O processo para solução de conflitos de interesse público
 8544214096, 9788544214091

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO O GO

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Coordenadores

Ada Pellegrini Grinover Kazuo Watanabe Susaha Henriques da Costa

Coordenadores Ada Pellegrini Grinover Professora Titular Sénior de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

Kazuo Watanabe

O PROCESSOPARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Mestre e Doutor pela DSP. Professor Doutor da USP. Advogado em São Paulo.

Susana Henriques da Costa Professora Doutora da Faculdade de Direito da USP e do programa GVIaw da FGV Direito SP. Mestre e Doutora em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP e Pós-doutora na University of Wisconsin - Madison Law School. Promotora de Justiça do Estado de São Paulo.

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Coordenadores Ada Peliegrini Grinover Kazuo Watanabe Susana Henriques da Costa

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO Em face do surgimento, reconhecimento e tutela dos conflitos de direito público, sempre atingível por ações coletivas, penso que hoje existem, via de regra, duas espécies de processos coletivos: os genéricos que, segundo afirmava Cappelletti, se destinam à proteção de direitos metaindviduais de grupos, categorias e classes de pessoas, e somente destes; e, a seu lado, mas configurando outra categoria, os processos coletivos estruturais, voltados a propiciar a fruição dos direitos sociais à população em geral, por intermédio do controle de políticas públicas. Dessa forma, dá-se proteção, por exemplo, a um grupo de pessoas que ocupa uma parcela do território amazonense, pela via do processo coletivo genérico, reconstituindo o meio ambiente em que vive e reparando os danos individualmente sofridos; e se dará proteção ao interesse público de todo o povo brasileiro - e até ao interesse público internacional - por intermédio do processo coletivo estrutural, implementando políticas públicas de proteção e desenvolvimento da região inteira.

Ada Peliegrini Grinover

2017

EDITORA >PODIVM www.editorajuspodivm.com.br

EDITORA >PODIVM www.editorajuspodivm.com.br Rua Mato Grosso, 164, Ed. Marfina, 1 ° Andar - Pituba, CEP: 41830-151 - Salvador - Bahia Tel: (71 J3045.9051 - Contato: https^/www.editorajuspodivm.com.br/sac Copyright: Edições JusPODIVM Conselho Editorial: Eduardo Viana Portela Neves, Dirley da Cunha Jr., Leonardo de Medeiros Garcia, Fredie Didier J r, José Henrique Mouta, José Marcelo Vigliar, Marcos Ehrhardt Júnior, NestorTávora, Robério Nunes Filho, Roberval Rocha Ferreira Filho, Rodolfo Pamplona Filho, Rodrigo Reis Mazzei e Rogério Sanches Cunha. Capa: Ana Caquetti Todos os direitos desta edição reservados à Edições JusPODIVM. É terminantemente proibida a reprodução total ou parcial desta obra, por qualquer meio ou processo, sem a expressa autorização do autor e da Edições JusPODIVM. A violação dos direitos autorais caracteriza crime descrito na legislação em vigor, sem prejuízo das sanções civis cabíveis.

Observação Esta obra contém artigos reeditados em conformidade com a publicação original. Visando a preservar a integridade dos textos, optou-se por manter a grafia utilizada nas respectivas edições procedentes.

APRESENTAÇÃO Um livro que tem como título "Processo Civil de Interesse Público" está inserido dentro da temática do controle judicial de políticas públicas e do papel da dogmática processual em construir um instrumento de resolução de conflitos que equacione adequadamente embates entre questões extremamente complexas, como separação de poderes, reserva do possível, discricionariedade administrativa e ativismo judicial. Este livro funda-se na premissa da existência de um potencial transformador do direito, próprio de um modelo de Estado Democrático. Ele nega, portanto, a ideia liberal de que o direito somente serve para reestabelecer o status quo. Mais ainda, este livro acredita no potencial do Poder Judiciário de alteração da realidade social, especialmente pelo reconhecimento e concretização de direitos fundamentais sociais. Crê-se na possibilidade de um Judiciário independente e acessível, que tenha capacidade de dialogar com os demais poderes, um Judiciário criativo, democrático e disposto a dar novas interpretações ao direito. Para tanto, dentro do atual enfoque de instrumentalidade metodológica, enfrenta um diagnóstico de inefetividade de desenhos institucionais e dos tradicionais modelos individual e coletivo de processo vigentes e busca repensar o modo de ser do Judiciário brasileiro e da técnica processual que aparelha os juizes chamados a atuar no controle judicial de políticas públicas. O livro contém textos já publicados e textos inéditos, escritos por estudiosos das mais diversas áreas do direito, com enfoque predominante no direito processual civil. É, portanto, uma coletânea multidisciplinar, pois a multidisciplinariedade, na opinião dos coordenadores, é a única abordagem epistemológica que permite apreender de forma mais completa a complexidade do problema. O livro, ainda, é composto por textos doutrinários dogmáticos, por textos que contêm análise empírica e por resenhas de decisões judiciais paradigmáticas nacionais e internacionais, oferecem ao leitor um panorama geral crítico de como diversos ordenamentos jurídicos, em tese (dever ser) e na realidade (ser), tratam do tema. O propósito é que, a partir da análise de outros modelos,

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO OE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

seja possível identificar os limites à intervenção judicial em políticas publicas e pensar em alternativas para problemas enfrentados pela realidade brasileira. O livro estrutura-se sob uma perspectiva histórica e evolutiva que se inicia pela seleção de alguns dos principais textos internacionais (década de 70) e nacionais (década de 2000) que fundaram as bases para a discussão que se seguiu a respeito do litígio de interesse público (public law litigation) e das possibilidades de reforma estrutural que se enxergavam viáveis naquele momento. Esta parte I, designada de AS ORIGENS, é composta pelos seguintes textos: CHAYES, Abram - The role of the judge in the public law litigation (1975-1976); Cappelletti, Mauro - Vindicating the public interest through the Courts: a comparativists contribution (1976); FISS, Owen - As formas de justiça (1979); Comparato, Fábio Konder - Ensaio sobre o juízo de constitucionalidade de políticas públicas (1998); SaLLES, Carlos Alberto de - Processo Civil de Interesse público (2003); WATANABE, Kazuo - Processo Civil de Interesse Público: introdução (2003); e SALLES, Carlos Alberto de - Políticas públicas e processo: a questão da legitimidade nas ações coletivas (2006). Este capítulo inicial contém, ainda, resenha de SOUZA, Fernando Garcia do paradigmático caso norte-americano Brown v. Board of Education 347 U.S. 483 (1954), talvez um dos primeiros e mais conhecidos litígios de interesse público, no qual a Suprema Corte dos EUA declarou inconstitucional a segregação racial nas escolas americanas e determinou a reestruturação do ensino a partir de premissas de igualdade. A segunda parte do livro, chamada de A ATUALIDADE, traz a discussão mais recente sobre o tema objeto deste livro, com críticas pautadas nos erros e acertos observados na experiência que a judicialização de direitos sociais permitiu acumular depois de algumas décadas. Mantendo método análogo ao da parte anterior, este capítulo contém textos mais recentes da doutrina internacional: Berizonce, Roberto Ornar - Los Conflitos de Interés Público (2012); VERBIC, Francisco - El remédio estructural de Ia causa "Mendoza": entecedentes, principales características y algunas cuestiones planteadas durante los primeros três anos de su implementación (2013); e BONATO, Giovanni - II giudizio di ottemperanza e il commisario ad acta nel processo amministrativo italiano (2015). A doutrina nacional, por sua vez, foi dividida em três chaves de análise, (I) diagnóstico, (II) problematização e (III) estudo de casos, na busca por melhor situar o leitor sobre o panorama crítico atual. Os respectivos textos são: (I) Diagnóstico - GRINOVER, Ada Pellegrini, SPINOLA, Grasielly de Oliveira - The Brazilian Judiciary as an organ of political contrai (2014); COSTA, Susana Henriques da, FERNANDES, Débora Chaves Martines - Processo Coletivo e Controle Judicial de Políticas Públicas - Relatório Brasil (2014);

APRESENTAÇÃO

(II) Problematização - SILVA, Virgílio Afonso da - O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo à realização dos direitos sociais (2008); COSTA, Susana Henriques da - A imediata judicialização dos direitos fundamentais sociais e o mínimo existencial: relação direito e processo (2013); e GRINOVER, Ada Pellegrini - Caminhos e descaminhos do controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil (2015); e (III) Estudos de casos - COSTA, Susana Henriques da - Acesso à justiça: promessa ou realidade? Uma análise do litígio sobre creche e pré-escola no Município de São Paulo (2015); Arenhart, Sérgio Cruz - Processos estruturais no direito brasileiro: reflexões a partir do caso ACP do Carvão (2016); VALLE, Vanice Regina Lírio do - Desafios à jurisdição em políticas públicas: o que se pode aprender com a experiência da Colômbia (inédito - 2016); e ALMEIDA, Eloísa Machado de - Litígio estratégico e articulação entre jurisdições: o caso Guerrilha do Araguaia (medito - 2016). A parte II traz, também, resenhas de importantes decisões em diversas instâncias judiciais brasileiras e estrangeiras que, para além de ilustrar experiências de judicialização da política, evidenciam suas potencialidades, sua complexidade e, especialmente, as dificuldades inerentes ao papel redistributivos das Cortes. São resenhas constantes deste capítulo: (I) Caso Criciúma - Ação Civil Pública n° 93.8000533-4 - Resenha de BARROZO, Thais Aranda; (II) Caso Creches - Apelação n° 0150735-64-2008-8.26002 (2013) - Resenha de SANTOS, Heloísa Couto dos; (III) Casos Sistema Prisional: (a) Caso Verbitsky, Horacio s/ Habeas Corpus (2005) - Resenha de AZEVEDO, Júlio Camargo de; (b) Caso Brown, Governor of Califórnia, et ai. V. Plata et ai. (2011) - Resenha de FREITAS JÚNIOR, Horival Marques de; (c) Acción de Tutela 58729 (2012) - Resenha de SILVEIRA, Ricardo Geraldo Rezende; (d) ADPF n° 347 MC/DF (2015) - Resenha de SILVA, Marcos Rolim da; e ADPF n" 347 MC/ DF (2015) - Comentário de LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Ao final, na parte III, o livro apresenta como perspectiva de futuro as propostas constantes do Projeto de Lei n. 8058/14, que buscam regular o processo de controle judicial de políticas públicas a partir dos problemas processuais e institucionais identificados nos textos que compõem esta coletânea, voltando à premissa inicial de que a legislação e o processo civil têm como contribuir para o aperfeiçoamento do sistema. Os coordenadores desejam a todos uma excelente leitura!

São Paulo, maio de 2017 Susana Henriques da Costa

PREFACIO I. Un largo y fructífero camino se ha recorrido en Brasil y en buena parte de los países iberoamericanos desde aquel hito, ya histórico, que constituyó Ia convocatória en 1987 a unas Jornadas sobre "Participação e Processo". Bajo Ia inspiración y el impulso de los profesores Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco y Kazuo Watanabe, se congregaron destacados juristas dei Viejo y Nuevo Mundo para debatir temas ligados ai Estado Democrático de Derecho, Ia democracia participativa y sus proyecciones en el proceso. Quedo allí subrayada "Ia necesidad de integración dei ciudadano en el ejercicio de Ia jurisdicción, atribuyéndole responsabilidades específicas en Ia búsqueda de Ia justicia y dei consenso, asimismo, como forma de legitimar el ejercicio de este poder, actividad y función dei Estado, que es Ia jurisdicción". La publicación de Ia obra colectiva resultó, sin duda, una sumatoria de lúcidos aportes que contribuyeron para comprender, ya en ese entonces, los que se avizoraba serían los nuevos rumbos dei proceso moderno. Naturalmente, pasó "mucha agua bajo los puentes", en un derrotero no siempre lineal, con Ias inevitables marchas y contramarchas -"caminhos e descaminhos"-. Fue decisiva Ia irrupción dei fenómeno singular de Ia "constitucionalización", replicado en Ia mayoría de los países de Ia región a partir de fmales de los anos ochenta, con Ia incorporación de los nuevos derechos y garantias -los derechos sociales, económicos y culturales y, especialmente, su expresión colectiva-, tanto como por Ia adopción de los tratados y convenciones humanitárias. Sobremanera, los nuevos y renovados valores asentados como "núcleo duro" de Ias Cartas Fundamentales -en respuesta a Ias exigências d sociedades cada vez más democráticas, plurales, abiertas y participativastanto como Ia textura "principiológica", abierta y progresiva, en que aquello valores se expresan, terminaron configurando una "nueva juridicidad". El ej no pasa, ai menos en exclusiva, por Ia ley sino antes y encima por los principio fundamentales que confieren y dan sentido a su contenido. En semejante perspectiva, Ias funciones y Ia misión de Ia jurisdicción se proyectan en paralelo, y de modo acompasado, con el propio y abarcado

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

PREFACIO

rol dei Estado. Impelido este a intervenir cada vez más vigorozamente en Ias relaciones sociales obrando el mandato supremo de promotor de los derechos fundamentales, mediante medidas de acción positiva que los aseguren, viene a incidir decisivamente en Ia función de Ia jurisdicción.

El mayor y más asentuado protagonismo de los tribunales conduce, en definitiva, a generar un nuevo equilíbrio en Ias funciones públicas. El poder pasa así, en cierto modo, a ser "compartido" con los estamentos de origen representativo.

El modelo dei Estado Democrático de Derecho reserva a los jueces misiones trascendentes, verdaderas funciones de garantia que se ejercitan por regia de modo auxiliar y no sustitutivo, en relación a Ias funciones políticas que corresponden a los poderes de gobierno. El cometido de Ia jurisdicción consiste en asegurar, siempre y como último baluarte Ia efectiva operatividad de los derechos fundamentales. Claro que los limites y fronteras que separan Ias funciones políticas de aquellas otras de control se muestran, desde luego, difusas, con contornos a menudo indefinidos. Sin embargo, es Io cierto y decisivo que los poderes políticos deben acatar los mandatos constitucionales en tanto asientan en los valores esenciales privilegiados por Ia comunidad, y que el escrutínio de correspondência entre Ias políticas públicas establecidas por los poderes de gobierno, y el contenido y alcances de los derechos fundamentales queda, en última instancia, en manos de los jueces.

En su base de sustentación se inscribe el creciente empoderamiento de los derechos en manos de los propios legitimados individuales o colectivos, expresión notória de una cada vez mayor y más pronunciada participación social. Fenómeno ya delineado anticipatoriamente en aquel recordado encuentro paulista de três décadas atrás, y que ahora, vivificado, resulta digno de ser analizado desde perspectivas más abarcadoras, propias de Ia politicología y de Ia sociologia. Lo que se vislumbra claramente en buena parte de los países de nuestro subcontinente, es una saludable aparición de grupos y asociaciones de todo tipo que se hacen presentes ocupando una plaza activa en Ia siempre ímproba empresa en pró dei bien común, para encaminar y encausar Ia "demanda social acumulada".

II. Más aún, los tribunales pueden convertirse en un espacio privilegiado desde el cual promover Ia construcción de regias de derecho y aún de políticas públicas, no solo cuando deben afrontar Ia decisión de los entredichos individuales o colectivos, sino especialmente cuando están frente a conflictos estructurales, de interés público. Son habitualmente verdaderos megaprocesos que involucran a grupos o clases de integrantes por Io general dispersos y a menudo indeterminados, cuyos reclamos ponen en debate el funcionamiento de grandes instituciones o servicios públicos. Cuando los tribunales se involucran en esos conflictos, pasan a asumir novedosas y muy complejas funciones, sea por Ia singular forma de gestionários, cuanto por el modo de dirimirlos y el alcance de sus proveimientos, en tanto vienen casi siempre a confrontar con Ias potestades que pertenecen o son reivindicadas por los poderes políticos. Es que, a través de ese accionar, los jueces pasan a intervenir, en grados diversos y siempre prudentemente en Ia configuración de Ias políticas públicas. Bien que por Io común Io hacen inducidos por Ia propia inércia de los poderes de gobierno, cuando se muestran desdenosos, desinteresados, inoperantes u omisos en Ia búsqueda de Ias soluciones. Situaciones que suelen convivir con esquemas de baja o nula institucionalidad republicana, que desdibuja el rol de los poderes y mengua de modo ostensible Ia eficácia de su ejercicio. Lastimosas épocas de verdadera "recesión democrática". 12

El correlativo activismo pretoriano, de su lado, contribuye virtuosamente a Ia legitimación democrática de sus decisiones, por Ia resonancia de Ia actuación en contradictorio y Ia plena transparência de los procedimientos, que permite instalar Ia democracia deliberativa en el espacio público judicial. Se impulsa, de ese modo, a través de los sucesivos pronunciamientos, un diálogo permanente, fructífero, que no solo enlaza a los poderes dei Estado durante el curso de los procedimientos y aún durante Ia etapa de ejecución, sino también a los propios ciudadanos y a Ias organizaciones de Ia sociedad civil, posibilitando una instancia transparente de participación cooperativa en los asuntos públicos. III. La obra colectiva que ahora se presenta -debo a Ia gentileza de Ia Profesora Ada Pellegrini Grinover el honor de prologarla-, pretende abordar Ias más significativas y complejas aristas de Ia tan vasta problemática dei proceso para Ia solución de los conflictos de interés público. La perspectiva metodológica es singular en tanto el fenómeno se desgaja en três tiempos sucesivos de Ia evolución. La primera parte se detiene en el análisis de los orígenes, Ia génesis de Ias ideas sustentadoras, aquellas inspiradas en el pensamiento doctrinario internacional y brasileno más relevante, ai igual que en los hitos de Ia jurisprudência. Puede facilmente entreverse un sabor a justo homenaje a Ia obra de los visionários que ya en los anos '70 dei siglo pasado abrieron el camino -CHAYES, CAPPELLETTI, FISS, entre otros-; y también a quienes Io hicieran en Brasil en el entre siglo -COMPARATO, SALLES, WATANABE-. Prolíficos tiempos en cuya memorización no podría omitirse el protagonismo activista en los Estados Unidos de Ia siempre recordada Corte Warren, a 13

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

través de emblemáticas decisiones como Ias recaídas en "Brown vs. Board of Education", de 1954. Los avances más recientes, recogidos en Ia segunda parte, se reflejan en Ia doctrina internacional, en especial Ia italiana y argentina -BONATTO, BERIZONCE, VERBIC-; y, desde luego, a través de los aportes, siempre sustanciales, de los autores brasilenos. Son ellos, precisamente, quienes se introducen enjundiosamente en los diagnósticos de situación -PELLEGRINI GRINOVER, SPINOLA, COSTA, FERNANDES-, aportando certeros relevamientos de Ia realidad cotidiana. La visión sistemática de los problemas que sucita fenómenos tan complejos como Ia judicialización de los conflictos que versan sobre los derechos sociales en general y el control jurisdiccional de Ias políticas públicas, se vá desgranando en los puntos de vista casi siempre alineados, en los trabajos de SILVA, COSTA y PELLEGRINI GRINOVER. El estúdio igualmente sistemático de los casos que muestra Ia experiência judicial brasilena, viene a enriquecer Ias reflexiones dogmáticas. Así, en los comentários no menos concienzudos de COSTA, ARENHART, VALLE y ALMEIDA, todos de muy reciente factura. La segunda parte de Ia colección remata con diversas resenas de particular interés práctico, incluyendo casos que se vinculan con los sistemas carcelarios y el regimen de prisión en diversos países, Brasil, Argentina, Estados Unidos. Se trata de muy certeras reflexiones que nos dejan BARROSO, SANTOS, AZEVEDO, FREITAS JÚNIOR, SILVEIRA, SILVA y LUCÓN.

PREFÁCIO

será insoslayable no solo para los estudiosos y, sobre todo, los legisladores brasilenos, sino también como modelo para Ia legislación iberoamericana y europea. He ahí su gran mérito.

La Plata, Argentina, otofio de 2017. Roberto Ornar Berizonce

IV. En Ia perspectiva de Ia concepción dei derecho como fenómeno social y, en consecuencia, de Ia ciência jurídica como ciência sociológico-valorativa, el jurista debe centrar su interés en los problemas prácticos sin enredarse en los pliegues y repliegues de Ias sistematizaciones conceptuales abstractas. Ha de esforzarse en Ia búsqueda inteligente de resultados concretos, mediante elecciones creativas y responsables; es su deber científico, a más de moral, enfocar su labor investigadora en Ias exigências sociales de su época. La ensenanza perdurable de CAPPELLETTI cobra renovado valor, tenemos que convenir, en tiempos como los nuestros de aguda crisis, incertidumbres y angustias, en los cuales adquieren resonancia singular los valores supremos. La obra común que se presenta a los lectores constituye, sin duda, fiel reflejo de aquella concepción desde que culmina con una propuesta fundada, razonada y superadora, el proyecto de ley n° 8058/14 (proposta de substitutivo), que representa una visión seria y sustentable dei futuro dei proceso para Ia solución de los conflictos de interés público. Una guia de ruta que 14

15J

SUMARIO

PARTE l - AS ORIGENS THE ROLE OF THE JUDGE IN THE PUBLIC LAW LITIGATION

29 31

Abram Chayes

'

VINDICATING THE PUBLIC INTEREST THROUGH THE COURTS

7O

Mauro Cappelletti

AS FORMAS DE JUSTIÇA

119

Owen Fiss 1. 2.

3.

Adjudicação e Valores Públicos

123

Forma e Função

134

A.

A Transformação

135

B.

O Significado da Transformação

146

O Problema do Remédio Judicial

161

A.

O Novo Formalismo

163

B.

Os Dilemas do Instrumentalismo

167

ENSAIO SOBRE O JUÍZO DE CONSTITUCIONALIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS

175

Fábio Konder Comparato 1.

Introdução

2.

Locke, Montesquieu, Rousseau e os fundamentos teóricos do Estado Legislativo

175 ... 176 17

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

183

5.

4. A inserção das políticas públicas no quadro da organização jurídica estatal

4.

181

3.

Do imobilismo legislativo à telocracia dinâmica...

Advertência final....

7.

188

A necessária reforma constitucional

6.

186

A irrecusabilidade do juízo de constitucionalidade de políticas Governamentais

5.

PROCESSO CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO

SUMARIO

Processo e políticas públicas: o efeito-carona (free-ríding)

Modelos de legitimação processual

7.

O papel da ideologia: um modelo de duas forças

6.

Processo e políticas públicas: a questão do grupo de interesse

241 243 244 247

8. A opção brasileira

246

9.

Conclusões

250

... 190

193

Carlos Alberto de Saltes

POLÍTICA EDUCACIONAL - SUPREMA CORTE DOS EUA CASO BROWN V. BOARD OF EDUCATION 347 U.S. 483 (1954) - JULGAMENTO EM 17 DE MAIO DE 1954

251

Fernando Garcia Souza

204

4. Tutela jurisdiciona! e neutralidade do processo

200

A efetividade da tutela jurisdicional

3.

195

Direito e processo: uma nova perspectiva metodológica

2.

193

Identificando um objeto de estudo: o processo civil de interesse público

1.

217

8. Justiça e adequabilidade do processo decisório: o papel do Judiciário na implementação de políticas públicas

210

A definição do interesse público

7.

208

Conflitos de interesse público e de interesse individual: o significado das ações coletivas

6.

A repercussão das ações coletivas no sistema jurisdicional brasileiro

5.

9.

Conclusão: um novo modelo de tutela jurisdicional do interesse público

Bibliografia citada

PROCESSO CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO: INTRODUÇÃO.

Reforma estrutural e o desafio de implementação: Brown II 349 U.S. 294 (1955)

3.

O processo civil no Estado Social

2.

Políticas públicas e processo

1.

253

Estrutura da decisão

2.

251

Contexto histórico: o regime de segregação racial institucionalizado nos EUA

1.

254

207

PARTE II - A ATUALIDADE LOS CONFLICTOS DE INTERÉS PÚBLICO

237 238 240

259 261

Roberto Ornar Berizonce I.

222 224

229

Kazuo Watanabe II. POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO: A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE NAS AÇÕES COLETIVAS 237

La constitucionalización de Ias garantias y Ia rnisión de Ia jurisprudência como receptora de los principies de Ias convenciones y tratados sobre derechos humanos

261

266

Los conflictos de interés público

266

Proyecciones

4.

Lãs tutelas procesales diferenciadas

3.

Lãs garantias fundamentales dei proceso civil

2.

El bill of rights sustantivo

1.

Los litígios de interés público en Ia experiência colombiana

3.

Características típicas

1.

Carlos Alberto de Saltes

Processo e políticas públicas: a questão dos custos

3.

263 264 265

268

III. El fenómeno de Ia judicialización de los conflictos y Ia participación de ios jueces en Ias políticas públicas IV. Lãs ventajas y desafios que plantea el creciente activismo judicial en los conflictos de interés público

276 279 282

19

18

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

EL REMÉDIO ESTRUCTURAL DE LA CAUSA "MENDOZA". ANTECEDENTES, PRINCIPALES CARACTERÍSTICAS Y ALGUNAS CUESTIONES PLANTEADAS DURANTE LOS PRIMEROS TRÊS ANOS DE SU IMPLEMENTACIÓN

SUMARIO

287

Francisco Verbic I.

Introducción

288

II.

Ubicándonos en el contexto

290

1.

Algo de historia y de Ia problemática social detrás dei caso

290

2.

Antecedentes relevantes de Ia causa prévios ai dictado de Ia sentencia de fondo (I): Ia decisión dei 20/06/06, Ias audiências públicas celebradas en Ia CSJN y Ia intervención de Ia Universidad de Buenos Aires como experto 291

3.

4.

Antecedentes relevantes de Ia causa prévios ai dictado de Ia sentencia de fondo (II): Ia intervención de terceros que pretendieron influir en el alcance de Io discutido

1. 2. 3.

4.

20

296 296

Delegación de Ia ejecución en el Juzgado Federal de Quilmes

300

Mecanismos de control y participación ciudadana en el procedimiento de ejecución. Rol de Ia Auditoria General y dei Defensor dei Pueblo de Ia Nación 301

Ale ance de Ia intervención dei Ministério Público Fiscal

303

2.

Responsabilidad personal de los funcionários actuantes

304

3.

Cuestiones de competência (I)

304

Asignaciones presupuestarias: el pedido dei juez de Ia ejecución

6.

Cuestiones de competência (III). Resolución de Ias divergências interpretativas con carácter general 307

312

Bibliografia

314

IL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA NEL PROCESSO AMMINISTRATIVO ITALIANO

309

1.

309

317

Giovanni Bonato 1.

2.

Introduzione: il controllo dei giudice amministrativo sulTattività delia pubblica amministrazione dalTazione di annullamento alTazione di adempimento Segue: Ia class action pubblica per l'efficienza delle amministrazioni

317 322

II giudizio di ottemperanza: evoluzione normativa

325

2.1.

327

Caratteristiche generali dei giudizio di ottemperanza

3.

La domanda e il procedimento nel giudizio di ottemperanza

329

4.

La pronuncia dei giudice nel giudizio di ottemperanza

333

5.

II commissario ad acta

335

THE BRAZILIAN JUDICIARY AS AN ORGAN OF POLITICAL CONTROL.... 341 Ada Pellegríni Grinover e Grasielly de Oliveira Spinola 1.

305

Ejecución de Ia sentencia (ii): monitoreo de Ia ejecución e impulso de oficio por Ia CSJN ante Ia falta de avances adecuados....

311

VI. Conclusiones

Introduction

2.

341

1.

Fundamental social rights, public policies and jurisdictional control

341

2.

Limits to the jurisdictional performance over the control of public policies

343

3.

The public policies and the individual actions

344

4.

The critics of the judicial activism and the judge's co-participation in the political arena

345

5.

The conflicts of public interest and its adequate jurisdictional protection. Characteristics of a new action 346

305

5.

La solicitud de un informe circunstanciado

La citación a una nueva audiência pública

302

1.

Cuestiones de competência (II)

3.

294

Principales características de Ia sentencia de condena y contenido dei programa de saneamiento

IV. Ejecución de Ia sentencia (i): cuestiones de competência, asignaciones presupuestarias y responsabilidad personal de los funcionários actuantes ,

Nuevas directrices para el juez de Ia ejecución y énfasis en Ia responsabilidad personal de los funcionários actuantes 310

1.1.

Antecedentes relevantes de Ia causa prévios ai dictado de Ia sentencia de fondo (III): creación de Ia Autoridad de Cuenca Matanza-Riachuelo (ACUMAR) 295

III. La sentencia de fondo y el remédio estructural

2.

AN Emblematic Case of Failure in the Inadequacy of Decisión on Pubiic Poiicy

348

2.1.

The inefficiencies of the hudicial decisión due to the implementation based on the wrong c/ass action

353

2.2.

Diffused, Collective and Homogeneous Individual Rights

353

21

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

2.3.

Importance of recognizing the rights and common interests in the case of autism, for efficiency judged

355

356

IV. BIBLIOGRAPHY

355

III. CONCLUSIONS

PROCESSO COLETIVO E CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS - RELATÓRIO BRASIL

359

Susana Henríques da Costa e Débora Chaves Martínes Fernandes

O sistema judicial brasileiro

2.

Introdução

1.

3.

359 362

Presença de mecanismos de tratamento de conflitos coletivos representativos 364

2.2.

O Judiciário brasileiro: um poder unitário, independente e inerte

2.1.

362

369

Os problemas da judicialização da política pública no Brasil

367

2.4. A tendência de democratização

366

2.3. Amplo acesso e baixo custo

Rigidez do procedimento processual

3.2.

Tratamento individual de conflitos coletivos

3.1.

370 374

SUMÁRIO

A IMEDIATA JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS E O MÍNIMO EXISTENCIAL: RELAÇÃO DIREITO E PROCESSO.... 397

Susana Henríques da Costa

400

O mínimo existencial

398

A jurisdicionalização dos direitos fundamentais

397

Introdução

Os problemas do processo civil na jurisdiçionalização dos direitos fundamentais sociais 4.1.

379

Conclusão

5.

377

Os projetos de aprimoramento do sistema processual para atender às demandas de natureza política

4.

402

Função judicial: consequencialista, estratégica e mediadora... 403

4.2. Universalização dos direitos sociais e a coletivização da tutela jurisdicional 405 4.2.1.

Técnicas de coletivização de pretensões individuais

4.2.2. Técnicas de agregação de demandas individuais já propostas 4.3.

Rigidez formal

407 412 414

4.4. Motivação

416

4.5. Democratização do processo

5.

Conclusões

417 .... 419

Referências bibliográficas

380

Referências

419

CAMINHOS E DESCAMINHOS DO CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL

423

Ada Pellegríni Grínover O JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS: ENTRE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL E OBSTÁCULO À REALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS

383

Virgílio Afonso da Silva

1. 2.

396

10. Bibliografia citada

394

Conclusão

9.

Estudo de caso: remédios para o tratamento da AIDS

8.

Mais uma vez: o custo dos direitos

7.

Então por que falta efetividade aos direitos sociais?

6.

O custo dos direitos

5.

Direitos sociais e deveres positivos

4.

Direitos individuais (civis .e políticos) e deveres negativos

3.

O mito de Montesquieu

2.

Introdução

1.

383 385 385 387

3.

Introdução: direitos fundamentais sociais, políticas públicas e controle jurisdicional O controle jurisdicional de políticas públicas e o princípio da separação dos poderes

423 424

Limites à intervenção do Judiciário nas políticas públicas: a razoabilidade

5.

430

A jurisprudência brasileira

4.

427

Controle jurisdicional de políticas públicas: o controle do mérito do ato administrativo

388 389

6.

390 391

7.

As dificuldades do juiz brasileiro no controle de políticas públicas: decisões irrazoáveis, que substituem a atuação do juiz ao do administrador O caso do Hospital Municipal Salgado Filho

434

436

440

Controle jurisdicional de políticas públicas. Mas que controle?

438

6.2. O caso das creches do Município de São Paulo

436

6.1.

23

SUMARIO

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

8.

Um caso emblemático de acerto do Judiciário brasileiro

9.

Os conflitos de interesse público e sua tutela jurisdicional adequada: características de um novo processo

10. Conclusões ACESSO À JUSTIÇA: PROMESSA OU REALIDADE? UMA ANÁLISE DO LITÍGIO SOBRE CRECHE E PRÉ-ESCOLA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

441 445

449 4.

1.

PROCESSOS ESTRUTURAIS NO DIREITO BRASILEIRO: REFLEXÕES A PARTIR DO CASO DA ACP DO CARVÃO

449 455 462 464 468 471

475

Sérgio Cruz Arenhart

Tutela judicial de direitos fundamentais na Colômbia: o que se pode aprender 3.1.

448

Susana Henríques da Costa Introdução: acesso à justiça como uma linha historicamente em expansão 2. O direito social à educação infantil: a litigância sobre vagas em creche e pré-escola no Município de São Paulo 3. A litigância individual 4. A litigância coletiva 5. Conclusões Referências

3.

Distinção entre provimentos individuais e decisões estruturantes

Políticas Públicas e Instrumentos Processuais de seu Controle

475

2.

Um Procedimento Adequado ao Debate Judicial de Políticas Públicas ..

479

O Ordenamento Brasileiro e os Processos Estruturais. O Caso Peculiar da Ação do Carvão

482

4. Alguns Instrumentos Processuais Harmónicos com a Intervenção em Políticas Públicas. Experiências Tomadas da ACP do Carvão

487

5.

491

3.

Conclusão

DESAFIOS À JURISDIÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS: O QUE SE PODE APRENDER COM A EXPERIÊNCIA DA COLÔMBIA

493

Vanice Regina Lírio do Valle 1. 2.

Judicialização de direitos fundamentais e controle judicial de políticas públicas

493

Políticas públicas: conceito e desafios à sua sindicabiiidade judicial

498

2.1.

Políticas públicas e seu caráter instrumental à consecução de objetivos específicos 498

2.2. Políticas públicas, multilateralidade e dinâmica

502

507

3.2. Construção paulatina de critérios definidores do conteúdo em si do direito fundamental tutelado

512

3.3. Diálogo permanente entre a dimensão exigível do direito, e aquela desejável: a Corte como instância de recomendação

514

Avaliando o potencial de transposição da matriz de decisão colombiana para a realidade brasileira

Referências

517 ... 522

LITÍGIO ESTRATÉGICO E ARTICULAÇÃO ENTRE JURISDIÇÕES: O CASO GUERRILHA DO ARAGUAIA

527

Eloisa Machado de Almeida Introdução

527

Direitos humanos e a integração entre sistemas

530

O caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) versus Brasil

537

Conclusão

545

Referências bibliográficas 1.

505

Jurisprudência mencionada

546 '

POLÍTICA AMBIENTAL - 1a VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE ÇRICIÚMA/SC (JUSTIÇA FEDERAL) - AÇÃO CIVIL PÚBLICA N.5 93.8000533-4 (CASO CRICIÚMA) - SENTENÇA EM O5 DE JANEIRO DE 2000....

547

... 549

Resenha por Thais Aranda Barrozo

EDUCAÇÃO INFANTIL - TRIBUNAL DÊ JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - APELAÇÃO N2 015O735-64-2O08-8.26002 (CASO CRECHES) - JULGAMENTO EM 16 DE DEZEMBRO DE 2013 557 Heloísa Couto dos Santos POLÍTICA CARCERÁRIA - CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DA NAÇÃO ARGENTINA - CASO "VERBITSKY, HORACIO S/ HABEAS CORPUS" JULGAMENTO EM O3 DE MAIO DE 2005 563 Júlio Camargo de Azevedo 25

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

POLÍTICA CARCERÁRIA - SUPREMA CORTE DOS EUA - CASO BROWN, COVERNOR OF CALIFÓRNIA, ET AL. V. PLATA ET AL. JULGAMENTO EM 23 DE MAIO DE 2O11

569

Horíval Marques de Freitas Júnior

POLÍTICA CARCERÁRIA - CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DA COLÔMBIA - ACCIÓN DE TUTELA 58729 - JULGAMENTO EM 27 DE MARÇO DE 2O12

PROJETO DE LEI N. 8058/2O14 CONSIDERAÇÕES GERAIS E PROPOSTA DE SUBSTITUTIVO

Da Constitucionalidade e da Conveniência do Projeto

I.

585

593

595

PARTE II - A ATUAL1DADE

605

Capítulo X - Das Ações Individuais

604

Capítulo IX - Dos Cadastros Nacionais

604

Capítulo VIII - Da Reunião de Processos em Grau de Recurso

601

Capítulo VII - Das Relações entre Magistrados

601

Capítulo VI - Da Reunião dos Processos em Primeiro Grau

601

Capítulo V - Do Processo Judicial

600

Capítulo IV - Dos Meios Alternativos de Solução de Controvérsias

599

Capítulo III - Da Fase Preliminar

598

Capítulo II - Da Competência e da Petição Inicial

597

Capítulo l - Dos Princípios Aplicáveis ao Controle Jurisdicional de Políticas Públicas

609 610 611

622

Das Relações Entre Magistrados

622

Da Reunião dos Processos em Primeiro Grau

618

Do Processo Judicial

616

Dos Meios Alternativos de Solução de Controvérsias

614

Da Fase Preliminar

612

Da Competência e da Petição Inicial

611

Princípios Aplicáveis ao Controle Jurisdicional de Políticas Públicas

625

Das Demandas Individuais

623

Dos Cadastros Nacionais

623

Da Reunião de Processos em Grau de Recurso

Disposições Finais III. Substitutivo Sugerido

606

Capítulo XI - Das Disposições Finais

609

Ada Pe/legríni Grinover, Kazuo Watanabe e Paulo Henrique dos Santos Lucon

Análise do Projeto, artigo por artigo

II.

Projeto de Lei n. 8058/2014 da Câmara dos Deputados

577

Ricardo Geraldo Rezende Silveira

POLÍTICA CARCERÁRIA - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - ADPF N° 347 MC/DF - JULGAMENTO EM O9 DE SETEMBRO DE 2O15 Marcos Rolim da Silva

COMENTÁRIO DE PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON

597

PROJETO DE LEI Ns 8058, DÊ 2O14

639 640

Sugestão de Substitutivo - Ao Projeto de Lei n. 8058/2014... 640

(Do Sr. Paulo Teixeira)

606

Justificação

642

Da Fase Preliminar

641

Da Competência e da Petição Inicial

640

Princípios Aplicáveis ao Controle Jurisdicional de Políticas Públicas

Dos Meios Alternativos de Solução de Controvérsias.... 643 Do Processo Judicial Da Reunião dos Processos em Primeiro Grau Das Relações entre Magistrados

,

Da Reunião de Processos em Grau de Recurso

644 646 646 646

Dos Cadastros Nacionais

647

Das Demandas Individuais

647

Disposições Finais

... 650

26

27

PARTE l

AS ORIGENS

Reeditado com a permissão de Harvard Law Review Association, de The Role oftheJudge in Public LawLitigation, Abram Chayes, originalmente publicado em Harvard Law Review, volume 89, n° 7, maio de 1976; Permissão cedida por meio do Copyright Clearance Center, Inc. Este artigo é uma reprodução fac-símile de seu original.

31

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

VOLUME 89

MAY 1976

THE ROLE OF THE JUDGE IN THE PUBLIC LAW LITIGATION • Abram Chayes

NUMBER 7 1282

HARVARD LAW REVIEW THE ROLE OF THE JUDGE IN PUBLIC LAW LITIGATION f Abram Chayes * Traditionally, adjudication hás been understood to be a process jor resolving disputes among private parties wliich have not been privately settled. In this Artícle, Professor Chayes argues that this conception oj adjudication aamot acconnt Jor much oj what is act-ually liappening in federal tríal courts. Civil litigation increasingly involves determination of issties of public Iam, whether statntory or constitutional, and freguently terminates in an ongoing affirmative decree. T/te litigation focuses not on the fair implications of private interactions, biit on the application of regulatory policy to the situation at hand. The lawsuit does not merely clarify •the meaning of the law, remitting the parties to private ordering of their affairs, bttt itself establishes a regime ordering the future mteraction of the parties and of absentees as well, subjecting them to continuing judicial oversight. Sueli a role jor courts, and for judges, is unprecedented and raises serious concerns of legitimacy. Notwithstanding these concerns, Professor Chayes' prelitninary conclusion is that the involvement oj the court and judge in public law litigation is laorkable, and indeed inevitable if justice is to be done in an increasingly regulated society. Becanse oj its regulatory base, public law litigation will ojten, at kast as a practical matter, aject the interests of many people. Much signifcant public law litigation is therejore carried out through the class action mechanism, discussed at length in Developments in the Law—Class Actions, which follows Professor Chayes' Artícle. Although this Article is not intendei to be a foreioord to the Deiielopments Note, both pieces share the perspective that adjudication and civil procedure can usefully be analyzed as elements oj a larger systein of public regulation. For this reason, the two pieces may profitably be read together.

H

OLMES admonished us in one of bis most quoted aphorisms to focus our attention on "what the courts will do in

t Copyright 1976 by Abram Chayes. * Professor of Law, Harvard University. AJB., Harvard, 1943; LL.B., 1949. This Article is a sketch of work in progress. It coraprises a set of preliminary hypotheses, as yet unsupported by much more than impressionistic documentation, which I hope to test, refine, and develop in the course of research over the coming year. The research on which this Article is based is supported by grants from the National Science Foundation and the New World Foundation. I should also record my debt to colleagues who critíqued an earlier draft of this paper presented to a group of them late last year and to the students in my current seminar in Contemporary Procedural Developments.

;

SARVARD LAW REVIEW

[Vol. 89:1381

fact, and nothing more pretentious." 1 Despite this fashionably empirical slogan, the revolution he instigated proceeded comfortably within an accepted intellectual conception of the nature of civil adjudication and of the judge's role in it, a conception that still remains central to the way we teach, practice, and think about the law.2 But if, for a moment, we take Holmes' advice and look closely at what federal courts and particularly federal trial judges are doing "in fact," what we see will not easily fit our preconception of civil adjudication. We are witnessing the emergence of a new model of civil litigation and, I believe, our traditional conception of adjudication and the assumptions upon which it is based provide an increasingly unhelpful, indeed misleading framework for assessing either the workability or the legitimacy of the roles of judge and court within this model. In our received tradition, the lawsuit is a vehicle for settling disputes between private parties about private rights.3 The defining features of this conception of civil adjudication are: 4 (1) The lawsuit is bipolar. Litigation is organized as a contest between two individuais or at least two unitary interests, diametrically opposed, to be decided on a winner-takes-all basis.5 (2) Litigation is retrospectíve. The controversy is about an identified set of completed events: whether they occurred, and if só, with what consequences for the legal relations of the parties.6 (3) Right and remedy are interdependent. The scope of the relief is derived more or less logically from the substantive violation under the general theory that the plaintiff will get compensation measured by the harm caused by the defendant's breach of duty — in contract by giving plaintiff the money he 'Holmes, The Path oj the Law, 10 HARV. L. REV. 457, 461 (189?). Sec also J. GEAY, THE NATORE AND SOURCES OF THE LAW 102-03 (zd ed. 192?) i K. LT.EWELLÍW, THE BKAMBIE BUSH 3 (1930). 2 See, e.g., L. FUIXER, THE PROBT.EMS O£ JTOTSPRTJDENCE 706 (temp. cd. 1949); SM. HAKT & A. SACKS, THE LECAL PROCESS: BASIC PROBLEMS rs THE MAKINO AND APPIJCATION OF LAW 662-69 (tent. ed. 1958). 3 See M. COHEH, LAW AND THE SOCIAL ORDER 231-52 (1933). 4 See generally F. JAMES, Civn, PROCEDURE § 1.2 (1965). E See, e.g., id. §§ 1.2, 10.19; C. LANGDEIX, A SUMMARY or EQOTIY PLEADINO x^iii ( J 877); Shapiro, Some Thoughts on Intervenlion Be/ore Courts, Agencies, and Ãrbitrators, 81 HARV. L. REV. 721, 721 (1968). 6 See L. FOIXER, supra note 2, at 706; HM. HART & A. SACKS, supra note 2, at 185; CAtuoROTA LAW REV. Conartr, RECOMMENDATIOSS & STUD. 657-58, quoted in Advisory Comm. Note to FED. R. Evro. 404 ("Characler evidence . . . . tends to distract the trier of fact from the main question of what actually happcncd on the particular occasion.").

I28l

32

33

1976]

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

'

PUBLIC LAW LITIGATION

1283

would have had absent the breach; in tort by paying the value of the damage caused.7 (4) The lawsuit is a selj-contained episode. The impact of the judgment is confined to the parties. If plaintiff prevails there is a simple compensatory transfer, usually of money, but occasionally the return of a thing or the performance of a definite act. If defendant prevails, a loss lies where it hás fallen. In either case, entry of judgment ends the courfs involvement.8 (5) The process is party-initiated and party-controlled. The case is organized and the issues defined by exchanges between the parties.9 Responsibility for fact development is theirs. The trial judge is a neutral arbiter of their interactions who decides questions of law only if they are put in issue by an appropriate move of a party. This capsule description of what I have called the traditional conception of adjudication is no doubt overdrawn. It was not often, if ever, expressed só severely; 10 indeed, because it was só thoroughly taken for granted, there was little occasion to do só. Although I do not contend that the traditional conception ever conformed fully to what judges were doing in fact,11 I believe it hás been central to our understanding and our analysis of the legal systern. Whatever its historical validity, the traditional model is clearly 7 See, e.g., Draft Opinion o£ Taney, C.J., Gordon v. United States, 64 TJ.S. (2 Wall.) 561 (1864), prínted at 117 U.S. 697 (1886); G. PATON, A TEXT-BOOK 03?

JURISPRUDENCE § IIO (sd ed. 1964) j J. POMEROY, CODE REMEDIES § 2 (Sth ed.

1929); Hohfeld, Fundamental Legal Conceptions as Applied in Judicial Reasoning, 23 YAI.E L.J. 16, 28-39 (1913)"See, e.g., R. FIEED & B. KAPLAN, MATERIALS FOR A BASIC COTJRSE IN CIVIL PROCEDURE 103-03 (sd ed. 1973); G. GH.MORE, TEÍE DEATH OF CONTRACT 51-32 (1974); C. LANGDEU, supra note 3, at xxii. 0 See, e.g., C. CTARK, HANDBOOK OF THE LAW or CODE PLEADING § i (zd ed. 1947); R. FELD & B. KAPLAN, supra note 8, at 12. '"Buí see Morgan, Judicial Notice, 37 HAKV. L. REV. 269, 269-72 (1944); Arnold, Trial by Cambai and the Nem Deal, 47 HARV. L. REV. 913, 920-21 (1934). 11 The characteristic features of the traditional model were strongly marked in the developed common law procedure of the seventeenth and eighteenth centuries, which was inherited by the American colonies and states. It is true that procedure in equity was not constrained by any such rigid structure. It was relatively fiexible and pragmatic on the questions of parties, the scope of the controversy, and tíie forais of relief available. And it was essentially the equitable procedure that was adopted in the reforming codes of the last half of the nineteenth century, both in this country and in England. See C. CLARK, supra note 9, § 8, at 23; id. §§ 5657. But the common law outlook predominated for ahnost another hundred years, and, while it did, the codes did little to alter the basic structural characteristics of common law Htigation. See pp. 1289-96 infra. See also Pound, The Decadence of Equity, s Coirai. L. REV. 20 (1905).

THE ROLE OF THE JUDGE IN THE PUBLIC LAW LITIGATION • Abram Chayes

1284

HARVARD LAW REVIEW

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invalid as a description of much current civil litigation in the federal district courts.12 Perhaps the dominating characteristic of modern federal litigation is that lawsuits do not arise out of disputes between private parties about private rights. Instead, the object of litigation is the vindication of constitutional or statutory policies. The shift in the legal basis of the lawsuit explains many, but not ali, facets of what is going on "in fact" in federal trial courts. For this reason, although the label is not wholly satisíactory, I shall call the emerging model "public law litigation." The characteristic features of the public law model are very different from those of the traditional model. The party structure is sprawling and amorphous, subject to change over the course of the litigation. The traditional adversary relationship is suffused and intermixed with negotiating and mediating processes at every point. The judge is the dominant figure in organizing and guiding the case, and he draws for support not only on the parties and their counsel, but on a wide range of outsiders — masters, experts, and oversight personnel. Most important, the trial judge hás increasingly become the creator and manager of complex forms of ongoing relief, which have widespread effects on persons not before the court and require the judge's continuing involvement in administration and implementation. School desegregation, employment discrimination, and prisoners' or inmates' rights cases come readily to mind as avatars of this new form of litigation. But it would be mistaken to suppose that it is confined to these áreas. Antitrust, securities fraud and other aspects of the conduct of corporate business, bankruptcy and reorganizations, union governance, consumer fraud, housing discrimination, electoral reapportionment, environmental management — cases in ali these fields display in varying degrees the features of public law litigation. The object of this Article is first to describe somewhat more fully the public law model and its departures from the traditional conception, and second, to suggest some of its consequences for the place of law and courts in the American political and legal system. 12 For present purposes, I confine my discussion to civil litigation in the federal courts. There are, I think, corresponding departures from the tradiíional model in the state courts. There, litigation itself hás declined in importance, and the overwhelming bulk of cases is disposed of either administratively, through the mcchanism of default (as in consumer credit and landlord-tenant cases), or by manipulation of consent (as in divorce and criminal matters). See generatty Friedman & Percival, A Tale of Twa Courts: Litigation in Alameda and San Benito Counties, 10 LAW & SocV 267 (1976); Rubenstein, Procedural Dm Process and the Limits of the Adversary System, n HARV. Crv. RicHis-Civ. Lra. L. REV. 48, 66-70 (1976).

35

34

THE ROLE OF THE JUDGE IN THE PUBLIC LAW LITIGATION • Abram Chayes

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

1976]

PUBLIC LAW LITIGATION

1285

I. THE RECEIVED TRADITION The traditional conception of adjudication reflected the late nineteenth century vision of society, which assumed that the major social and economic arrangements would result from the activities of autonomous individuais.13 In such a setting, the courts could be seen as an adjunct to private ordering, whose primary function was the resolution of disputes about the fair implications of individual interactions.14 The basic conceptions governing legal liability were "intention" and "fault." 15 Intentional arrangements, not in conflict with more or less universal altitudes like opposition to force or fraud, were entitled to be respected, and other private activities to be protected unless culpable. Government regulatory action was presumptívely suspect, and was tested by what was in form. a common law action against the offending official in his private person.16 The predominating influence of the private law model can be seen even in constitutional litigation, which, from its first appearance in Marbury v. Madisonj" was understood as an outgrowth of the judicial duty to decide otherwise-existing private disputes.18 Litigation also performed another important function — clarification of the law to guide future private actions.19 This understanding of the legal system, together with the common law doctrine of stare decisis, focussed professional and scholarly concern on adjudication at the appellate levei, for only there did the process reach beyond the immediate parties to achieve a wider import fhrough the elaboration of generally applicable legal rules. Só, in the academic debate about tíie judicial function, the protagonist was the appellate judge (not, interestíngly enough, the appellate couri), and the spotlight of teaching, writing, and analysis was almost exclusively on appellate decisions.20 "See, e.g., O. HOLMES, THE COMMON LAW 77 (M. Howe ed. 1963); Pound, Do We Need a Philosophy oj Law, 5 COLTOI. L. REV. 339, 344-49 (i9°5)"See, e.e-, HM. HART & A. SACKS, supra, note 2, at 185-86; R. POCND, AN IjJTRODnCTION TO THE PHH.OSOPHY OF LAW 189 (1922). 15 See, e.g., L. FULLER, THE MoRAimr OF LAW 167 (1964) ; O. HOLMES, supra note 13, Lecture III, at 63-103. 10 See, e.g., Ez parte Young, 209 U.S. 123 (1908); United States v. Lee, 106 U.S. 196 (1882). See also Jaffe, Stãts Against, Govemments and Officers, 77 HARV. L. REV. 1209 (1964). 17 5 U.S. (i Cranch) 137, 177 (iôuj). "See, e.g., Massachusetts v. Mellon, 262 U.S. 447, 488 (1923). See generally Monaghan, Constitational Adjudication: The Who and When, 82 YAT.E L.J. 13631 1363-68 (1973). 19 See, e.g., Holmes, supra note i, at 457-58.

20 See, e.g., K.

36

Li.EWELi.7H, THE COMMOK LAW TRAMITOU 4 (1960).

1286

HARVARD LAW REVIEW

[Vol. 89:1281

In practice, the circle was even more narrowly confined to the decisions of the United States Supreme Court, the English high courts (though decreasingly só in recent years), and a few "influential" federal and state appellate judges.21 As to this tiny handful of decisions subjected to criticai scrutiny, the criterion for evaluation was primarily the technical skill of the opinion in. disposing of the case adequately within the framework of precedent and other doctrinal materiais, só as to achieve an increasingly more systematic and refined artículation of the governing legal rules. In contrast to the appellate court, to which the motive power in the system was allocated, the functions of the trial judge were curiously neglected in the traditional model.22 Presumably, the trial judge, like the multitude of private persons who were supposed to order their affairs with reference to appellate pronouncements, would be governed by those decisions in disposing smoothly and expeditiously of the mine-run of cases.23 But if only by negative implication, the traditional conception of adjudication carried with it a set of strong notions about the role of the trial judge. In general he was passive.24 He was to decide only those issues identified by the parties, in accordance with the rules established by the appellate courts, or, infrequently, the legislature. Passivity was not limited to the law aspects of the case. It was strikingly manifested in the limited involvement of the judge in factfinding. Indeed, the sharp distinction that Anglo-American law draws between factfinding and law declaration is itself remarkable. In the developed common law system, these were not only regarded as analytically distinct processes, but each was assigned to a different tribunal for performance. The jury found the facts. The judge was a neutral umpire, charged with little or-no responsibility for the factual aspects of the case or for shaping and organizing the liíigation for trial.25 2I VirtuaIly ali casebooks illustrate this focus. For example, see R. FIELD & B. KAPLAN, supra note 8; L. JAFFE & N. NATHANSON, ADMDIISTRATIVE LAW: CASES & MATERIAIS ($â. ed. 1968); V. KESSLER & G. GILMORE, CONTRACTS: CASES & MATERIALS T (4) In índia, based on the Indian Monopolies and Restrictive Practices Act of 1969, the Registrar for Restrictive Trade Agreements hás the power to act as an "advocate of public interest" by investigating and initiating proceedings against restrictive trade agreements and practices.48 (5) Finally, in Ghana, an Environmental Protection Council was created in 1974; apparently it is endowed, inter alia, with the power to conduct civil litigation for environmental protection.49 45. See id. at 846-47 & nn.238-45; D. KING, CONSUMER PROTECTION EXPERIMENTS IN SWEDEN 3-18 (1974) (South Hackensack, N. J., Fred Rothman & Co.). For the now vast literatura, see, for example, Bemitz, La protection dês consommateurs cn Suède et dans lês pays nordiques, 26 REVUE INTERNATIONALE DE DROIT COMPARE 543, 556-59, 573-76 (1974); Stenberg, Ifombudsman suédois pour lês consommatettrs, 26 REVUE INTERNATIONALE DE DROIT COMPARE 577 (1974).

46. See I. Jacob, The Representation of the Public Interest in English Civil Proceedings 17-18, 33-38 (unpufalished English report; see note 35 supra). 47. See id. at 17-18, 39-42; Comparative Study at 841 n.213. 48. See L. Singhvi, Representation of Public Interest in the Indian Legal System 8-10 (unpublished Indian report; see note 35 supra); Comparative Study at 841-42 n.218. 49. See N. Ollennu, Representation of Public, Collective, and Group Interests in Civil Litigation 5-6 (unpublished Ghanaian report; see note 35 supra); Comparative Study at 841-42 & n.219.

82

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

1976]

VINDICATING

THE PUBLIC INTEREST

VINDICATING THE PUBLIC INTEREST THROUGH THE COURTS • Mouro Cappelletti

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It should be emphasized that these are but a few examples of a burgeoning phenomenon which is rapidly spreading over much of the world, a phenomenon which, while familiar to American lawyers for many years, and especially since the New Deal era, is essentially new to other nations. As for the United States, in addition to the numerous administrative agencies that have been operating for several decades— such as the Food and Drug Adrninistratíon, the Securities and Exchange Commission, and the Federal Trade Commission—Congress hás recenáy created an Environmental Protection Agency and a Legal Services Corporation and is trying to create a Consumer Protection Agency. Apparently, the principal task of this latter agency would be to act, even in court, as an advocate, or ombudsman, for the consumer.60 B. Inadequades of the "Specialized Governmental Attorney General" Solution The "specialized attorney general" solution hás represented, no doubt, notable progress on the difficult road toward assuring that the emerging diffuse interests enjoy effective access to justice, a progress in which the United States hás been in the vanguard for more than 40 years. Notable progress also hás been represented by another, very similar attempt, in which the United States is once more in the forefront: the departmentalization of the office of the governmental attorney general, whereby some departments are specialized in such matters as welfare, antitrust, civil rights, consumer protection, and environmental protection.61 Yet, even this solution hás proven to be largely inadequate. Even specialized agencies (or departments) tend to assume a bureaucratic psychology and a hierarchical srructure that often render their action too slow, rigid, and centralized. They, too, often lack the aggressiveness, imagination, and flexibility that are só necessary for an effective attack, both preventive and correctíve, against the new, sophisticated types of 50. See C. Halpern, Some Observations on Developments in the United States Regarding Representatíon of Public Interests in Civil Litigatíon 15-18 (June 1974) (unpublished paper on file at the University of Florence Institute of Comparative Law); Leighton, The Consumer Advocacy Agency Proposal . . . Ágain, 27 AD. L. REV. 149, 153-61 (1975). On further innovatíve American experiments with agencies for public advocacy, see note 56 infra. 51. See generally L. HUSTON, THE DEPARTMENT OF JUSTICE 54-109 (1967) (New York, Praeger). On the same phenomenon at the state levei, see, for example, REPORT ON TBE OFFICE OF ATTORNEY GENERAL 390-91; Note, supra note 40, at 1053-54.

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abuses which are frequently originated by centers of political or economic power and are só difficult to discover and control. It should also be added that the creation of specialized governmental agencies usually requires legislative action which, in turn, is very slow and diflicult to achieve and, once achieved, even slower and more difficult to readapt to new experiences and new circumstances. The risk is thus to have structures that are created too late, and, once created, are adapted too late to meet rapidly changing needs—burdensome, costly, useless entities which, like parasites, impoverish and paralyze the economic and social life of a country. Sadly, post-World War II Italy hás an unfortunately rich experience in this área. But even in a country like the United States, where the experience with the specialized governmental attorney general hás been, on the whole, quite positive for several decades, not a few illusions have had to be abandoned. The tendency today is to recognize that regulatory agencies have frequently been "captured," both psychologically and politically, by the very interest groups that they were supposed to control.52 Thus, as recently documented in a thorough study by.Professor Hein Kotz of Germany,53 increasingly, many Western experts—from 52. A leading American expert in public interest problems noted that in the United States. there hás been considerable disillusionment with governmental agencies with a broad mandato to regulate corporate behavior . . . in the public interest. These agencies, many of which were begun in the New Deal years, are now perceived as being "captured" and being too responsive to the industries which they are intended to regulate, and too unresponsive to the interests of the general public. C. Halpem, supra note 50, at 6. See also id. at 17; Scott, Two Models of the dali Process, in STANFOED LEGAL ESSAYS 413, 415 (J.H. Merryman ed. 1975) (Stanford, Cal., Stanford Univ. Press); Weinstein, supra note l, at 304-05 (on the "incapacity" of administrative agencies "to carry the entire burden"). For the criticism at its strongest, see Green & Nader, Economic Regulation us. Competition: Uncle Sam the Monopoly Man, 82 YALE L.J. 871, 876 (1973). In a recent, thorough study of administrative law, Richard B. Stewart givcs four reasons for the industry orientation of American regulatory agencies: (1) the conservatism inherent in the "division of responsibility" between the regulatcd nrms and the administrator—this division of responsibility limits the administrator to negativo action which, if pursued too far, may lead to economic dislocation for which he will be held accountable; (2) the tendency of the bureaucracy to become "regulation minded"—this tendency leads to a proliferation of mies which inevitably restrictg the entry of new competítors, buttressing the positíon of established firms; (3) the relativo lack of resources—"in terms of money, personnel, and political influence"—of the agency as compared to the industry, which forces the agency to rely on compromise; and (4) the connected need of the agency to depend on outside sources of information, which tend to be organized interests with a stake in the outcome and which are predominantly the regulated firms themselves. Stewart, The Reformation of American Adminàtratiae Law, 88 HAEV. L. REV. 1667, 1685-86 (1975). 53. See Kõtz, supra note 5, at 81-82 & nn.26,59, 90, 96.

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Germany to the United States—have adopted the view that not even specialized administrative agencies can become the effective defendeis of the new economic, social, and environmental interests of collectivities and groups. Receiu research of ours hás reached similar conclusions for other countries as well, including the Soviet Union and Japan.54 Political science adds its own explanation for this world-wide phenomenon by observing that modern collective interests, such as those in a healthy environment, in consumer protection, and in traffic safety, are too "diffuse"65 to be sufficiently "felt" and "taken seriously" by the public administration in its day-to-day action.56 Economic analysis sup-

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ports the same condusion.57 Perhaps too skeptically, but quite realistically, Pietro Verri—Beccaria's great inspirer—would presumably repeat today his observation of two centuries ago, that "ordinarily, the last to see clearly society's real interests are precisely those who are paid to do so."B8 C. The "Private Attorney General" Solution and the Value of "Combined" or "Multiple" Solutions: Comparative Examples Faced by the proven inadequacy of the traditional solutions, contemporary legal systems have been turning to more complex, sophisticated, and flexible solutions which have proven much more effective in dealing with the problem of protecting the emerging diffuse rights. Essentíally, these modern solutions consist of (a) utilizing the initiative and zeal of private persons and organizations by allowing them to act in court for a general or group interest, even though they may not be directly injured in their own individual rights, and (b) combining and integrating this private zeal with the initiative of, and/or control by, governmental bodies, whether or not specialized. In the first case, borrowing from Judge Jerome Frank's well-known terminology,09 we may speak of a "private attorney general" solution; in the second, we may speak of "combined" or "multiple" solutions. Examples of these newer kinds of solutions are numerous. In the United States one would immediately think, of course, of class and other representative and public interest actions,80 an extremely important phenomenon, especially in the last ten years or só, which once again hás brought the United States to the forefront of modern legal developments.61 Indeed, the very philosophy of class and public interest actions, which hás been só severely challenged by recent decisions of the United States Supreme Court62 and some lower American courts, represents

54. See Comparatiue Study at 824-25 & n.139 (Soviet Union), 843 & n.223 {Japan). 55. The German writers speak of "breitgestreute Allgcmeininteressen." See note 56 infra. 56. [I]n a system of pluralistic democxacy, it is difficult to organize and make politically effective such diffuse societal interests (das breitgestreute Allgemeininteresse) as the public's health, the protection of the environment, traffic safety, and the'protection of consumers. This is the reason why such interests are not taken seriously enough by the public administration in its everyday action. Kõtz, supra note 5, at 96-97 (with bibliographical references). See generatty M. OLSON, THE LOGIC OF COLLECTIVE ACTION (1965) (Cambridge, Mass., Harvard Univ. Press). A positive development in the United States aimed specifically at this problem is the device of setting up agencies that have the specific objective of helping diffuse, unorganized, and relatively weak groups to gain influence in regulatory agencies feared to be "captured." The perfect example is the proposed Gonsumer Protection Agency (see note 50 supra and accompanying text), of which Ralph Nader hás stated: "I would consider it a $15 million contribution to public interest law." Green, The Perils of Public Interest Law, THE NEW REPUBLIC, Sept. 20, 1975, at 21. Of course, it is too early to judge whether this optimism is justified, or whether such agencies will themselves succumb to some of the same problems which undermine the effectíveness of other governmental agencies. The same trend toward the creation of specialized governmental agencies for the unorganized can be seen in the concept of "Public Counsel," put into practice by the Rail Reorganization Act of 1973, 45 U.S.G. § 715(d)(2) (Supp. 1975). The Public Counsel, according to Bloch and Stein, "seeks to assure more constructíve partícipation by providing factual data and well-reasoned, well-organized testimony from a broad cross section of interested parties, thus increasing the probability that a full and credible record will be developed for the agency from these divergent, often unorganized, and frequently uninformed sources." Bloch & Stein, The Public Counsel Concept in Practice: The Regional Rail Reorganization Act of 1973, 16 WM. & MARY L. REV. 215, 235 (1974). Abo of increasmg importance as a model for state legislation is the New Jersey Department of the Public Advocate, established in 1974, which, inter alia, is mandated to "represent the public interest in any such administrative and court proceedings, other than those under the jurisdictíon of the Division of Rate Counsel . . . as the Public Advocate deems shall best serve the public interest." N.J. STAT. ANN. § 52:27E-29 (Supp. 1975). The law establishes within the Department of Public Advocate an "Office of Inmate Advocacy," a "Division of Rate Counsel," a "Division of Mental Health Advocacy," a "Division of Citizen Complaints and Dispute Settlement," and the "Division of

Public Interest Advocacy" whose jurisdiction is described in the statutory provision quoted above. NJ. STAT. ANN. §§ 52:27E-1 to-27 (Supp. 1975). The remarkable feature of these innovative American experiments is that the public advocate tends not merely to substitute for, but also to stimulate and organize, the participation of individuais and groups to influence governmental decisions in which they may be concemed. In a sense, these eKperiments are examples of those "combined" solutions discussed below. See Section IV G infra. 57. See R. POSNER, supra note 2, ch. 27, at 386-92. 58. Verri, Pensées détachées, first published from the author*s manuscript in MILANO IN EUROPA 138 (M. Schettini ed. 1963) (Milan, Cino dei Duca). 59. See Associated Indus. v. Ickes, 134 F.2d 694, 704 (2d Cir. 1943). 60. For a most comprehensive discussion, see Private Suits at 343-410. 61. See notes 103-126 infra and accompanying text. 62. See notes 63-65 infra. See also note 23 supra.

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the core of a tremendously important, world-wide contemporary evolution, an evolution in which the American institutions often have been considered the models to follow. Patadoxically, after the rigid and, in my opinion, quite formalistic limitations imposed by Zahn v. International Paper Co./3 Eisen v. Carlisle è- Jacquelin,KÍ and Alyeska Pipeline Service Co. v. The Wilàerness Society,65 developments outside America may now appear, in part, more promising in this very área in which the United States was looked to, and admired, as the courageous forerunner. The inadequacies of the traditional standing solutions—individual and governmental—described in the previous sections of this article become even more significant when placed in this context, for it is on those demonstrably inadequate" methods of protecting meta-individual rights that American citizens may be left to rely i£ the limitations of Eisen and other recent decisions signal a lasting retreat from the advanced position United States jurisprudence had achieved. The two newer kinds of solutions just mentioned deserve some further illustration. The first is the private attorney general solution —the flexible utilization of the initiative of "private persons or organizations for the protection of diffuse rights. From araong the numerous examples of this development, I wish to discuss only a few; they ali reflect innovations after World War II and represent a mere sample of a universal evolution of major importance: (1) In Bavaria, every person, physical and legal, even though not directly interested, hás standing to bring proceedings before the Bavarian Constitutional Court to attack Land legislation violative of civil rights (whether individual or social) proclaimed by the 1946 Land Constítutíon.66 The idea at the basis of this Popularklage or citizen 63. 414 U.S. 291 (1973). 64. 417 U.S. 156 (1974). The case is analyzed, e.g., in Bennett, Eisen v. Carlisle & Jacquelin: Supreme Court Calls for Revamping of Class Actitm Strategy, 1974 Wis. L. REV. 801. For a generally convíncing criticism of the United States Supreme Gourt's decision, see Dam, Class Action Notice: Who Needs It?, 1974 Sup. GT. REV. 97. For a thorough analysis of the Eisen case prio"r to the Supreme Gourt decision (and, in fact, ante litteram criticism of the Supreme Courfs decision), see Note, Managing the Large Class Action: Eisen v. Carlisle & Jacquelin, 87 HARV. L. REV. 426 (1973). 65: 421 U.S. 240 (1975). See Comment, The Discrefionary Award of Attornefs Pees by the Federal Courts: Selective Deviation from the No-Fee Ritle and the Regrettably Brief Life of the Private Attorney General Doutrine, 36 Orno ST. L.J. 588 (1975). 66. See M. CAPPEI.I.ETTI, LA GIURISDIZIONE CosTrrozioNAi,E DELLE LIBERTA 69-72 (1955, 3d printíng 1974) (Milan, Giuffrè); C. LECSSER, E. GERNER, K. SCHWEIGER & H. ZACHER, DIE VERFASSUNG DÊS FREISTAATES BAYERN 42 (2d ed. 1970) (Munich, Beck).

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action is that when one person's fundamental rights are violated, everyone's freedom is indirectly violated. If the court holds the challenged statute unconstitutional, its decision hás erga omnes and retroactive effect.67 (2) In Italy, a law of 1967 grants "everyone" standing to sue against the unlawful issuance of construction permits by local authorities.66 Here, too, the decision, if favorable to the plaintiff, hás ultra partes eífects. (3) In the Federal Republic of Germany, a statute of 1909, amended in 1965, allows consumer associations (in addition to merchants and their associations) to challenge in court acts of unfair competition. There is no need to prove direct and personal injury.0" (4) In various countries, including índia,70 Italy,71 and Tanzania,72 actiones populares or citizen actions are allowed to attack unlawful electoral activities. This list of examples could easily be extended. Suffice it to add that similar developments, although still in a very embryonic and tentative phase, can be seen even at the levei of international organizations.78 As for the other variant of the newer solutions—the combined or multiple solutions—the following illustrations are especially interesting. A first, most instructive example is offered by Swedish consumer protection law. We have already mentioned74 that the Consumer Ombudsman, a "specialized governmental attorney general," hás the power 67. M. CAPPELLETTI, supra note 66, at 71 & n.234. 68. Law o£ Aug. 6, 1967, No. 765, art 10, [1967] Gaz. Uff. 4846, 4848-49. Unfortunately, the Consiglio di Stato (Ital/s Supreme Administrative Court) hás interpreted the 1967 statute in a restricrive sense, clearly a contra legem intcrpretation condemned by most commentators and justífied merely by the tenacity of traditional concepts. Decision of Juns 9, 1970, No. 523, [1970] Foro Ital. III 201, Giur. Ital. III 193 (Gonsiglio di Stato) (the latter contains a criticai note by E. Guiccíardi), Even after this restrictive interpretation, however, standing is recognized for "everyone" •who "lives in the área" surrounding the unla\víul construction. 69. Comparative Study at 877-78 & nn.374, 379; Kõtz, supra note 5, at 93-94. 70. Comparative Study at 877-78 & n.376, with icferences. Whether this still holds after the latest politícal developments in índia—which led the Indian Parliament to enact legislation in 1975 barring the Supreme Court of índia from deciding a case concerning Indira Gandhi's election—^is a matter that must be left open here. 71. Ia. at 877 & n.375. See also F. CARPI, L'EFFICACIA "UI.TRA PARTES" DELLA SENTENZA crviLE 99-119 (1974) (Milan, Giuffrè). 72. See G. Onyiute, The Role of the Ministère Public in Civil Proceedings in the United Republic of Tanzania 4-5 (unpublished Tanzanian report; see note 35 supra), discussed in Comparative Study at 878 & n.377. 73. See COUNCIL OF EUROPE CONSULTATIVE ASSEMBLY, PARLIAMENTARY CONFERENCE ON HUMAN RiGHTs 27, 66-67, 83 (1972) (Strasbourg), See also Comparative Study at 878 & n.378. 74. See note 45 supra and accompanying text.

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to bring proceedings before the Market Court. However, this power does not belong exclusively to him. Private consumer associations also have standing to commence cases before the Court,75 thus possibly substituting for, and in any case stimulating, the initiative of the special administrative agency. In fact, even the Swedish ministère public may have a role in the proceeding,76 with the consequence that the competence, initiative, and control of both private organizations and (special and general) governmental attorneys general are most ingeniously intermingled and combined. Modern Swedish legislation offers still another typical example. Standing to bring proceedings in the courts to obtain an injunction against activities harmful to the natural environment is granted not only to a special administrative body (another kind of "special governmental attorney general"), but also to private individuais, even those only "indirectly" aggrieved.77 A third noteworthy example is provided by Irance. Due to the already mentioned, well-recognized incapacity of the ministère public to provide adequate protection of consumers' rights,78 a remarkable statute enacted on December 27, 1973, comraonly known as loi Royer, hás opened the doors of the courts of justice to associations of consumers, granting them standing to sue in case of "facts directly or indirectly detrimental to the collective interest of the consumers."79 At the same 75. Section 6 of the law of 1970 (the Marketing Practices Act) and section 3 of the law of 1971 (the Act Prohibiting Improper Terms of Contract). For an English translation of these laws and an infonnative discussion of consumer protection in Sweden, see D. KING, supra, note 45. Section 7 of the law of 1971 allows an even more complex combinatíon of efforts, shice it entrusts with the Public Prosecutor the task of "instituting proceedings before the ordinary courts in regard to the imposition of fines." Thus the following combinations are possible in order to enforce the rights of consumers: Both (1) the consumer ombudsman and (2) a private association can bring complaints before the Market Court; (3) the Market Court can issue injunctions prohibiting, under penalty of fine, further use of certain contract terms; in case of noncompliance, (4) the ministère public brings suit for the imposition of the fine, but he does só only upon notincation by (5) the consumer ombudsman or (6) any other person who had applied to the Market Court for the injunction. See Comparative Stttdy at 846-47. 76. See note 75 supra. 77. Swedish Law of 1969 for the Preservation of the Environment. See Comparative Study at 840 n.210, 877 & n.372. 78. See Section III B supra, and in particular, note 38 and accompanying text. 79. Statute No. 73-1193 of December 27, 1973, art. 46, [1973] J.O. 14139, [1974] D.S.L. 30, 35, [1974] B.L.D. 30 ("loi Royer"): [T]he associations duly certífied, whose purpose, as expressly declared in their charters, is the protection of consumers' interests, may, só long as they are authorized for this purpose, bring civil actions in ali courts concerning facts

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time, however, the loi hás also provided for a series of controls which are intended to assure that consumers are adequately represented by the associations bringing suit and, generally, to preveni abuses by these associations; such controls are entrusted, in part, to the ministère public himself.80 The loi Royer thus represents yet another illustration of the myriad ways to combine, and mutually integrate, the "partisan zeal of private interested groups" with the equilibrium, the detachment, and the "neutrality" of a governmental official who is midway between a judge and a public administrator. It should be mentioned that another French statute recently hás adopted a somewhat similar solution with a view to protect minority groups against certain racial offenses;81 this solution will most probably also be adopted in that country to deal with violations of urban planning regulations.82 A further significant illustration is provided by recent legislation ín the United States. As is well known, the Clean Air Act of 1970 allows not only the Administrator of the Environmental Protection Agency (a "specialized attorney general" in our terminology), but also any private citizen, even though not directly injured, to bring suit—typically a "citizen action"—against polluters.83 V. OLD INSTITUTIONS ADAPTED TO NEW NEEDS AND GOALS The "private attorney general" solution, and a variety of "combined" or "multiple" solutions, have evolved in a number of countries directly or indirectly detrimental to the collective interest of the consumers. A decree [by the executive] will establish the conditions under which the consumers' associations may be só authorized; before such authorization is granted, an opinion of the ministère public must be considered, as well as the association's representativeness at the national and local levei. The authorization can only be granted to associations which do not themselves exercise professional activities in any fonn .... U. 80. Art. 46, § 2 of the "loi Royer" requires the opinion of the minislère public. See note 79 supra. 81. Statute No. 72-546 of July l, 1972 ("concerning the fight against racism"). Article 5-II of this statute granis standing to act as partie civile (see section V A tnjra) to "every association that hás been duly certified at least five years before the time of the facts, whose purpose, as set out in its charter, is to fight against racism." 82. See, e.g., Thevenon, La reforme foncière à 1'Elysée, Lê Figaro, March 17, 1975, at 1. This commentator observes that the reason for the envisaged reform granting standing to a number of associations is the laxity of the ministère public and of the public administration generally in uncovering and prosecuting violations of that code. 83. See, e.g.., Comparative Study at 843 n.226, 877 n.371; Private Suits at 394. In the case of an action initíated by a private citizen, the Administrator always hás the right to intervene in the action. 42 U.S.C. § 1857h-2(c) (2) (1970).

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by way of gradual adaptations o£ older institutions, rather than, or in additíon to, aã hoc legislativa innovations, illustrations of which were discussed in the preceding section. Thus, some old institutions have assumed new content and achieved new vitality, as may be indicated by the following three examples drawn from France, England and Austrália, and the United States, respectively. A. The Frendi "Constitution de Partis Civile" It should again be recalled that, while the French governmental attorney general—the ministère public—is an efficient prosecutor of the traditíonal crimes, he is, on the contrary, quite inefficient in the prosecution of such newer crimes, essentially collective in nature, as abuses in the sale of securities, false advertising, food and drug frauds, pollution, and illegal construction.84 Fortunately, the French govermental attorney general, unlike his analogues in other civil law countries, such as Italy,85 does not have a monopoly on the power to commence criminal prosecutions. Within certain limits, it is possible in France for individuais and private groups claiming to be aggrieved by a crime to put in motion a criminal proceeding without the initiative, and even against the will, of the ministère public. They can do só by bringing a civil action ("constitution de partie civile'") for the recovery of their damages, sometimes merely symbolic, caused by the crime. The civil and criminal actions will then be joined in one single proceeding.86 It is generally recognized that this important exception to the ministère public's exclusive power to prosecute crimes hás led to results which are very positive, especially in view of the more effective protectíon thus obtained against the newer "collective" crimes mentioned above.87 84. See Section IIIB supra. See also note 82 supra. 85. But see Amodio, L'azione penale delle associazionl dei consumatori per Ia repressione delle frodi tdimentari, in 1974 RIVISTA ITALIANA Dl DIRITTO E PROCEDURA PENALE 515, 518-36 (an isolated, though quite elaborate, bpinion not accepted by the courts). 86. G. PRÓ. PÉX. art. 88; M.-L. RASSAT, supra note 28, at 204, 233, 239. Various rules are intended to prevent abuse. See, e.g., C. PRÓ. PÉN. arts. 88, 91. In Spain the situation is still more radical: a penal action may be initiated by any citizen, not only by the victim of the crime. See Comparative Study at 837-39 n.204. 87. See the references in Sectíon III B supra. See also Audinet, La protection judiciaire dês fins poursuivies par lês associations, 53 REVUE TRIMESTRIELLE DE DROIT crvn. 211, 229 (1955) ; Comparative Study at 837-39 n.204. On the possibility of certain groups taking special advantage of the procedure outlined in the text for the protection of diffuse interests, see notes 79, 81-82 supra.

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B. The Relator Action in England and Certain Other Common Law Countries As we saw above, the common law governmental attorney general hás, in theory, very extensive powers to commence, or to intervene in, civil cases in his capacity as parens patriae—that is, as the representative of a broadly defined "public interest."88 Such powers include the general duty "to promote the interest of ali sections of the community and to prevent the wrongdoing of one, resulting in the injury of the general welfare."89 Recent research based on national reports from several common law countries,80 however, hás demonstrated that the attorney general's broad powers are, in fact, rarely used,01 due to a number of reasons including, but by no means limited to, shortage of manpower.92 As a consequence, the actual role of the common law governmental attorneys general (as well as district and state attorneys) in civil litigation is, perhaps, even more modest than that of their analogues in most civil law nations.83 This very fact may explain the reason why another traditional institution, the "relator action," hás become quite vital in England94 and Austrália95 and in some other common law countries in which class actions are little used.08 88. See note 39 supra and accompanying text. 89. G. Taylor, The Role of the Ministère Public in Civil Proceedings 10 (unpublished Australian report; see note 35 supra). 90. Comparative Study at 794-96 n.l. 91. See note 40 supra and accompanying text. 92. For other reasons, see Section III B supra. 93. In post-World War II Germany, however, the role of the Staatsanuialt in civil litigation hás been só drastícally curtailed that it may now be even more modest than in most common law countries. See Comparative Study at 812-13 n.86. 94. In English law questions of title to sue in actions of public concern are obviated when proceedings are brought in the name of the AttorneyGeneral on the relation of a member of the public . . . . This procedure hás been much used to review the legality of local authority activitíes; to securc relief iu cases of infringement of a public right, e.g. public nuisances; and to secure the proper administratíon of public and charitable trusts. SCOTTISH LAW COMMISSION, MEMORANDUM No.

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REMEDIES IN AoíIINISTRATlVE

LAW 48 (n.d.) (recently published). In Scotíand, on the contrary, the institution of the relator action is not used. See id.; J. Thomson, The Power of the Lord Advocate to Intervene jn Civil Litigation in Scotíand 4 & n.17 (unpublished Scottish report; see note 35 supra). 95. See Comparative Study at 849 & n.254. 96. Cf. id. at 851-52 & nn.276-77. On the much less frequent use of class litigation in Great Britain and Austrália as compared to that in the United States, see, e.g., Alston, Representatise Class Actions in Environmental Litigation, 9 MELBOURNE U.L. REV. 307, 310, 317 (1973). Alston complains about the infrequent use of the class device and believes that class litigation may represent a very important potential in British and Australian law.

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The relator action consists of a suit brought in the public interest by a private individual or group07 that otherwise would have no standing, but which sues in lieu, and with the consent or "fiat," of the attorney general. The latter retains a controlling power (in fact, sparingly exercised) over the.entire progress of the action.98 The relief sought must be such as to "benefit . . . the public or at least a section of the public,"98 and not only the relator actor. The most frequent examples of relator actions are suits to stop a public nuisance, to restrain conduct injurious to the public welfare, to restrain developers of land,100 and to obtain "prohibitions and restrictions directed towards public health and comfort and the orderly arrangement of municipal áreas."101 Thus, by raeans of the relator action, private persons (or groups) may fill the gap left by the inertia of the govermnental attorney general; but they do só after the authorization, and under the continuous control (even though more potential than real), of the attorney general himself, who can thereby prevent frivolous suits and other abuses.102 C. The Class Action in the United States: A Civilian's Appraisal The third illustration103 is provided by the tremendous, although recently impaired, development in the United States, especially since 1938,104 but even more só since 1966,105 of yet another traditional institution, the "class" (or "representative") action. 97. As for relator actions brought by groups, see the examples in G. Taylor. supra note 89, at 8. 98. Ia. See S. DE SMITH, JUDICIAL REVIE%V OF ADMINISTRATIVE ACTION 401 (3d ed. 1973) (London, Stevens & Sons); cj. I. Jacob, supra note 46, at 50-52. 99. G. Taylor, supra note 89, at 12. See S. DE SMITH, supra note 98, at 404. 100. See Comparative Study at 850 & nn.259-64. 101. G. Taylor, supra note 89, at 8, 12. See also S. DE SMITH, supra note 98, at 404-05. 102. For a more detailed description of relator actions, see Comparatiae Study at 848-52 and the references therein. 103. Still another example of great interest, although not discussed in this artícle, is the participation of amicus curiae in civil litigatíon. The historical origins and development of this institution are discussed in some detail in Krislov, The Amicus Curiae Srief: From Friendship to Advocacy, 72 YALE L.J. 694 (1963). For recent developments and comparative perspectives, see C. Halpern, supra note 50, at 14; Comparative Study at 876 n.368; T. Kojima, supra note 42, at 2-3. 104. See, e.g., F. JAMES, CIVIL PROCEDURE 495 (1965) (Boston, Little, Brown & Go.); 7 G. WRIGHT & A. MILLER, FEDERAL PRACTICE AND PROCEDURE: CIVIL § 1752, at 511 (1972). 105. In 1966, FED. R. Grv. P. 23 was completely rewritten with the aim of making it raore pragmatic and functional. See 7 G. WRIGHT & A. MILLER, supra note 104, at § 1753; Kaplan, Continuing Work of the Civil Committee: 1966 Amendments of the Federal Rules of Civil Procedure (I), 81 HARV. L. REV. 356, 380-94 (1967).

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This section is not intended as an analysis of this unique feature of the United States legal system; I wish only to make a few observations, essentially an outsider's observations, to convey a civilian's appraisal of this American institution. First, it seems clear that there have been very persuasive reasons for the extraordinary growth in America of this old and, from a practical point of view, once rather unimportant device rooted in equity.100 These reasons can be easily identified with the compelling need, typical of ali modem societies but particularly strong in the United States, to provide a flexible, emcient protection of group and collective interests against the abuses of a mass economy and a mass government (or, indeed, a welfare government).107 Thus, developments in the área of the modern class action—but also of the shareholders' derivative action and, more generally, of the "public interest action"103-—may be explained as manifestations of the very same philosophy, or raison d'être, that gave powerful impetus to parallel developments in só many other countries, as surveyed above.109 Indeed, the unprecedented growth of class actions represenís the most typical "American answer" to the exigency of giving adequate protection to those emerging diffuse rights—the "newer property"—which have become só fundamental in the contemporary world. Second, class actions represent yet another instance of those "combined" or "multiple" solutions which, as discussed above, have the potential of being the most effective method of vindicating the emerging meta-individual rights. The class suitor is typically a "private attorney general," in that his initiative is not limited to the defense of "his own" rights. At the same time, even though die class suitor is different from the relator suitor in England or Austrália, in that he does not need the "fiat" and is not subject to the control of the governmental attorney general, he nevertheless is subject to limits and controls enforced by the court and determined both by the legislature and by a large amount 106. See F. JAMES, supra note 104, at 494-95; Homburger, State Class Actions and the Federal Rule, 71 COLUM. L. REV. 609, 609-12, 626-29 (1971). The original purpose of the class action in equity was símply to provide "a procedural device só that mere numbers would not disable large groups of individuais, united in interest, from enforcing their equitable rights nor grant them immunity from their cquitablc wrongs." 7 G. WRIGHT & A. MILLER, supra note 104, § 1751, at 503, quoting Montgomery Ward & Go. v. Langer, 168 F.2d 182, 187 (8th Cir. 1948). 107. See Hazard, supra note 9, at 308-10. 108. The distínctíons, but also frequent overlappings, between public interest actions and class actions are ably analyzed by Professor Homburger in Private Suits at 387-89. 109. See Section I supra.

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oE judicial discretion.110 In particular, it is for the court to ascertain whether the class suitor is actually a member of a class, whether he acts for the general benefit of the class, and whether he is an "adequate," albeit self-appointed, representative o£ the class. Thus, the class action represents another fascinating illustration of the combination of private initiative and public (court) control. It may well be, of course, that the combination could still be improved and that not ali the possible abuses have been taken into account by statutory limitations and court supervision. Indeed, I want to make it clear that I am by no means an unconditional enthusiast of class actions; the class action is an extremely valuable instrument only if accompanied by adequate contrais.111 With this proviso, however, an outsider's appraisal can only be essentially favorable to this American institution. In fact, I do not know of any serious evaluatíon by non-American experts which hás not been favorable,112 even though doubts sometimes may have been cast on the feasibility of importing the American solution to other parts of the world.113 This is the reason why recém decisions of the United States Supreme Court, which seem to have interrupted the steady progress of American jurisprudence in this área, are cause for concern to the civilian observer. The institutional and procedural difficulties, problems, and inadequacies which have been, and in 110. On the broad judicial discretion in class actions, see, e.g., Weinstein, supra note l, at 302. Justice Black, in fact, in response to this increase in judicial discretion in class actions, opposed the adoption of the amendments to rule 23 in 1966, stating as follows: "It seems to me that they place too much power in the hands of the trial judges and that the rules might ahnost as well simply provide that class suits can be maintained either for or against particular groups whenever in the discretion of the judge he thinks it wise." Amendments to Rules of Civil Procedure for the United States District Gourts, 383 U.S. 1029, 1035 (1966) (Black, J., dissenting). 111. Controls, however, should not be confused with formalistic limitations (e.g., Zahn v. International Paper Co., 414 U.S. 291 (1973)) and with requirements susceptible of eíther elirninating the very possibility of class litigatíon in vital áreas (e.g., Eisen v. Carh"sle & Jacquelin, 417 U.S. 156 (1974)) or of depriving the class action of its needed impact, as would be the case if, for instance, the condemnation of the fluid recovery concept by the Second Circuit Court of Appeals in Eisen v. Carlisle & Jacquelin, 391 J?.2d 555 (2d Cir. 1968), should become the law. See Section VII infra, and in particular note 160 and accompanying text. 112. See, e.g., T. Kojima, supra note 42, at 18-27; Kõtz, supra note 5, at 78-88; Taruffo, / limiti soggettivi dei giudicato e lê "class actions," 24 RTVISTA DI DIRITTO FROCESSUALE 609, 631-36 (1969). 113. See T. Kojima, supra note 42, at 21-23; Kõtz, supra note 5, at 86-88. Professor Kõtz hás suggested that the absence of the contingent fee system outside the United States particularly hinders the development of class actions. See Kõtz, supra note 5, at 87. This suggesfion, however, is not convincing since, even without a contingent fee system, there can be other financial inducements to a class suitor and his lawyers. See Comparative Siudy at 875 n.365, 878-79 n.380.

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part continue to be, faced by the civil law world in assuring effiective representation of meta-individual interests had been met in America by a solution which, on the whole, appeared optimal to non-Americans. Therefore, outsiders have frequently regarded the American experience with class actions, particularly in civil and welfare rights and in environmental and consumer protection, as an appealing model for civil law countries trying to overcome the difficulties and the inadequacies which have remained despite the first reforms that have been made. Indeed, ií should be emphasized that this is perhaps the real message for the common law world, and particularly the United States, to draw from the civil law experience with public interest litigation: a retreat from the relatively advanced position taken by American jurisprudence in the past few decades may ultimately mean falling back onto ground which the civil law world hás found, through painful experience, to be insufficient, inadequate, and—as measured by the comparative yardstick—unjust, since it is incapable of providing an effective means of asserting the most important of contemporary interests. At this point, however, it seems fair to add that, notwithstanding the latest developments in the United States, advocating the collective iníerest may still be relatively easier and have a greater impact in American courís than in most courts of civil law nations. At least three reasons for this fact may be cited.114 First, public interest law firms, virtually unknown in other countries, have become increasingly important and respected in the United States.116 This phenomenon hás blossomed to the point that the American Bar Association in recent years hás switched from a position o£ hostility to one of affirming a general responsibility of íhe legal profession "to provide public interest legal services."110 Despite the 1975 114. It should also be noted that, notwithstanding recent American decisions such as those mentioned in note 23 supra, standing requirements today are not major barriers in most public interest litigation in the United States, in contrast to much of the civil law world. See, e.g., United States v. SCRAP, 412 U.S. 669 (1973). 115. See, e.g., C. Halpern, supra note 50, at 8-10; Green, supra note 56. For a useful survey of the role of public interest lawyers in the United States, and the likely future of that role, see Ford Foundation, The Public Interest Law Program—Five Ycars Later, October 1975 (unpublished manuscript). Even in the United States this phenomenon is of very recent origin, if it is true that, as remarked by United States Senator Edward Kennedy, as recently as 1970 "ahnost the entíre public interest bar of Washington [could be fit] around a singlc table." Green, supra note 56, at 20-21. 116. American Bar Association, Special Committee on Public Interest Practicc, Recommendations, adopted in Montreal by the House of Delegates of the American Bar Association in August, 1975. See 61 A.B.A.J. 1084 (1975).

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United States Supreme Court decision in Alyeska Pipeline™ it may still be easier in America to find a qualified public interest lawyer willing to charge no fee than it is elsewhere in the world.118 Second, it should be noted that, notwithstanding the recent hostility of the Supreme Court and other federal courts toward public interest litigation and the institution of the "private attorney general," a brighter picture is perhaps on the horizon. Recent New York legislation on class actions, effective since September l, 1975,119 best exempli117. 421 U.S. 240 (1975). See note 6 supra. It should be noted, however, that a number of federal laws still perrait the awarding of attorneys fees to a prevailing plaintiff enforcing the law. This is the case for violations of the antitrust laws, 15 U.S.G. § 15 (1970); the Civil Rights Act of 1964, Title II, 42 U.S.C. § 2000 a-3(b) (1970), and Title VII, 42 U.S.C. § 2000 e-5(k) (1970); the Clean Air Amendments of 1970, 42 U.S.C. § 1857 h-2(d) (1970); the Fair Housing Act of 1968, 42 U.S.C. § 3612(c) (1970);. the Fair Labor Standards Act, 29 U.S.C. § 216(b) (1970); the Noise Contrai Act of 1972, 42 U.S.C. § 4911 (d) (Supp. II 1972); the Consumer Credit Protection Act, 15 U.S.C. § 1640(a) (1970); and the Water Pollution Control Act, 33 U.S.C. § 1365 (d) (Supp. III 1973). While these laws cover a number of important public interest áreas, they do not cover the National Enviromnental Policy Act of 1969, 42 U.S.G. § 4321 et seg. (1970), or the Mineral Lands Leasing Act of 1920, 30 U.S.C. •§ 185 (1970), under %vhich authority the plaintiffs in the Alyeska Pipeline case sought to enjoin (and did temporarily enjoin) the construction of the Alaska Pipeline. There is, of course, still the possibility of further congressional action to expand the list of áreas where the prevailing "public interest" plaintiff ran collect attomeys' fees from the defendant. Legislation hás been introduced permitting attorneys' fees in actions under the Mineral Lands Leasing Act of 1920 (H.R. 7825, 8218), actions for injunctive relief under the Clayton Act (H.R. 7827, 8219), civil rights actions (H.R. 7828, 8220, 7968, 8743), actions under the National Environmental Protection Act (H.R. 7829, 8222), suits for the review of administrative action (H.R. 7968, 8742), and actions generally in the interests of justice (H.R. 7826, 8221) (ali 94th Cong., Ist Sess. (1975)). 118. See R. Buxbaum, Report of Conference [held in Bonn, Germany, August 22-24, 1973] on Comparative Legal and Institutional Aspects of Public Interest Activity in the Environmental Sector 12-17, November 23, 1973 (unpublished manuscript on file at the Universíty of Florence Institute of Comparative Law). See alio note 113 supra; Comparative Study at 878-79 n.380. 119. N.Y. Crv. PEAC. LAW §§ 901-06, Rules 907-09 (McKinney Supp. 1976) [hereinafter New York Civil Practice Law and Rules will be cited as N.Y. CPLR]. This exceptíonally interesting statute deserves to be set out in full (emphasis added): § 901. Prerequisites to a class action. a. One or more members of a class may sue or be sued as representative parties on behalf of ali if: 1. the class is só numerous that joinder of ali members, whether otherwise required or permitted, is impracticable; 2. there are questions of law or fact common to the class which predominate over any questions affecting only individual members; 3. the claims or defenses of the representative parties are typical of the claims or defenses of the class; 4. the representative parties will fairly and adequately protect the interests of the class; and

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5. a class action is superior to other available methods for the fair and emcient adjudication of the controversy. b. Unless a statute creating or imposing a penalty, or a minimum measure of recovery specifically authorízes the recovery thereof in a class action, an action to recover a penaíty, or minimum measure of recovery created or imposed by statute may not be maintained as a class action. § 902. Order allowing class action. Within sixty days after the túne to serve a responsive peading hás expired for ali persons named as defendants in an action brought as a class action, the plaintiff shall move for an order to determine whether it is to be só maintained. An order under this section may be conditional, and may be aítered or amended before the decision on the merits on the court's own motion or on motion of the parties. The action may be maintained as a class action only if the court finds that the prerequisites under section 901 have been satisfied. Among the matters which the court shall consíder in determining whether the action may proceed as a class action are: 1. The interest of members of the class in individually controllíng the prosecution or defense of separate actions; 2. The impracticability or inefficiency of prosecuting or defending separate actions; 3. The extent and nature of any Utigation concerning the controversy already commenced by or against members of the class; 4. The desirability or undesirability of concentrating the litigation of the claim in the particular fórum; 5. The difEcuIties likely to be encountered in the management of a class action. § 903. Description of class. The order permitting a class action shall describe the class. When appropriate the court may Hmit the class to those members who do not request exclusion from the class within a specified time after notice. § 904. Notice of class action. (a) In class actions brought primarily for injunctive or declaratory relief, notice of the pendency of the action need not be given to the class unless the court finds that notice is necessary to protect the interests of the represented parties and that the cost of notice will not prevent the action from going forward. (b) In ali other class actions, reasanable notice of the commencement of a class action shall be given to the class in such manner as the court directs. (c) The content of the notice shall be subject to court approval. In determining the method by which notice is to be given, the court shal] consider I. the cost of giving notice by each raethod considered II. the resources of the parties and III. the stake of each represented member of the class and the likelihood that significant numbers of represented members would desire to exclude themselves from the class or to appear individually, which may be determined, in the courfs discretion, by sending notice to a random sarople of the class. (d) I. Preliroinary determination of expenses of notification. Unless the court orders otherwise, the plaintiff shall bear the expense of notification. The court may, if justice requires, require that the defendant bear the expense of notification, or may require each of them to bear a part of the expense in proportion to the likelihood that each will prevail upon the merits. The court may hold a preliminary hearing to determine how the costs of notice should be apportioned. II. Final determination. Upon tennination of the action by order or judgment the court may, but shall not be required to, allow to the prevailing party

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fies an encouraging trend which hás begun to appear in state systems.120 the expenses of notificatíon as taxable disbursements under article eighty-three of the civil practice law and mies. § 905. Judgment. The Judgment in an action jnaintained as a class action, whether or not favorable to the clasSj shall include and describe those whom the court finds to be members of the class. § 906. Actions conducted partially as class actions. When appropriate, 1. an action may be brought or maintained as a dass action with. respect to particular issues, or 2. a class may be divided into subclasses and each subclass treated as a class. The provisions of this article shall then be constmed and applied accordingly. Rule 907. Orders in conduct of class actions. In the conduct of class actions the court may mate appropriate orders: 1. detennining the course of proceedings or prescribing measures to preveni undue repetitíoii or complication in the presentation of evidence or argument; 2. requiring, for the protection of the members of the class, or otherwise for the fair conduct of the action, that notice be given in such manner as the court may direct to some or ali of the members of any step in the action, or of the proposed extent of the Judgment, or of the opportunity of members to signify whether they consider the representation fair and adequate, or to appear and present claims or defenses, or otherwise to come into the action; 3. imposing conditions on the representative parties or on intervenors; 4. requiring that the pleadiugs be amended to eliminate therefrom allegations as to representation of abseut persons, and that the action proceed accordingly; 5. directing that a money Judgment favorable to the dass be paid either Jn one sum, whether forthwith or within such period as the court may fíx, or in such installments as the court may specify; 6. dealing with similar procedural matters. The ordera may be altered or amended as may be desirable from time to time. Rule 908. Dismissal, discontinuance or compromise. A class action shall not be dismissed, discontinued, or comproniised without the approval of the court. Notice of the proposed dismissal, discontinuance, or compromise shall be given to ali members of the class in such mannèr as the court directs. Rule 909. Attorneys' fees. If a Judgment in an action maintained as a class action is rendered in favor of the cíass, the court in its discretion may award attorneys1 fees to the representatives of the class based on the reasonable value of legal services rendered and if justice requires, allow recovery of the amount awarded from the opponent of the class. See also Ray v. Marine _Midland Grace Trust, 35 N.Y.2d 147, 316 N.E.2d 320, 359 N.Y.S.Sd 28 (1974), which considerably liberalized class action requirements in New York prior to the enactment of the new law. 120. See, e.g., Scott, supra note 52, at 417-18, and the references to Califórnia decisions in notes 8-10 therein. Unfortunately, the Califórnia Supreme Gourt may have retreated from its advanced position relative to class actions. See San José v. Superior Court, 12 Cal. 3d 447, 525 P.2d 701, 115 Cal. Rptr. 797 (1974) (with a strong

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While preserving the basic features of the federal class action rule 23, the New York law allows in that state precisely what the holdings of Eisen and Alycska Pipeline took away at the federal levei.121 Indeed, other recent New York legislation addresses the Supreme Court holdings in United States v. Richardson122 and Schlesinger v. Reservists Comm. to Stop the PFar123 as well.124 Professor Homburger, who is recognized as the principal draftsman of the New York class action statute,125 describes this development as follows: The need for effective group and public remedies in the United States is overwhelming. In view of the gradual attrition of public interest litigation in the federal courts under the harsh command of the Supreme Court, it is gratifying that we may perhaps expect a compensating upsurge in the States.120 dissent by Tobriner, J.). The Califórnia Supreme Court, in addition, is facing the important issue of attorneys1 fees to private attorneys general in Serrano v. Priest, L.A. No. 30398, hearing granted, September 29, 1975. Besides Califórnia, there is growing evidence of an increasing concern for liberal state class action reform. See, e.g.j Donne & Van Horn, Pennsylvania Class Actions: The Future in Light oj Recent Restríctions on Federal Access?, 78 DIOK. L. REV. 460 (1974); Comment, Federal and State Class Actions: Developments and Opportunities, 46 Miss. L.J. 39 (1975); Note, Class Actions in Illinois: A Viable Alternatiue to Federal Rule 23, 8 JOHN MARSHALL J. 113 (1974); Note, State Class Actions: A Comparativa Analysis, 60 IOWA L. REV. 93 (1974). 121. First, with respect to the holdings by the Supreme Court in Eisen v. Carlisle & Jacquelin, 417 U.S. 156 (1974), the New York law (a) does not "require individual notice [in common question actions] to ali members who can be identifica through reasonable effort." See N.Y. CPLR § 904(c) (McKinney Supp. 1976) (set out in note 119 supra); (b) allows notice requirements to be tailored to the plaintiífs resources and the hardship of the costs. N.Y. CPLR § 904(c); and (c) in certain instances allows costs to fae imposed ínitially on the defendant after a preliminary hearing. Id. § 904(d). Second, with respect to the holding in Alyeska Pipeline Serv. Co. v. The Wilderness Society, it allows the court, in its discretion, to award attorneys1 fees to the class attorneys. N.Y. CPLR R. 909. 122. 418 U.S. 166 (1974). 123. 418 U.S. 208 (1974). 124. See N.Y. STATE FIN. LAW §§ 123-123J (McKinney Supp. 1975). This law, effective September l, 1975, allows citizen-taxpayer suits in the State of New York, and even provides for the establishment of a common fund for the payment of attorneys' fees to prevailing plaintiffs. Id. §§ 123g,h. The catalyst for the enactment of this law v/as a New York Court of Appeals decision of July 2, 1975, in the case of Boryszewski v. Brydges, 37 N.Y.2d 361, 334 N.E.2d 579, 372 N.Y.S.2d 623 (1975), which judicially overruled prior New York law, thus allowing taxpayers "to challenge enactments of our State Legislature as contrary to the mandates of our State Gonstitution." Id. at 362, 334 N.E.2d at 580, 372 N.Y.S.2d at 624. Prior to that decision, New York had been one of the fcw states failing to recognize taxpayer suits. See K. DAVIS, ADMINISTRATIVE LAW TREATISE §§ 22.09, 22.10 (1958) ; cf. Private Suits at 390 & nn.212-13. 125. The 1975 statute is a slighdy modified version of a model statute drafted by Professor Homburger five years ago. See Homburger, supra, note 106, at 609, 655-57, 126. Letter to the author from Professor Adolf Homburger, October 31, 1975.

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Tfaird, it should not be overlooked that; despite the present limita-' tions at the federal levei, class actions in the United States still represent forceful instruments and retain a great potential for serving public interest purposes. VI. SPECIAL OBSTACLES TO CLASS AND PUBLIC INTEREST LlTIGATION IN CIVIL LAW COUNTRIES AND TRENDS TO%VARD SURMOUNTING THESE OBSTACLES

In contrast with the United States, basic features o£ the Continental European tradition place special and formidable obstacles in the way of introducing devices similar to class and public interest actions. A. The Orientation of Civil Law Judges In addition to a still prevailing individualistic conception of civil procedure—with ali the corollaries already discussed, especially in the área of locus standi—there is the fact that civil law judges, typically bureaucratic "career judges," are less suited than their American counterparts to handle a type of adjudication that reaches £ar beyond the parties "present" in the proceeding.127 Of course, American judges are also often reluctant to assume this broad judicial role,128 and this explains, in part, the recent backlash against class and public interest litigation. But the education and training of civil law judges, rooted in many layers of civil law history and in a rigid conception of separation of powers, makes them even more wary of too evident manifestations of law-making through the courts.129 127. See, e.g., R. BUXBAUM, DIE PRIVATE KLAGE ALS MITTEL ZUR DURCHSETZUNG WIRTSCHAFTSPOLITISCHER RECHTSNORMEH 26, 32 (1972) (Karlsruhe, Miiller). '128. See, e.g., note 162 infra. 129. For two studies by leading European proceduralists of a modern-evolution departing substantíally from the tradition, see Baur, Sozialer Ausglelch durch Richterspruch, 1957 JURISTENZEITUNG 193; Calamandrei, La funzione delia giurísprudenza nel tempo presente, 9 RmsTA TRIMESTRALE DI DIRITTO E PROCEDURA CIVILE 252 (1955), republished in P. GALAMANDREI, l OPERE GIURIDICHE 598 (M. Cappelletti cd. 1965) (Naples, Morano). See also M. CAPPELLETTI, J. MERRYMAN & J. PERILLO, THE ITALIAN LEGAL SYSTEM 195-97, 203-06, 249-77 (1967) (Stanford, Cal., Stanford Univ. Press); M. CAPPELLETTI, PROCESO IDEOLOGIAS, SOCIEDAD 365-452, 566-70 (1974) (Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América); Cappelletti, L'attività e i poteri dei giudiee costiíuzionale in rapporto con U loro fine genérico, in 3 SCRITTI GIURIDICI IN MEMÓRIA DI PIERO GALAMANDREI 83 (1958) (Padua, Cedam).

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B. The Revolutionary Tradition Against "Intermediate Societies" There is still another obstacle130 which is of extraordinary importance, even though there are now signs that it is being gradually overcome in civil law nations. This obstacle consists of a traditional reluctance to accept groups united to further a common interest. Many class and public interest actions in America have been brought by private groups and spontaneous organizations created to represent otherwise unorganized interests: civil rights associations, environmentalists' and consumers' organizations, and last, but not íeast, public interest lawyers organized in larger or smaller groups.1111 Similarly, relator acííons in England, Austrália, and other common law countries have been brought by private groups and organizations acting for the general public interest or for the interest of one sector of the public,132 rather than by isolated individuais or aggregates of non-organized individuais. The fact is that even the most liberal granting of standing to individuais would be an insufficient solution to the problem of asserting diffuse rights if the "private attorneys general" were not allowed to associate and fight as an organized group.133 This very fact, however, constitutes an additional obstacle for the representation of meta-individual interests in civil law courts. It should be recalled that among the principal targets of the great bourgeois revolution initiated in France in 1789, and which later spread over much of Continental Europe, were the "corps intermédiaries"—the organizations intermediate between the individual and the state, which were identified with the feudal structure of the ancien regime. As Max Rheinstein put it: "With eighteenth century Enlightenment the individualizing view of society began to be preponderant. In the French Revolution the new ideology becarne official. . . . The state was now clearly conceived to be composed of individual citizens. The inter130. Still other obstacles are mentioned in note 113 supra, and in Comparative Study at 864-65 (problems of the conception of a civil action, the structure and mentality of a career judiciary, and the mechanics of allowing group representation) and at 873-75 & nn.361-63 (problems in the Eastern European socialist countries). See generally id. at 878 n.380. 131. See note 115 supra. On the advantages of ongoing organizations in the American legal system, see Galanter, Why the "Haves" Come out Ahead: Spcculaiions on the Limits of Legal Change, supra note 3, at 143. 132. See note 97 supra. 133. This phenomenon hás been defined as the "organizatíonal private attomey general" (as contrasted with the "individual attorney general") in Comparative Study at 856-80, where its growing importance in both the Western and the socialist nations is analyzed.

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mediate groups of manor, guild, estate, province were swept away Of course, this initial altitude of hostility and distrust vis-à-vis "intermediate societies" soon had to come to grips with the very profound changes of European societies in the post-Revolution epoch. Industrialization, in particular, brought about the need for articulate organization of both capital and the emerging labor class. Yet, the resistance against the new was strong. In France, for instance, it was only in 1884 that labor unions were definitively recognized as legitimate entities.135 Legal fictions were frequently used to adapt the existing law to the new social needs. A "legal personality," for instance, was fictitiously attributed to partnerships, corporations, and professional associations; thus, the principie that only individual "persons"—natural or legal— can be participants in the legal and judicial processes was preserved. At least two problems, however, still remain largely unsolved: first, the problem of the legal status of non-"personalized," unincorporated, de facto associations and other organizations; second, the problem of organizations (incorporated or not) seeking access to court not to protect their own rights, as in the case of a trade union or a political party claiming damages for the pillage of its own premises,136 but rather to protect the rights of their members or the collective rights of classes or groups that the organizations purport to represent.337 The first prob134. Rhcinstein, The Family and the Law, in 4 INTERNATIONAL ENCYCLOPEDIA OF COMPARATIVE LAW 3, 13 (A. Chloros ed. 1974) (Túbingen/The Hague, Mobr/ Mouton). According to one commentator, "traditionally, French law looks with mistrust at the [intermediate] groups: the old execration by Rousseau vis-à-vjs the intermediate societies—which disrupt the relationships bet\veen the Sovereign and the citizens and impede the formatíon of the general will (volante générale)—joins with the fear by the state of seeing the groups compete with its activities and create new feudalities." De Soto, ISindividualisme dans Ia juraprudence du Conseil d'Etat, in 2 MÉLANGES OFFERTS À MARCEL WALINE: LÊ JUCE ET LÊ DROIT PUBLIC 759., 771 (1974). See also, e.g., Bihl, supra note 15, at 525; Dupeyron, L'action collective, 1952 RECUEIL DALLOZ, CHHONIQUE 153, 155. 135. See l H. SOLUS & R. PERROT, supra note 14, at 223. 136. For this example, based on French law, see ia. at 219; Perrot, Uaction en justice dês syndicats professionnels, dês associations et dês orares projessionnels, 10 ANNALES UNIVERSITATIS ScrENTiARUM BUDAPESTINENSIS DE ROLANDO EÕTVÕS NOMINATAE 99, 100 (1969). 137. An example, again based on French law, could be an association of doctors, claiming to represent the general interests of the medicai profession, bringing suit against persons abusively exercising that profession. See l H. SOLUS & R. PERROT, supra note 14, at 220; Perrot, supra note 136, at 100.

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lem cannot be dealt with here.188 The second, however, must be discussed, since it is central to any study of modern public interest advocacy in the courts. C. The Rise and Proliferation of New "Intermediate Societies" Acting as "Organizational Private Attorneys General": Ideological Parties . and the Danger of a "Return to Feudalism" New groups have been rising and proliferating in recent times to fight the new menaces of our epoch—the tyranny of racial, religious, and political majorities, the oppressions of the modern corporate society, the red tape of bureaucracies, the blind selfishness of producers and polluters. The essential aim of these groups is not to protect rights "belonging" to them, but rather to represent the aggregate of many "small rights" and the difEuse "rights without a holder"—the "newer property." Their very essence is—to borrow from a widely accepted defmition by Louis Jaffe—to act as "ideological," not as "Hohfeldian," plaintiffs;180 in other words, to act for the public good as "organized private attorneys general."140 Should they not be allowed to só act, their very reason for being would disappear. Of course, this development, unprecedented in its size and impact, is not itself without dangers. Opponents have described it as a dreadful "return to feudalism,"141 and undoubtedly new abuses and tyrannies can grow out of it. Labor unions, political parties, national and transnational corporations, and professional organizations can themselves become fearful centers of oppression against both their members and third parties.142 Abuses can be, and have been, perpetrated even by less pervasive groupings, such as consumer associations acting for selfish purposes,143 unable to see beyond the interests of limited groups.144 138. For a brief discussion and references, see Comparative Study at 861-62 & nn.304-06. 139. Jaffe, The Citizen as Litigant in Public Âctions: The Non-Hohfeldian or Ideological Plaintiff, 116 U. PA. L. REV. 1033 (1968). 140. See note 133 supra. 141. See, e.g., De Soto, supra note 134. 142. See, e.g., S. ERHLICH, LÊ POUVOIR ET LÊS GROUPES DE PRESSION (1971) (Paris/The Hague, Mouton); M. HORKHEIMER, THE ECLIPSE OF REASON 128, 141-48 (1947) (New York, Oxford Univ. Press). 143. For some examples of such abuses, see N. TROCKER, PROCESSO CIVILE E COSTITUZIONE 214 & n.100 (1974) (Milan, Giuffrè). 144. As noted by Green, public interest lawyers have been denounced on the grounds that, "given the current unresponsiveness of the political system to ethnic minoritíes, the allocation of public interest law resources to majorítarian, middle-class, white concerns is contrary to the public interest." Green, supra note 56, at 22.

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And, legal instruments valuable per se, such as class actions, have sometimes been used as tools of bladunail.145 This is the reason why public checks and controls, those very kinds o£ checks and controls that characterize the "multiple" or "combined" Solutions discussed above, are particularly vital. Recall that such controls are entrusted to the attomey general in the English relator action, to the judge in the American class action, and to the ministère public in the actions brought in France by consumer associations.146 Neither the dangers o£ abuse nor the tenacity of traditionalism, however, seem able to stop the grand movement. Newer and newer intennediate organizations have been arising, even in civil law countries. Since their reason for being is to act as "ideological plaintiffs," they have been struggling to overcome—both through court interpretation and legislative intervention—the obstacles deriving from the traditional law. France, Germany, and Italy can again provide instructive illustrations. As early as 1913, a landmark decision by the French Cour de cassation, confirmed in 1920 by legislation, recognized the power of labor unions and other syndicats professionnek to represent in court the "collective interest of the association";147 and, as discussed earlier, recent French148 and German149 statutes have granted standing to private organizations to sue for the diffuse interests of consumers and racial minorities. In Italy, a 1973 decision by the Supreme Administrative Court, breaking an uninterrupted "Hohfeldian" tradition of that court, granted standing to a private environmental association 145. It seems, however, that the phenomenon of abuse of class and public interest litigation hás been less frequent than certain critics would allege. See CLASS ACTION STUDY, supra note l, at 9, 22-23. See also Weinstein, supra, note l, at 299-306. 146. See Section IV G supra; notes 84-114 supra and accompanying text. 147. Decision o£ April 5, 1913, [1914] D.P. I. 65 (Gass. ch. réun.); see l H, SOLUS & R. PERROT, supra note 14, at 225-26; J. VINCENT, PROCÉDUEE CIVULE 43 (17th ed. 1974) (Paris, Dalloz); Audinet, La pwtection judiciaire dês fins poursuivies par lês associations, 53 REVUE TRIMESTRIELLE DE PROIT erra, 211, 213, 214, 223 (1955); Bihl, supra note 15, at 524; Dupeyron, supra note 134, at 153-54; Vouin, De Ia receaabilité de 1'action "syndicale" dês associations, 1955 LA SEMAINE JuRmiquE, I-DocTRINE 1207. See.also Comparative Study at 862 & nn.307-08. The statute confirming the decision. is C'. TRAVAIL, liv. III, art. 11 (law of March 12, 1920) ("[unions] can, before every court, exercise ali the rights belonging to a paríie civile concerning situations that involve a violation, whether direct or indirect, of the collective interest of the profession they represent"). 148. See notes 79-82 supra and accompanying text. After the adoption of the law of March 12, 1920 (see note 147 supra)t in the 1940*s some other laws aimed in the same direction, grantíng to certain associations in severa! áreas standing to sue for the collective interest (e.g., hunting associations, leagues against alcohol abuse, associations for the protection of the family). See Bihl, supra note 15, at 524. 149. See note 69 supra and accompanying text.

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called "Itália Mostra"—a European analogue of the "Sierra Club"100— to bring suit against the government for the "diffuse" interest of environmental conservation.151 Since the 1973 decision allowed "Itália Nostra" to litigate as an organization rather than as a representative of injured individuais, it went an important step beyond the 1972 doctrine of the United States Supreme Court in Sierra Club v. Morfon.1521 welcomed the Italian decision as "a badly needed tuming point from a long period of unchecked spoliations of the Italian environment and artistic heritage."153 Finally, in Germany, where the "Hohfeldian" doctrine still prevails, especially in the administratíve courts, an important departure, similar in content to that in Italy, even though not yet at the supreme court levei, also occurred in 1973. In a sensational decision, the administratíve court o£ Bavaria granted standing to an environmental association that requested a court order to stay the construction of a hotel.15* 150. Itália Nostra, the "National Association for the Protection of the Histórica!, Artistic and Natural Patrimony of the Nation," was founded in 1955 and, as of 1974, had a membership of nearly 20,000 persons in Italy and 50,000 living outside of Italy. Its purpose, according to its charter, is "to contribute to the protection of the histórica!, artistic, and natural patrimony of the nation." It hás been especially active in the áreas of environmental protection, urban planning, protection of works of art and .archeological sites in Italy, and preservation of important archives and libraries. For this and further information, see A. Nicholson, Itália Nostra and Problema of Standing in Italian Public Interest Litigation in the Environmental Sector 3-10, June 1974 (un^published paper, on file at the Florence Institute of Comparative Law). 15'1. Decision of March 9, 1973, No. 253, [1974] Foro Ital. III 33, 49 Foro Amm. 261 (§ II) (Consiglio di Stato). The decision gave Itália Nostra standing to challcnge the lawfulness of an administratíve act of the province of Trento on the ground that the act authorbâng construction of a road through a park was illegal. 152. 405 U.S. 727 (1972) (denying standing to the Sierra Club on the grounds that the Sierra Club failed to allege that it or any of its members had been or would Tje injured by the conversion of a game reserve into a privately operatcd resort). In -contrast, the Itália Nostra decision .granted standing to the organization as a representative of the public interest, not merely that of itself or its members. 153. See Comparative Study at 864. At least one more recent decision of the Consiglio di Stato, however, casts doubt on -the issue of whether Italy will continue the positive trend in standing. In Decision of November 13, 1973, No. 829, [1974] Foro Ital. III 262-64 (Consiglio di Stato), it denied standing to the Association of Venician Gondoliers to challenge the closing of severa! canais in Venice. 154. Bayerischer Venvaltungsgerichtshof, Decision of February 2, 1973, [1973] UAYERISCHE VERWAI.TUNOSBLÃTTER 211; J« Comparative Study at 863-64 n.316. As for France, it should be said that, unlike Italy and Germany, the juris-prudence of the Conseil d'Etat—that country*s supreme administrative court—hás consistenúy allowed broad standing to groups to challenge administrative decisions. J. M. AUBY & R. DRAGO, TRAITÉ DU CONTENTIEUX ADMINISTRATIF 450-88, especially §§ 1040, 1042 (1975) (Paris, Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence).

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VII. FEATURES AMD PROCEDURAL SAFEGUARDS OF PUBLIC INTEREST LITIGATION The gradual rise and growth of the "ideológica! plaintifE" in both civil law and common law countries is, of course, a multifaceted phenomenon. Only a few aspects of it could be examined here, but other aspects are no less important.165 Two of them will be touched upon, very briefly, in the remainder of this article. One is the new role of the judge in public and group interest litígation. The other is the problem of due process and, more generally, of preserving the right to a fair hearing for those involved in such litígation. A. The Role of the Judge Traditionally, the role of the civil judge hás been determined by the individualistic character and private content of civil litígation. The court's task hás been to restore to the aggrieved party the enjoyment of his own rights vis-à-vis his adversary; consequentíy, the direct effects of a judicial decision were not to reach beyond the sphere of the actual parties in the proceeding. In the case of the new actions collectiveslss or public interest actions, however, the traditional "privatistíc" schemes are clearly inadequate. By definition, the plaintiff does not sue merely for himself, but for the collectivity, for a class or subclass of persons; it is the class, not merely the party, that hás to be restored to the enjoyment of its "collective right." As a consequence, both the duties of flie ideological party and the controlling responsibility of the court become more intense. On the one hand, the party cannot freely "dispose" of the collectíve right in issue; on the other, the judge is responsible for insuring that the party's procedural behavior is, and remains throughout the proceeding, that of an "adequate champion" of the public cause. The Federal Rules of Civil Procedure express, in part, this idea by providing that in both class actions and shareholders' derivative actions the "approval" of the court is necessary for the action to be "dismissed or compromised."157 As Professor Homburger correctly put it The most distinctive feature of class litígation . . . may be tíie uncoinmonly active role which the judge must play in the control and supervision of the proceedings. The public interest in the prosecu155. 156. note 134, 157.

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On the institution of the amicus curiae, see note 103 supra. For this expressive French terminology, see, for example, Dupeyron, supra at 153. FED. R. Civ. P. 23(e), 23.1.

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tion of a class action is far greater than in ordinary civil litígation. It is the courfs functíon to protect that interest as well as the interests of the absent members of the class. The successful management of a class action, therefore, requires a procedure that leans more toward court-prosecutíon than ordinarily is the case in the American system.158

' Also, and again by definition, the effects of judicial decisions rendered in public interest litígation must go beyond the sphere of the parties actually present in the proceedings. The traditional principie that rés judicata effects are limited to the actual litigants, a principie that someone hás called "the last refuge of individualista" in civil litígation,150 simply cannot prevail if diffuse rights are to be protected by the courts. Even such admittedly unorthodox concepts as that of "fluid recovery," só strongly condemned by the Court of Appeals of the Second Circuit in its review of Eisen,160 does not appear to be out of Une in this light, since the ideological plaintiff is not suing merely to have his own damage restored, but rather to have the wrongdoer provide indemnification for ali the damage he hás caused to the group, the class, or society as a whole.161 The larger polluter, for instance, 158.

Private Suits at 349.

Aside from the examples discussed below (see notes 160-62, 180-85 infra and accompanyíng text), rather striking illustiations of judicial activism and control are given ín Note, The Wyatt Case: Implementation of a Decree Orderíng Institutional Change, 84 YALE L.J. 1338, 1340-47 (1975). With respect to class and public interest actions, the note discusses special masters, receivers, monitors, commíttees, and even ombudsmen set up by judges to supervise implementatíon of their decrees. To insure compliancc with a decree, the judges thus create theh- own supervisory institutíons, rather than simply relying on the usual method of complaints by one of the adversary parties. 159. See U. ROMAONOLI, LÊ ASSOCIAZIONI SINDACALI NEL PROCESSO 36 (1969) (Milan, Giuffrè). The traditional principie is expressed in the well-known Latin "rés inter alios iudicata alteri non nocet nec prodesr," 160. 479 F.2d 1005, 1014-18 (2d Gir. 1973). See also note 6 supra. The Supremo Court, however, in its holding in the Eisen case, made no ruling on the suitability of the fluid recovery concept 417 U.S. at 172 n.10. For a brief but penetrating analysis of French concepts comparable to that of a "fluid recovery," see Dupeyron, supra note 134, at 154-55. 161. In the field of diffuse rights, recovery should tend to cover the total damages caused by the defendant, rather than merely the damages suffered by the plaintiff. The concept of fluid recovery is one manifestation of this idea; rejectíng that concept would imply rejectíon of one essentíal feature of effective protection of diffuse rights. C/., e.g., Scott, supra note 52, at 414-15. Indeed, a focus on the total damages caused by the injurer, rather than on individuais who are damaged, increases the likelihood that an economically "optimal" levei of the injury-causing activity will be reached. As Professor Calabresi hás pointed out, what matters from an economic vie\vpoint is not the compensation of individuais, but the assignment of the correct raarket value to the injury-causing activity. G. CALABRESI, supra note 25, at 201-05. Unfortunately, following the lead of the Second Circuit Court of Appeals in Eisen v. Carlisle & Jacquelin, 479 F.2d 1005 (2d Cir. 1973), most federal courts appear

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would hardly be forced to stop his wrongdoing should he merely be sued by individual victims and only for the damage inflicted on one or some o£ the myriad o£ affected persons. Clearly, a blind refusal to accept such concepts as "fluid recovery" can be tantamount to an a priori refusal by the courts to provide for the effective defense of diffuse rights —a strange altitude, indeed, if it is true that those rights are becoming more and more important in ali advanced societies, and that judicial protection is the most trustworthy and sophisticated safeguard of legal rights ever designed by human civilizations.162 to reject the fluid recovery. See, e.g., In ré Hotel Tel. Charges, 500 F.2d 86 (9th Gir. 1974) (recovery to users of 600 hotéis would have been at best $6 per user); Al Barnett & Son, Inc. v. Outboard Marine Corp., 64- F.R.D. 43 (D. Del. 1974); Turoíf v. Union Oil Co. of Cal., 61 F.R.D. 51 (N.D. Ohio 1973). However, United States Congressman Peter Rodino of New Jersey, Chairman of the House Judiciary Goromittee, hás proposed that a "parens pátrias" bill be enacted for antitrust claims, in part to rectify this problem. H.R. 38, 94th Cong., Ist Sess. (1975). It would allow a state attorney general to sue under the federal antitrust laws to recover the reasonably estímated aggregate damages sustained by the state's citizens. The damage fund would then be allocated among the citizens either in a manner provided by state law or according to a plan developed by the federal district court; alternatively, the fund would escheat to the state. The bill thus allows fluid recovery, but only when the state attorney general brings suit. The traditional concept of civil liability as limited to the damages suffered by the plaintiff is shared by civil law and conunon law countries. See, e.g., Alston, supra note 96, at 307, 312 (1973), quoting the King's Bench opinion in Markt & Co. v. Knight S.S. Co., [1910] 2 K.B. 1021, 1040-41: [D]araages are personal only. To my mind no representative [class] action can lie where the sole relief sought is damages, because they have to be proved separatety in the case of each plaintiff, and therefore the possibiíity of representatíon ceases. However, that traditional concept hás certainly been implemented in a more inflexible way ia civil law than in common law countries. 162. A most drastic expression of the attachment to traditional views of the judicial role can be found in Justice PowelVs concurring opinion in United States v. Richardson, 418 U.S. 166, 180-96 (1974). The central points of the opinion are that "relaxation of standing requirements is directly related to the expansion of the judicial power," and that such relaxation "would significantly alter the allocation of power at the national levei, with a shift away from a democratic fonn of government." Ia. at 188. Justice PowelVs concern about the expansion of the judicial power, however, apparently neglects that such expansion is but one facet of a general expansion of governmental power in modern times—of ali branches of government. The ever increasing powers of the legislative and executive branches justify and, indeed, necessitate a corresponding broadening of the judicial power in order to maintain a balanced system. To be sure, a bourgeois "night watchman" view of government could go hand-in-hand with a conception of judges limited to rendering justice in traditional, essentially individual, litigation. But the growth of the modern welfare government and the parallel growth of socio-economic interdependence of groups, categories, and classes of citizens call for a corresponding growth. of the task of "judicial protection." As for the "shift away" from democracy, an elementary awareness of sad historical experience should suffice to convince that precisely the opposite is correct. A democratic government is one in which citizens can have access to justice to vindicate legal rights—old and new,

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B. The Parties" Right to Be Heard: From Individual'to Social Due Process To be sure, resistance—even blind refusal—is perfectly comprehensible, even if not justifiable. At stake is not merely a question of traditionalism and attachment to the "old"; serious problems are present in the new course. The most apparent of these problems concerns the parties' right to be heard, the most fundamental of ali guarantees of a fair proceeding. The principie audi et alteram partem is sanctioned by the constitutions of many countries, including the United States,103 and by modem transnational bills of rights, such as the European Convention of Human Rights, which is presently binding for eighteen nations.104 Indeed, it is a most ancient aphorism of human wisdom that, as put by Aristophanes 24 centuries ago, "a judgment shall not be made before the arguments of both sides are heard."165 Ho%v then can we accept the fact that judgments rendered in public interest cases extend their binding effects beyond the sphere of the actual litigants, possibly prejudicing166 persons, and sometimes, legions of persons, who were not individual and meta-individual—and one in which societal, including governroenta], legal duties can be judicially enforced, since judicial protection is what assures the "rule of law." Also, democratic govemment is one in which people have a sense of participation, a sense that distant legislaturas and administrative apparatuses só frequently alienate. Judges, of course, can themselves become bureaucrats insulated from society; however, the very fact that they are called daily to adjudicate concreto "cases and controversies" is the powerful antidote against that danger. And public jnterest litigation is no less litigation—no less "case and controversy"—than traditional twoparty litigation. See Jaffe, supra note 139. 163. See the references in FUNDAMENTAL GUARANTEES OF THE PARTIES IN Ctvn. LITIGATION 449-52, 676-77 (M. Cappelletti & D. Tallon eds. 1973) (Milan/Dobbs Ferry, New York, Giuffrè/Oceana) (United States). See alio id. at 15-19, 677-79 (Federal Republic of Germany) • id. at 548-51, 680-81 (Italy). 164. Art 6, para. l, Ist sentence, of the Convention esiablishes that: "In the determination of his civil rights and obligations or of any criminal charge against him, everyone is entitled to a fair and public hearing within a reasonable time by an impartial tribunal established by law." 165. ARISTOPHANES, THE WASPS, lines 725-26 " Ufa à» un direito, vide Manuel Atienza. Introducción ai Derecho. Barcelona: Barcanova, 1985, cap. 02, p. 53/59

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quanto sua maior ameaça",7 quer dizer, como a obediência às leis não vem naturalmente, devendo ser imposta por um poder soberano - que somente pode atingir este objetivo lançando mão de violência -, surge a necessidade de as regras limitarem o exercício desse poder, sob o risco daquela tarefa ser executada com injustificado sacrifício da integridade física, privação da liberdade, invasão da privacidade e confisco da propriedade.

A assim chamada autonomia do direito processual10 era construída a partir do postulado de que as normas processuais compunham um corpo normativo específico, distinto e independente das regras de direito material. Com isso, postulava-se uma separação absoluta entre processo e substância, a servir de base para afirmação da autonomia científica desse ramo do direito, a partir da afirmação da peculiaridade de seu objeto.

Assim, o processo surge como um corpo secundário de normas voltadas à limitação do poder soberano na tarefa de levar a cabo os direitos estabelecidos no sistema. O propósito do primeiro corpo de normas (chamadas substanciais) é impor a regularidade de condutas na sociedade; a finalidade do segundo corpo de normas (chamadas processuais) é impor a regularidade nas ações do poder soberano na tarefa de fazer valer aquelas primeiras.8

Contrariamente a esse posicionamento inicial, presentemente, o processo vem sendo enfocado como ferramenta de realização da ordem jurídica material, instrumento para "tornar os direitos efetivos".11

Nessa medida, o processo, ou mais exatamente o processo judicial, coloca-se como a disciplina jurídica do poder jurisdicional, definindo sua extensão e seus limites.9 Colocando-se o processo sob essa perspectiva, a questão da intercessão entre normas processuais e de direito material traduz, necessariamente, um dado entendimento sobre o papel e as limitações do poder jurisdicional, indicando, por esse meio, como ele deve atuar no sistema jurídico, e, por consequência, na própria sociedade. A observação do tratamento da doutrina processual para as relações entre direito e processo conduz à conclusão da ocorrência de uma mudança vertical de orientação do direito processual contemporâneo. Esse, embora subsistindo em sua autonomia como área de saber, deixa de fundamentá-la na independência das normas jurídicas processuais, passando a reconhecer sua natureza instrumental em relação ao direito material. 7. Willian H. Simon. The ideology of advocacy. In: Robert M. CovereOwen M. Fiss (org.), Thestructure of procedure. Mineola: The Foundation Press, 1979. p. 53. O autor trata de "positivista" o tipo de teoria jurídica que enfatiza a separação do direito das normas pessoais e políticas, a conexão do direito com a aplicação autorizada da força e o caráter sistemático e objetivo do sistema jurídico (p. 50). 8. Cf. Simon, op. cit., p. 53. Observe-se que, embora o termo processo seja habitualmente vinculado à função jurisdicional, a existência de normas processuais é fenómeno comum à administração e ao legislativo, conforme bem salienta Odete Medauar. A processualidade no direito administrativo. São Paulo : RT, 1993. p. 11-22. Essa colocação do processo em relação ao direito material não significa seu afastamento dos princípios fundamentais do sistema com os quais, necessariamente, devem estar imbricados nas normas, traduzindo o modo próprio de tomada de decisões com base na imparcialidade e independência do julgador. 9. Daí a necessária e indispensável colocação do instituto da jurisdição ao centro das preocupações do direito processual, conforme enfatiza Cândido Rangel Dinamarco. A instrumentalidade do processo. 5. ed. São Paulo : Malheiros, 1997. p. 77-82.

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Na medida em que a concepção autonomista colocava as normas processuais como um valor autónomo, sua interpretação e aplicação eram para ser feitas independentemente das provisões de direito material e, por consequência, dos objetivos e propósitos nele contidos. Mais ainda, a necessidade de afirmação daquela autonomia processual conduzia a uma abordagem formalista do processo, destinada a super valorizar o conceito da independência de suas normas em relação àquelas de direito material, levando a uma interpretação a partir de suas próprias premissas. Sob essa ótica autonomista, o direito processual não era determinado nem pelo direito material, nem pelas autoridades responsáveis pela sua aplicação, nem pela ordem constitucional. Determinava-se a si próprio por auto-referência, baseado em sua autopositividade.12

10. Sobre a discussão desse aspecto metodológico, recorra-se também a Dinamarco, op. cit., p. 17-20; para a recepção desses ideias no Brasil, vide, do mesmo autor, Fundamentos do processo civil moderno. São Paulo : RT, 1986. p. 1-11. 11. Relativamente a essa mudança de perspectiva, vide Sálvio de Figueiredo Teixeira (org.). A reformo processual na perspectiva de uma nova justiça. Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo : Saraiva, 1996. p. 886. Vide também, nessa matéria, Dinamarco, Instrumentalidade, op. cit, em especial capítulos l e II, livro que, no Brasil, marca a consolidação e o desenvolvimento doutrinário desse tipo de análise do direito processual. A expressão que finaliza o parágrafo é emprestada de Mauro Cappelletti e Bryant Garth. Access to Justice: The worldwide movement to make rights efective - A general report. In: Mauro Cappelletti e Bryant Garth (orgs.) /Access to justice - Promising institutions. Mílan : Sijthoff/Giuffrè, vol. l, livro l. p. 5-124. Conforme destaca Robert Wyness Millar (Civilprocedure of the trial court in historical perspective. New York : The Law Center of New York University, 1952. p. 4), "procedure remains a necessity, but men come to the understanding that the true role of procedure is an ancilíary one. In the household of the law, procedure ceases to be the materfami/ías and is now the handmaiden". 12. Remete-se aqui a Gunter Teubner (O direito como sistema autopoiético. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1989) em sua teoria do direito como sistema autopoiético, que tem como sua mais visceral característica a "auto-referência" (p. 2). Vale reproduzir a paródia com que Teubner inicia sua obra: "Narra uma velha história que, durante aceso debate a propósito de um certo problema levantado pela interpretação do Talmude e sobre o qual nenhum consenso havia sido conseguido, o rabino Eliezer, cujo pensamento jurídico rigoroso e elegante não era seguido pela maioria dos presentes, afirmou que, se

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Tal redirecionamento metodológico não retira ou esvazia o objeto do direito processual. Ao contrário, se entendido a partir de sua inserção na teoria geral do direito, como um corpo secundário de normas, cuja finalidade é ordenar a realização do direito substancial pelo poder estatal, o processo ganha em importância e especificidade. Nesse sentido o posicionamento de Willian H. Simon, mencionado acima:

O resultado concreto desse tipo de concepção é o de levar determinadas situações de direito material, embora resguardadas pelo ordenamento jurídico, a não encontrarem tutela jurisdicional adequada ou ficarem inteiramente excluídas de qualquer proteção judicial, redundando em situações de negativa de acesso ou de obtenção de prestação jurisdicional.

O desenvolvimento mais recente do direito processual reflete a preocupação metodológica de um redimensionamento do objeto de estudo dessa área jurídica, reconhecendo a instrumentalidade dos mecanismos processuais em relação ao direito material. Esse redirecionamento metodológico introduz, como preocupação prioritária, a capacidade do processo de produzir resultados consistentes com as necessidades do ordenamento de direito material.16 A avaliação desses resultados, por seu turno, somente é possível levando-se em conta os escopos do processo,11 indicativos das funções a serem por ele exercidas e das finalidades que deve atingir no sistema jurídico e na sociedade.

Em virtude desse tipo de posicionamento, a aplicação das normas processuais acabava destituída de qualquer direcionamento finalístico, sem atenção aos resultados concretamente oferecidos às situações de direito material colocadas sob exame judicial. Pouco importava, nessa perspectiva, o acesso à justiça ou a efetividade dos provimentos jurisdicionais,13 a precedência era dada ao processo ou, mais exatamente, à norma processual em relação ao direito substancial. Vale dizer, sob essa ótica, os direitos materiais estavam confinados aos limites dos modelos procedimentais, que não se orientavam à plena consecução daqueles, mas à pura realização de seus objetivos internos, devendo, pois, a norma processual, ser entendida a partir de seus próprios pressupostos.

De igual maneira, tendo em vista a referida precedência da norma processual, em certas circunstâncias, o resultado prático obtido não correspondia à efetiva realização do direito,14 uma vez que o provimento judicial, embora procedimentalmente correio, em seu estrito senso, não era capaz de recompô-lo em sua inteireza. Em época anterior à reforma do artigo 461 do Código de Processo Civil,15 esse era o resultado da conversão da obrigação de fazer em perdas e danos, que em termos objetivos limitava a tutela jurisdicional aos provimentos reparatórios.

seu raciocínio fosse o correto, um ulmeiro situado fora da sinagoga se deslocaria. Quando a árvore se moveu de fato, os restantes rabinos não pareceram impressionados. Eliezer vaticinou então que, caso estivesse com razão, o curso de um rio vizinho inverteria sua direção, o que efetivamente aconteceu; acrescentou ainda que os muros da escola rabínica se desmoronariam, o que de novo sucedeu. Estas maravilhas não convenceram, no entanto, os rabinos. Por fim, proclamou solenemente que o próprio Céu faria a prova da sua razão. Foi então que uma voz celeste confirmou a opinião de Eliezer. Todavia, até mesmo desta voz os rabinos discordaram dizendo: 'Não podemos dar atenção à voz divina porque Tu mesmo escreveste na Torah, no Monte Sinai, que nos devemos inclinar perante a opinião da maioria'. E Deus então riu, repetindo: 'Os meus filhos venceram-me, os meus filhos venceram-me"'(p. 1). Sobre o direito com sistema auto-referente, vide, da obra citada, em especial p. 40-52, descrevendo os vários graus de auto-referência, da auto-observação à autopoiesis. 13. Sobre o acesso e a execução (enforcement) como pontos em que a abordagem positivista do processo deixa de oferecer respostas satisfatórias, vide Sirnon, op. cit, p. 53. 14. Remete-se à formulação de Luiz Eulálio de Bueno Vidigal. Da execução direta das obrigações de prestar declaração de vontade. São Paulo : RT, 1940. p. 9: "O direito existe para se realizar. Todo o seu valor reside na possibilidade prática de sua realização". 15. Sobre a importância e o alcance da alteração introduzida no artigo mencionado, vide Cândido Rangel Dinamarco. A reforma do Código de Processo Civil. 3. ed. São Paulo : Malheiros, 1996. p. 152-158.

"O estabelecimento desse segundo corpo de normas tem uma curiosa consequência. As normas substantivas refletem os propósitos básicos do sistema, a garantia da ordem no mundo social. As normas processuais são indicadas para lidar com problemas técnicos. Uma vez que o sistema é colocado em movimento, entretanto, as normas processuais exercem um papel mais fundamental. A ordem depende dos cidadãos obedecerem as normas substantivas e a obediência depende da aplicação de sanções pelo soberano. A aplicação das sanções é governada pelas normas processuais. A chave do sistema é a operação da soberania e o último teste de legitimidade de qualquer ato de soberania é processual".18 Na verdade, portanto, mais do que instrumentalidade existe uma interdependência entre direito material e processo, na qual o último se vocaciona à realização do primeiro, mas este depende daquele para ser levado a termo.19 16. Neste sentido Dinamarco. A reforma, op. cit, p. 22: "O processo civii moderno quer ser um processo cfe resultados, não um processo de conceitos ou de filigranas" (destacado no original); também Bedaque, op. cit, p. 13. 17. No tocante à importância da consideração dos escopos do processo, vide Dinamarco. A instrumentalidade, op. cit, p. 149-155. 18. Simon, op. cit., p. 54, traduzido do original. 19. Ressaltando esse aspecto vide Robert M. Cover e Owen M. Fiss (The structure ofpmcedure. Mineola : The Foundation Press, 1979. p. 75-95) os quais, para sustentar este posicionamento, compilam exemplos demonstrando o impacto recíproco entre direito substancial e o processo. Também, David M. Trubek. The handmaiden's revenge: On reading and using the newer sociology of civil procedure. Law and contemporary problems, vol. 51, n. 4, 1988. p. 111-134.

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Com o abandono da postura autonomista em favor daquela concepção que vem sendo denominada instrumentalista, o direito processual passa a necessitar de novos enfoques para sua análise, aptos a permitirem a compreensão do inteiro significado das situações jurídicas que lhe são colocadas para daí gerarem respostas capazes de superar o mero equacionamento formal da realidade fática. Essa necessidade obriga o processualista a tomar em consideração elementos que transcendem à mera disciplina formal do sistema jurisdicional e do campo tradicional do saber jurídico, obrigando-o a lançar mão de outras áreas do conhecimento científico, em um enfoque necessariamente multidisciplinar.20

tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem direito de obter".22 Esse postulado traduz o objetivo "da máxima coincidência entre a tutela jurisdicional e o direito que assiste a parte",23 indicando a orientação finalista que aquela deve perseguir e expressando sua característica de instrumental, orientada para a "realização dos direitos".24

Sob esse enfoque o mais importante pólo metodológico do direito processual passa a ser a tutela jurisdicional, expressando uma preocupação prioritária do sistema processual com a realização do direito material. O estudo da tutela jurisdicional, por sua vez, supera o exame de adequação formal de normas procedimentais, passando a ter como questão central a efetividade, vale dizer, a apreciação da conjunção de meios e fins, examinando como o processo atende aos imperativos do direito material, para os interesses das partes e para a realização dos objetivos sociais implicados no exercício da jurisdição. Para dar corpo a esse critério de efetividade, o exame de um dado mecanismo processual passa a exigir o conhecimento da situação de direito material à qual ele se destina. Tendo em vista a grande complexidade das situações levadas a juízo, notadamente quando envolvem direitos difusos e coletivos, as regras e princípios processuais têm perdido em parte o seu caráter transubstanáal, no sentido de se aplicarem indistintamente avarias áreas de direito material, por ser evidente aí o requisito de maior especificidade de tratamento.21

3.

A EFETIVIDADE DA TUTELA JURISDICIONAL

A efetividade da tutela jurisdicional tem sido definida nos termos do postulado de Giuseppe Chiovenda, a partir da afirmativa de que "na medida do praticamente possível, o processo deve propiciar a quem tem um direito

20. Cf. Cappelletti e Garth, op. cit, p. 9. 21.Sobre valores transubstandais contidos nas normas processuais, vide Robert M. Cover. Reading the rules: Procedural neutrality and substantive efficacy. In: Robert M. Cover e Owen M. Fiss (orgs.) The structure ofprocedure. Mineola : The Foundation Press, 1979. p. 75-86. Essa discussão é retomada no item 3.2, do Capítulo 3, da Parte IV, abaixo.

No entanto, a tutela jurisdicional, sistematicamente considerada, tem outras implicações não limitadas à realização do direito que assiste à parte.25 Primeiramente, há de se ter presente o fato de a prestação jurisdicional não se restringir à adjudicação da situação levada a juízo,26 mas produzir efeitos secundários, entre os quais o de estimular as partes a uma solução amigável, na qual a "máxima coincidência" dificilmente se realiza, uma vez que a solução conciliatória só é atingida porque elas abrem mão de parcela de seus interesses. Segundo, é importante considerar que, sob uma perspectiva sistemática, a tutela jurisdicional tem o significado de um recurso potencial, exercendo um importante papel simbólico para afastar o descumprimento da regra de direito material sem mesmo chegar a ser demandado.27 Por fim, as decisões judiciais, mesmo quando versando sobre interesses atomizados, têm notória influência na implementação das políticas públicas

22. Apud Cândido Rangei Dinamarco. Nasce um novo processo civil. In: Sálvio de Figueiredo Teixeira (org.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo : Saraiva, 1996. p. 14. Vale a transcrição do original: "II principio generale che nel nostro diritto rimane per cosi dire scoperto, per Ia mancanza d'una norma simile a questa, si desume dália natura stessa del!'ordinamento giuridico e dália esistenza dei processo: il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi ha un diritto tuttoquello e próprio quello ch'egli ha diritto di conseguire". Giuseppe Chiovenda. DelTazione nascente dal contrato preliminare. Rivista dei Diritto Commerdale, parte l, vol. IX, p. 103. 23. Kazuo Watanabe. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. In: Sálvio de Figueiredo Teixeira (org.). Reforma do Código de Processo Civil. São Paulo : Saraiva, 1996. p. 41. Nesse sentido, também, José Carlos Barbosa Moreira. Tendências na execução de sentenças e ordens judiciais. In: Temas de direito processual. São Paulo : Saraiva, 1989. Série IV. p. 215-241. 24. Cf. terminologia de Vidigal, op. cit., p. 9. 25. Sobre a necessidade de uma concepção mais ampla quanto à efetividade da tutela jurisdicional vide Kazuo Watanabe. Da cognição no processo civil. São Paulo : RT, 1987 capítulo l, em especial item 4. p. 15-25; os parâmetros da efetividade do processo são dados pelo clássico artigo de José Carlos Barbosa Moreira. Notas sobre o problema da "efetividade" do processo. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, Série III. p. 27-39. 26. Utiliza-se aqui a expressão adjudicação nos termos do proposto por Marc Galanter (Why the "haves" come out ahead: speculations on the limits of legal change. Law andSociety Review, vol. 9, n. 2,1975, p. 95, nota 1), em referência a "full-dress individualized and formal application of rules by officials in a particular litigation". 27. Cf. Marc Galanter. Adjudication, litigation, and related phenomena. In: Leon Lipson e Stanton Wheeler. Law and the social sciences. New York : Russel Sage Foundation, 1986. p. 153.

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contidas nos textos legais, exercendo importante papel na realização de objetivos sociais neles contidos.28 De fato, a interpretação da efetividade do processo não pode ser feita exclusivamente através de sua capacidade de decidir imperativamente, impondo suas decisões e confirmando o ordenamento positivo. Esse enfoque leva a afastar do direito processual importantes atributos que não estão ligados ao direito material e sua realização, mas são inerentes à própria prestação jurisdicional, realizando-se em seu iter procedimental e nas implicações secundárias para o sistema jurídico e social.29 Convém recordar, a esse propósito, que o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional, em correta interpretação do artigo 5.°, inciso XXXV, da Constituição Federal, "não assegura apenas o acesso formal aos órgão judiciários, mas sim o acesso à Justiça que propicie a efetiva e tempestiva proteção contra qualquer forma de denegação de justiça e também ao acesso à ordem jurídica justa".30 Os instrumentos processuais, neste sentido, devem ser vistos como orientados para promover a tutela dos direitos, mas tendo-se em mente que sua efetividade está também implicada com critérios de adequação e tempestividade. Sem dúvida, a capacidade do órgão jurisdicional em impor suas decisões tem fundamental importância na dinâmica do sistema judicial, tendo em vista a inutilidade de uma decisão judicial que não consiga realizar seus resultados práticos e concretos. Todavia, não se pode tomar a impositividade das decisões judiciais como atributo único para aferir a efetividade da tutela jurisdicional. Ela deve perseguir objetivos que se perfazem por outros meios e visam a outros fins, além da simples satisfação do interesse da parte reclamante. 28. É preciso reconhecer que atividade jurisdicional não produz efeitos apenas na estrita esfera dos direitos individuais das partes, mas projeta-se sobre todo o sistema jurídico e sobre as relações sociais. Cristina Rapisarda (Profili delia tutela civile Inibitória. Padova : Cedam, 1987), estudando a "ação inibitória" do direito italiano, indica que prefere o termo "tutela", em vez de "ação", porque este exprime "Ia rilevanza ad un tempo sostanziale e processuale delllnibitoria e degli altri rimedi previsti dalTordinamento vigente" (p. 110), afastando, entretanto, de seu campo de trabalho "ogni piú ampia nozione di tutela giuridica in senso sostanziale, quale técnica di attribuzione di bem giuridici" (p. 111). O presente trabalho enfaticamente concorda com a abordagem do processo sob a ótica da tutela jurisdicional, mas sustenta a necessidade de ser ela considerada em uma perspectiva ampla, que alcance todo o conjunto de consequências produzidas sobre o direito material, em uma relação de interdependência, conforme sustentado no item anterior. 29. Afirmando uma relatividade do princípio chiovendiano, que não pode ser tomado como critério absoluto, vide Moreira. Tendências! op. c/í., p. 215-216 e 236. O próximo item retoma esta abordagem das múltiplas implicações da prestação jurisdicional. SO.Watanabe. Tutela, op. cit., p. 19-51.

