Livro - Educação, Terra e Liberdade - Princípios educacionais do MST [1 ed.]
 9788575870761

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Educação, terra e liberdade

Carlos Bauer

Educação, terra e liberdade:

princípios educacionais do MST em perspectiva histórica

São Paulo 2008

© 2008 by Carlos Bauer Xamã Editora/Edições Pulsar – 1.ª edição – 2008

Edição e capa: Mariana Vieira Revisão: Estela Carvalho Editoração eletrônica: Xamã Editora

ISBN - 978-85-7587-076-1

Xamã VM Editora e Gráfica Ltda. Rua Professor Tranquilli, 27 - Vila Afonso Celso CEP 04126-010 - São Paulo (SP) - Brasil Tel.: (011) 50834649 Tel./Fax: (011) 5083-4229 www.xamaeditora.com.br [email protected]

Edições Pulsar Rua da Quitanda, 113 - Conjunto 74 - Centro CEP.: 01012-010 - São Paulo (SP) - Brasil

Impresso no Brasil 2008

A Ana Rita, ao Kauê e as minhas filhas, Nina, Serena e Ana Carolina, sementes plantadas na terra lavrada da utopia, dos sonhos e da esperança de um mundo radicalmente livre da opressão, da exploração e da sordidez humana... A Ermínia (in memorian) – minha mãe –, uma mulher sem terras, sem posses, mas produtora de uma existência povoada de sonhos, esperanças e amorosas utopias cotidianas, sempre nos dizendo que o “amanhã será melhor”.

Lista de siglas Anped – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação CEB – Comunidade eclesial de base Clacso – Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais CLT – Consolidação das Leis do Trabalho CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil Concrab – Confederação Nacional das Cooperativas de Reforma Agrária do Brasil CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico CPT – Comissão Pastoral da Terra CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito CUT – Central Única dos Trabalhadores Enera – Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária FAO – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura Fiesp – Federação das Indústrias do Estado de São Paulo Gemdec – Núcleo de Estudos sobre Movimentos Sociais, Educação e Cidadania GT – Grupo de trabalho Ibad – Instituto Brasileiro de Ação Democrática IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Ipes – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais Ibra – Instituto Brasileiro de Reforma Agrária Incra – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária Inda – Instituto de Desenvolvimento Agrário Iterra – Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária MCC – Movimento Camponês Corumbiara MCP – Movimento de Cultura Popular MEB – Movimento de Educação Básica MDST – Movimento Democrático dos sem-Terra MLT – Movimento de Luta pela Terra Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra Ofoc – Oficina Organizacional de Computação PCB – Partido Comunista Brasileiro PNA – Plano Nacional de Alfabetização PT – Partido dos Trabalhadores PTB – Partido Trabalhista Brasileiro Supra – Superintendência da Política Agrária UDR – União Democrática Ruralista Unicamp – Universidade Estadual de Campinas Uninove – Universidade Nove de Julho

Sumário Prefácio, 11 1 Introdução, 17 2 História, educação e crise agrária no Brasil contemporâneo, 25 Caracterizando o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), 25 Uma explicação marxista ao problema da terra no Brasil e na América Latina,

42

O modelo rentista da economia na América Latina e a existênciade uma agricultura tradicional, 45 A transição para uma agricultura empresarial: a revolução verde e suas conseqüências no mercado agrícola mundial e na América Latina, 48 O salto em direção à agricultura empresarial: o agro-negócio (agrobusiness), 50 A inovação e introdução de produtos pela indústria na década de 1970, 53

3 A problemática da concentração fundiária no Brasil e suas conseqüências, 55 As lutas camponesas na América Latina, 55 A questão camponesa e a revolução permanente, 57

A problemática da concentração fundiária no Brasil e suas principais conseqüências, 59 A modernização conservadora da agricultura e as relações de trabalho e de classe no campo, 64 Guerra civil no campo e o pacifismo do MST, 70 A Igreja Católica e suas contradições, 79

4 Princípios educacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, 83 Princípios educacionais do MST, 83 O MST e a pedagogia da luta , 103 Os limites da direção do MST e sua prática política pedagógica, 109 Educação e cultura na formação da consciência política dos militantes do MST, 122

Considerações finais, 133 Referências, 139 Nota sobre o autor, 151

Prefácio Maria da Glória Gohn1

Este livro é resultado de um programa de pós-doutorado desenvolvido por Carlos Bauer junto ao Núcleo de Estudos sobre Movimentos Sociais, Educação e Cidadania (Gemdec) da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) entre 2004 e 2005. Dentre as atividades realizadas, a principal delas foi um projeto de pesquisa sobre a educação junto aos assentamentos rurais do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST). Na ocasião, seu interesse específico era a área da formação de educadores para o movimento. Bauer faz parte de um núcleo de história e teoria da profissão docente e do educador social na Universidade Nove de Julho (Uninove/SP) e propôs estudar, nos cursos desenvolvidos pelo MST, o material pedagógico utilizado, seus pressupostos filosóficos, as teorias que alicerçam seus programas e seus planos curriculares. Na primeira etapa do estudo, Bauer fez um levantamento de livros, teses e dissertações já realizadas sobre o tema da educação no MST, assim como os materiais pedagógicos desenvolvidos pelo próprio movimento. Do material encontrado, selecionou algumas teses e livros e reconstituiu o processo educativo do MST na educação formal, escolar, e não-formal, extra-escolar (principalmente para a formação de lideranças). Este material possibilitou ao autor sistematizar elaborações próprias e produzir novos conhecimentos sobre o MST, sobre seu processo educativo e outras temáticas e problemáticas pertinentes. Sendo o professor Bauer um historiador, inicialmente localizou seu objeto de estudo na história da crise agrária na América Latina, título principal de seu texto. Educação, terra e liberdade: perspectivas e princípios educacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) no Brasil contemporâneo foi o foco do conjunto da obra que, agora, aparece publicada com o nome Educação, terra e liberdade: princípios educacionais do MST em perspectiva histórica. O resultado da pesquisa, ora apresentado neste livro, certamente será muito útil para outros pesquisadores, dado o balanço de temas e problemas que Carlos Bauer recortou nas pesquisas realizadas. Considerando a importância das lutas pela terra no Brasil e na América Latina na atualidade, não poderíamos deixar de registrar neste momento algumas considerações sobre o sujeito protagonista principal do livro que ora Bauer traz à luz, ou seja, o próprio MST. 1 Professora da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e professora titular do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho (Uninove). Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Sabemos que no campo dos movimentos sociais rurais a organização popular cresceu bastante a partir dos anos 1990. Pesquisas recentes indicam a existência de mais de 80 movimentos rurais no Brasil no início deste novo milênio. Dentre os inúmeros movimentos de sem-terra criados, o mais expressivo é o MST. Ele se destaca em termos nacionais, como no plano internacional, via um eficiente trabalho de mídia e marketing político de suas demandas pela reforma agrária, bandeiras e místicas. O MST busca construir uma identidade cultural nova aos sem-terra, baseada no modelo cooperativo/coletivo. Os sem-terra têm suas raízes e tradições, que fundamentam e balizam suas visões de mundo e comportamentos. A categoria teórica frame2 é apropriada para entendermos a identidade do MST, pois diz respeito aos marcos referenciais estratégicos do movimento, aquele conjunto composto de significados e entendimentos comuns compartilhados pelo grupo. Assim, os frames do MST – dados pelos símbolos culturais e ideológicos construídos pelo movimento – têm como marcos referenciais um modelo (dado pelo pobre/excluído/sem-terra), e o agenciamento destes frames é feito pelas estruturas organizativas do movimento, que criam um sujeito singular: sempre de boné vermelho e camiseta branca com o emblema do movimento, foices e enxadas. Os ícones emblemáticos conferem uma identidade àqueles sujeitos que os diferenciam das outras categorias de pobres e igualmente excluídos do campo. O MST é um ator político porque atribui qualidade aos atores sociais que compõem suas bases, ao inseri-los num plano que vai além da luta pelo acesso à terra, que é a luta pela democracia, pela igualdade, contra a exclusão. Ele se formou ao redor de uma identidade – ser sem-terra – e luta para alterar a qualidade desta identidade, passando a ser um com-terra. Mas, ao buscar esta reversão, atinge eixos centrais nas relações capitalistas, referentes à propriedade. O grande problema é que ele quer ser um com-terra, um “igual”, sem passar pela pelo funil divisório que é a compra. Quer o acesso à terra pela posse com direitos iguais aos que detêm sua propriedade e com isto perturba a lógica e a ordem das relações demarcadas na sociedade. Por isto ele é um agente de tensão contínua, tem uma face inovadora e outra perturbadora à ordem dominante. Existe, entretanto, um outro ponto fundamental no MST a que poucos analistas têm atentado. Trata-se do fato de ele ter mudado a pauta de reivindicações dos trabalhadores brasileiros, criando algo mais adequado ao mundo globalizado 2 O conceito de frame foi utilizado intensamente por Sidney Tarrow (Power in movement. Cambridge, UK: University of Cambridge, 1994), sendo criado anteriormente por Erving Goffman (Frame analysis. Cambridge, Mass.: Harvard University, 1974).

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em que vivemos. As reivindicações clássicas dos trabalhadores desde o século XIX diziam respeito a salários e jornada de trabalho. O MST introduziu uma nova agenda à pauta já tradicional dos trabalhadores rurais (de acesso à terra para nela morar e produzir), composta de três novas reivindicações: 1) acesso ao crédito, numa política de democratização da propriedade, 2) apoio técnico aos assentamentos e 3) organização do trabalho em cooperativas de produção. As duas reivindicações iniciais (terra e moradia) são clássicas na luta das camadas populares. Mas as três últimas (crédito, suporte tecnológico e trabalho cooperado) são atuais, modernas, pois buscam saídas para o emprego no meio rural, na produção de gêneros de primeira necessidade que podem minorar o problema da fome no país, com baixo custo econômico e perspectiva de melhoria na produtividade a médio e longo prazo. Além disso, o acesso ao crédito incide sobre um setor crucial do capitalismo contemporâneo que é o sistema financeiro. Ao final dos anos 1990 e início do novo milênio houve um deslocamento do foco da luta no MST. Passou-se a lutar contra o modelo de reforma agrária de mercado (MRAM) do Banco Mundial, implementado nos anos 1990 e com continuidade até a atualidade. Segundo alguns analistas, a luta contra o MRAM não mais aglutina o conjunto de entidades de representação do campesinato pobre contra as políticas liberais. E mesmo aqueles movimentos que são contrários a ele, como é o caso da Via Campesina, relegaram esse embate a um plano secundário, por entenderem que a contradição principal no meio rural brasileiro hoje está entre o grande “agronegócio” exportador e os trabalhadores rurais sem-terra, e não entre a desapropriação e o crédito fundiário. Entre 1985 a 2007 o MST realizou cinco congressos nacionais. O quinto realizou-se em Brasília em junho de 2007, tendo como lema “Reforma Agrária: por Justiça Social e Soberania Popular”, e contou com 17.500 participantes do campo de 24 estados do Brasil, além de 181 convidados internacionais representando 21 organizações camponesas de 31 países. Ao final do quinto congresso elaborou-se um programa agrário e uma carta proposta/carta do congresso. Nos documentos, o MST reafirma bandeiras já históricas dos sem-terra, faz críticas à lentidão governamental na questão da reforma agrária e incorpora demandas de outros segmentos sociais excluídos que também vivem no campo ou em aldeias, como os indígenas e os quilombolas, além de defender causas de ambientalistas no que tange às florestas, águas e à defesa do meio ambiente em geral. O quinto congresso reafirmou as posições acima destacadas sobre suas bandeiras de luta ao afirmar: Da forma como o campo está estruturado hoje, não há mais lugar para o camponês. O campo se transformou em um território de produção

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de matéria-prima para a exportação, produção essa fundamentada no monocultivo em grande escala, no uso intensivo de máquinas e agrotóxicos – que expulsam mão-de-obra e agridem o meio ambiente – e bancada pelo capital financeiro internacional. O agronegócio, como ficou conhecido esse modelo, é hoje o grande entrave à reforma agrária defendida por nós do MST e pelos movimetos sociais da Via Campesina.3

E o MST concluiu: [...] está explícito o sonho e a luta daqueles que acreditam que só poderá haver justiça social se houver uma ampla reforma agrária, que possibilite a democratização do acesso à terra e a eliminação da pobreza do campo. Além disso, para que um povo possa se reconhecer soberano, ele deve exercer o controle sobre sua produção, de alimentos e de energia, para que esses possam cumprir suas funções sociais, em benefício do próprio povo, e não para gerar lucros a poucos acionistas dos grandes bancos e empresas transnacionais.4

No governo Lula, o MST busca redefinir suas ações e vive grandes contradições. De um lado, apoiou a eleição e a reeleição deste presidente; de outro, está em desacordo com as políticas e as prioridades econômicas adotadas pelo governo, denuncia e questiona o não-cumprimento de metas em relação à questão agrária, discorda do modelo de reforma agrária que vem sendo implementado pelo governo, etc. Por isso, o número de ocupações na primeira gestão de Lula superou em média o da gestão anterior, do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. É bom recordar que o MST não fica apenas nas demandas econômicas, ou no simples acesso à terra: ele quer a terra e condições de apoio econômico para viver nela, com infra-estrutura moderna em outras áreas básicas do cotidiano, como escolas, saúde, postos de comercialização, etc. O movimento desenvolveu também um método próprio na área da Educação, tanto para as crianças como para a formação de professores. A proposta de reforma agrária do MST assenta-se em quatro pilares: a democratização do acesso à terra, combatendo-se a elevada concentração existente (segundo dados do MST, 1% da população é dona de 46% das terras brasileiras e apenas 60 milhões de hectares destinam-se à lavoura, dos 360 milhões aptos para a agricultura no país); o desenvolvimento e ampliação da agroindústria local, que não precisa ser uma grande fábrica, pode ser um conjunto de pequenas comunidades de produtores; a educação, em todos os níveis e não só a alfabetização 3 MOVIMENTODOSTRABALHADORESRURAISSEMTERRA(2007).BalançodoVCongresso Nacional do MST. Brasília, DF, 21 jun. 2007. Disponível em: . Acesso em: 21 dez. 2008. 4 MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA (2007).

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(principalmente o conhecimento tecnológico local, a formação dos jovens como técnicos, etc.); e a mudança do modelo tecnológico agrícola existente no Brasil, baseado em oligopólios e nas multinacionais, para um modelo que considere, além do problema social da fome e do desemprego, as especificidades da natureza, um modelo não-predatório e que tenha compromisso com as gerações futuras. São várias as transformações que o MST tem promovido na cultura política dominante no país em relação às representações que a sociedade tinha a respeito da reforma agrária, “obrigando” os governantes a colocarem em pauta a questão rural; mas ele têm tido dificuldade para tratar com a própria mudança cultural interna dos assentados. Os conflitos internos não se limitam à fase do acampamento, mas se estendem aos assentamentos e muitas vezes levam à desarticulação do grupo, gerando dissidências internas. O MST não tem o radicalismo de esquerda presente em outros grupos latinoamericanos como os do Peru (Sendero Luminoso, Tupac-Amaru), nem a identidade dada pelos vínculos étnico-culturais dos zapatistas de Chiapas, no México, ou dos aymaras da Bolívia. Ele se define e criou sua identidade por uma ausência: ser sem-terra. Criou também ícones emblemáticos para esta identidade, que se materializam nos bonés e nas bandeiras vermelhas, como já apontado. O movimento tem um modelo de reforma agrária moderno, que inova a pauta de reivindicações dos trabalhadores ao introduzir na agenda questões relativas ao acesso e democratização do crédito, conforme destacamos acima, assim como tem contribuindo para a publicização da esfera público-estatal. Mas seu modelo de reforma agrária tem encontrado muitas dificuldades e barreiras para aceitação na atual conjuntura das políticas neoliberais, de desregulamentação do papel do Estado na economia. Trata-se de um modelo que depende de fundos públicos para desapropriar áreas, auxílio a implantação dos assentamentos, etc. O tema da educação, destacado neste livro de Carlos Bauer, continua recebendo atenção do MST que destacou no quinto congresso a necessidade de investir em educação e em comunicação. O documento final de 2007 preconizou: Lutar para que a classe trabalhadora tenha acesso ao ensino fundamental, escola de nível médio e a universidade pública, gratuita e de qualidade. Desenvolver diferentes formas de campanhas e programas para eliminar o analfabetismo no meio rural e na cidade, com uma orientação pedagógica transformadora. Lutar para que cada assentamento ou comunidade do interior tenha seus próprios meios de comunicação popular, como por exemplo, rádios comunitárias e livres. Lutar pela democratização de todos os meios de comunicação da sociedade contribuindo para a formação da consciência política e a valorização da cultura do povo.5 5 MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA. Carta do 5º Congresso Nacional do MST. Brasília, DF, 15 jun. 2007. Disponível em: . Acesso em: 21 dez. 2008

1 Introdução Neste trabalho, estamos preocupados em estudar e estabelecer algumas relações entre educação e poder. Trata-se de um tema clássico presente, entre outras, nas áreas de Sociologia, Filosofia, História da Educação, Currículos e Programas e se inspira na perspectiva de contribuir, mesmo que modestamente, com a construção de um projeto pedagógico humanista, num mundo em que predominam a ideologia e os interesses de classe da burguesia, que foram impregnando as concepções culturais e as representações sociais no cotidiano das práticas escolares. A relação entre educação e as temáticas mais variadas da vida social, em particular da política, é ilimitada. Postura invariável assumem as elites, para quem quaisquer projetos educacionais prendem-se exclusivamente às suas próprias necessidades econômicas. Na contemporaneidade, sua ofensiva vincula-se internacionalmente a um grande arcabouço ideológico, com uma impressionante campanha midiática1, na defesa de uma pretensa modernidade, do paraíso em terra da sociedade de mercado, da progressiva abolição das barreiras alfandegárias, do mais amplo afastamento da interferência do Estado na economia e do fim das utopias sociais. Para as regiões da periferia do capitalismo, como aquelas em que se situam os países da América Latina, desde os primeiros instantes da década de 1990 o projeto neoliberal significou, na prática, a internacionalização de suas economias, a privatização dos serviços públicos, a livre remessa de lucros para o exterior, um rígido controle salarial e a institucionalização do autoritarismo, com a repressão aos movimentos populares por meio de instrumentos jurídicos perfeitamente compatíveis com o formalismo da democracia burguesa. É a forma ideológica como as velhas relações de dominação se apresentam, com a roupagem de “novo”, “progressista”, “moderno”. 1 No Brasil, um excelente exemplo desta ofensiva da mídia é a revista Veja. Funcionando como um verdadeiro partido da ordem social vigente, a publicação não abre mão de depreciar os esforços políticos, a pedagogia de formação humana e a busca de autonomia do MST. Em suas páginas, o movimento dos trabalhadores rurais brasileiros é caracterizado como uma temível iniciativa das “classes perigosas”, que não teriam outro propósito a não ser preparar seus quadros para desvirtuar a ordem vigente e deflagrar uma ofensiva contra o capital e pelo fim da propriedade privada, abrindo as portas para uma era de horror. Por ocasião da inauguração da Escola Nacional Florestan Fernandes, suas palavras foram estas: “O movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) criou sua própria versão das madraçais – os internatos religiosos muçulmanos em que crianças aprendem a recitar o Corão e dar a vida em nome do Islã. Nas 1.800 escolas instaladas em acampamentos do MST, crianças entre 7 e 14 anos de idade aprendem a defender o socialismo, a ‘desenvolver a consciência revolucionária’ e a cultuar personalidades do comunismo como Karl Marx, Ho Chi Minh e Che Guevara.” (WEINBERG, 2004, p. 17) Em artigo publicado em setembro de 2004, José Arbex Júnior, com razão, observa que a referida revista faz “uma grosseira e fantasiosa associação direta entre o fundamentalismo e o socialismo, relação que tenta legitimar a criminalização” do MST (ARBEX, 2004, p. 12).

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Desse modo, pode-se falar de pedagogia e ideologia e, em nosso caso específico, de educação e contra-ideologia. Sobre as relações entre educação e as principais premissas inseridas no pensamento conservador, na atualidade, ficamos com a precisa caracterização elaborada por Michael W. Apple (2000, p. 31-32): Muitas das políticas direitistas que vêm desempenhando agora um papel central na educação e em quase todas as outras áreas carregam uma tensão entre uma ênfase neoliberal em “valores de mercado”, de um lado, e um apego neoconservador aos “valores tradicionais”, de outro. Segundo a primeira perspectiva, o Estado deve ser minimizado, de preferência liberando de controles a empresa privada [...]; de acordo com a segunda, o Estado precisa ser forte para ensinar conhecimentos, normas e valores corretos. Para ambas, esta sociedade está ruindo, em parte porque as escolas não atendem a nenhuma delas. Elas são excessivamente controladas pelo Estado e não ministram o ensino que se espera que dêem. Isto é um pouco contraditório, mas, como veremos mais tarde, a agenda direitista tem formas de lidar com essas contradições e conseguir alinhavar criativamente uma aliança que una (algumas vezes de modo tenso) os vários movimentos que a compõem.

Michael Apple observa que a aliança hegemônica é um amplo guardachuva e abriga de forma combinada quatro agrupamentos principais. São eles: (1) as elites políticas e econômicas dominantes que tentam “modernizar” a economia e as instituições a ela ligadas; (2) os grupos de classe média e classe trabalhadora que desconfiam do Estado e estão preocupados com a segurança, a família, o conhecimento e os valores tradicionais, e que constituem um segmento cada vez mais ativo, podendo ser chamados de “populistas autoritários”; (3) os conservadores econômicos e culturais como William Bennett, que querem uma volta aos “altos padrões”, à disciplina e à competição social darwinista; e (4) uma fração da nova classe média que pode não concordar totalmente com esses outros grupos, mas cujos próprios interesses profissionais e progresso dependem da expansão de sistemas de prestação de contas, da busca da eficiência e de procedimentos gerenciais, os quais constituem seu próprio capital cultural. (APPLE, 2000, p. 32)

Finalmente, Apple observa que a esfera da educação é uma daquelas em que a direita tem crescido. De fato, para este autor o objetivo social-democrata de expandir a igualdade de oportunidades (uma reforma limitada em si mesma) perdeu muito de seu apelo político e de sua possibilidade de mobilizar pessoas. Sobre tais tensões, Apple (2000, p. 32) assim escreve:

19 1 INTRODUÇÃO

O “pânico” referente a padrões rebaixados, evasão e analfabetismo, o medo da violência nas escolas, a preocupação com a destruição de valores familiares e religiosos, tudo isso teve seu efeito. Esses medos são exacerbados, e usados, pelos grupos dominantes, os quais, na política e na economia, conseguiram deslocar o debate sobre a educação (e sobre todas as outras áreas sociais) para seu próprio terreno – o terreno do tradicionalismo, da padronização, da produtividade, das iniciativas de mercado e das necessidades industriais. Porque muitos pais estão justificadamente preocupados com o futuro econômico e cultural de seus filhos – em uma economia que cada vez mais se caracteriza por salários baixos, fuga de capitais e insegurança –, o discurso direitista se liga à experiência de muitas pessoas de classe média e trabalhadora.

É preciso reconhecer que, diante dos antagonismos e tensões que caracterizam o mundo político moderno, a propaganda ideológica do neoliberalismo ganhou mais espaço com um sem-número de episódios que se articularam historicamente, como exemplificam a surpreendente e meteórica desagregação dos Estados burocráticos do Leste Europeu e com as crescentes contradições presentes no desenvolvimento de regimes como o chinês, o cubano, o norte-coreano e até mesmo de alguns países africanos. Por outro lado, no Brasil, como também em outros países latino-americanos, os chamados movimentos sociais acumularam enormes contradições ao longo de seu desenvolvimento. Muitos deles, ao buscarem constituir-se no sonho de emancipação da classe trabalhadora, acabaram trilhando caminhos tortuosos, ou mesmo se deixaram cooptar no transcurso de sua ação. Tal e conflitante ideário é muito bem traduzido por Maria da Glória Gohn, quando, teorizando sobre estes, argumenta que: Movimentos sociais são ações sociopolíticas construídas por atores sociais coletivos pertencentes a diferentes classes sociais, articuladas em certos cenários da conjuntura socioeconômica e política de um país, criando um campo político de força na sociedade civil. [...] As ações desenvolvem um processo social e político-cultural que cria uma identidade coletiva para o movimento, a partir dos interesses em comum. Esta identidade é amalgamada pela força do princípio da solidariedade [...] Os movimentos participam, portanto, da mudança social histórica de um país, e o caráter das transformações geradas poderá ser tanto progressista como conservador ou reacionário, dependendo das forças sociopolíticas a que estão articuladas, em suas densas redes; e dos projetos políticos que se constroem em suas ações. (GOHN, 1997a, p. 251-252)

Mesmo em se tratando de processos históricos que estão em pleno curso, trazendo com isso o risco de prognósticos imprecisos e dependentes de fontes jornalísticas, é preciso ter a disposição de analisar as ações daqueles que busca-

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ram enfrentar esta ofensiva denunciando o neoliberalismo como um instrumento de dominação imperialista dos países ricos e de fortalecimento do capitalismo, responsável pela exploração predatória da natureza, pela concentração da riqueza, pelas guerras, pela repressão, opressão e miséria dos povos (PETRAS, 2002). Como exemplo recente, podemos citar a intervenção estadunidense no Oriente Médio, que visou apenas continuar controlando áreas vitais para o exercício de sua dominação política, econômica e social, que se pretende mundial. Estamos preocupados em estudar os que buscam superar o capitalismo e seus projetos assentados nas premissas do liberalismo. Rejeitando os regimes burocráticos de partido único que foram instituídos em nome do socialismo, reafirmando a necessidade de continuar travando a luta anticapitalista, fortalecendo os objetivos históricos de emancipação da classe trabalhadora, por meio da luta pelo estabelecimento de uma sociedade socialista e democrática. Evidentemente, não estamos falando de uma democracia meramente formal, [...] de uma democracia que aprofunda as desigualdades, puramente convencional, que fortifica o poder dos poderosos, que assiste de braços cruzados à aviltação e ao destrato dos humildes e que acalenta a impunidade. Não de uma democracia cujo sonho de Estado, dito liberal, é o Estado que maximiza a liberdade dos fortes para acumular capital em face da pobreza e às vezes da miséria das maiorias, mas de uma democracia em que o Estado, recusando posições licenciosas ou autoritárias e respeitando realmente a liberdade dos cidadãos, não abdica de seu papel regulador das relações sociais. Intervém, portanto, democraticamente, enquanto responsável pelo desenvolvimento da solidariedade social. Precisamos de uma democracia que, fiel à natureza humana que tanto nos fez capazes de eticizar o mundo quanto de transgredir a ética, estabeleça limites à capacidade de malquerer de homens e mulheres. (FREIRE, 2000, p. 48)

É por isso que se faz absolutamente imperioso acompanhar e analisar o necessário esforço que os trabalhadores e demais setores populares buscam empreender, na perspectiva de fortalecer sua própria experiência de auto-organização, não apenas no plano corporativo e econômico de seus movimentos sociais, mas também na arena da cultura, da educação, da política, da influência e da disputa por hegemonia na esfera pública. Tal perspectiva parece-nos imbuída de grande relevância social, principalmente porque, como Paulo Freire, não cremos [...] na democracia puramente formal que “lava as mãos” em face das relações entre quem pode e quem não pode porque já foi dito que “todos são iguais perante a lei”. Mais do que dizer ou escrever isto, é preciso fazer isto. Em outras palavras, a frase

21 1 INTRODUÇÃO

se esvazia se a prática prova o contrário do que nela está declarado. Lavar as mãos diante das relações entre os poderosos e os desprovidos de poder só porque já foi dito que “todos são iguais perante a lei” é reforçar o poder dos poderosos. É imprescindível que o Estado assegure verdadeiramente que todos são iguais perante a lei e que o faça de tal maneira que o exercício deste direito vire uma obviedade. O que me parece impossível aceitar é uma democracia fundada na ética do mercado que, malvada e só se deixando excitar pelo lucro, inviabiliza a própria democracia. (FREIRE, 2000, p. 48-49)

Desta sorte, o objetivo central do presente trabalho é buscar lançar um olhar crítico sobre os organismos criados pelos trabalhadores – como é o caso Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) –, aqui estudados no desenvolvimento de seus princípios educacionais, trabalho de formação e conscientização política, e que tiveram entre seus marcos a luta contra a ditadura militar e a democratização do Estado brasileiro, combinada à ação sindical e política em defesa do salário, do emprego, da terra, da autonomia e liberdade sindical, quando, conforme estudo de Éder Sader (1988), inúmeras oposições sindicais disputavam eleições e conquistavam novos sindicatos para o campo progressista e antiditatorial. Essa estratégia de ação de massa foi crucial para que, no contexto das tensões políticas entre Estado e sociedade que caracterizaram a transição nos anos 1970-1980, os movimentos sociais, sindicais e políticos produzidos pelos trabalhadores, particularmente aqueles liderados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Partido dos Trabalhadores (PT), mas também pelo MST, ocupassem lugar de destaque, colocando-se como legítimos interlocutores dos setores populares no processo de disputa de hegemonia política e cultural na sociedade brasileira, principalmente se levarmos em conta os aspectos e os princípios educativos dos movimentos sociais. Sobre estes, aliás, Maria da Glória Gohn (1994, p. 16) faz a seguinte reflexão: “A educação ocupa lugar central na acepção coletiva da cidadania. Isto porque ela se constrói no processo de luta que é, em si próprio, um movimento educativo.” De nossa parte, neste livro, o caráter histórico, político e os princípios educacionais do MST aparecem estudados e divididos em três partes: “História, educação e crise agrária no Brasil contemporâneo”, “A problemática da concentração fundiária no Brasil e suas conseqüências” e “Princípios educacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra”; nas “Considerações finais” esse movimento é caracterizado como um dos mais complexos, atuantes e enraizados socialmente na América Latina. Ao longo destas páginas, procuramos produzir uma explicação marxista para o problema da terra no Brasil e na América Latina, refletindo sobre o modelo rentista da economia e a existência de uma agricultura tradicional; debatemos

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também a transição para uma agricultura empresarial: a revolução verde e suas conseqüências no mercado agrícola mundial nessa região do mundo. Foram focalizados, historicamente, as lutas camponesas e o salto em direção à agricultura empresarial: o agronegócio (agrobusiness), a inovação e introdução de produtos pela indústria, a questão camponesa e a revolução permanente, a problemática da concentração fundiária em nosso país e suas principais conseqüências sociais, a modernização conservadora da agricultura e as relações de trabalho e de classe no campo.Aguerracivilnocampo,opacifismodossem-terra,suapráticapolíticapedagógica, educação e cultura na formação da consciência política dos militantes desse movimento social, o papel da Igreja Católica e suas contradições também foram analisados, assim como os princípios educacionais do movimento e sua pedagogia da luta, procurando demonstrar o caráter pedagógico e a importância histórica e social do MST. Ademais, num quadro como este, estamos preocupados em estudar o papel do MST na disputa de hegemonia e na construção de uma contra-hegemonia cultural quanto à criação de condições objetivas para a formação de um bloco histórico que assuma as responsabilidades pelas transformações estruturais em nosso país. Mais precisamente, estamos dispostos a reunir subsídios que permitam aos interessados melhor compreender e refletir sobre as relações entre o MST e as fecundas aspirações que nutrem pela educação. O desenvolvimento da presente pesquisa foi possível graças ao acolhimento de seu projeto pela professora Maria da Glória Gohn, num estágio de pós-doutorado realizado na Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), bem como pela oportunidade, dada pelos professores José Rubens Lima Jardilino e Cleide Rita Silvério de Almeida, de desenvolvê-la como docente-pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho (Uninove). Em nossa opinião, todo trabalho de pesquisa é coletivo. Pressupõe mecanismos efetivos de estímulo, convivência com companheiros dispostos ao debate crítico, partilha de resultados, reconhecimento histórico do significado das utopias, além do respeito pela militância política e educacional que procuramos desenvolver na cotidianidade de nosso trabalho. Tudo isto, estes educadores não cansam de proporcionar. Também devo meus agradecimentos aos editores Jair Baida, Expedito Correia e Fabiana Ramos que, num país de não-leitores, insistem no ofício e na arte de publicar livros, e às professoras Maria da Glória Gohn e Thérèse Hamel, primeiras e críticas leitoras dos manuscritos que estão na origem da presente publicação. A todos minha gratidão, profundo respeito acadêmico, permanente amizade e confiança profissional.

23 1 INTRODUÇÃO

Durante a vigência do estágio de pós-doutorado, além da efetiva participação em bancas examinadoras de dissertações e teses orientadas por Maria da Glória Gohn, no âmbito da Faculdade de Educação da Unicamp e dos encontros do Núcleo de Estudos sobre Movimentos Sociais, Educação e Cidadania (Gemdec) do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação da mesma faculdade, envolvemo-nos na produção de um levantamento pormenorizado da bibliografia, periódicos, trabalhos acadêmicos e documentos pertinentes ao tema, com o objetivo de nos informarmos sobre a situação atual do problema estudado, sobre os trabalhos produzidos anteriormente, sobre as opiniões e análises já realizadas acerca dos princípios educacionais do MST e a problemática questão da terra no Brasil e na América Latina. Trabalho exaustivo, porém necessário. Este procedimento permitiu, na construção do presente texto, a articulação de um sem-número de informações produzidas por diferentes autores preocupados em estudar não apenas o trabalho de formação educacional realizado pelo MST, mas também a problemática da terra numa dimensão histórica, política, econômica e social no Brasil e na América Latina. Conhecer seus modelos teóricos, suas principais referências políticas e educacionais, faz-se necessário ao desenvolvimento das pesquisas de especialistas acadêmicos preocupados em estudar e refletir sobre as questões pertinentes ao desenvolvimento dos movimentos sociais no campo. Nosso principal objetivo sempre foi o de buscar estabelecer uma visão histórico-dialética da realidade social e cultural produzida pelo MST na construção e desenvolvimento de seus princípios educacionais. A pesquisa aqui apresentada é um modesto reconhecimento da importância e da legitimidade dos princípios educacionais que estes trabalhadores rurais defendem, produzindo, assim, um breve registro e uma memória escrita de uma das mais importantes experiências educacionais em curso na sociedade brasileira.

2 História, educação e crise agrária no Brasil contemporâneo Caracterizando o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST) Para alguns analistas, o MST nasceu em um processo de enfrentamento e resistência contra a política de desenvolvimento agropecuário instaurada durante o regime militar, no período compreendido entre 1978 e 1985. Esse processo é entendido em seu caráter mais geral, na luta contra a expropriação e a exploração do desenvolvimento do capitalismo. Para Bernardo Mançano Fernandes (1996, p. 66), Neste período da luta pela democracia, de transição política e de rupturas, a classe trabalhadora retoma suas perspectivas conquistando novos espaços no campo e na cidade. Os acontecimentos mais importantes dessas conquistas têm o seu começo assinalado pelas experiências construídas nas lutas populares, que desafiavam as formas institucionais. Os desafios se apresentavam no avanço da luta em relação aos partidos políticos, legais e clandestinos [...], nas rupturas com tradições e práticas conhecidas [...] e pelo rompimento com esquemas populistas do passado [...], etc. Rompendo com estruturas, desafiando-se e criando um novo processo de conquistas na luta pela terra.

Com efeito, durante todo este período a formação de inúmeros movimentos sociais enquanto sujeito histórico foi uma realidade profundamente marcante no cenário político nacional, traduzindo um espaço conquistado pelas diversas experiências e lutas populares, como nos informa Roseli Salete Caldart (1999, p. 3): O Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, também conhecido como Movimento dos sem Terra ou MST, é fruto de uma questão agrária que é estrutural e histórica no Brasil. Nasceu da articulação das lutas pela terra que foram retomadas a partir da década de [19]70, especialmente na região centro-sul, e aos poucos se expandiu pelo Brasil inteiro. O MST teve sua gestação no período de 1979 a 1984, e foi criado formalmente no Primeiro Encontro Nacional de Trabalhadores sem Terra, que aconteceu de 21 a 24 de janeiro de 1984, em Cascavel, no Estado do Paraná. Hoje o MST está organizado em 22 estados, e segue com os mesmos objetivos definidos neste Encontro de [19]84 e ratificados no I Congresso Nacional realizado em Curitiba, no ano de 1985, também no Paraná: lutar pela terra, pela reforma agrária e pela construção de uma sociedade mais justa, sem explorados nem exploradores.

Referimo-nos ao processo de formação dos sem-terra inspirados na obra de Edward P. Thompson (1987a) e, ao mesmo tempo, preocupados com os

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processos por meio dos quais trabalhadores rurais sem-terra fizeram-se ou ainda se fazem este “novo sujeito social chamado Sem Terra, com uma identidade e uma consciência que lhes insere nos embates políticos do nosso tempo” (CALDART, 1999, p. 4). Segundo Thompson, quando buscamos explicar o sentido do fazer-se, por exemplo, da classe operária inglesa, estamos preocupados em compreendê-la como um processo ativo, que se deve tanto à ação humana como aos seus condicionantes. Para Thompson (1987a, p. 7), “a classe operária não surgiu tal como um sol numa hora determinada. Ela estava presente ao seu próprio fazer-se.” Segundo Célia Regina Vendramini, o conceito de classe social formulado por Thompson é central para examinar e aprofundar o papel dos sujeitos sociais, na medida em que considera a classe como um “fenômeno histórico”, como algo que efetivamente ocorre nas relações humanas, não de forma determinada, mas como uma capacidade de percepção e articulação de interesses de alguns indivíduos contra outros, cujos interesses diferem dos seus. Para Vendramini (2000, p. 32), Thompson compreende que a classe e a consciência de classe vão formando-se juntas na experiência: é uma formação imanente. Como exemplo, descreve o período entre 1790 e 1830, quando se forma a “classe operária inglesa”. O fato é revelado, em primeiro lugar, pelo crescimento da consciência de classe: a consciência de uma identidade de interesses entre todos esses diversos grupos de trabalhadores, contra os interesses de outras classes. E, em segundo lugar, no crescimento das formas correspondentes de organização política e industrial.

Nas palavras do próprio Thompson (1987b, p. 17), “o fazer-se da classe operária é um fato tanto da história política e cultural quanto da econômica”. Compartilhamos da leitura que Vendramini nos apresenta ao retratar as mudanças de vida dos trabalhadores rurais, dos artesãos e tecelões: [...] pode parecer um registro de frustrações e fracassos, mas a experiência apresenta muitas tradições que se originam desse período. Dos primeiros estágios da auto-educação política de uma classe, que diz respeito aos efeitos morais da sociedade, acompanhamos com o autor o despertar de uma autoconsciência coletiva, associada a teorias, instituições, normas disciplinares e valores comunitários correspondentes que distinguem a classe operária do século XIX da plebe do século XVIII. (VENDRAMINI, 2000, p. 32)

Para Thompson, foi sem sombra de dúvida a partir das próprias experiências da classe operária que se produziu sua expressão cultural e política. Sua análise considera, entre outras coisas, o modo de vida característico dos trabalhadores, que está associado com um determinado modo de produção, e os valores partilhados

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pelos que viveram durante aquele período histórico que convencionamos chamar de Revolução Industrial. Em linhas gerais, sua magistral obra A formação da classe operária inglesa preocupa-se em estudar as experiências cotidianas, as condições de vida, os desejos e a racionalização impostos aos trabalhadores. Se determos [sic] a história num determinado ponto, não há classes, mas simplesmente uma multidão de indivíduos com um amontoado de experiências. Mas se examinarmos esses homens durante um período adequado de mudanças sociais, observaremos padrões em suas relações, suas idéias e instituições. A classe é definida pelos homens enquanto vivem sua própria história e, ao final, esta é sua única definição. (THOMPSON, 1987a, p. 11-12)

A compreensão que Thompson tem do processo de formação da classe operária inglesa nos remete à idéia de que a classe é, antes de qualquer coisa, uma formação tanto cultural como econômica e política, que se produz e se manifesta historicamente nas relações humanas e sociais, como um dos resultados de experiências comuns, determinadas principalmente pelas relações de produção. Não é de outra forma que, para este autor, a chamada consciência de classe: [...] é a forma como essas experiências são tratadas em termos culturais: encarnadas em tradições, sistemas de valores, idéias e formas institucionais. Se a experiência aparece como determinada, o mesmo não corre com a consciência de classe. Podemos ver uma lógica nas reações de grupos profissionais semelhantes que vivem experiências parecidas, mas não podemos predicar nenhuma lei. A consciência de classe surge da mesma forma em tempos e lugares diferentes, mas nunca exatamente da mesma forma. (THOMPSON, 1987a, p. 10, grifo do autor)

Preocupado em desenvolver uma ferrenha e acirrada crítica ao pensamento de autores como Louis Althusser, Thompson procura analisar em profundidade problemas epistemológicos e de teoria e prática social. Seu questionamento produz-se a partir do desenvolvimento de algumas proposições que procuram demonstrar, por exemplo, que a epistemologia de Althusser é produto de um limitado percurso acadêmico de aprendizado, no qual não é levada em consideração a experiência, ou mesmo a influência do ser social sobre a consciência que este produz da sociedade em que vive. Isto faz com que exista na epistemologia althusseriana um falseamento do diálogo com evidência empírica, inerente à produção do conhecimento e à própria prática de Marx, o que leva este autor a cair seguidamente em um mecanismo de pensamento caracterizado como idealista pela tradição marxista (THOMPSON, 1981). No sentido de alimentar vivamente essa polêmica, Thompson (1987a, p. 10-11) faz a seguinte observação:

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Existe atualmente uma tentação generalizada em se supor que a classe é uma coisa. Não era esse o significado em Marx, em seus escritos históricos, mas o erro deturpa muitos textos “marxistas” contemporâneos. “Ela”, a classe operária, é tomada como tendo uma existência real, capaz de ser definida quase matematicamente – uma quantidade de homens que se encontra numa certa proporção com os meios de produção. Uma vez isso assumido, torna-se possível deduzir a consciência de classe que “ela” deveria ter (mas raramente tem), se estivesse adequadamente consciente de sua própria posição e interesses reais. Há uma superestrutura cultural, por onde esse reconhecimento desponta sob formas ineficazes. Essas “defasagens” e distorções culturais constituem um incômodo, de modo que é mais fácil passar para alguma teoria substitutiva: o partido, a seita ou o teórico que desvenda a consciência de classe, não como ela é, mas como deveria ser. Mas um erro semelhante é diariamente cometido do outro lado da divisória ideológica. Sob uma forma, é uma negação pura e simples. Como a tosca noção de classe atribuída a Marx pode ser criticada sem dificuldades, assume-se que qualquer noção de classe é uma construção teórica pejorativa, imposta às evidências. Nega-se absolutamente a existência da classe. Sob outra forma, e por uma inversão curiosa, é possível passar de uma visão dinâmica para uma visão estática de classe. “Ela” – a classe operária – existe, e pode ser definida com alguma precisão como componente da estrutura social.

