexto internacional também foi tema abordado por Joel Silveira em suas colaborações. O autor alinhou-se a grupos contrários aos autoritarismos de direita e publicou textos contra estes regimes. Mesmo antes do início da guerra, Joel preocupou-se com o avanço de tal vertente política. Nos seus faits divers, ridicularizou a imagem de Adolf Hitler: “O fueher está atrapalhado. Como é solteiro, passa as noites em claro fazendo poses diante do espelho. Enquanto aqui fora, os homens vão tendo consciência (...) da inutilidade da existência do fueher.” ³⁸ Na ocasião da anexação da Áustria pela Alemanha, assim descreveu a situação: A gente leu toda a história pelos jornais. O sr. Hitler não é poeta. Acredita demais nos homens e não acredita em nada no espírito dos homens. Lambeu a Áustria, sem ter motivos suficientes. Os jornais trouxeram fotografias da gente austríaca fremindo de entusiasmo à passagem do fueher. Mas os jornais não retrataram as baionetas que estavam por detrás alumiando o esplendoroso sol daquela manhã belíssima. (...) ³⁹ Iniciada a guerra, o governo brasileiro optou pela neutralidade, visto que Vargas não apoiou nenhuma das partes beligerantes. Houve momentos em que o presidente flertou com a o nazifascismo, mas em outros, aproximou-se de regimes democráticos. Durante a vigência da pretensa “neutralidade” brasileira, os responsáveis pelos órgãos de censura proibiram que os editores de jornais e revistas tomassem partido em relação aos países em conflito. Tampouco se permitiu mencionar a posição neutra do país frente ao evento. ⁴⁰ Joel Silveira, em seu turno, encontrou meios para abordar a temática da guerra e a neutralidade brasileira, sem despertar a atenção dos censores. Este foi o caso da reportagem “24 horas na vida de uma datilógrafa”, publicada no Suplemento Literário de Diretrizes, em abril de 1940. O título do texto fazia alusão ao romance Vinte quatro horas na vida de uma mulher (1928), do escritor austríaco Stefan Zweig. No romance, Zweig narrou as aventuras amorosas de uma personagem milionária, a sexagenária Mrs. C. Para além do título semelhante ao romance austríaco, Joel fez uma reportagem fora dos padrões convencionais, com personagens inventados, em torno da datilógrafa Maria Cândida (nome alusivo ao da personagem Mrs. C., de Zweig), pobre e moradora do subúrbio carioca. Maria Cândida trabalhava em uma fábrica de leite condensado. Seu patrão chamava-se Petin, justamente o nome do marechal francês, que meses mais tarde, lideraria o regime de Vichy, marco da invasão alemã na França. A semelhança não foi ocasional. Joel Silveira descreveu seu personagem Petin “perdidamente apaixonado” por uma de suas funcionárias, Lúcia, suíça (de origem alemã), loira e de olhos azuis:

Mas acontecia, precisamente, que o Sr. Petin de fato estava apaixonado (...).O Sr. Petin só sorria para Lúcia. O Sr. Petin só dava explicações à Lúcia. O Sr. Petin estava totalmente afogado nos olhos azuis (...) ⁴¹ No texto, a datilógrafa Maria Cândida via-se no meio de um conflito, em seu local de trabalho. Tinha medo que seu patrão, Petin, a demitisse, por conta de sua predileção pela suíça Lúcia, ao mesmo tempo em que não queria inimizades com a colega de repartição. Além disso, havia outra colega de Cândida no escritório, Norma, que era apaixonada por Petin, mas estava enciumada, pois o patrão preferia a suíça. Norma cobrava um posicionamento de Cândida a seu favor: “Norma fareja qualquer traição, diz mesmo embora para si, que Cândida é uma reles espiã” ⁴² É interessante notar o vocabulário de guerra utilizado por Silveira para descrever o conflito de Cândida. É possível afirmar que, ao descrever a posição de “neutralidade” de Cândida, o jornalista referia-se, veladamente, à posição do Brasil na guerra. No tópico intitulado “Hora das definições”, Joel assim narrou: Maria Cândida é francamente da neutralidade. Sua posição dentro da vida é sempre uma conseqüência das demais partes beligerantes. Entre outros tópicos da sua filosofia, que não citaremos aqui, há um que diz isto: “Fique neutra e deixe o barco correr”. ⁴³ Por outro lado, não foram apenas as determinações dos órgãos repressores que fizeram com que Joel Silveira evitasse abordar a guerra e tomar partido em relação aos países em conflito. Vale lembrar a existência do pacto germano-soviético, assinado pelos dirigentes da Alemanha e da União Soviética, semanas antes do início da guerra. Com o tratado, os admiradores do socialismo, em todo mundo, deveriam poupar o regime alemão, antes alvo de suas críticas. Para seguir as orientações dos socialistas, Joel tornouse colaborador do jornal pró-Alemanha, Meio Dia, de Joaquim Inojosa, entre 1939 e 1940, caminho seguido por muitos escritores que admiravam o socialismo, de acordo com seu livro de memórias Hitler / Stálin – o pacto maldito, no qual relembrou com muito incômodo os pormenores do acordo. ⁴⁴ Além disso, Silveira não mencionou a Alemanha em suas colaborações para Dom Casmurro e Diretrizes, durante a vigência do tratado (setembro de 1939 a julho de 1941). Apesar de colaborar em Meio Dia e evitar menções à Alemanha, Joel lamentou a queda da França sob domínio nazista: Sim, sei que o remédio existe, eu devo torcer pelo outro lado. Mas, não sei, me parece que há comigo quaisquer restantes gramas de escrúpulos. Eu nunca torceria contra a França, nem por brincadeira. ⁴⁵ Em julho de 1941, os alemães invadiram a União Soviética, provocando o fim do tratado e Joel voltou a mencionar o país germânico em seus textos. A neutralidade brasileira também findou quando os japoneses atacaram a base norte-americana de Pearl Harbor, em dezembro de 1941, e os Estados Unidos entraram no conflito. O governo brasileiro apoiou o país norteamericano e, em meados de 1942, declarou guerra à Alemanha, por conta dos navios brasileiros afundados por submarinos alemães. Desta forma, as

críticas aos países do Eixo não eram mais proibidas. A partir deste momento, as reportagens de Joel Silveira escancararam sua posição contrária ao nazifascimo, conforme manchete de alguns textos: “Não quero ser parafuso da máquina nazista” (1942), “Um altar para Hitler em cada casa de Blumenau” (1943); “Eu vi nascer o NAZISMO!” (1943). Joel Silveira realizou reportagens sobre indivíduos que eram contra o nazifascismo. O jornalista inquiriu seus entrevistados a este respeito. Todos os interlocutores abordaram os aspectos negativos de tal regime. Na matéria que fez sobre o compositor de origem germânica Walter Schultz, destacou que “ele [Walter Schultz] é intransigentemente contra o nazismo. Acredita, e com muita sabedoria, que nenhum artista pode viver independente na Alemanha. O nazismo não é clima amigo para as artes.” ⁴⁶ É possível afirmar que ao criticar o nazifascismo, os editores de Diretrizes visaram estocar a situação interna, eximindo-se de abordar a questão de maneira direta. Numa reportagem sobre Olegário Mariano, que perdeu o mandato de deputado após a decretação do Estado Novo, afirmou-se que a democracia seria o melhor regime para o Brasil de após guerra, nos planos que os intelectuais fizeram para o país no cenário do futuro, imaginando que a derrota do totalitarismo na Europa se estenderia por aqui: Discutir política não é o forte de Olegário Mariano. Mas nós o provocamos e ele não deixa de dar os seus palpites. É de opinião, por exemplo, que o Brasil está atravessando um período de transição. Para ele, nosso verdadeiro caminho é o da velha democracia, a democracia de José Mariano e do deputado Olegário Mariano, com suas virtudes e seus defeitos. Democracia nos velhos moldes, como a poesia. Mas tal ressurreição seria possível no mundo de amanhã? Olegário não sabe. Talvez que surja uma nova democracia, mais humana, mais objetiva, com mais virtudes do que vícios. Olegário não sabe, não gosta de fazer profecias. Mas ficaria contente se amanhã voltasse a imperar a mesma velha democracia que lhe deu uma cadeira de deputado, a democracia que tirou um poeta do seu canto para por numa tribuna discutindo política. (...) E num suspiro: • Não sei como será a nova democracia depois da guerra. Só sei que experimentei a velha e gostei. Contento-me com ela, já disse. ⁴⁷ Por outro lado as críticas ao nazifascismo figuraram no sentido de apoiar determinadas atitudes dos governantes. Vale lembrar que, neste caso, o nazifascimo era inimigo comum do governo brasileiro e dos editores de Diretrizes. A política nacionalista de Vargas perseguiu a atividade de estrangeiros, em especial de alemães e italianos que difundiram a cultura destes países e os ideais do nazismo e fascismo, sobretudo, no sul do Brasil. Estes indivíduos foram designados como “quinta-colunas”. As reportagens de Joel que denunciaram atividades quinta-colunistas elogiaram a atitude dos governantes em reprimi-las. Num dos textos, Silveira reproduziu diálogo

entre o general Meira de Vasconcelos e os diretores de escolas alemãs em Santa Catarina, decretando o fim destas instituições: • O governo alemão permitiria uma escola essencialmente brasileira em Berlim ou em qualquer outra cidade alemã? Uma escola onde a única língua adotada fosse a brasileira, onde os hinos, as bandeiras e os livros adotados fossem brasileiros? Os professores vacilaram. O general Meira teimou: • Quero que respondam. O Reich permitiria? • Pois de agora em diante, o governo brasileiro também não permitirá. Os senhores têm 48 horas para fechar esta escola. ⁴⁸ Ao mesmo tempo em que se posicionou contra o nazifascismo, Silveira demonstrou simpatia à Rússia, em suas colaborações, flertando com o socialismo. Haja vista sua a atuação durante a vigência do pacto germanosoviético, em que silenciou sobre a Alemanha, numa época em que tal atitude foi recomendada aos esquerdistas. Numa oportunidade, realizou reportagem sobre a criação do Banco de Sangue do Rio de Janeiro, conclamando a população a contribuir com o instituto, visto que em uma época de guerra, tal colaboração seria necessária. O autor afirmou que o Instituto de Transfusão de Sangue de Moscou era o mais importante entre todos, demonstrando admiração pela instituição russa. De acordo com o jornalista, o Instituto de Moscou seria o pioneiro na extração de sangue de cadáveres e conservação fora do corpo humano: Mas de todos os Institutos de Transfusão de Sangue, o mais importante é o de Moscou. Judina, Chamov, Skoudina, Babendoin são sábios do Instituto de Transfusão de Sangue e Moscou, sábios que têm descoberto maravilhas na matéria. Uma delas é a extração de sangue de cadáveres para ser injetado em pessoas vivas. Foi em Moscou que se descobriu também a maneira de conservar sangue fora do corpo humano. ⁴⁹ Vale lembrar que os dirigentes dos órgãos repressores proibiram posicionamentos favoráveis ao país soviético, com o qual o governo brasileiro havia rompido relações, por conta do temor de que uma onda socialista se espalhasse pelo mundo. Em 1941, os responsáveis pelo DIP determinaram: “Fuzilem a Rússia, impiedosamente...”. ⁵⁰ As determinações do DIP não impediram que Joel persistisse com as declarações favoráveis ao país socialista. Em outra oportunidade, Silveira realizou reportagem sobre o embaixador do Chile no Brasil, Gabriel Gonzalez Videla. O entrevistado era membro do Partido Radical chileno, que, juntamente com os socialistas, apoiava o governo da Frente Popular, no Chile. Silveira questionou Videla diversas vezes sobre a experiência democrática no país vizinho. O embaixador elogiou a posição do Brasil na guerra contra o nazifascismo. Justamente no final da entrevista, Silveira inquiriu Videla sobre os rumos do mundo após o fim do conflito. O embaixador afirmou que a política mundial necessitava de novas diretrizes, que seriam renovadas pelo socialismo: Em primeiro lugar, no mundo de após guerra, terá que ser imposta uma moral relacionada à primazia do direito sobre a força bruta. Isto quer dizer

