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Portuguese Pages 427 Year 2020
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Volume 4: Saberes Locais, Crise Socioambiental e Turismo
Conselho Editorial Internacional Presidente: Prof. Dr. Rodrigo Horochovski Profª. Dra. Anita Leocadia Prestes Profª. Dra. Claudia Maria Elisa Romero Vivas Profª. Dra. Fabiana Queiroz Profª. Dra. Hsin-Ying Li Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet Prof. Dr. José Antonio González Lavaut Prof. Dr. José Eduardo Souza de Miranda Profª. Dra. Marilia Murata Prof. Dr. Milton Luiz Horn Vieira Prof. Dr. Ruben Sílvio Varela Santos Martins
(UFPR – Brasil) (ILCP – Brasil) (UN – Colômbia) (Ufla – Brasil) (NTU – China) (PUC/RS – Brasil) (UH – Cuba) (UniMB – Brasil) (UFPR – Brasil) (UFSC – Brasil) (UÉ – Portugal)
Comitê Científico da área Ciências Ambientais Presidente: Prof. Dr. Joelma Estevam Prof. Dr. José E. Feger Prof. Dr. Albo Carlos Cavalheiro Profª. Dra. Graziella Patrício Pereira Garcia Prof. Dr. Vantoir Roberto Brancher
(UFPR – Educação/Tecnologia) (UFPR – Administração/Turismo) (UEL – Matemática) (UninCor – Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos) (IFFar – Educação)
Conselho Editorial Consultivo Alan Ripoll Alves (UFPR) Antonio Marcio Haliski (IFPR) Bruno Martins Augusto Gomes (UFPR) Diomar Augusto de Quadros (UFPR) Elisângela Maia Pessoa (UNIPAMPA) Gabriela Zamignan (UnB) Helena Midori Kashiwagi (UFPR) Letícia Bartoszeck Nitsche (UFPR)
Liliane Cristine Schlemer Alcântara (UFMT) Luciana Vieira Castilho-Weinert (UFPR) Luciano Fernandes Huergo (UFPR) Luiz Everson da Silva (UFPR) Luiz Fernando de Carli Lautert (UFPR) Marisete T. Hoffmann-Horochovski (UFPR) Rosilene Komarcheski (UNIR)
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária: Maria Isabel Schiavon Kinasz, CRB9 / 626 L776
Litoral do Paraná: território e perspectivas - saberes locais, crise socioambiental e turismo / organização de Alan Ripoll Alves ... [et al.] – 1.ed. - Curitiba: Brazil Publishing, 2020. v.4, 426p.: il.; 23cm Vários colaboradores ISBN 978-65-5861-078-6 1. Litoral (PR) – Sustentabilidade. 2. Litoral (PR) – Turismo. 3. Litoral (PR) – Aspectos socioambientais. I. Alves, Alan Ripoll (org.). II. Quadros, Diomar Augusto de (org.). III. Weinert, Luciana Vieira Castilho (org.). IV. Silva, Luiz Everson da (org.). V. Horochovski, Marisete Teresinha Hoffmann (org.). CDD 981.62 (22.ed) CDU 981.62
[1ª edição – Ano 2020]
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Alan Ripoll Alves Diomar Augusto de Quadros Luciana Vieira Castilho-Weinert Luiz Everson da Silva Marisete Teresinha Hoffmann-Horochovski Organizadores
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Volume 4: Saberes Locais, Crise Socioambiental e Turismo
Autores Andréa Máximo Espínola Universidade Federal do Paraná, UFPR Ariadne Farias Instituto Superior de Administração e Economia, ISAE Beatriz Leite Ferreira Cabral Universidade Federal do Paraná, UFPR Bruno Henrique Grolli Carvalho Universidade Federal do Paraná, UFPR Cleusi T. Bobato Stadler Universidade Estadual de Ponta Grossa, UEPG Diomar Augusto de Quadros Universidade Federal do Paraná, UFPR Eduardo Carrano Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUCPR Erica Vicente Onofre Universidade Federal do Paraná, UFPR Eva Blaszczyk Gaweleta Universidade Positivo, UP Eveline Fávero Universidade Estadual do Paraná, UNESPAR Fernanda de Souza Sezerino Instituto Federal do Paraná, IFPR
Giovanna de Andrade Zanlorenci Universidade Federal do Paraná, UFPR Gustavo Augusto Santos Elste Universidade Federal do Paraná, UFPR Indiamara Hummler Oda Universidade Federal do Paraná, UFPR Isabel Jurema Grimm Instituto Superior de Administração e Economia, ISAE João Guilherme Boni Universidade Federal do Paraná, UFPR Juliana Quadros Universidade Federal do Paraná, UFPR Juliana Rechetelo Instituto Federal Catarinense, Campus Brusque, IFC Liliani Marília Tiepolo Universidade Federal do Paraná, UFPR Luciana Vieira Castilho-Weinert Universidade Federal do Paraná, UFPR Luiz Augusto Macedo Mestre Universidade Federal do Paraná, UFPR Luiz Fernando de Carli Lautert Universidade Federal do Paraná, UFPR
Mariana Gallucci Nazário Universidade Federal do Paraná, UFPR Marili Miretzki Universidade Federal do Paraná, UFPR Mayra Jankowsky Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa do Agronegócio, FUNDEPAG/SP Patrícia Bilotta Núcleo de Estudos em Ecossocioeconomia, UFPR Paula Grechinski Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná, Unicentro Paulo Henrique Carneiro Marques Universidade Federal do Paraná, UFPR Raquel Panke Pontifícia Universidade Católica do Paraná, PUCPR Roberta Giraldi Romano Universidade Regional de Blumenau, FUR Simone Wachter Muller Montoro Prefeitura Municipal de Guaratuba/PR Solange Menezes da Silva Demeterco Universidade Positivo, UP
APRESENTAÇÃO O Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável (PPGDTS) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) apresenta o quarto volume da Coleção Litoral do Paraná: territórios e perspectivas. O projeto, iniciado em 2016, resulta de um esforço de construção coletiva e multidisciplinar de inúmeros pesquisadores que se dedicam a pensar questões relacionadas ao desenvolvimento territorial e a sustentabilidade, especialmente no litoral paranaense, considerando suas inúmeras dinâmicas e possibilidades. Em consonância com os volumes anteriores, a presente obra expõe uma diversidade de olhares sobre o contexto litorâneo, problematizando aspectos territoriais e socioambientais, ligados a temáticas como saberes locais, unidades de conservação, recursos hídricos, turismo e desenvolvimento local. O volume é composto por 14 capítulos, didaticamente organizados em três partes: Comunidade tradicional caiçara, saberes locais e pesca, Unidades de Conservação, recursos hídricos e ambiente, Turismo e desenvolvimento local. A primeira parte, Comunidade tradicional caiçara, saberes locais e pesca, é composta por quatro capítulos. O litoral do Paraná na concepção do olhar caiçara de autoria de Indiamara Hummler Oda e Luiz Fernando de Carli Lautert, é o primeiro deles. O texto busca elucidar determinantes históricos, lugares, costumes, tendo a cultura como parte integrante de um povo de tradição, cujas experiências representam o sentido de sua própria existência. O segundo capítulo, Uma viagem geo-histórica pelo rio Guaraguaçu – saberes e práticas em uma comunidade caiçara no litoral do Paraná, é assinado por Cleusi T. Bobato Stadler. A autora reflete como as práticas cotidianas, os saberes vernaculares de um povo, constituem territorialidades e concretizam a história de uma comunidade tradicional caiçara do litoral do Paraná.
O capítulo três, Conflito territorial e uma medida emergencial: a comunidade tradicional do Maciel inserida no Hotspot floresta Atlântica, Pontal do Paraná, Litoral Paranaense é elaborado por Erica Vicente Onofre e Juliana Quadros. As autoras apontam os conflitos territoriais e riscos ambientais na Comunidade do Maciel advindo da tensão gerada pelo poder econômico que se apropria do território e põe em risco toda a construção coletiva e simbólica de uma comunidade tradicional. O quarto capítulo, Pesca no Litoral do Paraná: Resultados e Aplicações do Monitoramento Pesqueiro é de autoria de Mayra Jankowsky. O estudo traz um panorama geral da pesca no litoral do Estado do Paraná, seguido de apontamentos para gestão. A segunda parte, Unidades de Conservação, recursos hídricos e ambiente, traz cinco capítulos que apresentam diferentes olhares sobre a questão da paisagem e seus rebatimentos na questão do desenvolvimento do Litoral do Paraná. Aves do Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange e Entorno assinado por Luiz Augusto Macedo Mestre, Eduardo Carrano, Bruno Groli Carvalho, João Guilherme Boni, Juliana Rechetelo e Diomar Augusto de Quadros é o capítulo cinco. Neste capítulo os autores trazem um pouco do conhecimento adquirido ao longo dos anos sobre as Aves do Parque Nacional Saint Hilaire/Lange e seu entorno. Caracterização das Unidades de Paisagem Hidrográfica do Rio Ribeirão, Mata Atlântica Costeira do Paraná: Apontamentos sobre o Risco de Antropização Crônica no Manancial de Abastecimento Público assinado por Marili Miretzki, Fernanda de Souza Sezerino, Paulo Henrique Carneiro Marques, Liliani Marília Tiepolo é o capítulo seis. Nele os autores trazem um alerta sobre os impactos da rápida urbanização e industrialização da bacia do rio Ribeirão e suas consequências sobre as funções e serviços ecossistêmicos em um cenário que apresenta propostas formais de grandes empreendimentos. O estudo aponta um cenário multirreferencial de uso e ocupação atual da bacia com
vistas ao planejamento territorial dos mananciais de abastecimento do município e tomadas de medidas de proteção contra a antropização crônica (persistente ou continuada) da bacia. Com o intuito de contribuir com a discussão sobre o Plano de Desenvolvimento do Litoral os autores Paulo Henrique Carneiro Marques, Gustavo Augusto Santos Elste, Giovanna de Andrade Zanlorenci, Mariana Gallucci Nazário, Luiz Fernando de Carli Lautert e Juliana Quadros levantam, no capítulo sete denominado Uma grave e silenciosa crise ambiental desafia os Planos de Desenvolvimento territorial do Litoral do Paraná: a contaminação do Rio Guaraguaçu, os riscos ocasionados pelo elevado nível de contaminação da bacia do Rio Guaraguaçu por efluentes sanitários domésticos e pelos efluentes dos resíduos sólidos produzidos pela população dos municípios de Pontal do Paraná e Matinhos. Analisam o comprometimento das funções ecossistêmicas e dos serviços ambientais do mais importante rio da planície costeira, tendo um papel na manutenção da saúde ambiental e na produção pesqueira da baía de Paranaguá. O capítulo oito, Águas de março: percepção de risco em territórios vulneráveis a desastres socioambientais no município de Guaratura-PR, é de autoria de Simone Wachter Muller Montoro, Luciana Vieira Castilho-Weinert e Eveline Fávero. O texto reflete, à luz da Psicologia Ambiental, o fenômeno das águas de março de 2011 no município de Guaratuba e a percepção de risco sobre desastres socioambientais por parte daqueles que vivenciaram o ocorrido. Território insular protegido: urbanização e turistificação da Ilha do Mel, no Paraná é o capítulo nove. A autora Raquel Panke discute a temática das Unidades de Conservação, com ênfase às áreas de proteção integral e, em específico, de parques nacionais e estaduais situados em territórios insulares, sublinhando o desafio de conciliar a ocupação humana flutuante, as demandas sociais de comunidades tradicionais e a pressão por urbanização sobre a manutenção das caraterísticas ambientais originais.
A terceira parte, Turismo e desenvolvimento local é composta por cinco capítulos. O capítulo dez, O processo de urbanização das cidades balneárias turísticas do litoral do Paraná e a produção imobiliária recente de Matinhos é de autoria de Andréa Máximo Espínola. O texto apresenta o processo de urbanização das cidades balneárias do litoral do Paraná a partir do ano 2000, e mostra a intensidade das atividades da construção civil que resultaram em empreendimentos imobiliários de edifícios de apartamentos no município de Matinhos, o principal produtor de residências turísticas. O capítulo onze, Reflexões sobre o uso Turístico do Patrimônio Cultural Ferroviário na Baía de Paranaguá de autoria de Paula Grechinski retrata o turismo com foco no patrimônio ferroviário. Como recorte espacial, estabeleceu-se o território da Baía de Paranaguá, que compreende os municípios de Paranaguá, Morretes, Antonina e Pontal do Paraná. Destaca o patrimônio cultural ferroviário existente no litoral do Paraná como relevante como recurso turístico, e especialmente como instrumento de preservação da memória e identidade da região. Possíveis caminhos para a sustentabilidade do turismo no litoral do Paraná: o caso da rede de turismo de base comunitária “Anfitriões do Litoral” de Beatriz Leite Ferreira Cabral é o capítulo doze. Esta ação extensionista da UFPR é analisada a partir da consulta dos relatórios de projetos, eventos e cursos de extensão desenvolvidos entre 2015 e 2020. Procurou-se estabelecer uma discussão em torno da importância do turismo de base comunitária para a sustentabilidade socioambiental, no contexto em que a interação com a natureza e a cultura passam a integrar o rol de experiências turísticas compartilhadas entre visitantes e anfitriões. O capítulo treze, Relação entre os impactos das mudanças climáticas e ambientais e o turismo comunitário: o caso do Parque Natural de Superagui – Paraná de autoria de Isabel Jurema Grimm e Ariadne Farias. As discussões giram em torno da ideia é
de que o turismo pode ganhar um significado importante para as populações tradicionais, não apenas como produto turístico, mas enquanto possível estratégia para se compreender a coexistência de múltiplas culturas, como propulsor de novas formas de produção, privilegiando o resgate dos conhecimentos tradicionais. O capítulo catorze, Indicações geográficas do Litoral do Paraná:uma discussão sobre desenvolvimento territorial sustentável e ecogastronomia encerra as discussões apresentadas no presente volume. As autoras Eva Blaszczyk Gaweleta, Roberta Giraldi Romano, Solange Menezes da Silva Demeterco e Patrícia Bilotta discutem o tema das Indicações Geográficas como instrumentos de Desenvolvimento Territorial Sustentável por meio da ecogastronomia, a partir da análise da experiência do Litoral do Paraná, seus serviços e produtos indicados. Uma ótima leitura! Os Organizadores
PREFÁCIO É sempre muito instigante e revigorante identificar grupos de estudos como este que tem centralidade nas pesquisas sobre o Litoral do Paraná, formado por jovens pesquisadores/as, juntamente com outros/as estudantes. O ensino, a pesquisa e a extensão sempre me animam e me fazem repensar minha prática cotidiana, olhando por dentro e por fora da universidade, já que a experiência da aprendizagem-ensino perpassa diferentes âmbitos territoriais e tempos, seus ritmos e suas coexistências, bem como sua duração na qual estamos efemeramente presentes. E é no nível da cotidianidade, como tantos/as pesquisadores/as já demonstraram, como Fernand Braudel, Henri Lefebvre, Agnes Heller, José de Souza Martins, Ana Fani Carlos, entre outros/as, que o tempo e o espaço se entrecruzam e condicionam nossa vida biológica, social e espiritual. Vida muito em voga atualmente diante de uma pandemia, porém, vida que deveria ser sempre muito mais valorizada e melhor cuidada, dentro e fora de casa, no campo e na cidade. Cuidar da água significa cuidar da nossa vida, dos nossos corpos, tempos e territórios, pois não estamos descolados da Terra como espaço uno e diverso, nem tampouco do Universo, no qual somos pequeníssimos corpos de carne e ossos, sangue e músculos, pensamentos e conhecimentos científicos e populares. E é aí que está uma das nossas riquezas, no nível dos saberes e das práticas, das relações e dos comportamentos, dos hábitos e repetições, bem como das rupturas e mudanças espaciais e temporais. Somos e estamos no tempo e no espaço, na Terra e no Universo. Assim, este livro reúne mais do que alguns textos sistematicamente construídos e organizados: revela-nos fenômenos e processos da nossa vida cotidiana, biológica e social, espiritual e cultural, como se fosse – a vida - um texto contextualizado.
Fenômenos e processos atentamente escolhidos e estudados, tais como os saberes e as práticas caiçaras, os riscos sociais e ambientais, a especulação imobiliária, a urbanização, o turismo, a gastronomia e o patrimônio, cotejados por meio de fundamentais conceitos, como paisagem e território, cortados por outro também muito importante social e cientificamente: o litoral. O litoral comparece aqui como recorte espacial e também como uma espécie de casa e lar de muita gente que por ali passa e/ou reside. Casa-lar com paisagens particulares, constantemente territorializada, desterritorializada e reterritorializada, tendo em vista os interesses e as condições dos sujeitos, em cada espaço-tempo de apropriação, mesmo que esta seja efêmera. A apropriação, então, acontece (i)materialmente, como temos propugnado ao longo da nossa produção acadêmica e práxis, ou seja, caracteriza-se como fenômeno e processo material-imaterial, objetivo-subjetivo, dominador-apropriador, simultaneamente. Tanto a apropriação como a dominação acontecem ao mesmo tempo, ora mais duradouras, ora numa temporalidade mais rápida e passageira, ora degradando, ora preservando. Desse modo, nós, sujeitos histórico-geográficos, naturais-sociais, somos os responsáveis pela forma de apropriação do litoral, ora como espaço de especulação, ora para valorização cultural, ora para reunião familiar, bem como para degradação e poluição. Muitas vezes não percebemos que aí, terra e água, gentes e edificações, ar e energia, outros animais e vegetais, estão no mesmo nível de importância num território que é, a um só tempo, patrimônio de todos/as e, portanto, necessita ser muito bem debatido, estudado, planejado, gerido e territorializado, ou seja, cuidado a favor da permanência da vida na Terra, repito, espaço uno e diverso, nosso tempo-espaço de vida cotidiana invariavelmente desgastado, erodido, contaminado, cruelmente atacado pondo em cheque nossa própria vida! Parece ironia, mas não é: temos muitas dificuldades para valorizar e cuidar dos nossos corpos e do nosso patrimônio comum, até o momento, insubstituível!
No litoral, assim como em outros espaços, então, há muitas potências, em meio às contradições sociais e à natureza da nossa vida biológica e espiritual, para vivermos mais e melhor a partir do que temos denominado de processos de desenvolvimento territorial de base local, ecológica e cultural. Nessa perspectiva, teoria e prática estão em unidade, num contínuo movimento de práxis a favor das classes populares, dos seus desejos e das suas necessidades; a favor da conservação e da preservação ambiental, bem como da identificação, compreensão, representação e explicação dos tempos e territórios, dos lugares e das paisagens, das identidades e das diferenças, em projetos de cooperação e solidariedade, de gestão participativa e dialógica do desenvolvimento. O desenvolvimento, assim, substantiva-se muito mais do que uma falácia e/ou um discurso político que, muitas vezes, acaba sendo supervalorizado, desviando-se do foco que, de fato, interessa-nos como classe popular, ou seja, mais do que a crítica folclórica e panfletária, é necessário construirmos, juntos, trabalhadores do campo e da cidade, do litoral e de outros espaços, por meio das nossas escolas (de diferentes níveis) e outras organizações sindicais e não-governamentais, criativa e dialogicamente, nossas experiências de desenvolvimento, em consonância com cada espaço-território, com as temporalidades e territorialidades das famílias mais simples e humildes que, normalmente, precisam da nossa cooperação e solidariedade. Podemos chamar a essas iniciativas de alternativas ao desenvolvimento ou mesmo de desenvolvimento alternativo, pois o fundamental não nos parece a denominação e sim o que fazemos todos os dias, em nossas casas tornadas (ou não) lares, no litoral tornado (ou não) um lugar de prazer, felicidade e cuidado entre todos/as. Por isso acreditamos numa perspectiva contextual e relacional, participativa e dialógica, colaborativa e comunitária, efetivada na pesquisa e na ação/cooperação voltada para o desenvolvimento territorial nos termos aqui expostos sucintamente. A
criação é fundamental, num sentido relacional e interativo, como não poderia deixar de ser, no entanto, respeitando-se, colaborando horizontalmente, produzindo, juntos, as condições para o desenvolvimento desde abajo, feito com carinho e partilha, autonomia decisória e solidariedade, (an)coragem e sustentabilidade territorial, lutando e enfrentando, na práxis cotidiana, o Estado burguês (concentrador e centralizador) e os sujeitos do capital juntamente com seus diversificados e complexos mecanismos de sujeição e controle, dominação e apropriação. Aí sim, no nível da nossa práxis territorial, participativa, dialógica e solidária, poderemos gestar e qualificar um mundo melhor para todos/as, mais justo e ecológico, em diferentes níveis escalares. Francisco Beltrão, PR, junho de 2020. Marcos Aurelio Saquet
ABSTRACT By means of the book ‘Local Knowledge, Social-environmental Crisis, and Tourism’, part of the collection ‘Paraná Coast: territory and perspectives’, organised by the Programme in Sustainable Territorial Development (PPGDTS) of the Federal University of Paraná, the editors are glad to invite you to read its 14 articles that widely discuss the Paraná coast. This volume is divided in three sections: Caiçara traditional community, local knowledge, and fishing; Conservations Units, water resources, and environment; and Tourism and local development. From a social-spatial analysis to the study of a scenario influenced by social-environmental conflicts, besides the study of natural elements, cultural expressions, and identity manifestations, this book deeply explores a key-region for the settlement, development, and formation of the current Paraná. Based on the different realities presented of the Paraná coast, you will certainly ask to yourself: why is this region still undervalued considering its importance in many aspects? This book may be the first step to answer that and another possible questions.
PALAVRAS-CHAVE O LITORAL DO PARANÁ NA CONCEPÇÃO DO OLHAR CAIÇARA
Comunidade; Cultura; Saberes Tradicionais; Pesca; Identidade
UMA VIAGEM GEO-HISTÓRICA PELO RIO GUARAGUAÇU - OS SABERES E PRÁTICAS DA NATUREZA NA COMUNIDADE CAIÇARA DO LITORAL DO PARANÁ
Saberes Tradicionais; Comunidade; Território; Pontal do Paraná; Cultura
CONFLITO TERRITORIAL E UMA MEDIDA EMERGENCIAL: A COMUNIDADE TRADICIONAL DO MACIEL INSERIDA NO HOTSPOT MATA ATLÂNTICA, PONTAL DO PARANÁ, LITORAL PARANAENSE
Conflito; Comunidade Tradicional; Território; Paisagem; Conservação PESCA NO LITORAL DO PARANÁ: RESULTADOS E APLICAÇÕES DO MONITORAMENTO PESQUEIRO
Panorama da Pesca; Gestão da Pesca; Ilhas dos Currais; Pescador Artesanal; Unidades de Conservação AVES DO PARQUE NACIONAL SAINT-HILAIRE LANGE E ENTORNO
Mata Atlântica; Ornitologia; Unidade de Conservação; Wikiaves; Parque Nacional CARACTERIZAÇÃO DAS UNIDADES DE PAISAGEM DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO RIBEIRÃO, MATA ATLÂNTICA COSTEIRA DO PARANÁ: APONTAMENTOS SOBRE O RISCO DE ANTROPIZAÇÃO CRÔNICA NO MANANCIAL DE ABASTECIMENTO PÚBLICO
Unidades de Paisagem; Captação de Água; Paranaguá; Parque Nacional; Unidade de Conservação; UMA GRAVE E SILENCIOSA CRISE AMBIENTAL DESAFIA OS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO LITORAL DO PARANÁ: A CONTAMINAÇÃO DO RIO GUARAGUAÇU
Desenvolvimento Territorial; Planejamento; Poluição; Bacia Hidrográfica; Política Pública “ÁGUAS DE MARÇO”: PERCEPÇÃO DE RISCO EM TERRITÓRIOS VULNERÁVEIS A DESASTRES SOCIOAMBIENTAIS NO MUNICÍPIO DE GUARATUBA/PR
Ambiente e Sociedade; Crise Ambiental; Meio Ambiente; Guaratuba; Psicologia Ambiental
TERRITÓRIO INSULAR PROTEGIDO: URBANIZAÇÃO E TURISTIFICAÇÃO DA ILHA DO MEL, NO PARANÁ
Turismo; Desenvolvimento; Governança; Unidade de Conservação; Ecodesenvolvimento
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DAS CIDADES BALNEÁRIO TURÍSTICAS DO LITORAL DO PARANÁ E A PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA RECENTE DE MATINHOS
Gestão Imobiliária; Turismo; Segunda Residência; Veranista; Litoral
REFLEXÕES SOBRE O USO TURÍSTICO DO PATRIMÔNIO CULTURAL FERROVIÁRIO NA BAÍA DE PARANAGUÁ
Cultura; Turismo Cultural; Paranaguá; Ferrovia; Inventário Turístico
POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A SUSTENTABILIDADE DO TURISMO NO LITORAL DO PARANÁ: O CASO DA REDE DE TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA “ANFITRIÕES DO LITORAL”
Sustentabilidade Ambiental; Comunidades Tradicionais; Turismo de Base Comunitária; Políticas Públicas; Unidades de Conservação RELAÇÃO ENTRE OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AMBIENTAIS E O TURISMO COMUNITÁRIO: O CASO DO PARQUE NATURAL DE SUPERAGUI – PARANÁ
Caiçara; Comunidades Tradicionais; Turismo de base Comunitária; Parque Nacional; Unidades de Conservação INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS DO LITORAL DO PARANÁ: UMA DISCUSSÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL E ECOGASTRONOMIA
Sociobiodiversidade; Território; Sustentabilidade; Indicação Geográfica; Cultura Alimentar
SUMÁRIO PARTE I - COMUNIDADE TRADICIONAL CAIÇARA, SABERES LOCAIS E PESCA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
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O LITORAL DO PARANÁ NA CONCEPÇÃO DO OLHAR CAIÇARA . . . . .
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Indiamara Hummler Oda, Luiz Fernando de Carli Lautert UMA VIAGEM GEO-HISTÓRICA PELO RIO GUARAGUAÇU – SABERES E PRÁTICAS EM UMA COMUNIDADE CAIÇARA NO LITORAL DO PARANÁ. . . 51 Cleusi T. Bobato Stadler CONFLITO TERRITORIAL E UMA MEDIDA EMERGENCIAL: A COMUNIDADE TRADICIONAL DO MACIEL INSERIDA NO HOTSPOT FLORESTA ATLÂNTICA, PONTAL DO PARANÁ, LITORAL PARANAENSE. . . . . . . . . . . . . 77 Erica Vicente Onofre, Juliana Quadros PESCA NO LITORAL DO PARANÁ: RESULTADOS E APLICAÇÕES DO MONITORAMENTO PESQUEIRO. . . . . . . . . . . . . . . . . . .
101
Mayra Jankowsky PARTE II - UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, RECURSOS HÍDRICOS E AMBIENTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
131
AVES DO PARQUE NACIONAL SAINT-HILAIRE/LANGE E ENTORNO . . .
133
Luiz Augusto Macedo Mestre, Eduardo Carrano, Bruno Groli Carvalho, João Guilherme Boni, Juliana Rechetelo, Diomar Augusto de Quadros CARACTERIZAÇÃO DAS UNIDADES DE PAISAGEM DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO RIBEIRÃO, MATA ATLÂNTICA COSTEIRA DO PARANÁ: APONTAMENTOS SOBRE O RISCO DE ANTROPIZAÇÃO CRÔNICA NO MANANCIAL DE ABASTECIMENTO PÚBLICO . . . . . . . . . . . . . 187 Marili Miretzki, Fernanda de Souza Sezerino, Paulo Henrique Carneiro Marques, Liliani Marília Tiepolo
UMA GRAVE E SILENCIOSA CRISE AMBIENTAL DESAFIA OS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO LITORAL DO PARANÁ: A CONTAMINAÇÃO DO RIO GUARAGUAÇU . . . . . . . . . . . . . . . 215 Paulo Henrique Carneiro Marques, Gustavo Augusto Santos Elste, Giovanna de Andrade Zanlorenci, Mariana Gallucci Nazário, Luiz Fernando de Carli Lautert, Juliana Quadros “ÁGUAS DE MARÇO”: PERCEPÇÃO DE RISCO EM TERRITÓRIOS VULNERÁVEIS A DESASTRES SOCIOAMBIENTAIS NO MUNICÍPIO DE GUARATUBA/PR. . 241 Simone Wachter Muller Montoro, Luciana Vieira Castilho-Weinert, Eveline Fávero TERRITÓRIO INSULAR PROTEGIDO: URBANIZAÇÃO E TURISTIFICAÇÃO DA ILHA DO MEL, NO PARANÁ . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263 Raquel Panke PARTE III - TURISMO E DESENVOLVIMENTO LOCAL . . . . . . . . . . 291 O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DAS CIDADES BALNEÁRIO TURÍSTICAS DO LITORAL DO PARANÁ E A PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA RECENTE DE MATINHOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293 Andréa Máximo Espínola REFLEXÕES SOBRE O USO TURÍSTICO DO PATRIMÔNIO CULTURAL FERROVIÁRIO NA BAÍA DE PARANAGUÁ . . . . . . . . . . . . . . . 309 Paula Grechinski POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A SUSTENTABILIDADE DO TURISMO NO LITORAL DO PARANÁ: O CASO DA REDE DE TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA “ANFITRIÕES DO LITORAL” . . . . . . . . . . . . . . 331 Beatriz Leite Ferreira Cabral RELAÇÃO ENTRE OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AMBIENTAIS E O TURISMO COMUNITÁRIO: O CASO DO PARQUE NACIONAL DO SUPERAGUI – PARANÁ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 367 Isabel Jurema Grimm, Ariadne Farias
INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS DO LITORAL DO PARANÁ: UMA DISCUSSÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL E ECOGASTRONOMIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 389 Eva Blaszczyk Gaweleta, Roberta Giraldi Romano, Solange Menezes da Silva Demeterco e Patrícia Bilotta ÍNDICE REMISSIVO. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 415 SOBRE OS AUTORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
419
Foto: Entre nós, Diomar Augusto de Quadros (2015).
PARTE I
COMUNIDADE TRADICIONAL CAIÇARA, SABERES LOCAIS E PESCA O LITORAL DO PARANÁ NA CONCEPÇÃO DO OLHAR CAIÇARA . .
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Indiamara Hummler Oda, Luiz Fernando de Carli Lautert UMA VIAGEM GEO-HISTÓRICA PELO RIO GUARAGUAÇU – SABERES E PRÁTICAS EM UMA COMUNIDADE CAIÇARA NO LITORAL DO PARANÁ. .
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Cleusi T. Bobato Stadler CONFLITO TERRITORIAL E UMA MEDIDA EMERGENCIAL: A COMUNIDADE TRADICIONAL DO MACIEL INSERIDA NO HOTSPOT FLORESTA ATLÂNTICA, PONTAL DO PARANÁ, LITORAL PARANAENSE. . . . . . . . . . 77 Erica Vicente Onofre, Juliana Quadros PESCA NO LITORAL DO PARANÁ: RESULTADOS E APLICAÇÕES DO MONITORAMENTO PESQUEIRO . . . . . . . . . . . . . Mayra Jankowsky
. 101
O LITORAL DO PARANÁ NA CONCEPÇÃO DO OLHAR CAIÇARA Indiamara Hummler Oda Luiz Fernando de Carli Lautert Entender a relevância da cultura de tradição do caiçara para a historicidade do Litoral do Paraná reveste-se de movimentos que evidenciam fatos que incorporam as nossas raízes e que apontam uma melhor compreensão de “Quem somos”. Nesse sentido, com o título “O Litoral do Paraná na concepção do olhar caiçara”, busca-se trazer à tona a percepção de um litoral substanciado por uma tradição, que caracteriza vivências e experiências pertencentes a um universo cultural que aponta quem é o caiçara em um contexto de nossas raízes. Avivando o fato de que existem diferentes formas de perceber e inteirar-se ao mundo, os escritos tendem a desmistificar as representações da modernidade as quais concebem o caiçara como um nativo atrasado que vive da pesca como um meio para sua subsistência (CUNHA, 2003). Na intenção de dar visibilidade a uma cultura que é parte integrante de nossas raízes, a pretensão é elucidar determinadas histórias, lugares, costumes, de um povo de tradição, em um contexto que as experiências representam significados de existência específica. Nesse sentido, trazemos ao leitor os registros de um estudo de campo realizado em comunidades pesqueiras tradicionais, que compõem a riqueza do município de Guaraqueçaba, no Paraná, os quais: Tibicanga, Barra do Ararapira, Vila do Ararapira, Vila de Superagui.
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Um contexto historiográfico Para melhor explicar a relevância das comunidades caiçaras como um povo de tradição, alguns esclarecimentos tornam-se necessários. De acordo com os estudos de Sampaio (1987) sobre os vocábulos Tupi-Guarani, a origem do termo caá-içara era utilizada para denominar as estacas colocadas em torno das tabas ou aldeias, e o curral feito de galhos de árvores fincados na água para cercar o peixe. Com o passar do tempo, segundo Adams (2000), passou a ser o nome dado às palhoças construídas nas praias para abrigar as canoas e os apetrechos dos pescadores e, mais tarde, para identificar o morador de Cananéia. Posteriormente, seguindo os estudos de Diegues (1988), passou a ser o nome dado a todos os indivíduos e comunidades do litoral dos Estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, e é nesse sentido que reportamos a aprofundar o entendimento do termo caiçara. Ou seja, as pessoas com um dado modo de vida que, por sua vez, faz emergir uma cultura de um povo de tradição. Em relação aos fatos da “nossa colonização”, após a chegada dos portugueses ao Brasil, o litoral foi por um longo tempo quase a única área de povoamento. Seguindo os estudos de Mussolini (1980), os primeiros brasileiros surgiram da miscigenação genética e cultural do colonizador português com o indígena do litoral, ocorrida nas quatro primeiras décadas, a qual formou uma população de mamelucos. Neste contexto histórico a cultura caipira formou-se pelo cruzamento do português com o indígena e produziu o mameluco paulista, e nessa produção o caiçara está inserido. Ou seja, o caiçara faz parte de comunidades cuja formação étnico-cultural é composta por indígenas, por colonizadores portugueses e, em menor grau, por escravos africanos. Dessa miscigenação formaram-se povoamentos caiçaras durante o período colonial, a partir do século XVII, nas zonas 28
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rurais/litorâneas, principalmente nas áreas costeiras que, na atualidade, constituem os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e norte de Santa Catarina, no movimentado ciclo do comércio marítimo. Formaram-se, então, aglomerados grandes e médios, ao redor dos quais gravitavam pequenos núcleos, graças a condições particulares da costa, que favoreciam sua ocupação. Esses fatos proporcionaram, no interior desse espaço caiçara, o surgimento das cidades como Parati, Santos, São Vicente, Iguape, Ubatuba, Ilha Bela, São Sebastião, Antonina, Paranaguá, que passaram a funcionar como importantes centros exportadores (DIEGUES, 1988). Entretanto, não se pode afirmar que o território caiçara tenha sido contínuo em relação à ocupação, visto que não desenvolveram sociedades hierarquicamente organizadas que reivindicassem o controle de todo território litorâneo entre o sul do Rio de Janeiro e o Paraná. O que ocorreu foi a ocupação em diferentes territórios e, desse modo, o desenvolvimento de pequenos núcleos de populações dispersas. Embora existam elementos culturais comuns, somente nas ilhas pode-se afirmar que o modo de vida caiçara ocupava todo o território. Diegues (1983) salienta que vivendo no interstício da Mata Atlântica e do mar, estuários, restingas e lagunas, reproduzindo seus modos de vida através de seus recursos naturais, os caiçaras constituíram-se em um território rico em diversidades biológica e cultural. O mapa a seguir ilustra a localização de algumas comunidades caiçaras no Paraná (Figura 1).
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FIGURA 1 – LOCALIZAÇÃO GEOGRÁFICA DAS COMUNIDADES CAIÇARAS FONTE: Os autores (2019).
O Litoral do Paraná é formado por serras, morros e planícies recortados por um rico sistema que forma um complexo fluvial estuarino, constituído por rios e embocaduras que misturam água doce e salgada e engendram uma paisagem única localmente. Globalmente essa mistura é o que caracteriza estuários em paisagens costeiras do planeta Terra. Historicamente áreas estuarinas sempre foram espaços procurados para ocupação humana, devido principalmente pela presença de recursos naturais e o abrigo para construções de ancoradouros de pesca e portos para transporte marítimo. O município de Guaraqueçaba é o maior do litoral com 35% da área total (ESTADES, 2003) e abriga populações isoladas devido às características naturais da região. São dezenas de comunidades com características distintas que basicamente sobrevivem da coleta dos recursos, agricultura de pequenas roças e o turismo impulsionado pelas belezas e pelo modo de vida local. A forma como internalizam e exteriorizam esse modo de vida, é construída através dos saberes tradicionais no tocante 30
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aos seres do mar e da mata herdados, principalmente, de seus antepassados indígenas. Assumindo, desse modo, uma dimensão imensurável de pertencimento à natureza que transcende a noção de território enquanto meio físico explorado, é um lugar onde as interações das relações sociais com a natureza dão um significado especial à existência. Ciente da relevância de estender à prática os contextos desenvolvidos teoricamente sobre os aspectos voltados à cultura de um povo de tradição, na sequência seguem os momentos que demonstram as realidades dos caiçaras por intermédio do estudo de campo. São histórias de memórias e de pertencimento que se fazem presentes por meio das falas desses nativos, pescadores artesanais que conduzem as representações que refletem as especificidades de uma cultura tradicional.
O saber caiçara e o pertencimento à natureza O diálogo nesse processo é um integrante fundamental, e sua existência só se torna possível devido ao reconhecimento do pesquisador enquanto sujeito humano, à linguagem própria da natureza, enquanto sujeito pesquisado. Na dinâmica desse diálogo, o primeiro contato com as comunidades pesqueiras de tradição foi a Ilha de Tibicanga. Um lugar onde moram somente pescadores, e a pesca artesanal é a principal atividade econômica exercida por eles. As suas casas típicas traduzem-se em uma simplicidade aconchegante, rodeadas pelos apetrechos de pesca como as redes e as caixas de isopor como demonstra a Figura 2.
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FIGURA 2 – CASA DE UM PESCADOR EM TIBICANGA FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
A imagem da casa revela, além da atividade pesqueira, um mundo que se distancia da agitação do mundo urbano, onde a vegetação da Mata Atlântica, que aparece ao lado da casa, oferta o ar com pureza. Dessa forma, uma das características da comunidade caiçara em Tibicanga é reconhecer-se como um nativo, não somente os adultos como também as crianças, pois este termo está intrínseco ao ser natural oriundo da mãe natureza. Nesse sentido, é notório que a sua cultura e o seu estilo de vida estejam baseados nas suas percepções sobre o meio natural em que vivem. Essa concepção de vida revela-se na Figura 3.
FIGURA 3 – PERTENCIMENTO À NATUREZA EM TIBICANGA FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
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O sentido dessa imagem, que contempla o mar, as crianças no barco, as casas próximas ao mar com o barco atrelado junto à vegetação, faz com que o pesquisador perceba que o trabalho de campo não é uma simples descoberta de realidades em que representações culturais divergem ou convergem entre si, mas que está diante de significados de existência e de pertencimento, que se refletem numa interação entre sujeito, natureza e mundo. Em relação ao contato com os moradores, foi de início um cumprimento tímido e resguardado. Mantiveram-se desse modo até o ponto de sentirem confiança para “prosear”. A confiança veio, e a conversa tomou prumo. Foi então que Regiane, nativa, caiçara e pescadora, proprietária da “mercearia”, um quiosque na comunidade, explicou-nos sobre o medo que eles tinham de conversar com estranhos. Esse medo refletia-se no fato de estarem “negociando” com a “justiça” o direito de permanecerem em suas terras. Diante desse fato, a fala da moradora Regiane foi: Fala de Regiane: Eu nasci aqui, eu cresci aqui, e o governo quer tirar a terra que é nossa.
Não entraremos em detalhes aqui sobre os questionamentos que foram levantados em relação aos direitos dessa comunidade pesqueira tradicional sobre “a terra”, tanto pela fala de Regiane quanto dos outros moradores com os quais dialogamos. Contudo, não podemos ignorar o fato de que os espaços naturais protegidos no Brasil são organizados, desde 2000, pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), concretizado pela Lei Federal nº 9.985. Essa norma divide tais áreas em dois grupos: unidades de conservação de uso sustentável e unidades de conservação de proteção integral. Nas primeiras, a utilização de parcelas do ambiente pelo homem é permitida, desde que de maneira compatível com sua conservação. É o caso, por exemplo, das áreas de proteção ambiental, áreas de relevante interesse ecológico, florestas nacionais e reservas extrativistas. As segundas, 33
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por sua vez, são destinadas à manutenção dos ecossistemas livres de alterações causadas pela interferência humana. É a situação das estações ecológicas, reservas biológicas e parques nacionais. As unidades de conservação de proteção integral são de posse e domínio público. Desse modo, áreas particulares inclusas em seus limites devem ser desapropriadas e as populações residentes reassentadas em locais de condições similares (BAZZO, 2010). Diante desses fatos, de um lado tem-se as Unidades de Conservação de proteção integral e do outro lado, o sentimento de pertencimento dos moradores da comunidade pesqueira de Tibicanga pela terra. A maneira como essas pessoas dão significados à natureza, a pureza que atribuem a essas representações, é que distancia “esse mundo” do mundo globalizado. Nesse sentido, Acosta (2016) argumenta que os bens materiais não são os únicos determinantes da compreensão do Bem-Viver. Há outros valores em jogo: o conhecimento, o reconhecimento social e cultural, os códigos de condutas éticas e inclusive espirituais na relação com a sociedade e a Natureza, os valores humanos, a visão do futuro, entre outros. Em Barra de Ararapira, próxima comunidade que paramos para o estudo de campo que refletia por intermédio dos barcos, das redes, dos moradores, as especificidades de uma comunidade pesqueira com nativos caiçaras. Fomos recebidos com hospitalidade por todos, mas um momento especial foi quando conhecemos a dona Isabel, uma senhora caiçara toda “doce”, que em poucos minutos de conversa já nos contava alguns detalhes da sua experiência de vida. Como num desabafo nos contou que se casou muito cedo, pois o pai assim a obrigou, e tinha apenas dezessete anos: Fala da dona Isabel: Que tristeza, eu não queria casar, mas não podia contrariar papai. Eu casei, mas veio o castigo, pois eu não pude ter filho.
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Na continuidade de nossa conversa, dona Isabel fez questão de mostrar-nos a igreja, pois era de sua responsabilidade manter a limpeza e a organização da mesma, conforme a Figura 4.
FIGURA 4 – A CRENÇA NA TRADIÇÃO FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
A Figura 4 mostra que tudo estava como deveria estar no que tange as tradições. Ou seja, os santos e os quadros no altar, as toalhas que cobriam os lugares sagrados, os bancos que foram doações, mas estavam em excelente estado de conservação, e assim eram mantidos. Mais adiante, caminhando pela comunidade encontramos o seu João, sentado em uma pedra, com os pés descalços, e nas mãos a linha de anzol para montar os seus apetrechos para a pesca. Naquele momento foi perceptível o fato de que a imagem do seu João diz muito, e vai além da aparência. Atrevemo-nos a caracterizá-la como um registro de vivências. E, diante disso, com muito respeito ao pedirmos que falasse um pouco sobre a pesca artesanal, o senhor João nos respondeu: Fala do seu João: A pesca pra mim é as minhas mão calejada e o que eu conheço do mar e dos peixe.
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A forma como o seu João simbolizou a pesca foi substanciada por significados que nos reportam aos escritos de Diegues (2004): Os pescadores dependem das habilidades visuais, e o que veem e memorizam é ditado pelas suas práticas na pesca, pelas técnicas de encontrar e capturar o que eles e seus camaradas julgam importante. Muitas de suas observações são transmitidas mais oralmente do que por escrito e por isso mesmo, sujeitas às limitações da memória.”... Esse conhecimento e as práticas associadas, orientam e sustentam o funcionamento de sistemas de manejo comunitário e estão na base das decisões e estratégias de pesca dos pescadores artesanais. (DIEGUES, 2004, p. 31).
Seguindo com o trabalho de campo chegamos a Vila de Ararapira, “a cidade fantasma”, a primeira vista que temos da comunidade ou pelo menos o que um dia foi uma comunidade são ruínas de casas abandonadas cobertas pelo mato, conforme as Figuras 5 e 6.
FIGURA 5 – CASA ABANDONADA NA ENTRADA DE ARARAPIRA FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
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FIGURA 6 – RUÍNAS DE CASAS TOMADAS PELO MATO FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
As imagens refletem o porquê da denominação de cidade fantasma à Vila de Ararapira, visto que corroboram o cenário de abandono. Contudo a história do surgimento dessa comunidade não condiz com o atual cenário. De acordo com os estudos de Muniz (2008), São José do Ararapira foi umas das 21 vilas, fundadas pela coroa portuguesa, na então capitania de São Paulo, no século XVIII. Considerada um lugar estratégico para as embarcações que passavam entre São Paulo e Paraná, tornando-se um polo entre Cananéia, Antonina, Paranaguá e Curitiba, e, por solo favorável, tornou-se um entreposto agrícola, segundo polo mais desenvolvido do estado de São Paulo. A vila cresceu e prosperou até metade do século XIX, chegou a ter mais de quinhentas famílias, contava com mais de três mil moradores. Mas em 1920 as divisas entre São Paulo e Paraná foram acertadas e a derrocada de Ararapira teve seu início. Descontentes com o fato dessa localidade ter sido anexada ao Paraná, a Companhia de Navegação Fluvial Sul Paulista, subsidiada pelo governo de São Paulo, para de atracar em Ararapira, prejudicando o comércio e dando origem ao primeiro êxodo da população.
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Outros fatores contribuintes para o colapso de Ararapira foram: a permanente erosão causada pela abertura do canal de Varadouro (a partir da década de 50); a construção da BR – 101, somados a criação da área de estação ecológica de Guaraqueçaba e do Parque Nacional de Superagui, que resultaram na migração dos pescadores tradicionais para outros locais; a legislação ambiental que proibia o povo de plantar. Nesse sentido, acredita-se que as famílias foram saindo porque a forma de subsistência não se adequava às novas leis ambientais, pois ao proibirem a prática de agricultura e a caça em reservas ambientais protegidas, corroboraram o abandono total da vila (MUNIZ, 2008). Ararapira hoje possui um único morador, o sr. José de Oliveira, que segundo relatos, toma conta do vilarejo sozinho. Embora a vila estivesse tomada por ruínas, algumas construções de casas ainda estão preservadas, porém sem moradores, conforme Figura 7.
FIGURA 7 – AS CONSTRUÇÕES SOLITÁRIAS FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
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A outra construção que ainda se mantém mesmo diante dos fatores contribuintes do descaso é a igreja que foi erguida em 1776 e que representa uma das características marcantes no período do século XVIII. As Figuras 8 e 9 demonstram a imagem do exterior e do interior da igreja, como um dos símbolos no que tange o patrimônio cultural da Vila de Ararapira: Embora tenhamos nos referido à igreja como um símbolo do patrimônio cultural da comunidade que vivia na Vila de Ararapira, a importância em relação à tradição vai além. Para o povo caiçara as comemorações religiosas são consideradas sagradas, devido a isto no dia 19 de março comemora-se a festa em homenagem à São José, a qual atrai comunidades vizinhas, assim como antigos moradores. Nessa data Ararapira renasce por algumas horas (MUNIZ, 2008).
FIGURA 8 – EXTERIOR DA IGREJA DE ARARAPIRA FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
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FIGURA 9 – INTERIOR DA IGREJA COM A IMAGEM DE SÃO JOSÉ FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
E na sequência, seguimos para Superagui, uma ilha artificial criada na década de 40, consequência da abertura do canal do varadouro, que separou essa porção da terra do Continente. A ilha faz parte do complexo Estuário de Lagamar, entre Iguape e Paranaguá, sendo uma região muito importante, porque abriga uma enorme biodiversidade, tais como: mangues, restingas, elevações isoladas, canais de rios, praias desertas. Além disso, as diversas trilhas ecológicas e a exuberante vegetação da Mata Atlântica, que abriga algumas espécies raras da fauna, como o papagaio-chauã, o mico-leão-de-cara-preta e o jacaré-de-papo-amarelo, ameaçadas de extinção. Essa dimensão da natureza é considerada Sítio do Patrimônio Natural (UNESCO,1999), Reserva da Biosfera (UNESCO, 1991) e Patrimônio Natural e Histórico do Paraná (CEPHA, 1970). Nas Figuras 10 e 11, podemos observar a praia deserta de Superagui, sendo que esta é resguardada de qualquer edificação ou despejo de processos químicos e poluentes.
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FIGURA 10 - A NATUREZA RESGUARDADA DA AÇÃO HUMAMA FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
FIGURA 11 – VEGETAÇÃO INTACTA FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
As imagens da natureza enquanto elemento vivo em movimento presentes nas Figuras 10 e 11 demonstram que Superagui possui características que fazem desse lugar uma singularidade. Um lugar único, com uma cultura diferente, própria, tradicional, regrado por normas e leis naturais, as quais são provenientes do respeito incondicional que os nativos caiçaras possuem com a mãe natureza. Não demorou muito para percebermos essa interação 41
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por intermédio das representações contidas nas falas dos caiçaras de Superagui. Nos referimos, em particular, ao senhor Laurentino e ao senhor Natael, que se dispuseram a contar-nos as suas histórias substanciadas pela tradição caiçara da agricultura à pesca. O senhor Laurentino, morava na ilha a cinquenta e nove anos, e o senhor Natael, a cinquenta e oito anos. E, com todo respeito e admiração, perguntamos se poderia gravar a conversa, já que o objetivo era aprender um pouco da sabedoria atribuídas a esses cinquenta e nove anos de convivência com a natureza. A permissão foi dada, iniciamos, então, o “aprendizado” perguntando tanto para o senhor Laurentino como também para o senhor Natael o que significava ser um caiçara e viver em Superagui? E eles nos responderam da seguinte forma: Em quarenta e seis, aqui já era Superagui. Superagui é um nome indígena, e porque Superagui, é super água né. Eu nasci em cinquenta e nove, em sessenta e cinco ou sessenta e sete, eu lembro do meu pai e da minha mãe trabalhando para criar a gente, e numa situação só Deus mesmo. Nessas ilhas mesmo. Meu pai não gostava de pesca, ele e minha mãe gostavam mais de plantar. Mas naquela época era diferente. Eles cortavam palmito, fazia um barco de um tronco só, era peixe que pescava e fazia com um salzinho no rio. Aparecia um bicho no mato já caçava. Hoje já um outro mundo. Hoje já nasce tudo com os aparelho. Nem sabe o que é um café preto. Pra nós, um bicho do mato assado, com farinha e um café preto, tá mais do que bom. (Senhor Laurentino, caiçara da comunidade de Superagui). Eu não consigo explicar para você o que significa essa ilha. Para mim é um paraíso. É o berço aonde eu nasci. É uma coisa linda. Eu estou com cinquenta e oito anos, já criei oito filhos aqui, todos pescador. Já tive em um monte de lugar, já tive em Iguape, já visitei Santa Catarina, mas não parei em nenhum lugar. Quando eu vim para cá, tinha só uma meia dúzia de casa. Em 42
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matéria de água, quando eu tinha meus dezessete, dezoito anos, a gente ia andando nas trilha por aí, achava aqueles olhinho de água, sabe. Agora você tem que aprofunda uns quatro, cinco metro pra pega água. A água pra nois agora é um problema. (Senhor Natael, caiçara da comunidade de Superagui).
As falas descortinam o fato de que nesse universo de tradições, as histórias dos caiçaras são contadas através das memórias, que intermediadas pelas experiências dão significados às suas vivências. As falas trazem em si o reconhecimento desse fato, quando revelam que através da comunicação, que acontece de geração a geração, os costumes são compartilhados. Dessa forma, o movimento que corrobora o dinamismo dessa tradição ganha força através da produção e reprodução de contextos simbólicos, estabelecidos na relação de pai para filho, em uma linguagem que se constitui num universo cultural singular. Segundo Cunha (2003), a questão de não utilizarem a escrita, de serem sociedades em que o conhecimento é gerado e transmitido pela oralidade, faz com que dependam dessa forma de comunicação para sua sobrevivência. Na sequência da conversa perguntamos para o senhor Laurentino e o senhor Natael qual era a importância da família na cultura caiçara. As respostas foram: A família aqui é a mulher caiçara é igual o homem caiçara. O papel da mulher caiçara é o mesmo que o meu. A mesma vida que eu vivo ela também. Antigamente, quando eram poucas pessoas, nois vivia de roça. E as mulheres vivia ali, junto com nois, plantava, e de pesca. Agora não. Agora a gente pesca, e aqui é o camarão, e elas limpam. A gente tem os barraco tudo pronto. Daí a gente pesca e a mulherada vão limpando. (Senhor Natael). Nós pescamos, e elas são as máquinas. Eu gostaria que essa comunidade fosse administrada de outra forma. (Senhor Laurentino). 43
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As respostas deixaram claro o vínculo existente entre a mulher e o homem caiçara na constituição da família. Entretanto, nesse contexto foi possível perceber também a divisão de papeis nas atividades fora do âmbito doméstico, no mundo público, em questão aqui, a roça e a pesca. Na roça “estavam juntos”, contudo, na pesca há uma divisão específica das atividades, pois “os homens pescam e as mulheres limpam”. Nas relações sociais as conotações simbólicas assumem um papel relevante dentro de um determinado contexto espacial e cultural. Nesse sentido, Durham (1984) salienta que a complexidade dessa discussão remete-nos a concretude do fato que é universal, ou seja, a assimetria de papeis masculino e feminino que, em cada contexto específico, revela graus diversos de dominância masculina. Não iremos nos aprofundar em uma discussão sobre a questão de gênero masculino/feminino, visto que não é este o propósito do trabalho, porém a análise das falas levou-nos a destacar essa característica na organização social local. Na continuidade da conversa com o senhor Laurentino e o senhor Natael, considerando as respostas anteriores, indagamos sobre as possibilidades em manter a cultura caiçara diante de um mundo hoje tão diferente daquele relatado pelas suas vivências. E obtivemos as seguintes respostas: Se a cultura, ela não é repassada pros nossos filhos, ela morre. Nessa comunidade, a cultura do fandango por exemplo, é praticamente acabada. Não tem jovem que siga a tradição, e os velhinhos já morreram. Tem um que morreu com noventa e nove anos e seis meses, vai fazer dois anos que ele faleceu. Hoje os jovens prendem a dançar, mas o fandango tem que ter um músico. Se não tiver um músico ele morre. (Senhor Laurentino). Nasceu um músico aqui. Nois arrebentemo a boca do balão com a nossa história. É meu filho. Rapidinho ele ficou famoso, mas apareceu uma curitibana e levou ele 44
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daqui. Agora tá lá, estudando. Tá estudando música, mas tá lá. Aqui, antigamente também tinha várias lendas que fazia parte da nossa história. Quando a ilha era pequena, tinha muito saci. Agora a ilha tá crescendo, tem várias igrejas, sumiu tudo. Tem católica, tem tudo. Tem cinco religião aqui, mas pra mim, são tudo um bocado de loco. Prá mim, Deus é a natureza, isso que é importante pra mim. (Senhor Natael).
A essência das falas reflete a ênfase em manter viva essa cultura, por intermédio de uma linguagem própria que se potencializa entre os membros da comunidade por intermédio do diálogo, dos ensinamentos, dos olhares, das danças, das músicas, da pesca, e de toda forma que simboliza o pertencimento com a natureza. Seguindo o pensamento de Cunha (2003), nisso consiste o entendimento de que “os princípios que conduzem e governam o modo de pensar do caiçara, é possível dizer que seguem os movimentos próprios da natureza” (CUNHA, 2003, p. 70). Entretanto, essa estabilidade em relação ao seu modo de vida, não pode ser entendida como uma concepção estática. Buscamos esclarecer aqui alguns conceitos distorcidos da modernidade em relação à cultura caiçara, no sentido de considerá-la como atrasada, como inerte, imutável. E nesse sentido, é notório que existem mudanças, em um certo movimento. Contudo, é de interesse desses povos que esse movimento não prejudique aquilo que simboliza o que eles são essencialmente. A fala do senhor Laurentino a seguir, reflete bem essa questão: Eu estudei poquinho. Meu pai não fez eu estuda. Mas eu gostaria de ter estudado. E você veja que com o pouco que eu estudei, eu estudo até agora, porque o livro me ensina, porque se eu não leio eu não sei o que está acontecendo por ai, né. Eu ligo a televisão, mas olha tudo que está acontecendo por aí. Tanta tristeza. Bom era antes, que nós tinha o nosso pé de mandioca, nosso pé de banana. Nós plantávamos pro consumo. Hoje tem toda uma briga porque a 45
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gente não pode planta porque a gente tamos num parque. Claro que a gente pode planta. É só ir lá no poderoso chefão e fala que quer planta para comer, e planta. Tudo conversadinho você consegue, porque você vai plantar para sobreviver. (Senhor Laurentino caiçara da comunidade de Superagui).
O posicionamento do senhor Laurentino leva-nos ao entendimento de que o caiçara, tende a conservar as especificidades pelas quais ele é identificado. Nesse sentido, Diegues (1983), aponta que tudo que existe deve ter um atributo, uma qualidade, um aspecto, ou vários deles, que faz com esse povo de tradição possa se reconhecer ao longo de eventuais mudanças. Em outros termos, reconhecer-se enquanto o mesmo no contexto da modernidade envoltos às formas diferenciadas que se originam desse contexto. Como exemplos de como o caiçara mantém-se frente às formas diferenciadas, a imagem da Figura 12, da pousada de Superagui, e a imagem da Figura 13, da casa de um morador caiçara construída no trajeto da caminhada que nos leva à praia deserta. Já a imagem representada na Figura 14, que se distancia das duas anteriores, traz a imensidão da vegetação e da praia que mantém o esplendor da natureza sem o impacto do natural:
FIGURA 12 – POUSADA LOCALIZADA EM SUPERAGUI FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
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FIGURA 13– CASA DE UM CAIÇARA NA MATA DE SUPERAGUI FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
FIGURA 14 – TRAJETO DA AULA DE CAMPO À PRAIA DESERTA EM SUPERAGUI FONTE: Indiamara Hummler Oda (2018).
Os aspectos até então apresentados registram as manifestações de hábitos sociais de uma comunidade caiçara expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e atitudes em relação à vida. Mas os escritos supracitados também refletem as ações e as reações dos indivíduos pertencentes à cultura caiçara, em se ajustar a determinados hábitos de um ambiente externo que se assume como modernidade. Considerando as evidências desses elementos, seguimos a caminho das considerações finais. 47
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A existência simultânea entre a tradição e a modernidade É, enfim, essa interação dialógica entre a tradição caiçara e os valores da modernidade que possibilita compreender que a coexistência da “tradição” com o “novo” é possível sem, no entanto, suprimir, aspectos que representam o universo da tradição. Atribuímos a essas reflexões o fato de que a cultura caiçara se revela como “Diferente” e não como inerte. Esse entendimento elucida que existem “formas” e formas de conceber o conceito de ser diferente. Ressaltando, dessa maneira que, embora seja uma cultura de tradição, as mudanças, quando necessárias, são colocadas em prática através de experiências por eles vivenciadas. Assim, segundo Cunha (2003, p. 70), “olhar para o pescador artesanal (ou para o caiçara) como povo ausente de história, ultrapassado é negar sua relação secular com o ambiente em que vive, negar todo conhecimento acumulado de sua reprodução social e dos ecossistemas em que vive”. Compreendemos por meio das explicações que foram aqui expostas que o povo caiçara, por intermédio da oralidade e da memória, preserva a sua historicidade permitindo que o passado se mantenha vivo no presente, reafirmando-se, nesse sentido, de geração em geração. É esse movimento transitório, que possibilita a projeção desses saberes para as gerações futuras como algo dinâmico. A memória representa assim uma força de resistência, que consolida as especificidades identitárias de raízes culturais. São essas ações que permitem transcender as padronizações impostas pelas concepções da modernidade, as quais definem comportamentos que acabam por “mecanizar” o ser humano enquanto sujeito social e cultural. Essas constatações fazem do caiçara um povo de história cujos saberes revestidos de significações próprias avivam as raízes de um povo de tradição em um movimento constante de interação entre sujeito, natureza e mundo. 48
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São, enfim, particularidades de uma cultura que registram de um lado a história por meio das contextualizações e, do outro lado, o universo geográfico, referenciando o Litoral do Paraná como um local de representações simbólicas. Traçam-se, assim, por intermédio do olhar caiçara, as teias de significados, que permitem trilhar por outros caminhos o entendimento de nossas raízes e, por conseguinte, de “Quem Somos.” Por meio desse pensamento, aflora um conceito de Bem Viver que Acosta (2016), aponta como uma filosofia de vida. O reconhecimento relevante dessa visão de mundo dos marginalizados pela história, particularmente dos povos e nacionalidades indígenas, é uma oportunidade para construir outros tipos de sociedades, sustentadas sobre uma convivência harmoniosa entre os seres humanos consigo mesmos e com a Natureza.
Referências ACOSTA, A. O Bem Viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. Tradução de Tadeu Breda. São Paulo: Autonomia Literária/Elefante, 2016. ADAMS, C. As populações caiçaras e o mito do bom selvagem. Revista de Antropologia, São Paulo, v. 43, n. 1, p. 145-182, 2000. BAZZO, J. Mato que Vira Mar, Mar que Vira Mato: O território em Movimento na Vila de Pescadores da Barra de Ararapira (Ilha do Superagui, Guaraqueçaba, Paraná). 291f. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social) – Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010. BRASIL. Lei n. 9.985, de 18 julho de 2000. Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Diário Oficial da União, Brasília, 19 jul. 2000. Disponível em: BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO). Parque Nacional do Superagui. 2018. Disponível em:
CUNHA, Lucia Oliveira de. Saberes Patrimoniais Pesqueiros. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, n. 7, p. 69-76, 2003. DIEGUES, A. C. S. Pescadores, camponeses e trabalhadores do mar. São Paulo, Ática, 1983.
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DIEGUES, A. C. S. Diversidade biológica e culturas tradicionais litorâneas: o caso das comunidades caiçaras. São Paulo: NUPAUB-USP, 1988. n. 5: Série Documentos e Relatórios de Pesquisa. DIEGUES, A. C. S. Enciclopédia Caiçara. São Paulo: Nupaub/CEC, Hucitec, 2004. v. 1: O olhar do pesquisador. DURHAM, E. R. Cultura e ideologia. Dados - Revista de Ciências Sociais, v. 27, p. 71-79,1984. ESTADES, N. P. O litoral do Paraná: entre a riqueza natural e a pobreza social. Desenvolvimento e Meio Ambiente, Curitiba, n. 8, p. 25-41, jul./dez. 2003. MUNIZ, J. C. Vila de Ararapira - Desenvolvimento e abandono: um estudo a partir da memória oral de ex-moradores. Paranaguá. 82 f. Monografia (Licenciatura em História) – Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Paranaguá, 2008. MUSSOLINI, G. Ensaios de antropologia indígena e caiçara. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980. PARANÁ. Patrimônio Cultural. Função do Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico. 2018. Disponível em: TRAVESSO, G. Uma Cidade histórica completamente abandonada. 2011. Disponível em:
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UMA VIAGEM GEO-HISTÓRICA PELO RIO GUARAGUAÇU – SABERES E PRÁTICAS EM UMA COMUNIDADE CAIÇARA NO LITORAL DO PARANÁ Cleusi T. Bobato Stadler Nós era um povo indígena que morava na beira do rio Guaraguaçú[...] Meu avô, dizia que tinha o pai do mato, e quando nós entrasse no mato, pra uma cobra não picar nós, pra uma árvore não cair em cima de nossa cabeça, pra que nós não se perdesse, era pra pedir licença, licença pra natureza. (Conceição, 64 anos, 2018).
É com essas palavras de simplicidade, história vivida, respeito à natureza, colhidas com uma mulher de sabedoria exemplar que inicio esse capítulo, na perspectiva de refletirmos como as práticas cotidianas, os saberes vernaculares de um povo, constituem territorialidades e concretizam a história de uma comunidade tradicional caiçara1 do litoral do Paraná. A Comunidade Caiçara Guaraguaçú, com mais de 150 anos2, faz parte de um bairro rural às margens do rio Guaraguaçú em Pontal do Paraná 1 O termo “caiçara” ao vocabulário tupi-guarani caá-içara, que denominava as estacadas colocadas em torno das moradias, bem como os currais de galhos fincados na água para cercar peixes. A associação denota proteção, defesa; atribuindo à sociedade caiçara o sentido de uma sociedade que se protege (ADAMS, 2000, p. 103). O termo caiçara vem do Tupi-guarani, formado pela junção de duas palavras – caá = mato e içara = armadilha. Caá-içara=a cerca de ramos. Se referia aos habitantes das zonas litorâneas. As comunidades caiçaras surgiram a partir do sec. XVI, com a mistura de brancos e índios. (CHIARADIA, Clóvis. Dicionário Ilustrado Tupi Guarani. https:// www.dicionariotupiguarani.com.br/section/c/). 2 Através de fontes escritas e relato de moradores mais antigos, estima-se que há mais de cento e cinquenta anos famílias caiçaras se estabeleceram nesta região próxima ao rio Guaraguaçú, vivendo do extrativismo, agricultura de subsistência e pesca.
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(Figuras 1 e 2). Esta por ser uma comunidade rural com práticas caiçaras tradicionais está inserida na minha pesquisa de Tese de Doutorado “Semeando Territórios da Agrobiodiversidade: saberes, práticas, políticas de natureza em comunidades rurais tradicionais do Paraná” e do Grupo de Pesquisa Interconexõe: saberes, práticas e políticas de natureza (CNPq-UEPG), coordenados pelo Professor Dr. Nicolas Floriani, no Programa de PósGraduação em Geografia.
FIGURA 1 - MAPA DE PARTE DO LITORAL PARANAENSE, COM DESTAQUE PARA A BAÍA DE PARANAGUÁ E O RIO GUARAGUAÇÚ FONTE: Revista Anual em Divulgação das Tábuas das Marés (2015) – Ano XVII – n. 17.
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FIGURA 2 - LOCALIZAÇÃO DA COMUNIDADE DO GUARAGUAÇÚ FONTE: Adaptado de Haliski, Floriani e Floriani (2019).
Através da pesquisa etnometodológica, com história oral e memória, observação participante de práticas cotidianas, percepção e representações, procurou-se identificar a relação de duas senhoras caiçaras que representam as permanências e rupturas de um modo de vida caiçara e saberes tradicionais, para valorizar essa comunidade tradicional e assegurar ações que permitam sua visibilidade e especificidades socioambientais e culturais. É pelo respeito ao rio Guaraguaçú, suas margens e uso de suas potencialidades que a história e cultura desta comunidade foi se constituindo. Para todos os lados ele é o caminho e o sustento. No passado3, em suas margens e matas ao redor, os pescadores/ agricultores tiravam seu sustento com pesca, caça, plantio e produções. As narrativas do respeito por este rio, as práticas cotidianas, os saberes dos antigos e atuais moradores da comunidade constituem a visibilidade geo-histórica deste povo caiçara. 3 De acordo com as narrativas, o passado a que as entrevistadas se referem é em torno de 100 a 200 anos atrás.
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A formação socioespacial dessa comunidade ocorre no contexto de processos históricos marcadas por rupturas e descontinuidades, estreitas relações entre o espaço físico – a natureza – com o rio Guaraguaçú e as atividades humanas, que caracterizaram a história e cultura dessa comunidade como rural, porém dentro de um espaço urbano, praias do litoral. É necessário instituirmos um diálogo entre o pensamento científico e o empírico, os saberes, as narrativas, as subjetividades, o olhar sobre a natureza, as memórias, que contextualizam a territorialidade desta comunidade tradicional Caiçara, muitas vezes invisibilizada em sua história, práticas, saberes de pescadores/agricultores. Haliski, Floriani e Floriani (2019), ao estudar esta comunidade, vem de encontro as nossas pesquisas, “[...] o que temos é uma valorização e diálogo dos saberes acadêmicos com aqueles da comunidade. Dentre os motivos está o fato de que eles aprenderam a manipular os solos e a floresta, de modo que temos o Litoral como à área mais preservada do estado”. Portanto, é a (re)valorização de suas territorialidades, histórias, práticas, saberes, de seu modo de vida rural, uma das alternativas para sua produção econômica agroecológica, sociocultural, mantendo suas práticas de vida em (co)evolução com a natureza (HALISKI; FLORIANI; FLORIANI, 2019).
A multiplicidade do território na Comunidade Caiçara Guaraguaçu A perspectiva desejada é a discussão em torno do conceito de território em suas múltiplas dimensões (política, econômica, simbólico cultural, etc.), a partir dos conceitos de territórios e territorialidade enquanto construção social, academicamente construídos por Haesbaert (2009) e Saquet (2007), onde se argumenta em favor de uma geografia histórico-crítica, 54
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O território, conforme Dematteis (1970) é uma construção social, com desigualdades (entre níveis territoriais, que variam do local ao planetário), com características naturais (clima, solo...) e relações horizontais (entre as pessoas, produção, circulação...) e verticais (clima, tipos de culturas, distribuição do habitat etc.), isto é, significa uma complexa combinação de certas relações territoriais. (SAQUET, 2007, p. 60).
Se o território é produto do processo de apropriação e domínio social, como defende Saquet (2007, p. 57), “centrado e emanado na e da territorialidade cotidiana dos indivíduos, em diferentes centralidades, temporalidades e territorialidades”, é no desenrolar da vida cotidiana das comunidades tradicionais que se concretiza a territorialidade, nas mudanças sociais dos sujeitos na reorganização do território. Se o território está nas relações sócio-espaciais, então pode ser considerado um espaço modificado pelo trabalho, objetivado por relações sociais, de poder e dominação, consolidando as territorialidades a partir das diferentes atividades cotidianas. Apesar de Raffestin (1993), tecer uma análise de base mais econômica e política do território, este reconhece a complementaridade da dimensão cultural. Para ele, o espaço é a base para a formulação do território, ou seja, o espaço existe antes do território, o qual é produzido então pelas relações que os agentes sociais mantêm entre si e com a natureza. O território seria um produto dos atores sociais a partir do espaço, pois ao se apropriar de um espaço concreta ou abstratamente, o ator ‘territorializa’ o espaço (RAFFESTIN, 1993, p. 143). O território é então um espaço modificado pelo trabalho e por relações de poder, é objetivado por relações sociais, de poder e dominação, o que implica a cristalização de uma territorialidade, ou de territorialidades, no espaço, a partir das diferentes atividades cotidianas. Para Saquet, Candiotto e Alves (2010) na medida em que Raffestin concebe o espaço como pré-existente ao território, o au55
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tor reduz o entendimento do espaço à natureza-superfície, recursos naturais. Mas também, os autores destacam que o espaço “[...] tem um valor de uso e um valor de troca, distintos significados e é elemento constituinte do território, pois eles são indissociáveis” (SAQUET; CANDIOTTO; ALVES, 2010, p. 77). O território em Raffestin, pode se analisado a partir das relações de poder, mas também como palco de ligações efetivas e de identidade entre um grupo social com seu espaço, as relações sociais entre sujeitos, e entre estes, com seu lugar de vida, tanto econômica, política e culturalmente. Neste sentido, nos reportamos a Comunidade Caiçara, que associa a construção material do território como base de recursos, com uma profunda identificação, que carrega o espaço de referentes simbólicos fundamentais à manutenção de sua cultura. Saquet e Briskievicz (2009, p. 81), porém, destacam que o espaço corresponde ao ambiente natural e organizado pelas sociedades, enquanto o território é fruto da dinâmica socioespacial, concretizado na apropriação social do ambiente, nas ações históricas, no ambiente construído, sob relações mútuas e singulares. Para Souza (2013, p. 38), “como descrever e compreender a organização espacial dos caiçaras, sem tomar em consideração o papel de feições da “natureza primeira”? Para ele, a relação do homem com a natureza sempre é mediada pela cultura e história. Essa “natureza primeira” corresponde aos ambientes naturais das comunidades, seus rios, florestas, solos, e devem ser estudados com métodos e técnicas inerentes às ciências naturais, mas também não podemos descartar sua “natureza segunda”, que abrange a materialidade transformada pela sociedade, os campos de cultivo, a construção das casas e espaços sociais e culturais. Na busca de pertencimento ao território, das territorialidades das práticas tradicionais vamos buscar a concepção territórios enquanto movimento, conquista, com o sentido de pertencimento, uso e vivência em um recorte do espaço e que na atualidade se expressam em rede, com a compressão do espaço pelo tempo. 56
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Esse território então seria múltiplo, complexo, contínuo, enquanto espaço-tempo vivido, um território, que vai da “dominação político-econômica mais concreta e funcional à apropriação mais subjetiva e/ou cultural-simbólica” (HAESBAERT, 2004, 95-96). O território então é o espaço das experiências vividas, espaços apropriados por meio de práticas que lhes garantem certa identidade sociocultural. As relações entre as pessoas e delas com a natureza, estão cheias de sentimentos e simbolismos, como podemos perceber na fala de D. Conceição (64 anos) na comunidade caiçara de Guaraguaçú: [...] quando tinha na mata, fruta ou hortaliça era picada, podia comer, porque não morria [...] comiam palmito da mata, água do chão. [...]nossa casinha era de sapê, nossa coberta era de juta, travesseiro de macela do campo. [...] era viver na simplicidade. [...] Você vivia o teu mundo, você tinha o teu conhecimento, era gostoso, nós vivia na simplicidade [...] Nós era um povo indígena que morava na beira do rio [...] Meu avô, dizia que tinha o pai do mato, e quando nós entrasse no mato, pra uma cobra não picar nós, pra uma árvore não cair em cima de nossa cabeça, pra que nós não se perdesse, era pra pedir licença, licença pra natureza. Ele conversava com a natureza, meu pai era um deles. Eu via ele batendo a boca assim, aí eu perguntava, o que o senhor ta conversando, ele dizia tô conversando com a natureza [...]. (D. Conceição, 2018).
