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Portuguese Pages 108 [113] Year 1998
e
Marcos Napolitano EDS
Discutindo CEE ODDS
O
a História
CE ESSES
regime
militar
do
Brasil
SS
brasileiro:
1964-1985 Marcos Napolitano
Coordenação: Maria Helena Capelato Maria Lígia Prado
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O Marcos Napolitano, 1998.
Ra
Copyright desta edição:
SARAIVA S.A. Livreiros Editores, São Paulo, 2000.
Av. Marquês de São Vicente, 1697 — Barra Funda 01139-904 — São Paulo — SP
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Napolitano, Marcos. 1962-
O regime militar brasileiro : 1964-1985 / Marcos Napolitano ; coordenação Maria Helena Capelato, Maria Lígia Prado. — São Paulo : Atual, 1998. — (Discutindo a História do Brasil)
Bibliografia ISBN 85-7056-871-] 1. Brasil — História — 1964-1985
Lígia. IH. Título. IV. Série.
1. Capelato, Maria Helena. II. Prado, Maria
98-0060
CDD-981.08
Índices para catálogo sistemático: 1. Brasil ; Regime militar, 1964-1985 : História
981.08
Coleção Discutindo a História do Brasil Desenvolvimento de produto
Gerente: Wilson Roberto Gambeta
Editora: Vitória Rodrigues e Silva Assessora editorial: Dolores Fernández
Editor de texto: Roberto B. de Albuquerque
Pesquisa iconográfica: Cristina Akisino
Produção editorial Gerente: Cláudio Espósito Godoy
Assistente: Sandra A. Celestino de Oliveira
Revisores de texto: Maria Luiza X. Souto (coord.) Maria Cecília F. Vannucchi
Editor de arte: Celson Scotton
Diagramação: Rosi Meire Martins Mariano Editoração eletrônica: Silvia Regina E. Almeida (coord.) Graçe Alves/Adriana M. Nery de Souza Produção gráfica
Gerente: Antonio Cabello Q. Filho
Coordenador: José Rogerio L. de Simone Assistente: Adriana Poffo Rodrigues Colaboradores
Preparação de texto: Eloiza Helena Rodrigues Projeto gráfico: Tania Ferreira de Abreu (capa)
Marcos Puntel de Oliveira (miolo)
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Sumário
oo ne eo en nc re eo er ne ce en ne ee es ee es .. .. .. .. .. Bate-papo com O autor ..
1
an gana na cometida=
4
a e r ta li mi me gi re do o çã za li na io uc 2 A instit ns te on on ss ce es en ne or er en ns so re re ce re se en ec ce cc .s .. .. .. l vi sociedade ci
28
e ca ti lí po o sã es pr re — ” bo um ch de 2. Os “anos s es ee ee en en ee ne me ee ee ec ee c. .. .. .. .. .. o ic ôm on crescimento ec
39
esses:
22
M E N U me gi re um de a ur et it qu ar 1. A
4. Rompendo o
círculo do medo............
s ss se ee em et ee .c .. .. .. .. .. .. .. ia ac cr mo de la pe ta lu e 5. Abertura
6. A crise do regime militar e a transição
democrática ..........enetenececanenereenameremancocenennenacannas
70 88
0 10 es pen sco cen rec eve rav aca epe asc ess rec eae une rap ree ere pea ..e 7. Conclusão ...
2 10 nas nen nco noe sco ser see eer asa err cen ren vee ena ere enc ers ers ees sc . Cronologia .,.
105 os nee ene eee res ere sen mae een ner .ee ..r ... ... a ad nt me co Bibliografia 7 10 emo nan nce sen ene een nsa ace een nne ece ere eae ene eem ... ... o xt te O Discutindo
com
o autor
Nelson Toledo
Bate-papo
Napolitano nasceu na capital pau-
ANA
lista, em 1962. Graduou-se em História pela Uni-
versidade de São Paulo em 1985, tendo concluído seu mestrado nessa mesma instituição em 1994.
Nesse ano ingressou na Universidade Federal do Paraná, como professor do Departamento de História. Atualmente é doutorando em História
Social
na
Universidade
de
São
Paulo,
onde
desenvolve
pesquisa sobre os festivais da canção dos anos 60. O interesse do autor pelo regime militar de 1964 levou-o a pesquisar os protestos de rua ocorridos entre 1977 e 1984, analisados
em sua dissertação de mestrado intitulada Nós que amávamos tanto a democracia: protestos de rua contra o regime militar na grande São Paulo (1977-1984). Embora tenha escrito vários artigos para revistas acadêmicas, O regime militar brasileiro (1964-1985) é seu primeiro livro publicado. Vamos conhecê-lo melhor, iniciando nosso bate-papo:
P Como é ser um historiador especializado num período tão recente da história brasileira? Quais são os eventuais problemas que isso pode acarretar? R. Ser um historiador especializado num tema tão contemporâneo é muito difícil, sobretudo porque as questões herdadas daquele período ainda estão muito vivas, com muitos dos personagens históricos ainda
atuantes
na
sociedade.
Em
outras
palavras,
a memória
dos
grupos e indivíduos que passaram por aquelas experiências ainda está viva e presente, como mostram os debates veiculados pela mídia, O maior problema é que, ao buscarmos uma análise histórica mais crítica, precisamos tomar cuidado com o peso da memória social sobre nosso objeto, que tende a ser muito parcial e comprometida. Se é verdade que o historiador não pode querer ser “neutro” em sua
análise, ele também não pode ficar preso às experiências que alguns
segmentos ideológicos específicos tiveram do período. Mesmo que o historiador tenha alguma identificação pessoal com algum desses segmentos...
P. Sua experiência pessoal como cidadão que vivenciou parte daqueles temas analisados dificultou a análise histórica? R. Bastante. Mas a própria
experiência
profissional vai ajudando
a
superar essas dificuldades, que geralmente se resumem na confusão entre a memória subjetiva e a análise histórica. No meu caso vivenciei sobretudo as experiências de oposição ao regime a partir de 1981-82.
Portanto, tenho opiniões e considerações pessoais em relação a essa experiência específica, que fazem parte da minha memória pessoal e da memória dos segmentos sociais com os quais me identifico. Mas a atividade de historiador exige que você tome contato com muitas fontes diferentes, produzidas por segmentos e instituições quase sempre conflitantes entre si. É nesse processo que você, mesmo com
todas as dificuldades, aprende a fazer uma reflexão mais distante e crítica, ainda que marcada pelo seu compromisso ético e político. P. Quais são as fontes e temas ligados ao período do regime militar que você gostaria de destacar e que ainda esperam por uma análise mais detalhada? R. Apesar de ser um tema muito presente nas conversas do dia-a-dia e mesmo na mídia, eu acho que o regime militar brasileiro só recentemente começou a ser objeto de uma análise histórica que dá conta de suas contradições, das suas realizações e das inúmeras
formas de dominação e resistência que ele suscitou. O tema da resistência da sociedade civil ao regime foi bem estudado pela sociologia e pela ciência política dos anos 70 e 80, mas muitos
aspectos ainda pedem uma análise histórica com base numa perspectiva temporal mais ampla. O problema maior para os historiadores é que os arquivos só agora começam a ser abertos e organizados. É o caso da documentação do DOPS, que só há alguns anos pôde ter um tratamento adequado e ainda pode revelar muitos aspectos da repressão. Certos documentos das Forças Armadas ainda não estão acessíveis. O conjunto de leis e decretos (como os Atos Institucionais e as leis especiais) ainda espera uma análise global. No campo da cultura, sobretudo em relação à música popular, à televisão e ao teatro, o período militar ainda pode fornecer muitos aspectos a serem
pesquisados.
O
próprio
momento
aspectos pouco conhecidos.
do golpe,
em
1964,
ainda
tem
pes s uma alg que a” lgi sta “no ta cer uma a lic exp ê voc o Com P.
soas têm em relação aquele período autoritário? R. A primeira reação que tenho, enquanto cidadão que acredita na democracia como valor, é considerar esse tipo de opinião como fruto ro. ilei bras do a óri mem de falta osa fam da e tica polí a nci orâ da ign
Mas, analisando melhor, percebo que o problema é mais complexo. Inegavelmente, os governos civis que vieram após o período militar
foram, em geral, incompetentes para resolver Os problemas básicos, na nça cre des a ou orç ref Isso . nça ura seg de, saú ão, caç edu como
democracia em muitos segmentos que, diga-se de passagem, nunca simpatizaram com ela. Mas o problema não está só no governo civil. No fundo, reflete um problema sério de nossa sociedade, que é a ausência de noção de espaço público, o espaço onde todos devem ser tratados igualmente, independentemente da vontade subjetiva, das simpatias, amizades, preconceitos, etc., e isso envolve governo,
sociedade e indivíduos. Na minha opinião, a grande confusão que se faz no Brasil entre espaço privado e espaço público é uma constante ameaça às frágeis e incompletas conquistas democráticas.
A
arquitetura
UM
regime
de
militar
o dia 30 de março de 1964, o Brasil foi dormir sonhando com as reformas sociais propostas pelo governo João Goulart.
Na
manhã
seguinte,
sobretudo
dos
porém,
a nação
acordava
com o rumor de um golpe de Estado realizado pelas Forças Armadas. A perplexidade e a surpresa tomaram conta de boa parte da sociedade
brasileira,
setores
identificados
com
as
idéias nacionalistas e de esquerda, que possuíam amplo espaço no governo deposto. Como um governo eleito pelo voto direto, com boa capacidade de mobilização popular a seu favor, havia caído sem a menor resistência, arrastando consigo todo um sistema político? Hoje, decorridas mais de três décadas, é possível fornecer algumas respostas a essa pergunta, através da análise dos mecanismos e das contradições internas desse sistema, conhecido como democracia populista.
A
crise
democracia
da populista
A queda de Getúlio Vargas, em 1945, marcou o início da democracia populista. Nesse sistema, boa parte das massas populares podia se expressar politicamente através do voto direto, ao mesmo tempo que as elites socioeconômicas mantinham seu poder de mando no país. Produto de um “pacto político” entre essas elites, a democracia populista era o resultado de um complexo jogo de forças que, por um lado, mobilizava as massas urbanas, sobre4 AUTO
each
tudo nos períodos eleitorais, e, por outro, pressupunha o controle político das organizações populares, impedindo ou dificultando suas iniciativas mais autônomas. Assim, todo o sistema convergia os amb do, Esta de er pod O para e ias idár part as uin máq as para A s. tico polí es chef os — s sta ali son per s nça era lid em s ado liz tra cen ação desses líderes era decisiva no controle das constantes tensões
políticas, ao evitar que elas se transformassem em crises mais ser iam pod o tant es cris Tais ema. sist o m sse aça ame agudas que de o com e elit a pri pró da res seto e entr ias ênc erg div das o produt
as. nic agô ant ais soci ses clas e entr , dos fun pro mais ais soci s lito conf O Cabia, portanto, a tais lideranças (e aos partidos) administrar s sõe ces con as e res ula pop sas mas das le tro con o e entr frágil jogo das er pod do o nçã ute man à o and vis , las uázig apa para necessárias elites. Vejamos como isso se dava. Um dos legados do longo governo de Getúlio foi o chamado um varguismo, um conjunto de idéias e práticas sustentadas por de e país do al stri indu ção iza ern mod da or ens def ; ista onal naci ideário os udo ret sob , ias ênc pot s nde gra das te dian tica polí mia ono aut sua o Estados Unidos. Durante seu governo democrático (1951-1954), Brasil passou por profundas mudanças: a industrialização aceleroua ão; zaç ani urb de so ces pro o nte ame tiv ica nif sig o and ent aum se, classe média e o operariado tornaram-se parcelas expressivas da população, convertendo-se em agentes destacados no jogo político. Tais mudanças davam à realidade brasileira uma nova feição, exigindo da elite a implantação de uma nova dinâmica, que, de alguma forma, viabilizasse a expressão e participação política desses novos agentes. Assim, do ponto de vista político-partidário, todo o período que se seguiu à deposição de Vargas foi marcado pela aliança no poder de duas das maiores agremiações partidárias então existentes: o Partido Social Democrático (PSD), que reunia parte das elites agrárias, e O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), representando setores mais po-
pulares. Na oposição destacava-se a União Democrática Nacional (UDN), que representava setores da elite conservadora, e cuja principal bandeira era exatamente o combate ao populismo, ou seja, à tradição varguista que persistia mesmo após a morte de Getúlio. Os governos de 1950 a 1961 tentaram manter-se dentro desse jogo de forças entre setores dominantes que ora conseguiam convergência, ora produziam sérias tensões, uma vez que os interesses dos fazendeiros eram frequentemente conflitantes com os dos industriais,
5
Nesse
período
não
foram
poucos
ameaças de golpe foram aventadas.
de
os momentos
crise
em
que
A esse cenário de instabilidade interna deve-se somar o quadro mundial dominado pelo tenso clima da Guerra Fria, do qual o Brasil
não escapava. O país era considerado território de influência norteamericana, e a forte presença de empresas desse país em nossa ecocomo
em
quase
todos
os
países subdesenvolvidos da América Latina, Ásia e África, eram cres-
centes os defensores da busca de uma certa autonomia diante do
embate Leste-Oeste. Em outras palavras, eram os partidários da política de não-alinhamento, que pregava uma postura de equidistância, tanto dos países capitalistas mais avançados como da União Soviética. No final do governo de Juscelino Kubitschek, ao cenário de conflitos políticos somou-se um quadro econômico preocupante. O Brasil não conseguia mais manter as elevadas taxas de crescimento, principalmente no setor industrial; as finanças públicas estavam desequilibradas, gerando déficits e, consequentemente, inflação; e os
salários não aumentavam na mesma proporção que o custo de vida. Naturalmente, o resultado disso foi o aumento das tensões sociais, em que as classes trabalhadoras começaram a pressionar o governo a adotar políticas que revertessem o processo de agravamento das desigualdades sociais. Não bastassem esses problemas, o presidente Jânio Quadros, eleito em janeiro de 1961, renunciou oito meses após sua posse. Como
determinava
a Constituição,
o vice-presidente, João
Goulart,
deveria assumir. Ocorre que Goulart — a essa altura alçado à condição de principal herdeiro do varguismo, junto com Leonel Brizola — era visto com muita desconfiança por parte da elite. Essa desconfiança era antiga, desde quando ele, como ministro do Trabalho de Vargas, havia autorizado um aumento de 100% no salário mínimo, medi-
da considerada demagógica e que jogava patrões contra empregados. Visto pela elite como nacionalista e próximo da esquerda, Jango — como João Goulart era popularmente conhecido — foi impedido de assumir a plenitude do poder, submetendo-se às novas regras do parlamentarismo, instituído por meio de uma emenda constitucional,
fruto de manobras políticas dos setores conservadores do poder. Quando, porém, um plebiscito restituiu ao presidente a plenitude do comando do governo, em janeiro de 1963, os acontecimentos
tomaram um novo rumo. É que nesse momento ganhava força a mobilização popular em torno do plano das Reformas de Base — um
6
=
essa tese. Entretanto,
PRE
consolidava
SPAS da
nomia
conjunto de ações governamentais que deveriam promover a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma fiscal e a reforma bancária, entre outras. O objetivo geral dessas ações era garantir a continuidade do desenvolvimento econômico, ampliando o mercado interno, e atender às demandas populares, que eram cada vez maiores. Para completar o cenário que antecedeu a deposição de João Goulart, é importante acrescentar mais dois aspectos. O primeiro
refere-se ao apoio que o PTB, partido de Jango, havia recebido do Partido Comunista Brasileiro (PCB), uma vez que os ideais nacionalis-
tas e a defesa da modernização industrial desvinculada dos interesses econômicos norte-americanos eram pontos comuns em ambos os partidos. O PCB acreditava que, ao apoiar o desenvolvimento político-econômico do país, expandindo as relações capitalistas em todos os setores
da economia,
estava
criando
as condições
para que,
no
futuro, a revolução socialista ocorresse. A adesão dos comunistas ao programa de reformas consolidou ainda mais a aliança, a despeito das divergências entre os militantes das duas agremiações. Para os setores conservadores, sobretudo os latifundiários, banqueiros e industriais, além de empresários ligados às multinacionais, essa aliança e mesmo as Reformas de Base eram muito malvistas, pois eram entendidas
como a implantação do comunismo no país. O segundo aspecto a ser acrescentado é que o sucesso da Revolução Cubana (em 1959), ao tornar realidade o sonho da experiên-
cia socialista na América Latina, passou a representar uma ameaça para a influência norte-americana no continente. Assim, a política
externa dos Estados Unidos estava orientada para impedir a ocorrência de conflitos e revoltas sociais (de inspiração socialista) que implicassem qualquer mudança na ordem interna dos países sob sua influência. Assim, os últimos meses do governo Goulart foram marcados por muitas tensões. Até mesmo alguns setores da esquerda aumentavam suas críticas ao governo, acusando-o de tímido ou de reformista, quando, para eles, a saída seria a radicalização através da revolução popular. Jango se viu, então, pressionado pela esquerda e pela direita, ou seja, pelos pólos antagônicos que formavam o “pacto político” da democracia populista. Sem poder atender completamente às exigências de ambos, o governo foi se tornando indeciso e fraco, enquanto boa parte das elites civis e militares conspirava contra Jango. Diante da crescente mobilização popular em torno das Reformas de Base, as correntes que defendiam
7
a derrubada
do governo
pela força ganhavam cada vez mais adeptos, sobretudo entre a classe
média, cujo grande medo era que O “comunismo” viesse junto com as Reformas. Diga-se de passagem que esse conservadorismo da classe média será um dos pilares de apoio do golpe que logo ocorreria. O agravamento da crise socioeconômica e a crescente organização dos trabalhadores na forma de movimentos sociais e sindicais eram entendidos pelas elites como sinônimos de fraqueza do governo, incapaz de controlar a instabilidade econômica e os conflitos
sociais. Para perturbar ainda mais a conjuntura política do Brasil, o governo Jango, dependente do apoio das elites (sobretudo aquelas ligadas ao PSD), estava impedido de radicalizar sua política de
reformas, para atender às reivindicações dos trabalhadores. Se o fizesse, perderia parte importante daquele apoio, fato que efetivamente ocorreu, aliás, mesmo sem a radicalização do governo. Cercado pelos conspiradores e prisioneiro de seus próprios limites, já que identificado com um sistema democrático-populista, o governo Jango foi derrubado pelo golpe militar de 1964, o que não implica afirmar que toda a sociedade brasileira tenha se rendido ao golpe e ao regime imposto. O Brasil entrava, assim, na era do “regime militar”, que não só afetou a face política do país como acabou por transformar outros aspectos da vida nacional.
O
golpe
de
Estado
As tensões políticas que culminaram na queda do governo Goulart se desenvolveram num quadro de crise socioeconômica e radicalização político-ideológica muito explorado pelos conspiradores. Aliás, pode-se dizer que o golpe militar significou a convergência de diversos núcleos de conspiração contra o governo, alguns deles já
atuantes na crise que resultou no suicídio de Getúlio Vargas em 1954. Destacamos a seguir três grupos básicos: a)
Conspiradores ligados à UDN e demais setores civis antivarguistas: esse núcleo tinha à frente líderes civis como Carlos Lacerda
(no Rio de Janeiro), Magalhães Pinto (em Minas Gerais), Ademar
de Barros (em São Paulo), entre outros. Compartilhava a oposição
aos herdeiros políticos do varguismo, sobretudo Leonel Brizola &
João Goulart, e era a favor do afastamento político-econômico que caracterizava o PTB,
8
do
nacionalismo
b) Oposição militar: esse núcleo também remonta à decada de 50 e foi atuante ao longo da crise de 1954. Compartilhando um anticomunismo radical com um alinhamento com os “interesses ocidentais”, representados pelos Estados Unidos da América, esse setor militar conspirativo se fortaleceu sobretudo quando a hierarquia e os interesses das Forças Armadas se viram ameaçados pela política populista. A crescente politização dos quartéis, entre 1963 e 1964, quando a tropa fez uma série de reivindicações de participação política (por exemplo, o direito ao voto), levou diversos comandantes militares a engrossar esse núcleo. O núcleo ligado ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)
foi criado em 1962, pelo general da reserva Golbery do Couto e
Silva. Além de articular a conspiração dos setores militares — ligados à Escola Superior de Guerra (ESG) — e empresariais — oriundos principalmente das empresas multinacionais instaladas no Brasil, que se viram ameaçadas pela política nacionalista —, o IPES foi o responsável pela elaboração de um projeto político alternativo à democracia populista. Tal projeto, que se tornaria mais claro nos anos seguintes ao golpe, era baseado nos princípios da Doutrina de Segurança Nacional: crescimento econômico dentro do capitalismo internacional, controle da sociedade civil por parte do Estado (para evitar que os conflitos levassem a revoluções sociais), racionalização da administração do Estado (evitando que as pressões das camadas assalariadas interferissem nas políticas públicas). A Doutrina de Segurança Nacional foi
criada pelos estrategistas norte-americanos após a Segunda Guerra Mundial e apresentada aos militares da América Latina, tendo como objetivo básico conter a ação dos “comunistas” na vida
política dos países subdesenvolvidos. Esse núcleo conspirativo, segundo o cientista político Rene Dreifuss, foi o responsável pela sistemática desestabilização do governo Goulart, através da propaganda de massa e outras ações coordenadas.
Os acontecimentos do início de 1964 selaram a convergência
desses e outros grupos de conspiradores. Uma combinação explosiva de crise econômica (o país não crescia desde 1960, e a inflação chegava a 100% ao ano), crise política (o governo perdia parte de seus aliados no Congresso Nacional), crise social (os trabalhadores urbanos e rurais cada vez mais se faziam presentes no cenário
político) e crise militar (a tropa de subalternos exigia maior participa9
ção política) criou o clima para o golpe. As palavras de Luís Carlos Prestes, secretário-geral do PCB, em janeiro de 1964, caíram como uma bomba na cabeça dos conservadores: “Os comunistas não estão no governo, mas estão no poder”. Com a mobilização popular, o governo e seus aliados de esquerda (como o PCB) esperavam reverter a crise política e fortalecer o presidente. No Comício da Central do Brasil, realizado no dia 13 de
março, sindicatos e partidos aliados do governo conseguiram reunir mais de 300 mil pessoas, que puderam ouvir o presidente Goulart
prometer as Reformas de Base e a convocação de uma Assembléia Constituinte (o que era visto pela oposição como
um
“golpe”. Ao
mesmo tempo, o governo dizia possuir um “dispositivo militar” de defesa em caso de um golpe de Estado patrocinado pela direita. A repercussão do Comício da Central nos meios militares foi grande. A presença de faixas com slogans a favor das reformas e a nítida hegemonia da esquerda na manifestação provocaram a rápida reação da direita. Em São Paulo, no dia 19 de março, organizou-se,
com o apoio da Igreja Católica e da oposição política ao governo, a “Marcha com Deus pela Família”, uma grande manifestação contra o
governo de Jango, que reuniu cerca de 400 mil pessoas. Um dia depois era dada a senha para o golpe por parte do próprio chefe do Estado-Maior do Exército, general Humberto de Alencar Castelo Branco, que procurou dar-lhe uma fachada legalista: Compreendo
a intrangiiilidade e as indagações
dos meus
subordinados nos dias subsegiientes ao comício de 13 do corrente mês [..] São evidentes duas ameaças: o advento de uma Constituinte, como caminho para a consecução das reformas de base, e o desencadeamento em maior escala de agitações generalizadas
do ilegal poder da CGT [Comando Geral dos Trabalhadores) [..J
Os meios militares nacionais e permanentes não são propriamente para defender programas de governo, muito menos a sua propaganda, mas para garantir os poderes constitucionais [..] À ambicionada Constituinte é um objetivo revolucionário pela violência com fechamento do atual Congresso e a instituição de uma ditadura (apud IANNI, O. p. 138).
Conforme o “cronograma” dos golpistas, o movimento políticomilitar deveria ser desencadeado no dia 2 de abril, quando uma passeata similar à de São Paulo seria realizada no Rio de Janeiro. Foi 10
difícil, porém, controlar todos os líderes conspiradores, cada qual motivado por interesses próprios a derrubar o presidente. Em 28 de
março,
o governador
de Minas
Gerais, Magalhães
Pinto (um
dos
donos do extinto Banco Nacional), reuniu-se com o general Olímpio
Mourão, comandante da IV Região Militar (sediada em Minas Gerais), e resolveram antecipar o golpe, pois queriam ser os primeiros a colher os frutos da vitória. Na madrugada de 31 de março, o general
José de Campos
Mourão ordenou que suas tropas marchassem para o Rio de Janeiro. No dia seguinte, o general Amaury Kruel fazia o mesmo em São Paulo, depois de uma breve hesitação.
E
e
M
nba = ”
i
a
Tanques ocupam as ruas do Rio de Janeiro, em 1964.
11
Num
documento
“entregue”
em
31 de março
ao presidente
da
República, o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, general Pery Bevilacqua, assumia o movimento:
de hierarquia, veem com crescente apreensão o desenvolvimento
E.
Os chefes militares das três Forças Armadas, em todos os graus
da grave crise de autoridade que, nos dias que correm, forma, com a crise inflacionária, um círculo vicioso, a um tempo causa e efeito dos males que assoberbam
a vida do
nosso povo. A
ignomínia de uma ditadura comuno-sindical paira sobre a Na-
ção Brasileira [..] a segurança do Governo
e das instituições
democráticas só pode repousar nas Forças Armadas. Não é possivel, neste terreno, a coexistência pacífica do Poder Militar com o
“poder sindical” subversivo e fora da lei (apud IANNI, O. p. 141).
E
Esperava-se que o “dispositivo militar” do governo entrasse em funcionamento.
Mas
a
hesitação
de
Goulart,
que,
como
vimos,
traduzia uma contradição da democracia populista, acabou por selar seu destino, Do Rio de Janeiro, Jango foi para Brasília, deixando a capital federal algumas horas depois. Rumou,
então, para o Rio Grande do
Sul, sua principal base política e militar, mas facilitou a armadilha golpista, já articulada com o presidente da Câmara, Ranieri Mazzilli. No dia 2 de abril, Mazzilli seria empossado como presidente da República, estando Goulart ainda em território nacional. Em 1º de abril, o Congresso havia aprovado a declaração de vacância da Presidência da República, com apoio de parte do PSD, antigo aliado do PTB de Jango. “Legalmente” sem presidente, o caminho para o poder ficava ainda mais fácil para os golpistas. Boa parte da imprensa apoiou o golpe. Os casos mais famosos foram os dos jornais O Estado de S.Paulo e Tribuna da Imprensa, esse último de Carlos Lacerda. Ambos não só apoiaram como também tomaram parte na conspiração golpista, ao ajudar a desestabilizar e a desgastar a imagem
do
chegaram
de
a preparar
uma
operação
de apoio
resistência — a “operação Brother Sam” .
militar, em
caso
As poucas iniciativas de resistência armada, por parte de sindica-
listas e políticos, foram rapidamente desarticuladas. A tentativa de greve geral em apoio ao presidente, convocada pela Confederação 12
=
governo, com a publicação de notícias negativas. Além da articulação interna, o golpe também foi apoiado pelos Estados Unidos, que
mm —
id
sd
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To
a
4 « José de Campos
É t5
O presidente João Goulart, derrubado pelo golpe militar de 1964, nos seus
últimos momentos em
solo brasileiro.