que as democracias terão de estabelecer o princípio de que nenhum país no futuro poderá se valer da força para resolver seus próprios problemas (...). É também necessário que cessem no mundo os imperialismos políticos e econômicos, que desapareçam os opressores e os oprimidos, que sejam acabadas as lutas aduaneiras, que os nacionalismos exagerados se temperem, que sejam postas abaixo as autarquias, e que a Grande Democracia universal se fundamente numa melhor distribuição da riqueza e da produção, afim de que reine a justiça social que há de outorgar às massas proletárias do mundo um melhor bem-estar econômico, intelectual e social (...) A democracia do futuro será mais humana e de melhor moral, o que lhe permitirá um caráter de juventude e de renovação. Em outras palavras, a democracia que serviu ao capitalismo, para a criação da luta de classes e da exploração do homem, terá que modificar suas diretrizes. Tais diretrizes serão renovadas pelo socialismo. ⁵¹ Tais declarações não foram proferidas por Joel Silveira, mas é necessário lembrar que em uma entrevista, aquele que questiona também se torna autor do discurso produzido pelo entrevistado, pois conduz o diálogo, de acordo com suas intenções e interesses. Além disso, o espaço aberto em Diretrizes, para tais posicionamentos, demonstrou que Silveira e os editores da revista concordaram com estes ideais. Ademais, o jornalista mobilizou a entrevista como estratégia para eximir-se das declarações favoráveis ao socialismo, caso fosse questionado pelos censores. É possível afirmar que, ao abrir espaço em suas colaborações para declarações favoráveis à União Soviética, Joel Silveira foi, de fato, simpatizante do socialismo. Em 1940, o jornalista foi fichado pelas polícias políticas da época, para as quais foi considerado como “esquerdista”: Figura o prontuariado aqui registrado preventivamente, como elemento de orientação esquerdista, tendo sido um dos signatários de uma ‘Declaração de Princípios contra as Insídias dos Traidores e as Intrigas da Quinta Coluna. ⁵² Conforme se observou, Joel Silveira expôs críticas ao governo de Vargas e deu destaque às defesas do regime soviético, em sua produção. Apesar da rígida censura, o jornalista não teve suas atividades interrompidas e persistiu com seu ofício durante todo o Estado Novo. Em 1942, os responsáveis pelo DIP publicaram o Anuário da Imprensa Brasileira, obra na qual apresentaram um balanço de todas as atividades impressas do país, relativas ao ano anterior (1941). No Anuário, apresentaram-se as listas de todos os jornalistas que conseguiram registro junto ao órgão para continuar em suas atividades. O nome de Joel Silveira não figurou em tal relação. ⁵³ Apesar da ausência de seu nome nas listas de permissão do DIP, Silveira continuou em seu ofício, sem maiores problemas. Evidentemente Silveira não passou incólume. Em algumas oportunidades, publicou matérias favoráveis ao governo. Não se sabe, contudo, se tratou de material encomendado pelo DIP, ou se consistiu em estratégia dos responsáveis pelos periódicos em que trabalhou, no sentido de evitar problemas com a censura. Numa reportagem, o autor elogiou as ações do governo do estado da Paraíba. É interessante notar que no texto, Silveira não fez referências à figura de Vargas, tampouco ao Estado Novo, mesmo

que tenha estabelecido relação entre “espírito” do movimento de 30 com as realizações na Paraíba: Dentro do espírito do Brasil de agora, a Paraíba aparece como um marco de notáveis realizações, todas elas realizadas sob a orientação de um espírito novo – este espírito que nasceu com a revolução de 30 e que continua ainda hoje na sua linha ascendente de transformação radical de costumes e de pensamento. Este pequeno Estado do Nordeste mais do que nenhum outro compreendeu a importância desta hora em que o Brasil realiza com todas as suas forças uma metamorfose completa de sua consciência – momento que vai ficar como marco divisório entre duas épocas distintas. Todos os seus dirigentes atuais, aptidões criadas e acalentadas pelo novo estado de coisas dispensam o melhor de suas forças na realização de um governo que vem do povo e vai para o povo, governo que se deixa influenciar benéfica e honestamente pelas mais simples camadas populares, ascultando-as , sentido-as, ouvindo-as e satisfazendo-as nos seus desejos mais possíveis e mais lógicos. ⁵⁴ Apesar da resistência à ditadura, as relações de Joel Silveira e seus colegas de ofício com a política de seu tempo foram complexas. Em outubro de 1943, os editores da revista Diretrizes noticiaram que a publicação havia sido registrada como “Empresa Editora Diretrizes Ltda.” sob a batuta de uma Sociedade Anônima, da qual fez parte o político gaúcho João Neves da Fontoura, representado pelo jornalista Joel Silveira. ⁵⁵ Na época, João Neves era membro do governo Vargas, sendo embaixador do Brasil em Portugal. ⁵⁶ Não se sabe, contudo, se a presença de um membro do governo Vargas na sociedade de Diretrizes consistiu em intervenção por parte da censura. O fato não constou nas várias memórias de Silveira, que figurou como representante de João Neves. A questão também não foi mencionada nas memórias de Samuel Wainer, sobre a revista. O que se sabe é que mesmo após a entrada de João Neves na Sociedade proprietária da revista, seus editores persistiram com seu posicionamento de resistência, publicando suas críticas. Quais os interesses de João Neves nessa publicação? Vale ensaiar uma resposta a partir de sua trajetória. De fato, o político foi membro do governo Vargas, o que não significa que compartilhou dos pressupostos do Estado Novo. João Neves ocupou diversos cargos da política do Rio Grande do Sul, participando ativamente da vida pública de seu estado, desde 1907 quando, ainda jovem, passou a apoiar o Partido Republicano do Rio Grande do Sul. Fontoura foi um importante aliado de Getúlio Vargas e de Borges de Medeiros e acompanhou o primeiro no golpe de 1930, apoiando o movimento.

Porém, após o início do governo provisório, o tenente passou para a oposição. João Neves apoiou os paulistas no levante de 1932. Anistiado por Vargas, elegeu-se deputado em 1934 tornando-se um dos articuladores de uma oposição parlamentar ao governo federal. A documentação encontrada no arquivo das polícias políticas, do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ), demonstrou que, nesta época, João Neves foi fichado e espionado pelos órgãos repressores. A polícia desconfiava que participasse da organização de um golpe contra Vargas. Na documentação, consta um dossiê bastante volumoso sobre João Neves, incluindo centenas de recortes de jornais e revistas com matérias, notícias e entrevistas por ele concedidas. Após o golpe de 1937 e o fim dos partidos políticos, João Neves foi compelido a abandonar sua atividade parlamentar e articulações contra Vargas. A partir de então, ocupou cargos no governo, como a assessoria jurídica do Banco do Brasil e a embaixada de Portugal. Assim como outros políticos e intelectuais do período, sua participação no governo não definiu um posicionamento pró-Estado Novo. De qualquer modo, a intervenção de João Neves em Diretrizes demonstrou que os editores da revista valeram-se do nome de um membro do governo, com a finalidade de garantir sua existência. Por outro lado, se João Neves continuava a se articular como contrário a Vargas, mesmo atuando em cargos do governo, teve em Diretrizes, uma possibilidade de se unir a grupos de oposição, dentro de limites bastante estreitos. Não se deve perder de vista que nesta fase, diversos grupos políticos e intelectuais se organizavam contra a ditadura de Vargas, como por exemplo, aqueles que assinaram o Manifesto dos mineiros, considerado a primeira manifestação aberta contra a ditadura, publicado justamente em outubro de 1943, quando o nome de João Neves foi mencionado como sócio de Diretrizes. A partir da análise da trajetória política de João Neves da Fontoura, percebese que Getúlio Vargas tinha interesse em mantê-lo em alguns cargos do governo, por se tratar de um influente político. Por outro lado, a exemplo de muitos intelectuais e políticos do período, João Neves tinha no Estado seu principal meio de subsistência, o que não consistiu em alinhamento com a política governamental. Não há, contudo, informações para explicar sua relação com Joel Silveira, que foi seu representante na sociedade anônima da revista Diretrizes. O que se sabe é que, no ano anterior, em maio de 1942, Joel Silveira realizou uma reportagem sobre João Neves da Fontoura, na qual discorreu sobre a longa trajetória política do entrevistado, desde a juventude no Rio Grande do Sul, quando era aliado de Vargas e Borges de Medeiros, até os anos 1930, destacando posicionamentos que interessavam ao jornalista e ao grupo de Diretrizes, como a atuação de Fontoura contra os integralistas. Joel Silveira assim descreveu Fontoura: “Na política e em toda sua vida, João Neves sempre adotou uma posição essencialmente democrática. Ele é um liberal na melhor acepção do termo” ⁵⁷ Em determinado trecho do texto, Silveira lembrou que o político gaúcho sempre foi substituto do então presidente Getúlio Vargas e o entrevistado elencou alguns momentos em que isto aconteceu, interrompendo a relação com um curioso “mas, parei

aí...”, deixando “nas entrelinhas”, que o natural seria substituí-lo, ainda, na presidência da república: Durante muito tempo, João Neves foi o substituto do atual presidente Getúlio Vargas. Antes de se formar, pela Faculdade de Direito de Porto Alegre, substituíra Getúlio Vargas na promotoria da capital gaúcha. Mais tarde, como vice-presidente do Estado, era o substituto legal de Getúlio Vargas no governo do Rio Grande. E ainda mais tarde, foi substituto do presidente Vargas na liderança do partido governamental. Hoje, João Neves diz, com bom humor: • Fui substituto do Getúlio na promotoria, na vice-presidência e na liderança. Mas, parei aí... ⁵⁸ A presença de João Neves na sociedade da revista não impediu que Diretrizes fosse fechada em meados de 1944, por ordem do DIP, devido a publicação de diversos posicionamentos contrários ao Estado Novo e matérias favoráveis ao socialismo e/ou União Soviética. De acordo com suas memórias, após o fechamento da revista, Joel Silveira teria se escondido em Sergipe, sua terra natal, temendo ações mais severas por parte dos órgãos repressores. “Nada mais havia a fazer a não ser me esconder” ⁵⁹ Porém, o jornalista continuou normalmente em suas atividades. Com o fim de Diretrizes, conseguiu emprego nos Diários Associados e foi enviado por Assis Chateaubriand para acompanhar a atuação da FEB na Itália, como correspondente de guerra. Conclusão Joel Silveira externou posicionamentos contrários ao regime de Vargas, em suas colaborações para Dom Casmurro e Diretrizes, sobretudo nesta última publicação, que deu maior destaque para a discussão das questões políticas da época e dos problemas brasileiros. Em relação ao contexto internacional, o autor posicionou-se contra o avanço dos totalitarismos de direita e, em alguns momentos, estas críticas foram mobilizadas para espelhar a situação interna. O socialismo foi defendido como projeto para o país, no cenário que emergiria após a guerra. Apesar de ter suas atividades acompanhadas de perto pela significativa ação da censura, Silveira atuou durante grande parte todo o Estado Novo, como jornalista de oposição, sem que seu trabalho fosse interrompido. Os governantes não conseguiram efetivar seu desejo de cercear a expressão de todos os opositores, possibilitando algumas atuações, como esta de Joel Silveira, na imprensa carioca. A figura do repórter heroico que combateu o Estado Novo, não foi uma construção meramente autobiográfica de seu autor, anos mais tarde. Referências BARBOSA, Marialva. História cultural da imprensa. RJ: Mauad X, 2007. CAPELATO, Maria Helena. Multidões em cena. Campinas, SP: Papirus, 1998.