Acompanhando este raciocínio, Roseli Caldart apresenta a seguinte argumentação sobre a formação e história do MST: [...] os sem-terra não surgiram como sujeitos prontos, ou como uma categoria sócio-política dada, através do ato de criação do MST. Sua gênese é anterior ao movimento e sua constituição é um processo que continua se desenvolvendo ainda hoje, embora, tal como no caso da classe operária analisada por Thompson, já seja possível identificar um momento da sua história em que se mostra como identidade melhor definida. Este momento corresponde ao final da década de 80, início dos anos 90, deste final de século XX. (CALDART, 1999, p. 8)

Pautando a questão da autonomia dos protagonistas das lutas sociais, seus sujeitos, suas organizações frente ao Estado e outras instituições comprometidas com a manutenção do poder, quando buscamos as raízes históricas do MST é importante dizer que este é um movimento que surgiu fortemente ligado à Igreja Católica. Não sem contradições e implicações à sua própria autonomia política, a maior parte dos movimentos sociais que se organizaram a partir da década de 1970 contou com uma influência bastante grande e bem visível de alguns setores do clero católico. Com efeito, na primeira metade da década de 1970, e nos anos

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de auge do regime militar, as comunidades eclesiais de base (CEBs) foram, ou melhor dizendo, produziram um lugar social no qual os trabalhadores encontraram condições para se organizar e lutar contra as injustiças e por seus direitos. Em que pese muito em sua história o fato de ter apoiado o golpe de 1964, a partir de 1973 a Igreja Católica começou a mudar sua posição sobre o regime militar. Naqueles tumultuados dias, o presidente João Goulart, com o apoio do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), defendia a instauração da reforma agrária com o objetivo de aumentar a produção agrícola do país e ampliar o mercado interno. Para ele, este gesto poderia levar à ampliação do mercado interno nacional e à concretização de outra bandeira de seu governo: o desenvolvimento da indústria nacional. Com esse intuito, o presidente Goulart formou uma aliança com a Igreja e os comunistas – a chamada Política de Frente Única – que buscava realizar mudanças profundas nas relações agrárias no Brasil e, ao mesmo tempo, combater as Ligas Camponesas, que nesse momento assumiam uma posição mais radical: a revolução camponesa. Para garantir o sucesso dessa estratégia, escreve Alessandro Soares da Silva (2002), Goulart buscava o apoio da burguesia – que não poucas vezes era a mesma proprietária das terras – ao defender o aumento de seu lucro por intermédio da ampliação do mercado interno. Contudo, a burguesia aliou-se não à Frente Única, mas aos latifundiários e ao Exército, opondo-se, na prática, aos planos daquela. Luis Carlos Tarelho (apud SILVA, 2002, p. 4) afirma que havia diferentes caminhos possíveis para a resolução da questão agrária brasileira nesse momento: o projeto de mudança radical defendido pelas Ligas Camponesas poderia ter sido um, caso a esquerda o tivesse apoiado; a nacionalização da economia e a reforma agrária progressiva defendidas pela Frente Única poderia ter sido outro, caso a burguesia tivesse se incorporado à Frente. “Mas ambas as formas foram liquidadas de uma só vez pelo golpe e o caminho seguido foi o da internacionalização da economia, da concentração da terra, da militarização da questão agrária e da modernização abrupta do campo.” (TARELHO, 1988, p. 18) Historicamente falando, as iniciativas educacionais destinadas aos trabalhadores rurais estiveram muito dependentes de iniciativas de setores da Igreja ou de campanhas oficiais de alfabetização de adultos. Podemos lembrar aqui, por exemplo, de iniciativas como o Movimento de Educação Básica (MEB), Plano Nacional de Alfabetização (PNA), Movimento Brasileiro de Alfabetização (Mobral), Projeto Minerva, Projeto Rondon, projetos que, muito embora estivessem centrados na alfabetização, tratavam também de outras questões como direitos trabalhistas, legislação previdenciária, reforma agrária, principal e evidentemente no caso das experiências protagonizadas pela Igreja Católica por meio de suas pastorais (MANFREDI, 1996).

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Inversamente, neste cenário complexo e conflituoso buscando superar os muitos desafios que se mantinham como uma “herança maldita” do período anterior, [...] a proposta do MST de alfabetização de jovens e adultos tem como objetivo a alfabetização e discussão do trabalho “cooperativo” no assentamento [Ela considera que] este é um processo lento, pois o adulto tem mais resistência ao aprender a ler e escrever, uma vez que aparentemente para trabalhar na terra não há necessidade de escrever, no entender de alguns assentados. Por outro lado, sentem a necessidade de entender a organização de uma associação, cooperativas, e para tal a educação comprometida com o ler/escrever, mas acima de tudo com a emancipação política e cultural dos assentados. (SOUZA, 1999, p. 11)

A tendência ascendente das lutas dos trabalhadores rurais, associada ao contexto de efervescência política do período imediatamente anterior ao golpe militar de 1964, em que a bandeira da reforma agrária tinha um importante significado político, forçou o Estado a absorver progressivamente algumas demandas desta importante parcela da população brasileira. Por exemplo, os direitos sociais e trabalhistas destes trabalhadores rurais foram reconhecidos no período e consolidados em alguns marcos legais, como o direito de organização sindical e o Estatuto do Trabalhador Rural, implantado a partir de 1963, e o Estatuto da Terra, promulgado em 1965. Particularmente, por intermédio destes instrumentos o Estado procurava estender ao campo os mesmos direitos (mas também alguns dos mesmos instrumentos de controle) que já eram conferidos ao conjunto dos trabalhadores desde a instituição, na década de 1930, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), porém com muita luta e até mesmo sacrifico de muitos trabalhadores rurais. Exatamente pela compreensão desta problemática realidade, conforme destaca Maria Antônia de Souza, (1999, p. 12), “[...] o Setor de Educação do MST enfatiza o trabalho com os temas geradores: assentamento; luta; trabalho no assentamento, sempre destacando os alunos como sujeitos do processo de luta/conquista. A proposta parte da realidade para contextos mais amplos. O objetivo é não ficar apenas na discussão da realidade. Ela é apenas ponto de partida.” Ainda no que se refere ao período anterior, que abrange as décadas de 1960 e 1970, a tônica das atividades formativas e educacionais girava em torno da preparação das lideranças para o conhecimento das leis e para uma prática social que tinha, na cobrança pelo cumprimento delas, não só o eixo como o limite da ação. Além disso, aparece também como destaque a questão da gestão do universo rural, procurando produzir um padrão de organização deste na inteireza do país. A política estatal procurava influenciar tanto os técnicos como os dirigentes políticos dos trabalhadores rurais, numa consciente tentativa de uniformização do discurso.

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Evidentemente, a formação política do MST se articula decididamente a uma outra vertente, às chamadas políticas educacionais. Seus objetivos apontam, entre outras coisas, para uma fundamentação teórica que engloba perspectivas e autores como: [...] Paulo Freire; Vygotsky, Makarenko, Pistrak e, conseqüentemente, uma concepção dialógica/emancipadora de educação. O grande problema se refere à formação/ capacitação de educadores. O grande desafio é que os professores conheçam a história do assentamento; do MST, da luta, dos sujeitos e a conjuntura político-econômica justamente para colocarem em prática a proposta do MST ou contestá-la com fundamentos consistentes. Este desafio pode ser vencido através da atitude de pesquisa, de indagação, de sistematização de conhecimentos e de discussão “pública” dos conhecimentos construídos. (SOUZA, 1999, p. 12)

Na instituição dos marcos legais para a regulação da situação dos trabalhadores rurais, o Estado brasileiro instituiu uma série de medidas destinadas a levar um determinado padrão de modernização à produção agrícola brasileira, baseada na integração da agricultura aos demais setores produtivos (com destaque à indústria de insumos, como também à indústria de processamento de alimentos). Efetivamente, estes dois aspectos possibilitaram a instituição de um novo padrão de organização da agricultura e do próprio meio de vida rural. Em síntese, esta modernização, tendo em vista seu caráter conservador, rapidez e intensidade com que foi promovida, gerou uma série de situações de conflito que não podiam ser absorvidas pelos instrumentos legais perpetrados com esse fim. Nesse período, os conflitos por terra explodiram, cresceu o uso de trabalho forçado, a exclusão e a precária situação econômica dos pequenos agricultores atingiram números nunca antes vistos. Frisa-se aqui que essa recomposição e intensificação dos conflitos sociais agrários acontecia em um momento em que a ditadura militar começava a enfrentar dificuldades de sustentação, com um visível esfriamento do chamado “milagre brasileiro” e desgastada perante a opinião pública pelas irrefutáveis evidências de prática de violência e restrição de direitos civis. Por essas e outras razões, é perfeitamente compreensível que Maria Antônia de Souza finalize seu trabalho defendendo a idéia de que: [...] a luta por educação nos assentamentos e acampamentos é a luta por cidadania, pelo cumprimento das leis e pela transformação social. Portanto, para além da especificidade do MST, é a luta por uma sociedade diferente e por uma escola que seja da classe popular e não para ela. Uma escola que seja do campo e não para o campo. Uma educação que seja do MST, do acampamento, do assentamento e não para o assentamento/acampamento. Eis o desafio que tem sido enfrentado pelo MST, principalmente. Uma educação que seja construída em conjunto com instituições inte-

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ressadas em discutir e construir um processo educativo diferenciado. Neste sentido, um dos desafios do MST é reconhecer o papel que profissionais docentes-pesquisadores universitários podem desenvolver na construção da “educação diferenciada”, respeitando as autonomias e competências dos mesmos. (SOUZA, 1999, p. 15, grifo da autora)

Esta vertente da formação política e educacional desenvolvida pelo MST foi aos poucos convergindo com as lutas pelas políticas públicas, para a conformação, ao longo da década de 1990, de um projeto alternativo de desenvolvimento sustentável, muito alimentado, no interior do movimento, pela abordagem temática das tecnologias alternativas e do associativismo/cooperativismo como possibilidade de um novo modelo societário. Procurando investigar e analisar os processos pedagógicos presentes no interior dos acampamentos do MST, Maria da Glória Gohn (1999b, p. 11) argumenta que “[...] o processo de alfabetização dos alunos nas escolas do MST não se restringe ao acesso à decodificação das letras na leitura e sua formulação na escrita. Trata-se de um processo interativo lastreado na realidade vivida, fermentado pelas esperanças e utopias que os repertórios de suas reivindicações constroem.” Gohn reconhece um conjunto de possibilidades socioeconômicas articuladas que contribuíram para a construção das propostas de organização da produção e das noções iniciais de sustentabilidade no projeto político do MST. Assim, ao analisar a proposta de educação do MST, a autora afirma também que este movimento não estabelece distinção, ou dicotomia, entre educação e política. Ele tem como ponto de partida o aspecto político do ato educativo. Enfatiza a especificidade política da educação, segundo os conceitos gramscianos, de uma relação pedagógica que se insere num universo de luta contra as relações hegemônicas do capital, as quais desqualificam todo e qualquer saber que não está em consonância com o status quo (GOHN, 2000, p. 127). O desfecho conservador da transição política brasileira teve um impacto fortíssimo para as principais tendências dos movimentos sociais no campo. O MST constituiu-se numa organização de caráter nacional, com forte capilaridade e pleiteando constituir-se como principal interlocutor dos trabalhadores rurais com o Estado. Numa conjuntura marcada pela busca de consolidação da democracia política do início da década de 1990, a capacidade de interlocução tinha de ser acompanhada com a mobilização social para se fazer prevalecer. Simultaneamente, esta mesma conjuntura exigia a articulação com outros movimentos que haviam conquistado visibilidade pública. Estes últimos elementos – capacidade de mobilização e de articulação com outros setores – estavam presentes no MST por conta de sua credibilidade, alcançada em anos de luta e capacidade de organização. Neste aspecto, Gohn

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(2000) considera que o MST soube aproveitar a estrutura dos trabalhos de formação técnica que organizou. Para ela, o acúmulo de experiência no desenvolvimento dos cursos e a lacuna histórica na oferta de capacitação técnica para o trabalhador, especialmente no meio rural, criaram para o movimento uma estrutura de oportunidades políticas, uma série de brechas que foram capturadas pelo MST. Segundo esta autora, foram oportunidades dadas pela própria conjuntura social, política, cultural e econômica do país, na qual há um vácuo no setor de formação técnica, principalmente para atuar no campo. Gohn defende a idéia de que a criação de novidades que causam impactos e alicerçam as ações coletivas foi uma estratégia utilizada pelo movimento. Parte do grande crescimento que o MST obteve nos anos da década de 1990 pode ser explicada pelo exame do cenário daquela conjuntura (a outra parte deve ser atribuída à própria capacidade organizativa do MST). (GOHN, 2000, p. 111) Porém, é importante reconhecer que, muito embora este movimento tenha penetrado em praticamente todos os estados do país, sua capacidade de reconhecimento e mesmo de interlocução com o Estado nem sempre foram satisfatórias. Suas principais dificuldades sempre estiveram evidentes no momento de buscar equilibrar as dimensões da crítica social e da proposição política, e de romper com o sectarismo com que a grande imprensa quase sempre tratou o MST. Nesta busca de superação de suas dificuldades, entrou em cena a luta por um projeto alternativo de desenvolvimento rural sustentável, tendo por base a expansão e o fortalecimento da agricultura familiar e das cooperativas. Uma proposta que, simultaneamente, teria a tarefa de recompor a unidade das diferentes reivindicações dos vários segmentos em luta no meio rural, com um conteúdo estratégico expresso na perspectiva de um projeto alternativo e que fosse capaz de absorver à sua maneira o debate sobre desenvolvimento e sustentabilidade. Neste aspecto, portanto, o desenvolvimento do projeto político do MST dá-se em dois campos prioritários de ação – um externo e outro interno ao movimento. No campo externo, o MST deverá buscar atualizar suas bandeiras de luta, inovar e massificar suas formas de ação; porém, deverá continuar precária sua capacidade de superar os sectarismos próprios da grande imprensa para com o movimento. No campo interno, o MST buscará promover a unificação, ainda que conflitante e muito difícil, das tendências em disputa em seu interior, promovendo a atualização de sua estrutura organizativa e política e buscando avançar no terreno da organização técnica da produção, da cooperação e, principalmente, da educação. Tais características são fundamentais para se entenderem os pontos mais marcantes da política e os princípios educacionais do MST nos dias de hoje. O que ocorre é que os conteúdos, temas e práticas produzidos no campo

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educativo irão se dar exatamente onde o projeto político do MST conseguiu produzir a esperança e a dignidade aos trabalhadores rurais sem terra: no assentamento. Mesmo que, como escreve José Benedito Leandro (2002), o assentado não tenha essa percepção e não esteja acompanhando as idéias do MST e seu Coletivo Nacional de Educação, estimula-se uma educação libertadora e revolucionária nas áreas dos assentamentos de reforma agrária e acampamentos de sem-terras. No entanto, também na opinião de Leandro (2002), seria necessário um amplo debate nas áreas citadas para verificar o que os indivíduos esperam da educação. O resultado poderia ser bem diferente do esperado pelos líderes do MST, mas estar-se-ia respeitando as realidades das pessoas em seu mais rico cotidiano, o que, aliás, pode ser muito mais avançado que as propostas dos agentes de mediação, como salientam Poker (1994), Martins (1996), D’Incao (1976) e tantos outros pesquisadores. Não se confunda essa sugestão com defesa de ações meramente espontâneas e a volta a propostas isoladas de educação, mas o que se espera é um processo democrático não só na formulação de uma proposta educacional, como nas práticas dos professores e demais militantes do MST. Mesmo que alguns analistas e críticos possam levantar alguns problemas destas propostas educacionais, como também o caráter principista e ideologizado dos conteúdos, é necessário reconhecer que está implícito no projeto educativo do MST um princípio de que o caminho para a libertação é a conscientização política. Trata-se de uma visão emancipatória, evidentemente inspirada em Paulo Freire. Por outro lado, para Gohn (2000) a forma com que os educadores do MST realizam ou procuram realizar esta conscientização não deve ser vista como uma única e exclusiva vertente ortodoxa das propostas educacionais. A autora relembra, ainda, que [...] nesta vertente, passa-se pela idéia de sujeito histórico único e uno – a classe operária, o proletariado – que, após tornar-se consciente de seu papel e destino histórico, daria direção à resistência, politizando suas reivindicações ancorado pelo partido e por seus intelectuais orgânicos. A denúncia e a luta contra as estruturas dominantes são parte do processo de construção dessa consciência, formada a partir da interação com os intelectuais orgânicos, os quais, com seus esforços, promoveriam a capacitação científica e técnica do proletariado. Em tese, a conscientização possibilitaria aos indivíduos fazerem uma leitura do mundo, distinguir os interesses antagônicos, e desvelar as contradições sociais. No processo delineado, aparentemente o aprendizado resulta da absorção do aprendizado das informações transmitidas pelos intelectuais. É um processo que vem de fora dos sujeitos/alunos, pela assimilação das mensagens transmitidas. (GOHN, 2000, p. 127)

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Seguindo neste percurso interpretativo, um olhar mais atento sobre as iniciativas educacionais e formativas desenvolvidas pelo MST junto aos trabalhadores rurais, pelo menos desde a segunda metade da década de 1990, reafirma as perspectivas de que os desafios vêm sendo superados. Um bom exemplo é o debate sobre o desenvolvimento rural sustentável, sobre a economia solidária, a atuação nos conselhos públicos e a forma com que as questões políticas, ideológicas e principistas são tratadas. No que se refere aos cursos de formação política do MST, Maria da Glória Gohn (2000, p. 128) faz questão de salientar que: [...] o movimento busca realizar a tarefa do desenvolvimento da consciência dos alunos participantes, ou melhor, da formação de sujeitos políticos com uma determinada cultura política que contempla um olhar crítico sobre a realidade. Para tal utilizam-se métodos que são uma combinação de análises já realizadas por teóricos famosos da esquerda no passado com métodos e técnicas que são muito semelhantes aos preconizados por Paulo Freire, a saber: 1. Parte-se da análise de uma situação concreta codificada numa imagem (um fato da realidade do mundo rural congelada numa foto, num desenho, uma cena de vídeo etc.); 2. Após a projeção da imagem inicia-se o processo de distanciamento e decodificação da imagem. Busca-se o todo implícito naquela parte da realidade projetada na imagem, via a decomposição de seus elementos constituintes.

Os projetos educacionais e de formação política do MST, desenvolvidos sistematicamente desde os primórdios da década de 1990, contribuíram largamente para aprofundar a capacidade de compreensão da problemática da terra e da exclusão social em nosso país, principalmente quando suas lideranças foram capazes de debater com os gigantes da agroindústria e dos representantes dos governos estaduais e federais a possibilidade de um projeto alternativo de desenvolvimento, como também revelaram fortes barreiras no que diz respeito à incorporação, nas ações governamentais, de suas propostas de reforma agrária, que implicariam mudanças estruturais no modelo organizativo do Estado brasileiro. No desenvolvimento de sua trajetória, inegavelmente o MST conseguiu ampliar as relações com outros setores da sociedade brasileira e promover uma articulação entre ensino e pesquisa, o processo de formação política e técnica de suas lideranças e a educação básica. Assim, nesse percurso as atitudes e as habilidades de pesquisa são pensadas como a investigação sobre uma determinada realidade social, “um esforço para entender mais a fundo aquilo que é um problema. Pesquisa tem a ver com a análise da realidade, não é algo que se aprende de um dia para o outro, é um processo que precisa ser planejado, acompanhado, como todo processo educativo.” (MORIGI, 2003, p. 65-66) Desta forma, e mesmo com toda sorte de dificuldades, no interior do MST a prática da pesquisa é projetada e articulada com o objetivo de articular a

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teoria com a prática, respeitando-se as diferentes faixas etárias, as metodologias educacionais e as exigências específicas de cada realidade em que se produz. Nesta difícil e problemática caminhada, [...] o que é repassado como informação/conhecimento usualmente não é assimilado e tomado como verdade absoluta num primeiro momento porque há um distanciamento entre a razão daqueles que recebem as informações (os alunos) e a razão que transmite aquele conhecimento (o professor, apoio, mediador etc.). Ainda que a direção do processo tenha um só objetivo voltado para a organização popular que visa um processo emancipatório, o sentido e o significado do saber construído transfigura-se em uma meta: transformar o mundo pela ótica dos interesses da classe que eles representam – os excluídos. Os professores/assessores do MST estabelecem relações dialógicas com os alunos – enquanto sujeitos e objetos da reflexão do trabalho, que todos eles defendem o pressuposto de que o movimento tem, em si mesmo, a capacidade de construir novos conhecimentos a partir da práxis cotidiana. Estes sujeitos reelaboram sua prática e transformam-na em práxis pela mediação que estes assessores/apoios – professores desenvolvem nos cursos de formação. (GOHN, 2000, p. 128-129)

O MST vem-se constituindo como uma objetiva e singular expressão da luta do homem do campo para superar as desigualdades a que é submetido. Nesse sentido, quando nos dispomos a observar a coesão manifesta pelos participantes do MST na luta pela aquisição legal da terra, entre outras coisas, percebemos que há uma identidade grupal coletiva – constituída a partir da luta pela posse da terra – que se sobrepõe aos desejos individuais de cada sujeito associado a este movimento social. Quando buscamos reconstruir essas trajetórias de intervenção educacional e política que se operam no interior do MST, cumpre-nos salientar que a formação de quadros não está sendo estimulada somente para a atuação em assentamentos, mas para a atuação em todas as instâncias e necessidades do MST. Apesar de todas as dificuldades, registre, principalmente, que o desejo de possuir um lugar será um dos referenciais de identificação e signo de esperança às gerações presentes e futuras durante o contínuo processo de luta, durante a formação de uma identidade coletiva que supere as diferenças históricas e culturais dos sujeitos. Entendemos que essa identidade grupal e a consciência política são expressas nas representações sociais e seus significados sobre a posse da terra, nos conteúdos presentes em cada uma das dimensões da consciência política e nas experiências vividas por cada sujeito no decorrer de sua existência. Uma existência histórica, como muito bem lembrou e caracterizou Paulo Freire (2000, p. 60-61):

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O movimento dos sem-terra, tão ético e pedagógico quanto cheio de boniteza, não começou agora, nem há dez ou quinze, ou vinte anos. Suas raízes mais remotas se acham na rebeldia dos quilombos e, mais recentemente, na bravura de seus companheiros das Ligas Camponesas que há quarenta anos foram esmagados pelas mesmas forças retrógradas do imobilismo reacionário, colonial e perverso. O importante, porém, é reconhecer que os quilombos tanto quanto os camponeses das Ligas e os sem-terra de hoje todos em seu tempo, anteontem, ontem e agora sonharam e sonham o mesmo sonho, acreditaram e acreditam na imperiosa necessidade da luta na feitura da história como “façanha da liberdade”. No fundo, jamais se entregariam à falsidade ideológica da frase: “a realidade é assim mesmo, não adianta lutar”. Pelo contrário, apostaram na intervenção no mundo para retificá-lo e não apenas para mantê-lo mais ou menos como está. Se os sem-terra tivessem acreditado na “morte da história”, da utopia, do sonho; no desaparecimento das classes sociais, na ineficácia dos testemunhos de amor à liberdade; se tivessem acreditado que a crítica ao fatalismo neoliberal é a expressão de um “neobobismo” que nada constrói; se tivessem acreditado na despolitização da política, embutida nos discursos que falam de que o que vale hoje é “pouca conversa, menos política e só resultados”, se, acreditando nos discursos oficiais, tivessem desistido das ocupações e voltado não para suas casas, mas para a negação de si mesmos, mais uma vez a reforma agrária seria arquivada.

Para muitos estudiosos da questão fundiária, como é o caso, Alessandro Soares da Silva (2002) os movimentos sociais rurais remontam ao período do Brasil colônia. Com efeito, os povos pré-colombianos, os negros escravizados, os imigrantes e os camponeses, todos lutaram pelo direito à terra, pelo direito de permanecerem na terra em que vivem e na terra em que plantam. Cada grupo, incessantemente, empreendeu diferentes formas de luta para resistir à dominação. Os que detinham o poder contrapuseram-se a essas tentativas e procuraram descaracterizar o processo de exploração a que submetiam esses grupos para que, desse modo, as lutas por eles empreendidas fossem vistas como ilegítimas (SILVA, 2002, p. 1). De fato, desde há muito tempo conflitos pela posse da terra vêm ocorrendo em praticamente todos os estados e regiões do país. Não existe um só estado brasileiro em que não haja ocorrido algum tipo de enfrentamento no campo. Este quadro tem transformado a questão dos trabalhadores rurais sem terra em um verdadeiro problema nacional e, nos últimos anos, as lutas e ocupações que estes trabalhadores impulsionam se expandem e intensificam por todos os cantos do vasto território brasileiro. Isto faz com que o movimento que ocorre no Brasil seja diferente daqueles que se verificam em outros países latino-americanos, onde as lutas camponesas, que apresentam uma dinâmica crescente, são localizadas em determinadas regiões. Para se ter uma idéia, nas zonas agrícolas de um dos mais importantes estados da federação,

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no caso o Estado de São Paulo, existem fortes focos de tensão bastante semelhantes àqueles que ocorrem nas mais remotas regiões amazônicas. A incessante multiplicação desses conflitos acabou convertendo o MST no principal, para não dizer o único protagonista das lutas camponesas no Brasil atual. Estas lutas pela terra não têm sido nadas pacificas; muito pelo contrário, foram centenas de mortos e feridos que os mais diferenciados enfrentamentos produziram apenas ao longo da década de 1990. Na memória de muitos ainda está presente o massacre de Eldorado dos Carajás, pequena cidade nos arredores de Belém, no Estado do Pará, onde foram assassinados 19 trabalhadores rurais e pelo menos 51 foram gravemente feridos pelas balas disparadas pelos soldados da Policia Militar no dia 17 de abril de 1996. Poucos meses antes, pistoleiros pagos por fazendeiros e com apoio de integrantes da Policia Militar assassinaram 12 trabalhadores agrícolas e feriram outras 53 pessoas que lutavam pela terra na cidade de Corumbiara, no Estado de Rondônia. Isto apenas para mencionar alguns acontecimentos que tiveram ressonância jornalística nacional, e deixando de lado inúmeros casos que cotidianamente se repetem nas mais variadas localidades do vasto território nacional. “Guerra civil no campo”. “Governo reage e ameaça sem-terra”. “No governo Lula, violência no campo aumenta e assusta”. São algumas manchetes que de vez em quando se apresentam nas capas dos mais prestigiados jornais e revistas nacionais para mostrar a situação conflitante no campo. No campo oposto a este da violência institucionalizada, procurando valorizar as formas diretas de participação política dos movimentos sociais e exercitando sua compreensão libertadora da educação, Paulo Freire proclama as potencialidades históricas dos sem-terra: A eles e elas, sem-terra, a seu inconformismo, à sua determinação de ajudar a democratização deste país devemos mais do que às vezes podemos pensar. E que bom seria para a ampliação e a consolidação de nossa democracia, sobretudo para sua autenticidade, se outras marchas se seguissem à sua. A marcha dos desempregados, dos injustiçados, dos que protestam contra a impunidade, dos que clamam contra a violência, contra a mentira e o desrespeito à coisa pública. A marcha dos sem-teto, dos sem-escola, dos sem-hospital, dos renegados. A marcha esperançosa dos que sabem que mudar é possível. (FREIRE, 2000, p. 61)

Na perspectiva sustentada por Paulo Freire existe um princípio de esperança que acompanha os protagonistas destes movimentos que trazem a possibilidade histórica de uma sociedade comprometida com a erradicação da miséria e da injustiça social. Esse é um importante elemento ideológico do pensamento reformista

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em nosso país. No caso da luta pela terra, substantivamente, quem vendo sendo o principal organizador do movimento social é o MST, que constitui o movimento rural mais dinâmico do Brasil contemporâneo. Principalmente se levarmos em conta que: Um dos processos educativos fundamentais da participação dos sem-terra está em seu enraizamento numa coletividade em movimento, que embora seja sua própria construção (os sem-terra são o MST), acaba se constituindo como uma referência de sentido que está além de cada sem-terra, ou mesmo além do seu conjunto, e que passa a ter um peso formador, ao meu ver decisivo, no processo de educação dos sem-terra. É a intencionalidade política e pedagógica do MST que garante o vínculo da luta imediata com o movimento a história [sic]. A trajetória do MST foi sendo desenhada pelos desafios de cada momento histórico. À medida que os sem-terra se enraízam na organização coletiva que os produz como sujeitos, passam a viver experiências de formação humana encarnadas nesta trajetória. Mesmo que cada pessoa não tenha consciência disso, toda vez que ela toma parte das ações do movimento, fazendo uma tarefa específica, pequena ou grande, ela está ajudando a construir esta trajetória e a identidade sem-terra que lhe corresponde; e está se transformando e reeducando como ser humano. Tornar consciente e reflexivo este processo é um dos grandes desafios pedagógicos do MST, e uma das razões de valorizar cada vez mais as atividades especificas de educação. Sem isto, os novos sujeitos sociais não conseguirão tornar-se sujeitos políticos, capazes de efetivamente fazer diferença no desenrolar da luta de classes e na reconstrução de nosso projeto de humanidade. Não há como ser sujeito político sem saber-se um sujeito social, e não há como saber-se um sujeito social, coletivo, sem compreender-se no processo histórico da luta e da formação de seus sujeitos. (CALDART, 1999, p. 12)

Hoje, no Brasil, o MST é a mais significativa forma de organização social em luta pela terra e pela reforma agrária, inclusive, pela abrangência territorial que alcançou e mecanismos políticos orientadores de sua atuação, o mesmo não tem precedentes históricos. Esse movimento nasceu em princípios da década de 1980, porém adquiriu pleno caráter nacional uma década depois, realizando ocupações de terras na quase totalidade dos estados brasileiros. Trata-se de um movimento fortemente vinculado à Igreja Católica desde sua origem. Um movimento que nasceu quase paralelamente ao chamado sindicalismo classista, e mesmo ao “novo sindicalismo” do ABC paulista1. Enquanto este alcançou ressonância e respeito nacional pela intensidade de suas lutas, os trabalhadores rurais – sempre estigmatizados como “violentos” e “sem lei” – estiveram confinados, marginalizados, inclusive pelas organizações de esquerda. 1 A origem da terminologia utilizada para designar a região está associada a um conjunto de cidades localizadas na chamada Grande São Paulo, ou, mais precisamente: Santo André, São Bernardo e São Caetano.

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Este espaço de atuação política e social, anteriormente ocupado pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB) e outras organizações populistas e logo abandonado, foi ocupado rapidamente pela Igreja Católica, que vinha de apoiar o golpe militar de 1964, mas que a partir de 1973 teve um importante setor de seu interior operando um giro político à esquerda, resolutamente, somando-se na defesa e no restabelecimento dos direitos democráticos e sociais, usurpados pelo regime de exceção então vigente. O crescimento do movimento agrário no Brasil mostra-se não apenas pelo seu alcance nacional, mas também pelos números que mobiliza. Estão sob influência direta do MST mais de 1 milhão de trabalhadores rurais; destes, o movimento conseguiu assentar centenas de famílias em dezenas de assentamentos que abarcam uma área de alguns milhões de hectares em diversas partes do território nacional; existem ainda milhares de famílias acampadas em centenas de acampamentos, aguardando e lutando pelo atendimento de suas reivindicações. Todavia, é importante dizer que, no Brasil existem quase 17 milhões de trabalhadores rurais (ou aproximadamente 4,8 milhões de famílias), sem contar os milhões que têm sido expulsos do campo, impedidos de produzir e que se aglomeram nas periferias das grandes cidades. De acordo com enfáticos apontamentos apresentados por Roseli Salete Caldart em seminário organizado pelo Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) em dezembro de 1999, o MST contabiliza os seguintes números: Nos 16 anos que completa na entrada dos anos 2000, o MST contabiliza um número de aproximadamente 250 mil famílias assentadas e de 70 mil famílias acampadas em todo o Brasil. Quantidades pequenas diante da realidade das mais de 4,5 milhões de famílias sem-terra existentes no país, mas significativas, dado o formato histórico da questão agrária entre nós, e a dignidade humana construída através destes números. O MST já registra em sua história áreas conquistadas do latifúndio que se tornaram lugares de vida e de trabalho para muitas famílias, e de produção de alimentos para mais outras tantas; hoje são 81 cooperativas de trabalhadores e trabalhadoras sem terra, 45 unidades agroindustriais e, o principal, a eliminação da fome e a redução dos índices de mortalidade infantil nos assentamentos espalhados pelo Brasil inteiro. (CALDART, 1999, p. 3)

Em função de uma preocupante permanência histórica, é importante lembrar que o aproveitamento da terra agricultável no Brasil é diminuto. Segundo dados apresentados por James Petras e Henry Weltmeyer (2001), na obra Brasil de Cardoso: a desapropriação do país, “calcula-se que menos de 20% da terra cultivável é plantada, deixando 80% para funções não-produtivas”. Esses autores observam que os motivos que levam ao uso anti-social da terra no Brasil estão

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centrados principalmente no padrão de posse da terra; isto pode ser comprovado por números como estes: “9% dos proprietários de terra possuem cerca de 78% da terra enquanto, no outro extremo, 53% da população rural tem pouca ou nenhuma terra (menos de 3%)” (PETRAS; WELTMEYER, 2001, p. 124). A perspectiva meramente agroexportadora implantada sucessivamente pelos governos militares e civis é a principal responsável pelo inexorável empobrecimento dos homens do campo e do substantivo número de trabalhadores rurais e pequenos agricultores vivendo nas periferias das grandes e médias cidades brasileiras. Sobre isto, também James Petras e Henry Weltmeyer (2001, p. 126) observam que esta política empresarial, na prática, produz “enclaves de crescimento dinâmico de exportações e um mar de pequenos e médios fazendeiros decadentes e trabalhadores rurais sem terra desenraizados num mercado externo estagnado”. Mais recentemente, durante o governo Fernando Henrique Cardoso, verificou-se um cenário de empobrecimento da zona rural, além do que sua política econômica “descapitalizou a economia agrícola, particularmente o setor ligado aos pequenos produtores que produziam para o mercado local” (PETRAS; WELTMEYER, 2001, p. 122). No desenvolvimento de nossas análises, é fundamental recuperar e destacar o que dizem estes autores: Nos primeiros dois anos do governo de Fernando Henrique, entre 1995 e 1997, a população economicamente ativa do setor agrícola diminuiu em 500.000 proprietários rurais e trabalhadores agrícolas, além dos 1,1 milhão de trabalhadores rurais que fugiram do campo entre 1990 e 1994. Estimativas recentes afirmam que entre os pequenos agricultores, 400.000 famílias foram obrigadas a abandonar a zona rural durante os primeiros cinco anos do governo Cardoso. (PETRAS; WELTMEYER, 2001, p. 122-123)

Para nós, entre outras coisas, trata-se de buscar compreender, numa perspectiva histórica, o que está ocorrendo no campo, qual é a dinâmica de luta, qual é o caráter das organizações que falam em nome dos trabalhadores rurais sem-terra, seus métodos e sua política. Oficialmente, não temos no Brasil uma guerra civil aberta no campo, porém nos contínuos enfrentamentos ela se manifesta de forma embrionária ou velada; se não se torna aberta não é pela pouca disposição dos trabalhadores rurais, mas pelo férreo controle que exercem suas direções, que buscam uma reforma agrária nos marcos da legalidade produzida pela sociedade capitalista. Apesar disto tudo poderíamos dizer, citando Bernardo Mançano Fernandes (1996) quando analisou o desenvolvimento do capitalismo na agricultura do inicio da década de 1960 até os primeiros instantes da década de 1990 (resguardando as diferenças históricas de cada período), que “o desenvolvimento do capitalismo é desigual e contraditório e que sua essência está na reprodução ampliada do capital. À proporção que acontece o desenvolvimento do capitalismo no campo, este tende

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a se apropriar de todos os setores de produção, expropriando os trabalhadores de seus instrumentos e recursos.” (FERNANDES, 1996, p. 29-30) Do ponto de vista econômico e social, trata-se de uma discussão extremamente pertinente, e este processo de desenvolvimento “desigual e contraditório” é apresentado e elucidado por Fernandes com a seguinte argumentação: O capital apropria-se do trabalho livre para a sua reprodução. Desenvolve-se uma relação social em que, de um lado, o capitalista compra a força de trabalho, pois esta é fundamental para a reprodução ampliada do capital, e, do outro lado, o trabalhador vende a força de trabalho, pois isto é fundamental para a sua sobrevivência. Criase assim a propriedade capitalista e o trabalho assalariado. Contudo, a reprodução ampliada do capital não acontece somente dessa forma, ou seja, por ser desigual e contraditório [...]. Isso significa que o capitalismo não se desenvolve e se expande de forma linear. No seu desenvolvimento e expansão, o capitalismo instala relações de trabalho assalariado e/ou instaura e subordina de modo formal outras relações, como por exemplo as relações de trabalho e de produção não-capitalistas: o trabalho familiar, a parceria, etc. (FERNANDES, 1996, p. 30)

O presente trabalho tem, entre seus objetivos, analisar a situação dos trabalhadores rurais sem-terra e o problema agrário brasileiro desde a ótica acima explicitada, num momento histórico em que existe uma dinâmica de ressurgimento das lutas camponesas com a expectativa de que elas possam colocar-se em sintonia com um provável revigoramento das lutas operárias, tal qual tem ocorrido em países como a Bolívia e, em menor escala, Colômbia e Paraguai. No Brasil, observamos um crescimento das lutas dos trabalhadores rurais sem-terra; são mobilizações cada vez mais intensas e constantes, num momento em que existe uma profunda paralisia das lutas produzidas pelos movimentos operários, populares e estudantis.

Uma explicação marxista ao problema da terra no Brasil e na América Latina A renda da terra é a categoria que explica a exploração do valor econômico da terra sob o regime de produção capitalista, isto além da forma que adquiriu a propriedade da terra. Partindo dos postulados marxistas, podemos dizer que o monopólio da propriedade territorial constitui uma premissa histórica e se ma têm como base constante do regime de produção capitalista e de todos os sistemas de produção anteriores baseados numa outra forma de exploração das camadas empobrecidas dos trabalhadores. Estes, na medida em que avançam em sua luta e capacidade de organização social, acabam construindo espaços de socialização política.

