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Portuguese Pages 414 Year 2019
Sayid Marcos Tenório é historiador e especialista em relações internacionais. É ativista internacionalista da causa palestina há mais de 30 anos, com artigos publicados sobre temas relacionados à Palestina e outras causas de direitos humanos, justiça social, lutas populares e soberania dos povos. É fundador e atual secretário-geral do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal) e também diretor do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz).
Parte considerável das lutas políticas contemporâneas está atravessada pelo par “lugar de falar/identidade”. Nesta díade, nota-se um esvaziamento trágico do engajamento das esquerdas por debates que tenham um alcance para além das fronteiras biográficas e nacionais. “Palestina” é um livroponte, nos conecta à história de resistência de um povo que está sendo submetido às políticas coloniais e segregacionistas de Israel/Estados Unidos há 71 anos. A imagem da ponte também nos serve para pensar o tipo de ética política sobre o qual o livro se estrutura. O “Outro”, o povo palestino, tornase “Eu”. E aqui encontramos outra característica deste livro: é também um livro-testemunho. Não se trata de uma empreitada exclusivamente intelectual. Ao escrever sobre a Palestina, Sayid também se inscreve, também se narra. Podemos rastreálo pelos artigos escritos, nos eventos que participou e organizou. Este livro é a síntese provisória de três décadas dedicadas à causa de um povo que experiencia, na pele e na terra, o colonialismo e o apartheid. Não se trata, portanto, “apenas” de um livro, mas de uma declaração de amor à justiça e à vida.
E-mail do autor: [email protected]
Berenice Bento - Departamento de Sociologia/UnB
“Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, tudo. Nem sequer têm o direito de eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições de 2006.” Gaza, por Eduardo Galeano
Direção Editorial: Sayid Marcos Tenório Revisão Técnica: Berenice Bento e Ahmed Shehada Revisão: Gerusa Bondan Traduções árabe-português: Danya Hubbi Traduções inglês-português: Manoela Gouveia Capa: Thalis Cantizani Projeto gráfico e diagramação: Gráfica e Editora Movimento Impressão: Gráfica e Editora Movimento Dados Internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) Tenório, Sayid Marcos T312p Palestina : do mito da terra prometida à terra da resistência / Sayid Marcos Tenório.—1. ed. — São Paulo : Anita Garibaldi , IBRASPAL, 2019. 412 p. ISBN 978-85-7277-202-0 1. Palestina. 2. Resistência palestina. 3. Sionismo. 4. Hamas. 5. Limpeza étnica. I. Título. CDU 956.94 Catalogação na Publicação: Eliane M. S. Jovanovich CRB 9/1250
Editora e Livraria Anita Garibaldi Rua Rego Freitas, 192 - República – Centro CEP: 01220-010 – São Paulo, SP, Brasil www.anitagaribaldi.com.br – [email protected] Instituto Brasil-Palestina (IBRASPAL) Rua Marconi, 23, 5º andar – Centro CEP: 01043-000 – São Paulo, SP, Brasil www.ibraspal.org – [email protected]
Confissão de um ser humano Mahmoud Darwish1 Ocuparam minha pátria Expulsaram meu povo Anularam minha identidade E me chamaram de terrorista. Confiscaram minha propriedade Arrancaram meu pomar Demoliram minha casa E me chamaram de terrorista. Legislaram leis fascistas Praticaram odiado apartheid Destruíram, dividiram, humilharam E me chamaram de terrorista. Assassinaram minhas alegrias, Sequestraram minhas esperanças, Algemaram meus sonhos, Quando recusei todas as barbáries Eles… mataram um terrorista!
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Mahmoud Darwich (Al-Birweh, 1942 - Houston, 2008), poeta e escritor palestino. Sua família foi expulsa na Nakba em 1948 e refugiou-se no Líbano. Voltou clandestinamente ao seu país e foi preso diversas vezes entre 1961 e 1967. Darwish é o autor da Declaração de Independência Palestina, escrita em 1988 e lida pelo líder palestino Yasser Arafat quando declarou unilateralmente a criação do Estado Palestino. Membro da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), afastou-se do grupo em 1993, por discordar dos Acordos de Oslo. Darwish é considerado o poeta nacional da Palestina. Seu trabalho foi traduzido em mais de 20 línguas.
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Para os mártires e para todas as pessoas que lutam por justiça na Palestina. Para Maria José, Marcos Antônio, Igor, Bárbara, Alice e Laís. Para o highlander Luiz Aparecido (in memoriam). Ao camarada de lutas e aventuras Elias Ferreira Lima (in memoriam).
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“Nós sabemos muito bem que nossa liberdade é incompleta sem que haja liberdade para os palestinos.”
Nelson Mandela
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Por quanto tempo podemos continuar pedindo – e, mais ainda, esperando – que nossos irmãos palestinos mantenham a fé em nós, que não sucumbam completamente ao desespero e à mágoa que se tornaram suas vidas desde que Israel erigiu sua Fortaleza sobre seus vilarejos e cidades destruídas? Ilan Pappé – A limpeza étnica da Palestina (2016, p. 291)
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Sumário Agradecimentos ...................................................................................... 17 Prefácio .................................................................................................... 21 Apresentação ........................................................................................... 27 PARTE I - História do projeto colonial sionista .................................. 37 1 Palestina antes do sionismo ................................................................ 39 1.1 Terra de Canaã, Filistina, Palestina ............................................ 41 1.2 A Palestina e o Islam ................................................................... 50 1.3 Surge o movimento sionista ....................................................... 58 2 Sionismo: projeto colonial europeu ................................................... 67 2.1 Balfour: Inglaterra doa o que não lhe pertence ........................ 69 2.2 O sionismo e a colonização da Palestina ................................... 82 2.3 A Revolta Árabe de 1936-1939 ................................................... 94 2.4 As relações entre sionistas, fascistas e nazistas ......................... 99 2.5 A fábula do sionismo de esquerda ........................................... 102 3 Da partilha da ONU aos Acordos de Oslo ...................................... 107 3.1 Limpeza étnica da Palestina...................................................... 124 3.2 A OLP e as negociações de paz ................................................ 136 4 Oslo: armadilha sionista contra palestinos ..................................... 145 4.1 Acordo sem consenso entre palestinos.................................... 149 4.2 Oslo: acordo não cumprido por Israel..................................... 152 4.3 Reflexos dos Acordos de Oslo na atualidade .......................... 161 PARTE II - Entre catástrofes, resistência e solidariedade ................. 167 5 A Nakba continua. A resistência e a solidariedade também ......... 169 5.1 Lei do “Estado-Nação”: o apartheid avança ............................ 171 5.2 A infância como alvo do genocídio sionista .......................... 176 5.3 Presos políticos palestinos ........................................................ 183 5.4 Campos de refugiados: favelas palestinas ............................... 188 5.5 Demolições como castigo coletivo ........................................... 192 5.6 A dupla segregação dos beduínos ............................................ 195 5.7 Boicote como uma forma de resistência ................................. 198 5.8 A Flotilha da Liberdade............................................................. 202 13
5.9 Um dia para o mundo lembrar Jerusalém............................... 207 5.10 O movimento de solidariedade no Brasil .............................. 224 5.11 Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto Alegre ..... 228 6 O Movimento de Resistência Islâmica............................................. 235 6.1 Hamas e o futuro da Palestina ................................................. 244 6.2 A Grande Marcha do Retorno .................................................. 251 PARTE III - Brasil e Palestina .............................................................. 261 7 A presença árabe e islâmica no Brasil .............................................. 263 7.1 As relação amistosas entre Brasil e Palestina .......................... 270 7.2 Brasil-Palestina na era Lula/Dilma .......................................... 279 7.3 Diplomacia bolsonarista: o Brasil descendo a ladeira............ 297 7.4 Bolsonarismo: o Brasil descendo a ladeira.............................. 300 Conclusão .............................................................................................. 307 Referências ............................................................................................. 313 Apêndice - Entrevista com Ismail Haniyeh, líder político do Movimento de Resistência Islâmica (HAMAS) ................................. 329 Anexos.................................................................................................... 341 Anexo I - Excertos da Resolução da ONU n 181, de 28 de novembro de 1947................................................................................. 345 Anexo II - Excertos da Resolução n 194 (III), de 11 de dezembro de 1948 ................................................................................. 357 Anexo III - Resolução n 303 (IV) (1949), de 9 de dezembro de 1949 .................................................................................................. 363 Anexo IV - Declaração de Independência da Palestina.................... 367 Anexo V - Documento de princípios gerais e políticas do HAMAS ............................................................................................ 375 Anexo VI - Declaração do Aiatolá Seyed Ali Khamanei de apoio a Intifada...................................................................................... 387 Anexo VII - Cronologia das relações bilaterais Brasil-Palestina ..... 401 Anexo VIII - Documento de Referência do Fórum Palestina Livre ....................................................................................... 407 14
O amigo é a resposta aos teus desejos. Mas não o procures para matar o tempo! Procura-o sempre para as horas vivas. Porque ele deve preencher a tua necessidade, mas não o teu vazio. Khalil Gibran.
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Agradecimentos
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Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência
Todos os louvores são para Allah. Quero expressar a minha imensa gratidão à professora Berenice Bento pela orientação neste trabalho, pelas horas de diálogos, discussões e estudos, pela leitura e releitura dos textos, pelo incentivo e apoio para que este livro pudesse chegar às nossas mãos. Seu carinho, companheirismo e paciência, foram dádivas que me permitiram chegar ao final deste trabalho. Meu agradecimento sem medidas ao Dr. Ahmed Shehada, um irmão palestino e agora brasileiro que faz da causa palestina a sua jihad. A melhor parte desta parceria foi a fundação do Instituto Brasil-Palestina (IBRASPAL), que deu um novo sentido a luta de solidariedade ao povo palestino no Brasil. Agradeço ao Dr. Hasem Bisharat, meu irmão palestino e anfitrião na Terra Santa, pelas indicações históricas e políticas, pelos diálogos e pelo incentivo. Ao grande cartunista e ativista da causa palestina Carlos Latuff, por ceder gentilmente as charges aqui publicadas. Ao ayatollah sheikh Mohsen Araki e aos sheikhs Taleb Hussein AlKhazraji, Hossein Khaliloo, Khaled Taky El Din, Jihad Hammadeh e Mohamed Bukai, com quem dialoguei e aprendi sobre o Islam e a Palestina. A Baby Siqueira Abrão e Silvinha Grando, amigas queridas e ativistas dedicadas e estudiosas, com quem dialoguei e aprendi sobre a causa palestina. Agradeço a Abdel Hamid, Adnan El Sayed, Ali Abou Handam, Ana Cristina Sanchotene, Ana Prestes, Antonio Barreto, Assis Melo, Bárbara Aguiar, Conceição Santos Tetinha, Cláudia Faluh Balduino Ferreira, Daniela Ernst, Francirosy Barbosa, Hassan Assad, Heba Ayyad, Ivana Mélo, Jihad Abu Ali, José Reinaldo Carvalho, Karine Garcez, Khalil Karam, Luiz Carlos Antero, Marcelo Buzetto, Marcelo 19
Sayid Marcos Tenório
Salahuddin Bulhões, Márcio Jerry, Mohamed Zrug, Nasereddin Al-Kazraji, Pedro Charbel, Ricardo Capelli, Regina Laila Pin, Rita Coitinho, Romana Dovganyuki, Socorro Gomes Coelho, Thomas de Toledo, Valéria Martirena, Wadson Ribeiro e Wevergton Brito pelo incentivo que sempre me deram, sendo que são também responsáveis por este livro ter deixado de ser uma ideia e pudesse se concretizar. Agradeço a Manoela Gouveia e a Danya Hubbi, pelas traduções dos textos do inglês e árabe para o português. E ao Mauro Panzera e Thalis Cantizani, pela belíssima capa deste livro. Agradeço em especial a Feres Shahateet, um irmão com quem pude contar sempre. A Luciana Santos, Aldo Rebelo, Leandro Cruz Froes, Andréa Barbosa e Caio Carneiro, amigos com quem pude contar em momento crucial. Agradeço imensamente o apoio e incentivo dos familiares, irmãos e irmãs muçulmanas e de outras crenças, amigos e amigas que, de uma maneira ou de outra, me auxiliaram com traduções, indicação de fontes, de livros e textos para pesquisa e por auxiliar no aperfeiçoamento deste trabalho. Aquele que não agradeceu às pessoas, não agradeceu a Allah Profeta Muhammad
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Prefácio
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Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência
Quando meu amigo Ahmed Shehada me contatou informando que me indicou para escrever o prefácio de um livro, confesso, fiquei preocupado. A indicação do Shehada é uma responsabilidade grande. Ao receber o texto e descobrir que o autor era do Sayid Marcos Tenório a preocupação aumentou. No momento que eu notei que o assunto era a Palestina, uma incontrolável mistura de emoção, revolta e tristeza tomou conta de mim. O drama da Palestina tem a duração da minha vida. Acompanhei passo por passo o maior roubo da história da humanidade, o roubo de um país, um verdadeiro latrocínio coletivo com todos os requintes de crime hediondo, praticado sob a benção, e as armas, dos baluartes da democracia e da liberdade. Palestina é a ferida que ainda sangra, a dor que não se arrefece, e a vergonha que nos revolta. Palestina é a terra que acolheu os profetas, abraçou as religiões e hoje está sendo maculada pelos assassinos de criança, matadores de mulheres inocentes e defensores frenéticos de limpeza étnica, no melhor estilo do antigo aliado dos sionistas, Adolf Hitler. Em mais de 400 páginas o autor nos brinda com um tratado amplo, profundo e rico sobre a questão palestina. Como pesquisador não posso omitir a minha admiração com a precisão científica do Sayid, respaldando cada informação com a devida comprovação bibliográfica e suportando seus dados com fontes reais e confiáveis. A importância disso transcende a simples confirmação dos dados apresentados no texto, a pesquisa do autor nos traz o alento que ainda existe quem se arrisca a falar a verdade em um mundo de mentiras, quem ousa a acender uma luz no túnel de escuridão em que se tornou nosso mundo civilizado.
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Na sua viagem histórica pela sua apresentação e no seu primeiro capítulo, o autor nos brinda com fatos importantes e relatos interessantes. Concordamos com alguns e discordamos de outros, mas admitimos a clareza da apresentação e a riqueza dos detalhes. Segue o autor tratando de quais povos habitaram a “Terra de Canaã, Filistina, Palestina”. Uma preocupação constante em todos os textos que tratam da causa palestina, mas só na Palestina. Ninguém trata da história dos povos que habitavam América do Norte ou América do Sul, nem mesmo há 500 anos atrás, mas sempre no caso palestino se fala dos direitos de quem supostamente habitou lá há 5000 anos. No Capítulo 2 chega o autor a um dos pontos mais importantes do livro quando se trata do “Sionismo: projeto colonial europeu”. Somente nesse escopo que nós vamos entender o que aconteceu, e o que está acontecendo, na Palestina. Não foi coincidência o incremento da mobilização judaica na Palestina logo depois da carta do Balfour, o aumento grande das colônias judaicas, a criação da universidade hebraica em Jerusalém em 1925. Acreditamos que sem a incorporação do plano sionista pelo projeto colonialista europeu, o plano sionista não teria mais sucesso que a República de Biafra ou o plano da separação da Catalunha. Quando tratava da questão da partilha, o Sayid transcreveu o texto do Luiz Alberto Moniz Bandeira que entende que a questão foi decidida por “puro oportunismo eleitoral”. Entendemos que o voto dos judeus é um fator lembrado nas eleições americanas, mas nós não o vimos com a importância que sempre é visto. A política americana é traçada por décadas e se baseia em objetivos consolidados e planejamento rígido. Para o espanto de muitos, podemos afirmar que o estado judeu não passa de um instrumento da política americana tanto quanto qualquer país Árabe. A diferença é que eles exigem um preço alto para exercer seu papel e nós o fazemos de graça, aliás, muitas vezes pagando. Para quem duvida disso, basta conectar os seguintes fatos: - A entrada tardia dos Estados Unidos na Segunda Guerra, depois do esgotamento de duas partes o que lhe garantiu a vitória esmagadora e o papel de salvador do ocidente; 24
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência
- O lançamento da bomba atômica no espetáculo de abertura da Nova Era; - A tomada dos Estados Unidos do projeto da criação das Nações Unidas com sede em território americano e com a criação do Veto. - A assunção definitiva do papel de polícia, julgamento e execução em qualquer lugar do planeta. Fatos esses reconhecidos pelo autor na sua obra quando relata: “Nunca é demasiado dizer que o estado sionista não é senão a extensão do poder dos Estados Unidos no Oriente Médio. Digamos, uma base estadunidense, sempre pronta a prestar os seus serviços, por mais sujos que sejam. Por outro lado, Israel não ousa realizar uma só operação militar sem que para isso seja dado o consentimento dos Estados Unidos.” Transcorre o autor sobre os massacres cometidos pela ocupação sionista com o inconfundível objetiva de exterminar o povo palestino. Não bastou rouba-lhes a terra os ocupantes decidiram também roubar lhes a vida, a dignidade e própria existência humana, a descrição dos massacres cometidos por homens como David Ben Gurion, Menahem Begin e Yitzhak Shamir é de cobrir o planeta de indignação e revolta, lamentável que alguns autores falam do Holocausto nazista que nunca se provou verdadeiro. Obviamente não pretendemos, nem podemos resumir o livro no prefácio, pois, a obra é vasta, profunda e rica. Navega o autor em mares violentos quando fala do Movimento de Resistência Islâmica, considerada por alguns como organização terrorista que ameaça a existência de Israel, e vista por outros como um legítimo movimento de resistência palestino. Tenha o autor que enfrentar o confronto entre Hamas e ANP considerada por Hamas, e por muitos, um garantidor indireto da segurança de Israel nos Territórios Ocupados, com a função de anular qualquer forma de resistência à ocupação. Teve o autor de entrar na arena para encarar o maior mito da Palestina nos tempos modernos, Yasser Arafat. 25
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Termina o autor versando sobre a presença Árabe islâmica no Brasil e as relações amistosas entre Brasil e Palestina, que lamentavelmente estão mudando radicalmente com o novo governo no Brasil, o relato profundo apresentado pelo livro nesses dois aspectos deve ser considerado como verídico para o período encerrado em dezembro 2018. O livro é uma obra digna de um lugar em nossos acervos, é uma referência enriquecedora indispensável para qualquer pesquisador da causa palestina, é um trabalho louvável que merece nossa admiração e respeito. Moustafa Mohamed El-Guindy Professor Titular aposentado de Unicamp Doutor em Bioquímica, Livre Docente em Odontologia LLM em Direito pela Universidade de Whittier, Califórnia
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Apresentação
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Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência
Há algum tempo vários amigos e amigas me incentivavam para que reunisse os artigos de minha autoria sobre o conflito na Palestina numa publicação. Não como um trabalho acadêmico ou de dirigente político (que não sou), mas um livro com a visão de um ativista da causa palestina sobre este tema tão importante, embora pouco conhecido por parte do leitor brasileiro, mesmo entre ativistas dos direitos humanos, fortemente influenciados pelo senso comum sobre a questão. Um livro que buscasse esclarecer a questão da Palestina, tratada erroneamente pela opinião pública e pela “opinião publicada” como um problema árabe-judaico, originado de uma disputa político-religiosa travada entre os judeus, de um lado, e pelos palestinos (muçulmanos e cristãos), de outro, onde muitas pessoas são levadas a acreditar que se trata de um problema meramente relacionado à disputa, segundo a narrativa bíblica, por um território “prometido” a um povo “escolhido” para exercer o seu domínio sobre a terra e o gênero humano e que voltaram para reclamar este direito adquirido e fundar o seu Estado. 29
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Sabe-se hoje, mais do que nunca, que a Palestina é parte de um contexto mundial que evoluiu a partir do surgimento do sionismo internacional, um movimento nacionalista judaico fundado na Europa no século XIX, que pregava o estabelecimento de um “lar nacional para os judeus”, que seria concretizado através da criação na terra Palestina de um Estado puramente judeu, não só em sua estrutura sociopolítica, mas também em composição étnica, de cuja estratégia faz parte o atual estágio de apartheid racista e limpeza étnica. O projeto colonialista ganhou impulso quando a ONU promoveu a partilha da Palestina em 1947, por meio de um ato injusto e ilegal, porque as Nações Unidas não tinham qualquer jurisdição ou poder sobre aquele território. A ONU, além de dar um aval internacional ao projeto colonial sionista, também lhe forneceu os meios políticos para sua realização, embora depois tenha tentado amenizar as trágicas consequências da Partilha atravésprogramas paliativos desenvolvidos por meio de suas agências. É por esta e outras razões que entendo que qualquer luta por justiça que se desenvolva, nos quatro cantos do planeta, tem a ver com a causa palestina. Ela é espelho da Jihad2 de qualquer lutador, seja estudante, trabalhador, mulher que luta pela igualdade de gênero, negros que buscam igualdade racial e, sobretudo, daqueles que lutam pela sua autodeterminação e independência. A Palestina carrega em si a utopia de todos os lutadores do mundo. Palestina que se tornou o slogan das manifestações dos estudantes egípcios no início da década de 1970, quando gritavam “Somos todos palestinos”. Os iranianos que se manifestavam contra o Xá Reza Pahlavi em 1978 e na grande Revolução Islâmica de fevereiro de 1979 também se identificavam com os palestinos na luta contra a opressão e pela liberdade. Dos nossos irmãos saharauis que se inspiram na luta dos palestinos, cuja situação se assemelha à sua, para enfrentar a ocupação e o apartheid do Marrocos nos territórios ocupados do Sahara Ocidental, embora a Autoridade Palestina apoie o projeto colonial do rei feudal do Marrocos, Mohammed VI. 2
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Palavra árabe que significa esforço, empenho e não guarda nenhuma relação com uma suposta “guerra santa” utilizada para se referir à resistência árabe e islâmica.
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A ideia de resistência, em qualquer parte do mundo, ganha conteúdo e força a partir da luta dos palestinos. Até na denúncia dos moradores do Conjunto de Favelas da Maré, localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro, que vivenciaram – durante a realização da Copa do Mundo de 2014 – uma situação de apartheid que eles alegam não ser diferente da que os palestinos vivem em seu espaço de moradia hoje. A jornalista Gizele Martins relata visita que fez à Palestina, onde pôde observar as semelhanças com o cotidiano das favelas do Rio de Janeiro na forma dos assassinatos, nas escolas fechadas, no desemprego, no medo, nas invasões de casas, no não direito de ir e vir, além de tantos outros problemas. Ela escreveu que: Assim como lá [na Palestina ocupada], a militarização da vida é algo constante e assustadora. Lá, são os caças que passam diariamente pela vida palestina; aqui são os caveirões aéreos que passam também diariamente pelas vidas faveladas. O mais triste é perceber que existe uma naturalização mundial sobre a violência que os dois diferentes povos sofrem pelos poderes estatais e militares3.
Desde que os cananeus chegaram àquela terra até os dias de hoje, se passaram seis mil longos anos, marcados por ocupações, retomadas, guerras e batalhas cujo objetivo dos agressores era tornar a Palestina numa terra que fugia ao seu significado de terra de todos. Romanos, persas, muçulmanos, otomanos, britânicos e judeus sionistas asquenazes e khazares vindos da Europa Central e do Leste europeu, todos tentando dominar a Terra Santa. A Palestina, e Jerusalém em particular, tem uma longa e rica história que é acentuada pelo significado religioso, simbólico e estratégico daquela região. A história da Palestina traz consigo o testemunho da vida e das culturas dos numerosos povos que ali habitaram, construíram e reinaram ao longo de milênios. É um dos temas que mais tem gerado pesquisas e análises. Sua longa existência, história e importância 3
MARTINS, Gizele. Da Palestina à Maré: a luta pelo direito à vida. Disponível em: http://www.pacs.org.br/2017/10/02/da-palestina-a-mare-a-luta-pelo-direito-avida/.
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universal deram origem a uma vasta literatura sobre o seu passado e hoje desperta grande interesse sobre o seu futuro, em meio a mais cruel e trágica das ocupações que sofreu ao longo de sua existência. O certo é que a questão palestina jamais foi simplesmente um problema árabe-israelense e nem um conflito (disputa, problema, luta etc.) que põe em confronto apenas árabes e judeus. Como bem esclarece Edward W. Said4, no seu livro A questão da Palestina (2011): É evidente que há um considerável reducionismo nessa visão, mas o que está de fato errado nela é que, na maioria das vezes, ela literalmente impede os palestinos de ter algo a ver com o atual Oriente Médio, que, desde setembro de 1978, parece ser simbolizado apenas por Menachem Begin, Anuar Sadat e Jimmy Carter fechados em Camp David. Parte expressiva da literatura sobre o Oriente Médio, pelo menos até 1968, deixa a impressão de que a essência do que acontece lá é uma série de guerras intermináveis entre grupos de países árabes e Israel. O fato de que tenha existido uma entidade como a Palestina até 1948 ou que a existência de Israel – sua “independência”, como se diz – resultou da erradicação da Palestina são verdades indiscutíveis, que a maioria das pessoas que acompanha os acontecimentos no Oriente Médio desconhece ou não percebe. O mais relevante é a contínua negação ou ignorância da existência no cotidiano de cerca de 4 milhões de árabes muçulmanos e cristãos que são conhecidos como palestinos. Eles constituem a questão da Palestina, e, senão há nenhum país assim, chamado, não é porque não há palestinos. Eles existem, sim5.
A Palestina é uma terra cujo confronto entre sua existência e negação evoluiu num contexto mundial a partir das manobras e intrigas desencadeadas por mais de um século pelo movimento sionista internacional surgido na Europa do século XIX, que pregava 4
Edward Wadie Said (1935-2003) é um dos mais importantes intelectuais palestinos, crítico literário e ativista da causa palestina. Sua obra mais importante é Orientalismo, publicada em 1978 e traduzida em 36 línguas, que é considerada como um dos textos fundadores dos estudos pós-coloniais.
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SAID, Edward W. A questão palestina. São Paulo: EdUnesp, 2011. p. 5-7.
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o estabelecimento de um “lar nacional” para os judeus assentados no território onde historicamente existiu a Palestina, a quem os sionistas se referiam como Eretz Israel (nome da Palestina na religião judaica) perante imperadores, sultões e governantes europeus, com destaque para o Império Britânico com o objetivo de facilitar a criação do Lar Nacional Judeu na Palestina, até (in)evoluir ao estágio de apartheid e limpeza étnica que se verifica nos dias de hoje. Note-se que a reivindicação do movimento sionista era no sentido de se obter um “lar judeu” e não um “Estado Judeu”, como passaram a pregar mais adiante. Com seus 27.000 km2, a Palestina é um território que, do ponto de vista econômico, político, religioso e militar, tem uma localização estratégica. Está localizada na divisa da África e Ásia, e bem próxima da Europa. A Palestina é dona de um vasto litoral banhado pelo Mar Mediterrâneo e, pelo Sul, e à partir do Golfo de Aqaba chega-se ao Mar Vermelho, ao Mar da Arábia e ao Oceano Índico. E daí, para o resto do mundo. O viajante inglês, colonizador e poeta George Sandys (15771644), que visitou Constantinopla, o Egito, o Monte Sinai e a Palestina, referiu-se à Palestina como uma terra abundante em leite e mel; no centro do mundo habitável e com um clima temperado; adornada por belas montanhas e vales luxuriantes; as rochas produziam excelentes águas; e não havia nenhuma parte desprovida de deleite ou renda6.
Palestina é um lugar de causas e peregrinações, com grande importância doutrinária para quem luta por independência e liberdade. Dizer que aquele lugar é a Palestina e não Israel é por si um ato de vontade política, de contestação à narrativa sionista de que a Palestina teria existido apenas durante o Império Romano, sob o Império Otomano e durante o Mandato Britânico. Geógrafos, historiadores, filósofos e poetas que escreveram seus relatos em árabe desde o século VIII disseminaram muitas e ricas narrativas sobre a Palestina, sem 6
Sandys apud Bevis, “Make the Desert Boom”, p. 4., citado por Edward W. Said em A questão da Palestina (2012, p. 13).
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contar a existência de inúmeras referências à Palestina na literatura europeia desde a Idade Média. Palestina é o lugar que simboliza para onde retornar, por onde lutar, a quem apoiar. A questão da Palestina – e de Jerusalém, em particular – é o problema mais urgente da humanidade. Nenhum povo é tão massacrado quanto nossos irmãos palestinos. Setenta anos se passaram desde a injusta ocupação da Palestina, sem que uma solução tenha sido adotada para livrar seu povo do sofrimento e do apartheid racista exercido por Israel. A libertação da Palestina é a causa de um povo a quem o mundo tem sido incapaz de assegurar seus direitos e restaurar a eles o que lhes tem sido usurpado, um povo cuja terra continua a sofrer os piores tipos de ocupação e segregação no mundo. Simboliza a resistência que continuará até que a libertação esteja realizada, até que o retorno esteja completo e até que um Estado Palestino soberano esteja estabelecido tendo Jerusalém como sua capital. Como está escrito na recente resolução política do Movimento de Resistência Islâmica – Hamas, a Palestina não é fração de qualquer território. É a nação que se estende do Rio Jordão, no Oriente, ao Mediterrâneo, no Ocidente. E de Ras Al-Naqurah, no Norte fronteiriço com o Líbano, até Umm Al-Rashrash, no Sul. É uma unidade territorial integral, milenar, histórica. Esta é a terra e o lar do povo palestino, seja ele judeu, cristão, muçulmano, árabe ou não árabe. Para os palestinos, 1948 é o cerne da questão e somente tratando dos males perpetrados pela Partilha e ocupação pode-se pôr um fim no conflito na região. A expulsão e o banimento do povo palestino de sua terra e o estabelecimento de um Estado judaico em seu lugar não anularam o direito do povo palestino sobre a integralidade da sua terra. E qual é a solução para o impasse histórico em que se encontra a Palestina hoje? Como observador da cena palestina, entendo que o maior desafio do povo palestino, a quem cabe dizer e conduzir o caminho a seguir, seja por unir todas as forças palestinas para uma solução justa, derivada de uma consulta popular de toda população que viva entre o rio e o mar, incluindo os milhões que foram expulsos e seus descendentes. 34
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Não há como não entender que política e historicamente Jerusalém é a capital da Palestina. Seu status religioso, histórico e civilizacional é fundamental a árabes, muçulmanos, cristãos, judeus e ao mundo em geral. Os lugares sagrados para muçulmanos e cristãos pertencem exclusivamente ao povo palestino. As medidas tomadas pelos ocupantes em Jerusalém como a judaização, construção de muros e assentamentos para torná-los fatos consumados são fundamentalmente ilegais perante o Direito Internacional e as Resoluções das Nações Unidas. Conforme discutiremos neste livro, os planos do ocupante israelense, as medidas e tentativas de judaizar a Palestina são ilegais e ilegítimos. Mais cedo ou mais tarde, serão revogadas pelas circunstâncias e pela resistência palestina. O lobby a favor de Israel em todo o mundo é muito poderoso. Compra a lealdade de políticos, governos e bancadas nas casas legislativas de vários países, a exemplo da chamada bancada evangélica na Câmara dos Deputados, que é um lobby em favor de Israel. Além do apoio de bancadas no Congresso Nacional, eles instrumentalizam igrejas evangélicas e põem-nas para trabalhar em seu favor, baseados na lenda de que o estabelecimento do Estado de Israel em 1948 está de acordo com a profecia bíblica do retorno dos judeus à Terra Prometida. Esquecem esses sionistas cristãos pentecostais7 e neopentecostais que as tribos de Israel mencionadas no Velho Testamento não guardam nenhuma relação com os judeus sionistas que ocuparam a Palestina. Governos e políticos que não se curvam aos seus interesses são intimidados e ameaçados. Apesar de todo esse aparato, movido ao custo de muitos milhões de dólares e promessas de negócios e vantagens, a vida dos ocupantes não tem sido fácil. A imagem do regime sionista na opinião pública mundial encontra-se pior a cada dia. E isso se deve, em grande medida, ao Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções – o 7
Pentecostal é um movimento de renovação do cristianismo que começou em Los Angeles em 1906, através do pregador William J. Seymour. São pentecostais as igrejas que têm práticas semelhantes à Igreja Universal do Reino de Deus, entre outras.
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BDS – contra as empresas e negócios dos ocupantes e aos esforços da resistência palestina em todo o mundo. Se foi possível derrotar o apartheid racista na África do Sul, por que não poderá ser possível na Palestina? É dever de todas as pessoas que amam a justiça e os legítimos direitos apoiar a Intifada8 e a Resistência Palestina, onde quer que estejam, em qualquer parte do mundo. A libertação da Palestina é a causa mais urgente da humanidade. E também não podemos nos esquecer dos nossos irmãos de Gaza. Aqueles palestinos/as que há anos estão pagando um elevado preço por manterem ativa e altiva a inquebrantável Resistência contra o inimigo usurpador. Os palestinos de Gaza que sofrem, inclusive, pelas reiteradas políticas subservientes de outros palestinos. Tive oportunidade de conversar com várias lideranças políticas e ativistas na Palestina Ocupada9, no Brasil e em outros países que visitei, e o sentimento que pude recolher é o de que o povo palestino não quer nada mais do que o respeito aos seus legítimos direitos. E que estes direitos seculares estejam em total concordância com a democracia e a justiça, aí incluindo o regresso dos refugiados, a compensação e permanência legítima na Palestina de todos os que desejarem. A solução para o impasse histórico e político em que se encontra a Palestina, segundo meus interlocutores, se dará pela cultura e exercício da legítima e permanente resistência à ocupação. Será aquela decidida pelo povo palestino e que esteja em total concordância com a democracia e a justiça. Assim sendo, este estudo é uma modesta contribuição de um ativista que acompanha a luta do povo palestino por tantos anos, para que possamos aprofundar nosso conhecimento e informações, suscitar questionamentos e acentuar nossos pontos em comum para essa somatória solidária à causa do povo palestino. 8
Intifada é uma palavra árabe que significa literalmente “revolta” e designa o movimento de insurgência popular contra a ocupação israelense e teve origem nos levantes de 1987.
9
Designação dada pela Organização das Nações Unidas a territórios ocupados militarmente por Israel em 1967, que compreendem Gaza e Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental.
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PARTE I História do projeto colonial sionista
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1 Palestina antes do sionismo
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Mapa baseado nos escritos de Heródoto, do ano 450 a.C. No mapa pode-se observar a menção à Palestina, visitada por Heródoto em sua viagem por Tito, no atual Líbano, Egito e Babilônia, atual Iraque. Israel só foi inventada 2.400 anos depois. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Heródoto.
1.1 Terra de Canaã, Filistina, Palestina Há mais de 6000 anos, depois do período de uma grave seca que assolou a Península Arábica, região onde se localiza hoje a Arábia Saudita, os cananeus, membros das tribos árabes semitas10, 10
Semitas são os descendentes de Sem, o filho do Profeta Noé e personagem bíblico do Antigo Testamento. Diz-se sobre os árabes, hebreus e outros povos originários do norte da Península Arábica. As três grandes religiões monoteístas – islamismo, cristianismo e judaísmo – possuem raízes semitas, e não apenas os judeus.
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migraram para o oeste e foram se estabelecer na região próxima ao Mar Mediterrâneo que forma hoje a Síria, o Líbano, a Jordânia e a Palestina. Os cananeus deram ao território que habitavam o nome de “Terra de Canaã”. Aproximadamente 2000 anos depois da chegada dos cananeus, os filisteus, vindos da ilha de Creta, chegaram à Terra de Canaã, misturaram-se com as tribos cananeias e viveram na região sudoeste, para a qual deram o nome de Filistina ou Palestina. Os jebuseus, um subgrupo cananeu, fundaram a cidade de Jebus (Jerusalém) por volta do ano 3000 a.C., no lugar onde está localizada hoje e edificaram o primeiro muro ao redor da cidade, dotado de 30 torres e 7 portões11. Os cananeus logo descobriram que a sua nova terra estava numa localização estratégica, tendo o Mediterrâneo a oeste, a Mesopotâmia ao nordeste e a Ásia a nordeste. Uma conexão entre a Ásia e a África, entre os fecundos vales dos rios Eufrates e do Nilo, lugares das maiores civilizações da antiguidade. Sem dúvida, uma posição privilegiada, porém muito atrativa aos conquistadores e colonizadores desde tempos imemoriais. Aquela terra tornava-se uma região cercada por poderosos impérios originários do Egito, localizado a sudoeste. A posição geográfica da sua terra lhes dava o significado tanto como facilitador e uma ponte entre os vários impérios regionais, quanto como uma arena de lutas e conflitos entre eles. Em consequência desses fatores, os cananeus nunca puderam estabelecer um Estado forte e unificado. Suas organizações políticas tomaram forma de cidades independentes dotadas de governos ligados por relações federativas. Dentre as cidades mais proeminentes dos filisteus, cananeus e fenícios que habitaram a área da atual Palestina, estavam Bairtuyus (Beirute), Sidon, Tiro, Acre, Ashkelon e Gaza. As cidades cananeias que mais se destacavam eram Jericó, Nablus e Jerusalém. Desde os 11
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BISHAI, Wilson B. Islamic History in the Middle East. Boston: Allyn and Bacon, 1968. p. 34.
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tempos das primeiras civilizações na Palestina, Jerusalém tem sido sua parte mais importante e inseparável e quem quer que controle a cidade se põe numa posição de dominação sobre toda a Palestina. Jerusalém é a raiz da turbulenta e conflituosa história da Terra Santa. Por volta do século XVIII a.C., Ibrahim (Abrahão) veio de Ur, no sul da Mesopotâmia, distante 320 km de Bagdad, para a Terra de Canaã, estabelecendo-se nas cercanias do Vale do Jordão. Como nem o Velho e nem os Novos Testamentos tinham sido revelados, não se pode dizer que Abrahão era judeu ou cristão, mas um crente descrito no livro de Gênesis do Velho Testamento como alguém que pregava a unicidade de Deus. O Alcorão o menciona como um muçulmano, não na acepção moderna de alguém que segue a religião islâmica, mas no sentido de ter entregado sua submissão à vontade de Deus Único, um dos cinco pilares do Islamismo. Estudiosos das referências bíblicas acerca dos povos que habitaram a terra de Canaã, como os arqueólogos israelenses Israel Finkelstein e Neil Asher Silberman, apontam que o Êxodo deve ter ocorrido no século XIII a.C. e que a menção mais antiga de Israel, num contexto extrabíblico, foi encontrada no Egito, numa estrela encontrada entre as ruínas da cidade de Pi-Ransés (‘A Casa de Ramsés’), construída no delta na época do rei egípcio Ramsés II, que governou de 1279 a 1231 a.C., em cujas obras de construção semitas foram aparentemente aproveitados. Eles escreveram no livro A Bíblia não tinha razão que a inscrição encontrada “relata uma destrutiva campanha militar egípcia naquela região, durante a qual um povo chamado Israel foi dizimado ao ponto de o faraó ter-se vangloriado de que ‘a semente de Israel não mais existe!’” Embora seja uma atitude arrogante e excessiva de um líder vitorioso, indica que algum grupo conhecido como Israel teria vivido na região montanhosa de Canaã e que o êxodo histórico teria ocorrido no final do século XIII a.C. Sobre as inscrições encontradas, os arqueólogos escreveram na obra mencionada que a estrela de Meneptha registra pela primeira vez o nome de Israel, em algum texto antigo que sobreviveu. Novamente,
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isso levanta questões básicas: Quem eram os semitas no Egito? Podem ser considerados israelitas, por alguma razão significativa? Nenhuma menção do nome Israel foi encontrada nas inscrições ou documentos relacionados com o período de hicsos12. O nome não é mencionado sequer nas inscrições egípcias posteriores, nem no extenso arquivo cuneiforme do século XIV a.C., encontrado em Tell el-Amarna, no Egito, cujas aproximadas quatrocentas letras descrevem, detalhadamente, as condições social, política e demográfica de Canaã naquele tempo. [...] os israelitas emergiram de modo gradual, como grupo distinto em Canaã, apenas no final do século XIII a.C. Não existe evidência arqueológica conhecida da presença de Israel no Egito imediatamente antes daquele período13.
Os doze filhos de Jacó (netos de Abraão e filhos de Isaque) ou as doze tribos de Israel, conforme o relato bíblico, migraram para o Egito por volta de 1300 a.C. e se integraram aos egípcios. Dessas, somente as tribos de Judá e Simeão conseguiram conquistar territórios em Canaã, onde se localizavam as supostas heranças concedidas por Deus. Era originalmente um pequeno povo que se multiplicou e ganhou força durante centenas de anos no Egito, tornando-se os Israelitas. Foi no Egito que nasceu Moisés, patriarca das três religiões monoteístas. E sob a liderança de Moisés os israelitas deixaram o Egito e vagaram durante 40 anos no deserto do Sinai, por volta do século VIII a.C. Após a morte de Moisés, Josué assumiu a liderança dos israelitas e conduziuos para o oeste pelo rio Jordão até a Cananéia. Seu avanço foi contido pelos filisteus na área de Gaza e Jaffa, enquanto que os cananeus os impediram de conquistar Jerusalém. Nos 150 anos seguintes, houve numerosas lutas entre aqueles grupos, mas nem filisteus, cananeus ou israelitas foram capazes de consolidar o controle sobre toda região.
12
Nota do autor: Os hicsos foram um povo semita asiático que invadiu a região oriental do Delta do Nilo durante a décima segunda dinastia do Egito, iniciando o Segundo Período Intermediário da história do Antigo Egito.
13
FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa Editora, 2005. p. 87.
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O rei dos israelitas, David (1040-970 a.C.), subjugou os pequenos Estados de Edom, Moab e Amon, por volta do século X a.C. e, por sete anos, fez de Hebron a sua capital, que depois foi transferida para Jerusalém. David tomou e dominou Jerusalém por um curto período de 7 anos, ao longo de sua história de mais de seis mil anos. Jerusalém foi, então, denominada de “Cidade de Davi” no período de 1010-1003 e de 1003-970 a.C., durante o denominado Reino Unificado de Israel e Judá. David foi sucedido por seu filho Salomão, que governou por 33 anos. Naquele período, os israelitas eram uma força de ocupação e os judeus admitem que obtiveram o controle de Jerusalém por meio de uma guerra contra o poderoso povo da Palestina. Finkelstein e Silberman afirmam que estudos históricos e arqueológicos desqualificam a única evidência de que teria existido uma monarquia unificada baseada em Jerusalém. Segundo eles, Davi e Salomão “foram, em termos políticos, pouco mais que líderes das regiões montanhosas, cujo alcance administrativo permaneceu, de modo regular, no plano local, restrito às montanhas” (2005, p. 261), ou seja, apesar da ênfase bíblica sobre os feitos daqueles dois governantes, era um reino convencional e comum ao Oriente Próximo, na região montanhosa da terra de Canaã, no começo do século IV a.C., sem grandes centros urbanos e sem hierarquia articulada de vilas, aldeias e cidades. Os dois arqueólogos lembram que as bases históricas das narrativas dos feitos de Davi e de Salomão, principalmente sobre a verdadeira extensão, magnitude e importância do “império” de Davi foram recentemente questionadas. Eles escreveram que escavações realizadas não conseguiram produzir evidências arqueológicas de que Jerusalém tenha sido uma grande cidade no tempo dos dois governantes. E, hoje, os monumentos atribuídos a Salomão são mais plausivelmente relacionados com outros reis. Então, a reconsideração da evidência produzida tem enormes implicações. Se os patriarcas não existiram, nem o êxodo, nem a conquista de Canaã, nem a monarquia unificada sob a liderança de Davi e de Salomão, podemos dizer que o antigo
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Israel bíblico, como descrito nos cinco livros de Moisés e nos livros de Josué, dos Juízes e de Samuel, jamais existiu?14
Historiadores bíblicos como Thomas Thompson e Niels Peter Lemche, da Universidade de Copenhagen, e Philip Davies, da Universidade inglesa de Sheffield, argumentam que a monarquia unificada de Israel não passa de construções ideológicas elaboradas com habilidade e reproduzida nos círculos sacerdotais de Jerusalém, depois do exílio na Babilônia, ou mesmo nos tempos helenísticos. Descrições bíblicas sobre a fabulosa riqueza de Salomão, que teria tornado a “prata tão comum em Jerusalém como a pedra” (Reis 10,27), bem como sobre seu harém, são exageradas segundo os historiadores. Sobre outros exageros tratados em textos bíblicos, Finkelstein e Silberman escreveram que, apesar de toda riqueza e poder, nem Davi nem Salomão são mencionados em nenhum texto conhecido do Egito ou da Mesopotâmia. E que não existe evidências arqueológicas sobre a existência dos famosos e grandiosos projetos de construção de Salomão. Escavações do século XIX e começo do século XX em volta do monte do Templo em Jerusalém não reproduziram sequer traço do fabuloso Templo de Salomão ou do complexo do palácio. E, enquanto certos níveis de estruturas em sítios de outras regiões do país foram devidamente associados à era da monarquia unificada, o estabelecimento de suas datas está longe de ser evidente15.
Os assírios, comandados pelo rei Sargão II, da Assíria, destruíram o reino israelita ao norte por volta do século 720 a.C. Em 600 a.C., os babilônios, sob o comando de Nabucodonosor, conquistaram o reino israelita sudeste. Em ambos os casos a população foi levada como escrava para a Babilônia e Assíria, na Mesopotâmia. Por volta de 538 a.C., Ciro (600-530 a.C.), o rei dos persas, conquistou o império babilônico e prosseguiu suas conquistas até 14
FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa Editora, 2005. p. 175-176.
15
Ibidem, p. 181.
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que ocupou a Síria e a Palestina, incluindo Jerusalém. Os persas governaram Jerusalém e a Palestina por um período ininterrupto de 200 anos. Foi Ciro que permitiu que os escravos de Nabucodonosor retornassem à Palestina. A Palestina viveu sob o domínio egípcio de 322 a 200 a.C. e, depois, por um curto período sob o governo dos selêucidas da Síria, de 200 a 142 a.C. Por volta de 63 a.C., após os romanos terem subjugado os seldjúcidas, um povo nômade de origem turca, que gradualmente adotou a cultura persa e contribuiu para a tradição turco-persa na Síria, sob o comando do general romano Pompeu Magno (106-48 a.C.), assumiu o controle de Jerusalém. Com ajuda dos romanos, Herodes (73-4 a.C.) se tornou rei da Judéia no ano de 40 a.C., reinado que durou até a sua morte, em Jericó, no ano 4 a.C. Em torno do ano 70 d.C., na era do imperador Tito Flavio (39-81 d.C.), os romanos infligiram aos judeus uma derrota devastadora. Tomaram Jerusalém e queimaram o templo judeu de uma vez por todas. Tito destruiu o Templo de Jerusalém como forma de pôr fim e erradicar as religiões judaica e cristã como centro do monoteísmo, apagando a aura de santidade que envolvia aquelas práticas religiosas e permitir as práticas idólatras adotadas pelo Império Romano. Sob o imperador romano Públio Aelius Adriano (73-138 d.C.), várias décadas depois, os remanescentes da população judaica foram subjugados e expulsos da Palestina. No ano 70 d.C., o imperador romano Tito sufocou uma rebelião judia na Palestina e arrasou brutalmente Jerusalém. A cidade foi reerguida no ano de 131 d.C., e a denominada de Colônia Aelia Capitolina, em homenagem ao imperador Adriano, quando foi proibida a entrada de judeus. Por volta do ano 395 d.C., Jerusalém viu aumentar com regularidade o número de cristãos e tornou-se uma cidade bizantina e cristã. Sob o imperador Constantino (morto em 337 d.C.) o cristianismo começou a impor-se sobre o paganismo em Jerusalém e o próprio Constantino ordenou a construção da Igreja do Santo Sepulcro. Seus sucessores se encarregaram de cobrir o país de igrejas e edifícios 47
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religiosos. Os bizantinos autorizaram os judeus a entrar em Jerusalém um só dia por ano, para cumprir seus ritos religiosos. O historiador Slomo Sand escreveu no seu livro A invenção da terra de Israel (2014) que, nesse período, os circuncidados foram proibidos de entrar na cidade, de modo que, até a cristianização do império no início do século IV d.C., o ponto focal da fé judaica continuou na maior parte fora dos limites judeus. A situação não melhorou muito após o triunfo da cristandade por todo império. Jerusalém tornouse então uma cidade santificada cristã com muitas igrejas, e só depois da chegada dos exércitos do Islam no começo do século VII os judeus enfim tiveram permissão para entrar livremente e residir em sua antiga cidade santa16.
No início do século VII d.C., após um breve período de controle persa, a Palestina e a Síria saíram do jugo do império romano, que durou 700 anos, e foram dominadas pelo império árabe-islâmico. Os islâmicos escolheram Jerusalém, a Cidade Santa situada no centro da Palestina, como o terceiro centro sagrado mais importante, depois de Meca e Medina, e tornaram-na, assim, a primeira quibla, a direção para onde os muçulmanos dirigem suas preces, e a Palestina foi considerada “o recinto que Deus abençoou”, o lugar de onde o profeta Mohammad ascendeu aos céus. O líder religioso e vice-presidente da União Nacional Islâmica (UNI) sheik Jihad Hassan Hammadeh tratou desse tema em artigo onde diz que: De acordo com a religião islâmica, Deus ordenou que o profeta Abraão migrasse para a Palestina junto com sua esposa Sara e construísse o segundo templo destinado à adoração ao Deus único sobre a face da Terra, o que se deu com o seu filho Isaac. O primeiro templo foi o de Makkah, edificado pelo mesmo profeta junto com o seu filho primogênito, Ismael. [...] A construção do templo de 16
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SAND, Shlomo. A invenção da Terra de Israel: da Terra Santa à terra pátria. São Paulo: Benvirá, 2014. p. 154.
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Jerusalém – em árabe, Al Quds – se deu 40 anos depois do Templo de Makkah – em árabe, Al Kaabah. Portanto, são sagrados e não podem ser profanados ou desrespeitados. Alia-se a eles o terceiro templo, o do profeta, em Madina. Juntos formam os 3 templos mais sagrados do Islã17.
Desde então, até a metade do século XX, a Palestina e Jerusalém permaneceram árabes, do ponto de vista da língua, da cultura e da demografia. Embora a população tenha se tornado majoritariamente muçulmana, a convivência com cristãos e judeus foi sempre baseada no respeito. Nos primeiros tempos do período islâmico, os judeus que viviam nos países onde o árabe era a principal língua de governo e da população adotaram o árabe como sua língua para a vida secular, embora o hebraico continuasse senso usado para fins litúrgicos e religiosos. Nesse tempo, Jerusalém também se tornou lugar de peregrinação para cristãos e judeus. Para os cristãos, os lugares bíblicos e sagrados mais visitados eram – e continuam sendo – naturalmente, os numerosos lugares por onde o profeta Jesus caminhou. Albert Habib Hourani (1915-1992), um historiador britânico especialista em Oriente Médio e descendente de libaneses, relata – em seu livro Uma história dos povos árabes – que as fronteiras políticas do Oriente Próximo vinham num processo de mudanças e, tanto o Império Bizantino quanto o Sassânida tinham sido enfraquecidos por epidemias de peste e devido às longas guerras. No fim do reinado do califa18 Omar Ibn al-Khattab (586-644 d.C.), o segundo califa depois 17
HAMMADEH, Jihad Hassam. A questão religiosa por trás de toda a problemática entre Israel e Palestina. Disponível em: https://domtotal. com/noticia/1346133/2019/04/a-questao-religiosa-por-tras-de-toda-aproblematica-entre-israel-e-palestina/.
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Califa é o líder da Ummah (nação) muçulmana. O título vem do árabe, que significa “sucessor do Enviado de Allah”, numa referência ao Profeta Mohammad. O primeiro Califa após a morte do Profeta foi Abu Bakr (632634), seguido por Omar Ibn al-Khattab (634-644), Othman Ibn Affan (644656), Ali Ibn Abi Taleb, o príncipe dos crentes, (656-661) e Hassan Ibn Ali (661661).
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da morte do profeta Mohammad e um dos mais poderosos e influentes governantes muçulmanos, toda a Arábia, parte do Império Sassânida, bem como a Síria e o Egito, que formavam parte do Império Bizantino, haviam sido conquistadas. As terras sassânidas seriam ocupadas logo em seguida. Os árabes que invadiram os dois impérios não eram uma orda tribal, mas uma força organizada, e alguns de seus membros haviam adquirido habilidade e experiência militares a serviço dos impérios ou na luta após a morte do Profeta. O uso dos camelos proporcionou-lhes uma vantagem em campanhas travadas em grandes áreas; a perspectiva de conquista de terra e riqueza criou uma coalizão de interesses entre eles; e o fervor da convicção deu-lhes um tipo diferente de força19.
Para os habitantes dos impérios conquistados pelos árabes, o novo poder lhes trazia vantagens, pois consideravam mais fácil viver sob um governante imparcial em relação aos grupos de cristãos, judeus e outros ramos religiosos, onde não eram considerados estranhos e não sofriam de perseguição por parte dos governantes muçulmanos.
1.2 A Palestina e o Islam O califa Omar não tomou Jerusalém pela força. Quando o exército árabe cercou a cidade, em 637 d.C., mas sem a invadir em respeito aos desejos dos Patriarcas cristãos de Jerusalém, estes já o aguardavam no seu interior para a rendição e entrega de um pedido dirigido ao Califa Omar, que deveria ser o primeiro a entrar. Os Patriarcas entregaram um esboço de acordo que reconheciam tudo o que os árabes pleiteavam e as condições de manutenção da liberdade de culto para os cristãos, respeito aos seus santuários e a continuação da decisão da antiga dominação romana, que proibia os judeus de viverem na cidade sagrada. O califa Omar aceitou todas as condições e dirigiu uma carta com os termos do Acordo, que foi entregue a Sophronius, patriarca de Jerusalém entre 634 e a sua morte, 19
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HOURANI, Albert. Uma história dos povos árabes. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 44.
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em 638 d.C. Foi pactuado o reconhecimento das liberdades civis e religiosas dos cristãos em troca de tributos – um acordo conhecido como Pacto de Omar. A carta foi assinada por Omar e pelo Patriarca Sophronius e estava escrita nos seguintes termos: Em nome de Allah, o Clemente, o Misericordioso. Esta é a garantia de segurança que o servo de Allah, Umar, o Comandante dos Fiéis, tem dado ao povo de Jerusalém. Ele lhes deu uma garantia de segurança para si próprios, para as suas propriedades, suas igrejas, os seus cruzamentos, os doentes e saudáveis da cidade e para todos os rituais que pertencem à sua religião. Suas igrejas não serão habitadas por muçulmanos e não serão destruídas. Nem eles, nem a terra onde residem, nem as suas cruzes, nem as suas propriedades serão danificadas. Eles não serão convertidos à força. Nenhum judeu vai viver com eles em Jerusalém. O povo de Jerusalém deve pagar os impostos como as pessoas de outras cidades e deve expulsar os bizantinos e os ladrões. Aqueles entre o povo de Jerusalém que queiram partir com os bizantinos, tomem as suas propriedades e abandonem suas igrejas e cruzes, assim estarão seguros até chegarem ao seu local de refúgio. Os moradores podem permanecer na cidade, se quiserem, mas devem pagar impostos como os cidadãos. Aqueles que desejarem podem ir com os bizantinos e aqueles que desejarem poderão voltar para suas famílias. Nada é para ser tomado deles antes que sua ceifa seja realizada. Se eles pagam seus impostos de acordo com as suas obrigações, então as condições estabelecidas nesta carta estão sob o pacto de Allah, são da responsabilidade de Seu Profeta, dos califas e dos fiéis20.
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Disponível em: https://iqaraislam.com/jerusalem-e-umar-ibn-al-khatab/.
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O Khalifa Omar Ibn al-Khattab (Meca, 586 - Medina, 644).
Omar acreditava que Allah/Deus ordenara o respeito à santidade da cidade de Jerusalém e o respeito ao “povo do livro” (Ahl al-Kitab, os crentes de outras religiões monoteístas que são reconhecidos com todos os seus profetas pelo Islam). De acordo com o Islam, a liberdade de culto em Jerusalém era uma dádiva divina e por isso não poderia ser subtraída. Omar instituiu o controle muçulmano sobre a cidade, mas reconhecia o direito inalienável à liberdade de expressão para judeus e cristãos na Cidade Santa. Omar também emitiu mensagem aos muçulmanos de 52
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que a Igreja do Santo Sepulcro, local de crucificação e sepultamento do profeta Jesus, e de sua ressurreição ao terceiro dia de sua condenação por um tribunal de exceção romano, crucificação e morte, era um templo sagrado e que não deveria ser violado, danificado ou desrespeitado de nenhum modo. Sobre a chegada e tomada de posse pelo Califa Omar, o historiador palestino nascido em Jerusalém Walid Khalidi diz, em seu livro Antes de su diáspora – Una Historia de los Palestinos a traves de la fotografia 1876-1948 (2013) que Umar deseaba vivamente encontrar los lugares que habían sido testigos de la ascensión de Mohama. Fue difícil identificar la roca de la ascensión, pues estaba oculta bajo un montón de estiércol. Después de la purificación de la roca, Umar condujo e ala a los suyos, entre quienes había varios Compañeros del Profeta, es decir, sus allegados, para hacer oración. Por primera vez desde la muerte de Mohama la llamada a la oración fue lanzada por su almuédano, Bilâu. Uno de los Compañeros presentes, Ubâda, fue nombrado por Umar primer cadí, o “juez”, de Jerusalén, función que ejerció en la ciudad e hasta su muerte. El nombre árabe de Jerusalén era al-Bayt al-muqaddas (la Casa Sabta); el de la Meca era al-Bayt al-harâm (la Casa Sagrada). La provincia bizantina de Palestina Prima se convirtió entonces en la provincia administrativa y militar (yund) de Filastîn, que perduró como nombre árabe de Palestina21.
Para a teologia islâmica, Omar é um modelo de líder muçulmano. Suas ações ao Pacto são o reflexo perfeito dos ensinamentos do Alcorão em pregar e exercer a tolerância e o respeito à liberdade de culto entre as pessoas. Até a chegada do Islam, em 637 a.C., Jerusalém (Aélia Capitolina) estava proibida aos judeus, exceto num único dia do ano, quando eles tinham permissão de entrar para fazer orações junto ao Muro das Lamentações. 21
KHALIDI, Walid. Antes de su diáspora: una historia de los palestinos a traves de la fotografia, 1876-1948. Palestina: Institute for Palestines Studies, 2013. p. 27.
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A lei islâmica vigorou na Palestina Histórica22 e em Jerusalém desde o século VII d.C. até meados do século XX, excetuando-se o período das cruzadas. A dominação árabe e muçulmana na Palestina finalizou com a invasão dos cruzados e com a fundação do reino latino de Jerusalém, que durou de 1099 a 1187 d.C. Os Cavaleiros de Cristo, conforme se autodenominavam os Cruzados, capturaram e torturaram, mataram e queimaram milhares de muçulmanos indefesos – homens mulheres e crianças – e também os residentes judeus, pouco numerosos, que haviam se refugiado em sua sinagoga. O reino cruzado dominou Jerusalém por 88 anos e viu sua derrota e a Cidade Santa ser libertada durante a batalha que durou entre 20 de setembro e 2 de outubro de 1187 d.C., vencida pelo exército islâmico de Salah ad-Din Yusuf ibn Ayyub (Saladino – 1138-1193 d.C.), que entrou em Jerusalém e, no alto do seu poder militar, deu mostras do mesmo respeito e da mesma compaixão pelos habitantes cristãos que o califa Omar havia dedicado cinco séculos antes. Em 1229 d.C. recapturaram a cidade e, quinze anos mais tarde, os muçulmanos tomaram Jerusalém mais uma vez e restabeleceram seu governo e a cidade não saiu mais do controle islâmico até a ocupação britânica, após a I Guerra Mundial, em 1917. Khalidi diz que, tão logo entrou em Jerusalém, Saladino mandó proceder antes de nada a la purificación de las mezquitas de la Cúpula de la Roca y de al-Aqsa. Durante uma semana entera, nobles y plebeyos a uma lavaron muros y suelos y los asperjaron con agua de rosas. Los parientes y descendientes de los habitantes musulmanes de Jerusalén (expulsados por los cruzados) recuperaron sus bienes familiares23.
22
Palestina histórica é o termo utilizado para se referir à totalidade do território dominado pelo Mandato Britânico de 1922 a 1947.
23
KHALIDI, Walid. Antes de su diáspora: una historia de los palestinos a traves de la fotografia, 1876-1948. Palestina: Institute for Palestines Studies, 2013. p. 29.
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Saladino e os Ayyubies, seus sucessores, respeitaram o status quo ante , instituído na Convenção de Omar, e autorizaram os cristãos a residir em Jerusalém e a praticar livremente seus cultos e preservar suas Igrejas. E foi naquele período que passou a existir e se desenvolveu a comunidade judia. Depois da derrota dos cruzados, todas as terras do Islam se converteram em refúgio para os judeus vindos da Europa, pois as cruzadas haviam perseguido tanto os muçulmanos quanto os judeus. Os judeus nunca foram perseguidos nos países árabes, mas foi nos Estados muçulmanos que os judeus encontraram refúgio das perseguições dos povos europeus. 24
A maior figura do judaísmo medieval, Musa Ibn Maymun (Maimônides, 1135-1204), preferiu viver na cidade do Cairo, onde encontrou um ambiente mais tolerante e livre do que no Andaluz, de onde vinha. Ele foi médico da corte de Saladino e de seu filho e foi testemunha das relações cômodas entre muçulmanos e judeus naquela época. Igualmente para os sábios cristãos, que desempenharam um papel importante na transmissão do pensamento científico e filosófico do grego para o árabe. Os cristãos e judeus participaram da reconstrução da cidade, respeitando e preservando o caráter de sua herança e seu legado islâmico e árabe. Apesar dos esforços da Igreja Católica e do apoio logístico vindo periodicamente da Europa, a Palestina nunca foi totalmente cristianizada. Durante os 1,3 mil anos anteriores à Partilha, que aconteceu em 1947, a Palestina permaneceu como um país majoritariamente muçulmano. Em 1260, segundo Khalid, o poder passou das mãos dos Ayyubies, descendentes de Saladino, para a dos sultões mamelucos do Egito, que dominaram até a conquista do Egito pelos otomanos, em 1517, quando a Palestina foi uma província do reino mameluco. Foram os mamelucos que expulsaram os últimos cruzados de Jerusalém e impediram que os mongóis, liderados por Hulago, neto de Gengis Khan, a conquistassem e destruíssem. 24
A expressão do latim status quo ante é literalmente traduzida como “o estado em que as coisas estavam antes da guerra”.
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Os mamelucos reorganizaram o país através da criação de seis distritos administrativos: Gaza, Lod, Qâqûn (nome de uma cidade ao norte de Lod), Jerusalém, al-Jalil (Hebrón) e Nablus, que eram as grandes vias de circulação entre o Cairo, Damasco e Alepo, por onde circulavam sem cessar os mercadores, administradores e correios. A Palestina formou parte do Império Otomano de 1516 até o final da Primeira Guerra Mundial. Suleiman, o Magnífico (15201566), conquistou a Palestina e cuidou de reconstruir as muralhas da cidade de Jerusalém. Numa demonstração reveladora do seu respeito e importância dada à Cidade Santa, construiu o Reservatório do Sultão e instalou fontes públicas por toda a cidade. Para agradar a Allah, Suleiman construiu um conjunto de obras para os pobres e os indigentes, os débeis e os miseráveis, que incluía um monastério com cinquenta e cinco portas, uma pousada, uma cozinha, uma padaria, quadras e armazéns, algumas das quais permaneceram existindo em tempos do Mandato britânico (Khalidi). Os otomanos perpetuaram a tradição islâmica de tolerância com relação aos interesses religiosos dos cristãos na Palestina. A custódia dos lugares sagrados foi confiada ao patriarca ortodoxo grego de Jerusalém. Como haviam feito outros soberanos muçulmanos, o império otomano abriu as portas a centenas de milhares de judeus que fugiam da perseguição na Espanha e em outras partes da cristandade. De todas as províncias do império otomano, à exceção das regiões maronitas do Monte Líbano, a Palestina foi a mais aberta e a mais permeável às influências cristãs ocidentais. O número de judeus que havia decrescido na Palestina com a dominação dos cruzados voltou a crescer com a conquista otomana, quando muitos judeus aproveitaram a oportunidade e a tolerância dos muçulmanos otomanos que mantiveram os acordos e regulamentações que regiam o status quo dos privilégios e direitos dos judeus e cristãos em seus lugares de culto e seus santuários, que haviam sido ratificados por chefes muçulmanos em épocas anteriores pela jurisprudência dos tribunais muçulmanos. Assim, os judeus se instalaram na Terra Santa em quatros cidades de especial importância para o judaísmo: 56
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Jerusalém, Hebrón, Dafad e Tiberíades. E puderam prosseguir em paz com suas atividades. O que se pode concluir desse período de 6000 anos é que desde o início de sua história a Palestina foi sempre um território árabe. As tribos judias só apareceram na terra Palestina nos últimos 1400 anos, ou seja, cerca de 4600 anos após seus habitantes primitivos, os cananeus árabes, se deslocarem da Península Arábica e fundar suas primeiras cidades. As tribos judias não constituíram um sistema de governo ou dominação naquilo que se pode denominar de Estado em nenhuma época, com a exceção dos reinos de Davi e Salomão. Os judeus abandonaram o território da Palestina durante toda a época babilônica. Durante 2000 anos os judeus ficaram longe de Jerusalém porque sua religião entendia que os lugares santos eram lugares para visitação e não para permanência. E os proibia de voltar à cidade sagrada de Jerusalém até que o Messias voltasse. Os judeus passaram a regressar à Palestina e a Jerusalém após a vitória do califa Omar, que lhes assegurou justiça, liberdade individual e de culto, que permaneceu até a instauração do Estado de apartheid sionista iniciado em 1948. O historiador britânico Eric Hobsbawn afirma – no livro Nações e Nacionalismos desde 1780 (1991) – que é “inteiramente ilegítimo identificar os elos judaicos com a Terra de Israel ancestral [...] com o desejo de reunir todos os judeus em um Estado territorial moderno situado na antiga Terra Santa”25. Os judeus eram aproximadamente 25.000 (a maioria dos moradores profundamente religiosa), para uma população de 600.000 muçulmanos em 1888, onde apenas 10% eram de cristãos. Hobsbawn escreveu que até o nascimento do movimento sionista, as relações entre palestinos e judeus, depois de um milênio de coexistência e de atribulações comuns, eram pacíficas e estáveis. Este clima 25
O termo “Terra Santa” disseminou-se pela cristandade apenas depois da dominação da Palestina pelos Cruzados, no Natal de 1099 d.C.
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de tolerância se devia em boa parte ao respeito do Islam pelos profetas judeus, que se manifestava, no caso dos palestinos, em uma tradição de peregrinações aos lugares bíblicos26.
Diferentemente de outros países árabes vizinhos, não existia na Palestina nenhuma tensão entre muçulmanos e seus compatriotas cristãos. Um exemplo disso a se destacar era o fato de que as diferentes seitas cristãs de Jerusalém sempre confiavam tradicionalmente as chaves do Santo Sepulcro a uma família palestina muçulmana. Os árabes jamais abandonaram o seu território, apesar das guerras que vivenciaram no decorrer da história. Também não emigraram durante as épocas de ocupações estrangeiras sofridas pela Palestina durante as diferentes épocas da sua história por parte dos persas, gregos, romanos ou judeus. Igualmente, e apesar disso, permaneceram invisíveis aos olhos do Ocidente, que mal os mencionava nos estudos “científicos” e “espirituais” e em seus planos de ocupação.
1.3 Surge o movimento sionista Como já nos referimos anteriormente, desde 1516 até o final da Primeira Guerra Mundial toda a Ásia Ocidental formou parte do grande império Otomano e Jerusalém sempre mereceu uma atenção especial. Uma prova deste apreço são as muralhas da Cidade Velha, construídas pelo sultão Suleimam, o Magnífico, bem como as outras obras erguidas pela sultana Jasseki, esposa de Suleiman e conhecida na Europa pelo nome de Rojelana. Para os árabes, pertencer ao império Otomano era como viver em associação com outros povos e não numa relação de dominação de um grupo étnico sobre o outro, no caso, os turcos. Em 1876 foi promulgada a nova Constituição otomana, que teve curta duração, mas permitiu a realização das primeiras eleições para o Parlamento otomano, para o qual foram eleitos representantes das várias províncias árabes, incluindo a Palestina. Atualmente, os judeus 26
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Hobsbawn, Eric. Nações e Nacionalismos desde 1780. São Paulo: Paz e Terra, 1991. p. 32.
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sionistas autodenominam o seu Estado como a única democracia do Oriente Médio, mas vinte anos antes do primeiro Congresso Sionista27 na Basiléia, em 1897, os palestinos já elegiam os seus representes para o parlamento otomano. Vários árabes palestinos foram nomeados para cargos importantes na administração do governo otomano, na diplomacia e no exército. O movimento sionista28 começou a se articular na Europa na década de 1880, um fenômeno que causaria graves consequências para a Palestina. Os sionistas tinham como objetivo tirar os judeus de sua condição de minoria e pôr em prática seus planos do chamado Lar Judeu, através da aquisição de vastas extensões de terras para que aquilo compusesse o futuro estado judeu na Palestina. A escolha da Palestina se deve ao fato de que a memória e o sentimento judio estavam ligados à Palestina, embora os sionistas tivessem cogitado outras possibilidades para o seu estado, como já mencionamos anteriormente. O início das convulsões que assolam a Palestina até os nossos dias foi certamente a decisão dos sionistas, no final do século XIX, de colonizar a Palestina e convertê-la num estado judeu sem levar em consideração nem a existência e nem a vontade da população local, porque era sabido que a Palestina não era uma terra vazia de habitantes, como pregava o slogan sionista de “uma terra sem povo para um povo sem terra”. Os palestinos, cristãos e muçulmanos formavam uma comunidade vibrante e orgulhosa que já havia cruzado o umbral de seu renascimento intelectual e nacional. O caminho escolhido pelos sionistas não poderia desembocar numa situação de conflitos e numa trágica realidade. 27
O termo sionismo foi criado em 1892 por Natan Birnbaum, fundador da revista Selbstemanzipation! (Autodeterminação). O sionismo é um movimento político que defende o direito à autodeterminação dos judeus e a existência de um Estado nacional judaico independente e soberano no território onde supostamente teria existido um Reino de Israel. Sionismo é um termo que tem o intuito de fazer referência a Sion ou Sião, um dos sinônimos bíblicos de Jerusalém.
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Recomendo o vídeo A história sionista. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=AKfhUrTe4ZY.
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O sionismo se originou de uma série de lendas que tiveram por base os textos da Torá29, sobretudo nos trechos referentes à promessa divina, baseada na terra prometida para os judeus na Palestina, referência sobre o título de povo escolhido pelo fato de todos os judeus serem descendentes de Isaac, o filho de Abraão. Isso porque Ele nasceu de Sam, filho de Noé, herdeiro daquilo que eles denominariam de “terra sem um povo para um povo sem terra”. Essa lenda, que perdura até hoje na narrativa sionista e originou o Estado de Israel, ajudou o sionismo a reunir os judeus de todo o mundo com vista à concretização do seu projeto colonial na Palestina Histórica, baseados em outra lenda de que Deus havia prometido aquela terra aos judeus. Terra sem Povo e Terra Prometida são fantasias inventadas e adotadas pelos judeus no exílio, nos cativeiros da Babilônia, no Iraque, em 609 a.C., como fonte para a narração da história de Israel e meio para encontrar um forte indício histórico capaz de comprovar a relação entre os judeus e a Palestina. A História prova que os judeus sionistas que têm reclamado a promessa de Deus pelas terras palestinas e trabalham incessantemente para fazê-la se tornar uma realidade não tinham qualquer relação com os chamados filhos de Israel mencionados na Bíblia e onde parte deles vivia naquela terra da Palestina. Na realidade, eles eram de origem turca (não eram semitas), seus antepassados se converteram ao judaísmo no século VIII, e eles possuíam um Estado nas margens do Rio Volga, conhecida como império Khazar. Sobre essas lendas difundidas pelos sionistas para embasar uma narrativa histórica com fontes inexistentes, o historiador palestino Dr. Rasem Shaban Mohama Bisharat diz que a lenda do povo eleito e da pureza do Estado judeu foram os pilares fundamentais do movimento sionista, que viabilizou a mistura entre religião e nacionalismo. Considerou os judeus como uma nação, e como povos semitas, descendentes dos 29
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Torá é o nome dado aos cinco primeiros livros do Tanakh (também chamados de Hamisha Humshei Torah, ou as cinco partes da Torá) e que constituem o texto central do judaísmo.