Geral dos Trabalhadores (CGT), não surtiu o efeito esperado, esvaziando-se. Em Pernambuco, onde o movimento popular camponês era relativamente intenso, desencadeou-se uma brutal repressão, patrocinada pelos grandes proprietários de terras, ao mesmo tempo que o governador Miguel Arraes era preso pelo Exército. No dia 2 de
abril, boa parte da sociedade, simpática ao golpe militar, saiu às ruas
e ajudou a depredar a sede do jornal Última Hora (simpatizante do governo recém-destituído) e a sede da União Nacional dos Estudantes. No dia 4 do mesmo mês, completamente vencido, o presidente
Goulart embarcou para o exílio no Uruguai. O Brasil inaugurava, assim, a era das “ditaduras militares”, baseadas na Doutrina de Segurança Nacional, que ao longo dos anos seguintes tomariam conta de quase toda a América Latina. O golpe
militar brasileiro fornecia, desse modo, um modelo para a chamada “contra-revolução”, tendo como contrapartida a Revolução Cubana,
que inspirava muitos grupos de esquerda latino-americanos. ÃO mesmo tempo, ele propiciava o realinhamento dos países da região com a política externa norte-americana e se apresentava como via para uma solução modernizante, do ponto de vista capitalista. Segundo essa doutrina, a modernização capitalista (criação de uma base industrial forte, com uma classe média significativa e ampliação do mercado de consumo) servia como contraponto às tensões sociais geradas pelo subdesenvolvimento econômico, base das revoluções socialistas no Terceiro Mundo. 13
SE Na
primeira
desafios quinzena
após
do
novo
o golpe
regime
seguiram-se
importantes
articulações políticas para criar uma base institucional e dar uma aparência de legitimidade ao novo regime, ao mesmo tempo que se iniciava o processo de perseguição aos membros mais “ameaçadores” do antigo governo e a simpatizantes do Partido Comunista. Essa estratégia de institucionalização do poder político e dos mecanismos de decisão administrativa foi, aliás, o que diferenciou o
regime militar brasileiro de outras ditaduras latino-americanas. Com
isso, evitava-se que o ou daquele indivíduo, tico-institucional, Essa nascido na ESG e no
regime político dependesse do prestígio deste garantindo-lhe, assim, maior estabilidade políestratégia era parte de um projeto político IPES, que procurava combinar autoritarismo
político-militar, instituições tipicamente liberais, como partidos políticos e parlamento, e burocratização das decisões políticas mais
importantes. Como resultado, os principais atores do regime militar brasileiro foram os altos oficiais militares, parlamentares civis sem expressão popular e administradores tecnocratas. Por esse motivo, os
líderes carismáticos que apoiaram o golpe, sobretudo Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e Ademar de Barros, tiveram seu espaço de poder cada vez mais reduzido até a cassação de seus direitos políticos, logo após o golpe. Mesmo as lideranças militares mais diretamente ligadas à tropa (como os comandantes de quartéis e de unidades militares) não eram muito bem vistas pelos estrategistas do novo regime. A preferência para ocupar os principais cargos de comando recaiu sobre os generais de alta patente, ligados a instituições militares mais burocráticas. A junta militar que passou
a comandar
o país,
nos
primeiros
dias após o golpe, formada pelo marechal Artur da Costa e Silva, pelo tenente-brigadeiro Francisco de Assis Corrêa de Melo e pelo vice-almirante Augusto Rademaker, e auto-intitulada “Supremo Comando da Revolução”, procurou tomar o controle da situação e centralizar as decisões mais importantes.
Feita uma
“revolução”
em
nome do Congresso Nacional (contra a convocação da Constituinte) e da preservação da ordem constitucional vigente, os militares
sabiam que era preciso encontrar uma fórmula institucional para legalizar o regime autoritário e aglutinar o apoio dos civis, funda-
mental naqueles
primeiros momentos do novo governo. Não era
possível simplesmente
fechar o Congresso
14
(o que
seria feito mais
tarde, como veremos) nem tampouco anular a Constituição. Mas obviamente os golpistas não pretendiam atuar nos limites das leis vigentes. Surgiram, então, os Atos Institucionais, decretos jurídicos de caráter centralizador e autoritário, que se sobrepunham tituição Federal. Ao mesmo
civil,
o novo
à Cons-
tempo, para manter os bolsões de apoio na sociedade
governo
deveria
retomar
a política
de
crescimento
econômico baseado na industrialização e na expansão do consumo de bens duráveis (automóveis, eletrodomésticos, etc.), modelo já implantado desde os anos 50, mas que estava ameaçado pela crise econômica e pela dificuldade do Estado em manter seus investimentos em infra-estrutura produtiva (transporte, energia, infra-estrutura urbana). Dessa combinação de desafios emergiu o novo autoritarismo militar e, junto com ele, uma nova estrutura socioeconômica que mudaria radicalmente a face da sociedade brasileira.
As vrearticulações políticas e a institucionalização do golpe No dia 9 de abril de 1964, o Congresso Nacional, devidamente expurgado dos simpatizantes do governo Goulart, dos nacionalistas e da esquerda em geral, elegia com 361 votos o novo presidente do Brasil; o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, chefe do Estado-Maior do Exército do governo deposto. Na corrida ao poder presidencial, participaram três militares: o general Amaury Kruel, um dos primeiros golpistas, apoiado pelo PTB; o general Eurico Gaspar Dutra, presidente da República entre 1946 e 1951, que contava com o apoio de parte do PSD; e o marechal Castelo
Branco, apoiado pela UDN (de Carlos Lacerda e Magalhães Pinto),
por parte do PSD (inclusive Juscelino Kubitschek) e pela ESG (que, embora não constituísse um partido político, passava a ser uma das instituições mais importantes da política nacional). Como se vê,
foi
Castelo Branco quem conseguiu articular o maior número de forças políticas em torno de si. As promessas de que o novo governo seria apenas uma solução
passageira, para limpar o país da corrupção, da subversão e retomar o crescimento econômico, fizeram de Castelo Branco o nome mais
15
novo
governo.
A
não-extin-
ção dos partidos políticos e a
manutenção
do
Congresso
e
)
TS
da Constituição de 1946 criavam uma fachada legalista, importante perante a opinião pública. Contudo, a promulgação do Ato Institucional nº 1
oca
|
cerda e Juscelino, ampliava ainda mais a legitimidade do
sos
La-
tantes líderes civis, como
TOO
Nelson Di Ragol/Abril Imagens
aceitável pelas elites políticas e econômicas que apoiaram o golpe. O apoio de impor-
(AJ-1), em 9 de abril de 1964,
O
Al-l,
elaborado
por Francisco Campos
(o re-
dator da Constituição fascista do
Estado
Novo
em
PE
|
|
o
a
O marechal Castelo Branco,
1937),
líder dos golpistas.
deveria vigorar até 31 de ja-
neiro de 1966. Estabelecia uma série de medidas de controle da sociedade e dos poderes públicos por parte do Executivo (ou seja, o governo federal), tais
como: o poder de cassar os direitos políticos dos cidadãos, decretar
estado de sítio (suspensão dos direitos individuais e concessão de plenos poderes às forças de repressão policial), controlar o Congres-
so Nacional. Por outro lado, marcava a data das próximas eleições presidenciais: 3 de outubro de 1965, que acabaram não acontecendo.
Em vista disso, aqueles que inicialmente apoiavam Castelo Branco, como Juscelino Kubitschek e Carlos Lacerda, então os principais
candidatos à Presidência, deixaram de acreditar na transitoriedade do novo governo militar. Logo perceberam que a revolução tinha vindo
para ficar. Aliás, Juscelino foi cassado poucos meses após o golpe
militar, causando mal-estar mesmo entre os setores conservadores da sociedade.
16
Be
artificial.
j
dava início à era dos Atos Institucionais, que só terminaria em 1978, demonstrando como o legalismo golpista era
As
primeiras
econômica
medidas
da
e o controle sociedade
política sobre
a
Já em abril de 1964, o ministro do Planejamento e Coordenação
Econômica,
Roberto Campos,
resumia a política econômica
do novo
ção por pro em , rial sala o isã rev de o eir tum cos so ces pro “O o: govern o com vel atí omp inc é , vida de o cust do o ent aum ao l igua ou or superi 199). objetivo de desinflação com desenvolvimento” (apud IANNI, O. p. to cus o ar pag iria m que a zav ali sin ro ist min o as, avr pal ras Em out ica prát iga ant A s. ore had bal tra os : ica nôm eco tica polí a nov da social de aumentos salariais motivados por pressões sindicais deveria ser revista. As prioridades econômicas do governo Castelo Branco eram outras: conter a inflação através do controle dos custos da produção daaci cap a ado Est ao er olv dev ; ra) -ob -de mão da to cus o o tud bre (so de de investimento em infra-estrutura produtiva, reorganizando as finanças públicas e redimensionando o sistema tributário; renegociar a dívida externa para conseguir novos emprêstimos, fundamentais para a recuperação da capacidade produtiva do capitalismo brasileiro, tão dependente de recursos e tecnologias do exterior, Obviamente, tudo isso deveria ser feito sem prejudicar os interesses dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros, entusiastas do novo regime.
Se o novo governo anunciava que os assalariados iriam “pagar a
conta” da política econômica, também se sabia que não seria possível controlar as reivindicações dos trabalhadores simplesmente com repressão policial e intervenção em sindicatos (medidas que, por sinal, não foram economizadas). Era preciso algum tipo de política social que compensasse os efeitos da contenção salarial (a curto prazo, pelo menos). Dentro da nova mentalidade tecnocrática, ou seja, a gestão aparentemente
técnica da economia,
supostamente
alheia aos inte-
resses político-partidários, o novo governo tentou administrar a questão social, visando despolitizar as classes trabalhadoras. Para viabilizar uma
política de moradias populares, foi criado, em
abril de 1964, o Banco Nacional da Habitação (BNH), complementado
mais tarde (1966) pelo Fundo
de Garantia do Tempo
de Serviço
(FGTS), que servia, ao mesmo tempo, como uma fonte de financiamento para a construção de casas populares e um fundo de pecúlio para o trabalhador, resgatável no caso de demissão sem justa causa. Na 17
prática, o FGTS foi um importante instrumento de barateamento de mão-de-obra, facilitando o processo de demissão de trabalhadores.
Em junho de 1964, demonstrando a “boa vontade” do governo norte-americano com o novo governo brasileiro, a dívida externa foi
reescalonada, ou seja, os prazos de pagamento foram alargados. Essa
medida era muito importante para o capitalismo nacional, pois os US$ 3 bilhões da dívida externa brasileira da época eram empréstimos de curto prazo, O que prejudicava o crédito do país no exterior. Como
o projeto político-econômico que havia triunfado em 1964 pressupu-
nha o reforço dos elos do capitalismo brasileiro com o capitalismo
internacional (sobretudo o norte-americano), o Brasil necessitava de dólares, a moeda das transações internacionais, para implementar sua modernização industrial. A par disso, caberia ao Banco Central, criado em novembro de 1964, a centralização da política financeira do país.
É importante ressaltar que essas medidas econômicas eram uma tentativa de trazer para o aparelho de Estado o controle não só da economia, mas também dos conflitos sociais. Por trás da busca de uma nova “racionalidade” administrativa, ocultava-se a idéia de
despolitizar a questão social, burocratizando e retirando do controle da sociedade as iniciativas, os recursos e a implementação das políticas públicas (saúde, educação, etc.). Um exemplo disso foi a legislação salarial que passou a vigorar a partir de 1966: os salários eram reajustados conforme as variações de um índice obtido pela média da inflação dos últimos 24 meses. Complicações aritméticas à parte, tal medida procurava arrefecer o conflito entre patrões e empregados e diluir as conquistas de categorias com maior poder de negociação sindical, mediante um índice “técnico” e “neutro”. AO burocratizar a gestão econômica e priorizar o desenvolvimento escorado no consumo de bens duráveis (automóveis e eletrodomésticos), pouco acessíveis à maioria da população, o regime militar conseguiu, por um
lado, desenvolver o capitalismo
brasileiro, mas,
por outro,
acabou agravando uma tendência histórica: a concentração de renda. Como dissemos, a gestão econômica não estava separada da tentativa de estabelecer uma nova relação com a sociedade, As organizações dos trabalhadores do campo e da cidade sofriam intervenção do Estado, O que significava, no mínimo, a destituição da diretoria sindical eleita, Sob a acusação de “subversivos”, vários líderes sindicais
foram presos, enquanto muitos trabalhadores perderam seus empre-
gos, sobretudo nos meios operários e nas empresas estatais, onde a
repressão foi muito grande. Ao longo de 1964, mais de quatrocentos 18
sindicatos sofreram intervenção do governo militar. Entre os campo-
neses, cuja organização sindical era muito fraca e recente, a repressão
ficou a cargo dos proprietários de terras (os coronéis) e, na maioria dos casos, significou a tortura e a morte de líderes, especialmente nos Estados do Nordeste. A ação violenta das elites sobre os trabalhadores organizados, uma constante na história do Brasil, não precisou esperar o maior fechamento institucional do regime em 1968: começou logo após o golpe, sem muitas formalidades.
O
controle
do
movimento
estudantil
Com a oposição estudantil, geralmente composta por membros oriundos da classe média, de início os militares empregaram outra
tática. Pela Lei Suplicy (que levava o nome de Flávio Suplicy de Lacerda, então reitor da Universidade do Paraná, notório por seu conservadorismo), editada em 9 de novembro de 1964, todas as entidades estudantis ficavam sujeitas ao controle do Estado, assim como os Diretórios Acadêmicos e os Diretórios Centrais de Estudantes. No meio secundarista, os Grêmios Livres foram substituídos pelos Centros Cívicos, sob controle da diretoria dos colégios. Ao mesmo tempo, na tentativa de mudar o sistema universitário brasileiro e ampliar o número de vagas (antiga reivindicação do movimento estudantil), o governo propôs, em junho de 1965, uma reforma
universitária,
fruto do
acordo
com
uma
agência
educativa
norte-americana, a United States Agency for International Develop-
ment (USAID). O Acordo MEC-USAID, como ficou conhecido, encer-
rava uma concepção de educação e universidade que enfatizava a tecnicização do aprendizado, fragmentária e específica, destinada prioritariamente às necessidades de mão-de-obra do mercado, com pouco espaço para formulações intelectuais mais críticas. Além disso, o estímulo à privatização do ensino superior incentivou as fundações privadas a abrir faculdades. Essa “modernização conservadora” do ensino acabou por provocar a reação do movimento estudantil organizado, que até 1968, aproveitando-se da relativa tolerância dos militares,
conseguiu
articular
grandes
manifestações
públicas
de
protesto. A partir de 1966, quando políticos e setores liberais que haviam apoiado o golpe começaram a perceber que não tinham
espaço no novo regime, e como se tornava cada vez mais clara a política de arrocho (contenção) salarial sobre os trabalhadores, os
19
estudantes se tornaram o foco principal da oposição da sociedade civil ao regime militar. ER
f
O
controle
do
et
processo
político-eleitoral
ja 1
E Ê
pone e
Mas o novo governo não estava disposto a ceder. O projeto de permanecer no poder por um longo prazo ficava cada vez mais
nítido. O comando ficaria a cargo dos estrategistas oriundos da ESG
(Golbery do Couto e Silva, Orlando e Ernesto Geisel e o próprio
Castelo), apoiados por tecnocratas civis. A vitória da oposição liberal
nas eleições estaduais em Minas Gerais e na Guanabara, em 1965, tornou clara a necessidade de também reformar e controlar o sistema eleitoral como um todo, neutralizando as máquinas partidárias herdadas da democracia populista. Tendo em vista esse problema e para atender às pressões da “linha dura” militar, o governo promulgou, em 27 de outubro
de
1965,
o Ato
Institucional
nº
2 (AI-2),
visando
sobretudo ao controle do processo político-eleitoral de 1966, no qual deveriam se eleger nove governadores estaduais. Além disso, 1966
seria um ano fundamental para a sucessão presidencial, já que, a princípio, o mandato do presidente estava acabando. A edição do AI-2 não deixava dúvidas acerca das intenções
políticas do novo regime em
perpetuar-se
no poder, Ao mesmo
tempo, porém, procurava dar ao regime uma fachada democrática: ao extinguir todos os partidos políticos então existentes, substituía-os
por dois únicos partidos: a Aliança Renovadora Nacional (Arena) — governista — e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB) —
supostamente congregando a oposição, mas limitado em sua organi-
zação e no campo das manifestações públicas. Além disso, o ato permitia que civis fossem julgados por tribunais militares e estabelecia o princípio de eleições indiretas para presidente da República, realizadas via Colégio Eleitoral, composto basicamente de parlamentares. Somada à prorrogação do mandato de Castelo Branco, que passava a vigorar até março de 1967, essa última medida
colocava o governo militar em confronto direto com as lideranças civis
liberais, que inicialmente apoiaram o golpe e agora se sentiam traídas. E, para aqueles que ainda acreditavam no caráter transitório da
revolução de março de 1964, o texto do AL-2 reservava uma frase lapidar: “Não se disse que a Revolução foi, mas que é e continuará”. 20
A
institucionalização
do
regime
militar
sociedade
O
Estado
Segurança
e a civil
de
Nacional
o último ano do governo Castelo Branco, entre março de 1966 e março de 1967, foi ficando cada vez mais claro o caráter permanente do regime militar. Em março de 1966, o governo editou o Ato Institucional nº 3, complementando o Al-2 e estabelecendo eleições indiretas para governadores dos Estados. O governo temia a perda do controle político das unidades da federação e a volta do poder civil pela via eleitoral, desestabilizando o poder central. Ao lado dos Atos Institucionais, outras medidas legais mais específicas eram preparadas. A Lei de Imprensa, de fevereiro de 1967, e a Lei de Segurança Nacional, de março de 1967, cercearam ainda mais a exígua liberdade de expressão que restava
desde o golpe de 1964.
A Lei de Segurança Nacional transformava em legislação a doutri-
na do mesmo nome, fundamento do Estado construído após o golpe.
Como vimos, essa doutrina, elaborada por militares norte-americanos
e aperfeiçoada tes (sobretudo que pudessem Seus princípios
na ESG, tinha como objetivo fornecer às elites dirigenaos militares) um conjunto de princípios ideológicos se contrapor à ameaça das revoluções comunistas. básicos podem ser resumidos nos seguintes aspectos:
a) as fronteiras políticas entre os países eram mais
ã
a
7
iza is
ud
hn a
wo”
A,
Ra
A
a
Â
21
ideológicas que
territoriais; b) como consequência, o inimigo da nação poderia estar
dentro do território nacional, professando, sub-repticiamente, uma ideologia inimiga e ameaçadora da ordem; c) a estratégia para combater o inimigo interno e externo deveria ser global, isto é, política, militar e econômica; d) o desenvolvimento nacional, portanto, reforçava a segurança interna, ao passo que a segurança interna
era a condição básica do desenvolvimento nacional; e) segurança e desenvolvimento eram vistos como “Objetivos Nacionais Permanentes”, incompatíveis com o liberalismo político que havia norteado a relação dos Estados modernos com a sociedade civil; ) logo, o Estado não deveria ceder às pressões dos grupos sociais em conflito, mas garantir os Objetivos Nacionais Permanentes, vigiar e reprimir tais conflitos, que poderiam ser explorados pelo inimigo interno para desestabilizar a nação; g) o poder político do Estado deveria estar centralizado numa instituição de caráter nacional, hierárquico e disciplinado, vista pelos ideólogos dessa doutrina como “neutra” e “acima dos interesses localizados” — as Forças Armadas.
Na prática, os princípios da Doutrina de Segurança Nacional, acima resumidos, significaram a militarização do Estado nacional e a vigilância constante sobre qualquer cidadão que pudesse se constituir
em
inimigo
interno
“a serviço
do
comunismo
internacional”.
O
Estado, em vez de ser o administrador dos conflitos sociais, dentro
dos princípios da democracia, passou a ser o repressor dos grupos sociais insatisfeitos com a política vigente. Além disso, as Forças
Armadas nunca foram uma instituição acima dos interesses localiza-
dos: não só sofriam pressão dos grandes grupos econômicos (os principais beneficiários da política econômica do regime) como também foram palco de lutas internas que ameaçaram a unidade e a hierarquia, tão caras aos militares. No fundo, essa doutrina servia de base para uma opção política autoritária das elites dos países capitalistas dependentes (aqueles menos desenvolvidos) dentro do contexto da Guerra Fria, que dividia o mundo em dois sistemas opostos, liderados pelos Estados Unidos, de um lado, e pela União Soviética, de outro. Apesar de ter passado para a história como um período liberal do regime militar, o governo Castelo Branco realizou de fato o aprofun-
damento da institucionalização autoritária e a sistematização legal da
Doutrina de Segurança Nacional. O objetivo era impedir, a médio e longo prazos, a volta do poder civil e, ao mesmo tempo, atender às
pressões dos quartéis.
Lembremos que, entre os diversos grupos de pensamento dentro
das Forças Armadas, havia dois tipos básicos em constante conflito ao longo dos 21 anos de regime militar: os generais ligados ao chamado “sistema”, articulados em torno da ESG, das Escolas Militares, da bu-
rocracia militar, e a oficialidade que comandava mais diretamente os quartéis e tropas, que era conhecida como “linha dura” por desejar a militarização completa do Estado e o controle repressivo permanente sobre a sociedade. Conforme o cientista político João Roberto Martins Filho, tais grupos não podem ser vistos simplesmente como “moderados” e “duros”, uma vez que traduzem uma complicada dinâmica política interna à instituição militar, durante o regime imposto em 1964. A diferença entre eles estava na forma pela qual encaravam o papel do Exército dentro do sistema político. Era principalmente nos momentos de sucessão presidencial que as diferenças acabavam vindo a público, revelando os vários matizes do pensamento político das Forças Armadas, todos eles, porém, de fundo autoritário.
A
oposição civil ao regime militar — liberais e estudantes
O golpe de 1964 e os primeiros meses do governo Castelo Branco haviam criado um clima de euforia entre os políticos liberais, oposito-
res do governo João Goulart. Muitos deles, inclusive, eram favoráveis ao golpe militar, por acreditarem que uma ditadura de curto prazo possibilitaria a volta a um regime civil em que não houvesse espaço para a esquerda e os nacionalistas. Mas não demorou para surgirem
as dissidências. Como vimos, a cassação do primeiro aliado — Juscelino Kubitschek — ocorreu ainda em 1964. Em 1966, setores empresariais e políticos deixaram de apoiar o governo e, logo depois, passaram a criticá-lo de forma explícita. Alguns setores, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), ainda apoiavam o regime,
mas exigiam mudanças na política econômica. Segundo os grandes empresários, não bastava controlar a inflação e conter os salários; era necessário retomar o crescimento industrial. A política de austeridade do ministro Roberto Campos passou a ser criticada. Entre as elites políticas era ainda maior o descontentamento com
o governo Castelo Branco em especial e com o regime militar em geral. A edição do Ato Institucional nº 4, em dezembro de 1966,
23
convocando extraordinariamente o Congresso Nacional e regulando
suas atividades,
visava
da
garantir a aprovação
nova
Constituição
Federal. A nova Carta sofreria duras críticas por parte dos liberais, e até daqueles que haviam conspirado contra o governo Goulart. O ponto mais polêmico era o aumento do poder do Executivo, em detrimento dos outros poderes constitucionais.
Em novembro de 1966, antigos simpatizantes do golpe militar, Jiderados por Carlos Lacerda e Juscelino Kubitschek, lançaram a Frente Ampla, uma entidade suprapartidária de oposição civil. Apesar
das divergências, aproximaram-se
do ex-presidente João Goulart,
exilado no Uruguai. Lá, firmaram o Pacto de Montevidéu, um acordo para superar as antigas divergências e unificar a oposição civil ao regime que se consolidava. Até abril de 1968, quando de sua dissolução pelo governo, a Frente Ampla não havia conseguido ampliar suas ações para O conjunto da sociedade civil, permanecendo restrita ao apoio de alguns setores da burguesia nacional. Mas as dissidências não ocorriam só da parte dos antigos aliados civis. Em maio de 1966, o general Olímpio Mourão Filho, por meio de um depoimento distribuído à imprensa, rompia publicamente com o governo. Os militares perdiam o apoio daquele que havia iniciado o movimento militar, As expectativas da oposição civil acabaram sendo catalisadas pelo movimento estudantil. A Reforma Universitária proposta pelos militares não agradava nem às lideranças nem a amplos segmentos da massa estudantil. Em setembro de 1966, a questão estudantil explodiu na forma de protestos de rua. Às reivindicações específicas da categoria juntaram-se palavras de ordem mais amplas, que exigiam “liberdades democráticas”. No dia 22 de setembro de 1966, o movimento estudantil convocou o Dia Nacional de Luta contra a Ditadura,
ocasionando vários conflitos com a polícia nas principais cidades do país. Daí até o final de 1968, o movimento grande ator político da oposição, atuando
estudantil se tornaria O como protagonista em
vários protestos de rua, além de fornecer o maior número de voluntários para os movimentos guerrilheiros que então se organizavam para combater o regime. Se em 1964 a maior parte da imprensa liberal, composta pelos grandes jornais diários, apoiou o golpe, a Lei de Imprensa, decretada
no início de 1967, causou grande mal-estar entre os jornalistas e entre
os próprios donos das empresas jornalísticas. A edição final da lei
acabou acatando algumas modificações propostas pela imprensa, mas 24
isso não dissipou por completo o mal-estar causado pela imposição
do decreto governamental. Mesmo longe da radicalização da oposição estudantil, a imprensa passou a dar mais espaço para as críticas ao governo e ao regime. O jornal carioca Correio da Manhã chegou a publicar um manifesto contra essa lei, em 3 de janeiro de 1967. Geralmente, a imprensa liberal tentava interferir no processo político, sugerindo a liberalização do regime, sem usar argumentos que pudessem
provocar a linha dura. Essa forma de oposição liberal, dúbia e conci-
liadora, foi mantida até a saída dos militares em 1985. Essa posição ambígua da grande imprensa é explicável: se a repressão política
desagradava aos liberais, nem sempre a política econômica lhes era
desfavorável. Além disso, enquanto porta-voz do liberalismo, temia que a radicalização das críticas fortalecesse a oposição de esquerda. Outro pólo importante na oposição ao regime militar foi constituído pelos artistas. A sociedade civil brasileira encontrou em muitos deles um canal de expressão contra o regime. Boa parte do público desses artistas era constituída de jovens e estudantes ativistas, o que favorecia a inclusão de temas políticos nos produtos culturais em circulação. O teatro, através do show Opinião (estreado no Rio de
Janeiro em novembro de 1964), reafirmou, simbolicamente, a aliança de classes derrotada com Goulart: um “favelado” (Zé Keti), um
“camponês” ( João do Valle) e uma “classe-média de esquerda” (Nara Leão) alternavam músicas e anedotas contra o regime. Na música popular, surgiram os festivais da canção, patrocinados pelas TVs Excelsior, Record e Globo, que acabaram se tornando centros de verdadeiros
debates musicais, ao premiar canções politizadas e críticas ao regime,
como Disparada (1966) e Caminhando — Pra não dizer que não falei das flores (1968), de Geraldo Vandré; Arrastão (1965) e Ponteio (1967), de Edu Lobo; e Roda Viva (1967), de Chico Buarque. A música popular
e o teatro, aliás, seriam as maiores vítimas da censura cultural imposta
a partir de 1969. No cinema, Glauber Rocha consagrava-se com Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964) e Terra em transe (1967), obras que problematizavam as lutas populares e as contradições da democracia
populista, deposta em 1964. Na literatura, coube destaque Callado, com seu romance Quarup (1967), no qual se narra de um padre que, em viagem pelo interior do Brasil, após processo de conscientização, descobre um novo sentido
a Antônio a trajetória sofrer um político e
existencial para sua vida nos valores e nas lutas do povo. Ao mesmo tempo que redimensionavam, através das suas obras,
os valores políticos e ideológicos herdados do período pré-golpe, os
25
da sociedade civil. Paralelamente, a circulação de obras mais críticas
EE Pe ame
artistas engajados serviam como porta-vozes de importantes parcelas
e comprometidas expressava um conjunto de insatisfações em relação à ordem vigente, forjando uma contundente cultura de oposição que sobreviveria, até mesmo, ao furor da censura.
