O Ouro no Brasil [11]

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“Poderia parecer estranho ao colecio“nador de nossa série “Arte e Cultura” o título deste tomo, “O Ouro no Brasil”, pois quando do lançamento do primeiro, em 1978, afirmamos nossa disposição de editá-la sobre áreas inéditas da arte e da cultura brasileira. E o ciclo do ouro já foi en“focado sobre praticamente todos os aspectos, menos um: a visão artístiPoeStile lo MT) Res o = (oifljiito Mo rc ço levância do Professor Pietro Maria Bardi.

É aqui que reside o ineditismo da

presente obra. Desde as ilustrações ao texto impecável, o leitor se encontra com a fascinante visão pessoal do autor sobre o assunto, que o percorre de forma original e brilhante.

Assim, nós do Banco Sudameris Brasil, temos o privilégio de passar às mãos dos leitores o número XI da Coleção Arte e Cultura, certos de termos, mais uma vez, atingido os objetivos de nossa proposta inicial e colaborado com a preservação da memória cultural e artística do Brasil. BANCO SUDAMERIS BRASIL

Arte e Cultura XI

Esta edição foi favorecida pelos benefícios da Lei 7.505/86, de 2 de julho de 1986 (Lei Sarney) Raízes Artes Gráficas Ltda. — CPC nº 35.001406/87-61

Copyright Banco Sudameris Brasil Printed in Brazil, 1988

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BANCO SUDAMERIS BRASIL, 1988

Dedica-se esta corrida pelo campo do ouro no Brasil aos dois mestres que, através de suas obras, a sugeriram e orientaram: Gilberto Freyre e Roberto C. Simonsen

O ouro no Brasil é assunto para quem bisbilhoteia nossa História, merecedor de atenção e reflexão, especialmente hoje, quando o precioso metal impera no mundo e é portador de pre-

ocupações. Não se descobre nenhuma mina inédi-

ta. Procura-se reevocar o quanto em torno do ouro turmas de nossos antepassados andaram garimpando. Notar-se-ão fatos e episódios, à maneira jornalística, como se deu nos precedentes textos da

coleção 'Sudameris', evitando fáceis cronologias e enciclopedismos. Aparecem nas páginas, às vezes, Interrupções e até parágrafos não necessariamente pertinentes: é para animar a novela, em obediênciaa um redigir centrado no movimentar os fatos e os comentários. Vai-se correndo por estradas provocadoras de impressões, à cata de tempos recuados e imaginados, isto é, da formação colonial, penetrando na etapa complementar de momentos correlatos e mesmo aproximações, ressal-

tando tudo quanto as vicissitudes do ou-

ro originaram, particularmente nas Minas Gerais, ensejando impulsos para O espírito e audácia dos Inconfidentes, e consequente conquista da liberdade e autonomia nacionais.

Uma história da economia brasileira

sempre existiu, desde que Cabral cogltou em utilizar o que encontrou ao se

apoderar da nova Colônia, em nome de um El-Rey. Não se atribuiu então à descoberta a devida importância financelra, pois a empresa era confundida com O território da India. A ocupação representava um fato político. Somente mais tarde tornou-se um fato social. À economia se misturava então com a administração, no destinar terras, des-

frutá-las, recorrendo à política 'civiliza-

dora' da escravidão, em propriedades de selvagens” O ouro está sempre interligado às guer-

ras, pode-se dizer que é o princípio delas. Para não escrever sobre as recentes e sobre aquelas em programação, é o caso de nos reportarmos à evocação registrada num ponderado artigo de Roberto Pereira publicado pela revista 'Afinal' e intitulado 'O incrível e (amoral) mercado de armas'. Um bilhete: “Envio ao senhor meu rei, conforme acertado, 12 navios de batalha e 300 arqueiros. Por eles serão pagos 200 peças de ouro...” Tal mensagem leva a crer que o autor do bilhete está presente num registro comercial de Tiro, na Fenícia, oito séculos antes de Cristo. Então: já o ouro?

A corrida, não importam os meios, para possuir tanto quanto podia assegurar o bem-estar, sempre foi fato comum, pro-

vocando manifestações de engenhosa

astúcia, promovendo a hipocrisia dos adestrados nas artes das trapaças. Quando hoje em dia sabemos das es-

pertezas dos criminosos que para acu-

mular dinheiro inventam e praticam atos impensáveis, chegamos à conclusão que eles não passam de café pequeno,

os os habiliquando os comparamcom dosos do passado. Os sistemas de entesourar ouro ou seus derivados são antiquíssimos e fazem parte de uma litera-

tura bastante singular, explicadora da

fortuna de inúmeros inescrupulosos.

Trafegar pelo ambiente do ouro propiciou uma série de competições pensáveis em cabeças criativas, qual a dos

possuidores do metal e também dos que tinham somente o suficiente para

sobreviver: a superstição, a ignorancia,

a beata inocência sendo excelentes requisitos para facilitar os abusos, a começar pelo mais corriqueiro, isto é, vender qualquer metal dourado como se fosse ouro.

Os desastres causados pelo ouro, isto é, a riqueza sempre mal distribuída, são inúmeros, e qualquer leitor mais ou me-

nos os conhece. O tema pode ser prosaico, todavia, escrevendo num 'terceiro mundo, mas vale a pena pór O nariz

no primeiro, e parentesear. No Brasil os problemas derivados do ouro são bastante numerosos; porém, na praça onde a resolução de qualquer empecilho parece ser de solução mágica, na Washington admirada e indicada mudialmente, temos os problemas geralmente destinados aos países ditos pobres. Os mendigos por lá, os sem teto, os que se empenham em resolver como comer representam fato de difícil solução. A favela para os desgraçados tornou-se nada menos que a estação do metrô Farragut West, perto da Casa Branca. Lê-se, numa recente crônica de C. E. Lins da Silva, na 'Folha de S. Paulo”: “Cansados de receber críticas e reclamações de usuários descontentes com o cheiro de urina que infectava a estação, os diretores do metrô construíram uma cerca em torno de Farragut West para impedir a entrada dos 'homeless'”, o apelido dos favelados de lá. Recebem ajuda do governo mas, não tendo domicílio, são uma espécie di-

ferente de pobres: "não se inscrevem

nos programas sociais do governo, moram nas ruas, pedem esmolas ou vivem do que podem faturar vendendo latas, garrafas ou outros objetos de valor que encontram nas latas de lixo. Não se

sabe com precisão quantos 'homeless'

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há no país. Mitchell Snyder diz que são entre 2 e 3 milhões ou 1% da população. A revista 'Fortune', baseada em estudos universitários, afirma que são entre 250 e 500 mil. O governo federal calcula o número em 300 mil, pouco mais de 0,1% da população. A Prefeitura de Nova lorque diz que na cidade há 57 mil. A de Washington estima os seus em 6.500. São as duas cidades, junto com Los Angeles e Chicago, com maior número de 'homeless.

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Descobertas as Américas, uma das convicções fixas de brancos era a de se considerarem os donos dos povos de outra cor, fato que se consolidou ainda mais quando pensado em termos de superioridade racial. Ganhava campo o racismo, no que, infelizmente, Portugal se distingúia, tanto assim que só nos fins do Oitocentos é que foi deliberada a

libertação dos escravos. Logo que uma terra era ocupada tentava-se transformar os legítimos donos em escravos. Até Cristovão Colombo, voltando da sua segunda viagem, levou da América 600 'ndios' para serem vendidos em leilão em Sevilha. A Rainha Isabel o proibiu. Tratava-se de um empreendimento colonial e tudo valia. Foram os jesuítas que passaram a ajudar os

povos conquistados, tentanto cristianizá-los. Veremos como acabou a empresa.

De século em século, chegaram ao Brasil os negros, contribuindo para determinar o espírito da raça, como notou o então jovem antropólogo Claude LeviStrauss, quando viveu em São Paulo, frequentando os bairros populares. Também Gilberto Freyre observou: “Do negro, especialmente em todo o litoral, desde o Maranhão ao Rio Grande do Sul e no Estado de Minas Gerais: influxo direto ou remoto do Africano”. O Brasil, que no começo do Setecentos, tem uma população de brancos de uns cem mil, passa, em um século, para trezentos mil, aumento este devido à importação de africanos.

Cada colonizador ou presumível colonizador estava concentrado na esperança de encontrar ouro. Todavia disposto a se testar em qualquer ato sucedâneo pois, na posição de um Robinson Crusoé, de qualquer jeito devia desempenhar algum trabalho. Assim, obedecendo ordens, por conveniência enfrentou os modestos serviços arranjados para se manter e sonhar com fortunas. Os primeiros dois séculos não deram notícias de possíveis descobertas, nem mesmo de prata. Todavia do ouro sempre se falou. Testemunha disso é o livro 'Memoria da origem, progressos, e decadencia do Quinto do Ouro na provincia de Minas Gerais' de José Antonio da Silva Maia: “Apenas se havião lançado os primeiros fundamentos da Capitania de S. Vi-

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cente, a maior e mais antiga do Brasil, povoada a trabalhos e despezas do Donatario Martim Affonso de Souza, authorizado pela Carta Regia de 20 de Novembro de 1530, quando começarão os Colonos a ter notícia da existencia do ouro neste Paiz; ou fosse pelas informações, que colhião dos naturaes, à proporção que com elles se familiarizavão.. As atividades, dentro dos interesses relnícolas e locais, tomaram rumos rotineiros. E o início de uma 'economia fechada', quando possível, de simples aceitação de serviços e troca, à espera de tempos melhores. Um único distribuidor de trabalho, aliás variando segundo as zonas. Os valores eram estabelecidos através de deliberações que fixavam pouco a pouco então o valor do açúcar, do couro, dos panos de algodão que se começavam a tecer, das carnes conservadas. Quando aparecer o ouro, naturalmente, tudo mudará. Ao longo de reformas, apareceram até moedas que Portugal dispendia na Africa. O numerário tornava-se necessidade universal.

No Quinhentos, Portugal que pouco se importava com a devastação, já que O pau-brasil se tornava comerciável, procedeu a cortes desenfreados no litoral a fim de abastecera Europa. Logo depois, as atenções se voltaram para a cana-deaçúcar, e de Norte a Sul os canaviais apareceram ensejando farta produção. Foi então o açúcaro ouro do Seiscentos. Porém o metal ricaço provocava continuas pesquisas, oficiais e particulares. O Seiscentos é o século que põe à prova a engenhosidade dos brancos, valendo a utilização da cana e consequente preparação do açúcar. Importa-se gado e inicia-se uma produção que dá os primeiros resultados econômicos para Portugal. De qualquer modo, é sempre a descoberta do ouro que interessa Portugal e seu governo não foi pego de surpresa, logo depois dos primeiros boatos e suposições: já tinha armada a eficiente máquina para obter as vantagens previstas. Sabia-se que de ouro, se não plena, pelo menos era rica a nova Colônia, parente próxima do México e do Peru: assim a caça àquela riqueza resultou total. Até no Norte, sem contar a Amazônia, se andou procurando zonas auriferas, encontrando ao invés, como coisa de valor, drogas, como se falava naqueJe tempo: cacau, baunilha, canela, cravo e resinas aromáticas. Isto aconteceu ao explorador Pedro Teixeira, entre 1637 e '39, quando por lá esteve para tomar posse de terras então de ninguém. Em 1663 Lisboa decretava alvarás “para regular o modo de descobrimento e cultura das Minas de ouro e prata das Capitanias”. Outras provisões são do começo do Seiscentos, de 1608 e 1609: a procura de metais preciosos era cons-

tante —- porém sem resultado, continuando a se falar no imposto do quinto.

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Numa manhã de 1859, o senhor Giuseppe Boni, de Módena, na ltália, entrou numa salsicharia. Enquanto esperava que o merceeiro o atendesse, passou a examinar uma sala da loja, cujo forro era feito de pergaminhos desenhados. Esquecido das salsichas, o Boni, diretor da Biblioteca Estense local, pagou bom preço pelos pergaminhos. Verificou que se tra-

tava do mais antigo mapa onde aparecem Brasile a linha das Tordesilhas. Era a primeira vez que se incluíam estas informações, porque os reis portugueses proibiam sua divulgação. Para conseguir um mapa completo, um italiano teve de subornar um cartógrafo de Lisboa, pagando-lhe 12 ducados de ouro, recebendo assim um bomtrabalho. O artista anônimo, que quase certamente pertenceria às oficinas reais, reproduziu todas as terras conhecidas por Portugal, chegando

ao requinte de assinalar a ilha de Ascensão, de localização tão recente. O mapa dito de Cantino oro ficou conhecido), data de 1502 e mede 105 x 220 cm. Mostra ainda a costa oriental da América do Norte, que só seria oficialmente descoberta dez anos mais tarde. Do álbum 'Mapas Históricos Brasileiros”, editado pela 'Abril', um dos numerosos trabalhos dedicados ao conhecimento de nossa história que a casa paulista editou.

Relógio de sol existente no adro da Igreja Paroquial de Santo Antônio, Tiradentes, Minas Gerais. De 'Brasil Barroco' de Maurice Pianzola. 11

Na Memória' de Silva Maia, o leitor pode se informar das vicissitudes do

quinto.

Na Paulicéia, a produção do açúcar vi-

nha logo após a de Pernambuco,

quando se começou a implantar os en-

genhos, poucos e periclitantes. E a má-

quina que, em sua evolução, representará uma das primeiras riquezas brasileiras.

Quem conseguiu examinar de perto a

produção de um antigo engenho, se impressionou, atribuindo àquele surpreendente mecanismo a solução de vários problemas para produção não só do açucar como de outras fabricações. Simples na construção, a força para funcionar atribuída ao braço humano, em seguida movimentada por bois, ou cursos hidráulicos, provocando contínuos aperfeiçoamentos artesanais e obtendo daquele rodar o efetivo rendimento do trabalho colonial. tudo quanto era produzido era vendido, O comércio na alta dos preços, pelo favor encontrado, contribuía para realizar negocios nos centros que andavam se formando. O reino gratificava os açucareiros pioneiros até mesmo com titulos, outorgando-lhes muitos privilégios, sem contar que os nascentes fazendeiros acumulavam lucros de alta conveniência.

A tecnologia manual se afirmava e os

primeiros progressos das simples providências do sistema patronal logo implantado davam também certo, apesar do controle fiscal, como se pode pensar, odioso. A nova indústria funcionava, sem impe-

dir que as desesperadas pesquisas auríferas continuassem. Era esta a única finalidade colonial. Procurou-se ouro até nas redondezas de Santos, despontando alguns resultados aqui e ali, os voluntariosos permanentemente atrás da fortuna. Em São Paulo e em algumas aldeias do interior, as pesquisas deram resultados modestos. As esperanças continuavam de qualquer jeito, interessando conspícuos senhorês: preces e pedidos a Deus que caridosamente indicasse os possíveis paraísos. Assim era indispensável o trabalho dos escravos mercantilizados através de bandos sempre crescentes de traficantes. Comprados, eram postos a trabalhar nos engenhos de cana. Não se tratava somente de negros, pois os brancos também usaram os aborígenes capturados, ensinando-os a fazer pequenos serviços, como carregar e desempenhar fáceis incumbências. Completam as crônicas os depoimentos, sendo indispensável recorrer ao escritor que venerava a franqueza e não escondia seus pareceres certamente indigestos ao poder. A palavra é de Antonil: “Os escravos são as mãos e os pés do senhor: porquê sem eles no

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Brasil não é possível fazer, conservar e aumentar fazenda, nem ter engenho corrente”. O negócio era dos donos das fazendas, aqueles que eram respeitados como senhores, os tais comodistas, atestam as lendas, que obrigavam uma escrava a lhes pôr na boca o cigarro já

aceso. Dados do Arquivo Público Mi-

neiro afirmam que em 1738 os proprietários, isto é, os senhores eram 1788, com 8167 escravos, numa média de cinco para cada família branca. O caso do cigarro pode parecer singular, mas geralmente o produtor da riqueza para si mesmo é descrito como um impertinente aproveitador. Tratava-se de portugueses, aos quais Eça de Queiroz atribui qualidades de per-

sistência nas decisões. Além destas

qualidades, Gilberto Freyre cita ou-

tras, devendo ser lembradas aquelas em que diz: ouro quando se fila é sua idéia, espírito prático sempre atento

a realidade útil', 'sempre à espera de alguns milagres”. Pensa-se que a soma destas virtudes tenha provocado a empresa tão exaltada dos bandeirantes, que daqui a pouco vamos encontrar.

Cada página, cada frase, reporta à

complementação de outros aconteci-

mentos, dependendo do interesse do

leitor: sobre a maneira de viver dos indígenas e dos africanos, seus costumes, suas atividades, seus'ideais e, por que não dizer, suas contribuições étnicas não indiferentes? O Brasil, nos primeiros séculos de sua existência, à parte o caso do ouro, foi moldando seu perfil. Nas compras dos escravos na região mineira os traficantes pagavam mais pelos elementos práticos em atividades artesanais, aqueles que melhor sabiam lidar com metais. Freyre considerou que Minas estava atenta para estas aquisições pois, dependendo dos investimentos dos nascentes empresários do ouro, os especuladores tinham mais conveniências que os fazendeiros, os quais, para a lavoura, se limitavam a compras mais aproveitáveis como maquinário humano.

A vida continou no Setecentos sem maiores perspectivas. Apesar do ouro, se vegetava. À Instrução era mortificada: poucas, aliás raras, eram as noções das primeiras letras e da doutrina cristã. Os fazendeiros e empresários mandavam seus filhos para Portugal para estudos superiores e ao voltarem vinham sempre aportuguesados, boa parte bacharéis. Os centros ficavam sujeitos ao canhestro sistema colonial. Isto é um pouco da história da região das Minas. Apesar de perturbada por imagináveis contrastes de gente mergulhada no metal provedor da solução do dia e do futuro. Era um tempo mantido com mão de ferro, a esperança vislumbrada em face das coisas desagra-

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Indios catando cascalho para encontrar ouro aluvial perto de um rio. Ilustração na La Historia General y Natural de la India' de Gonzalo Fernandes de Oviedo, 1535-48, reproduzido in 'Gold of El Dorado, para a exposição do mesmo título no 'American Museum of Natural History' de Nova lorque. Í

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“Modo como se estrai o ouro no Rio das Velhas e nas mais partes que á Rios”. Aquarela in 'Mapas, estatísticas e alguns

desenhos reunidos em um volume, ' Sec. XVIIl, manuscrito nº 49. Instituto de Estudos Brasileiros da USP,

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Aquarela representando a praça principal de Vila Rica com o Palácio do governo e uma companhia de milícias apresentando Estudos as armas. De 'Mapas, esta tísticas e alguns desenhos reunidos em um volume, 'Séc. XVIII, manuscrito nº 49. Instituto de Brasileiros da USP.