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(1996), Na fogueira (1998), A camisa do senador (2000), Memórias de alegria (2001), O inverno da guerra (2004), entre outros. 3 . De Luca, Leituras, projetos e (Re)vista(s) do Brasil (1916-1944), p. 116. 4 . Souza, A ação e o imaginário de uma ditadura. 5 . Skidmore, Era de Vargas (1930-1945). In: __. Brasil: de Getúlio Vargas a Castelo Branco, p. 21-71. 6 . Sobre as remodelações do órgão de censura ver Capelato, Multidões em cena. 7 . De Luca; Martins, Imprensa e cidade, p. 64-65. 8 . Lenharo, Sacralização da política, p. 39. 9 . Ver Oliveira, Lourival Fontes: o intelectual do DIP. In: Bomeny, Constelação Capanema. 10 . Souza, op. cit. 11 . Capelato, op. cit. 12 . Apud Barbosa, História cultural da imprensa, p. 103. 13 . Goulart, Sob a verdade oficial. 14 . De Luca, A grande imprensa na primeira metade do século XX. In: __.; Martins, (orgs.). História da imprensa no Brasil, p. 172. 15 . Hobsbawn, Era dos extremos, p. 43-51. 16 . Sobre a perseguição aos emigrados do leste europeu, alemães e italianos ver, respectivamente: Wiazovski, Inventário DEOPS – Bolchevismo e Judaísmo; Dietrich, Inventário DEOPS – Alemanha; Santos, Inventário DEOPS – Os seguidores do Duce. 17 . Capelato, O Estado Novo. In: Ferreira; Delgado (orgs.). O Brasil republicano II, p. 108-143. 18 . Oliveira, Lúcia Lippi. Apresentação. In: __.; Gomes, Ângela de Castro; Velloso, Mônica. Estado Novo: ideologia e poder. RJ: Zahar, 1982, p. 07. 19 . Capelato, Estado Novo: novas histórias. In: Freitas, (org.), Historiografia brasileira em perspectiva, p. 183-213. 20 . Entrevista concedida a Fernando Albuquerque Miranda. Joel Silveira, correspondente de guerra. In: Melo (org.), Imprensa brasileira, p. 99. 21 . Capelato, op. cit., p. 282-283. 22 . Ver De Luca, Leituras, projetos e (Re)vista(s) do Brasil (1916-1944); Garcia, Revista Careta.

23 . Levine, Pai dos pobres?, p. 81-82. 24 . Silveira, Joel. Os intelectuais e o sr. José Américo. Dom Casmurro, RJ, nº 08, p. 6, 7 jul. 1937. 25 . Capelato, Propaganda política e o controle dos meios de comunicação. In: Pandolfi (org.), Repensando o Estado Novo, p. 175. 26 . Silveira, Joel. A falta d’água e outros problemas capitais. Dom Casmurro, RJ, nº 115, p. 2, 24 ago. 1939. Seção Podia ser pior. 27 . Idem, Grã-finos em São Paulo. Diretrizes, RJ, nº 178, p. 1, 25 nov. 1943. 28 . Idem, Dez homens contra uma classe. Diretrizes, RJ, nº 121, p. 3, 22 out. 1942. 29 . Levine, op. cit. 30 . Ibidem. 31 . Silveira, Joel. A miséria cria um mundo. Diretrizes, RJ, nº 203, p. 22, 25 maio 1944. 32 . Idem, Dudu, um palhaço que dirige um “trust”. Diretrizes, RJ, nº 60, p. 20, 14 ago. 1941. 33 . De Luca, Monteiro Lobato. In: AXT; SCHÜLER (orgs.), Intérpretes do Brasil, p. 153. 34 . Wendel Wilkie (1892-1944) foi candidato à presidência dos Estados Unidos em 1940, mas foi derrotado por Franklin Delano Rosevelt. Wilkie se opunha à política intervencionista do new deal, idealizada por Roosevelt. 35 . Silveira, Joel. Um governo deve sair do povo como a fumaça de uma fogueira. Diretrizes, RJ, nº 167, p. 15, 9 set. 1943. 36 . Joel informou o dado em Silveira, Joel. O Estado Novo e o getulismo. Entrevista concedida a Gilberto Negreiros. Folha de S. Paulo, 9 jan. 1979. Disponível em: http://almanaque.folha.uol.com.br/memoria-S:tm. Acesso em: 18 set. 2006. A informação foi reproduzida em muitos textos, entre os quais podemos destacar Moraes, Chatô, o rei do Brasil, p. 423; e Morais, Fernando, A víbora está viva. Posfácio de Silveira, A milésima segunda noite da Avenida Paulista, p. 200. 37 . Capelato, op. cit., p. 113. 38 . Silveira, Joel. Aconteceu nesta semana... Dom Casmurro, RJ, nº 67, p. 8, 10 set. 1938. 39 . Ibidem. 40 . Apud Souza, op. cit., p.271.

41 . Silveira, Joel. 24 horas na vida de uma datilógrafa. Diretrizes, RJ, nº 24, p. 12 do Suplemento Literário, abr. 1940. 42 . Idem, p. 11. Grifo nosso. 43 . Idem, p. 12. Grifo nosso. 44 . Silveira; Moraes Neto, Hitler/Stálin. 45 . Silveira, Joel. Podia ser pior... Dom Casmurro, RJ, nº 152, p. 2, 8 jun. 1940. 46 . Idem, Sou um romântico: nasci assim. Diretrizes, RJ, nº 109, p. 9, 30 jul. 1942. 47 . Idem, Minha lira só tem uma corda. Diretrizes, RJ, nº 148, p. 22, 29 abr. 1943. 48 . Idem, Um altar para Hitler em cada casa de Blumenau. Diretrizes, RJ, nº 154, p. 13, 10 jun. 1943. 49 . idem, O Brasil vale o teu sangue. Diretrizes, RJ, nº 136, p. 12, 4 fev. 1943. 50 . Ibidem, p. 290. 51 . Idem, O povo do Chile quer a ruptura com o eixo. Diretrizes, RJ, nº 125, p. 4, 19 nov. 1942. 52 . Prontuário de Joel Silveira, organizado pelas políticas políticas. Acervo do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). 53 . Anuário da Imprensa Brasileira. RJ: Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), 1942. 54 . Silveira, Joel. Presença da Paraíba. Dom Casmurro, RJ, nº 126, p. 7, 25 nov. 1939. 55 . CONSTITUIÇÃO DEFINITIVA DA EDITRA DIRETRIZES S. A. Diretrizes, RJ, nº 171, p. 04, 07 out. 1943. 56 . Ver Moreira, Verbete João Neves da Fontoura. In: Abreu (org.), Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós 30. 57 . Silveira, Joel. O integralismo vive atualmente uma existência de conspiração subterrânea. Diretrizes, RJ, nº 101, p. 4, 28 maio 1942. 58 . Ibidem. 59 . Idem, Memórias de alegria, p. 83. CAPÍTULO 8: A CAMPANHA ANTIBRITÂNICA NAS PÁGINAS DO JORNAL MEIO-DIA (1940-1941) João Arthur Ciciliato Franzolin

O presente artigo analisa as diferentes representações a respeito da Inglaterra veiculadas pelo jornal Meio-Dia, projeto do escritor Joaquim Inojosa, o qual circulou entre 1° de março de 1939 e 31 de outubro de 1942 e fez uma opção editorial pouco comum: apoiou a Alemanha nazista. Para efetuar tal análise, além do conceito de representação de Chartier, cumpre ressaltar o uso da metodologia proposta por Tânia Regina de Luca e Maria Helena Rolim Capelato, que consideram os discursos veiculados em jornais e revistas como dotados de um projeto político que é passado diariamente aos leitores, por meio dos editoriais e artigos. ¹ Antes de proceder à análise propriamente dita, vale ressaltar algumas informações importantes sobre o periódico, devido ao fato de ser um órgão de imprensa pouco conhecido. Quando o Meio-Dia chegou às bancas, o Estado Novo de Getúlio Vargas já contava um ano e três meses de existência e a nova constituição, elaborada por Francisco Campos, havia alterado significativamente a relação dos jornais com o governo, pois submeteu-os à autoridade do Estado, como dispunha o Artigo 122, parágrafo 15 da Constituição que, dentre outras disposições, estipulava: “a imprensa exerce uma função de caráter público”. ² Quando o Meio-Dia iniciou suas atividades, o governo contava com o Departamento Nacional de Propaganda (DNP), substituído em 27 de dezembro de 1939 pelo DIP, responsável pela intensificação do controle da imprensa e de outros meios de comunicação. ³ O DIP estava subordinado à Presidência da República e suas funções eram muito mais abrangentes que as desempenhadas pelos órgãos que o antecederam. Compunha-se das seguintes divisões: Divulgação, Radiodifusão, Cinema e Teatro, Turismo, Imprensa e Serviços Auxiliares e era responsável pela publicidade de todo o governo. Os jornais eram fiscalizados pela Divisão de Imprensa e pelo Conselho Nacional de Imprensa, os quais davam chancela a novas publicações e controlavam suas atuações no cotidiano. ⁴ O jornal tinha como diretor-proprietário e fundador Joaquim Inojosa, figura conhecida nos meios literários, pois manteve vínculos estreitos com os protagonistas da Semana de Arte Moderna de 1922. Porém, sua atuação jornalística no Rio de Janeiro durante os anos 1930 e 1940 continua pouco conhecida. Embora não se disponha de uma biografia de Inojosa, sua correspondência com Mário de Andrade, Oswald de Andrade e outros escritores constitui-se em fonte privilegiada para acompanhar sua trajetória. Parte de suas cartas foram reproduzidas em seu livro O movimento modernista em Pernambuco, publicado em três volumes. Inojosa é reconhecido na atualidade como o maior propagador dos ideais modernos no Nordeste e Norte do Brasil, a começar por sua terra natal, Pernambuco. Sob o comando de Inojosa, o Meio-Dia surgiu como um vespertino e assim se manteve enquanto circulou. Não saía aos domingos, quando só eram editados matutinos, e conseguia maior margem de lucros às segundas-feiras, quando não sofria a concorrência dos últimos. Já O título do jornal, MeioDia, pode ter se originado do fato de chegar às ruas entre as onze horas da manhã e o meio-dia. Entretanto, segundo Joaquim Inojosa, as motivações eram mais amplas, como ele deixou patente ao explicitar suas expectativas em relação à publicação:

MEIO-DIA é um símbolo. “Sol pleno-zenital”, ou “alvorada”, como o crismaram confrades ilustres, a força de sua vitória no jornalismo brasileiro reside na própria vontade de colaborar pela grandeza do Brasil, na hora em que a pátria convoca os seus filhos para a disciplina, para o trabalho e para a ordem. Jornal moderno, rápido, informativo, independente, aparece exatamente quando a técnica moderna invade o país no setor das diversas indústrias, dentro de cujo progresso terão os jornais de enquadrar-se se quiserem sobreviver. MEIO-DIA aí está, para servir ao povo e para ser julgado pelo povo. ⁵ Como fez questão de destacar Inojosa, o Meio-Dia possuía uma especificidade: havia surgido no contexto do Estado Novo. A apresentação não deixa dúvidas quanto à simpatia pelo regime e à intenção de colaborar com o mesmo, o que, de fato, verifica-se por meio da linha editorial adotada, que exaltava o regime, sua política e o presidente Getúlio Vargas. Mesmo assim, tal postura não impediu que o jornal entrasse, várias vezes, em confronto com o DIP, tanto pelo fato de burlar, constantemente, o horário estabelecido para a saída dos vespertinos, quanto por ter publicado editoriais e artigos de política internacional em desacordo com as recomendações do órgão. Nos seus primeiros momentos de existência, os editoriais eram publicados de forma irregular, sem periodicidade certa e marcando presença somente em ocasiões especiais. Não traziam assinatura e possuíam diferentes títulos a cada edição, ao sabor dos acontecimentos. Localizavam-se em uma das primeiras quatro páginas, variando em cada edição. Tal escolha não se alterou ao longo do tempo, ainda que, a partir de 1940, tenha havido maior concentração nas duas primeiras páginas e, a partir de 1941, se optasse, preferencialmente, pela segunda. O editorial diferenciava-se do restante do conteúdo por ser publicado num box, sempre em destaque (Figuras 1 e 2) e juntamente com a coluna assinada por Joaquim Inojosa, expressava a opinião do vespertino. O artigo de Inojosa (Figuras 3 e 4), que fazia às vezes de editorial, oscilou entre as três primeiras páginas, enquanto a diagramação variava, ainda, de acordo com a edição. O artigo chegou a ocupar um pedaço da primeira página e seguir na segunda, sempre com título diferente a cada edição.