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Um movimento socioterritorial como o MST tem como um de seus principais objetivos a conquista da terra de trabalho. E os realiza por meio de uma ação denominada ocupação da terra. A ocupação é um processo socioespacial e político complexo que precisa ser entendido como forma de luta popular de resistência do campesinato, para sua recriação e criação. A ocupação desenvolve-se nos processos de espacialização e territorialização, quando criadas e recriadas as experiências de resistência dos sem-terra. [...] é preciso dizer que a ocupação é uma ação decorrente de necessidades e expectativas, que inaugura questões, cria fatos e descortina situações. Evidente que esse conjunto de elementos modifica a realidade, aumentando o fluxo das relações sociais. São os trabalhadores desafiando o Estado, que sempre representou os interesses da burguesia agrária e dos capitalistas em geral. Por essa razão, o Estado só apresenta políticas para atenuar os processos de expropriação e exploração, sob intensa pressão dos trabalhadores. (FERNANDES, 2000b, p. 61-62)

Não é nenhum exagero dizer que desde a segunda metade do século XX e nos primórdios do século XXI as lutas dos trabalhadores rurais são um fato importante e irrefutável da vida política latino-americana. Registre-se que, desde o princípio da década de 1990, assistimos a uma intensificação das lutas camponesas no Brasil e na América Latina, desde o levante camponês de Chiapas, passando pelo cerco camponês da cidade de Florência, na Colômbia, pelas constantes e crescentes ocupações de terra no Brasil, até os violentíssimos enfrentamentos no interior da Colômbia ou mesmo da Bolívia. Desprovido de significativas conquistas históricas, a ocupação no Brasil é, na descrição de Bernardo Mançano Fernandes, parte de um movimento de resistência a esses processos, na defesa dos interesses dos trabalhadores, que são a desapropriação do latifúndio, o assentamento das famílias, a produção e reprodução do trabalho familiar, a cooperação, a criação de políticas agrícolas voltadas para o desenvolvimento da agricultura camponesa, a geração de políticas públicas destinadas aos direitos básicos da cidadania. Nas palavras deste autor, temos a seguinte caracterização: A organização de uma ocupação decorre da necessidade de sobrevivência. Acontece pela consciência construída na realidade em que se vive. É, portanto, um aprendizado em um processo histórico de construção das experiências de resistência. Quando um grupo de famílias começa a se organizar com o objetivo de ocupar terra, desenvolve um conjunto de procedimentos que toma forma, definindo uma metodologia de luta popular. Essa experiência tem a sua lógica construída na práxis. Essa lógica tem como componentes constitutivos a indignação e a revolta, a necessidade e o interesse, a consciência e a identidade, a experiência e a resistência, a concepção de terra de trabalho contra a de terra de negócio e de exploração, o movimento e a superação. (FERNANDES, 2000b, p. 62)

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A luta pela terra e a implantação de uma agricultura de subsistência é um problema histórico no campo na América Latina, condenando o trabalhador rural a uma economia de subsistência em suas parcas e miseráveis terras, e de uma brutal exploração nas mãos dos grandes fazendeiros e transformando a terra num problema constituinte das mazelas sociais que se produzem nesta região do mundo. A propriedade da terra produz relações sociais tensas, entre outras coisas, porque na sociedade capitalista ela traduz “um processo que envolve trocas, mediações, contradições, conflitos, movimento, transformação” (MARTINS, 1981, p. 169) e “sua apropriação, controle e particularmente sua concentração por uma determinada classe, pode e quase sempre significa o domínio político-econômico de um determinado lugar, região, país, etc.” (FERNANDES, 1996, p. 29). A questão agrária e a independência nacional são aspectos das tarefas democráticas estruturais inconclusas que as burguesias das nações periféricas na época do imperialismo não puderam, não podem ou não querem resolver. Realizar de conjunto e por diversas vias a revolução burguesa na Europa, e mais tardiamente nos Estados Unidos, abriu o caminho para o desenvolvimento capitalista da agricultura, generalizando a pequena propriedade com a mudança capitalista, abarcando a produção de alimentos para reproduzir a força de trabalho, e ainda um mercado interno; na América Latina, a propriedade latifundiária manteve-se e, a partir daí, o processo de formação da burguesia foi primeiro da diferenciação interna dentro da classe dos grandes proprietários e depois a associação, territorializando seus lucros e capitalizando sua renda a partir da associação e, conseqüentemente, sujeição e à burguesia imperialista. Desta maneira, o que resulta é a impossibilidade da burguesia de resolver o problema da terra de forma progressiva como foi feito pela revolução burguesa na Europa, especialmente na França, devido ao temor da mobilização revolucionária do campesinato e à sua imbricação com a classe rentista. O domínio imperialista do mundo tem condenado os países periféricos da América Latina a um lugar claramente delimitado na divisão internacional do trabalho, ou seja, seu papel é o de concentrar sua produção em satisfazer a demanda de matérias-primas e atender às necessidades das indústrias, e manter o baixo custo de sua força de trabalho. Por isso mantiveram-se essencialmente como economias agroexportadoras, que não necessitam transformar a estrutura latifundiária da propriedade da terra. A produção latifundiária orientada ao mercado mundial e subordinada aos monopólios imperialistas, aos grandes grupos agroindustriais, convive com a pequena propriedade e, com o domínio dos grandes monopólios, seriam a base do futuro processo de industrialização anormal, ou uma pseudo-industrialização

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destas nações, que se daria primeiramente sob o chamado processo de substituição de importações. É necessário assinalar aqui o papel do imperialismo na configuração do capitalismo. A transformação do capitalismo nos grandes países industriais em capitalismo monopolista impede que os países periféricos repitam o ciclo histórico cumprido por aqueles em sua evolução, desde a pequena produção capitalista até a grande indústria moderna. O monopólio constitui, em última instância, um intento de frear a tendência de declínio da taxa de lucros. Para contrariar esta tendência, o monopólio deve inibir no mercado local o crescimento de novos competidores nos ramos monopolizados, ou mais lucrativos, da indústria. No mercado mundial, o monopólio necessita manter o atraso das regiões periféricas, precisamente porque extrai seus lucros desse atraso.

A lei do desenvolvimento desigual e combinado, tal qual formulada por Trotski (1985), e a teoria do imperialismo de Lênin (1978) são as que melhor explicam este amálgama de formas “arcaicas e modernas”, a coexistência de grandes latifúndios e pequenas propriedades com uma industrialização parcial e grandes conglomerados urbanos. Este processo não se deu pacifica e evolutivamente, senão que se viu obrigado a “avançar aos saltos” (explicação última das lutas camponesas) ao longo de todo o século XX e início do XXI, ao manter a existência da exploração latifundiária como um dos graves problemas da terra em praticamente toda a América Latina. A dialética de classes que se reivindica, então, é a aliança política e social entre o campesinato e o proletariado para resolver as tarefas democráticas estruturais, inclusive a da terra, que a burguesia deixou inconclusa. Esta aliança somente pode-se dar num processo de lutas contra a burguesia liberal nacional associada aos grandes latifundiários e o monopólio da agroindústria. Somente esta aliança é o ponto de apoio dos trabalhadores, do campo e da cidade, na busca de resolver as tarefas democráticas estruturais, e reivindicando, simultaneamente, as tarefas socialistas, dando à revolução um caráter permanente.

O modelo rentista da economia na América Latina e a existência de uma agricultura tradicional O desenvolvimento da agricultura na América Latina, como refração dos movimentos que se dão nos países imperialistas e na economia mundial, pode ser determinado em três grandes períodos: 1) uma fase de 1880 a 1930 e outra de 1930 até meados de 1950, com a existência de uma agricultura de tipo tradicional; 2) de meados de 1950 até fins da década de 1970, com a transição a uma agricultura de tipo empresarial mediante a chamada “revolução verde”; 3) o período que se abre

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na década de 1970 com a crise de acumulação do capital e o salto da agricultura empresarial propriamente dita, que entendemos tratar-se de uma tendência que não domina plenamente toda a produção agrícola na América Latina. Os grandes latifundiários, associados aos grandes monopólios imperialistas, formam a fração de classe de proprietários que modelou o desenvolvimento na região. Foi com base na produção e exportação agrícola que o capitalismo na América Latina buscou consolidar-se entre 1880 e 1930, principalmente com base no controle do transporte e dos portos para exportação de trigo, banana, cacau e café, e dos frigoríficos e das grandes plantações. Tivemos principalmente na produção agrícola uma produção de matérias-primas e alimentos para as nações imperialistas industrializadas. Este quadro não sofreu significativas mudanças mesmo mais tarde, a partir das décadas de 1930 e 1940, com a pseudo-industrialização nacional mediante o chamado processo de “substituição de importações”, que se fez com base nos excedentes das exportações agrícolas. Numa síntese da história econômica nacional, podemos dizer que entre 1950 e 1960, com a nova onda de “industrialização” baseada em investimentos estrangeiros, a industrialização caiu em mãos dos monopólios internacionais, assim como a produção agrícola. Com isso, os latifundiários tornaram-se rentistas, e esta foi a base material que levou ao auge financeiro e ao poderio político, mas também à decadência, o populismo burguês, pois as bases materiais de tal modelo de desenvolvimento não lhe pertenciam mais. De toda maneira, o modelo rentista associado aos grandes monopólios imperialistas não deu lugar a um desenvolvimento das forças produtivas, à formação de um mercado interno, mas acabou produzindo, isto sim, a pauperização do campesinato, sua condição de subsistência e as formas arcaicas da propriedade da terra. No Brasil, este processo de desenvolvimento desigual e contraditório foi descrito por Ariovaldo Umbelino de Oliveira (1986, p. 19) da seguinte forma: Um fazendeiro que desenvolve pecuária de corte – invernada – no oeste do Estado de São Paulo precisa ter sempre em boas condições as pastagens de sua propriedade e manter um conjunto de trabalhadores assalariados para cuidar do rebanho. Quando as pastagens estiverem desgastadas pelo pastoreio do gado, elas terão que ser refeitas ou, como se diz na região, “o pasto tem que ser tombado”. Para refazer a pastagem o fazendeiro pode deslocar ou contratar trabalhadores assalariados para arar a terra, adubá-la e semear capim, esperá-lo crescer, para depois soltar novamente o gado na área. Nem sempre isso ocorre, muitas vezes esse fazendeiro, ao invés de destinar uma parte de seu capital para realizar a tarefa de refazer o pasto, arrenda a terra a camponeses sem-terra ou com pouca terra na região, para que eles façam o trabalho por ele. Esse arrendamento pode ser de várias formas, entre elas a de dividir parte

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da produção obtida no solo durante uma colheita de algodão, amendoim, milho, etc. O fazendeiro entra com a terra e por isso recebe metade, ou um terço ou um quarto ou uma porcentagem previamente estipulada da produção obtida. Também, pode cobrar uma quantia em dinheiro pela cessão da terra. No primeiro caso, temos a parceria e no segundo a renda em dinheiro. Em seguida, o camponês planta por um ano ou menos ainda, um produto na terra que era ocupada pela pastagem. Após a colheita, ou ele entrega parte da produção ao fazendeiro ou vende a safra e paga em dinheiro a quantia estipulada previamente no contrato de arrendamento. Em seguida semeia o capim na terra e entrega/devolve a área ao fazendeiro, que aguardará apenas o crescimento do capim e terá o pasto reformado, sem que, para tal, tenha gasto parte de seu capital.

A relação rentista da terra impede o desenvolvimento das forças produtivas porque os latifundiários, donos de imensas extensões de terra, não se vêm obrigados a reinvestir seu capital produtivamente mais do que o necessário para conservar sua produção com vistas às demandas existentes. Como vimos, a renda da terra determina a estruturação social no campo. Até a década de 1950, a agricultura do subcontinente foi do tipo tradicional, baseada na produção latifundiária para abastecer o mercado interno e, principalmente, o externo, sendo o principal provedor de produtos agropecuários à Europa, ao mesmo tempo que manteve uma agricultura de subsistência para amplas parcelas de camponeses. Evidentemente, não nos podemos esquecer de que o capital é uma relação social, que produz um cotidiano de expropriação e de exploração. “Cria, de um lado, os exploradores, e de outro os explorados, produz a fartura e a fome. Este é o caráter inerente da contradição do desenvolvimento capitalista.” (FERNANDES, 1996, p. 31) Diante dessa realidade, Fernandes (1996, p. 31) produz o seguinte diagnóstico: [...] os trabalhadores rurais têm criado diversas formas de resistência, durante toda a sua história, através das lutas sociais no enfrentamento com o Estado, com os proprietários de terra e capitalistas. Não é só a luta pela terra que está em questão, é uma luta contra um modelo de desenvolvimento que privilegia um único tipo de propriedade. O problema da terra no Brasil, na realidade, não passa simplesmente pela distribuição de terra.

Neste aspecto, concordamos plenamente com Fernandes, principalmente porque em nosso país, historicamente, o Estado tem procurando exercer uma autoridade total ao evitar, desarticular e destruir as formas de organização dos trabalhadores rurais, na medida em que “o problema da terra constitua mediações políticas que envolvam necessariamente uma redefinição do pacto político que sustenta o Estado” (MARTINS, 1986a, p. 61) ou, ao mesmo tempo, a constituição da territorialização da força de trabalho como lugar por excelência do exercício de sua coerção política.

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A transição para uma agricultura empresarial: a revolução verde e suas conseqüências no mercado agrícola mundial e na América Latina O chamado boom do pós-guerra produziu um enorme excedente de capitais nos países imperialistas (em parte, produto da exploração capitalista em pequenas propriedades) que trouxe a possibilidade de se produzirem investimentos na agricultura dos países periféricos. Iniciava-se, assim, o que se convencionou chamar de “a revolução verde”, com maior utilização de máquinas, uso de sementes cientificamente tratadas, utilização de produtos químicos e fertilizantes em larga escala. Porém, para alguns críticos destes episódios mirabolantes, muitas vezes caracterizados como programas econômicos fundamentais para o desenvolvimento – ou, melhor dizendo, salvação – da agricultura nacional, A chamada ‘revolução verde’ no campo, promovida pelo agrobusiness, é uma miragem, ou melhor, demonstra o quanto pode haver de ‘revolucionário’ no capitalismo atrasado e semicolonial do Brasil. Dos 850 milhões de hectares (aproximadamente) existentes no Brasil, apenas 42 milhões correspondem ao agronegócio, 70 milhões encontram-se consagrados à pecuária, 120 milhões são (ou seriam) terras indígenas, e 110 milhões, terras de conservação. O remanescente, quase 500 milhões de hectares não-aproveitados, está dividido entre latifúndios improdutivos e áreas devolutas: revolução capitalista? E o Brasil não é o paraíso da ‘preservação ambiental’. Transformado em primeiro produtor de soja (e, em certas áreas, também o primeiro em produtividade), essa cultura já se apropriou da Região Norte, invadiu a chamada maior e principal fronteira agrícola da humanidade, já ocupou o cerrado e, segundo os pesquisadores, já começa a avançar na selva, num avanço sem controle que ameaça a biodiversidade da região. (COGGIOLA, 2004, p. 122)

O que aqui queremos identificar é que se trata do início de um lento processo de transição da agricultura tradicional para uma agricultura empresarial, diretamente orientada para exportar para o mercado mundial, a partir de agora dominada quase totalmente pelas nações imperialistas, subordinada às condições de produção que estas lhe impõem, perdendo a produção agrícola da América Latina seu lugar no mercado mundial e, também, paulatinamente e em parte, o mercado interno. Os latifundiários tradicionais evidenciam sua inviabilidade. Durante o regime militar, a política de desenvolvimento agropecuário no Brasil tinha, entre outros, os seguintes objetivos: “[...] acelerar o desenvolvimento do capitalismo no campo incentivando a reprodução da propriedade capitalista [...] isolar parcialmente, de um lado, o poder dos coronéis latifundistas e, de outro, impedir totalmente o crescimento das lutas dos trabalhadores rurais, que vinham construindo suas formas de organização, sobretudo a partir de meados da década de cinqüenta” (FERNANDES, 1996, p. 32).

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Segundo ainda as análises produzidas por Bernardo Mançano Fernandes, a política agrária da ditadura militar incorporou em seu ideário um projeto de reforma agrária que havia sido produzido, imediatamente antes da ação golpista perpetrada pelos militares em 1964, pelos artífices do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (Ipes) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad). Estudando sua ação ideológica e a composição político-militar do Ipes e do Ibad, que aglutinava intelectuais, escritores, jornalistas, advogados, Carmela Panini nos diz, também, que esses possuíam o seguinte objetivo: [...] se contrapor à ação política do governo Goulart e às mobilizações de grupos populares. Esta elite, com capacidade de organizar seus próprios interesses e os da sociedade, consegue infiltrar-se com sua doutrina ideológica em todas as camadas sociais. A ação ideológica é assumida pelo complexo Ipes/Ibad, que se vale de todos os meios de persuasão disponíveis: cursos, palestras, seminários, simpósios, filmes, teatros, além da distribuição gratuita de alimentos (provenientes da “Aliança para o Progresso”, celebrada entre o Brasil e os Estados Unidos). (PANINI, 1990, p. 68)

O salto de produtividade na agricultura das nações imperialistas com a chamada revolução verde produziu uma importante mudança nas condições do mercado mundial, ameaçando apropriar-se de uma parte cada vez maior da renda dos latifundiários na América Latina. Este processo selou as bases para o futuro processo de domínio direto das grandes corporações transnacionais em todo o processo, desde a produção até a comercialização; ou seja: o agronegócio. Este processo, que começou a desenvolver-se entre 1950 e fins da década de 1970, produzindo como principal conseqüência a apropriação direta das terras pelos grandes monopólios, latifundiários, pela expansão de suas terras, é o mesmo que impulsionaria os camponeses a lutar por sua obtenção. A mesma necessidade de terras destes dois setores de classes distintas explica as grandes lutas camponesas das décadas de 1950 e 1960. Os processos de reforma agrárias – que muitas burguesias nacionais viram-se obrigadas a realizar – não tiveram outro objetivo que não fosse frear o crescimento das lutas camponesas e a radicalização do proletariado urbano, que tendiam a crescer como produto do triunfo da Revolução Cubana. E por cair em mãos das burguesias nacionais é que em nenhum caso, exceto no México décadas antes (produto da revolução interrompida de 1910) e, parcialmente, na Bolívia, (produto da revolução de 1952), se deu extensamente. Inclusive, tanto na Bolívia como no México retrocedeu anos mais tarde. Este crescimento das lutas camponesas teve dois momentos: um entre 1945 e 1960, com Brasil, Peru e Bolívia, por exemplo; outro na década de 1960, em países como o Paraguai, por exemplo, que em sua maioria terminaram em uma integração reacionária do campesinato aos regimes existentes então.

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Por outro lado, sob a égide de governos burgueses, em diferentes países latinoamericanos as reformas agrárias se realizaram, mesmo que parcialmente, mas sob o signo da chamada Aliança para o Progresso, dirigidas por Washington, tuteladas pelo regime da propriedade privada, da produção mercantil e apartada dos mais elementares interesses sociais. Evidentemente, esta foi a resposta dos Estados Unidos à radicalização das grandes massas do continente ante o triunfo da Revolução Cubana e aos exemplos de radicais transformações socais que ela, então, representava. Ressalta-se, ainda, que a força deste ascenso camponês, sentido em nível mundial, materializou-se com a vitória das Revoluções Chinesa e outros movimentos de libertação nacional e antiimperialistas espalhados por diferentes partes do mundo. É importante dizer, também, que estas revoluções trouxeram e continuam trazendo inspirações políticas, mas seus signatários não foram capazes de resolver o problema estrutural da terra na América Latina mesmo depois de terem chegado ao governo de inúmeros países. No Brasil, durante o governo Costa e Silva, tendo como principal perspectiva relacionar-se com a questão fundiária sem trazer quaisquer ameaças ao “sagrado” direito à propriedade privada, a problemática da terra [...] e particularmente da terra na Amazônia, transformou-se progressivamente num problema militar. O Ministério do Interior, ocupado pelo general Albuquerque Lima, um general nacionalista identificado com o pensamento da Escola Superior de Guerra, definiu como objetivo nacional prioritário a política de integração da Amazônia. Reduzindo a questão a termos simples, os problemas de pressão social e fundiária do Nordeste poderiam ser resolvidos na Amazônia, mediante o desenvolvimento de projetos de ocupação de “espaços vazios”, criação de pólos de desenvolvimento, com envolvimento decisivo das Forças Armadas. (MARTINS, 1984, p. 41-42)

Este procedimento político e econômico, profundamente anti-social, adotado pelos governos militares produziu nefastas repercussões sociais, presentes na realidade brasileira até os dias de hoje.

O salto em direção à agricultura empresarial: o agro-negócio (agrobusiness) As mudanças que se apresentaram no mercado mundial levaram a uma profunda transformação da velha agricultura tradicional em uma agricultura de tipo empresarial, processo este ligado à penetração direta dos capitais transnacionais na agricultura da região, seja mediante a compra, absorção ou fusão e/ou associação de grandes fazendas ou plantações, propriedades da burguesia agrária latifundiária.

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Este processo, que surgiu na América Latina nos primeiros anos da década de 1970 e produziu um grande salto durante a década de 1980, é expressão da crise da acumulação do capitalismo que abarcava os países centrais, e que deu origem a uma nova onda de exportação de capitais aos países periféricos, e ao crescente peso do campo na região, que passou a ser chamado de agronegócio. Sua introdução foi parte das mudanças estruturais a que se viu submetida a América Latina como um subproduto da derrota do ascenso revolucionário dos anos 1970 e dos golpes militares que se sucederam em todo o subcontinente. Segundo o inventor do termo agrobusiness, Ray Goldberg, da Harvard Business School, o agrobusiness compreende todos os indivíduos e organizações que participam na produção, processamento, transporte, armazenamento, financiamento, regularização e comercialização do abastecimento de alimentos e de fibras em todo o mundo. Com efeito, segundo Goldberg, o agrobusiness é um sistema – da semeadura até o consumidor – composto de uma série de atividades estranhamente relacionadas que, juntas, possibilitam a produção agrícola desde a plantação até o mercado. Dito de outra maneira, trata-se de uma intervenção estrangeira, direta dos grandes monopólios da agricultura, da compra direta de terra, da internacionalização da propriedade da terra em mãos dos grandes monopólios, da conformação de verdadeiras agroindústrias, não só para a produção de matérias-primas, senão também para a produção de insumos para a agroindústria. Estas mudanças, longe de significarem a liquidação da velha estrutura latifundiária, reforçam-na: os investimentos de capitais, a aplicação da tecnologia desenvolvida, etc., são mais produtivos em enormes extensões de terra; por sua vez, a grande propriedade requer menos desembolso de capital, o que provoca nefastas conseqüências para o campesinato: a expulsão maciça de suas terras, a pauperização (já que o trabalhador não pode ser absorvido pelas indústrias dominadas pelos grandes monopólios com uso do capital intensivo e aumento da intensidade do trabalho mecanizado, que despreza a mão-de-obra), o desbaratamento dos tradicionais cultivos de subsistência que lhes impõem os monopólios agroindustriais. É assim que, no Brasil, a soja elimina a produção de milho, feijão e mandioca. A dieta camponesa básica, formada por estes produtos, tende a ser substituída pelos interesses do agrobusiness. Discussões estratégicas ou mesmo socioambientais à parte, em nosso país este processo fica bastante evidenciado, particularmente na região amazônica, onde as mazelas e infortúnios sociais produzidos pelos sucessivos governos militares são analisados e criticados da seguinte forma por Bernardo Mançano Fernandes: Sob o lema de integrar para não entregar, as terras da Amazônia sem homens que deveriam ser destinadas para os homens sem terra foram praticamente

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entregues às grandes empresas beneficiadas pela política de incentivos fiscais. Em seu encaminhamento político, os governos militares utilizaram-se da bandeira da reforma agrária, mediante projetos de colonização, na promessa de solucionar os conflitos sociais no campo, atendendo assim aos interesses do empresariado nacional e internacional. Como o objetivo era colonizar para não reformar, o problema da terra jamais seria resolvido com os projetos de colonização na Amazônia, pois o que estava por trás desse processo era uma estratégia geopolítica de exploração total dos recursos naturais pelos grandes grupos nacionais/internacionais. Assim, o envolvimento das Forças Armadas, do Estado autoritário garantiu aos grandes grupos econômicos a exploração da Amazônia. (FERNANDES, 1996, p. 34, grifos do autor) Segundo Ariovaldo Umbelino de Oliveira (um dos principais estudiosos da questão agrária no Brasil), em 1968 o governo Costa e Silva interveio militarmente no Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (Ibra), criado em 1965 juntamente com o Instituto de Desenvolvimento Agrário (Inda) para substituir a Superintendência da Política Agrária (Supra), criada no governo Goulart. A razão da intervenção foi o relatório Velloso, preparado com base na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a respeito das denúncias de corrupção, “grilagem” e venda de terras a estrangeiros (OLIVEIRA, 1988b, p. 42). Mas o pior ainda estava por vir: [...] a intervenção militar era uma fachada moral que escondia uma estratégia geopolítica, em que os grupos internacionais e nacionais construíam condições políticas para o controle das riquezas naturais do país. Em 1969 o governo criou o Grupo Interministerial de Trabalho sobre a Reforma Agrária (Gera) para analisar os problemas que impediam o desenvolvimento de medidas de reformulação fundiária. Esta ação representou a orientação da política agrária do Estado, que procurava fortalecer o corte empresarial da agricultura, por meio de políticas de incentivos fiscais. Nesta época, o governo militar beneficiou vários grandes grupos empresariais que adquiriram, nas regiões Centro-Oeste e Norte, imensas áreas de terra para projetos de colonização e projetos agropecuários. Dessa forma, os governos militares com sua política agrária praticavam mudanças no campo sem modificar o regime de propriedade da terra. (FERNANDES, 1996, p. 35, grifos do autor)

Enquanto isso, a miséria camponesa alcançava patamares nunca vistos. Milhões de seres humanos condenados à fome e principalmente à morte por inanição, mas também expulsos da terra. Assim, a presença do agrobusiness nos mercados internos produziu um consumismo insensato dos setores médios mais acomodados das cidades, coexistindo com a subalimentação e a desnutrição no campo e nos pobres das cidades. Com seus ajustes industriais e sofisticação

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tecnológica, as companhias alimentícias produziram maciçamente uma impressionante gama de alimentos com maior valor agregado. Elas contribuíram para criar novos segmentos da indústria de alimentos, incluindo os pratos rápidos, instantâneos para serem preparados em microondas, além de bebidas e comidas industrializadas, pretensamente de baixa caloria e gordura, mas de altos preços e grande desperdício.

A inovação e introdução de produtos pela indústria na década de 1970 As novas condições de penetração direta das grandes corporações transnacionais da agroindústria no campo da América Latina produziram um aumento da dependência dos países periféricos ao cada vez mais concentrador e controlador mercado mundial, por duas vias: por um lado, dependiam da exportação de agroinsumo, valorizando a produção para o mercado interno e, por outro, transformaram-se em importadores de alguns alimentos que a agroindústria produzia, elaborava e comercializava. No Brasil, precisamente a partir de 1970, este processo obedeceu ao seguinte ideário político: [...] o governo do General Médici iniciou uma campanha ufanista atravessada pelo “falso nacionalismo” de que era necessário “integrar a Amazônia para não entregála aos estrangeiros”. Era o início das campanhas do Projeto Rondon: “Integrar para não entregar”. Era, enfim, um período em que a sociedade foi massacrada pela propaganda feita pelos veículos de comunicação de massa (TV, rádio, jornais, revistas, etc.). Estas propagandas eram veiculadas de modo a encobrir a verdadeira intenção deste governo, que era aquela de não interferir no processo de aquisição de terras por estrangeiros, ao contrário, alimentá-lo ainda mais, através da política dos projetos agropecuários. Estes projetos aprovados pela Sudam (Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia) passavam a interessar ao desenvolvimento econômico nacional e, portanto, não precisariam enquadrar-se na nova legislação sobre a venda de terras a estrangeiros. Dessa forma, os grupos estrangeiros poderiam adquirir quanta terra desejassem. Veja-se, por exemplo, a Suiá-Missu (em São Felix do Araguaia – MT), vendida para o grupo Liquifarm, com os seus 450.000 ha oficialmente registrados no Incra, sendo que outras fontes falam em sua superfície de 670.000 ha. Outro exemplo é a Cia. Vale do Rio Cristalino, pertencente à Volkswagen, com mais de 140.000 ha. (OLIVEIRA, 1988b, p. 63-64)

Esta maior dependência e subordinação ao imperialismo e as conseqüências sociais deste processo não significaram a liquidação do campesinato, senão que

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deram lugar ao desenvolvimento de três situações: o fenômeno dos camponeses sem-terra; a maior concentração e transformação dos camponeses em assalariados agrícolas; e a maior pauperização, que tem produzido a luta para recuperar parcelas de terra para cultivar produtos que permitam a subsistência da família camponesa. Isto em parte, porque o desenvolvimento desigual e combinado nestas regiões tem produzido uma industrialização parcial que impede de absorver as massas camponesas que migram para as cidades, mas não querem voltar ao campo, exceto por meio de ações políticas como as protagonizadas pelo MST ou outras organizações de trabalhadores rurais. E também porque, como escreveu Trotski (1985), todo desenvolvimento sob o capitalismo não é mais que um processo híbrido e estéril, portanto, que não pode desenvolver nenhuma de suas tendências até o final. Por outro lado, por exemplo, o capital necessita de alimentação barata, necessária à reprodução de sua força de trabalho. Também excepcionalmente se deve permitir que o proletariado que não encontra trabalho nas cidades possa regressar ao campo e produzir um cultivo de subsistência que lhe permita sobreviver. Em síntese, a nova divisão mundial do trabalho, que despreza parcialmente a produção de subsistência camponesa, é dominada pelo aumento de produtividade nos países centrais, aumenta de forma desmedida as produções mundiais de alimentos, dando-se o caso típico da anarquia que predomina na economia capitalista em que, ao lado de milhões de famintos, gera-se uma produção que não encontra demanda, o que explica os subsídios multimilionários mantidos pela economia política nos países centrais do sistema. Existe uma produção assumidamente subsidiada na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, para que os pequenos proprietários destas nações imperialistas, base social do regime imperialista, reduzam sua produção ou diretamente não produzam. Historicamente, observamos ainda que, os subsídios não produzem o enriquecimento dos pequenos e médios produtores dos países centrais, mas inauguram uma nova realidade de sua crescente subordinação ao sistema financeiro, aumentando, por conseguinte, o seu endividamento e empobrecimento. Com a ausência de uma efetiva política de distribuição da riqueza social, permanece a tendência à superprodução, signo da anarquia da produção capitalista e da irracionalidade econômica, que não pode ser resolvida exceto pela planificação consciente da economia, aproveitando os recursos naturais de zonas de imensa fertilidade, sem ter de destinar milhões de dólares para deter ou destruir a produção.

3 A problemática da concentração fundiária no Brasil e suas conseqüências As lutas camponesas na América Latina Ao longo de todo o século XX e nos primórdios do século XXI temos presenciado lutas camponesas de enorme heroísmo, verdadeiro incêndio da profunda violência perpetrada contra os explorados. A guerra camponesa no México logo no princípio do século XX, a qual chegou a derrotar o exército do Estado e formou um exército camponês; o levantamento camponês, também no princípio do século XX, contra os regimes oligárquicos mexicanos; logo depois, o enfrentamento contra os diversos regimes nacionalistas burgueses do pós-guerra, como as guerrilhas camponesas no Peru, na década de 1960, lideradas por Hugo Blanco, os violentíssimos levantes das Ligas Camponesas no Nordeste do Brasil, no início da mesma década, a guerra civil no campo na Colômbia, desde meados do século passado até o presente momento, os processos de tomada e ocupação de terras que percorreram toda a década de 1970 no Chile, Bolívia, Uruguai, são elos da mesma corrente. Neste início de século, o problema agrário na América Latina segue sem ser resolvido; pelo contrário, tem-se aprofundado. Sem serem capazes de apresentar propostas exeqüíveis, distintas correntes populistas empenharam-se em levantar tímidos programas de corte burguês ou pequeno-burguês que haviam encorajado ou seguem encorajando as lutas camponesas. Os marxistas buscam sustentar a imensa potencialidade revolucionária do campesinato sem-terra. Histórica e politicamete falando, refletindo sobre a base das distintas experiências revolucionárias, e centralmente a da Revolução Russa, sustentam que não existe solução alguma ao problema agrário – e, por conseguite, nacional – que não seja produto da ruptura com o imperialismo e de uma radical expropriação do latifúndio. Tal questão somente pode ser resolvida mediante um processo de profundas mudanças sociais, que atraiam o movimento camponês em busca da instauração de um governo dos trabalhadores capaz de encaminhar, em primeiro lugar, a resolução dos grandes problemas democráticos estruturais que a impotente burguesia latino-americana, por sua estreita relação com o capital financeiro e com os grandes latifundiários, tem sido incapaz de solucionar.

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Sustentamos aqui que é preciso questionar todo um modelo excludente de acumulação que levou à informalidade no trabalho do homem do campo, ao desemprego, ao subemprego, à ausência de garantias sociais ou mesmo trabalhistas, produtor da miséria e desagregador da vida social. Trata-se de compreendê-lo e ousar sua superação, conforme a seguinte proposição de Bernardo Mançano Fernandes (1996, p. 53): Com a expansão do capitalismo no campo e, conseqüentemente, com a sujeição da renda da terra ao capital, a luta pela terra é, antes de tudo, uma luta contra a essência do capital: a expropriação e a exploração. Entendendo o desenvolvimento capitalista como desigual e contraditório, compreendemos que o capitalismo não é capaz de conter apenas um modelo de relação social, logo, o trabalho assalariado não é a única via. Desta forma, a luta pela reforma agrária não passa apenas pela distribuição de terras, vai além... Vai em direção da construção de novas formas de organização social que possibilitem a (re) conquista da terra de trabalho – a propriedade familiar. Vai em direção à (re) construção da propriedade coletiva dos meios de produção, e, mais importante ainda, vai em direção à construção de novas experiências realizadas cotidianamente pelos trabalhadores rurais no movimento de luta pela terra. Entender esse processo é o nosso desafio.

Também é preciso levar em conta que muitos direitos sociais foram ou vem sendo subtraídos, além do que, mesmo com o impressionante e acelerado êxodo rural que se produziu na sociedade brasileira nos últimos anos, verifica-se no campo um conjunto cada vez maior de trabalhadores desempregados ou mesmo trabalhando irregularmente, sazonalmente, nos períodos de safras e colheitas. Essa é uma característica produzida diretamente pela forma autoritária, conservadora e concentradora da terra que se operou no processo de acumulação do capital no campo brasileiro. A concentração e os mecanismos de acumulação de capital no campo significaram uma intensificação desse irresistível processo de empobrecimento social, a crescente utilização de novos e cada vez mais mecanizados métodos de produção, de produtos químicos que o capitalista da agroindústria se obriga a utilizar. Verdade seja dita, o crescimento dos investimentos capitalistas no campo trouxe a ilusão de que teríamos maior oferta de trabalho, mas a irresistível intensificação da mecanização sepultou tal perspectiva e o que se verifica é a diminuição da oferta de trabalho, o que abastece a constituição de um exército de trabalhadores rurais de reserva sempre dispostos a trabalhar pelos mais baixos salários. Projetar quaisquer possibilidades societárias a partir desse perverso modelo mostra-se politicamente enganoso.

57 3 A PROBLEMÁTICA DA CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

A questão camponesa e a revolução permanente Nesta época marcada pelo imperialismo e a crescente internacionalização das relações econômicas, políticas e sociais, a lei do desenvolvimento desigual e combinado formulada por Trotski (1985) se expressa cabalmente nos países periféricos. Exatamente por isso, não deixa de ser surpreendente que a questão nacional e a questão da terra constituam os dois grandes problemas democráticos ainda não resolvidos pela burguesia nacional dos países da América Latina, tendo em vista sua extrema debilidade e dependência da burguesia imperialista mundial. Dito de outro modo, hoje em dia o que se verifica é que as burguesias dos países periféricos encontram-se totalmente submetidas ao imperialismo. Sendo assim, não tem possibilidade de constituir-se como classe independente e, portanto, de tomar em suas mãos e resolver todas as tarefas históricas que desse processo deveriam se desprender, como a reforma agrária, a eqüidade política, econômica e a questão da libertação nacional. Assim, uma reflexão marxista sobre esta questão deverá proceder de um exame da situação da economia mundial, considerada não como simples adição de suas unidades nacionais, mas como poderosa realidade independente, criada pela divisão internacional do trabalho e pelo mercado mundial, que em nossa época domina do alto os mercados nacionais. Sobre este período histórico marcado pela constituição conflituosa de mercados mundiais, escreve Trotski (1985, p. 4): As forças produtivas da sociedade capitalista já ultrapassaram, há muito tempo, as fronteiras nacionais. A guerra imperialista não foi senão uma das manifestações desse fato. A sociedade socialista deveria representar, do ponto de vista da produção e da técnica, um estádio mais elevado que o capitalismo: pretender construir a sociedade socialista no interior de limites nacionais significa que, a despeito de triunfos temporários, fazemos as forças produtivas recuarem, mesmo em relação ao capitalismo. É uma utopia reacionária querer criar no quadro nacional um sistema harmonioso e suficiente, composto de todos os ramos econômicos, sem ter em conta as condições geográficas, históricas e culturais do país que faz parte da unidade mundial.

Uma reflexão marxista sobre este tempo histórico de mundialização do capital também precisa reconhecer que ele é povoado de contradições e que estas somente se podem expressar na cotidianidade social. É na localidade que a insurreição conhece seu processo de gestação, desenvolve-se e se fortalece, transcendendo os limites nacionais e alcançando finalmente uma configuração mundial. No Brasil, as lutas sociais que os membros do MST protagonizam representam talvez o mais importante e rico movimento social em toda a história do

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campesinato brasileiro, desempenhando importante papel na construção ideológica ou mesmo na busca da consecução dos objetivos políticos, econômicos e culturais que estão inseridos em quaisquer perspectivas de transformação profunda e radical da realidade social. As características particulares deste movimento, sua originalidade, vitalidade e permanência histórica no cenário político brasileiro e latino-americano permitem-nos situá-lo como um integrante de primeira hora do bloco dos que procuram constituir uma hegemonia social com força e capacidade política de produzir um caminho para o socialismo em todo o continente americano. Mesmo reconhecendo que o campesinato brasileiro constitui uma minoria social em relação ao proletariado urbano-industrial, não podemos descartar seu potencial revolucionário e, se estamos dispostos a superar nossos preconceitos e agir na busca da construção de uma sociedade humanizada, que supere a barbárie capitalista, se este é o fio condutor de nossa história, não podemos descartar o potencial transformador e pedagógico do MST. O envolvimento dos representantes do MST nas questões políticas nacionais e mesmo internacionais é uma realidade inquestionável. Evidentemente, pela forma extremamente diferenciada como vivem os homens do campo no Brasil, existem diferenças na forma como estes camponeses percebem este ou aquele problema. Entre eles existem diferentes comportamentos e perspectivas de como se deve, por exemplo, lutar pela terra. Existem inúmeros diferenciais que explicam o envolvimento dos sem-terra nas lutas políticas e sociais que percorrem a contemporaneidade brasileira, mas é muito grande a possibilidade de seus protagonistas produzirem um envolvimento orgânico com quaisquer movimentos revolucionários que porventura tenham origem e se desenvolvam no Brasil na contemporaneidade. A mobilização social, o senso de igualdade, a perspectiva histórica e o caráter reformista radical que o MST busca potencializar fazem com que o movimento tenha um importante papel a desempenhar nos movimentos reivindicativos ou mesmo revolucionários brasileiros. Ocorre que não basta apenas identificar o papel das classes sociais no processo revolucionário. Na permanente luta pelo poder, os trabalhadores do campo e da cidade precisam superar o espontaneísmo, precisam de organização apropriada, precisam de planos, precisam conspirar, precisam reconhecer que A revolução socialista não pode completar-se dentro dos limites nacionais. Uma das causas essenciais da crise da sociedade burguesa resulta do fato de as forças produtivas, que esta criou, tenderem a transcender os limites do Estado nacional [...]. A revolução socialista começa no plano nacional, desenvolve-se mais à escala internacional e se completa à escala mundial. Assim, a revolução socialista torna-se

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permanente num sentido novo e amplo do termo: sua conclusão só se verifica com a vitória definitiva da nova sociedade em todo o planeta. (TROTSKY, 1985, p. 139)

A luta e o esforço político empreendidos pelos membros do MST defrontam-se todos os dias com toda sorte de agruras, dificuldades e até com o trágico extermínio de muitos dos que buscavam superar os problemas da fome e da miséria no campo brasileiro. Ao questionar os monopólios tradicionais da terra, da cultura e do conhecimento na América Latina com sua práxis social, com sua pedagogia da luta, cada vez mais o MST firma-se ao lado dos que buscam combater as injustiças e as sórdidas condições de vida que se produzem no campo brasileiro; estas, por sua vez, são quiméricas manifestações locais das profundas desagregações sociais produzidas pelo capitalismo em todo o mundo. Possam suas ações tornar-se parte indissolúvel do processo revolucionário mundial, em movimentos de massas que pleiteiam a transformação da sociedade como um todo. Possam os esforços destes rebeldes transformar-se na esperança de uma vida melhor e plena de humanidade.

A problemática da concentração fundiária no Brasil e suas principais conseqüências Para melhor entender o problema agrário no Brasil é necessário refletir sobre a complexa e crescente concentração da terra. Vivemos num país com aproximadamente 8,5 milhões de quilômetros quadrados de superfície, que representam 850 milhões de hectares, dos quais 371 milhões de hectares de solo classificados como de potencialidade agrícola boa, boa a regular e regular a boa, totalizando 43,7% do território nacional. Desse total, em 1985 eram cultivados 60 milhões de hectares. De qualquer maneira, considerando que hoje essa quantidade seja um pouco maior, estamos falando de centenas de milhões de hectares. Segundo os dados do censo agrícola (1995), dos 376 milhões de hectares cobertos por 5,8 milhões de estabelecimentos agrícola do país, 3,1 milhões de agricultores têm acesso apenas a 10 milhões, ou seja, 2,67% do total. Em outro extremo, os 50 mil latifúndios com mais de mil hectares cada detinham 165 milhões de hectares, portanto, 16 vezes mais. São números que impressionam: 1% dos estabelecimentos controla 44% do total de terras disponíveis, quase metade do Brasil rural. A este dado temos de agregar que, quanto maior é o estabelecimento, maior é a proporção de terra que se mostra ociosa. Parece incrível, porém existem no Brasil estabelecimentos com áreas superiores aos territórios de importantes países europeus. Na lista dos maiores latifúndios

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do país, com base em dados produzidos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), aparece nos primeiros lugares a empresa Madeireira Nacional S. A. (Manasa), que domina uma área no Estado do Amazonas de 4.140.767 hectares. Isto significa dizer que seu tamanho é superior, pelo menos, uma vez e meia que o território da Alemanha reunificada (3.570.390 hectares). O segundo maior proprietário de terra no país é a empresa Jarí Florestal e Agropecuária Ltda., que possui 2.918.892 hectares no Estado do Pará. Em terceiro lugar temos a Agro-Florestal Amazônica (Apub), com 2.194.374 hectares no Estado do Amazonas e mais de 665,710 hectares em outras regiões do país. A estes dados podemos somar propriedades do tamanho de 2,1 milhões de hectares que, para serem percorridos, necessitam de cinco dias de barco ou mais de uma hora de avião, o equivalente ao território de El Salvador; a propriedade do industrial Mario Jorge Moraes (ex-vice-presidente da Fiesp), com 1,2 milhão de hectares, semelhante à extensão da Jamaica, além de inúmeros latifúndios do tamanho de países como Líbano ou Porto Rico, sendo que a maioria destes é improdutiva e evadem impostos. Todas estas informações nos mostram que no Brasil não existem limites para a aquisição de terras. Existem aproximadamente 512 propriedades com mais de 50 mil hectares cada uma. Esses latifúndios gigantescos totalizam 62 milhões de hectares, uma extensão de terra maior que qualquer país da Europa, com exceção da Rússia. Esse alto grau de concentração de terra no território brasileiro não é novo, já que se vem reproduzindo pelo menos desde o Brasil Império. Porém, tal processo foi terrivelmente acentuado a partir da instauração da ditadura militar em 1964. Além disso, como analisou José de Souza Martins (1984), desenvolveu-se um processo irresistível de militarização da questão agrária; com ela os governos militares buscavam administrar o imenso conflito social que percorria e continua percorrendo os mais diferenciados territórios do país. Para Martins (1984, p. 15), “através da militarização, o governo tenta controlar e domesticar o demônio político que ele libertou com a sua política agrária e econômica”. Sobre este macabro processo de militarização da questão fundiária no Brasil, escreve Bernardo Mançano Fernandes (1996, p. 54, grifos do autor): As lutas sociais decorrentes da política econômica e fundiária do governo militar surgem com uma realidade completamente nova no campo. Esta realidade carregada de contradições desafia as formas institucionais no período de abertura política. Assim, neste novo momento, as instituições: Estado, partidos, sindicatos, igrejas, etc., são obrigadas a responder à violência com que a questão agrária tem sido tratada. Durante o regime militar foram assassinados 1.106 trabalhadores rurais, numa luta sangrenta contra a expropriação, a grilagem de terras, contra os despejos violentos, o trabalho escravo, a queima das casas e das lavouras, a superex-

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ploração dos trabalhadores assalariados e sem direitos, etc. Estes são fatos reais dessa política de desenvolvimento que quis levar o progresso para o campo (numa concepção burguesa do termo), que, ao fortalecer uma única forma de relação social, pela violência da cassação dos direitos, promoveu a miséria resultante da expropriação e exploração. Resistindo a essa realidade, os trabalhadores rurais – posseiros, sem-terra e assalariados – se organizam para transformá-la.