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filhos de Jacó (Israel), mas a descoberta dos povos khazares veio a refutar esse argumento, além de provar que o judaísmo é uma religião de missionários. Também tem sido comprovado por estudos científicos e históricos que os judeus pertencem a três linhagens étnicas. Jozovic, professor de história na Universidade Hebraica, realizou vários experimentos sobre imigrantes judeus, capazes de concluir que os judeus não são uma nação, eles são uma comunidade religiosa de vários grupos de pessoas, convertidos a uma religião, assim uma pequena porcentagem de judeus provenientes dos países árabes são descendentes de Jacó e Isaac, porém os judeus da Europa Oriental pertencem a tribos dos khazares, enquanto os judeus da Europa Ocidental pertencem à ascendência europeia, que havia se convertido ao judaísmo após o século III d.C., pelos missionários judeus30.
Theodor Herzl, um jornalista judeu romeno de nascimento e austríaco de nacionalidade e vindo de uma família de banqueiros, criou a teoria de que os judeus deveriam ter o seu próprio Estado: o sionismo, publicada no livro O estado judeu, em 1896. O sionismo nasceu oficialmente em 29 em agosto de 1897 no I Congresso Sionista, realizado na cidade suíça de Basel (Basiléia), com a presença de 208 delegados judeus de 17 países. Nenhum deles com qualquer ligação com a Palestina. O sionismo cresceu como uma ideologia do movimento nacionalista que desde o final do século XIX passou a promover a imigração em massa de judeus, sobretudo da Europa Oriental para a Palestina, onde pretendiam o estabelecimento de um lar nacional judaico. Mais tarde, o sionismo tornou-se um princípio e sinônimo de colonialismo, racismo e apartheid. Em três dias de debates, o I Congresso – o ponto de partida do Movimento Sionista Mundial (foram realizados 21 Congressos Sionistas até a eclosão da Segunda Guerra Mundial) – organizado com 30
Bisharat, Rasem Shaban Mohama. A história dos Khazares judeus. Portal Brasil de Fato. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/node/10417/. Acesso em: 25 dez. 2018.
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o propósito de mostrar ao mundo “o que é o sionismo e o que ele pretende” e também unir todos os sionistas sob uma só organização foi realizado em torno de quatro objetivos precisos, onde a usurpação da terra da Palestina era o tema central e presente em todos os objetivos. Eram eles: 1) estimular a colonização da Palestina, povoando-a de judeus, mediante uma imigração metodicamente organizada; 2) organizar o Movimento judeu, unificando suas formações espalhadas pelo mundo; 3) despertar, reforçar e mobilizar a consciência judia em todas as comunidades; 4) atuar nos diferentes Estados para obter o apoio e a anuência dos mesmos para o movimento sionista, concentrando seus esforços no apoio da Grã-Bretanha.
O fundador do Movimento Sionista, Theodor Herzl (Peste, Hungria,Áustria, 2 de maio de 1860 — Reichenau an der Rax, 3 de julho de 1904).
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A colonização da Palestina pelos sionistas, na perspectiva daquilo que Theodor Herzl disseminava como Lar Judeu, teve início em 1878 e a primeira leva de imigrantes sionistas chegou em 1882. Naquele mesmo ano, o milionário judeu francês, barão Edmond Rothschild, começou a financiar a colonização judia na Palestina. Em 1896, outro milionário judeu alemão, Barão Maurice de Hirsc, criou na Palestina uma extensão da sua Associação para a Colonização Judia na Palestina. Em 1901 foi fundado em Londres o Keren Kayémet, o Fundo Nacional Judeu (FNJ), destinado a adquirir terras na palestina Otomana que seriam judias de forma inalienável e utilizadas exclusivamente por judeus. Entre 1880 e 1914 foram criadas trinta colônias sionistas e, na véspera da Primeira Guerra Mundial, a população judia na Palestina já era de 80 mil pessoas que, em sua maioria, mantinha suas nacionalidades de países europeus de onde se originava. O FNJ foi uma ferramenta primordial da colonização e ponta de lança da sionificação da Palestina. Ao final do mandato, a comunidade judaica já detinha cerca de 6% das terras palestinas. O crescente processo de aquisição de terras e transferência de população prosseguiu na Palestina, apesar da oposição das forças locais e das autoridades otomanas, que tentaram diversas formas de contenção daquele movimento, que tropeçara na pressão das potências europeias, com a corrupção em suas próprias administrações e com a ganância de muitos latifundiários. Esse movimento de aquisição de terras para realizar o projeto de recuperação do território bíblico que eles acreditavam ter sido ofertado por Deus transformou-se no movimento nacionalista que via a Palestina Ocupada por “estrangeiros” e, por isso, deveria ser reconquistada. E, para o movimento sionista, “estrangeiros” eram todos os não judeus que habitaram a Palestina desde o período de dominação do Império Romano. De fato, para muitos sionistas, a Palestina nem mesmo era uma terra ‘ocupada’ quando eles chegaram ali em 1882, mas uma terra ‘vazia’: os nativos palestinos que ali viviam eramlhes um tanto invisíveis, ou eram ainda mais uma dessas
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agruras da natureza que, como tal, deveriam ser conquistados e removidos. Nada – rochas ou palestinos – poderia ficar no caminho da ‘redenção’ nacional da terra que o movimento sionista cobiçava31.
Mas foi o desfecho da Primeira Guerra Mundial ocasião onde os árabes esperavam contar com um apoio sincero da Grã-Bretanha contra a dominação otomana na região e sua consequente independência dos territórios. Os britânicos haviam prometido aos árabes, em 1916, que reconheceriam, ao final da guerra, a independência de um Estado árabe unificado, formado pelas províncias árabes do Império Otomano, incluindo a Palestina, episódio relatado pelo oficial da Força Aérea Britânica Thomas Edward Lawrence, conhecido como Lawrence da Arábia, que exercia o cargo de Consultor de Assuntos Árabes da Divisão Oriente Médio do Departamento Colonial do governo britânico. Lawrence relata em seu livro Sete Pilares da Sabedoria que, como os árabes, tinha se acostumado a acreditar nele, devido ao seu compromisso nas batalhas ao seu lado e que o governo britânico era sincero como ele quando assegurava que os árabes teriam sua recompensa ao final da guerra. Revela, porém: O Gabinete persuadira os árabes a lutar por nós com a promessa definitiva e clara de autodeterminação depois [...] pelo que minha palavra valia, assegurei aos árabes que teriam a sua recompensa ao final. [...] Era evidente, desde o início, que se vencêssemos a guerra as promessas seriam tratadas como papel sem valor32.
Os árabes foram de fato traídos pelo acordo secreto realizado em maio de 1916 entre a Grã-Bretanha, França e Rússia, que implicava a internacionalização da maior parte da Palestina. A isso veio se somar a carta enviada pelo ministro de Assuntos Exteriores britânico, Arthur James Balfour, ao barão Lionel Walter de Rothschild, o maior capitalista rentista de toda Europa. A carta de Balfour marcou um giro 31
PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 31.
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LAWRENCE, Thomas Edward. Sete Pilares da Sabedoria. São Paulo: Record, 2000. p. 21-22.
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decisivo na história e ação do sionismo em busca do seu objetivo do Lar Nacional Judeu na Palestina. A reivindicação do caráter judaico ao seu Estado e a privação imposta aos palestinos da elegibilidade da sua presença, bem como o direito de retorno dos proprietários de terras que foram deslocadas pela força em 1948 para trazer um novo povo que nunca vivera naquela terra são as principais ilegalidades cometidas pelos sionistas. Esse povo que substituiu os palestinos e expulsou-os de suas terras à força, sob o pretexto de uma suposta promessa divina, não é o detentor do direito e não tem qualquer ligação orgânica com a Palestina. A maioria dos líderes do movimento sionista na Europa do Leste é descendente de judeus khazares que historicamente omitiram sobre sua origem étnica, pois promovem suas próprias teorias históricas e políticas a fim de atrair a simpatia e o apoio de muitos descendentes na Europa e na América. Dr. Rasem escreveu em seu artigo que Israel e o movimento sionista devem perceber que os mitos que eles haviam fabricado para reivindicar direitos na Palestina Histórica não passam de lendas e pura fantasia, e é impossível prosseguir incólume. Por isso, Israel deve aceitar a partilha da terra e do estabelecimento de dois Estados para dois povos, e abrir uma nova página das relações entre palestinos e israelenses, as relações baseadas em interesses comuns e na boa vizinhança33.
A solução de dois estados, porém, está cada dia mais afetada pela rápida e criminosa expansão dos assentamentos judaicos que têm sido repetidamente confirmados como ilegais pelo Conselho de Segurança da ONU. A construção de muros, restrições cada vez maiores para que palestinos construam suas habitações, controle da mobilidade por
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Bisharat, Rasem Shaban Mohama. A história dos Khazares judeus. Portal Brasil de Fato. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/node/10417/. Acesso em 25 dez. 2018.
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meio dos check-points34, além das demolições punitivas ao ocupante da casa que foi encontrado envolvido ou com suspeita de envolvimento em atos de violência contra o Estado de Israel são práticas israelenses que constituem crimes de guerra em conflitos armados internacionais – de acordo com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, em vigor desde 1 de julho de 2002 e subscrito por 123 Estados-Partes. Israel votou contra, devido à inclusão da “ação de transferir população para território ocupado” na lista de crimes de guerra. Não obstante a busca incansável por uma solução de dois estados e sem abandonar qualquer direito palestino, o estabelecimento de um totalmente soberano e independente Estado palestino, tendo Jerusalém como sua capital ao longo das fronteiras de 4 de junho de 1967, com o retorno dos refugiados e deslocados de seus lares dos quais eles foram expulsos, ainda é a fórmula de consenso nacional, que tem o apoio das forças políticas palestinas – embora a demografia ainda seja o principal elemento desafiador e que poderá pôr em pauta uma solução que desafie a lógica sionista por um estado judeu, que é a transformação da Palestina Histórica em um estado democrático e civil. O outro caminho é o que vem sendo trilhado por Israel, que acabará no destino de um país de fanáticos religiosos, racista, repleto de ódio e vinganças.
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Check-point é a denominação utilizada pelos palestinos para os mais de 300 postos de controle israelenses espalhados em pontos vitais para a conexão de populações, onde palestinos que se deslocam para o trabalho, em busca de assistência médica, inclusive mulheres em trabalho de parto, para estudar, são submetidos a todo tipo de humilhação por parte dos soldados israelenses, que se põem na condição de senhores das vidas daquelas pessoas.
2 Sionismo: projeto colonial europeu
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2.1 Balfour: Inglaterra doa o que não lhe pertence A Declaração Balfour foi uma carta datada de 02 de novembro de 1917 do secretário de Assuntos Estrangeiros britânico. O texto foi definido numa reunião do gabinete de governo em 31 de outubro de 1917. A Declaração foi sem dúvida uma trágica decisão do império britânico que está diretamente ligada à raiz do conflito interminável palestino-israelense e do sofrimento, desterritorialização e apartheid vivido pelo povo palestino.
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Balfour foi o alicerce que os sionistas precisavam para dar vigor e sentido prático à ideia de um Estado judaico e impor sua presença em terras palestinas. E o sentido prático foi a transferência de populações, expulsão dos nacionais e roubo das terras e casas dos palestinos, com o ar de legalidade que a Declaração de Balfour havia consagrado. Foi o gatilho que desencadeou os eventos subsequentes que alteraram não apenas o mapa demográfico da Palestina, mas também sua configuração política, econômica, social e militar. A Declaração do Lord Balfour, como ficou conhecida a carta do secretário de Assuntos Estrangeiros da Grã-Bretanha, Arthur James Balfour (1843-1930), foi endereçada diretamente ao escritório do Barão Lionel Walter Rothschild, líder da Federação Sionista da Grã-Bretanha. A carta, datada de 2 de novembro de 1917, transmitia a intenção do governo britânico em facilitar a criação de um Lar Nacional Judeu na Palestina como resultado da vitória da Inglaterra sobre o Império Otomano, que dominava a região, promessa que se concretizou após o acordo de paz assinado entre os Aliados e o Império Otomano. A carta não era um documento de muitas palavras e foi escrita nos seguintes termos: Caro Lord Rothschild, Tenho o grande prazer de transmitir-lhe, em nome do governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia para com as aspirações judaica sionistas que foram submetidas ao Gabinete e por ele aprovada: O governo de Sua Majestade encara favoravelmente o estabelecimento, na Palestina, de um Lar Nacional para os judeus, e empregará todos os seus esforços no sentido de facilitar a realização desse objetivo, entendendo-se claramente que nada será feito que possa atentar contra os direitos civis e religiosos das coletividades não-judaicas existentes na Palestina, nem contra os direitos e o estatuto político de que gozam os judeus em qualquer outro país.
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Desde já, declaro-me extremamente grato a V. Sa. pela gentileza de encaminhar esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista. Arthur James Balfour.
Said escreveu que a Declaração Balfour foi uma carta feita (a) por uma potência europeia; (b) sobre um território não europeu; (c) em completo desrespeito tanto à presença quanto aos desejos da maioria nativa que residia nesse território; e (d) na forma de uma promessa desse mesmo território a um grupo estrangeiro, de modo que este poderia, de modo bastante literal, transformar esse território numa pátria para o povo judeu.35
O ministro britânico Arthur James Balfour e o fac-simile da carta ao sionista barão Lionel Walter Rothschild. O documento original encontra-se, hoje, na Biblioteca Britânica, em Londres.
A carta era uma declaração unilateral de uma grande potência imperialista que impunha o destino de uma região que jamais pertenceu ao Império Britânico e que foi presenteada generosamente 35
SAID, Edward. A questão da Palestina. São Paulo: EdUnesp, 2012. p. 18.
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ao Lord Rothschild e, por seu intermédio, ao movimento sionista. A Declaração não era mencionada nem tampouco significativa na época em que foi anunciada, uma vez que o governo britânico estava fazendo promessas a qualquer potência que lhe oferecesse ajuda para vencer a guerra, porque, de fato, a Grã-Bretanha não tinha soberania sobre o território palestino para dispor dele em tais acordos e ofertas. Mas algum tempo depois, com a sua repercussão por intermédio das lideranças sionistas, deixou de ser apenas uma declaração do secretário britânico, para ocupar o lugar de um documento considerado internacionalmente, passando a integrar um sistema de normas e mandatos sancionados pela Liga das Nações,36 em 1919, e se tornado a base das reivindicações sionistas pela terra palestina. A Declaração sinalizou, igualmente, que a principal potência imperial da época, a Grã-Bretanha, já havia posto o sionismo sob sua proteção ao dispor em seu favor um território que não lhe pertencia, além de expressar o seu chauvinismo em relação aos habitantes originais da palestina, que representavam 92% da população e foram reduzidos da noite para o dia à condição de comunidades não judaicas em um “lar nacional judeu”, ou seja, estrangeiros ou quase estrangeiros em sua própria terra. Após a incorporação da palestina ao Mandato Britânico, a Declaração tornou-se um elemento importante para a criação do Estado de Israel. A Liga das Nações confirmou essa condição na Conferência de San Remo, Itália, em 24 de abril de 1920, que determinou a atribuição de mandatos às potências vitoriosas na Primeira Guerra Mundial, para que estas administrassem territórios anteriormente pertencentes ao Império Otomano no Oriente Médio, quando o Mandato da Palestina e do Iraque deveria ser dado à GrãBretanha. Esta decisão foi confirmada pelo Conselho da Liga em 24 de julho de 1922 e começou a valer em setembro de 1923. 36
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Sociedade das Nações ou Liga das Nações, foi uma organização internacional, fundada em 28 de abril de 1919, em Versalhes, Paris, onde as potências vencedoras da Primeira Guerra Mundial se reuniram para negociar um acordo de paz. Sua última reunião ocorreu em abril de 1946. A Liga das Nações foi secundada pela Organização das Nações Unidas (ONU), fundada em 24 de outubro de 1945.
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência
Mapa do Mandato Britânico, a entidade geopolítica sob administração da Inglaterra criada pela Liga das Nações após o final da Primeira Guerra Mundial, com a Partilha do Império Otomano. A administração civil britânica na Palestina operou de 1920 a 1948. Disponível em: https://complemento.veja.abril. com.br/timeline/timeline-mundo-israel.html.
Em linhas gerais, a Conferência confirmou os termos do Acordo Sykes-Picot, estabelecido entre o Reino Unido e a França em 1916, que partilhou a região. Foi neste momento que a Declaração Balfour, pela qual o governo britânico assumira o compromisso de estabelecer o Lar Nacional Judeu na Palestina, sem prejuízo dos direitos civis e religiosos da população não judaica da região, passou a ser um documento legal reconhecido pela comunidade internacional. O preâmbulo do texto do Mandato afirmava: O Conselho da Liga das Nações, Considerando que as potências aliadas concordaram com o propósito de dar efeito às cláusulas do artigo 22 da Aliança da Liga das Nações, em confiar a um Mandatário, selecionado pelas ditas potências, a administração do território da
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Palestina, o qual formalmente pertencia ao Império Turco, dentro dessas fronteiras que devem ser fixadas por elas; e Considerando que as principais potências aliadas também concordaram que o mandatário deve ser responsável por colocar em ação a declaração originalmente feita em 2 de novembro de 1917 pelo governo de Sua Majestade britânica e adotada pelas distas potências, em favor do estabelecimento na Palestina de uma pátria para o povo judaico, ficando claramente entendido que nada pode ser feito que prejudique os direitos civis e religiosos das comunidades não judaicas existentes na Palestina ou os direitos e status político dos judeus em qualquer outros país37.
Uma realidade que precisa ser lembrada é a de que até ser tornada pública a Declaração Balfour, a Palestina era o lar de mais de 700 mil palestinos e de 60 mil judeus. Uma terra cujos nativos falavam árabe, eram muçulmanos sunitas em sua maioria e conviviam com uma minoria formada por cristãos, drusos e muçulmanos xiitas, que também falava árabe, e que continuou a morar na região mesmo depois que as colônias sionistas invasoras se estenderam pelas terras palestinas (SAID, 2012). Não havia na Palestina registros de ódio organizado contra judeus, mesmo que minoritários. Muito pelo contrário. Os armênios que fugiram do genocídio38 turco e procuraram refúgio na Palestina foram bem recebidos. Esse genocídio de armênios foi defendido pelo o líder sionista húngaro Vladimir Jabotinsk, entre outros líderes sionistas, com o objetivo de obter o apoio futuro para as pretensões sionistas na Palestina. 37
BIBLIOTECA DIGITAL MUNDIAL. Mandato para a Palestina e memorando do governo britânico sobre sua candidatura à Transjordânia. Disponível em: https:// www.wdl.org/pt/item/11572/.
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Genocídio Armênio, também conhecido como Holocausto Armênio, Massacre Armênio e, tradicionalmente, como Medz Yeghern, foi o extermínio sistemático pelo governo otomano de seus súditos armênios, minoritários dentro de sua pátria histórica, que ocorreu entre 1915 e 1923 totalizando cerca de um milhão e meio de armênios mortos no território que constitui a atual República da Turquia.
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Tratando sobre o projeto sionista na Palestina, no seu livro The iron wall – O Zheleznoi Stene, Jabotinsk (1923) diz que mediante a Declaração Balfour ou mediante o Mandato, é indispensável a força externa para estabelecer no país [Palestina] as condições de dominação e defesa pelas quais a população local, independentemente de seus desejos, veja-se privada da possibilidade de impedir nossa colonização, em termos administrativos ou físicos. A força há de jogar seu papel com energia e sem indulgência.
Não houve na Palestina nenhum massacre como os do Czar ou dos antissemitas poloneses e nenhuma reação simétrica por parte de palestinos contra colonos judeus, os mesmos que sempre utilizaram da força das armas para expulsar os palestinos de suas terras. Tampouco rebeliões contra os constantes roubos das terras de palestinos por parte de judeus. Estão listados 31 massacres confirmados – podendo haver ao menos mais seis, começando pelo massacre de Tirat al-Haifa, de 11 de dezembro de 1947, e terminando no de Khirbat Ilin, na região de Hebron, em 19 de janeiro de 1949. Some-se a estes os massacres de Kfar Qassim, um vilarejo próximo de Tel Aviv, em 29 de outubro de 1956, Qibya, nos anos de 1950, Samoa nos anos de 1960, os vilarejos da Galiléia em 1976, Sabra e Shatila em 1982, Kfar Qana em 1999, Wadi Ara em 2000 e no campo de refugiados de Jenin em 2002, Gaza em 2006, 2012 e 2014... Em todos eles, o que se tem são tortura, estupro, expulsão, matança de palestinos e a limpeza étnica por parte Israel, cujo objetivo é a busca desesperada por uma maioria judia absoluta que nunca teve fim. Não podemos, igualmente, deixar de tratar da revolta palestina de 1936-1939, também conhecida como A Grande Revolta Árabe, de que tratarei no final deste capítulo. Arthur James Balfour, um nome que não fazia parte da história sionista, de repente passou a ser considerado como o maior benfeitor dos judeus na era moderna (SAND, 2014), embora houvesse distinção entre as ideologias de Balfour e as dos judeus, que tinham um sentimento diferente em relação à Palestina. Na verdade, seu relacionamento com 75
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esse povo (ou “raça”, como ele se referia aos judeus) começou em uma luta política para impedir que os judeus se refugiassem na GrãBretanha. Balfour não odiava os judeus, embora não existam registros de que tenha demonstrado publicamente nenhuma simpatia por eles. Como alternativa de refúgio em lugar da Grã-Bretanha, os judeus poderiam ser deslocados para a América do Sul e o leste da África, onde receberiam grandes porções de terras férteis para a instalação de suas colônias, o que não se concretizou, uma vez que todos os esforços dos sionistas se concentravam desde o início em reivindicar direitos sobre a Palestina. Shlomo Sand, no livro A invenção do povo judeu – da terra santa à terra pátria (2014), analisando a solução apresentada pelos britânicos aos sionistas para o estabelecimento de uma colônia judaica em Uganda, fala que como resultados da pressão firme de Herzl, o sexto Congresso Sionista aprovou o esquema de Uganda, embora não sem debates tempestuosos e grande dose de tensão. Na verdade, porém, ninguém levou o plano muito a sério. Se havia sido difícil recrutar um grande número de candidatos a emigrar para a Palestina, muito mais problemático seria achar judeus dispostos a se radicar em uma região remota do leste da África que carecia do embasamento mitológico necessário para a criação de uma pátria nacional. Mas Herzl entendeu perfeitamente que a proposta do Ministério de Relações Exteriores havia criado um precedente, não necessariamente a posse sionista da Palestina, mas sim o direito dos judeus a um território próprio39.
Balfour era cristão protestante; assim sendo, jamais poderia ter sido um ativista da causa judaica ou sionista. Ele era acima de tudo um típico colonialista britânico, altamente comprometido em promover e defender os interesses do império. Podemos dizer que a política anti-imigração de Balfour e a legislação decorrente dos debates balfourianos de 1905 a respeito dos estrangeiros e dos judeus em 39
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SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu: da terra santa à terra pátria. São Paulo: Benvirá, 2014. p. 206.
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particular criaram as condições históricas para que os judeus fossem canalizados para o Oriente Médio, contribuindo dessa maneira para a política desenvolvida pelo movimento sionista para a criação do Estado de Israel. Embora a política britânica para os assentamentos judaicos na Palestina apresentasse dificuldades econômicas para se viabilizar, o principal motivo para a falta de colonos imigrantes era muito mais banal. Sand escreveu que Ninguém deveria ficar surpreso com essa situação demográfica. Embora o assentamento na Palestina apresentasse dificuldades econômicas, o principal motivo para a falta de colonos imigrantes era muito banal: durante a primeira metade do século XX, a maioria dos judeus do mundo e sua prole – fossem ultra ortodoxos, liberais ou reformistas, fossem bundistas40 social-democratas, socialistas ou anarquistas – não consideravam a Palestina sua terra. Em contraste com o mito embutido na Declaração de Independência de Israel, eles não lutaram ‘em cada geração sucessiva para se restabelecer em sua antiga pátria’. Nem sequer consideraram um lugar apropriado para o qual ‘retornar’ quando a opção lhes foi apresentada em uma bandeja de ouro colonial protestante. No fim das contas, foram os golpes cruéis e horrorosos desferidos contra os judeus da Europa e a decisão das nações esclarecidas de fechar suas fronteiras aos alvos de tais golpes que resultaram no estabelecimento do Estado de Israel41.
Os sionistas queriam a terra da Palestina, mas não queriam a sua população. E o movimento sionista sabia desde o início que a população Palestina não judia não aceitaria ser expulsa. Sabiam que 40
Nota do autor: Bundistas eram membros do Bund, a União Geral de Operários Judeus da Lituânia, Polônia e Rússia, fundada em 1897. Surgiram na Rússia como um setor da social-democracia, tanto que, no início, fez parte do Partido Operário Social-Democrata Russo, mas quando este se dividiu, o Bund se colocou contra os bolcheviques.
41
SAND, Shlomo. A invenção da terra de Israel. São Paulo: Benvirá, 2014. p. 218.
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o principal obstáculo para conquistar definitivamente a terra era a população local. Às vésperas da colonização sionista, a população palestina não era judaica, mas esmagadoramente muçulmana e cristã. Cidades como Jenin, Nablus e Ramallah tinham 100% da população constituída por palestinos. A cidade com a maior população de judeus era Yafa, a atual Tel Aviv, com 71% da população. A distribuição das populações palestina e judaica tinha as seguintes porcentagens por distritos42: Distrito
Palestina
Judaica
Acre Baysan Beersheba Gaza Haifa Hebron Yaffa Jerusalém Jenin Nablus Nazaré Ramla Ramallah Safad Tiberias Tulkarm
96 70 99 98 53 99 71 62 100 100 84 78 100 87 67 83
4 30 1 2 47 1 29 38 0 0 16 22 0 13 33 17
Fonte: Supplement to a Survey of Palestina (1947).
Edward Said, em A questão da Palestina, afirma que não há distinção entre as ideologias de Balfour e as do sionismo, uma vez que tanto o imperialismo britânico quanto a visão sionista se unem no esforço de minimizar e até excluir os palestinos como algo de certo modo secundário e insignificante. 42
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Supplement to a Survey of Palestina. Jerusalém: Government Printer, junho de 1947.
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Said alega que quando Theodor Herzl concebeu o sionismo na década de 1890, o movimento tratava de libertar os judeus, resolver o problema do antissemitismo43 no Ocidente, defender o direito à autodeterminação dos judeus e à existência de um Estado nacional judaico independente e soberano. Posteriormente é que passaram a ter a Palestina como o lugar para a concretização do seu objetivo de um “lar para os judeus”. Antes, o movimento teria considerado a hipótese de esse “lar” ser no Congo ou Uganda, na África, na Ilha de Chipreou na Patagônia Argentina. Herzl chegou a cogitar a Argentina, porque aquele país seria “um dos países naturalmente mais ricosda terra, de uma superfície colossal, com uma fraca população e um clima temperado”44. Sobre a localização do tal “lar” ser a Palestina Histórica, Said escreveu que Além de ser um lugar com o qual existia uma ligação espiritual na forma de um pacto entre Deus e os judeus, a Palestina ainda tinha a vantagem de ser província atrasada em um império atrasado [Império Otomano]. Portanto, o esforço de todos os defensores do sionismo se concentrou desde o início em reivindicar direitos à Palestina tanto como um território atrasado e pouco habitado quanto como um lugar em que os judeus, desfrutando de um privilégio histórico único, poderiam reconstruir essa terra natal dos judeus45.
As atividades de Herzl tornaram-se públicas através de artigos publicados nos diários alemães e austríacos dirigidos aos judeus. E um dos seus esforços foi o de conquistar os chefes de Estado europeus para a causa sionista, ofertando transformar o seu futuro Estado numa 43
Etimologicamente, o termo antissemitismo significa “aversão aos semitas”, que englobam várias etnias, como os hebreus, arameus, fenícios, árabes e os assírios. O termo antissemitismo foi criado na Alemanha, no final do século XIX, como uma tentativa de explicar cientificamente o Judenhass, que significa “ódio aos judeus”. Para uma discussão sobre os significados de “semita”, ver nota de referência n. 11.
44
HERZL, Theodor. O Estado Judeu. Rio de Janeiro: Garamond, 1998. p. 66.
45
SAID, Edward. A questão palestina. São Paulo: EdUNESP, 2012. p. 27-28.
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espécie de barreira contra a Ásia. E ao Sultão de Constantinopla, os sionistas fizeram manifestações amistosas na forma de grandes somas que lhes eram oferecidas para que se suavizassem os efeitos da crise financeira que atingia a Turquia naquele período. Herzl escreveu no O Estado judeu que a Palestina é a nossa inolvidável pátria histórica. Esse nome por sí só seria um toque de reunir poderosamente empolgante para o nosso povo. Se S. M. o Sultão, nos desse a Palestina, poderíamos tornar-nos capazes de regular completamente as finanças da Turquia. Para a Europa, constituiríamos aí um pedaço de fortaleza contra a Ásia, seríamos a sentinela avançada da civilização contra a barbárie. Ficaríamos como estado neutro, em relações constantes com toda a Europa, que deveria garantir nossa existência46.
O sultão não aceitou a oferta. Os sionistas – Herzl, principalmente – se empenharam em apelos por apoio para a conquista da Palestina não apenas ao sultão da Turquia, mas igualmente ao kaiser alemão, ao imperialismo francês, ao czar russo e ao Raj britânico. Assim, a Declaração Balfour não só deixou de levar em consideração os interesses coletivos dos habitantes locais da Palestina, como representou a ação de maior consequência trágica, intensificando as tensões, levando diretamente o país a desembocar numa das fases mais violentas da sua história. Foi, sem dúvida, a precursora da Resolução 181 da Assembleia Geral das Nações Unidas (Ver Anexo I), presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, que decidiu pelo Plano de Partilha em novembro de 1947, dividindo a Palestina secular em dois Estados: um palestino e um judeu que adotou o nome de “Israel”, assunto que abordaremos mais adiante. Segundo Shlomo Sand, o objetivo da Declaração de Balfour foi o de minar um acordo anterior entre a Grã-Bretanha e a França, em que as duas potências colonialistas decidiram trabalhar juntas para isolar e derrotar o Império Otomano e realizar a divisão dos territórios árabes. Do ponto de vista prático, os britânicos aspiravam a expandir 46
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HERZL, Theodor. O Estado Judeu. Rio de Janeiro: Garamond, 1998. p. 66.
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a zona de segurança militar em torno do canal de Suez, conquistando de fato a Palestina. Os judeus não estavam na agenda e nem foram mencionados no documento histórico resultante. É de se destacar que, no momento da assinatura da Declaração por Balfour, nem ele, como ministro de Assuntos Estrangeiros da Grã-Bretanha, e muito menos Sua Majestade, o Rei George V, tinham qualquer direito de soberania sobre a Palestina para prometer ou oferecer o território árabe aos sionistas vindos dos quatro cantos do planeta. Sand diz que, pelos termos do Acordo, a França receberia o controle direto ou indireto das áreas que subsequentemente compreenderiam a Síria (até Mosul), Líbano, sudeste da Turquia e Alta Galiléia. A Grã-Bretanha reivindicou para si as áreas que em breve se tornariam a Transjordânia, Iraque, golfo Pérsico, deserto do Neguev e os enclaves marítimos de Haifa e Acre47.
Os britânicos não pretendiam dividir o controle da Terra Santa, a terra da Bíblia e do Alcorão, com franceses ateus, em quem não confiavam. A Declaração de Balfour a Rothschild anulava, tanto na teoria quanto na prática, o acordo de 16 de maio de 1916 entre o representante do Ministério das Relações Exteriores britânico, sir Mark Sykes, e François Georges-Picot, representando o Ministério das Relações Exteriores francês, que decidia sobre a divisão dos espólios territoriais do Império Otomano, um acordo cuja existência era ignorada pelas demais nações, que só foi tornado público depois que o líder da revolução bolchevique da Rússia, Vladimir Ilych Ulianov – Lênin, divulgou uma cópia desse acordo descoberto por uma ação dos bolcheviques, em 1918, nos arquivos do Ministério de Relações Exteriores tzarista.
47
SAND, Shlomo. A invenção da Terra de Israel: da terra santa à terra pátria. São Paulo: Benvirá, 2014. p. 212.
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2.2 O sionismo e a colonização da Palestina
Joseph Weitz, o chefe do Departamento de Colonização da Agência Judaica, responsável por organizar os assentamentos na Palestina, escreveu em 1940, no seu livro A solution to the refugee problem: “Nós não atingiremos nosso objetivo se os árabes permanecerem neste pequeno país [Palestina]. Não há outra maneira a não ser transferir os árabes daqui para os países vizinhos. Todos eles. Nem um vilarejo, nem uma tribo deve restar” (p. 222). O judeu polonês David Ben Gurion, que chegou à Palestina em 1906 já como um fervoroso sionista e que viria ser o primeiro chefe de governo do futuro Estado de Israel, declarou diversas vezes em congressos sionistas anteriores à Partilha que as fronteiras desejadas pelos sionistas para o seu futuro Estado incluíam o sul do Líbano, o sul da Síria, a atual Jordânia e o Sinai,com dominação judaica absoluta. Num discurso pronunciado em 1938 ele declarou que quando os sionistas se convertessem em uma força de peso, como resultado da criação de um Estado judeu, aboliriam a partilha e expandir-se-iam para toda a Palestina, e que esse objetivo seria conquistado não através da pregação, mas sim por meio das armas. 82
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O fundador do Estado de Israel, David Bem Gurion (Plosnk, Polônia, 16 de outubro de 1886 – Ramat Gan, Israel, 1 de dezembro de 1973).
Pappé escreveu que o projeto sionista foi mudando com as circunstâncias, mas o objetivo principal de ocupar e ter uma presença exclusivamente judaica Palestina permaneceu. O espaço evoluiu de Lar Judaico para os judeus “perseguidos” para toda Palestina. O projeto sionista só poderia ser realizado através da criação, na Palestina, de um estado puramente judeu, tanto como um refúgio seguro para judeus contra a perseguição quanto como um berço para o novo nacionalismo judeu. E tal estado deveria ser exclusivamente judeu não só em sua estrutura sociopolítica, mas também na sua composição étnica48.
O escritor de família judaica Ralph Schoenman escreveu, em seu livro A história oculta do sionismo – a verdadeira história da formação 48
PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 35.
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do estado de Israel (2008), sobre os quatro mitos49 fundamentais usados pelos sionistas para se apoderarem da Palestina e ganhar a consciência da maior parte dos habitantes do planeta, depois de os judeus europeus terem sofrido os horrores do holocausto nazista. O primeiro mito é o da teoria fantasiosa da “terra sem povo para um povo sem terra”50, uma mentira usada assiduamente para se tentar acreditar na ficção de que a Palestina era uma terra vazia à espera de ser ocupada pelos judeus desterrados e miseráveis, perseguidos pelo antissemitismo que crescia na Europa e que finalmente voltavam para sua terra ancestral, onde, com o trabalho coletivo, fizeram a terra seca brotar em abundância. Trata-se de uma narrativa que se seguiu à negação, identidade, nacionalidade e dos títulos legítimos de posse da terra pelos palestinos que viveram nela por tempos imemoráveis. Para concretizar essa teoria estranha, os sionistas destruíram completamente mais de 400 aldeias, com suas casas, seus jardins, seus túmulos e cemitérios e expulsaram os moradores que sobreviveram aos ataques das milícias judaicas. Literalmente não permaneceu pedra sobre pedra. O malsinado genocida Ben Gurion criou um Comitê de Denominação, formado por um corpo voluntário de arqueólogos e especialistas bíblicos, cuja função era renomear os lugares árabes destruídos e hebraizar a geografia palestina. O esforço arqueológico essencial desse Comitê era o de reproduzir o mapa de Israel “Antigo”, alterando os nomes, a geografia e a história da Palestina, para torná-la a terra judaica que jamais existira. Ao mesmo tempo em que tentam dar veracidade à narrativa de que a Palestina era uma terra vazia e árida antes da chegada do sionismo, empregada para suplantar qualquer história que contradiga o passado judaico inventado para 49
Sobre os mitos construídos por Israel, recomendo ver vídeo de Miko Peled. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?time_continue=145&v=ccL tpO_p4Tg.
50
Esse slogan sionista foi criado por Israel Zangwill (1864-1926), um judeu sionista britânico e colaborador próximo a Theodor Herzl, que mais tarde rejeitaria a ideia da busca por uma pátria judaica na Palestina.
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negar a Nakba–palavra árabe que significa catástrofe–, e esconder a anormalidade da tragédia palestina. O segundo mito é o de que Israel é a “única democracia do Oriente Médio”, em meio a um mundo árabe arcaico e autoritário. Schoenman escreveu que na realidade, Israel é tão democrático quanto pode sê-lo o estado de apartheid na África do Sul. As liberdades civis, os procedimentos judiciais e os direitos humanos básicos são negados por lei aos que não cumprem os requisitos raciais e religiosos51.
O terceiro mito diz que a política de “segurança nacional” israelense é a força motriz da política exterior que existe para proteger os judeus da ameaça iminente das massas árabes que vivem em condições primitivas e cheias de ódio. A política dita de segurança é na verdade o exercício do apartheid racista que viola direitos, pratica crimes de guerra e contra a humanidade. Suas tecnologias militares e de segurança são desenvolvidas com o objetivo de exercer de forma eficiente e rápida a limpeza étnica da Palestina, como o centro do projeto sionista de ocupação total do território da Palestina Histórica. A limpeza étnica praticada por Israel desde 1948 é um crime contra a humanidade, apontado em tratados e punível pela lei internacional, como a que criou a Corte Penal Internacional (ICC, na sigla em inglês), crime usado na Segunda Guerra Mundial pelos nazistas e seus aliados, bem como pelas milícias croatas na antiga Iugoslávia e em Kosovo, em 1999. É uma clara violação dos direitos humanos e da lei humanitária internacional, com o objetivo de eliminar do território palestino pessoas com base na sua religião e origem étnica, no caso, cristãos e muçulmanos. Israel tem adotado todos os meios possíveis de discriminação, expulsão e extermínio de palestinos, numa grave violação das Convenções de Genebra de 1949 e dos protocolos adicionais de 1977. 51
SCHOENMAN, Ralph. A história oculta do sionismo. A verdadeira história da formação do Estado de Israel. São Paulo: Sundermann, 2008. p. 44.
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Arnon Soffer, professor de geografia da Universidade de Haifa, publicou artigo no jornal israelense The Jerusalém Post, em 10 de maio de 2004, onde escreveu exatamente o que significa o caminho para Israel como um Estado judaico sem palestinos: Então, se queremos continuar vivos, temos que matar e matar e matar. Todo dia, todos os dias [...] Se não matarmos, deixaremos de existir. [...] A separação unilateral não garante ‘a paz’ – ela garante um estado judaico-sionista com uma esmagadora maioria de judeus52.
Mas esta questão não era nova. Theodor Herzl já havia declarado, nos primórdios do sionismo, que o “problema” da população era o maior obstáculo para a realização do sonho do estado judeu. Ele escreveu no seu diário em 12 junho de 1895 que “devemos nos esforçar para expulsar sem alarde a população pobre para além das fronteiras, arranjando empregos para eles nos países de trânsito, mas lhes negando qualquer emprego no nosso próprio país”. E o genocida David Ben Gurion foi mais além. Em discurso diante da sede do partido Mapai53, em 3 de dezembro de 1947, declarou que “não pode haver um estado judeu estável enquanto ele tiver uma maioria judia de apenas 60%”. E ele cuidou de encontrar uma solução para este “problema” demográfico, com as ações que coordenou a partir de 1948, expulsando e matando milhares de palestinos. O quarto mito descrito por Schoenman é o de que a criação do Estado de Israel é o legado moral das vítimas do holocausto, a concretização da profecia da terra prometida para o povo escolhido, uma lenda que foi transformada num fato histórico e numa quase jurisprudência internacional. Os sionistas usam os horrores do Holocausto e a morte de milhares de judeus exterminados nos campos de concentração nazista na Europa em benefício da causa de ocupação da Palestina, quando se sabe que a verdade é outra: os sionistas sempre 52
SOFFER, Arnon. The Jerusalém Post, 10 maio 2004.
53
Mapai foi um partido político israelense de centro-esquerda, sionista trabalhista, que tinha entre seus principais líderes David Ben-Gurion, Moshe Sharett e Levi Eshkol. Esteve no poder desde a criação de Israel até 1968, quando se transformou no Partido Trabalhista.
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colaboraram com os fascistas e nazistas perseguidores de judeus durante os séculos XIX e XX, nazistas com quem o movimento sionista manteve boas relações, como trataremos mais adiante, no subtítulo 2.5. O tema do holocausto é utilizado para chantagear as nações e criar uma corrente que impeça a investigação dos crimes nazistas ocorridos na Europa que desmascarariam os números exagerados de mortes ocorridas nos campos de concentração de Hitler durante aqueles episódios deploráveis. Para os israelenses, reconhecer que os palestinos são vítimas da sua política racista e de limpeza étnica é muito perturbador. Por isso, cuidam de inverter os fatos, transformando-se de agressores em vítima. Assumir a injustiça histórica de 1948 afetaria os mitos fundacionais do Estado de Israel e traria à tona inúmeras questões éticas e morais, tais como a de que Israel pôde estabelecer um estado em parte da Palestina e como e com quais métodos os primeiros sionistas vindos da Europa e do leste europeu ocuparam a “terra sem povo” e fizeram “o deserto florescer”. Para Pappé, concordar com essa narrativa faria com que os judeus israelenses colocassem por terra todo o seu arcabouço e o próprio estatuto de vítimas de injustiças e perseguições. Ele disse que isso teria implicações políticas em nível internacional, mas também – e de forma muito mais crítica – dispararia repercussões morais e existenciais na psique judaica israelense: os judeus israelenses teriam de reconhecer que se tornaram a imagem refletida do seu pior pesadelo54.
Os sionistas sempre utilizaram de maneira inescrupulosa os horrores do advento do nazi-fascista na Europa, bem como a morte de judeus nos campos de concentração, que se sabe, não vitimou apenas judeus, mas também comunistas, homossexuais, ciganos e outros grupos em menor escala, para dar uma aura de prestígio moral e político extraordinário à ideia de um Estado judeu na Palestina. Nesse quesito, os judeus têm uma longa história de vitimação. 54
PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 50, 281.
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Karl Marx, o filósofo, sociólogo, jornalista e revolucionário socialista alemão, cujas teorias sobre a sociedade, a economia e a política são usadas largamente até os dias de hoje, no ensaio escrito no outono de 1843, “Sobre a questão judaica” (em alemão “Zur Judenfrage”), critica as atitudes sociais dos judeus diante do sofrimento pessoal e coletivo das pessoas na sociedade e a desumanidade com que se apresentam secularmente. Na época livro foi acusado de conter manifestações antissemitas, embora o autor fosse sabidamente descendente de uma linhagem judaica de rabinos, interrompida pelo seu pai, que havia se convertido ao protestantismo. Seria Marx um antissemita que pregava o ódio judaico ao analisar as atitudes e o comportamento do indivíduo que ele denomina de judeu sabático, do judeu do cotidiano?Não. A base da reflexão de Marx só poderia ser o materialismo histórico, a base de sua reflexão sobre a sociedade. Sua análise não os critica em sua religião, deixando claro que as críticas aos judeus não decorrem absolutamente de antagonismos religiosos, mas da sua atitude real, da atitude mundana egoísta praticada em relação à usura e ao dinheiro daqueles que ele chama de “povo judeu”. Destaque-se que o jovem Marx teve uma educação secular que o fez um pensador radical, convencido de que sua atitude não era apenas para refletir sobre o mundo, mas para mudá-lo. E sobre a questão da relação do judeu com a sociedade e o Estado, Marx escreveu que o judeu só pode se relacionar com o Estado de modo judaico, ou seja, como um estrangeiro em relação ao estado, ao contrapor à nacionalidade real sua lei ilusória, ao crer que tem o direito de isolar-se da humanidade, ao não tomar parte do movimento histórico por princípio, ao aguardar um futuro que nada tem a ver com o povo judeu na conta de um povo escolhido55.
Outro escritor de origem judaica, Norman G. Filkelstein, que teve grande parte da sua família assassinada nos campos de concentração nazista, faz duras críticas sobre como o Estado de 55
88
MARX, Karl. Sobre a questão judaica. São Paulo: Boitempo, 2010. p. 34.
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Israel usa de falsificações históricas para exaltar a supremacia judaica (racista) perante outros povos do mundo. Ele escreveu que os judeus sionistas usam o holocausto como uma indispensável arma ideológica em seu favor. Em seus desdobramentos, um dos maiores poderes militares do mundo, com uma horrenda reputação em direitos humanos projetou-se como um Estado ‘vítima’, da mesma forma que o mais bem-sucedido agrupamento étnico dos estados Unidos adquiriu o status de vítima56.
Os dirigentes sionistas se felicitaram publicamente pela expulsão de judeus da Europa pelo nazi-fascismo – pois assim aquelas pessoas iriam para a Palestina – propagado por eles como um lugar seguro para judeus e a população judaica, sendo que sua presença suplantaria os árabes na Palestina. Schoenman complementa a constatação escrevendo que a maior parte das pessoas desconhece o fato de que o movimento sionista, que sempre invoca o horror do holocausto, tenha colaborado ativamente com o inimigo mais feroz que os judeus já tiveram. No entanto, a história revela não somente uma comunidade de interesses, mas uma profunda afinidade ideológica que tem sua raiz no extremo chauvinismo que compartilha57.
Quando os horrores do holocausto de judeus na Europa alcançaram a Palestina, a decisão do Mandato Britânico de limitar a imigração judaica irritou os sionistas, que já praticavam a entrada (ilegal) seletiva de judeus vindos da Europa, com prioridade para os de boa forma física e com inclinação ideológica adequada, num momento em que os judeus eram brutalmente perseguidos pelos nazistas.
56
FINKELSTEIN, Norman. A indústria do Holocausto: reflexões sobre a exploração do sofrimento dos judeus. São Paulo: Record, 2001. p. 13.
57
SCHOENMAN, Ralph. A história oculta do sionismo. São Paulo: Sundermann, 2008. p. 45.
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Israel utiliza o holocausto nazista na Europa para sufocar qualquer crítica ao seu Estado e à sua ideologia. Igualmente, qualquer crítica à sua política de apartheid é considerada como um ataque ao judaísmo ou como antissemitismo e seus críticos perseguidos pela mídia e pelas instituições sionistas no mundo inteiro. Para eles, é “permitido” manifestar-se contra as políticas adotadas por Israel, porém sem protestar contra o Estado judeu e, portanto, contra o judaísmo. Faz parte das políticas de Israel pôr o judaísmo no centro da discussão. Não é demasiado se perguntar: a tragédia do holocausto implica uma apólice eterna para a impunidade dos crimes de Israel? Galeano escreveu um artigo intitulado “Operação chumbo impune”, fazendo referência à Operação Chumbo, uma carnificina em Gaza que se iniciou no dia 27 de dezembro de 2008, no sexto dia da festa judaica do Hanucá, o festival das luzes. Naquela operação Israel assassinou 1.387 palestinos, a maioria civis, dos quais 773 não tinham nenhuma participação nos combates, sendo 320 jovens ou crianças, 252 com menos de 16 anos, e 111 mulheres. Do lado dos sionistas houve 13 mortos, sendo três deles mortos pelos próprios israelenses. Galeano diz que Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, e que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que zomba do direito internacional, e é também o único país que legalizou a tortura dos prisioneiros. Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não poderia bombardear impunemente o País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico poderia devastar a Irlanda para liquidar ao IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou esse sinal verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional dos seus servos?58 58
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GALEANO, Eduardo. Operação chumbo impune, 2009. Disponível em: https:// www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Internacional/Operacao-ChumboImpune/6/14395.
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Não custa lembrar o episódio envolvendo o navio SS President Warfield, construído em 1927 e lançado em 1928,que serviu à marinha dos Estados Unidos e do Reino Britânico durante a Segunda Guerra no transporte de tropas até 1942, quando foi adquirido pela Agência Judaica e rebatizado com o nome de Exodus, para ser utilizado no transporte de judeus para a Palestina. Era um dos 64 navios utilizados na Aliá Bet, nome-código dado à imigração ilegal e clandestina de judeus à Palestina, em violação das restrições britânicas, nos anos de 1934-1948. O navio partiu com bandeira panamenha do porto da cidade de Sète, localizada na costa mediterrânea francesa, na noite do dia 10 para 11 de julho, tendo com destino oficial a Colômbia e ostentando o seu nome original. Apenas no alto mar, no dia 16, é que foi hasteada a bandeira sionista (a atual de Israel) e o navio renomeado para Exodus, numa referência ao êxodo bíblico dos judeus para fora do Egito, rumo à ruptura do bloqueio britânico Eretz Israel, como os sionistas costumam se referir à Palestina. Em 18 de julho de 1947, o Exodus navegava com destino ao porto de Haifaa pinhado por 4.500 imigrantes judeus sobreviventes do holocausto a bordo, entre eles 1.700 mulheres e 950 crianças, quando foi interceptado por dois destroieres da marinha britânica, que os seguia desde a França, e impedido de entrar pelas autoridades do Mandato. Tripulação e passageiros reagiram com seus meios e nesse confronto foram mortos dois membros da tripulação e três passageiros. No porto palestino de Haifa, os passageiros foram transferidos sob protestos para três embarcações francesas e transportados para o porto francês de Portde-Bouc, onde os judeus permaneceram nos navios em greve de fome durante 24 dias, recusando o desembarque, apesar da indescritível falta de higiene e apoio sanitário. Ironicamente, os judeus foram transportados à zona de ocupação britânica de Hamburgo, na Alemanha, e transferidos para dois antigos campos de concentração, agora chamados de “campos para emigrantes ilegais”, nas cercanias de Lubeck. O caso do navio Exodus e as imagens do navio repleto de sobreviventes do holocausto sendo espancados por soldados britânicos 91
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causaram enorme repercussão em todo o Ocidente, em especial nos Estados Unidos, e foram fundamentais para o desenlace nas Nações Unidas sobre a Partilha da Palestina. Em sua obra História da Palestina moderna (2007), o historiador israelense Ilan Pappé relata que pouca energia sionista foi investida no salvamento de judeus, visto que a prioridade naquela época difícil continuava a ser a sobrevivência da comunidade judaica na Palestina. Quando a guerra terminou, a seleção foi retomada, mas minava o desejo sionista de aprovar a ligação entre o holocausto e o projeto judeu na Palestina. Na verdade, se todos os sobreviventes do horror nazi, especialmente os que tinham sido colocados pelos aliados em campos de deslocados em toda a Alemanha, tivessem escolhido a Palestina como seu destino, teriam dado razão aos argumentos sionistas perante a comunidade internacional59.
O filósofo Noam Chomsky, que foi líder da juventude sionista na década de 1940, mas que se opunha firmemente à ideia de um estado judeu, afirma, no seu livro Conversaciones sobre Palestina (2016), que de 1948 em diante, o sionismo se converteu na ideologia do Estado, na religião do Estado. Uma religião que mudou no que diz respeito à política. Desde então, todo o mundo deveria reconhecer o direito à existência de Israel como Estado judeu. Para os palestinos, aceitar essa exigência é o mesmo que aceitar a opressão e a expulsão que vêm se realizando desde 1948. El sionismo, como política del Estado de Israel, há tenido que cambiar para imponer barreras aún más altas a cualquier tipo de arreglo político. Si necesitan algo más en el futuro, inventarán algo nuevo. El sionismo como política de estado es um concepto que cambia según las necessidades60. 59
PAPPÉ, Ilan. História da Palestina Moderna: uma terra dois povos. Lisboa: Caminho, 2007. p. 154.
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CHOMSKY, Noam. Conversaciones sobre Palestina. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Marea, 2016. p. 66.
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É de se perguntar: por que o fundamento essencial invocado pelos sionistas referente ao “direito histórico” dos judeus sobre a Palestina continua tão evidente, mesmo que se demonstre que a Palestina jamais foi um território nacional judeu? Sem evidências históricas sobre esse domínio, resta aos sionistas se agarrar à lenda da “terra prometida” que, segundo os judeus, teria sido concluída por Jeová com o Profeta Abraão. Essa lenda da “aliança” é considerada pelos pensadores sionistas como um fundamento sentimental profundo e eterno, que remonta à história do primeiro judeu (Abrahão), a quem o Céu haveria se dirigido nos seguintes termos: “Ergue os olhos e olha desde onde estás para o norte, para o sul, para o oriente e para o ocidente; porque toda essa terra que vês, eu te darei, a ti e à tua descendência, para sempre” (Gênesis 13:14-15, Bíblia). Se a narrativa é religiosa, baseada nos livros sagrados das três religiões monoteístas (Bíblia, Torá e Alcorão), há de se admitir que a religião pertencendo a Deus. Não existe entre Deus e suas criaturas nenhum parentesco de família e nenhuma “aliança” que assegure tais direitos para os descendentes judeus de Abrahão. Na Surata Al-Baqara (a Vaca), está escrito: 124. E lembrai-vos de quando Abraão foi posto à prova por seu Senhor, com certas palavras, e ele as cumpriu. O Senhor disse: “Por certo, farei de ti dirigente para os homens”. Abraão disse: “E de minha descendência?’ Allah disse: ‘Meu pacto não alcança os injustos’”.
Conclui-se que, na visão religiosa adotada pelos judeus sionistas para ressaltar a lenda da “terra prometida” e da “aliança”, a crença é a de que essa promessa divina tenha sido feita aos judeus, com exclusão dos demais. Mas quando se refere à “tua descendência”, como está escrito em Gênesis, abrange também os árabes, muçulmanos e cristãos que descendem igualmente de Abrahão por meio dos descendentes de Ismael. Ou seja, a promessa divina feita aos filhos de Abrahão abrange necessariamente a descendência de Ismael. Neste caso, os palestinos.
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Os textos sagrados não se referem a Israel como um ente geográfico, étnico ou político, mas como uma comunidade de fiéis vivendo em harmonia e respeito. Assim Israel permanecerá perante o mundo em geral, e ante a consciência judaica e cristã em particular, como um Estado que usurpou um território sobre o qual não tinha nenhum direito, a menos que seja o direito que os sionistas estão acostumados a aplicar, que é a lei da força bruta e das armas. No fim das contas e apesar de tudo, foram os horrores do holocausto e os golpes ferozes desferidos contra os judeus na Europa, associados à decisão de nações como os Estados Unidosde fechar as fronteiras àquelas vítimas de golpes tão cruéis, que permitiram que a onda migratória organizada pelo movimento sionista resultasse no estabelecimento de um estado judaico na Palestina.
2.3 A Revolta Árabe de 1936-1939 A Grande Revolta foi uma revolta nacionalista que representou uma nova fase na história política da Palestina e decorrente da insatisfação da população palestina contra o domínio britânico e a ofensiva do projeto sionista nos primeiros anos da década de 1930, através do incremento da imigração judaica em massa empreendido pelo movimento sionista internacional. Pela primeira vez os árabes palestinos se levantaram em armas contra a potência imperial. As ações, que não eram nem distúrbios e nem tumultos, mas uma ampla revolta anticolonial, começaram em abril de 1936 e perduraram até 1939, como decorrência da decisão das lideranças tradicionais árabes da Palestina, cujo maior expoente era o Hajj Amin al-Husseini, Mufti61 de Jerusalém. Foi o maior levante enfrentado pelos ingleses na Palestina desde a ocupação do território no final de Primeira Guerra Mundial, em 1917, através da instauração do Mandato Britânico para a Palestina, 61 Mufti é um acadêmico islâmico a quem é reconhecida a capacidade de interpretar a lei islâmica, e a capacidade de emitir fataawa, que é um pronunciamento legal no Islão emitido por um especialista em lei religiosa sobre um assunto específico.
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conferido pela Liga das Nações. Desde então, a Palestina passou a viver sob uma nova realidade política e institucional, deixando de ser controlada por um império (Otomano) e passando a viver sob o controle do Império Britânico, passando a ser administrada segundo novos métodos de controle imperial. A revolta de 1936, que começou espontaneamente como uma onda de greves e manifestações, era parte de um levante mais geral contra o colonialismo europeu que atingiu igualmente a Síria e o Egito. O escritor e ativista político palestino Ghassan Kanafani62 escreve no seu livro A revolta de 1936-1939 na Palestina que [...] todas as fontes corretamente acreditam que o levante Qassamista, impulsionado por Sheikh Izz a-Din al-Qassam, foi o verdadeiro começo da revolta de 1936. No entanto, o relatório da Comissão Real (Lord Peel), o qual Yehuda Bauer considera como uma das fontes mais autorizadas escrita sobre a questão palestina, ignora essas causas imediatas como o estopim da revolta e atribui a erupção a duas causas principais: o desejo dos árabes de conquistas independência nacional e a sua aversão e receio do estabelecimento de um “lar nacional judeu” na palestina. Não é difícil enxergar que essas duas causas são, na verdade, uma só, e que as palavras em que se encontram envoltas estão amenizadas e não expressam nenhum sentido preciso. [...] Na verdade, a real causa da revolta foi o fato de que os violentos conflitos que envolviam a transformação da Palestina de uma sociedade agrícola-feudo-clerical árabe em uma sociedade burguesa industrial sionista (ocidental) haviam atingido o seu clímax, como visto antes63. 62
Ghassan Kanafani, escritor e ativista político palestino, foi um dos fundadores da Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP). Nasceu em 8 de abril 1936 em Acre, Palestina, e foi morto em Beirute pelo serviço secreto israelense Mossad em 8 de julho de 1972.
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KANAFANI, Gassan. A revolta de 1936-1939 na Palestina. São Paulo: Sundermann, 2015. p. 68.
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A Revolta Árabe de 1936-1939 foi também o batismo de fogo do movimento nacional palestino contemporâneo: em abril de 1936, os distúrbios locais entre árabes e judeus se projetaram nacionalmente numa revolta generalizada dos palestinos. Os palestinos começaram uma greve geral em 8 de maio de 1936. A greve foi desmobilizada pelas lideranças árabes temendo que o levante se transformasse em revolução social e se voltasse contra o próprio Alto Comitê Árabe (ACA)64. No Egito – onde cresciam rapidamente a indústria têxtil, a do petróleo e as ferrovias – as lideranças, inclusive religiosas, tradicionais, haviam perdido muito do seu respaldo popular após o Tratado Anglo-Egípcio de 1936. Novas lideranças operárias e políticas surgiam no Oriente Médio. De modo primeiramente espontâneo, depois organizado, a revolta social e política se transformaram em insurreição armada. O poder era apoiado politicamente numa decisão da Liga das Nações e, em decorrência dele, a Inglaterra instaurou uma nova ordem institucional na Palestina, onde o Mandato era a forma efetiva de governo da Palestina, composto por várias instituições responsáveis pela administração pública, saúde, educação, transportes, obras públicas, desenvolvimento urbano e rural etc. A base política e jurídica do governo era o Estatuto do Mandato, uma espécie de Constituição da Palestina, amparado pelo Artigo 22 da Convenção da Liga das Nações. Além do Mandato Britânico, os palestinos passaram a conviver com um outro fenômeno vindo da Europa: o sionismo, criado no final do século XIX e já com acúmulo de força entre os intelectuais judeus da Europa e Leste Europeu. O sionismo constituiu-se, dessa maneira, num movimento político dotado de um projeto que influenciou a reelaboração da identidade judaica frente aos desafios enfrentados pelos judeus na Europa ao longo do século XIX. Paralelamente, iniciouse em 1882 um fluxo de migrantes para a Palestina que se intensificou no início do século XX. Esse movimento era motivado principalmente pelas perseguições que os judeus vinham sofrendo na Europa e na 64
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O Alto Comitê Árabe era o órgão político central da comunidade árabe no Mandato Britânico da Palestina. Foi criado em 25 de abril de 1936, e era composto por líderes de clãs árabes palestinos sob a presidência do Hajj Amin al-Husayni, o mufti de Jerusalém.
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Rússia pré-soviética. No entanto, é de se destacar que esse movimento migratório não era devido unicamente a esse fator, mas os judeus sionistas visavam igualmente à aquisição de terras para a construção de colônias agrícolas judaicas e a formação de uma coletividade judaica e erigir uma nova identidade judaica na Palestina, diferenciando-se das comunidades judaicas da Europa e da comunidade judaica existente na Palestina até então. Eles se baseavam nas ideias de Theodor Herzl, que pregava o projeto de um Estado para que os judeus pudessem viver livres de perseguições, o que Herzl denominava de “Lar Nacional Judeu” na Palestina, conforme abordamos no título 2.1. À medida que o tempo passava e mais imigrantes judeus chegavam do Leste Europeu, os sionistas foram alcançando vitórias políticas importantes, como a elevação da compra de terras. Diante disso, os palestinos passaram a se mobilizar em busca de uma forma de luta viável para derrotar o projeto dos sionistas, uma vez que a aquisição de terras pelos judeus significava a expulsão dos palestinos que lá viviam por gerações, empurrando-os para uma condição de vida inferior na periferia das grandes cidades. A revolta não visava apenas à derrota do avanço colonial sionista na Palestina, mas, sobretudo, as autoridades britânicas, de quem os palestinos exigiam a formação de um governo nacional independente. A resposta das autoridades britânicas veio na forma de represálias contra os palestinos, cuja luta de libertação do jugo do Mandato era encarada como obstáculo fundamental para a colonização sionista. Os palestinos tinham em mente as palavras do líder sionista Ben Gurion, que havia declarado que a criação do Estado judeu seria somente um estágio na realização do sionismo e sua tarefa seria preparar o terreno para a expansão do território desejado, não com palavras, mas com metralhadoras. Dessa maneira, o conflito desenhou-se como uma luta de longo prazo, envolvendo vários protagonistas, como os colonialistas ingleses, os judeus sionistas, os nacionalistas palestinos e as lideranças operárias e populares, árabes e judias, com seus interesses divergentes e conflitivos.
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Palestinos presos e subjugados por soldados do mandato britânico, após a derrota da Grande Revolta de 1936-1939.
A revolta foi esmagada por um banho de sangue que mudou drasticamente a Palestina. A rebelião terminou em 1939 com a repressão executada pelas tropas britânicas em cooperação com as milícias judaicas, entre elas a Haganah e os esquadrões da morte que aterrorizaram a população palestina. Esses acontecimentos e o início da Segunda Guerra mudariam definitivamente o tabuleiro político de toda a região. Segundo avaliação final de Kanafani em seu livro, a derrota da Revolta de 1936-1939 permitiu ao movimento sionista avançar para seus objetivos de colonizar a Palestina. Ele escreve que [...] em 1947, as circunstâncias estavam favoráveis para que colhesse os frutos da derrota de 1936, a qual a erupção da guerra havia impedido que o fizesse antes. Assim, o período tomado para completar o segundo capítulo da derrota palestina – do final de 1947 a meados de 1948 – foi
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incrivelmente curto, porque foi apenas a conclusão de um longo e sangrento capítulo que durou de abril de 1936 a setembro de 193965.
2.4 As relações entre sionistas, fascistas e nazistas
O nazi-sionismo na visão do cartunista alagoano Ênio Lins.
A relação dos sionistas com fascistas e nazistas é algo ocultado pelas suas lideranças desde sempre, principalmente pela historiografia oficial do Estado de Israel. E essa relação não está apenas na coincidência das camisas pretas usadas pelo bando de Mussolini na Itália e pelos esquadrões do movimento juvenil Sionistas Revisionistas Betar. Quando Menachen Begin (que viria a se tornar o sexto primeiroministro de Israel, em 1977) se converteu em chefe da milícia Betar, um movimento fundado em 1923 na Letônia por Ze’eve Jabotinsky adotou o uso de camisas marrons em suas reuniões e manifestações, as mesmas utilizadas pelos bandos nazistas de Adolf Hitler. Dois episódios marcaram essa ligação dos sionistas com os nazistas. Em 1933, o Congresso da Organização Mundial Sionista rejeitou por 240 votos contra e 43 a favor uma resolução que conclamava a atuação contra Hitler. Depois desse Congresso e com 65
KANAFANI, Gassan. A revolta de 1936-1939 na Palestina. São Paulo: Sundermann, 2015. p. 109.
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a derrota da moção contra Hitler, a Organização Sionista Mundial rompeu o boicote judeu e se converteu no principal distribuidor de produtos nazistas em todo o oriente Médio e no Norte da Europa.
Medalha nazista cunhada por ordem do ministro nazista da propaganda, Joseph Goebels, em comemoração à “viagem nazista para a Palestina” do Barão von Mildenstein. Disponível em: https://www.sixbid.com/browse.html?auction=2128&category=42601&lot=1810254.
O outro episódio marcante dessa relação foi quando os sionistas levaram para a Palestina o expoente do Serviço de Segurança, as SS, barão Edler Von Mildenstein. Essa visita produziu um relatório em doze capítulos plenos de elogios ao sionismo no jornal Der Angriff (“O assalto” – 1934), do ministro da Propaganda de Hitler, Joseph Goebels. Depois disso, Goebels ordenou que se cunhasse uma medalha com a suástica nazista em um lado e a estrela de Davi no outro. Schoenman relata vários episódios da história onde as lideranças do movimento sionista mundial preferiram a colaboração com o nazismo, a desenvolver qualquer iniciativa para proteger os judeus do extermínio nos campos de concentração nazista. Em A história oculta do sionismo (2008), ele narra que
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em lugar de demonstrar compaixão, os sionistas celebraram a perseguição de outros, mesmo quando eles, primeiro, traíram os judeus e, depois, os degradaram. Eles escolheram para si um povo-vítima, a quem pudessem infligir um projeto de conquista. Eles comprometeram os judeus sobreviventes com um novo genocídio contra o povo palestino, encobrindo-se, com selvagem ironia, com o manto coletivo do holocausto66.
Numa entrevista publicada pela Revista Teoria e Debate, Schoenman pede o fim de toda ajuda ao Estado de Israel, a quem acusa de colaborar “com os piores perseguidores dos judeus durante o século XIX e século XX, incluindo os nazistas”. Perguntado como se deu a colaboração dos sionistas com os nazistas, Schoenman respondeu que em 1941, o partido político de Itzhak Shamir (conhecido hoje como Likud) concluiu um pacto militar com o 3º Reich alemão. O acordo consistia em lutar ao lado dos nazistas e fundar um Estado autoritário colonial, sob a direção do 3º Reich. Outro aspecto da colaboração entre os sionistas e governos e Estados perseguidores dos judeus é o fato de que o movimento sionista lutou ativamente para mudar as leis de imigração nos EUA, na Inglaterra e em outros países, tornando mais difícil a emigração de judeus perseguidos na Europa para esses países. Os sionistas sabiam que, podendo, os judeus perseguidos na Europa tentariam emigrar para os EUA, para a Grã-Bretanha, para o Canadá. Eles não eram sionistas, não tinham interesse em emigrar para uma terra remota como a Palestina. Em 1944, o movimento sionista refez um novo acordo com Adolf Eichmann. David Ben Gurion, do movimento sionista, mandou um enviado, de nome Rudolph Kastner, para se encontrar com Eichmann na Hungria e concluir um acordo pelo qual os sionistas concordaram em manter silêncio sobre os planos de exterminação de 800 mil judeus húngaros e mesmo evitar resistências, em troca de ter 600 líderes sionistas libertados do controle nazista e enviados para a Palestina. 66
SCHOENMAN, Ralph. A história oculta do sionismo. A verdadeira história da formação do Estado de Israel. São Paulo: Sundermann, 2008. p. 119.
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Portanto, o mito de que o sionismo e o Estado de Israel são o legado moral do holocausto tem um particular aspecto irônico, porque o que o movimento sionista fez quando os judeus na Europa tinham a sua existência ameaçada foi fazer acordos, e colaborar com os nazistas67.
2.5 A fábula do sionismo de esquerda Sionismo, Estado de Israel e limpeza étnica são termos indissociáveis. Antes mesmo da partilha em 1947, o autodenominado sionismo de esquerda já se constituía numa corrente do movimento sionista que, apesar do ideário de esquerda e “pacifista”, contribui para legitimar as ações do Estado de Israel contra o povo palestino. Termos que “genocídio”, “apartheid”, “limpeza étnica” e “BDS” (o movimento de Boicote, Sanções e Desinvestimento) não fazem parte do vocabulário dos sionistas de esquerda, nem em Israel nem em qualquer parte do mundo. O sionismo de esquerda quer discutir sobre os governos de direita israelense e até se opõe a eles. Mas foge de qualquer discussão sobre a estrutura do Estado judaico e o apartheid contra palestinos. Essa ideologia chegou à Palestina ainda na década de 1920, no período em que o Movimento Sionista promoveu uma forte imigração de judeus. Esses imigrantes, a maioria vinda do leste europeu, foram os responsáveis pela criação dos Kibbutz, comunidades agrícolas largamente saudadas pelos movimentos socialistas e comunista de todo o mundo. Apesar do caráter coletivista e igualitário na propriedade e produção, esses Kibbutz não admitiam os trabalhadores palestinos entre seus membros. Slomo Sand, em A invenção da terra de Israel, escreveu que a esquerda sionista não surgiu no mesmo processo que originou a esquerda europeia, ou seja, do conflito entre capital e trabalho. Mas que essa esquerda
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TSIRAKIS, Stylianos. Ralph Schoenman – Mitos em queda. Revista Teoria & Debate, Fundação Perseu Abramo, n. 5, janeiro/fevereiro/março 1989. Disponível em: https://teoriaedebate.org.br/1989/01/01/mitos-em-queda/.
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nasceu, isso sim, das necessidades da “conquista da Terra” e da construção de colônias nacionais puras. Por esse motivo, nunca surgiu um movimento social-democrata de base ampla na classe trabalhadora dentro da comunidade sionista ou subsequentemente em Israel. A moralidade da esquerda sionista sempre foi puramente intra-grupo e, portanto, sempre pôde abraçar franca e desinibidamente a moralidade bíblica. Na verdade, a esquerda sionista nunca teve uma tradição de universidade profundamente arraigada, e isso, entre outras coisas, ajuda a explicar a rapidez com que se livrou de todos os valores de igualdade social quando sua hegemonia se extinguiu perto do final do século XX68.
Para o israelense e bacharel em Relações Internacionais pela PUC-SP, Shajar Goldwaser, o Kibbutz veio a se tornar a base econômica, social e cultural da nova sociedade judaica, motivada pelo lema ‘um povo sem terra para uma terra sem povo’, que via na Palestina a possibilidade de sua modernização e emancipação. O que os sionistas socialistas não esperavam era encontrar uma vibrante sociedade palestina no local, o que os impediria de concretizar o seu ideal máximo: a criação de uma Democracia Judaica69.
A professora do Departamento de Sociologia da UNB, Berenice Bento, propôs o conceito redwashing em artigo publicado no Opera Mundi para definir “o papel nefasto que discursos apoiados em um suposto ideário de esquerda terminam por legitimar as ações do Estado de Israel”. Para ela, esse discurso supostamente de esquerda é utilizado para limpar os crimes de Israel. Pouco importa se a Palestina segue desaparecendo, que os métodos de terror utilizados pelo Estado de Israel não 68
SAND, Shlomo. A invenção da Terra de Israel. São Paulo: Benvirá, 2014. p. 281.
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GOLDWASER, Shajar. Com discurso ‘pacifista’, esquerda sionista contribui para extermínio do povo palestino. Opera Mundi, 2016. Disponível em: https:// operamundi.uol.com.br/opiniao/42968/com-discurso-pacifista-esquerdasionista-contribui-para-exterminio-do-povo-palestino.
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arrefeçam ao longo dos seus anos de existência. E, ao final, o praticante do redwashing dirá que é aliado do povo palestino. Com um aliado como este, quem precisa de inimigo?70
Este discurso é utilizado também mundo afora por certos setores do movimento de solidariedade, partidos e parlamentares de esquerda e por defensores dos direitos humanos que fecham os olhos de maneira cúmplice ao defenderem um certo diálogo em busca da paz. No entanto, seus discursos vêm carregados de acusações aos “extremistas”, leia-se, a resistência que cobra o cumprimento das Resoluções da ONU, principalmente aquela que diz respeito ao retorno dos refugiados expulsos desde 1948. Bento afirma ainda que a partir da sua vivência e leituras de diversos artigos de ONGs israelenses que se dizem defensoras do povo palestino, chegou à conclusão de que a grande maioria, infelizmente, no suposto trabalho de quebrar o silêncio das necropolíticas implementadas pelo Estado de Israel, na verdade, fazem um sofisticado trabalho de justificar estas mesmas políticas acionando o ideário socialista. Dizem que há exagero em definir o que acontece como genocídio. A este excesso linguístico praticado por ativistas de movimentos de solidariedade do mundo inteiro, os redwashing não têm nenhuma timidez em tipificá-lo como ‘antissemita’.