Como já foi afirmado, os editoriais e os artigos de Joaquim Inojosa expressavam a opinião do jornal, razão pela qual foi necessário analisar, em detalhes, todo o material. Essa empreitada permitiu distinguir duas temáticas principais: o Estado Novo, quantitativamente menos numerosa, e a Segunda Guerra Mundial, que tomou vulto crescente nas páginas do vespertino. Em relação à primeira, destaca-se a exaltação de Vargas e do regime e, no que respeita à segunda, com o desenrolar do conflito, o jornal tomou posições variadas no decorrer do tempo em relação aos beligerantes, e principalmente em relação ao então Império Britânico. De fato, em 1939 teve postura pró-inglesa, enquanto que em 1942, ano do fim da publicação, teve atitude ambígua em relação aos habitantes das Ilhas. Já no intervalo 1940/1941 o jornal tornou-se inimigo acerbo da Inglaterra, ao mesmo tempo em que defendeu a Alemanha, período que interessa a esse artigo.

Figura 12: À esquerda, editorial do Meio-Dia, intitulado “Natal”, de 23 de dezembro de 1939, publicado na página 1 da Primeira Edição. Repare no box utilizado para realçar a importância do texto. Figura 13: À direita, editorial do Meio-Dia, intitulado “A nova Europa” de 4 de junho de 1941, publicado na página 2 da Edição Final. Repare que o box continua a ser usado para diferenciar o editorial do restante do texto.

Figura 14: À esquerda, coluna de Joaquim Inojosa intitulada “Clube Paz e Amor” publicada no canto superior esquerdo da página 2 da Primeira Edição do jornal de 31 de março de 1939. Figura 15: À direita, coluna de Joaquim Inojosa intitulada “Necessidade de nacionalizar as agências de publicidade” publicada no canto esquerdo da página 3 da Primeira Edição do jornal de 6 de junho de 1941. 1. Contra a “plutocracia” inglesa Em 1940 e 1941 observou-se considerável alteração na linha editorial do jornal. Não por acaso, foi justamente neste momento que as agências de notícias estrangeiras RDV e Transocean, alemãs, e Stefani, italiana, ocuparam significativo espaço nas suas páginas. A grande maioria das notícias internacionais passou a ser provida por essas empresas, que enalteciam os resultados da Alemanha na guerra em curso na Europa. Tal motivo pode ser explicado pelo fato de que Inojosa conseguia manter sua publicação por meio dos lucros advindos da sua empresa Companhia de Fiação e Tecelagem Industrial Mineira, a qual afinal faliu em finais de 1939. A pesquisa apontou o fato de que tais empresas estrangeiras, juntamente com a Embaixada da Alemanha no Rio de Janeiro, foram responsáveis pela manutenção do jornal em 1940-1941.

A mudança de tom em relação aos ingleses não pode ser tão somente explicado apenas pela presença maciça das agências de notícias estrangeiras e dinheiro alemão. A conjuntura internacional mudou significativamente no segundo ano da guerra. Naquele momento, a máquina de guerra alemã ainda parecia invencível. De fato, até a virada em ElAlamein, em 1942, e Stalingrado, no ano seguinte, os nazistas só colecionaram vitórias. Da invasão da Polônia (1939) até o arrefecimento das operações na Rússia (fins de 1941), os exércitos alemães ocuparam todo um continente e estabeleceram um império. Para um contemporâneo do conflito, vitória da Alemanha parecia plausível. É notória a modificação do lugar ocupado pelos Aliados nos editoriais e artigos de Inojosa. ⁶ A Inglaterra, objeto de admiração e respeito ao longo de 1939 transformou-se no país mais visado atacado pelos textos que expressavam a opinião do jornal. Durante todas as operações e fases da guerra, do ataque à Dinamarca e Noruega até a entrada dos Estados Unidos no conflito, registram-se inúmeros comentários depreciativos sobre os ingleses, pelos mais variados motivos. Dentre os mais recorrentes, estava a acusação de deslealdade, daí ser chamada de Pérfida Albion, ⁷ a pecha de terra da plutocracia, a fraqueza e ineficácia de seu exército, a propaganda mentirosa, críticas ao bloqueio marítimo inglês, estratégia para assassinar o povo alemão pela fome, a corrupção dos políticos ingleses, para ficar nas acusações mais recorrentes. Nos anos 1930 e 1940, a Grã-Bretanha já não desfrutava, no cenário internacional, do mesmo poder que detivera na época vitoriana, mas ainda possuía extensas colônias e domínios ao redor do globo, o que lhe garantia lugar entre as grandes potências. Conceder destaque aos ataques alemães à Inglaterra significava diminuir a força dos ingleses e afirmar o poderio da Alemanha que, segundo a opinião do(s) editorialista(s) e do diretor do vespertino, seria nova senhora do mundo. Dessa forma, a glorificação da Alemanha se fazia presente mesmo quando o tema eram os outros países. Havia, dessa forma, uma exaltação direta, quando os alemães eram tema de editoriais e artigos, e outra indireta, pois os países atacados pelo Reich eram alvo de pesadas críticas. É digno de nota que, a partir do início de 1940, França e Inglaterra passaram a ser apresentados como causadores da guerra. Alguns dias antes do início da campanha da Noruega, iniciada em 9 de abril de 1940, nos artigos de Inojosa e nos editoriais há uma série de ataques aos ingleses, responsabilizados pelo início do conflito. ⁸ O título do editorial, Livro Branco Alemão, fazia referência a uma coleção de documentos publicados pelo Reich que elucidava a eclosão e apontava os “responsáveis” pelo fato. O Meio-Dia valeu-se da obra para fazer da “perfídia inglesa” a única causadora do conflito em curso e de outros ocorridos no passado. Asseverava-se que, em breve, a Inglaterra seria vencida pelos alemães, o que a impediria de continuar criando “discórdia” entre os povos. Ao indicar a Inglaterra como culpada pela guerra, o autor livrava a Alemanha de qualquer participação na eclosão do conflito, muito embora o Reich tivesse invadido a Polônia em 1 de setembro de 1939, o que levou os Aliados à guerra dois dias depois.

Outro texto sobre a mesma temática foi publicado quando os exércitos alemães já haviam atacado Holanda, Bélgica, Luxemburgo e França. Nele afirma-se que a proposta de paz feita pelos alemães, ainda em 1939, foi considerada, por ingleses e franceses, um “ato de fraqueza” da Alemanha, erro fatal de cálculo, tendo em vista que, nesse momento, parte considerável da Europa já se dobrara ao poderio germânico, apesar do bloqueio marítimo inglês imposto à Alemanha. ⁹ O título do editorial tem seu nome retirado de Tu l’as voulu, George Dandin, expressão utilizada na peça de Molière, George Dandin ou le Mari confondu, de 1668, que significa “É sua culpa, George Dandin” ou “Você pediu por isso, George Dandin”. Trata-se de alusão ao bloqueio marítimo inglês contra a Alemanha que, supostamente, trazia prejuízos para a própria Inglaterra. Na visão do autor, a derrota e ocupação da Noruega e Dinamarca pelos alemães teriam privado as Ilhas Britânicas de produtos desses países, o que acarretaria fome para os britânicos e não para os alemães. Além disso, França e Inglaterra eram acusadas de pretenderem assassinar mulheres e crianças alemãs como forma de vencer o país. Como se vê, o tom dos editoriais era bastante hostil aos Aliados e, principalmente, aos ingleses. A capitulação da França e o fato de a Inglaterra restar como o último inimigo a ser derrotado fizeram subir o tom dos editoriais e dos artigos de Inojosa. À intensificação das críticas, que se tornaram cada vez mais ácidas, correspondeu a multiplicação dos textos, que dobraram após a queda da França e chegaram ao ápice com a Batalha da Inglaterra. De acordo com John Keegan, The Battle of Britain, historians would agree in retrospect, was to fall into five phases of German improvisation: first the ‘Channel Battle’ (Kanalkampf) from 10 July to early August; then ‘Operation Eagle’, beginning on ‘Eagle Day’ (Adlertag), 13 August, the ‘classic’ phase of aerial combat between the Luftwaffe and the Royal Air Force, which lasted until 18 August; next the Luftwaffe’s switch of offensive effort against Fighter Command’s airfields from 24 August to 6 September; then the Battle of London, from 7 to 30 September, when the Luftwaffe’s fighters escorted its bombers in daily, daylight and increasingly costly raids against the British capital, and finally a series of minor raids until the Battle’s ‘official’ end on 30 October. ¹⁰ A Inglaterra era bombardeada quase que diariamente pelos pilotos alemães, o que acarretou enormes prejuízos para Londres, Liverpool, Coventry, dentre outras cidades. Os editorialistas e Inojosa aproveitaram esse novo filão para demonstrar a fraqueza e a incapacidade dos ingleses de continuar no conflito, como se observa no curioso editorial “A sombra da derrota”, de outubro de 1940, no qual se utilizava uma pequena narrativa para tornar mais ácidas as críticas aos britânicos. Vale acompanhar a argumentação na sua integra: (A cena, rápida, passa-se numa rua de Londres, pequeno intervalo entre dois alarmes aéreos, encontrando-se ali o major Attlee e um dos seus eleitores, o operário John Smith).