Essa narrativa nos traz todo um simbolismo, uma identidade com o território, no seu aspecto funcional e também no aspecto simbólico como parte integrante da realidade cotidiana que se manifesta nos territórios. Como defende Haesbaert (...) todo território é, ao mesmo tempo e obrigatoriamente, funcional e simbólico, pois as relações de poder têm no espaço um componente indissociável tanto na realização de “funções” quanto na produção 57
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de “significados”. O território é “funcional” a começar pelo papel enquanto recurso, desde sua relação com os chamados “recursos naturais” (HAESBAERT, 2007a, p. 23).
Esse mesmo autor afirma que devemos distinguir os territórios daqueles que os constroem e/ou controlam, sejam eles indivíduos, grupos sociais, instituições, etc. Faz-se necessário reconhecer que “os objetivos do controle social através de sua territorialização variam conforme a sociedade ou cultura, o grupo e, muitas vezes, com o próprio indivíduo” (HAESBAERT, 2007a, p. 22). Na concepção da construção ou controle de um território, sejam pelos indivíduos ou grupos, não podemos deixar de lado sua relação com a própria natureza. As florestas, rios, solos, plantas, sementes, são elementos presentes no território como instrumentos de poder, como defendia Raffestin (1993), mas também são os próprios atores, como defende Latour (2012)4, na ideia de que os atores humanos e não-humanos estão constantemente ligados a uma rede social de elementos (materiais e imateriais). Os atores não humanos e humanos agem mutuamente, interferem e influenciam o comportamento um do outro, com a diferença de que o não-humano pode ser ajustado pelo humano de acordo com a sua necessidade. Os conhecimentos que os sujeitos das comunidades tradicionais possuem da natureza e suas biodiversidades vêem da experiência e do engajamento deles com uma série de organismos com os quais eles compartilham um espaço comum de existência. Estes sujeitos, ao compartilhar este espaço, constroem uma territorialidade de respeito aos seres vivos, na construção das paisagens. Não é possível tratar esses atores, simplesmente como recursos – objetos que estão à disposição do uso humano, 4 A Teoria Ator-Rede apresenta um olhar voltado para as práticas cotidianas a envolver ciência, tecnologia e sociedade. Amarrações de humanos e não-humanos – configurando, um emaranhado de redes que fragmentam qualquer solidez em microconexões ou desconexões. (LATOUR, 2012, 397p).
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mas é preciso pensar e tratá-los enquanto sujeitos, habitantes da natureza, aos quais seria necessário obter autorização para a realização das atividades cotidianas da comunidade. Entre muitos desses sujeitos, estão as plantas, os solos, os quintais agroflorestais, a água dos rios. Esse respeito pelos sujeitos da natureza pode-se verificar também na concepção expressa pela D. Maria Tereza Freire Bittencourt (54 anos), da comunidade Guaraguaçú, onde ela demonstra conhecer todos os nomes, a tipologia, os usos das plantas que estão em seu quintal e na mata ao redor de sua casa. Ela expressa todo seu conhecimento através de um território de pertencimento daquele espaço. Caminha por entre as plantas, conversa com elas, como seres vivos, sujeitos atores de uma territorialidade. Em sua narrativa, podemos conhecer algumas dessas territorialidades através de suas práticas cotidianas: [...] eles costumavam tomar banhos de ervas, misturavam muitas plantas e flores. [...]Aí nasceu o capim. Desse aí que faziam esteira. Nóis não tinha colchão, ou era de capim, ou era desse aí o colchão. Ai botava ela pra secar, mas tem a lua certa, eu não lembro se era a nova ou minguante[...]quando minha mãe queria fazer o biju puva, ela enterrava na lama, até ficar meio podre, ralava e usava a mandioca podre[...] nós era igualíndio[...]Esse é pé de guampê, esse é de cedro, aquele é pé de ipê-amarelo, esse é figueira mata-pau (ela vem e suga, mata). [...] tem pé de ameixa, de abacate [...] esse é guanxuma, eles fazem pra fortalecer o cabelo, esse é guiné, a turma diz que é pra infecção, outros costumavam enfeitar a porta pra tirar mau-olhado[...]aquele é um pé de amora, a turma usava pra menopausa, diz que é bom pra calourão[...]tem citronela pra espantar pernilongo[...]aqui tem a penicilina[...] o eucalipto, faz inalação pra bronquite, macela para o estômago e fazer travesseiro[...] aqui tem a mão-de-Deus, para diabetes, ferve e toma o chá, abaixa a glicemia[...]. (D. Maria Tereza Freire Bittencourt, 2018). 59
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Com todo esse conhecimento medicinal da natureza, como não reconhecer que a floresta é considerada como um valor cultural, sujeito de transformação social nas comunidades tradicionais? E assim como as ervas medicinais, temos as sementes crioulas, que para essas comunidades representam as suas vivências nas territorialidades da agrobiodiversidade. O território passa a ser considerado como espaço de identidade, identificação, lugar de mediação entre os homens, a natureza e a cultura. Ele possui significado biológico, econômico, social, político, cultural, que passa a ser simbólico, afetivo, identitário e pode ser inscrito no universo da memória, das representações e dos valores. O território nas comunidades faxinalenses, quilombolas e caiçaras não contempla apenas a dimensão das fronteiras, mas algo que identifica sujeitos (humanos e não-humanos) e ações num mesmo espaço. Os sujeitos destas comunidades não estão na mesma fronteira política, mas se organizam num espaço próprio com suas relações sociais, econômicas e culturais, e seus próprios símbolos. Buscam uma integração ao espaço com suas práticas, saberes, dando a esse espaço significado. Assim se evidencia uma territorialização através da permanência de práticas, da identidade caiçara, das suas origens, do significado dado ao seu espaço. Nesta perspectiva de Saquet, podemos compreender que o território constituído pelos sujeitos das comunidades tradicionais em estudo é considerado um produto de mudanças e permanências ocorridas num ambiente no qual se desenvolve um grupo social. (...) a terra é tomada território quando há comunicação, quando é meio e objeto de trabalho, de produção, de trocas, de cooperação. O território é um produto socioespacial, de relações sociais que são econômicas, políticas e culturais e de ligações, de redes internas e externasque envolvem a natureza. Por esta via o espaço físico entra nas relações e nas estruturas sociais. (SAQUET, 2006, p. 76). 60
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Ainda que a ênfase de Milton Santos (1999) sobre território seja a econômica, ele reconhece a política, cultura e natureza como elementos constituintes do espaço e da configuração territorial. Destaca que, (...) o território não é apenas o conjunto dos sistemas naturais e de sistemas de coisas superpostas. O território tem que ser entendido como o território usado, não o território em si. O território usado é o chão mais a identidade. A identidade é o sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é o fundamento do trabalho, o lugar da residência, das trocas materiais e espirituais e do exercício da vida. [...] o “território é o lugar em que desembocam todas as ações, todas as paixões, todos os poderes, todas as forças, todas as fraquezas, isto é, onde a história do homem plenamente se realiza a partir das manifestações da sua existência” (SANTOS, 1999, p. 7-8).
Analisar sujeitos das comunidades caiçaras como espaços de diferentes narrativas, trajetórias e formas de uso do poder, de conflitos, rupturas e forças que percorrem e usam desigualmente os recursos do espaço, vem de encontro às dimensões espaciais/territoriais e as variáveis sociais, econômicas, culturais, em jogo na configuração de práticas e saberes locais da natureza (FLORIANI; THER RIOS; FLORIANI, 2013). Enquanto novos atores sociais, os moradores destas comunidades tradicionais construíram sua territorialidade, práticas econômicas, socioculturais e simbólicas, vinculadas ao meio rural, configurando assim, patrimônios imateriais através de suas vivências cotidianas.
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O balanço das águas do rio conta a História do Guaraguaçú - a natureza e os saberes dos caiçaras O balanço natural do rio Guaraguaçú, a mata ao redor do rio, as terras ondem plantam suas sementes, a cultura, fazem parte da história da comunidade tradicional caiçara rural Guaraguaçú, localizada no município de Pontal do Paraná, na PR-407, entre Praia de Leste e Paranaguá. É abastecida pelo Rio Guaraguaçú, de onde a comunidade retira parte de seu sustento por meio da pesca, enquanto o turista aproveita a estrutura das marinas locais para fazer passeios de barco e praticar a pesca esportiva. Essa Comunidade possui características rurais dentro de um espaço urbano, as praias de Pontal do Paraná. O termo caiçara designa essa comunidade tradicional, fruto da miscigenação entre indígenas e colonizadores, que viviam em contato íntimo com a natureza. Ela tem sua origem e cultura relacionada à pesca, agricultura, ao rio Guaraguaçú e grupos indígenas (Guarani M’byà), bem como migrantes portugueses e de outras etnias. A comunidade se formou as margens do rio Guaraguaçú aproximadamente há cerca de 150 anos. Seus primeiros habitantes utilizavam o rio como fonte de subsídio, pois dali retirava o alimento e também era pelo rio que transportavam suas plantações e comercializavam seus produtos na feira em Paranaguá. Em decorrência da denominação dada pelos Tupisguaranis “caá i çara”5, a cultura dos moradores do litoral do Paraná também passou a ser chamada dessa forma. O autor Diegues (1996), considera a cultura caiçara como parte da cultura crioula ou cabocla, fruto do aporte cultural dos europeus, negros e índios. Já para Wilhems (2002), o que caracteriza a cultura caiçara é a associação entre pesca e agricultura, a importância do “complexo farinha de mandioca”, a reciprocidade na vida cotidiana, as relações sociais individualizadas em um grupo maior, 5 Origem do termo caiçara explicitado no início do capítulo.
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os mutirões, e outras características que o distingue da cultura caipira ou cabocla. A cultura caiçara desenvolveu um conjunto de práticas cotidianas materiais e imateriais ligadas ao mesmo tempo a terra e ao mar. Durante muito tempo esta comunidade de Guaraguaçu viveu relativamente isolada dos centros urbanos e de outras comunidades. Dessa forma desenvolveu seu modo de vida e cultura local própria, muito original e específica a uma única área geográfica (ladeando o rio Guaraguaçú).
FIGURA 3 - RIO GUARAGUAÇÚ FONTE: A autora (2018).
As Comunidades Caiçaras desenvolveram uma cultura e economia particular, pois foram moldadas pela adaptação à floresta tropical dos Tupis-Guaranis. Inclusive estão ligadas a vivência dos “Sambaquis”6. Os Caiçaras viviam basicamente da relação do mar e da mata. Do extrativismo e pesca artesanal não predatória. Durante 6 Os sambaquis são também conhecidos como concheiros, depósitos de cascas de ostras, conchas e restos de artefatos deixados pelos homens pré-históricos e indígenas brasileiros. São encontrados, principalmente, em regiões litorâneas do Brasil. Nos sambaquis, junto com as conchas e ostras, é muito comum os arqueólogos encontrarem ferramentas, armas, restos de utensílios domésticos de cerâmica e até ossos humanos.
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muito tempo, a economia dos caiçaras esteve ligada entre uma economia de sobrevivência e troca indígena, e a economia industrial. Tinham a produção destinada ao consumo familiar, mas também contribuíam para a economia regional, comercializando a produção excedente para adquirir produtos e serviços que não produziam como ferramentas, material de construção, sal, roupas, etc. [...] a partir de 1926 com a construção Estrada do Mar, ligando o litoral e o restante do Paraná, foram surgindo várias outras vilas próximas à orla marítima, como Caiobá e Matinhos, Vila Balneária e Pontal. A partir daí a comunidade foi forçada a se deslocar e ficar mais próxima do rio e da estrada, pois com o maior fluxo de pessoas transitando pelas redondezas, teoricamente, o comércio também aumentaria (FERNANDES, 1947, p. 23).
Em Guaraguaçú se encontra o Sítio Sambaqui que guarda a história da comunidade sambaquiba há 4.200 anos. É formado por conchas e detritos deixados por eles e onde eram enterrados os mortos. Há também neste local o Forno de Caieiras, equipamento utilizado para queimar conchas e detritos e produzir a cal utilizada nas construções do município de Paranaguá (Figura 4).
FIGURA 4 - SAMBAQUI DO GUARAGUAÇU – CONCHAS, FORNO DE CAIEIRAS E OSSADAS FONTE: A autora (2018).
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A Comunidade Guaraguçú é marcada pela diversidade étnica, cultural, social, entre outras. Eles podem ser caracterizados pela mistura de grupos caiçaras, indígenas (Guarani byá) e migrantes, cada qual com sua cultura, costumes, seu imaginário e suas representações coletivas, riquezas que não podem ser esquecidas. É importante destacar que nesta Comunidade temos sujeitos chaves para o reconhecimento da História da Comunidade. Como, por exemplo, a História da Família Sales Bittencourt. Essa história da família foi contada pela Sra. Maria Tereza Freire Bittencourt, 54 anos de idade, moradora de Guaraguaçu desde o nascimento. Segundo um jornal de posse da família, de D. Tereza Freire Bittencourt, filha do Sr. João Sales e D. Luzia, todos os filhos deles nasceram em Guaraguaçú, na casa da Figura 5, pelas mãos da avó que era parteira.
FIGURA 5 – CASA ONDE MORAVAM JOÃO SALES E LUZIA, DESDE 1915 FONTE: à direita Recorte de Jornal (2001) acervo da Família Sales Bittencourt e à esquerda a autora (2018).
Três irmãs, Maria, Clemência e Constância, moradoras do Cambará, casaram-se com três irmãos: respectivamente, João, Lacerda e Odorico Sales Bittencourt, filhos de imigrantes franceses que se instalaram no Parati, em Guaratuba. João e Maria Sales vieram para o Guaraguaçu, onde tiveram nove filhos. Destes Luiz, 79 anos, José, 88 e João 86, formam hoje a memória viva sobre a história das antigas praias de Paranaguá. João Sales Bittencourt, 65
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
31 anos na época, casou-se em 1946, Dona Luzia, 14 anos. Hoje o casal possui uma família formada por sete filhos, sendo eles Celso, Francisca, Alfredo, Odete, Rosa, João Carlos e Maria Tereza. Possuem também 16 netos e sete bisnetos. Eles ainda mantêm em atividade a velha Casa de Farinha construída em 1915 pelo pai de João Sales, ao lado da casa onde moram, em uma figueira de mais de um século de idade. Da mesma forma são mantidas as lembranças de um tempo em que neste canto da Mata Atlântica o homem convivia pacificamente com a natureza. (JORNAL, 2001).
A primeira estrada de Guaraguaçu, segundo Sr. João Sales (in memórian), foi aberta em 1922 e ficou de chão batido por muito tempo. Foi revestida de areia preta e de cascalho retirado dos sambaquis. Somente em 1965 que chegou o asfalto. O Sr. João Sales trabalhou nas obras da ponte e relata que a ponte era um mata-burro, uma prancha de madeira, um pontilhão, não tinha manilhas, e por isso, quando as águas do rio subiam passavam por cima da ponte. D. Luzia (in memórian) narrou ao jornal que ajudou na criação da escola e no ensino de Guaraguaçu. Segundo ela o primeiro comerciante Henrique Francisco das Neves foi também o primeiro professor, que tomou a iniciativa de ensinar as crianças da comunidade a ler e escrever. Comprou os livros e na sua própria casa iniciou a escola de Guaraguaçu, em 1946. Somente entre 02 a 03 anos mais tarde ganhou uma escola do governo. A primeira professora oficial foi D. Idalvina e a segunda foi Hedila. Uma das histórias trágicas de Guaraguaçú é o fato dos “Sambaquis” virarem cal para a construção das estradas na localidade. O Sr. João Sales contava que: “A gente era que nem índio andando descalço, livre por aí”. Ele conviveu com alguns remanescentes indígenas que ainda viviam na região. Foi o suposto desenvolvimento das cidades próximas as praias que expulsou 66
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os remanescentes indígenas e destruiu uma herança e cultura deixada pelos Guaranis: os Sambaquis7. Ainda de acordo com a narrativa do Sr. João Sales, havia vários Sambaquis na região, como: o Sambaqui do 15, que tinha mais de 15 metros, outro na Barra do Rio São João possuía 02 metros e na entrada do Rio do Maciel, havia um enorme, com 21 metros de altura8, de cujo topo, aparecia a torre da Igreja Matriz de Paranaguá. Deste último Sambaqui, uma empresa de asfalto tirou toneladas de conchas e cascas de ostras que eram queimadas em forno e transformadas em cal. Foram encontrados neste local, ossos humanos, de baleia, mas estão em museus do Paraná. D. Maria Tereza filha do casal, conta que iam a pé de Guaraguaçú até Paranaguá, apenas para trocar ou comprar os alimentos e mercadorias que faltavam. Mas segundo ela: [...] o pai plantava “arroz, feijão, abacaxi, plantavam do outro lado do rio [...] os lugares altos era para o plantio da mandioca e do abacaxi, na terra baixa, lama, era semeado o arroz, aí não precisava molhar. Era 1000 e poucos pés meu pai colhia, de abacaxi. Era verão [...] Quando minha mãe queria fazer bijú puva, sabe, fazia bijú de gato, que era na folha de banana, fazia a goma com a farinha, o sal e botava na folha de banana, e quando ela queria fazer o biju puva, ela fazia na cuscuzera [...] pegava a mandioca com casca e tudo, trazia aqui no rio e enterrava na lama, aquela mandioca ficava meio podre, não lembro quanto dias ficava ali. Quando ficava meio podre, lavava e ralava. Nós era meio índio [...]. (D. Maria Tereza, 2018).
7 Estes amontoados de conchas e esqueletos de peixes (resíduos de alimentos), e até mesmo esqueletos de humanos, (que se constituiem em importante referencial arqueológico e histórico sobre os costumes das tribos que habitavam o litoral antes da colonização européia), foram transformados em cascalho ou cal para servir de base para o asfalto colocado nas estradas (inclusive a que corta o rio Guaraguaçu). (Jornal de Guaraguaçu 01/06/2001). 8 Até hoje (2020) é o maior do Estado do Paraná.
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
FIGURA 6 – MULHERES FAZENDO O “BIJÚ E FARINHA” NA CASA DE FARINHA DE GUARAGUAÇU, EM FRENTE A CASA DO SR. JOÃO SALES FONTE: Acervo da Comunidade.
D. Tereza narra às práticas econômicas, religiosas, culturais e principalmente das ervas medicinais. Ela conhece inúmeras variedades de plantas e os usos a que devem ser destinadas. Também narra as histórias que o povo contava, fazendo parte da cultura popular de Guaraguaçu. Entre as Práticas Culturais existentes no Guaraguaçú, de acordo com as narrativas, estão às religiosas e festivas. Alguns moradores relatam que a vida no início de sua formação, nas margens do rio Guaraguaçú era uma festa. Todas as terças e sábados era realizado o Fandango, festa típica do litoral paranaense, em que os participantes dançam (batendo tamancos de madeira), ao som de um tambor e duas violas de sete cordas, feitas de madeira. As tochas de fogo eram a forma de chamar o povo para os fandangos, quanto para avisar da festa do Bom Jesus do Iguape, que acontecia todos os anos no dia 06 de agosto, na Igreja de Madeira, depois de rezavam a novena ao Menino Jesus do Iguape. Segundo os moradores eles tornavam-se anfitriões em Guaraguaçú para receber os festeiros de outras localidades, e assim os recebiam em suas casas, ou ficavam em barracas, mas a alimentação que era o feijão com carne seca. Estas festas foram terminando após a chegada dos evangélicos na comunidade. A maioria do povo foi desistindo das festas e a imagem do Menino 68
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Jesus do Iguape foi transferida para a Igreja de Ponta do Maciel por José Lopes. Segundo D. Tereza, “...depois que o povo foi deixando a beira do rio e indo para a beira da estrada, tudo vai mudando em Guaraguaçu”. (D. Tereza, 2018). A História de Guaraguaçú está retratada também em trabalhos recentes, como o de Francisca Kaminski, turismóloga, que passou a morar em Guaraguaçú, tornando-se uma defensora da História e Cultura desta Comunidade. Segundo Francisca, as práticas culturais tornam-se uma marca da história deste povo caiçara. A sobrevivência deste povo no início de sua formação dependia da agricultura, extrativismo vegetal e caça. A população local usava o que plantava e coletava para a alimentação, abrigo, comércio, locomoção, artesanato e fabricação de móveis e instrumentos. É muito importante destacar as práticas cotidianas desta comunidade como forma de registrar sua História, enquanto comunidade caiçara rural do litoral. Com a taquara se fazia o cóvo, o cercado e as arapucas, os quais amarravam com o cipó, também usado para o artesanato juntamente com a fibra. A fabricação de canoas era feita com tronco de árvores, que ficaram conhecidas como “canoa de um pau só” e a madeira que mais se usava era a do Guanandi (Calophyllum brasiliense Cambess), árvore dura e durável, de tronco retilíneo, típica da região. Para a pesca utilizavam árvores diferentes, maiores e mais resistentes como a Canela (Ocotea pulchella) ou o Guapiruvu consideradas melhores para a adaptação do motor de popa. O restante da árvore que sobrava era utilizada como lenha para alimentar os fogões domésticos e na indústria artesanal de farinha enquanto a extração de palmito tinha por fim tanto a alimentação de subsistência quanto o comércio (LANGOWISKI, 1973).
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De acordo com as narrativas percebem-se as mudanças ocorridas na comunidade. Uma das mudanças bastante forte foi à comercialização dos produtos. Os moradores começaram a montar bancas na beira da estrada para vender o que produziam, desde os alimentos extraídos na natureza, como o abacaxi, a banana, o palmito e a farinha até o artesanato que vinham comercializando com Paranaguá. Como este comércio torna-se viável para os moradores, outros caiçaras foram montando pontos de comércio. Ocorre uma transformação também na agricultura onde passam a produzir os alimentos de maior saída no comércio, por exemplo, o plantio do abacaxi, produto bastante consumido pelos turistas durante o verão. Outro produto que ganhou destaque no comércio local com a vinda dos turistas para o litoral foi o palmito, abundante na região e bem aceito pelos consumidores. Algum tempo depois começam a chegar os grandes grileiros, que compram as terras dos caiçaras para explorar os recursos locais. Isso prejudica o uso equilibrado dos recursos agroflorestais, pois seus espaços de cultivo tornam-se cada vez menores. Com a criação de UCs, os órgãos ambientais atuantes na região passaram a realizar um intenso monitoramento e controle das atividades extrativistas realizadas pela comunidade a fim de minimizar seus impactos sobre meio ambiente. A derrubada de florestas para as roças passou a ser proibida, assim como a caça. A extração de recursos florestais também foi restringida, principalmente a extração do palmito, a única fonte de renda das famílias. A partir daí o caiçara se lançava ao extrativismo clandestino. Vários moradores responderam criminalmente por suas atividades clandestinas e se viram subitamente colocados no banco dos réus, mesmo sendo uma das vítimas (GONÇALVES, 2007).
Grande parte da Cultura dos Caiçaras da região foram se perdendo com o tempo com a realização de outras atividades. 70
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Muitas práticas de fundamental importância para Guaraguaçú ficou no esquecimento, como o fandango, o trançado do cipó para a confecção do artesanato, os rituais religiosos, a confecção de canoas, o uso das plantas medicinais, os remédios caseiros, etc. Atualmente há uma movimentação em torno do reconhecimento e valorização da Comunidade Caiçara Guaraguaçú, com suas práticas culturais e econômicas. Cerca de 300 moradores, vivem na comunidade e a maioria passou a ter outra finalidade, o Ecoturismo, a prática da Agroecologia (em quintais agroflorestais), o resgate de práticas com o cultivo de sementes crioulas, uso de plantas medicinais e cuidados com o meio ambiente no espaço onde vivem. Dentre as principais atrações do Ecoturismo estão: o Sambaqui do Guaraguaçú , forno secular Caieira, o Rio Guaraguaçú , Estrada Ecológica, Tribo M’Bya Guarani e o Café Caiçara da D. Conceição. A comunidade tradicional caiçara têm em sua formação uma ampla rede de significados e saberes com suas práticas agroecológicas que foram se consolidando através dos tempos. À medida que essa comunidade foi se transformando, foi alterando e moldando a agrobiodiversidade conforme suas necessidades e exigências, é ela com suas funções diferenciadas, que compõem o conjunto de saberes dessas comunidades, as suas territorialidades. As espécies cultivadas que compõem o agroecossistema, constituem um patrimônio o qual é a base alimentar e a fonte de matéria-prima para inúmeras atividades de populações locais. Essas populações contribuem no processo de seleção e adaptação desses cultivos para a realidade local (OLIVEIRA, 2006). Os guardiões de sementes nem sempre o são por iniciativa própria, mas porque trabalham com a agrobiodiversidade e/ou quintais agroflorestais. São pessoas que possuem sementes nativas do Guaraguaçú de diferentes espécies e que as multiplicam através do tempo. Nesta comunidade, Maria Tereza Freire Bitencourt – 54 71
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anos, Conceição Vieira Ramos Constante – 64 anos, Claudomiro Constante – 44 anos e Márcia Lopes - 52 anos, podem ser considerados guardiões de sementes. Com eles encontramos sementes nativas de árvores, temperos, feijão, mandioca, frutas, que estão relacionadas à estratégia de conservação de recursos básicos para sua alimentação e para seus quintais florestais. Podemos considerar como práticas constitutivas na formação desta comunidade todos os rituais relacionados à produção e cultivo (distribuição das atividades no ano - plantio, semeadura, adubação, colheita), bem como a cotidianidade, ou seja, as festividades, crenças espirituais (de influência na vida cotidiana), a forma de procurar, coletar e preparar os alimentos consumidos (as receitas, hábitos alimentares), a água, as plantas medicinais, as sementes nativas e a rede de trocas. Para os caiçaras de Guaraguaçú, o “rio é a vida da comunidade”, tudo gira em torno dele, desde sua formação até a prática da agricultura. Desta forma, uma das práticas alimentares mais importante desta comunidade que os caracteriza é o Prato da “Cambira”9. Através do peixe do rio, o prato da cambira faz a mediação do passado com o presente, está na memória dos moradores da região, faz parte de seu cotidiano cultural, de um conjunto de práticas materiais e imateriais ligadas ao mesmo tempo a terra e ao mar. Para Willems (2002), o que caracteriza a cultura caiçara é a associação entre pesca e agricultura, a importância do “complexo farinha de mandioca”, a reciprocidade na vida cotidiana, as relações sociais individualizadas em um grupo maior, os mutirões, e outras características que o distingue da cultura caipira ou cabocla. Em sua grandiosidade de ser humano e com seus conhecimentos vernaculares, D. Conceição Vieira Ramos Constante nos diz que “... o caiçara pode viver da pesca, da caça, das plantas, do cultivo...”. Com essas sábias palavras, percebemos que os morado9 A Cambira é feita com o peixe seco, que era à base da alimentação do caiçara na região, acompanhado por farinha de mandioca e banana.
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res ao respeitarem a natureza sobrevivem e se adaptam em todos os lugares. Ela tornou-se uma grande guardiã de conhecimentos, história, práticas e sementes, tornando-se uma protagonista da História do Guaraguaçú com seu café Caiçara, onde produz e comercializa alimentos de base agroecológica. Com seus conhecimentos medicinais D. Tereza Freire Bitencourt vai nos conduzindo a sua agrofloresta e ali com todo respeito a natureza, vai mostrando os pés de plantas medicinais, relatando e explicando para quais moléstias elas podem ser utilizadas (Figura 7). Todos esses conhecimentos ela também escreve, para não esquecer, pois segunda ela, “... Não podemos esquecer de nenhuma planta, pois todas são importantes para nossa saúde”. Esses conhecimentos, apreendidos com sua mãe, ela utiliza hoje para si própria e na comunidade.
FIGURA 7 – ESCRITOS DE D. TEREZA SALES BITENCOURT SOBRE OS REMÉDIOS CASEIROS RETIRADOS DE SEU QUINTAL E PLANTAS MEDICINAIS FONTE: A autora (2019).
D. Tereza faz questão de afirmar: “Sou nativa, minha avó era mestiça a bugre e meu avô era francês. Meu pai dizia que eu tinha um espírito do mato, era um bicho do mato, por causa 73
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do meu cabelo negro comprido”. Essa relação com a natureza e os saberes que constituiu ao longo de sua vida está intimamente ligado aos conhecimentos das plantas e árvores da mata atlântica, das práticas culturais vivenciadas por sua família cotidianamente. As reflexões expostas neste capítulo procuraram interpretar as territorialidades socioculturais de duas senhoras que representam as permanências e rupturas de um modo de vida caiçara. Estas territorialidades não estão delimitadas ao espaço físico, mas estão nas dinâmicas, práticas, resistências, conflitos onde a identidade desta comunidade se configura cotidianamente, em meio aos arranjos adotados pela coletividade. O reconhecimento destas territorialidades de sua geo-história pode contribuir para o reconhecimento de seus direitos culturais e participação direta dos sujeitos caiçaras, na aplicação e na execução de políticas públicas para melhorias de sua comunidade, através da utilização e respeito a natureza e sua agrobiodiversidade.
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CONFLITO TERRITORIAL E UMA MEDIDA EMERGENCIAL: A COMUNIDADE TRADICIONAL DO MACIEL INSERIDA NO HOTSPOT FLORESTA ATLÂNTICA, PONTAL DO PARANÁ, LITORAL PARANAENSE Erica Vicente Onofre Juliana Quadros
Heranças da colonização eurocêntrica na floresta atlântica e seus povos Segundo Ab’Sáber (2003), as paisagens são heranças de “processos fisiográficos e biológicos, [do] patrimônio coletivo de povos que historicamente as herdaram como território de atuação de suas comunidades”. Nesse viés, a história da Mata Atlântica perpassa importantes fases do passado que explicam a sua atual condição. A ocupação humana nestas florestas, segundo Dean (1996), passou por dois períodos, o primeiro datando há cerca de 11.500 anos caracterizado pela presença dos paleoindígenas e indígenas caçadores-coletores e o segundo período descrito pela invasão dos europeus e suas marcas da colonização e do escravagismo. Para Dean, o primeiro momento também incumbiu em transformações na Mata Atlântica estas, porém menos predatórias do que o segundo período. Os sambaquis caracterizado pela ocupação do primeiro período e hoje considerado patrimônio histórico e cultural, são resquícios dos modos de viver, ser e fazer de povos que foram aprendendo o tempo e as relações ecológicas da natureza, os indígenas foram repassando de geração para geração o etnoconhecimento que os permitiram viver nas florestas e nas águas. Já o segundo período ao qual Dean (1996) 77
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se refere, teve seu início a partir do século XVI, com a chegada dos europeus, desde então, a vida nos ecossistemas nunca mais foi a mesma, especialmente na Floresta Atlântica. O sistema de dominação das terras pelos europeus foram ordenados em 1532 pela Coroa que se presumia possuidora legítima sobre o continente sul-americano, essa premissa se delineou devido a uma Lei Portuguesa de 1375 que concedia a autoridade da Coroa para se apossar de terras que tivessem caído em desuso, consideradas “terras devolutas” “isto é devolutas para a Coroa” (DEAN, 1996). Por meio de capitanias o Brasil acabou sendo fatiado em faixas costeiras paralelas onde eram concedidos títulos que conferiam aos donatários o poder de distribuir direitos de propriedade sobre a “terra”, ignorando “os potenciais direitos prévios ou mesmo a presença de habitantes indígenas [...] a Coroa negou que os nativos detivessem quaisquer direitos legítimos ao espaço que ocupavam” (DEAN, 1996). Segundo Fonseca (2005), já no século XIX com a “Lei de Terras” sancionada por meio da Coroa em 1850 (Lei 601), a prática de ocupação de terras ditas devolutas passou a ser proibida e somente a compra e a venda da terra se tornou legítima e, com isso, o marco da Lei de Terras pode ser caracterizado juridicamente na perspectiva da terra como propriedade privada, ressignificando assim, o uso da terra como uma mercadoria e não como um bem comum das coletividades. Os ciclos econômicos do país refletiam um uso e ocupação do solo escravagista, genocida, etnocida e devastador “em nome de um colonialismo de exploração intensiva” (DEAN, 1996), onde a cada novo ciclo econômico um “sopro de destruição” era deixado na floresta Mata Atlântica e a terra nua passou a ter valor monetário. Nesse cenário a Mata Atlântica, nas circunstâncias do período colonial, sofreu intensa fragmentação, destruição e degradação. Junto a devastação da biodiversidade, os povos originários indígenas foram massacrados pela política portuguesa 78
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de destruição (ANDRADE, 2006), prática ainda reproduzida em pleno século XXI. O bioma e seus últimos remanescentes representam um percentual de 28% de cobertura vegetal nativa e onde 26% destes são florestas, 2% formações nativas não florestais e outros 65% são recobertos por áreas antropizadas (REZENDE, 2018). Ainda assim, abrigam altas taxas de espécies endêmicas e ameaçadas, diante de tal fato, passou a ser considerado um dos 25 hotspots de conservação da biodiversidade no mundo (MYERS et al., 2000).
Um município litorâneo e uma comunidade tradicional de pescadores/as artesanais O litoral do Paraná é repleto de história, cultura e natureza. Inserido no bioma de Mata Atlântica, rico de biodiversidade e de cultura, se divide em sete municípios: Matinhos, Guaratuba, Morretes, Antonina, Paranaguá, Guaraqueçaba e Pontal do Paraná. Sua natureza resguarda os últimos remanescentes contínuos de floresta atlântica costeira do Brasil e sua história é marcada pelas “sucessivas investidas dos invasores portugueses contra territórios indígenas a partir de 1585 com a finalidade de escravizar os índios”, sua cultura diferenciada foi e continua sendo motivada por “sua gente nativa com seu modo de vida peculiar” (TIEPOLO, 2015). Pontal do Paraná município desmembrado de Paranaguá foi fundado em 1997, sua estimativa populacional situa-se em 26.636 habitantes (IPARDES, 2019). Entre os deslumbres da planície litorânea de Pontal do Paraná, localiza-se no balneário de Pontal do Sul a comunidade tradicional de pescadores e pescadoras do Maciel (UTM 761011 S; 7165194 W), são gentes do mar e da terra que vivem em constante relação com a Baía de Paranaguá e a Mata Atlântica e “ocupam há mais de dois séculos”, possivelmente mais, seu território (LIMA, 2006) (Figura 1). 79
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FIGURA 1 - LOCALIZAÇÃO DA COMUNIDADE TRADICIONAL DE PESCADORES/ AS DO MACIEL FONTE: As autoras (2019).
O acesso ao seu território se dá exclusivamente por via marítima, por esse motivo, faz-se alusão a nomenclatura “Ilha do Maciel” (PARECER JURÍDICO, 2016) embora não seja uma ilha em sua definição geomorfológica. Maciel, fica próximo ao rio do Guaraguaçu e à gamboa do Maciel (conhecida popularmente, como Rio Maciel), em seu entorno evidenciam-se duas categorias de Unidades de Conservação (UC) localizadas na Ilha do Mel: a Estação Ecológica Ilha do Mel e o Parque Estadual Ilha do Mel. A Ilha da Cotinga demarcada pela Terra Indígena do povo de etnia Guarani M’byá e a Estação Ecológica do Guaraguaçu pertencente a Paranaguá constituem o entorno da comunidade. Segundo Hoffman (2016), no ano de 2016 a comunidade constituía-se de aproximadamente 200 moradores que ocupam tradicionalmente tanto o território terrestre, correspondendo a 80
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uma pequena porção, quanto o território marinho tendo como pontos extremos de pesca identificados entre a Ilha da Galheta, Rio Guaraguaçu e a Ilha das Bananas, ambas localizadas na Baía de Paranaguá (CAOPJDH, 2016). Há mais de trinta anos o território da comunidade do Maciel passa por um processo de “mudanças na configuração e no padrão de vida local, com a ocorrência de forte pressão fundiária para que se retirassem de seus terrenos de origem” e mesmo habitando a região há mais de duzentos anos as famílias ainda não conseguiram a legalização de seus terrenos (OLIVEIRA; SILVA, 2006). Segundo a autora, a atuação de uma empresa conhecida por Balneária Pontal do Sul e a nova onda de especulação portuária e industrial sobre seu território são os principais fatores dessas pressões fundiárias. A empresa Balneária Pontal do Sul S/A foi fundada em 1950 com o propósito de estabelecer a relação urbanística e balneária da cidade de Pontal, mesmo antes dela ser fundada. Segundo Cunha (2016), “não há como falar na urbanização de Pontal do Paraná, sem mencionar a Empresa Balneária Pontal do Sul, cujo projeto “Cidade Balneária Pontal do Sul” foi o estopim da ocupação balneária”. Os fatos se propagam a partir do ano de 1948 quando a prefeitura de Paranaguá envia um ofício ao Estado do Paraná solicitando a cessão gratuita de “aproximadamente 3000 hectares de terra na localidade de Pontal do Sul”, pedido que foi autorizado por meio da lei estadual n° 249/1949 e posterior pela lei municipal n°57/1950 que estabelece o contrato de concessão sob a condição de fundarem o loteamento “Cidade Balneária Pontal do Sul”. Concomitante a lei municipal a empresa é fundada e no ano de 1951 acaba recebendo 4.303 hectares quando a prefeitura de Paranaguá recebe do Estado do Paraná o título de domínio pleno das terras. Com o domínio das terras, a Empresa Balneária contratou o projeto urbanístico “Cidade Balneária Pontal do Sul” em apenas “541 ha que inaugurou o maior loteamento de Pontal do Paraná” (CUNHA, 2016). Com a 81
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detenção dessas terras pela Empresa a comunidade do Maciel, viveu episódios de medo, violência e violações de direitos por parte do poder público. Dadas essas condições de intensas pressões fundiárias é importante salientar que o território tradicionalmente ocupado pela comunidade foi restringido e há alguns anos a comunidade vive em uma pequena porção terrestre indicada pela “área de ocupação efetiva” (Figura 2).
FIGURA 2- ÁREA DE OCUPAÇÃO EFETIVA DA COMUNIDADE TRADICIONAL DO MACIEL FONTE: As autoras (2019).
O que tem nesse território? Quem vive lá? O que fazem lá? Quais são as ameaças e conflitos? De início seu território ancestral compõe-se por sítios arqueológicos do período pré-colonial e colonial (Secretária de Cultura, 2016). Os mapas produzidos com referência à arqueologia foram fundamentados a partir do “Relatório Cultural” realizado pela Secretaria de Estado de Cultura (SEEC) e o “Inventário de Sambaquis do litoral do Paraná” realizado por Parellada (1993). O sambaqui denomina82
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do Maciel fica localizado na coordenada geográfica 25°33’04” S, 48°23’24” W, neste constam sedimentos de planície de maré holocênicos (PARELLADA et al., 1993). Segundo o Relatório Cultural produzido pela SEEC (2016), evidenciam-se dois sítios arqueológicos caracterizados pela presença de ruínas históricas de construção civil em pedra, o sítio arqueológico n° 1 localiza-se na coordenada geográfica 25°33’15,73” S, 48°24’10,49” W e o sítio arqueológico n° 2 na coordenada 25°33’17,75” S, 48°24’24,49” W. Foram identificadas no mesmo relatório mais duas áreas de ocorrências arqueológicas caracterizadas pela presença de ocupação humana pretérita por meio de fragmentos de cerâmicas da Tradição Neobrasileira. A ocorrência arqueológica identificada por ‘A’ localiza-se na coordenada geográfica 25°33’18,85” S, 48°24’46,72” 0 e a ‘B’ localiza-se na coordenada 25°33,27,23” S, 48°24’54,35” 0 (Figura 3).
FIGURA 3 - A ARQUEOLOGIA PRESENTE NO TERRITÓRIO TERRESTRE ANCESTRAL DA COMUNIDADE TRADICIONAL DO MACIEL FONTE: As autoras (2019).
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As primeiras documentações relativas à ocupação do Maciel encontram-se descritas no Relatório Cultural (2016), relata-se que em 1772 foi feita a primeira denominação referente ao “Rio dos Macieis” na Lista Geral da Villa de Pernaguá e seu Distrito. No documento é possível encontrar os habitantes da área onde cada família é identificada por seu domicílio bem como informações relativas à subsistência. Diante disso, naquele ano quantificou-se para o Maciel: “a) Moradias: 25; b) Homens: 24; c) Mulheres: 23; d) Filhos: 88, e) Escravos: 09, Total:144 habitantes”, relatou-se que alguns dos moradores “planta mandioca para seu sustento [...] vive de pescarias para sustento de sua família e nada lhe rende”. Diante dos levantamentos realizados por tal Relatório, considera-se que as evidências se dão por dois momentos: “dos povos indígenas que percorreram este ambiente no período pré-colonial, caracterizados por materiais cerâmicos e líticos, ou mesmo pela complexidade arqueológica dos sambaquis; e [...] por uma fase colonial representada por cerâmicas de contato da Tradição Neobrasileira” (SEEC, 2016). A pesca artesanal é a sua principal atividade socioeconômica e cultural, porém também se evidencia a prática da agricultura para subsistência mas de maneira mais reduzida devido a diversos episódios de violência que a comunidade enfrentou ao longo da sua história. Segundo Lima (2006), até a década de 1970 a comunidade praticava roças de mandioca e abacaxi manejadas no sistema de pousio com o objetivo comercial, roças de subsistência e a coleta de frutos e manejo de árvores frutíferas para a proximidade das casas. Outros elementos da cultura era a casa de farinha, a casa de fandango e as práticas religiosas na capela e na igreja. As habitações eram bem distribuídas e existiam aproximadamente 20 casas, ao redor das moradias ficavam as plantações e os terrenos pertencentes as famílias eram bem grandes. Já na década de 70 84
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em diante iniciam-se às dificuldades para manutenção das roças e atividades de coleta devido à pressão exercida pela empresa Balneária, com isso há a diminuição da eficácia comercial da agricultura. Nos dias atuais, segundo a autora, as roças estão praticamente extintas. A casa de farinha e a casa de fandango já não existem mais. O contexto dessas transformações socioculturais referido pela autora pôde ser evidenciado por meio de um trabalho de campo realizado na comunidade, no dia 30 de setembro de 2018, através da aplicação da técnica do “mapa mudo” onde foi levantado o “indicativo de ocupação tradicional”. Com o auxílio de uma imagem de satélite levada impressa em tamanho ‘A3’ e por meio de perguntas específicas aos sujeitos foi possível identificar as delimitações da área. As principais perguntas realizadas foram: 1. Como que era antigamente antes da empresa Balneária se dizer donas das terras? 2. E quais desses rios vocês pescavam antes? Pescavam ou ainda pescam? 3. E o rio Penedo, qual era a importância desse rio pra vocês? 4. E tem algum outro rio por aqui que vocês utilizavam? Para tomar banho, lavar roupa? 5. E vocês antes aqui podiam ter roça aqui até o Rio Penedo? 6. E aqui pro lado do Rio Maciel vocês também utilizavam? 7. Pra cá do rio penedo vocês utilizavam alguma coisa? A partir desta técnica foi elaborado o polígono relativo ao indicativo de ocupação tradicional da comunidade por meio do software livre Qgis 2.18.4. Salienta-se que para fins demonstrativos foi sobreposto a “área de ocupação atual” delimitada pela equipe do Centro de Apoio Operacional das Promotorias (CAOP) do MPPR no ano de 2016 com o indicativo de ocupação tradicional, evidenciando, portanto, a privação do acesso ao território tradicionalmente ocupado (Figura 4). Diante da análise cartográfica da diminuição do território ocupado pela comunidade evidencia-se que certamente houve 85
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uma alteração nas dinâmicas socioterritoriais e que muitas práticas antes realizadas, hoje em dia, estão presentes na memória coletiva deles/as. No caso em tela, adentramos a partir de agora nos conflitos ambientais que permeiam e configuram no município um cenário de disputa territorial que possui estreita relação com a Empresa Balneária já mencionada.
FIGURA 4 - INDICATIVO DE OCUPAÇÃO TRADICIONAL E ÁREA DE OCUPAÇÃO ATUAL TERRESTRE DA COMUNIDADE TRADICIONAL DO MACIEL FONTE: As autoras (2019).
A intencionalidade de introdução de um complexo industrial e portuário que visa à garantia do projeto de uso do pré-sal brasileiro, bem como a exportação de commodities, cenário tão recorrente de um país marcado pela colonização europeia e pela hegemonia do pensamento eurocêntrico, tornou-se proposta de reconfiguração territorial para Pontal do Paraná. O complexo industrial e portuário está organizado a partir do empreendimento do Terminal de Contêineres de Pontal do Paraná 86
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(TCPP) junto às empresas Companhias Subsea7 do Brasil, Melport Terminais Marítimos, Construtora Norberto Odebrecht S/A e Techint Engenharia e Construção S/A e a Nova Faixa de Infraestrutura” que prevê a instalação de 1) Rodovia; 2) Canal de Macrodrenagem; 3) Rede de Transmissão Elétrica; 4) Ferrovia; 5) Gasoduto; 6) Tubulação de Água; 7) Tubulação de Esgoto, sendo seu empreendedor o Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná (DER), ou seja, uma obra pública que atenderá, em especial, o setor privado portuário e industrial. Para que a função geopolítica dos empreendimentos se concretize, o poder público vem exercendo manobras por meio de aprovações de leis e alterações em instrumentos de ordem pública, como exemplo o Plano Diretor, a partir disso, ressalta-se que o histórico de violações envolvendo a comunidade se inicia muito antes do atual cenário que, para tanto, será apresentado em ordem cronológica. Foi com a cessão gratuita de terras ditas devolutas localizadas em Pontal do Sul por meio da Lei Estadual 249/1949 (contexto já mencionado), que se iniciou o processo de violações na comunidade do Maciel. As ditas terras devolutas não eram de fato devolutas, as terras já eram ocupadas pela comunidade e foram doadas à empresa privada Empresa Balneária Pontal do Sul S/A, de propriedade do empresário João Carlos Ribeiro (JCR), com isso, o território tradicionalmente ocupado pela comunidade tradicional do Maciel passa a estar sobre terras reconhecidas pelo Estado como particulares. Nessa conjuntura, o acesso às terras ditas particulares passou a ser vetado e a comunidade hoje em dia ocupa uma pequena porção da faixa marinha pertencentes à União, assim como já demonstrado na Figura 4 (Parecer Jurídico MPPR, 2016). Aqui é importante salientar a mesma reprodução histórica de matriz colonial europeia onde a Coroa de Portugal considerava-se detentora de “terras ditas devolutas”, bem como demonstrou Dean (1996), a velha história que se repete arduamente. 87
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Já em 1995, o mesmo João Carlos Ribeiro empresário da Empresa Balneária Sul, propõe em terreno próximo a comunidade (que integra as terras recebidas pelo Estado) a instalação do empreendimento denominado Terminal de Contêineres de Pontal do Paraná (TCPP), sob a administração do recém-criado Porto Pontal do Paraná Importação e Exportação, também pertencente ao Grupo JCR, em terreno próximo a comunidade. Após isso, sucessivos sucateamentos passam a acontecer na comunidade. Entre 1996 e 1998 com o fechamento do posto de saúde que atendia a comunidade inicia-se a precarização do acesso à saúde, bem com destaca Hoffman (2016) no Parecer Histórico da Comunidade “o Posto de Saúde é outro serviço retirado da comunidade, os moradores mais jovens nem se lembram da existência deste, considerando que faz mais de 20 (vinte) anos que esse benefício lhes foi usurpado”. Em análise do EIA/ RIMA do empreendimento Porto Pontal realizada pelo (CAOP) Direitos Humanos (DH), notou-se impactos decorrentes de sua pré-implantação quando em 2003 deu-se início a realocação da comunidade de pescadores artesanais da Vila de Ponta do Poço, vizinha ao Maciel, que se encontrava na Área Diretamente Afetada (ADA) pelo projeto. Segundo a análise “o EIA discorre que este fato ocorreu em 2 (dois) momentos, quais sejam, numa primeira fase conduzida durante o ano de 2003, e em momento posterior, no ano de 2007” (CAOPJDH, 2016). Ademais, as sucessivas alterações no Plano diretor municipal, o Zoneamento Econômico e Ecológico (ZEE) do Litoral e a aprovação do decreto municipal 5532/2016, representam e oficializam um processo de desterritorialização institucional estratégica que incide sobre o território e a territorialidade constituída historicamente pela comunidade do Maciel.
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Uma medida emergencial: solicitação do TAUS na modalidade coletiva Dentro desse atual cenário com o risco de remoção da comunidade tradicional do Maciel em benefício de empreendimentos privados e com crescente vulnerabilidade socioambiental devido à ausência de garantia do território e negação do acesso a serviços públicos básicos, como os de saúde e educação, a partir de 2016 o Ministério Público do Estado do Paraná, representado pela Coordenação da Bacia Litorânea, passam a atuar no caso, iniciando a produção de diversos documentos que vão orientar sua atuação, tais como os Relatórios de Visitas Técnicas, o Parecer Jurídico, o Parecer Histórico e Social da comunidade, bem como, análise dos EIA/RIMA de alguns dos empreendimentos que podem afetar o território. Esta articulação é importante, pois o posicionamento da comunidade é de manutenção de mobilizações em torno da defesa de seu território, do qual não querem se desvincular. Quanto às abordagens para o levantamento de dados primários realizou-se o primeiro contato de reconhecimento da comunidade, no dia 1 de julho de 2018. Posterior a este, agendou-se reunião com o Ministério Público do Estado do Paraná (MPPR), a fim de alinhavar a proposta da pesquisa com a demanda da comunidade, a reunião ocorreu no dia 30 de julho de 2018 junto a duas integrantes da comunidade no município de Paranaguá. A partir dos encaminhamentos propostos na reunião, foi levantado a possibilidade de junto a Secretaria do Patrimônio da União (SPU) solicitar, o Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS), como medida emergencial, para as áreas de União ocupadas tradicionalmente pela comunidade do Maciel. De acordo com as saídas de campo realizadas na comunidade, atualmente, a comunidade possui em torno de aproximadamente 120 moradores e 38 casas. A partir de reunião realizada 89
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com a Coordenadoria da Bacia Litorânea junto à comunidade, no que se refere às condições de saúde, evidenciou-se que “a comunidade não é atendida por médicos, dentistas e fisioterapeutas, há cerca de 4 anos [...] A comunidade gostaria que houvesse a visita de um médico, e de enfermeiras, ao menos uma vez por mês, especialmente, em razão da saúde dos idosos”. Já no aspecto da educação, salienta-se que “as crianças vão para escola de barco, mas se a maré está baixa, as crianças precisam, para ir à escola, colocar o pé na lama, inclusive no inverno. A comunidade gostaria de ter educação no local, inclusive, valorizando a cultura tradicional”. Em relação as atividades culturais a comunidade destacou que, além da Caminhada da Natureza que acontece uma vez por ano, a comunidade gostaria de desenvolver: Atividades turísticas, como caminhada ecológica, passeios de barco, pontos históricos da comunidade e a visualização da presença de animais como macaco, tatu, raposa, tamanduá, onça, quati, papagaio da cara roxa, tiê sangue, chopin, pintassilgo, etc. A comunidade também gostaria de desenvolver outras atividades como artesanato, corte e costura, crochê e culinária; (Memória da Reunião com a Coordenadoria Regional da Bacia Litorânea, a UFPR e a comunidade, 2018, p. 2).
Com relação à questão de saneamento, verificou-se que a comunidade acessa a água via poços artesianos e que a Companhia de Saneamento Paranaense (SANEPAR) não serve a comunidade. A rede de esgoto se dá por meio de fossas sépticas e os resíduos sólidos a Prefeitura busca o lixo direto no transbordo para onde a comunidade leva. O acesso à energia elencou-se como outro entrave onde a maioria dos moradores não possui acesso à energia e a COPEL alega que a ocupação é irregular. A dragagem realizada pelo Porto de Paranaguá destacou-se como um dos principais impactos na atividade pesqueira, segundo os moradores: 90
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os pescadores verificaram o impacto da dragagem na pesca, havendo menos peixes, como pescadinha, pescada, linguado, corvina, paru, etc. O peixo paru come o limo do baixio, mas por causa da dragagem, a draga joga areia em cima do baixio e o peixe não tem alimento, e, por consequência, está sumindo. Há grande impacto no mangue, pois as areias estão “invadindo” o mangue, havendo menos ostras e mariscos (bacucu, sururu e mexilhão). A comunidade também reportou a morte de botos e tartarugas, possivelmente em razão da draga. (Memória da Reunião com a Coordenadoria Regional da Bacia Litorânea, a UFPR e a comunidade, 2018, p. 2).
A elaboração do Termo de Autorização de Uso Sustentável (TAUS) na modalidade coletiva como medida emergencial para a proteção do território parte de uma demanda da própria comunidade. O TAUS é um instrumento da administração pública criado pela primeira vez através da Portaria 284/2005 no intuito de disciplinar o uso nas áreas de várzeas da região Amazônica e estabelecer a Autorização de Uso para populações tradicionais ribeirinhas em áreas da União, tal instrumento vem sendo gerenciado pela Secretaria do Patrimônio da União (SPU). Semelhante e na mesma direção desta Portaria, no ano de 2010, foi aprovada a Portaria 89/2010 que resolve: Art. 1° Disciplinar a utilização e o aproveitamento dos imóveis da União em favor das comunidades tradicionais (grifos nosso), com o objetivo de possibilitar a ordenação do uso racional e sustentável dos recursos naturais disponíveis na orla marítima e fluvial, voltados à subsistência dessa população, mediante a outorga de Termo de Autorização de Uso Sustentável - TAUS, a ser conferida em caráter transitório e precário pelos Superintendentes do Patrimônio da União. (BRASIL, 2010).
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O instrumento em questão pode ser outorgado em situações que as comunidades tradicionais utilizem ou ocupem áreas da União, tais áreas são: I - áreas de várzeas e mangues enquanto leito de corpos de água federais; II - mar territorial, III - áreas de praia marítima ou fluvial federais; IV - ilhas situadas em faixa de fronteira; V - acrescidos de marinha e marginais de rio federais; VI - terrenos de marinha e marginais presumidos. Segundo a Portaria, qualquer título privado em áreas da União é nulo e o TAUS pode ser gerado de forma tanto coletiva como individual. Nessa direção, apresenta-se os resultados da construção de uma alternativa emergencial que buscou subsidiar a luta pelo território por meio da possibilidade de contribuir na produção e requerimento do TAUS. Os procedimentos adotados para solicitação do TAUS junto à comunidade e a SPU constam no Quadro 1. Para a coleta de informações georreferenciadas nas saídas de campo in loco foi utilizado o aplicativo para celular GPS Essentials para pontuar as residências das famílias beneficiárias, assim como, a informação georreferenciada da linha de marinha e preamar disponibilizada pela SPU. Como exposto nos procedimentos a caracterização socioeconômica e territorial foi a principal demanda para a produção do TAUS, com isso, foi gerado a partir das saídas de campo e em conjunto com os dados já levantados pelo MPPR, a área total terrestre (Figura 5) a ser incluída no TAUS em favorecimento da comunidade, contando com o tamanho de 1.022.670, 56 m². Em referência ao cadastramento das famílias que ocupam ou utilizam a área terrestre da União foi alcançado um total de 33 famílias beneficiárias, sendo que destas 21 possuem residência na área de marinha e 12 não possuem.
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QUADRO 1 - PROCEDIMENTOS PARA SOLICITAÇÃO DO TAUS Data 1°
24/09/2018
2°
30/09/2018
3°
29/10/2018
4°
07/11/2018
5°
09/11/2018
6°
14/11/2018
7°
19/11/2018
Envolvidos
Intervenção
Reunião para consultar os procedimentos para solicitação do TAUS. Presidente Reunião para dialogar sobre ACOPIMA1 possibilidade de solicitação do TAUS Comunidade, Reunião para apresentar proposta do ACOPIMA e UFPR TAUS Comunidade, Reunião para acatar decisão da ACOPIMA, UFPR e comunidade: aceite proposta TAUS EMATER2 coletivo Envio da solicitação do TAUS via UFPR e SPU Patrimônio de Todos UFPR e Campo para coleta de dados para comunidade cadastramento das famílias beneficiárias Envio à SPU de documentos das famílias UFPR e SPU e os mapas do território. SPU e UFPR
As famílias que não possuem suas residências no perímetro foram contempladas devido à utilização do território por meio de deslocamento, usos tradicionais como a pesca, os ranchos de pesca (locais onde guardam os equipamentos de pesca), práticas religiosas e entre outras que compõem a subjetividade e o pertencimento ao território. Houve também, uma família que se negou a integrar o documento devido aos processos históricos de violência e a outros meios individuais que estão buscando para sanar a questão fundiária.
1 Associação Comunitária dos Pescadores da Ilha do Maciel 2 Empresa Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural.
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
FIGURA 5 - ÁREA TERRESTRE SUBMETIDA A SPU COMO PROPOSTA PARA O TAUS DA COMUNIDADE TRADICIONAL DO MACIEL FONTE: As autoras (2019).
Na caracterização da área foram identificadas três igrejas, a estrutura antiga do posto de saúde, a antiga fonte d’água da comunidade, o ponto de espia da tainha e do laço da tainha, bem como, os 13 (treze) ranchos de pesca evidenciados na área de marinha, todos esses elementos incluídos no TAUS. Com a finalização de todo o cadastramento das famílias e da caracterização da área no dia 9 de novembro de 2018 foi realizado via “Patrimônio de Todos” o requerimento do TAUS para a comunidade. Já no dia 19 de novembro de 2018 foi enviado a SPU todo o arcabouço documental das famílias beneficiárias bem como os mapas realizados caracterizando a área. Por fim, ficou a cargo da SPU emitir a nota técnica e enviar o montante de documentações para Brasília, onde lá será emitida a aprovação ou a recusa do TAUS para a comunidade, salienta-se que já se completaram 10 (dez) meses que o requerimento está sob análise na SPU com sede em Curitiba. 94
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Reflexões e perspectivas A diversidade fundiária do Brasil vivencia constantes ameaças visto que o Estado em seu papel fundamental da garantia de direitos repercute o pensamento ocidental da propriedade privada e as coletividades em seus territórios comunitários vivem a mercê das pressões de especuladores imobiliários e grandes empreendimentos. Marques (2016) em sua obra literária “Capitalismo e colapso ambiental” corrobora no sentido que o Estado converteu sua identidade de promotor de direitos para “Estado-Corporação”, o Estado não representa a corporação, mas se coloca de mãos dadas aos ideais corporativistas e capitalistas. O caso em tela, nos demonstra que o Estado representado pelo poder público municipal e estadual perpetuam da lógica economicista e materialista que se desligam da pauta simbólica das comunidades tradicionais. Entendendo o território como uma construção coletiva e multidimensional que em sua essência simbólica representam as territorialidades e suas relações de poder, o caso do Maciel, demonstra que o poder caracterizado pelo capital, seja estatal ou corporativo, se adentram em seu território e modificam suas territorialidades ocasionando em conflitos e riscos ambientais ainda imensuráveis. A união desses fatores demonstra a emergência de resgate de valores, não o monetário, mas sim os subjetivos e intrínsecos que nos fazem seres humanos ou estaremos fadados ao “colapso ambiental”. A comunidade tradicional do Maciel habita um território repleto de memória coletiva, singularidades e subjetividades, certamente é um patrimônio natural, cultural e histórico que “suas gentes” buscam conservar. Mas isso tudo se encontra ameaçado pelo poder econômico neoliberal. Situações de violações de direitos são recorrentes em territórios cujas territorialidades se relacionam com a diversidade biológica. A elite hegemônica, interessada no uso do espaço físico pelo grande capital, avança 95
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
a qualquer preço sobre as dimensões humanas e biológicas do território, visando lucros monetários sem precedentes. Violam-se os direitos da natureza e violam-se os direitos humanos, ambos indissociáveis. O Maciel é exemplo de mais uma história envolvendo populações tradicionais que são marginalizadas perante a sociedade e consideradas entraves ao “progresso”. Esse pensamento eurocêntrico mecanicista, genocida e etnocida é herança colonial fincada na era da modernidade de um país que faz parte da América Latina. A questão do direito territorial a estas populações e/ou grupos sociais é uma dívida histórica, marcas da colonização e do escravagismo. Tal história que vem se repetindo com a expropriação compulsória de pessoas que habitam milenarmente territórios, a troco da inserção de complexos industriais e portuários; hidrelétricas; mineradoras e grandes latifúndios servidos a exportação de commodities, ambos com a finalidade de enriquecer poucos prejudicando muitos, é repercutida em países que são considerados pela globalização países de “terceiro mundo”. A decolonização do saber, do ser e do fazer se fazem necessárias e urgentes para o bem do planeta, para o bem da humanidade e para o bem da natureza. No caso do Litoral Paranaense, território Tupi Guarani e mega sócio-biodiverso, é necessário pensar a introdução de projetos de desenvolvimento regional que dialoguem com o rico patrimônio cultural, histórico e natural da região. Pede-se atenção às outras comunidades do litoral do Paraná, as mesmas que assim como o Maciel, são invisibilizadas pelo poder público e merecem ter seus direitos respeitados e ter acesso às políticas públicas e aos serviços públicos essenciais. Um olhar mais harmonioso e menos predatório deve ser o mote para o desenvolvimento sustentável do Litoral Paranaense. Em relação à comunidade tradicional do Maciel e os resultados propostos com o trabalho desenvolvido junto ao MPPR, a UFPR e a SPU, salienta-se que foi uma medida emergencial e que por se tratar de um instrumento precário não é o suficiente para 96
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
traduzir o anseio da comunidade por justiça socioambiental, mas mesmo assim, espera-se que os requerimentos analisados e a solicitação sejam acatadas pela SPU, especialmente para dificultar a expropriação que vem sendo arquitetada pela rede estatal-corporativista. A aprovação do TAUS é um começo, mesmo que pequeno, da reparação da dívida histórica com a comunidade. Com esse documento espera-se que a comunidade possa ser servida do acesso à energia, a água potável e ao saneamento básico, não sendo mais vistas como invasoras daquele território que há tantos anos habitam. A continuidade dos trabalhos é essencial como forma de alcançar o direito ao território tradicionalmente ocupado pela comunidade, para viabilizar projetos de desenvolvimento local, ligados aos anseios dos moradores e para o bem viver no futuro da comunidade, da Mata Atlântica e do mar. A defesa do território é a defesa da cultura, do patrimônio coletivo, da memória, da Mata Atlântica e da conservação da biodiversidade.
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
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PESCA NO LITORAL DO PARANÁ: RESULTADOS E APLICAÇÕES DO MONITORAMENTO PESQUEIRO Mayra Jankowsky
Introdução O monitoramento das atividades pesqueiras tem como objetivo gerar informações estatísticas da pesca com vistas a subsidiar estudos do desempenho da atividade, avaliar os estoques em explotação, identificar os potenciais pesqueiros alternativos e realizar análises setoriais diversas, voltadas para gestão sustentável dos recursos (ARAGÃO, 2006). Orientam as tomadas de decisões e auxiliam na implementação de regras que visam manter o recurso a níveis mínimos para a sobrevivência da atividade pesqueira (SUMAILA, 2001; POLICANSKY, 2001). Informações são a base do manejo, estando por trás de todos os estágios da administração da pesca, englobando a política de formulação, os planos de manejo, a avaliação do processo, a política de atualização e a continuidade do processo. Assim, a base robusta de informações está entre as principais ferramentas para a gestão pesqueira (BERKES et al., 2006; RUFFINO, 2008; SEIXAS et al., 2011). A atividade pesqueira desenvolvida pelos pescadores do litoral paranaense em sua grande maioria é artesanal e de pequena escala (MENDONÇA et al., 2017). No entanto, é regida, especialmente na porção estuarina por um complexo aparato normativo que em grande parte coloca a pesca artesanal na irregularidade (CALDEIRA et al., 2016). A dificuldade em reco101
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nhecer a importância e dar o devido valor da pesca artesanal é uma dificuldade encontrada no mundo todo e um primeiro passo é conhecer a atividade (JOHNSON, 2018). Desde outubro de 2016, em cumprimento às condicionantes do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), no licenciamento da exploração de poços de petróleo da Bacia de Santos (Pré-sal), a Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa do Agronegócio - Fundepag em parceria com o Instituto de Pesca vem realizando o monitoramento pesqueiro no litoral do Paraná. Assim, ainda que com o objetivo de avaliar a interferência da atividade de exploração de petróleo e gás sobre a atividade pesqueira, o monitoramento vem levantando dados que permitem dimensionar e conhecer a pesca exercida pelos pescadores do litoral paranaense. Este capítulo abordará o panorama geral da pesca no litoral do Estado do Paraná, seguido de apontamentos para gestão, como a incongruência na definição de pesca artesanal, diferenças entre os dados obtidos considerando o local de desembarque ou o porto de saída, e o uso dos dados para o Termo e Compromisso firmado no Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais (PARNA Currais).
Coleta e tratamento dos dados O monitoramento pesqueiro foi realizado no litoral do Paraná, nos municípios de Guaraqueçaba, Antonina, Paranaguá, Pontal do Paraná, Matinhos e Guaratuba. De acordo com a legislação vigente, Decreto Federal nº 8.425 de 31 de março de 2015 (BRASIL, 2015), quase toda a atividade pesqueira praticada por pescadores paranaenses é caracterizada como pesca artesanal, ainda que haja embarcações maiores e com autonomia e poder de captura na frota de 102
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Guaratuba (ANDRIGUETTO-FILHO et al., 2006; CALDEIRA et al., 2016). Considerando as características da pesca artesanal, observa-se que a forma ideal de monitoramento seja o censitário, pois este reduz a chance de erros e consegue dimensionar as diferentes estratégias de pesca adotadas na pesca artesanal (MENDONÇA; MIRANDA, 2008; MIRANDA et al., 2016). Para que o monitoramento possa ser feito de forma censitária, 13 agentes de campo compõe a equipe de coleta de dados, sendo membros da comunidade pesqueira ou com inserção na mesma, para monitorar 110 pontos de desembarque ou portos de saída nos seis municípios. Após a coleta das informações por parte dos agentes, as fichas de coleta são revisadas em duas etapas, uma antes da inserção dos dados no banco de dados e outra após a inserção. No caso de dúvidas e possíveis inconsistências, ocorre uma verificação da informação. As etapas de armazenamento, processamento, análise e disponibilização das informações são realizadas através do Sistema Gerenciador de Banco de Dados de Controle Estatístico de Produção Pesqueira Marítima – ProPesqWEB (ÁVILA-DA-SILVA et al., 1999). Os dados coletados permitem caracterizar a viagem de pesca (JANKOWSKY et al., 2019). Os dados aqui apresentados representam os anos de 2017 e 2018. Ainda que o monitoramento pesqueiro tenha iniciado em outubro de 2016, optou-se por não utilizar estes dados, privilegiando os dados de anos completos, que permitem visualizar toda a atividade pesqueira realizada anualmente. Para comparação das áreas de pesca, utilizamos como critério a definição de arrasto-de-médio porte para as embarcações com porão e casaria, ainda que legalmente sejam tidas como pertencentes à frota artesanal.
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Panorama da pesca no estado do Paraná No ano de 2017, a pesca no litoral do Paraná totalizou 2.464 toneladas e 2.486 toneladas em 2018 (Figuras 1 e 2). Os meses de menor desembarque são março, abril e maio que coincidem com os meses de defeso dos camarões (BRASIL, 2008), não havendo registro de pesca industrial nesse período. Já o mês de maior captura variou, tendo sido dezembro em 2017 e junho em 2018. Destaca-se que o ano de 2017 foi um ano de baixa captura da tainha, diferente de 2018, que teve uma alta safra nos meses de inverno.
FIGURA 1 - PRODUÇÃO DESEMBARCADA (T) PELA PESCA ARTESANAL E INDUSTRIAL, EM 2017, NO LITORAL DO PARANÁ FONTE: A autora.
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FIGURA 2 - PRODUÇÃO DESEMBARCADA (T) PELA PESCA ARTESANAL E INDUSTRIAL, EM 2018, NO LITORAL DO PARANÁ FONTE: A autora.
O camarão sete-barbas é a principal espécie desembarcada, tanto pela pesca artesanal quanto pela pesca industrial. O berbigão é o segundo produto mais desembarcado no litoral do Paraná, com destaque à produção de Paranaguá, sendo capturado exclusivamente por pescadores artesanais. Entre os anos de 2017 e 2018 houve uma mudança entre terceiro produto mais desembarcado, tendo sido a sardinha-xingó em 2017 e o camarão-santana em 2018. Ambos são capturados pela pesca artesanal (Quadro 1).
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
QUADRO 1 - NOME CIENTÍFICO, CATEGORIA E QUANTIDADE (T) DESCARREGADA PELA PESCA ARTESANAL E INDUSTRIAL EM 2017 E 2018 Nome científico Xiphopenaeus kroyeri Anomalocardia flexuosa Pleoticus muelleri Mugil liza Cetengraulis edentulus Scomberomorus brasilienses Litopenaeus schmitti Crassostrea brasiliana Ucides cordatus Macrodon ancylodon Pisces Artemesia longinaris Genidens barbus Micropogonias furnieri Mugil curema Oligoplites spp. Cynoscion leiarchus Penaeidae Lagocephalus laevigatus
Categoria Camarão-sete-barbas Berbigão Camarão-santana Tainha Sardinha-xingó Sororoca Camarão-legítimo Ostra Caranguejo-uçá Pescada-foguete Mistura Camarão-ferrinho Bagre-branco Corvina Parati Guaivira Pescada-branca Camarão-estuarino Baiacú Outros Total
2017 2018 Artesanal Industrial Artesanal Industrial 1.163,86 64,40 827,58 27,92 182,26 292,92 73,50 168,01 52,49 156,05 108,93 97,47 88,98 104,71 68,29 5,47 107,34 5,52 103,50 73,01 79,41 86,45 59,87 85,70 26,94 1,37 61,93 2,45 9,21 66,52 5,50 41,78 32,98 33,07 33,43 35,79 21,34 31,54 21,14 24,60 19,52 24,36 19,42 24,53 16,35 156,77 2,61 153,30 2.389,68 73,86 2.445,18 41,38
Total 2.083,76 475,18 241,51 208,54 206,40 193,69 186,62 176,51 165,86 145,57 92,69 81,23 74,76 66,50 57,13 52,68 44,12 43,78 40,89 312,68 4.950,09
FONTE: A autora.
No litoral do Paraná foram registrados 22 aparelhos/métodos de pesca diferentes, sendo que sua descrição se encontra na Quadro 2. As descrições foram realizadas através de observações in loco e do trabalho de Mendonça et al. (2019). Entre os aparelhos de pesca mais utilizados, o arrasto-duplo é responsável pela maior quantidade descarregada nos dois anos, tanto pela pesca artesanal quanto pela pesca industrial. A coleta manual é responsável pela segunda maior quantidade descarregada. Os principais produtos destes aparelhos são o camarão-sete-barbas e o berbigão, respectivamente, em conformidade com as espécies mais desembarcadas (Quadro 3). O arrasto-duplo também tem relação com a captura do camarão-santana e branco, enquanto a coleta manual também é responsável pela captura de ostra, mexilhão-do-mangue e parte do caranguejo-uçá. Já o emalhe-de-fundo é utilizado para a captura de cerca de cinquenta espécies, sendo as mais capturadas pescada-foguete (bembeca), corvina, bagre-branco e camarão-branco. 106
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QUADRO 2 - DESCRIÇÃO DOS APARELHOS OU MÉTODOS DE PESCA UTILIZADOS NA ATIVIDADE PESQUEIRA DO LITORAL DO PARANÁ NO PERÍODO DE 2017 E 2018 (continua) Aparelhos de Pesca Armadilha para caranguejo-uçá
Arpão/fisga
Arrasto-de-mão Arrasto-demersal
Arrasto-duplo
Arrasto-simples Cerco/Puçá
Coleta manual
Covos-peixes
Covos-pitú
Descrição Pesca em manguezal, sendo uma armadilha confeccionada com fios plásticos de sacos de “ráfia”, dispostos na entrada das tocas dos caranguejos, visando à captura destes assim que saem das tocas. Pesca estuarina, que constitui de uma pequena peça de ferro pontiaguda, com uma ou duas farpas laterais (fixa ou articuladas) que evita o escape do peixe. Usada principalmente durante mergulho. Pesca estuarina, denominada localmente por arrasto-de-iriko, onde um dos pescadores fica na margem do canal segurando o “cabo” da rede enquanto outro pescador circunda o cardume, com a canoa, e puxam posteriormente para a margem. Pesca estuarina, realizada por duas embarcações que puxam uma única rede em formato de funil. Pesca marinha, utilizada com embarcações dotadas de tangones que permitem arrastam simultaneamente duas redes cônicas idênticas. Cada rede apresenta um par de portas retangulares, posicionadas junto às suas extremidades anteriores que mantém a abertura horizontal destas redes. Pesca marinha, realizada com embarcações dotadas ou não de tangones, porém utilizam apenas uma rede em cada operação de pesca. Pesca estuarina, realizada com redes com tamanho de malha pequeno que cercam os cardumes de peixes pelágicos. Após o cerco, os peixes são retirados com o uso de puçás. Não é um aparelho de pesca propriamente dito, mas um método de pesca. A espécie-alvo é retirada de seu ambiente natural com as mãos ou com ajuda de instrumentos de simples manuseio. Os moluscos (ostra, mexilhão da pedra e mexilhão do mangue) são retirados com auxílio de espátulas e facas. A retirada do caranguejo-uçá é manual, denominada de “braceamento”. Pesca estuarina, armadilha utilizada para captura de peixes junto às margens dos rios, sendo um cilindro ou cone que apresentam isca no interior servindo de atrativo ao peixe. Pesca estuarina e fluvial, armadilha confeccionada de tela plástica ou filetes de bambu, com armação de arame. Tem formato de cilindro com duas entradas nas extremidades, sendo o centro o local para colocar a isca.