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Assim, na consideração da efetividade da tutela jurisdicional deve-se tomar em conta fatores que possam retratar a totalidade de seus efeitos e de suas finalidades mediatas e imediatas. Para tanto é possível separar dois grupos de argumentos indicadores de parâmetros para a avaliação dos processos de adjudicação judicial e de outros mecanismos alternativos de solução de conflitos: os de produção e os de qualidade?1 Esses argumentos traduzem dois diferentes tipos de resultados a serem analisados em qualquer mecanismo processual.

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No tocante àqueles argumentos chamados de produção, considera-se qual mecanismo decisório produz um determinado resultado com menor dispêndio de recursos. Esse grupo de argumentos incorpora aquelas preocupações com o custo e duração do processo, apontados para o objetivo de um processo mais rápido e mais barato. O segundo grupo, aquele dos argumentos de qualidade, coloca a questão dos benefícios gerados por um dado mecanismo processual tendo em vista uma situação concreta. Nesse caso, é preciso investigar a superioridade dos variados resultados que um determinado mecanismo decisório produz. Trata-se, portanto, de saber se o que se obtém através de um sistema de adjudicação é desejável em relação aos fins que se destina. Por exemplo, nesse sentido, "um dado processo é superior a outro porque aumenta a satisfação das partes, encorajando um restabelecimento amigável de relações, é mais disseminado entre as normas sociais, promove o desenvolvimento de soluções integrativas, conduz a maior obediência, gera precedentes mais úteis e assim por diante".32 Apenas os argumentos de produção não respondem à adequação da tutela a situações juridicamente protegidas. Ademais, em muitos casos pode estar envolvido mais de um interesse contemplado pela ordem jurídica, sem que a apreciação judicial possa optar por um deles sem elidir o outro ou conciliá-los sem o consentimento dos envolvidos.33 31. Nos termos do proposto pelo Professor Marc Galanter (Introduction: Compared to what? Assessing the quality of dispute processing. Denver University Law Review, n. 66 (1989), issue 3, p. xi-xiv), buscando estabelecer critérios comparativos entre os vários mecanismos alternativos de solução de disputas, como os administrativos, de arbitragem e de mediação, entre outros. Conforme indica nesse artigo, "the many reasons for prefering one dispute mecanism over another can be reduced to two basic arguments. The first of these, which we might call the de 'production' cluster, is that one or another mecanism will produce 'more' with less expenditure of resources" (p. xii), o segundo grupo de argumentos remete à avaliação da superioridade dos outcomes produzidos. 32. Marc Galanter. Introduction, op. cit., p. xii, traduzido do original. 33. A discussão sobre a formação dos interesses na sociedade e do interesse público é desenvolvida nos itens subsequentes.

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A efetividade da tutela jurisdicional, portanto, há de ser aferida levando em conta, também, outros elementos, como a capacidade do órgão jurisdicional em conhecer corretamente os fatos apresentados, de mediar e conciliar posições conflitantes, de perceber a verdadeira necessidade das partes e responder às suas expectativas pessoais, de considerar todo o conjunto de argumentos aduzidos, de incentivar condutas positivas das partes (em relação à instrução probatória e à execução do julgado), e de considerar as repercussões finais da decisão produzida (em relação aos sujeitos diretamente envolvidos e também à sociedade), entre outros fatores que dimensionam a totalidade dos resultados a serem produzidos pela prestação jurisdicional.34

A questão da efetividade deve ser vista a partir de uma consideração sistemática do processo,37 com o cruzamento de fatores endógenos e exógenos ao sistema processual, de forma a permitir uma consideração dos argumentos de produção e de qualidade. Não há como pensar-se, por exemplo, em uma limitação de custos sem considerar seus efeitos de acarretar eventual redução de meios probatórios ou em uma diminuição da duração do processo sem levar em conta possível sacrifício do contraditório. De igual maneira, não há como cogitar de uma maior coercitividade das ordens judiciais sem considerar eventuais efeitos danosos que elas possam produzir, como a impossibilidade de reversão de uma decisão equivocada, de prejuízo à liberdade das partes envolvidas, ou ainda de comprometimento a uma adequada divisão do poderes do Estado.

A consideração da efetividade da tutela jurisdicional, como foi visto acima, impõe a formulação de um juízo sobre a adequação do procedimento e do provimento jurisdicional a uma determinada situação de fato, tomando em consideração não só seus objetivos imediatos (prestação de tutela à parte reclamante), mas também àqueles mediatos (relacionados com os valores e objetivos do ordenamento jurídico), o que apenas será factível a partir de uma visão externa do processo, isto é, não restrita a seus próprios pressupostos.

A questão da efetividade, nessa medida, coloca-se sob uma perspectiva de maior abrangência, a qual conduz à consideração de um dado mecanismo processual partir de suas múltiplas finalidades analisando suas implicações imediatas e mediatas. Além da assim chamada "realização do direito material", a atividade jurisdicional deve estar voltada para o atendimento de objetivos sociais mais amplos, relacionados com os direitos demandados e outros que, na maior parte das vezes, podem a eles transcender.

Em rápida síntese, o conceito de efetividade implica uma consideração de meios e fins, podendo ter-se por efetivo aquele processo que atinge as finalidades a que se destina, considerando o conjunto de objetivos implícitos no direito material e a totalidade da repercussão da atividade jurisdicional sobre dada situação de fato. A identificação dessas finalidades, portanto, como acima mencionado, não pode ser buscada endogenamente no processo, a partir de fins localizados em seus próprios institutos, mas sim nos resultados aos quais está vocacionado.35 As finalidades endógenas do processo, que respondem àqueles argumentos chamados deprodução, ganharão o seu sentido quando conjugadas com objetivos mais amplos, identificados na consideração ampla do sistema jurisdicional, como um mecanismo de produção de decisões sociais.36

4.

TUTELA JURISDICIONAL E NEUTRALIDADE DO PROCESSO

O processo em seu viés tradicional é entendido como um meio neutro, isto é, que nada acrescenta ou retira em relação às normas jurídicas por meio dele aplicadas. Nesse tipo de pensamento, "processo é um meio através do qual a norma correia é aplicada aos fatos em disputa. Dadas as premissas do formalismo, deve haver uma norma correta para cada grupo de fatos determinados".38 Com isso, o processo não deveria ter qualquer efeito sobre os valores, objetivos e desejos dos usuários do sistema judicial, devendo ser concebido e funcionar para perseguir a meta da neutralidade. No entanto, a afirmação dessa "transparência" deixa de considerar suas reais implicações sobre as situações fáticas envolvidas e sobre a maneira como opera o sistema jurídico na realidade social. A transparência pode até colocar-se

34. Sobre como a correia interpretação das normas processuais, uma vez aplicadas em boa técnica, podem alcançar esses resultados, vide Moreira. Efetividade, op. c/t., p. 23-38. 35. Sobre a efetividade do processo, Dinamarco. A instrumentalidade, op. cit, p. 385. Segundo Bedaque, op. cit, p. 29, na consideração da efetividade do processo o jurista "deve criar soluções visando a tornar o instrumento adequado à realidade social a que ele será aplicado". 36. Conforme destacam, o próximo capítulo e o conjunto da Parte II, a jurisdição localiza-se junto a outros poios produtores de decisões sociais, entre os quais o mercado e o sistema político. Vide, em especial,

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o item 1.6, do Capítulo l, da Parte II, abaixo. í 37. Cf. Moreira, Efetividade, op. cit., p. 28, enfatizando que "vários, senão muitos, dos problemas 'clássicos' do processo demandam reexame em perspectiva ampliada, que tome na devida consideração o contexto global em que eles se inserem". 138. Trubek, op. cit., p. 114, traduzido do original.

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como um objetivo do sistema, mas longe está de ser um instrumento analítico capaz de descrever sua realidade.39 Na verdade, o processo, ao ordenar a forma como se põe em andamento o sistema jurisdicional e como este responde às situações que lhe são endereçadas, traz consequências, para as partes ou para terceiros, que longe estão de poderem ser consideradas neutras em relação às expectativas pessoais das partes e aos objetivos sociais implicados nas várias espécies de direito material, objeto da adjudicação. O primeiro passo para o reconhecimento da falência desse paradigma da neutralidade do processo dá-se com a introdução do "acesso à justiça" no ternário do direito processual.40 O movimento para o reconhecimento e superação das limitações de acesso aos sistemas judiciais aponta para o fato de alguns grupos ou categorias de pessoas na sociedade encontrarem a porta da justiça fechada ou difícil de se abrir para elas.41 O surgimento dessa importante corrente do direito processual contemporâneo nasce exatamente do reconhecimento de que a visão clássica do processo não retrata adequadamente a realidade, onde, a despeito da igualdade formal, deixava de fora do sistema um grande contingente de pessoas e interesses. Com essa exclusão, o processo colocava-se em contradição com uma das bases do pensamento jurídico moderno segundo o qual "há, ou deve haver, um corpo de normas singular, uniforme, universal; que cada cidadão - todo homem, mulher ou criança -, independentemente de classe, status social, ou renda deve ser capaz de gozar da proteção e privilégios daquele corpo de normas".42 A cega afirmação da transparência do processo impediu por muito tempo a constatação fundamental do evidente descompasso entre a norma formal de

39. Cf. Trubek, op. c/t., p. 115. 40. Cf. Boaventura de Souza Santos, (Pela mão de Alice - o social e o político na pós-modernidade. Porto : Afrontamento, 1994. p. 146-147), para quem o tema do acesso à justiça é o que melhor equaciona as relações entre processo civil e a justiça social, afirmando que "a organização da justiça civil e, em particular, a tramitação processual não podiam ser reduzidas à sua dimensão técnica, socialmente neutra, como era comum serem concebidas pela processualística, devendo investigar-se as funções sociais por ela desempenhadas em particular, o modo como as opções técnicas no seu seio veiculam opções a favor e contra interesses sociais divergentes ou mesmo antagónicos". 41. Lawrence M. Friedman. Acess to justice: social and historical context. In: Mauro Cappelletti e John Weisner (orgs.). /Access to justice - promising institutions. Milan : Sijthoff/Giuffrè. vol. II, livro I. p. 5.

acesso igualitário e a realidade, em maior parte excludente dos seus serviços para grande parcela da população, limitando o acesso à justiça de causas de menor valor económico ou dos interesses difusos e coletivos. 5.

A REPERCUSSÃO DAS AÇÕES COLETIVAS NO SISTEMA JURISDICIONAL BRASILEIRO

A introdução no Brasil da defesa judicial de interesses difusos e coletivos43, embora ainda não levada à prática em sua inteira potencialidade, trouxe inovações para nosso sistema processual, que levaram à profunda alteração na forma de prestação jurisdicional e na própria concepção do papel do Poder Judiciário numa sociedade, ela própria, em processo de aceleradas transformações. Mais do que isso, a colocação sob a tutela jurisdicional de novos interesses, anteriormente fora do seu alcance, introduziu um novo tipo de litigância44, trazendo para a cena judiciária agentes antes desconhecidos, com a exigência de soluções não previamente enfrentadas em nossa tradição jurídica. Sem dúvida, esse alargamento do acesso à justiça significou uma diversificação das funções judiciais no Estado brasileiro, as quais deslocaram-se de seus papéis tradicionais, onde estavam voltadas à solução de disputas privadas entre partes individuais, para o equacionamento de lides transindrviduais, envolvendo interesses coletivos, de larga abrangência social e forte peso político. Essas novas ações judiciais passaram a agregar interesses dispersos por toda a sociedade, ou ainda de características grupais, representativos de segmentos específicos do corpo social. Esse desdobramento das funções judiciárias do Estado coloca para o direito processual uma série de questões técnicas, verificadas em todas as fases 43. A Lei 6.938/81 (artigo 14, parágrafo 1.s), que definiu a política nacional do meio ambiente, foi a primeira lei a permitir a defesa judicial de um interesse difuso através do Ministério Público. No entanto, como aquela lei não trazia os mecanismos processuais adequados, foi a Lei 7.347/85 a responsável pela introdução da defesa judicial dos interesses difusos e coletivos no Brasil. Esta lei foi significativamente complementada pela disposição do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/91). Sobre a qualificação dessa espécie de interesse, vide, do autor. Legitimidade para agir: O desenho processual da atuação do Ministério Público. In: Ferraz, António Augusto Mello de Camargo (org.). Ministério Público: instituição e processo. São Paulo : Atlas, 1997. p. 247-255. 44. Esta expressão é aqui utilizada no mesmo sentido de litigation, termo usual na doutrina norte-americana para designar os conflitos sociais orientados no sentido de uma solução pelas normas oficiais, acionando ou ameaçando acionar o aparelho estatal, nos termos da definição de Galanter, Marc. Why the "haves" comeout ahead: Speculations on the limits of legal change. Law andSociety Review, vol. 9, n. 2,1975, p. 95, nota 1; também utilizando a expressão "litigação" no mesmo sentido, v. Santos, Boaventura de Souza, Marques, Maria Manuel Leitão, Ped roso, João e Ferreira, Pedro Lopes. Os tribunais nas sociedades contemporâneas: O caso português. Porto : Afrontamento, 1996. p. 19-35.

42. Friedman, op. cit., p. 8, traduzido do original. 207

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PROCESSO CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO • Carias Alberto de Salles

do desenvolvimento do iter processual, da citação à prolação da sentença, do trânsito em julgado à execução do título judicial. Por outro lado, as questões emergentes nessa situação não encontram resposta cómoda somente na aplicação lógico formal das normas processuais.

A preocupação com os interesses difusos e coletivos surge exatamente nesse contexto, a medida que as normas constitucionais, ordinárias e mesmo regulamentares passam a incorporar objetivos gerais ou coletivos.

Na verdade, a solução das questões técnicas levantadas pelas ações coletivas só encontram o adequado equacionamento a partir do conhecimento do conjunto de fatores que conduzem à sua formulação. Para além de simples opção metodológica45, a solução de questões processuais passa a requerer a utilização de instrumentos de análise que possibilitem uma visão ampla do fenómeno processual, lançando mão de recursos teóricos e multidisciplinares que, anteriormente, pouca consideração vinham merecendo dos estudiosos do processo. 6.

CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO E DE INTERESSE INDIVIDUAL: O SIGNIFICADO DAS AÇÕES COLETIVAS

As transformações no direito processual são significativas da emergência de um novo modelo de litigância civil, de crescente influência em nossos dias. O objeto desse novo tipo de litigância é vindicar a efetivação de políticas públicas expressas em lei ou decorrentes de valores consagrados constitucionalmente.46 Vale dizer, no tratamento de interesses difusos e coletivos, a atividade jurisdicional deixa de ser voltada a litígios exclusivamente individuais, para impactar um âmbito predominantemente público. Esse espaço público, que passa a ser objeto de intervenção judicial, é, de sua feita, decorrente da crescente atividade legislativa e regulamentar do Estado, dirigida à modificação e disciplina de fatores básicos da organização social e económica.47 Sob pressupostos estritamente liberais, a função do direito está em salvaguardar as autonomias individuais. Sob essas premissas, os objetivos da sociedade surgem da soma das vontades individuais. Com o advento do Estado social, o próprio direito passa a incorporar objetivos sociais, os quais não são mais simples soma das autonomias individuais, mas metas e valores definidos a priori pelos vários processos decisórios da sociedade.

45. Para uma análise das perspectivas metodológicas do processo civil, vide, do autor, Execução, op. c/f., p. 29-54. 46. Cf. Chayes, op. c/t, p. 1.284. 47. Idem, ibidem, p. 1.288.

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Isso faz com que a defesa judicial dos interesses difusos e coletivos tenha o significado de trazer para o Judiciário a função de adjudicar o interesse público na situação disputada pelas partes. Nessas situações, ao definir o interesse preponderante, a atividade jurisdicional está decidindo sobre objetivos sociais em contraposição. Mais do que isso, a medida que a decisão incide sobre bens coletivos, realiza opções relacionadas com a alocação e apropriação de recursos comuns.48 Nessa nova tarefa, a atividade judicial, forçosamente, estará deixando de realizar uma justiça apenas corretiva (ou retributiva), para incidir sobre um campo de justiça distributiva, ligada à atribuição individual ou coletiva de recursos comuns49. A prestação jurisdicional pretendida nas ações coletivas, embora tendo por base a própria atividade reguladora estatal, tem como objeto o cumprimento dos objetivos sociais contidos nos textos legais ou decorrentes de opções valorativas realizadas pela Constituição. Nessa medida, a tutela jurisdicional pode dirigir-se tanto à implementação direta daqueles objetivos, exigindo de particulares o cumprimento de determinadas posturas legais, ou como ao próprio Estado, para que atenda a obrigações legais de realizar determinada providência ou de exercer seu poder de polícia, levando em conta, inclusive, a possibilidade de agências ou órgãos públicos haverem sido "capturados" ou "cooptados" por interesses puramente privados.50 Nesse último caso, o processo judicial se presta a suprir deficiências do processo político.51 Trata-se, na verdade, do reconhecimento de uma necessária ampliação das funções jurisdicionais para apreciação de interesses que permaneciam sub-representados na sociedade, os quais, sem essa abertura da justiça cível,

48. Cf. Lopes, José Reinaldo de Lima. Justiça e poder judiciário ou a virtude confronta a instituição. Revista da USP, vol. 21 (março-maio/1994), p. 24-25. 49. A esse propósito vide, do autor, Execução, op. c/t, p. 106/110. 50. A respeito do tema "captura e cooptação" existe toda uma escola de pensamento económico com fundas repercussões nos meios jurídicos da chamada Public Choice. Vide, entres outros, Farber, Daniel A. e Frickey, Philip P. Low and public choice: A criticai introduction. Chicago : The Chicago University Press, 1991. p. 12-37. Nesse sentido, vide, também, Nusdeo, Fábio. Fundamentos para uma codificação do direito económico. São Paulo : RT, 1995. p. 122-139. 51. Destacando a importância do papel do Judiciário na correção de imperfeições do processo político, v., do autor, op. c/t, p. 95/99.

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quedar-se-iam sem a devida representação.52 Assim, a conservação do meio ambiente, o equilíbrio das relações de consumo ou simplesmente a estabilidade das relações contratuais, embora relacionados com interesses maiores no sistema político e jurídico, por suas características, são precariamente defendidos. As chamadas ações coletivas vieram preencher essa lacuna. No dizer de Abram Chayes, "da mesma maneira que o conceito tradicional reflete e se relaciona com um sistema no qual os arranjos económicos e sociais eram referentes a ações privadas autónomas, o novo modelo reflete e se relaciona com um sistema regulatório onde esses arranjos são o produto de uma positivação", e no qual, segundo ele, a aplicação da lei "é necessariamente a implementação de uma política regulatória".53 E com isso, em outras palavras, uma implementação das opções consagradas nessa política entre vários interesses divergentes. 7.

A DEFINIÇÃO DO INTERESSE PÚBLICO

De forma diversa a outras lides de direito público, em que o objeto da prestação jurisdicional não deixa de ser um interesse privado de alguma forma afetado pela Administração, nas ações coletivas a matéria apreciada em juízo está estreitamente relacionada com as políticas públicas contidas nas disposições legais atinentes à matéria tratada. Assim, a decisão judicial terá direta repercussão sobre aquelas políticas, devendo ser avaliada a partir de sua capacidade de produzir resultados em relação aos objetivos com elas implicados. Destaque-se que, tradicionalmente, os principais foros de definição do interesse público são a Administração e o Legislativo. A questão do interesse público54 é o principal critério balizador da atividade administrativa, porque dos critérios de sua definição dependem a validade e a legitimidade dos atos 52. Esse tipo de litigância é direcionada para o objetivo último de uma espécie de justiça cívica: "public interest law was a notable reform in civil justice. Designed to offer legal services for 'interests without groups', this movement quickly identified its goal as civic justice- i.e., effective participation by such groups in the decision-making process". Segundo eles, ainda, "public interest law, therefore, reflects an aspiration for civic justice", Trubek, Louise G. e Trubek, David M. Civic justice through civil justice: A new approach to public interest advocacy in United States. In Cappelletti, Mauro (org.). Access to justice and the welfare State. Alphen/Bruxelles/Stuttgart/Firenze: Sijthoff/Bruylant/Klett-Cotta/Le Monnier, 1981. p. 121, também 144. 53. Chayes, op. cit., p. 1.304, destacando as diferenças desse novo modelo, vide também Braveman, Daan. Protecting constitutional freedoms - A role for Federal Courts. New York : Greenwood Press, 1989. p. 82-84. 54. Sobre a importância do conceito de interesse público nos negócios da administração, vide Meirelles, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 201 ed. atualizada. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 86. O

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administrativos. Sem dúvida, dentro da estrutura estatal, é no Executivo que se concentra o maior número de decisões acerca dos recursos disponíveis na sociedade e sujeitos à distribuição pelo Estado. Todavia, não obstante a centralidade desse conceito para a teoria geral do direito,55 sua definição apresenta dificuldades, devido à necessidade de formulação de um conceito suficientemente genérico para abranger um número muito grande de situações,56 envolvendo opções entre uma pluralidade de interesses dispersos pela sociedade e, na maior parte dos casos, excludentes. O problema da definição do interesse público pode ser exemplificado pelo chamado Arrows theorem, assim denominado em razão de seu autor, Kenneth J. Arrow, que o demonstrou no começo da década de 60. Arrow tomou hipoteticamente três indivíduos com poder para tomar uma decisão e, considerando que cada um deles tem uma ordem de preferências diferentes, demonstrou, matematicamente, que o cruzamento dessas preferências individuais pode levar a decisões inteiramente aleatórias, dependendo de fatores estruturais do processo decisório.57 A definição do interesse público, portanto, implica uma decisão estatal envolvendo um certo grau de discricionariedade, com a escolha de um entre vários interesses concorrentes. Essa tarefa, em muitas ocasiões, é realizada pelo Judiciário, como ocorre na adjudicação de interesses difusos e coletivos. O problema, no entanto, reside exatamente nos limites da discricionariedade dessa decisão, sob pena de, sem um núcleo mínimo de significado, o interesse público ter como único critério a competência da autoridade que a proferiu. Sob uma perspectiva exclusivamente processual, o interesse público não se autor mencionado coloca-o como conteúdo básico do princípio da finalidade, que condiciona a validade dos atos administrativos. 55. Sobre o desenvolvimento e o papel do conceito de interesse público na teoria geral do direito, vide Faria, José Eduardo. Direito e economia na democratização brasileira. São Paulo : Malheiros, 1993. p. 64-67 e 74-79. Para ele esse conceito é essencialmente plurívoco (p. 64), ocupando uma função tópica no direito {p. 78). 56. Sobre esse tipo de dificuldades conceituais vide Figueiredo, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 37-38. Ela, embora afirmando a supremacia do interesse público na Administração, apresenta-o como um conceito "pragmático", sem um sentido teorético ou determinado. Postula, entretanto, possuir um "núcleo mínimo de compreensão" que se extrai das normas e princípios que informam o ordenamento. Para a autora, ainda, o conceito estaria implicado com o grau de generalidade em questão, dizendo respeito "a toda a coletividade" (p. 38). 57. Cf. Arrow, Kenneth J. Social choice and individual values. V ed. New York : Wiley, 1963. Para uma análise e demonstração da teoria de Arrow, vide Muller, Dennis C. Public choice II. Cambridge (England) : Cambridge University Press, 1989. p. 384-399; para um breve resumo, vide Seidenfeld, Mark. Microeconomics predicates to law and economics. Cincinnati : Anderson Publishing, 1996. p. 56-60. Na doutrina brasileira, abordando esses problemas, vide Nusdeo, Fábio, op. c/t, p. 119-140; também Campilongo, Celso Fernandes. Direito e democracia. São Paulo : Max Limonad, 1997. p. 43-54.

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diferencia do ato da autoridade competente, sem qualquer importância para qual seja seu conteúdo. Em decisões administrativas, por exemplo, o problema da definição do interesse público é bastante evidente. Tome-se em consideração a decisão sobre o emprego de recursos na construção de uma avenida na zona sul ou uma ponte na zona norte da cidade. Embora seja justo supor que as duas obras tenham um conteúdo de interesse público, qual critério é utilizado para decidir entre a realização de uma e não de outra? Os moradores das duas regiões, certamente, terão opiniões opostas. Da mesma forma, possivelmente, discordariam técnicos, economistas, ambientalistas, engenheiros e advogados, segundo as várias perspectivas de análise do problema. Na verdade, qualquer decisão social, produzida ou não através dos vários mecanismos estatais, incorpora opções por um entre vários interesses relevantes, traduzindo uma dada avaliação sobre qual deles, em uma determinada alocação de recursos públicos (bens ou serviços), melhor atende ao objetivo social que se quer alcançar por meio de uma determinada ação. A essência de qualquer política pública, levada adiante pelo executivo, legislativo ou judiciário, é distinguir e diferenciar,58 realizando a distribuição dos recursos disponíveis na sociedade.59 Analogamente ao ocorrido com a atividade administrativa, o Legislativo, em sua atividade, incorpora escolhas formuladas entre interesses diversos e conflitantes, decidindo sobre o interesse público na situação objeto de uma lei ou regulamento. Também nesse caso, há uma opção entre os vários interesses envolvidos, significando um posicionamento em relação ao interesse público. A opção legislativa, incorporada no texto legal, representa uma política adotada pelo legislador, configurando uma medida distributiva, no sentido de alocar entre os vários indivíduos recursos comuns.60 58. Cf. Komesar, Neil R. Imperfect alternativas: choosing institutions In law, economics and public policy. Chicago : The University of Chicago Press, 1994. p. 251. Para uma definição de política pública no contexto do direito, vide Clune, Willian H. Law and public policy: Map of an área. Southern Califórnia Interdisciplinary Law Journal, n. 2 (1993), p. l, observando que: "By definition, ali law is public policy, in that it is the collective will of society expressed in binding norms; and ali public policy is law, in that it depends on laws and lawmaking institutions for at least some aspect of its existence" (p. 3-4). 59. Estando esta atividade, conforme observado no item anterior, implicada com a realização de uma justiça distributiva. "What shoud be done when different people's desires or interests oppose one another and cannot ali be fully satisfied? Justice is the justified answer to this question and its science is the theory of justice", Kolm, Serge-Cristophe. Modern theory of justice. Cambridge/Massachusetts : MIT Press, 1996. p. 4 (destacado no original). 60. "O problema da justiça distributiva diz respeito à alocação ou apropriação individual de recursos comuns (a riqueza, a honra)", Lopes, op. c/t., p. 25. 212

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As políticas públicas definidas em lei, quando dirigidas a particulares, atuam através de interferência na esfera de autonomia privada dos sujeitos, fixando proibições, estabelecendo obrigações ou induzimento e, mesmo, definindo a titularidade de determinados bens.61 Relativamente à Administração Pública, as políticas definidas atuam para limitar ou excluir a discricionariedade administrativa, através da imposição de procedimentos ou da fixação de obrigações legais de fazer ou não-fazer. As normas programáticas ou de incentivos entre os vários graus da administração (por exemplo, condicionando o repasse de verbas públicas ou concessão de financiamento a requisitos mínimos) também são uma forma de implementar uma política pública em níveis diversos da administração. Verifica-se, portanto, que o interesse público materializa-se na forma de políticas públicas, que expressam escolhas realizadas pelos vários centros de decisão estatal. Essas escolhas, entretanto, podem não ser necessariamente as melhores para a sociedade e nem mesmo representam as preferências da maioria. É possível que essas decisões, pela Administração, Legislativo ou Judiciário, tenham sido feitas em consideração a interesses outros, que não atendem aos objetivos do corpo social. "Realisticamente, nós devemos também considerar a possibilidade de uma lei representar mais interesses privados do que públicos, por causa da indevida influência de grupos de interesses especiais".62 Com efeito, a análise até aqui desenvolvida conduz à importante conclusão de que o interesse público não pode ser tomado pelo produto cumulativo das vontades individuais ou como valor neutro, que se coloca acima dos conflitos da sociedade. Assim considerado, o interesse público não responde ao problema de como estabelecer uma orientação na formulação dos comandos jurídicos.

61. A intervenção estatal vide a posição de Grau, Eros Roberto. Elementos de direito económico. São Paulo : RT, 1981. p. 65. No domínio económico, afirma Grau, essa intervenção pode ocorrer por três modalidades diversas: por absorção ou participação (quando o Estado direta ou indiretamente assume uma atividade económica); por direção (estabelecendo normas de comportamento compulsório para os sujeitos da atividade económica); e por indução (usando de estímulos ou incentivos à adoção de um certo comportamento). 62.Farber e Frickey, op. c/t., p. l, traduzido do original. A conclusão apontada é básica na teoria da Public Choice, que ganhou notabilidade com a premiação de James Buchanan com o Prémio Nobel de Economia, em 1986, com seu trabalho nessa área. Trata-se da uma proposta de identificação dos condicionantes de tomadas de decisão nos processos políticos, diferenciando-se da Rational Choice (baseada na afirmação de que as pessoas agem sempre racionalmente para maximizar suas preferências) e da Social Choice (que estuda os processos de decisão coletiva). A Public Choice é importante para o direito por demonstrar que uma lei voltada ao interesse público pode beneficiar um determinado grupo. Concluem os autores da obra discutida: "No one would deny the importance of self-interest in the political process, but we can also be reasonably sure that self-interest is not the whole story" (p. 33), destacando o papel desempenhado pela ideologia nos processos de tomada de decisão.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Aponta, porém, aspectos fundamentais da formulação das decisões estatais, tornando possível identificar até que ponto um posicionamento expressa um julgamento válido ou legítimo sobre um dado problema. De fato, é possível uma noção de interesse público sob uma dimensão exclusivamente processual, enfatizando os mecanismos procedimentais de decisão reconhecidos, pela sociedade, como legitimamente capazes de expressar a vontade coletiva.63 Afinal, a "produção do 'interesse público' não exige de cada cidadão o consenso com relação aos fins, mas somente com relação aos meios capazes de servir a uma grande variedade de propósitos potencialmente harmonizáveis".64 Supondo, portanto, a existência de um consenso quanto aos meios, isto é, ao processo de decisão, é possível definir o interesse público apenas na maneira processual de sua conceituação. Nessa linha o interesse público é aquele contemplado por uma decisão validamente produzida, independentemente de seu conteúdo. A formulação processual do interesse público coloca em evidência a necessidade de que qualquer decisão estatal seja adotada a partir de técnicas aptas a permitirem incorporar o que a sociedade entende por relevante com respeito às regras de uma divisão justa do produto social e conducentes aos resultados finais preferidos pela maioria e afastando, ao mesmo tempo, o perigo de decisões incoerentes.65 Sem dúvida, essa concepção tem o mérito de evidenciar o processo como um elemento fundamental em qualquer decisão estatal - incluindo as produzidas pelo Judiciário. No entanto, embora a definição processual do interesse público ofereça uma resposta aos problemas de indefinição do conceito, nos termos do que vem sendo afirmado pela doutrina jurídica, não está livre de perigos. A ordenação dos processos decisórios sociais não evita possa a sociedade vir a ter opções terríveis (como no caso do nazismo). Por outro lado, não afasta também a possibilidade do sistema não operar a contento, refletindo más preferências ou inadequadamente aquelas representativas do conjunto social. Por fim, mesmo

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o mais bem estruturado esquema processual pode conduzir a resultados contraditórios, cada qual a reclamar para si a primazia do interesse público.66 Assim, não é possível endossar um modelo de justiça puramente processual, porque algumas coisas continuarão sendo um mal a despeito de provenientes de um procedimento perfeitamente justo.67 "Nenhuma quantidade de due process oflaw making pode ser suficiente para fazer alguns resultados moralmente aceitáveis".68 A qualidade das decisões estatais - políticas ou judiciais - não pode ser avaliada apenas pelo processo decisório que as gerou, não obstante a importância funcional dessa espécie de estrutura normativa. Em suma, "talvez nós não devêssemos pensar o interesse público como algo que o processo político apenas identifica. Melhor colocado, o interesse público, em algum sentido, cristaliza a maneira como o processo político opera no processamento das preferências existentes".69 Com efeito, como a questão do interesse público está presente em toda a decisão estatal, mesmo naquelas constituintes, sua definição pode ser substancialmente buscada nos fundamentos do próprio sistema político. Afinal, "entre o interesse de uma comunidade em ter uma fábrica gerando empregos e outra interessada em fechar a mesma fábrica por ser altamente poluidora, a única possibidade de racionalizar a decisão é escapar da análise dos interesses e tentar descobrir um bem comum"70 ou seja, um mínimo denominador comum que permita distinguir o interesse privado daquele indivisivelmente pertencente a toda a coletividade.71 66. Apontando as deficiências de urna definição exclusivamente processual do interesse público, vide Farber e Frickey, op. cit., p. 55-62. 67. Conforme Farber e Frickey, op. cit., p. 59-60. 68. Farber e Frickey, op. cit, p. 60, nota 60. Sobre a assimilação do conceito de due process oflaw no direito brasileiro, antes da Constituição Federal de 1988, vide o livro precursor de Grinover, Ada Pellegrini. As garantias constitucionais do direito de ação. São Paulo : RT, 1973, em especial Capítulos l, II e III. Nesse sentido, vide também, nota 4, do Capítulo l da Parte III, abaixo. 69. Farber e Frickey, op. cit, p. 59, traduzido do original 70. Lopes, op. cit, p. 27.

63. Existe uma tendência geral à "processualização" do direito como um todo, apontando para uma perda de conteúdo substancial das normas jurídicas, no sentido deste só ser definido em sua aplicação concreta na interação entre as partes. Nesse sentido, vide Wiethõlter, Rudolf. Proceduralization ofthe category of law. In: Joerges, Christian e Trubek, David M. (org.). Criticai legal thought: An American-German debate. Baden-Baden : Nomos Verl.-Ges., 1989. p. 501-510; também, na mesma coletânea, Kennedy, Duncan. Comment on Rudolf Wiethõlter "materalization and proceduralization in modern law" and "proceduralization ofthe category of law", p. 511-524. 64. Faria, op. cit., p. 67. 65. Sobre as estratégia procedimentais como garantia dos outcomes do processo legislativo, vide Farber e Frickey, op. cit., p. 55-57.

71. Em Rousseau, o bem comum é exatamente aquele ponto mínimo em relação ao qual todos os interesses são convergentes, colocando-se como princípio geral pelo qual é possível manter a coesão social: "É o que há de comum nos diferentes interesses que formam o vínculo social, e, se não houvesse algum ponto no qual todos os interesses concordassem, nenhuma sociedade poderia existir", Rousseau, Jean-Jacques. Do contrato social e discurso sobre a economia política. São Paulo : Hemus, 1981. p. 37. Sobre a importância dos conceitos de vontade geral e de bem comum em Rousseau, vide Lopes, op. cit., p. 26-27. Discutindo as bases éticas das relações económicas e sociais, em um apanhado das principais teorias políticas e económicas a respeito, vide Fonseca, Eduardo Giannetti da. Vícios privados, benefícios públicos?: a ética na riqueza das nações. São Paulo : Companhia das Letras, 1993. p. 27-91.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

PROCESSO CIVIL DE INTERESSE PUBLICO • Carlos Alberto de Saltes

Para John Rawls essa indivisibilidade é exatamente uma das principais características dos bens comuns ou coletivos (public goods).72 Os bens públicos ou, melhor dizendo, bens comuns, como o meio ambiente,73 se caracterizariam pela impossibilidade de apropriação privada, impondo uso e fruição em comum. A distribuição desses bens deve ser feita de forma que a quantidade usada por um indivíduo seja disponível em igual quantidade para o uso de todos. Como a quantidade produzida ou disponível desses bens não pode ser dividida como bens privados e colocados à venda, sua provisão tem de ser feita através do processo político, não do mercado.74

tão-somente indicar um princípio de justiça distributiva77 que possa servir de base para a definição do interesse público, materializado em opções concretas de alocação de recursos sociais.78

É necessária, dessa forma, a adoção de critérios substanciais para definir o interesse público, tomando-se em consideração aqueles parâmetros mínimos pelos quais a convivência social é possível em um regime de liberdade, permitindo conciliar interesses particulares, de indivíduos e grupos, com aqueles pertencentes a toda a coletividade.75 Na distribuição dos recursos escassos da sociedade, como os relativos ao meio ambiente, um critério desse tipo deve orientar a solução de demandas conflitantes, que os cidadãos fazem uns aos outros, não como princípio de ordem moral adotado aprioristicamente, mas como razões estabelecidas pela concepção pública de justiça sob a qual se assentam as instituições básicas da sociedade.76 Não se acredita possível fornecer a priori um critério - ou relação deles - suficiente, fechado e exaustivo, mas 72. "The distinction between public and private goods raises a number of intricate points, but the main idea is that a public good hás two characteristics features, indivisibility and publicness", Rawls, John. A theory of Justice. Cambridge : The Belknap Press of Harvard University Press, 1971. p. 266. Destaque-se que os bens comuns ou coletivos são conhecidos na bibliografia internacional como bens públicos (public goods}, cf. Nusdeo, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito económico. São Paulo : RT, 1997. p. 186. 73. Artigo 225, caput, da Constituição Federal: "Bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida". 74. Cf. Rawls, op. c/t., p. 266-267. Para uma localização do problema dos bens coletivos, vide Kolm, op. cit, p. 350-351. 75. Sem dúvida, a formulação contemporânea mais conhecida desse mínimo ou princípio fundamental que deve reger as relações sociais é dada por John Rawls ( op. cit, p. 118-192), embora sua justificação possa ser buscada em postulados clássicos, como o de Rousseau, mencionado na nota 32, acima. Outras soluções para o mesmo problema são possíveis, por exemplo, através de uma fórmula que equacione os vários interesses comuns a todo o corpo social. Nesse sentido, seria possível coerentemente definir o interesse público em termos substanciais, por exemplo, resumindo-se os objetivos sociais sob as rubricas de eficiência e equidade, cf. Weisbrod, Burton A. Conceptual perspective on the public interest: An economic analysis. In: Weisbrod, Burton A., et ai. (org.). Public interest law: an economic and institutional analysis. Berkeley : University of Califórnia Press, 1978. p. 4: "There are many facets to the 'public interest', which is why it hás been só difficult to arrive at a consensus definition. It seems, however, that many of these facets can be grouped under two principal headings: efficiency and equity". 76. Nesse sentido, comentando a posição de John Rawls, vide Vita, Álvaro de. Justiça liberal: argumentos liberais contra o neoliberalismo. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1993. p. 45.

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Assim, relativamente ao meio ambiente e a outros bens comuns ou coletivos, esse princípio deve ser buscado na indivisibilidade característica desses bens. Essa indivisibilidade traduz um critério de justiça distributiva, segundo o qual aqueles bens necessários à sobrevivência e desenvolvimento da coletividade são alocados a todo e qualquer de seus membros, não permitindo, portanto, qualquer utilização (ou apropriação) excludente, isto é, que impeça o pleno uso por outros de seus membros. Nessa medida, o princípio básico, que deve orientar a atividade jurisdicional de proteção a bens coletivos, deve ser o restabelecimento daquela característica de indivisibilidade que os define enquanto tal. 8.

JUSTIÇA E ADEQUABILIDADE DO PROCESSO DECISÓRIO: O PAPEL DO JUDICIÁRIO NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Muito embora o conceito de justiça implicado na asserção de uma ordem jurídica justa possa ter múltiplos significados, é importante, nesse ponto, diferenciar sua noção substantiva daquela processual. Não obstante seja "muito difícil desenhar uma linha entre a falta de justiça em seu sentido processual e a falta de justiça em seu sentido substantivo",79 é preciso compreender como, algumas vezes, o conceito de justiça dirige-se a situações que se resolvem pelas próprias regras de direito material, mas em muitos casos a denegação de justiça tem um sentido unicamente processual, referindo-se a situações geradas pela deficiente consideração das partes e seus reais interesses no processo. Algumas dessas situações são de difícil correção na tradição jurídica ocidental,80 mas merecem atenção do estudioso do processo e dos profissionais do direito, visando ao correio entendimento e, por consequência, aplicação das normas processuais. 77. Sobre o conteúdo do conceito de justiça distributiva, vide o item 2.1 do Capítulo 2 da Parte II, a seguir. 78. "An actual possible theory of justice (or social ethics) for a complex society as a whole is always an open-ended moral polyarchy, where open-ended means that one cannot hope to be able to provide o priori a sufficient, closed, and exhaustive list of criteria. However, a simple theory may intend to purpose only a best approximation, with a few principies that constitute the general rules, or even merely provide the tone in qualifications, specifications, limitations or exceptions", Kolm, op. cit, p. 33-34 (destacado no original). 79. Friedman, op. cit, p. 6. 80. Sobre as raízes e motivações dessa tradição jurídica, vide David M.Trubek (Max Weberon law and the rise of capitalism. Wlsconsin Law Review, vol. 1972, n. 3, p. 720-753), mostrando o papel do juiz na aplicação "lógico- formal racional" do direito (p. 746, nota 48).

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Um exemplo pode ser apresentado quanto à diferente capacidade das partes, não em um sentido de possibilidade jurídica de produzir atos válidos81 ou de adequada representação processual,82 mas do ponto de vista das vantagens estratégicas que certo tipo de partes têm em obter melhores resultados em procedimentos judiciais.83 Ela resta bem evidenciada na comparação entre repeatplayers (RP) e one-shotters (OS), tipos ideais construídos pelo Professor Marc Galanter para localizar características básicas dos litigantes no processo judicial.84 Os Rp são aquelas partes que, diversamente de outras que apenas raramente recorrem ao sistema judicial (OS), utilizam-no repetidamente defendendo seus interesses em um grande número de casos judiciais. São litigantes frequentes, como empresas, órgãos estatais ou o Ministério Público em muitas de suas atribuições.85 É possível enumerar uma grande série de vantagens que os RP gozam pela sua frequente presença em juízo.86 Os RP, já tendo estado antes em juízo, em casos semelhantes, têm a vantagem da experiência, permitindo-lhes estruturar diferentemente as próximas transações e construir uma retaguarda probatória em seu interesse.87 Outro ponto considerável é a economia de escala que beneficia os RP, facilitando-lhes o acesso a especialistas a um custo decrescente em cada novo caso. A presença frequente em juízo também pode facilitar as relações informais com os agentes públicos responsáveis pela prestação do serviço público (como juiz, oficiais de justiça, cartorários etc.), permitir a construção de uma reputação no foro e criar estratégias de longo prazo na litigância judicial.88 81. Nos termos dos artigos 5.2 e 6.s do Código Civil. 82. Nos termos dos artigo 7.2 a 13 do Código de Processo Civil. 83. Cf. Marc Galanter. Afterword: Explaining Litigation. Law and Society Review, vol. 9, n. 2 (1975) p. 347368; também Cappelletti e Garth. A general report, op. cit, p. 14-18. 84. Cf. Galanter. Why the "haves", op. cit, p. 93-160, inserindo a sua noção de RP "into an 'ideal type' if you will - a unit which hás had and anticípates repeated litigation, which hás low stakes in the outcome of any one case, and which hás the resources to pursue its long-run interests" (p. 98), salientando em nota que os RP não precisam sequer se envolver em litigância, uma vez que o mais bem sucedido RP é aquele cujos oponentes renunciam a seus interesses sem enfrentá-los em juízo (nota 5). 85. Interessante notar que, algumas vezes, tendo em vista sua organização baseada na autonomia funcional e na livre distribuição dos casos entre os Promotores de Justiça, divididos em áreas pouco especializadas, impede-se que o Ministério Público goze de vantagem como RP, fazendo com que seus membros tenham de renovar seus esforços em cada nova distribuição que recebam, sem maximizar a experiência de outros casos anteriores idênticos que foram tratados por outro profissional. 86. Galanter, Why the "haves", op. cit, p. 98-103, enumera nove grupos abrangentes de vantagens dos RP em relação aos OS.

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Com isso, é possível concluir que características estruturais das práticas judiciárias e dos procedimentos tendem a favorecer organizações em prejuízo de litigantes individuais. Outra evidência daquela ténue linha divisória entre justiça substantiva e justiça processual pode ser observada na incompleta consideração do sujeito pelo sistema legal. Na concepção jurídica clássica o direito material serve para dar poder ao sujeito de direito e o processo, na condição de sua ferramenta, compartilha este objetivo.89 Contrariamente a essas premissas, no entanto, a subjetividade é discursivamente constituída, isto é, criada através das práticas e discursos sociais, permitindo afirmar uma natureza contextuai do sujeito.90 Com isso, a resposta dos mecanismos jurisdicionais constitui, na verdade, uma denegação da subjetividade autêntica (e, portanto, da Justiça) ao considerarem o sujeito abstratamente, de maneira acontextual. Vários estudos da relação advogado-cliente, de base empírica, ilustram essa circunstância, constatando haver um potencial conflito de interesses, levando o advogado a afastar o processo das finalidades pessoais perseguidas pelo seu cliente. Pode ocorrer ainda que os objetivos de uma determinada causa sejam gerados pelo advogado, apenas com a adesão do cliente, que pessoalmente estaria satisfeito com solução diferente, quiçá menos custosa para ele, para o sistema Judiciário e para a parte contrária. Na área de divórcio, por exemplo, os profissionais tendem a convencer seus constituintes a colocarem de lado sentimentos emocionais e reivindicações morais, tomando a resolução por eles advogados tida como factível. De igual maneira na área criminal defensores públicos exercem o papel de "esfriar" os réus.91 Em todos esses casos, o sistema judicial promove uma verdadeira denegação dos interesses autênticos dos sujeitos, evidenciando uma oposição

da maneira de maximizar os ganhos ao longo de uma série de casos; 2) de optar entre atuar em juízo para formar jurisprudência ou para obter ganhos imediatos; 3) de induzir a formação de posições jurisprudências em relação às normas do próprio processo; 4) de avaliar quais casos têm uma importância simbólica maior; 5) de alocar corretamente seus recursos (conhecimento, atenção, perícias técnicas, dinheiro), dos quais dependem em grande parte o sucesso de sua atuação. 89. Cf. Trubek. The handmaiden's renvenge, op. cit., p. 121, afirmando que o "post-realist thought accepts the classical notion that the purpose of substantive law is to empower the self", e que "as the handmaiden to substantive law, procedure shares this goal".

91. As várias situações aqui apontadas são enumeradas por Trubek. The handmaiden's renvenge, op. cit, P. 121-122.

88. Por estratégias de litigância, resume-se aqui vários dos atributos apontados por Galanter (Why the "haves", op. cit., p. 100-103), como características dos RP, representados pelas seguintes possibilidades: 1) de adotar uma minimaxstrategy, minimizando a probabilidade de perdas maiores, através do cálculo

90.Sobre a natureza contextuai do sujeito, vide Roberto Mangabeira Unger, Passion: an essay on personality. New York : The Free Press, 1984. p. 3-89; também Trubek. The handmaiden's renvenge, op. cit, p. 119.

87. Por exemplo exigindo cauções ou depósitos e conservando em seu poder declarações formais da parte contrária.

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entre a subjetividade, legal e processualmente definida, e aquela que constitui a identidade real do interessado.

é a de saber a qual instituição será dado decidir sobre uma determinada matéria. Segundo sustenta o Professor Neil K. Komesar, da Universidade de Wisconsin, essa escolha da instituição que melhor atende a um certo objetivo social deve levar em conta as três maiores decision-making institutions: o mercado, o processo político e o judiciário.95 Segundo ele, a escolha entre instituições é uma opção entre processos complexos, nos quais a interação dos muitos participantes molda seu desenvolvimento e acaba por determinar o próprio conteúdo de sua decisão. Assim, na escolha institucional, muitas vezes está previamente implicada a determinação do próprio objetivo social prevalecente.

Outra importante consideração das normas processuais na realização de justiça é o estudo da "vitimização da vítima". Essa análise, desenvolvida por Kristin Bumiller, sustenta que "em vez de prover uma ferramenta para diminuir a desigualdade, mecanismos legais, que criam a identidade legal da vítima de discriminação, mantém divisões entre poderosos e despossuídos de poder, através de meios que são obscurecidos pela ideologia de igual proteção".92 Esse estudo demonstra de que maneira a prestação jurisdicional pode ser desvirtuada pelo arranjo das regras procedimentais, sujeitando a vítima (no caso de discriminação por raça ou sexo) a uma situação incómoda ou pessoalmente gravosa, invalidando ou afastando o recurso à proteção judicial. "Se o direito antidiscriminação vitimiza seus beneficiários putativos, ele não apenas falha em prevenir discriminação; ele perpetua isso".93 Essa análise, brevemente exposta, e outras, que a ela poderiam ser somadas,94 demonstram a ténue linha existente entre justiça substancial e processual, confirmando que em muitas situações a ordenação e estrutura de um dado processo decisório (judicial ou não) tem grande, senão decisiva, influência para se poder atingir aquela meta de justiça, que deveria servir de base para as relações sociais. Desta forma, além da discussão a cerca da importância dos mecanismos processuais na definição do interesse público, realizada no item anterior, faz-se necessária a verificação dos critérios disponíveis para saber qual processo, dentre aqueles peculiares às várias instituições sociais, é o mais adequado para produzir os resultados esperados pela sociedade em relação a um determinado objetivo. Considerando que as diversas modalidades de processos decisórios estão associados às diferentes instituições sociais, essa questão, em última análise, 92. Kristin Bumiller. The civil rights society: The social construction ofvictims. Baltimore: The Johns Hopkins University Press, 1988. p. 4, traduzido do original.

Tão importante quanto a definição do interesse público, portanto, é saber quais instituições apresentam o processo decisório mais adequado para a consecução de determinado objetivo social presente em uma dada situação de fato. Com efeito, as várias instituições possuem características próprias, identificáveis a partir da maneira como os vários interesses se articulam em relação a elas, conforme seu grau de concentração, sua capacidade de organização e de influenciar decisões. Para Komesar a articulação desses interesses obedece ao condicionante básico de tendências majoritárias e minoritárias. "Em algumas instâncias e contextos identificáveis, interesses minoritários ou especiais prevalecem. Em outros, influências majoritárias podem agir contra a influência minoritária, produzindo política pública que é menos estreitamente fundamentada e que frequentemente parece mais de interesse público".96 O que se quer afirmar, evidentemente, não é que o Poder Judiciário deva substituir aos demais centro decisórios da sociedade na definição do interesse público. Por certo, recorrendo aos exemplos antes apontados, não será a via jurisdicional a melhor para decidir-se sobre o emprego de verbas públicas ou para definição de uma política legislativa. O processo judicial, no entanto, em algumas circunstâncias, mostra-se como a instituição mais apta para decidir sobre o interesse público em determinadas situações, notadamente naquelas nas quais, por falhas de outros processos decisórios envolvidos, ocorra uma desconsideração daqueles parâmetros básicos de sua formação97.

93.Trubek. The handmaiden's renvenge, op. cit, p. 126, traduzido do original. 94. Para uma visão de novas tendências de análise do processo civil vide Trubek. The handmaiden's renvenge, op. cit, p. 121-134, apontando os seguintes campos temáticos emergentes da sociologia crítica do processo: 1) a negação da autêntica subjetividade; 2) a construção legal da realidade social; 3) a vitimização da vítima através do direito; 4) a alternativa comunitária e a crítica da adjudicação; 5) a crítica da ADR (A/ternative Dispute Resolution) e os discursos de necessidade; 6) a discursividade do conhecimento social.

95. Op. c/r., p. 9. A análise dessas instituições dá ensejo à chamada comparative institutional analysis, cujas bases são desenvolvidas no livro citado. 96. Komesar. Imperfect alternatives, op. cit, traduzido do original. • 97. Demonstrando função da proteção judicial do meio ambiente, bem como sua necessidade, vide, do autor, op. cit, p. 87/156.

9.

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CONCLUSÃO: UM NOVO MODELO DE TUTELA JURISDICIONAL DO INTERESSE PÚBLICO

Com base em todo o exposto, pode-se afirmar que o Judiciário conheceu uma expansão de suas atribuições, passando a resolver questões de âmbito público, no cumprimento um papel antes relacionado a outros centros decisórios existentes na sociedade. Mais do que isso, a atividade jurisdicional passou a ser, em certas circunstâncias, a única instância de decisão social capaz de dar uma resposta condizente aos objetivos sociais que, por características estruturais, não obtêm um adequado tratamento pelo mercado ou pelo processo político.98 O impacto dessas transformações sobre as normas de processo, dessa maneira, resultou na emergência de um novo modelo processual, construído a partir da necessidade de oferecer respostas a um tipo litígio diferenciado daqueles tradicionalmente tratados no processo civil. A contraposição desses modelos de litigância na área cível foi identificado pelo Professor Abram Chayes, da Universidade de Harvard, em seu clássico trabalho "The role of thejudge inpublic law litigation", no qual investiga as mudanças sofridas pelas formas jurisdicionais cíveis." Chayes localiza em seu trabalho as características predominantes no modelo tradicional, de maneira a permitir a identificação de uma parâmetro para localização das principais mudanças trazidas pelo modelo emergente. O modelo tradicional de litigância, segundo ele, segue as seguintes características: a) a ação judicial é bipolar, organizada como uma competição entre dois indivíduos ou dois interesses, minimamente unitários, colocados em posições diametralmente opostas; b) a litigância é retrospectiva, versando sobre eventos completos e passados; c) direito e remédio judicial são interdependentes, a prestação jurisdicional é mais ou menos logicamente decorrente da violação do direito substantivo, sob a premissa de que ao autor deve ser dada uma compensação medida pela lesão causada pelo réu; d) a ação judicial

98. Nesse sentido as conclusões de KOMESAR. Imperfect alternatives, op. cit., p. 271/276. Para Komesar, a prevalência de determinado objetivo social está ligada à escolha de qual instituição social (mercado, processo político ou judicial) será dado decidir sobre os interesses implicados com aquele objetivo. Em razão de características estruturais das instituições envolvidas, a escolha institucional pode significar a própria escolha do objetivo social preponderante em uma certa situação. Surge dessa constatação a necessidade de uma análise comparativa institucional para descobrir, entre as várias alternativas imperfeitas, qual melhor atende a determinados objetivos sociais. Tratando-se de bens coletivos (public goods), os quais, de maneria geral, são objeto das ações coletivas no Brasil, o Judiciário apresenta-se como a melhor alternativa. Cf. do autor, Execução, op. cit, p. 101/105. 99. Chayes, op. cit., p. 1.282-1.283.

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é um episódio autocontido, no sentido de que o impacto do julgamento se confina ao interesse das partes; e) o processo é parte-iniciado e parte-controlado, significando que é organizado a partir das iniciativas das partes, que definem as principais questões submetidas ao juízo. Estas diversas características do sistema judicial permitem identificar alguns atributos comuns, representativos de um modo específico de solucionar disputas surgidas entre particulares (ou entre particulares e o Estado) versando sobre causas privadas e de interesses individuais. A forma de iniciar a ação, a colocação das partes no processo, as bases de decisão e as características da atuação do órgão jurisdicional, sob os vários aspectos, salientam uma ou outra característica indicativa de elementos próprios do chamado modelo tradicional de adjudicação. Conforme foi visto nas partes iniciais deste trabalho, a inclusão dos direitos difusos e coletivos no sistema processual fez com que o Judiciário se dirigisse a conflitos surgidos da atividade reguladora do próprio Estado, passando a dizer respeito a um grande número de pessoas e à consecução de objetivos maiores da coletividade100. Essa mudança do papel exercido pelo sistema jurisdicional tem uma repercussão imediata sobre a estrutura e a operação do modelo processual de adjudicação, passando a enfrentar novos desafios em sua operação e a oferecer novas respostas, de conteúdo inteiramente diverso àquele usual nas resoluções de conflitos privados entre partes individuais. Com isso, verifica-se o surgimento do novo modelo processual (ou de adjudicação judicial, para usar a expressão usual na literatura norte-americana), baseado em premissas funcionais e estruturais diversas, que se afastam e se opõem àqueles atributos apontados anteriormente. Entre as principais características desse novo modelo está a de que o objeto da ação judicial não é a disputa entre indivíduos privados sobre direitos privados, mas uma reclamação sobre a operação de uma política pública.101 O reconhecimento dessa nova dimensão da atuação judicial é necessário para que a condução do processo e a interpretação de suas normas seja feita sob premissas correias, sem que ocorra a omissão do caráter e da significação pública desse tipo de litigância. É preciso que o direito processual apresente respostas para o novo tipo de lide colocado ao sistema jurisdicional buscando canais que permitam o completo desempenho das novas funções que lhe são emprestadas. As mudanças sentidas pelo sistema processual tornam bastante ténue a divisão 100. Sobre a questão da realização de objetivos sociais, vide, do autor, Execução, op. cit., p.123/125. 101. Cf. Chayes, op. cit, p. 1.302.

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entre processo e substância, de modo que o mau entendimento e aplicação das normas processuais pode gerar resultados efetivamente substanciais102.

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Verifica-se, assim, que a introdução das ações coletivas em nosso sistema jurisdicional trouxe sérias e profundas transformações para as normas e princípios de processo civil implicados nessa área. Altera-se substancialmente a natureza da matéria colocada sob deliberação judicial, acarretando uma transformação no próprio modelo do processo decisório implicado nessas questões. Com isso torna-se possível delimitar um objeto específico de estudo, o que conduz a possibilidade de afirmação da existência de um processo civil de interesse público. A aceitação da especificidade desse objeto de estudo é um primeiro passo para que o direito processual possa dar um tratamento teórico e metodológico diferenciado, adequando-se às questões surgidas dessa realidade.

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PROCESSO CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO: INTRODUÇÃO Kazuo Watanabe1 A respeito do tema: "Processo Civil de Interesse Público", não temos muita coisa a acrescentar ao que já foi exposto, com muita propriedade, pelo Prof. Cássio Scarpinella Bueno. Gostaríamos apenas de abordar alguns aspectos instigantes e em relação a eles proceder, com a ajuda da seleta plateia, a um exercício de meditação. Antes de mais nada, devo mencionar um importante trabalho do Prof. Carlos Alberto de Salles, publicado na Revista do Direito da Universidade Ibirapuera, n°s. l e 2, do ano passado, exatamente sobre o tema. O título do trabalho é: "Existe um Processo Civil de Interesse Público?". Várias considerações contidas no artigo foram extraídas da sua consagrada tese de doutoramento: "Execução Judicial em Matéria Ambiental" (RT, 1999). Em relação ao objeto litigioso desse Processo Civil de Interesse Público, cuja existência o Prof. Cássio Scarpinella Bueno demonstrou com muita clareza, gostaria apenas de anotar que precisamos tomar alguns cuidados na utilização de determinados termos, como "interesse coletivo", porque "interesse coletivo" no Código de Defesa do Consumidor e na Lei de Ação Civil Pública tem um sentido estrito e nesta palestra iremos utilizar a expressão num sentido mais amplo. "Interesse coletivo" em sentido estrito significa interesse pertinente a um grupo, classe ou categoria de pessoas, ao passo que "interesse coletivo" em sentido amplo é interesse de toda a comunidade, da coletividade inteira. Sobre o aspecto objetivo, ou seja, sobre a natureza do objeto litigioso do Processo Civil de Interesse Público, o Prof. Cássio Scarpinella Bueno já teceu 1.

Mestre e Doutor pela DSP. Professor Doutor da USP. Advogado em São Paulo.

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considerações esclarecedoras. De nossa parte, gostaríamos de fazer algumas ponderações sobre o aspecto subjetivo desse processo, principalmente sobre a abertura de acesso à Justiça por ele propiciado e sobre a sua significação política como instrumento de participação política pelos jurisdicionados na gestão de coisas públicas. O ator mais atuante e dinâmico do Processo de Interesse Público é, certamente, o Ministério Público, mas não devemos nos esquecer de que, na origem da Lei 7.347/85, a grande preocupação da Comissão elaboradora da proposta inicial, da qual tivemos a honra de fazer parte, foi a de ampliar a legitimação para agir, conferindo-a também para a sociedade civil. Na Lei de 1981 (Lei n. 8.938), que estabelece a política nacional do meio ambiente, constava a legitimação exclusiva do Ministério Público. A Lei de Ação Civil Pública (n. 7.347/85), que disciplinou melhor a Ação Coletiva, preocupou-se bastante com a legitimação da sociedade civil e sob essa ótica o Processo Civil de Interesse Público é fundamentalmente um instrumento de participação política da sociedade na gestão das coisas públicas. Este é o aspecto que temos procurado sublinhar com maior ênfase em nossos pronunciamentos, porque às vezes o agigantamento do Ministério Público, nesta área, faz com que não haja a atuacão política da sociedade civil e não se alcance, assim, um dos objetivos maiores da lei ,que foi, como já ficou anotado, o de melhor organizar a sociedade civil, fazendo com que ela própria, por meio desse instrumento processual, também tivesse intensa atuacão na tutela jurisdicional do interesse coletivo. Temos manifestado essa preocupação para os vários amigos do "parquet", dentre eles o Dr. António Herman V. Benjamin. Quando ele assumiu a Coordenação das Curadorias do Meio Ambiente, numa memorável audiência pública por ele organizada, presenciamos, juntamente com a Prof". Ada Pellegrini Grinover, um fato que nos chamou muita atenção, que foi a presença de inúmeras ONGS, Associações Civis, e muitas delas estavam reclamando da demora do Ministério Público no processamento da representação por elas formulada. Ora, todas elas tinham legitimação para agir em juízo para postular a tutela jurisdicional dos interesses coletivos. Por que, então, não adotavam elas próprias a iniciativa da demanda? Faltava um pouco de iniciativa por parte dessas ONGS e também, por parte do Ministério Público, faltava um trabalho de orientação e de auxílio às associações civis para que passassem elas próprias a agir, em nome próprio, na tutela jurisdicional dos interesses da coletividade. Da mesma forma que orienta e dá subsídios para os Promotores de todo o Estado, também poderia a Coordenação das Curadorias orientar as ONGS, num desempenho da atribuição que, na conjuntura atual, reputamos da maior importância dentre as várias que incumbem ao Ministério Público. Este é o aspecto que gostaríamos de deixar ressaltado nestas colocações iniciais.

PROCESSO CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO: INTRODUÇÃO • Kazuo Watanabe

Um outro aspecto diz respeito à necessidade de correta percepção das transformações que estão ocorrendo à nossa volta. A partir da década de 80, o Processo Civil Brasileiro começou a passar por transformações muito significativas, algumas delas até revolucionárias. Tivemos, por exemplo, a Lei das Pequenas Causas em 1984. Os trabalhos de elaboração de sua proposta se iniciaram em 1982. Em que consistiria a importância dos Juizados de Pequenas Causas dentro desse contexto evolutivo do Processo Civil pátrio? Trata-se de facilitação do acesso à Justiça por parte de camada mais humilde da população. Na Constituição de 1988, em razão do sucesso alcançado pelos Juizados Especiais de Pequenas Causas, a Constituinte expressamente os consagrou, não somente para causas cíveis de menor complexidade, como também para processos criminais envolvendo crimes de menor potencial ofensivo. O legislador ordinário, ao editar a lei n. 9.099/95, na parte civil praticamente reproduziu, nos aspectos essenciais, a Lei das Pequenas Causas. Ampliou, porém, a sua competência, fazendo com que esses novos Juizados servissem não somente para facilitar o acesso à Justiça, como também para debelar a crise da Justiça no concernente à morosidade na entrega da prestação jurisdicional. Em nosso modo de ver, houve certo desvio na finalidade maior dos Juizados Especiais, uma vez que, padecendo eles de insuficiência em suas infra-estruturas material e pessoal, com severo comprometimento de sua agilidade, celeridade e efetividade, agora com a ampliação da competência, estamos correndo o perigo de falência dessa promissora instituição. Mas, este não é o tema de hoje. O que queremos ressaltar é que começamos as grandes transformações do Processo Civil brasileiro com a Lei das Pequenas Causas, que é de 1984; em seguida, tivemos a Lei da Ação Civil Pública em 1985; em 1990 foi promulgado o Código de Defesa do Consumidor, que passou a vigorar a partir de 1991, e nele ficou disciplinada de modo mais completo a ação coletiva; e de 1992 a 1995, tivemos a mídi-reforma do Código de Processo Civil, atualmente em fase de ajustes finais. O que aconteceu de mais importante, em razão dessas transformações revolucionárias do Processo Civil pátrio, foi a facilitação do acesso à Justiça por parte do conflitos individuais, de competência dos Juizados de Pequenas Causas, além da abertura de acesso para os interesses até então não judicializados, que são os interesses difusos e coletivos "stricto sensu", que constituem o objeto do Processo de Interesse Público. É importante que se percebam, com nitidez, essas recentes transformações da nossa processualística. Não seria despropositado, certamente, indagar se algumas dessas evoluções não estavam, acaso, já implicitamente autorizadas pelo nosso sistema jurídico. Num trabalho que publicamos antes da Lei da Ação Civil Pública, procuramos

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

PROCESSO CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO: INTRODUÇÃO • Kazuo Watanabe

defender a legitimação ordinária das associações civis para a tutela jurisdicional dos interesses difusos e coletivos "stricto sensu", sustentando tratar-se, não de legitimação extraordinária, e sim de legitimação ordinária. Porém, logo em seguida veio a lei 7.347/85 permitindo esse tipo de legitimação para agir em juízo, o que tornou desnecessária uma construção doutrinária a respeito do tema. Quando judicávamos na Primeira Instância de São Paulo, no início da década de 70, enfrentamos algumas ações nas quais o problema da legitimação para agir era o ponto central do debate entre as partes. O problema era respeitante a um loteamento City e consistia em se saber se um proprietário de lote localizado numa quadra poderia agir em juízo contra um outro proprietário de lote localizado numa outra quadra, que estivesse construindo com violação das limitações negociais constantes dos contratos de aquisição. A jurisprudência e a doutrina sentiam muita dificuldade em admitir legitimação para agir numa hipótese como a mencionada, por não se identificar uma lesão de direito subjetivo. O morador distante não teria um direito subjetivo seu diretamente ofendido uma vez que o padrão construtivo do loteamento interessaria a todos os proprietários, e não somente a ele. A noção de direito subjetivo, assim, constituía uma camisa de força que impedia, com muita frequência, o acesso à justiça, porque o art. 6° do CPC, artigo em que está acolhida a filosofia liberal-individualista, procura fragmentar os conflitos de interesses, fazendo com que cada qual somente leve à justiça, em nome próprio, o seu interesse diretamente afetado. Na ocasião, fomos estudar o conceito de interesse em obras de publicistas e encontramos num livro do Dês. Bandeira de Mello referência a "interesses simples" e "interesses legítimos". Todos esses interesses, mesmo os qualificados como "legítimos", ainda não seriam direitos subjetivos.

Aqui, vem a questão crucial consistente em se saber qual o limite desse acesso à Justiça? Carlos Alberto de Salles sustenta, com brilhantismo, que no processo civil de interesse público o Judiciário decide, entre outras coisas, também acerca de políticas públicas, que estão expressas ou em algum plano de Governo ou em algumas normas jurídicas, normas constitucionais principalmente. A meditação que gostaríamos de fazer com os senhores é sobre o limite da canalização desses conflitos para o Poder Judiciário. Não temos uma conclusão final e completa a respeito. Gostaríamos de proceder a um exercício de meditação, com os senhores, para tentar chegar a algumas conclusões sobre o tema. Com o acesso à Justiça por parte dos interesses coletivos e interesses difusos, certamente as atribuições do Judiciário se ampliaram sensivelmente, da mesma forma que se operou a transformação da função institucional do Ministério Público. Não somente pela ampliação da legitimação para agir teve o Ministério Público suas funções transformadas, como também, conforme já ressaltamos, pela sua atuação por meio de Inquérito Civil. Nele, não se limita o "parquet" a apurar os fatos, realizando, mais do que isto, verdadeiros atos de aplicação do direito, principalmente quando obtém um ajustamento de conduta, fazendo com que o investigando adeque sua conduta às exigências das normas jurídicas aplicáveis ao caso. Isto constitui, sem dúvida alguma, atuação direta do direito pelo Ministério Público, sem qualquer intervenção do Poder Judiciário, a não "a posteriori" se houver alguma reclamação do investigando.

Mas, o titular de um lote de um mesmo loteamento, mesmo que de quadra distante, certamente teria pelo menos um "interesse legítimo" na preservação dos padrões construtivos assegurados nos contratos de aquisição, que seriam do interesse também dele e não somente de toda a coletividade de proprietários do mesmo loteamento. Naquela época, já essa abertura para o "interesse legítimo" permitia o acesso à Justiça na percepção de muitos. Algum tempo depois, com a lei de ação civil pública, veio a ampliação do acesso à Justiça para os interesses coletivos e difusos. Antes dessa lei e do Código de Defesa do Consumidor, em nosso modo sentir, já havia a possibilidade de judicialização desses interesses, mas a nossa mentalidade formada à luz das lições centradas em conceito clássico de direito subjetivo, impedia a abertura do acesso à Justiça por parte desses interesses, e as leis mencionadas vieram possibilitar expressamente esse acesso. Esse é o significado político mais importante que vemos no Processo Civil de Interesse Público. 232

Em relação ao Poder Judiciário, hoje, os cientistas políticos do mundo todo afirmam duas coisas importantes. Estaria, em primeiro lugar, ocorrendo o fenómeno que eles denominam de expansão do direito. O direito está, cada vez mais, disciplinando novas relações, que eram, até então, por ele ignoradas, desde aspectos políticos até os ligados à intimidade das pessoas. Como é sabido, vários países, hoje, disciplinam a coabitação entre os homossexuais, tema que era, até há pouco tempo, um tabu nesses países e ainda o é em muitos outros. E tudo que é disciplinado pelo direito vai parar no Poder Judiciário numa eventualidade de ameaça ou violação. Essa expansão do direito se liga também ao problema da falência do Estado-Providência que, para poder estabelecer o controle da sociedade, administrando as contradições sociais, políticas e regionais, e os conflitos delas resultantes, tem procurado ampliar os direitos sociais, mesmo sem ter a certeza da existência de recursos financeiros necessários para tanto, consagrando-os inclusive nas cartas políticas, como o fez a nossa Constituição de 1988. Esses direitos ou não são efetivamente implementados ou, embora implementados, não são cumpridos a contento ou de modo completo pelo Estado, o que gera conflitos sócio-jurídicos, que vão parar na Justiça. Existe, por outro lado, aquela técnica utilizada pelos nossos políticos de disciplinar os assuntos polémicos com regras jurídicas, na impossibilidade 233

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política de alcançar o consenso, de conteúdo indeterminado, e a definição do alcance exato dessas normas vai parar, como instância final, na Justiça.. Apontam os cientistas políticos, em segundo lugar, o fenómeno da judicialização da política. Hoje, o Judiciário julga não somente os conflitos sócio-jurídicos como também os de natureza política. No Brasil, principalmente na Justiça Federal, os conflitos de natureza política constituem parte bastante expressiva do volume de seus processos. A discussão em juízo de um plano de governo, v.g. o plano real, é predominantemente de natureza política, embora venha ela posta em termos eminentemente jurídicos. A contestação do aspecto tributário ou de qualquer outro aspecto de um plano de governo constitui, sem dúvida alguma, uma tentativa de discussão do próprio plano, e isso constitui, em última análise, judicialização da política de governo. O Judiciário está assumindo essas funções e na discussão desses conflitos são utilizados não somente Processos Coletivos como também Processos Individuais. No chamado Processo de Interesse Público incluiríamos, assim, também as demandas individuais nas quais esses conflitos políticos são discutidos. Ainda prevalece a técnica da fragmentação dos conflitos, o que dá origem a inúmeras demandas repetitivas que temos hoje e que sobrecarregam enormemente o nosso Judiciário. Esses conflitos, que têm natureza coletiva, poderiam muito bem ser solucionados numa única demanda coletiva. Mas, a fragmentação não modifica a natureza do objeto do processo. Mas, voltando à importante indagação atrás formulada: qual seria o limite da utilização do Processo de Interesse Coletivo para a discussão de políticas públicas? Podemos questionar, perante o Judiciário, acerca da política de construção de escolas de uma determinada municipalidade? Nos casos extremos, como o de uma comunidade que não tenha uma única escola, a solução seria mais fácil. Mas, se na comunidade já existem inúmeras escolas, poderia o Ministério Público, com base na arrecadação efetiva do município e no número de crianças em idade escolar, reclamar em juízo, através de ação coletiva, a construção de mais escolas? Seria dado ao Judiciário esse tipo de controle de políticas públicas? Muita gente (ocupantes temporários de cargos públicos) está ficando muito incomodada e mesmo irritada com a atuação do Ministério Público no controle das políticas públicas e com a intervenção do Judiciário nessas áreas, de sorte que é importante e mesmo urgente que haja a perfeita definição dos limites para a atuação do "parquet" e do Judiciário. O Ministro Sepúlveda Pertence, da Suprema Corte, costuma observar que a crise do Poder Judiciário, hoje, tem duas facetas: há justiça de mais para alguns e justiça de menos para outros. Haveria justiça de menos para a camada mais humilde da população para a solução dos conflitos que envolvem seus bens de vida e justiça

PROCESSO CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO: INTRODUÇÃO • Kazuo Watanabe

de mais (na visão de alguns políticos e administradores públicos) em relação a algumas entidades públicas e pessoas físicas que ocupam cargos públicos e funções políticas. Quando o Judiciário intervém, por exemplo, por provocação de algum legitimado, no processo de escolha do Presidente do Senado ou de alguma Câmara Municipal ou na implementação de políticas públicas estaria havendo, na visão desses políticos e administradores, que não desejam isto, "justiça de mais e até mesmo indevida". Seria admissível a judicialização de todos esses temas sob o pretexto de que constituem eles questões que afetam os interesses de toda a coletividade, portanto, seria uma controvérsia relativa a interesse público, suscetível de controle pelo Poder Judiciário? É essa a meditação que temos de fazer com urgência para o estabelecimento de critérios e limites bem definidos. Em razão da inexistência, atualmente, de critério preciso para a correta delimitação da atuação do Ministério Público e, consequentemente, da extensão do controle jurisdicional, está ocorrendo o fenómeno apontado pelo Prof. Cássio Scarpinella Bueno de introdução de modificações desfiguradoras da Lei de Ação Civil Pública, como a que procurou (sem sucesso, em nosso sentir) limitar a eficácia subjetiva da coisa julgada na ação coletiva. A respeito dos limites do controle jurisdicional, o entendimento assente na doutrina e na jurisprudência é no sentido de que somente a legalidade dos atos da Administração, e não o seu mérito, é dado ao Judiciário controlar. Todavia, com a possibilidade, hoje, de controle da moralidade do atos praticados pelos administradores, o Judiciário entra também, em certa medida, no exame do mérito do ato administrativo, o que altera profundamente os limites até hoje estabelecidos para o controle jurisdicional dos atos da Administração. Há a considerar, por outro lado, que o descumprimento das políticas públicas, tal seja a sua gravidade, podem muitas vezes ser enquadradas como uma ilegalidade manifesta. Qual é o limite correto, enfim, a ser estabelecido? Eis um tema a ser amplamente discutido num simpósio a ele exclusivamente dedicado.

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POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO: A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE NAS AÇÕES COLETIVASr Carlos Alberto de Sa//es2* Sumário: 1. Políticas públicas e processo; 2. O processo civil no Estado Social; 3. Processo e políticas públicas: a questão dos custos; 4. Processo e políticas públicas: o efeito-carona (free-riding); 5. Processo e políticas públicas: a questão do grupo de interesse; 6. O papel da ideologia: um modelo de duas forças; 7. Modelos de legitimação processual; 8. A opção brasileira; 9. Conclusões

1.

POLÍTICAS PUBLICAS E PROCESSO

O tratamento pelo Judiciário de políticas públicas não é algo a ser reputado anormal. Ao contrário, a intervenção judicial nessa área ocorre em razão da ligação, direta ou indireta, com políticas públicas ser característica marcante do próprio direito contemporâneo. As relações do cidadão com o Estado e mesmo aquelas estritamente privadas são todas fortemente pautadas por objetivos sociais subjacentes, influenciando a interpretação e aplicação do direito de maneira geral. Forçosamente, o Judiciário acaba, assim, sendo palco de disputas envolvendo políticas públicas presentes no ordenamento jurídico. Mais do que isso, o processo judicial acaba tornando-se espaço privilegiado para sua discussão, pois nele eclodem aqueles conflitos resultantes do mau funcionamento ou das disfuncionalidades dessas políticas. As políticas públicas, portanto, passam a fazer parte da matéria prima com a qual trabalha o Poder Judiciário, tornando-se elemento essencial da 1. ' Versão inicial deste trabalho foi publicada na Revista de Processo, n. 121 (março/2005), p. 38/50. 2. " Professor Associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo- USP. Desembargador do Tribunal de Justiça em São Paulo.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

decisão judiciária. Tal ocorre, flagrantemente, no âmbito das ações coletivas, mas está presente, também, em litígios apresentados ao tratamento judicial de maneira individualizada. Se a presença de políticas é evidente em questões relacionadas, entre outras, ao meio ambiente, às relações de consumo, à defesa do mercado enquanto espaço concorrencial ou à proteção de grupos sociais vulneráveis, também pode, com alguma atenção, ser percebida em ações pleiteando direitos individuais, como naquelas tendo por objeto o acesso a determinado medicamento, uma vaga no sistema de educação pública ou a discussão de um serviço prestado em regime de concessão. Mesmo controvérsias estritamente privadas, como relações locatícias ou a venda de ativos mobiliários, podem ser entendidas a partir daquelas políticas levadas em conta pelo legislador ao realizar opções contidas no texto legal. Dessa forma, a discussão levada adiante no presente artigo, tem a ver com preocupações de máxima relevância para compreensão do papel do Judiciário nos dias atuais. Destaca-se, a esse propósito, o processo como mecanismo disciplinador da atividade jurisdicional do Estado, do qual, em grande medida, depende o sucesso e a efetividade da atuação do Judiciário. O presente trabalho pretende abordar a questão da legitimidade de agir em matéria de interesses difusos e coletivos, apontando a importância das opções processuais realizadas em relação a essa questão. Tais opções refletem, de maneira direta, as possibilidades de defesa judicial dos bens protegidos pelo processo coletivo.

2.

POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO • Carlos Alberto de Saltes

Os processos coletivos surgem com o declínio desse modelo de direito e de intervenção judicial. A partir do reconhecimento de funções ativas e interventivas do próprio Estado, na ordenação e regulação da ação dos sujeitos individuais, delineia-se o paradigma do Estado social. Sob esse novo paradigma o papel do Estado é exercido a partir de objetivos sociais ou políticas públicas, a serem alcançados independentemente, embora de maneira compatível, das esferas de autonomia individual. O Estado deve ordenar a alocação de recursos e a realização de ações, de forma a serem alcançados os vários objetivos sociais, expressos através dos vários processos decisórios da sociedade e integrados a textos legais. O Estado torna-se um implementador de políticas públicas. É nessa perspectiva que a atividade jurisdicional do Estado volta-se para solução de conflitos de natureza coletiva, os quais, em última análise, têm a ver com fazer valer aqueles objetivos sociais incorporados ao ordenamento jurídico.3 As ações coletivas, nessa medida, representam um novo modelo de litigância, em muito diverso daquele relacionado a lides individuais. Note-se tratar de diferenças não apenas em de forma, mas também de substância.4 Como se pretende demonstrar a seguir, nesse novo modelo não basta estar aberta a porta da legitimidade, ainda que da maneira mais ampla possível, mas são necessários meios processuais especialmente arranjados para se atingir o objetivo de defesa dos interesses de natureza coletiva. Por outro lado, verifica-se, em muitos casos, ser o processo judicial a única via para defesa dessa modalidade de interesse. Em razão de sua natureza, se não houver defesa pela via do processo judicial, é muito provável que também não haja por meio dos demais processos sociais, restando tais interesses sempre sub-representados.

O PROCESSO CIVIL NO ESTADO SOCIAL.

O aparecimento de processos judiciais coletivos somente pode ser entendido no contexto do Estado Social. Segundo o paradigma liberal de direito e de Estado, ao Judiciário cabe a solução de conflitos entre sujeitos individuais, não se cogitando, nessa perspectiva, de qualquer alargamento da função jurisdicional do Estado. Não poderia ser diferente, pois ao próprio Estado não caberia mais do que proteger a esfera de autonomia individual de cada sujeito. Ainda nessa perspectiva a noção de bem comum é dada pela somatória das vontades individuais, cujo encontro se dá, sobretudo, no espaço do mercado, por meio da livre transação entre os interessados. Nesse contexto, a solução judicial de controvérsias presta-se a proteger as autonomias individuais e suas possibilidades de livre composição das vontades.

Sustenta-se, portanto, que a questão da legitimidade para defesa de interesses de natureza coletiva incorpora um duplo problema de políticas públicas, consubstanciado em dois objetivos que podem ser colocados separadamente: um objetivo, propriamente processual, de alargamento do acesso à justiça; outro, de política institucional, no sentido de gerar condições para que aqueles interesses possam ser efetivamente representados.

3. Afirmando que essa modalidade de ação envolve sempre a atuação de um política pública, v. CHAYES, Abram. The role ofthejudge in publiclawlitigation. HarvardLawReview,vo\. 89 (maio/1976), p. 1.284. 4. A propósito da existência de diversos modelos de litigância, v. CHAYES, op. cit, p. 1.288/1.304; também, FISS, Owen. The political theory of class Action. Washington and Lee Law Review, vol. 54, n. l (1996), p. 21/31. Sobre a existência de um processo de interesse público, v. SALLES, Carlos Alberto de. Processo civil de interesse público: uma nova perspectiva metodologia. In SUNDFELD, Carlos Ari e BUENO, Cássio Scarpinella, Direito Processual Público: o fazenda pública em juízo. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 45/65.

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POLÍTICAS PUBLICAS E PROCESSO • Carlos Alberto de Bailes

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

3.

PROCESSO E POLÍTICAS PÚBLICAS: A QUESTÃO DOS CUSTOS

Para que a jurisdição obtenha resultados positivos na realização de múltiplos objetivos sociais, solucionando falhas de mercado ou do processo político, atuando como um importante produtor de decisões sociais, de qualquer modo, é preciso ensejar aos interessados amplo acesso, de forma a lhes conferir iniciativa em defesa dos valores juridicamente protegidos. A aptidão da jurisdição em proporcionar a fácil propositura de ações deve ser proporcional à efetividade de suas respostas, de forma a atuar não apenas na solução de litígios, mas também a demover - e a desestimular - os agentes da prática de atos contrários ao interesse público protegido. O problema do acesso à justiça está relacionado com os custos envolvidos em qualquer iniciativa judicial,5 trazendo evidentes consequências à disposição dos agentes em promoverem a defesa de interesses gerais. As medidas judiciais são custosas, implicando despesas com sua preparação, iniciativa e patrocínio, somando gastos que vão muito além das custas judiciais e dos honorários advocatícios. Esses encargos com o patrocínio de qualquer ação judicial dificultam a iniciativa judicial de eventuais interessados, notadamente naqueles casos de interesses difusos e coletivos, em que a parcela de interesse pessoal envolvido é muito pequena. De maneira geral, podem-se qualificar esses custos associados com a litigância como custos de informação,6 uma vez que indicam a necessidade de aquisição de conhecimento e experiência que torne possível operar com as formalidades e complexidade inerentes ao processo. A presença do advogado, nesse sentido, pode ser uma forma de reduzir os custos de informação necessária aos autores para adquirir e dominar o conhecimento e a experiência necessários ao patrocínio de seus interesses em ações judiciais. Ações em matéria ambiental, por exemplo, envolvem custos especialmente elevados. O meio ambiente está relacionado a problemas de elevada complexidade, cuja formalização em um processo judicial envolve elevado grau de sofisticação. A defesa judicial do meio ambiente implica questões (1) de conhecimento técnico e científico, (2) de informação imperfeita, (3) de risco substancial, (4) de partes numerosas, (5) de múltiplas possíveis alternativas,

(6) de pluralidade de centros de decisão e (7) de oportunidades para efeitos de natureza distributiva.7 Esses custos de informação ocorrem não apenas em relação ao procedimento judicial, mas também em qualquer iniciativa de defesa do meio ambiente, através dos mecanismos de representação e pressão junto à administração e ao legislativo. Em muitos problemas ambientais, como, por exemplo, os ligados à biodiversidade ou ao risco decorrente de exposição duradoura a agentes tóxicos, o custo de informação para o cidadão comum é tão alto que ele pode não ter recursos sequer para se inteirar de sua parcela de interesse envolvida no problema.8 A própria dificuldade de percepção do problema afasta qualquer iniciativa em sua solução. 4.

PROCESSO E POLÍTICAS PÚBLICAS: O EFEITO-CARONA (FREE-RIDING)

A questão central na defesa judicial do meio ambiente, como também de outros interesses difusos ou coletivos, pode ser, portanto, colocada como uma questão de custos. "De fato, os custos de litigância e de execução de medidas são tão altos, as parcelas de interesse pessoal per capita tão pequenas e o efeito-carona associado com as despesas processuais tão endémicas que é impossível mesmo imaginar resolver a questão de bens públicos no processo de adjudicação",9 sendo necessário mudar radicalmente os incentivos da litigância para reverter isso. O principal ponto da defesa do meio ambiente, nesse caso, diz respeito a uma questão de representação,10 isto é, de indagar por quais formas tal interesse é representado nos vários processos sociais (não apenas no judicial). Como está exposto adiante, a centralidade dessa questão se deve à dispersão desse tipo de interesse por um grande ou indeterminado número de sujeitos. 7. Esta enumeração é proposta por Trubek, David M. Environmental defense I: introduction to interest group advocacy in complex disputes. In: Weisbrod, Burton A., Handler, Joel F., e KOMESAR, Neil K., et ai. (org.) Public interest law: an economic and institutionol analysis. Berkeley : University of Califórnia Press, 1978. p. 102-194. 8. KOMESAR, op. c/t, p. 71: "The most dormant groups are those whose members do not even recognize a need for political action". Essa observação vale também para outros interesses difusos diversos dos ambientais.

5. "É inexorável que todo processo civil tenha um custo", Donaldo Armelin. Responsabilidade objetiva no Código de Processo Civil. In: José Rogério Cruz e Tucci, Processo civil: evolução, 20 anos de vigência. São Paulo : Saraiva, 1995. p. 87.

9. KOMESAR, op. cit., p. 129, traduzido do original, usando-se "execução de medidas" para traduzir enforcement e "efeito-carona" referindo o fenómeno conhecido por free-riding ou beneficiário gratuito.

6. Cf. KOMESAR, Neil K. Imperfect alternatives: choosing institutions In law, economics andpublicpolicy. Chicago : The University of Chicago Press, 1994. p. 127.

10. Em sentido amplo, expressando a preocupação por quem exerce a função de defesa desse interesse, seja em juízo, no legislativo ou perante órgãos da administração.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Note-se, a esse propósito, que, na dinâmica económica, o mercado coloca-se como um mecanismo de representação de demandas, no qual "compradores têm demandas - vontade somada ao desejo e capacidade de pagar — e vendedores estão ansiosos em satisfazer essas demandas se puderem aumentar seus lucros com isso".11 O mercado, em seu modelo ideal, opera, portanto, como um sistema no qual os interesses dos consumidores são transmitidos aos produtores com um aceitável grau de fidelidade. Nessa dinâmica, os interesses difusos e coletivos tendem a permanecer sub-representados. Tendo em vista a sua dispersão, acabam não sendo transmitidos adequadamente pelos mecanismos de mercado. Com isso, poucos recursos são alocados nos bens ligados ao seu atendimento. É o caso, por exemplo, de reservas ambientais, filtros de poluição, estações de tratamento de água, todos dependentes de outros fatores, que não são naturais aos mecanismos de mercado, para sua realização.12 Sendo assim, as demandas do tipo coletivo acabam não sendo atendidas, enquanto aquelas do tipo individual encontram cabal atendimento no mercado privado.13 Afinal, essas, diversamente daquelas de cunho coletivo, independem de qualquer organização, aparecendo formuladas nas opções de compra do consumidor diretamente manifestadas no mercado. As demandas do tipo coletivo, ao contrário, não são praticamente transmitidas porque, em virtude de seu alto grau de dispersão, os sujeitos interessados agem como free-riders (caronas), tentando se beneficiar da iniciativa de outras pessoas na defesa do bem comum em disputa, o qual, caso se concretize os abrangerá, sem qualquer custo ou compensação. Com efeito, "qualquer benefício que um indivíduo possa ganhar produzindo uma ação coletiva através de sua contribuição, seria ainda maior se ele ou ela não tivesse contribuído com nada".14 Sob essa perspectiva, observa-se haver um incentivo para os agentes se recusarem a contribuir, levando outras pessoas a suportarem os custos da participação política da iniciativa judicial ou mesmo da simples negociação.

11. Weisbrod, Burton A. Conceptual perspective on the public interest: an economic analysis. In: Weisbrod, Burton A. et ai (org.). Public interest law: an economic and ínstitutional analysis. Berkeley : University of Califórnia Press, 1978. p. 15. 12. Esse tipo de problema é também apresentado pela doutrina, sob a rubrica genérica de "bens coletivos" (public goods). Vide Rawls, John. A theory of justice. Cambridge : The Belknap Press of Havard University Press, 1971. p. 265-274; também Nusdeo, Fábio. Curso de economia, introdução ao direito económico. São Paulo : RT, 1997. p. 186-190. 13. Cf. Weisbrod, op. c/t., p. 15. 14. KOMESAR, op. c/t., p. 69.

S.

POLÍTICAS PÚBLICAS E PROCESSO • Carlos Alberto de Salles

PROCESSO E POLÍTICAS PÚBLICAS: A QUESTÃO DO GRUPO DE INTERESSE.

Deve-se considerar, também, que as demandas coletivas incorporam julgamentos coletivos e envolvem problemas de comensurabilidade,15 que dificilmente são assimilados pelos mecanismos de mercado. Não obstante a especial importância do meio ambiente para todos, a grande dispersão de seus problemas entre os agentes faz com que a importância da participação de cada pessoa em sua proteção seja infinitesimal, potencializando o efeito-carona16 de qualquer ação coletiva para sua defesa.17 Tendo por base a relação de cada sujeito individual com o bem em disputa, observa-se uma variação no grau de concentração do interesse, conforme o número de pessoas envolvidas. Quanto mais concentrado, maior a parcela de benefício cabente a cada indivíduo pessoalmente, tornando mais provável que estes indivíduos, motivados por sua parcela pessoal de interesse, assumam a iniciativa em sua proteção. Nessa perspectiva, os interesses mais concentrados tendem a ser super-representados, inversamente aos mais difusos, que tendem a ser sub-representados. Essas tendências de sub-representação dos interesses difusos é verificada em qualquer nível de ação política, mas constata-se, de maneira especial, junto ao legislativo (não apenas no tocante à sua composição, mas à influência sobre ele dos grupos de pressão). Estas conclusões são afirmadas pela chamada Interest Group Theory ofPolitics (Teoria Política dos Grupos de Interesse), que, a partir do estudo da influência dos grupos de pressão sobre o legislativo e sobre agências administrativas nos Estados Unidos, chegou à constatação da prevalência dos interesses mais concentrados sobre os mais dispersos.18 Com efeito, quanto mais difusos os interesses entre os vários participantes de um dado processo, maior a tendência a serem sub-representados, tendo em vista a relação de custo e benefício de qualquer iniciativa em sua defesa. Observe-se que o efeito-carona significa, também, um aumento crescente de 15. Cf. Sunstein, Cass R. After the rights revolution: reconceiving the regulatory state. Cambridge : Harvard University Press, 1990. p. 261-265. V., também, SALLES, Carlos Alberto de. Execução judicial em matéria ambiental. São Paulo: RT, 1998, p. 110/113. 16. Vide nota 8, acima. 17. Cf. Farber, Daniel A. e Frickey, Philip P. Law and public choice: a criticai introductíon. Chicago : The Chicago University Press, 1991. p. 23. 18. Para um apanhado das premissas e da evolução desse tipo de análise, vide Farber e Frickey, op. cit., p. 13-33; também KOMESAR, op. cit, p. 54-58.

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custos, na medida em que aumenta o número de "caronas" ou beneficiários gratuitos.19 A participação política, em todos os níveis, implica uma série de custos, associados com a organização de uma ação coletiva, que impõe a necessidade de identificar outras pessoas em posição similar, de adquirir conhecimento sobre processos políticos complexos e sobre os possíveis canais de influência.20 Na hipótese dessa ação coletiva redundar em um processo judicial, outros custos serão adicionados, incluindo a remuneração de advogados, peritos, pagamento de custas etc.

A falha do tipo de análise acima apresentada, é considerar o domínio político sob a influência de uma só força, a dos grupos de interesse mais concentrados, minoritários. É necessário ampliar o espectro da análise dos grupos de influência sobre os processos decisórios estatais, trazendo à consideração a existência de outras forças que atuam na formação das políticas públicas consagradas em leis, decisões administrativas e judiciais.25

6.

O PAPEL DA IDEOLOGIA: UM MODELO DE DUAS FORÇAS

A presunção de que os interesses mais concentrados tendem a prevalecer,21 entretanto, não pode ser tomada de fornia absoluta. Esse tipo de conclusão está baseada na aplicação de teorias económicas a fenómenos sociais, que, como analisado no capítulo precedente,22 pecam por considerar os agentes exclusivamente sob a ótica da racionalidade de mercado, alimentados por seu exclusivo interesse pessoal. Não se trata de negar importância à constatação de uma diferente capacidade de organização dos grupos minoritários, sem dúvida um fator significativo na análise da realidade social e política contemporânea. Rejeita-se, entretanto, a completa desconsideração de fatores ideológicos nas ações coletivas e, por consequência, nos processos de tomada de decisão estatal.23 Mais ainda, a análise económica de questões políticas, afirmando a supremacia dos grupos minoritários, deixa de considerar que um dos principais problemas da democracia moderna, que é, exatamente, o domínio das posições majoritárias em prejuízo das minorias, a chamada "tirania de muitos".24 19. Cf. KOMESAR, op. cit., p. 55, em especial, nota 3.

Respondendo a esse problema, teoria formulada pelo Professor Neil R. Komesar, afirma ser possível, analiticamente, agrupar essas forças em tendências minoritárias, reunindo interesses mais concentrados, de grupos menores, e tendências majoritárias, indicando aqueles interesses dispersos, relativos a grupos mais numerosos. Assim consideradas as influências que atuam sobre o processo político, as diferenças no prevalecimento de um ou de outro interesse podem ser explicadas conforme o tamanho do grupo, a parcela cabente a cada um de seus membros, a distribuição dos impactos de uma determinada medida entre os sujeitos e a sua capacidade de organização, tendo em vista um amplo número de fatores, inclusive a sua habilidade em utilizar de recursos retóricos e de mecanismos institucionais que estejam disponíveis. Para Komesar, essa divisão entre tendências majoritárias e minoritárias (majoritarian and minoritarian bias) serve como base para uma resposta à análise económica do direito, a partir da assimilação e reação a elementos de várias tendências, em especial às teorias conhecidas como Public Choice e a Interest Group Theory ofPolitics. Trata-se de uma estratégia analítica que toma por base a participação dos sujeitos nos processos políticos (inclusive judicial), analisada a partir do chamado modelo de duas forças (two-force model}, que leva em conta a influência das tendências majoritárias e minoritárias nos processos de tomada de decisão estatal, em oposição ao one-force model, das teorias que sustentam o prevalecimento daqueles interesses mais concentrados.26

20. Neste sentido, KOMESAR, op. cit., p. 71-72. 21. Sustentada fundamentalmente pela Teoria Política dos Grupos de Interesse. V. SALLES, op. cit, Execução, p. 61/71.

Sob essa perspectiva de análise, é de grande importância a constatação de que impactos sofridos por interesses difusos não são distribuídos de forma regular

22. SALLES, op. cit, Execução, p. 101/105 e 113/117. 23.Nesse sentido Farber e Frickey, op. cit., p. 24, apontam que a abordagem económica, ao afirmar o interesse pessoal como exclusivo agente causal na política, parece uma perspectiva cínica e, muitas vezes, indevidamente otimista, porque ignora o lado perverso da ideologia, como exemplificado pelo nazismo e outros hate groups. Analisando a influência de outros fatores na produção legislativa, mas reconhecendo a importância da análise económica, vide Rose-Ackerman, Susan. Progressive law and economics - and the new administrative law , Yale Law Journal, vol. 98 (1988). p. 341-368. 24. Nesse sentido Madison, James. Theforging of American federalism - Selected writings (Saul K. Padover, editor). New York : Harper & Row, 1965. p. 53: "When a majority is included in a faction, the

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form of popular government, on the other hand, enables it to sacrifice to its ruling passion or interest both the public good and the rights of other citizens". Para um revisão histórica da influência desse problema no constitucionalismo norte-americano, vide Powell, H. Jefferson. Reviving republicanism. Yale Law Journal, vol. 97 (1988), p. 1.703-1.711; também, Flaherty, Martin S.. History "Lite" in Modern American Constítutionalism. Coiumbia Law Review, vol. 95 (1995). p. 523-590. 25. Sobre o processo decisório na formação das políticas públicas, vide itens 2.2 e 2.3, do Capítulo 2, da Parte I. 26. Cf. KOMESAR, op. cit, p. 53-97.

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í

Essa opção, colocada ao legislador, quanto a quem pode exercer a defesa daqueles interesses, está contida na definição da legitimidade para a iniciativa judicial, trazendo implícita uma política pública de acesso à justiça, que expressa uma escolha valorativa do legislador.30 As alternativas colocadas na realização dessa opção podem ser resumidas em três diferentes abordagens do problema: 1) a privada, baseada em ações individuais de agentes privados, que ao perseguirem seus interesses pessoais realizariam a defesa do bem coletivo com aqueles implicado; 2) a governamental ou estatal, através da atribuição de legitimidade a órgãos públicos e entidades oficiais; e 3) organizacional ou associativa, fundada no reconhecimento de organizações não-governamentais, para exercer esse tipo de iniciativa junto ao judiciário.31

entre os vários sujeitos por alguma forma com eles implicados. Por isso, entre a totalidade daqueles que sofreram alguma repercussão no interesseper capita, podem existir subgrupos cujo impacto sofrido tenha sido suficientemente alto para incentivá-los a provocar os demais membros da maioria menos interessada.27 Estes subgrupos, agregando sujeitos que tenham sido mais afetados do que os demais, podem ter a capacidade de ativar a maioria, atuando como "catalisadores", para dar impulso a uma ação coletiva em defesa do interesse majoritário.28

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Outros fatores também podem atuar em favor do prevalecimento do interesse mais difuso, como a disponibilidade de informação (oficial ou através da imprensa, reduzindo os custos de sua obtenção), a existência de mecanismos legais de redução de custos (o direito de petição ou a ação civil pública, que possibilitam reduções nos custos da obtenção de informações junto a órgãos públicos e de acesso ao judiciário) a menor complexidade da matéria (o risco decorrente de energia nuclear, tendo em vista a percepção pública do problema29), a evidência do valor total do bem ameaçado (a poluição de um manancial de água potável, ante a iminência de racionamento) e a falta de uniformidade na distribuição de custos e benefícios (o movimento dos moradores do bairro diretamente prejudicados pela instalação de um aterro sanitário). 7.

MODELOS DE LEGITIMAÇÃO PROCESSUAL

Uma vez aberta a possibilidade da defesa judicial de interesses difusos e coletivos, a questão central desloca-se para a de saber a maneira essa defesa pode e deve ser exercida de forma a evitar a sub-representação também nessa instância decisória. Com isso, o problema ganha mais um elemento: a qualidade da defesa patrocinada em juízo. Quem quer que exerça a defesa desse tipo de interesse, tendo em vista sua natureza e repercussão, deve estar capacitado a fazê-lo em condições de igualdade com o interesse contraposto.

8.

A OPÇÃO BRASILEIRA

No Brasil o sistema jurídico contemplou uma alternativa fundamentalmente estatal, baseada no Ministério Público, organizado, no país, conforme o modelo europeu continental32, gozando de garantias pessoais e institucionais simétricas àquelas da magistratura. Esse órgão dotado de legitimidade para propor as ações nessa área deve ainda intervir obrigatoriamente naqueles processos iniciados por outros legitimados e neles prosseguir em caso de desistência ou abandono por aqueles.33 Essa supremacia do papel desempenhado pelo Ministério Público verifica-se também no dever dos servidores públicos e juizes lhe remeterem toda informação versando sobre violação a interesses difusos e coletivos, além da faculdade de qualquer pessoa poder lhe solicitar providências.34 Há ainda, confirmando aquela opção estatal, a possibilidade de entidades estatais e entes governamentais despersonalizados promoverem a defesa judicial desses interesses.35

30. V. SALLES, op. cit, Execução, p. 61/71. 27. Cf. Neil K. KOMESAR. A job for the judges: the judiciary and the Constitution in a massive and complex society. Michigan Law Review, February, n. 86 (1988). p. 674. 28. KOMESAR. Imperfect a/ternatives, op. cit., p. 84. 29. Nos riscos implicados na utilização de energia nuclear, embora de avaliação complexa, envolvendo pequena probabilidade de acidentes, mas gravíssimas consequências, a percepção do público a respeito é, por várias razões, bastante sensível. Sobre as diferenças entre a avaliação técnica e popular desse tipo de risco vide Friedman, Robert S. Dealing with public perceptions of heaith risks in a nuclear world, Nuclear Plant Journal, March-April, 1989. p. 66-75. O autor aponta que, em uma lista de 30 atividades e tecnologias submetidas à pesquisa, a energia nuclear foi apontada, pelos setores mais populares pesquisados, em primeiro lugar, como a atividade com maiores riscos implicados. Entre especialistas ficou em vigésimo. A energia elétrica comum (não-nuclear) ficou por volta do décimo nono lugar na avaliação popular e em nono na de especialistas.

31. Essas categorias são apontadas no clássico trabalho de Cappelletti, Mauro e Garth, Bryant. Access to justice: the worldwide movement to make rights efective - A general report. Access to justice. Milan : Sijthoff/Giuffrè. vol. I. Livro I. p. 5-124. Ressalte-se que os autores utilizam respectivamente as expressões "Private Attorney General" (p. 40), "Governmental" (p. 38) e "Organizational Private Attorney General" (p. 40-43), que não são aqui utilizadas em sua tradução literal. 32. Sobretudo os Ministérios Públicos da França e da Itália, com a diferença de tratar-se, no Brasil, de órgão autónomo, não integrado a estrutura do Poder Judiciário. 33. Conforme artigo 5.2, parágrafo 1.2, da Lei 7.347/85. 34. A teor dos artigos 6.2 e 7.2 da Lei 7.347/85. 35. Nos termos do artigo 5.2, caput, da Lei 7.347/85 e o artigo 82, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

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A modalidade organizacional foi contemplada pela legislação brasileira de maneira subsidiária. A entidade não-governamental, para promover a ação civil pública, está submetida aos requisitos de ter um ano de constituição à época da propositura da ação e possuir disposição estatutária incluindo a propositura desse tipo de ação entre suas finalidades. O requisito do prazo de constituição pode ser dispensado pelo juiz caso seja demonstrada a relevância social da matéria em causa,36 ou, ainda, caso ouvido o Ministério Público, este ratifique a inicial assumindo seu pólo ativo.

Alguém pode argumentar que a opção brasileira, fundada na iniciativa do Ministério Público, apenas aumenta o free-riding, pois impulsionaria as pessoas a esperarem a iniciativa do órgão público, neutralizando a atuação dos próprios interessados. Esses não só deixariam de promover ações judiciais, mas de defender sua parcela de interesse junto as outras instituições sociais.

Na solução da questão da representação acima discutida, o sistema brasileiro optou por privilegiar o critério da seletividade em prejuízo do acesso irrestrito à justiça. Note-se que este critério não é numérico, mas qualitativo, ou seja, não foi motivado pela quantidade de causas levadas ao Judiciário, mas pela maneira como elas são conduzidas em juízo. Sem dúvida, a exclusão da iniciativa individual em defesa de interesses transindividuais "atendeu a um propósito de possibilitar um melhor controle quanto à idoneidade e seriedade na propositura das ações civis públicas".37 O objetivo, ao estabelecer esses critérios de seletividade, foi garantir que aqueles interesses, pertencendo a uma pluralidade de sujeitos, fossem defendidos de maneira adequada em juízo. Por outro lado, como foi visto nos itens anteriores, a legitimidade individual não resultaria necessariamente na iniciativa de ações judiciais, em decorrência do efeito-carona. A experiência brasileira da ação popular, da Lei 4.717, de 29 de junho de 1965, baseada em critério de legitimação individual é bastante significativa quanto a esse aspecto. Não obstante mais de trinta anos de existência, não teve um grande impacto no número de feitos ou na solução dos problemas a que se destinava, acabando por abrir espaço para a legitimação do Ministério Público para defesa do património público, introduzida pela Lei 8.429/92 e consagrada na Lei 8.625/93. Destaque-se que "a diferença entre a ação popular constitucional e a ação civil pública que visam a anular atos lesivos à moralidade administrativa reside exclusivamente na legitimação ativa: à primeira, é legitimado o cidadão; à segunda, o Ministério Público".38

Esta afirmação, entretanto, deixa de considerar o quanto a atuação de ofício, prevista em nossa legislação, contribui para a redução dos custos implicados na defesa de um dado interesse, fator, como foi visto, de peso fundamental na constituição do efeito carona. A possibilidade de provocar individualmente a iniciativa do Ministério Público constitui uma sensível redução dos chamados custos de informação necessários para defender judicialmente ditos interesses.39 Outro importante fator a ser considerado no exame da repercussão da legitimidade do Ministério Público sobre o efeito-carona é, como visto acima, a possibilidade do prevalecimento de tendências majoritárias em determinados contextos em que o interesse público é representado por grupos minoritários. Nos problemas ambientais, por exemplo, notadamente naqueles em que há evidente irregularidade na distribuição de impactos, é possível que o interesse ambiental seja minoritário em determinados contextos e, ainda pior, sem a vantagem de uma concentração de interesse pessoal que leve a atuar como aqueles grupos que a Teoria dos Grupos de Interesse trata de concentrados, ou seja, para os quais uma medida pública ou a sua omissão assumam o caráter de um bem exclusivo e não coletivo. Esse é o caso, ilustrativamente, da instalação de uma fábrica de porte em uma cidade de interior, em prejuízo para uma área de preservação ambiental. Ante a expectativa de postos de serviço, receitas e crescimento, o interesse ambientalista na localidade será certamente muito minoritário, quando não mal visto.

37. Mancuso, Rodolfo de Carmargo. Ação civil pública: em defesa do meio ambiente, património cultural e dos consumidores. 43 edição. São Paulo: RT, 1996, p. 105.

Nessa situação a atuação do Ministério Público terá o significado de proteger aqueles interesses minoritários com reduzidas condições de se organizar e levantar recursos para promover a sua defesa. Outros grupos minoritários, como aqueles baseados em raça, orientação sexual, origem etc. podem incorporar valores fundamentais e perseguir objetivos sociais como liberdade, igualdade ou preservação ambiental. Nessas circunstâncias a iniciativa do órgão público parece não somente adequada, mas necessária para contrabalançar aquela tendência majoritária apontada anteriormente.

38. Grinover, Ada Pellegrini. Uma nova modalidade de legitimação à ação popular - Possibilidade de conexão, continência e litispendència. In: Milaré, Edis. Ação civil pública: Lei 7.347/85 — Reminiscências e reflexões após dez anos de aplicação, São Paulo : RT, 1995. p. 23.

39. A importância desse fator foi discutida no item 3, acima.

36. Artigo 82, parágrafo 1.5, do Código de Defesa do Consumidor.

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Na avaliação da opção brasileira de defesa judicial do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, usando simultaneamente a alternativa estatal e a organizacional, deve-se considerar que nenhuma delas é inteiramente apta a atender os objetivos propostos, dando motivo para a integração de elementos positivos das várias opções possíveis. Nesse ponto, andou bem o legislador brasileiro ao conciliar a iniciativa do Ministério Público com a de organizações não-governamentais. 9.

CONCLUSÕES

Como foi visto, em razão da grande dispersão dos interesses pessoais e elevados custos envolvidos, ocorre um incentivo natural para que os agentes aguardem a iniciativa de outros interessados, o que poderá nunca ocorrer. Com isso é gerado o problema da falta de iniciativas em proteção dos interesses de natureza coletiva. Foi apontada, entretanto, a possibilidade de outros fatores como ideologia, irregularidade na distribuição das parcelas de interesse pessoal e arranjos institucionais específicos, como aquele do artigo 15 e parágrafos da proposta em comento, poderem ajudar a romper a inércia quanto à sua defesa. De qualquer modo, não é possível aguardar que fatores ideológicos garantam uma efetiva e eficiente defesa de interesses difusos e coletivos em juízo. A tendência predominante, com visto, é que eles prossigam sub-representados junto aos mecanismos judiciais do Estado, como, ademais, ocorre em outros processos sociais de decisão. Assim, há a necessidade de considerarem-se, na apreciação da adequação de um determinado modelo de legitimidade para ações coletivas, instrumentos processuais aptos a garantir a efetividade da defesa desse tipo de interesses em juízo. É correio supor que, caso os arranjos institucionais não sejam suficientemente bem ordenados, as ações coletivas não atingiram qualquer significação prática e nenhuma dimensão social. Com efeito, as opções relativas à legitimidade para defesa de interesses difusos e coletivos devem ter por norte a maior ampliação possível do acesso à justiça. Deve-se ter em mente que, tendo em vista a anatomia social dos interesses em questão, o problema será sempre de sub-representação, não o de um número exacerbado de litígios judicializados. Cabe, dessa forma, ampliar ao máximo a porta de acesso desses interesses a justiça e, ainda, criar mecanismos de incentivo para sua defesa judicial.

POLÍTICA EDUCACIONAL SUPREMA CORTE DOS EUA CASO BROWN V. BOARD OF EDUCATION 347 U.S. 483 (1954) JULGAMENTO EM 17 DE MAIO DE 1954 Fernando Garcia Souza1

Brown v. Board ofEducation - 347 U.S. 483 (1954) se trata do julgamento proferido pela Suprema Corte Americana em relação ao conjunto de quatro ações coletivas ajuizadas nos estados de Kansas (Topeka City), Carolina do Sul (Clarendon County), Virgínia (Prince Edward County) e Delaware (New Castle County)2. Em todos esses casos, crianças negras pleiteavam, por meio de seus representantes legais, a admissão em escolas públicas primárias ou secundárias em um regime livre de segregação racial. O voto (opinion) da Corte foi proferido pelo seu Presidente, Chief Justice Earl Warren, em 17 de maio de 1954. 1.

CONTEXTO HISTÓRICO: O REGIME DE SEGREGAÇÃO RACIAL INSTITUCIONALIZADO NOS EUA

Em 1865 foi aprovada e ratificada a 13a Emenda à Constituição Americana, que proclamava o fim da escravidão e da servidão involuntária nos Estados Unidos, exceto como sanção criminal. Apenas três anos mais tarde, em 1868, 1. Mestre em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Analista Judiciário do Tribunal Regional Federal da 3- Região. 2. Os casos apresentados são, respectivamente; Brown et ai. v. Board of education of Topeka, Briggsetal. \i. Elliott et ai; Davis et ai. v. County School Board of Prince Edward County, Virgínia, et ai; e Gebhart et ai. v. Belton et ai.

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foi aprovada a 14a Emenda, que previu, em sua primeira seção, que os estados da federação não poderiam negar a nenhuma pessoa dentro de sua jurisdição a proteção igualitária das leis. Sob o pretexto de cumprir a determinação da 14a Emenda, mas ainda garantir o distanciamento de pessoas negras recém-libertas, foi difundida a doutrina "separate but equal"3: por meio desse preceito, não seria necessário que brancos e negros dividissem os mesmos espaços comunitários, meios de transporte e demais serviços públicos, desde que garantida a igualdade de tratamento entre ambas as raças. Ressalte-se que essa doutrina foi chancelada pela Suprema Corte Americana no ano de 1896, no julgamento do caso Plessy v. Ferguson - 163 U.S. 537 (1896). Nesse caso se afirmou que a prática institucionalizada de assentos diferenciados em transportes ferroviários não violaria a 14a Emenda. Por decorrência, a existência de locais segregados em estabelecimentos privados, assim como a possibilidade ou obrigatoriedade de escolas instituídas para brancos separadas das escolas para negros, também estariam em conformidade com a Constituição Americana. No contexto de Brown v. Board ofEducation, mais de 50 anos depois da decisão prolatada em Plessy v. Ferguson, o estado de Kansas permitia que cidades com mais de 15 mil habitantes adotassem o regime de escolas segregadas4. Essa opção foi tomada pela Secretaria de Educação da cidade de Topeka, capital do estado, que contava com dezoito escolas primárias para crianças brancas e apenas quatro para crianças negras5. Tais circunstâncias faziam com que Linda Brown, uma criança afro-americana de sete anos de idade, tivesse que andar seis quarteirões para chegar ao ponto de ônibus e então percorrer mais 1,5 km até chegar à escola destinada ao ensino apenas de crianças negras, sendo que uma escola para crianças brancas ficava a apenas sete quarteirões de sua casa6. Seu pai, Oliver Brown, tentou matricular a filha nessa escola, a despeito das leis locais que permitiam a segregação racial7. Tendo sido rejeitado o seu

3. "Separados, mas iguais" (tradução livre). 4. 347 U.S. 483 (1954). Footnote 1. 5. KLUGER, Richard. KLUGER, Richard. Simple Justice: The history of Brown v. Board of Education and

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pedido, Brown levou o pleito à NAACP (National Association for the Advancement of Colored People) - uma associação civil criada para a promoção e proteção de direitos civis nos Estados Unidos -, que reuniu outros treze pais, com outras vinte crianças e, juntos, ajuizaram uma ação coletiva contra a Secretaria de Educação local, em 19518.

2.

ESTRUTURA DA DECISÃO

Nos processos referentes aos estados da Carolina do Sul, Virginia e Delaware, os juízos de primeira e segunda instâncias verificaram que condições objetivas, envolvendo currículos escolares, transporte público para acesso às escolas, treinamento de professores, planta do prédio dos colégios e atividades extracurriculares de escolas para crianças negras eram inferiores aos de escolas para crianças brancas. Por sua vez, no caso do estado de Kansas, verificou-se a igualdade nesses mesmos critérios objetivos, relegando o ponto central da decisão para o fato de que a segregação escolar institucionalizada, por si só, já criava condições de ensino e aprendizado inferiores às crianças negras. Essa foi a circunstância a desafiar a doutrina "separate but equal". Para resolver a questão, a Suprema Corte Americana abordou o tema sob a óptica da análise histórica da criação da 14a Emenda, assim como por meio da comparação com outros casos envolvendo a aplicação da doutrina. No tocante à análise histórica, afirmou que a verificação do processo legislativo e dos debates para a aprovação da 14a Emenda poderia lançar algumas luzes ao impasse, mas não seria apta a dar respostas definitivas à solução dos casos. Ocorre que na época de sua aprovação, o tema das escolas públicas livres, suportadas pela tributação de toda a população, ainda não era debatido. Isso porque a educação de crianças brancas era comumente privada, e a educação de crianças negras era praticamente inexistente - quando não proibida, em alguns estados. Com relação ao exame comparativo, foram tomados como parâmetros seis outros casos anteriores, também decididos pela Suprema Corte, nos quais fora aplicada a doutrina "separate but equal". Constatou-se, no entanto,

Black America's struggle for equality. New York: Vintage Book, 2004. p. 375. 6. Ibidem. p. 409. 7. Idem.

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Idem.

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urn fundamento comum, bem como o fato de que o fundamento em defesa da igualdade racial afetaria todo o país, na decisão em Brown v. Board of Education foi determinada a reabertura de vistas às partes para manifestação sobre a melhor forma de implementar a decisão.

que tais casos não serviriam de base à solução dos processos adjudicados Destacou-se quem em dois deles9 a validade da doutrina não foi contestada Em outros quatro10, o acesso a diversos benefícios específicos era negado a negros e concedidos a alunos brancos; nesses casos, segundo a Corte, não foi necessário reexaminar a justiça da doutrina segregacionista.

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Em razão dessas circunstâncias, o Presidente da Corte rechaçou a interpretação histórica e mudou o entendimento jurisprudencial em seu voto, ao prolatar que o caso deveria ser resolvido com os critérios da época em que estava sendo decidido. Asseverou, também, que a educação era um dos assuntos mais importantes em uma sociedade democrática, visto que era indispensável para a realização dos serviços públicos mais básicos - o que se demonstrava por leis de frequência compulsória nas escolas e pelos grandes investimentos públicos na área da educação. Por fim, afirmou, de maneira inequívoca, que instalações educacionais segregadas eram inerentemente desiguais, o que implicava que os autores tinham sido privados da proteção igualitária garantida pela 14a Emenda Constitucional. Ressalta-se o caráter interdisciplinar da decisão, tomada com base em estudos sobre psicologia infantil e sobre a formação da personalidade de crianças em ambientes segregados. Com base nessas pesquisas, aplicou-se o entendimento de que separar crianças negras do convívio com outras de idades similares, tão somente em razão de suas raças, criava o sentimento de inferioridade no tocante ao seu lugar na comunidade, "o que poderia afetar seus corações e suas mentes de modo possivelmente irreversível"11. Assim, todos os argumentos utilizados para dar suporte à doutrina adotada em Plessy v. Furguson deveriam ser rechaçados e a segregação racial deveria ser considerada contrária à 14a Emenda Constitucional. 3.

REFORMA ESTRUTURAL E O DESAFIO DE IMPLEMENTAÇÃO: BROWN II - 349 U.S. 294 (1955)

Considerando que os quatro casos adjudicados se tratavam de ações coletivas, com contextos locais bastante diferentes, embora solucionados por 9. Cumming v. Richmon County Board of Education, 175 U. S. 528 (1899); e Gong Lum v. Rice, 275 U. S, 78 (1927).

Como assevera Owen Fiss, tal transformação demandaria uma reforma - estrutural, pois exigia novos procedimentos para a escolha de alunos, novos critérios para construção de escolas, a substituição do corpo docente, a modificação do currículo escolar, e até mesmo a adequação do sistema de transporte público para acesso às escolas, entre outras providências, em todo o território americano12. Ou seja, a decisão jurisdicional implicaria massivos investimentos públicos em escala nacional, e não apenas na afirmação abstrata do princípio de isonomia previsto no texto constitucional. Além disso, a reforma pretendida esbarrava não somente em obstáculos objetivos, mas também na mentalidade da organização social, política e até mesmo judiciária da época. Com vistas nesses possíveis impasses, e antes mesmo do julgamento em Brown, a Suprema Corte elaborou critérios a serem debatidos em caso de procedência dos pedidos. Em primeiro lugar, arguiu-se se a implementação do regime dessegregacionista nas escolas deveria ser imediata (por meio de critérios geográficos) ou gradual (por meio de poderes de equidade do Judiciário). Ainda, no caso de adoção de transição gradual, discutir-se-ia se o decreto da Suprema Corte deveria ser bastante especificado e detalhista (e quais questões deveria o decreto abranger); se deveria ser indicado um special master para coletar informações e recomendar termos específicos desse decreto; ou, ainda, se a Corte deveria devolver a solução das questões locais e peculiares aos tribunais originários, relegando a estes apenas diretrizes gerais para que formulassem decretos mais detalhados13. Após as manifestações dos interessados, a Suprema Corte decidiu sobre essas questões em 1955 - o que ficou conhecido como Brown II - no seguinte sentido: (a) as autoridades escolares teriam a responsabilidade primária em levantar, avaliar e resolver os diversos problemas escolares surgidos na completa implementação dos princípios constitucionais envolvidos no caso;

13.349 U.S. 294 (1955). Nota 2. (tradução livre).

11. 347 U.S. 494 (1954).

12. FISS, Owen. Um novo processo civil: estudos norte-americanos sobre jurisdição, constituição e sociedade. Tradução de Carlos Alberto de Salles (coord.). São Paulo: RT, 2004. p. 28.

10. Missouri ex rei. Gomes v. Canada, 305 U. S. 337 (1938); Sipuel v. Oklahoma, 332 U. S. 631 (1948); Sweatt v. Painter, 339 U. S. 629 (1950); e Md.au/vn v. Oklahoma State Regents, 339 U. S. 637 (1950).

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

POLÍTICA EDUCACIONAL-SUPREMA CORTE DOS EUA • Fernando Garcia Souza

(b, c) os tribunais que processaram a ação deveriam verificar se as autoridades locais estariam agindo com boa-fé na implementação dos princípios constitucionais, tendo em vista a proximidade com as condições da comunidade e a facilidade para promover novos entendimentos com as partes;

a possibilidade de readequação dos planos de dessegregação gradual - desde que fossem atendidos os ditames de boa fé e cumprimento da decisão em tempo razoável.

(d) ao criar e efetivar os decretos para cumprimento da decisão, as cortes locais seriam guiadas por princípios de equidade, caracterizados por uma flexibilidade prática em amoldar as soluções e pela facilidade de ajustar e conciliar necessidades públicas e privadas; (e) dever-se-ia observar o interesse específico das partes em serem admitidas em escolas públicas não segregadas, tão rápido quanto possível; (f) os juízos de equidade deveriam levar em conta o interesse público na eliminação de obstáculos para transição das escolas, de maneira efetiva e sistemática; mas a vitalidade desses princípios não poderia ser desconsiderada pela simples discordância dos réus com relação a eles; (g, h, i) ao dar concretude às considerações públicas e privadas, as cortes requereriam dos réus um início razoável e imediato em favor da completa conformidade com suas decisões; caso se verificasse ser imprescindível um tempo adicional para implementar a decisão, caberia novamente ao réu estabelecer o tempo suplementar necessário, de acordo com ditames de boa-fé, e na data mais próxima possível; (j) os tribunais locais deveriam considerar eventuais problemas surgidos com a administração, relacionados às condições físicas das escolas, transporte dos alunos, funcionários, revisão da área de atuação dos distritos escolares, bem como a revisão de leis e regulamentos locais para a solução de problemas decorrentes da implementação da decisão;

Convém frisar que esse distanciamento foi severamente criticado, na época, pelos defensores dos direitos civis, que esperavam uma atitude mais incisiva do Poder Judiciário em favor da igualdade racial. Com efeito, verifica-se que somente uma década depois de prolatada a decisão em Brown v. Board ofEducation é que o cenário de integração racial nas escolas começou a mudar efetivamente, na maioria dos estados do sul dos Estados Unidos14. Críticos do Poder Judiciário afirmam que o efeito do julgamento em Brown foi mais simbólico do que prático, considerando que a dessegregação escolar somente começou a ocorrer depois de incentivos e punições instituídos pelos Poderes Executivo e Legislativo americanos. Conforme argumenta Gerald Rosenberg15, foi essa mudança política, aliada a fatores económicos e sociais, que resultou na frequência de 91% das crianças afro-americanas dos estados do sul em escolas integradas, no ano letivo de 1972/1973 - em contraste com os 1,2% no ano escolar de 1964/1965. De toda forma, embora a questão do preconceito racial, étnico, geográfico, de crença e de género ainda sejam presentes em todas as sociedades atuais, o fim da chancela estatal dessas práticas, por meio da tomada de posição inequívoca dos poderes políticos contra a desigualdade, é um passo imprescindível para a criação de ambientes democráticos inclusivos. Link da decisão: https://supreme.justia.com/cases/federal/us/347/483/ case.html

(k, 1) as cortes locais deveriam, ainda, levar em conta a adequação dos planos de reestruturação apresentados pelos réus, mantendo a jurisdição sobre os casos enquanto perdurasse a transição para o regime não-segregado de escolas públicas. Com as diretrizes adotadas em Brown II, verifica-se uma forte descentralização do poder de decisão e fiscalização para os tribunais locais, durante a fase de implementação. Ressalta-se, também, uma postura razoavelmente ponderada da Suprema Corte, ao perceber a impossibilidade de garantir, por si só, o atendimento de sua decisão em escala nacional. Isso implicou maior flexibilidade no cumprimento da decisão, criando espaços de autocomposição dos impasses locais e 256

14. ROSENBERG, Gerald N. The hollow hope: can courts bring about social change? 2d. ed. Kindle Edition. Chicago: The University of Chicago Press, 2008. Posição 6043-6079. 15. ROSENBERG, Gerald N. "Tilting at windmills: Brown II and the hopeless quest to resolve deep-seated social conflict through litigation". 24 Law and Inequa/ity: A Journal oh Theory and Practice 31 (2006). p. 39.

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PARTE li

A ATUALIDADE

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LOS CONFLICTOS DE INTERÉS PÚBLICO Roberto Ornar Berizonce1

Sumário: I. La constitucionalización de Ias garantias y Ia misión de Ia jurisprudência como receptora de los princípios de Ias convenciones y tratados sobre derechos humanos; 1. El bill of rights sustantivo; 2. Lãs garantias fundamentales dei proceso civil; 3. Lãs tutelas procesales diferenciadas; 4. Proyecciones; II. Los conflictos de interés público; 1. Características típicas; 3. Los litígios de interés público en Ia experiência colombiana; III. El fenómeno de Ia judicialización de los conflictos y Ia participación de los jueces en Ias políticas públicas; IV. Lãs ventajas y desafios que plantea el creciente activismo judicial en los conflictos de interés público.

I.

LA CONSTITUCIONALIZACIÓN DE LÃS GARANTÍAS Y LA MISIÓN DE LA JURISPRUDÊNCIA COMO RECEPTORA DE LOS PRINCÍPIOS DE LÃS CONVENCIONES Y TRATADOS SOBRE DERECHOS HUMANOS

La influencia de los princípios fundamentales que conforman el denominado genericamente derecho internacional de los derechos humanos, el bill of rights universalmente reconocido en Ias convenciones y tratados internacionales -principalmente Ia CEDH replicada en Ia CADH-, repercutió con singular intensidad en los diversos ordenamientos latinoamericanos. Los Estados adherentes, que Io son Ia inmensa mayoría, asumieron compromisos internacionales a cuyo cumplimiento se obligan los distintos poderes estatales y, entre ellos, muy especialmente, Ia rama judicial2. De ahí el creciente

1. Profesor Emérito de Ia UNLP, La Plata, Argentina. Presidente Honorário dei Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal. 2. Así, en Argentina: CSN, Fallos, 329:549, 553 y 2759. En sentido similar: CC de Colômbia: entre otras, sentencia T 025, 2004, donde se hizo especial aplicación de Ia normativa de Ias Naciones Unidas sobre

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protagonismo de los jueces en Ia afirmación dei sistema de garantias que, adernas y paralelamente, fue constitucionalizado en diversos países. A partir de Ias dos últimas décadas dei siglo XX Ia mayoría de los países latinoamericanos, aunque tardiamente, ingresa en Io que se ha considerado Ia "fase madura" de uno de los fenómenos más importantes que ha sellado Ia evolución de Ia justicia en general, Ia "constitucionalización de Ias garantias" o, si se prefiere, Ia "procesalización dei derecho constitucional"3. No ha sido casual que como consecuencia dei creciente proceso de democratización y retorno a Ia institucionalidad democrática que en Ia región opera por ese entonces, se hayan dictado Ias nuevas o reformadas Constituciones de Brasil (1988), Colômbia (1991), Paraguay (1992), Peru (1993), Argentina (1994), México (1994 y ulteriores) y Venezuela (1999), entre otras. Paralelamente, se tornan operativos los pactos y convenciones americanas sobre derechos humanos, particularmente Ia CADH de 1969, a los que en general se adjudica jerarquia constitucional en los propios Estados, sea de modo expreso (Colômbia, art. 93 CP; Brasil, art. 5° § 3 incorporado por EC 45/04; Argentina, art. 75 inc. 23, CN; Venezuela, art. 23; Paraguay art. 141), o tácito. La CADH, siguiendo el modelo de Ia CEDH, consagra un "núcleo duro" o "esencial" de principies para gobernar Ia administración de justicia civil, que vincula y obliga a todos los Estados miembros, y que resultan atingentes a Ia condición dei juez, como imparcial e independiente; a Ias partes, a quienes se lês ha de asegurar un acceso irrestricto a Ia jurisdicción y el derecho de defensa; y ai procedimiento, el "fair trial" o debido proceso que ha de ser simple, claro y rápido, para ser oído "con Ias debidas garantias y dentro de un plazo razonable", Io que conlleva el dictado de un pronunciamiento debidamente fundado y justo. Se trata de Ias "garantias judiciales" que se derivan dei art. 8° y que se integran con el derecho a "un recurso sencillo y rápido" o a cualquier otro recurso efectivo ante los jueces que brinde amparo contra actos que violen los derechos fundamentales (art. 25). Lãs propias Constituciones, adernas, reconocen como garantia fundamental el derecho a Ia tutela judicial efectiva, bajo distintos enunciados ("eficaz prestación de los servicios de justicia" -CN Arg., art. 114, tercer párrafo, inc. 6 infine; "derecho a Ia tutela jurisdiccional", CP Per., art. 139 inc. 3; art. 5°, incisos XXXVII, LIII, LIV, LV, LVI, C.Br)4. Desplazamiento Forzado Interno de Personas. 3. BEJARANO GUZMÁN R., La procesalización dei derecho constitucional en Colômbia en La ciência dei Derecho Procesal Constitucional, Estúdios en homenaje a Héctor Fix-Zamudio en sus 50 anos como investigador dei derecho, E. Ferrer Mac-Gregor y A.Z. Leio de Larrea (coord.), UNAM, México, 2008, v. VI, p. 173. 4. OTEIZA E., Disfuncionalidad dei modelo de proceso civil en América Latina en /// Congreso Internacional de Derecho Procesal. Garantismo y crísis de Ia Justicia, Cartagena de índias, 2-4 set. 2009.

LOS CONFLICTOS DE INTERES PUBLICO • Roberto Ornar Berizonce

Ahora bien, el principal instrumento de tutela de los derechos fundamentales está dado por Ias instituciones, procedimientos y técnicas procesales y organizacionales, y en particular por Ias acciones y remédios constitucionales, que genericamente componen los denominados procesos constitucionales. En realidad, el fenómeno de Ia "globalización" dei sistema de derechos y de enjuiciamiento, que tiene su base en el derecho internacional de los derechos humanos y los sistemas de protección trasnacionales, constituye una de Ias múltiples causas concurrentes (juntamente, entre otras, con Ia explosión de nuevas conflictividades, el mayor acceso a Ia justicia y el más acentuado protagonismo de Ia sociedad y sus entidades representativas en el proceso judicial, revalorizado como instancia privilegiada para el ejercicio de Ia democracia "deliberativa", etc.), que han generado, ai menos três fenómenos paralelos, complejos y reciprocamente influidos: Ia creciente judicialización de los confiictos, el activismo judicial y Ia, cuanto menos tangencial, participación de los jueces en el diseno de Ias políticas públicas. 1.

El bill of rights sustantivo

En ese escenario, Ia jurisprudência acoge, desarrolla y aplica los princípios de Ias convenciones y tratados, tanto respecto de los derechos y situaciones sustantivas -bill of rights sustantivo-, cuanto a Ias garantias fundamentales dei proceso civil. En punto a Io primero, se destaca Ia tutela preferente que habitualmente se concede a los derechos que integran el "núcleo duro": derecho a Ia vida, a Ia salud, ai médio ambiente sano, personalísimos, a Ia dignidad, a Ia educación, a Ia vivienda y a Ias condiciones dignas de vida y, en general, a los denominados derechos económicos, sociales y culturales (DESC)5; como 5. En Colômbia Ia tutela de los DESC fue evolucionando en Ia jurisprudência a través de Ia interpretador! extensiva dei art. 4 de Ia ley 472/78, de acciones populares o de grupo para Ia tutela de los derechos colectivos. Así el Consejo de Estado ha protegido, entre otros, el derecho a Ia salud y el derecho a Ia educación, como prerrogativas de Ia prestación de un servido público. Igualmente, en numerosos casos, se admitió Ia acdón de cumplimiento dei art. 87 CP Col. para tutelar a personas gravemente afectadas por Ia violência y desplazadas de sus tierras. A su vez, Ia CC Col. tutelo en diversos casos el derecho ai médio ambiente sano, aplicando el principio de progresividad con sustento en doctrina y normativa internacional; el derecho a Ia informadón y Ia libertad de expresión, con cita de precedentes de Ia CIDH; el derecho a Ia educación, asegurando esa prerrogativa a Ias minorias indígenas y a Ias comunidades afrodescendientes e imponiendo acciones positivas ai Estado; el derecho a Ia salud en el caso de cobertura dei plan obligatorio de salud a Ias parejas dei mismo sexo o acogiendo Ia acción de tutela para Ia protección inmediata y total dei derecho vulnerado; el derecho a Ia segurídad social, por conducto de Ia acción de tutela para asegurar el mínimo vital, o el derecho a Ia pensión dei sobreviniente de Ia pareja homosexual; o el derecho a una vivienda digna, en via de acción de tutela, dado el carácter de derecho fundamental y no obstante tratarse de un derecho prestacional; el derecho ai mínimo vital para garantizar el susidio de empleo temporal (BEJARANO GUZMÁN R., TOSCANO F., VALENZUELA C,

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también, a Ias situaciones objetivas que comprenden a determinadas categorias depersonas -menores6, incapaces7, ancianos, mujeres, aborígenes8, inmigrantes, desplazados9, etc., sujetos considerados genericamente en situación de vulnerabilidad10. En algunos países, los pronunciamientos judiciales se sustentan en los derechos fundamentales que emanan de Ia Constitución y su interpretación y, concurrentemente, en los que derivan de los pactos -control de convencionalidad- y aún en Ia interpretación de los tribunales transnacionales americanos; es el caso de Argentina11; Colômbia12, Uruguay13. En cambio, en Brasil generalmente Ias decisiones se apoyan de modo exclusivo en Ia Constitución14.

25 de Ia Convención Americana, como sustento concurrente de Ias propias garantias procesales contempladas en Ias constituciones -juez "natural", debido proceso legal, juzgamiento en contradictorio, sentencia debidamente fundada dictada en tiempo razonable-. Así, en Argentina15, Colômbia16 y otros países.

2.

Igualmente, Ias sentencias de los jueces han enfatizado el derecho a "un recurso sencillo y rápido", consagrado por el art. 25 de Ia Convención, reforzando Ia operatividad de Ias vias legisladas -amparo, acción de tutela, acción de protección, mandado de segurança-, para asegurar Ia tutela de los derechos fundamentales. Por caso, en Argentina17, Uruguay18, Colômbia19, donde se ha remarcado Ia efectividad en concreto de los pronunciamientos20.

Lãs garantias fundamentales dei proceso civil

Respecto de Ias garantias fundamentales dei proceso civil, ya consideradas, en diversos países Ia jurisprudência ha aplicado los preceptos de los art. 8° y informe colombiano ai XVI Congreso Internacional de Derecho Procesal, Heidelberg, 25-30 Júlio de 2011). En Venezuela, Ia Sala Constitucional dei TSJ, en via dei recurso de revisión constitucional, declaro el derecho de inamovilidad laborai dei padre dei recién nacido, extendiendo Ia garantia que cubre a Ia madre (sent. 547/6/2010). MOLINA GALICIA R., YRURETA ORTIZ Y, informe venezoíano ai referido Congreso. 6. La SCJ Ur. resolvió un caso vinculado a los derechos dei nino con apoyo en Ia doctrina de Ia CADH (LANDONI SOSA A., PEREIRA CAMPOS S., informe uruguayo ai referido Congreso). 7. La CCCol. tutelo el derecho de los sujetos discapacitados, entre otros casos, en vinculación con el derecho a Ia no discriminación, ai resolver una demanda de inconstitucionalidad contra Ia norma que prohíbe acceder ai concurso de un cargo notarial a los sordos y mudos; o en vinculación con el derecho a Ia saíud (BEJARANO GUZMÁN R., TOSCANO R, VALENZUELA C., ob. cit.). 8. La CCCol. se pronuncio reitèradamente sobre Ia tutela de los derechos de los pueblos indígenas y el contenido dei derecho a Ia diversidad étnica y cultura! y a Ia autodeterminación, con sus proyecciones en Ia salud, Ia seguridad social y otros derechos (BEJARANO GUZMÁN R., TOSCANO R, VALENZUELA C, ob. cit). 9. CCCoi., sent. T 025 de 2004 y autos de cumplimiento de marzo de 2009, que se analizarán infra. 10. Los tribunales uruguayos han dictado diversas decisiones sobre derecho a un trato adecuado para Ias personas en condiciones de vulnerabiíidad (LANDONI SOSA A., PEREIRA CAMPOS S., ob. cit.). 11. Nos permitimos remitir a nuestra obra Tutelas procesales diferenciadas, Rubinzal-Culzoni, Santa Fe, 2009, pp. 117 y ss. y jurisprudência que allí se cita. 12. Se ha afirmado que Ia evolución progresiva de Ia jurisprudência de Ia CCCol., resultado dei activismo judicial a partir de interpretaciones amplias y flexibles de los textos normativos relativos a los derechos de incidência colectiva y los DESC, no hubiera sido posible sín Ia referencia constante en los pronunciamientos a los diferentes instrumentos internacionales (BEJARANO GUZMÁN R., TOSCANO R, VALENZUELA C, ob. cit). 13. En Ia jurisprudência de los tribunales uruguayos en forma gradual y progresiva se han recogido princípios de Ias convenciones internacionales, particularmente en matérias dei derecho a Ia vida y a Ia salud, derecho a Ia Ídentidad, restitución internacional de menores, garantia dei debido proceso, motivación de Ias decisiones judiciales, entre otras (LANDONI SOSA A., PEREIRA CAMPOS S., ob. cit.). 14. PELLEGRINI GRINOVER A., WATANABE K. (informe brasileno ai aludido Congreso), desde que todos ios princípios y regias convencionales integran Ia C. Br., de modo que raramente Ia jurisprudência remonta a los instrumentos internacionales.

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3.

Lãs tutelas procesales diferenciadas

Resaltan por su interés Ias construcciones de Ia jurisprudência y Ia creación pretoriana que, en algunos países, se manifiesta como expresión de un creciente activismo judicial en cierta categoria de conflictos que versan sobre derechos fundamentales, individuales y colectivos, que involucran situaciones 15. Con sustento en los preceptos constitucionales y Ias convenciones sobre derechos humanos, Ia CSN Arg. declaro que Ia vida no es solo un derecho individual, sino también un bien social público y colectivo, que el Estado debe proteger (Fallos 223:3229); o igualmente el aseguramiento de Ias condiciones dignas de subsistência (Fallos, 329:549); o Ias prestaciones educativas para una nina discapacitada (CSN, 30-9-08). 16. BEJARANO GUZMÁN R., TOSCANO R, VALENZUELA C., destacan pronunciamientos de Ia CCCol. que consagran el derecho a Ia tutela judicial efectiva, ai debido proceso y Ia descalificación de Ia prueba ilícita. Sin embargo, Ia alusión a los princípios convencionales y a Ia doctrina de los tribunales internacionales ha sido excepcional en el juzgamiento de Ias acciones colectivas; en cambio, si se apoyan en aquellos princípios, sea en Ia forma de ratio decidendi, sea como obiter dieta para justificar sus decisiones en via de Ias acciones de tutela (ob. cit.). 17. La CSN Arg. declaro que los recursos de amparo no pueden resultar tardios o inefectivos, especialmente en aquelios âmbitos vinculados a Ia vida o a Ia preservación de bien culturales de una comunidad indígena (Fallos, 331:2119). 18. LANDONI SOSA A., PEREIRA CAMPOS S., refieren diversas decisiones vinculadas ai derecho a Ia salud, derecho de menores que pretendían condiciones adecuadas de reclusión, entre otras. 19. Por caso, respecto dei derecho a Ia seguridad social, Ia CCCol. declaro que si bien en principio Ia acción de tutela no es viable para garantizar Ia justiciabilidad de tal derecho, procede en ciertos supuestos concretos: transmutación dei derecho; conexidad con un derecho fundamental o afectación dei mínimo vital. O en relación ai derecho a una vivienda digna, cuando se Io considere un derecho fundamental o por transmutación ante Ia falta de pago de un subsidio ya acordado, o ya en el caso de Ias personas desplazadas. O, también, en el caso de Ias personas con discapacidad. O tratándose de derechos de los pueblos indígenas (BEJARANO GUZMÁN R., TOSCANO R, VALENZUELA C., ob. cit.). 20. Lãs decisiones de Ia CCCol. que acogen Ia acción de Ia tutela, resultan particulares, no solo en cuanto a Ia celeridad con que se prescribe el cumplimiento, sino porque Ias medidas revisten un altísimo grado de concreción, en Ia forma de mecanismos procesales (principalmente de ejecución) preferentes (BEJARANO GUZMÁN R., TOSCANO R, VALENZUELA C., ob. cit.).

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o derechos particularmente debilitados a los que se confiere una tutela procesal diferenciada. Se tiende ai aseguramiento en concreto de tales derechos mediante Io que se configura como una "justicia de acompanamiento" o protección, o "de resultados", cuyas notas características son Ia accesibilidad para todos, aceleración dei reconocimiento dei derecho, simplificación de los trâmites, prevalência de Ia verdad objetiva (principio de Ia realidad litigiosa) y prevalência dei derecho sustantivo por sobre los recaudos formales que resulten frustratorios. Lãs técnicas procesales que utilizan los jueces, generalmente por via de interpretación ílexible de normas legales y aún por creación pretoriana, son diversas y reposan genericamente en los mayores deberes y atribuciones reconocidos a los jueces, con sus consectarios y derivaciones21. 4.

Proyecciones

En Ia proyección de Ias tutelas diferenciadas, resulta particularmente significativo el tratamiento que los jueces confieren, en algunos países, a los denominados conflictos de interés públicos o estratégicos, que atanen a los derechos colectivos sociales en general, incluyendo los derechos de Ia institucionalidad democrática. Tal, el tema central de estas reflexiones, así incardinado en el contexto general que dejamos sucintamente descripto.

II.

LOS CONFLICTOS DE INTERÉS PÚBLICO

Los conflictos de interés público o estratégicos son aquellos que involucran derechos fundamentales colectivos, canalizados a través de los denominados litígios de derecho público, desarrollados a partir de Ia década de los 50' en el derecho norteamericano. Es ampliamente conocido el emblemático caso "Brown vs. Board ofEducation ofTopeka" piloteado por Ia Corte Warren, junto con otros precedentes que permitieron ulteriormente a Ia doctrina autoral afirmar Ia existência de una importante categoria de litigios de derecho público, que debía ser diferenciado dei litigio tradicional que involucraba tan solo a partes privadas, en tanto aquellos venían generados a partir de los esfuerzos para aplicar los princípios de Ia rule of law a Ias instituciones dei moderno Estado de bienestar. Tales litigios involucran a grupos o clases de integrantes dispersos y a menudo indeterminados o indeterminables, cuyos reclamos implican poner en debate el funcionamiento de grandes instituciones o servidos públicos sistemas escolares, establecimientos carcelarios, instituciones de salud mental, 21. BERIZONCE R.O., Tufe/os procesales diferenciadas, ob. cit., passim.

LOS CONFLICTOS DE INTERÉS PÚBLICO • Roberto Ornar Berizonce

de seguridad o asistencia públicos, etc.-, que requerían remédios que debían arbitrarse generalmente a largo plazo. Lãs Cortes, tribunales superiores y aún de grado, debían asumir entonces nuevas y más complejas misiones con Ia particularidad de que, con su ejercicio, se contribuye a enriquecer el repertório institucional de Ia democracia. Precisamente, son sus atributos esenciales de independência, flexibilidad y accesibilidad los que brindan soporte, fundamento y motivo de legitimación para asumir Ia tarea de controlar y responsabilizar a Ias demás instituciones dei gobierno que padecen de una crónica insuficiência de rendimiento, ajustándolas a Ias normas jurídicas superiores. Legitimación, Ia de Ias Cortes, que asienta en su condición típica, de ser menos propensas a ser capturadas o influenciadas por intereses de grupo, egoístas y, por ello, estar en Ias mejores condiciones para arbitrar induciendo el diálogo fructífero entre Ias partes, que Ia propia administración, que por otra parte ha descuidado tal responsabilidad22. Mauro CAPPELLETTI fue, tempranamente, el gran propulsor de esas ideas entre nosotros23. Sin embargo, sus premisas, que descansan en un senalado reforzamiento de los poderes judiciales, han sido y siguen siendo fuertemente cuestionadas, principalmente con argumentos como el avance sobre el principio de separación de poderes y el menoscabo de Ias atribuciones propias de los segmentos políticos dei gobierno. La experiência norteamericana indica que a pesar de esas críticas y aún con Ia aparición de doctrinas jurisprudenciales restrictivas, los tribunales inferiores continúan aún desempenando un papel crucial en un creciente movimiento de reforma institucional en áreas medulares de los regímenes de derecho público: escuelas, prisiones, instituciones de salud mental, policia de seguridad, asilos y otros establecimientos públicos. Claro que, según se subraya24, ha operado una evolución de los remédios estructurales, que puede ser representada como un abandono, en Ias decisiones judiciales, de Ia regulación prescriptiva de ordenar -y- controlar y el trânsito hacia Io que se denomina una intervención experimentalista. En lugar de un regimen de imposición por el juez de regias rígidas y verticales, contenidas en prohibiciones amplias y 22. CHAVES A., The Role oftheJudge in Public Law Litigatíon, 89 Harv. L.Rev., 1281,1976. FISS O., Theforms of justice, 93, Harv. L.Rev., l, 1979; id., The Law as It Could Be, 2003 (traducción castellana: El derecho como razón pública, Marcial Pons, Madrid-Barcelona-Bs.As., 2007, trad. E. Restrepo Saldarriaga, que seguimos aqui). 23. CAPPELLETTI M., Vindicating the Public Interest Trough the Courts: A Comparativisfs Contribution, 25 Buffalo L.Rev., 643, 1976. Asimismo: CAPPELLETTI M. y GARTH B., El acceso a Ia Justicia, Rev. Col. Abog. La Piata, Argentina, 1983, trad. S. Amaral, pp. 58 y ss.. 24. SABEL Ch. F. y SIMON W.H., Destabilization rights: how public law litigation succeds, 117 Harv. L.Rev., 1015, Febrary 2004, p. 1019. Asimismo, BERGALLO P., Apuntes sobre justicia y experimentalismo en los remédios frente ai litigio de derecho público, IA, Bs. As., 2006-11, pp. 1165 y ss..