Ocorre, todavia, que esta problemática realidade é bem mais remota. Mais precisamente a partir da Proclamação da República, as questões agrárias, bem como as terras devolutas passam a ser de responsabilidade estatal. Nos primórdios da história republicana, a força política das oligarquias rurais contrapunha-se à força dos militares. Enquanto os oligarcas queriam a autonomia dos estados, os militares defendiam o fortalecimento da União. A autonomia dos estados era fundamental para se garantir a força do coronelismo regional. Contudo, a prevalência das posturas unionistas dos militares contribuiu para o enfraquecimento dos coronéis, possibilitando que, paulatinamente, os trabalhadores rurais começassem a adotar estratégias de ação que lhes possibilitassem o enfrentamento dos latifundiários e sua emancipação desse poder (SILVA, 2002, p. 1). Se antes as ações empreendidas pelos trabalhadores rurais eram baseadas na expectativa messiânica de salvação e justiça concretizada na luta religiosa ou no cangaço, que fazia o enfrentamento armado da questão agrária, a decadência e busca de desmantelamento do poder dos coronéis possibilitou a adoção de estratégias de luta que abrangiam mais profundamente a sociedade, assumindo um caráter claramente político. Verificamos a radicalização dessas transformações com o surgimento das Ligas Camponesas e dos sindicatos de trabalhadores rurais no início da década de 1960 (SILVA, 2002, p. 2). Para muitos analistas e estudiosos deste período, a conjuntura política pela qual passava o país quando do surgimento das ligas e sindicatos foi crucial para a construção do estilo e da estrutura do sindicalismo rural adotado no Brasil. A pressão exercida tanto pelo poder público (o Ministério do Trabalho impunha restrições às possibilidades de organização sindical) quanto pelos latifundiários (que reprimiam aos trabalhadores rurais e suas tentativas de organizar-se) resultou em dificuldades internas e externas, pois governo e latifundiários constituíam uma barreira a ser transposta para que a justiça social viesse a ser algo viável e uma realidade histórica. A estratégia adotada para a superação dessa barreira, informa-nos Alessandro Soares da Silva, foi a criação das Ligas Camponesas que agruparam arrendatários, posseiros, parceiros e pequenos produtores rurais. As ligas começaram a crescer rapidamente, principalmente, nas regiões mais pobres e não assistidas do país. Paralelamente a elas, cresciam também os sindicatos rurais, compostos em sua maioria por trabalhadores rurais assalariados. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica

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começava a fundar sindicatos cristãos, por temer a ação das ligas e de comunistas junto às organizações rurais (SILVA, 2002, p. 2). Em sua origem, toda esta política estava centrada também num projeto de “isolar” ou controlar, por um lado, o poder dos “coronéis” grandes proprietários de terras e, por outro lado, impedir totalmente o crescimento das lutas dos trabalhadores rurais, que vinham constituindo suas formas de organização, sobretudo a partir de meados da década de 1950 com as Ligas Camponesas. Do ponto de vista político-estratégico, da geopolítica do poder que então se desenvolvia, foi a partir destas relações com a política de “desenvolvimento agropecuário”, durante o período da ditadura militar, que se iniciou a instalação dos projetos agropecuários por grandes empresas na Amazônia. No Centro-Sul se desenvolveu uma rápida industrialização da agricultura. A política de privilegiar o capital monopolista nos mais variados setores da agricultura aumentou a concentração de terras e a expropriação e a exploração dos trabalhadores rurais. Durante o período que precedeu ao golpe militar, entre 1961 e 1964, houve a intensificação da ação dos movimentos rurais, mas também a intensificação das disputas entre as diversas correntes que compunham o movimento das Ligas Camponesas, fator que ajudou a enfraquecê-lo. Com o golpe empresarial-militar em 1964 (que resultou nas duas décadas de ditadura militar), houve o quase aniquilamento do movimento agrário. No entanto, conseguiu-se garantir a continuidade entre o movimento das ligas e sindicatos que antecederam o golpe e as atividades de resistência e reestruturação que se desenvolveram durante o regime militar. Isso se verifica por meio das lutas empreendidas nos anos que se seguiram ao golpe (SILVA, 2002, p. 2). De acordo com Silva (2002), durante os anos em que o regime militar comandou o país não bastou aos militares proibirem reuniões, vetar nomes nas composições das chapas, confiscar publicações que considerassem subversivas e prender pessoas que nem sempre voltavam às suas casas; para este autor, “era mister para os militares controlar as atividades sindicais para evitar o surgimento de ações subversivas. Uma das estratégias de controle utilizadas pelos militares foi a de reduzir o campo de atuação dos sindicatos às atividades assistenciais.” (SILVA, 2002, p. 3) O movimento sindical assentiu em assumir a responsabilidade pelas ações assistenciais, como propunha o governo federal, com o intuito de incentivar afiliações ao sindicato, afastar os políticos das atividades assistenciais, combater a influência da Igreja sobre os camponeses e na tentativa de implantar atividades que combatessem a pobreza. Contudo, a estratégia dos sindicatos não surtiu o efeito desejado: não houve a mobilização esperada. Os trabalhadores rurais naquele momento “desconfiavam dos novos dirigentes que, após a intensificação da intervenção estatal no sindicalismo pelos militares, passaram a participar da ala conservadora da Igreja Católica” (SILVA, 2002, p. 3).

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Outro fator relevante para a compreensão da desmobilização dos movimentos sociais rurais foi a aprovação do Estatuto da Terra. Desejando acelerar o desenvolvimento do capitalismo no campo, os militares implantaram uma política agrária que privilegiava as grandes empresas, concedendo-lhes incentivos financeiros e fiscais. Elas passam a ocupar o setor agropecuário. Autores como Alessandro Soares da Silva (2002, p. 3), sintetizam lucidamente tais diretrizes: [...] as bases da política agrária do regime militar foram concebidas no período que antecedeu ao golpe. Através das atividades do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad), civis e militares que se opunham ao governo Goulart e às mobilizações populares, construíram um projeto de reforma agrária que acabou sendo transformado no Estatuto da Terra da era militar.

Assim, para ficarmos apenas num exemplo significativo, de ampliação das dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores e pequenos proprietários rurais brasileiros durante o período de 1970 a 1985, 44,8 milhões de hectares de terras públicas foram transformadas em latifúndios, o que corresponde a quase duas vezes a área total do Estado de São Paulo. Em conseqüência desta política, mais de 17 milhões de trabalhadores rurais não têm terras. São, aproximadamente, 5 milhões de famílias que aspiram a um pedaço de terra dos 81 milhões de hectares de terras ociosas no país, suficiente para 4 milhões de famílias. Segundo o MST, 32 milhões de pessoas passam fome e somente 60 milhões de um total de 450 milhões de hectares em todo o território são cultivados. Também como conseqüência do processo de concentração fundiária em curso, verifica-se um processo de intensa repressão, perseguição e violência, muitas vezes culminando em assassinatos cometidos contra os membros das pastorais, advogados, religiosos, militantes políticos, membros do MST, sindicalistas e trabalhadores rurais em função de sua atuação nos conflitos de terra, que se multiplicaram rapidamente por todo o Brasil. Para se ter uma idéia precisa sobre a escalada da violência no campo brasileiro, reproduzimos aqui o dramático e pungente depoimento de Cida, uma sem-terra acampada em Sumaré, traduzindo não apenas a intensificação da ação repressiva do Estado, mas principalmente registrando, deixando “a marca da resistência, por meio de ações da luta popular que os identifiquem como trabalhadores, como cidadãos” (FERNANDES, 1996, p. 125): Em mim particularmente naquele momento, foi o momento que mais me tocou. Quando começaram a derrubar o primeiro barraco construído com tanto sacrifício,

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de quem nunca teve uma casinha, para simplesmente fazer o gosto de uma minoria que tem, em cima daqueles que não têm. Tinha uma faixa, assim na frente que dizia: REFORMA AGRÁRIA JÁ, ESSE PAÍS É NOSSO. Eu me perguntei: – será que esse país é nosso? Se a terra é de Deus e ninguém é dono da terra e, de repente, vem alguém e toma a terra da gente. Peguei a faixa e chamei a Dali e falei: – Dali, vem me ajudar, e comecei a gritar: REFORMA AGRÁRIA JÁ, ESSE PAÍS É NOSSO. Aí veio o oficial de justiça mais o Padre Israel, dizendo: – Cida, você está louca, eles vão bater em vocês. Mas a gente achava um absurdo aquilo que eles estavam fazendo. Aí eles vieram e me tiraram a faixa. Isso deu uma força, cada vez mais dava mais força e tava unindo mais a gente. Peguemos o pão que restava, pois a casinha já havia sido destruída, e fomos oferecer para os soldados, mas o oficial de justiça e o sargento impediram a gente de chegar até os soldados. Uma criança conseguiu varar a barreira que ele fizeram na nossa frente, foi a Luciana, saiu correndo e entregou o pão. Teve gente que viu, o soldado chorou e não pôde abaixar a mão para aceitar o pão, o pão oferecido. Aí o padre chamou, porque ficou com medo que eles batessem na criança. Isso pra gente foi uma coisa que marcou muito. (CIDA, apud FERNANDES, 1996, p. 125-126, grifos do autor)

Também refletindo sobre estes episódios repressivos, marcados por estatísticas macabras, Maria Celma Borges (1996) informa que em 1984, por exemplo, foram registrados 483 conflitos agrários, afetando diretamente perto de 332 mil pessoas. Em 1985, foram registradas 42 ocupações em todo o território nacional, envolvendo 11.500 famílias de trabalhadores rurais sem-terra. Segundo a autora, em praticamente todas as manifestações foram registrados atos de violência e morte. Os fazendeiros e agroindustriais organizam milícias fortemente armadas para “proteger” suas propriedades. Analisando esta situação, em que os “donos da lei” institucionalizaram a ação dos jagunços na guarda da propriedade privada, observando a existência de um “Estado de defesa dentro do Estado”, Borges (1996, p. 89) faz a seguinte e alarmante observação: “o antigo jagunço passava a ser conhecido como segurança da propriedade. Institucionalizava-se o seu papel, dando legitimidade e legalidade à violência.”

A modernização conservadora da agricultura e as relações de trabalho e de classe no campo

A penetração das relações capitalistas no campo, baseadas no desenvolvimento dos grandes complexos agroindustriais, viu-se fortemente intensificada a partir da instalação no país, em 1964, de uma ditadura militar. Era a chamada modernização

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da agricultura brasileira, mantida até recentemente pelas políticas governamentais brasileiras. Como era de esperar, tal modernização não fez mais do que acentuar as grandes contradições que enfrentam os países periféricos submetidos ao domínio das nações imperialistas. De acordo com dados fornecidos por James Petras e Henry Weltmeyer (2001), na primeira metade da década de 1990 verificamos que aproximadamente 400 mil pequenos agricultores não tiveram mais condições de desenvolver suas atividades econômicas no campo. Para os autores, em sua maioria estes trabalhadores rurais “foram expulsos da terra ou foram convertidos em trabalhadores sem terra ou empregados de grandes empresas agroindustriais exportadoras, que era a peça central da assim chamada ‘estratégia de exportação e modernização agrícola’ de Cardoso.” (PETRAS & WELTMEYER, 2001, p. 147) Num quadro de informações como estas, parece-nos importante também acrescentar o seguinte raciocínio: Os pequenos produtores rurais podem apresentar um menor grau de coesão de classe devido à modalidade de sua atividade econômica – o trabalho em parcelas, ou seja, o suporte da sua atividade é marcado pela individualidade. Amiúde, somente quando alguma parte do produto do seu trabalho adota a forma de mercadoria é que seu trabalho se socializa. Há de observar-se, no entanto, experiências cooperativistas e de trabalho coletivo (como é o caso de assentamentos rurais do Movimento Sem Terra) sendo desenvolvidas no campo. [...] há larga tradição de socialização do trabalho no meio rural brasileiro, que não produz maiores resultados porque é desestimulada e depreciada por aqueles que têm outros interesses. (VENDRAMINI, 2000, p. 37)

A partir dessa ótica, no que diz a respeito ao setor industrial o Brasil apresenta desenvolvimento desigual, combinando regiões altamente industrializadas, como é o caso dos estados do Sudeste, com regiões totalmente atrasadas economicamente, como são fundamentalmente os estados do Norte e Nordeste, com milhares de famintos que em tempos de seca levantam-se desesperados, saqueando os centros de abastecimento ou mesmo os caminhões que transportam alimentos pelos estados. A industrialização do campo não podia mais do que agravar este cenário, já que estava orientada à produção dos grandes monopólios agroindustriais e ao mercado mundial. Um exemplo desse movimento desigual: em determinadas regiões do CentroSul e do Sudeste, a industrialização do campo foi significativamente maior que no restante do país, que continua convivendo com um atraso que mal dá para proporcionar a subsistência das famílias dos trabalhadores rurais. Por exemplo, no Sudeste do Brasil não há mais como seguir existindo o latifúndio tradicional, que foi substituído pela grande empresa rural capitalista, moderna, que

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opera com níveis de produção elevados e com estreita relação com os grandes e complexos setores agroindustriais. Estes são monopolizadores do mercado, controlando numerosos produtos agrícolas e, além do mais, aumentando substancialmente a superexploração dos novos assalariados do campo por meio da imposição de extensas jornadas de trabalho e baixos salários. Outra excelente lembrança deste processo de concentração de terras e rendas são as recentes transformações que se vêm produzindo na agricultura paulista. Com o avanço da industrialização e do crescimento urbano, a partir da década de [19]50 a agricultura paulista passou por um intenso processo de transformação na sua estrutura produtiva. Em meados da década de [19]60, as quantidades crescentes de créditos agrícolas (do Sistema Nacional de Crédito Rural) financiaram a modernização tecnológica para alguns setores da agricultura, de forma que esta passou a depender menos dos recursos naturais e cada vez mais da indústria produtora de insumos, o que consolidou o processo de industrialização da agricultura e promoveu o crescimento das relações de trabalho assalariado.

Um exemplo desse processo é a expansão da cultura da cana, tanto para produção de açúcar quanto para produção de álcool, que contou com subsídios do Estado e com preços garantidos pelo processo de monopólio na produção. Mais recentemente, o desenvolvimento da empresa capitalista no campo e a industrialização da agricultura ocorreram também com outras culturas para exportação, como é o caso do café, da soja e da laranja para produção de suco. As principais agroindústrias concentraram-se nas Divisões Regionais Agrícolas de Campinas, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. De acordo com os dados do Instituto de Economia Agrícola 1987/1988, estas três Diras controlam 62,2% do valor da produção agropecuária do Estado de São Paulo. (FERNANDES, 1996, p. 43) Estas breves passagens permitem-nos verificar que não houve qualquer perspectiva de instauração de projetos capazes de universalizar os direitos sociais. No contexto das transformações estruturais que se produziram sobretudo no período que vai do início da década de 1970 até meados da década de 1980, operou-se uma brutal concentração fundiária no interior do Estado de São Paulo. Na ausência de projetos socais claramente definidos ou mesmo desertando de quaisquer propostas de bem-estar social, nos primórdios da década de 1970, segundo nos esclarece Bernardo Mançano Fernandes, [...] os estabelecimentos agropecuários já ocupavam aproximadamente 82% da área do total do Estado de São Paulo (24,7 milhões de hectares). Dessa forma, no período, ocorreu a incorporação de terras dos estabelecimentos de menos de 100

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hectares e, em menor quantidade, de terras dos estabelecimentos de mais de 1.000 hectares, para os estabelecimentos de mais de 100 a menos de 1.000 hectares. Um bom exemplo dos fatores que intensificaram a concentração de terras, nesse período, foi o processo de territorialização do monopólio agroindustrial canavieiro, como mostra o estudo de Thomaz Jr. [...], a respeito da aquisição de terras das pequenas propriedades pelo grupo usineiro Bellodi no município de Jaboticabal e região. A lógica da territorialização do processo de compra de terras do referido grupo é predominantemente das terras das pequenas e médias propriedades. (FERNANDES, 1996, p. 43-44)

Simultaneamente, principalmente no Nordeste continuou existindo o latifúndio tradicional, que explora uma população rural que vive em condições miseráveis e desprovida de direitos sociais. Ao lado disso tudo, segundo João Bosco Feres, também é necessário fazer a seguinte observação: [...] a modernização consistiu, fundamentalmente, na transferência de tecnologia, no incentivo ao desenvolvimento de empresas agropecuárias e agroindústrias da capital intensivo, na reestruturação do credito rural e da comercialização e, finalmente, na tentativa de incorporação planejada das novas áreas de fronteira da expansão agrícola. Com essa medida o Estado buscava soldar a aliança político-econômica entre a burguesia industrial e os proprietários de terra. (FERES, 1990, p. 416)

A maciça expulsão dos trabalhadores rurais de suas terras, como resultado deste processo de modernização conservadora da agricultura, não fez mais do que aumentar em números impressionantes a concentração de terras, como vimos anteriormente, causando, ao mesmo tempo, um êxodo rural sem precedentes em nossa história, que acabou levando ao esvaziamento social das pequenas cidades brasileiras. Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no período de 1960 a 1980, podemos afirmar que perto de 30 milhões de pessoas deixaram o campo, uma quantidade semelhante à população da Argentina e que representa a base social de uma série de problemas e infortúnios produzidos nas periferias das grandes cidades brasileiras (SOUZA, 2001, p. 45-97). O fenômeno da concentração da terra no Brasil contemporâneo mostra-nos muito bem que apenas um pequeno número de capitalistas agrários, velhos oligarcas, banqueiros e multinacionais exercem o domínio da quase totalidade das terras, mantendo subordinados alguns milhões de trabalhadores rurais que vivem na extrema pobreza. Isto porque as diversas políticas agrárias implantadas desde o final da Segunda Guerra Mundial têm beneficiado, além dos grandes latifúndios, os setores ascendentes da agroindústria, provocando ao mesmo tempo grandes mudanças nas relações de trabalho e de classe no campo.

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Particularmente no que diz respeito ao processo de desenvolvimento da agroindústria do açúcar e do álcool, [...] isto se explica pelo fato de que os pequenos e médios proprietários não conseguem competir, na mesma proporção que as empresas canavieiras, com base nos recursos e nos investimentos que necessitam para poderem colocar suas terras em produção. Os investimentos destinados ao setor canavieiro via governo federal patenteado por um sem número de facilidades, não se comparam com os recursos despendidos pelo crédito rural em geral. Portanto, o poder de barganha desses pequenos agricultores dentro dessas balizas é muito inferior ao do grupo Bellodi, havendo pois toda uma estrutura socioeconômica que materializa e reproduz esse quadro. Em função disto, então serão poucos os pequenos e médios proprietários de terra que têm resistido à investida monopolista do grupo sucro-alcooleiro Bellodi. Os que resistem em não venderem suas terras acabam sendo “obrigados” a se submeterem à dinâmica dada pela cultura predominante, tornando-se fornecedores de cana, ou ainda cedendo suas terras (arrendamento/parceria) para o grupo Bellodi ou para outros grupos usineiros sediados nos municípios vizinhos, como também a médios e a grandes fornecedores de cana que atuam na área. Em outras palavras, como tendência, estes pequenos e médios proprietários irão aos poucos perdendo sua autonomia, frente à contínua e crescente investida do grupo Bellodi. (THOMAZ JÚNIOR., 1988, p. 213-214)

Veremos a partir de agora, entre outras coisas, como as relações de trabalho no campo se transformaram no país desde, pelo menos, os primeiros anos da década de 1980. A população economicamente ativa na agricultura, segundo o censo agropecuário do IBGE de 1980, era de 21.163.735 (SOUZA, 2001, p. 45-97). Os assalariados constituíam um total de 5,5 milhões, sendo 2,1 milhões permanentes, 2,7 milhões temporários e 0,7 sazonais; 3,4 milhões eram proprietários e 10,4 milhões eram famílias não-remuneradas. O numero de arrendatários era de 586 mil, o de ocupantes, 865 mil e os que praticavam o regime de parceria (trabalhadores que entregam uma parte de sua produção aos donos da terra), contavam-se aproximadamente 319 mil. Vinte anos depois, estes números foram levemente modificados em algumas categorias. Há que destacar que nos últimos anos o trabalho temporário e o desemprego vêm aumentando: os desempregados são milhões de pessoas. De qualquer forma, até bem recentemente, uma característica fundamental da mão-deobra ocupada na agricultura brasileira era a forte presença do trabalho familiar. Diante disto, pode-se deduzir a existência de membros das famílias que não são remunerados. Também temos no campo brasileiro a presença de arrendatários, de parceiros e ocupantes de terras. Estamos falando de pequenos produtores

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empobrecidos que exploram ao máximo sua própria força de trabalho e a de sua família para poder sobreviver. Os assalariados permanentes encontram-se nas grandes propriedades, em geral dedicadas à produção monocultural para o beneficiamento industrial, o reflorestamento ou plantio de árvores para a produção de celulose e a pecuária. Seu número tende a decrescer na medida em que, cada vez mais, as grandes propriedades optam pela mecanização e pelo uso de insumos modernos. Esse processo de intensificação da produção nas grandes propriedades aumentou a importância da mão-de-obra assalariada rural temporária. Esse contingente de trabalhadores tende a crescer cada vez mais, devido aos milhões de pequenos produtores, de “sem-terra” e ocupantes que, por não produzirem o suficiente ou por terem perdido suas terras, vêm-se obrigados a trabalhar como semiproletários nas grandes agroindústrias ou convertidos em trabalhadores temporários em tempo de colheitas. Os grandes capitalistas de agroindústrias e os velhos latifundiários aproveitam-se da superexploração dos trabalhadores rurais arrendatários, que trabalham a terra entregando àqueles parte de sua produção, praticamente numa condição servil. Em pleno século XXI continua existindo o trabalho escravo sob a vista grossa do Estado1, quando não com sua vigência sendo denunciada nas dependências das grandes propriedades de ilustres representantes do Estado brasileiro. O mesmo ocorre com a exploração sem limite do trabalho infantil nos grandes estabelecimentos agrícolas. No campo brasileiro, são diversas as formas de luta dos trabalhadores rurais, de acordo com cada situação. Assim, temos a luta dos ocupantes, que envolve uma diversidade de pequenos agricultores, sujeitos a diversas formas de exploração. Suas lutas são altamente localizadas, cada conflito é um conflito. Neste aspecto, merece ser destacada a luta dos sem-terra, grupos de trabalhadores rurais organizados politicamente para reivindicar terras, créditos agrícolas aos pequenos proprietários e que têm como prática a ocupação de terras públicas e de latifúndios ociosos ou improdutivos. Também temos a luta dos trabalhadores rurais contra os planos governamentais e empresariais de construção de grandes represas para a criação de perímetros de irrigação ou produção de energia elétrica. Neste caso, trata-se de uma luta contra a expropriação por parte do Estado que, diga-se de passagem, atua sob o argumento jurídico da utilidade pública. Temos, ainda, a defesa das terras indígenas, que afeta a fração menor dos trabalhadores rurais, e a luta dos assalariados agrícolas contra a exploração agrícola e os baixíssimos salários a que estão permanentemente submetidos. Estes últimos 1 Segundo documentos publicados pela CPT, vem-se detectando a existência de fazendas e carvoarias com a pratica de trabalho escravo, envolvendo mais de 60 mil pessoas.

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trabalhadores podem ser localizados, fundamentalmente, nas concentrações de assalariados rurais, nas regiões canavieiras existentes nos Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro (GRZYBOWSKI, 1991). Neste cenário de intermináveis conflitos, o MST busca implantar propostas de organização de cooperativas nos assentamentos, excelente exemplo do desenvolvimento de uma perspectiva essencialmente reformista. Na formulação e análise de José de Souza Martins, um “esquema cooperativista que não esteja baseado em ganhos sociais, mas que se volte unicamente para assegurar maiores rendimentos individuais de lavradores isolados, sem afetar o seu modo de produzir, sem introduzir o cooperativismo na própria produção em geral, mantendo-se como empreendimento grupal e isolado, na verdade redunda em benefício e reforço do próprio capitalismo” (MARTINS, apud DAMASCENO, 1994, p. 154). Essas proposições teórico-metodológicas em prol da organização das cooperativas nos assentamentos têm uma característica fundamental: minimizam quaisquer perspectivas de socialização dos meios de produção, um dos principais temores dos donos do poder.

Guerra civil no campo e o pacifismo do MST A tão apregoada “radicalidade” do MST não provém da política que imprime sua direção, totalmente comprometida com um ideário e uma prática social reformista; provém de uma imensa massa de trabalhadores rurais proletarizados ou totalmente pauperizados que lutam por um pedaço de terra e que estão dispostos a enfrentar os latifundiários ante cada ocupação de terra, que em muitos casos deixam seu sangue e sua vida em cada conflito. Se o número de baixas do lado camponês é aterrador – são mais de 1.500 mortos oficialmente reconhecidos desde 1980 até o presente momento –, isto é produto, em última instância, da própria direção do Estado brasileiro, que não tem uma política de efetiva defesa dos trabalhadores rurais, e da sua completa indisposição para fazer frente às forças paramilitares dos latifundiários ou às selvagens e desumanas desapropriações efetivadas pela própria polícia militar. Como é de conhecimento público e cotidianamente se publicam nos principais jornais do país, muitos latifundiários organizam suas próprias milícias (guardas de empresas particulares, atiradores e matadores de aluguel ou mesmo jagunços). Coerente com uma perspectiva de conquista pacífica da terra e de suas principais reivindicações sociais, o MST não tem organizado, por ora, nenhum tipo de milícia camponesa para defender militarmente a terra ocupada, os assentamentos

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e acampamentos que cria. Este comportamento, afirmativamente pacifista, muitas vezes é duramente criticado pelos próprios dirigentes do movimento, uma vez que, assim, acabam deixando uma massa de camponeses pobres exposta aos maus tratos, torturas e assassinatos perpetrados pelos defensores do latifúndio e da concentração da riqueza social. É que, mesmo que busquem ocupar as chamadas terras improdutivas, estes trabalhadores rurais sem-terra provocam uma raivosa reação da burguesia defensora da perspectiva latifundiária, demonstrando que os capitalistas não estão dispostos a realizar nenhum tipo de reforma agrária que vá contra seus princípios societários, seus interesses econômicos e a estrutura agrária dominante. Com isso, é de vital importância produzir a viabilidade dos assentamentos rurais como possibilidade de reorganização da vida dos sujeitos sociais que participam das ações de ocupação de terra produzidas pelo MST. Partindo de observações feitas por autores como Sônia Maria Bergamasco e Luis Antonio C. Norder, Edvaneide Barbosa da Silva (2004, p. 69-70) tem afirmado que os assentamentos surgem da luta dos trabalhadores rurais sem-terra, [...] representando uma importante iniciativa no sentido de gerar empregos diretos e indiretos a baixo custo e para estabelecer um modelo de desenvolvimento agrícola em bases sociais mais eqüitativas. Acrescentam, ainda, que no Brasil a implementação dos assentamentos não decorre de uma deliberada política de desenvolvimento voltada para o atendimento das demandas da população rural, mas de uma tentativa de atenuar a violência dos conflitos sociais no campo, principalmente a partir da primeira metade dos anos 1980. De 1979 a 1999, havia 3.958 assentamentos rurais no Brasil, contemplando 475.801 famílias. Isso pode ser considerado pouco diante da situação em que se encontram 4,8 milhões de famílias de trabalhadores rurais sem-terra. No entanto, concordamos com Bergamasco e Norder [...] quando salientam que, “apesar de não se tratar ainda de um processo maciço, estes (poucos) assentamentos possuem um valor estratégico, na medida em que fornecem elementos para uma avaliação da pertinência da proposta de reforma agrária e da reestruturação da propriedade fundiária no Brasil”.

Para os setores majoritários da direção do MST, toda tática do movimento se reduz essencialmente a levar os agricultores sem-terras organizados para ocupar terras improdutivas, áreas estatais, quando não instituindo acampamentos ao longo das estradas brasileiras, como forma de pressão contra o marasmo das decisões políticas dos governantes: “A legislação brasileira vigente é suficiente para que se implemente a reforma agrária... Em 1988, foi incorporado na Constituição o princípio da necessidade da reforma agrária. Mais recentemente foi promulgada a lei agrária, lei complementar nº 8.624, que tem por objetivo facilitar a aplicação da constituição.” (STÉDILE, 1998, p. 31)

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Mesmo que a lembrança de que em outros tempos e outros fóruns organizados pelos trabalhadores rurais a Constituição foi desacreditada e transformada “em carvão”, para a cúpula do MST, ou pelo menos para algumas de suas principais lideranças, certamente, ainda assim, com a aplicação de seus preceitos, [...] seria a maior reforma agrária já realizada por um governo no mundo, sem necessidade de alterar a ordem constitucional. Esses exemplos demonstram que existem recursos e que seria possível implementar um programa de reforma agrária em grande escala, sem afetar nenhum outro setor social ou consumir recursos públicos destinados de outros setores imprescindíveis. (STÉDILE, 1998, p. 35-36)

Um dos argumentos mais usados pela direção do MST é a suposta viabilidade socioeconômica dos assentamentos conquistados, baseando-se num informe da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) da década de 1990. Porém, a triste realidade é outra: a maioria dos assentamentos evidencia parcos resultados, largamente insatisfatórios na maior parte dos casos. Os assentamentos têm reproduzido, em geral, a pequena agricultura de subsistência (que os sem-terra praticavam anteriormente, quando tinham acesso à terra), que produz apenas uma sobrevida econômica para estas famílias, pois logo estarão novamente vagando pelos campos ou viajando em direção às grandes cidades. Por outro lado, alguns assentamentos têm assistido, por intermédio de diversos incentivos governamentais, à constituição de uma agricultura “moderna”, isto é, fundada na utilização maciça de insumos agroindustriais e eternamente dependente do mercado, provavelmente também condenada a enfrentar os difíceis problemas de afirmação produtiva, geralmente devido ao rápido endividamento que esta opção acarreta. A partir de um viés legalista ou de um mero reordenamento das prioridades políticas, para alguns dirigentes do MST, como existem as leis e supondo que haja recursos, o que não existe mesmo é vontade política dos governos; bastariam as pressões via ocupações para “dobrar” o braço político do governo e realizar a reforma agrária sob a vigência histórica do capitalismo. Porém, o MST não reduz suas táticas a pressões causadas pelas constantes ocupações e invasões de terras, que vêm constantemente acompanhadas da trégua e da busca de negociação. Desde 1995, ano em que o conflito camponês tornou-se mais agudo no Brasil, têm-se tornando públicas, por meio da grande imprensa ou de comunicados emitidos pelos próprios dirigentes do MST, diversas tréguas e negociações entre o movimento e os governos (seja o federal ou os diversos governos estaduais). Vejamos dois momentos críticos deste processo. No ano de 1995, quando do acirramento das lutas dos sem-terra, o MST aceitou uma trégua pedida pelo governo federal, somente porque havia uma proposta de negociação com a direção do Incra:

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Mesmo relutando em admitir que concordou com o governo com o pedido de trégua feito pelo presidente FHC, Gilmar Mauro, da direção nacional do MST, afirmou ontem em São Paulo que a partir de agora haverá modificações nas táticas do movimento [...] A avaliação dos sem terra é que depois da “vitória” obtida com a negociação da direção do Incra, é prudente esperar por ações concretas do governo antes de ações que possam resultar em enfrentamentos. (ALVES, 1995)

Neste mesmo sentido, em pronunciamento no Senado da República, Eduardo Suplicy (1996) informou que, no lugar mais conflituoso de São Paulo, o então governador Mário Covas e Gilmar Mauro, membro da coordenação nacional do movimento dos sem-terra, assinaram um acordo para o assentamento de 2.100 famílias de trabalhadores do campo em terrenos do Pontal do Paranapanema até junho de 1996. Na negociação, o MST comprometeu-se a cessar as ocupações de terras nas regiões em que fossem feitos os assentamentos. Dito pacto foi, naquela oportunidade, quase um voto confiança das lideranças do MST ao governo paulista, e não o produto da vontade de trabalhadores rurais independentes – sobre os quais o MST muitas vezes não mais tem controle –, que queriam continuar com suas ocupações e não esperar o governo. No principio do ano de 1997, depois de agudos enfrentamentos no campo, logo depois de o MST ter realizado uma das maiores marchas em direção a Brasília, provocando inclusive uma mudança na conjuntura política nacional, além de um revigoramento das lutas operárias, a direção do MST ofereceu uma trégua ao governo em função de promessas de assentamentos: “O líder do movimento dos sem-terra, José Rainha Junior, admite dar uma trégua ao governo. A reforma agrária não é só uma questão de ocupação de terras, de conflitos, disse. ‘Pensamos que a reforma precisa de medidas concretas do presidente da República para viabilizá-la’. Para ele já é hora de terminar com a imagem de violência do MST. ‘O que queremos é apenas a reforma agrária’, disse.” (MUDANÇAS DEPENDEM..., 1997) Não muito tempo depois, João Pedro Stédile, um dos principais ideólogos do MST, procurou confirmar este mesmo raciocínio: “E a reforma agrária, como implica mudanças estruturais profundas, tem que estar unida a um projeto político. Nosso projeto é discutir com amplas forças sociais do Brasil [...] um novo modelo de desenvolvimento econômico. Estamos contra esse plano neoliberal de FHC... Queremos democratizar o Estado também.” (STÉDILE, 1997, p. 9) Mesmo que a proposta de uma revolução política e social não apareça explicitamente no discurso dos seus adeptos, inegavelmente uma proposta política como essa, radical, também tende a fortalecer-se gradativamente, como forma de garantir as transformações estruturais que se julgam necessárias ao projeto de socialização da riqueza social. Para muitos ativistas do MST, mesmo sem

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formular uma teoria claramente comprometida com o ideário de uma transição para o socialismo, o problema é que as lutas dos trabalhadores rurais, por sua radicalidade, chocam-se permanentemente com o Estado burguês, com seus órgãos de repressão, sua justiça de classe, difusora dos interesses dos latifundiários e dos grandes capitalistas da agroindústria, que se opõe a qualquer tipo de reforma agrária. É que desde há muito tempo demonstrou-se a incapacidade das burguesias dos países periféricos e dependentes, de valorizar a reforma agrária no desenvolvimento de suas metodologias políticas, econômicas e sociais. Até os próprios assessores dos atuais movimentos dos trabalhadores do campo reconhecem isto: [...] o tão esperado apoio da burguesia industrial contra o latifúndio se revelou uma quimera, mais um sonho de algumas esquerdas que uma proposta com alguma base de sustentação nos eixos. A grande propriedade agrária no Brasil é, sem dúvida, a base material de uma classe que tem suas especificidades. Porém, o latifúndio é a base de sustentação do capital no campo. Os grandes latifundiários como classecapitalista [..., que são personagens] menores da constelação das classes dominantes – têm seus interesses e suas diferenças em relação a toda sorte de capitalistas nas cidades, só que não dá para exagerar nas diferenças, pois muitos deles são, ao mesmo tempo, os próprios capitalistas das cidades. (GRZYBOWSKI, 1991, p. 83-84)

Hoje, muito embora seus elementos encontrem-se dispersos, a guerra civil é uma realidade possível no cotidiano do campo brasileiro. Os latifundiários e toda burguesia cúmplice escondem isto, mas os grandes fazendeiros organizam forças paramilitares, ilegais, recrutam mercenários e montam quartéis e arsenais clandestinos. Ao mesmo tempo, contam com a valiosa colaboração da polícia militar, que os protege e está sempre disposta a atuar contra os trabalhadores rurais. Historicamente falando, não se trata de crimes isolados, comuns, cometidos individualmente ou praticados com armas artesanais. Sobre estes aspectos de identificação e crescimento da violência no campo, Zilda Grícoli Iokoi apresenta este preocupante e esclarecedor relato sobre algumas arbitrariedades que se desenvolveram em meados da década de 1980 no interior de São Paulo, mas que, infelizmente, mantêm grande similitude com muitos episódios registrados na atualidade: [...] a comunidade resolveu tomar para si a defesa de suas posses. Construiu por meio de mutirão o posto policial, o posto de saúde e as estradas vicinais. Como Utinga Grande é limite de município entre Peruíbe e Iguape, as administrações públicas não mais atentavam para a área, a não ser quando ela se transformava em noticiário policial. Os posseiros passaram a resolver por conta própria o que as administrações municipais não realizavam.

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O trabalho em mutirão, organizado pela Pastoral da Terra, permitia que os posseiros conhecessem as famílias dos diversos bairros, traçassem planos de defesa conjuntos e fortalecessem as organizações de moradores. Esse trabalho organizativo aumentou ainda mais a tensão local, culminando em maio de 1985 com o atentado contra os irmãos Moritani. Foram estes que acusaram Manuel Paixão de ter atirado contra ambos, quando estavam no barco, na travessia do rio Utingão. O denunciado foi ouvido e liberado, mesmo com a confirmação de testemunhas que o acusaram. Em 15/11/85, outro posseiro, Koishi Ise, foi assassinado dentro de sua própria casa enquanto lia um livro. Como as autoridades não conseguiam controlar a ação dos grileiros e também dos jagunços assassinos, os posseiros resolveram armar-se para defender suas vidas e posse. O deputado Rubens Lara, com um grupo de posseiros, procurou o secretário de Segurança Pública, Michael Temer, exigindo policiamento em Utingão, sem nenhum resultado. Em final de fevereiro de 1986, o Grupo Terra procurou o novo secretário de Segurança, Eduardo Muylaert, com um dossiê sobre os conflitos em Utinga Grande e um pedido de policiamento ostensivo. Mesmo assim, a violência prosseguiu, e nos primeiros dias de março, os jagunços invadiram a Ueac (Unidade Educacional de Ação Comunitária) impedindo que a professora exercesse suas funções, que os posseiros se reunissem nesse lugar, e mesmo que a missa fosse oficiada. Ao mesmo tempo, várias casas de posseiros foram invadidas, seus instrumentos de trabalho e pertences roubados e suas casas queimadas. Os jagunços, após os saques, passeavam armados pelo bairro, o que culminou com um tiroteio no qual morreram três jagunços armados, e um quarto ficou ferido. Foi possível apurar, nesse enfrentamento, denúncias de que o delegado Luís Antônio Passim, do 40º Distrito Policial de São Paulo, contratara os pistoleiros mortos a pedido de Alba Selma Vieira, que se dizia proprietária da área em litígio. A polícia alegou insuficiência de provas e a situação permanece indefinida ainda hoje, com um volume cada vez maior de crimes impunes. (IOKOI, 1996, p. 111-112)

Ainda segundo a historiadora, essa situação generalizou-se por todo o país, sendo o Vale do Ribeira, no sul do Estado de São Paulo, uma das regiões mais violentas do país. Não é por acaso que nesta mesma região foram denunciados numerosos casos de trabalho escravo, inclusive constantes dos relatórios sobre conflitos de terras elaborados pelo próprio governo federal. Por sua vez, segundo nos informa Zilda Iokoi, os dossiês organizados pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) referentes ao conjunto do país entre 1º de janeiro de 1964 a 31 de dezembro de 1989 apontam o registro de 1.566 assassinatos de trabalhadores rurais, índios, advogados, religiosos, educadores e outros profissionais ligados à luta pela terra. Refletindo sobre este aterrador instante histórico nacional, escreve Iokoi (1996, p. 112):

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Foram realizados dezessete julgamentos em vinte e seis anos e condenados os envolvidos em dois casos de homicídio de índios, três de sacerdotes e três advogados. Nesse período, nenhuma condenação ocorreu por assassinato de trabalhador rural, o que demonstra a parcialidade da justiça e os limites do MST na exigência de punição dos delitos. A impunidade libera a ação de mandantes e jagunços, que continuam a exercer a violência contra os que lutam pela terra. Entretanto, a ação da Igreja, dos partidos, sindicatos, do MST tem obrigado o Estado a responder à demanda das classes subalternas, cujas negociações têm resultado em novas possibilidades sociais, fruto de muita obstinação, organização e consciência. Essas vitórias, mesmo que pequenas, indicam que a resistência transforma situações concretas e estimulam novas lutas.