Costa
expectativas realidade
de
e Silva
—
das
liberalização
da
à
a
governo
repressão
Empossado em 15 de março de 1967, o marechal Artur da Costa e Silva vinha de uma “corrente” diferente da de seu antecessor, o marechal Castelo Branco. Considerado mais nacionalistae menos alinhado à política externa norte-americana, o novo presidente chegou a provocar uma expectativa positiva por parte de alguns opositores. Entre os políticos civis acreditava-se que esse “nacionalismo militar” traria consigo maior liberdade política, por se tratar de uma corrente contra a doutrina disseminada pela ESG, de linha castelista. Segundo o cientista político João Roberto Martins Filho, o presidente Costa e Silva estava cercado de, pelo menos, quatro grupos militares: a) os casRE AMME ai
A
GAR =
A,
E
telistas, reunidos em torno da ESG:
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presidente. Pesquisas mais recen-
tes tentam demonstrar O importan-
te papel desse último grupo no fechamento político pós-1968. 26
Mm
e
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b) a linha dura, aglutinada por alguns generais comandantes de tropa; c) uma tendência mais nacionalista, liderada pelo general Albuquerque Lima; d) o chamado “grupo palaciano”, composto pelos ministros Mário Andreazza, Emílio Garrastazu Médici e Jarbas Passarinho, diretamente ligado ao exercicio do Poder Executivo, ainda que não se aglutinasse em torno do
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Capa da Fatos e Fotos noticiando a posse do marechal Costa e Silva.
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PAPEL EPE
Com a posse de Costa e Silva, a política econômica também sofreu uma reorientação significativa, visando reconquistar o apoio
da classe média e do empresariado. Agora sob o comando de Antonio
Delfim Netto, a economia brasileira voltava a se direcionar para o
desenvolvimento econômico, abandonando a política de estabilização e contenção dos gastos públicos, e portanto recessiva, realizada pelo governo de Castelo Branco. Assim, o Brasil entrava na era do “milagre econômico”, cuja fórmula era: expansão do crédito para o consumo, facilitado pelos juros baixos no mercado financeiro internacional, e controle dos preços básicos e, sobretudo, dos salários
(a maioria dos operários sofreu enormes perdas salariais a partir de 1967).
A radicalização do protesto luta armada contra o regime
estudantil
e a
Ao longo de 1967 e 1968, os estudantes radicalizaram suas palavras de ordem e suas formas de protesto. Temas estudantis específicos cada vez mais cediam espaço para o protesto contra a ditadura. Paralelamente à radicalização do protesto estudantil, os grupos de esquerda, mesmo atuando na ilegalidade, se reorganizavam e preparavam a luta armada. Os dois movimentos frequentemente iriam se entrecruzar: os estudantes forneciam quadros para a guerrilha, e a guerrilha estimulava as ações de massa. Em 1968, o movimento sindical, que parecia completamente reprimido pelo regime, voltou à cena em duas greves operárias, em Contagem (MG) e Osasco (SP). Para o governo, esse quadro político configurava uma guerra revolucionária. Exageros à parte, eram visíveis o desgaste do
regime militar junto a amplos setores da sociedade e a das formas de protesto político. No caso do movimento mundo todo assistia naquele ano a um crescimento da política dos estudantes, na forma de protestos de massa
te radicalizados,
contra
a ordem
dominante.
Ficaram
radicalização estudantil, o participação extremamenfamosos
os
protestos estudantis na França, no México, nos Estados Unidos e na
Alemanha,
entre outros países.
avaliações
e autocríticas de seus
No campo das organizações de esquerda, o ano de*1967 marcou uma série de rupturas. Após o fracasso político de 1964, o principal partido de esquerda no Brasil, o PCB, fragmentou-se em meio às membros.
27
O
Partido,
capitaneado
pelo legendário Luís Carlos Prestes, insistia na formação de uma frente democrática (que incluía setores da burguesia liberal) contra a ditadura, atuando por vías pacíficas pela derrubada do regime militar. Por não concordarem
com essa linha, muitos dirigentes resolveram
sair do PCB e fundar seus próprios grupos. Carlos Marighela, após
participar da assembléia da Organização Latino-Americana de Solidariedade
(OLAS)
em
Havana
(Cuba),
fundou
a Ação
Libertadora
Nacional (ALN). A proposta básica da ALN era iniciar um processo de guerrilha urbana a fim de conseguir recursos para a formação de uma guerrilha rural, base de um futuro “Exército de Libertação Nacional”, que deveria derrubar o regime. Outro grupo importante, fruto de uma dissidência do PCB ocorrida antes do golpe, em 1962, era o Partido Comunista do Brasil (PCdoB). A partir de 1967, inspirado em outro tipo de tática revolucionária, o PCdoB decidiu montar uma base guerrilheira na região do Araguaia, enviando para lá mais de sessenta guerrilheiros. A idéia do PCdoB era a de explorar os conflitos pela posse da terra, comuns na região, e organizar um exército camponês que deveria desencadear
uma “guerra popular prolongada”, criando “zonas liberadas”, até a derrubada do governo central e do regime vigente. A base guerrilheira foi localizada por volta de 1972, quando o governo passou a desencadear uma verdadeira operação de guerra no Araguaia, dizimando os últimos guerrilheiros por volta de 1975. Outros grupos foram surgindo entre 1967 e 1968, e também foram importantes na tentativa da derrubada do regime pela via armada: o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), cujo membro mais conhecido foi o
capitão Carlos Lamarca, que em abril de 1969 desertou do quartel
de Quitaúna, em Osasco (SP), levando consigo um caminhão carregado de armamentos. Apesar de muito divididos pelas diferentes análises teóricas sobre o caráter da revolução brasileira e pelas táticas e estratégias de luta que julgavam ser as mais corretas, OS diversos grupos de esquerda conseguiram provocar algum impacto na opinião pública pelos assaltos a bancos (para angariar fundos
para a guerrilha) e pelos sequestros de diplomatas estrangeiros. Nesse particular, a ação mais ousada foi o sequestro do embaixador
norte-americano pelo MR-8, em 1969. Normalmente tais sequestros
também eram uma forma de libertar companheiros presos, reestru-
turando,
assim, a organização.
28
E a
Iconographia
E
E
PR
R E G E T O R P A E D AJU E D A E A D I V A U S SEUS FAMILIARES
Cartaz distribuído pelo governo com fotos de "terroristas" procurados. O primeiro rosto, no canto superior esquerdo, é de Carlos Lamarca, um dos guerrilheiros mais conhecidos.
29
A luta armada, patrocinada pelos diversos grupos de esquerda, foi uma forma de resistência contra O regime que não se expandiu
pela sociedade com a rapidez que imaginavam seus ideólogos. A violenta reação do governo foi um dos fatores da derrota, mas não o
único. Até hoje a esquerda brasileira tenta avaliar sua “dupla derrota”, em 1964 e 1968. Alguns dizem que a primeira derrota deveu-se ao legalismo e ao pacifismo, enquanto a segunda foi devida à clandestinidade e ao sectarismo dos diversos grupos, que não conseguiram realizar um trabalho de conscientização das massas e dispersavam suas forças, fragmentando-se, enquanto o governo os enfrentava de
forma unificada e centralizada. Outras análises procuram enfatizar O
momento inoportuno escolhido pelas organizações de esquerda para desencadear
a luta
armada,
pois
o governo,
ao
controlar
a crise
econômica capitalista, passou a desfrutar de prestígio junto a grande parte da população, enquanto as organizações populares estavam reprimidas, o que dificultava o trabalho de massas. O historiador Daniel Aarão Reis Filho chega mesmo a sugerir que a discorda da idéia de que a esquerda brasileira era fraca e desorganizada —, foi a sociedade que não abraçou a causa revolucionária. Os grupos estavam organizados e preparados para a ação, mas não conseguiram superar seu isolamento político. De qualquer forma, a dupla derrota da esquerda mudou a face da resistência civil ao regime mili-
tar, que seria redimensionada ao longo dos anos 70, a partir de outros princípios políticos.
1968 1968
-— ano tatídico
O período que vai de março
foi marcado
por
inúmeros
a outubro de
eventos
que
ficariam na memória da sociedade brasileira. O primeiro ato desse verdadeiro drama teve como palco um restaurante frequentado por estudantes, situado no centro do Rio de Janeiro, chamado Calabouço. Em fins de 1967, o restaurante foi citado no relatório militar sobre a questão 30
Hamilton Correa/Agência JB
“revolução faltou ao encontro” (aliás, título do seu livro sobre esse tema). Segundo o autor — que
Em
19668, o movimento estudantil viveu um momento de
efervescência. Na foto, Vladimir Palmeira, um dos líderes do movimento, discursa numa assembléia.
estudantil, redigido pelo coronel Meira Matos, como ponto de encontro e organização de subversivos. Em março de 1968, prestes a ser fechado,
o Calabouço
foi ocupado pelos estudantes, que protestavam contra a decisão. No conflito que se seguiu entre estudantes e policiais, o secundarista Édison Luís Lima Souto
foi
ainda
mais
baleado
e
morreu,
tornando-se o primeiro grande mártir da luta estudantil. A morte de Edison Luís serviu para ampliar o
movimento,
cau-
sando grande comoção na sociedade em geral. A sequência de conflitos entre soldados e estudantes atingiu seu ponto máximo em 21 de junho de 1968, na chamada “sextafeira sangrenta”: a cidade do Rio
de Janeiro foi palco de um violento conflito de rua, no qual morreram quatro manifestantes,
e mais de vinte foram feridos a bala. Se a morte de Edison Luís havia chocado a opinião pública,
a sexta-feira
sangrenta
causou
um impacto ainda maior, A resposta à repressão foi eloquente:
no dia 26 de junho de 1968, com
a presença de políticos, artistas, intelectuais, trabalhadores e, obviamente, uma grande massa estudantil, a sociedade civil marca-
31
ções que
foi formada
uma
co-
missão (escolhida durante a ma-
nifestação) para ter uma audiência com o próprio marechal Costa e Silva, visando negociar a libertação dos estudantes presos nos dias anteriores e a reabertura do restaurante Calabouço. Mas O
que estava por trás dessas reivindicações
específicas
era
a
luta
ampla contra o regime militar. E O governo sabia disso. Os dias de outubro
foram
de
1968
fatais para o movimento
estudantil.
Nos
dias
2 e 3.
um
conflito público de grandes pro-
porções colocou em confronto direto os estudantes da Faculdade de Filosofia, Ciências €& Letras da Universidade de São Paulo.
identificados com a esquerda, e
os alunos da Faculdade Mackenzie, sede do Comando de Caca aos Comunistas (CCC). Os dois
prédios, vizinhos, localizados na rua Maria Antônia,
no centro da
capital paulista, se transformaram em verdadeiros quartéis. O conflito terminou
com
a ocupa-
ção policial e a destruição do prédio da USP, deixando como saldo a morte de um estudante secundarista e dezenas de feri A Passeata dos Cem
Mil
no
Rio de Janeiro (26/0/1968).
Iconographia
va sua presença contra O regime militar, no evento conhecido como “Passeata dos Cem Mil”. Esse evento atingiu tais propor-
dos. No dia 12, a polícia invadiu um sítio em Ibiúna (SP), onde se
realizava, clandestinamente, o XXX Congresso da UNE, prendendo cerca de setecentos estudantes. Depois desse golpe, o movimento estudantil de massa perdeu a força organizativa, e muitos estudantes
acabaram optando pela luta armada clandestina.
política —
Crise sucessória e repressão montagem
policial
do Estado
a
Enquanto a crise entre governo e sociedade civil se desenrolava de maneira dramática, correntes militares iniciavam um processo de
luta pelo poder. Era uma das diversas crises sucessórias para a Presidência da República que agitaram o meio militar ao longo de todo o período. Mas essa crise intramilitar acabou tendo uma consequência mais grave: o fechamento do regime. Ao lado da ameaça da guerrilha e dos movimentos de protesto, a luta pelo poder no próprio meio militar ajuda a explicar o fechamento, ou seja, a radicalização da repressão sobre a sociedade civil.
de
Tendo como estopim a recusa do Congresso Nacional, na sessão
de 1968, em
12 de dezembro
conceder
licença
para
que
o
deputado Márcio Moreira Alves fosse processado por ofender os militares num discurso na Câmara, no qual os responsabilizou pela violência contra os estudantes, o governo editou o mais repressor de todos os Atos Institucionais: o AI-S. A partir de 13 de dezembro de 1968, o Brasil entrava numa era de “terror de Estado”, tornado legal pela nova lei. Além da cassação generalizada de parlamentares e cidadãos, o AI-5S suspendia o habeas-corpus de presos políticos, reforçava a centralização do poder no Executivo federal (diminuindo a força política dos governadores), permitia a decretação de estado de sítio, sem prévia autorização do Congresso. Em 1969, o governo regulamentou a censura prévia sobre os meios de comunicação e sobre os produtos culturais como um todo,
A partir do AI-S, o Gabinete Militar da Presidência passou a coordenar diretamente a repressão, o que significava maior poder dentro do aparelho militar. O Conselho de Segurança Nacional também
teve seu poder político ampliado,
núcleos
de
o centro das decisões até meados poder
foi
fundamental
59
de
tornando-se praticamente
1969. O apoio desses dois
para
a definição
da
disputa
sucessória
para
a Presidência
da
República,
que
se
tornaria
mais
acirrada após a doença e o consequente afastamento de Costa e Silva, em agosto de 1969. Com o afastamento de Costa e Silva. uma junta milita r Ocupou provisoriamente o poder, a fim de impedir a posse do vice-presidente, o civil Pedro Aleixo (opositor do AI-5). Por mei o de uma
emenda
à Constituição, novas regras institucionais foram estabelec idas para a sucessão presidencial: um militar, e não um civil. ocuparia a Presidência. Prevalecia, assim, a vontade do Alto Comando
Militar, e a disputa
sucessória se daria exclusivamente no meio militar. Nesse contexto, Albuguerque Lima — porta-voz da corrente nacionalista e ministro do Interior — entrou em conflito com o general Lira Tavares, ministro do Exército. ligado ao castelismo e à
ESG. Em meio a tal disputa, o nome que acabou sendo escolh ido, por
votação direta entre os generais do Alto Comando,
foi o de Emílio
Garrastazu Médici. Médici — além de ser o general de mai or patente entre os pré-candidatos — pertencia ao grupo palaciano, que havia apostado no fechamento político do Estado para favorecer-se no jogo sucessório e conquistar a simpatia dos quartéis, cujos co mandantes exigiam uma repressão mais eficaz contra os subversivos. Começavam os “anos de chumbo”.
en
O general Emílio Garrastazu Médici,
presidente entre 1969 e 1974.
O
SH
Os —
“anos
repressão
crescimento
A
derrota
de
da
política
e
econômico
luta armada
formas
chumbo”
e as novas
repressão
de
uperada a crise sucessória provocada pelo afastamento do general Costa e Silva, que se encontrava doente, o regime militar, amparado
pelos mecanismos
“legais”
permitidos
pelo Al-5, aprofundou ainda mais o controle e a repressão sobre a sociedade. Aproveitando-se de um momento de retomada do desenvolvimento industrial e de inflação baixa que lhe rendia apoio na classe média —, o governo estabeleceu um verdadeiro “terror de Estado” contra os opositores mais ativos. De acordo com a Doutrina de Segurança Nacional — base ideológica do regime militar —, qualquer cidadão era passível de ser acusado de “subversão”, podendo ser detido, torturado e morto, com base numa simples suspeita. As forças policiais-militares, sob pretexto de combater o que chamavam de “guerra revolucionária”, não precisavam prestar satisfação a nenhuma autoridade constitucional nem se ater a formalidades jurídicas no combate aos ditos “subversivos”. Os que exerciam profissionalmente qualquer atividade de pensamento (professores, jornalistas, artistas, estudantes) eram os mais vigiados, Líderes sindicais e comunitários, de esquerda ou não, também eram
cerceados em suas atividades. Mas a repressão mais violenta recaiu sobre os guerrilheiros de esquerda.
55
A esquerda dita “revolucionária”, cuja gênese vimos no capítulo anterior, havia conseguido realizar, até o fim de 1969, algumas ações ousadas e constrangedoras para o governo. Marighela (ALN) e Lamarca (VPR) eram os guerrilheiros mais conhecidos pelo público e também os mais procurados pelas forças de repressão. Marighela
comandava a guerrilha urbana (primeira fase de sua estratégia) e
4
.
E
E
do PCdyl3 no Araguaia, a luta armada estava praticamente derrotada: a muior parte dos grupos (constituídos por dezenas de grandes e pequenas organizações) estava desmantelada, e seus membros esta-
os
grupos guerrilheiros; os “espanadores” eram os vários Departamentos de Ordem Política e Social (DOPS), ligados às polícias estaduais; O “martelo-pilão” era a “comunidade de informações”, conjunto dos órgãos de repressão política. Construía-se, assim, o que mais tarde seria chamado de “o círculo do medo”, cujo objetivo estratégico era a
despolitização da sociedade (pois o outro pólo da vida nacional, o Estado, já estava sob controle desde o golpe), desmobilizando qualquer manifestação contrária às políticas vigentes. As siglas que designavam os diversos órgãos de info rmação
(espionagem interna) e repressão eram muitas: Serviço Naci onal de Informações (SND), criado em 1964, objetivando ser uma asses soria de espionagem do governo; Centro de Informações da Marinha (CENIMAR), mais antigo, modelo para outros centros, como o Centro de Informações do Exército (CIEX) e o Centro de Informações da
Aeronáutica (CISA), criados respectivamente
em
1967 e 1968. Tais
órgãos pareciam, entretanto, ineficazes no combate à guerrilha, pois atuavam de forma pulverizada e no âmbito da instituição militar à 36
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a “mosca”
-
do coronel,
Cs n
Z. p. 187). Nas metáforas
E
o diabo é que espanadores do DOPS não vão mais adiantar. Talvez não seja uma boa solução, mas a mosca será esmagada” (apu d
,Pas
“Nós vamos organizar um martelo-pilão para matar uma mosca, mas
CR
Em pouco mais de três anos, o regime militar não só havia vencido a guerra revolucionária como também fechara o cerco sobre toda a sociedade organizada. A declaração do coronel Fiúza de Castro (criador do Centro de Informações do Exército) ilustra bem esse fato:
fio
o
ia
CE] E
vam presos, mortos ou no exílio.
Ventura,
nei
Lamarca montou um foco de operação no vale do Ribeira (SP). O primeiro foi morto numa emboscada, em plena região central da cidade de São Paulo, e o segundo, após escapar de um enorme cerco no vale do Ribeira, fugiu para o interior da Bahia, onde foi capturado e morto em 1971. Nesse mesmo ano, com o cerco dos guerrilheiros
ma
qual pertenciam,
o que lhes retirava parte da liberdade de ação.
Foi assim que, em julho de 1969, em São Paulo (onde a guerrilha era mais atuante), os órgãos de repressão organizaram a Opera-
ção Bandeirante (OBAN), na tentativa de centralizar e coordenar as operações antiguerrilha. Por ser uma organização clandestina, não oficial, suas ações mais violentas não causariam constrangimento para O governo, que, obviamente, coordenava indireta-
mente a iniciativa. A OBAN recrutava membros das polícias estaduais (civil e militar), das Forças Armadas e mesmo entre os civis,
ligados
sobretudo
a grupos
paramilitares,
como
o CCC,
composto por civis, policiais e militares. Além disso, para não depender das verbas públicas, a OBAN recolhia dinheiro de muitos empresários para o combate à subversão. Junto com a OBAN, a prática do sequestro e da tortura (muitas vezes em locais clandestinos) de suspeitos tornou-se sistemática. No Brasil, o recurso à tortura como forma de repressão política não
foi exclusividade do regime militar. Na época colonial, a tortura chegou mesmo a ser legalizada pelo poder público, e, mais recentemente, durante a repressão à revolta comunista de 1935, o
governo
de Getúlio Vargas utilizou-a sistematicamente
contra
os
presos políticos. Conforme as justificativas dos militares, a tortura era necessária para extrair informações rápidas do preso. Além de injustificável de qualquer ponto de vista humano, essa prática revelou-se desnecessária enquanto técnica de obtenção de informações. Na verdade, esse era o seu objetivo secundário. Através de infiltração de agentes, delação espôntanea de muitos ex-guerrilheiros, interrogatórios sem uso de violência física, cruzamentos de informações e outros meios, seria perfeitamente possível vencer qualquer guerra. Ao montar um aparato de vigilância e repressão baseado na tortura, alguns setores
ligados ao regime militar queriam de fato atingir outro objetivo: a destruição física e psicológica do militante de oposição, impedindo
não só sua recomposição como pessoa humana, mas também a própria recomposição da organização à qual ele pertencia. A tortura era a materialização do “círculo do medo”. Nesse sentido, sim, ela foi
eficaz. Quando se fala em tortura, deve-se ter em mente que práticas ela implica. Não se trata de uma violência física (por exemplo, um
soco ou tapa) praticada por um policial sob tensão, contra um preso rebelado. A tortura aos presos políticos foi uma prática
37
dotada de métodos sistemáticos. Equipes especializadas, com assessoria de psicólogos e médicos, infligiam ao preso imobilizado uma série de violências previamente estudadas (aprendidas em cursos com aulas práticas), cujo objetivo era fazer com que ele chegasse ao limite da dor física e da humilhação moral. As sessões
o seguinte; ou o corpo era jogado no mar ou enterrado numa vala
comum, misturado a outras ossadas. Os presos oficialmente dados como mortos eram enterrados em caixões lacrados, com atestados de óbito que falsificavam a causa mortis. Oficialmente, a maioria dos presos mortos “resistiu à voz de prisão, reagiu e foi baleado”, como atestam documentos forjados.
A comunidade poder paralelo
de informações
—
um
A comunidade de informações acabou se revelando um poder
paralelo. Mesmo depois de 1970, quando a clandestina Operação Bandeirante foi oficializada com o nome de Departamento de Operações Internas-Comando de Operações de Defesa Interna (DOI-CODD, incluída no organograma do Exército, tais órgãos dispunham de uma grande autonomia de ação. Ao longo dos anos
70, a “comunidade” seria um dos pesos na balança dos conflitos internos das Forças Armadas, principalmente durante as crises de sucessão presidencial posteriores.
38
Generais,
interessados em
subir
onCA ed 4
ei Sd
com dinheiro público. A triste história dos porões do regime militar está muito bem contada e documentada no livro Brasil: nunca mais, escrito com base num estudo da Comissão de Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. Quando um preso morria sob tortura, geralmente depois de ser detido ilegalmente, sem mandado de prisão, por agentes sem identificação, era providenciado o seu “desaparecimento”. O processo era
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por profissionais pagos
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“bons costumes”,
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coletivo dos torturadores e empalamento (introdução de objetos perfurantes no intestino pela via anal). Tudo isso executado em
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locais inóspitos, e outras.
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Dados macroeconômicos do período militar *
Tabela 1:
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200 + 150 +T
1966
1964
1984
1982
1980
1978
1976
1974
1972
1970
1968
+ —
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Tabela 2: Crescimento real do PIB
PIB %
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melada taco filter bb rol ano teta lhe Jedi 64
65 66
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75
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71
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Duas tabelas com dados macroeconômicos do período do regime militar brasileiro: inflação e produto interno bruto.
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ao poder, tentaram aproximar-se delas e beneficiar-se do seu amplo espectro de ação. Além disso, muitos agentes, aproveitando-se dessa autonomia de ação, passaram a vender seus Serviços a
criminosos comuns, como traficantes de drogas, quando não se tornaram eles próprios bandidos. Assim nasceram os “esquadrões
da morte”, outro nome encomenda.
As O
governo
para a velha
prática
de assassinato
sob
armadilhas
do “milagre econômico”
do
general
Médici
coincidiu
com
o período
do
chamado “milagre brasileiro”, nome dado pelos capitalistas internacionais para qualificar o período de retomada do crescimento eco-
nômico a uma taxa média de 10% ao ano, uma das maiores de toda à
história do capitalismo, A expansão industrial se concentrou no setor
de bens de consumo duráveis, tais como eletrodomésticos e automóveis, e foi sustentada pelo crédito fácil, a juros baixos, criando um clima de euforia entre os setores médios da sociedade, transformados agora em vorazes consumidores.
Apôs o período de austeridade econômica de Castelo Branco, o Brasil entrava num novo ciclo de crescimento (maior ainda que aquele do governo Juscelino Kubitschek), consolidando seu parque industrial. Nem por isso, entretanto, o país deixava de ser dependente das economias capitalistas centrais, uma vez que não dominava as tecnologias de ponta nem possuía uma poupança interna baseada em moeda forte, isto é, no dólar norte-americano (fundamental para a compra de máquinas no exterior). Para superar esses entraves à expansão econômica, o então ministro Delfim Netto usou duas estratégias básicas: o endividamento, ou seja, a captação de recursos
financeiros, internos e externos, e o aprofundamento do arrocho salarial,
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E Ro ih ne ad dr
40
Es PEC
nacional. Por esse mecanismo, o aplicador tinha assegurada a corre-
ar
governo, foi criada, logo em 1964, a chamada “indexação” da moeda
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nos a comprar títulos da dívida pública, financiando os gastos do
Pp
Tanto o endividamento quanto o arrocho, base desse modelo econômico consolidado pelo regime militar, acabariam por gerar contradições sociais e econômicas. Para estimular os credores inter-
ção dos valores dos títulos, compensando as perdas provocadas pela inflação. Através das Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional
(ORTNS),
O índice inflacionário
era repassado
automaticamente
a
todos os preços da economia, iniciando um processo inflacionário auto-alimentado que duraria até recentemente. A partir de 1980, esse
processo saiu do controle: o índice da ORTN, que servia para atualizar os preços em relação à inflação passada, passaria também a
servir de base para novos aumentos, gerados a partir da expectativa de inflação futura.