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genéricas, Ia aproximación experimentalista acentua Ia negociación progresiva de Ias partes involucradas, que son Ias que acuerdan y fijan discrecionalmente Ias regias de conducta apropiadas para resolver Ia situación, que a su vez por ser consideradas provisionales, son sometidas a revisión continua en un marco de transparência por Ia publicidad de los procedimientos judiciales. Se institucionaliza, de ese modo, un verdadero proceso de aprendizaje y de reconstrucción continua, de experimentación -"experimentalista"-, propia y característica dei gobierno "interconectado" y "de múltiples niveles", en el que los procedimientos para Ia toma de decisiones no son jerárquicos ni cerrados. La intervención de los tribunales, bajo esas premisas tiende a "desestabilizar" Ias expectativas que tenían Ias partes antes de involucrarse en el litígio y promover Ia tutela de derechos que, en ese sentido, se califícan como "desestabilizadores", en tanto tienden a reconvertir instituciones públicas que exhiben falências crónicas en Ia satisfacción de sus obligaciones y se encuentran aisladas y ai margen dei proceso de responsabilidad y control político. Precisamente, se sostiene25, el reconocimiento y Ia aplicación judicial de tales derechos "desestabilizadores" resulta útil para inducir a que tales instituciones públicas cumplan más acabadamente con sus obligaciones legales y, ai mismo tiempo, Ia intervención de tono experimentalista se torna coherente con Ia estructura dei regimen de gobierno democrático tripartito.

posibilidad dei dictado de medidas de urgência28, en consonância todo ello con Ia tutela procesal diferenciada que corresponde a los derechos fundamentales en juego. En el modelo estructural, el principal instrumento de que se valen los jueces son los mandamus o injustions; y, por otro lado, se replantea Ia estructura de Ias partes y de Ia legitimación en los procesos colectivos, basada principalmente en los grupos sociales.

Hemos de ver que Ia incipiente y desde luego acotada experiência de los tribunales argentinos tiende a aproximarse, no sin algunas vacilaciones, hacia el modelo más precário de intervención remedial, ai menos considerado en sus grandes líneas maestras26, si bien cabe avizorar un razonable desplazamiento hacia el experimentalismo. 1.

Características típicas

Los conflictos de interés público27 presentan notas singulares ai menos en cuanto: a) Ia ordenación e instrucción de Ia causa, caracterizada por el activismo procedimental y Ia ampliación de los poderes dei juez, y especialmente por Ia

b) el método dialogai impulsado por el tribunal29 en un marco de mayor publicidad y transparência dei procedimiento en general, que "expone" a Ias partes y Ias compromete en Ia búsqueda de soluciones consensuadas ai diferendo y, por otro, reserva a aquel Ia función arbitradora entre los intereses en conflicto. El diálogo público entre Ias partes, se alienta con Ia esperanza que sea fructífero, especialmente por Ia participación habitual de organismos administrativos o grandes corporaciones públicas o privadas; y se enriquece con Ia intervención de terceros, amicus curiae, que expresan sus aportes con mira a Ia salvaguarda dei interés general de Ia comunidad. Se trata -como se ha senalado30- de un modelo normativo basado en Ia institucionalización de procedimientos democráticos, un verdadero paradigma cooperativo de administración de justicia. c) Ia decisión judicial no se agota en un "trancher" que dirima el conflicto hacia el pasado, sino que comúnmente se proyecta hacia el futuro y habitualmente tiende a incidir en Ias políticas públicas dei sector involucrado. Sea para proponer nuevas o diferentes prácticas institucionales, o modificaciones en Ias estructuras burocráticas, que van mucho más alia dei caso sometido a decisión. En ese sentido Ia jurisdicción asume una. función remedial, porque Ia decisión está encaminada más hacia Ia búsqueda de "remédios" para Ia situación compleja que involucra fuertes intereses encontrados, de cara ai futuro, que a dirimir el conflicto de base con critérios tradicionales: más que a Ia subsunción apunta a Ia ponderación de los princípios y valores en disputa31. En Ia doctrina constitucional se alude corrientemente, para clasificar los diversos tipos de intervenciones, a categorias tales como sentencias exhortativas,

28. FISS O., El derecho como razón pública, ob. cit., pp. 40-42, 46-47. 25. SABEL Ch. F. y SIMON W.H., ob. cit., pp. 1067-1072, 1093. 26. BERGALLO R, ob. cit., pp. 1170-1171. 27. BERGALLO P., ob. cit., pp.H71yss.. ABRAMOVICH V., Acceso a Ia justicia y nuevas formas de particípación

29.SAGUÉS N.P., El tercer poder. Notas sobre el perfil político dei Poder Judicial, Lexis Nexis, Bs.As., 2005, especialmente cap. XXIV. COURTIS C., Tutela judicial efectiva y afectaciones colectivas de derechos humanos, J-A., 2006-11, pp. 1215 y ss- UCÍN M.C., El rol de Ia Corte Suprema ante los procesos colectivos, RDP, 2009-1, pp. 329 y ss..

en Ia esfera política en La ciência dei Derecho Proceso/ Constitucional... Homenaje argentino..., Rubinzal Culzoni, Santa Fe, 2009, v. II, pp. 443 y ss.. THEA F.G., Hacia nuevas formas de justicia administrativa.

30. ZANETI JÚNIOR H., Processo constitucional: o modelo constitucional do Processo Civil Brasileiro, ed.

Apuntes sobre el "litígio estructural" en Ia Ciudad de Buenos Aires, supl. La Ley Administrativo, febrero 2010, pp. 16 y ss.. LORENZETTI R.L, Justicia colectiva, Rubinzal-Culzoni, Santa Fe, 2010, pp. 18,163 y ss..

31. BERGALLO P., ob. cit.. COURTIS C., ob. cit, pp. 1225 y ss..

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Lumen Júris, R. de Janeiro, 2007, pp. 60-61, 264.

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d) el "diálogo", ai cabo de Ia sentencia, pervive y se profundiza para facilitar el cumplimiento o Ia ejecución de Io decidido, mientras el tribunal escalona sus pronunciamientos con ese objetivo35. En el litígio estructural Ia etapa de los "remédios" prácticamente no finaliza hasta que el objetivo final sea alcanzado. Dicha etapa implica una larga y continua relación entre el juez y Ias partes durante Ia cual se van creando y disenando los médios para renovar Ias condiciones que amenazan los valores constitucionales. El diseno dei remédio determina nada menos que el tribunal resulte involucrado en Ia reorganización de Ia institución o servicio en funcionamiento, a través de una intervención constante y persistente. La ejecución pasa a constituirse en una etapa de continua relación entre el juez y Ias partes, un vínculo de supervisión a largo plazo que perdura hasta Ia satisfacción efectiva de los derechos reconocidos en Ia sentencia. El juez participa, de ese modo, en un "diálogo" con los otros poderes dei Estado para Ia concreción dei programa jurídico-político de Ia Constitución36.

"apelativas" o "con aviso", aditivas o intermédias32. La sentencia exhortativa agrega a Ia declaración dei derecho, una' exhortación" para que se haga efectiva, dirigida a quien está obligado a cumplirla. Se consagra una obligación jurídica indeterminada, de valor político. No hay derecho a exigir su cumplimiento y su finalidad es llamar Ia atención fortaleciendo el debate público sobre el tema. El pronunciamiento también puede contener mandatos inyuntivos (injuntions) dirigidos a Ia Administración para hacer o no hacer, de acuerdo a un modelo orientado a los resultados o bien a los procedimientos o médios. En cambio los mandados dirigidos ai Congreso siempre son exhortativos y genéricos33.

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En relación a Ia jurisprudência de los tribunales argentinos, se ha elaborado una tipología de Ias distintas situaciones en que el Poder Judicial ha asumido Ia tarea de verificar el cumplimiento de estándares jurídicos en el diseno y ejecución de políticas, que comprendería Ias siguientes categorias: 1. intervenciones que tienden a transformar medidas de política pública discrecionales asumidas por el Estado, en obligaciones legales (v.gr., en el caso "Viceconte", CN Apel. En Ia Cont. Adm. Fed., sala IV, 2-6-98, J.A., 1999-1, p. 485, referido a Ia fabricación de una vacuna contra una enfermedad endémica). 2. intervenciones en Ias cuales el tribunal examina Ia compatibilidad de Ia política pública con el estándar jurídico (razonabilidad, adecuación, no discriminación, progresividad, transparência, etc.) aplicable y, por ende, su idoneidad para satisfacer el derecho en cuestión; si el tribunal considera que existe incompatibilidad, reenvia Ia cuestión a los poderes correspondientes para que Ia reformulen, sin sustituirse en Ia elección de los médios, en base a una instrucción judicial fijada en términos generales34 (v.gr., en los casos "Ramallo B.", Cam. Cont.-adm. y Trib., CABA, Sala II, 12-3-2002; id., "Comisión Municipal de Ia Vivienda c. Saavedra EA. y ot" 9-4-2002; "Mignone", CSN, 9-4-2002; "Badaro", CSN, 8-8-2006; "Verbitsky" 3-5-2005; "Mendoza B.", 20-6-2006). 3. intervenciones en Ias que los jueces, excepcionalmente, se ven forzados a determinar por si el tipo de medida a adoptar ante Ia pasividad de los poderes políticos, ai verificar Ia existência de una única medida de política pública adecuada (v.gr., el caso "Campodónico de Beviacqua" CSN, 24-10-2000). 4. intervenciones en Ias que el tribunal se limita a declarar que Ia omisión dei Estado es inconstitucional e ilegítima, sin disponer medida alguna de reparación, pêro que pueden tener indiscutido efecto ante Ia opinión pública y los poderes políticos.

La actuación judicial en Ia etapa de ejecución de sentencia no habrá de consistir en Ia imposición compulsiva de una condena, entendida como una orden detallada y autosuficiente, sino en el seguimiento de una instrucción fijada en términos más o menos generales, cuyo contenido concreto habrá de ser construído a partir dei diálogo que necesariamente se producirá entre Ias partes, incluyendo a Ia autoridad pública, y el tribunal. En consecuencia, en Ia etapa de ejecución corresponderá a Ia autoridad pública demandada (y vencida) determinar el modo más adecuado de cumplir con Ia sentencia de condena y, por su parte, el tribunal actuante controlará Ia adecuación de Ias medidas concretas a Ia orden que ha impartido. Por Ia propia complejidad de Ias múltiples cuestiones involucradas resulta inevitable un lapso prolongado en Ia ejecución, con el efecto perverso de que a medida que transcurre el tiempo torna a identificarse, y confundirse, Ia decisión judicial con Ia gestión administrativa morosa, con el consecuente perjuicio para Ia imagen dei servicio de justicia. Por esas razones, como se ha observado autorizadamente37, es aconsejable que el tribunal tenga Ia sabiduría de poner un limite ai proceso y dejar que los otros poderes cumplan su rol. En Ia búsqueda de mecanismos adecuados para superar esas dificultades instrumentando garantias de implementación, una de Ias técnicas más adecuadas es el diseno, por el tribunal, de una "microinstitucionalidad" a partir

32. SAGUÉS N.P., Lãs sentencias constítucionales exhortotivas ("apelativas" o "con aviso"), y su recepción en Argentina, La Ley, 2005-F, p.1461 y ss., entre otros autores. 36.ABRAMOVICH V., ob. cit., pp. 449-450.

34.Se trata de los denominados pronunciamientos constitucionales "exhortativos" (SAGUÉS N.R, ob. cit.).

35. FISS O., ob. cit., p. 47-49.

33. LORENZETTI R.L, ob. cit, pp. 179, 182-185.

37. LORENZETTI R.L., ob. cit., pp. 185-186.

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de Ia fijación de objetivos, Ia descripción de etapas de ejecución y los plazos correspondientes, siquiera tentativos, y especialmente Ia designación de un encargado institucional de llevar adelante Ia ejecución dei plan, radicado en Ia propia administración, aunque con autonomia. El esquema se integra con el nombramiento de encargados dei control de cumplimiento a cargo de organizaciones no gubernamentales que hubieran, en su caso, participado en el proceso judicial; y, todavia, de un control de transparência de Ia gestión económico-financiera, a cargo de un ente público de auditoria. De ese modo, a través de Ia interacción de los diversos centros de interés que quedan involucrados, se incrementa Ia información disponible, se mejoran los procesos de toma de decisiones y se aumenta el control social sobre el ritmo y sentido de Ia ejecución38.

instrucción probatória, con especial énfasis en Ia búsqueda de soluciones concertadas e igualmente ai tiempo dei cumplimiento de sus pronunciamientos. Con Ia plataforma reglada de Ias audiências públicas y Ia participación de los "amigos dei tribunal", Ia Corte ha modelado por su propia creación diversas técnicas y procedimientos adecuados a Ia naturaleza y características de los conflictos de interés público o institucional, con Ia finalidad última de posibilitar el ejercicio de su poder supremo. Claro que Io propio cabe, por regia aunque con Ias salvedades dei caso, a los jueces comunes cuando semejantes conflictos se radican bajo su competência42. En tal sentido, puede afirmarse que viene operando una suerte de saludable efecto de "derrame".

39. Sobre los antecedentes de Ia figura dei amicus cúrias: CUETO RUA J.C., Acerca dei "amicus cúrias", La Ley 1998-D, p. 721. Está prevista igualmente en el Reglamento de Ia Corte Interamericana de Derechos Humanos: BAZAN V., El amicus curiae... J.A., 2003-11, p. 997 y ss.. En relación ai derecho brasileno: MARINONI L.G., Da teoria da relação jurídica processual ao processo civil do Estado constitucional, Rev. Peruana Der. Proc., Lima, 2008, v. XI, pp. 260-261. Asimismo, CAMBI E. y KLEBER R.D., Amicus curiae e o processo coletívo. Uma proposta democrática, RePro, 192, feb. 2011, pp. 13 y ss..

2.1. En el conocido caso "Beatriz Mendoza" comparecieron como demandantes grupos de sujetos individuales afectados, varias asociaciones ambientalistas, grupos de asociaciones que representaban los intereses de los vecinos de Ia cuenca y el Defensor dei Pueblo de Ia Nación. Los demandados eran el Estado Nacional, Ia Província de Buenos Aires, Ia Ciudad Autónoma de Buenos Aires y un grupo de cuarenta y cuatro empresas que supuestamente vertían sustancias contaminantes en el curso de agua. El tribunal utilizo libremente sus potestades ordenatorias e instructorias, flexibilizando el principio preclusivo; requirió a los Estados involucrados Ia presentación en plazos perentorios de un plan integrado y completo basado en el principio de progresividad, para el logro de objetivos en forma gradual a través de metas proyectadas en un cronograma43. Todo Io cual fue expuesto y recibido en audiências públicas. Mediante Ia decisión dei 8 de julio de 2008 resolvió de modo definitivo Ia pretensión de recomposición y prevención dei dano ambiental, destacando que el objeto decisório se orienta hacia el futuro y fija los critérios generales para que se cumpla efectivamente con Ias finalidades perseguidas, pêro respetando el modo en que se concreta, Io que -aclaro- corresponde ai âmbito de discrecionalidad de Ia administración. En cuanto a Ia ejecución, ha previsto Ia participación ciudadana en el control dei cumplimiento dei plan de saneamiento y dei programa fijado, encomendando ai Defensor dei Pueblo de Ia Nación coordinar tal participación, mediante Ia conformación de un cuerpo colegiado integrado por Ias organizaciones no gubernamentales intervinientes

40. La CSN rechazó Ia intervención de diversas instituciones y profesionales a título personal en Ia causa en que se discutia Ia aplicación dei ajuste por inflación por e! pago dei impuesto a Ias ganâncias, en tanto Ia presentación tenía por objeto que Ia causa fuera resuelta en un determinado sentido, en coincidência con el interés pecuniário particular de los presentantes, que resulta incompatible con Ia imparcialidad que se requiere (Fallos, 329:4590; La Ley, 2006-F, p. 749).

42. Algunos tribunales aplican princípios típicos de los litígios de interés público: Cam. Cont.-adm. y Trib., CABA, Sala l, sentencias dei 25-6-2007, 23-12-2008, cits.. Juzg. Cont.-adm. N? l, La Plata, 10-11-2008, cit., entre otros.

41. TRIONFETT1 V, £/ enriquedmiento dei debate judicial a través de Ia figura dei amicus curiae, La Ley, Supl. Constitucional 2003-F, p. 68 y ss. GELLI M.A., Lãs fuentes dei "poder" de Ia Corte Suprema, La Ley, 2003-E, p. 1317. VERBIC F., Pmpuesta para regular Ia figura dei amicus curiae..., La Ley Actualidad, 17-3-2009.

43. MORELLO A.M., Aperturas y contenciones de Ia Corte Suprema... en Nuevos enfoques sobre el derecho civil, comercial y proceso/. Líber amicorum, ed. UN Sur, 2007, pp. 21 y ss.; id., La CS argentina y el derecho ambiental en La ciência dei Derecho Procesal Constitucional. Homenaje argentino..., ob. cit., v. l, pp. 115 y ss.

1. El tratamiento de los conflictos de interés público en Ia CSN y otros tribunales argentinos. 2. El Alto Tribunal paulatinamente ha venido disenando un conjunto de técnicas y procedimientos de aplicación a los conflictos de interés público. Lo ha hecho en ejercicio de potestades reglamentarias, por médio de acordadas generales -así, el regimen de audiências públicas (acordada 30/2007) y Ia intervención de los "amigos dei tribunal"39, en los conflictos en que se debatan cuestiones de trascendencia colectiva o interés general40, con Ia finalidad de ampliar el debate judicial habilitando nuevos espacios de participación social, Io que contribuye a legitimar Ia actuación de los jueces41-. También, en los casos singulares, por médio de creación pretoriana, particularmente en ejercicio de Ias potestades de conducción y ordenación de Ias causas, tanto como de su 38. Ob. cit., pp. 186-188. Tal ha sido Ia estratégia y el método que fue disenando Ia CNS en el caso "Beatriz Mendoza".

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en Ia causa. Se abrió de ese modo un espado para Ia revisión y reconstrucción de Ias políticas públicas cuestionadas con Ia debida participación de los afectados y de los sectores responsables, tanto estatales como privados. 2.2. En otro caso emblemático, el Alto Tribunal en el amparo colectivo deducido por el CELS para que se brinde solución de acuerdo a los convénios internacionales a Ia situación de Ias personas detenidas en los establecimiento penitenciários y policiales de Ia Província de Buenos Aires, en situación de superpoblación carcelaria atentatória de derechos humanos fundamentales, así como para el diseno de políticas públicas necesarias para impedir Ia reproducción de tales situaciones en el futuro44, dispuso una serie de medidas tendientes a impulsar el diálogo entre Ias propias partes a fin de Ia búsqueda de soluciones efectivas, incluyendo Ia adecuación de Ia legislación procesal y de ejecución penal y, por ende, modificación de Ias políticas de seguridad en los establecimientos penitenciários. La Corte sostuvo que "Ias políticas públicas eficaces requieres discusión y consenso" y encomendo ai gobierno provincial Ia organización de una mesa de diálogo con el CELS y otras organizaciones nacionales e internacionales, que se habían presentado en ai causa como amicus curiae; ai mismo tiempo exhortó a los poderes legislativo y ejecutivo para que adecuen Ia legislación en matéria de prisión preventiva y excarcelación a los estándares mínimos internacionales45. 2.3. En un caso similar vinculado con el grave estado de los establecimientos carcelarios en Ia Província de Mendoza, en relación a los cuales Ia CIDH había conminado ai Estado argentino para Ia adopción en forma inmediata de medidas necesarias para proteger eficazmente Ia vida e integridad personal de los reclusos, que debían ser implementadas en coordinación efectiva y transparente entre Ias autoridades provinciales y federales, ante un reclamo por via de amparo colectivo por el incumplimiento de tales decisiones, Ia CSN intervino a través de sucesivos pronunciamientos46. Comenzó por advertir sobre Ia gravedad dei incumplimiento dei mandato de Ia CIDH, requiriendo a Ia província involucrada información sobre Ias medidas adoptadas y Ia

44. "Verbitsky Horacio s/Habeas corpus", sentencia dei 3-5-05, Faltos, 328:1146. BERTOLINO P.J., Elhabeas corpus colectivo... en ia ciência dei Derecho Procesal Constitucional. Homenaje argentino..., ob. cit, v. l, pp. 425 y ss.. GULLCO H., Garantias en el proceso penal en La Cone y los derechos. 2005-2007, ADC, Siglo XI ed., Bs. As., 2008, pp. 314-324.

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separación entre presos jóvenes y adultos, y ai cabo de ello, intimo ai Estado nacional a dar estricto cumplimiento a Ias medidas provisionales que había dispuesto Ia CIDH, instruyendo a todos los tribunales provinciales para que hagan césar con Ia urgência dei caso, toda eventual situación de agravamiento de Ia detención que importe un trato cruel, inhumano o degradante. Finalmente, Ia Corte resolvió cuestiones procesales relativas a Ia acumulación de acciones y de competência. 2.4. En otro conflicto de ribetes colectivos tramitado en el fuero penal, relativo a Ia situación de personas acusadas por hechos presuntamente cometidos antes de cumplir los 16 anos de edad y donde se alegaba Ia inconstitucionalidad dei regimen penal respectivo, en cuanto permitia Ia ilegítima privación de Ia libertad de los menores en cuestión, a pesar de no ser penalmente punibles, y se solicitaba consecuentemente Ia libertad de quienes se encontraban en tal situación y Ia extensión de Ia decisión hacia el futuro. Al tomar intervención Ia Câmara Nacional de Casación Penal, Sala III, convoco a una "mesa de dialogo" con intervención de Ia Fundación Sur que había promovido Ia demanda de amparo colectivo, autoridades dei gobierno nacional y de Ia Ciudad de Buenos Aires, y ai cabo se pronuncio declarando Ia inconstitucionalidad y ordenando Ia liberación progresiva de los detenidos en el término de noventa dias47. La CSN admitió el recurso extraordinário que se dedujo, suspendiendo Ia resolución recurrida y, finalmente, revocó Ia sentencia anterior destacando que si bien era cierto que no se había adecuado el texto vigente impugnado a Ia letra de Ia CN, y especialmente a Ia Convención sobre los Derechos dei Nino, ello no autorizaba sustituir por via pretoriana el regimen vigente, Io que implicaria invadir competencias propias de los otros poderes dei Estado. Decidió, en definitiva, requerir ai Poder Legislativo Ia modificación de Ia normativa para adecuarla a los estándares mínimos que surgen de los instrumentos internacionales de derechos humanos incorporados a Ia CN48. 2.5. Un activismo semejante vienen desplegando algunos tribunales de grado que asumen, aunque excepcionalmente, el manejo de conflictos de interés público adoptando en buena medida los lineamientos senalados por Ia CSN. En especial, en el marco de acciones colectivas que persiguen Ia tutela dei derecho a Ia salud y sus consectarios. Buen ejemplo de ello Io ofrecen Ias sentencias de Ias Cám.Nac.Cont.Adm. y Trib., CABA, Sala I, dei

45. Un amplio análisis, desde Ia perspectiva que estudiamos, puede verse en COURTIS C, Tutelo judicial efectiva..., ob. cit., pp. 1225 y ss. 46. "Lavado Diego j. y otros c. Província de Mendoza y otros", sentencias dei 6-9-2006, Falias, 329:3863; 13-2-2007, Faltos, 330:111; 20-3-2007, Faltos, 330:1135. Un análisis pormenorizado dei tratamiento dei caso, puede verse en GULLCO H., ob. cit., pp. 324-326.

47.Cam. Nac. Cãs. Penal, sala III, 11-12-2007, "Garcia Méndez Emilio y Musa Laura. Cristina", voto de Ia Dra. A. Ledesma. 48. CSN, 2-12-2008, Faltos, 331:2691.

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25-6-200749 y dei 23-12-200850. Esta última confirmo el pronunciamiento de primer grado, declarando procedente una acción de amparo colectivo incoada contra el Gobierno de Ia Ciudad Autónoma de Buenos Aires con el objeto de que se ordene Ia inmediata ejecución de diversas obras y actos necesarios para generar condiciones de seguridad y habitabilidad mínima en un hospital neuropsiquiátrico, como asimismo el establecimiento de un programa de reparación total de Ias condiciones edilicias. El tribunal, ai cabo de realizar sucesivas audiências publicas con Ia participación más amplia de Ias partes, como también de Ia Defensoría dei Pueblo, Ia Procuración General y el representante dei Ministério Público Tutelar, en Ias que se debatieron en profundidad Ias políticas públicas de salud mental y Ia situación dei nosocomio, tanto como Ia alegada imposibilidad presupuestaria invocada por el Estado, concluyó acogiendo el amparo colectivo. Resolvió que debía procederse por Ia Municipalidad a disenar un plan tendiente a dotar ai hospital público de condiciones de habitabilidad, llevando a cabo Ias obras, reparaciones y remodelaciones necesarias, de forma tal que se respete Ia dignidad de los pacientes y garantice su atención adecuada; a tal efecto debía presentar, en plazo perentorio, un cronograma de Ias distintas etapas y tareas que insumirá Ia ejecución de dicho plan; sin perjuicio de proveer a los pacientes de mobiliário y ropas adecuadas, implementar medidas de seguridad y otras prestaciones específicas.

3.

Los litígios de interés público en Ia experiência colombiana

La Corte Constitucional de Colômbia se ha destacado especialmente por su activismo en Ia protección de los derechos fundamentales colectivos, elaborando una rica doctrina jurisprudencial a partir de Ia interpretación de los preceptos de Ia Constitución Política de 1991 y el ejercicio dei control de constitucionalidad. El Alto Tribunal pergeno Ia doctrina dei "estado de cosas constitucional", según Ia cual Ia violación de los derechos fundamentales puede ser el resultado de falias estructurales en Ia prestación de un servicio, y no simplemente de arbitrariedad cometidapor un funcionário estatal, en cuyo caso se requiere de una acción mancomunada de vários poderes, incluyendo el Judicial, para resolver el problema y de esa manera proteger Ias garantias demandadas (sentencias SU-559 de 1997 y SU 225 de 1998). Doctrina que aplico, entre otros supuestos, cuando estaba 49. La Ley, 2007-E, p. 100, con nota de I.A.D'ARGENIO, La imposibi/idad de excusar Ia lesión de derechos humanos sobre Ia base de consideroción de índole presupuestaria... 50. Supl. La Ley Administrativo, feb. 2010, pp. 16 y ss., con nota de THEA F.G., Apuntes sobre el "litígio estructural" en Ia Ciudad de Buenos Aires.

en consideración Ia infrahumana condición de hacinamiento de Ias personas internas en los centros penitenciários de Colômbia, ordenando que se elaborara un plan de construcción y refacción carcelaria, el cual debía incorporarse ai plan de desarrollo (sentencia T-153 de 1998). Contemporaneamente, consagro Ia doctrina dei "mandado superior de erradicación de injusticias presentes", en desarrollo dei art. 13 de Ia aludida Carta, para proteger Ias situaciones humanas limite, producidas por Ia extrema pobreza e indigência que afectan Ia dignidad humana, en su "mínimo vital", autorizando Ia intervención de los jueces ante Ia desatención estatal (sentencia SU 225 de 1998)51. Recientemente, Ia Corte analizó diversas acciones vinculadas con el derecho a Ia salud, declarando Ia existência de numerosas violaciones en los veintidós casos presentados y ordeno a Ias autoridades sanitárias responsables Ia adopción de Ias medidas necesarias para solucionar Ias causas estructurales que producen Ia deficiente prestación de los servidos, incluyendo Ia unificación de los planes de salud (Plan Obligatorio de Salud), que carecían de sustentabilidad financiera y otros defectos estructurales (sentencia T-760 de 2008). El Ministério dei ramo procedió a presentar un nuevo plan de cobertura, unificado, cuya implementación comenzará en el ano 2014. Un supuesto notable, por Ia extraordinária complejidad de Ias cuestiones que abarca, ha sido el que involucra a los desplazados internos, una vastísima población itinerante que sufre el desarraigo de su desplazamiento territorial como consecuencia de Ia agudización de los conflictos armados, y que configuran situaciones de grave afectación de los derechos humanos, necesitadas de urgente atención de Ias entidades dei Estado52. En Ia sentencia T-025/04, Ia Corte intervino en una "megacausa", en Ia que declaro un estado de cosas inconstitucional, debido a Ias inconsistências y precariedad de Ia política estatal, ordenando a Ias autoridades nacionales reformular y clarificar Ias estratégias frente ai desplazamiento forzado, a fin de atender Ias necesidades básicas de esas poblaciones. En Ia parte dispositiva se incluyeron varias ordenes: se comunico el estado de cosas inconstitucional ai Consejo Nacional de Atención de Ia Población Desplazada, órgano encargado de formular Ia política y de garantizar

51. BALANTA MEDINA M.P., Eljuez como protagonista en Ia transformación de Ias políticas públicas en 30 Congreso Colombiano de Derecho Procesal, ULC, Bogotá, 2009, pp. 462-464. 52. Una descarnada y patética descripción de Ia tan compleja situación que aflije a Colômbia desde hace varias décadas, por Ia violência irracional de una guerrilla endémica y de Ias fuerzas paramiíitares insurgentes, asociadas todas ai narcotráfico, con Ia secuela de Ia apropiación ilegítima de Ias tierras que originara el desplazamiento masivo pobladonal, puede verse en VILLAMIL PORTILLA E., La independência judicial en Iberoamérica: una perspectiva colombiana. Judicatura y política en Derecho Procesal contemporâneo, coord. R. Tavolari Oliveros, ob. cit., v. l, pp. 73 y ss..

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Ia asignación presupuestaria para los programas respectivos, a fin que en esa instancia de determine Ia forma de superar Ia insuficiência de recursos y Ias falancias en Ia capacidad institucional. Asimismo, estableció un plazo para que dicho organismo defina Ia dimensión dei esfuerzo presupuestario requerido para atender los compromisos definidos en Ia política fijada y establezca Ia forma como contribuirán a ese esfuerzo Ia Nación, Ias entidades territoriales y Ia cooperación internacional. Comunico igualmente Ia decisión a los funcionários responsables. También dejo establecido que si después de fijar Ias pautas presupuestarias en cuestión, el Concejo concluye que los compromisos asumidos en Ia política estatal y definidos en Ia ley 387 de 1997 y otros documentos, no podrán ser cumplidos, en aras de los princípios de transparência y eficácia, podrá redefinir tales compromisos de tal modo que exista concordância entre Ias obligaciones jurídicas definidas mediante procesos democráticos por Ias autoridades competentes, y los recursos efectivamente destinados a cumplir tales obligaciones, por otro. Dicha redefinición deberá hacerse publicamente, ofreciendo oportunidad suficiente de participación a los representantes de Ias asociaciones de desplazados, y expresando Ias razones especificas que justifican tal decisión; sin que Ia afectación de derechos que resulte de Ias restricciones presupuestarias pueda ser discriminatória ni permanente o definitiva, debiendo en todo caso asegurarse el goce efectivo de los mínimos de los cuales depende el ejercicio dei derecho a Ia vida en condiciones de dignidad. La Corte determino, adernas, un amplio catálogo de derechos que se reconocen a los desplazados, que deberán ser inmediatamente respetados por Ia autoridad administrativa. La Sala Plena dei Tribunal asumió el seguimiento a Ia ejecución de Ias ordenes impartidas en Ia Sentencia T-025 de 2004 y autos de cumplimiento en marzo de 2009, para Io cual creó una Sala Especial de Seguimiento -SÉS- integrada por três magistrados, que mantendrá su competência hasta Ia superación dei estado de cosas inconstitucional declarado por Ia CG. La SÉS ha asumido três líneas de trabajo: 1) seguimiento a Ia reformulación e implementación eficaz de cada uno de los componentes de políticas públicas en atención integral a Ia población desplazada; 2) el fortalecimiento de Ia coordinación interinstítucional y Ia corresponsabilidad entre Ia Nación y Ias entidades territoriales; y 3) el enfoque diferencial en matéria de atención a mujeres, ninos, personas y comunidades indígenas, afrodescendientes, personas con discapacidad y de Ia tercera edad53. La ejecución de Ia sentencia de inconstitucionalidad quedo a cargo de SÉS, ante Ia persistência de Ia situación de vulneración de Ias garantias fundamentales

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por el estancamiento sistemático e integral en el goce efectivo de todos los derechos de Ias víctimas. La SÉS se centro en el estúdio de todos los antecedentes, Ia evolución y Ias posibles fórmulas de solución a los problemas detectados en Ia reformulación de los componentes de Ia política pública de atención y prevención ai desplazamiento forzado, entre ellos: prevención y protección, ayuda humanitária de emergência, salud, educación, vivienda, generación de ingresos, reubicación, reparación, etc. A esos fines, entre 2009 y 2010 convoco siete audiências públicas con distintas autoridades territoriales y dei gobierno nacional, diversas organizaciones de Ia sociedad civil, observadores nacionales e internacionales, representantes de los pueblos indígenas y de comunidades afrocolombianas. En el mismo lapso, Ia SÉS dictó numerosas resoluciones, especialmente medidas cautelares urgentes y de protección inmediata para Ia salvaguarda de derechos fundamentales de comunidades indígenas y afrocolombianas54. En Colômbia, se ha afirmado, Ia restitución de Ias tierras a los desplazados es un desafio de Ia justicia, y (sin embargo) esta carece de los elementos legales necesarios para revertir el proceso de desalojo y restituir a los (verdaderos) duenos, pues en Ia adquisición de Ias tierras por los nuevos duerios concurren, adernas de Ia violência, los dineros dei narcotráfico y los recursos públicos... Esta amalgama de fuentes impide en Ia práctica Ia reparación de Ias víctimas y se constituirá -se alerta- en una frustración en Ia que el aparato de justicia saldrá necesariamente deslegitimado ante Ia sociedad55. 111. EL FENÓMENO DE LA JUDICIALIZACIÓN DE LOS CONFLICTOS Y LA PARTICIPACIÓN DE LOS JUECES EN LÃS POLÍTICAS PÚBLICAS

1. Una visión comparativa y sociológica. A esta altura de nuestro discurso conviene introducirse desde una perspectiva amplia y abarcadora de Ias experiências que muestra el derecho comparado, en clave sociológica, ai multifacético fenómeno de Ia judicialización y su correlato de Ia intervención, en grados siempre diversos, de los jueces en Ia configuración de Ias políticas públicas. En realidad -como se ha sostenido56- existe un estrecho vínculo entre el rol y los espacios de poder atribuídos a los jueces en un sistema determinado, en puja con los que son propios de los otros poderes políticos, y Ia propia

54. VARGAS SILVA E., ob. cit.. 53. VARGAS SILVA E., El papel de Ia Corte Constitucional. La tragédia deldesplazamientoforzado, en Revista Judicial, Consejo de Ia Magistratura, Bogotá, junío de 2010, pp. 20-21.

55.VILLAMILPORTILLAE., ob. cit., p. 82. 56. DE SOUSA SANTOS B., Sociologia jurídica crítica, ILSA, Bogotá, 2009, pp. 422 y ss.

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concepción dei Estado contemporâneo en su evolución para adecuarse a Ias exigências de Ia sociedad.

2. Lãs vicisitudes de Ia ejecudón de Ia sentencia en un caso emblemático de Ia CSN.

El creciente protagonismo que los propios jueces vienen asumiendo y el activismo que desarrollan, son sintoma y ai mismo tiempo producto de una doble falência dei Estado que se deriva de Ia crisis dei Estado de bienestar y, por otro lado, de Ia declinación dei sistema democrático y representativo. Así, el mayor involucramiento de los jueces se verifica para contrarrestar los actos atentatórios de los princípios republicanos, como Ia falta de transparência de los negócios públicos, el menoscabo de Ia ética pública o el menosprecio dei principio de separación de poderes. Y, también, especialmente, para asegurar Ia efectividad de los derechos a Ia salud, a Ia seguridad social, y en general, de los derechos económicos, sociales y culturales, Ia protección de los consumidores y dei médio ambiente, ante Ia inércia dei Estado y su impotência para actuar positivamente en Ia aplicación de Ias políticas correspondientes y, aún, para proteger a los beneficiários contra los abusos de los terceros prestadores. Esa doble defección dei Estado, para algunos, ha inducido un hecho excepcional, una suerte de desplazamiento dei núcleo de legitimidad dei Estado, dei Poder Legislativo y dei Ejecutivo hacia el Poder Judicial, ahora dotado de legitimación democrática, Io que enfatiza más que nunca Ia necesidad de su independência funcional, como condición necesaria para el desempeno cabal de sus roles. Este fenómeno -sostiene el prestigio sociólogo lusitano Boaventura DE SOUSA SANTOS57 si bien puede ser transitório, apunta de todos modos a una nueva forma de Estado, superadora dei Estado de bienestar. Se trata de una tendência prácticamente universal, que se viene experimentado, claro que con distintas dimensiones y bajo sistemas diferentes de control de constitucionalidad, en los países centrales -EE.UU., Europa- ai igual que en los que se encuentran en desarrollo -como los Latinoamericanos- y aún en los periféricos. Se alerta, sin embargo, que Ia judicialización de Ia política puede derivar en una verdadera trampa para Ia justicia, atrapada en el dilema de tener toda Ia potencialidad para actuar, pêro un muy menguado poder para imponer a los poderes políticos que se cumplan sus decisiones, de modo que Ias expectativas dei activismo judicial pueden prontamente erosionarse, por exceder en mucho aquello que los tribunales pueden conseguir realmente58. 57. Ob. cit., pp. 425-426. 58. Ob. cit., pp. 426-428. Si algo evidencia el paradigmático caso de Ia SC norteamericana "Brown vs. Board of Education" es que hasta el tribunal más poderoso puede mostrarse relativamente impotente para alterar en concreto los patrones que rigen Ia vida de Ia sociedad (BARBOSA MOREIRA J.C., O poder da Suprema Corte..., en RePro, ns 155, 2008, pp. 123-124); o, si se quiere. Ias políticas públicas fijadas por los poderes políticos.

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3. El muy complejo caso "Beatriz Mendoza" en trâmite ante el Alto Tribunal muestra ai desnudo Ias dificultades extraordinárias que plantea Ia ejecución de Io decidido. El cumplimiento de Ias diversas obligaciones impuestas ai Estado Nacional, a Ia Província de Buenos Aires, a Ia Ciudad Autónoma y a Ia Autoridad de Ia Cuenca hídrica Matanza-Riachuelo (ACUMAR), por Ia sentencia de Ia Corte dei 8 de julio de 2008, viene sufriendo reiteradas postergaciones hasta Ia actualidad (abril de 2011), Ias que motivaran diversas resoluciones dei propio Tribunal y dei juez federal delegado tendientes a impulsar el trâmite de Ia satisfacción concreta. Al cabo de diversas vicisitudes, incluyendo Ia aplicación de sanciones pecuniárias a título de astreintes, a los funcionários renuentes, Ia Corte convoco a Ia audiência pública dei 16 de marzo de 2011, a Ia que concurrieron los representantes de los Estados involucrados, de Ia Autoridad de Ia Cuenca y de los organismos constitucionales de control y fiscalización, con Ia finalidad de que se ilustre oralmente sobre todas Ias circunstancias concernientes ai genuíno estado de cumplimiento de Ias mentadas obligaciones. El resultado de Ia audiência fue, en verdad, decepcionante, pues quedo en clara evidencia Ia falta de avances, no obstante los más de dos anos y médio transcurridos, en Ia concreción de los compromisos a cargo de todos y cada uno de los entes públicos involucrados. La contaminación ambiental ha seguido su curso; Ia ACUMAR se había comprometido a erradicar todos los basurales existentes ai cabo de dos anos, sin embargo ahora hay 68 basurales más que entonces. La capacidad de carga dei curso de agua sigue sobresaturada por Ia concentración de vertidos industriales contaminantes, mientras Ia Autoridad de Ia Cuenca apenas cuenta con 34 inspectores insuficientes para controlar Ias aproximadamente 14.000 empresas instaladas en los márgenes de Ia cuenca. No existen todavia datos de medición de Ia contaminación dei aire y agua; Io que es aún más dramático, un muestreo que ACUMAR realizo sobre aproximadamente 1.000 ninos y adolescentes que viven en Ia ribera, permitió detectar que el 90 por ciento tiene concentración de plomo en sangre, sin que existan programas de seguimiento de los afectados. Por anadidura, en Ia audiência surgieron sospechas sobre falta de transparência en el uso de los fondos asignados presupuestariamente. Solo un porcentaje ínfimo de dichos fondos pudo ser auditado por el Auditor General de Ia Nación. Los plazos de ejecución de Ias obras están desfasados y se ejecutó tan solo el 54 % dei préstamo otorgado por el BID en 1998 con destino ai saneamiento de Ia cuenca59. 59. "La Nación", Bs. As., 17 de marzo de 2011, p. 14.

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1. En ese contexto, una de Ias ventajas más notórias que ha de atribuirse genericamente ai activismo pretoriano es su contribución a Ia legitimación democrática de Ias decisiones y, con ello, a Ia dei propio Poder Judicial. En los procesos de interés público, en especial, el diálogo interinstitucional, Ia democracia deliberativa en el espacio público judicial, Ia participación comunitária en el debate transparente y bajo regias de paridad, su contribución a Ia construcción de Ias políticas públicas, con avances experimentales y métodos de control de Ia ejecución de Ias decisiones, no implican, tan solo novedosas técnicas e instituciones, sino que constituyen los soportes de base que permiten desempenar en plenitud Ia misión esencial que corresponde a los tribunales. Se trata, nada menos, de arbitrar entre intereses contrapuestos en conflictos de alto voltaje económico, social e institucional, donde los poderes políticos dei Estado son confrontados por importantes sectores de Ia sociedad que pujan por el reconocimiento, y sobre todo, por Ia efectividad en concreto, de sus derechos fundamentales, ante Ia renuencia o pasividad precisamente de aquellos. Semejante activismo aporta "visibilidad" a los conflictos colectivos, los expone colocándolos en un lugar destacado de Ia agenda política62, Io que implica un aporte fundamental a Ia democracia deliberativa.

Resulta notório que el activismo comprometido que viene desplegando Ia CSN en esta causa estelar, ai igual que en otras ya mencionadas, acompanado por algunos tribunales inferiores, no se compadece con Ia inércia de los poderes políticos en general, que han demostrado escaso interés en modificar sus tradicionales posturas desdenosas o, cuanto menos, inoperantes, en el cumplimiento de Ias obligaciones puestas a su cargo. A Io cual se suma, en los últimos tiempos, una cada vez más baja institucionalidad republicana, que desdibuja el rol de los poderes y mengua ostensiblemente Ia eficácia de su ejercicio. El desenlace dei tan plausible experimentalismo que viene practicando el Alto Tribunal no puede sino generar, hoy por hoy, fundados temores.

de ocupar una plaza activa en Ia satisfacción dei bien común y que, con su accionar, alimentan Ia "demanda social acumulada"60, que expresan sus reclamos ante los tribunales, a falta de respuestas de los demás poderes. Lo no menos novedoso es Ia potencialidad institucional dei Poder Judicial que, una vez impelido, se torna un espado privilegiado para el discurso democrático, un "motor de democracia" participativa61.

Ante este tan frustratorio como descorazonante panorama, Ia Corte fijó una nueva audiência pública para el l de junio de 2011 a fin que los funcionários responsables amplíen sus manifestaciones sobre aspectos en que Ia gestión dei plan integral resulta morosa y aclaren el manejo y destino de los fondos asignados. Para ese entonces habrán transcurrido infructuosamente casi três anos de dictado el pronunciamiento dei tribunal.

IV. LÃS VENTAJAS Y DESAFÍOS QUE PLANTEA EL CRECIENTE ACTIVISMO JUDICIAL EN LOS CONFLICTOS DE INTERÉS PÚBLICO

El activismo judicial encuentra su cauce propicio en el campo de Ia tutela de los derechos fundamentales y, particularmente, en los asuntos de interés público, donde Ias ventajas que ofrece superan largamente los defectos y dificultades que pueda traer consigo. Como actitud de los jueces, está inescindiblemente ligado a un sentido progresista, evolutivo y transformador que insuflan a Ias decisiones, siempre enderezadas a Ia obtención de una finalidad trascendente a tono con los valores esenciales compartidos en Ia comunidad. Claro que el mayor protagonismo que se reclama de los jueces, que presupone Ias correlativas responsabilidades políticas y sociales, conduce a generar un nuevo equilíbrio en Ias funciones públicas, en Ia participación dei poder "compartido" como nunca antes con los estamentos políticos de origen representativo. Sin embargo, esa más pronunciada ingerência judicial no solo responde a Ias exigências derivadas dei ensanchamiento de Ias misiones dei omnipresente "Estado benefactor" que compromete por igual a todos los poderes que Io integran, sino también, y no menos principalmente, a Ia cada vez mayor y más pronunciada participación social de base. Son los diversos grupos y asociaciones de todo tipo que proliferan en Ia sociedad, deseosos

Otras fortalezas que se derivan que semejante exposición pública, con su puesta en escena, es que obliga a todos los partícipes a tratar con mayor seriedad los derechos fundamentales, en especial cuando se trata de los más sensibles, por su natural vulnerabilidad y Ia cuota de sufrimiento que su vulneración siempre apareja. La superioridad que supone el tratamiento judicial de los conflictos de interés público se manifiesta, por otra parte, en punto ai avance en el desarrollo progresivo de los derechos fundamentales, implícito habitualmente en Ia agenda que disefian los tribunales superiores. Más aún, semejante activismo posibilita un diálogo permanente que no solo enlaza a los poderes dei Estado durante el curso dei proceso y aún durante Ia etapa de 60. LORENZETTI R.L., ob. cit., pp. 239-243.. 61.ZANETTI JÚNIOR H., Processo constitucional..., ob. cit., p. 46. 62. LORENZETTI R.L, ob. cit., pp. 239-240.

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ejecución, sino también a los propios ciudadanos y a Ias organizaciones de Ia sociedad civil, posibilitando una participación cooperativa en los asuntos públicos63.

cada momento histórico existen para que tal acentuado rol protagónico pueda razonablemente florecer65.

2. Bien que semejante modelo exhibe ciertas debilidades y flaquezas, que se tornan notórias no solo en el terreno dei debate institucional, cuando se perfila ai poder que integran los jueces como tipicamente "contramayoritario" de cara a Ia fuente de legitimación, formalmente democrática, que enarbolan por oposición los demás poderes nacidos de Ia soberania popular. Sin necesidad de ahondar en semejante conflicto, ni en los argumentos que se despliegan para salvar tales objeciones, Io cierto es que, y aún desde una perspectiva favorable ai activismo de los jueces, sus ínsitas debilidades refiuyen y quedan ai desnudo, en todo caso, en el momento crucial -"Ia hora de Ia verdad"- que es el de Ia ejecución de Ias decisiones judiciales. Adernas de ello, resulta claro que los jueces carecen de capacidades indispensables, en términos de conocimientos especializados, para inmiscuirse en cuestiones propias de Ia administración. Como que otras de sus notórias debilidades provienen de los limitados recursos -humanos, organizacionales, presupuestarios- con los que cuenta el Poder Judicial para asumir una agenda más o menos nutrida de conflictos de interés público. Para atenderlos eficazmente, debería terminar organizando gabinetes de expertos que, en definitiva, vendrían a sustituir innecesariamente Ia burocracia de Ia propia administración, reproduciendo vícios similares a los que trata de enmendar. Como se ha senalado agudamente64, Ia avocación permanente dei Poder Judicial respecto de asuntos que sustancialmente no Io conciernen puede conducir a una deformación que es el "populismo judicial", que produce ampulosas sentencias declarativas que concitan Ia atención pública, aunque despreocupadas de su escaso o nulo impacto real, con el consiguiente desprestigio de Ia magistratura. 3. La invocación común, para sustentar Ias ventajas dei litígio de interés público, de Ia experiência de Ia Corte Warren a mediados dei siglo anterior, pone en evidencia un aspecto clave, recurrente en Ia discusión en torno de los poderes de los jueces para Ia promoción de câmbios estructurales en Ia sociedad, cual es el de Ias circunstancias tan singulares dei contexto en que aquel modelo activista por antonomásia pudo darse. De ahí que sea necesario alertar sobre Ia necesidad de bucear en Ias posibilidades reales que, en cada país, y en

Es precisamente por ello que ha podido afirmarse con acierto que el activismo no constituye una regia permanente, sino más bien el resultado de Ia conjugación de i una serie de variables que interactúan bajo ciertas circunstancias66, entre ellas y adernas de Ia persistência de una "demanda social acumulada" e insatisfecha, por Ia omisión de los otros poderes, un contexto de amplia independência de los magistrados y fortaleza dei poder jurisdiccional67 y, especialmente aún, Ia existência de un marco institucional adecuado -una alta institucionalidad, por el funcionamiento pleno de Ias instituciones de Ia Constitución democrática-. 4. El involucramiento de los jueces en tales conflictos, en definitiva, presupone Ia asunción de ingentes riesgos que pueden engendrar en los hechos motivos graves de desprestigio dei propio Poder Judicial, atrapado entre Ia inutilidad dei esfuerzo y los flacos resultados obtenidos. No se trata, sin embargo, de rehuír el desafio por complejo que sea, porque se defraudaria a Ia sociedad que vê en Ia jurisdicción ai último baluarte de Ia tutela efectiva de los derechos. Claro que Ia autoridad de los jueces no surge de ninguna peculiar superioridad moral como estamento, sino en todo caso de los limites de Ia función a través de Ia cual ejercen el poder68. La judicatura suscita respeto porque está aislada de Ia política e implicada en un diálogo especial con Ia sociedad. Los jueces están obligados a escuchar reclamos, a canalizados a través de un proceso dialógico, a asumir responsabilidades personales por sus decisiones y a justificarias con base en razones socialmente aceptables. Esa es Ia fuente de su legitimidad y autoridad. La función judicial tiene un contenido esencialmente público, más (o adernas) que resolver conflictos consiste en dar significado y expresión concretos a los valores públicos contenidos en el derecho, es decir los que definen una sociedad y lê confieren su identidad y coherencia69.

65. Así, en relación a Ias circunstancias brasilenas se ha senalado que Ia actual realidad institucional exhibe muchos problemas que condicionarían posturas semejantes (THEODORO JÚNIOR H., NUNES D. y BAHÍA A., ob. cit., pp. 12-14). De ahí que Ia propuesta sea comenzar a discutir con mucha seriedad Ias cuestiones que plantea Ia litigancia de interés público, con Ia prevención por Ia eventual utilización temerária (p. 50). 66. LORENZETTI R.L., ob. cit., pp. 237-238. 67. Sobre Ia independência judicial y Ia lucha de los jueces colombianos en defensa de Ia democracia: VILLAMIL PORTILLA E., ob. cit., pp. 78 y ss..

63. LORENZETTI R.L, ob. cit, pp. 340-341.

68. FISS O., ob. cit., pp. 17 y ss., 34.

64. LORENZETTI R.L., ob. cit., p. 242.

69. FISS O, ob. cit., pp. 18, 19, 23, 26 y ss., 30, 78, 88.

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En esa misión superior, Ia virtud de Ia prudência debe guiar a los jueces para evitar inmiscuirse indebidamente en Ia confrontación de Ias políticas públicas, invadiendo esferas de poder por principio reservadas y propias de los poderes políticos. El Poder Judicial no tiene Ia tarea de imponer políticas públicas, sino de confrontar el disefio de políticas asumidas por los poderes políticos con los estándares jurídicos aplicables y -en caso de hallar divergências- reenviar Ia cuestión a los poderes competentes70. Aún en los conflictos de interés público, en los que se reconoce a los tribunales poderes de dirección e instrucción exorbitantes, donde Ia transparência, el método dialogai y Ia participación ciudadana refuerzan su legitimidad formal y aún sustantiva, Ia proyección de Ias decisiones para influir de algún modo en Ia construcción de Ias políticas públicas deben ser cuidadosamente sopesadas y confrontadas de cara a sus consecuencias previsibles. En ese delicado equilíbrio, el rol judicial no está encaminado a sustituir Ia voluntad de Ias mayorías sino en todo caso a asegurar los procedimientos a través de los cuales se expresan, sosteniendo Ias regias de juego institucionales71. Todos los tribunales, y especialmente los superiores, han de ser celosos custódios de Ias garantias fundamentales y, para su aseguramiento en concreto, como integrantes de un verdadero y propio poder estatal, influyen y participan en Ia construcción de Ias políticas públicas, de consuno con los poderes políticos, de modo articulado y no confrontativo, en términos de un virtuoso "diálogo" interinstitucional. De Ia racionalidad como Io hagan depende el juicio y Ia valoración última e inapelable, que siempre corresponde a Ia comunidad.

EL REMÉDIO ESTRUCTURAL DE LA CAUSA "MENDOZA". ANTECEDENTES, PRINCIPALES CARACTERÍSTICAS Y ALGUNAS CUESTIONES PLANTEADAS DURANTE LOS PRIMEROS TRÊS ANOS DE SU IMPLEMENTACIÓN Francisco Verbic1

Sumário: I. Introducción; II. Ubicándonos en el contexto; 1. Algo de historia y de Ia problemática social detrás dei caso; 2. Antecedentes relevantes de Ia causa prévios ai dictado de Ia sentencia de fondo (I): Ia decisión dei 20/06/06, Ias audiências públicas celebradas en Ia CSJN y Ia intervención de Ia Universidad de Buenos Aires como experto; 3. Antecedentes relevantes de Ia causa prévios ai dictado de Ia sentencia de fondo (II): Ia intervención de terceros que pretendieron influir en el alcance de Io discutido; 4. Antecedentes relevantes de Ia causa prévios a! dictado de Ia sentencia de fondo (III): creación de Ia Autoridad de Cuenca Matanza-Riachuelo(ACUMAR); III. La sentencia de fondo y e! remédio estructural; 1. Principales características de Ia sentencia de condena y conteriido dei programa de saneamiento; 2. Delegación de Ia ejecución en el Juzgado Federal de Quilmes; 3. Mecanismos de contrai y participación ciudadana en el procedimiento de ejecución. Rol de Ia Auditoria General y dei Defensor dei Pueblo de Ia Nación; IV. Ejecución de Ia sentencia (i): cuestiones de competência, asignaciones presupuestarias y responsabilidad personal de los funcionários actuantes; 1. Ale ance de Ia intervención dei Ministério Público Fiscal; 2. Responsabilidad personal de los funcionários actuantes; 3. Cuestiones de competência (I); 4. Cuestiones

1. Abogado (UNLP, 2001), Especialista en Derecho Procesal Profundizado (UNA, 2005), Especialista en Derecho Civil (UNLP, 2008) y Magíster en Estúdios de Derecho Internacional (NYU, 2011). Relator Delegado de Ia Asesoría General de Gobierno de Ia Província de Buenos Aires. Profesor Adjunto Ordinário de Ia Procesal de dicha Facultad. Profesor Invitado en diversas carreras de Posgrado en Argentina y Brasil.

71. LORENZETTI R.L., ob. cit., pp. 243-244.

Facultad de Ciências Jurídicas y Sociales de Ia UNLP y Secretario Académico de Ia Maestria en Derecho

70.ABRAMOVICH V., ob. cit. pp. 449.

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de competência (II); 5. Asignaciones presupuestarias: el pedido dei juez de Ia

y evitar mayores danos futuros. A tal fin, por un lado describiré los contornos dei programa que fijó Ia Corte en dicho pronunciamiento para guiar Ias acciones de los Estados demandados; y por el otro analizaré los mecanismos de participación ciudadana allí incorporados con Ia finalidad de monitorear Ia ejecución dei programa, así como también el rol asignado ai Defensor dei Pueblo de Ia Nación y a Ia Auditoria General de Ia Nación. Asimismo, analizaré los alcances de Ia delegación que realizo Ia CSJN en un juez federal de primera instancia para llevar adelante Ia ejecución dei mencionado programa. Debe tenerse en cuenta desde el inicio que este remédio estructural es algo completamente novedoso en el ordenamiento jurídico argentino.3

ejecución; 6. Questiones de competência (III). Resolución de Ias divergências interpretativas con carácter general; V. Ejecución de Ia sentencia (ii): monitoreo de Ia ejecución e impulso de oficio por Ia CSJN ante Ia falta de avances adecuados; l, La solicitud de un informe circunstanciado; 2. Nuevas directrices para el juez de Ia ejecución y énfasis en Ia responsabilidad personal de los funcionários actuantes; 3. La citación a una nueva audiência pública; VI. Conclusiones; Bibliografia

l.

INTRODUCCIÓN

Este trabajo tiene por objeto analizar el remédio procesal ideado por Ia Corte Suprema de Justicia de Ia Nación (en adelante "CSJN", "Ia Corte" o "el Tribunal") ai dictar sentencia definitiva en Ia causa "Mendoza, Beatriz y ots. cl Estando Nacional y ots. s/ Danos y Perjuicios",2 así como también presentar algunas de Ias cuestiones que se generaron con motivo de Ia implementación de tal decisión durante los primeros três anos transcurridos a partir de su dictado. El análisis está dividido en cuatro partes principales. En Ia Parte II describiré Ia problemática general involucrada detrás de este proceso ambiental y los antecedentes de Ia causa que derivaron en el dictado dei pronunciamiento dei 8 de Júlio de 2008 (en adelante "sentencia de fondo"). Como veremos, en esta sentencia Ia CSJN resolvió solo una parte de Ia pretensión planteada, más precisamente aquélla que se refiere a Ia prevención de mayores danos futuros y a Ia recomposición dei médio ambiente en cuanto bien colectivo vulnerado. El remédio estructural fue pensado exclusivamente para dar respuesta a esa porción de Ia pretensión actora, mientras que numerosas pretensiones conexas fueron derivadas a otros cauces procesales, o bien se encuentran aun pendientes de resolver en esta misma causa. El conflicto social detrás dei caso y el alcance dei problema, el deslinde entre Ias distintas pretensiones, Ia definición de competencias para entender en tales asuntos y Ia intervención de terceros que pretendieron influir en el alcance de Io discutido son algunos de los puntos que serán considerados en esta parte dei trabajo. La idea es poner el tema en contexto para lograr un mejor entendimiento de por quê y como Ia CSJN llegó a dictar Ia novedosa sentencia estructural en el ano 2008. En Ia Parte III me detendré a explicar Ias principales características dei remédio establecido por Ia CSJN para recomponer el médio ambiente 2. CSJN, causa M.1569.XL.

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En Ias Partes IV y V pasaré revista a los pronunciamientos interlocutorios de mayor relevância dictados con posterioridad a Ia sentencia de fondo para monitorear el proceso de ejecución y para resolver distintos tipos de dificultades allí suscitadas. Entre los asuntos que provocaron Ia intervención de Ia CSJN pueden mencionarse: (i) Ia definición dei grado de participación que debe asumir ai Ministério Público de Ia Nación en el trâmite de ejecución de Ia sentencia; (ii) Ia responsabilidad personal de los funcionários de turno frente ai incumplimiento de Ias mandas contenidas en el programa; (iii) planteos de competência de diversa naturaleza; (iv) problemas para deslindar canales recursivos, Io cual también derivo en planteos de competência; y (v) falta de avance razonable en los objetivos trazados, Io que llevó a Ia propia CSJN a monitorear e impulsar de oficio Ia ejecución dei programa. El análisis de estos pronunciamientos - más aun, podría decirse que su mismo dictado- demuestra el carácter flexible y en algún punto experimental de este tipo de remédios estructurales en Ia República Argentina. Asimismo, demuestra el compromiso asumido por Ia CSJN para enfrentar una problemática sumamente compleja que involucra en algún punto una participación directa (si bien limitada) dei Poder Judicial en Ia marcha de Ia administración. Una vez finalizadas Ias cuatro partes principales dei trabajo, presentaré algunas conclusiones relacionadas con el caso "Mendoza" y también una breve reflexión sobre Ia necesidad de avanzar en Ia discusión de marcos conceptuales y normativos adecuados para permitir el desarrollo de este tipo de remédios judiciales en el ordenamiento jurídico argentino. 3. El único antecedente relevante en matéria de litígio estructural está configurado por Ia causa "Verbitsky", en Ia cual se discuten ias condiciones de detención en Ia Provinda de Buenos Aires. Para mayor información ver el sitio web dei Centro de Estúdios Legales y Sociales.

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II. 1.

UBICÁNDONOS EN EL CONTEXTO

EL REMÉDIO ESTRUCTURAL DE LA CAUSA "MENDOZA" • Francisco Verbic

químicos (tales como arsénico, cádmio, plomo, mercúrio, cromo y cianuro) y contaminantes orgânicos (en particular, hidrocarburos aromáticos, DDT y coliformes).

Algo de historia y de Ia problemática social detrás dei caso

Adernas de ser el litígio estructural más complejo de Ia República Argentina, es importante tener en cuenta que "Mendoza" representa Ia judicialización de una problemática ambiental y social muy profunda que tiene sus más remotos antecedentes a comienzos dei siglo XIX. Es por ello que, como bien senala Spirito, en el análisis dei caso no puede dejarse de lado el carácter acumulativo de Ia contaminación de Ia región. En este sentido, dicho autor recuerda que en 1801 ya existían 31 saladeros ubicados sobre Ias márgenes dei Riachuelo y que en 1871 los médios periodísticos describieron ai Riachuelo como un rio "que no tiene ni el color ni el olor dei agua, sino color a putrefacción y sangre" (Spirito, 2010). Más aún, Ia cuestión ambiental que hoy se discute en el expediente fue también motivo de planteos judiciales por aquel tiempo, aunque con distintos argumentos. Lo que debe quedar en claro es que el problema de Ia contaminación en Ia zona, producto de Ia mencionada acumulación de contaminación a Io largo de numerosas décadas, es crítico y atraviesa horizontalmente diversas áreas de política pública. Sucede que, adernas dei dano ai médio ambiente (bien tutelado por Ia Constitución Nacional en su art. 41 desde Ia reforma de 1994), es posible advertir que el conflicto involucra cuestiones relacionadas con infraestructura sanitária, salud, vivienda, trabajo y navegabilidad, entre otras. Para poder tomar real dimensión dei asunto vale Ia pena detenerse por un momento en algunos números. La Cuenca Matanza-Riachuelo tiene 64 km. de largo y 35 km. de ancho, alcanzando una superfície total de aproximadamente 2.250 km. cuadrados. En esta región residen más de 5.000.000 de personas, Io cual representa aproximadamente un 13% de Ia población de toda Ia República Argentina. De ese número de personas, más de Ia mitad carecen de acceso a un sistema de cloacas, una tercera parte carece de acceso a agua potable, y 500.000 residen en asentamientos sumamente precários sobre el margen dei rio. De acuerdo con relevamientos oficiales, hasta el 28 de febrero de 2011 se han empadronado 19.727 industrias radicadas en Ia zona.4 En Io que hace a Ia contaminación propiamente dicha, en el curso de agua se encontraron 8.500 toneladas de hierro, 67 barcos abandonados, 17 cascos de barcos hundidos, contaminantes

4. Al 12 de mayo de 2011 el 60,97% de dicha base de datos había sido ya inspeccionado.

Antes de abordar los alcances de Ia demanda y algunos de los antecedentes judiciales que derivaron en el dictado de Ia sentencia de fondo, cabe senalar que existieron algunos intentos gubernamentales para solucionar el problema. T ai vez el mejor ejemplo de tales intentos está configurado por Ia creación de "Comité Ejecutor dei Plan de Gestión Ambiental y de Manejo de Ia Cuenca Hídrica Matanza Riachuelo" en el afio 1995. Este Comité era un órgano integrado por representantes de los três principales Estados que posteriormente fueran demandados en el caso "Mendoza" (Estado Nacional, Província de Buenos Aires y Ciudad Autónoma de Buenos Aires), y debía ocuparse de implementar el Plan de Gestión Ambiental y de Manejo de Ia Cuenca Hídrica Matanza-Riachuelo por entonces vigente, así como también de poner en marcha los esquemas institucionales allí establecidos para buscar respuestas a Ia problemática. Dicho Comité, que fracasó rotundamente en su misión, puede considerarse como el antecedente directo de Ia Autoridad de Cuenca Matanza-Riachuelo (ACUMAR) creada por Ley N° 26.168. Como veremos, esta ley fue sancionada poço menos de 5 meses después dei dictado de Ia primera sentencia en el caso "Mendoza". Volveré sobre ella más adelante, detengámonos primero en algunas de Ias características salientes de este proceso judicial 2.

Antecedentes relevantes de Ia causa prévios ai dictado de Ia sentencia de fondo (I): Ia decisión dei 20/06/06, Ias audiências públicas celebradas en Ia CSJN y Ia intervención de Ia Universidad de Buenos Aires como experto

La demanda que inicio Ia causa "Mendoza" fue promovida por un grupo de personas que vivia en Ia zona contaminada. El caso fue iniciado en instancia originaria de Ia CSJN contra el Estado Nacional, Ia Província de Buenos Aires, Ia Ciudad Autónoma de Buenos Aires y cuarenta y cuatro empresas radicadas en Ia zona. Con posterioridad a ello, como veremos, también fueron demandados 14 Municípios de Ia Província de Buenos Aires. Entre los objetos perseguidos por Ia demanda se encontraban los siguientes: (i) reparación de los danos y perjuicios ambientales de tipo colectivo emergentes de Ia contaminación de Ia cuenca dei rio Matanza-Riachuelo; (ii) creación de un fondo público para reparar los danos individuales homogéneos ocasionados a Ias víctimas y llevar adelante acciones tendientes a modificar Ia situación; (iii) obtención de una orden para que el Poder Ejecutivo Nacional 291

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EL REMÉDIO ESTRUCTURAL DE LA CAUSA "MENDOZA" • Francisco Verbic

reanude y continue con ai ejecución dei Plan de Gestión Ambiental de Manejo de Ia Cuenca Hídrica Matanza-Riachuelo; (iv) implementación de medidas urgentes para atender Ia salud de Ia población riberena de Ia cuenca; y (v) anotación de litis para impedir que Ias empresas demandadas se insolventen a fin de evitar enfrentar una eventual condena pecuniária en su contra.

oportunidad para Ia parte actora a fin de mejorar su demanda mediante el aporte de Ia informacion faltante, puesta de resalto en Ia propia sentencia.

Al dictar Ia primera sentencia de Ia causa el 20/06/06, Ia CSJN formulo un distingo entre dos tipos de pretensiones incorporadas en Ia demanda. Pretensiones cuya acumulación en un mismo proceso considero inadmisible. Así, Ia Corte abrió Ias puertas de su competência originaria solo respecto dei "dano de incidência colectiva" por ser el "único reglado y alcanzado" por Ia Ley General dei Ambiente N° 25.675. Los derechos individuales de Ias personas afectadas, por el contrario, debían canalizarse ante los jueces correspondientes de acuerdo con el território y de conformidad con Ias normas dei proceso individual. Sentada esta distinción, Ia Corte puso de resalto numerosas deficiências dei escrito de demanda que, a su juicio, hacían que no hubiera informacion adecuada para obtener Io que buscaban los actores.5 Con fundamento en esta falta de informacion, y asumiendo un rol activo poças veces visto antes (si es que alguna vez), Ia Corte no rechazó Ia demanda sino que tomo una serie de importantes medidas instructorias y ordenatorias con el objeto de poder avanzar en Ia resolución dei conflicto. Entre ellas se destacan Ias siguientes: (i) pedido de informes a Ias empresas demandadas sobre diversos aspectos relacionados con el caso;6 (ii) requerimiento a los três Estados demandados y ai COFEMA (Consejo Federal de Médio Ambiente) para que presenten un plan integrado que contemple diversas actividades orientadas a solucionar el conflicto;7 (iii) citación a una audiência pública para que Ias partes informen oralmente ai Tribunal sobre dicho plan integrado; y (iv) concesión de una

5. Entre ellas, que tal escrito: (i) no contiene descripción precisa dei nexo causal; (ii) no describe adecuadamente el grado de incapacidad ni Ia entidad de Ias lesiones sufridas por Ias personas afectadas; (iii) no ilustra ai tribunal aspectos esenciales sobre Ia cuestión litigiosa; (iv) no se basa en estúdios actualizados; (v) no aporta elemento alguno para sustentar Ia pretensión de crear el fondo reclamado; y (vi) no aporta elemento alguno que permita identificar el objeto de Ia obra que solicita se realice para indemnizarei dano moral colectivo. 6. Punto IV de Ia parte resolutiva: "1. Líquidos que arrojan ai rio, su volumen, cantidad y descripción. 2. Si existen sistemas de tratamiento de los resíduos. 3. Si tienen seguros contratados en los términos dei art. 22 de Ia ley 25.675".. 7. Según el punto V de Ia parte resolutiva el plan integrado debía contener: "1. Un ordenamiento ambiental dei território. 2. El contrai sobre el desarrollo de Ias actividades antrópicos. 3. Estúdio de impacto ambiental de Ias cuarenta y cuatro empresas involucradas, y si no los tuviera, los requerirá en formo inmediata. 4. Un programa de educación ambiental. 5. Un programa de informacion ambiental pública a todo el que Ia requieraf especialmente los ciudadanos dei área territorial involucrada".

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Dos meses después dei dictado de esta decisión, en fecha 30/08/06 Ia Corte dictó una nueva sentencia por médio de Ia cual resolvió diversos pedidos de intervención de terceros (tema que abordaré en el apartado siguiente) y dictó un regiamente ad hoc paia Ia audiência pública a desarrollarse. En primer lugar, dicho reglamento formula aclaraciones sobre el objeto de Ia audiência. En este sentido, con respecto a Ias empresas senala que Ia informacion que pretende obtenerse es aquella de carácter público relativa a Ias "medidas concretas de prevención y recomposición dei dano ambiental colectivo"? En Io que hace a los Estados demandados y ai COFEMA, destaco que el objeto era una "sucinta exposición" dei plan integrado que había ordenado elaborar y presentar. En segundo lugar, el Reglamento establece pautas de trâmite tales como Ia necesidad de presentar Ia informacion en forma escrita con anterioridad a Ia audiência, el orden de exposición y el modo en que serían distribuídos los tiempos de Ias partes, Ia facultad dei Tribunal de formular preguntas y pedir explicaciones, Ia cantidad de lugares disponibles para Ias partes en Ia sala donde habría de desarrollarse Ia audiência, y Ia posibilidad de que asista ai acto el periodismo. Una segunda audiência pública tuvo lugar el 20/02/07, esta vez con Ia exclusiva finalidad de que los três Estados principales demandados informaran ante Ia CSJN sobre: (i) Ias medidas adoptadas y cumplidas hasta Ia fecha en matéria de prevención, recomposición y auditoria ambiental; (ii) Ias atinentes a Ia evaluación de impacto ambiental respecto de Ias empresas demandadas; y (iii) Ias acciones llevadas a cabo con relación ai sector industrial, poblacional y con Ia atención y prevención en matéria de salud. En Io que hace ai trâmite de esta audiência, Ia Corte utilizo el mismo reglamento establecido en Ia sentencia dei 30/08/06. Los resultados no fueron los esperados por el Tribunal. Ello puede inferirse dei hecho que, tan solo três dias después de celebrada dicha audiência, Ia CSJN dictó un breve pronunciamiento en el cual senaló que estimaba apropiado "contar con elementos cognoscitivos de los que carece"paia dictar sentencia sobre el fondo dei asunto. En razón de ello hizo uso nuevamente de sus facultades instructorias y ordeno Ia intervención de Ia Universidad de Buenos Aires (UBÁ) a fin de que informe ai Tribunal sobre Ia factibilidad de diversos puntos dei

La Corte justifico Ia necesidad de esta aclaración en los siguientes términos: "En razón de que no está constituída Ia litis, ai no haberse corrido traslado de Ia demanda, y para no afectar el derecho de defensa, Ia informacion que se solicita es Ia que resulta pública. De tal modo, el contenido de Ia audiência será limitado a Ia exposición sobre temas de informacion pública concernientes a Ia contamínación dei ambiente" (punto 1.2 dei Reglamento).

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plan presentado por los demandados y realice Ias observaciones o recornendaciones que estime necesarias. No solo eso, sino que -una vez presentado el informe por parte de Ia UBÁ- Ia Corte volvió a fijar una audiência pública convocando a Ias partes y a los terceros intervinientes para que expresen Ias observaciones que estimaran conducentes tanto con respecto ai Plan Integrado presentado por los demandados como en relación ai informe de factibilidad presentado por dicha Universidad Nacional. Esta última audiência fue uno de los hitos más relevantes en Ia causa hasta el dictado de Ia sentencia de fondo. Sentencia en Ia cual, como veremos en el acápite III de este trabajo, Ia CSJN se refirió expresamente a Ia falta de aportes de ambas partes como el principal argumento para sostener su competência a fin de dictar el Plan Integral de Saneamiento que actualmente se encuentra en plena ejecución.

3.

terceros en Ia causa debido a que sus fines estatutários guardaban necesaria vinculación con Ia pretensión ventilada en el expediente.9 Para este momento, entonces, el caso contaba con Ia participación de catorce indivíduos afectados, el Defensor dei Pueblo de Ia Nación y cuatro asociaciones civiles integrando el polo activo de Ia relación procesal, por un lado, y cuarenta y cuatro empresas, el Estado Nacional, Ia Provincia de Buenos Aires y Ia Ciudad Autónoma de Buenos Aires integrando el polo pasivo de Ia relación procesal, por el otro. Sin lugar a dudas, un proceso extremadamente complejo. Y fue esta complejidad Ia que llevó a Ia Corte a poner limites a nuevas intervenciones a través de Ia decisión dei 20/03/07. En esta ocasión se trataba de otra asociación civil y setenta personas afectadas que buscaban participar como terceros en Ia causa. La Corte, por ajustada mayoría, aceptó Ia intervención de todos ellos pêro aclaro que no permitiria ninguna más en el futuro por entender que los derechos de Ia parte actora se encontraban suficientemente representados. La disidencia, por el contrario, propuso rechazar de plano Ias intervenciones solicitadas para evitar que el proceso continuara complejizándose y pudiera afectar Ia posibilidad de brindar una tutela efectiva para el caso.

Antecedentes relevantes de Ia causa prévios ai dictado de Ia sentencia de fondo (II): Ia intervención de terceros que pretendieron influir en el alcance de Io discutido

En fecha 24/08/06 Ia CSJN resolvió un pedido dei Defensor dei Pueblo de Ia Nación por médio dei cual este pretendia ampliar demanda contra catorce Municípios. La Corte rechazó tal pretensión por considerar que de otro modo se infringiria el "preciso alcance subjetivo" que los actores habían dado ai caso. A pesar de Ia fuerte participación que el Tribunal había tenido en Ia gestión dei proceso hasta ese momento, ai resolver esta petición aquél sostuvo que Ia morigeración de ciertos princípios vigentes en el proceso civil tradicional y Ia flexibilización de Ias formas rituales en asuntos de esta naturaleza no era fundamento suficiente para permitir Ia introducción de peticiones que exijan apartarse de "regias procedimentales esenciales" ~y que -de ser admitidas- terminarían por convertir ai proceso en una "actuación anárquica" que impediria el ejercicio de una tutela jurisdiccional adecuada. De este modo, Ia CSJN rechazó el pedido de ampliación de demanda pêro reconoció ai Defensor dei Pueblo Ia posibilidad de participar en Ia discusión en carácter de tercero.

Antes de continuar cabe destacar que finalmente los catorce municípios fueron incorporados ai proceso como demandados, aunque para ello fue necesario que Ia parte actora originaria ampliara su demanda en los términos dei art. 331 dei Código Procesal Civil y Comercial de Ia Nación. 4.

Antecedentes relevantes de Ia causa prévios ai dictado de Ia sentencia de fondo (III): creación de Ia Autoridad de Cuenca Matanza-Riachuelo (ACUMAR)

Como fuera adelantado, Ia ACUMAR es un ente interjurisdiccional de derecho público creado poço menos de cinco meses después dei dictado de Ia sentencia dei 20/06/06. Fue establecido en el âmbito de Ia Secretaria de Ambiente y Desarrollo Sustentable de Ia Jefatura de Gabinete de Ministros de Ia Nación y está compuesto por ocho miembros: dos por Ia Provincia de Buenos Aires, dos por Ia Ciudad Autónoma de Buenos Aires y três por el Estado Nacional, adernas dei titular de Ia mencionada Secretaria de Ambiente y Desarrollo Sustentable (quien adernas ejerce su presidência).

Una semana después, en fecha 30/08/06, Ia Corte rechazó otro planteo similar, esta vez formulado por siete asociaciones civiles que pretendían citar como terceros a los mismos catorce Municípios con respecto a los cuales el Defensor dei Pueblo busco ampliar demanday ai CEAMSE (Coordinación Ecológica Área Metropolitana Sociedad dei Estado). Asimismo, estas asociaciones buscaban incorporar nuevas cuestiones ai debate. Luego de analizar el estatuto de tales organizaciones para definir si estaban habilitadas para formular estos planteos, Ia Corte reconoció a cuatro de ellas Ia posibilidad de participar como

9. Fundación Ambiente y Recursos Naturales (FARN), Fundación Greenpeace Argentina, Asociación Civil Centro de Estúdios Legales y Sociales (CELS) y Asociación Vecinos de Ia Boca (consid. 2a). Por falta de esa "necesaria i//nav/ac/ón"fue rechazada de plano Ia intervención de Fundación Metropolitana, Fundación Ciudad y Poder Ciudadano.

294

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De acuerdo con su ley de creación N° 26.168, Ia ACUMAR tiene por competência regular, controlar y fomentar actividades industriales, Ia prestación de servicios públicos y cualquier otra actividad con incidência ambiental en Ia cuenca. Asimismo, se encuentra facultada a intervenir administrativamente en matéria de prevención, saneamiento, recomposición y utilización racional de los recursos naturales (art. 5).

l que se produzcan mayores danos en el futuro.10 Según explico Ia propia Corte, í Ia condena y tales medidas son consideradas como parte de un "mandato de cumplimiento obligatorio para los demandados" cuyo contenido específico fue diagramado por el propio tribunal en uso de Ias atribuciones conferidas por Ia Constitución Nacional y Ia Ley General dei Ambiente N° 25.675. Llama Ia atención que si bien Ia Corte invoco Ia Constitución Nacional y Ia Ley General dei Ambiente como fundamento de su competência para determinar el contenido dei mandato, ai mismo tiempo evito citar artículo alguno de tales normas o especificar a quê princípios o directrices políticas de Ias comprendidas en aquéllas estaba haciendo alusión. Tampoco se encuentra en Ia sentencia algún tipo de cita doctrinaria o jurisprudencial (local o extranjera) que pueda ser de utilidad como fuente de referencia. No obstante, como se ha senalado desde Ia doctrina, es posible advertir que Ia estructura y el objeto de Ia decisión comulgan en gran medida con los contornos que adquieren Ias structural injunctions ' en el sistema estadounidense (Verbic, 2008).

En otro orden, vale senalar que adernas de encontrarse autorizada para dictar sus reglamentos de organización interna y de operación, Ia ACUMAR cuenta con el apoyo de dos cuerpos creados por Ia misma Ley N° 26.168 en sus arts. 3 y 4 para operar dentro de su âmbito: (i) un Consejo Municipal, integrado por un representante de cada Municipio de Ias jurisdicciones comprendidas y que tiene por objeto cooperar, asistir y asesorar ai ente; y (ii) una Comisión de Participación Social integrada por representantes de organizaciones dei tercer sector con interés en el área y que tiene por objeto cumplir funciones consultivas. Por último, tenemos que Ia Ley N° 26.168 dispuso también Ia creación de un "Fondo de Compensación Ambiental" para ser administrado por Ia ACUMAP, y destinado prioritariamente "a Ia p^ul^dún de los derechos humanos y ala prevención, mitigación y recomposición de los danos ambientales" (art. 9). Según veremos a continuación, Ia ACUMAR fue el ente condenado por Ia CSJN en Ia sentencia de fondo (sin perjuicio de Ia responsabilidad concurrente dei Estado Nacional, Ia Província de Buenos Aires y Ia Ciudad Autónoma de Buenos Aires).

De acuerdo con Io que se desprende de Ia sentencia, Ia decisión de esvcicmus a cuiilinuacin encontr fundamento en Ia falta de aportes precisos de Ias partes con relación a Ias medidas que correspondia tomar para cumplir con Io pedido.11 El contenido de este mandato fue estrictamente delimitado por Ia Corte, quien se ocupo de subrayar que su sentencia "se orienta hacia el futuro" y se circunscribe a fijar "critérios generales" para cumplir con el objeto de Ia pretensión. En este punto puede advertirse una consciente autorrestricción de parte de Ia CSJN, quien puso de manifiesto expresamente Ia necesidad de evitar un avance indebido sobre Ia esfera de actuación de los otros poderes dei Estado. Es por ello que el

III. LA SENTENCIA DE FONDO Y EL REMÉDIO ESTRUCTURAL

La sentencia de fondo resolvió el mérito de solo una de Ias pretensiones promovidas por Ia parte actora. Más precisamente, de aquella que persigue como objeto Ia recomposición dei ambiente y Ia prevención de nuevos danos en el futuro (esto es, Ia pretensión de objeto indivisible). Al hacerlo estableció una serie de cuestiones novedosas que serán presentadas y brevemente analizadas por separado a continuación.

10. En el consid. 16" Ia Corte explica que "Ia autoridad obiigada a Ia ejecución dei programa, que asumirá Ias responsabilidades ante todo incumplimiento o demora en ejecutar los objetívos que se precisarán, es Ia Autoridad de Cuenca que contempla Ia ley 26.168. Ello, sin perjuicio de mantener intacta en cabeza dei Estado Nacional, de Ia Provinda de Buenos Aires y de Ia Ciudad Autónoma de Buenos Aires, Ia responsabilidad que primariamente lês corresponde en función dei asentamiento territorial de Ia cuenca hídrica y de Ias obligaciones impuestas en matéria ambiental por disposiciones específicas de Ia Constitución Nacional recordadas por esta Corte desde su primera intervención en el mentado pronunciamiento dei 20 dejunio de 2006, como así también de Ias normas superiores de carácter local dei estado bonaerense y de Ia ciudad autónoma demandada". 11. "Con relación ai plan integral para el saneamiento de Ia cuenca Matanza-Kiachueio presentado por

1.

Principales características de Ia sentencia de condena y contenido dei programa de saneamiento

Ia parte demandada se han realizado audiências y dictámenes que evidencian deficiências que este

Por médio de esta sentencia Ia CSJN condeno a Ia ACUMAR, ai Estado Nacional, Ia Ciudad de Buenos Aires y Ia Província de Buenos Aires a tomar diversas medidas con Ia finalidad de recomponer el médio ambiente y evitar

no hay una elaboración actualizada sino una reedición de documentos que existían con anterioridad y que datan de vários anos. También han existido dificultades para conocer datos objetivos, públicos

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Tribunal debe tener en cuenta. De todo ese proceso, descripto en los considerandos anteriores, surge que existen importantes diferencias entre Ias distintas versiones presentadas, y que en muchos aspectos

y mensurables sobre Ias distintas situaciones existentes, Io cual ha sido agravado por Ia dispersión de lasfuentes de información y Ia falta de una terminologia homogénea" (consid. 15").

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mandato obligatorio dejó en manos de los demandados Ia elección de Ias acciones concretas que fueran necesarias para cumplir los objetivos allí trazados. Los critérios generales fijados por Ia Corte fueron precisados como integrantes de un "programa" que fue considerado como necesario para garantizar Ia eficácia en Ia implementación de Ia sentencia. Lãs principales características dei contenido de dicho programa fueron resumidas por Ia CSJN en los siguientes términos: "un comportamiento definido conprecisión técnica, Ia identificación de un sujeto obligado ai cumplimiento, Ia existência de índices objetivos que permitem el contrai periódico de sus resultados y una amplia participación en el contrai". Entre los contenidos dei programa detallados en el consid. 17° de Ia sentencia encontramos los siguientes: (i) Três objetivos simultâneos a cumplir, consistentes en Ia mejora de calidad de vida de los habitantes de Ia cuenca, Ia recomposición dei ambiente en Ia cuenca en todos sus componentes (agua, aire y suelos), y Ia prevención de danos con suficiente y razonable grado de predicción.12 (ii) La obligación de organizar un sistema de información pública digital via internet "para el público en general", que de modo concentrado, claro y accesible contenga todos los datos actualizados que habían sido solicitados en una resolución anterior.13 En matéria de contaminación de origen industrial, Ia obligación de realizar inspecciones en todas Ias empresas radicadas en Ia cuenca Matanza-Riachuelo, identificar aquellas que se consideren agentes contaminantes, intimar a todas Ias empresas identificadas como agentes contaminantes para que presenten a Ia autoridad competente el correspondiente plan de tratamiento, considerar y resolver -por parte de Ia ACUMAR- Ia viabilidad de dichos planes de tratamiento, ordenar a Ias empresas que no hayan obtenido aprobación de un plan el cese de su actividad contaminante, adoptar medidas de clausura o traslado, poner en conocimiento de Ias empresas Ias líneas de créditos existentes y disponibles a tales efectos, presentar en forma pública -actualizada trimestralmente- informes sobre el estado dei agua y Ias napas subterrâneas, adernas de Ia calidad dei aire de Ia cuenca, presentar -también en forma pública, detallada y fundada- un proyecto de reconversión 12. Para medir el nivel de cumplimiento de esos objetivos Ia Corte indico que Ia ACUMAR "deberá adoptar alguno de los sistemas internacionales de medición que se encuentran disponibles e informar ai tribuna! competente para Ia ejecución de esta sentencia en un plozo de 90 (noventa) dias habites". Asimismo, estableció que "elincumplimiento de Ia orden dentro dei p/azo establecido, importará Ia aplicación de una multa diária a cargo dei presidente de Ia Autoridad de Cuenca". 13. Sentencia dei 22/08/2007.

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industrial y relocalización en el marco dei Acta Acuerdo dei Plan de acción conjunta para Ia adecuación ambiental dei polo petroquímico de Dock Sud, y finalmente presentar en forma pública el estado de avance y estimación de plazos de Ias iniciativas previstas en un Convénio Marco suscripto para ser ejecutado en el contexto de Ia cuenca. (ii) En matéria de saneamiento de basurales, el deber de asegurar Ia ejecución de Ias medidas necesarias para impedir que se sigan volcando resíduos en los basurales - legales o clandestinos- que serán cerrados, para implementar el programa de prevención de formación de nuevos basurales a cielo abierto presentado ante Ia Corte en el marco de Ia causa, para erradicar Ias habitaciones sobre los basurales e impedir Ia instalación de nuevas. Asimismo, debe ordenar Ia erradicación, limpieza y cierre de todos los basurales ilegales relevados por Ia ACUMAR, y concretar el plan de Gestión Integral de los Resíduos Sólidos Urbanos (GIRSU) presentado ante Ia Corte. (iii) Con relación a Ia limpieza de márgenes de rio, Ia obligación de informar "enforma pública, de modo detallado y fundado" sobre Ia finalización de Ia etapa de desratización, limpieza y desmalezado de cuatro sectores específicos que habían sido individualizados en el plan presentado por los demandados, así como también sobre el avance de Ias obras públicas para transformar Ia ribera en un área parquizada. En Io que hace a Ias tareas de expansión dei servicio de agua potable, . desagúes pluviales y saneamiento cloacal, establece Ia obligación de informar s\e el plan de ampliación de Ias obras de captación, tratamiento y distribución a cargo de AySA (Aguas y Saneamientos Argentinos) y dei Ente Nacional de Obras Hídricas de Saneamiento (Enohsa), así como también sobre el plan de obras respecto de Ias últimos dos cuestiones. (iv)Por último, el programa contiene un mandato dirigido a establecer un plan sanitário de emergência habida cuenta el incumplimiento de diversos informes que fueran solicitados en el curso dei proceso. En particular, se exigió Ia realización de un mapa sociodemográfico y encuestas de factores ambientales de riesgo a los efectos de determinar Ia población en situación de riesgo, elaborar un diagnóstico de base para deslindar enfermedades provocadas por Ia contaminación y aquellas que no Io son, elaborar un sistema de registro y base de datos de acceso público que incluya Ias patologias detectadas en Ia Cuenca. Asimismo, Ia Corte solicito especificar Ias medidas de vigilância epidemiológicas adoptadas en Ia zona de emergência. Antes de seguir adelante vale senalar dos cuestiones. La primera es que todas estas medidas fueron dispuestas para ser cumplidas en plazos que varían

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í

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entre los 30 dias y l ano. Más alia de Ia urgência en solucionar el asunto, especialmente debido ai riesgo a Ia salud que enfrentan Ias personas que viven en Ia zona afectada, el paso dei tiempo demostro que tales plazos eran abiertamente inadecuados a Ia luz de Ia complejidad de Ia problemática de fondo y de Ia realidad burocrática de los Estados condenados. De hecho, esta complejidad fue Ia que llevó a Ia presentación y posterior reformulación de un plan de saneamiento que es el que actualmente gobierna Ias tareas desarrolladas por los demandados para cumplir con Ia manda de Ia CSJN.

tanto para rendir cuentas de su actuación como para obtener Ia remoción de cualquier obstáculo que encuentren en el cumplimiento de su cometido y que exceda los poderes que lê fueran otorgados para actuar (Taruffo, 1990). Si bien se trata de un recurso de carácter excepcional, Ia utilización de estos auxiliares apareja importantes ventajas para los magistrados ya que -sin perder el poder de dirección y control sobre el asunto- impide que su tarea cotidiana resulte absorbida por Ia gestión que exige el cumplimiento de Ia decisión (Verbic, 2007:361). Tan es así que algunos han considerado Ia designación de este tipo de funcionários como un verdadero mecanismo para "crear tiempo judicial" (Brazil-Hazard, 1983). Si bien Ia figura nació como una creación jurisprudencial, en Ia actualidad cuenta con una regulación bastante detallada en Ia Regia 53 de procedimiento federal, reformada en el ano 2003. Antes de Ia sanción de Ias Federal Rules of Civil Procedure en el ano 1938, Ias cortes federales estaban ya facultadas para designar special masters y definir sus deberes para el caso (Ferleger, 2004).

La segunda cuestión es que Ia intimación ai cumplimiento de todas esas medidas fue dispuesta por Ia CSJN bajo un apercibimiento bastante particular: una multa diária en cabeza dei presidente de Ia ACUMAR. Esto es, bajo responsabilidad personal de dicho funcionário (según veremos más adelante, esta medida de coerción dio lugar a uno de los primeros planteos que Ia Corte debió resolver con posterioridad ai dictado de Ia sentencia). 2.

Delegación de Ia ejecución en el Juzgado Federal de Quilmes

La Corte delego el proceso de ejecución de sentencia en el Juzgado Federal de Primera Instancia de Quilmes, a quien también faculto para fijar el valor de Ias multas diárias derivadas dei incumplimiento dei programa. Esta delegación configura uno de los aspectos más novedosos dei fallo. Según se desprende de Ia sentencia, Ias razones que llevaron a Ia Corte a tomar esta decisión fueron três: (i) Ias dificultades e incidências procesales que con seguridad se presentarían durante el cumplimiento de Ias numerosas mandas contenidas en el programa; (ii) Ia necesidad de mantener Ia racionalidad de Ia agenda de casos que debe manejar; y (iii) Ia búsqueda de un mayor grado de inmediación entre Ia magistratura y Ias partes. La CSJN también se refirió en su sentencia a Ia importância de evitar intromisiones e interferências que impidan el cumplimiento dei mandato, e invistió ai mencionado Juzgado de Primera Instancia con Ia competência exclusiva para intervenir en Ia revisión judicial de Ias decisiones de Ia ACUMAR. Esta última medida fue tomada con Ia finalidad de procurar uniformidad y consistência en Ia interpretación de Ias cuestiones que pudieran suscitarse en el trâmite de Ia ejecución. Este aspecto de Ia decisión encuentra algunos antecedentes en el derecho comparado, especialmente en los tribunales estadounidenses donde podemos encontrar a los denominados "oficiales de Ia Corte" (officers ofthe Court). Tales funcionários tienen por misión llevar adelante o controlar personalmente Ias tareas que sean necesarias para cumplir con Io dispuesto en Ia sentencia (Taruffo, 1988). Operan bajo Ia dirección de k Corte y a ella deben acudir 300

3.

Mecanismos de control y paríicipación ciudadana en el procedimiento de ejecución. Rol de Ia Auditoria General y dei Defensor dei Pueblo de Ia Nación

La CSJN estableció un sistema de monitoreo y control sobre Ia ejecución de Ia sentencia, el cual es ejercido con una fuerte participación de organizaciones no gubernamentales. Por un lado, el tribunal designo a Ia Auditoria General de Ia Nación como encargada de controlar especificamente Ia asignación de fondos y Ia ejecución presupuestaria de todo Io que tenga relación con el programa. Asimismo, autorizo ai juez de Ia ejecución para presentar ante dicho organismo de control cualquier cuestionamiento que estime necesario con relación ai control presupuestario y a su ejecución. Por otro lado, y esta vez con el declarado objetivo de fortalecer Ia participación ciudadana en esta causa judicial, Ia Corte designo ai Defensor dei Pueblo de Ia Nación como coordinador de un cuerpo colegiado a conformarse con Ias distintas organizaciones no gubernamentales que estaban por entonces ya presentadas en Ia causa (sobre como fueron incorporadas ai proceso me remito a Io explicado en Ia parte II de este trabajo). Este cuerpo colegiado tiene por objeto: (i) recoger sugerencias de Ia ciudadanía y darles el trâmite adecuado; : (ii) recibir información; y (iii) formular planteos concretos ante Ia ACUMAR para el mejor logro de los objetivos trazados en el programa. Cabe destacar que el Defensor dei Pueblo ya estaba para ese entonces muy involucrado con el problema de fondo que se discute en el proceso debido a 301

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EL REMÉDIO ESTRUCTURAL DE LA CAUSA "MENDOZA" • Francisco Verbic

1.

Este mecanismo de participación configura sin lugar a dudas otra de Ias novedades más interesantes de Ia sentencia. Adernas, cobra particular importância en cuanto extiende ai campo judicial un derecho ya reconocido a los ciudadanos por Ia Ley General dei Ambiente N° 25.675, aunque exclusivamente para participar en sede administrativa.15

torios para resolver distintos tipos de dificultades encontradas en el trâmite de ejecución.

anteriores actividades relacionadas con el caso.14 En cumplimiento de Ia manda judicial, esta figura creó el Cuerpo Colegiado y aprobó su reglamento interno de funcionamiento por médio de Ia Resolución N° 100/08.

Procesos colectivos como el que dio lugar a Ia sentencia de fondo generan un espacio de resonancia social propicio para el desarrollo de Ia participación ciudadana en Ia toma de decisiones (Marinoni, 2003.16 Teniendo esto presente, puede sostenerse que Ia participación dei tercer sector en Ia forma descripta ha provocado Io que Berizonce dio en denominar una "saludable oxigenación" dei proceso judicial (Berizonce, 1988). IV. EJECUCIÓN DE LA SENTENCIA (l): CUESTIONES DE COMPETÊNCIA, ASIGNACIONES PRESUPUESTARIAS Y RESPONSABILIDAD PERSONAL DE LOS FUNCIONÁRIOS ACTUANTES

Como adelanté en Ia introducción de este trabajo, con posterioridad a Ia sentencia de fondo Ia CSJN dictó una serie de pronunciamientos interlocu14. Al ya mencionado "Informe Especial sobre Io Cuenca Matanza-Riachuelo", 2003 deben sumarse Ias diversas recomendaciones formuladas por el Defensor dei Pueblo que tuvieron origen en dicho informe. Entre Ias más importantes se cuentan Ias contenidas en Ias resoludones N° 31/2003,112/2003,43/2006, 44/2006,46/2006,47/2006 y 48/2006. Asimismo, el Defensor dei Pueblo coordinó un segundo informe especial sobre el tema denominado "Informe Especial de Seguimiento Cuenca Matanza-Riachuelo", también disponible online. 15. En su parte pertinente Ia Ley General dei Ambiente N° 25.675 establece Io siguiente: "ARTICULO 19. Toda persona tiene derecho a ser consultada y a opinar en procedimientos administrativos que se relacionen con Ia preservación y protecdón dei ambiente, que sean de incidência general o particular, y de alcance general". "ARTICULO 20. Lãs autoridades deberán institucionalizar procedimientos de consultas o audiências públicas como instancias obligatorias para Ia autorización de aquellas actividades que puedan generar efectos negativos y significativos sobre el ambiente. La opinión u objeción de los participantes no será vinculante para Ias autoridades convocantes; pêro en caso de que estas presenten opinión contraria a los resultados alcanzados en Ia audiência o consulta pública deberán fundamentaria y haceria pública". "ARTICULO 21. La participación ciudadana deberá asegurarse, principalmente, en los procedimientos de evaluación de impacto ambiental y en los planes y programas de ordenamíento ambiental dei território, en particular, en Ias etapas de planificación y evaluación de resultados". 16. Esta característica de los procesos colectivos no es exclusiva de aquellos que versan sobre matéria ambiental. En este sentido creo que el mejor ejemplo-y uno de los antecedentes más relevantes en Ia jurisprudência argentina en matéria de reforma estructura!- puede verse en el caso "Verbitsky", donde se discute sobre Ias condiciones dei sistema penitenciário de Ia Província de Buenos Aires.

Alcance de Ia intervención dei Ministério Público Fiscal

Dos meses después dei dictado de Ia sentencia de fondo surgió una de Ias primeras cuestiones de relevância a resolver. El Procurador General de Ia Nación dirigió una comunicación a Ia CSJN con dos objetivos. En primer lugar, destacar que no se lê había otorgado participación con carácter prévio ai dictado de Ia sentencia. Esta participación, a su modo de ver, era obligatoria para preservar Ias funciones y competencias que lê otorga Ia Constitución Nacional (art. 120). En segundo lugar, el Procurador solicito a Ia CSJN que haga saber ai juez federal de Quilmes Ia improcedência de su participación en el trâmite de Ia ejecución de Ia sentencia (pedido que se disparo con motivo de una citación cursada ai Procurador por dicho juez federal para que participara en una audiência). Con respecto ai primer cuestionamiento, que de alguna manera hubiera puesto en tela de juicio Ia legitimidad de Ia decisión en cuanto acto procesal válido, Ia CSJN senaló que este conto con "Ia participación que corresponde con arreglo a los textos normativos aplicables y ala actuación que voluntariamente tomo dicho órgano". Ello así toda vez que no se presentaba en el proceso planteo de inconstitucionalidad alguno, ni se habían íntroducido cuestiones relativas a Ia distribución de competencias entre el Estado Nacional y los estados locales. Por el contrario, el tribunal enfatizo que el asunto versaba sobre cuestiones de hecho y sobre "Ia definición de mandatos prestacionales y regias para Ia actuación procesal ulterior". Este tipo de cuestiones, como bien sostuvo Ia Corte, no requieren dictamen prévio dei Ministério Público Fiscal con arreglo a Ias atribuciones reconocidas a dicho órgano en el art. 33 inc. "a", de Ia Ley N° 24.946. Asimismo, Ia CSJN recordo que el Ministério Público Fiscal cuenta con importantes atribuciones para intervenir en causas relacionadas con Ia prevención y remediación dei médio ambiente, encontrándose autorizado a intervenir como parte en dichos procesos de acuerdo con Io dispuesto por el art. 41, inc. "a", de Ia Ley N° 24.946. Facultad de participar que el Procurador no ejerció en el caso "a pesar de haber sido notificado dei trâmite conferido a este asunto y de Ia excepcional difusión pública con que conto este proceso". En Io que se refiere a los alcances de Ia intervención que cabe ai Ministério Público en el trâmite de ejecución de Ia sentencia, Ia CSJN sostuvo lacónicamente que su participación "está reglada por los supuestos que contemplan 303

302

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los arts. 25, 39 y 41 de Ia ley 24.946 y, que de corresponder, Ia intervención será otorgada ai representante que corresponda por razón dei grado, matéria y território".

2.

Responsabilidad personal de los funcionários actuantes

Un segundo obstáculo a sortear para avanzar con Ia ejecución fue planteado por quien ocupaba por entonces el cargo de Secretaria de Ambiente y Desarrollo Sustentable, órgano de Ia administración pública nacional con résponsabilidad primaria en matéria ambiental. Vale recordar aqui que, tal como fuera senalado en Ia Parte II de este trabajo, de acuerdo con Ia estructura de Ia ACUMAR el Secretario de Médio Ambiente y Desarrollo Sustentable es -ai mismo tiempo- Presidente de Ia Autoridad de Cuenca. En este último carácter, Ia funcionaria solicito a Ia CSJN una aclaratoria de diversos aspectos de Ia sentencia de fondo. Entre ellos se encontraba el alcance de Ia responsabilidad que fue fijada personalmente en su cabeza. En echa 12/'8/'8 Ia CSJN rechazó de plano el planteo ai senalar que Ia decisión era "suficientemente clara" y no había incurrido en errores materiales u omisiones que pudieran dar lugar a una nueva intervención de su parte (arts. 36, inc. 6°, y 166, inc. 2° CPCCN). Asimismo, destaco que el planteo también era inadmisible por cuanto pretendia revisar Ia sustancia de Ia decisión sobre Ia responsabilidad asignada a Ia Presidenta de Ia Autoridad de Cuenca.

4.

En el marco de Ia misma denuncia que origino el planteo resuelto por sentencia dei 28/04/09, Ia CSJN debió tratar nuevamente un planteo de incompetência promovido por los sujetos involucrados en dicho expediente. En esta oportunidad el juez federal de Quilmes remitió ai tribunal Ia totalidad de Ias actuaciones y, una vez más, Ia CSJN resolvió en fecha 11/06/09 y por mayoría que no correspondia su intervención ya que "no se presenta Ia situación especialmente contemplada en el considerando 21 dei pronunciamiento dictado el ocho de julio de 2008" ni cualquier otra de Ias que "con carácter general el art. 24, inc. 7° dei decreto-ley 1285/58 somete a conocimiento dei Tribunal". De este modo, el pronunciamiento ratifica el critério sentado en Ia decisión dei 28/04/09. Más aun, en el voto de los Dres. Lorenzetti y Fayt pueden encontrarse algunas precisiones que sirven de guia respecto dei tema en discusión. Dichos ministros senalaron que Ia competência asignada ai Juzgado Federal de Quilmes a raiz de Io decidido por Ia CSJN en Ia sentencia de fondo (consid. 20° y 21°) en principio corresponde, por razones de conexidad, a los delitos de naturaleza ambiental que afecten tierra, agua y aire dei território de Ia cuenca, así como también a aquellos en que los hechos demuestren un alzamiento, desobediência o resistência a cumplir Ias ordenes que Ia propia Corte fijara en el pronunciamiento de fondo.17

5. 3.

Cuestiones de competência (I)

Ya en el mês de abril de 2009, Ia CSJN rechazó una cuestión de competência promovida por el juez federal de Quilmes con motivo de una denuncia realizada ante sus estrados. La decisión de Ia CSJN no permite vislumbrar cuál era el contenido de dicha denuncia. Sin perjuicio de ello, en esta breve sentencia interlocutoria Ia CSJN no solo senaló que no existia un "adecuado planteamiento de Ia cuestión de competência", sino que también sostuvo que no se observaban razones "en los términos dei art. 24, inc. 7°, dei decreto ley 1285/58 y dei pronuncíamiento dictado el ocho de julio de 2008" que "justifiquen Ia intervención que se promueve". De este modo el tribunal confirmo que Ias previsiones contenidas en Ia sentencia de fondo relativas a asignación de competencias entre órganos judiciales serían consideradas, en el exclusivo marco de este proceso, como fuente de derecho ai mismo nivel que Ias disposiciones reglamentarias ordinárias. 304

CUESTIONES DE COMPETÊNCIA (II)

Asignaciones presupuestarias: el pedido dei juez de Ia ejecución

Poço antes de cumplirse un ano dei dictado dei pronunciamiento de fondo, en fecha 07/07/09 el Juez de Primera Instancia a cargo de Ia ejecución dictó una sentencia en Ia cual -entre otras cosas- ordeno a Ias áreas de economia de los Estados que componen Ia ACUMAR (recordemos, Estado Nacional, Província de Buenos Aires, Ciudad de Buenos Aires) que aseguren los fondos necesarios para el efectivo cumplimiento de Ias mandas allí contenidas. 18 Contra dicho

17. La disidencia de Highton de Nolasco, mientras tanto, considero que correspondia tener por configurada Ia cuestión de competência y tomar intervención en el pedido. Ello así por tratarse de "una situación que podría resultar frustratoria de Io decidido por esta Corte en Ia sentencia dictada en esta causa" en virtud dei "grave riesgo institucional comprometido" en Ia denuncia que origino el planteo. 18. El Punto VII de Ia parte resolutiva dispone "Hacer saber a Ias carteras económicas dei Estado Nacional, Provinda de Buenos Aires y Ciudad Autónoma de Buenos Aires, que deberán asegurar los fondos necesarios para cumplimiento de los objetivos dei fallo en ejecución, en especial para dotar de los recursos humanos y materiales a los distintos componentes internos de Ia Autoridad de Cuenca Matanza Riachuelo (ACUMAR) -principalmente los relacionados con el contrai industrial y Ia salud pública-, conforme Io esbozado en el Considerando 27° de Ia presente resolución".

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pronunciamiento se interpuso un recurso extraordinário federal por parte de Ia Ciudad Autónoma de Buenos Aires, por médio dei cual se pretendia revocar tal pronunciamiento a fin de que fuera solo el Estado Nacional quien proveyera recursos para integrar el fondo de compensación ambiental previsto en el art. 9° inciso e) de Ia Ley N° 26.168 (ley de creación de Ia ACUMAR). El recurso fue rechazado por médio de Ia decisión de fecha 07/08/2009. En esta sentencia el juez federal de Quilmes recordo que, según Io dispuesto por Ia citada norma, entre los recursos que conforman el fondo se cuentan "otros recursos que lê asigne el Estado Nacional, Ia Provinda de Buenos Aires y el gobierno Ia Ciudad Autónoma de Buenos Aires". En virtud de ello, según Ia sentencia "no caben dudas" que Ia composición económica de dicho Fondo no incluye solo asignaciones presupuestarias dei Estado Nacional. Más alia de Ia claridad de los fundamentos que sostienen el rechazo dei recurso interpuesto, esta decisión contiene algunas precisiones que van en línea con Ias directrices fundamentales que subyacen en el pronunciamiento de fondo. Entre ellas vale destacar Ia mención de que en matéria ambiental "se hace imprescindible enfocar Ias disposiciones de Ia ejecución de Ia sentencia en Ia eficácia dei procedimiento ejecutorio, para Io cual, Ia actuaciónpro activa de los Jueces en casos ambientales se hace absolutamente necesaria". En Ia misma línea, el juez sostuvo que su actuación en esta etapa de ejecución "debe manejarse con critérios de previsibilidad y de conformidad con los postulados emanados por los princípios generales de Ia Ley General dei Ambiente N° 26.675".19 Esta premisa puede verse reflejada en como Ia decisión subraya Ia importância de resolver el asunto en discusión ya que "en corto tiempo los poderes legislativos de los Estados intervinientes, someterán a votación el presupuesto anual para el ano 2010". Por último, vale Ia pena destacar que el juez mantuvo una adecuada prudência para no inmiscuirse en competencias que son propias dei poder ejecutivo de cada uno de los Estados involucrados. En tal sentido, para rechazar Ia tacha de arbitrariedad invocada en el recurso extraordinário el magistrado sostuvo que estaba ordenando a Ia administración que cumpla un objetivo (aseguramiento de los fondos) sin decirle como "ya que los médios para hacerlo son ajenos ai pronunciamiento jurisdiccional". Asimismo, destaco que no había lugar para dudas en cuanto a que Ia decisión impugnada respetaba "absolutamente Ia frontera constitucional, sin avanzar en Ia definición de los procedimientos". 19. Entre ellos Ia sentencia menciona los siguientes: "congruência, prevención, precaución, equidad intergeneracional, progresividad, responsabilidad, subsidiaridad, sustentabilidad, solidarídad y cooperación".

6.

EL REMÉDIO ESTRUCTURAL DE LA CAUSA "MENDOZA" • Francisco Verbic

Cuestiones de competência (III). Resolución de Ias divergências interpretativas con carácter general

Ya hacia fines dei ano 2009, más precisamente el 10/11/09, Ia CSJN volvió a dictar un pronunciamiento de tipo ordenatorio en el marco de Ia causa. La razón que motivo Ia intervención dei tribunal en esta oportunidad fueron Ias "divergências interpretativas" que se habían generado para entonces entre tribunales de distinta naturaleza, sede y grado acerca dei alcance de Ias regias recursivas y de competência establecidas en Ia sentencia de fondo. Tales divergências eran evidentes a Ia luz dei gran número de jueces federales y provinciales que habían elevado a Ia CSJN expedientes en los cuales: (i) se tomaron decisiones inhibitorias en matéria de competência; o (ii) se consultaba directamente a dicho tribunal acerca de Ias diversas vias procesales que deben transitar los planteos y peticiones acumuladas en el proceso. Con Ia finalidad declarada de evitar el planteo de conflictos de competência "que comprometen directamente Ia pronta terminación de los procesos", Ia CSJN tomo intervención con el declarado objetivo de definir cuestiones concernientes a Ia competência reglada en el pronunciamiento de fondo. En primer lugar, Ia CSJN recordo que, en matéria no penal, Ias cuestiones sometidas a competência dei Juzgado Federal de Quilmes pueden agruparse en três categorias, a saber: (i) cuestiones relacionadas con Ia ejecución de Ia sentencia, especificamente con el cumplimiento de los mandatos referidos a Ia prevención y recomposición dei médio ambiente que fueron incluídos en el programa diagramado en el pronunciamiento de fondo; (ii) planteos promovidos con el objeto de obtener Ia revisión judicial de Ias decisiones tomadas por Ia ACUMAR; y (iii) litígios relativos a Ia ejecución dei plan, por acumulación; y, por radicación, aquellas acciones colectivas que tengan por objeto una controvérsia sobre el mismo bien jurídico (aun cuando el actor y Ia causa petendi sean diferentes, tal como sostuviera en el pronunciamiento de fondo). La Corte senaló que Ias dos primeras categorias no dieron lugar a grandes complicaciones, mientras que Ia tercera es Ia que género Ias interpretaciones divergentes que justificaron esta nueva intervención. En pôs de solucionar Ia situación planteada, Ia CSJN aclaro que Ia litispendencia declarada en Ia sentencia de fondo, con Ia consecuente radicación de Ias causas ante el Juzgado Federal de Quilmes, está "rigurosamente limitada" a aquellos procesos en que el bien jurídico ambiental comprometido es de naturaleza colectiva. Según el tribunal, tales procesos son unicamente aquellos en que "los derechos cuya tutela se persigne correspondeu a un bien que pertenece

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a Ia esfera social y transindividual".20 Por el contrario, Ia Corte sostuvo que cuando Ia lesión a bienes de incidência colectiva tuviera repercusión sobre el património individual hay una diferencia sustancial: aun existiendo una causa fáctica y normativa homogénea, se pretende Ia satisfacción de intereses individuales cuyo ejercicio singular se encuentra suficientemente justificado. Esta segunda clase de asuntos (con relación a los cuales Ia CSJN se declaro incompetente en Ia sentencia dei 20/06/06, según vimos), se encuentra excluída de Ia declaración de litispendencia y, por tanto, de su radicación ante el Juzgado Federal de Quilmes. En Ia misma línea de Io sostenido por el propio tribunal en su sentencia dei 20/06/06, se senaló en esta oportunidad que tales asuntos individuales homogéneos deben tramitar ante el órgano judicial que resulte competente según Ias regias generales ya que Ias peticiones relacionadas con Ia tutela de derechos individuales está "inequivocamente excluída de Ia competência atribuída ai Juzgado Federal de Quilmes".

desplaza "para este proceso genuinamente de excepción" Ia regia que habilita tal intervención dei máximo tribunal en procesos ordinários solo cuando los órganos en disputa carecen de un superior jerárquico común (Decreto-Ley 1285/58, art. 24, inc. 7). El objetivo perseguido por esta nueva regia procesal establecida por Ia Corte es "facilitar Ia pronta y fundada deásión" de Ias cuestiones. De acuerdo con Ia parte resolutiva de esta decisión, tanto el regimen de litispendencia como el regimen recursivo establecidos por Ia sentencia de fondo deben considerarse integrados por Ias precisiones vertidas en esta oportunidad.

En Io que respecta ai regimen recursivo establecido en el pronunciamiento de fondo, Ia CSJN subrayó que Ia via dei recurso extraordinário previsto en el art. 14 de Ia Ley N° 48 solo corresponde para revisar Ias decisiones dictadas por el Juzgado Federal de Quilmes "en el marco exclusivo" de Ias causas comprendidas dentro de Ias dos primeras categorias senaladas más arriba. Por el contrario, cuando se trata de procesos acumulados o radicados ante dicho Juzgado con causa en Ias regias de litispendencia (tercera categoria), el juez debe otorgar a Ia causa el trâmite que correspondiese con arreglo a Ias normas procesales en vigência para Ia clase de actuación de que se trate. La CSJN aclaro expresamente que entre tales normas procesales queda comprendido el regimen ordinário de recursos vigente según el tipo de proceso que se asignare ai caso (cautelar, amparo, sumarísimo, ordinário).

1.

Por último, el tribunal estableció que todos los conflictos y cuestiones de competência que se susciten entre órganos judiciales con motivo de Ia intervención asumida por el Juzgado Federal de Quilmes en cuestiones no penales serán decididos "en todos los casos por esta Corte". De este modo, Ia CSJN

V.

EJECUCIÓN DE LA SENTENCIA (II): MONITOREO DE LA EJECUCIÓN E IMPULSO DE OFICIO POR LA CSJN ANTE LA FALTA DE AVANCES ADECUADOS La solicitud de un informe circunstanciado

En un nuevo pronunciamiento dictado en fecha 06/04/2010, y luego de recordar los alcances de Ia sentencia de fondo,21 Ia CSJN ordeno a Ia ACUMAR y a los três Estados condenados presentar en forma conjunta un informe circunstanciado que diera cuenta dei "íntegro y fiel cumplimiento de todos los mandatos impuestos en Ia sentencia dei 8 de julio de 2008 con respecto a cada uno de los objetivos y resultados establecidos". Esta manda judicial, aclaro Ia Corte, fue dispuesta en mérito ai tiempo transcurrido desde el dictado de Ia sentencia de fondo y "sin perjuicio dei conocimiento con que cuenta el Tribunal a raiz de los numerosos y exhaustivos informes que ha enviado a esta sede el Juzgado Federal de Quilmes sobre Ia actuación cumplida en el marco de Ia ejecución encomendada". En cuanto ai contenido, dicho informe debía senalar el grado de avance alcanzado hasta el 31/03/2010 con relación a cada uno de los objetivos y resultados establecidos en el Programa. En cuanto a Ias formas, Ia Corte 21. A fin de lograr Ia más alta eficácia en Ia implementación dei programa, el Tribunal identifico ai sujeto

20. Esta litispendencia, preciso el tribunal, "alcanzará inclusive a Ias cuestiones que, pese a haber sido

pasivo directamente responsable de cumplir con Ias obligaciones impuestas; fijó, con especial énfasis,

introducidas —por via de pretensiones occesorias, cautelares, de medidas informativas o probatórias

comportamientos definidos con precisión técnica; estableció plazos; autorizo Ia aplicación de sanciones;

de carácter preliminar, o bojo cualquier otro nomen júris— en procesos que por su objeto principal

predetermino índices objetivos que permitiesen el contrai periódico de sus resultados; habilito Ia partici-

quedan excluídos de su radicación ante el Juzgado de Quilmes, exhiben un contenido que está —expre-

pación ciudadana como mecanismo de contrai bajo Ia intervención dei Defensor dei Pueblo de Ia Nación

sa o virtualmente— comprendido dentro de los mandatos impuestos a Ia autorídad de cuenca en Ia mencionada sentencia dei 8 de Júlio, y cuya ejecución fue encomendada aljuzgado indicado". En estos

y de Ias organizaciones no gubernamentales interesadas en Ia tutela dei ambiente; encomendo e! contrai presupuestario dei programa a una autoridad federal autónoma y, con el objeto de preservar el más

casos "Ia causa continuará tramitando ante el tribunal competente (federal o provincial), con Ia única exclusión de Ia reclamación o medida que guarda conex/dad en los términos senalados con Ia causa "Mendoza" y que, por ende, interfiere en Ia jurisdicción federal de natura/eza originaria delegada por

riguroso control de los mandatos impuestos y de favorecer Ia necesaria inmediatez que una decisión de esta naturaleza aconsejaba para favorecer su mejor cumplimiento, decidió apartarsede un procedímiento que, por su naturaleza, correspondia a su competência y poner en manos de un juez federal de primera

esta Corte en el Juzgado de Quilmes, para ejecutar elfallo dei 8 de Júlio de 2008".

instancia Ias ingentes atribuciones que conciernen ai trâmite de ejecución de Ia sentencia dictada.

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impuso condiciones para el cumplimiento de Io ordenado: el informe debía ser presentado con una copia en formato digital, con un análisis separado con respecto a cada uno de los objetivos, y "enforma sinóptica, con rigurosa predsión y mediante Ia utilización de pautas cuantitativas". El plazo acordado a los demandados para cumplir fue de 15 dias. El informe fue presentado por los demandados, pêro sin cumplirse con Ias pautas formales y de contenido indicadas. Es por ello que el 26/05/10 Ia CJSN intimo a Ia ACUMAR y a los três Estados para que en 3 dias cumplieran con Io requerido. Según Ia Corte, Ia presentación efectuada no daba "adecuada respuesta ai informe requerido" pues no establecía Ias pautas cuantitativas exigidas ni el grado en que han sido alcanzados respecto de todos los objetivos y resultados. Esta intervención puede verse como una nueva muestra de que, a pesar de Ia delegación, Ia Corte mantiene bajo su órbita fuertes facultades para instar Ia ejecución dei fallo. 2.

Nuevas directrices para el juez de Ia ejecución y énfasis en Ia responsabilidad personal de los funcionários actuantes

En fecha 10/08/2010 (esto es, transcurridos dos anos desde el dictado dei pronunciamiento de fondo), Ia CSJN volvió a intervenir en el asunto senalando que "a pesar de los contínuos requerimientos efectuados por eljuez delegado" se advertían por entonces diversos incumplimientos no justificados. En razón de ello, en líneas generales Ia Corte encomendo ai juez federal de Quilmes que "adopte Ias medidas necesarías para el inmediato y eficaz cumplimiento de Ia sentencia'. Adernas, especificamente lê solicito que "enforma inmediata y bajo apercibimiento de Ias sanciones ya previstas para el caso de incumplimiento" ordene a Ia ACUMAR, ai Defensor dei Pueblo de Ia Nación y a Ia Auditoria General de Ia Nación el cumplimiento de ciertas mandas y Ia presentación de informes y explicaciones relacionadas con el grado de avance dei programa.22 Todas estas medidas, subrayó Ia Corte, deben ser puestas en ejercicio

EL REMÉDIO ESTRUCTURAL DE LA CAUSA "MENDOZA" • Francisco Verbic

por dei juez federal de Quilmes, quien se encuentra "investido por esta Corte de atribuciones suficientes para Ia aplicación de Ias sanciones pecuniárias que considere adecuadas en orden a lagravedad de los incumplimientos verificados". Sanciones pecuniárias que deben hacerse efectivas "en lapersona dei Presidente de Ia Autoridad de Cuenca" y de los demás funcionários que pudieran resultar involucrados por mandatos específicos y determinados.

3.

La citación a una nueva audiência pública

El 17/02/11 Ia CSJN dio un nuevo impulso de oficio a Ia ejecución de Ia sentencia mediante Ia citación a una nueva audiência pública para discutir diversos aspectos dei asunto. En esta oportunidad, Ia Corte sostuvo que Ias últimas medidas informativas y pronunciamientos ordenatorios por ella dictados hasta el momento habían representado un incentivo para profundizar Ia tarea que viene desarrollando el titular dei Juzgado Federal de Quilmes en el trâmite de ejecución de Ia sentencia. Sin perjuicio de ello, el máximo tribunal considero que Ia celebración de una audiência pública con todas Ias partes involucradas como responsables constituía por entonces un valioso instrumento para tomar conocimiento "inmediato e integral" de todas Ias circunstancias relacionadas con el estado de cumplimiento de Ias obligaciones establecidas en Ia sentencia de fondo. Partiendo de esas premisas, Ia Corte convoco Ia celebración de Ia audiência para el 16/03/11, citando para ello a los "más altos funcionários responsables de cada una de Ias jurisdicciones alcanzadas". Asimismo, dispuso que tanto el Defensor dei Pueblo como Ia Auditoria General de Ia Nación formaran parte dei acto. El primero de ellos, para expresar Ias observaciones que tenga respecto dei grado de cumplimiento dei plan de saneamiento; mientras que Ia segunda Io haría con Ia finalidad de informar Ias dificultadas encontradas para efectuar el control dei fallo (tal como lê fuera encomendado) y presentar Ias observaciones que hubiera realizado hasta el momento. La audiência dei 16/03/11 termino con un cuarto intermédio dispuesto por Ia Corte, hasta que en fecha 19/04/11 esta dictó una nueva sentencia para disponer su continuación. En esta oportunidad Ia CSJN senaló expresamente

22. Lãs mandas contenidasen esta sentencia son lassiguientes: "I. Ala autoridad de Cuenca: 1. Lainstrumentación de un sistema de información digital de occeso público que contenga todos los datos, informes, listados, cronogramas, castos, etc. actualizados (considerandos 17, punto II dei pronunciamiento antes referido). 2. La adopdón de algunos de los sistemas internacionales de medidón disponibles induyéndose Ia realízación de auditorias técnicas de contrai (considerando 17, punto l, último párrafo de Ia sentencia citada), con el objeto de dar confiabilidad a Ia información prevista por Ia Autoridad de Cuenca. 3. La explicación de Ias razones por Ias cuales no se dio cumplimiento a los mandatos establecidos en Ia sentencia (respecto a Ia contaminación de origen industrial, a! saneamiento de basurales, a Ia expansión de Ia red de agua potable, desagúes pluviales, saneamiento chacal y ai Plan Sanitário de Emergência, considerando 17 puntos III, IV, VI, VII, VIII YIX), identificando con predsión Ias causas y los funcionários

involucrados. 4. Informe los razones por Ias cuales se ha celebrado un convénio con Ia Auditoria General de Ia Nación (fecha 26 de abril de 2010) relacionado con el control de losfondos públicos (considerando 18 de Ia sentencia citada) y si existia alguna actuadón de dicha auditoria desde lafecha de Ia sentencia hasta Ia firma dei convénio referido. II. A Ia Auditoria General de Ia Nación: 1. Informe Ias dificultades que haya tenido para efectuar el control encomendado y Ias observaciones que haya realizado hasta el momento. III. Al Defensor dei Pueblo de Ia Nación: 1. Manifeste Ias observaciones que estime pertinente respecto dei grado de cumplimiento dei Plan de Saneamiento".

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que correspondia a Ia ACUMAR concentrar en su presentación Ia información concerniente ai genuíno y preciso grado de avance respecto de cada uno de los objetivos dei plan establecido en Ia sentencia de fondo. De esta forma el Tribunal ratifico que Ia responsabilidad primaria por el cumplimiento dei plan está en cabeza de dicho ente interjurisdiccional. Mientra tanto, a los efectos de Ia audiência Ia Corte preciso que el resto de los Estados demandados debían limitarse a prestar colaboración con relación a requerimientos relacionados con temas de su competência territorial. Hay dos cuestiones más de esta sentencia que merecen destacarse. En primer lugar, Ia fijación de una agenda con los temas que serían abordados por Ia Corte en el acto de Ia audiência.23 En segundo lugar, el hecho que el Tribunal dispuso realizar un reconocimiento judicial sobre el território correspondiente a Ia cuenca hídrica Matanza-Riachuelo, delegando en el Presidente de Ia Corte y en su secretaria el dictado de Ias medidas que mera necesario adoptar para Ia mejor realización de dicha medida instructoria.

Ias personas involucradas. La República Argentina carece de un marco legal adecuado para atender este fenómeno que, a esta altura dei siglo XXI, ya no puede considerarse como algo verdaderamente novedoso.

VI. CONCLUSIONES

El proceso judicial es tan solo uno de los médios habilitados para resolver conflictos en el marco de una sociedad democrática. Médios que, en cuanto tales, solo pueden valorarse con relación ai tipo de conflicto que se pretenda resolver por su intermédio. En este sentido, alguna vez escuché un profesor que comparaba ai proceso judicial con el oído humano: los sonidos débiles no puede percibirlos, mientras que los sonidos altos Io aturden. Conflictos ambientales y sociales como el ventilado en Ia causa "Mendoza" claramente aturden el proceso civil tradicional, pensado siglos atrás para atender problemas de otras dimensiones. Esto es lógico. No puede pretenderse que un proceso ideado para discutir derechos individuales pueda brindar una respuesta adecuada a Ia hora de resolver asuntos que involucran derechos "de incidência colectiva". 24 Lãs complejas aristas sociales, políticas y económicas que presentan los procesos colectivos (ambientales y no ambientales) exigen un mecanismo de discusión rodeado de mayor transparência, publicidad y ciertos reaseguros que permitan solucionar el conflicto sin vulnerar Ia garantia de debido proceso legal de 23. Ver el Anexo de Ia decisión. En esta agenda se desagregan numerosas actividades hasta Ilegar a un total de 75 "núcleos temáticos", divididos por responsable de informar (Defensor dei Pueblo, Auditoria General de Ia Nación, ACUMAR, etc.). El Tribunal fue cuidadoso en dejar abierta Ia posibilidad de abordar otros temas ai senalar que dicha enunciación de temas "no conformem un conjunto cerrado". 24. Así califica Ia Constitución Nacional argentina ai derecho a un médio ambiente sano, entre otros (arts. 41 y 43 CN).

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En efecto, a pesar de que Ia reforma constitucional de 1994 incorporo legitimaciones colectivas en el texto de Ia carta magna, así como también reconoció Ia existência de una categoria de derechos que excede el campo exclusivamente individual (los derechos "de incidência colectiva" a que me referia hace un momento), el legislador nacional no ha regulado un proceso adecuado para canalizar discusiones promovida por afectados, defensor dei pueblo o asociaciones intermédias en pôs de desactivar conflictos que envuelven ese tipo de derechos. Lãs escasas regias procesales contenidas en Ia Ley General dei Ambiente N° 25.675 han demostrado ser abiertamente insuficientes para enfrentar esta problemática. Sus arts. 30, 32 y 33 solo se refieren a los sujetos legitimados para promover Ia acción, establecen Ia posibilidad de plantear una demanda por cesación dei dano, y regulan -en forma parcial- ciertos aspectos de competência, medidas cautelares, medidas probatórias y alcance subjetivo de Ia cosa juzgada. Entre otras cuestiones de relevância, Ia norma no contempla Ia posibilidad de juzgamiento colectivo de conflictos individuales homogéneos, no exige controlar Ia calidad dei representante colectivo en el caso concreto, nada dice sobre Ia posibilidad de ampliar demanda por otros legitimados, no regula adecuadamente Ia intervención de terceros, carece de normas sobre publicidad dei proceso y notificaciones, carece de normas sobre litispendencia y, algo de suma relevância para nuestro trabajo, carece de normas sobre el modo de implementar Ia decisión y ejecutar Ia sentencia. Si bien Ia situación en Ia cuenca Matanza-Riachuelo dista de ser Ia ideal y aun queda mucho por hacer, Ias mejoras logradas en Ia zona contaminada gracias a este proceso son muy importantes. En este contexto, podría verse a "Mendoza" como un ejemplo de que, a pesar de Ias falências normativas de tipo procesal brevemente descriptas, los jueces pueden llevar adelante un caso de estas características si toman Ia decisión de hacerlo. De hecho, prácticamente Ia totalidad de Ia doctrina argentina que ha comentado Ia decisión no tiene más que elogios en este sentido. Comparto esta lectura, pêro con una nota de advertência que creo necesaria: Ia CSJN puede gestionar el proceso como Io está haciendo porque es Ia CSJN. Lo que quiero decir es que dificilmente encontremos un juez de primera instancia con Ia voluntad, los recursos y Ia audácia para embarcarse en una empresa semejante. Ello por no hablar de los sérios cuestionamientos que podría generar para este hipotético juez de

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primara instancia el apartamiento manifiesto de diversas normas procesales (como ha sucedido en "Mendoza"), especialmente en un escenario judicial mayormente conservador como el argentino. En Júlio de 2011 se cumplieron três anos desde el dictado de Ia decisión de fondo. Três anos en los cuales, según intente mostrar a Io largo de este trabajo, Ia ejecución de Io decidido ha generado numerosos problemas y cuestionamientos, pêro también un diálogo institucional continuo entre el Poder Judicial y Ia administración. Diálogo institucional dei cual se hallaban excluidos muchos de los habitantes de Ia zona. Sin lugar a dudas el remédio estructural disenado en esta causa ha servido y servirá como fuente de ideas y como disparador para continuar profundizando en Ia discusión. Una discusión que debería arrojar como resultado argumentos sólidos para sustentar Ia sanción de un sistema procesal acorde con Ia magnitud de los intereses sociales, políticos y económicos que se encuentran en disputa en este tipo de procesos.

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li

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IL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA NEL PROCESSO AMMINISTRATIVO ITALIANO

CSJN, 26/05/2010, "Mendoza, Beatriz Silvia y ots. c. Estado Nacional y ots", í.o Ley 08/06/2010. CSJN, 10/08/2010, "Mendoza, Beatriz Silvia y ots. c. Estado Nacional y ots", La Ley 2010-F, 187. CSJN, 19/04/2011, "Mendoza, Beatriz Silvia y ots. c. Estado Nacional y ots", DJ 15/06/2011 CSJN, 03/05/2005, "Verbitsky, Horacio s/ habeas corpus", online en www.csjn.gov.ar [Fecha de consulta: 02/05/13]

Giovanni Bonato1

Juzgado Federal de Quilmes, diversas sentencias dictadas en el marco de Ia causa "Mendoza", disponibles en http://www.acumar.gov.ar/informacionPublica_causa_mendoza_informe, phpVtipo=reso lucion [Fecha de consulta: 02/05/13] Otros documentos consultados

Sumário: 1. Introduzione: il controllo dei giudice amministrativo sull'attività delia pubblica amministrazione dalKazione di annullamento all'azione di adempimento; 1.1. Segue: Ia class action pubblica per 1'efficienza delle amministrazioni; 2. II giudizio di ottemperanza: evoluzione normativa; 2.1. Caratteristiche generali dei giudizio di ottemperanza; 3. La domanda e il procedimento nel giudizio di ottemperanza; 4. La pronuncia dei giudice nel giudizio di ottemperanza; 5. II commissario ad acta

Advisory Committee Notes to the Federal Rules of Civil Procedure, 2003 Amendments. http:// www.law.cornell.edu/rules/frcp/rule_23 [Fecha de consulta: 02/05/13] Auditoria General de Ia Nación. http://www.agn.gov.ar/ [Fecha de consulta: 02/05/13] Centro de Estúdios Legales y Sociales. http://www.cels.org.ar/agendatematica/?info=homeMi niSitio&ids=158&lang=es&ss=l 71 [Fecha de consulta: 02/05/13] Corte Suprema de Justicia de Ia Nación. www.csjn.gov.ar [Fecha de consulta: 02/05/13] Informe Especial sobre Ia Cuenca Matanza-Riachuelo (2003). http://www.dpn.gob.ar/informes/ riachuelo.pdf [Fecha de consulta: 02/05/13] Informe Especial de Seguimiento Cuenca Matanza-Riachuelo (2006). http://www.dpn.gob.ar/ informes/riachuelo2006.pdf [Fecha de consulta: 02/05/13] Informe sobre inspecciones a industrias realizadas. http://www.acumar.gov.ar/lnformes/Gestion/Contaminacion_industrial.pdf [Fecha de consulta: 02/05/13] Otros informes relevantes relacionados con Ia causa, php?cnt=101&ms=area3 [Fecha de consulta: 02/05/13]

http://www.dpn.gob.ar/main.

Plan Integral de Sanearniento Ambiental. http://www.acumar.gov.ar/pdf/PLANJNTEGRAL__DE_ SANEAMIENTO_AMBIENT AL_DE_LA_CUENCA_MATANZA_RIACHUELO_MARZO_2010.pdf [Fecha de consulta: 02/05/13]

1.

INTRODUZIONE: IL CONTROLLO DEL GIUDICE AMMINISTRATIVO SULL'ATTIVITÀ DELLA PUBBLICA AMMINISTRAZIONE DALL'AZIONE Dl ANNULLAMENTO ALL'AZIONE Dl ADEMPIMENTO

II presente scritto si propone di analizzare il giudizio di ottemperanza in generale, dando particolare attenzione alia figura dei commissario ad acta nel processo amministrativo italiano, ossia quel processo che si svolge davanti agli organi appartenenti alia giurisdizione amministrativa che è attualmente regolato dal códice dei processo amministrativo (c.p.a.), di cui ai decreto legislativo dei 2 luglio 2010, n. 104, emanato in attuazione dellalegge delega 18 giugno 2009, n. 692.

Regiamente Interno de Funcionamiento dei Cuerpo Colegiado. http://www.dpn.gob.ar/ riachuelo/r-reglamento.pdf [Fecha de consulta: 02/05/13] 1. Dottore di ricerca in diritto processuais civile alia Università "La Sapienza" dí Roma. Professore (maítre de conférences) Università Paris Ouest Nanterre La Défense. Professore Visitante Università di São Paulo 2. Sul processo amministrativo in generale, segnaliamo: GIANNINI, M.S., Lagiustiziaamministrativa, Roma, 1964; SANDULLI, A. M., // giudizio davanti ai Consiglio di Stato e ai giudici sottoordinati, Napoli, 1963;

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Come noto, nel sistema giurisdizionale italiano accanto ad una giustizia ordinária è prevista anche una giustizia amministrativa speciale, i cui organi hanno competenza generale per decidere lê controversie su interessi legittimi sorte tra Ia pubblica amministrazione e i singoli individui, nonché lê liti sui diritti soggettivi devolute alia loro giurisdizione esclusiva3. Gli organi di giustizia amministrativa sono i Tribunali Amministrativi regionali (TAR), istituiti con Ia legge 6 dicembre 1971, n. 1034, che decidono in primo grado, e il Consiglio di Stato che decide in grado di appello4. La Corte di Cassazione, quale organo supremo delia giustizia, che assicura «il rispetto dei limiti delle diverse giurisdizioni» (art. 65 dei régio decreto 30 gennaio 1941, n. 12), è chiamata ad intervenire per indicare a quale giudice appartiene il potere di risolvere Ia lite in caso di conflitto tra giurisdizione ordinária e giurisdizione amministrativa5. Effettuata questa breve premessa sullbrganizzazione giudiziaria italiana e prima di trattare il tema dei giudizio di ottemperanza, è opportuno affrontare alcuni aspetti dei controllo dei giudice amministrativo italinao sulFattività delFamministrazione. È noto che il sindacato che effettua il giudice amministrativo sulFamniinistrazione nasce come sindacato diretto allannullamento delFatto impugnato6. Si tratta delia azione di annullamento che fu introdotta ai momento delia istituzione delia IV Sezione dei Consiglio di Stato (legge 31 marzo 1889, n. 5992) che conferi a tale organo il potere-dovere di decidere

NIGRO, M., Giustizia amministrativa, 3" ed., Bologna, 1983; ID., Processo amministrativo, in Enciclopédia Giuridica, vol. XXIV, Roma, 1991; AÃ. W., IIprocesso amministrativo, vol. V, in Trattato di diritto amministrativo, 2' ed., a cura di CASSESE, S., Milano, 2003; SCOCA, G., Giustizia amministrativa, 4° ed., Torino, 2011; COSTANTINO, Giorgio, Note a prima lettura sul códice di processo amministrativo. Appio Cláudio e 1'apprendista stregone, in Foro italiano, 2010, p. 237; TRAVI, A., Lezioni di giustizia amministrativa, 11° ed., Torino, Giappichellí, 2014. 3. Sul riparto di giurisdizione tra giudici ordinari e giudici amministrativi si vedano: TRAVI, A., Lezioni di giustizia amministrativa, cit., p. 115; ZINGALES, L, Pubblica amministrazione e limiti delia giurisdizione tra príncipi costituzionali e strumenti processuali, Milano, 2007; COSTANTINO, Giorgio, La ricreazione è finita, in Rivista diritto processuale, 2005, p. 381; PROTTO, M.; BELLAVISTA, M., La giurisdizione in generale in A.A W.. // nuovo processo amministrativo, commentario sistemático diretto da GARANTA, R., 2° ed., Bologna,

2011.

4. Sul punto si vedano: CANNADA-BARTOLI, E., Giustizia amministrativa, in Digesto disciplinepubblicistiche, vol. VII, Torino, 1991, p. 508 ss.; CLARICH, M., La Giustizia, in Trattato di diritto amministrativo, a cura

IL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA • Giovanni Bonato

sui ricorsi contro gli atti amministrativi viziati per «incompetenza, eccesso di potere e violazione di legge» lesivi di un interesse individuale e di annullare gli atti illegittimi con effetto retroattivo. A questo propósito e in ossequio ai principio delia separazione dei poteri, il giudice amministrativo incontrava rilevanti limitazioni nel decidere sullazione di annullamento: Ia sentenza che pronunciava Fannullamento delFatto amministrativo conteneva Ia formula «fatti salvi gli ulteriori prowedimenti delFautorità amministrativa». Sulla base di questa premessa sistemática, il giudice amministrativo non poteva sostituirsi alFamministrazione e adottare direttamente il prowedimento amministrativo, dovendo in questo âmbito rispettare Ia discrezionalità delFamministrazione. Lê descritte limitazioni lasciavano il cittadino spesso privo di tutela nei confronti dellaniministrazione e per tali motivi, Ia giurisprudenza italiana ha riconosciuto che una sentenza di annullamento di un prowedimento amministrativo produce diversi effetti: un effetto di eliminazione di quanto prodotto dal prowedimento annullato; un effetto ripristinatorio che tende a ricreare Ia situazione giuridica che si sarebbe creata senza il prowedimento annullato; un effetto di rinnovazione o di conformazione che impone alFamministrazione un determinato comportamento, secondo quanto indicato nella decisione7. Sempre in relazione alFazione di annullamento, bisogna, comunque, sottolineare che Ia pronuncia annullatoria di un atto è uno strumento idóneo a tutelare Ia posizione dei singolo nei casi in cui questi sia stato leso in conseguenza di un certo tipo di comportamento illegittimo delFamministrazione, come accade rispetto ad un prowedimento di espropriazione, ad una sanzione comminata dali amministrazione ai privato, in relazione ad un ordine di abbattere un edifício pericolante, alia revoca di una licenza. È chiaro che in queste ipotesi, in cui sono in gioco degli interessi chiamati oppositivi (o statici, in quanto interessi lesi dal prowedimento), Ia sola sentenza di annullamento soddisfa il privato, ripristinando Io status quo ante e ponendo fine ai pregiudiziio súbito: il bene viene restituito ai proprietário; il commerciante potra continuare a svolgere Ia própria attività económica. II danno derivante dal prowedimento illegittimo (come il mancato utilizzo dei bene e il mancato svolgimento delFattività económica per un certo lasso di tempo) potra essere riparato anche attraverso unazione risarcitoria che verrà esperita direttamente dinanzi ai giudice amministrativo, come indicato dalFart. 7 dei c.p.a.

di CASSESE, S., vol. II, cit., p. 2025. 5. Sul ruolo delia Corte di cassazione in generale si rinvia, tra i tanti, a MANDRIOU, C; CARRATTA, A., Diritto processuale civile, 23" ed., Torino, 2014, vol. II, p. 539 ss. 6. Sul punto si veda CLARICH, M., Azioni nel processo amministrativo, in Diritto on Une 2012, www.treccani.it, accesso 15.07.2015, § 1; ID., Lê azioni nel processo amministrativo tra reticenze dei códice e apertura a nuove tutele, in www.giustizia-amministrativa.it, acesso 15.07.2015.

Tuttavia, ci sono diverse situazioni in cui Fazione di annullamento non riesce a conferire ai privato Ia tutela di cui ha bisogno, come accade in Sul punto si veda NIGRO, M., Giustizia amministrativa, Bologna, 5° ed., 2000, P. 303 ss.

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T O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

IL G1UDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA • Giovanni Sonoro

relazione ai prowedimento di diniego di una autorizzazione o di una licenza. Lannullamento giurisdizionale di un atto di diniego di una licenza, non comporta Ia concessione di quesfultima, che rientra nella discrezionalità delTamininistrazione, Ia quale potrebbe anche negare nuovamente Fattribuzione delia licenza per un motivo diverso da quello in precedenza invocato, oppure restare inerte. Si tratta dei cosiddetti interessi pretensivi o dinamici, Ia cui soddisfazione presuppone il conseguimento dei bene delia vita mediante un ordine giudiziario che costringa lamministrazione ad adottare il prowedimento a cui aspira il cittadino ricorrente8.

od omesso (azione di condanna)» quando il ricorrente «faceia valere di essere stato leso nei propri diritti dal rifiuto o dallbmissione dei prowedimento^. In effetti, come è stato recentemente riconosciuto, «il nuovo assetto dei processo amministrativo nelFEuropa continentale» è «caratterizzato dal superamento di una tutela incentrata sullazione di annullamento»11.

Per rendere effettivo il sistema di tutela giurisdizionale anche contro Ia pubblica amministrazione, oltre alFazione di annullamento, altri tipo di azioni sono state progressivamente ammesse, come quelle di accertamento e di condanna, espressamente disciplinate dal c.p.a. dei 2010. Nel códice si rinvengono, infatti. divprse arinni- Fannnllarnento, Ia condanna (tra cui Ia condanna ai risarcimento dei danno provocato da un atto amministrativo illegittimo che lede un interesse legittimo), Fazione contro il silenzio9, Ia declaratoria di nullità, il giudizio di ottemperanza, il giudizio di accesso ai documenti, il giudizio sulla sorte dei contratto. Del giudizio di ottemperanza ci occuperemo piú approfonditamente nel corso di questo scritto, risulta opportuno soffermarsi sul decreto legislativo 14 settembre 2012, n. 160 che ha introdotto alFinterno dellart. 34, comma 1°, lett. c, dei c.p.a., Fazione generale di esatto adempimento, ossia Ia «azione di condanna ai rilascio di un prowedimento richiesto» che «è esercitata, nei limiti di cui allarticolo 31, comma 3, contestualmente allazione di annullamento dei prowedimento di diniego o allazione avverso il silenzio». Con questo tipo di azione, il legislatore italiano instaura una técnica di protezione specifica degli interessi pretensivi e allinea FItalia con gli altri sistemi europei e, in particolare con: il sistema inglese, in cui sono previste leprerogative orders, come Yorder commanding apublic authority toperform apublic duty che permette ai giudice di condannare Famministrazione ad un facere specifico; Fordinamento tedesco in cui Fart. 42 delia legge processuale amministrativa dei 1960 riconosce Ia possibilita di promuovere contro Famministrazione unazione di «condanna allemanazione di un atto amministrativo rifiutato

Trattasi di una novità normativa che si inserisce nelFambito delia riconosciuta atipicità dei diritto di azione (anche nel processo amministrativo) e dei superamento delia barriera dei principio delia separazione dei poteri «dinanzi ad unazione amministrativa priva di margini di liberta»12. Tuttavia, deve essere rilevato che sussistono ancora due limiti allesperibilità delFazione di esatto adempimento. Un primo limite ha natura sostanziale, non essendo Fazione di esatto adempimento esperibile in caso di discrezionalità amministrativa o técnica o in caso di svolgimento di attività istruttorie riservate alia p.a. A questi fini, dispone Fart. 31, comma 3°, che: «II giudice può pronunciare sulla fondatezza delia pretesa dedotta in giudizio solo quando si tratta di attività vincolata o quando risulta che non residuano ulteriori margini di esercizio delia discrezionalità e non sono necessari aãempimenti istruttori che debbano essere compiuti dali amministrazione». Un secondo limite è di ordine processuale: Fazione di condanna non può essere esercitata autonomamente, dovendo essere il completamento di unaltra azione già proposta nelFambito dello stesso processo. In altre parole, Fadozione di un prowedimento satisfattorio di un interesse pretensivo è proponibile solo quando è esercitata congiuntamente ad una domanda di annullamento di un prowedimento di diniego deli'amministrazione oppure ad una domanda contro il silenzio delFamministrazione. Vediamo quali sono i limiti che incontra il giudice amministrativo nel controllo delFattività delFamministrazione in genere e delle politiche pubbliche in particolare. 10. CARINGELLA, R, II secondo correttivo processuale battezza l'azione di esatto adempimento, cit., § 1. 11. Cosi GARCIA DE ENTERRIA, E., Lê trasformazioni delia giustizia amministrativa, Milano, Giuffré, 2010,

8. Sutiã distinzione tra interessi pretensivi e interessi oppositivi si veda, tra gli altri: CARINGELLA, F., il secondo correttivo processuale battezza 1'azione di esatto adempimento, in // nuovo diritto amministrativo,

2012, n. 4, p. 11 ss. 9. Una delle prime decisioni sul silenzio rifiuto dei Cons. St., sez. V, 22 luglio 1926 n. 280, secondo cui «il prowedimento devesi ritenere íntervenuto quando 1'interessato abbia notificato aH'Amministrazione 1'atto forma lê che Ia invitava a provvedere in mérito alia própria richiesta e malgrado cio l'Amministrazione non abbia provveduto, dovendosi il suo persistente silenzio considerare come rigetto delia domanda».

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traduzione di S. Rodolfo Masera; TRAVI, A., Alia ricerca delTazione di adempimento, in http://www. agatif.org/download/2011-relazione-prof-travi-2.pdf, § l, acesso 15.07.15. 12. In realtà, il citato decreto n. 160 dei 2012 non fa altro che riconoscere espressamente cio che Ia giurisprudenza dei Consiglio di Stato aveva già accolto, in via interpretativa, nella pronuncia delTAdunanza Plenária dei 23 marzo 2011, n. 3, riaffermata successivamente dália sentenza delia Adunanza Plenária 29 luglio 2011, n. 15, che, soprattutto, ha trovato applicazione in una sentenza dei Tar Lombardia (sez. Ill, 8 giugno 2011, n. 1428). Sul punto si veda anche CARINGELLA, F., II secondo correttivo processuale battezza l'azione di esatto adempimento, cit., § 2.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Riconosciuto il principio di atipicità delFazione anche nel processo amministrativo13, il giudice amministrativo italiano incontra vari limiti nelTambito dei controllo dellazione amministrativa. Oltre ai limiti indicati in precedenza in relazione allazione di adempimento, viene ancora riconosciuto che quando Ia pubblica amministrazione utilizza poteri discrezionali, gli organi di giustizia amministrativa non possono, in sede di legittimità, analizzare questioni di mérito, appartenenti alia tutela delia sfera di autonomia e di responsabilità delFamministrazione. Inoltre, il giudice amministrativo non si può pronunciare rispetto "a poteri amministrativi non ancora esercitati", come potrebbe essere il caso di una domanda direita "ad orientare Fazione amministrativa pró futuro con palese violazione dei principio delia divisione dei poteri"14. 1.1.