O setor mais conservador da estrutura empresarial agrícola brasileira, representado politicamente pela União Democrática Ruralista (UDR), foi o que, durante muito tempo, unificou os distintos grupos paramilitares em caráter permanente, e isto implica quartel, comando, arsenal, treinamento e salário. Por parte do campesinato sem-terra, principalmente pelos setores organizados politicamente pelo MST, verificam-se apenas atos de resistência desesperados, medidas preventivas de autodefesa que se produzem espontaneamente, no próprio momento da ação repressiva, na imensa maioria das vezes com armas que são suas próprias ferramentas de trabalho: machado, enxada, facão, etc.; raramente aparecem algumas pistolas enferrujadas e alguns fuzis envelhecidos para fazer frente aos guardas particulares, policiais militares e jagunços. Aqui é possível reconhecer, como dissemos anteriormente, a postura assumidamente pacifista da direção do MST, que não desenvolve uma política de defesa armada para garantir as ocupações. Muitos latifundiários armam-se até os dentes e assassinam aos milhares os trabalhadores rurais que lutam por um pedaço de terra, como demonstram os massacres de Corumbiara, Eldorado de Carajás e tantos outros que se espalham por todo o território nacional. O MST não tem organizado nenhum tipo de ação militar em legítima defesa das ocupações dos trabalhadores rurais. Sua opção tem sido marcada pela perspectiva de disputa da hegemonia cultural, seu compromisso tem sido pautado pela força das idéias. As heróicas resistências que algumas vezes se desenvolvem não são mais que atos desesperados ante o estampido das balas. A única orientação que a coordenação nacional do MST dá aos diversos grupos dos sem-terra espalhados por todo território nacional para enfrentar isto é um comportamento batizado como “resistência de massa”. Nas palavras do líder Stédile, recomenda-se que, “em caso de conflito, todos devem participar. Homem, mulheres e crianças tem que agarrar paus, panelas e pedras para defender-se. Isso não agride a polícia, porém demonstra a séria vontade de conquistar a terra.” (STÉDILE, 1995)

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Hoje, no Brasil, não temos guerrilhas camponesas isoladas dos amplos setores dos trabalhadores e suas lutas, como tantas que já se desenvolveram em outras épocas. Porém, com o acirramento da luta pela terra, poderemos assistir a ações militares protagonizadas pelos partidários da legítima defesa e resistência por todos os meios à terra conquistada. Para eles, os próprios jagunços e guardas paramilitares criaram a necessidade urgente de uma defesa armada, e também o desenvolvimento de milícias camponesas subordinadas às organizações dos trabalhadores rurais. Há uma probabilidade muito grande de acirramento dos conflitos no campo. Segundo Osvaldo Coggiola (2004, p. 122), a situação é extremamente preocupante: Mais de 4 milhões de famílias foram expulsas da terra nos últimos anos, devido à expansão do latifúndio, à alta dos juros bancários e à construção de barragens. Das terras cultiváveis, cerca de 600 milhões de hectares, 250 milhões são áreas devolutas e 285 milhões, latifúndios, em sua maior parte improdutivos. Basta dizer que 138 milhões de hectares estão em mãos de apenas 28 mil proprietários, e 85 milhões de hectares em poder de apenas 4.236 proprietários. Desde os anos 1970, quando houve um intenso movimento migratório do Sul para o Centro-Norte do país, o território do país encontra-se loteado. Não há mais “terra de ninguém”. Pelo contrário, como ocorre no Pontal do Paranapanema, há inúmeros espaços ilegalmente ocupados por grileiros. O governo Sarney, que se propôs dar acesso a terra a 1,4 milhão de famílias, beneficiou apenas 90 mil, menos de 6% do previsto. Collor acenou com a mesma proposta a 500 mil famílias, mas só concedeu título de propriedade a 23 mil. Itamar Franco, que pretendia beneficiar 20 mil famílias em 1993 e 60 mil em 1996, atendeu a apenas 12.600 famílias. O governo FHC promoveu um simulacro de reforma agrária, assentando famílias em localidades sem nenhuma infra-estrutura e despertando, via postal, uma ilusão de acesso à terra que frustrou a esperança de milhões.

O governo Lula, por sua vez, que nasceu como produto das lutas sociais, rapidamente se viu enredado pelo ideário das políticas neoliberais, frustrando as expectativas de mudança dos movimentos sociais do campo e da cidade. O Segundo Plano Nacional de Reforma Agrária, elaborado em 2003, propôs a meta de assentar 1 milhão de famílias durante o governo Lula; contudo, o plano não foi efetivado pelos governistas, que apresentaram como meta o assentamento de apenas 530 famílias durante os quatro anos de governo. Em 2003, o governo não foi capaz de assentar mais do que 38 mil famílias e, durante todo o ano de 2004, foram assentados apenas 44 mil grupos familiares. Nesse mesmo ano, o MST registrava, apenas em suas fileiras, 200 mil famílias acampadas. Deve-se reconhecer a centralidade desta problemática social e, num quadro como este, de indisposição política com a realização de uma profunda e radical

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reforma agrária, a possibilidade da manutenção, quando não da ampliação, dos violentos conflitos no campo. Logo, a proposta de criação de milícias camponesas com finalidades específicas e nítidas de autodefesa tende a ser retomada, como parte da “divisão do trabalho” dos trabalhadores rurais em luta por sua terra. Apesar desse diagnóstico, a política pacifista da direção do MST mostra alto grau de responsabilidade ante a violência que se produz no campo. Esta direção, coerente com seus princípios, tem reivindicado o desarmamento dos latifundiários e de seus jagunços; porém, sabe-se que muitos dos massacres publicamente conhecidos foram executados pela própria polícia militar, que atua amparada nas leis e por mandados da justiça. Este fato vem provocando uma crescente crise no interior do MST, fazendo com que alguns setores aliados dos sem-terras comecem a desprender-se deste movimento, acusando-os de terem “postura legalista”. Suas atitudes, em geral, tendem a radicalizar as ocupações, que tem surgido fundamentalmente no Norte e no Nordeste do país. Na Bahia, por exemplo, surgiu uma pequena organização autodenominada Movimento de Luta pela Terra (MLT); em Minas Gerais apareceu o Movimento Democrático dos Sem-Terra (MDST); em Rondônia – e isto é muito preocupante, na medida em que lá ocorreu o massacre de Corumbiara – apareceu o Movimento Camponês Corumbiara (MCC). Todas estas organizações afirmam que o MST se “endireitou” e faz o jogo do governo. Outro fenômeno que também é parte deste processo, porém que demonstra toda a radicalidade que as lutas camponesas muitas vezes adquirem, são as constantes mobilizações espontâneas que surgem “por fora” do controle político do MST, fundamentalmente no Estado do Pará, no Norte, e nos Estados sulistas do Paraná e Rio Grande Sul. Neste marco histórico e social, a luta dos trabalhadores rurais sem-terra contra os latifundiários adquire características, pode-se dizer, revolucionárias, já que podemos caracterizá-las como uma nítida expressão da luta de classes no campo, mostrando, ao mesmo tempo, a impossibilidade de uma reforma agrária pactuada com a burguesia e seus governos, isto é, realizada pelas instituições estatais, como em definitivo querem alguns setores importantes da direção do MST. Mas nem todos pensam assim. Entre eles existem aqueles que afirmam que a reforma agrária, nos marcos do capitalismo, não vai solucionar nenhum dos problemas sociais. Defendem um programa que não seja baseado simplesmente nas aspirações camponesas ou que, pelo menos, busque trazer solução ao problema de terra. Alguns elementos para a compreensão deste ideário que pressupõe a conquista do poder político e da coletivização da propriedade privada estão em seus documentos, nos quais se defende um programa que provenha dos trabalhadores do campo e da cidade e que tenha por essência a expropriação revolucionária da propriedade privada dos meios de produção. Apontam, portanto, para o caminho da transformação socialista como única possibilidade de atender às necessidades mais elementares dos trabalhadores do campo e da cidade.

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A Igreja Católica e suas contradições No início da década de 1960, não foram bem-sucedidas as tentativas do governo João Goulart para conseguir o apoio da Igreja Católica visando à implementação de suas reformas de base. Alessandro Soares da Silva lembra-nos inclusive que alguns setores da Igreja apoiaram o golpe militar, acreditando que as questões fundiárias brasileiras seriam atacadas pelos golpistas por meio do Estatuto da Terra e que sua implementação traria benefícios socioeconômicos reais aos trabalhadores. No entanto, suas expectativas logo foram frustradas e alguns de seus setores passaram a apoiar as lutas e reivindicações dos trabalhadores. Um exemplo dessa virada de posição pode ser identificado em uma das figuras mais carismáticas da Igreja Católica brasileira e que, na ocasião do golpe, estava alinhada às forças mais conservadoras da sociedade de então. Trata-se de Dom Paulo Evaristo Arns. O próprio prelado católico escreveu sobre essa questão em sua autobiografia (ARNS, 2001), contando, entre outras coisas, como se deu essa virada. Em entrevista à Folha de S. Paulo durante o lançamento de seu livro, ele afirmou que: No começo, eu também, estava a favor. Mas logo começaram as injustiças. Vimos que era uma grande farsa e nos separamos. [...] Quando alguém era preso eu sabia que ele ia ser torturado. Nascia alguma coisa dentro de mim que me dizia: você é obrigado a ir e você tem de falar a verdade. Então no caminho sempre pensava: não sou eu que estou em jogo, mas a vida de outras pessoas que não tinham defesa, enquanto eu tinha defesa. (Cardeal Arns em entrevista a FOLHA DE SÃO PAULO: 14/09/01, p. A6)

Cabe destacar o papel atribuído a este religioso. Partindo de alguns apontamentos de Alessandro Soares da Silva, ficamos sabendo que Dom Paulo ingressou na luta contra o regime militar em 1969, quando começou acompanhar o caso de seminaristas dominicanos que haviam sido presos por ajudarem universitários que faziam oposição ao regime militar. Por exemplo, ainda em 1971, o Cardeal Arns, [...] na qualidade de presidente da regional sul – 1 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de arcebispo de uma das maiores dioceses católicas do mundo – a de São Paulo –, d. Paulo Evaristo Arns teve um encontro com o presidente Emílio Garrastazu Médici. Seu objetivo era denunciar as práticas de tortura feitas pelo regime. No ano seguinte, ele capitaneou os trabalhos da Igreja Católica que resultaram em um importante documento desta época, intitulado Testemunho de paz. (SILVA, 2002, p. 5)

Para Dom Paulo, os anos da ditadura quase lhe tiraram a esperança, tamanhos eram os percalços que o governo ditatorial produzia. Segundo as palavras do

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próprio cardeal: “Houve momentos em que pensava: estamos num túnel e não vemos nenhuma luz, nenhuma possibilidade de saída. No tempo de Médici, 1970, 1972, eu pensava que era um tempo de condenação do Brasil a uma escravidão nova, um tempo em que não havia comunicação permitida e não havia meios de defender a justiça. Mas também vi como acordavam os espíritos.” (Cardeal Arns em entrevista a FOLHA DE SÃO PAULO: 14/09/01, p. A6) Certamente, a ação do cardeal de São Paulo foi fundamental para a reorganização das forças contrárias à ditadura, mas também é importante ressaltar que, na primeira metade da década de 1970, anos marcados por diferentes e incontáveis manifestações autoritárias do regime militar, as CEBs constituíram-se como espaços sociais em que os trabalhadores produziram condições para se organizar e lutar contra as injustiças e ameaças e pelos seus direitos. Embora tenha apoiado o golpe de [19]64, a Igreja começa a mudar de posição a partir de 1973. Nas suas bases, alguns sacerdotes já se envolviam com o processo de resistência dos trabalhadores em torno da questão da terra. Esse espaço político havia nascido no começo dos anos [19]60, quando começaram a surgir as primeiras Comunidades Eclesiais de Base no Brasil. Nessas comunidades, começa a ganhar importância a reflexão acerca da realidade imediata, como exercício da liberdade pessoal. Para a execução dessa prática, foi preciso construir, nesse lugar, um novo espaço, novas dimensões e novos valores. As comunidades deixam de ser apenas o lugar onde fiéis iam à procura de paz para se tornar um espaço de reflexão e de opções pessoais e coletivas a respeito da vida. (FERNANDES, 1996, p. 7)

Ao buscar assegurar aos cidadãos brasileiros os direitos políticos e sociais, para muitos representantes do clero tornava-se cada vez mais patente o fato de que os modelos de desenvolvimento e de propriedade defendidos por algumas parcelas da Igreja não eram os mesmos defendidos pelo Estado militar. Estes setores, muitas vezes minoritários, da Igreja buscavam atacar o problema pela defesa de critérios distributivos, enquanto o Estado tratava o problema sob a ótica da acumulação de capital. Assim se deu a aproximação da Igreja com os sindicatos e partidos oposicionistas: ambos observavam, enfocavam os problemas nacionais a partir da idéia de pobreza e não da idéia da acumulação e especulação (MARTINS, 1986b, p. 68). Em suma, com personagens como o cardeal Arns e organismos como as CEBs assumindo um importante papel de liderança e intervenção, a Igreja Católica começou um brusco giro político em relação à situação de permanente conflito no campo.2 Em que pese o fato de alguns grupos da Igreja Católica terem guinado à 2 Esta nova postura social e política avançou a partir dos documentos de diretrizes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), publicada depois do Concílio do Vaticano II (1965), da Segunda Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano em Medellín, Colômbia (1968), e da Terceira Conferência em Puebla, México (1979).

81 3 A PROBLEMÁTICA DA CONCENTRAÇÃO FUNDIÁRIA NO BRASIL E SUAS CONSEQÜÊNCIAS

esquerda bem mais do que a orientação geral – criando, inclusive, alguns conflitos –, isto foi tolerado devido ao fato de que ainda continuavam respeitando a hierarquia da Igreja Católica.3 Neste aspecto, um exemplo que pode ser citado como relevante é a presença dos representantes do clero na luta dos posseiros na região do Araguaia: Na região compreendida entre o Sul do Pará, o norte de Goiás e Mato Grosso, parte da Amazônia legal, desenvolveu-se a luta camponesa que contou com presença e com apoio da Pastoral da Terra. A ocupação da área foi realizada por um rápido processo de ocupação que provocou o crescimento populacional. Os incentivos da [Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia] Sudam ampliavam-se e, de 1966 a 1975, foram aprovados 33 projetos somente para o município de Conceição do Araguaia. A Volkswagen, o Comind, o Bradesco, a família Lunardeli, Óleos Pacaembu, Supergasbrás, Manah, etc., são alguns grupos com projetos agropecuários, extrativistas ou simplesmente especuladores de terra na área. A presença dessas grandes empresas, de um lado expulsava os posseiros e, de outro, estruturava projetos que ocupavam um número irrisório de trabalhadores. O fluxo populacional, a ocupação de área de antigas posses, a baixa oferta de emprego que se abria na região, promoveram acirramento dos conflitos latentes e dos interesses contrários. Com todo esse movimento, o trabalho pastoral se intensificava, pois a população buscava o apoio das dioceses e prelazias na mediação dos conflitos. Em Marabá, D. Alano Maria Pena procurava apoiar os posseiros reprimidos pelos militares que combatiam a guerrilha. D. José da Silva Chaves, em Uruaçu, prestava apoio jurídico e dava alojamento a quem precisasse esconder-se da repressão do Major Curió, que fora designado para combater os camponeses na área. (IOKOI, 1996, p. 118)

Num período imediatamente anterior a este, a preocupação predominante da hierarquia católica e da maioria do clero, muitas vezes manifesta, era a de impedir, ou pelo menos atenuar o avanço das tendências comunizantes junto a populações rurais. Essa tendência era principalmente denunciada pela Igreja como uma das principais características do movimento das Ligas Camponesas4 e dos sindicatos 3 Para os leitores interessados no posicionamento da Igreja e suas “divisões”, existe extensa literatura publicada em relação ao tema. Entre outros, podemos indicar: ALVES, M. Igreja e política social no Brasil. Lisboa: Sá da Corte, 1982; KRISCHKE, P. (Org.). A Igreja nas bases em tempo de transição (1974-1985). Porto Alegre: L&PM: Cedec, 1985. 4 As conhecidas Ligas Camponesas desenvolveram-se na década de 1950 em alguns estados e rapidamente desapareceram, para ressurgir com maior virulência e número nos anos 1960, porém desta vez estendendo-se a mais de 16 estados. Sobre as Ligas Camponesas, conferir, especialmente, as seguintes obras: JULIÃO, F. Ligas campesinas: abril 1962 - octubre 1962. México: Cicod, 1969; AZEVEDO, F. A. As ligas camponesas. São Paulo: Paz e Terra, 1982.

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criados pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Não acreditando na capacidade de auto-organização dos grupos populares, ou talvez não confiando nos rumos que esta auto-organização poderia tomar, a hierarquia da Igreja estimulava um processo consciente de aceleração da sindicalização rural, como forma de impedir o avanço das Ligas Camponesas, em suas relações políticas com o povo; assim, no estabelecimento desse procedimento, procurava fortalecer os grupos que se mostravam obedientes à aceitação das orientações eclesiásticas. Em relação às Ligas Camponesas, fortemente combatidas tanto pelas classes dominantes quanto pela Igreja Católica, poderíamos reproduzir a seguinte caracterização: “A Igreja Católica temia a expansão do radicalismo espontaneísta e aventureiro. A classe dominante assustava-se com a quebra do velho padrão de submissão e de respeito que os pobres lhe deviam. Os políticos se enfrentavam pela primeira vez com um impulso de pressão política proveniente das camadas inferiores da sociedade. Tudo isso provocado pela ação das ligas.” (FERES, 1990, p. 372-373) Existe uma dimensão nitidamente política nas controvérsias que envolvem o clero católico. Ressalta-se que, com o passar do tempo, com as formas violentas com que se vinham produzindo a expropriação da terra e a ampliação da exploração do trabalho, a Igreja Católica colocou-se na vanguarda da luta contra os desmandos e atrocidades do regime militar. Escreve Frei Betto (1981, p. 20-22), analisando o papel da Igreja no campo: [...] Migrantes e oprimidos, os membros das comunidades, se outrora buscavam na religião um sedativo para os sofrimentos, encontram agora um espaço de discernimento crítico frente à ideologia dominante e de organização popular capaz de resistir à opressão. A própria conjuntura nacional ajudou a reforçar as comunidades eclesiais de base. Ao suprimir os canais de participação popular, o regime militar fez com que esse mesmo povo buscasse um novo espaço para se organizar. Esse espaço foi encontrado na Igreja, única instituição do país que, por sua índole histórica, escapa ao controle direto dos poderes públicos.

Conforme julgamos importante ressaltar com relação à realidade no campo brasileiro, principalmente depois da criação das CEBs, que vinha dos finais da década de 1960, uma das ações mais importantes da Igreja foi a criação da CPT, em 1975, que serviu como base para as novas formas de organização social que emergiam, como foi o caso do MST. Para mencionar apenas dois dos principais dirigentes do MST, José Rainha Junior nos anos 1970 era militante das CEBs, e João Pedro Stédile, um dos principais líderes ideológicos do movimento, foi militante da CPT, organização em que atuou de 1975 até 1982. Para alguns analistas, a influência da Igreja Católica reduz-se aos primeiros anos de formação do movimento, buscando-se desligar a partir daí a Igreja do MST. Logo, não é de estranhar que a Igreja Católica, ou mais precisamente alguns de seus setores, continue exercendo forte influência política e cultural nos rumos do MST.

4 Princípios educacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra Princípios educacionais do MST Enquanto educadores e trabalhadores da educação, é oportuno que possamos conhecer criticamente, como também reconhecer publicamente os esforços dos trabalhadores rurais sem-terra, que, atuando em meio a tantas dificuldades e privações – dessas capazes de nos mergulhar nas mais profundas e sórdidas realidades –, tão logo se lançam na empreitada de um novo assentamento imediatamente procuram construir uma escola para as crianças que os acompanham em sua caminhada de esperança na trilha do estabelecimento de dias melhores. Tais proposições, indubitavelmente capazes de deslocar o debate educacional dos centros tradicionais do Estado para o cotidiano dos assentamentos, traduzem também a efetivação da instituição por novos mecanismos de participação e organização da vida social pelos próprios trabalhadores. Com o objetivo de compreender os sentidos que o MST implementa em algumas de suas ações pedagógicas, ficamos com as observações feitas por Valter Morigi (2003, p. 53): Na tentativa de concretizar essa utopia, o MST luta pela implantação de uma universidade popular, que possibilite o acesso aos jovens que vivem do trabalho no campo, e que encontrem nela seu lugar de habitação, com normas e condições específicas de formação para atender a essa população, formada por acampados e assentados, nos diversos cursos, com as mesmas facilidades que existem para os jovens da cidade, mas que leve em conta as peculiaridades do campo. Enquanto não se concretiza essa universidade, o MST está criando mecanismos próprios de formação de seus militantes. É o caso do Instituto Educacional Josué de Castro, com sede em Veranopólis – RS, que tem por objetivo atender às necessidades de formação do ensino médio, visando criar as condições para que os alunos, depois de formados, se tornem multiplicadores e estimuladores do processo educacional nos assentamentos e/ou nas regiões de origem.

Esta definição e objetivos trazem elementos fundamentais para a política educacional, tanto no campo orgânico do próprio MST quanto em relação à educação em geral. Até onde pudemos apurar, para seus educadores implica a

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apropriação de instrumentos político-metodológicos que estejam à altura da construção de uma hegemonia cultural, e este parece ser o próprio sentido de sua existência como educadores populares, fortemente influenciados pelo trabalho e propostas da educação libertadora de Paulo Freire e outros pedagogos socialistas, como Makarenko ou Mariátegui, para quem “a revolução social e a criação de uma nova sociedade, qualitativamente superior à civilização burguesa, não era um assunto exclusivamente político e econômico. Implicava também uma dimensão ética e cultural.” (IBAÑEZ, 1993, p. 16) Com esses mesmos objetivos – os que buscam compreender os sentidos éticos da democracia e das lutas que possam transformá-la numa realidade histórica –, Paulo Freire, afinando-se e comprometendo-se politicamente com aqueles que buscam operar profundas transformações na realidade social, entre outros postulados, reivindica que: [...] é preciso pensar criticamente a realidade social, política e histórica [que] em questão à crítica radical libertadora envolve-se na legitimidade do sonho ético político de superação da realidade injusta a caminho de uma sociedade justa e democrática. A prática libertadora do homem vem valorizar o exercício da vontade, da decisão, da resistência, da escolha, o papel das emoções, dos sentimentos, dos desafios dos limites, a importância da compreensão da história como positividade, jamais como determinação, por isso essa prática deve ser substantivamente esperançosa e provocadora de esperança. (FREIRE, 1997, p. 59)

Partindo da compreensão de que vivemos no interior de uma sociedade em que diferentes projetos societários e diferentes concepções de homem estão em permanente disputa, buscar uma relação indissolúvel entre educação, cultura e a realidade social é, para autores como Wilson de Faria (1987), reconhecer a existência e a pertinência de uma herança do movimento de educação popular desenvolvido pelos círculos de cultura popular desde a época do Movimento de Cultura Popular (MCP) e dos primeiros passos de Paulo Freire no Estado de Pernambuco, na contemporaneidade que a sociedade brasileira experimenta. De fato, nas mais diferenciadas obras de Freire, o vínculo educação e realidade pode ser observado. Um exemplo que pode ser lembrado é o método que este autor desenvolveu nos primórdios de sua vida intelectual. Originalmente concebido como um complexo sistema político e cultural, segundo Wilson de Faria, no chamado método de Freire “[...] unia-se a preocupação com a alfabetização combinada à tomada de consciência do homem brasileiro. Tratava-se de tentar a promoção da ingenuidade à criticidade,aomesmotempoemquesealfabetizava.Oconteúdodaalfabetizaçãodeveria brotar da própria experiência existencial do homem (FARIA, 1987, p. 8).

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Na análise feita por Wilson de Faria (1987), em Pedagogia do oprimido Freire propunha, para a sociedade brasileira em fase de transição, uma educação que pusesse à disposição do homem meios com os quais ele fosse capaz de superar a captação mágica ou ingênua de sua realidade por uma dominantemente crítica. Educação instrumental, portanto, dado que procurava interpretar e adequar-se à nossa realidade de desigualdades sociais gritantes. Por sua vez, num livro como Educação como prática da liberdade, de acordo com Francisco Weffort na feliz apresentação desta mesma obra, sua grande preocupação é a mesma de toda a pedagogia moderna: uma educação para a decisão, para a responsabilidade social e política. Conscientizar não significa de nenhum modo ideologizar ou propor palavras de ordem. Se a conscientização abre caminho à expressão das insatisfações sociais é porque estas são componentes reais de uma situação de opressão (WEFFORT, 1967). Para Freire, o homem é visto como sujeito e não como objeto de um processo que se insere em seu projeto existencial. Ele pode ser capaz de ver o mundo como possível de ser transformado e também ver a si mesmo como ser dinâmico de sua história. Freire repudia uma visão de homem passivo, que aceita um destino traçado por outros. Ser plenamente humano, pois, implica uma consciência crítica da realidade e de sua inserção nela (FARIA, 1987, p. 14). Faria (1987) afirma, ainda, que, na busca de uma metodologia para seu trabalho de alfabetização de adultos, Paulo Freire selecionou um método ativo em que ocorressem o diálogo e a participação efetiva do educando. Quanto ao legado de Makarenko, como escreve Cecília da Silveira Luedemann, sua vida e sua obra, fortemente marcadas por um conteúdo emancipador, inspirador de práticas de grande potencialidade transformadora, [...] têm servido como referência para muitas reflexões pedagógicas nos movimentos populares, especialmente no MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra, e de pedagogos comprometidos com a educação da classe trabalhadora, seja em algumas experiências isoladas no interior de escolas públicas, seja nas escolas de formação de militantes, em sindicatos, associações ou em cursos de capacitação, como a Ofoc – Oficina Organizacional de Capacitação (LUEDEMANN, 2002, p. 30).

Assimilando ou buscando a compreensão do pensamento político e pedagógico desses autores quanto às transformações sociais, insistindo na gênese do novo, “o MST atribui ao educador uma missão muito mais complexa do que simplesmente transmitir conhecimentos. Além de desenvolver o currículo da escola” (MORIGI, 2003, p. 54), os ativistas do MST postulam que ser um educador da reforma agrária pressupõe substancialmente:

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- ser apaixonado pela educação; - conhecer a realidade do campo e ser sensível aos seus problemas; - ser a favor da reforma agrária; - ser lutador do povo e amigo ou militante do MST; - compreender a história do MST e conhecer as marcas deste Movimento; - procurar entender os traços do MST que constrói a identidade do Sem Terra; - ter sensibilidade humana e abertura para reeducar nas relações os seus valores; - apresentar disposição de participar de um processo construído coletivamente pelos educadores nele inseridos com a participação ativa dos educandos e de toda a comunidade; - ser capaz do trabalho cooperado, de ser um coletivo educador; - desafiar-se a trabalhar saberes; - tratar pedagogicamente a luta, o trabalho, à vida como um todo. (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1999, p. 16).

Tudo isto é muito importante quando estamos preocupados em compreender os percalços enfrentados por aqueles que estão dispostos a contribuir com a construção de uma contra-hegemonia cultural. Principalmente porque, respeitando-se raras e honrosas exceções, a esquerda institucionalizada e os políticos populistas limitam-se a produzir uma política cultural tradicional e uma ação educacional meramente corporativa e assistencialista. A luta para alcançar a hegemonia cultural e educacional implica a politização do cotidiano como pressuposto fundamental para a possibilidade da vigência histórica de uma nova possibilidade societária. Seu objetivo é a busca de transformações radicais, que podemos expressar com as palavras claras e sensíveis de um marxista como Mário Pedrosa: A crise atual é literalmente mundial. Para compreendê-la é preciso, primeiramente, que cada um se erga a uma consciência de mundo. A obra do mundo sobre o planeta está em pane. Consertá-la, salvá-la, só será possível desta vez pelos grandes meios: uma revolução de ordem total, global, universal e radical. Radical porque descerá às raízes das coisas; universal, porque não poupará nenhum canto da terra; global porque não será somente política ou social, mas científica, ecológica, ética. Ela deveria ser a última, porque, se não ocorrer, significará a abertura da crise em toda a sua potencialidade destrutora, cujas transformações sociais, políticas, físicas, ecológicas em seu seio terminarão por levar a humanidade ao fundo do abismo. A revolução política está a caminho; a revolução social se vai processando de qualquer modo. Nada poderá detê-la. Mas a revolução da sensibilidade, a revolução que irá alcançar o âmago do indivíduo, sua alma, não virá senão quando os homens tiverem novos olhos para olhar o mundo, novos sentidos para compreender suas tremendas transformações e intuição para superá-las. Esta será a grande revolução, a mais profunda e permanente. (PEDROSA, 1975, p. 126-127)

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Esta revolução integral implica um novo olhar e uma nova sensibilidade para a questão da educação e da cultura. A educação e a cultura política nascem da necessidade, dos riscos do cotidiano, nutrem-se da história, do tempo presente; não podem ser criadas burocraticamente por decretos estatais e instituições descompromissadas com as transformações sociais radicais. Numa palavra, exigem ousadia. Sustentamos que a educação e a cultura política são necessidades vitais da mente e dos sentidos, são produtos da capacidade humana e de sua práxis. São constitutivas da cultura, da história e da própria condição humana. As condições que tornam possível a capacidade de ousar não podem ser limitadas pela vigência meramente protocolar da democracia liberal, também limitadora das transformações sociais, pois é incapaz de questionar as formas de dominação e coerção perpetradas pelo Estado capitalista; de uma compreensão burocrática e laudatória da história e da cultura não podemos esperar mais do que a efetivação dos mecanismos necessários ao processo de expropriação e acumulação do capital. É preciso buscar alternativas, outras formas de compreender o sentido histórico da existência humana, como escreve Paulo Freire (2000, p. 30-31, grifo do autor): Não haveria cultura nem história sem inovação, sem criatividade, sem curiosidade, sem liberdade sendo exercida ou sem liberdade pela qual, sendo negada, se luta. Não haveria cultura nem história sem risco, assumido ou não ou menos consciente. Posso não saber agora que riscos corro, mas sei que, como presença no mundo, corro risco. É que o risco é um ingrediente necessário à mobilidade, sem a qual não há cultura nem história. Daí a importância de uma educação que, em lugar de procurar negar o risco, estimule mulheres e homens a assumi-lo. É assumindo o risco, sua inevitabilidade, que me preparo ou me torno apto a assumir este risco que me desafia agora e a que devo responder. É fundamental que eu saiba não haver existência humana sem o risco, de maior ou de menor perigo. Enquanto objetividade o risco implica a subjetividade de quem o corre. Neste sentido é que, primeiro, devo saber que a condição de existentes nos submete a riscos; segundo, devo lucidamente ir conhecendo e reconhecendo o risco que corro ou que posso vir a correr para poder conseguir um eficaz desempenho na minha relação com ele.

Dentro desta mesma perspectiva e linha de raciocínio, podemos dizer que o desenvolvimento humano está relacionado à democracia radical, socialista e à liberdade do indivíduo em sua busca por uma nova possibilidade societária, liberta da dominação dos ditames do capital. Isso pressupõe recolocar não apenas a questão socioeconômica, mas também a educacional. Ou seja, o ato de educarse precisa continuar ininterruptamente interferindo na vida dos indivíduos, em suas práticas e teorias, contribuindo com o exercício de todas as dimensões do ser

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humano. Concretamente, pressupõe uma vinculação íntima entre a possibilidade de desenvolvimento integral do ser humano e a educação. Ao valorizarmos uma práxis revolucionária, tais preocupações ganham relevância. De acordo com Antonio Tavares de Jesus, inspirado na obra de Antonio Gramsci, somente o indivíduo educado por esta nova forma chegará à plenitude de sua liberdade, entendida como superação dialética da necessidade, ou “ consciência da necessidade”. O envolvimento com a política não poderá jamais subtrair a liberdade dos indivíduos, que pressupõe um inalienável compromisso com os interesses sociais. De fato, para Jesus (1989, p. 46): Chegar à liberdade é o mesmo que chegar à hegemonia isto é, agir, em nível de massa, de modo consciente, em busca de um fim determinado. Esta noção de liberdade é um forte motivo para Gramsci rejeitar o espontaneísmo como método pedagógico. Não existe conexão entre espontaneísmo e liberdade porque o valor das espontaneidades está em sua disciplina, além de que o espontâneo, sem “disciplinaliberdade”, torna-se um estorvo à sociedade. Ilustrando estas afirmações, Lombardi afirma que os idiotas são originais e espontâneos, as prisões e hospitais psiquiátricos estão cheios de homens originais e espontâneos, mas nenhum deles tem condições de exercer a menor parcela de sua liberdade. O conceito de liberdade em Gramsci exige sempre o de responsabilidade e de disciplina, criando a necessidade de um objetivo em nível de massa. Somente será verdadeira a liberdade que se afirma como ação coletiva e não individual, mas sem anular a personalidade de cada indivíduo.

Na busca de consecução do seu projeto histórico, quaisquer ações políticas para o socialismo implementadas pelos trabalhadores da cidade e do campo necessariamente terão de passar pela questão cultural e pela questão educacional simultaneamente. Seus organismos terão de se preparar para a disputa pela hegemonia cultural. Isso não se pode negar ou mesmo negligenciar porque, como aponta Paulo Freire (2000, p. 58, grifos do autor), A escolha e a decisão, atos de sujeito, de que não podemos falar numa concepção mecanicista da história, de direita ou de esquerda, e sim na sua inteligência como tempo de possibilidade, necessariamente sublinham a importância da educação. Da educação que, não podendo jamais ser neutra, tanto pode estar a serviço da decisão, da transformação do mundo, da inserção crítica nele, quanto a serviço da imobilização, da permanência possível das estruturas injustas, da acomodação dos seres humanos à realidade tida como intocável. Por isso, falo da educação ou da formação. Nunca do puro treinamento. Por isso, não só falo e defendo, mas vivo uma prática educativa radical, estimuladora da curiosidade crítica, à procura sempre da ou das razões de ser dos fatos. E compreendo facilmente como uma tal prática não pode ser aceita, pelo contrário, tem de ser recusada, por quem tem, na maior ou menor

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permanência do status qüo, a defesa de seus interesses. Ou por quem, atrelado aos interesses dos poderosos, a eles ou elas serve. Mas, porque, reconhecendo os limites da educação, formal e informal, reconheço também a sua força, assim como porque constato a possibilidade que têm os seres humanos de assumir tarefas históricas, que volto a escrever sobre certos compromissos e deveres que não podemos deixar de contrair se nossa opção é progressista. O dever, por exemplo, de, em nenhuma circunstância, aceitar ou estimular posturas fatalistas. O dever de recusar, por isso mesmo, afirmações como: ‘é uma pena que haja tanta gente com fome entre nós, mas a realidade é assim mesmo’. ‘O desemprego é uma fatalidade do fim do século.’ ‘Galho que nasce torto, torto se conserva.’ O nosso testemunho, pelo contrário, se somos progressistas, se sonhamos com uma sociedade menos agressiva, menos injusta, menos violenta, mais humana, deve ser o de quem, dizendo não a qualquer possibilidade em face dos fatos, defende a capacidade do ser humano de avaliar, de comparar, de escolher, de decidir e, finalmente, de intervir no mundo.

Como seus integrantes participam intensamente das lutas políticas e sociais, colocando-se claramente ao lado dos que buscam a transformação do mundo, a definição acima esboçada de Paulo Freire traduz muito do que no interior do MST se entende por intervir no mundo como um sujeito educativo. Ou, mais precisamente: Olhar-se a si mesmo como um sujeito educativo quer dizer mais do que reconhecer as próprias experiências como educativas, e também mais do que assumir a educação e a escola dos sem-terra como sua tarefa. Estes são sinais importantes que apontam exatamente para o desafio maior que está presente neste olhar: aprofundar e qualificar a intencionalidade pedagógica de cada uma das ações do Movimento [...] seja uma ocupação, uma marcha, uma produção de alimentos, um encontro, um ato público, um curso, um festival de músicas, uma campanha de plantio de árvores [...] Na verdade, há uma pedagogia presente na própria escolha das ações de cada momento, e também no jeito ou no processo de fazê-las. (CALDART, 2000, p. 249)

Na mesma direção, e inspirado em pensadores como Paulo Freire, o MST define o caráter da educação desenvolvida em seu interior como um dos protagonistas das transformações sociais. É um processo pedagógico que se assume como político, ou seja, que se vincula organicamente aos processos sociais que visam à transformação da sociedade atual e à construção, desde já, de uma nova ordem social, cujos pilares principais sejam a justiça social, a radicalidade democrática e os valores humanistas e socialistas (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1996, p. 6). Os princípios filosóficos que o MST defende na esfera educacional, ou seja: uma educação para a transformação social; uma educação de classe, orgânica,

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voltada para a ação, aberta para o novo; uma educação para o trabalho e a cooperação; uma educação voltada para as várias dimensões da pessoa humana; uma educação comprometida com valores humanistas e socialistas; uma educação entendida como um processo permanente de formação e transformação humana (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1996, p. 10), projetou este movimento na disputa pela hegemonia cultural na sociedade brasileira. Não se pode negar que, quando analisamos o MST e seus agentes, temos a percepção de que o processo de hegemonização da cultura e da sociedade envolve, como quer Raymond Williams, a permeação dinâmica de toda experiência de indivíduos e grupos, de seu senso comum, de seu modo extraconsciente de entender o mundo. Paulatinamente, na leitura deste autor, o conceito gramsciano de hegemonia assim se expressa: “Hegemonia então não é apenas o nível articulado mais elevado da ideologia [...] Trata-se de todo um conjunto de práticas e de expectativas, sobre toda nossa vida; nossos sentidos, a consignação de nossas energias, nossas percepções formadoras de nós mesmos e de nosso mundo. É um sistema vivido de significados e valores.” (WILLIAMS, 1979) Note-se que a teoria da cultura de Williams nos provê de um instrumental arguto para pensar essa mutação da vida social nos países capitalistas periféricos. Sua obra buscou promover um verdadeiro desmanche do mapeamento da vida mental que colocava a cultura em uma esfera autônoma, desvencilhada de ligações materiais e imune ao jogo de interesses que rege uma sociedade de classes e produz seus conflitos. Interesses e conflitos que não se produzem isoladamente e se expressam no cotidiano social das mais variadas localidades e, com muito destaque e aguda interferência, nos países periféricos do capitalismo. Bem mais do que um mero modelo, desde uma obra como Marxismo e literatura, Raymond Williams elabora uma construção estratégica da teoria marxista de cultura – por ele denominada de materialismo cultural – para buscar dar conta das transformações operadas no capitalismo contemporâneo. Segundo este autor, “as pessoas mudam, é certo, através da luta e da ação. Só se muda algo tão arraigado quanto uma estrutura de sentimentos através de uma nova experiência [...] Por isso, a tarefa em um movimento bem sucedido terá que ser tarefa de sentimento e da imaginação tanto quanto dos fatos e da organização.” (WILLIAMS, 1979) Quanto a isto, é interessante notar que, para Antonio Gramsci, a formação de uma hegemonia é um processo de longa duração e a transformação da estrutura social é precedida de uma revolução cultural. Sem se deixar seduzir pela proposta de substituição do conceito de classe social enquanto sujeito histórico, como escreve Antônio Tavares de Jesus (1989, p. 42-43):

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A temática pedagógica ocupa indiscutivelmente um lugar central na prática e no pensamento gramscianos, emergindo a educação como instrumento necessário à luta entre as classes sociais pelo exercício do poder, ou pela hegemonia. Assim, o conceito de educação está vinculado organicamente ao de hegemonia e é fator importantíssimo para a compreensão e a solução das contradições existentes nas relações de classe. Mais uma vez, é o conceito-chave de hegemonia que possibilitará a Gramsci interpretar e conceituar o fato educativo de modo original, relacionando-o com as estruturas sociais. Não existe uma educação neutra no sentido de ser completamente desvinculada dos fatores ideológicos pertencentes a uma classe, mas o que a análise gramsciana quer acentuar é o modo como o processo educativo é utilizado pelas classes fundamentais, isto é, a dos dominantes e a dos dominados.

Partindo-se, ainda, dos estudos de Antônio Tavares de Jesus, podemos dizer que a relação estabelecida entre estrutura e superestrutura impõe que a função hegemônica ultrapasse os limites superestruturais e penetre a estrutura, o que refletirá sobre a educação no sentido de dever ser entendida, para ser verdadeira, em relação aos dois níveis: estrutural e superestrutural, isto é, em relação às realidades socioeconômicas. Por esta razão, o “modo de produção” de cada sistema social é muito importante para um processo educativo ser elaborado, assim como os fatores sociais, políticos e culturais também o são. Reconhecemos também, com este autor, o papel que a educação desempenha tanto na hegemonia como na contra-hegemonia; visa às relações sociais, que incluem o homem, cujo objetivo é modificar ou manter uma estrutura social. Sobre isto, vejamos o que ele nos diz: O conceito de homem, porém, não é um conceito abstrato em Gramsci, mas, pelo contrário, é um conceito histórico, concreto. Trata-se mais de saber como o homem é produzido do que saber o que ele é, sendo, neste sentido, concebido como “uma série de relações ativas” (um processo) no qual, se a individualidade tem a máxima importância, não é, todavia, o único elemento a ser considerado. A humanidade que se reflete em cada individualidade é composta por diversos elementos: 1) o indivíduo; 2) os outros homens; 3) a natureza [...]. O homem, historicamente, entra em relação com os demais homens e com a natureza, podendo, a partir desta relação, produzir e transformar bens ao nível de estrutura, ou de superestrutura, necessitando do concurso da “educação”. Devido, porém, à unidade orgânica entre os elementos desta relação, a modificação do homem se dá na medida em que se modifica o conjunto das relações do qual ele é o ponto central, podendo-se afirmar que ele “educa se educando”. (JESUS, 1989, p. 43)

Voltando a Raymond Williams, “estrutura de sentimento” é um conceitochave em sua obra, em oposição a “visão do mundo” ou “ideologia”. Williams

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também fala de uma “longa revolução”, insistindo na idéia de “cultura vivida” e numa reforma institucional, educativa, da indústria cultural e da esfera pública. Partindo dessas premissas conceituais, de acordo com Sônia Maria de Araújo, este autor produziu suas reflexões tendo como referência a classe trabalhadora concreta, cooptada pelo consumo fácil de mercadorias para as massas. “Ele tentou entender o capitalismo em movimento e traçar uma reflexão pautada em um marxismo também em movimento. Ele tenta refazer o caminho da teoria marxista, colocando no centro do debate uma crítica da cultura.” (ARAÚJO, 2000, p. 1) Pode-se dizer, inclusive, que de forma semelhante a Gramsci, Williams pensava que uma hegemonia necessitava construir instrumentos culturais, que se traduzissem em tópicos, figuras semânticas, discursos, rituais. Também como Gramsci, negava-se a considerar a cultura um nível secundário: a recusa da clássica metáfora de base e superestrutura permitiu-lhe, por um lado, acentuar sua idéia do continuum simbólico-prático, e, por outro, renovar a perspectiva de um “ materialismo cultural”, fortemente interessado no impacto das instituições e dos meios tecnológicos na produção do simbólico. Sensível e ao mesmo tempo preocupado com os problemas do seu tempo, Williams incomodava-se com o socialismo já-feito dos marxistas e não admitia as prescrições tão detalhadas e deterministas da esquerda anticapitalista, que ignorava a força e as minúcias do capitalismo em se manter de pé. Por isso dizia que o socialismo não era um já-feito, nem um modo fácil do impasse do capitalismo e do imperialismo. Defendia uma espécie de socialismo em-curso, que fosse capaz de inviabilizar o crescimento do capitalismo ao lidar com as suas próprias construções, daí não descartar nesse processo socialista o uso da mídia, da comunicação, da literatura e da educação na formação da consciência coletiva global. É nesta direção que tenta conciliar a tradição política de classe com os movimentos sociais provocados pelo capitalismo avançado e, dessa forma, deslocar a formação de uma consciência de classe para um senso de interesse geral. (ARAÚJO, 2000, p. 2, grifos do autor)

Com estes horizontes teóricos, alicerçados no campo do marxismo, buscamos opinar e defender a idéia de que a formação humana significa um grande trabalho de educação política e cultural, tanto em seus conteúdos, sua metodologia, como em seus objetivos ou intencionalidade política. Tudo isto aponta, em nossa opinião, para um projeto de longo prazo para a construção de uma hegemonia opular. Trata-se de uma revolução cultural do cotidiano, de gerar, de forma perene, ao longo de diferentes gerações, uma cultura socialista entre os representantes da humanidade. Quando analisamos os princípios educacionais do MST, percebemos que o que está em jogo é a possibilidade de se construir uma nova maneira de viver e de produzir novas relações sociais, formas de trabalhar, pensar e sentir.