A esquerda sionista israelense e certos setores do movimento de solidariedade teimam em não reconhecer o Movimento de Resistência Islâmica – Hamas – como um partido político palestino que em 2006 elegeu democrática e limpamente a maioria do Conselho Legislativo, a quem consideram como um grupo fundamentalista e terrorista islâmico, portanto, incapaz de dialogar, mesmo que as resoluções políticas do Movimento sejam no sentido do diálogo e da unidade das forças palestinas para enfrentar a ocupação. Acabam fazendo coro 70
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BENTO, Berenice. “Redwashing”: discursos de ‘esquerda’ para limpar os crimes do Estado de Israel. Opera Mundi, 2017. Disponível em: https://operamundi. uol.com.br/opiniao/46262/redwashing-discursos-de-esquerda-para-limparos-crimes-do-estado-de-israel.
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com os sionistas, que não concedem aos palestinos sequer o direito de eleger seus governantes. Quando os palestinos votam em quem os sionistas acham que não deveriam votar, são castigados. É o que acontece com Gaza, que se converteu na maior prisão a céu aberto do mundo, desde que o Hamas ganhou as eleições e passou a ser a esperança de luta e resistência dos palestinos que não suportam mais o apartheid sionista. A minha percepção, a partir do que ouvi nos diálogos que mantive em visita à Palestina ocupada, é a de que os palestinos continuam a acreditar na resistência como o único caminho para se livrar do apartheid sionista. Pude perceber que o apoio crescente ao Hamas é quase que um contraponto natural às violações dos direitos humanos daquela gente e das restrições cada dia maiores provocadas pela ocupação brutal e o apartheid sionista. Por outro lado, a decepção com os acordos não cumpridos por parte do ocupante e o papel de gerente das políticas de Israel após os acordos de Oslo exercido pela Autoridade Palestina são motores do crescimento da influência do Hamas, tanto em Gaza quanto na Cisjordânia. A esquerda sionista, sempre diligente em condenar os “atentados” realizados atribuídos aos grupos palestinos que lutam pela independência, silencia de maneira cúmplice perante o genocídio cometido pelas forças de Israel desde 1948, como também na primeira intifada, em 1987, na segunda intifada, em 2000, na Grande Marcha do Retorno, manifestação que vem ocorrendo desde 30 de março de 2018 e os ataques massivos a Gaza em 2012 e 2014, onde foram mortos mais de 2.200 palestinos. Em relação aos movimentos palestinos, Goldwaser escreveu que a esquerda sionista se mostra tão racista quanto a direita: Ela não reconhece os crimes que ela própria cometeu contra palestinos, não reconhece que os palestinos têm direito de retornar às suas vilas, terras e cidades roubadas, não reconhece o direito legítimo da população palestina de resistir contra a massiva ocupação militar que sofre e,
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finalmente, defendo um modelo de Estado nacional baseado na segregação étnico racial – o Estado Judaico.
A esquerda sionista, que se orgulha do protagonismo na chamada Guerra de Independência de 1948, uma guerra que de fato deu início à Nakba, a catástrofe que provocou uma enorme limpeza étnica com a morte de milhares de palestinos e onde mais de 800 mil homens, mulheres e crianças foram expulsos de suas terras – mais que toda população de judeus existente na Palestina naquela ocasião – por meio da destruição de mais de 400 vilas e povoados, é a mesma esquerda sionista que diz querer o diálogo e a busca da paz e da coexistência na Palestina, por intermédio da solução de dois estados, um discurso que enche os olhos de muitos pelo mundo afora, que sentem vergonha de dizer que aceitam a prática genocida e o apartheid do Estado de Israel. Os chamados sionistas de esquerda representam um perigo para a unidade do movimento de resistência porque eles confundem o movimento de solidariedade através de propostas capciosas, tais como “coexistência”, “paz duradoura” e “diálogo”, ao mesmo tempo em que tentam minar as campanhas centrais de solidariedade ao povo palestino, como o movimento BDS, que tem sido responsável pela queda de 46% dos investimentos externos de Israel nos últimos anos. O sionismo de esquerda representa um perigo para a luta palestina, pois não passa de uma ramificação ardilosa do projeto colonial ao qual prestam serviço.
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3 Da partilha da ONU aos Acordos de Oslo
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A questão da Partilha da Palestina não surgiu no interior da inexperiente e recém fundada Organização das Nações Unidas, onde nenhum dos seus membros dirigentes tinha qualquer experiência prévia em solução de conflitos ou conhecimento suficiente a respeito da história da Palestina. Mas começou a se decidir nos gabinetes ingleses. Pappé escreveu que a ONU decidiu patrocinar o princípio da partilha sugerido pelos ingleses como um fio condutor para uma futura solução para o conflito. 109
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Dividir a Palestina era originalmente uma solução inglesa, mas se tornou uma peça central da política sionista a partir de 1937.Antes disso, os ingleses colocaram diversas opções, notadamente a criação de um estado binacional, que os judeus rejeitaram, e uma Palestina com cantões (seguindo o modelo suíço), que ambos os lados se recusaram a considerar. Ao final, Londres desistiu de tentar encontrar uma solução para o conflito que avultava e, em fevereiro de 1947, transferiu a questão da Palestina para as Nações Unidas. Favorecida pela direção sionista, e agora apoiada pela Inglaterra, “partilha” passou a ser o nome do jogo. Os interesses dos palestinos estavam prestes a ser totalmente extirpados do processo71.
Quando da fundação da ONU, em 24 de outubro de 1945, o território da Palestina Histórica ainda se encontrava sob o domínio britânico, conforme Mandato concedido pela antiga Liga das Nações desde 1922. Como decorrência da tensão entre os movimentos nacionalistas árabes e judaico, a Grã-Bretanha solicitou ao SecretárioGeral da ONU, o norueguês Trygve Halvdan Lie (1896-1968), a convocação de uma sessão extraordinária da Assembleia Geral para discutir alternativas políticas para o problema palestino. Em fevereiro de 1947, o chefe da delegação britânica na ONU, Alexander Caddington, reuniu-se com o Secretário-Geral Trygve Lie, cujo resultado foi a proposta britânica para a criação, em 5 de maio de 1947, do Comitê Especial das Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP, da sigla em inglês), formado por onze Estados Membro (Austrália, Canadá, Checoslováquia, Guatemala, Holanda, Índia, Irã, Iugoslávia, Peru, Suécia e Uruguai), entre os quais não figurava nenhuma das grandes potências, destinado a investigar as questões relevantes da disputa territorial e recomendar uma solução diplomática a ser deliberada pela Assembleia Geral, cujo tema mais importante era o fim do Mandato britânico, reivindicado tanto pelos árabes quanto pelos judeus. Inicialmente, os membros do UNSCOP deliberaram sobre a possibilidade de a Palestina se tornar um único estado democrático, 71
110
PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 50.
Palestina - Do mito da terra prometida à terra da resistência
cujo futuro seria decidido pelo voto majoritário da população, mas essa ideia logo seria abandonada, tendo sido vitoriosa a recomendação à Assembleia Geral para a partilha da Palestina em dois estados. As movimentações das grandes potências em torno da questão da partilha fizeram com que os Estados Unidos se posicionassem inicialmente contrários à opção de dois Estados. Ocientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira escreveu no seu livro A Segunda Guerra Fria (2013) que o general George Marshall (1880-1959), então secretário de Estado do presidente Harry S. Truman (1945-1953), se opôs à criação do Estado de Israel, pois defendia a criação de um só Estado, com eleições gerais. Da mesma forma, o embaixador Loy Hendersen, diretor da Agência do Oriente Médio do Departamento de Estado, arguiu em memorando contra a proposta de partição da Palestina entre árabes e judeus. Para Hendersen, aquela iniciativa ignorava os princípios da autodeterminação e do governo da maioria, e reconhecia o princípio de um Estado racial teocrático, que discriminava em todas as instâncias, com base na religião e na raça, as pessoas fora da Palestina. No seu entender, a partição não só não funcionaria como conduziria a imprevisíveis problemas no futuro. Bandeira escreveu que a princípio, o presidente Harry Truman vacilou. O Departamento de Estado e o Departamento de Defesa manifestaram-se contra a partição da Palestina e a preocupação era o atrito que adviria com países árabes, todos adversos ao sionismo e ao plano da United Nations Special Commitee on Palestina (UNSCOP). Mas, a fim de conquistar o voto dos judeus para a sua reeleição em 1948, o presidente Truman determinou que o embaixador Herschel Johnson, adjunto do chefe da Legação Americana, anunciasse no CSNU que os Estados Unidos apoiavam o plano de partição da Palestina, elaborado pela UNSCOP, o que foi feito na sessão de 11 de outubro de 194772.
72
BANDEIRA, Moniz. A Segunda Guerra Fria: geopolítica e dimensão estratégica dos Estados Unidos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013. p. 463.
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Como se vê, os Estados Unidos não adotaram seu voto na ONU por qualquer consideração estratégica na questão da partilha da Palestina em dois Estados. Mas a decisão do presidente Truman se deu por puro oportunismo eleitoral, a fim de captar o voto dos judeus para sua eleição em 1948.
Mapa da Palestina durante o Mandato britânico (1920-1948), onde se vê a composição demográfica de palestinos e judeus. Disponível em: https://complemento.veja.abril.com.br/timeline/timeline-mundo-israel.html.
Após dois meses de intensos debates, o Comitê optou pela proposta de partilha territorial para criação de dois Estados nacionais independentes (Ver Anexo I), ignorando totalmente a composição étnica da população do país. Ao invés disso, a ONU se curvou às reivindicações nacionalistas do movimento sionista sobre a Palestina e decidiu por compensar os judeus pelo holocausto nazista ocorrido na Europa, com um estado que se estendia por mais da metade do país, com as terras mais férteis e mais bem localizada geograficamente, às custas dos palestinos que ocupavam a Palestina Histórica há mais de três milênios. Durante os debates do Comitê das Nações Unidas 112
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que tratava da partilha da Palestina, o rabino E. L. Fischmann, representante oficial da Agência Judia para Palestina, fez reiterados discursos e lobby das reivindicações do seu chefe Theodor Herzl perante a ONU, defendendo que “a Terra Prometida se estende desde o Rio do Egito até o Eufrates. Incluindo partes da Síria e do Líbano”73. Ilan Pappé questiona a sinceridade dessa preocupação do movimento sionista em relação aos judeus vítimas do holocausto na Europa e a associação que muitos líderes faziam entre a tragédia e a recompensa em viver em terras palestinas. Pappé escreveu que pouca energia foi investida no salvamento dos judeus, visto que a prioridade naquela época difícil continuava a ser a sobrevivência da comunidade judaica na Palestina. Quando a guerra terminou, a seleção foi retomada, mas minava o desejo sionista de provar a ligação entre o holocausto e o projeto judeu na Palestina. Na verdade, se todos os sobreviventes do horror nazi, especialmente os que tinham sido colocados pelos aliados em campos de deslocados em toda Alemanha, tivessem escolhido a Palestina como seu destino, teriam dado razão aos argumentos sionistas perante a comunidade internacional74.
Apesar disso, a maioria dos membros do Comitê opinou pela solução de um Estado judeu e outro árabe. A parte destinada aos judeus incluiria as áreas agrícolas e as cidades comerciais, ou seja, as melhores terras agrícolas, enquanto deixava para os palestinos nada menos que um deserto, terras pedregosas e morros inférteis. Além do que, colocar Jerusalém sob o controle da ONU significava tirar a cidade milenar das mãos dos palestinos. Os países representados na Liga Árabe rejeitaram aquela solução porque representava uma grande injustiça ao doar terras para um povo estrangeiro, deslocaria a população secularmente estabelecida e criaria um estado estrangeiro 73
SHAHAK, Israel. The Zionist Plan for the Middle East. Belmont: Mass., A.A.U.G., 1982.
74
PAPPÉ, Ilan. História da Palestina Moderna: uma terra, dois povos. Lisboa: Caminho, 2007. p. 154.
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no mundo árabe, colocando sob seu controle áreas econômicas consideradas chaves sob o controle dos judeus. A Palestina seria dividida em oito partes: três pertenceriam ao estado Judeu e três ao estado Palestino. A cidade de Jaffa formaria um enclave palestino dentro do território judeu, e a oitava parte seria Jerusalém como território neutro e internacional sob jurisdição da ONU. E o significado religioso dos Lugares Sagrados deveria ser preservado. O filósofo Noam Chomsky analisa a ideia da criação de um Estado Judeu como uma anomalia e como algo que não aconteceu em nenhum lugar do mundo em qualquer tempo. Para Chomsky, uma vez que se estabelece um Estado, qualquer cidadão ou cidadã é um cidadão ou cidadã do Estado. Não importa quem seja, se é um cidadão francês, é francês. Se vive em Israel, é um cidadão israelense, não é judeu. Por isso o conceito de Estado judeu é uma completa anomalia. Não tem análogo no mundo moderno, portanto, é óbvio que não devemos aceitálo. Por que aceitar esta anomalia única?75
Com a partilha proposta, os judeus que detinham 7% do território passariam a ter 53% (as melhores terras), enquanto que os palestinos ficariam com 47%. Uma partilha injusta sobre todos os aspectos, pois a Palestina era o lar de mais de 1 milhão e 400 mil palestinos, enquanto que a população de judeus era de 630 mil pessoas, onde dois terços delas eram imigrantes ashkenazim (judeus provenientes da Europa Central e Europa Oriental). Com olhos azuis, pele clara, cabelos ruivos e falando diversos idiomas, os novos moradores originavamse particularmente da Polônia e URSS, e haviam chegado à Palestina por meio das políticas de transferência populacional promovidos pelo movimento sionista internacional desde o final do século XIX. Esse movimento foi seguido pela “sionização” das terras palestinas por meio da criação de uma companhia judaica para aquisição de propriedades 75
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CHONSKY, Noam; PAPPÉ, Ilan. Conversasiones sobre Palestina. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Marea, 2016. p. 74.
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– terras essas que jamais poderiam ser vendidas ou arrendadas de volta aos palestinos – patrocinada pelo movimento sionista internacional por intermédio do Fundo Nacional Judeu (Jewish National Fund), bancado pelos banqueiros agiotas judeus que dominavam as finanças mundiais já naquela época. Em 1916, os sionistas eram proprietários de 241 mil dununs – medida agrária que equivale a 1000m2. Em 1947 essa quantidade já era de 1.850.000 dununs. Durante os anos de 1920 e 1930, o crescimento das colônias judaicas deu início a uma série de conflitos entre judeussionistas e palestinos. Com esta divisão injusta e ilegal, sem que a ONU tenha organizado qualquer forma de consulta entre os habitantes da Palestina, ignorando a posição majoritária claramente demonstrada pelos representantes árabes da Síria, Líbano, Egito e Jordânia, países com fronteiras com a Palestina e ignorando, igualmente, a posição das lideranças cristãs, islâmicas e até mesmo de judeus antissionistas, que nunca reconheceram a existência do Estado de Israel. Assim, a ONU tornaria a Palestina o único Estado destruído para que fosse implantado sobre as ruínas do seu território e sobre os corpos dos seus mártires um Estado que hoje se sabe monstruoso, cuja criação continua pondo a comunidade das nações num permanente conflito e a paz mundial em perigo. A ONU colocou a vida de milhares de palestinos nas mãos de um movimento que pregava claramente a transferência de populações para transformação de um território de etnia mista em um Estado de pureza étnica. A Resolução 181, que definiu a partilha, foi adotada pela Assembleia Geral de 29 de novembro de 1947, presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha, sob a orientação da potência emergente pós-Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos, de se pronunciar e trabalhar por uma decisão favorável. A Assembleia contou com a presença de 56 dos 57 Estados Membro. A proposta teve o voto favorável de 33 países: Austrália, Bélgica, Bielorrússia, Bolívia, Brasil, Canadá, Checoslováquia, Costa Rica, Dinamarca, Equador, Estados Unidos da América, Filipinas, França, Guatemala, Haiti, Holanda, Islândia, 115
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Libéria, Luxemburgo, Nicarágua, Nova Zelândia, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru, Polônia, São Domingos, Suécia, Ucrânia, União Sul Africana, URSS, Uruguai e Venezuela. Votaram contra 13 países-membros: Afeganistão, Arábia Saudita, Cuba, Egito, Grécia, Índia, Iraque, Irã, Líbano, Paquistão, Síria, Turquia e Iêmen, e 10 Nações se abstiveram: Argentina, Chile, China, Colômbia, Etiópia, Grã-Bretanha, El Salvador, Honduras, México e Iugoslávia. A única ausência foi do Sião, como era chamada a Tailândia até 1949, devido a impedimento para aquela Sessão. Há de se destacar que o voto da União Soviética se deu por razões de sua política internacional, pois os partidos comunistas do Oriente Médio apoiavam a criação do Estado de Israel. A orientação do governo brasileiro era a de se abster naquela votação. O Itamaraty julgava que o Brasil não deveria tomar partido porque tinha uma comunidade judaica e uma comunidade árabe sem conflitos em nosso território. Mas Osvaldo Aranha foi envolvido pelo clima criado pelos sionistas em Nova York e preferiu atender aos apelos inconfessáveis do lobby judaico e trair a orientação do Governo brasileiro, mudando seu voto em favor da partilha. O jornalista e político brasileiro Carlos Lacerda narra em seu livro Depoimento que Osvaldo Aranha mudou o voto do Brasil ajudado pelo embaixador Gilberto Amado, um dos diplomatas brasileiros na ONU, que o convenceu a votar a favor da partilha da Palestina, ou seja, da criação do estado de Israel. Um dia Raul Fernandes [ministro das Relações Exteriores à época e partidário de Lacerda] me chamou ao Itamaraty e disse: “Carlos, você, além de jornalista, é meu primo, então não vou mostrar ao jornalista, vou mostrar ao meu primo porque não quero que você me julgue mal”. E mostrou suas instruções: “Na questão da palestina deveis abster-vos de votar”. Mas o fato é que o Osvaldo, envolvido pelo New York Times, envolvido pelo clima muito pró-judaico de Nova York, envolvido enfim por uma série de coisas, tornou-se,
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assim, um dos heróis da nação israelita, porque mudou o voto do Brasil76.
Outro escritor que se dedicou a estudar o papel exercido por Oswaldo Aranha em benefício dos judeus foi o norte-americano Stanley Hilton, que escreveu a biografia do diplomata brasileiro, Oswaldo Aranha: Uma biografia. Ele descreve sobre as manobras de Aranha, que prometera aos árabes equilíbrio e plena liberdade de discussão sobre a questão, depois que a Assembleia rejeitara a proposta árabe para que se incluísse na agenda a questão da independência da Palestina após o final do mandato britânico. Mas não foi o que aconteceu. Hilton relata que naqueles dias tensos de novembro, apesar das declarações públicas de que não exerceria nenhuma influência, a atuação de Aranha nos bastidores estava fortemente alinhada com os sionistas. Ele diz que Aranha usou de sua autoridade para ajudar os sionistas ao suspender os trabalhos por alguns dias a pretexto de respeitar o feriado do Dia de Ação de Graças. “Quando se reabriram os trabalhos em 29 de novembro, eram os árabes que sentiam que haviam perdido terreno. Aranha tinha a mão mais rápida no martelo que já vi” (p. 456). [...] os líderes da Agência Judaica para a Palestina aplaudiram “a sabedoria e justiça” com que tratara do problema. “A profunda compreensão que demonstrou do problema judaico no tocante à Palestina foi motivo de grande conforto e satisfação para todos nós”, um porta-voz da Agência lhe escreveu depois. [...] Terminou também convencido da necessidade de se criar uma pátria para os judeus. Quando um repórter observou que o Grã Mufti de Jerusalém declarara que os judeus queriam se apossar da Palestina para usá-la como trampolim para sua maior expansão na região, Aranha foi abrupto: “A opinião do Mufti não me interessa...”, disse77.
Aranha havia declarado durante a sessão que seu dever como presidente o obrigava a se manter neutro e que não exerceria nenhuma 76
LACERDA, Carlos. Depoimento. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987. p. 97.
77
HILTON, Stanley. Oswaldo Aranha: uma biografia. Rio de Janeiro: Objetiva, 1994. p. 439.
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influência sobre o debate. Mas, segundo Hilton, não foi isso que aconteceu. Segundo ele, Aranha não escondia suas simpatias pela causa judaica e ajudou a influenciar outros delegados, o que lhe mereceu elogios por parte de um dos lobistas da Agência Judaica na ONU, Abba Eban: “O presidente da Assembleia Geral, Oswaldo Aranha, do Brasil, era um homem de disposição apaixonada e romântica que era fervorosamente imbuído da ideia de uma pátria judaica” (Hilton, p. 456). Os sionistas, naturalmente, comemoraram a mão amiga de Aranha no resultado da votação da Assembleia Geral. Chaim Weizmann, que seria o primeiro presidente de Israel, testemunhou o papel de Aranha em favor dos judeus. Ele enviou telegrama a Aranha onde declarou que a sessão da Assembleia não poderia ter terminado com esta decisão histórica […] se não fosse vosso esforço persistente e vossa devoção como presidente. Vossa compreensão do nosso problema e da justiça da nossa causa lhe ganhou a permanente gratidão do povo judaico78.
No Brasil, a comunidade judaica vibrou imensamente com o resultado e o apoio de Aranha para aquele resultado. O presidente da Federação das Sociedades Israelitas do Rio de Janeiro expressou a “mais viva gratidão” pelo papel “decisivo” de Aranha naquele processo, e foi dado início a um movimento para obter o Prêmio Nobel da Paz para Aranha, endossado pelos líderes sionistas de vários países, que enviaram cartas ao Comitê Nobel em Oslo. A mobilização não conseguiu êxito. Egito, Síria, Líbano e Jordânia, membros da recém-criada Liga Árabe, manifestaram-se abertamente contrários à proposta e não reconheceram o novo Estado judeu. Os Estados árabes consideraram que o Plano contrariava a Carta das Nações Unidas, segundo a qual cada povo tem o direito à sua autodeterminação, e declararam sua oposição a qualquer plano que propusesse a separação, segregação ou divisão da Palestina. Para as nações árabes, era inconcebível apoiar 78
118
Ibidem, p. 459.
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uma decisão que permitiria a espoliação do patrimônio nacional e extinguia o direito de viver em sua própria pátria.
Mesa da sessão da Assembleia Geral da ONU que aprovou a Partilha da Palestina, presidida pelo brasileiro e “mão amiga dos sionistas” Oswaldo Aranha, no centro da foto. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/oswaldo-aranha-disney-orson-welles-e-o-chimarrao.html.
Ademais, a ONU não estava investida de nenhuma soberania sobre a Palestina e não poderia se valer de nenhuma autoridade ou direito de soberania sobre a Palestina. Não lhe era dada nenhuma prerrogativa que a permitisse a divisão de um Estado ou para atribuir parte do seu território a uma minoria estrangeira oriunda da Europa com o fim de fundar o seu Estado. A ONU não tinha permissão de conceder a emigrantes de diversas nacionalidades direitos territoriais e políticos diferentes dos concedidos aos habitantes da terra palestina. O princípio elementar do direito é o de que quem não tem a propriedade de uma coisa, não pode cedê-la a outro. Então, há que se perguntar, sempre: A ONU tinha o direito de ceder uma parte do patrimônio nacional milenar dos palestinos a estrangeiros provenientes de todas as partes do mundo, sem nenhum vínculo histórico com aquela terra? Como isso foi possível? 119
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A Carta das Nações Unidas, assinada em São Francisco, a 26 de junho de 1945, após o término da Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, que entrou em vigor a 24 de outubro daquele mesmo ano, estabelece que: Artigo 12. 1. Enquanto o Conselho de Segurança estiver exercendo, em relação a qualquer controvérsia ou situação, as funções que lhe são atribuídas na presente Carta, a Assembleia Geral não fará nenhuma recomendação a respeito dessa controvérsia ou situação, a menos que o Conselho de Segurança a solicite. 2. O secretário-geral, com o consentimento do Conselho de Segurança, comunicará à Assembleia Geral, em cada sessão, quaisquer assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que estiverem sendo tratados pelo Conselho de Segurança, e da mesma maneira dará conhecimento de tais assuntos à Assembleia Geral, ou aos membros das Nações Unidas se a Assembleia Geral não estiver em sessão, logo que o Conselho de Segurança terminar o exame dos referidos assuntos79.
Assembleia Geral não é uma instância das Nações Unidas dotada de soberania superior, mas uma instituição colegiada de discussão que formula recomendações e não pode tomar decisões que tenham caráter compulsório, ainda mais dessa envergadura, e nem tem poder de ação. Esse poder, em virtude da Carta das Nações Unidas, é reservado ao Conselho de Segurança, a quem compete decidir e aplicar com exclusividade. Dessa maneira, a Assembleia Geral da ONU teria ultrapassado os limites de suas atribuições porque não tinha o direito de soberania ou outro direito qualquer sobre o território da Palestina ao adotar a resolução de Partilha, que foi entendida pelos países árabes e outros como nula, sem valor nem efeito. Ignorou-se todas as regras de mediação internacional endossadas pela própria Carta da Nações 79
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A íntegra da Carta das Nações Unidas está disponível em: https://nacoesunidas. org/carta/.
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Unidas e adotou-se uma solução não só ilegal, mas igualmente imoral. Deu-se as costas a uma população majoritariamente nativa e atendeuse aos reclamos de povoadores recém-chegados à Palestina, muitos dos quais recém desembarcados.
Mapa do Plano de Partilha da Palestina, proposto pelo Comitê Especial das Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP, da sigla em inglês) e aprovado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 29 de novembro de 1947. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/lauro-jardim/post/oswaldo-aranha-disney-orson-welles-e-o-chimarrao.html.
A decisão tornou a Palestina o único Estado destruído com a contribuição das Nações Unidas, no intuito de permitir o surgimento de uma entidade racista e genocida, fruto da espoliação do patrimônio nacional palestino, cuja criação pôs a paz mundial permanentemente em risco. A resolução da Partilha concedeu mais da metade da Palestina a um movimento ideológico – o sionismo, que declarava abertamente seu desejo de desarabizar a Palestina, ou seja, realizar uma limpeza étnica para tornar a Palestina Histórica um estado exclusivamente para judeus.
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O mapa definido pela ONU presenteou o único grande porto palestino aos judeus, que queriam Haifa, o seu porto, sua estrutura urbana moderna, mas sem os 75 mil palestinos que ali viviam, em abril de 1948. Eles alcançaram seu objetivo! Ao aprovar a Partilha da Palestina, a ONU não se preocupou em incluir na Resolução nenhum dispositivo para evitar que o quadro de catástrofe se consolidasse. Segundo Pappé (2016), o mapa da partilha elaborado e aprovado pela ONU era uma receita segura para a tragédia que começou a se desenrolar no dia em que a Resolução 181 foi aprovada. A Grã-Bretanha finalizava o Mandato com um grande ato de traição à Palestina e aos árabes, por cujo bem-estar e progresso havia se comprometido a velar. Ao retirarem suas tropas, abandonando o território palestino, as autoridades britânicas entregaram aos sionistas as rédeas do poder na Palestina, incluindo o controle das bases militares britânicas. O abandono do território palestino e o destino de seu povo aos terroristas das organizações paramilitares sionistas, que viriam a praticar os atos selvagens que dariam início à limpeza étnica da Palestina, fato que se constitui num dos mais vergonhosos capítulos da história do Império Britânico. Em seu livro A questão Palestina – guerra, política e relações internacionais Buzetto diz que Tanto o Primeiro Comitê quanto a Comissão Especial das Nações Unidas para a Palestina (UNSCOP), organismos criados pela ONU para debater e sugerir soluções sobre o que deveria ser feito na Palestina, em vez de organizar uma consulta popular entre os habitantes residentes no território em questão para verificar se a proposta de Partilha tinha fundamento e apoio da maioria do povo, seguiram o caminho contrário. Ignoraram a posição majoritária entre os habitantes da Palestina, ignoraram a posição majoritária dos representantes árabes da Síria, Líbano, Egito e Jordânia, os países vizinhos com fronteiras com a Palestina, ignoraram a posição das lideranças islâmicas e cristãs da Palestina,
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contrárias ao Plano da ONU e ignoraram a posição de judeus palestinos antissionistas, que nunca reconheceram o estado de Israel como seu legítimo representante80.
Pappé escreveu que, ao invés disso, a cúpula das Nações Unidas se submeteu às pressões dos Estados Unidos e do lobby judaico e dos governos dos países-membros, para assegurar a aprovação da Partilha na Assembleia Geral e não no Conselho de Segurança, como determina a Carta das Nações Unidas. [...] foram necessárias pressões consideráveis das organizações de judeus americanos e da diplomacia americana, bem como um discurso forte do embaixador russo na ONU, para obter a maioria de dois terços da Assembleia necessários para a aprovação da partição. Embora praticamente nenhum diplomata palestino ou árabe tivesse feito qualquer esforço para promover o esquema alternativo, ele conseguiu um número igual de apoiadores e detratores, mostrando que um número considerável de estados-membros se apercebeu de que impor a partição equivaleria a apoiar um lado e opor-se a outro81.
80
BUZETTO, Marcelo. A questão Palestina: guerra, política e relações internacionais. São Paulo: Expressão Popular, 2015. p. 97.
81
PAPPÉ, Ilan. História da Palestina Moderna: uma terra, dois povos. Lisboa: Caminho, 2007. p. 163-164.
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3.1 Limpeza étnica da Palestina
Após a partilha, em 1947, o povo palestino viveu a Nakba. A palavra Nakba já apareceu e eu fiz a ‘tradução’, mas acho importante repetir, significa catástrofe e se refere à partilha da Palestina e criação do Estado de Israel, com destruição, expulsão e mortes. Os ocupantes sionistas destruíram mais de 400 aldeias e expulsaram deliberadamente cerca de 800 mil palestinos – mais do que toda população judaica da Palestina naquela época – que perderam suas casas e seus bens e tornaram-se refugiados, que hoje já somam 4,8 milhões de pessoas. Os vilarejos foram ocupados, destruídos e saqueados e seus moradores foram expulsos ou mortos antes que um único soldado das forças regulares dos países árabes entrasse na Palestina em socorro do seu povo, o que põe por terra a falácia israelense de que os árabes fugiram assim que a invasão dos países árabes começasse. Quando, finalmente, os países árabes decidiram enviar suas tropas, os vilarejos 124
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palestinos já haviam sido destruídos e seus moradores expulsos ou mortos. A esse respeito, Pappé relata que os líderes árabes não tinham dúvidas sobre o desastre potencial de que estava sendo vítima o povo palestino. Segundo ele, a maioria dos governantes era cínica sobre a iminente catástrofe na Palestina e que poucos estavam genuinamente preocupados com a situação. Mas procrastinaram, postergaram tanto quanto puderam a inevitável intervenção militar, e então com gosto preferiram encerrá-la prematuramente: eles sabiam bem demais que não apenas os palestinos já estavam derrotados, mas também que seus exércitos não tinham chance contra as forças judaicas superiores. De fato, mandaram tropas para uma guerra que sabiam ter pouca ou nenhuma chance de ganhar82.
Quando, enfim, os países da Liga Árabe resolveram enviar suas tropas em socorro dos palestinos, em final de abril de 1948, mais de 250 mil palestinos já haviam sido expulsos, mais de 200 vilarejos destruídos e inúmeras cidades esvaziadas. Todos os países receberam o pedido do Conselho da Liga Árabe para enviar armas e voluntários, mas nem todos cumpriram o pedido. A inanição dos governos árabes mereceu o protesto de milhares de jovens, em vários dos países que se dispuseram a sacrificar suas vidas nos combates pelos palestinos. A luta anticolonial na Palestina, valente e feroz, fez incendiar o fervor nacionalista da juventude árabe por todo o Oriente Médio. No entanto, conforme aponta Pappé (2016), tudo que as forças estrangeiras e locais tentaram, mas não conseguiram, foi proteger a população local palestina contra a agressão judaica. A despeito da expulsão de tão elevado número de palestinos, cerca de 100 mil conseguiram permanecer no território ao longo da guerra de 1948 e cerca de 40 mil voltaram para suas terras e casas durante a implementação do acordo de paz. Porém, da noite para o dia, aqueles palestinos se tornaram minoria em seu próprio país, 82
PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 318.
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recebendo a cidadania israelense conforme definido na partilha das Nações Unidas, e condenados a viver sob um regime militar até o final de 1966. Os palestinos que conseguiram permanecer nos seus territórios foram isolados em uma zona de assentamento da qual só era permitido que saíssem após receber autorização dos militares. Seus movimentos eram restringidos, e as chances de encontrar emprego longe de casa tornaram-se ínfimas. Esse estado de coisas, somado à legislação israelense, que proíbe especificamente casamentos civis entre pessoas classificadas como judias e não judias, permitiu ao Estado sionista sua bem-sucedida implantação da política de colonização ‘étnica’ pura83.
Os líderes sionistas que ocuparam postos de destaque no poder israelense sempre trataram os donos da terra com arrogância e desprezo. A ucraniana Golda Mabovitch Meir, que migrou para a Palestina na onda sionista de ocupação na década de 1920, e que mais tarde se tornaria primeira-ministra de Israel, disse, em 1969, que não existiam palestinos; Yitzhak Rabin, o quinto primeiro-ministro de Israel, no cargo entre 1974 e 1977, sempre se referia a eles como os “chamados” palestinos; e o imigrante da Bielorrússia, Menachem Begin, que foi primeiro-ministro entre 1977 e 1983, referia-se aos palestinos como os árabes da terra de Israel ou os “negros” de Israel. Todos três foram muito firmes quanto à destruição política dos palestinos; todos três sancionaram o terrorismo de Estado contra civis palestinos que viviam fora de Israel e a absoluta indiferença ao histórico israelense de expropriação da população nativa da Palestina84.
Um entre os inúmeros episódios abomináveis dessa limpeza étnica que vem sendo levada a cabo pelo Estado judaico ocorreu por meio dos atos terroristas das milícias sionistas que tomaram a forma 83
SAND, Shlomo. A invenção da Terra de Israel: de terra santa à terra pátria. São Paulo: Benvirá, 2014. p. 286-287.
84
SAID, Edward W. A questão da Palestina. São Paulo: EdUnesp, 2012. p. 159.
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de massacres, como o de Deir Yassin, ocorrido na manhã de 9 de abril de 1948. Deir Yassin era um pacato vilarejo palestino localizado num morro a cinco quilômetros a oeste da cidade de Jerusalém, 800 metros acima do nível do mar, habitado por cerca de 700 pessoas, que havia conseguido um pacto de não agressão com a Haganah, mas estava fadado ao extermínio por estar dentro da região designada para limpeza pelo Plano Dalet (“D” no alfabeto hebraico). Este episódio não foi um evento isolado. Fazia parte do Plano Dalet, organizado pela organização paramilitar Haganah, a principal milícia clandestina sionista na Palestina, que tinha como objetivo garantir as fronteiras de Israel e forçar a total e sistemática expulsão dos palestinos, por meio da limpeza étnica, destruição das aldeias, cidades e urbanizações, a fim de alcançar uma maioria judaica no novo Estado de Israel, com o máximo da terra palestina e o mínimo possível de palestinos nela. No seu livro sobre a Nakba, Misleh escreveu que o Plano Dalet não é apresentado como limpeza étnica. Mas autorizava literalmente operações militares ao cerco à destruição de aldeias palestinas, bem como bombardeios iniciais nos centros dos vilarejos e a expulsão de sua população caso houvesse resistência local. Esse plano é uma evolução de outros três, sobretudo do Gimmel. Todos supostamente visariam o contra-ataque e retaliação às forças árabes. O texto relativo aos dois últimos inclui a prisão, expulsão ou “danos físicos” às lideranças árabes e àqueles que lhes dessem abrigo. No Plano Dalet, são descritas as forças árabes que se esperava encontrar em aldeias listadas e incluídas nas operações previstas. Portanto, o texto – assim como os dos planos precedentes – indica que a resistência não era desconhecida das lideranças sionistas85.
Havia também o Plano Gimmel, numa referência à letra C do alfabeto hebraico, que era uma versão revisada e endurecida dos Planos A e B. O Plano C tinha por objetivo preparar as forças militares judaicas na Palestina para campanhas ofensivas com o objetivo de “desencorajar” 85
MISLEH, Soraya. Al Nakba: Um estudo sobre a catástrofe palestina. São Paulo: Sundermann, 2017. p. 107.
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a população palestina quanto a ataques aos assentamentos judeus e retaliar a ofensiva do ocupante sionista. No Plano C, as ações punitivas contra palestinos deveriam incluir: matar a direção política palestina; matar agitadores palestinos e seus financiadores; matar palestinos que agiram contra judeus em ações anteriores; matar oficiais e funcionários graduados palestinos no sistema do Mandato Britânico; danificar transportes palestinos; danificar os recursos básicos dos meios de sustento palestino, como minas d’água, moinhos etc; atacar vilarejos palestinos vizinhos inclinados a provar assistência a futuros ataques e atacar clubes, cafés e salas de reuniões dos palestinos. O escritor israelense Ilan Pappé, na sua obra A limpeza étnica da Palestina, conceitua de forma precisa o processo de limpeza étnica praticada por Israel: Limpeza étnica é um esforço para deixar hegemônico um país de etnias mistas, expulsando e transformando em refugiados grupos de pessoas, enquanto destroem os lares dos quais elas foram enxotadas. Pode muito bem haver um plano mestre, mas a maioria das tropas engajadas na limpeza étnica não precisa de ordens diretas: sabe de antemão o que é esperado delas. Os massacres acompanham as operações, mas, quando acontecem, não são parte de um plano genocida, mas sim uma tática crucial para acelerar a fuga da população marcada para expulsão. Mais tarde, os expulsos são apagados da história oficial e popular do país e extirpados da memória coletiva86.
As ordens foram dadas de maneira clara: “matem qualquer árabe que encontrarem, incendeiem todos os objetos voláteis e derrubem as portas com explosivos” (p. 115). Assim, a carnificina em Deir Yassin foi friamente perpetrada por uma milícia de 120 judeus sionistas, custou a vida de 254 árabes, entre anciões, e crianças degoladas (30 bebês estavam entre os chacinados), mulheres grávidas estripadas por armas branca, com casos documentados de estupro, mutilação e humilhação; onde as vítimas eram, principalmente, mulheres palestinas cujos corpos depois foram queimados e jogados num poço. 86
128
PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 23.
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Conforme irrompiam no vilarejo, os soldados judeus coalhavam as casas de tiros de metralhadora, matando muitos de seus habitantes. Os aldeões sobreviventes foram então reunidos em um único lugar e assassinados a sangue frio, com seus corpos violados enquanto uma grande quantidade de mulheres era estuprada e morta87.
O massacre de Deir Yassin teve um alto número de vítimas, numa ação que a direção judaica orgulhosamente anunciou como o epicentro da catástrofe e serviria como aviso para todos os palestinos de que se se recusassem a abandonar seus lares e fugir, teriam destino semelhante.
Corpos de palestinos estendidos pelo chão, como resultado do covarde massacre de Deir Yassim, praticado por terroristas israelenses entre 9 e 11 de abril de 1948.
Igualmente odiosa foi a manifestação organizada pela milícia terrorista sionista denominada Organização Militar Nacional na Terra 87
Ibidem, p. 110.
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de Israel – Irgun88 que, logo após a chacina, reuniu os que haviam sobrevivido e os levou para exibir em Jerusalém como prisioneiros. Homens e mulheres foram amontoados em três caminhões, cercados de milicianos judeus que disparavam suas metralhadoras e fuzis. Os 250 sobreviventes foram transportados e descarregados no lado árabe de Jerusalém. Em seguida, a ofensiva de limpeza étnica e a expulsão de palestinos passaram a ser feitas nos centros urbanos, começando por Tiberíades. Logo a notícia dos massacres em Deir Yassim do vilarejo vizinho de Khirbat Nars al-Din provocou a fuga de muitas pessoas que estavam assustadas e em pânico devido aos intensos bombardeios diários promovidos pelas forças judaicas. A campanha de terror contra palestinos incluía bombardeios pesados, franco-atiradores que assassinavam pessoas sem controle algum, rios de petróleo em chamas, gasolina despejada ladeira abaixo, tonéis com explosivos detonados nas ruas e a utilização de alto-falantes para transmitir barulhos assustadores para apavorar ainda mais a população. E envenenamento e injeção de vírus de tifo e disenteria nas fontes de água e poços de Acre, Baysan e Gaza. Segundo relato de Pappé, baseado nos arquivos de relatos da Cruz Vermelha, em Acre, os alto-falantes berravam: “Rendam-se ou se matem. Nós iremos destruí-los até o último homem”89. Enquanto ocorriam as ações de terror, muitos da elite palestina decidiram abandonar voluntariamente suas casas nos centros urbanos e mudaram-se para suas casas no Líbano e Egito, até que a tranquilidade retornasse às cidades. Após a fuga dessas pessoas, suas casas eram invadidas e roubados o mobiliário, roupas, equipamentos elétricos, comida e qualquer coisa que pudesse ser útil para os novos migrantes judeus. Estima-se que entre 15 e 20 mil pessoas deixaram suas casas. Muitos jamais conseguiram voltar. Elites, é bom que se diga, pouco ou quase nada fizeram pela segurança e integridade dos palestinos pobres. O mesmo aconteceu com os governos árabes que 88
O grupo terrorista IRGUN foi responsável por vários atos terroristas, incluindo a explosão do Hotel King David, em 22 de julho de 1942, em Jerusalém, onde morreram 88 pessoas. Menachem Begin foi o autor intelectual do atentado.
89
PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 120.
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pouco faziam além da retórica de guerra para esconder a inação e o desinteresse em intervir em nome dos palestinos. A chacina dos moradores de Deir Yassin foi condenada mundialmente, inclusive hipocritamente pela liderança da organização paramilitar judaica Haganah90, bem como pelas lideranças das demais unidades paramilitares judaicas e pelos rabinos-chefes das comunidades sefaraditas (judeus oriundos de Portugal e da Espanha) e asquenazes (judeus oriundos da Europa Central) na Terra Santa. No entanto, para não fugir da regra de que o sionismo é sinônimo de limpeza étnica e de reiterados crimes contra a humanidade, como fez notar vários anos mais tarde Menachem Begin, um judeu proveniente da Bielorrússia e chefe da milícia terrorista Irgun e do partido Khalal91, o escritor trotskista estadunidense Lenni Brenner escreveu que os árabes em todo o país, levados a acreditar em histórias selváticas das “carnificinas Irgun” foram tomados de pânico sem limites e começaram a fugir para salvar as suas vidas. Esta fuga em massa logo se tornou uma debandada descontrolada e enlouquecida. Dos cerca de 800 mil que viviam no atual território do Estado de Israel, apenas alguns, cerca de 165.000 ainda lá estão. A importância política e econômica deste desenvolvimento dificilmente pode ser sobrestimada92.
O que aconteceu com os autores dos massacres? Tal como acontece com quase todos os crimes cometidos por Israel, antes e depois da criação do Estado judeu, os criminosos responsáveis por estes massacres gozaram de completa impunidade. Após este trágico acontecimento, o homem politicamente responsável pela milícia judaica de caráter sionista Haganah, David Ben Gurion – o mentor da 90
O Haganah foi uma organização paramilitar judaica de caráter sionista, atuante no território do que era então o Mandato Britânico da Palestina, entre 1920 e 1948. Lutou contra a população de etnia árabe. Viria a se constituir na base do exército israelense, as Forças de Defesa de Israel - IDF, da sigla em inglês.
91
O Khalal foi sucedido pelo Likud, um partido de extrema-direita, do qual faz parte o primeiro-ministro e criminoso de guerra Benjamin Netanyahu.
92
BRENNER, Lenni. The Iron: Zionist Revisionism from Jabotinsky to Shamir. London: Wall Zed Books, 1984. p. 143.
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limpeza étnica da Palestina, tornou-se primeiro-ministro de Israel em 25 de janeiro de 1948, embora o Estado de Israel tenha sido fundado em 14 de maio daquele ano. Ainda mais surpreendente é o fato de o chefe do massacre terrorista em Deir Yassin, Menahem Begin, e Yitzhak Shamir, o líder do Lehi93 que participou no massacre, também virem a se tornar primeiros-ministros de Israel. Edward Said considera que era desejo dos sionistas, após todos esses massacres, que os árabes partissem e não os incomodassem, que eles fossem ignorados, isolados e escamoteados. E, mais tarde, acreditaram também que, punindo os palestinos, poderiam incliná-los a aceitar o sionismo. O que não aconteceu por meio de nenhuma das hipóteses. Sionismo e Palestina são água e óleo, mesmo misturados num liquidificador; ao parar, cada um vai para o seu lado. Said escreveu que após 1948, o estado de Israel usou a população nativa para apagar sua própria humanidade, tentando reduzi-la a uma classe de objetos irracionais, pouco versáteis, completamente submissos. Após 1967, houve mais violência contra os árabes sitiados na Cisjordânia, nas Colinas de Golã, no Sinai e na Faixa de Gaza. Nada foi poupado aos árabes, da tortura aos campos de concentração, passando por deportação, vilas arrasadas, campos devastados por exemplo, a destruição dos campos de trigo com substâncias químicas lançadas de um Piper Cub, em 28 de abril de 1972, na vila de Akraba, na Cisjordânia, como noticiou Le Nouvel Observateur, em 3 de julho de 1972, casas destruídas, terras confiscadas, populações “transferidas” aos milhares94.
Estas atitudes e decisões não acontecem por acaso e nem em determinados momentos da história de Israel. É um comportamento único em seu gênero entre todos os países membros da ONU, fruto 93
Grupo armado sionista que operava clandestinamente durante o Mandato Britânico entre 1940 e 1948. Seu principal objetivo era expulsar os britânicos da Palestina para permitir a livre imigração de judeus para a região e criar um Estado judaico.
94
SAID, Edward. A questão da Palestina. São Paulo: EdUNESP, 2012. p. 138.
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da brutal arrogância que caracteriza o estado judeu desde o seu nascimento. E foi sempre assim. Não existe nas Nações Unidas membro que haja adotado semelhante atitude de desafio diante da mais alta Instância Internacional. Podemos afirmar que o desaparecimento do Mandato Britânico deu lugar a um único Estado: Israel, que, desde o início da sua existência como Estado judeu, se negou a respeitar as disposições da Resolução da Partilha, de 1947, ignorando as fronteiras territoriais delineadas naquela Resolução, que curiosamente havia criado, mesmo ilegalmente, conforme apontei, as condições para sua existência. A aceitação de Israel como membro da ONU estava condicionada ao cumprimento da Carta das Nações Unidas e das Resoluções, sendo a principal delas o plano de Partilha da Palestina, que determinou a criação de dois Estados. Enquanto os palestinos eram vítimas da destruição de suas vilas, casas, esvaziamento de cidades, assassinatos e expulsão por parte dos grupos paramilitares terroristas de Israel, a opinião pública israelense e judaica dos Estados Unidos difundiam a fakenews sobre uma iminente destruição e um segundo holocausto que atingiria o recém-nascido Estado judeu. Enquanto eram expulsos maciçamente e dizimados, a iniciativa internacional dos judeus conseguia demonizar os palestinos aos olhos da opinião pública, enquanto assegurava o apoio maciço nas comunidades judaicas de todo o mundo ao Estado judaico. Seus meios de comunicação utilizaram fartamente do cinismo para espalhar a mentira e o mito de que Israel lutava em uma “guerra pela sobrevivência” e que os palestinos eram “terroristas, insensatos e inflexíveis”. A guerra de ocupação, expulsão e eliminação da população palestina desenvolvida por Israel era completamente assimétrica. As armas palestinas eram escassas e obsoletas, tendo como principais fornecedores os exércitos árabes, que haviam sido embargados pelos seus principais fornecedores, a Inglaterra e a França, o que prejudicou enormemente a resistência palestina. Por outro lado, Israel dispunha de equipamentos modernos fornecidos fartamente pela União Soviética e pelo Bloco Socialista, tendo sido fundamental o papel do Partido Comunista de Israel para o apoio armamentista da URSS aos israelenses. 133
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Em 19 de dezembro de 1947, os dirigentes sionistas e a União Soviética firmaram um acordo para o fornecimento de armamento, ratificado em Nova York entre Moshe Sherlak, representando os sionistas e o chanceler Andrei Gromyko, pela URSS. O armamento foi entregue às milícias sionistas pela Checoslováquia, que estava sob ocupação do exército soviético. Pela responsabilidade assumida no processo de Partilha, não é exagero dizer que o Mandato Britânico é o maior responsável pela catástrofe dos palestinos. Os ingleses ajudaram, de certa forma, o processo de limpeza étnica. As autoridades britânicas impediam que emissários da ONU tivessem acesso ilimitado à Palestina, ignorando a parte da Resolução que exigia a presença de um comitê das Nações Unidas. O professor Danilo Porfírio de Castro Vieira, que pesquisou profundamente o surgimento dos grupos terroristas no Oriente Médio, relata, em seu livro Política externa norte-americana no Oriente Médio e o jihadismo, que após a partilha em 1947, os Estados Unidos se empenharam pela acomodação do estado de Israel no Oriente Médio, uma ação, segundo ele, afrontosa contra árabes e muçulmanos da região, fator que contribuiu para a tragédia palestina e foi determinante para aproximar os árabes da união Soviética num período de pleno crescimento da Guerra Fria. Segundo Vieira, em plena época de descolonização no Oriente Médio, observou-se uma contradição com a partilha do território da Palestina e a criação de Israel. Mesmo com a justificativa de compensação aos judeus europeus, pelos males do holocausto, o ocidente capitaneado pelos EUA agiu arbitrariamente, fazendo caridade com o “chapéu alheio”. Os norte-americanos assumiram um compromisso feito pelos ingleses (Declaração Balfour), justificando por argumentos étnico-religiosos (o retorno do Povo Escolhido à Terra Prometida), desconsiderando uma população tradicional e majoritária crente em ser representante de um momento de superação definitiva do judaísmo e do cristianismo95. 95
134
VIEIRA, Danilo Porfírio de Castro. Política externa norte-americana no Oriente Médio e o jihadismo. Curitiba: Appris, 2019. p. 185.
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O mesmo se pode dizer das responsabilidades nas Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança. O Plano de Partilha aprovado pela Resolução 181 deu vários imperativos que a ONU deveria cumprir no processo, entre eles impedir qualquer tentativa de qualquer um dos lados confiscar terras que pertencessem a indivíduos do outro Estado. Os emissários da ONU perceberam que as coisas estavam indo de mal a pior na Palestina, com um mar de sangue que tomava conta das vilas e cidades, mas não tomaram qualquer iniciativa; limitaram-se a observar e relatar a limpeza étnica que estava em curso na Palestina. Pappé escreveu que a Inglaterra permitiu que a limpeza étnica ocorresse, na frente dos soldados e oficiais durante a vigência do Mandato, que chegou ao fim à meia-noite de 14 de maio de 1948, e atravancou os esforços da ONU para intervir de um modo que poderia ter salvado uma grande quantidade de palestinos. Depois de 15 de maio, a ONU não tinha desculpa alguma para a forma como abandonou o povo cuja terra tinha dividido e cujo bem-estar e vida entregou aos judeus que, desde o final do século XIX, desejavam desalojá-lo e tomar-lhe o lugar no país que julgavam seu96.
Israel nega-se a respeitar a Resolução 194, de 7 de dezembro de 1948 (Ver Anexo II), confirmada por 18 outras resoluções, e tem sido reafirmada anualmente pela Assembleia Geral da ONU, que assegurava o retorno dos refugiados palestinos a seus lares. Negou-se a respeitar a resolução 303, de 9 de dezembro de 1949, que proclamou a internacionalização de Jerusalém e a sua administração pela ONU, enquanto não cessa de propalar ao mundo inteiro que Jerusalém é a sua capital. Após a proclamação do Estado de Israel, em 14 de maio de 1948, quando David Ben-Gurion, o chefe-executivo da Organização Sionista Mundial e presidente da Agência Judaica para a Palestina, declarou o estabelecimento de um Estado Judeu em Eretz Israel, a ser conhecido como o Estado de Israel, em que deixou deliberadamente de fora do 96
PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 146.
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anúncio qualquer referência às fronteiras israelenses, os exércitos do Egito, Iraque, Jordânia, Arábia Saudita, Líbano e Síria invadiram a Palestina e atacaram o recém-fundado Estado de Israel, na chamada Guerra da Independência, que durou até 10 de março de 1949, com a vitória das forças de Israel, onde foi firmado um armistício e vários outros acordos bilaterais de cessar-fogo, assinados entre fevereiro e julho de 1949. No fim do conflito, Israel apropriou-se de uma área de 20 mil km2 (75% da superfície da Palestina) e 100% das águas palestinas.
3.2 A OLP e as negociações de paz Depois de anos de conflito com as forças israelenses (IDF, da sigla em inglês) e o exílio na cidade de Túnis, a Organização para Libertação da Palestina – OLP97, organização representada historicamente pela figura de Yasser Arafat98, declarou a independência da Palestina em 15 de novembro de 1988, em Argel. A Declaração de Independência da Palestina (veja Anexo IV) havia sido escrita pelo poeta palestino Mahmoud Darwish (1948-2008), um escritor e palestino nascido durante o Mandato Britânico, e submetida previamente ao Conselho Nacional Palestino, o órgão legislativo da OLP, e foi aprovada com 253 votos a favor, 46 contra e 10 abstenções. Depois da Declaração de Independência, Arafat assumiu o cargo de “presidente da Palestina”. Na mesma ocasião, por exigência dos Estados Unidos para que fosse reconhecida, a OLP anunciou oficialmente a aceitação da Resolução do Conselho de Segurança da ONU nº 242, de 22 97
A OLP foi fundada em 2 de junho de 1964, por um grupo de palestinos no exílio e com forte apoio do presidente egípcio Gamal Abdel Nasser, como um movimento em defesa da causa nacional palestina visando à promoção da libertação dos territórios históricos da Palestina. Sua criação foi uma das deliberações da primeira reunião do Conselho Nacional Palestino (CNP) realizada em 28 de maio de 1964.
98
Yasser Arafat, também conhecido como Abu Amar, nasceu Mohammed Abdel Rahman Abdel Raouf Arafat al-Qudwa al-Husseini, no Cairo, Egito, em 24 de agosto de 1929. Foi o líder da Autoridade Palestina, presidente (desde 1969) da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), líder da Fatah, o maior dos grupos da OLP, e codetentor do Nobel da Paz de 1993.
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de novembro de 1967, aprovada em vista da Guerra dos Seis Dias, em 1967, que prevê o reconhecimento da soberania e integridade territorial de cada Estado na área. Daí a implicação de que a aceitação palestina do texto significa o reconhecimento de Israel como Estado legítimo no Oriente Médio.
O professor Marcelo Buzetto, em seu livro A questão Palestina: guerra, política e relações internacionais (2015), argumenta que a aceitação das exigências dos Estados Unidos por parte da OLP se deu diante dos esforços de Yasser Arafat e da direção majoritária de seu partido, o Fatah, em adquirir maior credibilidade e dar demonstrações de que os palestinos representados por ele estavam dispostos a fazer concessões para se chegar a um processo de paz. Para tanto e concretamente, a OLP estreou seus estatutos em 1988 para reconhecer o direito de existência do Estado de Israel, na conformidade da Resolução 181, de 1947. Para Buzetto, 137
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a OLP reconheceu pela primeira vez a legitimidade do Plano de Partilha da Palestina, antes apresentado pela organização como sendo um instrumento da aliança do sionismo com o imperialismo para ampliar sua influência e exercer a dominação territorial de uma parte estratégica do oriente Médio99.
Sobre os episódios do reconhecimento da OLP por parte dos Estados Unidos e a aceitação dos termos da Resolução 242 por parte da OLP, Said relata que, por decisão do secretário de Estado Henry Kissinger, por meio de um diplomata estadunidense de origem judaica, os Estados Unidos incluíram uma cláusula no Acordo Sinai II que afirmava que os Estados Unidos não reconheceriam e nem dialogariam com a OLP, a não ser que ela aceitasse a Resolução 242, um documento político inaceitável para os palestinos. Aceitar a 242 significaria negar a dimensão nacional da questão palestina, já que ele fazia menção somente aos refugiados. Por fim, no verão de 1977, os Estados Unidos e a OLP chegaram a um acordo, onde a OLP aceitava a Resolução 242, embora com ressalvas. Em contrapartida, Said escreveu que [...] os Estados Unidos reconheceriam a OLP, dialogariam com ela e apresentariam uma posição definitiva sobre a autodeterminação palestina. No último minuto, no fim de agosto, a OLP foi informada que os Estados Unidos não iriam além do ‘diálogo’. A recompensa por engolir a Resolução 242 não seria a autodeterminação, mas somente o benefício não incondicional de conversar com os Estados Unidos100.
Os Acordos de Oslo assinados pelo governo israelense e pela OLP incluíam dois protocolos, sendo o primeiro uma troca de cartas de reconhecimento mútuo entre as duas partes. A carta do presidente da OLP, Yasser Arafat, para Yitzhak Rabin, na qual declarava – dentre outros – o reconhecimento do direito de Israel existir em paz e 99
BUZETTO, Marcelo. A questão palestina: guerra, política e relações internacionais. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015. p. 62.
100 SAID, Edward. A questão da Palestina. São Paulo: EdUNESP, 2012. p. 258.
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segurança e se comprometendo a uma solução pacífica do conflito. A carta de Arafat evidencia que Israel fez um grande negócio com os palestinos, tornando-se sócio majoritário de tudo que foi um dia a Palestina Histórica. A carta de Arafat e Rabin foi escrita nos seguintes termos: Senhor Primeiro-Ministro, A assinatura da Declaração de Princípios marca uma nova era na história do Oriente Médio. Na firme convicção disso, eu gostaria de confirmar os seguintes compromissos assumidos pela OLP: A OLP reconhece o direito do estado de Israel de existir em paz e segurança. A OLP aceita as Resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A OLP se compromete com o processo de paz e com uma resolução de paz no Oriente Médio em relação ao conflito entre as duas partes, e declara que todos os problemas extraordinários relacionados à situação permanente serão resolvidos por meio de negociações. A OLP considera que a assinatura da Declaração de Princípios constitui-se em um evento histórico, inaugurando uma nova época de coexistência pacífica, livre de violência e de todo e qualquer ato que ameace a paz e a estabilidade. Adequadamente, a OLP renuncia ao uso do terrorismo e de outros atos de violência e assume a responsabilidade por todos os elementos e indivíduos da OLP a fim de garantir a observância de estes prevenirem violações e disciplinas violadoras. Tendo em vista a promessa de uma nova era e a assinatura da Declaração de Princípios, e baseada na aceitação palestina das Resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança, a OLP afirma que aqueles artigos da aliança que estão inconsistentes com os compromissos desta carta, estão agora inoperantes e invalidados. Consequentemente, a OLP compromete-se a
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submeter ao Conselho Nacional Palestino para aprovação formal as mudanças necessárias relacionadas à Aliança Palestina101.
A breve resposta do primeiro-ministro Rabin para Arafat veio escrita sem o compromisso de reconhecer o direito dos palestinos de estabelecer um estado soberano, conforme a Resolução 181, apenas o reconhecimento da OLP como representante nas negociações, conforme a carta redigida da seguinte forma: Sr. Presidente, Em resposta à sua carta de 9 de setembro de 1993, eu gostaria de informá-lo que, à luz dos compromissos assumidos pela OLP e descritos em sua carta, o Governo de Israel decidiu reconhecer a OLP como representante do povo palestino, e começar as negociações com a OLP para o processo de paz no Oriente Médio102.
A OLP reconhecia com aquele ato assinado por Arafat que cerca de 80% do território que pertencia à Palestina antes de 1948 e que eram de Israel até 1967, ficariam para sempre fora das mesas de negociação, numa equação – como se viu depois – onde o território de Israel só poderia aumentar e o território palestino, diminuir. Como consequência posterior a essa troca de cartas, como instrumento ao Acordo, foi assinada uma Declaração de Princípios (DDP, na sigla em inglês), delineando as propostas fechadas dos Acordos de Oslo. Pouco tempo depois foi assinado um acordo interino dando corpo aos Acordos de Oslo. O segundo protocolo estipulava que Israel e a OLP iriam negociar a saída das forças de israelenses da Faixa de Gaza e de Jericó, que teriam o seu próprio governo. Além disso, as partes negociariam um “acordo interino” que resultou na criação do Conselho Legislativo Palestino (parlamento), que se encarregaria de aprovar o projeto da 101 EXCHANGE of letters between Rabin and Arafat, 1993. Disponível em: http:// www.mideastweb.org/osloletters.htm. Acesso em: 16 jan. 2019. 102 Ibidem.
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Autoridade Nacional Palestina (ANP). O documento deixou como pendentes a questão do status de Jerusalém, o direito do retorno dos refugiados palestinos, as fronteiras de uma entidade palestina independente, o futuro dos assentamentos judaicos na Cisjordânia e Gaza e da segurança de ambas as partes. A Declaração de Princípios possuía uma estrutura de 17 artigos, 4 anexos e memorandos. Os artigos versavam sobre os objetivos do processo de paz, a criação e o estabelecimento do Autogoverno Interino Palestino e a área de atuação, o estabelecimento do período de transição e status permanente e a transferência de poderes e responsabilidades para as autoridades palestinas. O texto também continha informações sobre a ordem pública civil palestina e segurança dos israelenses. Acordava, também, sobre a cooperação econômica entre as partes. Como o leitor poderá observar, os Acordos foram amplamente favoráveis a Israel, que ampliou seu controle, poder e determinação final sobre os territórios palestinos: Declaração de Princípios Em 13 de setembro de 1993, os dois lados assinaram uma Declaração Conjunta de Princípios Israelenses-Palestinos (DCP ou DDP, na sigla em inglês) em Washington, delineando os arranjos propostos para um autogoverno provisório, conforme previstos e acordados por ambas as partes. Os arranjos contidos no PDD incluem um imediato autogoverno palestino em Gaza e Jericó, o controle antecipado dos palestinos na Cisjordânia, e um acordo sobre o autogoverno e a eleição de um Conselho Palestino. Além disso, a ampla cooperação econômica entre Israel e os palestinos desempenha um papel importante no DCP. A Declaração de Princípios, assinada pela OLP e por Israel, contém um conjunto de princípios gerais mutuamente acordados no que diz respeito ao período de 5 anos de autogoverno interino palestino. Como tal, o PDD difere as questões de status permanente às negociações sobre este, que serão iniciadas no máximo no terceiro ano do período
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interino. O acordo de status permanente alcançado nessas negociações entrará em vigor após o quinto ano do período interino. Transferência de Poderes para os Palestinos: A DCP esboça um acordo de princípio sobre a transferência de poderes e responsabilidades para os palestinos na Cisjordânia e em Gaza, para que eles possam ter controle sobre seus próprios assuntos. A DCP não prejudica o status permanente: A DCP declara especificamente que questões relativas a status permanente, como Jerusalém, refugiados, assentamentos, acordos de segurança e fronteiras, serão excluídas de acordos provisórios, e que o resultado das negociações sobre o status permanente não será prejudicado ou impedirá acordos provisórios pelo governo. Durante este período, o governo israelense mantém a responsabilidade exclusiva pelas relações exteriores, defesa e fronteiras. A posição de Israel em Jerusalém permanece inalterada. Quando o PDD foi assinado, o primeiro-ministro Rabin declarou que “Jerusalém é a antiga e eterna capital do povo judeu”. Uma Jerusalém indivisível sob a soberania israelense, com liberdade religiosa para todos, é e continua sendo uma posição fundamental de Israel. A segurança continuará sendo a responsabilidade israelense: Na DCP, Israel e a OLP concordam que, durante o período intermediário, Israel seguirá sendo responsável pela segurança ao longo das fronteiras internacionais e pontos de travessia com o Egito e a Jordânia. Israel também permanecerá sendo responsável pela segurança geral dos israelenses na Cisjordânia e em Gaza, dos assentamentos israelenses nessas áreas e a liberdade de movimento nas estradas. Implementação do DCP: A Declaração de Princípios estabelece as seguintes fases:
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Gaza-Jericó: O autogoverno na Faixa de Gaza e na região de Jericó, incluindo a retirada das forças israelenses dessas áreas, deve servir como um primeiro passo na implementação da Declaração de Princípios. Os detalhes sobre o aspecto de Gaza-Jericó da DCP foram negociados e finalizados em um acordo assinado no Cairo por Israel e pela OLP em 4 de maio de 1994. Tomada de controle prévio: No restante da Cisjordânia, cinco áreas específicas – educação e cultura, saúde, assistência social, impostos diretos e turismo – serão transferidas para representantes palestinos em uma aquisição de controle anterior. Outras esferas podem ser transferidas conforme acordado por ambas as partes. A DCP propôs que essa aquisição fosse realizada imediatamente após a implementação do acordo de Gaza-Jericó. Acordo Provisório e as Eleições: Um acordo sobre as modalidades com respeito à eleição de um Conselho Palestino e um Acordo Interino de Autogoverno abrangente, especificando a estrutura e os poderes do conselho, deve ser negociado. O Acordo Provisório detalhará os arranjos do governo autônomo na Cisjordânia e em Gaza. Juntamente com as eleições, as forças israelenses serão substituídas fora das áreas povoadas por locais específicos. O Conselho Palestino terá uma força policial forte para garantir a ordem pública e a segurança interna. No centro da DCP estão dois anexos econômicos que delineiam a cooperação econômica entre Israel e os palestinos, tanto bilateralmente quanto no contexto multilateral. O Status Permanente: As negociações entre Israel e os palestinos sobre o status permanente começarão o mais breve possível, mas não antes do início do terceiro ano do período intermediário (maio de 1996). Essas conversas determinarão a natureza do acordo final entre as duas partes. Entende-se que estas negociações tratarão sobre as questões restantes, incluindo Jerusalém, refugiados, assentamentos, medidas de segurança, fronteiras, relações e cooperação com outros vizinhos e outras questões de interesse comum. De
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acordo com o DCP, o status permanente entrará em vigor cinco anos após a implementação do acordo de Gaza-Jericó, isto é, em maio de 1999.
Apesar desse resultado nas negociações, a Resolução só foi cumprida naquilo que interessava a Israel, e não a aplicação na sua integralidade, como havia acordado com os Estados Unidos. A Resolução 242 definia os seguintes princípios: i) retirada das forças armadas israelenses dos Territórios Ocupados durante o conflito; ii) término de todas as situações de beligerância ou alegações de sua existência, e respeito e reconhecimento da soberania, integridade territorial e independência política de todos os estados da zona e de seu direito a viver em paz dentro de fronteiras seguras e reconhecidas e livres de ameaça ou atos de força. A necessidade de se alcançar uma solução justa do problema dos refugiados foi sem dúvida a mais crucial. A decisão de proporcionar o retorno dos refugiados às suas terras e casas de onde foram expulsos desde 1948 jamais foi cumprida por Israel. Desde a Resolução 194, de 7 de dezembro de 1948, outras 18 resoluções foram editadas para ratificar o direito do retorno. A decisão tem sido reafirmada anualmente pela Assembleia Geral da ONU, sem que seja cumprida. Além da Resolução 338, que pede por um cessar-fogo definitivo na região, o início de negociações de paz imediatas e o cumprimento da resolução 242.
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4 Oslo: armadilha sionista contra palestinos
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A derrota do Iraque na Guerra do Golfo em 1991 e o colapso da União Soviética no mesmo ano deixaram a OLP substancialmente enfraquecida e isolada. Devido ao seu alinhamento com o Iraque durante a guerra, a OLP perdeu o apoio financeiro de países do Golfo e foi à falência. Os Estados Unidos moveram-se rapidamente para afirmar seu domínio regional como parte da “Nova Ordem Mundial” anunciada pelo presidente George Bush pai, que se caracterizaria pela supremacia dos Estados Unidos nas relações econômicas mundiais, abertura das ex-repúblicas soviéticas ao modelo neoliberal criado pela Nova Ordem e a disseminação de conflitos regionais com o objetivo de realizar uma redistribuição do poder aos modos imperialistas (como já tinha ocorrido nos períodos pós I e II Guerras Mundiais), como a Guerra do Iraque (1990-1991), a Guerra da Bósnia (1992-1995), o massacre de Ruanda (1994), entre outros. 147
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Com as diretrizes previamente estipuladas pela Conferência de Madrid, realizada com os auspícios da Espanha, Estados Unidos e URRS, entre 31 de outubro e 1 de novembro de 1991, como mais uma tentativa da comunidade internacional em dar início a um novo processo de paz que pusesse fim ao conflito árabe-israelense, Israel convenceu a OLP a ingressar em uma série de negociações diretas, e secretas, que resultaram nos chamados Acordos de Oslo.
O líder da OLP, Yasser Arafat, oferece a mão para o primeiro-ministro de Israel, Yitzhak Rabin, na cerimônia de assinatura do acordo de paz entre israelenses e palestinos, em 13 de setembro de 1993. O gesto de descuido do sionista Rabin demonstraria bem o compromisso dos israelenses em cumprir os Acordos. Disponível em: https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2018/09/the-oslo-accords-were-doomed-by-their-ambiguity/570226/.
Acordos de Oslo é a designação oficial da Declaração de Princípios sobre os Acordos de Auto-Governação Interina, assinados pelo governo de Israel e a OLP, em 13 de setembro de 1993 (Oslo I), em Washington, sob a supervisão dos governos dos Estados Unidos e da Noruega. E Oslo II, de setembro de 1995. O Acordo previa a criação de uma Autoridade Nacional Palestina, com responsabilidade de administração interna 148
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em territórios na Faixa de Gaza e Margem Ocidental, incluindo os territórios dos quais o exército de Israel deveria se retirar.
4.1 Acordo sem consenso entre palestinos O Acordo de Oslo I mereceu, desde o início, a oposição dos braços armados da OLP, como a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), liderada por George Habash, e da Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP), liderada por Nayef Hawatmeh, que acusavam Yasser Arafat de abandonar os princípios da libertação nacional palestina em nome da aquisição de maior poder, por considerar que a OLP fazia concessões inaceitáveis sem contrapartidas à altura e marginalizando o papel da ONU. Os movimentos de resistência palestina de raiz islâmica como o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) e a Jihad Islâmica também reforçaram a oposição aos Acordos e se mostraram totalmente contrários a qualquer compromisso assumido com os inimigos do Estado judaico. Said escreveu sobre o papel do Hamas naquela oportunidade, dizendo que o Hamas, o Movimento de Resistência Islâmico, está ativo, é claro. Seu papel é um tanto obscuro; ou seja, está em parte resistindo à ocupação, em parte se opondo ao acordo de paz, mas também parece estar se posicionando para compartilhar a autoridade. O Hamas tem o respaldo de um importante segmento da população. Pode levar as pessoas às ruas103.
O escritor e filósofo Noam Chomsky escreveu, em seu livro Quién domina el mundo? (2018), que aconteceram alguns eventos cruciais nos anos imediatamente anteriores a Madri e Oslo, que acabaram por influenciar aquelas negociações, pondo a OLP como representante preferido dos Estados Unidos e Israel. Chomsky escreveu que en diciembre de 1987, la Intifada estalló em Gaza y se extendió con rapidez por los Territorios Ocupados. Ese levantamento de amplia base social y notablemente contenido fue una sorpresa tanto para la OLP em Tunéz 103 SAID, Edward W.; BARSAMIAN, David. A pena e a espada. São Paulo: EdUNESP, 2013. p. 144.
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como para las fuerzas de ocupación israelíes y su enorme sistema de fuerzas militares y paramilitares, de vigilancia y colaboradores. También fue una revolución social dentro de la sociedad palestina, que rompió patrones de subordinación de la mujeres, la autoridad de los notables y otras formas de jerarquía y dominación.104
A oposição aos Acordos, de um modo geral, se dava em razão da avaliação de que a OLP estaria dando um consentimento oficial palestino à continuação da ocupação e que a OLP, pelos termos dos Acordos, passaria à condição de executor daquelas políticas que só beneficiavam Israel e sua política colonialista, o que de fato veio a ocorrer. E a Ocupação prossegue até os dias de hoje. O intelectual palestino Edward Said criticou duramente o papel assumido pela OLP nas negociações e chegou a escrever que [...] a OLP, nascida como Movimento de libertação, é o único movimento de libertação do século XX que conheço que, antes da independência, antes mesmo do final da ocupação colonial, tornou-se colaborador da força ocupadora. Não sei de mais nenhum exemplo desse tipo de troca de lado. Assim, podemos dizer que quebramos os padrões, o que afinal deve nos garantir uma distinção histórica105.