Segue: Ia class action pubblica per 1'efficienza delle amministrazioni

NelFambito di questa parte introduttiva, merita, infine, di essere menzionata Ia cosiddetta «class action pubblica» (disciplinata dal decreto legislativo dei 20 dicembre 2009, n. 198), chiamata anche azione collettiva in matéria di servizi pubblici o ricorso per Fefficienza delle amministrazioni, con Ia quale il giudice amministrativo può sindacare Fattuazione di politiche pubbliche, ma rispettando alcuni limiti di discrezionalità amministrativa15. Si tratta di un tipo di azione ulteriore rispetto a quelle previste dal códice dei processo amministrativo. Si tratta di un processo collettivo, promosso da un gruppo di utenti e consumatori (i cui interessi sono stati lesi in maniera direita, concreta ed attuale) o da associazioni e comitati, che si svolge dinanzi ai Tribunale Amministrativo Regionale per contestare atti lesivi delia pubblica amministrazione o di concessionari di pubblici servizi (come lê Poste Italiane s.p.a., Ia Radiotelevisione Italiana, Trenitalia s.p.a., gli enti concessionari dei servizio idrico erogato ai 13. Una parte importante delia dottrina e delia giurisprudenza riconosce 1'atipicità delTazione nel processo amministrativo. Si veda in questa direzione Ia già citata sentenza delTAdunanza Plenária dei Cons. St., n. 15/2011, con riferimento alTazione di accertamento atípica; Cons. St., sez. VI, 9 febbraio 2009, n. 717; Cons. St., sez. VI, 15 aprile 2010, n. 2139; in dottrina CERRETO, A., Osservazioni sulle azioni esperibili nel processo amministrativo, § 2, in www.lexitaHo.it, acesso 15.07.2015. 14. CERRETO, A., Osservazioni sulle azioni esperibili nel processo amministrativo, cit, § 2. 15. Inoltre, in generale, sulla class action pubblica, v.: TUBERTINI, C., La prima applicazione delia class action amministrativa, in Giornale di diritto amministrativo, 2011, p. 862 ss.; ZINGALE, U.G., La class action pubblica e i suoi limiti nelle ipotesi di disfunzioni organizzative: una sentenza monito, in Giornale di diritto amministrativo, 2012, p. 1096 ss.; ID., Una singolare forma di tutela dei cittadino nei confronti delia p.a.: Ia class action, in Giornale di diritto amministrativo, 2010, 246 ss.; D'ADAMO, D. La class action pubblica, in Rivista di diritto processuale, 2011, 359 ss.; GALLO, C.E., La class action nei confronti delia pubblica amministrazione, in Urbanística e appalti, 2010, 501 ss.

IL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA • Giovanni Bonato

Comuni). Con Ia class action pubblica non si tende ad ottenere il risarcimento dei danno súbito dagli utenti o dai consumatori, ma ai legittimo adempimento delia funzione amministrativa o alia corretta erogazione dei pubblico servizio da parte dei concessionário. In ragione di cio, risulta chiaro che Fazione collettiva pubblica non tende a soddisfare interessi individuali. Lassenza dello strumento risarcitorio distingue Ia class action pubblica dalFazione di gruppo prevista dalFart. 140 bis dei códice dei consumo (decreto legislativo 6 settembre 2005, n. 206) che tende ad ottenere il risarcimento dei pregiudizio súbito dai consumatori e utenti. La class action pubblica è, infatti, esperibile: «.aifine di ripristinare il corretto svolgimento delia funzione o Ia corretta erogazione di un servizio» in caso di «violazione di termini o dália mancata emanazione di atti amministrativi generali obbligatori e non aventi contenuto normativo da emanarsi obbligatoriamente entro e non oltre un termine fissato da una legge o da un regolamento, dália violazione degli obblighi contenuti nelle corte ai servizi ovvero dália violazione di Standard qualitativi ed economia stabiliti, per i concessionari di servizi pubblici, dalle autorità preposte alia regolazione ed ai controllo dei settore e, per lê pubbliche amministrazioni, definiti dalle stesse in conformità alie disposizioni in matéria di performance contenute nel decreto legislativo 27 ottobre 2009, n. 150, coerentemente con lê lineeguida definite dália Commissioneper Ia valutazione, Ia trasparenza e l'integrità delle amministrazioni pubbliche di cui allarticolo 13 dei medesimo decreto e secando lê scadenze temporali definite dal decreto legislativo 27 ottobre 2009, n. 150» (art. l dei decreto n. 198/2009). L'art. 4 dei decreto n. 198/2009 dispone che: «II giudice accoglie Ia domanda se accerta Ia violazione, Ibmissione o Yinadempimento di cui allarticolo l, comma l, ordinando alia pubblica amministrazione o ai concessionário di porvi rimedio entro un côngruo termine, nei limiti delle risorse strumentali, finanziarie ed umane già assegnate in via ordinária e senza nuovi o maggiori oneriper Ia finanza pubblica». Infine, secondo Fart. 5, è previsto che: «Nei casi diperdurante inottemperanza di una pubblica amministrazione si procederá con il giudizio di ottemperanza». Per capire i limiti dei controllo effettuato dal giudice amministrativo sulFattuazione delle politiche pubbliche, ricordiamo alcuni casi concreti che sono stati oggetto delia class action pubblica. Nel caso delle «classi pollaio», Fassociazione di consumatori e utenti (Codacons) aveva proposto Fazione pubblica per lefficienza deli amministrazione in ragione deli assenza di un piano generale di riqualificazione delledilizia scolastica, criticando Ia funzionalità e lefficienza dei servizi scolastici in ragione dei

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

!L GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA • Giovanní Bonato

sovraffollamento delle classi scolastiche, per tale motivo definite come «classi pollaio», che deve essere ricondotta in termini di normale tollerabilità. In accoglimento parziale dei ricorso, il T.A.R. Lazio ha ordinato alFamministrazione Femanazione dei piano generale di riqualificazione delledilizia scolastica, entro giorni 120 dália comunicazione o notificazione delia sentenza, all'uopo utilizzando lê risorse strumentali, finanziarie ed umane già assegnate in via ordinária e senza nuovi o maggiori oneri per Ia finanza pubblica16. II giudice amministrativo, quindi, non si è sostituito alFariiministrazione nelFattuazione delia politica pubblica.

Dai casi sopra riportati si evince chiaramente che Ia giurisprudenza interpreta in maniera limitativa il dispositivo delia class action pubblica: il giudice amministrativo si deve limitare ad ordinare alFaraministrazione di porre rimedio alie disfunzioni e disservizi, senza potersi sostituire direitamente nelle scelte di mérito dellattività amministrativa. II rimedio previsto dália class action pubblica ha, quindi, «una funzione prevalentemente sollecitatoria e si configura come azione di accertamento con finalità propulsive rispetto alia mancata adozione degli atti specificamente indicati nella disciplina normativa o alleliminazione delle disfunzioni»19.

Nel caso ludopatia (malattia dei gioco d'azzardo patológico, consistente nella incapacita di resistere alFimpulso di giocare d'azzardo o fare scommesse), il T.A.R. Lazio, ha condannato 1'Amministrazione autónoma dei monopoli di Stato e il Ministero delia Salute ad adottare lê linee d'azione per Ia prevenzione, il contrasto e il recupero di fenomem di iudopatia conseguente a gioco compulsivo17. Ma in tale prowedimento il T.A.R. Lazio Roma specifica anche che non è consentito ai giudice amministrativo dettare prescrizioni inerenti il contenuto deiratto poiché esso attiene, owiamente, ai mérito delle scelte politiche e amministrative ed è sottratto a qualunque forma di sindacato giurisdizionale.

Malgrado in Itália non sussista un vero e próprio controllo delFattuazione delle politiche pubbliche da parte dei giudice amministrativo, lattuazione delia sentenza di quesfultimo (attraverso Fistituto dei giudizio di ottemperanza) costituisce un modello che può essere utile ad altri ordinamenti e su cui è interessante sofíerrnarsi: in tal caso, infatti, Fattività delia giusíizia amministrativa si sostituisce a quella delFamministrazione, nella maggioranza dei casi con Fintermediazione delia figura dei commissario ad acta.

Anche in relazione ai caso dei rilascio dei permesso di soggiorno in Itália per soggiornanti stranieri di lungo período, il T.A.R. Lazio si è limitato a condannare il Ministero delFinterno a porre rimedio alie situazioni di generalizzato mancato rispetto dei termine di 90 giorni mediante «ladozione degli opportuni prowedimenti, entro un il termine di un anno, nei limiti delle risorse strumentali, finanziarie ed umane già assegnate in via ordinária e senza nuovi o maggiori oneri per Ia finanza pubblica»18.

2.

IL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA: EVOLUZIONE NORMATIVA

II giudizio di ottemperanza è attualmente disciplinato nel titolo I dei libro IV dei c.p.a. agli articoli 112,113,114 e 11520. Non si tratta di un nuovo istituto

19.GNES, M., L'applicazione delia class action pubblica in matéria di immigrazione, in Giornale di diritto amministrativo, 2014, p. 733 ss. Nello stesso senso GALLO, C.E., La class action nei confronti delia pubblica amministrazione, cit., p. 507, si tratta di un «rimedio con funzioni prevalentemente di stimolo per l'amminístrazione che di vera e própria tutela per il cittadino».

16. T.A.R. Lazio, III bis, 20 gennaio 2011, n. 552, in cui si legge che: «Poiché non è stato ancora emanato il piano generale di riqualificazione delTedilizia scolastica previsto dalTart. 3, comma 2, dei d.P.R. 20 marzo 2009 n.

20. Sul giudizio di ottemperanza in generale, si vedano: MARI, G., // giudizio di ottemperanza, in www.giur. uniroma3.it (accesso 15.07.2015); TRAVI, A., Giudizio di ottemperanza, in in www.treccani.it, Diritto on Une, 2013 (accesso 15.07.2015); CERRETO, A., II nuovo volto dell'ottemperanza, in II nuovo diritto amministrativo, 2012; SORICELLi, G., // giudizio di ottemperanza dopo il códice dei processo amministrativo e i decreti correttivi (D. Lgs. 15 novembre 2011, n. 195 e D. Lgs. 14 settembre 2012, n. 160), in www.federalismi. it (accesso 15.07.2015); D'ANGELO, G., Ricorso straordinario e giudizio d'ottemperanza, il «revirement»

81, che rAmministrazione è tenuta obbligatoriamente ad adottare tenendo presente il processo dí riorganizzazione scaturito dalTaumentato rapporto alunni/docente, il conseguente maggiore affollamento delle aule

delia cassazione dopo il códice dei processo amministrativo, in Foro it, 2012, l, p. 749; ANTONIOLI, M., Spigolature sul nuovo giudizio di ottemperanza, in Dir. proc. amm., 2011, p. 1291; ID., Sub art. 112, in

e Ia relativa inidoneità delle stesse a contenere gli alunni in condizioni di sicurezza, salubrità e vivibilità (che

Códice dei processo amministrativo, a cura di PICOZZA, E., Torino, 2010, p. 206; TARULLO, S., // giudizio di ottemperanza, in Giustizia amministrativa, a cura di SCOCA, G., 4° ed., Torino, 2011, p. 563 ss.

costituiscono implicazione di carattere strutturale, non risolvibile attraverso misure di carattere meramente organizzativo, ma unicamente affrontabile attraverso una mirata riqualificazione edilizia degli edifici e delle aule), vá ordinata ai Ministero delTIstruzione, Università e Ricerca scientifica ed ai Ministero delíEconomia e delle Finanze, 1'emanazione, di concerto, dei predetto piano generale, entro il termine di giorni 120 dália comunicazione o notificazione delia presente sentenza, al!'uopo utilizzando lê risorse strumentali, finanziarie ed umane già assegnate in via ordinária e senza nuovi o maggiori oneri per Ia finanza pubblica». 17. Si tratta delia sentenza dei T.A.R. Lazio Roma, Sez. II, 30 luglio 2012, n. 7028, su ricorso promosso dal CODACONS. 18. T.A.R. Lazio Roma, 6 settembre 2013, n. 8154.

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Anteriormente ai códice dei 2010 si vedano: DE LEONARDIS, R, L'ottemperanza nell'amministrazione - Tra imparzialitò e commissario ad acta, Torino, 1995; FERRARA, L., Dal giudizio di ottemperanza ai processo di esecuzione, Milano, 2003; NIGRO, M., L'appello nel processo amministrativo, Milano, 1960; ID., // giudicato amministrativo ed il processo di ottemperanza, in Atti dei XXVIT Convegno di studi di scienza deH'amministrazione, svoltosi a Varenna 17-19 settembre 1981, Milano, 1983, p. 72; PIGNATELLI, N., // giudizio di ottemperanza dinanzi agli effetti delia illeglttimità costituzionale: Ia violazione «in astratto» de! giudicato, in Foro it, 2011, III, p. 96; SASSANI, B., Dal controllo dei potere aH'attuazione dei rapporto, Milano, 1997; TRIMARCHI, F., // doppio grado nel giudizio di ottemperanza, in // giudizio

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

creato dal códice dei 2010, essendo il giudizio in esame previsto già da molti anni nel sistema italiano. È opportuno ricordare che, dal punto di vista storico, Ia nascita dei giudizio di Ottemperanza si deve allapplicazione di «due regole o principi: a) il principio delia divisione dei poteri; b) il principio di autoritarietà delFazione delia pubblica amministrazione»21. Per ridurre Ia posizione di supremazia deH'amministrazione sui cittadini e rendere effettivo Ibbbligo di conformazione di questa alia sentenza dei giudice ordinário e rispettare, ai tempo stesso, Ia separazione tra amministrazione e giurisdizione, venne creato il giudizio di Ottemperanza22. L'art. 4, n. 4, delia legge 31 marzo 1889, n. 5992, attribui alia Quarta sezione dei Consiglio di Stato il ruolo di garantire lesecuzione delle sentenze dei giudici ordinari; tale previsione venne poi trasfusa nelFart. 26, n. 5, dei testo único delle leggi sul Consiglio di Stato dei 2 giugno 1889, n. 6166, e successivarnente, nelFart. 27, comma 1°, n. 4, dei régio decreto 26 giugno 1924, n. 1054, il quale in riferimento allesecuzione delle sentenze dei giudice ordinário, stabiliva che il Consiglio di Stato aveva giurisdizione di mérito sui «ricorsi diretti ad ottenere ladempimento dellbbbligo dellautorità amministrativa di conformarsi, in quanto riguarda il caso deciso, ai giudicato dei Tribunali che abbia riconosciuto Ia lesione di un diritto civile o político»; norma che era considerata da autorevole dottrina come «Ia pietra angolare su cui si fonda[va]» il sistema di giustizia amministrativa «che - cosi come vuole Ia Costituzione - deve assicurare, in sede di giudizio di Ottemperanza anche ai di lá dei limiti dei sindacato di legittimità, Ia tutela giurisdizionale degli interessi legittimi»23.

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IL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA • Giovanni Bonato

costante, nel presupposto che nella pronuncia di annullamento si rinviene anche «una pronuncia dichiarativa delia lesione da parte dellamministrazione di un interesse giuridicamente protetto e pertanto dellbbbligo dell'amministrazione alia restaurazione dei medesimo»25. Anteriormente a tale data, infatti, nella pratica non era sorta Ia necessita di predisporre un apposito procedimento per garantire lesecuzione delle sentenze dei giudici amrninistrativi, visto che solo due sentenze su cinquemila delia quarta sezione dei Consiglio di Stato non erano state spontaneamente adempiute26. Successivamente, l'art. 37 delia legge istitutiva dei Tribunali Amrninistrativi Regionali dei 6 dicembre 1971, n. 1034, estese espressamente Fapplicabilità dellbttemperanza alie sentenze amministrative; Ia legge dei 21 luglio 2000, n. 205, integro Ia legge n. 1034 dei 1971 con nuove disposizioni. Infine, come già indicato, Fattuale assetto normativo dei giudizio di Ottemperanza è contenuto nel códice dei processo amministrativo dei 2010. 2.1.

Caratteristiche general! dei giudizio di Ottemperanza

II giudizio di Ottemperanza appartiene alia cosiddetta «giurisdizione di mérito»27, il cui elenco è stabilito in maniera tassativa alFart. 134 dei c.p.a.28. Trattasi di un giudizio che assicura in via giurisdizionale lesecuzione delia sentenza e permette ai giudice amministrativo di sostituirsi alFamministrazione inadempiente. A questo riguardo, ricordiamo che Fart. 7, comma 6°, c.p.a. dispone che: «ilgiudice amministrativo esercita giurisdizione con cognizione estesa ai mérito nelle controversie indicate dália legge e dallarticolo 134», aggiungendo

II citato art. 27, n. 4, venne poi applicato dália giurisprudenza anche alie sentenze amministrative a partire dal 192824, formando da allora una prassi 25. Dália motivazione delle sentenze citate nella nota precedente. 26. In questo senso CALABRO, C, Giudizio amministrativo per rottemperanza ai giudicati, in Enciclopédia Treccani, Roma, 2002, p. 2, che richiama lê informazioni fornite da CAMMEO, F., Commentario delle leggi sulla giustizia amministrativa, Milano, 1901, p. 311.

di Ottemperanza, Miiano, 1983, 217 ss.; VILLATA, R., Riflessioni in tema di giudizio di Ottemperanza ed attivitò successiva alia sentenza di annullamento, in Studi per il centenário delia Quarta sezione, Roma, 1989, 949 ss. e in Dir. proc. amm., 1989, 369 ss; PELILLO, S., // giudizio di Ottemperanza alie sentenze dei giudice amministrativo, Milano, 1990; GALLO, C.E., Ottemperanza (giudizio di) (díritto processuale amministrativo), in Ene. dir., Annali, Milano, 2008; VERRIENTI, L., Giudizio di Ottemperanza, in Digesto discipline pubblicistíche, vo\. VII, Torino, 1991, p. 257 ss.

27.Sulla natura giurisdizionale delia c.d. giurisdizione di mérito dei giudice amministrativo si veda già Ia risalente pronuncia delia Corte di cassazione, 8 luglio 1953, n. 2157. Sul punto si veda: POTOTSCHNIG, U. Origini e prospettive dei sindacato di mérito nella giurisdizione amministrativa, in Riv. trím. dir. pubbl., 1969, p. 513; TRAVI, A., Lezioni di giustizia amministrativa, cit., p. 188; POLICE, A., Giurísdizione amministrativa. Giurisdizione di mérito, in www.treccani.it, Diritto on Une, 2015 (accesso 15.07.2015).

Per un panorama delTesecuzione deíla sentenza amministrativa in altri paesi europei, si veda: TRAVI, A., Verso una convergenza dei modelli di processo amministrativo?, in Forme e strumenti delia tutela nei confronti dei provvedimenti amrninistrativi nel diritto italiano/ comunitário e comparato, a cura di FALCON, G. D., Padova, 2010, p. 7 ss.

28. Ai sensi dell'art. 134 c.p.a.: «II giudice amministrativo esercita giurisdizione con cognizione estesa ai mérito nelle controversie. aventi ad oggetto: a) l'attuazione delle pronunce giurisdizionali esecutive o dei giudicato nell'ambito dei giudizio di cui ai Titolo l dei Libro IV; b) gli attí e lê operazioni in matéria elettorale, attribuiti alia giurisdizione amministrativa; c) lê sanzioni pecuniarie Ia cui contestazione è devoluta alia giurisdizione dei giudice amministrativo, comprese quelle applicate dalle Autorità amministrative indipendenti e quelle previste dairarticolo 123; d) te contestazioni sui confini degli enti territoriali; e) il diniego di rilascio di nulla osta cinematográfico di cui all'articolo 8 delia legge 21 novembre 1962, n. 161».

21. VERRIENTI, op. ult. cit, p. 259-260. 22. VERRIENTI, op. ult. cit., p. 260. 23. In tal senso GIANNINI, M.; PIRAS, A., Giurisdizione amministrativa e giurisdizione ordinária nei confronti delia pubblica amministrazione, in Ene. dir., vol. XIX, Milano, 1970, p. 229 ss, spec. p. 265. 24. Si tratta delle decisioni nn. 181 e 182 delia quarta sezione dei Consiglio di Stato, inforo/t., 1928, III, p. 102.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

IL GILIDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA • Giovanní Bonato

che «nellesercizio ai tale. giurisdizione il giudice amministrativo può sostituirsi allamministrazione».

Costituzionale34, nonché Ia Relazione finale di accompagnamento ai c.p.a. in cui si fa riferimento alia «storica natura "mista" dei giudizio di ottemperanza, che non è pura esecuzione, ma presenta fisiologici momenti di cognizione»35. In ragione delia sua natura mista, il giudizio di ottemperanza si differenzia dallesecuzione forzata, disciplinata dal códice di procedura civile, in cui, in via generale, non si hanno aspetti di cognizione36. Tra Taltro, próprio in ragione di tale natura mista, 1'istituto in discorso è denominato come «giudizio di ottemperanza», in ragione delia «attuazione in senso ampio delle pronunce con ampi spazi cognitori e non da mera esecuzione»37.

IJesecuzione di una sentenza dei giudice amministrativo implica, infatti, 1'adozione di prowedimenti amministrativi e con il giudizio di ottemperanza il giudice viene coinvolto direitamente nel potere amministrativo. Una sentenza di annullamento di un prowedimento amministrativo, infatti, produce diversi effetti: un effetto di eliminazione di quanto prodotto dal prowedimento annullato; un effetto ripristinatorio che tende a ricreare Ia situazione giuridica che si sarebbe creata senza il prowedimento annullato; un effetto di rinnovazione o di conformazione che impone alTamministrazione un determinato comportamento, secondo quanto indicato nella decisione29. Per tali motivi, si ritiene che il giudizio di ottemperanza si caratterizzi per «unamplissima fungibilità fra intervento dei giudice e attività deiiammimstrazione»3" e che quesfultima non possa oppore allbrgano giurisdizionale nessuna riserva di potere31. Come sottolineato in dottrina, infatti, Ia «necessita di dare esecuzione alia sentenza prevale anche su ogni altro valore ordinamentale»32. II giudizio di ottemperanza si lega, quindi, direitamente allart. l dei c.p.a., il quale, nellambito dei principi generali delia giustizia amministrativa, dispone che: «Ia giurisdizione amministrativa assicura una tutela piena ed effettiva secondo i principi delia Costituzione e dei diritto europeo». Si afferma, altresí, che il giudizio di ottemperanza abbia una natura mista, di cognizione e di esecuzione: Ia prima è destinata allesame delleventuale inadempimento deiramministrazione, dato dalFinerzia o dal mancato rispetto delia sentenza, ed è deputata a indicare 1'attività che deve essere compiuta e, se dei caso, alia dichiarazione di nullità degli atti adottati; Ia seconda permette ai giudice di sostituirsi aH'amministrazione anche nelFambito dei potere discrezionale di quesfultima, eventualmente attraverso Ia nomina di un commissario ad acta (su cui vedi infra). A sostegno delia natura mista dei giudizio di ottemperanza possiamo ricordare alcune pronunce delia giurisprudenza amministrativa33, delia Corte 29. Sul punto si veda Migro, Mário, Giustizia amministrativo, Bologna, 5° ed., 2000, p. 303 ss. 30. TRAVI, A., Giudizio di ottemperanza, cit, § 1. 31. ALBÉ, A., Istanza per 1'adozione di una nuova disciplina urbanística e silenzio dell'amministrazione, in Urb. app., 2012, p. 1322 ss. 32. TRAVI, A., Giudizio di ottemperanza, cit., § 4. 33.Sulla-natura mista dei giudizio di ottemperanza si veda: Cons. St., sez. V, 16 giugno 2009, n. 3871, secondo cui «è pacifico che compete ai giudice deH'ottemperanza (...) integrare 1'originario disposto delia sentenza da eseguire con statuizioni che ne costituiscono non un mera "esecuzione", ma "attuazione"

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3.

LA DOMANDA E IL PROCEDIMENTO NEL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA

L'art. 112. comma 1°. m a dispo^e che: «I srovvsdimcnti dcl fiadice amministrativo devono essere eseguiti dália pubblica amministrazione e dalle altre parti» e che Ia sentenza dei giudice amministrativo conteniene «1'ordine '

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in senso stretto, dando cos) luogo ai c.d. fenómeno dei giudicato a formazione progressiva e risolvendo eventuali problemi di interpretazione e di integrazione che sarebbero comungue devoluti alia própria giurisdizione»; Cons. St., Sez. VI, 3 marzo 2008, n. 796, che riconosce espressamente ai giudizio di ottemperanza «natura mista, di esecuzione e di cognizione»; Cons. Stato, Sez. V, 22 settembre 2008 n. 4563, cit, secondo cui il giudice dell'ottemperanza è titolare di poteri congiuntamente sostitutivi, ordinatori e cassatori, il cui esercizio tende ad integrare ('originário disposto delia sentenza con statuizioni che ne costituiscano non già mera «esecuzione», ma «attuazione» in senso stretto, nella prospettiva di un giudicato a formazione progressiva. 34.Secondo Ia Corte Costituzionale, 12 dicembre 1998, n. 406, «il giudizio di ottemperanza, secondo 1'attuale elaborazione giurisprudenziale, ricomprende una pluralità di configurazioni (in reiazione alia situazione concreta, alia statuizione dei giudice e alia natura delTatto impugnato), assumendo talora (quando si tratta di sentenza di condanna ai pagamento di somma di denaro esattamente quantificata e determinata nelTimporto, senza che vi sia esigenza ulteriore di sostanziale contenuto cognitorio) natura di semplice giudizio esecutivo (...) e quindi qualificabile come rimedio complementare che si aggiunge ai procedimento espropriativo dei códice di procedura civile, rimesso alia scelta dei creditore. In altri casi il giudizio di ottemperanza può essere diretto a porre in essere operazioni materiali o atti giuridici di piú stretta esecuzione delia sentenza; in altri ancora ha l'obiettivo di conseguire una attività provvedimentale deiramministrazione ed anche effetti ulteriori e diversi rispetto ai prowedimento originário oggetto delia impugnazione; inoltre può essere utilizzato, in caso di matéria attribuita alia giurisdizione amministrativa, anche in mancanza di completa individuazione dei contenuto delia prestazione o attività cui è tenuta rammmistrazione, laddove invece 1'esecuzione forzata attribuita ai giudice ordinário presuppone un titolo esecutivo per un diritto certo, liquido ed esigibile». 35. Relazione governativa su «Decreto legislativo concernente attuazione dell'articolo 44 delia legge 18 giugno 2009, n. 69, recante delega ai Governo per il riordino dei processo amministrativo», in www. lexitalia.it, settembre 2010, (acesso 15.07.2015). 36. MARI, G., // giudizio di ottemperanza, cit., § 2. 37. CERRETO, A., // nuovo volto deH'ottemperanza, cit., § 12.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

che Ia decisione sia eseguita dallautorità amministrativa» (art. 88, comma 2°, lett./, c.p.a.)38. Come dispone 1'art. 112, comma 2°, «Lhzione di ottemperanza può essere proposta per conseguire lattuazione: a) delle sentenze dei giudice amministrativo passate in giudicato; b) delle sentenze esecutive e degli altri provvedimenti esecutivi dei giudice amministrativo; c) delle sentenze passate in giudicato e degli altri provvedimenti ad esse equiparati dei giudice ordinário, ai fine di ottenere ladempimento dettbbbligo delia pubblica amministrazione di conformarsi, per quanto riguarda U caso deciso, ai giudicato; d) delle sentenze passate in giudicato e degli altri provvedimenti ad esse equiparati per i quali non sia previsto U rimedio dellbttemperanza, ai fine di ottenere ladempimento dellbbbligo delia pubblica amministrazione di conformarsi alia decisione; e) dei lodi arbitrali esecutivi divenuti inoppugnabili ai fine di ottenere ladempimento dellbbbligo delia pubblica amministrazione di conformarsi, per quanto riguarda H caso deciso, ai giudicato». Da notare che nel riferito elenco, una novità di rilievo merita di essere segnalata: il giudizio di ottemperanza può essere proposto anche in base ad una sentenza non passata in giudicato dei giudice amministrativo. Mentre, per quanto riguarda lê sentenze dei giudice ordinário, è necessário che queste siano passate in giudicato. II riferimento agli «altri provvedimenti esecutivi dei giudice amministrativo», di cui ai citato art. 112, comma 2°, fa riferimento ai decreti ingiuntivi, di cui alFart. 118 c.p.a.39, e alie ordinanze cautelari (art. 114, comma 5°). In relazione ai lodi arbitrali, il c.p.a. conferma un indirizzo giurisprudenziale che, anche prima dei 2010, ammetteva lesperibilità dei giudizio di ottemperanza in base alia decisione degli arbitri40.

38. Sull'obbligo del!'amministrazione di eseguire una sentenza si veda: Cons. Stato, sez. V, 29 dicembre 2009, n. 8997, secondo cui «Ia spontanea esecuzione da parte delia p.a. soccombente» costituisce un'attività

IL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA • Gíovanni Borato

Si ritiene che il giudizio di ottemperanza non sia ammissibile qualora si tratti di decisioni auto-esecutive, anche dette autoapplicative o autosatisfattive, che soddisfano Ia pretesa delia parte ricorrente attraverso 1'eliminazione dei prowedimento contestato, annullando atti sanzionatori, come una sanzione disciplinare, da cui non sono derivate ulteriori conseguenze, o annullando provvedimenti che richiedono una successiva attività materiale, ma che non è ancora iniziata41. Sono, altresí, inidonee ad instaurare un giudizio di ottemperanza: lê decisioni che respingono il ricorso proposto42; lê decisioni meramente processuali43; lê sentenze di condanna genérica dei giudice ordinário, poiché il giudice amministrativo dellbttemperanza non ha il potere di quantificare lê «somme dovute tutte lê volte che Ia stessa non si traduce in mere ed automatiche operazioni di calcolo scevre da profili di contestazioni in farto o diritto»44. L'art. 112, comma 5°, stabilisce che il giudizio di ottemperanza «può essere proposto anche ai fine di ottenere chiarimenti in ordine alie modalità di ottemperanza»: si parla in tal caso di «ottemperanza di chiarimento» o di «delucidazione»45. Lart. 114, comma 7°, aggiunge che anche il commissario ad acta può chiedere indicazioni ai giudice amministrativo in relazione alie arbitrato, in AA.VV., // nuovo processo amministrativo, direito da Caranta, A., cit., p. 173 ss., spec. p. 195 ss., che si esprime in senso favorevole rispetto alia previsione delTart. 112, iett. e), d.lgs. n. 104 dei 2010, che «ha il pregio di mettere fine ai dibattito quanto aH'ammissibilità dei giudizio di ottemperanza per il lodo dichiarato esecutivo e inoppugnabile, rafforzando, di conseguenza, anche il rimedio arbitrale» (p. 202). Sulla natura e sugli effetti dei lodo arbitrale nelTordinamento italiano, sia permesso di rinviare a BONATO, G., to natura e gli effetti dei lodo arbitrale. Studio di diritto italiano e comparato, Napoli, 2012, p. 249 ss. 41. Sulle sentenze auto-esécutive si vedano in giurisprudenza: Cons. St, sez. V, 20 febbraio 2012, n. 908; Cons. St., sez. V, 29 agosto 2006, n. 5038; Cons. St., 14 ottobre 2008 n. 4972; Cons. St., sez. IV, 30 settembre 2008, n. 4723, in Foro amm. CdS, 2401; Cons. St., Ad. plen., 4 novembre 1998, n. 8, in Foro amm. CdS, 1998, 11. In dottrina sul tema si rinvia a GALLO, C.E., Manuale di giustizia amministrativa, Torino, 2001, p. 245. 42. Cons. St., Sez. V, 19 settembre 2008, n. 4523; Cons. Stato, Sez. V, 15 luglio 1998, n. 1060, in Foro amm., 1998, p. 2083.

«doverosa» e che «risponde a regole di buona amministrazione». 39. Si veda ai riguardo: Cons. St., sez. V, 8 settembre 2011, n. 5045, in Foro amm. CdS, 2011, p. 2781; Tar Lazio, Roma, sez. II, 20 febbraio 2012, n. 1712; Tar Lazio, Latina, sez. l, 24 gennaio 2012, n. 47, in Foro amm. TAR, 2012, p. 186; Tar Puglia, Bari, sez. l, 8 novembre 2011, n. 1688, Foro amm. TAR, 2011, p. 3611. 40. In questa direzione, si vedano: Tar Campania, Napoli, 27 aprile 2010, n. 2154; Tar Lazio, Roma, 26 ottobre 2009, n. 10413. Ma in senso contrario si erano espressi: Tar Puglia, Lecce, 9 ottobre 2008, n. 2800, in Riv. arb., 2009, p. 108 ss., con nota critica di PANZAROLA, A., Giudizio di ottemperanza e lodo rítuale d! condanna delia PA; Tar Campania, Napoli, 14 aprile 2009, n. 1967, www.amb/entediritto.it; Tar Campania, Napoli, l marzo 2010, n. 1213, in www.ambientediritto.it. Sulla questione si rinvia a: VITALE, M., L'ottemperanza ai giudicato arbitrale, in AA.VV., Sull'arbitrato. Studi offerti a Giovanni Verde, Napoli, 2010, p. 881 ss.; DELSIGNORE, M., Kapporti tra giudizio amministrativo e

43. Cons. St., Sez. IV, 31 luglio 2007, n. 4244; Cons. Stato, Sez. IV, 30 novembre 1982, n. 788, in Foro amm., 1982, p. 1831. 44. Cons. St., sez. VI, 21 dicembre 2011, n. 6773, in Dir. & giust., 2012,16 gennaio; Id., Sez V, 16 novembre 2010, n. 8064, in Foro amm. CdS, 2010, 2372. 45. MARI, G., // giudizio di ottemperanza, cit., § 5. Sulla natura deH'ottemperanza di chiarimento afferma Giannini, D., // nuovo giudizio di ottemperanza dopo il códice dei processo amministrativo, Milano, 2011, p. 134, che: «Ia novità dell'istituto riposa principalmente nel fatto che detta azione sembra avere causa petendi e petitum atipici: con essa, di per sé, non si contesterebbe nessuna illegittimità o inadempienza delCazione amministrativa, ma si chiederebbe ai giudice di interpretare una precedente sentenza (resa nel giudizio di cognizione), onde spiegare piú approfonditamente quali siano gli effetti conformativi che ne derivano».

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

IL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA • Giovanni Bonato

modalità dellesecuzione46. In propósito, Ia giurisprudenza ha sentito Fesigenza di sottolineare che il giudizio di ottemperanza non deve costituire uno strumento attraverso il quale Fanaministrazione cerca di ritardare lesecuzione delia sentenza47.

sentenza di un Tribunale amministrativo regionale o Ia riforma senza nessuna ripercussione sul dispositivo o sugli effetti delia sentenza, Ia competenza per il giudizio di ottemperanza spetta a quesfultimo organo; in tal caso, secondo quanto stabilito dalFart. 113, comma 1°, c.p.a. il giudice di secondo grado deve aver confermato con «motivazione che abbia Io stesso contenuto dispositivo e conformativo dei provvedimenti di primo grado», IJesecuzione delia sentenza di un giudice ordinário o di un arbitro deve essere chiesta ai Tribunale amministrativo regionale nella cui circoscrizione ha sede il giudice che ha pronunciato Ia sentenza, di cui è chiesta Ibttemperanza (art. 113, comma 2°, c.p.a.)50. Tuttavia, nel caso in cui debba essere eseguita una sentenza delia Corte dei conti o di una Commissione tributaria, saranno questi stessi organi a controllare lesecuzione dei prowedimento da loro emanato.

II ricorso per Ibttemperanza deve essere notificato alFamniinistrazione e a tutte lê altre parti dei giudizio di mérito, come indicato dalFart. 114, comma 1°, c.p.a.48. Dopo essere stato notificato, il ricorso deve essere depositato presso il giudice competente, insieme alia copia autentica dei prowedimento da eseguire, nel rispetto dei termine di cui allart. 45 c.p.a. Non trattandosi di un giudizio di natura impugnatoria, per Ia proposizione dei ricorso per Ibttemperanza il legislatore non prevede un termine di decadenza. Ad ogni modo, il diritto ad ottenere lesecuzione dei prowedimento nei confronti delia pubblica amministrazione si prescrive in dieci anni (secondo i termini di prescnzione ordmari), che iniziano a decorrere daila data dei passaggio in giudicato delia sentenza (art. 114, comma 1°, c.p.a.). Quando si tratta di una sentenza dei giudice amministrativo, Ia competenza per il giudizio di ottemperanza spetta alio stesso giudice che ha emanato il prowedimento, «sul presupposto che il miglior interprete dei prowedimento di cui si chiede Fattuazione non possa che essere il medesimo giudice che Io ha prommciato»49. A questo riguardo, nella Relazione finale di accompagnamento ai c.p.a. si legge che: «si è ritenuto di non seguire Fosservazione formulata dália Commissione Giustizia delia Camera, che chiedeva il doppio grado anche nella sede di ottemperanza e, quindi, Ia proposizione dei ricorso sempre prima dinanzi ai Tribunale amministrativo regionale, essendosi stimato preferibile mantenere Fattuale assetto dei giudizio di ottemperanza e, quindi, prevedere che il giudice dellbttemperanza sia próprio quello da cui è scaturita Ia regola júris da attuare». In base alie richiamate regole, ne deriva che qualora si tratti di sentenza dei Consiglio di Stato, tale giudice sara conseguentemente competente in único grado. Tuttavia, quando il Consiglio di Stato conferma in appello una

II processo per Ibttemperanza delia sentenza si svolge secondo lê regole generali (art. 38 c.p.a.), seguendo il rito camerale (art. 87, co. 2, c.p.a.), i termini processual! sono, quindi, ridotti delia meta. II prowedimento è emanato con sentenza in forma semplificata (art. 114, comma 3°, c.p.a.). 4.

LA PRONUNCIA DEL GIUDICE NEL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA

Come già indicato, con il giudizio di ottemperanza, il giudice si sostituisce alFamministrazione e il códice gli conferisce ampi poteri per dare esecuzione alia sentenza. II giudice può integrare Ia sentenza di cui è chiesta Ibttemperanza, 50. Quanto alia competenza dei giudice amministrativo in relazione ai giudizio di ottemperanza dei provvedimenti dei giudici ordinari, il Consiglio di Stato, sez. VI, 21 dicembre 2011, n. 6773, ha ritenuto manifestamente infondata Ia questione di legittimità costituzionale di tale previsione, di alTart. 112, comma 2°, lett. c, di cui veniva lamentata Ia violazione degli artt. 3, 24, 111 e 113 delia Costituzione. La decisione dei Consiglio è fondata essenzialmente su due tipi di considerazioni: «il giudizio di ottemperanza è un rimediofacoltativo e non obbligatorio, rispetto alio strumento di attuazione dei giudicato civile costituito dall'ordinario procedimento di esecuzione forzata proponibile dinanzi ai giudice ordinário, sicché i due rimedi possono integrarsi e completarsi a vicenda (a seconda delia concreta fattispecie processuale e sostanziale dedotta in giudizio), e 1'eventuale incompletezza e/o inadeguatezza dello strumentario di tutela nelTambito di uno dei due rimedi è, in ogni caso, neutralizzata dália facoltà dell'avente diritto di ricorrere a!l'aitro (...), per cui una sua eventuale espunzione dalTordinamento finirebbe per diminuire, anziché aumenta ré, l'effettività delia tutela giurisdizíonale dei diritti soggettivi nei confronti delia pubblica amministrazione»; «1'oggetto dei giudizio di ottemperanza è rappresentato dália puntuale verifica, da

46. Sul punto si veda, per il sistema previgente, Clarich, M., L'effettività delia tutela nelTesecuzione delle sentenze dei giudice amministrativo, in D/r. proc. amm., 1998, 545. 47. In questi termini si vedano: Cons. St., sez. VI, 25.10.2012, n. 5469; Cons. St., sez. VI, 19 giugno 2012, n. 3569. 48. Si deve ricordare che Ia notifica dei ricorso deve essere effettuata alie parti direitamente e non ai loro difensori nel giudizio di cognizione. Sul punto si veda: Cons. St., sez. V, 23 febbraio 2012, n. 1060. 49.MARI, G., op. ult. cit, § 6.

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parte dei giudice dell'ottemperanza stessa, delTesatto adempimento deH'amministrazione delTobbligo di conformarsi ai giudicato perfar conseguire concretamente alTinteressato 1'utilità o il bene delia vita già riconosciutogli in sede di cognizione; detta verifica, che deve essere condotta nelTambito dello stesso quadro processuale che ha costituito il substrato fattuale e giuridico delia sentenza di cui si chiede 1'esecuzione, comporta da parte dei giudice dell'ottemperanza una delicata attività di interpretazione dei giudicato ai fine di enucleare e precisare il contenuto dei comando». Per il Consiglio di Stato, quindi, «non è ravvisabile neppure Ia violazione delle norme e dei principi costituzionali in matéria di riparto di giurisdizione».

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

emanando statuizioni che sono anche attuazione in senso stretto dei prowedimento e non solo una sua esecuzione. Si parla, pertanto, in questo caso di un giudicato a formazione progressiva. A ogni modo, nelFambito dei giudizio di ottemperanza, il giudice incontra chiaramente dei limiti poiché non può attribuire «un diritto nuovo ed ulteriore rispetto a quello fatto valere ed affermato con Ia sentenza da eseguire, anche se sia ad essa conseguente o collegato, non potendo essere neppure proposte domande che non siano contenute nel decisum delia sentenza da eseguire»51. Lê varie misure (intimatorie o compulsorie, repressive e sostitutive) che il giudice dellbttemperanza può adottare vengono elencate nel comina 4° deli art. 114. In tale âmbito, il giudice può emanare alcune misure ordinatorie, come Ia fissazione di termini per prowedere, Ia precisazione di modalità esecutive, determinare il contenuto dei prowedimento amministrativo o emanare il prowedimento inluogo dellaniministrazione (lett. a). L'art. 114, comma4°, lett. b, attribuisce ai giudice dellbttemperanza il potere di dichiarare Ia nullità degli atti adottati daU'amministrazione contrari ai prowedimento giurisdizionale da eseguire, atti adottati in violazione o in elusione alia sentenza. II giudice può dichiarare Ia nullità degli atti anche d'ufficio, senza essere assoggettato ai termini previsti dalFart. 31, comma 4°, c.p.a., per i casi di nullità degli atti. Nella scelta delle misure, il giudice dellbttemperanza deve emanare quelle che appaiono piú adeguate e idonee a garantire leffettività dellesecuzione. Essendo nelFambito delia giurisdizione di mérito, il giudice può adottare un nuovo atto amministrativo, modificare o riformare quello impugnato in luogo delFamministrazione (art. 34, comma 1°, c.p.a.); egli può assumere tutti i poteri delFamniinistrazione e gestirli autonomamente in sostituzione. II giudice dellbttemperanza, quindi, può arrivare a «sostituire de plano Ia própria decisione sulFassetto degli interessi allomesso (owero nullo, o ancora inefficace) prowedimento delFamniinistrazione»52. Quanto alio spettro dei poteri dei giudice dellbttemperanza possiamo ricordare il caso delia sostituzione delia parte ricorrente con Ibriginario aggiudicatario, indicato nelFatto amministrativo poi annullato, in relazione alFaggiudicazione di una gara pubblica53. Al fine di indurre Famministrazione alFadempimento delia sentenza, il giudice dellbttemperanza può pronunciare delle misure coercitive di

51. Cons. St., sez. IV, 25 novembre 2003, n. 7778; Cons. St, 17 gennaio 2002, n. 247; Cons. St., 9 gennaio 2001, n. 49. 52.TARULLO, S., op. ult. cit., § 14. 53. Per questa ipotesi, si veda: Cons. St., Ad. Plen., 30 luglio 2008, n. 9; ID., 21 novembre 2008, n.12.

IL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA • Giovanni Bonoto

esecuzione indiretta (astreintes), fissando, salva Ia manifesta iniquità o Ia sussistenza di altre ragioni ostative, su domanda di parte, una somma di denaro dovuta dal resistente per ogni violazione o inosservanza successiva, owero per ogni ritardo nellesecuzione dei prowedimento, con statuizione integrante titolo esecutivo (art. 114, comma 4°, lett. e, c.p.a). Come affermato dália giurisprudenza, siamo in presenza di: «una misura coercitiva indiretta a carattere pecuniário, modellata sulla falsariga delFistituto francese áelYastreinte, che mira a vincere Ia resistenza dei debitore, inducendolo ad adempiere ali' obbligazione sancita a sua carico dallbrdine dei giudice. Si deve aggiungere, ai fini che qui rilevano, che detta misura assolve ad una finalità sanzionatoria e non risarcitoria in quanto non mira a riparare il pregiudizio cagionato dallesecuzione delia sentenza ma vuole sanzionare Ia disobbedienza alia statuizione giudiziaria e stimolare il debitore alFadempimento. Trattasi, cioè, di una pena e non di un risarcimento»54. La sentenza dei Tribunale amministrativo regionale e emanata nelFambito di un giudizio di ottemperanza è impugnabile con Fappello dinanzi ai Consiglio di Stato e con gli altri rimedi previsti dalFart. 91 c.p.a. Secondo quanto disposto dali art. 114, comma 9°, c.p.a., i termini processuali sono quelli ordinari. Contro Ia sentenza dei Consiglio di Stato pronunciata in único grado nelFambito dei giudizio di ottemperanza o in grado di appello sullbttemperanza di un Tribunale amministrativo regionale, è proponibile ricorso per cassazione dinanzi alia Suprema Corte, per violazione dei limiti esterni delia giurisdizione amministrativa55. 5.

IL COMMISSARIO AD ACTA

Come piú volte indicato, per garantire leffettività dellesecuzione delia sentenza nei confronti deli amministrazione, il giudice amministrativo si sostituisce a quesfultima. Tuttavia, poiché Fesecuzione delia sentenza può implicare Fadozione di prowedimenti complessi e che comportano delle valutazioni discrezionali, il giudice amministrativo non procede direttamente alFattuazione delia sentenza e, in base alia previsione di cui ali art. 114, comma 4°, lett. d, nomina un commissario ad acta, Ia cui funzione è quella di agire in luogo 54. In questi termini si è espresso il Cons. St., 20 dicembre 2011, n. 6688; Cons. St., sez. V, 3 maggio 2012, n. 2547; Cons. St., sez. V, 14 maggio 2012, n. 2744. In dottrina, si veda: VIOLA, L, Lê astreintes nel processo amministrativo e Ia pretesa incompatibilità con lê obbligazioni pecuniarie delia P.A., in Foro ommistrativo TAR, 2012, p. 815. 55. Sul punto si vedano: C. Cass., 19 lulgio 2006, n. 16469, in Foro it, Mass., 2006, p. 1416; C. Cass., 9 novembre 2011, n. 23302, in Dirproc. amm., 2012, p. 127.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

IL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA • Giovanni Bonato

delFamministrazione totalmente o parzialmente inadempiente56. Da rilevare, tuttavia, che pur essendo idêntica dal punto di vista strutturale, Fattività dei commissario è differente da quella delFamministrazione: il primo svolge il próprio incarico in base allbrdine contenuto nella decisione ottemperanda, alia quale è legato da un nesso di strumentalità57.

soltanto Fesercizio di poteri, ma anche Fassunzione di doveri, tra i quali innanzitutto quello di eseguire 1'incarico»61.

La figura dei commissario ad acta è oggi espressamente disciplinata dal c.p.a. dei 2010, agli articoli 21 e 114, comma 4°, lett. d.: Ia sua funzione è quella di prowedere in luogo delFammistrazione, sulla base di un sistema di «esecuzione surrogatoria»58. La nascita delia figura dei commissario si deve alia giurisprudenza dei Consiglio di Stato: i primi casi di indicazione di un commissario per verificare lesecuzione delle sentenze si rinvengono negli anni '30 dei secolo scorso59. Ad ogni modo, giova sottolineare che Ia legge prevede Ia nomina dei commissario ad acta soltanto «ove occorra», come dispone Fart. 114, comma 4°, lett. A f 11 A l * K"l' V. *1 ' A' *** x ,,~*,,,,i~, ,**.,! il *-n^*^~:~~ •„ ci, e l'isrt. zi «ei c.f.u. ^ta^iAio^»CuC i^ giudice «yiíG iioTiiniaTC'" ii corninissariu. con tali espressioni Ia legge vuole ribadire che Findicazione dei commissario costituisce solo una facoltà per il giudice, a cui fare ricorso per Io svolgimento di adempimenti complessi e «ampiamente discrezionali»60. Cio detto, il giudice dellbttemperanza esercita un controllo permanente sullattività dei commissario: il primo conosce «di tutte lê questioni relative attbttemperanza», comprese quelle inerenti agli atti dei secondo (art. 114, comma 6°). II commissario è, infatti, definito come longa manus dei giudice dellbttemperanza: il primo è titolare di un ufficio pubblico «che implica non 56.Sul commissario ad acta in generale si vedano: GIACHETTI, S., // commissario ad acta nel giudizio di ottemperanza: si apre un dibattito, in Foro amm., 1986, p. 1967; MAFFEZZONI, M., // commissario ad acta organo dei giudice delfottemperanza, in Foro amm., 1986, p. 296; ORSONI, G., // commissario ad acta, Padova, 2001; APREA, V. G., Inottemperanza inerzia e commissario ad acta nella giustizia amministrativa, Milano, 2003. 57. Cons. St., sez. IV, 14 ottobre 2002, n. 5652. SS.TARCampania, Napoli, sez. IV, 15 aprile 2011, n. 2162, in Foro omm.-TAR, 2011,1335; Cons. St., sez. IV, 31 maggio 2012, n. 3272. Sul modellodi esecuzione surrogatoria SASSANI, B., Dal controllo dei potere all'attuazione dei rapporto, cit., p. 132. 59.Sulle origini storiche delia figura dei commissario rinviamo a PELILLO, S., II giudizio di ottemperanza alie sentenze dei giudice amministrativo, cit., p. 294 ss. Secondo quanto riferisce CERRETGv A. // nuovo volto dell'ottemperanza, cit., § 16, Ia prima decisione dei Consiglio di Stato si rinviene è quella delia sez. V, emanata il 2 ottobre 1933, n. 566 (G. I. 1934, III, c.4), con Ia quale si fissava un termine di 30 giorni per il pagamento delia somma di danaro e altri adempimenti dovuti e in caso di persistenza delTinadempimento veniva incaricato delTesecuzione il prefeito delia província, per mezzo di suo commissario, con spese a carico deiramministrazione. 60. TARULLO, S., op. ult. cit., § 15; già prima CLARICH, M., L'effettività delia tutela nell'esecuzione delle sentenze dei giudice amministrativo, in Dir. proc. amm., 1998, 540; TRAVI, A., L'esecuzione delia sentenza, in Trattato di diritto amministrativo, a cura di CASSESE, S., vol. V, cit., p. 4648.

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DalTinserimento delFart. 21 dei c.p.a. alFinterno dei Libro I, Titolo I, Capo VI, intitolato «Ausiliari dei giudice», si deduce agevolmente che il commissario ad acta è qualificato come un ausiliario dei giudice, cio che riceve conferiria anche dal comma 6° delFart. 11462; tale soluzione si pone, altresi, in linea con quanto affermato dália Corte costituzionale63. Ne deriva che attualmente non è dato dubitare che il commissario debba possedere lê caratteristiche delia autonomia e delia terzietà, parimenti a quanto accade in riferimento agli altri ausiliari dei giudice. L'art. 21 c.p.a. prevede Fapplicazione delFart. 20, comma 2°, rendendo, pertanto, applicabili ai commissario lê norme sulla ricusazione dei consulente e dei verificatore dei giudice. II commissario potra essere ricusato per i motivi indicati dalFart. 51 dei códice di procedura civile in riferimento ai giudice. Viene, in tal modo, risolta una lunga disputa in dottrina e giurisprudenza sulla qualificazione dei commissario64, alcuni propendendo per Ia natura di organo straordinario delia pubblica amministrazione65, altri per Ia natura di organo ausiliario dei giudice66, non mancando una soluzione intermédia, in base alia quale: quando il commissario si limitava ad attuare Ia decisione giurisdizionale, veniva qualificato come un organo ausiliario dei giudice dellbttemperanza; quando effettuava una attività discrezionale, era considerato un organo straordinario deli amministrazione67. II códice dei 2010 «celebra il tramonto delia sua configurazione come organo straordinario delia pubblica amministrazione»68. 61. In tal senso TAR, Emilia Romagna, Bologna, sez. l, 9 luglio 2002, n. 922, che, in base alie premesse indicate nel testo, sottolinea che «non è dunque concesso ai commissario, se non per obiettive e motivate ragioni che siano d'ostacolo all'espletamento dei suoi compiti, di astenersi dalTadempiere Ia pronuncia dei giudice e sottrarsi cosi ai suo obbligo d'uffido». 62. Cfr. Cons. St., sez. V, 28 settembre 2011, n. 5391. 63. Corte cost., 12 maggio 1977, n. 75, in www.cortecostituzionale.it (accesso 15.07.2015). 64. Per una ricostruzione dei dibattito sulla qualificazione giuridica dei commissario, si veda: VERRIENTI, L., Giudizio di ottemperanza, cit., p. 278 ss. 65.TAR Puglia, Lecce, sez. l, 13 gennaio 2006, n. 204, secondo cui «il commissario agisce come organo straordinario deiramministrazione e non già in qualità di ausiliario dei giudice ...». 66.TAR Lazio, Roma, sez. Ill-ter, 19 gennaio 2006, n. 359. 67. In questo senso si vedano: Cons. St. sez. IV, 30 marzo 2000, n. 1834; Cons. St., sez. V, 17 aprile 2002, n. 2006; Cons. St., sez. VI, 25 giugno 2007, n. 3602. 68. ANTONIOLI, M., Spigolature sul nuovo giudizio di ottemperanza, cit., 2011, n. 4, p. 1291. Nel senso che il commissario ad acta sia un ausiliario dei giudice, titolare di un potere che trova direito fondamento nella pronuncia giurisdizionale da eseguire, si veda: Cons. St., sez. V, l marzo 2012, n. 1194.

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IL GIUDIZIO Dl OTTEMPERANZA E IL COMMISSARIO AD ACTA • Giomnni Sonoro

In conclusione, Ia creazione delia figura dei commissario ad acta cui affidare Fottemperanza dei prowedimento giurisdizionale rimasto inadempiuto dalFamministrazione pare essere unbttima soluzione per permettere, da un lato, Feffettività dellesecuzione delia decisione e, dalFaltro lato, per evitare uríinterferenza eccessiva dei giudice amministrativo nellattività delFamministrazione che richiede valutazioni complesse e discrezionali.

Da ricordare che il termine finale per Fespletamento delTincarico commissariale non viene considerato come perentorio, ma bensi ordinatorio, nella misura in cui il commissario deve far conseguire alFinteressato Futílità indicata nella sentenza da eseguire. Ne deriva che Ia funzione dei commissario termina con Ia totale esecuzione delia sentenza e 1'intervento dei commissario oltre il termine indicato non awiene in carenza di potere70.

Quanto alFimpugnazione degli atti adottati dal commissario, di cui alFart. 114, comma 6°, c.p.a., è necessário distinguere se Ia contestazione è sollevata dalle parti oppure dai terzi, secondo quanto stabilito dalFart. 114, comma 6°, c.p.a., come modificato dal decreto legislativo dei 15 novembre 2011, n. 19578. Quando una delle parti pretende contestare un atto dei commissario deve proporre reclamo, entro sessanta giorni, che deve essere notificato alie altre parti e depositato ai giudice. Come è stato chiarito dália giurisprudenza amministrativa, essendo il commissario un ausiliare dei giudice, egli pone in essere degli atti di natura giurisdizionale che, pertanto, non potranno essere soggetti ai regime delFimpugnazione degli atti amministrativi79. Al contrario, i terzi devono far valere lê loro doglianze nei confronti di un atto dei commissario, proponendo unazione ordinária di annullamento che segue lê regole di competenza per 1'impugnazione degli atti amministrativi80.

Nello scegliere il soggetto che assumerà 1'incarico di commissario, il giudice deUbttemperanza godé di un ampio potere discrezionale. II commissario non deve possedere particolari competenze e nella pratica il giudice può indicare come commissari: dipendenti pubblici, con esperienza professionale nella matéria oggetto delia controvérsia, anche a riposo69; dirigenti appartenenti alia stessa amministrazione inadempiente; magistrati amministrativi a riposo. Al contrario, il giudice può scegliere come verificatore e come consulente técnico solo chi possiede alcune specifiche competenza técnica (art. 20, comma 1°, c.p.a.).

Al fine di accellerare Fottemperanza delia sentenza, 1'art. 34, comma 1°, lett. e, stabilisce che il commissario possa essere nominato già in sede di cognizione con Ia sentenza che definisce il giudizio, il cui effetto si produrrà dália scadenza di im termine assegnato per Ibttemperanza.

Tra i casi di nomina dei commissario, meritano di essere ricordate lê seguenti fattispecie relativa a: Ia liquidazione di consorzi ai fine di risolvere i rapporti giuridici pendenti71; Ia rinnovazione di gare per Facquisto di complessi aziendali affidata ad un commissario72; Femanazione di prowedimenti che avrebbe dovuto adottare una azienda sanitária locale73; 1'installazioni di strutture sanitarie74; 1'adozione di atti in matéria di concessioni edilizie75 e di strumenti urbanistici76; il pagamento delle forniture acquisite in relazione alia gestione dei pubblici servizi locali per superare Finerzia di sindaci o giunte comunali77.

69. Si veda sul punto TAR, Sicilia, Catania, sei. l, 13 febbraio 2006, n. 200, secondo cui: «Lo stato di pubblico dipendente collocato a riposo non risulta ostativo alia nomina di commissario ad acta, atteso che lê norme non definiscono lê qualità che deve rivestire detta fondamentale figura di incaricato dal g,a., scelto intuitu personae e secondo criteri di competenza professionale». 70. Cons. Stato, Sez. V, 18 gennaio 2010 n. 136; TAR Lazio, sez. ll-6/s, 24 aprile 2007, n. 3674. 71.TAR Lazio, Latina, sez. l, 10 giugno 2008, n. 712. 72. Cons. St., sez. VI, 27 maggio 2008, n. 2510. 73. Cons. St., sez V, 31 gennaio 2006, n. 347. 74. TAR Puglia Lecce, sez. II, 23 ottobre 2004, n. 7436. 75.TAR Lazio, Roma, sez. \\-bis, 11 novembre 2004, n. 12864. 76. Cons. St., sez. V, 3 marzo 2004, n. 1013. 77. C. Conti, sez. II, 12 giugno 2002, n. 187.

78. Sul punto, ma anteriormente all'entrata in vigore dei códice dei 2010, si veda: MAUNCONICO, G,,L'impugnazione degli atti commissariali nel giudizio di ottemperanza alie sentenze dei giudice amministrativo, in Dir. proc. amm., 1993, p. 465 ss. Nel vigore dei c.p.a. si veda MARI, G., op. ult. cit, § 9. 79. Cons. St, sez. V, 21 gennaio 2011, n. 443. 80. In propósito si legge nella Relazione ai citato decreto legislativo n. 195 dei 2011 che Ia modificazione all'originario testo deN'art. 114 si è dovuta alia necessita di «chiarire: a) che il reclamo si propone dinanzi ai giudice dell'ottemperanza (e, dunque, se tale giudice è quello di appello anche direitamente ai Consiglio di Stato in único grado); il termine, entro il quale il reclamo vá notificato e depositato, è di sessanta giorni; b) che ai predetto reclamo sono assoggettabili lê sole parti tra cui si è formato il giudicato, ma non anche i terzi, ai quali invece - in quanto estranei ai giudicato e non soggetti ai relativo vincolo - è dato di fare ricorso alTordinaria azione di annullamento; infatti, Ia rés inter alios acta nei loro confronti neque iuvat neque nocet, sicché, per loro, Ia stessa sentenza non può che degradare a mero fatto giuridico: sempre rilevante, ma giammai vincolante».

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THE BRAZILIAN JUDICIARY AS AN ORGAN OF POLITICAL CONTROL Ada Pel/egrini Grinover1 Grasie/ly de Oliveira Sp/no/a2

Sumário: l. INTRODUCTION; 1. Fundamental social rights, public policies and jurisdictional control; 2. Limits to the jurisdictional performance overthe control of public policies; 3. The public policies and the individual actions; 4. The critics of the judicial activism and the judge's co-participation in the political arena; 5. The conflicts of public interest and its adequate jurisdictional protection. Characteristics of a new action; 2. AN EMBLEMATIC CASE OF FAILURE IN THE INADEQUACY OF DECISION ON PUBLIC POLICY; 2.1. The inefficiencies of the hudicial decision due to the implementation based on the wrong class action; 2.2. Diffused , Collective and Homogeneous Individual Rights; 2.3. Importance of recognizing the rights and common interests in the case of autism, for efficiency judged; III. CONCLUSIONS; IV. BIBLIOGRAPHY

I.

1.

INTRODUCTION

Fundamental social rights, public policies and jurisdictional control

The Brazilian Constitution, as well as the corresponding obligation of the government to provide the citizens with services that they are entitled to - which, in accordance with the same Constirution, are to be immediately effective - involve the necessity of positive benefits to be given by the government, and, hence, are called fundamental rights of having services provided. The fruition of rights, such as health, education, housing, work, a clean environment will, then, depend on the governmental organization that shall rule and implement 1. Full Professor at the University of São Paulo 2. Masters Degree at the University of Itaúna

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r

The principie of intangibility ofthe discretionary activities of the Administration, according to which the judiciary branch could only review the legality ofthe administrative act, but not its grounds (that is, its opportunity or convenience), hás also been worn away along the time due to the broadening of the legality concept towards the administrative activity. It ended up embracing not only the legal formal written texts, but also matters regarding the finality, the cause and the reasoning ofthe administrative act, as well as its real aim. Consequently, the concept of power misuse hás arisen and allowed the intervention ofthe judiciary branch. In Brazil, the last attempt, which definitely put an end to the idea of intangibility ofthe discretionary act, was set forth by the 1988 Constitution, since it allows a constitutional popular action to be filed against an administrative act that may be, in some way, harmful to the administrative morality. Morality shall not be mixed up with legality: the act may be both legal and immoral.

the public policies (of an equalitarian and universal nature) through both the function of the legislative branch (lawmaking), and the administrative function (steps for implementation). However, the political powers (and mainly the Administration) often stand by. They lay inert or evolve inadequate public policies that do not meet the constitutional provisions (article 6 of the Brazilian Constitution) nor the fundamental goals of the Federative Republic of Brazil (article 3 of the Brazilian Constitution). At this moment, always a posteriori, the jurisdictional function may be brought into action, as long as it is invoked, and carry out the constitutionality control over the public policy, even taking actions to implement or correct it.

THE BRAZILIAN JUDICIARY AS AN ORGAN • Ada Pellegríni Grinover e Grasielly de Oliveira Spinola

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

For this purpose, the Brazilian legal system establishes specific constitutional procedural Instruments, such as the direct action of unconstitutionality, declaratory action of unconstitutionality by omission, action of obedience to the fundamental precept and the mandatory injunction. However, as it happens in Brazil, the constitutionality control is not carried out in a direct way only, but also in a diffuse way3 Só, the first instance courts of law are responsible for carrying out the constitutionality control over the public policies, implementing or correcting them, making use of collective actions, which are of an equalitarian and universal nature, just like the public policies, leading to the rés judicata erga omnes. That point of view was rejected at first, but now it is totally accepted by the jurisprudence and by most of the Brazilian scholars. There were two opposing theories: the theory of separation of powers and the principie of intangibility of the discretionary activities of the Administration. But the strict application of the theory of separation of powers, created by Montesquieu, modeled by the principies of the liberal state, and according to which the judges role was only to be the mouth of the law, cannot be accepted by the social state any longer, and much less by the democratic rule-of-the-law state, to which the state is one single unit, and só is its sovereignty. The so-called powers of government just represent the state functions, whose exercise is originally awarded by the Constitution, but whose performance may be submitted to the control of the judiciary branch, the last guardian of the Constitution 4

3. It is worth having in mind that in Brazil the contentious administrative proceedings do not exíst, and it is up to the judiciary branch to acknowledge and judge ali the disputes even if the state is one ofthe parties. 4. Since the middle ofthe 19*. century, Justice Marshall, in the famous case Marbury vs. Madison, Justice Marshall established in the United States the principie that awards the constitutionality control to the judiciary branch, and may even undermine the law that offends the Constitution. And the Brazilian republican Constitution hás adopted that principie, which is in force until today.//

Following the same principies, the possibility of jurisdictional control of the public policies hás been adopted by several countries. índia, South África, Argentina and Colômbia, among others, have many lawsuits to submit the public policies to the jurisdictional control (in the courts of law, although more often in the Supreme or Constitutional Courts). It is not a coincidence that the necessity of control is more urgent in emerging countries, where the legislative and the executive branches often lay idle and the fundamental social rights are less respected. 2.

Limits to the jurisdictional performance over the control of public policies

Although the jurisdictional control ofthe public policies hás received the approval of the jurisprudence as well as of most of the Brazilian scholars, the Brazilian Supreme Federal Court wanted to make clear that the control hás to be seen as being exceptional and exist within certain limits 5 The first limit is the reasonableness of the intention to implement or to change some specific public policy and the unreasonable idleness or choice ofthe administration.6. Just in this case the judiciary branch is allowed to interfere, substituting its choice by the one of the administrator.

5. The leading vote of the Supreme Court in this issue was from Justice Celso de Mello, in the ADPF, number 54 of.// 6. It is worth noticing that according to the terminology of the Brazilian Supreme Federai Court, the principie of reasonableness mixes up with the principie of proportionality. Although the doctríne points out some differences between the two principies, it is possible to ascertain that the reasonableness

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

THE BRAZILIAN JUDIC1ARY AS AN ORGAN • Ada Pellegrini Grínover e Grasielly de Oliveira Spinola

The second limit is the contingency reserve fund (reserva do possível), a concept originated from the German constitutional jurisprudence: if a public policy is to be implemented or even modified, it must have enough funds in the states budget.7

administration to change the public policies, as it hás already happened with the cocktail anti-aids and, more recently, with a more modern, effective, with few side effects medicine against diabetes, which was not in the list of medications of the Unique Health Gare System (Sistema Único de Saúde).

Finally, the last limit, also originated from the German constitutional jurisprudence, is the existential minimum, which corresponds to the hard core of the fundamental rights, and without them the human being lacks dignity8. The existential minimum is also considered a limit to the limits, as its existence dismisses the obligation of the contingency reserve fund, according to another decision by the Brazilian Supreme Federal Court. 3.

The public policies and the individual actions

It hás already been said thatthe collective actions are the proper procedural way to the jurisdictional control of the public policies. Due to their necessary equalitarian and universal nature, they are the only ones that may give an equalitarian and universal jurisdictional answer. However, the access to justice, guaranteed in the article 5, item XXXV of the Constitution, rules not only the collective protection, but also the individual protection of the subjective rights. It is inevitable, therefore, that together with the collective actions, whose specific aim is to implement or correct public policies, several individual suits proliferate. They intend to seek after compensation for personal subjective rights, and, indirectly, end up influencing the public policies. The influence of the individual actions over the public policies is most of the times negative, as the judges order to grant the individual claims falis over the amount of money to be shared among ali, and, hence, it becomes significantly reduced, as already shown by the statistics. Sometimes, however, the repetition of individual actions with the same object may induce the is the subjective sub-criteria of the proportionality, and, in a concrete situation, the judge is in charge of choosíng the value that seems to be worthwhile protecting, according to the criteria that sensibly showthe common sense.// 7. However, it is necessary more than the allegation of inexistence of funds. It hás to be proved. The impossibiiity to reallocate the budget hás to be proved, too. And the judge may sentence the executiva and the legislative branches to make a specific budget forecast for the following year./ 8. It hás been argued the nature of the existential minimum by the scholars: absolute or relative, static or dynamic, externai or interna!. For us, each fundamental right hás its hard core, to be checked in the concrete situation, according to the drcumstances.//

344

4.

The critics of the judicial activism and the judge's co-participation in the political arena

The judges co-participation in the political arena, with the possibility of intervention in the legislative and administrative activities, mainly towards the public policies, is not exempt from critics directed to the so-called judicial activism. The most important critics refer both to the lack of the judge's democratic legitimacy, as he is not elected, as well as to the lack of the judge's qualification, as he would not be as prepared as the administrator to make political choices. It is exactly the fact that the judge is not elected that makes him much more immune against the political pressure that is exercised over the majority powers, and end up influencing his choices. In a majority system, like ours, the minorities' voice is suffocated and can only be heard through the judiciary branch. It is clear that the judge is obliged to hear complaints and direct them using a dialectic process, and to assume personal responsibilities because of his decisions, as well as to justify them based on reasons that are socially acceptable. The content of the jurisdictional function is essentially public, and, besides solving disputes, gives meaning and concrete expression to the public values that define a society and give it identity and coherence. On the other hand, the democratic legitimacy of the judiciary branch comes either from the polis or, more exactly, from the principies and guarantees that rule the exercise of the jurisdictional function: the impartiality, the adversarial system, the ample defense, the reasoning for the decisions, the publicity, the internai control and the political control. Concerning the alleged judges lack of qualification because he is not acquainted with technical matters, such as the budget or the administration plan regarding the public policies of a specific área and its progressive implementation, whose aim is to have coherent, balanced, fair and achievable decisions, we shall recognize that nowadays, mainly in Brazil, the judge is not duly informed, is isolated, does not have specialized assistance, is far from the administration or even from other judges or appellate courts that face similar matters. 345



public or private organs, who will be responsible for its enforcement, always in close communication with the judge and on his command.

That is the reason why the next item will approach the institutionalization of a new action, more adequate to solve the so-called conflicts of public interest, as being a suitable technique to overcome the above mentioned problems.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

5.

This new action, which requires great judicial activism, the widening of the judge's powers, as well as the dialogue method, including the dialogue among the powers of the government, greater publicity, participation and transfer, does not exist yet. However, the jurisprudence of several countries hás been able to create it, modifying the classic procedural methods.

The conflicts of public interest and its adequate jurisdictional protection. Characteristics of a new action

The conflicts of public interest or strategic are the ones designed to implement the fundamental collective rights, which means, to discuss the performance of important institutions or public services, such as the school systems, the prison systems, institutions or organizations that are responsible for protecting the public health, access to transportation, housing, sewage treatment, and urban mobility. That was the origin of the disputes of public interest that have happened since the decade of the '50s, in the last century, in the North-American legal system 9. This way, the recognition of the existence of an important category of public right disputes hás been asserting itself, and should be differenced from both the procedural protection aimed at solving private disputes, as well as from most of the collective protection, because at this moment the dialogue that prevails in the action hás an institutional nature, involving other state "powers". The decision is not about past events anymore on which the law should be applied, but it will be reflected in the future in a prospective dimension. The judges order must not say "pay" or "do" anymore, but it hás to be a mere indication of the steps to be taken in order to obtain the result intended by the decision.

!

And that decision must be a result of the dialogue between the parties and mainly among the powers of the government, opening the adversarial system also by having public hearings and the intervention of third parties like the amicus curiae. The judges knowledge must be widened with the help of specialized assistance and with the information provided by the administration itself, só that if there is not any settlement, the judge can be informed about the effects of his decision, which hás to be fair, balanced and enforceable. The enforcement of the decision, in turn, mustbe made flexible, with the participation of the administration, by having plans approved by the judge, who must follow up its enforcement, with the help of an independent third party from

A landmarkjudgment and an interesting example to be followed is the case of Beatriz Mendoza, which was filed before the Supreme Court of Argentina, and whose plaintiffs were some groups of individuais who suffered damages, several environmental associations and the Peoples Defender. The defendants were the national government, the Buenos Aires Province and the autonomous city of Buenos Aires, as well as a group of 44 companies that supposedly poured polluting chemicals into the river basin. The court freely exercised its order power, used the principie of preclusion flexibly, and required the states the peremptory presentation of an integrated and complete plan based on the principie of progressivism, só that objectives could be gradually obtained, and according to a chronogram. In July of 2008 the final decision definitely put an end to the matter, pointing out that the effects of the decision will have refiections in the future. It also determined general criteria to the decision enforcement, however respecting the limits of the discretionary powers of the administration. Concerning its enforcement, the decision set forth the citizen participation to monitor the accomplishment of both the sanitation plan, as well of the action plan that was established. The People s Defender was required to monitor compliance with the judgment, by forming a collegiate body comprised by non-governmental organizations involved in the litigation. The enforcement of the decision is still in progress, in a gradual way, and following the chronogram. In Brazil, the appellate courts have not been só careful, and after the judgment, which is stiff and fixed, there hás been some difficulty to enforce the decision. The dialogue with the administration hás turned out to be essential. More recently, in a collective action filed by the Prosecution, whose aim was to request the necessary availability of thousands of places in day-care centers, there were at least public hearings and the enforcement was based on the Plan of Goals, which is progressive, and was presented by the mayor of São Paulo when he was a candidate. However, the best solution would be to rule, through the legislative activity, a new action to discipline the jurisdictional control of public policies, with the above mentioned characteristics, which would balance the three powers of the

9. Widely known is the landmarkjudgment "Brown vs. Board Education ofTopeka", which wasjudged by the Warren Court together with other precedents that permitted the developrnent of the doctrine. Mauro Cappeiletti was the great propagator of those ideas among us in 1976.//

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

government, and the commitment to seek consensual solutions, and even to make the judge more secure to issue decisions and solve litigations not based on the past anymore, but looking at the future I0 2.

AN EMBLEMATIC CASE OF FAILURE IN THE INADEQUACY OF DECISION ON PUBLIC POLICY

1. About Autism: Diagnosis, Symptoms and Treatments This is a global dysfunction of development that typically appears during the first three years of life and affects the ability of an individualsconimunication, socialization (building relationships) and behavior(responding appropriately to the environment). This disease affects about 20 out of every 10,000 births and it is four times more common in males than in females. Some autistic children may exhibit intelligence and clear speech, others, however, have serious limitations in language development, interaction, and may appear distant or introspective and locked in rigid and limited patterns of behavior. One of the most common myths about autism is that autistic people live in their own world, only interacting with the environment they have created, but this is a fallacy. If, for example, an autistic child is alone watching other children playing, it is not due to the fact that the child is necessarily uninterested in these games or because they live in their own world. Most often this occurs because this child presents real difficulty initiating, maintaining and properly ending a conversation or joke, which is actually regarded as difficulty in interaction.11 Autistic spectrum is another term denominated to the various forms of manifestation of autism, which indicates a range of possible symptom. According to clinicai analysis, it can be split into 3 groups:

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a communication tool (is able tore peat complete sentences but out of context) and hás impaired understanding; 3)

mastery of language, normal intelligence or even above average, less difficulty with social interaction that allows the carriers to live an almost normal life.

In adolescence and adulthood, the manifestation of autistic symptoms depends on how people were able to learn the rules of social behavior and develop that behavior which favors adaptation and self-sufficiency in childhood. Each autistic child should then be diagnosed and begin treatment as soon as possible, and this treatment should be directed to the needs of each individual, according to the autistic spectrum, both in health institutions, as well as the school environment attended by the child. It is important to emphasize that therapy requires a multi and interdisciplinary team composed of medicai care of pediatricians and psychiatrists and non-medical treatments, with psychologists, speech therapists, pedagogues, occupational therapists, and educators prepared to deal with special needs. Ali these procedures are able to provide a progressive evolution of the prognosis and social inclusion of the autistic child. 2. The Jurisdictional Control of Public Policy Related to Autism in São Paulo In 2000, after bidding the complaint by the father of an autistic, the Public Ministry of the State of São Paulo filed a civil investigation by which it was found that the State offered only common psychiatric treatment to autistic and not a specialized treatment able to meet the specific and multidisciplinary needs.12 The State Prosecution Department tried to sign an agreement with the Government, but the State of São Paulo showed no interest in including specialized treatment as part of the Unified Health System, nor provide institutions specialized in the education and training of people affected by this disease.

1)

complete absence of any interpersonal contact, inability to learn how to speak, incidence of stereotyped and repetitive movements, mental retardation;

2)

the carrier is self-focused, does not establish eye contact neither with people nor the environment; can speak, but does not use speech as

Thus, the Public Prosecution Department filed a Class Action (called in Brazil Public Civil Action)13 with a request for preliminary injunction against the Government of the State of São Paulo, requesting full compensation from

10. A Bill on this matter hás been prepared by Cebepej - Centro Brasileiro de Pesquisas e Estudos Judiciais

12. GABBAY, Daniela Monteiro. CUNHA, Luciana Gross. Projeto Pensando o Direito. Série Pensando o Direito.

(Brazilian Center for Researches and Judicial Studies), founded by Kazuo Watanabe and currently presided by Ada Pellegrini Grinover. It was submitted to debates and will soon be presented to the National Congress ll.GAUDERER, E. Christian. Autismo e outros atrasos do desenvolvimento: guia prático para pais e profissionais. Rio de Janeiro: Revinter; 1997. pg 3.

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Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, São Paulo: FGV, Ed. 38-2011, p. 21 13. The full text is available at: http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/cao_dvel/aa_ppdeficiencia/ aa_ppd_autismo/aut_pecas/lnicial%20ACP%20coletiva%20autismo%20e%20decis%C3%A3o%20liminar.pdf. Accessed on 18 de Out. 2012.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

the defendant for the treatment, care and education of autistic patients in specialized treatment institutions. This class action was heard in the court of first instance to order the Government of São Paulo, to bear the costs of full and adequate treatment to people with autism14, as shown in the judgment of the excerpt below: I JUDGE FOUNDED the Civil Action brought by the Public Prosecutor of São Paulo against the Government of the State of São Paulo, based on article 269, paragraph I, of the Code of Civil Procedure, to order it, só that if the want, own and provide free specialized units, never existing for the treatment of "common" mental patients, for health care, education and healthcare to autistics, specializing in full or part-time for ali residents of the State of São Paulo: I - Coping with the full costs of treatment (specialized hospitalization or full-time regime or not), counseling, education and health specific, fund specialized treatment for non-state entity suitable for the care and assistance to residents in autistic State of São Paulo;

i t Í

II - By application of the legal representatives or guardians, accompanied by a medicai certificate attesting to the situation of autistic addressed to the Hon. Secretary of Health and filed with the office of the Secretary of State for Health or sent by letter with acknowledgment of receipt, the State will have a period of thirty (30) days from the date of filing or the receipt of the registered letter, as the case, to provide, at its expense, appropriate institution for the treatment of autistic applicant;

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The Government of the State of São Paulo appealed against that decision, alleging interference by the judiciary in the executive branch, which was dismissed by the Third Public Law Chamber of the Court of Justice of São Paulo: PUBLIC CIVIL ACTION - Providing specialized treatment for autistic - Alleged lack of interest and procedural illegitimacy of prosecutors - not recognized - Article 5 CF - Norma constitutional for protection on public health - Alleged interference by the judiciary in the executive branch - not recognized. ex - Judicial Control on discretionary activity- Guarantee of the right to public health - Implementation of a daily fine for noncompliance - Aim to compel the administrator to implement public policies - Resources not provided.16

The Court of São Paulo upheld the decision at first instance, considering that the State Government can not state administrative discretion to maintain legal budget forecast (Theory of Possible Reserve). If this were the case, the exercise of collective, diffuse, individual rights or public interest would always be subjected to administrative discretion and the willingness of the administrator to insert the necessary funds in the budget. When analyzing the provisions of the sentence that was issued on December 28, 2001, it is acknowledged that judicial control of public policy related to autism was conducted in order to ensure compliance with the decision because the magistrate not only focused on the state to supply treatment, but one that is appropriate and in specialized institution close to the patients home in order to facilitate their access.

III - The institution nominated for the autistic requester by the State should be as close as possible to their home and their families, with, however, the body of the application may include the institution of preference or responsible representatives of the autistic, while the State support infeasibility of the statement, if applicable, and elect another appropriate entity;

Nevertheless, while displaying many specific and too detailed commands, it ended up complicating and hindering their compliance. The first difficulty is related to the type of compliance to be made, which can only be individual. This means that every time an autistic person hás to seek rights guaranteed in the sentence, they should seek the health department, perform certain procedures, indicate the institution of their choice and wait for thirty days to have the management response with the location and start date for the treatment.

IV - The system of treatment and care in full-time or part-time period, always specialized, should be specified in the medic prescription certificate itself, and the State shall provide entities with such characteristics; V - After the state to provide the indication of the institution, the State shall notify the person responsible for the autistic providing the necessary data for the start the treatment. For cases of noncompliance with obligations to make the items I to V, frxed daily fine of $ 50,000.00 (fifty thousand reais), for the State Fund Interests metaindividual injured (Article 13 of Federal Law No. 7347/85), and the reverse maximum period of 30 (thirty) days from the date of intimation of this decision to provide, permanently, such care to autistic children.15

If the Health Department remains inert or partially fails to comply with an order of the sentence, the representative of the autistic patient should initiate a Single Sentence Execution, with reasons which substantiates their claims. Taking into account the number of inhabitants of the state of São Paulo - location of the decision in question - and the number of autism diagnosis,

14. Conclusions indicated by the research mentioned: Gabbay, Daniela Monteiro. CUNHA, Luciana Gross. Projeto Pensando o Direito. Série Pensando o Direito. Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, São Paulo: FGV, Ed. 38-2011, p. 23 15. Case No. 053.00.027139-2, 6th Civil Court of the Treasury of São Paulo. Available in: http://www.tjsp. jus.br/Download/EPM/pdf/SENTENCAAUTISTAS.pdf. Accessed on Oct. 17. 2012

16.TJ/SP Apelação Cível n° 278.801.5/8-00

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it is hard to measure the infeasibility of the judiciary to appreciate, each case and therefore the delay in compliance with court order.

COLLECTIVE ENFORCEMENT IMPLEMENTATION.PRINCIPLE DEVICE.ASSIGNMENTS OF JUDGMENT. 1. Judicial executive title contains provision of a collective nature, being unfeasible of satisfaction, allows the filing of executions individuais2. The purpose of the civil action, the court Consolidated the command enforceable prevent it is to be autistic taste of fruitless discussion with the Secretary of State as to the technical capacity of the institution elected to provide medicai services when the state does not provide the effective means for providing a clear demonstration affront to the dignity of the human person and Justice. 3. Aggravated the act nullifies the judgment of this Court and do things return to preceding the filing of the civil action state. grievance provided17

As soon as the decision became final, the individual executions were initiated by autistic individuais, through their legal representatives, and after action together with the secretary of health and education, the judge ordered the refund of amounts paid to private institutions by the defendant through the legal deposit system. However, eight years after the order of the judge and when thousands of acknowledged individual executions had piled up under one jurisdiction, the Assistant Judge, who had just taken over the 6th Court of Exchequer Capital, saw fit to abolish individual executions based on art. 462 of CPC (supervening grace in of actions taken in the main proceedings) while at the same time, ordered the State to take steps to register and provide appropriate treatment in autistic patients in administrative form. Moreover, the judge decided that new acknowledgements could not be prosecuted because the defendants should endeavor directly before the State Department of Health - in negative adjudication. Further determined that the Public Prosecutor of São Paulo, after gathering the responsible representatives of the autistic patients through the press and television, propose a unique and ultimate execution of sentence. This decision brought real procedural turrnoil, having even caused suspicion against the judge for "lack of sensitivity to the autism cause" and although the charges were dismissed as unfounded, the judge was removed from office. This act of judgment in practice annulled the effects of the earlier decision given in the process of knowledge (decision was confirmed by TJSP and non-appealable), a clear affront to the Due Process and Material rés judicata. Furthermore this act left the autistic people of São Paulo in the same helpless condition they were before the filing of the Civil Action in 2000. The São Paulo Public Prosecution filed a bill against the decision with a request for a suspension effect, claiming offense to art. 125 and 471 of the Procedural Civil Code, Consumers Defence Code 81, 16 Public Civil Action Law and art.5, XXXV of the Constitution. The Court of São Paulo demonstrating consistency with previous decision granted the injunction to suspend the effectiveness of any act aggravated and determined the following judgment statement:

As expected, aware of the constitutional and procedural effect, the TJSP annulled the effects of interlocutory decision rendered by the judge of the 6th Court of Exchequer of São Paulo upholding the interlocutory appeal brought up by the São Paulo Public Prosecutor in 09 April 2006, guaranteeing the rights of the autistic patients to receive proper and free treatment provided by the state and also emphasized the unfeasibility of leaving them at the mercy of the State Secretariai for the faithful compliance of the judgment ruling. 2.1.

The inefficiencies ofthe hudicial decision due to the implementation based on the wrong class action

Despite the Justice Court of São Paulo having acted correctly when revoking the effects of the decision, which was clearly contrary to many legal and constitutional provisions, the agreement did not solve the problem of trial inefficiency. The individual compliances continued to overcrowd the courts and the jurisdictional still had to wait a long time to receive judicial protection and receive the reimbursement to which they were entitled. Accordingly, this whole problem could be solved if the Public Prosecution had sought the tutelage of Collective Rights instead of the Homogeneous Individual Rights, as can be seen in the following. 2.2.

Diffused, Collective and Homogeneous Individual Rights

Article 81, unique paragraph, clause I of the Code of Consumer Protection - which applies by express legal provision protection of collective rights of any kind - states that diffuse interests or rights are "trans-individual, indivisible by nature, and held indeterminate people who are linked by factual circumstances."

17. Agravo de Instrumento 767.934-5/4-00

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Now the collective rights set forth below, in section II of the same statute, are "indivisible by nature of trans-inâividual that holds group, category or dass ofpersons connected with each other or with the other party by a legally based relationship." Gregório Assagra de Almeida direct us on the differences between the two18; In the rights or diffuse interests there is no legal basis prior relationship, because people are connected by mere factual circumstances, whereas the collective in the strict sense it is important to have legal basis prior relationship between the members of the category, class or group people or between such persons and the other party.

The individual homogeneous rights or interests are, by legal definition of art. 81, sole paragraph III, of the CDC, due to the common origin. They have to hold perfectly individualized persons, who may even be indeterminate, but are amenable to determination. At first, it might be thought that the fact that ali stakeholders are autistic, it would consequently provide a guardianship of homogeneous individual interests, but the law is clearly diffuse, as extracted from Kazuo Wàtanabe lessons, which differentiates the institutes. The interests or 'diffuse' rights, its indivisible nature and the non-existent base of the legal obligation do not possibility, as already seen, the determination of holders. Of course, a more general levei of legal phenomenon under analysis, it is always possible to find a bond that unites people, such as nationality. But the legal basis relationship that interests us, the setting of the concepts under study, is that which is derived from the interest tutoring, só that keeps most immediate interest and close relationship with the injury or threat of injury. 13(highlight) It seems, therefore, that the common origin of ali carriers of autism is not the existence of a legal base relationship, but a "de facto" relationship, which is, being carriers of the same disease. As we have seen, the holders of diffuse rights are indeterminate and indeterminable, united only by a circumstance of fact, for example, live in the same region, consume the same products and só on.

diagnosed with the disease, especially in a state like São Paulo where many people live below the poverty line and have less access to health. Furthermore, as Kazuo Wàtanabe transcribed above, it might not be possible to define the subject of a diffuse law, to a lesser or greater degree in legal terms there will always be a bond between the holders, in this case, the disease.

2.3.

Importance of recognizing the rights and common interests in the case of autism, for efficiency judged

As we have seen, the rights related to autism are clearly diffuse and só they should have been conceived and analyzed by the Public Prosecutor, when the proposal of the São Paulo Civil Action was put forward, in order to reach the desired effectiveness. When the action tutoring homogeneous individual rights was mistakenly proposed by the parquet, it caused the fragmentation of interest and consequently forced their holders to individually pursue their compensation benefit, in which they should assemble extremely complicated proof of their specific conditions. Moreover, the judiciary was overloaded with thousands of individual judicial executions and failed to ensure widespread access and treatment for ali autistic children, since a large part of the population especially the poorest, was unaware of the lawsuit that guaranteed them the right to treatment. On the other hand, if the Public Prosecution had filed a Civilian Public Action for protection of diffuse rights, requiring the condemnation of the State of São Paulo in its first compulsory duty, to first and foremost present a plan, which is gradual and progressive, capable of delivering appropriate educational and medicai treatment to autistic patients in a multidisciplinary approach, stipulating terms and fines for noncompliance, certainly there would be a greater chance of effectiveness of the jurisdictional provision.

The decisions of the State of São Paulo, related to autistic people showed genuine interest in the welfare of this group of people and outline guidelines for compliance.

18. ALMEIDA, Gregório Assagra. Direito Material Coletivo: Superação da Summa Divisio Direito Público e Direito Privado por uma nova Summa Divisio Constitucionalizada. Del Rey. Belo Horizonte. 2008.

In Brazil, the judicial control of public policies is admitted, but is hasrít been applied appropriately and effectively.

Yet the fact of being indeterminate subjects of diffuse rights, só are those with autism, because being a carrier of the disorder is not necessarily being

III. CONCLUSIONS

Therefore, in this case the relationship that binds ali holders of the diffuse law is the fact that they are carriers of the same disease.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

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The role of the Public Prosecutor of São Paulo was important to progress in protecting the rights of people with autism in that state, because he used the appropriate investigative procedures, produced evidence to support its claim, and he implemented the public policy in a proper way, which is the collective way, and incisively acted to put an end to the abuses of judgment execution.

CHAYES, A., The Role of the Judge in Public Law Litigation, 89 Harv. L. Rev, 1281,

1976.

However, the court decision meant to implement public policy hás not achieved the desired effectiveness, since the interest hás been conceived as a homogeneous individual, when in fact, it was diffuse interest. This misconception of the Public Prosecutor to judge the Civil Action São Paulo, which was not remedied by the decision of first instance or by Justice Court of São Paulo resulted in veritable landslide of individual executions, requiring complicated evidence which took a long time to be verified. The result was the ineffectiveness of trial.

GABBAY, Daniela Monteiro. CUNHA, Luciana Gross. Projeto Pensando o Direito. Série Pensando o Direito. Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, São Paulo: FGV, Ed. 38-2011.

If the rights of the autistic people had been treated as diffuse, and the sentence which implemented the public policy had widely condemned the state to a first compulsory obligation, ordering the State to submit a feasible project for gradual implementation service to meet the diverse needs of people with autism to be negotiated with the Public Prosecution and approved by the judge - who should also monitor compliance with the judgment, bypersons or institutions interested in the judicial guidance - the decision would have full effect, benefirting ali people with autism in the state, including the underprivileged people who are not aware of the judiciary decision.

Processo coletivo, in Teoria Geral do Processo, collaboration of CINTRA ANTÓNIO CARLOS ARAÚJO and CÂNDIDO DINAMARCO, 30° edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2014.

COMPARATO, Fábio Konder. O Ministério Público na Defesa dos Direitos Económicos, sociais e Culturais. In: GRAU, Eros Roberto et ai (Coord.). Estudos de Direito Constitucional em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003. FISS, O. Theforms of Justice, 93 Harv. L Rev. l, 1979.

GAUDERER, E. Christian. Autismo e outros atrasos do desenvolvimento: guia prático para pais e profissionais. Rio de Janeiro: Revinter; 1997. GRINOVER. Ada Pellegrini. WATANABE Kazuo. (Coordenadores) O controle Jurisdicional de Políticas Públicas, Rio de Janeiro: Forense, 2- Ed. 2011. O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas, in O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas, coord. Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, Gen-Forense, 2? Ed, 2011.

GRINOVER, Ada Pellegrini. WATANABE. Kazuo. NERY JÚNIOR. Nelson. Código de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 103 edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011. SARLET, Ingo Wolfgang; TIMM, Luciano Benetti (Org.). Direitos fundamentais, orçamento e reserva do possível. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010. SCHWARTZMAN, José Salomão. Autismo e outros transtornos do espectro autista. Revista Autismo, 2010. Motivation of the Project of Bill on Judicial Contrai of Public Policies, in O controle Jurisdicional de Políticas Públicas, coord. Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe, Gen-Forense, 2? ed, 2013, Apêndice.

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PROCESSO COLETIVO E CONTROLE JUDICIAL DE PÇLÍTICAS PÚBLICAS RELATÓRIO BRASIL1 Susana /-/enriques da Costa2 e Débora Chaves Martines Fernandes3

1.

INTRODUÇÃO

O Poder Judiciário é uma instância decisória. Não obstante sua estrutura, seu modelo de organização e sua operacionalização variarem de país para país, a função de solucionar controvérsias é inerente à instituição. Há sistemas jurídicos que optaram por um arranjo institucional no qual o Poder Judiciário funciona como árbitro de questões interpessoais e garantidor das liberdades individuais, mas não é necessariamente dotado de poder político. Regra geral, esses sistemas são desenvolvidos nos Estados parlamentaristas, onde o Judiciário não é concebido como órgão detentor de poder político, mas mero prestador de serviços. Um exemplo histórico desse modelo jurídico vem da Inglaterra, país onde o Parlamento se coloca como instituição política principal e, por tal motivo, é considerado o porta-voz da vontade popular. Os sistemas jurídicos de Estados que adotam o presidencialismo costumam atribuir mais poderes ao Judiciário, para que este atue como protagonista 1. Relatório apresentado no II Encuentro Argentino-Brasilero de Derecho Procesal, em Paraná, Argentina, out./2014, atualizado para esta publicação no tocante ao texto atual do Projeto de Lei n. 8.058/2014. 2. Professora doutora da Faculdade de Direito da USP e da FGV Direito SP (GVIaw). Mestre e doutora em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP. Pós-doutora pela Madison Law School (University of Wisconsin). Promotora de Justiça do Estado de São Paulo. 3. Graduada (2006) e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo (2013). Ll.M pela Harvard Law School (2015). Advogada.

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r

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

na arena política, mormente para proteger as minorias, que quase sempre são sub-representadas pela via do processo político. No modelo presidencialista, a divisão de poderes entre as instituições governamentais é um elemento estrutural e tem a importante função de resguardar os indivíduos contra o abuso de poder das autoridades ligadas ao poder público. Além disso, uma das formas de exercício do poder político pelo Judiciário se materializa no controle jurisdicional, que permite que os tribunais verifiquem a adequação da atuação dos demais poderes, no que concerne à aplicação dos preceitos constitucionais. A Constituição brasileira, promulgada em 1988, escolheu o modelo presidencialista de governo. No Brasil, portanto, o poder está dividido entre três ramos autónomos e harmónicos: Executivo, Legislativo e Judiciário (art. 2° da CF). Essa divisão não é absoluta. A constante interação entre os agentes de cada um dos poderes constituídos, além de inerente à lógica do sistema de freios e contrapesos, pilar do Estado brasileiro, é garantida pela Constituição Federal e não pode ser modificada ou abolida, nem mesmo por emenda constitucional (art. 60, §4°, inc. III, da CF). Ao descrever a função do Poder Judiciário, o legislador constituinte expressamente autorizou o controle jurisdicional, que opera de duas maneiras. A primeira se consubstancia no fato de que qualquer juiz brasileiro pode aferir a constirucionalidade de determinada lei e sua decisão terá efeito entre as partes da demanda. A segunda alude à possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar ação de competência originária (ação direta de inconstitucionalidade e ação direta de constitucionalidade), realizar o controle direto da constitucionalidade de determinada lei e sua decisão terá efeito vinculante. Essa decisão prolatada via controle concentrado tem o poder de retirar a validade da lei em questão, como ocorre, por exemplo, no sistema austríaco.

PROCESSO COLETIVO E CONTROLE JUDICIAL • Susana Henriques da Costa e Débora Chaves Martines Fernandes

O fenómeno da constitucionalização de direitos, especialmente os chamados "direitos fundamentais sociais"5, é atribuído à busca da igualdade substancial e da preservação de patamares mínimos para a vida e desenvolvimento humanos. Os direitos fundamentais sociais demandam do Estado não apenas a sua abstenção (por exemplo, a isenção de pagamento de imposto de renda abaixo de uma determinada faixa de rendimentos), mas, principalmente, a prestação de um serviço. Por essa lógica, o Estado tem o dever de assegurar condições mínimas de vida a todos. Significa dizer que os direitos fundamentais sociais invertem a função protetiva do Estado, que deve agir para proteger um direito e não se orhitir para permitir o seu exercício. E se essa postura ativa do Estado constitui um dever, ela pode ser requerida por meio do processo. Como anteriormente ressaltado, o Poder Judiciário tem um papel importante na transformação da realidade social, por meio da implementação dos direitos previstos na Constituição Federal6. Nesse processo de transformação, que se desenvolve no contexto da sociedade de massa - plural por natureza -, os interesses de diferentes grupos colidem frequentemente. A decisão acerca de qual interesse deve prevalecer é uma tarefa inerente à função política. Se assim é, o Poder Judiciário brasileiro é um órgão que toma decisões de caráter eminentemente político. Essa realidade fica demonstrada nos dados pesquisados no período de 1988 a maio de 2013, quando aproximadamente cinco mil (5.000) casos foram ajuizados diretamente no STF (no exercício de sua competência originária), discutindo a constitucionalidade de leis7. Em setembro de 2009, São Paulo, o estado mais rico e populoso do Brasil, teve de cumprir aproximadamente vinte e cinco mil (25.000) ordens judiciais que determinavam o fornecimento de todos os tipos de remédio gratuitamente a quem os pleiteou jurisdicionalmente8.

Outra característica marcante da ordem constitucional brasileira em vigor foi o reconhecimento dos direitos fundamentais, das liberdades públicas (artigos 5° e 14) e dos direitos sociais (art. 6°). A maior parte desses direitos é de ordem principiológica e, portanto, sujeita-se à interpretação e à ponderação dos operadores do direito.

Considerando esse cenário, o primeiro objetivo deste artigo é examinar a crescente judicialização de questões políticas no Brasil, sem descurar de suas características do sistema jurídico do país, especificidades e problemas, para,

O reconhecimento constitucional da existência de direitos fundamentais tornou-se a base do Estado e da sociedade brasileiros. Esses direitos, a propósito, são concebidos como elementos limitadores da ação e da omissão do Estado, que por sua vez tem o dever de ponderar e harmonizar os valores constitucionalmente reconhecidos4.

5. TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009. p. 43. 6. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência? Revista USP, São Paulo, Edusp, 1994. p. 12-21; LIMA LOPES, José Reinaldo de. Crise da norma e reforma do Judiciário. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 70; GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela jurisdicional dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 2011. p. 35. 7. Verwww.stfj.jus.br. 8. Esses dados foram informados pela Secretaria de Saúde para o Jornal "O Estado de São Paulo", em

4. CAMBI, Eduardo. Neoconstitudonalismo e neoprocessualismo. São Paulo: RT, 2011. p. 26.

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24.09.2009. É importante esclarecer que a Constituição Federal garante a todos amplo e gratuito acesso a tratamentos de saúde (art. 196 da CF).

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

em seguida, analisar as regras de processo civil e suas limitações no que toca à adjudicação de processos envolvendo políticas públicas. 2.

O SISTEMA JUDICIAL BRASILEIRO

Além das características já mencionadas, o sistema judicial brasileiro tem alguns atributos que definem o seu perfil e se refletem diretamente e de maneira importante nos julgamentos de questões envolvendo políticas públicas. Esses atributos serão abordados nas seções seguintes. 2.1.

O Judiciário brasileiro: um poder unitário, independente e inerte

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Existem regras desenvolvidas para assegurar a imparcialidade dos magistrados. Por exemplo, depois de dois anos, o juiz passa a ocupar o cargo de forma vitalícia e não poderá ser demitido sem justa causa, nem mesmo mediante mero processo administrativo. O juiz vitalício - que só poderá ser removido do cargo se condenado por falta grave, após processo judicial dotado de todas as garantias atinentes ao devido processo legal - permanecerá no cargo até a sua aposentadoria. O magistrado também terá o direito de permanecer na sua posição e as promoções que receber dependerão de sua aprovação ou escolha. Por fim, os vencimentos do juiz não poderão ser reduzidos (art. 95 da CF). Com o fito de preservar a imparcialidade, o juiz brasileiro também tem algumas liberdades cerceadas. A Constituição Federal, nesse sentido, proíbe o juiz de: (i) exercer outros cargos ou funções públicos, exceto académicas; (ii) afiliar-se a partido político; (iii) receber pagamentos que não aqueles realizados pelo Estado; e (iv) advogar.

O propósito das regras existentes é preservar a imparcialidade dos juizes e mante-los, tanto quanto possível, isolados das pressões que poderiam comprometer o seu julgamento.

No Brasil, em regra, os bacharéis podem tornar-se juizes após aprovação em concurso público. As exceções a essa regra se aplicam aos juizes de tribunais superiores, entre eles os integrantes do STF, que são escolhidos pelo chefe do Poder Executivo e, por vezes, submetidos à aprovação do Senado.

O artigo 2° do CPC prevê que nenhum juiz decidirá uma controvérsia sem que haja prévio requerimento das partes. Em outras palavras, pelo princípio da inércia, é vedado ao juiz iniciar um processo. Por esse motivo, o juiz brasileiro deve esperar a provocação do autor por meio de uma demanda e não poderá escolher os casos que lhes são atribuídos, de acordo com regras de competência previamente estabelecidas.

Para assegurar o efetivo funcionamento do sistema, o Judiciário brasileiro tem algumas imunidades que garantem a sua independência. De acordo com a Constituição Federal, o Poder Judiciário tem autonomia financeira e administrativa (art. 99 da CF), o que permite que os tribunais definam sua organização interna e elaborem sua proposta de orçamento. As propostas orçamentarias dos tribunais, vale lembrar, são enviadas ao Poder Legislativo para deliberação.

Nos termos da Constituição Federal brasileira, o Poder Legislativo federal é o único poder autorizado a promulgar leis de caráter processual e, portanto, é o responsável pela promulgação ou por qualquer modificação realizada no código processual civil.

O Judiciário brasileiro é uma instituição unitária. No Brasil, o sistema judicial não tem uma jurisdição administrativa autónoma. Todos os litígios, incluindo aqueles em que o próprio Estado é parte, são julgados pelo Poder Judiciário. Isso, porém, não significa que o nosso Judiciário não admita nenhum tipo de divisão. Refietindo o modelo federativo de organização político-administrativa, o Judiciário é dividido entre tribunais federais e estaduais, de acordo com a unidade federativa responsável por sua organização. Os tribunais estaduais são responsáveis pelos processos locais. Os tribunais federais julgam casos de magnitude nacional, casos envolvendo litígios internacionais e aqueles que têm impacto direto nos interesses federais. Acima de todos os tribunais - federais e estaduais - estão o Superior Tribunal de Justiça - intérprete da legislação federal - e o Supremo Tribunal Federal, guardião da Constituição da República. Estes últimos tribunais são responsáveis pela decisão final em grau de recurso em todos os processos.

Além das garantias próprias do Judiciário como instituição, a Constituição Federal estabelece regras que visam proteger os próprios juizes brasileiros, evitando que sejam submetidos a toda sorte de pressão.

Um atributo final do sistema processual brasileiro que tem direta correlação com o papel do Judiciário e que vale ser mencionado aqui alude ao princípio da inércia, constante do Código de Processo Civil (CPC). O CPC, mesmo sendo lei federal, é também aplicável aos tribunais estaduais e a seus integrantes.

Por todas essas razões, o Poder Judiciário é apontado como instância decisória diferente daquelas estabelecidas pelos demais poderes da República. Enquanto os poderes Executivo e Legislativo são mais comprometidos com os grupos envolvidos no processo político, o Judiciário é urna instituição, por sua 363

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natureza, mais independente. Assim, o juiz pode agir em favor das minorias, que quase sempre são alijadas do processo político eminentemente majoritário.

as entidades e órgãos da Administração Pública direta e indireta, ainda que despersonalizados; e (iv) as associações constituídas há pelo menos um ano. Os dois últimos legitimados devem ter entre suas finalidades a proteção do interesse objeto da demanda ajuizada em concreto.

2.2.

Presença de mecanismos de tratamento de conflitos coletivos representativos

Durante o século XX, a sociedade brasileira passou pela mesma transformação que, como resultado da multiplicação das relações sociais, das trocas e dos produtos, deu origem à sociedade de massa em todo o mundo. Consequentemente, os conflitos advindos desse novo modelo social perderam o seu caráter individual e passaram a ter dimensão coletiva. Nesse ambiente surgiram, em consequência, os interesses de grupos, que demandavam proteção jurídica. Os interesses metaindividuais têm como titular uma coletividade desprovida de personalidade jurídica e, portanto, não apta à sua defesa por meio da técnica da legitimidade ordinária. De fato, os titulares dos interesses metaindividuais não são pessoas físicas ou jurídicas (por exemplo, a coletividade formada pelos moradores de determinada área onde passa um rio poluído). Assim, não há possibilidade de defesa em juízo do interesse lesado ou ameaçado de lesão pelos próprios titulares, seja pela impossibilidade jurídica, seja pela impossibilidade fática de sua reunião ou mesmo individualização. Diante da incapacidade de o sistema tradicional lidar com a questão do acesso à justiça relativamente aos interesses metaindividuais, foi necessário trabalhar na construção de uma via de acesso capaz de submeter os interesses coletivos à apreciação jurisdicional - no Brasil, utilizou-se a técnica representativa dos interesses dos grupos. O principal instrumento criado para tanto é a Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/1985), também uma lei federal de aplicação cogente aos estados federados. O sistema de tutela coletiva de direitos, desenvolvido pelo ordenamento jurídico brasileiro, inspirou-se no modelo norte-americano, mas suas peculiaridades são inerentes a um sistema pertencente à família jurídica de civil law. No que concerne à representatividade adequada, ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos, o sistema brasileiro optou por uma solução, em princípio, legislativa, arrolando os entes legitimados a buscar a tutela coletiva de interesses. A Lei n. 7.347/1985, em seu art. 5°, dispõe que são legitimados para a propositura da ação civil pública: (i) a União, os estados, os municípios e o Distrito Federal; (ii) o Ministério Público; (iii) a Defensoria Pública; (iv) 364

Em se tratando de tutela coletiva, verifica-se que o sistema brasileiro optou por uma solução híbrida, abrangendo entes públicos e privados. Seguiu, nesse sentido, a orientação de Mauro Cappelletti e de Bryant Garth, que depois de um estudo de direito comparado indicaram como melhor solução para o problema da legitimidade coletiva a escolha de uma multiplicidade de entes. Segundo os autores, a opção por somente um ente é incompleta e a solução mista é a que tem maior potencialidade de resguardar integralmente os interesses de massa.9 O sistema brasileiro, embora tenha elegido vários legitimados à tutela dos Interesses metaindividuais, ao contrário do norte-americano, que o inspirou, não deu legitimidade à pessoa física para a propositura da ação civil pública.10 Não há a exigência, portanto, de que o ente que propõe a demanda coletiva seja membro da coletividade lesada (personal stake). Isso não significa, no entanto, que o sistema brasileiro tenha desconsiderado por completo a necessidade de conexão entre o interesse objeto da demanda e a entidade legitimada para representá-lo. Em alguns casos, de fato, presumiu-se esta conexão, em função da natureza pública de alguns legitimados (União, estados, municípios, Distrito Federal, Ministério Público e Defensoria Pública). Todavia, para as demais entidades e órgãos públicos, despersonalizados ou não, e para as associações exigiu-se a comprovação de conexão, no caso concreto, entre o interesse a ser tutelado e as finalidades do legitimado. O sistema adotado no Brasil não trouxe como requisito para o reconhecimento da legitimidade a existência de uma relação jurídica envolvendo o legitimado e o interesse metaindividual objeto do processo. Não prescindiu, porém, de uma ligação ideológica entre eles, algumas vezes presumida pelo legislador, em outras é exigida a comprovação no caso concreto. Na verdade, optou por discriminar, por via legislativa, a legitimidade para a propositura de demandas coletivas. Ademais, deixou de conferir explicitamente ao juiz a responsabilidade para verificar se o autor possui representatividade adequada, como ocorre nos Estados Unidos, ou seja, coube ao legislador definir os 9. CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2002. p. 66-67. 10. No ordenamento jurídico brasileiro, a única possibilidade de propositura de ação coletiva por pessoa física é a ação popular. Existe, entretanto, proposta de ampliação da legitimidade individual para a propositura de demandas coletivas, constante no Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PUBLICO

contornos desta representatividade e eleger os entes aptos a substituir a coletividade na demanda coletiva. É justamente nos processos representativos que a discussão sobre políticas públicas se acentua no Judiciário brasileiro. Já foi mencionado que um dos motivos para a constitucionalização dos direitos fundamentais refere-se justamente à busca de concretização do valor igualdade substancial. A constitucionalização dos direitos sociais também se inseriu nesta discussão na medida em que garantiu e tornou exigível um padrão mínimo de igualdade de fruição de bens coletivos. Esta exigibilidade dos direitos sociais, como referido, transfere ao Judiciário a competência para o debate sobre justiça distributiva, transformando este Poder do Estado em mais uma arena política de discussão. O processo coletivo, dentro do contexto assinalado linhas atrás, torna-se um mecanismo de controle político e prospectivo de políticas públicas. Isso porque, na sociedade de massa, pluralista por natureza, não raro se conflitam interesses metaindividuais antagónicos, porém legítimos, de grupos sociais diversos. A definição de qual interesse conflitante deva prevalecer em determinado caso concreto é tarefa de natureza eminentemente política. Principalmente por meio da ação civil pública, atribuiu-se ao Poder Judiciário a incumbência de dar concretização a princípios e valores constitucionais e, assim, definir no caso concreto qual interesse, entre vários, deverá ser reconhecido como interesse público e consequentemente tutelado pelo ordenamento jurídico. O processo coletivo é o principal instrumento processual que possibilita a discussão acerca de direitos e interesses metaindividuais, que pela sua própria natureza possuem alto grau de abstração e necessitam de concreção por algum dos poderes do Estado. Esses interesses têm, ainda, caráter contingente, o que inviabiliza a previsão legal de todas as situações em que possam ser debatidos. Por esse motivo, as normas de direito material que tratam dessas espécies de interesse trazem, em regra, conceitos indeterminados. Os conceitos indeterminados, por sua vez, demandam esforço interpretativo diferenciado no momento da subsunção e, em geral, não prescindem da realização de escolhas axiológicas pelo magistrado.

2.3.

Amplo acesso e baixo custo

A Constituição Federal pátria elenca o acesso à justiça entre os direitos fundamentais. No seu art. 5°, inc. XXXV, prevê que nenhuma lesão ou ameaça

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a direito será excluída da apreciação do Poder Judiciário. Esse dispositivo constitucional é uma proteção geral dos direitos individuais e coletivos ao assegurar que qualquer violação à lei poderá ser discutida perante o Judiciário. No Brasil, o acesso à justiça é um direito atinente à dignidade humana e deve ser garantido a todos, indistintamente. Significa dizer que é necessário eliminar, na medida do possível, todas as barreiras enfrentadas pelos autores para trazer uma demanda aos tribunais. Uma das barreiras mais conhecidas em diversos países do mundo refere aos custos do processo. Para vencer a limitação económica, a Constituição brasileira também contemplou o amplo e gratuito acesso dos economicamente hipossuficientes à assistência jurídica (art. 5°, inc. LXXIV, da CF). Esse tipo de assistência compreende desde a isenção de custas processuais e honorários advocatícios de sucumbência até a disponibilização de advogados para representação dos necessitados em juízo. O sistema jurídico brasileiro, portanto, tem baixos custos e provê serviços públicos específicos para facilitar o acesso à justiça. Essa característica tem reflexo importante na escolha dos jurisdicionados, quando buscam a proteção e a concretização dos seus direitos. Cada vez mais, o fácil acesso e os baixos custos tornam o Poder Judiciário uma via mais atraente às pessoas, em detrimento do processo político, que demanda maior nível de organização e também tem custos mais elevados. A justiça gratuita no Brasil foi um dos principais fatores que propiciaram o deslocamento das discussões sobre políticas públicas dos processos políticos tradicionais para os tribunais. 2.4.

A tendência de democratização

Nos últimos anos, tem-se observado esforços em todo o sistema jurisdicional brasileiro no sentido de melhorar os mecanismos de participação social nas decisões. O fato de o Poder Judiciário começar a intervir de forma reiterada em políticas públicas também o credenciou a procurar técnicas processuais capazes de legitimar as suas decisões. Tradicionalmente, a decisão judicial retira a sua legitimidade da participação das partes, pela via do contraditório travado no processo11. Entretanto, nas ações que discutem direitos sociais, especialmente nas ações coletivas desta natureza, tal legitimidade deve ser reforçada, uma 11. Ver DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 234-235.

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vez que as decisões proferidas podem implicar difíceis escolhas entre diversos interesses públicos12.

participação direta dos grupos, que em geral travam suas batalhas por meio do processo político. A decisão judicial não precisa, necessariamente, contemplar o interesse da maioria, motivo pelo qual deve munir-se de meios para decidir de forma eficiente e legítima, levando sempre em consideração as particularidades do caso concreto.

A tendência de promover a participação de grupos sociais no processo não implica a transformação do Judiciário em um órgão decisório a favor das maiorias. Pelo contrário, o Poder Judiciário permanece na posição de protetor dos direitos dos grupos minoritários, mas tem buscado maior eficiência e exequibilidade de suas decisões, por meio de uma visão mais ampla das controvérsias que lhe são apresentadas. O Poder Judiciário brasileiro desenvolveu duas técnicas de democratização do processo decisório: as audiências públicas e a participação dos amici curiae. As audiências públicas, desenvolvidas especialmente no âmbito do STF, permitem a participação direta dos cidadãos nas deliberações do tribunal. É, ao mesmo tempo, uma forma de aproximar o Supremo da população e, assim, abrir um canal de comunicação entre a sociedade e os grupos interessados em casos especialmente difíceis13. As audiências públicas são essencialmente democráticas, promovem uma cidadania ativa14 e, além disso, aumentam a publicidade, a transparência e consequentemente a legitimidade do processo decisório. O amicus curiae se refere ao terceiro interessado que ingressa no processo com o intuito de resguardar o interesse público discutido. O amicus curiae, regra geral, representa um grupo ou uma determinada ideologia e sua participação aprofunda o debate. A adoção dessa técnica aumenta a qualidade das decisões uma vez que agrega a complexidade do cenário social à reflexão do tribunal. Por conseguinte, aumenta a legitimidade das deliberações da corte julgadora. Ambas as soluções - audiências públicas e participação dos amici curiae - são técnicas de democratização do Judiciário, uma vez que permitem a 12. Também é importante lembrar que no ordenamento jurídico brasileiro não há previsão que autorize o controle judicial da representatividade adequada dos autores de ações coletivas. 13. Houve audiências públicas no Supremo Tribunal Federal, na ADPF 54, que discutia a possibilidade de se realizar aborto de fetos anencéfalos, e na ADIN 3510, que discutia a constitucionalidade da lei que

3.

OS PROBLEMAS DA JUDICIALIZAÇÃO DA POLÍTICA PÚBLICA NO BRASIL

O controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil é uma realidade e vem sendo realizado com maior frequência por juizes de todo o país, envolvendo a análise dos mais diversos temas ligados à concretização dos direitos sociais, em milhares de decisões proferidas em demandas coletivas e individuais que chegam aos tribunais, a maioria suscitando direitos relativos a medicamentos e outros insumos para a saúde, matrículas em creches e escolas primárias, políticas relativas à construção de moradias populares, entre outros15. Nesse cenário, a discussão sobre a possibilidade de judicializar temas políticos no Brasil acaba tornando-se menos importante do que discutir as melhores formas de promover a judicialização e superar os obstáculos que hoje existem em nosso ordenamento jurídico. É certo que cada país enfrenta diferentes problemas quando se trata de promover o Poder Judiciário como foro de discussões políticas, e as preocupações em nosso país divergem muito daquelas que afligem, por exemplo, os juristas norte-americanos neste tema. No sistema norte-americano, algumas das barreiras enfrentadas pelos litigantes são os altos custos do processo e a dificuldade de expansão da capacidade das cortes em relação aos demais foros de discussão política16. No que tange aos custos processuais, o ordenamento jurídico brasileiro criou uma série de medidas para minimizá-los, tanto nos processos individuais - isentando do pagamento quem não tem condições de arcar com as custas processuais - como nos coletivos, em que não há pagamento de custas pelos autores.

permite a pesquisa com células-tronco embrionárias. 14. Há uma série de críticas acerca da forma como são realizadas e conduzidas as audiências públicas nos tribunais, especialmente no que tange à real possibilidade de participação dos grupos e o quanto tal participação interfere nas deliberações do tribunal. Há relatórios, por exemplo, descrevendo audiências em que o tempo concedido a cada grupo para manifestação foi tão curto que não permitiu a efetiva participação de cada interessado e a demonstração do ponto de vista trazido para discussão. Para que as audiências públicas realmente se tornem um mecanismo de democratização judicial, elas têm de garantir, de fato, que os grupos se manifestem e que suas colocações sejam levadas em consideração.

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15. Para traçar um quadro exemplificativo desse cenário no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo - que tem o maior número de casos sub examine no país -, no período de abril de 2012 a março de 2013, foram 9.373 decisões tratando de fornecimento de medicamentos pelo Estado (chaves de busca "medicamentos e fornecimento e estado"). 16. KOMESAR, Neil K. Law's límits: rule of law and the supply and demand of rights. New York: Cambridge University Press, 2001. p. 40-42.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Como se sabe, os problemas no Brasil são diversos. Na seara processual, dois deles merecem ser destacados como os principais óbices a uma efetiva intervenção judicial em políticas públicas: (i) a proliferação de demandas individuais em detrimento das ações coletivas e (ii) a rigidez formal do processo brasileiro. 3.1.

Tratamento individual de conflitos coletivos

A discussão acerca da judicialização de temas políticos tem, como mencionado anteriormente, íntima ligação com a necessidade de os jurisdicionados efetivamente se beneficiarem dos direitos sociais - direitos estes garantidos pela Constituição Federal17 e que têm como escopo a diminuição da desigualdade social e a fixação de um padrão mínimo de usufruto dos bens coletivos18. Ao apreciar tais temas, portanto, o juiz sempre estará diante de uma questão de justiça distributiva, ou seja, da alocação ou realocação de bens escassos, de acordo com aquilo que está sendo veiculado no pedido da ação submetida à sua análise19. Assim, se os titulares dos direitos sociais são todos os indivíduos, parece intuitivo dizer que a discussão judicial se daria de forma mais adequada pela via do processo coletivo, de sorte que todas as pessoas submetidas a uma mesma privação em relação a determinado direito pudessem ser beneficiadas pela decisão judicial que, em alguma medida, teria caráter político justamente por criar, modificar ou intervir em uma política pública. Entretanto, não é o que vem sendo observado no Brasil, onde tem sido muito comum a judicialização dos direitos sociais pela via individual. A propositura de ações individuais pleiteando direitos sociais é possível no direito brasileiro - uma vez que também figuram na esfera de direitos subjetivos e como tal podem ser pleiteados por seus titulares quando violados -, mas as consequências desta prática podem ser nefastas para o controle

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judicial de políticas públicas, que teria como finalidade a diminuição das desigualdades. Uma primeira consequência negativa se deve ao fato de a abordagem dos direitos sociais de forma atomizada, por meio de ações individuais, não permitir uma análise completa e planejada, o que acaba por atingir o administrador de forma também dispersa, impedindo-o de ter uma visão geral do problema, necessária à elaboração de uma política pública universal apta a dar conta da carência de todas as pessoas que estejam na mesma situação fática. As decisões proferidas em resposta aos direitos suscitados individualmente também podem interferir na execução de políticas públicas já existentes, determinando a realocação de recursos para atender uma situação individual em detrimento de uma solução coletiva - até porque, em muitos casos, as decisões em processos individuais que veiculam pedidos relacionados a direitos sociais podem ser tão distantes da realidade do poder público que sequer têm a possibilidade de ser aplicadas de forma universal20. Acrescente-se que a impossibilidade de o julgador enxergar o quadro geral ligado a determinado direito social, em razão da propositura de ações individuais, acaba causando o efeito inverso ao que se espera do controle jurisdicional de políticas públicas - ao invés de promover a fruição, por todos, dos bens coletivos, privilegiam-se aqueles que, por um motivo ou outro21, vêm ao Judiciário requerer individualmente a concretização do seu direito. Em outras palavras, o Poder Judiciário, conquanto tenha o objetivo de promover a igualdade prevista na Constituição da República, ao conceder determinadas tutelas apenas àqueles que individualmente o acessam, acaba tornando-se, ele mesmo, um gerador de desigualdades22. As causas que impulsionam a propositura de ações individuais em detrimento de ações coletivas em sede de direitos sociais vão desde a estrutura do processo civil brasileiro até a falta de incentivos para a propositura de ações

20. Entre essas decisões, citem-se aquelas que, com base no direito constitucional à saúde, concedem aos autores de ações individuais medicamentos e insumos de alto custo que não constam das listagens pré-estabelecidas pela Administração Pública com a finalidade de atender a população. Essas ações

17,Art. 6^ da Constituição Federal do Brasil. "São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição." 18.SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.J. O controle jurisdicional de políticas públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 9. 19. Sobre a definição de justiça distributiva, manifesta-se José Reinaldo de Lima Lopes: "A justiça distributiva diz respeito à divisão ou apropriação individual do fundo social comum, fundo de benefícios e custos. A justiça distributiva diz respeito ao bem comum." (Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo- Método, 2006. p. 127).

interferem na política pública já existente - de fornecimento de uma determinada lista de medicamentos — para atender aquele indivíduo que ingressou com a ação. 21.0 acesso à justiça, ainda que garantido pela Constituição Federal, está condicionado a uma série de fatores, como os custos do processo - e a relação custo/benefício esperada do processo -, a deficiência informativa dos possíveis beneficiários, entre outros. Ver, a respeito, CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Tradução: Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sérgio Fabris Editor, 2002. 22. COSTA, Susana Henriques da. A imediata judicialização dos direitos fundamentais sociais e o mínimo existencial. Relação direito e processo. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Org.). O processo em perspectiva. Jornadas Brasileiras de Direito Processual. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 345-370.

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coletivas. O processo civil no Brasil ainda é fundamentalmente individualista, tendo sido formulado para dirimir conflitos entre indivíduos e com foco principal na justiça comutativa. Não há mecanismo de coletivização da demanda individual, como ocorre com as class actions norte-americanas. A demanda coletiva deve ser proposta como tal desde o início e por entes previamente legitimados. Não há controle concreto de representatividade adequada na intensidade do modelo americano. O modelo adotado, na verdade, tem-se revelado insuficiente para resolver crises de direito material calcadas nos direitos sociais e que envolvem questões de justiça distributiva.

Em algumas ocasiões, é certo, o ajuizamento de diversas demandas individuais já resultou na criação de determinada política pública. Um dos casos que se tornou célebre em nosso país foi o da concessão gratuita de medicamentos para tratamento de pessoas infectadas com o vírus HIV. A proliferação de milhares de ações individuais pleiteando a concessão desses medicamentos, entre outros fatores, impulsionou o Estado a se aparelhar para criar uma política pública de distribuição gratuita de medicamentos para todos os portadores de HIV, iniciativa definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como resultado de "mobilização social, incluindo a representação de comunidades afetadas no governo, as organizações não governamentais e outros fóruns"25. Outras vezes, as ações individuais podem ser usadas de forma estratégica pelos litigantes, quando as demandas coletivas para a implementação de uma política pública global não são acolhidas pelo Poder Judiciário - como ocorreu em casos de pleitos suscitando aumento de vagas na rede pública de educação infantil no Estado de São Paulo, em que os juizes rechaçaram demandas coletivas com tais pedidos, mas acolheram o mesmo pleito em ações individuais para matrículas de crianças em creches26.

Os instrumentos de tutela dos direitos coletivos no Brasil, não se pode negar, vêm aperfeiçoando-se desde a segunda metade do século XX, ao garantir a tutela dos interesses transindividuais - entre os quais se enquadram os direitos sociais. Mas ao contemplar o receio, sempre presente nas discussões dessa natureza, de que o amplo acesso à justiça saia prejudicado, permite-se que as ações individuais se desenvolvam paralelamente ao processo coletivo sem nenhuma interferência que não seja da vontade do autor individual23. Soma-se a isso a morosidade da justiça brasileira, que leva anos para julgar ações complexas como geralmente são as coletivas, e o fato de não existirem reais incentivos - especialmente de ordem económica24 - que fomentem uma efetiva mobilização social para a propositura de demandas coletivas que levem ao Poder Judiciário discussões sobre políticas públicas. O resultado dessa realidade, bem sabemos, é a proliferação de ações individuais que buscam a satisfação imediata do direito subjetivo do jurisdicionado, per se.

23. Não é possível extinguir ou suspender o andamento da ação individual na hipótese de já existir ou ser

De todo modo, a discussão de temas políticos pela via da ação individual mitiga a possibilidade de o Poder Judiciário contribuir .para tornar efetivo o desenvolvimento e a implementação de políticas públicas. Ao contrário, na maioria das vezes, as decisões prolatadas em ações individuais acabam por representar apenas uma interferência em uma política pública já existente, um ataque colateral que cria disparidade entre pessoas que estão na mesma situação de violação a direitos sociais - já que apenas aquelas que requisitaram a tutela jurisdicional terão tal direito garantido -, fato que fomenta discussões sobre

proposta posteriormente uma ação coletiva sobre o mesmo tema ou tema correlato, salvo se o autor da demanda individual optar pela suspensão da sua ação para aguardar o resultado da demanda coletiva (Artigo 104 do Código de Defesa do Consumidor).

25. Cf. World Health Organization, "Treatment Works" (http://www.who.int/3by5/en/treatmentworks.pdf),

24. Os legitimados para a propositura de demandas coletivas não têm, diretamente, nenhum benefício económico com a propositura das ações, como ocorre nos Estados Unidos, em que as Class Actions são conduzidas por escritórios de advocacia que, ao final, recolhem os honorários calculados sobre

citado por SILVA, Virgílio Afonso da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo à realização dos direitos sociais. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos sociais: fundamentação, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro:

uma porcentagem do benefício económico da classe representada (ver GIDI, António. A Class Action como instrumento de tutela coletiva dos direitos - as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007). Ademais, as normas para a atribuição de honorários advocatícios no Brasil são

26. Foi o que se constatou em um estudo realizado por integrantes da Organização Não Governamental

as mesmas para os processos individuais e coletivos, em regra calculados em porcentagem (10 a 20%) sobre o valor atribuído à causa. Muitos direitos sociais não têm dimensão económica mensurável (ma-

Lumen Júris, 2008. p. 595. "Ação Educativa", sobre litigância estratégica em ações na defesa do direito á educação infantil. Conforme se observou, as demandas coletivas pleiteando a expansão da rede de educação e outras medidas universais de acesso à educação tendiam a ser barradas, em alguns casos, sob a justificativa de que não

trícula em escola pública, por exemplo) e, por este motivo, acabariam por reverter muito pouco para o representante do autor. Com isso, no Brasil, não raro, é mais interessante para o advogado propor

caberia ao Judiciário imputar tal obrigação de expansão ao Executivo. Entretanto, as demandas indivi-

diversas ações individuais, com a possibilidade de receber honorários em cada uma delas, do que levar

-tinham maior aceitação pelos juizes, reconhecendo a exigibilidade jurídica de vagas na rede pública de ensino. Ver, a respeito, RIZZI, Ester; XIMENES, Salomão. Ações em defesa do direito à educação infantil

a demanda ao conhecimento de um dos legitimados para a propositura de ações coletivas para que a discussão seja levada ao Poder Judiciário pela via mais adequada à consecução dos objetivos da justiça distributiva.

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duais - ou aquelas que individualizavam as crianças que seriam beneficiadas com as vagas pleiteadas

em São Paulo: litigância estratégica para a promoção de políticas públicas. Justiça e direito humanos: experiências de assessoria jurídica popular. Curitiba: Terra de Direitos, 2010. p. 105-127.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

a possibilidade de intervenção dos juizes no que seria atribuição primária do Poder Executivo e o aparelhamento do Poder Judiciário para tal intervenção. É oportuno salientar que não se pretende aqui defender mecanismos que impeçam a propositura de ações individuais discutindo direitos sociais - o que atentaria contra a garantia constitucional do acesso à justiça (artigo 5°, inc. XXXV, da CF) -, mas sim alertar que existem formas de minimizar o impacto deste tipo de ação no campo do controle de políticas públicas pelos tribunais, por meio de mecanismos que permitam a universalização da tutela quando o pedido de determinada ação individual beneficie uma classe/grupo de pessoas, como por exemplo, as técnicas de coletivização e de aglutinação de demandas - de lege lata e de legeferenda, analisadas na seção seguinte.

3.2.

Rigidez do procedimento processual

Além de permitir o ajuizamento de demandas individuais veiculando pedidos que preconizam a implementação ou alteração de políticas públicas, outro problema enfrentado no Brasil, quando se discute a judicialização de temas políticos, é a rigidez do processo civil brasileiro, marcado atualmente por um conjunto de regras cujo objetivo é garantir que um processo, uma vez ajuizado, caminhe da forma mais diligente possível e sem retrocessos desnecessários em direção a um provimento jurisdicional que se tornará inalterável. Para garantir esse resultado, o processo civil pátrio se baseia no sistema da preclusão - que nada mais é do que a perda, a extinção ou a consumação de uma faculdade processual pelo fato de já se ter alcançado os limites assinalados por lei ao seu exercício27. Por esse motivo, são rígidas as regras para a fixação do objeto da demanda - impedindo que o autor altere o seu pedido após determinado momento processual -, assim como as regras que vedam a prática de atos após o tempo concedido pelo Juízo para tanto ou em desacordo com atos praticados anteriormente pela mesma parte e, por fim, as regras que fixam a imutabilidade da decisão final do processo - a coisa julgada.

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apenas porque evitarão que o processo retroceda de forma a atrasar o seu andamento, mas porque assegurarão que dentro do limite temporal estabelecido para a prática dos atos processuais a garantia do contraditório será respeitada. Assim, é vedado ao autor alterar o pedido sem a anuência do réu após a integração deste no processo pela via da citação, momento em que tomou ciência e elaborou a sua defesa com base no pedido e na causa de pedir expostos na petição inicial - afinal, qualquer alteração superveniente por iniciativa da parte autora pode aviltar o direito à ampla defesa e prejudicar o contraditório29. De fato, essas regras processuais objetivam alcançar distintos fins, em especial evitar a prática de atos dispensáveis ou protelatórios, garantindo o bom termo do processo, e no tocante à coisa julgada conceder imutabilidade à decisão final para possibilitar à parte vencedora o correspondente cumprimento. Todas essas regras, não custa lembrar, foram elaboradas para atender às necessidades dos processos individuais, em um cenário em que a discussão judicial dos direitos coletivos, de modo geral, ainda era incipiente no Brasil30. Desta feita, não são elas adequadas aos processos que discutem políticas públicas e concretização de direitos sociais. Isso porque os direitos sociais são, regra geral, essencialmente difusos, de natureza indivisível e sua titularidade individual é impossível determinar. Com efeito, a contingencialidade e a consequente mutabilidade são características desses direitos (sociais) e qualquer alteração na realidade social pode tornar a tutela jurisdicional pleiteada inapta ou ineficaz com o passar do tempo31. Assim, a aplicação estrita das regras preclusivas, que impedem a modificação do pedido no curso da demanda, pode constituir um óbice à concretização de determinado direito social, uma vez que o pedido formulado na ação não pode ser adaptado às alterações da situação fática que deu causa à demanda. Na prática, a rigidez formal do processo civil brasileiro leva à extinção

29. Trata-se de regras impostas pelos artigos 264 e 294 do Código de Processo Civil brasileiro, referentes à chamada estabilização da demanda. Mesmo com a anuência do réu, qualquer alteração no pedido só pode ocorrer até o despacho do juiz que saneia o processo e fixa definitivamente o objeto da demanda. 30. As regras circunscritas nos artigos 264 e 294 retrocitados e a do artigo 473, que dispõe sobre a preclu-

Em última análise, todas essas regras se referem à necessidade de garantir a segurança jurídica28 no curso do processo ou após o seu encerramento, não

27. MARCATO, António Carlos. Preclusões: limitações ao contraditório? Revista de Processo, São Paulo, RT, v. 17, jan. 1980. p. 105. 28. A impossibilidade de se alterar a coisa julgada no processo é, inclusive, garantia constitucional que tem como fundamento a segurança jurídica (art. 5a, inc. XXXVI, da CF).

são de questões decididas no curso do processo, constam do Código de Processo Civil brasileiro com a mesma redação desde 1973. Na época, a única lei que possibilitava a tutela de interesses difusos e coletivos era a Lei da Ação Popular (Lei n. 4.717), datada de 1965, mas, ainda assim, sua utilização se limitava à proteção contra atos lesivos ao património dos entes públicos e correlates. 31. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 107; COSTA, Susana Henriques da. A imediata judicialização dos direitos fundamentais sociais e o mínimo existencial. Relação direito e processo. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Org.). O processo em perspectiva. Jornadas Brasileiras de Direito Processual, l ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 345-370.

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superveniente da demanda, o que obrigará o autor a propor nova ação para, pleiteando a tutela que entender agora cabível, proteger o direito difuso discutido, mas novamente sujeito ao risco de outra alteração da realidade tornar o pedido inadequado para resolver a crise de direito material. Para tentar evitar que situações como as mencionadas linhas atrás impedissem a efetiva tutela dos direitos difusos - estes, especialmente, de caráter social - foi proposta uma alteração na Lei da Ação Civil Pública, via predileta de discussão dos direitos coletivos em juízo no Brasil, com vistas a flexibilizar as regras para fixação do objeto litigioso e consequentemente possibilitar a alteração do pedido, desde que garantidos o contraditório e o direito à prova da parte contrária32. A proposta de alteração da referida lei, no entanto, foi rejeitada. Raciocínio análogo se projeta para as regras de imutabilidade da coisa julgada. É certo que a impossibilidade de alterar o provimento jurisdicional após o trânsito em julgado da sentença é indispensável para garantir a segurança jurídica. Entretanto, diante da mutabilidade dos direitos discutidos em ações que veiculam a necessidade de implantar ou alterar determinada política pública, o comando exarado na decisão pode tornar-se inexequível ou ineficaz para sanar o problema. O mesmo exemplo, relativamente ao fornecimento gratuito de medicamentos, pode ser invocado aqui: os tribunais decidem que o Estado deve prover determinado remédio à população, mas por alguma razão tal medicamento deixa de ser produzido pelas companhias farmacêuticas. Se a sentença não menciona que o remédio em questão pode ser substituído por um similar - se este existir - o comando da sentença torna-se inexequível, uma vez que a decisão não pode ser alterada para atingir a sua finalidade, que é o tratamento dos pacientes que precisam do remédio. Ademais, especialmente na fase de execução do julgado, em processos dessa natureza, não raro será necessária uma postura ativa do Poder Judiciário, figurando o magistrado como mediador institucional justo para garantir que o provimento exarado na sentença seja cumprido a contento. Nenhum desses dois problemas observados na fase de execução do julgado coletivo em matéria de políticas públicas encontra solução no ordenamento jurídico brasileiro atual. Portanto, se é necessário que o processo, como instrumento de pacificação social, adapte-se às crises de direito material que se apresentam ao longo do

32. Artigo 16 do Projeto de Lei n. 5.139/2009. COSTA, Susana Henriques da. A imediata judicialização dos direitos fundamentais sociais e o mínimo existencial. Relação direito e processo. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Org.). O processo em perspectiva. Jornadas Brasileiras de Direito Processual, l.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 345-370.

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tempo, é possível afirmar que o cenário atual demanda alterações substanciais para que, superados os óbices à judicialização dos temas políticos, permita que o Poder Judiciário efetivamente participe da discussão e da concretização dos direitos sociais. Algumas propostas legislativas, no entanto, já vêm buscando essa mudança, tema a ser abordado na seguinte seção.

4.

OS PROJETOS DE APRIMORAMENTO DO SISTEMA PROCESSUAL PARA ATENDER ÀS DEMANDAS DE NATUREZA POLÍTICA

Com o objetivo de minimizar os problemas aqui apresentados e possibilitar o acesso do Poder Judiciário à seara das discussões que envolvam políticas públicas de uma forma mais organizada, estratégica e consequentemente mais efetiva, surgiram ao longo dos últimos anos algumas propostas legislativas que prevêem adaptações no sistema processual - algumas são especificamente voltadas ao controle jurisdicional de políticas públicas; outras são articuladas para atender demandas repetitivas de todas as naturezas, mas que terão inevitável impacto na judicialização de matérias políticas. Pode-se dizer, assim, que essas propostas legislativas pretendem atacar, principalmente, (i) a questão da dispersão de interesses, que ocorre quando temas políticos são levados ao Poder Judiciário pela via das ações individuais, e (ii) o problema da dificuldade de executar as decisões judiciais que controlam ou implementam políticas públicas. A solução imaginada para regulamentar ações que invoquem o controle e a intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas foi a criação de uma lei específica, capaz de instituir um novo tipo de processo para tal finalidade e resolver a um só tempo os dois percalços descritos acima. Com base nessa ideia, elaborou-se um projeto de lei visando sistematizar a judicialização de demandas de natureza política (Projeto de Lei n. 8.058/2014). A análise do referido projeto de lei, que no presente tramita na Câmara dos Deputados, é oportuna diante da necessidade de bem compreender a razão e a necessidade de delinear estratégias que visem modificar o sistema processual atual e adequá-lo a um cenário em que a interferência do Poder Judiciário em políticas públicas já se tornou uma realidade. A tónica do citado Projeto de Lei n. 8.058/2014 foi justamente dar primazia aos processos coletivos, priorizando-os em relação às demandas individuais, uma vez que o benefício obtido por essas ações, não raro, limita-se apenas à parte autora e não implica, necessariamente, intervenção planejada em uma política pública abrangente - como analisado anteriormente. Por essa razão, 377

No que tange à superação de um modelo processual rígido - outro problema assinalado como barreira a uma efetiva implementação dos direitos sociais pelo Poder Judiciário -, é preciso retomar o fato de que essa característica do processo civil brasileiro tem grande impacto na adequação e na exequibilidade das decisões sobre políticas públicas. A necessidade de contemplar a mutabilidade inerente aos interesses sociais e as formas de implementá-los fez com que o projeto anteriormente mencionado propusesse meios de adaptar os limites da coisa julgada em demandas envolvendo políticas públicas.

Acrescente-se que o novo procedimento articulado para promover o controle judicial de políticas públicas foi erigido sobre a base das ações coletivas. Não foi proposta a ampliação da legitimidade ativa para possibilitar o ajuizamento de ações coletivas discutindo políticas públicas por indivíduos, como é praxe no direito norte-americano, em que demandas individuais - por sua natureza ou pela extensão de seus resultados - podem ser certificadas como dass actions.

de litisconsorte. Não se trata de instigar os legitimados a proporem demanda futura, como ocorre no art. 29 do projeto, mas sim noticiar a transformação de um processo em coletivo.

logo no segundo artigo, o projeto em comento consigna, entre os princípios aplicáveis ao controle jurisdicional de políticas públicas, o "atendimento ao bem comum" e a "universalidade das políticas públicas"33.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Entretanto, para os fins destes escritos, é importante registrar que o PL n. 8.058 contemplou mecanismo para a coletivização de pretensões individuais, transformando-as em pedidos coletivos quando tiverem esta natureza. Esse mecanismo, se utilizado da forma proposta pela lei, supriria de alguma forma a falta de legitimação individual para a propositura de demandas coletivas e impediria a molecularização das demandas que tratam de judicialização de políticas públicas ou de direitos sociais. O projeto dedica um capítulo ao tema (artigos 28 a 30). No cenário proposto, estabelece-se parâmetro para o jurisdicionado pleitear, pela via judicial e individualmente, a implementação de direitos sociais. O juiz, por sua vez, só poderá conceder a tutela pretendida individualmente se o pleito tratar de direitos relativos ao mínimo existencial (art. 28). Mesmo nos casos de mínimo existencial, o projeto prioriza o tratamento coletivo. Com essas disposições, o legislador busca, portanto, otimizar a implementação universalista dos direitos sociais, cientificando os legitimados sobre eventual lesão à coletividade. Os legitimados, porém, na redação do art. 29, preservam a sua autonomia na avaliação da necessidade ou não de sua intervenção. O art. 30, que dispõe sobre a conversão da demanda individual em coletiva, é o que suscita maior interesse e possivelmente será o cerne de discussões mais acaloradas, haja vista a previsão de que nas demandas individuais com efeitos coletivos ou naquelas em que todos os indivíduos na mesma situação fática que o autor devam ser tratados de forma isonômica o juiz possa converter a ação em coletiva, intimando os legitimados da ação coletiva para atuar na condição

33. "Art. 25. o controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário rege-se pelos seguintes princípios, sem prejuízo de outros que assegurem o gozo de direitos fundamentais sociais: [...] V - atendimento ao bem comum; VI — universalidade das políticas públicas [...]."

O artigo 20 do PL n. 8.058 permite que o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, altere a decisão transitada em julgado na fase de execução, ajustando-a às peculiaridades do caso concreto se outras políticas públicas diferentes daquelas mencionadas no decisum se mostrarem mais adequadas ao atendimento do direito social objeto do processo julgado. O dispositivo proposto ainda é bastante genérico e caso o projeto seja aprovado conferirá grandes poderes aos juizes, que poderão eleger os meios "mais adequados" para a implementação da política pública que melhor atenda aos interesses pleiteados em juízo. Ainda assim, essa proposta legislativa demonstra que as discussões acerca da inadequação do processo civil brasileiro atual para lidar com o controle de políticas públicas pelo Judiciário se faz presente na doutrina nacional e que a busca por soluções é de primordial importância para a consolidação de um sistema que possibilite a tutela integral dos interesses sociais.

5.

CONCLUSÃO

Com esteio no raciocínio até aqui desenvolvido, pode-se afirmar que os tribunais brasileiros vêm assumindo um papel de destaque na transformação da realidade social do país na medida em que se tornaram um fórum de discussão política e, ao mesmo tempo, a instituição responsável por garantir a concretização das provisões constitucionais correlatas ao Estado de bem-estar social. Entre essas provisões está a implementação dos direitos sociais, cujo propósito é garantir a toda pessoa um padrão mínimo de subsistência, mas a efetividade deste direito fundamental, expoente da dignidade humana, em grande parte, só tem sido possível por meio do controle judicial de políticas públicas.

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O Poder Judiciário, por sua natureza, estrutura e organização, agrupa uma série de vantagens enquanto arena de discussão política. Tais vantagens iniciam com as garantias constitucionais de independência dos juizes, passam pelas leis que visam assegurar o amplo acesso à justiça e se materializam com os esforços para aumentar os mecanismos de participação social em processos que envolvem questões sensíveis, como a permissão para que sujeitos interessados atuem como amici curiae em casos de grande relevância social.

FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência? Revista USP, São Paulo, Edusp, 1994.

Por outro lado, há diversos problemas que ainda pendem de solução e representam consideráveis obstáculos para que as políticas públicas dirigidas à implementação dos direitos sociais possam ser efetivamente discutidas nos tribunais brasileiros. Entre esses problemas, dois foram aqui examinados: (i) a primazia das ações individuais em relação às ações coletivas no atual cenário jurídico e social - que, em última análise, acaba impedindo os juizes de orientar ou modificar uma política pública de forma global; e (ii) o excessivo formalismo do processo civil brasileiro, pródigo em dificultar a discussão dos direitos sociais e a execução das decisões judiciais que pretendem implementá-los, já que uma das principais características desses interesses é sua mutabilidade e fluidez. De todo modo, o controle judicial de políticas públicas é uma realidade no Brasil e esforços consistentes têm sido feitos - entre eles figuram propostas de alteração legislativa - com vistas a superar as dificuldades que hoje impedem os tribunais de terem a mesma expressão que os demais poderes da República quanto à participação na definição e na implementação de políticas públicas que tenham como objetivo dar efetividade aos direitos sociais constitucional mente assegurados.

GIDI, António. A Class Action como instrumento de tutelo coletiva dos direitos - as ações coletivas em uma perspectiva comparada. São Paulo: RT, 2007. GRINOVER, Ada Pellegrini. A tutela jurisdidonal dos interesses difusos. São Paulo: Max Limonad, 2011. KOMESAR, Neil K. Law's limits: rule of law and the supply and demand of rights. New York: Cambridge University Press, 2001. LIMA LOPES, José Reinaldo de. Crise da norma e reforma do Judiciário. São Paulo: Malheiros, 2002. . Direitos sociais: teoria e prática. São Paulo: Método, 2006. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos: conceito e legitimação para agir. 6. ed. São Paulo: RT, 2004. MARCATO, António Carlos. Preclusões: limitações ao contraditório? Revista de Processo, São Paulo, RT, v. 17, jan. 1980. RIZZI, Ester; XIMENES, Salomão. Ações em defesa do direito à educação infantil em São Paulo: litigância estratégica para a promoção de políticas públicas. Justiça e direito humanos: experiências de assessoria jurídica popular. Curitiba: Terra de Direitos, 2010. SADEK, Maria Tereza. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (Coord.). O controle jurisdidonal de políticos públicas. Rio de Janeiro: Forense, 2011. SILVA, Virgílio Afonso da. O Judiciário e as políticas públicas: entre transformação social e obstáculo à realização dos direitos sociais. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coord.). Direitos sociais: fundamentação, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008. TORRES, Ricardo Lobo. O direito ao mínimo existencial. Rio de Janeiro: Renovar, 2009.

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1.

O JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS: ENTRE TRANSFORMAÇÃO SOCIAL E OBSTÁCULO À REALIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS1* Virgílio Afonso da Silva2 Sumário: 1. Introdução; 2. O mito de Montesquieu; 3. Direitos individuais (civis e políticos) e deveres negativos; 4. Direitos sociais e deveres positivos; 5. O custo dos direitos; 6. Então por que falta efetividade aos direitos sociais?; 7. Mais uma vez: o custo dos direitos; 8. Estudo de caso: remédios para o tratamento da AIDS; 9. Conclusão; 10. Bibliografia citada

INTRODUÇÃO

Embora seja, dentre os chamados países em desenvolvimento, um país com uma economia forte, com um PIB entre os quinze maiores do planeta,3

1. Este texto é uma tradução do texto apresentado no colóquio "Conflicts, Law, and Constitutionalism", realizado na Moison dês Sciences de l'Homme, em Paris, em fevereiro de 2005, e publicado com o título "The Limits of Constitutional Law: Public Policies and the Constitution" em Gilles Tarabout & Ranabir Samaddar (eds.), Conflict, Power, and the Landscape of Constitutionalism, London: Routledge, 2007: 167-181. O fato de ser um texto concebido para ser apresentado a um público estrangeiro explica alguns detalhes e explicações que, em alguns casos, podem parecer triviais ao público brasileiro. Além da mencionada publicação em inglês, este texto já foi publicado em português em Cláudio Pereira de Souza Neto & Daniel Sarmento, Direitos sociais: fundamentação, judicialização e direitos sociais em espécies, Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2008: 587-599. Os dados e opiniões apresentados aqui refletem o estagio da discussão da época de sua publicação original. 2.

Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Segundo o Relatório de Desenvolvimento Humano (HDR - Human Development Report) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Brasil tem o 9° maior PIB do mundo, se medido em

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r O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

O JUDICIÁRIO E AS POLÍTICAS PÚBLICAS • Virgílio Afonso da Silva

o Brasil é ao mesmo tempo um país que, na área social, padece de todos os problemas característicos dos países não-desenvolvidos. Sua já conhecida desigualdade social4 piora ainda mais o quadro, fazendo com que a imensa maioria da população dependa completamente da implementação de políticas públicas, especialmente nas áreas da educação, da saúde e da moradia.

papel nessa área do direito constitucional. De um lado, a previsão de direitos sociais na constituição brasileira (ou em qualquer outra constituição) não pode ser encarada como simples "lírica constitucional",5 ou seja, não é possível que não haja nenhuma consequência jurídica concreta para essa previsão. De outro lado, não é possível, devido a razões que serão analisadas mais adiante, que direitos sociais sejam tratados como se tivessem a mesma estrutura que têm os chamados direitos individuais (civis e políticos), ou seja, juizes não podem ignorar as políticas públicas já existentes nessas áreas, concedendo, de forma irracional e individualista, medicamentos, tratamentos de saúde ou vagas em salas de aula a todo aquele que recorrer ao Judiciário. À primeira vista, essas duas considerações parecem incompatíveis. E é exatamente essa impressão de incompatibilidade que divide os operadores do direito, pelo menos no Brasil, em dois campos opostos, cada um deles defendendo sua posição como se fosse a única possível e correta.