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
(Continuação) Aparelhos de Pesca
Descrição
Pesca ativa onde a rede é estendida em forma de meia lua, que pode atingir toda coluna d’água ou não. No caso da Emalhe-de-batida ou rede alta, a altura da rede ocupa toda a coluna d’água. O Rede-alta pescador entra no meio do círculo e bate com o remo ou lança modalidade cerco pedras na água, provocando à fuga dos peixes que acabam emalhados na rede. Pesca marinha, estuarina e fluvial que utiliza redes com dimensões de acordo com o local de pesca. Para a pesca artesanal os comprimentos variam de 60 a 700 metros, com Emalhe-de-fundo ou altura de 2,5 a 4 metros. Quando utilizado a rede alta na Rede Alta modalidade fundeio a altura da rede é próxima à 20 metros modalidade fundeio O tamanho das malhas varia de acordo com a espécie-alvo. São panos que ficam estendidos no fundo do corpo d’água onde os peixes ficam presos através do “emalhamento”. Pesca marinha, estuarina e fluvial similar ao emalhe de fundo, mas a rede fica na porção superior da coluna d’água. Os Emalhe-de-superfície comprimentos são de acordo com o local de pesca, sendo que a altura, no geral ficam entre 10 e 20 metros. Pesca marinha, estuarina e fluvial que utiliza redes com Emalhes-diversos dimensões de acordo com o local de pesca. São pescarias que utilizam redes tanto de fundo, quanto de superfície. Pesca estuarina e marinha, sendo composto de um cabo principal disposto na vertical ou horizontal, com Espinhéis-diversos comprimento e tamanho de anzol variando com a profundidade e espécie-alvo. Pesca marinha, estuarina e fluvial que possui boias e pesos (“poitas”) nas extremidades de forma que as linhas secundárias Espinhel-de-fundo ficam dispostas sobre o fundo. O tamanho da linha madre e dos anzóis utilizados variam de acordo com o ambiente e espécie-alvo. Pesca estuarina que utiliza uma armadilha em forma de Gaiola cilindro ou quadrilátera similar ao covo, com isca no centro como atrativo para peixes e siris. Pesca estuarina que utiliza uma pequena rede de nylon com Gerival formato de cone, que exerce um arrasto de fundo de acordo com a corrente da maré. Pesca estuarina e marinha utilizada próxima à costões Linha-de-mão rochosos com comprimento variado e com cerca de três anzóis. Pesca estuarina, constituído de um aro com uma rede por dentro, com um cabo e uma boia na extremidade, que Puçá serve para localizar a armadilha imersa. No meio deste aro é colocada a isca que atrai os siris, periodicamente são recolhidos.
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(Conclusão) Aparelhos de Pesca Tarrafa
Vara-de-pesca
Descrição Pesca marinha, estuarina e fluvial com uma rede em forma de funil lançada sobre os cardumes ou manchas de camarões. Apresenta dimensão e tamanho variados de malhas, dependendo da espécie-alvo. Pesca marinha, estuarina e fluvial sendo utilizada vara de pesca com carretilhas ou molinetes. O número do anzol depende da espécie-alvo, sendo utilizadas iscas vivas ou artificiais.
FONTE: Adaptada de Mendonça et al. (2019). QUADRO 3 - QUANTIDADE CAPTURADA (T) POR APARELHO DE PESCA EM CADA ANO PELA PESCA ARTESANAL E INDUSTRIAL
FONTE: A autora.
Os resultados por município mostram que a frota industrial está presente apenas no município de Guaratuba, sendo que 109
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
esta tem como espécie alvo o camarão-sete-barbas, seguido de camarão-branco, camarão-ferrinho e mistura. Toda a frota industrial utiliza o arrasto-duplo (Quadro 3). A pesca artesanal de Guaratuba também tem como principal espécie o camarão-sete-barbas, sendo esta espécie principal também em Guaraqueçaba e Pontal do Paraná. Esse resultado mostra a importância da espécie para o Estado. Nota-se que, nos anos de 2017 e 2018, em média, em Guaraqueçaba, as espécies mais desembarcadas foram o camarão-sete-barbas (100,90 toneladas/ano), a sardinha-xingó (23 toneladas/ano) e pescada-foguete (21,45 toneladas/ano). Em Antonina, as espécies mais desembarcadas foram o caranguejo-uçá (4,48 toneladas/ano), seguido do siri-azul (2,76 toneladas/ ano) e do bagre-pararê (2,53 toneladas/ano). Em Paranaguá, as espécies com maior desembarque foram berbigão (237,59 toneladas/ano), seguido da sardinha-xingó (79,38 toneladas/ano) e ostra (73,46 toneladas/ano). Em Pontal do Paraná, o camarão-sete-barbas, a sororoca e a tainha foram as espécies mais desembarcadas, com 74,17 toneladas/ano; 39,45 toneladas/ano e 34,87 toneladas/ano, respectivamente. Em Matinhos, sororoca, camarão-sete-barbas e salteira (guaivira) foram mais desembarcadas, totalizando 48,80; 15,38 e 10,66 toneladas/ano respectivamente. Já em Guaratuba, o camarão-sete-barbas, o camarão-santana e camarão-branco foram as espécies mais desembarcadas, com 835,04; 120,76 e 59,97 toneladas/ano (Quadro 4). Observando os aparelhos de pesca, durante o período de estudo, em Guaraqueçaba, o arrasto-duplo é a arte de pesca mais utilizada (44,94%), seguido do emalhe-de-fundo (21,35%) e do emalhe-de-superfície (10,89%). Já Antonina, a coleta manual corresponde à 31,88% do desembarcado, emalhe-de-fundo a 16,86% e o puçá à 16,02%. Em Paranaguá, a coleta manual também foi o principal aparelho, totalizando 48,62% dos desembarques, seguido do emalhe-de-fundo e cerco/puçá com 12,63% 110
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
e 10,78% respectivamente. Em Pontal do Paraná, o emalhe-de-fundo foi o aparelho com maior desembarque no período, 27,83%, seguido do arrasto-duplo (26,69%) e emalhe de batida (ou emalhe-de-cerco) com 21,85%. Em Matinhos, os emalhes, nas diferentes formas de ser praticado foi o aparelho mais utilizado. Primeiramente o emalhe-de-fundo, seguido do emalhe-de-superfície e do emalhe-de-batida ou cerco, cada um 39,48%, 23,79 e 23,32% respectivamente. Em Guaratuba, a pesca industrial utiliza somente o arrasto-duplo, já a artesanal, 93,14% utiliza o arrasto-duplo, 2,27% o emalhe-de-fundo, e 1,99% o arrasto-simples. Os valores de desembarque de cada aparelho por município estão descritos na Quadro 5.
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FONTE: A Autora.
QUADRO 4 - QUANTIDADE (TONELADAS) DAS ESPÉCIES MAIS DESEMBARCADAS EM CADA MUNICÍPIO DO LITORAL DO PARANÁ, TANTO DA PESCA ARTESANAL QUANTO INDUSTRIAL, ENTRE 2017 E 2018
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FONTE: A Autora.
QUADRO 5 - QUANTIDADE DE PESCADO DESEMBARCADO (TONELADAS) PELA PESCA ARTESANAL E INDUSTRIAL, CONSIDERANDO CADA TIPO APARELHO DE PESCA NOS SEIS MUNICÍPIOS
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Áreas de pesca e deslocamento das frotas As Figuras 3 a 5 mostram as áreas de pesca exploradas e a quantidade de recurso explotada pela frota paranaense em 2017 e 2018 em blocos de cinco milhas náuticas. A Figura 3 apresenta áreas de pesca utilizadas pela pesca artesanal, considerando a definição legal de pesca artesanal, ou seja, embarcações com até 20 de Arqueação Bruta (AB). A Figura 4 também mostra as áreas de pesca utilizadas pela pesca artesanal, porém, excluindo o aparelho arrasto-duplo de médio porte (embarcações com porão e casaria), enquanto a Figura 5 mostra áreas de pesca utilizadas pela pesca industrial, composta por arrasto-duplo.
FIGURA 3 - ÁREAS DE PESCA EXPLORADAS E VOLUME DE RECURSO EXPLOTADO PELA FROTA ARTESANAL DO PARANÁ, EM 2017 E 2018 FONTE: Os autores.
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
FIGURA 4 - ÁREAS DE PESCA EXPLORADAS E VOLUME DE RECURSO EXPLOTADO PELA FROTA ARTESANAL DO PARANÁ, EM 2017 E 2018, EXCLUINDO O APARELHO ARRASTO-DUPLO FONTE: Os autores.
FIGURA 5 - ÁREAS DE PESCA EXPLORADAS E VOLUME DE RECURSO EXPLOTADO PELA FROTA INDUSTRIAL DO PARANÁ, EM 2017 E 2018 FONTE: Os autores.
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Comparando as três figuras, podemos observar que a pesca praticada com arrasto-duplo é a pesca de maior mobilidade, sempre no sentido latitudinal, tanto para norte quanto para o sul. Os demais aparelhos atuam no interior dos estuários e nas primeiras milhas, com destaque para o emalhe, em suas modalidades, que avança em sentido longitudinal, mas raramente atua além da batimetria de 35 metros. Destaca-se também que frotas industriais e artesanais de arrasto-duplo competem pelos mesmos recursos nas mesmas áreas, sendo que a frota industrial desenvolve suas atividades numa área que corresponde ao dobro da área de atuação da frota artesanal de arrasto duplo. Dado a distância percorrida pela frota artesanal de arrasto-duplo, pode-se inferir que esta tem maior autonomia em dias de pesca. Analisando os dados coletados, apenas o arrasto-duplo tem a possibilidade de ficar acima de cinco dias capturando. Assim, percebe-se uma grande diferença de autonomia e mobilidade entre as frotas tidas como artesanais. Na prática, o uso desta terminologia para a gestão pesqueira precisa ser aprimorado, uma vez que apenas a arqueação bruta não é suficiente e adequado para caracterizar embarcações suas capturas (KOLLING, 2011; AZEVEDO et al., 2014), a potência do motor, o comprimento da embarcação e capacidade de estocagem também devem ser levados em conta.
Dados de desembarque e porto de saída Os municípios de Paranaguá e Guaraqueçaba tem forte relação comercial. O município de Paranaguá possui maior infraestrutura voltada ao comércio de pescados e tem maior facilidade de acesso. Já grande parte do município de Guaraqueçaba tem dificuldade de comercializar localmente o pescado e há grande dificuldade de acesso ao município (JANKOWSKY et al., 2019). Essa forte relação comercial entre os dois municípios pode ser observada nas Figuras 6, 7, 8 e 9. 116
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
FIGURA 6 - QUANTIDADE (t) DE PESCADO CAPTURADA POR PESCADORES DE GUARAQUEÇABA, DE ACORDO COM O MUNICÍPIO DO PORTO DE SAÍDA DO PESCADOR FONTE: A autora.
FIGURA 7 - QUANTIDADE (t) DE PESCADO CAPTURADA POR PESCADORES DE PARANAGUÁ, DE ACORDO COM O MUNICÍPIO DO PORTO DE SAÍDA DO PESCADOR FONTE: A autora.
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
FIGURA 8 - QUANTIDADE (t) DE PESCADO DESCARREGADA EM GUARAQUEÇABA, DE ACORDO COM O LOCAL DE DESEMBARQUE FONTE: A autora.
FIGURA 9 - QUANTIDADE (t) DE PESCADO DESCARREGADA EM PARANAGUÁ, DE ACORDO COM O LOCAL DE DESEMBARQUE FONTE: A autora.
As Figuras 6 e 7 mostram as quantidades obtidas por pescadores dos municípios de Guaraqueçaba e Paranaguá, respecti118
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
vamente. Nota-se que a maior quantidade de pescado é obtida por pescadores de Guaraqueçaba. Já as Figuras 8 e 9 mostram os valores obtidos nos desembarques nestes dois municípios. Nota-se que há uma inversão nos valores, estando Paranaguá com maior concentração de quantidade desembarcada. Essa relação pode levar há uma distorção dos dados, uma vez que observar apenas o local de descarga pode não retratar a realidade regional. Isso pode trazer interpretações equivocadas, especialmente no caso dos monitoramentos fragmentados, que não tem informações de toda região. Considerando que atualmente os monitoramentos pesqueiros no Estado vêm ocorrendo atrelados a condicionantes de processos de licenciamento ambiental, é necessário destacar que estes resultados podem levar a uma incorreta avaliação do impacto causado. No caso dos licenciamentos, ainda apontamos a necessidade deste ser construído de forma a criar uma rede ampla de monitoramento, evitando sobreposições, abrangendo aspectos da pesca comercial e de subsistência. Somente a correta dimensão da atividade pesqueira poderá evitar, mitigar ou compensar os pescadores afetados (DORIA et al., 2012).
A aplicação dos dados do monitoramento pesqueiro na gestão pesqueira O Parque Nacional Marinho das Ilhas dos Currais (PARNA Currais) é uma Unidade de Conservação (UC) de proteção integral, portanto, a atividade pesqueira não é permitida. Desde sua criação, a área do PARNA Currais é reivindicada pelos pescadores artesanais de Pontal do Paraná e Matinhos como um importante território pesqueiro. Assim, o conflito socioambiental esteve explícito desde a criação da UC. Conforme relatado por Madeira et al. (2018), uma série de pesquisas desenvolvidas pelo 119
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Centro de Estudos Mar (CEM/UFPR) mostraram que a pesca realizada com rede alta (tipo de rede de emalhe-de-superfície), na modalidade de cerco, era altamente seletiva e pouco impactante. Considerando a importância deste território para pesca especialmente das tainhas, cavalas e salteira, em 2017, o órgão gestor, junto à pesquisadores e representantes dos pescadores implantaram uma proposta experimental de pesca na UC, denominada de termo de compromisso (TC) (MADEIRA et al., 2018). O TC, um instrumento legal previsto para comunidades tradicionais em UCs de proteção integral, permitiu a pesca com rede alta para três gêneros: Mugil, Scomberomorus e Oligoplites; durante o período de maio a agosto. Foi dada a permissão a 70 embarcações para pescarem no PARNA Currais. O monitoramento pesqueiro foi uma das obrigações colocadas no TC. Após este primeiro ano, pode-se usar os dados do monitoramento para a avaliação da eficiência e cumprimento do TC, além de trazer dados complementares sobre os estoques pesqueiros. Na análise de 2017, se considerou a dinâmica das pescarias, produção, esforço pesqueiro e áreas de pesca. Concluiu-se que houve baixa incidência de embarcações irregulares, 87% das embarcações licenciadas utilizaram o aparelho permitido e 80% dos desembarques foram das espécies permitidas. No ano de 2017, dada a baixa safra da tainha observada no Quadro 1, a captura dentro dos limites do PARNA Currais não foi alta, quando comparada a captura fora dos limites. No entanto, as viagens embarcadas mostraram que o PARNA Currais foi a principal área de prospecção utilizada (CEM/UFPR/IP/SAA/SP/FUNDEPAG, 2017), reforçando a importância como território pesqueiro e não apenas como área de pesca. Três embarcações não autorizadas pescaram na área, totalizando 21 viagens. Entre as embarcações autorizadas, três não colaboraram com o monitoramento. Assim, de 51 embarcações que utilizaram a área do PARNA Currais, seis (11,7%) apresen120
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
taram algum tipo de irregularidade frente ao TC. Analisando os dados do monitoramento, percebe-se que em 99,8% das pescarias as espécies foram respeitadas, havendo apenas uma viagem em que uma espécie não autorizada foi pescada (Quadro 6). Destaca-se também que a salteira não foi pescada no PARNA Currais nesse período. Analisando os dados no Estado do Paraná pode-se apontar que 26,26% do gênero Scomberomorus (cavala e sororoca) foi capturado no PARNA Currais, enquanto a tainha representa apenas 1,12%. O Quadro 7 traz os valores absolutos das capturas. Assim, em 2018, o TC foi renovado, permitindo por mais dois anos a captura dentro do PARNA Currais.
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FONTE: A autora.
QUADRO 7 - QUANTIDADE (KG) DAS CATEGORIAS AUTORIZADAS E DAS ESPÉCIES PESCADAS NO PARNA EM COMPARAÇÃO AOS DADOS OBTIDOS PARA O ESTADO DO PARANÁ NO MESMO PERÍODO
FONTE: A autora.
QUADRO 6 - QUANTIDADE CAPTURADA EM CADA MÊS (KG) E O NÚMERO DE VIAGENS DE PESCA NO PARNA CURRAIS
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Em 2018, apenas uma espécie não permitida foi capturada e 99,8% da quantidade capturada no PARNA Currais são de espécies autorizadas. Quanto ao uso do aparelho de pesca observa-se que dois aparelhos de pesca foram empregados, o emalhe-de-superfície (rede alta) e o emalhe-de-deriva-de-superfície (rede de caceio), sendo que apenas o primeiro foi permitido no TC. No entanto, cerca de 98% da quantidade capturada foi realizada com rede alta, ou seja, de acordo com TC. Os resultados vêm sendo avaliados a cada ano, mostrando que, até o momento apontam que em grande parte, o TC tem sido cumprido sobre os aspectos: • Embarcações autorizadas operam no PARNA Currais, com baixa presença de embarcações irregulares; • Maioria das embarcações autorizadas participam do monitoramento; • Noventa e oito por cento das pescarias ocorreu com o petrecho de pesca empregado corretamente; • Quase que a totalidade das espécies capturadas eram espécies autorizadas. Apenas 0,2% remeteu a uma espécie não autorizada, ocorrido em apenas em uma viagem de pesca. O PARNA Currais mostra, proporcionalmente, grande importância para captura das cavalas (Scombemorus spp.) frente a produção dos municípios de Pontal do Paraná e de Matinhos, bem como produção estadual no período. Os resultados mostraram que o TC tem sido uma ferramenta efetiva de gestão pesqueira participativa, quando podemos apontar que o termo atende alguns dos princípios institucionais propostos por Ostrom (1990) e adaptados por Cox et al. (2010). Há limites de área e de usuários claros, as regras estabelecidas 123
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
são condizentes com as condições locais, houve uma decisão participativa para o TC, há monitoramento do cumprimento das regras e dos recursos impactados, há o reconhecimento dos direitos dos pescadores e as conexões entre as escalas institucionais, acontece, mesmo que parcialmente. Diferente da situação apontada para a Estação Ecológica (ESEC) de Guaraqueçaba (TEBET et al., 2018), onde ainda que a melhora institucional tenha ocorrido, apenas três dos oito princípios estão presentes.
Considerações finais sobre o panorama da pesca Os dados do monitoramento pesqueiro realizado em todos os municípios do litoral, de forma censitária, têm conseguido dimensionar e conhecer melhor a pesca no litoral do Paraná. Os dados de captura corroboram com os valores máximos estimados por Andriguetto-Filho et al. (2006) e Silva e Nakamura (1975), de 2.500 toneladas por ano, uma vez que em média foram descarregados 2.474,5 toneladas nos dois anos analisados. Ainda que para produção nacional o valor seja pouco representativo, tem grande valor regional, uma vez que no período movimentou em média R$ 17.533.268,00 por ano apenas na primeira venda, devendo, portanto, ser visto como um ativo econômico. Destacamos a importância do mercado voltado aos pescados de Paranaguá como um importante local de escoamento. Entretanto, destacamos que monitoramentos fragmentados, focados apenas no desembarque, neste caso, pode levar há uma distorção dos dados, uma vez que locais com melhores condições de comercialização concentraram mais pescados para venda, não necessariamente representando o local de pesca ou a comunidade pescadora. Neste capítulo, utilizamos a área de pesca como um critério para diferenciar a frota artesanal de médio porte para a frota de pequeno porte. O critério se mostrou relevante, uma vez que a área de pesca da frota artesanal de médio porte é similar a frota 124
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
industrial e bem distinta da frota artesanal de pequeno porte. Destacamos que, mesmo utilizando este critério, a maioria das viagens de pesca é relativa à pesca artesanal de pequeno porte, reconhecida como uma pescaria mais sustentável e de menor impacto (PAULY, 2006) em relação à pesca industrial. Entretanto, a área onde estas pescarias estão concentradas são áreas com maiores restrições do que a área utilizada pela frota industrial e artesanal de médio porte; bem como da frota industrial de Santa Catarina e São Paulo (CALDEIRA et al., 2016). Esta é uma das contradições do ordenamento pesqueiro em vigor no Estado. Considerando as ações de ordenamento, o TC do PARNA Currais indica que os princípios propostos por Ostrom (1990), se mostra adequado à futuros ordenamentos pesqueiros. Ainda que não deva ser visto como uma panaceia ou receita a ser seguido, exemplos bem-sucedidos de gestão pesqueira possuem a cominação e alguns destes princípios (BAGGIO et al., 2016). Os resultados aqui apresentados mostram que a pesca artesanal, dada a diversidade recursos pesqueiros, aparelhos de pesca a consequentemente estratégias, necessita de uma gestão da complexa, envolvendo abordagem integrada de informações científicas e de conhecimento local (PINKERTON, 2009; DORIA et al., 2012; MEDEIROS et al., 2014). Sob o enfoque do ordenamento pesqueiro, a importância do monitoramento pesqueiro é um consenso entre gestores e pesquisadores da área para o ordenamento e gestão da atividade uma vez que fornece informações sobre o estoque pesqueiro, permite a percepção de mudanças a longo prazo (SALAS et al., 2007; RUFFINO, 2008; PINKERTON, 2009; SEIXAS et al., 2011; DORIA et al., 2012; MEDEIROS et al., 2014; CALDEIRA et al., 2016). O monitoramento pesqueiro consegue trazer o panorama das pescarias realizadas pelos pescadores do Estado do Paraná e mostra a importância para a região. Ainda dentro deste panorama, podemos apontar a necessidade de maior diferenciação 125
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
entre as frotas tidas como artesanal e industrial, havendo uma frota intermediária, neste caso, embarcações de arrasto-duplo de médio porte. Analisando a trajetória da pesca no litoral do Paraná e o ordenamento pesqueiro, podemos visualizar duas possibilidades. Até o Termo de Compromisso do PARNA Currais, o Estado caminhava para o regramento sem dados dos estoques pesqueiros, das capturas e dos usuários. O TC traz uma nova possibilidade, pautada em dados científicos e de conhecimento local, construindo um acordo que busca minimizar conflitos e reconhecer o direito ao território de pesca. Assim, traz uma perspectiva de ordenamento diferente da anterior e cria um importante exemplo para a gestão pesqueira.
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
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Foto: Reflexos, Diomar Augusto de Quadros (2017).
PARTE II
UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, RECURSOS HÍDRICOS E AMBIENTE AVES DO PARQUE NACIONAL SAINT-HILAIRE/LANGE E ENTORNO. .
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Luiz Augusto Macedo Mestre; Eduardo Carrano; Bruno Henrique Grolli Carvalho; João Guilherme Boni; Juliana Rechetelo; Diomar Augusto de Quadros CARACTERIZAÇÃO DAS UNIDADES DE PAISAGEM DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO RIBEIRÃO, MATA ATLÂNTICA COSTEIRA DO PARANÁ: APONTAMENTOS SOBRE O RISCO DE ANTROPIZAÇÃO CRÔNICA NO MANANCIAL DE ABASTECIMENTO PÚBLICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . 187 Marili Miretzki; Fernanda de Souza Sezerino; Paulo Henrique Carneiro Marques; Liliani Marília Tiepolo UMA GRAVE E SILENCIOSA CRISE AMBIENTAL DESAFIA OS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO LITORAL DO PARANÁ: A CONTAMINAÇÃO DO RIO GUARAGUAÇU. . . . . . . . . . .
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Paulo Henrique Carneiro Marques; Gustavo Augusto Santos Elste; Giovanna de Andrade Zanlorenci; Mariana Gallucci Nazário; Luiz Fernando de Carli Lautert; Juliana Quadros “ÁGUAS DE MARÇO”: PERCEPÇÃO DE RISCO EM TERRITÓRIOS VULNERÁVEIS A DESASTRES SOCIOAMBIENTAIS NO MUNICÍPIO DE GUARATUBA/PR . . 241 Simone Wachter Muller Montoro; Luciana Vieira Castilho-Weinert; Eveline Fávero TERRITÓRIO INSULAR PROTEGIDO: URBANIZAÇÃO E TURISTIFICAÇÃO DA ILHA DO MEL, NO PARANÁ . . . . . . . . . . . . . . . . 263 Raquel Panke
AVES DO PARQUE NACIONAL SAINT-HILAIRE/LANGE E ENTORNO Luiz Augusto Macedo Mestre Eduardo Carrano Bruno Henrique Grolli Carvalho João Guilherme Boni Juliana Rechetelo Diomar Augusto de Quadros
Introdução A paisagem do Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange (PNSHL) é dominada por montanhas, onde se pode observar desde a imponente Serra da Prata até os menores morros associados à planície costeira. Este relevo ondulado abriga um dos biomas com maior biodiversidade do planeta, a Mata Atlântica, um conjunto de exuberantes árvores habitadas pelas típicas plantas epífitas e uma rica comunidade de animais. Neste cenário, as aves destacam-se tanto por viverem próximas de nós quanto por suas cores e sons diversos. No litoral do Paraná, as conversas com os antigos moradores sobre a natureza da região do PNSHL sempre vêm acompanhadas por interessantes relatos de encontros com espécies de aves coloridas e curiosas, pois antigamente faziam parte da vida destes pioneiros. Apresentaremos neste capítulo um pouco do conhecimento adquirido ao longo dos anos sobre as aves do Parque Nacional Saint Hilaire/Lange e seu entorno. As primeiras informações publicadas sobre as aves da região do PNSHL nos remetem ao início da chegada de naturalistas no Brasil. São os relatos de Hans Staden que passou pelo litoral Paranaense por volta de 1550, citando os guarás (Eudocimus 133
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
ruber) nas baías de Paranaguá e Guaratuba e as aves marinhas que nidificam no arquipélago de Currais e que sobrevoam as áreas de baixada incluindo o PNSHL (STRAUBE, 2011). A beleza cênica, flora e fauna ocorrente na região foram também registradas por naturalistas europeus no século XVIII, incluindo Johan Natterer, Spix e Martius, Langsdorff e August de Saint-Hilaire, o qual foi homenageado no nome desta Unidade de Conservação. Este naturalista também destacou em seus relatos os coloridos guarás, observados em grupos que pousavam nas ilhas do interior da baía de Guaratuba, região que atualmente corresponde ao entorno do PNSHL (STRAUBE, 2011). Essas aves desapareceram da região por muitos anos, mas voltaram a ocupar os manguezais do litoral paranaense. Atualmente a população estimada desta espécie no litoral deve passar dos 3.000 indivíduos (Pedro Scherer-Neto comunicação pessoal), podendo ser observados na baia de Guaratuba e passando sobre a cidade de Matinhos, indo ou vindo do litoral norte do estado do Paraná (Figura 1).
FIGURA 1 – BANDO DE GUARÁS (Eudocimus ruber) JOVENS, SOBREVOANDO O PNSHL, MATINHOS/PR FONTE: Diomar Augusto de Quadros (2015).
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Outros naturalistas (Martin F. de Andrada e Natterer) passaram pelas áreas do entorno do Parque, principalmente nas proximidades dos grandes rios, e descreveram aves que atualmente foram observadas na região como macucos, inambus, baitacas e gralhas-azuis (STRAUBE, 2011; 2012). Apesar da importância destes relatos e do relevante legado que estes pioneiros deixaram, as recentes expedições de reconhecimento e pesquisa na área próxima ao Parque foram fundamentais para o conhecimento mais detalhado da comunidade de aves que habitam as florestas do PNSHL. Estudos registrando a riqueza de aves na região de Mata Atlântica do litoral paranaense tiveram um maior destaque depois da década de 1990. Moraes (1991) registrou 124 espécies na Ilha do Mel, Carrano (1997) e Carrano e Scherer-Neto (2000) registraram 187 espécies na Ilha Rasa e na APA de Guaraqueçaba. Moraes e Krul (1999) observaram 91 espécies nas Ilhas Rasa, das Gamelas e das Bananas, ambas na APA de Guaraqueçaba; Isfer (2000) no Parque Estadual do rio da Onça, município de Matinhos, registrou 177 espécies; Seger (2002) listou 338 espécies para a Estação Ecológica do Guaraguaçu e suas adjacências. Outros estudos também foram realizados em suas outras subdivisões da Floresta Ombrófila Densa, também presentes no PNSHL, incluindo floresta submontana, montana e altomontana; destes destacam-se os de Scherer-Neto et al. (1989) que registraram 215 espécies na APA de Guaricana; Straube (2003) estudou seis diferentes localidades na Área de Especial Interesse Turístico (AEIT) do Marumbi, registrando 314 espécies; Straube e Urben-Filho (2005) registraram 329 espécies de aves na Reserva Natural de Salto Morato, Guaraqueçaba. Carrano (2006) realizou um estudo próximo ao PNSHL, mais especificamente na Floresta Estadual do Palmito (atual Parque Estadual do Palmito), em Paranaguá, amostrando florestas de baixada, restingas e manguezais e registrando 255 espécies de aves. Por fim, Bornschein (2001) fez uma 135
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importante revisão, baseada em dados de literatura e registros inéditos do próprio autor, sobre as aves da Floresta Atlântica do Paraná, mais especificamente na planície litorânea e Serra do Mar totalizando 538 espécies. Assim, com a importante base destas informações disponíveis em estudos pretéritos, e também de dados inéditos aqui apresentados, foi possível reunir um robusto fundamento para nossa seguinte descrição.
Métodos de estudo O Parque Nacional Saint Hilaire/Lange e seu entorno tem tipologias vegetacionais bem representados em seus domínios, podendo ser divididas com base em seus sedimentos de origem, cada um com características estruturais e florísticas determinadas pelo clima, relevo e solos, distinguindo as formações sobre os sedimentos oceânicos (Floresta Aluvial e das Terras Baixas) e sobre sedimentos continentais (Submontana, Montana e Altomontana) (BLUM, 2006; BLUM; RODERJAN, 2007). Nos limites do Parque, nas áreas inferiores da Serra da Prata, ocorrem principalmente os tipos vegetacionais de Floresta Atlântica de encostas (considerada como Floresta Ombrófila Densa Submontana), as florestas das montanhas acima de 800 metros, Floresta Ombrófila Densa Montana, e a Floresta Ombrófila Densa Altomontana, incluindo os campos de altitude acima dos 1.000 metros de altitude. A vegetação no entorno do Parque é representada principalmente pela floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas, incluindo também as formações pioneiras com influência marinha (restingas) e flúvio-marinha (manguezais). A vegetação secundária destes tipos vegetacionais também está presente no entorno, principalmente nas regiões mais baixas (BLUM, 2010). As aves do PNSHL podem ser classificadas como típicas da Mata Atlântica sendo a maioria residente (não migratória). 136
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Algumas das espécies registradas podem realizar deslocamentos altitudinais, subindo ou descendo as encostas montanhosas acompanhando as estações do ano, ou ainda apresentar apenas ocorrência sazonal. Além disso, outros poucos migrantes de longa distância, vindos do hemisfério Norte e Sul, podem ocorrer em áreas com influência marinha, ou outros corpos d´água do Parque e seu entorno. O PNSHL possui um acentuado gradiente de altitude, variando de 0 a 1.100 metros, isso faz com que ocorram variações de umidade e temperatura, bem como o solo e a vegetação. Em decorrência dessas mudanças, diversos habitats e micro habitats dão suporte a uma rica comunidade de aves. Os resultados deste estudo foram compilados de seis bases de informação: 1) amostragens realizadas nos anos de 2012 e 2013, para caracterizar a comunidade de aves em diferentes ambientes no PNSHL e seu entorno (Luiz Mestre, Ricardo Krul, Luciana Festti, Rodrigo F. Torres); 2) Dados de amostras casuais entre 2015 e 2016 em aulas de campo de Ornitologia (na Universidade Federal do Paraná) (Luiz Mestre, João Boni); 3) Compilação das espécies registradas em 2017 durante um estudo no PNSHL e entorno (Bruno Carvalho e Luiz Mestre); 4) Incursões esporádicas entre os anos de 1998 e 2014 no PNSHL e entorno (Eduardo Carrano); 5) Lista das espécies registradas por observadores de aves no site Wikiaves (www.wikiaves.com. br) no município de Matinhos até o ano de 2020; e 6) Lista das espécies registradas no site Wikiaves no município de Guaratuba até o ano de 2020. A inclusão das duas últimas fontes de registros trouxe uma maior abrangência ao estudo, incluindo aves observadas principalmente no entorno do Parque. Estes dados foram organizados em uma tabela, com base na lista do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos de 2015 (Piacentini et al. 2015), registrando presença da espécie em cada uma destas amostragens. A seguir são descritas as seis fontes de informações deste estudo. 137
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
1) Amostragens entre os anos de 2011 e 2013 nas seguintes expedições de campo: a) 30 de agosto a 5 de setembro, e 14 a 21 de dezembro de 2011; b) de 2 a 9 de julho, 3 a 14 de outubro, e 30 de novembro a 17 de dezembro de 2012; c) 19 a 27 de março, 13 a 26 de julho de 2013. Estas amostragens foram realizadas em duas áreas em melhor estado de conservação (trilha do Tigre e próximas ao Hotel Mata Atlântica) e em áreas antropizadas (próximas de agricultura, piscicultura, mineração e também áreas próximas a cidade de Matinhos). Usamos 30 redes-neblina para capturar as aves (dois grupos de 15 redes de nylon preto com malha de 30cm), abertas em dois dias consecutivos em cada área. Conjuntamente a esse método realizamos amostragens em 120 pontos de contagem (Luiz Mestre), registrando e gravando as aves por 10 minutos, em um raio estimado de 50m. 2) Nos anos de 2015 e 2017 foram realizadas aproximadamente 100 horas de observações de campo no entorno do PNSHL, no município de Matinhos. Estas observações casuais foram efetuadas durante a realização de quatro semestres do módulo Ornitologia (Interações Culturais e Humanísticas) da Universidade Federal do Paraná Setor Litoral. 3) No ano de 2017, durante pesquisa sobre a influência do habitat sobre a comunidade de aves na região do PNSHL e entorno foram realizados 82 pontos de contagem (Bruno Carvalho), respeitando a distância mínima de 150m entre cada ponto (registrando e gravando as aves por 10 minutos, em um raio estimado de 50m). Essa metodologia foi aplicada em áreas de Floresta Ombrófila densa Submontana (48 pontos) em Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas (34 pontos). Também foram incluídas espécies registradas ocasionalmente durante todo o período da pesquisa de campo. 4) Foram realizadas 26 incursões esporádicas entre os anos de 1998 e 2014 no PNSHL e entorno, mais especificamente nos municípios de Guaratuba, Matinhos, Morretes e Paranaguá, in138
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cluindo a Serra da Prata, Limeira, rio Canasvieiras, Cabaraquara e imediações com o Parque Nacional de Guaricana (Eduardo Carrano). As incursões tiveram como objetivo principal o inventário de aves, sem padronização de esforço ou de localidade, com esforço amostral de aproximadamente 600 horas. Tais incursões foram realizadas nos meses de janeiro, maio e outubro de 1998; fevereiro de 1999; fevereiro, agosto e outubro de 2000; março e novembro de 2001; setembro de 2002; julho de 2003; maio e setembro de 2004; junho e dezembro de 2005; fevereiro de 2006; janeiro, março e julho de 2007; setembro de 2008; agosto de 2009; novembro de 2010; outubro de 2011; setembro de 2012; agosto de 2013 e fevereiro de 2014. 5 e 6) Compilação dos dados obtidos em um site de ciência cidadã destinado a registros ornitológicos Wikiaves (2020), usando como base os dados foram filtrados para os municípios de Matinhos e Guaratuba (lista gerada no site), pois estes municípios abrangem cerca de 64% do Parque e representam a maior parte dos ambientes presentes nesta unidade de conservação. Por fim, foram também incluídos alguns registros eventuais presentes em outros municípios do entorno do PNSHL, mais especificamente Morretes e Paranaguá, confrontadas com listas de Unidades de Conservação próximas e nas áreas de maior altitude próximas (STRAUBE, 2003; CARRANO, 2006; IAP, 2015). A lista de espécies e nomes em português seguiram o CBRO - Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (PIACENTINI et al., 2015) e as espécies endêmicas do Bioma Mata Atlântica seguiram o proposto por Bencke et al. (2006). Para as espécies ameaçadas de extinção foram adotados três níveis de ameaça: estadual (PARANÁ, 2018), nacional (ICMBIO, 2018) e mundial (IUCN, 2019).
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Resultados e discussão A compilação das seis bases de informações totalizou a ocorrência de 415 espécies de aves para o PNSHL e seu entorno. Estas espécies estão reunidas em 73 famílias e 23 ordens (Tabela 1). Essa riqueza corresponde a 55,7% das espécies de aves ocorrentes no estado do Paraná (SCHERER-NETO et al., 2011). A grande maioria das espécies registradas são típicas da Mata Atlântica em seus dois compartimentos, planície litorânea e encostas da Serra do Mar. Do ponto de vista conservacionista, um importante grupo, são as aves de ocorrência pontual nas florestas montana e alto montana, pois são restritas ao locais isolados no alto da Serra da Prata, porém são menos avistadas e também representativas em números de espécies. Salienta-se as espécies de aves que ocorrem no entorno do Parque incluindo as aquáticas, de manguezais e que utilizam as praias arenosas nas desembocaduras dos rios. Foram registradas 365 espécies típicas dos ambientes que ocorrem dentro dos limites do PNSHL, podendo desta maneira ser consideradas como ocorrentes nesta unidade de conservação. Nesta compilação foram registradas 130 espécies endêmicas do Bioma Mata Atlântica (BENCKE et al., 2006) e 49 espécies endêmicas do Brasil (PIACENTINI et al., 2015) (Tabela 1). Foram também registradas 40 espécies de aves sob risco de extinção, incluindo as 38 espécies da lista do Paraná (PARANÁ, 2018), as 13 espécies do Brasil (ICMBIO, 2018) e as 8 espécies internacional (IUCN, 2019) (Tabela 1). Com base em características gerais, pode-se separar a comunidade em grandes grupos, incluindo seus hábitos alimentares e principais famílias. Neste ponto de vista, observa-se que aves mais abundantes no PNSHL, 159 espécies, alimentam-se de insetos e outros invertebrados, sendo as mais frequentes as que se forrageiam nos vários estratos da floresta, utilizando as copas 140
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
e o sub-bosque. Destacam-se as espécies que procuram invertebrados sob as folhas das árvores ou que voam próximos ao estrato arbóreo como os arapaçus da família Dendrocolaptidae, os limpa-folhas (Furnariidae), os pica-paus (Picidae), e as chocas e formigueiros (Thamnophilidae). Ainda deve-se enfatizar as aves insetívoras noturnas como bacuraus e urutau das famílias Caprimulgidae e Nyctibiidae respectivamente. Nestas florestas e regiões no entorno destaca-se a presença de 94 espécies com hábitos generalistas (consideradas como onívoras), alimentando-se tanto de frutos, como de invertebrados e vertebrados. As aves generalistas são principalmente membros das famílias Turdidae, Thraupidae e Icteridae. Exemplos são os sabiás (Turdus sp.), as saíras (Tangara sp.) e os guaches (Cacicus haemorrhous) que podem ser observados em toda a extensão do parque e próximo as áreas urbanizadas nos municípios de entorno. Foram registradas 28 espécies de aves frugívoras e 25 espécies granívoras, consideradas como mais especializadas e com maior importância conservacionista. Nestas se enquadram os jacus (Cracidae), os inambus (Tinamidae) e alguns periquitos (Psittacidae), dentre outras espécies. Também se destacam 18 espécies de aves nectarívoras, em sua grande maioria beija-flores, que são elementos chave para a polinização de várias espécies vegetais, principalmente bromélias. Esses nectarívoros são comumente observados nos jardins e áreas urbanas no entorno do PNSHL (como os beija-flores, Trochiliidae e a cambacica Coereba flaveola). As aves aquáticas (64 espécies) são principalmente observadas no entorno do Parque Nacional, habitando as águas salobras da baía de Guaratuba e alguns lagos artificiais no município de Matinhos, como exemplos destas aves estão os patos (Anatidae), as garças (Ardeidae) e os migratórios narcejas e maçaricos (Charadriidae e Scolopacidae). Por fim, podem ser considerados os registros de 24 espécies de aves predadoras de vertebrados, como os gaviões 141
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
(Accipitridae), falcões (Falconidae) e corujas (Strigidae), que podem ser considerados importantes espécies topo de cadeia trófica demonstrando a importância da área do Parque para a conservação da diversidade regional. Nas amostragens quantitativas (fontes 1 e 3), envolvendo pontos de contagem e redes neblina, foram registradas que as espécies mais comuns no sub-bosque das florestas de baixada e encosta de morros do Parque Nacional são o sabiá coleira, Turdus albicollis; o beija-flor rajado, Ramphodon naevius; o tangará dançador, Chiroxiphia caudata, o pula-pula, Basileuterus culicivorus, o tié-preto; Tachyphonus coronatus; e o beija-flor-de-fronte-violeta, Thalurania glaucopis. Nestas amostragens pode-se registrar aves em outros estratos da floresta, sendo mais frequentes a saíra-militar, Tangara cyanocephala, a saíra-sete-cores, Tangara seledon; a cambacica, Coereba flaveola, o enferrujado, Lathrotriccus euleri e o sabiá-poca, Turdus amaurochalinus. As aves das florestas e campos de altitude acima de 400 metros de altitude foram retratadas da literatura e de dados secundários provenientes de observações em localidades próximas. Incluímos aqui, as aves típicas das montanhas de Floresta Atlântica com mais de 1.000 metros de altitude, comparando as aves observadas no Parque Estadual do Marumbi (Straube 2003) localizado a 30 km do PNSHL. Destacamos as aves típicas das montanhas do sul do Brasil e também presentes nos morros da Serra da Prata, sendo exemplos: choquinha-de-asa-ferrugem Dysithamnus xanthopterus, estalinho Phylloscartes difficilis, catraca Hemitriccus obsoletus e maria-preta-de-garganta-vermelha, Knipolegus nigerrimus, com distribuição pontuais principalmente a estas áreas de altitude. Importante salientar que algumas espécies apesar de ocupar preferencialmente áreas mais altas, podem se deslocar até as áreas mais baixas durante os meses de inverno, como é o caso do corocoxó (Carpornis cucullata) e o catirumbava (Orthogonys chloricterus) (Figura 2). 142
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
FIGURA 2 - CATIRUMBAVA (Orthogonis chloricterus) ALIMENTANDO-SE, MATINHOS/PR FONTE: Diomar Augusto de Quadros (2018).
As aves dependem de seus ambientes e geralmente tem suas áreas de ocorrência sobrepostas aos tipos vegetais e consequentemente aos ecossistemas e biomas a que pertencem. As áreas de endemismo retratam características biogeográficas e ecológicas próprias e se revelam uma importante ferramenta conservacionista. As compilações mais atuais que organizaram as aves endêmicas da Mata Atlântica listaram 213 espécies endêmicas e com distribuição restrita ao bioma (MOREIRA-LIMA, 2013). Nesta compilação foram registradas 125 espécies endêmicas do bioma e 51 espécies endêmicas do Brasil, presentes no PNSHL (Tabela 1). Foram registradas 40 espécies de aves sob risco de extinção, sendo 38 em nível estadual (PARANÁ, 2018), 13 nacional (ICMBIO, 2018) e oito internacional (IUCN, 2019) (Tabela 1). Além corresponderem ao grupo zoológico que concentra o maior número de espécies ameaçadas no Brasil, as aves classificadas como ameaçadas em âmbito nacional ocorrem em sua maioria na Mata Atlântica sendo mais de 60% endêmicas desse bioma (SILVEIRA; STRAUBE, 143
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
2008, LIMA, 2013). Podem ser destacadas as espécies cinegéticas, intensamente procuradas por caçadores, como o macuco, Tinamus solitarius, o jaó-do-litoral, Crypturellus noctivagus, comumente observados nas encostas dos morros e trilhas do parque, e a jacutinga, Aburria jacutinga (Figura 3), observada em menores números, principalmente nas áreas de encosta, nas florestas em estágio avançado de sucessão do PNSHL. A relevância destas aves remete também a sua capacidade de dispersão de frutos, em especial a jacutinga que se alimenta dos frutos de palmeiras, como o palmiteiro ou palmito-juçara (Euterpe edulis), espécie da flora também ameaçada de extinção (BRASIL, 2014). Além disso, também deve-se destacar as espécies ameaçadas procuradas por criadores ilegais, como o papagaio-da-cara-roxa, Amazona brasiliensis, o curió pixoxó Sporophila frontalis, a cigarra Sporophila falcirostris e o curió Sporophila angolensis.
FIGURA 3 - JACUTINGA (Pipile jacutinga), PNSHL, MATINHOS/PR FONTE: Bruno Carvalho (2018).
Nas áreas mais baixas do Parque também foram observadas espécies de aves consideradas raras e de grande interesse 144
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
conservacionista. Próximo às trilhas percorridas, principalmente ao longo de rios encachoeirados, foi observado o socó-jararaca (Tigrisoma fasciatum), considerado raro e com distribuição restrita a rios rochosos em bom estado de conservação, ocorrendo em áreas de maior altitude, como os rios das encostas do PNSHL (ICMBio 2019). O gavião-pombo-pequeno, Amadonastur lacernulatus (Figura 4) endêmico da Mata Atlântica brasileira e que habita as áreas de baixada. Também registramos o entufado, Merulaxis ater, próximo as cachoeiras da trilha do Cateto, e o corocochó, Carpornis cucullata considerados como quase ameaçados mundialmente (IUCN, 2019). Nas redes neblina capturamos a maria-leque-do-sudeste, Onychorhynchus swainsoni que é considerada vulnerável no Paraná, bem como, o patinho-de-asa-castanha, Platyrinchus leucoryphus (Figura 5), o pixoxó, Sporophila frontalis, e a cigarra (Sporophila falcirostris) considerados como em perigo de extinção no Paraná e vulnerável no Paraná (e ameaçado no Brasil) respectivamente (ICMBio 2018, PARANÁ 2018).
FIGURA 4 – GAVIÃO-POMBO-PEQUENO (Amadonastur lacernulatus), PARQUE ESTADUAL DO PALMITO, PARANAGUÁ/PR FONTE: Eduardo Carrano (2020).
145
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Ainda, algumas espécies apresentam movimentos migratórios, ocorrendo no PNSHL e/ou seu entorno de forma irregular. Exemplos dos visitantes sazonais do hemisfério norte, tais como os accipitrídeos Pandion haliaetus e Buteo swainsoni, os charadrídeos Pluvialis dominica e Charadrius semipalmatus, os scolopacídeos Actitis macularius, Tringa solitaria, T. melanoleuca, T. flavipes, Arenaria interpres, Calidris canutus, C. alba, C. fuscicollis, C. fuscicollis e Phalaropus tricolor, o falcão-peregrino Falco peregrinus e a andorinha-de-bando Hirundo rustica (Tabela 1). Temos ainda, visitantes sazonais provenientes do hemisfério sul, tais como o capororoca Coscoroba coscoroba e o flamingo-chileno Phoenicopterus chilensis, que devem ser consideradas ocorrências esporádicas, ou até acidentais na região, e a calhandra-três-rabos Mimus triurus um migrante regular em áreas da planície e outras regiões do estado do Paraná.
FIGURA 5 – PATINHO-DE-ASA-CASTANHA (Platyrinchus leucoryphus), PNSHL, GUARATUBA/PR FONTE: Diomar Augusto de Quadros (2018).
146
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Além dessas espécies, temos ainda inúmeras outras que ocorrem no PNSHL e entorno apenas sazonalmente, podendo ser considerados visitantes sazonais de primavera/verão, como os accipitrídeos Elanoides forficatus e Ictinia plumbea, os trinta-réis Sterna hirundinacea e S. trudeaui, o beija-flor-preto Florisuga fusca, os caneleiros Pachyramphus viridis, P. castaneus, P. polychopterus, P. marginatus e P. validus, os tiranídeos Elaenia flavogaster, E. parvirostris, Legatus leucophaius, Myiodynastes maculatus, Megarynchus pitangua, Tyrannus melancholicus, T. savana, Empidonomus varius, Pyrocephalus rubinus, Cnemotriccus fuscatus e Lathrotriccus euleri, a juruviara Vireo chivi e o bigodinho Sporophila lineola e visitantes sazonais de outono/inverno Pseudocolopteryx flaviventris, Hymenops perspicillatus e Turdus subalaris (Tabela 1). Nas próximas páginas estão listadas as aves registradas no PNSHL e seu entorno. É evidenciada aqui a grande riqueza da avifauna do Parque, típica da Mata Atlântica do sul e sudeste do Brasil, porém ainda com várias lacunas de conhecimento. Apesar disso, ressalta-se a importância de amostragens mais detalhadas em outras áreas de floresta montana e altomontana, incluindo os campos de altitude desta Unidade de Conservação, e a necessidade da continuidade de estudos e do fomento de atividades que tragam informações sobre as aves e seus ambientes. O incentivo concomitante de ações educacionais e eventos ecoturísticos focados a observação de aves tem grande relevância para assegurar um futuro ainda colorido e sonoro co-habitado pelas aves e nossas próximas gerações.
Agradecimentos Agradecemos o ICMBio (DIBIO) pelo apoio logístico e financeiro para desenvolvimento de parte deste estudo (amostragens 2011 a 2013). Agradecemos a importante participação nos trabalhos de campo de Rodrigo F. Torres, Ricardo Krul, Luciana 147
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Festti, Rogério Florenzano Jr, Beatriz Gomes, Luiz Francisco Faraco, além dos diversos voluntários do projeto. Também agradecemos sinceramente a Pedro Scherer-Neto pela revisão deste trabalho.
Referências BIGARELLA, J. J. Contribuição ao estudo da Planície Litorânea do Estado do Paraná. Brazilian Archives of Biology and Technology, v. jubilee, p. 65-110, dez. 2001. BENCKE, G. A.; MAURÍCIO, G. N.; DEVELEY, P. F.; GOERCK, J. M. Áreas importantes para a conservação das aves no Brasil. Parte I – Estados do Domínio da Mata Atlântica. SAVE Brasil, São Paulo, 2006. BLUM, C. T. O componente epifítico vascular e herbáceo terrícola da Floresta Ombrófila Densa ao longo de um gradiente altitudinal na Serra da Prata, Paraná. 197f. Tese (Doutorado em Engenharia Florestal) – Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010. BLUM, C. T.; RODERJAN, C. V. Espécies indicadoras em um gradiente da Floresta Ombrófila Densa na Serra da Prata, Paraná, Brasil. Revista Brasileira de Biociências, Porto Alegre, v. 5, supl. 2, p. 873-875, jul. 2007. BORNSCHEIN, M. R. Formações pioneiras do litoral centro-sul do Paraná: identificação, quantificação de áreas e caracterização ornitofaunística. 144 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais) – Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2001. BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Portaria MMA nº 443, de 17 de dezembro de 2014. Brasília, 2014. Disponível em: CARRANO, E. Avifauna da Ilha Rasa, Área de Proteção Ambiental, Guaraqueçaba, Paraná, Brasil. 48 f. Monografia (Graduação em Biologia) – Universidade Católica do Paraná, Curitiba, 1997. CARRANO, E. Composição e conservação da avifauna na Floresta Estadual do Pamito, município de Paranaguá, Paraná. 125 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Florestais - Conservação a Natureza) – Setor de Ciências Agrárias, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2006. CARRANO, E.; SCHERER-NETO, P. Avifauna da Ilha Rasa, APA de Guaraqueçaba, Paraná. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ORNITOLOGIA, 8., 2000, Florianópolis. Anais... Florianópolis: UNISUL, 2000. R 114. INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBIO) Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção. Brasília: ICMBio, 2018. v. 3: Aves.
148
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
INTERNATIONAL UNION FOR CONSERVATION OF NATURE AND NATURAL RESOURCES (IUCN). The IUCN Red List of Threatened Species. Version 2019. 2019. Disponível em: ISFER, O. Composição da avifauna do Parque Estadual do Rio da Onça, Matinhos, Paraná. In: STRAUBE, F. C.; ARGEL-DE-OLIVEIRA, M. M.; CÂNDIDO-JÚNIOR, J. F. Ornitologia brasileira no século XX. Curitiba: Editora Popular, 2000. p. 373-374. MORAES, V. S. Avifauna da Ilha do Mel, litoral do Paraná. Arq. Biol. Tecnol., v. 34, n. 2, p. 195-205, 1991. MORAES, V. S; KRUL, R. Efeitos da ocupação antrópica sobre comunidades de aves de ilhas das baías de Laranjeiras e Guaraqueçaba, PR. Biotemas, v. 12, n. 2, p. 101-118, 1999. MOREIRA-LIMA L. Aves da Mata Atlântica: riqueza, composição, status, endemismos e conservação. 513 f. Dissertação (Mestrado em Ciência, Área de Zoologia) – Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. PARANÁ. Decreto nº 11797, 22 de Novembro de 2018. Reconhece e atualiza Lista de Espécies de Aves pertencentes à Fauna Silvestre Ameaçadas de Extinção no Estado do Paraná. Diário Oficial do Estado do Paraná, n. 10319, 22 nov. 2018. PIACENTINI, V. Q., ALEIXO, A.; AGNE, C. E.; MAURICIO, G. N.; PACHECO, J. F.; BRAVO, G. A.; BRITO, G. R. R.; NAKA, L. N.; OLMOS, F.; POSSO, S.; SILVEIRA, L. F.; BETINI, G. S.; CARRANO, E.; FRANZ, I.; LEES, A. C.; LIMA, L. M.; PIOLI, D.; SCHUNCK, F.; AMARAL, F. R.; BENCKE, G. A.; COHN-HAFT, M.; FIGUEIREDO, L. F. A.; STRAUBE, F. C. CESARI, E. Lista comentada das aves do Brasil pelo Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos. Revista Brasileira de Ornitologia, v. 23, n. 2, p. 91-298, 2015. RODERJAN, V. C.; GALVÃO, F.; KUNIYOSHI, S. Y.; HATSCHBACH, G. G. As unidades fitogeográficas do estado do Paraná, Brasil. Ciência e Ambient, v. 24, p. 42–75, 2002. SAINT-HILAIRE, A. Viagem à Província de São Paulo e resumo das viagens ao Brasil, Província Cisplatina e Missões do Paraguai. São Paulo, Livraria Martins, 1940. v. 2: Biblioteca Histórica Brasileira. SCHERER-NETO, P.; STRAUBE, F. C.; BORNSCHEIN, M. R. Plano de Manejo. Área de Proteção Ambiental de Guaricana – (AVIFAUNA). Fundação de Pesquisas Florestais do Paraná, 1988. SCHERER-NETO, P.; STRAUBE, F. C. Aves do Paraná: História, lista anotada e bibliografia. Campo Largo: Logus, 1995. SCHERER-NETO, P.; STRAUBE, F C.; CARRANO, E.; URBEN-FILHO, A. Lista das aves do Paraná: edição comemorativa do “Centenário da Ornitologia do Paraná”. Curitiba: Hori Consultoria Ambiental, 2011. n. 2: Hori Cadernos Técnicos. SEGER, C. Diagnóstico da avifauna. In: SOCIEDADE DE PESQUISA EM VIDA SILVESTRE E EDUCAÇÃO AMBIENTAL (SPVS). Avaliação ecológica rápida para o diagnóstico ambiental da Estação Ecológica de Guaraguaçu, Estado do Paraná. Curitiba, 2002. Relatório não publicado. STOTZ, D. F.; FITZPATRICK, J. W.; PARKER, T. A.; MOSKOVITS, D. K. Neotropical Birds: Ecology and Conservation. Chicago: University of Chicago Press, 1996.
149
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
STRAUBE, F. C. Avifauna da área especial de interesse turístico do Marumbi (Paraná, Brasil). Atualidades Ornitológicas, n. 113, p. 12, 2003. STRAUBE, F. C. Ruínas e urubus: história da ornitologia no Paraná. Período Pré Nattereriano (1541 a 1819). Curitiba: Hori Consultoria Ambiental, 2011. n. 3: Hori Cadernos Técnicos. STRAUBE, F. C. Ruínas e urubus: história da ornitologia no Paraná. Período de Natterer, 1 (1820 a 1834. Curitiba: Hori Consultoria Ambiental, 2012. n. 5: Hori Consultoria Ambiental. STRAUBE, F. C; URBEN-FILHO, A. Avifauna da Reserva Natural Salto Morato (Guaraqueçaba, Paraná). Atualidades Ornitológicas, n. 124, p. 12, 2005.