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dáveis, fugindo da severidade das intendências. Vida de coletivismo descombinado, aliás composto de individualismo em que o egoismo era parte dominante.

oingular, como os recém-chegados às montanhas inóspitas conseguiram se improvisar em mineradores. A cata do metal oferecia os mais inesperados favores, desde as águas correntes de um rio até o brilhar de uma pedra possibilitando às mãos e às peneiras, o escavara terra, O arrancar a rocha. Tudo foi difícil. Apesar de Portugal enviar mestres, profissionais procedentes da África, pouco melhoramento se verificou.

Surpresas, o adivinhar, o conseguir se

apoderar da fortuna, as porções possivelmente escondidas dos que supervisionavam a cata, os controladores rapidamente enviados como agentes de El-Rey, combinando eventuais e proficuos entendimentos. Para quem tinha escravos pretos, tanto melhor. Estes deviam pagar pelas falhas, as pauladas soando numa constante; porém conselho de Antonil, como válido, era o de que não se devia bater na cabeça dos pobres africanos, porque “podem ferir a um escravo de préstimo que vale muito dinheiro e perdê-lo”. A dureza das punições era absoluta. Entre as variadas: o preso podia ser marcado a ferro quente numa espádua com um F maiúsculo, quando recidivo lhe cortavam uma orelha. Curioso: também na Inglaterra, no século do ouro brasileiro, O servidor de casa que fugia era assim marcado na fronte.

E um dever, ao se referir à mineração, começar-se lembrando dos africanos. Eles foram, nas Minas, algo na ordem de milhares e milhares. Para se ter uma idéia em número: no códice de Caetano da Costa Matoso, conservado na Biblioteca Pública de São Paulo, dãose dados sobre a população de cor em Minas Gerais no Setecentos: em 1738 os escravos são 101.607, os forros 1.206. O tráfego negreiro vinha de longe: já na metade do século inaugurador da Colônia, Portugal tinha avançado os primeiros pedidos à Guiana a fim de obter levas de escravos. O que nos deixa um tanto curiosos é que o eminente financista Roberto C. Simonsen, quando editou o primeiro compêndio da sua 'História Econômica do Brasil 1500-1820", então novidade, confiou o prefácio a um romancista, o espirituoso, Afrânio Peixoto, autor de 'As razões do coração, 'Uma mulher como as outras' e 'Sinhazinha'. O prefaciador tornou-se conhecido por uma idéia a ser notada: sero africano importado possuidor de uma cultura superior à do nosso indígena, uma afirmação que provocou uma série de restrições, inclusive oficiais. Reclamou-se: “... os autóctones do Brasil serem postos em degrau inferior aos

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(...) em todos os rios que descem desta serrania, desde Patos até S. Paulo, se acha ouro e toda a terra de suas várzeas e arredores é um puro ouro. Rara é a parte em todo este grande distriçto aonde se não ache, em uma em mais cantidade de que em outras; paragens ha em que se acharam pedaços inteiros e vergas gran-

des d'ouro já perfeito; mas ordinario é

tirar em grãos, mais miudos, outros mais grossos, e todos quantos vão a buscal-o vêm providos delle e é dinheiro e remedio ordinario daquella gente. E quando os pés destas montanhas assim são ricos de prata e ouro, quanto o serão as entranhas dos montes? E a mesma corda que a do Potoci e não duvido que se houvera a mesma diligencia nos dariam as mesmas riquezas e o tempo irá mostrando esta virtude, e no presente já em São Vicente se bate moeda de ouro eéalio dinheiro ordinario”. Sobre a mineração compraz-se em minucias o verDoso biographo: “á enxada faziam as excavações de quatro, cinco, seis palmos e mais, no logar escolhido, até bater no cascalho; si a terra é anil, dáse o trabalho por perdido; si é amarella, muito branda, á moda de sabão, enconiram-se lages atravessadas de meta! que despensa a fusão, ou vê-se o ouro, aqui já formado pela acção defecante do sol, além ainda em formação, como claramente se percebe, porque em parte se vê a materia molle e em parte rija e formada emouro, cousa que até agora não ouvi de outra alguma parte do mundo. " Simão de Vasconcello, S.J. citado in J. Capistrano de Abreu, 'Ensaios e estudos (critica e história)', 1932.

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Villa Ricca" in Voyage Pittoresque dans le Brésil par Rugendas, J. M. (1802-1858)

vol. 1, Paris, 1835. Instituto de Estudos Brasileiros da USP.

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Uma das mais conhecidas gravuras de J. M. Hugendas, representa 'Lavage du Mineral d'or prês de la Montagne ltacolumi, in Voyage Pittoresque dans le Brésil'vol. 1, Paris, 1835. Instituto de Estudos Brasileiros da USP 17

filhos da terra dos Negros, quando nossos aborígenes eram já astrólatras, e assim por diante. O escritor não sabia serem os aboríge-

nes luxuriosos e de um viver coletivo

indigesto aos moralistas ocidentais, como se lê de escandaloso nas Cartas do padre Manoel da Nóbrega. Releve-se no prefácio de Afrânio Peixoto uma série de 'ovos de Colombo, como por exemplo: economicamente a América do Sul é superiorà do Norte. se a riqueza era o ouro, lê-se numa carta de Américo Vespucci aos Médicis, quando descreve com detalhes sua

segunda viagem, em 1501: “O país não produz nenhum metal, salvo o ouro que existe em grandíssima quantidade apesar de que nós nesta viagem não

pudemos levar, porém disto tivemos

confirmação por parte de todos os indígenas que afirmam que nestas partes o ouro abunda, e às vezes dizem que entre eles é pouco considerado e de quase nenhum valor..." Outra observação de Afrânio: a Inglaterra deve ao Brasil, através do nosSo ouro, considerável benefício, o que é verdade, como veremos em seguida. Sabe-se que desde otratado de Cromwell, em 1654, Portugal ficou em posição dependente, satélite da Inglaterra, e depois do novo tratado, o de Methuen, em 1703, a submissão tornou-se humilhante. Peixoto documenta, em bem nutridos trinta parágrafos, nossas vicissitudes do dar e haver nos primeiros séculos. Na verdade, a leitura, em vários pontos, romanticamente ou não, da 'História de Simonsen tem seu interesse. Continuando a justificativa da nossa dedicatória: foi um prazer especial examinar aquelas situações, levandonos a compará-las com um outro clássico da nossa literatura, capítulo por capítulo, especialmente a cornucópia das centenas de notas. Falamos de Casa Grande & Senzala' de Gilberto Freyre, relatando a antiga vida brasileira, sua realidade, isto é, as relações do trabalho e do seu proveito, inclusive o dos colonizadores e seus capangas, lutas, compromissos, malandragens no prosperar da conquista. Relida a obra fundamental de Gilberto, por ocasião da elaboração deste ensaio, estas páginas são dedicadas ao pernambucano e bem assim ao eméri-

to Simonsen.

Se a história do ouro provocou os facilmente imagináveis desagrados, possibilitou uma infinidade de eventos de extraordinários resultados. Hoje o ouro nos dá algumas dores de cabeça, mas é bom saber que as crises aparecem para serem resolvidas. Infelizmente não são mais os tempos em que Gabriel Soares de Souza, autor de 'O Tratado Descritivo do Brasil em 1587, afirmava: "... Dos metais que o mundo faz mais conta, que éo ouro e a prata, fazemos aqui tão pouca (conta)”.

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DE MINAS GERAES. Jor

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Maia.

RIO DE JANEIRO.

NA TEPOORAPHIA IMPERIAL E NACIONAL; 1837,

Frontispício de 'Memória' do jurisconsulto e político brasileiro José Antônio da Silva Maia (Porto, 1789 — Rio de Janeiro, 1853): uma história documentada sobre o quinto, desde suas primeiras aplicações até aos acontecimentos dos primeiros três decênios do Oitocentos. Várias as referências neste trabalho de

total exatidão, inclusive os comentários do seu autor, como se registra; ocasião

para testemunhar a importância da Biblioteca Brasiliana" de José Mindlin, ao qual vai nosso agradecimento por nos ter assinalado e oferecido a publicação, colaboração indispensável à redação desta história do ouro no Brasil.

Comentada por Antonio Barreto ('O mineiro é um motor do mundo de dentro

quando o de fora está enguiçado”) no livro Momentos de Minas! do Núcleo de Fo-

tografias de Minas Gerais, coordenado por Branca de Paula, se reproduz esta imagem de lavador de ouro, por Miguel Aun, executada em Araguary.

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Para os primeiros povoadores do Brasilo ouro era, e ainda é, tudo quanto vinha da natureza. Todavia a idéia fixa de encontrar o precioso metal agitava qualquer cabeça com a cobiça insaciável de obtenção do enriquecimento imediato. Como não estariam saturados de cobiça os deportados ou amantes de aventuras, interessados na estratégia individualística contra o isolamento, empenhados em descobrir como construir um teto ou se abrigar da chuva, a cada momento enfrentando o problema de sobreviver?

Apareciam na terra, então ainda de ninguém, os sujeitos mais indescritíveis, que aqui aportavam com a finali-

dade de abarcar fortuna, em pequena ou grande escala. Foi sempre assim, mesmo no século das imensas imigrações. O desejo era vencera parada. Aterra conquistada, depois, passará a ser monopólio de El-Rey, e foi por ele repartida em sesmarias, oferecidas a alguns privilegiados, de nobreza hereditária ou da burocracia estratificada, para dar subsistência a um rudimentar

desfrute.

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le dedicar um parágrafo para este personagem, André João Antonil, nascido Andreoni, em 1649 em Luca, Itália, jesuíta que chegou ao Brasil a convite do padre Antonio Vieira, aqui produzindo um volume de base para o nosso livro. Trata-se de Cultura e Opulência do Brazil, por suas drogas e minas, no

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Não será supérfluo lembrar que a obra de Antonil, um clássico da primeira história brasileira, passou pelos acontecimentos mais complexos. Recorda-se no prefácio da edição de 1837 que o livro tornou-se bem raro por causa da proibição e perseguição no tempo do El-Rei D. João V; lembra a que “título inferirão os leitores quanto a elle he util a todos os estudiosos de economia política e em geral a todos os Brasileiros, que alli acharão a certeza de que o seu abençoado paíz já então era a mais rica parte da America em quanto a productos rurais.. A edição da qual se reproduz o frontispício leva a antiga anotação: "Permuta feita com a Biblioteca pelo Sr. J. C. (Capistrano) de Abreu”, lembrando-nos o mestre da historiografia brasileira morando" na Biblioteca Nacional.

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Protagonistas os mineiros, os quais sem perder tempo procuravam descobrir a possibilidade de contrabandearo quanto podiam, fugindo dos impostos imediatos, baixados por El-Rey, dito também Throno, numa montanha de dispositivos como por exemplo estes: Ordens do Conselho Ultramarino, Bandos das Capitanias Gerais, Provisões da Junta da Fazenda, Editais, Portarias, Devassas, Processos das Intendências, etc. Havia os que administravam o chamado 'quinto eos contraventores de qualquer disposição, à mercê do mandachuva de prontidão, os desviadores punidos, seja com o confisco ou com a apropriação de quaisquer bens que tivessem.

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A terra, ainda não delimitada, era da Coroa, com base na fórmula jurídica do direito romano que era bem clara: “Quem é proprietário de um espaço possui tudo acima dele e por baixo até O Inferno”; porém, qualquer um dela podia se apoderar. Os meios ficavam a critério dos audaciosos e dos sabidos, a fantasia ajudando. Não parecia complicado embarcar num navio até como clandestino, a decisão firme, votos a uma das Nossas Senhoras para contribuir na proteção, para um tranquilo desembarcar no El Dorado.

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Segunda maior pepita do mundo, propriedade da Caixa Econômica Federal, extraída em Serra Pelada, pesando mais de sessenta quilos e que foi apresentada no Museu de Arte de São Paulo, na exposição 'Minerais, Minérios e Gemas do Brasil, em março de 1984. Foto de Luiz Hossaka.

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Desde o tempo dos bandeirantes, a caça ao ouro nunca parou. Quem tema paciência de consultar os boletins do o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio encontrará reconhecimentos geológicos de voluntariosos especialistas contratados, como Antônio Rodrigues Vieira Junior, o qual foi mandado ao Amapá, na zona do antigo território contestado Franco-Brasileiro, para estabelecer, em 1924, 0 quanto restava das garimpagens do Oitocentos, ricas se não do metal, pelo menos de um entusiasmo ainda bandeirante. A reprodução deste desenho da relação é para lembrar o quanto os problemas foram estudados. 21

qual Antonil oferece ao leitor a seguinte dedicatória “...aos que desejam ver glorificado nos altares ao venerarel Padre José de Anchieta, Sacerdote da Companhia de Jesus, missionário Apostólico, e novo Thaumaturgo do Brazil”. No frontispício do livro, Antonil sublinhava: “Com várias notícias curiosas

do modo de fazer o açúcar, plantar e

beneficiar o tabaco, tirar ouro das minas e descobrir as da prata e dos grandes envolvimentos que esta conquista da América Meridional dá ao reino de

Portugal com estes e outros gêneros e

contratos reais.” Tratava-se de um texto da maior importância, tanto que o censor do Santo Ofício decretava que “se pode estampar com letras de ouro”. E de fato, a propósito das peripécias do próprio ouro, se trata de um relato indispensável a tudo quanto aqui se

recorda. Os primeiros capítulos dedi-

cados ao tema representam um verdadeiro festival da cata do metal, de vez em quando denominado 'preto'. Antonil supervisiona vários empreendimentos, as minas abertas a todos os que quisessem aproveitar. O frade não pode registrar o que se reserva a El-

Rey, valendo os quintos devidos, e às

vezes denunciando 'sonegando-se tanto ouro não quintado, bem se deixa ver que o ouro que cada ano setira, sem encarecimento algum, passa de cem arrobas, e que nestes dez anos passados se tem tirado mais de mil arrobas. E, se nos primeiros anos não chegaram a cem arrobas, nos outros certamente passaram. E continuando ao presente o rendimento com igual ou com maior abundância por razão do maior número dos que se empregam em catar, só os quintos devidos a Sua Majestade se foram notavelmente diminuindo, ou por se divertir para outras partes o ouro em pó, ou por não ir à Casa dos Quintos, ou por usarem alguns de cunhos falsos, com engano mais detestável. Mas ainda assim, não deixou Sua Majestade de ter grande lucro na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, porque comprando o ouro a doze tostões a oitava, e batendo-se em dous anos três milhões de moeda nacional e provincial de ouro, foi lucrando seiscentos mil cruzados de avanço”.

As 'qualidades abundantes do metal

nas minas asseguravam o maior rendimento' aos bandeirantes que o relator apelida de 'paulistas”, encontrando-se também capitães, tenentes, sargentos-mores, com bastante hierar-

quia. E se dá notícia de insaciáveis, os

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quais em vez de “ir buscar indios nos matos se desviam desta diligência menos escrupulosa e mais útil” para tirar da terra 'rendosa;, não sem discutir, como ocorreu no rio das Mortes, onde alguns homens morreram, “brigando entre si sobre a repartição dos índios gentios que traziam do sertão”. Os capturados deviam servir no trabalho das minas.

22

Quem não leuo

livro de Antonil deve

fazê-lo a fim de se instruir sobre a primitiva mineração que se processou na

Colônia, texto eivado de sutilezas úteis para se conhecer a formação da mentalidade nacional, no pensar de cada um a fim de tirar o máximo proveito da aventura, a começar por El-Rey. Raciocinava certo o governador de uma região do Norte, D. Diogo de Menezes, fazendo sabera El-Rey: “Creia V. M. que as verdadeiras minas do Brasil são açúcar e pau Brasil de que V. M. tem tanto proveito, sem lhe custar de sua fazenda um só vintem”. De conversa em conversa, de lembrança em lembrança, recordações do que se leu, os acontecimentos correm numerosos. Esta história é um desfilar de personagens merecedores de nota. Eis mais alguém a ser celebrado, homem de visão agrícola: Martim Afonso de Souza, chegado ao Brasil em 1091. Para sair da monotonia do contar como a administração reinícola exerceu as previstas relações minerador-alfândega, eis alguns dados do confisco do ouro clandestino, os quais confirmam qual a operosidade dos fiscais e a destreza dos sonegadores: já em 1701 se confiscam 695 oitavas; em 1708, 7324;

em 1713, 7103; e assim por diante.

Ainda para interessar, eis uma página

antecipadora da Inconfidência: os episódios de revolta contra os desfrutadores não faltaram. Deve ser lembrado o de Piranguií, em cena o paulista Domingos Rodrigues do Prado, um elemento conhecido como insubordinado e sedutor dos povos”, para qualificá-lo de popular. Em 1720 recusou-se a pagar os quintos e, convocando um grupo armado, expulsou do cargo violentamente o capitão-mor e mandou matar o juiz ordinário, provocando a ofensiva militar. Condenado à morte, Domingos se refugiou na mata ficando impossível prendê-lo, tanto que foi enforcado, porém, contam as crônicas,

em estátua' e, ele conhecedor da pu-

nição, enforcou também 'em estátua o ouvidor que o tinha condenado. E um dos vários motins daquele tempo, o povo e seus chefes demonstrando hostilidade aos patrões. O povo reagia às arbitrariedades, invadindo repartições, capaz até de matar, não suportando um regime que tinha como bandeira a avareza, obrigando às vezes os governantes a decretaro perdão”. Não faltavam os escândalos, e na própria administração: até a descoberta em 1731 de uma fábrica bem aparelhada de moeda falsa em Paraopeba, na comarca de Sabará. O boato revelava que o estabelecimento, evidentemente vindo de Portugal, era de um parente próximo de João V.

Os fiscais se empenhavam em descobrir os fraudadores do fisco. A pena

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Custódias, bronze fundido e cinzelado, artesanato mineiro e português da metade do século XVIIl, 25 cm de altura por 17 cm de diâmetro. Aba e decorações aplicadas com as armas do Reino de Portugal. Típico exemplar de um conjunto de pesos que servia para pesar o ouro a ser quintado. A caixa é notória pela riqueza da decoração e pelo tamanho que a faz das mais importantes, dentre as conhecidas. Deve-se notar que é difícil fazer uma distinção entre as obras de procedência metropolitana e as coloniais. Pode ser que esta peça tenha vindo diretamente de Lisboa, já que se tratam de pesos oficiais. Na época era evitado que os colonos fundissem metais para que não se desenvolvesse a metalurgia na colônia. A procedência é atribuída a Casa de Fundição de Minas Nova.