No âmbito jurídico, a comunhão de alguns fatores faz com que a situação fique ainda mais complexa, sobretudo após a promulgação da constituição de 1988. Essa complexidade é decorrência das seguintes variáveis: de um lado, as políticas públicas implementadas pelos governos nunca foi suficiente para satisfazer a imensa demanda de uma população carente de serviços em quantidade e qualidade aceitáveis; de outro lado, a atual constituição ampliou ainda mais o processo de constitucionalização de temas que já foram vistos como reservados ao campo da política, como a regulação do salário mínimo, a fixação de taxas de juros e a garantia de direitos à saúde, à educação, ao trabalho e à moradia. A partir desse pano de fundo, o papel do direito é constantemente colocado à prova, visto que, na tradição liberal, a implementação de políticas públicas nunca foi matéria afeita aos profissionais do direito. A consequência dessa constatação pode ser percebida quando se analisam decisões judiciais e trabalhos jurídico-doutrinários. O que geralmente ocorre é a simples transposição de uma racionalidade da tradição liberal, baseada quase que exclusivamente em relações bilaterais - normalmente entre um credor e um devedor - para a área dos direitos sociais. Como será demonstrado adiante, um grande número de operadores do direito encaram os desafios suscitados pelos direitos sociais a partir dessa transposição, da seguinte maneira: visto que a constituição garante, por exemplo, um direito à saúde, se uma pessoa não tem acesso a um determinado tratamento médico ou a um determinado medicamento, então é tarefa do Judiciário garantir que essa pessoa receba o tratamento e o medicamento necessários. Neste trabalho, pretendo tratar esse tipo de questão partindo de duas considerações que, embora pareçam triviais à primeira vista, obrigam os operadores do direito - sobretudo os juizes - a refletir profundamente sobre o seu dólar PPP (purchasing power parity). Se medido em valores absolutos, o Brasil tem o 13° maior PIB. As estatísticas estão disponíveis em: . 4. Ainda de acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano (HDR - Human Development Report) do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Brasil tem a quarta maior taxa de desigualdade social do mundo. (G/m Index- razão entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres). As estatísticas estão disponíveis em: .

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O objetivo deste trabalho é tentar enfrentar essa dicotomia aparentemente irreconciliável e mostrar que é possível - e necessário - que ambos os pontos de partida sejam respeitados. Mais do que isso: este trabalho parte do pressuposto de que qualquer discussão acerca da relação entre o direito e as políticas públicas somente será produtiva no momento em que a necessidade dessa conciliação for levada a sério. 2.

O MITO DE MOIMTESQUIEU

Um dos principais argumentos que sustentam um dos lados da discussão acima delineada é a referência à teoria da separação de poderes. No Brasil, como em muitos outros países da América Latina, essa teoria é muitas vezes encarada de forma estanque e rígida. No modelo liberal clássico, no qual os juizes podiam ser considerados como simples "boca da lei",6 seria impossível imaginar que o Judiciário pudesse intervir na realização de políticas públicas e, em alguns casos, até mesmo corrigi-las ou defini-las. Mas o que é compreendido como a "teoria da separação de poderes" é, no entanto, uma simples visão enviesada das ideias de Montesquieu, aplicada a um regime presidencialista,7 em uma sociedade que é infinitamente mais complexa do que aquela que 5. A expressão "lírica constitucional" é usada por Robert Alexy, "Grundrechte im demokratischem Verfassungsstaat" in Aulis Aarnio / Robert Alexy / Gunnar Bergholtz (eds.), Justice, Morality, and Sodety: A Tribute to Aleksander Peczenik, Lund: Juristfõrlaget, 1997, p. 29. 6. Cf. Montesquieu, De 1'esprit dês /o/s, XI, 6. 7. Não se pode esquecer que a chamada "teoria da separação de poderes", atribuída a Montesquieu, baseia-se sobretudo em um capítulo de seu "Espírito das Leis", no qual Montesquieu "descreve" o

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do "não-fazer" não teria interferência em questões orçamentarias ou na definição de políticas públicas. Essa visão parece-me falaciosa e será analisada mais abaixo.

Montesquieu tinha como paradigma. Em vista disso, o argumento baseado puramente na separação de poderes não parece ser digno de nenhuma análise mais apurada neste trabalho.8

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Há, contudo, um outro argumento - de certa forma ligado à ideia de separação de poderes, ao papel dos juizes nessa separação e à dicotomia Estado Liberal / Estado Social - que merece atenção especial. Esse argumento é baseado na distinção entre deveres negativos e deveres positivos e pretende chamar a atenção a uma diferença estrutural entre os chamados direitos individuais e os direitos sociais. 3.

DIREITOS INDIVIDUAIS (CIVIS E POLÍTICOS) E DEVERES NEGATIVOS

Os assim chamados direitos de primeira geração, conhecidos na França como "liberdades públicas" e na Alemanha como "direitos de defesa", são normalmente definidos como direitos que têm como objetivo garantir uma esfera de autonomia aos indivíduos, no interior da qual o Estado não deve interferir. Por isso é que se diz que tais direitos - como a liberdade de imprensa, a liberdade religiosa, o direito de reunião etc.- impõem um dever negativo ao Estado. Ao Estado é normalmente vedado lançar mão de medidas que interfiram nessas liberdades, como impor uma censura, dar preferência a uma religião ou proibir uma reunião pacífica etc. Esse tipo de direitos normalmente não causa grandes problemas aos juizes ou à relação entre os poderes políticos e o poder judiciário, especialmente nos países acostumados a algum tipo de controle de constitucionalidade. Em linhas muito gerais, sempre que o Executivo ou o Legislativo forem além da barreira do "não-fazer", é tarefa dos juizes garantir os direitos individuais, declarando tais medidas como inválidas e assegurando a volta ao status quo ante.

4.

DIREITOS SOCIAIS E DEVERES POSITIVOS

Os assim chamados direitos sociais, particularmente os direitos à saúde, à educação e à moradia, têm uma estrutura diversa: sua realização não requer uma abstenção estatal. É necessário, entre outras coisas, que hospitais, escolas e casas sejam construídos, que médicos e professores sejam contratados e que material hospitalar e escolar sejam adquiridos. Obviamente, isso custa (muito) dinheiro. Ao contrário do que ocorre com a realização e a proteção dos direitos individuais, a realização dos direitos sociais, ao depender de enormes gastos públicos, depende de decisões que extrapolam o simples raciocínio jurídico-formal. Em um cenário de recursos escassos, no qual não há dinheiro suficiente para resolver nem mesmo os principais problemas de saúde, educação e moradia dos indivíduos - e essa é a realidade em quase todos os países do mundo - é necessário que alguém tome a decisão sobre como e onde os recursos públicos serão alocados. Neste ponto, duas questões importantes surgem: (1) Os juizes têm legitimidade para decidir na área de políticas públicas? (2) Os juizes têm capacidade para tomar essas decisões?

A segunda questão - sobre a capacidade dos juizes - será tratada mais adiante neste texto. Antes disso, contudo, é necessário discutir um importante

8. Michelman também sublinha a não-adequação em se pensar o problema dos direitos sociais como uma simples questão de separação de poderes. Cf. Frank I. Michelman, "The Constitution, Social Rights, and Liberal Political Justification", Internationa! Journal of Constitutional Law l (2003), p. IS.

A primeira questão não será analisada neste texto. Na verdade, a resposta a ela depende de como a separação de poderes é concebida em uma determinada constituição. Como já foi sublinhado anteriormente, deixar o Judiciário de fora do debate com base apenas em uma ideia anacrónica de separação de poderes é uma estratégia que não será considerada aqui. O mesmo pode ser dito acerca do argumento baseado exclusivamente na falta de legitimidade democrática do Judiciário. Ambos os argumentos - separação de poderes e ausência de legitimidade democrática - costumam ser usados de uma forma extremamente maniqueísta, a qual pretendo aqui evitar. Por isso, e por razões argumentativas, pretendo aqui presumir que um amplo controle de constitucionalidade é um ponto inquestionável do sistema constitucional e que, nesse sentido, deve ser aceito que os juizes têm legitimidade para interferir em questões legislativas e governamentais.

sistema político inglês por volta de meados do século XVIII, e que isso tem muito pouco em comum com as democracias presidencialistas contemporâneas. Cf. Montesquieu, De 1'esprit dês /o/s, XI, 6.

Mas uma consequência mais importante dessa estrutura negativa dos direitos individuais clássicos, pelo menos para os propósitos deste texto, é a pressuposição de que direitos negativos não exigem a alocação de recursos governamentais. Em outras palavras, "não-fazer" é algo que não implica gastos. Nesse sentido, a atividade judicial que controla os limites

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argumento que tem como objetivo mitigar as diferenças entre direitos individuais (civis e políticos) e direitos sociais, bem como as diferenças entre deveres negativos e positivos.

Por isso, ainda segundo Abramovich e Courtis, não haveria como diferenciar entre direitos civis e políticos e direitos sociais com base na dicotomia "fazer"/"não-fazer". Assim, seria possível questionar se ainda faz algum sentido diferenciar entre essas duas categorias de direitos, já que ambos requerem gastos estatais para a sua realização e proteção. Segundo Abramovich e Courtis, se é possível que ainda haja algum sentido nessa diferenciação, esse sentido não tem nenhuma relação com a possibilidade ou impossibilidade de tutela judicial desses direitos.,14

5.

O CUSTO DOS DIREITOS

Entre as obras publicadas recentemente sobre a justiciabilidade dos direitos sociais na América Latina, uma das mais importantes é, sem dúvida, a obra de Abramovich e Courtis.9 Embora o livro contenha diversos de argumentos em favor de uma ampla justiciabilidade dos direitos sociais, o argumento mais interessante, neste ponto, é aquele que se refere ao chamado "custo dos direitos". Em linhas gerais, o argumento é simples: a realização e a proteção de direitos sempre custam dinheiro, seja no caso dos direitos sociais seja no dos direitos civis e políticos. Nesse sentido, recursos públicos são indispensáveis também para a proteção da liberdade de imprensa, do direito de propriedade, do direito de associação etc., já que a criação e a manutenção de instituições políticas, judiciárias e de segurança, necessárias para a garantia desses direitos, implicam gastos para o Estado.10 De acordo com as estatísticas apresentadas por Holmes e Sunstein, apenas uma parte do sistema de justiça norte-americano (incluindo o sistema penitenciário federal) custa anualmente US$ 5.224.000.000.11 Assim, ao contrário do senso comum - segundo o qual deveres negativos não implicam custos - não seria possível exercer nenhum desses direitos sem um enorme gasto estatal. Proteger direitos civis e políticos, como o devido processo legal, o acesso à Justiça, o direito de matrimónio, o direito de reunião, o direito de votar e ser votado "pressupõe a criação das respectivas condições institucionais por parte do Estado (existência e manutenção de tribunais, estabelecimento de normas e registros que confiram relevância jurídica à decisão matrimonial ou ao ato de associação, convocação de eleições, organização de um sistema de partidos políticos etc.)."12 De outro lado, haveria direitos sociais que não implicam grandes gastos, por não requererem um "fazer" mas uma abstenção. Abramovich ê Courtis argumentam, por exemplo, que o direito à saúde implica um dever estatal de não prejudicar a saúde dos indivíduos.13

9. Cf. Victor Abramovich / Christian Courtis, tos derechos sociales como derechos exigibles, Madrid: Trotta, 2002. 10. Idem, p. 23. 11. Cf. Stephen Holmes / Cass Sunstein, The Cost o/Rights, New York: Norton, 2000, p. 234. 12. Victor Abramovich / Christian Courtis, tos derechos sociales como derechos exigibles, p. 23. 13. Idem, p. 25.

6.

ENTÃO POR QUE FALTA EFETIVIDADE AOS DIREITOS SOCIAIS?

Em face dos esforços de alguns autores em demonstrar que não há diferença entre os direitos individuais e os direitos sociais, é de se perguntar, então, por que os primeiros são muitas vezes efetivamente realizados enquanto que os direitos sociais frequentemente não ultrapassam a barreira da promessa constitucional. Nos países ainda em desenvolvimento, é muito comum ouvir, como resposta a essa questão, que "falta vontade política ao governo". Ocorre que, se de fato o problema fosse apenas uma falta de vontade política, bastaria haver uma "vontade judicial" por parte dos operadores do direito, sobretudo dos juizes, para que pelo menos parte do problema fosse resolvida. Embora muitos autores façam um grande esforço para demonstrar "histórias de sucesso" na efetivação de direitos sociais por meio do Judiciário,15 parece-me que tais histórias são superestimadas, da mesma forma que o é o papel que o Judiciário desempenha nessa área. Da mesma forma que a conquista de direitos civis e políticos foi uma conquista da sociedade civil, efetivada por meios políticos, a implementação de direitos sociais e económicos não vai ser realizada de forma diversa. Como é comum em discussões polarizadas, a solução muitas vezes só pode ser encontrada no meio termo entre os dois pólos opostos. O grande problema, na área dos direitos sociais, é que o meio termo é frequentemente encarado por meio da seguinte divisão de tarefas: o governo tem prioridade 14. Segundo esses autores, a distinção entre direitos civis e políticos, de um lado, e direitos sociais e económicos, de outro, pode ser útil para outras finalidades, como, por exemplo, para "situar, em um contexto histórico, a forma pela qual foram conceitualizados e positivados os diversos direitos". Cf. Victor Abramovich / Christian Courtis, Los derechos sociales como derechos exigibles, p. 48. 15. Cf. sobretudo Cass Sunstein, Designing Democracy: What Constitutions Do, New York: Oxford University Press, 2001, pp. 221-237 e Victor Abramovich / Christian Courtis, ios derechos sociales como derechos exigibles, pp. 132-248.

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na implementação de políticas públicas que realizam direitos sociais, mas é dever dos juizes controlar essa realização e, caso necessário, complementá-la e corrigi-la. A maioria das "histórias de sucesso" acima mencionadas seguem esse modelo. Ocorre que, ao contrário do que muitos crêem, esse modelo não representa um meio termo. Pelo contrário, ele representa a versão baseada na crença de que o ativismo judicial é a melhor forma de proteger os direitos sociais e económicos. 7.

MAIS UMA VEZ: O CUSTO DOS DIREITOS

A ideia de que os juizes, ao complementar as políticas públicas implementadas pelo governo, estarão sempre auxiliando a realização dos direitos sociais e económicos é equivocada porque se baseia em uma premissa tão simples quanto falsa, segundo a qual complementar é sempre algo positivo. Isso poderia ser correio se a realização de direitos sociais não implicasse, em todos os casos importantes, gastos públicos. Mas ela implica. Assim, ao contrário do que sustentam Abramovich e Courtis, direitos sociais e económicos distinguem-se, sim, dos direitos civis e políticos pelos gastos que sua realização pressupõe. Embora seja correta a tese de que a realização e a garantia de qualquer direito custa dinheiro, também é verdade que a realização dos direitos sociais e económicos custa mais dinheiro. Isso porque os mesmos gastos que tanto Abramovich e Courtis quanto Holmes e Sunstein apontam ser necessários para a garantia dos direitos civis e políticos são também necessários para a garantia dos direitos sociais e económicos, especialmente aqueles gastos que Abramovich e Courtis chamam de gastos com a manutenção das instituições políticas, judiciais e de segurança.16 A manutenção de instituições políticas, por exemplo, não é um gasto a ser computado somente para a garantia de direitos políticos. Pensar de outra forma seria um equívoco, pois partiria do pressuposto de que as instituições e os direitos políticos são fins em si mesmos. Por isso, os gastos com a manutenção das instituições políticas são gastos que abrangem a realização tanto dos direitos políticos, quanto dos direitos civis, quanto dos direitos sociais e económicos. O mesmo vale para os gastos com a manutenção de instituições judiciárias. Diante disso, esses "gastos institucionais", que são diluídos na efetivação de qualquer tipo de direito, devem ser deixados de lado quando se comparam os custos dos direitos sociais e económicos, de um lado, com os custos dos direitos civis e políticos, de outro. 16. Cf. Victor Abramovich / Christian Courtis, Los derechos soda/es como derechos exigib/es, p. 23.

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A partir dessa constatação, não parece ser difícil perceber a diferença que há - em termos de alocação de recursos públicos - entre decisões judiciais que visem a garantir ou a realizar um direito civil ou político, de um lado, e decisões que visem a realizar ou a garantir um direito social ou económico, de outro. Usando um exemplo do estudo de caso a ser exposto brevemente a seguir, basta comparar os custos decorrentes de decisões que obriguem o Estado a pagar remédios para o tratamento de pacientes portadores do HIV com decisões que obriguem o Estado a não interferir na liberdade de expressão ou de associação de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos. Pagar remédios, construir hospitais, construir escolas ou construir casas custa, sim, mais dinheiro do que exigir uma abstenção estatal, sobretudo se partirmos do pressuposto de que os gastos institucionais devem ser divididos por igual na conta comum de todos os direitos.

8.

ESTUDO DE CASO: REMÉDIOS PARA O TRATAMENTO DA AIDS

Em 2004, estudantes da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo realizaram uma pesquisa empírica envolvendo todas as decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo relacionadas a casos de pedidos de concessão de remédios para o tratamento da AIDS entre janeiro de 1997 e junho de 2004.17 O resultado geral apontou que, em 85% dos casos, os autores dos pedidos recebiam os medicamentos que requeriam. Â primeira vista, essa poderia ser considerada mais uma "história de sucesso" na justiciabilidade dos direitos sociais. Mas há algumas informações importantes que se escondem por trás dos números mencionados. A primeira delas é o fato de que a política de combate a AIDS do governo brasileiro - que inclui a distribuição gratuita de medicamentos, entre outras medidas - é considerada pela Organização Mundial da Saúde como uma das mais eficazes do mundo.18 17. Essa pesquisa recebeu um prémio concedido pelo IPEA (Instituto de Pesquisas Económicas Aplicadas) no ano de 2004 e foi realizada sob a coordenação do Prof. Dr. José Eduardo Faria (coordenador geral do grupo) e do Prof. Dr. Diogo R. Coutinho (coordenador da pesquisa). Aos estudantes envolvidos no projeto, Camila Duran Ferreira, Ana Carolina Carlos de Oliveira, Ana Mara França Machado, André Vereta Nahoum, Brisa Lopes de Mello Ferrão, Evorah Lusci Costa Cardoso, Leandro Alexi Franco, Marcele Garcia Guerra, Marco Aurélio Cezarino Braga, Rafael Diniz Pucci e Vinícius Corrêa Buranelli, eu gostaria de agradecer a oportunidade de ter tido acesso aos dados e aos resultados da pesquisa. A menção a esse estudo será feita sempre como PET-FD-USP, "O Judiciário e as políticas públicas de saúde no Brasil: o caso AIDS", 2004. 18. Como resultado desse programa, houve redução de 50% na mortalidade em decorrência de AIDS, redução de 26% no número de casos registrados e 80% nas necessidades de internações hospitalares ocasionadas

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Uma segunda informação importante diz respeito àqueles que colocaram essa política em prática. Segundo a Organização Mundial da Saúde: "A viabilidade do programa HIV/AIDS brasileiro, incluindo a distribuição de remédios, é devida em grande parte à mobilização social, incluindo a representação de comunidades afetadas no governo, as organizações não-governamentais e outros fóruns. A distribuição gratuita de antirretrovirais evitou problemas associados ao mercado negro ou a regimes abaixo do Standard"."

Como se percebe, a realização dos direitos sociais e económicos, por depender da implementação de políticas públicas, é tarefa que depende sobretudo do governo e das pressões da sociedade civil mobilizada. Por fim, a última informação importante por trás dos números do estudo de caso diz respeito à racionalidade que permeia as decisões dos juizes e às suas consequências. O estudo constatou que "nos casos de concessão [de medicamentos], em 93% das decisões os julgadores consideraram o direito à saúde como individual".20 Além disso, em geral os juizes não se preocupam com a eventual existência de uma política pública (eficaz ou não) já colocada em prática pelo governo. Segundo o estudo: "A despeito de alguns acórdãos reconhecerem a existência de políticas públicas específicas para DST/AIDS, nenhum deles trata pormenorizadamente do desenho institucional da política pública praticada pelo Estado. [Nota de rodapé: Nos casos em que o Estado já empreende uma política pública, como no analisado, verificamos que o Judiciário ignora por completo o modus operandi da mesma, não procurando adequar a esse suas decisões, quando possível]21

No que tange às consequências económicas das decisões, o estudo constatou que: "Em relação à consideração de possíveis impactos sociais da decisão [...] verificamos que, nos casos de não concessão [do pedido de medicamentos], os prejuízos para a coletividade,

pela doença. Com isso, foi possível evitar 358.175 internações no período de 1997 a 2001, gerando uma economia de recursos de US$ 1.036.603.072,14. Fonte: Ministério de Saúde do Brasil. Cf., sobre esses resultados, V. Oliveira-Cruz/J. Kowalski/ B. McPake, "Viewpoint. The Brazilian HIV/AIDS 'Success Story': Can Others Do It?", Tropical Medicine & International Health 9 (2004): 292-297 e Cristina B. Hofer/ Mauro Schechter/ Lee H. Harrison, "Effectiveness of Antiretroviral Therapy Among Patients Who Attend Public HIV Clinics in Rio de Janeiro, Brazil", Journal ofAcquired Immune Deficiency Syndromes, 36 (2004): 967-971. 19. Cf. World Health Organization, "Treatment Works", in http://www.who.int/3by5/en/treatmentworks.pdf (sem grifos no original). 20. PET-FD-USP, "O Judiciário e as políticas públicas de saúde no Brasil: o caso AIDS", 2004, p. 24 (sem grifos no original). 21. Idem, pp. 23-24 (sem grifos no original).

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decorrentes da alocação de recursos de forma esporádica foram arguidos em 66,7% dos casos, enquanto que nos casos de concessão [do pedido de medicamentos,] em apenas 4, l %."22

A conclusão a que se pode chegar após essa breve exposição desse estudo de caso, que, ainda que pontual, reflete bem o enfoque que os juristas dão em geral à justiciabilidade dos direitos sociais, é que, em primeiro lugar, os juizes, ao tratarem os problemas dos direitos sociais como se fossem problemas iguais ou semelhantes àqueles relacionados a direitos individuais, ignoram o caráter coletivo dos primeiros. Esse caráter coletivo exige, como não poderia deixar de ser, políticas que são pensadas coletivamente, algo que os juizes não fazem.23 Com isso, pretendo sublinhar que a questão discutida neste trabalho não é uma mera questão de opção entre ativismo ou contenção judicial, embora ela seja frequentemente apresentada como se assim o fosse. É certo que os partidários da ideia de contenção judicial têm que defender que os juizes devem se manter afastados de decisões relativas a políticas públicas, mas isso não significa que toda corrente ativista tenha necessariamente que defender o seu oposto, ou seja, que os juizes devam sempre decidir sobre políticas públicas. Nesse sentido, é possível defender uma forma de ativismo judicial - ou seja, defender que os juizes são legítimos para discutir políticas públicas - e, mesmo assim, sustentar que esse ativismo é limitado por uma série de razões estruturais.24 Isso significa que, embora o ativismo judicial seja uma possibilidade, ele depende de diversas mudanças estruturais na educação jurídica, na organização dos tribunais e, sobretudo, nos procedimentos judiciais, para que passe a ser possível tratar os direitos sociais e sobre eles decidir de forma coletiva. Diversos exemplos das consequências do que eu chamaria de "ativismo judicial despreparado"25 podem ser encontrados na atividade de diversos tribunais brasileiros. Por exemplo, ao distribuir tratamentos médicos de forma individual (i.e., sem considerar as políticas governamentais na área),26 os juizes podem estar prejudicando outras políticas públicas na área da saúde (ou em

22. Idem, pp. 25-26 (sem grifos no original). 23. Não o fazem não necessariamente porque assim não querem, mas porque, entre coisas, os tribunais não são estruturados para agir dessa forma e porque os juizes não dispõem das informações complexas que a implementação de políticas públicas requerem. 24. Por exemplo: porque os juizes não estão preparados para essa tarefa (como consequência de problemas estruturais na educação jurídica), porque os tribunais não estão estruturados e porque os procedimentos judiciais não foram concebidos para esse tipo de tarefa. 25. José Reinaldo de Lima Lopes usa o termo "voluntarismo irracional". Cf. José Reinaldo de Lima Lopes, "Direito subjetivo e direitos sociais" in José Eduardo Faria (org.), Direitos humanos, direitos sociais e justiça, São Paulo: Malheiros, 1994, p. 142. 26. E isso não ocorre apenas nos casos de medicamentos para o tratamento da AIDS.

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outras áreas), mesmo que eles consigam "resolver" alguns casos isolados. Isso porque, em um cenário de recursos escassos, o dinheiro tem que ser necessariamente retirado de outros programas para atender as decisões judiciais. Nesse sentido, Alberto Kanamura afirma que: "Num país onde ainda se morre de desnutrição, por falta de água tratada ou por pura ignorância de preceitos sanitários primários, é difícil não questionar decisões [judiciais] que priorizam gastos em saúde para tratar o raro, quando o mesmo recurso poderia beneficiar milhares que vivem a doença como regra. Doenças que no mundo desenvolvido já não existem e que em tese são muito simples de tratar. Não é demais lembrar que, neste momento, o governo tenta combater a fome endémica medicando os atingidos com uma ajuda de R$ 50 por família mensalmente, talvez menos de R$ 100 por pessoa ao ano."27

O autor usa o exemplo da doença de Gaucher. No Estado de São Paulo, há cerca de cem portadores da doença que, em razão de decisões judiciais, recebem tratamento grátis. O tratamento custa, por pessoa, US$ 9.620 por mês. Para essas cem pessoas, o custo anual é de mais de US$ 10 milhões. Segundo os dados transcritos acima sobre o combate à fome endémica, esse valor seria suficiente para ajudar 250 mil pessoas por ano. Ainda que não se queira discutir o que é mais importante combater, o certo é que os juizes, ao decidirem pelo financiamento individual do tratamento de algumas doenças, não têm em mente a dimensão global das políticas de saúde, como seria importante ter. Assim, se não há recursos para tudo, e se a decisão do juiz deve ser cumprida, o dinheiro terá de sair de outras áreas. Com isso fica claro que, ainda que haja boas intenções, as histórias de sucesso individual nem sempre são, de fato, histórias de sucesso coletivo. 9.

CONCLUSÃO

Na introdução deste trabalho defendi que a previsão de direitos sociais na constituição brasileira (ou em qualquer outra constituição) não pode ser encarada como se fosse simples "lírica constitucional", ou seja, não seria possível não haver nenhuma consequência associada a essa previsão, porque, para utilizar a expressão de Michelman, normas que garantem direitos sociais não são menos jurídicas do que as outras normas em uma declaração de direitos.28 Contudo, o fato de serem "não menos jurídicas" não me parece implicar que as normas que garantem direitos sociais devam ser tratadas como se tivessem a mesma estrutura daquelas que garantem direitos civis e políticos, nem que sejam justiciáveis da mesma maneira. Em outras palavras, talvez a tarefa dos

27. Alberto Hideki Kanamura, "O dilema do gestor da saúde", Folha de São Paulo (10.07.2003), p. A3. 28. Cf. Frank I. Michelman, "The Constitution, Social Rights, and Liberal Political Justification", p. 14.

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juizes não seja a de conceder remédios, tratamentos médicos, vagas em escolas etc. a todos aqueles que recorrerem ao Judiciário. Mas, nesse caso, qual poderia ser o papel dos juizes no processo de realização dos direitos sociais? Embora haja diversas respostas possíveis a essa pergunta, eu sustento que todas elas devem partir do pressuposto de que esses direitos não podem ser tratados, exceto em casos excepcionais, como se seguissem o mesmo padrão individualista em que se baseiam relações entre um credor e um devedor. Se isso está correio, e se o Judiciário não é capaz de pensar em saúde, educação, moradia etc, de forma coletiva e global, talvez ele devesse deixar essa tarefa para o processo político. Mas não é possível ignorar que as demandas individuais continuarão a existir e que os juizes continuarão a ter que decidir sobre elas. Se, pelas razões expostas, o Judiciário não deve distribuir medicamentos ou bens similares de forma irracional a indivíduos, ele deveria ser capaz de canalizar as demandas individuais e, em uma espécie de diálogo constitucional, exigir explicações objetivas e transparentes sobre a alocação de recursos públicos por meio das políticas governamentais, de forma a estar apto a questionar tais alocações com os poderes políticos sempre que necessário for. Ainda mais importante seria o papel do Judiciário, em conjunto com o Ministério Público, como controlador das políticas públicas já existentes. Boa parte dos problemas de efetividade do direito à saúde (e também de outros direitos sociais) decorre muito mais de desvios na execução de políticas públicas do que de falhas na elaboração dessas mesmas políticas.29 Nesses termos - ou seja, como controlador da execução de políticas já existentes -, o Judiciário conseguiria, ao mesmo tempo, pensar os direitos sociais de forma global, respeitar as políticas públicas planejadas pelos poderes políticos, não fazer realocação irracional e individualista de recursos escassos e, sobretudo, realizar com maior eficiência os direitos sociais. Contudo, é óbvio que, para isso ocorra, o papel do Judiciário e o foco da. ação do Ministério Público têm que ser repensados. Ainda mais: em um país no qual a separação de poderes é interpretada como sinónimo de não-diálogo entre os poderes, como muitas vezes ocorre no Brasil, essa é uma tarefa difícil de ser realizada. Como foi demonstrado anteriormente, contudo, soluções simples, como a distribuição de remédios de forma desordenada, irracional e individualista não irá contribuir para a real implementação dos direitos sociais no país. 29. Um simples exemplo pode ilustrar isso. Parte daqueles que demandam a concessão judicial de medicamentos não o faz para obter um medicamento que não está previsto na política governamental, mas tão somente para garantir que o fornecimento desse medicamento não seja interrompido por problemas na execução da política. Em outras palavras: o recurso ao Judiciário tem como única função garantir o acesso a algo já decidido pelos poderes políticos.

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10. BIBLIOGRAFIA CITADA Abramovich, Victor / Courtis, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibies, Madrid: Trotta, 2002. Alexy, Robert. "Grundrechte im demokratischem Verfassungsstaat", in: Aulis Aarnio / Robert Alexy / Gunnar Bergholtz (eds.), Justice, Morality and Society: A Tribute to Aleksander Peczenik, Lund: Juristfõrlaget, 1997: 27-42 Ferreira, Camila Duran et ai., "O Judiciário e as políticas públicas de saúde no Brasil: o caso AIDS", São Paulo, 2004. Hofer, Cristina B. / Schechter, Mauro / Harrison, Lee H. "Effectiveness of Antiretroviral Therapy Among Patients Who Attend Public HIV Clinics in Rio de Janeiro, Brazil", Journal ofAcquIred Immune Deficiency Syndromes, 36 (2004): 967-971.

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mínimo existencial; 4. Os problemas do processo civil na jurisdicionalização dos direitos fundamentais sociais; 4.1. Função judicial: consequencialista, estratégica e mediadora; 4.2. Universalização dos direitos sociais e a coletivização da tutela

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jurisdicional; 4.2.1. Técnicas de coletivização de pretensões individuais.; 4.2.2.

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Sunstein, Cass R. Designing Democracy: What Constitutions Do, New York: Oxford University Press, 2001: 221-237.

BIBLIOGRÁFICAS

1.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objeto estudar o impacto da jurisdicionalização dos direitos sociais no processo. Como se verá, os direitos sociais foram incorporados pelos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Isso tornou viável a exigibilidade de sua concretização por parte de seus afirmados titulares e, consequentemente, a possibilidade de sua tutela pela via jurisdicional. A veiculação dessa espécie de direito material, que possui especificidades, no processo, impacta a técnica processual, que deve a elas responder adequadamente. Lembre-se de que o processo é meio que só se legitima na medida 1. Professora doutora da Faculdade de Direito da USP e da FGV Direito SP (GVIaw). Mestre e doutora em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP. Pós-doutora pela Madison Law School (University of Wisconsin). Promotora de Justiça do Estado de São Paulo.

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valores jurídicos e políticos constitucionalmente reconhecidos.3 A ação estatal se legitima pelo seu conteúdo e pela sua correspondência com o modelo axiológico constitucionalmente desenhado e "somente são soberanas as leis que constituam manifestação externa das exigências de racionalidade e de liberdade, não da vontade arbitrária daqueles que detém o poder".*

da qualidade dos resultados obtidos. É essa relação entre o direito material tratado (direitos fundamentais sociais) e o mecanismo processual desenhado que é objeto deste estudo.

A IMEDIATA JUDICIALIZAÇÃO DOS DIREITOS • Susana Henríques da Costa

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

A hipótese a ser desenvolvida é a de que são necessárias adaptações da técnica processual para a tutela adequada dos direitos sociais fundamentais, a depender da forma como ocorra a sua judicialização. Algumas adaptações já são possíveis, dentro da margem de flexibilidade que o legislador dá ao julgador e da própria complexidade da técnica processual do ordenamento jurídico brasileiro. Outras demandam a alteração legislativa para o aprimoramento do mecanismo judicial vigente. Para desenvolver a hipótese proposta, a estrutura deste artigo parte de uma breve análise do fenómeno da constitucionalização dos direitos fundamentais sociais, suas causas e, em especial, a consequência de permitir a judicialização dos conflitos a eles relacionados, dentro de alguns limites. Sobre esses limites, será desenvolvido o conceito de mínimo existencial, entendido como o núcleo duro do direito fundamental social constitucionalizado, único passível de jurisdicionalização imediata, sem necessidade de regulamentação infraconstitucional. Definidas as principais características do direito material tratado, o estudo se desenvolve no sentido de buscar identificar as deficiências que a técnica processual clássica apresenta no tratamento individual ou coletivo dos direitos fundamentais sociais. Algumas sugestões de lege lata e de legeferenda, serão, então, apresentadas. 2.

A JURISDICIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A discussão acerca da jurisdicionalização dos direitos relaciona-se de forma intrínseca aos movimentos de constitucionalização dos direitos sociais nas sociedades ocidentais. A constitucionalização dos direitos fundamentais é fenómeno geralmente apontado como uma reação aos períodos autoritários que existiram durante o século XX ao redor do mundo, que se viabilizaram em um modelo normativo positivista, que não permitia questionamentos sobre o conteúdo substancial das normas jurídicas. Nesse sentido, uma vez positivados na Constituição, os direitos fundamentais se tornam estrutura básica do Estado e da sociedade.2 Transformam-se, portanto, em elementos limitadores da ação estatal que, para ser legítima, deve refletir e se harmonizar com os 2. J.J. Gomes Canotilho, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 379.

Mas o fenómeno da constitucionalização, em especial dos chamados direitos fundamentais sociais,5 também se deve à busca na sociedade moderna pela concretização do valor igualdade e da preservação de condições mínimas e elementares para a vida e o desenvolvimento humano. Os direitos fundamentais sociais exigem por parte do Estado não somente o dever de abstenção (p. ex. dever de não tributação de condições sociais mínimas), mas principalmente o dever de prestação. Nessa lógica, o Estado estaria obrigado a garantir aos indivíduos prestações materiais mínimas. A estrutura dos direitos sociais, portanto, inverte o raciocínio protetivo do Estado. Para a proteção de um direito social, é necessário agir e não se omitir. Atrelada à constitucionalização dos direitos fundamentais sociais está a discussão a respeito do seu conteúdo essencial. A pergunta é: qual o grau de exigibilidade desses direitos? Isso porque os direitos sociais, justamente por representarem realização material pelo Estado, têm custo muito superior em relação aos direitos civis e políticos.6 A premissa, portanto, é pela impossibilidade de se garantir a fruição máxima desses direitos por todos os membros

3. Eduardo Cambi, Neoconstitudonalismo e neoprocessualismo, p. 26. Segundo Robert Alexy, as críticas ao fenómeno de excesso de constitucionalização dos direitos apontam para a redução da competência dos parlamentos e, consequentemente, do processo político-democrático, uma vez que eles estariam adstritos ao já previstos pelo texto constitucional. Cresceria, por outro lado, a competência das Cortes Constitucionais, responsáveis por dar interpretação ao texto constitucional. O autor, porém, rechaça o argumento, sustentando a existência de espaço discricionário para a atuação legislativa no modelo vigente (Sobre tos derechos constitucionales a proteccion, p. 45 e ss.). 4. Eduardo Cambi, Neoconstituciona/lsmo e neo processuaiismo, p. 26. 5. Ricardo Lobo Torres sistematiza o debate doutrinário sobre o tema da relação entre direitos fundamentais e direitos sociais da seguinte forma: 1) há os que vêem simbiose entre direitos fundamentais e sociais; 2) há os que sustentam a indivisibilidade dos direitos humanos, compostos tanto pelos direitos fundamentais, quanto pelos direitos sociais; e 3) há os que reduzem a jusfundamentalidade dos direitos sociais à ideia de mínimo existencial. Essa última posição é a defendida pelo autor (O direito ao mínimo existencial, p. 43). 6. Como bem demonstrado por Virgílio Afonso da Silva, todo direito tem seu custo, inclusive os direitos chamados negativos, como os civis e políticos (p.ex. o custo para a estruturação e manutenção das instituições necessárias para a realização das eleições). O custo para a realização dos direitos sociais, porém, é bem maior. Segundo o autor, "basta comparar os custos decorrentes de decisões que obriguem o Estado a pagar remédios para o tratamento de pacientes portadores do HIV com decisões que obriguem o Estado a não interferir na liberdade de expressão ou de associação de um indivíduo ou de um grupo de indivíduos. Pagar remédios, construir hospitais, construir escolas ou construir casas custa, sim, mais dinheiro do que exigir uma abstenção estatal, sobretudo se partirmos do pressuposto

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da sociedade, por inviabilidade econômico-financeira. Consequentemente, haverá a colisão entre direitos fundamentais que não poderão ser sempre igualmente realizados.

se determinada prestação integra ou não o mínimo existencial e essa definição independe das circunstâncias do caso concreto. Exemplificativamente, a teoria absoluta pode sustentar que hoje, no Brasil, os medicamentos arrolados na listagem do SUS compõem o mínimo existencial do direito a saúde. Em consequência, qualquer demanda que buscasse a condenação do Estado ao fornecimento de qualquer destes medicamentos, comprovada a necessidade individual, seria julgada procedente.

É preciso, para a resolução dos conflitos, estabelecer um patamar mínimo, um conteúdo essencial dos direitos fundamentais sociais, até porque, em regra, é somente esse mínimo que poderá ser exigido do sujeito passivo Estado.7 Esse conteúdo, quando voltado para a definição daquilo que é justiciável, ou seja, do direito com densidade normativa suficiente para garantir tutela pelo Poder Judiciário, é normalmente chamado de mínimo existencial? Para os fins deste estudo, portanto, mínimo existencial é o conteúdo mínimo dos direitos sociais, constitucionalmente garantido, que permite justiciabilidade imediata. 3.

O MÍNIMO EXISTENCIAL

Fixada a função, porém, é necessário responder outra pergunta complexa: o que compõe o mínimo existencial? O que está dentro deste conceito de núcleo duro dos direitos fundamentais sociais, necessário para a garantia de uma existência digna ao ser humano? Sobre essa discussão, dentro de um esforço de simplificação, é possível identificar a existência de duas grandes teorias: a teoria absoluta e a teoria relativa. A teoria absoluta9 sustenta a existência de um conteúdo mínimo previamente determinado relativo a cada um dos direitos fundamentais sociais. Embora não necessariamente este núcleo seja imutável, podendo variar segundo circunstâncias históricas, políticas e sociais, é possível determiná-lo previamente, antes mesmo do surgimento do conflito entre direitos no caso concreto. Segundo Ricardo Lobo Torres, para "a teoria absoluta existe um núcleo de cada direito fundamental que em nenhum caso pode ser objeto de intervenção, nem se sujeita à ponderação"}0 Para essa teoria, portanto, o problema é definir

de que os gastos institucionais devem ser divididos por igual na conto comum de todos os direitos" (O Judiciário e os políticas públicas..., p. 593-594). 7. Entende-se que somente o conteúdo essencial do direito poderá ser exigido do Estado, em decorrência da mera previsão constitucional. Para além desse conteúdo essencial, é necessária a existência de algum arcabouço infraconstitucional que dê densidade normativa suficiente ao direito social. V. Kazuo Watanabe, Controle Jurisdicional de Políticas públicas..., p. 217. 8. O Projeto de Controle Judicial de Políticas Públicas conceitua mínimo existencial como "o núcleo duro, essencial, dos direitos fundamentais sociais garantidos pela Constituição Federal, em relação ao específico direito fundamental invocado, destinado a assegurar a dignidade humana" (art. 7S, §único).

A teoria relativa, por seu turno, parte da premissa de que a determinação do conteúdo essencial de um direito fundamental depende da ponderação realizada à luz do caso concreto, entre todos os direitos envolvidos. Não é possível saber o que é mínimo existencial aprioristicamente. É necessário sempre ponderar sobre a necessidade, a adequação e a proporcionalidade da restrição a direitos fundamentais, dependendo das circunstâncias apresentadas ao intérprete e, portanto, inviável a adoção de regras prévias. Conforme ensina Virgílio Afonso da Silva: O ponto central de toda teoria relativa consiste na rejeição de um conteúdo essencial como um âmbito de contornos fixos e definidos a prior; para cada direito fundamental. Segundo os adeptos de um conteúdo essencial relativo, a definição do que é essencial - e, portanto, a ser protegido - depende das condições fálicas e das colisões entre diversos direitos e interesses no caso concreto. Isso significa, sobretudo, que o conteúdo essencial de um direito não é sempre o mesmo, e poderá variar de situação para situação, dependendo dos direitos envolvidos em cada caso."

Na mesma hipótese anterior, portanto, a teoria relativa entende que a circunstância de um determinado medicamento constar do rol dos disponibilizados pelo SUS não é o bastante para fazer dele mínimo existencial. É possível que, na maior parte dos casos, a ponderação entre os direitos envolvidos assegure ao indivíduo a tutela condenatória do Estado ao seu fornecimento. Há a possibilidade da existência de casos, entretanto, em que essa não seja a solução adotada pelo julgador, pois, p. ex. podem estar em conflito justamente a concessão de vários medicamentos constantes da listagem. Há teorias intermediárias, chamadas mistas, que postulam o tratamento absoluto do mínimo existencial em alguns casos e relativo, em outros. Seja qual for a teoria adotada, contudo, o importante é salientar a natureza garantidora do conceito de mínimo existencial, que se, de um lado, consubstancia um parâmetro para a intervenção do Poder Judiciário, também representa um limite para as restrições geralmente apontadas pela atuação judicial, como por exemplo, a

9. V. Kazuo Watanabe, Controle Jurisdicional de Políticas públicas..., p.219. 10. Ricardo Lobo Torres, O direito ao mínimo existencial, p. 90.

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11. Virgílio Afonso da Silva, Direitos fundamentais..., p. 196.

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processual e a redefinição de alguns aspectos da própria função judicial. Algumas dessas adaptações podem e devem ser imediatamente incorporadas ao processo, pois já há margem política e jurídica para tanto. Outras mudanças dependerão de alteração do método empregado e são, portanto, de legeferenda. O que se fará a seguir será uma tentativa de sistematização de aspectos processuais que devem ser ajustados para o adequado tratamento processual dos conflitos envolvendo a judicialização dos direitos sociais.

reserva do possível. Os Tribunais, nesse sentido, costumam reconhecer que a falta de condições financeiras ou mesmo restrições orçamentarias não podem ser opostas ao mínimo existencial.12 Trata-se, portanto, de um limite do limite.

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4.

OS PROBLEMAS DO PROCESSO CIVIL NA JURISDICIONALIZAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

Feita essa breve exposições sobre o papel desempenhado pelo conceito de mínimo existencial como garantidor da imediata judicialização dos direitos fundamentais, é o momento de voltar os olhos ao processo. Isso porque é sabido que o direito processual é instrumento de tutela do direito material e deve, portanto, buscar efetividade no desempenho de sua função. Para tanto, deve adaptar suas técnicas de forma a melhor atender os direitos por ele veiculados. Afinal, a "natureza instrumental do direito processual impõe sejam seus institutos concebidos em conformidade com as necessidades do direito substancial. Isto é, a eficácia do sistema processual será medida em função da sua utilidade para o ordenamento jurídico material e para a pacificação saciar." Para o tratamento dos direitos sociais, o processo deve se adaptar. As especificidades desta espécie de direito material exigem a mudança da técnica

12.0 STF, nesse sentido, já reconheceu a inoponibilidade da alegação de reserva do possível ao mínimo existencial: "A destinação de recursos públicos, sempre tão dramaticamente escassos, faz instaurar situações de conflito, quer com a execução de políticas públicas definidas no texto constitucional, quer, também, com a própria implementação de direitos sociais assegurados pela Constituição da República, daí resultando contextos de antagonismo que impõem, ao Estado, o encargo de superá-los mediante opções por determinados valores, em detrimento de outros igualmente relevantes, compelindo, o Poder Público, em face dessa relação dilemátíca, causada pela insuficiência de disponibilidade financeira e orçamentaria, a proceder a verdadeiras "escolhas trágicas", em decisão governamental cujo parâmetro, fundado na dignidade da pessoa humana, deverá ter em perspectiva a intangibilidade do mínimo existencial, em ordem a conferir real efetividade às normas programáticas positivadas na própria Lei Fundamental. Magistério da doutrina.- A cláusula da reserva do possível- que não pode ser invocada. pelo Poder Público, com o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a implementação de políticas públicas definidas na própria Constituição- encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo existencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, emanação díreta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana. Doutrina. Precedentes.- A noção de "mínimo existencial", que resulta, por implicitude, de determinados preceitos constitucionais (CF, art. l9, III, e art. S9, III), compreende um complexo de prerrogativas cuja concretização revela-se capaz de garantir condições adequadas de existência digna, em ordem a assegurar, à pessoa, acesso efetivo ao direito geral de liberdade e, também, a prestações positivas originárias do Estado, viabilizadoras da plena fruição de direitos sociais básicos, tais como o direito à educação, o direito à proteção integral da criança e do adolescente, o direito à saúde, o direito à assistência social, o direito à moradia, o direito à alimentação e o direito à segurança" (STF, V Turma, ARE 6S9337/ SP, Rei. Min. Celso de Mello, DJ 23/8/11) (grifo nosso). 13. José Roberto dos Santos Bedaque, Direito e processo, p. 16.

4.1.

Função judicial: consequencialista, estratégica e mediadora

Quando o direito material trazido ao processo envolve direitos sociais, uma alteração na postura do julgador se impõe. A decisão sobre tais direitos possui intrínseca natureza política, na medida e que envolve escolha sobre alocação de recursos escassos. O fato de o julgador estar amparada por algum recorte jurídico no momento da escolha, não afasta a natureza política da decisão, pois um ordenamento jurídico complexo como o atual, muitas vezes permite escolhas variadas entre interesses públicos legítimos, a depender de premissas axiológicas que se estabeleçam.14 No desempenho dessa atividade político-jurídica, fica evidenciada a necessidade de incorporação de algumas novas características à função judicial. Não é possível julgar conflitos sobre alocação de recursos públicos ou mesmo sobre reforma estrutural do Estado da mesma forma que se julgam conflitos subjetivos privados. A função judicial politizada deve ser consequencialista, estratégica e mediadora. Consequencialista é a postura do magistrado que pondera sobre os efeitos materiais da sua decisão sociedade. O juiz que decide sobre políticas públicas não pode ser alheio às complexidades e dificuldades de execução da sua decisão. Há limites jurídicos (p. ex. orçamentários) e fáticos (p. ex. financeiros) na atuação do Estado que podem vir a impedir a eficácia do mandamento contido da sentença. Há também dificuldades procedimentais (p. ex. necessidade de licitação para contratação) que dificultam o cumprimento de ordens judiciais em prazos exíguos e podem, inclusive, dar ensejo a desvios de conduta na administração. Mas, acima de tudo, há impactos diretos e indiretos gerados pelo próprio cumprimento da sentença 14. Sobre o fenómeno de politização do Poder Judiciário em função da judicialização de direitos sociais, v. Virgílio Afonso da Silva, O Judiciário e as políticas públicas, Ada Pellegrini Grinover, O controle jurisdicional de políticas públicas, José Reinaldo de Lima Lopes, Direitos Sociais e Carlos Alberto de Salles, Duas faces da proteção judicial dos direitos sociais no Brasil.

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judicial envolvendo a implementação de direitos sociais e que não podem ser ignoradas pelo juiz quando do julgamento. A definição judicial sobre políticas públicas implica mudança de rumos na gestão da administração e realocação de recursos públicos que podem vir a prejudicar outros direitos sociais. Tudo isso deve ser levado em conta pelo juiz quando da decisão, de fornia a equilibrar os valores em jogo e buscar um equacionamento mais adequado do conflito. A função judicial deve também, nesse novo contexto, ser estratégica. Essa característica se refere, em especial, à postura adotada pelo magistrado na execução de decisões envolvendo a implementação de políticas públicas, em especial em demandas coletivas. O cumprimento desta espécie de decisão é complexo e desloca para a fase satisfativa do processo um alto grau de atividade cognitiva. O objetivo é a concretização da política pública determinada pela sentença, mas até lá haverá muito a se decidir. Para que se chegue ao objetivo, deve o juiz traçar uma estratégia, um plano de atuação, incluindo a mediação entre as partes envolvidas, do que já advém a também necessidade de que o magistrado exerça uma função mediadora. Exigir que o executado simplesmente cumpra o teor da decisão em determinado prazo (postura negativamente formalista), sem acompanhar esse cumprimento, seja diretamente, seja via um técnico nomeado para esta finalidade,15 torna as chances de êxito da execução pequenas. A execução precisa, nesses casos, da elaboração de um plano específico, porém flexível e sujeito eventuais adaptações que se façam necessárias. Deve, também, ter o acompanhamento detido pelo juiz do cumprimento do plano e dos prazos. Esse é o juiz estrategista.16

15. Prevê o Projeto de Controle Judicial de Políticas Públicas: Art. 19 - Para o efetivo cumprimento da sentença ou da decisão de antecipação da tutela, o juiz poderá nomear comissário, pertencente ou não ao Poder Público, que também poderá ser instituição ou pessoa jurídica, para a implementação acompanhamento das medidas necessárias à satisfação das obrigações, informando ao juiz, que poderá lhe solicitar quaisquer providências.

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Por fim, o juiz que decide sobre políticas públicas deve ser um mediador, em especial, um mediador institucional. A definição e a implementação de políticas públicas depende muitas vezes da atuação de mais de um dos Poderes do Estado, de forma concatenada e na busca de um mesmo objetivo. O Judiciário, quando decidir pela reforma estrutural do Estado (p. ex. reestruturação do sistema educacional ou penitenciário) será o grande mediador dessa transformação, possibilitando uma necessária interlocução entre as Instituições envolvidas (p. ex. Legislativo, Executivo, Ministério Público, Sociedade Civil) para o cumprimento da decisão da melhor forma possível.17

4.2.

Universalização dos direitos sociais e a coletivização da tutela jurisdicional

Já foi mencionado no início deste ensaio que um dos motivos para a constitucionalização dos direitos fundamentais foi a busca pela concretização do valor igualdade substancial. Isso porque o modelo novecentista do Estado Liberal de Direito não conseguiu responder de forma adequada às necessidades de justiça distributiva e gerou o incremento das desigualdades sociais. No Estado Social de Direito, que ao primeiro se seguiu, assistiu-se a um movimento de revalorização da discussão sobre o bem comum e a distribuição de bens escassos em sociedade. A constitucionalização dos direitos sociais também se insere nesta discussão, na medida em que garante e torna exigível um padrão mínimo de igualdade de fruição de bens coletivos.18 Esta exigibilidade dos direitos sociais, como visto acima, transfere ao Judiciário a competência para a discussão sobre justiça distributiva, transformando esse Poder do Estado em mais uma arena política de discussão. O problema que se verifica, porém, é que, a despeito de se tratar de uma questão de alocação de bens escassos (justiça distributiva), a judicialização dos

17.Sintetizando o que foi aqui exposto, vale repetir as palavras de Eduardo José da Fonseca Costa: "(...) na implantação judicial de políticas públicas, a mediação é algo novo e desafiador mesmo para quem

16. Como bem ilustra Owen Fiss, sobre a execução da sentença: "As limitações do nosso conhecimento

está habituado a esse método alternativo de solução de controvérsias (...). Ademais, o juiz é obrigado

sobre o comportamento organizacional, aliada à capacidade das organizações de adaptarem-se às inter-

a sincronizar-se com três formas de diálogo estruturalmente distintas, mas funcionalmente interdepen-

venções por meio do restabelecimento das relações de poder preexistentes, resultam invariavelmente

dentes: precisa interagir (a) com os agentes políticos para que a atuação dos técnicos seja politicamente

em uma série de intervenções - ciclo após ciclo de medidas suplementares. Uma relação de supervisão duradoura desenvolve-se entre o juiz e a instituição, pois seu desempenho deve ser monitorado e no-

orientada (ou seja, para que essa atuação ganhe legitimidade télica); (b) com o staff técnico para que a ação dos políticos receba diretriz técnica (isto é, para que essa ação ganhe legitimidade tectônica);

vas estratégias devem ser criadas para se ter certeza de que a operação da organização permanecerá

(c) com os destinatários e os demais interessados na ação governamental para que a atuação dos técnicos e políticos esteja sintonizada com os anseios gerais da população (ou seja, para que a ação

dentro de limites constitucionais. O juiz pode, ainda, criar novas estruturas administrativas - novamente o special master — para dar assistência 3 essas tarefas. Ao fazê-lo, ele demonstra tanto dúvidas sobre a capacidade dos litigantes para o desempenho dessas tarefas quanto consciência acerca da magnitude delas" (Um novo processo civil, p. 64).

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télico tectônica também ganhe legitimidade tópica)" (A "execução negociada" de políticas públicas em Juízo, p. 43-44). 18. Maria Tereza Sadek, Judiciário e arena pública..., p. 9.

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direitos sociais frequentemente se realiza de forma individualizada, atomizada É que os direitos sociais são direitos de todos, mas também são direitos de cada um. Sob este último enfoque, eles possuem estrutura de direito subjetivo e, portanto, uma vez violados, podem sem exigidos judicialmente por cada urn dos seus titulares. É o que garante o também direito fundamental de inafastabilidade da tutela jurisditional (art. 5°, XXXV, CF). O tratamento atomizado de direitos sociais, porém, embora possível e legítimo, possui algumas consequências trágicas. Em primeiro lugar, sob a perspectiva do administrador, as múltiplas decisões concessivas de direitos sociais, próprias de uma sociedade de massa, podem vir a interferir no planejamento e execução de uma política pública em curso, na medida em que obrigam a sua adaptação e revisão para o cumprimento das ordens judiciais. Além disso, o tratamento processual individualizado do tema, em regra, não permite a discussão da política pública como um todo, mas somente da particular situação do autor. Isso pode significar a prolação de decisões distantes da realidade do Poder Público, não passíveis de universalização. Esta última consequência é que mais aponta para uma contradição intrínseca: por um lado, há a positivação dos direitos sociais, com fundamento na busca pela igualdade material e não meramente formal entre os indivíduos; por outro, o tratamento judicial individualizado destes direitos acentua as desigualdades, uma vez que garante o direito social somente àquele que vem a juízo requerê-lo. Em suma: para fazer cumprir os mandamentos constitucionais de igualdade, o Poder Judiciário acabou se transformando em grande gerador de desigualdades. Isso ocorre porque não é possível resolver questões de justiça distributiva em um modelo processual individualista, que trabalha com questões de justiça comutativa. José Reinaldo de Lima Lopes, nesse sentido, esclarece que: A justiça distributiva diz respeito a regras de apropriação individual de recursos comuns (...). Tais regras, pela sua generalidade, não podem ser definidas para um só caso. Daí o ar de injustiça de que padecem as decisões judiciais que contrariam as regras geralmente estabelecidas e aceitas, pois rompem com a regra formal da justiça: que todos que pertençam à mesma classe sejam tratados igualmente. Como o Judiciário só procede se provocado, suas decisões só valem para o caso que se encontra sob sua apreciação (...), as decisões que pretendem fazer justiça distributiva, ou que sob o pretexto de fazer justiça comutativa estão de fato envolvidas em questões distributivas, geram tratamento desigual, retirando de uma classe um certo indivíduo."

19. José Reinaldo de Uma Lopes, Direitos Sociais, p. 132.

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Percebe-se, portanto, que há uma falha grave no tratamento processual dos direitos sociais. O modelo processual civil brasileiro, no seu atual desenho, não se mostra apto a tutelar da melhor forma os direitos sociais, pois não fornece técnica processual adequada ao tratamento de questões de justiça distributiva. É certo que o direito processual previu a tutela coletiva e desenhou todo um modelo processual diferenciado para a solução de conflitos de massa (indivisíveis ou não). Permitiu, porém, que paralelamente ao processo coletivo, convivesse o processo individual, sem que entre seus cursos houvesse relevante interferência recíproca (art. 104, CDC). Se por um lado, o legislador garantiu o amplo acesso à justiça de pretensões individuais e coletivas, dando máxima eficácia ao mandamento do art. 5°, XXXV, da Constituição Federal, por outro permitiu o surgimento da contradição intrínseca entre o tratamento atomizado dos direitos sociais e sua necessária e essencial universalização. O ideal seria, porém, um equacionamento diverso do problema. Não se trata, por óbvio, de se sustentar a inviabilidade da busca individual de tutela de direitos sociais pelo Judiciário. Isso seria, como visto, negar vigência ao direito fundamental de acesso à justiça. Trata-se, por outro lado, de buscar mecanismos processuais de coletivização/agregação de demandas/pretensões individuais que venham a se somar ao modelo de processo coletivo já vigente. Nesse sentido, é possível pensar em (i) técnicas de coletivização de pretensões individuais e (ii) técnicas de agregação de demandas individuais já propostas. 4.2.1. Técnicas de coletivização de pretensões individuais

As técnicas de coletivização das pretensões individuais criam mecanismos de transformação de um pedido (pretensão) individual em um pedido coletivo. Trata-se de técnica conhecida pelo direito norte-americano, que possibilita que, a requerimento de uma das partes, demandas originariamente propostas individualmente, sejam certificadas como dass actions.20 Esse mecanismo permite ao juiz reconhecer que determinado conflito subjetivo e atomizado, na verdade, representa pequena parcela de um conflito massificado, de natureza coletiva. Diante desse reconhecimento, o direito empodera o magistrado a chamar para o processo o conflito inteiro, molecularizando a discussão.

20. António Gidi, A dass action como instrumento de tutela coletiva de direitos..., p. 194-195.

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0 direito brasileiro ainda não possui técnica processual que permita a mesma solução. O Projeto de Lei de Controle Judicial de Políticas Públicas (PL 8058/14), porém, pretende inserir instrumento similar no nosso direito. Nesse sentido, os arts. 28, 29 e 30 do referido Anteprojeto prevêem: Art. 28. Na hipótese de ações que objetivem a tutela de direitos subjetivos individuais cuja solução possa interferir nas políticas públicas de determinado setor, o juiz somente poderá conceder a tutela na hipótese de se tratar do mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional de forma completa e acabada, nos termos do disposto no parágrafo 1° do art. 7°, e se houver razoabilidade do pedido e irrazoabilidade da conduta da Administração (...). Art. 29. Na hipótese prevista no artigo 28, o juiz notificará o Ministério Público e outros legitimados às ações coletivas para, querendo, ajuizar o processo coletivo versando sobre a implementação ou correção da política pública, o qual observará as disposições desta lei. Art. 30. Atendido o requisito da relevância social e ouvido o Ministério Público, o juiz poderá converter em coletiva a ação individual que: 1 - tenha efeitos coletivos, em razão da tutela de bem jurídico coletivo e indivisível, cuja ofensa afete ao mesmo tempo as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade; II - tenha por escopo a solução de conflitos de interesses relativos a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução deva ser uniforme, por sua natureza ou por disposição de lei, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo e padrão de conduta consistente e unitária para a parte contrária. § 1°. Determinada a conversão, o autor manterá a condição de legitimado para a ação em litisconsórcio necessário com o Ministério Público ou outro co-legitimado para a ação coletiva. § 2°. O Ministério Público ou outro legitimado poderão aditar ou emendar a petição inicial para adequá-la à tutela coletiva, no prazo a ser fixado pelo juiz. § 3°. Se nenhum dos co-legitimados aditar ou emendar a petição inicial, o juiz encaminhará os autos ao Conselho Superior do Ministério Público para que indique membro da instituição para fazê-lo (...).

A conjugação dos dois primeiros artigos leva às seguintes conclusões: (i) haverá uma limitação da possibilidade de tutela individualizada de direitos sociais, pois somente os direitos sociais que configurarem mínimo existencial poderão ser exigíveis pela via individual; (ii) constituindo o direito mínimo existencial e, partindo-se da premissa de que os direitos sociais são universais e, portanto, devem ser tutelados de forma molecularizada, serão notificados os entes legitimados para a propositura de demandas coletivas para que verifiquem a possibilidade de ajuizá-las.

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infastabilidade da tutela jurisdicional. Não é, porém, o caso. O que art. 28 faz é positivar a consequência jurídica do reconhecimento de um determinado direito como sendo mínimo existencial. Como já visto, o mínimo existencial serve justamente para definir o núcleo duro do direito social, passível de justiciabilidade imediata. Se somente o mínimo existencial ou o direito infraconstitucionalmente regulamentado é exigível, somente com relação a eles é possível a concessão da tutela jurisdicional. Trata-se, portanto, de requisito para o acolhimento do pedido veiculado na demanda e não para sua acessibilidade ao Judiciário. Como bem salientado por Kazuo Watanabe, a justiciabilidade de um direito "não é requisito para acesso à justiça ou para o exame do mérito da ação, e sim o requisito para o acolhimento, pelo mérito, da pretensão de tutela jurisdicional dos direitos fundamentais sociais, ou seja, a efetiva existência do direito fundamental social tutelável jurisdicionalmente".21 O art. 28 não diz, portanto, que as pretensões que suplantam o mínimo existencial ou o direito infraconstitucionalmente regulamentado não podem sem jurisdicionalizáveis; diz, sim, que elas, na dimensão individual não poderão ser acolhidas. Caberá ao Judiciário, após a análise detida do caso, decidir se se trata de um ou outro caso. Uma vez reconhecido que se trata de mínimo existencial ou direito social infraconstitucionalmente regulado na sua integralidade, o sistema processual busca implementar o tratamento universal pela coletivização da questão. Como o direito brasileiro não previu a legitimidade da pessoa física para a propositura da ação civil pública, é necessário provocar os substitutos processuais autorizados em lei para dar início a uma demanda coletiva para que o façam. É nesse sentido o previsto pelo art. 29 que determina ao juiz notificar "o Ministério Público e outros legitimados às demandas coletivas para, querendo, ajuizar o processo coletivo". Até aí o Projeto não suscita maiores questionamentos. O juiz comunica os legitimados à demanda coletiva, mas respeita sua discricionariedade de avaliação sobre a conveniência e oportunidade da efetiva propositura da demanda. Realmente, até mesmo diante da regra da inércia da jurisdição (garantidora do princípio da imparcialidade), essa seria solução equilibrada para a necessidade de coletivização de pretensões individualizadas relativas a direitos universais. A inovação que sem dúvida gerará mais debates é a prevista no art. 30 do Projeto. Segundo o texto atual, verificada a relevância social da questão, poderá

Num primeiro momento, poder-se-ia argumentar que o previsto pelo art. 28 seria inconstitucional por violação ao já aqui mencionado princípio da 21. Kazuo Watanabe, Controle Jurisdicional de Políticas públicas..., p. 216.

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o magistrado "converter em coletiva a ação individual". Para tanto, basta que a demanda individual "tenha efeitos coletivos" ou demande tratamento jsr>nô mico em relação aos demais indivíduos que se encontrem na mesma sitnarãQ do autor. Verifica-se que o art. 30 será aplicável a todo processo individual que verse sobre direito social, já que, como visto, a universalidade (e a necessidade de tratamento isonômico) é característica intrínseca e fundamental desses direitos. O problema maior da técnica processual proposta é a forma como essa coletivização será implementada. Nesse sentido, parece haver a previsão de obrigatoriedade de atuação do Ministério Público, por determinação do Poder Judiciário, toda vez que o magistrado, no caso concreto, vislumbrar a presença dos requisitos dos incisos I e II e, também, reconhecer a existência de relevância social na causa, fator de legitimação de atuação do Parquet em demandas coletivas, conforme desenho constitucional (art. 127, CF). O ponto problemático que se identifica é que parece haver um deslocamento competência para a aferição da existência de relevância social necessária para a atuação do Parquet. O sistema atualmente vigente prevê que cabe ao próprio promotor de justiça verificar se há relevância social no caso submetido a sua apreciação a justificar sua atuação. É claro que essa atribuição não é absoluta e será sempre passível de reapreciação. Caso o promotor de justiça entenda pela existência de relevância social e proponha a demanda coletiva, caberá ao juiz reapreciá-la, como requisito de representatividade adequada para o reconhecimento de legitimidade do autor. Caso o promotor de justiça entenda pela inexistência de relevância social, arquivará o inquérito civil. Esse arquivamento deverá se reapreciado pelo Conselho Superior do Ministério Público, órgão interno da instituição, que o homologará ou não (art. 9°,§r, LACP). É importante pontuar, entretanto, que a dúplice distribuição de competência para a reapreciação do juízo do membro do Ministério Público sobre a existência (Poder Judiciário) ou inexistência (Conselho Superior do Ministério Público) de relevante valor social no caso investigado não é aleatória. Decorre ela de uma consequência lógica da regra da inércia. Isso porque não poderia o texto de lei determinar que coubesse ao Poder Judiciário reapreciar o juízo de inexistência de relevância social e, em caso de discordância, determinar a propositura da ação. Tal norma evidentemente constituiria um mecanismo de, indiretamente, permitir ao Judiciário dar início a uma demanda sem que houvesse o pedido voluntário por um autor, ou seja, sem que houvesse demanda, Mesmo no processo penal, em que cabe ao juiz a homologação do arquivamento, esta regra se aplica. Segundo o art. 28, do CPP, caso o juiz entenda

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ser o caso de propositura da ação penal e discorde do arquivamento, deve encaminhar o caso para reavaliação do Procurador-Geral de Justiça. Se o chefe da instituição entender também pelo arquivamento, este será mantido, a despeito da avaliação jurisdicional prévia. Logo, se é certo que para o Ministério Público vige o princípio da obrigatoriedade de atuação em casos em que haja reconhecimento de relevante valor social, também é certo que a aferição sobre a existência desta relevância deve caber, num primeiro momento, à própria instituição. O Judiciário pode, em reapreciação, decidir sobre o juízo positivo, mas nunca o juízo negativo de relevância social, sob pena de quebra da regra da inércia e de confusão entre as figurar de órgão acusador/órgão julgador. O parágrafo 3° do art. 30 do Projeto, todavia, quebra esta regra, na medida em que dispõe que se "nenhum dos co-legitimados aditar ou emendar a petição inicial, o juiz encaminhará os autos ao Conselho Superior do Ministério Público para que indique membro da instituição para fazé-lo". A diferença é sutil, porém importantíssima. Ao contrário do previsto nos art. 9°, §1°, da LACP e no art. 28, do CPP, não há previsão de um juízo de reapreciação pelo Ministério Público da avaliação do promotor de justiça pela inexistência de relevância social a justificar o aditamento da demanda individual, transformando-a em coletiva. Trata-se de decisão que reconhece esta relevância e determina ao Conselho Superior do Ministério Público que indique promotor de justiça para fazê-lo. O órgão ministerial se limita a cumprir a ordem judicial de aditamento. É clara a quebra pelo dispositivo legal da regra da inércia do Poder Judiciário, ainda que de forma indireta ou mediada pela ação do promotor de justiça que cumpre a ordem judicial de ampliação do objeto da demanda. Esta quebra, em especial em demandas que implicam grande impacto orçamentário e representam a discussão judicial de políticas públicas, é perigosa. A regra da inércia existe justamente para assegurar a imparcialidade do magistrado, princípio constitucionalmente garantido. Submeter esta regra a exceções justamente em processos de evidente natureza política pode vir a comprometer o distanciamento que o juiz deve ter para o julgamento da causa e, inclusive, tornar questionável a legitimidade política da decisão. A técnica proposta deve, nesse sentido, ser submetida a uma maior reflexão. Além de colocar em risco a imparcialidade do magistrado, a regra também pode prejudicar a representatividade adequada da causa. Uma das pedras de toque do processo coletivo é a presunção que nossa legislação traz de que os legitimados pelo art. 5°, da LACP à propositura da ação civil pública, preenchidos os requisitos lá relacionados, são aptos a bem defender 411

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o interesse coletivo em jogo, em substituição a uma coletividade de pessoas supostamente lesadas. Abre-se uma exceção à regra geral da legitimidade ordinária, que se justifica por questão de inviabilidade fática (não é possível o litisconsórcio), mas também e, principalmente, pela garantia política da representatividade adequada que concretiza indiretamente, por substituição (legitimidade extraordinária), o day in court daqueles que não podem estar presentes na relação jurídica processual.

repetitivas para o Poder Judiciário, prejudica valores caros ao modelo processual brasileiro, como a harmonização de julgados.24

A questão que se coloca aqui é: como garantir a representatividade adequada da coletividade por um legitimado que não quer ser autor da demanda e só o faz por ordem judicial? Responder a esta pergunta com construções jurídicas (dever ser) como a da obrigatoriedade da atuação do Ministério Público (que como se viu acima não autoriza a solução proposta pela lei) é submeter a risco real (ser) interesses extremamente caros para a nossa sociedade. A constitucionalidade do artigo proposto, portanto, pelos motivos acima expostos, é extremamente questionável.

4.2.2. Técnicas de agregação" de demandas individuais já propostas

Outra técnica voltada a dar um tratamento racional às múltiplas demandas envolvendo a tutela de direitos individuais sociais é a que propõe o desenho de mecanismos de agregação. Como visto, dos direitos fundamentais sociais possuem uma dimensão individual, já que configuram direitos subjetivos, pelo menos quando tratam do mínimo existencial. Uma vez violados, permitem a propositura de demanda individual, muitas vezes com cognição diferenciada, como é o caso do mandado de segurança.

Na tentativa de melhor equacionar essa situação, o legislador vem propondo o desenho de mecanismos variados, voltados à agregação de demandas individuais com julgamento único. A esse respeito, vale notar a criação dos recursos especiais e extraordinários repetitivos (arts. 1.036 e ss) e o incidente de julgamento de demandas repetitivas (art. 976 e ss.) do novo Código de Processo Civil. Todas as técnicas, embora tenham suas especificidades, permitem a identificação de demandas individuais representativas da controvérsia que, quando julgadas, importarão definição da situação substancial controvertida e terão impacto sobre o julgamento de todas as outras demandas, presentes e futuras, individuais e coletivas, tratando da mesma questão.25 Também com o intuito de resolver o problema de multiplicidade de demandas repetitivas, o Projeto de Controle Judicial de Políticas Públicas propõe outra técnica de agregação de demandas individuais e coletivas para julgamento conjunto. O texto do projeto é o seguinte: Art. 23. Quando vários processos versando sobre pedidos, diretos ou indiretos, de implementação ou correção de políticas públicas relativas ao mesmo ente político tramitarem em diversos juízos, as causas serão reunidas, independentemente de conexão, para julgamento conjunto, a fim de o juiz dispor de todos os elementos necessários para uma decisão equitativa e exequível. Art. 25. Quando o tribunal receber diversos recursos em processos que objetivem o controle judicial de políticas públicas relativamente ao mesmo ente político, e que poderão comprometer o mesmo orçamento, os processosde competência do tribunal pleno ou do respectivo órgão especial serão reunidos para julgamento conjunto, objetivando-se a prolação de uma decisão equânime e exequível.

A dimensão coletiva dos interesses sociais, porém, faz com que as demandas individuais assumam natureza massificada e importem, portanto, multiplicidade de processos, tratando sobre o mesmo tipo de violação e veiculando situações de direito substancial homogéneas. Há pesquisas ilustrando essa situação23 que, além de gerar um problema de gerenciamento de causas

Como se vê, a reunião de processos para julgamento conjunto pode ocorrer tanto em primeiro (art. 23), quanto em segundo (art. 25) grau de jurisdição, desde que seus pedidos versem sobre a implementação de políticas públicas. Ambos os artigos trazem como requisitos para a reunião a identidade na

22. Terminologia utilizada pela aluna Juliana Justo Botelho Castello, em seu projeto de qualificação, de Tese de Doutorado, entitulado Tutela complexa: ações coletivas e técnicas de agregação e apresentado

24. Sobre o impacto das demandas de massa perante o Judiciário, v. a pesquisa "Tutela Judicial dos Interesses

perante a Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. 23. Sobre direito à saúde, v. a pesquisa "O Judiciário e as Políticas de Saúde no Brasil: o Caso AIDS", Camila Durand Ferreira et. ai., disponível em http://www.google.com.br/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source =web&cd=l&ved=OCCIQFjAA&url=http%3A%2F%2Fgetinternet.ipea.gov.br%2FSobrelpea%2F40anos% 2Festudantes%2Fmonografiacamila.doc&ei=TuqfUPTbNI-y8ATe_IHABg&usg=AFQjCNFH6xK_Fp8WYfT-DNPygFuBLoXWzg&sig2=3kWYPDNtDVDksyH7kfo83g, acesso em 11/11/12. Também sobre direito à saúde é o levantamento realizado por Maria Tereza Sadek, Judiciário e arena pública..., p. 20 e ss.

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Metaindividuais: ações coletivas". Ministério da Justiça, 2007. Disponível em: http://www.cebepej.org. br/pdf/acoes_coletivas.pdf,

acesso em 11/11/12. A pesquisa estuda o fenómeno de congestionamento

do Poder Judiciário pelas demandas versando sobre a legalidade da tarifa de telefonia básica. Não se trata de processos versando sobre direitos sociais, mas reflete o fenómeno da massificação dos processos e seu impacto na gestão judiciária. 25. No mesmo sentido foi a solução dada no caso cadernetas de poupança (STJ, RE 1.110.549/RS), em que foi determinada a suspensão de ações individuais até a solução coletiva do caso.

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função da alteração da causa de pedir. Por exemplo, é possível que a política pública objetívada quando da propositura de uma ação civil pública deixe de ser adequada para atender à realidade social no decurso do processo. Será o caso, então, de extinção sem resolução do mérito superveniente, pois se a tutela jurisdicional não é mais necessária ou mesmo adequada à proteção do direito, o autor deixa de ter interesse de agir (art. 485, VI, CPC).29 A providência a ser tomada por esse autor, então, será a propositura de nova demanda, voltada a consecução de outra tutela jurisdicional necessária e readequada à nova realidade do direito difuso, sempre, porém, correndo o risco de nova alteração da situação fática e da nova superveniência de decisão terminativa. Trata-se de solução claramente inefetiva.

figura do ente político responsável pela política pública, o que é justificável pois entes políticos diversos podem significar políticas públicas diversas. O objetivo da reunião, que fica claro no texto legal, é uma decisão equânime e exequível sobre a política pública como um todo e não adstritas às situações subjetivas discutidas em cada um dos processos individualmente considerados.

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4.3.

Rigidez formal

O modelo processual civil brasileiro é um modelo caracterizado pela rigidez. São rígidas as regras para a fixação do objeto do processo26 e também as relacionadas à preclusão das questões incidentais27 e à preclusão máxima, representada pela coisa julgada. Essa rigidez, ora se fundamenta na necessidade segurança jurídica (coisa julgada), ora se fundamenta na necessidade de garantir a marcha processual, evitando retrocessos procedimentais (estabilização da demanda e preclusões). Em processo visando a implementação de direitos sociais, em especial os coletivos, a rigidez do sistema processual pode vir a prejudicar tutela jurisdicional. É que demandas coletivas voltadas à criação ou redefinição de políticas públicas envolvendo direitos fundamentais sociais, em regra, consubstanciam direitos difusos, dada sua natureza indivisível (universalidade) e a indeterminabilidade de seus titulares. Uma característica dos interesses difusos é sua contingencialidade. São interesses essencialmente mutáveis e dinâmicos e, por conta disso, a tutela jurisdicional que inicialmente se revelaria apta a protege -los não raro se mostra ineficaz com o passar do tempo.28 As regras inflexíveis a respeito da estabilização objetiva do processo podem se mostrar insuficientes para lidar com essa mutabilidade inerente dos direitos difusos. O pedido originariamente realizado pode, com o passar do tempo, não mais ser apto a resolver a crise de direito material trazida para a apreciação jurisdicional, que agora, demanda outro tipo de prestação protetiva, em

26. Sobre a estabilização da demanda, como se sabe, o Código de Processo Civil admite a alteração do pedido e da causa de pedir somente até a citação. A partir da citação, é necessária a concordância do réu e, mesmo com ela, há o limite do saneamento, após o qual nenhuma alteração é permitida (art. 329, CPC). 27. Nesse sentido, em especial quanto ao procedimento comum ordinário, v. Heitor Sica, Preclusão processual civil, p. 292. 28. Segundo Rodolfo de Camargo Mancuso, "esses interesses (difusos) exsurgem a partir de situações contingenciais, repentinas, imprevisíveis (...). verifica-se que é efémera a duração do interesse difuso daí decorrente: deve ele ser tutelado prontamente, antes que se altera a situação de fato que o origina" (Os interesses difusos, p. 107).

Da mesma forma, a coisa julgada, entendida como a preclusão máxima do processo, caracteriza-se pela imutabilidade dos efeitos da decisão prolatada (material) e não mais sujeita a recursos (formal). Essa decisão, cujos efeitos são imutáveis, diante da contingencialidade dos processos envolvendo políticas públicas concretizadoras de direitos fundamentais sociais, pode se mostrar ineficiente, justamente porque pode conter comandos não mais necessários por motivo de alteração da realidade fática. Deve o processo, diante deste cenário, adaptar-se e redesenhar suas técnicas, de forma a garantir a tutela adequada do direito material tratado, sem violar os valores resguardados pelo atual modelo vigente (segurança jurídica e celeridade). Já existem, nesse sentido, algumas propostas legislativas de modificação do modelo vigente. No tocante à estabilização da demanda, o Projeto de Lei de Nova Lei de Ação Civil Pública (n° 5139/09), rejeitado pela Câmara, dispunha que: Art. 16. Nas ações coletivas, a requerimento do autor ou do Ministério Público, até o momento da prolação da sentença, o juiz poderá permitir a alteração do pedido ou da causa de pedir, desde que realizada de boa-fé e que não importe em prejuízo para a parte contrária, devendo ser assegurado o contraditório, mediante possibilidade de manifestação do réu no prazo mínimo de 15 (quinze) dias, facultada prova complementar.

Era prevista, como se vê, uma flexibilização das regras de fixação do objeto litigioso, desde que garantido o contraditório e o direito à prova da 29. José Roberto dos Santos Bedaque, na vigência do CPC de 1973, apontava a existência e prevalência de interpretação restritiva do teor do então art. 462 CPC/73 e atual art. 493, CPC, que só permite a consideração pelo juiz de fato constitutivo do direito do autor superveniente se ele guardar nexo com o fato principal afirmado na petição inicial e delimitador da causa de pedir originária. O autor critica o posicionamento da doutrina, pois o entende dissociado da lógica instrumental do processo (Efetividade do processo e técnica processual, p. 137).

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parte contrária.30 Embora essa saída pudesse importar retrocessos na marcha processual, tinha o mérito de, em casos de mutação da situação fática no curso do processo, permitir o aproveitamento da relação jurídica processual e sua adaptação à nova realidade, sem ferir o devido processo legal.31 Infelizmente, diante da rejeição do projeto, a nova técnica não será incorporada ao ordenamento jurídico positivado em um futuro próximo.

existência de um limite imanente ao direito fundamental (teoria absoluta) ou seja, em especial, para justificar o processo de ponderação que leva à prevalência de um direito fundamental em relação ao outro (teoria relativa), deverá o magistrado fundamentar minuciosamente sua decisão.

No tocante à imutabilidade decorrente da coisa julgada, o Projeto de Controle Judicial de Políticas Públicas prevê a possibilidade de adaptação da decisão transitada em julgado às peculiaridades do caso concreto pelo juiz da execução. O texto é o seguinte: Art. 20. O juiz, de ofício ou a requerimento das partes, poderá alterar a decisão na fase de execução, ajustando-a às peculiaridades do caso concreto, inclusive na hipótese de o ente público promover políticas públicas que se afigurem mais adequadas do que as determinadas na decisão, ou se esta se revelar inadequada ou ineficaz para o atendimento do direito que constitui o núcleo da política pública deficiente.

Embora a redação do parágrafo seja um pouco genérica e necessite de uma maior definição seja doutrinária, seja jurisprudencial, do que se entende por "políticas públicas que se mostrem mais adequadas" e decisão que se "revele inadequada ou ineficaz para o atendimento do direito", o fato é que a proposta legislativa identifica a insuficiência do modelo atual rígido para o tratamento de políticas públicas e propõe a flexibilização das regras interpretativas da coisa julgada. 4.4.

Motivação

Adote-se a teoria relativa ou a teoria absoluta sobre o conteúdo do mínimo existencial, o fato é que a judicialização dos direitos fundamentais gera uma ampliação do ónus argumentativo do julgador. Seja para justificar a (in)

30. José Roberto dos Santos Bedaque defende essa possibilidade também para o processo individual fundado na proposta de unificação das regras processuais sobre litígios transnacionais do The American Law Institute (Efetividade do processo e técnica processual, p. 141). 31. Ao tratar de hipóteses em que o autor deixa de trazer a juízo o conflito na sua integralidade, Daniela Monteiro Gabbay sustenta a interpretação ampliativa da causa de pedir e do pedido em processos coletivos. Para a autora, "em se tratando de processo coletivo, se o autor formula o pedido de modo restritivo, restará aberta ao juiz a via interpretativa para garantir o direito que é assegurado à coletividade, diante de fatos muitas vezes complexos e contingenciais subjacentes, desde que observadas as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Somente desta maneira restará preservada a indisponibilidade deste direito, que não pertence a um único indivíduo, tampouco àquele que postula em juízo em virtude de legitimação conferida por lei" (Pedido e causa de pedir, p. 115).

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A decisão a respeito de direitos fundamentais carregará sempre um conteúdo político, para além do natural conteúdo jurídico, que demanda a justificativa da escolha. Não se admite mais, nesse sentido, decisões liminares ou finais de estrutura meramente silogísticas,32 que não se detenham sobre aspectos específicos do caso concreto e não analisem a complexidade dos valores envolvidos. As decisões sobre a prevalência ou não de direitos que possuem alto grau de fundamentalidade na estrutura básica do Estado deve possuir estrutura argumentativa racional clara e voltada não somente para o convencimento das partes ou das instâncias superiores, mas também à legitimação pública do teor do julgado. No Estado Democrático de Direito, o exercício da função jurisdicional se ampara também na necessidade de justificação geral, que permite, dentre outros, o controle social da atividade jurisdicional.33

4.5.

Democratização do processo

Por fim, uma alteração da técnica processual que ganha força nos últimos tempos é a voltada a ampliar no processo da participação da sociedade no Poder Judiciário. De fato, a partir do momento em que o Poder Judiciário passa a decidir sobre direitos sociais e politiza a sua atuação, é necessário incrementar os mecanismos de legitimação da decisão pela participação e oitiva dos grupos envolvidos, nem sempre incorporados à relação jurídica processual. É importante pontuar, porém, que essa necessidade de ampliação de espaços de participação não significa transformar o Poder Judiciário em um Poder majoritário. Ao contrário, o Judiciário continua mantendo sua natureza essencial de Poder contramajoritário, garantidor dos interesses de grupos menos articulados na teia social. No processo envolvendo direitos subjetivos privados, a legitimação política da decisão se dá pela observância do contraditório, que pressupõe

32. Sobre as críticas à lógica silogística das sentenças, v. Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades do processo e da sentença, p. 314 e ss. 33. Michete Taruffo, ia motivazione delia sentenza civile, p. 406-407.

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a participação das partes na construção da decisão, ou ao menos a garantia da sua possibilidade.34 No processo envolvendo direitos sociais, em especial nos processos coletivos, essa legitimação deve ser reforçada, na medida em que implica a realização de escolhas sobre interesses públicos prevalecentes. Sem dúvida, a implementação de um contraditório real e dinâmico é também essencial para a decisão sobre direitos sociais. Não se mostra adequada, por exemplo, a prolação de decisão pautada no princípio dispositivo que se utilize de regras sobre ónus da prova e se contente com presunções de veracidade. Evidencia-se, nesse ponto, mais uma vez o papel do juiz e de seus poderes instrutórios na busca pela aproximação entre o cenário probatório e a realidade dos fatos. Mas os processos buscando a implementação de direitos fundamentais sociais também começam a lançar mão de outros mecanismos de democratização que vão para além da cooperação entre os sujeitos processuais. São técnicas de democratização do processo: a realização de audiências públicas e a intervenção de amicus curiae. As audiências públicas, que têm sido utilizadas especialmente pelo Supremo Tribunal Federal, permitem a participação popular direta na formação das decisões judiciais. Elas possibilitam uma aproximação entre o Poder Judiciário e a sociedade civil, pois abrem um canal para que indivíduos e grupos sociais manifestem-se sobre questões jurídicas controvertidas, em especial, as envolvendo conflitos entre interesses públicos legítimos.35 As audiências públicas são práticas essencialmente democráticas e estimulam o exercício da cidadania.36 Trazem maior publicidade, transparência e legitimidade para a atividade jurisdicional.

34. V., nesse sentido, Cândido Rangel Dinamarco, para quem o contraditório é "resumidamente, a garantia de participação, que nem se restringe ao processo jurisdicional só, mas constitui inerência do próprio regime democrático. A participação é que legitima todo o processo político e o exercício do poder" (A instrumentalidode do processo, p. 285). 35. No STF, é possível citar a realização de audiências públicas na ADPF 54, que discutia a possibilidade de interrupção da gravidez nos casos de feto anencefálicos e da ADIN 3510, que tratava da inconstitudonalidade dos artigos da Lei de Biossegurança que permitiam pesquisas científicas com a utilização de células tronco, dentre outras. 36. Há muitas críticas ainda à forma como essas audiências públicas têm sido conduzidas, especialmente sobre a efetiva possibilidade de influência dos cidadãos na formação da decisão. Há relatos, p. ex., de audiências realizadas com definição prévia de prazos excessivamente reduzidos que sequer permitiam aos participantes a possibilidade de expor com clareza um ponto de vista. Realmente, para representarem efetivos instrumentos de democratização do processo, as audiências públicas não podem ser procedimentos meramente formais. Nesse sentido, ainda há espaço para muita maturação da técnica, com a criação de procedimentos que efetivamente garantam a consideração dos argumentos trazidos nessas oportunidades pelos julgadores.

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O amicus curiae, como se sabe, é o terceiro que ingressa no processo civil objetivando a tutela de um interesse institucional objeto da demanda. Ele busca representar um grupo ou uma coletividade que será afetada pela decisão e, para tanto, amplia e aprofunda o debate travado no processo. A adoção dessa técnica tem a aptidão de melhorar a qualidade da tutela jurisdicional, pois faz com que ela seja fruto de uma discussão mais complexa e refletida. Serve, também, como fator de ampliação da legitimação política desta mesma tutela, uma vez que o amicus curiae "se apresenta perante o Poder Judiciário como adequado portador de vozes da sociedade e do próprio Estado que, sem sua intervenção, não seriam ouvidas ou se o fossem o seriam de maneira insuficiente pelo juiz'?7 Tanto as audiências públicas, como o amicus curiae representam técnicas de democratização do processo, pois permitem a oitiva de grupos interessados, representativos da luta político-social, que são internalizados no processo. A decisão, embora não tenha que necessariamente optar pela solução representativa do interesse majoritário, será politicamente mais legítima e, qualitativamente melhor, pois levará em conta toda a complexidade envolvida na demanda. 5. CONCLUSÕES

Diante de todo o acima exposto, resta comprovada a hipótese de que a judicialização dos direitos fundamentais sociais gera a necessidade de adaptação da técnica processual. O processo, seja o individual, seja o coletivo, da forma como hoje desenhado e interpretado não apresenta mecanismos aptos a tratar adequadamente das demandas envolvendo questões de justiça distributiva. A mudança exige a redefinição da própria função judicial, mas passa também pela reinterpretação das técnicas existentes e criação de novos mecanismos processuais de tratamento de demandas massificadas, que se caracterizam pela veiculação de direitos universais, essencialmente políticos e representativos dos valores mais caros à sociedade brasileira. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALEXY, Robert. Sobre los derechos constítucionales a protección, In: ALEXY, Robert et ali. Robert Alexy:derechossodalesyponderación, Madrid: Fundación Colóquio Jurídico Europeo, 2007. BEDAQUE José Roberto dos Santos, Direito e processo: influência do direito material sobre o processo, V Ed., São Paulo: Malheiros, 1998.

37. Cássio Scarpinella Bueno, Amicus Curiae: uma homenagem a Athos Gusmão Carneiro, p. 161.

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CAMINHOS E DESCAMINHOS DO CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO BRASIL Ada Pel/egrini Grinover1

Sumário:!. Introdução: direitos fundamentais sociais, políticas públicas e controle jurisdicional; 2. O controle jurisdicional de políticas públicas e o princípio da separação dos poderes; 3. Controle jurisdicional de políticas públicas: o controle do mérito do ato administrativo; 4. A jurisprudência brasileira; 5. Limites à intervenção do Judiciário nas políticas públicas: a razoabilidade; 6. As dificuldades do juiz brasileiro no controle de políticas públicas: decisões irrazoáveis, que substituem a atuação do juiz ao do administrador; 6.1. O caso do Hospital Municipal Salgado Filho; 6.2. O caso das creches do Município de São Paulo; 7. Controle jurisdicional de políticas públicas. Mas que controle?; 8. Um caso emblemático de acerto do Judiciário brasileiro; 9. Os conflitos de interesse público e sua tutela jurisdicional adequada: características de um novo processo; 10. Conclusões

1.

INTRODUÇÃO: DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS, POLÍTICAS PÚBLICAS E CONTROLE JURISDICIONAL

Os direitos fundamentais sociais previstos na Constituição, aos quais correspondem obrigações prestacionais do Estado - e que, segundo a Constituição brasileira, têm eficácia imediata - envolvem a necessidade de prestações positivas do Estado, sendo por isso mesmo também chamados de direitos fundamentais prestacionais. A fruição de direitos como à saúde, à educação, à habitação, ao trabalho, ao meio ambiente sadio dependem,

1. Professora Titular de Direito Processual da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.

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assim, da organização do Estado, que fixa e implementa políticas públicas (igualitárias e universais por natureza) por intermédio da função legislativa (leis) e da função administrativa (planejamento e ações de implementação) Mas os poderes políticos (e principalmente a Administração) frequentemente se omitem, permanecendo inertes, ou executam políticas públicas inadequadas para satisfazer a previsão constitucional (art. 6° da Constituição brasileira) ou os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (art. 3° da Constituição). É neste momento, ou seja, sempre a posteriori, que a função jurisdicional, desde que provocada, pode entrar em ação, exercendo o controle da constitucionalidade da política pública e até intervindo, para implementá-la ou corrigi-la.

Vale lembrar, com Dalmo Dallari4, que a teoria foi consagrada em um momento histórico - o do liberalismo - em que se objetivava o enfraquecimento do Estado e a restrição de sua atuação na esfera da liberdade individual. Era o período da primeira geração de direitos fundamentais, ou seja, das liberdades ditas negativas, em que o Estado só tinha o dever de abster-se, para que o cidadão fosse livre de fruir de sua liberdade. O modelo do constitucionalismo liberal preocupou-se, com exclusividade, em proteger o indivíduo da ingerência do Estado.

Para tanto, o ordenamento brasileiro prevê instrumentos processuais constitucionais específicos, como a ação direta de controle da constitucionalidade, a ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, a ação de cumprimento de preceito fundamental e o mandado de injunção. No entanto, como no Brasil o controle de constitucionalidade não se faz apenas pela forma direta, mas também pela forma difusa, cabe também à Justiça ordinária, de primeiro grau, exercer o controle da constitucionalidade de políticas públicas, implementando-as ou corrigindo-as, por meio de ações coletivas, as quais, por sua própria natureza, são de caráter igualitário e universal, como as políticas públicas, levando a uma coisa julgada que em princípio atua erga omnes Esta ideia, que é hoje pacificamente aceita pela jurisprudência e grande parte da doutrina brasileiras, não teve adesão tranquila. Opunha-se a ela a teoria da separação aos poderes e o princípio da insindicabilidade da atividade discricionária da Administração. É o que se passa a verificar. 2.

O CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS E O PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Montesquieu condicionara a liberdade à separação entre as funções judicial, legislativa e executiva, criando a teoria da separação dos poderes2 e afirmando que a reunião de poderes permite o surgimento de leis tirânicas, igualmente exequíveis de forma tirânica3.

Na teoria clássica da separação dos poderes, o juiz era considerado "Ia bouche de Ia loi". Isto já representava um notável avanço, pois eliminava o arbítrio, sujeitando o juiz ao império da lei, ou seja, à norma geral e abstrata proveniente do Poder Legislativo. Mas já em 1891, os Estados Unidos da América haviam introduzido em seu sistema a judicial review, a partir do controle da constitucionalidade inaugurado pelo juiz Marshall no famoso caso Madison versus Marbury, em que se afirmou a supremacia da Constituição, a ser aferida em relação à lei, que poderia assim ser fulminada. E não será demasiado lembrar que o sistema constitucional brasileiro tem suas raízes no norte-americano. Outro dado que mudou o enfoque do juiz como "bouche de Ia loi" foi o fenómeno histórico da Revolução Industrial, ocorrido no início do séc. XX, em que as massas operárias assumiram relevância social, aparecendo no cenário institucional o primeiro corpo intermediário, porta-voz de suas reivindicações: o sindicato. A transição entre o Estado liberal e o Estado social promove alteração substancial na concepção do Estado e de suas finalidades. Nesse quadro, o Estado existe para atender ao bem comum e, consequentemente, satisfazer direitos fundamentais e, em última análise, garantir a igualdade material entre os componentes do corpo social. Surge a segunda geração de direitos fundamentais - a dos direitos econômico-sociais -, complementar à dos direitos de liberdade. Agora, ao dever de abstenção do Estado substitui-se seu dever a um dare, facere, praestare, por intermédio de uma atuação positiva, que realmente permita a fruição dos direitos de liberdade da primeira geração, assim como dos novos direitos. E a função de controle do Poder Judiciário se amplia. A Constituição de 1988 configura mais uma transição: do Estado social ao Estado democrático de direito, ou seja - na visão da ciência política - do

2. Montesquieu, Do espírito das leis, Livro V, Cap. II. 3. Montesquieu, Do espírito das leis, Livro XI, Cap. V.

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4. Dallari, Dalmo de Abreu, Elementos de Teoria Geral do Estado, São Paulo, Saraiva, 26? ed., 2007.

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Estado que atua sobre a realidade social, para modificá-la. Com efeito, no art 3° são fixados os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil da seguinte maneira: Art. 3°: "Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

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"E assim a teoria da separação dos poderes (art. 2° da CF brasileira) muda de feição, passando a ser interpretada da seguinte maneira: o Estado é uno e uno é seu poder. Exerce ele seu poder por meio de formas de expressão (ou Poderes). Para racionalização da atividade estatal, cada forma de expressão do poder estatal exerce atividade específica, destacada pela Constituição. No exercício de tais funções é vedado às formas de expressão do poder estatal interferência recíproca: é este o sentido da independência dos poderes".

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação."

E, para atingir esses objetivos fundamentais (aos quais se acresce o princípio da prevalência dos direitos humanos: art. 4°, II, da CF), o Estado tem que se organizar no f acere e praestare, incidindo sobre a realidade social. É aí que o Estado social de direito transforma-se em Estado democrático de direito. Mas, como operacionalizar o atingimento dos objetivos fundamentais do Estado brasileiro? Responde Oswaldo Canela Júnior5: "Para o Estado social atingir esses objetivos, faz-se necessária a realização de metas, ou programas, que implicam o estabelecimento de funções específicas aos Poderes Públicos, para a consecução dos objetivos predeterminados pelas Constituições e pelas leis6. Desse modo, formulado o comando constitucional ou legal, impõe-se ao Estado promover as ações necessárias para a implementação dos objetivos fundamentais. E o poder do Estado, embora uno, é exercido segundo especialização de atividades: a estrutura normativa da Constituição dispõe sobre suas três formas de expressão: a atividade legislativa, executiva e judiciária".

Afirma o Autor, com toda razão, que as formas de expressão do poder estatal são, por isso mesmo, meros instrumentos para a consecução dos fins do Estado, não podendo ser consideradas por si só. O primeiro dogma do Estado liberal a ser quebrado foi o da atividade legislativa, como sendo a preponderante sobre os demais poderes. E, acrescente-se: o segundo dogma, foi o da atividade jurisdicional prestada por um juiz que represente apenas Ia bouche de Ia loi. Continua Oswaldo Canela Júnior: 5. Esta ideia, assim como as que se seguem, é extraída do brilhante trabalho apresentado à USP para qualificação de doutorado por Oswaldo Canela Júnior, "A efetivação dos direitos fundamentais através do processo coletivo: um novo modelo de jurisdição" (orientador Kazuo Watanabe), inédito, pp. 17-19. 6. Cf. Bonavides, Paulo, Do Estado liberal ao Estado social, Rio de Janeiro, Forense, 45 ed., 1980.

Mas os poderes, além de independentes, devem também ser harmónicos entre si. Logo, os três poderes devem harmonizar-se para que os objetivos fundamentais do Estado sejam alcançados. Por isso, ainda segundo Oswaldo Canela Júnior, "cabe ao Poder Judiciário investigar o fundamento de todos os atos estatais a partir dos objetivos fundamentais inseridos na Constituição (art. 3° da CF brasileira)" - grifei. Tércio Sampaio Ferraz Júnior 7 lembra que, no Estado democrático de direito, o Judiciário, como forma de expressão do poder estatal, deve estar alinhado com os escopos do próprio Estado, não se podendo mais falar numa neutralização de sua atividade. Ao contrário, o Poder Judiciário encontra-se constitucionalmente vinculado à política estatal. O controle da constitucionalidade das políticas públicas pelo Poder Judiciário, assim, não se faz apenas sob o prisma da infringênáa frontal à Constituição pelos atos do Poder Público, mas também por intermédio do cotejo desses atos com os fins do Estado.

3.

CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS: O CONTROLE DO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO

Uma das questões fundamentais no tratamento do tema do controle jurisdicional da Administração diz respeito à extensão ou alcance da atuação do Judiciário. Em primeiro lugar será tratada a questão geral do controle restrito e do controle amplo, centrada especialmente nos aspectos de legalidade, mérito e discricionariedade. Sem adentrar com profundidade nesses aspectos, por fugir aos objetivos deste trabalho, cabe ponderar que, em essência, legalidade é a conformação da atividade da administração às normas jurídicas que a norteiam; mérito significa apreciação pertinente a conveniência e oportunidade de algum ato ou medida adotada; discricionariedade diz respeito à possibilidade de escolha de

7. Ferraz Jr, Tércio Sampaio, O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência, in Revista USP, n. 21, março/abril/maio de 1994, p. 14.

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CAMINHOS E DESÇAM IN HOS DO CONTROLE JUR1SDICION AL DE POLÍTICAS PÚBLICAS • Ada Pellegríni Crinover

uma solução dentre duas ou mais ou escolha entre agir e não agir ou escolha do momento de agir.

destes atos, coibindo-se de assumir posição demasiado cautelosa pelo receio de invadir esfera de discrição administrativa".9

De acordo com essa linha, no controle do ato administrativo inicialmente se entendeu que o judiciário apreciaria somente matéria relativa à competência, forma e licitude do objeto. Tratando-se de ato de governo, este escaparia ao controle.

No Brasil, durante muito tempo os tribunais autolimitaram-se, entendendo não poder adentrar o mérito do ato administrativo. Diversas manifestações do Poder Judiciário, anteriores à Constituição de 1988, assumiram essa posição10.

Mas, em face do princípio do controle de constitucionalidade das leis, a invocação do princípio da separação de poderes para limitar a apreciação jurisdicional da conduta administrativa foi perdendo grande parte de sua força.8

No entanto, a Lei da Ação Popular abriu ao Judiciário brasileiro a apreciação do mérito do ato administrativo, ao menos nos casos dos arts. 4°, II, b e V, b, da Lei n. 4717/65, elevando a lesão à condição de causa de nulidade do ato, sem necessidade do requisito da ilegalidade. E José Afonso da Silva preconizava que sempre se possibilitasse a anulabilidade do ato por simples lesividade11.

No Direito pátrio, na vigência da Constituição de 1946, as posições marcantes de Seabra Fagundes em voto proferido na Ap. Cível 1.422, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, (in RDA/ 14, 1948), Victor Nunes Leal (Comentários ao citado acórdão, in RDA/14, 53 e ss., 1948) e Caio Tácito (O desvio de poder em matéria administrativa, 1951) assinalaram um passo importante na ampliação do controle jurisdicional, além da competência e forma do ato administrativo, para adentrar nos motivos e no fim, como integrantes da legalidade e não da discricionariedade ou mérito. Hely Lopes Meirelles, antes da Constituição de 1988, já afirmava que por legalidade "se entende, não só a conformação do ato com a lei, como também com a moral administrativa e com o interesse coletivo, indissociáveis de toda atividade pública. Tanto é ilegal ou ilegítimo o que desatende a lei, como o que violenta a moral da instituição ou se desvia do interesse público, para servir a interesses privados de pessoas, grupos ou partidos favoritos da Administração". Linha semelhante adotava Celso António Bandeira de Mello nas considerações seguintes: "Não haverá indevida intromissão judicial na correção do ato administrativo, se o critério ou opção do administrador houverem sido insustentáveis, desarrazoados, manifestamente impróprios ante o plexo de circunstâncias reais envolvidas, resultando, por isso, na eleição de providência desencontrada com a finalidade legal a que o ato deveria servir. Sucede que, para chegar-se a tal conclusão, que deveria levar o juiz a abster-se de fulminar o ato ou, pelo contrário, a fazê-lo, é indispensável: a) que pleitos, envolvendo ampla discrição normativa, sejam admitidos; b) que perante eles o judiciário investigue amplamente os fatos e que não titubeie em controlar a legitimidade

Mas foi a Constituição de 1988 que trouxe a verdadeira guinada: em termos de ação popular, o art. 5°, inc. LXXIII introduziu a seguinte redação: Art. 5°, inc. LXXIII: "Qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao património público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao património histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ónus da sucumbência" (grifei).

Ora, o controle, por via da ação popular, da moralidade administrativa não pode ser feito sem o exame do mérito do ato guerreado. Trata-se, aqui, de mera lesividade, sem o requisito da ilegalidade. Cândido Dinamarco12 também entende que foi a ação popular que abriu o caminho do Judiciário em relação ao controle do mérito do ato discricionário, devendo-se a ela a "desmistificação do dogma da substancial incensurabilidade do ato administrativo", provocando "sugestiva abertura para alguma aproximação ao exame do mérito do ato administrativo". 9. "O controle judicial dos atos administrativos", in RDA 152/15, abr.-jun./1988. 10.Vejam-se, exemplificativamente, STJ, RMS 15.959/MT, Sexta Turma, julgado em 07.03.06, DJ 10.04.2006, p. 299; RMS 18.151/RJ, Quinta Turma, julgado em 02.12.04, DJ 09.02.05, DJ 09.02.2005, p. 206; MS 12.629/DF, Terceira Seção, julgado em 22.08.07, DJ 24.09.2007, p. 244. O STF, na década de 60, aprovou em Sessão Plenária a Súmula 339, com o seguinte enunciado: "Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores sob o fundamento da isonomia". 11. Apud Gonçalves Filho, Manoel Ferreira, Grinover, Ada Pellegrini e Ferraz, Anna Cândida da Cunha, Liberdades Públicas, Parte Geral, São Paulo, Saraiva, 1978, p. 478. 2. Dinamarco, Cândido Rangel, Discricionariedade, devido processo legal e controle jurisdicional dos atos

8. Contrai Judicial de Ia Administración Pública, vol. l,p.18.

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administrativos, in Fundamentos do processo civil moderno, São Paulo, Malheiros, 3° ed., 2000, vol. l, p. 434.

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Judiciário proceder à outorga da tutela específica para que a Administração destine verba própria do orçamento para esse fim16. E, em decisões mais recentes, dentre as quais nos reportamos à seguinte, o Superior Tribunal de Justiça deixou ainda mais firme essa posição:

Assim é que a atuação, mesmo que discricionária da Administração, como a contida no princípio da moralidade e no princípio da impessoalidade, está submetida ao controle do Judiciário. O princípio da publicidade, por sua vez, impõe transparência na atuação administrativa, o que permite maior controle. E a ação popular, como visto, pode ter como um dos seus fulcros a anulação de ato lesivo à moralidade administrativa, independentemente de considerações referentes à estrita legalidade.

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Mas, aqui cabe uma referência, que será retomada mais adiante: ou seja, a de que é preciso ter em mente a importante e judiciosa observação de Odete Medauar13: "Evidente que a ampliação do controle jurisdkional não há de levar à substituição do administrador pelo juiz; culminará com a anulação de atos, a obrigação de fazer, a abstenção de agir, etc." (grifei)

4.

ADMINISTRATIVO. CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS - DIREITO À SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. MANIFESTA NECESSIDADE. OBRIGAÇÃO SOLIDARIA DE TODOS OS ENTES DO PODER PÚBLICO. NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MlNIMO EXISTENCIAL. NÃO HA OFENSA À SÚMULA 126/STJ. (AgRg no REsp 110751 l/RS, Rei. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 21/11/2013, DJe 06/12/2013)

Mas o posicionamento mais representativo a favor da intervenção do Poder Judiciário no controle de políticas públicas vem do Supremo Tribunal Federal, podendo ser considerado leadingcase a decisão monocrática do Ministro Celso de Mello, na ADPF 45-9, que assim se pronunciou:

A JURISPRUDÊNCIA BRASILEIRA

Com base nas considerações acima, os tribunais brasileiros têm admitido amplamente o controle jurisdicional de políticas públicas. Apenas para exemplificar, de há muito o Tribunal de Justiça de São Paulo mostrou-se preparado na discussão a respeito da suposta interferência do Poder Judiciário nos demais poderes. Em ação civil pública ajuizada pelo MP em face da municipalidade paulistana, objetivando a restauração do conjunto arquitetônico do Parque da Independência, a Corte manifestou-se no sentido de que pode e deve o Judiciário atuar na omissão administrativa. O Tribunal paulista decidiu que a omissão da administração pode ser enfrentada pelo Judiciário, em decorrência do controle que este exerce sobre os atos administrativos, não se tratando de interferência na atividade do Poder Executivo14. O Superior Tribunal de Justiça, em diversas oportunidades, colocou em realce o direito à integralidade da assistência à saúde a ser prestado pelo Estado, de forma individual ou coletiva15. O Tribunal, em outra decisão, afirmou que a Administração Pública se submete ao império da lei, até mesmo no que toca à conveniência e oportunidade do ato administrativo: uma vez demonstrada a necessidade de obras objetivando a recuperação do solo, cumpre ao Poder

13. Medauar, Odete, Controle da Administração Pública, São Paulo, RT, 1991, p. 175.

"É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05,1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo. Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático. Cabe assinalar, presente esse contexto - consoante já proclamou esta Suprema Corte - que o caráter programático das regras inscritas no texto da Carta Política "não pode converter-se em promessa constitucional inconsequente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei do Estado" (RTJ 175/1212-1213, Rel.Min. CELSO DE MELLO)"(...) "Não deixo de conferir, no entanto, assentadas tais premissas, significativo relevo ao tema pertinente à "reserva do possível" (STEPHEN HOLMES/CASS R. SUNSTEIN, "The Cost of Rights", 1999, Norton, New York), notadamente em sede de efetivação e implementação (sempre onerosas) dos direitos de segunda geração (direitos económicos, sociais e culturais), cujo adimplemento, pelo Poder Público, impõe e exige, deste, prestações estatais positivas concretizadoras de tais prerrogativas individuais e/ou coletivas". (...) "A meta central das Constituições modernas, e da Carta de 1988 em particular, pode ser resumida, como já exposto, na promoção do bem-estar do homem, cujo ponto de partida

14.Apel. 152.329.5/4.00-SP. 15. REsp 212346 no Ag. 842866; REsp 814076; REsp 807683; AgRg no REsp 757012; REsp 684646; REsp 658323; REsp 625329, MS 8895; REsp 509753 MS8740; REsp 430526; REsp 338373.

16. RSTJ 187/219, 2'- Turma.

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está em assegurar as condições de sua própria dignidade, que inclui, além da proteção dos. direitos individuais, condições materiais mínimas de existência. Ao apurar os elementos fundamentais dessa dignidade (o mínimo existencial), estar-se-ão estabelecendo exatamente os alvos prioritários dos gastos públicos. Apenas depois de atingi-los é que se poderá discutir, relativamente aos recursos remanescentes, em que outros projetos se deverá investir. O mínimo existencial, como se vê, associado ao estabelecimento de prioridades orçamentarias, é capaz de conviver produtivamente com a reserva do possível." (grifei) "Vê-se, pois, que os condicionamentos impostos, pela cláusula da "reserva do possível", ao processo de concretização dos direitos de segunda geração - de implantação sempre onerosa - , traduzem-se em um binómio que compreende, de um lado, (1) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e, de outro, (2) a existência de disponibilidade-financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas".(grifei) (...) "É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, económicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado" (grifei).

Mais recentemente, o Ministro Celso de Mello chegou a afirmar que, em se tratando de mínimo existencial, não cabe sequer opor à pretensão a reserva do possivel, considerando-o, assim, limite dos limites (RE n. 482.611 Santa Catarina, j. aos 23 de março de 2010). Transcreva-se a Ementa: "EMENTA: CRIANÇAS E ADOLESCENTES VÍTIMAS DE ABUSO E/OU EXPLORAÇÃO SEXUAL. DEVER DE PROTEÇÃO INTEGRAL À INFÂNCIA E A JUVENTUDE. OBRIGAÇÃO CONSTITUCIONAL QUE SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO. PROGRAMA SENTINELA-PROJETO ACORDE. INEXECUÇÃO, PELO MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS / SC, DE REFERIDO PROGRAMA DE AÇÃO SOCIAL CUJO ADIMPLEMENTO TRADUZ EXIGÊNCIA DE ORDEM CONSTITUCIONAL. CONFIGURAÇÃO, NO CASO, DE TÍPICA HIPÓTESE DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL IMPUTÁVEL AO MUNICÍPIO. DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO PROVOCADA POR INÉRCIA ESTATAL (RTJ 183/818-819). COMPORTAMENTO QUE TRANSGRIDE A AUTORIDADE DA LEI FUNDAMENTAL (RTJ 185/974-796). IMPOSSIBILIDADE DE INVOCAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DA CLÁUSULA DA RESERVA DO POSSÍVEL SEMPRE QUE PUDER RESULTAR, DE SUA APLICAÇÃO, COMPROMETIMENTO DO NÚCLEO BÁSICO QUE QUALIFICA O MÍNIMO EXISTENCIAL (RTJ 200/191-197). CARÁTER COGENTE E VINCÚLANTE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS, INCLUSIVE DAQUELAS DE

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CONTEÚDO PROGRAMÁTICO, QUE VEICULAM DIRETRIZES DE POLÍTICAS PÚBLICAS. PLENA LEGITIMIDADE JURÍDICA DO CONTROLE DAS OMISSÕES ESTATAIS PELO PODE JUDICIÁRIO. A COLMATAÇÃO DE OMISSÕES INCONSTITUCIONAIS COMO NECESSIDADE INSTITUCIONAL FUNDADE EM COMPORTAMENTO AFIRMATIVO DOS JUIZES E TRIBUNAIS E DE QUE RESULTA UMA POSITIVA CRIAÇÃO JURISPRUDÊNCIA! DO DIREITO. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DELINEADAS NA CONSTITUIÇÃO DAREPÚBLICA (RTJ 174/687- RTJ 175/1212/1213 - RTJ 199/1219-1220). RECURSO EXTRAORDINÁRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL CONHECIDO E PROVIDO."

A partir desses pronunciamentos, a mais alta Corte do país tem mantido a mesma posição em inúmeros julgados. A título meramente exemplificativo - pois é abundante a jurisprudência no mesmo sentido - menciona-se o aresto abaixo transcrito, que faz referência a vários precendentes: "Este Tribunal tem reconhecido, em termos de políticas públicas, que não há falar em ingerência do Poder Judiciário em questão que envolve o poder discricionário do Poder Executivo, porquanto se revela possível ao Judiciário determinar a implementação pelo Estado, quando inadimplente, de tais políticas públicas constitucionalmente previstas. Nesse sentido, o RE 463.210-AgR/SP, rei. Min. Carlos Velloso, 2a Turma, unânime, DJ 03.02.2006; RE 384.201-AgR/SP, rei. Min. Marco Aurélio, 1« Turma, unânime, DJe 03.8.2007; o RE 600.419/SP, rei. Min. Celso de Mello, DJe 28.9.2009; e o citado RE 193.175AgR/RS. Menciono, também, o RE 482.741/SC, rei. Min. Eros Grau, DJe 08.02.2010, o qual apreciou controvérsia semelhante envolvendo o Município de Florianópolis, cujo trecho dessa decisão destaco: "O Supremo decidiu que "[e]mbora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional" [RE n. 474.704, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 14.3.06]. 5. O Pleno deste Tribunal, no julgamento da ADPF n. 45-MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 29.4.04, fixou o seguinte entendimento: "EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE

PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÓMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA 'RESERVA DO POSSÍVEL: NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSÚBSTANCIADOR DO 'MÍNIMO EXISTENCIAL: VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGUIÇÃO DE 433

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DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO)". Destaque-se também um dos fundamentos do AI 562.561/RS, no qual se tratou do tema em relação ao direito a saúde, rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14.12.2005: "Ademais, a falta de prévia dotação orçamentaria não serve como justificativa para inviabilizar o direito do agravado ao recebimento de medicamentos necessários à sua sobrevivência; "o direito à saúde, como está assegurado na Carta, não deve sofrer embaraços impostos por autoridades administrativas, no sentido de reduzi-lo ou de dificultar o acesso a ele." (RREE 226.835, limar Galvão, Ia T, DJ 10.03.2000; 207.970, Moreira Alves, Ia T, DJ 15.09.2000; e 255.086, Ellen Gracie, Ia T, DJ 11.10.2001)". 5. Diante do exposto, dou provimento ao recurso extraordinário, com fundamento no art 557, § 1°-A, do CPC, para restabelecer a sentença originalmente proferida. Publique-se. Brasília, 22 de outubro de 2010. Ministra Ellen Gracie Relatora (RE 552168, Relator(a): Min. ELLEN GRACIE, julgado em 22/10/2010, publicado em DJe-211 DIVULG 03/11/2010 PUBLIC 04/11/2010)

Mas, o que vale realçar agora, é que a posição do STF, manifestada minuciosamente por um de seus mais sensíveis Ministros, Celso de Mello, na supra citada ADPF 45-9, é a de que são necessários alguns requisitos, para que o Judiciário possa intervir no controle de políticas públicas: (1) o limite fixado pelo mínimo existencial a ser garantido ao cidadão; (2) a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e (3) a existência de disponibilidade-finânceira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas dele reclamadas. E o que nos interessa, para efeito da observação da atuação do juiz brasileiro, é o limite da razoabilidade. 5.

LIMITES À INTERVENÇÃO DO JUDICIÁRIO NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: A RAZOABILIDADE

Os lindes entre o razoável ou irrazoável, em termos jurídicos, devem ser buscados no princípio da proporcionalidade.11 A proporcionalidade, utilizada para a solução da colisão de princípios, deve advir de um juízo de ponderação entre os valores em jogo, mas há de ser sempre entendida como justo equilíbrio entre os meios empregados e os fins a serem alcançados. Assim, segundo a doutrina, a proporcionalidade deve levar em conta os seguintes dados:

CAMINHOS E DESCAMINHOS DO CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS • Ada PellegriniGrinover

(i) adequação, ou seja, a aptidão da medida para atingir os objetivos pretendidos; (ii) necessidade, como exigência de limitar um direito para proteger outro, igualmente relevante; (iii) proporcionalidade estrita, como ponderação da relação existente entre os meios e os fins, ou seja, entre a restrição imposta (que não deve aniquilar o direito) e a vantagem conseguida18, o que importa na (iv) não excessividade. O princípio da proporcionalidade, ou da razoabilidade, tem sido amplamente reconhecido e aplicado pelo Supremo Tribunal Federal. Ainda sob a égide da Constituição de 1967, com Emenda de 1969, O STF fez referência expressa ao princípio, com a denominação de "critério de razoabilidade", no voto proferido pelo Ministro Rodrigues Alkmin, considerado o leading case em matéria de aplicação do princípio.19. Em termos mais recentes, a Suprema Corte editou relevantes julgamentos a respeito da proporcionalidade, notabilizados pela abrangência material que outorgaram a esse princípio. Importante marco decisório configurou o julgamento do Habeas Corpus 76.060/SC20. Na oportunidade, a controvérsia reportava-se à investigação de paternidade e à possibilidade, ou não, de submissão compulsória do demandado ao fornecimento de sangue para o exame de DNA. A Primeira Turma do STF decidiu que, à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, "[...] se impõe evitar a afronta à dignidade pessoal que, nas circunstâncias, a sua participação [do demandado] na perícia substantivaria". E, em relação exatamente ao tema sub examine, as políticas públicas também ensejaram a incidência do princípio em tela. No julgamento proferido para a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 101/DF21, a Suprema Corte dedicou-se ao tema da importação de pneus e aos reflexos verificados no âmbito da saúde pública. A controvérsia cingia-se à constitucionalidade de atos normativos proibitivos da citada importação. No decisório, o Tribunal Pleno considerou legítima a atuação estatal preventiva, moldada, sobretudo, na razoabilidade da adoção de políticas públicas que evitem causas do aumento de doenças graves ou contagiosas.

18. Cf. Luiz Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 209. 17. Embora não se desconheça a diferença entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, não cabe aqui aprofundar a distinção. No meu entender, a razoabilidade integra a proporcionalidade estrita, pois a ponderação entre os valores deve ser balizada pela razoabilidade, entendido aqui o termo como bom senso, equilíbrio, racionalidade.

19.Rep.ri. 930/DF, Rei. Min. Rodrigues Alkmin, DJU de 2.9.1977. 20. HC 76.060/SC, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15/5/1998. 21. ADPF 101/DF, Rei. Min. Cármen Lúcia, DJe 4/6/2012.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PUBLICO

6.

AS DIFICULDADES DO JUIZ BRASILEIRO NO CONTROLE DE POLÍTICAS PÚBLICAS: DECISÕES IRRAZOÁVEIS, QUE SUBSTITUEM A ATUAÇÃO DO JUIZ AO DO ADMINISTRADOR

É comum que as decisões do juiz brasileiro em tema de políticas públicas sejam desarrazoadas, invadindo a esfera de atuação própria de outros Poderes. Dois exemplos paradigmáticos serão mencionados neste trabalho.

6.1.

O caso do Hospital Municipal Salgado Filho

O Ministério Público do Rio de Janeiro ajuizou Ação Civil Pública em face do Município do Rio de Janeiro, formulando os seguintes pedidos: c) seja o réu, ao final, condenado nas seguintes obrigações de fazer, caso não haja número suficiente de médicos aprovados em concurso público aguardando somente nomeação e posse; c. l)abertura de concurso público de provas e títulos para provimento dos cargos vagos de médico existentes na estrutura do HOSPITAL MUNICIPAL SALGADO FILHO, afim de suprir o déficit de pessoal mencionado no demonstrativo encaminhado pela própria direção do hospital; c.2) alternativamente, em caso de inexistirem cargos vagos na estrutura do referido hospital, seja o réu condenado a promover a abertura de concurso público de provas e títulos para o provimento dos cargos vagos de médico existentes na estrutura da Secretaria Municipal de Saúde, determinando-se o seu posterior remanejamento para o HOSPITAL MUNICIPAL SALGADO FILHO, afim de suprir o déficit de pessoal mencionado no demonstrativo encaminhado pela própria direção do hospital; c.3) sejam efetivamente nomeados e empossados ou contratados os profissionais aprovados no concurso mencionado no item anterior; d) Caso já haja médicos, em número suficiente, aprovados em concurso público aguardando somente nomeação e posse, requer o Parquet seja o Estado condenado a promover sua imediata nomeação e posse afim de que supram, prioritariamente, as necessidades do HOSPITAL MUNICIPAL SALGADO FILHO; e) sejam nomeados e empossados ou contratados funcionários técnicos em número suficiente para atender a necessidade revelada pela própria direção do hospital, observadas as cautelas alinhadas no item c do pedido principal; f) seja a verba sucumbencial destinada ao Fundo Especial do Ministério Público, regulamentado pela Lei Estadual n. 2819/97 e pela Resolução GPGJ n. 801/98.

A demanda foi julgada improcedente em primeiro grau de jurisdição, mas o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deu provimento à apelação do Ministério Público, constando do dispositivo do Acórdão a seguinte condenação: 436

CAM l N HOS E DESÇAM l N HOS DO CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS • Ada Pellegrini Grinover

"Ante o exposto, DÁ-SE PROVIMENTO AO RECURSO PARA JULGAR PROCEDENTES OS PEDIDOS, determinando ao Município do Rio de Janeiro, os suprimentos do déficit de pessoal mencionado no demonstrativo encaminhado pela própria direção do hospital, através da realização de concurso público de provas e títulos para provimento dos cargos de médico e funcionários técnicos, com a nomeação e posse dos profissionais aprovados no certame, bem como corrigidos os procedimentos e sanadas as irregularidades expostas no Cartório do Conselho Regional de Medicina (fls.193/352), no prazo de 6 (seis) meses, sob pena de multa diária de R$5.000,00 (Cinco Mil Reais). Condena-se ainda, o réu ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados em R$2.000,00 (Dois Mil Reais), nos termos do artigo 20, § 4° do CPC, a serem revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos (artigo 13 da Lei n" 7.347/85). Sem custas, em razão do que dispõe o artigo 17 da lei n° 3350/99". (grifei). O demonstrativo a que se refere o dispositivo da decisão condenatória remonta ao 31/05/2002, e diversos cargos podem ter sido providos no período de 12 anos. As circunstâncias fáticas, jurídicas, económicas e até jurídicas podem ter se alterado, sendo irrazoável que a condenação engesse a atuação da administração conforme se apresentava 12 anos antes, impondo uma obrigação de fazer que pode não corresponder à atual necessidade. Aqui, mais uma vez, vem a pelo a "proibição do excesso", contida no princípio da proporcionalidade. Resultou da condenação, em última análise, que a administração estatal deverá abrir concursos públicos, no prazo de 6 (seis) meses, para os seguintes cargos, a serem lotados no Hospital Municipal Salgado Filho: 79 (setenta e nove) cargos médicos das mais variadas especialidades; 03 (três) odontólogos; 89 (oitenta e nove) enfermeiros; 112 (cento e doze) técnicos e auxiliares de enfermagens. £552 número fixo, surgido de um relatório de 12 anos atrás, é completamente fictício e nada indica que se trataria do número necessário e suficiente, para preencher hoje as necessidades de atendimento do Hospital Municipal Salgado Filho; As circunstâncias fáticas, jurídicas, económicas e até jurídicas podem ter se alterado, sendo irrazoável que a condenação engesse a atuação da administração conforme se apresentava 12 anos antes, impondo uma obrigação de fazer que pode não corresponder à atual necessidade. Aqui, mais uma vez, vem a pelo a "proibição do excesso", contida no princípio da proporcionalidade. 437

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

4. Obrigar o Município de São Paulo a apresentar, semestralmente, relatórios completos sobre as medidas tomadas para efeito do cumprimento da obrigação fixada no item "l".

O caso encontra-se agora perante o Supremo Tribunal Federal22 Só a administração hospitalar e o Município poderão apresentar uma relação do números de cargos efetivamente necessários e um planejamento do prazo necessário para preenchê-los. 6.2.

A esses relatórios terão acesso, no exercício de monitoramento, a Coordenadoria da Infância e da Juventude, a quem caberá, como posto no Acórdão que apreciou o Agravo Regimental já mencionado, fornecer ao Juízo, bimestralmente, informações sobre o cumprimento do julgado e articular com a sociedade civil e com outros órgãos do Tribunal, com a Defensoria Pública e com o Ministério Público, se necessário, a forma de acompanhamento da execução da decisão, seja no tocante à criação de novas vagas, seja no referente ao oferecimento de educação com qualidade, nos termos do que está sendo determinado. Fica claro que esse monitoramento não retira do Juiz do processo o poder de determinar, de oficio ou a requerimento das partes, outras medidas que se fizerem necessárias, para que a decisão tenha efetividade.

O caso das creches do Município de São Paulo

A falta crónica de creches e pré-escolas públicas (escolas maternais para crianças de O a 5 anos) no Município de São Paulo, desatendendo mandamento constitucional, após outras iniciativas judiciais, provocou o ajuizamento de ação civil pública por parte de diversas associações, visando a obrigar a Municipalidade à imediata construção de creches para atender a 736 crianças e à apresentação de plano de ampliação de vagas e construção, de forma a atender toda a demanda oficialmente cadastrada, de acordo com o Plano Nacional de Educação. A ação foi julgada improcedente em primeiro grau de jurisdição, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo23, após audiências públicas e outras providências, reformou a sentença para:

A fundamentação para a fixação do número de creches foi a seguinte: "As autoridades da atual gestão do Município de São Paulo assumiram o compromisso de atender a toda a população demandante por educação infantil, mais especificamente por meio da criação de 150 (cento e cinquenta) mil novas vagas na rede municipal de São Paulo. Dita promessa foi enunciada tanto no Programas de Metas 2013 - 2016(...), apresentado por força do disposto na Lei Orgânica do Município, quanto no projeto de lei do Plano Plurianual 2014 2017, encaminhado à Câmara Municipal de São Paulo (Projeto de Lei do Executivo n° 694/2013). Na audiência pública realizada em 29 de agosto de 2013, esses compromissos foram reafirmados pelo Secretário de Educação do Município".

"1. Obrigar o Município de São Paulo a criar, entre os anos de 2014 e 2016, no mínimo, 150 (cento e cinquenta) mil novas vagas em creches e em pré-escolas para crianças de zero a cinco anos de idade, disponibilizando 50% (cinquenta por cento) nos primeiros 18 (dezoito) meses, das quais 105 (cento e cinco mil) em tempo integral em creche para crianças de zero a 3 (três) anos idade, de forma a eliminar a lista de espera, garantida a qualidade da educação ofertada, observando-se para tanto, quer quanto as unidades de ensino já existentes na rede escolar, quer referentemente àquelas que vierem a ser criada, as normas básicas editadas pelo Conselho Nacional de Educação e, suplementarmente, aquelas expedidas pelo Conselho Municipal de Educação.

Ou seja, promessa de campanha e Plano Plurianual de Metas, que ia de 2014 a 2017 (um ano a mais do que o período fixado na condenação).

2. Obrigar o Município de São Paulo a incluir na proposta orçamentaria a ampliação da rede de ensino atinente à educação infantil de acordo com a ampliação determinada.

Já em relação aos itens 2 a 4 da condenação, o Acórdão andou bem, pois exigiu um planejamento a ser prestado pela administração municipal e a reserva de verbas para o próximo orçamento, bem como o acompanhamento do cumprimento do julgado, deixando, ainda claro que o tribunal poderá proferir outros julgamentos.

3. Obrigar o Município de São Paulo a apresentar a este Juízo, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, plano de ampliação de vagas e de construção de unidades de educação infantil para atendimento do estipulado no item "l".

Nos dois casos trazidos como exemplo, (o do Hospital Municipal e o primeiro item da condenação no caso das creches), o Judiciário brasileiro não atentou para o fato de que a obrigação de fazer, para ser cumprida, há de ser razoável e equilibrada, aberta e construída de comum acordo com a Administração. As condenações configuraram, em última análise, a substituição da

22. Agravo de Instrumento n. 854.007 - RJ, sendo que a Relatora, Ministra Carmen Lúcia, deu provimento ao agravo, determinando sua conversão em recurso extraordinário eletrônico. 23. Apelação n. 0150735-64-2008-8.26002, julgada em dezembro de 2013

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1 O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

atividade do administrador pela atividade do juiz, o que deve ser evitado a todo custo no controle jurisdicional de políticas públicas. 7.

CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS. MAS QUE CONTROLE?

A coparticipação do juiz na arena política, com a possibilidade de interferir na atividade legislativa e administrativa, sobretudo em matéria de políticas públicas, não está isenta de críticas dirigidas ao chamado ativismo judicial. As principais consistem na alegada falta de legitimação democrática do juiz, que não é eleito, e na ausência de especialidade do magistrado, que não estaria preparado como o administrador para realizar escolhas políticas. Mas justamente o fato de o juiz não ser eleito o torna muito mais imune às pressões políticas que são exercidas sobre os poderes majoritários e que acabam por influir sobre suas escolhas. Num sistema majoritário, como o nosso, a voz das minorias é sufocada e só pode se fazer ouvir por intermédio do Judiciário. É inegável que o juiz está obrigado a ouvir reclamos e a canalizá-los por intermédio de um processo dialético, a assumir responsabilidades pessoais por suas decisões e a justificá-las com base em razões socialmente aceitáveis. A função jurisdicional tem conteúdo essencialmente público que, além de resolver conflitos, consiste em conferir significado e expressão concreta aos valores públicos que definem uma sociedade e lhe conferem identidade e coerência. Por outro lado, a legitimidade democrática do Judiciário, se não vem das urnas, vem exatamente dos princípios e garantias que regem o exercício da função jurisdicional: a imparcialidade, o contraditório, a ampla defesa, a motivação das decisões, a publicidade, o controle interno e até o controle político. Quanto ao despreparo do juiz pelo desconhecimento de questões técnicas, como as orçamentarias ou até mesmo o planejamento da administração para as políticas públicas de determinada área e dê sua implementação progressiva, que devem servir de norte para decisões coerentes, equilibradas, justas e exequíveis, reconhece-se que hoje, principalmente no Brasil, o juiz está mal informado, isolado, sem assessorias especializadas, distante da administração e até mesmo de outros juizes ou tribunais que enfrentam questões semelhantes. Por isso mesmo, mostrar-se-á um caso emblemático brasileiro de adequado controle jurisdicional de políticas públicas, como técnica adequada à superação dos problemas acima apontados. 440

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8.

UM CASO EMBLEMÁTICO DE ACERTO DO JUDICIÁRIO BRASILEIRO

Na esfera ambiental, existe um processo que pode ser considerado o protótipo de uma nova atuação do Judiciário brasileiro no controle de políticas públicas. Cuida-se do tratamento dado à questão da mineração do carvão na área de Criciúma/SC.24 Em 1993, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (autos n. 93.8000533-4) junto à Justiça Federal de Criciúma, pretendendo impor às rés (mineradoras e a União, perfazendo um total de 24 réus) a realização e a concretização de um projeto de recuperação ambiental da região degradada pela mineração. Em janeiro de 2000, foi proferida sentença, pelo então Juiz Federal Paulo Afonso Brum Vaz (hoje, Desembargador Federal no Tribunal Regional Federal da 4a Região), em que se impôs aos réus (mineradoras, seus sócios-gerentes, mandatários ou representantes, sucessores, União e Estado de Santa Catarina) oferecer, em seis meses (contados da intimação da sentença) um projeto de recuperação da região, contemplando, pelo menos, "todos os itens assinalados no PROVIDA-SC, com cronograma mensal de etapas a serem executadas, e executar dito projeto no prazo de 3 (três) anos, contemplando as áreas de depósitos de rejeitos, áreas mineradas a céu aberto e minas abandonadas, bem como o desassoreamento, fixação de barrancas, descontaminação e retificação dos cursos dagua, além de outras obras que visem amenizar os danos sofridos principalmente pela população dos municípios-sede da extração e do beneficiamento". Em apoio à ordem, foi cominada multa coercitiva e imposta medida de sub-rogação, consistente na contratação, às expensas dos condenados, de terceiro para a elaboração e execução do mencionado projeto. Por fim, a sentença ainda impôs às mineradoras que adequassem sua conduta às normas de proteção ambiental, em sessenta dias, sob pena de interdição; e aos órgãos de proteção ambiental e de fiscalização de mineração o dever de apresentar relatório circunstanciado de fiscalização de todas as minas em atividade naquela região. Finalmente, a sentença impôs ao Ministério Público Federal opinar sobre o projeto de recuperação que seria apresentando, o qual seria posteriormente chancelado pelo Poder Judiciário. Em razão de apelações interpostas, os sócios das carboníferas (bem como uma das carboníferas condenadas) foram excluídos da responsabilidade, 24. A propósito desta ação, ver a página eletrônica https://www.jfsc.jus.br/acpdocarvao/, criada durante a execução da sentença de procedência, para dar maior publicidade e conseguir a maior participação social no gerènciamento do problema da mineração de carvão naquela localidade.

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desprovido.26 Não conhecidos os embargos declaratórios opostos contra esse acórdão, transitou em julgado a decisão de procedência parcial da ação civil pública em setembro de 2014.

ampliando-se ademais o prazo para a recuperação dos recursos hídricos atingidos com o dano ambiental reconhecido. Posteriormente, foram também interpostos recursos especiais, parcialmente providos, apenas para rearranjar a responsabilidade de cada um dos condenados e definir com maior precisão a sua extensão.25 Após embargos de declaração opostos por alguns dos sujeitos envolvidos, o feito foi remetido ao Supremo Tribunal Federal, para análise de recurso extraordinário apresentado. O recurso não foi admitido, tendo sido objeto de agravo regimental, que também foi

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

25. "RECURSO ESPECIAL AÇÃO CIVIL PÚBLICA, POLUIÇÃO AMBIENTAL EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. 1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o estado ter agido conforme estabelece a lei. 2. A União tem o dever de fiscalizar as atividades concernentes à extração mineral, de forma que elas sejam equalizadas à conservação ambiental. Esta obrigatoriedade foi alçada à categoria constitucional, encontrando-se inscrita no artigo 225, §§ 1^, 2^ e 39 da Carta Magna. 3. Condenada a união a reparação de danos ambientais, é certo que a sociedade mediatamente estará arcando com os custos de tal reparação, como se for a auto-indenização. Esse desiderato apresenta-se consentâneo com o princípio da equidade, uma vez que a atividade industrial responsável pela degradação ambienta! - por gerar divisas para o país e contribuir com percentual significativo de geração de energia, como ocorre com a atividade extrativa mineral - a toda a sociedade beneficia. 4. Havendo mais de um causador de um mesmo dano ambiental, todos respondem solidariamente pela reparação, na forma do art. 942 do Código Civil. De outro lado, se diversos forem os causadores da degradação ocorrida em diferentes locais, ainda que contíguos, não há como atribuir-se a responsabilidade solidária adotando-se apenas o critério geográfico, por falta de nexo causal entre o dano ocorrido em determinado lugar por atividade poluidora realizada em outro local. 5. A desconsideração da pessoa jurídica consiste na possibilidade de se ignorara personalidade jurídica autónoma da entidade moral para chamar à responsabilidade seus sócios ou administradores, quando utilizam-na com objetivos fraudulentos ou diversos daqueles para os quais foi constituída. Portanto, (i) na falta do elemento 'abuso de direito'; (ii) não se constituindo a personalização social obstáculo ao cumprimento da obrigação de reparação ambiental; e (iii) nem comprovando-se que os sócios ou administradores têm maior poder de solvência que as sociedades, a aplicação da disregard doctrine não tem lugar e pode constituir, na última hipótese, obstáculo ao cumprimento da obrigação. 6. Segundo o que dispõe o art. 39, IV, c/c o art. 14, § l?, da Lei n. 6.938/81, os sócios/administradores respondem pelo cumprimento da obrigação de reparação ambienta! na qualidade de responsáveis em nome próprio. A responsabilidade será solidária com os entes administrados, na modalidade subsidiária 7. A ação de reparação/recuperação ambiental é imprescritível. 8. Recursos de Companhia Siderúrgica nacional, Carbonífera Criciúma S/A, Carbonífera Metropolitana S/A, Carbonífera Barro Branco S/A, Carbonífera Palermo Ltda., Ibramil-lbracoque Mineração Ltda. não conhecidos. Recurso da União provido em parte. Recursos de Coque Catarinense Ltda., Companhia Brasileira Carbonífera de Ararangua (massa falida), Companhia Carbonífera Catarinense, Companhia Carbonífera Urussanga providos em parte. Recurso do Ministério Público provido em parte" (STJ, 2'Turma. REsp. 647.493/SC. Rei. Min. João Otávio Noronha, j. 22.05.07, DJÚ 22.10.07, p. 233).

Paralelamente ao trâmite recursal, o Ministério Público Federal deu início à execução provisória da sentença. Embora a sentença estivesse sujeita a reexame necessário, foi autorizado, em antecipação de tutela, o início dos atos executivos. A complexidade da matéria - e da efetivação do comando sentenciai - recomendou que o cumprimento se desdobrasse em várias fases, posteriormente desdobradas também em vários procedimentos autónomos, um para cada réu condenado. Na primeira fase, que vai de 2000 a 2004, ainda não se tinha muito bem delineada a dimensão do problema e a extensão da condenação. Porque a sentença havia imposto, genericamente, a obrigação de reparar o dano ambiental, ainda não se tinha a precisa definição daquilo que seria necessário de modo exato para o cumprimento dessa imposição, nem o perfeito delineamento da extensão da área a ser reparada. Nessa fase, enfim, obtiveram-se informações que subsidiaram, posteriormente, a adoção de medidas mais concretas capazes de enfrentar a complexa tarefa da reparação ambiental. A segunda fase da execução - de 2004 a 2005 - tem como ponto culminante a consolidação pelo Ministério Público Federal de uma estratégia para o enfrentamento do problema. Valendo-se de sua assessoria técnica - e do aporte de informações do Ministério do Meio Ambiente e do Departamento Nacional de Produção Mineral - conseguiu-se identificar as fragilidades das informações antes trazidas pelas rés condenadas e adotar medidas para padronizar os projetos antes apresentados por estas, comprometendo-as de modo concreto ao emprego de medidas para a recuperação ambiental. As informações trazidas por aquela assessoria, ademais, permitiram desenhar com maior determinação exatamente que medidas deveriam ser adotadas por cada uma das rés, a curto, a médio e a longo prazo, para a recuperação do ambiente degradado. Na terceira fase - de 2006 a 2009 - os réus foram efetivamente obrigados a apresentar os projetos segundo a padronização indicada pelo Ministério Público Federal, de modo a permitir um controle preciso dos atos que estavam sendo adotados e daqueles que deveriam ser tomados. Com isso, concretizavam-se os deveres impostos aos condenados, sendo possível cobrar deles medidas

26. STF, 2? Turma. RE 612.592-AgR/SC, Rei. Min. Ricardo Lewandowski. DJe 27.06.14.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO



concretas com prazo específico. Ademais, nessa época também se criou o Grupo de Assessoramento Técnico do Juízo (GTA). Esse grupo, formado por representantes técnicos de todas as partes e por sujeitos externos ao processo ligados à questão ambiental, tinha por principais funções propor estratégias, métodos e técnicas para a recuperação ambiental. Releva salientar que as decisões desse grupo não seriam tomadas por maioria de votos, mas por consenso de todos, o que foi vital para a redução da litigiosidade interna do processo e para a redução de eventuais incidentes e recursos na efetivação da sentença. Também nesse período foi elaborada uma "proposta de indicadores ambientais e plano de monitoramento para as áreas degradadas pela mineração de carvão no Estado de Santa Catarina". Esse documento permitiria acompanhar de modo mais próximo e preciso a situação da poluição da região (causada pela exploração do carvão) e serviu de base para a ulterior elaboração de relatórios técnicos, por parte do GTA, que monitoravam as consequências da implementação das medidas de redução da poluição. Em base desses elementos, conseguiu-se elaborar vários acordos com os réus, para a recuperação dos danos ambientais (19 acordos, ao todo). Em razão desses acordos, 73% das áreas terrestres atingidas passaram a contar com um cronograma de atividades para a recuperação ambiental, a ser executado até o ano de 2020. Por fim, tem-se atualmente a quarta fase do cumprimento da sentença judicial, em que basicamente se busca a efetiva implementação daqueles cronogramas e, de modo mais amplo, dos projetos de recuperação ambiental. Pautando-se por uma atuação que privilegia o contato direto com as partes, com os técnicos e com as áreas objeto da recuperação ambiental, e pela construção de soluções consensuais, tenta-se objetivar o mais possível as medidas que devem ser adotadas para a solução da questão. Também nesse período foi construída uma página na internet para permitir o acompanhamento, pelo público, das medidas que foram e estão sendo adotadas, de modo a engajar toda a sociedade no projeto de recuperação da área. Vê-se, portanto, a complexidade que assumiu essa ação estrutural e as várias soluções inusitadas que foram exigidas para dar efetividade à decisão judicial primeira.

CAMINHOS E DESCAMINHOS DO CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS • Ada PellegriniGrínover

9.

OS CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO E SUA TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA: CARACTERÍSTICAS DE UM NOVO PROCESSO

Os conflitos de interesse público ou estratégicos são os que se destinam à implementação de direitos fundamentais coletivos, implicando colocar em debate a atuação de grandes instituições ou serviços públicos - como sistemas escolares, estabelecimentos carcerários, instituições e organismos destinados à saúde pública, acesso ao transporte, moradia, saneamento, mobilidade urbana. Derivam daí os litígios de interesse público, desenvolvidos a partir da década dos '50 do século passado no direito norte-americano. Amplamente conhecido é o emblemático caso "Brown vs. Board Education of Topeka", conduzido pela Corte Warren,, juntamente com outros precedentes que permitiram o desenvolvimento da doutrina. Mauro Cappelletti, foi o grande propulsor dessas ideias, em 197627. E entre nós, apontando as transformações apontadas por Chayes 28, manifestou-se Fábio Konder Comparato sobre as características da chamada public law litigation79 E assim foi se afirmando o reconhecimento da existência de uma importante categoria de litígios de direito público, que deve ser diferenciado não só da tutela processual destinada a solucionar conflitos privados, mas até da maioria da tutela coletiva, pois agora o diálogo que se estabelece no processo tem natureza institucional, envolvendo outros "poderes" estatais. A decisão não mais versa sobre fatos passados aos quais aplicar a lei, mas projeta-se para o futuro, numa dimensão prospectiva. A ordem do juiz não deve ser mais a de "pague", ou "faça", mas uma mera indicação dos passos a serem empreendidos para que se chegue ao resultado pretendido pela sentença. E esta sentença deve ser construída pelo diálogo entre as partes e, sobretudo, entre os poderes, abrindo-se o contraditório também mediante audiências 27. Cappelletti, Mauro, Vindicating the Public Interest Through the Courts: A Comparativisfs Contribution, 25 Buffalo L, Rev., 643,

1976

28. Chayes, Abram, The role of the judge in Public Law Litigation, Harvard Law Review, vol.89,1975-1976,

p. 1284. 29. Comparato, Fábio Konder, Novas funções judiciais no Estado Moderno, Doutrinas Essenciais de Direito Constitucional, São Paulo, RT, vol 4, maio de 2011,

p.720. Eis as características do novo processo, magistralmente

traçadas pelo mestre: "Observou-se, assim, que a sua estrutura diferia do processo tradicional em vários

Desse único exemplo de processo adequado para a solução de conflitos públicos, com seus vários desdobramentos, podem-se extrair algumas linhas para sua efetividade. É o que se passa a examinar. 444

pontos. Os autores não litigam por interesse próprio, mas agem sem mandato na defesa de interesses coletivos. O objetivo da demanda não é resolver um litígio composto de fatos já acontecidos, mas editar normas de conduta para guiar o comportamento do réu no futuro. O provimento judicial não é necessariamente imposto, mas com frequência negociado entre as partes. O juiz não decide questões de direito sobre a interpretação de normas jurídicas, mas soluciona problemas de natureza económica ou social, com o auxílio dos mais diferentes expertos, para criar normas gerais a partir dos fatos presentes e da evolução previsível."

445

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO .

í CAMINHOS E DESCAMINHOS DO CONTROLE JURISD1CIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS • Ada PellegríniGrinover

Por isso mesmo, seria oportuno regular, legislativamente, um novo processo destinado a disciplinar o controle jurisdicional de políticas púbicas, com as características supraindicadas, o que daria maior equilíbrio no embate entre os poderes, com o compromisso da busca de soluções consensuais, propiciando mais segurança ao juiz para chegar a decisões que não dirimam o conflito olhando para o passado, mas que se projetem para o futuro 34.

Um caso emblemático e um bom exemplo a ser seguido foi o "Beatriz Mendonça", que correu perante a Suprema Corte da Argentina, em que compareceram como demandantes grupos de indivíduos afetados, diversas associações ambientalistas e o Defensor do Povo. Demandados foram o Estado Nacional, a Província de Buenos Aires, a Cidade Autónoma de Buenos Aires e um grupo de 44 empresas que supostamente vertiam substâncias poluentes no rio 31. A Corte utilizou livremente seus poderes ordenatórios, flexibilizou o princípio preclusivo, pediu aos Estados a apresentação peremptória de um planejamento integrado e completo baseado no princípio da progressividade, para a obtenção de objetivos de forma gradual segundo um cronograma. Em julho de 2008 a sentença julgou definitivamente a questão, destacando que os efeitos da decisão se projetam para o futuro e fixando os critérios gerais para seu cumprimento, mas respeitando a maneira de cumpri-la, dentro da discricionariedade da administração. Na execução, previu a participação cidadã no controle do cumprimento do plano de saneamento e do programa fixado, encomendando ao Defensor do Povo a coordenação dessa participação, mediante a formação de um colegiado integrado pelas organizações não governamentais intervenientes na causa. A execução da sentença está ainda sendo cumprida de forma gradual e progressiva, observando o cronograma apresentado.

No Brasil, os tribunais, em geral, não têm tido o mesmo cuidado, e após a sentença condenatória, rígida e fixa, seu cumprimento tem sido muito difícil e frequentemente inexequível. Ressalva-se, entre muitas decisões equivocada, o caso do carvão de Criciúma, descrito no n. 8. O diálogo com a administração se mostra imprescindível.

Este novo processo, que demanda grande ativismo judicial e a ampliação dos poderes do juiz, bem como o chamado método dialogai, com o diálogo entre os Poderes, maior publicidade, participação e transparência, ainda não existe formalmente. Mas a jurisprudência de diversos países tem sabido criá-lo modificando os esquemas processuais clássicos 30

E não só a Alta Corte Argentina assim procedeu: na Colômbia, a Corte Constitucional, que se destacou pelo ativismo na proteção de direitos fundamentais coletivos, elaborou uma rica doutrina jurisprudencial que aplicou no problema carcerário32 e em relação ao direito à saúde33, cunhando um novo processo. Seguindo os mesmos princípios, diversos países hoje acolhem a possibilidade de controle jurisdicional de políticas públicas por intermédio do chamado processo de interesse público, como a. índia e a África do Sul. E não é por acaso que a necessidade de controle se faça mais necessário em países emergentes, onde Legislativo e Executivo são frequentemente omissos e os direitos fundamentais sociais menos respeitados.

públicas e a intervenção de terceiros como o amicus cúrias.. A cognição d juiz deve ser ampliada, servindo-se ele de assessorias especializadas e d próprias informações da administração para que, se não houver acordo juiz se dê conta dos efeitos de sua decisão e esta possa ser justa, equilibrad e exequível. O cumprimento da sentença, por sua vez, deve ser flexibilizado com a participação da administração mediante planejamentos aprovado" pelo juiz, que deve acompanhar a execução, podendo servir-se para tanto de um terceiro independente, pertencente a órgãos públicos ou privados, que se ocupe do cumprimento da sentença, sempre em comunicação estreita com o juiz e sob seu comando.