150
151
macuco
Nome em Português
inambu-chintã
Crypturellus tataupa (Temminck, 1815)
marreca-caneleira irerê asa-branca capororoca pato-do-mato pé-vermelho marreca-toicinho
Dendrocygna bicolor (Vieillot, 1816)
Dendrocygna viduata (Linnaeus, 1766)
Dendrocygna autumnalis (Linnaeus, 1758)
Coscoroba coscoroba (Molina, 1782)
Cairina moschata (Linnaeus, 1758)
Amazonetta brasiliensis (Gmelin, 1789)
Anas bahamensis Linnaeus, 1758
Anatidae Leach, 1820
Anseriformes Linnaeus, 1758
jaó-do-sul
Crypturellus noctivagus (Wied, 1820) #*
Crypturellus obsoletus (Temminck, 1815) * inambuguaçu
Tinamus solitarius (Vieillot, 1819) *
Tinamidae Gray, 1840
Tinamiformes Huxley, 1872
Nome do Táxon
R R
White-cheeked Pintail
R
VS
R
R
R
R
R
R
R
Status
Brazilian Teal
Muscovy Duck
Fulvous Whistling-Duck White-faced Whistling-Duck Black-bellied Whistling-Duck Coscoroba Swan
Yellow-legged Tinamou Tataupa Tinamou
Brown Tinamou
Solitary Tinamou
English Name
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
EN
EN
PR (2018)
VU
BR (2018)
IUCN (2019)
TABELA 1 - LISTA DAS ESPÉCIES DE AVES OBSERVADAS NO PARQUE NACIONAL SAINT-HILAIRE/LANGE E ENTORNO, ORDENAMENTO TAXONÔMICO E NOMES EM PORTUGUÊS E INGLÊS (continua)
152
jacutinga aracuã-escamoso
Aburria jacutinga (Spix, 1825) *
Ortalis squamata (Lesson, 1829) *
flamingo-chileno
mergulhãocaçador
Nannopterum brasilianus (Gmelin, 1789) biguá
Phalacrocoracidae Reichenbach, 1849
Suliformes Sharpe, 1891
Phoenicopterus chilensis Molina, 1782
Phoenicopteridae Bonaparte, 1831
Phoenicopteriformes Fürbringer, 1888
Podilymbus podiceps (Linnaeus, 1758)
Podicipedidae Bonaparte, 1831
Podicipediformes Fürbringer, 1888
Odontophorus capueira (Spix, 1825) * uru
jacupemba
Penelope superciliaris Temminck, 1815
Odontophoridae Gould, 1844
jacuaçu
Nome em Português
Penelope obscura Temminck, 1815 *
Galliformes Linnaeus, 1758
Cracidae Rafinesque, 1815
Nome do Táxon
Neotropic Cormorant
Chilean flamingo
Pied-billed Grebe
Spot-winged Wood-Quail
Dusky-legged Guan Rusty-margined Guan Black-fronted Piping-Guan Scaled Chachalaca
English Name
R
VS
R
R
R
R
R
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Status
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
NT
EN
PR (2018)
EN
BR (2018)
VU
IUCN (2019)
(continuação)
153 R R
Cocoi Heron Great Egret Whistling Heron
garça-vaqueira garça-moura garça-brancagrande maria-faceira garça-real
Bubulcus ibis (Linnaeus, 1758)
Ardea cocoi Linnaeus, 1766
Ardea alba Linnaeus, 1758
Syrigma sibilatrix (Temminck, 1824)
Pilherodius pileatus (Boddaert, 1783)
Capped Heron
Cattle Egret
Striated Heron
socozinho
Butorides striata (Linnaeus, 1758)
R
R
R
R
R
R
savacu-de-coroa
R
R
Nyctanassa violacea (Linnaeus, 1758)
Stripe-backed Bittern Black-crowned Night-Heron Yellow-crowned Night-Heron
Least Bittern
socó-dorminhoco
socoí-vermelho
Ixobrychus exilis (Gmelin, 1789)
R
Nycticorax nycticorax (Linnaeus, 1758)
arapapá
Cochlearius cochlearius (Linnaeus, 1766)
R
R
R
Status
socoí-amarelo
socó-jararaca
Tigrisoma fasciatum (Such, 1825)
Rufescent Tiger-Heron Fasciated Tiger-Heron Boat-billed Heron
Anhinga
English Name
Ixobrychus involucris (Vieillot, 1823)
socó-boi
biguatinga
Nome em Português
Tigrisoma lineatum (Boddaert, 1783)
Ardeidae Leach, 1820
Pelecaniformes Sharpe, 1891
Anhinga anhinga (Linnaeus, 1766)
Anhingidae Reichenbach, 1849
Nome do Táxon
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VU
NT
NT
CR
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PR (2018)
VU
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
154
garça-brancapequena garça-azul
Egretta thula (Molina, 1782)
Egretta caerulea (Linnaeus, 1758)
tapicuru curicaca colhereiro
Phimosus infuscatus (Lichtenstein, 1823)
Theristicus caudatus (Boddaert, 1783)
Platalea ajaja Linnaeus, 1758
gavião-gato
Leptodon cayanensis (Latham, 1790)
Chondrohierax uncinatus (Temminck, 1822) caracoleiro
águia-pescadora
urubu-rei
Pandion haliaetus (Linnaeus, 1758)
Pandionidae Bonaparte, 1854
Accipitriformes Bonaparte, 1831
Sarcoramphus papa (Linnaeus, 1758)
Coragyps atratus (Bechstein, 1793)
Cathartes aura (Linnaeus, 1758)
Cathartidae Lafresnaye, 1839 urubu-de-cabeçavermelha urubu-de-cabeçapreta
caraúna
Plegadis chihi (Vieillot, 1817)
Cathartiformes Seebohm, 1890
guará
Eudocimus ruber (Linnaeus, 1758)
Threskiornithidae Poche, 1904
Nome em Português
Nome do Táxon
R
R
Gray-headed Kite Hook-billed Kite
VN
R
R
R
R
R
Osprey
King Vulture
Black Vulture
Turkey Vulture
Buff-necked Ibis Roseate Spoonbill
R
R
Bare-faced Ibis
R
Scarlet Ibis
R
R
Status
White-faced Ibis
Little Blue Heron
Snowy Egret
English Name
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
VU
NT
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
155 Plumbeous Kite Snail Kite
gaviãobombachinhagrande sovi gaviãocaramujeiro gavião-pernilongo Crane Hawk gavião-caboclo gavião-pombopequeno gavião-preto gavião-carijó
Accipiter bicolor (Vieillot, 1817)
Ictinia plumbea (Gmelin, 1788)
Rostrhamus sociabilis (Vieillot, 1817)
Geranospiza caerulescens (Vieillot, 1817)
Heterospizias meridionalis (Latham, 1790)
Amadonastur lacernulatus (Temminck, 1827) #*
Urubitinga urubitinga (Gmelin, 1788)
Rupornis magnirostris (Gmelin, 1788)
R
R
Great BlackHawk Roadside Hawk
R
R
R
R
®
R
R
R
R
R
R
R
Status
White-necked Hawk
Savanna Hawk
Bicolored Hawk
tauató-miúdo
Accipiter striatus Vieillot, 1808
Sharp-shinned Hawk
tauató-passarinho Tiny Hawk
Accipiter superciliosus (Linnaeus, 1766)
Swallow-tailed Kite Rufous-thighed Kite Long-winged Harrier Gray-bellied Hawk
English Name
tauató-pintado
gaviãobombachinha gavião-dobanhado
gavião-tesoura
Nome em Português
Accipiter poliogaster (Temminck, 1824)
Circus buffoni (Gmelin, 1788)
Harpagus diodon (Temminck, 1823)
Elanoides forficatus (Linnaeus, 1758)
Accipitridae Vigors, 1824
Nome do Táxon
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
VU
NT
DD
VU
PR (2018)
VU
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
156
Spizaetus ornatus (Daudin, 1800)
Amaurolimnas concolor (Gosse, 1847)
Aramides saracura (Spix, 1825) * saracura-lisa
Uniform Crake
Gray-necked Wood-Rail Slaty-breasted saracura-do-mato Wood-Rail
saracura-matraca Clapper Rail
saracura-trêsAramides cajaneus (Statius Muller, 1776) potes
Rallus longirostris Boddaert, 1783
Rallidae Rafinesque, 1815
Aramus guarauna (Linnaeus, 1766)
Aramidae Bonaparte, 1852
Gruiformes Bonaparte, 1854 Limpkin
gavião-depenacho
Spizaetus melanoleucus (Vieillot, 1816)
Spizaetus tyrannus (Wied, 1820)
carão
gavião-pato
Buteo swainsoni Bonaparte, 1838
Buteo brachyurus Vieillot, 1816
Mantled Hawk Short-tailed Hawk Swainson’s Hawk Black HawkEagle Black-and-white Hawk-Eagle Ornate HawkEagle
Pseudastur polionotus (Kaup, 1847) * gavião-pombo
White-tailed Hawk
gavião-de-rabobranco
Geranoaetus albicaudatus (Vieillot, 1816)
gavião-de-caudacurta gavião-papagafanhoto gavião-pegamacaco
White-rumped Hawk
English Name
gavião-de-sobrebranco
Nome em Português
Parabuteo leucorrhous (Quoy & Gaimard, 1824)
Nome do Táxon
R
R
R
R
R
R
R
R
VN
R
R
R
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Status
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VU
EN
VU
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DD
NT
NT
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
157
sanã-carijó saracura-sanã galinha-d´água
Mustelirallus albicollis (Vieillot, 1819)
Pardirallus nigricans (Vieillot, 1819)
Gallinula galeata (Lichtenstein,1818)
batuíra-de-coleira Collared Plover
Charadrius collaris Vieillot, 1818
Charadrius semipalmatus Bonaparte, 1825
Vanellus chilensis (Molina, 1782)
Pluvialis dominica (Statius Muller, 1776)
quero-quero
Common Gallinule Spot-flanked Gallinule Purple Gallinule Red-gartered Coot
Blackish Rail
Rufous-sided Crake Gray-breasted Crake Ash-throated Crake
English Name
Southern Lapwing American batuiruçu Golden-Plover Semipalmated batuíra-de-bando Plover
Charadriiformes Huxley, 1867 Charadriidae Leach, 1820
Fulica armillata Vieillot, 1817
Porphyrio martinicus (Linnaeus, 1766)
galinha-d’águacarijó frango-d’águaazul carqueja-de-bicomanchado
sanã-do-capim
Laterallus exilis (Temminck, 1831)
Porphyriops melanops (Vieillot, 1819)
sanã-parda
Nome em Português
Laterallus melanophaius (Vieillot, 1819)
Nome do Táxon
R
VN
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R
R
R
R
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Status
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
NT
DD
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
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White-backed Stilt
American Oystercatcher
English Name
White-rumped Sandpiper Pectoral Sandpiper
maçarico-depapo-vermelho maçarico-branco maçarico-desobre-branco maçarico-decolete
Calidris canutus (Linnaeus, 1758)
Calidris alba (Pallas, 1764)
Calidris melanotos (Vieillot, 1819)
Calidris fuscicollis (Vieillot, 1819)
Sanderling
vira-pedras
Arenaria interpres (Linnaeus, 1758) Red Knot
VN
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VN
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VN
maçarico-deperna-amarela
Tringa flavipes (Gmelin, 1789)
Lesser Yellowlegs Ruddy Turnstone
VN
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R
R
R
Status
maçarico-grande- Greater de-perna-amarela Yellowlegs
South American Snipe Spotted maçarico-pintado Sandpiper Solitary maçarico-solitário Sandpiper narceja
pernilongo-decostas-brancas
piru-piru
Nome em Português
Tringa melanoleuca (Gmelin, 1789)
Tringa solitaria Wilson, 1813
Actitis macularius (Linnaeus, 1766)
Gallinago paraguaiae (Vieillot, 1816)
Scolopacidae Rafinesque, 1815
Himantopus melanurus Vieillot, 1817
Recurvirostridae Bonaparte, 1831
Haematopus palliatus Temminck, 1820
Haematopodidae Bonaparte, 1838
Nome do Táxon
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CR
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
159
Jacana jacana (Linnaeus, 1766)
pombo-doméstico Rock Pigeon
Columba livia Gmelin, 1789
R
R
rolinha
R Ruddy GroundDove
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VN
VN
Status
Black Skimmer
Columbina talpacoti (Temminck, 1811)
Royal Tern
talha-mar
trinta-réis-real
South American Tern Snowy-crowned Tern
trinta-réis-debico-vermelho trinta-réis-decoroa-branca trinta-réis-debando Cabot’s Tern
Common Tern
Rynchops niger Linnaeus, 1758
Rynchopidae Bonaparte, 1838
Thalasseus maximus (Boddaert, 1783)
Thalasseus acuflavidus (Cabot, 1847)
Sterna trudeaui Audubon, 1838
Sterna hirundinacea Lesson, 1831
Sterna hirundo Linnaeus, 1758
Kelp Gull
Brown-hooded Gull
Wattled Jacana
Buff-breasted Sandpiper Wilson’s Phalarope
English Name
trinta-réis-boreal
gaivotão
Larus dominicanus Lichtenstein, 1823
Sternidae Vigors, 1825
gaivota-mariavelha
Chroicocephalus maculipennis (Lichtenstein, 1823)
Laridae Rafinesque, 1815
jaçanã
pisa-n’água
Phalaropus tricolor (Vieillot, 1819)
Jacanidae Chenu & Des Murs, 1854
maçaricoacanelado
Nome em Português
Calidris subruficollis (Vieillot, 1819)
Nome do Táxon
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EN
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PR (2018)
EN
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VU
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
160
pomba-galega pomba-amargosa avoante juriti-pupu juriti-de-testabranca pariri
Patagioenas cayennensis (Bonnaterre, 1792)
Patagioenas plumbea (Vieillot, 1818) *
Zenaida auriculata (Des Murs, 1847)
Leptotila verreauxi Bonaparte, 1855
Leptotila rufaxilla (Richard & Bernard, 1792)
Geotrygon montana (Linnaeus, 1758)
alma-de-gato papa-lagarta papa-lagarta-deeuler anu-preto anu-branco
Piaya cayana (Linnaeus, 1766)
Coccyzus melacoryphus Vieillot, 1817
Coccyzus euleri Cabanis, 1873
Crotophaga ani Linnaeus, 1758
Guira guira (Gmelin, 1788)
Cuculidae Leach, 1820
Cuculiformes Wagler, 1830
asa-branca
Nome em Português
Patagioenas picazuro (Temminck, 1813)
Columbidae Leach, 1820
Columbiformes Latham, 1790
Nome do Táxon
Guira Cuckoo
Dark-billed Cuckoo Pearly-breasted Cuckoo Smooth-billed Ani
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Ruddy QuailDove
Squirrel Cuckoo
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Gray-fronted Dove
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Eared Dove
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Plumbeous Pigeon White-tipped Dove
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Status
Pale-vented Pigeon
Picazuro Pigeon
English Name
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PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
161
corujinha-domato
murucututu-debarriga-amarela coruja-do-mato
Pulsatrix koeniswaldiana (Bertoni & Bertoni, 1901) *
Strix virgata (Cassin, 1849) *
Nyctibius griseus (Gmelin, 1789)
Nyctibiidae Chenu & Des Murs, 1851 urutau
Common Potoo
Stygian Owl
mocho-diabo
Caprimulgiformes Ridgway, 1881
Asio stygius (Wagler, 1832)
Striped Owl
coruja-orelhuda
Asio clamator (Vieillot, 1808)
R
R
R
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R
coruja-buraqueira Burrowing Owl
R
Least PygmyOwl
R
R
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R
R
R
Status
Mottled Owl
Tawny-browed Owl
Tropical Screech-Owl Black-capped Screech-Owl Long-tufted Screech-Owl
Barn Owl
Athene cunicularia (Molina, 1782)
Glaucidium minutissimum (Wied, 1830) * caburé-miudinho
corujinha-do-sul
Megascops sanctaecatarinae (Salvin, 1897) *
Megascops atricapilla (Temminck, 1822) * corujinha-sapo
Megascops choliba (Vieillot, 1817)
Strigidae Leach, 1820
Tyto furcata (Temminck, 1827)
Tytonidae Mathews, 1912 suindara
Dromococcyx pavoninus Pelzeln, 1870
Strigiformes Wagler, 1830
Striped Cuckoo Pavonine Cuckoo
saci
English Name
peixe-fritopavonino
Nome em Português
Tapera naevia (Linnaeus, 1766)
Nome do Táxon
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PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
162
corucão
Podager nacunda (Vieillot, 1817)
Panyptila cayennensis (Gmelin, 1789)
Chaetura meridionalis Hellmayr, 1907
Chaetura cinereiventris Sclater, 1862 *
Streptoprocne biscutata (Sclater, 1866)
Streptoprocne zonaris (Shaw, 1796)
Cypseloides fumigatus (Streubel, 1848)
Apodidae Olphe-Galliard, 1887
Scissor-tailed Nightjar Nacunda Nighthawk
R R
Lesser Swallowtailed Swift
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Gray-rumped Swift Sick’s Swift
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Status
Biscutate Swift
White-collared Swift
bacurau-tesoura
Hydropsalis torquata (Gmelin, 1789)
Pauraque
taperuçu-decoleira-branca taperuçu-decoleira-falha andorinhão-desobre-cinzento andorinhão-dotemporal andorinhãoestofador
bacurau
Hydropsalis albicollis (Gmelin, 1789)
Sooty Swift
tuju
Lurocalis semitorquatus (Gmelin, 1789)
Rufous Nightjar Silky-tailed Nightjar Short-tailed Nighthawk
English Name
taperuçu-preto
bacurau-rabo-deseda
Antrostomus sericocaudatus Cassin, 1849 *
Apodiformes Peters, 1940
joão-corta-pau
Nome em Português
Antrostomus rufus (Boddaert, 1783)
Caprimulgidae Vigors, 1825
Nome do Táxon
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NT
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
163
beija-flor-tesoura
rabo-brancopequeno rabo-branco-degarganta-rajada
beija-flor-rajado
Nome em Português
Amazilia versicolor (Vieillot, 1818) *
Leucochloris albicollis (Vieillot, 1818) *
Thalurania glaucopis (Gmelin, 1788) *
Chlorostilbon lucidus (Shaw, 1812)
Lophornis chalybeus (Vieillot, 1822) *
Stephanoxis loddigesii (Goul, 1831) *
Anthracothorax nigricollis (Vieillot, 1817)
Florisuga fusca (Vieillot, 1817) *
besourinho-debico-vermelho beija-flor-defronte-violeta beija-flor-depapo-branco beija-flor-debanda-branca
topetinho-verde
Black Jacobin Black-throated Mango Violet-crowned Plovercrest Festive Coquette Glitteringbellied Emerald Violet-capped Woodnymph White-throated Hummingbird Versicolored Emerald
beija-flor-preto
Saw-billed Hermit Dusky-throated Hermit Scale-throated Hermit Swallow-tailed Hummingbird Sombre Hummingbird
English Name
beija-flor-deveste-preta beija-flor-detopete-azul
Aphantochroa cirrochloris (Vieillot, 1818) # beija-flor-cinza
Eupetomena macroura (Gmelin, 1788)
Phaethornis eurynome (Lesson, 1832) *
Phaethornis squalidus (Temminck, 1822) #*
Ramphodon naevius (Dumont, 1818) #*
Trochilidae Vigors, 1825
Nome do Táxon
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PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
164
beija-flor-degarganta-verde
Nome em Português
Chloroceryle americana (Gmelin, 1788)
Chloroceryle aenea (Pallas, 1764)
Chloroceryle amazona (Latham, 1790)
Megaceryle torquata (Linnaeus, 1766)
Alcedinidae Rafinesque, 1815
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Black-throated Trogon
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Status
Surucua Trogon
White-tailed Trogon
Black-eared Fairy Amethyst Woodstar
Brazilian Ruby
Glitteringthroated Emerald
English Name
Ringed Kingfisher Amazon Kingfisher American martim-pescadorPygmy miúdo Kingfisher martim-pescador- Green pequeno Kingfisher
surucuá-dourado
Trogon rufus Gmelin, 1788
martim-pescadorgrande martim-pescadorverde
surucuá-variado
Trogon surrucura Vieillot, 1817 *
Coraciiformes Forbes, 1844
surucuá-debarriga-amarela
Trogon viridis Linnaeus, 1766
Trogonidae Lesson, 1828
Trogoniformes A. O. U., 1886
Calliphlox amethystina (Boddaert, 1783)
Heliothryx auritus (Gmelin, 1788)
beija-flor-debochecha-azul estrelinhaametista
Heliodoxa rubricauda (Boddaert, 1783) #* beija-flor-rubi
Amazilia fimbriata (Gmelin, 1788)
Nome do Táxon
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
NT
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
165
Picumnus temminckii Lafresnaye, 1845 *
picapauzinho-decoleira
araçari-banana
Pteroglossus bailloni (Vieillot, 1819) *
Picidae Leach, 1820
araçari-poca
Selenidera maculirostris (Lichtenstein, 1823) *
Ramphastos dicolorus Linnaeus, 1766 *
Ramphastos vitellinus Lichtenstein, 1823
Ramphastidae Vigors, 1825 tucano-de-bicopreto tucano-de-bicoverde
barbudo-rajado
Malacoptila striata (Spix, 1824) #*
juruva
macuru-debarriga-castanha
Piciformes Meyer & Wolf, 1810
English Name
Ochre-collared Piculet
Channel-billed Toucan Red-breasted Toucan Spot-billed Toucanet Saffron Toucanet
Buff-bellied Puffbird Crescentchested Puffbird
Rufous-capped Motmot
Greenmartim-pescadorand-rufous da-mata Kingfisher
Nome em Português
Notharchus swainsoni (Gray, 1846) *
Bucconidae Horsfield, 1821
Galbuliformes Fürbringer, 1888
Baryphthengus ruficapillus (Vieillot, 1818) *
Momotidae Gray, 1840
Chloroceryle inda (Linnaeus, 1766)
Nome do Táxon
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Status
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VU
NT
NT
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
166 carcará carrapateiro acauã falcão-caburé
Milvago chimachima (Vieillot, 1816)
Herpetotheres cachinnans (Linnaeus, 1758)
Micrastur ruficollis (Vieillot, 1817)
pica-pau-rei
pica-pau-verdebarrado pica-pau-docampo pica-pau-decabeça-amarela pica-pau-debanda-branca
pica-pau-bufador
benedito-detesta-amarela picapauzinhoverde-carijó
pica-pau-branco
Nome em Português
Caracara plancus (Miller, 1777)
Falconidae Leach, 1820
Falconiformes Bonaparte, 1831
Campephilus robustus (Lichtenstein, 1818) *
Dryocopus lineatus (Linnaeus, 1766)
Celeus flavescens (Gmelin, 1788)
Colaptes campestris (Vieillot, 1818)
Colaptes melanochloros (Gmelin, 1788)
Piculus flavigula (Boddaert, 1783)
Veniliornis spilogaster (Wagler, 1827) *
Melanerpes flavifrons (Vieillot, 1818) *
Melanerpes candidus (Otto, 1796)
Nome do Táxon
Southern Caracara Yellow-headed Caracara Laughing Falcon Barred ForestFalcon
Blond-crested Woodpecker Lineated Woodpecker Robust Woodpecker
Campo Flicker
White Woodpecker Yellow-fronted Woodpecker White-spotted Woodpecker Yellow-throated Woodpecker Green-barred Woodpecker
English Name
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Status
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PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
167
falcão-de-coleira falcão-peregrino
Falco femoralis Temminck, 1822
Falco peregrinus Tunstall, 1771
Plain Parakeet Brown-backed Parrotlet Red-capped Parrot Scaly-headed Parrot Red-tailed Parrot Blue-bellied Parrot
periquito-verde apuim-de-costaspretas cuiú-cuiú maitaca papagaio-decara-roxa sabiá-cica
Touit melanonotus (Wied, 1820) #*
Pionopsitta pileata (Scopoli, 1769) *
Pionus maximiliani (Kuhl, 1820) *
Amazona brasiliensis (Linnaeus, 1758) #*
Triclaria malachitacea (Spix, 1824) *
Maroon-bellied Parakeet Blue-winged Parrotlet
Collared Forest-Falcon American Kestrel Aplomado Falcon Peregrine Falcon
English Name
Brotogeris tirica (Gmelin, 1788) #*
tuim
Forpus xanthopterygius (Spix, 1824)
Pyrrhura frontalis (Vieillot, 1817) *
Psittacidae Rafinesque, 1815 tiriba
quiriquiri
Falco sparverius Linnaeus, 1758
Psittaciformes Wagler, 1830
falcão-relógio
Nome em Português
Micrastur semitorquatus (Vieillot, 1817)
Nome do Táxon
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Status
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VU
VU
PR (2018)
VU
BR (2018)
VU
IUCN (2019)
(continuação)
168
bicudinho-dobrejo choquinha-deStar-throated garganta-pintada Antwren choquinha-depeito-pintado choquinha-lisa choquinha-deasa-ferrugem chorozinho-deasa-vermelha choca-da-mata chocão-carijó matracão
Formicivora acutirostris Bornschein, Reinert & Teixeira, 1995 #*
Rhopias gularis (Spix, 1825) #*
Dysithamnus stictothorax (Temminck, 1823) #*
Dysithamnus mentalis (Temminck, 1823)
Dysithamnus xanthopterus Burmeister, 1856 #*
Herpsilochmus rufimarginatus (Temminck, 1822) *
Thamnophilus caerulescens Vieillot, 1816
Hypoedaleus guttatus (Vieillot, 1816) *
Batara cinerea (Vieillot, 1819) *
Giant Antshrike
Variable Antshrike Spot-backed Antshrike
Rufous-winged Antwren
Rufous-backed Antvireo
Plain Antvireo
Spot-breasted Antvireo
Parana Antwren
choquinhacinzenta
Myrmotherula unicolor (Ménétriès, 1835) #*
Streak-capped Antwren Unicolored Antwren
English Name
zidedê
Nome em Português
Terenura maculata (Wied, 1831) *
Thamnophilidae Swainson, 1824
Passeriformes Linnaeus, 1758
Nome do Táxon
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Status
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
VU
EN
PR (2018)
EN
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
169
borralhara
Nome em Português English Name
cuspidor-demáscara-preta
Conopophaga melanops (Vieillot, 1818) #*
tovacuçu pinto-do-mato
Grallaria varia (Boddaert, 1783) *
Hylopezus nattereri (Pinto, 1937) *
Grallariidae Sclater & Salvin, 1873
chupa-dente
Conopophaga lineata (Wied, 1831) *
Conopophagidae Sclater & Salvin, 1873
Variegated Antpitta Specklebreasted Antpitta
Rufous Gnateater Black-cheeked Gnateater
Tufted Antshrike White-bearded Biatas nigropectus (Lafresnaye, 1850) * papo-branco Antshrike papa-formiga-de- Squamate Myrmoderus squamosus Pelzeln, 1868 #* grota Antbird WhitePyriglena leucoptera (Vieillot, 1818) * papa-taoca-do-sul shouldered Fire-eye Ferruginous Drymophila ferruginea (Temminck, 1822) #* trovoada Antbird choquinha-deOchre-rumped Drymophila ochropyga (Hellmayr, 1906) #* dorso-vermelho Antbird Dusky-tailed Drymophila malura (Temminck, 1825) * choquinha-carijó Antbird Drymophila squamata (Lichtenstein, pintadinho Scaled Antbird 1823) #*
Mackenziaena severa (Lichtenstein, 1823) *
Nome do Táxon
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
R
Status
NT
NT
NT
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
170
entufado
Nome em Português
arapaçu-liso arapaçu-verde arapaçu-rajado arapaçu-de-bicotorto arapaçu-grande
Dendrocincla turdina (Lichtenstein, 1820) *
Sittasomus griseicapillus (Vieillot, 1818)
Xiphorhynchus fuscus (Vieillot, 1818) *
Campylorhamphus falcularius (Vieillot, 1822) *
Dendrocolaptes platyrostris Spix, 1825
Dendrocolaptidae Gray, 1840
Sclerurus scansor (Ménétriès, 1835) * vira-folha
tovacacampainha
Chamaeza campanisona (Lichtenstein, 1823) *
Scleruridae Swainson, 1827
galinha-do-mato
tapaculo-pintado
Formicarius colma Boddaert, 1783
Formicariidae Gray, 1840
Psilorhamphus guttatus (Ménétriès, 1835)
Eleoscytalopus indigoticus (Wied, 1831) #* macuquinho
Merulaxis ater Lesson, 1830 #*
Rhinocryptidae Wetmore, 1930 (1837)
Nome do Táxon
Plain-winged Woodcreeper Olivaceous Woodcreeper Lesser Woodcreeper Black-billed Scythebill Planalto Woodcreeper
Rufousbreasted Leaftosser
Rufous-capped Antthrush Short-tailed Antthrush
Slaty Bristlefront White-breasted Tapaculo Spotted Bamboowren
English Name
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Status
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
VU
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
171 Ochre-breasted Foliage-gleaner Black-capped Foliage-gleaner Buff-fronted Foliage-gleaner Pale-browed Treehunter
limpa-folhacoroado limpa-folha-detesta-baia trepadorsobrancelha
Cichlocolaptes leucophrus (Jardine & Selby, 1830) #*
Philydor rufum (Vieillot, 1818) *
Philydor atricapillus (Wied, 1821) *
bate-bico
limpa-folhaocráceo
Anabacerthia amaurotis (Temminck, 1823) *
Anabazenops fuscus (Vieillot, 1816) #*
Lochmias nematura (Lichtenstein, 1823)
Phleocryptes melanops (Vieillot, 1817)
Anabacerthia lichtensteini Cabanis & Heine, 1859 *
Rufous Hornero
Streaked Xenops
Automolus leucophthalmus (Wied, 1821) *
joão-de-barro
bico-virado-carijó
Wren-like Rushbird Sharp-tailed joão-porca Streamcreeper barranqueiro-de- White-eyed olho-branco Foliage-gleaner White-collared trepador-coleira Foliage-gleaner White-browed limpa-folha-miúdo Foliage-gleaner
Furnarius rufus (Gmelin, 1788)
Furnariidae Gray, 1840
Xenops rutilans Temminck, 1821
Xenops minutus (Sparrman, 1788) bico-virado-miúdo Plain Xenops
White-throated Woodcreeper
arapaçu-degarganta-branca
Xiphocolaptes albicollis (Vieillot, 1818)
Xenopidae Bonaparte, 1854
English Name
Nome em Português
Nome do Táxon
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NT
EN
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
172
pichororé joão-teneném
Synallaxis ruficapilla Vieillot, 1819 *
Synallaxis spixi Sclater, 1856
rendeira
araponga-dohorto
tangará
assanhadinho
Myiobius barbatus (Gmelin, 1789)
Tityra inquisitor (Lichtenstein, 1823)
anambé-brancode-bochechaparda
Schiffornis virescens (Lafresnaye, 1838) * flautim
Tityridae Gray, 1840
maria-leque-dosudeste
Onychorhynchus swainsoni (Pelzeln, 1858) #*
Onychorhynchidae Tello, Moyle, Marchese & Cracraft, 2009
Oxyruncus cristatus Swainson, 1821
Oxyruncidae Ridgway, 1906 (1831)
Chiroxiphia caudata (Shaw & Nodder, 1793) *
Ilicura militaris (Shaw & Nodder, 1809) #* tangarazinho
Manacus manacus (Linnaeus, 1766)
Pipridae Rafinesque, 1815
Cranioleuca obsoleta (Reichenbach, 1853) * arredio-oliváceo
curutié
Nome em Português
Certhiaxis cinnamomeus (Gmelin, 1788)
Nome do Táxon
Black-crowned Tityra
Greenish Schiffornis
Atlantic Royal Flycatcher Whiskered Flycatcher
Sharpbill
White-bearded Manakin Pin-tailed Manakin Swallow-tailed Manakin
Olive Spinetail
Spix’s Spinetail
Yellow-chinned Spinetail Rufous-capped Spinetail
English Name
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Status
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VU
PR (2018)
BR (2018)
VU
IUCN (2019)
(continuação)
173
caneleiro-verde
Pachyramphus viridis (Vieillot, 1816) Green-backed
Black-tailed Tityra
English Name
pavó tropeiro-da-serra araponga
Pyroderus scutatus (Shaw, 1792) *
Lipaugus lanioides (Lesson, 1844) #*
Procnias nudicollis (Vieillot, 1817) *
patinho patinho-de-asacastanha
Platyrinchus mystaceus Vieillot, 1818 *
Platyrinchus leucoryphus Wied, 1831 *
Platyrinchidae Bonaparte, 1854
corocochó
Carpornis cucullata (Swainson, 1821) #*
Cotingidae Bonaparte, 1849
White-throated Spadebill Russet-winged Spadebill
Hooded Berryeater Red-ruffed Fruitcrow Cinnamonvented Piha Bare-throated Bellbird
ChestnutPachyramphus castaneus (Jardine & caneleiro crowned Selby, 1827) Becard Pachyramphus polychopterus (Vieillot, White-winged caneleiro-preto 1818) Becard Pachyramphus marginatus (Lichtenstein, Black-capped caneleiro-bordado 1823) Becard Pachyramphus validus (Lichtenstein, caneleiro-deCrested Becard 1823) chapéu-preto
anambé-brancode-rabo-preto
Nome em Português
Tityra cayana (Linnaeus, 1766)
Nome do Táxon
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VU
NT
VU
PR (2018)
BR (2018)
VU
VU
IUCN (2019)
(continuação)
174
abre-asa-decabeça-cinza
papa-piri
Nome em Português Many-colored Rush Tyrant
English Name
Mionectes rufiventris Cabanis, 1846 *
Gray-hooded Flycatcher Leptopogon amaurocephalus Tschudi, Sepia-capped cabeçudo 1846 Flycatcher borboletinha-do- Mottle-cheeked Phylloscartes ventralis (Temminck, 1824) * mato Tyrannulet Restinga Phylloscartes kronei Willis & Oniki, 1992 #* maria-da-restinga Tyrannulet papa-moscas-de- Oustalet’s Phylloscartes oustaleti (Sclater, 1887) #* olheiras Tyrannulet Phylloscartes paulista Ihering & Ihering, Sao Paulo não-pode-parar 1907 * Tyrannulet Phylloscartes sylviolus (Cabanis & Heine, Bay-ringed maria-pequena 1859) * Tyrannulet Phylloscartes difficilis (Ihering & Ihering, Serra do Mar estalinho 1907) #* Tyrannulet bico-chato-deYellow-olive Tolmomyias sulphurescens (Spix, 1825) orelha-preta Flycatcher Yellow-lored Todirostrum poliocephalum (Wied, 1831) #* teque-teque Tody-Flycatcher Common TodyTodirostrum cinereum (Linnaeus, 1766) ferreirinho-relógio Flycatcher Poecilotriccus plumbeiceps (Lafresnaye, Ochre-faced tororó 1846) Tody-Flycatcher
Rhynchocyclidae Berlepsch, 1907
Tachuris rubrigastra (Vieillot, 1817)
Tachurisidae (Ohlson et al. 2013)
Nome do Táxon
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VU
VU
VU
EN
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
175
Nome em Português English Name
guaracavacinzenta
Myiopagis caniceps (Swainson, 1835)
Phyllomyias fasciatus (Thunberg, 1822) * piolhinho
Phyllomyias virescens (Temminck, 1824) * piolhinho-verdoso
tucão
guaracava-debarriga-amarela guaracava-debico-curto
risadinha
gibão-de-couro
miudinho
Elaenia obscura (d’Orbigny & Lafresnaye, 1837)
Elaenia parvirostris Pelzeln, 1868
Elaenia flavogaster (Thunberg, 1822)
Camptostoma obsoletum (Temminck, 1824)
Hirundinea ferruginea (Gmelin, 1788)
Tyrannidae Vigors, 1825
Myiornis auricularis (Vieillot, 1818) *
Greenish Tyrannulet Planalto Tyrannulet
Gray Elaenia
Southern BeardlessTyrannulet Yellow-bellied Elaenia Small-billed Elaenia Highland Elaenia
Cliff Flycatcher
Eared PygmyTyrant tiririzinho-doEye-ringed Hemitriccus orbitatus (Wied, 1831) #* mato Tody-Tyrant Hemitriccus obsoletus (Miranda-Ribeiro, Brown-breasted catraca 1906) * Pygmy-Tyrant tachuriHangnest TodyHemitriccus nidipendulus (Wied, 1831) #* campainha Tyrant Kaempfer’s Hemitriccus kaempferi (Zimmer, 1953) #* maria-catarinense Tody-Tyrant
Nome do Táxon
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
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Status
EN
PR (2018)
VU
BR (2018)
VU
IUCN (2019)
(continuação)
176
piolhinho-serrano
Phyllomyias griseocapilla Sclater, 1862 #*
capitão-castanho capitão-de-saíra bem-te-vi-pirata
Attila phoenicurus Pelzeln, 1868
Attila rufus (Vieillot, 1819) #*
Legatus leucophaius (Vieillot, 1818)
gritador bem-te-vi suiriri-cavaleiro
Sirystes sibilator (Vieillot, 1818)
Pitangus sulphuratus (Linnaeus, 1766)
Machetornis rixosa (Vieillot, 1819)
Megarynchus pitangua (Linnaeus, 1766) neinei
Myiodynastes maculatus (Statius Muller, bem-te-vi-rajado 1776)
maria-cavaleira
Myiarchus ferox (Gmelin, 1789)
irré
maria-cabeçuda
alegrinho
Serpophaga subcristata (Vieillot, 1817)
Ramphotrigon megacephalum (Swainson, 1835) Myiarchus swainsoni Cabanis & Heine, 1859
joão-pobre
Serpophaga nigricans (Vieillot, 1817)
Pseudocolopteryx flaviventris (d’Orbigny amarelinho-do& Lafresnaye, 1837) # junco
Nome em Português
Nome do Táxon
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Cattle Tyrant Streaked Flycatcher Boat-billed Flycatcher
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Status
Great Kiskadee
Sirystes
Gray-capped Tyrannulet Warbling Doradito Sooty Tyrannulet White-crested Tyrannulet Rufous-tailed Attila Gray-hooded Attila Piratic Flycatcher Large-headed Flatbill Swainson’s Flycatcher Short-crested Flycatcher
English Name
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
NT
VU
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
177
Knipolegus cyanirostris (Vieillot, 1818)
Contopus cinereus (Spix, 1825)
Lathrotriccus euleri (Cabanis, 1868)
Cnemotriccus fuscatus (Wied, 1831)
Arundinicola leucocephala (Linnaeus, 1764)
Fluvicola nengeta (Linnaeus, 1766)
Pyrocephalus rubinus (Boddaert, 1783)
Myiophobus fasciatus (Statius Muller, 1776)
Colonia colonus (Vieillot, 1818)
Conopias trivirgatus (Wied, 1831)
Empidonomus varius (Vieillot, 1818)
Tyrannus savana Vieillot, 1808
Tyrannus melancholicus Vieillot, 1819
Myiozetetes similis (Spix, 1825)
Nome do Táxon
English Name
bentevizinho-de- Social penacho-vermelho Flycatcher Tropical suiriri Kingbird Fork-tailed tesourinha Flycatcher Variegated peitica Flycatcher bem-te-viThree-striped pequeno Flycatcher Long-tailed viuvinha Tyrant Bran-colored filipe Flycatcher Vermilion príncipe Flycatcher lavadeiraMasked Watermascarada Tyrant White-headed freirinha Marsh Tyrant Fuscous guaracavuçu Flycatcher Euler’s enferrujado Flycatcher papa-moscasTropical Pewee cinzento maria-preta-deBlue-billed bico-azulado Black-Tyrant
Nome em Português
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Status
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
178
verdinho-coroado
Hylophilus poicilotis Temminck, 1822
R R R R
Blue-and-white Swallow Southern Rough-winged Swallow Brown-chested Martin
andorinhapequena-de-casa andorinhaserradora andorinha-docampo
andorinhaGray-breasted doméstica-grande Martin
Stelgidopteryx ruficollis (Vieillot, 1817)
Progne tapera (Vieillot, 1817)
Progne chalybea (Gmelin, 1789)
R
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Azure Jay
®
Chivi Vireo Rufous-crowned Greenlet
R
Pygochelidon cyanoleuca (Vieillot, 1817)
Hirundinidae Rafinesque, 1815
Cyanocorax caeruleus (Vieillot, 1818) gralha-azul
juruviara
Vireo chivi (Vieillot, 1817)
Corvidae Leach, 1820
pitiguari
Cyclarhis gujanensis (Gmelin, 1789)
Rufous-browed Peppershrike
R
Yellow-browed Tyrant
suiriri-pequeno
Satrapa icterophrys (Vieillot, 1818)
Vireonidae Swainson, 1837
®
Spectacled Tyrant
viuvinha-deóculos
Hymenops perspicillatus (Gmelin, 1789)
R
Status
Velvety BlackTyrant
English Name
maria-pretade-gargantavermelha
Nome em Português
Knipolegus nigerrimus (Vieillot, 1818) #
Nome do Táxon
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
179
White-rumped Swallow Barn Swallow
andorinha-desobre-branco andorinha-debando
Tachycineta leucorrhoa (Vieillot, 1817)
Hirundo rustica Linnaeus, 1758
sabiá-una sabiá-barranco sabiá-laranjeira sabiá-poca sabiá-ferreiro sabiá-coleira
Turdus flavipes Vieillot, 1818
Turdus leucomelas Vieillot, 1818
Turdus rufiventris Vieillot, 1818
Turdus amaurochalinus Cabanis, 1850
Turdus subalaris (Seebohm, 1887)
Turdus albicollis Vieillot, 1818
Turdidae Rafinesque, 1815
Ramphocaenus melanurus Vieillot, 1819 chirito
garrinchão-debico-grande
Cantorchilus longirostris (Vieillot, 1819) #
Polioptilidae Baird, 1858
corruíra
Troglodytes musculus Naumann, 1823
Troglodytidae Swainson, 1831
Yellow-legged Thrush Pale-breasted Thrush Rufous-bellied Thrush Creamy-bellied Thrush Eastern Slaty Thrush White-necked Thrush
Long-billed Gnatwren
Southern House Wren Long-billed Wren
English Name
Nome em Português
Nome do Táxon
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PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
180
tico-tico
Rufous-collared Sparrow Half-collared Sparrow
Yellowish Pipit
Chalk-browed Mockingbird White-banded Mockingbird
English Name
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VS
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Status
pia-cobra pula-pula pula-pularibeirinho
Geothlypis aequinoctialis (Gmelin, 1789)
Basileuterus culicivorus (Deppe, 1830)
Myiothlypis rivularis (Wied, 1821)
guaxe asa-de-telha
Cacicus haemorrhous (Linnaeus, 1766)
Agelaioides badius (Vieillot, 1819)
Icteridae Vigors, 1825
mariquita
Setophaga pitiayumi (Vieillot, 1817)
Red-rumped Cacique Bay-winged Cowbird
Masked Yellowthroat Goldencrowned Warbler Neotropical River Warbler
Tropical Parula
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
Parulidae Wetmore, Friedmann, Lincoln, Miller, Peters, van Rossem, Van Tyne & Zimmer 1947
Arremon semitorquatus Swainson, 1838 #* tico-tico-do-mato
Zonotrichia capensis (Statius Muller, 1776)
Passerellidae Cabanis & Heine, 1850
Anthus lutescens Pucheran, 1855
caminheirozumbidor
calhandra-detrês-rabos
Mimus triurus (Vieillot, 1818)
Motacillidae Horsfield, 1821
sabiá-do-campo
Nome em Português
Mimus saturninus (Lichtenstein, 1823)
Mimidae Bonaparte, 1853
Nome do Táxon
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
181
Shiny Cowbird White-browed Blackbird
vira-bosta polícia-inglesado-sul
Molothrus bonariensis (Gmelin, 1789)
Sturnella superciliaris (Bonaparte, 1850)
sanhaço-papalaranja
Pipraeidea bonariensis (Gmelin, 1789)
saíra-sete-cores saíra-militar saíra-lagarta sanhaço-cinzento sanhaço-deencontro-azul
Tangara seledon (Statius Muller, 1776)
Tangara cyanocephala (Statius Muller, 1776)
Tangara desmaresti (Vieillot, 1819) *
Tangara sayaca (Linnaeus, 1766)
Tangara cyanoptera (Vieillot, 1817) #*
Stephanophorus diadematus (Temminck, sanhaço-frade 1823)
saíra-viúva
catirumbava
Pipraeidea melanonota (Vieillot, 1819)
Thraupidae Cabanis, 1847
Orthogonys chloricterus (Vieillot, 1819) #*
Fawn-breasted Tanager Blue-and-yellow Tanager Diademed Tananger Green-headed Tanager Red-necked Tanager Brassy-breasted Tanager Sayaca Tanager Azureshouldered Tanager
Olive-green Tanager
Mitrospingidae Barker, Burns, Klicka, Lanyon & Lovette, 2013
Giant Cowbird
iraúna-grande
Molothrus oryzivorus (Gmelin, 1788)
Chestnutcapped Blackbird
English Name
garibaldi
Nome em Português
Chrysomus ruficapillus (Vieillot, 1819)
Nome do Táxon
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PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(continuação)
182
sanhaço-docoqueiro
Nome em Português Palm Tanager
English Name
saí-verde
Chlorophanes spiza (Linnaeus, 1758)
tiziu tiê-de-topete tiê-galo tiê-preto
Volatinia jacarina (Linnaeus, 1766)
Trichothraupis melanops (Vieillot, 1818)
Lanio cristatus (Linnaeus, 1766)
Tachyphonus coronatus (Vieillot, 1822) *
Hemithraupis ruficapilla (Vieillot, 1818) #* saíra-ferrugem
canário-da-terra cigarra-bambu
Sicalis flaveola (Linnaeus, 1766)
Haplospiza unicolor Cabanis, 1851
Tangara ornata (Sparrman, 1789) #*
Green Honeycreeper Rufous-headed Tanager Blue-black Grassquit Black-goggled Tanager Flame-crested Tanager Ruby-crowned Tanager
Uniform Finch
Saffron Finch
Goldensanhaço-dechevroned encontro-amarelo Tanager Black-backed Tangara peruviana (Desmarest, 1806) #* saíra-sapucaia Tanager ChestnutTangara preciosa (Cabanis, 1850) * saíra-preciosa backed Tanager figuinha-de-rabo- ChestnutConirostrum speciosum (Temminck, 1824) castanho vented Conebill figuinha-doBicolored Conirostrum bicolor (Vieillot, 1809) mangue Conebill
Tangara palmarum (Wied, 1823)
Nome do Táxon
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
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Status
PR (2018)
BR (2018)
VU
IUCN (2019)
(continuação)
183
Nome em Português
Sooty Grassquit
saí-azul cambacica cigarra-docoqueiro bigodinho pixoxó
Dacnis cayana (Linnaeus, 1766)
Coereba flaveola (Linnaeus, 1758)
Tiaris fuliginosus (Wied, 1830)
Sporophila lineola (Linnaeus, 1758)
Sporophila frontalis (Verreaux, 1869) *
coleirinho curió trinca-ferro bico-de-pimenta
Sporophila caerulescens (Vieillot, 1823)
Sporophila angolensis (Linnaeus, 1766)
Saltator similis d’Orbigny & Lafresnaye, 1837
Saltator fuliginosus (Daudin, 1800) *
Sporophila falcirostris (Temminck, 1820) * cigarra
Bananaquit
saí-de-pernaspretas
Dacnis nigripes Pelzeln, 1856 #*
Lined Seedeater Buffy-fronted Seedeater Temminck’s Seedeater Double-collared Seedeater Chestnutbellied SeedFinch Green-winged Saltator Black-throated Grosbeak
Blue Dacnis
Black-legged Dacnis
saí-andorinha
Brazilian Tanager Swallow Tanager
English Name
Tersina viridis (Illiger, 1811)
Ramphocelus bresilius (Linnaeus, 1766) #* tiê-sangue
Nome do Táxon
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
VU
EN
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VU
PR (2018)
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VU
BR (2018)
VU
IUCN (2019)
(continuação)
184
cabecinhacastanha tiê-de-bando
Pyrrhocoma ruficeps (Strickland, 1844) *
Habia rubica (Vieillot, 1817) *
gaturamobandeira
Chlorophonia cyanea (Thunberg, 1822) *
Passer domesticus (Linnaeus, 1758)
Passeridae Rafinesque, 1815
Estrilda astrild (Linnaeus, 1758)
pardal
bico-de-lacre
ferro-velho
Euphonia pectoralis (Latham, 1801) *
Estrildidae Bonaparte, 1850
gaturamo-rei
Euphonia cyanocephala (Vieillot, 1818) *
House Sparrow
Common Waxbill
Euphonia violacea (Linnaeus, 1758) cais-cais
Violaceous Euphonia Green-throated Euphonia Golden-rumped Euphonia Chestnutbellied Euphonia Blue-naped Chlorophonia
gaturamoverdadeiro
Euphonia chalybea (Mikan, 1825) *
Hooded Siskin
pintassilgo
Orangeheaded Tanager Chestnutheaded Tanager Red-crowned Ant-Tanager
English Name
Spinus magellanicus (Vieillot, 1805)
Fringillidae Leach, 1820
saí-canário
Nome em Português
Thlypopsis sordida (d’Orbigny & Lafresnaye, 1837)
Nome do Táxon
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Status
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1 2 3 4 5 6 PNSHL
PR (2018)
BR (2018)
IUCN (2019)
(conclusão)
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
(#) Espécies endêmicas do Brasil (PIACENTINI et al., 2015). * Espécie endêmica do Bioma Mata Atlântica (Bencke et al., 2006). Status de Ocorrência: R - residente (evidências de reprodução no país disponíveis); VS = visitante sazonal oriundo do sul do continente; VN = visitante sazonal oriundo do hemisfério norte seguindo o proposto por Piacentini et al. (2015). ® Espécie considerada migrante sazonal na região do estudo. Base de informações: 1) amostragens realizadas nos anos de 2012 e 2013, para caracterizar a comunidade de aves em diferentes ambientes no PNSHL e seu entorno; 2) Dados de amostras casuais entre 2015 e 2016 em aulas de campo de Ornitologia (na Universidade Federal do Paraná); 3) uma compilação das espécies registradas em 2017 durante um estudo no PNSHL e entorno; 4) Incursões esporádicas entre os anos de 1998 e 2014 no PNSHL e entorno; 5) Lista das espécies registradas por observadores de aves no site wikiaves (www.wikiaves.com.br) no município de Matinhos até 2020 e 6) Lista das espécies registradas no site wikiaves no município de Guaratuba até 2020. PNSHL: nesta coluna estão citadas as espécies com registros comprovados para esta unidade de conservação. Categorias de ameaça de extinção: Estadual (PARANÁ, 2018), Nacional (ICMBIO, 2018), Mundial (IUCN, 2019).
185
CARACTERIZAÇÃO DAS UNIDADES DE PAISAGEM DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO RIBEIRÃO, MATA ATLÂNTICA COSTEIRA DO PARANÁ: APONTAMENTOS SOBRE O RISCO DE ANTROPIZAÇÃO CRÔNICA NO MANANCIAL DE ABASTECIMENTO PÚBLICO Marili Miretzki Fernanda de Souza Sezerino Paulo Henrique Carneiro Marques Liliani Marília Tiepolo
Paranaguá e o contexto regional Foi no município de Paranaguá, nos anos de 1550, que o povoamento do litoral paranaense teve início, quando, através da sua baía homônima, os navegadores portugueses chegaram em busca de ouro e demais riquezas naturais. Em 1885, foi construída a estrada de ferro, que ligou a planície aos planaltos de Curitiba, e após 50 anos foi instalado o Porto Dom Pedro II, determinando assim o perfil econômico da região e influenciando diretamente no ordenamento do território (SEZERINO; TIEPOLO, 2016a). Conhecido como Porto de Paranaguá, é considerado o segundo maior em volume de exportações das commodities brasileiras e o primeiro da América Latina em movimentação de grãos. Paranaguá possui 140.469 mil habitantes em uma área de 826.674 km² sendo município polo do litoral do Paraná (IBGE, 2010). O município possui em seus limites territoriais cinco Unidades de Conservação (UC): Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange, Parque Estadual do Palmito, Estação Ecológica de Guaraguaçu, Estação Ecológica da Ilha do Mel e Parque Estadual Ilha do Mel. 187
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Dentre estas, destaca-se o Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange (PNSHL), criado em 2001, para proteger integralmente a Serra da Prata, uma porção inserida na Serra do Mar, cuja fitofisionomia é caracterizada pelas diversas feições da Floresta Ombrófila Densa (FOD), nos domínios do Bioma Mata Atlântica, além de ser um dos hotspot mais importantes do planeta (COLOMBO; JOLY, 2010). Esta região também é considerada uma das mais vulneráveis às mudanças climáticas, tendo em vista que apenas 14% de suas florestas permanecem em estado de intensa fragmentação e que no bioma vivem 60% da população brasileira (REZENDE et al., 2018; SCARANO; CEOTTO, 2015). O PNSHL presta inúmeros serviços ecossistêmicos em nível regional, entre os quais a proteção dos recursos hídricos, cujas nascentes sustentam os mananciais de abastecimento; a regulação do clima nos municípios; a proteção de encostas contra chuvas intensas; o controle de enchentes; e a preservação de paisagens de elevada beleza cênica, entre outros. Sua importância ecológica se deve também pela alta diversidade da fauna e flora, associada às encostas montanhosas que compõe a Serra do Mar, somando 25.118,90 hectares. O Parque Nacional também integra o Mosaico de Áreas Protegidas do Lagamar, um conjunto de 52 UC, de diferentes categorias, entre o sul do litoral de São Paulo e o sul do litoral do Paraná. Além disso, a região é considerada como prioritária para a conservação pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA, 2007). Com a ampliação das zonas de interesse portuário e industrial, a expansão urbana no município tem sido impulsionada para as áreas de mananciais de abastecimento e para o entorno de UC, especialmente ao longo das rodovias PR-407, PR-508 e BR-277, consideradas vetores da expansão urbana (SEZERINO, 2016; SEZERINO; TIEPOLO, 2016a). Em um contexto regional, associado ao abastecimento de água, os municípios litorâneos do Paraná são delimitados a oeste pelos contrafortes da Serra do Mar, recoberta por extensa e 188
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
contínua FOD, formando uma barreira orográfica que intercepta as massas de ar carregadas de umidade do oceano e da planície costeira. Essa característica, aliada ao clima subtropical úmido, garante um regime pluviométrico abundante e bem distribuído durante o ano, com precipitações médias acima de 1.500mm/ano (BIGARELLA et al., 2008). Não há déficit hídrico e o abastecimento urbano e rural é feito pela captação superficial direta nos rios que descem a serra, em pontos próximos às cidades, não sendo necessária a construção de represas de armazenamento ou grandes sistemas de bombeamento. Os mananciais superficiais da Serra da Prata são protegidos pelo PNSHL, que fornece água de qualidade à faixa de ocupação contínua, que se estende da localidade do Cabaraquara (Município de Guaratuba), até a cidade de Paranaguá (SIEDLECKI et al., 2003). Não obstante ao privilégio natural de qualidade e quantidade de água, as bacias hidrográficas (BH) apresentam três importantes fatores socioambientais limitantes, que as tornam extremamente frágeis e suscetíveis a efeitos antropogênicos que podem comprometer o abastecimento das cidades: as características fisiográficas e bióticas da região serrana e da planície costeira e o adensamento populacional nas Zona de Interesse Portuário (ZIP) e da Zona de Desenvolvimento Econômico (ZDE) de Paranaguá. Este panorama expressa os impactos da rápida urbanização e industrialização da bacia de abastecimento do rio Ribeirão e suas consequências sobre as funções e serviços ecossistêmicos em um cenário que apresenta propostas formais de grandes empreendimentos. Foi analisada a principal bacia hidrográfica de abastecimento público do município de Paranaguá, tendo como base o estudo da paisagem a partir do conceito de hemerobia. A partir deste estudo, foi composto um cenário multirreferencial de uso e ocupação atual da bacia com vistas ao planejamento territorial dos mananciais de abastecimento do município e tomadas de medidas de proteção contra a antropização crônica (persis189
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
tente ou continuada) da bacia. Esperamos com estes resultados subsidiar ações de gestão participativa da bacia hidrográfica visando a proteção dos serviços ecossistêmicos, dada sua importância estratégica para a conservação de recursos hídricos.
Mapeamento da paisagem da Bacia Hidrográfica do Rio Ribeirão A Bacia Hidrográfica do Rio Ribeirão (BHRR) está localizada na Mata Atlântica Costeira do Estado do Paraná, entre as coordenadas de suas nascentes a 25o37’34”S/48o40’23”O e na sua foz a 25o31’15”S/48o37’16”O. Possui uma área aproximada de 80 km2 integralmente inserida no município de Paranaguá. Faz parte da Bacia Hidrográfica Litorânea, localizada na região hidrográfica do Atlântico Sul com área de 5.803,82 km2 (MMA, 2006). É integrante da rede de drenagem da sub-bacia Baía de Paranaguá, com área de 607 km2 (MMA, 2006). O mapa da Figura 1 mostra o contexto geral da área de estudo, onde a rodovia BR-277 é o eixo indutor de avanço da mancha urbana, no sentido leste-oeste, em direção à bacia de abastecimento em destaque. A classificação climática de Köeppen indica clima subtropical úmido (Cfa), com temperatura média de 22º C nos meses mais quentes de janeiro e fevereiro e inferior a 18º C nos meses mais frios de junho e julho. Os índices pluviométricos indicam valores médios acima de 1.500 mm/ano (MAACK, 2001). Sua cobertura vegetacional é classificada como Floresta Ombrófila Densa (FOD) Montana e Submontana, FOD Aluvial, FOD de Terras Baixas e Formações Pioneiras de Influência Flúvio-Marinha com restingas entremeadas (Formações Pioneiras de Influência Marinha), na área de planície (IBGE, 2012). A maioria de suas nascentes estão situadas no interior do PNSHL (Figura 1). Esta região possui a maior cobertura florestal do estado paranaense e representa um importante corredor 190
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
ecológico de grande relevância para preservação dos recursos hídricos e conservação da biodiversidade. Concebido sobre os domínios da Serra da Prata, o primeiro anteparo orográfico do Paraná, constitui, quer pela posição geográfica, quer pela importância ecológica, um elo fundamental na composição do Mosaico dos Ecossistemas Costeiros e Marinhos do Litoral Sul de São Paulo e do Litoral do Paraná (SIEDLECKI et al., 2003). A região também possui um sítio arqueológico, inscrito no Cadastro Nacional de Sítios Arqueológicos sob o N° CNSA PR00457. Este sítio, denominado Ribeirão, foi registrado em 07/07/1973, com 60 metros de comprimento e 30 metros de largura e contempla o rio e sua bacia hidrográfica. Foi categorizado como pré-colonial, com estratigrafia em superfície e exposição a céu aberto, apresentando artefatos líticos lascados e polidos.
FIGURA 1 - MAPA DE LOCALIZAÇÃO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO RIBEIRÃO INSERIDA EM PARTE NO PARQUE NACIONAL DE SAINT-HILAIRE/LANGE E NA PLANÍCIE COSTEIRA DE PARANAGUÁ FONTE: Sezerino (2017).
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Para o mapeamento da bacia e análises da paisagem realizou-se sete incursões técnicas na área de estudo entre junho de 2016 e março de 2017 onde foram levantados as características geoambientais, ecossistêmicas, de gerenciamento, manejo e proteção e relacionadas aos rios da microbacia. Nesta etapa foram realizadas a documentação fotográfica e em vídeo da bacia, com a finalidade de arquivamento para estudos comparativos e de monitoramento. Adotou-se como base conceitual a definição de Unidade de Paisagem (UP), que, segundo Monteiro (2000) é a: “Entidade espacial determinada segundo o ‘nível de resolução do pesquisador’, a partir dos objetivos centrais da análise, sempre resultando da interação dinâmica entre os meios de suporte.” Assim, as UP ao longo das microbacias podem ser definidas pela identificação, delimitação e caracterização de biótopos mediante dados secundários e mapas existentes para a região, conforme os objetivos delineados para a pesquisa. As características dos rios, os elementos fisiográficos e os ecossistemas presentes foram estudados segundo um ponto de vista que abrange a interação das populações humanas com os ambientes, auxiliando na compreensão da realidade e na abordagem do espaço da bacia hidrográfica estudada. Procuramos também adotar uma abordagem de BH que fornece uma visão mais abrangente, para além da definição estritamente hidrológica de “área de drenagem”, assim como encontramos em Rocha et al. (2000): Sistema biofísico e socioeconômico, integrado e interdependente, contemplando atividades agrícolas e industriais, comunicação, serviços, facilidades recreacionais, formações vegetais, nascentes, córregos e riachos, lagoas e represas, incluindo todos os habitats e unidades de paisagem, cujos limites são estabelecidos topograficamente pelos divisores de água.
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Para caracterização das UP adotamos critérios propostos por Troppmair (1989) e adaptados para o presente trabalho da seguinte forma: Geoambientais: área, altitudes, geomorfologia e pedologia; Ecossistêmicos: ecossistemas existentes, formações vegetais e grau de interferência antrópica; Gerenciamento, manejo e proteção: uso do solo, ameaças e pressões aos biótopos, medidas de preservação e recuperação; Rio: padrão de drenagem, declividade, zona ripária, qualidade das margens, cobertura vegetal do canal, áreas de inundação. Cada unidade de paisagem foi também classificada sob o conceito de Hemerobia, genericamente significando “escala de interferência humana”, ou “grau de dependência tecnológica” segundo quatro classes propostas por Jalas (1965): Ahemeorobio: geobiocenoses naturais ou de pequena interferência antrópica como mata tropical ou mata de galeria; Oligohemeorobio: geobiocenoses mais naturais do que artificiais, como cerrados e campos sujos sujeitos a queimadas ou pastoreio. Mesohemeorobio: geobiocenoses mais artificiais do que naturais, como pastagens plantadas. Euhemeorobio: geobiocenoses artificiais como campos de culturas agrícolas e sistemas urbanos. Os mapeamentos foram realizados no software de geoprocessamento ArcGis 10.0. A determinação das classes de uso e ocupação do solo, bem como das UP foi realizada por digitalização manual na edição vetorial, na medida em que as classes foram sendo identificadas pelo processo de interpretação visual. Os mapas foram produzidos na escala 1:100.000, 1:75.000 e 1:60.000, respectivamente, com a referência do datum SAD69 UTM - Zona 22S. Utilizamos a imagem do satélite Landsat de 08/09/2016, disponibilizada pelo software Google Earth. As análises foram realizadas a partir da base de dados da hidrografia mapeada por Noernberg et al. (1997), do mapeamento de uso e ocupação do solo do Pró-Atlântica (2002), do PDDI (PARANAGUÁ, 2007), das áreas prioritárias para a conserva193
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
ção do MMA (2007), do censo do IBGE (2010), da Mineropar (2011), do Cadastro Nacional de Unidades de Conservação (CNUC, 2015) e do mapeamento da área do empreendimento em estudo. Foram analisados 44 setores censitários do IBGE, sendo oito setores na zona rural e 36 setores na zona urbana, que abrange a bacia (17 setores) e o seu entorno imediato (27 setores), onde foi possível obter dados demográficos e socioeconômicos da população residente na área de estudo.
As unidades de paisagem da Bacia Hidrográfica do Rio Ribeirão A partir dos critérios adotados e dos dados levantamentos em campo foram definidas cinco Unidades de Paisagem (UP) na BHRR assim designadas (Figura 2): UP1 Ambiente Serrano (Figuras 3 a 6); UP2 Ambiente Rural Submontano (Figuras 7 e 8); UP3 Ambiente Rural de Planície (Figuras 9 a 12); UP4 Manguezais da Alexandra (Figuras 13 e 14). A UP5 foi definida fora dos limites da BHRR representando o vetor de expansão urbana que pressiona a bacia em estudo, sendo tomada como área de grau máximo de hemerobia. As UP e o correspondente grau de hemerobia, assim como as características relacionadas aos aspectos geomorfológicos, a vegetação predominante e uso do solo predominante encontram-se descritos no Quadro 1.
194
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
FIGURA 2 - MAPA DAS UNIDADES DE PAISAGEM DA BHRR FONTE: Sezerino (2017).
Os critérios selecionados para o desenho das UP resultaram em uma peculiaridade: a separação das unidades 2, 3 e 4 foi determinada pelo entroncamento das rodovias, ou seja, um elemento antrópico recente que em algumas décadas determinou a configuração da paisagem, tanto do ponto de vista da ocupação humana quanto da dinâmica ecossistêmica. Entre as unidades 1 e 2, a fronteira segue os limites do PNSHL (cota altimétrica), que também determinaram distintos processos de evolução da paisagem (Figuras 1 e 2). Dessa forma, obtivemos um desenho no qual cada unidade se distingue das demais em, pelo menos, três dos critérios adotados, conforme o Quadro 1.
195
196
UP2 Ambiente Rural Submontano (Mesohemeorobico)
UP1 Região serrana (Oligohemerobico)
Unidade de Paisagem (feição predominante)
Rampas da pré-serra, relevo suave típico da Formação Alexandra. Aluviões indiferenciados antigos e recentes (areias, argilas e cascalho). Grandes Áreas de deposição de movimentos de massa.
Vertentes retilíneas da Serra do Mar, com vales em “v”. Suítes graníticas e Migmatitos indiferenciados, com anfibolitos e veios de quartzo-feldspático Depósitos de Tálus, matriz síltico-argilosa.
Aspectos Geomorfológicos
Transição Floresta Ombrófila Densa Submontana e Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas. Diversos estágios de sucessão. Mata ciliar diferenciada.
Floresta Ombrófila Densa Submontana e Montana. Predominância de estágios avançados de sucessão. Mata ciliar indiferenciada.
Vegetação predominante
QUADRO 1 - DEFINIÇÃO DAS UNIDADE DE PAISAGEM NA BHRR E ÁREAS ADJACENTES, 2017
Matriz rural agrícola aproveitando os solos dos depósitos de tálus e colúvios no sopé da montanha. Pequenas propriedades, lavouras e pastagens. ~623 habitantes
Unidade de conservação de proteção integral PNSHL. Área não habitada
Uso do solo predominante
(continua)
197
UP4 Manguezais de Alexandra (Euhemeoróbico)
UP3 Ambiente Rural Planície (Mesohemeorobico)
Unidade de Paisagem (feição predominante)
Planícies de maré. Argilas, silte, areias e seixos, depósitos de colúvios. Sedimentos flúvio-marinhos associados a manguezais. Sedimentos argilo-siltososarenosos paleoestuarinos
Planície costeira. Sedimentos marinhos indiferenciados da planície costeira (fase antiga e recente) Sedimentos argilo-siltososarenosos
Aspectos Geomorfológicos
Formações Pioneiras de Influência Flúvio-marinha (mangue) e marismas Remanescentes de Formações Pioneiras de Influência Marinha (restingas)
Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas, Mata ciliar diferenciada. Diversos estágios de sucessão ecológica, com alguns trechos importantes de mata contínua
Vegetação predominante
Intensa pressão de estruturas industriais portuárias: pátios de contêineres, Indústrias, armazéns e depósitos de agroquímico, frigoríficos, etc. Alto consumo de água e produção de efluentes. ~3801 habitantes
Matriz rural pouco desenvolvida, extensas áreas de floresta, já bastante alterada. Áreas de mineração. Estruturas de atividade portuária (pátios, depósitos e estacionamentos), fora da área urbana. ~419 habitantes
Uso do solo predominante
(continuação)
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Planície costeira Sedimentos marinhos indiferenciados da planície costeira (fase antiga e recente) Sedimentos argilo-siltososarenosos paleoestuarinos. Áreas de alagamento
Aspectos Geomorfológicos
Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas entremeadas por restingas, totalmente convertida pela matriz urbana de loteamentos e arruamentos. Não apresenta planejamento de praças ou áreas verdes
Vegetação predominante
Área de expansão urbana com pouco planejamento (periferização). Áreas de ocupação irregular. Infraestrutura, drenagem, saneamento, equipamentos urbanos e transporte público precários. ~23.834 habitantes
Uso do solo predominante
NOTA: Imagens a partir do Google Earth, abril de 2017.As imagens são recortes representativos das feições predominantes encontradas em cada UP; a população por UP é aproximada, visto que os limites dos setores censitários do IBGE não correspondem aos mesmos limites definidos para as UP.
*área externa à bacia do Ribeirão
UP5 Expansão Urbana (Euhemeoróbico)
Unidade de Paisagem (feição predominante)
(conclusão)
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Principais fragilidades ambientais e pressões antrópicas 1. Região Serrana: Alta declividade, determinando uma área altamente suscetível a erosão constante e movimentos de massa derivados de eventos de alta pluviosidade. Alta energia fluvial para transporte de sedimentos. Maior parte da área é caracterizada por Área de Preservação Permanente (APP) do PNSHL (Figuras 3 a 6).
FIGURA 3 - UP1 RIO SANTA CRUZ, DENTRO DO PNSHL FONTE: Liliani Marília Tiepolo (2017).
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
FIGURA 4 - UP1 AS MONTANHAS ONDE ESTÃO SITUADAS AS NASCENTES DO RIO MIRANDA, DENTRO DO PNSHL FONTE: Liliani Marília Tiepolo (2017). NOTA: Reservatório do Miranda, assoreado, tomado por vegetação fluvial pioneira.
FIGURA 5 - UP1 EFEITO DO MOVIMENTO DE MASSA OCORRIDO EM 11/03/2011 QUE AFETOU DRASTICAMENTE O PNSHL FONTE: Marili Miretzki (2017).
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
FIGURA 6 - UP1 IMAGEM ATUAL, MOSTRANDO OS EFEITOS DO MOVIMENTO DE MASSA SOBRE O RIO SANTA CRUZ, QUE ATINGIU A BHRR INTEGRALMENTE FONTE: Liliani Marília Tiepolo (2017).
2. Ambiente rural submontano: Área sujeita aos efeitos dos movimentos de massa e de processos erosivos do solo. Pouca cobertura florestal nas margens das APP. Invasão de braquiária. Área suscetível aos efeitos dos desastres naturais nas encostas, com acessos dificultados em casos de desastres (Figuras 7 e 8). 3. Ambiente rural planície costeira: Área sujeita a inundações devido à barreira artificial imposta pela rodovia PR-508, que fragmenta a paisagem. Criação de animais domésticos em APP. Pouca cobertura florestal nas APP. Área sofrendo expansão urbana e sujeita a antropização crônica. Já é possível identificar pátios de contêineres na Zona Agrosilvopastoril limítrofe à Zona de Consolidação e Expansão Urbana (ZCEU) (Figuras 9 a 12).
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
FIGURA 7 - UP2 AUSÊNCIA DE VEGETAÇÃO CILIAR NA APP, INDICANDO O FORTE IMPACTO QUE OS DESLIZAMENTOS OCORRIDOS NAS ENCOSTAS PROVOCARAM A JUSANTE DO PNSHL FONTE: Liliani Marília Tiepolo (2017).
FIGURA 8 - ÁREA DE TRANSIÇÃO ENTRE A MONTANHA E A PLANÍCIE, MOSTRA O SEDIMENTO ACUMULANDO-SE NO LEITO DO RIO PROVOCADO PELOS DESASTRES DE 11/03/2011 FONTE: Liliani Marília Tiepolo (2017).
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
FIGURA 9 - UP3 COM AS MONTANHAS DA SERRA DA PRATA AO FUNDO, ANIMAIS DOMÉSTICOS DENTRO DA ÁREA DE CAPTAÇÃO DE ÁGUA DO RR FONTE: Liliani Marília Tiepolo (2017).
FIGURA 10 - UP3 ÁREAS ABERTAS PARA PASTAGENS, NO ENTORNO DA PR-508 FONTE: Marili Miretzki (2017).
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
FIGURA 11 - UP3 ESTAÇÃO DE TRATAMENTO DE ÁGUA DE PARANAGUÁ FONTE: Liliani Marília Tiepolo (2017).
FIGURA 12 - PÁTIO DE CONTÊINERES SITUADO NA ESTRADA DAS COLÔNIAS PERTENCENTE A EMPRESA AGROPORT, NA ZONA AGROSILVOPASTORIL DO MUNICÍPIO FONTE: Marili Miretzki (2017).
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
4. Manguezais da Alexandra: Alto potencial de contaminação em sedimentos, água e biodiversidade associada. Casos registrados de contaminação ambiental e humana. O assoreamento e a contaminação podem ter grande influência nos estoques pesqueiros da baía de Paranaguá. Na Figura 13, correspondente a UP4, percebe-se na área de transição entre a vegetação aluvial e o manguezal, intenso tráfego de veículos pesados na estrada vicinal. As áreas adjacentes estão sendo ocupadas por pátios de caminhões e centros de logísticas de diversas empresas evidenciando antropização crônica. Já a Figura 14 representa uma foto aérea da UP5 onde é possível perceber o adensamento do tecido urbano direcionado para a bacia, na área onde a planície é caracterizada por manguezais, ecossistema de extrema fragilidade ecológica.
FIGURA 13 - UP4 TRANSIÇÃO ENTRE A VEGETAÇÃO CILIAR DA FOD ALUVIAL E O MANGUEZAL AO FUNDO FONTE: Liliani Marília Tiepolo (2017).
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
FIGURA 14 - UP5 E MOSTRA A ÁREA DE MANGUEZAL E O ADENSAMENTO URBANO NA DIREÇÃO DA BHRR FONTE: Marili Miretzki (2017).
A partir dos levantamentos de campo e da análise do grau de hemerobia da BHRR, ao cruzar com os dados obtidos a partir dos setores censitários, podemos observar a forte tensão ecossistêmica provocada pelo avanço da zona urbana e da zona industrial sobre os mananciais com sinais de antropização crônica. Os dados obtidos a partir da pesquisa dos setores censitários (IBGE, 2010) revelam que na bacia e em seu entorno imediato vivem cerca de 28.677 moradores que residem em 8.248 domicílios particulares permanentes, com uma densidade domiciliar média de 3,5 moradores por domicílio. A renda média desta população é de R$ 1.065,26 abaixo da renda média mensal da população do município, de R$ 1.382,41 e pouco acima do valor do salário mínimo nacional de R$ 998,00 (setembro de 2019). Os indicadores mostram ainda que a porcentagem da população de Paranaguá com o rendimento nominal mensal per capita de até ½ salário mínimo é 35,7% (IBGE, 2010). Portanto, na BHRR predomina uma população de baixa 206
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
renda, vulnerabilizada socialmente e sujeita aos riscos industriais da contaminação e demais externalidades e aos impactos de desastres naturais. Em um ambiente de fragilidade ambiental, devido à instabilidade geológica, esses riscos são potencializados. Embora o Produto Interno Bruto (PIB) de Paranaguá seja de R$ 42.192,81, ocupando o 9o lugar no ranking do Paraná, o município contribui com apenas 1,85% para o PIB deste. Mesmo ocupando uma posição de destaque pelo seu PIB, a riqueza gerada no município não contribui com o desenvolvimento humano onde ocupa o 32o lugar no ranking do Estado, com IDH de 0,750 (IBGE, 2010).
O manancial, seus serviços ecossistêmicos e as tensões A avaliação da paisagem por meio do conceito de hemerobia permitiu a compreensão de que a BHRR possui grande heterogeneidade ambiental, sua porção mais bem conservada é onde estão as nascentes no PNSHL. Logo após estes limites, a cobertura vegetacional vai sendo transformada em áreas antropizadas em diversos graus de perturbação. Nas porções mais próximas ao PNSHL dá lugar a pequenas propriedades rurais com pastagens e plantações caracterizando o uso do solo, especialmente de pupunha com pouca ou nenhuma vegetação nas margens ciliares dos rios. Já na porção da planície, o padrão de loteamento das propriedades é de pequenos sítios, alguns utilizados como segunda casa. É nesta unidade de paisagem que está situada a captação de água da empresa Paranaguá Saneamento. Embora tenha sido detectado tendências de uso industrial para esta paisagem, a mesma deve observar o cumprimento da destinação constitucional como direito de todos os cidadãos. No caso em tela, tratamos da existência de um importante manancial com a necessidade de se imprimir todos os esforços para a manutenção do provimento e proteção do principal serviço ecossistêmico 207
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
de interesse coletivo de Paranaguá, a água, contra o processo de antropização crônica em curso nas áreas mais baixas da bacia. O município de Paranaguá é uma das maiores fronteiras internacionais do Brasil, onde ocorrem os serviços logísticos de exportação de commodities, especialmente grãos, e importação de fertilizantes. Palco das relações de globalização, suas entidades de origem local se organizam e se configuram para prover serviços e neste cenário o setor de logística é destacadamente o mais relevante. Porém, ávidos por ampliar os sistemas logísticos que o mercado global demanda, colocam em risco o abastecimento de água do município e o funcionamento do próprio setor industrial portuário. Para Zhouri e Oliveira (2006), os projetos industriais concebidos no âmbito de uma política de desenvolvimento voltada para o crescimento econômico são concentradores de “espaço ambiental”. A homogeneização que provocam no espaço reflete uma visão monocultural que ameaça uma heterogeneidade de modos não-industriais de viver e de utilizar os recursos, gerando uma distribuição ecológica desigual. Corroborando com esta ideia, Milton Santos (2008) nos remete a compreender o processo de produção de vulnerabilidades e de conflitos ambientais no Brasil como sendo resultado das modernizações atuais, nas quais a criação dos sistemas tecnológicos conduzidos pela grande indústria está representada pelas empresas multinacionais e os seus suportes.
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Lições para o manejo da Bacia Hidrográfica do Rio Ribeirão 1. O estudo da evolução da paisagem por meio dos conceitos de Unidades de Paisagem e Hemerobia revelou-se bastante apropriado para a equação dos complexos fenômenos de transformação ambiental em áreas de expansão urbana, permitindo relacionar fatos ambientais e sociais em uma abordagem territorial integrada. 2. A análise da paisagem na BHRR revelou um território de manancial bastante compartimentado por atividade industriais portuárias externas à bacia e desconectada da população residente; um eixo rodoviário que fragmenta a paisagem em quatro compartimentos bastante heterogêneos, porém fortemente interdependentes. As UP1 e UP2 desempenham funções ecossistêmicas que garantem até o presente o abastecimento da cidade de Paranaguá, mas encontram-se próximos ao seu limite e sofrem fragilidades naturais e pressões antrópicas. A conversão da paisagem das unidades UP2 e UP3 e o aumento da hemerobia justamente onde estão as captações de água comprometerão os mananciais caso o poder público não tome medidas efetivas de proteção deste manancial, sob risco de comprometer a coletividade consumidora de água. 3. Nas regiões serranas, temos a evidente fragilidade ambiental nas vertentes da serra, extremamente suscetível à erosão e movimentos de massa quando submetida à supressão da vegetação ou da fina camada de solo sobre as rochas, caracterizando elevado risco ambiental para ocupação humana. A planície costeira, recoberta por remanescentes da FOD de Terras Baixas e geologicamente moldadas pelas transgressões e regressões 209
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
marinhas no quaternário, apresenta solo arenoso, extremamente permeável, com baixa densidade de drenagem e um lençol freático muito próximo à superfície, cuja condição edáfica torna a região extremamente suscetível a todo tipo de contaminação, sendo que o relevo plano também constitui uma dificuldade significativa ao saneamento. Por fim, na zona urbana de Paranaguá, as ampliações da Zona de Interesse Portuário (ZIP) e da Zona de Desenvolvimento Econômico (ZDE), tem impulsionado a expansão urbana para a região dos mananciais de abastecimento e para o entorno das Unidades de Conservação, o que tem propiciado a transformação destes ambientes naturais em periferia da cidade. Os principais vetores dessa expansão urbana é o entroncamento rodoviário da BR277 com a PR508 no Distrito de Alexandra, ao longo do qual se observa intensa e desordenada exploração do espaço por empreendimentos que buscam aproveitar a facilidade de acesso e o alto movimento da rodovia. 4. Por fim, o presente estudo evidencia a urgência de ações de planejamento ambiental das vertentes oceânicas da Serra da Prata, manancial de águas indispensável aos municípios da região, e faz especial alerta para a importância da restauração de suas BH com a finalidade de se evitar a antropização crônica. Estas áreas contêm colônias rurais históricas como Taunay, Santa Cruz e Alexandra (foco do estudo) mas também Cambará, Pereira, Quintilha e Maria Luiza, que possuem alto potencial para turismo rural, ecoturismo, turismo de base comunitária, produção agroecológica condizentes com a existência da APA de Guaratuba e do PNSHL. As propriedades em áreas de manancial podem ser valorizadas por meio da regulamentação do Pagamento 210
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
por Serviços Ambientais para proprietários produtores de água, entre outras soluções. As captações devem ser planejadas fora dos limites do parque, favorecendo a co-responsabilidade na gestão do recurso hídricos e a compensação dos proprietários. O reordenamento das atividades portuárias em consonância com as políticas ambientais e territoriais para fora da zona de amortecimento em toda a rodovia PR-508 pode salvaguardar os mananciais de abastecimento para todo o litoral. Os Planos de Manejo do PNSHL e da APA de Guaratuba são caminhos sustentáveis para o envolvimento local.
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
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UMA GRAVE E SILENCIOSA CRISE AMBIENTAL DESAFIA OS PLANOS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL NO LITORAL DO PARANÁ: A CONTAMINAÇÃO DO RIO GUARAGUAÇU Paulo Henrique Carneiro Marques Gustavo Augusto Santos Elste Giovanna de Andrade Zanlorenci Mariana Gallucci Nazário Luiz Fernando de Carli Lautert Juliana Quadros
Introdução: Desafios do planejamento territorial no Litoral do Paraná Em busca de um desenvolvimento territorial minimamente sustentável para o Brasil contemporâneo, considerando a complexidade dos processos ambientais, sociais e políticos envolvidos, dois fatores limitantes tem merecido grande destaque em estudos acadêmicos e nas diversas instâncias onde se promovem as políticas públicas Ambientais. O primeiro é caracterizado por uma desarticulação espacial e temporal entre os diversos instrumentos de ordenamento e gestão territorial, entre as instâncias decisórias responsáveis pela sua aplicação ou fiscalização e também entre os atores sociais envolvidos. As políticas ambientais brasileiras foram gradativamente consolidadas através de leis específicas, nas últimas décadas do século XX, na esteira da Constituição Federal de 1988 e de conferências e tratados internacionais como RIO 92 e o Protocolo de Kioto. Entretanto, políticas públicas que pretendem a conser215
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vação, monitoramento ou prevenção de riscos ambientais estão frequentemente dissociadas das políticas de desenvolvimento territorial, sendo frequentemente tratados por órgãos ou instâncias decisórias distintas, reforçando a ideia de antagonismo entre estes processos. Frequentemente nos deparamos com gestores políticos que menosprezam as questões socioambientais como mero “entrave burocrático” ao desenvolvimento regional ou “ativismo político-ideológico”, sendo este discurso mais um fator interveniente, visto que as questões de desenvolvimento territorial devem ser equacionadas em um horizonte temporal que ultrapassa a duração dos mandatos políticos. Tomemos o histórico dos principais instrumentos em vigência para a região litorânea do Paraná, comentando algumas limitações observadas na sua implantação: a) o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) possibilitou a criação de um mosaico de unidades de conservação nesta que é a maior área contínua remanescente do Bioma Mata Atlântica. Entretanto, cada unidade foi planejada e implantada em diferentes épocas, sendo que a maioria delas ainda permanece sem o respectivo plano de manejo, prejudicando a consecução de seus objetivos e aumentando os conflitos socioambientais em seu entorno; b) os Planos Diretores de Desenvolvimento Municipal iniciaram a sua vigência nos municípios litorâneos a partir de 2005, cada um a seu tempo e com mais de uma década de atraso em relação à legislação que lhes deu origem, permanecendo até hoje com grandes lacunas de articulação para uma perspectiva de planejamento regional integrado. Tem sido constantemente negligenciados e, gerenciados com certa autonomia pelos municípios, frequentemente sofrem alterações pontuais por meio de projetos de lei ou decretos municipais para atender a interesses de empreendimentos específicos. 216
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c) o Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro - PNGC (Lei Federal nº 7.661/88) criou agendas de desenvolvimento integrado para o litoral de cada estado, alinhados às agendas de governança em âmbito nacional (GI-GERCO, CIRM, G171) e aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ONUBR, 2015). Paradoxalmente, a publicação da Lei Estadual no 13.164/2001, encerrou um ciclo de gestão costeira estadual, com o agravante de não resultar em regulamentação, investimentos ou agenda para fins de governança territorial; d) o Zoneamento Ecológico e Econômico (Lei n.º 6.938/1981, regulamentado pelo Decreto Federal Nº 4.297/2002), pode ser considerado um bom instrumento de organização do território a ser obrigatoriamente seguido na implantação de planos, obras e atividades públicas e privadas. Foi proposto apenas em 2016 e ainda não cumpriu o objetivo maior de influenciar os processos de planejamento regional, sendo frequentemente ignorado em processos de licenciamento ambiental. e) O Plano da Bacia Litorânea, preconizado pela Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei 9433/97) propõe a classificação e o enquadramento dos corpos d’água da Bacia Litorânea e critérios de outorga de uso, dimensionando cenários futuros para os recursos hídricos e para o saneamento por duas décadas. Começou a ser elaborado apenas a partir de 2017, com a formação do respectivo Comitê da Bacia Litorânea, encontrando-se neste momento em fase de aprovação pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos, com o desafio de dialogar e influenciar os demais instrumentos de gestão. Embora não seja propriamente um instrumento de ordenamento territorial, ao definir a função que a sociedade determina para um curso d’água (por meio da classificação, enquadramento, critérios de outorga e de pagamento), condiciona as atividades antrópicas nas bacias hidrográficas para que não prejudiquem os serviços ambientais determinados.
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Além da citada desarticulação das políticas públicas, o segundo fator limitante ao desenvolvimento territorial sustentável nesta região é dado pela carência de estudos integrados sobre a capacidade ecossistêmica de suportar as alterações do uso do solo provocadas pelos processos de desenvolvimento e ocupação territorial das áreas urbanas e rurais. Praticamente inexistem séries temporais de monitoramento sistematizado de dados ambientais (p. ex.: séries históricas de dados de qualidade das águas ou de monitoramento de flora e fauna), que permitiriam a projeção de cenários de médio e longo prazo a fim de balizar o planejamento territorial. Frequentemente, em estudos de impacto ambiental ou na confecção dos instrumentos e planos de desenvolvimento, a necessidade de realizar estudos básicos para produção dos dados e informações necessários acaba por tornar estes processos mais caros, demorados e menos eficazes. Vale destacar que, dentre os instrumentos citados anteriormente, apenas os recentes Plano de Bacia Litorânea (2019) e o Zoneamento Ecológico e Econômico (2016) guardam uma boa articulação entre si, e podem ser considerados bons instrumentos para a gestão territorial, pois tiveram o mérito de colecionar e organizar dados, estudos e mapas existentes, propiciando material cartográfico e propostas de zoneamento ambiental e enquadramento dos corpos d’água bastante consistentes, possibilitando uma visão integrada da região como um todo. Infelizmente, estão sendo adotados tardiamente, perdendo a capacidade de influenciar os outros instrumentos de gestão e projetos de desenvolvimento regional que já estão planejados ou implantados. Estudos recentes sobre a qualidade dos ambientes aquáticos no Litoral do Paraná demonstram a grande fragilidade ambiental das bacias hidrográficas, tanto nas regiões serranas quanto na planície costeira, em contraposição à alta pluviosidade e disponibilidade hídrica. 218
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De acordo com Miretzki (2017), o município de Paranaguá atravessa um período que antecede a sua crise hídrica, com proporções que poderão comprometer o seu abastecimento. A autora considera que o aumento da demanda e falta de gestão eficiente deste recurso tem gerado significativos impactos aos mananciais que abastecem o município, representados pela expansão industrial sobre áreas de mananciais, estresse e escassez de água em razão das alterações na disponibilidade (aumento de demanda) e consequentemente, o aumento no potencial de poluição aos recursos hídricos da região. Neste cenário, estudamos os riscos ocasionados por um grave problema ambiental detectado em recentes estudos do nosso grupo de pesquisa: o elevado nível de contaminação da bacia do Rio Guaraguaçu por efluentes sanitários domésticos e pelos efluentes dos resíduos sólidos produzidos pela população dos municípios de Pontal do Paraná e Matinhos. Analisamos o comprometimento das funções ecossistêmicas e dos serviços ambientais do mais importante rio da planície costeira, tendo um papel na manutenção da saúde ambiental e na produção pesqueira da baía de Paranaguá, bem como no potencial turístico e econômico do litoral paranaense. Em seguida, analisamos como este grave problema está sendo contemplado (ou não) pelos instrumentos e políticas de gestão ambiental vigentes; e também pelo principal projeto de desenvolvimento regional denominado “Faixa de Infraestrutura de Pontal do Paraná”. O projeto, que tem sido denominado no discurso político dominante como “Pontal do Pré-sal”, pretende a implantação da atividade industrial e portuária em Pontal do Paraná, por meio de seis empreendimentos (Porto Pontal, Odebrecht, Melport, Subsea 7, Techint e Faixa de Infraestrutura), trazendo grande incremento populacional para a região, segundo os estudos de impacto ambiental.