Attlee – Alô, Smith! Como vai? Você leu o meu último discurso, cujo ponto culminante foi a frase “A sombra da derrota paira sobre a Alemanha?” Smith – Sim! Uma bela frase! Mas, infelizmente, apenas uma frase! A. – Como então Smith! Você então não concorda comigo que a Alemanha está às portas da derrota? S. – Ora, major! Nós estamos aqui sozinhos e ninguém nos ouve! Podemos, portanto, falar a verdade. Eu acho que a sombra que o senhor viu não passa de um fantasma. Para sobrevir uma derrota definitiva há de ter havido antes derrotas parciais. E o senhor me indique uma única derrota da Alemanha! A. – Mas Smith, eu não entendo você. Você então não ouviu falar da proeza gloriosa dos nossos homens em Dunquerque? S. – O major disse proeza gloriosa, ou retirada gloriosa? A. – Eu disse proeza gloriosa porque conseguimos salvar quase todos nossos homens, embora tenha ficado lá no continente todo o nosso belo equipamento! S. – Sim! Foram-se os anéis mas ficaram os dedos! Para falar com franqueza, major, toda a nossa história militar desta guerra não passou até agora de “retiradas gloriosas!” Vejamos: Retiramos, primeiro, gloriosamente, nosso corpo expedicionário da Linha Maginot! Seguiu-se a retirada vitoriosa de Dunquerque! Houve, antes, as retiradas gloriosas de Andalsnesse e Namsos, onde só não perdemos nosso equipamento porque os alemães não nos deixaram tempo de desembarcá-lo. A seguir, a retirada gloriosa de Narvik, da qual nem é bom falar, pois não desejo atacar um colega de gabinete do senhor, cuja propaganda nos dizia, diariamente, que havíamos tomado Narvik. Em tempos mais recentes e em outros continentes, houve a retirada gloriosa da Somalilândia; seguiu-se a retirada gloriosa de Sidi el Barani; e, finalmente, há poucos dias, a retirada gloriosa de Dakar, por cuja causa, como informou o sr. Churchill na Câmara dos Comuns, algumas altas patentes das nossas forças armadas terão de se sentar no banco dos réus de um Conselho de Guerra. Como vê, major, retirada gloriosa, após retirada gloriosa! (Neste momento soam as sirenes de alarme aéreo). A. – Você tem sorte, Smith, que soem as sirenes. Pois, de outra maneira, eu iria lhe explicar que foram vitórias todas aquelas retiradas gloriosas! (Afasta-se rapidamente para procurar refúgio). S. – (sozinho) – Se isso se chama: paira sobre a Alemanha a sombra da derrota, então o que paira sobre a Inglaterra? A escuridão da derrocada?! (Começam a cair as primeiras bombas alemãs). ¹¹ Clement Attlee era líder do Partido Trabalhista durante a Segunda Guerra e membro do governo de coalizão liderado por Winston Churchill, além de primeiro-ministro inglês no imediato pós-guerra. ¹² Recebeu o título de major na Primeira Guerra Mundial. Já o operário John Smith representava o

inglês comum, cansado de ser iludido pelas mentiras propagadas pelo governo. Uma após outra, Smith enumera todas as retiradas gloriosas que a Inglaterra tomou parte, inclusive a de Dunquerque, e afirma que a Inglaterra sofria a escuridão da derrocada, pois era incessantemente bombardeada pelos aviões da Luftwaffe. Além disso, na fala de Smith, o governo britânico era apresentado como ineficiente, pois levaria o Reino Unido ao desastre. Attlee foge de seu interlocutor ao ouvir a sirene antiaérea, o que denuncia a falta de responsabilidade dos membros do governo para a população, deixada à mercê dos ataques. Por fim, vale registrar que, na narrativa, apenas o governo britânico era acusado; a população, representada por Smith, não tem qualquer parcela de culpa no fracasso das operações de guerra, e era apresentada como vítima dos políticos, temática recorrente na propaganda nazista. À medida que a batalha aérea progredia, iniciaram-se pesados ataques do jornal à propaganda britânica, apontada como mentirosa e difusora de otimismo inexistente. Modelo dessa temática foi o editorial Êxtase de propaganda, de 27 de agosto de 1940. O texto contém grande parte dos temas antibritânicos até aqui descritos, uma vez que assegurava que a imprensa e o rádio difundiram falsas notícias de vitórias dos pilotos britânicos que nada mais seriam do que uma máscara para ocultar a verdadeira situação do país, prova da má fé daqueles que conduziam a política na ilha. O autor acreditava que se vivia sob efetivo estado de emergência, fruto dos ataques alemães, e insistia no fato de a Inglaterra haver traído e usado outros países para lutar por ela, abandonando-os quando mais precisavam. ¹³ Em outra parte do texto lembrava-se que, enquanto os meios de comunicação cantavam vitórias, cidadãos ingleses eram encarcerados simplesmente por morarem próximos de regiões atacadas e que mesmo os jornalistas estrangeiros estavam proibidos de registrar os estragos causados pelos bombardeios, tamanho os prejuízos. A apresentação da elite política inglesa como uma plutocracia, interessada em acumular bens e dinheiro, foi outro tema recorrente de vários editoriais e dos artigos de Inojosa. Os políticos ingleses, provenientes das classes mais abastadas, estariam dissociados da população, que sofreria sozinha os horrores da guerra. Além do mais esse grupo, único responsável pelo início da guerra, cuidava de seus próprios interesses e procurava refúgio no Canadá, deixando o povo à mercê dos ataques. Vale ressaltar que, para Inojosa e nos editoriais, o governo inglês era o único responsável pela terrível fatalidade reservada à Inglaterra, e não a população das ilhas, meras vítima dos plutocratas britânicos, argumento idêntico ao veiculado na Alemanha. Joaquim Inojosa, na maioria de seus textos, fez eco aos editoriais, pois também denunciava as supostas mazelas e crimes praticados pelos britânicos. Veja-se, a título de exemplo, o editorial de julho de 1940, quando a Inglaterra já lutava sozinha contra os alemães. O diretor do vespertino publicou texto afirmando que a teimosia britânica em não aceitar a segunda proposta de paz de Hitler custou ao Reino Unido a ocupação de vários países aliados. A proposta do líder alemão era apontada como um ato de misericórdia para com um adversário moribundo, que já não tinha capacidade de se defender sozinho. Ao citar os londrinos, que afirmavam

que a Alemanha não suportaria uma guerra longa, Inojosa queria mostrar que os ingleses é que não aguentariam um conflito de longa duração, pois o isolamento de seus habitantes nas ilhas, acossados por um exército até então invencível, tornavam escassas as chances de vitória. Além disso, a dependência inglesa de suas colônias seria fatal, pois o contra bloqueio alemão levaria ao colapso do abastecimento e à derrota do país. ¹⁴ Inojosa diferenciou-se dos editoriais por citar, em vários artigos, os judeus como influência negativa por trás (ou como parte constituinte) do governo britânico. Com uma radicalidade crescente, o diretor do Meio-Dia confiava na vitória da Alemanha, não apenas pela precisão e perícia de seus pilotos, mas igualmente no fato de o país travar uma luta para “destruir o imperialismo britânico, chave do judaísmo internacional”, cujos agentes eram os capitalistas e plutocratas da City de Londres. Tal concepção foi reafirmada ainda em outros textos, o que demonstra a sua gradual conversão aos ideais da propaganda de guerra germânica. Além disso, os ingleses, mais uma vez, supostamente difundiam pela BBC mentiras para demonstrar que o poderio alemão estaria esvaindo-se. ¹⁵ A real situação militar em outubro, todavia, não significava nem uma derrota alemã e muito menos uma vitória inglesa. Segundo o historiador britânico Richard Overy, The German failure to win air supremacy was beyond doubt by October as the air conflict slowly subsided. Neither side was defeated in any conventional sense. Though the battlefield was littered with the debris of combat, the two fighter forces in October each had around 700 operational aircraft and sufficient numbers of trained pilots to fly them, a balance of forces not very different from the start of the battle. German losses greatly exceeded those of the RAF because of the vulnerability of bombers and divebombers. Between 10 July and 31 October the RAF lost 915 aircraft, the German Air Force 1733. Losses on both sides were soon made good. The outcome was technically a stalemate. British forces had little prospect of reentering Continental Europe; German forces could not, under present circumstances, invade or occupy Britain. ¹⁶ Vale ainda lembrar que a posição política e militar da Inglaterra era, depois da queda da França, bastante precária. Embora pudesse contar com apoio material dos norte-americanos, o país seguia sozinho na guerra, era bombardeado constantemente pela Luftwaffe e não poucos julgavam tratarse do ocaso do Império Britânico, que seria em breve subjugado pela Alemanha nazista. Segundo Joachim Fest, historiador e biógrafo de Hitler, a situação em fins de 1940 era bastante delicada: As ações militares foram acompanhadas de uma tentativa de levar a Inglaterra a ceder por meio da formação de um “bloco continental” englobando a Europa inteira. As circunstâncias para a realização desse objetivo pareciam favoráveis. Uma parte da Europa já era fascista, outra estava ligada ao Reich por simpatias políticas ou por tratados [...] Os êxitos militares não só haviam feito de Hitler o ditador mais temido do continente, como também tinham ampliado consideravelmente a aura que emanava dele e de seu regime; ele parecia encarnar o poder, o momento histórico e o

futuro, enquanto a derrota da França, principalmente, era sentida como a prova da impotência e o fim do sistema democrático [...] Hitler surgiu no papel de “juiz supremo”, os povos solicitavam seus conselhos e ele tinha nas mãos o destino do continente. ¹⁷ Embora uma invasão terrestre alemã não se concretizasse, a situação do Reino Unido era difícil, pois os alemães dominavam quase todo o continente europeu. Entre os contemporâneos, não poucos acreditavam que a Alemanha sairia vitoriosa, uma vez que os britânicos eram tidos como incapazes de desfechar um ataque decisivo contra Hitler em 1940. Tal fato também explica a inabalável confiança no Reich, que transparece nos editoriais e nos textos de Inojosa. De acordo com o historiador Andrew Roberts, For British strategists a vast void had opened up. Where were they to strike the Axis next, now that Europe was completely closed off? More out of a lack of any viable alternative than anything else, as well as to protect British interests further afield, the war was transferred to the North African littoral and the Mediterranean. Soon the victory of the battle of Britain was to seem like an all too isolated incident in a dangerously unpredictable struggle. ¹⁸ Além do fato desses textos referirem-se, pejorativamente, ao suposto arquiinimigo da Alemanha, a Inglaterra, eles ressaltavam a fraqueza das Ilhas Britânicas e dos ingleses frente ao poderio da máquina de guerra alemã. Segundo o historiador inglês David Welch, que se dedicou ao estudo da propaganda nazista, “in the first years of the war, propaganda had a relatively easy task capitalising on the blitzkrieg victories.” ¹⁹ No período em apreço, os alemães puderam reverter seus sucessos militares em propaganda política, na qual construíram imagens de seus inimigos. Anthony Rhodes assim descreveu a propaganda nazista contra a Inglaterra: England was depicted as a citadel of “plutocracy”, where a handful of corrupt financiers, most of them Jews, encouraged international warfare, because it increased their wealth, as well as their hold over the poor workingman. The Germans had no quarrel with the English masses, […] only with their rulers. ²⁰ Os editoriais e artigos de Inojosa expressavam ideias muito semelhantes para descrever os governantes ingleses, ao mesmo tempo em que eram embalados pelas recentes vitórias alemãs, temas dos editoriais e artigos. O fracasso de boa parte das ações militares inglesas na Europa, seguido do bombardeio incessante das Ilhas Britânicas, proviam argumentos para os simpatizantes do nazismo. De fato, a Inglaterra só iria ter algum sucesso militar efetivo na Batalha de El-Alamein, travada em finais de 1942, quando o vespertino já não existia. Embora seja plausível supor que Inojosa e o(s) autor(es) dos editoriais tenham se apropriado de temas da propaganda nazista vigente na Alemanha, o recebimento de telegramas diários das agências de notícias favoráveis à causa alemã facilitavam a construção de críticas contra os ingleses. Os textos a respeito dos ataques aéreos alemães sobre a Inglaterra quase cessaram no início de 1941. Ao mesmo tempo em que a ofensiva da Luftwaffe não provocou a derrota do país e nem mesmo um acordo de paz, o