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Essa definição está vinculada ao significativo papel que o MST atribui ao processo educativo como potencializador das transformações sociais. Num contexto de reflexões e afirmação do seu projeto societário, “a importância dada à educação pelo MST é mensurada pela afirmação de que investir em educação é tão importante quanto o gesto de ocupar a terra” (MORIGI, 2003, p. 57). A partir desta compreensão estratégica do caráter pedagógico das transformações sociais, do significado político das relações educacionais, o MST produziu, a partir da década de 1980, as primeiras iniciativas educacionais nos acampamentos e ocupações. Destas temos, como um dos principais desdobramentos, a realização do Primeiro Encontro Nacional de Professores de Assentamento, em julho de 1987, na cidade capixaba de São Mateus. Este encontro objetivava estabelecer uma articulação nacional do trabalho educacional que se vinha desenvolvendo nos mais variados estados. Um dos principais resultados deste encontro foi à efetivação do Setor Educacional do MST, [...] que tem como principal função a de articular e potencializar as lutas e as experiências educacionais já existentes, ao mesmo tempo em que desencadear a organização do trabalho onde ele ainda não tenha aparecido espontaneamente. Os encontros nacionais dos professores de assentamento logo se transformariam nas reuniões ordinárias do Coletivo Nacional de Educação do MST, instância máxima de decisão do Setor de Educação hoje. (MORIGI, 2003, p. 57)

Procurando não sucumbir às regras do jogo e às pressões por sua domesticação, o Setor de Educação do MST realizou na capital federal, durante o mês de julho de 1997, o Primeiro Encontro Nacional de Educadoras e Educadores da Reforma Agrária (I Enera). Para Valter Morigi (2003, p. 57), “esse encontro representou uma síntese da década de trabalho desenvolvido em educação pelo Movimento, bem como o olhar sobre o que seriam os novos desafios que surgiriam”. Dando seqüência a este processo reflexivo, em 1998 o MST impulsionou a realização de uma conferência nacional “Por uma Educação Básica do Campo”, que, em muitas de suas caracterizações, reconhece que “somente é possível trabalhar por uma educação básica do campo se vinculada ao processo de construção de um projeto popular para o Brasil, que inclui necessariamente um novo projeto de desenvolvimento para o campo e a garantia de que todo o povo tenha acesso à educação” (KOLLING; NERY; MOLINA, 1999, p. 77) As idéias têm sua força e, para os membros do movimento, suas posturas, propostas e projetos trazem não apenas a perspectiva de transformações estruturais na educação, mas na sociedade como um todo. Estabelecem uma intrínseca relação entre educação e trabalho, quando não priorizando um envolvimento direto do educando com seus estudos e a realidade da qual faz parte.

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Substancialmente, Os princípios pedagógicos básicos da proposta educacional do MST são sustentados na proposta de conjunção entre estudo e trabalho, na gestão democrática da escola e na relação prática – teoria – prática. Visa transformar a escola num centro de desenvolvimento cultural, além de sonhar com uma educação voltada para novos comportamentos, estimulando o desenvolvimento pessoal, projetando as mudanças necessárias não só no campo, como no conjunto da sociedade. (CONCRAB apud ANDRADE, 1993, p. 231)

Preocupado em analisar o processo de formação da consciência política entre famílias do MST acampadas na região do Pontal do Paranapanema (SP), Alessandro Soares da Silva (2002) observa que, quando se fala em MST, de suas ocupações de terra, assentamentos, reforma agrária e assuntos correlatos, não se pode perder de vista que no centro deste movimento está o homem. Para este pesquisador, há sujeitos que se encontram engajados na luta pela terra, que buscam superar a condição de espoliados da terra e dos meios de produção. Eles surgem na contramão do programa neoliberal que ordena o mundo globalizado atual. “O assentado surge como uma identidade nova, buscando conciliar as raízes de uma vida no campo com a exigência do mundo rural moderno.” (ANDRADE, 1993) Conforme podemos identificar historicamente, verifica-se uma série de propostas de formação de quadros profissionais e militantes no interior dos movimentos populares e sociais que tentaram ou continuam tentando reverter a lógica da exclusão e do mercado. A formação política de quadros no interior do MST, por exemplo, está inserida em um conjunto de princípios políticos, filosóficos e pedagógicos que conscientemente busca resgatar as contribuições do interior das várias correntes pedagógicas existentes, principalmente a pedagogia marxista e a libertadora de Paulo Freire. Numa breve análise de seu percurso educacional, podemos dizer que a criação de coletivos pedagógicos e a formação de seus educadores expressam-se nos seguintes termos: “‘Sem uma coletividade de educadores não há um verdadeiro processo educativo’. O princípio do trabalho de educação através de coletivos pedagógicos está ligado a outro princípio importante: quem educa também precisa se educar continuamente. Além de qualificar o trabalho, o coletivo alimenta o sonho de criar e ousar fazer coisas novas.” (MORIGI, 2003, p. 65) Qualquer análise sobre as experiências de formação política e desenvolvimento dos princípios, opções metodológicas e teóricas, recortes temáticos, amplitude e abrangência das atividades educacionais do MST pressupõe saber que em setembro de 1991 foi lançado para discussão o documento Como fazer a escola que queremos? Nele foi apresentada uma proposta de currículo para as escolas nas quais deveriam

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estudar as crianças assentadas pelo movimento. No documento, a influência da obra de Paulo Freire é facilmente perceptível: “No nosso currículo, os conteúdos passam a ser selecionados e desenvolvidos em função dos conhecimentos exigidos pelos temas geradores e pelas práticas das crianças” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA apud SOUZA, 1999, p. 5). Há, de fato, uma dimensão freireana na ação formativa que, por assim dizer, incide sobre as demais, produzindo um campo no qual são feitas as escolhas temáticas e metodológicas. Esta dimensão freireana orientadora é plasmada na relação objetiva que se verifica entre os conteúdos adotados para uma práxis formativa do homem e os objetivos estratégicos do sujeito social que propõe e procura desenvolver tal práxis. Com a apuração e análise documental do MST elaboradas por Maria Antônia de Souza, ficamos sabendo que: Os temas geradores são definidos pelo Setor de Educação do MST como [...] assuntos, questões ou problemas tirados da realidade das crianças e da sua comunidade. Eles permitem direcionar toda aprendizagem para a construção de um conhecimento concreto e com sentido real tanto para as crianças como para a comunidade. São estes temas que vão determinar a escolha dos conteúdos, a metodologia de trabalho em sala de aula, o tipo de avaliação. (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA apud SOUZA, 1999, p. 5)

Debatendo especificamente as experiências educacionais direcionadas aos trabalhadores rurais sem-terra, Maria Antônia de Souza reconhece ser fundamental aprofundar a questão teórico-metodológica referente aos temas geradores, lembrando que, se esse movimento defende uma educação problematizadora, é principalmente porque [...] nosso papel não é falar ao povo sobre a nossa visão do mundo ou tentar impô-lo a ele, mas dialogar com ele sobre a sua visão do mundo, que se manifesta nas várias formas de sua ação, reflete a sua situação no mundo em que se constitui. A ação educativa e política não pode prescindir do conhecimento crítico dessa situação, sob pena de se fazer “bancária” ou de pregar no deserto. (FREIRE apud SOUZA, 1999b, p. 6)

No núcleo estratégico dessas concepções, pode-se dizer que há uma dimensão ética que preside o desenvolvimento da trajetória de formandos e formadores e que se situa na relação entre o projeto político e social das organizações representativas dos trabalhadores e os interesses destes no desenvolvimento dos processos formativos nos quais estão inseridos. Aqui cabe, na opinião de Maria Antônia de

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Souza, outra questão: ao elaborar a proposta de educação e suas formas, deve-se forçar um trabalho ideológico ou servir permanentemente os sem-terra? Segundo Paulo Freire, não há uma fórmula fechada para realizar a chamada educação libertadora e emancipadora, não há receitas. É na prática do diálogo, na ação prática e dialógica que acontece a transformação da educação e das características da existência dos seres humanos. Nos períodos mais recentes de nossa história, principalmente desde a segunda metade da década de 1990, o movimento dos trabalhadores rurais tem buscado implementar projetos de formação educacional nos quais política agrária, política agrícola, direitos trabalhistas e sindicais, marcas identificadoras dos anos anteriores, são gradativamente substituídos por perspectivas de desenvolvimento local, sustentabilidade, economia solidária e projetos de sociedade. Na argumentação de Maria da Glória Gohn, alguns dos princípios que norteiam a práxis educacional do MST são os seguintes: 1) a educação não acontece só na escola, mas é um processo mais amplo, onde a luta pela escolarização é fundamental; 2) o eixo central da luta pela escola é dado pela demanda de uma escola pública com qualidade; 3) a escola demandada deve ter uma identidade com o meio rural, seu currículo deve refletir essa identidade, assim como a criação de um ambiente educativo adequado ao espaço onde se desenvolvem suas atividades; 4) o processo educativo é um ato coletivo e todos os esforços devem ser feitos no sentido de se investir na formação dos educadores, o educador propriamente dito. (GOHN, 2000, p. 110-111)

Nos seus objetivos e desenvolvimento, o currículo proposto pelo MST “é organizado a partir de temas geradores, podendo ter a seguinte seqüência: nossa luta pela terra; nossa cultura e nossa história de luta; nosso trabalho no assentamento; nós, nosso trabalho e a natureza; nossa saúde; nós e a política” (SOUZA, 1999, p. 6). A pujança, a velocidade e o destaque com que estes e outros temas vêm ocupando espaços no cotidiano das lutas camponesas sugerem a emergência de um novo ciclo na vida das organizações políticas dos trabalhadores rurais brasileiros e também do trabalho formativo e educacional. Uma nova etapa na qual se verificam inovações, mas também permanências, rupturas e continuidades, entre o passado e o presente do cotidiano desses trabalhadores, entre a nova e a velha forma de pensar o papel que a educação e a cultura podem desempenhar na luta pela terra em nosso país. Buscando estabelecer um marco cronológico, nos desdobramentos das preocupações educacionais do MST, em 1992, foi publicado o Primeiro Boletim

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da Educação, com propostas sobre como dever ser uma escola de assentamento. O boletim trazia dez pontos para discussão: 1) a escola de assentamento deve preparar as crianças para o trabalho no meio rural; 2) a escola deve capacitar para a cooperação; 3) a direção da escola deve ser coletiva e democrática; 4) a escola deve refletir e qualificar as experiências de trabalho produtivo das crianças no assentamento; 5) a escola deve ajudar no desenvolvimento cultural dos assentados; 6) o ensino deve partir da prática e levar ao conhecimento científico da realidade; 7) o coletivo da escola deve preocupar-se com o desenvolvimento pessoal de cada aluno; 8) o professor tem de ser militante; 9) a escola deve ajudar a formar militantes e exercitar a mística da luta popular; 10) a escola também é lugar de viver e refletir sobre uma nova ética (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA apud SOUZA, 1999, p. 8). Muitos textos educacionais do MST são elaborados com o intuito de contribuir para uma análise sobre a história e as dimensões políticas e sociais da luta dos trabalhadores rurais brasileiros, traçando, inclusive, algumas considerações sobre sua situação na atualidade. Dentro desta perspectiva, até mesmo a alfabetização é entendida pelo MST como um processo para capacitar as pessoas a dominar um determinado código de linguagem, a partir da apreensão lógica do mesmo, ou seja, como muito bem percebeu Maria Antônia de Souza: [...] a educação idealizada nos princípios pedagógicos e filosóficos do MST é, com certeza, a educação que nunca existiu para as classes populares – pobres, minorias – no Brasil. Não é somente a educação para os assentamentos ou para o campo, é muito mais, é a educação do povo. A história da educação pública é muito recente no Brasil e, com ela, a educação das minorias. Quando a educação se torna pública, vêm os manuais prontos e com conteúdos, metodologias e ideologias definidos. Como superar tal situação? De imediato restam as saídas micro, as várias experiências desenvolvidas no país no sentido de uma educação problematizadora. A longo prazo, talvez uma revolução e também uma revolução no cotidiano! (SOUZA, 1999, p. 10)

A educação problematizadora do MST tem como um de seus objetivos evidenciar o movimento inerente ao desenvolvimento do movimento da prática formativa e seus múltiplos nexos. Nela são apresentadas algumas reflexões sobre as atuais práticas formativas e o projeto político dos trabalhadores rurais, procurando destacar tanto o que há de novo quanto o que diz respeito ao processo histórico das lutas destes trabalhadores, traduzindo ou buscando traduzir a permanência e a viabilidade deste movimento. No desenvolvimento de sua trajetória histórica, política e social, postulando o desenvolvimento de uma perspectiva educacional problematizadora, o MST formulou os seguintes princípios filosóficos:

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1) Educação para a transformação social, princípio que se vincula aos processos sociais que buscam a transformação da sociedade atual e a construção de uma nova ordem social. Algumas características dessa proposta de educação: a) Educação de classe – uma educação que não esconda o seu compromisso em desenvolver a consciência de classe e a consciência revolucionária, tanto nos educandos como nos educadores. b) Educação massiva – o direito de todos à educação, com especial ênfase para a escolarização, com mobilização em torno de bandeiras como: “Toda criança na escola... aprendendo!”, “Todos os jovens ao estudo!”, “Nenhum assentado que não saiba ler, escrever e fazer conta!”. c) Educação organicamente vinculada ao Movimento Social – uma educação que se desenvolva às lutas, aos objetivos, a organicidade do MST, que pode melhor dar conta das suas demandas de formação, participando mais efetivamente dos processos de mudança. d) Educação aberta para o mundo – uma proposta de educação do MST não quer dizer a limitação na realidade imediata ou nas lutas específicas, é uma proposta de abertura de horizontes, de que “nada do que é humano me pode ser estranho”. e) Educação para a ação – uma educação que alimente o desenvolvimento da chamada “consciência organizativa”, que é aquela onde as pessoas passam da crítica à ação organizada de intervenção concreta na realidade. f) Educação aberta para o novo – aberta para ajudar a construir as novas relações sociais e interpessoais que vão surgindo dos processos políticos e econômicos mais amplos em que o MST está inserido. (apud MORIGI, 2003, p. 59-60)

Em sua trajetória presente, parece que as saídas “micro” são as mais viáveis. No entanto, como sinaliza Maria Antônia de Souza (1999), a sistematização de experiências que o MST proporcionou em duas décadas de existência deve ser aproveitada para o debate e aprimoramento nas realidades específicas de cada assentamento e acampamento. Um currículo ou bloco de opiniões fechadas daria à proposta educacional do MST caráter monolítico. Buscando a formação integral do homem, este movimento de trabalhadores rurais defende uma educação para o trabalho e a cooperação, reivindicando também uma efetiva relação entre a escola e os desafios próprios de seu tempo histórico. No cotidiano das relações sociais e econômicas que se produzem nas regiões interioranas do Brasil, para o MST o fundamental é a efetivação da reforma agrária e a “implementação da cooperação, como elemento estratégico para a construção de novas relações sociais, ‘por que cada família tem que sofrer para resolver sozinha os problemas que uma comunidade junta pode resolver com mais facilidade e em menos tempo?” (MORIGI, 2003, p. 60). Na análise de seus documentos e na busca de melhor compreender seus princípios educacionais, ficou-nos claro que o MST defende uma educação voltada para

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as múltiplas dimensões da pessoa humana, o que poderia ser dito utilizando-se a expressão marxista omnilateral, “significando uma reintegração das diversas esferas da vida humana que o modo de produção capitalista prima por separar” (MORIGI, 2003, p. 60). As concepções educacionais e filosóficas do MST projetam valores humanistas e socialistas que estejam em consonância com a construção do novo homem e da nova mulher. Para eles, no dia-a-dia do seu fazer educacional os seguintes valores precisam ser disseminados: - o sentimento de indignação diante de injustiças e de perda da dignidade humana; - o companheirismo e a solidariedade nas relações entre as pessoas e os coletivos; - a busca da igualdade combinada com o respeito às diferenças culturais, de raça, de gênero, de estilos pessoais; - a direção coletiva e a divisão de tarefas; - o planejamento; - o respeito à autoridade que se constitui através de relações democráticas e de coerência ética; - a disciplina no trabalho, no estudo e na militância; - a força/dureza necessária à militância política mesclada com a ternura e o respeito nas relações interpessoais; - a construção do ser coletivo combinada com a possibilidade da livre emergência das questões da subjetividade de cada pessoa; - a sensibilidade ecológica e o respeito ao meio ambiente; - o exercício permanente da crítica e da autocrítica; - a busca de formação em todas as dimensões e de superação dos próprios limites; - o espírito de sacrifício diante das tarefas necessárias à causa da transformação e do bem-estar do coletivo; - a criatividade e o espírito de iniciativa dos problemas; - o cultivo do amor pelas causas do povo, e o sentido internacionalista das lutas sociais; - o cultivo do afeto entre as pessoas; - a capacidade permanente de sonhar e de partilhar o sonho e as ações de realizá-lo. (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1996, p. 9)

O MST projeta as relações educacionais como um processo permanente tanto de formação quanto de transformação humana que, de acordo com suas próprias premissas, pressupõe uma crença inabalável no ser humano e em sua disposição transformadora, projetando os seguintes aspectos: 1º) a discussão metodológica de como ensinar, como aprender é elemento essencial para alcançar os objetivos pedagógicos e políticos;

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2º) a existência social de cada pessoa é o fundamento de sua educação, é a partir da vivência e consciência do novo que as mudanças reais irão acontecer; 3º) a educação é cada vez menos um processo espontâneo e mais um processo intencionalmente planejado e provocado; 4º) a educação é obra da combinação entre a inteligência, o pensamento, a afetividade e o sentimento. (apud MORIGI, 2003, p. 61) No desenvolvimento de seus princípios pedagógicos, o MST defende o estabelecimento de uma ininterrupta relação entre a teoria e a prática. Para eles, um dos principais desafios para os protagonistas do universo educacional nunca deixou de ser a relação entre teoria e prática e a imperiosa necessidade de se estabelecer uma íntima articulação entre ambas. Nas hostes do MST, “a defesa desse princípio como fundamental na proposta de educação busca criar a capacidade de relacionar todas as demais situações da vida, superando aquela visão de que a escola é lugar de conhecimentos teóricos para depois, fora dela, serem aplicados na prática” (MORIGI, 2003, p. 61).

Nos documentos educacionais do MST, tal relação apresenta-se como possibilidade de se organizar “o currículo em torno de situações que exijam respostas práticas dos/das estudantes, respostas que só saberão dar [...] se pensarem bastante para relacionar o que encontram nos livros com o que a professora está dizendo, com coisas que os estudantes já disseram [...] com o que estão discutindo entre eles” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1996, p. 11). Buscando uma combinação metodológica entre os processos de ensino e capacitação, o MST trabalha suas diferenças com a compreensão de que se produzem processos de produção do saber que respondem a lógicas diferenciadas, defendendo os seguintes pontos: a) no ensino, o conhecimento vem antes da ação. Na capacitação, a ação vem antes do conhecimento sobre ela; b) quem ensina é o educador; quem capacita é uma atividade objetivada, uma situação objetiva que provoque a pessoa a aprender para reagir diante de um problema concreto. Nesse caso, o papel do educador é o de provocar essa situação; c) o ensino resulta em saberes teóricos, e a capacitação resulta em saberes práticos. (apud MORIGI, 2003, p. 62)

A realidade é tomada pelo MST como a base da produção de conhecimento. Em seus escritos, argumentam que a realidade não está restrita tão-somente ao que nos cerca, ao que vivemos ou enxergamos, e sim ao mundo, partindo do assentamento como base. Os princípios metodológicos organizativos que defendem são os seguintes: a) método de ensino através de temas geradores, que são questões extraídas da realidade, em torno das quais se passa a desenvolver uma unidade de estudos, com

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conteúdos, didáticas e práticas concretas dos educandos integradas; b) partir da realidade mais próxima e já conhecida dos educandos e ir ligando com novas informações, estudos e discussões, chegando à realidade nacional e mundial, indo do particular para o geral e do geral ao particular. (apud MORIGI, 2003, p. 62) Para os ativistas do MST, a definição dos conteúdos educacionais a serem socializados não é neutra e encontra-se, necessariamente, relacionada com os objetivos sociais mais auspiciosos. Em linhas gerais, eles entendem que cada um dos conteúdos ensinados precisa trazer o questionamento acerca de sua contribuição efetiva para a vida do educando. Para eles, “[...] trata-se de utilizar o princípio da justiça social também nesta dimensão, ou seja, selecionar conteúdos que estejam na perspectiva de distribuição igualitária dos conhecimentos produzidos pela humanidade [...] que tenham a potencialidade pedagógica para educar os cidadãos e cidadãs da transformação social” (apud MORIGI, 2003, p. 63).

As concepções educacionais do MST procuram o vínculo com o mundo do trabalho – “uma educação para o trabalho e pelo trabalho” – como efetiva possibilidade de realizar seus objetivos políticos e pedagógicos. Nos documentos do MST, tal articulação é apresentada em dois momentos básicos e complementares: no primeiro, a educação aparece ligada ao mundo do trabalho e a escola é projetada como local privilegiado para que os seguintes objetivos pedagógicos possam ser desenvolvidos: - desenvolver o amor pelo trabalho e, especialmente, pelo trabalho no meio rural; - entender o valor do trabalho como produtor de riquezas [...] a diferença entre relações de exploração e relações igualitárias de construção social pelo trabalho; - superar a discriminação entre o valor do trabalho manual e do trabalho intelectual; - tornar mais educativo o trabalho que os estudantes já exercem nos acampamentos, nos assentamentos; - vincular mais diretamente as escolas com a busca de soluções para os problemas enfrentados nos acampamentos e assentamentos; - desenvolver habilidades, comportamentos, hábitos e posturas necessários aos postos de trabalho criados na conquista das áreas de reforma agrária. (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1996, p. 16)

No segundo, o trabalho é projetado como método pedagógico, com plena capacidade de desenvolver as múltiplas dimensões da proposta educacional do MST, na busca de consumar tais objetivos encontra as seguintes caracterizações: - o trabalho como prática privilegiada capaz de provocar necessidades de aprendizagem [...] relação entre prática e teoria [...] idéia de produzir conhecimento sobre a realidade; - o trabalho como construtor de relações sociais [...] espaço privilegiado de exercício

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da cooperação e da democracia; - relações sociais como lugar de desenvolvimento de novas relações entre as pessoas, [...] cultivo de valores, [...] novos comportamentos pessoais e coletivos [...] mística da participação nas lutas dos trabalhadores, [...] formação da consciência de classe. (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1996, p. 16)

Partindo-se de uma premissa freireana, no interior das concepções educacionais do MST não se faz distinção entre educação e política. A educação é projetada como uma prática política capaz de transformar ou conservar uma determinada ordem social. Este vínculo é organicamente construído no interior das experiências educacionais do MST e postula alguns dos seguintes objetivos: a) alimentar a indignação ética diante das situações de injustiça e de indignidade humanas [...] é preciso canalizar este sentimento para o despertar da necessidade de mudanças [...] tanto da sociedade como em cada pessoa; b) desenvolver atividades e estudar conteúdos intencionalmente voltados à formação político-ideológica dos/das estudantes [...] abordagem crítica e problematizadora da realidade; c) estimular e participar junto de lutas sociais concretas dos trabalhadores de outras categorias; d) incentivar os/as estudantes para que se organizem e aprendam a lutar pelos seus direitos; e) desenvolver processos de crítica e autocrítica coletiva e pessoal [...] coerência entre o discurso e a prática; f) chegar a ser militante, esta é a meta, pertencer a uma organização [...] dimensão fundamental de uma educação comprometida com a transformação social. (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1996, p. 17).

Primordialmente a gestão democrática da escola e o desenvolvimento de valores democráticos é um princípio pedagógico acalentado no cotidiano dos acampamentos e assentamentos organizados pelo MST. Esta dimensão da democracia como princípio pedagógico fundamental assenta-se nas seguintes propostas: a) a direção coletiva de cada processo pedagógico [...] com a participação efetiva da comunidade na gestão da escola [...] a relação desta escola com o conjunto de escolas do MST [...] subordinação aos seus princípios filosóficos e pedagógicos. b) a participação de todos os envolvidos no processo de gestão. Todos devem aprender a tomar decisões [...] respeitar decisões do conjunto [...] executar o que foi decidido [...] avaliar o que está sendo feito [...] repartir os resultados de cada ação coletiva [...] só acontece se o coletivo organizar instâncias de participação. (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1996, p. 20)

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Entre os princípios pedagógicos do MST que merecem ser destacados estão a defesa e o estímulo à auto-organização dos estudantes como parte decisiva do desenvolvimento de suas perspectivas de gestão democrática. Reivindicar uma participação ativa dos estudantes pressupõe dimensionar um tempo e um espaço autônomos para que os discentes se encontrem, debatam seus problemas e tomem decisões. Não é de outra forma que os educandos precisam incorporar, em sua prática, os seguintes princípios educativos: - a capacidade de agir por iniciativa própria [...] respeitando as decisões do coletivo; - a busca de soluções para os problemas; - o exercício da crítica e da autocrítica; - capacidade de mandar e de obedecer ao mesmo tempo; - atitude de humildade, mas também de autoconfiança e de ousadia; - compromisso pessoal com os resultados da cada ação coletiva; - capacidade de trabalhar os conflitos nos processos coletivos. (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1996, p. 21)

Outro aspecto fundamental que está presente nos princípios educacionais do MST é o permanente vínculo entre educação e cultura. No que diz respeito a isso, em suas escolas ou mesmo nos cursos de formação política há espaços privilegiados para a vivência e a produção cultural. Não se trata apenas de buscar valorizar a chamada cultura popular, mas, de forma substantiva, ousar produzir uma nova cultura, de transformação, tanto como possibilidade de antecipação de um projeto utópico de sociedade quanto como possibilidade de resgate da importância social e da história dos trabalhadores rurais brasileiros. Evidentemente, existem críticas ao desenvolvimento destes princípios educacionais. Principalmente quando se verificam uma ótica e uma razão diferenciadas que se produzem no cotidiano dos assentados e acampados, abre-se espaço para que sejam direcionadas sugestões de respeito e diálogo entre colaboradores, intelectuais, assessores e militantes dos movimentos sociais como o MST que não sejam originalmente do grupo com o qual se está trabalhando. Aos militantes que assumem uma nova ótica e forma de pensar, cabe respeitar as formas diferenciadas de organização e procurar aos poucos verificar as possibilidades de mudança nas práticas dos outros membros envolvidos, e não há outra forma de agir senão dialogar e reconhecer as dificuldades que é necessário vencer. É importante também verificar se não há outras formas de se atingir as metas esperadas, ou seja, de fazer o que se espera com o grupo. Agindo dessa maneira, é possível uma militância realmente comprometida com a realidade dos sem-terra do Brasil, pois será uma prática dialógica comprovada e não discursiva.

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Exatamente por isso, merecem destaque mais uma vez as pertinentes observações feitas por Maria da Glória Gohn: [...] se considerar-se que o ato de aprender é um processo de construção de significados, onde há relações substantivas entre o que está sendo transmitido e o que já se conhece, a construção desses significados nos alunos que participam dos cursos do MST resulta da articulação entre o que lhes é repassado como leitura do mundo com os habitus adquiridos em sua comunidade de origem. [...] o cidadão que resulta deste processo é um sujeito politizado, preparado para ser um militante de uma causa. (GOHN, 2000, p. 30)

Analisando-se as várias contribuições da autora acima mencionada, pode-se dizer que a educação do MST deve ser entendida como sendo uma resposta do movimento às necessidades que a organização foi encontrando durante o processo de luta pela reforma agrária e pela viabilização dos assentamentos conquistados. Enquanto os assentados não tiverem uma gama de quadros qualificados para atenderem às necessidades educacionais, econômicas, administrativas e outras que exijam certo nível de conhecimento técnico ou mais aprimorado e atualizado, terão muitos problemas para avançar na organização da luta e para o sucesso de sua proposta de reforma agrária. Por isso o MST tem investido muito na educação e formação política de seus membros (GOHN, 2000). Como vimos, os postulados educacionais do MST procuram referenciar e pensar a práxis educacional como um dos mais importantes e insubstituíveis processos de formação da pessoa humana. A educação é entendida como um processo por meio do qual a pessoa se insere numa determinada sociedade, transformando-a e transformando-se. Por isso, a educação está sempre ligada a uma concepção de mundo. Ao entender a educação como uma das dimensões da formação humana, o movimento procura considerá-la tanto no sentido amplo dessa formação como no sentido mais restrito de formação de quadros para sua organização e para o conjunto das lutas dos trabalhadores (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1996). Não sem controvérsias em torno dos sentidos que a educação deva assumir na reorganização social e política brasileira, podemos dizer resumidamente que os princípios pedagógicos defendidos pelo MST são: relação entre prática e teoria; combinação metodológica entre processos de ensino e de capacitação; a realidade como base da produção do conhecimento; conteúdos formativos socialmente úteis; educação para o trabalho e pelo trabalho; vínculo orgânico entre processos educativos e processos políticos; vínculo orgânico entre processos educativos e processos econômicos; vínculo orgânico entre educação e cultura;

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gestão democrática; auto-organização dos/das estudantes; criação de coletivos pedagógicos e formação permanente dos educadores/educadoras; atitudes e habilidades de pesquisa; combinação entre processos pedagógicos coletivos e individuais; e preocupação com a produção cultural e a história do movimento (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1996, p. 23).

O MST e a pedagogia da luta Com o lema “Terra e poder não se ganham, se conquistam”, o MST, que foi fundado na Região Sul do país, rapidamente se expandiu ao conjunto do território nacional, chegando mesmo a abrir um espaço próprio no movimento sindical rural, principalmente contando com forte impulso da CPT. No período de 1979 a 1985, o movimento promoveu uma série de ocupações, politizando definitivamente a questão agrária no Brasil. Estas ações, localizadas em diferentes pontos do país, contaram com famílias de trabalhadores sem-terra e com militantes que provinham do trabalho pastoral da Igreja ou mesmo de uma difusa relação com as organizações de esquerda. A nova metodologia de luta destes trabalhadores tomou de surpresa os grandes latifundiários; rapidamente, porém, estes responderam de forma violenta, utilizando assassinos pagos para desmoralizar as ocupações de terra, ameaçando ou assassinando inúmeros dirigentes dos sem-terra, fazendo uso de forças policiais para reprimir as ocupações. Sem dúvida, como reflexo das mobilizações que ocorriam em todo país, como as gigantescas marchas realizadas em 1984 para exigir eleições diretas, a luta pela terra teve forte apoio de amplos setores da população das cidades. Toda a imprensa no Brasil e mesmo no exterior criticou, ou pelo menos registrou, a ousadia dos trabalhadores rurais sem-terra, comentando suas necessidades e reivindicações. Procurando tirar conseqüências de sua própria capacidade organizativa, transformá-la em mecanismos de aprendizado, além de estar inserido numa dinâmica social contraditória e polvilhada de tensões, como observa Célia Regina Vendramini, o MST nasceu e se fortaleceu partindo da premissa de que a luta pela terra tem de ser em massa. Para esta pesquisadora, este movimento é caracterizado da seguinte forma: [...] um dos mais inovadores fenômenos políticos da América Latina, à medida que busca enfrentar os problemas do campo atacando as causas estruturais. Neste sentido, a reivindicação da terra é importante e válida. O MST existe, nos estados do sul do país, desde 1979, quando seu lema era “Terra para quem nela trabalha”. No 1º Congresso, em 1985, consolidou sua organização nacional, levantando a bandeira “Ocupação é a única solução”. A orientação atual é continuar

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a ocupar os imóveis em desapropriação, sob o lema “Ocupar, resistir e produzir”. No Congresso de 1995, o MST reforçou tal lema e conclamou a união dos trabalhadores do campo e da cidade: “Reforma agrária: uma luta de todos”. A bandeira de luta atual consagrada no mais recente congresso do movimento, em 2000, é a seguinte: “Reforma agrária: por um Brasil sem latifúndio”. (VENDRAMINI, 2000, p. 51)

Ocorre que não é desejável examinar o protagonismo político que este movimento produz desvinculado da realidade histórica e social na qual está inserido. Também não é possível desconsiderá-lo capaz de produzir uma importante inflexão na estratégia dos partidos de esquerda, do significado das ações nitidamente reformistas e seu papel na efetivação do horizonte socialista. Na compreensão de Roseli Caldart, ser sem-terra é bem mais do que lutar, com ousadia, pela terra: Sem Terra é uma identidade historicamente construída, primeiro como afirmação de uma condição social: sem-terra, e aos poucos não mais como uma circunstancia de vida a ser superada, mas sim como uma identidade de cultivo: Sem Terra do MST! Isto fica ainda mais explícito na construção histórica da categoria crianças Sem Terra, ou Sem Terrinha, que não distinguindo filhos e filhas de famílias acampadas ou assentadas, projeta não uma condição, mas um sujeito social, um nome próprio a ser herdado e honrado. Esta identidade fica mais forte à medida que se materializa em um modo de vida, ou seja, que se constitui como cultura, e que projeta transformações no jeito de ser da sociedade atual e nos valores (ou contravalores) que a sustentam. (CALDART, 1999, p. 8, grifos da autora)

A trajetória deste movimento assume uma centralidade exatamente porque não se restringe ao discurso que reivindica a universalização dos direitos, mas aponta a necessidade de se erigir uma nova sociedade que tenha na tomada de decisões e na ação coletiva um ponto fundamental na construção de sua história social. Como reconhece Caldart (1999), o MST tem chamado a atenção de diferentes grupos da sociedade brasileira, principalmente por apresentar algumas características que o particularizam em sua trajetória de movimento social dos trabalhadores do campo. Na opinião desta autora, algumas destas características precisam ser destacadas. A primeira diz respeito à radicalidade do seu jeito de fazer a luta e os sujeitos que ela envolve. Ou seja: O MST reafirmou a ocupação do latifúndio como a principal forma de luta pela terra, e a mobilização em massa dos sem-terra como o jeito de fazê-la. Isto quer dizer que explicita nas próprias ações de luta o que contesta (enquanto prática e enquanto valor) e que sujeitos pretende trazer de volta à cena social em nosso país [...] Quem olha para as ações do MST vê se transformarem em lutadores seres humanos que o capitalismo já imaginava ter excluído definitivamente. Talvez seja

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esta radicalidade, da luta, do jeito e de quem a faz, o que provoca na sociedade tomada de posição imediata: as pessoas são contra ou são a favor das ações do MST; mas de modo geral não costumam ficar indiferentes a elas. (CALDART, 1999, p. 4)

A segunda destas características é a multiplicidade de dimensões em que atua o MST, uma atuação que não desconsidera o papel desempenhado pela cultura, os postulados ideológicos e a permanente busca de solidariedade social. Isso se dá, entre outras coisas, porque: O MST tem na luta pela terra seu eixo central e característico, mas as próprias escolhas que fez historicamente sobre o jeito de conduzir sua luta especifica (uma delas a de que a luta seria feita por famílias inteiras) acabaram levando o Movimento a desenvolver uma série de outras lutas sociais combinadas. Estas lutas, bem como o trabalho cotidiano em torno do que são seu objeto, e que envolvem questões relacionadas à produção, à educação, à saúde, à cultura, aos direitos humanos [...], se ampliam à medida que se aprofunda o próprio processo de humanização de seus sujeitos, que se reconhecem cada vez mais como sujeitos de direitos, direitos de uma humanidade plena. (CALDART, 1999, p. 5)

A terceira especificidade do MST observada por Caldart é a que envolve a combinação de formatos organizativos diversos no interior do movimento. Isso ocorreu porque, em seus primórdios, o questionamento ao regime autoritário, a necessidade de denunciar as precárias condições de vida dos trabalhadores e os aparatos repressivos de um Estado com características nitidamente anti-sociais. Mas talvez exatamente por isso passou a procurar [...] dar conta dos seus objetivos e das diversas dimensões de sua luta, o MST acabou construindo um tipo de organização que mistura a versatilidade de um movimento social onde entra todo mundo o tempo todo, com um xadrez de relações sociais e organizacionais próprias quase de uma instituição social, que se pretende flexível, mas duradoura. Daí a lógica de uma verdadeira empresa social, convivendo com a irreverência de um movimento permanente e imprevisível. Os estudiosos de movimentos sociais de modo geral têm dificuldades de enquadrar o MST em suas classificações mais tradicionais. O MST tem resolvido este problema criando uma denominação para si próprio: uma organização social de massas, em que a combinação de características contraditórias se coloca como um dos pilares de sua identidade. (CALDART, 1999, p. 5, grifos do autor)

Finalmente, para esta autora a quarta importante característica do MST é a capacidade que este vem construindo de universalizar, ou de tornar da socieda-

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de como um todo, uma bandeira de luta que nasce de um grupo social específico e de seus interesses sociais imediatos. Neste sentido, procurando não ficar preso ao desenvolvimento de uma postura de caráter defensivo e irremediavelmente institucional, a aprovação de um lema como este: [...] ‘Reforma Agrária uma luta de todos’, trabalhado pelo MST especialmente a partir do seu III Congresso Nacional em 1995, sintetiza um passo muito importante na própria definição da identidade Sem Terra, que ao buscar educar a sociedade para que reconheça a reforma agrária como uma luta não apenas dos trabalhadores e das trabalhadoras da terra, também se educa para assumir bandeiras de luta cada vez mais amplas. O processo de construção desta característica tem levado a uma identificação cada vez maior das maiorias excluídas, bem como de outros sujeitos que com elas se identificam, com os Sem Terra e com o MST. (CALDART, 1999, p. 5)

É importante ressaltar que, para Roseli Caldart, existe um jeito de olhar para o MST e sua trajetória histórica que nos permite enxergá-lo desde as preocupações da educação e da pedagogia, mas também traduz uma clara perspectiva de independência classe e prioridade na organização e mobilização dos trabalhadores, pois [...] trata-se de olhar para o MST como lugar da formação do sujeito social Sem Terra, e para a experiência humana de ser do MST, e participar da construção da coletividade Sem Terra, como um processo de educação, que é também um modo de produção da formação humana, tanto mais significativo do ponto de vista social, político e pedagógico, por ser movido por uma luta social centrada em questões de vida e morte e de vida inteira, porque vinculadas às raízes de um processo de humanização mais profundo: terra, trabalho, memória, dignidade (CALDART, 1999, p. 10, grifos da autora).