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Características ecossistêmicas da Bacia do Guaraguaçu As águas da Bacia do Guaraguaçu descem as vertentes oceânicas da Serra da Prata e atravessam extensa região de planície com Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas, unidade fitogeográfica de Mata Atlântica, conhecida por sua pujante, complexa e heterogênea biodiversidade (RODERJAN et. al., 2002; PIRES, 2005). A bacia tem área de aproximadamente 280 km² e, por abranger grande parte dos mananciais de abastecimento de três dos sete municípios do Litoral Paranaense, representa grande relevância para a sustentabilidade econômica e bem estar da população litorânea (PARANÁ, 2016a). Abriga três unidades de conservação (Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange, Área de Proteção Ambiental de Guaratuba e Estação Ecológica de Guaraguaçu), e faz entorno com duas terras indígenas (Sambaqui e Ilha da Cotinga) habitadas por três aldeias da etnia Guarani que, conforme Ladeira (2008), expressam seu modo de vida com intrínseca relação de identidade territorial (Figura 1).
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FIGURA 1 - MAPA DA ÁREA DE ESTUDO, LOCALIZADA NO LITORAL DO PARANÁ, COM O DESENHO AMOSTRAL COMPOSTO POR SEIS PONTOS DE COLETA DISTRIBUÍDOS NO RIO GUARAGUAÇU E AFLUENTES; AS ÁREAS DE MANANCIAIS, AS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO, AS TERRAS INDÍGENAS E AS ÁREAS URBANAS DOS MUNICÍPIOS DE MATINHOS, PARANAGUÁ E PONTAL DO PARANÁ FONTE: Gustavo Augusto Santos Elste e Paulo Henrique Carneiro Marques (2019).
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Na vertente oceânica da Serra da Prata – área protegida pelo Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange - os formadores do rio Guaraguaçu apresentam fluxo rápido, com água cristalina, fria e bem oxigenada, que percorrem profundos vales de leito rochoso e cobertos por densa vegetação subdividida em Floresta Ombrófila Densa Altomontana (acima de 1200), Floresta Ombrófila Densa Montana (entre 600 e 1200 metros de altitude), e Floresta Ombrófila Densa Submontana (entre 20 e 600 metros de altitude) (PIRES, 2005). Corresponde a uma zona de alta erosão e transporte, em função da grande energia hidráulica do ambiente serrano. Com grande diversidade de microhabitats, alterna trechos de corredeiras, quedas d’água e remansos com fundo de areia grossa. Os baixos teores de substâncias biogênicas (nutrientes) são característicos destes ambientes pois, embora seja grande o aporte de material orgânico (lixiviação do ambiente florestal e detritos vegetais), a matéria orgânica particulada Grossa (MOPG) é rapidamente exportada, antes que os processos de decomposição ou metabolização pela biota aquática liberem os nutrientes na coluna d’água. Na porção média, quando os inúmeros riachos atingem a planície litorânea, iniciam as formações vegetais características da Floresta Ombrófila Densa das Terras Baixas e Formações Pioneiras de Influência Fluvial (caxetais, brejos e várzeas). Nesta região são encontrados os solos um pouco mais férteis, em função da deposição de material aluvial exportado a montante. O impacto das modificações antrópicas se acentuam à medida em que o rio atravessa diferentes unidades de paisagem agrícola como cultivo de arroz, palmeira real e pupunha; pastagem; mineração; rodovias e estradas não pavimentadas. Observa-se um comportamento ecossistêmico típico de “zona de transferência” das teorias que descrevem o contínuo fluvial: a correnteza moderada produz a alternância de fundos de areia grossa e cascalho nas corredeiras e grandes depósitos de sedimentos mais finos nos trechos lentos, já com evidências 222
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de assoreamento em função das alterações no uso do solo. A presença de vegetação perifítica e a invasão de gramíneas já mostram sinais de processos de retenção da matéria orgânica importada rio acima. Os níveis de DBO5 podem ser associados ao início da metabolização da MOPG importada, bem como aos impactos difusos das atividades agrícolas e dos efluentes domésticos nas diversas áreas ao longo da rodovia PR-508. Podemos considerar um ambiente lótico de alta produtividade biológica, sustentando uma comunidade com macroinvertebrados e peixes de maior porte, que sustentam uma teia trófica mais robusta que inclui mamíferos, répteis e aves de topo de cadeia como a Lontra neotropical, o Jacaré-de-papo-amarelo e o Martim-pescador. Na porção inferior, os rios da bacia já agrupados no curso principal do rio Guaraguaçú encontram a extensa barreira holocênica formada nos processos de transgressão e regressão marinha (Souza et. al. 2012) e desviam seu curso para o norte, em direção à baía de Paranaguá (trecho onde estão localizados os pontos de coleta de I a VI, na Figura 1). Nesta região o ecossistema lótico adquire características ecossistêmicas bastante diferenciadas das anteriores. O material importado de rio acima se deposita e há predomínio de processos locais de produção, decomposição e reciclagem biogênica. Temos um ambiente fluvial com pH mais ácido, com a típica coloração dos ácidos orgânicos (cor de chá-mate) decorrente dos processos de decomposição e diminuição do material particulado em suspensão. A baixa velocidade da corrente determina um ambiente intensamente propício à acumulação de substâncias no sedimento, processos de eutrofização e magnificação biológica. Tais fenômenos são abordados em outro estudo deste grupo de pesquisa, onde analisamos a relação da população da Lontra Neotropical, Lontra longicaudis (OLFERS, 1818), mamífero que está no topo da teia trófica deste ambiente, com as características limnológicas dos diferentes trechos da bacia (ZANLORENCI et al., 2019). Na extensa planície meandrante, com áreas alagáveis, lagoas marginais e pequenos tributários que são afloramentos 223
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locais do raso lençol freático, a interação do ambiente aquático é mais forte na dimensão lateral (canal-planície) do que longitudinal (eixo nascente-foz), segundo o conceito de Ward (1994). Em condições naturais, suas características limnológicas descrevem um suave gradiente de transição entre o ambiente fluvial serrano e o ambiente estuarino, onde já se encontram formações avançadas de mangue. Este extenso ecótone fluvio-marinho extremamente diversificado propicia interações populacionais que compõem uma biodiversidade riquíssima. Justamente na metade deste percurso, (ponto III da figura 1) o contínuo fluvial é drasticamente interrompido pela carga poluidora aportada pelo canal do rio Pery, principal causa da crise ambiental descrita adiante.
Funções ecológicas e serviços ambientais da Bacia do Guaraguaçu O principal serviço ambiental da Bacia do Guaraguaçu é o de manancial de abastecimento público, suprindo as cidades de Matinhos e Pontal do Paraná, servindo também como corpo receptor e diluidor dos efluentes domésticos destes municípios, tanto a partir das Estações de Tratamento de Esgoto quanto da poluição difusa produzida pela parcela da população que ainda não está atendida por rede de esgoto. Os efluentes, tratados ou não, são despejados um uma complexa rede de canais artificiais construídos durante os loteamentos dos balneários, que se interligam ao rio Guaraguaçu através de um canal artificial que segue o antigo curso do rio Pery, despejando estes efluentes diretamente no trecho médio da bacia (Figura 1). Outro importante serviço ambiental desta bacia é representado pelo seu papel ecológico nesta importante região: Interligando duas unidades de conservação de proteção integral (Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange e a Estação Ecológica de Guaraguaçu) à Baía de Paranaguá, o contínuo fluvial do 224
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Guaraguaçu significa um importante corredor de biodiversidade entre a mata atlântica e o estuário, sendo esta conectividade fundamental para o fluxo gênico e a higidez de diversas comunidades de animais e plantas aquáticas. Tem influência direta no aporte de substâncias biogênicas e minerais à baia de Paranaguá, influenciando na produtividade primária do estuário e consequentemente no estoque pesqueiro, importante item da economia regional. Seu trecho final, conectado aos manguezais da Baía de Paranaguá, funciona como um berçário para a fauna e como corredor para aves e mamíferos. A manutenção destas funções ecológicas é vital para a pesca e para o turismo na região, sendo que qualquer alteração em sua qualidade ou no fluxo de substâncias biogênicas para o estuário podem trazer graves consequências a estas atividades econômicas, além da evidente probabilidade de contaminação de alimentos e disseminação de vetores epidemiológicos.
Uma grave e silenciosa ameaça: a carga poluidora aportada pelo Rio Pery O rio Pery, originalmente um pequeno afluente do Guaraguaçu com padrão meândrico típico da planície, teve seu traçado retificado e foi interligado a rede de drenagem de canais artificiais do Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS) que se estende por toda a faixa dos balneários dos municípios de Pontal do Paraná e Matinhos. Além de receberem os efluentes da Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) destes dois municípios, os canais drenam extensas áreas ainda não atendidas por rede de esgoto, recebendo também uma grande carga poluidora difusa, sendo intensamente eutrofizados (a Figura 1 mostra a localização das ETEs e o traçado dos canais, interligados ao Guaraguaçu por meio do canal do rio Pery). 225
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Com aumento da urbanização, os canais abertos inicialmente para drenar terrenos a serem loteados nos balneários sofreram gradativamente processos de assoreamento e eutrofização, e a solução de engenharia encontrada foi interligar o sistema de drenagem ao curso do Guaraguaçu, evitando que os efluentes prejudicassem a balneabilidade das praias caso fossem direcionados ao mar. Assim, a pequena bacia do rio Pery transformou-se em um grande sistema hidrográfico de canais artificiais que recebe praticamente TODA A CARGA POLUIDORA difusa das áreas urbanas dos dois municípios. O Guaraguaçu passou a ser o corpo d’água receptor para a diluição final de toda a carga orgânica regional, a qual é descarregada em um único ponto (a foz do rio Pery), praticamente na metade de seu curso em meio a planície litorânea (Figura 2).
FIGURA 2 - CONFLUÊNCIA ENTRE O RIO GUARAGUAÇU E DOIS AFLUENTES (RIO DAS POMBAS E CANAL DO RIO PERY) FONTE: Mapa 1 (Sentinel-2, 2019) obtida em ; Imagem 2 (CORREA, 2019), obtida por drone em 27 maio de 2019, Imagens 1 e 3 (Bing Satélite). Organizadores: Gustavo Augusto Santos Elste e Paulo Henrique Carneiro Marques (2019). NOTA: Em destaque o aterro sanitário dos municípios de Matinhos e Pontal do Paraná representado pela célula de resíduos e seus tanques de tratamento de efluentes. O traçado dos canais artificiais está sobreposto ao curso original do rio Pery.
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Próximo ao canal artificial do rio Pery, foi implantado o Aterro Sanitário de Pontal do Paraná, distante a aproximadamente 1,5 km da rodovia PR 407 na altura da ponte sobre o Guaraguaçu, a aproximadamente 4 km da praia. Este aterro possui uma área total de 242.595,82 m2 dos quais 111.507,00 m2 são destinados às seis células de deposição de lixo previstas e o restante é ocupado pela barreira verde, anel viário, sistema de tratamento de efluentes, pátio de materiais, galpão, balança, escritório, refeitório e banheiros (RASSOLIN, 2002). O aterro sanitário é utilizado pelos municípios de Pontal do Paraná e Matinhos, coordenado por um consórcio (CIAS – Consórcio Intermunicipal Aterro Sanitário) e começou a ser operado em fevereiro de 2000. Segundo o seu memorial descritivo, ele foi projetado para uma vida útil de no mínimo 15 anos podendo chegar a mais de 20 anos e atingindo um máximo de 150 m de comprimento e largura, e 15 m de altura. Conforme descrito, além de receber a carga poluidora dos esgotos tratados e não tratados, a microbacia do Pery também é o destino de TODO O LIXO URBANO coletado nestes dois municípios nas últimas décadas. Próximo ao final de sua vida útil, e tão próximo ao curso do rio Pery, em solo tão permeável, não é de se espantar que o aterro começasse a produzir seus efeitos ambientais deletérios. De fato, o problema silencioso tem começado a mostrar seus efeitos nos últimos anos, principalmente para a população residente no entorno do rio Guaraguaçu. Especialmente no verão de 2018/2019, foram registradas denúncias e relatos de episódios de mortandade de peixes, mau cheiro e até a observação de uma fina película de “gordura” na superfície do canal do rio Pery, perceptível pelo efeito “arco-íris” da difração dos raios solares, fenômeno observável até também no rio Guaraguaçu, a jusante da desembocadura do Pery. A partir desta constatação, nosso grupo de pesquisa ligado ao Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável da UFPR Litoral iniciou um projeto abordando a 227
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Bacia do Guaraguaçu, tendo entre seus objetivos a avaliação deste problema ambiental por meio de dados de qualidade da água em campo, dando origem ao desenho amostral apresentado anteriormente na Figura 1. Conforme já exposto, a discussão e a interpretação limnológica dos resultados que são apresentados aqui são exploradas de forma mais apurada em outros artigos (ELSTE et al., 2019; ZANLORENCI et al., 2019). Neste capítulo apresentamos apenas as conclusões alcançadas, no intuito de embasar a discussão das políticas públicas e projetos de desenvolvimento regional, objetivo principal deste trabalho. As coletas de água são realizadas nos seis pontos distribuídos ao longo do trecho médio e final do rio Guaraguaçu e na foz de seus afluentes principais (rio das Pombas e rio Pery) e as análises laboratoriais foram realizadas no Laboratório de Análise Ambientais do Setor Litoral da UFPR (Figura 3). Na Figura 3 organizamos a apresentação de alguns resultados em forma de gráficos em colunas, facilitando sua visualização conjunta. Os dados representam a média aritmética dos valores obtidos nas duas coletas (abril e maio de 2019), com suas respectivas réplicas, como um “retrato” da qualidade das águas, ressaltando o fato de que as coletas foram realizadas ainda em período de alta pluviosidade, o que permite levantar a hipótese de que nos períodos de estiagem os padrões sejam ainda mais evidentes, pois o menor volume de água pode concentrar ainda mais os possíveis contaminantes. Seguem as principais interpretações e conclusões dos resultados: a) Verificamos uma grande diferença entre as variáveis dos pontos I e II e as do ponto III (rio Pery), e esta diferença produz modificação em praticamente todos as variáveis do rio Guaraguaçu a jusante deste afluente. Podemos concluir sobre uma profunda alteração no contínuo fluvial do Guaraguaçu, que se estende por todo o trecho final, determinando uma Descontinuidade Serial, conforme Stanford e Ward (2001), de grande magnitude. 228
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b) Destacamos entre os resultados os baixíssimos níveis de Oxigênio Dissolvido (0,56 mg/L), que somado aos altos níveis de DBO5 (acima de 10 mg/L) no rio Pery, denotam inequívoca influência de efluentes sanitários e justificam as reclamações de mau cheiro e morte de peixes anotadas pela população. É altamente provável que ocorram episódios de ANOXIA, de fato constatada em uma das réplicas amostrais, conforme condições climáticas de temperatura e pluviosidade, determinando estes graves efeitos deletérios.
FIGURA 3 - PRANCHA DE GRÁFICOS APRESENTANDO O COMPORTAMENTO DE 10 VARIÁVEIS LIMNOLÓGICAS: SECCHI, PH, CONDUTIVIDADE, OD, DBO, SESTON, FOSFATO (PO4), AMÔNIO (NH4), NITRITO (NO2), SILICATO (Si(OH)4) FONTE: Elste et. al. (2019). NOTA: Obtidas nos pontos amostrais localizadas nos Rios Guaraguaçu e seus afluentes (pontos I, II, III, IV, V, VI conforme localização no mapa da Figura 1).
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c) Evidências da contaminação a partir do Aterro Sanitário: o rio Pery recebe uma grande carga orgânica do sistema de canais artificiais, incluindo efluentes de estação de tratamento de esgotos antes de atravessar a região final de seu curso, onde está o aterro sanitário. Entretanto, comparando nossos resultados com estudos anteriores e relatórios de impacto ambiental que produziram dados de qualidade da água nestes canais, e também no Sistema Hidrográfico do Rio Matinhos, verificamos que as condições de contaminação da água no trecho amostrado a jusante do Aterro Sanitário são expressivamente piores, demonstrando que o aterro pode ser a fonte principal de contaminação do canal e, consequentemente, do rio Guaraguaçu. Figueirêdo (2008) em sua dissertação de mestrado intitulada “Caracterização físico-química e microbiológica da lagoa de polimento e das lagoas do entorno do aterro sanitário de Pontal do Paraná”, encontrou naquela época dados de qualidade da água que mostram que o ambiente limnológico no interior dessas lagoas era mais saudável do que encontramos hoje no rio Pery. Disto concluímos onze anos depois que o aterro, que já se encontra no limite de sua vida útil prevista, passou a contaminar fortemente o lençol freático e os cursos d’água do seu entorno nos últimos anos, constituindo talvez o maior passivo ambiental desta região. Com efeito cumulativo, mesmo que o aterro seja desativado, medidas de controle terão que ser adotadas, pois o efeito deletério deve continuar por muitos anos. d) Ressaltamos ainda que nosso estudo abordou apenas algumas variáveis limnológicas, com o objetivo de avaliar a influência do rio Pery e do Aterro Sanitário no contínuo fluvial da bacia do Guaraguaçu, fato que restou amplamente demonstrado pelos resultados. Dada a natureza dos rejeitos que poluem o rio Pery, desde efluentes sanitários aos mais diversos resíduos que compõem o lixo urbano, é de se esperar que diversos outros contaminantes estejam presentes em altos níveis, tais como: metais 230
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pesados, antibióticos, hormônios, inseticidas e outros biocidas, diversos agentes etiológicos microbiológicos entre outras possibilidades, como nos mostra vasta literatura científica a respeito. Por exemplo, Cavallini et al. (2018), encontraram altos níveis de contaminantes inorgânicos (metais pesados) especialmente cádmio, chumbo e manganês nas fezes de Lontra longicaudis, mamífero topo de teia trófica neste ambiente,, mostrando que os processos de contaminação e magnificação biológica já são evidentes e podem ser de grande magnitude. Uma verdadeira bomba-relógio ambiental, em resumo.
O ponto de vista do Plano de Bacia Litorânea O Plano da Bacia Hidrográfica Litorânea, construído pelo recém implantado Comitê da Bacia Litorânea, contando com a consultoria da Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos (COBRAPE) contratada pelo Instituto das Águas do Paraná (ÁGUAS PARANÁ; COBRAPE, 2019), apresenta uma nova classificação e enquadramento dos cursos d’água do litoral (Figura 4). A proposta deve traduzir a função e a qualidade que a sociedade pretende dar a estes rios, segundo o conceito de Múltiplos Usos Públicos do recurso hídrico. Para os trechos do rio Guaraguaçú, os critérios adotados foram condicionados pelas disposições da Resolução CNRH 91/08, em função das unidades de conservação; e também pelos debates no comitê, que reconheceram as importantes funções ecológicas desta bacia no contexto regional e seus importantes serviços ambientais prestados como manancial de abastecimento e corpo receptor/ diluidor de efluentes.
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A resolução de enquadramento dispõe: a) As microbacias abrangidas pelo Parque Nacional de Saint-Hilaire/Lange, nas vertentes da serra da Prata, são enquadradas em CLASSE ESPECIAL; b) Fora dos limites do parque, até as captações de abastecimento de Matinhos e Pontal do Paraná, as áreas que já são consideradas como “Zona de mananciais” pelo ZEE (figura 5) são enquadradas em CLASSE 1, garantindo a qualidade do abastecimento.
FIGURA 4 - RECORTE DO MAPA DA MINUTA DE ENQUADRAMENTO DOS CORPOS D’ÀGUA DA BACIA LITORÂNEA, DESTACANDO A ÁREA DE ESTUDO E AS ZONAS DEFINIDAS PELO ZEE PR - LITORAL FONTE: Plano da Bacia Litorânea (ÁGUAS PARANÁ; COBRAPE, 2019).
c) No trecho final, a jusante da PR 408, a existência de Unidades de proteção integral (Estação Ecológica do Guaraguaçu), e as terras indígenas do Sambaqui e Cotinga e comunidades ribeirinhas, obrigou o enquadramento em classe Especial e Classe 1. 232
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d) O trecho médio (onde aporta o rio Pery) usualmente seria enquadrado em classe 2. Porém, devido ao fato de ser um pequeno trecho conectando áreas já enquadradas em classe 1 ou classe Especial, somado ao papel como corredor ecológico, entre diferentes unidades de paisagem fluvial, optou-se pela proposição de CLASSE 1. A proposta considerou também a importância ecológica do rio Guaraguaçu para a produtividade pesqueira geral da Baía de Paranaguá, especialmente para as comunidades ribeirinhas do Guaraguaçu e Maciel, que tem sua economia ligada à pesca e ao turismo neste microestuário.
FIGURA 5 - RECORTE DO MAPA PROGNÓSTICO DE ZONEAMENTO PROPOSTO NO ZONEAMENTO ECOLÓGICO ECONÔMICO DO PARANÁ - FASE LITORAL, EVIDENCIANDO A ÁREA ESTUDADA FONTE: Adaptada de Cunico (2016).
e) Para o sistema hidrográfico de canais artificiais ligados ao Guaraguaçu através do rio Pery, a qualidade das águas em muitos destes trechos está comprometida como classe 4, uma vez que seu uso preponderante basicamente é o de drenagem dos loteamentos e corpo receptor de efluentes sanitários. Mas, a classe 4 equivaleria a decretar a morte ambiental destes canais. Optou-se, de forma inovadora, por tentar enquadrar os canais 233
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em Classe 3 em “vazão Q50%”, o que significa que os parâmetros de qualidade devem estar em classe 3 em pelo menos 50% do tempo, a fim de permitir outros usos como a navegação, harmonia paisagística e até a pesca recreativa. O Plano de Bacia teve o mérito de calcular todas as cargas orgânicas produzidas pela população através de dados históricos, produzindo cenários que já calculam inclusive o investimento necessário para remoção da carga orgânica remanescente nos canais artificiais, de modo a atingir os parâmetros de qualidade exigidos pela classificação, com metas progressivas até 2035. Dessa forma, todas as variáveis de qualidade da água que extrapolarem os parâmetros previstos pela classe de enquadramento proposta para cada trecho, bem como a carga orgânica de DBO5 excedente, constituem a medida exata do passivo ambiental criado pela expansão das áreas urbanas sem saneamento básico. Analisando rapidamente os dados obtidos no rio Pery e seus efeitos, podemos antecipar facilmente a conclusão de que a proposta de enquadramento jamais será atingida no prazo proposto, se o padrão de desenvolvimento territorial e o déficit de saneamento seguirem no mesmo padrão atual.
O ponto de vista do Zoneamento Ecológico Econômico O Plano de Bacia e o Zoneamento Ecológico e Econômico, juntamente com os planos de Manejo das UC’s deveriam ser os principais instrumentos de ordenamento territorial da região, pois possuem uma escala que analisa os fenômenos locais de forma integrada, em perspectiva regional. Idealmente, devem estabelecer os parâmetros para outros instrumentos de gestão geograficamente subordinados, como os planos diretores municipais, planos 234
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de resíduos sólidos, projetos de desenvolvimento e critérios de licenciamento ambiental para empreendimentos específicos. Entretanto, não obstante a reconhecida qualidade das propostas apresentadas nestes documentos, foram formulados depois dos planos diretores e projetos de desenvolvimento, portanto tiveram que se acomodar a uma realidade que já está instalada em décadas de desenvolvimento não planejado. Podemos verificar que as zonas propostas pelo ZEE estão totalmente compatíveis com as proposições do Plano de Bacia, especialmente em relação a zonas de Expansão para UC’s de proteção integral, Zona de Proteção aos Mananciais, Zonas de proteção por legislação ambiental específica. Ambos os instrumentos reconhecem a importância da manutenção das funções ecossistêmicas e dos serviços ambientais da Bacia do Guaraguaçu para o desenvolvimento territorial, e tem objetivos de gestão compatíveis, pressupondo um desenvolvimento alternativo e sustentável. Entretanto, a elaboração do ZEE já diagnosticava a tendência a um processo de interligação e até conurbação entre as áreas urbanas de Pontal do Paraná e Paranaguá ao longo da rodovia PR 408, motivadas por projetos de expansão da atividade industrial e portuária, com a construção de novo porto e rodovia em Pontal do Paraná. Considerando que este processo poderia ocasionar um importante vetor de fragmentação da bacia do Guaraguaçu, e também levando em conta a importância da conservação destas regiões, foi proposta a ZDD – Zona de Desenvolvimento Diferenciado, pressupondo a adoção de critérios que condicionassem o processo de ocupação desta área com mínimo impacto às paisagens adjacentes. Entretanto, os critérios e objetivos desta ZDD não são claros o suficiente, e abriram a “brecha” para que planos de desenvolvimento como a “Faixa de Infraestrutura de Pontal do Paraná” sejam planejados de forma um tanto quanto desconectada da escala regional pretendida, conforme veremos adiante. 235
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O ponto de vista do plano de desenvolvimento “Faixa de Infraestrutura de Pontal do Paraná” O projeto “Faixa de Infraestrutura de Pontal do Paraná”, planejado para esta região com apoio do governo estadual e prefeituras, prevê a construção de uma nova estrada interligando praia de Leste a Pontal do Sul para favorecer a interligação da atividade industrial e portuária de Paranaguá a um novo porto em Pontal do Sul (Figura 6). O Estudo de Impacto Ambiental do empreendimento mostra um incremento considerável na população residente, expansão das áreas urbanas em regiões mais próximas ao rio Guaraguaçu, além das referidas atividades industriais e portuárias, o que obviamente aumentará a carga orgânica despejada pelas estações de tratamento de esgoto e pela poluição difusa das áreas ainda sem saneamento básico.
FIGURA 6 – CROQUI DO PROJETO “ FAIXA DE INFRAESTRUTURA DE PONTAL DO PARANÁ FONTE: Paraná (2016b).
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No EIA-RIMA o estudo da qualidade das águas superficiais nas áreas de influência direta e indireta tomou por base o enquadramento dos cursos d’água definido pela Portaria SUREHMA n.º 005/89 de 06 de setembro de 1989 e a Resolução CONAMA n.º 357 de 17 de março de 2005 quando a maioria dos corpos d’água estava enquadrada na Classe 2. Diante da inexistência de dados relativos a estes corpos hídricos, o EIA realizou o monitoramento durante os dois períodos do ano (cheia e estiagem) em 12 pontos de coleta nos quatro principais cursos d’água da área diretamente afetada (rios Pery, Perequê e Penedo, bem como, o canal DNOS). As variáveis analisadas seguiram as solicitações do termo de referência (pH, temperatura, transparência, condutividade, cor, turbidez, sólidos totais, dissolvidos e em suspensão, óleos e graxas, oxigênio dissolvido e coliformes termotolerantes) e os resultados obtidos foram analisados e comparados aos padrões especificados na Resolução CONAMA n.º 357/05. Em uma análise mais apurada dos dados apresentados, verificou-se que, em grande parte dos pontos, as variáveis Oxigênio Dissolvido (OD), Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO5), Fósforo total (Ptotal) e coliformes termotolerantes, extrapolam os parâmetros definidos para o enquadramento na Classe II segundo a Resolução CONAMA n°357/05. Merece atenção especial os altos valores de Fósforo Total, que deve ser entendido como um indicador do alto potencial de eutrofização, conforme preconizado pelo Índice de Estado Trófico (IET - CETESB), já que este nutriente atua como o agente causador do processo. Neste caso infere-se que, aumentando o volume de efluentes a ser diluído, o cenário tende a uma piora significativa na qualidade da água. Vale ressaltar dois aspectos: primeiro, o adensamento populacional motivado pelo conjunto de empreendimentos planejados para Pontal do Paraná que se dará exatamente em áreas que não possuem coleta de esgoto; segundo, mesmo com o aumento da cobertura por rede de esgotos de 25% para cerca de 67% em médio prazo (segundo 237
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a SANEPAR), os 33% restantes continuarão sem tratamento, e aplicando sobre este grupo a projeção de aumento populacional esperada, a carga orgânica sem tratamento remanescente na bacia ainda será alta. Para dimensionar o tamanho do conflito, basta citar que a questão do saneamento básico e a da disposição dos resíduos sólidos, que são as duas causas deste grave problema ambiental aqui diagnosticado, foi praticamente ignorada por este plano de desenvolvimento, bem como pelo seu EIA Rima, como se transferissem a responsabilidade adiante, reforçando o nosso pressuposto de fragmentação e desconexão dos instrumentos de gestão e planos de desenvolvimento. Concluímos que este problema ambiental aqui evidenciado e denunciado pode ser considerado o principal fator limitante aos projetos de desenvolvimento territorial da Região, e recomendamos fortemente a atenção dos poderes públicos à questão do saneamento, um componente que deve ser urgentemente incorporado aos processos de planejamento territorial, a partir do que foi diagnosticado e disposto no Plano de Bacia Litorânea. Nenhum processo de desenvolvimento pode ser considerado minimamente sustentável caso os custos do saneamento ambiental não sejam incorporados ao seu orçamento, e os entes responsáveis pela manutenção da qualidade ambiental não estejam devidamente responsabilizados pelo seu monitoramento constante.
Referências BRASIL. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE. Resolução nº 357 de 17 de março de 2005. Estabelece a classificação, segundo os usos preponderantes, para as águas doces, salobras e salinas do território nacional. Brasília. 2005. BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução nº 430 de 13 de maio de 2011. Dispõe sobre as condições e padrões de lançamentos de efluentes, complementa e altera a Resolução CONAMA nº 357/05. Brasília. 2011.
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BRASIL. Lei Federal nº 9.985 de 18 de julho de 2000. Regulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal, institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza e dá outras providências. Brasília. 2000. Disponível em:
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“ÁGUAS DE MARÇO”: PERCEPÇÃO DE RISCO EM TERRITÓRIOS VULNERÁVEIS A DESASTRES SOCIOAMBIENTAIS NO MUNICÍPIO DE GUARATUBA/PR Simone Wachter Muller Montoro Luciana Vieira Castilho-Weinert Eveline Fávero
Introdução A psicologia procura, através do estudo do ser humano em sua subjetividade, compreender a construção de seus sentimentos, atitudes, valores e manifestações de comportamento derivadas de sua relação com os meios físico e social. A Psicologia Ambiental (PA), por sua vez, estuda a pessoa em seu contexto, com tema central nas inter-relações entre a pessoa e o ambiente físico e social. O estudo dos desastres está atualmente situado nos campos da PA, mais especificamente, da Psicologia na Gestão Integral de Riscos e Desastres (CFP, 2016). Esta vertente da psicologia busca analisar como o indivíduo avalia e percebe o ambiente seja num espaço micro, macro, casa, bairro, vizinhança, ou cidade e, ao mesmo tempo, como ele é influenciado por esse mesmo ambiente. Através da produção da informação, pode atuar e mostrar que comunidades não são receptores passivos de impactos negativos, mas sim redes dinâmicas capazes de aprendizado e de perceber que a construção e reconstrução de redes que sustentam a vida são contínuas, pois o mundo não é controlável nem conhecido, mas vulnerável. Segundo Kuhnen (2009), para ampliar o entendimento de fenômenos ambientais que levam a catástrofes, deve-se olhar 241
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para as relações da pessoa com seu ambiente e as interações nele vividas. Segundo a autora os desastres colocam em evidência a fragilidade humana e de uma sociedade para enfrentar as catástrofes fisicamente, socialmente e psicologicamente. Na ocorrência de desastres não-naturais ficam evidentes as consequências da ação humana. Porém pairam muitas dúvidas quando nos deparamos com desastres naturais. Entretanto, muitas vezes, quando as causas dos desastres são naturais há o agravante das ações antrópicas inadequadas, como podendo provocar ou intensificar o desastre (KUHNEN, 2009, p. 41).
Segundo a autora, as catástrofes não são naturais, mesmo quando se originam de uma causa física, pode-se construir uma imagem de fenômenos previsíveis e até certo ponto controláveis. Um fenômeno ambiental deve ser, então, compreendido em sua totalidade e das interações entre as pessoas e seu ambiente, pois uma situação perigosa se converte em desastre em função do comportamento dos sujeitos e de sua compreensão do lugar, que é o seu território. Vivemos rodeados de situações potencialmente perigosas, nossas percepções ocorrem de diversas formas e acabam por moldar o nosso comportamento de maneira projetiva contribuindo para o aumento destas situações, pois os meios de comunicação, a exposição contínua a situações de risco e a construção social moldam a percepção individual, tornando-a multidimensional. Deste modo, o conhecimento da área da Psicologia sobre a cognição humana, as interações sociais e os entendimentos sobre as questões que envolvem a pessoa e seu ambiente, suas relações e pertencimento territorial, podem contribuir para mudanças comportamentais necessárias ao enfrentamento das crises.
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Conceito de risco, desastres e hazard O conceito de risco, em determinados contextos tem diferentes sentidos, como a probabilidade ou possibilidade de que algo pode acontecer, geralmente empregado em contextos ligados a ameaças ou perigos de determinadas ocorrências, episódios temerários e que podem gerar consequências desagradáveis. Para Minayo (2002, p. 76), “Hoje, quase todo entendimento passa pelas ‘razões de risco’. Possibilidade dos acontecimentos ou eventos futuros é definida a partir das probabilidades de ocorrência, calculada com base nos eventos do passado”. O futuro passa então, a ser uma continuidade do passado, pois vigoram leis implícitas, ignoradas, mas cognoscíveis pela observação daquilo que se repete sem razão aparente, mas em uma concepção de ‘causa e efeito’. Segundo Kuhnen (2009), confunde-se frequentemente perigo e risco, assim torna-se difícil considerar uma definição objetiva e consensual e, grande parte dos estudiosos adota a palavra perigo para caracterizar eventos a partir de um fenômeno natural circunscrito (suscetibilidade), enquanto risco entende-se pela probabilidade de perda visualizada em determinado período (vulnerabilidade) na iminência de um perigo. Para a autora, o risco em si não se constitui num desastre, mas sim um fator que propicia a iminência de um desastre. De acordo com Mattedi (2001, p. 15), “As teorias de Hazards1 e Desastres constituem a tentativa de explicar a relação de interdependência que se estabelece quando um evento físico destrutivo (dimensão natural) atinge um contexto social vulnerável (dimensão social). Segundo o autor, o conceito de hazards reflete em abordagens de dimensões naturais e sociais, podendo abranger fenômenos como terremotos, ciclones, deslizamentos. Enchentes, epidemias, pragas, entre outros, tem determinações tanto naturais como sociais. 1 O termo em inglês hazard é traduzido como “perigo” ou “ameaça”.
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Hazards, desde a década de 70 passaram a ser vistos como produtos da interação de forças físicas e humanas que, em combinação, determinam a significância e o impacto do evento. A interação humana é uma complexa rede de de fatores físicos que interagem com a realidade cultural, política e econômica de uma sociedade, não se dá somente em um papel de vítima, mas atividades humanas expostas a forças naturais. “Hazard refere-se à análise dos efeitos potenciais provocados pela interação de fatores físicos e humanos, enquanto a teoria dos desastres resulta da análise dos efeitos reais provocados pela eclosão do fenômeno” (MATTEDI, 2001 p. 15). Estudos de casos mostraram que pessoas que vivem em áreas de risco percebem os eventos como uma ameaça, porém, não costumam atribuir seus impactos a fatores sociais. Isto acontece com o problema das enchentes, apesar de habitantes das áreas próximas aos rios perceberem o rio como uma ameaça, costumam atribuir a destruição de suas habitações à força da natureza e não à forma de ocupação do espaço (MATTEDI, 2001, p. 7).
Neste sentido, percebe-se as relações da pessoa com o lugar onde ela vive como um elemento primordial na percepção do hazard, ou seja, do risco potencial que um evento ou um local provoca. Ou seja, a interação da pessoa com o seu espaço, a percepção elaborada sobre este espaço, sua apropriação e sua história contam muito na tomada de atitudes decisórias em situações de ameaças, riscos ou eventos propriamente ditos. Para Noal (2013), desastres são interrupções graves do funcionamento cotidiano de uma comunidade que ocasionam perdas humanas, materiais, econômicas, ambientais e que excedem a capacidade da sociedade afetada frente à situação. As catástrofes são acontecimentos de maior magnitude, que em geral afetam áreas maiores, um maior número de pessoas, 244
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destruição material significativa e desorganização social pela destruição ou alteração das redes funcionais. Segundo Ocampo (2006, p. 15) “desastres são eventos extraordinários, que originam destruições consideráveis de bens materiais e podem ter como resultado mortes, lesões físicas e sofrimento humano”. Segundo ainda o autor, esses fenômenos podem ser lentos ou repentinos, naturais, como enchentes, inundações, terremotos, furacões, ou produzidos pelo próprio ser humano, como as guerras, o terrorismo, incêndio, contaminação química ou nuclear ou vandalismo social, uma nova forma de desastre humano. No Brasil, tem-se grande incidência de fenômenos naturais, como secas, enchentes e inundações. Paranhos (2015), diferencia situações de emergência, desastre e catástrofe, quanto aos recursos que cada evento exige, diferenciando-se assim a gravidade destes. As emergências, então, seriam situações que poderiam ser resolvidas com serviços assistenciais locais, tanto de médicos como de resgate. Os desastres se configuram quando se exige maior infraestrutura para prestar ajuda aos feridos que se encontram em maior quantidade, bem como já existe um grau de destruição em uma área maior, levando a um custo socioeconômico mais elevado. Já as catástrofes, são eventos mais graves, desastre massivo, que aciona mais recursos humanos, materiais, em um esforço coordenado para sanar as necessidades das pessoas envolvidas. Para Fávero (2012), a diferenciação de cada fenômeno se dá em torno do número de pessoas implicadas, capacidade de resposta do sistema, ruptura e danos nos sistemas sociais e esta diferenciação é importante porque operacionalmente implica maior ou menor mobilização de recursos tanto para a gestão do desastre quanto para as vítimas. Considerando que os atributos dos eventos não são apenas objetivos, mas podem ser também subjetivos como gerador de ansiedade, insegurança frente ao futuro, podendo afetar crenças pessoais de invulnerabilidade e também políticos, econômicos e sociais. 245
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Paranhos (2015), refere que situações de desastres, catástrofes, emergências ou acidentes são eventos desencadeadores de estresse, por seu caráter imprevisível e pelo perigo imediato que representam à integridade física e emocional das pessoas envolvidas, requerendo, desta forma, ações imediatas. Ainda segundo o autor, apesar do Brasil não ser considerado um país que possui potencial para grandes desastres e catástrofes precipitados pela natureza, pode-se enumerar diversos eventos que o colocam em um patamar de um país que precisa urgentemente se preocupar com as consequências de situações desencadeadoras de intensa crise e potencialmente geradoras de sobrecarga a saúde da sociedade e das pessoas envolvidas. Neste contexto, pode-se citar dentre estes eventos, enchentes, deslizamentos, incêndios, a guerra civil pelo tráfico de drogas, a violência e acidentes de transporte como responsáveis por um grande percentual de mortes e prejuízos ambientais. Situações de desabamento de construções civis, que, precisamente no início de 2012, atingiram fisicamente, emocionalmente e economicamente uma série de pessoas no Estado do Rio de Janeiro e que se repetem a cada ano em variados graus de intensidade, inclusive no corrente mês de abril de 2019. A conhecida tragédia de Santa Maria, em janeiro de 2013 no estado do Rio Grande do Sul, onde centenas de jovens perderam a vida em um incêndio na boate Kiss. Em 2016, a queda do avião da Lamia comoveu o país e o mundo inteiro com a morte de dezenas de pessoas entre elas quase o time inteiro de futebol da Chapecoense. E citando novamente 2019, citamos a catástrofe ambiental que foi o rompimento da barragem de Brumadinho em Minas Gerais, que provocou dezenas de mortes em um desastre humano e ambiental de incalculáveis proporções. Infelizmente, situações de emergências e acidentes também fazem parte de um grupo de acontecimentos que são geradores de crise e que podem golpear com intensa violência um 246
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grupo de pessoas, uma comunidade, um sistema ou uma nação (PARANHOS, 2015). A importância dos estudos dos desastres não está apenas em sua dimensão natural, mas principalmente por suas consequências num contexto social específico, uma vez que, quando um mesmo fenômeno ocorre em contextos sociais diferenciados acaba por ocasionar também diferentes resultados (catastróficos ou não) (FÁVERO, 2008 p. 201).
O indivíduo se constrói por sua ação transformadora sobre o seu ambiente, ou seja, o homem precisa modificar o seu comportamento no mundo para garantir a sua sobrevivência. Para Britton (1986) apud Favero (2012, p. 25) “desastres são como um produto social, expressão da vulnerabilidade humana, isto é, um desastre não seria um evento isolado que incide sobre a realidade, mas fruto da interação entre os seres humanos e a utilização do ambiente”, os desastres não acontecem desvinculados da ação humana, onde não há interação entre o homem e o ambiente não há como existir desastre assim como quanto mais eficientes forem os mecanismos de enfrentamento para o risco menor proporção de danos terá o evento. O ambiente é um espaço vivido, produtor de desenvolvimento psicológico, pessoal, emocional, profissional e de comportamento. E, as relações nele presentes se afetam, pelas condições existentes neste espaço, pela inclusão de formas interdisciplinares de perceber essa temática e pela percepção de que o homem está a todo momento interagindo, influenciando e sendo influenciado pelo seu meio tanto natural quanto construído.
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O município de Guaratuba e as “Águas de março” De acordo com o IPARDES (2019), (Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social) Guaratuba é município litorâneo do Estado do Paraná, desde 1947, desmembrado do município de Paranaguá. Sua área territorial é de 1.328,480 km², distante 117,73 km da capital Curitiba, com população estimada em 2018, de 36.595 habitantes e segundo o IPARDES 2019, 3.290 pessoas estão recenseadas na área rural. Segundo a Base Cartográfica ITCG (2010) limita-se ao norte com os municípios de Morretes e Paranaguá, a oeste com o município de São José dos Pinhais, a leste com o município de Matinhos e Oceano Atlântico e ao sul com os municípios de Itapoá e Garuva no Estado de Santa Catarina, conforme a Figura 1.
FIGURA 1 - LIMITES DO MUNICÍPIO DE GUARATUBA FONTE: IPARDES (2019).
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Pinheiro (2016), refere que o Paraná possui, na sua história, inúmeros desastres. Alguns deles de repercussão internacional, como o incêndio florestal de 1963 e a Geada Negra de 1975, ou ainda, o vazamento de 4 milhões de litros de óleo nos rios Barigui e Iguaçu, na Região Metropolitana de Curitiba em 2001, além da explosão do Navio Tanque Vicuña, em Paranaguá no ano de 2004. Mais recentemente, em 11 de março de 2011, as chuvas intensas na região serrana do litoral paranaense, resultaram em deslizamentos e inundações afetando quatro dos sete municípios que compõe a região litorânea do Paraná. O evento ocorrido em março de 2011 no estado do Paraná, denominado “Águas de Março”, atraiu a atenção de Gestores mu nicipais e estaduais para o Fortalecimento da Gestão de Riscos de Desastres no Paraná. Tal evento proporcionou uma reflexão do Sistema de Proteção e Defesa Civil, redirecionando sua atuação para uma nova política de integração Multissetorial (PINHEIRO, 2016 p. 30).
Em Guaratuba, as chuvas atingiram a área rural de forma intensa, comprometeram a infraestrutura do local destruindo pontes e redes de abastecimento de energia, água e esgoto, isolando áreas nas localidades de Guaratuba como Cubatão, Rasgado, Rasgadinho e Limeira. Para o estado do Paraná, segundo Pinheiro (2016), este evento representou um impacto muito forte, pois não havia registros de chuva semelhante em anos anteriores e tampouco perdas e danos tão grandes quanto as que foram resultado desse período. Grande parte dos danos deste evento foram relacionados ao impacto no meio ambiente, especialmente áreas de preservação, parques nacionais, destruição de árvores de grande valor ecológico, plantação e perdas de animais. Também foram registradas perdas de moradias, danos em rodovias, queda de pontes e problemas que levaram a interrupção 249
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do sistema de água potável e luz em algumas localidades. Áreas em total isolamento, necessitaram de resgate, abrigo, assim como readequação para o acesso aos serviços públicos básicos como saúde, educação e assistência social e mobilização de recursos para remoção de escombros e reconstrução, campanhas de vacinação, dentre outras ações. A população afetada no município de Guaratuba neste evento foi de 140 pessoas desalojadas e 65 casas atingidas, também foram afetadas 8 pontes. Na ocasião foram utilizados para o resgate de pessoas ilhadas barcos e helicópteros. Não foi registrado nenhum óbito.
A Psicologia Ambiental e a avaliação da percepção de risco por aqueles que vivenciaram as “Águas de Março” O fenômeno das “Àguas de Março” de 2011 suscita o interesse de verificar a percepção de risco sobre desastres socioambientais por parte daqueles que vivenciaram o ocorrido. Neste sentido a Psicologia Ambiental contribuiu com a realização de uma investigação de caráter qualitativo e descritivo, da qual participaram nove pessoas com idade superior a dezoito anos, residentes há pelo menos oito anos na área rural de Cubatão e Limeira, no município de Guaratuba. e que continuam vivendo nestas localidades classificadas pela Defesa Civil municipal como áreas de risco para desastres socioambientais. Das nove pessoas que participaram da pesquisa, 77,7% eram mulheres e 22,2% homens. Todos residem em casa própria, das quais 44,4% são de madeira e 33,3% de alvenaria e 1 mista. Todas as casas possuíam sistema próprio de esgoto e água vinda da serra. Sobre o tempo de moradia, 44,4% resisiam na localidade entre 8 e 20 anos e 55,5% há mais de 20 anos. No que se refere a situações de desastres socioambientais vivenciadas nos locais onde vivem, nenhum relatou ter vivenciado situações de 250
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incêndio, 33,3% referem ter vivenciado situações de deslizamentos, 66,6% passaram por situações de raio, 88,8% de vendaval e 100% referiram já ter passado no local onde vivem por situações de inundação. Para coleta de dados foram utilizados os recursos de entrevista semiestruturada, com pré-estruturação mínima a partir de um roteiro contendo dados pessoais, da residência onde vivem, também sobre a escolha daquele local para viver, também situações vivenciadas e as percepção dos riscos desta área onde vivem. O roteiro teve por objetivo garantir que aspectos relevantes fossem abordados e também deixar espaço para aspectos também mencionados pelo participante. Os resultados foram sistematizados e organizadas em três fases: 1) pré- análise, 2) exploração do material e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação, segundo Bardin (2011). A inferência e interpretação, primeiramente, se efetivou através desta leitura geral dos dados coletados nas transcrições das entrevistas e codificação para formulação de categorias de análise. Após a exploração do material, estes foram recortados em unidades de registro comparáveis e com o mesmo conteúdo semântico, foram estabelecidas as categorias que se diferenciaram por temáticas seguindo os princípios da exclusão mútua entre as categorias, da homogeneidade e da pertinência na mensagem transmitida, da fertilidade e da objetividade. Seguindo então, para o agrupamento das unidades de registro em categorias comuns e progressivo das categorias iniciais, intermediárias e finais para então chegar a inferência e interpretação, respaldada no referencial teórico. As categorias de análise foram definidas a priori, mas confirmadas e reelaboradas a partir da fala dos entrevistados. A análise das entrevistas se deu de forma qualitativa, em função do tamanho da amostra.
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Resultados e discussão A categoria inicial foi selecionada segundo o objetivo já previsto para esta pesquisa, sendo ela a análise da Percepção de Risco. Posteriormente, ao analisar as entrevistas, incluiu-se mais uma categoria, a da experiência do desastre de 2011, pois, as falas demonstraram várias variáveis em seus relatos de experiência. A partir das categorias iniciais, as falas foram tomando dimensões, tornando-se categorias intermediárias, seja pela pertinência ou homogeneidade, formando agrupamentos de mensagens. A Figura 2 apresenta de forma sucinta a divisão destas categorias.
FIGURA 2 - CATEGORIAS DE ANÁLISE FONTE: A autora (2019).
Experiência do desastre de 2011 Para esta categoria, analisamos falas referentes à situação descrita pelos participantes da pesquisa, como este fenômeno se desenvolveu e qual a percepção de cada um frente ao evento vivenciado. Consideramos as memórias, emoções e percepção individual dos entrevistados, pois, interpretar a situação é um 252
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elemento importante para a compreensão da percepção de risco dos moradores do local. Segundo Pinheiro (2016) as chuvas atípicas de grande intensidade que ocorreram no litoral em 11, 12 e 13 de março de 2011, deflagraram processos de escorregamento e inundação em 4 dos 7 municípios do litoral do Paraná (Antonina, Morretes, Paranaguá e Guaratuba). Esta operação, denominada “Águas de Março”, se tornou um marco pois, após o evento se percebeu a importância de uma maior união de esforços de várias agências que precisam interagir para uma resposta mais efetiva a situações de desastres. Percebemos, por exemplo, nas falas de A1 a situação descrita em toda sua intensidade. Aqui neste campo era só água, neste terreno aqui a água passava de 1 metro de altura.... Muita correnteza... muito forte... vinha tronco, vinha de tudo... Primeiro foi à noite que encheu, que entrou em casa, de manhã amanheceu mais tranquilo depois começou a chover e foi só aumentando, aquela água aumentando, aumentando, aumentando aí veio o helicóptero e levou a sogra e o sogro e daí a água só foi aumentando aí meu esposo tinha ido com o nosso filho lá para a fazenda para ver lá e quando a gente viu eles já estavam vindo de barco pelo meio do campo e a correnteza aqui era muito grande aí nós tivemos que sair. (A1).
Muitas pessoas se colocaram em situações de perigo para enfrentar a situação e chegar em suas residências ou auxiliar seus amigos e familiares no momento da inundação. Também percebemos que muitos moradores já estão acostumados com situações de enchentes e inundações no local onde vivem, encontrando estratégias para identificar e lidar com as situações conforme a intensidade que elas ocorrem.
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Olha, a gente já é acostumada porque fica sempre naquela... na espera... e a gente estudava, a minha mãe trabalhava tivemos que sair mais cedo da escola por causa da enchente. Viemos para casa e quando foi meia noite o vizinho gritou: - Corre que está alagando! E a água já estava entrando na área da casa da minha mãe. É muito rápido, questão de segundos, não tem nem como a gente se programar que vai encher, a hora que você vê a água já tomou conta de tudo. (A3).
A ocorrência de desastres traz vários impactos para quem vive nos locais atingidos, uma delas é a medo e vulnerabilidade percebida no momento do evento. O termo vulnerabilidade, nesta situação, é atribuído à situação de perigo, que também podemos chamar de hazard ou ameaça, que o evento proporcionou. Na seguinte fala, percebemos que a situação gerou uma situação onde ela teve que fazer uma escolha entre se arriscar a sair de sua casa no meio da correnteza com seus familiares ou arriscar a vida de seu marido e aguardar ele retornar com o barco. Meus sogros saíram de barco, eles levaram eles para um lugar mais seguro e daí eu e minha irmã e meu cunhado ficamos e a gente saiu andando, mas a correnteza da agua era muito grande, tivemos que nos agarrar assim, os três e cuidar para a correnteza não levar, isso com 1 metro de altura. .... Eles foram no barco porque não tinha condições deles andar... e daí como eu fiquei com muito medo porque meu esposo descia do barco para empurrar, eu fiquei com muito medo dele se machucar, porque o barco rodava e eu fiquei com medo que a hélice pegasse nas pernas dele, aí eu preferi sair (a pé) para eles não precisarem voltar. (A1).
Reações de estresse podem ocorrer durante ou após um evento traumático e cada indivíduo reage de uma maneira diante de circunstâncias diferenciadas. Sentimentos como tristeza, 254
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raiva, medo, desespero, ansiedade podem ser identificados como reativos de situações estressoras (Fávero, 2006). As situações de desastres, segundo Kuhnen (2009), podem ser vivenciadas fisicamente, socialmente e também psicologicamente. Também evidenciamos relatos relativos ao estresse referindo às dificuldades geradas após a situação da enchente, como falta de água potável e luz elétrica e, também dificuldades de locomoção pelas estradas que ficaram obstruídas. “A gente ficou sem água e sem luz por muitos dias, a luz acho que ficou mais de 20 dias e a água aos poucos foram trazendo, mas ficou uns 10 dias sem ter água em casa mesmo, daí só o que eles traziam.” (A1). A situação de desastre também gera muitas perdas, sejam elas patrimoniais, animais e em muitas vezes também humanas, também rupturas sociais e mudanças no funcionamento da rotina seja individual ou de toda uma comunidade. Neste contexto, as pessoas desenvolvem, de maneiras bem subjetivas e individuais forma de lidar com o estresse, muitas vezes excedendo sua capacidade de respostas adaptativas para suportar o evento (FÁVERO, 2006). Podemos identificar em algumas falas o relato de sua experiência com perdas de móveis em seu domicílio, assim como de grande prejuízo financeiro advindo da perda de produção. Então a única coisa que conseguimos socorrer e erguer foi a geladeira, freezer que não tem como deixar na água, os vizinhos vieram ajudar, mas o resto das coisas não teve como erguer. A cama por exemplo conseguimos erguer com tijolo mas guarda roupa não dá então eu perdi o meu guarda roupa, perdi o guarda roupa da minha filha, todo jogo de cozinha da minha mãe foi perdido porque entrou água e estufou tudo. (A3). Foi de repente assim e foi uma perda para a nossa plantação, algumas coisas que nós estávamos começando a colher, tinha plantado 3 roças de pepino no 255
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terreno mais 5 mil pés de pimentão que perdemos, então foi bem difícil. Graças a Deus não entrou água na casa, mas o resto... Foi bem difícil. Não sabíamos o que fazer, a família ficou bem abalada, foi uma grande perda financeira. (A4).
Atitudes empáticas são percebidas nas falas de muitos participantes da pesquisa, participantes estes, cujas casas não foi diretamente atingida, uma vez que encontra-se em um ponto mais alto do local, mas a situação atingiu sua rotina de modo geral, pois as estradas foram interrompidas, faltou luz e água entre outros fatores. Aqui para a turma foi uma tragédia, porque acabou com estrada, energia, o rio açoriou todo, até mudou o percurso do rio porque ele descia e a água foi demais e abriu caminho por outro lugar e no fim das contas todo mundo perdeu, o patrão aqui perdeu 85 cabeças de gado, morreram afogados, o gado desceu lá para Guaratuba, foram encontrados enroscados no mato, bezerro e vacas. (A5)
Após o evento desastroso, podemos observar no relato dos participantes da pesquisa a tentativa de recomeçar utilizando seus próprios recursos físicos e materiais, trabalhando na limpeza do local, avaliando suas perdas e tentando recuperar o que não foi afetado como uma forma de lidar com as consequências da enchente em suas vidas. Segundo Mattedi (2001) a recuperação de uma situação de desastre, é uma resposta ao desastre de dimensão temporal. Segundo o autor, esta dimensão é dividida em quatro etapas, sendo a primeira a preparação, que envolve as atividades de planejamento, previsão e prevenção, a segunda a reação que são as atividades de mobilização imediatamente antes e ações de emergência imediatamente depois e a terceira fase que é a recuperação, compreendendo medidas de restauração e de 256
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reconstrução, seguida então da quarta fase que é a mitigação com medidas que alteram a percepção do fenômeno e do ajustamento a longo prazo. Aí quando foi domingo baixou toda a água, aí deu um sol bonito, ficou bem baixinho aí a começamos a fazer a limpeza. A área dava “essa altura” de lama (uns 30cm), tinha que tirar com pá porque não tinha como passar a vassoura, aí ficamos 2 dias limpando tudo na casa porque entrou bastante lama e fica um cheiro forte mas limpamos tudo (A3).
Participantes também demonstram a importância da fé no recomeço de uma situação desastrosa, acreditando em um futuro melhor. Aí falei para mulher, quando deu para eu parar, que infelizmente perdemos tudo. Falei para ela ir junto para ver no que nós viramos, que viramos em nada, ela estava chorando mas falei que não adiantava chorar, que se era por Deus, assim como ele faz, ele tira ele dá, para não se apavorar (A7).
Para Silva (2004), a fé traz conforto e assume um importante apoio social no enfrentamento das adversidades. A religião assume uma força sobrenatural frente aos problemas apresentados e este componente espiritual é trazido como uma possibilidade de entendimento da vivência de acontecimentos inexplicáveis ou dolorosos trazendo conforto e resignação ao sofrimento a ser enfrentado.
Percepção de risco Nesta categoria, analisamos, diante das falas dos entrevistados, a sua percepção de risco em relação à área onde vivem, sendo esta uma área já classificada como uma área de risco de desastres socioambientais pela Defesa Civil e que de alguma 257
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forma foi atingida pela enchente de grandes proporções em 2011. Além da percepção de risco, foram analisadas falas relativas ao medo em relação a morar no local e possíveis impactos gerados em sua vida após o evento vivenciado. Segundo Morais (2014), perigo e vulnerabilidade são concomitantes e levam ao risco: Se não há perigo, não é possível ser vulnerável. Da mesma forma, não existe uma situação de perigo para um elemento ou sistema que não está exposto ou vulnerável ao fenômeno potencial. O Risco envolve a probabilidade de ocorrência de eventos perigosos multiplicada pelos impactos, no caso de os eventos ocorrerem. O risco resulta então, segundo o autor, da interação da vulnerabilidade, exposição e perigo. Consideramos, segundo Kuhnen (2009), que o risco se trata de uma construção social subjetiva e multidimensional, sendo a percepção do risco de natureza social já que se trata de juízos, atribuições, memória, emoção, motivação e não um estímulo físico objetivo. A percepção do meio ambiente, ainda segundo a autora, “é aprendida e está carregada de afetos que traduzem juízo acerca dele. Estão juntos o cognitivo e o emocional, o interpretativo e o avaliativo” esta percepção aprendida aparece nos juízos que formamos e nas intenções modificadoras que empregamos, “é resultante do impacto objetivo das condições reais sobre os indivíduos quanto da maneira como sua interveniência social e valores culturais agem na vivência dos mesmos impactos” (KUHNEN, 2009, p. 11). Sendo assim, o risco não se constitui num desastre, mas seus fatores influenciam as pessoas a se conscientizarem da vulnerabilidade em que estão expostas e dos fatores que podem propiciar uma situação de desastre. Segundo Moraes (2014), grande parte dos moradores não admitem morar em uma área de risco, pois, caso assim o façam, sentir-se-iam forçados a tomar ações preventivas ou se mudar e as pessoas continuam morando em área de risco não apenas por fatores econômicos, mas também emocionais. 258
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Considerações finais Os eventos de desastres principalmente relacionados às mudanças climáticas que vem ocorrendo nos últimos anos, trazem esta temática em destaque nas literaturas e noticiários o que nos faz perceber a importância de desenvolver estratégias para a construção de uma sociedade capaz de prever e prevenir situações de desastres, de mitigar o processo, perceber seus riscos e lidar com situações imprevisíveis de forma humanizada e sensata. Nesta pesquisa, buscou-se investigar a percepção de risco de pessoas que já vivenciaram um episódio de desastre e que residem em áreas classificadas pela Defesa Civil de Guaratuba como territórios de risco de desastres socioambientais. Assim, como primeira etapa, realizamos levantamento sistematizado junto à Defesa Civil Municipal, sobre os dados relativos a desastres, riscos e suas probabilidades, obtendo informações sobre a maior situação de desastre socioambiental ocorrida no ano de 2011, nas localidades rurais de Limeira e Cubatão, resgatando o histórico relativo aos atendimentos prestados e localizando as famílias que ainda residem nestes locais. Após esta identificação, como parte da segunda etapa desta pesquisa, utilizamos a abordagem multimétodos como ferramenta de investigação o que proporcionou a dimensão sobre a história de vida, da experiência da situação do desastre de 2011 e a compreensão das características do local onde vivem. Em análise da percepção de risco, compreendemos que apesar da consciência da possibilidade de novos episódios de enchente, os participantes da pesquisa não a percebem como um perigo real, adaptando a ideia de situações de enchente como corriqueiras, justificando a intensidade do desastre de 2011 como algo improvável de ocorrer novamente e não reconhecendo seu local como área de risco, como classificado pela Defesa Civil.
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Compreendemos que suas experiências a respeito do local onde vivem, a adaptação que estabelecem com os eventos anuais de enchentes, em suas mais variadas proporções, como a forma de lidar com as situações já ocorridas, neutralizam os sentimentos de estresse desencadeados nas situações vivenciadas. Os entrevistados reconhecem o risco, sabem das possibilidades de novas enchentes ocorrerem, porém, o vínculo estabelecido através de sua história de vida, relações interpessoais, familiaridade com o meio e identificação com características do local, como a tranquilidade, o sossego, a confiança, o contato com a natureza e fonte de renda que vem do trabalho da plantação e criação de animais, a confiança e a fé em Deus, faz com que este risco ou possibilidade de passar por um novo evento desastroso, ou não seja reconhecido, ou não provoque medo. Assim, conseguimos refletir sobre como as pessoas percebem o seu ambiente, considerando a vivência de uma situação de desastre socioambiental. E percebemos que, de um modo geral, os moradores desta região não reconhecem o risco como uma situação de perigo suscetível à novos desastres e o aceitam pelos benefícios que tem com o local. Portanto, identificou-se que a ocorrência de uma situação de desastre, mesmo que em grandes proporções, como a ocorrida no ano de 2011, não modificou a relação que os moradores têm com seu ambiente. Estes não o percebem como um local que ofereça perigo eminente e também não vincularam o evento como um fator negativo para sua permanência. Deste modo, compreendemos a complexidade dos fenômenos relacionados à esta temática. Avaliar riscos em relatos de situações desastrosas exige estudos em áreas muito diversas, considerando tanto características pessoais, sociais, ambientais, históricas, geográficas, além de abranger questões referentes à espaços e territórios.
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TERRITÓRIO INSULAR PROTEGIDO: URBANIZAÇÃO E TURISTIFICAÇÃO DA ILHA DO MEL, NO PARANÁ Raquel Panke
Introdução O presente capítulo traz à discussão importantes reflexões concernentes à Unidades de Conservação, com ênfase às áreas de proteção integral e, em específico, de parques nacionais e estaduais situados em territórios insulares. Nesses contextos, a atividade do turismo sustentável encontra desafios para conciliar a ocupação humana flutuante, as demandas sociais de comunidades tradicionais e a pressão por urbanização sobre a manutenção das caraterísticas ambientais originais. A legislação brasileira autoriza que haja aproveitamento econômico direto dos recursos naturais de Unidades de Conservação de Uso Sustentável, desde que compatíveis com sua conservação. Entretanto, o documento “Pilares para o Plano de Sustentabilidade Financeira do Sistema Nacional de Unidades de Conservação” (MMA, 2009) diagnostica que a manutenção desses territórios e sua sustentabilidade, inclusive a econômica, tem sido um dos gargalos para gestão e valorização como patrimônio natural. A manutenção dessas unidades ainda tem grande parcela dos recursos proveniente da arrecadação com ingressos, concessão de venda de produtos e subprodutos florestais e, em alguns casos, taxas de visitação turística. Apesar de alguns setores da sociedade entender às Unidades de Conservação como espaços intocáveis, as previsões legais “elas fornecem direta ou indiretamente bens e serviços que satisfazem 263
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várias necessidades da sociedade brasileira, inclusive produtivas” (MEDEIROS et al., 2011, p. 6). Usufruir desses benefícios envolve a conciliação de questões institucionais, culturais, naturais, sociais e econômicas, considerando que os territórios protegidos devem ser utilizados com parcimônia e planejamento, especialmente no controle à pressão pelo mero crescimento econômico. Entretanto, para a viabilidade de expansão e de manutenção do sistema de Unidades de Conservação, é necessário ir além da determinação legal e das considerações ideais de uso e, consequentemente, de discursos esvaziados e projetos engavetados. É preciso ter clareza sobre o apoio (ou não) das populações locais, que, em muitos casos, se veem com a responsabilidade de arcar com os custos de manter as áreas protegidas por imposição do Estado e até mesmo pela pressão de visitantes ansiosos por experiências autênticas na natureza. Nem tanto ao mar, nem tanto à terra. Como sistemas ecossocioeconômicos com capacidades naturais de resiliência, as Unidades de Conservação podem ser reconsideradas quanto às suas finalidades de manutenção dos territórios naturais protegidos de forma intocável, para incluir as comunidades locais no processo de gestão e ordenamento visando a sustentabilidade socioambiental. Neste ponto, como forma de conexão entre interesses individuais e locais com valores regionais, nacionais e globais se reforça a importância de se estabelecer uma rede de governança capaz de contemplar o interesse de todos os atores sociais impactados pela territorialização de Unidades de Conservação, a partir de um planejamento e a organização de um Plano de Manejo. Este capítulo traz ponderações sobre o papel dos parques em territórios insulares geograficamente isolados quanto às suas funcionalidades na preservação ambiental, e também sobre os desafios vivenciados pelas comunidades tradicionais de núcleos urbanos neles situados. Tematicamente, a nossa 264
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atenção se volta para as relações entre turistificação e urbanização para levantar possibilidades de formação de arranjos de governança que permitam conciliar valores e interesses locais com demandas mais globais. As bases empíricas de análise se centram no caso da Ilha do Mel, que está sob a jurisdição político-administrativa do município de Pontal do Paraná (PR), e compõe duas unidades de conservação: Parque Estadual e Estação Ecológica. A pesquisa considerou dados disponibilizados pelas instituições públicas responsáveis por sua organização territorial complementadas e confrontadas por pesquisas de observação participante realizadas de forma direta no território insular.
Unidades de conservação insulares No contexto geral das Áreas de Conservação, o distanciamento geopolítico das ilhas se sobressai como um caso especial de reflexões. Essas áreas, não raro, têm sido idealizadas como ilhas naturais a serem defendidas contra todo tipo de ação de seres humanos, principalmente dos moradores tradicionais, que passam a ser considerados os vilões a serem vigorosamente reprimidos (DIEGUES, 1988, p. 14). O desafio está, portanto, em conciliar a preservação natural com a ocupação antrópica consolidada. Entre os biomas resguardados em Unidades de Conservação brasileiras, tem-se verificado a preocupação com a proteção de territórios insulares, como Ilhas e Arquipélagos, há mais de meio século, especialmente devido ao interesse pelos efeitos do isolamento geográfico da fauna e da flora, relativos à especificação e/ou extinção biológica. Um dos possíveis encaminhamentos para tais discussões foi a Teoria do Equilíbrio Insular (MACARTHUR; WILSON, 1963; FURLAN, 1996), que prediz uma relação entre o quantitativo de espécies e a área insular: as ilhas grandes frequentemente têm maior número de espécies que as pequenas. 265
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Além disso, o isolamento geográfico estaria relacionado com a diversidade biológica, pois as ilhas mais isoladas tenderiam a apresentar menores taxas de colonização por estarem mais afastadas das fontes colonizadoras, como os Continentes. Em função dessas características, existiria um número de espécies constante para cada ilha (FURLAN, 1996, p. 116). Esses parâmetros trariam alguma objetividade para a definição de políticas de distribuição de espaços para preservação e ocupação, sem comprometer biodiversidade local. No entanto, a aceitação dessa teoria não é unânime, notadamente porque dever-se-ia considerar a heterogeneidade espacial, assim como os aspectos históricos e o processo de ocupação humana, uma vez que cada ilha é entendida como um microcosmo. As características das ilhas remetem, portanto, a estudos, especialmente direcionados aos aspectos ambientais, biológicos, geográficos e paleontológicos dos seus territórios, justamente pela particularidade de suas condições. Esse direcionamento se deve ao valor ambiental evidente e ao fato de estarem sob algum mecanismo ou estatuto de proteção que exige pesquisas focadas nesse tipo de temática (DIAS; CARMO; POLETTE, 2010).
A dimensão antrópica em unidades de conservação insulares De modo geral, os territórios divididos em nações distintas e espalhados pelo mundo têm identidade-mundo que representam visão compartilhada com grande parte da humanidade. Essa possibilidade torna todos – governantes, gestores locais, população, visitantes e estudiosos – corresponsáveis por uma nova visão de território, em uma escala global de cidadania comum, a partir de uma cultura planetária (MORIN, 2001). Dessa visão decorre que, por mais antagônico que possa ser em visões clássicas de prote266
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cionismo ambiental, há espaços para instrumentalizar propostas de conscientização para um cidadão planetário para que passe a sentir e valorizar aquilo que é conhecido. Os usos econômicos de ambientes insulares podem, portanto, ser viabilizados por um turismo pautado na elevação da consciência da população local, de operadores de serviços e dos próprios turistas, ao perceberem que só pode ser visitado aquilo que é conservado. O meio insular ainda se destaca por suas especificidades territoriais ímpares no quesito formação de identidade cultural de suas populações, o que reforça a noção de lugar (DIEGUES, 2000). A organização social do cotidiano insular é vivenciada de modo distinto do continental basicamente por três aspectos geográficos: a influência do mar, a finidade do espaço terrestre que sobrevaloriza tudo o que existe em seu interior e a escala reduzida das ilhas, cuja ocupação urbana, em todos os seus elementos, distingue-se do que ocorre no Continente. A inserção das populações locais e a promoção de meios para sua sobrevivência tendem a competir com a proteção dos recursos naturais. As experiências e os resultados precisam ser mais bem avaliados nessa equação. A repressão sobre atividades produtivas das comunidades tradicionais – como a pesca e a agricultura de subsistência – desencadeada a partir da implantação de uma unidade de conservação como os parques (que se dirá insular), leva ao fato de que alternativas de atividades locais tendam a ser praticamente nulas e, consequentemente, a causar estresse que tencionam as relações de poder. Na questão da insularidade da atualidade, pelo avanço dos meios de comunicação e de alternativas de transporte, o suposto isolamento que a distância provocada pelo mar, não traz a mesma impressão de separação do Continente de outros tempos. As ilhas contêm sociedades territorializadas onde os limites são claros pela questão da evidente limitação geográfica, pelas restrições ambientais impostas pela legislação, e pelo regra267
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mento institucionalizado pela sua configuração como Unidade de Conservação. Entretanto, tais limites não são mais tão claros em relação ao isolamento de valores sociais e modos de vida. A pressão sobre as ilhas que, num primeiro momento, parecia endógena passou a ser também exógena pela intensificação das influências continentais. Isso torna “evidente a necessidade de programas de gestão em ambientes insulares que visem à conservação da biodiversidade local, bastante vulnerável com relação à continental, no que diz respeito ao uso e ocupação destes ambientes” (SERAFINI et al., 2010, p. 297). Para avançar nesse sentido, “é preciso ainda estabelecer com maior precisão a integração das áreas protegidas com as diversas escalas de planejamento e gestão do território” (MEDEIROS, 2006, p. 60). O conjunto de tantas influências e variáveis que interferem na organização de uma Unidade de Conservação exige que se estabeleça a integração das áreas protegidas com as diversas escalas de planejamento e gestão do território. Não obstante as possibilidades de conciliação dos diferentes usos e valores assentes no modus vivendi em ilhas ambientalmente protegidas, a gestão dessas áreas ainda tende a ser “marcada por um grande autoritarismo, pois os moradores não são previamente informados dos objetivos da chamada conservação e das mudanças drásticas sobre seu modo de vida advindas da implantação dessas áreas protegidas” (DIEGUES, 1988, p. 14)
Território insular protegido e turistificação Um território é construído de maneira multidimensional, como resultado de ações dos atores sociais sobre um espaço físico. Portanto, a compreensão do espaço antecede ao território na perspectiva da ocupação humana e da transformação da paisagem, independentemente de a paisagem ser apropriada ou não. A questão do território deve, assim, ser considerada como parte 268
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de um espaço – onde pessoas se aglomeram e criam sua identidade – caracterizado pelos aspectos culturais que o distingue, pela manifestação de relações de poder (HAESBAERT, 2006). Nessa linha, o território brasileiro considerado sob a ótica do desenvolvimento – por sua dimensão continental, diversidade geográfica e pelas suas instituições – por mais flexível que seja a visão sobre as configurações das relações de poder que o constituem – é mais que uma rede, mormente quando visto a partir da perspectiva das relações políticas internacionais. Entretanto, a partir de uma visão permitida pela visão neofuncionalista do federalismo (STEIN; TURKEWITSCH, 2008), ou seja, do neofederalismo (WRIGHT, 1982; HUEGLIN; FENNA, 2015), nesse mesmo território é possível viabilizar ações policêntricas (HOMSY; WARNER, 2015; MALÝ, 2015) e em multiníveis a partir da cooperação entre os atores sociais, cujas intencionalidades convergem para a articulação de esforços particulares e alocação coletiva de recursos para alcançar soluções e resolver problemas (PROCOPIUCK, 2013). Sob essas premissas, a dimensão política tem um desafio ainda maior, que é a formação e promoção de arranjos produtivos com potenciais de juntar pontas representadas por interesses e agrupar atores com esforços voltados para construção do território em novas bases multisetoriais e agregativas sob um enfoque de inovação social. Desse modo, considera-se que as paisagens se modificam pela necessidade de integrar interesses políticos, econômicos, culturais e naturais, marcados pelas relações sociais de poder sobre aquele espaço, tanto por parte de sua população fixa, quanto por uma eventual população flutuante. A população fixa é formada por indivíduos que mantêm a sua vida baseada em determinado território, valendo-se dele para seu sustento e permanência, interagindo com o espaço, de modo construtivo e identitário. A população flutuante é constituída por indivíduos que usufruem do território por um tempo determinado, com a possibilidade de 269
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gerar modificações na paisagem, além do que seria necessário para a população fixa (DIAS, 2003). As possibilidades de interação entre diferentes populações permite visualizar um sistema territorial que, em muitos casos, parece contraditório, desigual e combinado. Essa realidade socialmente construída a partir de tensões entre valores e interesses “implica que qualquer agrupamento humano vai estar sempre permeado por relações de poder, posto que a existência deste tipo de relação é coexistente à vida social” (MAIA, 1995, p. 87). Uma implicação que decorre disso é que cada território deve ser pensado a partir das redes de valores estabelecidas e por interesses articulados em outros territórios em diferentes níveis de articulação de poder. Ações que provoquem articulações em novos arranjos sociopolíticos abrem outros espaços para considerar que fatores explicativos para o desenvolvimento territorial podem advir de três capacidades fundamentais: a de inovação, a de adaptação e a de regulação a partir de uma dinâmica conjuntural entre os atores sociais convergentes para interesses relacionados para unidades territoriais específicas. A inovação pressupõe o desenvolvimento e adoção de novas tecnologias sociais e instrumentais de menores impactos ambientalmente indesejáveis, a adaptação passa pela escolha de modus vivendi menos dependentes de recursos naturais locais não renováveis, e com regulação local ajustada a condicionantes legais pré-determinados que regem ações e comportamentos todos os atores sociais, independentemente de sua anuência ou participação direta nas decisões. A percepção de território se contextualiza a partir da consciência de variáveis que influenciam na sua construção, abrindo espaços para a argumentar que a sua produção pode ser balizada por modificações projetadas, relações de poder, articulações em redes ou circuitos, mas sempre sob uma organização social em diferentes escalas e dimensões, que considerem novas 270
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perspectivas de urbanização insular ambientalmente sustentável. Isso passa por inovação social associada especialmente ao fortalecimento de formas de governança institucional e de mecanismos de compartilhamentos interorganizacionais que permitam a efetividade da participação nos processos decisórios, envolvendo associações de comunidades receptoras, órgãos de fomento e de capacitação, entidades de classe e comunitárias, e organizações governamentais e sociais para questões ambientais dispostas a discutir novas alternativas para a ocupação urbana sustentável. Uma vez que os espaços geográficos são tomados pela ocupação e passam por transformações para formar territórios locais sustentáveis a partir de governanças próprias, abrem-se espaços para a busca coletivamente consciente de alternativas econômicas compatíveis com a proteção ambiental. Dentre tais alternativas, o turismo ambientalmente sustentável tem se mostrado como uma alternativa importante para a sustentabilidade econômica, social e ambiental insulares.