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mais séria podia ser a extradição para fora da capitania ou até mesmo exílio na India. As autoridades, naturalmente, como qualquer polícia, se valiam também dos espiões. Um bando precisava: “Qualquer escravo que denunciar o seu senhor e por virtude de dita denunciação for confiscado, ficará forro e se lhe passará carta de alforria em nome de Sua Majestade, e se lhe dará a terça parte do dito confisco" O contrabando tornava-se um fato igualzinho ao que hoje sabemos ser praticado notadamente com a cocaína ou a maconha. A caça aos contraventores alcançava até mesmo a 'classe baixa dos denunciantes:. Era o terror, os traficantes praticamente patrões, através de organizações bem estudadas e conduzidas, procuravam entendimentos. Nem todos Os senhores eram da estirpe do Domingos, acima encontrado. Quando descobriam os contrabandistas o rigor tomava decisões bem severas, especialmente se metidos no mais fácil setor dos diamantes, os quais abundavam na Terra.

A descoberta das primeiras destas pe-

çasé um fato até curioso: um simpló-

rio, indo à caça de escravos nas tribos do Espírito Santo, viu numa praça, indivíduos que se serviam de pedras com brilhos. De posse das mesmas, o fulano partiu para Lisboa, correndo a informar El-Rey. Qual a recompensa? Foi nomeado tabelião e capitão-mor da Vila do Príncipe. Esta descoberta é lenda, como a do ouro. As versões são numerosas e ao mesmo tempo incertas. Foram os bandeirantes? Qual deles? Dizem que nos últimos anos do Seiscentos outros simplórios, parece que de Taubaté, descobriram a existência do metal. Se dá até o nome do felizardo: Antonio Rodrigues Arzão, que andava à caça de nativos em 1698 no Espírito Santo, conseguindo encontrar três oitavas de ouro que logo mostrou ao regente daquela Capitania. Não é muito certo, pois a primeira descoberta se atribui a um outro caçador de nativos, o qual teria mostrado ao governador do Rio de Janeiro doze oitavas. Outros historiadores atribuem a primeira descoberta, em 1597, a Afonso Sardinha, na Serra da Jaguaminhaba e de Jaraguá perto da vila de São Paulo. Mas a primazia se atribui a outros elementos. O singular todavia é que o tal Arzão, sendo premiado com a patente de capitão-mor de Taubaté, foi autorizado a abrir uma casa de fundição. Geralmente a descoberta é dada como em Minas, em 1700. Uma coisa é certa: foram os bandelrantes os descobridores.

Pode-se imaginar como eram depois

de se ter lido não se sabe quantos li-

vros a eles dedicados, pois a variada li-

26

teratura existente permite um retrato bem aproximado, possibilitando eventuais revisões, correções, desde o modo de pensar, os trajes, o falar, O realizar, o decidir.

O que vale mesmo para manifestar uma visão própria é o romantismo que

os enquadrou, a começar pela manelra como os descreveram ao adjetiválos e apresentá-los. No que se refere à escravidão o historiar resultou bem mais fácil, pois dos africanos e dos denominados índios existiram mais elementos comprobatórios. Mas como retratar o bandeirante” O sujeito era de formação um tanto inédita: meio rebelde, talvez um desertor

dos canaviais, com uma maneira própria de encarar a liberdade, indiferente ao que diziam as leis e os alvarás, interessado em mexer com o imenso do ignoto,

vislumbrador do futuro. Pode-se imaglná-los até frequentando a sacristia de alguma capela, a fé guardando a sua parte. Acima da fé: caráter, independência, inventivae ação.

A figura do bandeirante, de qualquer jeito, não é a da estátua de Luigi Brizzolara na Avenida Paulista. Os artistas vestiram-nos opulentamente. Na aldeia que depois seria São Paulo, nemo capitão ou o intendente se permitiam pretender aquela elegância. Será um tanto irônico que Carlos Drummond de Andrade, hóspede da suntuosidade de Sabará, comente: “Al tempo!/ Não é bom pensar nessas coisas mortas, muito mortas./ Os séculos cheiram a mofo/ e a história é cheia de teias de aranha./ Na água suja, barrenta, a canoa deixa um sulco logo apagado./ Quéde os bandeiran-

tes?/ O Borba fugiu,/ dona Maria Pimenta morreu./ Mas tudo, tudo é inexoravelmente colonial:/ bancos janelas fechaduras lampiões./ O casario alastra-se na cacunda dos morros/ rebanho dócil pastoreado pelas igrejas:/ a do Carmo — que é toda de pedra,/ a Matriz — que é toda de ouro”. À citação de nosso poeta nos lembra uma lúcida apreciação de Roger Bastide: O sociólogo que quiser compreendero Brasil, não raro transforma-se em poeta”. Então deixa-se que cada um, respeitosamente, imagine o bandeirante a seu modo, tendo em conta que um outro poeta dos tempos do surgimento do Brasil, o prodigioso Gregório de Mattos, dizia: “Que os Brasileiros são bestas,/ e estão sempre a trabalhar/ toda a vida para manter/ maganos de Portugal”. Parece que o bandeirante não era bem aquele português timorato da Coroa que arribou nas colônias, para de qual-

quer jeito povoá-las, já que um ou outro tratado oficial marcava os confins da Terra.

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Naquele findar do Quinhentos, Portugal se empenhou em vencer sua Surpreendente prova ocupacional, des-

cobrindo outras riquezas que não o

ouro. São os bandeirantes que iniciam as marchas, substituindo até o patrão, eles mesmos tornando-se tal. Sem dú-

vida, não sabiam o que havia do outro

lado do canavial do fazendeiro principiante. Achavam bom emigrar como resolução, satisfazendo aquele momento da vida. O fazendeiro tinha resolvido o problema e ganhava, até com os africanos que andava comprando. Como imitá-lo? Tratava-se de fazer dinheiro, mas como? Fatal que os pensamentos se voltassem para a lenda, aliás o falar contínuo sobre o ouro. Precisava-se de gente para trabalhar, mas não tendo meios, como adquiriro que faltava”? Fácil: submetê-lo ao longo da projetada marcha através dos desconhecidos caminhos pelo sertão inóspito, apoderando-se de 'indios, invadindo as tribos. A caminhada foi planejada partindo, segundo disseram, de Piratininga. Recrutando um grupo de brancos, os mais robustos, sujeitos esculturados por Victor Brecheret no monumento as Bandeiras. As turmas recolhidas foram à aventura, porém na direção de possíveis jazidas de ouro, parece que ao norte e sul de Cananéia, nas possessões dos nativos Tupis e Carijós. Entre os bandeirantes estavam: Fernão Dias Pais, Garcia Rodrigues, Borba Gato e Matias Cardoso de Almeida. Os que devem ser lembrados são multos. Assim, mais nomes: Antônio Dias, o padre João de Faria Lima e João Lopes de Lima, os quais começaram a cata de ouro aluvionário, com a certeza da prosperidade que o ouro podia trazer. Os acampamentos irão se formar nas terras que serão Ouro Preto e Mariana, Lisboa intervindo e favorecendo a descoberta, contando por meio da comunicação boatesca com o previsto vo-

luntarismo marcado pelas brigas.

Aqui cada um pode ser romancista. Concluía Mario de Andrade: a descoberta do ouro se deve a São Paulo. Se-

ria preciso articular os detalhes da cor-

rida, defrontando-se com pacíficas porém desconfiadas tribos, as consequentes escaramuças, flechas de uma parte, espingardas de outra, mortos e feridos, as prisões, o encurralar os sem culpa nenhuma à cata do metal. Quando possível matanças de antimais para comer e redes armadas para mal dormir. Novos encontros, a paisagem nem olhada, árvores demais incomodando a caminhada, águas para transpor: vida de inferno num país de verde. Os bandeirantes tão indiscretos, sem dúvida cabeçudos, galgaram as monta-

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Victor Brecheret criando o monumento

às Bandeiras, assim representou um

dos audaciosos descobridores do ouro em Minas.

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Com o desenvolvimento da caça ao ouro , as cidades de Minas andaram se povoando, através de um continuo trabalho de o mineiros, artesãos e comercian tes. Aqui uma vista de Ouro Preto, onde aparecem construções ai ocupação, o ouro atrtraind do Setecen tos. De 'Minas Colonial " foto Euler C âssia. *

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Escravos extraindo ouro, gravura de D.K. Bonatti, sec. XIX. Coleção Particular, São Paulo.

Vista geral das instalações da mina de Morro Velho, Minas Gerais. 91

"Os prospectores paulistas que fi. zeram trabalho pioneiro em Minas Gerais, primeiro encontraram ouro

nhas como se sabe. Enfim, tinham des-

o queriam. o que cobert O boato voou, como se já houvesse mecanismo eletrônico para o mundo todo ouvir. Movimentou-se a Colônia inteira: os primeiros forasteiros foram ao encontro dos paulistas. Contradições, aliás, lutas, E mais: uma guerra que apelidaram dos 'emboabas': os paulistas contra os que se precipitaram para lá. Algumas crônicas às vezes denunciam as atitudes dos bandeirantes como “dissensões dos Paulistas com os Europeus”, dando origem a novos regimentos e cartas rêgias de 1702. Derramamento de sangue. Começava a época do ouro. Havia os que se batiam por causa do metal, os portugueses que se reputavam donos diante dos forasteiros; incluindo alguns cristãos, negros e Índios: degladiavam-se e, de vez em quando, sobrava um morto. Os paulistas eram xingados porque a cachaça os amolecia. Os escravos não eram nem dignos de serem olhados, os nativos considerados bestas, ainda pior. Instantâneo exagerado? Talvez, mas apenas para estar mais perto da realiade.

Neste festejar o primeiro metal é bom não esquecer o quinto, o qual entra em ação sem demora. Já em 1700 rendia 940 oitavas de ouro, dando início a uma, na medida do possível, arrecadação, através de portaria nomeando o guarda-mor para uma sumária divisão das terras mineiras, proibindo qualquer trânsito do ouro para São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco sem guia responsável pelo pagamento das dívidas com as Casas de Quintar. Escreve Costa Maia que nunca os mineiros puseram em dúvida a “obrigação de pagar o Quinto do Ouro extraído das Minas das Geraes; este Direito chamado Senhoreal que se dizia devido pela Regalia, e Senhoreagem das Minas dos metaes, comprehendidas entre Direitos Reaes... O systema porém da sua arrecadação tem soffrido notaveis alterações”. Portugal, de tempos em tempos, cuidava de afirmar seus direitos; até em 1789, já na decadência do ouro, uma representação da Câmara de Sabará repetia: “Bem persuadidos estamos, Excelentissimo Sr, da justiça com que S. Magestade nos pede a contribuição do Quinto do Ouro, perfeitamente reconhecemos, que elle he devido em consequência de Supremo Senhorio que tem nestas conquistas, e principalmente nos Vieiros, e Minas que he hum dos Direitos Reaes, que já adoptou a nossa Legislação, ainda muito antes da descoberta deste Continente...” Eis um retrato otimista dos mineiros que completa o parágrafo acima. E de Nelson de Sena e se lê no prefácio de Aires da Mata Machado Filho para o

32

aluvial no leito dos rios e riachos. Os

depósitos de tal ouro eram chamados

faisqueiras, porque ao sol faiscavam as partículas maiores. Daí a palavra faisqueiro para classificar o prospec-

tor itinerante ou o mineiro de ouro de

plácer. Quando os rios estavam na enchente

grossos demais para o trabalho, os

Colhido o cascalho, o minerador devia

peneirá-lo a fim de retirar o ouro.

faisqueiros voltavam sua atenção para as margens e sua vizinhança imediata — tabuleiros — onde era freqúente encontrarem também ouro. Quando tais depósitos se exauriam, ou OS recémchegados encontravam-no já trabalhado pelos seus predecessores, os prospectores seguiam adiante, procurando ouro nas fendas e rachaduras das encostas vizinhas — grupiaras ou guapiaras. Todos os mais recuados trabalhos em ouro foram do tipo plácer, e só quando o ouro de aluvião se foi fazendo escasso foi que os mineradores cavaram túneis e poços nas encostas... O processo primitivo de lavar e peneirar o ouro mostrava-se o mais simples. O único instrumento necessário era a bateia, uma bacia grande

e rasa, cônica, feita de madeira ou de metal, que o mineiro segurava com ambas as mãos. O subsolo arenoso,

misturado ao cascalho que continha as pepitas de ouro, era colocado na bateia com alguma água suficiente

para cobri-lo. O mineiro, então, rodava cuidadosamente a bateia num movimento circular ou elíptico, e, de vez

em quando, inclinava-se para deitar fora um pouco da água e dos cascalhos, cuidando de que o ouro ficasse no fundo, até que fôsse claramente visível. O cascalho nem sempre era o da superfície do solo, pois retiravam-no de profundidades diferentes, sob uma camada de areia, terra ou argila. Os

poços ou escavações feitas no curso da extração do cascalho, eram cha-

mados 'catas”, e muitos terrenos de Minas Gerais depressa tomavam, por causa deles, o aspecto de favos. À proporção que os depósitos se foram razendo em menor número e mais profundos, os métodos de extração tornaram-se mais complicados, no primeiro quarto do século XVIII. Lavadouras e máquinas hidráulicas foram empregadas, e em alguns casos o leito do rio ou do riacho era exposto, através do represamento da água ou do desvio artificial da corrente para outro canal. Ao contrário do que com frequência se declara, a mineração subterrânea foi algumas vezes feita na Minas Gerais colonial, mas é sabido que tal processo não era comum.” C. R. Boxer, “A idade de ouro do Brasil, Companhia Editora Nacional, São Paulo, 1969.

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precioso ensaio 'Mineiridade' de Sylvio de Vasconcellos: “Foram sempre gente conservadora de tradições, de hábitos, aferrada a terra e ao lar, 'temente a Deus e à Lei”, de poucas e des-

cansadas falas, e nenhuns amores pela exibição e patacoadas, como diziam OS nossos avoengos. No melo dessa

aparência moleirona e apática, repassada de uma certa astúcia inata, são os mineiros em geral escravos fiéis

da palavra empenhada, destemerosos

opositores ao despotismo, amigos leais da ordem, extremados na defesa de sua fé religiosa, da honra de seus lares e da independência de suas cren-

ças políticas, no seio das 'montanhas

alterosas'. Desdenhando a zombetei-

ra irreverência com que são alvejados, nas desfrutáveis revistas e na insulsa

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Os aplausos que posteriormente foram tributados aos intrépidos bandeirantes, armados mais de convicção do que de espingardas, para melhor se apoderarem dos gentios e do ouro, e a caminhada superadora de rios e de matas, simbolizam a aventura. Nas fichas dos bandeirantes encontram-se mamelucos, sertanistas desiludidos com a rotina agrícola atraídos pela febre do ouro. Não tendo bússolas, orientando-se pelas estrelas, transitando por caminhos inóspitos, abrindo estradas ao acaso, galgando rochas, venceram,

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Mineiros lavando terras auriferas nas 'canoas.

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capitais e desconhecem por inteiro a gente boa e forte que moureja no interior do Brasil, arroteando campos, pastoreando rebanhos, plantando e cultivando a terra — vivem alguns milhões de mineiros presos à gleba em que nasceram, amigos das suas roças e gado, contentes da modéstia folgada dos seus haveres, que lhes garantem teto, roupa, lume e pão, para si mesmos e para quantos (e são muitos) os que rodeiam e vivem sob a sua autoridade e cuidados”. Mineiridade é um termo que se tornou comum, abraçando toda a região mais típica do garimpo pela abundância do metal promotor de riqueza, ainda na crista das preocupações de muitos povos que procuram “teto, roupa, lume e pão”, antonomásia da nossa Minas, à qual se deve também a rebeldia contra o regime de proibição política. Estamos numa região a qual não se sabe ao certo se Deus ou Satanás pontilhou da riqueza que serviu ao mundo, ao “Mundo, mundo, vasto mundo/ se eu me chamasse Raimundo/ seria uma rima, não seria uma solução, na ironia de Carlos Drummond de Andrade.

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crítica literária dos que só vivem nas

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Aparelho primitivo hidráulico de pulverização de minérios auriferos. Ão lado, instrumentos de mineração usados no Brasil no começo do século XIX.

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presentou nenhum fato satisfatório. Lembrança oportuna: foi publicado num excelente volume dedicado às tribos Xingu, 'Unter Indianorum in Zen-

tral-Brazilien', de Gunther Hartmann,

onde são referidas as expedições alemãs desde a de Karl von den Steinen até às mais recentes: povoações de uma ordem exemplar, urbanismo e arquitetura de um padrão funcional perfeito, até a engenharia da construção,

um modelo de soluções de arejamento singulares, as artes governane até às jóias. a rede do desd

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Da corrida à descoberta do ouro somos levados a pensar num fenômeno bem brasileiro: acumular massas em torno de uma possível realidade. Quando Juscelino decidiu construir Brasília, a convocação de trabalhadores para realizar a empresa foi um fato popular grandioso, a ponto de hoje a Capital estar contornada até de cida-

grafia de Valores Impressos no Brasil'

milhões de braços que revolucionaram nossa demografia”? Seja como felizmente foi, Carlos Drummond de Andrade sintetizou: “E virá a companhia inglesa e por sua vez comprará tudo e tudo voltará a nada e secado o ouro escorrerã o ferro, e secos os morros de ferro taparão o vale sinistro onde não mais haverá privilégios, e se irão os últimos escravos, e virão os primeiros camaradas”.

E indispensável para quem se envolve no assuntos da História, recorrer à bibliografia. No caso do ouro ou aspectos inerentes ao tema se trata de uma quantidade de livros e dados possíveis de serem encontrados em nossas bibliotecas geralmente muito bem ordenadas. Os que têm prática em trabalhos históricos, naturalmente perceberão que as pesquisas poderiam ser mais amplas, porém o propósito foi o de atualizar uma atividade que continua nas crônicas, especialmente nestes últimos tempos em que o comércio do ouro tornou-se comum no Brasil.

des satélites. E quando o Brasil, na segunda metade do Oitocentos, evidenciava ser um país de futuro, não atraiu para aqui os

E o caso de São Paulo? E lícito interromper o conto do ouro para recordar um outro ouro, uma planta importada de fora no Setecentos, bem no principio: um dos tantos ouros verdes” Despontava no imenso da riqueza nacional um outro ouro, o café, cuja cultura o Marquês de Pombal, que vamos daqui a pouco encontrar, tinha incentivado. Um empreendimento mais simples e cômodo. A corrida para instaurar a cafeocracia parecia sugerida pela do metal. O pessoal se revezava aqui para ganhar. Diferente a dedicação, menos complicada, sem muitos fiscais, gravames reduzidos a taxações possíveis.