A luta direta e a permanente mobilização dos trabalhadores é um elemento fundamental na perspectiva da manutenção da independência classe e de sua atuação política autônoma, por isso é importante lembrar que no período de 1985 a 1989 as ocupações tiveram um caráter de massa e estiveram bastante articuladas entre elas. Realizou-se, no ano de 1985, o primeiro Congresso do MST, que decidiu estender os problemas dos assentamentos de trabalhadores do campo também ao terreno eleitoral nacional. Isso fez com que em 1989, impulsionando a oposição por meio da candidatura Lula, a reforma agrária passasse a ser utilizada como bandeira reformista nas campanhas eleitorais. As eleições trouxeram muitas contradições ao cotidiano dos movimentos sociais e ajudaram a desarticular, momentaneamente, a luta direta no campo, contribuindo ao mesmo tempo com o fracasso eleitoral de Lula. Todavia, as

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forças da burguesia e dos latifundiários não deram trégua nem mesmo durante este período marcado pela acomodação proporcionada pela participação nas eleições. O avanço da repressão de forma qualificada atacou o movimento dos trabalhadores rurais, provocando muitos assassinatos, prisões e torturas. Apesar de tudo, do abandono da perspectiva de classe e do apelo ao fortalecimento da chamada sociedade civil, a luta no campo acabou mesmo se intensificando a partir da década de 1990, desta vez alcançando uma verdadeira e inusitada dimensão nacional. As ocupações de terra intensificaram-se em todo o território. Em meados da década, entre 1995 e 1996, a quantidade de trabalhadores rurais envolvidos diretamente em conflitos no campo alcançou quase 1 milhão de pessoas. Ainda estávamos longe de um processo de burocratização dos ativistas dos movimentos sociais, de sua transformação em funcionários do Estado ou em estrategistas das intermináveis campanhas eleitorais municipais, estaduais ou federais. A defesa de um projeto histórico dos trabalhadores e do socialismo pressupõe uma compreensão mais profunda e integral dos alicerces que sustentam a sociedade capitalista e do homem que será capaz de demovê-los. Com efeito, [...] em contraposição aos movimentos sociais que enfocam apenas problemas específicos quando os problemas são globais e acabam reivindicando uma política setorial que não trará mudanças de fato na sua situação social, o Movimento dos Sem-Terra constrói, por trás das suas lutas características, um movimento propriamente político que alcança as raízes do sistema de poder, ao agrupar populações cujo conflito incide nos alicerces de um sistema – o direito de propriedade. Suas características [...] possibilitam a construção de um espaço favorável à formação e autoformação da sua base, que incide na forma de pensar e agir dos sem-terra, em função das suas experiências, do seu trabalho, das suas lutas, da sua trajetória de vida, do intercâmbio com outras pessoas e do contexto em que vivem. (VENDRAMINI, 2000, p. 51)

A defesa do socialismo, a formação e as lutas dos sem-terra remetem-nos a um processo de “fazer-se humano na história que está produzindo e sendo produzido em um movimento de luta social, que também se constitui como parte de um movimento sociocultural mais amplo, que mesmo sem que os Sem Terra tenham plena consciência disso, extrapola seus interesses corporativos e projeta novos contornos para a vida em sociedade” (CALDART, 1999, p. 11). Em 1995, depois de uma longa trajetória de lutas e disposição de organização dos movimentos sociais, durante a realização de seu terceiro congresso nacional, o MST apresentou seu programa de reforma agrária, e nele se propunha: 1. Modificar a estrutura da propriedade da terra; 2. Subordinar a propriedade da terra à justiça social, às necessidades do povo e aos objetivos da sociedade;

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3. Garantir que a produção agropecuária esteja voltada para assegurar a alimentação, a eliminação da fome e o desenvolvimento econômico e social dos trabalhadores; 4. Apoiar a produção familiar e cooperativa com preços compensadores, créditos e seguro agrícola; 5. Levar a agroindústria e a industrialização ao interior do país, buscando o desenvolvimento harmônico das regiões e garantindo a geração de empregos especialmente para a juventude; 6. Aplicar um programa especial de desenvolvimento para regiões semi-áridas; 7. Desenvolver tecnologias adequadas à validade, preservando e recuperando os recursos naturais, com um módulo de desenvolvimento agrícola auto-sustentável; 8. Buscar um desenvolvimento rural que garanta melhores condições de vida, educação, cultura e divertimento para todos. (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1995c)

Muito embora estivéssemos vivendo no interior de um contexto histórico marcado por crescentes pressões políticas e ideológicas pelo abandono da independência de classe, de efetivação de compromissos com a legalidade e a ordem burguesas, de diluição ou mesmo abandono dos princípios socialistas, os seguintes objetivos estratégicos socializantes da riqueza social foram aprovados: 1. Construir uma sociedade sem exploradores e onde o trabalho tenha supremacia sobre o capital; 2. A terra é um bem de todos e deve estar a serviço de toda a sociedade; 3. Garantir trabalho para todos, com justa distribuição da terra, da renda e das riquezas; 4. Buscar permanentemente a justiça social e a igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais; 5. difundir os saberes humanistas e socialistas nas relações sociais; 6. Combater todas as formas de discriminação social e buscar a participação igualitária da mulher. (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1995a)

O MST não sucumbiu à ordem ou ao abandono de um projeto socialista – o que não é pouca coisa –, mas também vive suas contradições. Vejamos algumas: dentro de sua política, pautada em alcançar credibilidade na sociedade, o MST formulou a proposta de buscar alianças com todas as entidades da sociedade civil, independentemente de seus líderes políticos, estabelecer alianças táticas e conjunturais com setores da sociedade. Estas formulações estão contidas no Documento básico do MST, aprovado em seu sexto encontro nacional, de 1991, e partindo daí os dirigentes do MST, se indagados com quem se aliar, respondem, entre outras coisas, que estão dispostos a produzir alianças com a sociedade civil organizada progressista e também com a sociedade civil internacional organizada, incluindo setores da Igreja que assumem este projeto, alianças com membros do Poder Judiciário, da imprensa, da própria polícia e do Exército, como aponta Antonio Matles, da coordenação nacional do MST, discutindo publicamente os rumos desse movi-

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mento, bem como suas alianças. Um bom exemplo de como o discurso favorável ao ideário de que é possível administrar o capitalismo e seu Estado, com auxílio da sociedade civil, em favor da cidadania e dos direitos sociais, também se desenvolve nas fileiras do movimento. Também existem outras dimensões fundamentais a compreender no processo de formação dos sem-terra ligados ao MST e que precisam, evidentemente, ser lembradas: A que vincula cada família Sem Terra à trajetória histórica do Movimento e da luta pela terra e pela Reforma Agrária no Brasil, tornando-a fruto e raiz (sujeito) dessa história; a que faz de cada pessoa que integra o MST um ser humano em transformação permanente, à medida que sujeito (também condicionado a) de vivências coletivas que exigem ações, escolhas, tomadas de posição, superação de limites, e assim conformam seu jeito de ser, sua humanidade em movimento. Do entrelaçamento das vivências coletivas, que envolvem e se produzem desde cada família, cada grupo, cada pessoa, com o caráter histórico da luta social que representam, se forma então a coletividade Sem Terra, com uma identidade que não se enxerga olhando para cada pessoa, família ou grupo de sem-terra em si mesmos, mas que se sente ou se vive participando das ações ou do cotidiano do MST. (CALDART, 1999, p. 9, grifos do autor)

Pode-se entender perfeitamente esse esforço de organização societária como parte da busca de produzir o declínio do poder exercido por meio dos tradicionais mecanismos coercitivos e ideológicos de manutenção do poder e de naturalização das relações sociais. A construção da vida social sempre estará em aberto e traz com ela a permanente luta ideológica, uma inequívoca marca da história social de nosso tempo.

Os limites da direção do MST e sua prática política pedagógica Com uma inquestionável participação e o pleno envolvimento dos seus ativistas na luta pela terra, na organização de ocupações, assentamentos e acampamentos e como se depreende de alguns aspectos do programa de reforma agrária do MST expostos ao longo deste trabalho (muito embora este não extrapole os estreitos marcos do capitalismo e da legalidade do Estado burguês), os sem-terra estão, na prática, sendo sujeitos de um movimento que acaba pondo em questão o modo de ser da sociedade capitalista atual e a cultura que ela reproduz e consolida. E por que fazem isso? Para Roseli Caldart, Fazem isto não porque professam idéias revolucionárias e nem porque este seja o conteúdo de cada uma de suas ações tomadas em si mesmas. Contestam a ordem

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social pelo conjunto (contraditório) do que fazem nas ocupações, nos acampamentos, nos assentamentos, nas marchas, na educação de suas crianças, jovens e adultos; pelo jeito de ser de sua coletividade que projeta valores que não são os mesmos cultivados pelo formato da sociedade atual; fazem isto, sobretudo, pelo processo de humanização que representam, e pelos novos sujeitos que põem em cena na história do país. (CALDART, 1999, p. 7)

Quando nos dispomos a acompanhar e analisar o ideário e as experiências produzidas, vemos que estes traduzem um forte sentimento de comunidade dentro do qual os direitos sociais possam finalmente ser consumado pelos seus protagonistas. Também percebemos, sem grandes dificuldades, que a política central desse movimento tem consistido, fundamentalmente, em exercer pressão sobre os diversos governos burgueses que se vêm constituindo, pelo menos, desde o período que se convencionou chamar de Nova República, por volta de 1985, até o presente momento, marcado pela presença de Lula na Presidência da República. Estas metodologias podem ser confirmadas quando um de seus principais seu dirigentes, João Pedro Stédile, afirma que, “no período de redemocratização do país, a pressão popular das organizações dos camponeses provocou de fato, a implementação de projetos de reforma agrária” (STÉDILE, 1998, p. 38). Essa problemática está longe de ser resolvida teoricamente, pois podemos também dizer que o MST, como escreve Célia Regina Vendramini (2000, p. 51), pela sua estrutura organizacional e seu programa político, “pela sua consciência e amplitude, não é apenas um movimento de protesto, mas também uma forte organização social e política de massas”. Em seus próprios documentos, como exemplo, no caso o Jornal do Sem Terra, encontramos a seguinte avaliação: “A tendência dos movimentos sociais é: ou se tornam uma organização ou desaparecem. Os movimentos sociais existem enquanto há uma causa não resolvida. Se o problema se resolve, a tendência é institucionalizar o movimento, que se transforma numa organização. É o caso do MST. [...] É o único grupo que conseguiu dar estrutura política a uma luta popular no Brasil, luta de trabalhador.” (apud MARTINS, 1996, p. 5) Nesse processo, o que tem caracterizado sua direção tem sido o fato de criar e impulsionar novas formas construtivas de pressão por meio das ocupações que levam, em muitos casos, ao enfrentamento com os latifundiários por intermédio de forças paramilitares ou da própria polícia militar. Para tanto, suas principais formas de luta vêm sendo os acampamentos e as visitas (peregrinações) aos gabinetes das autoridades estaduais e federais responsáveis pelos programas de reforma agrária e redistribuição fundiária dos governos. Para o MST, “os trabalhadores somente conseguirão mudar as leis mediante

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a organização e a pressão” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1987). Isto explica por que apostam tanto em sua luta. Uma luta que, como escreve Caldart (1999, p. 7, grifos do autor), permite a um ser humano [...] parar de morrer, só pode nos trazer lições fundamentais de pedagogia, principalmente se acreditarmos que em tempos de desumanidade crescente a educação somente tem sentido como uma prática radical de humanização, ou de formação humana em seu sentido mais inteiro e profundo; e que neste tempo e em nosso país, um dos saberes fundamentais para os educadores e as educadoras do povo é, como diz Paulo Freire, o aprendizado de que mudar é difícil, mas é possível.

No itinerário das mudanças sociais, nesta sua busca, de mudanças difíceis, mas possíveis e radicais, a principal diretriz do movimento tem sido pressionar o Estado para que tome iniciativas favoráveis aos setores populares, constituindo-se como um importante sujeito coletivo e produzindo práticas que procurem assegurar os direitos e legítimos interesses dos trabalhadores rurais brasileiros. Desta forma, em seu ideário também existem elementos estratégicos; buscando impulsioná-los, estes trabalhadores não deixam de fazer alusões abstratas ao socialismo, quando afirmam que entre seus principais objetivos está lutar por uma reforma agrária radical, por uma sociedade mais justa e igualitária e terminar com o capitalismo. Para chegar ao socialismo, é primordial que os personagens responsáveis por tal tarefa histórica possam entrar em cena. Mas quem são eles, quem é o sujeito social deste processo? A classe operária? Os movimentos populares urbanos, os sindicais? Independentemente de nossa predileção, juízo ou prognóstico político, o fato é que há no Brasil, hoje, como escreve Roseli Caldart, um novo sujeito social que participa ativamente da luta de classes, com sua identidade e seu nome próprio: Sem-Terra. Precisamos, também, reconhecer que o MST produz uma intervenção política propícia à modificação de práticas e relações sociais no âmbito das mais variadas e, muitas vezes, isoladas regiões brasileiras, transformando e produzindo conhecimentos inusitados entre os homens e mulheres que nele se integram, se envolvem e atuam. O MST produz uma dimensão educativa, proporciona um aprendizado de que a conquista dos direitos sociais reivindicados como universais somente se tornarão realidade histórica por meio de ações diretamente perpetradas contra o Estado liberal e seu sagrado direito de propriedade. São as lutas sociais e a organização dos trabalhadores que podem trazer uma crítica radical dos mecanismos de manutenção do poder e das instituições fundamentais ao Estado capitalista; são as lutas sociais que trazem a perspectiva de participação e um ativo e militante protagonismo das causas socializantes da rique-

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za social, questionador da hegemonia política e cultural do capital. Em suas fileiras produz-se um saber político, um protagonismo social das mudanças possíveis; assim, Sem Terra é mais do que sem-terra, exatamente porque é mais do que uma categoria social de trabalhadores que não têm terra; é um nome que revela uma identidade, uma herança trazida e que já pode ser deixada aos seus descendentes, e que tem a ver com uma memória histórica, e uma cultura de luta e de contestação social. Há um processo de construção deste sujeito, que é a história da formação do sem-terra brasileiro, em um recorte político e cultural diferenciado, algo que certamente está a requerer estudos mais aprofundados. (CALDART, 1999, p. 7-8)

O fato de limitar sua política de ocupações, principalmente as chamadas terras improdutivas, não é uma expressão do seu reconhecimento do grande latifúndio “produtivo”. Nesse marco, toda alusão a uma “reforma agrária radical” converte-se, mais do que nunca, em palavras de profundo significado ideológico, principalmente quando ficamos sabendo de números com estes: Existem hoje mais de 2 mil acampamentos espalhados pelo país, envolvendo 368.325 famílias. Só em 1999 foram organizados 538 acampamentos, enquanto em 1990 totalizavam 119 [...]. Percebe-se o crescimento do movimento na mobilização de famílias sem-terra na luta pela reforma agrária. Ao mesmo tempo, evidencia-se a lenta desapropriação de terras por parte do governo federal. Há aproximadamente 1.500 projetos de assentamentos no país, com 160 mil famílias, porém 39% das famílias assentadas estão concentradas nos Estados do Maranhão, Pará e Mato Grosso, e apenas 12% no Sul e no Sudeste, o que revela a prioridade do Incra pela fronteira agrícola. (STÉDILE, 1998, p. 35)

Todavia, é importante lembrar que o MST afirma enfaticamente que um programa de reforma agrária significa um processo mais amplo e intenso que beneficiará a todos os trabalhadores sem-terra, e de organização da produção agrícola. Neste sentido, sem nenhuma sobra de dúvida, é extremamente preocupante e mesmo ambíguo que seu programa se limite apenas a falar de uma “distribuição de terras públicas e devolutas (da União e dos Estados) [... ou de uma] definição de um tamanho máximo para a propriedade rural e as formas de propriedade existentes [...]” (STÉDILE, 1998, p. 31), sem fazer nenhuma alusão aos grandes latifúndios (produtivos ou não) dos grandes capitalistas do campo, talvez por razões meramente táticas ou conjunturais, pois é preciso reconhecer que, sem a efetiva incorporação dessas áreas, será impossível fazer a reforma agrária no Brasil. Ao longo das décadas de 1950 e 1960, durante os levantes e ocupações organizadas pelas Ligas Camponesas, entre os teóricos das mais variados matizes

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abriu-se a discussão sobre qual seria o sentido destes movimentos. Para muitos deles, inclusive, a reforma agrária deveria ser produto de uma revolução burguesa, isto é, dirigida pela burguesia; para outros – particularmente para aqueles presos ao ideário político do populismo –, os camponeses por si mesmos deveriam ser capazes de concluir essa tarefa, a qual seria capaz de transformar-se numa força motriz que impulsionaria uma revolução socialista. Hoje, a questão da terra não se coloca tão claramente nestes marcos. Deixando de lado por um momento as alusões abstratas ao “socialismo”, o eixo central para a realização da reforma agrária passa por exercer pressão por meio das ocupações de terra e das marchas populares, visando “obrigar” o governo a aplicar uma política de distribuição gradual das terras, fazendo, assim, cumprir o que estabelece a Constituição de 1988, no que concerne ao princípio de desapropriação, pelo interesse social, das terras que não cumprem tal função. Essa situação desestabilizadora pode ser compreendida quando, por exemplo, as direções do MST propõem as cooperativas de trabalho, conforme escreve Sandra Maria de Freitas, como “estágio superior de conquista da terra” (FREITAS, 1994, p. 1). Aparentemente, por meio de uma proposta como esta o MST busca transformar as relações de produção vigentes. Contudo, a realidade nem sempre é assim. Um projeto como este, coletivista, enfrenta fortes resistências porque há membros do movimento – líderes, inclusive – que possuem outras propostas: o projeto camponês-familiar ou mesmo um projeto individual. A emergência do MST como sujeito coletivo e impulsionador dos movimentos que procuram mudanças substanciais no país não é capaz de esconder, ou pelo menos camuflar, a heterogeneidade da base do movimento. A propósito disso, Célia Regina Vendramini (2000) argumenta que nem todos os que lutam pela permanência na terra têm trajetórias de vida e expectativas de luta semelhantes, “assim como no próprio interior da direção do MST (há contradições, diferenças de concepção que conduzem a práticas diversificadas), constitui um dado importante para os propósitos da análise da consciência do movimento” (VENDRAMINI, 2000, p. 55). João Pedro Stédile (apud POKER, 1999, p. 41) equacionou a problemática atual dos assentamentos nos seguintes termos: Primeiro: hoje, o problema agrário no Brasil vai muito além do simplesmente lutar por aquela Reforma Agrária clássica do início do século que a burguesia industrial implantou na Europa Ocidental, nos Estados Unidos e depois da Segunda Guerra Mundial, também na Ásia, especialmente no Japão ou na Coréia. Ou seja, falar em Reforma Agrária no Brasil atual não é só dividir a terra, é lutar contra três cercas: a primeira, a cerca dos latifúndios, que talvez seja a mais fácil de derrubar; a segunda, a cerca do capital, pois de nada adianta ter terra se não houver recursos para reorganizar a produção agrícola e ampliar a produtividade no campo; a terceira cerca é a da

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ignorância. No mundo de hoje a informação, o conhecimento científico é tão importante para o sujeito virar um cidadão quanto ele ter terra, ter trabalho, ter casa.

Stédile afirma, ainda, que nunca terá futuro a organização social que não formar seus próprios quadros: “Ninguém de fora da organização vai formar os quadros para nós. Precisamos de quadros técnicos, políticos, organizadores, profissionais de todas as áreas. Isso também nos disseram, com muita insistência, os que nos precederam na luta. Fomos nos dando conta disso na prática.” (FERNANDES; STÉDILE, 1999, p. 42-43) Para Robinson Janes (2001), o MST e sua forte organização social têm duas bases de sustentação: a autogestão e a educação popular. O autor defende a idéia de que um movimento social organizado necessariamente tem como sustentação a educação popular, concebida entre seus pares e de acordo com seus objetivos e metas a serem atingidas e com os princípios de luta a que se propõe. Janes afirma que o MST se diferencia de outros movimentos sociais por ter uma característica concreta que é a produção, ou seja, desde suas origens ele se caracteriza como um movimento de luta pela reforma agrária, entendendo por reforma agrária não apenas a distribuição de terras, mas a fixação do trabalhador rural no campo com todas as condições para desenvolver sua produção. A estratégia utilizada pelo MST é a cooperação, entendendo que sem ela não há como fixar este trabalhador rural no campo devido à concorrência do mercado e à ação dos grandes produtores. Neste sentido, o MST entende que a forma mais democrática de organizar a produção são as cooperativas coletivas, ou seja, a autogestão, e ele lança mão da educação popular para atingir seus objetivos. Em suma, “os dois pilares de sustentação do MST são: a autogestão e a educação popular” (JANES, 2001, p. 11). Por seu turno, Roseli Caldart (1997) considera que a pedagogia do MST é a pedagogia do movimento e de sua luta. A autora entende que o MST impulsiona as várias pedagogias utilizadas na atuação dos militantes no setor de educação, pondo-as em movimento. Essa defesa também é feita por Edgard Kolling (KOLLING; NERY; MOLINA, 1999), membro do Coletivo Nacional de Educação do MST. O primeiro Censo da Reforma Agrária do Brasil traz alguns dados que permitem vislumbrar a dimensão do problema da educação nos assentamentos. No censo, constatou-se que os assentados, em geral, possuem baixa escolaridade, com alto índice de analfabetismo (atingindo 70% em alguns estados), com média nacional em torno de 43% (POKER, 1994, p. 41). Por meio de seus estudos, Maria Antonieta de Souza (1999), apoiada em Roseli Caldart, sustenta que educação no interior dos assentamentos rurais organizados pelo MST tem sido problematizada a partir da década de 1980, com o aumento

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do número de acampamentos e assentamentos de sem-terra. Em sua perspectiva, lutar pela escola no assentamento e nos acampamentos tem sido uma bandeira do setor de educação do MST. Juntamente com a luta pela construção de escolas, há a preocupação com a qualidade do ensino, com a formação dos profissionais, com a educação de jovens e adultos, enfim, a luta pela garantia dos direitos assegurados na Constituição Federal. Mais do que isto, para Roseli Caldart (1999, p. 9, grifo da autora) merece destaque a seguinte caracterização: A trajetória histórica do MST pode ser interpretada como sendo o processo de formação do sem-terra brasileiro, na constituição específica do sujeito Sem-Terra: de trabalhador sem (a) terra a membro de uma organização social de luta pela reforma agrária, a lutador do povo, no sentido de que preocupado com questões que dizem respeito ao futuro do país e ao destino histórico do povo brasileiro. E, ainda que seja necessário buscar a gênese desta formação em um contexto histórico que antecede e extrapola o MST, não é mais possível hoje entender quem são os sem-terra no Brasil fora da história do MST. A atuação do Movimento na formação dos Sem-Terra ajudou a constituir a própria expressão sem-terra, há bem pouco incluída nos dicionários da língua portuguesa.

Estamos diante de uma nova concepção de participação política, social, provida de um profundo caráter educativo e que se tornou possível graças ao desenvolvimento de movimentos cada vez mais radicalizados e claramente contrários à ideologia e ao status quo dominante. Roseli Caldart afirma, ainda, que este processo pode ser analisado como um processo de formação humana, ou melhor dizendo, como a materialização: [...] de um determinado modo de produção da formação humana, cuja matriz é o próprio Movimento como sujeito e princípio educativo. Isto porque, se fazemos o esforço de buscar compreender o sentido mais profundo da experiência humana de ser Sem Terra, ou ser do MST, nos encontramos com um movimento pedagógico de formação de sujeitos sociais e de seres humanos, que nos remete às questões de origem da própria reflexão pedagógica, ou da reflexão da educação como educação como formação humana: como nos humanizamos, ou nos formamos como humanos? Como se educa uma pessoa para que se desenvolva em sua condição humana? Quais os valores que movem nossa intencionalidade educativa? Para que postura diante da sociedade nossa prática tem educado? Nesta perspectiva, podemos dizer que a herança que o MST deixará para descendentes será bem maior do que a quantidade de terra que conseguir libertar da tirania do latifúndio; será um jeito de ser humano e de tomar posição diante das questões de seu tempo; serão os valores que fortalecem e dão identidade aos lutadores do

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povo de todos os tempos, de todos os lugares. Talvez seja especialmente enquanto produto de uma obra educativa que os Sem Terra possam ser vistos pela história como mais um elo que se formou em uma longa tradição de lutadores sociais que fazem a história da humanidade. Enraizamento no passado combinado com projeto de futuro. (CALDART, 1999, p. 9-10)

As primeiras discussões e sistematizações sobre como garantir escolas nos assentamentos que estavam surgindo tiveram início em 1984, ano da fundação do MST. Não se trata de um problema de menor magnitude ou corriqueiro, mas sim de uma questão que nos ajuda a entender a própria identidade e o significado que as premissas educacionais alcançam no dia-a-dia do movimento. Para a pesquisadora Maria Antonieta de Souza (1999, p. 2), [...] num primeiro momento a preocupação estava em como organizar a escola do acampamento, suscitando reivindicações junto ao poder público municipal e estadual com o intuito de garantir o funcionamento de escolas “provisórias” nos acampamentos e “definitivas” nos assentamentos. Juntamente com a preocupação com o espaço escolar e os profissionais, vem a inquietação com relação à qualidade do ensino; o como e o quê trabalhar com as crianças que estavam enfrentando violência – na dimensão da exclusão social – e a resistência – na dimensão da organização para a conquista da terra.

Segundo Vendramini (2000), o espaço de convívio do acampamento possibilitou maior troca entre as pessoas, quando não uma relação de solidariedade e ajuda mútua em momentos de grande tensão social, por aglutinar pessoas com a mesma preocupação – a expropriação da terra – e com o mesmo ideal – a luta pela terra –, permitindo, também, a transformação da perspectiva de vida e a reelaboração de sua visão de mundo, efetivamente transformando seus hábitos, sua moral e formas de agir e pensar. Para esta autora, A própria rotina de um acampamento é exemplo da intensa formação dos acampados. O dia inicia-se com a reunião das comissões (Alimentação, Saúde, Educação, Higiene, Segurança, Produção e Finanças), informando e discutindo as questões do acampamento, incluindo a distribuição de tarefas. Quando necessário, é convocada uma assembléia, com o toque do sino. Até mesmo as crianças aprendem desde cedo a organizar-se, montando suas próprias comissões. Já o assentamento é um importante espaço de ressocialização da produção rural, para integrar-se na sociedade de uma maneira mais decente e digna. (VENDRAMINI, 2000, p. 56)

Priorizar a questão educacional no interior dos movimentos e acampamentos pressupõe entendê-la não como alternativa messiânica, mas como inerente ao

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desenvolvimento societário que o MST postula e busca realizar. Desta forma, de acordo com Maria Antonieta de Souza (1999, p. 2), “[...] a educação para além da preocupação com o formal torna-se estratégica para o MST. Por um lado, há a preocupação com a formação das crianças, por outro lado, a educação vista como possibilidade para a construção de conhecimentos através da formação de quadros que pudessem discutir a organização social e a produção agrícola nos assentamentos.” Reconhece-se, assim, o significado das propostas educacionais do MST no cotidiano da vida social que produz não como algo episódico e marcado pela descontinuidade. Ou seja: [...] fica evidenciado o amplo caráter da educação, principalmente a busca pela formação escolar-política com objetivos de dominar conhecimentos técnicos e organizativos, romper com as práticas de trabalho denominadas de “individualista, autoria e artesanal” pelo MST. A busca por educação ocorre através da reivindicação por escola/instituição, assim como pela organização de cursos de formação política, através de assessorias. (SOUZA, 1999, p. 2)

Conforme ressaltamos anteriormente, priorizando sua disposição com relação à auto-organização, em tais propostas e experiências de educação do MST também “[...] fica explícita a necessidade de formar pessoas comprometidas com a transformação social e com a militância direta nas lutas populares, capazes de pensar e de agir com autonomia [...]; o que se quer da escola ainda é que ajude a formar personalidades saudáveis, criativas e coerentes; que estimule a consciência organizativa das crianças e dos jovens” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM-TERRA apud SOUZA, 1999, p. 3). O MST parte da valorização de propostas pedagógicas de forte cunho social e compromissadas ou capazes de produzir um aprendizado de ruptura com a ordem vigente, ou mesmo dar sentido pleno ao existir humano. De acordo com Maria Antonieta de Souza (1999, p. 5): “[...] no início dos anos [19]90 tem início a elaboração de uma proposta de educação para os assentamentos, tendo como fundamentação teórica as idéias de Paulo Freire (temas geradores/pedagogia do oprimido) e uma escola para o trabalho (Pistrak), bem como experiências de Educação em Sistemas Socialistas (Makarenko), enfatizando a idéia de coletivos na educação”. Apesar dessas fontes de inspiração nitidamente socialista, muitos pesquisadores questionam se não há incoerência entre o discurso e a prática. Essa questão pode ser direcionada tanto para as propostas educacionais do MST como para as práticas dos militantes em seus cursos e em suas atuações nas instâncias do próprio MST e nas áreas de assentamentos e acampamentos. A partir dessas preocupações, para Roseli Caldart (1999, p. 10, grifos da autora):

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Os Sem Terra se educam, quer dizer, se humanizam e se formam como sujeitos, no próprio movimento da luta que diretamente desencadeiam. Estão sendo chamados hoje de lutadores do povo e sua atuação acaba projetando uma identidade que é sua, mesmo que não esteja como consciência e como prática em cada um dos sem-terra do MST. Uma contradição às vezes politicamente complicada, porque retarda o avanço da luta maior, mas pedagógica e culturalmente muito fecunda e desafiadora, desde que assumida cotidianamente como objeto de um trabalho intencionalmente, do MST e de cada um dos seus integrantes e apoiadores. A conjuntura e a história vêm desafiando o MST a assumir determinado jeito de fazer a luta pela terra, e este jeito vai conformando seus sujeitos. A trajetória que vem fazendo de um trabalhador sem (a) terra um membro de uma organização social de massas que luta pela Reforma Agrária, e deste sem-terra do MST um Sem Terra que passa a fazer lutas por um novo projeto de desenvolvimento do país (como a luta contra as políticas de privatização do atual governo brasileiro, por exemplo), sem deixar de continuar a lutar pela terra, é um processo de escolhas condicionadas pelo momento histórico. Se o MST tivesse existido em outra época, talvez a identidade Sem Terra fosse diferente.

Do ponto de vista da reflexão educacional, para Roseli Caldart (1999) há nesta análise duas idéias-força articuladas. A primeira delas é que se produz uma pedagogia no cotidiano dos movimentos sociais; a segunda é que uma luta social pode ser mais educativa, ou tem um papel formador maior, na medida em que seus sujeitos conseguem entranhá-la no movimento da história. Sobre estes aspectos, pertinentes ao universo de uma pedagogia do MST, Roseli Caldart (1999, p. 11, grifos da autora) argumenta também que: Os Sem Terra se educam participando diretamente, e como sujeitos, das ações da luta pela terra e de outras lutas sociais que aos poucos foram integrando a agenda do MST. É esta participação que humaniza as pessoas: primeiro no sentido de que devolve à vida social pessoas que estavam excluídas dela (esta é pelo menos uma das interpretações que podem ser feitas da expressão paramos de morrer...); e segundo, no sentido de que a pedagogia da luta educa para uma determinada postura diante da vida: nada é impossível de mudar, e quanto mais inconformada com o atual estado de coisas, mais humana é a pessoa; ou seja, exatamente o contrário da pedagogia da socialização que predomina nos chamados meios educacionais, onde estar em movimento e ter atos de contestação ou rebeldia é sempre visto como “má-educação”: é preciso afastar-se daqueles baderneiros do MST!

Desde este outro ponto de vista, ao contrário, dizemos que participar do movimento da luta vai educando um jeito específico de ser humano, que potencializa o principal traço da humanidade, que é a possibilidade de fazer-se e refazer-se a si própria,

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enquanto contesta a ordem estabelecida, problematiza e propõe valores, transforma a realidadeeseproduzcomosujeitodahistória.Aslutassociaisproduzemastransformações históricas, e o fazem à medida que conseguem conformar os sujeitos sociais capazes de operá-las e, ainda mais, de consolidar os novos parâmetros de vida em sociedade que vão criando neste movimento. Estamos, portanto, diante de uma proposta democrática e coletivista do desenvolvimento das premissas educacionais do sem-terra. João Pedro Stédile defende inclusive a idéia de que a criação dos coletivos pedagógicos foi um aprendizado do MST, afirmando, entre outras coisas, que: “[...] são precisos coletivos para pensar a continuidade da luta por escolas em condições adequadas, para organizar a Equipe de Educação do assentamento ou acampamento, para planejar as formas de implementação das mudanças do currículo, para refletir sobre o processo pedagógico, para estudar, para planejar e avaliar as aulas” (STÉDILE apud SOUZA, 1999, p. 5). Na construção de sua concepção educacional, assumidamente socialista, o MST reivindica uma postura consciente do sujeito; na verdade, o próprio ingresso na luta pela terra implicaria um ato de consciência. Suas ações e metodologias educacionais incorporam diferentes influências teóricas e alguns componentes ideológicos que impulsionam a trajetória de todos aqueles que se engajam na luta pela terra. Entre elas, são priorizadas algumas concepções marxistas, com destaque para aquelas que dizem respeito a uma educação para o trabalho; os postulados de Paulo Freire, particularmente os que dizem respeito a sua pedagogia do oprimido e do diálogo, estão muito presentes nas atividades educacionais envolvendo jovens e adultos, como também as concepções de que a terra somente esteja nas mãos de quem trabalha, de que a luta é pela construção de uma sociedade sem exploradores e explorados, a busca da organização dos trabalhadores rurais na base e, na esfera educacional, “dedicar-se à formação de lideranças e construir uma direção política dos trabalhadores” (SILVA, 2002, p. 23). Tais concepções freireanas estão muito presentes porque os educadores do MST reconhecem a existência de uma falsa consciência, que emerge como uma das expressões de práticas autoritárias presentes na vida social. Sua origem mais remota está na exclusão ou mesmo deformação do processo de diálogo. A esse respeito, inclusive, escreve Luís Carlos Tarelho (1988, p. 81-82): [...] ela é produzida sempre que, em nome da preservação da civilização ou em nome da preservação de alguns privilégios, as interpretações lingüísticas, ligadas a motivações indesejadas, forem excluídas da comunicação pública pela ação das esferas repressoras, ou deformadas pela ação das defesas projetivas [...] Enfim, excluído do espaço público e condenado, pela inibição do processo comunicativo, a viver no espaço privado das consciências monologas, o sujeito se torna apolítico, e a capacidade de se perceber que se está sendo vítima de práticas autoritárias fica cada vez menor.

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Assim, muitas das concepções educacionais produzidas pelo setor de educação do MST, a partir da obra de Paulo Freire e outros autores, procuram demonstrar como a realidade pode falsificar a consciência, quando não destruir totalmente a autonomia do sujeito e submetê-lo ao senso comum que impera na sociedade. Neste sentido, reivindicar uma concepção dialógica da educação, como faz Paulo Freire, é fundamental, porque a falsificação da consciência pode-se produzir no cotidiano, na linguagem das pessoas, no estabelecimento de práticas autoritárias. Estas práticas acabam por mergulhar o sujeito num universo de práticas despolitizadas, capazes de produzir interferências no trabalho da percepção, do pensamento e do imaginário, dificultando ou mesmo inibindo que as pessoas compreendam plenamente as razões de seus infortúnios. Neste percurso político educacional, com o desenvolvimento de uma concepção freireana, nessa esfera das relações humanas, busca-se desenvolver no sujeito uma consciência e uma compreensão dos seus direitos e a capacidade política para defendê-los. O MST transforma os seus integrantes de pacientes (vítimas da injustiça social) em agentes ativos que lutam pelo seu próprio destino. Enquanto espaço de socialização política, o MST permite aos trabalhadores o aprendizado prático de como se unir, se organizar, participar, negociar e lutar, além da elaboração de uma identidade social, de uma consciência de seus interesses e direitos e, finalmente, a apreensão crítica de seu mundo, de suas práticas e representações sociais e culturais. (VENDRAMINI, 2000, p. 55, grifos da autora)

Não é de outra forma, portanto, que a presença da obra de Paulo Freire é estratégica na construção das concepções educacionais do MST, procurando partir dos interesses comuns existentes cotidianamente nas condições imediatas da vida e da identidade social, política e cultural formada em torno de tais interesses presentes na trajetória dos seus militantes. A educação como prática da liberdade reivindicada por Paulo Freire pode contribuir para que o sujeito que possui uma falsa consciência possa superá-la. No mesmo sentido, Tarelho (1988) observa que apenas pelo exercício da liberdade, pela reinserção no espaço comunicativo, pelas práticas de confrontação política seja possível a superação da falsa consciência. Acreditamos que essas concepções a respeito do modo como se dá o processo de falsificação da consciência, e de como ela pode ser superada, são muito importantes para podermos compreender como foi que surgiu o movimento pela posse da terra em questão. Elas autorizam a principal hipótese deste trabalho, de que um dos principais fatores que contribuíram para a formação do movimento foi a existência

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de um espaço interativo, no interior do qual foi possível estabelecer um processo comunicativo/pedagógico e práticas políticas que permitiram o desenvolvimento de uma consciência social crítica e a transformação dos trabalhadores em sujeitos coletivos, com uma identidade política comum, aptos para lutarem por seus direitos. (TARELHO, 1988, p. 94)

Por outro lado, autores como Souza (1999) argumentam que o MST se articula em torno de uma carência coletiva. Para ela, o fato de os indivíduos sofrerem as mesmas carências é o que os faz iguais; isto se daria em face de “um ideal, a uma utopia, que no caso do MST retoma os pressupostos da utopia revolucionária socialmente, em sua vertente radical, pouco aberta à liberdade individual, e muito centrado na ordem do coletivo, definido de cima para baixo” (SOUZA, 1999, p. 235). Logo, as preocupações educacionais e a formação política das lideranças e dos demais membros do MST pressupõem reconhecer as mudanças que estes sofreram e continuam sofrendo em decorrência do processo de luta pela terra. Tais alterações dizem respeito, por exemplo, à percepção da complexidade da luta pela terra; à necessidade de agir em defesa de uma coletividade de interesses e em grupo; à incorporação de discursos políticos e dos que são produzidos pelo próprio movimento; à militância ativa em seu interior. A partir dessas premissas, os educadores do MST buscam construir um referencial teórico eclético capaz de auxiliá-los, tanto no diálogo com os assentados e acampados quanto na compreensão da maneira pela qual os episódios cotidianos podem fazer despertar em cada sujeito novos valores societários, novas visões de mundo e, principalmente, um novo tipo de atitude. Para os educadores do MST, este parece ser o grande desafio: se antes esses sujeitos assumiam posicionamentos individualistas, agora – nos acampamentos, assentamentos e em todas as esferas do movimento – suas posições precisam assumir caráter coletivo. Refletindo sobre isto e também sobre o papel do assentamento como resultado concreto da organização e da resistência dos trabalhadores em sua luta pela terra, escreve Souza (1999, p. 32): “[...] o indivíduo, através da participação política em diferentes espaços comunicativos e o enfrentamento com diversas condições objetivas muito difíceis, consolida um tipo de identidade onde há maior espaço para a dimensão coletiva. A partir de então, o agir no coletivo passa a ser a característica principal desses indivíduos que constroem espaços de agir coletivo.” No interior do MST, o trabalho educacional é identificado como fator importante para a constituição de sujeitos coletivos e para a superação da falsa consciência, com a percepção da condição de excluídos, expropriados, como condição comum. A apropriação dessa condição de forma positiva desemboca na estruturação do grupo, na identidade social do movimento. Assim, a busca de uma

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consciência política entre os trabalhadores rurais sem-terra pressupõe a busca de outras referências teóricas, como é o caso do marxismo. As concepções marxistas reivindicadas pelo MST, segundo José Benedito Leandro (2002), procuram estabelecer a relação entre educação e trabalho, particularmente os conceitos desenvolvidos por autores como Karl Marx e Friedrich Engels, postulantes de uma educação omnilateral – como uma severa crítica à formação unilateral, meramente preocupada com o adestramento da mão-de-obra e realização de seus mais mesquinhos interesses produtivos – e defensora do ensino gratuito e universal aos trabalhadores. Estes postulados procuram representar tanto as lutas históricas dos trabalhadores rurais sem-terra, quanto aquelas que se produzem no presente e as novas características que assumem estas mesmas lutas. É preciso frisar que, num processo de constantes combates, foram-se dimensionando conquistas elementares nas áreas da Educação e Saúde e estratégias de luta contra governos, grupos políticos e empresariais que buscam perpetuar as injustiças sociais no campo. Em suma, podemos dizer que a trajetória histórica e social do movimento, suas ações, os pronunciamentos públicos de suas lideranças caracterizam o MST como um movimento que não está apenas reivindicando o acesso à terra aos excluídos, mas que tem como “objetivo principal atingir, através de suas lutas, uma ampla reforma nas relações sociais de produção. Estando esta reforma diretamente vinculada à estratégia fundamental do MST, a implantação na terra conquistada de um sistema cooperativista de produção.” (FREITAS, 1994, p. 12) Além desta perspectiva de socialização política, presença cultural na vida social e implementação de um sistema cooperativista de produção, o coletivo educacional do MST identifica ainda que, após a formação do grupo, da conscientização das privações comuns vivenciadas por eles e da conseqüente recriação da identidade camponesa possibilitada pela rememoração do passado de cada um durante a formação do grupo, viria a fase da conscientização política dos membros do grupo nascente, o que implicaria fazê-los compreender a estrutura classista da sociedade e o caráter político das leis e instituições vigentes. Por fim, a fase de preparação para a luta, a fase das ações coletivas desenvolvidas por estes trabalhadores, agora conscientizados de sua condição de excluídos e expropriados, conscientizados das estruturas sociais que propiciaram a situação vivida por eles. Esta fase está alicerçada na valorização da memória e da mística que se produzem e se desenvolvem em seu interior, e principalmente na crença na mudança social, não na mera perspectiva de mobilidade social. Isto se explica porque, nos últimos anos, [...] o MST também tem passado a olhar para si mesmo com uma maior preocupação em relação à dimensão cultural. Faz isso a partir de três eixos de reflexão: o cultivo

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intencional da memória e da mística da luta do povo, a necessidade de compreender melhor a sua base social, e o compromisso com a formação no campo dos valores e da postura pessoal de seus integrantes. O MST certamente não surgiu com o objetivo de tornar-se uma referência cultural. Essa referência está sendo construída como resultado dos próprios embates políticos e do contexto histórico em que se realizam. Mas é possível identificar uma trajetória de preocupações e de reflexões do MST nesse campo, embora somente nos últimos anos assim nomeada e estudada. O primeiro eixo de preocupações do MST em relação à cultura, presente desde o seu nascimento até hoje, constituiu-se em torno de duas dimensões que acabaram se tornando marcas fortes na mística do Movimento: os símbolos da luta e o resgate da memória de lutas anteriores. Estudando a história do MST, é possível perceber uma intencionalidade, já das primeiras lideranças, talvez ligada aos seus próprios traços de formação cultural, no cultivo dessas marcas. Uma das primeiras atividades de formação das lideranças sem-terra foi o estudo das lutas pela terra já realizadas no Brasil e também em outros países da América Latina. (CALDART, 2000, p. 52-53, grifos do autor)

Esta postura, permanentemente, preocupada em buscar inspiração na história e na memória dos que lutaram pela terra no Brasil e em outros países latinoamericanos, fica bem evidente nas palavras de João Pedro Stédile: Nunca tivemos a pretensão de ser os primeiros. Nós sabíamos que não era isso e tivemos a consciência de aprender com os outros. Desde o início houve esta vocação de querer saber em que os outros erraram. Fizemos várias conversas com os remanescentes da Ligas Camponesas, da Ultab – União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil, criada pelo Partido Comunista Brasileiro por volta de 1955 –, do Master – Movimento dos Agricultores Sem Terra, que surgiu, no final da década de 1950, no Estado do Rio Grande do Sul –, da CPT – Comissão Pastoral da Terra – [...] Trazíamos as lideranças antigas que ainda estavam vivas, para nossas reuniões. (STÉDILE apud CALDART, 2000, p. 53)

Educação e cultura na formação da consciência política dos militantes do MST As preocupações com o desenvolvimento do trabalho educacional no interior do MST não desprezam o papel que a Igreja, o Partido dos Trabalhadores (PT) e as instituições do Estado deveriam ter na construção da consciência política dos trabalhadores rurais vinculados organicamente ao movimento. A Igreja, ao apre-

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sentar e possibilitar espaços de socialização política e reflexão, ao contribuir com a constituição de um ambiente em que as decisões prioritariamente são tomadas na e pela base e, pedagogicamente, ao utilizar os textos bíblicos relacionados à condição de vida destes trabalhadores, colabora com o estabelecimento de um modelo de ação do movimento, entre outras coisas, indicando o protótipo de liderança e de uma compreensão político-religiosa da realidade. O PT tem influência indireta e/ou velada no movimento. Isso se dá principalmente pelo fato de o MST sempre enfatizar seu compromisso apartidário. Claro que isto é apenas um formalismo. A defesa que aquele partido fazia da reforma agrária e as constantes candidaturas de lideranças do MST utilizando a legenda do PT nas mais variadas eleições fizeram com que a participação do partido na construção do movimento ficasse mais do que explicitada. Quanto ao Estado, sua participação mais efetiva se dá no momento em que o trabalhador vê cair por terra suas ilusões a respeito do real interesse daquele em realizar a reforma agrária. Quando os trabalhadores descobrem a dificuldade de contar com a colaboração do Estado, percebem que o Estado usa seu aparato de forma opressora, reprimindo energicamente e pela força militar as ações empreendidas por eles. Neste momento – um momento privilegiado no cotidiano dos trabalhadores rurais sem-terra –, eles têm uma consciência bastante desenvolvida a respeito das relações sociais e do papel do Estado diante do desenvolvimento destas mesmas relações. Em outras palavras, fica claro que a radicalidade do MST: [...] se manifesta no questionamento fundamental da ordem existente, se impõe porque as estruturas sociais, políticas e econômicas no Brasil são muito injustas, a concentração de terra é muito grande. No processo de organização e luta dos sindicatos, movimentos e associações no campo, a massa de sem-terra vem demonstrando, nas últimas décadas, uma resistência ativa e constante pela permanência na terra, através do MST. Os sem-terra se opõem ao direito vigente da terra e à estrutura agrária, como fruto do processo de desenvolvimento que os exclui. Suas lutas em defesa da terra são articuladas por uma organização, que se opõe ao latifúndio e ao Estado, constituindo-se num dos canais para pôr em causa a orientação política do país. As formas de luta utilizadas – a ocupação de terras improdutivas, o acampamento, as grandes marchas ou caminhadas, a ocupação de órgãos públicos – têm se mostrado eficazes no questionamento à estrutura fundiária do país, especialmente numa conjuntura em que tem sido difícil a contestação às forças sociais dominantes. O MST é um movimento de luta pela terra que manifesta preocupações com os desafios das lutas em geral, tem um projeto e uma estratégia política de transformação radical da sociedade. (VENDRAMINI, 2000, p. 60)



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Assim sendo, as múltiplas e permanentes iniciativas educacionais do MST em diversos estados do país não significam reconhecer a existência de uma consciência política plenamente desenvolvida no interior do movimento. Este tipo de posicionamento, segundo alguns educadores do movimento, acabaria por produzir uma indesejada visão reificada da realidade e constituir-se como um fabuloso empecilho à superação da falsa consciência. Na busca de superação desse processo de vigência da falsa consciência e da construção da consciência política e de sua capacidade de organização, as políticas educacionais do MST primam pela valorização da história, da cultura, dos símbolos e da mística dos que lutam pela terra. A esse respeito, escreve Caldart (2000, 53-54, grifos do autor): Da reflexão sobre a história e percebendo a importância dos símbolos para os camponeses, cujo traço de raciocínio associativo é bastante destacado, surgiu a preocupação de ir transformando as decisões organizativas e as bandeiras de luta do Movimento em uma simbologia que ajudasse a sua difusão massiva. Para isso era preciso garantir que a escolha dos símbolos fosse do próprio povo sem-terra, porque somente assim haveria a identificação. A criação da bandeira e do hino, por exemplo, foram processos que demoraram alguns anos, exatamente porque envolveram grande parte da base social que apenas começava a se chamar Sem Terra. [...] Aqui importa destacar a intencionalidade do MST na construção da cultura como objeto de sua interpretação sobre si mesmo, sem desconsiderar, é claro, que talvez a maior riqueza simbólica do MST esteja em uma produção que não é intencional nessa perspectiva. Um exemplo disto é a própria designação Sem Terra, hoje tão carregada de sentido. Segundo os registros da história, a escolha dessa expressão para compor o nome do Movimento que estava sendo criado, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, foi quase um acaso. Ninguém se lembra de uma discussão específica sobre isso. Parece que a escolha foi simplesmente a incorporação do nome pelo qual a imprensa da época chamava aqueles trabalhadores rurais que estavam reivindicando terra, no Sul, chamado de colonos sem terra. Assim ficou, assim se produziu depois como identidade.