Mas o que fazer, de lege lata? E o que fazer, no caso concreto? Nada mais do que fez a Corte Suprema da Argentina. Não repetiremos, aqui, a descrição de Roberto Berizonce35, que coordena essa obra, sobre as características típicas que deve observar o processo de interesse público a ser utilizado para o controle jurisdicional de políticas públicas e que endossamos integralmente. E fazemos votos que o STF brasileiro, perante o qual foi levada a questão pela iniciativa do Instituto dos Advogados de São Paulo, no papel de amicus curiae, corn fundamento num parecer de minha autoria, indique o rumo certo a ser seguido pelos juizes brasileiros.

32.Sentença T-183, de 1998: apud Berizonce, op. cit., p. 20. 33. Sentença SU 760, de 1998: idem, ibid. Ver também: Balanta Medina M.P., El juez como protagonista de Ias políticas públicas, in 30 Congresso Colombiano de Derecho Procesal, Bogotá, ULC, 2009, pp. 462-464. 34. Projeto de Lei nesse sentido foi preparado pelo Cebepej - Centro Brasileiro de Pesquisas e Estudos

30. Cf. Arenhart, Sérgio Cruz, A tutela coletiva de interesses individuais, 2S ed. São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, pp. 374/387 31. Ver Berizonce, Roberto, Los conflitos de interes público, pp 3/32, disponível em www.direitoprocessi org.br

Judiciais, criado por Kazuo Watanabe e atualmente presidido por Ada Pellegrini Grínover, submetido a debates e apresentado ao Congresso Nacional pelo Deputado Paulo Teixeira (projeto de lei n. 8058/2014). 35. Berizonce, Roberto, Los conflictos de interes público cit., pp.10/13

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

10. CONCLUSÕES

É tempo de concluir. De tudo que se disse, decorre que: 1 - O controle jurisdicional de políticas públicas, exercido a posteriori e sempre mediante provocação, não fere o princípio da separação dos Poderes, apenas assegurando ao Judiciário o poder-dever de analisar a existência e a compatibilidade das políticas públicas criadas e implementadas pelo Legislativo e pelo Executivo, respectivamente, com a Constituição, bem como o respeito dos direitos fundamentais prestacionais que esta assegura;

ACESSO A JUSTIÇA: PROMESSA OU REALIDADE? UMA ANÁLISE DO LITÍGIO SOBRE CRECHE E PRÉESCOLA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

2 - Nesse papel de coprotagonista de políticas públicas, o Judiciário pode adentrar o mérito da atividade administrativa, sobretudo na hipótese de omissão, aferindo a finalidade, a motivação, os motivos e a observância da moralidade administrativa, num sentido amplo de legalidade que não se resume a vícios formais;

Susana Henriques da CostaJ

3 - Nesses casos, o ativismo do juiz é plenamente justificado, mas deve ser submetido a limites capazes de não levá-lo a substituir completamente, com sua atividade, a própria do exercício de outras funções;

Sumário: 1. Introdução: acesso à justiça como uma linha historicamente em expansão; 2.0 direito social à educação infantil: a litigância sobre vagas em creche

4 - Um desses limites está na observância do critério de razoabilidade, entendido como justo equilíbrio entre a asseguração de valores e fins e proibição do excesso; 5 - A tutela jurisdicional adequada aos chamados conflitos de direito público, envolvendo a atuação do Poder Judiciário no controle de políticas públicas, deve se servir de um novo processo, de natureza dialogai, com contraditório e cognição ampliada, servindo-se o magistrado da assessoria dos mais diversos expertos, e que acabe fixando aos demais Poderes ordens abertas e sucessivas, a serem cumpridas segundo planejamento a ser oferecido pela administração, aprovado pelo juiz e executado progressivamente, sob a fiscalização deste. São Paulo, julho de 2015

e pré-escola no Município de São Paulo; 3. A litigância individual; 4. A litigância coletiva; 5. Conclusões; Referências

i.

INTRODUÇÃO: ACESSO À JUSTIÇA COMO UMA LINHA HISTORICAMENTE EM EXPANSÃO

É difícil abordar o tema do acesso à justiça e não se remeter a uma narrativa histórica. Inserido no contexto mundial pós-guerra de expansão de direitos e remédios legais e judiciais, o movimento de acesso à justiça buscava ampliar os caminhos e as instituições (judiciais ou não), perante as quais um indivíduo poderia buscar justiça. O marco histórico desse movimento é o conhecido projeto Florença, financiado pela Fundação Ford, pelo Conselho Italiano de Pesquisa e pelo Ministério de Educação da Itália. O projeto, dirigido por CAPPELLETTI, resultou na edição de inúmeros volumes de pesquisa comparativa e consolidou uma visão mais ampla de acesso à justiça que a

1. Professora Doutora da Faculdade de Direito da USP e do programa GVIaw da FGV Direito SP. Mestre e Doutora em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP e Pós-doutora na University of Wisconsin - Madison Law School. Promotora de Justiça do Estado de São Paulo.

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r O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

anteriormente limitada ao simples ingresso no Poder Judiciário.2 Segundo concluiu CAPPELLETTI: "O problema do acesso apresenta-se, pois, sob dois aspectos principais: por um lado, como efetividade dos direitos sociais que não têm de ficar no plano das declarações meramente teóricas, senão, devem efetivamente, influir na situação econômico-social dos membros da sociedade, que exige um vasto aparato governamental de realização; mas, por outra parte, inclusive como busca de formas e métodos, amiúde, novos e alternativos, perante os tradicionais, pela racionalização e controle de tal aparato e, por conseguinte, para a proteção contra os abusos os quais o mesmo aparato pode ocasionar, direta ou indiretamente"1

O acesso à justiça tem, portanto, uma dimensão substancial de transformação social pela efetivação de direitos e tem também uma dimensão procedimental, relacionada à ampliação, racionalização e controle do aparato (instituições e procedimentos) governamental de realização dos direitos. Nos países centrais europeus e nos Estados Unidos, retratados no estudo de CAPPELLETTI, o movimento de acesso à justiça inseriu-se num contexto de expansão de direitos sociais já reconhecidos por cartas de direitos nacionais e internacionais. Tratava-se de um período em que se discutia o potencial do welfare state de realização do valor de igualdade material e direitos das minorias. No Brasil, o movimento de acesso, entendido como produção sistemática de estudos sociojurídicos, iniciou-se somente na década de 80.4 Ao contrário da vertente europeia e americana, inseriu-se num contexto de reconhecimento de direitos básicos à população, viabilizado pelo processo de abertura política e consequente surgimento dos movimentos sociais. Em especial, a década de 80 traz estudos legais sociológicos e dogmáticos sobre acesso à justiça dos interesses difusos e coletivos5 (interesses transindividuais ou interesses de grupos)

2.

GALANTER. Access to justice in a world of expanding social capability, p. 115-117,

ACESSO À JUSTIÇA: PROMESSA OU REALIDADE • Susana Henríques da Cosia

e sobre formas de absorção da litigiosidade individual contida, seja (i) pela análise dos sistemas alternativos/extraoficiais ou informais/oficiais (juizados de pequenas causas) de solução de conflitos, seja (ii) pelo estudos dos óbices financeiros, sociais ou culturais que impediam os indivíduos de reconhecerem e verem reconhecidos (e implementados) seus direitos básicos.6 Após a promulgação da Constituição de 1988, a temática do acesso à justiça avançou pela positivação dos direitos sociais e pelo reconhecimento de que a existência de um mecanismo inafastável, eficiente e justo de solução de controvérsias é um direito fundamental social (art. 5°, CF). Uma vez positivados na Constituição, os direitos fundamentais sociais se tornaram estrutura básica do Estado e da sociedade brasileira' e, com o passar do tempo, permitiram, em maior ou menor grau, demandar de um dever prestacional estatal. O texto constitucional, destarte, ampliou as potencialidades da litigância pela implementação de direitos, na medida em que disponibilizou todo um novo aparato institucional e normativo substancial e procedimental. Esse aparato, com o passar do tempo, foi tornando os direitos sociais cada vez mais exigíveis. Primeiro, houve a edição, na década de 90, de leis regulamentadoras e viabilizadoras da construção de políticas públicas sociais (p.ex. Lei n. 8080/90 - Lei do SUS, e Lei 9394/96 - Lei de Diretrizes Básicas da Educação). Essas leis, ainda, propiciaram a criação de planos nacionais, com o estabelecimento de metas a serem cumpridas e, portanto, metas aptas a serem exigidas. Paralelamente à construção das políticas públicas, as duas décadas que se seguiram a 1988 testemunharam a concretização da potencialidade do Poder Judiciário, também reformulado pelo texto constitucional, como protagonista na arena pública. SADEK enfatiza que "modelos institucionais e cartas de direitos fornecem parâmetros", "são indicadores que delineiam possibilidades".8

3. CAPPELLETTI, Acesso à justiça como programa de reforma e como método de pensamento, Processo, ideologia e sociedade. P. 385.

36-44; BARBOSA MOREIRA, Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos, P. 55-77; BARBOSA

brasileiros interessados em analisar esta questão? Ou seria decorrente da falta de interesse dos nossos

24.7.85, p. 113- 128; BASTOS, A tutela dos interesses difusos no direito constitucional brasileiro, p.

participação do Brasil no Florence Project teria sido resultado das dificuldades de contatar pesquisadores

p. 19-30; e GRINOVER Ações coletivas para a tutela do ambiente e dos consumidores: a Lei 7.347, de

de reflexão sistemática sobre o tema à época da pesquisa. Sobre o tema, especula JUNQUEIRA; "A não

interesses difusos, p. 25-44; GRINOVER, as garantias constitucionais do processo nas ações coletivas,

4. Interessante notar que o Brasii não consta do relatório do projeto Florença, o que indica a ausência

'interesses difusos', p. l- 19; NERY JR. A açâo civil pública, p. 224-232; WATANABE, Tutela jurisdicional

no cenário académico e político brasileiro a partir do final daquela década, quando (e aqui não coinci-

MOREIRA, A açõo popular do direito brasileiro como instrumento da tutela jurisdicional dos chamados

pesquisadores em relação ao tema na segunda metade dos anos 70, já que o assunto só introduzido

dos interesses difusos: a legitimação para agir, p. 197-206.

dentemente) se inicia o processo de abertura política? Infelizmente, não é possível responder a essas indagações. No entanto, chama atenção a ausência do Brasil no Florence Projectf enquanto outros

6. Com abordagem sociológica, v. OLIVEIRA, Polícia e classes populares, p. 85-94. Com abordagem dogcaracterísticas básicas do Juizado Especial de Pequenas Causas, p. 1-7.

as suas experiências no campo do acesso à justiça", Acesso à justiça: um olhar retrospectivo, p. 390.

mática, v. WATANABE, Assistência judiciária e o Juizado de Pequenas Causas, p. 161-167; e Filosofia e

países da América Latina (como Chiie, Colômbia, México e Uruguai) se fizeram representar, relatando

5. Com abordagem sociológica, v. FALCÃO, Justiça social e justiça legal: conflitos de propriedade no fíe-| cife, p. 79-101. Com abordagem mais tendente à dogmática, v. GRINOVER, A tutela jurisdicional c/osl

7.

CANOTILHO, Direito constitucional e teoria da Constituição, p. 379.

8. SADEK, Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política, p. 10.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

ACESSO À JUSTIÇA: PROMESSA OU REALIDADE • Susana Henriques da Costa

O Judiciário brasileiro, alçado em 1988 pelo novo desenho institucional à condição de Poder, estava apto se inserir no debate político. Além de ter sua área de atuação ampliada pela presença de novos direitos individuais e coletivos, teve suas portas abertas por garantias de gratuidade, inafastabilidade e devido processo legal. A "dimensão, a profundidade e o ritmo da efetivação dessas virtualidades", porém, dependiam "do empenho, da habilidade ou do grau de ativismo de seus integrantes e das reações encontradas por parte das demais instituições e atores".9

livre)14 e, quanto mais o conhecimento humano se aprimora, mais aumenta expectativa de melhores condições de vida e, consequentemente, mais se avança a linha móvel da sensação injustiça. GALANTER, ainda, aponta que outra dimensão da linha móvel da justiça é a incorporação não só de novos direitos, mas de outros grupos sociais minoritários, anteriormente situados à margem da agenda social.15

O alto grau de visibilidade que as cortes brasileiras atingiram nos últimos anos não deixa dúvidas de que a potencialidade criada pela Constituição de 1988 se tornou uma realidade.10 Em matéria de implementação de direitos sociais, partiu-se de uma postura reticente, tendente a entender as normas constitucionais como programáticas, e chegou-se a uma situação de acentuado ativismo, que leva a altos índices de justiciabilidade11 e intensa interferência, ainda que randômica e não planejada, em políticas públicas.12 Seja pela ampliação do debate na arena essencialmente política (Executivo e Legislativo), seja pela abertura da via adjudicatória (Judiciário), o fato é que as demandas por implementação de direitos se avolumaram e se tornaram cada vez mais complexas. Como aponta GALANTER, "justiça não é mais, se um dia chegou a ser, estável e determinada". Ao contrário, é uma linha "fluida, dinâmica e instável" (tradução livre).13 Dentro de uma sociedade com senso de justiça em expansão, - seja pela incorporação de novos direitos, seja por descobertas científicas de novas causalidades e responsabilidades, - cresce proporcionalmente, a sensação (linha) de injustiça. Nesse sentido, segundo o autor, "a busca por justiça é guiada pela produção de injustiça" (tradução

9. SADEK, Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política, p. 10. 10. "Com efeito, nos últimos anos, tem sido inegável a conversão do virtual, das potencialidades, em fatos de realidade. Muitas políticas públicas têm encontrado ressonância no Judiciário, quer na forma de contestação, quer na de exigência de realização, quer ainda no questionamento de sua execução. Dificilmente se encontrarão áreas de política pública em que não tenham sido notáveis os impactes provocados pela atuação do Judiciário", SADEK, Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política, p. 23. Sobre o tema, v., ainda, VIEIRA, Supremocracia, p. 441 e ss. 11. Nesse sentido, é importante pontuar que a justiciabilidade de um direito sociais não é categoria processual, mas sim requisito para o julgamento favorável do mérito da demanda. Trata-se, portanto, de conceito pertencente ao direito material (v. WATANABE, Controle jurisdicional de políticas públicas -

l

O entendimento das linhas da justiça e da injustiça como linhas móveis paralelas implica reconhecer que um aumento de justiça não leva necessariamente à diminuição da sensação injustiça. Essa relação não é inversa e, muitas vezes, em função da intensificação da sensação de injustiça, ocorre a ampliação "simbólica" de direitos, que precede a existência de condições institucionais de concretização e reivindicações.16 Olhando para o movimento de acesso à justiça brasileiro, é possível verificar uma pressão para o alargamento da linha da justiça, que partiu da luta pelo reconhecimento de direitos básicos, no momento de abertura política (década de 80). Quando da Constituinte, a sensação de injustiça levou, num primeiro momento, à positivação "simbólica" de direitos e criou potencialidades normativas e institucionais de reivindicações. Embora a realidade aponte para a concretização de algumas dessas potencialidades constitucionais, os índices de desigualdade social brasileira ainda nos posicionam longe da linha de justiça em expansão e nos inserem em uma sociedade bastante conflituosa, que luta pela implementação e priorização de direitos. Nesse contexto de expansão da linha da justiça e de busca pela concretização de promessas constitucionais, esse artigo pretende analisar a litigância judicial do direito social à educação infantil no município de São Paulo, pela lente da dúplice dimensão, substancial e processual, do movimento de acesso à justiça. A pergunta que se procura responder é: a litigância judicial envolvendo o direito à educação infantil no município de São Paulo (i) tem servido como mecanismo de transformação social pela efetivação de direitos (dimensão substancial) e/ou (ii) tem encontrado um Judiciário acessível ao ingresso de conflitos, com as técnicas processuais racionais e adequadas (dimensão procedimental)? O direito à educação infantil (creche e pré-escola) foi escolhido por preencher as características das bases teóricas já postas. Trata-se de direito social positivado pela Constituição Federal de 1988 como direito fundamental (art.

"mínimo existencial" e demais direitos fundamentais imediatamente judicializáveis, p. 216). 12. Para dados federais sobre judicialização da saúde, v. MINISTÉRIO DA SAÚDE, Panorama da Judidalização, disponível em http://u.saude.gov.br/images/pdf/2014/maio/29/Panorama-da-judicializa—o— 2012--modificado-em-junho-de-2013.pdf, acesso em 25/2/2015. 13. GALANTER, Access to justice in a world ofexpanding social capability, p. 124.

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14. GALANTER. /Access to justice in a world of expanding social capability, p. 125. 15. GALANTER. /Access to justice in a world of expanding social capability, p. 125-126. 16. GALANTER. Access to justice in a world ofexpanding social capability, p. 126.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

6°, CF) de atendimento prioritário (art. 208, IV e art. 227, CF). 17 Por se tratar de requisito viabilizador do emprego dos genitores, é também constitucional mente garantido como direito do trabalhador (art. 7°, XXV, CF), possuindo assim, dupla titularidade. O direito à educação está regulamentado por lei específica (Lei 9394/96 - Lei de Diretrizes Básicas da Educação) e está inserido no Plano Nacional de Educação do Governo Federal (Lei n. 13.005/2014) Junto com o direito à saúde, ainda, o direito à educação constitui a espécie de direitos sociais de maior índice de justiciabilidade no Judiciário. Trata-se portanto, de um direito em franco processo de expansão. O objeto desse artigo é restrito à análise do papel do Judiciário na litigância do direito à educação infantil e, por isso, não abarcará a mobilização social diretamente voltada à pressão dos demais Poderes do Estado para a concretização dos direitos sociais. Embora não se ignore que, muitas vezes, o Judiciário é utilizado como foro político de pressão do Executivo e do Legislativo, por recorte metodológico, essa dimensão não será o foco de análise. Por fim, foi escolhida a litigância sobre creche e pré-escola no município de São Paulo porque São Paulo é o maior município do país, conta com estrutura social complexa e, portanto, possui movimentos sociais organizados e articulados na defesa do direito à educação infantil. Diante da dimensão do município, ainda, há política pública intrincada e detalhada que é diuturnamente submetida a debate e questionamento judiciais.18 Finalmente, como se verá abaixo, a litigância judicial do direito a creche e pré-escola tem longo histórico e significativa proporção. Permite, assim, uma avaliação mais global das respostas que o sistema de justiça tem dado a essa específica demanda social. Trata-se de estudo empírico qualitativo, sem pretensões generalizantes, mas que, a partir da análise de caso específico, buscará trazer dados para o melhor conhecimento da realidade (law in action) e aprofundamento do debate. O estudo se funda em dados secundários e as fontes utilizadas foram: relatórios oficiais de pesquisa, estudos empírico-acadêmicos, reportagens da grande mídia, website da Prefeitura Municipal de São Paulo, documentos disponibilizados pelos

17.0 processo de expansão do direito à creche depende do julgamento do Agravo de Instrumento ns 761.908/SC, de Relataria do Min. Fux, que discute a autoaplicabilidade do art. 208, IV, da Constituição Federal. Para fins desse estudo, parte-se da premissa da autoaplicabilidade deste direito. 18. A despeito da política pública desenvolvida, São Paulo não tinha, até agosto de 2015, Plano Municipal de Educação. V. reportagem de título "Câmara aprova Plano Municipal de Educação de SP sem palavra género", disponível em: http://gl.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/08/camara-aprova-plano-rnunicipal-de-educacao-de-sp-sem-palavra-genero.html, acessada em 26.9.15.

ACESSO À JUSTIÇA: PROMESSA OU REALIDADE • Susana Henríques da Costa

apelantes nos autos da Apelação n° 0150735-64.2008.8.26.0002, da Comarca de São Paulo e acórdãos disponíveis no site do Tribunal de Justiça de São Paulo. 2.

O DIREITO SOCIAL À EDUCAÇÃO INFANTIL: A LITIGÂNCIA SOBRE VAGAS EM CRECHE E PRÉ-ESCOLA NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO

O Plano Nacional de Educação do Governo Federal (Lei n. 13.005/2014), regulamentando normas constitucionais (art. 7°, XXV e art. 208, IV, CF) que reconhecem prioridade absoluta à infância, estabeleceu como meta n. l o atendimento, até 2016, de todas as crianças com idade entre 4 a 5 anos em pré-escola e de 50% das crianças de O a 3 anos em creches. A cidade de São Paulo, de acordo com o Censo Demográfico IBGE 2010, possuía 710.927 crianças com idade entre O a 4 anos.19 Segundo o Censo Educacional (MEC/ INEP), São Paulo, em 2012, disponibilizava somente 259.095 vagas em pré-escola, número inferior ao percentual fixado pelo Plano Nacional de Metas.20 Dados do município de São Paulo, de setembro de 2014, indicavam a existência de 225.806 vagas em creches e 203.415 vagas em pré-escola. A lista de crianças esperando vagas contava com de 160.495 inscritos para creche e 12.082, para pré-escola.21 Ainda que se leve em conta que os dados são do final do ano e que, portanto, há uma demanda represada das vagas que serão liberadas pela entrada de um percentual considerável dessa população no ensino fundamental, o déficit é muito grande. A criação de vagas não tem ocorrido na proporção do crescimento populacional. Os números refletem uma situação permanente de violação do direito de milhares de crianças ao ensino e o direito de milhares de mães e pais à assistência ao trabalho. Mostram, ainda, como se verá abaixo, que grande parte dos afetados, por razão déficit informacional, educacional e/ou cultural, não reconhece sua situação de sujeito de direitos violados ou, se a reconhece, não busca o aparato administrativo ou judicial do Estado para sua concretização.22

19. Censo Demográfico 2010, disponível em: http://cídades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang= &codmun=35 5030&idtema=l&search=sao-paulo | sao-paulo | censo-demografico-2010:-sinopse-, acesso em 23.2.2015. 20. Censo Educacional 2012, disponível em: http://ddades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun= 355030&idtema=117&search=sao-paulo | sao-paulo | ensino-matriculas-docentes-e-rede-escolar-2012, acesso em 23.2.2015. 21. Dados da Secretaria Municipal da Educação, consultados no site: anónimo/demanda.aspx, em 26.9.°2015..

http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/

22. Sobre a pirâmide de disputas e as suas camadas (violação de direitos, percepção de violação, responsabilização de terceiro, pretensão e ação judicial, v. FELSTINER, ABEK e SARAT, The emergence and transformation of disputes: naming, blaming, claiming, p. 631 e ss.

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IF O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Há, porém, uma parcela da população que, informada sobre seus direitos, rompe as barreiras ao exercício da cidadania e busca tutela no sistema de justiça Nesse sentido, é possível identificar duas formas de encaminhamentos judiciais do conflito envolvendo o déficit de vagas em creche e pré-escola no município de São Paulo: a individual e a coletiva. Há a propositura de milhares de demandas buscando a garantia do direito individual dos seus autores à vaga em creche. A ilustrar a dimensão da litigância individual, somente a Defensoria Pública de São Paulo, - órgão criado em São Paulo em 2006, com atribuição constitucional de proteção dos economicamente hipossuficientes, foi procurada por cerca de 8.000 famílias que buscavam vagas em creche para seus filhos no ano de 2013.23 São cerca de 55 novos casos por dia. A Secretaria Municipal de Educação recebeu, em 2014, 14.040 ordens judiciais para matrícula de crianças em creches.24 Trata-se de litigância repetitiva de massa, um fenómeno crescente no Judiciário brasileiro, caracterizado por demandas fracionadas e atomizadas, representativas de parcela um macro conflito social. Paralelamente às demandas individuais, há a litigância coletiva, voltada à discussão, na arena judicial, da política pública municipal de educação infantil. A litigância coletiva sobre direito à educação infantil inicia-se em São Paulo ainda na década de 1990, com a propositura de ações civis públicas pelo Ministério Público.25 Esses primeiros anos de experiência revelaram um padrão decisório do Judiciário Paulista muito mais propício ao acolhimento de demandas individuais (p.ex. pedido de vaga em creche) ou mesmo de demandas coletivas voltadas à concessão de tutelas jurisdicionais clássicas (p. ex. vedação à cobrança de taxas ou proibição de extinção de classes). Nesses casos, o conflito pode ser equacionado pela moldura processual tradicional bilateral (Caio X Tício), com provimentos voltados a restaurar situações passadas. Em casos em que o Judiciário teve que enfrentar conflitos efetivamente plurilaterais, com pedidos de provimentos futuros, buscando a alteração da realidade social,

23. Dados informados pelo site Gl (Globo), em reportagem de título "Mais de 6 mil procuram Defensoria Pública para pedir vaga em creche" disponível em: http://gl.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/04/ mais-de-6-mil- procuram-defensoria-publica-para-pedir-vaga-em-creche.html 24. Dados informados pelo site R7 (Record), em reportagem de título "55 famílias procuram a Defensoria Público de SP por dia para conseguir uma vaga em creche" disponível em: http://noticias.r7.com/ educacao/55famiiias-procurarn-a-defensoria-publica-de-sp-por-dia-para-conseguir-uma-vaga-em-creche-26012015 25. MARINHO identificou 36 ações civis públicas propostas e transitadas em julgado pela Promotoria de Justiça de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos da Criança e do Adolescente da Capital, entre 1996 e 2005,15 delas com pedidos envolvendo direitos difusos, Justidabilidade dos Direitos Sociais: Análise de Julgados do Direito à Educação sob o Enfoque da Capacidade Institucional, pp. 59-67.

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ACESSO À JUSTIÇA: PROMESSA OU REALIDADE • Susana Henriques da Costa

constatou-se a presença de vários entraves jurídico-processuais, institucionais e culturais, que muitas vezes e, por muito tempo, culminaram com a extinção reiterada de processos, sob o argumento da impossibilidade jurídica do pedido por discricionariedade administrativa.26 Tendo em vista o padrão decisório identificado, é clara a mudança de estratégia pelo MP, que passa a propor ações civis públicas não mais voltadas à tutela de interesses difusos (pedidos de condenação a que o Município fosse obrigado a matricular todas as crianças inscritas em suas listas), mas sim à tutela de interesses individuais homogéneos fracionados e previamente identificados (matrícula de crianças constantes de rol anexado à inicial).27 Embora essa nova estratégia tenha recebido melhor acolhida do Judiciário, na medida em que mais próxima do modelo tradicional de resposta comutativa, sua eficácia era bastante limitada. Até o rito procedimental chegar à fase de cumprimento das decisões judiciais, muitas crianças listadas já haviam ultrapassado a idade da matrícula em creche e pré-escola. Em decorrência da constatação da ineficácia da nova estratégia, o MP buscou lidar com a questão pela assinatura de termos de ajustamento de condutas. Em 2005, em especial, foi assinado termo de ajustamento de conduta no qual o Município de comprometia a criar 15.000 novas vagas em creche por ano. Esse TAC vigeu até 2009, quando, por negativa da Prefeitura em discutir critérios de qualidade na educação, não foi renovado. Após decisões paradigmáticas prolatadas pelo Supremo Tribunal Federal em 2005, contudo, a postura do Judiciário Paulista começa a mudar e se tornar mais progressista.28 A instituição começa a se enxergar como arena

26. MARINHO, Justiciabilidade dos direitos sociais: análise de julgados do direito à educação sob o enfoque da capacidade institucional, p. 13. RIZZI, Ester e XIMENES, Salomão. Ações em defesa do direito à educação infantil em São Paulo: litigância estratégica para a promoção de políticas públicas, p. 119. 27. MARINHO, Justidabilidade dos direitos sociais: análise de julgados do direito à educação sob o enfoque da capacidade institucional, p. 59-67. 28. Em parecer, GOTTI e XIMENES, sustentam que: "O cenário jurisprudencial começa a se consolidar a partir de 2005, com as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) provocadas por Recursos Extraordinários do MP contra decisões do TJSP que negavam exigibilidade jurídica ao direito à educação infantil com base nos argumentos acima elencados. Tais decisões do STF extrapolam, por seu caráter paradigmático e simbólico, o tema específico da educação infantil, sendo hoje reconhecidas como importantes precedentes no tratamento judicial dos direitos económicos, sociais e culturais em geral. Além de reconhecer a exigibilidade jurídica imediata do direito à educação infantil, em tais decisões o STF declara expressamente que cabe ao Judiciário atuar subsidiariamente na garantia dos direitos fundamentais sociais, determinando que sejam assegurados sempre que comprovada a omissão dos demais poderes. Nessas decisões e nas que se seguiram reiteradamente, o STF define a educação infantil como "prerrogativa constitucional indisponível", cuja exigibilidade decorre do próprio texto constitucional e impõe ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola. Interpretou de forma bastante restritiva a chamada "cláusula

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

legítima para o debate da política pública educacional, em casos coletivos, adicionando, dessa forma, maior grau de justiciabilidade ao direito à educação, em convergência com a narrativa histórica de expansão de direitos acima descrita. Entretanto, no tocante às demandas envolvendo interesses difusos, ainda apresenta postura indefinida e dificuldade no tratamento de questões envolvendo justiça distributiva,29 tanto no tocante ao equacionamento do conflito (processo de conhecimento), quando no momento da efetivação da decisão judicial (cumprimento da sentença). Após rever vários estudos académicos sobre o tema, GOTTI e XIMENES, em parecer exarado nos autos da Apelação 0150735-64.2008.8.26.0002 da Comarca de São Paulo, sustentam a existência atual do seguinte padrão decisório nos Tribunais paulistas, a respeito da educação infantil:

não há posição pacífica quanto às ações judiciais coletivas e difusas, que veiculam interesses relacionados não a uma lista específica e limitada de crianças, mas à ma-

c)

as ações judiciais coletivas que requerem um número preciso de vagas (direitos individuais homogéneos) também são normalmente deferidas;

b)

os pedidos judiciais englobando direito individual à matrícula em instituições de educação infantil normalmente são deferidos, sendo que após 2006 o estudo constata que 100% dessas ações tiveram resultado favorável aos autores;

a)

de reserva do possível" amplamente alegada em ações contra o Poder Público-, reconhecendo como única possibilidade de adiamento da aplicação do direito à educação infantil a hipótese de comprovação objetiva, por parte do gestor público, de que todas as iniciativas ao seu alcance foram tomadas, com a aplicação do máximo de recursos disponíveis (Litígio estrutural - Déficit de vagas em creches e préescolas no Município de São Paulo - Multiplicidade de Ações Judiciais - Estratégia de exigibilidade alternativa, Opinião Legal extraída dos autos da Apelação n. 0150735-64.2008.8.26.0002, da Comarca de São Paulo). No referido parecer, foram citadas as seguintes decisões do STF: Agravos Regimentais em Recurso Extraordinário n. 410715-5/SP e n. 436.996, do Município de Santo André, relatado pelo Min. Celso de Mello, nos quais a Segunda Turma confirmou decisão monocrática desse ministro em favor do recurso do Ministério Público. Outros casos, com o mesmo posicionamento, alguns deles confirmando acórdãos do TJSP: RE 463.210- AgR/SP, Rei. Min. Carlos Velloso, Segunda Turma. Julgamento em 06/12/2005, DJ em 03/02/2006. RE 431.916-AgR/SP, Rei. Min. Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, Julgamento em 25/04/2006, DJ em 19/05/2006. RE 469.819 AgR/SP, Rei. Min. Cezar Peluso, Segunda Turma, Julgamento em 12/09/2006, DJ em 06/10/2006. RE 465.066 AgR/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, Julgamento em 13/12/2006, DJ em 16/02/2007. RE 384.201 AgR/SP, Rei. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, Julgamento em 26/04/2007, DJ em 03/08/2007. RE 595595 AgR / SC, Rei. Min. Eros Grau, Segunda Turma, Julgamento em 28/04/2009, DJ em 28/05/2009. RE592.937 AgR/ SC, Rei. Min. César Peluso, Segunda Turma, Julgamento em 12/05/2009, Publicação em 04/06/2009. Al 592.075 AgR/SP, Rei. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, Julgamento em 19/05/2009, DJ em 04/06/2009. RE 554.075 AgR/SC, Rei. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, Julgamento em 30/06/2009, DJ em 20/08/2009. 29. MARINHO, Justiciabilidade dos direitos sociais: análise de julgados do direito à educação sob o enfoque da capacidade institucional, p. 16-17.

ACESSO À JUSTIÇA: PROMESSA OU REALIDADE • Susana Henriques da Costa

trícula de todas as demandantes atuais em determinada região ou todas as potenciais e futuras demandantes;

as ações coletivas que buscam tutelas específicas em políticas públicas, requerendo plano de expansão e previsão de destinação orçamentaria, sofrem grande resistência no Judiciário, mesmo que o TJSP reconheça a possibilidade jurídica de tais pedidos.30

e)

as ações coletivas que veiculam pedidos relacionados à construção de unidades de educação ou ampliação física da rede são normalmente rejeitadas, sob o argumento de interferência na esfera de discricionariedade administrativa;

d)

O novo padrão decisório do Judiciário, além de influenciado por decisões do STF envolvendo direitos sociais, é impactado pelo surgimento de novos atores, em meados dos anos 2000. Nesse período, os movimentos sociais mais articulados e fortalecidos começam a ver no Judiciário uma arena a ser conquistado. A litigância estratégica coletiva começa a ganhar força, com destaque para a criação, pela ONG Ação Educativa, do Programa Ação na Justiça, cujo objetivo era desenvolver uma litigância estratégica voltada à "além da atuação judicial propriamente dita", promover "o aprofundamento e difusão" da justiciabilidade do direito à educação sob a perspectiva dos direitos humanos, "nos campos jurídico e educacional; a participação no debate público; a mobilização pela ampliação das garantias materiais e processuais relacionadas aos direitos sociais e a formação e mobilização de defensores populares do direito à educação. Em sua estratégia de litigância, procura fortalecer a articulação com redes de defesa e promoção de direitos humanos e educacionais".31 No final de 2007, o programa levou à criação do Movimento Creche Para Todos, integrado por entidades da sociedade civil e movimentos sociais comprometidos com a defesa da causa da educação infantil. Em 2012, ainda, surgiu o Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Educação Infantil (GTIEI), formado pela Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação; pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo; pelo Grupo de Atuação Especial de Educação (GEDUC) do Ministério Público do Estado de São Paulo; por Rubens Naves, Santos Jr. e Hesketh - Escritórios Associados de Advocacia; e pelo Grupo de Trabalho de Educação da Rede Nossa São Paulo. Com litigância estratégica complexa, o Movimento Creche Para Todos, articulado com o GTIEI, vem questionando judicialmente não só o déficit de vagas, mas a qualidade do

30. GOTTI e XIMENES, Litígio estrutural - Déficit de vagas em creches e pré-escolas no Município de São Paulo-Multiplicidade de Ações Judiciais-Estratégia de exigibilidade alternativa, Opinião legal extraída dos autos da Apelação n. 0150735-64.2008.8.26.0002, da Comarca de São Paulo. 31. RI2ZI e XIMENES, Ações em defesa do direito à educação infantil em São Paulo: litigância estratégica para a promoção de políticas públicas, p. 105.

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ACESSO À JUSTIÇA: PROMESSA OU REALIDADE • Susana Henríques da Costa

ensino público e o nível de investimento do municipal em educação infantil Trata-se de exemplo concreto de expansão da linha da justiça pela inclusão de novas dimensões do direito e de novos grupos sociais à litigância coletiva (GALANTER).32 Dentro da estratégia, há destaque para a propositura de várias ações civis públicas e a assinatura de termos de ajustamento de condutas, buscando implementação de direitos e a impetração de alguns mandados de segurança, objetivando acesso e transparência nos dados públicos.33

não transitou em julgado, pois houve interposição de recursos especiais e extraordinários,36 pendentes de julgamento. Há, porém, execução provisória em andamento, uma vez que o efeito suspensivo aos recursos pleiteado pela Municipalidade, foi negado.37

Um dos ápices dessa litigância foi o julgamento, em 2013, da Apelação n° 0150735- 64.2008.8.26.0002, da Comarca de São Paulo, oriunda de demanda proposta pela Ação Educativa Assessoria Pesquisa e Informação, pelo Instituto de Cidadania Padre Josimo Tavares, pela Casa dos Meninos, pelo Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo e pela Associação Internacional à Humanidade Jardim Emílio Carlos e Irene, todos integrantes do Movimento Creche para Todos, em face do Município de São Paulo. O processamento do recurso - que também contou com a participação próxima do GTIEI e, assim, dos órgãos do sistema de justiça responsáveis pela tutela do direito à educação infantil (Ministério Público e da Defensoria Pública estaduais) - levou à realização da primeira audiência pública da história do Tribunal de Justiça34 e, após tentativa de conciliação infrutífera, culminou com a condenação do réu, entre os anos de 2014 e 2016, a: (i) criar, no mínimo, 150.000 (cento e cinquenta mil) novas vagas em creches e em pré-escolas para crianças de zero a cinco anos de idade; (ii) incluir na proposta orçamentaria a ampliação da rede de ensino atinente à educação infantil de acordo com a ampliação determinada, (iii) apresentar plano de ampliação de vagas e de construção de unidades de educação infantil, de forma a atender toda a demanda oficialmente cadastrada, de acordo com o Plano Nacional de Educação. A decisão, paradigmática, determinou a vinculação do Município ao cumprimento do seu próprio plano de metas e teve repercussão social relevante.35 O acórdão

32. GALANTER. Access to justice in a worid of expanding social capability, p. 125-126.

Uma característica importante da decisão do TJ/SP é ter rompido com o padrão decisório anteriormente mencionado e, para além da fixação numérica de vagas a serem criadas, fixou a obrigação de o município apresentar plano de expansão de vagas, dentro de critérios de qualidade, estabelecidos pelo Conselho Nacional de Educação e pelo Conselho Municipal de Educação. Foi designada, ainda, a Coordenadoria de Infância e Juventude, órgão interno do Tribunal de Justiça, para acompanhar o cumprimento provisório da sentença. Para assessorar a Coordenadoria, foi criado um Comité de Monitoramento da execução, composto por parcela das instituições envolvidas com a causa.38 O Comité se reúne periodicamente para o acompanhamento da execução. A Prefeitura, por sua vez, tem se reunido com o Comité e a Coordenadoria e apresentando relatórios de implementação do plano de expansão de vagas em educação infantil. Há notícias, nos autos das Medidas Cautelares Incidentais n° 0150735-64.2008.8.26.0002/50000, do Tribunal de Justiça de São Paulo, de que o referido plano está sendo cumprido. O relato de parcial cumprimento da condenação, porém, ainda não se refletiu nos dados oficiais. O site da Prefeitura Municipal de São Paulo publica dados até setembro de 2014, que, conforme demonstra o gráfico abaixo, indicam que toda a intervenção judicial relatada não foi capaz de alterar a situação de déficit de vagas, principalmente em creche, no município de São -em-educacao-infantil, acesso em 12.4.2015; reportagem de título "TJ manda Prefeitura de SP criar 150 mil vogas em educação infantil até 2016", disponível em http://educacao.estadao.com.br/ notidas/geral,tj-manda-prefeitura-de-sp-criar-150-mil-vagas-em-educacao- infantil-ate-2016,1109277, acesso em 12.4.2015; e reportagem de título "Prefeitura de SP é condenada a abrir 150 mil vagas na educação infantil", disponível em http://educacao.uol.com.br/noticias/2013/12/16/prefeitura- de-sp-e-condenada-a-abrir-150-mil-vagas-na-educacao-infantil.htm, acessadas em 23.2.2015.

33.RIZZI e XIMENES, Ações em defesa do direito à educação infantil em São Paulo: litigância estratégica para a promoção de políticas públicas, p. 116.

36.0 recurso especial foi sobrestado para aguardar o julgamento do Al 761.908/SC, que como visto na nota 17, teve repercussão geral reconhecida e irá decidir sobre a autoaplicabilidade do art. 208, IV, CF.

34. Informação disponível no site oficial do Tribunal de Justiça de São Paulo, em reportagem de título "TJSP inicia audiência pública sobre vogas na educação infantil da Capital", disponível em http:// www.tjsp.jus.br/lnstitucional/CanaisComunicacao/Noticias/Noticia.aspx?ld=19610, acessado em 23.2.2015.

37. Inicialmente, houve a concessão de efeito suspensivo a um dos recursos, mas essa decisão foi revista em 15.9.2015 (Medidas Cautelares Incidentais n? 0150735-64.2008.8.26.0002/50000 e na 001864521.2010.8.26.0003/50001, Rei. Dês. Eros Piceli).

35. Reportagem de título "Justiça condena Prefeitura de São Paulo a criar 150.000 vagas de educação infantil", disponível em http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/justica-condena-preitura-de-sao-paulo-a-criar-150000- vagas-em-creches, acesso em 12.4.2015; reportagem de título "Prefeitura de SP deverá oferecer 150 mil vagas em educação infantil", disponível em http://jornalggn.com. br/blog/centro-de-referencias-em-educacao- integral/prefeitura-de-sp-devera-oferecer-150-mil-vagas-

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38. Compõem o Comité de Monitoramento da execução: Ação Educativa; Associação Comunidade Ativa Vila Clara; Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo; Defensoria Pública do Estado de São Paulo; Fórum Municipal de Educação Infantil; Fórum Paulista de Educação Infantil; Grupo de Atuação Especial de Educação do MPSP (GEDUC); Grupo de Trabalho de Educação da Rede Nossa São Paulo; Hesketh Advogados, Instituto de Cidadania Padre Josimo Tavares; NEGRI - Núcleo de Estudos de género, raça e idade; Rubens Naves Santos Júnior - Advogados.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Déficit de Vagas em Creche e Pré-escola no Município de São Paulo

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l Pré-escola

Tabela 1: Secretaria Municipal de Educação39 *

Em 2011, houve um reagrupamento dos dados e parcela da demanda de pré-escola foi deslocada para creche

Diante do cenário acima descrito, passa-se à análise da litigância individual e coletiva sobre educação infantil em São Paulo, respectivamente, para buscar responder às perguntas propostas. 3.

A LITIGÂNCIA INDIVIDUAL

Sob a perspectiva procedimental, o acesso individual à justiça das crianças (e genitores) que não tiveram vagas em creches e pré-escolas fornecidas pelo município é bastante restrito. Partindo do número oficial da Secretaria Municipal de Educação, de que havia mais de 160 mil crianças na fila de espera para vaga em creche em setembro de 2014, o montante de 14.040 determinações judiciais de inclusão recebidos pelo município representa cerca de 7,73% dessa litigância. A maior parte das crianças (e genitores) prejudicadas pela omissão do município se perde dentro da pirâmide da litigância, pois não conhece seus direitos ou os responsáveis por sua violação, não conhece instituições hábeis a fazê-los valer judicialmente e, por esse motivo, não chega às vias judiciais. Embora o direito, em tese (law in the 39. Dados da Secretaria Municipal da Educação, consultados no site: http://portalsme.prefeitura.sp.gov.br/ anónimo/demanda.aspx, em 26.9.2015.

L

ACESSO À JUSTIÇA: PROMESSA OU REALIDADE • Susana Henriques da Costa

books), garanta a possibilidade de acesso individual ao Judiciário como um direito fundamental de todos (art. 5°, inciso XXXV, CF), óbices informacionais, jurídicos e sociais (law in action) impedem o significativo tratamento do macro lide de déficit de vagas em creches e pré-escolas sob a perspectiva individual e atomizada. O tratamento individualizado pelo Judiciário, porém, tem como característica maior efetividade na concretização do direito social do autor. O padrão de litigância do Judiciário acima descrito aponta para o acolhimento do pedido dos autores (processo de conhecimento) em praticamente todos os casos e para o cumprimento das decisões pelo Poder Público (enforcement), embora não necessariamente imediato, em função da necessidade de aguardar o surgimento de uma vaga40. De fato, o Judiciário está acostumado com o enquadramento jurídico retrospectivo e com a moldura bilateral "credor-devedor" utilizados nas demandas individuais. Sob o ponto de vista do autor que consegue chegar ao topo da pirâmide da litigância (acesso à justiça procedimental), portanto, a judicialização da educação é bem eficiente e implementadora de (acesso à) justiça substancial. Por esse ângulo, a judicialização da educação pode ser vista como um importante mecanismo garantidor de direitos às classes populares e um passo à frente na expansão da linha da justiça. A despeito de garantir o direito subjetivo do autor, porém, a estrutura da litigância processual individual traz efeitos perversos ao macro conflito. As múltiplas decisões concessivas de direitos sociais interferem no planejamento e execução da política pública em curso, na medida em que obrigam a sua adaptação e revisão para o cumprimento das ordens judiciais. As demandas individuais são reducionistas por essência41 e não permitem a discussão da política pública como um todo, mas somente da particular situação do autor. Isso significa a prolação de decisões distantes da realidade do Poder Público, que não levam em conta a necessidade de universalização do direito social à creche e pré-escola. Logo, as demandas individuais têm apresentado pequeno potencial transformador da realidade social macro (acesso à justiça substancial).

40. Ainda que a efetivação do direito à creche não seja imediata, o direito judicialmente reconhecido tem maior índice de efetividade que as decisões coletivas. Nesse sentido, o então Secretário Municipal de Educação, afirmou na audiência pública realizada nos autos da Apelação ns 0150735- 64.2008.8.26.0002 que, em 2013, 12.073 crianças haviam conseguido vagas em creche em São Paulo, por via de decisões judiciais. Reportagem de título "Em SP, 12 mil conseguiram vaga em creche por ordem judicial em 2013", disponível em http://educacao.uol.corn.br/noticias/20l3/08/29/em-sp-12-mil-vagas-em-creches-foram-preenchidas-por-ordem-judicial.htm, acessada em 26.9.15. 41. SALLES, Duas faces da proteção judicial dos direitos sociais no Brasil, p. 790.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

ACESSO À JUSTIÇA: PROMESSA OU REALIDADE • Susana Henriques da Costa

Ao permitir que aqueles que ajuizaram demandas tenham suas vagas garantidas, ainda, as demandas individuais institucionalizaram a prática do chamado "fura fila", consistente na alteração da ordem da lista oficial. Elas não têm sido capazes, porém, de criar pressão ou desconforto suficiente no Poder Executivo para a modificação da política pública educacional e pela redução do déficit de vagas (vide dados acima). Há mera mudança de posição na lista em favor de indivíduos que, se por um lado devem ter seus direitos garantidos, por outro lado, estão na mesma condição jurídica e, às vezes, em melhores condições sociais, que aqueles que são deixados para trás.42

chama de reforma estrutural, ou seja, um tipo de adjudicação distinto, caracterizado pelo embate com a burocracia estatal e pela assunção da premissa de que valores constitucionais não podem ser assegurados sem que sejam realizadas mudanças básicas nos arranjos institucionais e nas organizações sociais.44

Em última análise, diante do desenho institucional e da dinâmica de funcionamento do Judiciário brasileiro, chega-se a uma situação paradoxal trágica: o tratamento judicial individualizado da litigância sobre educação infantil é restrito a parcela ínfima do conflito (acesso à justiça procedimental), porém, é qualificadamente eficiente na garantia de direitos. Sob a perspectiva do acesso à justiça substancial, porém, não tem potencial de resolução do macro lide e acentua as desigualdades, uma vez que garante o direito à creche e pré-escola somente àquele que consegue ultrapassar as barreiras do acesso à justiça procedimental. Logo, para fazer cumprir os mandamentos constitucionais de igualdade de alguns (direitos sociais), o Poder Judiciário, no tratamento individualizados de demandas, acaba se transformando em gerador de desigualdades sociais.43

4.

A LITIGÂNCIA COLETIVA

A litigância coletiva tem potencial para superar os problemas identificados na litigância individual. Primeiro, o processo coletivo possibilita o ingresso de todo conflito social perante o Judiciário. Ele traz a complexidade e as contradições sociais para equacionamento, ele permite a análise de toda política pública subjudice e suas limitações estruturais e orçamentarias e, destarte, permite uma decisão mais completa, rente à realidade, com maior legitimidade política. Por esses motivos, em tese, o processo coletivo é o único que viabiliza o que FISS

Os processos coletivos, ainda, teoricamente permitem um maior equilíbrio de forças entre os litigantes, pois transformam o processo em um embate entre litigantes habituais, que GALANTER denomina de repeat players. Os repeat players são tipos ideais criados pelo autor que, por já terem participado do jogo da litigância, anteveem-na e, a partir daí, traçam estratégias de atuação pela avaliação dos riscos. GALANTER enumera as seguintes vantagens dos repeat players na litigância: (i) o repeat player tem conhecimento prévio acumulado e, portanto, é capaz planejar seus movimentos e transações futuros; (ii) os repeat players têm acesso à especialistas, ao mesmo tempo em que diminuem seus custos porque trabalham em economia de escala; (iii) como trabalham em escala, os repeat players podem adotar o que o autor chama de estratégia minimax (eles podem maximizar ganhos a longo prazo, ainda que isto implique perda total em alguns casos); (iv) os repeat players, por sua proximidade com as instituições, têm maior facilidade em desenvolver mecanismos informais facilitadores de obtenção de vantagens por funcionários oficiais; (v) o repeat player têm uma reputação de "combatente" a manter, a partir da qual têm em seu favor reconhecido o respeito como negociador; (vi) os repeat players podem, por fim, disputar as regras da litigância, pois, ao contrário dos litigantes ocasionais (one-shooter), - que buscam resultados pessoais tangíveis em cada demanda, - os repeat players geralmente têm por objetivo a formação de uma jurisprudência favorável, que o beneficie em casos futuros. É possível para eles adotar estratégias como acordar casos com pequena chance de êxito t insistir em demandas mais faticamente favoráveis ao reconhecimento do fundamento jurídico que quer ver reconhecido pelo sistema de justiça.45 A litigância coletiva no caso creche é um caso evidente de embate entre repeat players, ou seja, luta entre entes de igual envergadura (Golias X Golias). Não há dúvida de que o réu Poder Público municipal tem todas as características descritas por GALANTER. Ele encontra-se há anos na litigância sobre

42. Segundo o ex-Secretário Municipal de Educação, a Prefeitura adota cotas sociais para a composição da lista. A cada dez matrículas, duas são de crianças que pertencem a famílias consideradas de "extrema pobreza", assim entendidas aquelas que, com base no Cadastro Único do governo federal, têm renda familiar per capita de até R$ 70,00, dado constante de reportagem de título "Sentençasjudidais exigindo creches aumentam 365%", do site O Estadão, disponível em http://educacao.estadao.com.br/noticias/ gerai,sentencas-judiciais-exigindo-creches- aumentam-365,1560747, acesso em 12.4.2015. 43. Sob a perspectiva de gestão processual, ainda, a existência de milhares de demandas tratando do mesmo tema é ineficiente e contraproducente e representa desperdício recursos humanos e material.

464

44. FISS, As formas de justiço, p. 27. 45. Os litigantes ocasionais (one-shooters) não têm essas vantagens. Não são estruturados e suas demandas são geralmente únicas. Exatamente por isso, tem dificuldade em traçar estratégias, na medida em que seu espaço para negociação é diminuto. Buscam resultados concretos e não se preocupam com a formação de jurisprudência, GALANTER, Why the "haves" come out ahead: speculations on the limits of legal change, p. 4- 6.

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direitos sociais, com evidente conhecimento acumulado. Possui departamento específico para a defesa de mandados de segurança e ações coletivas ajuizadas em face do município,46 podendo trabalhar em escala. Em função da existência de juízos especializados para o julgamento de processos contra o Poder Público (Varas da Fazenda Pública), os procuradores municipais têm relação próxima e natural de convivência com a burocracia judicial. É um combatente respeitado, até mesmo porque é a encarnação da noção de interesse público e, sem dúvida, busca formação de jurisprudência favorável. De fato, até meados da década de 2000, o Poder Público tirou proveito das vantagens que sua condição de repeat player lhe forneceu e teve êxito em manter um padrão decisório conservador e desfavorável à justiciabilidade coletiva do direito à educação infantil. Como visto acima, a tendência era a extinção de demandas coletivas, sem julgamento do mérito, por atentado à discricionariedade administrativa. Era utilizada técnica processual de filtragem de demandas (a condições da ação impossibilidade jurídica do pedido) para impedir a apreciação (acesso à justiça procedimental) do conflito social pelo Judiciário. O Ministério Público que, como se verá abaixo, também é um repeat player, não conseguiu, até a década de 90, a despeito das várias estratégias empregadas, alterar a postura restritiva à judicialização coletiva do Judiciário Paulista. A partir de 2005, o MP Paulista, porém, consegue importantes vitórias no órgão de vértice da estrutura judiciária brasileira (STF), o que exerce uma verticalizada e significativa influência no então vigente padrão decisório judiciário paulista. Paralelamente a isso, aparecem novos repeat players na litigância coletiva. O Programa Ação na Justiça da ONG Ação educativa é lançado em 2004; Defensoria Pública Paulista é instituída em 2006; em 2007, há a criação do Movimento Creche para Todos e; em 2012, é formado o Grupo de Trabalho Interinstitucional sobre Educação Infantil (GTIEI). Há um movimento de articulação e fortalecimento dos entes processualmente legitimados, segundo a Lei de Ação Civil Pública (Lei n° 7347/85), para a litigância coletiva dos direitos sociais relacionados à educação infantil. Individualmente, cada um desses legitimados é um repeat player. O Ministério Público tem a expertise da extensa litigância coletiva anterior. A Defensoria Pública rapidamente se torna responsável pelo ajuizamento de

46.JUD 3, segundo site oficial da Prefeitura, inserida dentro da estrutura da Procuradoria do Município, http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/negociosjuridicos/procuradoria_geral/index. php?p=348, acesso em 27.2.2015.

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milhares de demandas individuais buscando vagas em creche e pré-escola, o que lhe dá um contato privilegiado com conflito. As associações civis, por fim, por derivarem dos movimentos sociais envolvidos com a militância política em prol do direito à educação, talvez sejam os entes mais experientes para a construção de soluções viáveis e rentes à realidade. Além de experiência acumulada, esses repeat players possuem em seus quadros pessoas com formação académica especializada em direito à educação e judicialização de políticas, o que permite diagnósticos precisos e criação de inúmeras e diversificadas estratégias inovadoras de atuação judicial, todas voltadas a conseguir ganhos jurisprudenciais pela alteração de padrão decisório.47 Vários dos entes mencionados possuem, ainda, proximidade com a justiça, o que acaba por neutralizar vantagens do repeat player passivo. A união de repeat players legitimados à defesa judicial coletiva teve o condão de equilibrar o jogo e pressionar o Judiciário Paulista a, em alguns casos, modificar do padrão decisório até então adotado, conseguindo algum avanço no reconhecimento judicial do direito à educação infantil. De fato, ainda que paulatinamente, a porta de acesso do Judiciário começa a se abrir para a litigância coletiva do direito à educação (acesso à justiça procedimental). Uma vez ingresso o conflito, porém, evidencia-se uma extrema dificuldade do Judiciário Paulista em lidar com questões de justiça distributiva (conflitos plurilaterais) em um modelo processual tradicional, liberal e individualista, desenhado para resolver questões de justiça comutativa. As decisões judiciais em processos coletivos ainda seguem a lógica adjudicatória e os juizes encontram dificuldades em adotar uma postura menos imperativa e mais mediadora de conflitos sociais. Como consequência, há a prolação de decisões simbolicamente importantes, porém com pouco potencial de alteração da realidade social.48 No caso paulistano, embora seja identificado uma sensível alteração do padrão de decisão do Poder Judiciário, que começou a, em alguns casos, apreciar demandas coletivas voltadas à discussão da política pública da educação infantil, essa intervenção judicial não tem sido

47. V. GOTTI e XIMENES, Litígio estrutural - Déficit de vagas em creches e pré-escolas no Município de São Paulo - Multiplicidade de Ações Judiciais - Estratégia de exigibilidade alternativa. Opinião Legal extraída dos autos da Apelação 0150735-64.2008.8.26.0002, da Comarca de São Paulo) (2007 a 2012). 48. A cidade de Santo André, em relação a qual foi prolatada a paradigmática decisão do STF (410715-5/ SP) em 2006 que permitia o controle judicial da política pública da educação infantil e que foi determinante para a alteração do padrão de litigância coletiva do Judiciário, ainda em 2013, sofria com a falta de vagas em creche, v. reportagem de título "Santo André irá criar 3.190 vagas em creche", Diário do Grande ABC, disponível em http://www.dgabc.com.br/Noticia/460415/sto-andre-ira-criar-3-190-vagas-na-educacao-infantil, acesso em 12.4.2015.

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ACESSO A JUSTIÇA: PROMESSA OU REALIDADE • Susana Henriques da Costa

capaz, até agora, de alterar o estado de coisas e a situação de déficit de vagas em creche no município permanece, como visto acima. A litigância coletiva até agora realizada não gerou o incremento do acesso à justiça substancial pela absorção integral da coletividade beneficiada pelo direito à creche e pré-escola no município.

A análise do caso creche e pré-escola, ainda em andamento e em processo de expansão, permite-nos concluir que, no tocante ao direito à educação infantil no município de São Paulo, o amplo acesso à justiça, em ambas as suas acepções, é, por enquanto, mais uma promessa (potencial) que uma realidade.49

É verdade, porém, que a litigância estratégica coletiva dos direitos sociais ainda tem história recente no Judiciário brasileiro e, por isso, apresenta espaço de ampliação e aprimoramento. Nesse sentido, a decisão prolatada na Apelação n° 0150735- 64.2008.8.26.0002 parece representar outra importante clivagem no padrão de julgamento do Tribunal de Justiça de São Paulo. Houve a busca pelo incremento da legitimidade política e da qualidade da decisão, via a ampliação do espaço de debate pela realização da paradigmática audiência pública que, de fato, permitiu a participação da sociedade. Houve, ainda, sensível alteração da postura dos julgadores diante do conflito, seja pela realização de tentativa séria de conciliação dos interesses em jogo, seja pelo teor da decisão, claramente preocupada com a manutenção do espaço necessário de discricionariedade administrativa do Poder Público (pela apresentação de planos e cronogramas próprios de execução das metas traçadas) e, principalmente, preocupada em estabelecer reais condições de eficácia (executoriedade) do provimento jurisdicional prolatado (pela criação de Comité heterogéneo de acompanhamento da execução). Embora não traduzida ainda nos números oficiais, há notícia, ainda de que a Municipalidade estaria cumprindo o plano de expansão inicialmente estabelecido na execução provisória. O desenrolar dessa litigância estratégica, que ainda depende do reconhecimento da autoaplicabilidade do direito à creche (art, 208, IV, CF) e da confirmação da decisão prolatada na Apelação n° 0150735- 64.2008.8.26.0002 pelos Tribunais de vértice do nosso Judiciário, pode trazer elementos importantes para reflexão sobre os reais potencialidade de a arena judicial funcionar como transformadora da realidade social brasileira e garantir efetivo acesso à justiça.

Sob a dimensão processual, o acesso individual ao Judiciário é pequeno, se comparado ao tamanho do macro conflito. A maior parte dos lesados pela falta de vagas se perde durante a ascensão na pirâmide da litigância e não chega a propor suas demandas. É certo que, uma vez ajuizada a demanda individual, o Judiciário Paulista tem oferecido técnica processual adequada ao indivíduo, na medida em que, reconhecido o direito à creche e pré-escola, suas ordens de inclusão de crianças têm, como regra, sido cumpridas pelo Município, ainda que não imediatamente. Essas decisões individuais, porém, por serem randômicas, atomizadas e não racionalizadas ou planejadas, não têrn impactado na diminuição do déficit de vagas em creche no município e, portanto, não tem sido fator de transformação social pela efetivação do direito à educação infantil (dimensão substancial). O acesso coletivo. por sua, vez, ainda encontra resistência pelo Judiciário Paulista. Embora seja possível identificar uma tendência judicial ampliativa do conhecimento de pretensões coletivas envolvendo a políticas públicas educacionais, o Judiciário Paulista muitas vezes resiste, pela adoção de argumentos "escudos" como o da discricionariedade administrativa, à apreciação de pedidos voltados à tutela, especialmente, de interesses essencialmente difusos. Nos casos em que as pretensões transindividuais ingressam no Judiciário, muitas vezes encontram técnicas processuais inadequadas, obsoletas e essencialmente adjudicatórias, bem como um Judiciário não preparado para o equacionamento de demandas de natureza distributiva. Logo, sob a dimensão processual (ingresso, adequação e racionalidade). a litigância processual coletiva sobre educação infantil ainda não encontra um Judiciário plenamente acessível. É digna de nota, porém, a experiência ainda em andamento da Apelação n. 0150735-64.2008.8.26.0002, que sinaliza um processo de amadurecimento do

5. CONCLUSÕES

Este artigo buscou responder à seguinte pergunta: a litigância judicial envolvendo o direito à educação infantil no município de São Paulo (i) tem servido como mecanismo de transformação social pela efetivação de direitos (dimensão substancial) e/ou (ii) tem encontrado um Judiciário acessível ao ingresso de conflitos, com as técnicas processuais racionais e adequadas (dimensão procedimental)? 468

49. Segundo GALANTER, os sistemas de justiça "das democracias modernas são desenhados de tal forma que, se todos que tenham uma demanda legítima a invocassem, o sistema entraria em colapso. A viabilidade desses sistemas depende, assim: (a) da eficácia dos "efeitos gerais", ou seja, do controle exercido sobre comunicação e informação mais que do efetivo enforcement; (b) da disponibilidade de procuradores informais para a ação legal, e, finalmente; (c) da apatia, da ignorância e das barreiras financeiras e culturais que inibem a assertiva pela busca de direitos. Esses sistemas são inerentemente totêmicos ou simbólicos - regras existem para serem celebradas e adoradas, não para serem aplicadas em todas as instâncias que elas presumidamente cobrem", Access to justice in a world ofexpanding social capability, p. 119 (tradução livre).

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Este artigo se limitou a analisar impacto da litigância sobre direito à educação infantil, como mecanismo de transformação social pela via direta. ou seja, pela efetivação de direitos pelo exercício da jurisdição. Não pretendeu, dessa forma, medir efeitos indiretos e multidimensionais da litigância sobre direito à creche e à pré-escola. Esses efeitos, porém, são empiricamente sensíveis e podem ser constatados, p. ex., pelo incremento da propositura de demandas individuais e coletivas voltadas à concretização do direito à educação infantil; e pela ampliação da articulação dos atores (institucionais e sociais) envolvidos com a causa. São efeitos relevantes e não devem ser descartados dentro de uma avaliação mais global sobre os impactos potencialmente transformadores da judicialização dos direitos sociais.

Judiciário Paulista para lidar com demandas voltadas à discussão de políticas públicas, seja pela ampliação democrática do debate, seja pela adoção de postura mais mediadora.

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Sob a dimensão substancial, a litigância coletiva também não tem sido apta a propiciar a transformação social pela efetivação do direito à educarãr. Como visto acima, o número de crianças que busca vaga em creche em São Paulo ainda é enorme. O sistema de justiça, no caso analisado, permanece na procura por caminhos de articulação e aprimoramento para a concretização da promessa de acesso à justiça e efetivação desse específico direito social.5°47 A constatação de que a litigância sobre direito à creche e pré-escola em São Paulo não apresentou resultados substanciais, até agora, na efetivação do direito universal à educação infantil, contudo, não significa dizer que ela não tenha gerado outros impactos sociais relevantes. Não há como negar que as decisões judiciais (individuais e coletivas) representam um avanço na linha de acesso à justiça, no sentido do reconhecimento da exigibilidade do direito à educação infantil. Esse avanço tem efeito simbólico importantíssimo. O crescente reconhecimento judicial do direito à educação como um direito individual e coletivamente justiciável e, portanto, exigível em face do Estado, traz impactos jurídicos e sociais que vão além da resolução dos conflitos trazidos à apreciação judicial. GALANTER enfatiza que: "a relação entre as Cortes (arenas oficiais) e os conflitos é multidimensional. A resolução decisiva, enquanto importante, não é a única (nem, eu entendo, a principal) ligação entre Cortes e conflitos. Conflitos podem ser prevenidos pelas decisões das Cortes (p. ex. por permitir ao litigante se planejar para evitar um conflito ou para juridicamente desarmar um potencial litigante contrário). Ainda, as Cortes podem aumentar e mobilizar conflitos, como ocorre quando suas decisões declaram a existência de direitos e legitimam o aumento de expectativas sobre a chances de êxito da propositura de uma demanda, ou quando as mudanças de interpretações de regras sobre legitimidade de agir sugerem uma nova possibilidade de ajuizar uma demanda com sucesso. Além disso, Cortes podem deslocar os conflitos para arenas alternativas e legitimar essas arenas com poder decisório. Por fim, as Cortes podem transformar os conflitos, na medida em que questões decididas são objeto de interpretações que ampliam, restringem ou transformam os enquadramentos inicialmente trazidos pelas partes. Em suma, Cortes não somente resolvem conflitos, elas os previnem, mobilizam, deslocam e transformam" (tradução livre).51

50. Sobre o acesso como promessa e forma de manutenção de estruturas de dominação, v. LAURIS, Acesso para quem precisa, justiça para quem luta, direito para quem conhece Dinâmicas de colonialidade e narrafalternaitivas do acesso à justiça no Brasil e em Portugal, p. 101-104. 51. GALANTER, The Radiating effects ofCourts, p. 123.

A constatação de que os impactos das decisões judiciais são mais complexos e transbordam a mera análise da potencialidade do Judiciário de resolver conflitos de forma definitiva, ainda, deve ser considerada na discussão e futuras pesquisas voltadas ao estudo dos limites da arena judicial como espaço de discussão de interesses públicos predominantes. REFERÊNCIAS BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Tutela jurisdicional dos interesses coletivos ou difusos. Revista de Processo, São Paulo, ano 10, n. 39, p. 55-77, jul./set. 1985. . A ação popular do direito brasileiro como instrumento da tutela jurisdicional dos chamados 'interesses difusos'. Revista de Processo, São Paulo, ano 7, n. 28, p. 7-19, out./dez. 1982. BASTOS, Celso. A tutela dos interesses difusos no direito constitucional brasileiro. Revista de Processo, São Paulo, ano 6, n. 23, p. 36-44, jul./set. 1981. BRASIL, Advocacia Geral da União, Intervenção Judicial na Saúde: panorama no âmbito da Justiça Federal e apontamentos da seara da Justiça Estadual, Brasília, 2013 (Consultoria Jurídica), disponível em: http://u.saúde.gov.br/images/pdf/2014/maio/29/Panorama-da- judicializa—o—2012—modificado-em-junho-de-2013.pdf, acesso em 25/2/2015. BRASIL, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo Demográfico 2010, Brasília, 2011 (Relatório de Pesquisa). BRASIL, Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP, Censo Educacional 2012, Brasília, 2013. CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 78 ed., Coimbra: Portugal, 2005. CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sérgio António Fabris Editor, 1988. . Acesso à justiça como programa de reforma e como método de pensamento, Processo, ideologia e sociedade, v. l, Porto Alegre: Sérgio António Fabris Editor, 2008, 379-397.

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PROCESSOS ESTRUTURAIS NO DIREITO BRASILEIRO: REFLEXÕES A PARTIR DO CASO DA ACP DO CARVÃO Sérgio Cruz Arenhart1

Sumário: 1. POLÍTICAS PÚBLICAS E INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE SEU CONTROL;2. UM PROCEDIMENTO ADEQUADO AO DEBATEJUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS; 3. O ORDENAMENTO BRASILEIRO E OS PROCESSOS ESTRUTURAIS. O CASO PECULIAR DA AÇÃO DO CARVÃO; 4. ALGUNS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS HARMÓNICOS COM A INTERVENÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS. EXPERIÊNCIAS TOMADAS DA ACP DO CARVÃO; 5. CONCLUSÃO

POLÍTICAS PÚBLICAS E INSTRUMENTOS PROCESSUAIS DE SEU CONTROLE

O controle jurisdicional de políticas públicas, ainda que se possa, academicamente, questionar sob diversas óticas, é um fato inquestionável. Diversas decisões incidem sobre esse tema, o que impõe ao direito processual preocupar-se sobre o assunto e oferecer instrumentos adequados para o tratamento desse tipo de tema. E, nessa preocupação, é fácil perceber que, na prática atual, o controle jurisdicional de políticas públicas é tratado com pueril irresponsabilidade. Irresponsabilidade não porque os juizes que atuam nesses processos ajam de modo incorreto, mas porque os instrumentos processuais empregados para 1. Mestre e Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós-doutor em Direito pela Università degli Studi di Firenze. Professor dos Programas de Graduação e Pós-graduação da UFPR. Procurador Regional da República.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

PROCESSOS ESTRUTURAIS NO DIREITO BRASILEIRO -Sérgio CruzArenhart

esse controle são manifestamente inadequados. De fato, tanto demandas individuais, quanto o processo coletivo brasileiro atual, mostram-se flagrantemente insuficientes para dar vazão às necessidades de uma discussão jurisdicional minimamente satisfatória de políticas públicas.2

As ações coletivas, por outro lado, também não representam resposta muito melhor. Isso porque, substancialmente, a tutela coletiva brasileira, grosso modo, pode ser resumida em um processo "individual", no qual o autor da demanda se legitima à proteção de interesses de terceiros ou de toda coletividade. Em verdade, a tutela coletiva nacional não é, a rigor, uma técnica que permite à coletividade expressar sua vontade ou seus interesses. Ao contrário, o que ela faz é autorizar alguns entes a, dizendo-se porta-voz de uma coletividade, defender os interesses desta. Essa proteção, porém, faz-se exatamente do mesmo modo como se realiza a proteção de interesses individuais. Os instrumentos processuais são os mesmos, as técnicas são as mesmas e mesmo o procedimento desenhado é, substancialmente, o mesmo que é empregado para a tutela de interesses individuais em sentido estrito. E, mais grave, mesmo a dita "representação" feita pelo legitimado para a tutela coletiva é mais aparente do que real. Com efeito, um agente do Ministério Público, por exemplo, pelo simples fato de sê-lo, está inquestionavelmente legitimado à tutela de qualquer interesse difuso ou coletivo3 e, em consequência, passa a ter a prerrogativa de dizer - sem sequer ser obrigado a consultar qualquer membro da comunidade

Os processos individuais, certamente, por sua própria finalidade, não se afeiçoam a esse debate. O recorte que promovem no conflito - que passa a ser traduzido apenas na pretensão deduzida pelo autor em face do réu - faz com que toda discussão de política pública se converta em simples debate entre um "direito subjetivo" de determinado indivíduo frente ao Estado. Tome-se o exemplo das ações de medicamentos - frequentes no âmbito jurisdicional atual - nas quais algum sujeito específico pretende, com base no direito fundamental à saúde, a concessão de certo fármaco, normalmente de custo elevado ou de comercialização ainda não aprovada pelos órgãos públicos que regulam o setor. Demandas individuais como essas, como por um passe de mágica, convertem um problema que é extremamente grave em uma discussão singela: o direito fundamental à saúde pode ou não impor a prestação de determinado tratamento específico a indivíduo determinado? Ou, em outros termos, reduz o problema a um conflito entre o direito fundamental à vida e à saúde (daquele que busca o medicamento como forma para sobreviver) versus o interesse patrimonial do Estado (que se nega a custear o remédio para o autor). Sob esse ângulo, a discussão parece muito simples e sua solução, evidente. Porém, o que na realidade esse processo individual faz é ocultar o verdadeiro conflito: a política pública de saúde nacional. Realmente, esse tipo de demanda obscurece o fato de que, aquilo que está em jogo nessa causa, é a discussão sobre como devem ser distribuídos os recursos reservados à saúde no país. E, pior, ao condicionar a distribuição desses recursos a partir do ajuizamento das ações individuais, faz com que eles sejam alocados segundo: a) a maior compreensão do emprego do Judiciário na tutela dos próprios interesses; b) a anterioridade do exercício do direito de ação; c) o mais alto nível cultural, económico e social do requerente (que, ultima ratio, é aquele que mais facilmente preenche os dois primeiros requisitos). Ou seja, ao fim e ao cabo, as ações individuais privilegiam aqueles que, normalmente, estão em condições "menos desfavoráveis" e, portanto, que não serão aqueles que mais necessitam da proteção da política pública. 2. Embora evidente essa inadequação, é fácil perceber que muitas ações individuais lidam cotidianamente com políticas públicas, como denuncia Ada Pellegrini Grinover ("O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário". Revisto do curso de direito da faculdade de humanidades e direito, v. 7, n. 7, 2010, p 29/35).

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3. No ordenamento brasileiro, tornou-se comum o discurso que vê nos direitos difusos e coletivos novas formas de relações jurídicas, caracterizadas por sua transindividualidade e por sua indivisibif idade. Nesse sentido, afirma-se que o processo coletivo é uma nova modalidade de processo, desenhada exatamente para atender a esses interesses, que não poderiam ser protegidos no modelo tradicional de processo. Todavia, essa ótica possui um grave defeito, muitas vezes não percebido: a grande maioria dos direitos hoje chamados de difusos e coletivos sempre foi protegida no direito brasileiro, embora eles fossem antes atribuídos a pessoas determinadas. Pense-se, por exemplo, no património público ou no meio ambiente. Pode-se mesmo dizer que esses são "novos direitos" que não eram tutelados anteriormente? Parece certo que não! Recorde-se, apenas por curiosidade, que até mesmo as Ordenações do Reino tratavam da proteção ambiental, estabelecendo por exemplo como crime de "injúria ao rei" o corte de árvores frutíferas (Ordenações Afonsinas, Livro V, Título LIX) ou vedando o lançamento de produtos que pudessem matar peixes nos rios e lagoas (Ordenações Filipinas, Livro V, Título LXXXVIII). A alusão à "injúria ao rei", antes mencionada, é interessante porque remete à técnica tradicional de proteção desses interesses (hoje qualificados como metaindividuais) naquela época: atribuirsua titularidade ao Estado ou a quem o represente. Assim também ocorreu no Brasil mais recente, em que tradicionalmente direitos como o meio ambiente (florestas, rios etc.) ou o património público (aí incluído o património artístico e cultural) eram atribuídos ao Poder Público, como se fossem bens seus. Em todo caso, vê-se que tais direitos eram tutelados anteriormente, ainda que sob a lógica individual. Portanto, o reconhecimento do caráter "metaindividual e indivisível" desses direitos, na realidade, não implica a caracterização de um verdadeiro "novo direito", mas apenas 3 ruptura do paradigma individualista no tratamento de interesses que já eram reconhecidos há muito tempo. E essa ruptura se dá exatamente na medida em que, no tratamento judicial desses interesses, há de prevalecer não a vontade de um imaginado titular, mas o interesse social e coletivo. O magistrado, ao lidar com litígios que envolvem esses direitos- e, de modo mais amplo, todos os sujeitos envolvidos nesses processos- precisa buscar o interesse social em sua substância, que muitas vezes se apresentará no conflito entre valores públicos diferentes. Assim, por exemplo, não é raro que contra a tutela do meio ambiente se oponha o interesse ao desenvolvimento regional ou ao livre trabalho. De todo modo, a tónica da tutela coletiva está na percepção da necessidade de se adotar outra posição (de todos os atores responsáveis por lidar com esses interesses) na tutela

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ou da coletividade como um todo, ou mesmo sem nem mesmo dar a oportunidade a esses grupos ou à sociedade de manifestar-se previamente - aquilo que a sociedade precisa, deseja ou exige.4 Paradoxalmente, portanto, o processo coletivo aliena exatamente o grupo que é protegido, na medida em que não permite sua participação direta, mas apenas autoriza a presença, no processo, dos entes legitimados para a tutela desses grupos. E faz tudo isso segundo a mesma lógica da tutela individual ou seja, segundo um processo bipolarizado,5 onde necessariamente se vêem posições antagónicas em que uma deve prevalecer sobre a outra. A lógica individualista do processo coletivo é tão forte que muitas vezes sequer se percebe a submissão desse tipo de processo à mesma principiologia dos processos individuais. Nessa toada, considera-se que os processos coletivos são regidos pelo princípio da demanda, no sentido de que o Estado-jurisdição está limitado àquilo que é pedido pelo autor, não podendo julgar para além ou fora do pedido. Ora, isso supõe que o titular da ação é também o titular do direito e que, por poder dispor deste, pode formular um pedido que não necessariamente é aquele que melhor atende às exigências do direito material. Ocorre que, em um meio no qual o interesse pertence à coletividade ou a um grupo que é tão-somente "representado" pelo autor da ação coletiva, fica evidente o disparate dessa conclusão. Como é possível que alguém que não é o titular do direito possa dispor do direito alheio no processo, sem qualquer consequência? Não obstante a obviedade dessa indagação, parece que ela é irrelevante na lógica do processo coletivo brasileiro, que trabalha tranquilamente com essa possibilidade. De modo idêntico, trabalha-se no processo coletivo amplamente com o princípio dispositivo. Assim, vê-se como normal o exercício da "prerrogativa" de não recorrer de certa sentença desfavorável à comunidade, ou daquela de não produzir determinada prova, ou ainda do pleito de cumprimento da sentença de procedência. Tem-se como absolutamente regular que a má atuação

de tais interesses. Não há nesse campo, propriamente, a necessidade de se pensar em "novos direitos aqui; o que é fundamental é pensar em uma nova postura dos sujeitos do processo. 4. No mesmo sentido é a crítica de Martin Redish (Wholesale justice - constitucional democracy and the problem ofthe class action lawsuit. Stanford University Press: Stanford, 2009, passim.

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do autor da ação coletiva, na condução do processo, implique prejuízo à tutela da coletividade ou do grupo "substituído", quase como se fosse cabível aqui um raciocínio semelhante ao da "culpa in eligendo". Afinal, que importa se o autor da ação coletiva não apresentou, por deficiência sua, algum argumento relevante à proteção do interesse coletivo? Ou que não tenha recorrido de uma sentença de improcedência, que poderia eventualmente ser revertida em outra instância? Nesses exemplos, tem-se nítida a percepção de que a tutela coletiva, no Brasil, é submetida à mesma lógica do processo individual. Se o autor se desincumbe mal da condução do processo, deve-se-lhe imputar o prejuízo correspondente. Ocorre, porém, que aqui se está diante de valores coletivos, que interessam à toda coletividade ou a um grupo significativo de pessoas e que, em regra, possui natureza indisponível. Como é possível tratar esses interesses sob a mesma ratio aplicada a direitos individuais disponíveis, para os quais o processo civil clássico foi moldado? Conclui-se, portanto, que o processo coletivo brasileiro, embora adaptado para atender a algumas modalidades de interesses metaindividuais, ainda está longe de servir de palco adequado à tutela de interesses sociais. Porque mantém suas raízes no mesmo ideário do processo individual, carrega consigo os mesmos defeitos daquele e, portanto, não é capaz de servir de cenário para o debate de políticas públicas. Por outras palavras, porque o processo coletivo brasileiro mantém-se arraigado à mesma racionalidade do processo individual, à sua dinâmica bipolar, à adstrição da sentença ao pedido, à disponibilidade do processo e a todas as consequências dessa lógica, os mesmos defeitos que se vê em um processo individual podem também ser vistos no processo coletivo.

2.

UM PROCEDIMENTO ADEQUADO AO DEBATE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Um procedimento que se destine à discussão de políticas públicas exige, como é óbvio, amplitude muito maior do que a lógica bipolar dos processos comumente utilizados no Brasil. Exige a possibilidade de participação da sociedade, bem como a ampliação da latitude de cognição judicial, de modo a permitir que o Judiciário tome contato com todo o problema, sob suas várias perspectivas.

5. O termo bipolar designa processos que se desenvolvem sob a base de duas teses contrapostas (do autor e do réu), de modo que a solução deva pender necessariamente para uma ou outra (v., CHAVE Abram. "The role of the judge in public law litigation". Harvard law review. Vol. 89, n. 7, mai-1976,

Para tanto, esse procedimento exige a satisfação de dois requisitos (dispensáveis.

1.281-1.282).

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De um lado, a redefinição da noção de contraditório. O contraditório visto como direito de efetivamente influir no convencimento do juiz,6 aqui, não pode limitar-se a partes de um conflito abstraio. Exige a participação de toda coletividade, na medida em que a política pública também se destina a toda ela Logicamente, porém, essa ampla participação de todos os sujeitos individuais que compõem o grupo ou a sociedade como um todo é inviável, o que impõe o emprego de técnicas de representação adequada dos vários interesses em jogo e dos vários segmentos que possam utilmente contribuir para a construção da decisão judicial.7 Ainda assim, porém, trata-se de uma visão muito mais ampla do que o tradicional dualismo que impregna o processo individual e o processo coletivo tal como praticado hoje em dia.

Para a consecução desse objetivo, instrumentos como as audiências públicas e o amicus curiae são fundamentais. Audiências que permitam a participação ampla da comunidade envolvida, embora não disciplinadas expressamente nem no CPC, nem na legislação básica a respeito do processo coletivo, são indispensáveis. Do mesmo modo, é fundamental que o processo seja capaz de absorver a experiência técnica de especialistas no tema objeto da demanda, em que possam contribuir tanto no dimensionamento adequado do problema a ser examinado, como em alternativas à solução da controvérsia.

Impõe-se, por isso, pensar em um processo diferenciado, normalmente tratado sob o nome de processo estrutural.8 Nesses processos, objetiva-se decisões que almejam a alteração substancial, para o futuro, de determinada prática ou instituição. As questões típicas de litígios estruturais envolvem valores amplos da sociedade, no sentido não apenas de que há vários interesses concorrentes em jogo, mas também de que a esfera jurídica de vários terceiros podem ser afetados pela decisão judicial.9

6. Sobre essa noção de contraditório, como direito de influência, v. entre tantos outros, TROCKER, Niccoio. Processo civile e costituzione. Milano: Giuffrè, 1974, p. 367 e ss.; CABRAL, António do Passo. "Contraditório". Dicionário de princípios jurídicos. Org. Ricardo Lobo Torres, Eduardo Takemi Kataoka e Flavio Galdino. Elsevier, 2011, p. 193ess.;ZANETI JR., Hermes. Processo constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2007, p. 190 e ss. 7. TROCKER, Niccoio. Ob. cit., p. 436-437. 8. Sobre o tema v., CHAVES, Abram. "The role of the judge in public law litigation". Harvard law review. Vol. 89, n. 7, mai-1976, poss/m; FISS, Owen. "The forms of justice". Harvard law review. nov.-79, vol. 93, n. l, poss/m; Id.. The civil rights injunction. Indiana University Press, 1978, passim; RENDLEMAN, Doug. Comp/ex litigation: injunctions, structural remedies, and contempt. Nova Iorque: Thompson Reuters Foundation Press, 2010, p. 498 e ss.; LORENZETTI, Ricardo Luis. Justicia colectiva. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores, 2010, esp. p. 182 e ss. No direito brasileiro, v. ARENHART, Sérgio Cruz. "Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro". Revista de processo. São Paulo: RT, nov.-2013, n. 225, poss/m; Id., A tutela coletiva de interesses individuais. 28 ed., São Paulo: RT, 2014, p. 371 e ss.; JOBIM, Marco Félix. Medidas estruturantes - Da Suprema Corte Estadunidense ao Supremo Tribunal Federai. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, passim; VIOLIN, Jordão. Protagonismo judiciário e processo coletivo estrutural. Salvador: JusPodium, 2013, passim. A técnica também é chamada, na doutrina norte-americana, de prophylactic injunction (THOMAS, Tracy A. "The continued vitality of prophylactic relief". The review of litigation. Out-2007, Vol. 27, n. l, p. 113) ou de institutional remedies (FLETCHER, William A. "The discretionary constitution: institutional remedies and judicial legitímacy'. The Yale law Journal. Yale, mar-82, vol. 91, n. 4, p. 635; EISENBERG, Theodore. YEAZELL, Stephen C. "The ordinary and the extraordinary in institutional litigation". Harvard law review. Jan-80, Vol. 93, n, 3, p. 465). 9. DOBBS, Dan B. Law of remedies. 2^ ed., St. Paul: West Group, 1993, p. 641. V. tb., FLETCHER, William A. Ob. cit., p. 638-639. Este último autor, aliás, refere-se aos litígios policêntricos para designar os conflitos

Com esses instrumentos, enfim, vence-se a visão dicotômica do processo tradicional, permitindo que a relação processual se desenvolva de maneira plúrima, multifacetária e não necessariamente na base do antagonismo entre poios. O processo comum, de cunho individual, trabalha sempre com a lógica de que há duas visões sobre o problema, que são necessariamente antagónicas: um quer cobrar, mas o outro não quer pagar; um quer a propriedade de bem que é contestada por outro etc. No ambiente das políticas públicas, porém, a visão deve ser diferente. De um lado, porque os processos envolverão, sem dúvidas, várias visões e vários interesses diferentes, que não poderão ser agrupados apenas em dois blocos distintos. Por outro lado, porque essas visões não necessariamente são opostas e incompatíveis, podendo em certas situações convergir a um denominador comum. É nesse sentido que se exige uma outra dimensão e um novo conteúdo para o contraditório. O direito de influir, aqui, deve poder ser exercido pelos vários núcleos de interesses que podem incidir sobre o objeto da controvérsia, seja diretamente pelos interessados (quando possível), seja por meio de "representantes adequados" de tais interesses, seja ainda pelos especialistas que possam contribuir com o aporte de uma visão mais adequada e correta do problema e de eventuais soluções possíveis. Além da necessidade de uma revisão conceituai da noção de contraditório, os processos estruturais também impõem um procedimento diferenciado, que ' não se amolda aos parâmetros tradicionais do processo individual. Elementos como a adstrição da decisão ao pedido, a limitação do debate aos contornos da causa de pedir, a dimensão da prova, a amplitude do direito

típicos das medidas estruturais. Segundo ele, "polycentricity is the property of a complex problem with a number of subsidiary problem 'centers', each of which is related to the others, such that the solution to each depends on the solution to ali the others" (ob. cit., p. 645). O termo vem da obra The Logic of Liberty, de Michael Polanyi (Oxon: Routledge, 1951) e é também empregado por Fuller, para designer os litígios aqui estudados (ob. cit., p. 394-395).

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ao recurso e os limites da coisa julgada exigem reformulação completa, quando se pensa em processos estruturais.10 Ainda que, neste estudo, não se pretenda examinar esses aspectos procedimentais, um exemplo pode aclarar a impossibilidade de recorrer ao rito tradicional nesse tipo de processo. Imagine-se o princípio da demanda. Segundo sua essência - e a consequente ideia da adstrição - o juiz está limitado ao pedido formulado pela parte. Assim, cabe à parte autora determinar exatamente aquilo que pretende em juízo, devendo o juiz observar esses limites em sua atuação. Ora, é fácil perceber que a discussão judicial de políticas públicas implica conflitos cujas condições são altamente mutáveis e fluidas. As necessidades de proteção em um determinado momento, muito frequentemente, serão distintas daquelas existentes em outra ocasião. Isso impõe uma dificuldade imensa para o autor da demanda em determinar, no início do litígio, exatamente aquilo que será necessário para atender adequadamente ao direito protegido. Por isso, neste campo, exige-se que esse princípio tenha sua incidência atenuada, permitindo que o juiz possa, em certas situações, diante das evidências no caso concreto da insuficiência ou da inadequação da "tutela" pretendida pelo autor na petição inicial, extrapolar os limites do pedido inicial.11 Em linhas gerais, portanto, é fácil concluir que um processo apto a lidar com políticas públicas não pode pautar-se pelo regime clássico do processo civil brasileiro. Exige inúmeras soluções diversas, além de uma mentalidade totalmente distinta daquela que governa o direito processual tradicional. 3.

O ORDENAMENTO BRASILEIRO E OS PROCESSOS ESTRUTURAIS. O CASO PECULIAR DA AÇÃO DO CARVÃO

Viu-se que o processo brasileiro não comporta, sob seus princípios e seu procedimento tradicionais, os requisitos necessários para uma adequada discussão de políticas públicas. Não obstante isso, nota-se também que o Judiciário brasileiro tem cotidianamente sido chamado a intervir em políticas públicas, às vezes com resultados muito interessantes. De fato, ainda que muitos critiquem essa atuação do Poder Judiciário, sob argumentos que vão desde a ideia da "Separação dos Poderes" 10. ARENHART, Sérgio Cruz. Ob. loc. cits. 11.Obviamente, essa possibilidade depende das particulares circunstâncias do caso concreto, e sempre com a devida observância do contraditório, na perspectiva antes delineada.

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até a discussão da legitimidade dos magistrados para atuar nesse campo, é inegável que a judicialização de políticas públicas é fato presente no foro brasileiro. A questão, portanto, deixa de centrar-se na discussão sobre a possibilidade dessa intervenção, passando a importar mais ò debate a respeito do modo e do ambiente em que esse tipo de conflito deve ser levado à análise judicial. E o que se vê é que, embora sem a previsão específica de um rito diferenciado, ou sem a percepção da lógica diversa imposta por esse tipo de demanda, vários processos judiciais comportam-se segundo esses novos critérios e, com isso, aproximam-se daquilo que se espera para tal modalidade de atuação jurisdicional. Um primeiro exemplo que pode ser considerado como um protótipo de processo estrutural são as decisões que, ao outorgarem certo medicamento a um doente necessitado, fixam, fora das quadras do pedido do autor, condições e limites para o fornecimento desse produto. Não obstante essas decisões representem clara situação de sentença condicional - nulas, portanto, na ótica do processo clássico - e extrapolem obviamente o pedido da parte autora, é evidente que a necessidade dessa comprovação ulterior da necessidade do medicamento é não apenas razoável, mas até mesmo desejável. Seria, de fato, absurdo supor que a parte que hoje precisa de um medicamento possa recebê-lo indefinidamente, mesmo depois de se tornar desnecessário. Identicamente, seria absurdo supor que competiria à parte ré a demonstração da desnecessidade do fármaco, para que se pudesse fazer cessar o fornecimento. Por isso, embora extrapolando os limites do pedido, e ainda que a situação enseje uma sentença evidentemente condicional, ninguém poderia reprovar essa forma de tutela. Na proteção do meio ambiente, também o Judiciário tem-se mostrado sensível às particularidades das situações examinadas, admitindo certa adaptação dos princípios do processo clássico. Muitas decisões em ação coletiva ambiental têm imposto a obrigação de sujeitar qualquer modificação na área afetáda à prévia manifestação (ou orientação) do órgão ambiental competente, ou ainda a de condicionar a prática de certos atos com repercussão ambiental à prévia autorização do órgão de fiscalização ambiental. Talvez um dos casos mais interessantes nesse campo de proteção ambiental seja o tratamento dado à questão da mineração do carvão na área de Criciúma/ SC.12 Em 1993, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública (autos

12. A propósito desta ação, ver a página eletrônica https://www.jfsc.jus.br/acpdocarvao/, criada durante a execução da sentença de procedência, para dar maior publicidade e conseguir a maior participação social no gerenciamento do problema da mineração de carvão naquela localidade'

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n. 93.8000533-4) junto à Justiça Federal de Criciúma, pretendendo impor às rés (mineradoras e a União, perfazendo um total de 24 réus) a realização e a concretização de um projeto de recuperação ambiental da região degradada pela mineração.

objeto de agravo regimental, que também foi desprovido.14 Não conhecidos os embargos declaratórios opostos contra esse acórdão, transitou em julgado a decisão de procedência parcial da ação civil pública em setembro de 2014.

Em janeiro de 2000, foi proferida sentença, pelo então Juiz Federal Paulo Afonso Brum Vaz (hoje, Desembargador Federal no Tribunal Regional Federal da 4a Região), em que se impôs aos réus (mineradoras, seus sócios-gerentes mandatários ou representantes, sucessores, União e Estado de Santa Catarina) oferecer, em seis meses (contados da intimação da sentença) um projeto de recuperação da região, contemplando, pelo menos, "todos os itens assinalados no PROVIDA-SC, com cronograma mensal de etapas a serem executadas, e executar dito projeto no prazo de 3 (três) anos, contemplando as áreas de depósitos de rejeitos, áreas mineradas a céu aberto e minas abandonadas, bem como o desassoreamento, fixação de barrancas, descontaminação e retificação dos cursos dagua, além de outras obras que visem amenizar os danos sofridos principalmente pela população dos municípios-sede da extração e do beneficiamento". Em apoio à ordem, foi cominada multa coercitiva e imposta medida de sub-rogação, consistente na contratação, às expensas dos condenados, de terceiro para a elaboração e execução do mencionado projeto. Por fim, a sentença ainda impôs às mineradoras que adequassem sua conduta às normas de proteção ambiental, em sessenta dias, sob pena de interdição; e aos órgãos de proteção ambiental e de fiscalização de mineração o dever de apresentar relatório circunstanciado de fiscalização de todas as minas em atividade naquela região. Finalmente, a sentença impôs ao Ministério Público Federal opinar sobre o projeto de recuperação que seria apresentando, o qual seria posteriormente chancelado pelo Poder Judiciário. Em razão de apelações interpostas, os sócios das carboníferas (bem como uma das carboníferas condenadas) foram excluídos da responsabilidade, ampliando-se ademais o prazo para a recuperação dos recursos hídricos atingidos com o dano ambiental reconhecido. Posteriormente, foram também interpostos recursos especiais, parcialmente providos, apenas para rearranjar a responsabilidade de cada um dos condenados e definir com maior precisão a sua extensão.13 Após embargos de declaração opostos por alguns dos sujeitos envolvidos, o feito foi remetido ao Supremo Tribunal Federal, para análise de recurso extraordinário apresentado. O recurso não foi admitido, tendo sido

13. "RECURSO ESPECIAL AÇÃO CIVIL PÚBLICA. POLUIÇÃO AMBIENTAL. EMPRESAS MINERADORAS. CARVÃO MINERAL. ESTADO DE SANTA CATARINA. REPARAÇÃO. RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA.

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Paralelamente ao trâmite recursal, o Ministério Público Federal deu início à execução provisória da sentença. Embora a sentença estivesse sujeita a reexame necessário, foi autorizada, em antecipação de tutela, o início dos atos executivos. A complexidade da matéria - e da efetivação do comando sentenciai - recomendou que o cumprimento se desdobrasse em várias fases, posteriormente desdobradas também em vários procedimentos autónomos, um para cada réu condenado.

1. A responsabilidade civil do Estado por omissão é subjetiva, mesmo em se tratando de responsabilidade por dano ao meio ambiente, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferida sob a perspectiva de que deveria o estado ter agido conforme estabelece a lei. 2. A União tem o dever de fiscalizar as atividades concernentes à extração mineral, de forma que elas sejam equalizadas à conservação ambiental. Esta obrigatoriedade foi alçada à categoria constitucional, encontrando-se inscrita no artigo 225, §§ 1?, 2^ e 3^ da Carta Magna. 3. Condenada a União a reparação de danos ambientais, é certo que a sociedade mediatamente estará arcando com os custos de tal reparação, como se for a auto-indenização. Esse desiderato apresenta-se consentâneo com o princípio da equidade, uma vez que a atividade industrial responsável pela degradação ambienta! - por gerar divisas para o país e contribuir com percentual significativo de geração de energia, como ocorre com a atividade extrativa mineral — a toda a sociedade beneficia. 4. Havendo mais de um causador de um mesmo dano ambiental, todos respondem solidariamente pela reparação, na forma do art. 942 do Código Civil. De outro lado, se diversos forem os causadores da degradação ocorrida em diferentes locais, ainda que contíguos, não há como atribuir-se a responsabilidade solidária adotando-se apenas o critério geográfico, por falta de nexo causal entre o dano ocorrido em determinado lugar por atividade poluidora realizada em outro local. 5. A desconsideração da pessoa jurídica consiste na possibilidade de se ignorar a personalidade jurídica autónoma da entidade moral para chamará responsabilidade seus sócios ou administradores, quando utilizam-na com objetivos fraudulentos ou diversos daqueles para os quais foi constituída. Portanto, (i) na falta do elemento 'abuso de direito'; (ii) não se constituindo a personalização social obstáculo ao cumprimento da obrigação de reparação ambiental; e (iii) nem comprovando-se que os sócios ou administradores têm maior poder de solvência que as sociedades, a aplicação da disregard doctrine não tem lugar e pode constituir, na última hipótese, obstáculo ao cumprimento da obrigação. 6. Segundo o que dispõe o art. 38, IV, c/c o art. 14, § is, da Lei n. 6.938/81, os sócios/administradores respondem pelo cumprimento da obrigação de reparação ambiental na qualidade de responsáveis em nome próprio. A responsabilidade será solidária com os entes administrados, na modalidade subsidiária. 7. A ação de reparação/recuperação ambiental é imprescritível. 8. Recursos de Companhia Siderúrgica nacional, Carbonífera Criciúma S/A, Carbonífera Metropolitana S/A, Carbonífera Barro Branco S/A, Carbonífera Paiermo Ltda., Ibramii-Ibracoque Mineração Ltda. não conhecidos. Recurso da União provido em parte. Recursos de Coque Catarinense Ltda., Companhia Brasileira Carbonífera de Ararangua (massa falida), Companhia Carbonífera Catarinense, Companhia Carbonífera Urussanga providos em parte. Recurso do Ministério Público provido em parte" (STJ, 2Turma. REsp. 647.493/SC. Rei. Min. João Otávio Noronha, j. 22.05.07, DJU 22.10.07, p. 233). l 14. STF, 2'- Turma. RE 612.592-AgR/SC, Rei. Min. Ricardo Lewandowski. DJe 27.06.14.

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de modo mais próximo e preciso a situação da poluição da região (causada pela exploração do carvão) e serviu de base para a ulterior elaboração de relatórios técnicos, por parte do GTA, que monitoravam as consequências da implementação das medidas de redução da poluição.

Na primeira fase, que vai de 2000 a 2004, ainda não se tinha muito bem delineada a dimensão do problema e a extensão da condenação. Porque a sentença havia imposto, genericamente, a obrigação de reparar o dano ambienta], ainda não se tinha a precisa definição daquilo que seria necessário de modo exato para o cumprimento dessa imposição, nem o perfeito delineamento da extensão da área a ser reparada. Nessa fase, enfim, obteve-se informações que subsidiaram, posteriormente, a adoção de medidas mais concretas capazes de enfrentar a complexa tarefa da reparação ambiental.

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A segunda fase da execução - de 2004 a 2005 - tem como ponto culminante a consolidação pelo Ministério Público Federal de uma estratégia para o enfrentamento do problema. Valendo-se de sua assessoria técnica - e do aporte de informações do Ministério do Meio Ambiente e do Departamento Nacional de Produção Mineral - conseguiu-se identificar as fragilidades das informações antes trazidas pelas rés condenadas e adotar medidas para padronizar os projetos antes apresentados por estas, comprometendo-as de modo concreto ao emprego de medidas para a recuperação ambiental. As informações trazidas por aquela assessoria, ademais, permitiram desenhar com maior determinação exatamente que medidas deveriam ser adotadas por cada uma das rés, a curto, a médio e a longo prazo, para a recuperação do ambiente degradado. Na terceira fase - de 2006 a 2009 - os réus foram efetivamente obrigados a apresentar os projetos segundo a padronização indicada pelo Ministério Público Federal, de modo a permitir um controle preciso dos atos que estavam sendo adotados e daqueles que deveriam ser tomados. Com isso, concretizava-se os deveres impostos aos condenados, sendo possível cobrar deles medidas concretas com prazo específico. Ademais, nessa época também se criou o Grupo de Assessoramento Técnico do Juízo (GTA). Esse grupo, formado por representantes técnicos de todas as partes e por sujeitos externos ao processo ligados à questão ambiental, tinha por principais funções propor estratégias, métodos e técnicas para a recuperação ambiental. Releva salientar que as decisões desse grupo não seriam tomadas por maioria de votos, mas por consenso de todos, o que foi vital para a redução da litigiosidade interna do processo e para a redução de eventuais incidentes e recursos na efetivação da sentença.15 Também nesse período foi elaborada uma "proposta de indicadores ambientais e plano de monitoramento para as áreas degradadas pela mineração de carvão no Estado de Santa Catarina". Esse documento permitiria acompanhar

15. Somente em casos intransponíveis, em que se formasse alguma minoria, seria exigível a intervenção judicial, uma vez estabelecido o contraditório.

Em base desses elementos, conseguiu-se elaborar vários acordos com os réus, para a recuperação dos danos ambientais (19 acordos, ao todo). Em razão desses acordos, 73% das áreas terrestres atingidas passaram a contar com um cronograma de atividades para a recuperação ambiental, a ser executado até o ano de 2020. Por fim, tem-se atualmente a quarta fase do cumprimento da sentença judicial, em que basicamente se busca a efetiva implementação daqueles cronogramas e, de modo mais amplo, dos projetos de recuperação ambiental. Pautando-se por uma atuação que privilegia o contato direto com as partes, com os técnicos e com as áreas objeto da recuperação ambiental, e pela construção de soluções consensuais, tenta-se objetivar o mais possível as medidas que devem ser adotadas para a solução da questão. Também nesse período foi construída uma página na internet para permitir o acompanhamento, pelo público, das medidas que foram e estão sendo adotadas, de modo a engajar toda a sociedade no projeto de recuperação da área. Vê-se, portanto, a complexidade que assumiu essa ação estrutural e as várias soluções inusitadas que foram exigidas para dar efetividade à decisão judicial primeira. Esse único exemplo de ação estrutural, com seus vários desdobramentos, é capaz de oferecer algumas importantes linhas para que se tenha um processo desse tipo com chances de funcionar realmente. É o que se verá adiante. 4.

ALGUNS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS HARMÓNICOS COM A INTERVENÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS. EXPERIÊNCIAS TOMADAS DA ACP DO CARVÃO

A experiência tomada a partir do caso mencionado pode contribuir com interessantes técnicas para lidar com políticas públicas no âmbito judicial. Talvez a mais importante de todas seja a relevância das soluções consensuais, trabalhadas a partir do diálogo entre as partes. Sem dúvida, esse tipo de solução é muito melhor do que a imposição de uma decisão do órgão imparcial, que pode desagradar a todas as partes do processo e a toda a

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sociedade atingida. Essa solução consensual, sem dúvida, contribui também para a obtenção de soluções que sejam tecnicamente factíveis, sem perder de vista as exigências do Direito. Para tanto, o direito processual atual oferece ferramentas bastante úteis Assim, a expansão do emprego de técnicas como a mediação e a conciliação, tal como preconizado pelo novo código de processo civil, é fundamental 16 Pensar o processo que lida com políticas públicas sem a pressão do tempo e da rigidez da sequência de atos processuais pode contribuir para oferecer a maturação suficiente para encontrar soluções mais adequadas ao caso concreto. Ademais, o diálogo franco entre as partes - eventualmente sem a participação do juiz, cuja intervenção pode, em alguns casos, inibir certas colocações ou dificultar a exposição de algumas informações - pode colaborar para que cada parte tenha a exata dimensão dos problemas enfrentados pela outra e, assim, para que se possa ter contornos mais precisos do conflito a ser resolvido. Como efeito reflexo da otimização das técnicas consensuais, tem-se a redução do potencial de recursos contra os atos judiciais, que pode ser um dos grandes entraves à solução adequada desse tipo de controvérsia. De fato, muitas vezes, a pendência de recursos - e a possibilidade de ulterior modificação de alguma linha de atuação - pode ser o suficiente para estimular as partes a não se contentar com a decisão já tomada e a procurar medidas para protelar o cumprimento de obrigações já fixadas judicialmente. Por outro lado, a legitimidade das soluções consensuais sobre políticas públicas depende, indubitavelmente, da permeabilidade dessas negociações à participação dos grupos que podem ser atingidos e de especialistas no tema.17 A intervenção da comunidade envolvida é fundamental para que a solução obtida realmente espelhe os anseios sociais. Não é raro que alguns acordos, embora concluam o processo, o fazem desagradando exatamente o público que deveria ser beneficiado. Em tais situações, evidencia-se que a participação do "legitimado extraordinário" da ação coletiva deixou de representar a

16. Nessa linha, destaca-se não apenas o art. 334, do novo CPC, mas também regras genéricas, como o art. 139, inc. V, da mesma lei, que prevê como incumbência do juiz "promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais". 17. V., sobre a questão, GRINOVER, Ada Pellegrini. LUCON, Paulo Henrique dos Santos. WATANABE, Kazuo. "PL sobre controle jurisdicional de políticas públicas é constitucional". Revista consultor jurídico, http:// www.conjur.com.br/2015-fev-23/pl-controle-jurisdicional-politica-publica-constitucional, acessado em 26 de maio de 2015.

PROCESSOS ESTRUTURAIS NO DIREITO BRASILEIRO • Sérgio Cruz Arenhart

coletividade, para representar algum interesse outro, desvirtuando o âmago da autorização legal para sua intervenção desse tipo de causa. Além disso, a participação social permite o controle - pelo público que será impactado pela decisão - sobre o conteúdo, as razões e as possibilidades da solução acordada. Sabendo os motivos que levaram a certo acordo, é possível que a sociedade tenha maior compreensão sobre os limites existentes (em relação a outras possíveis soluções) e sobre a utilidade de determinada cláusula ou de determinada prestação. Também é possível, com isso, que esses grupos exerçam seu legítimo poder de opor-se aos termos do acordo, demonstrando sua insatisfação com a atuação do legitimado extraordinário, do poder público ou do Poder Judiciário. Enfim, essa intervenção é essencial para a legitimidade e para o controle da solução consensual. A participação de especialistas na área, por sua vez, oferece aos sujeitos do processo (aí incluído o juiz) contornos mais precisos do litígio e de possíveis soluções cabíveis.18 Essa intervenção é capaz, de um lado, de expor aspectos, problemas e interesses não percebidos inicialmente, quando do ajuizamento da causa. É também capaz de mostrar alternativas de composição do conflito que funcionou em conflitos semelhantes ou que possuam viabilidade técnica. Para admitir todas essas intervenções, são fundamentais, como já se observou, as audiências públicas. Talvez seja correto dizer que os processos que lidam com políticas públicas jamais podem existir sem audiências públicas e que esse tipo de ato é o motor desses processos. Não se pode admitir audiências de conciliação ou de mediação das quais participem apenas as partes formais do litígio. Também não se pode tolerar que os verdadeiros interessados no litígio sejam alijados do debate judicial. Por isso, tais audiências públicas acabam não apenas permitindo a participação de grupos que devem ser ouvidos sempre nessas causas (técnicos e sociedade afetada), mas ainda sendo fundamental para legitimar a atuação do autor da ação coletiva e a intervenção judicial nesse assunto. Por essa razão, as audiências, em processos coletivos que discutem políticas públicas, não podem desenhar-se a partir da lógica do código de processo civil. A elas deve-se permitir ampla participação social e, sempre que possível, devem elas desenvolver-se próximo à comunidade a ser atingida.

18. Como se viu no caso da ACP do Carvão, a intervenção do corpo técnico do Ministério Público Federal foi fundamental, na fase de execução, para objetivar as medidas que seriam necessárias, dando maior concretude àquilo que poderia ser exigido para a satisfação da determinação de recuperação ambienta! imposta pela sentença.

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problemas, seja para fiscalizar o atendimento a metas e a decisões do Judiciário, seja para acompanhar o desenvolvimento de planos de implementação de certas políticas. Tais grupos, ademais, devem contar com representantes da coletividade e com especialistas (além de representantes das partes), de modo a replicar a representatividade que se exige durante todo o curso da demanda que discute política pública.

De outra parte, além da ênfase nas técnicas de composição consensual e na participação técnica e social, impõe-se a estruturação de mecanismos de fiscalização e diálogo na implementação das soluções obtidas.

PROCESSOS ESTRUTURAIS NO DIREITO BRASILEIRO • Sérgio Cruz Arenhart

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Em algumas áreas do direito privado, aliás, tipificadas por litígios complexos, com multiplicidade de interesses, há normas expressas que admitem a criação de decisões microinstitucionais.19 Especificamente para a tutela do direito à concorrência, a Lei n. 12.529/11 (mas, mesmo antes dela, a Lei n. 8.884/94) contém diversos instrumentos que, judicial ou extrajudicialmente, autorizam o emprego de medidas que interferem em atos de dominação económica e permitem a criação de mecanismos de acompanhamento do cumprimento dessas decisões. Assim, por exemplo, o art. 38, inc. VII, dessa lei (e, de modo idêntico, o faz o art. 61, § 2°, inc. VI), prevê como sanção à prática de atos que violam a ordem económica a adoção de "qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem económica". O art. 52, da lei, a seu turno, estabelece que "o cumprimento das decisões do Tribunal [administrativo] e de compromissos e acordos firmados nos termos desta Lei poderá, a critério do Tribunal, ser fiscalizado pela Superintendência- Geral, com o respectivo encaminhamento dos autos, após a decisão final do Tribunal". Enfim, prevê a lei, em diversos dispositivos (arts. 96 e 102 a 111), a possibilidade de intervenção judicial em empresa, que poderá ter seu papel limitado ao acompanhamento do cumprimento da decisão jurisdicional, ou ter função mais ampla, chegando até ao extremo de legitimar o interventor a assumir a administração da empresa (art. 107, § 2°, da lei). Em outros campos, não há legislação com amplitude semelhante. Todavia, isso não deve ser visto como a vedação ao seu emprego. Ao contrário, as cláusulas abertas presentes na legislação brasileira (v.g., art. 461, CPC/1973; arts. 139, IV, 536 e 537, CPC/2015; art. 84, CDC) devem ser enxergadas com o potencial suficiente para a criação desses mecanismos. Afinal, abre-se espaço amplo para que o juiz empregue medidas de indução e de sub-rogação necessárias a dar cumprimento às suas decisões (consensuais ou não).

Também se exige, em processos que discutem políticas públicas, adaptações procedimentais, como visto inicialmente. Especialmente temas como os limites (e a própria estabilidade) da coisa julgada, o princípio da congruência e a rigidez da sequência procedimental exigem revisitação à luz das necessidades de ampla participação no processo. É necessário ainda aparelhar o Judiciário de modo que consiga adequadamente desempenhar sua atividade. E é fundamental mudar a mentalidade dos gestores da administração judicial, para que possam perceber a importância desse tipo de litígio e oferecendo o devido valor aos magistrados envolvidos (com sua necessária qualificação) e às próprias causas (em estatísticas e na necessidade de se dar maior tempo à solução dessas controvérsias. Trata-se aí de oferecer um conjunto de técnicas e instrumentos processuais aptos a tornar viável a Intervenção, de modo responsável, judicial em políticas públicas.20 5.

CONCLUSÃO

Como última palavra neste singelo texto, fixa a reflexão de que ainda há muito a avançar na discussão judicial de políticas públicas. O que se vê na experiência forense é que, muito pela falta de subsídios adequados e suficientes, as políticas públicas são, muitas vezes, tratadas pelo Judiciário de modo totalmente inadequado.

20. Destaca-se, nesse campo, o Projeto de Lei n. 8.058/2014, de autoria do Deputado Federal Paulo Teixeira, elaborado a partir de iniciativa dos professores Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Paulo Lucon. O projeto, preocupado com a preordenação de técnicas adequadas à intervenção de políticas públicas, oferece importantes diretrizes para a atuação judicial nesse campo.

19. A expressão "microinstitucionalidade" se refere à criação de auxiliares do juiz, com capacidade de acompanhar, fiscalizar e implementar a decisão judicial (sobre isso, v. LORENZETTI, Ricardo Luis. Justido colectiva. Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores, 2010, p. 186).

O tratamento adequado de políticas públicas no Judiciário exige outra postura dos sujeitos envolvidos e outra estrutura do processo judicial. Para tanto, uma reforma legislativa é necessária. Porém, é ainda mais necessária a alteração da mentalidade dos agentes envolvidos no controle judicial de interesses metaindividuais. Afinal, como há muitos anos lembra Barbosa

Ao lado disso, a amplitude com que a legislação processual trata dos administradores judiciais (v.g., arts. 148-150,677 e 719, CPC/1973; arts. 159-161, 862-863, 866-869, CPC/2015) parece ser suficiente para autorizar a criação de grupos de acompanhamento, seja para sugerir medidas específicas para alguns

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Moreira, "quando porventura nos pareça que a solução técnica de um problema elimina ou reduz a efetividade do processo, desconfiemos, primeiramente, de nós mesmos. É bem possível que estejamos confundindo com os limites da técnica os da nossa própria capacidade de dominá-la e de explorar-lhe a fundo as virtualidades. A preocupação com a efetividade deveria levar-nos amiúde a lamentar menos as exigências, reais ou supostas, imputadas à técnica do que a escassa habilidade com que nos servimos dos recursos por ela mesma colocados à nossa disposição".21

DESAFIOS A JURISDIÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS: o que se

pode aprender com a experiência da Colômbia Vanice Regina Lírio do Valle1

Sumário: 1. Judicialização de direitos fundamentais e controle judicial de políticas públicas; 2. Políticas públicas: conceito e desafios à sua sindicabilidade judicial; 2.1. Políticas públicas e seu caráter instrumental à consecução de objetivos específicos; 2.2. Políticas públicas, multilateralidade e dinâmica; 3. Tutela judicial de direitos fundamentais na Colômbia: o que se pode aprender; 3.1. Distinção entre provimentos individuais e decisões estruturantes; 3.2. Construção paulatina de critérios definidores do conteúdo em si do direito fundamental tutelado; 3.3. Diálogo permanente entre a dimensão exigível do direito, e aquela desejável: a Corte como instância de recomendação; 4. Avaliando o potencial de transposição da matriz de decisão colombiana para a realidade brasileira; Referências

i.

JUDICIALIZAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

No cenário jurídico brasileiro, constitui verdadeiro truísmo afirmar as transformações decorrentes do Estado Pós-Moderno, associadas especialmente aos compromissos finalísticos conferidos pela Carta de 19882. A ideia-força Professora Permanente do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá, vinculada à linha de pesquisa Direitos Fundamentais e Novos Direitos. Pós-doutorado em Administração pela EBAPE/FGV-Rio; Doutorado em Direito pela Universidade Gama Filho. Procuradora do Município do Rio de Janeiro. 21. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. "Efetividade do processo e técnica processual". Temas de direito processual-sexta série. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 28.

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É de Chevallier o destaque de que uma nova base de valores para o Estado é uma das manifestações dessa estágio pós-moderno, orientada a partir de uma "ética da globalização" que revaloriza a dimensão

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da centralidade da pessoa, desdobrada no elenco de direitos fundamentais que se espraiam por todo o Texto Fundamental envolve, a partir da lógica de sua dimensão objetiva, um amplo leque de atribuições a serem desenvolvidas pelo Estado. Tal reequacionamento do papel do Poder na materialização do projeto de transformação preconizado pela Constituição-Cidadã se tem por hoje internalizado no imaginário não só dos profissionais do Direito, corno também quando menos, de uma parte mais esclarecida da sociedade3. Este quadro de popularização quanto à existência e disponibilidade do conjunto de garantias constitucionais se viu em muito favorecido pela rede de instituições vocacionadas ao exercício do controle do poder e à veiculação dos interesses da sociedade, que progressivamente se apoderaram deste seu papel constitucionalmente assinalado4. Disso tudo resultou o fenómeno sobejamente conhecido da judicialização dos direitos fundamentais - notadamente aqueles de cariz socioeconômico. De outro lado, fato é que a garantia de prestações ou serviços públicos associados a direitos fundamentais de segunda dimensão é atividade que só se desenvolve de forma compatível com o signo de generalidade e uniformidade que lhe são próprios por intermédio do desenvolvimento pelo ente federado destinatário da competência específica, de uma política pública, também ela adequada. Essa a razão, em brevíssimas linhas, pela qual o litígio em torno das políticas públicas exigidas do Executivo chegou ao Judiciário5, na trilha de demandas em que a não asseguração de direito fundamental se tinha por

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social, que havia passado ao segundo plano sob a dominação de valores liberais (CHEVALLIER, Jacques. O Estado Pós-Moderno. Trad. Marcai Justen Filho, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 40. Traduzido de L'Etat post-moderne.} 3. A ascensão de uma cidadania proativa, que ocupa um espaço maior no cenário de decisões acerca da coisa pública, materializando uma democracia substantiva onde seus integrantes não mais ocupam a posição de súditos, mas sim de "cidadãos de Estados presentes e prestantes" é mais uma das manifestações apontadas por Moreira Neto desse novo estágio denominado pós-modernidade (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Poder, Direito e Estado. O Direito Administrativo em tempos de globalização. In memoríam de Marcos Juruena Villela Souto. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011, p. 69). 4. O desenho institucional traçado pela Constituição, pleno de instâncias destinadas à viabilização do exercício do controle do poder (Ministério Público, Defensoria Pública, Advocacia de Estado, Tribunais de Contas, etc.) integrava, na lição de Werneck Vianna, o binómio sobre o qual se apoiava o projeto de mudança capitaneado pelas forças progressistas no processo constituinte (WERNECK VIANNA, Luiz. O terceiro poder na Carta de 1988 e a tradição republicana: mudança e conservação, in R. G. Oliven et alii (orgs.), A Constituição de 1988 na vida brasileira. São Paulo, Hucitec/Anpocs/Fundação Ford, 2008). A lógica era de que o elenco de direitos fundamentais traçasse a pauta de prioridades políticas, que se descumpridas, seriam resgatadas pelo exercício do controle institucionalizado do poder. 5. É certo que se pode identificar ainda o manejo de demandas destinadas também à superação de omissão legislativa no que toca ao desenho de políticas públicas, especialmente a partir da virada interpretativa empreendida pelo Supremo Tribunal Federal no que toca às potencialidades do man-

DESAFIOS À JURISDIÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS • Vante Regina Lírio do Valle

associada à inércia ou ineficiência do Poder Público no cumprimento de seus deveres constitucionais. Superada uma primeira fase de negação da sindicabilidade das escolhas públicas quanto às suas estratégias de ação no sentido da garantia de direitos fundamentais6; assentou-se em precedentes do Supremo Tribunal Federal a tese da viabilidade, ainda que excepcional, do controle judicial de políticas públicas. Assim é que, desde o precedente mais conhecido, da lavra do Min. Celso de Mello, em que o crivo judicial se afirmou possível na violação ao direito constitucionalmente assegurado à creche e pré-escola7; o Supremo Tribunal Federal tem ratificado essa orientação original em diversos temas. A título meramente ilustrativo, só no ano de 2014, identificam-se precedentes da Corte Constitucional afirmando a exigibilidade de política pública (e a possibilidade de seu controle) orientada à proteção de pessoas com deficiência8; à preservação de instituição de ensino9; ao desenvolvimento das medidas atinentes à segurança pública10; à garantia de assistência judiciária gratuita11; à proteção ao meio ambiente12 - além das dado de injunção. O foco principal do presente trabalho, todavia, recai sobre o controle judicial de políticas públicas direcionado especificamente a Executivo. A tese da imunidade da esfera discricionária da Administração Pública - e portanto, das escolhas públicas no que toca aos programas de ação estata! —se viu desprestigiada a partir do reconhecimento de que os compromissos finalísticos do Poder enunciados nos arts. l-, 3 Q , 5- a 7- da Constituição de 1988, e todos os demais enunciadores de direitos fundamentais revelavam-se aptos a delimitar quando menos uma zona de certeza negativa, um padrão de reprovabilidade da ação do Estado que caminhasse no sentido contrário ao cumprimento de seus deveres de agir. BRASIL Supremo Tribunal Federal. RE 410715 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/11/2005, DJ 03-02-2006 PP-00076 EMENT VOL-02219-08 PP-01529 RTJ VOL-00199-03 PP-01219 RIP v. 7, n. 35, 2006, p. 291-300 RMP n. 32, 2009, p. 279-290. 8. BRASIL Supremo Tribunal Federal. RE 745745 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 02/12/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-250 DIVULG 18-12-2014 PUBLIC 19-12-2014. 9. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 769977 AgR, Relator(a): Min. .GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 28/10/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-228 DIVULG 19-11-2014 PUBLIC 2011-2014 e BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 761127 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 24/06/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-158 DIVULG 15-08-2014 PUBLIC 18-08-2014 10. BRASIL. SupremoTribunal Federal. RE 768825 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 12/08/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-161 DIVULG 20-08-2014 PUBLIC 21-08-

2014. 11. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Al 739151 AgR, Relator(a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 27/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 10-06-2014 PUBLIC 11-06-2014 e BRASIL Supremo Tribunal Federal. Al 598212 ED, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/03/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-077 DIVULG 23-04-2014 PUBLIC 24-04-2014. 12. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 658171 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 01/04/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-079 DIVULG 25-04-2014 PUBLIC 28-04-2014.

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DESAFIOS A JURISDIÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS • Vanice Regina Lírio do Valle

muitas hipóteses em que se reafirmou a jurisprudência já assentada no que toca à justiciabilidade do direito à saúde. Esse elenco de temas e número de incidências será multiplicado ad infinitum se o olhar se dirigir igualmente às demandas em curso em todos os demais órgãos integrantes da estrutura judiciária nacional, onde a existência e eficácia de uma política pública se apresentam como prejudiciais lógica.

de 1991 - e teve forte inspiração na Constituição-Cidadã. De outro lado, há indiscutíveis elementos de contato entre os dois países latino-americanos, quando menos sob a perspectiva do imperativo de superação de um quadro sensível de exclusão social, o que já torna útil o intercâmbio de conhecimentos. Finalmente, é de se destacar que o caráter precursor da Corte Constitucional da Colômbia na proteção aos direitos fundamentais em terras latino-americanas é objeto de referência no cenário internacional14, ladeado pela igualmente prestigiada experiência da África do Sul.

A rotinização das demandas e a reafirmação da viabilidade do controle judicial das políticas públicas oferecem àquele que se aproxima inicialmente do tema, a falsa sensação de que o equacionamento jurídico da matéria já se tem por inteiramente empreendido: a Constituição assegura direitos, exige políticas públicas13, e elas são sindicáveis pelo Poder Judiciário caso se revelem inexistentes, ineficazes ou inadequadas a qualquer título. Nada mais equivocado, todavia, do que essa primeira impressão. Pelo menos duas dificuldades se pode apontar que desconstroem a falsa sensação de que o controle judicial de políticas públicas seja tema já equacionado, ao menos em sua maior porção. A primeira delas envolve incorporar efetivamente a noção do que seja política pública - conceito formado no campo da ciência da administração, indispensável para delinear uma prestação jurisdicional que supostamente se destine a escoimar daquela, vícios que a tornam incompatível com a Constituição. A segunda dificuldade reside na identificação do tipo de prestação jurisdicional que, em sede de controle de políticas públicas, revele-se eficaz a promover o seu aperfeiçoamento - e não uma simples afirmação retórica da exigibilidade do direito fundamental que seria por ela reverenciado. Dois são os desdobramentos da referida problemática mais próximos ao domínio do processo que vale aqui destacar para prevenir o retrocesso no grau de efetividade constitucional. O primeiro deles, evitar a superveniência de título judicial ilíquido ou inexequível. O segundo risco está em se desenhar decisão que, cunhada sob a inspiração da formação clássica dos profissionais do direito, seja urdida a partir da perspectiva do conflito individual, localizado no tempo e estável quanto a seus elementos determinantes. Dedica-se o presente texto em sua parte 2, a uma delimitação mais clara do que se tenha por política pública, para na sequência, explorar a experiência desenvolvida na Colômbia no que toca a esse mesmo tipo de atividade. Como se sabe, o texto constitucional colombiano é contemporâneo ao brasileiro - data

Na parte 3, sintetiza-se opções estratégicas desenvolvidas pela Corte Colombiana no rumo do incremento de efetividade dos direitos fundamentais - e por via de consequência, de fortalecimento de suas próprias decisões. O principal objetivo é contribuir para a superação de um déficit doutrinário bem apontado por Garavito15, segundo o qual a atenção se tem voltado, quando se cuida de direitos sociais, quase que exclusivamente à fase de elaboração das sentenças, criando-se um "ponto cego" para a prática da execução, e a análise dos seus resultados. A curva ascendente da judicialização de políticas públicas é tendência que não apresenta (ainda) sinais de reversão próxima. O Supremo Tribunal Federal, de sua parte, escudado pela cláusula de proteção de não revolvimento da matéria de fato, pronuncia o dever de agir do Judiciário e da Administração - mas não explicita as medidas a serem concretamente desenvolvidas, o que se devolve ao Juízo de origem para construção e monitoramento. Nesse quadro, o aprendizado recíproco entre Cortes, no exercício da comparação e cooperação constitucional que Zagrebelsky apontava como o atributo do juiz constitucional do século XXI16, se põe como relevante ferramenta para o exercício da jurisdição.

14. NAGLE, Luz Estella. Evolution of the Colombian Judiciary and the Constitutional Court, 6 Ind. lnt'l & Comp. L. Rev. 59 (1995-1996); LANDAU, David. The Two Discourses in Colombian Constitutionai Jurisprudence: A New Approach to Modeling Judicial Behavior in Latin America, 37 Geo. Wash. lnt'l L Rev. 687 (2005); SCHOR, Miguel An Essay on the Emergence of Constitutional Courts: The Cases of México and Columbia, Indiana Journal of Global Legal Studies: Vol. 16: Iss. l, Article 6. (2009), disponível em: http://www.repository.law.indiana.edU/ijgls/voll6/issl/6/acesso em 30 de janeiro de 2015; MALDONADO, Daniel Bonilla (ed.). Constitutionalism of the Global South. The activists tribunais of índia, South África and Colômbia. New York: Cambridge University Press, 2013; VALLE, Vanice Regina Lírio ao. Judicial adjudication in housing rights in Brazil and Colômbia. 1. ed. LAP LAMBERT Academic Publishing, 2015. v. 1. 68p. 15. GARAVITO, César Rodríguez. El activismo dialógico y el impacto de los fallos sobre derechos sociales. Revista Argentona de Teoria Jurídica, Volumen 14 (diciembre de 2013), p. 2.

13.VALLE, Vanice Regina Lírio do Valle. Dever constitucional de enunciação de políticas públicas e auto-vinculação: caminhos possíveis às controle jurisdicional. Fórum Administrativo, v. 82, p. 7-19, 2007.

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16. ZAGREBELSKY, Gustavo. El juez constitucional en el siglo XXI. Revista Iberoamerícana de Derecho Procesal Constitucional 10 (2008): 249-268.

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2.

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

POLÍTICAS PÚBLICAS: CONCEITO E DESAFIOS À SUA SINDICABILIDADE JUDICIAL

A incorporação do conceito de políticas públicas à administração pública enquanto ciência autónoma é em si, fenómeno relativamente recente - associado muitas vezes, ao trabalho precursor de Lerner e Lassweel datado de 195117. No campo do direito brasileiro, uma pesquisa simples à base de dados do Supremo Tribunal Federal apontará que a primeira decisão que contempla a expressão em sua ementa - indicativo portanto de que o conceito foi em si utilizado na decisão - data de 2003, com o então Ministro Maurício Corrêa afirmando em sede de controle concentrado de constitucionalidade, a conveniência da preservação da norma impugnada pertinente à materialização de política pública de supervisão de plano de saúde privado18. A expressão "políticas públicas" vai se vulgarizar no cotidiano forense brasileiro, na esteira da acima indicada ascensão da curva de judicialização da vida, associada à busca da efetividade dos direitos fundamentais assegurados na Carta de 1988. Todavia, embora a locução se tenha hoje por reiteradamente referida nos acórdãos em todos os níveis, o conceito em si do que seja política pública e de seus atributos resta ainda enevoado. A transposição da categoria, da administração pública enquanto ciência autónoma para a seara do direito se deu sem o aporte de boa parte do acervo teórico já desenvolvido naquela primeira seara - o que empobrece a rigor, a compreensão do fenómeno em si que se esteja controlando em sede judiciária.

2.1.

Políticas públicas e seu caráter instrumental à consecução de objetivos específicos

Partindo-se de um conceito de caráter mais genérico de política pública como um "programa de ação governamental visando realizar objetivos

17. LERNER, Daniel e LASSWELL, Harold Dwight. The policy sciences. USA: Stanford University Press, 195. 18. Interessante observar que a ementa mesmo do julgado associa a política pública expressa pela lei controlada, à materialização de uma norma constitucional que se teria ainda por programática. Mais ainda, vale consignar que essa primeira aproximação prestigiando à política pública existente revelou uma conclusão deferente para com a escolha legislativa, numa lógica de que na moldura constitucional brasileira, o desenho em si da política pública efetivamente é matéria do domínio das escolhas públicas havidas no campo deliberativo e executivo (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 1931 MC, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 21/08/2003, DJ 28-05-2004 PP-00003 EMENT VOL-02153-02 PP-00266).

DESAFIOS À JURISDIÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS • Vórtice Beoino Lírio do Valle

determinados"19, já se pode identificar o seu caráter instrumental à concretização dos objetivos constitucionais, eis que a orientação finalística apresenta-se como elemento essencial. Numa enunciação mais coloquial, mas por isso mesmo, elucidativa, Dye20 afirmará que a análise de políticas públicas permite investigar o que o governo faz, porque faz, e o que traz de mudança. Contudo, impõe-se compreender melhor qual seja a finalidade em si que se está a tutelar quando se cogita de controle judicial de política pública - e a relação íntima que esse elemento teleológico tem com o conteúdo em si da decisão judicial que se venha a proferir. Vale aqui o recurso à distinção empreendida por Dworkin21 entre política (policies) e princípios. Política (policy) - afirma o autor americano - é "aquele tipo de padrão que estabelece um objetivo a ser alcançado, em geral, uma melhoria em algum aspecto económico, político ou social da comunidade". Já o princípio traduz-se igualmente num padrão desejável, não porque orientado àquele mesmo resultado, e sim porque "é uma exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade". Em decorrência disso, e é ainda Dworkin quem o sustenta22, os argumentos de política justificam uma decisão desse mesmo cariz (político) mostrando que ela fomenta ou protege algum objetivo coletivo da comunidade como um todo. Já os argumentos de princípio justificam uma decisão (política) "mostrando que ela respeita ou garante um direito de um indivíduo ou de um grupo". A distinção é sutil, mas nem por isso menos relevante. É certo que os objetivos a serem alcançados pelo Estado - aqueles que orientam a política pública - estão recortados pela indispensável compatibilidade com a ordem constitucional e os compromissos finalísticos nela contidos. Mas não é menos certo que o balanceamento entre esses mesmos propósitos, e as inúmeras alternativas de ação para o seu alcance está aberto à escolha do administrador público. A aptidão para gerar o resultado positivo para a coletividade é por si só signo legitimador da decisão no campo das políticas públicas. Não obstante isso, é possível que na perspectiva da aplicação em si desta mesma política pública, ela se revele violadora de eventual direito

19. BUCCI, Maria Paula Dallari. O conceito de política pública em direito in (org.). Políticas públicas: reflexões sobre o conceito jurídico. São Paulo: Editora Saraiva, 2006, p. 1-49. 20. DYE, Thomas R. Understanding public policy. 10th ed. Upper Sadle River (MJ): Preintice Hall, 2002, p. l, 21. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 36. Traduzido de Taking rights seriously. 22. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 129. Traduzido de Taking rights seriously.

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DESAFIOS À JURISDIÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS • Vante Regina Lírio do Valle

individual ou de uma coletividade - não necessariamente daquele(s) que se punha(m) como a destinatário(s) original(is) da política pública, mas um ou mais cidadãos que, por um efeito reflexo, previsível ou não, tenham sua esfera individual de direitos atingida.

a rigor, a aferição quanto ao acerto ou desacerto da política pública em si, eis que ainda que adequada e eficiente na perspectiva macro o programa de ação estatal, o que se está a tutelar e a lesão a direito fundamental apontada pelo demandante. O conteúdo e amplitude de cada qual das decisões se revela, portanto, substantivamente distinto; da rnesma maneira, a motivação das decisões será necessariamente diferenciada.

A importância desta distinção está em se identificar que uma política pública pode a rigor ser correia na sua concepção e aplicação, enquanto programa de ação estatal, eis que apta a determinar um resultado constitucionalmente desejado ou mesmo exigido do Estado. Não obstante isso, essa mesma política pode se revelar inadequada na sua aplicação tendo em conta uma particular esfera individual ou mesmo coletiva de direitos. E quando assim o seja, a decisão que empreende à proteção desse direito se dá, não num juízo de correção em si da política pública (que em tese é adequada) mas a partir de um imperativo de proteção a um direito cuja violação se identifica a partir de argumentos de princípio. Essa distinção será particularmente relevante no campo do direito processual, porque o conteúdo da decisão que traduz controle da política pública em abstrato, ou de seus problemas de aplicação numa esfera específica de direitos será substantivamente distinto, seja no que toca aos limites objetivos, seja subjetivos da coisa julgada. O controle da política pública em si envolve um juízo de reprovação do padrão de comportamento eleito pela Administração Pública, no todo ou em parte de seus aspectos. Isso terá por consequência uma redefinição desse mesmo curso de ação, com os consectários a ele inerentes, inclusive no que toca a realocação de recursos materiais, humanos e financeiros. A redefinição do padrão de comportamento em abstrato da Administração Pública tem ainda reflexos no que toca às relações de interdependência das diversas políticas públicas em curso. A decisão judicial que efetivamente censura uma política pública em desenvolvimento tem efeitos estruturantes - efeitos esses que devem ser cogitados no seu processo de formação. Mais ainda, a determinação judicial que tem intervenção estruturante, para que se revele verdadeiramente eficaz, deve ir além do simples juízo de reprovação do que se vem desenvolvendo na política pública censurada; apontando ainda, se não precisamente o curso de ação que se tem por desejável, quando menos parâmetros que a Administração Pública deve ter em conta na formulação da nova política pública que virá a reger a matéria. Já a tutela de direito envolve simplesmente a determinação da outorga em favor de um determinado jurisdicionado, do bem ou serviço que traduza a proteção àquele mesmo direito violado. Nesta hipótese, não é determinante, 500

Na primeira hipótese - controle de política pública -; é preciso declinar ou a incompatibilidade entre o objetivo por ela reverenciado e as determinações constitucionais, ou ainda a evidente inaptidão material do padrão de comportamento adotado a gerar esse mesmo desiderato. Nesta última hipótese em particular (onde se censura o programa de ação estatal), a matéria de fato será de extrema relevância, eis que se estará a cuidar de uma circunstância inteiramente objetiva, factual, que demonstra, ou a inexistência do programa de ação, ou a sua incapacidade de gerar os efeitos concretos reclamados pela Constituição; incapacidade essa que jamais poderia ser presumida à vista da principiologia que rege à Administração Pública. As estratégias de atuação do Estado lato sensu mudam com o tempo, e por várias razões; disso decorre que a intervenção judicial só se revelará útil se tiver em conta, no momento de sua materialização, não a realidade pretérita - mas a realidade fática sobre a qual esta decisão incidirá. De outro lado, os macroefeitos possíveis desta mesma decisão apresentam-se igualmente como um relevante elemento a ser considerado na hipótese, eis que a censura a um programa de ação estatal em abstrato não se circunscreve a uma situação individual. Já na garantia de direito subjetivo, que não se veja suficientemente protegido pela política pública, a cogitação se restringe aos efeitos daquele mesmo programa de ação estatal na esfera de direitos dos jurisdicionados. A decisão de procedência numa demanda deste tipo pode inclusive não expressar, a rigor, qualquer censura à política pública em si, mas sim à falha do serviço que não assegurou ao demandante (eventualmente destinatário natural mesmo do serviço contemplado pelo programa de ação estatal) a prestação que lhe era devida. É de se ter em conta, de outro lado, que se nessa hipótese se está empreendendo a um debate em torno de argumentos de princípios, e que estes hão de ter em conta, na concepção de Dworkin acima declinada, não só a partir de uma exigência de justiça; mas da conjugação entre justiça e equidade. Isso se destaca porque em tempos de demandas de massa, não é incomum a multiplicação em proporções geométricas de postulações fundadas em suposta violação a direito fundamental - e estas, embora não envolvam diretamente a censura em abstrato ao programa de ação estatal em curso naquela temática, devem ser equacionadas a partir de uma perspectiva de coerência interna das 501

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

decisões. A equidade no trato das demandas, ainda que individuais, no campo de direitos fundamentais protegidos por políticas públicas, é um imperativo de igualdade, e ainda um traço necessário tendo em conta uma compreensão mais ampla de segurança jurídica. Finalmente, seja no controle da política pública em abstraio; seja no enfrentamento das demandas que envolvam questões de princípio projetadas na esfera individual de direitos, é de se ter em conta que no campo das políticas públicas, muitas vezes a escolha de determinados padrões de conduta e planos de governo importa na prática de trade off- para a oferta de "A", exclui-se a garantia de "B". E soa igualmente violador à juridicidade, a violação à equidade traduzida na outorga em favor de um só, de bem ou serviço que aos demais seja negado; ou em detrimento da entrega do mesmo bem ou serviço a outro segmento da mesma coletividade em igualdade de condições23.

2.2.

Políticas públicas, multilateralidade e dinâmica

Segundo elemento integrante do acervo de conhecimento no campo das políticas públicas que não se teve propriamente por absorvido na sua transposição para o domínio do direito - especialmente para o campo do controle jurisdicional - é o traço de dinâmica que marca todo o seu processo de concepção e implementação. Retomada a dimensão conceituai, Salisbury24 associa à noção de políticas públicas o caráter de ação calculada orientada a determinados objetivos - não muito distante da proposição de Dworkin acima referida25. É certo que a enunciação dessa mesma ação (que é estatal) reveste-se de autoridade, mas não se pode conceber seja uma decisão puramente isolada dos agentes 23. No tema, Barroso já advertia, aludindo especificamente aos conflitos envolvendo a proteção ao direito à saúde, que não se tem uma contraposição perversa entre Estado-Leviatã e cidadão oprimido; entre discricionariedade e proteção a direito fundamental. Controvérsias no campo da saúde muitas vezes envolvem puramente um juízo de conflito entre direitos fundamentais - o do jurisdicionado que postula tratamento experimental, medicamento de alto custo ou outras prestações que tais, e o dos demais cidadãos que restarão em alguma medida prejudicados na proteção a esse mesmo direito à saúde pela prioridade que se estabeleceu pela decisão em favor do primeiro. (BARROSO, Luís Roberto. Da falta de efetividade à constitucionalização excessiva: direito à saúde, fornecimento gratuito de medicamentos e parâmetros para a atuação judicial, in . Temos de direito constitucional Tomo 4, São Paulo: Saraiva, 2009, p. 217-255). 24. SALISBURY, Robert H. The analysis of public policy. A search for theories and roles. In THEODOULOU, Stella Z. e CAHN, Matthew A. Public policy. The essential readings. New Jeresey: Prentice Hall, 1995, 34-37. 25. Ver notas 21 e 22 acima.

DESAFIOS À JURISDIÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS • Vanice Regina Lírio do Val/e

públicos, já que se cuida de programa de agir direcionado à consecução de resultados identificados como desejados pela coletividade na etapa que, na teoria das políticas públicas, se denomina formação da agenda - que nada mais é do que eleição das prioridades. A decisão em torno de uma política pública revestir-se-á, portanto, necessariamente de uma multilateralidade, seja no que toca aos seus agentes de elaboração e execução, seja no que toca a seus destinatários. A par disso, ela é de incorporar necessariamente uma ideia de continuidade - já que o alcance dos resultados originalmente desenhados é fruto de um processo, e não de uma aplicação instantânea de um padrão de comportamento. Tomemos por exemplo uma política pública no campo da proteção ao menor. Ela deve envolver agentes públicos, à vista dos deveres estatais consignados pelo art. 227, caput CF - mas também, e por força desse mesmo preceito constitucional envolverá à família e à sociedade; o que já revela a pré-falada multilateralidade. De outro lado, proteção à infância é um resultado que não se pode apurar instantaneamente; este é um desiderato da Carta de 1988 que envolve um estado geral e permanente a se alcançar em favor desse mesmo segmento de vulneráveis. Feita a ilustração, tem-se por claro que política pública é algo que, para manter sua aptidão à geração dos resultados pretendidos, deve necessariamente se revestir de um dinamismo, de uma resiliência para adaptar-se às novas condições da realidade sobre a qual incide, e manter sua aptidão para alcançar os resultados almejados. Este é um ponto sensível no reencontro das políticas públicas com o direito26, exatamente pela circunstância de que, enquanto este último é a ciência da estabilidade, aquela primeira é o domínio da mudança. No direito, a matriz mais incipiente de pensamento milita no sentido da estática, da previsibilidade das condutas e das consequências; isso é o que se busca com o ordenamento, e quando a isso se alcança se diz gozar aquele arranjo de segurança jurídica27. Já no âmbito das políticas públicas, a investigação é de ser permanentemente no sentido da necessidade ou utilidade de mudanças, adaptações nos programas 26. Sobre o tema, consulte-se VALLE, Vanice Regina Lírio do. Políticas públicas, direitos fundamentais e controle judicial. Prefácio: Marcos Juruena Villela Souto. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2009, p. 69-83. 27. É certo que a estática como atributo indissociável do direito é compreensão que cada vez mais se tem mitigado, ante as insuperáveis lições da realidade da vida. Assim, mesmo no campo do processo civil, já de há muito o dogma da coisa julgada e de sua imutabilidade se tem cada vez mais temperado mas sempre a partir de uma perspectiva de exceção, que como toda exceção, serve para confirmar a regra. No campo das políticas públicas, ao revés, a mutabilidade é a regra, a dinâmica da ação estatal é o padrão, e a estática, a exceção.

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de ação, que podem rapidamente perder sua aptidão para oferecer resposta às necessidades cotidianas da coletividade - e portanto, o signo predominantes é o da dinâmica.

abstraio, quem são os legitimados para apresentar, em substituição à deliberação administrativa, qual deve ser o novo padrão de ação?

Observe-se que formulação de política pública não é ciência exata. Para um determinado conjunto de problemas que integre a agenda de prioridades jurídicas ou políticas, elege-se um padrão de conduta que, a partir das informações disponíveis, imagina-se assegurará o resultado desejado. Tudo isso, no puro terreno da prognose, que pode se confirmar pela realidade, ou ao revés, pode ser por ela mesma infirmada ou aperfeiçoada. Existe, portanto, um certo grau de experimentalismo na formulação de políticas públicas - o que não é em si um mal; é decorrência direta do caráter contingente dos próprios fenómenos sobre os quais ela incide e que a ela cercam. A par disso, a realidade que uma determinada política pública tem por objetivo intervir é por si volátil - e isso pode deitar efeitos imediatos sobre o planejamento da ação estatal. Uma vez mais, a necessidade da revisão do programa de agir pode se colocar, não porque ele fosse viciado de início, mas porque alteraram-se as condições do cenário sobre o qual ele incide. Transposta para o campo do processo, essa tensão entre direito e política pública se põe em grau máximo. Se uma demanda se tem aforada tendo por objeto uma determinada política pública em seu sentido puro - o programa de ação concebido por ente federado para o cumprimento de um determinado dever de agir constitucionalmente assinalado -; a realidade que é perscrutada na demanda pode se alterar (e certamente se alterará) por diversas vezes ao longo de todo o processado, e por diversas razões. Assim, conceitos tradicionais e tão caros à lógica do processo civil, como a preclusão da fase instrutória, podem resultar num absoluto distanciamento entre a decisão judicial e a realidade fática sobre a qual ela irá incidir. O experimentalismo que acima se disse é possível (se não desejável) no campo das políticas públicas, não se coaduna em princípio com os rigores da concepção mais tradicional de jurisdição, que tem por objetivo "pôr fim ao conflito de interesses". Essa é uma ideia que atrai a lógica da solução definitiva, de uma única alternativa correta, que é a obrigação de fazer que se determinará por intermédio de um título judicial. Ocorre que a realidade, teimosamente, não se compadece dos cânones da preclusão, da imutabilidade da coisa julgada, e tantos outros ainda caros ao direito processual. Um derradeiro elemento conceituai de política pública que impactara fortemente o seu crivo judicial, é a sua necessária multilateralidade. Assim, especialmente quando se cuida de reconfigurar uma política pública em 504

Controle judicial de políticas públicas é algo que, no seu sentido técnico, exigirá necessariamente, inventiva no modo de prestar-se jurisdição - e eventualmente, reformulações na aproximação mesmo que se empreende judicialmente dos problemas. Nesse sentido revela-se útil a experiência desenvolvida na Colômbia, com algumas proposições cuja transposição para o cenário brasileiro pode auxiliar no enfrentamento de verdadeiros impasses que hoje se tem na sindicabilidade das políticas públicas. Esse é o tema que se passa a explorar.

3.

TUTELA JUDICIAL DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NA COLÔMBIA: O QUE SE PODE APRENDER

A compreensão dos termos em que se verificou a consolidação da judicial review em terras colombianas é de ser antecedida do reconhecimento do papel consolidador do pacto de transição política que aquele Texto Fundamental materializava naquela realidade nacional. Vítima de um prolongado período de violência interna decorrente da atuação de forças paramilitares, buscava a Colômbia a sedimentação de um novo pacto político por intermédio do novo texto constitucional, que procederia inclusive à reinclusão na vida nacional, de forças políticas antes alijadas no período de conflito armado mais severo. Ao mesmo tempo, a Carta Fundamental colombiana se endereçava ao enfrentamento dos problemas relacionados à exclusão social, decorrentes desse mesmo período de comoção interna28. A Corte Constitucional - na sua conformação anterior, onde se denominava ainda Superior Tribunal de Justiça - revelou-se peça-chave na viabilização da própria convocação da Assembleia Nacional Constituinte, assegurando por duas vezes o seu desenvolvimento (não obstante o país encontrar-se em estado de sítio) e a plena liberdade nos temas objeto de deliberação fundante. Disso resultou tenha o órgão de cúpula do Poder Judiciário ingressado na nova ordem institucional com indiscutível prestígio no que toca à sua condição de garantidor da democracia29. Esse mesmo conceito favorável se viu preservado 28.0 Texto Fundamental da Colômbia se inicia com a afirmação em seu artigo \°, de que este se constitua em "...un Estado social de derecho...", o que por sua vez subordinará as futuras decisões judiciais neste mesmo tema, eis que o compromisso com a inclusão social se tem por expressamente afirmado. 29. Para uma narrativa do período que antecedeu a Assembleia Constituinte colombiana que resultou na Carta de 1991, e das intervenções desenvolvidas pelo Superior Tribuna! de Justiça, consulte-se VALLE,

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com o curso dos anos pela dedicação da Corte em impulsionar o desenvolvimento da inclinação aspiracional que a Constituição de 1991, com a ênfase no empoderamento aos direitos sociais30. Revestida a ordem jurídica colombiana da garantia consistente na acción de tutela31, que permite elevar-se a conhecimento da agora denominada Corte Constitucional da Colômbia32, as violações a direitos fundamentais por ato de autoridade, teve-se por forjado um ambiente normativo que forçosamente submetia àquele Colegiado o cenário de inobservância a compromissos sociais jusfundamentalizados. Foi esse ambiente de contato da Corte com as provocações originárias das ações de tutelas que determinou uma jurisprudência francamente inovadora e criativa no tema da proteção a esses mesmos direitos e por via de consequência, do controle das políticas públicas. Um derradeiro elemento é de se sublinhar, antes da análise do ferramental jurisdicional criado pela Corte Constitucional da Colômbia nos conflitos atinentes a políticas públicas. Diferentemente da solução brasileira - em que a todos os direitos fundamentais se conferiu o signo da eficácia imediata -; a Constituição da Colômbia contém preceito expresso em que se elencam aqueles direitos que se revestiriam desse mesmo atributo33. Não obstante isso, a partir do direcionamento constitucional de que a Colômbia é um Estado Social de Vanice Regina Lírio do; GOUVEA, Carina Barbosa. DIREITO À MORADIA NO BRASIL E NA COLÔMBIA: UMA PERSPECTIVA COMPARATIVA EM FAVOR DE UM CONSTRUTIVISMO JUDICIAL In: XXIII Encontra Nacional do CONPEDI, 2014, Florianópolis. DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS I: XXIII ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI. Florianópolis: CONPEDI, 2014. p. 219-245. 30. SAFFÓN, Maria Paula, and Maurício Garcia Villegas. Derechos sociales y activismo judicial: Ia dimensión fáctica dei activismo judicial en derechos sociales en Colômbia. Revista Estúdios Socío-Jurídicos n-13.1 (2011): 75-107. 31. A acción de tutela se tem por expressa no art. 86 da Constituição da Colômbia, em capítulo destinado especificamente às garantias e proteção a direitos - "Toda persona tendrá acción de tutela para reclamar ante losjueces, em todo momento y lugar, mediante un procedimiento preferente y sumario, por si misma o por quien actue a su nombre, Ia protección inmediata de sus derechos constitucionales fundamentales, cuando quiera que estos resulten vulnerados o amenazados por Ia acción o Ia omisiòn de cualquier autoridad pública". 32. Ainda que a acción de tutela não seja um procedimento de competência originária da Corte Constitucional - em verdade, ela pode ser manejada em qualquer instância ou grau de jurisdição -; é o próprio Texto Fundamental quem determina a remessa da decisão nela proferida àquele órgão máximo de jurisdição constitucional, para sua eventual revisão - "La protección consistirá en una orden para que aquél respecto de quíen se solicita Ia tutela, actue o se abstenga de hacerlo. £1 falia, que será de inmediato cumplimiento, podrá impugnarse ante eljuez competente y, en todo caso, este Io remitirá a Ia Corte Constitucional para su eventual revisión" (Constitucion Política de Colômbia de 1991, art. 86). 33. Artículo 85. Son de aplicación inmediata los derechos consagrados en los artículos 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 23, 24, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 33, 34, 37 y 40. (Constitucion Política de Colômbia de 1991).