Da empresa aurífera São Paulo não tirou proveito, aliás poucos benefícios, também porque a Coroa aplicou divisões territoriais que alteraram a vida da capital das bandeiras. oabe-se que os paulistas viviam num vai-e-vem do Rio de Janeiro e até de Minas, parando em aldeias “todas muito pobres e a maior parte miseráveis porque os seus effectos, que são os mantimentos, e dão para vestirem e comerem... E o que relata mais um cronista. Já em 1780, Manoel Cardoso de Abreu prevê no 'Divertimento Admirável' que se trata de um centro sur36

Título de 16 vinténs de ouro da Caixa de Fundição do Ouro da Capitania de Minas Gerais, correspondente a meia oitava de ouro, seiscentos réis. 'De Icono-

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Capa do livro 'Ouro do Amapá; o qual lembra o quanto os Governos Federais desenvolviam as pesquisas do ouro.

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Braço que servia de sustentação da balança oficial destinada à pesagem de ouro. Séc. XVII? Existente em São João del Rey, MG.

Prensa manual de bronze com doisÉ ri laterais que servia para cunhar moedas e barras de ouro. Datada de 1680, tem gravadas as armas de Portugal. Acervo do Museu do Ouro, Sabará, MG.

3/

gindo como cabeça de ponte do futu-

ro. Acrescenta que os paulistas vão “buscar as fazendas para nela venderem;... outros vão buscartropas de animaes cavallares ou vaccuns para venderem...' Mais adiante: “Os moradores das villas de Jundiahy, São João

de Atibaia e Mogy Mirim e das freguezias de Jugquery e Jaguary... também vivem na mesma miséria, vendendo os seus effectos na dita cidade (Cunha), e aos passageiros”.

Manoel! talvez exagerasse um pouco, porém sendo largamente reportado

por Simonsen, é digno de crédito. O

autor de História Econômica do Brasil junta as imposições que então se exerciam por lá: “quinto, das entradas, das passagens dos rios; dízimos, ofícios de justiça, donativos, arrematações privilegiadas de contratos, dos confiscos”. Todavia São Paulo estava destinada a vencer.

O fato real da descoberta é fornecido pelas cobranças do quinto que desde 1/00 tem 940 oitavas taxadas; em 1/11, 13.507; 0 que dá um perfeito indício de como se encontrou o metal.

Entre 1720e '28 a produção cresce,

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em Mato Grosso e em Goiás, aumentando consideravelmente a fortuna do erário régio.

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graças à descoberta de novas minas

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Já que estamos falando de produção, recorramos mais uma vez à História de Simonsen. Ficamos sabendo que o metal no século fatídico brasileiro, aquele Setecentos que vai merecer mais páginas, ofereceu “o primeiro impulso à formação dos grandes stocks nos tempos modernos. Entre 1700e 1770 a produção do Brasil foi praticamente igual a toda a produção de ouro do resto da América, verificada entre 1493 e 1850; cerca de 50% do que o resto do mundo produziu nos séculos XVI, XVlle XVIII”. Cerca de cem mil toneladas de ouro foram produzidas desde que o metal foi extraído a partir, calcula-se, do quinto milênio antes de Cristo. Desta quantidade se estabeleceu que quarenta por cento se encontram depositados nos cofres dos 'bancos centrais das principais potências como reserva monetária, sendo outras dezenas de toneladas guardadas por investidores priva-

dos, como parte do seu amplo comércio, Cada região afortunada com a descoberta do ouro teve seus anos de gló-

Capa de “Sua Boa Estrela" (Nº 76, 1981)

ria. No tocante ao Mato Grosso, obser-

revista dos amigos da “Mercedes-Benz

Dom Pedro Il: “A população orçava em

eà cremento das pesquisas, o comércio

ve-se que se reduzia a Vila Bela, segundo nos conta o Visconde de Taunay em documentado livro dedicado a pouco mais de 800 almas, toda ela de cor preta, e cor tão dominante que as pessoas que o não eram mereciam contagem a parte, formando o diminuto total de 14, e destas só 2 re-

38

do Brasil", número dedicadoà Chapada de Diamantina, Bahia, onde o aparecimento dos diamantes representou o in-

prosperidade dos centros de garimpelros, lapidadores de pedras preciosas€ aventureiros. E um dos inúmeros servi ços que a publicação oferece para 0 conhecimento do Brasil.

Aspecto da região do ouro em Minas Gerais, fotografia reproduzida no interessante trabalho que a revista Mercedes Benz dedicou a Minas Gerais.

Detalhe da reportagem que a revista

da Mercedes Benz ' dedicou à lavra do ouro em Minas Gerais.

39

“Das minas geraes de Cataguas as mi-

conhecidamente brancas. Não mostravam as ruas o menor vestígio de calcamento... contínuas eram as inundações, vendo-se por toda a parte os resíduos das vazantes em charcos e poças... De todos os lados, compactos matagaes de fedegoso e vassorinhas ocultam cobras e comumente também não poucos jacarés vindos do rio, embora pequenos... Igreja frequentada quase exclusivamente por nuvens de morcegos... e no meio de toda essa desolação um povo abastardado, preso de molestias periódicas e vivendo dura miséria...” isto, naturalmente, era diferente em algumas cidades mineiras que souberam se servir da improvisada fortuna.

lhores,

pouco mais de cinco braças de terra se tirarão cinco arrobas de ouro. Também o rio das Velhas he muito abun-

dante de ouro, assim pelas margens, como pelas ilhas, que tem, e pela madre, ou veio d agua; e delle se tem tira-

do, e tira ainda em quantidade abundante. Chamão os Paulistas ribeiro de bom rendimento, o que dá em cada bateada duas oitavas de ouro. Porém assim como ha bateadas de meia oitava, e

de meia pataca; assim ha também bateadas de tres e quatro, cinco, oito, dez, quinze, vinte, e trinta oitavas, e

mais: e isto não poucas vezes succedeu na do ribeirão, na do Ouro Preto, na de Bento Rodrigues, e na do rio das Velhas. Os grãos de maior peso, que se tirarão, forão hum de noventa e cinco oitavas; outro de tres libras, que repartirão entre si tres pessoas por um machado, outro que passou de cento e cincoenta oitavas, em forma de huma

lingua de boi, que se mandou ao go-

Todas estas simples ocorrências de-

vernador da nova colonia; e outro maior de seis libras”. André João Antonil, Cultura e Opulência do Brazil por suas Drogas e Minas.

viam ser resolvidas com os comerciantes. Os mais ativos eram os traficantes

de escravos, que tinham facilidades e

sistemas próprios para entrar e sair das zonas demarcadas. O que faz conCluir que os beneficiados da situação foram os sujeitos práticos do comprar e vender. Ali estava, a seu modo, o princípio da economia propriamente dita, e por iniciativa de indivíduos práticos no mercantilizar. A corrupção de vez em quando apresentava sintomas de generalização, tanto assim que era oportuno fechar um olho, já que havia implicações por parte de superiores que não podiam se tornar públicas. A audácia dos do contra se voltava em direção aos mandatários do regime. Eis uma das histórias mais divertidas, escolhida entre as numerosas dessa espirituosa picaretagem, registrada em Cuiabá. Em 1728, dali saíram quatro cunhetes fielmente entregues, fechados e selados, destinados ao provedor da Real Fazenda de São Paulo. Enviados ao Rio de Janeiro, dali foram remetidos com as devidas cautelas para desembarcar em Lisboa. Abertas na

presença Del-Rey Dom João V e de alguns ministros estrangeiros, convi-

40

forão

até agora a do ribeiro d'Ouro Preto: a do ribeiro de N. 5. do Carmo; e a do ribeiro de Bento Rodrigues, do qua! em

comente o ouro enviado à fiscalização utilizava as balanças. Importá-las foi tarefa feita pelos comerciantes. Eles eram verdadeiros aproveitadores, mestres em sonegação e em possíveis trapaças. Outro inconveniente a ser superado era separar o ouro dos restos de cascalhos nele fixados. As análises estabeleciam as diversas variações do valor. Avaliavam os experts improvisados.

dados especialmente para presenciarem o ato, acharam chumbo er grãos para munição em lugar de ouro. Transcrevo de Abreu Lima: “Dando tanto estrondo esta metamorfose, mandou ElRey ao juiz do fisco do Rio de Janeiro que fosse imediatamente devassar o caso, de cuja diligência resultou a prisão do provedor e o sequestro de seus bens; mas sendo remetido para a ca-

e de maior rendimento

Apuração final do ouro.

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"A relativa escassez de mulheres brancas em muitas regiões, e a miscigenação resultante entre homens brancos e mulheres de cor, chocou, abertamente, muitos observadores estrangeiros, e provocou bastante comentários adversos dos governadores e bispos coevos. Essa miscigenação em larga escala foi responsável, indubitavelmente, pelo crescimento de um proletariado de cor, urbano e rural, que não tinha educação apropriada e vivia de expedientes. Esse estado de coisas levou, por sua vez, às chagas sociais como a vadiagem, a prostituição, as doenças, que tal estado de insegurança social propicia. Por outro lado, um número surpreendente de pessoas dessa co-

plantações de cana-de-açúcar e tabaco, e nas fazendas de criação, essa riqueza to! considerada, na voz popular, como enorme. Tal opinião era apoiada pelo fato de que exatamente quando as primeiras jazidas de ouro de Minas Gerais começaram a apresentar sinais de exaustão, novas descobertas foram feitas em Cuiabá, e depois veio a descoberta (oficial) de diamantes no Sérro do Frio. Tais descobertas foram seguidas, no devido tempo, pelo achamento e exploração dos campos auriíferos de Goiás e Mato Grosso. A chama de esperança que lateja eternamente no peito humano, era periodicamente reavivada por essas descobertas sucessivas, sempre que

grediu, fôsse como vaqueiros, nos distritos criadores do Rio São Francisco e do Piauí, como músicos e tabeliões mulatos em Minas Gerais, ou em outros ofícios e ocupações, onde habilidosas pessoas de cor eram muitas vezes encontradas — às vezes desafiando as leis discriminatórias. Ademais, o cadinho racial brasileiro, com todas as suas variedades, ênfases e origens, realizou fusão mais ou menos

se a impressão de que a riqueza mi-

munidade de cor eventualmente pro-

pacífica

entre as três raças,

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péia, a africana e a ameríndia, que, assim não fôsse, poderiam ter precisado resolver suas diferenças étnicas e culturais com derramamento de sangue. Fósse qual fôsse a extensão da riqueza retirada das minas de ouro e diamantes do Brasil, para não falar nas

as jazidas precedentes pareciam estar declinando em produção.

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neral do Brasil era inesgotável, e que se um distrito mineiro já não oferecia

proveitos, outro depressa seria desco-

berto no sertão, para substituí-lo. Embora muito do ouro e dos diamantes do

Brasil tivesse sido gasto em pagamentos para importações provenientes da Europa Setentrional, ou prodigalizado nas igrejas e conventos do mundo português do Atlântico, acreditou-se amplamente — embora errôneamente — que D. João V fosse o mais rico monarca da Europa, crença que seus gastos generosos nada faziam para diminuir.”

CR. Boxer, A idade de ouro do Brasil' Companhia Editora Nacional.

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deia de Lisboa, e mostrando alí com muita evidência a falsidade do crime imputado, não só se conseguiu a sua liberdade como a entrega total dos seus bens. O povo de Cuiabá que tinha sido muito vexado pelos exatores dos direitos reais, e cujos bens arrecadados a força com a mais odiosa violência perfizeram as sete arrobas de ouro, viu neste acontecimento inesperado um milagre do céu em castigo a tanta crueldade”. Apesar de tudo que acontecia, a produção encontrava seu caminho, sendo o mais cuidado o das caravelas que levavam a riqueza a Portugal, particularmente a Dom João V, monarca que o papa tinha apelidado de 'magnânimo' e de majestade fidelíssima': uma espécie de Luís XIV local, na verdade um déspota prepotente e extravagante, dono do Brasil que fazia administrar com rigor, despachando para cá até um regimento de dragões a fim de aterrorizar as Minas. Ordenava aos seus capangas a tarefa de impor dureza particular. O ouro “de tão fácil procedência acabava em Lisboa desperdiçado em festas, na suntuosidade dos palácios, nos amores de El-Rey que seus confessores lhe perdoavam, enfim em inúmeros exemplos do que um soberano não deveria se permitir realizar.

Aventurar-se no matagal da administração colonial, armado de paciência e de constância, é lavra para arquivistas. Melhor perseguir os acontecimentos de cima. À História do Brasil se desenvolve entrelaçada de ordens e contra-ordens, deixando a cada qual decidir por conta própria. Então torna-se difícil ver mais claramente, justificando-se até a severidade exercida contra a avidez pecuniária, para se saber depois a extensão da tolerância compromissada das próprias autoridades.

Uma descrição meticulosa da mineração do ouro nos foi deixada, entre outros viajantes, por Auguste de SaintHilaire. Ao passar por Minas Gerais, chegou a criticar os 'sábios alemães no que se referia aos instrumentos ainda, dois séculos depois, obsoletos, os quais tinham em geral nomes indigenas. Foi observado: o mesmo vocabulário ainda hoje é usado em Serra Pelada. A um proprietário de lavra em ltajuru o francês mostrou a possibilidade de empregar carretas ao invés de escravos para transportar cascalhos, mas o brasileiro alegou que o costume era aquele, e que não se importava com os eventuais desvios do metal. Comentou Saint-Hilaire: “Por muito imperfeito que possa ser o método de lavagem empregado, atualmente no interior do Brasil, não sei de ninguém que, com a exceção de Eschwege, tenha tentado aperfeiçoá-lo”. Saint-Hilaire se referia

42

“As primeiras notícias da descoberta do ouro na Província de Mato Grosso tiveram lugar logo após a primeira fase de colonização, na Capitania de São Vicente. Martim Afonso de Sousa, o primeiro donatário de São Vicente, enviou Aleixo Garcia e forte escolta para as regiões situadas a oeste do Brasil, com a finalidade de conhecélas de perto. O espírito empreendedor desse homem deu causa a que vastas zonas fossem percorridas até mesmo além do Paraguai, em direção ao Peru. De volta dessas regiões, Garcia, trazendo alguma prata e um pouco de ouro, acampou com seus companheiros e o filho menor às margens daquele rio. Dali, mandou para São Vicente a noticia de descoberta. Enquanto esperava resposta e auxílio da capitania, sobrevieram Os índios guaicurus e paia-

guás, inimigos dos várzeas e xaráies, entre os quais se encontravam os expedicionários, os quais foram trucidados, com exceção do filho de Garcia, que foi levado pelos assaltantes, juntamente com o tesouro . Essas cenas cruéis repetiram-se no ano seguinte com sessenta portugueses, que se achavam na mesma região, e que haviam ido em auxílio de Garcia. Foram todos traiçoeiramente assassinados.

Algumas notícias dão a expedição de Garcia como tendo sido realizada nos anos de 1532 e 1533, enquanto outras afirmam o contrário, dizendo que pouco tempo depois desse triste acontecimento os espanhóis iniciaram as primeiras tentativas para se estabelecerem no Paraguai, sob a chefia de Sebastião Caboto.” W. L. von Eschwege, “Pluto Brasiliensis”, Editora da Universidade de São Paulo, 1979.

Arca de jacarandá utilizada para guardar o ouro. Coleção Francisco Marques dos Santos.

ao Barão de Eschwege, o cientista alemão que, a serviço de Portugal, acompanhou o Príncipe Regente quando da sua transferência para cá em 1808. O barão estava bem a par dos problemas de mineração do Brasil, tendo aqui construído usinas de prata. Voltou à Europa em 1821. Este caso nos leva a lembrar como o trabalho da mineração se desenvolvia artesanalmente e assim continuou, sem soluções mais industriosas. De vez em quando apareciam estrangeiros experientes no minerare propunham mudanças técnicas, porém sem alcançar régias consequências. Comentou J. F. dos Santos: “Quem era responsável por nossa ignorância? A Corte portuguesa que só queria ouro, e pouco se importava em administrar aos mineiradores meios convenientes para facilitar sua extração. Assim o mineirador trabalha às cegas, segundo uma antiga rotina que lhe havia sido ensinada pelos primeiros descobridores e nenhuma noção tinham da arte da mineração. Mandou-se quebrar nossa fábricas, e que em nossos teares fossem fabricados tecidos de algodão para vestir os escravos. Isto para que o trabalho de manufatura não nos distraisse da mineração e pudéssemos pagar todos os anos os tributos de centenares de arrobas de ouro... volta-

vam carregados os galeões da Metrópole. O que porém era ensinado para extraí-lo das entranhas da terra? A ala-

vanca,

O almocafre,

a batela: eis os

nossos instrumentos; cavaraterra e lavá-la: eis a nossa ciência”.

As notícias que chegavam de Lisboa eram as de que João V promovia festejos quando da chegada das caixas contendo ouro, seus capangas envoltos em capas bandadas de sedas a cores e chapéus de plumas' nos bailes reais, quando se cuidava de brindar o 'dom de Deus.

A política de mineração do reino, ao longo de todo o Setecentos, continuou intransigente no não progredir. Sabe-se que um progressista, em 1799, tentou até se dirigir à rainha Dona Maria a fim de denunciar e expor o que já se praticava nas minas da Inglaterra, França, Rússia e, principalmente, na Alemanha, fazendo saber que algumas destas nações tinham escolas de mineralogia: “Estas nações não obstante manterem muitas minas abertas e em um trabalho ativo, que são como tantas escolas práticas para seus mineiros, todavia não cessam de

publicar obras sobre este objeto e ins-

truir O povo por todas as maneiras posSiveis', concluía o homem de visão Doutor José Vieira Souto. Nem resposta obteve. O mesmo Vieira Souto em

suas Memórias sobre a Capitania de Minas' nos diz: “O ferro, metal tão necessário a todas as artes, a todos os oficios e ainda às mesmas ciências, mais precioso ao homem que o ouro e a pra-

43

ta... entre nós é derramado com uma

prodigalidade espantosa .

É possível medir-se a pouca visão dos

administradores ao sabermos que Somente em 1815 é que armou-se uma fábrica de fundição de ferro, no Morro do Pilar.

Quantos foram os escritores que relataram a história do Brasil? Difícil tentar uma antologia dos compêndios. Mas há um que não se pode deixar de recordar, o qual apesar de ser rico em relevos negativos é, no entanto, escrito com uma certa independência. Aludese a Paulo Prado, o qual compara a História do Brasil a uma pintura impressionista: “Dissolveram-se nas côres e no impreciso das tonalidades as linhas nítidas do desenho e, como se diz em gíria de artista, das 'massas e volumes', que são na composição histórica a chronologia e os factos”. Haveria uma outra maneira, na arte da pintura, para descrever uma idéia do Brasil. Por ocasião de exposições, às vezes se apresenta, resumida e possivelmente definida, a figura do Brasil: o modo impressionista, sem dúvida, dá resultado, porém quem está em condição de criar um retrato realista teria de trabalhar com mais precisão, fora do aproximativo do impressionismo, recorrendo a um artista verista. Prado tem páginas no seu Retrato' próximas ao realismo evidente, às vezes detalhadas demais e, talvez, escolhendo somente crônicas penosas, quando existe um outro lado da moeda.