jornal rapidamente mudou de temática e passou a abordar a campanha do norte da África. O silêncio resultou da falência do argumento que apresentava o Império Britânico como derrotado e próximo da rendição. As críticas à Inglaterra, todavia, não feneceram. Além disso, cabe destacar que se repetiu, à exaustão, críticas semelhantes às já analisadas, atualizadas em função do desenrolar do conflito. É preciso ter em conta, ainda, que o país era o último bastião democrático na Europa, já que boa parte do continente estava ocupada pela Alemanha (caso da Polônia, França e países do Oeste europeu) ou possuíam regimes autoritários (Espanha, Portugal, Bulgária e Romênia). Ao amparar os germânicos, o jornal também apoiava a destruição da democracia, e, dessa forma, se colocava plenamente a favor da Alemanha de Hitler e também do regime autoritário brasileiro, que procurava aproximar dos congêneres europeus. Um bom exemplo da abordagem dada à propaganda veiculada pelas agências telegráficas inglesas pode ser visto no editorial “Propaganda errada”, que caçoava dos comunicados de guerra emitidos por Londres. De fato, nos editoriais de 1941 foi constante a menção a tais supostas estratégias britânicas, que consistiriam em divulgar notícias de vitórias sobre os alemães, só para em seguida desmenti-las. Pior que os desmentidos eram as notícias forjadas, destinadas a se fazer crer que a Inglaterra seguia uma vida normal, apesar das bombas que ainda eram jogadas sobre o país pela Luftwaffe no começo de 1941. A julgar pelos editoriais, o Reino Unido estaria vencido e a propaganda britânica, na tentativa de levantar o moral da sua população e ganhar a simpatia de leitores no exterior, se valeria de absurdos formulados por loucos, nos quais poucos acreditariam. Esse tipo de texto foi comum em 1941, a ponto de tornar enfadonha a leitura dos artigos e editoriais. ²¹ Joaquim Inojosa não agiu de outra forma frente aos comunicados ingleses, e repetiu as mesmas ideias elaboradas nos editoriais quando os alemães enfrentavam tropas anglo-gregas-iugoslavas nos Bálcãs. Mais uma vez surge a ideia de que os ingleses a princípio venciam, mas logo eram desmentidos pelos fatos, que davam vantagem aos alemães. Embora não esteja explícita no texto, a agência citada por Inojosa é a Reuter, importante órgão inglês que veiculou os comunicados oficiais britânicos durante o conflito. A empresa foi citada (explícita ou implicitamente), ao longo de 1941, como cúmplice na difusão de propaganda veiculada pelo Ministério da Informação de Londres. Mais uma vez, deve-se destacar a unidade das críticas veiculadas no vespertino, que operavam segundo um padrão. ²² Se os ingleses eram obrigados a usar a propaganda enganosa para elevar o moral de sua desanimada população, isso era o resultado, segundo o vespertino, dos constantes desastres militares protagonizados pelos soldados ingleses, que supostamente fugiam dos combates, ao invés de enfrentar os germânicos. Este foi outro ponto bastante abordado em editoriais e artigos de Inojosa. A chamada Operação Crusader, ofensiva no norte da África lançada pelo general Alan Cunningham, em meados de novembro de 1941, contra alemães e italianos, forneceu oportunidade para comentários do jornal. O texto, exemplar dessa temática, merece ser reproduzido:

[...] A agência oficial britânica comunica agora um grande sucesso que o general Cunningham teria conseguido no Oriente Próximo sobre as forças teuto-italianas. [...] O fato da involuntária confissão de que nesta guerra os britânicos sempre estiveram em retirada diante dos soldados do Eixo, não é motivo de preocupações em Londres. Os ingleses de hoje são modestos. Pelo menos “uma” vitória foi conseguida, pelo menos “uma” vez os soldados de Sua Majestade avançaram em vez de recuar, como sempre acontece. Isso já basta. Deixemos os britânicos e sua modéstia e olhemos os fatos. O comunicado alemão, como também o italiano, informam que os ingleses (aliás, ingleses não e sim tropas neo-zelandesas, australianas e indígenas de outros domínios e colônias) foram rechaçados numa tentativa de ataque levada a efeito no dia 18 de novembro, na África Setentrional. Em contraataques infligiram ao inimigo pesadas baixas. [...] Numa barraca, em qualquer lugar do deserto, o general Cunningham está talvez a esta hora refletindo sobre as injustiças desta guerra. Ele que já viu, mentalmente, anexado ao seu nome o título de “vencedor do deserto”, constata que seus belos sonhos foram por água abaixo. [...] Ao lado da barraca do comandante inglês ouve-se, no entanto, o incansável “tique-tique-tique” dum aparelho de Morse. Ali está instalado o representante da “Reuter”, sempre cioso do seu dever e cumpridor das suas obrigações. “Tique-tique-tique” – “grande vitória britânica, avançamos cinqüenta quilômetros”. O resto, aquele nobre correspondente de guerra inglês não conta. Segredos militares que não podem ser revelados já. “A Inglaterra precisa urgentemente de vitórias”. Agora tem, pelo menos, uma. É lamentável que não tenha chegado o resto da história. Mas, por enquanto, festeja-se, em Londres, a “primeira” vitória inglesa. Quem não gosta do seu primeiro filho, mesmo que nasça corcunda?! ²³ O editorial ironizava a suposta “primeira” vitória britânica na guerra, pois até então só teriam ocorrido retiradas. Em outros editoriais, bem como na propaganda nazista, as chamadas “retiradas gloriosas” de Dunquerque, na França e nos Bálcãs foram alvo de pesadas críticas, pois evidenciariam a incapacidade militar dos ingleses, apresentados como covardes e pusilânimes, pois se valiam de outros povos para lutar pela causa britânica, desde os habitantes dos Domínios, tais como canadenses, neozelandeses e australianos, e até mesmo os franceses livres e russos. É digno de nota que novamente apareça no texto menção ao Ministério de Informações inglês, bem como à agência Reuter, o que indicava que os ingleses continuariam apelando para mentiras. Tais críticas aos ingleses também eram facilitadas devido à própria orientação dos comunicados emitidos das Ilhas, pois os ingleses, durante a Segunda Guerra Mundial, imaginavam que “propaganda [...] “should always be based on the truth, even though it may distort the truth.” ²⁴ O fato dos comunicados oficiais ingleses terem a intenção de levantar o moral da população e dos simpatizantes da Inglaterra faziam com que estes se tornassem, por vezes, ridículos, e eram por isso, utilizados pelos nazistas, e logo em seguida, pelo Meio-Dia. A ridicularização dos ingleses foi igualmente tema de muitos textos escritos por Joaquim Inojosa, que não deixou de enfatizar a fraqueza e covardia das tropas do Reino Unido. Tendo como pano de fundo a desastrosa campanha inglesa nos Bálcãs em abril de 1941, na qual os ingleses perderam importante material bélico e foram evacuados para Creta, ²⁵ Inojosa fez uma

comparação entre a Batalha das Termópilas, na qual os espartanos defenderam com coragem seu território contra o invasor persa, com a luta que se desenrolava na Grécia, na qual os ingleses abandonaram o campo de batalha e fugiram do ataque alemão, em vez de ficarem e resistirem. Ao mesmo tempo, o texto trouxe, na figura do “grego desiludido” que teria feito uma nova inscrição no desfiladeiro, a noção de que todos os países que entraram na guerra ao lado dos ingleses foram abandonados pelos seus traiçoeiros aliados e posteriormente derrotados, como os franceses, poloneses, iugoslavos, dentre outros. ²⁶ O jornal deu a tais retiradas, como a de Dunquerque e na Grécia, o epíteto de “retiradas gloriosas”, em várias ocasiões, o qual também foi comum na propaganda nazista no período. Embora o Meio-Dia já atacasse os plutocratas britânicos desde 1940, Winston Churchill tornou-se, em 1941, o assunto principal de vários editoriais e artigos de Inojosa, que não media esforços para atacar o primeiro-ministro. O editorial publicado em dezembro é exemplo da abordagem consagrada a Churchill e ao governo britânico, pois o discurso comentado é tido como mais uma “choradeira”, pois solicitava ao povo britânico sacrifício, o que já era feito desde 1939. O texto, exemplo das críticas feitas pelo jornal a Churchill, afirmava que A Câmara dos Comuns da Inglaterra ouviu mais um discurso-choradeira do sr. Winston Churchill. [...] A nação britânica, fatigada e exausta por ter de produzir um esforço inesperado de dois anos, ouviu mais um apelo para que consinta “em mais um sacrifício e realize mais um esforço”. [...] E o que é mais grave: os ingleses têm também de substituir os importantes fornecimentos que esperavam da América do Norte e que foram desviados para a Rússia, porque os norte-americanos julgaram que será mais proveitoso auxiliar o russo, que briga de verdade, do que alimentar a madraçaria britânica, encerrada na sua ilha e esperando que lhe caiam dos céus aviões, munições, tanques e outros elementos para ganhar a guerra sem grandes esforços. [...] No futuro, disse o velho ministro britânico, nossos soldados combaterão em igualdade de armas e munições com os germânicos. Perguntamos: se o sr. Winston Churchill conhecia essa inferioridade de armas, por que motivo foi ele o instigador detestável desta guerra? E se não o conhecia, por que, como político orientador britânico, não procurou saber ao certo das possibilidades da nação que tantas vezes estendeu fraternalmente a mão ao seu país, gesto humano e superior que a Inglaterra, instigada por Churchill e outros Antonys e Edens, rechaçou estupidamente? [...] É verdade que o sr. Winston Churchill deixou de falar, muito a propósito, da sua querida Home Fleet, depositária de todas as esperanças do espírito de conquista da Inglaterra insaciável. Acreditava ele, quando fazia propaganda de guerra, que a esquadra britânica era suficiente para bloquear a Alemanha e matar à fome velhos e crianças germânicos. Logo nos primeiros meses do conflito ficou bem patente que a Alemanha estava organizada para resistir ao bloqueio dos ingleses, a tal ponto que foi ela quem bloqueou a Inglaterra. [...] O menos que revelou o discurso do sr. Winston Churchill foi a sua imprevidência, a sua futilidade como homem de Estado, o desnorteio mental provocado pelo ódio à Alemanha [...] ²⁷ No editorial considerava-se que os americanos estavam decepcionados com a Inglaterra, pois preferiam fazer as entregas do Lend-Lease ²⁸ aos russos,

que estavam realmente lutando, do que aos ingleses, que ficavam intocados em sua ilha. Tal ponto do editorial remete, claramente, à suposição de que os britânicos estavam utilizando os russos para lutar em vez de assumirem os seus deveres, forma de enfatizar a covardia inglesa. Churchill era acusado de fomentar a guerra, mesmo sabendo que a força da Inglaterra não poderia comparar-se a dos alemães, e não aceitou uma paz, pois desconhecia a capacidade militar dos germânicos. Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro inglês teria perdido suas esperanças na Home Fleet, a esquadra principal designada para a proteção das Ilhas Britânicas, já que o bloqueio da Europa continental, supostamente engendrado por Churchill e destinado a matar os alemães pela fome, teria falhado e se voltado contra seus próprios instigadores. O primeiro ministro foi chamado de imprevidente, estadista fútil e questionam-se mesmo suas capacidades mentais, além do desvio de caráter, que impulsionava a guerra na esperança de que a Inglaterra conseguisse a primazia na Europa. Inojosa não procedeu de outra forma em relação ao político britânico. Tal como nos editoriais, o diretor do Meio-Dia foi bastante incisivo em suas críticas. Analisando o discurso do primeiro-ministro britânico proferido após a queda da Grécia, Inojosa afirmou que o povo inglês cansou-se de tantas retiradas e derrotas, e as palavras de Churchill soavam como as de um derrotado. O primeiro-ministro exibiria tantos fracassos que nada mais podia prometer e, portanto, sua carreira política estava acabada. Ao final do texto, Inojosa atacava a chamada “judiaria inglesa”, da qual Churchill seria o chefe, e afirmava que esta ajustaria contas com os alemães na África e no Atlântico, depois do desastre ocorrido na Grécia. ²⁹ Conclusão Como se depreende dos editoriais e artigos de Inojosa do período 1940-1941, observa-se que estes operavam segundo um padrão, que apontava supostas fraquezas do governo e exército ingleses, bem como tachava os políticos britânicos de plutocráticos. Trata-se de um padrão temático, o qual já havia sido explicitado por Hitler em Mein Kampf muitos anos antes da guerra: Toda propaganda deve ser popular e estabelecer o seu nível espiritual de acordo com a capacidade de compreensão do mais ignorante dentre aqueles a quem ela pretende se dirigir. Assim a sua elevação espiritual deverá ser mantida tanto mais baixa quanto maior for a massa humana que ela deverá abranger. Tratando-se, como no caso da propaganda de manutenção de uma guerra, de atrair ao seu círculo de atividade um povo inteiro, deve-se proceder com o máximo cuidado, a fim de evitar concepções intelectuais demasiadamente elevadas. Quanto mais modesto for o seu lastro científico e quanto mais ela levar em consideração o sentimento da massa, tanto maior será o sucesso. [...] A capacidade de compreensão do povo é muito limitada, mas, em compensação, a capacidade de esquecer é grande. Assim sendo, a propaganda deve-se restringir a poucos pontos. E esses deverão ser valorizados como estribilhos, até que o último indivíduo consiga saber exatamente o que representa esse estribilho. Sacrificando esse princípio em