Também se ressalta aqui que o coletivo educacional do MST procura disseminar a idéia de que a situação de privação a que estão submetidos os trabalhadores rurais sem-terra não é o resultado descontextualizado de suas próprias vidas, como de um destino preestabelecido de infortúnios, mas, ao contrário disto, é o resultado de um sistema distributivo injusto que produziu e continua produzindo o embrutecimento da condição humana, a espoliação e a

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expropriação do ser humano. A compreensão, portanto, de sua condição de excluídos pressupõe a valorização de suas vivências, de sua origem étnica e cultural, de suas memórias, princípios políticos, produtivos e dos seus símbolos como instrumentos indispensáveis e fortalecedores da própria luta pela terra. Refletindo sobre isto, escreve Caldart (2000, p. 54-55): Essa preocupação tanto com a preservação da memória como com o fortalecimento dessa simbologia da luta perpassa todos os processos de formação e de educação desenvolvidos pelo MST, enquanto prática, mas também enquanto reflexão teórica [...] A partir de um certo número de assentamentos conquistados, o MST passou a estudar e a discutir propostas de organização da produção que ao mesmo tempo tornassem viável a economia assentada e dessem continuidade à luta do MST, sendo coerentes com seus princípios políticos e com seu projeto de sociedade. Assim surgiram as discussões sobre a cooperação agrícola como base organizativa para constituir a nova vida nos assentamentos. Os diversos processos vividos em cada assentamento e a diferenciação percebida entre uma região e outra, entre origens étnicas, entre trajetórias de vida diferentes, mostraram ao MST que, mais ainda do que na organização inicial dos sem-terra, conhecer melhor a diversidade cultural que constitui a base social que chega aos assentamentos é fundamental para organizar o trabalho, não só da produção, mas do conjunto de aspectos que compõem a vida em um assentamento. Também chama a atenção para quais devem ser as ênfases da formação e da educação das pessoas, desde a fase inicial do acampamento.

Como muito bem a história nos ensina o capitalismo não tem barreiras; pelo contrário, insere-se e descobre as fraquezas dos pequenos produtores no mercado e acaba por explorá-los por meio de mecanismos perversos, como aqueles que impulsionaram a expulsão e a migração de mais de 30 milhões de trabalhadores rurais para a zona urbana entre as décadas de 1950 e 1970 no Brasil. Apesar de toda a força do capital sobre suas vidas, os assentados são estimulados pelos educadores do MST a buscarem manter vivas algumas características de seu modo de vida, como as festas religiosas, o compadrio, os casamentos, os batizados, as quermesses, as romarias e rezas para os santos padroeiros, tão freqüentes no catolicismo popular, que por sinal tem como iniciantes e criadoras as nossas primeiras mães mestiças, como afirmou Darcy Ribeiro em seu livro O povo brasileiro (1987). Outro aspecto da cultura rural bastante estimulado pelos responsáveis pelo trabalho educacional desenvolvido nos assentamentos é o resgate da memória de quando iniciaram a luta para se organizarem e reivindicarem as desapropriações de terras, o processo de divisão em lotes familiares e de como a família se organizava, se estruturava em meio a tantas questões que o cotidiano lhes apontava a todo o

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momento da luta. Os filhos dos assentados, quando interrogados sobre o processo de luta, reconstroem toda a sua “caminhada” até os dias atuais, retomando a história de sua origem familiar, de seu grupo de trabalho em reuniões, e de como estes foram se reconhecendo como novos personagens de uma história em transição. Isto porque, segundo Caldart (2000, p. 84): Compreender a educação como um processo de formação humana exige de nós que pensemos em alguns nexos fundamentais para o entendimento das ações educativas. A reflexão sobre um sentido mais universal da educação, que a concebe como um processo de formação humana, não pode nos fazer retornar a algum tipo de ideal pedagógico abstrato e essencialista, que inclusive nos ajudaria pouco na conclusão das nossas práticas pedagógicas concretas. Ao contrário, a reflexão traduzida até aqui nos permite, e exige, pensar na educação como um processo social que acontece através das próprias relações que o constituem.

Neste sentido, evidentemente a história oral do grupo de assentados que utilizam a produção familiar diferencia-se da daqueles que se organizam em cooperativas. Um dos motivos é que, a toda e qualquer atividade dos cooperados, os fundamentos educacionais deverão levar a que fiquem nítidos para todos os relevantes aspectos de coletividade e de cooperação. Pacientemente, os educadores reconstroem uma história que prioriza as atividades e as conquistas do grupo e em grupo. O fundamento pedagógico aqui é, principalmente, que o indivíduo acostume-se a idéia de que, organizando-se, agindo, trabalhando e produzindo coletivamente, facilita a viabilização dos lotes e de sua vida. Assim, entre as principais relações a serem identificadas está a: 1ª) Relação entre educação e vida produtiva, entendida especialmente na sua dimensão de produção das condições materiais da existência humana. Há duas idéias básicas na compreensão desse vínculo, e as duas já podem ser consideradas clássicas dentro de uma das tradições pedagógicas que têm sua centralidade na formação do sujeito humano. A primeira delas, impossível de ser desconsiderada depois de Marx, é que não há como compreender a educação sem compreender seus determinantes estruturais, especialmente aqueles ligados ao modo através do qual uma determinada sociedade organiza a produção e a reprodução de suas condições materiais de existência. Voltando aos termos de Thompson, o modo de produção e as relações sociais que ele constrói condicionam, estabelecem as pressões e os limites sobre todo o conjunto das práticas sociais, entre elas a educação. Ou seja, há determinantes estruturais no modo como se pensa e se faz a educação dos sujeitos que experimentam essas condições e trabalham sobre elas. (CALDART, 2000, p. 84, grifos do autor,

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Reconhecer este processo, todavia, não significa fechar os olhos para o fato de que praticamente inexiste espaço para os sentimentos individuais no âmbito dos acampamentos e assentamentos, provocando confrontos e conflitos, muitos deles registrados no próprio momento em que se desenvolve o trabalho educacional promovido pelo MST. Talvez por estar preocupada com isso, Caldart (2000, p. 84-85, grifos do autor) apresenta a segunda idéia de sua formulação: A segunda idéia se refere aos processos sociais de produção e reprodução material da existência como educativos ou formadores (ou deseducativos e deformadores) da humanidade nos sujeitos. Quer dizer, se produzindo sua existência, as pessoas se educam, então compreender a dimensão educativa da vida produtiva é fundamental para compreender mais profundamente o processo de formação humana, bem como para conseguir desdobrá-lo em ações educativas intencionais e planejadas, tais como acontecem na escola. Foi a partir dessa compreensão que se chegou à formulação pedagógica do trabalho como princípio educativo, que inclui o trabalho, mas também se preocupa com a dimensão formadora dos processos culturais, da participação nas lutas sociais. Uma das implicações dessa visão pedagógica é a inversão, ou pelo menos a relativização, do que Mariano Enguita identificou como uma das constantes na história da educação de todos os tempos, que é o idealismo, ou seja, a concepção de que o ser humano se forma nas idéias, pelas idéias e para as idéias. E idéias geralmente entendidas como palavras, portanto como pedagogia da palavra. À medida que passamos a compreender mais profundamente o peso dos elementos materiais na formação humana, tendemos também a compreender melhor a centralidade das práticas (que também incluem idéias e palavras) nos processos educativos. A experiência dos movimentos sociais, e a do MST especialmente, reforça bastante essa concepção menos idealista da educação. Essa inversão de ênfases, por sua vez, altera também o pensar sobre o fazer da escola, redimensionando a própria concepção do que devem ser as preocupações centrais da pedagogia escolar.

É, também, por meio da participação do movimento da luta que os sem-terra se politizam, passando a compreender seu problema específico num contexto mais amplo e como parte de uma correlação de forças sociais e políticas que não se alteram apenas porque uma pessoa decidiu agir para transformar sua situação particular. Neste aspecto, Caldart (1999, p. 11) observa que: Muitos sem-terra, quando decidem participar de uma ocupação ou entrar num acampamento, o fazem movidos pela necessidade, mas também por uma visão ainda ingênua de mundo: consideram que se são trabalhadores do campo e se dispõem a trabalhar na terra, é justo que logo consigam e então todos os seus problemas estarão

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resolvidos. Pouco adianta as lideranças fazerem longos discursos para explicar que a realidade é diferente; somente experimentando pessoalmente os embates da luta pela terra, é que aos poucos aprenderão de que relações socais fazem parte, e o que contestam mais profundamente em cada um dos atos coletivos de que participam.

Assim, este é um dos momentos mais importantes de um processo de formação que começa a relacionar o movimento da luta, no seu imediato e na sua conjuntura, e o movimento da história, “geralmente mais lento e complexo” (CALDART, 1999, p. 11). Desta forma, o MST estabeleceu algumas diretrizes políticas para a formação dos sem-terra. São elas: bases, militantes e dirigentes. Para eles, a “formação é um processo permanente, pelo qual os companheiros do mesmo projeto político [...] são capacitados para aumentarem seus conhecimentos e capacidade de intervenção na realidade em que vivem” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1999, p. 44). Na análise deste processo efetuada por Vendramini (2000, p. 58), fica evidente que os “métodos utilizados para cumprir esses objetivos são bastante rigorosos e exigem disciplina”. Mesmo considerando que o ponto de partida da formação deve ser a prática de cada companheiro e afirmando o respeito às suas diferenças e ritmo próprio, o MST defende a idéia de que “os quadros e militantes devem ser moldados à imagem e semelhança da organização” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1991, p. 45). Por outro lado, o desafio de uma análise adequada e democrática sobre a cultura popular rural tem sido experimentada por alguns dirigentes nacionais do MST. Alguns livretos e cadernos de formação do MST indicam isso. Na busca destes objetivos, os dirigentes do movimento relacionam-se e se articulam da seguinte forma: [...] com sua base – sem terra, acampados e assentados – por meio das suas instâncias de decisão e organização, que são os núcleos de base, as comissões municipais, estaduais, de coordenação e executiva nacional, o jornal mensal e os setores de organização – Comunicação (jornal e propaganda) Formação, Educação, Finanças e Produção (assentamento e cooperação agrícola), além dos encontros nacionais (anuais) e congressos (qüinqüenais). (VENDRAMINI, 2000, p. 58)

Além disso, o MST tem desenvolvido um programa de educação e uma cultura que procura compreender suas lutas como sendo essencialmente políticas. Isto porque seus objetivos dizem respeito à estrutura fundiária, a seus compromissos com o combate aos setores agroexportadores e à elite política do país, incapaz de apresentar propostas factíveis na realização da reforma agrária. Fundamentalmente, O MST considera que a conquista de algumas áreas e a implantação dos

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projetos de assentamento representam apenas um passo, um acúmulo de forças e de pequenas vitórias para os trabalhadores. Um programa de reforma agrária significa um processo mais amplo e massivo, que consiga beneficiar todos os trabalhadores sem-terra e alterar a atual estrutura da propriedade da terra e da organização da produção agrícola. (STÉDILE, 1996, p. 34) A proposta de reforma agrária defendida pelo MST, claramente identificada em seus documentos programáticos, identifica que esta faz “parte dos anseios da classe trabalhadora brasileira em construir uma nova sociedade: igualitária e socialista” (MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA, 1995b, p. 20). Nos seus enunciados, inclusive, argumenta-se que É possível perceber algumas inovações e aberturas do movimento, principalmente no que se refere à ampliação dos horizontes da reforma agrária, que não se limita ao campo, mas diz respeito ao conjunto da sociedade, não só considerando-os beneficiários da reforma agrária em termos de melhoria das suas condições de vida, mas também apontando objetivos econômicos e sociais de construção da nação. (VENDRAMINI, 2000, p. 75)

Segundo Vendramini (2000), o MST considera-se a força de vanguarda da luta pela terra no Brasil, mas compreende que a conquista da reforma agrária depende, em primeiro lugar, do apoio e da adesão da população das cidades a essa causa. Em depoimento de uma das lideranças do movimento no Estado de Santa Catarina, recolhido pela pesquisadora, tal perspectiva fica evidente: É fazer com que a sociedade discuta isso e entenda que o problema da reforma agrária não é do MST, não só do MST, mas é um problema social, um problema geral. A reforma agrária é uma das alavancas para nós retomarmos o crescimento econômico, repartir a renda, repartir a riqueza, gerar emprego, produzir alimentos, incluir no mercado de trabalho essa grande camada de pessoas que foram excluídas ao longo do tempo. (apud VENDRAMINI, 2000, p. 75)

Neste aspecto, na opinião dos dirigentes do MST a luta deve continuar após a obtenção da terra, devido à necessidade de garantir a permanência nela, com base em formas de cooperação que se revertam em organização e consciência política, e também pelo ideal de reforma agrária, não compreendida como mera distribuição de terras. Entretanto, “Os sem-terra, ao passarem para uma nova fase da luta – a efetivação do assentamento pretendido – correm o risco de uma desmobilização. As questões do uso coletivo da terra, do trabalho coletivo, da organização comunitária, afloram com um caráter mais definitivo e põem em xeque as próprias experiências de união e solidariedade desenvolvidas nos momentos mais tensos da luta.” (VENDRAMINI, 2000, p. 77)

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Evidentemente, num momento de luta os diferentes segmentos de trabalhadores rurais tornam seus interesses mais homogêneos, produzindo uma identidade de interesses e disposição para empreenderem uma ação política comum. Por outro lado, no cotidiano dos assentamentos as diferenças sociais ressurgem ou mesmo se constituem sob novas formas, possibilitando que germinem novos problemas e dificuldades, inibidores da organização das famílias de produtores rurais liderados pelo MST. De fato, existem diferentes interesses organizacionais e, muitas vezes, a própria realidade cultural que estes assentados produzem é muito distinta. Ademar Bogo é um dos membros do MST que mais se tem prontificado a tentar responder às necessidades de analisar essa cultura popular rural diferenciada e como o MST deve respeitar as opiniões dos produtores familiares e/ou discutir de forma adequada a melhoria da produção e qualidade de vida sem ferir ou reprimir a cultura e as opções dos que produzem individualmente com suas famílias. Mas considera-se que o embate entre o individual e os interesses coletivos ainda é uma questão pendente no interior do MST. As reflexões sobre o papel do desenvolvimento das experiências culturais crescem em importância no interior das diferentes instâncias organizativas do MST. Segundo Bogo (1999), inspirando-se em Raymond Williams, a idéia de cultura e seus desdobramentos passa a ser incorporada às nossas representações, práticas intelectuais e de alteridade a partir das condições materiais que se transformam sempre. Por essa via explicativa: [...] o termo, na sua forma substantiva, aplicava-se tanto às lutas do solo, à agricultura, quanto ao trabalho feito no ser humano desde a infância; e nesta última acepção vertia romanamente o grego pai-deia. O seu significado mais geral conserva-se até nossos dias. Cultura é o conjunto de práticas, das técnicas, dos símbolos e dos valores que se devem transmitir às novas gerações para garantir a reprodução de um Estado de coexistência social. A educação é o momento institucional marcado do processo. (BOSI apud BOGO, 1999, p. 49)

A partir dessa visão, portanto, a cultura compõe-se [...] dos elementos que constituem e vão constituindo a própria história, tanto individual quanto comunitária, através de um processo educativo. A história não é senão a atividade dos seres humanos que se organizam para alcançar seus objetivos. Mas ao se organizar e partir para a luta, esses seres humanos não levam apenas pautas com reivindicações, mas também preocupações, sentimentos, dores, alegrias, sonhos e esperanças. Isto também faz parte da vida humana e deve ser percebido no desenvolvimento do ato político. (BOGO, 1999, p. 50)

Como vimos, para os representantes do coletivo nacional de educação do MST, a educação e, por conseguinte, a própria cultura é projetada como efetiva

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possibilidade de instauração de uma consciência transformadora. Para eles, de fato, a experiência educativa pode contribuir com a construção de projetos de vida permeados de uma visão de mundo desnaturalizada e portadora de senso crítico. Os que assimilam, nos cursos de formação política e educacional do MST, uma consciência política transformadora são capazes de compreender a dimensão histórica de suas vidas, da luta e do mundo no qual estão inseridos. Eles trazem consigo a crença de que “a luta nunca pára”; eles sabem que o caráter histórico da luta pela terra “[...] ultrapassa o seu tempo histórico determinado” (ANDRADE, 1993, p. 198); neste caso, a noção de movimento social é compreendida como uma forma de organização da classe trabalhadora tomando-se por base os grupos populares, ou os setores populares. Para uma melhor compreensão desse fato é fundamental considerar essa nova realidade, “materializada pelas experiências construídas no cotidiano da vida desses sujeitos. É essa forma de desenvolvimento do processo de construção e transformação da realidade, produzida pela materialização da existência social, que entendemos como espaço social.” (FERNANDES, 1996, p. 21) Para o desenvolvimento de suas reflexões pertinentes ao conceito de espaço social, Fernandes, buscou como referência o trabalho de Henri Lefebvre. Na caracterização deste último, [...] o espaço social não é um objeto entre outros objetos, não é um produto entre outros produtos: antes, este concebe objetos produzidos e encerra suas inter-relações na sua coexistência e simultaneidade, sua ordem relativa e relativa desordem. A forma do espaço social é o encontro, a reunião, simultaneidade. Mas que reunião? Ou o que é reunião? A resposta é tudo o que está no espaço, tudo o que é produzido pela natureza ou pela sociedade, igualmente através de sua cooperação ou através de seus conflitos. Tudo: vida, existência, coisas, objetos, trabalho, sinais e símbolos. O espaço social per se é imediatamente trabalho e produto – uma materialização da existência social. (LEFEBVRE apud FERNANDES, 1996, p. 21-22)

Os educadores do MST apontam para a transformação dos membros do movimento que possuem uma percepção dessa configuração da consciência política. Para eles, também se dá a transformação do MST que tem um consciente e forte caráter formativo e pedagógico. Segundo estes educadores, o MST não se deve furtar em colaborar com a formação política e educacional de quem quer que seja. Tal formação, segundo eles, foi capaz de potencializar a consciência política de seus freqüentadores, por exemplo, por meio de cursos técnicos oferecidos pelo Instituto de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária (Iterra). Na definição de Márcia Regina de Oliveira Andrade (1993, p. 231)

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Iterra é o nome do Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária sediado no Estado do Rio Grande do Sul, no município de Veranopólis. O Iterra foi criado em 1995 pela Associação Nacional de Cooperação Agrícola – Anca e pela Confederação das Cooperativas da Reforma Agrária do Brasil – Concrab com o objetivo de desenvolver atividades de formação e pesquisa relacionados à reforma agrária. O Iterra realiza essas atividades através de cursos de formação e de escolarização baseados na pedagogia da alternância, o que resulta em uma proposta alternativa de escolarização disponível à juventude rural.

Neste mesmo sentido, Andrade (1993, p. 231) considera que [...] a escola do sul rompe com o aspecto manipulativo em que se reproduz o pragmatismo rotineiro. Contribui, dessa forma, para uma formação omnilateral do ser humano, como uma proposta que se baseia na profissionalização (formação técnica) vinculada a um contexto histórico, social, comprometido com um “horizonte político”, pautado em novos valores com a cultura da cooperação, solidariedade, dignidade, cidadania e o “cultivo da capacidade de sonhar”, ter esperanças.

Assim, a compreensão do processo de formação humana, a importância da cultura e da educação pressupõem necessariamente perceber estas experiências como práticas sociais e produções humanas, ambas entendidas como portadoras de um sistema de significações. Principalmente no que se refere à cultura, na ótica de Raymond Williams (1969, 1979) estas reflexões permitiram ampliar o escopo de interpretação do termo, pois cultura passou a incluir toda e qualquer prática significativa, contemplando três dimensões antes desagregadas. São elas: [...] cultura como “modo de vida global”, como “sistema de significações” e como “atividades artísticas e intelectuais”. Cultura não exclui uma dessas dimensões, mas as agrega, as conjuga, pois tanto as vidas ordinárias, quanto a produção artística, literária e poética são culturais porque carregam em si significados e valores formulados no coletivo, nas interações humanas. Ele [Williams] diz: cultura é ordinária porque está em toda sociedade e em toda mente. Em todo lugar há sempre entre as pessoas um mundo a extrair e é nesse mundo, que está lá, que há o potencial, a verdadeira capacidade de luta pela vida, na experiência ordinária – a cultura. (SILVA, 2002, p. 4, grifos do autor)

Por sua vez, o MST, no desenvolvimento dos seus projetos educacionais, defende a posição de que “é necessário mudar a existência do sujeito para transformar a sua consciência, pois a existência é ‘cimentada’ pelo processo produtivo em que a pessoa humana está inserida” [citação sem referência]. Segundo os diferentes documentos consultados, este novo processo produtivo vai forjando, apesar das contradições entre o anterior e o novo, um novo conhecimento, um novo comportamento, uma nova

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consciência, uma nova existência que, com o passar do tempo, passa a ser predominante. É neste momento que o processo de passagem se rende a uma nova existência. Logo, para o MST, o que faz o sujeito mudar são os fatores objetais, isto é, os fatores materiais do objeto. São eles que criam necessidades e estas “se fixam” na cabeça das pessoas. É a atividade objetivada e culturalmente produzida que opera na transformação do comportamento ideológico do indivíduo. Numa realidade complexa e polvilhada de tensões, como a brasileira, os movimentos sociais devem estar atentos para as exigências que se fazem e se desenvolvem no interior da sociedade. E o caminho encontrado pelo MST para manter seus membros bem-informados, conscientes politicamente e contextualizados com as questões econômicas e políticas foi buscar desenvolver a educação permanente de parte significativa de seus membros. Mas a educação no meio rural é uma carência grave. O enorme índice de analfabetismo e as exigências do capitalismo forçam os movimentos sociais a aplicarem esforços para superarem as dificuldades referentes à educação. Essa educação pode ser entendida como sendo uma resposta do MST às necessidades que a organização foi encontrando durante o processo de luta pela reforma agrária e pela viabilização dos assentamentos conquistados. Enquanto os assentados não tiverem um quadro qualificado para atender às necessidades educacionais, econômicas, administrativas e outras que exijam certo nível de conhecimento, técnico ou mais aprimorado e atualizado, terão muitos problemas para avançar na organização da luta e sucesso da reforma agrária. Por isso, o MST tem investido muito na educação política, na formação cultural e qualificação técnica de seus membros.

Considerações finais Na busca do desenvolvimento e implementação de seus princípios educacionais, o MST está permanentemente presente, no cenário das lutas e movimentos sociais, impulsionado principalmente por pessoas que se dedicam às equipes de educação nos acampamentos e assentamentos, além de procurarem viabilizar a existência de coletivos regionais, estaduais e de um Coletivo Nacional de Educação, composto por representantes dos estados, que se reúne cerca de três vezes ao ano e no qual, a partir das demandas existentes, são feitas discussões, tiradas linhas de ação e encaminhamentos pertinentes a um universo aproximado de 1.800 escolas de ensino fundamental, com cerca de 160 mil adultos, crianças e adolescentes, que freqüentam essas escolas em acampamentos e assentamentos. Roberto Leher (2005, p. 1) descreve esse processo: O MST protagoniza uma das experiências mais originais e fecundas de autoformação e autopedagogia em curso no país e mesmo na América Latina. O trabalho do MST nas escolas possui hoje uma importante magnitude, interagindo com cerca de 1,8 mil escolas que estão situadas nas cercanias de seus assentamentos e acampamentos. O trabalho do Movimento com as escolas, muitas vezes tenso e difícil, é atualmente uma das principais iniciativas de conversão das escolas em espaços públicos.

Apesar disso, segundo os próprios representantes do MST, ainda é muito grande o número de crianças e adolescentes fora da escola, ou porque a escola ainda não é reconhecida como legal, ou porque não se respeita uma proposta de currículo adaptada às necessidades dos filhos de trabalhadores rurais. Trabalhando diretamente com estas escolas são cerca de 3.900 educadores, além dos 250 educadores que trabalham nas Cirandas Infantis, na educação de crianças até 6 anos. O MST dispõe também de cerca de 3 mil educadores de alfabetização de jovens e adultos. Em meados do ano 2000, informam os assessores do movimento, eram cerca de 30 mil alfabetizandos. Em 2005, segundo informação verbal de Maria Gorete Sousa, coordenadora político-pedagógica da Escola Florestan Fernandes à época, havia 1.800 escolas do ensino infantil e fundamental e 200 escolas do ensino médio. No ensino fundamental, havia 55.800 jovens; no ensino médio, 15 estudantes. As escolas nos assentamentos são públicas. Nos acampamentos, o MST também quer garantir escolas públicas. Em linhas gerais, podemos dizer que, para o MST, a educação acontece em processo, desde a participação das crianças, das mulheres, da juventude, dos idosos, construindo novas relações e consciências, até

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a participação nas marchas, assembléias, cursos, caminhadas, trabalhos voluntários, gestos de solidariedade, ocupações, mobilizações, reunir-se para aprender e ensinar o alfabeto, e mais que isso, o ato de ler e escrever a realidade e a vida. Mas, além do trabalho de formação educacional “de novo tipo” das crianças, jovens e adultos, Roberto Leher (2005, p. 1) observa que:

[...] a formação política e a conscientização dos quadros de base, intermediários e nacionais, são consideradas prioritárias pelo Movimento. Em um contexto adverso das lutas de classes e em que os assentamentos vêm sendo realizados em um patamar muito baixo das modestas metas do governo, urge preparar os quadros com objetivos mais amplos. O ritmo lento dos assentamentos é um poderoso elemento de dispersão e de abandono da luta pela terra e por um modelo de agricultura camponesa. Seguramente os dominantes estão cientes de que o bloqueio de recursos para a reforma agrária desestimula a crença de que vale a pena manter a luta mesmo morando sob lonas, passando fome, frio, calor abrasivo, desconforto e, cada vez mais, milícias que promovem assassinatos a sangue-frio a mando dos senhores da terra, combinação de sofrimentos que varia conforme a localização geográfica, mas que não muda a resultante. A compreensão histórica da luta pela transformação do trabalhador do campo de “bestas de carga” em cidadãos – o tema central da formação – é, desse modo, estratégica. Somente a luta deliberada pode garantir emancipação. A história comprova que o capitalismo liberal não assegura os direitos sociais e políticos. Nos últimos anos, o MST converteu-se na referência política mais importante para a esquerda brasileira e para o conjunto dos movimentos sociais do país e mesmo da América Latina. Poderíamos dizer, sem exagerar, que essa organização superou em prestigio o próprio PT e a Central Única dos Trabalhadores (CUT), algo que começou a se materializar e se tornou visível politicamente nos últimos anos da década de 1990. É que, pelo menos desde o ano de 1996, as lutas camponesas têm tomado proporções como não se viam há muito tempo, e isto tem levado o MST a alcançar grande projeção nacional e internacional. Este impacto tem levado, inclusive, alguns importantes intelectuais de esquerda a afirmarem que o MST é o mais representativo dos novos movimentos camponeses na América Latina (PETRAS, 2002). Independentemente da discussão sobre o caráter e o programa do MST, desenvolvida neste trabalho, não podemos deixar de admitir que o MST tem canalizado em grande medida as reivindicações camponesas no Brasil, onde a luta

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de classes entre os trabalhadores sem-terra e os latifundiários e agroindustriais tende a se aprofundar ainda mais. Nos últimos anos, vem-se desenvolvendo no campo brasileiro uma série de ações unificadas de diferentes setores dos trabalhadores rurais, combinando-se com fortes elementos de guerra civil, conflitos e acirramento da violência. No diaa-dia, porém, é pouco provável que estourem guerras camponesas similares àquelas que ocorreram em várias regiões brasileiras em fins do século XIX e início do século XX. Em nossa opinião, o que se está desenvolvendo é uma sórdida e violenta expressão da luta de classes, pois as ações e ocupações de terras patrocinadas pelo MST, na prática, vão contra os princípios constituintes da sociedade capitalista. É que os questionamentos da propriedade da terra rompem com todo o sistema de propriedade privada dos meios de produção e, portanto, com o próprio Estado capitalista, ou seja, o MST avança, em grande medida, independentemente do movimento operário e de outras importantes lutas sociais, segundo suas próprias leis e táticas políticas e num ritmo que ele próprio dita. E isto tem constituído o ponto mais crítico da contemporaneidade política brasileira. Este é o cenário que proporciona o desenvolvimento de perspectivas educacionais, no interior do MST, inspiradas no marxismo e nos valores e princípios libertadores e emancipadores de Paulo Freire. Com efeito, neste momento nos parecem oportunos os esclarecimentos da educadora Márcia Kay (2005, p. 22): [...] a Proposta de Educação do MST está vinculada de um lado à própria garantia de continuidade de luta pela terra, pois, segundo Morissawa, “faltava-lhes um instrumento fundamental para a continuidade da luta, já que grande parte dos camponeses brasileiros possuía baixa escolaridade e grande parte era analfabeta”. Assim, a luta pelos direitos fundamentais, sendo que a terra representava a possibilidade de trabalhar, produzir e viver dignamente, exigia conhecimentos técnicos e práticos, compreensão e posicionamento político, tornando a educação prioridade no Movimento, “uma arma de duplo alcance para os sem terras e os assentados” (idem). De outro, à construção de um projeto emancipatório de educação que contribua para as transformações da sociedade brasileira, mas que fortaleça a cultura camponesa adequada à realidade rural e dos assentamentos, uma educação de cunho popular que seja uma educação de classe, orgânica ao movimento, aberta para o mundo e para o novo, para o trabalho, para a cooperação e formação e transformação do ser humano.

Por outro lado, também é importante recuperar as observações elaboradas por José Benedito Leandro acerca das relações que se estabelecem entre trabalho e

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educação: “O principio educativo do trabalho vem sendo discutido desde o início da sociedade capitalista e várias são as visões quanto ao seu caráter pedagógico e de como esse vínculo trabalho-educação pode ser interessante para a classe trabalhadora” (LEANDRO, 2002, p. 10). Segundo Karl Marx, em sua obra O Capital (1986), o trabalho é antes de tudo um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação, media, regula e controla seu metabolismo com a natureza. Ele mesmo se defronta com a matéria como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para a sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a natureza externa a ele, ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências adormecidas e sujeita o jogo de suas forças a seu próprio domínio. Marx pressupõe o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem. Ao utilizar-se da análise materialista histórica dialética, o autor proporciona a apreensão de uma sociedade que está sempre em movimento, resgata o homem como sujeito histórico e valoriza suas possibilidades de agente histórico que, ao atuar no mundo, na natureza, transforma-a e, ao mesmo tempo, transforma a si mesmo. Essa visão de mundo possibilita encarar o homem como um ser que está sempre aprendendo, ao mesmo tempo em que ensina em todas as suas atuações, experiências e atitudes. Isso fica evidente quando, em momentos de sua obra, Marx insiste na defesa da práxis como exercício fundamental da ação-reflexão (LEANDRO, 2002, p. 11). Exatamente por isso, quando analisamos as condições sociais e as perspectivas de organização política do MST, percebemos que estamos inseridos num período histórico no qual “a escola da liberdade e da criatividade” postulada por Maria da Glória Gohn está para ser construída. Segundo esta importante pedagoga, [...] a nova escola deve reconhecer a existência de demandas individuais e coletivas, orientar-se para a liberdade do sujeito pessoal, para a comunicação intercultural e para a gestão democrática da sociedade e suas mudanças. Deve aumentar a capacidade dos indivíduos de ser sujeitos, de compreender o outro em sua cultura. Para tanto, essa escola deve se estruturar a partir de alguns princípios, como: unir motivações, objetivos estratégicos e memória cultural para participar do mundo técnico e mercantil; atribuir importância central à diversidade (histórica e cultural), ao reconhecimento do outro e a todas as formas de comunicação intercultural; ter a vontade de corrigir a desigualdade das situações e das oportunidades. (GOHN, 1999b, p.108)

Concordamos com a professora Maria da Glória Gohn, principalmente porque, num momento como este, as lutas nas cidades, inclusive as do movimento

141 CONSIDERAÇÕES FINAIS

operário, encontram-se de certa forma paralisadas ou mesmo desmoralizadas. O papel jogado pelas direções políticas dos trabalhadores, assumidamente comprometido com o governo Lula e com os aparatos políticos e sindicais do PT e da CUT, tem retardado cada uma de suas lutas. Este tem sido, de fato, um fator que possibilita ao governo Lula lançar seus planos antipopulares e neoliberais. Além disso, vivemos um alto grau de desemprego e a diminuição do poder aquisitivo, que golpeiam fortemente as condições de vida dos trabalhadores. Em alguns momentos, a luta dos trabalhadores rurais influenciou positivamente os movimentos sociais urbanos. Isto ocorreu, por exemplo, numa grande mobilização e manifestação dos trabalhadores rurais sem-terra realizada no mês de abril de 1997, em Brasília. Este protesto, pela sua pujança e significativa mobilização social, em nossa opinião praticamente abriu uma nova conjuntura nacional favorável aos trabalhadores. Esta influência também é muito grande na esfera educacional. Principalmente quando o MST anunciou a inauguração, em 23 de janeiro de 2005, da Escola Nacional Florestan Fernandes, construída na cidade paulista de Guararema em regime de mutirão ao longo de quatro anos, contando com o trabalho voluntário de centenas de militantes de todo o país e pronta para oferecer cursos fundamentais para a formação dos trabalhadores rurais. Independentemente de nossa disposição de reconhecer a importância política e social dos trabalhadores rurais na atual etapa da história brasileira, buscamos primordialmente, com o desenvolvimento do presente trabalho, estudar como o MST, tendo constituído, a partir de 1987, um setor específico para tratar dos desafios ligados à questão do direito à educação dos sem-terra, tem produzido e desenvolvido seus princípios e experiências educacionais. Claro que também estiveram entre nossos objetivos analisar como a problemática da terra está presente – como uma questão estrutural – no Brasil e na América Latina. Com este trabalho, procuramos reconhecer que o MST brasileiro é um dos movimentos sociais mais complexos e enraizados socialmente de toda a América Latina contemporânea. Apoiado numa organização de classe e de base, e na ação coletiva como movimento social, nos últimos anos conseguiu assentar com sucesso mais de 225 mil famílias sem-terras, que representam mais de 1 milhão de pessoas, em extensas propriedades rurais não-cultivadas. O movimento também organizou uma série de empresas cooperativas, que colocam com êxito no mercado uma gama de produtos agrícolas. Negociou com o instituto de reforma agrária governamental o financiamento do crédito de casas e escolas para os colonos, obtendo bons resultados. O MST tem buscado produzir amplas coalizões com organizações da Igreja, sindicatos, partidos políticos e organizações não-governamentais. Melhorou o nível de vida de seus membros e implantou programas educacionais extensivos

142 EDUCAÇÃO, TERRA E LIBERDADE

e intensivos que promovem uma compreensão integral da história e da economia política do Brasil contemporâneo. Estudar as condições estruturais – históricas, econômicas, políticas, culturais – que possibilitaram o desenvolvimento dos princípios educacionais do MST é um debruçar inquieto e inquietante sobre os processos sociais que possibilitam a formação dos sujeitos políticos que produzem a história coletivamente. As lutas produzidas pelo MST inserem-no na categoria daqueles movimentos sociais que, com suas experiências de rebeldia e confronto, colocam-se com uma indiscutível presença autônoma diante do poder e do Estado brasileiro. Por fim, é importante dizer que, na tensa construção e desenvolvimento dos princípios educacionais, o MST produz profundos gestos de reinvenção da própria educação como uma práxis social, de seu desenvolvimento como expressão da vontade e da ação coletiva e rebelde destes trabalhadores rurais, proporcionando a gênese de um movimento social com caráter educativo como jamais existiu e, com isso, afirmando sua identidade política, social e reivindicando um lugar na história do Brasil.

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Nota sobre o autor Carlos Bauer nasceu em 1960, na cidade de São Paulo. A partir de 1977 iniciou sua militância socialista, participando do movimento de reconstrução das entidades estudantis desmanteladas pela ditadura militar e do Comitê Brasileiro pela Anistia. Em fins da década de 1970, engajou-se no Movimento pró-Partido dos Trabalhadores (PT), integrando o núcleo pioneiro da Rua Catão, no bairro paulistano da Lapa e, logo depois, em 1984, a coordenação da Campanha das Diretas Já no Estado de São Paulo. Como representante sindical dos trabalhadores em educação da rede pública paulista, contribui militando nas instâncias de base do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), da fundação da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), integrando a direção estadual paulista. Em 1991, deixou o PT e ligou-se ao movimento que formaria o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), do qual foi membro da direção nacional executiva, além de ter integrado o conselho editorial do jornal Opinião Socialista. Atualmente, é professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Nove de Julho (Uninove), integrando a Linha de Pesquisa em História e Teoria do Trabalho Docente e do Educador Social.

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