É verdadeiramente curioso não saber

quem foi o tal que descobriu a maravilha do ouro. E plausível pensar que comunicou a outros a surpresa, o boato se espalhando. Qualquer imaginação vale para atribuir retroatividade e situar a descoberta numa localidade de um continente. O metal extraído e manipulado passou a ser considerado o que de mais surpreendente a terra podia oferecer. Deu-se então início a uma história, vetando, ao longo de milênios, a consistência de qualquer recordação. A engenhosidade, a idéia, impulso por impulso, conquista por conquista, acabaram por atribuir ao metal o símbolo do que de mais valioso o homem tinha encontrado, todos jurando que nada mais poderia valer como riqueza, ao lado naturalmente dos diamantes e também da prata. Estas riquezas, muito acima da riqueza agrícola e de todas as outras áreas, andou gerando um torvelinho infinito, um continuo nascer, crescer e vencer, ficando desde sempre o ouro como símbolo emblemático de perpétua procura.

Oportuno este aparte: circulando tal quantidade de ouro, é possível que no Brasil não se note o enfeite, o mostrar jóias? 44

O ouro e seus derivados representam

um símbolo da vida, o fundamental, e

as artes símbolo da engenhosidade e do comportamento.

O metal serve

para manifestar sentimentos e significados em várias atividades, desde a devoção a um ídolo religioso até o reconhecimento do valor de um único ser. Para não nos determos em uma

exempliticação sistemática, nesta

corrida ao encontro de quanto o ouro representa, as ilustrações do texto documentam fatos do próprio trabalho para descobri-lo, retirá-lo da terra e transformá-lo em objetos, procedentes de ofícios os mais disparatados, desde a singular ourivesaria até os que lembram instrumentos de mineradores, estes recordação das origens das conquistas em terra brasileira. Não esquecendo das minas que, em pleno século do estupidificador progresso científico, ainda registram o trabalho para se apoderar daquela preciosidade. Assim, as ilustrações destas páginas, não obedecendo ao convencional sistema enciclopédico, pulam de uma figura a outra, para confirmar a variedade sem limites de como o ouro tem sido manipulado, as páginas registrando trabalhos de ourivesaria, através dos tempos, sendo os de hoje os mais ricos de fantasia e técnica. Numerosas são as imagens religiosas, pois o país do ouro, como foi apelidado, favoreceu a produção dos objetos de culto e se valeu da aplicação do ouro nas dourações não só das esculturas representando santos mas também ornamentando ambientes inteiros como metal. O Brasil é riquíssimo em esculturas douradas como também em objetos usados nas missas, especialmente encontrados nos museus de arte sacra. Tratam-se de materiais re-

colhidos das muitas igrejas erigidas em todos os estados, quando possível de ouro e, em muitos casos, de prata. Através da reunião das imagens de origem religiosa é possível docu-

mentar, ampliando naturalmente o número, o quanto foi recolhido nos cinco séculos de nossa história.

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Faca de ouro utilizada em rituais de sacrifício; a empunhadura representa o deus Namiap, do culto peruano, de braços abertos. Exposição no Castelo de São Justo, Trieste, 1981. A arte dos peruanos está geralmente ligada ao trabalho em error

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ouro, mas é bom lembrar que também na arquitetura e na engenharia eram muito avançados,

como

se vê nesta construção Kalasasaya

sobre o rio Apurimac. Desenho de George Seguier,

e nesta ponte suspensa

1877.

Das nações sul-americanas, as que usaram o ouro, como também a prata, para confeccionar objetos de apreço, foram o México e o Peru. Distinguem-se também outros países como a Colômbia. Cada nação conserva acervos importan-

tes, uma vasta literatura ilustrando-os. Recentemente a exposição 'Ouro do

Peru, realizada no Museu de Arte de São Paulo, deu ao público a oportunidade de conhecer obras de extraordinária singularidade: o precioso metal empregado não somente na ourivesaria, mas também utilizado em objetos de uso doméstico, 45

De fato, na Bahia, Gabriel Soares de Souza nos deixa a notícia de que 'multos moradores, gente de fazendas exhibem peças de prata e ouro..., al-

guns com “dois a três mil cruzados em

jóias de ouro e prata lavrada , as mu-

lheres “mui bem ataviadas de jóias de ouro". Eram portugueses que vinham do reino. Divulgavam então o gosto de aparecer. Não vamos esquecer que a moda andava acompanhando a vida de todos os países. Quanto ao que se passava aqui, O francês Pyrard de Laval, conta nas suas memórias que no começo do Setecentos, frequentando a boa sociedade da época, andava “vestido de seda à portugueza e à moda de Gôa que é differente da dos portuguezes de Lisbôa e do Brasil: notícia pescadano Retrato de Paulo Prado. No prefácio que Rodrigo Melo Franco de Andrade, o inesquecível coordenador dos estudos dedicados ao nosso patrimônio cultural, fez para 'As artes plásticas no Brasil — Ourivesaria' de José Gisella Valladares, observa-se: “As vicissitudes históricas do povoamento do nosso território e do desenvolvimento da nossa civilização material no Brasil, aliadas às condições anteriores do País e de suas populações, não forneceram nem estimularam, particularmente aqui, uma produção artística original, e valiosa”, A arte nacional dependeu dos maneirismos da Europa nos tempos da Colônia, sendo cada manifestação regulada pelo que se fazia em Portugal, o qual por sua vez dependia da Espanha. Assim, a ourivesaria não teve outro caminho se não se ater ao que era importado. Desembarcaram então na Bahia os primeiros artífices. A Terra era nova aos trabalhos de arte tanto de ouro como de prata, ao passo que em outras colônias, como o Peru e o México, a ourivesaria representava uma das atividades dominantes. O Brasil dos indígenas não dava nenhuma importância aos metais e às pedras preciosas, o ornamento era de plumagem de pássaros, os corpos recebendo desenhos, os lábios ostentando argolas e outros enfeites. Um princípio de riqueza existia em Pernambuco mais que na Bahia. As jóias eram naturalmente de importação, todavia havia alguns ourives, como documentam as denúncias e con-

fissões do Santo Ofício. Calculou-se que no Rio de Janeiro, na metade do Se-

tecentos, os mestres ourives eram 3/9.

Os interesses portugueses eram bem guardados: os ourives deviam comprar o ouro somente na Casa da Moeda, para saldar o quinto. De qualquer jeito, os enganadores tinham a possibilidade de usar o ouro em pó, os artífices eram cúmplices dos contrabandista, e a engenhosidade multiplicava as pilhagens contra as fiscalizações. Nos centros de comércio, o ouro começava a brilhar nas roupas das

mulheres, como comenta José Gisella 46

“Os mineiros, inábeis para lutar contra as forças da natureza, completamente ignorantes da arte de explorar as mi-

nas, e sobrecarregados de vexames e impostos, acabaram por abandonar,

pouco a pouco, os seus trabalhos. As minas, que no começo do século XVIII, se achavam em estado cada vez mais florescente, não tardaram em periclitar, a ponto de cairem, para o fim do século, em completa decadência. Foi assim que, no tempo em que as minas estavam em plena prosperidade, nas vizinhanças do ano de 1750, o número

de trabalhadores ocupados na exploração ascendia a mais de 80.000, ao passo que em 1820 mal atingia a 6.000 o número de pessoas ocupadas na extração do ouro. Ao passo que o quinto rendia 1.170 quilos de ouro em 1750, não chegava a mais de 570 em 1799, e apenas a 105 em 1819.” Von Eschwege, 'Pluto Brasiliensis” Berlin, 1833. Editado pela Universidade de São Paulo, em 1979.

À douração ocorre nos objetos de representação ou de culto, como se vê nesta armadura dos Templários, confraria de espírito medieval do século XVI: estes guerreiros místico-religiosos tinham por símbolo uma bandeira preta e branca, cuja empunhadura é aqui reproduzida, o preto significando terror e morte aos inimigos, o branco sinal de paz. Da nova e esplêndida revista brasileira 'Ventura.

47

Valladares: “Mas a verdade é que todo

esse ouro junto constitui uma insigntficância, quando comparado ao que, sob a forma de barras, mvedas ou mesmo em pó, passou para o estrangeiro .

Tratando de ourivesaria deve-se notar

como o interesse pelo ouro em Minas teve uma outra aplicação: o dourar, uma operação artesanal da mator Im-

portância, como o leitor pode constatar, por exemplo, na leitura de alguns contratos cujos termos Manuel Ban-

deira comunicou ao Patrimônio Histórico em 1938, relatando como se con-

fiou ao pintor Manuel da Costa Ataíde

a douração dos seis altares laterais e de dois púlpitos da Igreja de Nossa Senhora do Carmo em Ouro Preto. À 'excelentíssima e respeitável Mesa, através de um termo de minuciosa descrição, estabelecia as normas técnicas literalmente transcritas, detalhando o trabalho, momento por momento, especificando para “assentar o ouro em seus devidos lugares, bem como tudo que for pessas geraes de talha, biscates, capiteis, tarjas, festões de flores, redondos, filetes, meias canas, do guarda-pó, simalhas, e molduraseurnas... A descoberta de minas de prata no Brasil no Quinhentos é considerada lenda. A que era aqui trabalhada procedia da Argentina, do Rio da Prata, do México e do Peru, através de importações não oficiais. Chegavam ao Rio de Janeiro navios carregados de prata lavrada e também boa quantidade de moedas de prata. O contrabando nas mãos dos portugueses prosperava. Houve até sérias divergências deflagradas pelos ourives. As fraudes, de qualquer jeito, iam se aperfeiçoando nas pilhagens mais astutas. Num texto de segura documentação, de Waldemar Mattos, no 'Registro de Marcas, publicado na Bahia, se comenta: “...de toda a cidade, facto esse mais prejudicial à população do que o retorno da moeda para o Reino, a qual poderia voltar, ao passo que, convertida “em baixelas e diferentes usos extraordinários”, nunca mais tornaria a ser moeda, delito que não tinha desculpa, porque, mesmo que viesse enriquecer ou contribuir para o “esplendor das casas particulares”, debilitava “a República”, que só se conservaria, mediante a circulação da moeda, “a alma que mais vivamente animava as cldades, os reinos e as monarquias. Situação caótica, incontrolável, pois a fiscalização defendia as corrupções, esta novidade tão antiga quanto a moeda.

Declarava-se um 'lastimável fim da Re-

pública', pois a calamidade representava um estado de coisas na urgência

de mudanças que não mudavam, aliás

intervindo garantias que pioravam a si-

tuação.

48.

alar as atividades dos Grupo de ordens maçônicas do primeiro reinado. Coleção José Claudino da Nóbrega. Devem-se assin ca-se

antiquários, a serem considerados autênticos preservadores das artes do passado, e nesta página particularmente, desta José Claudino da Nóbrega, autor de um livro de memórias documentando o que descobriu e passou por suas mãos, inclusive a numismática brasileira, um setor que exige conhecimentos técnicos significativos, no caso do Brasil complicados pela cunhagem feita em vários locais. NO citado livro, por nós prefaciado, observamos: “Conheço o Nóbrega desde sempre, como amigo e como instituição no setor no qua! me aventurel, O antiquariato, uma profissão de muitas emoções. Vocação? Não sei. Pode ser que se tome aquele caminho por acaso, gosta-se, e por ali se val, Duscando e farejando, descobrindo e sopesando”; todas sendo ele possuidor hoje de estas iniciativas que Nóbrega cumpriu, inclusive a dedicação no que se refere aos objetos de'O ouro, ouro no Brasil

uma preciosa coleção de moedas, jóias, ourivesaria, à qual se recorreu para ilustrar este

49

Os prateiros mudaram-se

para o Rio

pois sabiam que tudo continuaria, já que as leis não eram respeitadas. O bando começou a ser lançado sem obter resultados. Finalmente se descobre que o único sistema para controlar

os prateiros era a marcação. O volume assinalado acima registra as marcas de 1/25 a 1845. E de uma elaboração muito acurada, apesar do estado das declarações.

Chegou agora o momento de dar relevo a quanto Simonsen observou e já se acenou ao destino do ouro por parte de Portugal: não aplicando, como deveria ser, no desenvolvimento da Colônia, desperdiçando-o na 'mãe-pátria' ou passando-o à Inglaterra. Portugal, pagando com o ouro brasileiro as aquisições das primeiras manufaturas inglesas, nunca soube aproveitá-las na Colônia, como seria justo e vantajoso para o próprio patrão. “Eram poucos os melhoramentos para o muito dinheiro arrecadado por meio de imposto. Muita corrupção nos meios oficiais e quase oficiais. Conspícuas fortunas feitas de repente por personagens lustres... Muito contrabando...”, registra Gilberto Freyre. Na metade do século deu-se o apogeu

da fortuna aurífera: criam-se casas de fundição em Vila Rica, Sabará, São João del Rey e Vila do Principe. Receberam-se avalanches de ouro, carimbaram-se barras e barras, confinando-se o metal em pó às casas de câmbio para evitar sua circulação, motivo permanente de fraudes. A desorganização tomara conta, aumentando a ação fiscalizadora e a severidade. Então, o governo do Marquês de Pombal se interessou pelo principal, isto é, 0 ouro, intervindo na reformulação das capitanias, transferindo a capital de Salvador para o Rio de Janeiro, tomando uma série de providências, até mesmo de ordem industrial, como a construção de navios e outras decisões de caráter social. O leitor já compreendeu que, agora, está em cena um personagem que tem muito, mas muito a ver com o Brasil: uma espécie de outra majestade para a Colônia. O Marquês de Pombal, lembrado

por alguns historiadores pela sua energica ação como o Richelieu portugues,

logo percebeu que o prestígio do reinado dependia somente da colônia brasileira, e nesta concentrou feroz atenção através de reformas administrativas e severidade violenta contra Os possiveis sabotadores. No que se refere às relações PortugalInglaterra, recorramos a Celso Furtado: “ cabe ao ouro do Brasil uma boa parte da responsabilidade pelo grande atraso relativo que, no processo de desenvolvimento econômico da Europa, teve Portugal no Setecentos. Em realidade, se o ouro criou condições favoráveis ao desenvolvimento endógeno da colônia,

50

“Vários forão os preços de ouro no decurso destes annos: não só por razão da perfeição de hum, maior que a do outro, por serem de mais subidos quilates; mas também a respeito dos lugares, aonde se vendia: porque mais barato se vende nas minas, do que na villa de S. Paulo, e de Santos; e muito mais vale nas cidades do Rio de Janero, e da Bahia, do que nas villas referidas. Também muito mais vale quintado, do que em pó: porque o que se vende em pó, sahe do fogo com bastantes quebras: além do que va! por differença por razão do que se pagou, ou não se pagou de quintos.” Andre João Antonil, Cultura e Opulência do Brazil por suas Drogas e Minas.

Comenda colonial: Ordem do Grão Pará. Ouro e Crisólito. Dada aos grandes dignatários da Igreja Católica. Coleção José Claudino da Nóbrega.

A medalha de ouro, concedida por ocasião de manifestações políticas e de acontecimentos civis e esportivos, pode ser considerada como uma distinção rememorativa de fatos. A medalhística no Brasil desenvolveuse no Oitocentos. Afirma o esplêndido

folheto que o Museu de Valores, ligado ao Banco Central, lançou por ocasião

de uma exposição temporária comemorativa do quinto aniversário daquela instituição, que a primeira notícia

que se tem da confecção de medalhaé

no Brasil se refere ao objeto que aqui

reproduzido,

celebrando

a desco-

berta de minas de ouro por Antônio Rodrigues Arzão, em 1698. Os dizeres na faixa circular são: "João D. G. Reg. de Port P. do Brasil”.

Nossos antiguários ficaram sempre

atentos aos objetos relacionados com a

história Drasileira. Entre eles, deve ser citado José Claudino de Nóbrega, autor de Memórias de um viajante antiquario" Esta curiosa peça de ourivesaria, um relógio em ouro, foi lançada para comemorar o Centenário da Independência do Brasil.

51

não é menos verdade que dificultou O aproveitamento dessas condições ao

entorpecer o desenvolvimento da Me-

trópole... Em suas memórias, o Marquês de Pombal afirma categoricamente que

a Inglaterra havia reduzido Portugal a

uma situação de dependência, conquistando o reino sem os inconvenientes de uma conquista militar; que todos os movimentos do Governo eram regulados de acordo com os desejos da InglaterId.

Pode ser que o Marquês tenha considerado o Brasil num momento em que a arrecadação do quinto andava murchando. De fato, o desembargador José João Teixeira na sua 'Memória', dedicada ao governo da Capitania de Minas Gerais, atribuía a diminuição do rendlmento do quinto não só à escassez do ouro, mas também às seguintes origens: “4º A decadencia dos Mineiros, impossibilitados de manter as Fabricas necessárias para a mineração. 2º A falta de negros, monopolio delles, e grandes Direitos, que pagão. 3º O abuso nas Guardas Móres. 4º As concessões dos demandas sobre terras, e agoas mineraes. 5º O mão estado, o methodo da mineração. 6º As demandas sobre privilegios de Mineiros. 7? A divisão das Fabricas”. Pombal devia remediar essas circunstâncias. Mas, o grande ciclone provocado no Brasil por Pombal, foi a expulsão dos jesuítas. Descobrindo que a proteção dos jesuítas aos nativos esconde princípio não só de patronagem na patronagem de El-Rey, contra eles lança uma devassa sem possibilidade de apelação: fecha o que a Companhia de Jesus em seu circulo andou construindo e lhes proíbe até de rezar, sem falar do confessar, o se interpor entre a gente e Deus. A expulsão dos jesuítas suscitou naquele tempo e mesmo depois calorosas discussões pró e contra. Lembra-se aqui O que escreveu Joaquim Nabuco, também apologista da abolição da escravatura: “Sem os jesuítas a nossa História colonial não seria outra coisa senão uma cadeia de atrocidades sem nome, de massacres como os das Reduções; o país seria cortado de estradas como as que íam do coração da Africa aos mercados das costas, por onde só passavam as longas filas de escravos Os sacerdotes construíam as capelas, ambientes de reunião e de esperança. Resultavam por lá celebrações de festas ligadas à Igreja e, por que não, de caráter civil, recepção de hóspedes de peso, Os primeiros instrumentos musicais dos negros alegrando discretamente as comitivas. As contribuições

eram dos cristãos velhos e novos. Cen-

tro também de discussão e de ação da vida comunitária, Contínuo o batismo dos pretos, frequência sempre mais numerosa das missas e participação ativa nas cerimônias.

o2

Tipo de tocheiro encontrado nas igrejas brasileiras, em prata, às vezes também em madeira dourada.