Ele também avalia que aqueles Acordos foram desastrosos e totalmente ilegais do ponto de vista dos marcos da sociedade civil palestina, pois levaram adiante uma negociação secreta com Israel, que selou o destino de mais da metade da população que não reside na Cisjordânia e em Gaza, dos prisioneiros palestinos que morrem nos cárceres israelenses e dos milhões de refugiados a quem não se restituiu pelos danos da expulsão e cujo status ainda permanece incerto. Isso selou o destino de mais da metade da população palestina, aqueles que não residiam na Cisjordânia e em 104 CHOMSKY, Noam. Quién domina el mundo? Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Ediciones B., 2018. p. 152. 105 SAID, Edward W.; BARSAMIAN David. A pena e a espada. São Paulo: EdUNESP, 2013. p. 138.
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Gaza. Foram excluídos. Arafat fez todas as concessões à ocupação de Israel em troca de um reconhecimento muito tênue da representatividade da OLP, e mais nada. O que obteve em Gaza e em Jericó é quase risível se considerarmos o sacrifício de milhões de palestinos ao longo das gerações, que deram a vida pela causa. Esse é o tom geral do fracasso dessa declaração de princípios106.
A reação dos membros da Liga Árabe em relação ao acordo também foi variada. Arafat obteve uma moderada aprovação de dezenove ministros da Liga na semana após a assinatura do Acordo. Porém Jordânia, Síria e Líbano se mostraram decepcionados com a “diplomacia personalista” de Arafat, por não coordenar sua estratégia de negociações com os demais árabes, por serem desorganizadas e sem assessoria e por Arafat não falar inglês e conduzir as negociações com os israelenses em inglês. Em sua defesa, Arafat afirmou que o acordo visava a um primeiro passo para uma paz mais abrangente no Oriente Médio, e justificou sua escolha pelas negociações secretas após o fracasso de dois anos das conversas de paz conduzidas pelos Estados Unidos em Washington. Said relata em sua entrevista a David Barsamian, poucos meses depois da assinatura dos Acordos, que ouviu de muitas pessoas com quem dialogou sobre os Acordos de Oslo, tanto na Cisjordânia quanto em Gaza, e pode sentir, naquela ocasião, o temor de que os israelenses tenham feito um grande negócio. Isso devido ao fato de que Israel negociou com dirigentes da OLP com autoridade limitada, “pessoas vindas do exterior, que nunca passaram uma temporada na cadeia, que têm vivido com luxo na Europa ou na Tunísia, começarão a governar as pessoas que têm lutado pela libertação e pela independência nos últimos 27, 28 anos”107. Até os Acordos de Oslo serem postos no papel, era consenso internacional de que seria um sucesso total, com a retirada israelense da Cisjordânia e de Gaza, que os palestinos teriam o direito de 106 SAID, Edward W.; BARSAMIAN. A pena e a espada. São Paulo: Ed. UNESP, 2013. p. 134. 107 Ibidem, p. 143.
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construírem seu Estado independente e que os refugiados teriam o direito de retorno, conforme já assegurado pela Resolução 194 da ONU, ainda não implementada, embora datasse de dezembro 1948! Uma das poucas vantagens para os palestinos nos Acordos de Oslo foi o fato de trazer à tona e ao conhecimento do mundo a existência e as consequências da catástrofe de 1948, a Nakba, a dramática situação dos palestinos expulsos de sua terra, sem que se tivesse nenhuma disposição por parte dos israelenses de pôr este tema na pauta das tratativas. Pappé escreveu que é crucial para os israelenses manterem funcionando o poderoso mecanismo de negação da Nakba, tanto para barrar as reivindicações dos palestinos, quanto e mais importante, para evitar qualquer debate significativo sobre a essência e os seus alicerces morais. Igualmente, o maior medo dos negociadores israelenses era o mundo perceber que eles eram os responsáveis pela catástrofe de 1948, um “perigo” que foi sanado quando, nem de longe, Israel permitiu que se discutisse o direito de retorno dos refugiados palestinos às casas e terras que lhes pertenciam, o que levaria fatalmente a levantar dúvidas sobre a legitimidade moral do projeto sionista como um todo. Pappé escreveu que não apenas em Israel, mas também nos Estados Unidos e até na Europa, precisava-se lembrar às pessoas genuinamente preocupadas com a questão palestina que, nesse conflito, não se tratava apenas do destino dos Territórios Ocupados, mas em seu âmago estavam os refugiados que Israel excluíra da Palestina em 1948. Essa tarefa ficara ainda mais difícil depois de Oslo, porque parecia que a questão simplesmente havia sido posta de lado, com o consentimento da diplomacia palestina e sua estratégia mal executada108.
4.2 Oslo: acordo não cumprido por Israel Em 24 setembro de 1995, em Taba, na península egípcia do Sinai, foi assinado o “Acordo Interino Israel-Palestina sobre Cisjordânia e 108 PAPPÉ, Ilan. A limpeza étnica da Palestina. São Paulo: Sundermann, 2016. p. 279.
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Gaza” por Yitzhak Rabin e Yasser Arafat, na presença do presidente estadunidense Bill Clinton, de Hosni Mubarak, presidente do Egito, e do Rei Hussein, da Jordânia. Oslo II deu início a uma nova etapa do processo de paz e marcou a conclusão da primeira fase de negociações entre Israel e a OLP, incorporou e suplantou os acordos de Gaza-Jericó (Oslo I) e de transferência de poderes assinados anteriormente. Assim como estabelecido pela Declaração de Princípios, o Acordo Interino previu eleições para um Conselho Palestino, a transferência de poder legislativo para a recém-criada Autoridade Nacional Palestina (ANP) e a retirada das forças israelenses dos centros de povoamento palestinos, dividindo o território da Cisjordânia em três áreas de acordo com o nível de autonomia de cada governo. A Área A ficaria sob o controle exclusivo de palestinos, onde a ANP possuiria autoridade sobre a segurança interna e a ordem pública, além de assumir a administração civil. Corresponde a cerca de 3% da Cisjordânia, exceto Jerusalém Oriental (primeira fase, 1995). Esta área inclui todas as cidades palestinas e seus arredores, sem assentamentos israelenses. A entrada nesta área é proibida a todos os cidadãos israelenses. As Forças de Defesa de Israel não mantêm nenhuma presença na região, mas às vezes realizam incursões para prender palestinos. A Área B ficaria sob autoridade civil palestina, mas com controle militar israelense. Corresponde a cerca de 25% (primeira fase, 1995). Em 2011, o território já tinha sido reduzido para 21%, incluindo as áreas de cidades e vilas palestinas, sem assentamentos israelenses. A Área C ficaria sujeita ao controle exclusivo de Israel, que manteria sob sua responsabilidade os assuntos civis e militares. Corresponde a cerca de 72% (primeira fase, 1995). Estas áreas incluem todos os assentamentos israelenses (cidades, vilas e aldeias), terras vizinhas, a maioria das estradas restritas aos israelenses e que ligam as povoações, bem como áreas estratégicas descritas como “zonas de segurança”. Havia 1.000 colonos israelenses que viviam na Área C em 1972. Em 1993, sua população tinha aumentado para 110 mil colonos. Em 2012,
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os israelenses somavam mais de 300 mil – contra 150 mil palestinos, a maioria dos quais é beduíno e fellahin (agricultores e fazendeiros).
Mapa que demonstra a divisão do território da Cisjordânia em três áreas de acordo com o nível de autonomia de cada governo, segundo o Acordo de Oslo II. Fonte: CAPLAN, N.; EISENBERG, L. Negotiating Arab-Israeli Peace – Patterns, Problems, Possobilities. Bloomington: Indiana University, 2010. p. 212.
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Os Acordos nunca foram cumpridos na plenitude por Israel, que permanece sem reconhecer o direito à existência do Estado palestino. A retirada gradual do exército israelita das zonas que, segundo os Acordos, ficariam sob controle da Autoridade Nacional Palestina foi sempre retardada por Israel, e nunca chegou a completar-se. Com os palestinos de um lado da mesa e Israel e os Estados Unidos do outro, não precisaria muita imaginação e conhecimento de política internacional para prever quem iria ganhar e quem iria perder no final das negociações. Em todas as questões consideradas cruciais – Jerusalém, água, indenizações, soberania, segurança e terra – os palestinos não ganharam nada. A aliança americana-israelense conseguiu todos os seus objetivos táticos e estratégicos dos sionistas, em detrimento das aspirações nacionais palestinas. Nunca é demasiado dizer que o estado sionista não é senão a extensão do poder dos Estados Unidos no Oriente Médio. Digamos, uma base estadunidense, sempre pronta a prestar os seus serviços, por mais sujos que sejam. Por outro lado, Israel não ousa realizar uma só operação militar sem que para isso seja dado o consentimento dos Estados Unidos. A expansão da ocupação, a criação de assentamentos judaicos e o confisco de terras arruinaram a agricultura palestina. Também foram criadas quotas para exportações ao mercado israelense e controle na importação de máquinas ferramentas agrícolas. Além disso, os israelenses proibiram os agricultores palestinos de exportar seus produtos agrícolas para a Jordânia, destruíram zonas inteiras de oliveiras e árvores frutíferas. Os militares sionistas utilizaram a água como uma arma poderosa contra os palestinos. Durante anos, os militares confiscaram poços das propriedades dos “ausentes”, destruíram poços de água nas propriedades palestinas, e proibiram que poços fossem cavados a mais de 200 metros de profundidade, enquanto que os poços das propriedades dos colonos judeus tinham autorização para serem cavados até 800 metros de profundidade. Isso acabou por provocar a redução da extensão dos cultivos, limitando o número de trabalhadores nas lavouras e empurrando os habitantes
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palestinos de várias aldeias para o mercado de trabalho israelense, onde as condições de trabalho e os salários são piores e inferiores. O resultado desse fracasso foi um círculo vicioso de violência que levou jovens palestinos a reações desesperadas na forma de ataques suicidas à bomba como único meio que sobrou para libertar os Territórios Ocupados, tanto contra alvos militares como contra civis israelenses. E, por outro lado, um endurecimento por parte de Israel. Norman G. Finkelstein, em Imagem e Realidade do conflito IsraelPalestina (2005), afirma que apesar de toda corrupção, criminalidade e incompetência, a OLP efetivamente endossou, a partir de meados da década de 1970, uma paz abrangente e plena com Israel em troca de uma completa retirada israelense da Cisjordânia e de Gaza. Apesar do consenso internacional a favor deste acerto contemplando a existência de dois estados, os Estados Unidos e Israel impediram sua concretização. Oslo representou o total triunfo da força americano-israelense. Das mais esclarecedoras é a comparação com o acordo de Camp David de 1977, um marco anterior do “processo de paz”109.
Israel prosseguiu a ocupação dos territórios palestinos com a construção de novos assentamentos judaicos na Cisjordânia, bem como a sucessiva construção de túneis, pontes e viadutos reservados a israelitas e que separavam a população da Cisjordânia dentro do próprio território, isolando-a cada vez mais de Gaza. Os termos da Declaração de Princípios foram totalmente ignorados, como é o exemplo o Artigo 10º, cláusula 1, sub-cláusula A do anexo 1, que indicava que “Existirá uma passagem segura a ligar a Cisjordânia com a Faixa de Gaza para o deslocamento de pessoas, veículos e bens”. No mesmo artigo, a cláusula B mencionava que “Israel assegurará a passagem segura de pessoas e transportes durante as horas do dia [...] mas de qualquer forma nunca menos de 10 horas por dia”.
109 FINKELSTEIN, Norman G. Imagem e realidade do conflito Israel-Palestina. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 288.
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As cláusulas eram violadas diariamente pelos soldados e polícias israelitas que não só não controlavam as passagens, como praticavam (e continuam praticando) atos violentos nos check-points, transformando as travessias em pesadelos e a Cisjordânia num espaço fragmentado, sem ligações entre si ou com a Faixa de Gaza. Os Estados Unidos patrocinaram sucessivas negociações que produziram decisões onde o lado palestino fazia concessões, sem que alguma vez se tenha concretizado a promessa de um Estado Palestino e o cumprimento das resoluções 242 e 335 do Conselho de Segurança da ONU. O Acordo Oslo II, assinado em 1995, definia, entre outros aspectos, os termos da cooperação entre as forças de segurança de Israel e da OLP. O Memorando de Wye River, um acordo negociado entre Israel e a Autoridade Palestina para implementar o acordo provisório antes de 28 de setembro de 1995, reforçava os termos dessa cooperação e obrigava a OLP a alterar a Carta Nacional Palestina. A cooperação da ANP com as forças de segurança israelitas afetou frequentemente palestinos que se opunham ao processo de Oslo, com a OLP assumindo o compromisso de desmontar o Hamas e a Jihad Islâmica, recolhendo suas armas. Permitiria ainda a presença da Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) na região, para monitorar a implementação dos acordos de paz. A assinatura do acordo permitiu a libertação de 250 prisioneiros palestinos, em 20 de novembro de 1998, entre eles a brasileira Lâmia Maruf, concluiu o primeiro estágio de retirada de tropas, dez pequenas cidades e dezoito aldeias foram entregues aos palestinos e foi inaugurado o aeroporto internacional de Gaza, cuja torre e o radar foram destruídos em um bombardeio das Forças de Defesa de Israel, pouco depois do início da segunda Intifada. Tratores bulldozers destruíram a pista em 10 de janeiro de 2002, tornando o aeroporto inoperante desde então. Do lado israelense, os Acordos eram combatidos pelos setores de extrema-direita. Líderes do partido de direita Likud e de partidos nacionalistas israelenses acusaram Yitzhak Rabin de traição e do 157
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abandono dos então 120 mil colonos que residiam em território ocupado à mercê de terroristas. O primeiro-ministro sionista que negociou e concluiu o Acordo de Oslo I viria a ser assassinado em 1995 por um extremista de direita que se opunha ao Acordo. Vale lembrar que Rabin foi o autor da ordem, como ministro da Defesa, para que as tropas israelenses quebrassem os ossos dos palestinos que enfrentassem os tanques com pedras na primeira Intifada, em 1987. Também consideravam os Acordos como uma afronta por supostamente incentivar a criação de um Estado palestino, o que consequentemente implicava o fim do projeto da “Grande Israel”, um desejo colonialista que englobaria todo o Líbano e a Jordânia, dois terços da Síria, a metade do Iraque, um terço da Arábia Saudita, o Sinai e o Egito, que incluiu Port Said, Alexandria e o Cairo, e visa à expansão territorial de forma a desconsiderar qualquer limitação territorial de um Estado palestino, com base na a lenda da “terra prometida”, uma teoria sobre uma precedente posse histórica e bíblica da região pelo povo judaico, como já discuti anteriormente. O caminho de palestinos e israelenses desde a Partilha até Oslo havia sido longo. Muitas ocorrências marcavam as duas partes e acordos não cumpridos por parte de Israel, que não respeita nem a primeira Resolução da ONU, aquela que lhe deu direito à existência. Por isso os Acordos mereceram tanta atenção da mídia mundial. Sua assinatura foi televisionada e teve uma enorme repercussão mundial devido ao progresso que havia sido feito entre os palestinos da OLP e o Estado de Israel, um diálogo até pouco tempo inconcebível entre as duas partes. Do ponto de vista histórico, de fato a assinatura de um acordo entre os antigos rivais parecia um feito político incomparável. O Acordo de 1993 permitiu o regresso aos territórios ocupados de grande parte da direção da OLP que se encontrava na Tunísia desde 1988, incluindo o seu dirigente histórico Yasser Arafat, que foram recebidos de forma triunfal pela população palestina. Nas eleições presidenciais realizadas em 1996 nos territórios sob controle da ANP, Arafat foi eleito Presidente da Autoridade com mais de 88% dos votos.
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Passados 27 anos desde a assinatura do Acordo de Oslo, é inegável que o processo aberto pelo Acordo fracassou. Desde o começo, ficava claro que a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) e o Estado de Israel tinham visões contraditórias sobre o processo, com palestinos e Israel indo em caminhos opostos. Enquanto os palestinos não alcançaram sua independência e seu Estado, os israelenses falharam em realizar seu Estado judeu e democrático, com franca maioria judaica. Nenhuma promessa de resolução das questões centrais para o povo palestino foi cumprida por Israel. Os únicos responsáveis por tal fracasso são inequivocamente Israel e os seus padrinhos ocidentais (desde logo os Estados Unidos), que nunca estiveram realmente interessados na concretização das exigências fundamentais listadas pela Declaração de Princípios na seguinte ordem: (1) o status de Jerusalém; (2) retorno dos refugiados palestinos de 1948; (3) assentamentos judaicos na Cisjordânia e Gaza; (4) segurança; (5) fronteiras de uma entidade palestina independente; (6) relações e cooperação com os vizinhos egípcios e jordanianos e; (7) outros problemas de comum interesse. Além da questão crucial, que é o fim da ocupação e a criação do Estado nacional palestino com sua capital em Jerusalém. Meron Benivesti, um cientista político israelense que foi viceprefeito de Jerusalém sob Teddy Kollek de 1971 a 1978, avalia que a separação entre Israel e Palestina forçada pelos acordos de Oslo é ilusória. Os defensores dos Acordos, observa ele, apesar do interesse em manter a coordenação e cooperação nas duas áreas “separadas”, não poderão jamais entender que “o país do Jordão ao mar talvez possa ser dividido politicamente, mas não fisicamente”. Os esforços para a existência de dois Estados têm se mostrado inviáveis desde a Resolução da Partilha até Oslo. Embora Said tenha defendido a possibilidade da solução de dois Estados com fronteiras definidas e vivendo em paz na maior parte de sua obra, afirma também, no seu Peace and its Discontents: Essays on Palestine in the Middle East Peace Process, que 159
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Palestina/Israel [...] é o lugar onde dois povos, queiram ou não, levam vidas inextricavelmente ligadas, unidas pela história, a guerra, os contatos diários e o sofrimento. Falar em termos geopolíticos grandiosos ou falar irrefletidamente de “separá-los” nada mais é do que fornecer elementos para mais violência e degradação. Simplesmente não existe qualquer alternativa a encarar essas duas comunidades como iguais nos direitos e nas expectativas, passando-se então a fazer justiça a suas realidades atuais110.
Como não é certo que os Acordos sobre a existência de dois Estados seja viável, as palavras de Edward Said nos remetem para ideias que apontam para um futuro inevitável, ainda que remoto, em que os árabes palestinos e os judeus israelenses desfrutarão de direitos comunitários e individuais recíprocos, coexistindo numa entidade unitária. O que não se pode prever é se a solução de dois Estados poderá, enquanto isso, diminuir as agressões diárias de Israel e o sofrimento dos palestinos. O Documento do Hamas avalia que, na atualidade, [...] os acordos de Oslo e seu adendo colidem com as regras governamentais do direito internacional pois eles geram compromissos que violam o inalienável direito do povo palestino. Assim sendo, o movimento rejeita esses acordos e tudo o que flui deles, tais como obrigações que são em detrimento do interesse de nosso povo, especialmente a coordenação de segurança (colaboração) (Ver Anexo V).
Apesar de o processo ter sido baseado na fórmula de “terra por paz”, ficou claro que Israel não estava preparado e nem aceitaria se retirar dos territórios ocupados na agressão expansionista de 1967. Como nenhum dos documentos se referia a Israel como uma potência ocupante, nem à aplicabilidade da lei humanitária internacional nos territórios, a abordagem de Oslo para as questões de status final foi baseada em imperativos israelenses. 110 SAID, Edward. Peace and its Discontents: Essays on Palestine in the Middle East Peace Process. Nova York: Knopf Doubleday Publishing Group, 2012. p. 163-164.
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Enquanto a OLP via os Acordos de Oslo como um veículo para a autodeterminação nos Territórios Ocupados em 1967, os israelenses os viam como um meio para transformar o controle militar direto em um sistema de controle indireto. Isso exigiria a transformação da OLP de um movimento para a libertação, em garantidor indireto da segurança de Israel nos territórios ocupados. Sua primeira função foi anular qualquer forma de resistência à ocupação. O relacionamento assimétrico entre os dois lados permitiu que o mais forte, Israel, ditasse a direção e a velocidade do processo de acordo com seus desejos.
4.3 Reflexos dos Acordos de Oslo na atualidade
Ao invés de conduzir as partes em direção à paz, os Acordos de Oslo fizeram aumentar as marcas da segregação nos Territórios Ocupados. Manteve-se um duplo sistema legal para os dois povos nos territórios ocupados em 1967, com leis militares para os cidadãos palestinos e leis civis israelenses para os colonos judeus. Mais que isso, ao promover a fragmentação dos territórios em zonas geográficas, Oslo permitiu que Israel restringisse a liberdade 161
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de movimentação dos Palestinos, limitando seu acesso a terra, aos cuidados com a saúde, educação, e capacidade de comercialização; tolhendo seu desenvolvimento e crescimento econômico. Como consequência, manteve-se ao longo dos anos de vigência de Oslo um sistema de dominação sobre o povo palestino. Entre os que contestam a eficácia e os êxitos dos Acordos de Oslo está Chomsky, que afirma que as políticas levadas adiante pelos sionistas na Palestina […] es la base de los actuales programas del Gobierno de Netanyahu; están diseñada para que Israel controle en torno de 40 a 50% de Cisjordania, con el resto del territorio cantonizado, aprisionado a medida que Israel invade el valle del Jordán, y separado de Gaza, lo que viola los Acuerdos de Oslo, garantizando de ese modo que cualquier potencial entidad palestina carecerá de acceso al mundo exterior. (...) Las políticas de principios de la década de 1990, mientras las negociaciones estaban en marcha, profundizaron la distanciación de los palestinos del interior respecto a la dirección de la OLP e el extranjero111.
Edward Said é outro crítico à direção da OLP e à Autoridade Palestina, e uma das vozes dissonantes diante dos chamados “Acordos de Paz”, realizados, segundo ele, sem um amplo debate com o povo palestino e pela própria OLP com as forças políticas. Said escreveu que foram os palestinos que cederam. É verdade que conquistaram pequenos ganhos aqui e ali, mas basta olhar o mapa de Gaza e da Cisjordânia, depois de visitar aqueles lugares, ler os acordos e ouvir os israelenses e norte-americanos para se ter uma boa ideia do que aconteceu mediante compromissos, acordos desequilibrados e revogação da plena autodeterminação palestina. Tudo isso ocorreu porque a liderança palestina egoisticamente colocou seu próprio interesse, os exagerados esquadrões de guardas de segurança, os monopólios comerciais, a indecente persistência no poder, 111 CHOMSKY, Noam. Quién domina el mundo? Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Ediciones B., 2018. p. 156.
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o despotismo ilegal, a ganância antidemocrática e a crueldade acima do bem geral palestino. Até agora a Autoridade foi conivente com Israel, para deixar a questão dos refugiados no esquecimento112.
Israel não dará nenhum passo enquanto os Estados Unidos mantiverem seu apoio incondicional ao estado sionista. Por que Israel deveria ceder, se está obtendo tudo o que quer? Israel está ocupando toda Cisjordânia com seus assentamentos, cujos ocupantes judeus são protegidos pelo exército israelense, que golpeia e prende os que se opõem, derrubam suas casas e saqueiam seus sítios de produção de frutas. Gaza encontra-se sob constante assédio e agressões; Israel comete crimes todos os dias contra sua população. No mês de setembro de 2018, dois episódios demonstram bem o significado dos Estados Unidos para a manutenção do apartheid sionista na Palestina. No primeiro dia do mês, o presidente Donald Trump mandou cancelar os fundos destinados à agência da ONU para os refugiados palestinos, UNRWA pela sigla em inglês, como uma forma de pressionar a ANP para que esta anule seu boicote aos contatos com os mediadores norte-americanos em acordos sugeridos por Donald Trump que só beneficiam os israelenses. E no dia 10 de setembro os Estados Unidos determinaram o fechamento do escritório da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em Washington, sob o pretexto de não terem sido adotadas medidas para retomar as “negociações diretas e significativas” com Israel, ou seja, por não ter aceitado a nova proposta dos Estados Unidos para um Plano de Paz, francamente favorável a Israel e mais uma vez em desvantagem ao povo palestino. São duas demonstrações de que o binômio Trump-Netanyahu é uma aliança estratégica para que os palestinos permaneçam agarrados a uma ilusão de paz e enfraquecer a sua resistência diante da crescente ofensiva de Israel sobre Jerusalém e em Gaza, enquanto os palestinos são mantidos no apartheid e sua resistência entrincheirada pelas políticas colaboracionistas da ANP. 112 SAID, Edward. Cultura e Política. São Paulo: Boitempo, 2003. p. 76.
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Esta situação de crescente violação de direitos ensejou declarações do ex-presidente estadunidense Jimmy Carter, um dos que se envolveram nos processos em busca da paz na região, nas negociações de Camp David, em 1977. Carter reclama da insensibilidade dos israelenses em não considerar os aspectos explosivos decorrentes do não cumprimento dos acordos. Ele disse ao jornal Le Monde Diplomatique que dois povos habitando a mesma terra, mas completamente separados um do outro, com os israelenses ocupando a posição dominante e privando os palestinos, de forma repressiva e violenta, de seus direitos fundamentais. Se o Estado de Israel não aceitar negociar a existência de um Estado Palestino e continuar a exercer a repressão em Gaza e na Cisjordânia estará caminhando para a consolidação, na Terra Santa, de uma situação semelhante a do apartheid sulafricano113.
Trata-se de uma situação de agressão e violações diárias e permanentes que parece não sensibilizar os israelenses, que demonstram não estar preocupados com política e com as ações de Israel em relação aos palestinos. Cidades importantes e modernas como Tel Aviv e Haifa têm populações que parecem não viver numa zona de conflitos, onde a poucos quilômetros dali começam as fronteiras do apartheid sionista, com o muro da vergonha, um parede que isola uma área total de 733 quilômetros de territórios palestinos e visa ao isolamento da cidade sagrada de Jerusalém por uma cerca de 122 km de comprimento; barreiras monstruosas e valas com cercas de guerra, com tanques e blindados a reprimir e prender crianças e jovens palestinos que resistem contra a Ocupação e as precárias e às vezes sub-humanas condições de vida do povo palestino. Num diálogo sobre o terrorismo ocidental, o analista político, jornalista e cineasta norte-americano nascido na antiga URSS, Andre Vltchek, pergunta ao filósofo e ativista Noam Chomsky se não haveria 113 AGUIRRE, Mariano. Jimmy Carter e o apartheid israelense. Le Monde Brasil diplomatique, 2007. Disponível em: https://diplomatique.org.br/jimmy-cartere-o-apartheid-israelense/.
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oposição interna em Israel às violações contra palestinos. Chomsky respondeu: Creo que no hay mucha. En las últimas encuestas pude ver que cerca de dos tercios de la población apoya la extensión de los asentamientos. Si preguntas sobre mantener los asentamientos existentes lo proporción de acuerdo es mucho mayor. Son todos ilegales, ellos conceden que lo son. Pero si pueden hacerlo, ¿por qué detenerse?114
Os Acordos de Oslo são hoje um cadáver no meio da sala, que é melhor ser enterrado. Oslo é sinônimo de uma paz fracassada. Para utilizar uma definição usual nestes tempos na política, Oslo foi uma grande fakenews utilizada pelos sionistas para avançarem com seu projeto colonialista na Palestina, onde a ANP foi transformada num gerente da ocupação. Passados todos estes anos, podemos concluir que os Acordos do Oslo foram na verdade uma armadilha montada pelos sionistas contra palestinos. Não foram cumpridos pelo ocupante israelense, não existem perspectivas de novas negociações e a violência dos sionistas contra as populações palestinas aumentaram em níveis nunca vistos, tanto na Cisjordânia quanto em Gaza. Os acordos tornaram a Palestina um lugar sem condições de sobrevivência para os palestinos e para muitos judeus. Após os Acordos do Oslo, Israel intensificou o regime de separação nos Territórios Ocupados criando uma situação ainda maior de discriminação, através da aplicação de dois sistemas jurídicos diferentes na mesma área, cujos direitos dos indivíduos são baseados na sua nacionalidade. Para israelenses, mais democracia e mais direitos. Para palestinos, mais restrições, menos direitos e mais controle, num regime semelhante ao do apartheid na África do Sul. À medida que as colônias judaicas se expandem, Israel começou a encurralar os palestinos da Cisjordânia em oito 114 CHOMSKY, Noam; VLTCHEK, André. Sobre el terrorismo occidental: de Hiroshima a la Guerra de los Drones. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Marea, Icono Editorial, Lom Ediciones, Txalaparta Editorial, 2014. p. 97.
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fragmentos de território, todos cercados com arame farpado e com exigência de autorização para a circulação ou o comércio entre eles (os caminhões são obrigados a carregar e descarregar nos limites territoriais), o que tem contribuído para devastar ainda mais a economia na qual cerca de um terço da população está desempregada, metade da população vive abaixo da linha de pobreza de US$ 2 por dia e um quinto das crianças com até 5 anos de idade sofre subnutrição, em grande medida causada – segundo as agências de assistência dos EUA, da ONU e da União Europeia – pelas restrições impostas por Israel ao transporte de alimentos115.
Oslo formou o senso comum de que Israel tem direitos sobre os Territórios Ocupados em 1967, que vem se concretizando através de um parcelamento cada vez mais agudo da Cisjordânia, dos assentamentos ilegais que crescem como erva daninha no território da Palestina, a construção e expansão do muro da vergonha e de um regime de prisão draconiana e da separação gritante entre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, quando os Acordos declararam que são uma unidade territorial indivisível. Ou seja, Oslo tornou as Resoluções da ONU letras mortas e, com isso, todos os direitos dos palestinos foram negados, incluindo o status de Jerusalém como cidade internacional e o direito ao retorno, consagrado nas diversas resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
Evolução da ocupação sionista na palestina desde a Partilha, em 1947, até 2019. 115 FINKELSTEIN, Norman G. Imagem e realidade do conflito Israel-Palestina. Rio de Janeiro: Record, 2005. p. 25.
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PARTE II Entre catástrofes, resistência e solidariedade
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5 A Nakba continua. A resistência e a solidariedade também
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5.1 Lei do “Estado-Nação”: o apartheid avança116 Estima-se que cerca de 22% da população brasileira são evangélicas. Qual seria sua reação se lesse a seguinte manchete: “A partir de hoje, nos termos da lei, não serão considerados/as brasileiros/ as, todos/as aqueles/as adeptos das religiões evangélicas”? Você concordaria que, de um momento para outro, seu colega ou qualquer outra pessoa tivesse sua cidadania brasileira negada por ser adepto/a de uma religião evangélica? 116 Este título é uma revisão de artigo de autoria de Berenice Bento e Sayid Marcos Tenório, publicado no portal Opera Mundi, em 23 jul. 2018. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/analise/49692/estado-nacao-israelense-novaetapa-do-apartheid-colonialista.
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Foi exatamente isso que o parlamento israelense (Knesset) aprovou em 19 de julho. Com a Lei Básica “Estado-Nação”, Israel passa a ser, legalmente, um Estado exclusivo para o/a judeu/judia. A nova lei é uma vitória da direita sionista que governa Israel e uma derrota do resto do mundo, cuja quase totalidade dos países membros da Assembleia Geral da ONU aprova o direito dos palestinos ao seu Estado independente. Cerca de 20% da população israelense são formadas por palestinos cristãos e muçulmanos que, por diversos motivos, conseguiram manter-se em suas casas. Explicando melhor: A criação do Estado de Israel em 1948 deu início a uma limpeza étnica radical. Cerca de 600 vilas palestinas foram completamente destruídas, muitas delas por meio de massacres que em nada devem para os requintes de crueldade praticados pelo nazismo. Qual foi o destino da população palestina? Basicamente, três caminhos: 1) campos de refugiados; 2) exílio; 3) conseguiram sobreviver à limpeza étnica e ficaram em suas terras. No entanto, suas casas e terras passaram a fazer parte de Israel. Qual o estatuto político destes palestinos que passaram a habitar Israel? Tornaramse israelenses de segunda categoria. A partir de 19 de julho, essa população de palestinos-israelenses terá seu pertencimento ao Estado de Israel redefinido. A lei aprovada pelo Knesset continuará, por outros meios, o trabalho de limpeza étnica, só que agora ao nível intramuros. Como qualquer estado racista, a coluna vertebral que o sustenta é sua política de controle populacional. Ou seja, as perguntas (ou fantasmas) que rondam os estados racistas são: quem pode/merece estar no Estado-Nação? Quais são os corpos que podem demandar reconhecimento legal de pertencer ao Estado? A lei aprovada pelo Knesset eleva a um nível máximo a caracterização de Israel como estado racista. Agora se tornará mais violento porque quanto mais racista, mais violento é o Estado. O que significa que, para cerca de 20% da população israelense, a vida se transformará (ainda mais) em um inferno. “Ainda mais” não é um recurso estilístico. A vida dos palestinos-israelenses já era um inferno, mas havia uma suposta esperança (quase sempre malograda) de recursos jurídicos. 172
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O estado racista realiza políticas de controle em todos os poros da sociedade, do nível material ao simbólico. A definição do hebraico como a língua oficial, reduzindo o árabe à “categoria especial”, joga para dimensão simbólica a luta pela eliminação do “outro indesejável”, aquele que deve ser eliminado em todas as dimensões existenciais. O sofrimento linguístico, já amplamente conhecido pelos palestinos presos que têm todo o processo jurídico realizado em hebraico e não em árabe, agora será vivenciado também pelos palestinos-israelenses. Imaginem o sofrimento psíquico de uma criança que não poderá aprender mais a língua falada em casa na escola? A lei não se limita a legislar sobre questões vinculadas à população israelense. Estabelece que o Estado irá continuar incentivando os assentamentos ilegais nas terras palestinas. Se a proposta de dois Estados já vem sendo considerada impossível, devido ao nível de fragmentação territorial palestino, resultado da incansável voracidade 173
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de Israel em roubar as terras palestinas e sua política contínua de limpeza étnica, em flagrante desrespeito a todas as Resoluções da ONU, agora, não há qualquer espaço para se defender dois Estados. Estamos assistindo a uma nova fase do projeto colonial sionista. Não se pode continuar nomeando o que acontece em alguns territórios palestinos de “ocupação israelense”. Como é possível que uma ocupação (que se define pelo seu caráter temporário) dure 70 anos, se considerarmos que a criação do Estado do Israel já se iniciou com a ocupação de territórios além dos estabelecidos pela partilha? Israel colonizou a Palestina. Trata-se de um Estado colonial e, internamente, segregacionista. Ainda nesta lei se define que a capital de Israel é “Jerusalém unificada”. E qual será o status de Jerusalém Oriental que internacionalmente é considerada como “ocupada”? O que Israel fará com a população palestina de Jerusalém Oriental? Se considerarmos o impacto desta lei, podemos afirmar que ela representa uma nova fase na fundação do Estado de Israel. A lei, certamente, não representa uma ruptura, mas ela sistematiza globalmente o que já estava sendo implementado de forma fragmentada. Com isso, entramos em uma nova fase na luta pela autodeterminação do povo palestino. Agora, serão os palestinos que têm a cidadania israelense que irão engrossar a luta pelo boicote ao Estado racista de Israel. Podemos inferir que haverá um aumento considerável de adesão ao BDS (movimento pelo boicote, desinvestimento e sanções ao Estado de Israel) não exclusivamente em torno da solidariedade à autodeterminação do povo palestino. A situação dos palestinosisraelenses (que, até certo ponto, viviam das migalhas do Estado racista de Israel) se desnudará. Ou seja, teremos uma ampliação do nível de intersecção, de unidade, entre os palestinos que vivem em Israel e os que estão sob o jugo colonial. O projeto do Estado sionista tem dias (talvez ainda alguns anos) contados.
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Israel é hoje um Estado que não respeita o Direito Internacional, que não tem uma Constituição, onde a base jurídica da autoridade estatal é um conjunto de “leis básicas” que trata dos diversos ramos jurídicos, nem fronteiras definidas e não tem um número exato de sua população. A aprovação da Lei Básica “Estado-Nação” pelo Parlamento de Israel serve ao projeto sionista de limpeza étnica, ocupação e expansão ilegal de seu território. Que país é este? Um país que se vale disso, do poderio militar e da omissão das nações para perpetuar essa situação. O ayatollah sheikh Mohsen Araki117, em entrevistaà Revista Opera, abordou este tema e opinou que para que um país seja considerado um país, há três regras, de acordo com as regras das Ciências Políticas: um governo, um povo, e uma terra. Em primeiro lugar; não se sabe qual é a terra, não se sabe quais são as características do povo, de onde vem, e até o momento não se tem uma forma em relação ao governo. Com base nisso, o Irã fez uma proposta para estabelecer a paz e a solução deste problema; essa solução é um referendo, que pode ser feito na Palestina para definir quais deverão ser as características do governo deste país. A ideia é que este referendo fosse supervisionado pela ONU, que nele participassem todos os habitantes originais da Palestina, todos aqueles que já não vivem mais neste país – inclusive os que foram refugiados para os países vizinhos – e que eles escolhessem as características e forma do governo que desejam ter para representá-los. O que ocorre hoje é a dominação de uma terra não pelos donos daquela terra, mas sim por pessoas que vieram de fora118.
117 Ayatollah Sheikh Mohsen Araki é um erudito e proeminente clérigo xiita, professor universitário e político iraniano, membro da Assembleia de Especialistas no Irã e um dos pesquisadores do pensador islâmico, o Grande Aiatolá Mohammad Baqir al-Sadr. 118 ORTEGA, André; MARIN, Pedro. “Culpa” do Irã é apoiar o povo palestino, diz Aiatolá Araki em visita ao Brasil. Opera, 2007. Disponível em: http:// revistaopera.com.br/2017/08/03/culpa-ira-e-apoiar-o-povo-palestino-dizaiatola-araki-em-visita-ao-brasil/.
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A libertação da Palestina é agora, mais do que antes, uma causa de toda a humanidade. A causa do direito e da justiça para um povo que sofre as agruras do apartheid racista e genocida.
5.2 A infância como alvo do genocídio sionista119
Seria possível imaginar outro lugar (que não fosse nos Estados Unidos e na Alemanha nazista) onde crianças são sistematicamente separadas da família? Sim, este lugar existe. Israel prende diariamente crianças palestinas.
119 Este título é uma revisão do artigo escrito em parceria com Berenice Bento, publicado no portal Revista Cult em 11 out. 2018. Disponível em: https:// revistacult.uol.com.br/home/israel-e-o-roubo-da-infancia-palestina/.
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Este capítulo poderia ser sobre as diversas técnicas de matar as crianças palestinas implementadas por Israel. Talvez sobre o pequeno Nassir al-Mosabeh, de 12 anos, executado pelo exército de Israel em 28 de setembro quando participava de um protesto em Gaza. Ou, ainda, analisar os dados da política intencional de mutilação das crianças e jovens praticada por Israel. Neste cenário de destruição e morte contra o povo palestino, neste dia 12 de outubro, priorizaremos as crianças palestinas encarceradas. O sono do povo palestino é diferente. Ele sabe que a qualquer hora da madrugada, entre as duas e quatro horas da manhã, sua casa pode ser invadida por soldados de Israel fortemente armados. Não há aviso. Ninguém pede licença. Arromba-se a porta e, aos gritos, invadese a casa. Na noite de 19 de dezembro de 2017 eles foram prender Ahed Tamimi120. Desde que nasceu, Ahed já tinha visto tantas vezes a mesma cena. Todos os membros de sua família, na pequena Nabil Saleh (Cisjordânia, terra do Profeta Salah) já tinham sido (ou estavam) presos. As marcas da dominação colonial israelense estão em todos os lugares de seu povoado: no corpo de sua mãe, que não caminha bem por ter sido atingida por uma bala na perna, na cabeça do seu primo Mohammaed Tamini, que perdeu parte do cérebro horas antes da sua prisão... Naquela noite de inverno eles queriam Ahed Tamimi. Iniciou-se, para ela, o mesmo calvário já percorrido por tantas outras crianças palestinas. Quando estive na casa da família Tamimi, em dezembro de 2018, lhe perguntei como ela se sentia por ter dedicado parte da sua infância e juventude na defesa de sua aldeia e do seu país ocupado. Ela me respondeu que se sentia gratificada por isso. Que ela não poderia crescer sem resistir, sem lutar contra as injustiças dos ocupantes sionistas. Disse-me também que, apesar do que passou na prisão, ela continuava decidida a lutar. E mesmo quando se encontrava no cárcere juntamente com as outras crianças e adolescentes presos por Israel, 120 O vídeo documental sobre a garota palestina Ahed Tamimi está diponível em https://bit.ly/2E3JMDu.
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tinham ciência de que a sua coragem em se manter altivos no cárcere e não se dobrar à violência dos israelenses ajudava e encorajava a luta dos palestinos que estavam do lado de fora, enfrentando a ocupação. Pedi à Ahed que ela enviasse uma mensagem para os jovens brasileiros, que foi feita por meio de um vídeo121 que publiquei nas redes sociais e está no website do IBRASPAL, para quem desejar ver. Ela falou na mensagem que Olá. Eu sou a prisioneira libertada Ahed Tamimi. Eu gostaria de mandar uma mensagem para os jovens no Brasil. Espero que vocês sejam sempre mais fortes que a injustiça, e que vocês desafiem a injustiça onde estiver. Tenho grande esperança que vocês estarão na luta até que vocês conquistem todos os direitos. Nós, o povo palestino, declaramos nosso apoio a vocês e agradecemos por seu apoio. Nós consideramos vocês nossos parceiros na luta. Vocês jovens, vocês são a esperança da mudança. Somos todos jovens, palestinos ou brasileiros em todo o mundo. Nós devemos nos unir para eliminar a injustiça. Com nossa unidade podemos mudar o mundo, para que todos possam viver em paz e segurança, sem conflitos e injustiças.
As crianças são presas em duas situações: quando estão em atos públicos ou em casa, no meio da noite. A acusação costumeira é de que estavam jogando pedras no exército colonial israelense. Jogar pedra é um ato criminalizado através da Ordem Militar 1651. As crianças ficam, em média, de dois a 10 meses presas, mas, de acordo com a lei israelense, este tempo pode chegar até 10 anos de prisão. Além das manifestações, as casas das crianças, como já referido, é outro lugar onde acontecem as prisões. 121 Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=hDdkTFIzDaA.
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O autor em visita a residência da família de Ahed Tamimi, na aldeia de Nabil Saleh, na Cisjordânia ocupada.
As crianças são levadas para a prisão sozinhas. Nenhum parente ou pessoa próxima pode acompanhá-las122. Chegando à prisão, iniciam-se os interrogatórios e as torturas físicas e psicológicas. Os abusos sexuais acontecem com frequência123. Ahmad H. Yassin, 16 anos, ficou preso por cinco meses. Ele nos conta que: Colocaram-me em um quarto que não tinha câmera, o que é contra a lei. Onze oficiais me batiam. Ele seguia me perguntando coisas que eu não fiz. Eles não me deixaram usar o banheiro nem comer. E me humilharam. Enquanto estava sendo interrogado, eu pedi aos interrogadores para permitir que minha família estivesse presente ou um advogado. Ele disse-me que o oficial ordenou que ninguém 122 O documentário Palestinian children speak of beatings in Israeli detention está disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Mnf0w9UuV4s. 123 O vídeo documental sobre o abuso de crianças palestinas está disponível em https://bit.ly/2RCmkQv.
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poderia estar comigo. Eu disse-lhe que sou de menor, mas eles responderam que estas são as instruções oficiais ele tinha que segui-las124.
Histórias iguais às de Ahmad se repetem (Precarious Childhood: Arrests of Jerusalemite Children (https://bit.ly/2Ef2qsa)). Os interrogatórios são todos feitos sem a presença de parentes ou qualquer proteção legal. De forma geral, os parentes precisam atravessar barreiras militares (check-points) para ir até às prisões (a exemplo de Ahed Tamimi, que foi levada à prisão de Hasharon, em Israel), mas quando chegam nestas barreiras são impedidos de seguir adiante pelo exército porque não têm autorização oficial do Estado de Israel para atravessar. Geralmente, apenas no dia do julgamento a família pode ver o filho, mas não pode tocá-lo. Uma mãe, depois de um longo tempo ser ver sua frágil filha, entra na sala de audiência e, aos prantos, diz: “Ela é apenas uma criança”125. As alegadas confissões ou outras declarações incriminatórias de crianças detidas são documentadas em um idioma que elas não entendem, o hebraico, e não há como verificar se os documentos foram traduzidos com precisão para as crianças antes de assiná-los. Segundo a ONG DCI – Palestine, a cada quatro crianças presas, três sofrem algum tipo de violência física durante a prisão, transporte ou dentro de bases militares126. Israel é o único país do mundo que processa crianças em cortes militares, ferindo acordos e leis internacionais por ele mesmo assinados. Viola, assim, sistematicamente as Leis Internacionais. Estima-se que, desde o ano 2000, em torno de 10 mil crianças e adolescentes já tenham sido detidas apenas na Cisjordânia, incluindo com idade inferior a seis anos. A Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada por Israel, define que a privação de liberdade de crianças deve ser o último 124 O vídeo documental sobre prisões e abusos contra crianças está disponível em https://bit.ly/2E2KHUu. 125 O vídeo documentário está disponível em https://bit.ly/2PlRkm6. 126 O vídeo documentário está disponível em https://bit.ly/2QBgM7s.
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recurso e deve ser acionado apenas pelo menor período apropriado de tempo. A Quarta Convenção de Genebra proíbe a deportação de pessoas protegidas de um território ocupado para o território do poder ocupante ou de qualquer outro país, independentemente do motivo, o que acontece sistematicamente com as crianças que são levadas para prisões longe dos pais. O Relator Especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos nos territórios palestinos ocupados, Richard Falk, vem denunciando há alguns anos que as prisões e “o uso por Israel de confinamento solitário contra crianças viola flagrantemente os padrões internacionais de direitos humanos”. E diz mais: “As condições carcerárias são geralmente deploráveis, obrigando as crianças a dormirem no chão ou em camas de concreto em celas sem janelas”. A manutenção de crianças nestas condições viola flagrantemente os padrões internacionais de direitos humanos. Em Gaza, lhes são negadas as visitas de parentes e advogados, isolando as crianças e permitindo maus-tratos durante os interrogatórios. Elas são confinadas, em média, de 1 a 24 dias127. O UNICEF publicou relatório, em 2013, onde conclui que os maus-tratos de crianças palestinas no sistema de detenção militar israelense são generalizados, sistemáticos e institucionalizados128. Levantamento realizado pela ONG DCI – Palestine mostra que 2016 foi o ano com mais mortes de crianças palestinas por forças israelenses da última década: 32 mortos na Cisjordânia e Jerusalém Oriental. Relatório da ONU sobre a agressão de Israel a Gaza, no ano 2014, concluiu que os ataques aéreos mataram pelo menos uma criança por hora no período que durou o bombardeio. Uma das características do colonizador é esvaziar o outro, o colonizado, de qualquer sinal de humanidade. Quando Israel não 127 O vídeo está disponível em https://bit.ly/2E9dkzp. 128 UNICEF. Children in Israeli Military Detention: Observations and Recommendations. Boletim n. 2, feve. 2015. Disponível em: https://www. unicef.org/oPt/Children_in_Israeli_Military_Detention_-_Observations_and_ Recommendations_-_Bulletin_No._2_-_February_2015.pdf.
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reconhece a infância nos corpos das crianças que prende e tortura, está no dizendo que qualquer palestino já nasce um criminoso. Por esta lógica, não se trata de encarcerar uma criança. As fases etárias da vida (infância, adolescência, juventude e velhice) são atributos humanos. Para eles, os palestinos não são humanos. Assim, de nada adianta clamar pela aplicação de acordos internacionais que protegem a fase mais vulnerável da vida humana, a infância. Israel dirá: “jogaram pedras nos nossos soldados. Devem ser punidos como criminosos de guerra. Não são crianças. São palestinos”. Onde habita a esperança do futuro? Na infância. Ao roubar a infância das crianças palestinas, Israel é coerente com sua política iniciada em 1948 de despossessão continuada do povo palestino. Mas por que houve um engajamento globalizado para deter Trump em sua política de aprisionamento das crianças e não há a mesma reação internacional em relação a Israel, que já vem encarcerando as crianças palestinas há décadas? Por que os países, diante da imoralidade que é tratar sistematicamente crianças como criminosas de guerra, não aderem ao boicote econômico a Israel? A política oficial segue de costas para o sofrimento do povo palestino. O presente que as crianças palestinas querem é a paz. Um país livre da dominação colonial israelense. Este presente está a caminho e passa pela adesão internacional ao movimento pacífico que chama pelo boicote, desinvestimento e sansões (BDS) a Israel. Não demorará muito para as crianças palestinas terem o direito de brincar como qualquer outra criança, de correrem livres pelas ruas de suas cidades, sem tanque de guerra, sem gás lacrimogêneo, sem velórios diários.
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5.3 Presos políticos palestinos
Desde a fundação do seu Estado, Israel desenvolve uma brutal repressão para sufocar e acabar com a resistência dos palestinos contra a ocupação, que se acirrou depois de 1967, com a ocupação do que restava da Palestina Histórica, como a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental e a Faixa de Gaza. Israel criminaliza qualquer forma de oposição à ocupação e os sucessivos governos israelenses fizeram das prisões o seu principal instrumento de repressão e castigo aos palestinos. Israel mantém presos palestinos em seus cárceres sujeitos às mais indignas, duras e violentas condições de encarceramento, onde rotineiramente são submetidos à tortura129 e ao desaparecimento, incluindo os que se encontram em Detenção Administrativa, um 129 KULKARNI, Pavan. Jovens palestinos detidos em prisões israelenses sofrem violência física e psicológica sistemática, diz relatório. Opera Mundi, 30 jun. 2018. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/direitos-humanos/49667/ jovens-palestinos-detidos-em-prisoes-israelenses-sofrem-violencia-fisica-epsicologica-sistematica-diz-relatorio.
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procedimento que permite que as forças de ocupação israelenses prendam prisioneiros indefinidamente sem acusá-los ou permitir que eles sejam julgados. As informações ou evidências são secretas e não podem ser acessadas pelo detido nem por seu advogado e, de acordo com as ordens militares israelenses, uma ordem de detenção administrativa pode ser renovada por tempo ilimitado. Entre os presos encontram-se muitas mulheres e crianças que sofrem violência física e psicológica e que são privadas de frequentarem escolas pelo governo de Israel e terem acesso ao ensino, um direito estabelecido em acordos e convenções internacionais, assunto tratado no título 5.2 deste livro. Os presos palestinos estão encarcerados por exercerem o seu direito legítimo de resistência contra a ocupação ilegal e violenta do seu território e por lutarem pela dignidade e liberdade do seu povo. A sua libertação é parte de uma solução para a questão palestina conforme a justiça e o Direito Internacional. A eles é negado o contato com as famílias e são alvos de negligência médica e de frequentes humilhações e maus-tratos. Os presos políticos palestinos são uma das provas mais evidentes da permanente violação dos direitos humanos dos palestinos de todas as idades por parte de Israel. O número de palestinos que passou pelas masmorras sionistas é estarrecedor. Desde 2015, mais de 10 mil presos; desde 1967, 800 mil; e mais de um milhão desde a Nakba, em 1948. Em março de 2019130 eram 5.450 presos políticos palestinos espalhados nas 17 prisões, 2 centros de detenção e 2 centros de interrogação israelenses. Deste total 540 presos cumprem prisão perpétua, 68 condenados a cumprir penas de mais de 20 anos e 497 em detenção administrativa. Nessa condição encontram-se 7 deputados, 65 mulheres e 205 crianças, sendo 32 abaixo dos 16 anos. As crianças não são poupadas. Desde 2000, pelo menos 8000 palestinos com menos de 16 anos foram detidos, interrogados e acusados pela justiça militar israelense. Conforme estipulado pela Ordem Militar 1651, crianças palestinas dos 12 aos 13 anos estão sujeitas a penas de 6 meses; dos 14 aos 15 anos, 12 meses na prisão. Adolescentes na faixa de 16 aos 17 anos estão sujeitos às 130 Disponível em: http://addameer.org/statistics.
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mesmas sentenças dos adultos, embora no sistema penal israelense a maioridade penal seja aos 18 anos131.
Prisões e Centros de Detenção israelenses. Fonte: Prisoner Support and Human Rights Association. Disponível em: http://addameer.org/prisons-and-detention-centers. 131 IBRASPAL. Liberdade para os presos políticos palestinos nas prisões de Israel, 2019. Disponível em: https://ibraspal.org/pt/post/liberdade-para-os-presospoliticos-palestinos-nas-prisoes-de-israel.
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Um dos presos mais conhecidos é Ahmad Sa’adat, secretáriogeral da Frente Popular pela Libertação da Palestina e deputado ao Conselho Legislativo Palestino, condenado a 30 anos de prisão em dezembro de 2008 por um tribunal militar sionista por ser um dos dirigentes da resistência palestina à ocupação e aos crimes de Israel. Ele participou de todos os protestos, greves de fome e lutas dos presos palestinos. Passou mais de três meses em prisão solitária, até que em 2012 uma greve geral de fome obteve o seu retorno ao regime prisional geral. Sa’adat, Marwan Barghouti, Khalida Jarrar e Karim Younis são nomes de presos que simbolizam a causa da libertação da Palestina por resistirem com honra e heroísmo ao regime sionista usurpador. Younis está preso desde 6 de janeiro de 1983, quando tinha 25 anos, e foi condenado à prisão perpétua por lutar contra a ocupação. É um dos 27 prisioneiros políticos presos anteriormente aos Acordos de Oslo que deveriam ter sido libertados após um entendimento entre Israel e a Autoridade Palestina em 2013. No entanto, e como sempre, Israel não cumpriu o acordo. Ultimamente têm vindo à tona diversas denúncias de que as prisões israelenses são laboratórios para o desenvolvimento de produtos e serviços militares de Israel, que tem autorizado que grandes companhias farmacêuticas realizem testes clínicos em prisioneiros palestinos. O embaixador da Palestina nas Nações Unidas, Riyad Mansour, denunciou que muitos dos corpos dos prisioneiros e de outros palestinos mortos pelo exército ocupante eram devolvidos sem as córneas e outros órgãos internos. Essas acusações não são novidade. Dalia Itzi, uma deputada ao Knesset (parlamento israelense), afirmou ao jornal Yedioth Ahronoth que o Ministério da Saúde de Israel havia concedido tais permissões e que mais de 5000 presos foram usados como cobaias nos testes de novos medicamentos132. Nadera ShalhoubKevokian, uma professora da Universidade Hebraica de Jerusalém, 132 MIDDLE EAST MONITOR. Israel pharmaceutical firms test medicines on Palestinian prisoners, 2019. Disponível em: https://www.middleeastmonitor. com/20190220-israel-pharmaceutical-firms-test-medicines-on-palestinianprisoners/.
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alertou para o fato de autoridades israelenses estarem permitindo que grandes companhias farmacêuticas realizem experimentos nos presos, bem como testes de armas em crianças palestinas. Segundo ela, os territórios palestinos ocupados têm se convertido em laboratórios da indústria militar israelense, especialmente Jerusalém Oriental133. Em abril de 2019, centenas de presos palestinos das prisões Naqab/Negev e Ramon realizaram uma greve de fome para reclamar das condições nas prisões sionistas, reivindicar a instalação de telefones nas prisões para permitir que os presos possam se comunicar com suas famílias três vezes por semana. A comunicação com as famílias é particularmente importante para os presos, muitos deles condenados à prisão perpétua ou penas muito longas, já que as visitas são dificultadas pelo Serviço Prisional de Israel (IPS), numa clara violação da IV Convenção de Genebra. Israel também cria toda sorte de dificuldades para que os familiares passem pelos diversos checkpoints. Os prisioneiros de Gaza estão completamente privados de visitas. Anualmente, em 17 de abril, comemora-se o Dia Internacional de Solidariedade com os Presos Palestinos. É uma data em que, no mundo inteiro, acontecem atos para denunciar a situação de violação dos direitos humanos dos presos palestinos como um caso de violência diante do qual não podemos nos calar. É preciso demonstrar a nossa indignação perante a complacência da ONU e dos organismos de direitos humanos com esta realidade cruel de Israel com os palestinos encarcerados. A causa da libertação dos presos palestinos nas cadeias de Israel, a luta do povo palestino pela dignidade, pela terra, pela liberdade, por um Estado independente, merece e contará sempre com a solidariedade de todas as pessoas que querem justiça e respeito aos direitos em todos os cantos do mundo.
133 SHIHADAD, Kathryn. Israeli prof: Israel tests weapons on Palestinian kids, tests drugs on prisoners. If Americans Knew Blog, 2019. Disponível em: https:// israelpalestinenews.org/israel-weapons-drug-testing-on-palestinians/.
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5.4 Campos de refugiados: favelas palestinas
O campo de refugiados de Jabalia, na Faixa de Gaza, o mais populoso dos 59 campos de refugiados palestinos. Disponível em: https://nacoesunidas.org/onu-critica-novas-restricoes-comerciais-de-israel-a-gaza/.
Existem hoje 59 campos de refugiados palestinos, criados após o Nakba, em 1948, e estão espalhados pela Jordânia, Líbano, Síria, Cisjordânia e na Faixa de Gaza. Segundo o conceito da Agência da ONU para Refugiados – ACNUR, refugiados são pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição relacionados a questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados134.
No caso dos refugiados palestinos, podemos dizer que são pessoas cujo lugar de residência habitual era a Palestina Histórica e que perderam suas casas, suas terras e seus meios de vida como consequência da tragédia da ocupação. E, na definição da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina e Oriente Próximo (UNRWA, da sigla em inglês), a condição de refugiado palestino também abrange os seus descendentes, inclusive as crianças 134 ACNUR. Está disponível em https://www.acnur.org/portugues/quem-ajudamos /refugiados/.
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adotadas. Por este motivo, o número de refugiados palestinos registrados passou de cerca de 750.000 em 1950 para mais de 5,6 milhões em 2018. A Faixa de Gaza135 conta com 8 campos com cerca de 1,4 milhão de refugiados, o que corresponde a 83% da população. Nem todos os refugiados vivem nos campos; outros se mudaram nas diferentes cidades da Faixa. Na última década, a situação socioeconômica desses refugiados piorou em consequência de anos de ocupação, de conflito e do bloqueio à região, que deixaram a grande maioria da população completamente dependente da ajuda internacional. Campos de refugiados na Faixa de Gaza: Campo de refugiados
Ano criação
População Estimada
Shati ou Praia Deir al-Balah Jabalaia Bureij Já Yunis Maghazi Nuseirat Rafah
1948 1948 1948 1949 1949 1949 1949 1949
85.000 45.000 110.000 33.000 70.000 24.000 63.000 100.000
Quase 875 mil palestinos estão registrados na UNRWA nos 19 campos de refugiados da Cisjordânia136. Segundo a UNRWA, devido à superpopulação dos campos, apenas um quarto dos refugiados vive neles, enquanto a maioria se mudou para cidades da Cisjordânia. Os refugiados da Palestina enfrentam violações diárias de seus direitos por conta do contínuo confisco e apropriação de suas terras, violência de colonos, demolições de casas e destruição dos meios de sustento das famílias, deslocamento forçado e amplas e sistemáticas restrições à sua liberdade de ir e vir. 135 UNRWA. Gaza. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_unrwa/areas_de_ operacao/gaza/. 136 UNRWA. Cisjordânia. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_unrwa/ areas_de_operacao/cisjordania/.
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Campos de refugiados palestinos na Cisjordânia: Campo de refugiados
Ano de criação
População Estimada
Agabat Jabr Ein Sultan Qaddura Far´a Fawwar Jalazone Kalandia Amari Deir Ammar Dheisheh Ainda Al-Arruba Askar Balata ‘Azza (Beit Ilma) Beit Ilma nº 1 Tulkarem Nur Shams Yenin Shufaf
1948 1948 1948 1949 1949 1949 1949 1949 1949 1949 1950 1950 1950 1950 1950 1950 1950 1952 1953 1995
7.000 2.200 1.700 8.000 9.000 12.000 12.000 12.000 3.000 13.000 5.500 11.000 16.000 25.000 1.200 20.000 20.000 10.000 17.000 12.000
Segundo a UNRWA, cerca de 450.000 palestinos vivem no Líbano137 e, desses, cerca de 50% vivem nos 12 campos de refugiados que há no país. Eles representam aproximadamente 10% da população libanesa. Não têm muitos direitos importantes; por exemplo, não podem trabalhar em 20 atividades profissionais. Os altos níveis de pobreza entre refugiados da Palestina no Líbano são uma grande preocupação; mais de 2/3 da população vive com menos de seis dólares por dia, e, em 2011, 56% dos refugiados 137 UNRWA. Líbano. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_unrwa/areas_ de_operacao/libano/.
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no Líbano não tinham emprego. A consequência é que a maioria dos refugiados depende da UNRWA como provedor de educação, saúde e serviços sociais. Campos de refugiados no Líbano: Campo de refugiados
Ano de criação
População Estimada
Burj el-Barajneh Ain al-Hilweh El Buss Nahr al-Bared Sabra y Chatila Wavel Mar Elias Mieh Mieh Beddawi Burj el-Shemali Dbayeh Rashidieh
1948 1948 1948 1949 1949 1948 1952 1954 1955 1955 1956 1963
17.000 50.000 12.000 33.000 10.000 9.000 2.000 6.000 18.000 21.000 6.000 30.000
A Síria138 conta com mais de 510.000 refugiados palestinos nos 12 campos. Muitos têm os mesmos direitos de cidadãos sírios, inclusive com acesso a serviços sociais, mas ficam para trás em relação à população síria em vários indicadores sociais importantes. Por exemplo, têm um maior índice de mortalidade infantil e um menor número de crianças matriculadas em escolas. Os refugiados da Palestina na Síria são uma população vulnerável e, como todos os refugiados da Palestina, vivem na incerteza quanto a seu futuro em longo prazo.
138 UNRWA. Síria. Disponível em: http://unrwa.org.br/sobre_a_unrwa/areas_de_ operacao/siria/.
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Campos de refugiados palestinos na Síria: Campo de refugiados
Ano de criação
População Estimada
Sbeineh Khan Eshieh Neirab Homs Jaramana Daraa Hama Khan Dannoun Qabr Essit Latakia Yarmuk Ein Al-Tal (Handarat)
1948 1949 1948 1949 1948 1950 1950 1950 1967 1955 1957 1962
23.000 21.000 21.000 24.000 22.000 15.000 10.000 12.000 24.000 12.000 160.000 7.000
5.5 Demolições como castigo coletivo
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Uma das atitudes mais nefastas e violentas de Israel contra palestinos é a demolição de casas nos territórios ocupados e em Gaza. É uma prática que tem sido fortemente denunciada pelos palestinos e por diversos organismos internacionais de defesa dos direitos humanos e até pela ONU como “punição coletiva” e uma forma de confiscar a terra dos palestinos para viabilizar a expansão dos assentamentos judaicos ilegais nos territórios ocupados. Segundo o governo israelense, as demolições são medidas de prevenção a eventuais ações de insurreição contra as forças ocupantes e que os donos das casas seriam apontados como “suspeitos” ou condenados pelo envolvimento em atos de “terrorismo” e outros tipos de ações contra o Estado judeu. Além dessas, os israelenses alegam medidas legais quanto ao cumprimento de códigos de obras e outras determinações vigentes nos territórios ocupados, mas os palestinos reclamam que têm seus pedidos de licença geralmente negados. Cada demolição é uma miniNakba, já que 90% das demolições, envolvendo 92% das pessoas deslocadas, ocorrem em áreas onde vivem comunidades de palestinos com atividades agrícolas e pastoris mais vulneráveis que as urbanas, na conhecida Área C, região onde Israel mantém forte controle de segurança. A Área C equivale a 60% da Cisjordânia. Nesta Área as exigências de Israel são mais rigorosas e geralmente não são concedidas autorizações para que palestinos realizem obras de construção ou melhorias em suas residências e abertura de poços. Como as dificuldades para obtenção de licenças são enormes, a população palestina frequentemente acaba por construir sem as licenças, mesmo correndo o risco de demolição das obras. É difícil afirmar os números atuais sobre as demolições de casas palestinas porque muitos casos ficam sem registros e demolições são uma atividade constante do ocupante sionista. A ONG de direitos humanos israelense B’Tselem estima que, no período de 2006 a 2018, Israel demoliu pelos menos 1401 casas de palestinos, desabrigando mais
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de 6 mil pessoas, incluindo mais de 3 mil crianças139. Revela ainda que entre 2006 e 2018 Israel aprovou apenas 4% dos cerca de 5500 pedidos de construção na Cisjordânia ocupada. Sem opção, os palestinos são forçados a construir sem licença e como as estruturas são consideradas “ilegais”, Israel emite ordens de demolição. É comum a destruição, por parte de Israel, do sistema de captação das águas pluviais que servem as comunidades palestinas de pastores e agricultores onde a água já é escassa e a convivência com a seca é algo secular. Na Faixa de Gaza, mais de 30 km da rede de abastecimento de água e 11 poços foram danificados deliberadamente pelas forças militares de Israel durante a Operação Chumbo Fundido, em 2008-2009. As demolições de propriedades privadas e a transferência forçada de pessoas são graves violações da Quarta Convenção de Genebra e tais violações acarretam obrigações estatais como a responsabilidade penal individual dos governantes, classificadas como crimes de guerra. O artigo 53 da Convenção dispõe que Artigo 53. É proibido à Potência ocupante destruir os bens móveis ou imóveis, pertencendo individual ou coletivamente a pessoas particulares, ao Estado ou a coletividades públicas, a organizações sociais ou cooperativas, a não ser que tais destruições sejam consideradas absolutamente necessárias para as operações militares140.
Por outro lado, cresce a construção de assentamentos judaicos nos territórios ocupados e nas áreas onde casas e vilarejos são demolidos pelo ocupante sionista. O ex-ministro da Defesa de Israel, Avigdor Lieberman, disse em entrevista ao jornal The Jewish Press que Israel pretende trazer 3,5 milhões de novos imigrantes para o Estado
139 MPPM. “Falsa justiça”: ONG denuncia responsabilidade do Supremo Tribunal de Israel na demolição de casas palestinas, 2019. Disponível em: https://www. mppm-palestina.org/content/falsa-justica-ong-denuncia-responsabilidade-dosupremo-tribunal-de-israel-na-demolicao-de. 140 USP. Biblioteca Virtual de Direitos Humanos. Convenção de Genebra IV – 21 de outubro de 1950. Disponível em: http://www.direitoshumanos.usp.br/index. php/Convenção-de-Genebra/convencao-de-genebra-iv.html.
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judeu na próxima década141. E que, para cumprir essa meta, Israel deverá investir cerca de 365 milhões de dólares anualmente ao longo dos próximos dez anos. Para o dirigente da extrema-direita israelense, a chegada desses 3,5 milhões de imigrantes vindos de vários países conduzirá Israel a um outro patamar, dando “um enorme impulso à economia e à ciência, e claro, reforçando-nos como potência regional e porventura mais ainda”.
5.6 A dupla segregação dos beduínos Além da questão dos refugiados palestinos, a situação dos beduínos é igualmente ou ainda mais grave. São palestinos que vivem como refugiados no seu próprio território ocupado e são duplamente vítimas das frequentes políticas racistas do apartheid israelense. As constantes ondas de demolições de residências nas aldeias beduínas na Cisjordânia por parte de Israel, que leva adiante a limpeza étnica da Cisjordânia, através da expulsão dos milhares de beduínos para dar espaço à expansão dos assentamentos judaicos ilegais, como no Vale do Jordão, onde, além das demolições, Israel destrói os equipamentos agrícolas como tratores, tanques de armazenamento de água e painéis solares, aflige de modo cruel a vida e a economia agrícola e pecuária de subsistência dos beduínos. Na divisão promovida pelos Acordos de Oslo, em 1993, a Área C – onde vive a maioria dos beduínos – está sob controle do Ministério da Defesa israelense (ver título 4.2), que também se encarrega dos assuntos civis, adotando uma atitude hostil à permanência dos beduínos naquelas regiões, onde são impedidos de construir ou reconstruir as suas casas e outras instalações. A situação mais dramática é a de Khan al-Ahmar, um povoado beduíno que se tornou fixo pelos beduínos desde o início dos anos de 1970, embora alguns afirmem que existe há mais tempo. É formado por descendentes da tribo Jahalin, que costumava se deslocar pelo deserto do Negev, até serem expulsos pelos bandos sionistas depois 141 PORTAL VERMELHO. Israel prossegue a colonização de Jerusalém Oriental, 2018. Disponível em: http://www.vermelho.org.br/noticia/314754-1.
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da fundação do Estado judeu, em 1948. Eles foram deslocados para a Cisjordânia, então um território controlado pela Jordânia e com baixa população.
Mulher senta-se nos restos de sua casa demolida na aldeia beduína de Umm al-Hiran, perto da cidade de Beersheba.
Em janeiro de 2019 dezenas de soldados e policiais israelenses escoltados por retroescavadeiras gigantes e veículos blindados invadiram e destruíram pela 139ª vez a aldeia beduína de al-Araqib, situada no deserto de Negev/Naqab, no sul da Palestina Ocupada. Mulheres, crianças e idosos da aldeia foram evacuados e deixados sem abrigo, apesar do tempo frio. O chefe do comitê popular da aldeia e três mulheres foram detidos pelas forças israelitas e libertados algumas horas após a demolição. As repetidas demolições na aldeia beduína de al-Araqib são realizadas na tentativa de forçar a população a mudar-se para locais designados pelo governo israelense. Mas eles resistem e reconstroem suas tendas e locais de trabalho e criatório de suas cabras. No caso da aldeia beduína de Khan al-Ahmar, há um agravante: uma escola primária (a Escola de Pneus), mista, que era o orgulho dos beduínos. Israel vem tentando há muitos anos expulsar os milhares de beduínos a fim de expandir os assentamentos judeus. Em 1990 uma 196
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operação deste gênero foi transmitida ao vivo pela TV israelense, mostrando os soldados arrancando à força as famílias e destruindo a comunidade inteira. Recentemente uma determinação da Suprema Corte de Justiça Israelense liberou o governo para proceder a retirada das comunidades beduínas, o que será um crime de guerra, pois realizará a transferência forçada de uma população sob ocupação militar, nos termos do Acordo de Genebra. As áreas beduínas confiscadas são estimadas em 26.000 hectares, segundo o jornal israelita Israel Today. Sobre as ruínas das aldeias as autoridades israelitas querem expandir a Estrada Trans-Israel (Estrada n.º 6 – Uma rodovia que só israelenses podem usar). Segundo o plano, o desalojamento começará ainda em 2019, devendo estar finalizado em 2021. As aldeias beduínas não reconhecidas não aparecem nos mapas oficiais de Israel, os moradores não têm endereços e as autoridades israelitas não lhes fornecem serviços básicos como água e eletricidade. As autoridades não reconhecem os seus direitos sobre a terra e consideram-nos infratores que ocupam as terras estatais israelenses. Essas aldeias não reconhecidas foram criadas no deserto Neguev/ Naqab pouco depois da criação do Estado de Israel, por ocasião da qual cerca de 750000 palestinos foram expulsos de suas casas e se tornaram refugiados. Muitos dos beduínos foram transferidos à força para os locais das aldeias durante os 17 anos em que os palestinos que permaneceram em Israel estiveram sob regime militar. Este regime só terminou pouco antes de em 1967, depois de Israel ocupar militarmente a Faixa de Gaza e a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental. As condições de vida da população beduína que se encontra espalhada em 45 assentamentos beiram à tragédia. Não recebe serviços regulares, tais como água, eletricidade, saúde e bem-estar142. E, quando conseguem, com apoio internacional, construir uma escola de pneus, como é o caso da Khan al-Ahmar, veem seus esforços serem literalmente destruídos. 142 SHAHAR, David. Israel: a Jewish democratic state. Tel Aviv: Kinneret, 2010, p. 45).