DESAFIOS À JURISDIÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS • Vanice Regina Lírio do Valle

Direito, a Corte Constitucional rapidamente criou a chamada doutrina da conexão, segundo a qual um direito não contemplado expressamente com eficácia imediata, pode vir a se revestir desse mesmo atributo por força de sua relação de conexão com outro direito, este sim imediatamente exigível34. Essa ampliação do espectro de direitos fundamentais revestidos de eficácia imediata - e, portanto, exigíveis em sede judicial - contribuiu igualmente para o incremento da judicialização do tema na Colômbia, o que explica o terreno fértil para a construção jurisprudencial. 3.1.

Distinção entre provimentos individuais e decisões estruturantes

Apontou-se no item 2 acima, a distinção que é de se estabelecer quando do controle judicial, entre demandas que envolvem a aferição da adequação em abstrato de uma determinada política pública, e aquela que traduz simplesmente uma lesão a direito individual ou mesmo coletivo, que se afirma decorrente da inexistência de uma política pública ou de sua ineficácia. Neste mesmo subitem 2 assinalou-se que as duas situações determinam padrões necessariamente distintos de aproximação pelo julgador, que no primeiro caso está a examinar a descrição em abstrato de conduta da Administração Pública, e na outra hipótese, afere a violação a direito individual. Ilustrando com temática sobejamente conhecida da proteção ao direito fundamental à saúde, diversas são as demandas em que se objetiva o simples fornecimento de medicamento constante das listas SUS e que por qualquer razão não foram entregues ao litigante, daquela em que em sede de ação coletiva, se intenta regularizar a disponibilidade de leitos em Unidades de Tratamento Intensivo no Estado do Ceará35. Enquanto na primeira hipótese, o que se corrige pela via jurisdicional é a falha do serviço (que deveria ter entregue o medicamento contemplado na lista); na segunda hipótese discute-se a ausência de um programa de ação que contemple o atendimento ao número mínimo de

34. "Algunos derechos no aparecen considerados expresamente como fundamentales. Sin embargo, su conexión con otros derechos fundamentales es de tal naturaleza que, sin Ia debida protección de aquellos, estos prácticamente desaparecerían o harían imposible su eficaz protección. En ocasiones se requiere de una interpretacíón global entre principias, valores, derechos fundamentales de aplicación inmediata y derechos económicos sociales o culturales para poder apoyar razonablemente una decisión judicial". (COLÔMBIA Corte Constitucional de Colômbia. Sentencia de Ia Corte Constitucional T-406/92, M. P. Ciro Angarita Barón). 35. A hipótese não é um exercício de abstração, e já foi objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional Brasileiro (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. SL 228, Relator(a): Min. PRESIDENTE, Presidente Min. GILMAR MENDES, julgado em 14/10/2008, publicado em DJe-199 DIVULG 20/10/2008 PUBLIC 21/10/2008).

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Unidades de Tratamento Intensivo que é de se ter disponível na rede pública de saúde, segundo os critérios técnicos aplicáveis a esse tipo de mensuração,

Carta sejam estruturais, do que decorre que a raiz do problema não repousa necessariamente tão-só na autoridade demandada, e a solução exigirá, no mais das vezes, a ação conjunta de várias instâncias administrativas.

Pois bem; a jurisprudência colombiana, reconhecendo as características totalmente distintas dos conflitos de que se cogita, e a diferenciação substantiva que é de se ter no provimento jurisdicional em cada qual das hipóteses, cunhou a categoria dos chamados provimentos estruturantes36 - destinados exatamente ao enfrentamento de uma ausência de programa de ação37, ou da ineficiência crónica das políticas públicas incidentes na área38. Precede a opção pela adoção de um provimento estruturante, o reconhecimento da existência de um "estado de coisas inconstitucional" - também essa uma relevante categoria desenhada pela Corte Constitucional. Tem-se por caracterizada a situação acima39 quando é possível identificar uma massiva e sistemática violação a direitos, que se possa associar a deficiências do arranjo institucional do Estado ou por ele provido40. Acresce a Corte Constitucional em sua decisão na Sentencia T-153/98, que o estado de coisas inconstitucional exige, além da generalidade acima já referida, que as causas da violação à

36. A cunhagem de provimentos estruturantes não é privilégio da Corte Constitucional colombiana; também a índia tem desenvolvido suas experiências no tratamento estruturante de litígios atinentes à ineficácia de direitos fundamentais, valendo a referência, a título ilustrativo, do precedente deste mesmo cari? estabelecido na proteção ao direito fundamental à alimentação (ÍNDIA. Constitutional Court. People's Union for Civil Liberties vs. Union of índia & Ors. (2004; 12 SCC 108)). 37.0 exemplo mais conhecido de provimento estruturante por ausência de programa de ação é aquele que vem da Sentencia T-025/2004, em que se examinava um conjunto de violações a direitos fundamentais infligidas àqueles "desterrados" de seus locais de origem por força de decisões das forças paramiíitares que dominaram o país. Na ocasião, percebeu a Corte que as violações individuais em desfavor de cada qual dos jurisdicionados traduziam um problema de maior amplitude, que era o não tratamento desse segmento da população - os "despíazados" — como destinatários de um indispensável (e inexistente) programa específico de ação estatal. (COLÔMBIA. Corte Constitucional. Sentencia T-025/04, Magistrado Ponente Manuel José Cepeda Espinosa, julgada em 22 de janeiro de 2004). 38. Precedente bastante divulgado de provimento estrutural relacionado a patente ineficiência dos programas de ação estatal é aquela havida na Sentencia T-153/98, em que se examinava a notória deficiência do sistema carcerário colombiano, identificando as providências estruturantes necessárias desenvolver para a garantia de um nível mínimo de proteção aos direitos dos presos. (COLÔMBIA. Corte Constitucional. Magistrado Ponente Eduardo Cifuentes Munoz, julgado em 28 de abril de 1998). 39. A categoria foi apresentada pela primeira vez nas referida Sentencias SU-559/97 (COLÔMBIA. Corte Constitucional. Sentencias SU-559/97, Magistrado Ponente Eduardo Cifuentes Munoz, julgado em 6 de novembro de 1997) e T-068/98 (COLÔMBIA. Corte Constitucional. Sentencias T-068/98, Magistrado Ponente Alejandro Martinez Caballero, julgado em 5 de março de 1998).

Interessante observar a clara identificação que a categoria cunhada pela Corte faz das relações de interconexão que um mesmo tema possa manter com vários órgãos ou agentes da Administração, na esteira do que se tem por claro no campo da teoria das políticas públicas - ações estatais nunca acontecem isoladamente consideradas, e sempre tem relações de interdependência e causalidade recíprocas. É no plano da aferição da existência em si de um "estado de coisas inconstitucional" que poderá o julgador identificar que o conflito se apresenta não como uma desfuncionalidade pontual da política pública sob crivo, mas como uma patente e generalizada inadequação do programa de agir estatal, que tem por consequência a violação a direitos em larga escala. Também é a identificação do "estado de coisas inconstitucional" que permitirá à Corte, sair de sua posição tradicional de controladora da juridicidade, para desenvolver atividades que não lhe são típicas, como a formulação de políticas públicas, a alocação de recursos públicos, etc. Aqui, tem-se uma jurisdição que por seu caráter estruturante, é mesmo substitutiva da atuação que classicamente se teria por requerida do Legislativo e/ou Executivo. A legitimidade para, excepcionalmente, desenvolver essas funções que não lhe são típicas, vem da infidelidade constitucional dos demais braços especializados de poder, que permitiram, por inércia ou ineficiência, a criação do referido "estado de coisas inconstitucional". Com isso se tem por preservado o ideário do equilíbrio e harmonia entre poderes, que não pode se traduzir num wa/verpara que qualquer deles descumpra a Constituição - mas evoque uma "reserva de atuação" no seu campo funcional para prevenir a atuação substitutiva da Corte. A um problema de ordem estruturante, corresponderá uma providência jurisdicional de mesma natureza e abrangência, que autoriza a Corte a dirigir ordens à burocracia, reconfigurando seu padrão de ação, de modo a alcançar os resultados exigidos pelo direito fundamental em discussão41. Observe-se que intentando a reconfiguração do modo de agir do Estado lato sensu, a ordem judicial produzirá não a simples enunciação em abstrato de deveres, mas o comando concreto de apresentação de projetos e planos em prazo determinado; a ordem de provimento de recursos orçamentários; a designação de executores

40. ARIZA, Libardo José. The economic and social rights of prisioners and Constitutional Court íntervention in the penitentiary system in Colômbia, in MALDONADO, Daniel Bonilla. Constitutonalism ofthe Global South. The activists Tribunais of índia, South África and Colômbia. NY: Cambridge University Press, 2013,

p. 129.

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";41. LANDAU, David.The Realityof Social Rights Enforcement. HarvardInternationalLawJournal53 (2012): 189, p. 434-435.

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responsáveis, e outras medidas igualmente práticas, alinhadas mesmo com aquilo que em princípio, seria típico da função administrativa. Também integra o provimento estruturante, o desenvolvimento da chamada supervisory jurisdiction, a saber, o acompanhamento pela Corte do desenvolvimento futuro das providências antes determinadas. Este acompanhamento pode se dar mediante a apresentação de relatórios, comunicações oficiais, ou mesmo de audiências públicas de prestação de contas relacionadas às medidas de concretização da primeira determinação. A formalização do referido acompanhamento se dá, na Colômbia, pela lavratura do chamado Auto de Seguimiento42, em que se dialoga com as últimas determinações do Judiciário, apontando as providências que se tenham materializado em cumprimento a elas, e/ou determinando correções de rumo em relação às determinações anteriores. As subsequentes informações que vem à luz no exercício da chamada jurisdição supervisora- é importante que se diga - podem mesmo determinar a reconfiguração pelo órgão julgador de seus comandos anteriores, ou a imposição de novos deveres de agir à Administração Pública, num exercício verdadeiramente dialógico entre Judiciário, sociedade e Executivo. Interessante perceber que a decisão estruturante, combinada com a figura dos Autos de Seguimiento, permite trazer para a decisão judicial proferida em controle em abstrato de políticas públicas, o elemento de dinamismo e temporalidade que são próprios destas últimas. Assegura-se, portanto, da maneira possível, a relação de contemporaneidade entre a decisão judicial e a realidade sobre a qual ele incidirá - característica que tende a conduzir a uma decisão judicial mais eficaz. Aqui se tem uma lógica que incorpora a compreensão de que problemas estruturais não são passíveis de solução instantânea, de modo que uma única decisão judicial num processo de conhecimento não se pode ter como suficiente a garantir a tutela de direitos de que se cogitou. Cabe ainda assinalar no que toca às decisões estruturantes, relevante apontamento extraído já da prática desenvolvida pela Corte Constitucional, no que toca ao incremento de êxito dessas mesmas decisões. O registro é empreendido por Rodríguez-Garavito43, é diz respeito à importância de, no curso das atividades de acompanhamento das providências de materialização 42. A título de ilustração, a já referida Sentencia T-025/04 já foi objeto de diversas manifestações judiciais dessa natureza, sendo de se apontar como a mais recente, o Auto de Seguimiento de 11 de março de 2014, Magistrado Ponente Luis Ernesto Vargas Silva. 43. RODRÍGUEZ-GARAVITO, César. Beyond the courtroom: The impact of judicial activism on socioeconomic rights in Latin America. Texas Law Review 89 (2010), Issue 7: p. 1669-1698.

DESAFIOS À JURISDIÇÃO EM POLÍTICAS PÚBLICAS • Vanice Regina Lírio do Valle

da decisão originária, ter-se o envolvimento de entidades da sociedade civil coadjuvando a supervisão. Em verdade, este se apresenta como um elemento-chave para quebrar uma lógica de intercâmbio de informações tão-somente entre as estruturas de poder, o que pode culminar por impedir a verdadeira percepção de quais sejam os efetivos impactos da decisão judicial em execução sobre a realidade que lhe determinou. A contribuição da sociedade, destinatária final da decisão estruturante se tem como indispensável num exercício mais amplo de reconfiguração do programa de ação estatal. A par das decisões estruturantes, vale ainda consignar o particular modo de processamento desenvolvido pela Corte Constitucional da Colômbia no que toca às provocações individuais, veiculadas por acción de tutela^. Aqui, o que se tem de inovador é a reunião de feitos de mesmo teor, versando sobre violação a um mesmo direito, não por simples medida de economia processual ou mesmo de homogeneização do conteúdo da decisão (o que já seria em si uma vantagem suficiente a justificar a proposição). Também se constitui objetivo perseguido pela Corte Constitucional, amealhar, a partir de uma diversidade de casos, um quadro fálico mais rico, que lhe permita compreender a controvérsia em todas as suas possíveis manifestações. Observe-se que a inspiração é substantivamente distinta do tratamento conferido no sistema brasileiro - seja quando a hipótese envolve a atuação de Tribunais Superiores, seja quando se tenha demandas de massa em instâncias ordinárias. A lógica do sistema processual brasileiro é a de seleção de um caso paradigma - do recurso com repercussão geral, do recurso repetitivo, ou ainda do meio de impugnação que requer uniformização de jurisprudência - que uma vez indicado, terá por consequência paralisar o processamento de todos os demais. Essa é uma orientação que claramente favorece uma lógica de celeridade e racionalização de esforços - mas ela não assegura necessariamente a formação do melhor quadro de análise em favor da Corte. Isso porque não existem critérios normativos para a identificação de qual deva ser o caso-paradigma. É certo que em favor dessa solução, milita o argumento de que preceituar o critério de seleção do caso-paradigma poderia engessar a eleição do leading case, e conduzir a uma má escolha. De outro lado, a míngua de critério normativo, o que prevalecerá (no mais das vezes) é o parâmetro prático do

44. Registre-se ainda que a Corte Constitucional contempla a figura da Sentencia Unificada ou ainda Sentencio de Unifícación, onde se empreende à harmonização entre decisões prévias, suas inclusive, que eventualmente possam guardar alguma dissintonia. Significa dizer que eventuais equívocos provenientes numa leitura inadequada da moldura fática da discussão podem ainda ser solucionados Por esta y ia-

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first-in, first served - que igualmente não assegura a excelência do precedente que se elege como aquele sobre o qual se debruçará a Corte.

Até aqui, a rigor, não se tem substantiva inovação em relação àquilo que o Supremo Tribunal Federal já afirmou no cenário brasileiro, nos termos da narrativa sumariada nos itens l e 2 acima. O desenho em abstraio das potencialidades institucionais de controle judicial de políticas públicas, numa e noutra Corte só se diferenciam pela peculiaridade dos direitos reputados sindicalizáveis "por conexão". O que se apresenta distinto na experiência colombiana, é a preocupação em complementar essa mesma afirmação de competência para o controle de políticas públicas, com o esforço de desenvolvimento do que seja o conteúdo desses mesmos direitos reputados desprotegidos. Em verdade, a relação é de interdependência recíproca; se o que se admite controlar são as violações, por exemplo, ao mínimo vital, impõe-se explorar o que seja esse mínimo, sem o que não se poderia aferir a própria legitimidade em si da atuação substitutiva da Corte.

Na experiência colombiana, essa problemática da seleção do paradigma representativo da controvérsia se tem por mitigada, eis que a pluralidade de casos submetidos à Corte permite a formação de um quadro mais rico e detalhado das multifacetadas manifestações da problemática postas no mundo da vida. Mas não só nesse aspecto tem-se práticas inovadoras pela Corte Constitucional da Colômbia. Também no que toca à definição de conteúdo em si do direito de que se cuida, como parâmetro prévio e indispensável ao escrutíneo de política pública, tem-se na Colômbia uma abordagem interessante. É o que se examina na sequência. 3.2.

Construção paulatina de critérios definidores do conteúdo em si do direito fundamental tutelado

Segundo elemento que vale destacar na prática do desenvolvimento do controle de políticas públicas na Colômbia diz respeito à preocupação em construir-se, por agregação, não só o modelo em si de controle judicial de políticas públicas, como também o conteúdo dos direitos que hão de ser servidos por esses mesmos programas de ação estatal. Limites à atuação da Corte na revisão judicial da ação estatal se teve por pioneiramente desenhados na SU-111/97, onde se estabeleceu que não constitui vocação da jurisdição constitucional permitir em regra, a atuação substitutiva da Corte Constitucional45. De outro lado, já neste precedente mesmo - e em outros que o seguiram - a Corte afirmou a possibilidade, excepcional, de intervir nas hipóteses em que se tenha violação a direitos socioeconômicos assim qualificados "por conexão"; a direitos revestidos de eficácia imediata por previsão expressa da Carta; e ainda ao mínimo vital.

Uma vez mais, o recurso a um precedente é útil para a compreensão acerca de qual seja a dinâmica da Corte, e na hipótese, traz-se à colação a decisão recente havida na Sentencia T-616/10, relacionada à proteção ao direito fundamental ao acesso à água46. Já na abertura de sua ementa, a Corte refere aos atributos anteriormente por ela reconhecidos a este direito fundamental47. Tal enunciação genérica é detalhada no corpo do acórdão, em subtítulo da decisão denominado "Alcance e interpretación dei contenido dei derecho fundamental ai agua", onde se tem referenciados quase uma centena de precedentes no tema específico, cada qual deles exemplificando situações concretas em que se teve por violado o direito, o que autorizara antes a intervenção judicial corretiva da atuação da Administração Pública48. 46. COLÔMBIA. Corte Constitucional. Sentencia T-616/10, Magistrado Ponente Luis Ernesto Vargas Silva, julgado em 5 de agosto de 2010. 47. to Corte Constitucional ha protegido por via de tutela diferentes aspectos dei derecho ai agua relacionados con Ia garantia mínima de Ia (i) disponibilidad, (ii) calidad, (iii) acceso y (iv) no discriminación en Ia distribución, en consonância con Ia obligación de emplear el máximo de los recursos que se díspongan para hacer efectivo el derecho ai agua a todos sus habitantes. 48.Completando a ilustração, a Corte afirma que o atributo "qualidade" assegura direito a água em

45. "... Lajurisdicción constitucional y el conjunto de los instrumentos que componen su arsenal defensivo, asume y promueve el normal funcionamiento de los órganos dei Estado y limita su intervención ol

adequadas condições químicas e físicas aceitáveis (T-410/03); que a exigência de "disponibilidade" pode bloquear a pretensão de corte do serviço quando (T-546/09) "...si los efectos de ia suspensión

contrai de los limites externos desu actuación con miras a preservar Ia legitimidad constitucional que ha de caracterizar invariablemente el ejercicio de los poderes constituídos. La misián de Ia jurisdic-

se concretan en un desconocimiento desproporcionado a los derechos constitucionales de sujetos

cián constitucional no es exactamente Ia de sustituir a los órganos dei Estado, sino Ia de frenar sus

vida de una comunidad". Há ainda referência à circunstância de que também o atributo "disponibilidade" atrai para a Administração que realize obra pública com possível comprometimento ao

desviadones respecto dei plano constitucional. El remédio constitucional dei amparo no se edifica sobre Ia anulación dei esquema constitucional de Ias funciones y poderes dei Estado. Existen falias de Ias personas que Ia Corte no puede enmendar sin subvertir el orden constitucional y aminorar hasta un grado extremo Ia propia responsabilidad personal..." (COLÔMBIA. Corte Constitucional. Sentencia SU-111/97, Magistrado Ponente Eduardo Cifuentes Munoz, julgado em 6 de março de 1997).

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o establecimientos especialmente protegidos o en una grave afectación en Ias condiciones de

fornecimento de água, o dever de assegurar o fornecimento mediante mecanismos alternativos (T-381/09). O atributo de não-discríminação viu-se dotado de conteúdo com a afirmação de que não se tinha por admissível a apropriação desproporcional em favor de uma determinada coletividade, de cursos d'água ou outros recursos necessários à garantia desse mesmo direito de acesso à água (T-244/94).

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Uma vez sistematizado o "estado da arte" fixado nos precedentes da Corte Colombiana quanto à jusfundamentalidade do direito à água e seus atributos em concreto, prossegue ela na elaboração do conteúdo em si do direito para afirmar que a garantia de acesso é de ser assegurada mediante o reconhecimento do direito do demandante de ver-se conectado à rede pública existente, assumindo ele os custos inerentes, cabendo, todavia, a ele, demandante, suportar os custos inerentes a essa ligação, na forma determinada pela própria Corte49. Interessante observar a afirmação do direito em si ao acesso ao serviço público, sem que, todavia, disso resultasse o dever da Administração ou de sua concessionária, de priorizar o interesse localizado do demandante - donde a solução intermediária e nitidamente pragmática, de garantir a possibilidade de ligação à rede públicas, desde que às expensas do interessado. Essa construção de sentido paulatina, com um diálogo permanente em relação às decisões anteriores da própria Corte não se constitui uma excepcionalidade - ao contrário, esse mesmo padrão se tem em vários outros temas a ela submetidos50. Vale destacar o aspecto inegavelmente pedagógico de uma decisão judicial que, agregando atributos e elementos definidores do conteúdo de um direito fundamental, evidentemente esclarece à Administração Pública quais sejam os padrões de conduta por ela desenvolvidos que estejam adequados (ou não) ao desiderato constitucional.

3.3.

Diálogo permanente entre a dimensão exigível do direito, e aquela desejável: a Corte como instância de recomendação

Terceiro aspecto da experiência colombiana que merece apontar, diz respeito ao reconhecimento permanente de que em se cuidando de controle 49. Este particular aspecto da decisão está expresso no item 4 das conclusões do acórdão da referida ST616/10: "...Cuarto. ADVERTIR a Empresas Públicas de Medellín E.S.P que el senor Hernán Galeano Díaz unicamente podrá asumir el costo correspondiente a Ia instalación de Ias tuberías desde el punto de Ia red pública más cercana hacia el interior dei inmueble, así como el valor dei medidor, omitiendo el pago de estúdios técnicos e intervenciones adicionales que se requieran para que el actor pueda ser conectado a Ia red local de acueducto. En cualquier caso, antes de iniciar Ias obras correspondientes, Empresas Públicas de Medellín deberá indicar ai actor cuál es el valor que debe asumir el usuário, para Ilegar a un acuerdo de pago que prevea, de ser necesario, un sistema de financiación." 50. Esse mesmo exercício de construção de sentido por agregação no que toca ao direito fundamental a moradia se tem por sumariada em VALLE, Vanice Regina Lírio do; GOUVEA, Carina Barbosa. Direito à moradia no Brasil e na Colômbia: uma perspectiva comparativa em favor de um construtivismo judicial. In: XXIII Encontro Nacional do CONPEDI, 2014, Florianópolis. Direitos sociais e políticas públicas l: XX//I Encontro Nacional do CONPEDI. Florianópolis: CONPEDI, 2014. p. 219-245.

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judicial de políticas públicas - e de proteção jurisdicional a direitos fundamentais - é de se ter em conta a existência do ideal, e daquilo que seja de já exigível. Esse reconhecimento de uma dupla esfera de proteção dos direitos fundamentais, que por sua vez é de se refletir nas respectivas políticas públicas, leva a Corte a admitir que sua atuação possa compreender comandos mandatórios, mas também recomendações, indicações ou advertências. No plano do mandatório, tutela-se diretamente a violação a direito; no terreno da recomendação, aponta-se as características que a ação estatal deve adquirir de modo a prosseguir na trilha de máxima efetivação dos compromissos finalísticos traçados pela Constituição. No precedente acima indicado no tema do direito à água, já se apontou a advertência empreendida pela Corte, que buscava assegurar o desenvolvimento pela concessionária de água, destinatária de outros comandos, a adequada implementação do que se determinava naquele julgado51. Ali, a um só tempo se tinha uma provisão mandatória (assegurar ao demandante o direito a ligar-se à rede existente), mas também uma de recomendação, onde se sinalizava o que poderia ser exigível, para futuro inclusive, da concessionária - a saber, a cobrança do usuário interessados em conectar-se à rede, dos custos diretamente relacionados a esse resultado. Outra hipótese que bem ilustra esta estratégia tem-se na recente decisão traduzida na ST-528/1452, onde se pretendia a outorga de tutela para a garantia em favor do demandante a continuidade de procedimento de inseminação artificial que iniciara no sistema público de saúde, e que fora interrompido por descontinuação daquele tipo de programa público. A decisão examina profusamente a relação entre o direito a procriar e aquele à personalidade, dentre outros aspectos - para ao final concluir que não obstante tudo isso, não se tinha nesse tema, mínimo vital violado que pudesse determinar a providência de tutela pretendida em favor do demandante. Não obstante isso, a Corte exorta o Ministério da Saúde, no item 2 de suas conclusões, para que "inicie uma discussão pública e aberta de uma política pública que inclua na agenda a possibilidade de ampliar a cobertura do Plano Obrigatório de Saúde para essas mesmas técnicas científicas." Em resumo, programa público de inseminação artificial não é mandatório - mas é desejável, e eis que envolve as inevitáveis escolhas alocativas numa seara onde toda inversão de recursos é relevante, deve ser objeto da correspondente deliberação coletiva. 51. Ver nota 49 acima. 52. COLÔMBIA. Corte Constitucional. Sentencia T-528/14, Magistrado Ponente Maria Victória Calle Corrêa, julgado em 18 de julho de 2014.

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Na incorporação de uma função de "aconselhamento", tem-se uma evidente fuga da lógica tradicional que vê na jurisdição, a função politicamente neutra e tecnicamente orientada de solução do conflito de interesses com uma determinação sempre e sempre cogente, autoritativa. A recomendação empreendida pela Corte, ainda que não se revista de coercibilidade, externa a interpretação empreendida pelo órgão revestido desta mesma competência, no sentido de que há um curso de ação posto ao Estado lato sensu, que ainda não se tem por exigível - mas que é de todo recomendável a partir do texto constitucional. A reiteração da omissão absoluta no que toca a um programa de ação antes recomendado desenvolver pela Corte Constitucional se reveste de uma carga negativa mais grave, eis que não se pode mais pretender apontar dúvida quanto ao dever de agir naquela seara. Mais ainda, robustece-se um futuro quadro indicador de omissão suscetível de superação judicial, quando não obstante o apontamento pela Corte da importância do desenvolvimento da correspondente política pública, isto resta descartado na agenda da Administração.

tência de que o debate em torno de direitos é o mesmo que o debate sobre empowerment, e que a efetividade destes mesmos direitos constitui uma redistribuição de poder social dos privilegiados para a cidadania comum. Se esta é a compreensão, soa mais do que adequado que se possa conter no arsenal processual disponibilizado para o exercício do controle judicial de políticas públicas, mecanismos em que o papel da jurisdição seja impulsionar o debate público - e não, de início, substituir as instâncias políticas que a rigor, devem funcionar naturalmente. É certo que persistindo a inércia, e tendo-se por caracterizada já a violação mesmo a direito, caberá o controle judicial corretivo - mas o percurso antes à via da recomendação traduz um tipo de decisão judicial que harmoniza a proteção a direitos com o zelo pela recondução dos demais braços especializados de poder à sua trilha de atuação originalmente assinalada pela Carta Fundamental. Esse é o resultado ótimo da jurisdição constitucional - já que a Carta de 1988 não dispensa de controle o adequado funcionamento da arquitetura do poder.

Tem-se aqui uma clara incorporação da proposta externada também por Rodríguez-Garavito53, segundo a qual é de se reconhecer às decisões judiciais, mais do que o potencial clássico, material e direto de entrega ao demandante, do bem ou serviço que ele reclama. Também o efeito material indireto - em que se aponta a conduta desejável, com vistas a influenciar a deliberação pública quanto ao tema objeto de consideração - é possível à decisão judicial, especialmente no campo de políticas públicas, onde já se afirmou neste mesmo texto, a participação plural é relevante.

4.

AVALIANDO O POTENCIAL DE TRANSPOSIÇÃO DA MATRIZ DE DECISÃO COLOMBIANA PARA A REALIDADE BRASILEIRA

O percurso às inovações exploradas no subitem anterior sugere, decerto, dificuldades iniciais na transposição dos experimentos para o cenário brasileiro. O primeiro deles, que salta aos olhos diz respeito à incorporação ao debate judicial, como elemento relevante, da dimensão fática da controvérsia - aqui, a referência se faz à atuação das Cortes Superiores, que como se sabe, tem por já sumulada a inviabilidade do revolvimento de matéria de fato nas vias recursais a elas submetidas, consectário da circunstância de que não se tem no manejo dos recursos constitucionais a consagração de uma terceira hipótese de revisibilidade da decisão judicial originária.

Ainda que se veja neste tipo de atuação da Corte - em que se empreende a uma recomendação, não revestida de força coercitiva - em aspecto puramente simbólico, é possível que ele seja suficiente para catalisar as forças sociais, e conferir prioridade a uma determinada temática que se via negligenciada na agenda social e/ou política.

Se é certo que essa exclusão da possibilidade da análise da matéria de fato se tem por sumulada nos conhecidos Verbetes n° 7 do STJ e 279 do STF; não é menos verdade que tal dogma se tem por temperado, seja pela própria jurisprudência da Corte, seja até mesmo na perspectiva preceituai. No campo jurisprudencial, a análise da matéria de fato se tem por eventualmente desenvolvida a título de sua requalificação jurídica55. Já no plano preceituai têm-se as

Devolver - ainda que na forma de recomendações ou exortações - um determinado tema à deliberação coletiva pode ser a melhor forma de enfrentamento de questões que envolvam o desenvolvimento ou reformatação de políticas públicas em searas controversas. É de Cepeda-Espinosa54 a adver53. RODRÍGUEZ-GARAVITO, César. Beyond the courtroom: The impact of judicial activism on socioeconomíc rights in Latin America. Texas Law Review 89 (2010), Issue 7: p. 1669-1698. 54. CEPEDA-ESPINOSA, Manuel José. Judicial activism in a violent context: The origin, role, and impact of the Colombian Constitutional Court. Washington University Global Studies Law Review 3 (2004): p. 529-700.

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55. A título de ilustração, afirmando que "... a atribuição de efeitos jurídicos distintos aos fatos assentados pelas instâncias ordinárias não é incompatível com o recurso especial..." cite-se BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, EDcl nos EDcl no AgRg nos EDcl no REsp 790.903/RJ, Rei. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI,

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previsões contidas na Lei 9.868/99 relacionada às audiências públicas e amiciambas fartamente utilizadas pelas Cortes Superiores, ambas inequivocamente destinadas a aumentar o espaço de contato entre a discussão técnico-jurídica submetida à Corte, e o plano de realidade sobre a qual ela incide; seja com o aporte de informação técnica, seja com o auscultar do sentimento da sociedade Significa dizer que mesmo essa rejeição inicial que as Cortes Superiores têm para com a matéria de fato não se apresenta como um cânon inteiramente insuperável, e que admitiria uma abertura ao conhecimento, diria mesmo que sem modificação legislativa substantiva. É certo que na reflexão sobre uma proposta desta natureza, é de se ter o cuidado de não recair nos efeitos que os referidos Verbetes n°s 7 e 279 pretenderam evitar, a saber, a rotinização do reexame do substrato fático - mas isso é um desafio que reclama engenho e arte na formulação da hipótese. Analisada, de outro lado, a figura em si da jurisdição estruturante; mais uma vez cuida-se de provimento que não contém previsão expressa em nosso sistema normativo - o que não parece, igualmente, se constitua impedimento absoluto a uma experimentação neste sentido. Em verdade, conta-se com exemplo recente no Estado de São Paulo, em que iniciativa desse mesmo cariz se está a desenvolver. A referência se faz à decisão proferida na Apelação n° 0150735-64.2008.8.26.0002, havida em Ação Civil Pública onde se buscava o provimento pelo Município de São Paulo, de educação infantil a um número expressivo de crianças. Naqueles autos se empreendeu a audiência pública, com vistas a subsidiar uma solução estrutural para uma problemática que envolvia a abertura de 150.000 (cento e cinquenta mil) vagas em creches e pré-escolas para crianças entre zero e cinco anos de idade. O acórdão ali proferido na sequência, envolveu a determinação de providências estruturantes, como o provimento de recursos orçamentários correspondentes nas subsequentes Leis de Meios, a apresentação de plano e ampliação das vagas e de relatórios de acompanhamento quanto a essas mesmas propostas etapas. Merece destaque a circunstância de que no referido precedente paulista, tem-se em discussão exatamente o mesmo direito enfrentado no leading case em que o STF afirmou a controlabilidade das políticas públicas, RE 410715 QUARTATURMA, julgado em 07/10/2014, DJe 29/10/2014). Na mesma linha de compreen ao, a . que " .£ vedado o reexame de fatos e provas por efeito da Súmula 7/STJ em processos

s

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AgR56 - o que parece sugerir que os mecanismos tradicionais de enfrentamento do conflito a partir da perspectiva do litígio individual, antes usados naquele mesmo Estado, em Município vizinho, não se revelaram aptos a gerar o resultado desejado, a saber, a tutela ao direito. Vale consignar que nesta experiência pioneira havida no Judiciário paulista, já se teve em conta a necessidade do concurso de outras instâncias para o desenvolvimento do referido acompanhamento, tendo a decisão apontado a necessária intervenção da Coordenadoria de Infância e Juventude, a quem se atribuiu ainda o mister de "...articular com a sociedade civil e com outros órgãos do Tribunal, com a Defensoria Pública e com o Ministério Público, se necessário, a forma de acompanhamento da execução da decisão, seja no tocante à criação de novas vagas, seja no referente ao oferecimento de educação com qualidade, nos termos do que está sendo determinado..." A lógica parece ser exatamente aquela de ampliar a esfera de diálogo e de supervisão, na etapa de cumprimento da decisão judicial. Decerto que a iniciativa - inovadora - haverá de encontrar toda sorte de dificuldades na sua execução; mas ela por si demonstra não se ter impedimento normativo real ao desenvolvimento também em terras brasileiras, de experiências de jurisdição estrutural, onde se busque empreender efetivamente ao controle judicial de política pública no sentido amplo da expressão. O tema do desenvolvimento paulatino do conteúdo em si do direito fundamental, este parece ser uma pauta urgente na realidade brasileira. Isso porque, nos termos do exposto no item 2 acima, não é a enunciação em si de um direito no Texto Fundamental, e menos ainda o signo de eficácia imediata que emanada no art. 5°, § 1° CF que equaciona o tema de seu conteúdo. Também não equaciona devidamente a questão, a prática que se tem disseminado na doutrina e na jurisprudência pátrias, de associar-se um vasto elenco de cláusulas vagas para encobertar um decisionismo que é nefasto quando se cuida de promoção de direitos cujo objetivo principal é a justiça social. A associação das locuções em abstraio direito fundamental + mínimo essencial + dignidade da pessoa tem servido como cobertura para todo o tipo de decisão judicial, que firmada a partir de critérios vagos e imprecisos, não tem qualquer compromisso com a coerência e a homogeneização. Mais do que isso, desprovido de critérios jurídicos que confiram densidade ao

.

baseadas em iaudo penda,. 3. Situações excepcionais, porém, 3°™*"°'**'°'* ° (BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 880.102/TO, Rei. Ministro HUMBERTO MARTINS, TURMA, julgado em 25/11/2008, DJe 16/12/2008).

56. Ver nota de rodapé ns 7 acima.

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conteúdo em si do direito, menos ainda disporá o Judiciário de elementos para efetivamente desenvolver o controle de políticas públicas - cuja adequação e eficiência só se pode aferir quando se tem em conta qual o direito que ela objetiva efetivar. Pior, a ausência de critérios mais densos sobre o conteúdo do direito, mascarado pelo uso quase que retórico da trilogia direitos fundamentais + mínimo essencial + dignidade da pessoa pode conduzir muitas vezes à substituição do direito em si pretendido, por prestações pecuniárias, na prática que antes já qualifiquei como mercantilização dos direitos fundamentais57. Aqui, o mais grave está no caráter evidentemente regressivo de uma decisão que abdica de promover o incremento do direito, e "transaciona" com o que não é suscetível de transação ou renúncia, que é a preservação em si do direito fundamental58. O ponto de partida para um novo pensamento acerca de um modelo adequado de controle judicial de políticas públicas - em abstrato ou mesmo no caso concreto - requer a revisão de um velho dogma, segundo qual o direito define o instrumento jurisdicional que se possa manejar, e o conteúdo em tese possível da decisão. É certo que o direito pleiteado é o ponto de partida para a configuração da demanda - desde o atendimento às condições da ação, até a identificação do conteúdo de provimento jurisdicional em tese possível. Mas é de se reconhecer que a rigor, esta não é uma via de mão única, cujo sentido seja dos direitos para o remedy. No campo do controle judicial de políticas públicas, é possível que a decisão judicial configure o conteúdo do direito - de forma expressa, como o tem feito a Corte Constitucional da Colômbia; ou de forma sub-reptícia, como muitas vezes acontece na realidade brasileira. Quando no debate em torno dos mecanismos de proteção ao direito fundamental a moradia, a decisão judicial tem por procedente o pedido de um filho que não mais deseja morar com o pai - e não tem como prover por seus próprios meios, sua moradia - tem-se a afirmação de que o direito fundamental à moradia compreende não só a proteção contra o desabrigo, mas também a possibilidade do provimento 57.VALLE, Vanice Lírio do, Judicialization of Socioeconomic Rights in Brazil: Mercantilization of the Fundamental Rights as a Deviance in Rights Protection (January 18, 2014). Paper presented in the 3rd YCC Conference- American Society of Comparative law, at the Lewis & Clark University, Portland, Oregon, in April, 2014.. Available at SSRN: http://ssrn.com/abstract=2511648. 58.0 exemplo mais comum no cotidiano forense no Rio de Janeiro são as demandas em torno de conflitos relacionados à proteção ao direito à moradia, em que a solução se estabelece em grande número de vezes, com a ordem de pagamento de "aluguel social" - recursos que uma vez pagos em espécie, não há como saber se efetivamente revertem na promoção deste mesmo direito.

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estatal dos meios de sustento de uma escolha pessoal do filho de não mais residir com a família. A relação intrínseca entre provimento jurisdicional e a definição do conteúdo do direito, num movimento de duplo sentido (do direito para a jurisdição, e de novo da jurisdição para o direito) é matéria por demais debatida no cenário internacional59, e é de ser reincorporada ao debate pátrio, especialmente no delicado terreno do controle de políticas públicas. Quebra-se com isso a suposição de que o provimento jurisdicional nestas matérias limita-se a corrigir uma desfuncionalidade do sistema - a jurisdição aqui define mesmo o conteúdo do direito, e nesse mister, pode estar a ampliar exageradamente suas fronteiras, ou ainda a apequena-las. Retomando ideias iniciais do conceito em si de políticas públicas, elas envolvem escolhas igualmente públicas, que traduzem prioridades (observada a moldura constitucional) que uma coletividade fixa para si mesma. Este é um exercício que recomenda especial signo democrático. A atuação judicial em temas dessa natureza, decerto é possível - assim já o disse o Supremo Tribunal Federal. Ela pode ser mesmo desejável, como mecanismo de superação dos bloqueios que o processo político possa apresentar, ou mesmo de empréstimo de voz e vez àquelas minorias que por essa mesma condição, dificilmente alcançarão as prioridades na formação de agenda de políticas públicas. O que, todavia, não se pode admitir, é que esse tipo de intervenção se dê de forma desavisada, sem a percepção do impacto efetivo que a decisão judicial pode determinar na configuração de um direito - efeito esse que pode mesmo se revelar regressivo. É preciso que o Judiciário tenha por claro o papel que esteja a desenvolver nesse cenário, sem se ocultar na velha convicção da absoluta separação entre direito e política. A conjugação das estratégias figuradas pela Corte Constitucional da Colômbia auxilia a prevenção de vários destes riscos, seja na busca da coerência interna de suas decisões, seja o azeitamento de canais de comunicação com a Administração Pública de molde a restituir a configuração do direito aos canais

59. Daniel Friedmann. Rights and Remedies (1997). LQR113:424, Marsha S. Berzon, Rights and Remedies. La. L. Rev. 64 (2003): 519; Frank H. Easterbrook, Limits on Judicial Power in Ordering Remedies: Panei IV-Civil Rights and Remedies, The. Harv. JL & Pub. Pol'y 14 (1991): 103Charles F. Sabei, and William H. Simon. "Destabilization rights: How public law litigation succeeds." Harvard Law Review (2004): 10151101; Daryl J. Levinson, Rights Essentialism and Remedial Equilibration, Columbia Law Review (1999): 857-940; Margaux J. Hall and David C. Weiss. Human Rights and Remedial Equilibration: Equilibrating Socio-Economic Rights. Brooklyn Journal of International Law 36.2 (2011); Thomas M. Antkowiak, Remedial Approaches to Human Rights Vio/ations: The Inter-American Court of Human Rights and Beyond. Columbia Journal of transnational law 46.2 (2008).

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democráticos. Isto constitui profunda inovação na compreensão tradicional do papel do Judiciário no controle da atuação estatal destinada à proteção de direitos fundamentais. Mas nenhum momento será tão propício para esse repensar, como este em que todo o processo civil se reinventa.

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LITÍGIO ESTRATÉGICO E ARTICULAÇÃO ENTRE JURISDIÇÕES: O CASO GUERRILHA DO ARAGUAIA Eloísa Machado de Almeida1

Sumário: Introdução; Direitos humanos e a integração entre sistemas; Sistema interamericano de proteção de direitos humanos; O caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) versus Brasil; Conclusão; Referencias bibliográficas; Jurisprudência mencionada

INTRODUÇÃO

A noção de litígio estratégico está associada à utilização mais eficiente do sistema de justiça para a solução de problemas complexos e persistentes2. O adjetivo estratégico significa que o caso a ser trabalhado no sistema de justiça terá a capacidade de oferecer respostas para além daquelas esperadas em um litígio comum, ou seja, seu impacto e sua relevância serão maiores3. Não há, entretanto, um único modelo de litígio estratégico, já que tudo dependerá

1. Professora da FGV Direito SP, nos cursos de graduação e pós graduação, onde coordena e ministra o curso sobre Litigio Estratégico de Interesse Público. Doutoranda em Direitos Humanos peia Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, mestra em Política pela Pontifícia Universidade Católica e São Paulo, onde também se formou como bacharel em Direito. Advogada e consultora em projetos internacionais. 2. A literatura que aborda a questão do litígio estratégico costuma fazê-lo através de estudos de caso, reconstruindo as escolhas e a trajetória de um determinado litígio. Neste sentido, ver Garavito e Franco (2010); Rizzi e Ximenes (2014); Vieira e Almeida (2011); Cardoso (2011); dentre outros. 3. Cardoso (2011) faz a distinção entre um litígio orientado ao cliente de outro orientado ao tema. Não nos parece, entretanto, que esta seja uma diferenciação relevante para abordar o litígio estratégico, sobretudo quando o cliente, enquanto vitima de violação de direitos humanos, possui papel central da definição da estratégia.

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do problema que se pretenda ver enfrentado. O diagnóstico da situação e a identificação da origem do problema jurídico a ser resolvido são exercícios fundamentais.

erro4. A depender das respostas oferecidas pelas instituições do sistema de justiça, a estratégia poderá mudar. Ademais, geralmente este tipo de litígio vem associado a outras intervenções, como advocacy, campanhas e trabalho de mídia. Assim pontuamos eu e Vieira:

Por exemplo, pode-se enfrentar uma determinada posição jurisprudencial como a definição em patamares irrisórios de indenizações por execuções sumárias perpetradas por agentes públicos. Neste caso, uma das possibilidades será a majoração do valor de indenização, através de provas melhor elaboradas, novas teses jurídicas ou mesmo a evidência de falta de coerência no Judiciário. Por outro lado, se o problema a ser enfrentado for a exclusão de um determinado grupo de pessoas a uma proteção legal, deve-se procurar a origem dessa exclusão e as ferramentas jurídicas capazes de oferecer uma resposta adequada. Neste sentido, é interessante notar como um mesmo caso pode ser trabalho de distintas formas: por exemplo, um casal homossexual que gostaria de partilhar bens poderia ter seu problema resolvido tanto com um contrato, como com a ampliação do regime de bens oferecido aos casais heterossexuais. Na primeira hipótese, o compartilhamento de bens é resolvido; no segundo, a origem da exclusão é enfrentada. O mesmo pode ser identificado nos litígios que procuram a realização de direitos sociais. O caso mais emblemático parece ser o das creches: a atuação individual com o objetivo de obter vagas em creches e a atuação coletiva que procure, no Judiciário, o reforço necessário a uma determinada política pública. Quando aplicada aos direitos humanos, a litigância estratégica pretende ver alteradas algumas práticas violadoras persistentes e sistemáticas, através do uso do sistema de justiça nacional e internacional. Pressupõe-se, assim, a identificação do Judiciário como um espaço capaz de apresentar respostas a estes problemas (Gloppen, 2006). Ainda assim, sendo dirigida a problemas complexos, a litigância estratégica muitas vezes não terá como pretensão equacionar definitivamente o problema, mas criar curtos-circuitos que possam ser aproveitados para desestabilizar estas práticas persistentes, "expor a inadmissibilidade de condutas violadoras, visando à responsabilização dos perpetradores e sobretudo buscando abrir canais institucionais para que estas práticas sejam superadas" (Vieira e Almeida, 2011, p. 208). Não há, assim, uma restrição de meios pelos quais são elaborados os litígios estratégicos: eles podem ser individuais, coletivos e em todos os ramos do direito. O que difere o litígio estratégico dos demais, portanto, é a forma de litigar, que envolve diagnóstico do problema, planejamento, análise de riscos e dos espaços onde se dará este litígio, avaliação e ajustes do plano, já que muito do trabalho se dá, invariavelmente, como tentativa e

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"A opção por utilizar um grande número de ações de distinta natureza, voltadas a atacar uma questão específica, tem por objetivo a desestabilização de práticas de violações sistemáticas de direitos humanos arraigadas nas instituições brasileiras, buscando, por meio de ações judiciais, obrigar essas instituições a aperfeiçoarem os seus processos de controle, transparência e participação. A prática sistemática e violação de direitos humanos por essas instituições pressupõe o mau funcionamento dos mecanismos de controle, de forma que a impunidade passa a ser elemento central na perpetuação das violações". (Vieira e Almeida, 2011, p. 196).

Este artigo analisa o litígio contra as violações aos direitos humanos ocorridos no período de ditadura militar sob o viés da estratégia de acesso ao sistema interamericano e a relação deste com as instituições do sistema de justiça nacional, através do estudo do caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) versus Brasil. O processo instaurado na jurisdição do sistema interamericano de direitos humanos teve por objeto as violações de direitos humanos ocorridas durante o período ditatorial brasileiro, especificamente o desaparecimento de 70 pessoas na chamada Guerrilha do Araguaia. Com a Lei 6.683/79, a Lei de Anistia, estava impossibilitada a alternativa de buscar responsabilização e reparação no sistema de justiça brasileiro. O sistema interamericano foi acessado, assim, da forma mais clássica, como a retaguarda da proteção de direitos humanos quando as garantias nacionais falham. O cenário foi alterado, por sua vez, com o litígio constitucional instaurado pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, via arguição de descumprimento de preceito fundamental. Com isso, um litígio do sistema interamericano que se daria de forma subsidiária ao nacional foi feito concomitantemente, gerando decisões praticamente simultâneas entre o Supremo Tribunal Federal e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. É certo que cada um destes órgãos decide referenciado em distintas ordens jurídicas, um em controle de constitucionalidade e outro em controle de convencionalidade. Porém, com a centralidade que os direitos humanos ocupam no ordenamento jurídico constitucional, estas instâncias

4. Apesar de não existir um modelo, a litigância estratégica pressupõe, como mencionamos, diagnóstico do problema a ser enfrentado, uma cuidadosa escolha do caso a ser trabalhado, a análise das opções disponíveis, os riscos e benefícios de cada uma delas, além da conjugação com outras medidas, como campanhas, seminários, mídia, etc.

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se tornam permeáveis umas às outras, exigindo respostas de integração entre ambos os sistemas. A Comissão e a Corte Interamericanas se debruçaram sobre a adequação da Lei da Anistia aos tratados internacionais de proteção de direitos humanos e o Supremo Tribunal Federal analisou sua constitucionalidade. Entretanto, ao considerarmos que os tratados internacionais de proteção de direitos humanos integram o chamado bloco de constitucionalidade (Piovesan, 2000), as decisões de ambas as jurisdições deveriam ter mecanismos de integração. Foi justamente a ausência de mecanismos de integração entre sistemas que tornou esse caso particularmente problemático: decisões contraditórias transformaram a validade da Lei de Anistia em um paradoxo. Este artigo pretende explorar este paradoxo e apresentar como os litígios instaurados contra a Lei da Anistia foram capazes de desestabilizar relações que já estavam consolidadas entorno da não responsabilização pelas violações perpetradas por agentes do Estado durante o regime militar. DIREITOS HUMANOS E A INTEGRAÇÃO ENTRE SISTEMAS

Como um dos pressupostos deste artigo, que nos permitirá analisar o caso Guerrilha do Araguaia sob a perspectiva do diálogo entre a jurisdição nacional e a internacional, está a consideração de que a dignidade humana se tornou o centro gravitacional, a unidade axiológica, de nosso sistema constitucional. Através dela é que se daria a integração entre os sistemas jurídicos nacionais e internacionais, já que não haveria uma real diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais, enquanto, respectivamente, normas de direito internacional e direitos constitucionais. Assim, o valor central da dignidade humana na Constituição Federal de 1988, que se apresenta já no artigo 1° como um dos fundamentos da República brasileira, seria o instrumento capaz de integrar a normativa internacional de direitos humanos com o texto constitucional. Essa "conclusão advém de interpretação sistemática e teleológica do texto, especialmente em face da força expansiva dos valores da dignidade humana e dos direitos fundamentais, como parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenómeno constitucional" (Piovesan, 2008). Esta abordagem é sustentada por uma série de razões, como a cada vez maior aproximação dos ordenamentos nacionais e internacionais em matéria de direitos humanos e fundamentais; a proteção jurídica dos direitos humanos e a integração entre interpretações emitidas por diferentes jurisdições (RAMOS,

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2014, p. 50). O sistema constitucional estaria, assim, permeável aos tratados internacionais de direitos humanos e, também, aos órgãos responsáveis por sua interpretação. Como menciona Piovesan: "[...] a partir da Constituição de 1988 intensifica-se a interação e conjugação do Direito internacional e do Direito interno, que fortalecem a sistemática de proteção dos direitos fundamentais, com uma principiologia e lógica próprias, fundadas no princípio da primazia dos direitos humanos. Testemunha-se o processo de internacionalização do Direito Constitucional somado ao processo de constitucionalização do Direito Internacional" (Piovesan, 2008). Neste sentido, se por muito tempo vigorou a compreensão de que direitos fundamentais seriam aqueles positivados, especialmente em cartas de direitos constitucionais, e de que os direitos humanos, carentes de maior força normativa, seriam meros enunciados cujo cumprimento estava no âmbito do voluntarismo ao invés de ser uma obrigação jurídica5 (Dimoulis e Martins, 2007), atualmente ela não se mostra mais correta, por três razões principais. Em primeiro lugar porque os direitos humanos internacionais encontram diversas vias de positivação nos ordenamentos jurídicos nacionais, inclusive com status de norma materialmente constitucional, compondo um robusto bloco de constitucionalidade (Piovesan, 2008) e "erodindo o sentido de termos separado rigidamente o mundo internacional dos direitos humanos e o mundo constitucional dos direitos fundamentais" (Ramos, 2014, p. 52). E, além de serem materialmente constitucionais, contam com mecanismos, chamados de cláusulas de abertura, que permitem esta integração, como os parágrafos segundo e terceiro do artigo 5° da Constituição Federal6.

5. Dimoulis sustenta em sua obra que os direitos fundamentais são os direitos humanos positivados, não havendo grande diferenciação de enunciados. Apesar de existir este processo de positivação de direitos humanos internacionais, como f i ca evidente na proteção jurídica que se confere a crianças e adolescentes no Brasil, por exemplo, não limitamos a expressão direitos humanos fundamentais a esta "reiteração" de positivação. Isto é mais relevante se levarmos em consideração direitos que estão enunciados no plano internacional, mas que não têm correlação enquanto direito fundamental, como a proibição de prisão civil por dívida ou ainda a o direito à revisão judicial. Em nosso entendimento, ambos fazem parte do que estamos chamando de direitos humanos e fundamentais (Dimoulis e Martins, 2007). 6. Em especial os parágrafos do artigo. 59 da Constituição Federal: "§2^ Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. § 39 Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais".

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Em segundo lugar, porque a existência e atuação cada vez mais incisiva das jurisdições internacionais deixou evidente a proteção judicial que paira sobre estes direitos, independentemente de sua formalização por via constitucional, como o caso Guerrilha do Araguaia, objeto de nosso estudo. Além dele, entretanto, muitos outros comprovam essa vinculação, como o caso Maria da Penha7, Carandiru8, Alyne Pimentel9, entre outros, que impuseram, desde o sistema interamericano ou do sistema global, obrigações ao Brasil.

nacionais e internacionais, em razão do caráter aberto e indeterminado de sua terminologia. Isto porque, se por um lado conseguimos argumentar que os direitos humanos fundamentais seriam aqueles indispensáveis a uma vida digna, "pautada na liberdade, igualdade e dignidade" (Ramos, 2014, p. 27), por outro segue sendo bastante difícil determinar o que isto significa. Apenas a partir de um processo de interpretação10 seria possível determinar o real alcance de um direito humano e fundamental. Assim, as interpretações feitas pelos órgãos internacionais especializados teriam o condão de auxiliar intérprete a preencher o conteúdo de certas normas.

E, por fim, em terceiro lugar, os direitos humanos fundamentais passariam por um processo de integração a partir da interpretação, feita pelos órgãos l'. O caso Maria da Penha foi admitido pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que recomendou uma série de medidas ao Estado brasileiro. O Brasil acabou editando uma legislação específica de proteção à mulher e combate à violência doméstica no marco desse caso internacional. A Comissão determinou ao Brasil as seguintes medidas, consideradas cumpridas em solução amistosa: "61. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos reitera ao Estado Brasileiro as seguintes recomendações:!. Completar rápida e efetivamente o processamento penal do responsável da agressão e tentativa de homicídio em prejuízo da Senhora Maria da Penha Fernandes Maia; 2. Proceder a uma investigação séria, imparcial e exaustiva a fim de determinar a responsabilidade pelas irregularidades e atrasos injustificados que impediram o processamento rápido e efetivo do responsável, bem como tomar as medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes; 3. Adotar, sem prejuízo das ações que possam ser instauradas contra o responsável civil da agressão, as medidas necessárias para que o Estado assegure à vítima adequada reparação simbólica e material pelas violações aqui estabelecidas, particularmente por sua falha em oferecer um recurso rápido e efetivo; por manter o caso na impunidade por mais de quinze anos; e por impedir com esse atraso a possibilidade oportuna de ação de reparação e indenização civil; 4. Prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil. A Comissão recomenda particularmente o seguinte: a) Medidas de capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica; b) Simplificar os procedimentos judiciais penais a fim de que possa ser reduzido o tempo processual, sem afetar os direitos e garantias de devido processo; c) O estabelecimento de formas alternativas às judiciais, rápidas e efetivas de solução de conflitos intrafamiliares, bem como de sensibilização com respeito à sua gravidade e às consequências penais que gera; d) Multiplicar o número de delegacias policiais especiais para a defesa dos direitos da mulher e dotá-las dos recursos especiais necessários à efetiva tramitação e investigação de todas as denúncias de violência doméstica, bem como prestar apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes judiciais; e) Incluir em seus planos pedagógicos unidades curriculares destinadas à compreensão da importância do respeito à mulher e a seus direitos reconhecidos na Convenção de Belém do Pará, bem como ao manejo dos conflitos intrafamiliares", CIDH, Relatório Anual 2000, Caso 12.051 Maria da Penha Maia Fernandes versus Brasil, Relatório Final 54/01, p. 61. 8. O massacre do Carandiru também foi objeto de solução amistosa na Comissão Interamericana, resultado, por exemplo, na demolição da antiga Casa de Detenção do Carandiru. CIDH, Relatório 34/00 , Caso 11.291 Pessoas assassinadas no Carandiru versus Brasil. 9. O caso Alyne Pimentel foi denunciado no Comité sobre Eliminação da Discriminação contra a Mulher da ONU (CEDAW), por discriminação racial no acesso a sérvios de saúde e violação de direitos reprodutivos que levaram Alyne à morte. O Comité condenou o Brasil a, além de reparação pecuniária a sua família, adoção de uma série de medidas simbólicas e de adequação de políticas públicas, como treinamento de médicos e enfermeiros, o acesso de grávidas a serviços obstétricos de emergência a serem fornecidos pelos serviços públicos e privados de saúde, dentre outras. CEDAW/C/49/D/17/2008.

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Todos estes fatores (direitos materialmente constitucionais; atuação incisiva dos tribunais internacionais e determinação do alcance dos direitos a partir de interpretação) seriam responsáveis pela cada vez maior interação entre os sistemas nacional e internacional em matéria de direitos humanos e fundamentais. Isso, porém, não sem enfrentar dificuldades. O caso Guerrilha do Araguaia é capaz de demonstrar tanto este processo de integração entre sistemas como também as dificuldades e os desafios daí advindos. Sistema interamericano de proteção de direitos humanos O sistema de proteção e promoção interamericano de direitos humanos, no âmbito da Organização dos Estados Americanos, é formado por dois órgãos, a Comissão e a Corte Interamericana, a quem compete averiguar e acompanhar o cumprimento das obrigações assumidas pelos Estados-parte nos tratados internacionais regionais. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos tem as suas atribuições definidas na Convenção Americana de Direito Humanos, sendo a principal delas "promover a observância e a defesa dos direitos humanos" (art. 41 CADH). Todos os Estados-parte da OEA estão submetidos às atividades da Comissão11 e, como consequência, todos eles podem ser denunciados por violações a direitos humanos previstos neste sistema regional. 10. Esta abordagem se adequa melhor à teoria externa dos direitos fundamentais. Entretanto, não é objetivo deste artigo fazer uma digressão sobre esse ponto. Para aprofundamento, ver em Alexy (2002). 11. A Comissão está prevista na Carta da OEA e a Convenção Americana de Direitos Humanos estabelece que a condição de membro da OEA já é suficiente para submeter os Estados às suas funções. Este ponto assume maior importância em casos de violações de direitos humanos perpetrados por Estados que não admitem a função jurisdicional da Corte Interamericana, como os Estados Unidos da América. A atuação da Comissão se torna, nesses casos, muito relevante, a exemplo das denúncias sobre Guantánamo, sobre as quais já existem Resoluções, casos e medidas cautelares conferidas pela Comissão. A atuação da Comissão neste caso pode ser vista em http://www.oas.org/pt/cidh/ppl/decisiones/ Guantanamo.asp.

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o recurso não for capaz de reparar o dano ou o tribunal for manifestamente contrário ao pleito da vítima (Ramos, 2014, p. 322) ou ainda se o sistema de justiça interno demorar de maneira injustificada para oferecer uma resposta adequada à vítima.

Já a Corte Interamericana de Direitos Humanos é um órgão jurisdicional e consultivo do sistema regional, a quem compete o julgamento das denúncias de violação aos direitos humanos. Porém, afeta apenas àqueles Estados que se submeteram expressa e voluntariamente a sua jurisdição12. Apenas a Comissão e os Estados membros podem levar casos à Corte, o que torna a Comissão uma espécie de antessala da jurisdição internacional para os demais peticionários. Neste caso, apenas quando as recomendações da Comissão não são voluntariamente cumpridas pelos Estados é que se abre a hipótese de envio do caso à Corte.

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O sistema de denúncias é acessível, além de aos Estados-parte, a qualquer pessoa, grupo de pessoas ou organizações não governamentais legalmente reconhecidas em um dos Estados-parte da OEA. Para que sejam admitidas, as violações devem ser alegadas em face da Declaração e Convenção Americana (ratione materiae) contra um dos Estados-parte da OEA (ratione personae) e devem se referir a atos cometidos enquanto submetidos à Comissão e à Corte13 (ratione têmporas). Além disso, a denúncia deve demonstrar que os recursos judiciais internos do país foram esgotados, o que pode se dar pelo trânsito em julgado de um caso, pela ausência de devido processo legal, pelo impedimento da vítima de acessar os recursos internos ou esgotá-los (como, por exemplo, nas hipóteses de ausência de legitimidade ativa para determinado recurso14), quando

12. A Convenção traz as seguintes disposições: "Artigo 62 - 1. Todo Estado-parte pode, no momento do depósito do seu instrumento de ratificação desta Convenção ou de adesão a ela, ou em qualquer momento posterior, declarar que reconhece como obrigatória, de pleno direito e sem convenção especial, a competência da Corte em todos os casos relativos à interpretação ou aplicação desta Convenção. 2. A declaração pode ser feita incondicionalmente, ou sob condição de reciprocidade, por prazo determinado ou para casos específicos. Deverá ser apresentada ao Secretário Geral da Organização, que encaminhará cópias da mesma a outros Estados-membros da Organização e ao Secretário da Corte. 3. A Corte tem competência para conhecer de qualquer caso, relativo à interpretação e aplicação das disposições desta Convenção, que lhe seja submetido, desde que os Estados-partes no caso tenham reconhecido ou reconheçam a referida competência, seja por declaração especial, como prevêem os incisos anteriores, seja por convenção especial". 13. As violações devem ter ocorrido quando os Estados-parte de comprometem com a OEA e com a Declaração e Convenção Americana (na hipótese da Comissão) ou quando se submetem expressamente à jurisdição da Corte. 14. A Comissão Interamericana já considerou que um pedido de federalização pendente não representa ausência de esgotamento de recursos internos para efeitos de admissão de denúncia no sistema interamericano: "61. A Comissão considera que esta possibilidade de federalizar a investigação de graves violações de direitos humanos é de suma importância e, por isso, tinha recomendado a adoção desta medida em seu Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil de 1997[19]. Neste sentido, este novo remédio poderia constituir o recurso adequado e eficaz nos termos do artigo 46.1 a da Convenção Americana e, portanto, nas circunstâncias apropriadas, os peticionários poderiam estar

Assim, o sistema interamericano de promoção e proteção de direitos humanos tem um forte caráter subsidiário, sendo possível acessá-lo apenas nas hipóteses em que já ficou comprovada a incapacidade do sistema de justiça nacional em oferecer uma resposta a uma determinada violação de direitos humanos. Não é por outro motivo que as violações à justiça são a maior parte das alegações nas denúncias apresentadas ao sistema interamericano (Abramovich, 2009). Neste ponto é importante fazer uma ponderação sobre a capacidade do sistema interamericano em oferecer respostas às violações perpetradas pelos Estados-parte da OEA. São incomparáveis as condições estruturais dos sistemas de justiça nacionais e do sistema interamericano e este jamais será capaz de absorver toda a demanda da região, sobretudo de for acessado como uma instância recursal. O próprio sistema interamericano enfrenta muitas dificuldades em ver as suas decisões implementadas. Estudo de Basch (2010), a partir das medidas impostas pela Corte e Comissão Interamericanas15, indicou que a metade delas era ignorada, havendo o cumprimento parcial em 14% e total em apenas 36% (Basch et ai, 2010, p. 18). As medidas sugeridas em soluções amistosas, ainda no âmbito da Comissão Interamericana, foram as que conseguiram um maior grau de cumprimento, em 54% dos casos, em contraposição a apenas 29% de cumprimento em decisões da Corte e em 11% dos Relatórios Finais da Comissão (Basch et ai, 2010, p. 20).

obrigados a esgotá-lo. 62. As considerações expostas levam à Comissão a determinar que, de acordo com o texto do artigo 109 da Emenda Constitucional NS 45, o Procurador-Geral de Justiça "poderá" solicitar o deslocamento à Justiça Federal, de modo que ele tem tanto a faculdade como a discricionariedade para determinar se o caso apresenta ou não os caracteres necessários para solicitar que a Justiça Federal assuma sua competência. Neste sentido, a Comissão já se pronunciou com relação a que, se em um processo existe uma faculdade para que ele ou os funcionários competentes instaurem uma ação judicial determinada e não o fazem, não se pode fazer recair as consequências negativas desta omissão sobre os peticionários. De modo particular, a Comissão entende que se o Procurador-Geral insta a federalização da investigação de acordo com o artigo 109.5 da Constituição, os peticionários deverão aguardar o resultado da mesma, a fim de cumprir o requisito do esgotamento dos recursos internos, a menos que se configurem algumas das exceções previstas no artigo 46.2 da Convenção. No presente caso, o Procurador-Geral não instou a federalização da investigação, portanto, os peticionários não estavam obrigados a seu esgotamento". CIDH, Relatório de admissibilidade 41/07, Petição 998/2005 Lazinho Brambilla vs. Brasil, par. 61 e 62. 15. Os autores analisaram 462 medidas de diversos tipos e em distintas etapas do processo no sistema interamericano.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Estes números indicam que o uso do sistema interamericano como urna outra instância recursal das jurisdições nacionais pode torná-lo insustentável, minando sua capacidade de oferecer boas respostas para o avanço dos direitos humanos na região. Esse tem sido o principal tema nos debates sobre eventuais reformas do sistema. Se é imprescindível que o sistema internacional seja reformado, também é necessário que as instituições do sistema de justiça nacional tenham maior clareza em como aproveitar o sistema regional. Assim, é preciso que o sistema interamericano também seja pensado e usado de forma estratégica, não no sentido de substituir os sistemas de justiça nacionais, mas de aprimorar as suas práticas, como alerta Abramovich (2009): "[...] o valor estratégico do SIDH consiste em sua contribuição para o fortalecimento das instituições democráticas, especialmente a justiça, e para os esforços nacionais para superar os atuais níveis de exclusão e desigualdade. Para tanto, além da consolidação de sua jurisprudência e do desenvolvimento de seu sistema de petições individuais, o SIDH deve considerar seu papel político, colocando em foco os padrões estruturais que afetam o exercício efetivo dos direitos pelos grupos subordinados da população. Para isso deverá resguardar sua função subsidiária dos sistemas nacionais de proteção e buscar que seus princípios e parâmetros se incorporem não apenas na doutrina dos tribunais, mas na orientação geral das leis e nas políticas de governo". (Abramovich, 2009, p. 29).

Isso implicaria não só a necessidade de considerar a interpretação feita pelos órgãos internacionais nas decisões nacionais como também a adequação das demais instituições do sistema de justiça para lidar com o sistema internacional, especialmente no que se refere à execução das decisões internacionais. Quanto à interpretação, Ramos sugere "um giro copernicano da discussão sobre a aplicação dos tratados internacionais de direitos humanos no STF: que seja agregada também ao debate a discussão sobre a interpretação dos tratados pelos órgãos [...]" (Ramos, 2009, p. 824). Já em relação à adequação das instituições para lidar com as decisões, seria necessária a adoção de um regramento mais claro sobre o processo de execução destas decisões internacionais. O caso que analisamos a seguir traz estas duas dimensões da relação entre o sistema nacional e internacional: a permeabilidade da interpretação constitucional às decisões internacionais, ou seja, como a atuação do Supremo Tribunal Federal em sede de controle concentrado de constitucionalidade dialogou com a decisão em controle de convencionalidade exercido pela Corte Interamericana de Direitos Humanos; e a atuação institucional diante da lacuna sobre as atribuições para a execução de decisões internacionais. 536

LITÍGIO ESTRATÉGICO E ARTICULAÇÃO ENTRE JURISDIÇÕES • Eloísa Machado de Almeida

O CASO GOMES LUND E OUTROS (GUERRILHA DO ARAGUAIA) VERSUS BRASIL

O caso Gomes Lund e outros vs. Brasil foi apresentado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos em 7 de agosto de 1995, por duas organizações não governamentais, o Centro pelo Direito e a Justiça Internacional e a Human Rights Watch, em nome de pessoas desaparecidas na Guerrilha do Araguaia e seus familiares16. Os fatos do caso se referem a desparecimentos forçados, tortura e execuções sumárias promovidas pelo Estado brasileiro no período entre 1972 e 1975 contra os participantes da chamada Guerrilha do Araguaia, que ficaram sem a devida investigação e esclarecimentos pelo Estado brasileiro. A Comissão Interamericana considerou estarem presentes na denúncia as condições para a admissibilidade do caso17, na medida em que os fatos alegados representam violações às Declaração e Convenção americanas, alegadamente cometidas por um Estado-parte em seu território. O esgotamento dos recursos internos, por sua vez, foi atestado a partir da exceção de demora injustificada em obter uma resposta judicial, tendo em vista a existência de uma ação ordinária que pretendia ver esclarecidos tais fatos e que tramitava desde 1982, sem uma resposta judicial adequada. Até então, alegada apenas tangencialmente pelos requerentes, a existência da Lei de Anistia como empecilho ao ajuizamento de ações não foi o centro da argumentação sobre as violações às garantias judiciais previstas nos tratados de direitos humanos interamericanos. Foi apenas com o avanço do procedimento e com os argumentos de mérito que este ponto se tornou central na ação. No relatório final de mérito18, a Comissão afirmou que: "[...] o Estado brasileiro deteve arbitrariamente, torturou e desapareceu os membros do PCdoB e os camponeses listados no parágrafo 94 deste Relatório. Além disso, a CIDH conclui[u] que, em virtude da Lei 6.683/79 (Lei de Anistia), promulgada pelo governo militar do Brasil, o Estado não levou a cabo nenhuma investigação penal para julgar e sancionar os responsáveis por estes desaparecimentos forçados; que os recursos judiciais de natureza civil com vistas a obter informação sobre os fatos não foram efetivos para garantir aos familiares dos desaparecidos o acesso à informação sobre a Guerrilha do Araguaia; que as medidas legislativas e administrativas adotadas pelo Estado restringiram

16. CIDH, Comissão interamericana de Direitos Humanos. Caso 11.552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros vs. Brasil. 17. CIDH, Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso 11.552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros vs. Brasil. Relatório de Admissibilidade 33/01. 18. CIDH, Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso 11.552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros vs. Brasil. Relatório fina! de mérito 91/08 Brasil, 31 de outubro de 2008, par. 215.

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indevidamente o direito ao acesso à informação desses familiares; e que o desaparecimento forçado das vítimas, a impunidade dos seus responsáveis, e a falta de acesso à justiça, à verdade e à informação afetaram negativamente a integridade pessoal dos familiares dos desaparecidos" (CIDH, 91/08).

A simples existência da Lei de Anistia se torna, assim, uma violação do direito às garantias judiciais, já que impede que as demais violações sejam reparadas. Dentre as recomendações finais emitidas pela Comissão19, está a adoção, pelo Estado brasileiro, de "todas as medidas que sejam necessárias, a fim de garantir que a Lei n° 6.683/79 (Lei de Anistia) não continue representando um obstáculo para a persecução penal de graves violações de direitos humanos que constituam crimes contra a humanidade". As recomendações foram descumpridas pelo Brasil e a Comissão levou o caso à Corte Interamericana em 26 de março de 2009, por violações aos direitos humanos consistentes no desaparecimento forçado de 70 pessoas na Guerrilha do Araguaia e "pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial [...] em virtude da aplicação da lei de anistia à investigação sobre os fatos [...] e da ineficácia das ações judiciais não penais interpostas no marco do presente caso"20. 19. As recomendações da Comissão Interamericana de Direitos Humanos foram: "1. Adotar todas as medidas que sejam necessárias, a fim de garantir que a Lei NS 6.683/79 (Lei de Anistia) não continue representando um obstáculo para a persecução penai de graves violações de direitos humanos que constituam crimes contra a humanidade; 2. Determinar, através da jurisdição de direito comum, a responsabilidade penal pelos desaparecimentos forçados das vítimas da Guerrilha do Araguaia, mediante uma investigação judicial completa e imparcial dos fatos com observância ao devido processo legal, a fim de identificar os responsáveis por tais violações e sancioná-los penalmente; e publicar os resultados dessa investigação. No cumprimento desta recomendação, o Estado deverá levar em conta que tais crimes contra a humanidade são insuscetíveis de anistia e imprescritíveis; 3. Realizar todas as ações e modificações legais necessárias a fim de sistematizar e publicartodos os documentos relacionados com as operações militares contra a Guerrilha do Araguaia; 4. Fortalecer, com recursos financeiros e logísticos, os esforços já empreendidos na busca e sepultura das vítimas desaparecidas cujos restos mortais ainda não hajam sido encontrados e/ou identificados; 5. Outorgar uma reparação aos familiares das vítimas, que inclua o tratamento físico e psicológico, assim como a celebração de atos de importância simbólica que garantam a não repetição dos delitos cometidos no presente caso e o reconhecimento da responsabilidade do Estado pelo desaparecimento das vítimas e o sofrimento de seus familiares; 6. Implementar, dentro de um prazo razoável, programas de educação em direitos humanos permanentes dentro das Forças Armadas brasileiras, em todos os níveis hierárquicos, e incluir especial menção no currículo de tais programas de treinamento ao presente caso e aos instrumentos internacionais de direitos humanos, especificamente os relacionados com o desaparecimento forçado de pessoas e a tortura; e 7. Tipificar no seu ordenamento interno o crime de desaparecimento forçado, conforme os elementos constitutivos do mesmo estabelecidos nos instrumentos internacionais respectivos". CIDH, Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso 11.552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros vs Brasil. Relatório final de mérito 91/08 Brasil, 31 de outubro de 2008, par. 216. 20. CIDH, Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Caso 11.552 Guerrilha do Araguaia Julia Gomes Lund e outros vs Brasil, Relatório final de mérito 91/08 Brasil, 31 de outubro de 2008.

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Em sua defesa perante a Corte, o Brasil alegou, dentre outras questões21, que não estavam esgotados os recursos internos da jurisdição nacional, tendo em vista a existência de um litígio constitucional pendente de análise pelo Supremo Tribunal Federal, a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF 153), cujo objeto era justamente a declaração de que a Lei n° 6.683/79 (Lei de Anistia) violaria preceito fundamental da Constituição de 1988. De fato, concomitante à Recomendação Final da Comissão, em outubro de 2008, a Ordem dos Advogados do Brasil deu início a este litígio constitucional. Com isso, jurisdição nacional e internacional passaram a analisar a validade da mesma lei, uma sob o parâmetro da Constituição e outra pelo do direito internacional dos direitos humanos, ambos, porém, integrados em matéria de direitos humanos e fundamentais. Como não poderia deixar de ser, informações sobre ambas as ações foram intercambiadas nos processos, sobretudo pela atuação de atores que participaram dos dois casos, como a Advocacia Geral da União e o Centro pelo Direito e a Justiça Internacional (Cejil). Antes que houvesse uma decisão da Corte, o Supremo Tribunal Federal julgou a arguição de descumprimento de preceito fundamental improcedente, reafirmando a validade e constitucionalidade da Lei da Anistia e a supremacia da Constituição aos textos dos tratados internacionais, como já havia estipulado em julgamentos anteriores. O principal argumento utilizado foi o de que a anistia no Brasil se constituiu como instrumento a partir do qual foi possível dar início a um processo de conciliação nacional, que se mostrou, ao final, bem-sucedido, motivo pelo qual não poderia ser revisto: "É a realidade histórico-social da migração da ditadura para a democracia política, da transição conciliada de 1979, que há de ser ponderada para que possamos discernir o significado da expressão crimes conexos na Lei n. 6.683. É da anistia de então que estamos

21. A síntese elaborada pela Corte sobre as alegações de defesa do Brasil traz as seguintes informações: "Em 31 de outubro de 2009, o Estado apresentou um escrito no qual interpôs três exceções preliminares, contestou a demanda e formulou observações sobre o escrito de solicitações e argumentos (doravante denominado contestação da demanda). O Estado solicitou ao Tribunal que considere fundamentadas as exceções preliminares e, por conseguinte: a) reconheça a incompetência ratione temporis para examinar as supostas violações ocorridas antes do reconhecimento da jurisdição contenciosa da Corte pelo Brasil; b) declare-se incompetente, em virtude da falta de esgotamento dos recursos internos; e c) arquive de imediato o presente caso, ante a manifesta falta de interesse processual dos representantes. Subsidiariamente, quanto ao mérito, o Brasil solicitou ao Tribunal que reconheça 'todas as ações empreendidas no âmbito interno' e 'julgue improcedentes os pedidos [da Comissão e dos representantes], uma vez que está sendo construída no país uma solução, compatível com suas particularidades, para a consolidação definitiva da reconciliação nacional'". Corte IDH, Caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) versus Brasil, sentença de 24 de novembro de 2010.

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a cogitar, não da anistia tal e qual uns e outros hoje a concebem, senão qual foi na época conquistada. Exatamente aquela na qual, como afirma inicial, "se procurou" [sic] estender a anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado encarregados da repressão A chamada Lei da anistia veicula uma decisão política assumida naquele momento — o momento da transição conciliada de 1979" (STF, ADPF 153, ementa)

O fato de existir um processo pendente no sistema interamericano não mereceu uma abordagem central por parte dos ministros, tampouco as obrigações do Brasil decorrentes dos tratados internacionais e a posição contundente da Corte Interamericana sobre a invalidade de leis de autoanistia22. Apenas um dos ministros vencidos, Ricardo Lewandowski, que julgava a arguição procedente, mencionou que "a Corte Interamericana de Direitos Humanos afirmou que os Estados-parte da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - também internalizada pelo Brasil - têm o dever de investigar, ajuizar e punir as violações graves aos direitos humanos" (STF, ADPF 153, acórdão, p. 219). Alguns meses depois, em novembro do mesmo ano, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil, determinando que deveriam ser realizadas as investigações sobre os fatos, buscando uma efetiva responsabilização dos agentes do Estado envolvidos nas mortes e desaparecimentos forçados das vítimas da Guerrilha do Araguaia. Sobre a Lei de Anistia, obstáculo interno para tais investigações, a Corte estabeleceu o seguinte: "As disposições da Lei de Anistia brasileira que impedem a investigação e sanção de graves violações de direitos humanos são incompatíveis com a Convenção Americana, carecem de efeitos jurídicos e não podem seguir representando um obstáculo para a investigação dos fatos do presente caso, nem para a identificação e punição dos responsáveis, e tampouco podem ter igual ou semelhante impacto a respeito de outros casos de graves violações de direitos humanos consagrados na Convenção Americana ocorridos no Brasil". (Corte IDH, Gomes Lund e outros versus Brasil, sentença de novembro de 2010, par. 325.3)

Para a Corte Interamericana, a decisão do Supremo Tribunal Federal foi considerada um "mero fato"23, também em desacordo com a Convenção 22. A jurisprudência do sistema interamericano condena leis de autoanistia. Ver em Corte IDH, Caso Barrios Altos versus Peru. Mérito. Sentença de 14 de março de 2001. 23. A Corte traz a seguinte consideração sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal em revalidar a Lei da Anistia: "49. Em numerosas ocasiões, a Corte Interamericana afirmou que o esclarecimento quanto à violação ou não, pelo Estado, de suas obrigações internacionais, em virtude da atuação de seus órgãos judiciais, pode levar este Tribunal a examinar os respectivos processos internos, inclusive, eventualmente, as decisões de tribunais superiores, para estabelecer sua compatibilidade com a Convenção Americana, o que inclui, eventualmente, as decisões de tribunais superiores. No presente caso, não se solicita à Corte Interamericana a realização de um exame da Lei de Anistia com relação à Constituição Nacional do Estado, questão de direito interno que não lhe compete e que foi matéria do pronunciamento judiciai na Arguição de Descumprimento no 153 (par. 136 infra), rnas que este Tribunal realize

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Americana de Direitos Humanos, já que a sua função é analisar os atos e processos internos frente às obrigações internacionais assumidas pelo país, especialmente aquelas voltadas a promover as mudanças legislativas e administrativas necessárias para se adequar às disposições da Convenção Americana. Com intervalo de poucos meses, dois órgãos jurisdicionais emitiram decisões distintas sobre os mesmos fatos: o STF considerou a Lei da Anistia constitucional e a Corte IDH considerou a mesma lei uma violação aos tratados internacionais de direitos humanos. O fato de as decisões lidarem com parâmetros distintos de controle (um constitucional e outro internacional) não alterou o fato de que duas decisões em sentido contrário foram emitidas. Afinal, como cumprir as decisões se ambas têm pretensão de supremacia e foram emitidas pela cúpula dos respectivos órgãos jurisdicionais? A resposta mais comum dada pela jurisdição nacional está fundada na hierarquia dos tratados internacionais de direitos humanos. Compartilhando a construção de que estas normas possuem status supralegal porém infraconstitucional24, as decisões internacionais também estariam nesta mesma posição, subordinando-se à Constituição e, consequentemente, às decisões do tribunal constitucional, o Supremo Tribunal Federal. Há de se convir, entretanto, que esta solução fragiliza o sistema internacional de proteção de direitos humanos, criado justamente para fazer frente às incompletudes do constitucionalismo moderno. Se o objetivo deste sistema internacional de direitos humanos é suprir a proteção insuficiente conferida pelos Estados, submeter os tratados e as decisões internacionais ao crivo interno é simplesmente ilógico. A verdade é que ainda não há no ordenamento jurídico nacional um instrumento voltado a conciliar ambos os sistemas ou mesmo implementar as decisões internacionais25. Também é certo que o caso estudado neste artigo é o primeiro a exigir este esforço, pois até então, não havia se instaurado uma um controle de convencionalidade, ou seja, a análise da alegada incompatibilidade daquela lei com as obrigações internacionais do Brasil contidas na Convenção Americana. Consequentemente, as alegações referentes a essa exceção são questões relacionadas diretamente com o mérito da controvérsia, que podem ser examinadas por este Tribunal à luz da Convenção Americana, sem contrariar a regra da quarta instância. O Tribunal, portanto, desestima esta exceção preliminar". Corte IDH, Gomes Lund e outros versus Brasil, sentença de novembro de 2010, par. 49. 24. Refiro-me ao estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal no RE 466.343, onde o debate sobre a hierarquia dos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos foi retomado para alterar o entendimento do tribunal, passando da tese da posição ordinária dos tratados para a supralegal e infraconstitucional, com exceção daqueles incorporados já de acordo com o §39 do artigo 5^ da Constituição Federal de 1988. 25. PL 4667/2004 dispõe sobre o assunto.

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contradição entre as decisões nacionais e internacionais26. Este espaço de indeterminação causado pela decisão sobre a Guerrilha do Araguaia permitiu, por sua vez, que as instituições fossem instadas a responder de forma distinta. Este é um ponto central na discussão que sugerimos neste artigo. Sob a perspectiva de um litígio estratégico, a atuação no sistema interamericano foi capaz de desbloquear a jurisdição nacional para um tema que não havia tido nenhuma chance nos tribunais pelas vias ordinárias. É fundamental perceber, entretanto, que isso só foi possível a partir da apropriação da decisão por instituições do sistema de justiça nacional, no caso, o Ministério Público Federal, que se declarou vinculado à decisão e passou a incorporar em sua atuação as ações voltadas à responsabilização criminal dos militares envolvidos na repressão durante a Ditadura Militar, como deixa evidente o disposto em nota técnica elaborada para fundamentar esta atuação. "O Ministério Público Federal, no exercício de sua atribuição constitucional de promover a persecução penal e de zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos aos direitos humanos assegurados na Constituição, inclusive os que constam da Convenção Americana de Direitos Humanos e que decorram das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos, está vinculado, até que seja declarado inconstitucional o reconhecimento da jurisdição da Corte, ao cumprimento das obrigações de persecução criminal estabelecidas no caso Gomes Lund e outros versus Brasil"27.

A primeira ação penal foi proposta pelo Ministério Público Federal em fevereiro de 2012 contra Sebastião Curió Rodrigues de Moura para vê-lo processado e julgado por promover, mediante sequestro, a privação permanente da liberdade de militantes da Guerrilha do Araguaia. O feito tramitou perante a 2° Vara da Subseção Judiciária de Marabá/PA28. Os fundamentos da denúncia apresentada indicam ser obrigação do Ministério Público Federal, em cumprimento ao determinado na sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund vs. República Federativa do Brasil, promover investigação penal e requerer a instauração de ação penal contra integrantes das Forças Armadas Brasileiras que concorreram em práticas de agressão física e moral durante a ditadura militar.

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Como era de se esperar, a denúncia não foi recebida, justamente por considerar vigente a Lei da Anistia, sobretudo quando corroborada pelo Supremo Tribunal Federal. A decisão depois foi revertida em grau de recurso, gerando o recebimento da primeira denúncia por crimes vinculados ao período da ditadura militar no Brasil. Após esta, outras centenas de processos de investigação e mais de uma dezena de ações penais29 foram instauradas pelo Grupo de Trabalho de Justiça de Transição30 do MPF para averiguar fatos relacionados aos crimes cometidos por agentes do Estado que antes estavam sob guarida da até então intocável da Lei da Anistia. Especificamente em relação ao caso do Araguaia, duas ações penais foram recebidas e, depois, sobrestadas mediante recursos interpostos pelos réus. Os tribunais, nestes casos, consideraram que a extinção da punibilidade em razão da existência da Lei da Anistia. Estas informações foram repassadas, dentre outras, à Corte Interamericana, para efeitos de acompanhamento da cumprimento de sua decisão31. Ao analisar as informações de que a Lei de Anistia continua a ser um empecilho para a promoção da responsabilização

29. Os dados mais recentes divulgados pelo Grupo de Justiça de Transição do Ministério Público Federal em fevereiro de 2015 apontam a existência de mais de 290 processos de investigação e 12 ações penais. A nota informava ainda que os nomes identificados pela Comissão Nacional da Verdade também seriam investigados. A nota pode ser acessada no link: http://noticias.pgr.mpf.mp.br/noticias/ noticias-do-site/copy_of_pdfs/notapub!icampf-relatoriocnv-revisado-2-l.pdf.

31. Conforme previsto nos artigos 33, 62.1, 62.3 e 65 da Convenção Americana, artigo 30 do Estatuto da Corte e artigo 69 do Regulamento da Corte.

28. Processo n°- 1162-79.2012.4.01.3901, 2i Vara da Subseção Judiciária de Marabá/PA- Rejeição da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal, jul. em 16 de março de 2012.

30.Conforme explica o Relatório sobre as atividades de persecução penal desenvolvidas pelo MPF em matéria de graves violações a DH cometidas por agentes do Estado durante o regime de exceção (2008-2012): "O GTJT foi constituído pela Portaria 21 da 2a Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, datada de 25.11.11, e teve sua constituição ampliada e modificada pelas Portarias 28 (de 31.01.12), 36 (de 08.05.12), 47 (de 02.08.12) e 51 (de 28.08.12). Nos termos do art. Io da Portaria 21, incumbe ao grupo examinar os aspectos criminais da sentença da Corte IDH no caso Gomes Lund vs. Brasill com o objetivo de fornecer apoio jurídico e operacional aos Procuradores da República para investigar e processar casos de graves violações a DH cometidas durante o regime militar. Segundo o § Io do mesmo artigo, cabe também ao GTJT buscar "fomentar ambiente propício para a reflexão sobre o tema e para a tomada de posições institucionais - e não isoladas - sobre a questão". Para tanto, a portaria atribuiu ao grupo as funções de: a) definir um plano inicial para a persecução penal; b) identificar os casos abrangidos pela sentença aptos à incidência da lei penal; c) definir o juízo federal perante o qual serão propostas as ações penais, de acordo com as disposições internacionais e os dispositivos constitucionais e legais; d) examinar a investigação de crimes de quadrilha, nos casos em que os vínculos estabelecidos ainda durante a ditadura militar permaneceram íntegros até momento recente (§§ 3o e 4o do mesmo artigo)" (MPF, Relatório sobre as atividades de persecução penal desenvolvidas pelo MPF em matéria de graves violações a DH cometidas por agentes do Estado durante o regime de exceção 2008-2012, Brasília, 2013, p. 8)

27. Parecer técnico da lavra de André de Carvalho Ramos, André Raupp e Andrey Mendonça, aprovado pela V Câmara do MPF e juntado aos autos dos Embargos de Declaração da ADPF n? 153.

26. Os casos nos quais o Brasil havia sido condenado pela Corte Interamericana até então se deram de forma subsidiária e sem que uma decisão do STF fosse questionada.

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dos agentes do Estado, a Corte declarou32 que o Brasil estava descumprindo a sua decisão, pois: "[...] Nas referidas decisões judiciais não foi realizado o controle de convencionalidade entre as normas internas e a Convenção Americana. A Corte insiste na obrigação dos juizes e tribunais internos de realizar um controle de convencionalidade, especialmente quando existe coisa julgada internacional, já que juizes e tribunais têm um importante papel no cumprimento ou implementação da Sentença da Corte Interamericana. O órgão judicial tem a função de fazer prevalecer a Convenção Americana e as decisões desta Corte sobre a normatividade interna, interpretações e práticas que obstruam o cumprimento do disposto em um determinado caso. Nesta tarefa, devem ter em consideração não somente o tratado, mas também a interpretação que do mesmo fez a Corte Interamericana, intérprete última da Convenção Americana". (Corte IDH, 2014, par. 19).

A existência de uma nova arguição de descumprimento de preceito fundamental pode alterar este conflito estabelecido entre a jurisdição constitucional e a interamericana. A ADPF 320 foi proposta em meados de 2014, enquanto a Corte Interamericana analisava o cumprimento da sentença, com o objetivo de declarar que as decisões judiciais que aplicam a Lei da Anistia e negam cumprimento à decisão da Corte Interamericana violam preceitos fundamentais constitucionais, notadamente aqueles que incorporam as normas de direitos humanos no ordenamento jurídico nacional. A Procuradoria Geral da República, que é partícipe do processo constitucional33, apresentou parecer pela procedência da arguição. Apesar de, na prática, dispor sobre a mesma lei (Lei da Anistia), a ação ataca atos do poder público distintos dos identificados na ADPF 153. Este 32. A supervisão da sentença conta com a participação dos requerentes, da Comissão Interamericana e do Brasil, que informam à Corte sobre o andamento do cumprimento da sentença. Após, a Corte emite uma resolução declarando quais pontos foram cumpridos e quais ainda permanecem pendentes. Quanto a esta obrigação específica, a Corte determinou que: "23. Em razão de todo o exposto, a Corte conclui que a medida de reparação relativa à obrigação de investigar os fatos do presente caso encontra-se pendente de cumprimento. Por isso, o Tribunal requer que em seu próximo relatório o Estado apresente informação atualizada e detalhada sobre: i) o estado em que se encontram as ações penais iniciadas em relação aos fatos ocorridos a respeito de seis das vítimas do presente caso, assim como se foram iniciadas novas ações penais a esse respeito; ii) as razões pelas quais não se estariam investigando os fatos violatórios em detrimento das demais vítimas deste caso, e iii) os esforços que o Estado estaria empreendendo para garantir que a interpretação e aplicação da Lei de Anistia, a prescrição e a falta de tipificação do delito de desaparecimento forçado não continuem sendo um obstáculo para o cumprimento do ordenado pela Corte no presente caso". Corte IDH, Caso Gomes Lund e outros ("guerrilha do Araguaia") vs. Brasil. Supervisão de cumprimento de sentença. Resolução da Corte Interamericana de Direitos Humanos, de 17 de outubro de 2014, par. 23, íntegra disponível em http://www.corteidh. or.cr/docs/supervisiones/gomes_l 7_10_14_por.pdf. 33. Lei 9.882/99, artigo 59, §2^.

LITÍGIO ESTRATÉGICO E ARTICULAÇÃO ENTRE JURISDIÇÕES • Eloísa Machado de Almeida

caso está, portanto, longe de ter fim. Há que se aguardar ainda qual seria a postura do Supremo Tribunal Federal ao analisar, em grau de recurso, essas ações penais ou mesmo como lidará com esta nova arguição em sede de controle concentrado de constitucionalidade. Como alerta Suiama, "a discussão de fundo do caso Gomes Lund diz respeito à compatibilização dos sistemas nacionais de justiça criminal com as demandas colocadas pela comunidade internacional no que se refere à efetiva repressão a graves violações de direitos humanos" (Suiama, 2014, p. 405). Ainda assim, já é possível afirmar que o uso do sistema internacional de proteção de direitos humanos de forma concorrente ao sistema nacional abriu a possibilidade de uma nova frente de atuação da proteção de direitos humanos, como demonstra o litígio estratégico do caso Guerrilha do Araguaia34. CONCLUSÃO

A centralidade da dignidade humana em nossa Constituição promove uma abertura do ordenamento jurídico nacional às normas internacionais de proteção dos direitos humanos, criando um bloco de proteção dos direitos humanos e fundamentais (Piovesan, 2000). Mais do que uma integração de normas, este processo representa uma integração entre sistemas de proteção dos direitos humanos. Neste cenário, a litigância estratégica em direitos humanos é capaz de movimentar ambos os sistemas de proteção, com vistas a desestabilizar práticas persistentes de violação de direitos humanos (Vieira e Almeida, 2011). O caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) versus Brasil é exemplar nesta modalidade de litígio, cujo impacto foi majorado pela utilização concorrente entre jurisdições, com demandas de grande impacto tramitando concomitantemente na jurisdição constitucional e interamericana. Os desafios de integração entre ambos os sistemas também são perceptíveis neste caso: decisões contraditórias nas jurisdições constitucional e internacional expõem a necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos de diálogo entre eles, quer através de um procedimento de execução das decisões internacionais, quer pelo aprimoramento do controle de convencionalidade a

34. Piovesan (2014) considera que, "ao endossar a relevante jurisprudência internacional sobre a matéria esta inédita decisão da Corte Interamericana irradia extraordinário impacto na experiência brasileira" (Piovesan, 2014, p. 462), como a criação da Comissão Nacional da Verdade (Lei 12.528/2011) e da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011).

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

ser exercido pela jurisdição nacional. Por ouro lado, este caso também ilustra como as instituições do sistema de justiça podem vir a desempenhar um papel determinante ao aproveitar o curto circuito criado pelo litígio estratégico.

LITÍGIO ESTRATÉGICO E ARTICULAÇÃO ENTRE JURISDIÇÕES • Elolsa Machado de Almeida

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POLÍTICA AMBIENTAL - 1a VARA DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE CRICIÚMA/SC (JUSTIÇA FEDERAL) - AÇÃO CIVIL PÚBLICA N.2 93.8000533-4 (CASO CRICIÚMA) SENTENÇA EM 05 DE JANEIRO DE 2000 Resenha por Thais Aranda Barrozo1

Em 05/01/2000, o juízo da 1a Vara Federal da Circunscrição Judiciária de Criciúma, da Seção Judiciária de Santa Catarina, proferiu sentença de total procedência na Ação Civil Pública de autos n.° 93.8000533-4, movida pelo Ministério Público Federal (MPF) com vistas à reparação de danos ambientais provocados por empresas atuantes no ramo da extração de carbono em várias regiões do Estado de Santa Catarina2. A sentença objeto desta resenha conta 72 laudas, sendo que, destas, 18 destinam-se a seu relatório, cuja análise permite conhecer a síntese do caso submetido ao Judiciário. A referida ação foi proposta em face: (a) das empresas carboníferas Nova Próspera Mineração S/A (sucessora da Carbonífera Próspera), Companhia

1. Doutoranda em Processo Civil pela Universidade de São Paulo. Professora da Universidade Estadual de Londrina 2. A tramitação completa da ação civil pública, cuja sentença constitui o objeto da presente resenha, encontra-se disponível em http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_ resultado_pesquisa&txtValor=199372040005331&selOrigem=SC&chkMostrarBaixados=&todasfases=S &selForma=NU&todaspartes=S&hdnRefld=3c0738aba83cl5ddb8b4f514bcle7328&txtPalavraGerada= NEUX&txtChave=. Acesso em: 20/07/2016.

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afetados3. Por fim, requereu a imposição de multa por atraso da execução da sentença de procedência4.

Carbonífera Urussanga, Carbonífera Criciúma S/A, Carbonífera Metropolitana S/A, Cia. Carbonífera de Araranguá, Carbonífera Barro Branco S/A Carbonífera Treviso S/A, Cia Carbonífera Catarinense, Coque Catarinense Ltda., Carbonífera Palermo Ltda., IBRAMIL - Ibracoque Mineração Ltda • (b) de seus diretores e sócios majoritários João Zanette, Paulo Agrício de Freitas, Realdo Santos Guglielmi, Reginaldo José Guglielmi, (o espólio de) Augusto Baptista Pereira, Fidelis Barato Filho, Gilberto Luiz Zanette, Gilson Heitor Zanette, Valdir Darós, Álvaro Luiz Bocayuva Catão e Sebastião Netto Campos; (c) da União Federal; (d) da Cia Siderúrgica Nacional; e, por fim, (e) do Estado de Santa Catarina.

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O fundamento fático para a referida ação foi a demonstração pelo MPF, fundada em inquérito civil público precedente, de que, entre os anos de 1972 a 1989, as empresas carboníferas acima nominadas realizaram extração irregular de carvão na região carbonífera de Santa Catarina, com a elevação da extração em 80,19% do carvão até então minerado. A extração irregular caracterizava-se por mineração a céu aberto, descuidada disposição de rejeitos sólidos e lançamento de efluentes dos lavadores e drenagens em minas de cursos d'água, comprometendo as terras e as bacias hidrográficas da região. Como conseguinte, a população da região passou a sofrer sérios prejuízos em sua saúde, com o surgimento de novas doenças ou o aumento do índice de outras, citando, a título de exemplo, a elevação do índice de nascimento de bebés anencéfalos. A inclusão dos sócios das mineradoras no polo passivo daquela ação justificou-se na administração culposa de seus empreendimentos, e a da União Federal fundamentou-se na responsabilidade (solidária) por omissão na fiscalização e punição da mineração realizada em violação à legislação ambiental. Os pedidos englobaram a recuperação da região agredida e a indenização pelos danos causados, além do reconhecimento da solidariedade entre os réus para o seu pagamento. Para a recuperação das áreas afetadas, requereu a MPF fossem os réus compelidos à apresentação de um cronograma de execução das tarefas voltadas à amenização dos danos ambientais, com cominação de multa de 1% sobre o valor da causa por mês de atraso no cronograma de execução. Sucessivamente, como medida sub-rogatória (para o caso de inviabilização pelas mineradoras da execução dos trabalhos de recuperação das áreas afetadas), requereu a condenação dos réus ao pagamento de indenização em dinheiro, em valor suficiente à execução por terceiros de projeto de recuperação dos danos ambientais que causaram, sem prejuízo da indenização por danos pessoais acarretados à população dos municípios

Ainda nos termos do relatório da sentença, observa-se que as defesas apresentadas tiveram, quanto à matéria de fundo, um núcleo-base comum, consistente nas seguintes alegações: (a) que a atividade de mineração causa danos por sua própria natureza, sem configurar ilícito ensejador do dever de reparar; (b) que a inicial apontou os danos genericamente, não sendo possível identificar o nexo da causalidade entre esses e a eventual conduta de cada um dos réus; (c) que as mineradoras sempre seguiram as regras fixadas pelo Governo Federal para a realização da atividade de extração mineral, e que este, inclusive, fixa o preço final do produto sem prever parcela destinada à recuperação ambiental; (d) que o direito de lavra decorre de concessão outorgada pela União e por ela controlada mediante determinações para o exercício da atividade mineradora, que não configura, portanto, ato ilícito; (e) que, também, a extração não configura ilícito, porque realizada mediante a concessão de licença ambiental de operação pelo órgão estadual de proteção ao meio ambiente (FATMA); (f) que não podem ser responsabilizadas pelo fato da União Federal, antes de 1988, não ter destinado à recuperação do meio ambiente os valores pagos a título de imposto Único Sobre Minerais (IUM); (g) que a ação civil pública não seria o meio processual adequado para o pedido de reparação de prejuízos individuais, e que tampouco tem o Ministério Público Federal legitimidade para reclamá-los. Também comuns foram as alegações de prescrição da pretensão do Ministério Público Federal e, quanto às defesas apresentadas pelos sócios das mineradoras, a alegação de sua ilegitimidade passiva, por não terem agido com abuso de poder ou desobediência à lei. Como ponto diferencial, cite-se a defesa apresentada pela Nova Próspera Mineração S/A, que fez a denunciação da lide à Companhia Siderúrgica Nacional - CSN, ao argumento que esta se obrigou a assumir todos os encargos ambientais daquela, anteriores a 01/10/1991. Indeferida a denunciação da lide, o MPF requereu a inclusão da CSN e do Estado de Santa Catarina como 3. Estes foram estimados pelo MPF em l salário mínimo por habitante, valores que deveriam ser aplicados na realização de obras de infraestrutura, como hospitais e escolas. 4. O MPF especificou, ainda, em seus pedidos, a forma de rateio entre os réus da indenização pretendida (entre as mineradoras, à proporção do carvão extraído no período de 1972 a 1989, cabendo à União o percentual relativo à extração precedente), pleiteando, ainda, a condenação das mineradoras à reparação de danos individuais acarretados nos 20 anos anteriores ao ajuizamento da ação, eventualmente apurados em liquidação de sentença promovida pelos lesados. Tais pedidos, contudo, não foram acolhidos na sentença.

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litisconsortes passivos. Ambos apresentaram suas respectivas defesas negando qualquer responsabilidade pelos danos ambientais5.

ambientais, adotando o princípio da solidariedade por danos aos interesses difusos8. Quanto aos entes públicos, entende que a competência material comum para acompanhamento e fiscalização das atividades de mineração que geraram o impacto ambiental lesivo (art. 23, XI, da Constituição Federal), impõe-lhes a solidariedade no dever de reparar os danos ambientais fruto de sua inoperância no exercício do poder de polícia 9.

A sentença adentra, então, na parte destinada à sua fundamentação, apresentada em aproximadas 52 laudas. Quanto à alegada prescrição, o juízo afasta-a de plano, por entender imprescritível o direito de ação que verse sobre dano ambiental. No que toca à ocorrência do dano ambiental e o conseguinte dever de reparação, pauta sua decisão na aplicação dos princípios gerais desse ramo do direito - da supremacia do interesse público sobre o privado; da indisponibilidade do interesse público; da prevenção dos danos (da precaução); e, por fim, do desenvolvimento sustentado -, bem como na legislação ambiental aplicável à atividade mineradora e ao meio ambiente, em especial a legislação infraconstitucional que rege a mineração e a exploração do direito de lavra, e dita regras para responsabilização do causador de danos ambientais decorrentes do irregular exercício dessa atividade6. Afirma que a relevância jurídica do bem tutelado, interesse de natureza difusa, impõe ao legislador a adoção da responsabilidade civil do causador do dano ambiental fundada no risco integral, no intuito de tornar eficaz o ressarcimento dos prejuízos, sem onerar a sociedade com o inconveniente de provar que o agente agressor agiu culposamente. A adoção da teoria da responsabilidade objetiva fundada no risco integral implica, portanto, na (a) irrelevância da intenção danosa do agente; (b) irrelevância da licitude da atividade; (c) inversão do ónus da prova; (d) atenuação do relevo do nexo causal7. Com fundamento no art. 1518 do Código Civil, reconhece a responsabilidade patrimonial solidária dos causadores diretos e indiretos dos danos

5. A primeira, ao argumento que nunca realizou a atividade supostamente danosa, eis que apenas assumira o ativo e passivo de uma das mineradoras rés, cujas licenças e concessões de lavra foram alienadas ou transferidas em concorrência públicas, agregando a sua tese aquelas já apresentadas pelos demais réus, já expostas. O Estado de Santa Catarina, de sua vez, afirmou, com fundamento no Código de Minas, que cabe ao titular da lavra o dever de indenizar os prejuízos causados a terceiros e que, ante a omissão da União Federal em sua atividade fiscalizatória e de imposição de medidas de controle, esta se tornou

Por fim, tomando como fato notório que a atividade de mineração se desenvolveu na região dos municípios de Santa Catarina sem qualquer preocupação com o meio ambiente, e com base nas provas dos danos ambientais constantes do inquérito civil, julga procedente aquela ação civil pública, condenando os réus a apresentarem, no prazo máximo de 6 meses contados da intimação da decisão, um projeto de recuperação da área ambiental danificada pela atividade mineradora, com cronograma mensal das etapas do projeto a serem executadas, e com prazo máximo de 3 anos para a sua conclusão. Comina multa de 1% do valor da causa por mês de atraso no prazo de entrega do projeto ou no cronograma de execução. Para a hipótese de inércia dos réus, sem prejuízo da multa cominada, estabelece medida sub-rogatória de contratação, às expensas destes, de terceiro para elaboração e execução do projeto de recuperação ambiental da área degradada pela atividade mineradora. Concede, ainda, às carboníferas, o prazo de 60 dias para ajustamento de suas condutas às normas de proteção ambiental, assinalando igual prazo aos entes públicos para que, por meio de seus órgãos de proteção ao meio ambiente, apresentassem relatórios circunstanciados das atividades fiscalizatórias realizadas em todas as minas da região. Facultando ao MPF manifestar-se sobre o projeto apresentado, reserva ao Judiciário a sua chancela, bem como o poder de fiscalização da sua execução até final conclusão. Muito embora o acórdão proferido por ocasião do julgamento das apelações interpostas não seja objeto do estudo, é de relevo destacar que, em

solidariamente responsável pela composição dos danos advindos da irregular extração do carvão. 6. Este será, inclusive, o argumento para que o STF não aprecie o Recurso Extraordinário interposto pela União Federal, pela Companhia Siderúrgica Nacional e pela Carbonífera Criciúma. Decisão disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=3869326. Aceso em: 27/07/2016. 7. O magistrado cita trecho do artigo de Sérgio Ferraz, constante da obra Ação Civil Pública, de Rodolfo Camargo Mancuso, publicada pela Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1989, p. 167.

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8. Dessa feita, pouco importa em que proporção cada empresa mineradora causou o dano ambiental, pois o simples fato de exercer a atividade lesiva ao meio ambiente já as vincula pela solidariedade. 9. Apenas em relação à empresa Nova Próspera Mineração S/A, sucessora da CSN, é que entendeu que sua responsabilidade seria subsidiária à desta, em vista do que pactuaram em termos de sucessão empresarial. Ressalva, no entanto, a necessária salvaguarda do dever de reparar, que se sobrepõe a qualquer outro de ordem societária.

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em matéria de política ambiental12. Afinal, de nada adiantaria munir o sistema processual brasileiro de meios voltados à tutela jurisdicional de interesses difusos e coletivos, como é o caso da Ação Civil Pública, se não pudesse o Judiciário, ao exercer essa tarefa, ingerir, de alguma forma, na determinação de condutas voltadas à proteção desses interesses13.

22/10/2002, o Tribunal Regional Federal da 4a Região reformou a sentença proferida, julgando improcedente a ação em relação à Mineradora Nova Próspera S/A, ao Estado de Santa Catarina, e aos sócios das carboníferas nominados ao início da presente resenha. Não obstante, quanto à elaboração e execução de projetos de recuperação dos danos ambientais, a obrigação sentencialmente imposta aos réus foi mantida em segunda instância, que apenas elasteceu o prazo para a execução da decisão10.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Interpostos recursos especial e extraordinário pela União Federal, pela Companhia Siderúrgica Nacional e pela Carbonífera Criciúma, o feito tramitou perante as cortes superiores sem qualquer reforma quanto à ordem de execução do projeto para recuperação da degradação ambiental, baixando os autos à origem apenas em 16/09/201411. A decisão, sem dúvidas, é um exemplo claro de atuação jurisdicional no controle de políticas públicas em matéria ambiental, sendo louvável o posicionamento nela adotado quando o julgador, visitando as normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção ao meio ambiente, reconhece a natureza difusa dos interesses envolvidos na disputa judiciária e, constatada a omissão dos entes públicos no exercício de sua atividade fiscalizatória e reguladora da atividade mineradora, acaba por impor a esses entes e, de conseguinte, aos particulares que por longos anos exerceram nocivamente a extração de carbono na região de Santa Catarina, as condutas necessárias à reparação de danos e preservação do bem jurídico tutelado. Observe-se que, nessa tarefa, o julgador fixa a cada agente causador dos danos ambientais (por ação ou por omissão) os respectivos prazos para a elaboração e execução de projetos de recuperação da degradação ambiental constatada, reservando ao Judiciário a chancela desses projetos, bem como a fiscalização e acompanhamento de sua execução. Assume, assim, o magistrado, o papel de verdadeiro "gestor da execução". E que não se diga que, ao assim proceder, tenha indevidamente extrapolado a esfera de sua competência ao exercer atividade regulamentaria e de gestão

10. Informação disponível em: http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_ resultado_pesquisa&txtValor=200104010162153&selOrigem=TRF&chkMostrarBaixados=&todasfases= S&selForma=NU&todaspartes=&hdnRefld=3c0738aba83cl5ddb8b4f514bcle7328&txtPalavraGerada= NEUX&txtChave=. Acesso em 27/07/2016. 11. Informação disponível em: http://www2.trf4.jus.br/trf4/controlador.php?acao=consulta_processual_ resultado_pesquisa&txtValor=199372040005331&selOrigem=SC&chkMostrarBaixados=&todasfases=S &selForma=NU&todaspartes=S&hdnRefld=3c0738aba83cl5ddb8b4f514bcle7328&txtPalavraGerada= NEUX&txtChave=. Acesso em 27/07/2016.

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Não podemos deixar de destacar que, como comumente se observa das decisões de cunho estrutural, o comando sentenciai padece do vício de dificultosa exequibilidade, o que, com certeza, exigiu (e ainda exige) do magistrado adequar a decisão proferida ao caso concreto, mesmo que em fase de execução. Prova disso é a informação de que a sentença deu origem a 12 processos para sua execução provisória, individualizados para cada empresa mineradora executada, contando, apenas um deles, mais de 9000 páginas14. Portanto, alguma "adaptação da sentença", com vistas à sua exequibilidade, por certo vem sendo procedida ao longo desses mais de 15 anos passados da sua prolação. Destacamos, por fim, denotando a dificuldade encontrada pelas partes e pelo julgador na execução da decisão proferida, que o feito ainda se arrasta em sua execução (definitiva apenas a partir do final de 2014, com a baixa dos autos à origem), a despeito da preocupação que teve o juiz, ao proferi-la, de estabelecer o prazo máximo de 3 anos para a elaboração, execução e conclusão dos projetos de recuperação ambiental.

12. "Ademais, com a ideia de processo como instrumento democrático no qual as próprias partes constróem, por intermédio do contraditório cooperativo, juntamente com o juiz, a solução jurídica, afasta-se a crítica de crise de legitimidade da jurisdição ao se imiscuir em questões políticas, um dogma que precisa ser revisto a partir dos novos paradigmas do processo civil contemporâneo" (ZUFELATO, Camilo. Controle judicial de Políticas Públicas mediante Ações Coletivas e Individuais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo. O Controle Jurisdicional de Políticas Públicas. 2? ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 322) 13. Como dito por Francisco Verbic, "[...] Ia actuación dei Poder Judicial en Ia desactivación de conflictos colectivos no implica en modo alguno un avance indebido sobre el resto de los departamentos de Estado en Ia medida que los jueces ejerzan con responsabilidad su tarea y se limiten a actuar en el marco de Ias competencias que lê fueron constitucionalmente asignadas (self restraint)" (In: Procesos colectivos, control judicial de políticas públicas y división de poderes en Ia República Argentina a 20 anos de Ia reforma constitucional, disponível em: https://www.academia.edu/716301S/Procesos_colectivos_controlJudicial_de_pol%C3%ADticas_p%C3%BAblicas_y_divisi%C3%B3n_de_poderes_en_la_Rep%C3%BAblica_Argentina_a_20_a%C3%Blos_deJa_reforma_constitucional. Acesso em ' 30/07/2016). 14. Certidão disponível em: http://www2.trf4.gov.br/trf4/processos/visualizar_documento_gedpro.php?l ocal=jfsc&docurnento=6465310&DocComposto=69799&Sequencia=l&hash=59a799c58379268c97e2 719585ebf993. Acesso em 27/07/2016.

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EDUCAÇÃO INFANTIL - TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO - APELAÇÃO N9 0150735-642008-8.26002 (CASO CRECHES) JULGAMENTO EM 16 DE DEZEMBRO DE 2013 Heloísa Couto dos Santos1 A presente resenha aborda a decisão judicial proferida na Apelação de n° 0150735-64-2008-8.26002 prolatada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em 16 de dezembro de 2013. O Acórdão foi proferido no bojo de ação civil pública ajuizada em 05 de setembro de 2008, movida pelas associações Ação Educativa Assessoria, Pesquisa e Informação; Instituto de Cidadania Padre Josimo Tavares; Casa dos Meninos; Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP); e Associação Internacional de Interesses à Humanidade Jd. Emídio Carlos e Irene, todas integrantes do "MOVIMENTO CRECHE PARA TODOS", em face da Municipalidade de São Paulo. Por unanimidade, decidiu a Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, por meio de voto de seu Desembargador Decano Walter de Almeida Guilherme, dar provimento parcial ao recurso de apelação interposto, pelo qual condenou o Município de São Paulo a criar 150.000 mil novas vagas em creches e em pré-escolas, no prazo de três anos. A decisão foi dada em meio a uma das maiores crises de acesso à educação infantil vivenciada por parcela significativa da comunidade paulistana, 1. Advogada especialista em direito processual civil, mestranda na área de concentração de processo pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco-USP, orientada pela Profa. Dra. Ada PellegriniGrinover.

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O PROCESSO PARA. SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

manifestada pela falta de mais de 100.000 vagas em creches e pré-escolas do município. O problema não é novo na cidade de São Paulo, de acordo com o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 20102, residiam no Município de São Paulo, 714.891 crianças com idade de matrícula em creche e 298.503 com idade de matrícula em pré-escola. No mesmo ano, de acordo com o censo escolar (MEC/INEP), existia no Município de São Paulo, somando-se instituições públicas e privadas, 245.182 matrículas em creches e 252.206 matrículas em pré-escolas. Em breve análise, se vê que as matrículas registradas em creche correspondem a apenas 34,3% das crianças na faixa etária. Os dados oficiais relatam que a demanda não atendida chegou, em junho de 2012, a 148.185 crianças com idade até 4 anos incompletos e 6.328 crianças com idade entre 4 anos completos e 6 anos, totalizando 154.513 crianças. Conforme determina a Lei Municipal n° 14.127/20063 a municipalidade é obrigada a registrar solicitações de vagas em todas as unidades de ensino e a divulgar as informações atualizadas sobre a demanda escolar, permitindo-se, assim, verificar a evolução da demanda não atendida. Os dados analisados no ano de 2011 mostraram que 321.524 crianças, com idade de até 4 anos incompletos, não se encontravam, nem matriculadas, nem cadastradas. No ano de 2014, também conforme os dados oficiais, o Município de São Paulo teve oferta de vagas para apenas 39% da população. O contexto da decisão judicial foi, portanto, de forte crise na execução da política pública de acesso à educação infantil pelo Município de São Paulo, mostrando-se de relevante importância a intervenção do Poder Judiciário, naquele momento, para a correção e realinhamento da mesma. Agora, passar-se-á a um relato mais detalhado da decisão judicial propriamente dita. A ação civil pública continha os seguintes pedidos: (i) obrigação de fazer consistente na construção de creches para atender 736 crianças; (ii) obrigação de fazer consistente na apresentação de Plano de Ampliação de Vagas; (iii) obrigação de fazer consistente na ampliação de vagas e construção de creches, 2. Disponível em: http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=355030&search-sao-paulo|saopaulo|infograficos:-informacoes-completas. Acesso em: 16/05/2015. 3. http://www3. prefeitura, sp.gov. br/ca d lem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/mtegra. asp?alt=06012006L%20141270000, site consultado no dia 16/05/2015.

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de forma a atender toda a demanda oficialmente cadastrada, de acordo com o Plano Nacional de Educação; (iv) imposição de multa diária não inferior a R$ 10.000,00; (v) indenização às crianças cujo direito à educação tem sido violado, por danos morais e materiais difusos. Houve uma primeira sentença nos autos que decretou a extinção da ação, sem julgamento do mérito, por impossibilidade jurídica do pedido, posto que a aceitação do mesmo representaria invasão à discricionariedade do Poder Executivo. Em maio de 2009, em sede de julgamento de recurso de apelação interposto pelas entidades Autoras, o Tribunal Paulista determinou, por votação unânime, a anulação da sentença e o retorno dos autos à primeira instância para instrução e novo julgamento. A Municipalidade apresentou os recursos cabíveis contra esta decisão, todos julgados improcedentes. Tendo os autos retornado à Vara de origem, e após a instrução do feito, em janeiro de 2012 foi exarada nova sentença de extinção da ação com relação às 736 crianças que já teriam obtido suas vagas, determinando a improcedência dos demais pedidos de obrigação de fazer da Municipalidade, pagamento de multa e indenizações às crianças. As entidades Autoras apresentaram recurso de apelação da sentença para que novo julgamento fosse proferido pelo Tribunal de Justiça. Em abril de 2013, a Câmara Especial decidiu pela conversão do julgamento em diligência, remetendo-se os autos ao setor de conciliação do Tribunal. As várias tentativas de conciliação foram infrutíferas. Após, em pioneira medida, o Desembargador Relator Samuel Júnior designou audiência pública onde foram ouvidas as partes, especialistas em educação, especialmente a infantil, e também representantes do Ministério Público e da Defensoria Pública. Nela foram demonstradas as dificuldades encontradas pela população para a obtenção de uma vaga em creches ou pré-escolas diante da inexistência de oferta suficiente. A Defensoria Pública relatou a enormidade de ações individuais que propõe, diariamente, para a obtenção de vagas, todavia, inexistentes. E o Poder Executivo, por sua vez, apresentou o andamento dessa política pública no Município Paulistano e o planejamento existente para o atendimento do déficit constatado. Por ocasião do julgamento, em Acórdão que contém 45 páginas, a Corte Paulista decidiu reformar a sentença, dando parcial provimento ao recurso de apelação, condenando o Município de São Paulo a criar, entre os anos de 2014 e 2016, no mínimo, 150.000 (cento e cinquenta mil) novas vagas em creches e em pré-escolas para crianças de zero a cinco anos de idade, disponibilizando 50% (cinquenta por cento) nos primeiros 18 (dezoito) meses, das quais 559

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105.000 (cento e cinco mil) em tempo integral em creche para crianças de zero a 3 (três) anos de idade, de forma a eliminar a lista de espera, garantida a qualidade da educação ofertada.

Na decisão judicial prolatada, também é possível se identificar uma desagregação de papéis no polo passivo da ação. Muito embora se identifique o autor do ato ilícito - no caso, o Município de São Paulo - o foco a ser perseguido não é somente a ocorrência do ato ilícito, qual seja, a falta de vagas em creches, mas a condição social e toda a dinâmica burocrática que a provoca, sendo necessário se operacionalizar uma mudança efetiva junto ao Poder Executivo para eliminar a ameaça ao valor constitucional em jogo.

O Acórdão também condenou o Município em obrigação de fazer consistente em incluir na proposta orçamentaria a ampliação da rede de ensino atinente à educação infantil, bem como a apresentar no prazo de 60 dias, plano de ampliação de vagas e de construção de unidades de educação infantil para atendimento da obrigação de oferta de vagas determinada. Por fim, o Tribunal Paulista determinou ao Município a obrigação de apresentar relatórios, semestrais, para informar o atendimento das medidas tomadas para cumprimento da decisão, determinando, ainda, o acesso a esses relatórios pela Coordenadoria da Infância e da Juventude, a quem coube a tarefa de fornecer ao Juízo, bimestralmente, informações sobre o cumprimento do julgado e articular com a sociedade civil e com outros órgãos do Tribunal, com a Defensoria Pública e com o Ministério Público, a forma de acompanhamento da execução da decisão. Não foram determinadas multas ou penalidades no Acórdão para o caso de descumprimento, no entanto, restou alertada a possibilidade de fixação das mesmas pelo Juízo condutor da execução da obrigação, se necessário. Hoje o processo encontra-se em sede de tramitação de Recursos Especial e Extraordinário interpostos pela Municipalidade de São Paulo contra o Acórdão, não tendo havido o trânsito em julgado da decisão. Sob a lente do modelo de processo estrutural é importante destacar a qualidade da decisão judicial proferida pela Câmara Especial da Corte Paulista, sobretudo por tratar-se de decisão estrutural dada em meio a um processo tradicional de solução de controvérsias. A decisão judicial do caso das creches se qualifica como decisão estrutural por algumas razões. Primeiro porque, o foco principal a ser tratado não foi a prática de uma ilegalidade isolada, mas uma condição social que ameaça importante valor constitucional - o direito à educação infantil -, bem como a existência de uma dinâmica organizacional do Poder Executivo que criou e perpetuou essa condição nefasta de falta de acesso. Além disso, no que se refere à estrutura das partes, a perspectiva inicial da ação civil pública acabou se alterando e se ampliando com a decisão judicial da Corte, passando-se a incluir todo o grupo social de crianças do Município de São Paulo que não tem acesso às vagas em creches e pré-escolas. Com isso houve uma universalização da questão, definindo-se a política pública de acesso à creche de forma coletiva. 560

No que se refere às características da decisão judicial da Corte Paulista, ela estabeleceu objetivos e metas a serem atingidos, ao invés de determinar, precisamente, como a execução deverá ser realizada pela Municipalidade, assim, sob esse prisma, pode ser entendida como uma decisão de caráter estrutural. Apesar de ser inédita na Corte Paulista e representar significativo avanço no modo como foi confeccionada, não foi possível estabelecer-se uma verdadeira mediação entre as partes para definir-se a solução do conflito. O Administrador foi ouvido pela Corte, mas não participou da definição da solução, o que culminou com sua condenação na obrigação de criar 150.000 novas vagas em creches e pré-escolas infantis, em prazo também determinado pela Corte, mas não consensualizado com o Poder Executivo. Como no processo judicial estrutural o objetivo é a eliminação da condição que ameaça os valores constitucionais, corre-se o risco, neste caso, da solução dada não ser apta a dar efetividade ao valor constitucional perseguido, por isso a fase da execução da decisão judicial será crucial e deverá se prolongar no tempo. Ao criar uma obrigação de fazer para a Municipalidade Paulistana, de apresentação de relatórios semestrais à Coordenadoria da Infância e da Juventude, como o acompanhamento dos mais diversos entes envolvidos na solução do problema - entidades da sociedade civil, Defensoria Pública e o Ministério Público - o que se pretendeu foi realizar um monitoramento do cumprimento da obrigação que deverá se prolatar no tempo, no presente e para o futuro. Durante essa fase de execução, o Poder Executivo será permanentemente monitorado a fim de avaliar-se sua performance. O ideal a ser buscado é que todas as partes envolvidas, imbuídas de boa-fé, decidam como agir e definam as regras para alcançar as metas definidas, sob a supervisão da Corte Paulista e avaliação periódica dos resultados obtidos. Nesse modelo de processo dialogai, as chances de a decisão judicial ser cumprida aumentarão significativamente, apesar de ainda não existir formalmente em nossa legislação processual. Assim, a decisão judicial da Corte Paulista é um sopro de esperança para aqueles que buscam uma alteração no modelo de litigância tradicional nas 561

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ações que envolvem conflitos de interesse público, pois, sua implementação, certamente, trará mudanças na forma de execução da decisão judicial. Essa execução deverá permitir uma flexibilização da coisa julgada, diante das alterações fálicas e económicas que, certamente, ocorrerão até que se dê o cumprimento final do julgado. Nesse aspecto, ainda não é possível se afirmar qual será o resultado efetivo da decisão judicial emanada. Passados quase três anos do julgamento é certo que a falta de vagas em creches e pré-escolas ainda persiste. Diversos grupos da sociedade civil, em conjunto com o Ministério Público e a Defensoria Pública, no âmbito da Coordenadoria da Infância e da Juventude do Tribunal Paulista, tem monitorado a atuação da Municipalidade no cumprimento do quanto determinado no Acórdão, já que, muito embora a decisão não tenha transitado em julgado, os recursos interpostos pela Municipalidade não possuem efeito suspensivo da decisão. Todavia, apesar de a Municipalidade ter apresentado diversos dados numéricos, não apresentou, até o momento, um plano efetivo de ampliação de vagas e de construção de unidades de educação infantil para atendimento do déficit conforme determinado pelo Tribunal, cujo prazo era de 60 (sessenta) dias após a publicação do acórdão. Entre as dificuldades manifestadas pela Municipalidade para o cumprimento da obrigação determinada estão a falta de verba no orçamento municipal e a necessidade de realizar-se desapropriações para obtenção de espaço para a construção de novas creches. Em reportagem publicada pelo jornal Folha de São Paulo, a Prefeitura admitiu que não conseguiria cumprir o plano de metas que previa a construção de 243 creches na cidade de São Paulo até o ano de 2016, diante da falta de recursos. Na reportagem, o último balanço oficial atesta que há 106 mil crianças na fila de espera por vagas em creches infantis4. O processo hoje tramita em segredo de justiça por determinação da Corte Paulista, assim, muito embora haja um link de acesso à demanda5, não é possível acessar a íntegra do Acórdão. Em

POLÍTICA CARCERÁRIA - CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DA NAÇÃO ARGENTINA - CASO "VERBITSKY, HORACIO S/ HABEAS CORPUS" JULGAMENTO EM 03 DE MAIO DE 2005 Júlio Camargo de Azevedo1 Em 03 de maio 2005, a Corte Suprema de Justiça da Nação exarou importante decisão envolvendo o sistema prisional argentino, no caso "Verbitsky, Horacio s/ habeas corpus". O aresto, que conta com 91 páginas, divididas em 12 capítulos, julgou procedente o recurso extraordinário federal interposto por Horacio Verbitsky em favor de toda a população custodiada nas cadeias públicas e delegacias da Província de Buenos Aires, reformando, por maioria de votos,2 o acórdão denegatório proferido pela Corte Suprema da Província de Buenos Aires. O debate judicial iniciou-se em 15 de novembro de 2001, quando Horacio Verbitsky, na qualidade de diretor do "Centro de Estúdios Legales e Sociales" (CELS), impetrou habeas corpus corretivo e coletivo (HCCC) perante o Tribunal de Cassação da Província de Buenos Aires, em favor da população carcerária da Província de Buenos Aires. Como fundamentação, arguiu a violação de direitos humanos decorrente da superlotação e das péssimas condições dos estabelecimentos prisionais, demonstrando, ainda, que grande margem dos

http://wwwl.folha.uol.com.br/educacao/2015/05/1631265-gestao-haddad-admite-que-nao-vai-

-construir-creches-prometidas.shtml, site acessado em 25/05/2015. Emhttp://esaj.tjsp.jus.br/cpo/sg/search.do;jsessionid=DC7FC7D61083EEC9FAlElCA7250AB163.cpo2? conversationld=&paginaConsulta=l&localPesquisa.cdLocal=l&cbPesquisa=NUMPROC&tipoNuProcess o=UNIFICADO&numeroDigitoAnoUnificado=015073564.2008&foroNumeroUnificado=0002&dePesqui saNuUnificado=015073564.2008.8.26.0002&dePesquisaNuAntigo=, site acessado em 29/07/2016.

1. Mestrando em Direito Processual pela Universidade de São Paulo (USP). Bacharel e especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP). Defensor Público no Estado de São Paulo. 2. Como votos dissidentes posicionaram-se os magistrados António Boggiano (total), Carlos S. Fayt (parcial) e Carmen M. Argibay (parcial).

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POLÍTICA CARCERÁRIA-CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DA NAÇÃO ARGENTINA • Júlio Camargo de Azevedo

presos não ostentava condenação definitiva, incluindo-se, dentre os detidos, mulheres, enfermos e crianças, sem atenção específica. Apontou, ademais, que a tutela individual demonstrava-se ineficaz nestes casos, sobretudo em face da complexidade institucional do problema. Pleiteou, ao final, que o Tribunal reconhecesse sua competência para apreciar o feito, buscando a reparação de danos, o diálogo institucional e a formulação de mecanismos para evitar violações futuras.

de um programa de reformas para combater a crise instalada (ex.: ampliação dos patronatos de liberados, aquisição de pulseiras magnéticas, construção de novos presídios etc.). Verbitsky, a seu turno, demonstrou o agravamento da situação carcerária durante o trâmite processual (acréscimo de 31% no número de presos e excedente de 50% em relação ao número de vagas). Criticou, ademais, as propostas apresentadas pelo Executivo, rebatendo que estas seriam insuficientes à resolução do problema, que encontrava suas causas no recrudescimento legislativo penal e na política criminal de encarceramento provisório.

Em parecer conjunto, o Ministério Público e a Defensoria Pública posicionaram-se favoravelmente ao petitum. O Tribunal Provincial de Buenos Aires, entretanto, rechaçou liminarmente o remédio heróico, consoante decisão da Sala III da Câmara de Cassação Penal, julgando-se incompetente para conhecer do feito, em razão de sua natureza não individual e da impossibilidade de substituição dos juizes vinculados aos casos concretos (juiz natural). Desta decisão, Verbitsky interpôs recurso de nulidade e inaplicabilidade de lei perante a Corte Suprema da Província de Buenos Aires, sustentando, em síntese: a) omissão institucional, oriunda da não apreciação de questões substanciais por razões de forma; b) violações ao acesso à tutela coletiva de direitos e à economia processual; c) arbitrariedade e contrariedade, ante ao reconhecimento prévio pela Corte da gravidade institucional envolvendo as cadeias locais. Novamente, ó recurso foi considerado inadmissível, entendendo a Corte Provincial que a decisão do Tribunal local não se revestia de caráter definitivo, pois mantinha aberta a via individual, tampouco permitia o julgamento favorável, ante a impossibilidade de substituição dos juizes naturalmente habilitados para a causa. Contra o acórdão, o diretor do CELS interpôs recurso extraordinário federal perante a Corte Suprema de Justiça da Nação, arguindo equívoco das instâncias inferiores ao negarem a tutela coletiva e elegerem a tutela individual como o meio adequado à resolução do litígio (violação ao artigo 43 da Constituição Argentina). Registrou, outrossim, o agravamento da situação dos custodiados em razão do tempo processual transcorrido, reforçando a contrariedade e arbitrariedade das decisões denegatórias e a violação aos precedentes dos casos "Strada" e "Di Mascio". Como ato inaugural, a Corte Suprema convocou duas audiências públicas sobre o tema, franqueando às partes a apresentação de memorandos. O Ministério da Justiça da Província de Buenos Aires apresentou informe atualizado acerca da quantidade de presos e condições estruturais dos presídios, além 564

Por conseguinte, manifestaram-se os amici curiae3 e o Procurador-Geral da Nação, tendo este último opinado pelo conhecimento e procedência do remédio heróico. Na sessão de julgamento de 03 de maio 2005, a Corte conheceu do recurso extraordinário, entendendo cumpridos os requisitos formais de admissibilidade. No mérito, admitiu o habeas corpus como instrumento hábil à tutela transindividual de direitos das pessoas custodiadas. Assentou, ademais, que a calamitosa situação dos presídios argentinos, reconhecida pelo próprio Executivo durante as audiências públicas, torna incontroversa a matéria de fato, admitindo análise pela Corte sem violação à limitação de cognição presente na superior instância. À luz da normativa Internacional, constatou que as condições dos presídios argentinos representavam grave violação aos direitos humanos das pessoas custodiadas* legitimando a atuação do Poder Judiciário na correção da política pública desenhada, que deveria se limitar à fixação de pautas e metas para a superação do problema. Ainda, dada à multiplicidade de causas, considerou impraticável uma solução total e imediata, reforçando a necessidade de planejamento futuro, diálogo entre os atores envolvidos e participação da sociedade civil na construção de critérios equilibrados de orientação à política pública carcerária. Por derradeiro, acenou que a carência de recursos económicos não justificaria transgressões deste jaez e que o conjunto de medidas apresentadas pelo Executivo, embora bem-intencionadas, não resolveriam a crise instalada, cujo cerne passaria pela revisão do uso indiscriminado de prisões preventivas, sendo curial o envolvimento dos demais poderes do Estado, à luz de um planejamento coletivo. "Comisión Nacional de Juristas", "Human Rights Watch", "Organización Mundial contra Ia Tortura", "Asociación por tos Derechos Civiles", "Clinica Jurídica de Iterés Público" de Córdoba, "Asociación Civil Casa dei Liberado" de Córdoba e "Centro de Comunicación Popular y Asesoríamiento Legal". Nos capítulos VIII e IX, a decisão traz detida análise das violações de direitos humanos envolvendo pessoas encarceradas e grupos vulneráveis específicos (mulheres, enfermos e crianças), apresentando dados alarmantes e consequências nefastas aos presos, agentes penitenciários, famílias de detentos e sociedade civil.

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POLÍTICA C A R C E R Á R I A - C O R T E SUPREMA DE JUSTIÇA DA NAÇÃO ARGENTINA • Júlio Camargo de Azevedo

Na parte dispositiva, julgou procedente o recurso extraordinário, reformando o acórdão vergastado para determinar, em síntese:

Não bastasse, as técnicas procedimentais e executivas aplicadas, como a densificação do contraditório, a realização de audiências públicas, a participação de amicus curiae, a ampliação da cognição (análise de informes) e aflexibiUzacão do cumprimento de sentença (formação de uma "Mesa de Diálogo" para fiscalização do alcance das metas estipuladas), traz à baila a utilização de técnicas adequadas ao tratamento de conflitos estruturais de interesse público.

- ao Poder Executivo (i) a observância das Regras Mínimas para o tratamento de reclusos (ONU), (ii) a obrigação de remeter informes frequentes às Cortes, nos prazos assinalados, relatando as condições atuais de estrutura dos estabelecimentos carcerários; (iii) a obrigação de convocar uma "Mesa de Diálogo" envolvendo partes, associações intervenientes (amicus curiae), além de setores da sociedade civil, com informes regulares à Corte;

Por fim, os reflexos da decisão no agir das diferentes f unções estatais ilustram que as decisões estruturais devem se voltar ao futuro, condicionando prospectivamente a atuação das diferentes funções estatais (executiva, legislativa e judiciária) rumo ao cumprimento dos objetivos e deveres jurídicos delineados durante o processo. No caso resenhado, por identificar que a solução do problema passaria por uma mudança de postura dos órgãos estatais, a decisão espraiou seus efeitos sobre as funções judiciária (revogação de prisões cautelares e penas cruéis ou degradantes], executiva (planejamento e cumprimento de metas) e legislativa (adequação da legislação criminal e penitenciária}, potencializando, assim, as chances corretivas sobre a política pública carcerária.

- à Suprema Corte de Justiça da Província de Buenos Aires (iv) a revogação das prisões de todos os menores e enfermos, (v) a obrigação de fazer cessar todo agravamento carcerário que importe em tratamento cruel, desumano ou degradante; - aos Poderes Executivo e Legislativo da Província de Buenos Aires (vi) a recomendação para adequar à legislação criminal local em matéria de prisões cautelares e direito penitenciário aos parâmetros constitucionais e convencionais abordados no julgamento.

Efetuada brevíssima consulta acerca do estágio atual de cumprimento executivo da decisão, passados mais de dez anos de seu pronunciamento, foi possível perceber que, embora não tenha solucionado o problema da superpopulação carcerária da Província bonaerense,5 a decisão representou um divisor de águas na jurisprudência argentina, ao acolher a possibilidade de controle jurisdicional de políticas públicas face à violação sistemática de direitos humanos.

Da detida análise do acórdão da Corte Suprema Argentina, é possível depreender três características principais que vestem a decisão do caso "Verbitsky, Horacio s/ habeas corpus" com a roupagem do processo de interesse público: a complexidade da causa, as técnicas processuais aplicadas e os reflexos da decisão no agir das diferentes funções estatais. A primeira, complexidade da causa, representa a premissa para a existência de um conflito de interesse público, eis que o litígio deve apresentar-se imbricado à inexistência ou ao funcionamento deficiente de uma política pública (ex.: sistema carcerário), colocando em risco a exigibilidade de direitos fundamentais (ex.: direitos dos presos) e o cumprimento de objetivos constitucionalmente assumidos pelo Estado. Consoante se viu, a situação relatada abriga um problema multiplexo, envolvendo o funcionamento de instituições e serviços públicos, cuja solução transcende a atuação isolada dos órgãos estatais, daí decorrendo o interesse público em sua resolução.

Como transformações estruturais dignas de nota, possível citar: i) a constituição da "Mesa de Diálogo" em abril de 2005, em Mar dei Plata; ii) a existência de projetos legislativos de reforma em matéria de desencarceramento; iii) a criação da "Subsecretária de Direitos Humanos das Pessoas Privadas de Liberdade" no âmbito da Suprema Corte de Justiça da Província de Buenos Aires; iv) o cumprimento da revogação das detenções de crianças e enfermos; v) o alinhamento do direito penal juvenil argentino aos tratados e convenções internacionais de proteção à criança e ao adolescente, dentre outras modificações.

A seu turno, a técnica processual aplicada diz respeito ao modo pelo qual uma demanda de interesse público deve se desenvolver em razão de suas peculiaridades. No caso, a decisão identifica claramente a insuficiência do processo individual enquanto instrumento de tutela aos conflitos de interesse público, evidenciando o uso do remédio coletivo (habeas corpus coletivo e corretivo) como técnica processual adequada à guarida uniforme dos direitos dos custodiados.

5. Em 2015, em ação promovida pela Defensoria Pública, a Corte Suprema de Justiça foi novamente provocada a deliberar sobre o sistema carcerário da Província de Buenos Aires, oportunidade em que reforçou a necessidade de cumprimento das metas estipuladas na decisão exarada no caso "Verbitsky, Horacio s/ habeas corpus", a fim de vencer o problema da superpopulação carcerária. Vide a esse respeito o julgado 1469/2014, proferido em 05 de junho de 2015, pela Corte Suprema de Justiça da Nação, tendo como relatora Irma Adriana Garcia Netto.

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Percebe-se, ademais, que a decisão serviu de incentivo à atuação coletiva de diversos atores sociais envolvidos com a questão carcerária (ex.: Defensoria Pública, Ministério Público, procuradores penitenciários, organizações de defesa de direitos humanos, advogados populares etc.), fato este que densifka a utilização de instrumentos coletivos no combate a violações sistemáticas de direitos humanos, ampliando, ainda, o acesso à justiça das pessoas encarceradas, inclusive perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos (vide o caso "Penitenciárias de Mendonza"). Por tais razões, faz-se um balanço positivo da presente decisão, verdadeiro marco na jurisprudência argentina em matéria de litígios estruturais de interesse público. Link para a decisão: http://www.saij.gob.ar/corte-suprema-justicia-nacion-federal-ciudad-autonoma-buenos-aires-verbitsky-horacio-habeas-corpus-fa05000319-2005-05-03/123456789-913-0005-0ots-eupmocsollaf

POLÍTICA CARCERÁRIA - SUPREMA CORTE DOS EUA - CASO BROWN, GOVERNOR OF CALIFÓRNIA, ET AL. V. PLATA ET AL - JULGAMENTO EM 23 DE MAIO DE 2011 Horíval Marques de Freitas Júnior1 No dia 23 de maio de 2011, a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou o recurso n° 09-1233, interposto em 30 de novembro de 2010 por Edmund G. Brown Jr., Governador da Califórnia, contra a decisão proferida em 12 de janeiro de 2010 pelos Tribunais Distritais do Leste e Norte da Califórnia2. Como recorridos, figuraram os sentenciados representados nas class actions que originaram a decisão atacada (casos Plata e Coleman). Na Suprema Corte, o relator foi o Justice Kennedy, tendo o seu voto (vencedor) sido acompanhado pelos Justices Ginsburg, Breyer, Sotomayor e Kagan. Os Justices Scalia e Alito proferiram votos divergentes, acompanhados, respectivamente, pelo Justice Thomas e Justice Roberts. Em síntese, após confirmar que a excessiva superlotação dos presídios do Estado da Califórnia - na época de aproximadamente 156 mil pessoas e equivalente a 200% da capacidade total - estava contribuindo sobremaneira para as péssimas condições de (não) tratamento dos sentenciados portadores de transtornos mentais ou doenças graves, a Suprema Corte manteve a ordem de redução da população carcerária para 137,5% da sua capacidade, no prazo máximo de até dois anos. Na decisão, os votos estão precedidos por um sumário de seis páginas, consistente em uma breve ementa do caso julgado, seguida de um índice do 1. Especialista em Processo Civil (PUC/SP). Mestre e Doutorando em Processo Civil (USP). Promotor de Justiça. 2. United States District Courts for the Eastern District and the Northern District of Califórnia

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podia levar a até 12 meses. Como consequência, os índices de suicídios nas prisões californianas eram 80% maiores que a média nacional e a proporção de morte previsíveis ou evitáveis era igualmente alarmante.

voto predominante. O voto do Justice Kennedy foi elaborado em quarenta e oito laudas e mais um apêndice de quatro páginas, instruído inclusive com três fotografias da grave situação prisional no Estado da Califórnia. O voto está dividido em dois capítulos principais, cada um deles também subdividido em subcapítulos. Os votos divergentes, elaborados pelos Justices Scalia e Alito foram apresentados em dezesseis e dezassete páginas, nesta ordem, sendo que também estão divididos em capítulos.

POLÍTICA C A R C E R Á R I A - S U P R E M A CORTE DOS EUA • Horival Marques de Freitas júnior

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

A divisão dos votos proferidos em capítulos teve por referência as três questões que foram deliberadas pela Suprema Corte: (i) se a Corte colegiada3 prolatora da decisão recorrida detinha competência para determinar a massiva soltura de presos pelo Estado da Califórnia, em conformidade com a Lei de Reforma do Litígio Prisional ("PLRA"4); (ii) se a Corte da instância inferior interpretou corretamente e bem aplicou as normas do §3626(a)(3)(E) do Título 18 do Código de Leis dos Estados Unidos ("U.S.C."), as quais exigem, como condição para se determinar a soltura de presos, a demonstração de evidências claras e convincentes de que a superpopulação é causa primária de violação de uma norma federal, bem como de que nenhuma outra providência jurisdicional remediará essa violação; e (iii) se a ordem de soltura de presos, que visava à inconstitucional ineficiência da prestação de atendimento médico às duas classes de sentenciados (possuidores de enfermidades mentais graves e de condições de saúde graves), ao determinar a redução em aproximadamente 46.000 presos no prazo de dois anos, considerou adequadamente os efeitos colaterais da medida sobre a segurança pública e sobre o sistema de Justiça criminal do Estado da Califórnia. Em razão da superpopulação carcerária na Califórnia, de aproximadamente o dobro da capacidade prevista, os presos eram obrigados a permanecer em espaços inadequados, como quadras esportivas, um único banheiro podia ser compartilhado por mais de cinquenta pessoas, e, neste contexto, pessoas com enfermidades mentais graves também não estavam recebendo os mínimos cuidados. Diante da escassez de instalações adequadas e até mesmo camas médicas, presos com tendências suicidas eram simplesmente colocados em "gaiolas" gradeadas do tamanho de uma cabine telefónica, e ali ficavam isolados por longos períodos5. Como também havia escassez de médicos e recursos humanos em geral, a espera por algum tratamento médico mental

Tais condições ensejaram a propositura das duas ações coletivas já mencionadas: os casos Coleman v. Brown, em 1990, e Plata v. Brown, em 2001. O primeiro envolvia a classe das pessoas com doenças mentais graves nas prisões californianas. Durante o julgamento, em 1995, a Corte Distrital confirmou as evidências de que os presos com doenças mentais não recebiam tratamentos adequados, levando meses e até anos para terem algum atendimento, tendo em vista que o quadro de pessoal era extremamente escasso. Assim, a Corte designou um Special Master para desenvolver um plano de ação visando à melhora de tais condições. Porém, em 2007, o Special Master informou à Corte que, passados 12 anos, a situação das prisões estava na verdade se deteriorando, diante do lento aprimoramento das condições frente ao rápido aumento da população carcerária. A segunda ação foi proposta em 2001, envolvendo a classe dos presidiários com condições médicas graves. No julgamento, a Corte apontou que as deficiências das prisões implicavam violações aos direitos constitucionais dos presos, previstos na 8a Emenda6. Desta forma, foram determinadas algumas obrigações ao Estado (injuction7), com o escopo de interromper tais violações. Contudo, mais uma vez constatou-se a ineficiência do provimento jurisdicional para solução da complexa situação dos presídios californianos, constatando-se que o sistema estava falido e que, em média, um detento morria a cada seis ou sete dias na Califórnia, por falta de atendimento médico. Em 2005, a Corte então designou um Receiver para supervisionar o cumprimento das medidas. Três anos depois, o Receiver relatou que as deficiências médicas permaneciam: o número de profissionais de saúde era muito baixo, inexistiam instalações apropriadas para deficientes ou idosos, as poucas instalações médicas estavam em situação de abandono e faltavam até mesmo equipamentos básicos. E toda essa situação estava agravada pela superpopulação carcerária,

1. De modo, resumido a injunction pode ser definida como uma ordem judicial extraordinária, utilizada em situações especiais, buscando preservar possíveis injustiças e tendo como aplicação ordenar um indivíduo a fazer ou não fazer algo.

5. O quadro decorrente da superpopulação carcerária está ilustrado por três fotografias no apêndice do voto do Justice Kennedy, pp. 51-52.

6. A 8? Emenda faz parte da construção do BUI of ríghts norte-americano, ratificado em 1791 e instituído pelas dez primeiras emendas constitucionais. Prevê que "não poderão ser exigidas fianças exageradas,' nem impostas multas excessivas ou penas cruéis ou incomuns" (tradução livre). No texto original: excessive bati shall not be required, nor excessive fines imposed, nor cruel and unusual punishments inflicted.

3. Denominada de three-judge district court e instituída pela Lei de Reforma do Litígio Prisional. 4. Prison Lltigation Reform Act, de 1995.

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aumentando a incidência de doenças contagiosas e incrementando a violência, tornando, ao final, ainda mais dificultosa a contratação de profissionais.

a Corte distrital previamente determinara medidas judiciais menos intrusivas e que não tiveram o devido sucesso. Tal requisito estava presente na medida em que, no caso Coleman, por 12 anos se tentaram medidas jurisdicionais diversas visando à solução do problema. E, no caso Plata, outros 5 anos foram despendidos. Tais prazos mostravam-se suficientes para terem permitido que Estado da Califórnia resolver as deficiências apontadas sem que houvesse a drástica redução da superlotação de seus presídios, razão pela qual foi afastada a alegação do recorrente no sentido de que a corte colegiada deveria ter concedido maior prazo.