Tabaqueira de ouro, tendo ao centro a coroa imperial e o monograma do Imperador D. Pedro ll, oferecida pelo mesmo ao Abade Geral Frei Manoel de São Caetano Pinto, por ter libertado os escravos da Comunidade Beneditina Brasileira. Do livro '400 anos do Mosteiro de São Bento da Bahia.

Este saleiro não é assinado, e deveria sê-lo, pois seu autor para compô-lo enfrentou um trabalho complexo, a comecar pela fundição em três partes de cristal, juntando depois duas figuras: a avestruz e o índio de cocar, utilizando prata e pedras preciosas, esmalte na base e singular tratamento decorativo nos componentes que se observam quando se abre a tampa. Objeto atribuido a um ourives do Oitocentos, do qual se lamenta não haver uma sigla nem uma marca, para poder datar com preci-

são o laborioso objeto. Coleção parti-

cular São Paulo.

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Será a devotada ação da Igreja que

contribuirá de maneira preeminente na difusão de um senso a indicar como na-

cionalista.

Inútil sublinhar que ao longo do século, até a constatação do quase total exaurimento, não pararam as lavras para se apoderar do ouro. Aumentava o número dos que procuravam o metal, improvisada quantidade de aspirantes à riqueza. Povoavam-se os centros próximos às minas, acentuavam-se os desequilibrios econômicos, porém a vida ia se sistematizando, apesar de motivos de contusão. Delineavam-se os ajustes da economia, mérito sempre dos ligados ao comércio, providenciando o indispensável abastecimento. Vários e novos produtos começavam a ser desfrutados, principalmente o couro, produzindo sapatos, recipientes, mobiliário, selas e arreios para cavalos e até mesmo o preparo de roupas. Os forasteiros' continuavam a vir de Portugal, como também elementos de outras capitanias, pessoal prático na montagem de novos empreendimentos, participando de atividades Úteis nos centros que iam surgindo. Minas ia se construindo, surgindo artesanato de tudo que se precisava, notadamente materiais para usar na construção.

E um período em que se verifica um modo comum no agir, pensar e querer, uma coincidência e uma certa empatia, evidente ou tácita ainda, que vinca e reforça os interesses classistas, inclusive a concretização de uma série de eventos de ruptura que incidem para mudar rumo: inícios de uma consciência nacional. O brasileiro agora ainda é, e, ao mesmo tempo não é mais, algo colonial; ergue-se como elemento com a mais firme oposição a fiscal, mascate e 'marinheiro”. Teremos a possibilidade de constatar, nos tempos de Brasil-Brasil, um acontecimento exemplar: a trágica calamidade que se abateu sobre o Rio de Janeiro em fevereiro de 1988, determinou a solidariedade do Brasil inteiro, além de intervenções de compreensão por parte de numerosas manifestações estrangeiras. Episódios de franca ajuda para com as vítimas das enchentes constituiram provas de afetividade comoventes, a serem assinaladas como provas de que o Brasil vai demonstrando a coesão da nacionalidade. Desmontados os acampamentos da fortuna, os primitivos agrupamentos são transformados aos poucos em aldeias, sendo construídas as primeiras igrejas onde os padres iniciavam a adoração das imagens com fé e o quanto ao derredor se arranja. Surgem as vilas, intervindo novos capitães chegados de Lisboa a fim de assistir à formação das ci-

dades. Logo se processava o aparecimento de adequadas administrações.

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Coroa de D. Pedro Il: ouro, brilhantes e pérolas, manufaturada pelo ourives francês Charles Marin em 1841, para a coroação do Imperador.

Espadim em ouro com aplicações de esmalte verde e branco, marfim no pulànho, guardas em ouro, legenda na mina: Viva D. João VI, Rei do Reino Unido" Ourives lisboeta do começo do século XIX, peça rara e interessante relativa à história portuguesa e ao mesmo tempo brasileira; 20 cm comprimento. Coleção particular, São Paulo.

5

Do improvisado se passava ao definitivo, cada bairro criando ambientes para reuniões. Não faltam os pelourinhos. Como expõe Joaquim Felício dos Santos, até no Oitocentos: “Uma picota, em lugar bem público, com uma argola de ferro presa no alto, onde se amarram os escravos para serem surrados. Desgracadamente em muitas de nossas vilas e cidades ainda se ostenta em público esse sinal de barbaria da atualidade. Simão de Vasconcellos descobriu um documento já de 1711 relatando que em Nossa Senhora do Monte do Carmo de Albuquerque, a Câmara aprovou uma das primeiras despesas: a construção do pelourinho, “a primeira armadilha para aterrorizar O povo e, mais que tudo, como medida acauteladora dos reais quintos que iam redourar as carruagens e multiplicar os colares da Bahia, eram, como se sabe, a forca e o pelourinho”. Uma das causas da diminuição da mineração era atribuída às deserções dos lavradores, talvez por terem encontrado o que lhes interessava. Isto já no último decênio do Setecentos. Na sua Memória', Silva Maia insiste a respeito do contrabando e da sonegação com o comentário que se reporta também para informar qual a opinião moral de um brasileiro do começo do Oitocentos: um panegírico que poderia ser proclamado a cada dia nestes tempos de fim do século. Eis: Ainda alguns há, que dotados de virtudes Civis e Religiosas, dão a Deus o que é de Deus; e a Cesar o que é de Cesar; sabendo que faltar ao pagamento dos impostos Legaes ha contrahir huma das primeiras obrigações do Cidadão, o que tal contravenção os tornaria indignos de partecipar dos commodos, que a sociedade não pode promover sem as despesas para que não concorressem..

O ouro andava desaparecendo, mas em suas montanhas ficavam outros bens passíveis de aproveitamento, entre eles o ferro que tempos depois nos daria uma Volta Redonda e as indústrias correlatas; e também minas de chumbo, platina, cristal de rocha, berilo, bauxita, antimônio, cassiterita; ensejava, ainda, a extração de estanho, zinco, cromo, cobalto, titânio, enxofre e várigs outros materiais: a potencialidade do Brasil. Vila Rica torna-se Ouro Preto e, pela abundância dos diamantes, Arraial do Tijuco passou a chamar-se Diamantina. Imaginável o afluxo de garimpeiros por lá. As montanhas de Minas sempre mais conquistadas e disputadas. E o ouro que permite descobrir pouco a pouco a vida urbana. A Colônia encontra a prosperidade e Ouro Preto esbanja a riqueza. Felizmente as artes são testemunhas da ressurreição. A arquitetura aparece em um estilo bar-

roco de sentido português; todavia, po-

de-se pensar num estilo indicado como

56

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Caixa de fumo de Frederico o Grande, trabalhada em ouro, a qua! mostra o Hei

usando a faixa da Ordem da Aguia Negra, os lados e a base gravados com sim=”

bolos das Artes e Ciências, c. 1762.

Taça de ouro da Rainha Anne pela Bramham Moor Racer em 1705e 1708.

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brasileiro, pois são notados motivos no

decorar que surgem apropriadamente da Terra.

Barroca era também a vida por lá. Fácil comprovar, especialmente através da constatação da pomposidade de certos documentos. Assim, a esperteza dos que em torno do ouro queriam ganhar através de outras empreitadas, como transportes, drogas, gado, tabaco, sal, eram perseguidos por ordens ditadas no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda, por meio de solenidades como esta, datada de 1761: “Conde de Bobadella, Mestre de Campo, General dos Meus Exercitos, Principal Comissario e Plenipotenciario da Divisão dos Limites da América Meridional das Partes do Sul, Governador e Capitão Geral. Amigo D'El-Rey..., para o conde resolver um minúsculo problema de 'machos e mulas. E constante um uso supérfluo de palavras para fatos tão corrigueiros. Mais que barroco, rococó.

As novas cidades, como também o Rio de Janeiro, andavam tomando seu próprio vulto, ricas em um pouco de tudo. Há, ou pode se imaginar, crônicas que fazem pensar na Idade Média. Cair nas tramas dos inescrupulosos ou acreditar nos charlatões eram acontecimentos do dia-a-dia. Comunicação se dava pela via de boatos. Encontravam-se sabidos camuflados de falsos mendigos. Significativo o número dos que Santo Agostinho apelidava de 'vagi, vagabundi, vagatici'. As praças cheias dos impingidores de ungúentos e de remédios, saltimbancos, comedores de fogo e falsos sacerdotes. Apresenta-se todo um pessoal bem falante, os quais se inspiravam, para viver, nestes versos populares italianos: “Con arte e inganno/ vivrô meta dell'anno/ con inganno e con arte/ vivrô laltra parte. Uma leitura recente nos remeteu à Itália da Idade Média e da Renascença, perodo pleno de guerras, conquistas, florescimento do Cristianismo e outras maravilhas. Porém, em torno dos gênios, dos antecipadores, da devoção e dos Santos, devem-se conhecer outras realidades que despontaram naqueles tempos, como os traficantes que já vimos, os sujeitos de costumes nem sempre persuasivos, que, por baixo do pano, desenvolviam a vida, emergindo o

antigo contraste entre os que passam

bem e os que lutam para sobreviver. Também a Colônia era povoada de habilidosos que utilizavam vias escusas para subir. Vamos, de vez em quando, dar notícias de Portugal. Esta é saborosa e vem de Coimbra. Francisco de Melo Franco tem a audácia de colocar em circulação, manuscrito, O Reino da Estupidez', dedicado ao conservadorismo obscuro daquela universidade; a estupidez, banida de todos

8

Pingente Lalique em ouro c. 1900.

e esmalte,

Pelo que confirmam recentes leilões internacionais, um outro 'ouro' que vai se afirmando é a obra de arte, das antigas às modernas. Alguns preços alcançados por pinturas de Van Gogh, Renoir, Cézanne, Modigliani e até Picasso desequilibraram o mercado. Nas grandes e potentes nações se atribui sempre mais valora pinturas e esculturas. Daqui a pouco os economistas deverão incluir nos relatórios de valores o andamento do mercado internacional.

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Par de braceletes de ouro e diamantes desenhados por J. Brateau, para a Maison Boucheron, para a Exposição daquele ano.

1878,

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os países, lá se refugia juntando-se à superstição, ao fanatismo e à hipocrisia, recebendo as mais altas homenagens.

É um novo Gregório de Mattos que em-

prega a sátira desde que não é possível usar a força. Ao longo do século, a Metrópole espolia sua Colônia sem piedade, desperdiçando o Ouro das Minas no luxo. E suficiente uma alusão à construção do monstrengo arquitetônico de Mafra, que empregou dezenas de milhares de braços e 2.500 carros de bois: profusão de mármores, estátuas, telas, madeiras brasileiras, sinos, carrilhões, adornos, tudo inspirado na já exaurida Renascença italiana.

A mineração, pobre em técnica, prisioneira da avidez oficial, continua a ser praticada na base escravocrata. Tentativas de desviar rios para encontrar bons cascalhos não dão resultados, pois a administração tem vista curta, só interessada no negócio do quinto para a Coroa e no dos meirinhos, guardasmores e guardas menores. Já na metade do século, o quinto tinha começado a murchar através de fraudes, abusos, violências e corrupção. Aumenta então a tomada de consciência. Compreendia-se que aquela remessa de exageradas fortunas para as margens do Tejo merecia oposição. A exploração diamantífera mostrara-se ainda mais degradante; Diamantina, por exemplo, foi transformada em uma

ilha incomunicável, dependendo diretamente da Coroa, ocupada militarmente. Havia o terror da forca para aqueles que praticassem o menor deslize. Mesmo assim havia o desafio de uma figura prestigiosa, o faiscador, à margem da lei, um tipo bem romântico de jagunço justiceiro, às vezes símbolo da liberdade e independência. A vida de Minas Gerais, como previsto, deveria dar ao Brasil o herói da liber-

tação.

O regime colonial ia se esgotando, o arbítrio do ouro finalizava, enquanto na Europa o furacão de Napoleão intimidava as nações, inclusive Portugal. Consequentemente o Brasill começava a esperar uma total libertação, pelo menos alimentava alguma esperança de tempos melhores. O Brasil andou compreendendo que o jugo português estava com seus dias contados. Os Inconfidentes já tinham dado os primeiros sinais, sendo o de Minas o mais consistente: Tiradentes estava preparando uma revolução. O herói, preso, enforcado e esquartejado em 21 de abril de 1792, ensejou a conclusão de um processo marcado por um crime, inominável, do regime opressor.

A página do enforcamento de Tiradentes por ordem da 'Rainha Nossa Senhora' de Portugal, é a todos os brasileiros notória. Todavia é bom recapitular como foi redigida. “Manda que com baraço e pregão seja levado pelas ruas públicas 60

Um laboratório de ourivesaria era quase sempre estreito e escondido, contando com poucos instrumentos, também para a fundição, pois através deste meio peças pequenas podiam ser produzidas. Mas o ateliê se tornava repleto de idéias e fantasia quando o ourives se punha a executar uma obra, o que se pode associar

ao anônimo mestre que deu à luz esta singular obra-prima, taça em ouro e esmalte do Sagrado Imperador Leopoldo |, datada de 1665, em leilão na Sotheby's,

da coleção Nelson Rockefeller.

Quem acompanha o mercado da ourivesaria antiga, especialmente através dos leilões em Londres e Nova lorque, descobre quantidades significativas de objetos de ouro, confirmando o interesse sempre crescente por este setor. São oferecidas às vezes peças surpreendentes e de grande importância, de épocas e de lugares os mais variados. Além dos objetos do passado, nota-se um mercado notável para produções contemporâneas, sendo o art-nouveau bastante consisiderado. Assim, nestas páginas, aparecem algumas ilustrações que lembramo quanto a ourivesaria é apreciada.

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desta Cidade ao lugar da forca, e nela morra morte natural para sempre e que separada a cabeça do corpo seja levada a Villa Rica, donde será conservada em poste alto junto ao lugar de sua habitação, até que o tempo a consuma, que seu corpo seja dividido em quartos, e pregados em iguaes partes em postes

pelas estradas de Minas nos lugares

mais públicos, etc.

Como vimos, Pombal se preocupou em incentivar alguma indústria, mas deveseobservar que na Colônia eraterminantemente proibida a presença de qualquer fábrica ou manufaturas'. O que se produzia utilizando qualquer espécie de maquinário implicava em uma solicitação prévia, sendo muito complicado conseguir-se alvarás, os contraventores punidos adequadamente. A instalação de estaleiros para construção de caravelas foifeita pararesolveros problemas dostransportes. Portugal não cobria a demanda Levaro material para litoral já era complicado, devido aos possíveis bandidos. De Minas para o Vale do Ribeira, alguns desvios demandavam a São Paulo ou Rio de Janeiro, servindo para isto o embarcadouro de Paraty. Os transportes marítimos tinham uma certa organização. Vinham de Portugal em frotas, escoltados por navios de guerra, e voltavam preparadas para resistir a eventuais assaltos. Passemos mais uma vez a Portugal. O que restava de ouro possibilitava solucionar as dificuldades do reino, que permitia ainda luxar na corte e nos derivados, com ondas de hedonismo, até que se percebeu sua fuga para a controladora Inglaterra. E no penoso reinado de José | e durante a caricatura do rei Sol, João V, que Portugal acompanha a decadência das minas do Brasil e sua própria decadência política. Raymundo Faoro em 'Os donos do poder se reporta a uma instantânea faceta dessa situação, recorrendo ao historiador português Oliveira Martins: “A per-

versão dos instintos, o vazio das inteli-

gências, a maldade imbecil e a carolice piegas e lubrica retratavam a primor, O estado caduco do corpo da nação nesse sudário de brocado de sacristia, fedendo a incenso e a morrão. Portugal era um cenário de ópera, armado numa igreja. Enquanto no Brasil se pensava na vitóse disria das Inconfidências, Portugal tinguia pelos costumeiros hábitos de pomposidade da Coroa. Para dar conta destes, eis a crônica da missa do casamento da filha de um intendente, já em 1815, descrito brilhantemente por Joaquim Felício dos Santos: .... cantada que tudo se fez com muita pompa e grandeza: brilhava portoda a parte boa fivella de oiro, meias de seda cor de carne ou perola, chapeos à talaveira, a boa casaca de pano fino; a no-

62

Colar, ouro e diamantes, século XVill,

procedente de Sabará, particular, São Paulo.

MG.

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Uma das jóias favoritas da Duquesa de Windsor, datada de 1940. Fotografias de mais de trinta anos já mostram a Duquesa usando esta jóia, criada para Cartier por Jeanne [oussaint, a qual discutia com o Duque de Windsor sobre muitos projetos de jóias.

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breza de Tejuco jamais se viu com tanta magnificência. E quanto as Senhoras, isso então, faltam-me inteiramente as expressões: eu as contemplava com uma admiração extranha: a natureza e a arte com que estavam ornadas, as fazião amaveis... Seguiu o jantar.

Eram tres salões... as iguarias exhalavão um cheiro tão delicioso... Burbulhava nos copos o generoso vinho do Pico, da Madeira, Feitoria, Champagne, Porto... licores exquisitos, cerveja de

toda a qualidade, doces com muita grandeza; tudo formava o espetáculo mais brilhante e majestoso que se pode imaginar... “À descrição continua por páginas e, lendo-a, recorda-se um re-

cente casamento da filha de um marajá

atual que os jornais comentaram como o mais espetacular. O ouro pode ser mal empregado, vício tão antigo quanto contemporâneo. Voltamos, um momento ao Setecentos. Foi um século de fatos do 'outro mundo”.

Atravessando oceanos, em Sidney: ba-

talhas entre autóctones ainda existentes

e os brancos que apanharam por cele-

brar o bicentenário da “descoberta”. A

Inglaterra tinha despachado para aquela ilha-continente oitocentos bandidos que deviam levar para lá a civilização

ocidental.

É para ficar em casa: o Setecentos, dito também o século do ouro, em vez da Inconfidência, nos reserva acontecimentos de remarcável importância, além dos que se notaram, cada um deles merecedor de comentários. E o século

que vai vencendo o patronato dos portugueses, sacrificando o emancipador

Tiradentes. O ouro escavado no Setecentos dá vida a Minas Gerais e se a fortura tem outras

destinações, a gente do Brasil se importa mais em encontrar novas vias não

Colar desenhado pela paulista Terezinha Hilsenbeck, conseguindo um máximo de simplicidade na forma e na decoração.

só de sobrevivência, mas outros ouros.