A turistificação e seus reflexos em territorialidades insulares No imaginário do senso comum, os territórios insulares instigam a curiosidade de uma parcela de pessoas que se desloca temporariamente, de seus locais habituais de residência em busca de novas experiências e vivências em áreas naturais ou, simplesmente, em busca por momentos de lazer e descontração. Nessa visão, a composição de um território turístico ocorre pela existência de recursos naturais e culturais conjugados, ou não, como potencial de atratividade ou usos do patrimônio turístico, de infraestruturas urbanas e de acesso, de sistemas sociais de segurança e saúde. Isso tudo pode levar a diferentes padrões de geração de valor para a comunidade a partir da utilização de 271
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seus equipamentos e serviços de hospedagem, recepção, deslocamentos e alimentação (DIAS, 2006). O fenômeno da turistificação diz respeito à transformação socioeconômica de localidades, geralmente urbanas, com potencialidades turísticas a partir do ajuste para atender à crescente demanda por certos destinos turísticos, o que envolve a viabilização de alojamentos temporários, de novas estruturas de apoio, da requalificação do patrimônio imobiliário e da mudança do perfil populacional local. A compreensão da formação de um destino turístico nesse processo perpassa também pela compreensão da história do pensamento geográfico e pela concepção do próprio território. Para isso são relevantes a visualização e o sentimento da transformação do espaço para atender necessidades humanas – de pertencimento e de identidade territorialmente situados ─ consideradas a partir das interações entre comunidade local, população flutuante e agentes legais, administrativos e sociais envolvidos com a regulação. A definição de um território turístico é, portanto, condicionada a existência de uma visão multidisciplinar sobre os fatores que o formam, conectando as relações entre homem e natureza; cultura e identidade; política e economia; espaço e tempo; e oferta e demanda local e global. Portanto, não se deve subestimar o planejamento para promover reflexões criteriosas sobre escolhas de construção da infraestrutura urbana e da oferta turística, a sua utilização por parte de turistas e das comunidades receptoras, contemplando conjuntamente esse conjunto de fatores como base para a produção de territórios sustentáveis e com um posicionamento estratégico de inovação social.
Ilha do Mel: parque estadual e estação ecológica A Ilha do Mel está localizada no Litoral Sul do Estado do Paraná, na entrada da Baía de Paranaguá e está inserido na 272
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Ilha está o Parque Estadual, com uma área de 2.760 hectares, e que compõe, juntamente com uma Estação Ecológica (ESEC), uma área de proteção singular do litoral paranaense (IAP, 2012), totalizando 95% do território. Do ponto de vista geológico, a ilha é tipificada como continental, ou seja, é uma porção de terra separada recentemente do Continente e, por isso, apresenta características parecidas com a região costeira adjacente. Consequentemente, a paisagem insular tende a não apresentar ecossistemas endêmicos tanto de fauna e flora, como ocorre em ilhas vulcânicas (ÂNGULO; SOUZA 2005). O Parque foi criado em 2002, pelo Decreto Estadual nº 5.506, para conservar uma porção da Ilha, que representa 12% do seu território. No ecossistema da ilha se destacam ambientes naturais de praia, costões rochosos e áreas de influência marinha; remanescentes da floresta ombrófila densa submontana e de terras baixas, associadas à floresta de restinga; sítios arqueológicos, em especial os sambaquis, e a rica fauna marinha (IAP, 2011). Com o objetivo de ultrapassar a interpretação de dados disponibilizados por órgãos oficiais sobre a realidade socioambiental e econômica da Ilha do Mel, foram realizadas visitas em campo de cunho qualitativo, entre 2016 e 2017, por meio de pesquisa observacional participante. A coleta de dados foi registrada em meio digital por meio de registros fotográficos e em vídeo, bem como em meio analógico, por meio de anotações em diários de visitas. Quanto às entrevistas, ocorreram de modo espontâneo tendo em mente um roteiro semiestruturado em que as informações foram mantidas de forma anônima para ampliar o grau de confiabilidade dos dados, os quais foram compilados e inseridos na discussão dos resultados. A discussão considerou a descrição dos dados e sua interpretação pautada nos aportes teóricos considerando os critérios de observação definidos em dimensões de construção territorial.
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Dimensão histórica e geográfica do território As coordenadas 25º 29’ S e 48º 21’18” W localizam geograficamente a Ilha, na Baía de Paranaguá, institucionalmente, está sob a jurisdição do município de Pontal do Paraná. A área é de 2760 hectares, com perímetro de 35 km. A população fixa é formada por 2.320 habitantes fixos (IBGE, 2011), que, quando somada à população flutuante no período de alta temporada, alcança mais de 7.000. A parte Noroeste é a mais extensa, ligando a parte Sudeste por um istmo. O limite norte é com a Ilha das Peças e o sul com o Canal da Galheta. Este canal é o principal acesso por embarcação, que ocorre a partir do Balneário de Pontal do Paraná, com duração de 30 minutos, ou via Paranaguá, com duração de 90 minutos. As travessias são de responsabilidade da Associação dos Barqueiros do Litoral, sendo que os valores cobrados incluem a passagem de ida e volta e uma taxa de visitação destinada ao município de Pontal do Paraná. Essa informação é questionável, uma vez que entrevistados relacionados ao poder público disseram que “todo o valor arrecadado é direcionado somente à estrutura de embarque e à própria Associação”. Nos documentos oficiais há descrição de um cadastro prévio dos visitantes, antes do embarque. Porém, esse procedimento não ocorria durante a pesquisa. Uma marinheira mercante dessa Associação informou que “não é feito cadastro nenhum (...) e o controle da quantidade de pessoas, eu acho que é pela venda de bilhetes de passagem... não sei de outro jeito”. O relevo da Ilha forma 13 praias. Dentre elas, destacam-se os pontos extremos: ao Norte, a ponta do Hospital, ao Sul, a Ponta das Encantadas, a Leste, a ponta do Farol das Conchas e a Oeste, a Ponta Oeste ou da Coroazinha. Quanto à ocupação da Ilha, documentos históricos atestam que o domínio antes do século XVII era de dos índios carijós 274
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e do grupo étnico Tupi-Guarani, que viviam da caça, da pesca e da agricultura de subsistência. Com a chegada dos portugueses, houve uma intensa miscigenação entre os povos, caracterizada nos dias atuais por uma população de mamelucos. O curioso nome da Ilha tem várias versões, mas sem consenso quanto à origem até a atualidade. Uma é que o antigo hábito de extração de mel silvestre influenciou na sua denominação. A outra é que era conhecida como Ilha das Baleias até o século XIX, mas, como era frequentada intensamente por famílias abastadas de Curitiba em épocas de veraneio, havia, durante o período da I Guerra Mundial, menção frequente à família do Almirante Mehl, fato que também justificaria seu nome atual. Outros fatos históricos colocaram o território em evidência, como, por exemplo, com os conflitos entre Portugal e Espanha de 1750 resultantes da anulação do Tratado de Madri. Houve, houve, então, a sinalização da Coroa Portuguesa da necessidade de construir um forte na região da Baía de Paranaguá para garantir sua soberania frente aos possíveis ataques de navios piratas ou de franceses, espanhóis e ingleses, por exemplo. Dezessete anos depois, foi iniciada a construção da Fortaleza Nossa Senhora dos Prazeres para proteger a Baía a partir do local chamado Morro da Baleia. A fortaleza é formada pelo quartel da tropa, capela, casa da pólvora, casa do comandante, prisão, corpo da guarda, muralhas de sustentação e guarnecida por pelos primeiros canhões de ferro (TORNERA, 2008). Essa fortaleza é uma das principais referências históricas do Estado do Paraná por representar a arquitetura militar do século XVIII, além de ser o exemplar único (IPHAN/PR), e por ser primeiro forte brasileiro a entrar em combate. O forte passou por reconstruções e reparos, como o labirinto de canhões instalado no período da Segunda Grande Guerra e o mirante estratégico de observação. Ainda é possível visualizar na atualidade armamentos da época e as características originais de sua construção. 275
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Outro marco histórico relevante é o Farol das Conchas, que foi erguido no Período Imperial, em 1872, localizado no Morro de mesmo nome, e com acesso pela uma trilha e escadaria de 140 degraus. O farol tem 18 metros e foi construído por aparelhagem inglesa para servir de ponto de orientação para os navegantes da Baía. A maior densidade populacional ocorre na Vila das Encantadas, justamente, pela presença de um dos trapiches onde aportam os barcos que acessam à Ilha. Nesta área está localizada parte as pousadas, campings, restaurantes, bares e da população local. O núcleo administrativo da Ilha, o Posto de Saúde e o batalhão da Policia Florestal se situam na Vila do Farol, assim como um centro de recepção de turistas e uma estrutura turística de qualidade superior em relação às pousadas e demais restaurantes.
Dimensão sociocultural e econômica do território A população da Ilha é composta por habitantes fixos, que podem ser categorizados como “nativos” e “os de fora”. Como a própria etimologia indica, os “nativos” são os nascidos na ilha ou nas imediações. No caso brasileiro, os nativos apresentam biotipo característico das populações litorâneas, resultante da mistura étnica e cultural entre índios e europeus cuja miscigenação originou os mamelucos (CUNHA, 2010). O segundo grupo é formado por indivíduos que se estabeleceram na ilha para fins de sossego, ao mudar para um local menos urbano, ou para trabalhar ou empreender em atividades locais voltadas principalmente ao turismo, como o comércio e serviços em equipamentos de hospedagem e alimentação. Há, ainda, terceiro grupo representado pelos veranistas, que formado por população flutuante e esporádica que frequenta a ilha sazonalmente, em especial na estação de verão. 276
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Nesse contexto de formação sociocultural da ilha, as manifestações culturais da comunidade, calcadas em referências de identidade autóctone, sofreram a interferência dos de fora ao longo de sua ocupação. Contribuiu para isso também a proximidade com o Continente e a facilidade de acesso, tanto pelas travessias monitoradas quanto por embarcações particulares. O reflexo de tudo isso foi a pressão populacional e a aculturação local por um processo de intensa turistificação e pelas relações socioeconômicas. Os impactos são sentidos, por exemplo, no fato de ser “comum acontecer brigas decorrentes do consumo de álcool e outras substâncias principalmente, na temporada por causa do grande fluxo de turistas” (Policial ambiental, da Força Verde). Ainda, há alteração de hábitos musicais do povo que, deixando de lado a música tipicamente caiçara, optam pelo funk e o hip hop, demonstrando a interferência da visitação e do fácil acesso aos meios de comunicação. Apesar disso, ainda são mantidas as principais referências culturais da ilha em celebrações religiosas, como a Festa de São Pedro, em Nova Brasília e a Festa de Nossa Senhora de Fátima; formas de expressão de tradições pela Lenda da Gruta das Encantadas e Lenda da Fortaleza; ofícios e modos de fazer como a culinária, o fotógrafo lambe-lambe, tecer redes de pesca, e a pesca tradicional da tainha com mutirão e lanço. Entretanto, de acordo com uma liderança local, “é com muito custo que se consegue manter essas festas para o povo..., mas a gente tenta”. A isso se somam os problemas de falta de infraestrutura básica para a população, como postos de saúde e escolas. Economicamente, o turismo tem sido a principal fonte de renda de boa parte da população, que atua com pequenos comércios ou trabalhando como empregados da estrutura turística existente. A pesca artesanal ainda é praticada, mas em menor escala para subsistência e para atender à demanda de turistas e visitantes. Em 2011, foram instaladas Unidades de Produções 277
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Comunitárias de Ostra, com o apoio técnico do Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) cuja finalidade foi “complementar a renda das famílias de pescadores artesanais com uma alternativa que lhes permitem serem inseridos em um processo produtivo economicamente viável e ambientalmente sustentável”. Os autóctones estão organizados em associações que visam buscar melhores condições de vida para a comunidade local, em especial, quanto à geração de emprego e renda e para reivindicar a estruturação de um centro de atendimento a crianças e adolescentes. Dentre as iniciativas realizadas, estão parcerias com instituições de Ensino Superior, Instituições de pesquisa e ONGS para o desenvolvimento de “programas da economia solidária, que trabalha preceitos como produção, venda, compra e troca sem exploração de terceiros, (...), sem destruir o meio ambiente, (...), comércio justo e consumo solidário”. Entretanto, os relatos mostram que “a falta de consenso entre os moradores é um dos empecilhos para deslanchar o desenvolvimento local em todas as frentes pleiteadas, inclusive com relação ao Turismo e às melhorias urbanas” (Membro da Polícia Florestal do Paraná, 2017).
Dimensão ambiental e ecológica do território A Ilha do Mel apresenta características ambientais únicas em relação às áreas de restinga e importante porção de Floresta Atlântica preservada, além da fauna marinha. O patrimônio natural é relevante para a identificação da ilha, em especial, o relativo às suas praias: do Miguel, do Mar de Fora, da Boia, do Belo, do Farol, de Brasília, do Limoeiro, do Istmo e da Fortaleza. A Praia de Fora, em forma de ferradura, localizada nos limites da parte Norte do Parque Estadual, é procurada para a prática do surf e onde ocorrem as paralelas, que uma das melhores ondas do Brasil. A Praia do Istmo fica na parte central 278
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da Ilha e é formada por uma porção estreita de terra, cercada pelo mar que conecta as duas partes que formam a Ilha. A Praia das Encantadas é conhecida por suas lendas que permeiam o imaginário de residentes e visitantes, como o canto da sereia que atraía embarcações para colidirem com as pedras do local. A Gruta das Encantadas, que é uma cavidade natural originada da erosão de um dique de diabásio, é um dos atrativos mais visitados da Ilha. A Ilha possui um relevo com diversos morros entre os quais se sobressai o Morro do Miguel ou o Morro do Sabão, conhecido pela prática de voos de asa delta e de paraglider.
Dimensão da regulação de atividades no território Diante da beleza cênica, dos atrativos recursos naturais e da curiosidade história, o Instituto Ambiental do Paraná, responsável pelo controle da visitação na Ilha, estabeleceu um limite aceitável de mudança (LAC), ou capacidade de carga de visitação, de 5 mil visitantes diariamente. Essa medida foi adotada em 2008 e funciona como estratégia de conservação ambiental para compatibilizar a quantidade de visitantes com as condições de absorção da ilha em função da fragilidade do meio ambiente e da infraestrutura disponível. Como meio de controle do fluxo externo, os visitantes deveriam se cadastrar obrigatoriamente nos terminais de embarque, informando dados pessoais que permitiriam traçar o perfil dos turistas, tempo de permanência e locais de hospedagem. Esse sistema utilizava código de barras, com cores distintas, de acordo com o tempo de permanência e também, propiciava a geração de um banco de dados, com informações significativas para gestão da Ilha. Entretanto, há relatos de nativos, forâneos, veranistas e dos turistas afirmando que esse modelo precisaria ser revisto sob a ótica dos impactos relevantes no ambiente natural e antrópico 279
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da Ilha. O cadastramento é eficaz com os turistas que acessam a ilha via travessia, mas não abrange os que o fazem meio de embarcações particulares. Outro mecanismo para manutenção da integridade das características ecológicas da ilha foi a criação das Unidades de Conservação nas categorias de Parque e Estação Ecológica. Entre outras motivações conservacionistas, as unidades foram delimitadas para conter a ocupação desordenada e a especulação imobiliária decorrentes do desenvolvimento do Turismo de massa na Ilha. A população nativa parece se ressentir dessa medida, pois há apenas informações parciais dos benefícios e da importância da conservação. Uma moradora, proprietária de uma pousada relatou que “a gente até entende que é importante conservar a natureza, porque o turista vem por causa dela, mas a gente não poder fazer nada e é tudo multado, daí é demais”. Esse posicionamento é justificado pelas limitações inerentes às Unidades de Conservação e ao uso dos seus recursos naturais, bem como pelas restrições regulamentadas impostas externamente. Os nativos reclamam da “falta de liberdade para a utilização dos recursos naturais da ilha, e da restrição à prática de antigos costumes (plantar, caçar, entre outros)”. Embora a institucionalização das unidades já tenha se sedimentado, há relatos de que a fiscalização tende a ser ineficiente, principalmente pela falta de recursos humanos para monitorar as restrições impostas, por exemplo, o acesso à Estação Ecológica. Internamente, não há mobilização consensual para proteção social, econômica e ambiental a partir de uma gestão participativa e compartilhada para geração de benefícios comuns a todos.
Urbanização e turistificação A proximidade do Continente como um dos principais fatores intervenientes para que essa atividade se tornou em terreno 280
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fértil e promissor para as atividades turísticas na Ilha do Mel. Uma das principais estruturas de apoio para o desenvolvimento turístico são os portos de atracagem, uma vez que se constituem na única possibilidade de acesso motorizado. Nessa estrutura, o aproveitamento natural do território local para a instalação de trapiches ocorreu na parte Oeste, voltada para o Continente. Com relação à área do Parque Estadual que corta a Ilha longitudinalmente, é considerado como seu entorno a Vila de Encantadas, ao Sul, e, Nova Brasília, ao Norte. Esses dois são núcleos urbanos estão estruturados em áreas de morros, planícies vegetadas, praias e aflorações rochosas, mas demonstram riscos de avanço sobre a área de preservação que permite o uso turístico dentro de limitações e restrições compatíveis com a manutenção do ecossistema, exigindo, entretanto, fiscalização eficiente. Sobre o padrão construtivo visualizado na Ilha em 2017, por um lado, havia lotes subdivididos e sem padrões das edificações, que são construídas com vários tipos de materiais de construção, como madeira e alvenaria em dimensões e alturas diferenciadas. Algumas dessas construções apresentam irregularidades evidentes, como, por exemplo, edificações mistas; utilização de materiais degradados ou em estado precário; ausência de um alinhamento padronizado, com avanços sobre a linha da praia; prédios públicos preteridos a ações de preservação. A ausência de ordenamento territorial e precariedade construtiva demonstram uma clara lacuna social, diferenciando-se de regiões de cidades que utilizam planos diretores. Por outro, há contrastantes construções de alto padrão oriundas de investidores externos, como pousadas e restaurantes, e de veranistas. Um levantamento realizado pelo Instituto Ambiental do Paraná (IAP) em 2015, a região de Nova Brasília possui 78 pousadas, um hotel, um resort, 24 campings, associados à Associação do Comércio e Turismo da Ilha do Mel (ACTURIM) e à Cooperativa dos Campings da Ilha do Mel (COCAMEL). Nesta parte também 281
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estão 14 restaurantes, dois bares restaurantes e três casas de sucos, além de barraquinhas informais. Outra comunidade de destaque é a Vila do Farol, situada um pouco mais ao Sul, é formada pela população categorizada como os forâneos e apresenta uma oferta turística diversificada com pousadas, bares e restaurantes e se localiza no Centro Administrativo da Ilha, gerido pelo IAP. Há também um centro de informações turísticas, uma praça de alimentação, um posto do Batalhão da Polícia Florestal e escritórios da Companhia de Energia Elétrica do Paraná (COPEL) e da Companhia de Água e Esgoto de Paranaguá (CAGEPAR). As vilas Fortaleza Norte e Fortaleza Sul servem de áreas de apoio aos visitantes, com pousadas e inúmeras residências de veraneio. Não há veículos automotores na ilha e todos os trajetos são realizados por trilhas, que podem ser percorridas a pé ou de bicicleta. Há também um serviço curioso é disponibilizado aos visitantes, que são os chamados carrinheiros cuja função é facilitar o deslocamento de bagagens e cargas, especialmente durante a temporada de maior fluxo turístico na Ilha. A sinalização das trilhas está bastante desgastada e caminhos secundários ou paralelos foram abertos com o passar do tempo, causando confusão quanto ao direcionamento para os atrativos. A manutenção das trilhas é precária, ampliando a área de pisoteamento e, consequentemente, comprometendo a sua contenção. Exemplo disso é o caminho em mata fechada da Figueira, entre a Fortaleza e Brasília, passando pela Estação Ecológica. Essa área deveria ser de acesso somente de pesquisadores previamente autorizados e não visitantes. Uma das trilhas destinadas a visitantes é o caminho do Belo para ligar a região do Farol, próximo ao Saco do Limoeiro, até a Praia Grande, passando pelo Morro do Meio e pela reserva natural pertencente ao parque estadual. Com destaque cênico, há a trilha que liga a região de Brasília a Encantadas, com percurso estimado de 3 horas entre morros e praias. Uma das trilhas mais agradáveis 282
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é a da praia, situada entre o Morro do Farol e a Fortaleza, em que é possível fazer todo o trecho em 40 minutos à beira mar, passando pela praia do Istmo. Não há oferta constante de guias locais para acompanhar a visitação a pé na Ilha, mas há uma diversidade de oferta de roteiros marítimos. A imagem do território remete a um lugar isolado e ainda ‘selvagem’, que oferece aos visitantes atrativos naturais e culturais e, por exemplo, atividades de ecoturismo, turismo de aventura, turismo náutico, entre outras modalidades. A ilha possui um perfil do turista bastante diversificado, abrangendo jovens, aventureiros e famílias. A visitação oscila sazonalmente, crescendo especialmente no período de férias de verão e no feriado de carnaval. A turistificação do território, cuja estrutura é preparada para atender à demanda nos períodos de maior visitação, requer das autoridades mantenedoras maior fiscalização frente à capacidade de carga estabelecida. Embora haja uma procura maior na alta de temporada, não se configura como turismo de massa para identificar a demanda da época. A classificação que mais bem se ajusta à Ilha do Mel seria turismo ecológico, que não necessariamente remete a um visitante consciente da sua presença em local de fragilidade ambiental, mas que tem interesse em atrativos em que cujos recursos naturais estejam bem conservados.
Conclusão Autóctones, turistas, veranistas e gestores reconhecem que os recursos naturais e culturais da Ilha do Mel são capazes de gerar desenvolvimento social e econômico na ilha, sendo perceptível o orgulho e a valorização do território em que vivem. Entretanto, discordam sobre a forma de turistificação do local, que tem causado desigualdades sociais, problemas relacionados à segurança pública, saneamento básico e discussões acaloradas sobre 283
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as restrições de uso da Ilha. A turistificação territorial implicou no aumento da urbanização nessa área insular protegida, como fruto das necessidades decorrentes do aumento do fluxo turístico e da ausência de mecanismos eficazes de controle e fiscalização no uso da terra. Os resultados da pesquisa indicam a necessidade de um planejamento territorial que agregue a questão do turismo, com os aspectos legais de conservação ambiental bem como contemple a urbanização do espaço de acordo com pressupostos básicos de qualidade de vida para atender às comunidades locais e também visitantes, garantindo uma infraestrutura urbana condizente com os vértices do desenvolvimento sustentável. As interferências do turismo no processo de aculturação e turistificação, considerando as modificações na paisagem natural, não são tão visíveis e a atividade turística não compromete significativamente as relações de espaço-poder quanto à territorialização da Ilha do Mel. Na questão ambiental, continua a preocupação com a conservação do meio ambiente, reconhecidamente por todos, como a principal motivação da visitação turística que, por sua vez, é a principal fonte de renda na Ilha. No entanto, os moradores se ressentem das restrições impostas à liberdade de atividades tradicionais e cotidianas, como a pesca e a agricultura. No aspecto sociocultural, há um interesse comum sobre a necessidade de melhorar a infraestrutura da Ilha e a promoção do turismo como alternativa de desenvolvimento socioeconômico. Contudo, a comunidade parece dividida em relação à forma de promover essas melhorias, indicando controvérsias entre as lideranças, o que dificulta uma gestão participativa. O patrimônio material exige restauro e uma manutenção regular para que mantenham o potencial de atrativos culturais da Ilha. As manifestações culturais tradicionais são pouco perceptíveis, uma vez que se evidencia a influência de diversos grupos 284
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sociais, tanto os que compõem a população dos de fora quanto os da visitação turística. Entretanto, um elemento cultural marcante é a hospitalidade do povo local, que é solícito e ansioso para expor as belezas da ilha. Embora, haja ausência da padronização dos serviços ofertados, a baixa qualidade de mão-de-obra local e a necessidade premente de programas de capacitação. Quanto ao quesito econômico, o Turismo é responsável pelas principais atividades de serviços diretos e indiretos, formais e informais, que oportunizam emprego para os trabalhadores locais. Os investimentos em estruturas turísticas são, em boa parte, externos e, por isso, muitas vezes, as melhores colocações são também destinadas à mão de obra obtida externamente, provocando certa insatisfação da comunidade. Uma das boas práticas visualizadas na Ilha do Mel é a composição do Conselho Gestor, cuja iniciativa constitui-se em um importante passo para o planejamento participativo e para o comprometimento de todos no processo de conservação ambiental e, ao mesmo tempo, de ordenamento territorial de forma sustentável. Outro elemento de destaque é a limitação da capacidade de absorção da Ilha, cujo mecanismo tinha se demonstrado relativamente eficaz tanto para o controle de acesso quanto para a formação de um banco de dados sobre o perfil dos visitantes. Diante do exposto, é indiscutível, de um lado a percepção do potencial turístico da Ilha do Mel e de outro a emergência de sua proteção, pois para além do manejo adequado dos recursos naturais, é premente a necessidade de um plano diretor de planejamento urbano que contemple tanto as demandas da população flutuante, quanto principalmente das populações tradicionais a fim de buscar a compatibilidade entre desenvolvimento e sustentabilidade em prol da qualidade de vida e conservação da natureza.
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Foto: Marumbi, Diomar Augusto de Quadros (2017).
PARTE III TURISMO E DESENVOLVIMENTO LOCAL O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DAS CIDADES BALNEÁRIO TURÍSTICAS DO LITORAL DO PARANÁ E A PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA RECENTE DE MATINHOS. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 293 Andréa Máximo Espínola REFLEXÕES SOBRE O USO TURÍSTICO DO PATRIMÔNIO CULTURAL FERROVIÁRIO NA BAÍA DE PARANAGUÁ . . . . . . . . . . . . . . . 309 Paula Grechinski POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A SUSTENTABILIDADE DO TURISMO NO LITORAL DO PARANÁ: O CASO DA REDE DE TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA “ANFITRIÕES DO LITORAL”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 331 Beatriz Leite Ferreira Cabral RELAÇÃO ENTRE OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AMBIENTAIS E O TURISMO COMUNITÁRIO: O CASO DO PARQUE NACIONAL DO SUPERAGUI – PARANÁ. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 367 Isabel Jurema Grimm, Ariadne Farias INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS DO LITORAL DO PARANÁ: UMA DISCUSSÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL E ECOGASTRONOMIA. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 389 Eva Blaszczyk Gaweleta, Roberta Giraldi Romano, Solange Menezes da Silva Demeterco e Patrícia Bilotta
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO DAS CIDADES BALNEÁRIO TURÍSTICAS DO LITORAL DO PARANÁ E A PRODUÇÃO IMOBILIÁRIA RECENTE DE MATINHOS Andréa Máximo Espínola
Introdução O objetivo desse capítulo é apresentar o processo de urbanização das cidades balneárias do litoral do Paraná a partir do ano 2000, e mostrar a intensidade das atividades da construção civil que resultaram em empreendimentos imobiliários de edifícios de apartamentos no município de Matinhos, o principal produtor de residências turísticas. Algumas interpretações teóricas orientam o tratamento do tema e a primeira delas surge a partir do entendimento do processo de ocupação e de urbanização que acorreu a partir dos anos 50 do século XX, e mais intensamente dos 60 e 70 por conta da atividade turística, dando lugar e estabelecendo os balneários ao longo da orla sul do litoral do Paraná, que compreende os atuais municípios de Pontal do Paraná, Matinhos e Guaratuba (SAMPAIO, 2006) e que torna possível compreender a expansão do espaço construído e refletir sobre os sistemas de assentamento humano. Estes sistemas, na maioria das cidades médias balneárias no Brasil, é baseado no modelo urbano americano extensivo , que produz sobretudo habitação unifamiliar de baixa densidade, com consumo exagerado de solo e um consumo energético alto uma vez que incentiva a utilização do transporte em automóveis particulares, sendo portanto ecologicamente insustentável (MAZON; ALEDO, 1996).
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A segunda interpretação teórica orientadora da abordagem deste trabalho agrega discussões entre economia, turismo e urbanização, forças organizadoras das lógicas de organização espacial que todas as cidades balneárias estão sujeitas e que fazem emergir, com maior ou menor intensidade, fenômenos como os denominados de urbanização turística, que geram, com maior intensidade do que o turismo hoteleiro, um enorme consumo de espaço, favorecendo a expansão da urbanização, a mudança de uso do solo e as esperas especulativas que esvaziam as terras produtivas do passado. Estes processos pelos quais as áreas urbanas vão se transformando foram planejadas com a finalidade de produzir, vender e consumir serviços e bens que produzem prazer a residentes temporários (CLAVÉ, 1998). Estes processos dizem respeito à transformação do solo em mercadoria, a aparição de novos usos, a adaptação das estruturas territoriais a novas e distintas funções, a mudança da base produtiva local e regional. Há que se destacar também a especificidade da urbanização turística como espaços que possuem uma atenuada mobilidade trabalho residência a favor do binômio ócio residência, com a perda de significado de equipamentos da vida urbana convencional a favor de outros como os esportivos e recreativos (VERA, 1997).
O processo de urbanização nos municípios balneários de Guaratuba, Matinhos e Pontal do Paraná No Paraná, inicialmente, os balneários se localizaram nas praias mais abrigadas, onde morros próximos ou bancos de areia diminuíam a energia das ondas. Tal o caso das praias mansas de Caiobá e Matinhos, e as praias de Guaratuba e Pontal do Sul. Posteriormente, foram sendo ocupadas as praias de maior energia de ondas até formar a ocupação contínua do litoral sul do Paraná. No litoral norte, o processo de ocupação por uso balneário foi 294
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retardado pela falta de acesso terrestre e pela dificuldade do acesso marítimo. Neste setor, todas as praias localizam-se em ilhas naturais ou artificiais, como é o caso de Superagui (PIERRI et al., 2006). Posteriormente, o potencial de ocupação foi extremamente reduzido, com a criação do Parque Nacional do Superagüi, que inclui as praias do Superagui e Ilha das Peças. O uso balneário no litoral centro-sul paranaense caracterizou-se pela ocupação junto à linha de costa ou mesmo sobre a praia, pela destruição das dunas e paleodunas frontais, pelo aterro de brejos e pela descaracterização de rios e córregos. Ou seja, pela desconsideração da morfologia e, sobretudo, da dinâmica dos ambientes costeiros (PIERRI, 2003). Em termos urbanização, em 50 anos considerados, Guaratuba passou de uma taxa de urbanização de 59% a 85%; Matinhos, de 73% a 99%. Pontal do Paraná, de 97% em 1991, a 99% em 2010 (IBGE, 2010). Estes indicadores refletem, fortemente, o “boom” gerado pela ocupação balneária ligada ao turismo de “sol e praia”, que convocou um processo acelerado de investimentos, construção imobiliária e instalação de comércio e serviços. O crescimento da urbanização e consequentemente do processo de artificialização e desertificação1 pode ser tratado, no litoral paranaense, como fruto de dois processos distintos: a expansão urbana continua sobre áreas naturais, sobretudo pela abertura de novos loteamentos e loteamentos irregulares e o crescimento do turismo residencial, também chamado de turismo de segunda residência. O crescimento do turismo residencial, pode ser verificado no Quadro 1, onde podem ser analisadas as taxas de crescimento das segundas residências, classificadas pelo IBGE como domicílios particulares não ocupados de uso ocasional.
1 Consultar: ALEDO, A. Desertificacion e urbanizacion: el fracasso de la utopia. Madrid: Instituto Juan de Herrera, 2008. Habitat, Boletin n. 9.
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Os cartogramas gerados através de dados da sinopse por setores censitários do censo 2010 do IBGE mostram que os domicílios de uso ocasional em geral, localizam-se próximos as áreas de praia nos três municípios analisados, ficando o centro comercial e as áreas periurbanas de baixo custo de solo urbano, destinado a moradia da população residente local (Figura 1). QUADRO 1 - DOMICÍLIOS DOS MUNICÍPIOS BALNEÁRIOS DO LITORAL DO PARANÁ- 2010
FONTE: Organizada pelo autor a partir dos Censos de 2001 e 2010 (IBGE. 2001; 2010).
FIGURA 1 - CARTOGRAMAS DOS DOMICÍLIOS PARTICULARES, NÃO OCUPADOS E DE USO OCASIONAL NOS MUNICÍPIOS BALNEÁRIOS DO LITORAL DO PARANÁ MATINHOS, GUARATUBA E PONTAL DO PARANÁ FONTE: Sinopse do Censo 2010 (IBGE, 2011).
A proporção de segundas residências tem aumentado ano após ano, consequência da contínua produção imobiliária, das facilidades para financiamento de imóveis e da popularização crescente do turismo de sol e mar. Este fato pode ser observado na porcentagem de segundas residências sobre o total de residências do município de Matinhos que em 10 anos subiu 1% enquanto que nos municípios de Guaratuba e Pontal do Paraná ocorreram decréscimos significativos (Quadro 2). 296
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QUADRO 2 - PROPORÇÃO DE DOMICÍLIOS TOTAIS E SEGUNDAS RESIDÊNCIAS
FONTE: Censos de 2000 e 2010 (IBGE, 2001; 2011).
Os dados acima reforçam pesquisas anteriores como a de Naina Pierri, que afirma a predominância de uso e ocupação do solo pelas atividades do turismo imobiliário nos municípios de uso balneário e do domicílio particular isolado no lote ou do domicílio particular em condomínio vertical ou horizontal, sendo ocupado por um massivo fluxo de imigrantes provenientes, principalmente, de outras regiões do Paraná, e de estados vizinhos. A autora ainda descreve: A proliferação desses domicílios no litoral paranaense ao longo do século XX tinha como finalidade o descanso e o lazer, ou seja, o valor de uso. No entanto, nessa primeira década do século XXI observa-se um significativo aumento dessa tipologia de domicílio como conseqüência da característica de valor de troca que as residências secundárias assumiram,constituindo-se como um negócio para investimentos. Essa dinâmica local, não chega a questionar o caráter de pólo regional, econômico, comercial e administrativo de Paranaguá, mas indica que os municípios praiano-turísticos se constituíram, claramente, no segundo pólo de desenvolvimento do litoral. Isso não quer dizer que este novo pólo tenha atingido um alto e permanente dinamismo econômico, nem que reverta em distribuição significativa de riqueza (PIERRI, 2003, p. 164).
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A esse respeito os estudos sobre desenvolvimento urbano ligam as transformações econômicas com a mudança urbana local, reconhecendo que os agentes locais são promotores deste processo (WILSON, 1991). Essas transformações na estrutura econômica causam mudanças na localização das atividades e influenciam diretamente o ciclo de desenvolvimento urbano e a dinâmica de interação entre a economia e o mercado habitacional. Este mercado habitacional reage de acordo com as atividades econômicas, uma vez que a ocupação e a renda de quem adquire um imóvel são importantes influências na escolha da habitação e na definição do tipo de propriedade(BALL, 1996). Pierri (2003) explicita este caso porque analisou informações relativas a população permanente que já sinalizavam que grande parte se encontrava em situação de pobreza relativa, com níveis de escolaridade e de renda baixos, ocupando espaços ambientalmente inadequados. Atualmente em Guaratuba a expansão urbana mais significativa é decorrente da abertura de novos loteamentos ocupados predominante por população de baixa renda próximo ao bairro Cohapar onde a malha urbana avança sobre a APA (Área de Proteção Ambiental) de Guaratuba. Em Matinhos essa dinâmica de ocupação acontece de maneira mais significativa no prolongamento da Avenida Paraná e em outros pontos em que a malha urbana tangencia o Parque Nacional Saint Hilaire Langue (Figura 2).
FIGURA 2- EXPANSÃO URBANA SOB ÁREAS NATURAIS DO LITORAL DO PARANÁ. MATINHOS, GUARATUBA E PONTAL DO PARANÁ FONTE: Google Earth (2019).
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A construção habitacional tem sido um importante indicador do crescimento urbano e gradativa artificialização do solo, pois a demanda habitacional reflete as mudanças na população e a demanda por vários outros serviços. No entanto, a demanda habitacional não responde sozinha a urbanização, sendo uma parcela de responsabilidade das mudanças nas atividades econômicas. O comportamento do mercado habitacional é assumido na literatura como reflexo da economia local, num constante processo de ajuste diante das mudanças econômicas (BALL, 1996). É notável que nas três cidades balneárias do litoral a medida que a economia local se intensificava e podia ser vista como resultado de serviços e de atividades de consumo que envolvem a cultura, lazer, educação e outros tipos de comércio, estas interações geraram ao longo dos anos intensa atividade de construção civil. A hipótese que se sustenta nesse trabalho é que a intensificação do processo de urbanização ocorrido em Matinhos foi desencadeada pelas segundas residências especialmente na figura dos novos empreendimentos imobiliários verticalizados.
A produção imobiliária recente em Matinhos Matinhos é, dentre os municípios de função balneária, aquele em que se observa o acréscimo mais significativo de segundas residências segundo dados do IBGE relativos ao intervalo de anos de 2000 a 2010. Pesquisando os sites das cinco construtoras mais atuantes no mercado da construção civil no município de Matinhos, foram encontrados 68 empreendimentos imobiliários. Em um intervalo de 14 anos, entre os anos de 1995 e 2008,foram construídos 12 empreendimentos, todos eles exclusivos da Construtora HJ. Entre os anos de 2008 e 2018, foram construídos 56 empreendimentos imobiliários , 15 entre os anos de 2008 a 2014 , 22 entre os anos de 2014 e 2018, 10 empreendimentos em andamento até 2019 e 9 novos lançamentos (Quadro 3). 299
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QUADRO 3 - EMPREENDIMENTOS E SUAS RESPECTIVAS CONSTRUTORAS
FONTE: Elaborada pela autora a partir do site das Imobiliárias (2019).
A Construtora HJ, a mais antiga atuante em Matinhos, finaliza em média 2 empreendimentos por ano, e as Construtoras Golpar e SKB finalizam de 3 a 5 empreendimentos sobretudo após 2018.Tanto a HJ como a Golpar ofertam imóveis de alto padrão pois ofertam ao mercado 3 a 5 quartos,2 vagas de garagem e área total do imóvel que varia de 150 m2 a 350 m2.As Construtoras SKB e NH tem uma atuação mais recente na construção de edifícios, pois construíam apenas os chamados “residenciais” sobretudo antes de 2018.Seus lançamentos tem de 2 a 3 quartos e 1 vaga de garagem, sendo que a primeira tem imóveis menores variando de 30 m2 a 65 m2 e a segunda construtora tem imóveis de 69 m2 a 224 m2. No tocante ao foco de localização geográfica a Construtora HJ oferece seus empreendimentos no entorno da Praia Mansa e da Avenida Atlântica pois são estes lugares que concentram a melhor infraestrutura urbana e turística, que somadas a proximidade com a praia tem um potencial agregado de valor venal do imóvel (Figura 3). A construtora SKB entra em disputa pelo mesmo espaço quando lança unidades acima de 150m² , mas também tem sido bastante atuante em regiões em desenvolvimento, com unidades menores porém em empreendimentos com características de complexos residenciais na medida que se organizam em torno de 150 unidades ou mais dispostas em 2 ou 3 andares.
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FIGURA 3- MAPEAMENTO DA LOCALIZAÇÃO DOS EMPREENDIMENTOS NA ÁREA A1 E SUAS RESPECTIVAS SUBÁREAS A1 1 E A1 2 FONTE: A autora (2019).
Estes 22 empreendimentos construídos ao longo dos últimos 5 anos oportuniza a reflexão a respeito da necessidade de infraestrutura e serviços urbanos necessários para abrigar novos contingentes populacionais. A área compreendida entre a Avenida Paraná no Bairro Caiobá até o prolongamento de todo Bairro Praia Mansa , elucidada na Figura 3, abriga quase que a totalidade dos empreendimentos imobiliários analisados destacando-se as subáreas A1.1 e A1.2 que são aquelas mais próximas à praia e à infraestrutura urbana para desenvolvimento das atividades turísticas e de comércio e serviços como os de restaurante, bares, panificadoras, farmácias e comércio em geral, que mantém seu funcionamento apenas no período de temporada de verão. A inserção destas novas atividades, mesmo que temporariamente, pressupõe uma reorganização sócio espacial, impressa pela urbanização turística e pelo turismo residencial que responde a uma demanda específica de grupos sociais que impõem um tecido material tecnologicamente mais moderno. São pessoas vindas sobretudo do interior do Paraná e de outros Estados que tem comportamentos e hábitos de consumo, em geral diverso de grande parte da população permanente de Matinhos. Ou 301
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seja, um novo sistema de objetos é introduzido nos lugares para adequar e dar familiaridade ao novo sistema de ações trazido pela demanda social do turismo. A natureza como um dom e a cultura como diversidade são destituídas de sua autenticidade ou reproduzidas artificialmente como mercadorias de consumo. Este objetivo empresarial define a natureza do setor imobiliário e os efeitos que produzem sobre o território e a população local. Não obstante, a aceitação social do modelo socioeconômico implica num monopólio local do turismo residencial. O apoio político também deve ser considerado na discussão sobre a expansão do modelo mais como resultado de um complexo processo político social de conflito do que uma imposição por parte de uma elite econômica. O fato é que a construção de novas habitações tem beneficiado não somente o setor da promoção imobiliária, mas também tem beneficiado muitos municípios litorâneos na forma de impostos e outras taxas municipais (ARROCHA, 2005). Os deficit que sofrem os orçamentos municipais encontram um alívio nesta forma de financiamento externo (RAYA MELADO, 2000). Assim as prefeituras municipais convertem-se em agentes impulsores do turismo residencial mesmo que este ocasione uma dependência que muitas vezes se torna perversa. Esta situação tem sido denominada como urbanismo financeiro. De fato, o sempre deficitário sistema de financiamento das secretarias locais acaba gerando uma forma de urbanismo financeiro que gera mais valias públicas e privadas muito consideráveis, facilita práticas especulativas e não demonstra transparência na tomada de decisões acerca do solo urbano. Definitivamente, o processo leva em conta que para equilibrar suas contas as prefeituras outorgam licenças de construção e estas novas construções aumentam os gastos dos municípios para os que se outorgam mais licenças, entrando em um círculo vicioso que fagocita o território e diminui a capacidade das corporações locais para reorientar o modelo turístico residencial (ALEDO, 2003). Parece ser este o caso também do litoral do Paraná e do município de Matinhos. 302
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Considerações finais Como exposto o litoral se constituiu, nas últimas décadas do século XX também como um espaço de investimento turístico, oferecendo oportunidades de descanso e lazer, majoritariamente os curitibanos de classe média e, em menor grau, as pessoas do interior do estado, da mesma condição social. Esse perfil turístico configurou o uso balneário dos municípios praianos, assentados numa área de grande extensão de natureza preservada, de grande valor ambiental que mesmo estando baseados num contexto político de preocupação pela proteção da natureza e da biodiversidade permitiu a construção de maior parte de seu território em áreas de conservação. Os encaminhamentos metodológicos permitiram apresentar o processo de urbanização das cidades balneárias do litoral do Paraná a partir do ano 2000, através de mapas aéreos e cartogramas dos domicílios de uso ocasional, neste trabalho denominados como segundas residências, dos setores censitários do IBGE e constatar que existe um avanço contínuo de forma espraiada da malha urbana sobre as áreas naturais nas três cidades balneárias. Em relação a intensidade das atividades da construção civil foi possível mostrar que o crescimento urbano e as transformações do espaço construído resultaram em empreendimentos imobiliários de edifícios de apartamentos no município de Matinhos, o principal produtor de residências turísticas. Outros fatores relacionados a produção da urbanização turística e das segundas residências, em especial os negativos, como os níveis de artificialização do solo, de degradação ambiental, de poluição, e de impactos socioculturais não fizeram parte dessa pesquisa e evidenciam o caráter limitante da metodologia de pesquisa adotada, apontando necessidades de complementações para análises futuras.
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O que a literatura desse tema indica é que a dinâmica socioeconômica produzida pela expansão do turismo residencial revela algumas problemáticas e imprime impactos sobre as prefeituras locais, permitindo a introdução de análises das contradições implícitas no modelo turístico residencial. Assim, frente aos evidentes benefícios que o turismo residencial gera sobre a economia, traduzida no caso das cidades balneárias do litoral do Paraná, pela concentração de segundas residências e no caso de Matinhos pelo expressivo número de novos empreendimentos imobiliários e num movimento multi escalar todas as atividades que gera como novos comércios, serviços e postos de trabalho, sobretudo na construção civil , surgem importantes elementos de risco tanto para o setor de imóveis como para as comunidades locais que apostam no seu mono cultivo. A própria dinâmica de rápido crescimento do setor originam fatores de insustentabilidade ambiental e econômica. Outros estudos sobre o mesmo tema em outras localidades apontam que os impactos sobre o meio natural e social deste processo construtivo tem sido enormes na medida que o turismo residencial tem se caracterizado pela sua sazonalidade e sua concentração espacial, pelo escasso desenvolvimento da oferta complementar, por sair do mercado fora dos canais regulamentados, por gerar turistas cativos, pelo escasso planejamento de sua extensão e crescimento espacial, pelo baixo gasto turístico que ocasionam, pelos notáveis benefícios empresariais que produz, pelos ingressos via impostos e licenças de obras que geram nas secretarias locais, mas também pela dependência que provoca nas prefeituras, pelos casos de corrupção urbanística ligada a numerosas ações turísticos residenciais e por todos os fortes impactos ambientais que provoca. No caso paranaense é possível supor, mesmo antes do próximo censo, que a tendência de aumento do turismo residencial e das segundas residências verificada nas décadas anteriores se repita , pois a produção imobiliária recente abriga muitas unidades 304
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das quais podem possivelmente contribuir estatisticamente por este tipo de residência para desfrute principal dos cidadãos curitibanos e de outras regiões. O fato de 22 novos empreendimentos verticalizados terem sido construídos num tempo tão curto de apenas 5 anos, no bairro de Caiobá, que concentra a melhor infraestrutura urbana e turística, e a maior parcela de comércio e serviços sazonais é revelador de uma realidade cruel na medida que é possível comparar estrutura de serviços urbanos com a área de expansão no município mostrada na Figura 2 de novos loteamentos, afastados do centro e ocupados predominante por população de baixa renda. Este uso do solo do litoral do Paraná tem sido historicamente determinado e se constitui em processos que alienam a sua população de seus principais benefícios, formulando novamente o paradoxo do contraste entre riqueza natural e pobreza social, mas também o contraste entre riqueza social de outros, externos à região, e a pobreza dos locais. Diante desse fato, fica clara a importância da reflexão sobre o papel dos cidadãos neste complexo de relações ecológicas e socioeconômicas incluídas na relação desertificação urbanização. A impressão que se tem é de que as pessoas e sua capacidade de ação sobre os processos sociais ficam ocultas entre tanta causa estrutural que escapa a ação humana. Não se deve esquecer que os problemas ambientais são problemas sociais, ou seja, humano, porque no final de toda análise sobressaem as causas econômicas, sociais e culturais que ocasionam os problemas ambientais. A ação solidária e conjunta dos cidadãos é fundamental para a retomada da recondução das relações entre urbanização, turismo, economia e meio natural. O modelo atual de cidade não é conduzido pela “mão invisível do mercado”, uma vez que atrás dele há um conjunto de grupos sociais, de pessoas com interesses econômicos ou políticos diversos, ocultos e muitas vezes contrapostos e em contínuo conflito. O resultado disso é a produção social 305
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do espaço e sua configuração atual, caracterizada pela produção imobiliária e por um urbanismo dissonante, que serve a poucos, sobretudo aqueles que detêm o capital, determinando uma relação insustentável com o meio ambiente. Não obstante, existem outras fórmulas, outras formas de produção da forma urbana. Definitivamente, as propostas de urbanismo sustentável encaminham-se para: reordenar o crescimento urbano e limitar a expansão do entorno construído, recuperar o sistema urbano, fugindo do modelo urbano americano, promovendo a conscientização da população a respeito dos problemas ambientais mediante o desenvolvimento de formas mais democráticas de participação cidadã. Assim, o modelo a ser desenvolvido no futuro esta continuamente replanejando-se no cenário social. A ação humana, a capacidade dos seres humanos de atuar sobre os processos sociais se faz mais do que nunca necessárias, pois a insustentabilidade do atual sistema mostra a natureza utópica do modelo de desenvolvimento ocidental. Resulta utópico pensar que pode-se continuar crescendo sem levar em consideração os limites do ecossistema sobre os que se constrói este crescimento. A desertificação e um dos sinais que emite o ecossistema que denuncia a utopia do crescimento ilimitado. Estamos situados numa espécie de reducionismo tecnológico onde se crê na capacidade de superação de todos os limites e de todas as crises. Como no passado onde as crises foram superadas graças a novas invenções e novas formas de produção, crê-se que e possível superar no futuro os problemas ambientais. De fato, existe um limite irreversível que já foi avançado, isso nas formulações mais otimistas. Caberia perguntar sobre a irreversibilidade do processo de desertificação e o papel que a urbanização desempenha neste processo. Os teóricos da modernização viram no urbanismo e na industrialização os fatores fundamentais para o desenvolvimento econômico das cidades. A forma que se tem desenvolvido esse crescimento a margem dos 306
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limites ambientais mas também sociais e culturais situa-nos na Sociedade de Risco, tal como denomina Ulrich Beck. A expansão da artificialização do solo e a desertificação, já transborda o perímetro urbano das cidades e se constitui em mais um exemplo do fracasso da utopia do urbanismo ocidental. Um modelo que parece basear-se no crescimento ilimitado da mancha urbana que elimina e destrói ecossistemas básicos para a sobrevivência do próprio sistema urbano. Definitivamente a pergunta que fica é o que é verdadeiramente utópico se as propostas ambientais e ecológicas referidas a um futuro mais sustentável, ou a utopia do crescimento ilimitado do atual modelo.
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REFLEXÕES SOBRE O USO TURÍSTICO DO PATRIMÔNIO CULTURAL FERROVIÁRIO NA BAÍA DE PARANAGUÁ Paula Grechinski Este capítulo tem o intuito de apresentar reflexões acerca do litoral do Paraná na perspectiva do turismo, especificamente do turismo cultural com foco no patrimônio ferroviário. Como recorte espacial, estabeleceu-se o território da Baía de Paranaguá, que compreende os municípios de Paranaguá, Morretes, Antonina e Pontal do Paraná. Comumente aborda-se o turismo no litoral a partir do segmento sol e praia, turismo de natureza, turismo de aventura, ou outros. Porém, considera-se que o patrimônio cultural ferroviário existente no litoral do Paraná é relevante como recurso turístico1, e especialmente como instrumento de preservação da memória e identidade da região. Dentre as principais formas do uso do ambiente costeiro no Paraná (reflexo da dinâmica entre as condições naturais e processos históricos de ocupação e uso deste ambiente), destacam-se os usos: portuário, pesqueiro, conservação de ecossistemas e de sua biodiversidade, e turístico. Com relação ao turismo, faz-se interessante algumas considerações. O turismo consiste em uma atividade econômica na qual as pessoas deslocam-se para lugares distintos dos que vivem, desde que sem fins lucrativos, onde permanecem temporariamente. A Organização Mundial do Turismo (OMT, 2001) 1 Entende-se por recurso turístico aqueles elementos que por si só, ou combinados, sejam capazes de gerar deslocamentos turísticos. E entende-se por atrativo turístico aqueles elementos que já estão sendo comercializados e utilizados de forma turística (DIAS, 2005).
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define turismo como sendo a atividade que as pessoas realizam durante suas viagens e estadias em lugares distintos do seu entorno habitual, por um período de tempo inferior a um ano, com finalidades diversas desde que não relacionadas ao exercício de atividade remunerada no lugar visitado. Apesar de o ato de viajar ser tão antigo quanto a humanidade, observa-se o desenvolvimento da atividade turística a partir século XIX, quando começaram as melhorias nos meios de transporte, comércio, tecnologia e comunicações, além da elevação do nível de renda das populações, aumento do tempo ocioso, desejo de evasão e interesse em conhecer novas culturas (BARRETTO, 1995). Este foi um período de acelerado desenvolvimento econômico, com a existência de uma economia global e intensas movimentações financeiras, de bens, pessoas e comunicações, interligando os países desenvolvidos e o restante das nações: era a expansão do capitalismo proporcionada pela Revolução Industrial. Nesse momento histórico, as ferrovias aparecem como instrumento de ligação e expansão dos países desenvolvidos para o restante do mundo, sendo um marco essencial na história do desenvolvimento do turismo também. Hobsbawn (1982) destaca que nesse período a economia industrial descobriu o que Marx chamou de suprema realização: a estrada de ferro. O estudioso chama a atenção para o fato de que a estrada de ferro foi uma das manifestações mais importantes do período com relação à expansão e multiplicação da economia capitalista em função do aumento das transições comerciais. Isso porque a descoberta de motores movidos a vapor, tanto no transporte marítimo quanto no ferroviário, encurtou o tempo das viagens. O desenvolvimento das ferrovias possibilitou a organização de viagens, e também o transporte de mercadorias com preços mais baixos, e peso e volume elevados. “Isso significa que 310
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produtos não comercializados anteriormente devido ao seu alto custo de transporte passaram a se integrar ao mercado mundial (...)” (LUZ, 2006). Ao comparar o desenvolvimento do transporte marítimo e ferroviário nesse período, Hobsbawn (1982, p. 72) privilegia o segundo. “A verdadeira transformação deu-se em terra – através das estradas de ferro, e assim mesmo não pelo aumento da velocidade tecnicamente possível das locomotivas, mas pela extraordinária extensão da construção de linhas de estrada de ferro.”. No século XIX, o litoral paranaense apresentava relevante atividade econômica para o estado, em função de atividades agrícolas e portuárias. Porém, é possível observar a influência da ferrovia na configuração espacial de alguns municípios da Baía de Paranaguá, que até hoje mantém em sua paisagem elementos do transporte ferroviário. A partir de levantamento realizado com o intuito de identificar quais elementos do patrimônio ferroviário estão reconhecidos/registrados na Baía de Paranaguá, constatou-se nos municípios de Antonina e Paranaguá, alguns bens tombados em âmbito nacional pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e em âmbito estadual pela Secretaria de Cultura do Estado do Paraná. São eles: • Estação Ferroviária da Linha Morretes-Antonina (Figura 1), em Antonina, tombada em 2012 pelo estado (PARANÁ, 2019a) e pelo IPHAN (2019). Esta estação, em alvenaria, foi inaugurada em 07 de setembro de 1922. Depois de restaurada, passou a abrigar um espaço cultural e o Centro de Apoio ao Turismo e Esporte (PARANÁ, 2010); • Arquivo municipal de Antonina que encontra-se no Museu da Estação Ferroviária, em Antonina, tombado em 1990 pelo estado (PARANÁ, 2019b); 311
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• •
Estação ferroviária de Alexandra (Figura 2), em Paranaguá, tombada em 2008 pelo estado (PARANÁ, 2019c); Estação ferroviária de Paranaguá (Figura 3), em Paranaguá, tombada como Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná em 1990 (PARANÁ, 2019d) em função da arquitetura significativa, com características neoclássicas e estilo eclético. A obra foi iniciada e 5 de junho de 1880, na presença de D. Pedro II, e inaugurada cinco anos depois. É o ponto inicial da Estrada de Ferro Paranaguá-Curitiba, e em 1990 foi tombada como Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná (PARANÁ, 2010).
FIGURA 1 - ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE ANTONINA FONTE: Szabadi (2003).
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FIGURA 2 - ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE ALEXANDRA FONTE: Prefeitura Municipal de Paranaguá [s/d]
FIGURA 3 - ESTAÇÃO FERROVIÁRIA DE PARANAGUÁ FONTE: Forone [s/d].
O município de Morretes também apresenta uma estação ferroviária, embora não tombada. Datada de 1885, bem conservada e sem vestígios de arquitetura moderna apesar das diversas reformas já realizada. Em sua estrutura, oferece sanitários, agência de turismo, lanchonetes e barracas com produtos artesanais (PARANÁ, 2010). 313
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As estações citadas têm especial interesse para o turismo no estado, pois estão localizadas na Estrada de Ferro ParanguáCuritiba, inaugurada em 1885. Esta estrada de ferro é considerada, inclusive, como uma das obras mais arrojadas do século XIX, passando por 41 pontes e viadutos em estrutura metálica e 14 túneis esculpidos em rocha num percurso de 110km (DEMCZUK, 2011). A Estrada de Ferro Paranguá-Curitiba é uma das ferrovias nacionais que conta com uma linha turística regular2 ainda em funcionamento no Brasil, concedida pela atual concessionária Rumo (antiga América Latina Logística - ALL) à operadora curitibana Serra Verde Express num percurso de 110km. Este é um dos principais atrativos turísticos do estado do Paraná, principalmente em função da beleza cênica da Serra do Mar proporcionada pelo passeio. Em nível nacional, é possível afirmar que as ferrovias contribuíram para o desenvolvimento econômico do Brasil, sendo um alicerce para a integração nacional e regional, e contribuindo também para a intensidade das exportações de algumas mercadorias. As ferrovias também auxiliaram nos processos de urbanização e industrialização do país. Muitas cidades originaram-se a partir da implantação do transporte ferroviário, que ligou o interior do país aos grandes centros, e possibilitou o escoamento agrícola das pequenas propriedades. Especialmente durante a primeira metade do século XX, de acordo com Monastirsky (2006), as ferrovias foram decisivas para as transformações urbanas das cidades por elas atendidas, transportando cargas, passageiros, informação e cultura. Nessa época, era comum ouvir a afirmação de que aonde o trem chegava, chegava o progresso. 2 Os serviços prestados pelas companhias ferroviárias brasileiras dividem-se em transporte de cargas e de passageiros. O transporte de passageiros, por sua vez, divide-se em serviços regulares (com dias, horários e preços previamente estabelecidos e rigorosamente cumpridos) que na maioria das vezes são também turísticos; e serviços opcionais (a locação com agendamento prévio para fins turísticos). Também existem linhas turísticas comemorativas, cujos passeios são realizados em datas ou períodos específicos (ANTT, 2007).
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Também no século XX, mais precisamente a partir da década de 1950, o turismo passa a ser o maior fenômeno de deslocamento voluntário no mundo todo. Pena (2003) justifica o amplo crescimento da atividade em função de fatores como a elevação no nível de renda das populações, o aumento do tempo ocioso, facilidades de deslocamento, avanços tecnológicos, desejo de evasão e o interesse em conhecer novos lugares e culturas. Nesse período, o litoral paranaense passou a caracterizar-se também pelo uso turístico, com a ocupação balneária e a valorização das praias como ambientes esteticamente belos e propícios às atividades de lazer. No final de 1980, a extensão sul do litoral do estado do Paraná (municípios de Pontal do Paraná, Matinhos e Guaratuba), passou a apresentar em sua paisagem um grande número de edificações voltadas ao uso sazonal de veranistas (PIERRI et al., 2006). De acordo com Pierri et al. (2006) as regiões urbanizadas dos municípios do litoral paranaense, de maneira geral, apresentam uma característica marcante: os turistas as visitam de forma massificada e sem possuir casa própria, ou constroem suas segundas residências. Infelizmente, em ambas as situações colaboram para impulsionar a urbanização próxima ao mar, de forma impactante social e ambiental. Importante destacar que a ocupação, uso e apropriação de recursos de forma desordenada não é uma realidade exclusiva da costa paranaense. Observa-se ao longo de toda costa brasileira algumas características comuns àquelas presentes no estado do Paraná (PIERRI et al., 2006). Portanto, o uso racional e preservação deste ambiente natural cujas características (praia, sol, mar e natureza) atraem pessoas em busca de mais qualidade de vida e de um ambiente saudável e preservado, não constitui uma discussão unicamente ecológica, mas também – e principalmente, social.
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Para Barretto (2007), o turismo é um fenômeno social que, do ponto de vista geográfico, abrange o mundo inteiro e todos os grupos e camadas sociais graças ao processo de internacionalização das economias e da cultura e melhorias da comunicação e transportes. Ainda, contribui para a geração de empregos, entrada de divisas e, consequentemente, para o desenvolvimento dos municípios. (BARRETTO, 1995). Dias e Cassar (2005, p. 67) evidenciam a importância do turismo para a economia de uma localidade, considerando-o como a principal atividade econômica no mundo, pois o gasto do turista é “(...) o elo inicial de uma imensa cadeia econômica que subsiste graças a esses visitantes.” É possível afirmar que a atividade turística ocupa um importante papel na economia, já que, quando há um fluxo considerável de pessoas em uma localidade, o reflexo deste movimento geralmente é a lucratividade no comércio local, resultando no desenvolvimento econômico da localidade de maneira geral. Percebe-se que o turismo é capaz de gerar relações sociais, econômicas e culturais na sociedade, ao envolver pessoas que se deslocam em busca de novas experiências e conhecimentos. Caracteriza-se por ser um fenômeno com relevância social, econômica e cultural, sendo capaz de aumentar o consumo e produção de bens, serviços e empregos. Porém, a atividade turística pode, em um curto espaço de tempo, ocasionar a destruição do patrimônio, seja ele ambiental ou cultural. Barretto (2007) questiona Até que ponto se pode deixar que o patrimônio seja usado por pessoas que querem somente lazer, que são simplesmente consumidores passivos, que não se interessam pelo significado cultural do local? (...) Como, então, conciliar o direito universal de ir e vir com a necessidade de limitar as visitas a pessoas que realmente vão compreender e valorizar o local? (BARRETTO, 2007, p. 129). 316
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Yázigi (2002, p.10) também pondera que, se de um lado o turismo é capaz de proporcionar a muitos países importantes divisas, por outro pode conduzir a irreparáveis perdas na paisagem e na cultura pois, “(...) a realidade mostra ignorância quase generalizada no trato do bem cultural e do planejamento territorial do turismo (...)”. Afirma ainda que a paisagem e o patrimônio são naturalmente matérias primas do turismo. Apesar do exposto sobre os aspectos negativos da atividade turística, privilegia-se neste estudo a opinião de que o turismo, quando bem planejado, pode contribuir para um desenvolvimento territorial sustentável. E, inclusive, contribuir para a preservação do patrimônio, como é o caso do patrimônio ferroviário existente no litoral do Paraná. O termo patrimônio é bastante abrangente, podendo ser sintetizado, neste momento, com a definição utilizada por Martins (2003) que afirma que este termo faz remissão à propriedade de algo que pode ser deixado de herança e transmitido de geração para geração. O patrimônio, portanto, não está restrito apenas a bens materiais móveis ou imóveis, podendo abranger qualquer manifestação de um povo, mesmo que imaterial. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2014) descreve os bens materiais imóveis como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; e como bens materiais móveis as coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. Descreve ainda, como bens imateriais as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas reconhecidas como patrimônio por uma sociedade, e com os quais existe uma identificação e desejo de dar continuidade. O turismo cultural está intimamente relacionado ao patrimônio, incluindo o legado cultural em sentido bastante amplo. Fora do Brasil é possível observar o uso da expressão heritage 317
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tourism, que pode ser traduzido como turismo patrimonial, abrangendo, portanto, tudo o que se refere ao patrimônio histórico, monumentos, e outras manifestações culturais que caracterizam-se como patrimônio para uma comunidade. O Ministério do Turismo, juntamente com o Ministério da Cultura e o IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional definem o turismo cultural como “(...) as atividades turísticas relacionadas à vivência do conjunto de elementos significativos do patrimônio histórico e cultural e dos eventos culturais (...)” o que proporciona a valorização e promoção dos bens materiais e imateriais da cultura (MINISTÉRIO DO TURISMO, 2008, p. 16). De acordo com Barretto (1995), o turismo cultural é um tipo de turismo que tem como objetivo fazer com que os turistas conheçam os bens materiais e imateriais produzidos pelo homem, não tendo como atrativo principal um recurso natural, mas sim cidades históricas, edifícios, monumentos e também aspectos imateriais da cultura. O interesse das pessoas por aspectos culturais pode resultar na valorização de elementos da sociedade que poderiam se tornar obsoletos, serem esquecidos ou até mesmo destruídos. Para Barretto (2007), a demanda por turismo cultural demonstra a existência de uma necessidade por parte dos turistas em sentir uma ligação emocional com os lugares, com a história das localidades e com o próprio passado. Fernandes et al. (2001) acreditam que o turismo cultural é procurado por aqueles que desejam conhecer um destino com uma perspectiva histórica. Montejano (2002) afirma que a pessoa que pratica turismo cultural busca informações, conhecimentos, interação com outras pessoas, comunidades e lugares, degustação da gastronomia de uma localidade, apreciação do artesanato local, participação em festas folclóricas e visitas a locais históricos. Segundo o autor (MONTEJANO, 2002), o perfil desse tipo de turista é composto por um interesse pelo passado histórico, mo318
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numental, artístico e antropológico, assim como uma motivação por formação cultural permanente. Bahl (2003) comenta ainda que Roteiros que possibilitam uma exposição temática ampla e baseada em conteúdos culturais (...) despertam o interesse das pessoas e preenchem as suas necessidades de evasão e deslocamento, motivando-as a viajar. (BAHL, 2003, p. 143).
Oliveira (1998) ressalta que o turismo cultural, na maioria das vezes é praticado por professores, técnicos, pesquisadores, arqueólogos, cientistas e estudantes que estão em busca de uma formação cultural específica, sendo a viagem organizada exclusivamente para esse fim e a atração cultural a única motivação para visitar um destino. Sendo assim, é possível perceber que o turismo cultural possui um público bastante específico. Para tanto, é necessário considerar e observar que, nem sempre aquele turista que visita um atrativo histórico-cultural realizou a viagem com tal objetivo, uma vez que sua motivação para conhecer e contemplar um produto turístico cultural pode ser a simples curiosidade ou preenchimento do tempo no destino visitado, sem necessariamente demonstrar um interesse efetivamente cultural. Sobre isso, Oliveira (1998, p. 169) comenta que, de maneira genérica, os turistas visitam museus e construções de relevante valor arquitetônico (igrejas, palácios e outros) e gostam de observar obras culturais importantes, porém nem todos possuem interesses culturais mais específicos como “(...) conhecer os locais em que viveu determinado artista, procurar entender, a partir desse contato, o ambiente e as circunstâncias que motivaram a criação das obras.” Levando-se em conta a existência de recursos turísticos culturais relevantes no litoral do Paraná, os visitantes, mesmo sem ter 319
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a cultura como motivação para a realização de sua viagem, podem passar a demonstrar interesse por aspectos culturais diversos no destino: gastronomia, folclore, artes e, em específico, as edificações históricas que contém e preservam a arquitetura e objetos relacionados à ferrovia – portanto, de interesse histórico-cultural. Nesse caso, pondera-se o fato de que, mesmo sem a motivação específica por parte dos visitantes, o patrimônio cultural ferroviário pode representar uma ferramenta para preservação do patrimônio e divulgação da história e cultura do litoral paranaense. Bahl (2004, p. 53) destaca que o patrimônio cultural “(...) pode atuar como agente de difusão de uma localidade, exigindo para tanto, e até provocando, o resgate de valores e a sua necessidade de preservação.” Funari e Pinski (2003) reforçam que a valorização do patrimônio cultural é importante por representar a memória de uma sociedade, [...] além de servir ao conhecimento do passado, os remanescentes da cultura são experiências vividas, coletiva ou individualmente, e permite ao homem lembrar e ampliar o sentimento de pertencer a um mesmo espaço, de partilhar uma mesma cultura e desenvolver a percepção de um conjunto de elementos comuns, que fornecem o sentido de grupo e compõem a identidade coletiva. (FUNARI; PINSKY, 2003, p. 17)
É relevante destacar que o patrimônio cultural é um recurso de grande potencial turístico, mas não deve ser preservado e conservado apenas para que o turismo possa utilizá-lo. Sua preservação é importante para a comunidade como um todo, já que proporciona conhecimento e respeito à história e aos elementos valorizados pela sociedade, além da conservação da identidade do local. Valorizar e promover o patrimônio, para o Ministério do Turismo (2008), significa difundir o conhecimento sobre os bens 320
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culturais e facilitar o acesso e usufruto para moradores e turistas. Significa, também, reconhecer a sua importância como ligação entre turista e comunidade local de forma harmônica e em benefício de ambos. Fernandes et al. (2001) ressalta que a preservação e manutenção do patrimônio devem ocorrer de maneira equilibrada, de acordo com a qualidade da oferta e exigências da demanda, que tende a ser cada vez mais rigorosa no sentido de buscar locais preservados. Isso porque os edifícios muitas vezes estão expostos aos agentes corrosivos, fronteiras econômicas, políticas e sociais e ainda o desinteresse do público. Porém, apesar de o uso turístico do patrimônio estar bastante difundido no mundo todo, com uma extensa lista de exemplos de sucesso onde a demanda turística impediu a demolição e deterioração de bens históricos, por exemplo, este uso é bastante polêmico. Rocha e Monastirsky (2008), afirmam que a intenção da atividade turística na preservação do patrimônio encontra-se tanto no sentido de atender aos interesses econômicos da atividade, ao oferecê-lo como um produto, quanto nos interesses ideológicos ligados à conservação da identidade e memória local. Um fato importante a ser comentado é o de que o interesse turístico de um bem (material ou imaterial) pode prevalecer sobre seu valor histórico ou cultural. Para Fernandes et al. (2001), a importância do patrimônio como produto turístico deve-se ao fato de o mesmo ser um recurso passível de exploração, seja ela cultural, política ou econômica. Para identificar os elementos do patrimônio cultural ferroviário existentes na oferta turística3 na Baía de Paranaguá, foi utilizado o inventário turístico disponibilizado pela Paraná 3 “(...) tudo aquilo que faz parte do consumo turístico (...) bens, serviços públicos e privados prestados ao turista, recursos naturais e culturais, eventos, atividades recreativas, etc.” (DIAS, 2005, p. 59).