O único valor da economia mantido fora desse reajuste automático era o da mão-de-obra, ou seja, os salários. Mediante uma legisla-
ção especial, os salários eram reajustados pela média (rebaixada) anual da inflação. A aplicação dessa política salarial era amplamente facilitada por uma legislação trabalhista que cerceava a organização dos trabalhadores e diminuía seu poder de negociação, de luta por reajustes salariais e ganhos de produtividade. Através de mecanismos baseados na indexação de preços inflacionados, do arrocho e do não-pagamento dos índices de produtividade aos trabalhadores do setor industrial, o modelo econômico do
regime militar consolidava um processo histórico do capitalismo brasileiro: a concentração de renda. Enquanto a economia aumentava sua produtividade, a diferença entre os mais ricos e os mais pobres aumentava de forma acelerada. A princípio, a constituição de um modelo capitalista baseado na concentração de renda poderia apontar para um paradoxo: todo sistema capitalista precisa de mercado consumidor. Em outras palavras, quanto maior o mercado, maior o lucro das empresas, pois elas passam a vender mais. Portanto, seria lógico aumentar a renda dos trabalhadores — a maioria da população — para que eles comprassem mais mercadorias. Mas essas regras simples não valem para o
modelo capitalista brasileiro, implantado na década de 50 e consoli-
dado pelas políticas econômicas do regime militar. Esse modelo — baseado no fortalecimento dos grandes oligopó-
lios (setores produtivos comandados por pouquíssimas empresas),
sem concorrência efetiva, voltados para a produção de mercadorias caras e elitistas — criou um dos capitalismos mais dinâmicos do mundo, movimentando grandes somas em dinheiro e produtos, A mão-de-obra, barata e abundante, permitia a produção de mercado-
rias mais baratas que as importadas. Os antigos consumidores (que já compravam
produtos
duráveis
importados),
41
ao
lado
da
nova
classe média (gerada pelos novos empregos criados pelas indús-
trías e serviços
consumidor
que
então
relativamente
se instalavam),
limitado,
mas
formavam
um
mercado
garantido. A maioria
da
população trabalhadora, tradicional consumidora de bens de consumo não duráveis (roupas, alimentos industrializados, produtos domésticos), não só permanecia fora desse mercado mais sofisticado, mas também era obrigada a consumir cada vez menos, por
causa da crescente perda de seu poder aquisitivo. Para compensar esse estrangulamento de mercado interno, o governo passou a incentivar a exportação de bens de consumo não duráveis e de alimentos em geral. Com isso, o regime militar habilmente diminuía a pressão dos industriais desse setor (majoritariamente nacional), ao mesmo tempo que criava um novo pólo gerador de divisas. No início de sua implantação, devido à inflação, ainda em patamares baixos, e ao crédito popular facilitado, os efeitos do arrocho não foram sentidos. O que importava, para o sucesso do modelo, era manter os níveis de consumo do pólo mais dinâmico da economia: o setor de bens duráveis, capitaneado pela indústria automobilística sediada em São Paulo. Esse setor, embora não dependesse do mercado de consumo externo, necessitava do financiamento e das tecnologias estrangeiras. Além disso, ele não precisava expandir obrigatoriamente seu mercado, pois seus lucros eram altíssimos. Nessa época, por mais alto que fosse o preço de um produto nacional, ele jamais chegaria perto do valor de um importado, pois o principal custo da produção — a mãode-obra — era reduzido. Isso era possível porque, de um lado, os salários eram baixos, se comparados com os pagos na Europa e nos Estados Unidos, e, de outro, havia na prática uma reserva de mercado
para as montadoras instaladas no país: a alta tributação sobre os veículos importados e as constantes desvalorizações da nossa moeda tornavam praticamente
proibitiva a importação de automóveis.
Por-
tanto, a fixação dos preços desses produtos não tinha limitações. No setor agropecuário, a estratégia do governo era promover,
mediante subsídios fiscais e empréstimos a juros baixos, a mecaniza-
ção das grandes propriedades, sem alteração da estrutura fundiária
do país. Com isso, os economistas do regime acreditavam ser possível produzir mais alimentos (diminuindo o custo da cesta básica do trabalhador urbano) utilizando menos trabalhadores agrícolas. A
adoção dessa política gerou um excedente de mão-de-obra agrícola
que migrou em massa para as cidades, em busca de emprego 42
na
indústria. Esse enorme contingente, formado de candidatos a um emprego mal-remunerado, fechava o círculo do barateamento da mão-de-obra, favorecendo os grandes empresários nacionais e multi-
nacionais: como todo preço, o excesso de oferta (nesse caso, de mãode-obra) gera o rebaixamento do seu preço unitário (o salário). A migração em massa, consequência da mecanização do campo,
incrementou o aumento da população urbana, fortalecendo uma tendência que se delineava desde os anos 50. Entretanto, nenhuma
política eficaz fora criada para administrar os novos problemas daí
decorrentes. Nas cidades, os bairros distantes do centro e básicos (hospitais, moradias e sanitária (transportes, energia,
recém-chegados se amontoavam em do trabalho, desprovidos de serviços escolas) e de infra-estrutura urbana e saneamento). Com o tempo, contudo,
esses segmentos passaram a se organizar para reivindicar melhor qualidade de vida. Na medida em que essas organizações se transformavam em movimentos sociais, elas acabaram por se constituir num novo foco de tensão entre o regime, a administração pública e a sociedade civil. Resumindo: se, por um lado, o milagre econômico conseguiu resolver alguns problemas do capitalismo brasileiro, por outro, não solucionou os problemas sociais, no sentido de gerar melhores condições de vida e trabalho para a maioria da população. Obviamente, a modernização econômica trouxe consigo muitas riquezas, mas que acabaram concentradas na parcela socioeconômica mais alta.
Além
disso,
o endividamento
externo
e interno
e o arrocho
salarial se mostraram problemas quase insolúveis quando os preços e OS juros internacionais aumentaram a partir da crise do petróleo de 1975. Essa crise — causada pela guerra entre árabes e israelenses, no Oriente Médio — fez elevar os preços internacionais do petróleo Unsumo básico da economia capitalista), abalando a economia mundial, Por sua vez, a economia brasileira — grande importadora dessa mercadoria e financeiramente dependente dos países capitalistas desenvolvidos — não demoraria a mostrar sua fragilidade: inflação em alta e crescimento econômico reduzido já a partir de 1974. Tais
consequências se transformariam, nos anos 80, numa crise econômi-
ca sem precedentes, causando recessão, inflação crônica e desemprego em massa. Quando os ideólogos do regime militar se vangloriavam de ter alçado o Brasil à condição de décima potência capitalista do planeta, omitiam o fato de que, no mesmo período, o país passava a ocupar os 43
últimos lugares entre os indicadores de qualidade de vida da população (acesso à saúde, concentração de renda, mortalidade infantil,
etc.). O que torna a análise histórica ainda mais difícil, nesse caso , é que os dois processos não se excluíam, nem eram paradoxais. Pelo
contrário, o crescimento da economia, dentro desse modelo, alimen-
tou e foi alimentado pelo rebaixamento dos índices sociais. Esse processo socioeconômico, somado à impunidade dos casos de corrupção (na medida em que a repressão tornava difícil q denúncia e a investigação desses casos, sob pena de ser tachado de “ato de subversão”) e de violência policial, acabou por criar um conjunto de relações sociais igualmente autoritárias, reflexo e susten-
táculo do Estado de Segurança Nacional.
O
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Slogan oficial do governo Médici.
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3 BRASIL
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Iconographia
O quadro histórico aqui traçado não indica que o regime militar não tenha conseguido obter o apoio de amplos segmentos da sociedade. Para tanto, a propaganda de massa foi amplamente utilizada pelo regime, em especial para promover a figura do presidente Médici como homem “simples”, ligado aos valores populares, como o futebol. O regime militar, aliás, tentou vincular suas conquistas políticas e econômicas à conquista da Copa do Mundo de Futebol em 1970. Somada às facilidades de consumo trazidas pela estabilidade econômica, sobretudo para a classe média, e à censura (que impedia a veiculação de qualquer notícia que comprometesse o governo), a propaganda oficial conseguiu criar um clima de ufanismo generalizado. O slogan mais repetido era então: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Além disso, para muitos jovens da classe média, o milagre econômi-
co representou, efetivamente, o acesso a uma carreira bem-remunerada nas empresas multinacionais, uma vez que crescera significativamente o número de postos médios nessas empresas. Um pequeno setor de
operários qualificados se beneficiou com a expansão dos postos de
trabalho e com a demanda por esse tipo de mão-de-obra. A maioria dos operários, porém, que sempre havia sido superexplorada nas fábricas, através dos baixos salários e das longas jornadas
de trabalho,
nada
herdou do regime militar. Para os camponeses, a situação também não
foi diferente
de outras
épocas.
A ênfase
repressiva
recaífa sobre
as
instituições (universidades, escolas, imprensa) e entidades organizativas (sindicatos, partidos, associações comunitárias). A única instituição que conseguiu escapar do controle do govemo foi a Igreja Católica, pois enquanto instituição religiosa internacional estava ligada a outro Estado (o Vaticano) e, portanto, relativamente protegida das ações repressivas. Apesar de ter apoiado o golpe, a maioria dos sacerdotes e agentes
pastorais ampliava, desde 1968, o espaço de resistência ao regime militar,
a partir de suas atividades comunitárias. Apesar da indiferença, ou mesmo satisfação, de um amplo segmento da sociedade em relação ao governo Médici, o círculo do medo transformou-se na experiência básica de muitos brasileiros, politicamente conscientes ou não. Mesmo para as classes trabalhadoras, para as quais a repressão policial foi constante na história do Brasil, o AI-5 inaugurava uma nova etapa, mais terrível ainda. Mas para a geração crescida nos anos 70 — conhecida como “geração AI-S” — foi uma experiência de alienação, de medo em participar da vida em sociedade e de impotência diante dos rumos da vida nacional. Mas nem tudo era conformismo e passividade. Na luta contra a censura e a ditadura, concorreram muitos grupos e indivíduos. Nos anos 70, por exemplo, artistas populares — sobretudo aqueles ligados à música, como Chico Buarque de Holanda, Ivan Lins,
Vitor
Martins,
Gonzaguinha,
João
Bosco,
Aldir
Blanc,
Milton
Nascimento, Elis Regina, entre outros —, aproveitando-se do próprio crescimento da indústria cultural no Brasil, tornaram-se porta-vozes dos valores democráticos e emancipadores, que se contrapunham à realidade política vigente. Mesmo sob censura, a música popular foi
fundamental para disseminar na sociedade, sob forma poética e metafórica, o imaginário da liberdade, constituindo-se naquilo que José Miguel Wisnik chamou de “rede de recados” pela democracia. Na segunda metade da década de 70, o público desses artistas aumentou
45
consideravelmente, sobretudo entre os jovens da classe média, que cada vez mais se tornavam atuantes na oposição ao regime.
Mesmo na TV — na qual a Rede Globo se consolidava como um grande império de comunicação aliado dos governos militares e onde a censura era muito presente — muitos artistas conseguiram fazer
passar algum típo de crítica. Exemplo disso foi a exibição, com grande sucesso, do seriado A grande família, escrito por volta de 1973 pelo dramaturgo comunista Oduvaldo Vianna Filho. Nele era retratada, em tom jocoso, uma típica família da classe média que não conseguia desfrutar do “milagre econômico”, vivendo em permanen-
te dificuldade financeira.
ÂÀ imprensa escrita, por sua vez, sofreu uma censura mais sistemática, nem sempre efetivada pelos agentes do governo. Na maioria das
vezes, a censura era feita pelos próprios editores, homens de confiança dos donos das empresas jornalísticas, que recebiam instruções do governo acerca dos temas que poderiam ou não ser publicados. Notícias sobre corrupção de altos funcionários, guerrilha, torturas a presos, críticas à política econômica, greves, entrevistas com líderes
políticos cassados, eram os itens da pauta jornalística mais vigiados e proibidos. No caso do jornal O Estado de S.Paulo, estabeleceu-se uma censura prévia muito rígida, como mostra a tese de Maria Aparecida Aquino, Censura, imprensa, Estado autoritário (1968-1978), na qual a autora afirma que a ação da censura chegava a ameaçar a distribuição do jornal, pois todo material a ser editado deveria passar antes pelo censor, o que atrasava o fechamento das edições e a chegada do jornal às bancas. Esse foi um ponto de conflito permanente entre o tradicional periódico paulista e o governo. Muitas vezes, para preencher o espaço vazio das notícias censuradas, o jornal precisava colocar receitas de bolo e poemas de Camões. Ironicamente, O Estado de S.Paulo havia sido um dos mais entusiasmados defensores do golpe militar de 1964. Apesar de perseguida e censurada, a imprensa
escrita
—
sobretudo
seus
periódicos
mais
importantes,
como o já citado Estadão, a revista Veja, a Folha de S.Paulo, o Jornal
do Brasil, enue outros — se destacaria no processo de abertura
política como governo.
importante
interlocutor entre a sociedade
civil e O
Havia, porém, outro tipo de imprensa que começava a se desen-
volver em meados da década de 70, q “Imprensa alternativa”, assim
denominada por publicar jornais econômica e politicamente inde-
pendentes das grandes empresas jornalísticas. O mais fa moso jornal 46
“nlternativo”, ou “nanico” (também chamado assim porque seu formato era reduzido), foi O Pasquim, criado por alguns humoristas cariocas em 1969. Conforme Bernardo Kucinski, em Jornalistas e
revolucionários,
a grande
inspiração
para a imprensa
alternativa
brasileira foi a revista Realidade, editada pela Editora Abril entre 1966
e 1968, que veiculava tanto matérias sobre comportamento quanto sobre política (nacional e internacional). Segundo o autor, havia duas
correntes principais do jornalismo alternativo: os jornais que enfatiza-
vam os temas existenciais e comportamentais (cujo maior exemplo
foi O Pasquim,
já citado) e os que veiculavam
preferencialmente
temas políticos (como Movimento, Opinião, Em Tempo, entre outros). Essas tendências, porém, não se opunham, antes se complementa-
vam como espaços críticos ao regime. Se, por um lado, a grande imprensa representava o espaço dos opositores liberais, frequentemente ligados a parcelas significativas das elites, por outro, a imprensa alternativa foi o grande espaço de
rearticulação da esquerda brasileira, sobretudo após 1974. Embora
parte de suas organizações tenha sido destroçada na derrota militar
imposta pelo governo, os sobreviventes se juntaram às organizações mais resistentes à repressão e fizeram dos jornais nanicos seu fórum de debates privilegiado. Na segunda metade da década de 70, os jornais alternativos tiveram uma boa aceitação popular, e alguns números chegaram a vender mais de 100 mil exemplares.
Apesar do controle da expressão do pensamento e da opinião, as universidades e centros de pesquisa, como o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), foram importantes focos de oposição ao regime. Na década de 70 havia nessas instituições uma grande efervescência intelectual, estimulada sobretudo pela falência das explicações tradicionais para a dinâmica política das sociedades em países subdesenvolvidos como o Brasil. Novos temas entravam para o debate: a dinâmica do capitalismo dependente, as novas formas de
relação entre Estado e sociedade, os movimentos sociais urbanos, a questão democrática, entre outros.
Os novos movimentos sociais e a rearticulação da organização popular Outro espaço de rearticulação política da esquerda, em plena repressão policial imposta pelo governo Médici, foram os novos
47
movimentos sociais. Surgidos a partir das dificuldades sentidas pelos trabalhadores no dia-a-dia das grandes cidades, tais como custo de vida alto, dificuldade de encontrar moradia, deficiência de
serviços básicos (transporte, saúde e educação), entre outras, esses movimentos nasceram no começo dos anos 70. Inicialmente se expressando de forma tímida e fragmentada, eles acabariam se tornando, cinco anos depois, uma referência política contra a situação vigente no Brasil ao promover grandes manifestações públicas. A politização em torno dos problemas urbanos básicos se deu graças a dois fatores: de um lado, à percepção crescente dos moradores organizados de que o poder público municipal ou era incapaz de reverter uma política econômica maior, ou protegia os interesses de alguns setores empresariais (como donos de empresas de ônibus, empresários da construção civil, as grandes imobiliárias, entre outros) que viviam da exploração dos serviços e dos espaços na cidade. De
outro, o trabalho de organização realizado pela Igreja Católica, principalmente através das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), contribuiu para a politização dos setores populares. A repolitização da sociedade, a partir da ação dos movimentos sociais, decorreu dos movimentos de lutas locais e cotidianas, ruptura imediata e total com o sistema.
Conforme
e não
da busca
de
uma
Vera da Silva Telles, no artigo “Anos 70: experiên-
cias, práticas e espaços
político consolidado em
coletivos”,
o autoritarismo e o fechamento
1968 forçaram a “introjeção” dos cidadãos
no mundo cotidiano (já que os espaços públicos tradicionais da política — parlamento, sindicatos, partidos, imprensa — estavam fechados). Ainda segundo a autora, muitos militantes de esquerda optaram por uma espécie de “exílio” voluntário nos bairros distantes das metrópoles, visando continuar seu trabalho político, intima-
mente ligado ao cotidiano urbano. Assim, essas lutas voltadas para a solução de problemas urbanos básicos acabaram favorecendo a politização das questões cotidianas, e marcaram profundamente a década de 70. A política de resistência e a abertura de novas frentes
de atuação espaços
coletiva
transformariam
públicos de reorganização
os espaços
do dia-a-dia
política e oposição
em
ao regime.
Assim, bares (locais de divertimento) e igrejas (locais de culto religioso) foram utilizados para reuniões e encontros, onde problemas comuns de trabalho e moradia eram discutidos coletivamente.
Num momento de grande repressão, essas pequenas ações assumiram um
papel importante na luta pela democracia. 48
Os movimentos de base, como também eram chamados, agluti-
naram vários tipos de militantes: esquerdistas oriundos dos grupos
desarticulados pela repressão, moradores que se destacavam como líderes comunitários, sindicalistas que estavam impedidos de exercer à atividade sindical, padres e agentes pastorais filiados à Teologia da Libertação (conjunto de idéias nascidas nos anos 60 que procuravam dar um sentido mais social e político à mensagem do Evangelho cristão). As CEBs, surgidas em 1969, embora estivessem ligadas formalmente à Igreja Católica, abrigavam todo tipo de militantes e incentivavam a discussão de temas de interesse coletivo. As reuniões eram iniciadas com a leitura de um texto religioso, seguida de uma
discussão sobre os problemas concretos da comunidade. Depois desse processo, em que todos podiam declarar sua opinião, buscavase uma forma de ação coletiva, viável e segura (por exemplo, um abaixo-assinado, uma audiência com os poderes públicos ou um ato público em frente à prefeitura). O governo não via com bons olhos esse tipo de movimentação, mas a aparente banalidade das reivindicações (escolas, creches, linhas de ônibus, postos de saúde) e a proteção da Igreja Católica dificultavam uma repressão mais contundente. O Movimento do Custo de Vida (MCV) foi um exemplo de como uma pequena ação localizada acabou por se articular com outras e formar um poderoso movimento social. Em fins de 1971, numa distante paróquia da periferia de Santo Amaro, na zona sul de São Paulo, duas freiras propuseram
a criação de um
“clube de
mães”. Inicialmente, apenas cinco mulheres resolveram investir na idéia. Já na primeira reunião, em janeiro de 1972, cerca de 46 donas de casa compareceram, dividindo suas atividades entre o aprendizado
de
tarefas
domésticas,
discussão sobre problemas cada
reunião,
realizada
leituras
cotidianos (como
semanalmente,
de
textos
cristãos
e
o custo de vida). A
comparecia
um
número
maior de pessoas. Outros clubes de mães foram surgindo e discutindo prioritariamente o tema “custo de vida”, já que eram as mulheres que experimentavam, como donas de casa, o problema de administrar o pequeno orçamento familiar, Em 1973, no auge do milagre econômico, um desses clubes
produziu um documento intitulado “A situação da classe trabalhadora”, distribuído de casa em casa, em vários bairros de trabalhadores, e acompanhado de uma pesquisa sobre os preços dos gêneros básicos.
Em 1975, o documento inspirou a criação de um movimento organi-
a
.
fim a
E
49
zado que reuniu mais de setenta clubes e outros movimentos sociais
Em 20 de junho de 1976, o Movimento do Custo de Vida reuniu mais
de 4 mil pessoas, numa assembléia realizada no pátio de um colégio católico, e apresentou um abaixo-assinado contra a carestia. Esse documento
continha mais de 18 mil assinaturas e exigia o congela-
mento dos preços. Ao longo de dois anos, o movimento cresceu e passou a elaborar um discurso mais estruturado e politizado. Conse-
guiu realizar em 1978 uma assembléia gigante na Praça da Sé, na qual
cerca de 20 mil pessoas entregavam às autoridades, simbolicamente, o abaixo-assinado assinaturas.
de 1976, contendo
então mais de
1,2 milhão
de
A trajetória do MCV traduz o espírito da nova resistência civil construída nos anos 70. Representava a sociedade auto-organizada, atuando politicamente fora dos partidos, sem lideranças das elites tradicionais, sem os grandes projetos utópicos da esquerda “ortodoxa”.
Nesse
sentido,
era
o nascimento
de
uma
nova
forma
de
participação política, diferente da tradição da democracia populista da década de 50 e parte da de 60, que favorecia a barganha entre a comunidade de eleitores e as elites políticas tradicionais. Surgiu uma
outra
noção:
a de
direitos coletivos, base
da
cidadania.
Nos
anos 70, a novidade dos movimentos sociais consistia na percepção de que não se deveria trocar os direitos por votos, mas exigir que esses fossem respeitados. Preocupados com a manutenção da estabilidade do regime e
nte
com as pressões sociais que então se renovavam, os altos escalões do regime, em meados da década de 70, elaboraram outra estratégia política. Passada a ameaça da esquerda armada, os mesmos
Tibia,
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E
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estrategistas que estavam por trás do golpe de 1964 passaram a conjeturar sobre uma forma de institucionalizar, a médio prazo, Os
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princípios da “revolução” de 64, mediante a implantação de um regime civil conservador, tutelado pelos militares. Era a política de
RD
abertura, que procurava trazer para o controle do regime o ritmo e o conteúdo das transformações políticas exigidas pela sociedade.
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o nome do general Ernesto Geisel se firmou como o sucessor de Médici. Um castelista voltava ao poder, disposto a implementar
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das Forças Armadas. Os diversos grupos militares agiam no sentido de influenciar na escolha do próximo presidente. Nesse contexto,
dra
A discussão sobre a abertura (que até 1978 era chamada política de “distensão” do regime) vinha a público no mesmo momento em que a sucessão do general Médici estimulava uma nova crise dentro
institucionalização do regime
fase na
nova
uma
militar: a chama-
da transição “lenta, gradual e segura” para o poder civil. Assim,
esperanças.
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O general Ernesto Geisel, presidente entre 1974 e 1979, um dos militares de maior influência durante todo o regime.
51
algu-
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o círculo
do medo
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sucessão
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projeto
abertura
m fins de 1973, o general Ernesto Geisel foi indicado como € : TD candidato da Arena à Presidência da RepúbESSO lica, sendo empossado em 1974. Geisel já havia sido chefe do Gabinete Militar do governo Castelo Branco, membro do Superior
Tribunal Militar e, entre 1969 e 1973, ocupara um importante cargo na Petrobrás. Era um oficial identificado com a linha castelista, assim
como seu principal assessor político, o general Golbery do Couto e Silva, nomeado chefe da Casa Civil. Apesar de adversário político do general Médici (seu antecessor), Geisel teve sua indicação respeitada, pois naquele momento era
necessário evitar uma nova crise interna das Forças Armadas. O fato de seu irmão, Orlando Geisel, ser o ministro do Exército do governo Médici também garantiu que a maioria dos oficiais de linha dura e nacionalistas aceitasse sua indicação. Para o grupo ligado a Médici e para os linhas-duras como um todo, um castelista no poder era mais tolerável que um militar populista-nacionalista (haja vista a candidatura do general Albuquerque Lima, em 1969, que havia provocado uma forte reação dos outros grupos). Mas, segundo Bernardo Kucinski, Médici só dera o aval para a candidatura de Geisel porque recebera a informação do general João Baptista Figueiredo, então chefe do SNI, que Geisel e Golbery haviam rompido relações e que este último não teria nenhuma influência no seu governo. Quando 52
pras RR EE, e
Rompendo
Médici percebeu o “golpe” de Figueiredo (orientado e identificado com os castelistas), era tarde: a candidatura Geisel recebia o aval do
Colégio Eleitoral do Congresso, com 400 votos a favor, contra os 76
da candidatura de protesto (na vigência do regime militar era impos-
sível derrotar o candidato oficial) do líder do MDB, deputado Ulysses
Guimarães, um dos mais destacados opositores liberais da ditadura.
Conforme Thomas Skidmore, autor de Brasil: de Castelo a Tancredo, o novo governo, empossado em 15 de março de 1974, tinha em mente quatro objetivos estratégicos: a) manter o apoio majoritário dos militares, reduzindo ao mesmo tempo o poder da linha dura e restabelecendo o caráter mais puramente profissional dos membros das Forças Armadas; b) controlar os subversivos e a oposição de
centro-esquerda como um todo; c) retornar a um tipo de democracia, ainda que restrita e controlada; d) manter altas as taxas de crescimento, fator fundamental para a legitimação política do governo perante os empresários e a sociedade. Dessas quatro metas nasceria o projeto de “distensão” do regime militar, comandado por Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva. A necessidade da distensão política, ou abertura, não era vista
somente
como
um
problema
moral;
ou seja, Geisel,
Golbery
e os
castelistas não propuseram a abertura só porque a repressão e a censura sobre a sociedade eram indignas e ilegítimas, mas sobre-
tudo
porque
eram
insustentáveis
a longo
prazo.
Com
a oposição
armada derrotada (os últimos focos de guerrilha no Araguaia haviam sido destruídos em 1975), parecia acertado enfrentar os sinais de crise econômica à vista (sob o impacto da crise geral do capitalismo internacional a partir de 1973) com uma nova estrutura de poder, baseada na recomposição do sistema político. Para os comandantes da abertura, essa recomposição deveria seguir alguns procedimentos: abrir frentes de diálogo com a sociedade (sobretudo com as instituições mais importantes, como imprensa, Igreja e universidades); dividir o poder, de forma gradual, com os civis “confiáveis”, fortalacendo aos poucos o Legislativo e o Judiciário: permitir o exercício (controlado) dos direitos políticos básicos, como a liberdade de expressão; controlar e neutralizar a influência
política, dentro do aparelho militar, dos órgãos de repressão, cuja
existência era uma constante ameaça à hierarquia militar (devido à
sua
autonomia
de
ação)
e à estabilidade
dos
próprios
governos
militares (como ficaria provado nos incidentes ocorridos no início do governo Geisel). 53
O sentido geral da política de abertura era instituir uma “democracia forte” (a expressão foi criada pelo governo), que, em palavras
mais diretas, queria significar uma democracia sem participação popular, uma democracia plebiscitária, na qual as alternativas políticas fossem limitadas, reduzindo-se ao “sim” ou “não” ao governo. Na idéia de abertura, a sociedade deveria se expressar mediante formas
institucionais restritas, ou seja, as permitidas e controladas pelo regi-
me. As eleições parlamentares e os partidos legalizados deveriam ser os espaços privilegiados da manifestação política da sociedade civil. Com isso, os militares tentavam evitar a politização de entidades civis mais ligadas às massas, como, por exemplo, sindicatos de trabalhado-
res, Órgãos de representação estudantil, movimentos sociais de base, O sistema político deveria absorver e direcionar as reivindicações desses segmentos sociais e impedi-los de exercer influência direta sobre as
políticas de Estado, interferindo nos “objetivos nacionais”, tão caros à Doutrina de Segurança Nacional. Ao mesmo tempo, caberia ao regime
controlar as regras de funcionamento do sistema, evitando que a oposição conquistasse o poder, pelo menos a médio prazo. Em resumo, a abertura — enquanto tentativa de institucionalização de alguns princípios da Doutrina de Segurança Nacional sem supervalorização do papel da repressão policial direta — deu mais
espaço político à sociedade civil, principalmente à oposição liberal, mais ligada aos interesses da elite socioeconômica. Em outras palavras, a abertura tentou realizar o ideal autoritário da “democracia sem
povo”, como se dizia na época. Mas tais objetivos não eram facilmente atingíveis, se é que chegaram a ser atingidos. O período que vai de 1974 a 1984 caracteriza-se por um conflito permanente entre o Estado
e amplos setores da sociedade civil: o primeiro tenta controlar O segundo, que, por sua vez, tenta ampliar sua influência sobre O primeiro, exigindo o fim do regime militar. Mas, nesse processo, nem o Estado nem a sociedade estavam isentos de conflitos internos de interesse, disputas pela hegemonia política, tensões entre os atores políticos e entre as diversas classes sociais.