De tanto sangue derramado por decisão

de El-Rey, restaram as solitárias mas cordiais cidades de Minas, as artes ser-

vindo, como no passado, para levar ao esquecimento a realidade das ações. E um esplendor de monumentos em que arquitetos, escultores, pintores e ourives se esmeraram, produzindo as obras que hoje nos encantam e que constituem um ajuste do barroco, o nosso barroco.

Imputado pelas Ordens, imposto aos improvisados construtores, deixados porém livres para descobrir outras formas no infinito do modelar, até mesmo elocubradas em diversidades. Aliás deviam juntar até ao exagero novos motivos, enriquecê-los, moldá-los com finura, celebrar requintes nunca antes tentados: a única liberdade daquele tempo para lembrar tanto o ouro quanto Deus. Sabe-se: arquitetos que inovam; escultores com as mãos sobre a pedrasabão, o Aleijadinho eternizando o inolvidável de Congonhas do Campo; pintores caseiros representando as Nossas

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O adereço feminino andou se democratizando neste século. Como material usado passou-se do ouro à prata, da prata aos metais de modesto valor e até aos plásticos, sem contar vidro. De fato, o ornamento passou a ser produzido industrialmente, tendo no comércio uma extraordinária aceitação,

a variedade do design decorativo com contínuo processo inventivo. Uma das

razões desta situação se deve à preservação do ouro pelo seu valor: geralmente as jóias são guardadas nos cofres de bancos, pois ouro e pedras preciosas constituem a ambição dos cidadãos.

Er

O ouro representou e representa O ornamento mais querido pela mulher. O uso vem das velhas épocas, pois é conhecida a popularidade do metal na Mesopotamia e no Egito, produtores de jóias de deslumbrante artifício. O uso continuou nas civilizações sucessivas. Como vimos, já os historiadores

do Quinhentos anotavam no Brasil o enfeitar das esposas dos fazendeiros. Para recordar o quanto hoje se produz no setor, eis algumas jóias de artistas contemporâneos, de singular requinte. À respeito de Orietta del Sole valem estas observações: são formas

originais tanto pela naturalidade quanto pela conquista da laboriosidade, que aderem à tendência sempre mais aceita dasimplificação,o compor preferindo a linha reta e a modelação livre; às vezes um toque de feitura surpreendente dilui-se discretamente no conjunto de um colar ou de um bracelete. Particular atenção é dada ao esmero das peças, elaboradas meticulosamente no detalhe e no polio componentes da graça de uma jóia.

Senhoras familiares, às vezes levadas ao céu em arredondadas nuvens, pre-

paradores de ingredientes de ouro e prata, valendo uma lavra de prata dou-

rada; e quantos artesãos se constituiam em autores do que ocorria nas missas e em procissões, desde os paramentos até as campainhas? Afinal: a arte em Minas é tudo o que nos resta. O tráfego colonial sendo esquecido. Também a vida podia-se dizer ainda barroca, pois o comer era difícil e complicado, os valores envolvidos na mais arbitrária das apreciações. Como formar uma idéia”? Pagava-se tudo com ouro, desde o raro que o contrabando oferecia, até as armas, o valor mais conspícuo, chegando de fora algum vestuário de moda. E o sujeito que o mostrava mal vivia num barraco.

Começava um outro século, o quarto das Américas. O Brasil então tocando o fim das travessias coloniais, habilitando-se dali a pouco a emprender uma nova esperança, pois se tornará uma Terra livre, complicada, porque a se estruturar, infelizmente, ainda com a escravatura como base da economia, a ignorância popular ainda sério obstáculo, valendo o mandachuvismo de novos patrões. Andaram-se apontando, em cada região, os mais poderosos, geralmente donos de fazendas, os quais depois da queda do metal precioso tornaram-se previdentes, cuidando e manipulando a antiquissima riqueza. Da maioria deles poucosesabiae, não usando a definição plutocrática, os mais letrados pronunciavam o nome de Plutão que, se dizia, era deus da agricultura. De repente, as tropas de Napoleão convulsionam a Europa e a corte de Lisboa é obrigada a fugir, transferindo-se para o Rio de Janeiro. O comando é do Príncipe-Regente Dom João, uma vez que reinava em Portugal sua mãe, Dona Maria |, a Louca. E a Coroa que se transfere para a Colônia. Estamos no primeiro decênio do Oitocentos, período em que efetivamente começa o Brasil verdadeiro. Um dos primeiros atos do regente, por instâncias do Visconde de Cayru, foi o de abrir alfândegas, impostas para continuar os modos do domínio. Para afirmar a extravagante administração de carimbo português, ao contrário do que pode ser considerado regular, observemos que quando o novo chefe retornou à metrópole, levou em sua companhia nada menos que 3.000 cortesãos, então brasileiros. O ouro, depois da vinda do Principe Dom João, tornou-se moeda circulante, com a prata e o cobre. Uma vez aqui, o Príncipe-Regente, põese a pensar em tudo. Até as artes merecem uma atenção especial, ao ponto de, em 1816, convidar uma missão artística francesa, chefiada por Joaquim Le-

66

O ouro em fio bordado numa colcha de seda representando pássaros sobre um

fundo de vegetação tropical, um motivo oriental importado de Macau. Coleção Museu do Ouro, Sabará, Minas Gerais.

67

bretton,

integrada entre outros

por

Grandjean de Montigny, Nicolas Antolne e Auguste-Marie Taunay, JeanBaptiste Debret, Charles Simon Pradier e os irmãos Marc e Zéphririn Ferrez.

A Inglaterra segue, passo a passo, Portugal; tanto isto é verdade, que os negociantes ingleses se precipitam para o Brasil. São eles os provedores, a começar com a venda de vidros. Em 1764, 0 comandante Byron, maravilhado, constatara na Capital que somente o Palácio do vice-rei apresentava vidraças, ensejando, então forte importação de vidro. Com o vidro vinha também a tinta para pintar as galerias, toneladas de ferro, barris de manteiga e sabão, e até mesmo mobiliário e peças para decoração. Na publicidade dos jornais, tanto no Recife quanto na Bahia, aos ingleses deve ser deferido o papel de renovadores. Gilberto Freyre reproduz em seu livro numerosos anúncios em que as indústrias britânicas oferecem de tudo: maquinário, serviços de banco, companhias de seguros. Até artigos 'para cavalheiros': “variado sortimento de feitio francez e inglez de diversas fazendas e varias cores;casacas pretas de panno finissimo insuperavel; chapeos de castor pretos e brancos”. Se oferecia também água de colônia, uísque, cnampanha, mostarda, relogios, carros para dois cavalos, etc, mercadorias que eram adquiridas pelo desprovido rico, mas permitindo que o Brasil aviasse um outro modo de viver.

Até aqui falou-se do metal, das possibilidades de consegui-lo, caçá-lo, tundí-lo. Alude-se ao ouro que já no Quinhentos embelezava as colonizadoras, resultado de empresas laboriosas, às vezes prenhes de sacrifícios herÓiCos, pois nos primeiros tempos as pesquisas se processavam de uma complicada maneira. O oposto daquilo que hoje acontece, pois é possível escavar galerias a uma profundidade de 2.500 metros, 1.600 abaixo do nível do mar, o que nos dá uma idéia do que significa minerar. Refere um técnico: “Adentrá-las desfaz a idéia do ouro fácil e exposto, porque os túneis perseguem filões invisíveis, detectados apenas pelos especialistas que estudam as rochas. São quase duas horas de caminhada até o nível mais profundo. O forte calor, o ar rarefeito, a poeira das rochas e a distância, são os obstáculos que o ouro

propõe a quem se atreva a desvendálo”. Nas minas de hoje o garimpeiro é outro. E já que se fala de mineração, eis também um alarme de 'Visão”: “Desconhecidos de boa parte dos brasileiros, OS recursos minerais do país correm o risco de ficar eternamente soterrados. Mal dimensionados, são ainda cobertos de preconceitos, entre os quais o nacionalismo estreito, que im-

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Aqui se oferece ampla relação do que

se refere as moedas de ouro, sua aplicação mais comum para representar valor nas práticas da vida. Além de uma escolha de peças antigamente de uso nacional, hoje tornando-se raridades numismáticas, eis uma página reservada a um conjunto recentemente leiloado na Sotheby's de Nova lorque, registrando valores incomuns. Há um certo tempo, aumen-

tos dedicados a obras raras vêm surpreendendo, o que de resto se registra para as artes plásticas. Vão-se estabelecendo os sintomas de uma concorrência ao ouro? Ão que parece deve-se refletir sobre certas importâncias que distinguiram, por exemplo, pinturas de Van Gogh e dos mestres impressionistas, inclusive de elementos contemporâneos. Os valores deram realce excepcional às artes plásticas dos mestres do passado. As referências dos valores continuam porém na base do ouro e das cotações publicadas diariamente, demonstração da sua contínua potência, pois tudo participa do estabelecer o “quanto vale

lãão este ano na Sotheby'y's de Nova lorque, com preços estiimmaad d os a partir d e um mile | oitoo de s il a le d e em o, o m ur de a o r çã s le Co

69

pede o desenvolvimento maior da atividade mineradora”. Entra em discussão a política.

Os parágrafos ligados ao ouro no Brasil e suas peripécias, devem agora hospedar um fato extraordinário: ainda temos uma imensa mina em atividade, a já lembrada Serra Pelada. Foi há uns dez anos que garimpeiros improvisados e forasteiros abordaram aquela Serra, ao que parece bastante rica, tanto que acabou virando um favelão, abrigando garimpeiros e suas famílias. Repete-se lá o que ocorria nas montanhas de Minas tal e qual, se lermos as reportagens dos cronistas do Setecentos e as dos cronistas de agora. As antigas aparecem mais genéricas, enquanto as de hoje mais edificantes. Os mineradores agora estão organizados num sindicato e bem atuante para defender os interesses coletivos. A Serra é uma vila, que contémtodo o necessário, até com treze igrejinhas. Tem também um posto de polícia. Trata-se de um fenômeno social-trabalhista de grande importância, com seus problemas a serem possivelmente resolvidos. Os acontecimentos de dezembro de '87 deveriam ensinar, pois a revolta daquela turma populosa foi séria. Neste tempo da eletrônica e dos milagres da química, o ouro é ainda captado num lavrar parecido ao dos séculos, para não dizer ao dos milênios passados. Nos últimos anos a situação tornou-se crítica. Em 1986 uma dezena de pessoas morreu devido ao desabamento de um barranco de 25 metros de altura. No mesmo ano, outros dois morreram soterrados. O episódio voltou a se repetir em agosto de '87, matando mais sete garimpeiros e ferindo outros trin-

ta e quatro.

A uns trinta quilômetros de Serra Pelada surgiu, aliás, está nascendo um novo centro, pois um fazendeiro descobriu possíveis jazidas do querido metal. Foram alguns garimpeiros da Serra que alugaram pedaços daquela propriedade que começava a revelar gramas de ouro. Todos concordaram em não divulgar a novidade, mas hoje a inventada Catia é meta de tudo quanto se precisa para dar vida aos primeiros refúgios, o comércio presente, juntamente ao barraco-igrejinha, a ilusão do ouro atraindo gente. Já se pensa num policial, num posto de gasolina, prostitutas e tudo o mais. O fazendeiro proprietário desempenha as funções de coordenador, cuidando de dar uma certa regularidade à abertura e manutenção dos barrancos, e cada um dos voluntários vence como pode, sem apostar no número favorável de uma das muitas loterias.

A revista 'Veja', depois de uma com-

pleta reportagem sobre Serra Pelada,

publicou o 'ponto de vista do enge-

£O

“Em 1641, apenas começando o primeiro anno da dynastia bragantina, o marco de prata corria por dois mil e oitocentos. No anno seguinte a oitava de ouro, que valia quatrocentos e sessenta e oito réis, a 29 de Março subiu a seiscentos e sessenta, o marco a quarenta e dois mil duzentos e quarenta réis. Estava dado o primeiro passo... À lei de 4 de Agosto de 1688 fixou o grão de ouro em vintem, a oitava em mil e

quinhentos réis... A lei chegou à Bahia

em meiados do anno seguinte, quando, por morte do titular Mathias da Cunha, governava interinamente o arcebispo D. Manoel da Ressurreição, que a transmitiu ao desembargador Manoel Carneiro de Sá, chanceller da Relação, para publica-la, como era de seu officio. Entre os dois potentados parece houvera attritos e não reinava grande harmonia. O chanceller não deu signal de vida. O arcebispo mandou proceder á publicação, “ao som de caixas e tambores que alvoroçava o povo e não sabia si era leiou bando , commenta Carneiro de Sá. A attitude do chanceller procedia de motivos superiores a despeitos mesquinhos, como explica em documento official. Tinha duvida si podia applicar-se ao Brasil uma lei relativa a moedas que aqui não corriam, e mandava que as patacas de menos de sete oitavas de prata fossem pesadas e valessem a tostão a oitava. A generalidade das patacas da Bahia não passava de quatro oitavas e meia e valiam seiscentos e quarenta; cada moeda perderia portanto, levada á balança, cento e noventa réis; o prejuizo total seria de trezentos mil cruzados; resolveu por isso participar á côrte estes inconvenientes e esperar pela decisão para agir. O arcebispo, recemchegado à terra e pouco conhecedor da situação, confessa ter sentido escrupulos; decidiuo a noticia de se haverem antecipado em Pernambuco. Apenas a lei se divulgou, soaram vozes descontentes, encheu-se a Camara de povo, e foi redigido um papel contrario á execução

da medida. O arcebispo convocou então uma junta geral a que assistiram pessoas de todos os estados, — alguns

ministros, frades e sacerdotes, assegura Carneiro de Sá, que não quiz

comparecer. Votaram-se varias resoluções: eliminou-se o emprego das

balanças e fixou-se em dois cruzados

o valor da pataca...” J. Capistrano de

Abreu, 'Ensaios e estudos (crítica € história), 1932.

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Frontispício de um livro fundamental para se conhecer a história do ouro no Brasil, publicado em 1944 em comemora ção ao cinguentenário do 'Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo" Tá

nheiro de minas Décio Sândoli Casadei, o qual conclui: “mineração não é arimpo. ., “E o exemplo cru da explocravo ração do homem, e o que mais choca,

com a conivência de toda a nação. Não

há mais como esconder essa mentira do enriquecimento fácil. A verdade é que alguns poucos donos de barrancos enriquecidos abusam da humildade e da necessidade de sobrevivência de dezenas de milhares. Evidentemente que para os bem pensantes e, neste caso, de um conhecido profissional do ramo, o Governo deveria resolver o sério problema mais do século XVIII que do XX. Todavia os garimpeiros se opõem terminantemente a uma proposta de mecanização, pois da mina depende a sua sobrevivência. Mistérios e paradoxos do garimpar. As normas, aliás, leis para o comércio do ouro, continuaram a valer em todos os tempos e em todos os países onde o metal era e é encontrado. Para ficar no Brasil, o Banco Central, para a aquisição do ouro bruto nos garimpos oficialmente funcionando, estabelece normas de meticulosa severidade. As instituições financeiras, além da Caixa Econômica Federal, para operar nesses eldorados, devem se submeter a uma série de imposições tais que fazem pensar no quinto e nos décimos de portuguesa memória. E é justo que seja assim. À documentação exigida para a autorização é a seguinte: uma solicitação com a qualificação da instituição, a exposição fundamentada do pedido, o local, a data e o nome e cargo dos signatários; duas cópias datilografadas e autenticadas da ata da reunião do conselho de administração ou da diretoria, ou do ato deliberativo, relativos

aos pedidos de sociedade por quotas de responsabilidade limitada, como endereço completo do posto, a área de abrangência de suas operações e, se for o caso, os dados da agência bancária à qual ficará subordinada e ainda cópia do ato declaratório da Secretaria da Receita Federal que autoriza a instituição a operar com ouro bruto. O pitoresco do garimpar foi e é ainda a burocracia. Mas parece que não é possível cair fora do ouro, pois o mando é dele. No 'Anuário Estatístico do Brasil' de '86 do benemérito IBGE, na seção 'Indústrias extrativas de minerais”, se aprende que a produção de ouro entre '83 e '85 foi respectivamente: bruta, 13.308.608, 13.405.310 e 17.740.077;

beneficiado, 53.684, 37.218 e 29.678; quantidades expressas em quilogra-

mas. Nos mesmos anos (fonte do Banco Central) a reserva de ouro, sempre em quilos, foi, no início do ano: 4.735, 16.819 e 45.879; comprados: 51.489, 29.084 e 50.622, comprados das minas

(2

Moedas de ouro,

acima de 4000 réis,

emissão 1814; embaixo de 5400 réis, emissão 1811.

Moedas de três dobras (128800), cunhadas no Rio de Janeiro e Minas Gerais. Coleção José Claudino da Nóbrega.

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r e s de D. Joãao V cunhados em Vila Rica, cujo a 1727. Coleção José é Claudino da Nóbrega.

valor era de 20 mil réis no Brasil e em Portugal de 24 mil réis. Letra M

De

13

nacionais: 51.499,28.142e 28.241, vendidos ao Exterior: 39.415, 4e 24. Então, o ouro não mais extraído, pelo menos como se imagina, mas sem certeza, retorna nos papéis da economia nacional.

O ouro está provocando protestos no Brasil. Um dos últimos veio das propriedades dos Yanomamis, uns duzentos quilômetros a leste de Boa Vista, capi-

tal do Território de Roraima, onde já em 1964 foram descobertos filões de ouro. Foi precisamente na localidade Xirixan-na na fronteira com a Venezuela, causando o recorrer as flechas que

tiveram por resposta os rifles. Chega a Funai que tentou evacuar o Iniciado garimpo, o que foi impossível. O enviado da 'Folha de S. Paulo, J. B. Natali, numa reportagem, precisou que “aquelas alturas, 36 monomotores já haviam se deslocado dos garimpos de Ipitinga (PA), com os pilotos cobrando 20 gramas de ouro pela ida e 15 gramas para a volta à capital do Território. O ouro é obviamente moeda forte. As duas prostitutas que sabiamente se instalaram à beira do rio Couto de Magalhães cobram 5 gramas por meia hora de amor”. Parece que estamos lendo em Antonil o milagre das Minas: a contínua aparição de aventureiros especuladores; alguns para chegar até lá, morrem ao longo dos caminhos “com uma espiga de milho na mão, sem terem outro sustento”. Compare-se com as cenas de hoje, tudo sendo resolvido até por via aérea. Surgem então sérios perigos devido à invasão dos garimpeiros, sendo abertos na mata pousos de aviões que os trazem com equipamento e viveres. Continua-se, parágrafo por parágrafo, agora que os tempos do ouro tornaram-se recordação, a enfatizar mais uma vez que significativa quantidade de trabalhos foi perdida pela administração de Portugal, francamente incapaz ou, pelo menos desperdiçador da fortuna que sua Colônia lhe tinha oferecido. Retirados das minas os últimos resíduos do ouro, reanimados os incenti-

vadores da autonomia da nação, a providencial ameaça de Napoleão a estática Europa, tudo somado, favoreceu o momento de pensar num Brasil sem minas de ouro, porém rico, para não dizer riquíssimo, do potencial que lhe assegurava o futuro no convívio mundial. Será então, depois da expedição-fuga do príncipe Dom João ao Rio de Janeiro, numa última tentativa de mantero domínio, que vai começar a vida do Brasil, sem o ouro das minas, mas com

o ouro de um trabalho final e realmente civil, Civil para dizer predisposto a uma vida menos desordenada. Os séculos que podem ser classificados do ouro, com um viver complicado e permanentemente provisório e remediado no que 74

A numismática é, sem dúvida, hoje, um dos estudos mais praticados. Existem coleções, especialmente em museus, de grande importância e uma literatura específica em todos os países, também no Brasil como aqui se vê.