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5.7 Boicote como uma forma de resistência
O movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) é uma campanha global que preconiza a prática de boicote econômico, acadêmico, cultural e político ao estado de Israel. Surgiu no ano de 2005, quando a sociedade civil palestina lançou um apelo às pessoas em todo o mundo para que boicotassem empresas israelenses que estivessem ativamente lucrando com a ocupação de suas terras. O movimento foi lançado na ocasião do primeiro aniversário do parecer da Corte Internacional de Justiça, que emitiu parecer em 9 de julho de 2004, condenando a barreira de separação israelense – o Muro da Vergonha, e contestando o seu traçado. O parecer da Corte reforçou a oposição à política de apartheid de Israel e criou um clima propício à campanha de boicote. O BDS tem como objetivos centrais o fim da ocupação e da colonização dos territórios palestinos, a igualdade de direitos para os cidadãos Árabes de Israel e o respeito ao direito de retorno dos refugiados palestinos, expulsos de suas casas e terras desde 1947. O primeiro boicote contra os produtos comercializados pelos sionistas foi proposto pela Liga Árabe, dois anos antes da criação do Estado de Israel, em 2 de dezembro de 1945. Em 2001, foram 198
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propostos o embargo, a exclusão e a ruptura de qualquer ligação com o estado de Israel, durante a Terceira Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Intolerância, realizada em Durban, na África do Sul. Em 2002, o bispo sul-africano e Prêmio Nobel da Paz por sua luta contra o apartheid, Desmond Tutu, lançou uma campanha de desinvestimento em Israel, que foi encampada por entidades religiosas e políticas de todo o mundo, visando a colocar fim à ocupação israelense nos territórios palestinos, intensificada com a Guerra dos Seis Dias em 1967. Como de costume, Israel reagiu ao parecer da Corte, protestando contra o que chamou de “posição tendenciosa e parcial” da Assembleia Geral da ONU e reclamando da influência que os “países hostis” teriam na Assembleia. Além disso, segundo avaliação de Israel, a Corte Internacional de Justiça não teria competência para tratar de questões políticas litigiosas como aquelas em questão sem o consentimento das partes envolvidas. Desde então, o movimento cresceu e ganhou alcance mundial buscando três metas claras, acabando com a ocupação israelense das terras palestinas para além das fronteiras de 1967. A segunda meta é reconhecer os direitos fundamentais dos cidadãos árabes-palestinos de Israel até que se atinja igualdade total e o direito de retorno dos refugiados palestinos. Os líderes do movimento enfatizam que se trata de um movimento inclusivo não racista e que esse é um ponto importante para o sucesso em todo o mundo. Os que são contra o BDS argumentam que se trata de um movimento antissemita e que, quando o movimento define Israel como um estado de apartheid, é em si, um movimento antissemita. Pedro Charbel, ex-coordenador do Comitê Nacional BDS para a América Latina e responsável por coordenar campanhas e estabelecer ligações com os movimentos sociais da região e nos Territórios Ocupados, afirma que a sociedade civil brasileira e, em geral, os movimentos sociais e partidos políticos de esquerda sempre estiveram ligados à questão palestina porque, na América Latina, nós
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entendemos bem o que significa colonização, estado de exceção, abusos do Estado, militarismo, e limpeza étnica de população nativa. Assim, temos ligações ontológicas e históricas com a luta palestina143.
Charbel acredita que o sucesso do movimento BDS na Europa e nos Estados Unidos fez com que empresas ligadas a Israel venham perdendo contratos e com isso migrando seus negócios para a América Latina, principalmente para o Brasil, que está se tornando um grande comprador de armamento e equipamentos de segurança israelenses, figurando como o 5º maior comprador de armamentos israelenses em todo o mundo. Ele cita o exemplo da ISDS, uma empresa israelense que treina o BOPE do estado do Rio de Janeiro e outros, negócios que serão incrementados nos governos do presidente Jair Bolsonaro e do governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel, dois governantes de direita que se declararam fãs dos equipamentos e técnicas de Israel no “combate ao crime”. O que eles não dizem é que essa “eficiência” se desenvolve a partir da tragédia e da violação dos direitos humanos dos palestinos. Além disso, os governos estaduais do Rio de Janeiro e São Paulo fazem elevados investimentos na aquisição de blindados israelenses e treinamento de suas polícias militar e civil, para usarem seus métodos na violência e genocídio da população negra e pobre das periferias. Entre as vitórias recentes do movimento BDS, destacamos gol de placa contra a ocupação e a colonização sionistas que significou o cancelamento do amistoso que estava marcado para 9 de junho de 2018 entre as seleções da Argentina e Israel, em Jerusalém. Ainda na área esportiva, mais de 130 clubes esportivos palestinos apelaram e foram atendidos pela Adidas, que deixou de patrocinar a Associação de Futebol de Israel (IFA), que sedia equipes em assentamentos ilegais construídos em terras roubadas da Palestina.
143 LAK, Leila. O BDS no Brasil, 2016. Disponível em: https://www.revistadiaspora. org/2016/05/18/16143/.
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Além disso, o boicote cultural tem repercutido fortemente em apoio aos direitos humanos do povo palestino, merecendo destaque o cancelamento do show, em Tel Aviv, do cantor brasileiro Gilberto Gil, atitude também adotada pela pop star Shakira; 11 artistas e diretores, inclusive brasileiros, cancelaram sua participação no Festival Internacional de Cinema LGBT de Tel Aviv; dezenas de bandas inglesas se juntaram ao boicote cultural a Israel e quatro artistas se recusaram a participar do Festival de Música Pop-Kultur patrocinado pela embaixada israelense em Berlim. Igual postura assumiu o dramaturgo português Tiago Rodrigues, diretor do teatro Nacional de Portugal, que rompeu com o Festival Israel em Jerusalém e passou a apoiar o boicote cultural. O lendário cineasta franco-suíço Jean Luc Godard e outros 80 artistas se recusaram a participar da Temporada Cultural França-Israel, que seria aberta pelo criminoso de guerra Benjamin Netanyahu, no Grand Palais de Paris. Merece destaque o esforço de diversos Governos e membros do Parlamento e partidos políticos em vários países que trabalham para impor um embargo militar a Israel, como foi feito contra a África do Sul em relação ao apartheid. Outros procuram revisar ou parar as vendas de armas e treinamento com os militares israelenses. A Internacional Socialista, uma associação de 140 partidos políticos de todo o mundo, incluindo 35 partidos no governo, adota o BDS e pede um embargo militar a Israel até que o estado sionista termine suas violações dos direitos palestinos e do sistema de apartheid nos territórios ocupados.
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5.8 A Flotilha da Liberdade
O movimento Free Gaza, também conhecido como Flotilha da Liberdade, é formado por um conjunto de ONGs e outros movimentos de solidariedade ao povo palestino, visando ao rompimento do bloqueio criminoso e ilegal à Faixa de Gaza, imposto pelo regime segregacionista de Israel e pelo Egito, a partir de 2007, quando o Hamas venceu as eleições palestinas. Desde 2008, o Free Gaza realiza incursões na região visando a chamar a atenção da comunidade internacional para o bloqueio e, por não reconhecer a legalidade do bloqueio, a organização não pede permissão para entrar no território palestino ocupado e interditado por Israel. O movimento diz em suas manifestações que o mar é um dos caminhos que nos leva a Gaza e, por esta razão, as ações realizadas pela Flotilha da Liberdade têm como objetivo romper e denunciar o bloqueio ilegal das águas territoriais palestinas por parte de Israel. Suas ações são pacíficas, emergentes e dirigidas de e para a sociedade civil, exigindo respeito pelos direitos humanos do povo palestino. No entanto, em 30 de dezembro de 2008, durante sua sexta missão, eles foram atacados pelas forças militares israelenses em águas internacionais a 90 milhas da costa, impedindo que a população de Gaza recebesse mais de três toneladas de suprimentos médicos. O navio conseguiu chegar sem vítimas a um porto no Líbano. Na madrugada do dia 31 maio de 2010, porém, a Flotilha da Liberdade, organizada pela 202
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ONG turca Fundação para os Direitos Humanos, Liberdades e Ajuda Humanitária (IHH pela sigla em inglês), navegava em sua primeira campanha em direção à costa de Gaza, com doze barcos, 750 ativistas de vários países e 10 mil toneladas de ajuda humanitária, quando o mundo testemunhou o covarde ataque terrorista da Marinha de Israel ao navio Mavi Marmara e o assassinato de dez ativistas de campanha. A cineasta brasileira Iara Lee encontrava-se a bordo de um dos barcos, mas não chegou a ser atingida pelo ataque terrorista de Israel contra a Flotilha. Ela contou que o barco foi cercado por 17 barcos de borracha da marinha sionista e em seguida vieram os helicópteros. Ela relatou em entrevista ao Jornal GGN que na hora que subi [ao convés], comecei a ver mortos e feridos. Não achei meu cinegrafista. Estava super agoniada. Só consegui vê-lo quando começaram a algemar todo mundo. Quando você vê algo que não está acostumado, seu corpo reage. Eu estava prestes a vomitar. Era tanto sangue na minha frente, tanta carnificina. Nunca tinha visto isso na minha vida. Eu morava em Beirute, em 2006. Tive a trágica experiência de presenciar os bombardeios israelenses no Líbano. Eles sempre conseguem te surpreender. As bombas de fragmentação no Líbano, as bombas de fósforo branco em Gaza. E, aqui, esses snipers e comandos contra civis do nosso navio. Os israelenses sempre têm a capacidade surpreendente de ir além de tudo o que seja ruim. Mas chegará uma hora que eles terão de confrontar a lei internacional. Não é possível que eles vão continuar se comportando dessa maneira. Os israelenses ignoram a lei internacional. Se o mundo inteiro não fizer pressão, eles continuarão abusando144.
O Governo brasileiro divulgou nota assinada pelo chanceler Celso Amorim condenando o ataque e convocou o embaixador de Israel ao Itamaraty para que recebesse a manifestação de indignação com o ataque e a preocupação com a situação da cidadã brasileira. A nota do Itamaraty dizia o seguinte: 144 A entrevista completa está disponível em https://jornalggn.com.br/politica/ internacional-politica/a-entrevista-de-iara-lee-sobre-o-ataque-a-flotilha/.
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Ataque israelense Flotilha da Liberdade Com choque e consternação, o Governo brasileiro recebeu a notícia do ataque israelense a um dos barcos da flotilha que levava ajuda humanitária internacional à Faixa de Gaza, do qual resultou a morte de mais de uma dezena de pessoas, além de ferimentos em outros integrantes. O Brasil condena, em termos veementes, ação israelense, uma vez que não há justificativa para intervenção militar em comboio pacífico, de caráter estritamente humanitário. O fato agravado por ter ocorrido, segundo as informações disponíveis, em águas internacionais. O Brasil considera que o incidente deva ser objeto de investigação independente, que esclareça plenamente os fatos à luz do Direito Humanitário e do Direito Internacional como um todo. Os trágicos resultados da operação militar israelense denotam, uma vez mais, a necessidade de que seja levantado, imediatamente, o bloqueio imposto à Faixa de Gaza, com vistas a garantir a liberdade de locomoção de seus habitantes e o livre acesso de alimentos, remédios e bens de consumo àquela região. Preocupa especialmente ao Governo brasileiro a notícia de que uma brasileira, Iara Lee, estava numa das embarcações que compunha a flotilha humanitária. O Ministro Celso Amorim, ao solidarizar-se com os familiares das vítimas do ataque, determinou que fossem tomadas providências imediatas para a localização da cidadã brasileira. A Representante do Brasil junto a ONU foi instruída a apoiar a convocação de reunião extraordinária do Conselho de Segurança das Nações Unidas para discutir a operação militar israelense. O Embaixador de Israel no Brasil está sendo chamado ao Itamaraty para que seja manifestada a indignação do
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Governo Brasileiro com o incidente e a preocupação com a situação da cidadã brasileira145.
Em agosto de 2011, a flotilha contou com doze de navios levando ajuda humanitária para Gaza, uma ajuda que nunca chegou porque as autoridades gregas, em conluio com os israelenses, os interceptaram no Mediterrâneo (fato que também supõe a violação da soberania nacional de vários países membros da União Europeia). Desta Flotilha, apenas um navio conseguiu continuar na direção de Gaza, sendo interceptado mais tarde pelas autoridades sionistas. Em julho de 2012, a Flotilha partiu da Suécia para Gaza, tendo sido atacada por comandos israelenses em águas internacionais. O veleiro Estelle foi fretado na Suécia para navegar das águas nórdicas para Gaza através dos portos do Báltico, Atlântico, Cantábrico e Mediterrâneo. O veleiro parou em diferentes portos europeus. Visitou cinco cidades espanholas: Donostia, Bermeo, Santa Pola, Alicante e St. Adrià- Barcelona, onde eventos como concertos, palestras, reuniões políticas, exibições de filmes foram organizados para dar notícias sobre a situação da Palestina, especialmente em Gaza e seu povo. Em 2013-2014, a campanha mudou a estratégia, com um projeto onde a Flotilha partiria da costa de Gaza para o ocidente, com intenção de romper o bloqueio, uma vez que a proibição imposta militarmente por Israel não só impede a navegação para Gaza, como também impede que a população palestina navegue em suas águas territoriais ou se dirija para outro porto do Mediterrâneo. Aquela iniciativa foi denominada de “A Arca de Gaza”, com um barco recuperado por trabalhadores palestinos e voluntários internacionais. Foi algo inovador, pois além de romper o bloqueio interno, exportava produtos palestinos para outros portos, transmitindo assim uma mensagem da capacidade da Palestina de desenvolver sua própria economia, recuperando sua liberdade de movimento. No entanto, não conseguiu 145 O GLOBO. Leia a íntegra da nota do Itamaraty contra ataque de Israel à frota com ajuda para Gaza, 2010. Disponível em: https://oglobo.globo.com/mundo/leiaintegra-da-nota-do-itamaraty-contra-ataque-de-israel-frota-com-ajuda-paragaza-3000972.
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navegar, pois foi alvo de bombardeios israelenses durante os ataques criminosos de Israel contra Gaza em julho de 2014. Foi preparada uma nova campanha, desta vez denominada “Porto Aberto de Gaza”, com três navios levando mais de cinquenta tripulantes internacionais para Gaza em junho de 2015. Um deles foi alvo de ações ilegais do exército israelense, que roubou as cargas da campanha e manteve as pessoas presas na prisão de Giv’on. Em 2016, treze mulheres, entre elas a ativista pacifista britânica e Prêmio Nobel da Paz, Mairead Corrigan, juntaram-se na missão “Mulheres Rumo a Gaza”, e zarparam em 14 setembro do porto de Barcelona nos veleiros Amal (Esperança) e Zaytouna (Azeitona) em direção a Gaza. Uma das tripulantes da flotilha era Jaldía Abubakha, nascida de uma família palestina de Bersebá, que vive há 30 anos em Madri. O barco Zaytouna foi atacado em águas internacionais no mar Mediterrâneo e levado para o porto de Ashdod, no norte de Gaza, onde as ativistas ficaram detidas e o veleiro confiscado. A coordenadora da campanha Rumo a Gaza para a América Latina, Alexandra Vega-Rivera, avalia que enquanto o objetivo central das campanhas é romper o bloqueio, pensando nele como a ruptura no marco da chegada dos navios à costa de Gaza, considerando que habitamos uma realidade que data de uma década de bloqueio, sempre esperaremos o momento em que avançar mais milhas alimenta a emoção e a possibilidade de torná-la efetiva, mesmo sabendo que isso não pode ser provável – por enquanto. No entanto, como Rumo a Gaza diz: “A coisa mais importante que a resistência palestina à ocupação nos ensina é que essa luta é longa e que o que foi alcançado é apenas olhar para o longo prazo”. [...] A convergência entre a denúncia do bloqueio por meio da ação direta e a reivindicação da perspectiva feminista não podia ser tomada como garantida, mas a campanha Mulheres Rumo a Gaza mostrou que uma sinergia que superou as expectativas foi alcançada. As mulheres envolvidas no trabalho que realizaram este projeto – em terra e no mar – poderiam fazer
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uso de suas formas, criar espaços que permitam a expressão de sentimentos e estimular o diálogo. Mulheres Rumo a Gaza foi uma experiência de crescimento, de descoberta de forças e oportunidades146.
As ações realizadas pela Flotilha da Liberdade são uma eficiente forma de solidariedade internacional à luta do povo palestino e de denúncia das atrocidades de Israel, que mantém o bloqueio desumano e destrutivo de Gaza por mais de uma década. Têm como objetivo denunciar o bloqueio ilegal israelense das águas territoriais palestinas. Essas ações são pacíficas, da sociedade civil para a sociedade civil, para exigir respeito pelos direitos humanos do povo palestino. Em 2012, um relatório das Nações Unidas alertou sobre o fato de que Gaza será inabitável em 2020 devido ao bloqueio israelense. Mas já no final de 2017 as Nações Unidas reconheceram que esse estado dramático já havia sido atingido.
5.9 Um Dia para o mundo lembrar Jerusalém Jerusalém foi fundada por volta do ano 3000 a.C., pelos jebuseus, um subgrupo cananeu, numa das melhores localizações da Palestina, em um planalto nas montanhas da Judeia entre o Mediterrâneo e o mar Morto. É uma das cidades mais antiga do mundo e considerada sagrada pelas três religiões monoteístas: islamismo, cristianismo e judaísmo. Todas três já governaram a Cidade Santa, uma vez ou outra. Os judeus dominaram a cidade por 72 anos, nos tempos bíblicos de Salomão e seu filho Davi. Os cristãos durante cerca de 400 anos entre os séculos IV e VII e, outra vez, no século XX, quando as tropas britânicas capturaram Jerusalém em favor dos seus aliados, após o acordo que desligou a Palestina do Império Otomano turco e ficou sob a administração do governo britânico por Mandato concedido pela Liga das Nações, no período de 1922 a 1948. Os muçulmanos, árabes e turcos governaram a cidade por doze séculos – de 638 a 1917 ininterruptamente – excetuando o período em que a cidade foi 146 VEJA-RIVERA, Alexandra. El mar: un camino hacia la vida. Palestina Soberana, 2018. Disponível em: http://palestinasoberana.info/?p=22619.
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a capital do reino latino de Jerusalém, sob o governo do imperador romano Públio Aelius Adriano, de 73 a 138 d.C. Fundada no IV milênio A.C., Jerusalém foi destruída pelo menos duas vezes, sitiada 23 vezes, atacada 52 vezes e capturada e recapturada outras 44 vezes. As diversas Resoluções das Nações Unidas e o Direito Internacional não reconhecem a soberania do Estado de Israel na ocupação de qualquer parte de Jerusalém. Jerusalém é a capital histórica e milenar da Palestina. Seu status religioso, histórico e civilizacional é fundamental a árabes, muçulmanos e cristãos e ao mundo em geral. Os lugares sagrados para muçulmanos e cristãos pertencem exclusivamente ao povo palestino. A Resolução 303, de 9 de dezembro de 1949, proclamou a internacionalização de Jerusalém e a sua administração pela ONU. Como uma afronta a ONU e à comunidade internacional, dois dias após a aprovação da Resolução 303 e dando seguimento à sua política colonialista de transformar Jerusalém numa cidade judia, Israel declarou Jerusalém sua capital e mudou a sede do governo para lá. Os judeus destruíram o cemitério islâmico de Mamilah e converteram-no num parque. Israel construiu um novo cemitério para políticos judeus, em homenagem ao judeu asquenaze147 Theodor Herzl, bem como um novo museu e um novo campus da Universidade Hebraica. Também proibiu a menção à palavra Palestina ou história árabe-islâmica nos currículos escolares. Os palestinos também sofreram restrição no que diz respeito ao trabalho, residência e deslocamento. A Resolução 478 do Conselho de Segurança da ONU, de 20 de agosto 1980, declarou que a publicação da “Lei Básica de Jerusalém, Capital de Israel”, pelo parlamento israelense declarando Jerusalém como capital de Israel foi considerada nula de efeitos por ser uma violação do Direito Internacional. À época, convidava os Estados Membros a retirar suas missões diplomáticas da Cidade Santa. A Resolução também afetava a Quarta Convenção de Genebra, adotada 147 Asquenaze ou asquenazim são os judeus provenientes da Europa Central e Europa Oriental. O termo provém do termo do hebraico medieval para a Alemanha, chamado Ashkenaz.
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a 12 de agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a elaborar as Convenções Internacionais para a Proteção das Vítimas da Guerra. A Convenção entrou em vigor na ordem internacional: 21 de outubro de 1950. Esta mesma resolução convidava os Estados Membros a retirar suas missões diplomáticas da Cidade Santa. O Dia Mundial de Al-Quds, nome árabe da cidade milenar de Jerusalém, foi instituído em 7 de agosto de 1979 pelo líder máximo, político e espiritual da Revolução patriótica, popular e islâmica do Irã, o Ayatollah Khomeini148 (1902-1989), e é comemorado na última sexta-feira do Sagrado mês do Ramadan149, por considerar que a causa palestina é uma questão internacional, de soberania e de direitos humanos. O dia de Jerusalém não é um dia exclusivamente voltado para a causa palestina, mas sim o dia simbólico em que todo oprimido enfrenta seu opressor. Ele considerava que o desrespeito e as violações à Jerusalém Histórica equivaleriam ao desrespeito à diversidade e à tolerância religiosa. A mensagem do Ayatollah Khomeini é transmitida inicialmente ao chamado mundo islâmico, redigida por ele próprio nos seguintes termos: Em nome de Deus, muito clemente e misericordioso, Ao longo de todos estes anos, tenho advertido os muçulmanos do perigo do ocupante israelense, que estes dias têm intensificado seus ataques ferozes sobre irmãos e irmãs palestinos, e que está a bombardear especialmente as casas dos combatentes palestinos no sul do Líbano a para aniquilá-los.
148 Sayyid Ruhollah Musavi Khomeini nasceu em Khomein, em 24 de setembro de 1900, e faleceu em Teerã, em 3 de junho de 1989. Foi uma autoridade religiosa xiita iraniana, líder político e espiritual da Revolução Iraniana de 1979. Sua biografia está disponível em http://arresala.org.br/biblioteca/ayatullah-alodhma-assayed-ruhollah-khomeini-k-s. 149 Ramadan é o nono mês do calendário lunar islâmico composto por doze meses de 29 ou 30 dias ao longo de um ano com 354 ou 355 dias, no qual os muçulmanos praticam o ritual do jejum, o segundo dos cinco pilares do Islã. O jejum é realizado entre o alvorecer e o pôr do sol, onde não se come, bebe, não pratica sexo e nem faz uso de outras substâncias, como o fumo.
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Peço ao muçulmano comum do mundo e aos governos islâmicos a se unirem para encurtar o lado do invasor e os seus apoiadores, e convido a todos os muçulmanos ao redor do mundo para escolher como “Dia de Al Quds” na última sexta-feira do mês sagrado Ramadan, que é um dos dias da Noite do Decreto e pode ser decisivo para a sorte dos palestinos de proclamarem em manifestações de solidariedade internacional de muçulmanos em apoio aos direitos legais do povo palestino. Eu peço a Deus pela vitória dos muçulmanos sobre aqueles que o negam. Que a paz esteja com você, a misericórdia de Deus e suas bênçãos. Ruhollah al-Musawi al-Khomeini, em 7 de agosto de 1979150.
Encontro entre Yasser Arafat e o Ayatollah Khomeini na França, em 1979, poucos dias antes do regresso de Khomeini ao Irã e o início da Revolução Islâmica. Disponível em: http://english.khamenei.ir/news/3892/Guess-who-called-for-the-boycott-of-Israel-in-1967. 150 AVA – Afghan Voice Agency. Disponível em: https://www.avapress.com/fa/ report/12160.
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Israel sabe que, do ponto de vista do Direito Internacional, da Carta das Nações Unidas e das dezenas de Resoluções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança da ONU, Jerusalém não lhe pertence. Senão vejamos: 1) Jerusalém é parte integral da Palestina e seus vínculos são milenares. Judeus jamais dominaram Jerusalém por um tempo considerável. A insistência de Israel em tornar Jerusalém a “capital unificada” da ocupação sionista na Palestina viola o Direito Internacional e as diversas Resoluções da ONU. Como é possível que um punhado de colonizadores europeus, utilizando uma suposta razão religiosa, invada, saqueie, mate os verdadeiros donos da terra, utilizando como justificativa estar ungido pelo mandado divino? Há seis mil anos a terra pertence ao povo palestino. 2) Desde a Resolução nº 56, de 19 de agosto de 1948, até a Resolução 2334, de 23 de dezembro de 2016 – que não foi contestada pelos Estados Unidos, o status internacional de Jerusalém é o de cidade “ocupada” pelas forças de Israel. 3) Jerusalém é um Patrimônio da Humanidade e a terra em cujo solo estão os restos mortais de milhares de profetas e lutadores por justiça. É a terra de Abraão, Moisés e Jesus. Cidade sagrada para as três principais religiões abraâmicas. Seus quatro bairros acolhem as comunidades cristã, muçulmana, judia e armênia que habitavam há séculos a cidade de maneira pacífica e tolerante, até a chegada e ocupação dos sionistas. A luta do povo palestino por sua autodeterminação e a manutenção de Jerusalém como cidade sagrada para todos os povos e capital da Palestina não é apenas uma questão de ordem política, mas de ordem religiosa e sagrada para todos os muçulmanos, sejam sunitas, xiitas ou sufis. A cidade é o terceiro lugar mais sagrado, depois de Meca e Medina. Conforme já mencionei anteriormente, foi a primeira quibla, o ponto para o qual os muçulmanos se voltam nas cinco orações diárias. E para onde o Profeta Mohammad fez a viagem
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noturna de Mecca à mesquita sagrada de Al-Aqsa, de onde ascendeu ao paraíso, até a presença de Deus. É igualmente sagrada para cristãos, onde está localizada a Igreja do Santo Sepulcro, local de crucificação e sepultamento do Profeta Jesus, e de sua ressurreição ao terceiro dia de sua crucificação e morte, depois de ter sido acusado pela elite judaica de blasfêmia por se declarar Filho de Deus e sentenciado pelo procurador romano Poncio Pilatos. O arqueólogo israelense Yuni Mizrahi Rafael Greenberg, professor de Arqueologia na Universidade de Tel Aviv, afirma151 que não há absolutamente nenhuma prova histórica da dominação de judeus em Jerusalém no passado, a não ser os registros bíblicos do Antigo Testamento, de tradução muitas vezes duvidosa, sobre a deportação dos judeus da cidade e a sua peregrinação no deserto do Sinai. E vai mais além: não há absolutamente nenhuma prova histórica ou arqueológica da existência do templo de Salomão, no local onde Israel diz que se encontrava ou sobre a vitória de Josué, filho de Nun, na guerra contra os cananeus. “Segundo as hipóteses da maior parte dos novos arqueólogos e pesquisadores, o glorioso reino unificado nunca existiu, e o rei Salomão não possuía palácio suficientemente grande para abrigar suas 700 mulheres e 300 servos”.152 Por outro lado, no documentário The Bible Unearthend, Finkelstein narra que “O livro de Josué não é história, mas uma descrição mítica, como no caso dos patriarcas e do êxodo. Ele narra a formação da nação e, portanto, está repleto de intervenções divinas, façanhas e milagres”153. Se, como a arqueologia sugere, as sagas dos patriarcas e do Êxodo foram lendas compiladas em períodos posteriores, e se não existe evidência convincente da invasão unificada 151 SAHURIE, Jalil. Padre de la arqueología israelí declara que “No hay pruebas históricas de la pertenencia de Jerusalén a los judíos ni de la existencia de un Templo Judío”. ABABIL.ORG, 2018. Disponível em: http://ababil.org/ archives/7028. 152 Sand, p. 219 153 HUMANAE LIBERTAS. E a Bíblia não tinha razão: escavações em Israel revelam toda a verdade, 22 nov. 2016. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=M5uFvlfoRNo.
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de Canaã sob a liderança de Josué, o que fazemos a respeito das pretensões dos israelitas sobre sua antiga nacionalidade? Quem eram essas pessoas que traçavam suas tradições em acontecimentos históricos e religiosos de um longínquo passado compartilhado? Uma vez mais, a arqueologia pode oferecer respostas surpreendentes. Escavações em antigas vilas israelitas, com suas cerâmicas, casas, silos de grãos, podem nos ajudar a reconstruir o dia-a-dia de suas vidas e relações culturais. E, surpreendentemente, a arqueologia revela que o povo que vivia nessas aldeias era formado de habitantes nativos de Canaã, os quais só aos poucos desenvolveram a identidade étnica que pôde ser denominada israelita154.
Conforme relatos bíblicos (Deuteronômio 34:10), o Profeta Moisés morreu no Monte Nebo, na margem oriental do Mar Morto, no que é atualmente a Jordânia, de onde do topo tem-se uma vista limitada do vale do Rio Jordão e a cidade palestina de Jericó. Moisés morreu sem jamais conseguir chegar à Palestina e sem nunca ter ordenado a seus seguidores o massacre de outras tribos ou roubar suas terras, como fazem os israelenses atuais. Shlomo Sand, em sua obra A invenção do povo judeu (2011), escreveu que os judeus que habitam a Palestina Ocupada não são descendentes dos judeus bíblicos, mas, em sua esmagadora maioria, formada por europeus convertidos ao judaísmo e levados à Palestina para dar sentido à falácia da “terra sem povo para um povo sem terra” e justificar o roubo do território palestino. Segundo Sand (2011), ninguém exilou os judeus da região, a diáspora é essencialmente uma invenção moderna e a expulsão dos judeus da Palestina simplesmente nunca aconteceu. A ideia de regresso do “exílio” à “Terra Prometida”, ainda segundo Sand, era estranha ao judaísmo antes do nascimento do sionismo. Pelo contrário, durante 2.000 anos os judeus ficaram longe de Jerusalém porque a sua religião os proibia de regressar à cidade sagrada até que 154 FINKELSTEIN, Israel; SILBERMAN, Neil Asher. A Bíblia não tinha razão. São Paulo: A Girafa Editora, 2005. p. 140-141.
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o Messias voltasse no “fim dos tempos”, para que pudessem retornar para a Eretz Israel. Conforme Pappé (2016), essa tradição e a religião judaica orientavam que eles regressariam como um povo soberano em uma teocracia judaica, isto é, como os servos obedientes de Deus, razão pela qual diversas correntes de judeus ultraortodoxos hoje serem antissionistas ou não sionistas. Informações arqueológicas têm sido falsificadas em benefício do ocupante. Mesmo depois de anos de buscas incessantes, Israel não tem como demonstrar nenhuma prova da posse da Cidade Santa pelos judeus no passado. Não se tem evidência de nenhum objeto onde esteja escrito “Bem-vindo ao palácio de Davi”, como tem afirmado a organização direitista Al-Aad, que desenvolveu pesquisas sobre o assunto ao custo de milhares de dólares, sem que as conclusões e provas tenham sido apresentadas até hoje. Sand, no livro A invenção do povo judeu, afirma que foi depois da guerra de 1967 que arqueólogos e pesquisadores começaram a duvidar da própria existência desse imenso reino, que, segundo a Bíblia, se desenvolveu rapidamente até o fim do período dos juízes. As escavações realizadas em Jerusalém nos anos 1970, ou seja, depois que ela foi “unificada para a eternidade” pelo governo israelense, eram incômodas para a gloriosa representação do passado. Foi evidentemente impossível escavar sob a esplanada da mesquita de Al-Aqsa, mas, de qualquer forma, não foram encontrados vestígios da existência de um reino importante no século X a.C., suposta época de Davi e Salomão, em nenhum dos canteiros abertos nas proximidades; nenhum testemunho de uma construção monumental, nem muralha, nem palácios magníficos, e havia, de maneira surpreendente, poucas cerâmicas, e as encontradas eram de um estilo extremamente despojado. Arqueólogos inicialmente levantaram a hipótese de que os vestígios desse período teriam sido apagados pelas épocas posteriores, assim como pelas inúmeras construções do período de Herodes, mas, infelizmente, descobriram-se em Jerusalém vestígios impressionantes de séculos anteriores. [...]
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O desenvolvimento da tecnologia de datação pelo carbono 14 confirmou a dolorosa conclusão [que] de fato, não existe nenhum vestígio da existência desse reino lendário cuja riqueza a Bíblia descreve em termos que quase igualam os poderosos reis da Babilônia ou da Pérsia155.
Desde a vitória de Israel no massacre dos seis dias, em 1967, os sionistas vêm se apressando em executar um processo de judaização completa da Palestina. Esse processo se dá em todos os campos, como o militar, administrativo, legislativo (como a Lei do Estado-Nação aprovada pelo Knesset em 2018), demográfico, religioso e histórico (como a destruição do cemitério islâmico Mamilah, localizado a oeste das muralhas da cidade velha de Jerusalém e convertido num parque pelos ocupantes). O objetivo final é a completa desenraização e destruição da Palestina. O povo palestino tem o direito legítimo, garantido pela lei divina e pelas normas e leis internacionais, de resistir à ocupação, ao apartheid e à limpeza ética, com todas as medidas e métodos. É um ato de autodefesa e uma expressão do direito natural de todos os povos à autodeterminação. A libertação da Palestina é o tema que tem a maior dimensão internacional, humanitária e civilizacional. É uma necessidade da afirmação e do cumprimento do Direito Internacional, da verdade e justiça. O respeito à justiça exige que se cumpra com o direito ao Estado palestino totalmente soberano e independente, com Jerusalém como sua capital ao longo das fronteiras de 4 de junho de 1967, com o retorno dos refugiados e deslocados de seus lares dos quais eles foram expulsos. O escritor uruguaio Eduardo Galeano escreveu, no artigo Pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está apagando-a do mapa, que os colonos invadem, e, depois deles, os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam o despojo, em legítima defesa. Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a 155 SAND, Shlomo. A invenção do povo judeu: da Bíblia ao sionismo. São Paulo: Benvirá, 2011. p. 216-217.
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Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma das suas guerras defensivas, Israel engoliu outro pedaço da Palestina, e os almoços continuam. O repasto justifica-se pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram [n]os palestinos à espreita. Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, o que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, o que escarnece das leis internacionais, e é também o único país que tem legalizado a tortura de prisioneiros156.
Ele questiona quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos? E lembra algumas ações que não ficaram impunes, como a da Espanha quando bombardeou ao País Basco para acabar com o ETA; ou a do governo britânico, quando tentou arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. “Por acaso a tragédia do holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência mandachuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?”157. Sob o pretexto de que as decisões das várias instâncias da ONU são “anti-israelenses” e que existe uma perseguição à “única democracia do Oriente Médio”, Israel não cumpre as resoluções que a obrigam a respeitar o Direito Internacional. Tradicionalmente, os Estados Unidos protegem o Estado de Israel de decisões condenatórias, já tendo vetado mais de 40 resoluções do Conselho de Segurança da ONU críticas às políticas israelenses, algumas das quais redigidas por seus próprios aliados europeus. Recordemos que, dos 15 países do Conselho de Segurança das Nações Unidas, apenas os 5 membros permanentes, China, França, Reino Unido, Rússia e Estados Unidos têm a possibilidade de vetar.
156 GALEANO, Eduardo. “Pouca Palestina resta. Pouco a pouco, Israel está apagando-a do mapa”. Brasil de Fato. Disponível em: https://www.brasildefato. com.br/node/29245/ 157 Disponível em: http://old.operamundi.com.br/dialogosdosul/gaza-poreduardo-galeano-2/15042015/
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Em 2016, no final do governo do presidente Barack Obama, os Estados Unidos adotaram a atitude inédita de se abster no Conselho de Segurança na votação da Resolução que condenava mais uma vez Israel pela expansão dos assentamentos judaicos em território palestino. A representante dos Estados Unidos na ONU, Samantha Power, disse, na ocasião, que a resolução reflete o “fato concreto” de que crescimento dos assentamentos tem se acelerado e que “a expansão israelense não é compatível com uma solução viável do conflito que compreenda a existência concomitante de um Estado judeu e de outro palestino”158. Desde a Resolução 181, de 28 de novembro de 1947, da Assembleia Geral concernente ao plano de partilha da Palestina, ao futuro governo da Palestina e à internacionalização da Jerusalém, o estado sionista descumpre, entre outras, as seguintes Resoluções do Conselho de Segurança: - Resolução 267, de 3 de julho de 1969, pedindo mais uma vez a Israel para rescindir todas as medias alterando o status de Jerusalém. Sobre o mesmo tema ainda foram aprovadas as resoluções 271, de 15 de setembro de 1969, e 298, de 25 de setembro de 1971; - Resolução 446, de 1979, que sublinhou que os assentamentos e a transferência da população israelense dos territórios palestinos são ilegais; - Resolução 452, de 20 de julho de 1979, pedindo às autoridades de ocupação o congelamento das atividades de assentamento nos territórios árabes ocupados, incluindo Jerusalém, e não reconhecer a anexação; - Resolução 465, de 1 de março de 1980, pedindo a Israel para desmontar as colônias nos territórios árabes ocupados, incluindo Jerusalém, e para pôr fim ao planejamento e à construção de tais colônias; 158 Folha de S. Paulo. EUA se abstêm e ONU aprova fim de novos assentamentos na Palestina, 2016. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ mundo/2016/12/1844105-eua-se-abstem-e-onu-aprova-fim-de-novosassentamentos-na-palestina.shtml.
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- Resolução 476, de 30 de junho de 1980, declarando nulas e vazias as medidas adotadas por Israel para mudar o caráter de Jerusalém; - Resolução 478, de 20 de agosto de 1980, decidindo não reconhecer a “Lei Básica” sobre Jerusalém e outras ações similares de Israel que procuraram alterar o caráter e o status da cidade e convocando os estados a retirarem suas missões diplomáticas de Jerusalém; e - Resolução 465, de 1 de março de 1980, pedindo a Israel para desmantelar colônias nos territórios palestinos ocupados, e para pôr fim ao planejamento e construção de colônias. E as Resoluções da Assembleia Geral: - Resolução 194 (III), de 11 de dezembro de 1948, criando uma Comissão de Conciliação da ONU, decidindo que Jerusalém deve ser colocada sob um regime internacional, e decidindo que os refugiados devem ter permissão para retornar; - Resolução 303 (IV), de 9 de dezembro de 1949, reiterando a intenção de que Jerusalém deva ser colocada sob um regime internacional permanente; - Resolução 114, de 20 de dezembro de 1949, pedindo que Israel revogue a transferência para Jerusalém de alguns ministérios e departamentos; - Resolução 2253 (ES-V), de 4 de julho de 1967, pedindo que Israel revogue e desista de medidas que mudem o status de Jerusalém. Noventa membros adotaram, 20 se abstiveram. Israel não participou das discussões ou da votação. - Resolução 2254 (ES-V), de 14 de julho de 1967, que condenou o fracasso de Israel em aplicar a resolução anterior e pediu a Israel que cancelasse todas as atividades no leste de Jerusalém e, especialmente, que não mudasse as características da cidade; - Resolução 250, de 27 de abril de 1968, que pediu a Israel que não realizasse uma parada militar em Jerusalém;
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- Resolução 251, de 2 de maio de 1968, que condenou a realização da parada militar em Jerusalém; - Resolução 252, de 21 de maio de 1968, que pediu a Israel que cancelasse todas as atividades em Jerusalém e condenou a ocupação de qualquer terra por meio de agressão armada. Também considerou todas essas atividades ilegais e insistiu que a situação na cidade permanecesse como estava; 252;
- Resolução 267, de 3 de julho de 1969, que confirmou a resolução
- Resolução 271, de 15 de setembro de 1969, que pediu a Israel que protegesse a mesquita de al-Aqsa e cancelasse todas as atividades que pudessem mudar as suas características. - Resolução 298, de 25 de setembro de 1971, onde foi lamentada a indiferença israelense em relação às leis e resoluções internacionais relativas a Jerusalém. A Resolução confirmou que todos os procedimentos administrativos e legislativos tomados por Israel na cidade, como transferência de propriedade e confisco de terras, eram ilegais, além de confirmar que não deveriam ser realizadas mais atividades que pudessem mudar as características da cidade ou a demografia. - Resolução 2851, de 20 de dezembro de 1971, pedindo energicamente a Israel para rescindir todas as medidas para anexar e/ ou estabelecer colônias nos territórios ocupados e pedindo ao Comitê Especial para continuar seu trabalho; - Resoluções 31/106 A e C, de 16 de dezembro de 1976, Resolução 32, de 28 de outubro de 1977, condenando as práticas israelenses que atingem direitos nos territórios ocupados e condenando as medidas para mudar o status de Jerusalém; - Resolução 32, de 28 de outubro de 1977, condenando as práticas israelenses que atingem direitos nos territórios ocupados e condenando as medidas para mudar o status legal, a natureza
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geográfica e a composição demográfica dos territórios ocupados, incluindo Jerusalém; - Resolução 32/91 A e C, de 13 de dezembro de 1977, reafirmando a aplicabilidade da Convenção de Genebra de 12 de agosto de 1949, e condenando as políticas e práticas israelenses nos territórios ocupados, incluindo Jerusalém; - Resolução 32/113 A, B e C, de 18 de dezembro de 1978, reafirmando a nulidade de todas as medidas adotadas por Israel em Jerusalém; - Resolução 34/70, de 6 de dezembro de 1979, declarando que um acordo justo e duradouro deve ser baseado na consecução pelo povo palestino de seus inalienáveis direitos e da retirada israelense de todos os territórios ocupados, incluindo Jerusalém; - Resolução ES-7/2 (7ª Sessão de Emergência), de 29 de julho de 1980, pedindo a Israel para começar a retirada completa em torno de novembro de 1980 de todos os territórios palestinos e de outros territórios árabes ocupados desde junho de 1967, incluindo Jerusalém; - Resolução 36, de 28 de outubro de 1981, pedindo que Israel suspenda imediatamente todas as escavações e alterações dos sítios históricos, culturais e religiosos de Jerusalém, particularmente abaixo e ao redor do santuário sagrado de al-Haram al-Sharif (alMasjid al-Aqsa e o sagrado Domo da Rocha), cujas estruturas estão começando a ruir; - Resolução 49/87, de 16 de dezembro de 1994, que determina que a decisão de Israel de impor suas leis a Jerusalém é nula e vazia; - Resolução 52/22 A, de 4 de dezembro de 1995, afirmando que as medidas de Israel para mudar o status de Jerusalém são nulas e vazias; - Resolução 10/2, de 24 de abril de 1997, condenando ações ilegais de Israel na Jerusalém Oriental ocupada e no resto do território palestino ocupado. 220
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E não para por aqui. O estado sionista e genocida, que pratica apartheid na Palestina Ocupada, também desrespeita a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). A seguir, algumas das resoluções e decisões não cumpridas por Israel: - Resolução 21 C/4.14, de 27 de outubro de 1980, expressando preocupação ante as mudanças no caráter cultural e religioso da Cidade Santa de Jerusalém, e convidando os Estados Membros a retirarem todo o reconhecimento das modificações feitas por Israel para mudar o caráter e o status de Jerusalém; - Decisão 114 EX/C.5.4.2, de 1982, condenando as repetidas recusas de Israel a implementar as resoluções da UNESCO sobre a cidade de Jerusalém; - Decisão 116/5.4.1, de 1983, condenando as ações de Israel que afetam o caráter cultural e religioso de Jerusalém; - Decisão 120 EX/5.3.1, de 1984, concernente às práticas anexionistas israelenses afetando o caráter cultural e religioso de Jerusalém; - Resolução 23-C11.3, de 8 de novembro de 1985, deplorando os ataques aos lugares santos do Islam em Jerusalém. Esta Resolução foi seguida da 24 C.11.6, de 16 de novembro de 1987, reiterando a decisão anterior; - Decisão 130 EX/5.4.1, de 8 de novembro de 1988, deplorando incidentes recentes na ocupada cidade velha de Jerusalém e convidando o Diretor Geral a enviar representantes para elaborar um relato sobre a preservação histórica em foco; - As Resoluções 25-C/3.6, de 15 de novembro de 1989; 135EX/5.3.1, de 25 de outubro de 1990 e a 137-EX/5.3.2, de 11 de outubro de 1991, deploravam com vigor as mudanças feitas por Israel no patrimônio de Jerusalém e da cidade velha, recomendando uma minuta de resolução à conferência geral lastimando aquelas mudanças.
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E, como não poderia deixar de ser, Israel não respeitou e nem acolheu nenhuma das resoluções do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas (United Nations Human Rights Council – UNHRC), sucessor da Comissão das Nações Unidas para os Direitos Humanos e parte do corpo de apoio à Assembleia Geral das Nações Unidas. Baseada em Genebra, sua principal finalidade é aconselhar a Assembleia Geral sobre situações em que os direitos humanos são violados. Entre as resoluções violadas por Israel, estão as seguintes: - Resolução 1 (XXX), de 11 de fevereiro de 1974, condenando a política de Israel de anexação e transferência de população nos territórios ocupados, incluindo Jerusalém; - Resolução 6-A, de 21 de fevereiro de 1975, condenando as violações por Israel dos diretos humanos nos territórios ocupados e censurando os atos de Israel em Jerusalém; - Resolução 1-A (XXXIII), de 15 de fevereiro de 1977, relativa às violações dos direitos humanos nos territórios ocupados, incluindo Jerusalém; - Resolução 1-A (XXXV), de 21 de fevereiro de 1979, condenando as violações por Israel dos direitos humanos nos territórios ocupados e reafirmando a aplicabilidade da Convenção de Genebra a esses territórios, incluindo Jerusalém; - Resolução 1-A e B (XXXVI), de 13 de fevereiro de 1980, condenando as violações dos direitos humanos em territórios ocupados, incluindo Jerusalém. A questão do status de Jerusalém não será resolvida sem que todos os direitos de árabes e judeus sejam reconhecidos no espírito que norteou a Cidade Santa durante toda sua existência. O reconhecimento dos direitos coletivos de apenas uma população, os judeus israelenses, é uma injustiça indefensável, em todos os sentidos. Tentar expulsar a presença árabe que já dominou Jerusalém por 1300 anos é uma afronta aos palestinos, à humanidade e ao legado milenar da Cidade Santa,
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contra o qual anualmente milhões de pessoas se mobilizam em todos os cantos para declarar a sua solidariedade a Jerusalém. Anualmente, nas principais cidades do mundo, milhares de pessoas acorrem às ruas para denunciar os crimes e o apartheid de Israel e suas violações contra a cidade milenar e sagrada de Jerusalém.
A Câmara dos Deputados realiza Sessão Solene destinada a comemorar o Dia Mundial de Al-Quds - Jerusalém, em 14 de junho de 2018. Da esquerda para a direita, Ualid Rabah, representante da Fepal, Sayid Marcos Tenório, representante do CEBRAPAZ, Seyed Ali Sagheyan, embaixador da República Islâmica do Irã, deputado Evandro Roman (PSD-PR), presidente da Sessão, Ibrahim Al-Zebem, embaixador do Estado da Palestina e Ahmed Shehada, presidente do Instituto Brasil-Palestina - IBRASPAL. Foto: acervo do autor.
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5.10 O movimento de solidariedade no Brasil A primeira entidade árabe-palestina criada no Brasil, em 1980, foi a Federação das Entidades Árabe-Palestinas (FEAPB), hoje denominada Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), que foi presidida por Elayyan Taher Aladdin, eleito no congresso da entidade em 2007. A entidade ficou doze anos sem realizar congressos, eleições ou prestação de contas, conforme previsto no seu estatuto, o que gerou várias manifestações de insatisfação na comunidade árabe-palestina, como veremos mais adiante. As primeiras manifestações públicas de apoio e solidariedade com o povo palestino ocorreram em 1982, durante a invasão israelense ao Líbano, onde os sionistas promoveram um verdadeiro massacre contra populações palestinas e libanesas, quando o mundo assistiu por meio da TV aos horrores praticados pelo exército israelense. A agressão israelense durou 70 dias e deixou um saldo de 30 mil mortos e milhares de feridos. Após a retirada dos combatentes palestinos, fascistas da milícia maronita Falange, liderada por Elie Hobeika e apoiada pelo exército sionista que controlava a capital Beirute, executaram mais de três mil civis nos campos de refugiados de Sabra e Shatila , em ataques perpetrados entre 16 e 18 de setembro de 1982, como retaliação pelo assassinato do presidente eleito do país e líder falangista Bachir Gemayel. As cenas do massacre foram novamente mostradas ao mundo pela TV e causaram grande indignação. Num contexto de horror e tragédia, a comunidade árabe, partidos e entidades do movimento social mobilizaram uma grande manifestação na Avenida Paulista, em São Paulo. Com os gritos de “OLP estamos com você!” e “Israel assassino do povo palestino!”, o ato mobilizou cerca de dez mil pessoas para protestar e demonstrar sua solidariedade com o povo palestino e libanês, vítimas daquela tragédia, e exigir a criação do estado palestino livre, soberano e democrático. Motivados pelo momento de grande mobilização e debates sobre a causa palestina, um grupo de jovens de descendência palestina, síria 224
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e libanesa, entre eles Lâmia Maruf, fundou a primeira entidade de solidariedade, a Associação Cultural Sanaud, em 1982, que passou a funcionar na rua Senador Queirós, no centro de São Paulo. Depois disso, foram criadas mais 17 Associações em todo o Brasil. Ainda em 1982, foi criado o Comitê Brasileiro de Solidariedade ao Povo Palestino, o primeiro movimento organizado da sociedade brasileira em apoio à causa palestina, que contou com a participação de representantes de entidades nacionais e de partidos políticos. Conforme mencionei anteriormente, o movimento social brasileiro desenvolveu inúmeras atividades e merece destaque, como a massiva campanha pela libertação da brasileira Lâmia Maruf, presa em Israel e libertada após 11 anos nos cárceres sionistas. Ela retornou livre ao Brasil 13 em fevereiro de 1997 no voo 359 da Varig. Em 1984 a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou a primeira Lei estadual criando o Dia Nacional de Solidariedade ao Povo Palestino, cuja iniciativa foi do deputado estadual do PCdoB Benedito Cintra e sancionada pelo governador Franco Montoro. Ainda no ano de 1984, o Brasil sediou o Congresso de Fundação da Confederação Palestina para América Latina e Caribe (COPLAC), que contou com a presença da comunidade árabe-palestina e autoridades nacionais e internacionais. Houve também a inauguração da praça Estado da Palestina pela prefeita de São Paulo Luiza Erundina, que não se submeteu às pressões e manteve a homenagem e o seu compromisso de solidariedade com o povo palestino. O Comitê participou ativamente dos preparativos à visita do presidente palestino Yasser Arafat ao Brasil, em setembro de 1995, quando fez uma calorosa recepção e homenagem ao líder palestino no hotel Carlton, onde se hospedou, em Brasília. Em 29 de agosto de 1991 foi criado o Comitê pelo Estado da Palestina, destinado a apoiar e desenvolver campanhas pela aprovação da admissão do estado da Palestina como Estado membro permanente das Nações Unidas, como os demais 193 países que compõem a Assembleia Geral da ONU. 225
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O primeiro Encontro Nacional de Solidariedade ao Povo Palestino veio a se realizar de 25 a 27 de novembro de 2011, na cidade de Guararema, no interior paulista, tendo como anfitrião o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST). Nele foram debatidos temas relacionados à solidariedade, à luta do povo palestino, como o BDS. Ao longo dos anos seguintes, várias atividades em várias cidades brasileiras foram realizadas para marcar o Dia da Terra, comemorado em 30 de março como marco dos acontecimentos daquela data em 1976, quando as autoridades israelenses anunciaram a expropriação de grandes extensões de terras palestinas por “motivos de segurança” e para a construção de colônias judaicas. Naquele dia, uma greve geral e grandes manifestações de protesto sacudiram as localidades palestinas em território do Estado de Israel. Na repressão sangrenta que se seguiu, seis palestinos foram mortos pelas autoridades de Israel e centenas foram presos ou feridos. Desde então, o dia 30 de março ficou conhecido como o Dia da Terra, uma data que simboliza a luta do povo palestino pelo direito aos seus lares, às suas terras de cultivo, à sua Pátria. Outra data marcada por manifestações é o 29 de novembro, data que a Assembleia Geral da ONU decidiu para partilha, dando início à Nakba, a tragédia do povo palestino. E, como já mencionamos no subtítulo anterior, na última sexta-feira do mês sagrado do Ramadã, comemora-se o Dia Mundial de Al-Quds. A Fepal realizou finalmente o seu 10º Congresso em abril de 2019, marcando os 125 anos da imigração palestina e os 40 anos de fundação da entidade. Durante três dias, delegados de todas as regiões do país foram a Porto Alegre debater uma extensa pauta, com temas tais como Questão palestina: legitimidade, legalidade e justiça; Os 125 anos da imigração palestina no Brasil e os 40 anos da Fepal; A mulher na resistência palestina; Saúde para além dos muros; Sanaud no século XXI: um novo tempo é possível? e Gênero e saúde sob a ocupação israelense. O congresso contou com a presença do diretor-geral do Departamento de Expatriados da Organização para a Libertação da palestina (OLP), Hussein Abdelhaliq. 226
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Diversos grupos palestinos reclamaram que o congresso da Fepal não representava e nem reunia o conjunto das forças políticas e organizações palestinas em atividade no Brasil, mas que era uma reunião de partidários do Al-Fatah, patrocinado pela Autoridade Palestina, e que usavam o nome da comunidade em benefício de seu projeto político. Movimentos como a Frente em defesa do Povo Palestino, o BDS Brasil e o Al Janiah divulgaram um manifesto159 onde denunciavam que a entidade carecia de legitimidade para convocar um congresso em nome de toda comunidade. Diversas outras entidades representativas da comunidade palestina brasileira, como a União Democrática das Entidades Palestinas do Brasil, Comitê Santa-Mariense de Solidariedade ao Povo Palestino, Sociedade Árabe Palestina Brasileira de Brasília, Centro Cultural Árabe Palestino do Mato Grosso do Sul, Sociedade Árabe Palestino Brasileira de Santa Maria, Instituto Brasil-Palestina, Comunidade Palestina de Porto Alegre, Comitês da Palestina Democrática, Comitê de Solidariedade à Luta do Povo Palestino – Rio de Janeiro, Comitê Catarinense de Solidariedade com o Povo Palestino, Centro Cultural Árabe de Porto Alegre, entre outras, se manifestaram alegando que o último congresso da Fepal havia sido realizado há doze anos, quando o estatuto determina que deva ser a cada quatro. “Em razão disso”, dizia a nota, “é perfeitamente possível concluir que a atual diretoria carece de legitimidade, semelhante à ANP”. Na mesma nota denunciavam que as lideranças da Fepal, de maneira unilateral, decidiram data, local e programação, bem como a forma de escolha dos delegados. E defendiam o direito de todas as organizações participarem de um grande diálogo prévio para a tomada de decisões de maneira coletiva e não mais da maneira hegemônica adotada pela Fepal. Segundo as entidades, é primordial o direito de todas as organizações participarem de um diálogo, pois todas têm o direito de participar da tomada de decisões em nível de igualdade com todas as entidades. “Não é mais possível tolerar uma conduta política 159 Disponível em: https://www.facebook.com/soraya.misleh/posts/10157741799 697871.
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autoritária onde as demais entidades tenham que submeter-se, sem ponderações, às posições hegemônicas defendidas pela Fepal”. O Congresso concluiu com a eleição de sua nova diretoria, que tem como presidente brasileiro-palestino Ualid Rabah, um advogado de 52 anos, natural de Toledo-PR, cuja origem vem da cidade palestina de Kobar, por parte do seu pai, e de Arura, por parte de sua mãe. Ambas as cidades estão localizadas na Cisjordânia ocupada, na região de Ramallah. Ualid se comprometeu no discurso de posse a trabalhar pela integração das sociedades e associações representativas dos palestinos no Brasil.
5.11 Fórum Social Mundial Palestina Livre em Porto Alegre
Logomarca do Fórum Social Mundial Palestina Livre, de autoria do cartunista Carlos Latuff.
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Exatamente 65 anos depois de o Brasil ter presidido a sessão da Assembleia da ONU que definiu a partilha da Palestina, a cidade brasileira de Porto Alegre abrigou o maior evento de solidariedade à Palestina até então. Entre os dias 28-11 e 1º-12, ativistas e lutadores pela causa palestina oriundos de 36 países foram à capital gaúcha para manifestar no Fórum Social Mundial Palestina Livre (FSMPL) sua determinação de intensificar a luta pelo Estado livre e soberano do povo palestino e contribuir com a justiça e a paz na região. O FSMPL teve início poucos dias após o brutal ataque sionista criminoso e genocida à Faixa de Gaza, por meio da chamada “Operação Pilar Defensivo”, que durou entre os dias 14 e 21 de novembro de 2012, e chocou o mundo com as brutais imagens de crianças palestinas mortas pela aviação israelense, em mais uma demonstração da guerra assimétrica conduzida por Israel contra a população palestina de Gaza. Os organizadores do FSMPL definiram como objetivos mostrar a força da solidariedade com o povo palestino e a diversidade de iniciativas e ações destinadas a promover a justiça e a paz na região; criar ações efetivas para garantir a autodeterminação palestina, a criação de um Estado palestino tendo Jerusalém como sua capital e do cumprimento dos direitos humanos e do Direito Internacional, com as seguintes ações: a) o fim da ocupação israelense e da colonização ilegal de todas as terras árabes e a destruição do Muro; b) garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos árabe-palestinos de Israel a fim de gozar igualdade plena; c) Implementação, proteção e promoção dos direitos dos refugiados palestinos de regressar às suas casas e propriedades como estipulado na Resolução 194 da ONU. E ser um espaço de discussão, troca de ideias, estratégia e planejamento, visando à melhoria da estrutura de solidariedade. O FSMPL contou com a participação de cerca de 3 mil pessoas, representando mais de 300 organizações dos 36 países dos cinco continentes presentes. Foram realizadas 158 atividades autogestionadas promovidas por organizações de 21 países. A abertura foi em 29 de novembro, Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, onde uma marcha com cerca de 229
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dez mil pessoas carregando faixas, cartazes, bandeiras e símbolos para denunciar a violência sofrida pelos palestinos partiu do secular Mercado Municipal em direção à Usina do Gasômetro, às margens do lago Guaíba160. O público presente era formado basicamente por integrantes de Comitês de Solidariedade vindos de várias partes do planeta, movimentos que organizam, junto com movimentos sociais e partidos políticos, principalmente de esquerda, ações concretas de solidariedade, manifestações, campanhas pela libertação dos presos políticos, a campanha global Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), cujo objetivo é atingir empresas que se beneficiam da ocupação ilegal dos territórios e da exploração de seus recursos hídricos, da expansão do muro que transforma em concreto o regime de apartheid, da produção de armas, entre outros produtos da violação, contra a existência do Muro do Apartheid, construído por Israel em terras palestinas para promover a separação e aumentar a repressão às organizações sociais e populares, contra a demolição de casas palestinas em Jerusalém Oriental, em defesa dos refugiados palestinos que estão espalhados por todo o mundo, entre outras. Enquanto os ativistas marchavam em Porto Alegre, naquele mesmo momento, distante 8,2 mil quilômetros, em Nova York, o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, solicitava na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) o reconhecimento do Estado palestino. Por 138 votos favoráveis, nove votos contra e 41 abstenções, as nações concederam à Palestina o status de Estado observador. Ainda que o reconhecimento tenha sido mais simbólico do que com reais efeitos práticos e, por isso mesmo, não seja plenamente satisfatório, muitos ativistas, ao saberem da aprovação pela ONU, subiram no caminhão de som para saudar a decisão em seus discursos em árabe, português, inglês, espanhol – eram muitas as línguas que traziam a mesma mensagem: a Palestina tem que ser livre, e os palestinos, soberanos em seu território. 160 Veja vídeo da marcha disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ID_ b62yfpQQ.
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Palestinos e ativistas no mundo inteiro ainda comemoravam a decisão da ONU quando Israel mostrou sua insatisfação com o resultado da votação. Em represália, o governo sionista anunciou a construção de três mil casas para colonos judeus em territórios ocupados da Cisjordânia e em Jerusalém oriental. Em seguida, o ministro das Finanças de Israel, Yuval Steinitz, informava que o país não iria transferir para os palestinos os fundos arrecadados naquele mês com impostos, e que o dinheiro seria usado para amortizar da ANP com a companhia de eletricidade israelense.
Porto Alegre foi palco de uma grande manifestação que reuniu mais de 6 mil pessoas pelas ruas centrais da cidade para marcar a abertura do Fórum Social Mundial Palestina Livre. Disponível em: http://sanaud-voltaremos.blogspot. com/2012/12/balanco-do-forum-social-mundial.html.
Sob o falso argumento de que haveria ataques de “extremistas” palestinos a propriedades de judeus, o embaixador de Israel no Brasil, o judeu marroquino Rafael Eldad, e uma comitiva da Federação Israelita do Rio Grande do Sul (FIRS), presidida pelo sionista Jarbas Milititsky e representantes de outras organizações sionistas do Brasil, estiveram 231
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com o governador Tarso Genro (PT) para tentar impedir a realização do Fórum. O objetivo dos líderes sionistas é criminalizar mais uma vez os palestinos, para pôr uma cortina de fumaça sobre os crimes que os sucessivos governos de Israel cometeram e continuam cometendo contra o povo palestino, o povo nativo e semita, que habita aquela terra há mais de 6 mil anos. O governador não só manteve o apoio ao Fórum, como esteve presente à sua abertura. Por este motivo foi duramente atacado pela mídia e por blogueiros ligados aos sionistas. Os sionistas persuadiram o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati (2010-2016), que retirou o apoio ao Fórum e apenas permitiu que fosse utilizado o andar térreo da Usina do Gasômetro, o que limitou bastante as atividades planejadas para aquele local. Igualmente pressionado, o Ministério Público do Rio Grande do Sul, que cederia espaços para o FSMPL, retirou seu apoio faltando pouco mais de uma semana para o início das atividades, alegando não querer se vincular a um evento que não propõe a paz. O presidente da Assembleia Legislativa do RS, deputado Alexandre Postal (MDB), tentou impedir que o FSMPL utilizasse espaços da ALERGS para a realização de algumas das mais de 100 atividades inscritas no Fórum por organizações dos 36 países presentes, mas recuou depois da interferência do deputado Raul Carrion (PCdoB), que fez pronunciamento no Plenário161, ocasião que se encontravam presentes o embaixador palestino no Brasil, Ibrahim Alzeben, o ex-ministro de Yasser Arafat na ANP e secretário de Relações Internacionais do Fatah, Nabil Shaath, acompanhados de mais de cem representantes de entidades vinculadas ao Fórum, que cobraram dele o apoio. Depois disso, o presidente reuniu a Mesa Diretora da ALERGS, que aprovou por unanimidade o apoio ao FSMPL. Os argumentos dos representantes sionistas são inteiramente falsos. O mundo inteiro sabe que extremistas da história são os israelenses, colonos judeus vindos da Eurásia e seus descendentes, que atacam as propriedades dos palestinos, roubam suas casas, seus 161 Disponível em: http://www2.al.rs.gov.br/raulcarrion/Pronunciamentos/ tabid/1888/Default.aspx
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rebanhos e suas plantações, com apoio dos soldados do exército de Israel. O que os sionistas buscam por todos os meios é deslegitimar a causa palestina e seus milhões de apoiadores ao redor do mundo para justificar os crimes cometidos pelos governos israelenses contra a população palestina. A avaliação predominante pelas forças que o promoveram foi de que o FSMPL obteve um enorme êxito. A unidade obtida entre os partidos progressistas, centrais sindicais, entidades estudantis, culturais e populares foi determinante para a obtenção de ações eficazes de solidariedade ao povo palestino durante o Fórum. Uma das principais forças que colaboraram para a realização do FSMPL foi o Comitê pelo Estado da Palestina Já!, integrado por mais de 50 entidades, incluindo as seis maiores centrais sindicais brasileiras, Federação Árabe Palestina (FEPAL), Federação de Entidades Árabes Brasileiras (FEARAB), MST, UNE, UBES, CONAM, CEBRAPAZ, partidos políticos como o PT, PCdoB, PSB, PPL, entidades de mulheres, negros e da juventude e estudantes, como a UNE, UBES e UJS. Apesar dessa avaliação majoritária, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) divulgou uma nota em que condenava o fato de o Comitê Brasileiro ter “sequestrado” a direção do FSMPL e não ter respeitado as decisões prévias adotadas pelo comitê organizador. Segundo o MST, a organização rompeu o acordo realizado para a elaboração da declaração final do FSM Palestina Livre e divulgou um documento que não corresponde ao que havia sido produzido em acordo com os organizadores do evento. Na Declaração Final foi definida uma indicação de ação dos movimentos sociais no próximo período, marcado por uma nova configuração da luta palestina, em virtude do reconhecimento da ONU: o boicote econômico (BDS) a Israel, um dos temas centrais do encontro e das resoluções. Além desses temas, na Declaração Final foi adotado um tom forte de condenação aos ataques criminosos de Israel contra a Faixa de Gaza, “que tirou a vida, até o momento, de 167 palestinos, em sua maioria mulheres e crianças”. A Declaração manifestou o 233
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mais profundo sentimento de solidariedade à resistência contra a ocupação israelense, reafirmando o compromisso dos povos do mundo em tornar realidade o reconhecimento do estado palestino livre e soberano. Recebemos este reconhecimento pelas Nações Unidas com esperança em um futuro de paz. Este é um importante passo rumo à reparação de uma injustiça histórica contra a Palestina e a Humanidade (Ver Anexo V).
Ronnie Kasrils, um veterano militante da causa antiapartheid e ex-ministro de Defesa Adjunto de Nelson Mandela até 1994, ministro de Águas e Florestamento em 1999, ministro da Segurança em 2004 até 2008, nascido em Johanesburgo de pais judeus de origem russa, foi uma das estrelas do Fórum, onde defendeu que a efetividade do BDS é maior quando ele chega no bolso, pois é onde dói, ajudando as pessoas a abrirem os olhos e potencializar a resolução desta situação insustentável. Com o boicote e as sanções, os acadêmicos israelenses que se sentem naturalmente orgulhosos de suas conquistas repensarão o alto preço pago pelos palestinos. Se houver boicote de armas e sanções militares, estará minada a capacidade de agressão de Israel162.
162 Entrevista concedida ao Portal da Central Única dos Trabalhadores (CUT), em 28 nov. 2012. SEVERO, Leonardo Wexell. Herói judeu e ministro de Mandela defende o... CUT, 2012. Disponível em: https://www.cut.org.br/noticias/heroijudeu-e-ministro-de-mandela-defende-o-fim-do-apartheid-de-israel-b4a0.
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6 O Movimento de Resistência Islâmica
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Brasão do Movimento de Resistência Islâmica – HAMAS Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hamas.
Muito tem se falado sobre Movimento de Resistência Islâmica163 – Hamas. O partido palestino é assunto constante em muitos noticiários em virtude de suas ações de resistência contra a ocupação israelense, principalmente em Gaza, onde se localiza a sua maior base social e o seu comando político e militar. Estados Unidos, Israel e outros países declaram-no como organização terrorista que ameaça a existência de Israel. Países como a Rússia, África do Sul, Noruega, Irã e o Brasil não consideram o Hamas como organização terrorista, mas um legítimo movimento de resistência palestino. 163 Movimento de Resistência Islâmica, do árabe Harakat al-Muqāwamat alIslāmiyyah. A palavra Hamas é também entendida numa tradução literal do árabe como “entusiasmo”. Foi fundado em 1987 no início da Primeira Intifada, pelos sheiks Ahmed Yassin, Salah Shehada, Abdel Aziz al-Rantissi e Mohammad Taha, integrantes da ala palestina da Irmandade Muçulmana do Egito.
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Qualquer um de nós que der um “Google” buscando pela palavra “Hamas” receberá uma infinidade de links dando conta de supostas ações terroristas, ataques com mísseis caseiros disparados de escolas contra cidades israelenses, homens e mulheres-bomba, pipas incendiárias, crianças servindo de escudo humano e uma série de outras fantasias disseminadas principalmente por fontes israelenses e de organizações judaicas espalhadas pelo mundo afora. Mas... o que é mesmo o Hamas? Diferentemente do que imaginamos no Ocidente, o Hamas não é um “grupo terrorista” cujo objetivo tem sido o de atacar Israel, a dita “única democracia do Oriente Médio”, sem propósito. A verdade é que se trata de um partido político legalmente constituído e em franca ascensão nos territórios palestinos ocupados, um movimento nacional palestino, de orientação islâmica, de libertação e resistência, que representa uma das principais forças do nacionalismo islâmico na Palestina. O Hamas é considerado hoje o maior dos vários grupos e partidos palestinos, com uma base social muito forte nos territórios palestinos de Gaza e da Cisjordânia. Sua meta é “libertar a Palestina e confrontar o projeto sionista”, conforme anunciado no recente Documento de Princípios Gerais e Políticas, aprovado em maio de 2017 (Ver Anexo V). O movimento é reconhecido por muitos como uma força popular e sociopolítica profundamente enraizada na sociedade palestina, que tem conseguido realizar um amplo trabalho, tanto em relação ao confronto militar contra a ocupação sionista, quanto aos trabalhos sociais voltados para as camadas mais desfavorecidas, por meio da assistência social, mobilização religiosa e ideológica e mantido relações com Estados, partidos e movimentos em todo o mundo. O Hamas surgiu com força perante o olhar do Ocidente, após o resultado das eleições para o Conselho Legislativo Palestino164, 164 O Conselho Nacional Palestino – o poder legislativo da Autoridade Nacional Palestina (ANP) – foi criado em 1995 como resultado do Acordo do Oslo II. É um órgão unicameral que inicialmente era composto por 88 membros, mas uma lei de junho de 2005 alterou o seu número para 132, que são eleitos em 16 distritos eleitorais da Cisjordânia e Faixa de Gaza. A última eleição foi realizada em 2006.
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realizadas em 25 de janeiro 2006. O resultado foi surpreendente, tendo o Hamas eleito 76 dos 132 deputados, enquanto que o seu maior rival, o Fatah, conseguiu 43 cadeiras. A pergunta imediata foi: como o Hamas conseguiu vencer as eleições na Palestina, sendo um movimento quase proscrito? A vitória do Hamas foi resultante da sua oposição aos processos de Oslo, e as divisões internas no Fatah conduziram à vitória eleitoral em 2006. Essa vitória eleitoral nunca foi reconhecida pelas potências ocidentais, tendo a Faixa de Gaza sido sitiada e transformada numa megaprisão a céu aberto, que só a mentalidade sionista poderia produzir. Gaza:
Galeano definiu bem a situação em que vivem os palestinos de Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, tudo. Nem sequer têm o direito de eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições de 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e desde então viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem165.
Durante o processo eleitoral palestino, o Movimento lançou uma plataforma eleitoral por mudanças e reforma166, onde a questão da resistência militar ficou relegada a um plano secundário, abordando a questão numa linguagem mais sutil do que a linguagem empregada nas plataformas anteriores. Assim, a formulação de “destruição de Israel” – slogan fartamente utilizado pela mídia ocidental para demonizar o 165 Disponível em: http://old.operamundi.com.br/dialogosdosul/gaza-poreduardo-galeano-2/15042015/ 166 NINIO, Marcelo. Grupo extremista Hamas surpreende, vence eleição palestina e causa apreensão. Folha de S. Paulo, 2006. Disponível em: https://www1.folha. uol.com.br/fsp/mundo/ft2701200601.htm.
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Hamas – deu lugar à expressão “término da ocupação”, que dominou toda a Plataforma. A Plataforma se baseava na ideia de um programa abrangente para a libertação da Palestina, o retorno do povo palestino às suas terras e o estabelecimento de um Estado palestino independente com Jerusalém como sua capital, numa clara rejeição aos Acordos, mesmo sabendo que este tema seria pouco convincente para muitos palestinos, uma vez que a existência do Conselho Legislativo é inseparável dos Acordos de Oslo. Esse foi um tema que teve forte repercussão nos debates eleitorais e que provocou uma elevação do tom contra o Fatah, com o Hamas afirmando que sua participação no Conselho Legislativo seria parte do seu “programa de resistência” e que a realidade mostrava que Oslo era questão sem cumprimento por parte de Israel, letra morta num papel que era usada contra os palestinos. O Hamas acusava a OLP de ter se transformado de um movimento para a libertação da Palestina, num garantidor indireto da segurança de Israel nos Territórios Ocupados, com a função de anular qualquer forma de resistência à ocupação. Um instrumento utilizado por Yasser Arafat e seus aliados para garantir sua permanência no poder da ANP como único representante dos palestinos. Por outro lado, reclamava que as negociações de paz de Oslo tinham servido apenas aos interesses das lideranças da OLP, que deixaram o exílio para assumir o controle político da Palestina. Havia, naquele momento, uma inquietude e uma desconfiança em relação ao papel da ANP após os Acordos de Oslo, onde o Hamas acusava a ANP de ser preposto de Israel na Palestina. E apontava como evidência o fato de a ANP estar concentrando seus esforços e os recursos financeiros nos programas de cooperação em segurança com Israel, enquanto que o bem-estar da população ficava em segundo plano. Dizia, ainda, que a cooperação em segurança entre ANP e Israel visava à coibição e entrincheiramento dos movimentos palestinos e a atuação dos grupos de oposição que representassem ameaça a Israel. 240
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Hoje em dia, o entendimento do Hamas é que aqueles Acordos puseram na mesa objetivos contraditórios e sabidos de difícil aplicação, uma vez que a OLP declarava a busca pelo fim do colonialismo israelense, enquanto que o Estado de Israel tinha como objetivo criar um sistema de controle indireto sobre os territórios ocupados em 1967. Os objetivos dos Acordos jamais se concretizaram, deixando em aberto até hoje questões listadas na “Declaração de Princípios”, como o status de Jerusalém, a questão dos refugiados, os assentamentos judaicos em território palestino, a questão da segurança e das fronteiras, as relações e cooperação com os vizinhos e outras questões referentes a problemas de interesse comum. Edward Said (2013) narra sua decepção com os resultados daqueles Acordos, dizendo ter uma convicção muito forte, depois do acordo de Oslo, de que a discrepância entre aquele maldito pedaço de papel e a enorme história de expropriação, sofrimento e perda que constituem a verdadeira história palestina é tão grande, mas tão grande, que deve ser contada. Ela tem que ser narrada. Não pode simplesmente desaparecer167.