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Turismo, órgão estadual que administra, planeja e organiza o turismo no Paraná. O inventário turístico do litoral do Paraná apresenta também a hierarquização de seus atrativos. O inventário turístico consiste na identificação e registro dos atrativos, serviços e equipamentos turísticos. Com base nos atrativos identificados na inventariação, realiza-se uma avaliação que pontua itens como a existência de infraestrutura e qualidade desta, e características relevantes relacionadas a critérios específicos de acordo com a tipologia do atrativo. A partir do índice de atratividade4 que resulta dessa avaliação, o atrativo pode ser hierarquizado. A hierarquização permite ordenar os atrativos de acordo com seu grau de importância, contribuindo assim para a formatação de roteiros, a identificação dos pontos fortes, e minimização dos pontos fracos (PARANÁ TURISMO, 2017). De acordo com metodologia de hierarquização utilizada no estado do Paraná, os atrativos de hieraquia I são aqueles atrativos complementares à outro de maior interesse, capazes de estimular correntes turísticas locais. Os atrativos de hieraquia II são aqueles que apresentam algum interesse, capazes de estimular correntes turísticas regionais e locais, atual ou potencial, e de interessar visitantes nacionais e internacionais que tiverem chegado por outras motivações turísticas. Na hieraquia III encontram-se aqueles atrativos turísticos muito importantes, em nível nacional, capazes de motivar uma corrente, atual ou potencial, de visitantes nacionais ou internacionais, por si só ou em conjunto com outros atrativos turísticos (PARANÁ, 2012).
4 A hierarquização de atrativos pode ser estabelecida após obter-se o índice de atratividade. Este índice é resultado da avaliação de uma equipe de profissionais, que avaliam e pontuam critérios como acesso, transportes, equipamentos e serviços (sinalização, alimentação, limpeza, sanitários, etc). Além destes, também é avaliado o valor intrínseco do atrativo no que se refere a valor histórico, características construtivas, ambiência, estado de conservação, manifestações artísticas e culturais, e singularidade.
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A partir da pesquisa no Inventário Turístico, foram identificados um total de 77 atrativos registrados na Baía de Paranaguá. Destes, apenas dois referem-se especificamente ao patrimônio cultural ferroviário. São eles: • Estação ferroviária de Antonina (classificada com hierarquia II); e • Passeio de trem de Morretes (classificado com hierarquia III). Apesar de a estação ferroviária de Paranaguá ser reconhecidamente um bem tombado como patrimônio histórico e artístico do Paraná, ela não aparece no Inventário Turístico. Porém, o centro histórico de Paranaguá de maneira geral sim, com hierarquia II. O mesmo ocorre com Morretes, cuja estação ferroviária não aparece isoladamente no Inventário, mas o centro histórico sim, com hierarquia III. O centro histórico de Antonina também apresenta hierarquia III. Percebe-se que, apesar da importância e influência histórica que a ferrovia teve também no litoral do Paraná, não há um reconhecimento – ou legitimação – plena do patrimônio cultural ferroviário e seus elementos. Ao que parece, não houve até então um maior interesse em promover ou divulgar o turismo na região sob este aspecto, focando predominantemente o turismo no litoral naturalmente com o segmento sol e praia. Quando se fala em uso turístico do patrimônio ferroviário, automaticamente remete-se à ideia de viagens ou passeios de trem. Porém, a realidade brasileira no transporte ferroviário de passageiros não é a mesma encontrada em outros países que apresentam alta tecnologia e trens extremamente modernos e velozes (chegando a 360km/h em linhas existentes na França e no Japão, por exemplo). No Brasil, os trens de passageiros são inclusive considerados uma operação problema para as conces323
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sionárias, pois utilizam a mesma via férrea dos trens de carga, e por este motivo foram sendo aos poucos desativados. Observa-se que, apesar da extensa malha ferroviária existente no país, não há uma constância no transporte de passageiros, sendo que o turismo se aproveita de trechos que não são muito utilizados para o transporte de cargas, e muitas vezes de maneira desorganizada. Paolillo e Rejowski (2006), ao analisarem a realidade do transporte ferroviário no Brasil, afirmam que a oferta turística ferroviária dirigida ao transporte de passageiros é mínima quando comparada a outros modais. Paolillo e Rejowski (2006, p. 62-63) explicam essa irregularidade e descontinuidade das operações desses pequenos trechos ferroviários turísticos citando a “(...) falta de uma gestão compartilhada eficiente entre iniciativa privada e governo, de investimentos para a manutenção e operação contínua, e de programas de promoção/divulgação (...)”. Com o processo de privatização das ferrovias brasileiras a partir da década de 1990, o transporte ferroviário de passageiros foi abolido em quase todas as linhas existentes. Não houve intenção por parte da maioria das concessionárias que administram as ferrovias, prestar serviço de transporte de passageiros, mesmo aqueles com fins turísticos. Palhares (2002) acredita que, em função da privatização das ferrovias brasileiras, poucas são as chances de que o transporte ferroviário de passageiros seja uma alternativa aos demais modos de transporte. Segundo o autor (PALHARES, 2002), a forma como ocorreu a privatização no setor não obrigou os novos concessionários (praticamente formados por empresas com interesse exclusivo no transporte de cargas) a explorar o transporte ferroviário de passageiros, e uma alteração hoje não é viável uma vez que restringiria a movimentação de cargas transportadas no país.
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A realização de passeios turísticos de trem, litorina5 ou maria fumaça podem ser consideradas ações para proteção do patrimônio ferroviário (desde que esse patrimônio seja também utilizado para a sua divulgação e preservação), e de acordo com a ANTT (2007), os serviços turísticos são operados por diferentes empresas, sem necessariamente haver exclusividade, obrigação ou regularidade, dependendo de condições locais e interesse de visitantes para ocorrerem. Os custos geralmente são elevados e as tarifas livres. Ressalta-se ainda que a um trabalho junto à população local, com o intuito de inseri-la adequadamente na exploração dos trechos e serviços de apoio e conscientizá-la com relação à valorização do patrimônio turístico e das ferrovias é indispensável para fixar estes atrativos no mercado turístico. A falta de interesse da demanda e a tecnologia ferroviária atrasada também colaboram para inviabilizar o transporte turístico ferroviário. Além dos passeios de trem, as instalações ferroviárias desativadas também podem ser utilizadas no turismo. Alguns municípios brasileiros deram um novo uso à essas instalações, preservando as estruturas existentes, ou mesmo construindo novos monumentos em homenagem aos ferroviários e às ferrovias6. Um exemplo é o museu ferroviário instalado na antiga estação da capital do estado do Paraná, Curitiba, que conta a história ferroviária do estado. O prédio anexo à estação abriga um shopping e um centro de convenções. E o prédio ao lado, que abrigava a administração da ferrovia, atualmente é um campus da Universidade Federal do Paraná. Além do exemplo da capital do estado, outros municípios paranaenses que foram atendidos pela Estrada de Ferro buscaram e estão buscando preservar e valorizar seus elementos ferroviários representativos. 5 Carro ferroviário automotriz (RONÁ, 2002). 6 Não pode ser ignorado o fato de que, mesmo em municípios que preservaram seu patrimônio ferroviário, muito foi perdido ou alterado drasticamente.
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Ainda a título de exemplo de uso turístico do patrimônio ferroviário, a Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF) é uma entidade sem fins lucrativos que promove o resgate e conservação do patrimônio histórico ferroviário brasileiro. Conta com acervos nos estados de Santa Catarina, São Paulo, Minas Gerais, disponibilizados à visitação pública, incluindo passeios de trens (ABPF, 2020). Monastirsky (2006) afirma que o patrimônio cultural ferroviário brasileiro se estabelece de maneira fragmentada e descontínua em função da dificuldade em se determinar o patrimônio cultural por parte do poder público, que geralmente pauta suas escolhas em interesses econômicos, ideológicos e/ou ações casuístas, e nem sempre na efetiva importância cultural deste patrimônio. As ferrovias brasileiras, apesar de comprovadamente representarem um patrimônio histórico e cultural de relevância, não é um tipo de patrimônio consagrado ou rentável economicamente, pois apresentam traços da história da sociedade local que não são totalmente reconhecidos, tanto por parte dos interesses privados quanto por considerável parcela da sociedade (MONASTIRSKY, 2006). Conclui-se que a falta de informações e de valorização sobre o patrimônio ferroviário no litoral do Paraná, e neste estudo específico nos municípios da Baía de Paranaguá, não ocorre apenas neste território, podendo ser uma situação observada no Brasil como um todo. Porém, afirma-se que o uso turístico do patrimônio pode resultar na preservação deste, pois abre perspectivas para a valorização, revitalização, revigoramento das tradições e redescoberta de bens culturais materiais e imateriais, fazendo com que os próprios moradores sintam-se motivados a promover e divulgar o que lhes é representativo. Sendo assim, a utilização do patrimônio ferroviário como um produto turístico no litoral do Paraná não compreende ape326
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nas a atividade turística em si, mas também a valorização do próprio patrimônio e da identidade do local. É importante levar em consideração que a utilização turística do patrimônio ferroviário por meio do turismo pode ajudar os turistas a conhecer entender mais sobre a história do lugar, e a comunidade local a encontrar e manter sua identidade e memória.
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POSSÍVEIS CAMINHOS PARA A SUSTENTABILIDADE DO TURISMO NO LITORAL DO PARANÁ: O CASO DA REDE DE TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA “ANFITRIÕES DO LITORAL” Beatriz Leite Ferreira Cabral A busca por modelos sustentáveis de turismo tornou-se uma tendência, entre os fatores que motivam os turistas a planejar um roteiro turístico1, na medida em que a sustentabilidade constitui um valor turístico presente entre os viajantes, o qual, conforme indica Lemos (2005) pode ser compreendido não só sob a perspectiva do dinheiro, mas também, do processo de “consciência histórica”. Sobre o conceito de sustentabilidade, José Eli da Veiga (2017, p. 240) reforça que: “[...] o uso do termo “sustentável” para qualificar o desenvolvimento sempre exprimiu a possibilidade e a esperança de que a humanidade poderá, sim, se relacionar com a biosfera de modo a evitar os colapsos profetizados desde os anos 1970”. Esta concepção sobre sustentabilidade, ao ser associada ao turismo, pressupõe uma mudança de paradigmas, há necessidade de que que o turismo se “reinvente”, favorecendo a própria perpetuação da sua rentabilidade. Portanto, o processo de perceber as peculiaridades dos territórios e contextos dos múltiplos sujeitos que protagonizam o turismo, sejam os viajantes, gestores ou anfi1 Na atualidade, as tecnologias de informação e comunicação têm incidido sobre o protagonismo dos viajantes desde as etapas de planejamento até a pós-viagem. Estudos sobre o hábito do turista-consumidor da WTTC (2019) indicam a expansão do uso de plataformas de Economia Compartilhada que atendam às exigências dos turistas por viagens “sob demanda”, utilizadas para vivenciar “experiências autênticas”, personalizadas e de “base sustentáveis”, de modo a valorizar não apenas o “bem-estar” mas, sobretudo, o “estar bem”.
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triões, é fundamental para uma perspectiva de turismo que seja próspera, a um só tempo, aos territórios, comunidades e viajantes. Neste contexto, considera-se que o turismo de base comunitária é inovador, tanto por atender às demandas dos viajantes, conforme explicam Gómez et al. (2015), ao apresentar um produto turístico singular no mercado, como por pressupor novas formas de “produção” do turismo, em que se prima por envolver as comunidades receptoras e sua autonomia, no planejamento do turismo. O Turismo de Base Comunitária (TBC) é uma modalidade de turismo que comumente ocorre em comunidades tradicionais, as quais possuem vasto conhecimento sobre os ecossistemas que fazem parte de sua história de vida e cujos limites acabam estando no interior ou nos arredores de Unidades de Conservação2. Face à necessidade de compreender a complexidade do fenômeno turístico que ocorre em comunidades tradicionais inseridas nos limites de Unidades de Conservação, o Instituto Chico Mendes desenvolve, desde 2011, debates, eventos e estudos sobre a temática. O documento “Turismo de Base Comunitária em Unidades de Conservação Federais: Caderno de Experiências” contempla a descrição de diversas ações coletivas voltadas para a sustentabilidade do turismo, em 13, das 72 iniciativas de TBC em unidades de conservação federadas (ICMBIO, 2019). O órgão ambiental federal vem reconhecendo, desta forma, que o TBC pode ser favorável “...para diversificar e enriquecer os programas de uso público oferecidos aos visitantes, além de incrementar a renda e a qualidade de vida das comunidades, aproximando-as positivamente da gestão das Unidades de Conservação e aumentando o apoio local às áreas protegidas” (ICMBIO, 2019, p. 25-26). Neste contexto, através da articulação de diversos campos do conhecimento, analiso o turismo em áreas protegidas e, especificamente, o turismo de base comunitária (TBC) enquanto 2 Tal constatação é decorrente da pesquisa de Bursztyn e Sansolo (2010), em que revelam que, dentre as iniciativas de turismo de base comunitária analisadas, 54% delas são realizados no interior ou no entorno de Unidades de Conservação.
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uma estratégia de promoção para o turismo sustentável no litoral do Paraná. Para elucidar o debate acerca deste tema tomo por estudo de caso a proposta desenvolvida pela rede de turismo de base comunitária “Anfitriões do Litoral”, cujas atividades vêm sendo estruturadas em conjunto com a Universidade Federal do Paraná, desde 2015. As ações extensionistas vinculadas aos projetos foram e são desenvolvidas em diálogo com os anfitriões da Rede de Turismo de Base Comunitária: “Anfitriões do Litoral-PR”. Este caso de TBC no litoral paranaense será analisado a partir da consulta dos seguintes relatórios de projetos, eventos e cursos de extensão desenvolvidos entre 2015 e 2020: • “Fortalecimento do empreendedorismo, inovação e gestão familiar do turismo na Baía de Guaratuba”, entre os anos de 2015 e 2018; • “Projeto Mutirão- UFPR” -Eixo de Economia Criativa, entre 2015 e 2019; “Projeto Turismo de Base Comunitária como Tecnologia Social para o Litoral do Paraná”, entre 2019 e 2020; • “Projeto Governança participativa para o Turismo de Base Comunitária, Ecoturismo e Turismo de Aventura no litoral do Paraná”, iniciado em 2020. Outro aspecto fundamental para a construção da presente análise, foi a minha participação direta na coordenação dos projetos de extensão para fomento do TBC; participação como conselheira do Parque Nacional Saint-Hilaire Lange e em estudos sobre o potencial turístico da UC; estruturação e docência nos cursos ofertados às comunidades tradicionais; interlocução direta com os anfitriões do litoral, que possibilitaram coletar depoimentos dos participantes (anfitriões e turistas) e realizar registros audiovisuais e formular estratégias de marketing digital do TBC, via uso de mídias sociais, organização e participação em eventos. 333
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Procura-se estabelecer uma discussão em torno da importância do turismo de base comunitária para a sustentabilidade socioambiental, no contexto em que a interação com a natureza e a cultura passam a integrar o rol de experiências turísticas compartilhadas entre visitantes e anfitriões. Este capítulo é dividido em duas partes, além desta introdução e de algumas considerações ao final. A primeira trata sobre aspectos vinculados à governança da sustentabilidade do turismo. Na segunda parte, indico possíveis trajetórias vinculadas ao turismo de base comunitária desenvolvido pelos anfitriões do litoral, em parceria com projetos de extensão da UFPR, como um caminho viável para a sustentabilidade do turismo, conforme abordagem de André Burgos e Frédéric Mertens (2015) e de acordo com os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável estabelecidos na Agenda 2030, cujos aspectos teóricos serão tratados na primeira parte do texto.
Políticas públicas e participação social para a sustentabilidade do turismo Diversos dispositivos internacionais foram constituídos com o objetivo de propor novas políticas públicas relacionadas à cultura, natureza e turismo. A este respeito, Marta Irving, Marcelo Lima e Edilaine Moraes (2016) analisaram 11 documentos oficiais que influenciaram na construção da ideia de sustentabilidade atrelada ao turismo, entre os anos de 1972 e 2015, e constaram que as políticas vêm sendo implementadas ainda, em sua maioria, de forma fragmentada, sem a devida articulação entre as políticas setoriais de turismo, proteção da natureza e cultura. Os principais aspectos relacionados aos documentos que tratam especificamente do turismo, mapeados pelas autoras, foram3: 3 Foi aqui realizada uma seleção dos documentos, considerando apenas os que possuem relação direta com o turismo, extraídos do quadro entre as páginas 18 e
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• Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural (UNESCO, 1972): neste documento são articulados os compromissos dirigidos à conservação da natureza e à preservação de bens culturais. • Convenção da Diversidade Biológica (ONU, 1992): Principal marco global das políticas públicas de proteção da natureza. • Carta do Turismo Sustentável (OMT, 1995): Primeiro documento da Organização Mundial do Turismo (OMT) publicado após a Rio-92, inspirada nos princípios da Agenda 21. • Carta Internacional do Turismo Cultural (UNESCO, 1999). Nesse documento se prioriza o desenvolvimento turístico em harmonia com o respeito e a valorização tanto do patrimônio cultural quanto das culturas vivas das comunidades autóctones. • Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (UNESCO, 2002): Neste documento se articula o debate sobre a noção de cultura, sobre direitos humanos e solidariedade internacional. Nele é também ampliado o debate internacional sobre as questões vinculadas à diversidade cultural, especialmente no que se refere às interfaces com o desenvolvimento e os seus desdobramentos em políticas públicas. • O Turismo e a Diversidade Biológica (CDB, 2002) O documento destaca o valor da biodiversidade para a atividade turística e as vias pelas quais o turismo pode contribuir para a conservação da biodiversidade. • Diretrizes para Biodiversidade e Desenvolvimento Turístico (CDB, 2004) Esse documento aborda, de ma19 do Capítulo “Turismos, naturezas e culturas: para se pensar políticas públicas e interdisciplinaridade em pesquisa”, elaborado por Marta Irving, Marcelo Lima e Edilaine Moraes (2016).
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neira ampla, as relações entre turismo e proteção da natureza, uma vez que traz recomendações para que as iniciativas turísticas sejam desenvolvidas de maneira a gerar menos impactos indesejáveis, considerando também o papel do turismo para a conservação da biodiversidade. • Convenção sobre a Proteção e promoção da Diversidade das Expressões Culturais (UNESCO, 2005) Esse dispositivo da UNESCO visa reafirmar o compromisso global com relação à diversidade das expressões culturais. • Guia Prático para o Desenvolvimento de Produtos Turísticos relacionados à Biodiversidade (OMT, 2011) Esse representa um documento para o assessoramento técnico destinado a um público amplo de provedores de serviços turísticos e turistas. • Carta do Turismo Sustentável + 20 (OMT, 2015): Nesse documento se enfatiza a importância dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), adotados pelas Nações Unidas em 2015, como oportunidade para o desenvolvimento turístico, de forma inclusiva e sustentável. É também reafirmada a preocupação com os impactos negativos do turismo com relação aos recursos naturais e culturais, os desequilíbrios e desigualdades sociais e o risco de terrorismo em muitos destinos turísticos. Nesse dispositivo o turismo é mencionado como uma via potencial para a paz e a tolerância planetárias. Nos documentos oficiais voltados para a gestão do “turismo”, da “cultura” e da “natureza”, Marta Irving, Marcelo Lima e Edilaine Moraes (2016) constatam que o turista é apenas entendido como o consumidor de “produtos oferecidos” (entre os quais, “natureza” e “cultura”) e não como sujeito central que determina os modos de 336
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interação estabelecidos com os locais visitados e, tampouco, como agente de transformação e de difusão de novos valores. No Brasil, nota-se que “cultura”, “natureza” e “turismo” são tratados como temáticas dissociadas, na construção das políticas públicas, na medida em que os assuntos são concebidos de forma fragmentada por gestores de diferentes áreas que influenciam na atividade (área ambiental, cultural e do turismo). Este fato acarreta na falta de diálogo e ações conjuntas, consequência de uma fragmentação conceitual e pragmática que tem como consequência a fragilização da governança e da gestão da sustentabilidade do turismo. Vale mencionar que a busca para a sustentabilidade provém do reconhecimento da necessidade de adotar mudanças nas políticas internacionais de desenvolvimento, conforme fica evidenciado na recém elaborada Agenda 2030, de 2015, constituída por dezessete objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) e suas 169 metas. A importância da Agenda 2030 para o Turismo levou à criação de uma plataforma internacional voltada para pesquisa, educação, treinamentos, eventos e casos sobre turismo sustentável no mundo. A plataforma, desenvolvida pela Organização Mundial do Turismo, está disponível em: e destaca que o turismo tem potencial de contribuir direta ou indiretamente, para alcance de todos os ODS, sobretudo os ODS 8,12 e 14, influenciando no crescimento econômico, consumo e produção sustentáveis e na sustentabilidade do uso dos ecossistemas marinhos e oceanos. Sobre este documento, Veiga (2017) considera que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) previstos na Agenda 2030 e aprovados pela Assembleia Geral da ONU, são diferenciados do conteúdo dos documentos oficiais produzidos até então, na medida em que aproximam temáticas associadas aos direitos humanos aos aspectos que recorrentemente estão associados às questões ambientais. O autor considera que, a ri337
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gor, não existe governança mundial da sustentabilidade, a menos que se entenda essa noção como restrita à questão ambiental. Os dispositivos internacionais repercutiram na formação das políticas públicas voltadas para o turismo nacional e consolidaram a concepção da sustentabilidade como algo necessário para o planejamento do turismo. No Brasil, sob a influência do movimento ambientalista e políticas ambientais internacionais, a apropriação da “sustentabilidade” no planejamento nacional do turismo deu-se em 03 períodos e modos distintos, conforme explica Borges (2018). A primeira fase, entre 1934 e 1991, a sustentabilidade esteve ausente ou implícita nas ações governamentais do turismo; a segunda, entre os anos de 1992 e 2003, previu a sustentabilidade de forma explicitada nas políticas nacionais de turismo; e entre 2003 e 2016, a sustentabilidade entra como um termo de uso indiscriminado na definição das políticas públicas do turismo. O autor conclui que a utilização do termo nas políticas nacionais “parece ser mais uma forma de atender às pressões internacionais, às pressões sociais e de ocultar interesses do que, verdadeiramente, uma mudança de comportamento no sentido de resguardar o futuro” (BORGES, 2018, p. 385). A sustentabilidade não está restrita, deste modo, a uma ou algumas modalidades de turismo como um atributo intrínseco, mas sim, a um padrão de desenvolvimento que pode ser alcançado por múltiplas iniciativas de turismo (BURGOS; MERTENS, 2015). André Burgos e Frédéric Mertens (2015, p. 67) realçam sobre a importância de “Mais do que se perguntar se um destino ou proposta turística é sustentável, entende -se que talvez seja melhor indagar sobre as ações que podem levar a resultados compatíveis com o que se espera da sustentabilidade na construção de um destino ou experiência turística”. A este respeito, os autores defendem que a participação comunitária nos processos de desenvolvimento do turismo não 338
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garante a sustentabilidade turística, mas possibilita a geração de benefícios para o local, respeito aos estilos de vida das populações, ampliação das oportunidades para as comunidades e até mesmo do ciclo de vida dos destinos. Os autores consideram que o sucesso de projetos turísticos depende de inúmeros fatores enumerados por eles, tal como o grau de apropriação do projeto por parte da comunidade, disputa de poder e divergência no processo de tomada de decisões. Face à rentabilidade da recreação e turismo em áreas protegidas já identificada em estudos recentes4, Rodrigues e Godoy (2012) alertam para o fato de tais processos favorecerem que os visitantes sejam concebidos, sob a ótica do Estado, não apenas como cidadãos e sim na condição de “pagadores” e “usuários”. Portanto, o planejamento da sustentabilidade requer um olhar sobre a complexidade do turismo, em que se conceba não apenas as peculiaridades dos viajantes, mas também, a relação que gestores e comunidades anfitriãs possuem sob o território, no processo de planejamento de ações coletivas5. Movimentos em direção a soluções coletivas deveriam ser, portanto, orientados por normas, costumes e leis, que são regras de funcionamento da ação coletiva (ASTLEY; DE VEN, 2005). 4 No Brasil, a ampla visitação às Unidades de Conservação (UCs) ocasiona impactos econômicos em âmbito nacional e municipal . Conforme relatório sobre os gastos dos visitantes em Unidades de Conservação, estima-se que os mesmos gastaram cerca de R$ 2 bilhões nos municípios de acesso às UCs. A contribuição total desses gastos para a economia nacional foi de cerca de 80 mil empregos, R$ 2,2 bilhões em renda, R$ 3,1 bilhões em valor agregado ao PIB e R$ 8,6 bilhões em vendas” (BRASIL-ICMBio, 2017, p. 8). 5 Vincent e Elinor Ostrom, em suas trajetórias para a governança de recursos de propriedade comum defendem a importância da ação coletiva para a gestão de recursos comuns. Ações coletivas poderiam ser compreendidas pelo modo como se dá sua construção, considerando a importância da confiança, reputação e reciprocidade, a aderência de parceiros para estabelecer acordos de cooperação e resolver conflitos; a racionalidade vigente para tanto (considerando participação e processo de tomada de decisão, realização de parcerias e diversidades internas) e relação com a ética. A visão da ação coletiva enfoca nas redes interoganizacionais e redes interdependentes, organizações que interagem para constituir suas regras de trabalho e estratégias. Neste caso, o papel do gestor é de interagir com outras pessoas ou instituições por meio de negociações, comprometimentos e afins.
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Considerando que a ação coletiva está vinculada à ação pessoal, as estratégias utilizadas pelas organizações são influenciadas não apenas pelo contexto biofísico e influência de instituições externas, como também pelas escolhas pessoais dos indivíduos que integram as organizações6. Portanto, buscar-se-á identificar como ocorre a governança da sustentabilidade do turismo na área de atuação da Rede Anfitriões do Litoral do Paraná, e quais são as ações desenvolvidas pela Rede Anfitriões do Litoral do Paraná que podem levar a resultados compatíveis com o que se espera da sustentabilidade na construção de um destino ou experiência turística. A combinação entre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) e as preferências dos viajantes por destinos turísticos é o foco de nossa atenção. Como a sustentabilidade prevista em documentos oficiais globais pode ser mobilizada, pelos atores locais que participam do desenvolvimento do turismo de base comunitária no litoral do Paraná?
A rede de turismo de base comunitária: “Anfitriões do Litoral do Paraná” Comunidades, anfitriões e Unidades de Conservação O litoral paranaense é constituído por 07 municípiosAntonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, Morretes, Paranaguá e Pontal do Paraná; e está situado a uma distância aproximada de 100 km da capital do Paraná. A região é povoada por mais de oitenta comunidades tradicionais, dentre as quais, seis são comunidades indígenas, duas são quilombolas, dezenas delas são comunidades caiçaras e outras dezenas de comuni6 Artigo originalmente publicado sob o título “Central perspectives and debates in organization theory”, de W. Graham Astley e Andrew H. Van de Ven, na Administrative Science Quarterly, v. 28, n. 2, p. 245-273, 1983. Publicado com autorização da Johnson Graduate School of Management, Cornell University. Disponível em:
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dades de agricultores familiares (CABRAL; GÓES; LAZOSKI, [s.d.]). São inúmeras as situações que repercutem na economia e sociabilidade destes grupos e impõem desafios significativos para o futuro destas comunidades. Vale mencionar a necessidade de adaptação de modos de vida por conta de limites fundiários impostos via delimitação de Unidades de Conservação, pressão por parte de setores empresariais, da especulação imobiliária e do turismo de massa (CABRAL; GÓES; LAZOSKI, [s.d.]). O território também comporta múltiplas Unidades de Conservação, sendo que muitas delas estão sobrepostas às comunidades tradicionais. Conforme levantamento publicado em 2018, a região conta com 14 unidades federadas, 20 estaduais e 10 municipais7, dentre as quais 55% possuem baixo ou muito baixo grau de implementação (PAULA; PIGOSSO; WROBLEWSKI, 2018). Considerando a existência de comunidades detentoras de práticas culturais e conhecimentos singulares na maior extensão de Mata Atlântica contínua, em locais que contam com alta diversidade ambiental e potencial para uso recreativo da natureza (através de trilhas e atividades de observação de aves) defende-se que o turismo de base comunitária pode ser um dos caminhos estratégicos para a sustentabilidade do turismo, conforme já identificado no Plano de Desenvolvimento Integrado Sustentável do Litoral do Paraná (PDITS LITORAL PR): A diversidade de valores naturais, especialmente, a presença dos remanescentes do ecossistema protegido da Mata Atlântica, e os valores culturais e recreativos presentes nos municípios do litoral, criam condições para o desenvolvimento sustentável do turismo da natureza, o ecoturismo, o turismo de aventura e o 7 29% delas são de proteção integral e 53% são UCs de Uso Sustentável, constituídas em três diferentes períodos, entre 1981 e 2017 Entre 1981 a 1993 ocorreu um acelerado processo de criação de unidades estaduais e voltadas para o uso sustentável (duas APAs e a AEIT); 2. Entre 1994 a 2000 foram criadas as reservas privadas, que no estudo dos referidos autores foram avaliadas como as detentoras de maior grau de implementação; 3. De 2001 a 2017 caracteriza-se um importante acréscimo de unidades de proteção integral, sobrepostas às de uso sustentável, além de mais de uma dezena de parques municipais, sendo estas unidades com baixíssimo grau de implementação.
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turismo de base comunitária, que podem contribuir para reduzir a sazonalidade do turismo de veraneio e a geração de benefícios voltados para as populações moradoras da região. (PARANÁ, 2012, p. 91).
Face ao potencial da região turística para o Turismo de Base Comunitária, a Universidade Federal- Setor Litoral desenvolve desde 2015, projetos de extensão universitária que têm como foco o fomento a este tipo de turismo. Como parte do processo formativo que favoreceu o fortalecimento dos anfitriões, destacam-se os cursos de extensão os cursos de extensão com carga horária aproximada de 120h:“Anfitriões da Baía de Guaratuba” e “Anfitriões do Litoral”; bem como os cursos “Culinária e Turismo de base comunitária” e “Turismo na Rede!” com carga horária aproximada de 40h (a depender da edição do curso). Os cursos foram realizados de modo itinerante entre comunidades do litoral e possibilitaram a efetivação de intercâmbios culturais e encontros comunitários, com apoio do Projeto Mutirão- Mais Cultura UFPR. Os anfitriões e anfitriãs estão associados a 3 grupos de Turismo de Base Comunitária já existentes, são eles: Grupo Guarapés (formada por famílias de Guaratuba em 2016), Grupo Guaraguatá (abrange famílias de Guaraqueçaba, desde 2018) e Rede Caiçara (existente desde 2013, com o apoio da Terminal de Contêineres de Paranaguá) (Figura 1). As UC sobrepostas às iniciativas de Turismo de Base Comunitária listadas são: Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange e Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaratuba (Guaratuba); Estação Ecológica do Guaraguaçu e Parque Estadual da Ilha do Mel (Paranaguá); APA de Guaraqueçaba e Parque Nacional de Superagui (Guaraqueçaba)8. Guaratuba e Guaraqueçaba possuem 100% do território está inserido em UCs de diferentes modalidades. 8 Há de se destacar que, dentre as comunidades inicialmente envolvidas na rede, algumas delas, tais como a Aldeia Guarani Kuaray Guatá Porã em Guaraqueçaba e Batuva são comunidades que, na atualidade, estão pouco participativas nos processos de comunicação e participação na rede, por conta de processos internos. Ainda assim, outras comunidades passaram a integrar a rede, por iniciativa de anfitriã, que é o caso
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Há de se considerar que em nenhuma das Unidades de Conservação há planejamento do turismo de base comunitária contemplado nos planos de uso público, seja pelo fato de muitas delas não disporem de tais instrumentos de ordenamento do turismo ou porque o TBC não foi contemplado explicitamente no processo de planejamento da UC, como é o caso do Parque Estadual da Ilha do Mel, APA de Guaratuba e APA de Guaraqueçaba.
FIGURA 1 - MAPA DA REDE ANFITRIÕES DO LITORAL FONTE: Acervo Projeto Mutirão (FLORES; CABRAL; VIKOU, 2018).
Consequentemente ao baixo grau de implementação das UCs, o ordenamento e governança do turismo nas Unidades de Conservação do Paraná torna-se algo distante de ser promovido pelos órgãos gestores, haja vista a falta de condições de da Comunidade do Guaraguaçu. Portanto, a configuração da Rede é dinâmica e segue os fluxos, anseios e organização dos anfitriões e respectivas comunidades envolvidas.
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infraestrutura, problemas fundiários em áreas de interesse turístico, deficiências orçamentárias e de pessoal. Os Conselhos das Unidades de Conservação, que poderiam levar à configuração de instâncias de governança para o turismo, são, muitas vezes, a exemplo do Conselho Gestor da APA de Guaratuba, conforme analisado por análise de Mellinger e Floriani (2015), instâncias oficiais que interagem pouco com a gestão baseada na unidade familiar, muitas vezes parcial ou totalmente invisível às instâncias de governança formais. Mellinger e Floriani (2015) apontam que as instâncias de conselhos gestores ou as associações formalizadas parecem não ser legítimas para a população nativa. No entanto, nota-se que famílias de anfitriões da Rede de TBC, conforme depoimento de Elvisley, maricultor e anfitrião do turismo de base comunitária na Baía de Gauratuba, reconhecem que a “preservação” impõem limitantes no modo e quais atividades tradicionais podem ser praticadas ou não mas que, ao mesmo tempo, o ambiente “preservado” torna-se um diferencial para quem é de fora. Ademais, o trabalho com o turismo pode conciliar maior rentabilidade/ retorno do que as outras atividades que “tiram da mata”. “... a gente mora dentro de área de preservação, no entorno do parque, onde que todas as famílias, todas as pessoas que estão envolvidas (no Grupo de Turismo de Base Comunitária Guarapés) são pessoas moradoras da comunidade, e aonde que essas pessoas hoje não conseguem ter assim um espaço pra planta uma roça, tirar seu sustento, mas tem uma outra forma que você pode trabalhar que é a partir do turismo. Onde que... muitas das vezes, vai te dar muito mais retorno do que se você tivesse plantando ou até tirando a própria mata...e desse jeito aí você tá preservando e fazendo que o turista observar esses bens que você tem aqui, que muitas
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vezes não é em todo lugar que você encontra bem preservado. (FERREIRA, E. C. R., 2017).
Em análise a documentos de planejamento da UCs onde a Rede Anfitriões do Litoral Paranaense desenvolve suas atividades (planos de manejo e/ou planos de uso público, quando existentes). O processo de pesquisa sobre o potencial turístico do Parque Nacional Saint-Hilaire Lange, elaborado em conjunto com estudantes de Ciências Ambientais e Gestão Ambiental da UFPR Litoral e ICMBio PNSHL levou à constatação de diversas fragilidades para a governança do turismo sustentável na referida UC, as quais, recorrentemente podem ser semelhantes ao contexto de UCs da região e até de outras regiões do país. Dentre os principais fatores limitantes, destacam-se os seguintes: • Falta de condições mínimas para gestão da UC, como para promover regularização fundiária e para investir em infraestrutura de acesso aos parques, conforme situação já identificada em relatório nacional (SEMEIA, 2020), recorrente entre UCs federais. • A falta de informações qualificadas sobre os visitantes, considerando a ausência ou insuficiência das investigações sobre seu perfil, seus hábitos e suas motivações. • Falta de corpo técnico na gestão das UCs, com a devida qualificação para trabalhar com turismo. • Inexistência de ações integradas com órgãos gestores do turismo ou da cultura. • Falta de condições institucionais e financeiras para viabilizar interação entre diferentes esferas do governo e cumprimento de suas atribuições. • Falta de opções de lazer e de infraestrutura adequada para o lazer e turismo. 345
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Mesmo com tantos fatores limitantes, os resultados da aplicação de questionário9 a mais de 110 pessoas de diferentes localidades do país, que manifestaram “interesse em visitar áreas protegidas do litoral do Paraná” mostram o interesse dos visitantes potenciais, em realizar atividades de lazer ou recreação no Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange (PNSHL). Aproximadamente 75% delas manifestou interesse em realizar “trilha guiada” e todos os entrevistados estariam dispostas a pagar uma taxa por este e outros serviços associados às atividades de lazer citadas como sendo de interesse: tirolesa, rapel, montanhismo, trilha guiada, visita ao mirante e caminhada. Sobre este aspecto, o investimento para implementação de infraestrutura adequada e de serviços de apoio compatíveis com a demanda de visitação podem ser ofertados pelo Estado ou em parceria com a iniciativa privada, sob a forma de concessões, via parcerias público privada, permissões ou autorizações (RODRIGUES, 2018). Em tais processos, há possibilidade de envolver as populações locais, seja como prestadoras de serviços turísticos ou como protagonistas do turismo de base comunitária. Considerando-se que assim como o PNSHL, muitas das UCs não contemplam planos de manejo ou planos de uso público, recomenda-se que estes sejam elaborados de modo participativo, para que sejam condizentes com a realidade dos moradores, de modo a dirimir a possibilidade de geração de conflitos no entorno das UCs e para que as propostas de turismo atendam às expectativas e anseios dos cidadãos e visitantes. É indispensável definir novos modelos de ação em políticas públicas para o turismo em UCs, conforme será discutido na seção seguinte.
9 Este questionário foi elaborado por acadêmicos do Curso de Ciências Ambientais e do Curso de Gestão Ambiental da UFPR litoral, como atividade vinculada ao módulo optativo “Turismo em Áreas Protegidas”. O objetivo do questionário foi de avaliar a percepção dos possíveis visitantes ao parque, sobre os atrativos turísticos da UC, bem como seus interesses e intenções de visitação.
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A forma como as áreas protegidas impactam ou envolvem os moradores das comunidades varia de comunidade para comunidade, vale ressaltar que 03 integrantes do Grupo Guarapés estão inseridos no Conselho Consultivo do Parque Nacional Saint-Hilaire/ Lange. No entanto, para que a participação efetiva ocorra é importante que os arranjos coletivos expressem os interesses, a cultura e conhecimento dos moradores locais e estes sejam integrados aos processos de manutenção da biodiversidade. No caso da Rede Anfitriões do Litoral, para que o turismo venha a realmente favorecer a conservação dos ambientes e modos de vida das populações locais, faz-se necessário que sejam constituídos coletivos que trabalhem a temática com o devido cuidado, envolvendo além de famílias anfitriãs de comunidades tradicionais, projetos da Universidade Federal do Paraná, os órgãos públicos responsáveis pela gestão da UC, secretarias estaduais e municipais de turismo, da cultura e do meio ambiente. Para que o turismo de base comunitária não apenas venha a cumprir os propósitos das áreas protegidas, mas, sobretudo, para que o mesmo seja uma estratégia de sustentabilidade viável e atraente para moradores e anfitriões é necessário promover uma série de avanços vinculados à gestão e sustentabilidade do turismo
Arranjo coletivo para o turismo de base comunitária e seu potencial para “promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável” Numa visão geral, o turismo é compreendido apenas como uma atividade capaz de ser geradora de divisas, emprego e renda10. Sob um olhar mais atento, além de seu viés econômico o 10 Como atividade econômica em ascensão, as estatísticas da Organização Mundial de Turismo de 2015 (UNWTO), divulgadas em 2016 sobre o turismo no mundo, apontam que as viagens representaram quase 9% do PIB mundial e com previsões de crescimento da chegada de turistas para 2030 que indicam que 1,8 bilhões de turistas internacionais viajarão por ano.
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turismo em comunidades está diretamente relacionado à cultura e ambientes e é um fenômeno que possibilita a interação entre viajantes e anfitriões. A denominação “anfitriã” ou “anfitrião” do turismo, para fins deste trabalho, é destinada às pessoas de comunidades tradicionais do litoral do Paraná que realizaram cursos de extensão promovidos pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e integram a Rede de Turismo de Base Comunitária mencionada, constituída em 2018, com o apoio da UFPR. Os anfitriões do litoral exercem, além das atividades para subsistência e geração de renda que são tradicionalmente praticadas na comunidade, tal como a pesca, agricultura e extrativismo, também o ato de acolher e conduzir, de forma remunerada, visitantes que ali chegam em busca de experiências turísticas de interação com a cultura e natureza. As atividades de convivência e de partilha cultural podem acontecer de diversas formas, seja em momentos de convívio e conversa com os moradores da comunidade, em passeios de barco motorizado ou de canoa a remo, realização de caminhos históricos em meio à Mata Atlântica, experiências vinculadas à culinária, dança e práticas culturais; ou em serviços de hospedagem e transporte. A hospitalidade familiar ou comunitária que caracteriza o encontro entre visitantes e anfitriões é o que destaca e diferencia a experiência que o visitante terá. Entre nativos e visitantes, há uma diferenciação no modo de perceber e interagir com os ambientes, a qual está associada aos modos de vida de cada sujeito O conhecimento para Tim Ingold (2002) é um processo inerente à vida, fruto da experiência que se consolida pelo conjunto de habilidades adquiridas e formadas em cada geração pois, para ele, a percepção e modo de relação com os ambientes, considerando espécies da fauna e flora, é resultado das práticas cotidianas e habilidades que são constantemente recriadas e incorporadas em um modus operandi. Construir embarcações com um único tronco de madeira é uma habilidade que marca a cultura caiçara, conforme explica 348
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Sr. Aroldo Cordeiro de Freitas, mestre canoeiro que reside nas intermediações da Baía de Guaratuba em município do mesmo nome. Segundo o Sr. Aroldo, no passado as comunidades da região utilizavam canoas como meio de mobilidade, para levar a produção da roça que seria vendida no centro da cidade de Guaratuba, para ir e vir do sítio ou da casa dos parentes, para participar das festas da região. Na atualidade, as canoas vêm sendo substituídas por barcos motorizados de alumínio ou fibra e, conforme explica Sr. Aroldo Cordeiro de Freitas, morador da comunidade de CabaraquaraGuaratuba (PR) e um dos dois únicos habitantes da região que conhecem o processo de construção da canoa a diminuição número de praticantes do ofício também se deve ao fato de “as restrições ambientais que proíbem a retirada das madeiras de maior durabilidade faz com que muitos mestres não construam as embarcações por medo de retaliações”. Portanto, a fragilidade do uso e fabricação das canoas tradicionais coloca em risco a difusão e prática dos conhecimentos associados à fabricação de embarcações tradicionais, gerando perdas culturais lastimáveis. A valorização das habilidades dos anfitriões e da cultura local foi um dos objetivos dos projetos de extensão. Conforme os encontros e diálogos ocorriam, identificou-se a inexistência de canoas caiçaras próprias para o uso turístico na baía de Guaratuba, e para tanto foi promovida a realização da Oficina de Confecção de Canoa de um Pau Só, promovidas pelo mestre canoeiro e que envolveu cerca de 50 moradores das comunidades da região. As oficinas foram entre agosto e outubro de 2017, nas cidades de Matinhos e Guaratuba, Paraná. Para utilização do tronco caído na mata a UFPR fez diálogos com o órgão ambiental ICMBio, gestor da unidade de conservação Parque Nacional Saint - Hilaire/Lange, mediante troca de ofícios em setembro e outubro de 2016, para que o mesmo concedesse autorização para uso da madeira. Conforme o relato de Sr. Aroldo, o mestre canoeiro, aque349
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le momento de trabalho organizado por ele teve caráter histórico pois reuniu moradores da região que nunca haviam presenciado a feitura de uma canoa caiçara e trabalhavam avidamente mesmo sem remuneração em prol da atividade (Figuras 2 e 3).
FIGURA 2 - PROCESSO DE ESCAVAÇÃO NOS TRONCOS DE GUAPURUVU FONTE: Projeto Mutirão UFPR (2018).
FIGURA 3 - CANOS PRONTAS PARA TURISMO FONTE: Projeto Mutirão UFPR (2018).
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Independentemente da vocação principal de cada comunidade caiçara, há uma característica comum que as perpassam que é a expressiva multiplicidade de atividades exercidas no cotidiano das famílias. Conforme identificado por Mellinger (2012), em comunidades de Guaratuba, as unidades familiares praticam de forma complementar, atividades para “o gasto” (para subsistência) e para geração de renda, tais como a coleta de marisco, a agricultura de coivara, a pequena criação de galinhas, a coleta de frutos, mas também o trabalho como diaristas na construção civil, na limpeza de terrenos, chácaras e residências, como piloteiros de embarcações, etc. Ou seja, muitas vezes o tradicional é intercalado com atividades mais recentes e, neste contexto, o turismo, seja ele de “sol e praia” ou turismo de base comunitária, passa a constituir mais uma das atividades. Portanto, a polivalência é uma característica do modo tradicional de produzir territórios11 e o turismo de base comunitária passa a constituir mais uma opção de trabalho e renda para os anfitriões que vivem no território caiçara12, tendo em vista que o TBC é conciliado com outras atividades praticadas de modo sazonal em diversos ambientes. Nota-se que a relação que cada anfitrião estabelece com os ambientes é distinta e está relacionada com as atividades cotidianas desenvolvidas por cada um. Por exemplo a anfitriã 11 CABRAL, B.L.F.; GÓES, P.R.H.; & LAZOSKI, F., no prelo. Capítulo 3 – Relato de experiência Eixo 6 – Economia criativa, empreendedorismo artístico e inovação cultural. Editora UFPR, Curitiba, 2020. No prelo. O material, em vias de publicação pela Editora UFPR, é uma compilação das atividades desenvolvidas no Projeto Mutirão UFPR. 12 O termo “caiçara” é empregado como categoria antropológica, correntemente como estratégia política para defesa de direitos e planejamento territorial, além de também ser utilizado para fins de valorização de localidades turísticas em busca de enaltecer o contato com comunidades “autênticas”. Entre os ambientes com os quais eles possuem uma relação afetiva, destacam-se a terra e o mar (CUNHA, 2009). Vale ressaltar que, para Maldonado (1993, p.261), “os termos terra e mar que compõem a díade básica à ordenação do espaço nas sociedades pesqueiras são mais do que a expressão de realidades espaciais empiricamente reconhecíveis ou de atributos físicos [...]”. No entanto, nem todos os caiçaras do litoral dedicam-se exclusivamente à pesca, muitos mantêm atividades como pequenos lavradores, a questão central é a multiplicidade de atividades e de ambientes.
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Marisa (Figura 4), pescadora da Baía de Guaratuba, possui mais aptidão com a pesca artesanal, com a baía e manguezais. Portanto, o turismo de base comunitária surge da interseção entre conhecimentos e habilidades específicas sobre o ambiente, a qual, através de uma hospitalidade e organização local, propicia a interação dos visitantes com aspectos da natureza e cultura dos territórios visitados.
FIGURA 4 - DEPOIMENTO MARISA DA SILVA FONTE: Acervo Projeto Mutirão (FLORES; HOROKOSKI; CABRAL, 2017).
Para exemplificar o modo de atuação do anfitrião ou anfitriã e sua importância para o turismo, vale destacar uma experiência de Turismo de Base Comunitária (TBC), ocorrida em Guaraqueçaba, município localizado no litoral norte do Paraná, em que 100% do território está inserido em áreas protegidas, possui uma população estimada em 2019 de 7.636 pessoas (IBGE CIDADES13). No dia 21 de janeiro de 2020, cerca de 15 pessoas de 13 BRASIL, IBGE. IBGE CIDADES- Guaraqueçaba. Disponível em:
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diferentes estados (sobretudo de Minas Gerais e Rio de Janeiro)14 puderam experienciar a rotina da comunidade que vive da pesca do siri, além de contemplar a exuberância da Mata Atlântica. Como parte da programação definida por uma anfitriã, após um almoço preparado a base de peixe fresco, “carne de siri”, palmito, farinha e outras iguarias, o grupo fez uma caminhada guiada por anfitriã, pelo extenso caminho da comunidade do Costão, onde puderam conhecer aspectos peculiares sobre a história, organização, cultura, economia, sobre a maré e características da baía às margens da comunidade. O grupo também visitou a sede da Associação dos Moradores do Costão, que desenvolve atividades de geração de renda com famílias da comunidade. Na sequência, realizaram passeio de barco a motor na baía, para aprender com o pescador, os detalhes da pesca do siri. No retorno, bolinho de banana da terra com suco de araçá goiaba aguardavam o grupo. Ao final do dia, uma apresentação do Grupo de Fandango Fandanguará. Neste dia, quatro representantes da Universidade Federal do Paraná estavam presentes a convite da anfitriã, para uma roda de conversa sobre turismo de base comunitária, de modo a expressar a importância da aliança entre comunidade e academia para invenção de uma nova proposta de turismo naquela localidade, o Turismo de Base Comunitária (TBC). Ao todo, cerca de seis famílias participaram da organização das atividades de alimentação, hospedagem, vivência e passeios. Ao final do encontro, o grupo de visitantes registrou sua satisfação por serem tão bem recebidos, por poderem comer alimentos frescos e conviver com a comunidade. Conforme relato apresentado e bibliografia sobre o assunto, uma das características marcantes do turismo de base comunitária é o protagonismo das comunidades nos processos 14 O grupo estava participando da 27ª edição da Expedição à Mata Atlântica, realizada anualmente pela ONG Grupo Brasil Verde e com apoio do Grupo de Pesquisa em Planejamento e Gestão de Áreas Naturais Protegidas (GAP).
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de organização da hospedagem, alimentação e atividades proporcionadas aos/ compartilhadas com os visitantes, em que é possibilitada a interação com as práticas culturais, modos de vida e ambientes das comunidades.
FIGURA 5 - ROTEIRO TURÍSTICO NO COSTÃO- GUARAQUEÇABA, EXPERIÊNCIA DE “DEMARISCAR” O SIRI FONTE: Projeto de Extensão “Governança participativa para o Turismo de Base Comunitária, Ecoturismo e Turismo de Aventura no litoral do Paraná”.
Ao avaliar o modo de organização do trabalho dos anfitriões, nota-se que a concepção e evolução do turismo em comunidades tradicionais, que antes estavam alheias ao processo de turistificação, exige novos padrões de organização e que, atualmente, o trabalho com o turismo de base comunitária ainda é gerido e organizado nos núcleos familiares. Pressupõe-se que a dificuldade de organizar o trabalho de modo coletivo/ comunitá354
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rio ou em rede se dá, tanto pela distância entre as comunidades, como pelo fato de ser uma atividade inédita que requer uma organização de trabalho distinta ao trabalho exercido nas unidades familiares. Há de se destacar que a cultura de organização do trabalho está centrada nas unidades familiares da região (MELLINGER, 2013). Apesar disto, ainda há falta de cultura organizacional para possibilitar o desenvolvimento do Turismo de Base Comunitária em modo de rede.
O turismo de base comunitária no litoral do Paraná e seu potencial para estabelecer “Padrões de Produção e Consumo Sustentáveis” As experiências e roteiros de turismo de base comunitária são constituídas conforme dois elementos essenciais que constituem a matéria prima da produção do turismo, os conhecimentos e sobre o ambiente e as práticas culturais desenvolvidas e que configuram um modo de hospitalidade específico. Conforme consulta aos relatórios do projeto de extensão os anfitriões avaliam que uma das transformações que obtiveram após a realização dos cursos ofertados pela UFPR é a mudança na percepção do lugar onde moram, na medida que passaram a reconhecer a beleza de aspectos naturais e culturais que integram seu cotidiano. Tal fator, por consequência, favorece a autoestima das pessoas, na medida em que valoriza as histórias de vida e o sentimento de pertencimento à comunidade. Portanto, os conhecimentos sobre atividades tradicionais e sobre o ambiente passam a ser a matéria prima que compõe muitas experiências turísticas desenvolvidas pelos anfitriões. Há de se considerar que a seleção dos elementos que passariam a ser apropriados para o turismo é fruto da própria compreensão dos anfitriões sobre seus territórios. Complementarmente, os co355
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nhecimentos sobre as canoas de “um pau só”, ou canoas caiçaras também passam a ser renovados e adaptados para fins turísticos15. O uso turístico das canoas caiçaras pelo Grupo Guarapés possibilita o fortalecimento e valorização das produtivas tradicionais, como o ato de confeccionar canoas. As “remadas” de canoa no estuário são, não apenas um momento de interação cultural como também um meio de aprender com os anfitriões caiçaras, peculiaridades sobre a exuberância dos manguezais e baías. Este tipo de turismo desperta o interesse dos viajantes que já frequentam o litoral do Paraná mas que passam a reconhecer o valor de realizar passeios com o acompanhamento dos anfitriões. No contato entre anfitriões e visitantes, modalidades de turismo que envolvem comunidades tradicionais passam por um processo que o antropólogo Santana (2011) concebe como “conversão”. Culturas locais específicas que são adaptadas pelos próprios residentes (consciente ou inconscientemente) para os encontros com visitantes. Os roteiros promovem encontros entre os anfitriões caiçaras e famílias ou grupos de viajantes, o contato e interação com a canoa “de um pau só”, culinária caiçara, caminhos históricos da região, modos de pescar, de falar tipicamente caiçaras, além da possibilidade de observar aves e os ambientes frequentados pelos nativos. Aspectos cotidianos que tinham significado atrelado ao tempo pretérito ou ao trabalho, passam a ser valorizado na formatação dos passeios e roteiros. O contato com elementos da cultura local, motivado muitas vezes pela busca do “estereótipo” sobre as culturas, é capaz de desmistificar as preconcepções sobre a os locais visitados. A percepção subjetiva sobre a “autenticidade” pode ocorrer não apenas sobre 15 Na Baía de Guaratuba, com o apoio das ações extensionistas desenvolvidas pela UFPR, foi promovido o curso ministrado por mestre canoeiro aos moradores da região: “Com pau só se constrói uma canoa caiçara”, que contou com integrantes adultos das comunidades de Cabaraquara, Prainha, Caieiras, Porto de Passagem, localizadas em Guaratuba, que culminou na confecção de 03 canoas caiçaras. Também foi realizado evento de extensão voltado para a valorização e venda dos passeios em canoa caiçara na Baía de Guaratuba: Bike + Canoa.
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o patrimônio material expresso na arquitetura, vestimentas ou artesanato, mas também, ao perceber aspectos imateriais que diferenciam determinados territórios, sejam conhecimentos ou fazeres que constituem modos de vida específicos.
FIGURA 6 - DEPOIMENTO FLOR FREITAS DA SILVA FONTE: Acervo Projeto Mutirão (FLORES; HOROKOSKI; CABRAL, 2017).
A configuração de experiências e passeios turísticos vinculados à natureza e cultura dos moradores possibilita o reconhecimento de um novo valor para elementos que configuram as práticas culturais e ambientais, sob a influência do valor turístico atribuído às práticas cotidianas que passaram a ser divulgadas como experiências turísticas como: Passeios em canoas tradicionais, caminhos históricos, produção de farinha artesanal, convivência com a rotina do pescador, e realização da pesca esportiva na companhia dos anfitriões.
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Observando o crescente interesse das comunidades em desenvolver o TBC, aliado ao anseio por receber mais turistas e divulgar o trabalho que vinha sendo construído, algumas estratégias de marketing para a promoção do TBC na região foram elaboradas no ano de 2017. Estas estratégias incluem ações como a formatação de roteiros turísticos que oferecem passeios de barco e de canoas caiçaras16 (Figura 8) nos estuários, trilhas por caminhos históricos, participação em atividades que representam a cultura local, de modo a conectar os visitantes com o território visitado.
FIGURA 7 - DEPOIMENTO ELVISLEI ROCHA FERREIRA FONTE: Acervo Projeto Mutirão (FLORES; HOROKOSKI; CABRAL, 2017).
16 Para utilização de tronco de guapuruvu caído na mata, a equipe dos projetos de extensão da UFPR fez diálogos com o órgão ambiental ICMBio- Parque Nacional Saint - Hilaire/Lange, em 2016, para que o mesmo concedesse autorização para uso da madeira a ser utilizada para confecção de três embarcações.
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O protagonismo das comunidades se destaca na elaboração de roteiros, experiências ou pacotes turísticos que tenham relação com a cultura e natureza de seu território e tenham apelo turístico para os viajantes. A seguir estão apresentados modelos de materiais promocionais desenvolvidos. Os encontros, roteiros ou experiências possuem geralmente um período determinado com cada anfitrião/anfitirã, ocorrem a partir da troca monetária, evidenciando a relação entre o lazer do visitante e trabalho do anfitrião, mas sem exaltar as hierarquias culturais que são frequentes no turismo convencional. Concebe-se que os roteiros de turismo de Base Comunitária se diferenciam das demais atividades da região por conta do atributo da autenticidade que marca a hospitalidade. Ao analisar o facebook da Rede Anfitriões da Litoral, cujas postagens são mantidas por bolsistas e voluntários dos projetos da UFPR, nota-se que a Rede Anfitriões do Litoral constitui um meio de propiciar visibilidade para o TBC, ao divulgar experiências e roteiros inovadores no mercado turístico.
FIGURA 8 - MATERIAIS DE DIVULGAÇÃO DOS ROTEIROS DOS ANFITRIÕES DO LITORAL FONTE: Grupo Guarapés (2017) e Rede Caiçara (2020).
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Nota-se que há interesse por parte das pessoas que acompanham o Facebook da Rede, que atualmente conta com mais de 900 seguidores. Pela quantidade de curtidas e compartilhamentos das postagens, conforme exemplo abaixo em que uma postagem alcançou 71 compartilhamentos, nota-se que as atividades divulgadas despertam o interesse das pessoas em conhecer as comunidades e as propostas de turismo divulgadas, para o público nacional e inclusive internacional, conforme registro de grupo de estudantes canadenses divulgado no facebook da Rede Caiçara. Os vídeos produzidos pelos projetos também possuem uma importância fundamental para divulgar as propostas de turismo de base comunitária na região. O vídeo “Turismo Base comunitária - Canoa Caiçara - Guaratuba – PR”, disponível no canal do Youtube: Anfitriões do Litoral PR e facebook, foi amplamente visualizado. O vídeo como instrumento de promoção turística associada ao marketing digital do Grupo Guarapés teve um alcance expressivo de público, totalizando 1,2 mil visualizações no facebook do Grupo Guarapés e 33 compartilhamentos; além do alcance de aproximadamente 500 pessoas no canal do youtube. Portanto, o vídeo representa não apenas um meio inovador de promover o resultado das ações universitárias, como ele em si promove o Turismo de Base Comunitária associado ao uso turístico de canoas caiçaras na Baía de Guaratuba. Sobre a organização do trabalho da rede, tendo em vista que o turismo de base comunitária é uma atividade socioeconômica inovadora para comunidades tradicionais, a manutenção da Rede ainda é dependente da atuação da UFPR, a qual ainda promove ações voltadas para aprimoramento da comunicação do grupo; aperfeiçoamento/formação em temáticas sobre turismo, cultura e natureza; e marketing da Rede na internet, via página no Facebook e Instagram. 360
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No âmbito inter e intra comunidades, a organização do trabalho coletivo, quando ocorre é direcionada para atender demandas por trabalhos coletivos, tais como “limpar” um caminho que é utilizado para visitação, organizar a comunidade, comunicar os demais anfitriões sobre determinados ocorridos, organizar o trabalho dos anfitriões para participação em eventos. Portanto, a emergência de novos modelos de turismo traz a necessidade de se conceber novos processos de organização social e aquisição de novas habilidades para aprimorar o processo de comunicação na comunidade e com os visitantes, relação com os prestadores de serviço, que muitas vezes são pessoas da própria comunidade tradicional e comunicação direta com os visitantes.
FIGURA 9 - POSTAGEM NA REDE ANFITRIÕES DO LITORAL FONTE: Facebook Rede Anfitriões do Litoral do Paraná- Turismo de Base Comunitária (2020).
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Há também de se avaliar os potenciais benefícios e riscos de se realizar parcerias com agências de ou agentes de turismo que ampliem e direcionam a comercialização dos roteiros e experiências para viajantes que busquem este tipo de viagem. Nota-se que o TBC constitui uma inovação no mercado turístico regional, como resultado da construção de atividades e roteiros de turismo de base comunitária, como forma de diversificação das opções de viagem na região do litoral paranaense, haja vista que foram constituídos de modo participativo, roteiros e experiências turísticas que valorizam os ambientes e cultura como alternativa de geração de renda ao longo de todo o ano, constituindo possíveis benefícios econômicos, culturais e ambientais para comunidades e visitantes.
Considerações finais: a Rede Anfitriões do Litoral e os desafios para a sustentabilidade do turismo A Rede Anfitriões, instituída ao final de 2018, é embrionária e expressa o trabalho previamente desenvolvido por 03 grupos de turismo de base comunitária, em diferentes localidades do litoral paranaense. Na esteira das reflexões sobre a teoria e experiência de Turismo de Base Comunitária vinculada ao Anfitriões do litoral, constituíram-se algumas constatações. O Turismo de Base Comunitária desenvolvido pelos Anfitriões do Litoral é uma inovação social viável e evidencia seu potencial de ser uma modalidade de turismo sustentável em UCs, na medida em que gera renda para famílias envolvidas, através de produtos turísticos inovadores que valorizam a cultura e a natureza dos territórios e ambientes costeiros o TBC. Nota-se que a trajetória da Rede Anfitriões do Litoral propicia o alcance dos seguintes Objetivos do Desenvolvimento Sustentável: Objetivo 2. Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melho362
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ria da nutrição e promover a agricultura sustentável; Objetivo 12. Assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis; e Objetivo 14. Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. Constatou-se também que as áreas protegidas possuem papel-chave para o alcance dos três ODS no entanto é necessário configurar novos modelos de gestão do turismo em vista da sustentabilidade, a qual implica um compromisso ético e que depende de canais permanentes de participação e diálogo entre os vários setores envolvidos, incluindo gestores e o visitante “turista-cidadão”. Ao longo de sua existência, nota-se um avanço das organizações familiares para criar propostas de turismo que evidenciem as habilidades e experiência dos anfitriões. Para que ocorra uma governança participativa do TBC em Unidades de Conservação do Litoral do Paraná, que promova o turismo vinculado à sustentabilidade ainda há um longo caminho a ser percorrido, sobretudo no que tange ao fortalecimento dos processos participativos e estabelecimento de procedimentos de gestão que reflitam o contexto sociocultural das comunidades. Atualmente, este processo, ainda que ocorra de forma rudimentar, se desenvolve de forma a respeitar os modos operandis e ritmos dos anfitriões. Entende-se que Universidade Federal do Paraná desempenha um papel importante para incremento da formação dos anfitriões, para aprimorar as habilidades operacionais e gerenciais dos moradores locais. Em síntese, alguns aspectos representam desafios para que o planejamento participativo do turismo de base comunitária em áreas protegidas sejam consolidado, são eles: (i) desconhecimento e falta de cultura dos viajantes brasileiros, em praticar o turismo de base comunitária no litoral paranaense, região em que o “turismo de sol e praia” é predominante; (ii) falta de uma instância de governança que vincule turismo, cultura e ambiente 363
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na região, com as diferentes instituições e sujeitos vinculados às temáticas; (iii) falta de cultura organizacional para possibilitar o desenvolvimento do Turismo de Base Comunitária nas comunidades, incluindo estudos e planejamento sobre esta atividade e seus visitantes. Para criar bases sólidas que garantam vida longa à iniciativa é necessário pensar em um novo paradigma do turismo, uma nova ética, orientada pela democratização de oportunidades, compromisso com conservação e com a permanência das comunidades tradicionais no seu território.
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RELAÇÃO ENTRE OS IMPACTOS DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS E AMBIENTAIS E O TURISMO COMUNITÁRIO: O CASO DO PARQUE NACIONAL DO SUPERAGUI – PARANÁ Isabel Jurema Grimm Ariadne Farias
Introdução Como importante alternativa para as atividades socioprodutivas, o turismo pode contribuir para a adaptação das comunidades frente à vulnerabilidade de seus territórios às mudanças climáticas, especialmente, quando tais atividades envolvem componentes de risco ambiental e/ou mostram-se impactadas por eventos climáticos extremos, tais como, escassez hídrica, inundações, tempestades severas, entre outros. Como alternativa em perspectiva de diversificação socioeconômica e conservação da biodiversidade, a atividade turística pode ser pensada como estratégia de desenvolvimento local e, por sua vez, voltada também à redução dos riscos e das vulnerabilidades socioambientais. A urgência da problemática socioambiental, com destaque para as mudanças climáticas e ambientais, evidencia que o risco supõe a ação antrópica, no sentido de que não é somente a natureza que engendra riscos: é, em primeiro lugar, a ciência e a técnica, bem como as implicações do emprego destas na relação sociedade-natureza. Dessa forma, a compreensão dos fatores responsáveis pela produção dos riscos supõe a ação humana, assim como as decisões referentes aos riscos supõem sua capacidade de enfrentamento.
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Alguns segmentos da sociedade, entre elas as populações tradicionais, constituem-se como mais vulneráveis aos impactos dos eventos climáticos extremos e das alterações no meio ambiente, associando-se a isso a presença de três componentes importantes: exposição ao risco, incapacidade de reação e dificuldades de adaptação diante da materialidade do risco (MARTINS; FERREIRA, 2010). Comunidades tradicionais, que costumam habitar territórios mais vulneráveis às condições do clima, detém conhecimento e identificam com minúcia cada detalhe que constitui uma ameaça a suas vidas e a seus bens. Observam com atenção os reflexos das mudanças climáticas na produtividade agrícola, na captura da pesca, e a tudo aquilo que afeta o meio ambiente ou a vida diária da comunidade. Percebem os riscos associados às condições ambientais, sejam eles associados aos perigos físico-ambientais, resultados de um longo processo de transformações da natureza, ou aqueles “fabricados” pelo homem (GIDDENS, 2007). Ao viverem em contato direto e permanente com a natureza, as comunidades detêm sobre esta, profunda relação transformada em saber local. As populações do entorno ou interior do Parque Nacional (PARNA) do Superagui, são consideradas tradicionais, embora Cunha (2007, p. 27) tenha demonstrado que estas comunidades já estejam “envolvidas num processo intenso de modernização que as levaram à utilização de práticas destrutivas”, contudo, segue a autora, “muitos ensinamentos podem ser extraídos do conhecimento tradicional costeiro” e, portanto, o olhar destes, particularmente na proposição das mudanças climáticas constituem informações para orientar melhores medidas de adaptação econômica e de desenvolvimento destas comunidades frente ao desafio que podem ser atribuídos aos eventos derivados das mudanças climáticas, nesse território (GRIMM, 2016) .
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Nesse contexto, o turismo tem se destacado enquanto uma estratégia econômica (SWARBROOKE, 2000; THEOBALD, 2002; RASOOLIMANESH; JAAFAR, 2017) capaz de auxiliar no fortalecimento da renda de determinada região ou país, muitas vezes, em localidades relativamente menos desenvolvidas, contribuindo para criar novas oportunidades e incentivar as populações locais a permanecerem na região. Considera-se importante que nas comunidades tradicionais a atividade turística possa representar uma alternativa de diversificação econômica, gerar renda e, ao mesmo tempo, subsidiar, sempre que possível, a manutenção das atividades produtivas tradicionais existentes ao invés de substituí-las. A ideia é de que o turismo possa ganhar um significado importante para as populações tradicionais, não apenas como produto turístico, mas enquanto possível estratégia para se compreender a coexistência de múltiplas culturas, como propulsor de novas formas de produção, privilegiando o resgate dos conhecimentos tradicionais, ou mesmo para construção de novas formas de organização social, capazes de se fortalecer coletivamente para enfrentar a imposição das características produtivistas que regem contemporâneas sociedades urbano-industriais. Partindo-se desses pressupostos, as reflexões contidas neste capítulo relatam como os moradores do Parque Nacional do Superagui em Guaraqueçaba (PR) percebem os impactos e riscos das mudanças climáticas sobre seus meios de subsistência e, como o turismo pode ser uma estratégia de adaptação econômica e desenvolvimento sustentável frente as adversidades das mudanças do clima. Trata-se de um estudo de caso, que contou com pesquisa bibliográfica e documental e entrevistas com moradores do município de Guaraqueçaba e de cinco vilas rurais localizadas na região do parque. São elas: Barra do Superagui, Bertioga, Barbados, Praia Deserta e Barra do Ararapira. Também contribuíram na coleta de dados especialistas em Unidades de Conservação (UCs). 369
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O capítulo se estrutura em quatro tópicos. O primeiro aborda o tema das mudanças climáticas e o risco associado aos seus fenômenos climáticos, aos quais toda a sociedade está exposta. No segundo, levanta-se uma reflexão acerca da relação entre o turismo e as comunidades tradicionais que integram as áreas de proteção ambiental. São apresentadas algumas experiências que vêm mostrando a importância do turismo comunitário para a complementação da renda da população local e que pode contribuir, também, para a adaptação das comunidades frente à vulnerabilidade de seus territórios às mudanças climáticas. O estudo de caso é apresentado no terceiro e quarto tópico. O terceiro traz uma breve contextualização acerca do município de Guaraqueçaba e das comunidades tradicionais da região do Parque Nacional do Superagui. Na sequência, são relatados os resultados obtidos por meio da pesquisa qualitativa, realizada por Grimm (2016), que objetivou identificar as possíveis relações entre as comunidades tradicionais, os efeitos das mudanças climáticas e o turismo no Parque Nacional do Superagui.
Mudanças climáticas e a sociedade de risco Manifestadas em diversas escalas de tempo e em parâmetros como precipitações e temperatura, as mudanças climáticas se devem a causas naturais. Contudo, após a revolução industrial até a atualidade tem havido aumento significativo no uso de carbono (carvão mineral, petróleo, e gás natural), principalmente para geração de energia destinada à indústria e para uso veicular. O resultado é um enorme volume de gases contaminantes liberados na atmosfera, responsáveis pelas alterações na camada que retém o calor da Terra e, consequentemente, contribuem para o aumento da temperatura e o aquecimento global. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas – IPCC (2018), as temperaturas do planeta 370
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estão cerca de 1°C acima dos níveis pré-industriais e, caso o ritmo de aumento continue, a temperatura global deve atingir 1,5°C entre 2030 e 2052. Este aumento representa uma ameaça, um risco ao bem-estar humano superior a qualquer outra ameaça ambiental. Isso se deve a irreversibilidade, a escala global das causas e efeitos e a combinação de fatores socioambientais que “atribuem certo grau de incerteza em relação à magnitude e tendência dos impactos” e os riscos derivados das mudanças climáticas (CORREA; COMIM, 2008, p. 3). Corroborando, Beck (2000) e Giddens (2009) classificam os riscos climáticos, interligando-os aos eventos decorrentes do aquecimento global, e que, cada vez mais, estão fortemente influenciados pelo processo de globalização. Neste contexto, entende-se que a mudança climática surge como risco produzido (BECK, 2000), ou fabricado (GIDDENS, 2009), de grave consequência, e ligado às atividades humanas, pois pode possibilitar aumento considerável da frequência e intensidade dos eventos extremos, anteriormente considerados como eventos naturais e a ocorrência de novos fenômenos, com graves consequências econômicas, sociais e ambientais dos quais a sociedade como um todo pode não estar preparada para seu enfrentamento. Eventos extremos do clima são sérias ameaças, capazes de perturbar os vários grupos sociais, incluindo povos tradicionais, expondo eventualmente sua incapacidade de resiliência, sendo necessário que incorporem novas dimensões de antecipação sobre o conhecimento das ameaças e estratégias de respostas (ADGER, 2006). Diante disso, encontram-se mais vulneráveis as comunidades econômica e socialmente desfavorecidas, residentes em áreas de risco ambiental, (vulnerabilidade geográfica) ou que desenvolvem atividades produtivas tradicionais como extrativismo, pesca, agricultura de subsistência etc. (vulnerabilidade biofísica) e que, portanto, dependem dos ecossistemas para subsistirem (GRIMM, 2016). 371
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Sob a perspectiva sociológica, a vulnerabilidade pode ser pensada em termos de três elementos: grau de exposição, susceptibilidade e capacidade de adaptação (ou resiliência) diante da materialização do risco. Assim, as pessoas ou grupos sociais (ou lugares) mais vulneráveis seriam aqueles mais expostos a situações de risco ou stress, mais sensíveis a estas situações e com menor capacidade de se recuperar (MOSER, 1998; SHERBININ et al., 2007). Exemplificando, as comunidades litorâneas estão mais expostas ao aumento do nível do mar e aos ciclones, enquanto comunidades em áreas semiáridas, que desenvolvem atividades agrícolas de subsistência podem estar mais suscetíveis à seca. Para estes grupos a vulnerabilidade significa vulnerabilidade humana e/ou de seus meios de subsistência. Este é o caso das comunidades do interior ou entorno do PARNA do Superagui, que buscam medidas de adaptação econômica frente aos impactos das mudanças climáticas desencadeadas nesse território (FARACO, 2012; GRIMM, 2016).
O turismo e sua importância para as comunidades tradicionais Ao ser entendido como importante alternativa para atividades socioprodutivas, o turismo pode contribuir também para a adaptação das comunidades frente à vulnerabilidade de seus territórios às mudanças climáticas, especialmente, quando as atividades envolvem componentes de risco ambiental e/ou mostram-se impactadas por eventos climáticos extremos. Como alternativa em perspectiva de diversificação socioeconômica e conservação da biodiversidade, a atividade pode ser pensada como estratégia de desenvolvimento sustentável (GRIMM, 2016).