De cima para baixo: barras de ouro em diferentes tamanhos; Casa de Fundição de Vila Rica; Casa de Fundição de Sabará; também Casa de Fundição de Sabará; Casa de Fundição do Rio das Mortes.

Imagina-se a circulação do ouro como moeda usada e seu deslocamento para Portugal, outros países e colônias. As variantes dos centros da moeda foram numerosas nos desenhos e nos dizeres. Restaram poucos exemplares que os colecionadores de numismática disputam, entre elas as cunhadas na Casa da Moeda de Vila Rica, MG, entre 1724 e 27.

Dobrões de ouro de D. João V. Casa da moeda de Vila Rica Coleção Jose Clau dino da Nóbrega



se referia à vida moral, os três séculos do colonialismo deixaram nos costumes marcas a serem revisadas e modificadas. O que encontra o descendente dos monarcas lisboetas pode ser descrito somente em páginas negativas, como de resto fez o já lembrado Paulo Prado. O novo regime devia enfrentar esta situação, seja na Capital como nas formandas cidades, para não dizer no Brasil inteiro, com a escravidão ainda vigorando. Ter vencido o atraso, começado a reconstruir uma sociedade, dado atividade às primeiras indústrias e inaugurado o comércio com o mundo, deve

ser considerado consequência

fim do ouro metálico.

do

O tema ouro, com seus numerosos desvios, às vezes com algumas complementações nem sempre pertinentes, resulta do mergulhar na História do Brasil, encontrando não se sabe quantos caminhos. As interferências, como se disse nas primeiras páginas deste livro, são muitas, e nos obrigaram a parentesear.

Agora, no fim do inquérito, revendo o acúmulo de anotações deixadas de la-

do, a surpresa torna-se mais convida-

tiva a rememorar um rico conjunto de fatos e observações de certo interesse, e que foram sacrificados a fim de ficar dentro dos limites de uma exposição abreviada. Foram citados numerosos depoimentos de participantes do empreendimento aurífero, de viajantes, de comentadores. Agora para concluí-los eis um reduzido número de atestados que não se referem especificamente ao ouro, mas ao Brasil. Afinal, com estas páginas se pensa concluir este ensaio.

Já foi notado, e parece estar hoje fora de discussão, que o Brasil é um país nascido, e será sempre considerado, como uma terra de contrastes, nas grandes, nas pequenas, às vezes nas minúsculas novidades da vida, um bom sinal e, consequentemente, uma democracia. Remexendo nos escaninhos da História é que se pode aquilatar como se desenvolveram os fatos, onde em qualquer setor se defronta com os que são a favor e os que são contra, beneméritos e não beneméritos, toda uma pléiade que El-Rey nos impingia, também ele com opiniões contrastantes entre si. Um livro que considera essa situação é o de Roger Bastide, o qual promoveu, na Universidade de São Paulo, a aplicação da Sociologia, aqui ensinando ao longo de dezessete anos e formando valioso grupo de alunos. Além de reconhecido professor apaixonado

pelo Brasil, pois como foi dito, aqui se

integrou, de regresso à França, onde o esperava uma posição digna do seu alto espírito, continuou tão brasileiro quanto qualquer um de nós, dentre os que mais amam este pedação de conti-

76

“memórias do distrito

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joaquim felício dos santos E

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Capa de um dos livros, documento a ser

lido, de Joaquim Felício dos Santos, da Editora Itatiaia de Belo Horizonte, em colaboração com a Universidade de ne Paulo, 1976. Capa de Cláudio Marins,

Como se informa no texto, uma das providências para recolher o quinto e evitar a circulação do ouro em barras, era o controle dos contraventores. Para isso, nos centros mais produtivos instituíam-se as Casa de Fundição, para obter barras devidamente numeradas e marcadas com as insígnias reais, acompanhadas do certificado que garantia a autenticidade. As barras podiam circular no comércio, tendo até função monetária. Mas a Coroa recomendava o uso das moedas de cobre vindas de Portugal, trazendo a legenda 'Aes usibus apitius oro; isto é o cobre é mais próprio para o uso do que o ouro.

PranaR para cunhar moedas. De 'Moedas do Brasil' de Álvaro de Salles de iveira. TT

k

nente americano, cheio de defeitose qualidades, xingador e elogiador, feliz e sofredor, ignorante e generoso... Um italiano que escreve sobre os pri-

meiros decênios do Oitocentos se assina Giuseppe Compagnoni. Trata-se de um polígrafo leigo em historiografia e até onde se sabe inventor da bandeira branca-vermelha-verde, o qual depois de ter afirmado que os Estados Unidos sem exceção, o mais vasto império que não por acaso a força nas indústrias vai criando”, reserva um futuro radioso ao Brasil, prevendo que será o mais potente estado do mundo emparelhando-se com os Estados Unidos “com até maiores vantagens”, precisando somente de uma boa administração. Quando foi publicada no Brasil a tradu-

ção do famoso livro 'Brasil, país do futuro' de Stefan Zweig, este advertia: “Longe de mimquerer dara ilusão de que no Bra-

sil tudo se acha no estado ideal. Muita

coisa ainda se acha no início e emtransição”. Porém quantas as realidades, as conquistas desta Terra então de cinquenta milhões de habitantes. Contra o frontispício se lê um 'mote' atribuído ao conde Prokesch Ostem que em carta a Gobineau, em 1868, quando este diplomata hesitava em aceitar o posto de ministro no Brasil, observava: “Um país novo, um posto magnífico, longe da mesquinha Europa. Um novo horizonte político, uma terra de futuro e um passado desconhecido que convida o estudioso a pesquisar, uma natureza esplêndida e o contacto com novas idéias exóticas”. De vez em quando é bom anotar sobre o que se esperava e se espera do Brasil, Uma das lembranças veio através da leitura do capítulo que Zweig dedicou ao ouro no Setecentos, onde até se encontra um registro atribuído a Martim Afonso de Souza, o qual, chegando ao Rio de Janeiro em 1581, exclama: “Ha mais hentil gente”.

Até aqui foi a história que figurou nestas páginas. Pode ser queo leitor, observando as ilustrações, queira saber algo sobre a atualidade do ouro no Brasil. Porém todos sabem que nosso

metal, desde sempre, continuou a ser

objeto de comércio, por sua liquidez, rentabilidade e segurança. O registro de seus valores está diariamente nos jornais, sendo determinado pelas Bolsas de Mercadorias. Para saber a cotação de hoje é só procurar nas páginas econômicas.

78

Barras de chumbo douradas, com as dimensões das verdadeiras. Veículo promocional do Banco Sudameris Brasil,

Réplica de moeda de ouro usada como objeto decorativo de mesa

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81

Aqui a arquitetura da Terra do Ouro à espera do Barroco, notando-se as primeiras aparições daquele estilo no portal da Igreja Nossa Senhora do Rosário, também chamada Capela do Padre Faria, em Ouro Preto, Minas Gerais. Da interessante monografia que Maurice Pianzola dedicou ao barroco brasileiro.

O Museu do Ouro de Sabará, a única Casa de Fundição que restou no Brasil. De Minas Colonial”. 82

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, vos vegetais como flores, ramãasain o da se doven , ões bot e has tas, fol vinhas, flbojo do recipiente, por entreO Pelicano, gura de um Evangelista, IOAN'ES), O ção cri ins m (co o Joã São O po, tam No as, Luc São e Dei Agnus relaCoração Trespassado, Penas Ent a çadas e o emblema da Santíssim Trindade.

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Neste retábulo do altar da capela do noviciado da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, no Rio de Janeiro, obra de Mestre Valentim, vê-se a profusão do ouro usado para enfeitar todo o conjunto. So MM

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O Barroco mineiro, conforme este desenho de Lucio Costa demonstra, passou, no que se refere aos retábulos, da severa ornamentação à pujança dos detalhes, desenvolvendo-se, depois, de forma mais simplificada. Do livro 'As Igrejas setecentistas de Minas' de Krúger Mourão.

O desenho mostra o problema do Barroco, o estilo que pode indicar o uso comum da douração, ofício que representou no Brasil um emprego basilar nas decorações de interiores de igrejas. Acenando àquele estilo, na definição do renomado arquiteto Lúcio Costa, o adjetivo indica aquela maneira como própria da

Terra, particularidade já estudada em numerosas publicações, algumas assinaladas na bibliografia. 86

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Nave da igreja do convento de São Francisco, Salvador, c uja construção foi realizada entre 1708e 1723, a colocação da talha dourada terminada em cerca de 1743. De 'Brasil Ba roco por Maurice Pianzola. Foto de Kyioshi Yamada.

88

Altar-mor da Igreja de São Francisco, em Salvador, BA: uma otuscante cintilação de ouro. De 'Brasile;, ensaio recolhido pela Editora 'Eda” Savigliano, Itália, 1975. Foto Carlo Moriondo.

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O conhecimento e datações de ourivesarias antigas são assuntos reservados a especialistas, como de resto se dá para qualquer outra produção. São geralmente técnicos que sabem, antes de tudo, distinguir entre objetos originais e cópias, pois, como em quatlquer outra área, existem as falsificações e as atribuições arbitrárias que não são poucas. Nas Memórias do antiquário paulista Nóbrega, um capi-

tulo é dedicado aos problemas acena-

dos, especialmente no que diz respelto à numismática.

Custódia do IV Congresso Eucarístico Nacional, em ouro, prata platinada, lhantes e diamantes, altura de 99 cm e peso 6.810 gramas. O projeto inicial, 1942, foi do professor Cletto Luzzi, de Roma, sofrendo algumas modificações Pa por desenhistas nacionais, sendo a peça produzida no Rio Grande ul.

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Âmbula de prata fundida cinzelada e dourada. Na inscrição se lê: “Esta âmbula deu de esmola Cazzilia Mendes de Almeida à Sagrada Religião de São Bento em 13 de Junho de 1727". Em contraste aparece PFC do Rio de Janeiro. Acervo dos Padres Beneditinos.

Esplendor de prata e de ouro e pedras semi-preciosas,

certamente da ima-

gem de Nossa Senhora, segunda metade do séc. XIX, procedente de igreja de Mato Grosso. Tem a particulari-

dade de incorporar os símbolos positivistas da bandeira brasileira: ramalhe-

te de café e de tabaco e as estrelas do

Cruzeiro do Sul. Coleção particular, São Paulo.

Imagem de Nossa Senhora do O, feita em barro. Século XVII, São Paulo. Do livro

Memórias de Um Viajante Antiquário de José Claudino da Nóbrega.

As esculturas em madeira ou cerâmica dedicadas a figuras re ligiosas, quando de um certo apreço, são sempre policromadas, o toque de ouro ressaltando a decoração.

O escu7 ltor ou artesão devia então conhecer a técnica da douraçã o.

Geralmente a policromia desaparece ou se deteriora com o tempo, restando intacta a douração.

983

“A relativa escassez de mulheres bran-

cas em muitas regiões, e a miscigena-

ção resultante entre homens brancos e mulheres de cor, chocou, abertamente, muitos observadores estrangeiros, e provocou bastante comentários adversos dos governadores e bispos coevos,

Essa miscigenação em larga escala foi

responsável, indubitavelmente, pelo crescimento de um proletariado de cor, urbano e rural, que não tinha educação apropriada e vivia de expedientes. Esse

estado de coisas levou, por sua vez, às chagas sociais como a vadiagem, a

prostituição, as doenças, que tal estado

de insegurança social! propiciam. Por outro lado, um número surpreendente de pessoas dessa comunidade de cor eventualmente progrediu, fosse como vaqueiros, nos distritos criadores do Rio São Francisco e do Piauí, como músicos e tabeliões mulatos em Minas Gerais, ou em outros ofícios e ocupações, onde habilidosas pessoas de cor eram muitas vezes encontradas — às vezes desafiando as leis discriminatórias. Ademais, o cadinho racial brasileiro, com todas as suas variedades, ênfases e origens, realizou fusão mais ou menos pacífica entre as três raças, a européia, a africana e a ameríndia, que, assim não fosse, poderiam ter precisado resolver suas diferenças étnicas e culturais com derramamento de sangue. Fosse qual fosse a extensão da riqueza retirada das minas de ouro e diamantes do Brasil, para não falar nas plantações de cana-de-açúcar e tabaco, e nas fazendas de criação, essa riqueza foi considerada, na voz popular, como enorme. Talopinião era apoiada pelo fato de que exatamente quando as primeiras jazidas de ouro de Minas Gerais começaram a

apresentar sinais de exaustão, novas descobertas foram feitas em Cuiabá, e depois veio a descoberta (oficial) de diamantes no Séêrro do Frio. Tais descobertas foram seguidas, no devido tempo, pelo achamento e exploração dos campos auríferos de Goiás e Mato Grosso. A chama de esperança que lateja eternamente no peito humano, era periodicamente reavivada por essas descobertas sucessivas, sempre que as jazidas precedentes pareciam estar declinando em produção. Tinha-se a impressão de que a riqueza mineral do Brasil era inesgotavel, e que se um distrito mineiro já não oferecia proveitos, outro depressa seria descoberto no sertão, para substituí-lo. Embora muito do ouro e dos diamantes do Brasil tivesse sido gasto em paga-

mentos para importações provenientes da Europa Setentrional, ou prodigalizado nas igrejas e conventos do mundo português do Atlântico, acreditou-se am-

plamente — embora erroneamente — que D. João V fosse o mais rico monarca da Europa, crença que seus gastos genero-

E sos nada faziam para diminuir.” C. R. Boxer, 'A idade de ouro do Brasil", Companhia Editora Nacional.

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Imagem de São Bento, em madeira policromada, Acervo do Mosteiro de São Bento, São Paulo.

com detalhes dourados.

Uma das aplicações do ouro em pó, usado na Idade Média e Renascença

para ilustração de manuscritos, especialmente livros religiosos. Agui, uma letra inicial de um manuscrito do SéEu XV. aulo

Coleção P. M. Bardi, São

95

O ouro nas imagens religiosas era usado em ornamentos, especialmente nas coroas, como se vê nesta relíquia bizantina, a pintura recoberta de prata e de ouro, aparecendo somente a testa eas mãos. Ourivesaria do século XVIII, provavelmente grega. Coleção particular, SP,

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Sabe-se através da história da arte que as pinturas dos primeiros séculos deste milênio eram geralmente executadas tendo por fundo uma camada de ouro, os chamados fundos-de-ouro. O autor desta pintura devia, então, conhecer aquela técnica, como se pode ver, acurada.

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Em 1964, por iniciativa dos Diários e Emissoras Associadas, uma idéia do permanentemente presente na vida nacional, Assis Chateaubriand, foi lançada a campanha 'Ouro para o bem do Brasil" obtendo resultados de alta significação, pois se tratou de uma ação nacional. Arrecadaram-se fortunas em ouro, jóias e moedas estrangeiras: uma quantidade que representou a unidade e a vontade do Brasil, para sanear o seu balanço econômico. Vale aqui como lembrança do acontecimento alguns dados que pode-se ter no relatório de quanto foi oferecido a Casa da Moeda. Através das fotografias, vê-se o povo que, dia após dia, alluía aos centros de coleta; os caminhões devidamente escoltados que transportavam as doações.

Foi em '32, que devido a exigências políticas, foi lançada em São Paulo uma campanha popular para recolher ouro. Para atingir este objetivo registrou-se uma intensa corrida de doações, que representou um dos fatos do desenvolvi mento social e político do Estado.

Angelo Agostini, na “Vila Fluminense” de 12-9-1868, representou “O ouro ea prata

fogem espavoridos na nova inundação de papel moeda”. De Herman Lima História da Caricatura no Brasil”, Rio de Janeiro, 1963, Vol. |.

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O pacote trouxe uma novidade: os contribuintes que não declararem pagamentos a profissionais liberais, aluguéis ou pensões terão de pagar multa de 20%

sobre o valor declarado. Os que têm rendimento de mais de uma fonte e não recolherem corretamente também terão de pagar multa de até 20%. Estas são as novidades que se encontram na imprensa, tornando-se o leão a fera dos contribuintes, inclusive os que investem no metal ouro.

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Todos os que entendem dos valores, em jornais e revistas, logo correm para saber e ver as estatísticas publicadas. Em nossa pesquisa fizemos o mesmo, seguindo os desenhos da revista Senhor. Nesta página: o ouro em companhia do café, da soja e do boi. Reproduzimos uma das páginas de estatísticas, Revista Senhor; 15/fevereiro/1966.

PERFIL DO MERCADO (Variação % na semana, até o dia 26)

Dólar paralelo

-48

Eis como os jornais, geralmente, informam a respeito do andamento do mercado. 'Folha de S. Paulo; 28 de fevereiro 1988.

100

Os

historiadores,

naturalmente,

acha-

rão resumidas as indicações aqui relaao quanto cionadas. Mas, referindo-se

foi escrito desde o começo, é bom justificar que estas paginas atendem

a um

propósito setorial: o ouro no Brasil en-

volve quantidades de eventos políticos, sociais e estéticos, que os leitores voluntariosos podem conhecer nas publicações dos dois autores aos quais se

dedica este ensaio, e em numerosas outras sobre a história nacional.

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A Raízes Artes Gráficas imprimiu 10.000 cópias deste livro, projetado

pelo Prof. P. M. Bardi

na primavera de 1988.

COLEÇÃO ARTE E CULTURA | | Il IV V

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O Modernismo no Brasil A Arte da Prata no Brasil A Arte da Cerâmica no Brasil Mestres, Artífices, Oficiais e Aprendizes no Brasil -— À Madeira desde o Pau-Brasil até a Celulose

Vi — Lembrança do Trem de Ferro VIl — Comunicação: Notícias de Cabral à Informática VIIll - Engenharia e Arquitetura na Construção

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X XI

— Excursão ao Território do Design -Emtorno da Fotografia — O Ouro no Brasil

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