favor da variedade, provoca-se uma atividade dispersiva, pois a multidão não consegue nem digerir nem guardar o assunto tratado. O resultado é uma diminuição de eficiência e consequentemente o esquecimento por parte das massas. ³⁰ Mesmo tendo sido modificada durante os doze anos de regime nazista, as máximas a respeito da propaganda elaboradas por Hitler nunca deixaram de ser seguidas. Dessa forma, podemos perceber nas estratégias de doutrinação do regime no período da Segunda Guerra Mundial os “estribilhos” anunciados pelo ditador alemão já em 1925. Curiosamente, esses “temas” propagandísticos também apareciam no jornal brasileiro. Não parece demais afirmar que o Meio-Dia, em 1940 e 1941, operava como um dos órgãos difusores da doutrinação de guerra nazista no Brasil, utilizandose de propaganda alemã. Para que se possa comparar o conteúdo do periódico com o que era veiculado na Alemanha, vale a pena observar um dos vários artigos escritos por Goebbels durante a guerra, o qual tem tom muito semelhante ao utilizado no jornal brasileiro: It is a major error to assume that England’s plutocrats slipped into the war against their will or even against their intentions. The opposite is true. The English warmongers wanted the war and used all the resources at their disposal over the years to bring it about. They surely were not surprised by the war. English plutocracy had no goal other than to unleash war against Germany at the right moment, and this since Germany first began to seek once again to be a world power. Poland really had little to do with the outbreak of war between the Reich and England. It was only a means to an end. England did not support the Polish government out of principle or for humanitarian reasons. That is clear from the fact that England gave Poland no help of any kind whatsoever when the war began. Nor did England take any measures against Russia. The opposite, in fact. The London warring clique to this day has tried to bring Russia into the campaign of aggression against Germany. […] […]There are lords and City men in England who are in fact the richest men on earth. The broad masses, however, see little of this wealth. We see in England an army of millions of impoverished, socially enslaved, and oppressed people. […] […] Still, England is trying once again to wage war without making any personal sacrifice. The goal is to blockade Germany, to gradually bring it to submit by starvation. […] […]National Socialism is immune to English temptations. English propaganda lies no longer work in Germany. They have gradually lost their effectiveness in the rest of the world as well, since German propaganda today reaches far beyond its borders. […] […] Plutocracy is collapsing intellectually, spiritually, and in the not too distant future, militarily. We are acting consistently with Nietzsche’s words: “Give a shove to what is falling.” ³¹

No artigo de Goebbels fazem-se presentes quase todos os temas elencados no Meio-Dia, tais como a ideia de plutocracia, de que os britânicos eram egoístas e lutavam por interesses próprios, que utilizavam outros povos em proveito próprio, a propaganda de mentiras e a suposta vontade dos ingleses de estrangular a Alemanha por meio de um bloqueio continental. O trecho citado parece deixar cada vez mais clara a influência alemã no jornal, visto a semelhança entre os textos publicados com o que era veiculado na imprensa germânica. De fato, durante dois anos o Meio-Dia simplesmente transpôs para Brasil temas e clichês alemães de propaganda, até o final de 1941. Em dezembro, com o ataque japonês a Pearl Harbor, o órgão brasileiro não teve outra opção a não ser apoiar os Aliados, haja vista a solidariedade do governo brasileiro para com os norte-americanos. A partir daí, cessou completamente a campanha antibritânica no jornal. No ano seguinte, já sem o apoio financeiro alemão - cessado com o fechamento de empresas e da própria Embaixada Alemã depois do rompimento com a Alemanha e Itália no final de janeiro de 1942 - a publicação afinal ruiu em outubro. Referências ABREU, Alzira Alves de et al. (Coord.). Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro Pós-1930. Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, 2001. BARBOSA, Marialva. História Cultural da Imprensa: Brasil, 1900-2000. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007. BRASIL. Constituição (1937). Constituição dos Estados Unidos do Brasil (de 10 de novembro de 1937). Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ ccivil/Constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm >. Acesso em: 26 mai. 2011. CALVOCORESSI, Peter; WINT, Guy; PRITCHARD, John. The Penguin History of the Second World War. London: Penguin, 1999. CAPELATO, Maria Helena Rolim. Multidões em Cena. Propaganda política no varguismo e no peronismo. Campinas: Papirus, 1998. __. Imprensa e História do Brasil. São Paulo: Contexto/EDUSP, 1988. CAPELATO, Maria Helena Rolim; PRADO, Maria Lígia. O Bravo Matutino: Imprensa e ideologia no jornal “O Estado de S. Paulo”. São Paulo: AlfaÔmega, 1980. CHARTIER, Roger. A história cultural: Entre práticas e representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil; Lisboa: DIFEL, 1990. (Coleção Memória e Sociedade). __. A Aventura do Livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora Unesp/ Imprensa Oficial do Estado, 1999. FEST, Joachim. Hitler. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. GOULART, Silvana. Sob a verdade oficial: Ideologia, propaganda e censura no Estado Novo. São Paulo: Marco Zero, 1990.

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a alma danada desta guerra no seu preparo, como o é agora, no prosseguimento do conflito. [...] Pouco a pouco, a trama sinistra se define nos seus contornos e, finalmente, aparece a mão do criminoso preparador de guerras, de todas as guerras passadas e presentes. Das guerras futuras não, por que – é uma prece fervorosa ao Todo Poderoso que fazemos – esse criminoso deixará de existir como elemento malfazejo dentro de breves tempos. Nasceu da guerra, viveu dela e há de morrer dessa indústria malfadada...” O livro branco alemão. Meio-Dia, Rio de Janeiro, 06 abr. 1940, 1ª Edição, p.03. Fonte: FCRB. 9 . “Agora a França e a Inglaterra têm a guerra que elas queriam! Elas iniciaram contra todos os preceitos do direito internacional o bloqueio contra a Alemanha e vaticinaram que a morte pela fome de milhões de mulheres e de crianças alemãs em breve tornaria o Reich mais acessível aos seus desejos. [...] Hoje eles se encontram diante do montão de ruínas dos seus próprios planos. [...] A fome que a Inglaterra havia reservado a mulheres e crianças alemãs bate hoje nas próprias portas dos ingleses. Nada mais se ouve falar hoje do bloqueio inglês contra a Alemanha; mas a Alemanha tirou à Inglaterra 15 milhões de contos da sua importação, procedente dos países do norte da Europa. E esta perda não pode ser compensada por nada.A Inglaterra declarou à Alemanha guerra até ao extermínio. Ela mesma é a única culpada, se hoje as conseqüências deste plano ‘humano’ recaem sobre o próprio povo inglês.” Tu l’as volu. Meio-Dia, Rio de Janeiro, 21 maio. 1940, Edição final, p.2. Fonte: FCRB. 10 . Ver Keegan, The Second World War, p. 94. 11 . A sombra da derrota. Meio-Dia, Rio de Janeiro, 10 out. 1940, Edição final, p. 2. Fonte: FCRB. 12 . Morgan, Kenneth O. The Twentieth Century (1914-2000). In: Morgan, Kenneth O. (Ed.). The Oxford History of Britain. Oxford: Oxford University Press, 2001, p. 632-635. 13 . “O rádio e a imprensa da Inglaterra procuram, nos últimos oito dias, vencer um ao outro, num verdadeiro páreo de otimismo áureo. Mas, apesar de se apertar cada vez mais a rosca da censura oficial britânica, aquele que sabe ler nas entrelinhas dos jornais ingleses encontra bastante material para fazer uma ideia exata sobre a situação reinante, hoje, na Inglaterra. [...]Uma ilha acha-se em chamas, visto ela ter ousado lançar a tocha de guerra para a Europa e, isto unicamente no interesse plutocrata de uma pequena camada dominante. Estes, os causadores desta guerra, já estão preparando a sua retirada. O Canadá é a miragem, onde esperam poder colocar em segurança suas vidas preciosas. [...] houve outras vítimas de sangue destes provocadores de guerra: a Noruega, a Bélgica, a Holanda e a França. A todas elas a Inglaterra só prestou auxílios no papel. A propaganda inglesa fez ecoar o mundo de vitórias que eram derrotas e conquistas que de fato, significavam a destruição completa das tropas britânicas.” Êxtase de propaganda. Meio-Dia, Rio de Janeiro, 27 ago. 1940, Edição final, p. 2. Fonte: FCRB. 14 . “Mais uma vez a chamada opinião pública inglesa – que não é senão a de Churchill – desdenha da proposta feita pelo chanceler Hitler. Proposta de

paz de um vencedor, que antes de lançar-se contra o inimigo lhe estende a mão generosa. Essa displicência britânica é que deu em resultado o sacrifício da França, da Noruega, da Bélgica e da Holanda. [...] Se há um povo que, de fato, não poderá resistir a uma guerra longa com o Reich, nas circunstâncias atuais, é o inglês. As ilhas britânicas quase nada produzem para alimentar a população. Tudo são os “súditos de Sua Majestade”, lá pelos domínios ou colônias, que preparam para os weekend britânicos. Daí a necessidade de manter sem interrupção os comboios da Índia ou da África ou da América... Bloqueadas essas ilhas, terão de render-se assim que se lhes esgotem as reservas de certos víveres...” Inojosa, Joaquim. Infernal isolamento.... Meio-Dia, Rio de Janeiro, 22 jul. 1940, 1ª Edição, p. 2. Fonte: FCRB. 15 . “[...] E é de ver com que sorriso os anglófilos manifestam a convicção de ter a Alemanha... perdido a guerra. Só e só porque os céus britânicos em tal dia não foram visitados pelos caças germânicos. [...] Essa é, porém, a impressão de quem está de longe. E de quem ouve apenas a lenga-lenga noturna da “bêbêcê”. [...] Só os cegos – os de espírito, bem entendido – não vêem que não é por amor à arte de treinar que os aviadores alemães arriscam diariamente suas vidas, tocados pela flama patriótica de uma causa universal – qual a de destruir o imperialismo britânico, chave do judaísmo internacional.” Inojosa, Joaquim. Lenga-lenga. Meio-Dia, Rio de Janeiro, 29 out. 1940, 1ª Edição, p. 2, Edição final, p. 4. Fonte: FCRB. 16 . Ver Overy, The Battle of Britain, p. 116-117. 17 . Fest, Hitler, p. 726. 18 . Roberts, The Storm of War, p. 118. 19 . Ver Welch, The Third Reich, p. 91. 20 . Rhodes, Propaganda, p. 31. 21 . “[...] Trata-se dum sistema que foi engenhoso, talvez, nas primeiras quatro semanas da guerra atual, mas que começou a aborrecer: o sistema de jogar com frases tonitruantes, de focalizar utopias, de inventar e, finalmente, empregar todos os meios para apresentar a causa perdida dos britânicos numa fictícia iluminação de bem-estar. Leia-se hoje a descrição tortuosa e simplesmente incrível que uma agência telegráfica inglesa faz do último e mais furioso bombardeio que sobre Londres jamais passou. Relatando primeiramente a eficiência com que agiram os pilotos alemães no seu raid de represália, a mesma agência, decerto para minorar a má impressão que o leitor internacional terá da perfeita ineficiência da arma anti-aérea londrina, começa a contar histórias que unicamente podem ser geradas no cérebro de insanos ou, quem sabe, de desesperados. Por exemplo: um homem tinha perdido a chave de sua casa. Vieram as bombas germânicas e a casa daquele cidadão britânico ficou literalmente destruída. Que fez o homem? Lastimou-se? Ficou triste? Seriam reflexos perfeitamente normais numa pessoa que acaba de perder tudo o que possuía! Mas, não. A agência telegráfica oficial inglesa fez aquele homem exultar de alegria: “Graças a Deus! Agora já não preciso mais daquelas chaves!” Outra daquele comunicado: “Mas, esse terrível raid não foi capaz de transtornar sequer a