A
contra
a censura
repressão
policial
luta
e a
Para conseguir a reestruturação do sistema político e abrir frentes de diálogo (mesmo restrito) com a sociedade, o governo Geisel co54
meçou por se aproximar da imprensa liberal, rompida com os méto-
dos políticos do regime desde 1969. A imprensa já havia tido uma importante participação na fase da sucessão presidencial e por isso
alguns jornais sofreram uma censura prévia mais dura ainda. Foi esse
o caso do jornal O Estado de S.Paulo, que desafiara a ordem do gover-
no Médici de não publicar notícias sobre as disputas sucessórias.
Na visão do governo Geisel, era preciso dar mais espaço à imprensa liberal, pois essa era a melhor forma de o governo dialogar com setores importantes da sociedade que, devido ao fechamento do
sistema político depois do AI-5, estavam afastados do Estado, mas eram formadores de opinião. Ao mesmo tempo, a imprensa liberal, por causa de sua influência junto à sociedade, deveria se constituir
num contraponto às pressões dos adversários do governo situados dentro das Forças Armadas e dentro do próprio regime. Conforme a pesquisadora Celina Duarte, em sua tese A imprensa no processo de distensão (1974-1978), a imprensa liberal, historicamente, tinha uma tendência a estimular a “calma” no ambiente político e apaziguar os conflitos mais agudos, o que a levava a se aproximar dos governos mais conservadores. O governo Geisel, com sua política de abertura, respondeu em parte aos anseios desses liberais, ao criar um ambiente político de “concórdia” e evitar os radicalismos de direita e de esquerda. Ainda segundo a pesquisadora, o governo Geisel via o papel da imprensa como um instrumento nos seguintes aspectos: 4) legitimar, perante os formadores de opinião, o projeto de distensão; b) acompanhar o debate político e as reações da sociedade à política
do governo; c) reverter as expectativas da classe média em relação à situação econômica, preparando a opinião pública para os tempos de crise; d) abrir um canal de retorno, buscando verificar a opinião da
sociedade civil, para ajudar as decisões políticas do governo; e) neutralizar as pressões dos órgãos de repressão e da burocracia
militar contra a distensão, pois esses órgãos, estruturados para agir clandestinamente, tendiam a se tornar mais fortes quanto maior fosse a necessidade de manter o segredo e o controle das informações. Os órgãos de repressão e a direita militar como um todo, ao perceber que a aliança tática do governo com a imprensa liberal representava não só a diminuição do seu poder de pressão, mas uma ameaça à impunidade de seus atos de tortura e corrupção, reagiram com o método que lhes era mais comum: a violência. Uma violência que recaiu principalmente sobre os jornalistas e funcionários dos grandes orgãos de comunicação do país. A per-
25
seguição a comunistas infiltrados na imprensa,
realizada entre 1974
e 1975, ao mesmo tempo que justificava a existência desses órgãos
perante as Forças Armadas (já que a guerrilha não era mais ameaça) colocava o governo Geisel em situação constrangedora, na medida em que o governo buscava parceiros liberais no apoio à distensão política. O recrudescimento da repressão atingiu membros ou simpatizan-
tes do PCB, que até então fora preservado da repressão mais brutal,
por ser contrário à luta armada. Isso coincidiu com um momento político delicado para o governo: a vitória do MDB, contra todos os prognósticos, nas eleições parlamentares de novembro de 1974,
Imediatamente após as eleições, os órgãos de segurança dísseminaram a idéia de que o Partido Comunista estaria se infiltrando no MDB, ampliando o voto oposicionista. Na verdade, o voto na oposição foi uma forma de manifestação da sociedade contra as políticas do regime militar, que, além de abusar da violência policial, dava sinais de esgotamento no campo econômico e não favorecia os trabalhadores mais pobres. Nesse contexto, o MDB se apresentava ao mesmo tempo como oposição e como fiador da política de distensão, que começava a ser cogitada pelo novo governo. Tendo um relativo acesso à propaganda eleitoral na TV, o MDB conseguiu ampliar seu número de votantes, sobretudo nas áreas urbanas mais modernas. Com isso, a oposição cresceu na
Câmara e no Senado (ainda que não conseguisse fazer a maioria das cadeiras) e obteve o controle das Assembléias Legislativas de São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná. Segundo Thomas a ênfase
Skidmore,
do discurso eleitoral do MDB
recaiu sobre três
pontos: justiça social, liberdades civis e denúncias de desnacionaliza-
ção da economia. Para complicar a situação do governo, estudos realizados por assessores políticos demonstravam que, nas eleicões seguintes
(1978), os votos da oposição iriam crescer ainda mais, fazendo O governo
perder completamente
o controle
do Congresso
Nacional
(e do Colégio Eleitoral). Portanto, o avanço da repressão policial ocorreu num momento em que a política oficial de abertura passava por uma reavaliação de conjuntura. O afastamento do general janeiro de 1975, por problemas de saúde,
Golbery, em
abriu ainda
mais os caminhos para a linha dura. As novas vítimas da repressão, na sua maioria jornalistas e sindicalistas, foram as tristes peças desse jogo. 56 Aa tity 1
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sede na cidade de São Paulo, divulgou
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No dia 27 de outubro de 1975, o comando
do II Exército, com
a notícia do suposto suicídio
de um jornalista, muito respeitado no meio profissional, chamado Wladimir Herzog, diretor de jornalismo da TV Cultura. Intimado a comparecer
ao DOI-CODI,
Herzog
havia se apresentado
voluntaria-
mente para prestar depoimento. No dia seguinte, ele apareceu morto numa cela, depois de ter assinado uma “confissão” na qual admitia ser membro
do Partido Comunista, Folha Imagem
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Obviamente ninguém acreditou na notícia de suicídio. Nem o DOI-CODI esperava que acreditassem. A morte de um importante jornalista, completamente desvinculado de qualquer grupo de guerrilha, servia para demonstrar o poder desafiador do aparato repressivo, sob a guarda do comando militar local. Tanto foi assim que pela primeira vez um prisioneiro não desaparecia, nem eram simuladas sua fuga e “morte por atropelamento”. A foto do corpo de Herzog, amplamente divulgada nos jornais, pendurado na janela da cela, numa posição em que dificilmente alguém conseguiria se enforcar, era uma montagem artificial e maca-
Corpo de Wladimir Herzog, enforcado” numa cela do DOICODI em São Paulo (31/10/1975),
bra, carregada de cinismo. Diante disso, Geisel não tomou nenhuma
medida mais contundente, além das advertências ao comandante do II Exército, Ednardo D'Avila Melo.
O impacto do caso Herzog sobre a sociedade civil foi muito grande. Na Universidade de São Paulo foi declarada uma greve estudantil de três dias. O Sindicato dos Jornalistas e a Ordem dos advogados do Brasil (OAB) exigiram a apuração do caso. A Confe-
rência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que realizava sua assembléia anual, redigiu um agressivo documento contra a tortura (“Não oprimas teu irmão”), assinado por 42 bispos do alto clero: “Assistimos, de fato, a flagrantes desrespeitos à pessoa humana |[..lo
mais grave é que estes atos, que levam a um clima de insegurança, são praticados sob o pretexto de defender e manter a paz e a tranquilidade da sociedade, alegando seus patrocinadores estarem alicerçados em princípios cristãos. Entretanto. a mais significativa reação da sociedade se deu na forma de ato ecumênico que se transformaria em ato público de protesto em plena catedral da Sé, no centro de São Paulo. Tendo ampla
ocorrido em
O ato ecumênico,
da imprensa,
cobertura
31 de
outubro de 1975, foi celebrado pelo arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, pelo rabino Henry Sobel (Ulerzog era judeu) e pelo pastor James Wright. Apesar das ameaças veladas do governo, que procurava esvaziar O sentido político do ato, cerca de 8 mil pessoas compareceram à catedral. Num discurso contundente, dom Paulo, declarou: “A liberdade humana nos foi confiada como tarefa essencial [...] Deus também é o Senhor da História |...) não aceita à violência em fase alguma, como solução dos conflitos. Quem matar não será maldito apenas na memória dos homens, mas também no julgamento de Deus”. O ato marcou
regime
militar
a primeira grande
desde
a edição
manifestação
AI-S,
do
em
1968,
pública contra O juntamente
com
missa pela memória do estudante Alexandre Vannucchi Leme, em 1973, morto pelas forças da repressão. Em torno do tema dos direitos
bumanos e da justiça social, a oposição se rearticulava contra O regime militar, passando a reocupar o espaço público. A partir daí, a sociedade
civil iria ampliar
sua
participação
protesto, em torno de valores democráticos.
em
atos públicos
de
Por outro lado, muitos
liberais que se aproximaram de Geisel ficaram decepcionados com sua tolerância diante dos desmandos dos órgãos de repressão, que mostravam impunemente sua força e autonomia.
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Tudo isso não impediu, contudo, que em janeiro de 1976 ocorresse mais uma morte no DOI-CODI, em São Paulo, consolidando a
“déia de que o comando do II Exército articulava as sabotagens ao
projeto de abertura do governo. O sindicalista Manoel Fiel Filho apareceu morto, depois de ser interrogado pelas forças de repressão.
Percebendo a ameaça à sua autoridade política e a franca indisciplina de setores do Exército, Geisel não hesitou: um dia depois da morte do sindicalista, o presidente demitiu
sumariamente
o comandante
do TI
Exército, nomeando um general de sua confiança. A linha dura militar perdia um importante pólo de ação. Se essa mudança de posto não neutralizava completamente a ameaça dos órgãos de repressão à sociedade, ela trazia de volta para a Presidência da República a iniciativa política da abertura. Mas, dentro das estratégias do governo,
tal política só teria sucesso se a economia se mantivesse em crescimento, o que representava outro desafio.
Um
novo
patamar
de
e a questão
inclustrialização operária
Para a economia brasileira, o governo Geisel representou um avanço da industrialização pesada (setor elétrico, petroquímico, nuclear e de equipamentos industriais), ao mesmo tempo que incrementou a estatização da economia. Essa, aliás, não era a única contradição
do regime. Sua forte propensão ao planejamento econômico centralizado não correspondia exatamente ao modelo de capitalismo ao qual
O Estado brasileiro se alinhava. Nesse contexto, o II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND), de 1975, procurava estimular o setor de
bens de capital, visando ampliar a autonomia produtiva do parque industrial brasileiro, mediante um detalhado planejamento, em que se previa uma forte presença do Estado. Em 1974, o governo havia
conseguido manter o crescimento econômico, mas a viabilização das metas para os próximos anos dependia de uma grande soma de investimentos, quase sempre vindos do exterior, pois a poupança
interna do país não era suficiente. O problema era que, após a guerra
árabe-israelense de 1973, em represália ao apoio norte-americano a
Israel, os países árabes — os maiores produtores de petróleo —
triplicaram o preço do barril, afetando a economia
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dá
fo
59
mundial.
Mesmo sentindo os efeitos da crise do petróleo, como a diminuição do crescimento e o aumento da inflação, o país conseguiu evitar o colapso geral da economia. Os tecnocratas da economia (funcionários do alto escalão do governo que se diziam administradores públicos de caráter “técnico”, isto é, sem interesses político-partidários, O que sempre foi muito discutível) criaram várias estratégias para
a obtenção de recursos necessários aos investimentos. Outro proble-
ma a ser enfrentado era a cobertura do déficit do balanço internacio-
nal de pagamentos (diferença entre os recursos que o país recebe e os que envia ao exterior ). O governo abriu mão do depósito obrigatório que os investidores deveriam fazer no Banco Central, diminuiu à taxação sobre a remessa de lucros para o exterior e reduziu o prazo mínimo
de
permanência
dos
recursos
no
país.
Outra
fonte
de
recursos capaz de viabilizar o novo modelo industrializante e promo-
como
ro de
Geografia
o governo
brasileiro,
por ordem
do ministro
Delfim
Netto, havia manipulado os índices inflacionários. O Instituto Brasileie Estatística
(IBGE),
60
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de
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de máquinas industriais pesadas. Em julho de 1977, a Folha de $.Paulo, jornal que começava a se destacar como o mais ativo da oposição civil, publicou uma nota sobre o relatório do Banco Mundial (BIRD) que mostrava, tecnica-
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de mais de USS 4 bilhões, devido ao aumento do valor das importações, provocado pela elevação do preço do petróleo e pela compra
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simples, em dólares, tomado dos bancos internacionais, O problema estava se agravando porque, para cada dólar que entrava no Brasil, o governo deveria emitir a quantidade equivalente em cruzeiros (a moeda vigente na época), aumentando a soma total de cruzeiros em circulação, enquanto a produção de bens de consumo e alimentos não crescia na mesma proporção. Além disso, o fato de haver cada vez mais cruzeiros em circulação não significava que eles estavam sendo distribuídos de maneira equitativa entre os diversos segmentos sociais. Alguns dados apontam para o início da crise econômica que se estenderia, intercalada por períodos de crescimento, até o início da década de 80, crise essa provocada pelo descontrole inflacionário, pelo crescimento da dívida externa e pelo empobrecimento geral dos segmentos assalariados. Em 1974, a dívida externa duplicou, e a inflação anual saltou de 15,7% (índice falsificado pelo governo, como veremos a seguir) para 34,5%. A balança comercial acusou um déficit
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reconheceu o “erro”, e o movimento sindical calculou as perdas, que não foram repassadas aos salários: 34,1%. Como o índice de inflação oficial era a base para os reajustes salariais da maioria dos trabalhado-
res. à falsificação do índice de 1973, somada ao aumento da inflação (que nunca era reposta integralmente no salário), começou a inquie-
tar os segmentos mais pobres. Os movimentos sociais, entre os quais
se destacava o já citado Movimento do Custo de Vida de São Paulo, e o movimento operário reiniciaram suas manifestações contra a políti-
ca econômica do governo.
O Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema comandou a luta pela reposição salarial e denunciou a falta
de “seriedade” do governo no trato da questão salarial. Era o primeiro
choque mais direto entre o regime e os trabalhadores organizados desde as greves de 1968. Uma grande assembléia, se considerarmos os tempos de repressão então vividos, foi realizada em setembro de 1977, atraindo mais de 5 mil operários à sede do sindicato. Naquele contexto, a Tribuna Metalúrgica, órgão do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, trazia a seguinte declaração: “Para nós interessa muito aquela democracia que também dê liberdade aos sindicatos. Esse negócio de democracia só para políticos não dá pé, porque a gente vai continuar espremido aqui no pedaço” (nº 43, set. 1977, p. 8). Os desajustes da ordem econômica se uniam às deformidades do sistema político imposto pelo regime, criando vários focos de resistência e oposição democráticos, colocando lado a lado liberais e esquerdistas, classe média e operariado, na luta contra o regime
militar. O aumento da interferência direta do Estado na economia, mediante a atuação no mercado das empresas estatais, acabou desagradando muitos empresários, que passaram a criticar a falta de liberdade econômica e a excessiva burocratização dos negócios.
Mesmo os Estados Unidos, tradicional aliado do regime militar, entravam em choque com vários pontos do governo Geisel: a orientação nacionalista de sua política econômica (para os setores
nuclear e de informática, por exemplo), o crescimento do setor estatal
na economia e da violação sistemática de direitos humanos, que passavam a ser um tema da política internacional do presidente norte-
americano Jimmy Carter.
Entretanto, mesmo debaixo de crescentes críticas, o governo Gei-
sel conseguia manter o controle do jogo político e da sociedade civil. Uma das estratégias fundamentais do regime como um todo (e do
61
governo Geisel, em particular) consistia em manter a sociedade despolitizada e, sobretudo, desmobilizada. Mas essa tática começava à
dar sinais de esgotamento. Nesse ponto, o ano de 1977 seria decisivo.
Em abril de 1977, preocupado com o processo eleitoral de 1978, que poderia redundar na derrota da Arena, o governo editou uma
série de medidas autoritárias que ficou conhecida como o “pacote de abril”. Os pontos mais importantes desse pacote eram: a extensão do
mandato do próximo presidente da República, de cinco para seis anos; as eleições para governadores de Estados seriam indiretas (ao contrário do que previa a própria Constituição do regime); um terço dos senadores seria nomeado pelo presidente; mudança do cálculo
do número de cadeiras por Estado na Câmara Federal (visando diminuir a representatividade dos Estados em que a oposição ganhava força, como Rio de Janeiro e São Paulo). Além disso, as Polícias Militares estaduais teriam sua própria
justiça interna, livrando-se do controle dos civis. Todas essas medi-
das, além de outras, foram impostas pelo fechamento por quinze dias. Junto decretou-se a chamada “Lei recebeu esse nome de Armando Falcão, ministro governo Geisel), que praticamente proibia o acesso da
do Congresso Falcão” (que da Justiça do oposição à TV.
Desse modo, o governo tinha em mãos um verdadeiro arsenal jurídico para reestruturar O sistema político, Se, de um lado, tínhamos, então, o Pacote de Abril e a preo-
cupação do governo em controlar o sistema político, de outro, a
sociedade
se movimentava
com desenvoltura cada vez maior, exi-
gindo democracia e ampliando as manifestações de rua: estas violentamente reprimidas pela polícia, Mas a batalha das ruas estava só começando.
do
protesto
popular
Ão longo do ano de 1977, certos acontecimentos traduziram a reconquista do espaço público de manifestação por parte da sociedade civil e, consequentemente, o rompimento do círculo do medo. A luta por “liberdades democráticas” se ampliava cada vez mais, como expressão da oposição ao regime militar.
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Os primeiros a se manifestarem publicamente, ocupando as ruas e ganhando espaços nos jornais, foram os estudantes. Em abril de 1977, eles voltaram a ocupar a cena sociopolítica, protagonizando
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Quadr Omara das eleições para a2 Cáâmara Federal e para o Senado entre 1 970 e 1978. O crescimento dos votos na oposição (MDB) preocupava o regime.
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grandes manifestações que atraíram a simpatia de outros segmentos.
Após várias manifestações de menor impacto, os estudantes de importantes cidades brasileiras realizaram uma série de protestos de rua, mesclando reivindicações estudantis com exigências de redemo-
cratização política. Um grande conflito entre estudantes e polícia teve lugar em São Paulo, no início de maio de 1977. Mesmo cercados pela
Polícia Militar, um grupo de estudantes, sentados no asfalto do viaduto do Chá, leu, em coro, a “Carta aberta à população”: “Hoje, consente quem cala. [...) É por isso que conclamamos todos, neste momento, a aderirem a esta manifestação pública sob as mesmas e únicas bandeiras: fim às torturas, prisões e perseguições políticas; anistia ampla, geral e irrestrita a todos os presos, banidos e exilados políticos; pelas liberdades democráticas”. Ainda em maio de 1977 foi marcada a data do Dia Nacional de Luta pela Anistia, e os conflitos de rua tornaram-se ainda mais
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Em 1977, o movimento estudantil voltou às ruas, realizando grandes protestos, duramente reprimidos pela polícia.
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violentos. O movimento estudantil conseguiu realizar grandes manifestações em Belo Horizonte e Brasília (onde a Universidade de
Brasília entrou em greve e, posteriormente, foi invadida pela PM),
além de São Paulo. Em junho, o Dia Nacional de Luta se repetiu. Mediante uma
tática que denotou
muita organização, os estudantes
conseguiram enganar a vigilância policial no centro de São Paulo e realizaram inúmeras minipasseatas durante todo o dia. Embora as rádios e TVs estivessem proibidas de divulgar os fatos, a imprensa
escrita deu grande destaque para o protesto, parte dela apoiando a luta estudantil. No segundo semestre de 1977, entre agosto e setembro, o movimento cresceu ainda mais, ganhando simpatizantes em outros setores da sociedade brasileira. A Igreja Católica, o MDB e entidades
civis divulgaram seu apoio ao movimento estudantil, outorgando-lhe
a função de porta-voz da sociedade civil pela causa democrática. Mesmo integrado por grupos de esquerda, como os trotskistas (adeptos das idéias do líder da Revolução Russa, Leon Trótski), ou ligados a setores católicos, o movimento estudantil extrapolou suas fronteiras ideológicas, recebendo a simpatia e a solidariedade dos democratas em geral. Em setembro, a brutal invasão da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC) — uma das poucas instituições de ensino que desenvolviam um pensamento crítico sem o controle do regime —,
quando aí se realizava o Encontro Nacional de Estudantes, só aprofundou essa solidariedade. A invasão e a destruição da PUC, comandada pelo próprio Secretário de Segurança do Estado de São
Paulo, coronel Erasmo Dias, teve grande repercussão nacional e internacional. Atingia, de uma só vez, a Igreja Católica (à qual a PUC
era ligada), o movimento estudantil, além da própria PUC, uma universidade de prestígio. A violência policial não ficou só na depredação das instalações físicas da universidade: provocou inúmeros feridos entre estudantes, funcionários e professores. Enquanto o movimento estudantil se ampliava, desafiando o controle do espaço público pelo regime, o ambiente político do país era agitado por outros fatores adicionais. Agosto fora um mês
partircularmente tenso para a vida política nacional. Dois eventos
merecem destaque, uma vez que ajudaram a redefinir os rumos do processo de liberalização política: a divulgação (em agosto de 1977) de um manifesto dos liberais, conhecido como “Carta aos brasileiros”, e o acirramento do choque político entre o ministro do Exército,
Sílvio Frota, e o presidente Ernesto Geisel, em razão da indicação do próximo presidente da República.
65
A “Carta aos brasileiros”, escrita
Gotredo Telles Junior, foi lida em redemocratização,
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Direito
USP
e jurista
manifesto do
Largo
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São
Francisco, reunindo centenas de estudantes, que depois saíram em
passeata
pelo centro
da
cidade.
O
documento
foi reproduzido
em
alguns jomais da grande imprensa e recebeu apoio e divulgação nacional e intemacional. Esse evento simbolizou o afastamento definitivo dos liberais brasileiros com relação aos princípios da Doutrina de Segurança Nacional. O manifesto, de catorze laudas, continha uma discussão sobre a natureza do governo, das leis, do poder político, e também sobre as origens e a legitimidade da democracia. Numa
clara alusão à maquiagem jurídica que o regime usava para legitimar o seu autoritarismo, o documento afirmava: “Distinguimos entre legal e legítimo. Toda lei é legal. Mas nem toda lei é legítima [...] O único
outorgante do Poder Legislativo é o Povo. Somente o Povo tem competência para escolher seus representantes”. O documento terminava com uma palavra de ordem: “Estado de direito Já!”. Mesmo entre segmentos da esquerda, conforme observa Bernardo Kucinski em Jornalistas e revolucionários, o manifesto provocou uma discussão muito acirrada, e grupos como o PCdoB e o MR-8 passaram a defender
a idéia de que a esquerda deveria, naquele momento, deixar que os liberais tomassem a frente do processo de redemocratização do Brasil. No bojo das disputas pela sucessão presidencial, uma grave crise quase provocou o colapso da política de abertura. Para manter a estratégia de institucionalização do regime, a dupla Geisel-Golbery precisava manter o controle do poder sob os castelistas, partidários da
abertura.
Mas,
desde
março,
o ministro
do
Exército,
Sílvio
Frota,
tentava articular sua candidatura, arregimentando o apoio dos quartéis e do Alto Comando do Exército. Pelas regras internas das Forças Armadas, Sílvio Frota seria O candidato natural à Presidência, pois era o general mais graduado. Embora não fizesse parte do grupo castelista, o general Frota fora
nomeado ministro do Exército, por imposição das circunstâncias: O general escolhido por Geisel morrera antes de tomar posse, e o próximo nome na hierarquia era o de Frota. Percebendo a insatisfação dos “duros” diante da perspectiva de volta dos civis ao poder, O
general Frota tentou se aproximar dessa corrente, aproveitando-se de
sua situação de comandante de tropa. Criticava abertamente à condu-
ta do presidente Geisel em relação às manifestações de rua, acusan-
do-o de ser tolerante com os subversivos.
66
"rm outubro de 1977, a tensão chegou ao máximo: a rebelião de uma
unidade
militar em
Minas Gerais, a mesma
que havia iniciado o
o Mas pe. gol de e dad ili sib pos à ava ent res rep 4, 196 de movimento
grupo lígado ao presidente agiu mais rápido. Em 12 de outubro, tendo já convidado secretamente outro general para ser ministro, Geisel
exonerou
O
general
Frota.
Esse,
ao
saber
da
exoneração,
reunir o Alto Comando, mas a reunião foi desarticulada por agentes do governo. Com a rebelião nas unidades militares controla-
te ntou
da e o principal articulador do golpe exonerado de seu cargo, o presidente reconquistou
O controle total sobre o Exército.