O processo de paz que se esperava existir após os Acordos de Oslo não representou os diversos setores políticos palestinos e nem israelenses. Eles foram combatidos pela esquerda palestina, sobretudo pela Frente Popular para Libertação Nacional (FPLN), Frente Democrática para Libertação Nacional (PDLN), Partido do Povo Palestino (PPP), antigo Partido Comunista Palestino (PCP). E também pelos movimentos de orientação islâmica, como Hamas e a Jihad Islâmica. Embora se soubesse que os Acordos não resultariam na criação de um Estado palestino, mas apenas a representação dos residentes nos territórios ocupados, setores da extrema direita israelense também demonstraram seu descontentamento e opuseram-se fortemente aos acordos de paz com palestinos. Queriam (e continuam querendo) todo 167 SAID, Edward W.; BARSAMIAN, David. A pena e a espada. São Paulo: Ed. UNESP, 2013. p. 145.
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o território e nenhuma concessão a palestinos. O premiê sionista que negociou os acordos, Yitzhak Rabin, foi assassinado por um extremista em 04 de novembro de 1995. No seu julgamento, o assassino, Igal Amir, afirmou que o matou porque o primeiro-ministro “queria dar nosso país aos árabes”. Ele foi condenado à prisão perpétua e cumpre a pena em Israel. Quando foram assinados os Acordos de Oslo, em 1993, havia 260.000 colonos judeus na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental. Hoje, esse número subiu para mais de 600.000, evidenciando o desprezo do Israel para com os Acordos e seu interesse pela Paz, além da evidente violação do Artigo 49 da IV Convenção de Genebra, de 1949, que proíbe claramente os países de mover populações para territórios ocupados em guerra. Com isso, Israel demonstra mais uma vez o seu desrespeito pela lei internacional e os direitos humanos, ao descumprir os Acordos de Oslo. Nas eleições de 2006, o Movimento declarou ser necessário e urgente à adoção de um compromisso mais abrangente da luta contra a ocupação, que se daria por meio de uma mudança e reforma que seriam empreendidas para que se construísse “uma sociedade civil palestina avançada, baseada no pluralismo político e na alternância do poder”. Declarou também que “o sistema político da sociedade palestina e sua agenda reformadora e política seriam orientadas na direção do cumprimento dos direitos nacionais palestinos”. Essa proposta era uma crítica dirigida ao monopólio do poder por parte da OLP, que havia negligenciado na promoção da unidade e disciplina no cenário político palestino, já que se encontrava no poder desde a década 1960 e nunca havia incluído em sua pauta a possibilidade de que outras forças políticas palestinas e da resistência tomassem parte da Autoridade Nacional Palestina. Era um programa amplo, que além da resistência à ocupação israelense, tratava de assuntos internos e externos, como a reforma administrativa, o combate à corrupção, ao clientelismo e à troca de favores, se encarregava da reforma judicial e política, liberdade do povo e direitos civis, orientação religiosa, política social, política cultural e 242
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o uso da mídia. Tratava também de questões como políticas para a juventude e mulheres, saúde, habitacional, meio-ambiente, agricultura, política econômica, financeira e fiscal, questões trabalhistas, e questões de transporte, como a passagem entre Gaza e a Cisjordânia, já que a Declaração de Princípios previa, no Art. 10º, cláusula 1, subcláusula, a existência de “uma passagem segura a ligar a Cisjordânia com a Faixa de Gaza para o deslocamento de pessoas, veículos e bens”. Estas cláusulas eram violadas diariamente pelos soldados e polícias israelenses que não só não controlavam as passagens, como praticavam (e continuam praticando) atos violentos nos check-points, transformando as travessias em pesadelos e a Cisjordânia num espaço fragmentado, sem ligações entre si ou com a Faixa de Gaza. O vereador comunista Nilton Bobato narra, no seu livro Palestina – Um olhar além da ocupação, que ouviu do prefeito de Beitunia, Ribli Dola, a seguinte frase: “podemos ficar mil horas falando da vida na Palestina, mas [não há] nada em que um minuto num chechkpoint revele mais”168. Foi com esse programa e com a mobilização ampla, principalmente dos jovens palestinos cansados de esperar pelos seguidos acordos não cumpridos por Israel, que o Hamas conseguiu a maioria dos votos para o Conselho Legislativo Palestino. Vitorioso, o Hamas apresentou a sua “Plataforma de Governo”, baseada em sete pontos: Primeiro: resistir à ocupação e às investidas opressivas contra a terra palestina, seu povo, recursos e lugares sagrados; Segundo: garantir a segurança dos palestinos e acabar com o caos na segurança; Terceiro: diminuir as dificuldades econômicas do povo palestino; Quarto: empreender reformas e lutar contra a corrupção financeira e administrativa;
168 BOBATO, Nilton; PORTO, Paulo. Palestina: um olhar além da ocupação. São Paulo: Limiar, 2017. p. 52.
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Quinto: reordenar os assuntos internos palestinos por intermédio da reorganização de suas instituições sobre uma base democrática que garantiria a participação política para todos; Sexto: fortalecer o status da questão palestina nos círculos árabes e muçulmanos; Sétimo: desenvolver as relações palestinas nos níveis regional e internacional para que sirvam posteriormente aos principais interesses do povo palestino. Essa Plataforma permitiu à liderança reclamar o respeito da comunidade internacional quanto à escolha do povo palestino ao eleger o Hamas. Quanto aos Estados Unidos e suas posições a respeito do governo do Hamas, o Movimento afirmou que exigia da administração norte-americana – que vive pregando a democracia e o respeito pelas escolhas das pessoas por todo o mundo – que apoiasse o desejo e escolha do povo palestino. “Em vez de ameaçar os palestinos com o boicote e o corte aos auxílios, ele deve cumprir as promessas que fez de ajudar no estabelecimento de um Estado palestino independente com Jerusalém como capital e o retorno dos refugiados” (Ver Anexo V).
6.1 Hamas e o futuro da Palestina No seu Documento Geral de Princípios e Políticas, aprovado em maio de 2017 (Ver Anexo V), o Hamas apresenta uma plataforma política onde aborda questões como a definição da territorialidade palestina, estabelece sua compreensão da causa palestina, os princípios de trabalho a serem usados para promover seus objetivos e os limites de flexibilidade usados para interpretá-lo. Assim, na visão do Hamas, a Palestina é o território que se estende do Rio Jordão no oriente ao Mediterrâneo no ocidente e de Ras Al-Naqurah no Norte a Umm Al-Rashrash no Sul, é uma unidade territorial integral. Esta é a terra e o lar do povo palestino. A expulsão e o banimento do povo palestino de sua terra e o estabelecimento da entidade sionista em seu lugar não anula
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o direito do povo palestino sobre sua inteira terra e não reconhece nenhum direito nela pela usurpadora entidade sionista. A Palestina é uma terra árabe islâmica. Ela é uma Terra Sagrada e abençoada que tem lugar especial no coração de todo árabe e de todo muçulmano.
O Documento assegura que o povo palestino é constituído pelos árabes que viveram na Palestina até 1947, independente se eles foram expulsos ou permaneceram após a Nakba (tragédia). Cada pessoa que nasceu de um pai árabe palestino após aquela data [1947, início da ocupação sionista], se dentro ou fora da Palestina, é um palestino. [...] O povo palestino é um, feito por todos os palestinos dentro e fora da Palestina, independentemente de sua religião, cultura ou afiliação política (Ver Anexo V).
Para o Hamas, independente das catástrofes que recaíram sobre o povo palestino desde 1948, como consequência da Partilha e da ocupação sionista e sua política de deslocamento e limpeza étnica, a identidade palestina não será apagada nem negada. Um palestino ou palestina jamais perderá a sua identidade nacional e os direitos, mesmo depois de adquirir uma segunda nacionalidade. A Palestina será sempre a terra do povo que está determinado a defender a verdade – dentro de Jerusalém e suas redondezas – que não é desterrado ou se intimida por aqueles que se opõem a ele e por aqueles que os traem, e ele continuará sua missão até que a promessa de Deus se cumpra (Ver Anexo V).
O movimento denuncia o projeto sionista como baseado na agressão racista, colonial e expansionista, hostil ao povo palestino e o seu direito à liberdade, libertação e autodeterminação. Jerusalém, para o Movimento, é a capital da Palestina. E afirma que o seu status religioso, histórico e civilizacional é fundamental ao mundo em geral, independentemente de ser cristão, muçulmano, druso, armênio ou judeu, árabe ou ocidental. O mesmo ocorre para com os lugares sagrados. E declara que as medidas tomadas pelo ocupante sionista como a judaização de Jerusalém, através da construção de 245
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assentamentos como fato consumado da presença israelense na cidade sagrada, são ações nulas e vazias porque contrariam a Resolução 476/1980 do Conselho de Segurança da ONU e as regras e o Direito Internacional. Alerta ao mundo que a ação dos sionistas não visa apenas à Palestina, mas a Nação Árabe e Islâmica, constituindo-se numa grande ameaça à segurança internacional, à paz e à estabilidade da região. Na mesma linha, o Hamas refuta a ideia de que o conflito que se estende por mais de 70 anos não é uma guerra contra judeus por serem judeus, embora o sionismo se esforce para identificar o judaísmo e os judeus com o seu projeto apartheid colonial. Assevera, no entanto, que trava uma luta contra os sionistas que ocupam a Palestina. Ao rejeitar o viés religioso ou sectário da luta contra a ocupação, o Hamas condena qualquer forma de perseguição a qualquer ser humano ou a negação dos seus direitos. Para o Movimento, o problema judaico, o antissemitismo e a perseguição de judeus são fenômenos fundamentalmente ligados à história europeia, não à história dos árabes e muçulmanos ou seus herdeiros. O movimento sionista, que foi capaz de ocupar a Palestina com apoio das potências do Ocidente, é a maior ameaça de ocupação por assentamentos que já desapareceu de grande parte do mundo e precisa desaparecer da Palestina. O Movimento de Resistência Islâmica aponta – em seu Documento Geral de Princípios e Políticas – um elenco de posições atualizadas para a luta de resistência e a busca de soluções para o problema da ocupação sionista na Palestina. Entre elas está a rejeição e nulidade de documentos como a Declaração Balfour, o documento do Mandato Britânico, a resolução da ONU sobre a partilha da Palestina e os Acordos de Oslo, pois considera que eles geraram ações que violaram os direitos do povo palestino, usurpando suas terras e banindo-os de seus lares. Assim, a “resistência e luta para a libertação da Palestina continuará sendo um direito legítimo, um dever e uma honra para todos os filhos e filhas de nosso povo e nossa Nação”.
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O fundador do Movimento de Resistência Islâmica - HAMAS, Sheikh Ahmed Ismail Hassan Yassin (Al-Jura, Palestina, 28/06/1936 – Assassinado em Gaza por um míssil das forças de ocupação israelense em 22/04/2004).
Segundo o Documento, o estabelecimento do chamado “Estado de Israel” com base naquelas decisões unilaterais é completamente “ilegal e transgride o inalienável direito do povo palestino e vai contra sua vontade e a vontade da Nação; é também uma violação dos direitos humanos que são garantidos por convenções internacionais, o primeiro entre eles é o direito à autodeterminação”. O Hamas também afirma que não reconhecerá “Israel” nem nada do que aconteceu na Palestina em termos de ocupação, construção de assentamentos, judaização de lugares históricos e sagrados ou mudança nas características ou falsificação de fatos, por entender que o direito dos palestinos sobre sua terra e lugares jamais caducarão. Embora rejeite uma solução que não seja a libertação da Palestina, “do rio ao mar”, sem comprometer sua rejeição a “Israel” e sem abandonar qualquer direito dos palestinos, o Hamas considera o
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estabelecimento de um totalmente soberano e independente Estado palestino, com Jerusalém como sua capital ao longo das fronteiras de 4 de junho de 1967, com o retorno dos refugiados e deslocados de seus lares dos quais eles foram expulsos, para ser uma fórmula de consenso nacional (Ver Anexo V).
Rejeita qualquer tentativa de desarmar a resistência ou de inibir sua capacidade de desenvolver medidas e mecanismos de resistência, como as jornadas semanais da “Grande Marcha do Retorno”, que ocorrem em Gaza desde 30 de março e já custaram a vida de centenas de mártires e deixaram milhares de feridos, conforme apontei no capítulo anterior. Sua liderança tem declarado que acredita e se empenha pelo restabelecimento das relações e ações conjuntas das organizações palestinas, baseadas no pluralismo, democracia, parceria nacional, aceitação do outro e adoção do diálogo como objetivo para reforçar a unidade para atender às aspirações do povo palestino. Reconhece a OLP como uma referência para o povo palestino que precisa ser preservada, desenvolvida e reconstruída em bases democráticas dentro e fora da Palestina, de maneira a assegurar a participação de todas as forças que lutam para resguardar os direitos dos palestinos. No que diz respeito à Autoridade Nacional Palestina, o Movimento considera que ela precisa servir ao povo palestino e salvaguardar a sua segurança, seus direitos e o interesse nacional, em bases democráticas e baseada na parceria nacional, incluindo o direito de resistência e eleições livres e justas. Um movimento que será enriquecido por suas personalidades proeminentes, instituições da sociedade palestina, grupos de juventude, estudantes, sindicalistas e mulheres, cujo papel é definido como fundamental no processo de construção da história palestina e no propósito de resistência e conquista da liberdade. Referindo-se ao que chama de Nação Árabe e Islâmica, o Hamas acredita que a questão palestina é a causa central e acredita na cooperação de Estados, sem entrar em disputas que ocorram nos diversos países. E que tem se esforçado para estabelecer relações 248
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equilibradas na base de uma combinação dos objetivos da causa palestina e do interesse do povo palestino em uma mão, com interesses da Nação, seu renascimento e sua segurança em outra mão. No que diz respeito ao aspecto humanitário e internacional, o Hamas entende que apoiar e sustentar essa causa é uma tarefa humanitária e civilizacional, já que a questão palestina é uma das que tem maior dimensão e pré-requisitos para a verdade, justiça e valores humanitários. E a resistência como uma atividade legítima, isto é, um ato de autodefesa e uma expressão do direito natural de todos os povos à autodeterminação. Finalizando, o Documento faz um chamamento ao internacionalismo, pregando a rejeição às tentativas de imposição de hegemonias sobre nações e povos, condenando todas as formas de colonialismo, ocupação, discriminação, opressão e agressão no mundo. Cabe aqui uma pergunta: a atualização do seu programa e a redefinição de tarefas de resistência e libertação da Palestina alterarão a correlação de forças entre os movimentos e partidos que disputam a liderança palestina?169 O que podemos concluir é que, desde a sua fundação, em 1987, o Hamas vem numa trajetória de crescimento. É certo que sofreu derrotas, contratempos e momentos difíceis, mas, em termos gerais e baseado no olhar das circunstâncias da sua história de lutas, é impossível prever o protagonismo que o Hamas irá desempenhar na luta pela autodeterminação do povo palestino. O que podemos afirmar é que o seu crescimento será proporcional à contínua brutalidade e humilhação da ocupação sionista contra os palestinos, associada ao fracasso das organizações palestinas seculares rivais do Hamas em promover soluções negociadas com Israel. Os esforços de Israel, da mídia Ocidental e da Autoridade Palestina em desacreditar e impedir o crescimento do papel do Hamas 169 Para entender melhor a questão do programa do Hamas, sugiro ver o vídeo da entrevista com Khaled Meshaaal, legendado em português, que está disponível em https://youtu.be/U_p6UizpiRU.
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e a sua popularidade na sociedade palestina não se concretizarão enquanto Israel exercer o controle sobre a Palestina histórica, impedindo a criação de um Estado palestino. Enquanto Israel mantiver sua ocupação e o apartheid que domina, segrega e restringe a liberdade de movimentação dos palestinos com muros e check-points. Enquanto Israel limitar os cuidados com saúde, educação e impedir o acesso a terra e o desenvolvimento e o crescimento econômico dos palestinos, a resistência existirá e se tornará mais atuante. A conclusão que temos desse processo é a de que a solução de acordos não cumpridos por parte do ocupante é um dos motores do crescimento da influência do Hamas na Palestina, sobretudo em Gaza. Os palestinos sedentos de justiça e frustrados com o colapso das negociações continuarão a acreditar que a resistência é o único caminho e se aproximarão cada vez mais do Movimento de Resistência Islâmica, que é uma consequência natural da ocupação brutal, e aquela força que sustenta a bandeira dos direitos, da liberdade e da autodeterminação palestinas. O palestino está situado em um pequeno pedaço de terra obstinadamente chamado Palestina, ou em uma ideia de paz que não se baseia nem em um projeto para transformar pessoas em ninguém nem em uma fantasia geopolítica sobre o equilíbrio do poder, mas em uma visão de futuro que acomoda ambos os povos com reivindicações legítimas sobre a Palestina, e não somente judeus170.
170 SAID, Edward W. A questão da Palestina. São Paulo: EdUNESP, 2012. p. 267.
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6.2 A Grande Marcha do Retorno
A Grande Marcha pelo Direito de Retorno do povo palestino foi uma campanha organizada pelo Movimento de Resistência Islâmica (Hamas), perto da fronteira de Gaza e Israel, que teve início em 30 de março de 2018 – Dia da Terra, quando se relembra o assassinato de seis palestinos nas manifestações contra o confisco de terras que se deram neste dia em 1976 – e programada para ser realizada durante seis semanas sempre às sextas-feiras ou Jummah, o dia em que os muçulmanos se reúnem para a reza coletiva nas mesquitas e salas de oração em todo o mundo, até o dia 15 de maio, data que marca os 70 anos da Nakba (catástrofe, em tradução árabe), quando Israel deu início à expulsão de cerca de 800 mil palestinos de suas terras e casas para assentar os colonos judeus que haviam chegado à Palestina, vindos dos quatro cantos do mundo. Antes do início da Marcha, o dirigente do partido, Khalil AlHayya, advertiu a opinião pública mundial e as forças de ocupação israelenses que a manifestação seria pacífica. Que não haveria ações 251
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armadas e seria conduzida por homens, mulheres, crianças e idosos que reivindicariam o legítimo direito de retorno de refugiados palestinos à terra natal – assegurada desde a Resolução 194 da ONU, de 7 de dezembro de 1948 –, e contra a mudança da embaixada dos Estados Unidos de Tel Aviv para Jerusalém, que contraria as normas das Nações Unidas. O movimento contou com a adesão do Fatah171, da Frente Popular para a Libertação da Palestina172, da Frente Democrática pela Libertação da Palestina173, do Movimento da Jihad Islâmica174 e das demais forças políticas palestinas, que se juntaram nestas manifestações, numa iniciativa unânime, embora não tenha havido manifestações similares na Cisjordânia. O Hamas denominou as manifestações de “Intifada do retorno”, que seria a terceira Intifada (revolta popular) desde a partilha da Palestina em 1947. A primeira Intifada teve início em 9 de dezembro de 1987, em um check-point militar do campo de refugiados de Yabalyia, em Gaza, e ficou conhecida como “Intifada das pedras” porque o exército mais poderoso do mundo tinha sido desafiado por crianças e jovens com pedras, o que produziu a imagem que correu o mundo onde uma criança palestina “ameaça” um tanque de guerra sionista com pedras nas mãos. As manifestações tiveram início quando um jipe militar 171 Harakat al-Tahrir al-Watani al-Filastini, literalmente “Movimento de Libertação Nacional da Palestina”, que forma a palavra Fatah, foi fundado em 1969 no Kuwait por Yasser Arafat, Khalil al-Wazir (Abu Jihad) e outros membros da diáspora palestina. É um partido nacionalista de centro-esquerda e laico, e a principal força da OLP. 172 FPLP, do árabe al-jabhah al-sha`biyyah li-tahrīr filastīn, é uma organização política e militar palestiniana de orientação marxista-leninista fundada em 1967 pelo médico de família cristã-ortodoxa George Habash. 173 FDLP, do árabe Al-Jabha al-Dimuqratiya Li-Tahrir Filastin, é uma organização política e militar palestiniana de orientação marxista-leninista, fundada em 1968 por Nayef Hawatmeh, um cristão ortodoxo, em resultado de uma cisão de militantes da Frente Popular para a Libertação da Palestina. 174 Jihad Islâmica, do árabe Harakat al-Jihād al-Islāmi fi Filastīn, é um grupo militante palestino que integra as forças de resistência contra a ocupação sionista na Palestina. Foi fundado em 1981 por Fathi Shaqaqi, Abd Al Aziz Awda.
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israelense atropelou um caminhão que levava trabalhadores palestinos, matando quatro pessoas. Registros oficiais indicam um saldo de mortos de 2.162 palestinos e 160 israelenses, além dos milhares de feridos, majoritariamente palestinos. A segunda Intifada explodiu em setembro de 2000, diante da frustração com os desdobramentos dos Acordos de Oslo, assim como com as políticas continuadamente repressivas e belicosas da administração sionista. O estopim foi uma incursão que Ariel Sharon fez na Mesquita sagrada de Al Aqsa, em 28 de setembro, cercado de forte aparato de segurança, o que foi entendido pelos mais de mil palestinos presentes como uma provocação inaceitável. Seguiram-se violentos confrontos entre palestinos e israelenses junto ao Muro das Lamentações. Sete palestinos foram mortos e centenas ficaram feridos. Nos dias seguintes, a violência prosseguiu com ataques palestinos aos Territórios Ocupados por Israel, na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. A revolta durou até o início de 2005, provocando baixas humanas de ambos os lados, sendo 3.354 mártires palestinos e 301 soldados israelenses. A Grande Marcha iniciada em março de 2018 foi para lembrar o direito de retorno dos refugiados palestinos que fugiram ou foram expulsos de suas terras quando foi criado o estado de Israel, em 1947 e para protestar contra as precárias condições de vida em Gaza devido ao bloqueio criminoso e ilegal de Israel contra o território. O bloqueio recrudesceu por parte dos sionistas após a vitória do Hamas, nas eleições de 2006. Falar em retorno é falar de um direito natural dos donos da terra. Do direito dos palestinos assegurados pelas Resoluções 181 (partilha) e 194 (retorno), entre outras tantas aprovadas e não cumpridas pelo ocupante. O direito ao retorno, na visão de Said, existe porque “por trás de cada palestino, existe um grande fato genérico: até pouco tempo atrás, ele vivia em sua própria terra, chamada Palestina, que não é mais sua pátria”175. 175 SAID, Edward W. A questão da Palestina. São Paulo: EdUnesp, 2012.
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Mesmo sendo uma manifestação pacífica, Israel agiu com ataques violentos e desproporcionais, alegando que o Hamas estaria aproveitando as manifestações para se aproximar das barreiras que isolam Gaza e infiltrar militantes no território ocupado pelos sionistas. Argumenta também que aquelas manifestações estariam pondo em risco a segurança das comunidades israelenses que vivem naquela área. Milhares marchavam quando mais de cem franco-atiradores snipers, posicionados do lado israelense, atiraram indiscriminadamente contra os manifestantes matando 62 e ferindo 2.700 palestinos apenas no primeiro dia de manifestações. O escritor e jornalista Eduardo Galeano escreveu no artigo A multiplicação do terrorismo (2012) que o exército israelita, o mais moderno e sofisticado do mundo, sabe quem mata. Não mata por erro. Mata por horror. As vítimas civis são os danos colaterais, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez danos colaterais, três são crianças. E somam milhares os mutilados, vítimas da tecnologia de esquartejamento humano, que a indústria militar está experimentando com êxito nesta operação de limpeza étnica. E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Por cada cem palestinos mortos, um israelita176.
O saldo de vítimas da Marcha apurado até o final de 2018 pelo Ministério da Saúde palestino mostra que mais de 250 palestinos foram mortos, entre eles 10 mártires cujos corpos não foram devolvidos pelos israelenses para as suas famílias, sendo duas crianças. Entre os mortos estão 33 crianças, 4 deficientes físicos, 3 médicos e 2 jornalistas. Os feridos somam 11.968, entre eles 2.329 crianças, 500 mulheres, 128 médicos e enfermeiros e 137 jornalistas, como a jornalista Yaser Murtaja, de 30 anos, baleada por soldados sionistas enquanto cobria as manifestações, e o do jornalista Ahmed Abu Hussein, atingido na cabeça e que teve o seu socorro impedido pelos soldados israelenses. 176 Disponível em: http://old.operamundi.com.br/dialogosdosul/gaza-por-eduardo -galeano-2/15042015/
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Segundo demonstram os relatórios médicos, os tiros dos snipers israelenses – atiradores especializados em tiros de longa distância – atingiam a cabeça, pescoço, abdômen, tórax, costas, pelve e as articulações das pernas dos manifestantes, numa clara demonstração de interesse em matar ou mutilar as vítimas, para inabilitá-las de participarem em novas manifestações. A menina Wissal Al Sheikl Khalil, de 15 anos, acreditava que seria possível cruzar a fronteira e retornar a Sawafir, território de onde seus avós foram expulsos pelos israelenses em 1948. Não conseguiu. O impacto do tiro dilacerou o seu crânio e provocou a sua morte. Segundo o Ministério Palestino da Juventude e Esporte de Gaza, entre os feridos estão 30 atletas palestinos, alguns deles com amputação de uma das pernas. Israel usou a munição de alta velocidade, balas expansivas e de fragmentação, conhecidas como “butterfly bullet” (balas de borboleta), tipo de balas que se expandem dentro do corpo, causando grandes danos, como a destruição de músculos e pulverização dos ossos, cujo uso é proibido pela maioria da comunidade internacional, desde o final do século XIX, para atingir palestinos nas pernas e provocar a amputação de suas pernas. Muitos dos feridos foram atingidos por balas reais, inalação de gás lacrimogêneo e balas de borracha. Por outro lado, os conflitos em Gaza têm servido de vitrine para mostrar aos clientes da indústria militar israelense a eficiência de sua tecnologia de matar ou ferir gravemente os palestinos. As autoridades palestinas também denunciaram Israel por atacar sistematicamente médicos e enfermeiros que socorrem os feridos e jornalistas que cobram a Marcha, mesmo que estes profissionais estivessem usando coletes que os identificassem. 19 ambulâncias foram alvejadas ou destruídas por soldados israelenses. A enfermeira Razan Ashaf Al Najar, de 21 anos, morreu após ser baleada por soldados israelenses, em Khan Yunis, enquanto prestava socorro a feridos que participavam da Marcha. Os Estados Unidos, como sempre, apoiaram o direito de Israel “se defender”, mas a maioria dos países da União Europeia reclamou 255
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dos ataques israelenses e a desproporcionalidade de suas ações. Organizações de direitos humanos também reagiram com duras críticas. A Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos, Navi Pillay, condenou os ataques israelenses por meio de atiradores e disse que aquelas ações se assemelhavam a “crime de guerra”, pelos quais Israel poderia ser levado à Corte Internacional de Justiça. Declarou ainda que a força letal usada por Israel deveria ser o último e não o primeiro recurso. Também a Anistia Internacional condenou os ataques israelenses, dizendo que o exército israelense comete crimes intencionais contra palestinos e que aquilo se configura como crime de guerra177. Em Istambul, milhares de pessoas foram para a praça Yeni Kapi protestar em solidariedade à Palestina. O grupo israelense de direitos humanos B’Tselem enviou carta ao secretário geral das Nações Unidas178, Antonio Guterres, pedindo que o órgão intervenha para impedir o uso da força letal por parte do exército de Israel contra os manifestantes na Faixa de Gaza. O representante da ONU para o processo de paz no Oriente Médio, Nikolay Mladenov, se manifestou no Twitter exigindo que Israel parasse de atirar em crianças palestinas. O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, declarou que os palestinos permaneceriam em luta por seus direitos e não cederiam nem uma polegada de terra da Palestina e que não há alternativa para a Palestina a não ser o retorno. Todas as leis internacionais, convenções e resoluções da ONU reconhecem o direito de retornar à sua terra natal. Ocorreram manifestações em várias cidades, como em Haifa, território palestino ocupado por Israel desde 1948, onde manifestantes carregavam cartazes e faixas com frases críticas a Israel, como “Sua independência é a nossa catástrofe” ou “O direito de retorno é legítimo”.
177 SHUPAK, Greg. Israel: 70 anos de brutalidade. Outras palavras, 2018. Disponível em: https://outraspalavras.net/sem-categoria/israel-70-anos-de-brutalidade/. 178 RODRIGUES, Lúcia. Um mês após início da marcha do retorno, Israel já matou 43 palestinos. IBRASPAL, 2018. Disponível em: https://ibraspal.org/pt/post/ um-mes-apos-inicio-da-marcha-do-retorno-israel-ja-matou-43-palestinos.
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Os palestinos de Gaza estão no limite de sua tolerância e espera por uma solução para o cerco israelense – que já dura 11 anos. Um bloqueio criminoso que causa privações, pobreza, falta de comida e remédios. Setenta anos depois da Partilha e da ocupação das terras palestinas por estrangeiros vindos da Europa, os palestinos ainda estão sendo submetidos a um processo interminável, caracterizado pelo massacre de inocentes cujo único crime é o de ser palestino. Desde a criação do Estado de Israel, em 1947, dezenas de massacres foram cometidos com o objetivo de realizar uma limpeza étnica que permitisse a transformação de uma terra milenar multicultural e multirreligiosa em um Estado judeu apenas para judeus. Desde então, 534 aldeias e cidades foram despovoadas e centenas de milhares de palestinos expulsos de suas terras, cujos ancestrais agora voltam para cobrar o direito ao retorno, assegurado pelo Direito Internacional. A Grande Marcha do Retorno é o grito de milhares de vozes de palestinos submetidos ao impiedoso cerco sionista, um apartheid que realiza um genocídio lento e silencioso para que o mundo não acorde do seu sono letárgico e cúmplice, e conspire a favor de israel. O sentimento dominante na população de Gaza, bem como em toda Palestina Ocupada, é o de que eles estão lutando por uma causa política justa, apoiada por todas as leis e convenções internacionais. Além disso, é uma causa apoiada por todas as pessoas comprometidas com a liberdade em todo o mundo. O povo palestino busca a libertação da ocupação sionista e quer que a ocupação saia de suas terras, para que possa retornar para ela. Os palestinos só querem viver em paz e segurança. É um direito natural, humanitário e político. Um dos assassinatos mais simbólicos entre os praticados pelos snipers do exército que é abastecido pelos Estados Unidos com mais de 3 bilhões de dólares anualmente foi o de Fadi Abul Selmi, de 30 anos, um dos massacrados por protestar na Grande Marcha do Retorno contra a instalação da embaixada norte-americana em Jerusalém. Fadi havia perdido as pernas em 2008, justamente em decorrência dos bombardeios israelense na Faixa de Gaza. 257
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Um homem com as duas pernas amputadas, sobre uma cadeira de rodas e usando um instrumento rudimentar para atirar pedras, para as tropas israelenses, é considerado por Israel como um terrorista. Enquanto que um atirador utilizando armas de última geração, usando drogas e matando pessoas, é um defensor da liberdade! A morte do cadeirante palestino Fadi Abul Selmi é mais que simbólica por representar em tudo o desprezo absoluto dos judeus sionistas pela vida dos palestinos: tanques contra cadeira de rodas, bombas contra pedras, militares fortemente armados contra civis atirando pedras. O mundo moderno e civilizado não viu as lágrimas derramadas por tanta perversidade dos ocupantes sionistas. Como sempre, os países árabes lavaram as mãos. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos, enquanto, secretamente, Israel e seus amigos que o protegem celebram mais esta jogada de mestre que lhe dá o “direito” de lançar ataques e bombas humanitárias contra aqueles donos da terra que resistem ao genocídio e a própria existência.
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O palestino morador de Gaza Fadi Abul Selmi, de 30 anos, amputado, foi mais um dos palestinos assassinados por Israel durante as manifestações da Grande Marcha do retorno. MIDDLE EAST MONITOR. Photo from Great Return March protests wins prestigious French prize, 2018. Disponível em: https://www.middleeastmonitor.com/20181015-photo-from-great-return-march-protests-wins-prestigious-french-prize/.
Não chores, meu filho; Não chores, que a vida É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos Só pode exaltar! O poeta brasileiro Gonçalves Dias (1823-1864), em Canção do Tamoio.
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PARTE III Brasil e Palestina
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7 A presença árabe e islâmica no Brasil
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O presidente palestino Mahmoud Abbas, presidente Lula e o chanceler brasileiro Celso Amorim, símbolos do período áureo das relações de cooperação Brasil-Palestina.
De uma perspectiva histórica, a presença árabe e islâmica no Brasil remonta à chegada dos portugueses em 22 de abril de 1500. Trabalhos de revisão histórica têm apontado vários indícios de presença árabe em nosso continente, anteriores às descobertas de espanhóis e portugueses. No século X d.C, o historiador muçulmano e geógrafo Abul-Hassan Ali Ibn al-Hussain al-Masudi (871-957 d.C) escreveu, em seu livro ADH-Dhahab Muruj wa Jawahar Aljawhar (Os prados de jazidas de ouro e joias) que, durante o reinado do califa da Espanha muçulmana, Abdullah Ibn Mohammad (888-912 d.C), o navegador muçulmano Ibn Said Khashkhash Ibn Aswad, de Córdoba (Espanha), navegou desde o porto de Delba (Palos), em 889 d.C, cruzou o Atlântico, chegou a um território desconhecido (Ard Majhoola) e retornou com tesouros fabulosos. 265
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As negociações para estabelecimento do Tratado de Tordesilhas, que dividiu terras entre Portugal e Espanha, em 1494, não poderiam avançar se não houvesse informações sobre a existência das terras do novo continente no hemisfério sul, anteriormente descobertas por navegadores islâmicos. Também há indícios da chegada ao Brasil, já em 1498, de uma caravela comandada pelo geógrafo, cosmógrafo e navegador português Duarte Pacheco Pereira, a quem Camões chamou de “Aquiles lusitano”. Era pessoa de confiança dos reis portugueses D. João II e D. Manuel, razão pela qual foi indicado delegado de Portugal na Conferência que resultou no Tratado de Tordesilhas, assinado em 7 de junho de 1494 entre o Reino de Portugal e a Coroa de Castela, para dividir as terras “descobertas e por descobrir” por ambas as coroas fora da Europa. As descobertas de Pereira no além-mar não foram reveladas ao público para não gerar contendas com a Espanha. Outros registros históricos revelam que Pedro Álvares Cabral foi acompanhado em sua expedição do ano de 1500 pelos muçulmanos Chuhabidin Bin Májid e o navegador Mussa Bin Sateh, que dominavam os instrumentos de navegação marítima desenvolvidos pelos muçulmanos da Península Arábica e da Península Ibérica, como o astrolábio, um instrumento utilizado para a navegação marítima com base na determinação da posição das estrelas no céu. Noutras narrativas falam que, juntamente com os descobridores portugueses, havia guias muçulmanos experientes em ciências marítimas. Esses guias fingiam ser cristãos para escaparem dos tribunais da Inquisição na Espanha mourisca e, ao chegaram ao Brasil, começaram a mostrar alguns rituais islâmicos. Essa presença de árabes – muçulmanos e cristãos – é constatada desde o final do século XVI, com a chegada de enviados da Inquisição. Processos e relatos do Santo Ofício referem-se à presença desses muçulmanos no Brasil descrevendo suas práticas e costumes, como se lavar, acordar cedo, jejuar e limpar as roupas. Muitos foram descobertos e julgados pelos tribunais da Inquisição portuguesa, no hoje estado da Bahia, no ano de 1594. A Inquisição atuou no Brasil adotando o 266
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mesmo procedimento das inquisições espanhola e portuguesa. Esses tribunais adotaram contra eles sentenças sangrentas traduzidas na execução, queimação ou escravização, forçando também a conversão de muçulmanos ao cristianismo, bem como a mudança de seus nomes. A viagem do imperador D. Pedro II ao Oriente Médio motivou a vinda das primeiras levas de imigrantes árabes ao Brasil. Porém, as mais significativas começaram oficialmente por volta do ano de 1880, com a chegada de pessoas originárias do Líbano. Calcula-se que, entre 1880 e 1900, chegaram ao Brasil cerca de 5.400 árabes. Até o final da década de 1940, o Brasil recebeu um considerável número de imigrantes sírios, libaneses, palestinos, egípcios etc., entre eles muitos muçulmanos, que ficaram conhecidos como “turcos” pelo fato de portarem passaportes do Império Turco-Otomano179 que dominava aqueles países. Eles desembarcaram nos portos de Santos, Rio de Janeiro e Recife. Muitos palestinos acorreram ao Brasil depois da Nakba (catástrofe, em língua árabe), quando mais de 800 mil habitantes foram expulsos de suas terras para a criação do Estado de Israel no território palestino. Esses novos imigrantes tinham como motivação o ideal de fazer fortuna e depois retornar à terra de origem. Dedicaram-se ao pequeno comércio, como vendedores ambulantes, denominados de “mascates”, e adentraram o país vendendo mercadorias como roupas, calçados, bebidas, perfumes, produtos de higiene e utilitários em geral. Com o passar do tempo, foram criando pequenos comércios, armazéns e pequenas indústrias de tecidos. Essa prosperidade dos primeiros árabes atraiu novos imigrantes, principalmente sírios e libaneses. Os imigrantes de religião muçulmana enfrentaram uma série de dificuldades iniciais, devido ao fato de o Brasil ser um país majoritariamente cristão católico, falar uma língua muito diferente do árabe e por não existir mesquitas e centros religiosos no país, 179 Império Otomano também conhecido como Império Turco ou Turquia Otomana, foi um império fundado no fim do século XIII e durou até 1922, localizado no noroeste da Anatólia (Turquia) e que compreendia vastos territórios no norte da África, sudeste da Europa e Oriente Médio.
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realidade que foi mudando aos poucos, através da fundação de associações beneficentes, mesquitas, salas de oração e escolas islâmicas, primeiramente na cidade de São Paulo e, posteriormente, em outras regiões do país. A constituição do primeiro grupo de árabes muçulmanos no Brasil ocorreu a partir de 1929 por palestinos que fundaram, em 1946, juntamente com outros árabes, a Mesquita Brasil na cidade de São Paulo. Muitos palestinos acorreram ao Brasil, depois da Nakba (catástrofe, em língua árabe), quando mais de 800 mil habitantes foram expulsos de suas terras e casas para a criação do Estado de Israel no território palestino. A Guerra Civil do Líbano, entre os anos de 1974 e 1991, provocou uma nova corrente migratória em direção ao Brasil, incluindo um maior número de muçulmanos em relação às ondas migratórias anteriores. A guerra da Síria foi outro motivador da vinda de um significativo número de imigrantes daquele país, que se concentraram principalmente nas regiões sudeste e centro-oeste. No entanto, o maior contingente de muçulmanos que chegou ao Brasil ocorreu em meados do século XVI, constituído de negros trazidos da África para serem escravizados principalmente na Bahia, Rio de Janeiro, Pernambuco, Alagoas e Maranhã. África onde, antes do ano de 1500, o Islam já havia se expandido por pelo menos dois terços do continente, que desfrutava dos efeitos dos fortes reinos islâmicos que possuíam civilizações florescentes, com ciências avançadas nas áreas de agricultura, arquitetura, cultura e artes, além de indústrias, fatos que deixaram sua marca evidente na construção de uma nova civilização no Estado brasileiro. Estima-se que de 3 a 4 milhões foram arrancados à força de suas terras de forma sub-humana e trazidos ao Brasil. Mulheres e homens educados, alfabetizados, muitos com experiência administrativa, comercial ou militar, outros de origens aristocráticas. Os negros sequestrados na África Ocidental eram mais especializados em expressões artísticas, em educação, em poesia, em métodos agrícolas, comércio e luta. 268
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Ao chegarem ao Brasil, esses negros escravizados eram batizados com nomes cristãos, mas mantinham a sua crença e a prática dos ritos islâmicos. Entre os escravizados estavam vários sheikhs e acadêmicos, que desenvolveram o trabalho de orientação e o esforço para que mantivessem com a sua religião. O sheikh Khaled Taky El Din, no livro Os muçulmanos no Brasil – Estudo sobre o manuscrito “A diversão do estrangeiro em tudo que é incrível”, o diário de viagem do imã Abdul Rahman bin Abdullah alBaghdadi ao Brasil, manuscrito este que constitui uma importante fonte de informação sobre o Islam no Brasil do século XIX, relata que os estudos históricos sobre o Brasil ligam a chegada do Islam para este país com o comércio de escravos, que reúnem em suas análises as etnias negras islâmicas no Brasil, que a questão diz respeito a grupos de nível cultural humano razoável. Sabiam ler e escrever, e não se misturavam com o resto dos escravos nativos africanos. Eles lideraram as rebeliões mais importantes dos negros conhecidas no Brasil. Os estudos descrevem o Islam como a religião que deu origem à autoestima, e resistiu a todas as tentativas de cristianização, como descrever os negros que a praticavam no Brasil como pessoas revolucionárias orgulhosas, revolucionárias com autoestima.180
Da mesma forma, Freyre relata que os negros escravizados que foram trazidos ao Brasil eram pessoas letradas e com formação em diversas “artes” e que não eram apenas parte da força de trabalho braçal na lavoura e sim em outras atividades econômicas do período escravagista do Brasil. Os escravos vindos de cultura negra mais adiantada foram um elemento ativo, criador, e quase que se pode acrescentar nobre na colonização do Brasil: degradados pela sua condição de escravos. Longe de terem sido apenas animais de tração e operários de enxada, a serviço da agricultura, 180 EL DIN, Khaled Taky. Os muçulmanos no Brasil. Estudo sobre o manuscrito “A diversão do estrangeiro em tudo que é incrível”. Istambul: ACAR Basim ve Cilt San, 2016. p. 28.
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desempenharam uma função civilizadora. Foram a mão direita da formação agrária brasileira, os índios, e sob certo ponto de vista, os portugueses, a mão esquerda. [...] O Brasil não se limitou a recolher da África a lama de gente preta que lhe fecundou os canaviais e os cafezais; que lhe amaciou a terra seca; que lhe completou a riqueza das manchas de massapê. Vieram-lhe da África “donas de casa” para seus colonos sem mulher branca; técnicos para as minas; artífices em ferro; negros entendidos na criação de gado e na indústria pastoril; comerciantes de panos e sabão; mestres, sacerdotes e tiradores de reza maometanos [muçulmanos]181.
Os negros islâmicos escravizados no Brasil foram cabeça de várias revoltas contra a escravidão e suas mazelas. O sheikh Abdul Hameed Ahmad, imã do Centro Islâmico de Salvador, um nigeriano que está no Brasil desde 1992, no documentário Allah, oxalá – na trilha malê182, é taxativo: “O que levou eles [os Malês] a fazerem isso, é que o Islam diz que todo ser humano nasce livre e precisa viver livre. Está escrito no Alcorão que os direitos humanos são uma coisa que todo mundo nasce com ele”.
7.1 As relação amistosas entre Brasil e Palestina As relações diretas e indiretas do Estado do Brasil em relação à questão árabe e a Palestina vêm desde o final de Segunda Guerra Mundial, nos primórdios da ONU, quando a representação do Brasil votou favoravelmente à Resolução 181 da Assembleia Geral que aprovou o Plano de Partilha territorial da Palestina (Ver Anexo I), contrariando orientação do Itamaraty que havia orientado a abstenção do voto, como mencionei anteriormente. O representante brasileiro junto às Nações Unidas era o diplomata Oswaldo Aranha (1894-1960), que havia sido ministro das Relações Exteriores do governo de Getúlio 181 FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Global, 2006. p. 382. 182 Allah, oxalá – na trilha malê. Direção, produção e pesquisa: Francirosy Campos Barbosa. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6VtkEnoW6g4.
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Vargas e foi quem presidiu ocasionalmente a Primeira Sessão Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas que aprovou a criação do Comitê Especial das Nações Unidas sobre a Palestina (UNSCOP, da sigla em inglês), por meio da Resolução 106 da Assembleia Geral, bem como a Presidência da 2ª Sessão Ordinária da Assembleia Geral, que aprovou o Plano de Partilha, em 29 de novembro de 1947. Embora fosse ocasional, o envolvimento do Brasil com a questão palestina estava relacionado ao alinhamento com os Estados Unidos e à proximidade com a Santa Sé, cujas ações diplomáticas estavam voltadas para a questão do status de Jerusalém. No âmbito das decisões da ONU, o Brasil votou também a favor da Resolução 194 da Assembleia Geral (Ver Anexo II), adotada em 11 de dezembro de 1948, no final da guerra árabe-israelense (maio de 1948 a janeiro de 1949), que estabeleceu o direito de retorno como princípio fundamental para a questão dos refugiados palestinos. O parágrafo 11 da Resolução 194 assegura que [...] os refugiados desejosos de retornar às suas casas e viver em paz com seus vizinhos devem ser autorizados a fazê-lo tão logo quanto praticável, em compensação deve ser paga pela propriedade dos que optarem por não voltar e por perdas e danos à propriedade que, sob os princípios da lei internacional e da justiça, deve ser validada pelos governos ou autoridades responsáveis (Ver Anexo II).
O Brasil votou igualmente a favor das Resoluções 212 (III), de 19 de novembro de 1948, que tratava da questão dos refugiados palestinos, e a 302 (IV), de 8 de dezembro de 1949, que dispunha sobre a questão dos refugiados palestinos e da criação da Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados Palestinos (UNRWA, da sigla em inglês). Como se sabe, Resoluções se fizeram letra morta e não se efetivaram em benefício do povo palestino. Os ocupantes sionistas alegam em seu favor, para não respeitar as Resoluções, que elas foram aprovadas pela Assembleia Geral e não pelo Conselho de Segurança 271
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– e assim não é de aplicação obrigatória. No entanto, os sionistas não questionam a decisão da Partilha ter sido adotada pela Assembleia Geral e não pelo Conselho de Segurança. Se o entendimento dos sionistas prevalece sobre as Resoluções 194, 212 e 302 (IV), por que não sobre a Resolução 181, que dividiu a Palestina em dois territórios e abriu o caminho para a criação do Estado racista de Israel? As relações com o Oriente Médio, umas das mais antigas e veneradas regiões do planeta, não se restringiram, naturalmente, com os árabes. Em fevereiro de 1949, o Brasil reconheceu o Estado de Israel. Porém, em maio do mesmo ano o Brasil absteve-se na votação da Resolução 273 (IV) da Assembleia Geral, que admitiu Israel como membro das Nações Unidas. O Brasil adotou o argumento e preocupações da Santa Sé sobre o regime especial de Jerusalém, definido pela Resolução 181 e que não tinha sido cumprida pelos sionistas. Para o Brasil, esse não cumprimento era um óbice à admissão de Israel na ONU. Israel havia solicitado sua admissão nas Nações Unidas em novembro de 1948, mas a guerra com seus vizinhos árabes que se encontrava em curso favoreceu a derrota de sua solicitação no Conselho de Segurança. Após a assinatura de acordos de armistícios com seus vizinhos, exceto com a Síria, a Assembleia Geral aprovou a admissão de Israel nas Nações Unidas por recomendação do Conselho de Segurança, em 11 de maio de 1949. Brasil e Israel estabeleceram relações diplomáticas em 7 de fevereiro de 1949. Em 1951, o Brasil estabeleceu sua legação em Tel Aviv e, em 1958, elevou-a à categoria de Embaixada, tendo o diplomata ministro José Fabrino de Oliveira Baião como seu primeiro embaixador. A diplomacia brasileira tem a sua tradição atrelada à aplicação do Direito Internacional e igualmente permeada pelo pragmatismo. Isso demonstra que, tendo envolvimento com os temas do Oriente Médio, a política externa brasileira manteve-se alinhada com os Estados Unidos da América e seguiu sua orientação, embora tenha se inclinado às posições árabes em decorrência da crise do petróleo.
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O governo do presidente Jair Bolsonaro e seu chanceler terraplanista mudaram essa tradição, como veremos mais adiante. Os governantes militares brasileiros haviam adotado uma linha de desenvolvimento enormemente dependente do petróleo e o Oriente Médio tornou-se o maior fornecedor internacional do Brasil, quando as importações árabes passaram a representar 37,5% da pauta de importações brasileiras de petróleo e derivados em 1979. No início da década de 1970, as importações do Oriente Médio representavam míseros 4,2%. Por outro lado, no mesmo período, o Brasil elevou a sua pauta de exportações para o Oriente Médio de 0,6% para 3,4% do total das exportações brasileiras183. Na década de 1970, o regime militar brasileiro demonstrava grande preocupação com o comércio de petróleo com os árabes, o que levou o general Ernesto Geisel a determinar ao general Golbery do Couto e Silva, seu chefe do Gabinete Civil, o anúncio, em reunião com emissário dos Estados Unidos, em fevereiro de 1974, que a prioridade do Brasil no comércio de petróleo era com os países árabes. Esses interesses econômicos brasileiros foram determinantes para a atitude do voto favorável do Brasil à Resolução 3379 da Assembleia Geral da ONU, de 10 de novembro de 1975, a qual considerou o sionismo como forma de racismo e discriminação racial. O voto do Brasil mereceu uma nota da Embaixada dos Estados Unidos manifestando “profunda decepção” com o voto brasileiro e demonstrando o desejo de que o Brasil instruísse o voto contra a aprovação daquela Resolução na Assembleia Geral. A insólita atitude norte-americana de ingerência nos assuntos internos brasileiros irritou, mesmo que veladamente, o governo brasileiro, que manteve o seu voto. A Resolução 3379 seria revogada, com o voto favorável do Brasil, por meio da Resolução 4868, aprovada a 16 de dezembro de 1991 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, com 111 votos favoráveis, 25 contra e 13 abstenções. 183 Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior – Comércio brasileiro por destino e origem.
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Ainda sob o regime militar e na esteira da crise do petróleo de 1973, a diplomacia brasileira continuou a se expandir no Oriente Médio. Durante o governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), o país passou a adotar posições favoráveis às petições árabes e a defender com maior firmeza o direito palestino à autodeterminação. O jornalista Elio Gaspari relata, em seu livro A ditadura derrotada, que o governo queria preservar a aliança com os Estados Unidos, desde que a Casa Branca entendesse que nas relações entre os dois países não cabia nenhum tipo de vetos como seu alinhamento com o Oriente médio, pois o Brasil necessitava do fornecimento do petróleo dos árabes. Sobre a simpatia de Geisel pelos árabes e nenhuma simpatia pelos judeus, Gaspari diz que Geisel se assustara com a possibilidade de um boicote árabe e se tornara um crítico do apoio gratuito do Brasil a Israel. Além disso, guardava uma irredutível antipatia pela criação do Estado judeu: “Francamente, eu era muito a favor dos árabes. Eu achava que o judeu era um intruso. Quer dizer, não é fato de há dois mil anos atrás aquela terra ter sido deles, que hoje em dia devesse ser. Os romanos, os italianos, também podiam reivindicar. Houve época em que aquilo foi dos romanos, dos italianos. Aquilo foi uma política do inglês, secundada por Wall Street.
Referindo-se à política de Nixon, dizia que “Está cheio de petróleo, resolve dar armas e bilhões de dólares para Israel. E o resto do mundo que se fomente? O japonês que se arrase, o Brasil que se esbandalhe”184. O Brasil votou a favor da Resolução 3236, de 22 de novembro 1974, que reconhecia a Organização para Libertação da Palestina (OLP) como legítima representante do povo palestino, bem como os direitos dos palestinos à autodeterminação, à independência nacional e à soberania. E a convidava a participar como observador das Sessões da Assembleia Geral. Em 1977, o Brasil votou, igualmente, a favor da Resolução 32/40-B da Assembleia Geral que instituiu o 184 GASPARI, Elio. A Ditadura Derrotada. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. p. 345.
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dia 29 de novembro como o Dia Internacional de Solidariedade ao Povo Palestino, que posteriormente se tornou lei em várias cidades brasileiras. Os contatos da OLP com o Governo brasileiro em busca de apoio internacional pelo reconhecimento político iniciaram-se em fins de 1974, encorajados pelos desdobramentos da ONU. Assim, a primeira visita da OLP ao Brasil ocorreu no final de 1975, cuja delegação era composta pelo vice-diretor do Departamento Político da OLP, Abdul Latif, e pelo chefe do Departamento para América Latina da OLP, Wadi Mohammed. O motivo da visita foi realizar gestões com vistas a obter autorização brasileira para instalação de um escritório da OLP em Brasília. Em 1976, Yasser Arafat enviou ao Brasil o dirigente do Fatah e seu amigo pessoal, Salah Al-Zawawi (atualmente embaixador da Palestina no Irã), com o objetivo de obter autorização do governo brasileiro para abrir o primeiro escritório da OLP na América Latina. A liderança da OLP via o Brasil como ponto importante para a difusão da causa palestina entre os países da América Latina. O objetivo não foi alcançado, porém Al-Zawawi continuou operando na região com a concordância do Brasil por meio da Missão da Liga dos Estados Árabes, onde ocupou a função de Conselheiro de Imprensa para Assuntos Palestinos até novembro de 1977. Em seguida, a representação palestina no Brasil passou a ser exercida pelo médico Farid Sawan, que foi acreditado pelo governo brasileiro como primeiro-secretário na Missão da Liga dos Estados Árabes em maio de 1979. Esta “autorização” se deu em meio a fortes gestões árabes perante o governo brasileiro, em particular dos iraquianos. Assim, em 18 de maio de 1979, Brasil e Iraque assinaram um Comunicado Conjunto que reconheciam a OLP como única e legítima representante do povo Palestino185. Em abril de 1980 uma delegação de brasileiros viajou ao Oriente Médio onde visitaram campos de refugiados palestinos na Síria e no 185 Ministério das Relações Exteriores. Resenha de Política Exterior no Brasil. Nº 21, março, abril, maio e junho de 1979, p. 43.
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Líbano, quando foram recebidos por Yasser Arafat e puderam conhecer de perto o drama do povo palestino expulso de suas terras. O grupo era integrado por membros do parlamento, como o deputado Airton Soares, então líder do Partido dos Trabalhadores, e o deputado gaúcho Pedro Germano, do PDS, partido de sustentação do regime militar que sucedeu a ARENA; de representantes da Comissão Brasileira de Justiça e Paz da CNBB, pelo presidente da UNE, Aldo Rebelo, pelo presidente do Movimento Negro Unificado, Milton Barbosa, o Miltão, e por jornalistas. A viagem resultou no documentário Sanaud – Voltaremos, produzido por uma equipe de cinema independente, nos campos de refugiados palestinos da Síria e do Líbano, com roteiro e direção de José Antônio de Barros Freire, o Barrinhos, e fotografia de Jorge Bouquet. Barrinhos viria a ficar famoso não pelo documentário, mas pelo personagem Arakem, o Showman, das vinhetas exibidas no intervalo dos jogos de futebol na Rede Globo, estreladas por um sujeito franzino, torcedor sem pinta de galã, mas sempre rodeado de belas mulheres, que depois continuaria como o personagem “Gol Man”. A decisão de permitir a instalação de um escritório da OLP no Brasil motivou uma intensa discussão na imprensa brasileira e rendeu vários artigos de “colunistas” simpáticos a Israel, principalmente durante o ano de 1979. Nos anos que se seguiram o Itamaraty manteve o status de representação da OLP, mas sem avançar na autorização para instalação do seu escritório. O argumento da diplomacia brasileira era o de que a autorização seria o reconhecimento da OLP como Estado. A questão da representação palestina só seria retomada em 1988, durante o governo do presidente José Sarney (1985-1990), com o entendimento, por parte do Itamaraty, de que era necessário aprofundar as relações com a OLP, pois esta desempenharia um papel decisivo para o futuro do Oriente Médio, embora a Consultoria Jurídica do MRE tenha ponderado que a concessão de status diplomático à representação da OLP seria um precedente desaconselhável, pois implicaria o reconhecimento da OLP não mais como movimento de libertação nacional, mas também como Estado.
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Em 1993, dois meses após o reconhecimento mútuo entre Israel e a OLP por meio da assinatura do primeiro Acordo de Oslo, o governo do presidente Itamar Franco (1992-1995) autorizou a abertura da “Delegação Especial da Palestina” em Brasília, com status diplomático e privilégios e imunidades equivalentes aos concedidos a organismos internacionais representados no país. O representante da OLP no Brasil, Ahmed Sobeh, passou a ser o primeiro chefe da Delegação Palestina no Brasil, pondo fim a 15 anos de esforços, especulações e debates sobre a autorização para instalação da representação diplomática palestina no Brasil. O Brasil sempre manteve uma postura de equilíbrio na ONU e esta atitude merecia a atenção das lideranças do mundo árabe. Tanto é que, em 1994, o presidente Itamar Franco foi o único líder latinoamericano a ser convidado a participar da cerimônia de assinatura do tratado de paz entre Israel e Jordânia. O Brasil foi representado na ocasião pelo chanceler Celso Amorim. Naquela ocasião, Israel mantinha presa desde março de 1984 a jovem brasileira de origem palestina Lâmia Maruf, nascida em Manaus em 30 de maio de 1964 e que tinha se mudado para São Paulo com a família em 1980. Ela havia sido condenada à prisão perpétua quando tinha 19 anos, e sua prisão causava grande comoção na comunidade árabe no Brasil e em várias partes do país haviam sido formado comitês pela libertação da brasileira, que desenvolviam uma ativa campanha nacional pela sua libertação, sendo que, por meio de abaixo-assinados, cobravam do governo brasileiro uma posição perante Israel pela sua libertação. Seu encarceramento tinha sido em decorrência de sua participação em uma ação militar que provocou a morte de um soldado das tropas de agressão sionista. A pressão do movimento pela libertação de Lâmia obrigou o presidente Itamar Franco a designar o diretor do Departamento de Oriente Próximo do Itamaraty, o embaixador Pedro Paulo Assunção, como emissário especial e portador de uma carta de Itamar a Yasser Arafat, na qual solicitava que o nome da brasileira fosse incluído na
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lista de prisioneiros que Israel libertaria como gesto de boa vontade no contexto dos Acordos de Oslo186. A acusação contra de Lâmia e seu marido Tawfic Abdallah187 foi uma peça típica dos tribunais fascistas. Os juízes apoiavam-se em “provas secretas”, cercearam o direito de defesa, chegando a cassar a palavra do advogado Ayrton Soares, um antigo congressista brasileiro que havia lutado pela redemocratização do país e tinha defendido presos políticos durante a ditadura militar. A condenação foi em instância única, sem direito à apelação. E, um ano antes de proferida a sentença, os réus tiveram sua casa dinamitada pelo exército, como “punição acessória”. Durante sua visita ao Brasil, Yasser Arafat reuniu-se em 17 de outubro de 1995 com diversos líderes e parlamentares que lhe reiteraram o pedido para que Lâmia fosse incluída entre os prisioneiros a serem libertados por Israel nos acordos de paz. A brasileira foi libertada após 11 anos de cárcere, durante o governo FHC, em 11 de fevereiro de 1998, aos 38 anos. Ainda durante sua visita ao Brasil, Yasser Arafat foi condecorado pelo presidente FHC com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, no grau Grã-Cruz, que é a comenda concedida a Chefes de Estado, Chefes de Governo e outras personalidades de hierarquia equivalente. A mesma condecoração já havia sido concedida a personalidades como Che Guevara, Bashar Al-Assad e a cantora portuguesa Amália Rodrigues. O ex-capitão fascista que governa o Brasil, Jair Bolsonaro, concedeu essa honraria brasileira ao criminoso de guerra Benjamin Netanyahu durante sua visita para a posse presidencial em 2019. O presidente Fernando Henrique Cardoso, que governou o Brasil de 1995 a 2002, tratou em seu discurso na abertura da Assembleia 186 AMORIM, Celso. Teerã, Ramalá e Doha: Memórias da política externa ativa e altiva. São Paulo: Benvirá, 2015. p. 111. 187 Tawfic Abdallah era militante do Al-Fatah e foi um dos 477 prisioneiros palestinos que foram libertados em troca do soldado israelense Gilad Shalit, em 18 de outubro de 2011, após 26 anos de prisão. Ele vive atualmente no Brasil com sua esposa.
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Geral de 2001 sobre o conflito na Palestina e defendeu a criação de um Estado palestino. Assim como apoiou a criação do estado de Israel, o Brasil reclama passos concretos para a constituição de um estado palestino democrático, coeso e economicamente viável. O direito à autodeterminação do povo palestino e o respeito à existência de Israel como estado soberano, livre e seguro são essenciais para que o Oriente Médio possa reconstruir seu futuro de paz. Esta é uma dívida moral das Nações Unidas. É uma tarefa inadiável188.
7.2 Brasil-Palestina na era Lula/Dilma Durante os seus dois mandatos (2003-2010), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva manteve uma linha de defesa do direito à autodeterminação do povo palestino e a solução de dois Estados, com as fronteiras internacionalmente reconhecidas de 1967. A sua intervenção no cenário internacional mais se assemelhou a uma “diplomacia presidencial”, dada a sua dedicação com o tema por onde quer que fosse. E nas diversas vezes que ocupou a tribuna da ONU, Lula manteve sempre o discurso em que cobrava uma maior participação da comunidade internacional – a ONU em especial – na solução do conflito. Desde o início do seu governo, o presidente Lula sempre declarou seu interesse de se aproximar dos países árabes motivado, naturalmente, por questões econômicas, onde era apoiado por empresários e políticos de variadas tendências. A Palestina, contudo, era um tema sempre presente em seus discursos. Em dezembro de 2003, o presidente Lula deu início a uma viagem à Síria, Líbano, Emirados Árabes Unidos, Egito e Líbia. Nos contatos bilaterais que manteve e nos pronunciamentos que fez, Lula não fugiu de temas políticos delicados. Em todos eles abordou a necessidade da criação
188 BRASIL. Presidente (1995-2003). Discursos selecionados do Presidente Fernando Henrique Cardoso. Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 2009. p. 65.
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de um Estado palestino e reclamou da ocupação israelense nas Colinas de Golã, um território pertencente à Síria. Lula discursou também na Assembleia Nacional Libanesa, presidida pelo muçulmano xiita Nabih Berri desde 1992, onde cobrou o envolvimento mais efetivo da ONU nas questões relacionadas à paz no Oriente Médio. E reclamou do pouco envolvimento de chefes de Estado com a questão palestina. O presidente afirmou que a paz entre palestinos e israelenses é uma tarefa de toda a comunidade de nações. Lula também reafirmou o direito do Líbano em exercer a soberania plena dos territórios que lhe pertencem segundo o Direito Internacional. Discursando pela segunda vez na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2004, o presidente Lula fez menção direta ao conflito israel-palestina, destacando a necessidade premente de uma solução. Lula falou na tribuna da ONU que não se vislumbra, por exemplo, melhora na situação crítica do oriente Médio. Neste, como em outros conflitos, a comunidade internacional não pode aceitar que a violência proveniente do estado, ou de quaisquer grupos, se sobreponha ao diálogo. O povo palestino ainda está longe de alcançar a autodeterminação a que tem direito189.
Em abril de 2004 uma delegação de parlamentares brasileiros visitou a Palestina Ocupada, com o objetivo de levar a solidariedade do Governo e do Parlamento brasileiro ao povo palestino e ao líder Yasser Arafat, presidente da Autoridade Nacional Palestina e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que vivia confinado em seu quartel-general, em Ramallah, cercado pelas tropas israelenses de ocupação. Foram os últimos brasileiros que estiveram com Arafat em
189 A íntegra do discurso está disponível em FOLHA DE S. PAULO. Leia a íntegra do pronunciamento de Lula na ONU, 2004. Disponível em: https://www1.folha. uol.com.br/folha/brasil/ult96u64289.shtml.
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vida, que veio a falecer por meio de envenenamento190, em novembro do mesmo ano desta visita histórica. A delegação foi composta pelos deputados Jamil Murad (PCdoBSP), chefe da delegação e secretário-geral da Liga Parlamentar ÁrabeBrasileira, Nilson Mourão (PT-AC), Leonardo Mattos (PV-MG) e a deputada Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM). A delegação foi acompanhada pelo embaixador da Autoridade Palestina no Brasil, Musa Amer Odeh, do embaixador do Brasil em Tel Aviv, Sérgio Eduardo Moreira Lima e pelo presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), Farid Suwwan. Lula foi o primeiro chefe de Estado brasileiro a visitar oficialmente Israel e Palestina, em março de 2010. Anteriormente, o único chefe de Estado brasileiro a visitar a região fora o imperador Pedro II, que esteve no Egito, Líbano, Síria e Palestina em 1876, em viagem de natureza particular. Além de visitar e depositar flores no mausoléu da Yasser Arafat em Ramallah, Lula também inaugurou a Rua Brasil na capital da Cisjordânia, onde fica a sede da Autoridade Palestina. “Estou muito feliz de que a rua do Brasil fique em frente ao mausoléu de Arafat; isto demonstra o carinho que o povo palestino sente pelo povo brasileiro”191, declarou Lula durante a cerimônia, na presença do primeiro-ministro palestino, Salam Fayyad, antes de se reunir com o presidente Mahmoud Abbas. A passagem do presidente Lula pela Palestina mereceu matérias controversas na imprensa brasileira, que preferiu dar destaque ao fato de o presidente não ter depositado flores no túmulo de Theodor Herzl, o fundador do movimento sionista e responsável por teorias fantasiosas do tipo “uma terra sem povo para um povo sem terra”. E 190 Em outubro de 2004, depois de uma refeição, ele sentiu-se mal, com vômitos, náuseas, dores e diarreia. O diagnóstico inicial foi de uma virose. Em 2012 três equipes – uma russa, uma francesa e uma suíça – concluíram que foram encontrados resquícios de polônio 210, uma substância radioativa letal, numa quantidade 18 vezes maior do que a normal. 191 G1. Lula visita mausoléu de Arafat em Ramallah, 2010. Disponível em: http:// g1.globo.com/Noticias/Mundo/0,,MUL1533638-5602,00-lula+visita+mausole u+de+arafat+em+ramallah.html.
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ao gesto descortês e demagógico do político sionista de ultradireita e ministro do Exterior Avigdor Liebermann, de não comparecer ao jantar de Estado oferecido por Shimon Peres a Lula e comitiva.
Dona Marisa Letícia e o presidente Lula na inauguração da Rua Brasil, em Ramallah. Disponível em http://sanaud-voltaremos.blogspot.com/search/ label/liberdade.
Após a visita de Lula à Palestina, as relações com o Brasil ganharam novo patamar com a abertura do Escritório de Representação do Brasil em Ramallah, em julho de 2004, quando o embaixador Bernardo de Azevedo Brito assumiu a chefia do escritório, dando mais um passo diplomático para o reconhecimento político do Estado palestino. Reconhecimento que veio a ocorrer nos últimos dias do seu governo, embora já existisse há algum tempo a motivação política para aquele ato nas esferas diplomáticas e políticas do governo brasileiro. O tema ganhou concretude após a visita, em julho de 2010, do enviado especial da ANP, Nabil Shaath, membro da OLP e do Comitê Central do Fatah, que veio ao Brasil para negociar o reconhecimento. A 282
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decisão foi, enfim, tomada pelo presidente Lula e a declaração só não foi anunciada naqueles dias por uma questão interna. O Palácio do Planalto avaliava que, em decorrência das eleições que seriam realizadas em outubro e, mesmo levando em conta que a política externa não era uma das pautas da campanha eleitoral, poderia motivar a politização do tema do conflito Israel-Palestina e afetar o debate eleitoral. Por uma questão de timing adiou-se o reconhecimento para outra ocasião. A vitória da presidente Dilma no segundo turno criou um ambiente mais propício para o reconhecimento brasileiro do Estado palestino. Ao mesmo tempo, contava o fato da elevada popularidade do presidente Lula, que encerraria seu mandato com a maior aprovação popular da história que, de acordo com o instituto DataFolha, era de 83% de aprovação em dezembro de 2010. Embora o reconhecimento de Estado seja um ato voluntário, o governo brasileiro esperava que a Autoridade palestina se manifestasse oficialmente sobre o reconhecimento. O formalismo desnecessário do Itamaraty considerava que era pertinente que o reconhecimento derivasse de um pedido palestino, que na ótica do governo brasileiro seria uma sequência lógica de acontecimentos históricos e evitaria que a decisão brasileira fosse vista como voluntarista. Assim, em 24 de novembro de 2010, o presidente palestino Mahmoud Abbas192 (também conhecido como Abu Mazen) enviou carta ao presidente Lula, solicitando o reconhecimento pelo Brasil do Estado palestino. Na carta Abbas afirmava que a decisão do reconhecimento “será um uma decisão importante e histórica, porque encorajará outros países em seu continente e em outras regiões do mundo a seguir a sua posição e reconhecer o Estado palestino”.
192 Mahmoud Abbas é o presidente da Autoridade Nacional Palestina desde 2005. Foi um dos fundadores, junto com Yasser Arafat, da organização Fatah em 1959. Desempenhou também funções como primeiro-ministro da Autoridade Nacional Palestina entre março e outubro 2003.
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Eis a íntegra da carta do presidente Mahmoud Abbas ao presidente Lula193: Sua Excelência Luiz Inácio Lula da Silva Presidente da República Federativa do Brasil Brasília 24/11/2010 Saudações, Inicialmente, gostaríamos de estender a Vossa Excelência nossas felicitações pelo sucesso das eleições gerais no Brasil, louváveis por sua elevada transparência e pelo alto nível do processo democrático, que levaram à vitória a candidata de seu partido como nova Presidente da República Federativa do Brasil. É com satisfação que também saudamos entusiasticamente o seu Governo, testemunha de um período de prosperidade econômica e mudança política qualitativa, que inscreve Vossa Excelência na história política moderna do Brasil. Senhor Presidente, A atual situação nos territórios palestinos evidencia uma grande escalada das ações israelenses. O Governo de Israel recusa-se a interromper suas atividades em assentamentos. Isso paralisou o lançamento de negociações diretas, apesar das posições e dos pedidos de países de todo o mundo para que Israel ponha fim aos assentamentos, e, dessa forma, não apenas torne possíveis as negociações, como também dê uma chance à paz. No entanto, Israel ainda desafia o mundo inteiro e insiste em suas atividades colonizadoras. Tal posição dificulta qualquer possibilidade de se alcançar um acordo por meio de negociações e cria também uma nova realidade no terreno, que inviabiliza a solução de dois Estados.
193 A íntegra da carta está disponível em RAATZ, Luiz. Leia as cartas de Lula e Abbas sobre o reconhecimento do Estado palestino. Estadão, 2010 (https:// internacional.estadao.com.br/blogs/radar-global/leia-as-cartas-de-lula-eabbas-sobre-o-reconhecimento-do-estado-palestino/).
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Enquanto expressamos a Vossa Excelência o nosso orgulho das valorosas e históricas relações brasileiro-palestinas, que refletem suas posições firmes em relação ao nosso povo ao longo dos anos e em nossos recentes encontros, esperamos, nosso caro amigo, que Vossa Excelência decida tomar a iniciativa de reconhecer o Estado da Palestina nas fronteiras de 1967. Essa será uma decisão importante e histórica, porque encorajará outros países em seu continente e em outras regiões do mundo a seguir a sua posição de reconhecer o Estado palestino. Essa decisão levará também ao avanço do processo de paz e à promoção da posição palestina, que busca o reconhecimento internacional do Estado da Palestina. Esperamos que o nosso pedido possa receber sua bondosa aceitação e esperamos também que essa iniciativa possa ser tomada antes do fim de seu mandato presidencial. Queira aceitar os protestos de nossa mais alta estima e consideração. Mahmoud Abbas Presidente do Estado da Palestina Presidente do Comitê Executivo da Organização para a Libertação da Palestina Presidente da Autoridade Nacional Palestina
Por meio de carta do presidente Lula, de 1º de dezembro de 2010, era ressaltada a posição do Brasil, historicamente favorável à legítima aspiração do povo palestino a um estado coeso, seguro, democrático e economicamente viável, coexistindo em paz com Israel. A carta foi escrita nos seguintes termos194: À Sua Excelência Mahmoud Abbas Presidente da Autoridade Nacional Palestina Senhor Presidente,
194 A íntegra da carta está disponível em RAATZ, Luiz. Leia as cartas de Lula e Abbas sobre o reconhecimento do Estado palestino. Estadão, 2010 (https:// internacional.estadao.com.br/blogs/radar-global/leia-as-cartas-de-lula-eabbas-sobre-o-reconhecimento-do-estado-palestino/).