Depois de anos de litígios, percebendo que as violações não cessariam efetivamente a não ser perante uma redução drástica da população carcerária, os autores das ações coletivas requereram aos juizes distritais responsáveis pelos casos Coleman e Plata a convocação de uma Corte colegiada, nos termos do PLRA, para que pudesse ser determinada a redução da população prisional. O Juiz Chefe da Corte de Apelações do 9° Circuito atendeu à solicitação, convocando ambos os juizes distritais e mais um terceiro juiz daquele Circuito, instituindo a three-judge court prevista na §3626(a) no Título 8 do U.S.C. Diante da conexão entre ambos os casos, com o propósito de se evitar decisões conflitantes, foi determinada a sua consolidação em um único julgamento, o que na época não foi questionado pelo Estado da Califórnia (mas somente posteriormente, perante a Suprema Corte). Após 14 dias de depoimentos, a Corte colegiada concluiu que o Estado jamais solucionaria as violações aos direitos dos detentos se não houvesse redução drástica da superpopulação carcerária. O julgamento foi instruído com diversos relatórios técnicos e oitiva de profissionais especializados, os quais sugeriram a redução da população carcerária para 130% de sua capacidade. Esse índice inclusive era considerado pelo Federal Bureau ofPrisons (BOP) em relação aos presídios federais. No entanto, o Estado da Califórnia apresentou um estudo independente demonstrando que as prisões californianas poderiam operar com 145% de sua capacidade. Diante disso, a corte colegiada chegou ao índice intermediário de 137,5%, fixando o prazo de 2 anos para que fosse implementada tal redução, em conformidade com um plano a ser elaborado pelo próprio Estado da Califórnia. Vale anotar que a Corte propositalmente não fixou quaisquer premissas ou condições para tal redução, deixando ao próprio Estado tal incumbência. Contra a citada decisão, houve apelação à Suprema Corte, que acabou mantendo-a por cinco votos a quatro. De acordo com o voto vencedor, elaborado pelo Justice Kennedy, a ordem determinando a limitação da população carcerária era realmente necessária para preservação dos direitos constitucionais dos detentos, sendo que também em conformidade com o PLRA. De fato, primeiramente, foi apontado que a ausência de adequado tratamento médico configura violação ao dever de sustento dos presidiários, implicando violação à 8a Emenda. Neste passo, sob a vigência do PLRA, que autoriza a redução da limitação populacional carcerária somente por uma Corte colegiada composta por três juizes, havia a necessidade de se demonstrar que 572

Ademais, nos termos do U.S.C., §3626(a)(3)(E), após convocada, a corte colegiada deveria verificar a existência de clara e convincente evidência de que a superlotação era a "causa primária" da violação constitucional e que não havia outra medida menos drástica a ser adotada para solucioná-la8. Os diagnósticos apresentados demonstravam que, apesar de todo o tempo decorrido desde a indicação do Receiver no caso Plata e do Spedal Master no caso Coleman, na época do julgamento ainda existia déficit de 20% de cirurgiões, 25% de clínicos gerais, 39% de enfermeiras e 54,1% de psiquiatras. Diante da superlotação das penitenciárias, a violência e as péssimas condições sanitárias dificultavam muito a contratação e retenção das equipes médicas. Além disso, os relatórios apontavam que, mesmo na hipótese de preenchimento de todas as vacâncias, não haveria espaço físico suficiente para todas as equipes médicas desenvolverem seu trabalho. Portanto, a superlotação poderia ser entendida com a "causa primária" das apontadas violações aos direitos fundamentais dos detentos. Segundo o entendimento majoritário da Suprema Corte, a Corte colegiada acertou ao entender por "causa primária" a principal causa da violação, ainda que não necessariamente a única ou exclusiva. Primária corresponderia à mais alta no ranking, de maior qualidade ou importância. Caso o congresso americano tivesse querido atribuir outra ideia na redação do PLRA, teria se valido de termos distintos como "única causa", ao invés de "causa primária". Além disso, a ordem judicial a ser concedida deveria ser determinada de forma estrita e proporcional, não se estendendo além do necessário para correção da violação ao direito federal, ou seja, era necessário sopesar os impactos sobre a segurança pública, decorrentes de eventual ordem de soltura

"Once convenecí, the three-judge court must find by clear and convincing evidente that 'crowding is the primary cause of the violation' and 'nootherrelief will remedy violation', and that the relief is'narrowly drawn, extends no further than necessary'..., and is the least intrusive means necessary to correct the violation" (syllabous, p. 2).

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de detentos9. No caso, a Corte colegiada reconheceu que a ordem afetaria não somente os detentos com condições de saúde grave, mas eventualmente também alguns sentenciados saudáveis. Isso porque a redução carcerária se daria certamente por meio da concessão de liberdade condicional, reforma de condenações e concessão de benefícios outros a serem instituídos pelo Estado. Porém, de acordo com a decisão majoritária da Suprema Corte, a exigência da ordem estrita não poderia ser entendida como mera proibição de que efeitos colaterais pudessem ser suportados, motivo pelo qual a decisão recorrida não poderia ser invalidade sob tal argumento. Na realidade, a decisão havia outorgado ao próprio Estado determinar os meios para redução da população carcerária, sendo bastante flexível neste aspecto, para garantir a exequibilidade do provimento jurisdicional concedido. Isto é, a ordem concedida não especificou quem poderia, ou não, ser liberado das penitenciárias. Sendo assim, o Estado poderia optar a respeito de quais detentos seriam realocados, quais seriam liberados, quais estariam em condições de receber tratamento médico nas próprias instituições prisionais, etc. O voto mencionou a existência de estatísticas demonstrando que a redução da população carcerária em algumas localidades não foi acompanhada de efeitos negativos sobre a segurança pública, como nos Estados de Wisconsin, Illinois, Texas, Colorado, Montana, Michigan, Florida e também no Canadá. Por tais razões todas, a Suprema Corte decidiu então manter o corte sobre a população carcerária na Califórnia. Em seu voto dissidente, o Justice Scalia colocou-se de forma contrária ao controle jurisdicional da população carcerária, tendo em vista que se trataria de função dos representantes do executivo ou legislativo. Segundo seu entendimento, ao juiz compete o julgamento sobre fatos passados ou presentes, não sendo sua função realizar julgamentos a respeito de previsões de fatos futuros, conforme as suas próprias preferências. Apenas em casos excepcionais teria o juiz legitimidade para julgamentos preditivos, a respeito do melhor interesse de uma criança, por exemplo. Assim, somente situações individualizadas de abuso ou negligência sofridas por um detento poderiam ser levadas ao Poder Judiciário como fundamento para o pedido de sua soltura. O Justice Alito, por sua vez, fundamentou seu voto divergente em três aspectos: (i) a Corte colegiada não teria levado em conta dados recentes demonstrando a queda da mortalidade nas prisões californianas, sendo que entre 9. "Courts must 'give substantial weight to any adverse impact on public safety or the operation of a criminal justice system'" (opinion ofthe Court, p. 33).

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2001 e 2007 o sistema prisional da Califórnia apresentou o 13° melhor índice de mortalidade dentre os 50 sistemas prisionais existentes nos Estados Unidos; (ii) a superlotação carcerária não poderia ser considerada a "causa primária" das violações narradas. Evidente que contribui para tanto, mas seriam diversos os fatores que levaram à grave situação verificada no sistema de atendimento médico das prisões. Deste modo, entendeu que outras medidas poderiam ser adotadas, como a execução de melhorias sanitárias, incremento do número de médicos, entrega de insumos médicos em quantidade suficiente, dentre outras, mas sempre se evitando a soltura de aproximadamente 46.000 detentos; e (iii) a Corte colegiada distrital não teria considerado adequadamente os efeitos sobre a segurança pública, pois a soltura de 46.000 presos sem dúvida alguma acarretaria consequências graves em desfavor da população californiana, em razão da alta taxa de reincidência comumente percebida10. Como se vê, a decisão proferida pela Suprema Corte no caso Brown v. f lata mais uma vez trouxe à tona a necessidade do procedimento estrutural (structuml injunctions), caracterizado por ser instrumento mais maleável - e, na verdade, dialogado - de solução das controvérsias. São decisões que se orientam para uma perspectiva futura, mas com nítida preocupação a respeito de sua exequibilidade, evitando que a decisão se torne problema maior do que o litígio posto. Ademais, versando sobre direitos difusos, cuida de valores amplos da sociedade, além dos vários interesses concorrentes em jogo, pois a esfera jurídica de vários terceiros pode vir a ser afetada pela decisão judicial pretendida. Outrossim, houve muita preocupação da Suprema Corte em relação aos limites da decisão a ser proferida, deixando claro que estavam perante uma situação excepcional e extrema, cuja última tentativa de solução passava pela determinação de redução linear do número de detentos no Estado da Califórnia, tendo em vista que todas as demais medidas pensadas e adotadas nas duas décadas anteriores foram insuficientes para melhorar as condições médicas dos presidiários californianos. Ao contrário, notou-se piora da situação inicialmente diagnosticada em 1990, o que legitimava a decisão tomada pela Corte distrital colegiada. Após o julgamento pela Suprema Corte em 2011, o Estado da Califórnia estabeleceu medidas relacionadas com a ampliação de benefícios em sede de

10.0 Justice Alito ainda ressaltou que a Corte colegiada e os peritos ouvidos desconsideram que nas últimas décadas o Estado da Califórnia conseguiu reduzir os índices de criminalidade justamente em razão de uma política legislativa criminal mais rigorosa (three-stríkes laws), evidenciando que o maior encarceramento impactaria diretamente na redução da criminalidade, sendo que, da mesma forma, seria a relação inversa.

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execução penal, principalmente por meio do abatimento de pena em razão de bom comportamento, encaminhamento de sentenciados para programas de tratamento de drogadição e colocação em liberdade de presidiários considerados de baixo risco. Além disso, sentenciados por crimes não violentos, pouco graves e sem indícios de violência sexual foram transferidos das penitenciárias estaduais para prisões locais. Assim, até o final do ano de 2013, a população carcerária foi reduzida de aproximadamente 160.000 para 118.738 pessoas. Na sequência, outras medidas foram implementadas pelo Governo da Califórnia, desta vez diretamente relacionadas com os criminosos portadores de doenças ou transtornos mentais, com o escopo de redução da reincidência, o que por consequência reduziria o número de prisões futuras. Foram implementadas medidas de tratamento ambulatorial assistido, instituídos juízos exclusivos para julgamento de crimes relacionados a drogas e violência doméstica e realizado maior aporte de recursos para o tratamento de usuários de substâncias entorpecentes11. Diante da adoção de medidas concretas e alcance de bons resultados, houve concordância da Corte colegiada na dilação de prazos inicialmente concedidos para a redução da população carcerária. Em contrapartida, o governo da Califórnia deixou de despender US$ 70 milhões destinados à transferência de presos para outros Estados, para então investir US$ 81 milhões em soluções de longo prazo visando à redução da reincidência. Por outro lado, embora tenha havido leve aumento do número de crimes contra o património entre 2012 a 2013 - mas com nova diminuição já no ano seguinte -, os índices de criminalidade em geral continuam mantendo a tendência de queda iniciada em meados da década de 199012. Linkpara a decisão: https://www.supremecourt.gov/opinions/10pdf/091233.pdf

POLÍTICA CARCERÁRIA - CORTE SUPREMA DE JUSTIÇA DA COLÔMBIA - ACCIÓN DE TUTELA 58729 - JULGAMENTO EM 27 DE MARÇO DE 2012 Ricardo Geraldo Rezende Silveira1 Da resenha: Resenha sobre a demanda proposta perante a Corte Suprema dejusticia da Colômbia, decidida pela Sala de Casadón Penal - Sala de Dedsión de Tutelas. Feito número 58729, relatado por Javier Zapata Ortiz (Magistrado Ponente), aos 27 de março de 2012. Participaram da decisão os magistrados José Leonidas Bustos Martínez (Presidente) e Júlio Henrique Socha Salamanca. Decisão unânime, nos termos do voto do relator. Das partes: A demanda foi proposta por Defensoria Del Pueblo Regional Quindio2, representando os internos da Penitenciaria de Arménia contra a decisão da Sala Penal dei Tribunal Superior de Arménia, que havia reconhecido parcialmente um amparo de proteção aos direitos fundamentais da população reclusa na Penitenciária EPMSC San Bernardo. A demanda original foi proposta pela mesma Defensoria dei Pueblo em face do Instituto Penitenciário y Carcerário

1. Mestre em Direito pela PUC/SP, doutorando em Direito pela USP, coordenador da graduação do IDP/ SP e Juiz Federal em São Paulo. 11. "Updates since Brown v. Plata: Alternative solutions for príson overscrowding in Califórnia". Disponível em [http://www.jaapl.Org/content/43/l/87.full]. Acessado em 31-7-2016. 12. Dados divulgados pelo Departamento de Justiça do Estado da Califórnia. Disponível em [http://oag. ca.gov/crime]. Acessado em 31-7-2016.

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2. A Defensoria dei Pueblo na Colômbia tem certo paralelo com a Defensoria Pública brasileira, porém com funções um pouco diversas. Nos termos da Constituição, trata-se de um órgão constitucional autónomo com o propósito de "velar pela promoção, exercício e divulgação dos direitos humanos e do direito internacional humanitário" (tradução livre). O órgão é vinculado ao Ministério Público. Informações disponíveis em: http://www.defensoria.gov.co/. Acesso em 28/07/2016.

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- INPEC, Cajá de Previsión Social de Comunicaciones - CAPRECOM e Ministério de Justicia. Da decisão: Após uma tutela parcial concedida pela Sala Penal dei Tribunal Superior de Arménia que determinou que fossem tomadas as medidas necessárias para a transferência dos presos excedentes à capacidade da penitenciária, a Corte Suprema de Justicia ampliou a cognição sobre o objeto do feito e as medidas necessárias para a preservação dos direitos fundamentais da população carcerária representada pela Defensoria. Da estrutura do texto: A decisão se inicia com um breve relatório dos antecedentes e fundamentos da ação, mencionando o histórico fálico da realidade dos presos da Penitenciaria EPMSC San Bernardo e as providências administrativas adotadas até o ajuizamento da demanda original. Na sequência, constam as respostas à inicial do INPEC, CAPRECOM e Ministério de Justicia, seguida de uma descrição detalhada da decisão impugnada. Trata o julgado, então, de descrever os termos do recurso apresentado. A primeira medida processual da Sala foi solicitar informações à Corte Constitucional, ao Ministério de Justicia, ao INPEC e à própria Defensoria dei Pueblo acerca do cumprimento da sentença no feito T-153 de 1998. Seguiram-se, então, as manifestações respectivas. Os fundamentos da decisão (Consideraciones de Ia Sala) são dispostos na sequência nos seguintes itens e subitens: 1. Jurisprudência de Ia Corte Constitucional sobre Ias condiciones de los internos em Ias cárceles colombianas, 1.1 Condiciones Inhumanas de los internos em Ias cárceles colombianas, 1.2 Derechos de los Internos, 1.3 Tratados Internacionales, 1.4 La existência notória de um estado de cosas inconstitucional em el sistema penitenciário, 2. Jurisprudência de Ia Corte Suprema de Justicia sobre Ias condiciones de internación de los reclusos, 3. Situación actual y prospectiva em Ias cárceles colombianas, 4. Análisis dei caso concreto e, finalmente, o dispositivo (Resuelve). Do conteúdo: Trata-se de uma decisão que analisa um recurso acerca de um provimento jurisdicional considerado insuficiente pela Defensoria dei Pueblo. Diante de condições ofensivas aos direitos humanos e, tendo ingressado inicialmente perante o Tribunal Superior de Arménia, recorre a Defensoria postulando a ampliação da ordem que concedeu a medida de proteção dos direitos

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fundamentais à vida em condições dignas à população carcerária reclusa na Penitenciária EPMSC de Arménia e condenou sua direção e o Instituto Penitenciário Y Carcerário - INPEC a promover as diligências necessárias no sentido de transferir os reclusos excedentes à capacidade da unidade que é de 284 (duzentos e oitenta e quatro) internos. A decisão afastou a conclusão de que as condições atuais dos detentos configurasse uma violação à dignidade humana e considerou que o único fator de transgressão seria a superlotação. Deixou de se pronunciar acerca do requerimento para a construção de um novo centro de reclusão, tendo em conta que as medidas nesse sentido foram objeto da sentença T-153 de 1998 da Corte Constitucional. Finalmente, apontou que o direito à saúde dos internos restava preservado pelo serviço médico oferecido. Após uma série de considerações acerca dos direitos da população reclusa, compreendendo dados concretos sobre as condições indignas, direitos oriundos da constituição e de tratados internacionais e um histórico detalhado da jurisprudência, tanto da Corte Constitucional, quanto da Corte Suprema de Justicia, a Sala decidiu confirmar a decisão ampliando a ordem para determinar que no prazo de dois ou três anos fossem planejadas e executadas obras para ampliação ou construção de uma nova unidade prisional, criando novas vagas hábeis a receber condignamente os internos. A decisão não foi proferida sem que antes houvessem os magistrados analisado de forma detida os direitos fundamentais da população carcerária, as condições materiais concretas que caracterizavam a violação de tais direitos e a permanência do estado de coisas inconstitucional adrede reconhecido pela Corte Constitucional em relação à situação dos presídios colombianos. Também merece destaque a linha evolutiva da jurisprudência em quase duas décadas em relação ao reconhecimento da violação de direitos humanos fundamentais, ao incremento das medidas de proteção efetiva e de reparação imediata da situação desconforme. Finalmente, houve o cuidado de analisar a razoabilidade e a proporcionalidade da providência, mormente quanto ao prazo para as medidas determinadas na decisão judicial. Da análise crítica: São algumas considerações importantes a serem feitas na resenha em relação à decisão, algumas delas, por definição, sob um ponto de vista crítico acerca do conteúdo do texto analisado.

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O primeiro ponto que chama a atenção é a inequívoca situação de violência e ultraje aos direitos humanos mais fundamentais da população carcerária, pois numa unidade com capacidade para 284 (duzentos e oitenta e quatro) internos se encontravam 663 (seiscentos e sessenta e três) no início da ação e 705 (setecentos e cinco) quando do julgamento, e que nos locais de repouso com capacidade para quatro pessoas se amontoam dez ou doze3. Nada que alarme quem se acostumou com a realidade prisional do Brasil que, pela descrição trazida na decisão, parece bem pior que a colombiana.

Penitenciária de Cómbita, nas mesmas circunstâncias, foi concluída em três anos, o que justificou o mesmo prazo concedido e a redução em um ano caso se optasse por reformas na unidade e não em construir uma nova.

Cabe destacar também, numa outra perspectiva, que tal situação foi enfrentada pela Corte Suprema de Justicia no ano de 2012, cerca de quatorze anos após o pronunciamento da Corte Constitucional da Colômbia na Sentencia T-153 que declarou a existência de um estado de coisas inconstitucional em relação à situação carcerária do país, determinando ao INPEC, ao Ministério de Justicia e ao Departamento nacional de Planeación, no prazo de quatro anos, a realização total do plano nacional de construção e reforma de penitenciárias no país. É possível verificar que, tal qual no Brasil, também na Colômbia há certa dificuldade da jurisprudência em definir as medidas de proteção a serem adotadas diante de tais situações, havendo um indicativo claro da Corte Constitucional de que as medidas judiciais não devem ser tomadas de forma isolada, mas sim dentro de uma análise mais ampla que abarque a política pública como um todo, ainda que seja possível ao Judiciário determinar diretamente ao Executivo medidas concretas para a garantia dos direitos fundamentais. Nos parece que a posição da Corte Constitucional é mais avançada em relação à necessidade e à superioridade do processo estrutural do que a da Corte Suprema de Justicia. A questão da competência ou da legitimidade passiva foi tratada adequadamente. Após o conhecido jogo de empurra dos diversos órgãos da administração sobre as competências de cada qual para solucionar o problema, a decisão apontou que a ordem era dada tanto a um, quanto ao outro réu, que de forma coordenada, deveriam cumprir o determinado no julgado, convocando, inclusive, as demais entidades da administração, se necessário. Utilizou a decisão um precedente da construção de outra penitenciária após uma decisão judicial, tendo a Defensoria informado que a obra da

3. A Colômbia é considerada avançada na América Latina em termos de política penal-carcerária, sendo que menciona no texto da própria Constituição institutos avançados como o juiz de garantias e a justiça restaurativa (art. 250). Vide análise de LEAL, César Barras. Justiça restaurativa amanhecer de uma era: aplicação em prisões e CIAI. Curitiba: Juruá, 2014, p. 207 ISBN 9788536248370.

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Uma outra questão que se coloca e nos parece fundamental é sobre os limites, a responsabilidade e a postura esperada do Poder Judiciário diante de situações de flagrante e continuado desrespeito não só a direitos básicos do cidadão, privado ou não de sua liberdade, mas a reiteradas decisões dos tribunais reconhecendo tal desrespeito e determinando a correção da situação. A decisão em si não traz grandes novidades em relação aos contornos do processo estrutural, nem tem o comando judicial um cuidado específico com a flexibilidade ou com o adequado acompanhamento do cumprimento da decisão4. No entanto, um ponto chama a atenção e, a nosso sentir, tem um conteúdo revolucionário. Embora a decisão seja tímida ao apontar as consequências que vislumbramos, o alerta pode alterar de modo decisivo a forma como o Judiciário lida com decisões de políticas públicas, notadamente legislativas. Trata-se do ponto analisado no item 3, Situación actual y prospectiva en Ias cárceles colombianas e ao fim da fundamentação, onde o magistrado aponta para a política penal do Estado e as frequentes críticas do Judiciário à criação de novos tipos penais e à tendência progressiva ao encarceramento em detrimento da composição e das penas alternativas5. Na fundamentação há uma atenção à responsabilidade política pelas consequências inconstitucionais das atitudes relacionadas às medidas legislativas, ou seja, se as prisões estão em estado de coisas inconstitucional pela superlotação, não cabe ao Legislativo, senão antes de remediar tal estado, aprovar novas leis que, estatisticamente, irão aumentar ainda mais o problema carcerário6.

4. Sobre o tema do processo estrutural vide FISS, Owen M. The Forms of Justice (1979). Faculty Scholarship Series. Paper 1220. Disponível em: http://digitalcommons.law.yale.edu/fss_papers/1220>. Acesso em 25 jul 2016 e ARENHART, Sérgio Cruz. Decisões estruturais no direito processual civil brasileiro. Revista de Processo, v.38, n.225, p.389-410, nov. 2013. 5. Nota 3, p. 22 "Política, que es preciso indicar, resulta contraria a los Ilamados realizados por Ia judicatura em pró de respuestas distintas a Ias penales, em tanto:'... surgen determinantes Ia herramientas ofrecidas por el Legislador para descongestionar Ia administración de Justicia de tnvestigaciones y procesos adelantados por conductas que, como Ia que aqui se analisa, no ameritan toda Ia atención dei aparato sancionatorio de! Estado, cuando resulta más justa su atención por Ia via dei ofrecimento de Ia oportunidad, de Ia conciliación, de Ia mediación, o Io senda misma de Ia ausência de antijuridicidad material; que en todo caso conducen a situaciones diferentes de Ia pena de prísión, inútil e ilegítima en assuntos como el que se examina.' Fallo de casación de 18 de noviembre de 2008, radicadón 29183." 6. Nota 10, p. 32 En ese sentido: "Patterns of use for comporable existing crimes can help legislatures antecipate how proposed new offenses will be utilized, with these predictions permitting the improved

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Estado e a discussão acerca dessas posições sob o prisma da inconstitucionalidade das consequências materiais geradas por elas.

Ao que nos parece, seria possível falar de uma inconstitucionalidade por consequências em determinadas políticas de Estado e, por conseguinte, uma limitação material ao próprio exercício do Poder Legislativo.

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Nesse sentido, seja através de decisões estruturais, seja no controle concentrado de constitucionalidade das normas, o Judiciário atuaria balizando as medidas legislativas e administrativas, reconhecendo as consequências práticas negativas das opções democráticas, normalmente suprimidas de forma irresponsável do discurso político. Talvez na nova dinâmica interinstitucional reste reservado ao Judiciário o papel de apontar as consequências práticas negativas dos discursos demagógicos.

Link para a decisão: http://www.camara.gov.co/portal2011/gestor-documental/doc_download/ 1734-tutela-58729~2012-03-27

No caso dos presídios, se se aposta na ampliação do Direito Penal, no recrudescimento das penas e na privação da liberdade, o que a Constituição permite, a população deve ser esclarecida do impacto dessa opção nos cofres do Estado e nos demais serviços e políticas públicas. A decisão democrática da sociedade pelo aumento do encarceramento deve vir acompanhada do ónus inafastável de pagar a pesada conta de manter estabelecimentos prisionais que propiciem um cumprimento digno da pena. Fundamental vislumbrarmos não apenas a inconstitucionalidade do estado de coisas atual nas prisões colombianas e brasileiras, mas uma inconstitucionalidade, em perspectiva, das novas normas que fatalmente irão gerar ou agravar tal estado de coisas. Decisões estruturais e a interação do Judiciário com as políticas públicas do Estado poderão passar a contar com esse novo enfoque, ou seja, o diálogo institucional no âmbito das decisões deverá incorporar as perspectivas futuras em relação aos direitos debatidos decorrentes das atuais posições políticas do

oppraisal ofthe costs and benefits associated with the suggested addition to the criminal code. This próposai is not wholly hypothetícal, In 2011, Colorado enacted a law 279 that requires the pre-enactement screening of new crimes. Under th/s statute, these crimes are to be accompanied by a fiscal note that includes, among other information, (a) an analysis of wheter the new crime already may be charged under current law; (bj a comparison of the proposed crime to similar offenses; and (cj an analysis of the current and antecipated future prevalence of the behavior that the proposed new crime ... intends to address". Tradução livre: "Padrões de acerca de crimes existentes comparáveis podem ajudar as legislaturas a antecipar a forma como novos tipos penais serão utilizados, com estas previsões permitindo a melhoria da avaliação dos custos e benefícios associados com a adição sugerida ao Código Penal. Esta proposta não é inteiramente hipotética, Em 2011, Colorado promulgou uma lei n?. 279 que exige a triagem pré-promulgação de novos crimes. Sob esta lei, estes crimes devem ser acompanhados de uma verificação que inclui, entre outras informações, (a) uma análise se a nova conduta já pode ser sancionado sob a lei penal atual; (b) uma comparação do crime proposto com infracções similares; e (c) uma análise antecipando uma futura continuidade do comportamento que o novo crime proposto ... pretende solucionar

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POLÍTICA CARCERÁRIA - SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - ADPF N° 347 MC/DF - JULGAMENTO EM 09 DE SETEMBRO DE 2015 Marcos Ro/im da Silva1

"Em 1982, Darcy Ribeiro fez um célebre discurso em que ele desafiava o Governo, avisando que se não tivesse a construção de muitas escolas no Brasil, nós iríamos, um dia, trazer ao Supremo julgamentos para mandarem construir penitenciárias aos montes e não caberia todo mundo. E parece que o presságio está se cumprindo" - Trecho de voto da Ministra Carmen Lúcia no julgamento da ADPF n° 347/DF

Nas sessões ocorridas nos dias 28 de Agosto, e 03 e 09 de Setembro de 2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal analisou Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347/DF proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), na qual consta como interessados a União, o Distrito Federal e todos os Estados da Federação2. Essa ADPF, originada de representação feita ao partido arguente pela Clínica de Direitos Fundamentais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), tem, como objetivo principal, a declaração, pela Corte Suprema, da existência de um "estado de coisas inconstitucional" no sistema carcerário 1. Mestrando em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Advogado. 2. O inteiro teor do julgamento é composto de 210 páginas, as quais compreendem a Ementa do julgado, Acórdão, Relatório, votos dos 10 ministros presentes (com ausência do Min. Dias Toffoli), observações, esclarecimentos e debates, podendo ser acessado em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador. jsp?docTP=TP&docl 0=10300665.

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brasileiro, manifesto na violação massiva de direitos fundamentais dos presidiários em decorrência de ações e omissões dos diferentes órgãos legislativos, administrativos e judiciais da União, Estados e do Distrito Federal, no que tange as políticas voltadas a este setor. Assim, requereu-se a imposição de medidas para a reversão desse quadro, as quais abrangeriam tanto providências de cumprimento urgente, quanto de implementação a longo prazo. Sob a relatoria do Min. Marco Aurélio Mello, o Plenário do STF apreciou 8 pedidos de medida cautelar, tendo deferido duas, indeferido cinco, e considerado uma como prejudicada. Além disso, acolheu-se proposta do Min. Luís Roberto Barroso, deferindo-se uma medida cautelar de ofício, a fim de se determinar à União e aos Estados - em especial ao Estado de São Paulo -, que encaminhem ao STF informações sobre a situação prisonal, com o objetivo de auxiliar a análise do mérito da ADPF. O mérito dos pedidos principais3 ainda não foi julgado, e o processo está na fase de recebimento de informações por parte dos Estados acerca de suas políticas carcerárias, e de apreciação de pedidos de admissão de anua curiae. Em linhas gerais, a corte reconheceu uma violação generalizada de direitos fundamentais da população carcerária no que diz respeito à dignidade, higidez física e integridade psíquica, com prejuízo a diversos dispositivos da Constituição Federal4; ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos; à Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis; à Convenção Americana de Direitos Humanos; e, no plano da legislação infraconstitucional, à Lei de Execução Penal (Lei n°. 7.210/84) e à Lei Complementar n° 79/94, que instituiu o Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN. O julgamento demonstrou expressiva adesão dos ministros à aplicabilidade da doutrina do "estado de coisas inconstitucional" à realidade carcerária

3. Os pedidos principais abrangem a exortação à União e Estados para que apresentem, em três meses, de planos para superação, dentro de três anos, do quadro de violação de direitos fundamentais pelo sistema carcerário brasileiro, os quais seriam submetidos à análise do Conselho Nacional de justiça, da Procuradoria Geral da República, da Defensoria-Geral da União, do Conselho Federal da OAB, do Conselho Nacional do Ministério Público e de outros órgãos e instituições que desejem se manifestar. Caberia ao STF homologar os planos, ou propor-lhes alterações, contando, para tanto, com o apoio do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducaticas do CNJ. 4. Reconheceu-se a violação dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1a, inc. Ill); da proibição de tortura e tratamento desumano (art. 59, inc. Ill); da vedação à aplicação de penas cruéis (art. 5a, inc. XLVII, alínea "e"); do direito ao cumprimento da pena em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, idade e sexo do apenado (art. 59, inc. XVLlll); do direito dos presos à integridade física e moral (art. 59, inc. XLIX); à saúde, educação, alimentação, trabalho, previdência e assistência social (art. 69); e à assistência judiciária (art. 5-, LXXIV)

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brasileira, sob o fundamento de que problemas tanto de formulação e implementação de políticas públicas, quanto de interpretação e aplicação da lei penal, estão no cerne das mazelas do sistema penitenciário nacional. Conforme ressaltado pelo voto do Ministro Marco Aurélio, a declaração de um "estado de coisas inconstitucional" visaria a superação de "bloqueios ou desarcordos políticos que encontram razões tanto na sub-representação como na impopularidade desses indivíduos"5. A única ressalva foi feita pelo Min. Gilmar Mendes, o qual entendeu impertinente a tese do "estado de coisas inconstitucional", julgando ser suficiente o reconhecimento da omissão administrativa sistemática para considerar procedente a arguição, bem como a representação interventiva como um instrumento mais adequado para o controle da omissão estatal. As cautelares deferidas determinam: a) a realização, pelos juizes e tribunais, em até noventa dias, de audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contados do momento da prisão; e b) a liberação, pela União, do saldo acumulado do FUNPEN, proibindo-se novos contingenciamentos. A primeira das medidas cautelares (correspondente à alínea "b" dos pedidos realizados pelo arguente) foi deferida com fundamento nos artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, prevalecendo, nesse ponto, o entendimento do ministro relator, no sentido de conceder a liminar nos moldes propostos pelo arguente. Foram vencidos os ministros Teori Zavascki e Roberto Barroso, os quais, diante da informação prestada pelo Ministro Presidente Ricardo Lewandowski de que o Conselho Nacional de Justiça já implantava projetos-piloto nos Estados para a observância da audiência de custódia, votaram pela delegação ao CNJ da regulamentação dos prazos de implantação, no que restaram vencidos. Vencida também foi a Min. Rosa Weber, a qual fez ressalva apenas quanto a observância dos prazos de implantação das audiências de custódia, tal como definidos pelo CNJ. A segunda cautelar (correspondente à alínea "h" dos pedidos do arguente), ao seu turno, foi acolhida por maioria, acompanhando-se o voto do ministro relator, restando vencidos os Ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Rosa Weber, os quais fixavam o prazo de sessenta dias, a partir da publicação do Acórdão, para que a União realizasse o descontingenciamento das verbas do FUNPEN. 5. O Ministro Marco Aurélio ressalta, ainda, que a pauta de melhoramento do sistema carcerário se encontraria em um verdadeiro "ponto cego legislativo" (legislative blindspot), devendo contar com a intervenção do STF para sua implementação.

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As cautelares indeferidas (que se referem, respectivamente, às alíneas "a", "c", "d", "e" e "f" dos pedidos do arguente) tinham o objetivo de determinar: a) a motivação expressa, pelos membros do Judiciário, do porquê de não aplicarem medidas cautelares alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no art. 319 do Código de Processo Penal; b) que os membros do Judiciário considerem o quadro dramático do sistema penitenciário brasileiro no momento de implemento de cautelares penais, na aplicação da pena e durante o processo de execução penal; c) que os juizes estabeleçam, sempre que possível, penas alternativas à prisão, ante à circunstância de a reclusão ser sistematicamente cumprida em condições mais severas do que o permitido pelo quadro normativo; d) aos juizes de execução penal que abrandem os requisitos temporais para a fruição de benefícios e direitos dos presos, tais como a progressão de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando constatadas circunstâncias de cumprimento da pena em condições mais severas do que as previstas pela ordem jurídica, preservando-se, com isso, a propocionalidade da sanção; e) aos juizes da execução penal, que abatam, da pena, o tempo de prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento foram mais severas do que as previstas na legislação.

estatal inconstitucional, quando ela se insere no campo dos atos sujeitos à discricionariedade administrativa6. Tal posicionamento é calcado na ideia de que a Constituição Federal de 1988 conferiu ao Judiciário o status de "agente político"7, ao qual cabe intervir no âmbito da discricionariedade administrativa, quando esta compromete a efetivação mínima de direitos fundamentais8.

As cautelares de alíneas "a", "c" e "d" foram indeferidas pela maioria de votos, vencidos os Ministros Marco Aurélio (relator), Luiz Fux e Cármen Lúcia, sob o argumento de que o dever de fundamentação das decisões judiciais e os critérios para fixação da pena já estão presentes na ordem constitucional e legal, não se mostrando necessária uma ordem cautelar exortando os membros do Judiciário à sua observância. Sob fundamentos semelhantes, indeferiu-se o pedido de alínea "f", pela unanimidade de votos, prevalecendo a posição do ministro relator, de que os critérios legais para definição de benefícios e direitos dos presos não podem ser flexibilizados em abstraio. A alínea "e" por sua vez, foi rejeitada pela maioria de votos. Quanto a esse pedido, o único entendimento divergente foi o do Min. Gilmar Mendes, que o deferiu em menor extensão, sob o argumento de ser necessária a imediata implantação de sistemas informatizados de acompanhamento da execução da pena, tal qual determina a Lei n° 12.714/12. Por fim, considerou-se prejudicado o pedido cautelar de alínea "g" ° qual pleiteava a realização de mutirão carcerário pelo CNJ, a fim de revisar todos os processos de execução penal em curso no país, visando a adequá-los às medidas pedidas nas alíneas "e" e "f" - que, como se viu, foram rejeitadas. O Supremo Tribunal Federal possui notória jurisprudência construída em torno do reconhecimento da legitimidade do controle jurisdicional da omissão

Nada obstante, o julgamento da ADPF n° 347, quando demonstra a adesão do STF à doutrina do "estado de coisas inconstitucional", inaugura novo capítulo da jurisprudência dessa Corte, eis que passa não apenas a estabelecer critérios para a admissão do controle jurisdicional de políticas públicas9, mas também a definir qual seria o modelo ideal e o espectro de tal intervenção. Isso se mostra claro ao se analisar no que consiste a doutrina do "estado de coisas inconstitucional", quais os pressupostos para seu reconhecimento e a amplitude dos remédios a ela associados. Segundo Carlos Alexandre de Azevedo Campos10, essa doutrina tem origem na jurisprudência da Corte Constitucional da Colômbia (CCC),

6. Para um exame contextualizado da evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca dos critérios e limites para o controle jurisdicional de políticas públicas, c.f. COSTA, Susana Henriques da. O Poder Judiciário no controle de políticas públicas: uma breve análise de alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas, 2. ed. Rio de Janeiro: GEN-Forense, 2012. 7. SADEK, Maria Teresa. Judiciário e arena pública: um olhar a partir da ciência política. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas, 2. ed. Rio de Janeiro: GEN-Forense, 2012, p. 15. 8. Para Juliana Maia Daniel, os direitos fundamentais constituem verdadeiros parâmetros para o exercício da discricionariedade administrativa, como se vê em DANIEL, Juliana Maia. Discricionariedade administrativa em matéria de políticas públicas. In: GRINOVER, Ada Pellegrini; WATANABE, Kazuo (coord.). O controle jurisdicional de políticas públicas, 2. ed. Rio de Janeiro: GEN-Forense, 2012, p. 107) 9. Segundo Ada Pellegrini Grinover, o controle jurisdicional de políticas públicas tem como pressupostos o desrespeito ao limite fixado pelo mínimo existencial, a razoabilidade da pretensão individual/social deduzida em face do Poder Público e a existência de disponibilidade financeira do Estado para tornar efetivas as prestações positivas que dele se exige. É de se ressaltar que a autora utiliza como referência para a definição desses critérios, os argumentos da decisão monocrática do Min. Celso de Mello na ADPF ns 45 MC/DF, os quais são reproduzidos em seu voto proferido no julgamento da ADPF n3 347 (GRINOVER, Ada Pellegrini. O controle jurisdicional de políticas públicas. In: O controle jurisdicional de políticas públicas, coord. Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe. Rio de Janeiro: GEN-Forense, 2012, passim). Para um exame do mínimo existencial como parâmetro para o controle jurisdicional de políticas públicas, c.f. WATANABE, Kazuo. Controle jurisdicional das políticas públicas- "mínimo existencial" e demais direitos fundamentais imediatamente judicializáveis. In: O controle jurisdicional de políticas públicas, coord. Ada Peilegrini Grinover, Kazuo Watanabe. Rio de Janeiro: GEN-Forense, 2012, passim. 10. A tese de doutorado do mencionado autor acerca do "estado de coisas inconstitucional" serviu de referência aos votos dos Ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso no julgamento da ADPF n9 347, c.f. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Da inconstitucionalidade por omissão ao "estado de

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inaugurada na Sentencia de Unificación (SU) n° 559, de 1997, na qual se declarou que direitos previdenciários dos professores dos municípios de Maria La Baja e Zambrano estariam sendo negados por falhas estruturais na política geral de educação, que não seriam imputáveis a apenas um órgão11. A declaração de um "estado de coisas inconstitucional" está atrelada, portanto, ao reconhecimento de uma falha sistémica (estrutural), isto é, uma falha geral de formulação ou implementação de uma política pública, que gera uma violação massiva e generalizada de direitos fundamentais, a reclamar a emissão de mandamentos a uma pluralidade de órgãos públicos12. Tais mandamentos, por sua vez, são expedidos na forma de "remédios flexíveis", cuja implementação é submetida a monitoramento contínuo por parte do Judiciário. Isso significa que as ordens às autoridades públicas não vêm em forma de mandamentos detalhados acerca de como elas devem agir para a superação do "estado de coisas inconstitucional", mas construídas de forma dialogai com esses mesmos órgãos, cabendo ao Judiciário a fiscalização de seu cumprimento13.

POLÍTICA C A R C E R Á R I A - S U P R E M O TRIBUNAL FEDERAL • Marcos Rolim da Silva

É de se notar que o modelo de controle judicial proposto pela doutrina do "estado de coisas inconstitucional" é bastante semelhante ao desenhado pelo Projeto de Lei n° 8.058/2014, o qual visa instituir um processo específico para o controle e intervenção em políticas públicas pelo Poder Judiciário, mediante um procedimento estrutural, policêntrico, dialogai, colaborativo e flexível14. A adesão do STF a tal doutrina põe em pauta, portanto, as características que devem assumir a função judicial diante do controle da omissão estatal inconstitucional15. Muito embora o julgamento das medidas cautelares na ADPF 347 seja alvissareiro do ponto de vista da admissão de um parâmetro para o controle da omissão estatal inconstitucional, há de se aguardar o julgamento dos pedidos principais, que visam a efetiva reformulação da política carcerária nacional mediante a apresentação e execução de planos para a reversão do quadro de violação massiva de direitos fundamentais. Isso, porque o sucesso dessa empreitada dependerá, em grande parte, da participação dos Estados, os quais, no momento, apresentam suas informações ao STF, chamando atenção o fato de que a maioria ainda nega a existência de um "estado de coisas inconstitucional" em seus sistemas carcerários.

coisas inconstitucional". Tese de Doutorado apresentada ao programa de pós-graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2015. 11. CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: http://jota. uol.com.br/jotamundo-estado-de-coisas-inconstitucional. Acesso em: 30.07.2016. 12. É o que se extrai de trecho de julgado da CCC citado no julgamento da Accíon de tutela ns 58729 pela Corte Supremo deJusticia da Colômbia, a qual determinou a ampliação da Penitenciária de Arménia e exortou o Ministério da Justiça e o Poder Legislativo a levarem em consideração os custos financeiros decorrentes de reformas legislativas que ampliem as hipóteses de punição mediante privação de liberdade: "Esta Corporación ha hecho uso de Ia figura dei estado de cosas inconstitucional con el fin de buscar remédio a situaciones de vulneración de los derechos fundamentales que tengan un carácter general- en tanto que afectan a multitud de personas-, y cuyas causas sean de naturaleza estructural -es decir que, por Io regular, no se originan de manera exclusiva en Ia autoridad demandada y, por Io tanto, su soludón exige Ia acción mancomunada de distintas entidades. En estas condiciones, Ia Corte ha considerado que dado que miles de personas se encuentran en igual situación y que si todas acudieran a Ia tutela podrían congestionar de manera innecesaria Ia administración de justicía, Io más indicado es dictar ordenes a Ias instituciones oficiales competentes con el fin de que pongan en acción sus facultades para eliminar ese estado de cosas inconstitucional". Um dos principais fundamentos do julgado foi a preexistência de declaração de um estado de coisas inconstutucional no sistema carcerário colombiano pela CCC na Sentencia T-153, de 1998. Disponível em: http://190.24.134.97/WebRelatoria/ csj/index.xhtml. Acesso em: 30.07.2016 13. "Remédios flexíveis são modelados pela cortes para serem cumpridos, deixando margens de criação legislativa e de execução a serem esquematizadas e avançadas pelos outros poderes. Como os casos colombianos demonstram, essas ordens flexíveis serão melhor cumpridas se a fase de implementação da decisão receber o monitoramento da própria corte." (CAMPOS, Carlos Alexandre de Azevedo. Estado de Coisas Inconstitucional. Disponível em: http://jota.uol.com.br/jotamundo-estado-de-coisas-inconstitucional. Acesso em: 30.07.2016)

14. Essas características são expressamente enunciadas pelo PL 8.058/2014, no Parágrafo Único de seu art. 2?. Ressalte-se, ainda, que o projeto também prevê uma fase preliminar voltada à obtenção de informações acerca da política pública sob análise (art. 6e), e a possibilidade de exortação às autoridades públicas a apresentarem planejamento para implementação ou correção da política pública (art. 18), cujo cumprimento seria monitorado de forma contínua pela autoridade judicial (art. 19). 15. Para Susana Henriques da Costa, a judicialização de questões relativas a direitos fundamentais sociais exige que a função judicial adote uma conotação consequencialista, estratégica e mediadora (COSTA, Susana Henriques da. A imediata judicialização dos direitos fundamentais e o mínimo existência!: relação entre direito e processo. In: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Org.). O processo em perspectiva. Jornadas brasileiras de Direito Processual, l. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013).

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COMENTÁRIO DE PAULO HENRIQUE DOS SANTOS LUCON1 No dia 9 de setembro de 2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal encerrou o julgamento dos pedidos cautelares da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), em que pede o reconhecimento da violação de direitos fundamentais da população carcerária e a adoção de providências para sanar tais lesões. Dois oito pedidos cautelares formulados, dois foram deferidos, quais sejam: a) A realização de audiências de custódia; e b) O descontingenciamento das verbas existentes no Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN e a proibição de novos contingenciamentos, até que se reconheça a superação do estado de coisas inconstitucional do sistema prisional brasileiro. Ainda, foi deferida uma cautelar de ofício sugerida pelo Min. Barroso, para determinar que o Governo Federal encaminhe ao relator, no prazo de um ano, diagnóstico da situação em termos quantitativos e pecuniários, para que a Corte tenha elementos adequados para julgar o mérito da ação. O julgamento das medidas cautelares foi um passo importante no que virá a assinalar uma reviravolta decisiva no controle jurisdicional de políticas públicas no Brasil. O julgamento do mérito trará à tona questões ainda mais complexas, que orbitam a elaboração de um "Plano Nacional" contendo propostas e metas específicas para a "superação do estado de coisas inconstitucional". Os pedidos principais todos se relacionam com esse plano, que deve conter ainda a previsão dos recursos para sua efetivação e um cronograma para sua execução. A elaboração, discussão e monitoramento da execução do "Plano Nacional" vai além dos escopos do processo como o conhecemos, sendo necessário adotar uma nova perspectiva. Como se manifestou no julgamento o Min. Livre-Docente, Doutor e Mestre pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco - DSP. Professor Associado nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco - USP. Presidente do Instituto Brasileiro de Direito Processual - IBDP. Vice-Presidente do Instituto Iberoamericano de Direito Processual - IIDP. Advogado.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

Marco Aurélio, "ordens flexíveis sob monitoramento previnem a supremacia judicial e, ao mesmo tempo, promovem a integração institucional". Para solucionar esse impasse, é importante relembrar o Projeto de Lei 8.058 de 2014, que "institui processo especial para o controle e intervenção em políticas públicas pelo Poder Judiciário e dá outras providências". Adotando como linhas fundamentais apriorização das soluções consensuais (art. 2°, VIII, do projeto de lei), aflexibilização das decisões (art. 2°, VI, IX e X), e a ampla participação, o PL 8.058/14 traz uma estrutura teórica e prática que torna o processo envolvendo questões de políticas públicas como a ADPF 374 mais democrático e efetivo. Além de algumas técnicas já conhecidas, como o amicus curiae e audiências públicas, o mencionado projeto de lei adapta ao direito brasileiro experiências de comprovada efetividade na experiência internacional, como a figura do comissário, essencial no acompanhamento e fiscalização da execução da decisão. Esse atuaria, por exemplo, como um representante da corte na atividade de implementação do "Plano Nacional", podendo ser pessoa física ou jurídica com conhecimento e estrutura adequados ao fim almejado, servindo assim como uma ponte entre a atividade jurisdicional da corte e atividade de fiscalização da política pública. Assim, a ADPF 374 vem nos lembrar que, ao contrário do que alguns críticos aduzem, o controle jurisdicional de políticas públicas não é uma patologia do judiciário, mas uma realidade social, política e cultural, que o direito processual e o ordenamento jurídico como um todo não podem ignorar, sob pena de falhar nas suas funções de justiça e pacificação social. O processo para o controle das políticas públicas envolve um procedimento adequado com comandos abertos, sucessivos, concatenados e pautados no diálogo, porque, em síntese, procura resolver em coordenação com todos os envolvidos um problema de interesse público que demanda uma solução estrutural e que se realiza ao longo do tempo.

PARTE II

O FUTURO

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PROJETO DE LEI N9 8058, DE 2014 (Do Sr. Paulo Teixeira)

Institui processo especial para o controle e intervenção em políticas públicas pelo Poder Judiciário e dá outras providências. 0 Congresso Nacional decreta: Art. 1°. Esta lei institui o processo especial para o controle e intervenção em políticas públicas pelo Poder Judiciário e dá outras providências. CAPÍTULO l - DOS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Art. 2°. O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário rege-se pelos seguintes princípios, sem prejuízo de outros que assegurem o gozo de direitos fundamentais sociais: 1 - proporcionalidade; II - razoabilidade; III - garantia do mínimo existencial; IV - justiça social; V - atendimento ao bem comum; VI - universalidade das políticas públicas; VII - equilíbrio orçamentário. Parágrafo único. O processo especial para controle jurisdicional de políticas públicas, além de obedecer ao rito estabelecido nesta Lei, terá as seguintes características: 597

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

I - estruturais, a fim de facilitar o diálogo institucional entre os Poderes; II - policêntricas, indicando a intervenção no contraditório do Poder Público e da sociedade; III - dialogais, pela abertura ao diálogo entre o juiz, as partes, os representantes dos demais Poderes e a sociedade; IV - de cognição ampla e profunda, de modo a propiciar ao juiz o assessoramento necessário ao pleno conhecimento da realidade fática e jurídica; V - colaborativas e participativas, envolvendo a responsabilidade do Poder Público; VI - flexíveis quanto ao procedimento, a ser consensualmente adaptado ao caso concreto; VII - sujeitas à informação, ao debate e ao controle social, por qualquer meio adequado, processual ou extraprocessual; VIII - tendentes às soluções consensuais, construídas e executadas de comum acordo com o Poder Público; IX - que adotem, quando necessário, comandos judiciais abertos, flexíveis e progressivos, de modo a consentir soluções justas, equilibradas e exequíveis; X - que flexibilizem o cumprimento das decisões; XI - que prevejam o adequado acompanhamento do cumprimento das decisões por pessoas físicas ou jurídicas, órgãos ou instituições que atuem sob a supervisão do juiz e em estreito contato com este. CAPITULO II - DA COMPETÊNCIA E DA PETIÇÃO INICIAL

Art. 3°. É competente para o controle judicial de políticas públicas a justiça ordinária, estadual ou federal, por intermédio de ação coletiva proposta por legitimado estabelecido pela legislação pertinente, ressalvadas as hipóteses de cabimento de ações constitucionais. Parágrafo único. Para a implementação ou correção de política pública é admissível qualquer espécie de ação ou provimento. Art. 4°. A petição inicial obedecerá aos requisitos previstos no Código de Processo Civil e deverá indicar com precisão a medida necessária para implementação ou correção da política pública, bem como a autoridade responsável por sua efetivação.

PROJETO DE LEI N8 8058, DE 2014

Parágrafo único. A petição inicial indicará a pessoa jurídica de direito público à qual pertence a autoridade responsável pela efetivação da política pública, e em razão desta será determinada a competência. Art. 5°. Se a autoridade se der por incompetente, deverá declinar a que entender competente, que será igualmente notificada para a fase preliminar, de acordo com o disposto no art. 6°. CAPÍTULO III - DA FASE PRELIMINAR

Art. 6°. Estando em ordem a petição inicial, o juiz a receberá e notificará o órgão do Ministério Público e a autoridade responsável pela efetivação da política pública, para que esta preste, pessoalmente e no prazo de sessenta dias, prorrogável por igual período, informações detalhadas que deverão contemplar os seguintes dados da política pública objeto do pedido, os quais constarão do mandado: I - o planejamento e a execução existentes; II - os recursos financeiros previstos no orçamento para sua implementação; III - a previsão de recursos necessários a sua implementação ou correção; IV- em caso de insuficiência de recursos, a possibilidade de transposição de verbas; IV - o cronograma necessário ao eventual atendimento do pedido. Art. 7°. Se o pedido envolver o mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional de maneira completa e acabada, o juiz poderá antecipar a tutela, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil, estando nessa hipótese dispensadas as informações a respeito dos incisos II, III e IV do artigo 6°. Parágrafo único. Considera-se mínimo existencial, para efeito desta lei, o núcleo duro, essencial, dos direitos fundamentais sociais garantidos pela Constituição Federal, em relação ao específico direito fundamental invocado, destinado a assegurar a dignidade humana. Art. 8°. Se não prestadas as informações indicadas no caput, o juiz aplicará à autoridade responsável as sanções previstas no Código de Processo Civil, podendo convocá-la pessoalmente para comparecer a juízo.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

PROJETO DE LEI NS 8058, DE 2014

§ 1° Na prestação de informações, a autoridade responsável pela execução da política pública poderá servir-se de assessores técnicos especializados.

Parágrafo único. A transação, homologada pelo juiz, terá efeito de título executivo judicial e, assinada pelos transatores e pelo Ministério Público, de título executivo extrajudicial.

§ 2° O juiz poderá utilizar técnicos especializados para assessorá-lo na análise das informações, sem prejuízo de consulta a órgãos e instituições do ramo (parágrafo único do art. 28).

Art. 13. O Ministério Público ou outros órgãos públicos legitimados às ações coletivas poderão tomar da Administração ou do ente privado termo de ajustamento de conduta sobre o cumprimento da obrigação, sua modalidade e seus prazos, que, em caso de existência de processo, somente terá eficácia após manifestação do autor.

Art. 9°. Se considerar as informações insuficientes, o juiz, de ofício ou a requerimento do autor ou do Ministério Público, quando este não for autor, poderá solicitar esclarecimentos e informações suplementares, a serem prestadas em prazo razoável, fixado pelo juiz, bem como designar audiências, em contraditório pleno, inclusive com a presença dos técnicos envolvidos, para os mesmos fins. Art. 10. Caso tenha por esclarecidas as questões suscitadas na fase preliminar, o juiz poderá designar audiências públicas, convocando representantes da sociedade civil e de instituições e órgãos especializados. Parágrafo único. Admite-se na fase preliminar e no processo judicial a intervenção de amicus curiae, pessoa física ou jurídica, que poderá manifestar-se por escrito ou oralmente. CAPÍTULO IV - DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

Art. 11. As partes poderão, de comum acordo, submeter o conflito ao juízo arbitrai, observado o disposto na legislação em vigor ou à mediação ou conciliação judiciais ou extrajudiciais. § 1° A qualquer tempo e em qualquer fase e grau do processo, a autoridade judiciária poderá propor às partes que se submetam à mediação ou conciliação, conduzidas por mediadores e conciliadores devidamente capacitados, nos termos da legislação em vigor. § 2° A audiência de mediação ou conciliação será obrigatória quando se tratar de direito passível de transação.

Parágrafo único. O termo de ajustamento de conduta terá natureza jurídica de transação, submetendo-se à regra do parágrafo único do art. 12. CAPÍTULO V - DO PROCESSO JUDICIAL

Art. 14. Não havendo acordo, o juiz examinará, em juízo de admissibilidade, a razoabilidade do pedido e da atuação da Administração, podendo extinguir o processo com resolução do mérito ou determinar a citação do representante judicial da autoridade competente para apresentar resposta. Parágrafo único. Extinto o processo, serão intimados da sentença o autor, a autoridade responsável eapessoa jurídica de direito público a que esta pertence. Art. 15. Determinada a citação, a autoridade responsável pela política pública continuará vinculada ao processo, inclusive para os fins do disposto no artigo 21. Art. 16. Todos os elementos probatórios colhidos na fase preliminar, em contraditório, serão aproveitados no processo judicial, devendo o juiz privilegiar o julgamento antecipado da lide sempre que possível. Art. 17. O prazo para contestar será de 30 (trinta) dias, sem outros benefícios de prazo para a Fazenda Pública, observando o processo, no que couber, o rito ordinário previsto no Código de Processo Civil, com as modificações com que o juiz e as partes concordarem, para melhor adequação ao objeto da demanda.

§ 3° A remuneração dos mediadores e conciliadores e seus direitos e obrigações serão regidos pela legislação em vigor.

Art. 18. Se for o caso, na decisão o juiz poderá determinar, independentemente de pedido do autor, o cumprimento de obrigações de fazer sucessivas, abertas e flexíveis, que poderão consistir, exemplificativamente, em:

Art. 12. A qualquer momento as partes poderão transigir sobre o cumprimento da obrigação, sua modalidade e seus prazos, ouvido o Ministério Público ou o Defensor Público, conforme o caso.

I - determinar ao ente público responsável pelo cumprimento da sentença ou da decisão antecipatória a apresentação do planejamento necessário à implementação ou correção da política pública objeto da demanda, instruído com o

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respectivo cronograma, que será objeto de debate entre o juiz, o ente público, o autor e, quando possível e adequado, representantes da sociedade civil. II - determinar ao Poder Público que inclua créditos adicionais especiais no orçamento do ano em curso ou determinada verba no orçamento futuro, com a obrigação de aplicar efetivamente as verbas na implementação ou correção da política pública requerida. § 1° O juiz definirá prazo para apresentação do planejamento previsto no inciso I de acordo com a complexidade da causa. § 2° O planejamento será objeto de debate entre o juiz, o ente público, o autor, o Ministério Público e, quando possível e adequado, representantes da sociedade civil. § 3° Homologada a proposta de planejamento, a execução do projeto será periodicamente avaliada pelo juiz, com a participação das partes e do Ministério Público e, caso se revelar inadequada, deverá ser revista nos moldes definidos no parágrafo 2°. Art. 19. Para o efetivo cumprimento da sentença ou da decisão de antecipação da tutela, o juiz poderá nomear comissário, pertencente ou não ao Poder Público, que também poderá ser instituição ou pessoa jurídica, para a implementação e acompanhamento das medidas necessárias à satisfação das obrigações, informando ao juiz, que poderá lhe solicitar quaisquer providências. Parágrafo único. Os honorários do comissário serão fixados pelo juiz e custeados pelo ente público responsável pelo cumprimento da sentença ou da decisão de antecipação da tutela.

PROJETO DE LEI Na 8058, DE 2014

administrativa ou das sanções cominadas aos crimes de responsabilidade ou de desobediência, bem como da intervenção da União no Estado ou do Estado no Município. Art. 22. Quando o controle da política pública não for objeto específico da ação, mas questão individual ou coletiva suscitada no processo, o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, poderá instaurar incidente que obedecerá ao disposto nos artigos 18 a 22. CAPÍTULO VI - DA REUNIÃO DOS PROCESSOS EM PRIMEIRO GRAU

Art. 23. Quando vários processos versando sobre pedidos, diretos ou indiretos, de implementação ou correção de políticas públicas relativas ao mesmo ente político tramitarem em diversos juízos, as causas serão reunidas, independentemente de conexão, para julgamento conjunto, a fim de o juiz dispor de todos os elementos necessários para uma decisão equitativa e exequível. Parágrafo único. Aplica-se à reunião de processos a regra de prevenção do Código de Processo Civil. CAPÍTULO VII - DAS RELAÇÕES ENTRE MAGISTRADOS

Art. 24. Os tribunais promoverão encontros periódicos, presenciais ou por videoconferência, com os juizes competentes para o processamento e julgamento de ações que visem, direta ou indiretamente, ao controle jurisdicional de políticas públicas, destinados ao conhecimento e possível harmonização de entendimentos sobre a matéria.

Art. 25. Quando o tribunal receber diversos recursos em processos que objetivem o controle judicial de políticas públicas relativamente ao mesmo ente político, e que poderão comprometer o mesmo orçamento, os processosde competência do tribunal pleno ou do respectivo órgão especial serão reunidos para julgamento conjunto, objetivando-se a prolação de uma decisão equânime e exequível.

Art. 21. Se a autoridade responsável não cumprir as obrigações determinadas na sentença ou na decisão de antecipação de tutela, o juiz poderá aplicar as medidas coercitivas previstas no Código de Processo Civil, inclusive multa periódica de responsabilidade solidária do ente público descumpridor e da autoridade responsável, devida a partir da intimação pessoal para o cumprimento da decisão, sem prejuízo da responsabilização por ato de improbidade

CAPÍTULO VIII - DA REUNIÃO DE PROCESSOS EM GRAU DE RECURSO

Art. 20. O juiz, de ofício ou a requerimento das partes, poderá alterar a decisão na fase de execução, ajustando-a às peculiaridades do caso concreto, inclusive na hipótese de o ente público promover políticas públicas que se afigurem mais adequadas do que as determinadas na decisão, ou se esta se revelar inadequada ou ineficaz para o atendimento do direito que constitui o núcleo da política pública deficiente.

Parágrafo único. Sem prejuízo da providência mencionada no caput, os tribunais fomentarão reuniões regionais com o mesmo objetivo, com periodicidade adequada.

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CAPÍTULO IX - DOS CADASTROS NACIONAIS

CAPÍTULO X - DAS AÇÕES INDIVIDUAIS

Art. 26. O Conselho Nacional de Justiça organizará e manterá o Cadastro Nacional de Processos sobre Políticas Públicas, com a finalidade de permitir que os órgãos do Poder Judiciário e os interessados tenham amplo acesso às informações relevantes relacionadas com sua existência e estado.

Art. 28. Na hipótese de ações que objetivem a tutela de direitos subjetivos individuais cuja solução possa interferir nas políticas públicas de determinado setor, o juiz somente poderá conceder a tutela na hipótese de se tratar do mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional de forma completa e acabada, nos termos do disposto no parágrafo 1° do art. 7°, e se houver razoabilidade do pedido e irrazoabilidade da conduta da Administração.

§ 1° Os órgãos judiciários aos quais forem distribuídos processos envolvendo controle de políticas públicas remeterão cópia da petição inicial, preferencialmente por meio eletrônico, ao Cadastro Nacional do Conselho Nacional de Justiça, no prazo de 10 (dez) dias. § 2° No prazo de 90 (noventa) dias, contado da publicação da presente lei, o Conselho Nacional de Justiça editará regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional e os meios adequados para viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer interessado por meio da rede mundial de computadores. § 3° O regulamento previsto no § 2° disciplinará a forma pela qual os juízos comunicarão a existência de processos objetivando o controle de políticas públicas e os atos processuais mais relevantes sobre o seu andamento, como a concessão de antecipação de tutela, a sentença, o trânsito em julgado, a interposição de recursos e a execução. Art. 27. O Conselho Nacional do Ministério Público organizará e manterá o Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta, com a finalidade de permitir que os órgãos do Poder Judiciário, os co-legitimados e os interessados tenham amplo acesso às informações relevantes relacionadas à abertura do inquérito e à existência do compromisso. § 1° Os órgãos legitimados que tiverem tomado compromissos de ajustamento de conduta remeterão cópia ao Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta, preferencialmente por meio eletrônico, no prazo de 10 (dez) dias. § 2° No prazo de 90 (noventa) dias, a contar da publicação da presente lei, o Conselho Nacional do Ministério Público editará regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e Compromissos de Ajustamento de Conduta, incluindo a forma de comunicação e os meios adequados para viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer interessado. 604

Parágrafo único. Cada circunscrição judiciária organizará e manterá comissão de especialistas destinada a assessorar o magistrado nos diversos setores de políticas públicas, fornecendo dados e informações que o auxiliem em sua decisão. Art. 29. Na hipótese prevista no artigo 28, o juiz notificará o Ministério Público e outros legitimados às ações coletivas para, querendo, ajuizar o processo coletivo versando sobre a implementação ou correção da política pública, o qual observará as disposições desta lei. Art. 30. Atendido o requisito da relevância social e ouvido o Ministério Público, o juiz poderá converter em coletiva a ação individual que: - tenha efeitos coletivos, em razão da tutela de bem jurídico coletivo e indivisível, cuja ofensa afete ao mesmo tempo as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade; - tenha por escopo a solução de conflitos de interesses relativos a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução deva ser uniforme, por sua natureza ou por disposição de lei, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo e padrão de conduta consistente e unitária para a parte contrária. § 1° Determinada a conversão, o autor manterá a condição de legitimado para a ação em litisconsórcio necessário com o Ministério Público ou outro co-legitimado para a ação coletiva. § 2° O Ministério Público ou outro legitimado poderão aditar ou emendar a petição inicial para adequá-la à tutela coletiva, no prazo a ser fixado pelo juiz. § 3° Se nenhum dos co-legitimados aditar ou emendar a petição inicial, o juiz encaminhará os autos ao Conselho Superior do Ministério Público para que indique membro da instituição para fazê-lo. 605

ocorrido, e o juiz poderá decidir com equilíbrio e justiça após conhecer todos os dados da questão que está em jogo, sem se substituir ao administrador. E deverá acompanhar a execução que, por sua vez, há de ser flexível para a efetividade do comando judicial.

§ 4° A coisa julgada terá efeito erga omnes, nos termos do disposto nos arts. 103 e 104 da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990.

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

§ 5° O Ministério Público atuará como fiscal da ordem jurídica se não intervier como parte. CAPÍTULO XI - DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 31. No prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado a partir da entrada em vigor desta lei, os tribunais federais criarão, e os estaduais poderão criar varas especializadas para o processamento e julgamento de ações que visem, direta ou indiretamente, ao controle jurisdicional de políticas públicas.

Para auxiliá-lo no cumprimento da sentença está prevista a figura de uma pessoa ou ente colaborador, cuja denominação - comissário - foi inspirada na prevista nos arts. 21 e 114, § 3°, "d" do Código de Processo Administrativo italiano. Função semelhante também existe no ordenamento norte-americano.

Posteriormente, a última versão do projeto foi debatida por grupos de trabalho durante o 2° Seminário sobre controle jurisdicional de políticas públicas, realizado pelo CEBEPEJ-IBEA/RJ - Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP em 3 de outubro de 2011.

São dificuldades oriundas da falta de informações e de dados, da falta de assessoria, da falta de contatos com a própria Administração encarregada da implementação da política pública, com os demais juizes, com os tribunais; dificuldades de ordem orçamentaria, dificuldades oriundas da multiplicidade de ações individuais que vão inevitavelmente incidir sobre as políticas públicas.

O Seminário apresentou conclusões, traçando as linhas gerais de um projeto de lei sobre controle jurisdicional de políticas públicas. Ada Pellegrini Grinover e Kazuo Watanabe encarregaram-se da primeira versão do projeto, que foi depois aperfeiçoado pelos pesquisadores do CEBEPEJ e pelos alunos e professores do mestrado da FDV - Faculdade de Direito de Vitória, na disciplina "Controle Jurisdicional de Políticas Públicas".

O controle jurisdicional de políticas públicas é uma realidade presente no dia-a-dia dos tribunais brasileiros. Embora a doutrina e a jurisprudência, sobretudo do STF, tenham se debruçado sobre a questão, fixando limites ao próprio controle e construindo princípios a respeito da matéria, ainda remanescem dúvidas e, frequentemente, o juiz enfrenta dificuldades concretas para decidir assuntos tão relevantes.

É com tal finalidade que se propõe o presente projeto de lei, resultado de trabalho coletivo empreendido inicialmente pelo CEBEPEJ - Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais, ora presidido pela Professora Ada Pellegrini Grinover, que sucedeu a seu criador, Professor Kazuo Watanabe. Pesquisadores do CEBEPE} analisaram, em todos os seus aspectos, a problemática do controle jurisdicional de políticas públicas, apresentando seus trabalhos em seminário aberto ao público, realizado pelo CEBEPEJ e pelo Departamento de Direito Processual da Faculdade de Direito da USP, em 14 e 15 de abril de 2010.

JUSTIFICAÇÃO

Art. 32. As disposições desta lei aplicam-se às fases e atos ainda não concluídos dos processos em curso. Art. 33. Esta lei entrará em vigor no prazo de 90 dias contado da data de sua publicação.

É preciso fixar parâmetros seguros para o juiz e para as partes e é preciso, principalmente, criar um novo processo, de cognição e contraditório ampliados, de natureza dialogai e colaborativa, com ampla intervenção do Poder Público e da sociedade, ou seja, um novo processo adequado à tutela jurisdicional dos chamados conflitos de ordem pública. Somente assim a intervenção judicial em políticas públicas não criará problemas insolúveis para a Administração e para a população, como tem

As propostas de modificação foram incorporadas ao projeto, cuja nova versão ainda foi examinada pelos alunos de mestrado/doutorado da disciplina "Políticas Públicas" ministrada na USP (com a colaboração de Paulo Lucon) e da mesma disciplina de doutorado da Universidad Lomas de Zamora, em Buenos Aires. Apresentado a debate público na AASP de São Paulo no decorrer de 2012, com a participação de magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos e advogados públicos e privados, o projeto incorporou outras sugestões. 607

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Foi também debatido na Universidade de Itaúna, onde é ministrada a disciplina "Controle Jurisdicional de Políticas Públicas", em nível de mestrado. E, finalmente, foi exposto e debatido mais uma vez em 2013 em seminário conjunto do CEBEPEJ e do IASP, na presença de especialistas argentinos e do Deputado Paulo Teixeira.

PROJETO DE LEI N. 8058/2014 CONSIDERAÇÕES GERAIS E PROPOSTA DE SUBSTITUTIVO

Mais recentemente, foram incorporadas ao projeto as últimas experiências de tribunais da Argentina, da Colômbia e dos Estados Unidos da América, que indicam o caminho a ser seguido pelo Poder Judiciário, em estreito contato com o Poder Público, para a construção do consenso ou a formulação de comandos flexíveis e exequíveis, que permitam o controle da constitucionalidade e a intervenção em políticas públicas, evitando que o juiz se substitua ao administrador.

Ada Pellegrini Grinover Kazuo Watanabe Paulo Henrique dos Santos Lucon

É o resultado de todo esse trabalho, iniciado em 2010 e profundamente elaborado e discutido, que se apresenta agora ao Congresso Nacional. Certo de que meus nobres pares reconhecerão a conveniência e oportunidade das medidas legislativas ora propostas, conclamo-os a apoiar a aprovação deste projeto de lei. Sala das Sessões, em

de

Deputado PAULO TEIXEIRA

de 2014.

I.

DA CONSTITUCIONALIDADE E DA CONVENIÊNCIA DO PROJETO

0 controle Jurisdicional de políticas públicas constitui uma realidade irreversível em nosso país, assim como em diversos outros. O processo adequado à solução de conflitos públicos (processo estrutural) vem sendo adotado em diversos sistemas jurídicos. No Brasil, já existem casos emblemáticos de sua observância. Condensaremos, neste tópico, os seguros indicadores que apontam para a constitucionalidade e a conveniência do Projeto de Lei n. 8058/2014. 1 - O controle Jurisdicional de políticas públicas, exercido a posteriori e sempre mediante provocação, não fere o princípio da separação dos Poderes, apenas assegurando ao Judiciário o poder-dever de analisar a existência e a compatibilidade das políticas públicas criadas e implementadas pelo Legislativo e pelo Executivo, respectivamente, com a Constituição, bem como o respeito dos direitos fundamentais prestacionais que esta assegura; 2 - Nesse papel de co-protagonista de políticas públicas, o Judiciário pode adentrar o mérito da atividade administrativa, sobretudo na hipótese de omissão, aferindo a finalidade, a motivação, os motivos e a observância da moralidade administrativa, num sentido amplo de legalidade que não se resume a vícios formais;

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

3 - Nesses casos, o ativismo do juiz é plenamente justificado mas deve ser submetido a limites capazes de não levá-lo a substituir completamente, com sua atividade, a própria do exercício de outras funções; 4 - Os limites ao controle e intervenção pelo Judiciário já foram apontados por decisões do STF e são o "mínimo existencial", a "reserva do possível" e a "razoabilidade". 5 - Diante da posição cediça e tranquila dos tribunais brasileiros, inclusive do STF, não há necessidade de Emenda Constitucional para permitir o controle jurisdicional de políticas públicas e fixar seus limites, que podem ser regulados e estabelecidos em lei ordinária; 6 - A tutela jurisdicional adequada para os chamados conflitos de direito público, envolvendo a atuação do Poder Judiciário no controle de políticas públicas, deve se servir de um novo processo, de natureza dialogai, com contraditório e cognição ampliada, servindo-se o magistrado da assessoria dos mais diversos expertos, e que acabe fixando aos demais Poderes ordens abertas e sucessivas, a serem cumpridas segundo planejamento a ser oferecido pela administração, aprovado pelo juiz e executado progressivamente, sob a fiscalização deste; 7 - É justamente este processo que o Projeto de Lei n. 8058/2014 pretende instituir, regulamentando a função/atividade do Poder Judiciário no controle de políticas públicas, fixando as balizas de sua atuação e orientando todos os protagonistas desse importante cenário (Judiciário, Executivo, partes, intervenientes, técnicos, assessores, executores e a população em geral), de modo a eliminar perplexidades e excessos e a introduzir um verdadeiro diálogo institucional e social. 8 - Nisto reside a conveniência do Projeto, alicerçado na democracia colaborativa e participativa desenhada pela Constituição de 1988. Assim demonstradas a constitucionalidade e a conveniência do Projeto de Lei n. 8058/2014, apresentado ao Congresso Nacional pelo Deputado Paulo Teixeira, passamos a examiná-lo em suas particularidades.

PL 8.058/2014 - CONSIDERAÇÕES • Mo Pellegríni Grínover, Kazuo Watanabe e Paulo Henrique dos Santos Lucon

Projeto de Lei n. 8058/2014 da Câmara dos Deputados Institui processo especial para o controle e intervenção em Políticas Públicas pelo Poder Judiciário e dá outras providências.

PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Art. 1° - O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário rege-se pelos seguintes princípios, sem prejuízo de outros que assegurem o gozo de direitos fundamentais sociais: I-

proporcionalidade;

II - razoabilidade; III - garantia do mínimo existencial; IV - justiça social; V - atendimento ao bem comum; VI - universalidade das políticas públicas; VII - equilíbrio orçamentário. O projeto logo explica a que vem: trata-se dos princípios e limites aplicáveis ao chamado processo para conflitos de interesse público, delineados pela jurisprudência do STJ Parágrafo único - O processo adequado ao controle a que se refere o caput, além de seguir as regras apontadas nesta lei, terá características: I-

estruturais, no sentido de facilitar o diálogo institucional entre os Poderes, com o objetivo de solucionar por completo o conflito;

III - dialogais, pela abertura ao diálogo entre o juiz, as partes, os representantes dos demais Poderes e a sociedade;

(os textos em negrito e itálico referem-se às propostas para o Substitutivo)

II - policêntricas, indicando a intervenção no contraditório do Poder Público e da sociedade;

II.

ANÁLISE DO PROJETO, ARTIGO POR ARTIGO

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O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PUBLICO

IV - de cognição ampla e profunda, propiciando ao juiz o assessoramento necessário ao pleno conhecimento da realidade fática e jurídica;

o controle da existência e adequação das políticas públicas à Constituição integra o controle difuso. A via adequada para o controle é a dos processos coletivos, pois nestes a coisa julgada atua, em regra, erga omnes, como é indicado para a implementação e correção de políticas públicas, universais e igualitárias por natureza. . .•• • .-•••*. .

V - colaborativas e participativas, envolvendo a responsabilidade do Poder Público;

I

VI - flexíveis quanto ao procedimento, a ser consensualmente adaptado ao caso concreto;

Parágrafo único - Para a implementação ou correção de políticas públicas são admissíveis todas as espécies de ações e provimentos.

VII - sujeitas à informação, ao debate e ao controle social, por qualquer meio adequado, processual ou extraprocessual;

Reprodução de regra já existente no minissistema de processos coletivos, sendo conveniente sua repetição nessa sede.

VIII -tendentes às soluções consensuais, construídas e executadas de comum acordo com o Poder Público; IX - que adotem, quando necessário, comandos judiciais abertos, flexíveis e progressivos, de modo a consentir soluções justas, equilibradas e exequíveis; X - queflexibilizemo cumprimento das decisões; XI- que prevejam o adequado acompanhamento do cumprimento das decisões, por pessoas físicas ou jurídicas, órgãos ou instituições que atuem sob a supervisão do juiz e em estreito contato com este. Aqui também, são logo indicadas as características principais do novo processo, salientadas nas regras que seguem. Sugere-se, no entanto, que no inciso I se faça referência ao objetivo de solucionar por completo o conflito, para deixar mais claro o sentido de "estruturais", assim como utilizado pela doutrina e pelas Altas Cortes estrangeiras. • DA COMPETÊNCIA E DA PETIÇÃO INICIAL

Art. 2°. Ressalvadas as hipóteses de cabimento de ações constitucionais, é competente para o controle judicial de políticas públicas a justiça ordinária, estadual ou federal, por intermédio de ações coletivas ajuizadas pelos legitimados indicados pela legislação pertinente. A justiça ordinária detém o poder e a função jurisdicional enquanto encarregada do controle difuso da constitucionalidade e, em última análise, 612

PL 8.058/2014 - CONSIDERAÇÕES • Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Paulo Henrique dos Santos Lucon

Art. 3°. A petição inicial, que obedecerá aos requisitos previstos no Código de Processo Civil, deverá indicar com precisão a medida requerida para o a implementação ou correção da política pública, bem como, quando a demanda for em face do Poder Público, a autoridade responsável por sua efetivação, que será notificada, para os fins da fase preliminar. A guisa do que ocorre com o Mandado de Segurança, a competência é fixada de acordo com a autoridade responsável pela efetivação da política pública especificamente requerida será notificada para a fase preliminar, pré-processual. Mas sugerimos que se esclareça que isso ocorre quando a demanda é proposta em face do Poder Público. -

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Parágrafo único - A petição inicial também indicará a pessoa jurídica de direito público a que pertence a autoridade responsável pela efetivação da política pública, pela qual se determinará a competência, devendo seu procurador ser notificado, para acompanhar a f ase preliminar. A guisa do que ocorre com o Mandado de Segurança, a competência é fixada de acordo com a pessoa jurídica de direito público a que pertence a autoridade responsável, devendo para tanto ser indicada. Pensamos que, mesmo para a fase preliminar, é indispensável a presença do Procurador, pelo que sugerimos o acréscimo supra Art. 4°. Se a autoridade se der por incompetente, deverá declinar a que entender competente, que será igualmente notificada para a fase preliminar, de acordo com o disposto no art. 5°. Regra de salvaguarda que evita a mera alegação de incompetência. 613

O PROCESSO PARA SOLUÇÃO DE CONFLITOS DE INTERESSE PÚBLICO

DA FASE PRELIMINAR

Art. 5°. Estando em ordem a petição inicial, o juiz a receberá, notificando o órgão do Ministério Público e a autoridade responsável pela efetivação da política pública, para que esta preste, pessoalmente e no prazo de 60 dias, prorrogável por igual período, informações detalhadas que deverão contemplar os seguintes dados, que constarão do mandado: Na fase preliminar, pré-processual, inicia-se o diálogo entre a Administração, o juiz e as partes, com as primeiras informações a serem prestadas. I-

o planejamento e a execução existentes para a política pública a que se refere o pedido;

II - os recursos financeiros previstos no orçamento para a implementação da política pública a que se refere o pedido; III - a previsão de recursos necessários à implementação ou correção da política pública a que se refere o pedido; IV- em caso de insuficiência de recursos, a possibilidade de transposição de verbas;1 IV - o cronograma necessário ao eventual atendimento do pedido. Trata-se de dados técnicos que constituem os primeiros elementos informativos necessários à solução estrutural do conflito. Quanto à possibilidade de transposição de verbas, ainda se trata de mera informação. Art. 6°. Se o pedido envolver o mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional de maneira completa e acabada, o juiz poderá antecipar a tutela, nos termos do disposto no Código de Processo Civil, ficando nesses casos dispensadas as informações a respeito dos incisos II, III e IV do artigo 5°. Retirou-se a indicação do artigo do CPC que hoje regula a antecipação de tutela, em face da renumeração do novo Código. A antecipação só é possível em caso de mínimo existencial ou de norma de eficácia plena e

1. - Embora a transposição de verba tenha sido objeto de reparo do Relatos, aqui se trata apenas de informação da autoridade sobre sua possibilidade;

PL 8.058/2014 - CONSIDERAÇÕES • Ada Pellegrini Grínover, Kazuo Watanabe e Paulo Henrique dos Santos Lucon

completa da Constituição. Quando disto se tratar, acolhe-se a posição do STF no sentido de que o atendimento do mínimo existencial ou de norma Constitucional de eficácia plena e completa não há que se indagar da existência da reserva do possível. Parágrafo único. Considera-se mínimo existencial, para efeito desta lei, o núcleo duro, essencial, dos direitos fundamentais sociais garantidos pela Constituição, em relação ao específico direito fundamental invocado, destinado a assegurar a dignidade humana, Sem entrar na discussão doutrinária do conceito de mínimo existencial, o projeto deixa claro que se trata de sua caracterização no caso concreto, em relação ao específico direito fundamental invocado. Art. 7° - Não prestadas as informações indicadas no caput, o juiz aplicará à autoridade responsável as sanções previstas no Código de Processo Civil, podendo convocá-la pessoalmente para comparecer a juízo. As sanções são indispensáveis e devem incidir pessoalmente sobre a autoridade responsável, pois as informações são essenciais para o conhecimento do juiz e das partes e para o início do diálogo. Par. 1° - Na prestação de informações, a autoridade responsável pela execução da política pública poderá servir-se de assessores técnicos especializados. A assessoria técnica garantirá a maior precisão das informações. Par. 2° - O juiz poderá utilizar técnicos especializados para assessorá-lo na análise das informações, sem prejuízo de consultas a órgãos e instituições do ramo (parágrafo único do art. 27). Trata-se do mesmo objetivo do parágrafo anterior Art. 8° - Considerando insuficientes as informações, o juiz, de ofício ou a requerimento do autor ou do Ministério Público, quando este não for autor, poderá solicitar esclarecimentos e informações suplementares, a serem prestadas em prazo razoável, fixado pelo juiz, bem como designar audiências, 615

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em contraditório pleno, inclusive com a presença dos técnicos envolvidos, para os mesmos fins.

Par. 2° - A audiência de mediação ou conciliação será obrigatória quando se tratar de direitos transacionáveis e qualquer das partes concordar com sua realização.

Reforça-se, aqui, a ideia da imprescindibilidade das informações Reprodução da norma do novo CPC Art. 9° - Tendo por esclarecidas as questões suscitadas na fase preliminar, o juiz poderá designar audiências públicas, convocando representantes da sociedade civil e de instituições e órgãos especializados. A previsão de audiências públicas, para a manifestação da sociedade, é típica dos processos estruturais. Parágrafo único. Admite-se, tanto na fase preliminar como no processo judicial, a intervenção do "amicus curiae", pessoa física ou jurídica, que poderá manifestar-se por escrito ou oralmente. Idem, para o amicus curiae

DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

Art. 10 - As partes poderão, de comum acordo, submeter o conflito ao juízo arbitrai, observado o disposto na legislação em vigor ou à mediação ou conciliação judiciais ou extrajudiciais. Prestigiam-se aqui os chamados meios alternativos de solução de conflitos, em consonância com as novas tendências do processo brasileiro. Par. 1° : A qualquer tempo e em qualquer fase e grau do processo, a autoridade judiciária poderá propor às partes que se submetam à mediação ou conciliação, conduzidas por mediadores e conciliadores devidamente capacitados, nos termos da legislação em vigor. Os meios consensuais (conciliação e mediação) são postos em destaque, até porque frequentemente os processos estruturais se encerram com propostas de planejamentos, discutidas e aprovadas pelas partes e pelo juiz, passando-se imediatamente à execução.

Par. 3" - A remuneração dos mediadores e conciliador e obrigações serão regidos pela legislação em vigor.2

• direitos

Sugere-se a supressão do parágrafo 3°, conforme observação do relator, pois a remuneração de conciliadores e mediadores já é objeto de previsão no novo CPC e na Lei de Mediação. Art. 11 - A qualquer momento, poderão as partes transigir sobre o cumprimento da obrigação, sua modalidade e seus prazos, ouvido o Ministério Público ou o Defensor Público, conforme o caso. Evita-se a alusão a direitos disponíveis, pois os estatutos brasileiros mais recentes evitam a palavra (preferindo falar em bens transacionáveis) e mesmo em relação aos bens indisponíveis, aceita-se a transação sobre o cumprimento, modalidade e prazos das obrigações. Parágrafo único - A transação, homologada pelo juiz, terá efeito de título executivo judicial e, assinada pelos transatores e pelo Ministério Público, de título executivo extrajudicial. Explicitação de norma comum em nosso ordenamento.; Art. 12 - O Ministério Público ou outros órgãos públicos legitimados às ações coletivas poderão colher da Administração ou do ente privado Termo de Ajustamento de Conduta sobre o cumprimento da obrigação, sua modalidade e seus prazos, que, em caso de existência de processo, só terá eficácia com a manifestação do Autor. A novidade consiste na necessidade de manifestação do Autor, com vistas a evitar impugnações futuras.

2. - Eliminado, de acordo com a observação do relator

616

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Art. 16 - O prazo para contestar será de 30 (trinta) dias, sem outros benefícios de prazo para a Fazenda Pública, seguindo o processo, no que couber, o rito ordinário previsto no Código de Processo Civil, com as modificações com que o juiz e as partes concordarem, para melhor adequação ao objeto da demanda.

Parágrafo único - O Termo de Ajustamento de Conduta terá natureza jurídica de transação, submetendo-se à regra do parágrafo único do art. 11.

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Mais uma vez, prestigia-se aqui a estabilidade do acordo.

DO PROCESSO JUDICIAL

Art. 13 - Não havendo acordo, o juiz examinará, no juízo de admissibilidade, a razoabilidade do pedido e a irrazoabilidade da atuação da Administração, podendo extinguir o processo, com resolução do mérito, ou determinar a citação da pessoa jurídica de direito público a que pertence a autoridade responsável e de seu representante judicial, para responder. O óbice da irrazoabilidade (reconhecido pelo STF) é aqui erigido em requisito de admissibilidade da ação, que por várias vezes tem afirmado que o controle jurisdicional de políticas públicas há de ser excepcional. Reconhecida a razoabilidade do pedido, passa-se à citação. Começa o processo judicial. Parágrafo único - Extinto o processo, serão intimados da sentença o autor, a autoridade responsável e a pessoa jurídica de direito público a que esta pertence. O parágrafo prende-se à primeira parte do caput, para ensejar recurso da parte interessada. Art. 14 - Determinada a citação da pessoa jurídica de direito público a que pertence a autoridade responsável pela política pública, esta continuará vinculada ao processo, inclusive para os fins do disposto no artigo 20. A novidade consiste na permanência da autoridade responsável no processo, inclusive para efeito da aplicação das sanções pessoais previstas no artigo 20. Art. 15 - Todos os elementos probatórios colhidos na fase preliminar, em contraditório, serão aproveitados no processo judicial, devendo o juiz privilegiar o julgamento antecipado da lide, sempre que possível. Esclarecidos os fatos na fase preliminar, concuzida em contraditório, não há, em regra, porque se proceder à reprodução das provas e nem à instrução. 618

A possibilidade de flexibilização do procedimento já é uma realidade no Novo CPC Parágrafo único - As partes, de comum acordo, e o Juiz, de ofício, poderão dilatar os prazos previstos nesta lei e introduzir outras alterações no procedimento, para adequá-lo ao caso concreto, bem como modificar o pedido e a causa de pedir, até a prolação da sentença, observado o contraditório. Sugere-se o acréscimo do parágrafo único, para possibilitar maios flexibilização do procedimento. A alteração do pedido e da causa de pedir, observado o contraditório, já tem sido permitida em diversos processos estruturais, inclusive pelo STF. Assim, em caso de pedidos individuais, a favor de um único indivíduo, a sentença concessiva tem sido ampliada para abranger todos os que se encontram na mesma situação (v. jurisprudência em Sérgio da Cruz Arenhart, A tutela coletiva de direitos individuais, 2a ed., SP, RT, 2015, pp.382/386). Recentemente, o voto do Min. Barroso, do STF, em ACP em que se pede indenização por dano moral à população prisional, manifestou-se pela alteração do pedido, transformando-o em desconto nos dias de pena. Art. 17 - Na decisão, se for o caso, o juiz poderá determinar, independentemente de pedido do autor, o cumprimento de obrigações de fazer sucessivas, abertas e flexíveis, que poderão consistir, exemplificativamente, em: Condenações em obrigações flexíveis e sucessivas, para acompanhar adequadamente o cumprimento da sentença e adequar o comando à situação concreta, durante a execução, tem sido a nota característica dos processos estruturais. O exercício da jurisdição não mais se exaure com a sentença. I - determinar ao ente público responsável pelo cumprimento da sentença ou da decisão antecipatória a apresentação do planejamento necessário à 619

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implementação ou correção da política pública objeto da demanda, instruído com o respectivo cronograma, que será objeto de debate entre o juiz, o ente público, o autor e, quando possível e adequado, representantes da sociedade civil.

7.1; 20, 21, 27, 28,112, 113 e 114) também encontra equivalente no sistema norte-americano. O juiz não tem condições de acompanhar pessoalmente todos os passos da execução, que normalmente, nesses processos, é longa e desenvolvida em várias etapas. Deve servir-se, para tanto, de órgãos e instituições que mantenham estreita ligação com ele.

Eis o resultado do diálogo e da colaboração nos processos estruturais: a apresentação de planejamento, baseado em dados concretos, com o cronograma de execução, a ser discutido e aprovado, podendo ser alterado conforme as circunstâncias, de comum acordo. II - determinar, se for o caso, ao Poder Público que inclua determinada verba no orçamento futuro, com a obrigação de aplicar efetivamente as verbas na implementação ou correção da política pública requerida. Retirou-se a menção à suplementação de verbas no orçamento em curso, pois essa medida também depende do Legislativo, que normalmente não foi parte no processo. A condenação de inclusão de verba no orçamento futuro tem sido utilizada pelos tribunais brasileiros. Par. 1° - O juiz definirá, de acordo com a complexidade do caso, prazo para apresentação do planejamento previsto no inciso I; Par. 2° - O plano será objeto de debate entre o juiz, o ente público, o autor, o Ministério Público e, quando possível e adequado, representantes da sociedade civil; Par. 3° - Homologada a proposta de planejamento, a execução do projeto será periodicamente avaliada pelo juiz, com a participação das partes e do Ministério Público e, caso se revelar inadequada, deverá ser revista nos moldes definidos no parágrafo 2°. Providências clássicas nos processos estruturais. Art. 18 - Para o efetivo cumprimento da sentença ou da decisão antecipatória, o juiz poderá nomear comissário, pertencente ou não ao Poder Público, que também poderá ser instituição ou pessoa jurídica, para a implementação e acompanhamento das medidas necessárias à satisfação das obrigações, informando ao juiz, que poderá lhe solicitar quaisquer providências. A figura do comissário, assim denominado no processo jurisdicional administrativo italiano (Códice dei processo amministrativo italiano: arts. 620

Parágrafo único - A função poderá ser exercida pelo Ministérios Público, pela Defensoria Pública, por Câmara Especial de juizes e pela sociedade civil organizada, em conjunto ou separadamente.3 Sugere-se a substituição da previsão do custeio dos honorários do Comissário pelo Poder Público pela exemplificação de órgãos públicos ou instituições privadas que podem desempenhar a função, como tem sido feito em outros países; Art. 19 - O juiz, de ofício ou a requerimento das partes, poderá alterar a decisão na fase de execução, ajustando-a às peculiaridades do caso concreto, inclusive na hipótese de o ente público promover políticas públicas que se mostrem mais adequadas do que as determinadas na decisão ou caso esta se revele inadequada ou ineficaz para o atendimento do direito que constitui o núcleo da política pública deficiente. Trata-se de outro exemplo de flexibilização da execução, de acordo com sua evolução, bem como de decisões sucessivas e escalonadas. Art. 20 - Se a autoridade responsável não cumprir as obrigações determinadas na sentença ou na decisão antecipatória, incorrerá pessoalmente nas multas diárias previstas no Código de Processo Civil, devidas a partir da intimação pessoal para o cumprimento da decisão, sem prejuízo da responsabilização por ato de improbidade administrativa ou das sanções cominadas ao crime de responsabilidade ou de desobediência, bem como da intervenção da União no Estado ou do Estado no Município. As sanções pessoais constituem a única forma de coerção efetiva adequada o cumprimento de decisões judiciais. Mas sugere-se retirar a menção às demais sanções, que dependem da configuração da conduta ilícita e já estão previstas no ordenamento.

3. Retirada a remuneração a cargo do ente público, criticada oelo Relator.

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de políticas públicas, destinados ao conhecimento e possível harmonização de entendimentos sobre a matéria.

Art. 21 - Quando o controle da política pública não for objeto específico da demanda, mas questão que surgir no processo, individual ou coletivo, o juiz, de ofício ou a pedido das partes, poderá instaurar incidente que obedecerá ao disposto nos artigos 17 a 21 desta lei.

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Frequentemente, o pedido não diz respeito propriamente ao controle de políticas públicas, mas pode interferir com ele. Assim ocorre, por exemplo, no campo da saúde, quando milhares ou até milhões de pedidos individuais (concessão de medicamentos, internações, cirurgias, preferência nos transplantes) incidem dramaticamente sobre os recursos destinados à política pública, por definição universal e igualitária. Para esses casos, o juiz poderá suscitar incidente que obedecerá ao disposto nos artigos 17 a 21 da lei.

O objetivo da norma é o de harmonizar o tratamento judicial de processos que visem, direta ou indiretamente, ao controle jurisdicional de políticas públicas. Parágrafo único - Sem prejuízo da providência mencionada no caput, os tribunais fomenterão reuniões regionais, com periodicidade adequada, com o mesmo objetivo. Reforço da disposição do caput

DA REUNIÃO DE PROCESSOS EM GRAU DE RECURSO DA REUNIÃO DOS PROCESSOS EM PRIMEIRO GRAU

Art. 22 - Quando vários processos versando sobre pedidos, diretos ou indiretos, de implementação ou correção de políticas públicas relativas ao mesmo ente político correrem em diversos juízos, as causas serão reunidas, independentemente de conexão, para julgamento conjunto, a fim de o juiz dispor de todos os elementos necessários para uma decisão equitativa e exequível, salvo se a reunião prejudicar a duração razoável dos processos. A previsão é salutar, pois permite aos diversos juizes ter uma visão conjunta dos processos intentados em face do mesmo ente político, para um melhor planejamento. Sugerimos, no entanto, que se ressalve o caso de a reunião prejudicar a duração razoável do processo. Parágrafo único - Aplica-se à reunião de processos a regra de prevenção do Código de Processo Civil. '

Esclarecimento a respeito da aplicaç

DAS RELAÇÕES ENTRE MAGISTRADOS

Art. 23 - Os tribunais promoverão encontros periódicos, presenciais ou por videoconferência, com os juizes competentes para o processamento e julgamento de ações que visem, direta ou indiretamente, ao controle jurisdicional

Art. 24 - Quando o Tribunal receber diversos recursos em processos que objetivem o controle judicial de políticas públicas, relativamente ao mesmo ente político, e que poderão comprometer o mesmo orçamento, os processos serão reunidos para julgamento conjunto, de competência do tribunal pleno ou do respectivo órgão especial, com vistas a uma decisão equânime e exequível, salvo se a reunião prejudicar a duração razoável dos processos. Aqui também, o projeto pretende que o Judiciário tenha uma visão conjunta das causas pendentes que podem comprometer o mesmo orçamento, para melhor conhecimento dos efeitos dos julgamentos, até para poder, em conjunto com a Administração, melhor planejar o atendimento progressivo;

DOS CADASTROS NACIONAIS"

Art. 25 - O Conselho Nacional de Justiça organizará e manterá o Cadastro Nacional de Processos sobre Políticas Públicas, com a finalidade de permitir que os órgãos do Poder Judiciário e os interessados tenham amplo acesso às informações relevantes relacionadas com a sua existência e estado. 4. Os cadastros foram mantidos, apesar da crítica do relator, pois os órgãos já existem e estão procedendo à criação e manutenção de cadastros de diversas demandas (como o cadastro de mediadores e conciliadores) pelo que não haverá aumento de despesa.

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O Cadastro Nacional permitirá ao Judiciário, aos legitimados e à sociedade em geral o acompanhamento e o controle das informações a respeito dos processos existentes sobre políticas públicas, evitando reiterações e racionalizando sua utilização. A transparência é outro valor a ser atingido pelos cadastros, deixando mais claras as deficiências do Estado em relação à fruição dos direitos sociais e os remédios utilizados para saná-las.

por meio eletrônico, ao Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta.

§ 1°. Os órgãos judiciários aos quais forem distribuídos processos envolvendo o controle de políticas públicas remeterão, no prazo de 10 (dez) dias, cópia da petição inicial, preferencialmente por meio eletrônico, ao Cadastro Nacional do Conselho Nacional de Justiça.

Mais uma regra operacional. § 2°. O Conselho Nacional do Ministério Público, no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da publicação da presente lei, editará regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e Compromissos de Ajustamento de Conduta, incluindo a forma de comunicação e os meios adequados a viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer interessado. Norma paralela à prevista para o CNJ. -

Previsão de medida operacional. § 2°. No prazo de 90 (noventa) dias, a contar da publicação da presente lei, o Conselho Nacional de Justiça editará regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional e os meios adequados a viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer interessado através da rede mundial de computadores. O regulamento disciplinará a forma pela qual os juízos comunicarão a existência de processos objetivando o controle de políticas públicas e os atos processuais mais relevantes sobre o seu andamento, como a concessão de antecipação de tutela, a sentença, o trânsito em julgado, a interposição de recursos e a execução. O próprio CNJ regulamentará o funcionamento e o acesso ao Cadastro. Art. 26. O Conselho Nacional do Ministério Público organizará e manterá o Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta, com a finalidade de permitir que os órgãos do Poder Judiciário, os co-legitimados e os interessados tenham amplo acesso às informações relevantes relacionadas com a abertura do inquérito e a existência do compromisso. Trata-se de regra paralela à do artigo anterior, destinada ao Conselho Nacional do Ministério Público. § 1°. Os órgãos legitimados que tiverem tomado compromissos de ajustamento de conduta remeterão, no prazo de l O (dez) dias, cópia, preferencialmente 624

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DAS DEMANDAS INDIVIDUAIS

Art. 27 - A via processual adequada para o controle jurisdicional de políticas públicas é a coletiva, sendo que o processamento e julgamento dos processos coletivos terão prioridade sobre os das demandas individuais, ressalvadas as preferências já previstas em lei. Sugere-se a inserção do dispositivo supra, para deixar bem claro que a via adequada para o controle jurisdicional de políticas públicas é a coletiva e que o processamento e julgamento dos processos coletivos terão prioridades sobre os das demandas individuais, ressalvadas as preferências já previstas em lei; Par. l ° - Nas demandas que objetivem a tutela de direitos subjetivos individuais, que possam interferir nas políticas públicas de determinado setor, a parte, para obter a tutela, deverá comprovar que o bem pretendido integra, no caso concreto, o mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional de maneira completa e acabada, nos termos do disposto no parágrafo 1° do art. 6° e que existe razoabilidade do pedido e irrazoabilidade da conduta da Administração. Sugere-se a redação acima, em substituição à apresentada no projeto, que determinava a negação da tutela individual quando não se tratasse de mínimo existencial ou de bem assegurado em norma constitucional de eficácia plena a imediata. O dispositivo, da forma em que era redigido, 625

Deixa-se claro, no dispositivo ora sugerido, que a restrição e o tratamento criados nos parágrafos 1° e 3 ° não se aplicam às demandas individuais que não interfiram com políticas públicas.

poderia ser acoimado de inconstitucional, por coibir o acesso à justiça para a defesa de direitos subjetivos individuais. Sugere-se, assim, que a obtenção da tutela individual seja condicionada à comprovação da presença dos dois requisitos, acrescidos do pré-requisito da razoabilidade. Afinal, a garantia de acesso à justiça (inc. XXXV do art. 5° CF) deve fazer-se pela via mais adequada, coletiva ou individual, conforme o caso. Só assim o acesso à Justiça pode efetivamente transformar-se em acesso à ordem jurídica justa, na feliz expressão de Kazuo Watanabe.

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Par. 2 ° - Na hipótese de demandas individuais repetitivas, que possam interferir nas políticas públicas de determinado setor, o juiz, de ofício, ou a requerimento de qualquer das partes, determinará a reunião dos processos e suscitará, como incidente, o procedimento previsto para a fase preliminar. Sugere-se a inserção deste parágrafo, pois as demandas individuais repetitivas têm que ser tratadas de maneira conjunta e vistas em sua dimensão coletiva, uma vez que incidem de modo preocupante nas políticas públicas. Par. 3" - O disposto no parágrafo 2° aplica-se às demandas individuais repetitivas em curso perante os Juizados Especiais Cíveis, devendo estes remetê-las para ajuízo comum, para os mesmos fins previstos acima. Sugere-se também a inserção deste parágrafo, pois as causas repetitivas individuais que possam interferir nas políticas públicas perdem a característica de menor complexidade. Par. 4° - Cada circunscrição judiciária organizará e manterá comissões de especialistas destinadas a assessorar o magistrado nos diversos setores de políticas públicas, fornecendo dados e informações que o auxiliem em sua decisão em relação às demandas previstas no par. l ° a 3°. Nas demandas individuais que interfiram em políticas públicas, as informações fornecidas ao juiz sobre o caso concreto também devem ser o mais completas possível. Par. 5 ° 'O disposto nos par. l ° a 3 ° não se aplica às demandas individuais que não interfiram nas políticas públicas, que serão processadas e julgadas de acordo com o Código de Processo Civil ou à Lei dos Juizados Especiais

Art. 28 - Nas hipóteses previstas no par. l ° e 2° do artigo 27, o juiz notificará o Ministério Público e outros legitimados às demandas coletivas para, querendo, ajuizar o processo coletivo versando sobre a implementação ou correção da política pública, o qual seguirá o disposto nesta lei. Trata-se de um estímulo para os legitimados às ações coletivas molecularizarem os processos individuais, por intermédio de demandas coletivas. O dispositivo também está previsto no novo CPC. Art. 29 - Na pendência de processos coletivos e individuais, estes ficarão suspensos até a sentença final coletiva, ressalvados os casos em que já tiver se encerrado a instrução, retomando seu curso na hipótese de extinção ou improcedência da demanda coletiva, com suspensão da prescrição. Sugere-se o acréscimo do dispositivo supra, acompanhando decisão do Min. Sidnei Beneti, quando membro do STJ, bem como jurisprudência do Rio Grande do Sul. O resultado favorável do processo coletivo beneficiará a todos os titulares de processos individuais, e o eventual resultado desfavorável não impedirá que estes retomem seu curso, segundo a sistemática dos processos coletivos. Toma-se cuidado, também, com a suspensão da prescrição. Art. 30 - Atendido o requisito da relevância social e ouvido o Ministério Público, o juiz poderá converter em coletiva a ação individual que: Trata-se aqui da questão da conversão da ação individual em coletiva, em redação melhorada da constante do art. 333 do novo CPC, que acabou vetado pela Presidência da República. Permitimo-nos aqui abrir um parêntese para reproduzir as considerações da Prof.a Ada Pellegrini Grinover, feitas após o veto. Essas considerações justificam o caput, os incisos I e II e os parágrafos 1° a 5° do dispositivo. O parágrafo 6° constitui sugestão nossa, que será justificada. Eis o texto da Prof.a Ada Pellegrini Grinover:

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A coletivização de ações individuais após o veto Ada Pellegrini Grinover Sumário: l - Âmbito de aplicação do novo CPC: processos individuais; 2 - Acesso à justiça pela via coletiva e pela via individual; 3 - Ações coletivas, individuais, individuais com efeitos coletivos e pseudoindividuais; 4 - Coletivização das ações individuais; 5 - A coletivização de ações individuais no novo CPC: 5.1 - ações individuais repetitivas aglomeradas em uma única ação em defesa de direitos individuais homogéneos; 5.2 - A conversão da ação individual em ação coletiva em defesa de interesses difusos ou coletivos (vetada); 6 - Incidente de resolução de demandas repetitivas e coletivização de processos individuais: técnicas complementares e não excludentes; 7 - Os fundamentos do veto ao art. 333; 8 - Conclusões 1 - Âmbito de aplicação do novo CPC: processos individuais. A escolha política dos redatores e dos parlamentares que se ocuparam do anteprojeto e projetos do novo Código de Processo Civil foi no sentido deste restringir sua disciplina ao processo individual, deixando intacto o minissistema de processos coletivos, constituído principalmente pela Lei da Ação Civil Pública e pelas disposições processuais do Código de Defesa do Consumidor5. No entanto, dois artigos inseridos no Projeto de CPC poderiam exercer grande influência sobre as ações coletivas brasileiras. Mas um deles foi vetado. 2 - Acesso à justiça pela via coletiva e pela via individual. O acesso à Justiça para a fruição de direitos fundamentais, e sobretudo prestacionais, que a Constituição declara solenemente serem de aplicação imediata (art. 5°, par. 1°) é aberto a todos, por força do disposto no inc. XXXV do art. 5°, o que significa que tanto a coletividade, para a defesa de direitos metaindividuais, como o indivíduo, para a defesa de direitos subjetivos, podem ajuizar quer ações coletivas quer ações individuais. E as estatísticas mostram que, apesar da plena operatividade do minissistema das ações coletivas 5. O minissistema está sendo objeto, há algum tempo, de tentativas de aperfeiçoamento, encontrando-se atualmente em andamento no Senado Federal projeto de lei, integrante de uma série de três projetos de atualização do CDC, o qual trata exatamente das ações coletivas.

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e dos esforços dos que a elas são legitimados (principalmente Ministério e Defensoria Pública e, em menor medida, as associações), os processos coletivos ainda são subutilizados no Brasil, havendo grande preponderância de ações individuais em relação às coletivas. Isto significa fragmentar a prestação jurisdicional, fomentar a contradição entre julgados, tratar desigualmente os que estão exatamente na mesma situação (jurídica ou fática) e assoberbar os tribunais, que devem processar e julgar em separado milhares, ou centenas de milhares de demandas repetitivas, quando um único julgamento em ação coletiva poderia resolver a questão erga omnes6. Principalmente agora que a jurisprudência do STJ se pacificou, posicionando-se pela inaplicabilidade do óbice relativo à competência territorial (art. 16 da LAC) e a favor da coisa julgada de âmbito nacional.7 É certo que o Projeto de novo CPC, desde o anteprojeto apresentado ao Senado pela Comissão de Juristas por este nomeada, previu um incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 776 do Novo Código) que de alguma maneira pode amenizar o problema: mas aqui ainda se trata de uma técnica para agrupar demandas e julgar algumas delas por amostragem, aplicando às demais, que ficam suspensas, a mesma tese (exclusivamente de direito). As ações ainda são individuais e as decisões, embora uniformes, só operam interpartes. É uma técnica que visa à celeridade e à uniformidade de decisões, mas ainda não se trata de verdadeira coletivização e nenhuma influência essa técnica exerce sobre o minissistema de processos coletivos. Para que isso ocorresse, era preciso dar um passo mais e aglomerar ou transformar ações individuais em ações coletivas, com efeitos erga omnes. Mas, que demandas coletivizar e como coletivizar? Aqui, seja-me permitida uma pequena digressão. 3- Ações coletivas, individuais, individuais com efeitos coletivos e pseudoindividuais As ações coletivas, de objeto indivisível e que tendem a uma sentença cujos efeitos atuam erga omnes (embora com algum temperamento), 6. Embora com os temperamentos previstos no minissistema 7. Corte Especial do STJ, relator Min. Salomão: verwww.direitoprocessual.org.br, Jurisprudência comentada.

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veiculam pretensões também coletivas, relativas à tutela de interesses difusos, coletivos s.s. (esses, de objeto indivisível) ou individuais homogéneos (que são direitos subjetivos, divisíveis, que podem ser tratados coletiva e indivisivelmente, em razão da origem comum e de sua homogeneidade, na fase de conhecimento, mas que na fase de liquidação se titularizam e se dividem). Exemplos típicos de ações coletivas são as pretensões formuladas, por exemplo, em ação civil pública que objetive a reconstituição do meio ambiente ou, no campo da saúde, para a aprovação, pela Anvisa, de um novo medicamento e sua distribuição gratuita pelo SUS. Aqui, a sentença, favorável ou desfavorável, beneficiará ou prejudicará a todos. No outro extremo, encontram-se as ações tipicamente individuais, em que a pretensão também é pessoal, veiculando um direito subjetivo. Assim, uma demanda individual pode ser ajuizada pretendendo uma indenização ocasionada pelo vício do produto ou, no campo da saúde, objetivando o fornecimento de um medicamento, de internação hospitalar, de cirurgia no exterior. Aqui, os efeitos da sentença só colherão as partes, não prejudicando nem beneficiando terceiros. Mas existe também um plano intermediário, com duas hipóteses distintas: a) a ação é ajuizada como sendo individual, mas na verdade, em função do pedido, os efeitos da sentença acabam atingindo a coletividade. Assim se um indivíduo, invocando seu direito subjetivo, pretende o fechamento de uma casa noturna, em virtude do ruído que o perturba, ou de uma fábrica poluente, que o atinge, a sentença, favorável ou desfavorável, atingirá todos os membros da comunidade que sofriam os efeitos da casa noturna ou da fábrica poluente. Neste caso, teremos uma ação individual com efeitos coletivos. De nada adianta afirmar que a coisa julgada atua inter partes, por se tratar de ação individual, porque (ainda que reflexamente) atingirá a todos. E há ainda uma outra hipótese b) trata-se das ações que denominamos pseudoindividuais, porque o pedido, embora baseado num direito subjetivo, na verdade só pode ser formulado coietivamente, pois só pode afetar diretamente a todos. Trata-se de casos em que a relação de direito material, jurídica ou de fato, é unitária, e só pode ser resolvida de maneira igual para todos. Se se tratasse de

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litisconsórcio, estaríamos perante o litisconsórcio unitário,de natureza facultativa. Clássico é o exemplo, no processo individual, do pedido de anulação de assembleia, em que qualquer acionista pode ajuizar a demanda; mas, tratando-se de relação jurídica de direito material unitária, a assembleia será anulada para todos ou validada para todos. Neste caso, entendemos que a coisa julgada deve atuar erga omnes (como já sustentava Chiovenda, seguido por Barbosa Moreira), seja em caso de procedência ou de improcedência, e isto em função da unitariedade da relação de direito material. Talvez se possa invocar aqui uma nova espécie de substituição processual, em que o autor é substituto processual em relação a todos os demais acionistas. Exemplo clamoroso de ações pseudoindividuais, que foram julgadas erroneamente como individuais, foi o de centenas de milhares de ações individuais que pediam a isenção do pagamento da tarifa telefónica. Aqui, por disposição do direito material, a relação jurídica era unitária, pois ou a tarifa necessariamente devia ser igual para todos, de modo que ou era paga por todos ou não era paga por ninguém8. 4 - Coletivização das ações individuais Feita essa distinção, e tendo presente a diferença entre a tutela de direitos difusos ou coletivos (stricto sensu) e individuais homogéneos, pode-se responder à pergunta formulada no final do n.2: que demandas coletivizar, e como coletivizarí As demandas puramente individuais só podem ser coletivizadas quando se tratar de demandas repetitivas, por intermédio de uma única ação coletiva em defesa de interesses ou direitos individuais homogéneos, que decidirá a questão uma vez por todas, passando

Kazuo Watanabe sustentou, em parecer, que a questão só poderia ser tratada coietivamente, por se tratar de ação pseudoindvidual (Relação entre demanda coletiva e demandas individuais, in Direito Processual Coletivo e o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, coord. Ada Pellegrini Grinover, Aluísio Castro Mendes e Kazuo Watanabe, SP, RT, 2002, pp. 156/160.. Mas o Ministro Teori Zavaski, à época no STJ, não acolheu a tese, julgando (contra o voto do Ministro Herman Benjamin), no conflito de competência n. 47.731-DF, uma ação individual e afirmando que todas as demais deveriam ter seu curso normal. A decisão foi tomada por maioria, com diferença de um voto. Já no Rio Grande do Sul, determinou-se a suspensão de todas as ações individuais, enquanto não se julgasse a coletiva. Ver R. Extr. n. 75.369/RS, em que a Ministra Carmen Lúcia negou seguimento ao agravo em RE contra Acórdão do TJRS que decidiu pela conveniência da suspensão das ações individuais em razão da macroljde trazida pela ação coletiva.

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os indivíduos diretamente à fase de liquidação e execução, a título pessoal9. As ações individuais ficarão necessariamente suspensas, com a exceção de casos de urgência. Esta é a única coletivização possível, e dependerá da iniciativa dos legitimados. Mas, se se tratar de uma ação individual com efeitos coletivos ou de uma ação pseudoindividual, por sua própria natureza deveria ela ser convertida em ação coletiva em defesa de interesses ou direitos difusos ou coletivos (stricto sensu). Não é possível tratá-la como individual, porque individual não é, e a coletivização deve ser feita ope judieis. Claro que, nesses casos, o contraditório deverá ser preservado e a deverá ser permitida a presença do autor original no pólo ativo. 5 - A coletivização de ações individuais no novo CPC As duas técnicas foram previstas no novo Código de Processo Civil. 5.1 - ações individuais repetitivas aglomeradas em uma única ação em defesa de direitos individuais homogéneos. A primeira técnica visa a reunir ações individuais repetitivas em uma única ação em defesa de direitos individuais homogéneos. Transcreva-se a disposição: "Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: X - quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o ministério Pública, a Defensoria Pública e, na medida do possível outros legitimados a que se referem os arts. 5°. da Lei no. 7.347, de 24de julho de 1985, e 82 da Lei no. 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva." 9. Aqui, é preciso tomar muito cuidado com a necessária homogeneidade dos direitos individuais: como já escrevi, os direitos só serão homogéneos, podendo ser tratados coletivamente, quando houver prevalência das questões comuns sobre as individuais (Ada Pellegrini Grinover, Da "class actionfor damages" à ação de classe brasileira: dos requisitos de admissibilidade, in "O processo - estudos e pareceres", São Paulo, Ed. Dpj, 23 ed., 2000, pp. 238/255. Se as questões individuais forem predominantes, a sentença condenatória genérica não terá nenhuma utilidade, pois nas liquidações cada interessado deverá fazer a prova completa do nexo causal, que dará tanto trabalho quanto uma ação individual de conhecimento. É por isso que surgem inúmeros problemas na liquidação de certas sentenças condenatórias genéricas, em ações coletivas em defesa de interesses individuais que não são homogéneas. Trata-se aqui de ações pseudocoletivas .

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Trata-se aqui de estimular os legitimados às ações coletivas a ajuizarem a ação (que só poderá ser em defesa de direitos individuais homogéneos). Não se especifica, porém, que as ações individuais ficarão suspensas - ressalvados os casos em que a suspensão ocasionaria prejuízos ao demandante individuas - nem se os autores de demandas individuais poderão ingressar no processo coletivo como litisconsortes. Esse dispositivo não foi vetado. 5.2 - A conversão da ação individual em ação coletiva em defesa de interesses difusos ou coletivos (vetada). A segunda técnica de coletivização inserida no novo Código era a prevista no art. 333, que a denominava de conversão da ação individual em ação coletiva. Esta técnica visava à coletivização de ações impropriamente ajuizadas como individuais, mas que na verdade só poderiam ser propostas como ações coletivas em defesa de interesses difusos ou coletivos. Reproduza-se o texto vetado: CAPÍTULO IV - DA CONVERSÃO DA AÇÃO INDIVIDUAL EM AÇÃO COLETIVA Art. 333. Atendidos os pressupostos da relevância social e da dificuldade de formação do litisconsórcio, o juiz, a requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública, ouvido o autor, poderá converter em coletiva a ação individual que veicule pedido que: I - tenha alcance coletivo, em razão da tutela de bem jurídico difuso ou coletivo, assim entendidos definidos pelo art. 81, parágrafo único, incisos I e II, da Lei no.8.078, deli de setembro de 1990, e cuja ofensa afete, a um só tempo, as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade; II - tenha por objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução, pela sua natureza ou por disposição de lei.deva ser necessariamente uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo. § 1°. O requerimento de conversão poderá ser formulado por outro legitimado a que se referem os arts. 5°. da Lei 7.347, de 24 de julho de 1985, e 82 da Lei no. 8.078, de lide setembro de 1990. 633

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§ 2°. A conversão não pode implicar a formação de processo coletivo para a tutela de direitos individuais homogéneos. § 3°. Não se admite a conversão, ainda, se: I - já iniciada, no processo individual, a audiência de instrução e julgamento; ou II - houver processo coletivo pendente com o mesmo objeto; ou III - o juízo não tiver competência para o processo coletivo que seria formado. § 4°. Determinada a conversão, o juiz intimará o autor do requerimento para que, no prazo fixado, adite ou emende a petição inicial, para adaptá-la à tutela coletiva. § 5°. Havendo aditamento ou emenda da petição inicial, o juiz determinará a intimação do réu para, querendo, manifestar-se no prazo de 15 dias. § 6° O autor originário da ação individual atuará na condição de litisconsorte unitário do legitimado para condução do processo coletivo. § 7° O autor originário não é responsável por qualquer despesa processual decorrente da conversão do processo individual em coletivo. § 8° Apôs a conversão, observar-se-ão as regras do processo coletivo, § 9° A conversão poderá ocorrer mesmo que o autor tenha cumulado pedido de natureza estritamente individual, hipótese em que o processamento desse pedido dar-se-á em autos apartados. § 10. O Ministério Público deverá ser ouvido sobre o requerimento previsto no caput, salvo quando ele próprio o houver formulado. Aqui cuidava-se da coletivização de uma demanda individual com efeitos coletivos (art. 333, I) ou de demanda pseudoindividual (art. 333, II) e a ação coletiva trataria da defesa de direitos difusos ou coletivos (ss). Mas havia graves defeitos na redação do dispositivo10.

10.0 Substitutivo da Câmara dos Deputados acabou acolhendo a proposta de redação formulada por comissão do Ministério Público de São Paulo, que complementou a proposta inicial, de Ada Pellegrini

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- a conversão devia se fazer ex-offido e não a requerimento dos legitimados, e muito menos após ouvidos os autores individuais (que podem ser milhares ou até milhões): a obrigatoriedade da conversão está na necessidade de atingir uma sentença com efeitos erga omnes (art. 334,1) ou de tratar unitariamente a relação de direito material (art. 334, II). - os legitimados podem ajuizar a qualquer momento a ação coletiva, à qual ficaria apensada a individual, pelo fenómeno da continência. Para quê eles pediriam a conversão? - não há conveniência na exclusão da coletivização quando já iniciada a audiência de instrução e julgamento (pois a prova poderia ingressar como emprestada no processo coletivo); - se houver processo coletivo pendente com o mesmo objeto, é evidente que não há necessidade de coletivização, mas a solução deveria será a extinção dos processos individuais, aplicando-se ao caso o disposto no par. 9°. 6 - Incidente de resolução de demandas repetitivas e coletivização de processos individuais: técnicas complementares e não excludentes. Esclareça-se, por oportuno, que a coletivização de demandas individuais, possibilitada nos dispositivos do novo Código acima comentados, complementa, mas não colide, com outra técnica prevista no Código futuro, que também poderá ser útil à molecularização de demandas individuais. Trata-se do incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976 e ss. do novo Código), que se destina a reunir e selecionar uma ou algumas causas de natureza repetitiva, para que sirva de parâmetro para o julgamento das demais, que ficam suspensas. Esta técnica, oriunda do direito alemão e conhecida como caso piloto ou julgamento por amostragem, já existe no sistema vigente, que a reserva para o recurso especial (art. 543-C do Código em vigor) e que será estendida para os juizes de primeiro tribunais de segundo grau. Mas os objetivos e os efeitos próprios do incidente diferem dos do ajuizamento da demanda coletiva do inc. X do art. 139 e da conversão do art.333

Grinover e Kazuo Watanabe que não continha as impropriedades acima indicadas.

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Explica-se: a) O incidente de resolução de demandas repetitivas se aplicará quase que exclusivamente a demandas individuais. Isso porque, segundo a posição recentemente tomada pelo STJ11, a competência territorial do órgão jurisdicional não mais limitará a coisa julgada erga omnes de caráter nacional e regional. Isso significa que, a partir desse momento histórico, os diversos processos coletivos repetitivos de âmbito local que ainda possam existir serão absorvidos pelo processo coletivo de âmbito nacional ou regional, em face do fenómeno processual da continência (aplicável aos processos coletivos). b) Consequentemente, o incidente de resolução de demandas repetitivas limitar-se-á, na prática, às ações repetitivas individuais. Ocorre que o incidente de conversão da demanda individual em coletiva não se aplicaria, por exclusão expressa, a ações coletivas em defesa de interesses ou direitos individuais homogéneos (par. 2°), restringindo-se à conversão em ação coletiva em defesa de interesses ou direitos difusos e coletivos, o que tornaria impossível a conversão da tutela individual de direitos subjetivos pessoais em tutela coletiva. c) Em relação às demandas individuais repetitivas, para a solução do problema poderão servir tanto a molecularização prevista no art. 139, X (que não foi vetado) como o incidente de resolução de demandas repetitivas: mas os objetivos e os efeitos das duas técnicas são completamente diferentes. A técnica do art. 139, X, visa a uma coisa julgada erga omnes e o incidente de resolução à uniformidade da jurisprudência. E diferentes também são os efeitos: embora o incidente de resolução de demandas repetitivas possa ser aplicado para casos futuros, haverá um julgamento novo para cada caso

11. A Corte Especial do STJ definiu, por dez votos a três, que não se aplica às ações coletivas a restrição da coisa julgada ao âmbito da competência territorial do juízo, prevista na Lei 9.494/97, que alterou o art. 16 da Lei da Ação Civil Pública. A decisão foi manifestada em recurso repetitivo e comemorada por representar a revisão de entendimentos anteriores do STJ, que insistiam em manter a restrição territorial dos efeitos da decisão coletiva, contra o entendimento de toda a doutrina especializada. De acordo com o relator, Ministro Luís Felipe Salomão, "a eficácia da decisão deve se pautar por seus limites objetivos e subjetivos, delimitados pelo pedido. A antiga jurisprudência do STJ, segundo a qual 'a eficácia erga omnes circunscreve-se aos limites da jurisdição do tribunal competente para julgar o recurso ordinário' ÍREsp 293.407-SP, Quarta Turma), em hora mais que ansiada pela sociedade e pela comunidade jurídica, deve ser revista para atender ao real e legítimo propósito das ações coletivas, que é viabilizar um comando judicial célere e uniforme - em atenção à extensão do interesse metaindividual objetivado na lide".

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repetitivo que aparecer, enquanto na coletivização do art. 139, X, o julgamento da demanda coletiva impedirá o ajuizamento de outras demandas coletivas. 7 - Os fundamentos do veto ao art. 333. Reproduzam-se os fundamentos do veto: "Da forma como foi redigido, o dispositivo poderia levar à conversão de ação individual em ação coletiva de maneira pouco criteriosa, inclusive em detrimento do interesse das partes. O tema exige disciplina própria para garantir a plena eficácia do instituto. Além disso, o novo Código já contempla mecanismos para tratar demandas repetitivas. No sentido do veto manifestou-se também a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB." Entendem-se as razões, exclusivamente corporativas, da OAB. As ações coletivas beneficiam a justiça e a coletividade, como foi visto acima, mas não as advogados. Como poderiam eles ajuizar milhares ou milhões de demandas individuais - como acontece na judicialização da saúde, por exemplo - visando a um objetivo comum, qual seja o pedido de aprovação de um medicamento mais benéfico pela Anvisa e sua distribuição pelo SUS? Uma única ação coletiva resolveria o problema, privando os advogados de seus honorários por milhares de causas esfaceladas. Mas, pode-se admitir que é possível conciliar o interesse público com o interesse dos advogados. Talvez tenha faltado, no dispositivo, ressalvar a recompensa monetária para o advogado que moveu a ação individual convertida em coletiva. Por outro lado, o receio pelo detrimento do interesse das partes é absolutamente descabido, pois a parte está resguardada pelo disposto no § 6° do dispositivo, que já constava da redação original ( "O autor originário da ação individual atuará na condição de litisconsorte unitário do legitimado para condução do processo coletivo").foi outro lado, como se viu acima, o mecanismo já previsto no Código (o incidente de resolução de demandas repetitivas) nada tem a ver com a conversão da ação individual em coletiva. 8 - Conclusões As principais conclusões desse estudo são as seguintes: 637

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1 - Não há que confundir a técnica de còletivização do art. 139, X, com a do art. 333 do novo Código, vetado: a primeira só se aplica à reunião de processos individuais numa única ação coletiva em defesa de direitos individuais homogéneos. A segunda só se aplicaria à conversão da ação impropriamente ajuizada como individual em ação coletiva em defesa de direitos difusos ou coletivos. 2 - A técnica do incidente de resolução de demandas repetitivas é complementar à do art. 139, X, que não foi vetado, mas os objetivos e os efeitos de uma e outra diferem. 3 - Lamenta-se o veto ao art. 333, inspirado em razões corporativas, mas uma disciplina mais criteriosa (depurada das impropriedade que o "caput" e vários de seus parágrafos continham) e que concilie o interesse público com o dos advogados será novamente submetida ao Congresso Nacional. E quem sabe se a disseminada aversão a processos coletivos possa ceder em tempos não muito distantes. I - tenha efeitos coletivos, em razão da tutela de bem jurídico coletivo e indivisível, cuja ofensa afete a um tempo as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade; II - tenha por escopo a solução de conflitos de interesses relativos a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução, pela sua natureza ou por disposição de lei, deva ser uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo e padrão de conduta consistente e unitária para a parte contrária. III - as ações individuais repetitivas, nos termos do disposto nos par. 2° e 3° do art. 27 Acrescentou-se essa hipótese em harmonia com o disposto nos par. 2° e 3° do art. 27 (ver). § 1° - Determinada a conversão, o autor manterá a condição de legitimado para a ação, mas em litisconsórcio necessário com o Ministério Público ou outro colegitimado para a ação coletiva. § 2° - O Ministério Público ou outro legitimado, no prazo a ser fixado pelo juiz, poderão aditar ou emendar a petição inicial para adequá-la à tutela coletiva.

§ 3° - Se nenhum dos colegitimados aditar ou emendar a petição inicial, o juiz encaminhará os autos ao Conselho Superior do Ministério Público para que indique um membro da instituição para fazê-lo. § 4° - A coisa julgada atuará erga omnes, nós termos do disposto nos arts. 103 e 104 da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor). § 5° - Não intervindo como parte, o Ministério Público atuará como fiscal da ordem jurídica. § 6° - Convertidas as demandas individuais em coletiva, os advogados dos autores que ajuizaram a ação individual, que já tiver sido recebida pelo juiz, farão js aos honorários advocatícios, a serem fixados pelo juiz equitativamente, de acordo com o trabalho desenvolvido, pagos pelo demandado, a título de sucumbência. Nossa proposta de acréscimo, consubstanciada neste último parágrafo, objetiva a não deixar sem remuneração o trabalho dos advogados que ajuizaram as demandas individuais, que forem coletivizadas, proporcionalmente ao trabalho já desenvolvido. Isso poderá ser feito na própria demanda coletiva, em que os autores individuais figurarão em litisconsórcio necessário (S l 0 )-

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 31 - Os tribunais federais atribuirão, e os estaduais poderão atribuir, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a partir da vigência desta lei, a competência a varas especializadas para o processamento e julgamento de ações que visem, direta ou indiretamente, ao controle jurisdicional de políticas públicas.12 Sugere-se a modificação do dispositivo, para deixar claro que não se tratará da criação de Varas novas, que exigiriam aumento da despesa, mas de especialização de Varas já existentes. Art. 32 - As disposições desta lei aplicam-se às fases e atos ainda não concluídos dos processos em curso. 12. Modificado, em consonância com a crítica do Relator.

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Disposição de caráter intertemporal, útil à superação de dúvidas.

II - policêntricas, indicando a intervenção no contraditório do Poder Público e da sociedade;

Art. 33 - Esta lei entrará em vigor no prazo de 90 dias contados de sua publicação. Consideramos razoável o prazo de vacatio legis. III. SUBSTITUTIVO SUGERIDO

Em face das considerações acima feitas, sugerimos o seguinte Substitutivo: SUGESTÃO DE SUBSTITUTIVO Ao Projeto de Lei n. 8058/2014 Institui processo especial para o controle e intervenção em Políticas Públicas pelo Poder Judiciário e dá outras providências. PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO CONTROLE JURISDICIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS

Art. 1° - O controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário rege-se pelos seguintes princípios, sem prejuízo de outros que assegurem o gozo de direitos fundamentais sociais:

III - dialogais, pela abertura ao diálogo entre o juiz, as partes, os representantes dos demais Poderes e a sociedade; IV - de cognição ampla e profunda, propiciando ao juiz o assessoramento necessário ao pleno conhecimento da realidade fática e jurídica; V - colaborativas e participativas, envolvendo a responsabilidade do Poder Público; VI - flexíveis quanto ao procedimento, a ser consensualmente adaptado ao caso concreto; VII - sujeitas à informação, ao debate e ao controle social, por qualquer meio adequado, processual ou extraprocessual; VIII - tendentes às soluções consensuais, construídas e executadas de comum acordo com o Poder Público; IX - que adotem, quando necessário, comandos judiciais abertos, flexíveis e progressivos, de modo a consentir soluções justas, equilibradas e exequíveis; X - que flexibilizem o cumprimento das decisões; XI- que prevejam o adequado acompanhamento do cumprimento das decisões, por pessoas físicas ou jurídicas, órgãos ou instituições que atuem sob a supervisão do juiz e em estreito contato com este.

I - proporcionalidade; II - razoabilidade;

DA COMPETÊNCIA E DA PETIÇÃO INICIAL

III - garantia do mínimo existencial;

Art. 2°. Ressalvadas as hipóteses de cabimento de ações constitucionais, é competente para o controle judicial de políticas públicas a justiça ordinária, estadual ou federal, por intermédio de ações coletivas ajuizadas pelos legitimados indicados pela legislação pertinente.

IV - justiça social; V - atendimento ao bem comum; VI - universalidade das políticas públicas; VII - equilíbrio orçamentário. Parágrafo único - O processo adequado ao controle a que se refere o caput, além de seguir as regras apontadas nesta lei, terá características: I - estruturais, no sentido de facilitar o diálogo institucional entre os Poderes, com o objetivo de solucionar por completo o conflito; 640

Parágrafo único - Para a implementação ou correção de políticas públicas são admissíveis todas as espécies de ações e provimentos. Art. 3°. A petição inicial, que obedecerá aos requisitos previstos no Código de Processo Civil, deverá indicar com precisão a medida requerida para o a implementação ou correção da política pública, bem como, quando a demanda for em face do Poder Público, a autoridade responsável por sua efetivação, que será notificada, para os fins da fase preliminar. 641

Par. 1° - Na prestação de informações, a autoridade responsável pela execução da política pública poderá servir-se de assessores técnicos especializados.

Parágrafo único - A petição inicial também indicará a pessoa jurídica de direito público a que pertence a autoridade responsável pela efetivação da política pública, pela qual se determinará a competência, devendo seu procurador ser notificado, para acompanhar a fase preliminar.

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Art. 4°. Se a autoridade se der por incompetente, deverá declinar a que entender competente, que será igualmente notificada para a fase preliminar, de acordo com o disposto no art. 5°. DA FASE PRELIMINAR

Art. 5°. Estando em ordem a petição inicial, o juiz a receberá, notificando o órgão do Ministério Público e a autoridade responsável pela efetivação da política pública, para que esta preste, pessoalmente e no prazo de 60 dias, prorrogável por igual período, informações detalhadas que deverão contemplar os seguintes dados, que constarão do mandado: I - o planejamento e a execução existentes para a política pública a que se refere o pedido; II - os recursos financeiros previstos no orçamento para a implementação da política pública a que se refere o pedido; III - a previsão de recursos necessários à implementação ou correção da política pública a que se refere o pedido;13 IV - o cronograma necessário ao eventual atendimento do pedido. Art. 6°. Se o pedido envolver o mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional de maneira completa e acabada, o juiz poderá antecipar a tutela, nos termos do disposto no Código de Processo Civil, ficando nesses casos dispensadas as informações a respeito dos incisos II, III e IV do artigo 5°. Parágrafo único. Considera-se mínimo existencial, para efeito desta lei, o núcleo duro, essencial, dos direitos fundamentais sociais garantidos pela Constituição, em relação ao específico direito fundamental invocado, destinado a assegurar a dignidade humana, Art. 7° - Não prestadas as informações indicadas no caput, o juiz aplicará à autoridade responsável as sanções previstas no Código de Processo Civil, podendo convocá-la pessoalmente para comparecer a juízo. 13. Retirada a menção à transposição de verbas

Par. 2° - O juiz poderá utilizar técnicos especializados para assessorá-lo na análise das informações, sem prejuízo de consultas a órgãos e instituições do ramo (parágrafo único do art. 27). Art. 8° - Considerando insuficientes as informações, o juiz, de ofício ou a requerimento do autor ou do Ministério Público, quando este não for autor, poderá solicitar esclarecimentos e informações suplementares, a serem prestadas em prazo razoável, fixado pelo juiz, bem como designar audiências, em contraditório pleno, inclusive com a presença dos técnicos envolvidos, para os mesmos fins. Art. 9° - Tendo por esclarecidas as questões suscitadas na fase preliminar, o juiz poderá designar audiências públicas, convocando representantes da sociedade civil e de instituições e órgãos especializados. Parágrafo único. Admite-se, tanto na fase preliminar como no processo judicial, a intervenção do "amicus curiae" pessoa física ou jurídica, que poderá manifestar-se por escrito ou oralmente. DOS MEIOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONTROVÉRSIAS

Art. 10 - As partes poderão, de comum acordo, submeter o conflito ao juízo arbitrai, observado o disposto na legislação em vigor ou à mediação ou conciliação judiciais ou extrajudiciais. Par. 1° : A qualquer tempo e em qualquer fase e grau do processo, a autoridade judiciária poderá propor às partes que se submetam à mediação ou conciliação, conduzidas por mediadores e conciliadores devidamente capacitados, nos termos da legislação em vigor. Par. 2° - A audiência de mediação ou conciliação será obrigatória quando se tratar de direitos transacionáveis e qualquer das partes concordar com sua realização. Art. 11 - A qualquer momento, poderão as partes transigir sobre o cumprimento da obrigação, sua modalidade e seus prazos, ouvido o Ministério Público ou o Defensor Público, conforme o caso. Parágrafo único - A transação, homologada pelo juiz, terá efeito de título executivo judicial e, assinada pelos transatores e pelo Ministério Público, de título executivo extrajudicial. 643

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Art. 12 - O Ministério Público ou outros órgãos públicos legitimados às ações coletivas poderão colher da Administração ou do ente privado Termo de Ajustamento de Conduta sobre o cumprimento da obrigação, sua modalidade e seus prazos, que, em caso de existência de processo, só terá eficácia com a manifestação do Autor.

I - determinar ao ente público responsável pelo cumprimento da sentença ou da decisão antecipatória a apresentação do planejamento necessário à implementação ou correção da política pública objeto da demanda, instruído com o respectivo cronograma, que será objeto de debate entre o juiz, o ente público, o autor e, quando possível e adequado, representantes da sociedade civil.

Parágrafo único - O Termo de Ajustamento de Conduta terá natureza jurídica de transação, submetendo-se à regra do parágrafo único do art. 11.

II - determinar, se for o caso, ao Poder Público que inclua M ou determinada verba no orçamento futuro, com a obrigação de aplicar efetivamente as verbas na implementação ou correção da política pública requerida.

DO PROCESSO JUDICIAL

Par. 1° - O juiz definirá, de acordo com a complexidade do caso, prazo para apresentação do planejamento previsto no inciso I;

Art. 13 - Não havendo acordo, o juiz examinará, no juízo de admissibilidade, a razoabilidade do pedido e a irrazoabilidade da atuação da Administração, podendo extinguir o processo, com resolução do mérito, ou determinar a citação da pessoa jurídica de direito público a que pertence a autoridade responsável e de seu representante judicial, para contestar. Parágrafo único - Extinto o processo, serão intimados da sentença o autor, a autoridade responsável e a pessoa jurídica de direito público a que esta pertence. Art. 14 - Determinada a citação da pessoa jurídica de direito público a que pertence a autoridade responsável pela política pública, esta continuará vinculada ao processo, inclusive para os fins do disposto no artigo 20. Art. 15 - Todos os elementos probatórios colhidos na fase preliminar, em contraditório, serão aproveitados no processo judicial, devendo o juiz privilegiar o julgamento antecipado da lide, sempre que possível. Art. 16 - O prazo para contestar será de 30 (trinta) dias, sem outros benefícios de prazo para a Fazenda Pública, seguindo o processo, no que couber, o rito ordinário previsto no Código de Processo Civil, com as modificações com que o juiz e as partes concordarem, para melhor adequação ao objeto da demanda. Parágrafo único - As partes, de comum acordo, e o Juiz, de ofício, poderão dilatar os prazos previstos nesta lei e introduzir outras alterações no procedimento, para adequá-lo ao caso concreto, bem como modificar o pedido e a causa de pedir, até a prolação da sentença, observado o contraditório. Art. 17 - Na decisão, se for o caso, o juiz poderá determinar, independentemente de pedido do autor, o cumprimento de obrigações de fazer sucessivas, abertas e flexíveis, que poderão consistir, exemplificativamente, em: 644

Par. 2° - O plano será objeto de debate entre o juiz, o ente público, o autor, o Ministério Público e, quando possível e adequado, representantes da sociedade civil; Par. 3° - Homologada a proposta de planejamento, a execução do projeto será periodicamente avaliada pelo juiz, com a participação das partes e do Ministério Público e, caso se revelar inadequada, deverá ser revista nos moldes definidos no parágrafo 2°. Art. 18 - Para o efetivo cumprimento da sentença ou da decisão antecipatória, o juiz poderá nomear comissário, pertencente ou não ao Poder Público, que também poderá ser instituição ou pessoa jurídica, para a implementação e acompanhamento das medidas necessárias à satisfação das obrigações, informando ao juiz, que poderá lhe solicitar quaisquer providências. Parágrafo único - A função poderá ser exercida pelo Ministérios Público, pela Defensoria Pública, por Câmara Especial de juizes e pela sociedade civil organizada, em conjunto ou separadamente. Art. 19 - O juiz, de ofício ou a requerimento das partes, poderá alterar a decisão na fase de execução, ajustando-a às peculiaridades do caso concreto, inclusive na hipótese de o ente público promover políticas públicas que se mostrem mais adequadas do que as determinadas na decisão ou caso esta se revele inadequada ou ineficaz para o atendimento do direito que constitui o núcleo da política pública deficiente. Art. 20 - Se a autoridade responsável não cumprir as obrigações determinadas na sentença ou na decisão antecipatória, incorrerá pessoalmente

14. Retirado em face da crítica do Relator

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nas multas diárias previstas no Código de Processo Civil, devidas a partir da intimação pessoal para o cumprimento da decisão. Art. 21 - Quando o controle da política pública não for objeto específico da demanda, mas questão que surgir no processo, individual ou coletivo, o juiz, de ofício ou a pedido das partes, poderá instaurar incidente que obedecerá ao disposto nos artigos 17 a 21 desta lei. DA REUNIÃO DOS PROCESSOS EM PRIMEIRO GRAU

Art. 22 - Quando vários processos versando sobre pedidos, diretos ou indiretos, de implementação ou correção de políticas públicas relativas ao mesmo ente político correrem em diversos juízos, as causas serão reunidas, independentemente de conexão, para julgamento conjunto, a fim de o juiz dispor de todos os elementos necessários para uma decisão equitativa e exequível, salvo se a reunião prejudicar a duração razoável dos processos. Parágrafo único - Aplica-se à reunião de processos a regra de prevenção do Código de Processo Civil. DAS RELAÇÕES ENTRE MAGISTRADOS

Art. 23 - Os tribunais promoverão encontros periódicos, presenciais ou por videoconferência, com os juizes competentes para o processamento e julgamento de ações que visem, direta ou indiretamente, ao controle jurisdicional de políticas públicas, destinados ao conhecimento e possível harmonização de entendimentos sobre a matéria. Parágrafo único - Sem prejuízo da providência mencionada no caput, os tribunais fomenterão reuniões regionais, com periodicidade adequada, com o mesmo objetivo. DA REUNIÃO DE PROCESSOS EM GRAU DE RECURSO

Art. 24 - Quando o Tribunal receber diversos recursos em processos que objetivem o controle judicial de políticas públicas, relativamente ao mesmo ente político, e que poderão comprometer o mesmo orçamento, os processos serão reunidos para julgamento conjunto, de competência do tribunal pleno ou do respectivo órgão especial, com vistas a uma decisão equânime e exequível, salvo se a reunião prejudicar a duração razoável dos processos.

DOS CADASTROS NACIONAIS

Art. 25 - O Conselho Nacional de Justiça organizará e manterá o Cadastro Nacional de Processos sobre Políticas Públicas, com a finalidade de permitir que os órgãos do Poder Judiciário e os interessados tenham amplo acesso às informações relevantes relacionadas com a sua existência e estado. § 1°. Os órgãos judiciários aos quais forem distribuídos processos envolvendo o controle de políticas públicas remeterão, no prazo de 10 (dez) dias, cópia da petição inicial, preferencialmente por meio eletrônico, ao Cadastro Nacional do Conselho Nacional de Justiça. § 2°. No prazo de 90 (noventa) dias, a contar da publicação da presente lei, o Conselho Nacional de Justiça editará regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional e os meios adequados a viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer interessado através da rede mundial de computadores. O regulamento disciplinará a forma pela qual os juízos comunicarão a existência de processos objetivando o controle de políticas públicas e os atos processuais mais relevantes sobre o seu andamento, como a concessão de antecipação de tutela, a sentença, o trânsito em julgado, a interposição de recursos e a execução. Art. 26. O Conselho Nacional do Ministério Público organizará e manterá o Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta, com a finalidade de permitir que os órgãos do Poder Judiciário, os co-legitimados e os interessados tenham amplo acesso às informações relevantes relacionadas com a abertura do inquérito e a existência do compromisso. § 1°. Os órgãos legitimados que tiverem tomado compromissos de ajustamento de conduta remeterão, no prazo de 10 (dez) dias, cópia, preferencialmente por meio eletrônico, ao Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e de Compromissos de Ajustamento de Conduta. § 2°. O Conselho Nacional do Ministério Público, no prazo de 90 (noventa) dias, a contar da publicação da presente lei, editará regulamento dispondo sobre o funcionamento do Cadastro Nacional de Inquéritos Civis e Compromissos de Ajustamento de Conduta, incluindo a forma de comunicação e os meios adequados a viabilizar o acesso aos dados e seu acompanhamento por qualquer interessado. DAS DEMANDAS INDIVIDUAIS

Art. 27 - A via processual adequada para o controle jurisdicional de políticas públicas é a coletiva, sendo que o processamento e julgamento dos 647

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processos coletivos terão prioridade sobre os das demandas individuais, ressalvadas as preferências já previstas em lei. Par. l °— Nas demandas que objetivem a tutela de direitos subjetivos individuais, que possam interferir nas políticas públicas de determinado setor, a parte, para obter a tutela, deverá comprovar que o bem pretendido integra, no caso concreto, o mínimo existencial ou bem da vida assegurado em norma constitucional de maneira completa e acabada, nos termos do disposto no parágrafo 1° do art. 6° e que existe razoabilidade do pedido e irrazoabilidade da conduta da Administração. Par. 2 ° - Na hipótese de demandas individuais repetitivas, que possam interferir nas políticas públicas de determinado setor, o juiz, de ofício, ou a requerimento de qualquer das partes, determinará a reunião dos processos e suscitará, como incidente, o procedimento previsto para a fase preliminar. Par. 3° - O disposto no parágrafo 2° aplica-se às demandas individuais repetitivas em curso perante os Juizados Especiais Cíveis, devendo estes remetê-las para ajuízo comum, para os mesmos fins previstos acima. Par. 4° - Cada circunscrição judiciária organizará e manterá comissões de especialistas destinadas a assessorar o magistrado nos diversos setores de políticas públicas, fornecendo dados e informações que o auxiliem em sua decisão em relação às demandas previstas no par. l ° a 3°. Par. 5 ° O disposto nos par. l ° a 3° não se aplica às demandas individuais que não interfiram nas políticas públicas, que serão processadas e julgadas de acordo com o Código de Processo Civil ou a Lei dos Juizados Especiais. Par. 6° - Cada circunscrição judiciária organizará e manterá comissões de especialistas destinadas a assessorar o magistrado nos diversos setores de políticas públicas, fornecendo dados e informações que o auxiliem em sua decisão em relação às demandas previstas nos par. 1° e 2°.

PL 8.058/2014 - CONSIDERAÇÕES • Ada Pellegrini Grinover, Kazuo Watanabe e Paulo Henrique dos Santos Lucon

Art. 29 - Na pendência de processos coletivos e individuais, estes ficarão suspensos até a sentença final coletiva, ressalvados os casos em que já tiver se encerrado a instrução, retomando seu curso na hipótese de extinção ou improcedência da demanda coletiva, com suspensão da prescrição. Art. 30 - Atendido o requisito da relevância social e ouvido o Ministério Público, o juiz poderá converter em coletiva: I - a ação individual que tenha efeitos coletivos, em razão da tutela de bem jurídico coletivo e indivisível, cuja ofensa afete a um tempo as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade; II - a ação individual que tenha por escopo a solução de conflitos de Interesses relativos a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução, pela sua natureza ou por disposição de lei, deva ser uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo e padrão de conduta consistente e unitária para a parte contrária. III - as ações individuais repetitivas descritas nos par. 2° e 3° do artigo 27. § 1° - Determinada a conversão, o autor manterá a condição de legitimado para a ação, mas em litisconsórcio necessário com o Ministério Público ou outro co-legitimado para a ação coletiva. § 2° - O Ministério Público ou outro legitimado, no prazo a ser fixado pelo juiz, poderão aditar ou emendar a petição inicial para adequá-la à tutela coletiva. § 3° - Se nenhum dos colegitimados aditar ou emendar a petição inicial, o juiz encaminhará os autos ao Conselho Superior do Ministério Público para que indique um membro da instituição para fazê-lo. § 4° - A coisa julgada atuará erga omnes, nos termos do disposto nos arts. 103 e 104 da Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor).

Par. 7 ° O disposto nos par. l ° e 2° não se aplica às demandas individuais que não interfiram nas políticas públicas, que serão processadas e julgadas de acordo com o Código de Processo Civil.

§ 5° - Não intervindo como parte, o Ministério Público atuará como fiscal da ordem jurídica.

Art. 28 - Na hipótese prevista nos par. l ° e 2° do artigo 27, o juiz notificará o Ministério Público e outros legitimados às demandas coletivas para, querendo, ajuizar o processo coletivo versando sobre a implementação ou correção da política pública, o qual seguirá o disposto nesta lei.

§ 6° - Convertidas as demandas individuais em coletiva, os advogados dos autores que ajuizaram a ação individual, que já tiver sido recebida pelo juiz, farão jús aos honorários advocatícios, a serem fixados pelo juiz equitativamente, de acordo com o trabalho desenvolvido, que serão pagos pelo demandado a título de sucumbência.

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DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 31 - Os tribunais federais atribuirão, e os estaduais poderão atribuir, no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contados a partir da vigência desta lei, a competência a varas especializadas para o processamento e julgamento de ações que visem, direta ou indiretamente, ao controle jurisdicional de políticas públicas. Art. 32 - As disposições desta lei aplicam-se às fases e atos ainda não concluídos dos processos em curso. Art. 33 - Esta lei entrará em vigor no prazo de 90 dias contados de sua publicação.

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