Ainda que fracassada, a tentativa de golpe traduziu o grau de desgaste interno das Forças Armadas em razão de questões da política nacional. Nesse contexto, surgiram muitos grupos de militares favoráveis à “volta aos quartéis”, expressão que designava a passagem do poder aos civis o mais rápido possível. A indicação do general João Baptista Figueiredo — que assumia o compromisso de consolidar a abertura do regime militar — representava a vitória do grupo castelista em composição com outros grupos militares, como os medicistas, que se reaproximavam do poder palaciano. A eleição do novo presidente seria indireta, por meio do Colégio Eleitoral, reunindo os membros do Congresso e representantes dos legislativos estaduais. Mesmo sem chance, o MDB adotou uma postura ousada: escolheu um general quatro estrelas como seu candidato, revelando a divisão interna nas Forças Armadas. Assim, foi lançada a candidatura do general Euler Bentes, um militar de linha nacionalista favorável à redemocratização, apoiado por boa parte da tropa. Se as possibilidades de vitória da oposição já não eram muitas, elas se tornaram ainda mais reduzidas quando o principal articulador militar da candidatura Bentes, o general Hugo Abreu (figura-chave no contragolpe de Geisel, agora rompido com o
presidente por ter sido preterido na indicação como seu sucessor)
teve seu nome divulgado como o principal comandante da repressão à guerrilha do Araguaia. Os grupos de esquerda que estavam ligados ao MDB, principalmente o PCdoB (derrotado naquela guerrilha), pressionaram a direção do partido contra a candidatura de Bentes,
que acabou esvaziada. Os estrategistas do governo, além de garantirem a Presidência da República, passavam agora a se preocupar também com a imagem pública do próximo presidente. Para tanto, coordenaram
67
Carlos Namba/Abril Imagens
uma grande campanha de propaganda em torno da imagem de Figueiredo, apresentado-o como um homem “simples” e “simpático”. A perspectiva da perda de controle sobre a crise econômica já era uma realidade por volta de 1978, e exigia novas formas de legitimação do governo. Apesar de toda a propaganda, o presidente Figueiredo foi infeliz em algumas declarações públicas, como na ocasião em que disse preferir o “cheiro dos cavalos ao cheiro do povo”, Tendo reconquistado o controle do sistema político, garantindo seu sucessor e aproveitando o relativo refluxo dos protestos de rua estudantis, o governo Geisel fechou seu mandato com uma série de reformas liberalizantes. Em 1978, depois de dez anos, o governo acabou com a vigência do Ato Institucional nº 5, além de permitir a volta do recurso do habeas-corpus. Com isso se definia a pauta (conjunto de itens a serem atingidos) da transição política para um regime mais aberto, obra que deveria ser realizada por Figueiredo. Essa pauta incluía ainda a reforma partidária, a promulgação de uma anistia aos presos políticos e perseguidos pelo regime e as eleições
diretas para governadores de Estado. Era a chamada “abertura lenta,
gradual e segura” que se consolidava, Quanto às distorções sociais geradas
pela política econômica de alteração. No máximo,
do regime, não havia nenhum sinal estudava-se uma nova lei salarial que permitisse um repasse mais 68
eficaz da
inflação.
de Segurança
Portanto,
Nacional,
ainda
a estratégia
fiel aos
princípios
de abertura
da
Doutrina
não previa
uma
a vid da ção ini def na s ora had bal tra s sse cla das or mai ção ipa partic ia: tór his a lar tro con ia pod não o rn ve go o Mas a. ic ôm on ec solítica e
a partir de 1978-1979,
os trabalhadores passaram
a ocupar a cena
politica do país, deixando claros os limites da política de abertura. r Eles se tornariam os principais atores da oposição ao regime milita e apontariam para um novo projeto de sociedade que colocava em
xeque a Doutrina de Segurança Nacional, as idéias liberais clássicas e mesmo as posturas da esquerda, representada pelos partidos comunistas mais antigos.
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pela
democracia o dia 12 de maio de 1978, os trabalhadores da Scania —
montadora de veículos automotivos — entraram na fábri-
ca, marcaram o cartão de ponto, mas não trabalharam. Em
poucos dias, milhares de operários metalúrgicos de outras fábricas do ABC paulista cruzavam os braços, reivindicando reajustes salariais. Essa greve trouxe muitas novidades. A participação do sindicato dos metalúrgicos havia sido indireta, A organização do movimento foi praticamente preparada no interior das fábricas. Não houve uma
assembléia formal que deflagrasse o movimento, nem piquetes nas portas das fábricas para que a greve funcionasse. Em apenas dois dias, cerca de 12 mil trabalhadores pararam “espontaneamente”, pelo menos assim viam a imprensa, o governo e à sociedade em geral. Além das reivindicações de melhorias sala riais, o movimento exigia a democratização interna das fábricas, ou seja, maior participação dos
trabalhadores em algumas decisões ligadas ao processo de produ-
ção e liberdade de organização por meio das “comissõe s de fábricas”. A questão democrática, que unificava as lutas sociais contra O
regime militar, era colocada em outra perspectiva pelos trabalhadores organizados, 70
24 (de oÉ Ist a ist rev à to rci Exé II do l one cor um de a ist A entrev er órt rep o pel do ga da In al. ger de da xi le rp pe a 8) traduz de maio de 197 spondeu: “Repressão
re ele o, nt me vi mo o ir rim rep iria o rn ce O gove
como? Este é um fato absolutamente
novo. Greve sem violência, ses
ingerências há não ve gre ta nes que er ec nh co re o ári ess nec agitação. É
ten pre el ív ss po im E a. nad er faz de po se não ma, externas. Dessa for
a ios rár ope os r iga obr a par o açã em a íci pol a der que se deva colocar trabalhar à força”.
a v a e l d b i r 8 d 7 9 1 o e d i a a t m s m i e l u a C a p B i r A o á n r e e A grev op
maneira inédita a vigilância do governo
militar. Preparado
no coti-
diano das fábricas, a partir de reuniões informais nos intervalos para o cafezinho e idas ao banheiro, o movimento conseguiu formar um tipo de organização muito difícil de controlar e reprimir. O controle
do governo sobre as entidades dos trabalhadores, como os sindicatos,
acabou forçando a necessidade de uma organização mais invisível e informal, mas nem por isso menos organizada. Tanto assim que, em agosto daquele ano, o governo editou uma nova lei de greve,
modificando a legislação vigente desde 1964, que visava agilizar os
mecanismos jurídicos de controle e repressão das atividades sindicais. Outro fato novo foi o não-acatamento, pelos grevistas de 1978, da decisão do Tribunal Regional do Trabalho (TRT), que declarou a greve ilegal. Ao contrário, após a sentença do TRT de São Paulo, o movimento ampliou-se ainda mais. Diversamente de 1964, quando os grupos de esquerda organizados (como o PCB) ou os grupos ligados ao sindicalismo oficial
varguista (como o PTB) tinham supremacia nos sindicatos e constituíam as principais lideranças operárias, o novo movimento dos
trabalhadores possuía um caráter muito mais democrático e descen-
tralizado. Não exigia só a democracia formal, fora das fábricas, mas se
colocava contra o sindicalismo centralizado e controlado pelo Ministério do Trabalho e pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a legislação vigente desde a época do Estado Novo (1937-1945). Essa legislação, promulgada num contexto autoritário, se somava àquela específica do regime militar no controle da vida profissional e social
dos trabalhadores. Além disso, as novas
lideranças do movimento
eram efetivamente operárias, surgidas a partir da experiência das fábricas. Esse foi o caso de Luís Inácio da Silva, o “Lula”, e de outros líderes.
As greves de 1978 apresentaram um balanço positivo: além do
atendimento parcial das reivindicações, elas trouxeram novas formas 71
de atuação e organização para o movimento operário, contribuindo para a ampliação das lutas democráticas do período, na medida em
que representavam uma possibilidade histórica inédita de participação efetiva das classes trabalhadoras na vida nacional. O já citado
jornal sindical Tribuna Metalúrgica, em seu número de junho de
1978, foi feliz ao resumir as novas perspectivas políticas dos trabalhadores: “Finalmente nos revelamos a nós mesmos: percebemos que temos força e que somos capazes, quando unidos e organizados, de
levar O patronato
ao diálogo
produtivo
com
o nosso
sindicato,
respeitando nossas reivindicações”. O crescimento da organização e da participação operária do setor mais dinâmico e moderno do capitalismo brasileiro exigia uma recolocação das estratégias de ação não só do governo militar, mas da oposição civil em geral. As ameaças que a luta operária trazia ao sistema construído em 1964 eram grandes, pois o regime militar se colocava como o tutor dos conflitos sociais mais profundos e administrador da modernização capitalista, sem a participação dos trabalhadores. O ativismo sindical autônomo foi percebido pela opinião pública como uma novidade histórica. Ao lado dos movimentos
sociais de bairros, acabou redefinindo os valores democráticos que norteavam a luta contra o regime: já não bastava exigir liberdades democráticas, era necessário lutar pela justiça social efetiva e pela participação dos assalariados na riqueza nacional. Os acontecimentos
de 1979 e 1980 acabariam levando a classe trabalhadora ao centro da vida política nacional, deixando claros os estreitos limites da política de abertura proposta pelo governo.
1979
—
o ano
dos
trabalhadores
Em março de 1979, em meio à posse do presidente João Baptista Figueiredo, uma nova greve operária explodiu no ABC paulista, mais
ampla e mais organizada que a greve do ano anterior. O sindicato havia encampado a luta desde o início da campanha salarial e realizado grandes assembléias, exigindo reajustes salariais compat íveis com a inflação. Nem o anúncio de uma nova lei salarial, que diminuía para seis meses o período entre um reajuste e outr o, dissuadiu os trabalhadores da opção pela greve. Tanto o governo quanto os donos das fábricas est avam mais
preparados
para
enfrentar o movimento.
12
Apesar
de reconhecer qa
osto sp di va ta es o nã r ta li mi o rn ve go O , es çõ ivindica re s a d e d a d i legitim ormar sf an tr se e nt me da pi ra a ri de po ela is greve, po
à tolerar nenhuma À Os patrões também mudaram & pátfts 1 / 5 regime . o contra polític o em protesto as mi erários em | gere
de
tática:
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Se E am s. do ra pa as di s do o nt me ga pa O ar Fábricas e decidiram cort o, ic bl pú l ca lo em , as es pr em s da as rt po s na s ta
era deixar os grevis para que à polícia Os intimidasse
através
da
violência.
Quando
a e greve eclodiu, o presidente da Federação das ps inio pe vão SEpROR EA o s nã io ár er op s : “O ar ar cl de à ou eg ch ) SP IE são Paulo (F
o tã es o nã as es pr em as e qu z ve a o, um çã sa li mais de dois dias de para dispostas a pagar os dias parados”. A despeito dessa opinião, a greve durou catorze dias. Deflagrada
em 13 de março (dois dias antes da posse de Figueiredo), na primeira
de muitas assembléias históricas realizadas no Estádio de Vila Euclides em São Bernando do Campo, a greve recebeu a adesão de mais de 150 mil operários já no dia seguinte. Apesar de Lula, então presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema, declarar que os trabalhadores não estavam fazendo uma greve política contra o governo, e sim uma greve econômica por reajustes
salariais, o movimento acabou sendo visto pelo governo como uma afronta ao regime e à sua política econômica. Aos poucos, o movimento assumiu caráter político, mas de outro modo, como fica claro no discurso de Lula, feito durante uma das assembléias: “Se brigar por
Agência Estado
melhores salários é fazer política, então nossa greve é política. Uma política para encher o estômago e para dar escola a nossos filhos”.
”:
> Ma
Assembléia operária no
Estádio de Vila
Euclides, em São Bernardo do Campo (março de 1979),
2
Ri
e
AS
a
Diante disso, O governo resolveu endurecer, o que acabou favo-
recendo a politização do movimento e tornou os operários metalú rgi-
cos a categoria social mais destacada na oposição ao regime militar. O govemador do Estado de São Paulo, Paulo Maluf, político afinado com o golpe de 1964, tomando o partido das grandes empresas, liberou a polícia para agir “com rigor”, leia-se, com violência acima do normal. Dois dias depois de sua eclosão, o TRT declarava a greve legal, fato que não intimidou os trabalhadores. Dez dias depois, o
Ministério do Trabalho usaria a tática de 1964: a intervenção federal
no sindicato organizador do movimento e a destituição de sua diretoria eleita. A intervenção federal, longe de desorganizar e esvaziar o movimento, acabou transformando-o num protesto público generalizado
contra o regime. Na cidade de São Paulo e em outras cidades brasileiras, várias categorias sociais organizaram atos de protesto, exigindo
o fim da intervenção e a abertura das negociações. Em São Bernardo,
no dia da intervenção, uma assembléia se transformou em passeata, que, impedida de entrar no sindicato, se dirigiu à praça da igreja matriz, onde ocorreu uma das cenas mais marcantes da época, ampla-
mente documentada em fotos jornalísticas: centenas de operários, ao
Eduardo Simões/N.
Imagens
tentar formar com seus corpos a palavra “democracia”, eram dispersados pela polícia.
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Repressão policial a operários em São
Bernardo do Campo, em 1980,
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A greve de 1979 serviu para consolidar ; tornar pública da Igreja
Católica
com
PuerAno:
o movimento
As missas.
a aliança
sobretudo
sformatran se , greve em s ário oper dos des cida nas as aquelas realizad ram em atos públicos contra O regime militar. A organização de fundos de greve — um meio de garantir a sobrevivência dos grevistas e suas famílias — foi apoiada pela Igreja. Além disso, muitas lideran-
o e ação sã us sc di de os up gr s, ia ár er op s ai or st pa nas cas se formaram
coordenados pela Igreja Católica. Apesar do apoio de importantes organização,
as
negociações
chegaram
entidades a um
civis
impasse.
e da Os
forte
patrões
não estavam dispostos a dialogar. A repressão policial também foi um fator de desgaste do movimento. Em fins de março de 1979, a greve chegou começando.
ao fim. Mas o ano dos trabalhadores estava apenas
A comemoração do 1º de Maio, Dia do Trabalho, foi particularmente significativa: a “missa do trabalhador”, rezada no paço municipal de São Bernardo do Campo, reuniu cerca de 30 mil pessoas e
contou com a presença não só de operários, mas de artistas, estudan-
tes, líderes partidários e comunitários. Em seguida, um grande ato no
Estádio de Vila Euclides, na mesma
cidade, reuniu mais de 100 mil
pessoas. Todos os principais movimentos pela democratização da sociedade brasileira estavam presentes, transformando aquela comemoração num grande protesto de oposição ao regime militar. Um
panfleto, distribuído durante o evento por representantes do Comitê
Brasileiro pela Anistia (CBA),
fundado em
1978, continha a frase
“Tem gente de menos neste 1º de Maio”, numa clara alusão aos exilados e presos políticos, que deveriam estar ali, mas estavam impedidos por força das circunstâncias. Esse comitê organizava outro ramo da luta pela redemocratização: a campanha pela “anistia ampla,
geral e irrestrita”. Em setembro, uma tentativa frustrada de greve por parte dos bancários da cidade de São Paulo terminou num grande motim
urbano. Office-boys, transeuntes e bancários enfrentaram a tropa de choque da PM durante mais de seis horas. Ocupantes dos prédios do
centro da cidade atiravam objetos nos policiais, que respondiam com
bombas
de gás lacrimogêneo. A greve fracassara, mas o impacto
desse conflito urbano foi grande, demonstrando o grau de tensão social existente. Como uma reação em cadeia, os movimentos grevistas se alastravam por outras capitais brasileiras, em ondas de protesto
contra o regime, duramente reprimidas pela polícia.
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| AMPLA, GERAL E IRRESTRITA Fac-símile de um panfleto do Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA).
No final de outubro, uma greve metalúrgica na capital paulista
acabou ocasionando a morte do líder sindical e comunitário Santo Dias, assassinado pela PM durante um piquete na porta de uma
fábrica. O cortejo conduzindo o corpo do operário, entre a igreja da Consolação e a catedral da Sé (onde seria realizada uma missa de
corpo presente), se transformou numa grande passeata, com cerca de 30 mil pessoas. Na catedral da Sé, a multidão que aguardava o início da missa recebeu o féretro com a música Caminhando, de Geraldo Vandré, proibida desde 1968. Novamente dom Paulo Evaristo Arns sintetizou em palavras os sentimentos da Oposição ao regime, tal
como ocorrera no culto ecumênico a Wladimir Herzog: “Eles nos
exploram, nós reivindicamos: eles roubam nossos salários, nós faze-
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Desafios
nós ocupamos as ruas; eles nos A SS multidão”. abertura oficial do regime militar, que
trouxeram
à questão democráa
Bic
poder para o meio da rua.
e limites
da
política
de
abertura O principal estrategista político do regime continuava sendo Gol-
bery do Couto e Silva, mantido como chefe da Casa Civil no governo
Figueiredo. Golbery havia estabelecido uma agenda para a transição ao poder civil, que deveria se realizar mediante diversas reformas políticas, como a reorganização partidária, a eleição direta para governadores, anistia política, etc. Na linguagem dos militares da ESG, era chegada a hora da “descompressão” do regime; ou seja, a sociedade civil era chamada a participar do sistema político, mas tutelada e vigiada pelas Forças Armadas, evitando que os conflitos ca-
minhassem para uma ruptura radical com a ordem social, política e
econômica vigentes.
O crescimento da organização e das lutas operárias e dos assalariados em geral era um fator preocupante para o governo, na medida
em que pressionava o sistema a incorporar reformas incompatíveis
com os princípios da Doutrina de Segurança Nacional. Tais reformas implicavam profundas modificações na ordem econômica e atingiam Os interesses dos grandes empresários nacionais e internacionais. Nesse sentido, Maria Helena Moreira Alves, autora de Estado e oposição no Brasil (1964-1984), afirma: “Do ponto de vista do
Estado de Segurança Nacional, o ano de 1979 definiu os limites da
política de abertura. AO mesmo tempo em que negociava a questão
da anistia política com os partidos e com instituições civis da elite, o
governo deixava claro que a liberalização não se aplicava à classe trabalhadora”. O movimento sindical exigia o fim da CLT (que era vista mais como uma legislação de controle do que de proteção ao
trabalhador), plena liberdade de organização, direito de greve, além
da revisão da política econômica e salarial. O governo
não estava
disposto a dialogar. Por esse motivo, as greves e mobilizações sindicais adquiriram um caráter de confronto com o governo e com o Pk
regime
militar como
processo de abertura.
um
À ense econômica, salarial crescentes, era
modelo
todo, desafiando
os limites impostos
pelo
materializada pela inflação e pelo arrocho a maior causadora de tensões sociais. O
de desenvolvimento
capitalista
patrocinado
pelo
regime
mostrava claramente suas duas faces: se, por um lado, o govern o Geisel havia conseguido aumentar o parque industrial brasileiro, ao
incentivar as indústrias pesadas (máquinas e equipamentos ind ustriais) e de tecnologia mais sofisticada (como a informática), manten -
do o crescimento industrial num contexto de recessão do capitalismo mundial, por outro, tinha sido responsável pela perda do controle das contas extemas. O Brasil virava a década endividado em US$ 40 bilhões. O general Figueiredo manteve, a princípio, o economista Mario Henrique Simonsen no Ministério da Fazenda, ocupado por ele
desde a gestão anterior. Percebendo, contudo, que o crescime nto baseado no endividamento externo era insustentável, Simonsen co-
meçou a defender o desaquecimento (crescimento menos acelerado) da economia, o que na prática significava recessão, um dos remédios clássicos para reorganizar as finanças públicas e controlar a inflação. Agravando ainda mais esse cenário, em 1979 os preços internacionais do petróleo tiveram um novo aumento, e o Brasil, grande importador desse produto, viu suas contas externas se desequilibrarem ainda mais. Pressionado por empresários e banqueiros, o presidente demiUu Simonsen, e em seu lugar nomeou Delfim Netto, o administrador do milagre econômico dos anos 70 e pouco compromissado com a saúde das finanças públicas. Delfim Netto tomou posse prestigiado por banqueiros e empresários, prometendo crescimento econômico “a qualquer preço” , conforme foi sintetizado no II Plano Nacional de Desenvolvimento. O preço foi alto e acabou, como de costume, sendo pago pel os
assalariados. Em
1979, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu cerca
de 6%, mas a inflação dobrou em relação a 1978, chegando a quase 80% ao ano. Em 1980, a inflação deu um novo salto, pulando par a 110%, e a dívida externa beirava os US$ 50 bilhões. Par a agravar ainda mais a situação econômica, os juros internaciona is — que estipulavam os valores a serem pagos anualmente aos bancos
credores — estavam em alta. Em 1981, para uma dív ida global de
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:
banqueiros, entre juros e principal. Pela pri meira vez em quatro décadas, o PIB brasileiro acusava um índice neg ativo, ou seja, O
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10 bilhões aos
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US$ 61 bilhões, o Brasil teve de pagar quase US$
como também diminuía globalmente | a] qe
oaís não s6 deixava de res
s poi cas atividades econômicas. , ano da ca a ia nu mí di exterior do ro ei nh di de a ad tr en — Comoa na is ma m ia st ve in o nã is na io ac rn te in os ir ue nq ba € empresários divisas ( moeda economia
Intino-americana,
O Brasil
deveria
gerar
ações. rt po ex as do an iv nt ce in s, da vi dí internacional) para pagar SUdo Figueiredo,
o rn ve go lo pe o ad nç la a, rt O lema “Exportar é o que impo aic as (b s ia or ad rc me ar rt po ex ra escondia a face perversa do plano: pa o era eç pr o ix ba a s) to en im al e ráveis du o nã o um ns co de ns be e ment ra O pa as nd ve as e qu r di pe im € o st cu o ix ba à e as u q s o necessário produzi- las i r á s e r p m e s o a s josa mercado
interno
fossem
mais
vanta
os nt me ga pa ra pa ta ei ac sa vi di é o nã a exportaçõe s Como nossa moed a r , a s p e r a l ó d , ja se OU , os rs cu re r , era preciso gera internacionais
. os rn te ex s mo ti és pr em r ui eg ns co em e ad compensar a dificuld
O u go pa em qu r zi du de l íci dif é o nã o, ic ôm on ec lo Com esse mode ral, ge os em ad ri la sa as os o: tt Ne im lf De r a po id nd fe de ca ti lí po da preço nme au ão aç fl in a mo Co s. io ár er op os e as di mé s da sobretudo as cama apl du am av nh s ga io ár es pr em , os os ri lá sa os e qu tava muito mais do nor mente, pois a mão-de-obra representava uma parcela cada vez me
dos custos, embora o preço dos produtos aumentasse sempre. Conse-
quentemente, o consumo
interno tendia a ser decrescente, já que O
m ré do po an nt , me do au in nu mi os di ad ia ri la sa as s do ra mp co poder de asv de ca de ti lí po a um do a ma , so do . tu so ão Is aç rt po l ex ia de nc te po o
art po r ex la dó da ca s ra ro pa ei uz cr is ma ia nd re ue l (q ia o mb çã ca za ri lo os ic bl pú os st ga os ir br a co ar a (p ed a mo ad de re nf se o de sã is do) e à em
não cobertos pelos impostos), deu origem à “década perdida”, como muitos caracterizam o ciclo econômico brasileiro nos anos 80. É importante destacar que ela foi perdida para a maioria do povo, mas para . de da ri pe os me pr or o en od de rí u pe m ti nu is a ns co el a rc en pa qu pe a um Assim, embora ainda em seu início, a crise trava do regime militar
um dos seus maiores trunfos: o sucesso na área econômica. Se Os
la sa a as di mé se as , cl a da ça ea ia nc am tê is bs su a su am nh s ti io ár oper riada via desaparecer suas possibilidades de ascensão social, consu-
mo e conforto. A explosão de greves em 1979 era uma resposta da
sociedade
à falência do
modelo econômico
desenvolvimentista e à
ão aç fl in a um r po a ad ra ag , os ri lá sa s do ra mp co de r de perda do po que crescia em progressão geométrica,
Apesar da tensão política causada pela perda do controle sobre à economia e pela mobilização sindical crescente, Os estrategistas do regime conseguiram manter sob seu controle O processo de reformas políticas. o Ê
Anistia
e novos
partidos
A Campanha pela Anistia era um
políticos
dos vários movimentos
pela
democracia, disseminando pela sociedade brasileira a luta pelo respeito aos direitos humanos. Ao longo de 1979, os organizadores da campanha — cujas origens remontam ao ano de 1975, quando surgiu
o Movimento Feminino pela Anistia — realizaram grandes concentrações públicas, exigindo não só a anistia aos presos e perseguidos
políticos, civis e militares (que acabaram
excluídos
da lei), mas
uma
a maioria
dos
também a punição daqueles que cometeram atos de tortura em nome da Segurança Nacional. O governo, por sua vez, dentro da pauta de abertura, promulgou lei em
agosto
de
1979,
forças
de
segurança.
prescrevendo
crimes
e
delitos cometidos entre 1964 e 1979, seja por subversivos, seja pelos agentes
das
Consequentemente,
os
últimos
Ibarra Júnior/Agência JB
presos políticos foram libertados, os exilados puderam retornar ao Brasil e os que tiveram seus direitos políticos cassados puderam voltar à vida pública. Com isso, protagonistas históricos da vida política dos anos 60 voltaram ao cenário nacional: Leonel Brizola, Miguel Arraes e Luís Carlos Prestes, para citar os mais famosos. Além desses, muitos ex-guerrilheiros retornaram ao país.
Em 1979, o último preso político — Roberto Jabour — deixa a prisão, após a Lei de Anistia.
SU a
4
Na
ve rdade,
as reivindicaçõe
das to a u de en at o nã a ti is An de Lei da o çã ga a promul o e sd de o nd ce es cr a nh vi e qu s da campanha popular
té mi Co do ão aç nd fu a m co fim de 1975,
apesar disso, à comunidade
Brasileiro
de informações,
pela Anistia (CBA).
momentaneamente
aria a rd ta o nã , do ta Es do es or id bast desativada, mas atuante nos Em l. vi ci e ad ed ci so la pe feitas o çã ni pu de as ci ên ig ex as responder Os r ni pu de se te pó hi à u ti admi o rn ve go o s, iá al o, nt me mo ne nhum
s iam aparecendo me no s jo cu s, re torturado
em relatórios de investiga-
ções das entidades civis.
uma nova legis1979, de ano importante do “Ainda em novembro (regibipartidarismo O com acabando aprovada, lação Pp artidária foi novas organizações fundar possível tornando e partidos) me de dois
didas beneficiar-se era governista (pluripartidarismo). A estratégia
muitas forças reunia altura essa a que MDB, do internas vergências em diverfragmentaria se certamente isso, por e, conflitantes políticas
defensoOs extinto. fosse bipartidarismo o logo tão sas organizações, partido só num concentrar-se deveriam entretanto, regime, do res político, com base na antiga Arena. Conforme Bernardo Kucinski, em
Abertura: história de uma crise, os assessores políticos do governo previam que a oposição se dividisse entre “liberais! (liderados por
Tancredo Neves e Ulysses Guimarães), “trabalhistas” (base do antigo PTB acrescida de novos sindicalistas, liderados por Leonel
Brizola,
mas sem a máquina do Estado em suas mãos) € “esquerdistas mais radicais” (articulados por Miguel Arraes, ex-governador de Pernambuco). Em linhas gerais, esse prognóstico se cumpriu. A Arena se transformou no Partido Democrático Social (PDS). A
maior parte do MDB se manteve no Partido do Movimento Democrá-
tico Brasileiro (PMDB), atraindo também parte da esquerda, como Miguel Arraes e os comunistas do PCB e do PCdoB (ilegais). Os liberais
mais
conservadores,
como
Tancredo
Neves
e
Magalhães
Pinto. formaram inicialmente o Partido Popular (PP), de vida curta, já que logo se fundiria com o PMDB, com vistas às eleições de 1982. Em torno do novo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de inspiração varguista, houve uma disputa legal entre Ivete Vargas ( sobrinha de Getúlio) é Leonel Brizola. Essa disputa foi estimulada pelo governo, que pretendia desgastar Brizola, considerado o mais temido nome da oposição, o grande “incendiário” de 1964, como diziam os oficiais militares. Perdendo a presidência da legenda PTB, Brizola fundou o Partido Democrático Trabalhista (PDT), muito mais fiel ao antigo populismo varguista do que o novo PTB.