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Li com atenção a carta de 24 de novembro, por meio da qual Vossa Excelência solicita que o Brasil reconheça o Estado palestino nas fronteiras de 1967. Como sabe Vossa Excelência, o Brasil tem defendido historicamente, e em particular durante meu Governo, a concretização da legítima aspiração do povo palestino a um Estado coeso, seguro, democrático e economicamente viável, coexistindo em paz com Israel. Temos nos empenhado em favorecer as negociações de paz, buscar a estabilidade na região e aliviar a crise humanitária por que passa boa parte do povo palestino. Condenamos quaisquer atos terroristas, praticados sob qualquer pretexto. Nos últimos anos, o Brasil intensificou suas relações diplomáticas com todos os países da região, seja pela abertura de novos postos, inclusive um Escritório de Representação em Ramalá; por uma maior freqüência de visitas de alto nível, de que é exemplo minha visita a Israel, Palestina e Jordânia em março último; ou pelo aprofundamento das relações comerciais, como mostra a série de acordos de livre comércio assinados ou em negociação. Nos contatos bilaterais, o Governo brasileiro notou os esforços bem-sucedidos da Autoridade Nacional Palestina para dinamizar a economia da Cisjordânia, prestar serviços à sua população e melhorar as condições de segurança nos Territórios Ocupados. Por considerar que a solicitação apresentada por Vossa Excelência é justa e coerente com os princípios defendidos pelo Brasil para a Questão Palestina, o Brasil, por meio desta carta, reconhece o Estado palestino nas fronteiras de 1967. Ao fazê-lo, quero reiterar o entendimento do Governo brasileiro de que somente o diálogo e a convivência pacífica com os vizinhos farão avançar verdadeiramente a causa palestina. Estou seguro de que este é também o pensamento de Vossa Excelência
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O reconhecimento do Estado palestino é parte da convicção brasileira de que um processo negociador que resulte em dois Estados convivendo pacificamente e em segurança é o melhor caminho para a paz no Oriente Médio, objetivo que interessa a toda a humanidade. O Brasil estará sempre pronto a ajudar no que for necessário. Desejo a Vossa Excelência e à Autoridade Nacional Palestina êxito na condução de um processo que leve à construção do Estado palestino democrático, próspero e pacífico a que todos aspiramos. Aproveito a ocasião para reiterar a Vossa Excelência a minha mais alta estima e consideração. 01 de dezembro de 2010 Luiz Inácio Lula da Silva Presidente da República Federativa do Brasil
Celso Amorim foi o chanceler brasileiro que mais promoveu atividades da política externa brasileira em benefício de uma solução para o conflito entre Israel e a Palestina. De 2005 a 2010, Amorim esteve em Israel e na Palestina por cinco vezes. O Brasil recebeu o presidente de Israel, Shimon Peres, em 10 de novembro de 2009 e o da Palestina, Mahmoud Abbas, visitou o Brasil em 2005, 2009 e esteve presente na posse da presidenta Dilma Rousseff em 2011. Conforme Abbas havia previsto em sua carta, a atitude brasileira “encorajou outros países” e gerou uma onda de reconhecimentos. Em um período de três meses após o Brasil reconhecer o estado palestino, todos os países sul-americanos reconheceram o Estado palestino sem que fosse necessária nenhuma articulação ou coordenação regional por parte do Brasil. A exceção ficou com a Colômbia, que só veio a reconhecer o Estado palestino em 3 de agosto de 2018, através de carta oficial assinada por María Ángela Holguín, ministra de Relações Exteriores durante os dois mandatos presidenciais (2010-2018) de Juan Manuel Santos. Desde 15 de novembro de 1988, data em que Yasser Arafat 287
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declarou a independência da Palestina, em Argel, o ano de 2011 foi aquele em que um maior número de países reconheceu o Estado palestino. O Panamá segue sendo o único país latino-americano a não fazer esse reconhecimento. Países latino-americanos que reconhecem a Palestina: País
Data de reconhecimento
Cuba Nicarágua Paraguai Costa Rica Venezuela República Dominicana Brasil Argentina Bolívia Equador Chile Guiana Peru Suriname Uruguai El Salvador Honduras São Vicente e Granadinas Belize Dominica Guatemala Colômbia
16 de novembro de 1988 16 de novembro de 1988 25 de março de 2005 5 de fevereiro de 2008 27 de abril de 2009 14 de julho de 2009 1 de dezembro de 2010 6 de dezembro de 2010 17 de dezembro de 2010 24 de dezembro de 2010 7 de janeiro de 2011 13 de janeiro de 2011 24 de janeiro de 2011 1 de fevereiro de 2011 15 de março de 2011 25 de agosto de 2011 26 de agosto de 2011 29 de agosto de 2011 9 de setembro de 2011 19 de setembro de 2011 9 de abril de 2013 3 de agosto de 2018
O apoio do Brasil ao esforço palestino pelo seu reconhecimento no âmbito das Nações Unidas se caracterizou também pela realização de contribuições financeiras com o objetivo de colaborar materialmente com a Palestina. De 2007 a 2015, o governo brasileiro doou mais de US$ 288
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30 milhões para a construção de um Estado palestino, incluindo US$ 10 milhões em assistência ao governo palestino, em 2007, e US$ 7,5 milhões à Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina (UNRWA), em 2011. Em 2014 o Brasil doou 11,5 mil toneladas de arroz à UNRWA, com valor estimado de US$ 9 milhões. Na Conferência de Reconstrução de Gaza, no Cairo, em 2014, doou mais 6 mil toneladas de arroz à Agência da ONU. Em decorrência dessas doações, o Brasil foi convidado a integrar como membro o Comitê Consultivo da UNRWA, em dezembro de 2014.
A bela sede da Embaixada da Palestina no Brasil, inaugurada em 03 de fevereiro de 2016. O presidente da Autoridade Nacional Palestina, Mahmoud Abbas, participou da cerimônia de colocação da pedra fundamental, em 2011. De acordo com a praxe seguida desde a fundação de Brasília, o Governo brasileiro doou, com aprovação do Congresso Nacional, a área para a construção da Embaixada palestina em 2010. Em reciprocidade, recebeu doação, em 2015, de terreno para uso do Brasil em Ramallah, onde funciona a representação brasileira na Palestina. Disponível em https://redebrasil.net/ palestina-inaugura-embaixada-mesquita-no-brasil/.
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Em seu primeiro discurso na abertura da Assembleia Geral da ONU, em 21 de setembro de 2011, a presidenta Dilma Rousseff disse que lamentava ainda não poder saudar o ingresso pleno da Palestina na Organização das Nações Unidas: Mas lamento ainda não poder saudar, desta tribuna, o ingresso pleno da Palestina na Organização das Nações Unidas. O Brasil já reconhece o Estado palestino como tal, nas fronteiras de 1967, de forma consistente com as resoluções das Nações Unidas. Assim como a maioria dos países nesta Assembleia, acreditamos que é chegado o momento de termos a Palestina aqui representada a pleno título. O reconhecimento ao direito legítimo do povo palestino à soberania e à autodeterminação amplia as possibilidades de uma paz duradoura no Oriente Médio. Apenas uma Palestina livre e soberana poderá atender aos legítimos anseios de Israel por paz com seus vizinhos, segurança em suas fronteiras e estabilidade política em seu entorno regional195.
Em novembro de 2012, com apoio de expressiva maioria da Assembleia Geral, a Palestina obteve o status de Estado Observador não membro, por meio da Resolução 67/19, aprovada com 138 votos a favor (incluindo o do Brasil), 9 contra e 41 abstenções. Ainda no ano de 2011, o Brasil votou favoravelmente ao projeto de resolução proposto pelo Líbano sobre a ilegalidade dos assentamentos israelenses nos Territórios Palestinos Ocupados, incluindo Jerusalém Oriental, aprovado na Assembleia Geral das Nações Unidas com o apoio de 128 dos 192 Estados membros. Os assentamentos são reconhecidamente ilegais pelas leis internacionais, 195 A íntegra do discurso da presidenta Dilma Rousseff está disponível em BRASIL. 21-09-2011 - Discurso da Presidenta da República, Dilma Rousseff, na abertura do Debate Geral da 66ª Assembleia Geral das Nações Unidas. Brasília: Biblioteca Presidência da república, 2011 (http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/ presidencia/ex-presidentes/dilma-rousseff/discursos/discursos-da-presidenta/ discurso-da-presidenta-da-republica-dilma-rousseff-na-abertura-do-debategeral-da-66a-assembleia-geral-das-nacoes-unidas-nova-iorque-eua).
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e a aprovação daquela resolução seria uma forma de pressionar Israel a congelar a construção nas áreas palestinas. A Resolução não foi adotada no Conselho de Segurança das Nações Unidas, em votação ocorrida no dia 18 de fevereiro de 2011, embora tenha obtido o voto favorável de 14 dos 15 membros do Conselho de Segurança, incluindo o Brasil, que detinha a presidência rotativa do órgão, devido ao veto dos Estados Unidos. A embaixadora dos Estados Unidos perante a ONU, Susan Rice, disse, após declarar o veto, que Apesar de concordarmos com os outros membros, e de fato com o mundo em geral, sobre a insensatez e a ilegitimidade de continuar as atividades nos assentamentos israelenses, não nos parece sensato que o Conselho trate de resolver os assuntos cruciais entre israelenses e palestinos196.
Se o Conselho de Segurança não pautar o debate sobre estes conflitos, quem irá fazê-lo? Nos dias que antecederam a votação, os Estados Unidos declararam demagogicamente que não aceitam a legitimidade da contínua atividade de assentamento de Israel, que é um sério obstáculo para o processo de paz. E também noticiaram a concordância em apoiar uma visita do Conselho de Segurança da ONU ao Oriente Médio, a primeira desde 1979, e se comprometeram em apoiar um comunicado criticando os assentamentos de Israel numa declaração futura do Quarteto. Após a votação no Conselho de Segurança, a Representante Permanente do Brasil junto às Nações Unidas, Embaixadora Maria Luiza Viotti, proferiu uma explicação de voto, onde deixava clara a posição do Brasil no processo de paz e a busca por uma solução justa e duradoura para o conflito. Ao mesmo tempo, afirmava o tom contundente do Brasil no que diz respeito à ilegalidade dos assentamentos nos Territórios Palestinos Ocupados, inclusive em 196 A declaração da embaixadora dos Estados Unidos perante a ONU, Susan Rice, está disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Colônias_israelenses.
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Jerusalém Oriental, que constituem grande obstáculo para se alcançar a paz com base na solução dos dois Estados. A declaração do Brasil distribuída à imprensa alegava ainda que o Brasil copatrocinou o texto não apenas por concordarmos integralmente com ele, mas porque a resolução nos ajudaria a alcançar a solução de dois Estados e, portanto, contribuiria para a segurança e estabilidade de longo prazo de toda região, inclusive de Israel. [...] Também copatrocinamos o projeto de resolução porque sua adoção enviaria mensagenschave urgentes. Primeiro, que o desrespeito continuado das obrigações internacionais relacionadas à construção de assentamentos constitui ameaça à paz e à segurança na região. Segundo, que a interrupção das atividades relacionadas aos assentamentos deve ser vista não como uma concessão, mas como a conduta legal de acordo com o direito internacional. Terceiro, que ações unilaterais não devem prevalecer. A defesa do direito internacional será sempre uma postura favorável à paz. O Conselho de Segurança não pode aceitar menos do que isso. Distintos membros do Conselho de Segurança, Ao longo dos anos, o Brasil vem apoiando a realização das legítimas aspirações do povo palestino por um Estado coeso, seguro, democrático e economicamente viável, dentro das fronteiras de 1967 e com Jerusalém Oriental como sua capital, vivendo lado a lado e em paz com o Estado de Israel197.
Em dezembro de 2012 um brutal ataque criminoso e genocida sionista à Faixa de Gaza chocou o mundo com as imagens de crianças 197 O inteiro teor da declaração do Governo brasileiro está disponível em BRASIL. Votação no Conselho de Segurança sobre os assentamentos israelenses nos Territórios Palestinos Ocupados, Nota 67. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 2011 (http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/2478votacao-no-conselho-de-seguranca-sobre-os-assentamentos-israelenses-nosterritorios-palestinos-ocupados).
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palestinas mortas pela aviação israelense, em mais uma demonstração da guerra desproporcional conduzida por Israel contra a população palestina. O ataque provocou o martírio do comandante militar do Hamas, Ahmed Jabari. A denominada “Operação Pilar Defensivo” durou entre os dias 14 e 21 de novembro de 2012, quando foi declarado um cessar-fogo pelas duas partes. Na ocasião do primeiro ataque, o vice-primeiro-ministro de Israel e criminoso de guerra, Eli Yishai, alegou que o objetivo da operação era “mandar Gaza de volta para a Idade Média” para que seu país “tenha tranquilidade por 40 anos198. Em decorrência daqueles ataques, o governo brasileiro condenou veementemente os bombardeios israelenses a Gaza pelo uso desproporcional da força, porém sem deixar de se envolver na propaganda da mídia sionista ao condenar um suposto lançamento de foguetes e morteiros de Gaza contra Israel. No entanto, o gesto mais significativo do governo brasileiro foi a decisão de convocar o embaixador brasileiro para consultas, atitude que já tinha sido adotada pelo Equador. Em seguida, Chile, Peru e El-Salvador também convocaram seus embaixadores. Fato que viria a se repetir em 2014, quando mais uma vez o governo brasileiro convocou para consultas o embaixador em Israel, Henrique Sardinha, após considerar inaceitável a escalada da violência entre Israel e Palestina. Em nota, o Itamaraty disse que o Governo brasileiro considera inaceitável a escalada da violência entre Israel e Palestina. Condenamos energicamente o uso desproporcional da força por Israel na Faixa de Gaza, do qual resultou elevado número de vítimas civis, incluindo mulheres e crianças. O Governo brasileiro reitera seu chamado a um imediato cessar-fogo entre as partes.
198 MAURO, Fillipe. Objetivo do ataque é mandar Gaza para Idade Média, diz vicepremiê de Israel. Opera Mundi, 2012. Disponível em: https://operamundi.uol. com.br/noticia/25486/objetivo-do-ataque-e-mandar-gaza-para-idade-mediadiz-vice-premie-de-israel.
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Diante da gravidade da situação, o Governo brasileiro votou favoravelmente à resolução do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre o tema, adotada no dia de hoje. Além disso, o Embaixador do Brasil em Tel Aviv foi chamado a Brasília para consultas199.
A Operação Margem Protetora foi a mais mortífera que ocorreu na região e durou de 8 de julho a 26 de agosto. Após sete semanas de ataques constantes e desproporcionais por parte de Israel, mais de 2000 palestinos e 60 militares israelenses foram mortos no confronto. A atitude brasileira gerou declarações por parte do porta-voz do ministério das Relações Exteriores de Israel, Yigal Palmor, que declarou em entrevista ao jornal The Jerusalém Post que a atitude brasileira não refletia o nível de relação entre os países e ignorava o direito de Israel defender-se. De acordo com o jornal, o porta-voz sionista teria afirmado que a medida “era uma demonstração lamentável de como o Brasil, um gigante econômico e cultural, continua a ser um anão diplomático”200. Na abertura da 69ª AGNU, em 24 de setembro de 2014, poucos meses após as agressões militares de Israel a Gaza, a presidenta Dilma chamou a responsabilidade das nações para a solução do problema, reclamando que o conflito deveria ser solucionado e não precariamente administrado, como vem sendo. Segundo a presidenta, gostaria de reiterar que não podemos permanecer indiferentes à crise israelo-palestina, sobretudo depois dos dramáticos acontecimentos na Faixa de Gaza. Condenamos o uso desproporcional da força, vitimando fortemente a população civil, mulheres e crianças. 199 BRASIL. Conflito entre Israel e Palestina. Nota 168 do Itamaraty de 23 de julho de 2014. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, 2014. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/5723-conflito-entreisrael-epalestina. 200 Declaração do porta-voz sionista Yigal Palmor. Disponível em: https://www. jpost.com/page.aspx?pageid=13&articleid=387694.
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Esse conflito deve ser solucionado e não precariamente administrado, como vem sendo. Negociações efetivas entre as partes têm de conduzir à solução de dois Estados – Palestina e Israel – vivendo lado a lado e em segurança, dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas201.
O presidente Michel Temer – que visitou a Palestina em 2013 como vice-presidente –, em meio à 72ª Assembleia Geral das Nações Unidas, em setembro de 2017, em Nova York, manteve encontros bilaterais com o primeiro-ministro sionista e criminoso de guerra, Benjamin Netanyahu, com os presidentes do Egito, Abdel Fattah El-Sisi, e do Estado da Palestina, Mahmoud Abbas, a quem convidou para visitar o Brasil mais uma vez. No seu discurso de abertura da Assembleia da ONU (19/09/2017), Temer disse que o Brasil defendeu historicamente a criação de um Estado palestino. No oriente Médio, as tratativas entre Israel e a Palestina encontram-se paralisadas. Amigo de palestinos e israelenses, o Brasil segue favorecendo a solução de dois Estados convivendo em paz e segurança, dentro de fronteiras internacionalmente reconhecidas e mutuamente acordadas202.
Em 14 de maio de 2018, Temer também emitiu nota se solidarizando com os palestinos mortos por atiradores israelenses na
201 A íntegra do discurso da presidenta Dilma Rousseff está disponível em http:// www.itamaraty.gov.br/pt-BR/notas-a-imprensa/5824-discurso-proferido-pelapresidenta-da-republica-dilma-rousseff-na-abertura-do-debate-de-alto-nivelda-69-assembleia-geral-das-nacoes-unidas-onu-nova-york-24-de-setembrode-2014. 202 A íntegra do discurso do presidente Michel Temer está disponível em http:// www.itamaraty.gov.br/pt-BR/discursos-artigos-e-entrevistas-categoria/ presidente-da-republica-federativa-do-brasil-discursos/17460-discurso-dopresidente-da-republica-michel-temer-na-abertura-do-debate-geral-da-72-sessao-da-assembleia-geral-da-onu-nova-york-19-de-setembro-de-2017.
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chamada Grande Marcha do Retorno203. O presidente brasileiro escreveu em sua conta do Twitter naquela data: “Lamento profundamente os terríveis episódios de violência na fronteira entre Israel e a Palestina. Nossa solidariedade com os feridos e as famílias dos mortos. O Brasil faz um apelo à moderação, um chamado à paz”. Como se vê, a Palestina, por ser uma questão de justiça, ocupa um lugar de destaque na diplomacia brasileira. A questão do Estado palestino independente, democrático, seguro, coeso e economicamente viável continua sendo a condição sem a qual persistirá a maioria dos problemas que afligem o Oriente Médio. O Brasil tem uma forte identificação com a Palestina e o seu povo alegre, esperançoso e resistente, onde mais de cinco mil brasileiros vivem em harmonia. E porque acolhemos aqui milhares de refugiados palestinos, perfeitamente integrados à vida brasileira. E, sobretudo, porque apoiamos a resistência e prestamos nossa solidariedade para que não abram mão do direito à sua pátria, estabelecendo um Estado soberano, o retorno dos refugiados às suas terras e casas de onde foram expulsos. A existência da Embaixada do Estado da Palestina no Brasil é resultado dos princípios estabelecidos pela nossa Constituição Federal e pelo Direito Internacional, bem como do apoio do Brasil ao direito de autodeterminação do povo palestino, sinal das boas relações entre os dois países. É o coroamento de uma relação que remonta a 1975, quando a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), na qualidade de movimento de libertação nacional, foi autorizada a designar representante no Brasil e, posteriormente, em 1993, através da abertura do Escritório de Representação em nosso país. Em dezembro de 2010, através do reconhecimento, pelo Brasil, do Estado da Palestina, a Embaixada pôde então ser instalada.
203 A Grande Marcha do Retorno foi uma série de manifestações de palestinos em Gaza, para reivindicar o retorno de 5 milhões de palestinos e seus descendentes, deslocados dos territórios palestinos desde a criação do Estado judaico, em 1947. Este tema é tratado em capítulo deste livro.
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7.3 Bolsonarismo: o Brasil descendo a ladeira204
Não era para nos surpreender. Nada do que o governo do excapitão tem dito e feito está fora do perfil político de Jair Bolsonaro. Infelizmente, no entanto, a sensação de surpresa ainda nos afeta. Por segundos, pensamos: não será uma fakenews? Não é possível que este governo esteja tão desconectado dos debates internacionais. Como é possível conceder a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, no grau de Grã-Cruz, a Benjamin Netanyahu, primeiro-ministro de Israel? Não resta dúvida, o Decreto foi publicado no Diário Oficial da União em 17 de janeiro205. 204 Versão de artigo escrito por Sayid Marcos Tenório e Berenice Bento. Disponível em: http://www.justificando.com/2019/01/29/diplomacia-bolsonarista-la-vemo-brasil-descendo-a-ladeira/. 205 BRASIL. Decreto de 17 de janeiro de 2019. Brasília: Casa Civil da Presidência da República. Imprensa Nacional, 2019. Disponível em: http://www.in.gov.br/ materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/59628931.
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Homenagear qualquer representante do Estado de Israel, um país que viola sistematicamente todas as Resoluções da ONU e Convenções Internacionais em ações criminosas contra o povo palestino é tornarse cúmplice de seus atos. No entanto, quando o governo demonstra admiração oficial por Benjamin Netanyahu, um político que não nega a tradição genocida dos primeiros-ministros israelenses anteriores, mas a aprofunda, há neste ato um rompimento simbólico definitivo com a política exterior brasileira. Quem é o primeiro-ministro israelense? Netanyahu é acusado pela polícia de receber um milhão de shekels [moeda de Israel, valor equivalente a quase 300 mil dólares] como propina, além de charutos, champanhe e joias de dois empresários, em troca de favores do governo israelense. Acusado de subornar, com dinheiro do Estado, o jornal Yedioth Ahronoth, para obter a publicação de notícias favoráveis ao seu governo. E receber propina para que Israel comprasse três submarinos da empresa alemã ThyssenKrupp, mesmo contra a posição do Ministério da Defesa de Israel, que não via utilidade desses aparelhos alemães de guerra. A marca Krupp é famosa por seus canhões e fornos utilizados nos campos de concentração nazistas, além de financiar os crimes de Hitler contra judeus durante a Segunda Guerra Mundial. O mesmo Netanyahu, que acumula todas estas acusações, também ordena bombardeios contra Gaza, nos quais é praticado o extermínio em massa de civis, entre eles milhares de crianças nos anos de 2012 e 2014; o mesmo Netanyahu que autoriza a construção de assentamentos ilegais nos territórios palestinos, elevando ainda mais as tensões do conflito; o mesmo Netanyahu presidente do partido de extrema direita Likud, que prega a limpeza étnica e a destituição de qualquer direito dos palestinos a suas terras históricas. Mas seria esta condecoração um raio cortando o céu azul? Passados os segundos inicias de surpresa, tivemos que admitir: há coerência do Decreto com tudo que o já foi dito pelo presidente da República em relação a Israel até o momento. Vejamos: 298
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Desde sua campanha eleitoral, o ex-capitão do Exército brasileiro declarou que, se eleito, adotaria uma nova atitude diplomática, onde romperia com o viés “ideológico” das relações brasileiras. Uma das suas atitudes seria o fechamento da Embaixada da Palestina no Brasil, conforme declarou ao jornal O Estado de S. Paulo em 07/08/2018. Bolsonaro declarou que “a Palestina, não sendo um país, não tem direito à Embaixada aqui. Não pode fazer puxadinho”. Ao contrário da presidenta Dilma, que “negociou com a Palestina e não com o povo de lá. Você não negocia com terrorista, então, aquela embaixada ao lado do [Palácio do] Planalto, ali não é área para isso”206. Por diversas vezes afirmou que uma de suas primeiras viagens oficiais seria para Israel e que iria autorizar a mudança da Embaixada brasileira para Jerusalém, seguindo o exemplo do presidente Donald Trump, de quem se declara fã. A comunidade judaica brasileira, embora com fissuras internas, apoiou a campanha para a eleição do ex-capitão e todos seus movimentos de aproximação incondicional com Israel. A visita do primeiro-ministro de Israel e criminoso de guerra, Benjamin Netanyahu, foi a “joia da coroa”, de uma posse presidencial esvaziada de líderes mundiais e marcada por um forte viés ideológico, onde vizinhos de continente foram desconvidados na véspera. Netanyahu chegou ao Rio de Janeiro no dia 27 dezembro de 2018, onde manteve a primeira reunião bilateral com o presidente eleito. A visita do infanticida ao Brasil gerou inúmeras manifestações de repúdio por meio das redes sociais. No dia 29/12, cercado por dezenas de agentes do serviço secreto israelense Mossad, Netanyahu se aventurou num passeio pela praia do Leme, onde estava hospedado e onde ouviu gritos de “Free Palestine!”207 [Palestina livre!], vindos de pessoas comuns que 206 HAUBERT, Mariana. Bolsonaro promete retirar embaixada da Palestina do Brasil. Estadão, 2018. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/ noticias/geral,bolsonaro-promete-retirar-embaixada-da-palestina-nobrasil,70002436161. 207 PAMPLONA, Nicola. Netanyahu visita mirante, joga futebol na praia e pede caipirinha no Rio. Folha de S.. Paulo, 2018. Disponível em: https://www1.folha. uol.com.br/mundo/2018/12/netanyahu-visita-mirante-joga-futebol-na-praiae-pede-caipirinha-no-rio.shtml.
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o reconheceram. Na companhia de Bolsonaro, visitou uma sinagoga, onde o presidente eleito foi saudado efusivamente pelos presentes com gritos de “mito, mito”, proferidos inclusive pelo chefão sionista. Nos encontros que mantiveram, Bolsonaro mostrou coerência ao seu interlocutor. Jurou seu amor por Israel e anunciou sua adesão ao projeto colonial sionista, cujo principal gesto seria a transferência da Embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém e prometendo mais acordos com Israel, numa clara demonstração da sua cumplicidade com a limpeza étnica que Israel promove na Palestina desde 1948. Promessas que já havia feito durante a campanha presidencial e foi o mote que mobilizou aliados de peso, como empresários e lideranças evangélicas, que se denominam “sionistas cristãos”, inteiramente favoráveis à transferência da embaixada para Jerusalém. Os sionistas cristãos acreditam que o retorno dos judeus à Terra Santa e o estabelecimento do Estado de Israel em 1948 estão de acordo com uma profecia bíblica, já desmontada historicamente: não há ligações entre os judeus bíblicos e os atuais israelenses sionistas. Mas a tese continua a ser utilizada fortemente pelo movimento sionista para justificar a colonização da Palestina e a limpeza étnica de seus habitantes.
7.4 Bolsonaro e a Palestina: o avesso do avesso A decisão de transferência da Embaixada para Jerusalém continua em disputa nas esferas governistas. Bolsonaro confirmou a transferência em entrevista ao jornal Israel Hayon, em 1 de novembro de 2018208. Recuou após o Egito cancelar a visita, em 6 de dezembro, do chanceler Aloysio Nunes ao país. Ele afirmou que a transferência não seria uma “questão de honra”. Outro recuo foi anunciado dias depois, quando foi divulgado que o Brasil estabeleceria não uma Embaixada em Jerusalém, mas um escritório de representação. 208 As declarações estão disponíveis em BOISMUTH, Boaz. President-elect of Brazil promises: Israel can count on our vote. Israel Hayom, 2018. Disponível em: http://www.israelhayom.com/2018/11/01/president-elect-of-brazilpromises-israel-can-count-on-our-vote/.
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Após encontro com Bolsonaro, Netanyahu foi porta-voz de um novo recuo do presidente. Dessa vez ele declarou que a mudança não era uma questão de “se” será feita, mas “quando”. O ministro chefe da Secretaria de Governo, general Carlos Alberto Santos Cruz, em entrevista à BBC News Brasil, no dia 4 de janeiro, disse que “eles [evangélicos] vão ficar na esperança. Porque uma coisa é você dizer que tem intenção, outra coisa é você concretizar. Para sair de uma ideia para a vida real, você tem uma série de outras considerações de ordem prática”. Diversos setores estão mobilizados em torno desta questão. Conselheiros do presidente sugeriram para ele deixar as coisas como estão. Entre eles, o vice-presidente, general Hamilton Mourão, que alertou para o fato de que essa transferência traria “implicações geopolíticas importantes” e que mudar a embaixada seria “um passo arriscado”. Ele defendeu que uma alternativa seria a abertura de um escritório de negócios em Jerusalém, e não a mudança de endereço da representação diplomática. Além das repercussões diplomáticas, vozes sensatas alertaram Bolsonaro para as consequências econômicas, uma vez que as transações comerciais com os países árabes são muito significativas, enquanto que, as com Israel, insignificantes. Setores como os de produção de açúcar, carne halal de boi e de frango e milho são cruciais para o comércio brasileiro com nações islâmicas do oriente Médio e Ásia. Segundo o ministério da Indústria e Comércio Exterior, somente em 2018 as trocas entre o Brasil e estes países somaram US$ 22,9 bilhões, com uma balança favorável ao Brasil em US$ 8,8 bilhões. Enquanto que, com Israel, o fluxo de negócios rendeu apenas US$ 1,49 bilhões, apresentando um déficit de US$ 847,8 milhões! Países de maioria muçulmana compram cerca de 70% de todas as exportações brasileiras de açúcar, 46% do milho em grãos, 37% da carne de frango e 27% da carne de boi. Um potencial nada desprezível e que não seria absorvido pelos novos amigos de Bolsonaro nem no curto e nem no médio prazo. 301
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Independentemente de qual posição o Brasil adotará sobre o destino da Embaixada, a situação interfere diretamente na confiança e reputação do Brasil no conserto das nações e pode contribuir de forma decisiva para o isolamento do Brasil, que ao longo nos últimos anos vinha se aliando com países latino-americanos, africanos e árabes nas votações multilaterais. Essa mudança poderá afetar a situação do Brasil em disputas comerciais em organismos como a ONU, OMC e OCDE. Além do mais, trata-se de uma medida que ignora as recomendações e decisões das Nações Unidas e afronta o direito à autodeterminação dos palestinos, que vivem há 70 anos sob ocupação ilegal e limpeza étnica. A chegada de Bolsonaro à presidência da República, um político direitista, pôs em evidência seus fortes laços com sionistas e fascistas, e com olhares servis para os Estados Unidos, em detrimento dos avanços obtidos nos governos anteriores, através da criação do MERCOSUL, do BRICS e da aproximação positiva com a África e o Oriente Médio. Não é possível, contudo, fazer política externa sem alianças. E aqui é necessário admitir: com Bolsonaro, o Brasil está alinhado com o aquilo que representa a barbárie. Entre 30 de março e 2 de abril de 2019, o presidente Bolsonaro e sua trupe realizaram uma visita de Estado a Israel, que mais uma vez frustrou tanto o presidente estadunidense Donald Trump, ao criminoso de guerra e candidato à releição Benjamin Netanyahu bem como a Bancada Evangélica na Câmara dos Deputados, a quem ele havia prometido a transferência da Embaixada brasileira para Jerusalém. O que restou ao capitão foi o anúncio da abertura, sem prazo, de um Escritório de Negócios na cidade sagrada. Além de contrariar a tradição da diplomacia brasileira em mediar conflitos e respeitar a soberania dos povos, a abertura do Escritório representa uma violação das normas e leis internacionais, principalmente as Resoluções das Nações Unidas números 181, de 1947; 194, de 1948; 267, de 1069; 476, de 1980, entre outras. O movimento Jihad islâmica e o Movimento de Resistência islâmica – Hamas – divulgaram comunicados à imprensa em que 302
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condenam a visita do presidente Jair Bolsonaro. Segundo o comunicado do Hamas, Bolsonaro “excedeu a posição histórica do povo brasileiro em apoio da luta palestina contra a ocupação, mas também violou normas e leis internacionais, especialmente referentes à cidade de Jerusalém”. Veja a íntegra do comunicado: Em nome de Deus, o Misericordioso Comunicado de Imprensa209 Emitido pelo Movimento de Resistência Islâmica – Hamas Movimento de Resistência Islâmica – Hamas condena nos termos mais fortes a visita do presidente do Brasil Jair Bolsonaro à entidade ocupante, que não só excedeu a posição histórica do povo brasileiro em apoio da luta palestina contra a ocupação, mas também violou normas e leis internacionais, especialmente referentes à cidade de Jerusalém, através da visita do presidente brasileiro ao Muro do Al Buraq, acompanhado pelo primeiro-ministro da ocupação, atitude que simula o reconhecimento da legitimidade da ocupação, bem como a intenção de abrir um escritório comercial para o Brasil na cidade sagrada. Exigimos que o Brasil recue de imediato desta política que viola a legitimidade internacional e vai de encontro à posição histórica do povo brasileiro e dos povos da América Latina. Afirmamos que esta política não serve à estabilidade na região e ameaça a relação do Brasil com os países árabes e islâmicos. Nesta ocasião, chamamos a Liga dos Estados Árabes e a Organização da Conferência Islâmica, para que pressionem o Brasil a recuar de sua política em apoio à ocupação e seus crimes contra o povo palestino. Movimento de Resistência Islâmica – Hamas Segunda-feira, 01 de abril de 2019 Correspondendo a 25 Rajab 1440 AH 209 O texto do comunicado em língua árabe está disponível em http://hamas.ps/ar/ post/10410/.
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Entre outras sandices, o presidente Bolsonaro declarou apoiar um projeto dos israelenses para demolir a Mesquita sagrada de Al-Aqsa para, em seu lugar, erguer um templo judaico – no local onde hipoteticamente teria existido um obscuro templo de Salomão, sem nenhuma comprovação histórica ou arqueológica, conforme afirmações de arqueólogos da Universidade de Tel Aviv, mencionadas no título 5.7. O filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro, que fazia parte da comitiva oficial, declarou em seguida que o presidente havia assinado um livro destinado a colher o apoio de chefes de Estado e outras autoridades em apoio à construção de um templo no local onde estão as mesquitas sagradas para os muçulmanos. O senador disse que “quando se assina um livro em que há um projeto de construção de um tempo onde hoje é uma mesquita, é uma sinalização de qual é o elemento político-ideológico do presidente Bolsonaro”210. Os judeus religiosos e os cristãos pentecostais sionistas acreditam que a reconstrução do templo que, segundo arqueólogos israelenses, nunca existiu, é o sinal de que a volta do Messias está próxima de acontecer. A Esplanada das Mesquitas, ou o Monte Moriá, para os judeus, de acordo com o livro de Gênesis, seria o local o hipotético local do templo de Salomão. Em meio à questão tão crucial para o povo palestino, o ponto fora da curva ficou surpreendentemente por conta do representante diplomático da Palestina no Brasil, o embaixador Ibrahim Al-Zeben, alguém de quem se esperava a defesa do Direito Internacional e a posição contrária a qualquer violação das Resoluções da ONU. Al-Zeben declarou ao jornal Correio Braziliense211 acreditar que seria possível manter diálogo com Jair Bolsonaro e chegar a uma solução 210 GOSPELPRIME. Bolsonaro manifesta apoio à construção do Terceiro Templo, 2019. Disponível em: https://www.gospelprime.com.br/bolsonaro-apoioconstrucao-terceiro-templo-jerusalem/ 211 VENOSA, Camilla. Diplomata sugere embaixada brasileira na Palestina em Jerusalém Oriental. Correio Braziliense, 2018. Disponível em: https:// www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2018/11/01/interna_ politica,717092/diplomata-quer-embaixada-brasileira-na-palestina-emjerusalem-oriental.shtml.
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que contemple o ponto de vista palestino. Declarou: “Existem duas Jerusaléns” (sic) e que “Vemos com bons olhos que a embaixada do Brasil em Israel fique na Jerusalém Ocidental e que a embaixada brasileira na Palestina fique na Jerusalém Oriental”. Esqueceu o embaixador que não existem “duas Jerusaléns”, como ele afirma. Mas uma única Jerusalém, a milenar capital da Palestina, com status especial dado pela resolução 303, de 9 de dezembro de 1949, que proclamou sua internacionalização, e pela qual milhares de árabes e palestinos se sacrificaram e deram suas vidas nas inúmeras batalhas ao longo dos séculos, para que Jerusalém não fosse rendida pelos inimigos e permanecesse como capital da Palestina.
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Conclusão
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Penso que este trabalho cumpre o objetivo de demonstrar que as questões históricas e políticas do conflito que já dura um século na Palestina não se trata de um problema originado de uma disputa político-religiosa travada entre judeus e palestinos, sejam cristãos ou muçulmanos. Mas que o conflito é parte de um contexto mundial que evoluiu a partir do surgimento do sionismo internacional, o movimento nacionalista judaico criado na Europa, no século XIX, que passou a reivindicar a Palestina Histórica para o estabelecimento de um Estado Judeu, o Eretz Israel, ou o Estado judaico de Israel, uma aberração que passou a existir após sua fundação, em 1948. 309
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Procurei transcrever tudo o que pude pesquisar, ouvir e ver presencialmente sobre a situação de apartheid a que o povo palestino está submetido, e posso concluir que a causa palestina não guarda nenhuma relação com as percepções do senso comum e a opinião “publicada” que visa à redução da sua dimensão a uma suposta “guerra religiosa”, justificativa utilizada para se referir ao esforço da resistência palestina para se livrar da opressão do Estado judaico. Neste sentido, há uma farta utilização do poderio da mídia, dos canais de TV com seus noticiários e documentários e da internet, para atingir seus objetivos de criar uma cortina de fumaça sobre a busca incessante de eliminar a história, o povo, a cultura e a terra palestina para, em seu lugar, expandir o Estado judaico sobre o território usurpado do povo palestino. O “lar nacional para os judeus” e o Estado puramente judeu é a estratégia da qual faz parte o atual apartheid racista e de limpeza étnica que teve início quando a ONU dividiu a Palestina secular em dois Estados e posteriormente permitiu a criação de um Estado sem que, para isso, se definisse qual era a terra e suas fronteiras, o governo e quais as características do povo. Por meio destes dois episódios, a ONU, além de dar os meios políticos e o aval internacional ao projeto sionista, permitiu as condições para a criação de um monstro que deu início a toda sorte de violações e apartheid racista e genocida que conhecemos hoje, na Palestina e em toda a região. Os líderes israelenses não aceitaram e não respeitaram os termos da Resolução 181 e a criação do Estado palestino. Ignoram as fronteiras delineadas e não pararam de roubar terras e se expandir após a fundação do Estado judeu. Não aceitaram e não cumpriram os Acordos de Oslo e continuarão não aceitando nada porque violar Tratados, Resoluções e Acordos faz parte da existência do sionismo e do Estado de Israel. O que Israel tem feito ao longo dos últimos 70 anos é contrariar e violar o Direito Internacional ao adotar uma política militarista, expansionista e colonialista de ocupação dos territórios palestinos além das fronteiras determinadas pela ONU, e a ocupação de territórios nos países árabes vizinhos (Jordânia, Síria, Egito e Líbano), ocupação que continua avançando até os nossos dias. 310
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De que adianta os palestinos aceitarem novos Acordos, se Israel simplesmente os ignora e não os cumpre? De que adiantam novas decisões de organismos internacionais, se elas são obstinada e ilegalmente ignoradas pelos sionistas? Israel age como se estivesse acima da lei e de toda a comunidade internacional, vivendo de acordo com a lei da força, onde o mais forte consegue o que quer e passa por cima dos mais fracos, impunemente. Para um povo que luta há tantos séculos contra ocupações, não importa quanto tempo a ocupação permaneça em sua terra. Apesar de todo o aparato militar e apoio estadunidense que possuem os ocupantes, eles serão derrotados porque os palestinos estão com a justiça. O direito a terra e ao retorno são direitos inalienáveis e os palestinos são persistentes em alcançar o inalienável direito de retornar e de estabelecer o seu Estado independente. O que resta fazer diante do desejo avassalador de um povo que não quer nada mais do que o respeito aos seus legítimos direitos? O que os palestinos esperam é que seus direitos sejam assegurados em concordância com a democracia, o Direito Internacional e a justiça. Que seja respeitado o direito de regresso dos refugiados, a compensação e a permanência de todos na terra palestina. Essas foram opiniões que angariei nas minhas consultas com os palestinos de diversas correntes de opinião sobre que soluções devem ser alcançadas para que esse impasse histórico e político em que se encontra a Palestina Ocupada seja resolvido. De todos ouvi que as conquistas virão pelo exercício da legítima e permanente resistência à ocupação, inclusive pelas armas, em total concordância com o Direito Internacional e as diversas Resoluções das Nações Unidas e Convenções internacionais. Quando se visita Israel e a Palestina Ocupada e se convive com a estrutura de apartheid e do controle excessivo da vida dos palestinos por parte das forças militares israelenses e se observa as colônias judaicas, condomínios bem estruturados no território ocupado ilegalmente, se pode entender o quanto a solução de dois estados é uma solução cada dia mais difícil. Uma das melhores definições de para onde caminha a situação de impasse e onde essa torrente irá desaguar foi dada pelo 311
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escritor Ilan Pappé, um israelense odiado pelos sionistas. Ele escreveu que o único regime razoável parece ser um estado democrático para todos e todas. Se isto não ocorrer, a tormenta nas fronteiras de Israel se acumulará com uma força ainda maior do que teve até agora. Por todos os lados no mundo árabe, os povos e os movimentos estão buscando formas de mudar os regimes e as realidades políticas opressivas. Certamente isto chegará também ao novo Estado de Israel; se não hoje, amanhã. Os israelenses podem ocupar o melhor camarote no Titanic, mas o navio continua afundando, de qualquer maneira212.
Ao fim e ao cabo, me vem uma questão: por que os palestinos teriam que reconhecer o Estado de Israel no território da Palestina Histórica, sem fronteiras definidas e em permanente expansão e aceitar pequenas ilhas de terra como se fosse um miniEstado pulverizado e cercado pelo ocupante? O argumento de muitos companheiros “de esquerda” de que a autodeterminação dos “dois” deve ser respeitada, a meu ver, serve, na verdade, para mascarar uma anistia para os crimes dos sionistas e do Estado de Israel contra palestinos ao longo de um século. Aceitar um miniEstado pobre e desarmado, com duas partes sem ligação territorial (Cisjordânia e Gaza) ao lado de um Israel rico e nuclear só serviria para desmoralizar a memória dos lutadores palestinos, frustrar as esperanças das novas gerações e justificar a política e a narrativa de Israel para expandir seu projeto sionista de dominação mundial. Palestina livre, do rio ao mar!
212 PAPPÉ, Ilan. A solução de dois Estados morreu faz uma década. Viva Palestina, 2013. Disponível em: http://vivapalestina.com.br/661/.
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Apêndice
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Ismail Abdel Salam Ahmed Haniyeh ou simplesmente Ismail Haniyeh, nasceu em 29 de janeiro de 1962 no campo de refugiados de Shati, próximo da cidade de Gaza. Seus pais fugiram da cidade de Ashkelon, onde moravam, durante a primeira guerra árabe-israelense e a Nakba (catástrofe, em árabe) que se seguiu à proclamação do Estado de Israel, em 1948, tornando-se refugiados. Em 1983, começou seus estudos na Universidade Islâmica de Gaza, onde se graduou em Literatura Árabe, em 1987. Fez parte do Bloco Estudantil Islâmico, ramo jovem da Irmandade Muçulmana, que daria origem ao Movimento de Resistência Islâmica (Harakatu al-Muqawama al-Islamiya, em árabe), que agrupou em 1987 vários intelectuais e políticos palestinos, liderados pelo imame e líder político islâmico Ahmed Ismail Hassan Yassin, com o objetivo fundamental de dirigir a Intifada contra a ocupação militar israelense na Faixa de Gaza. 331
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Haniyeh ficou preso por alguns meses entre 1987 e 1988, por sua participação na Intifada. Em 1989, foi condenado a três anos de prisão. Liberto em 1992, foi deportado para Marj al-Zuhur, no sul do Líbano, com outros 400 militantes da Cisjordânia e Gaza. Ele e outros membros do Hamas seriam mais tarde detidos pela Autoridade Palestina, que considerava a ideologia e atividades do grupo uma ameaça aos Acordos de Paz de Oslo. Haniyeh retornou a Gaza em dezembro de 1993 e foi nomeado reitor da Universidade Islâmica. Em 1997, após a libertação das prisões israelenses do Sheikh Ahmed Yassin, na época líder do Hamas, ele se tornou seu secretário. Em 2001, após o início da segunda Intifada (de Al-Aqsa), ele consolidou sua posição como terceiro homem na hierarquia do Hamas, depois do Sheikh Yassin e do médico Abdel Aziz al-Rantissi Yibna. Após os assassinatos do sheikh Yassin em 22 de março de 2004 e de Rantisi, em 17 de abril do mesmo ano, o Hamas passou a ser dirigido por Khaled Meshal, que havia sobrevivido a uma tentativa de assassinato por envenenamento, quando agentes do serviço secreto e terrorista Mossad conseguiram injetar uma substância tóxica no seu corpo em Amã, Jordânia, em 1997. Com a ascensão de Meshal à liderança política do Hamas, Haniyeh assumiu a máxima responsabilidade política e militar do Movimento. Ismail Haniyeh sucedeu Khalid Meshal como líder político do Hamas em 06 de maio de 2017, depois de vencer a eleição contra Mussa Abu Marzuk e Mohamed Nazzal, numa votação por videoconferência dos membros Conselho da Shura, o principal órgão de decisão do Hamas composto por 48 membros, que escolhe o Comitê Central do Movimento, em Gaza, na Cisjordânia e fora dos territórios palestinos. Eis a entrevista: Primeiramente gostaria de agradecer ao senhor Ismail Raniyeh pela gentileza em nos conceder esta entrevista. Tenho certeza que as suas respostas serão muito esclarecedoras para o leitor brasileiro, que é pouco ou mal informado pela mídia global e nacional e pelos filmes 332
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produzidos em Hollywood, quando o assunto é a justa luta do povo palestino pela sua autodeterminação e pelo retorno dos milhares de homens, mulheres e crianças que foram expulsos à partir de 1947, quando as Nações Unidas, decidiu de maneira unilateral e ilegal, dividir a Palestina Histórica em dois estados. Bem como sobre ao legítimo direito do povo palestino à resistência. O Hamas aprovou um novo Programa em 2017, onde se declara um movimento nacional palestino, islâmico, de libertação e resistência. E que a sua meta é libertar a Palestina e confrontar o projeto sionista do Estado judeu. Diz também que a Palestina é um território que se estendo do Rio Jordão ao Mediterrâneo, como uma unidade territorial integral. Do ponto de vista do Hamas, Israel tem o direito de existir? Israel não é um estado normal. É um estado colonial de colonos que foi criado durante e depois da expulsão em massa e expropriação do povo palestino. Sessenta e sete anos depois, milhões de palestinos continuam sendo vítimas de ocupação, exílio e dispersão. Reconhecer Israel efetivamente significa legitimar o que Israel fez ao povo palestino e legitimar todas as reivindicações sionistas sobre as quais Israel foi criado. A relação entre o povo palestino e Israel não é uma relação entre estados soberanos. É uma relação impulsionada pelo colonialismo israelense, expropriação e ocupação militar e pela luta dos palestinos por liberdade e autodeterminação. Essa é a realidade desta situação. Não há maneira de contornar isso. Solicitar aos palestinos que reconheçam a ocupação de Israel equivale a pedir aos negros sulafricanos que reconheçam a legitimidade do regime do apartheid branco sul-africano, ou pedir aos franceses que aceitem a ocupação alemã de suas terras durante a Segunda Guerra Mundial ou pedir aos americanos que reconheçam a ocupação britânica no século XVIII, ou esperar que os argelinos reconhecessem a ocupação francesa durante sua guerra de libertação nacional. Para os palestinos, aceitar a realidade de seu ocupante e opressor é render o sonho de liberdade e libertação e trair aqueles que lutaram longa e duramente por sua liberdade, autodeterminação e dignidade, 333
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e trair o próprio princípio da luta universal - ou justiça e liberdade consagradas nos tratados divinos e no direito internacional. Lembre-se, é possível reconhecer seus amigos, mas é um tanto absurdo aceitar a legitimidade de seus inimigos. É absurdo e irrelevante usar o reconhecimento de Israel como pré-condição quando todas as causas e manifestações de injustiça e desigualdade estão sendo sistematicamente realizadas. A liderança da OLP reconheceu o Estado de Israel em 1993 e se envolveu em negociações de paz com Israel desde a conferência de Madri em 1991. Mas o que os palestinos receberam em troca? Os governos israelenses não respeitaram as condições dos acordos. Israel nunca reconheceu os legítimos direitos históricos e políticos do povo palestino à terra e nunca reconheceu sua responsabilidade moral, política e legal pela desapropriação do povo palestino. Israel continua a travar guerras contra os palestinos, apoderam-se de terras, continuam a construir novas e expandindo as colônias judaicas ilegais, sitiam Gaza e violam sistematicamente os direitos humanos dos palestinos. É impensável, imoral e injusto esperar que os palestinos que são continuamente oprimidos e subjugados à ocupação militar israelense capitulem às condições humilhantes de Israel e esperem que os palestinos doem suas terras a quem acredita que lhe é de direito, a um povo que reivindica uma propriedade exclusiva sobre a terra. Não há precedentes na história moderna, onde um povo consentiu o roubo de sua terra natal, e o povo da Palestina definitivamente não é exceção. O Hamas afirma no novo Programa que o conflito existente na Palestina ocupada é contra o projeto sionista e não uma luta contra os judeus, mas contra os sionistas que ocupam a Palestina. Por que o Hamas não pode coexistir com Israel? A ocupação e a opressão não podem ser normalizadas, na medida em que a paz e a opressão não podem coexistir. Sem eliminar as causas subjacentes da injustiça e da tirania, você nunca conseguirá paz e segurança. Israel é um estado colonialista que impõe uma ocupação ilegal da Palestina e submete o povo palestino à opressão, cerco, humilhação diária e violações sistemáticas dos direitos humanos. 334
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A menos que Israel se comprometa claramente com uma solução que coloque um fim claro e inequívoco de sua ocupação, maus-tratos e violação dos direitos humanos e do direito internacional palestino, a paz não será uma realidade viva para todos. Israel não pode desfrutar da paz enquanto ainda segura o povo palestino pela garganta e leva o refém palestino ao seu regime militar. O povo palestino não tem escolha a não ser resistir à ocupação. Como o seu partido negocia com Israel, há negociações entre as duas partes? Com base em nossa experiência, ficou provado que as negociações não conseguiram trazer de volta os direitos palestinos. O principal problema não são as negociações, mas é que Israel não reconhece nenhum dos direitos palestinos. Essa ação do Hamas contra Israel tem gerado muitas críticas e acusações. Uma delas é o seu partido é antissemita. Quanto às acusações de antissemitismo, são argumentos muito convenientes e úteis que os apologistas de Israel geralmente usam quando estão sem argumentos. Eles usam tal acusação para intimidar os críticos de Israel ou para esterilizar a discussão e desviar a atenção dos problemas reais. O flagelo do antissemitismo é uma forma repugnante de racismo que discrimina todos os judeus por quem eles são e, portanto, muito semelhante a todas as outras formas de racismo dirigidas a outros seres humanos decentes, sejam eles muçulmanos, cristãos ou de outras religiões, e por isso mesmo devem ser confrontados e eliminados. Há uma clara distinção entre o antissemitismo, por um lado, e críticas legítimas às políticas degradantes e opressivas de Israel contra o povo palestino. Não temos nada contra os judeus por quem eles são. Nós não somos contra os judeus como religião ou etnia. Há muitos judeus e israelitas conscienciosos que se envergonham e ficam envergonhados com o que Israel tem feito em seu nome. Esses 335
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Judeus de Princípios têm condenado consistentemente as violações de Israel dos direitos humanos palestinos e seu colonialismo de colonos. O Hamas é contra Israel como um estado colonial de colonos que ocupa a Palestina e sujeita o povo palestino à guerra, colonização e deslocamento. O conflito com Israel é fundamentalmente político e os palestinos estão lutando por liberdade e autodeterminação. Se a Palestina tivesse sido ocupada por outro povo que tivesse uma religião semelhante ou diferente, o Hamas e o povo palestino teriam lutado contra ela com toda a força. Como o senhor avalia o cenário internacional para o avanço da luta palestina? O Hamas pede que a comunidade internacional pressione Israel para acabar com sua ocupação e colonização desmantelando seus assentamentos coloniais e outros fatos no terreno. Caso contrário, é responsabilidade moral e política da comunidade internacional e do mundo livre sujeitar Israel a sanções e boicotes econômicos, políticos e culturais semelhantes aos impostos ao regime sul-africano do apartheid. Qual deveria ser o papel da comunidade internacional diante dos crimes de Israel contra palestinos? O Hamas pede que a comunidade internacional pressione Israel para acabar com sua ocupação e colonização desmantelando seus assentamentos coloniais e outros fatos no terreno. Caso contrário, é responsabilidade moral e política da comunidade internacional e do mundo livre sujeitar Israel a sanções e boicotes econômicos, políticos e culturais semelhantes aos impostos ao regime sul-africano do apartheid. Como o Hamas vê o papel dos Estados Unidos no conflito palestinaisrael, quando os norte-americanos declaram o seu partido como um grupo terrorista? O Hamas vê sua única contradição com o estado de ocupação de Israel e, portanto, espera construir relações construtivas com todos os 336
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países e entidades com base no respeito e interesse mútuos. O Hamas acredita que a posição assumida por administrações consecutivas dos EUA no apoio à ocupação de Israel e à opressão dos palestinos só contribuiu para mais sofrimento e dor nos palestinos e não serviu à causa da paz na região. Essa posição é contrária aos valores da justiça, da dignidade humana e da democracia que ela pretende defender. É cristalino que os EUA há muito escolheram estar do lado errado da história, optando por apoiar um Estado colonial de colonos em clara violação da lei internacional e da decência humana básica. O Hamas pede que os EUA corrijam os erros do passado e tomem uma decisão corajosa para ajudar a responsabilizar Israel por seus crimes contra o povo palestino. O Hamas aprecia todos os esforços do povo americano que defendem os direitos legítimos do povo palestino em sua luta para recuperar sua liberdade e independência. O fracasso dos EUA em defender valores de direitos humanos, direitos iguais, respeito ao direito internacional e um senso compartilhado de solidariedade com os oprimidos no caso da Palestina, demonstra o grande abismo entre a retórica e a realidade que eles engendram por seu apoio antiético a Israel. E em relação aos países da União Europeia? O Hamas aguarda com expectativa as relações abertas e positivas com a União Europeia e os Estados membros da UE para alcançar a paz e a estabilidade na região. Mais importante ainda, o Hamas quer um papel europeu mais vigoroso para ajudar a acabar com a ocupação israelense da Palestina, exercer pressão sobre Israel através de boicotes e desinvestimentos e sanções, e ajudar na reconstrução de Gaza e na superação de obstáculos internos. Os israelenses e seus aliados do ocidente vivem a repetir que o Estado judeu é a única democracia do Oriente Médio. Como o senhor avalia essa questão?
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Os apologistas de Israel sempre retratam Israel como uma democracia ocidental, “a única democracia no Oriente Médio”, e enfrentam os valores democráticos liberais e a herança judaico-cristã que Israel compartilha com democracias liberais no Ocidente. Tais afirmações são egoístas e uma cortina de fumaça para esconder a exclusividade étnico-religiosa judaica inerente à ideologia sionista e as desigualdades estruturais e práticas discriminatórias que o Estado de ocupação israelense realiza contra seus cidadãos não-judeus. Muito pelo contrário de uma democracia, Israel é uma etnocracia que incorpora alguns elementos de uma democracia liberal ocidental, como eleições e sistemas de votação, pluralidade política e imprensa livre. Uma etnocracia surge quando membros de um determinado grupo étnico-nacional - os judeus em Israel, os brancos na África do Sul do apartheid ou os fundamentalistas cristãos brancos nos EUA assumem o controle do governo e dos militares para impor um regime de exclusividade e privilégio sobre outros grupos étnicos ou religiosos no que é de fato uma sociedade multi-étnica ou multi-religiosa. Ao contrário das democracias liberais na Austrália, nos EUA e na Europa Ocidental, onde um modelo de nacionalismo civil e democracia inclusiva é implementado, Israel continua ligado a um paradigma nacionalista étnico em que o país não pertence a todos os seus cidadãos, mas a um particular grupo étnico. A proclamação de Israel como “Estado judeu” é um absurdo na melhor das hipóteses e racistas na pior: imagine se a Austrália ou os EUA decidirem chamar-se Estado Protestante, tornando automaticamente todos os cidadãos de segunda classe não protestantes negando-lhes plena cidadania e direitos ?! Enquanto os árabes palestinos em Israel recebem cidadania, tecnicamente desfrutam de algum nível de liberdade de língua, religião e cultura e têm direito a voto e representação no Parlamento de Israel, eles são continuamente tratados como cidadãos de segunda classe e perseguidos como uma “quinta coluna em potencial”, uma 338
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“bomba-relógio” e um “emissário do inimigo entre nós”, e sofrem de desigualdades estruturais na lei e representação política real e alocação de recursos. Apesar de uma fachada de governança democrática, Israel continua a negar aos seus cidadãos palestinos direitos políticos iguais e discrimina-os na cidadania, saúde, educação, casamento, financiamento municipal, habitação, propriedade da terra. Representantes árabes podem sentar no Parlamento, mas não têm influência real sobre o estado. Nenhuma decisão do governo é considerada legítima, a menos que goze de uma “maioria judaica”, ou seja, o apoio da maioria dos judeus no Parlamento ao invés de uma maioria parlamentar, porque isso requer os votos dos parlamentares árabes. Você acha que pode chamar isso de democracia? Quais as iniciativas do Hamas para que haja unidade na ação das diversas correntes políticas em atuação na Palestina? O Hamas desenvolve conversas com outros interlocutores nesse sentido? Normalmente, há reuniões entre o Hamas e o Fatah, apesar das diferenças. Isso é natural, pois ambas são facções palestinas. Da mesma maneira, o Hamas considera a Frente Popular de Libertação da Palestina (FPLP) um importante parceiro político na luta pela liberdade contra a ocupação israelense. O movimento mantém um alto nível de coordenação política e de campo com a FPLP, e o Hamas sempre busca o desenvolvimento de relações bilaterais. O Hamas espera que essas reuniões terminem com a reconciliação muito em breve. Uma das críticas muito comuns no Ocidente, é que a mulher muçulmana é oprimida e não tem vida ativa nas sociedades de que faz parte. Qual o papel da mulher no Movimento de Resistência Islâmica? O Hamas incentiva a participação das mulheres na vida política. De fato, as mulheres são representadas em todos os níveis organizacionais do Hamas. Uma mulher no Hamas, além disso, 339
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participa ativamente da tomada de decisões em todas as instituições do movimento. Em todas as atividades do Hamas, como a celebração dos aniversários do Hamas e outros, o movimento demonstra considerável respeito e forte presença de membros femininos. Finalmente, há várias mulheres deputadas no bloco parlamentar do Hamas.
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Anexos
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I. Excertos da Resolução da ONU nº 181, de 28 de novembro de 1947, concernente ao Plano de Partilha da Palestina, ao futuro governo da Palestina e à internacionalização de Jerusalém. II. Excertos da Resolução da ONU nº 194 (III), de 11 de dezembro de 1948, criando Comissão de Conciliação da ONU, decidindo que Jerusalém deve ser colocada sob um regime internacional permanente, e que os refugiados devem ter permissão para retornar. III. Resolução nº 303 (IV) (1949), de 9 de dezembro de 1949, reiterando a intenção de que Jerusalém deva ser colocada sob um regime internacional permanente. IV. Declaração de Independência da Palestina. V. Documento de Princípios Gerais e Políticas do Movimento de Resistência Islâmica “HAMAS”. VI. Declaração do Ayatolá Seyed Ali Khamenei, líder da Revolução Islâmica, a Sexta Conferência Internacional de Apoio à Intifada Palestina. Teerã, 21 e 22 de fevereiro de 2017. VII. Cronologia das relações bilaterais entre o Brasil e a Palestina. VIII. Documento de Referência do Fórum Social Mundial Palestina Livre.
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Anexo I
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Excertos da Resolução da ONU nº 181, de 28 de novembro de 1947 Concernente ao Plano de Partilha da Palestina, ao futuro governo da Palestina e à internacionalização de Jerusalém A Assembleia Geral: Tendo se reunido em sessão especial a pedido da Potência mandatária para criar e instruir um comitê especial para preparar-se para o exame da questão do futuro governo da Palestina na Segunda sessão regular; Tendo constituído um Comitê Especial e o instruído a investigar todas as questões e tópicos relevantes para o problema da Palestina, e a preparar propostas para a solução do problema e Tendo recebido e examinado o relatório do Comitê Especial, Recomenda ao Reino Unido, como potência mandatária para a Palestina, e todos os demais Membros das Nações Unidas a adoção e implementação, com vistas ao futuro governo da Palestina, do Plano de Partilha com a União Econômica apresentado abaixo: Plano de Partilha com união econômica Parte I - Constituição e governo futuros da Palestina A. Término do Mandato, Partilha e Independência 1. O mandato para a Palestina terminará até 1º de agosto de 1948. 2. As forças armadas da Potência mandatária se retirarão progressivamente da Palestina [...] até 1º de agosto de 1948. 3. Os Estados independentes judeu e árabe e o Regime Especial Internacional para a cidade de Jerusalém, estabelecidos na parte III deste plano, ganharão existência na Palestina em dois meses após a evacuação das forças armadas da Potência mandatária. Capítulo I: Lugares santos, prédios e sítios religiosos 347
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1. Direitos vigentes a respeito dos lugares santos e prédios e sítios religiosos não serão negados nem dificultados. 2. Sempre que se tratar de lugares santos, a liberdade de acesso à visita e trânsito será garantida, em conformidade com os direitos vigentes a todos os residentes e cidadãos do outro Estado e da Cidade de Jerusalém, bem como aos estrangeiros, sem distinção de nacionalidade. Do mesmo, a liberdade de culto será garantida, segundo os direitos vigentes, respeitadas as exigências de ordem pública e decoro. 3. Os lugares santos e os sítios e prédios religiosos serão preservados. Não será permitida qualquer ação que possa de algum modo afetar seu caráter sagrado. 4. Nenhuma taxa será cobrada concernente a qualquer lugar santo, prédio ou sítio religioso que estava isento de taxa na data da criação do Estado. 5. O governo da cidade de Jerusalém terá o direito de determinar se as disposições da constituição do Estado com relação aos lugares santos, prédio e sítios religiosos dentro das fronteiras do Estado e os direitos religiosos pertinentes estão sendo bem aplicados e respeitados, e de tomar decisões com base nos direitos vigentes em casos de disputas que possam surgir entre as diferentes comunidades religiosas sobre tais lugares. Capítulo II: Direitos religiosos e das minorias 1. Serão garantidos a todos a liberdade de consciência e o livre exercício de todas as formas de culto, sujeitos somente à exigência de ordem pública e dos costumes. 2. Nenhum tipo de discriminação será admitido entre os habitantes com base em raça, religião, língua ou sexo. 3. Todas as pessoas dentro da jurisdição do Estado serão protegidas de igual forma pelas leis.
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4. O direito de família e o status pessoal das várias minorias e seus interesses religiosos, incluindo doações, serão respeitados. 5. O Estado garantirá educação primária e secundária adequada para as minorias árabe e judia, respectivamente, em sua própria língua e tradições culturais. O direito de cada comunidade manter suas próprias escolas para a educação de seus membros em sua própria língua, enquanto o acomoda aos requisitos educacionais de natureza geral como o Estado pode impor, não será negado nem dificultado. 6. Nenhuma restrição será imposta ao livre uso, por qualquer cidadão do Estado, de qualquer língua em relações privadas, no comércio, na religião, na imprensa ou em publicações de qualquer espécie, ou em reuniões públicas. 7. Nenhuma apropriação de terra possuída por um árabe no Estado judeu (por um judeu no Estado árabe) será consentida exceto por propósitos públicos. Em todos os casos de apropriação será paga indenização total, a ser fixada pela Suprema Corte, antes da desapropriação. Parte III: A cidade de Jerusalém A. Regime Especial A cidade de Jerusalém será definida como um corpus separatum sob regime internacional especial e será administrada pelas Nações Unidas. O Conselho Curador será designado para desempenhar as funções da Autoridade Administrativa em nome das Nações Unidas. B. Fronteiras da cidade A cidade de Jerusalém incluirá a atual municipalidade de Jerusalém acrescida das vilas e cidades circunvizinhas, das quais a mais a leste será Abu Dis; a mais ao sul, Belém; Ein Karim (incluindo também a área construída de Motsa), a mais a oeste; e, a mais ao norte, Shu’fat.
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C. Estatuto da cidade O Conselho Tutelar elaborará e aprovará um detalhado Estatuto da Cidade que conterá, inter alia, a parte principal das seguintes medidas: 1. Máquina governamental A Autoridade Administrativa, no desempenho de suas obrigações administrativas, perseguirá os seguintes objetivos especiais: a. Proteger e preservar os interesses espirituais e religiosos ímpares localizados na cidade das três grandes fés monoteístas de todo o mundo, cristã, judia e muçulmana; para isto, a fim de garantir a ordem e a paz; b. Para incentivar a cooperação entre todos os habitantes da cidade em seu próprio interesse, bem como a fim de encorajar e apoiar o desenvolvimento pacífico das relações mútuas entre os dois povos palestinos e em toda a Terra Santa; para promover a segurança, o bem-estar e quaisquer medidas construtivas para o desenvolvimento de iniciativa dos residentes, tendo em vista as circunstâncias especiais e os costumes dos vários povos e comunidades. 2. Governador e equipe administrativa O Conselho Curador designará um Governador da Cidade de Jerusalém, o qual será responsável por ela. Ele será escolhido com base em qualificações especiais e sem preocupação com nacionalidade. Ele não será, porém, um cidadão de nenhum dos dois Estados da Palestina. O governador representará as Nações Unidas na cidade e exercerá em seu nome todos os poderes administrativos, incluindo a gerência dos negócios estrangeiros. 3. Autonomia local a. As unidades autônomas locais existentes no território da cidade (vilas, distritos, municipalidades) gozarão de largos poderes de governo e administração locais. 350
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b. O governador estudará e submeterá à consideração e à decisão do Conselho Curador um plano para a criação de unidades urbanas especiais consistindo, respectivamente, de seções judia e árabe da nova Jerusalém. As novas unidades urbanas continuarão a fazer parte da atual municipalidade de Jerusalém. 4. Medidas de segurança a. A cidade de Jerusalém será desmilitarizada; sua neutralidade será declarada e preservada, e nenhuma organização, exercício ou atividade paramilitar será permitida dentro de suas fronteiras. b. Caso a administração da cidade de Jerusalém seja seriamente obstacularizada ou dificultada por falta de cooperação ou interferência de uma ou mais partes da população, o governador terá autoridade para tomar as medidas que forem necessárias para restaurar o funcionamento efetivo da administração. c. Para garantir a manutenção da lei e da ordem internas, especialmente para a proteção dos lugares santos e prédios e sítios religiosos da cidade, o governador organizará uma força policial especial de força adequada, cujos membros serão recrutados fora da Palestina. O governador terá poderes para gerir recursos orçamentários necessários para a manutenção desta força. 5. Organização legislativa Um conselho Legislativo, eleito pelos residentes adultos da cidade, independente de nacionalidade, com base no sufrágio universal e secreto e com a representação proporcional, terá poderes de legislar e criar impostos. Nenhuma medida legislativa, entretanto, conflitará com ou interferirá nas medidas que serão determinadas no Estatuto da cidade, nem prevalecerá sobre elas qualquer lei, regulamento ou ato oficial. O Estatuto capacitará o governador com o direito de vetar decretos inconsistentes com as medidas temporárias, no caso de o Conselho não aprovar a tempo um decreto considerado essencial para o funcionamento normal da administração.
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6. Administração da Justiça O Estatuto cuidará da criação de um sistema judiciário independente, incluindo uma corte de apelação. Todos os habitantes da cidade estarão sujeitos a ela. 7. União econômica e sistema econômico A cidade de Jerusalém será incluída na União Econômica da Palestina e respeitará todas as cláusulas e acordos feitos com aquela entidade, bem como as decisões adotadas pela Junta Econômica Mista. 8. Liberdade de trânsito e de visita; controle dos residentes Sujeita a considerações de segurança e de bem-estar econômico quando decididas pelo governador, em conformidade com as orientações do Conselho Curador, a liberdade para entrar nas fronteiras da cidade e de aí residir será garantida para os residentes ou cidadãos dos Estados árabe e judeu. A imigração para a cidade e a residência dentro de suas fronteiras, para nacionais de outros Estados, serão controladas pelo governador com base nas orientações do Conselho Curador. 9. Relações com os Estados árabe e judeu Representantes dos Estados árabe e judeu serão credenciados pelo governador da cidade e encarregados da proteção dos interesses de seus Estados, em conexão com a administração internacional da cidade. 10. Línguas oficiais O árabe e o hebraico serão as línguas oficiais da cidade. Isto não impedirá a adoção de uma ou mais línguas extras de trabalho, caso seja necessário. 11. Cidadania Todos os residentes se tornarão ipso facto cidadãos da cidade de Jerusalém, a menos que optem pela cidadania do Estado do qual eles têm sido cidadãos, se árabes ou judeus, tenham preenchido formulário 352
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de intenção para se tornarem cidadãos do Estado árabe ou do Estado Judeu, respectivamente. 12. Liberdades do cidadão a. Sujeitos somente a exigências de ordem pública e de razões morais, os habitantes da cidade terão assegurados os direitos humanos e liberdades fundamentais, incluindo liberdade de consciência, religião e culto, língua, educação, fala e imprensa, assembleia e associação. b. Nenhuma discriminação de qualquer espécie será admitida entre os cidadãos com base em raça, religião, língua ou sexo. c. Todas as pessoas dentro da cidade terão direito à igual proteção das leis. d. A lei de família e o status pessoal das diversas pessoas e comunidades e de seus interesses religiosos serão respeitados. e. Exceto quando solicitada por exigências de ordem pública e de bom governo, nenhuma medida que obstrua ou interfira na gestão de entidades religiosas ou caritativas de nenhum credo será tomada, nem que discrimine qualquer representante ou membro dessas entidades, com base em sua religião ou em sua nacionalidade. f. A cidade garantirá educação primária e secundária adequada para as comunidades árabe e judia, respectivamente, em suas próprias línguas e de acordo com suas tradições culturais. O direito de cada comunidade de manter suas próprias escolas para a educação de seus membros em sua própria língua, desde que em conformidade com as exigências educacionais de natureza geral que a cidade possa impor, não será negado nem dificultado. Escolas de educação estrangeiras continuarão em atividade com base em seus direitos vigentes. 13. Lugares Santos a. Direitos vigentes sobre lugares santos e prédios ou sítios religiosos não serão negados nem dificultados. 353
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b. O livre acesso aos lugares santos e prédios religiosos e o livre exercício de culto serão garantidos com os direitos vigentes e sujeitos a exigências de ordem pública e decoro. c. Os lugares santos e os prédios ou sítios religiosos serão preservados. Não será admitido nenhum ato que possa, de algum modo, atingir seu caráter sagrado. Se, a qualquer tempo, parecer ao Governador que determinado Lugar Santo, prédio ou sítio religioso precise de reparo urgente, o Governador pode convocar a comunidade ou comunidades interessadas para realizar a tarefa. O Governador pode realizar ele próprio a tarefa a expensas da comunidade ou comunidades interessadas, se a tarefa não for realizada dentro de um prazo razoável. d. Nenhum imposto será criado em Lugar Santo, prédio ou sítio religioso que estava isento de imposto na data de criação da Cidade. Nenhuma mudança no valor de tal imposto será feita que venha a discriminar proprietários ou locadores de Lugares Santos, prédios ou sítios religiosos, ou que coloque tais proprietários ou locadores numa posição menos favorável com relação ao valor geral do imposto do que à época da adoção das recomendações da Assembleia. 14. Poderes especiais do Governador relativos a Lugares Santos, prédios ou sítios religiosos na Cidade ou em qualquer parte da Palestina a. A proteção dos Lugares Santos, prédios ou sítios religiosos localizados na Cidade de Jerusalém serão uma preocupação especial do Governador. b. Com relação a tais lugares, prédios e sítios da Palestina situados fora da Cidade, o Governador determinará com base nos poderes que lhe são conferidos pelas Constituições de ambos os estados se as cláusulas das constituições dos Estados Árabe e Judeu na Palestina que tratam daqueles lugares e os direitos religiosos a eles concernentes estão sendo corretamente aplicados e respeitados. c. O Governador será autorizado também a tomar decisões com base nos direitos vigentes em casos de disputas que possam surgir entre 354
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as diferentes comunidades religiosas ou ritos de uma comunidade religiosa relativamente aos Lugares Santos, prédios ou sítios religiosos, em qualquer parte da Palestina. Nesta tarefa, ele pode ser auxiliado por um conselho consultivo de representantes de diferentes denominações atuando como órgão de assessoramento. d. Duração do regime Especial. O Estatuto elaborado pelo Conselho Curador sobre os princípios já referidos entrará em vigor até o dia 1º de outubro de 1948. Permanecerá em vigor, em primeira instância, por um período de dez anos, a menos que o Conselho Curador ache necessário um reexame dessas cláusulas numa data anterior. Expirado esse período, todo o esquema será sujeito a um reexame pelo Conselho Curador à luz da experiência adquirida com seu funcionamento. Os residentes da Cidade estarão livres, então, para expressar, por meio de um referendo, seus desejos de possíveis modificações no regime da Cidade. [...] Parte IV. Capitulações Estados cujos cidadãos nacionais gozaram na Palestina, no passado, de privilégios e imunidades, como antigamente gozaram por capitulações ou uso no Império Otomano, são convidados a renunciar a qualquer direito pertinente a eles para o restabelecimento de tais privilégios e imunidades, nos propostos Estados Árabe e Judeu e na cidade de Jerusalém.