vida normal de Londres. De manhã, às nove horas, depois de terem tomado seu pequeno almoço, os londrinos se transportaram pelas vias habituais aos locais dos seus afazeres. O tráfego funcionava normalmente”! Daí, se deve tirar a conclusão de que as bombas alemãs não causaram prejuízo algum!? [...] A propaganda oficial britânica, no entanto, inventa histórias que demonstram uma falta de espírito dum lado, e, de outro lado, uma insensatez da qual se pode dizer unicamente que os seus autores são insanos. [...]” Propaganda errada. Meio-Dia, Rio de Janeiro, 19 abr. 1941, Edição final, p. 2. Fonte: FCRB. 22 . Gregos e sérvios avançam. Invadida a Bulgária pelos ingleses! A Hungria já não é mais soberana! Detida a ofensiva alemã! Esses e outros os dísticos alarmantes que certa agência telegráfica espalha no seu noticiário pelos jornais do Rio. [...] Horas depois, a mesma agência distribui pelos mesmíssimos periódicos, os comunicados oficiais. É como se diz vulgarmente, “água fria na fervura”. Os fatos desmentem tudo quanto a propaganda inglesa assoalhara, com o fim exclusivo de levantar a moral do seu povo, dos seus súditos, do seu exército de simpatizantes... [...] Ainda ontem, as primeiras edições de todos os vespertinos exaltavam as avançadas anglo-greco-iugoslavas. Dizia-se que a ofensiva alemã fracassara, e que tudo ia mal para as tropas do Reich. Mas à tarde uma peninha atrapalhou tudo – o comunicado oficial grego. O qual confessava que os soldados germânicos haviam alcançado o mar Egeu; que tinham estabelecido uma barreira entre os exércitos gregos e iugoslavos; que o exército iugoslavo do sul fugia desordenadamente [...]” Inojosa, Joaquim. Comunicados que atrapalham.... Meio-Dia, Rio de Janeiro, 09 abr. 1941, 1ª Edição , p. 02, grifo meu. Fonte: FCRB. 23 . Tique-tique-tique!. Meio-Dia, Rio de Janeiro, 20 nov. 1941, Edição final, p. 2. Fonte: FCRB. 24 . Ver Rhodes, op. cit., p. 119. 25 . Calvocoressi; Wint; Pritchard, The Penguin History of the Second World War, p. 177.

26 . “Com os 300 fiéis soldados espartanos, e mais os 700 que à última hora se lhe reuniram, Leônidas lutou até o último instante. “Um após outro, unidos como irmãos, caíram sob os golpes dos Medas”. O rei de Esparta e os seus 300 voluntários preferiram a morte heróica à desonra de uma fuga. Quem, hoje, passar pelas Termópilas, lerá esta inscrição numa de suas rochas: - “Caminhante, vai e dize a Esparta que morremos aqui em obediência às suas leis”. [...] Esta recordação histórica nos vem à mente no instante exato em que as tropas inglesas atravessam as Termópilas em desabalada fuga, direção ao mar. É certo que dificilmente se obrigaria um inglês a conhecer história. Acredito mesmo que não tenham tido tempo de ler a inscrição gravada pelos gregos num daqueles despenhadeiros. O Porto do Piréu fica bem próximo das Termópilas, e é preciso alcançá-lo antes do anoitecer. [...] Hoje, quem visitar as Termópilas, lerá, abaixo da inscrição de Leônidas, estas palavras escritas por algum grego desiludido: “Caminhante, vai e dize a Atenas que por aqui passaram os ingleses em fuga para o Piréu”. Inojosa, Joaquim. As Termópilas. Meio-Dia, Rio de Janeiro, 23 abr. 1941, 1ª Edição , p. 2, grifo meu. Fonte: FCRB. 27 . Mais um discurso. Meio-Dia, Rio de Janeiro, 3 dez. 1941, Edição final, p. 2. Fonte: FCRB. 28 . O Lend-Lease era um método no qual os ingleses (ou ainda os russos, franceses livres e outros países aliados) podiam requerer materiais, em sua maioria, bélico, ao governo norte-americano. Este, por sua vez, repassava os pedidos às empresas e pagava as despesas. As solicitações eram, em seguida, arrendadas ou emprestadas, com pagamento depois da guerra. Para maiores informações, ver Calvocoressi; Wint; Pritchard, op. cit., p. 220. 29 . “Winston Churchill proferiu palavras de desalento. Verdadeira missa de sétimo dia, o seu discurso. Frases de um vencido, que não sabe por onde recomeçar a vida. Falou em situação moral quando é essa, justamente, a que mais lhe deve pesar no ânimo. Porque, prometendo vitórias ao seu povo, não lhe dá senão sucessivas derrotas, de tal ordem que passa a não merecer fé o que promete. É esse, hoje em dia, o aspecto real de sua posição na política britânica: de um chefe de governo que de tanto fracassar não tem mais autoridade para prometer. Quando o homem público desce a um grau tão persistente de descrédito, ele está com a sua carreira irremediavelmente encerrada. [...] Churchill teve de proferir uma de suas arengas, não para justificar a “estratégica retirada” da Grécia, mas para anunciar que na África e no Atlântico é que ajustará contas com os inimigos da judiaria inglesa... [...]” Inojosa, Joaquim. Missa de 7° dia... Meio-Dia, Rio de Janeiro, 30 abr. 1941, 1ª Edição, p. 3. Fonte: FCRB. 30 . Hitler, Minha luta – Mein Kampf, p. 135-136, grifo meu. 31 . Goebbels, Joseph. Englands Schuld. In: Illustrierter Beobachter, Sondernummer, 1939. Disponível em: http://www.calvin.edu/academic/cas/ gpa/goeb47.htm. Acesso em: 28 jun. 2012. Tradução do alemão para o inglês feita por Randall Bytwerk. SOBRE OS AUTORES

Marly de Almeida Gomes Vianna: Professora aposentada da Universidade Federal de São Carlos, atualmente professora titular de História do Brasil no Mestrado em História da Universidade Salgado de Oliveira. É autora, entre outros trabalhos, de Revolucionários de 1935, sonho e realidade (3ª ed. Expressão Popular, 2011); Política e rebelião nos anos 30 (3ª ed. Moderna, 1995) e organizadora de Pão, Terra e Liberdade (UFSCar e Arquivo Nacional, 1995). Líder do grupo de trabalho do CNPq  “Discurso, representações e práticas sociais.

Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus: É Mestre e Doutor em História Cultural pela Unesp de Assis, autor dos livros: Anti-Semitismo e Nacionalismos, Negacionismo e Memória: Revisão Editora e as estratégias da intolerância. São Paulo: Editora Unesp, 2006 e Revista Gil Blas e o Nacionalismo de Combate. São Paulo: Cultura Acadêmica/ Editora Unesp, 2013. Trabalha com os temas Memória, Imprensa e Patrimônio Histórico. Atualmente dirige a Fundação Pró-Memória de Indaiatuba-SP.

Guilherme Pigozzi Bravo: Graduado em História pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Câmpus de Assis/SP; Mestre e Doutorando em Ciências Sociais pela UNESP, Câmpus de Marília/SP. Durante a Graduação e o Mestrado, pesquisou o período da República, centrando-se, principalmente, nos seguintes temas: História do Brasil Republicano, História da Imprensa no Brasil, Forças Armadas e Governo de Getúlio Vargas (1930-1945). É Membro (associado) da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED); integra o Grupo de Estudos e Pesquisa Militares e a Esquerda Militar no Brasil, coordenado pelo professor Dr. Paulo Ribeiro da Cunha, na UNESP de Marília. Atualmente, no doutorado, pesquisa a participação dos militares na política nacional no período republicano, direcionando leituras e pesquisas sobre o Movimento Tenentista nos anos 1920 e 1930.

Rodolfo Fiorucci: Doutor em História pela Universidade Federal de Goiás UFG (2014); Mestre (2009) e Graduado (2006) em História pela UNESP/ Assis. Docente no Instituto Federal do Paraná – IFPR/Jacarezinho. Pesquisador do Grupo Integralismo e Outros Movimentos Nacionalistas (CNPq) e membro do Grupo de Estudos do Integralismo (GEINT). Vice-líder do Grupo de Pesquisa Ensino, Cultura, Linguagens e suas Tecnologias (GECLIT – CNPq). Organizador do livro Vestígios de Memória: diálogos entre Literatura e História e autor de capítulos de livros e artigos em revistas científicas, sempre versando sobre a história da imprensa no Brasil contemporâneo.

Alexandre Andrade da Costa: É Doutor em História pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho, UNESP, Campus de Assis, instituição na qual se graduou e concluiu o mestrado, cuja dissertação intitulada Caleidoscópio político: as representações do cenário internacional nas páginas do jornal O Estado de S. Paulo (1938-1945), foi publicada em 2010 pela Editora Cultura Acadêmica, da UNESP.

Renata Duarte Simões: Doutora pela Universidade de São Paulo (USP) na área de História da Educação e Historiografia. Pós-doutora em História da Educação e Historiografia pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP), com a pesquisa “Educação Física e treinamento paramilitar: ‘modelos’ e prescrições de Francisco de Assis Hollanda Loyola para a Ação Integralista Brasileira”. Integrante dos Grupos de Pesquisa: Direitas, História e Memória; Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em História da Educação (USP/CNPq); Grupo de Pesquisa Integralismo e outros movimentos nacionalistas (UFF/CNPq); e Grupo de Estudos e Pesquisas sobre História do Ensino Superior (UFS/CNPq).

Danilo Wenseslau Ferrari: É mestre em história pela UNESP/Assis. É autor do livro (e-book) A atuação de Joel Silveira na imprensa carioca (1937-1944), publicado pela editora da UNESP (Selo Cultura Acadêmica). Foi coordenador do curso de História e Pedagogia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Piraju (FAFIP). Trabalha há dois anos como professor na rede pública de ensino.

João Arthur Ciciliato Franzolin: É Historiador formado em 2008 pela Unesp/ Assis. Durante a graduação, realizou pesquisa de Iniciação Científica a respeito das representações da Alemanha no jornal Correio da Manhã (1937-1942) sob a orientação da Prof. Dra. Tânia Regina de Luca, com bolsa FAPESP. Em 2009, iniciou o mestrado na mesma instituição, com o título “Joaquim Inojosa e o jornal Meio-Dia (1939-1942)”, novamente orientado pela Prof. Dra. Tânia Regina de Luca e com financiamento da FAPESP (no prelo). No final de 2013 foi agraciado com bolsa de doutorado integral, de duração de três anos, pela comissão Capes/DAAD/CNPq. No momento, estuda revistas ilustradas do exército alemão durante o período da Segunda Guerra Mundial na Universidade de Flensburg (Alemanha) sob a orientação do Prof. Dr. Gerhard Paul.Professor na rede pública de ensino. Obrigado por ler este livro que publicamos! Esperamos que esta obra tenha correspondido às suas expectativas. Compartilhe por e-mail suas dúvidas e sugestões conosco. Adquira outros títulos em www.livrosdapaco.com.br Conheça o novo site da Paco Editorial com conteúdos exclusivos para professores!

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