Mas a grande novidade partidária, como reconheceram na época
todos os analistas políticos, foi o surgimento do Partido dos Trabalhadores (PT). O PT surgiu, inspirado em algumas organizações sindicais
e populares,
com
o apoio
da
esquerda
católica
(remanescentes
da
Ação Popular dos anos 60) e da esquerda desvinculada do Partido Comunista Brasileiro (parte dos trotskistas). Também foi importante a
adesão de setores intelectuais, especialmente nos meios universitános. Mas a grande ousadia protagonizada pelo PT foi que, pela primeira vez na história do Brasil, criou-se um partido político de
massas completamente desligado das elites socioeconômicas e dos partidos comunistas tradicionais, de linha marxista-leninista. Parado-
xalmente, a criação do PT não era vista como um problema a curto
prazo pelo governo, embora não tenha sido prevista por seus estrategistas. Pelo contrário, o general Golbery pensou que a criação do PT iria dividir e enfraquecer os dois agrupamentos ideológicos
mais ameaçadores ao sistema: o PDT, brizolista, e os comunistas, até então hegemônicos no campo sindical. Com efeito, os comunistas ligados sobretudo ao PCB não viram positivamente a criação do PT. Na concepção dos mais antigos e ortodoxos, os sindicalistas e os militantes dos movimentos de base deveriam fazer um trabalho sindical e comunitário, enquanto o
trabalho propriamente partidário e político, no plano nacional, deveria ser feito pelos partidos de esquerda já existentes. Mesmo desacreditado pelo governo e sofrendo críticas da própria esquerda, o PT logo se consolidou, atraindo um grande número de simpatizantes, sobretudo em parcelas da classe média intelectualizada e entre os operários mais organizados. Ao contrário do ultracentralizado PCB, o PT pregava a participação da militância em todas as decisões partidárias, enfatizando que a democracia deveria começar pelo próprio cotidiano partidário para chegar às instâncias mais elevadas. Na verdade, O ideário petista era inovador ao defender a participação da sociedade organizada em todas as decisões do poder público, e não só no momento do voto. A proposta de democratização radical e transformadora, baseada na participação permanente da sociedade, encontrava eco numa sociedade cansada do autoritarismo do Estado. Apesar disso, as
primeiras participações eleitorais do PT, em
1982, não se traduziriam
numa votação significativa. A maioria dos eleitores de oposição, teme ndo que as opções “radicais” levassem a um novo fechamento do Estado, votaria em massa no PMDB. Além disso, certos segmentos médios viam com muita desconfiança o crescimento do partido. 02
A
direita resiste
ca ti lí po na ce a a v a n i m o d as forç de go jo o x e l p m o c m u , 79 Em 19 as ri vá m o e d a c i f i m a r se a nh ti ra tu brasileira: a oposição a essa al o n r e v o g O ; is ca di ra is ma às s a d a | das mais moder j do in , es nt re co ro nt co o a nd ai em ss de e lh que es so es nc co as en qu pe r ze fa procurava de os nt me pa ru ag a nd ai o nd ve ha , do to im 1 o m o c o s s e c o r p o le d s a s s e m o c o m s e m m e m n a v a d r o c n o c o ã n e u q , a t i e extrema dir setores )
ado
co.
pequenas
;
;
concessões.
Tais
agrupamentos,
formados
por
ain st de an cl ir ag à m ra ça me co s, õe ligados à comunidade de informaç de do mo se Es a. ci es cr de l na io uc it mente à medida que seu poder inst dir pe im de a rm fo mo co , do ta Es lo pe do ra ação acabou sendo tole à s ue aq at ar ic at pr a ou ss pa a it re di a em tr ex agitações nos quartéis. A de ra ei il as Br ão aç ci so As à mo co s, vi ci s bomba contra entidade ém de al ), AB (O il as Br s do do ga vo Ad s do m de Or a e BI Imprensa (A de 1980, o an No s. no ma hu os it re di s s do ta is iv at ar tr es qu ameaçar e se
os up gr r os po ad iz al os re tr es gu se e a mb bo s à do ta en at o número de is ma s so e. ca nt Os me el av er id ns u co ce es cr a it re di s re de ta paramili bizarros foram os incêndios
provocados
nas bancas de jornais que
, vo Po do ra o, Fo nt me vi Mo mo , da co er qu es os de ic ód ri m pe ia nd ve s do ta en at Os I, AB da e B OA s da de se s . Na os tr ou o e mp Te Em mataram é feriram funcionários. Nesse mesmo ano, durante a visita
ou € tr es qu a se it re di de o up gr um , il as Br ao II o ul Pa do papa João espancou o jurista Dalmo Dallari, ligado à militância católica pelos
direitos humanos. do io ín cl de do io , íc te in o en lm xa do ra pa e, a, di sa ou da e ic O áp terrorismo de direita contra a abertura, foi o atentado do pavilhão do
s ta is e al ic nd , si 81 ho 19 de al ab Tr r do a ra Di o mo me o. co ra tr Pa Riocen
os m r co la pu po ca si mú de ow sh m um ra za ni ga or da er qu es de grupos ral ao artistas que mais se destacavam na oposição político-cultu regime. Os terroristas, desejando solapar o evento, elaboraram um a plano: trancariam as saídas de emergência, cortaram a energi
elétrica e explodiriam bombas no interior do pavilhão, onde cerca de 3 mil pessoas estariam concentradas. Uma bomba colocada no gerador de energia chegou a explodir, sem causar maiores danos. A outra bomba, porém, explodiu por acidente no colo de um dos agentes, quando estava sendo preparada num carro estacionado,
matando um deles e ferindo o outro gravemente. O acidente atraiu a
imprensa, e o plano do atentado se tornou público, pois descobriu-se 83
que os ocupantes do carro eram Rio de Janeiro.
militares ligados ao DOI-CODI
do
As investigações foram feitas por uma comissão interna do Exército, sob a vigilância do SNI, que, conforme muitos jornais da época, toi o coordenador das ações terroristas. Obviamente, as investigações
toram manipuladas e a patética conclusão da comissão foi a de que os
militares tinham sido vítimas da esquerda, pois estavam tentando desarmar a bomba quando ela explodiu. A manipulação das investiga-
ções fez com que Golbery do Couto e Silva, que perdia sua influência junto ao govemo
Figueiredo, pedisse demissão em agosto de 1981.
Na perspectiva de Golbery, uma investigação aberta e mais honesta, ainda que não conduzisse à efetiva punição dos responsáveis, iria
significar o desmantelamento completo dos sabotadores da estratégia
de abertura e uma maior aproximação do governo com a sociedade, fato fundamental para as estratégias eleitorais do PDS nas eleições de 1982. Apesar do abafamento do caso, o terrorismo de direita perdeu sua força, após o episódio do Riocentro. A conjuntura se tornava desfavorável para qualquer retrocesso autoritário.
A
república
de
São
a ditadura
Bernardo
contra
militar
Por volta de 1980, apesar da consolidação da política de abertura, as tensões entre o Estado autoritário e a sociedade civil chegavam a um nível crítico. Nesse sentido, a greve dos metalúrgicos, deflagrada no final de março de 1980, representou um dos momentos de maior conflito entre ambos, uma vez que a sociedade civil apoiava maciçamente as reivindicações dos operários. Durante os 41 dias de greve, o governo usou inúmeros recursos repressivos, jurídicos e policiais: a greve toi declarada ilegal pelo TRT, e o Ministério do Trabalho
interveio no sindicato, cuja diretoria — detida e enquadrada na Lei de Segurança Nacional — foi mantida incomunicável por vários dias. Cerca de 130 mil trabalhadores aderiram à greve, apoiados por
diversas entidades civis e religiosas, partidos políticos e movimentos populares em geral, As reivindicações específicas eram 7% de ganhos
por produtividade e estabilidade no emprego por doze meses, ambas
recusadas pelos patrões, Mas o significado hist órico desse movimento ia muito além de meras reivindicações salariai s.
84
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E D A D E I R A D I L O S E D BONUS
Fac-símile do bônus de solidariedade à greve dos metalúrgicos do ABC, em 1980.
O movimento sindical, articulado agora a um novo partido a político — o PT —, jogava toda sua força e mobilização contra estrutura sindical centralizada no Estado, e testava sua organização interna nas fábricas. Além disso, a greve dos metalúrgicos de 1980 significou O ensaio de uma greve geral pelo fim do regime militar e pela redemocratização da sociedade brasileira, alvo estratégico da oposição de esquerda. Por seu lado, o governo sabia que, uma vez
atendidas as reivindicações operárias mais específicas, todo O sistema vigente estaria ameaçado. Por isso chegou a proibir os donos das indústrias de abrir negociações diretas com os operários. Tratava-se, assumidamente, de uma luta política entre o regime e seus opositores.
No dia 19 de abril, vinte dias após o início do movimento, Lula e
mais dezenove pessoas (incluindo quinze dirigentes sindicais) foram presos sem mandado judicial, numa atitude que fez lembrar os anos de chumbo do regime. Em muitas cidades brasileiras realizaram-se
atos de protesto e repúdio à prisão dos dirigentes sindicais. A Igreja
Católica, os partidos de oposição e o movimento sindical organizaram campanhas de solidariedade para com Os metalúrgicos, transformando sua luta específica numa luta geral pela redemocratização Brasil em todos os níveis (político, econômico e social).
do
Enquanto a mobilização da sociedade e a adesão à greve se mantinham altas, a cidade de São Bernardo era praticamente cercada
pelo Exército, pela Polícia Militar e por agentes do DEOPS e do DOF CODI, encarregados de sequestrar e espancar os manifestantes. A 85
ordem de esvaziar praças e ruas fez surgirem sérios conflitos entre operários
e
policiais.
deles,
Num
em
24
abril,
de
os
operários
resistiram à violência policial e obrigaram a PM a abandonar o Largo
da Matriz. onde
realizavam sua assembléia.
Nos
dias seguintes,
os
conflitos de rua se tornaram ainda mais graves. À imprensa previa que o pior estaria por ocorrer no dia 1º de maio, quando estava preparada
uma grande passeata pelas ruas de São Bernardo em apoio à greve. Uma
ordem
veio diretamente
de Brasília:
impedir
custo
a
ocupavam
a
a todo
ocupação das ruas pelos manifestantes. Finalmente, no 1º de Maio, tropas do II Exército e da PM cercaram e ocuparam as principais ruas e praças, ostentando armamento pesado. Helicópteros do Exército sobrevoavam a cidade. Apesar dessa demonstração de força, cerca de 50 mil pessoas, mulheres
e crianças em
sua
maioria,
já pela
manhã
praça central de São Bernardo, em apoio aos metalúrgicos. A multidão estava disposta a realizar a passeata a qualquer custo, e a polícia, a impedi-la. Depois de tensas horas de negociação envolvendo representantes dos manifestantes, figuras públicas de oposição, como os senadores Teotônio Vilela e Franco Montoro, e go-
vemo federal, Brasília emitiu outra ordem: retirar as tropas da cida-
de e permitir a realização da passeata. Com um sentimento de vitória política, cerca de 100 mil pessoas realizaram a manifestação, transformada em ato público. Sobre
esse histórico evento, a revista IstoÊ, de 7 de maio de 1980, publicou: “Não se sabe, com
certeza,
quais foram
as razões
que
in-
duziram as autoridades a recuar da decisão de reprimir a passeata. Não houve qualquer esclarecimento para explicar a rápida retirada da polícia [...] Mas não é improvável que a única razão tenha sido a simples presença de todos aqueles brasileiros conscientes dos seus direitos”. Contudo, no día 5 de maio a chamada “república de São Bernardo” rendia-se: o movimento grevista estava suspenso. Reprimida pelos patrões e pelo governo, desgastada e sem ver atendida nenhuma reivindicação importante, a greve não tinha mais como manter-se.
Além disso, os dirigentes sindicais ainda permaneciam presos, assim ficando por muitas semanas.
Mas o regime militar não pôde capitalizar os resultados de sua aparente vitória. Ao tomar o partido das grandes empresas, durante à Breve, O governo aprofundou seu isolamento político perante os setores mais importantes das classes trabalhadoras e as lideranças 86
o e d s a c i t í l o p , s o c i g r ú l a t me , s o c i t á r c o m de
ios ár er op os e nt me ar ul ic rt pa s, re do ha al ab tr Os posição. de valores se tornavam o centro de um novo conjunto um 4 alternativa radical à Doutrina de Segurança Na
cional.
o t n e m a do , l a o v s a i i O c i o n i ã se t n e e u a , q d 80 e a d c é d a Durante
do à i v e e d t r e a p d n a r g m , e s i a m z a e i v a cad governo se aprofundar
ime g e r . O o n a a d a a v c a a r o i e p u , a s q c í a i p m o d ô n o o ã c situaç e s e õ t s s e a u m q u g l . a s o c a i M t o í l i o n p í l c e d s e i dava, enfim, sina d o ã o ç a i s n a r t a a r e i s r e v e o d : m o o ã c ç i cavam à dividir a opos a? r u d a t i d s a ó o p d a a t e s d E a o d e e r i a c z o i s n à a civil? Como reorg ? e t o n e c g i i m v ô n o o c l e e d o s m a v a O r i a t p seriam as alterna incorporar as organizações crática?
militar comepoder Quais Como
dos trabalhadores à vida política demo
e
q Mana ag
ogia o at
e m i g e r o e a d s m m a i f a t i l r ú s a a e c õ r ç a a m g a d s Essas e outra in ava a tomar à ç e m l a o o r ã c e ç b i i l s o p o o e a t u q n m e e m o m m r, milita nu s e r a t do i l i s m a o r d d í a a i s c a o g o e c n i a o t e í s l s o e p c a o r r i p o e d t dian poder.
A
crise
militar e
do
regime
a transição 4
'
democrática
As
eleições de 1982 e o aumento poder da oposição liberal
do
or volta de 1982, o regime militar dava sinais de uma crise estrutural aguda, embora ainda possuísse um grande controle sobre o sistema político. A política de crescimento econômico do ministro Delfim Netto naufragava já no final de 1981: inflação beirando os 100% anuais, dívida externa cresce nte (por causa do aumento dos juros internacionais) e diminuição do PIB. Ainda assim, em 1982, o governo conseguiu conter o agravamen to da crise econômica, preocupado com o desempenho eleitora l do seu
partido — o PDS — nas eleições marcadas para o final do ano.
entre
1980 e 1981, dois acontecimentos
abalaram
o regime,
m te te mor a er: pod o pel a ern int a de disput ro ad qu um do an ar jnaug da ro ist mín O o, rn ve go do o ári tid par 1980) do coordenador político-
( em ão ss mi de a e a, tel Por io rôn Justiça pet
1981) do chefe
da Casa
o up gr O . ime reg do sta egi rat est civil, general Golbery, principal vio Otá a, zz ea dr An io Már eu, Abr de medicista (Delfim Netto, Leitão
na bil iná e u-s elo rev s ma a, put dis sa des Medeiros) foi O vencedor no “contiva ta os Ap la. amp s mai al ion nac ca íti condução de uma pol
ma nu m va ta di re ac já os up gr ros out to an qu nuísmo” do regime, en saída negociada com a oposição liberal. vitória a 2, 198 de or ad rn ve go a par e vas ati isl leg es içõ ele Nas , DB PM o o ud et br so ão, siç opo de os tid par dos ra do ga eleitoral esma aná Par , ais Ger as Min lo, Pau o (Sã o çã ra de Fe da s ado Est nos principais
co. íti pol ro ad qu vo no e ess ido nít s mai ou ix de o), e Rio de Janeir de Rio do ado Est do or ad rn ve go ito ele foi ) DT (P Leonel Brizola s poi , cos íti pol os mei nos va ati ect exp de an gr a um o Janeiro, gerand era considerado um “esquerdista incendiário” pelos militares. Na Câmara Federal, a oposição passou a contar com cinco deputados a mais do que o governo, mas no Senado (graças ao poder do governo em nomear os senadores
“biônicos”, ou seja, escolhidos exclusiva-
mente por indicação) o PDS tinha o dobro de cadeiras, o que garantia ao governo a maioria no Colégio Eleitoral para presidente. Em números absolutos de votantes, a oposição levava uma grande vantagem em relação ao governo.
O limite. seu ao o chegad havia o, portant , política A abertura as e quisess bem como lar manipu de poder o governo já não tinha
nas ão oposiç da to ecimen fortal ao devido l, eleitora jogo do regras eleições de novembro de 1982 e à diminuição de seu poder de controle
sobre
a sociedade,
causada
pela
crise econômica.
Além
disso, os diversos grupos que compunham as Forças Armadas já não convergiam para uma estratégia comum, crescendo entre eles a idéia eto dir cio rcí exe do da saí a um ar oci neg am eri dev res ita mil os que de
a era ” ada oci neg ída “sa A is. rté qua aos tar vol e co íti pol do poder
do fim o r ita ace a par res ita mil dos to jun con o pel a ost imp ão condiç
dos ção iga est inv a ir mit per a tos pos dis m ava est não s poi , regime e, o rn ve go do s ro mb me do en lv vo en ção rup cor de os cas os mer inú s de ore cut exe e s te an nd ma dos o içã pun à am iti adm não , udo ret sob
ado tur tor e tos rup cor de o içã pun À s. no violações dos direitos huma
PT, e res era uma das exigências da oposição de esquerda, ligada ao do conjunto dos movimentos sociais e entidades civis, como OAB,
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CNBB, ABI e outras. Os novos governadores dos principais Estados, Franco
Montoro
(SP), Tancredo
Neves
(MG)
e Leonel
Brizola
(R)),
mesmo desativando a polícia política estadual, não se empenharam o bastante no esclarecimento dos casos de corrupção e violação dos direitos humanos, preferindo ceder às pressões dos militares, em nome da “pacificação nacional”.
Recessão
e crise
a “guerra
da
social:
fome”
Passadas as eleições de 1982 e garantida a maioria no Colégio Eleitoral para eleger o próximo presidente, o governo não teve como contomar a realidade da situação econômica do Brasil. Já no início de 1983. os índices de inflação e de desemprego explodiram. No final do ano, a situação era assustadora: 200% de inflação anual, queda de 5% do PIB, dívida externa chegando a US$ 100 bilhões. Com o aumento das taxas de juros internacionais, a situação da dívida brasileira ficava mais complicada. O pagamento dos juros era a condição básica para que investidores, empresários e banqueiros internacionais não suspendessem os negócios com o Brasil, o que representaria o caos para
um país que dependia das exportações para gerar divisas. A morató-
ria (decisão de não pagar os débitos externos) mexicana em agosto de 1982 agravou a situação da América Latina no mercado financeiro internacional. Os banqueiros decidiram não emprestar dinheiro novo sem o aval do Fundo Monetário Internacional (FEMD. Em 1983, o Brasil recorreu ao FMI para sanear suas finanças e conseguir empréstimos de emergência. O resultado de quase quinz e anos
de endividamento
externo
e gastos
públicos
descontrolados
começou a aparecer, agravado por uma concentração de renda que crescia com a inflação. O FMI era um crítico contumaz da política
econômica brasileira. Já em 1971, conforme Thomas Skidmore, um relatório da entidade advertia sobre os riscos do endividamento do
Estado, sobre a indexação da economia e sobre à política de crescimento econômico a qualquer custo comandada por Delfim Netto, Mas como naquela época havia dinheiro q baixíssimo custo
(emprestado pelo governo norte-americano) e crédito acessível nos
bancos internacionais (a juros baixos), além do fato de o Brasil ser um mercado atraente, pagando excelente remuneração para os compra90
s. da bi ce er sp de am ar ss pa s ia nc tê er lv ac s sa es dores de tútu los públicos, da do ra de mo o nt me ci es cr um ha Em linhas gerais, O FMI propun
da e os ic bl pú os st ga s do le ro nt co ao se fa ên s i a m ,economia, dando ômico n o c o e t n e m i c s e r c e d a c íti l o p a , 3 8 9 1 m e , o t i e f e ia om on ec a e , el ív inflação. Coãom so ss po is ma a er o b controle já nã com inflaç I. FM lo pe da ia nc re ge te en lm ua rt vi r brasileira passava a se o nd ma co r o za li na io ac sn de de ém al I, FM do a ic A receita econôm s oi (p o az pr o rt cu a ão ss ce re is ma ia ar oc ov pr da pc dítica econômica, limitava
os
investimentos
do
governo
e os gastos
com
prograrias
o caráter o ar cl a av ix de I FM ao o sã is bm su a , da er sociais). Para a esqu aspecto o is ma a nd ai do an uç ag , ro ei il as br o rn entreguista do gove
político da crise Em abril de Rranco Montoro, que durante três
econômica. or ad rn ve go do e ss po a ós s ap na ma se as uc po , 83 19 s, do ga re mp se de de a lt vo a re ic át am dr a um u re or oc dias assustaria não só a cidade de São Paulo, mas
sul da na zo do na ça me co a vi ão ha li be . re ra A ei il as e br ad ed ci so à toda
Irmo Celso/Abril Imagens
aem tr o ex çã la pu po a um a r ad po nt ue eq al fr ri st du in ão gi , re de cida uma e qu de o at bo um r a po ad us ca a — lt vo re a Um e. br po e nt me s — transre do ha al ab tr as de en nt r ce ta ra nt co a iri ão gi re a da ri st dú in o nt me vi mo lo do pe za ni ga , or to es ot pr o de ic bl pú formou-se num ato dos desempregados (liderado pelo PCdoB). Durante o ato, OS organis re do re ar ou os ed pr de e , qu ão id lt mu le da ro nt co am o er zadores perd da praça e saqueou as lojas.
Motim de
desempregados em São Paulo, em 5 de abril de 1983.
A
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PDS ERES
e SR
RSS
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No dia seguinte, 5 de abril, uma onda de saques e depredações se espalhava por toda a periferia de São Paulo, chegando ao centro da cidade. No mesmo dia, no palácio dos Bandeirantes (sede do governo estadual), enquanto o governador recebia uma comissão de desempregados, a multidão que permanecia fora acabou forçando e derrubando as grades que cercavam os jardins do palácio, numa cena que fazia lembrar os momentos que antecederam as grandes revolucões sociais da história. Somente no terceiro dia de conflitos, a polícia conseguiu controlar a situação na cidade. Enquanto isso, novos saques e depredações ocorriam em outras cidades importantes, mas sem o grau de violência visto em São Paulo, onde centenas de pessoas foram presas ou saíram feridas dos distúrbios. Com a situação controlada, as forças políticas começaram a fazer um balanço dos acontecimentos, propondo alternativas e trocando acusações. O governo federal, que colocara o Exército de prontidão, apontou a hesitação do governador Franco Montoro ao lidar com os manifestantes. O PMDB, partido de Montoro, culpou os grupos radicais ligados ao PT. O PCB (aliado ao PMDB) acusou os “infiltrados” de direita, que queriam desestabilizar o governo estadual recémeleito. O PT, por sua vez, culpou a política recessiva do governo federal, Todos os partidos de oposição, porém, concluíram que era necessário propor um novo modelo político para o país; caso con-
trário, tais acontecimentos
iriam se repetir de forma
mais grave e
incontrolável. Entre tantas avaliações sobre o episódio, vale a pena citar uma opinião simples e direta de um transeunte que presenciou o motim, colhida pela Folha de S.Paulo, de 5 de abril de 1983: “Nunca vi nada
igual nesta vida. É a guerra da fome”.
A
esquerda toma a Iniciativa: greve geral e eleições diretas para presidente
A gravidade da crise social e da desagregação política e econômi-
ca do país, cujo exemplo mais dramático tinha sido à rev olta de
desempregados em São Paulo, foi um estímulo para que a esquerda tentasse assumir a vanguarda do processo de tra nsição democrática, Os acontecimentos de abril não só desgastaram o governo federal e o 92
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regime
militar como
também
atingiram a imagem
dos governadores
da o s u o l s e e p r o d a n r e v o g s e s s do PMDB recém-eleitos. A opção de revelou a repressão
policial
no
combate
sociais
como
distúrbios
aos
de
rua
s, ai ur ut tr es s i a m s a t s o p o r p de l, ra be li o ã ç i s o p o da e rt pa r po ausência, e PT o , so is m o . C o g e r p m e s e d o d a m capazes de administrar o proble r as movimentos
os
um
todo
resolveram
radicaliza
. o ã ç i s n a r t de s a t s o p pro eve r g a m u o de ã ç a c o v n o c a i fo a d A primeira iniciativa mais ousa o lh ju de 21 ra pa a d a c r a m , s a 24 hor de o ã ç a r u d m o c , to es ot pr de l gera tral Única dos
n e C da o ã ç a i r c à ra a pa d a t i e v o r p de 1983. A data seria a os d a g i s l i a c i d n i s s o t n e m i v o m s o o d ã Trabalhadores (CUT), organizaç o ã S s o de c i g r ú l a t e M s o o d t a c i d n i S 10 novo sindicalismo, inspirado no e tr en , o l u a P o ã S s de o i r á c n a B s o o Bernardo e Diadema e no Sindicat d a do c i m ô n o c e ca ti lí po à a o er t s e t o r p o outros. O alvo principal d o da d n u f o r p s i a o m d i t n e s O I. FM o ã ao s s i governo federal e sua subm e m i g e r O a r t n o c s ta lu de xo ei r o a i l p greve geral era evidente: am al qu a c o n i t á r c o m o e ã d ç i s n a r t o de s s e c militar e tentar impor um pro . ia nc uê fl in r o i a e m ss a ve d ti a z i n a g a sociedade civil or s o l d ia rc o pa ã s e d a a m o o c d a t n o c a h A greve geral, embora ten m a r a c i s f e d a d i s c e d n a r g . As al o ci ã s so s u trabalhadores, teve reperc a i c de n ê r r o c o da o d e m a o nh ã ti ç a l u p o p vazias, sobretudo porque a de i o fo ã s e d , a o a d r a n r e B o ã S m E a. ru novos saques e conflitos de a, O iv at ic if gn e t si n e m l a u g i i fo al ci li o ã po s quase 100%, mas a repres o n r e v o g . O o r o t n r o o M d a n r e v o g ao as que provocou muitas crític dil, ra ge e v e r g da ca ti a lí i c po n â t r o p m r i a à z i federal procurou minim a, tentans n e r p m i e d n a r g . A so as ac fr m u vulgando que ela tinha sido si an tr e o d s s e c o r p o e r b o s is ra libe do evitar a perda de controle dos nto. De
e m i v o m o r a z i m i n i m u o t n e t m é ção que se anunciava, tamb r a c o v n o o c d i u g e s n o c a i v a h al ic o sind t n e m i v o m o , a r i e n a m r e u q l a u q de amplo alcance, de
e ev gr a um , te en lm ia rc pa e qu o sm e realizar, me 83, 19 em a nd Ai . 64 19 e sd de ra ei im caráter notadamente político, à pr as ic br fá s na es çõ sa li ra pa as tr ou ar os metalúrgicos voltariam à realiz rido or oc am vi ha o nã os an s mo ti úl is do ABC paulista, já que nos do a romav nt te al ic nd si o nt me vi mo O , greves da categoria. Desse modo rporar co in e as ad ol is s ai ri la sa es caçõ per os limites de suas reivindi al. on ci na ca ti lí po à s do ga li , os pl temas econômicos mais am querda,
es de ão iç os op da s te an rt po im Dentre as diversas iniciativas para presidente
q campanha
popular
pelas
eleições
diretas
teve
ro ei im pr O . me gi re do m fi o ra pa o um forte significado simbólic te en fr em , 83 19 de ro mb ve no de para O dia 27 comício foi convocado
95
ao estádio do Pacaembu, em São Paulo, e teve a adesão de setenta entidades
civis,
entre
partidos,
movimentos
sociais
e organizações
profissionais. O PMDB apoiara a iniciativa, mas nada fez para fortalecer a convocação, com receio de perder o controle do processo de transição. O partido, que tinha se tornado um agente político importante depois das eleições de 1982, preferiu apostar na articulação de bastidores e na pressão indireta da opinião pública, via imprensa. Ocorre que a adesão popular à campanha cresceu rapidamente e, um dia antes de um grande comício em São Paulo, oito govemadores de oposição, liderados por Montoro, Tancredo e Brizo-
la, assinaram um manifesto pela volta das eleições diretas para o próximo presidente do Brasil. Contudo, Tancredo Neves (então governador de Minas Gerais) tinha deixado claro, em declarações à
imprensa alguns dias antes, que o mais importante era garantir o consenso nacional em torno do nome do próximo presidente, mesmo
que fosse preciso adiar as eleições diretas. O comício paulistano reuniu cerca de 10 mil pessoas, a maioria militantes ou simpatizantes do PT. Um de seus oradores, o líder sindical e partidário Luís Inácio da Silva, o Lula, declarou: “Ou o povo se une e vai à praça pública exigir democracia ou ele não conseguirá
conquistá-la”. Jair Meneghelli,
presidente
da
recém-fundada
CUT,
previu que a campanha popular pelas eleições diretas, coordenada pela oposição de esquerda, menos disposta a negociar com o governo, tenderia a crescer a cada comício. Preocupada com essa possibilidade, a oposição liberal precisou rever sua estratégia de negociação institucional sem mobilização popular nas ruas, sob pena de perder o controle do processo de transição. O PMDB tomou para si a tarefa de organizar os próximos comícios e liderar uma grande frente política pelas eleições diretas.