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Anexo II
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Excertos da Resolução da ONU nº 194 (III), de 11 de dezembro de 1948 Criando Comissão de Conciliação da ONU, decidindo que Jerusalém deve ser colocada sob um regime internacional permanente, e decidindo que os refugiados devem ter permissão para retornar A Assembleia Geral, Tendo considerado mais além a situação na Palestina, 1. Expressa sua profunda satisfação com o progresso conseguido por meio dos bons ofícios do último Mediador das Nações Unidas na promoção de um ajuste pacífico da situação futura da Palestina, por cuja causa sacrificou a sua vida; e Estende seus agradecimentos ao Mediador em Atividade e à sua equipe por seus esforços continuados e sua devoção ao dever na Palestina. 2. Cria uma Comissão de conciliação, formada por três Estados Membros das Nações Unidas, que terá as seguintes funções: a) Assumir, logo que considere necessário nas circunstâncias vigentes, as funções dadas ao Mediador das Nações Unidas sobre a Palestina pela resolução 186 (5-2) da Assembleia Geral de 14 de maio de 1948; b) Realizar as funções e orientações específicas dadas a ele pela presente resolução e funções e orientações adicionais que possam ser passadas a ele pela Assembleia Geral ou pelo Conselho de Segurança. c) Empreender, a pedido do Conselho de Segurança, qualquer uma das funções agora transferidas ao Mediador das Nações Unidas sobre a Palestina ou à Comissão de Armistício das Nações Unidas pelas resoluções do Conselho de Segurança à Comissão de Conciliação, relativamente a todas as funções remanescentes do Mediador das Nações Unidas sobre a Palestina – conforme resoluções do Conselho de Segurança, o escritório do Mediador será fechado. 359
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3. Decide que um Comitê da Assembleia formada pela China, França e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o Reino Unido e os Estados Unidos da América apresentarão, antes do fim da primeira parte da presente sessão da Assembleia Geral, para aprovação da Assembleia, proposta concernente aos nomes dos três estados que constituirão a Comissão de Conciliação. 4. Pede à Comissão para iniciar suas funções de imediato, com a finalidade de estabelecer contato entre as partes e a Comissão o mais cedo possível. 5. Convida os Governantes e autoridades interessados para expandir o âmbito das negociações tratadas na resolução do Conselho de Segurança de 16 de novembro de 1948 e buscarem acordo, por intermédio das negociações conduzidas, quer com a Comissão, quer diretamente, tendo em vista um consenso final de todas as questões relevantes entre eles. 6. Instrui a Comissão de Conciliação para tomar a iniciativa de assistir os Governantes e autoridades interessados para alcançarem um consenso final de todas as questões relevantes entre eles. 7. Decide que os Lugares Santos – incluindo Nazaré – prédios e sítios religiosos na Palestina devem ser protegidos e seu livre acesso garantido, de acordo com os direitos vigentes e a prática histórica; que medidas para esse fim devem ficar sob a supervisão efetiva das Nações Unidas; que a Comissão de Conciliação das Nações Unidas, ao apresentar à quarta sessão regular da Assembleia Geral suas propostas detalhadas para um regime internacional permanente para o território de Jerusalém, deve incluir recomendações concernentes aos Lugares Santos naquele território; que, quanto aos Lugares Santos no resto da Palestina, a Comissão deve convocar as autoridades políticas das áreas relacionadas para lhes dar garantias formais para a proteção dos Lugares Santos e acesso a eles; e que essas iniciativas devem ser apresentadas à Assembleia Geral para aprovação. 8. Resolve que, em vista de sua associação com três religiões mundiais, a área de Jerusalém, incluindo a atual municipalidade 360
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de Jerusalém mais as vilas e vilarejos da vizinhança, a mais a leste delas sendo Abu Dis; a mais ao sul, Belém; a mais a oeste, Ein Karim (incluindo também a área construída de Motsa); e a mais ao norte Shu’fat, deve ser considerada como sendo especial e merecer o tratamento em separado do resto da Palestina, e deve ficar sob efetivo controle das Nações Unidas. Pede ao Conselho de Segurança para empreender novas iniciativas para garantir a desmilitarização de Jerusalém no menor espaço de tempo possível. Instrui a Comissão a apresentar à quarta sessão regular da Assembleia Geral propostas detalhadas para um regime internacional permanente para a área de Jerusalém que buscará o máximo de autonomia local para os distintos grupos, coerentemente com o status internacional especial da área de Jerusalém. A Comissão de Conciliação está autorizada a nomear um representante das nações Unidas, o qual cooperará com as autoridades locais quanto à administração interina da área de Jerusalém. 9. Decide que, havendo acordo pendente sobre medidas mais detalhadas entre os Governantes e as autoridades relacionadas, deve-se franquear a todos os habitantes da Palestina o mais livre acesso possível a Jerusalém por rodovia, ferrovia ou via aérea. Instrui a Comissão de Conciliação para fazer um relato imediatamente ao Conselho de Segurança, para ação apropriada por este órgão, de qualquer tentativa de alguma parte para impedir tais acessos. 10. Instrui a Comissão de Conciliação para buscar acordos entre os Governantes e autoridades relacionadas que facilitem o desenvolvimento econômico da área, incluindo acordos para acesso a portos e aeroportos e para o uso de serviços de transporte e comunicações. 11. Resolve que os refugiados que queiram retornar a seus lares e viver em paz com os vizinhos devem ter permissão de assim fazê-lo 361
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ao menor prazo possível, e que devem ser pagas indenizações pelas propriedades daqueles que preferirem não retornar e pela perda ou danos a propriedades as quais, com base em princípios jurídicos internacionais ou de justiça, sejam aproveitadas pelos Governantes ou autoridades responsáveis. Instrui a Comissão de Conciliação para facilitar a repatriação, reassentamento e o pagamento de compensação, e para manter relações próximas com o Diretor da Agência das Nações Unidas de Ajuda aos Refugiados Palestinos e, através dele, com os órgãos e agências apropriadas das Nações Unidas. 12. Autoriza a Comissão de Conciliação a indicar suas equipes subsidiárias e empregar esses peritos, atuando sob a responsabilidade de acordo com a presente resolução. A Comissão de Conciliação terá sua sede oficial em Jerusalém. As autoridades responsáveis pela manutenção da ordem em Jerusalém pela tomada de medidas necessárias para garantir a segurança da Comissão. O Secretário-Geral fornecerá um número determinado de guardas para proteção da equipe e propriedades da Comissão. 13. Instrui a Comissão de Conciliação para fornecer relatórios progressivos periodicamente ao Secretário-Geral para transmissão ao Conselho de Segurança e aos Membros das Nações Unidas. 14. Convoca todos os Governantes e autoridades interessadas para cooperarem com a Comissão de Conciliação e darem os passos possíveis a fim de auxiliarem na implementação da presente resolução. 15. Pede ao Secretário-Geral que forneça a equipe e instalações necessárias e tome as medidas apropriadas para prover os fundos necessários requeridos à implementação da presente resolução213.
213 A Resolução 194 (III) (1948) foi aprovada na reunião plenária de 11 de dezembro de 1949, com 35 votos a favor, 15 contra e 8 abstenções.
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Resolução nº 303 (IV) (1949), de 9 de dezembro de 1949 Reiterando a intenção de que Jerusalém deva ser colocada sob um regime internacional permanente A Assembleia Geral, Tendo em vista suas resoluções 181 (II) de 29 de novembro de 1947 e 194 (III) de 11 de dezembro de 1948, Tendo estudado os relatórios da Comissão de Conciliação para a Palestina das Nações Unidas criada pela última resolução, I Decide, Em relação a Jerusalém, Acreditando que os princípios subjacentes a suas resoluções anteriores relacionadas a essa matéria, e em particular a suas resoluções anteriores relacionadas a essa matéria, e em particular à sua resolução de 29 de novembro de 1947, apresentam uma solução justa e equitativa para a questão. 1. Reiterar, portanto, sua intenção de que Jerusalém seja colocada sob um regime internacional permanente que preveja garantias apropriadas para a proteção dos Lugares Santos, tanto dentro como fora de Jerusalém, e confirmar especificamente as seguintes cláusulas da Resolução 181 (II) da Assembleia Geral. (1) A Cidade de Jerusalém será definida como um corpus separatum sob um regime internacional e será administrada pelas Nações Unidas; (2) O Conselho Curador será designado para desempenhar as responsabilidades da Autoridade Administrativa;
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(3) A cidade de Jerusalém incluirá a atual municipalidade de Jerusalém e mais as vilas e cidades circunvizinhas, das quais a mais a leste será Abu Dis; a mais ao sul, Belém; Ein Karim (incluindo também a área construída de Motsa), a mais a oeste; e, a mais ao norte, Shu’fat, como indica o mapa em anexo. 2. Requerer, para esse propósito, que o Conselho Curador em sua próxima sessão, quer especial, quer ordinária, a) termine de preparar o Estatuto de Jerusalém, omitindo as novas cláusulas inaplicáveis, tais como os artigos 32 e 39 e, sem prejuízo para o fundamental, que os princípios do regime internacional para Jerusalém sejam mostrados na resolução 181 (II), da Assembleia Geral, introduzindo aí emendas visando à sua maior democratização, b) aprove o estatuto, c) proceda imediatamente à sua implementação. O Conselho Curador não permitirá quaisquer ações adotadas por um ou mais Governos interessados em desviá-lo da adoção e implementação do Estatuto de Jerusalém. II Convoca os Estados interessados a tomarem iniciativas formais, em breve e à luz das obrigações como Membros das Nações Unidas, que eles abordem essas matérias com boa vontade e sejam guiados pelos termos da presente resolução214.
214 A Resolução 303 (IV) (1949) foi aprovada na 275ª reunião plenária de 9 de dezembro de 1949, com 38 votos a favor, 14 contra e 7 abstenções.
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Declaração de Independência da Palestina Em nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso Declaração de Independência215 Terra de mensagens divinas reveladas à humanidade, a Palestina é o país natal do povo árabe palestino. Ali é que ele cresceu, desenvolveu-se e expandiu-se. Sua existência nacional e humana afirmou-se ali numa relação orgânica ininterrupta e inalterada entre o povo, sua terra e sua história. Continuamente enraizado em seu espaço, o povo árabe palestino forjou sua identidade nacional, e ergueu-se, por sua obstinação, para defendê-la até o nível do impossível. A despeito do fascínio provocado por essa terra antiga e por sua posição crucial na conjunção das civilizações e das potências, a despeito das intenções, ambições e invasões que impediram o povo árabe palestino de realizar sua independência, a ligação permanente desse povo a sua terra, contido, imprimiu ao país sua identidade e ao povo caráter nacional. Inspirado na multiplicidade das civilizações e na diversidade das culturas, buscando nela suas tradições espirituais e temporais, o povo árabe palestino desenvolveu-se numa completa unidade entre o homem e o seu solo. Sobre os passos dos profetas que se sucederam nessa terra bendita, e suas mesquitas, igrejas e sinagogas, se elevaram os louvores ao Criador e os Cânticos da misericórdia e da paz. O povo árabe palestino jamais deixou de defender sua pátria. De geração em geração, suas sucessivas revoltas concretizaram sua aspiração à liberdade e à independência nacional. No momento quando o mundo contemporâneo começou a instaurar uma nova ordem, as relações de força regionais e internacionais concluíram pela exclusão dos palestinos do destino 215 Declaração escrita pelo poeta palestino Mahmoud Darwish e proclamada por Yasser Arafat, líder da OLP, em 15 de novembro de 1988 em Argel, Argélia. Havia sido previamente aprovada pelo Conselho Nacional Palestino, órgão legislativo da OLP, com 253 votos a favor, 46 contra e 10 abstenções. A Declaração levou Arafat ao cargo de presidente da Palestina.
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comum, e parece, mais uma vez, que a justiça era incapaz por si mesma de fazer girar a roda da história. A ferida infligida no corpo palestino, privado de sua independência e submetido a uma ocupação de tipo novo, veio se juntar à tentativa de tornar crível a ficção segundo a qual a Palestina era uma “terra sem povo”. Apesar dessa falsificação histórica, a comunidade internacional, pelo artigo 22 da Carta da Sociedade das Nações, adotada em 1919, e pelo Tratado de Lausane, assinado em 1923, reconhecia implicitamente que o povo árabe palestino, a exemplo dos outros povos árabes desligados do império Otomano, era um “povo livre e independente”. A despeito da injustiça histórica ao povo árabe palestino, a qual resultou em sua dispersão e privação de seu direito à autodeterminação, após a Resolução 181 (1947), da Assembleia Geral das Nações Unidas – que recomendava a partilha da palestina em dois Estados, um árabe e outro judeu – não deixa de ser verdade que essa Resolução é que ainda hoje assegura as condições de legitimidade internacional e as quais garantem igualmente o direito do povo árabe palestino à soberania e à independência. A ocupação, por etapas, dos territórios palestinos e de outras porções de territórios árabes, a privação de posse e a expulsão deliberada dos habitantes da Palestina pelo terrorismo organizado, a submissão daqueles que ficaram em sua pátria sujeitos à ocupação, à opressão e à destruição dos fundamentos de sua vida nacional constituem também violações flagrantes dos princípios da legalidade internacional, assim como da Carta das Nações Unidas e de suas resoluções, as quais reconhecem os direitos nacionais do povo árabe palestino e, inclusive, seu direito ao retorno, à autodeterminação, à independência e à soberania sobre seu solo nacional. No coração da pátria e em torno dela, nos exílios próximos ou distantes, jamais o povo árabe palestino perdeu a fé em seu direito ao retorno e à independência. A ocupação, os massacres e a dispersão não conseguiram tornar o palestino alheio à sua consciência e à sua 370
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identidade. Ele continuou seu combate obstinado, aprofundando sua personalidade nacional através da experiência de uma luta ilimitada. Esta vontade nacional encarnou-se num quadro político, a Organização para a Libertação da Palestina – seu único representante legítimo, devidamente reconhecido pela comunidade internacional, representada pela Organização das Nações Unidas e suas instâncias, assim como pelas organizações regionais e internacionais. Baseandose nos direitos inalienáveis do povo árabe palestino, e no consenso árabe, assim como na legalidade internacional, a OLP conduziu os combates do seu grande povo galvanizado por uma unidade nacional exemplar e por uma resistência ferrenha aos massacres e ao estado de sítio; tanto no interior como no exterior de sua pátria, esta epopeia palestina impôs-se à consciência árabe e internacional como um dos movimentos de libertação nacional mais notáveis de nosso tempo. O grande levante popular, a Intifada – em pleno desenvolvimento nos territórios palestinos ocupados, como a pertinaz resistência dos acampamentos de refugiados no exterior da pátria – elevou a consciência universal da realidade dos direitos nacionais palestinos a um nível superior de percepção e de compreensão. Finalmente, caiu uma cortina sobre toda uma época de falsificação e de sono das consciências. A Intifada fez o cerco da mentalidade israelense oficial, acostumada a recorrer ao terror para negar a experiência nacional palestina. Com a Intifada, e também com a experiência revolucionária acumulada, o tempo palestino chegou aos umbrais de um momento histórico e decisivo. O povo árabe palestino reafirma, hoje, seus direitos inalienáveis e o exercício deles em solo palestino, de acordo com os seus direitos históricos e legais à sua pátria, a Palestina, e fortalecido pelos sacrifícios de sucessivas gerações de palestinos em defesa da liberdade e da independência de sua pátria, tendo por base as resoluções de conferência de cúpula árabe. Em virtude da primazia do direito e da legalidade internacional, encarnada pelas resoluções da Organização das Nações Unidas a partir de 1947. 371
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Exercendo o direito do povo árabe palestino à determinação, à independência e à soberania em seu solo. O Conselho Nacional palestino, em nome de Deus e do povo árabe palestino, problematiza o estabelecimento do estado da palestina em nossa terra palestina, tendo por capital Jerusalém (Al-Quds AlSharif). O Estado da Palestina é o Estado dos palestinos, onde quer que eles estejam. É neste âmbito que eles poderão desenvolver suas identidades nacional e cultural, gozar da plena igualdade de direitos, praticar livremente suas religiões e exprimir, sem entraves, as suas convicções políticas. Ali será respeitada sua dignidade humana, dentro de um regime parlamentar democrático baseado na liberdade de pensamento, na liberdade de constituir partidos, no respeito pela maioria dos direitos da minoria e no respeito, pela minoria, das decisões da maioria. Este regime se baseará na busca da justiça social, na igualdade e na ausência de toda e qualquer forma de discriminação que tenha por base a raça, a religião, a cor e o sexo, no âmbito de uma Constituição que garanta a primazia da lei e a independência da justiça, e em total fidelidade às tradições espirituais palestinas, tradições de tolerância e de generosa coabitação entre as comunidades religiosas através de séculos. O Estado da Palestina é um Estado árabe, indissociável da Nação Árabe e de sua herança e de sua civilização, e de suas aspirações à libertação, ao desenvolvimento, à democracia e à unidade. Ao reafirmar seu compromisso em relação à Liga dos Estados Árabes, e a sua determinação de consolidar a ação árabe comum, o estado da Palestina apela aos filhos da Nação Árabe para que ajudem a concluir seu estabelecimento efetivo, mobilizando seu potencial e intensificando seus esforços para pôr fim à ocupação israelense. O Estado da Palestina proclama sua adesão aos princípios e objetivos da Organização das Nações Unidas, à Declaração Universal 372
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dos Direitos Humanos, assim como aos princípios e à política de não alinhamento. O Estado da Palestina é um Estado que ama a paz, vinculado aos princípios da coexistência pacífica. Ele cooperará com todos os estados e povos do mundo para instaurar uma paz duradoura, baseada na justiça e no respeito aos direitos, o que permitirá a expansão das potencialidades criativas da Humanidade, e eliminará o medo do amanhã ao garantir um futuro seguro àqueles que aspiram à justiça. No prosseguimento de sua luta pelo advento da paz, na terra do Amor e da Paz, o Estado da Palestina exorta as Nações Unidas, que têm uma responsabilidade particular em relação ao povo árabe palestino e à sua pátria, assim como conclama os povos e estados do mundo a ajudá-la a realizar seus objetivos e a pôr termo à tragédia do seu povo, garantindo-lhe a segurança e trabalhando para também pôr fim à ocupação israelense dos territórios palestinos. O Estado da Palestina afirma, igualmente, que acredita na resolução dos conflitos regionais e internacionais por meios pacíficos, de acordo com a Carta e as resoluções das Nações Unidas. Ele condena a ameaça do uso da força, da violência e do terrorismo, assim como rejeita a utilização deles contra sua integridade territorial ou a de outros Estados. Isso, sem contestar seu direito natural de defender seu território e sua independência. Neste 15 de novembro de 1988, dia em que não se parece com nenhum outro, nos umbrais de uma nova era, inclinamo-nos humilde e respeitosamente ante nossos mártires e os da Nação Árabe que, pela pureza do seu sacrifício, acenderam a chama dessa aurora resoluta. Eles caíram, para que viva a pátria. Hoje nossos corações estão iluminados pela chama da Intifada, pela grandeza dos resistentes nos campos, da dispersão e no exílio, e por aqueles que erguem o estandarte da liberdade: nossas crianças, nossos velhos, nossa juventude, nossos prisioneiros apegados à nossa terra sagrada, em cada acampamento, em cada aldeia, em cada cidade.
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Prestamos homenagem à mulher palestina, heroica guardiã de nossa perenidade e de nossa existência, e do fogo que nos anima. Diante de nossos mártires, diante das massas do nosso povo árabe palestino, diante de nossa Nação Árabe e diante de todos os homens que amam a paz e a dignidade no mundo, juramos prosseguir a luta para pôr fim à ocupação e estabelecer nossa soberania e a nossa independência. Conclamamos nosso grande povo a se unir em torno da bandeira palestina, a orgulhar-se dela e a defendê-la, para que ela continue a ser, para sempre, o símbolo de nossa liberdade e de nossa dignidade em uma pátria que será, para sempre, uma pátria livre para um povo de homens e mulheres livres. Em nome de Deus, Clemente e Misericordioso. Dizei: Ó Deus, senhor da realeza, Tu dás a realeza a quem queres e Tu tiras a realeza de quem queres; e Tu dás poder a quem queres e Tu humilhas quem queres O bem está em tuas mãos. Sim, Tu és capaz de tudo. Sadaka Allah A-Azhim! (Deus diz a verdade!) Argel, 15 de novembro de 1988;
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Anexo V
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Em Nome de Deus, o Clemente, o Misericordioso
Movimento de Resistência Islâmica “Hamas” Documento de Princípios Gerais e Políticas216 Louvado seja Deus, o Senhor de todos os mundos. Que a paz e as bênçãos de Deus estendam-se sobre Muhammad, o Mestre dos Mensageiros e o Líder dos justos que lutam, e sobre sua família e seus companheiros. Preâmbulo: Palestina é a terra do povo árabe palestino, dela ele origina-se, ele é devoto a ela e lhe pertence, e sobre ela ele se lança e se comunica. Palestina é a terra cujo status foi elevado pelo Islam, a fé que a carrega em elevada estima, que sopra através de seu espírito e de seus justos valores e que estabelece a fundação para defender e proteger a doutrina. Palestina é a causa de um povo que o mundo tem sido incapaz de assegurar seus direitos e restaurar a eles o que lhes tem sido usurpado, um povo o qual sua terra continua a sofrer os piores tipos de ocupação no mundo. Palestina é uma terra que, tomada por um projeto sionista racista, anti-humano e colonial, foi fundado sobre uma falsa promessa (a Declaração de Balfour), no reconhecimento de uma entidade usurpadora e na imposição de um fato consumado pela força. Palestina simboliza a resistência que continuará até que a libertação esteja realizada, até que o retorno esteja completo e até que o Estado totalmente soberano esteja estabelecido com Jerusalém como sua capital. 216 Traduzido do original em árabe.
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Palestina é a verdadeira parceria entre palestinos de todas as afiliações para o sublime objetivo da libertação. Palestina é o espírito da Nação e sua causa central; é a alma da humanidade e sua consciência viva. Este documento é produto de profundas deliberações que nos levam a um consenso mais forte. Como um movimento, concordamos sobre as teorias e práticas da visão que é delineada nas páginas seguintes. Esta é uma visão que permanece em bases sólidas e sobre princípios bem estabelecidos. Este documento revela as metas e marcos e o caminho no qual a unidade nacional pode ser reforçada. Ele também estabelece nossa compreensão comum da causa palestina, os princípios de trabalho que usamos para promovê-lo e os limites de flexibilidade usados para interpretá-lo. O movimento: 1. O Movimento de Resistência Islâmica “Hamas” é um movimento nacional palestino, islâmico de libertação e resistência. Sua meta é libertar a Palestina e confrontar o projeto sionista. Seu quadro de referência é o Islam, que determina seus princípios, objetivos e significados. A terra da Palestina: 2. Palestina, que se estende do Rio Jordão no oriente ao Mediterrâneo no ocidente e de Ras Al-Naqurah no Norte a Umm AlRashrash no Sul, é uma unidade territorial integral. Esta é a terra e o lar do povo palestino. A expulsão e o banimento do povo palestino de sua terra e o estabelecimento da entidade sionista em seu lugar não anulam o direito do povo palestino sobre sua inteira terra e não reconhecem nenhum direito nela pela usurpadora entidade sionista. 3. Palestina é uma terra árabe islâmica. Ela é uma terra sagrada e abençoada que tem lugar especial no coração de todo árabe e de todo muçulmano. 378
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O povo palestino: 4. Os palestinos são os árabes que viveram na Palestina até 1947, independente se eles foram expulsos ou permaneceram nela; e cada pessoa que nasceu de um pai árabe palestino após aquela data, se dentro ou fora da Palestina, é um palestino. 5. A identidade palestina é autêntica e atemporal. Ela é passada de geração a geração. As catástrofes que recaíram sobre o povo palestino, como uma consequência da ocupação sionista e sua política de deslocamento, não podem apagar a identidade do povo palestino, nem podem negá-la. Um palestino/a não perderá a sua identidade nacional ou direitos por adquirir uma segunda nacionalidade. 6. O povo palestino é um, feito por todos os palestinos dentro e fora da Palestina, independentemente de sua religião, cultura ou afiliação política. O Islam e a Palestina: 7. Palestina está no coração da Nação Árabe e Islâmica e desfruta de um status especial. Dentro da Palestina existe Jerusalém, cujo preceito é abençoado por Deus. Palestina é a Terra Santa, na qual Deus abençoou a humanidade. É sua primeira Qiblah muçulmana e o destino da jornada performada à noite pelo Profeta Muhammad, que a paz esteja com ele. Esta é a localização de onde ele subiu às alturas dos céus. Ela é o lugar de nascimento de Jesus Cristo, que a paz esteja com ele. Seu solo contém os restos mortais de milhares de profetas, Companheiros e Lutadores por justiça. Ela é a terra do povo que está determinado a defender a verdade – dentro de Jerusalém e suas redondezas – que não é desterrado ou se intimida por aqueles que se opõem a ele e por aqueles que os traem, e ele continuará sua missão até que a promessa de Deus se cumpra. 8. Em virtude deste justamente equilibrado caminho do meio e espírito moderado, o Islam – para o Hamas – oferece um caminho compreensivo de vida e a fim de que ele sirva para propósito o tempo todo e em todos os lugares. O Islam é uma religião de paz e tolerância. 379
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Ele oferece garantia para os seguidores de outros credos e religiões que possam praticar suas crenças em segurança. O Hamas também acredita que a Palestina sempre tem sido e será sempre um modelo de coexistência, tolerância e inovação civilizacional. 9. O Hamas acredita que a mensagem do Islam carrega os valores da verdade, justiça, liberdade e dignidade e proíbe todas as formas de injustiça e incrimina opressores independentemente de sua religião, ração, gênero ou nacionalidade. O Islam é contra todas as formas de extremismo e intolerância religiosa, étnica ou sectária. É uma religião que incute em seus seguidores o valor de se levantar contra a agressão e de apoiar o oprimido; ele motiva-os a dar generosamente e fazer sacrifícios em defesa de sua dignidade, sua terra, seu povo e seus lugares sagrados. Jerusalém: 10. Jerusalém é a capital da Palestina. Seu status religioso, histórico e civilizacional é fundamental a árabes, muçulmanos e ao mundo em geral. Estes lugares sagrados islâmicos e cristãos pertencem exclusivamente ao povo palestino e à Nação Árabe e Islâmica. Nem mesmo uma pedra de Jerusalém pode ser rendida ou abandonada. As medidas tomadas pelos ocupantes em Jerusalém como judaização, construção de assentamentos e estabelecimento de fatos consumados são fundamentalmente nulas e vazias. 11. A abençoada mesquita Al-Aqsa pertence exclusivamente ao nosso povo e à nossa Nação, e a ocupação não tem direito qualquer sobre ela. O plano do ocupante, através das medidas e tentativas de judaizar Al-Aqsa e dividi-la, é nulo, vazio e ilegítimo. Os refugiados e o direito de retorno: 12. A causa palestina em sua essência é uma causa de uma terra ocupada e de um povo deslocado. O direito dos refugiados e deslocados de retornarem a seus lares desde que eles foram banidos ou proibidos de retornar para – tanto na terra ocupada em 1948 ou em 1967 (que é toda a Palestina) – é um direito natural, tanto individual quanto 380
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coletivo. O direito é confirmado por todas as leis divinas assim como pelos princípios básicos dos direitos humanos e da lei internacional. Isto é um direito inalienável e não pode ser dispensado por parte alguma, seja palestina, árabe ou internacional. 13. O Hamas rejeita todas as tentativas de remover o direito dos refugiados, incluindo a tentativa de assentá-los fora da Palestina ou através de projetos de pátrias alternativas. Compensação aos refugiados palestinos pelo prejuízo que eles têm sofrido como uma consequência do banimento e da ocupação de suas terras é um direito absoluto que segue de mãos dadas com seu direito de retorno. Receber uma compensação não nega ou diminui seu direito de retorno. O Projeto Sionista: 14. O projeto sionista é racista, agressivo, colonial e expansionista, baseado no cerco de propriedades de outros; ele é hostil ao povo palestino e à sua aspiração por liberdade, libertação, retorno e autodeterminação. A entidade israelense é o brinquedo do projeto sionista e sua base de agressão. 15. O projeto sionista não mira apenas o povo palestino sozinho; ele é inimigo da Nação Árabe e Islâmica, sendo uma grande ameaça à sua segurança e interesse. Ele é também hostil à aspiração da Nação por unidade, renascimento e liberação e tem sido a maior fonte de seus problemas. O projeto sionista também representa um perigo à segurança internacional e à paz, bem como para a humanidade e seus interesses e estabilidade. 16. O Hamas afirma que este é um conflito com o projeto sionista, não com os judeus por causa de sua religião. O Hamas não trava uma luta contra os judeus porque são judeus, mas trava uma luta contra os sionistas que ocupam a Palestina. Ainda, é o sionismo que constantemente identifica o judaísmo e os judeus com seu projeto colonial e sua entidade ilegal. 17. O Hamas rejeita a perseguição a qualquer ser humano ou a debilitação de seus direitos nacionais em bases nacionalistas, 381
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religiosas ou sectárias. O Hamas é da visão de que o problema judaico, o antissemitismo e a perseguição de judeus constituem um fenômeno fundamentalmente ligado à história europeia, não à história dos árabes e muçulmanos ou seus herdeiros. O movimento sionista, que foi capaz de ocupar a Palestina com apoio das potências do Ocidente, é a maior ameaça de ocupação por assentamentos que já desapareceu de grande parte do mundo e precisa desaparecer da Palestina. A posição em relação à ocupação e soluções políticas: 18. O que vem a seguir é considerado nulo e vazio: a Declaração de Balfour, o documento do Mandato Britânico, a resolução da ONU sobre a partilha da Palestina e quaisquer outras resoluções ou medidas que derivem delas ou similares a elas. O estabelecimento de “Israel” é completamente ilegal e transgride o inalienável direito do povo palestino e vai contra sua vontade e a vontade da Nação; é também uma violação dos direitos humanos que são garantidos por convenções internacionais – o primeiro entre eles é o direito à autodeterminação. 19. Não haverá reconhecimento da legitimidade da entidade sionista. Tudo o que aconteceu na terra da Palestina em termos de ocupação, construção de assentamento, judaização ou mudanças para suas características ou falsificação dos fatos é ilegítimo. Direitos nunca caducam. 20. O Hamas acredita que nenhuma parte da terra Palestina será comprometida ou concedida, independente das causas, circunstâncias e pressões e nenhuma matéria enquanto a ocupação durar. O Hamas rejeita qualquer alternativa que não seja a completa libertação da Palestina, do rio ao mar. Todavia, sem comprometer esta rejeição da entidade sionista e sem abandonar qualquer direito palestino, o Hamas considera o estabelecimento de um totalmente soberano e independente Estado palestino, com Jerusalém como sua capital ao longo das fronteiras de 4 de junho de 1967, com o retorno dos refugiados e deslocados de seus lares dos quais eles foram expulsos, para ser uma fórmula de consenso nacional.
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21. O Hamas afirma que os acordos de Oslo e seu adendo contravêm as regras governamentais do Direito Internacional, pois eles geram compromissos que violam o inalienável direito do povo palestino. Assim sendo, o movimento rejeita esses acordos e tudo o que deles flui, tais como obrigações que são em detrimento do interesse de nosso povo, especialmente a coordenação de segurança (colaboração). 22. O Hamas rejeita todos os acordos, iniciativas e projetos de assentamento que são objetivados a minar a causa palestina e os direitos ao nosso povo palestino. Quanto a isto, qualquer posição, iniciativa ou programa político não pode violar, de forma alguma, esses direitos e não deve contrair ou contradizer a eles. 23. O Hamas destaca que a transgressão contra o povo palestino usurpando suas terras e banindo-os de seus lares não pode ser chamada de paz. Qualquer assentamento estabelecido nessas bases não levará à paz. Resistência e luta para a libertação da Palestina continuarão sendo um direito legítimo, um dever e uma honra para todos os filhos e filhas de nosso povo e nossa Nação. Resistência e Libertação: 24. A libertação da Palestina é o dever do povo palestino em particular e o dever da Nação Árabe e Islâmica em geral. Isto é uma obrigação humanitária como necessitada pelos ditados da verdade e justiça. As estruturas que trabalham na Palestina, sejam nacionais, árabes, islâmicas ou humanitárias, complementam cada uma, são harmoniosas e não estão em conflitos umas com as outras. 25. Resistir à ocupação com todas as medidas e métodos é um direito legítimo, garantido pela lei divina e pelas normas e leis internacionais. No coração delas está a resistência armada, a qual é considerada como uma escolha estratégica para proteção dos princípios e direitos do povo palestino. 26. O Hamas rejeita qualquer tentativa de minar a resistência e suas armas. Afirma também o direito de nosso povo de desenvolver as medidas e mecanismos de resistência. Gerenciar a resistência em 383
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termos de escalada ou desescalada, ou em termos de medidas e métodos diversificados, é uma parte integrada do processo de gerenciamento do conflito e não pode ocorrer ao custo do princípio da resistência. O sistema político palestino: 27. O Estado palestino real é um Estado resultante da libertação. Não há alternativa a um Estado palestino totalmente soberano que não seja no inteiro solo nacional palestino, com Jerusalém como sua capital. 28. O Hamas acredita e adere ao gerenciamento das relações palestinas com base no pluralismo, democracia, parceria nacional, aceitação do outro e adoção do diálogo. O objetivo é reforçar a unidade da fileira e ação conjunta para o propósito de realizar metas nacionais e preencher as aspirações do povo palestino. 29. A OLP é uma referência nacional para o povo palestino dentro e fora da Palestina. Precisa ser preservada, desenvolvida e reconstruída em fundações democráticas, tais como assegurar a participação de todos os grupos constituídos e forças do povo palestino, numa maneira que resguarde os direitos palestinos. 30. O Hamas destaca a necessidade de construção de instituições palestinas nacionais ao som de princípios democráticos, acima de tudo por livres e justas eleições. Tais processos precisam acontecer na base da parceria nacional e do acordo com um claro programa e uma clara estratégia que adiram os direitos, incluindo o direito de resistência, e o qual preencha as aspirações do povo palestino. 31. O Hamas afirma que a Autoridade Palestina precisa servir ao povo palestino e salvaguardar sua segurança, seus direitos e seu projeto nacional. 32. O Hamas destaca a necessidade de manter a independência da tomada de decisão nacional palestina. Forças de fora não devem ser permitidas a intervirem. Ao mesmo tempo, o Hamas afirma a responsabilidade dos árabes e muçulmanos e seu dever e papel na libertação da Palestina da ocupação sionista. 384
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33. A sociedade palestina é enriquecida por suas proeminentes personalidades, figuras, dignitários, instituições da sociedade civil e grupos de juventude, estudantes, sindicalistas e mulheres que, juntos, trabalham para a conquista das metas nacionais e construção da sociedade, propósito de resistência e conquista da liberdade. 34. O papel da mulher palestina é fundamental no processo de construção do presente e do futuro, assim como precisa estar sempre no processo de construção da história palestina. Este é um papel que é pivô no projeto de resistência, libertação e construção do sistema político. A Nação Árabe e Islâmica: 35. O Hamas acredita que a questão palestina é a causa central para a Nação Árabe e Islâmica. 36. O Hamas acredita na unidade da Nação com toda a sua diversidade constituinte e é consciente da necessidade de evitar tudo que possa fragmentar a Nação e minar a unidade. 37. O Hamas acredita na cooperação com todos os Estados que apoiam os direitos do povo palestino. Opõe-se à intervenção nos assuntos internos de qualquer país. Também rejeita entrar em disputas e conflitos que ocorram entre diferentes países. O Hamas adota a política de relações com amplos Estados no mundo, especialmente os árabes e islâmicos. Esforça-se para estabelecer relações equilibradas na base de uma combinação de requerimentos da causa palestina e ao interesse do povo palestino em uma mão, com interesses da Nação, seu renascimento e sua segurança em outra mão. O aspecto humanitário e internacional: 38. A questão palestina é uma das que tem maior dimensão internacional e humanitária. Apoiar e sustentar essa causa é uma tarefa humanitária e civilizacional que é requerida como pré-requisito para a verdade, justiça e valores humanitários em comum.
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39. De uma perspectiva legal e humanitária, a libertação da Palestina é uma atividade legítima, isto é, um ato de autodefesa e uma expressão do direito natural de todos os povos à autodeterminação. 40. Em sua relação com Estados do mundo e seus povos, o Hamas acredita em valores de cooperação, justiça, liberdade e respeito à vontade das pessoas. 41. Hamas congratula-se com as posições dos Estados, organizações e instituições que apoiam os direitos do povo palestino. Saúda os povos livres do mundo que apoiam a causa palestina. Ao mesmo tempo, denuncia o apoio garantido por qualquer parte à entidade sionista ou tentativa de encobrir seus crimes e agressões contra os palestinos e clama pela acusação dos crimes de guerra sionistas. 42. O Hamas rejeita as tentativas de imposição de hegemonia sobre a Nação Árabe e Islâmica, assim como rejeita a tentativa de impor a hegemonia sobre outras nações e povos do mundo. O Hamas também condena todas as formas de colonialismo, ocupação, discriminação, opressão e agressão no mundo. Maio de 2017
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Declaração do Ayatolá Seyed Ali Khamenei, líder da Revolução Islâmica, a Sexta Conferência Internacional de Apoio à Intifada Palestina. Teerã, 21 e 22 de fevereiro de 2017 Em nome de Deus, o Compassivo, o Misericordioso Todos os louvores pertencem a Deus, Senhor do Universo. Que a paz de Deus esteja com nosso senhor Muhammad, o escolhido (o Mustafa), sua imaculada descendência e seus discípulos seletos. E disse Deus o Sapientíssimo em seu livro evidente e claro: “E não vos desanimeis, nem vos aflijais, porque sempre sereis vitoriosos, se fordes fiéis” (Alcorão Sagrado, Sura: Al Imran, verso 139). O Deus Todo-Poderoso acrescenta: “Não fraquejais (ó fiéis), pedindo a paz, quando sois vencedores; Sabei que Deus está convosco e jamais defraudará as vossas ações” (Alcorão Sagrado, Sura Mohammad, verso 35). Antes de mais nada, gostaria de saudar a todos vocês, queridos convidados, os distintos presidentes dos Parlamentos, os líderes de diferentes grupos palestinos, pensadores, intelectuais, figuras proeminentes no mundo do Islam e outras personalidades em favor da liberdade, a quem agradeço pela sua presença nesta importante reunião. A história dolorosa da Palestina e a amarga tristeza pela opressão de seu povo paciente e resistente fazem sofrer verdadeiramente qualquer pessoa que busca liberdade, a justiça e a verdade, e gera uma profunda dor e tristeza no coração. A história da Palestina e a sua cruel ocupação, juntamente com o deslocamento de milhões de pessoas e a resistência corajosa deste heroico povo, estão cheia de altos e baixos. Uma aplicada investigação em sua história põe em relevo que, em nenhuma época, nenhum povo do mundo enfrentou tanta dor, sofrimento e crueldade, em que, com base em uma conspiração ultrarregional, um país tenha 389
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sido completamente ocupado e seu povo tenha sido despejado de suas casas, para que outro grupo procedente de diferentes cantos do mundo ocupasse o seu lugar. Dessa forma, uma verdadeira existência é ignorada e uma falsa toma o seu lugar. No entanto, esta também é outra página sombria da história que, com acontecimentos similares, se encerrará com a ajuda de Deus. Assim como (Deus diz) “A falsidade é perecível!” (Alcorão Sagrado, Surata Al-Israa, verso 81). E acrescenta: “A terra será herdada pelos Meus servos justos” (Alcorão Sagrado, Surata Al-Anbiyaa, verso 81).
Sayyid Ali Hosseini Khamenei (Meshed, Irã, 19/04/1939), atual Líder Supremo da República Islâmica do Irã.
Esta conferência acontece em um dos momentos mais difíceis que atravessa o mundo. Nossa região, que sempre apoiou o povo palestino em sua luta contra a conspiração global, está atualmente submersa em várias crises e conflitos. O caos existente em alguns países islâmicos regionais tem diminuído a importância do apoio à causa palestina e o propósito sagrado da libertação de Al Quds [Jerusalém]. A atenção dada às consequências dessas crises nos permite saber quais são os poderes que se beneficiam.
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Aqueles que criaram o regime sionista nesta região para impedir a estabilidade e o avanço da região mediante a imposição de um conflito duradouro estão agora por trás desses complôs. Alguns avanços têm motivado a que o potencial dos povos da região se dedique a conflitos triviais e na neutralização de uns e outros, provocando sua debilidade, o que abre caminho para o fortalecimento ainda maior do regime usurpador sionista. Neste contexto, também, somos testemunhas dos esforços dos líderes e benevolentes membros da Ummah [Nação] islâmica, que de forma sincera buscam solucionar estas discrepâncias. Não obstante as complicadas artimanhas do inimigo, aproveitando a negligência de alguns governos, impuseram guerras civis e enfraquecimentos entre os povos, possibilitando uma redução dos esforços destes benevolentes membros da Ummah islâmica. Neste contexto, é importante assinalar o enfraquecimento da causa palestina e os esforços que se realizam para passá-lo para um plano secundário. Apesar das discrepâncias que têm os países islâmicos entre si, algumas delas são naturais e outras frutos do complô do inimigo, assim como a negligência, e, todavia, o tema da Palestina pode e deve ser o eixo de unidade de todos. Uma das conquistas desta valiosíssima reunião é o reconhecimento da principal prioridade do mundo do Islam e dos que buscam a liberdade no mundo, quer dizer, o tema da Palestina; além de criar um ambiente de solidariedade para materializar o grande objetivo de apoiar o povo palestino e as lutas em busca da justiça e da verdade. Não podemos ser negligentes em respeito à importância do apoio político ao povo palestino, que representa uma prioridade especial no mundo de hoje. Os povos muçulmanos e seus anseios por liberdade, além de seus interesses e métodos, podem unir-se por um objetivo: a causa palestina e a necessidade de sua libertação. Com o surgimento dos fatores da decadência do regime sionista e prevalecendo a debilidade dos seus principais aliados, especialmente os Estados Unidos, observa-se que, gradualmente, a cena mundial se mobiliza também para fazer frente às cruéis, ilegais e inumanas medidas do regime sionista. Desde logo, a comunidade internacional e os países
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regionais não foram capazes de cumprir com suas responsabilidades ante este tema humanitário. A brutal repressão ao povo palestino, as massivas detenções, a pilhagem, a usurpação de seus territórios e a construção de assentamentos neles, os intentos para mudar a cara e a identidade da Cidade Santa de Al Quds [Jerusalém] e a Mesquita de Al Aqsa, assim como de outros lugares sagrados islâmicos e cristãos, a violação do direito básico dos cidadãos e muitas outras mostras de crueldade seguem vigentes e contam com o pleno apoio dos Estados Unidos e outros governos ocidentais, que lamentavelmente não têm enfrentado uma reação internacional adequada. O povo da Palestina tem orgulho de que Deus Todo Poderoso lhes tem honrado com a grande tarefa de defender este território sagrado e a Mesquita de Al Aqsa. Este povo não tem outro caminho a não ser confiar em Deus Todo Poderoso e seu potencial para manter acesa a chama da luta, algo que, na verdade, é o que está fazendo agora. A Intifada, que foi lançada pela terceira vez nos territórios ocupados, mais reprimida que as anteriores, porém mais esperançosa e esplêndida, nos permitirá ver que, com a permissão de Deus, marcará um período muito importante na história das lutas, e proporcionará outro fracasso ao regime usurpador. Esta glândula cancerígena, desde seu início, tem crescido e se convertido atualmente em uma calamidade cuja cura requer tempo e se realizará em várias fases, de modo que as numerosas intifadas e a constante resistência do povo puderam materializar objetivos muito importantes. Esta resistência avança como uma furação para materializar seus objetivos e conseguir a plena libertação da Palestina. O grande povo da Palestina, que carrega apenas o peso da luta contra o sionismo mundial e seus patrocinadores, muito pacientemente, porém com firmeza, tem dado a oportunidade para os hostis testarem suas alegações naquele dia, em que, com sua pretensão errônea de realismo e a necessidade de aceitar os direitos mínimos para não perdê-los, elevou seriamente os planos de reconciliação. O povo palestino e todos os movimentos conscientes da natureza errônea 392
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desta visão foram autorizados a tentar seus planos. Naturalmente, a República Islâmica do Irã, desde o início, enfatizou que estes métodos de reconciliação eram errôneos, e advertiu sobre suas graves consequências. A oportunidade que se deu ao processo de reconciliação teve resultados destrutivos para o caminho da resistência e a luta do povo palestino. Não obstante, seu único benefício foi demonstrar, na prática, a errônea visão da realidade. Basicamente, o método e a maneira em que se formou o regime sionista são tais que não podem deixar de lado seu expansionismo, a repressão e a violação dos direitos dos palestinos. Sua existência e identidade estão subordinadas à destruição gradual da identidade e existência palestina. Assim, a sobrevivência do ilícito regime sionista só poderá produzir-se mediante seu fortalecimento sobre as ruínas da identidade e a existência palestina. É por isso que proteger a identidade palestina e salvaguardar todos seus sinais, com base no direito, é um tema primordial, obrigatório e uma Jihad santa. Enquanto o nome da Palestina, sua memória e as chamas da sua resistência estejam vigentes, as fundações do regime de ocupação não serão fortalecidas. O problema do processo de reconciliação não significa a renúncia dos direitos de um povo para dar legitimidade a um regime usurpador. É um grande erro e um fato imperdoável, neste caso, basicamente, não concordar com a situação atual em que se encontra o tema palestino, que inclui as características expansionistas e repressivas dos sionistas. Este povo, porém, com o passar do tempo, tem podido demonstrar que a afirmação dos defensores da reconciliação é errônea e, como consequência, tem se criado um tipo de consenso nacional sobre os métodos corretos de luta para materializar os direitos legítimos do povo palestino. Nas três últimas décadas, o povo palestino tem experimentado dois modelos diferentes e tem compreendido qual é mais adequado à sua situação. Diante do processo de reconciliação existe o modelo de resistência heroica e constante da sagrada Intifada, que tem propiciado numerosos avanços para este povo. Existe uma razão por trás dos 393
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ataques que vemos hoje em dia por parte de uns centros conhecidos contra a “Resistência” e seu questionamento da “Intifada”. Não se espera outra coisa do inimigo, já que é consciente de que este é o caminho correto e frutífero. Não obstante, às vezes, vemos como alguns dos movimentos, inclusive daqueles países que aparentemente alegam solidariedade com o tema da Palestina, intentam desviar este povo do caminho correto e atacam sua resistência. Alegam que, depois de décadas de formação, esta não tem podido materializar um método que requer revisão. Em resposta a esta alegação há que se dizer que é correto que a resistência não tem sido capaz cumprir com seu objetivo primordial de libertar toda Palestina, entretanto, tem sido capaz de manter viva sua causa. Teríamos que ver a situação em que estaríamos se não tivesse existido a resistência. Sua conquista mais destacada tem sido a criação de importantes obstáculos ante os projetos sionistas. Sua existência na imposição de uma guerra de desgaste ao inimigo significa que tem conseguido fazer fracassar o principal projeto do regime sionista, que é manter um domínio completo sobre toda a região. Neste contexto, há que se agradecer e elogiar a resistência e aos heróis que, durante diferentes períodos e desde que pôs em marcha o projeto do regime sionista, resistiram e sacrificaram sua vida para içar a bandeira da resistência e transmitir de geração em geração seus princípios. Não é segredo o papel da resistência nos períodos posteriores à ocupação e, sem dúvida, não se pode ignorar seu papel nas vitórias da guerra do ano de 1973. Desde 1982, ano em que praticamente os palestinos assumiram em seus ombros a responsabilidade da resistência, se formou o Movimento de Resistência Islâmica do Líbano – Hezbollah – para ajudar os palestinos na sua luta. Se a resistência não tivesse sido posta de pé diante do regime sionista, hoje seríamos testemunhas da ocupação de outros territórios na região, desde Egito até Jordânia, Iraque e o Golfo Pérsico, entre outros. 394
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Se isso é uma grande conquista, não é o único que tem conseguido a resistência. A libertação do sul do Líbano e de Gaza são outros dos objetivos notáveis conseguidos no processo de libertação da Palestina, que tem sido capaz de reverter o expansionismo geográfico do regime sionista. Desde o início da década de 1980, o regime sionista não só não tem conseguido ocupar novos territórios, como tem observado o começo do retrocesso, com uma saída covarde do sul do Líbano e sua continuação com a saída de Gaza. Ninguém pode negar o papel primordial e determinante da resistência na primeira Intifada. Na segunda, também, a resistência teve um papel destacado. Uma Intifada que, no final, obrigou o regime sionista a abandonar Gaza. A guerra de 33 dias no Líbano e as de 22, de 8 e de 51 dias em Gaza, permeiam todas as páginas brilhantes na história da resistência, que honra todos os povos da região, o mundo do Islam e todas as pessoas que anseiam a liberdade no mundo. Na guerra de 33 dias, praticamente todas as rotas de envio de ajuda ao povo libanês e aos heróis do Hezbollah estavam bloqueadas, mas com a ajuda de Deus e confiando na força e no poder do povo resistente do Líbano, o regime sionista e seu principal patrocinador, quer dizer, os Estados Unidos, sofreram uma grande derrota, graças à qual já não se atrevem mais a atacar o território libanês. As constantes resistências em Gaza, que agora se converteu em uma fortaleza invencível, durante várias guerras seguidas, mostraram que este regime é demasiado débil para poder resistir diante da vontade de um povo. O principal herói das guerras de Gaza é o seu heroico e resistente povo que, em que pese ter que suportar diversos anos de bloqueio econômico e confiando no poder da fé, segue defendendo esta fortaleza. Devemos agradecer a todos os grupos de resistência palestina, Brigadas al-Quds, do Movimento Jihad Islâmica; Brigada de Izzedin al-Qassam, do Hamas; Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, do Fatah; e a Brigada de Abu Ali Mustafa, do Movimento Popular para a Libertação da Palestina, que desempenharam um papel significativo nesta guerra. Queridos convidados, 395
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Não se devem ignorar os perigos que se verificam pela presença do regime sionista. Portanto, a resistência deve empregar todos os seus instrumentos para continuar sua missão. Neste sentido, todos os povos e governos da região, assim como os que buscam a liberdade no mundo, têm o dever de garantir as necessidades básicas deste povo tenaz e firme, que constitui as bases da “Resistência”, e que tem educado filhos valentes e resistentes. Responder às necessidades do povo palestino e sua resistência é um dever importante e vital que todos devemos cumprir. Neste contexto, não devemos nos esquecer das necessidades básicas da resistência na Cisjordânia que, neste momento, suporta em seus ombros o peso da humilde Intifada e a resistência. Também temos que aprender com o passado e prestar atenção ao ponto significativo de que “a resistência e a Palestina” são muito mais importantes e valiosas que se envolver em discrepâncias existentes entre os países islâmicos e árabes, em conflitos internos ou em divergências étnicas e religiosas. Os palestinos, especialmente os grupos de resistência, devem estar orgulhosos do lugar que ocupam e não devem se envolver em tais temas. Os países islâmicos e árabes, assim como todos os movimentos islâmicos e nacionais, têm a obrigação de servir aos ideais da Palestina. Apoiar a resistência é um dever de todos nós. Ninguém tem o direito de esperar uma recompensa por isto, pois a única condição para oferecer sua ajuda é que se dedique a fortalecer o povo palestino e a estrutura da resistência. E enfatizar a ideia de resistir ante o inimigo e em diferentes aspectos da resistência, pois isso assegura a continuação desta ajuda. Nossa postura diante da resistência é um tema principal e não tem nada a ver com um grupo específico. Acompanhamos qualquer grupo que seja firme neste caminho e aqueles que se afastarem, se afastarão de nós. Nossa relação com os grupos da Resistência Islâmica se encontra apenas ao nível do compromisso com o princípio da resistência. O outro ponto que se deve destacar é a discrepância entre os diferentes grupos palestinos. Dispor de diferentes visões pela diversidade de interesses entre os grupos é um tema natural e 396
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compreensível, sempre e quando permanecer nesta fase. E inclusive poderia contribuir para o fortalecimento da luta do povo palestino. Porém, o problema começa quando tais discrepâncias resultam em choques e enfrentamentos que poderiam provocar a neutralização dos movimentos entre si e dar passos a favor dos interesses do inimigo comum entre todos eles. A “gestão” de todas as discrepâncias e a diversidade de pensamentos e ideias são uma arte que os principais movimentos devem aplicar e projetar de tal forma que suas diferentes agendas de luta exerçam pressão apenas sobre o inimigo e fortaleçam a resistência. A unidade nacional, com base no projeto da Jihad, é uma necessidade para a Palestina, e se espera que todos os movimentos atuem para materializar o objetivo de todos os palestinos. Hoje em dia, a resistência enfrenta outro enredo que se encontra nos esforços dos que simulam serem amigos e tentam desviar a resistência e a Intifada do povo palestino de seu caminho, para que a sacrifique, por vínculos secretos com os inimigos do povo palestino. A resistência é demasiada inteligente para não cair nesta armadilha, especialmente quando o povo palestino é o verdadeiro guia de suas lutas e sua resistência, e a experiência do passado enfatiza que a análise precisa da situação a impede de qualquer tipo de desvio. Caso isso ocorra e algum dos movimentos da resistência caia na armadilha, o povo, como antes, poderá dar resposta às suas necessidades. Se um grupo deixa cair a bandeira da resistência, definitivamente, outro descendente do povo palestino voltará a içá-la. Definitivamente, vocês, queridos convidados a esta reunião, se dedicarão apenas ao tema da Palestina, que lamentavelmente nos últimos anos tem sido afetado por algumas negligências. Com certeza as crises existentes em diferentes lugares da região e da Ummah islâmica merecem uma atenção especial. Não obstante, o que motivou este congresso foi a causa Palestina. Este encontro pode ser o exemplo seguido pouco a pouco por todos os muçulmanos e os povos da região para que, mediante a confiança nos seus pontos comuns, possam controlar as discrepâncias, 397
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solucionar cada um dos seus problemas e facilitar o fortalecimento ainda maior do povo do profeta Mohammad. Ao final, considero que é importante agradecer-lhes por suas valiosas presenças, e também expressar meu agradecimento ao presidente do Parlamento e seus companheiros pelos esforços realizados para celebrar esta Conferência. Peço a Deus, Todo Poderoso, que todos vocês tenham êxito em seu serviço pela causa palestina, como tema principal do mundo do Islam e eixo da unidade dos muçulmanos e daqueles que buscam a liberdade. Rogamos que as benções de Deus estejam com a alma de todos os mártires do Islam, especialmente aos da resistência ante o regime sionista e todos os combatentes da frente da Resistência e a alma do fundador da República islâmica, que dedicou os maiores esforços e atenção à causa palestina. Êxito e vitória Que a paz, a misericórdia e as bênçãos de Deus estejam com todos vocês.
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Cronologia das relações bilaterais Brasil-Palestina217 1975 – Estabelecimento de relações entre Brasil e Palestina. Organização para a Libertação da Palestina (OLP) é autorizada a designar representante em Brasília. 1993 – Autorização, pelo Brasil, de abertura da Delegação Especial Palestina em Brasília, com status diplomático equivalente ao de organismo internacional. 1995 – Visita ao Brasil de Yasser Arafat, Presidente da Autoridade Nacional Palestina e líder da Organização para a Libertação da Palestina. 1998 – Equiparação do status da Delegação Especial Palestina ao de uma Embaixada. 2004 – Brasil abre Escritório de Representação em Ramala. 2005 – Visita à Palestina do Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. 2005 – Visita ao Brasil do Presidente Mahmoud Abbas, no âmbito na I Cúpula América do Sul-Países Árabes (ASPA). 2007 – Anúncio, na Conferência de Doadores para os Territórios Palestinos, em Paris, de doação brasileira no valor de US$ 10 milhões, para ações de cooperação e de ajuda humanitária. Adicionalmente, o Brasil e seus parceiros do Foro de Diálogo Índia-Brasil-África do Sul anunciam contribuição do Fundo IBAS, no valor de US$ 3 milhões. 2008 – Visita à Palestina do Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. 2008 – Visita ao Brasil do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Palestina, Riad Malki. 217 Portal do Itamaraty. Disponível em: http://www.itamaraty.gov.br/pt-BR/fichapais/5629-estado-da-palestina.
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2009 – Visita à Palestina do Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. 2009 – Por ocasião da Conferência de Sharm El-Sheikh, Brasil anuncia doação de US$ 10 milhões para a reconstrução de Gaza. 2009 – Visita ao Brasil do Presidente da Palestina, Mahmoud Abbas. 2010 – Visita à Palestina do Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. 2010 – Comunicado do grupo IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) declara reconhecer Jerusalém Oriental como capital do futuro Estado palestino. 2010 – Visita ao Brasil do Comissário de Relações Internacionais do Fatah, Nabil Shaath. 2010 – Visita à Palestina do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 2010 – Reunião de Ministros do IBAS em Brasília, com presença do Ministro dos Negócios Estrangeiros da Palestina, Riad Malki. 2010 – Reconhecimento, pelo Brasil, do Estado da Palestina nas fronteiras de 1967. 2010 – Delegação Especial palestina em Brasília passa a denominar-se Embaixada do Estado da Palestina. 2011 – Visita ao Brasil do Presidente Mahmoud Abbas, por ocasião da posse da Presidenta Dilma Rousseff. 2011 – Com apoio e copatrocínio brasileiros, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprova a Resolução 67/19, que eleva o status da Palestina nas Nações Unidas a Estado Observador não membro. 2012 – Visita à Palestina do Ministro das Relações Exteriores, Antonio de Aguiar Patriota (15 de outubro).
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2012 – Visita ao Brasil do Comissário de Relações Internacionais do Fatah, Nabil Shaath. 2012 – Visita ao Brasil do Ministro do Trabalho da Palestina, Ahmed Majdalani. 2013 – Visita à Palestina do Vice-Presidente da República, Michel Temer. 2013 – Visita à Palestina do Ministro da Saúde, Alexandre Padilha. 2014 – Visita à Palestina do Governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro. 2014 – Doação de 11500 toneladas de arroz à UNRWA (Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina). 2014 – Brasil passa a integrar a Comissão Consultiva da UNRWA. 2014 – Anúncio de doação de 6000 toneladas de arroz à UNRWA por ocasião da Conferência para Reconstrução de Gaza realizada no Cairo. 2015 – Visita ao Brasil do Chanceler Riad Malki, por ocasião da posse da Presidenta Dilma Rousseff. 2015 – Visita à Palestina do Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. 2017 – Reunião do Mecanismo de Consultas Políticas entre o Brasil e a Palestina (2 de maio). 2018 – Visita do ministro Aloysio Nunes Ferreira à Palestina (1-2 de março).
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Documento de Referência do Fórum Palestina Livre218 O povo palestino estende sua gratidão e apreço ao Fórum Social Mundial, e a todos os movimentos sociais envolvidos especialmente no fórum sobre a Palestina. Agradecemos, particularmente, ao Brasil, seu governo e suas instituições, por acolherem este fórum, considerado por nós um marco crucial e extraordinário no processo de amplificação do apoio à luta do nosso povo pelo exercício de seus direitos inalienáveis. Apesar da passagem de mais de seis décadas desde a Nakba, a sistemática limpeza étnica da maioria do povo palestino em 1948, a questão da Palestina continua a ser um problema global, inspirando pessoas e movimentos sociais ao redor do mundo. A solidariedade com o povo palestino e seus direitos inalienáveis – em especial, o direito aos refugiados de retorno a seus lares, e o direito de autodeterminação – é, hoje, mais forte que nunca, reforçando a luta do povo palestino sob a liderança da Organização para a Libertação da Palestina por liberdade e justiça de acordo com as leis internacionais e os princípios universais dos direitos humanos, ambos pilares do Fórum Social Mundial. Para o povo palestino poder exercer seu direito inalienável à autodeterminação (inclusive o retorno dos refugiados), é necessário pressionar Israel a cumprir, integralmente, a lei internacional, ou seja: - Findar a ocupação e a colonização de todas as terras árabes ocupadas em 1967, e desmantelar o muro do apartheid. - Findar o regime de apartheid (conforme definição da ONU de crime de apartheid) e reconhecer o direito fundamental de igualdade dos cidadãos palestinos em Israel.
218 Publicado no portal Sul 21 e está disponível em https://www.sul21.com. br/noticias/2012/12/documento-de-referencia-do-forum-social-mundialpalestina-livre
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- Reconhecer o direito dos refugiados palestinos de retorno aos lares dos quais foram expropriados, como convencionado pela resolução 194 da ONU. A organização do Fórum Social Mundial Palestina Livre é a expressão da união dos movimentos sociais internacionais na luta contra o imperialismo, o neoliberalismo e a discriminação racial em todas as suas formas por considerar a justa luta pelos direitos dos palestinos uma parte integrante da luta internacional para desenvolver alternativas políticas, sociais e econômicas que aumentem a justiça, a igualdade e a soberania dos povos, baseando-se em justiça socioeconômica, dignidade e democracia. Configurando-se como espaço de reunião para a sociedade civil internacional, o Fórum Social Mundial Palestina Livre vislumbra: a. destacar, fortalecer e ampliar o movimento global em defesa dos direitos do povo palestino; b. desenvolver mecanismos para uma ação global efetiva de apoio à luta do povo palestino para exercer seus direitos de retorno e autodeterminação, e fazer cumprir as leis internacionais; c. proporcionar um espaço aberto para o diálogo, o debate, o desenvolvimento de estratégias e o planejamento de campanhas eficazes e sustentáveis de solidariedade ao povo palestino. Após 65 anos da partilha da Palestina, recomendada pelos poderes hegemônicos, e sua cumplicidade com a sistemática limpeza étnica a que são submetidos os palestinos desde 1947, o Brasil sediará, em 2018, um novo tipo de fórum global, destinado a reforçar a luta do povo palestino por justiça e por seus direitos, onde os governos têm falhado em sua obrigação de proteger ambos. O Fórum Social Mundial Palestina Livre acontece no Brasil à luz das tempestuosas mudanças no mundo árabe, revoluções que se tornaram conhecidas como “Primavera Árabe”, onde há luta popular por justiça social, democracia e liberdade. Nesse contexto, as forças hegemônicas ocidentais, em especial os Estados Unidos, têm se 408
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esforçado para abortar ou conter as revoluções populares árabes, objetivando a manutenção de seu domínio sobre esses territórios. Tal intervenção, às vezes tomando forma militar, implica sérios desafios para as revoluções populares na busca da sustentação de sua identidade emancipatória e democrática. Porém, a queda dos regimes ditatoriais, focos de cumplicidade árabe com a agenda EUA-Israel, causou impacto importante, minando a impunidade de Israel e reavivando a centralidade da causa palestina no mundo árabe, promovendo-a globalmente, em decorrência da importância estratégica da região. À luz dessas mudanças, das posições e resoluções aprovadas pelo Encontro Nacional de Solidariedade com o Povo Palestino, no Brasil, o Comitê Nacional Palestino do FSM apela a todas as organizações, movimentos e redes, para que se somem a este fórum histórico como expressão de solidariedade aos direitos do povo palestino e à nossa luta para desenvolver dispositivos a fim de responsabilizar Israel por seus crimes e violações das leis internacionais. Incitamos também os movimentos sociais e os FSM ao redor do mundo a intensificar suas lutas em prol de mudanças políticas reais, por meio de: 1. defesa do direito do povo palestino a resistir à ocupação e ao apartheid, dirigindo-se à obtenção do direito de retorno e do exercício de autodeterminação, inclusive o estabelecimento de um Estado nacional independente e soberano, em conformidade com as resoluções da Organização das Nações Unidas (ONU); 2. fortalecimento e expansão da participação na campanha global, liderada pelos palestinos, de boicote, desinvestimento e sanções (BDS) contra Israel, uma das mais importantes formas de solidariedade com nosso povo e seus direitos. As campanhas BDS englobam boicotes a Israel e empresas internacionais cúmplices das violações israelenses das leis internacionais, e boicotes acadêmicos e culturais de instituições israelenses, parceiras coniventes na ocupação e no apartheid; 3. consolidação dos estados internacionais, coletiva e individualmente, para torná-los responsáveis pela proteção dos refugiados palestinos em seus respectivos territórios até que os 409
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mesmos possam exercer o direito, sancionado pela ONU, de retorno a seus lares. Obrigar Israel a reconhecer tal direito, indenizando os refugiados, permitindo a aplicação da sanção da ONU, impondo o término da política higienista de limpeza étnica em ambos os lados da Linha Verde; 4. defesa dos direitos do nosso povo na Jerusalém ocupada, combatendo o que foi denominado por um funcionário da ONU de “estratégia de judaização”, manifestada na desapropriação de terras, na expulsão sistemática e compulsória dos palestinos de seus bairros, na violação da liberdade de culto, nos ataques implacáveis ao cristianismo e ao islamismo, na distorção da história e em outros crimes; 5. intensificação da luta para suprimir o cerco israelense – em todas as suas formas – imposto ao nosso povo na Faixa de Gaza ocupada, considerando a solidariedade a Gaza como prioridade. Isso demanda campanhas de solidariedade a nosso povo em Gaza e acusações legais, e formais, contra Israel em tribunais internacionais; 6. manutenção dos direitos inalienáveis do povo palestino em cidades israelenses, com soberania sobre suas terras, apoiando sua luta para exterminar o regime de apartheid israelense, suas leis e regulamentos racistas, reconhecendo os direitos nacionais e cívicos dos palestinos, individuais e coletivos, combatendo a política higienista de Israel, a expropriação de terras, as demolições de casas, especialmente no Naqab (Negev), e a discriminação racial em projetos de educação, saúde e infraestrutura; 7. apoio e fortalecimento da luta pela libertação dos prisioneiros palestinos vivendo em condições desumanas, em prisões israelenses, por seu envolvimento na luta pela libertação nacional da Palestina. Nesse contexto, enfatiza-se a necessidade de garantir a libertação imediata e incondicional, como questão de prioridade, de doentes, crianças, idosos e mulheres, assim como os presos sob regime de detenção administrativa, e a libertação dos 27 parlamentares sequestrados pelas autoridades da ocupação, em clara violação das leis internacionais; 410
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8. pressão para que os governos cumpram suas obrigações legais, conforme estipulado por decisão da Corte Internacional de Justiça, contra o muro construído ilegalmente por Israel em território palestino. Pressionar o governo israelense a desmantelar o muro “da vergonha”, que, terminado, deverá ter aproximadamente 800 km, intensificando a injustiça e potencializando uma nova campanha higienista de limpeza étnica; 9. manutenção do direito do povo palestino à soberania sobre seus recursos naturais (principalmente as terras e a água) e à soberania alimentar, garantindo o retorno para camponeses, operários, pescadores e comunidades beduínas privadas de seus direitos pelo Estado de Israel; 10. transformação do Fórum Social Mundial Palestina Livre em uma plataforma para a construção de estratégias BDS contra Israel, objetivando, primordialmente, o boicote aos acordos de livre comércio entre Israel e outros países, ou grupo de países, como União Europeia e Mercosul, considerando-se as violações das leis internacionais perpetradas por Israel em seu regime de opressão contra o povo palestino, constituídas pela ocupação, pela colonização e pelo apartheid. Os TLC, ao permitir a exportação de produtos israelenses provenientes de colônias construídas ilegalmente em territórios árabes e palestinos ocupados na Faixa de Gaza, na Cisjordânia (inclusa Jerusalém oriental) e nas Colinas de Golã normalizam, ratificando-o, o regime opressor de Israel; 11. apoio à campanha global de embargo militar contra Israel, desfazendo contratos para compra de armas, equipamentos e serviços militares de todos os tipos, inclusa a compra de veículos, principalmente aviões não tripulados e sistemas de segurança. Essas exportações sustentam a ocupação e o regime de apartheid que Israel impõe ao povo palestino. Além disso, o comércio militar com Israel alimenta a indústria bélica dos EUA, indústria que lucra com a escravidão e a morte de milhões de pessoas em todo o mundo; 12. apoio e promoção da cooperação na implantação de projetos de desenvolvimento econômico, social e cultural para os palestinos, 411
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fornecendo apoio financeiro e material para melhorar as condições de vida e trabalho, aumentando a firmeza e a vontade do povo palestino de enfrentar as tentativas israelenses de tiranização em concomitância à pressão para forçar Israel a cumprir as leis internacionais; 13. reconhecimento e apoio à luta dos judeus antissionistas em toda parte, em especial aqueles que estão ao lado do povo palestino na luta contra a ocupação e o regime de apartheid israelense. Apoio às forças progressistas e democráticas, políticas e sociais, sujeitas à repressão por sua postura anticolonial e por sua advocacia em prol da defesa dos direitos do povo palestino; 14. apoio à resistência popular palestina contra a ocupação israelense, legitimando-a como forma primordial de luta em benefício do povo palestino; 15. incitamento aos meios de comunicação a ter papel ativo na exposição das políticas colonialistas e racistas do Estado de Israel, lançando campanhas de informação pública. A aplicação dos princípios políticos, legais e éticos acima referidos contribuirá para acabar com a impunidade de Israel e reforçará sua responsabilização por todos os crimes cometidos contra o povo palestino. Esse apoio fornecerá ao povo palestino possibilidades concretas, eficazes e sustentáveis para alcançar todos os seus direitos internacionalmente reconhecidos, em especial os direitos de retorno, autodeterminação, independência e soberania nacional.
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Sayid Marcos Tenório é historiador e especialista em relações internacionais. É ativista internacionalista da causa palestina há mais de 30 anos, com artigos publicados sobre temas relacionados à Palestina e outras causas de direitos humanos, justiça social, lutas populares e soberania dos povos. É fundador e atual secretário-geral do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal) e também diretor do Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (Cebrapaz).
Parte considerável das lutas políticas contemporâneas está atravessada pelo par “lugar de falar/identidade”. Nesta díade, nota-se um esvaziamento trágico do engajamento das esquerdas por debates que tenham um alcance para além das fronteiras biográficas e nacionais. “Palestina” é um livroponte, nos conecta à história de resistência de um povo que está sendo submetido às políticas coloniais e segregacionistas de Israel/Estados Unidos há 71 anos. A imagem da ponte também nos serve para pensar o tipo de ética política sobre o qual o livro se estrutura. O “Outro”, o povo palestino, tornase “Eu”. E aqui encontramos outra característica deste livro: é também um livro-testemunho. Não se trata de uma empreitada exclusivamente intelectual. Ao escrever sobre a Palestina, Sayid também se inscreve, também se narra. Podemos rastreálo pelos artigos escritos, nos eventos que participou e organizou. Este livro é a síntese provisória de três décadas dedicadas à causa de um povo que experiencia, na pele e na terra, o colonialismo e o apartheid. Não se trata, portanto, “apenas” de um livro, mas de uma declaração de amor à justiça e à vida.
E-mail do autor: [email protected]
Berenice Bento - Departamento de Sociologia/UnB
“Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, tudo. Nem sequer têm o direito de eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma ratoeira sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições de 2006.” Gaza, por Eduardo Galeano