Um de seus parlamentares, o deputado mato-grossense Dante de Oliveira, deu entrada no Congresso a um projeto de emenda constitu-
cional que propunha a volta, já para o sucessor de Figueiredo, das eleições diretas para presidente da República. O regime militar não
tinha como impedir a entrada da proposta, mas usaria todos os meios para que a oposição não conseguisse os dois terços de votos
necessários
no
Congresso
para
sua
aprovação,
Enquanto
isso,
a
oposição esperava Usar a pressão das ruas para sensibilizar os deputados e senadores acerca da vontade geral na nação. Em meio a
esse jogo de forças nascia uma das mais impres sionantes campanhas
políticas da história brasileira: as Diretas-já. 94
Fac-sinih do panfleto convocatorto do
primeiro grande comício pelas eleições diretas, em janeiro de 1984.
do Brasil
“O coração
bate nas ruas”
No dia 12 de janeiro de 1984, na cidade de Curitiba (PR), já com o apoio da máquina peemedebista, ocorreu o comício pelas eleições diretas que deu início efetivo à campanha das Diretas-já propriamen-
te dita. Cerca de 50 mil pessoas compareceram ao calçadão do centro da cidade. Os comícios pelas diretas eram organizados como se fossem shows ao ar livre. Artistas, jogadores de futebol, personalidades públicas em geral e lideranças partidárias se sucediam no pa-
lanque. Normalmente, os comícios terminavam com Os discursos das lideranças nacionais mais importantes, como Ulysses Guimarães, Franco Montoro, Leonel Brizola e Luís Inácio Lula da Silva. O comício de São Paulo, em 25 de janeiro, data de fundação da cidade, teve a presença de mais de 200 mil pessoas e ganhou grande espaço na imprensa. Esse comício surpreendeu os próprios organizadores da campanha. O comparecimento em massa do público, ainda que houvesse uma grande propaganda do evento, revelou uma vontade de participação do cidadão comum (ou seja, aquele não ligado organicamente à entidades civis ou a organizações políticas) e uma consolidação dos valores democráticos como eixo da política nacional. A ocupação das ruas pelo cidadão, como vimos, era uma afronta aos
princípios da Doutrina de Segurança
Nacional.
O
regime
militar
sempre se esforçara para despolitizar e controlar o espaço público;
assim havia sido nas passeatas de 1968, nas passeatas estudantis de
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95 x
1977,
nas
greves
movimentos
operárias
sociais.
e nos
atos
públicos
Para os personagens
que
organizados
não
tinham
pelos
espaço
institucional na política de abertura, ocupar as ruas era uma forma. ainda que simbólica, de exercer a cidadania e protestar contra os rumos históricos da nação. O govemo federal, ao tentar diminuir a importância das manifestações, chegava a ridicularizar os participantes dos comícios. afirmando que o seu comparecimento em massa era devido ao show de cantores populares. Com isso, só aprofundava seu isolamento politi-
co. Apesar de tudo, Figueiredo se comprometia, formalmente. à respeitar e a fazer cumprir a decisão do Congresso acerca da Emenda
Dante de Oliveira, o que não significava que o regime não usaria todos os meios de coerção para tentar influenciar à votação. Paralelamente à campanha das diretas, o PDS se agitava para escolher o candidato à sucessão de Figueiredo. Dois nomes, basi camente, disputavam a indicação do partido: o ex-governador de São Paulo, Paulo Maluf (apoiado por Golbery e pelos castelistas), e o exministro Mário Andreazza (ligado ao grupo medicista e apoi ado por Figueiredo). Maluf acabou ganhando a prévia do partido, tornando-se candidato a presidente. A indicação do ex-governador, na época um dos políticos mais impopulares do Brasil, acabou complican do ainda mais à situação política do regime. De qualquer forma, o próprio PDS acabou por enterrar a possibilidade do continuísmo militar, pois Mário Andreazza, o derrotado, era um militar da reserva ligado diretamente aos interesses do chamado “grupo palaciano” (aglutinado em torno do ex-presidente Médici). Entre fevereiro e março de 1984, a campanha das Diretas-já se
espalhara pelo país. Em todas as principais cida des foram realizados grandes comícios, reunindo enorme contingente de manifestantes. Alguns dados revelam a dimensão da campanha : Belém, 60 mil: Belo Horizonte, 300 mil: Rio de Janeiro, 200 mil: Recife, 80 mil. A imprensa
enumerou diversos eventos organizados espontaneamente pela população, em torno do tema das Diretas-já: bailes de carnaval, carreatas, churrascadas, cerimônias de formatura, partidas de futebol, exposições
de arte, etc. Nos escritórios e fábricas, os trabalhadores compareciam ao trabalho trajando vest imenta ou portando uma fita amarela — cor simbólica da campan ha — e broches e camisetas com
"m meados de março, tendo percebido o impacto do movimento, e oto Mont co Fran ores rnad gove aos alguns setores do PMDB ligados Tancredo Neves decidiram se afastar e não mais incentivar as manifesações de rua. Políticos ligados ao governo federal e setores das Forças
o negociada siçã tran uma de e idad ibil poss à com aram acen Armadas no s Neve redo Tanc de ura idat cand a ando apoi civil, der Pt para O Em as. diret das anha camp da fim do troca em oral, Eleit Colégio
am que declarações à imprensa na época, Tancredo e Montoro anunciar
não iriam mais participar dos comícios pró-diretas. No caso de Montoro, à despeito da discordância de sua assessoria mais próxima, as bases
do PMDB conseguiram que ele voltasse atrás em sua decisão. De qualquer forma, ficava claro que as mesmas forças políticas que haviam lançado a campanha estavam agora receosas de suas consequências. Um dos temores da oposição liberal era de que a campanha de rua dificultasse a saída negociada dos militares no poder. Apesar das tentativas de dissolver o ímpeto da campanha, a sociedade manteve a ocupação das ruas e o fôlego do movimento. Com a definição da data da votação da Emenda Dante de Oliveira para o dia 25 de abril, a campanha cresceu ainda mais, empolgando aqueles que ainda não tinham ido às ruas. O comício do dia 10 de abril, no Rio de Janeiro, foi um exemplo. Uma impressionante multidão, calculada em 1 milhão de pessoas, promoveu um verdadeiro “carnaval da democracia”, como foi qualificado na época. Fanta-
sias, faixas e cartazes bem-humorados, bandas de música, discursos, palavras de ordem — todos os recursos foram utilizados para reivin-
dicar diretas-já. Uma das faixas dizia: “Se alguns pediram 64, agora todos pedem diretas”. A tese, tão cara à Doutrina de Segurança Nacional, de que a politização das ruas gera necessariamente distúrbios da ordem pública, ficava definitivamente afastada. O SNI e a
Polícia
Federal
tentaram
incutir
medo
entre
aqueles
setores
que,
mesmo opositores ao regime, viam com reservas as ações da esquer-
da, “denunciando” a presença de “agitadores” nos comícios, simboli-
zados pelo uso das bandeiras vermelhas. Os anos de propaganda ideológica tinham conseguido que a parcela mais despolitizada acreditasse que esses grupos fossem uma ameaça para o país. Apesar
dessa
tentativa
de
contrapropaganda,
a festa
cívica
das
Diretas-já
contagiava a maior parte da sociedade brasileira, que a essa altura não depositava nenhuma confiança no regime. O governo tentou retomar a coordenação do processo político, lançando outra emenda constitucional, alternativa à emenda da
i
97
TE
oposição e na qual se propunham algumas reformas liberalizantes na
HR
estrutura
politica
e jurídica,
do
Cao
dente somente para
CE
o
No mesmo
1988.
dia em
constitucional,
visando
marcando
que
as eleições diretas para
o governo
esvaziar
propunha
a oposição,
a cidade
essa
presi-
alternativa
de São
Paulo
Ariovaldo dos Santos/Agência JB
colocava cerca de 1 milhão de manifestantes no centro de São Paulo, aumentando ainda mais a euforia em torno das Diretas-já e deixan do claro que a maior parte da sociedade civil não concordava com à emenda proposta pelo regime. Percebendo que a man obra jurídica ão teve o efeito desejado, o governo decretou estado de emergência em Brasília, ocupando militarmente a cidade e reprimind o qualquer manifestação pública, além de censurar as emissoras de rádi o e TV. O presidente Figueiredo ameaçava com o retrocesso, dizendose impotente para garantir a abertura, caso a emenda fosse aprovada: “A aprovação da Emenda Dante de Oliveira poderá provoc ar um novo 04 ao país” (Folha de S.Paulo. 19-4-84, p. 4). Em contrapartida, setores da oposição admitiam negociar com o governo. Em Minas Gerais, o governador Tancredo Neves, nome confiável segundo o generalpresidente, mandou reprimir um comício que se realizava na histórica cidade de Ouro Preto, no dia de Tiradentes.
Comício das Diretas- Já em São Paulo, 1984.
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Com a chegada do dia da votação da emenda das Diretas-já, 25 de abril, as entidades de oposição realizaram uma vigília cívica em todo o país, dO longo da madrugada, horário da votação em Brasília. Para
4 frustração geral da nação, uma parte dos deputados, liderada pelo
candidato do regime, Paulo Maluf, boicotou a votação, impedindo que o Congresso atingisse o quórum mínimo para aprovar a emenda.
Mais do que a Emenda Dante de Oliveira, a maioria dos brasileiros foi
derrotada. Nos meses que se seguiram à derrota das diretas, em meio à
frustração da sociedade mais organizada, realizaram-se inúmeras ne-
gociações de bastidores e articulações partidárias. Uma parte do PDS retirou seu apoio ao governo, formando a Frente Liberal. Essa, junto com o PMDB, apresentou uma chapa, considerada extremamente conservadora, para disputar a votação no Colégio Eleitoral, marcada para janeiro de 1985: Tancredo Neves para presidente e José Sarney — um aliado histórico do regime que se tornara dissidente de última hora — para vice. Uma tentativa de reeditar a grande campanha popular foi feita pela imprensa e pelos partidos liberais, e boicotada pela oposição de esquerda, cujo principal porta-voz, o PT, se recusou a comparecer ao Colégio Eleitoral (embora aí só tivesse seis votos). Em janeiro de 1985, a chapa Tancredo-Sarney conseguiu uma vitória esmagadora contra Paulo Maluf. O presidente vitorioso, que não chegaria a tomar posse devido a problemas de saúde, prometia o advento da Nova República e o encerramento do ciclo dos militares no poder. Era o começo de uma “transição democrática”, produto da saída negociada dos militares. Mesmo acusada pela esquerda de ser
uma opção conservadora, a Nova República prometia a redemocratização não só do Estado, mas também da sociedade brasileira. Se a transição democrática começou contrariando a vontade de milhões de brasileiros que não puderam influenciar no destino político imediato do país, os valores democráticos exercitados nos últimos anos do regime pela oposição civil como um todo marcaram
época e foram o contraponto das dinâmicas políticas do regime.
Aquela derrota não poderia apagar a presença de amplos setores da
sociedade que desejavam participar, após 21 anos de coerção social e
política em nome da Segurança Nacional, Como escreveu na Folha de
S.Paulo (de 26 de abril de 1984) o jornalista Fernando Gabeira, testemunha dos acontecimentos de Brasília: “O coração do Brasil não
está aqui [nos palácios de Brasílial, o coração do Brasil está nas ruas. nas fábricas, nos escritórios, nas escolas...”.
99
Conclusão
o longo dos 21 anos de regime militar, “o coração” do Brasil sempre bateu muito forte. Por expectativa, medo, esperança, tristeza ou por alegria. Ao contrário do que muitos pensam, esse coração nunca deixou de bater. A imagem de passividade ante o autoritarismo do Estado, tantas vezes repetida, não corresponde à realidade histórica efetiva, como tentamos demonstrar neste livro. A parte da sociedade brasileira comprometida
com
a democracia,
em seus diversos matizes,
não só lutou
contra o Estado autoritário como foi obrigada a encarar os valores autoritários presentes nas relações sociais como um todo. Nesse sendo, tentou lutar pela superação do autoritarismo a partir das relações cotidianas e contra estruturas sociais muito enraizadas. Podemos dizer que, durante a luta contra um regime autoritário, a sociedade civil percebeu que o autoritarismo não é só um fenômeno do Estado, mas está presente nas relações de trabalho, nas relações familiares, nas relações entre os diversos segmentos e grupos sociais.
Ao lutar pela democracia, a sociedade brasileira percebeu que deveria democratizar suas estruturas mais profundas. A experiência
das lutas civis contra o regime militar parece ter acabado com a crença de que uma mudança sob a hegemonia das elites tradicionais, sem participação popular efetiva, no plano do Estado, iria refletir-se automaticamente nas relações sociais como um todo. A difícil transição democrática, que não resolveu os problemas básicos da sociedade brasileira, só veio comprovar essa percepção.
Justamente para verificar que noções de democracia emergiram dessa transição, faz-se cada vez mais necessário conhecer mais e melhor o regime militar brasileiro, discuti-lo, criticá-lo. Entendê-lo, sobretudo, do ponto de vista histórico, para neutralizar os saudosistas autoritários, que tendem a lembrar-se com nostalgia da época da 100
de as vr la pa das e ns mu co sre ga lu s do ém al ra pa o -l dê en t n E . a r u d a t i d . es çõ di ra nt co as su em , de da xi le mp co a su em dê- lo n e t n E . m e d r o a el qu da s vo ti si po os ct pe as ar at sg re s mo Com isso não pretende nLo s. vo ti ga ne os ct pe as us se e nt me ia rd ta expe «iência, ou denunciar
foi mo co e br so ão ex fl re a um r la mu ti es é ge dissc » nosso objetivo , sil Bra no co íti pol o sm ri ta ri to au possível um tempo tão longo de equênns co as s ai qu , as pl am is ma s iai soc quais as suas implicações vir ser ve de a iv ct pe rs pe a Ess a. eir sil bra ia tór cias d e fundo para a his de au gr e qu : ais atu e s to re nc co s ma le ob pr para analisar e superar O € so en ns co o r e uni õ ç mo i Co u s? t i t u s e n i c s a n autoritarismo permane çáea am m se , ia ac cr mo de er qu al qu a s io ár ss ce conflito, dois pólos ne
do an lt cu fi di m vê e qu s co mi nô co oe ci so os fi sa la? Como superar os de mode de fa re ta l íci dif a ar iz al re mo Co a? ni da a consolidação da cida ? al on ci na a ez qu ri à so es ac o s ma s, ca ti lí po es cratizar não só as decisõ o nt me mo um er nd te en só o nã é r ta li mi Entender o regime ur rt pe s no e qu es tõ es qu ar in um il s ma , ia específico de nossa histór da a ic óg ol on cr e ad id im ox pr la pe s da za li ia bam ainda hoje, potenc o. id ec qu es ser de po o nã ele o, iss r Po a. ci ên quela experi mal, ou m be r, ita mil me gi re o e qu de é es iõ in op s da A maioria sre ac os am rí de Po o. nd la fa te en am ic om on ec deixou o Brasil mais rico, ou ix de r ta li mi me gi re o l, ma O ra pa ou m be o ra centar outro legado: pa e qu a nd ai , mo is nt ma ro de a rd pe sa es ez lv Ta o. o Brasil menos romântic to en im ec nh co de es nt zo ri ho s vo no em a id rt ve re traumática, possa ser da io se no o ic át cr mo de al ide do ão aç iz al re a en pl a e ação, visando . cê vo de ém mb ta er nd pe de vai o iss E a. sociedade brasileir
101
Cronologia Ds
1961
* Renúncia do presidente Jânio Quadros (PTN-UDN). Seu vice, João Goulart (PTB), não é aceito pelos militares, por ser visto como um esquerdista. A solução para a posse é a adoção do parlamentarismo, no qual o presidente fica com os poderes diminuídos. 1964
* Após a tentativa de implementar medidas como a reforma agrária e a nacionalização de algumas empresas, bem como incentivar a democratização interna das Forças Armadas, João Goulart é deposto por um golpe militar apoiado por civis, em 31 de março. Sobe ao poder o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco. 1967 * Promulgação da nova Constituição. Posse do marechal Ar tur da Costa e Silva como presidente. Parte da esquerda brasilei co ra meça a organizar a luta armada contra o regime.
1968
* À crise estudantil chega ao ápice. Entre março e outu bro explode um grande movimento de massa, apoiado por muit os setores da sociedade civil. Organizam-se os primeiros grupos gu errilheiros contra o regime. Em 13 de dezembro, o govern pr o omulga o Al-5,
que lhe dá plenos poderes para reprimir os opositores .
1969 * Posse do general Emílio Garra stazu Médici, após o afastament de o Ped
ro Aleixo, vice-presidente civil de Cost e a Silva, Reorganiza-se a repressão policial e estabelece-se a cens ura q todos os meios de
comunicação.
102
1975
+ Desmantelamento total dos últimos grupos guerrilheiros de esquerda. Auge do “milagre econômico”. 1974 e Posse do general Ernesto Geisel, prometendo “distensão” (liberalização do regime e relaxamento da repressão). A economia começa
a dar sinais de crise. O governo (Arena) sofre uma derrota significa-
tiva nas eleições parlamentares.
19:77 e Primeiras manifestações públicas de massa contra o regime militar, organizadas pelo movimento estudantil, depois do A-5S. O movimento operário volta a se pronunciar publicamente contra a política de arrocho salarial. Em outubro, o general Sílvio Frota, ministro do Exército e contrário à política de abertura, tenta organizar um golpe contra Geisel.
1978 e Em maio eclode uma greve-surpresa nas fábricas do ABC paulista. O líder metalúrgico Luis Inácio da Silva, o Lula, torna-se O porta-voz da oposição dos trabalhadores ao regime. O governo anuncia o fim do AlI-5, prometendo continuar a abertura no próximo governo. 1979 e Crescimento da oposição contra o regime. A crise econômica é um fato consumado. O movimento sindical e o movimento popular organizam grandes manifestações. Em março/abril, quando da posse do general João Baptista Figueiredo como presidente, uma grande greve paralisa o ABC paulista. O governo anuncia à anistia aos presos políticos, após um grande movimento popular. Inicia-se a reforma partidária, que acaba com o bipartidarismo, vigente desde 1966, estabelecendo o pluripartidarismo, 1980
* O
movimento
operário,
popular
o movimento
e as esquerdas
(menos o PCBe o PCdoB) decidem criar o Partido dos Trabalhadores. Eclode a grande greve de 41 dias no ABC, transformando-se num dos maiores conflitos políticos entre o regime militar e a
sociedade
civil. Todas
as lideranças 105
são
presas,
mas
quem
sai
desgastado é o governo. Ocorre uma série de atentados de extrema direita contra entidades civis e bancas de jornais que vendiam
jomais de esquerda.
1982 Primeiras eleições diretas para governador de Estado. A oposição (PMDB) sai vitoriosa na maioria dos Estados. |
1983 Auge da crise econômica, da recessão e do desemprego. O Brasil pede dinheiro ao Fundo Monetário Internacional. Fundação da
Central Única dos Trabalhadores. Desempregados realizam saques
e depredações em várias capitais do país. Em novembro é lançado o movimento por eleições diretas para presidente.
1984 Entre janeiro e abril, milhões de pessoas saem às ruas para protestar e exigir a volta das eleições diretas para presidente da República. No dia 25 de abril, a emenda constitucional proposta pelo deputado Dante de Oliveira é rejeitada pela maioria conservadora do Congresso. comandada pelo candidato indireto Paulo Maluf. A oposição, liderada pelo PMDB, decide participar da eleição indireta no Colégio Eleitoral, lançando Tancredo Neves para presidente e José
Sarney para vice. Os militares negociam sua saída do poder. Uma das condições é a não-punição daqueles que praticaram torturas. 1985
A oposição vence no Colégio Eleitoral. Tancredo Neves adoece antes da posse, vindo a falecer pouco depois. José Sarney, na condição de vice, toma posse como o primeiro presidente civil do Brasil desde 1964. Fim do regime militar, Nasce a Nova República.
104
Bibliog pafia
comentada
DG
lo/ Pau São ed. 12. IA. TÓR HIS A A PAR TO LA RE UM S: MAI A NC BRASIL NU
Petrópolis: Arquidiocese de São Paulo/Vozes, 1985. Este livro é o resultado de um levantamento minucioso € nou tor que ca, óli Cat ja Igre da io apo o com ado liz rea so oro rig públicos os mecanismos de repressão e tortura à presos políticos. É de r rro “te o es alh det com ela rev que nto ume doc e ant ort imp um Estado” montado pela ditadura militar brasileira.
D'ARAUJO, Maria Celina et alii (orgs.). Visões do golpe. A memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994. Reunindo depoimentos de militares envolvidos no golpe de 1964. este livro mostra o outro lado daquele momento histórico: a memória que foi construída pelos membros das Forças Armadas.
DREIEUSS, Rene. 1964: a conquista do Estado (ação política, podere golpe de classe). Petrópolis: Vozes, 1981. O livro do cientista político Rene Dreifuss já é um clássico sobre O
golpe militar de 1964. Mostra o papel do IPES na desestabilização do governo Jango e na montagem do projeto de Estado e sociedade implantado após 1964. Enfatiza o papel conspirativo das “classes empresariais”, ligadas ao capitalismo internacional, na elaboração do golpe.
GABEIRA, Fernando. O que é isso companheiro? Rio de Janeiro: Codeeri, 1979. Outro clássico sobre o contexto dos primeiros anos da ditadura, só que a partir de uma visão mais pessoal e memorialista. Gabeira foi guerrilheiro, esteve envolvido no sequestro do embaixador norte-americano, foi preso e esteve no exílio por dez anos. Sua rica experiência pessoal é aqui transformada no motor de sua reflexão histórica e política,
GORENDER, Jacob. Combate nas trevas. São Paulo: Ática, 1990.
Jacob Gorender foi outro militante da esquerda perseguido pelo regime militar. Neste livro, ele mescla sua experiência pessoal
com o olhar do historiador e realiza um interessante levantamento
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das organizações de esquerda e das formas de repressão do govemo. Livro importante para conhecer as organizações de esquerda entre 1964 e 1970.
IANNI, Octavio. O colapso do populismo no Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. Este livro, também fundamental, é uma análise sociológica e econômica da crise da “democracia populista” no Brasil, em que tenta explicar o sucesso do golpe militar a partir das contradições sociais e hesitações políticas do populismo brasileiro, sobretudo nos seus últimos anos.
RUCINSKI, Bernardo. Jornalistas'e revolucionários. Nos tempos da imprensa alternativa. São Paulo: Scritta Editorial, 1991. Livro fundamental para conhecer não só a imprensa dita “altemativa” durante o regime militar, cujo papel foi muito importante na resistência democrática, mas também as organizações de esquerda dos anos 70, após a derrota da luta armada.
MARTINS Fino, João Roberto. O palácio e a caserna: dinâmica militar das crises políticas na ditadura (1964-69). São Carlos: UFSCar, 1995. O professor e cientista político J. Roberto Martins Filho, autor de trabalhos importantes sobre o movimento estudantil, destaca aqui o papel dos grupos militares na dinâmica política do regime militar, procurando sair da visão bipolar, que divide os militares entre “castelistas liberais” e “linha dura”. Usando muitos documentos inéditos, ele demonstra o grau de complexidade do jogo político interno, que muitas vezes interferia no destino do país como um todo. SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Exp eriências e lutas dos trabalhadores na Grande São Paulo, 1970-1 980, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. Livro importantíssimo que relata as formas de resistência popular a partir dos movimentos sociais urbanos durante à dit adura. Eder
Sader demonstra o papel fundamental que esses movimento s tiveram na reorganização das formas de luta democrática que marcou os anos 70 e 80 no Brasil.
TELLES, Vera S, “Anos 70: experiências, prática e espa ços coletivos”. In: Kowarick, L (org). As lutas sociais e a cidade Rio de Janeiro: Paz e Terra, s/d. VENTURA, Zuenir. 1968: O ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.
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Discutindo o texto sor
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1. O que caracteriza a democracia populista brasileira? Por que esse regime era submetido a constantes crises políticas? 2. Por
que
Goulart
o presidente João
não
era
setores conservadores da sociedade brasileira?
bem
visto
pelos
3, Quais eram as propostas gerais das Reformas de Base do governo de João Goulart? Por que estão relacionadas ao golpe de Estado de 1964? 4. Quais foram os principais grupos conspiradores que prepararam o golpe?
S. Na sua opinião, e com base na leitura do texto, é possível afirmar que o golpe militar de 1964 está relacionado ao contexto da Guerra Fria? Justifique.
6. O que era a Doutrina de Segurança Nacional? 7. O
governo
Castelo
(1964-1967)
Branco
se caracterizou
pela
tentativa de criar uma nova institucionalidade que legitimasse o regime militar. Quais foram as principais medidas do governo nesse sentido?
8. Como o regime militar pretendia lidar com os conflitos sociais?
lha rri gue a pel ou opt a eir sil bra da uer esq da ção fac uma 9. Por que como forma de combater o regime? 10. Por que o governo
promulgou
o Ato Institucional nº 5? Por que
essa lei marcou uma nova fase do regime militar? 107
di;
A partir de 1969, a censura ainda mais sistemáticas. Com
e a repressão policial se tornaram base na leitura do texto, comente
essas medidas de controle das oposições e da sociedade como
um todo.
. Como o governo Médici administrou a economia brasileira e por que
para
o crescimento
que
população?
o regime
econômico
militar
naquele
conseguisse
período
o
apoio
foi
importante
de
parte
da
15. O que foi a política de abertura? Por que o regime militar propôs
essa política?
14. Em que medida o contexto autoritário dos anos 70 se relaciona
com o surgimento de movimentos sociais urbanos, que acabaram se transformando em pólos de oposição ao regime?
- Por que 1979 foi um ano-chave dentro do período militar? - O que foi a campanha pela anistia? - Por que o modelo econômico patrocinado pelo regime militar acabou provocando uma grande crise no começo dos anos 80?
E possível afirmar que, no final do período militar, as divergên-
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Bartira Gráfica e Editora Ltda.
108
dos
cias entre a oposição liberal (liderada pelo PMDB ) e a oposição de esquerda (liderada pelo PT e pelos movimentos sociais como um todo) ficaram mais nítidas? Quais foram as consequências dessa divisão no contexto da campanha das Diretas-já?
IMPRESSÃO E ACABAMENTO
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