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Porém, é importante uma perspectiva mais crítica para saber se o turismo será a melhor alternativa de desenvolvimento, pois, como sugere Diegues (2014), essa atividade tem sido uma das propostas apoiadas por algumas instituições governamentais e não governamentais (ONGs), com a intenção de afastar as comunidades das práticas tradicionais que envolvem o uso dos recursos naturais (agricultura, extrativismo, etc.), consideradas por esses órgãos como danosas aos ecossistemas das áreas de proteção ambiental. Em muitos casos, o turismo tem sido uma das poucas alternativas para as situações em que o modo de vida tradicional é inviabilizado pela legislação ambiental e pela aplicação dos órgãos fiscalizadores. Existem algumas experiências que vêm mostrando a importância do turismo comunitário para a complementação da renda das comunidades - em São Paulo, as experiências do Marujá na Ilha do Cardoso e dos quilombos do Vale do Ribeira tem indicado isso. O turismo pode ser vantajoso na medida em que as comunidades conseguem se apropriar dessa atividade para a continuidade do seu modo de vida (DIEGUES, 2014). O turismo tem sido muito propagado e requerido por comunidades que desejam desenvolver atividades turísticas de forma diferenciada do convencional (MALDONADO, 2009). Entretanto, exige envolvimento e qualificação para protagonizar e gerir a atividade. No caso do PARNA do Superagui, a modalidade que vem sendo desenvolvida é o ecoturismo, pois a região é detentora de atrativos naturais que motivam o deslocamento dos turistas. Porém, no local se observa a falta de infraestrutura e aparelhamento para lidar com a atividade, que, no decorrer do processo de desenvolvimento (nesse caso desordenado), poderá ocasionar danos ao meio ambiente, tanto quanto o turismo convencional. É importante observar que Superagui é território de preservação ambiental constituída por Lei como uma área de proteção integral, que têm como objetivo básico preservar a 373
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natureza, livrando-a, o quanto possível, da interferência humana. Na Unidade, como regra, só se admite o uso indireto dos recursos naturais, isto é, aquele que não envolve consumo, coleta, dano ou destruição, com exceção dos casos previstos na Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC, 2000). Assim, toda atividade realizada dentro do perímetro e no entorno do PARNA do Superagui deve estar devidamente vinculada ao Plano de Manejo1 da UC. Nesse contexto, o turismo deve estar pautado no respeito à cultura local e no protagonismo das comunidades na elaboração, gestão, avaliação e participação nos resultados. Destaca-se a importância do desenvolvimento do turismo para regiões de singularidade ambiental, onde a atividade pode contribuir para a preservação dos ecossistemas. Essa pode ser a contribuição do turismo comunitário para as comunidades do PARNA do Superagui.
As comunidades tradicionais da região do Parque Nacional do Superagui em Guaraqueçaba O Paraná possui litoral de pouca extensão, onde mais de 80% de sua costa apresenta elevada sensibilidade ambiental, e 82% da área costeira está voltada à conservação. A criação das UCs ocorreu por se constituírem espaços marginalizados, de difícil acesso ou sem interesse econômico-produtivo. Tal circunstância inviabilizou a sustentabilidade econômica e social da população que mora dentro ou no entorno das unidades, sugerindo como um dos fatores responsáveis pela vulnerabilidade instalada na 1 O Plano de Manejo estabelece as normas, restrições para o uso, ações a serem desenvolvidas e manejo dos recursos naturais da UC, seu entorno e, quando for o caso, os corredores ecológicos a ela associados, podendo também incluir a implantação de estruturas físicas dentro da UC, visando minimizar os impactos negativos sobre a UC, garantir a manutenção dos processos ecológicos e prevenir a simplificação dos sistemas naturais. Disponível em:
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região (PIERRI et al., 2006), como é o caso das comunidades da região do PARNA do Superagui. Ao se considerar o grupo familiar dos pescadores no Estado, estima-se que 12 a 15 mil pessoas no litoral estejam dependendo ou sendo beneficiadas por esta atividade. Estes pescadores estão distribuídos em seis municípios da região, cuja localização foi fortemente condicionada pelo tipo de costa, acessível somente para pequenas embarcações (PIERRI et al., 2006). De modo geral, a pesca sediada no estado é de pequena escala ou “artesanal”, com uma produção ainda não corretamente avaliada, mas, provavelmente, de importância mais regional e de menor expressão no cenário nacional (ANDRIGUETTO et al., 2006). Guaraqueçaba está localizada na porção norte do litoral do Paraná. Apresenta um dos piores Indices de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,587, classificado entre os vinte mais baixos do estado, sendo que em 2016 o salário médio mensal era de 1.7 salários mínimos (IBGE, 2019). O padrão de ocupação da região possui densidade de apenas 3,32 hab/km2, com uma população distribuída em vilas de variados tamanhos, muitas delas situadas às margens do estuário. A baixa renda, desemprego e falta de políticas públicas que viabilizem a ocupação regular do solo pela faixa da população economicamente mais vulnerável, aumenta o número de ocupações em áreas impróprias (encostas, mangues e alagáveis). A ocupação dispersa do território (27 comunidades rurais e 26 insulares) dificulta a prestação de serviços públicos, onerando o poder público municipal (IPARDES, 2019). No município as populações rurais dedicam-se quase que exclusivamente à pesca, sendo que apenas uma pequena parcela continua plantando mandioca, banana e milho. A organização econômica dessas comunidades, fundada na pesca e/ou lavoura, é desenvolvida em moldes tradicionais, alternando-se conforme a época, sendo, tanto uma como outra atividade, exploradas a partir das especificidades do ambiente, e mediante tecnologia 375
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rústica ou artesanal. A população rural agrupa-se em comunidades situadas no continente e nas ilhas. Em relação ao PARNA do Superagui (Figura 1), localizado no município de Guaraqueçaba, encontra-se constituído como Área de Proteção Ambiental, declarado em 1991 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como Reserva da Biosfera e, em 1999, declarado como Patrimônio Natural, por ser considerado um dos ecossistemas costeiros mais notáveis do planeta, e por deter uma das maiores áreas de florestas coberturas do Estado do Paraná (ICMBIO, 2014). A população residente no Parque e seu entorno é formada por comunidades tradicionais, caiçaras que dependem da extração e da qualidade dos recursos naturais. Estas foram historicamente excluídas dos ciclos econômicos e também de seu território, devido à criação de diversas áreas protegidas que restringiram o acesso e determinaram novos modos de uso. Mas, de acordo com Coutinho et al. (2013), abordagens atuais sobre o tema indicam participação ativa das comunidades locais na defesa da terra, inclusão social, distribuição justa e equitativa dos benefícios gerados pela proteção à natureza, novas oportunidades de geração de trabalho e renda, e valorização da cultura local. Para Diegues (1996, p. 79), comunidades tradicionais estão relacionadas a determinados tipos de organização econômica e social em que produtores estão “envolvidos em atividades econômicas de pequena escala, como extrativismo, agricultura e artesanato e são conhecedores dos recursos e serviços naturais, seus ciclos biológicos e hábitos alimentares”.
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FIGURA 1 – MAPA TEMÁTICO DO MUNICÍPIO DE GUARAQUEÇABA, COM DESTAQUE (EM VERMELHO) PARA OS LOCAIS ONDE FORAM APLICADOS OS QUESTIONÁRIOS FONTE: Modificado de Secretaria de Estado de Turismo do Paraná (2016).
As comunidades tradicionais da região do PARNA do Superagui são detentoras de profundo conhecimento dos seus ecossistemas, o que lhes permitiu evoluir em práticas que melhor atendam às suas áreas específicas. No local a pesca é importante atividade econômica nas comunidades. A atividade agrícola é influenciada por cultura indígena e europeia e a prática mais comum é roça de coivara2 (CULTIMAR, 2008), porém, no local são poucas as práticas de cultivo, levando os moradores a dependerem da compra de produtos de outras regiões especialmente de Paranaguá. 2 Coivara representa uma técnica agrícola tradicional utilizada em comunidades ribeirinhas, quilombolas e indígenas. Inicia-se a plantação com a derrubada da mata nativa, seguida pela queima da vegetação. Esse método é utilizado principalmente em agricultura de subsistência, por pequenos proprietários de terra ou em áreas de plantio comunal.
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Populações caiçaras eram, primordialmente, constituídas por lavradores-pescadores. Em meados do século XX, com a introdução de técnicas e instrumentos de pesca e do barco a motor, voltaram-se cada vez mais à pesca, diminuindo e até mesmo extinguindo as lavouras, pois a atividade pesqueira elevou a renda local, propiciando acesso direto aos produtos antes procedentes do plantio (ADAMS, 2000). Diegues (2004) aponta que, a partir da década de 1960, contingente cada vez maior de caiçaras passa a abandonar seu território ancestral e migrar para áreas suburbanas, exercendo atividades distintas das tradicionais, como subempregos. O abandono de suas terras se deve, também, à expropriação realizada pela especulação imobiliária, urbanização e transformação do território ancestral em áreas de UCs (DIEGUES, 2004). O êxodo de muitas famílias residentes no entorno do PARNA do Superagui e região para outras comunidades e centros urbanos, como Paranaguá e Guaraqueçaba é frequente e decorrem de fatores como restrições nas atividades de subsistência (pesca, caça e formação de roçado), acesso à energia elétrica e melhor educação escolar.
A relação comunidades tradicionais, mudanças climáticas e o turismo no Parque Nacional do Superagui Embora o PARNA do Superagui seja área de preservação instituída legalmente, nota-se que para os moradores, tanto do entorno como do interior da Unidade, a floresta pode ser “preservada e explorada”, vez que muitas dessas populações extraíram, em alguns casos ainda extraem dela, matéria-prima para transformação, necessários ao seu sustento e, como citam os moradores “[...] sempre fizemos uso dela e não destruímos”, 378
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porque agora “querem impedir que a gente continue utilizando ela” (a natureza). Contudo, a gestora da unidade Vivekananda (2014) aponta que os costumes extrativistas locais foram se modificando. Alguns devido à criação da Unidade de Conservação, outros pelo contato com turistas e pelo acesso a novas tecnologias, como a introdução do barco a motor, fato pelo qual a maior parte dos jovens dedica-se exclusivamente à pesca, tendo pouca relação com a floresta. Essa nova tecnologia além de facilitar o deslocamento (o acesso ao PARNA do Superagui e às comunidades é feito com o uso de barcos), possibilita uma nova forma de renda que é o transporte dos turistas do continente para a ilha, pois no local a falta de trabalho e renda, que afeta principalmente os mais jovens, incentiva a migração para áreas mais desenvolvidas em busca de alternativas econômicas. Em relação à degradação ambiental, os moradores consideram a destruição da natureza um fator muito preocupante, tendo em vista a importância da biodiversidade local também como atrativo turístico. Esse fato, comentam, pode ter sua principal causa na falta de fiscalização e controle ambiental (leis ambientais) por parte das instituições competentes. Ainda, observa que há elementos complexos da relação comunidade local e gestores ambientais. No decorrer dos 25 anos de gestão do PARNA do Superagui, percebe-se que as comunidades confundem muito a legislação ambiental, pois mesmo se não fosse parque existiriam limitações para o uso da terra e dos recursos naturais por estar inserido no Bioma Mata Atlântica. Além do mais quando a pesca é fiscalizada, e que está fora dos limites do Parque, há aquela conexão com o órgão ambiental que administra a UC. Em relação a essa questão, ocorre também a existência de oportunistas que se aproveitam das lacunas e fragilidades para fazer com que as pessoas pensem que o PARNA do Superagui é o culpado por todas as suas mazelas, mas que 379
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não colaboram para que as comunidades possam se expressar e exercer sua cidadania (VIVEKANANDA, 2014). Considerando que a mudança climática vem se manifestando de diversas formas, e seu efeito tem sido percebido em regiões onde até então este fenômeno não se apresentava, questionou-se sobre o que é a mudança climática. Sobre o tema, a maioria dos entrevistados, alegam ter ouvido falar e o relacionam com as “estações do ano” e uma pequena parcela diz não saber. Contudo, apesar de não saber o que é a mudança climática, todos relatam sentir que o clima mudou. Temos invernos e verões mais quentes, mais chuvosos e as mudanças de temperatura acontecem rapidamente. No mesmo dia, temos uma variação de temperatura muito grande e significativa. A mudança climática altera as chuvas e as marés, provoca seca prolongada. Há “ano que chove mais, ano que chove menos” (moradora da região). O aquecimento global e as mudanças climáticas ainda são conceitos técnicos distante para muitos moradores da região do PARNA do Superagui. Entretanto, estas comunidades vêm sofrendo com as mudanças climáticas, sem, contudo, contribuírem significativamente para as emissões de gases de efeito estufa. A respeito das consequências das mudanças climáticas é senso comum de que estas afetam todas as populações, mesmo aquelas que não contribuem para o aquecimento global. Há um sentimento de que na região do Superagui todos preservam o meio ambiente, colaborando para o baixo carbono, contudo, “[...] aqui se sofre as consequências do que é feito fora” (morador de Guaraqueçaba). Analisando as colocações dos entrevistados sobre os impactos negativos das mudanças climáticas, estes identificam as mudanças por meio do aumento da temperatura e no excesso ou escassez de chuva. A elevação da temperatura (especialmente das águas oceânicas) é situação apontada pelos moradores como consequência direta das mudanças climáticas, cujos impactos negativos são sentidos especialmente na atividade pesqueira. 380
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Ao questionar acerca de como era a pesca no passado surgem imagens de uma rica biodiversidade e abundância da vida marinha. “Pescava-se muito: sardinha, camarão-branco, parati, pescadinha, robalo, bagre, betara, pescada-branca, tainha, tainhota, galheteira, membeca, robalo, pescada-amarela, pescadinha-membeca, sororoca, cavala, corvina, linguado, cação, paru, sari-sari, miraguaia.” “(...) era muito peixe e dava em toda época, no inverno e no verão, agora o linguado tem ano que dá e ano que não dá, [...] se faz frio ele vem” (pescadores da região do Parque). Os efeitos negativos dos fenômenos climáticos são sentidos também na agricultura, onde a época de plantio e colheita não depende mais das estações do ano, mas sim, das condições favoráveis do tempo. Em relação aos impactos socioeconômicos é sinalizada a escassez de trabalho e renda, com consequente migração, especialmente entre os jovens. Como um fenômeno que atinge indistintamente a todas as regiões globais, a mudança climática tem apresentado alguns riscos, em especial em comunidades mais vulneráveis. Buscando identificar cenários projetados no imaginário dos moradores das comunidades em relação ao clima, e se existem “riscos” ou “perigos” que possam afetar as comunidades, identificou-se de acordo com os moradores que o fator de risco diante das mudanças climáticas está associado a: diminuição da pesca; ocorrência de tempestades; falta de água e epidemias e os eventos extremos diretamente relacionados ao meio ambiente e que podem afetar a segurança e o patrimônio destas comunidades. Deve-se destacar que na avaliação dos riscos os moradores não consideram somente a probabilidade mensurável de ocorrência, mas a gravidade dos perigos e a extensão de suas consequências. Ou seja, avaliam o tamanho das perdas a partir dos danos e dos efeitos que estas ocasionam aos seus bens, vidas e ao meio ambiente. De acordo com Marcelino (2008, p. 31), a percepção das pessoas, que vivem em áreas vulneráveis, em rela381
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ção ao risco podem ser super ou subdimensionada em virtude da idade, sexo, ocupação, educação, renda, experiências passadas, entre outros fatores. São esses pressupostos presentes na história do indivíduo que condicionarão sua habilidade de entender e prever o risco em eventos futuros, e aceitar as diretrizes estabelecidas numa gestão de risco. De outro modo, é importante argumentar que existem incertezas e muita complexidade quando o tema é o risco e, portanto, o ideal é uma avaliação quantitativa, com o emprego de indicadores mensuráveis que se torne passível de repetição e comparação, com fontes seguras e fidedignas, que possa representar a realidade local. De toda maneira, as mudanças climáticas e o aquecimento global permeiam incertezas e o tema faz parte do senso comum. Portanto, é necessário criar conhecimento que servirá de base para tomada de decisão de modo a alcançar mudanças de atitudes e boas práticas, com o intuito de colaborar para adoção de políticas públicas que promovam bem-estar das comunidades. Antecipar as mudanças que podem acontecer no território é tarefa difícil, dada a complexidade das interações sociedade-natureza que podem ocorrer e as fragilidades das comunidades tradicionais pesqueiras diante os requerimentos da modernidade. Todavia é importante que estas comunidades tenham acesso à informação adequada para que possam adaptar-se às mudanças que possivelmente venham a implicar no seu modo de vida. Em relação ao turismo, as opiniões divergem. Um pequeno grupo considera a atividade conflitante ao ponto de constituir-se problema em algumas das comunidades. Entretanto, 92% dos entrevistados afirma que é necessário estimular o turismo na região, pois muitos moradores (comerciantes, artesãos, pescadores, donos de pousadas e restaurantes) dependem dos visitantes para movimentar a economia, ao consumir produtos e utilizar os serviços locais. Embora a região receba um contingente impor382
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tante de turistas, os moradores destacam que a precariedade da infraestrutura necessária para o desenvolvimento local e para bem receber o turista, é um fator que deve ser melhor tratado pelo poder público. Também apontam falta de qualificação profissional para trabalhar com o turismo.
Considerações e sugestões Mudanças do clima estão em curso e seus impactos são observados nos eventos de inundações, secas, altas temperaturas, elevação do nível do mar, por exemplo, e não constituem fatos novos nem eventualidades extremas decorrentes meramente de eventos naturais. Acredita-se, portanto que ter cautela é uma atitude recomendável e, independentemente da controvérsia se o aquecimento global é natural ou antropogênico existem diversas ações que podem ser efetivadas para diminuir a dependência dos combustíveis fósseis que são poluidores e escassos. Na análise das implicações das mudanças climáticas na região do PARNA do Superagui, sob olhar do morador local alguns aspectos configuram situações emergentes e que devem ser tratadas de maneira sistêmica. Uma delas é representada pela definição a priori do recorte espacial, pois a região da UC comporta diversidade de elementos naturais, compõe área de preservação instituída por lei, abriga diversidade de comunidades humanas com características distintas em seu interior e entorno o que dificulta a realização de novas atividades econômicas. Assim, vale reafirma o que foi evidenciado, de que, em cenário de mudança climática, há necessidade do desenvolvimento de estratégias de adaptação por meio da diversificação econômica dessas comunidades, promovendo a resiliência social e dos ecossistemas costeiros, por meio do desenvolvimento de uma atividade de baixo carbono, como pode ser o turismo comu383
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nitário. Entretanto, destaca-se de que para o desenvolvimento do turismo de baixa pegada de carbono, neste território, devem ser observados aspectos relacionados ao: a. Plano de Manejo: as atividades turísticas devem estar previstas no documento; b. Desejo das comunidades em trabalhar com o turismo e, quais atividades estão dispostas a desenvolver e; c. O turismo pode ser uma alternativa de diversificação econômica além da pesca para alguns moradores e algumas comunidades, um estudo deve avaliar onde, como e quem deseja participar. A respeito do Plano de Manejo do PARNA do Superagui, Vivekananda (2014) destaca que este é um documento arrojado se comparado com outros em nível nacional, onde estão previstos a estruturação e organização de centros de visitantes em pontos estratégicos da Unidade, projeto de sinalização turística e interpretação ambiental, construção de trapiches, organização comunitária, obtenção de equipamentos para o desenvolvimento de atividades ecoturísticas, organização de uma central de reservas e sistema de monitoramento. De acordo com o ICMBio (2014), no Plano de Manejo também estarão contempladas atividades de lazer de praia (caminhadas, banhos de sol e mar etc.), trilhas interpretativas, históricas e de contemplação da biodiversidade local, mirantes, fotografia, aproveitamento de cursos d’água e cachoeiras para banho, passeios de barco com possibilidade de observação de animais, visitação a locais históricos, igrejas, ruínas, sambaquis, casa da cultura do fandango, farinheira, cicloturismo e canoagem. Embora o Plano de Manejo da Unidade seja considerado um documento inovador e voltado às necessidades do território e suas comunidades, estas precisam desenvolver estratégias que 384
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garanta sua adaptação e resiliência. Sob este prisma, pode-se pensar que a criação de organizações comunitárias seja fator capaz de fortalecer e empoderar a comunidade local para que cooperativamente possam diversificar e gerir atividades econômicas, como sugerido o turismo comunitário, tornando-se protagonista do desenvolvimento do seu território, pois como bem sugere Faraco (2012, p. 200), “o maior nível de participação em organizações comunitárias observado entre as populações com menor capacidade adaptativa indica um potencial para a expansão dos espaços de participação”. Apesar das dificuldades, a definição de um espaço de discussão com as comunidades pode garantir oportunidade para que os moradores exponham suas necessidades e consigam recursos para manter-se economicamente, desenvolvendo atividades tradicionais de forma sustentável. O turismo, nesse contexto, pode ser uma estratégia viável e, sendo previsto no Plano de Manejo do PARNA do Superagui, abre espaço para sua inserção e desenvolvimento junto às comunidades, e pode contribuir para o fortalecimento da capacidade de decisão sobre se a população local deseja ou não trabalhar com a atividade. Portanto, o turismo pode ser uma alternativa econômica que venha a complementar ou substituir as atividades produtivas tradicionais (vai depender da vontade e das condições de cada família), e ainda constituir-se em uma estratégia adaptativa frente às mudanças climáticas e ambientais e aos riscos associados às atuais fontes de renda das comunidades. Entretanto, a ressalva vai para o fato de a região ser parte integrante de uma UC, o que pode restringir as opções daqueles que já têm maior dificuldade de se adaptar às mudanças no seu modo de vida. Da mesma forma a presença da UC, em alguns casos pode aprofundar conflitos caso os moradores não estejam cientes do que se pode ou não fazer na área.
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Situações como falta de capital para investir, sazonalidade da atividade e falta de apoio técnico financeiro, devem ser amenizadas para que todos possam ter as mesmas oportunidades. É importante levar em conta as desigualdades existentes dentro e entre as comunidades, pois em geral, são poucos os que conseguem acumular capital para investir. Isso é bastante variável entre comunidades, e mesmo dentro de uma comunidade. Qualquer projeto de apoio técnico ou financeiro deve levar isso em conta e ter o cuidado de não contribuir para aumentar ainda mais essas desigualdades. Ressalta-se novamente que o turismo comunitário é um dos temas com demanda crescente nas UCs e no entorno destas. Entretanto, ainda não foram estabelecidos rotinas e procedimentos sistematizados, a nível Institucional, para o estabelecimento da atividade, o que em muito dificulta a orientação técnica às comunidades e outros atores interessados, devendo o incentivo, acompanhamento e avaliação dos projetos de implantação da atividade ser constituída e orientada sob uma perspectiva interdisciplinar onde o conhecimento, oriundo de diferentes disciplinas, possa colaborar na solução dos problemas socioambientais deste território.
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INDICAÇÕES GEOGRÁFICAS DO LITORAL DO PARANÁ: UMA DISCUSSÃO SOBRE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL E ECOGASTRONOMIA Eva Blaszczyk Gaweleta Roberta Giraldi Romano Solange Menezes da Silva Demeterco Patrícia Bilotta
Introdução As regiões litorâneas são ambientes de grande sociobiodiversidade, manifestada nas riquezas culturais próprias do litoral brasileiro. Por outro lado, são consideradas áreas de vulnerabilidade socioambiental, ou seja, a sobreposição da vulnerabilidade social com os riscos ambientais (AZEVEDO, 2016; ESTEVES, 2011). Por estas características, somadas à emergência das mudanças climáticas, pensar o futuro destas regiões é um desafio. A Organização das Nações Unidas (ONU) contempla as regiões litorâneas em seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especificamente no ODS 14 “Conservação e uso sustentável dos oceanos, dos mares e dos recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável”. As metas propostas evidenciam a importância de desenvolver as zonas costeiras de forma sustentável, incluindo as populações humanas e, sobretudo, povos e comunidades tradicionais (UN, 2015). Cada lugar e território são únicos e diagnósticos locais devem ser prioritários e preferencialmente participativos, a fim de que sejam construídas ações com probabilidade de efetiva implementação. Nesta perspectiva, o Desenvolvimento Territorial 389
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Sustentável (DTS) se apresenta como uma alternativa, pois ocorre de forma endógena, revela as características da região, de seus moradores, sua cultura e meio ambiente, une o território, suas vantagens e benefícios em torno de seus agentes. O DTS considera “atores locais como parte integrante dos processos de desenvolvimento, processos estes que não podem ser replicados ou transferidos de território para outro, embora se reconheçam aprendizagens” (SILVA et al., 2014; PELLIN et al., 2016, p. 265). O território está presente nas distintas manifestações culturais, com destaque para a cultura alimentar: “comer é incorporar um território”, como afirma Poulain (2017, p. 201), e como preconiza a ecogastronomia. Idealizada pelo movimento Slow Food, a ecogastronomia congrega alimentação, território e sustentabilidade, valorizando instrumentos como a Indicação Geográfica, que tem potencial para gerar ganhos além dos econômicos e impactar positivamente o território em que se encontram, ou seja, promover o DTS. No Brasil, o órgão responsável pelas Indicações Geográficas (IG) é o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). A IG relaciona um produto ou serviço à sua origem, podendo ser uma Indicação de Procedência (IP) ou Denominação de Origem (DO). Por IP, entende-se o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que se tornou conhecido como centro de extração, produção ou fabricação de determinado produto ou de prestação de determinado serviço. E, por DO, o nome geográfico de país, cidade, região ou localidade de seu território, que designe produto ou serviço cujas qualidades ou características se devam exclusiva ou essencialmente ao meio geográfico, incluídos fatores naturais e humanos (INPI, 2019, não p.).
O Brasil possui em seu território uma diversidade gastronômica incomparável, com práticas alimentares enraizadas em 390
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todos os estados (GIMENES, 2011). O litoral do Paraná, composto pelos municípios de Antonina, Guaraqueçaba, Guaratuba, Matinhos, Morretes, Paranaguá e Pontal do Paraná, é conhecido pelo serviço gastronômico do barreado, pela farinha de mandioca, bala de banana, cachaça e aguardente de cana. Neste contexto, o objetivo deste capítulo é discutir o tema das Indicações Geográficas como instrumentos de Desenvolvimento Territorial Sustentável por meio da ecogastronomia, a partir da análise da experiência do Litoral do Paraná, seus serviços e produtos indicados.
Desenvolvimento Territorial Sustentável e a ecogastronomia O território pode ser compreendido como uma “trama de relações com raízes históricas, configurações políticas e identidades”. Resulta da interação social, da capacidade dos indivíduos e organizações em promover “ligações dinâmicas, capazes de valorizar seus conhecimentos, suas tradições e a confiança que foram capazes, historicamente, de construir”. O território não é definido por limites geográficos ou administrativos, é baseado em aspectos econômicos, sociais, culturais, ambientais. É um campo de forças entre seus atores, não é passível de reprodução, ou seja, é único, assim como devem ser suas estratégias de desenvolvimento (ABRAMOVAY, 2000, p. 385; CARRIÈRE, CAZELLA, 2006). Sachs (2004) destaca que desenvolvimento não se limita a crescimento econômico e o desenvolvimento sustentável deve contemplar cinco dimensões que se interconectam: social, econômica, ambiental, territorial e política. O DTS pode ser entendido como “uma modalidade de política ambiental (...) simultaneamente preventiva e proativa, focalizando a relação sociedade-natureza de uma perspectiva 391
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sistêmica” (VIEIRA, 2006, p. 296). Para isso, se faz necessário um novo modelo de gestão, preocupado em fortalecer a resiliência socioecológica, centrado na combinação de diferentes tipos de conhecimento, utilização de enfoques participativos para criar novas opções de regulação, monitoramento do processo em diferentes escalas, desenvolvimento de enfoques flexíveis e que intervenha com base em feedbacks regulares de dinâmica ecossistêmica (VIEIRA, 2007). Somente soluções que gerem impactos positivos para além dos econômicos merecem a denominação “desenvolvimento”. Ou seja, ainda que um território obtenha crescimento econômico, não há garantias de que haja desenvolvimento (SACHS, 2004). O modelo de desenvolvimento atual possui um alto custo ecológico, é homogeneizante e não aponta soluções para os complexos problemas da sociedade, como as desigualdades e as mudanças climáticas. Por isso, entende-se que se trata de um paradigma decadente. A promoção de um outro desenvolvimento, denominado “Desenvolvimento Territorial Sustentável”, passa por estratégias que envolvem a participação de grupos e comunidades locais na criação de meios de vida sustentáveis, considerando a diversidade cultural, de forma a evitar soluções homogeneizadoras (FURTADO, 2002; SACHS, 2007). No âmbito da alimentação – enquanto necessidade inerente à natureza humana e exemplo didático para a compreensão das transformações da sociedade – observa-se um processo de distanciamento humano em relação aos alimentos, decorrente da intensificação da industrialização, que também dificulta a percepção de origem (espacial e temporal) e dos ingredientes que compõem um alimento (PROENÇA, 2010). Movimentos como Slow Food, organização internacional presente em mais de 132 países, se mostram preocupados com este cenário, com o consumismo e a homogeneização dos hábitos alimentares, atuando na busca da segurança alimentar, resgate e manutenção da cultura alimentar local e sustentabilidade. 392
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
A produção de alimentos está inserida em uma cadeia que frequentemente se inicia no campo, passa por ciclos desde o plantio à colheita, na qual a natureza tem papel crucial. Nas etapas produtivas as inter-relações com a sustentabilidade parecem claras, mas cada vez mais estão envoltas em questões tecnológicas, financeiras e sociais (RIBEIRO et al., 2017). O movimento Slow Food incentiva a alimentação diversificada, respeitando o ritmo das estações e a sazonalidade dos produtos e reconhecendo a variedade de lugares e de pessoas envolvidas na produção do alimento. Busca aliar o prazer à responsabilidade e à consciência social, pois considera que a gastronomia está intrinsecamente relacionada à agricultura, ao meio ambiente e à política (PETRINI, 2003). A ecogastronomia tem origem neste movimento, congrega a ética e o prazer da alimentação, observa o ciclo produtivo do alimento e incentiva o cultivo e consumo de alimentos saudáveis: “o comer é, assim, uma ação concreta de incorporação tanto de alimentos como de seus significados, permeada por trocas simbólicas, envolvendo uma infinidade de elementos e de associações capazes de expressar e consolidar a posição de um agente social em suas relações cotidianas” (CARVALHO; LUZ, 2011, p. 147). Mais que filosofia deste movimento, há uma ampliação do conceito de ecogastronomia, abarcando distintas práticas relacionadas ou não ao Slow Food, como as iniciativas contemporâneas que emergem da necessidade de repensar e transformar o consumo alimentar, podendo se manifestar em uma ou mais etapas da cadeia produtiva do alimento. Este conceito evidencia que, por meio do estudo da gastronomia, é possível conhecer não apenas a arte de cozinhar e o prazer de comer, mas também a sua relação com os recursos alimentares disponíveis, ou seja, sua cadeia produtiva; o estudo da alimentação é um elemento para o entendimento da sociedade e de seu desenvolvimento (ABREU et al., 2001). 393
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
A ecogastronomia traz uma nova perspectiva para a gastronomia, enfatizando a sustentabilidade e a localidade. É um processo associado à agricultura, produção, venda e consumo de alimentos, abrangendo elementos sociais, ambientais, culturais e políticos. O sistema ecogastronômico local é capaz de proporcionar sustentabilidade ambiental, justiça social, comércio justo e viabilizar a relação direta entre produtores e consumidores (BUCAK, DEMIR, 2014). A territorialidade é parte intrínseca da ecogastronomia, podendo ser utilizada como um sinal distintivo de mercado (selos e marcas territoriais, indicações geográficas, selos de certificação etc.), instrumentos de valorização de determinados atributos, fortemente associados à identidade territorial. Estudos como os de Velloso (2008), Dullius (2009), Dallabrida (2012), Ramos (2015) e Pellin e Curadi (2018) sobre Indicação Geográfica como instrumento de promoção do DTS indicam que há potencialidades a serem analisadas em maior profundidade.
Indicações geográficas A discussão sobre selos e certificações de origem e Indicação Geográfica assume uma importância cada vez maior, inclusive em termos mercadológicos. Isso porque os mercados consumidores, em especial o mercado europeu, já operam considerando as variáveis qualitativas dos produtos vegetais ou animais voltados à alimentação. Essa valorização se dá pela diferenciação entre ativos genéricos e ativos específicos, como explica Dallabrida (2012): Os ativos e recursos genéricos são totalmente transferíveis e seu valor é um valor de troca, estipulado no mercado via o sistema de preços. Estes ativos e recursos não permitem que um território se diferencie de forma consistente, de outros, uma vez que eles são transferíveis, ou seja, são transacionados no 394
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
mercado. Já os ativos específicos, por sua vez, possibilitam um uso particular e seu valor constitui-se em função das condições de seu uso. Além disso, eles apresentam um custo de transferência que pode ser alto e irrecuperável. Assim, os recursos específicos merecem maior atenção. Eles possibilitam a construção de uma argumentação que destaca a importância dos produtos com identidade territorial, para o desenvolvimento. (DALLABRIDA, 2012, p. 45).
O registro de IG é uma forma de identificar a origem de produtos ou serviços produzidos em uma determinada área geográfica e é apresentado no mercado por meio de um selo de identidade. Esse selo garante aos produtores e prestadores de serviço a diferenciação do produto ou serviço no mercado. Aos consumidores, indica que a região se especializou e oferece algo diferenciado em relação ao que é produzido em outras regiões. A IG diferencia bens e serviços e indica a sua origem. Dessa maneira, os consumidores sabem quem são seus fornecedores, assegurando a procedência dos produtos em termos comerciais (YAMAGUCHI et al., 2013). Na contramão das relações econômicas globalizadas e seus processos homogeneizantes, a IG preserva as características locais nos processos e produtos, ou seja, a especificidade. Além disso, há uma relação entre IG e o desenvolvimento de outras atividades em um território, como gastronomia e turismo, o que contribui para o reconhecimento e atratividade local (TONIETTO, 2003; VITROLLES, 2007). Na Europa, a adoção de IG é responsável pelo desenvolvimento de diversos territórios e há uma tradição em investir nos produtos e serviços com características naturais e histórico-culturais, no conteúdo simbólico da relação produtor-consumidor, pois “... associam, no imaginário do consumidor, as relações de produção com a cultura e tradição, tipicidade e qualidade, bem como com propriedades singulares advindas do próprio ecossistema” (DULLIUS, 2009, p. 29). 395
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Em países considerados “em desenvolvimento” esse processo é recente. No Brasil, os primeiros movimentos ocorreram com o espumante da Serra Gaúcha e o café do Cerrado Mineiro. A IG é o principal modelo de identificação e registro de atributos específicos dos territórios brasileiros atualmente, seu objetivo é reafirmar identidade e especificidade. A partir da obtenção do selo, os produtores obtêm maior visibilidade e competitividade no mercado, desenvolvendo a economia da propriedade. Com a valorização do território há crescimento de vínculos pessoais e formação de uma identidade e orgulho da cultura local (DULLIUS, 2009; DALLABRIDA, 2012). A Lei 9.279, de 14 de maio de 1996, regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, incluindo a IG (BRASIL, 1996). Apesar da IG ser regulamentada pelo INPI, diversas organizações estão envolvidas no apoio e capacitação de produtores, como o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, universidades e o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE). Para o SEBRAE (2019b), os benefícios advindos de um registro de IG de um produto ou serviço são: afirmação da autenticidade de um produto; reconhecimento internacional; facilidade da presença dos produtos no mercado; acesso ao mercado por meio de uma ação coletiva; facilidade na identificação do produto pelo consumidor; melhora na qualidade dos produtos. Além disso, por meio da participação em uma IG, toda a cadeia produtiva – produtores, agroindústrias e prestadores de serviços – devem seguir padrões de boas práticas, o que gera maior qualidade e cuidado com o meio ambiente. Para que uma solicitação seja encaminhada ao INPI, é necessário que o município (ou a região) siga determinadas etapas: (1) organizar os produtores em uma entidade representativa (associação ou cooperativa); (2) elaborar o resgate histórico e cultural da região para comprovar a notoriedade do território 396
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
vinculado ao produto; (3) definir a área de abrangência e elaborar um mapa cartográfico com memorial descritivo; (4) definir os critérios e padrões de identidade do produto; (5) elaborar a representação gráfica da IG (selo); (6) adequar o estatuto do empreendimento; (7) criar um conselho regulador; (8) elaborar um regulamento técnico (mecanismo de controle); (9) enviar a solicitação de reconhecimento da IG ao INPI (SEBRAE, 2019b). No Paraná, o SEBRAE presta consultoria e auxilia associações no processo de obtenção do registro, a partir do Programa de Desenvolvimento de Indicações Geográficas e Marcas Coletivas, que conta com cerca de 50 produtos e instituições atualmente (SEBRAE, 2019b).
Os produtos do litoral do Paraná O alimento tradicional, artesanal, é sempre carregado de muito simbolismo e está inexoravelmente ligado a determinada cultura. De acordo com Rossi (2014, p. 29), “comer não envolve apenas a natureza e a cultura. Situa-se entre a natureza e a cultura. Participa de ambas. Tem muito a ver com a primeira e também com a segunda”. Resgatar rituais, práticas, produtos, técnicas e processos ligados a alimentos específicos de uma região é resgatar a história de indivíduos, grupos, regiões e países. E, ao dar-lhes visibilidade, valoriza-se a história social e econômica de sua cultura. Alimentos tradicionais “contêm em sua evolução a história das localidades a que são referenciáveis, além de conter procedimentos e práticas específicas utilizadas em seus processos produtivos” (ZUIN; ZUIN, 2009, p. 71). Nesse contexto, tem-se no litoral paranaense um conjunto de produtos e serviços já consolidados como representativos da cultura local com grau de maturidade que os torna marcadores da identidade regional e local. Dessa maneira, é importante caracterizá-los, pois são reconhecidos como elementos que exem397
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
plificam o papel da cultura e, ao longo do tempo, vão sendo construídos e reconstruídos social e economicamente. No estado do Paraná já foram outorgados sete registros: seis para Indicação de Procedência (IP) – quando o nome do local se torna conhecido por produzir, extrair ou fabricar algum produto ou prestar algum serviço – e um para Denominação de Origem (DO) – quando determinada característica ou qualidade do produto ou serviço é atribuída exclusivamente à sua origem geográfica, incluindo fatores naturais e humanos (INPI, 2019). Além disso, um registro está em processo de reconhecimento, um foi indeferido e três foram arquivados, todos do Litoral do Paraná (INPI, 2019). O Quadro 1 apresenta quais são as IGs com seus respectivos produtos ou serviços e sua situação em relação à concessão do registro junto ao INPI. Uma das possíveis justificativas para a não concessão de algumas IGs diz respeito ao fato da proponente (Agência de Desenvolvimento do Turismo Sustentável do Litoral do Paraná – ADETUR) ser uma entidade que visa desenvolver produtos e serviços com fins turísticos. Assim, não sendo uma associação que tenha o intuito de proteger os produtos locais, não atende aos critérios estabelecidos nas normativas do INPI.
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
QUADRO 1 - REGISTROS DE INDICAÇÃO GEOGRÁFICA NO PARANÁ Nome geográfico/ Gênero da IG
Produto/serviço
Situação (Setembro/2019)
Antonina (IP)
Bala de Banana
Indeferido
Capanema (IP)
Melado batido, melado escorrido e açúcar mascavo
Em andamento
Carlópolis (IP)
Goiaba
Registro concedido
Colônia Witmarsun (IP)
Queijo
Registro concedido
Litoral do Paraná (IP)
Serviço Gastronômico do Barreado
Arquivado
Litoral do Paraná (IP)
Farinha de Mandioca
Arquivado
Marialva (IP)
Uvas finas de mesa
Registro concedido
Morretes (IP)
Cachaça e aguardente
Arquivado
Norte Pioneiro do Paraná (IP)
Cafés especiais
Registro concedido
Oeste do Paraná (IP)
Mel
Registro concedido
Ortigueira (DO)
Mel
Registro concedido
São Matheus (IP)
Erva Mate
Registro concedido
FONTE: INPI (2019).
Nesse caso, com o pedido negado, os produtores das IGs devem se organizar em uma entidade representativa e seguir todas as normas estabelecidas pelo INPI para protocolar novamente as solicitações. Como todos os levantamentos já foram realizados, os selos de identidade já estão disponíveis para consulta. A Figura 1 apresenta os selos de IP dos produtos/serviços do Litoral do Paraná.
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
FIGURA 1 - SELOS DE INDICAÇÃO DE PROCEDÊNCIA DOS PRODUTOS/ SERVIÇOS DO LITORAL DO PARANÁ FONTE: SEBRAE (2019b).
Os selos indicados na Figura 1 são: IP “Litoral do Paraná” – serviço gastronômico do barreado; IP “Antonina” – bala de banana; IP “Morretes” –cachaça e aguardente de cana; IP “Litoral do Paraná” – farinha de mandioca (SEBRAE, 2019a).
Indicação de Procedência “Litoral do Paraná” – Serviço Gastronômico do Barreado O barreado é um prato típico do litoral do Paraná que está intimamente ligado às práticas culturais da região. Tradicionalmente, ele é feito a base de carne bovina (classificada como dura ou carne de segunda), toucinho cru ou bacon e condimentos (coentro, cominho, sal, louro, cebola e alho), que passam por um longo período de cozimento em panela de barro, cuja tampa é vedada com goma de farinha de mandioca. Depois de cozido, o prato é finalizado no momento da degustação, quando o barreado, ainda quente, é misturado com a farinha de mandioca. Essa mistura se transforma no pirão, que é o ponto primordial da finalização do prato. À mesa, os acompanhamentos obrigatórios são farinha de mandioca seca e a banana in natura madura. Outros acompanhamentos opcionais do barreado são a pimenta e a cachaça, que podem estar disponíveis tanto na mesa do cliente quanto em um espaço geral do estabelecimento (SEBRAE, 2019a). 400
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Indicação de Procedência “Antonina” – Bala de Banana Antonina já é reconhecida no território nacional como a “terra das balas de banana” e o pedido de Indicação de Procedência foi realizado para fortalecer a tradição do território e garantir padrões de qualidade e segurança junto aos clientes (SEBRAE, 2019a). Na área rural do litoral paranaense são produzidos majoritariamente banana (137 toneladas/ano), mandioca (16 toneladas/ano) e arroz (10 toneladas/ano) (IPARDES, 2013). A bala de banana é um produto obtido por meio da transformação da banana madura, que compreende basicamente o cozimento da fruta sem a casca e a adição de açúcar e glicose (opcional). Quando a massa atinge o ponto de cozimento ela é retirada, esticada (em bancadas ou mesas) e cortada em placas menores para que passem por um período de repouso de cerca de 24 h. Após o período de repouso a massa é esticada até atingir a espessura adequada da bala (cerca de 2cm), cortada, passada no açúcar e embalada. A matéria-prima utilizada na produção da bala é a Musa sp, conhecida popularmente como banana nanica ou nanicão (SEBRAE, 2019a). A bala de banana pode ser fabricada por agroindústrias localizadas nos municípios de Guaraqueçaba, Antonina, Morretes e Paranaguá, que estejam devidamente associadas a instituição responsável e que tenham obrigatoriamente boas práticas de fabricação comprovadas. Atualmente são duas agroindústrias aptas a produzir com o selo de indicação de procedência – Antonina e Bananinha – que já contam com o fornecimento de cerca de 60 pequenos produtores locais. Assim como as demais IPs, há um Conselho Regulador que orienta, avalia, fiscaliza e registra tanto os produtores de banana quanto as agroindústrias, com vistas a garantir qualidade e segurança em todo o processo de produção (SEBRAE, 2019a). 401
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Indicação de Procedência “Morretes” – Cachaça e Aguardente de Cana A aguardente de cana é uma bebida alcoólica derivada da destilação do mosto fermentado (caldo de cana diluído) ou do destilado alcoólico simples de cana-de-açúcar. Já a cachaça é obtida exclusivamente por meio da destilação do mosto fermentado. A graduação alcoólica na aguardente de cana varia de 38 a 54% em volume e da cachaça de 38 a 48%. Vale salientar que no momento do envase é extremamente importante ter o controle rígido da temperatura ambiente, que deve ser de 20ºC, para manter a graduação alcoólica nos níveis adequados para ambas as bebidas. Também é possível adicionar até 6 g de açúcares (expressos em sacarose) por 1 L de bebida (SEBRAE, 2019a). A produção da cana-de-açúcar e a elaboração da cachaça e da aguardente de cana com a Indicação de Procedência Morretes agrega práticas, saberes e sabores próprios e pode ser realizada por produtores que estejam localizados no município (e que estejam associados a uma instituição responsável). Os produtores podem usar qualquer espécie da planta e estar de acordo com as técnicas de plantio, com vistas a adotar boas práticas que minimizem impactos ambientais de fabricação. Já as empresas responsáveis pela elaboração dos produtos finais devem atender os padrões técnicos exigidos pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA (SEBRAE, 2019a). O Conselho Regulador desse produto é responsável por fiscalizar as unidades produtoras e todo o processo produtivo, desde o corte da cana até o engarrafamento do produto final. A ele também cabe analisar os resultados laboratoriais do produto final para identificar o cumprimento dos padrões de qualidade e emitir um parecer sobre a autorização de participação no selo.
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Indicação de Procedência “Litoral do Paraná” - Farinha de Mandioca A Farinha de mandioca é um produto obtido por meio da transformação de raízes in naturae crua da mandioca. Após a colheita, as raízes são descascadas, lavadas, higienizadas e raladas. Em seguida, a massa resultante desse processo é prensada para retirar a umidade (composta por água e goma). Na sequência, ela é esfarelada e vai para o forno para que ocorra a secagem. Por fim, a farinha é torrada em um tacho e embalada assim que atingir a temperatura ambiente. A espécie utilizada é a Manihotes culenta Crantz, pretinha e paulista (SEBRAE, 2019a). A produção da farinha de mandioca com a Indicação de Procedência pode ser realizada por agroindústrias que estejam localizadas nos municípios de Guaraqueçaba, Antonina, Matinhos, Pontal do Paraná, Morretes, Paranaguá e Guaratuba. A adesão é espontânea. Os produtores devem usar a mandioca cultivada por, no mínimo, um ano e meio a partir da data de plantio e produzida em uma das sete cidades do litoral. Não é permitida a incorporação de outros produtos na farinha para conservação ou para obter mais rendimento. Já as agroindústrias deverão, obrigatoriamente, seguir boas práticas de fabricação com vistas a manter qualidade e garantir a segurança do produto (SEBRAE, 2019a). Também no caso da mandioca, o Conselho Regulador fiscaliza as unidades produtoras e todo o processo produtivo, com vistas a garantir que todas as normas sejam seguidas (SEBRAE, 2019a).
A produção local, a gastronomia e a ética da alimentação Com a emergência da questão ambiental e o desafio global de atender os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, 403
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
observa-se a popularização das premissas da ecogastronomia, presente em diversas etapas da cadeia produtiva do alimento. Com isso, técnicas e processos agrícolas são revistos com o objetivo, dentre outros, de tornar a produção mais sustentável sob o ponto de vista social, ambiental e econômico. O consumidor está mais crítico e demanda por transparência em relação à origem dos produtos e serviços para fazer suas escolhas. No final da cadeia produtiva, observa-se uma crescente preocupação com o comércio justo. Assim, produtores de alimentos, comerciantes, representantes das comunidades locais, pesquisadores, cozinheiros e profissionais ligados a empreendimentos gastronômicos e do setor turístico se unem para produzir e consumir produtos e serviços bons, limpos e justos (PETRINI, 2009; RIBEIRO et al., 2017). Isso porque o sistema alimentar mundial, caracterizado pela industrialização e pela globalização, foi se mostrando insustentável ao longo do século XX (GARCIA e VELLOSO, 1992; KEARNEY, 2010) e, por conta do novo cenário decorrente das tendências gastronômicas da contemporaneidade, observa-se que: O desenvolvimento sustentável apresenta-se como uma questão imperativa para criar condições de sobrevivência para a espécie humana. Embora o objetivo focado na preservação do ser humano, em condições satisfatórias de vida, a interconexão dos sistemas viventes exige uma regulação do sistema humano, na sua relação com o meio ambiente. As evidências deixam claro que, para viabilizar a permanência da espécie humana no planeta, garantindo qualidade de vida, é inviável manter a exploração acelerada e continuada dos recursos naturais e seu consequente esgotamento (PAULISTA et al. 2008, p. 1).
A concessão das IGs está diretamente relacionada à ética da alimentação, que tem como premissa um “pensar” sobre as escolhas alimentares, ocorrendo fundamentalmente a partir do 404
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
acesso a informações sobre a origem, a procedência e a composição dos alimentos. Esse processo possibilita tomadas de decisão mais conscientes no que diz respeito, sobretudo, à alimentação e seus impactos na sociedade, nos indivíduos e no meio ambiente. É consenso que comer, além de ser um ato revolucionário, é também um ato ecológico e político, pois “o que e como comemos determinam, em grande parte, o que fazemos com nosso mundo – e o que vai acontecer com ele” (POLLAN, 2007, p. 19). A humanidade transforma natureza em cultura, o alimento em comida e uma necessidade básica em prazer, sociabilidade, convivialidade, identidade e compartilhamento de tradições: “comer nos põe em contato com tudo aquilo que compartilhamos com outros animais, e com tudo o que nos mantém à parte” (POLLAN, 2007, p. 18). É importante que cada indivíduo, como puder, assuma novamente o protagonismo sobre o comer e sobre suas escolhas em relação aos produtos e serviços disponíveis no mercado, assumindo que suas posições refletem seu comprometimento com o futuro das novas gerações e do planeta. A permanência das atuais formas intensivas de produção alimentar, que buscam a maior produtividade por meio do emprego maciço de técnicas e produtos agroquímicos, revela que muito ainda há para ser feito no sentido do equilíbrio entre o que se consome e o resultado disso para o meio ambiente: “não costumamos pensar que o que comemos é uma questão de ética”, mas “cada vez mais pessoas estão considerando suas opções alimentares como uma forma de ação política” (SINGER, MASON, 2007, p. 1, 4) Quanto ao papel da gastronomia e sua relação com produtos e serviços associados à alimentação, o que se observa na atualidade é que discussões sobre como e o que se deve comer ainda demandam maior conhecimento sobre princípios éticos e morais, que podem colaborar para que as escolhas individuais e coletivas, sobretudo as alimentares, se tornem mais conscientes, 405
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
sendo: transparência (como o alimento é produzido), justiça (custos da produção de alimentos devem ser integralmente cobrados, inclusive aqueles relacionados ao meio ambiente e às populações envolvidas), humanidade (atenção para o sofrimento imposto aos animais), responsabilidade social (direitos dos trabalhadores e valorização dos produtores) e, necessidades (escolhas alimentares baseadas na preservação da vida e da saúde e não só no prazer imediato) (SINGER, MASON, 2007). Por conta dessas premissas, sugere-se que os consumidores busquem alimentos de produção local, de comércio e preço justos, que respeitam os ritmos da sazonalidade, orgânicos, mais sustentáveis em termos energéticos. Para Santamaria (2009), a ética da alimentação é um tema fundamental na gastronomia e há que se retomar o foco no ofício do cozinheiro, em sua responsabilidade com ingredientes e saberes locais e tradicionais, sem que isso implique em desvalorizar as inovações e tecnologia. A gastronomia adquiriu grande visibilidade na contemporaneidade, o que transformou chefs e cozinheiros em celebridades com grande poder de influenciar pessoas em suas escolhas alimentares e, por isso, há uma preocupação com o posicionamento desses profissionais frente às tradições e à ética. Santamaria (2009, p. 69-70) apresenta os aspectos que podem compor a “ética do paladar”: cultural (a história culinária e sua influência na identidade de indivíduos e povos); natural (respeito à sazonalidade e a rejeição à utilização de substâncias estranhas ao produto em si, valorizando o sabor do alimento); evolutiva (usar a tecnologia para valorizar a arte de cozinhar, respeitando também a experiência de cada profissional); social (preocupação com a qualidade de vida dos indivíduos, com a justiça social, a valorização do profissional e os resultados culinários); artística (valorização da criatividade e do potencial artístico da cozinha); universal (a universalidade em paralelo com a valorização do local, da cozinha autêntica). Há uma postura de retorno 406
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
às origens, de preocupação e cuidado com os ingredientes, que devem ser cada vez mais naturais, produzidos, comercializados, preparados e consumidos de forma ética e consciente. De modo geral, a gastronomia vem respondendo de maneira efetiva a esse movimento por meio da atuação de cozinheiros que viram na homogeneização e desterritorialização das cozinhas, decorrentes do fenômeno da globalização, uma ameaça à sua área. Houve a percepção, ao menos há quatro décadas, que o abandono de alimentos, técnicas, saberes e serviços tradicionais trariam inúmeras consequências, em especial para as populações tradicionais, para as quais a manutenção da sua cultura é fator de sobrevivência. São os detentores de tradições e saberes que podem se perder na lógica do sistema das grandes corporações e do agronegócio. Quando propriedades familiares desaparecem, toda uma cultura desaparece junto com ela. Dessa forma, essas comunidades têm nas mãos o destino da sua própria cultura: “quando as pessoas se veem como depositárias de uma herança que receberam dos pais e passarão para seus filhos, elas têm mais chances de cuidar da terra e cultivá-la de forma sustentável” (SINGER; MASON, 2007, p. 156). O que se observa no litoral do Paraná, especialmente nos municípios aqui tratados, representados pelo barreado, farinha de mandioca, bala de banana, cachaça/aguardente de cana e outros produtos, é que os valores e princípios que norteiam a ética da alimentação são contemplados e justificam sua potencialidade na obtenção da certificação de Indicação Geográfica. Consequentemente, eles tornam-se ferramentas para a promoção do Desenvolvimento Territorial Sustentável da região e potencializam a ampliação das possibilidades para que futuramente outros produtores e prestadores de serviços também façam parte desse movimento, que hoje é global. Isso porque à medida em que as premissas básicas do consumo consciente estão presentes, 407
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
abrem-se oportunidades para uma mudança de visão de mentalidade em relação ao processo produtivo. No Brasil, ao lado de movimentos individuais de vários cozinheiros e chefs, desde a primeira edição do evento que se tornou referência para a gastronomia nacional, o Congresso Mesa Tendências, que ocorreu em 2010, em São Paulo, observa-se que a questão da cadeia produtiva e da cadeia de valor da alimentação se firmou como tema de estudo, discussão entre pares, com grande visibilidade e repercussão na mídia. Periodicamente esse e outros eventos se tornaram espaços de compartilhamento e troca de experiências entre profissionais e interessados pela cozinhe e pela construção da identidade da cozinha nacional. O que se pode notar é que assuntos relacionados à origem, procedência e qualidade dos produtos e serviços, ao lado da questão da produção e da comercialização, ganharam espaço e se firmaram como temáticas relevantes para o avanço da gastronomia e da construção de conhecimento para se consolidar os princípios da ética da alimentação e da sustentabilidade. Desse primeiro encontro veio à luz um documento, o manifesto em defesa da gastronomia sustentável, intitulado “A Carta de São Paulo: gastronomia e sustentabilidade”, no qual foram definidos os seguintes princípios: 1) conhecer o alimento que adquirimos, processamos e comemos; 2) conservar os meios e as condições que dão origem ao alimento; 3) preservar, valorizar e promover as qualidades naturais do alimento, assim como seu uso saudável; 4) utilizar todo o alimento que adquirimos; 5) remunerar adequadamente os produtores do alimento, inclusive pelos serviços ambientais providenciados para a sociedade; 6) aplicar conhecimento e tecnologia inovadora para valorizar a diversidade e a qualidade do ingrediente, assim como de seus usos; e, 7) honrar e respeitar diariamente o ato de comer e de preparar a comida (REJOWSKI; RUBIM, 2012, p. 12) Diante do cenário que se apresentava à época, esse documento refletia o objetivo dos signatários de assumirem um 408
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
papel ativo na discussão e nas ações relativas à promoção do desenvolvimento sustentável na gastronomia a partir de novos princípios. Essa atitude estava em consonância com o movimento que acontecia (ou já acontecera) e reforça a responsabilidade que têm os profissionais de cozinha na discussão sobre a necessidade de implementar práticas mais sustentáveis e éticas em seu ofício. A gastronomia tem interfaces com diferentes áreas do conhecimento e exige de seus profissionais uma visão mais ampla do universo da cozinha. Afinal, como afirma Petrini (2009, p. 27): Gastronomia é o conhecimento racional de tudo que se refere ao homem enquanto come. Ela facilita a escolha, pois faz compreender o que é qualidade. Proporciona ainda provar um prazer douto e ganhar um conhecimento agradável. Enquanto come, o homem é cultura. Assim, a gastronomia é cultura, material e imaterial. A escolha é um direito do homem; a gastronomia é liberdade de escolha. O prazer é um direito de todos e, como tal, deve ser o mais responsável possível; a Gastronomia é criativa, não destrutiva. O conhecimento é um direito de todos, mas também um dever.
Em decorrência disso, estarão afinados com as demandas dos consumidores que hoje têm um novo perfil: querem saber mais sobre o que comem, desejam alimentos mais saudáveis e naturais, têm maior consciência ambiental, enfim, estão cientes de que a mudança só virá a partir da discussão sobre o sistema alimentar como um todo. Esse novo perfil do consumidor também se reflete no setor de serviços, que atualmente passa por uma ressignificação, pautada em valores culturais que definem novas formas de perceber não só o consumo, mas também os impactos de suas escolhas na sociedade em que se insere e no meio ambiente como um todo. Além disso, à medida que a valorização dos produtos locais ocorre, verifica-se um movimento que reforça a importância 409
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
da cooperação entre membros de comunidades, que se fortalecem a partir do associativismo e da organização, para conseguir atender não só as normativas estabelecidas em cada processo, mas também para o desenvolvimento de uma consciência ética.
Considerações finais A valorização da produção familiar, do associativismo e da certificação de origem e procedência são elementos que podem contribuir cada vez mais para o resgate e a valorização de culturas no litoral paranaense. Produtos e serviços que se apresentem ao mercado como diferenciados, pois contemplam princípios de sustentabilidade em seus diferentes aspectos, serão cada vez mais valorizados, o que certamente contribuirá para a manutenção de tradições e identidades locais e regionais. Aspectos sociais, históricos, econômicos e culturais dos municípios do litoral paranaense estão atrelados a cada um dos produtos e serviços aqui apresentados. Assim, é importante dar maior visibilidade aos pequenos e médios produtores ali instalados, pois à medida que há maior compreensão da importância da preservação da biodiversidade regional e da diversidade sociocultural, maiores as chances de sucesso em seus processos de IGs e de alcançarem um Desenvolvimento Territorial Sustentável. O produto autóctone de qualidade, produzido de forma sustentável, em quantidade que preserve a qualidade e contemple os cuidados necessários à preservação ambiental, tende a ter seu mercado ampliado e diferenciado. Percebe-se que os produtos de IG do litoral do Paraná – serviço gastronômico do barreado, farinha de mandioca, bala de banana e cachaça/ aguardente de cana – são instrumentos de Desenvolvimento Territorial Sustentável por levar em conta aspectos sociais, econômicos, culturais e ambientais em todo o processo produtivo, bem como gerar impactos positivos em todas essas dimensões, 410
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transpondo a visão economicista do desenvolvimento a partir da incorporação da territorialidade. Nesse contexto, o planejamento dos destinos com IGs se torna um conceito-chave no qual a gastronomia e o turismo de experiência exercem papel fundamental, uma vez que, por meio deles, os consumidores têm a oportunidade de conhecer mais sobre os costumes, as tradições e a realidade dos moradores locais. Entretanto, é importante enfatizar a necessidade do planejamento das atividades turísticas para que elas satisfaçam as necessidades dos visitantes e gerem benefícios a toda comunidade envolvida (produtores, agroindústrias, profissionais de cozinha, setor público, privado, ONG’s e demais membros comunidade local) sem prejudicar o meio ambiente ou os modos de vida locais. Vale salientar que esse trabalho não esgota o assunto em questão, mas sinaliza as potencialidades ecogastronômicas do litoral paranaense a partir das experiências locais e ressalta a importância da realização de outros estudos para ampliação do conhecimento sobre produtos e serviços com certificação de origem.
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ÍNDICE REMISSIVO A Antropização 8 B Bacia hidrográfica 19, 187, 191 C Caiçara 7, 20, 27, 28, 29, 31, 32, 33, 34, 39, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 53, 57, 60, 62, 63, 69, 70, 71, 72, 74, 277, 348, 350, 351, 356 Comunidade 7, 8, 19, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 39, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 51, 52, 53, 54, 57, 59, 62, 63, 64, 66, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 79, 80, 81, 82, 84, 85, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 99, 103, 124, 133, 135, 137, 138, 140, 185, 223, 244, 247, 255, 261, 271, 272, 277, 278, 282, 284, 285, 287, 318, 320, 321, 327, 339, 344, 347, 348, 349, 351, 353, 355, 361, 368, 379, 385, 386, 411 Conflito territorial 19, 77 Conselho 50, 217, 238, 261, 285, 344, 347, 401, 402, 403, 420 Crise ambiental 9, 224 Cultura 7, 10, 19, 20, 27, 28, 31, 32, 41, 43, 44, 45, 47, 48, 49, 53, 54, 56, 58, 60, 61, 62, 63, 65, 67, 68, 72, 79, 84, 90, 97, 266, 272, 286, 299, 302, 314, 316, 317, 318, 320, 328, 329, 334, 335, 336, 337, 345, 347, 348, 349, 352, 353, 355, 356, 357, 358, 359, 360, 362, 363, 364, 374, 376, 377, 384, 390, 392, 395, 396, 397, 398, 405, 407, 409, 412, 425 D Desenvolvimento local 7, 10, 97, 278, 286, 367, 383 Desenvolvimento territorial 7, 11, 15, 19, 75, 215, 216, 218, 234, 235, 238, 239, 270, 317, 411, 412, 413, 422 Desenvolvimento territorial sustentável 11, 218, 317, 411, 412, 413 G Gestão 8, 15, 19, 101, 102, 116, 119, 123, 125, 126, 127, 190, 211, 215, 217, 218, 219, 234, 235, 238, 245, 262, 263, 264, 268, 279, 280, 284, 286, 287, 324, 332, 333, 336, 337, 339, 344, 345, 347, 363, 365, 374, 379, 382, 392, 421, 422, 423, 424
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I Imobiliária 10, 14, 20, 280, 295, 296, 299, 302, 304, 306, 341, 378 Indicações geográficas 20, 389 L Litoral do paraná 1, 5, 19, 20, 27, 51, 101, 104, 105, 107, 112, 215, 221, 293, 296, 298, 331, 389, 400 M Mata atlântica 8, 29, 32, 40, 66, 77, 78, 79, 97, 133, 135, 136, 138, 139, 140, 143, 145, 147, 148, 149, 185, 188, 190, 213, 216, 220, 239, 341, 348, 353, 379 Mudanças climáticas 10, 188, 259, 367, 368, 369, 370, 371, 372, 378, 380, 381, 382, 383, 385, 387, 389, 392 P Paisagem 8, 14, 19, 30, 133, 189, 190, 192, 193, 194, 195, 201, 207, 209, 211, 222, 233, 268, 270, 273, 284, 311, 315, 317, 329 Patrimônio cultural 10, 50, 99, 364, 425 Pesca 7, 8, 19, 27, 30, 31, 35, 36, 42, 43, 44, 45, 51, 53, 62, 63, 69, 72, 81, 84, 91, 93, 94, 101, 102, 103, 104, 105, 106, 107, 108, 109, 110, 111, 114, 116, 119, 120, 123, 124, 125, 126, 127, 128, 225, 233, 234, 267, 275, 277, 284, 348, 351, 352, 353, 357, 368, 371, 375, 377, 378, 379, 381, 384, 386 Plano de manejo 149, 264, 287, 374, 384, 385 S Saberes 7, 13, 14, 19, 30, 48, 51, 52, 53, 54, 60, 61, 62, 71, 74, 387, 402, 406, 407 Socioambientais 7, 9, 53, 189, 216, 250, 257, 259, 286, 367, 371, 386, 387, 425 Sustentabilidade 7, 10, 16, 20, 220, 239, 263, 264, 271, 285, 286, 331, 332, 334, 337, 338, 339, 340, 341, 347, 362, 363, 364, 365, 374, 390, 392, 393, 394, 408, 410, 413, 419 T Território 8, 10, 14, 15, 19, 20, 29, 31, 49, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 75, 77, 79, 80, 81, 82, 85, 87, 88, 89, 91, 92, 93, 95, 96, 97, 119, 120, 126, 187, 209, 212, 217, 238, 242, 265, 266, 268, 269, 270, 271, 272, 273, 274, 275, 276, 278, 279, 281, 283, 286, 287, 288, 302, 303, 309, 326, 339, 341, 342, 351, 352, 358, 359, 364, 368, 372, 373, 375, 376, 378, 382, 384, 385, 386, 389, 390, 416
SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
391, 392, 394, 395, 396, 401, 412, 413, 419 Turismo 1, 5, 7, 10, 20, 278, 280, 281, 285, 286, 288, 307, 308, 309, 311, 318, 320, 322, 327, 328, 329, 332, 333, 335, 336, 337, 342, 344, 346, 347, 348, 352, 353, 354, 355, 360, 361, 362, 364, 365, 377, 387, 388, 398, 413, 419, 422, 424 U Unidades 7, 19, 20, 33, 34, 49, 127, 149, 192, 194, 195, 209, 211, 216, 220, 222, 224, 231, 233, 251, 263, 265, 266, 270, 280, 286, 300, 304, 332, 341, 351, 355, 364, 374, 402, 403, 422 Urbanização 8, 9, 10, 14, 81, 189, 226, 263, 265, 271, 284, 293, 294, 295, 299, 301, 303, 305, 306, 314, 315, 378, 387 Z Zoneamento 88, 98, 213, 217, 218, 234, 239
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SOBRE OS AUTORES Andréa Máximo Espínola Arquiteta e urbanista. Doutora em Planejamento Urbano e Regional/UFRGS. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Litoral do Paraná. Docente do Setor Litoral da UFPR. Realiza pesquisa sobre os temas: economia urbana; economia do turismo; planejamento urbano, território e territorialidade; cidades sustentáveis; sistemas configuracionais urbanos; habitabilidade; e urbanidade. E-mail: [email protected] Ariadne Farias Geógrafa. Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento/UFPR. Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Governança e Sustentabilidade do ISAE. Desenvolve pesquisa nas áreas de Gestão de Riscos e Desastres, Resiliência Socioambiental Urbana, Infraestrutura Urbana Sustentável e Educação Ambiental. E-mail: [email protected] Beatriz Leite Ferreira Cabral Bacharel em Turismo. Mestra em Meio Ambiente e Desenvolvimento/UFPR. Professora do curso de graduação em Tecnologia em Gestão de Turismo da UFPR- Setor Litoral. Em suas interfaces com o ensino e a extensão universitária, investiga as seguintes temáticas: turismo de base comunitária em comunidades caiçaras; eventos turísticos; turismo em áreas protegidas; e sustentabilidade do turismo. E-mail: [email protected] Bruno Henrique Grolli Carvalho Biólogo. Anilhador júnior pelo CEMAVE em 2008 e sênior desde 2010. Possui experiência em monitoramento e diagnóstico de avifauna em áreas de florestamento, aterros sanitários, usinas hidrelétricas e linhas de transmissão, atuando como ornitólogo em processos de licenciamento ambiental. E-mail: [email protected] Cleusi T. Bobato Stadler Doutoranda em Geografia/UEPG e Mestra em História/UNICENTRO. Membrofundadora da Academia de Letras, Artes e Ciências da Região Centro-Sul do 419
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Paraná (ALACS). Participa do Parlamento da UNITINERANTE e da CASLA. Realiza pesquisa nas áreas: Dinâmicas Naturais e Análise Socioambiental nas Comunidades Tradicionais Faxinalenses; Quilombolas e Caiçaras do Paraná; Sementes Crioulas; Imigração Italiana; e História do Município de Imbituva. E-mail: [email protected] Diomar Augusto de Quadros Nutricionista. Mestre em Tecnologia de Alimento. Doutor em Alimentos e Nutrição. Professor do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico da UFPR. Professor do curso de Tecnologia em Agroecologia e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável (PPGDTS) do Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná. Tem experiência na área de Nutrição, com ênfase em Alimentação e Nutrição, atuando principalmente nos seguintes temas: soberania e segurança alimentar e nutricional, agroecologia, análise sensorial, controle de qualidade de alimentos, desenvolvimento de produtos e tecnologia de alimentos. E-mail: [email protected] Eduardo Carrano Graduado em Biologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Mestre em Conservação da Natureza - UFPR e Doutor em Ecologia e Conservação - UFPR. É Professor do Curso de Bacharelado em Ciências Biológicas e da Pós-Graduação em Conservação da Natureza, ambos da PUCPR. Atua profissionalmente nas áreas de Ornitologia, Ecologia e Conservação, tendo participado de diversas publicações (estaduais, nacionais e internacionais) para a conservação de aves. Possui ampla experiência em inventários e avaliações populacionais com aves no Paraná e outros estados brasileiros, além de Estudos de Impacto Ambiental e Planos de Manejo de Unidades de Conservação. Membro do Núcleo Central do CBRO (Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos), Membro do Conselho Regional de Biologia (CRBio 7) e Sócio da SBO (Sociedade Brasileira de Ornitologia). E-mail: [email protected] Erica Vicente Onofre Bacharela em Gestão Ambiental. Mestranda em Desenvolvimento Territorial Sustentável/UFPR. Possui experiência nos temas: conflito socioambiental; direito territorial para populações tradicionais; movimentos sociais; povos e comunidades tradicionais; e globalização. E-mail: [email protected]
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Eva Blaszczyk Gaweleta Mestre e doutoranda em Gestão Ambiental/UP. Docente dos cursos de graduação de Gastronomia e Eventos da UP. Temas de interesse compreendem a gestão ambiental; planejamento, organização e execução de eventos; logística de eventos; eventos sustentáveis; turismo rural sustentável na agricultura familiar e gastronomia. E-mail: [email protected] Eveline Fávero Doutora e Pós-Doutora em Psicologia/UFRGS. Atua como Assessora Técnica da Pró-Reitoria de Gestão de Pessoas e Desenvolvimento da UNESPAR. Apresenta interesse nos temas: percepção de risco de acidentes e desastres em crianças; apego e identidade de lugar; satisfação ambiental e atitudes ambientais na infância. E-mail: [email protected] Fernanda de Souza Sezerino Gestora Ambiental. Mestra em Desenvolvimento Territorial Sustentável/ UFPR. Professora Substituta no IFPR. Desenvolve pesquisas nas áreas de Gestão e Inclusão Social em Áreas Protegidas; Políticas Públicas Ambientais; Planejamento Ambiental e Territorial; Conflitos Ambientais; Ecologia Política; e Justiça Ambiental. E-mail: [email protected] Giovanna de Andrade Zanlorenci Gestora Ambiental. Mestranda em Desenvolvimento Territorial Sustentável/UFPR. Tem interesse nas áreas de Biodiversidade e Conservação; Manejo e Gestão de Áreas Naturais Protegidas; Gestão Territorial com ênfase em Bacias Hidrográficas, Ecologia de Rios e Geoprocessamento livre. E-mail: [email protected] Gustavo Augusto Santos Elste Gestor Ambiental e Administrador. Mestrando em Desenvolvimento Territorial Sustentável/UFPR. Membro do Estudo GIS - Grupo de Estudos em Geoprocessamento. Apresenta interesse nos temas: Ecologia e Biodiversidade; Gestão de Áreas Naturais Protegidas; Gestão Territorial com ênfase em Bacias Hidrográficas; Sistema de Informação Geográfica e Geoprocessamento. E-mail: [email protected] Indiamara Hummler Oda Socióloga. Mestra em Ensino das Ciências Ambientais/UFPR e com Especialização em Sociologia/UEL. Possui interesse nas áreas de Filosofia e Sociologia do Conhecimento. E-mail: [email protected] 421
LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Isabel Jurema Grimm Turismóloga. Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento/UFPR e Mestra em Desenvolvimento Regional/FURB. Docente e pesquisadora do Programa de Pós-Graduação em Governança e Sustentabilidade do ISAE. Atua em pesquisas ligadas à Governança e Novas Economias, Indicadores de Sustentabilidade, Mudanças Climáticas e Turismo. E-mail: [email protected] João Guilherme Boni Gestor Ambiental. Foi bolsista de pesquisa na UFPR Litoral. Desenvolve estudos na área de geoprocessamento e ornitologia. E-mail: [email protected] Juliana Quadros Bióloga. Mestra e Doutora em Zoologia/UFPR. Docente da UFPR Litoral, onde atua no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável. Realiza estudos na Floresta Atlântica com os temas: relações entre populações humanas e unidades de conservação, mastozoologia, ecologia alimentar em espécies carnívoras e identificação microscópica de pêlos de mamíferos. E-mail: [email protected] Juliana Rechetelo Bióloga. Doutora em Ciências Ambientais/James Cook University, Austrália, e Mestra em Sistemas Costeiros e Oceânicos/UFPR. Atua nos temas: uso/ seleção do habitat, movimento animal (radio-tracking), biologia reprodutiva, conservação de espécies ameaçadas e monitoramento de avifauna. E-mail: [email protected] Liliani Marília Tiepolo Bióloga. Doutora em Zoologia/UFRJ. Mestra em Ciências Florestais/UFPR. Professora Associada da UFPR Litoral, atuando no Programa de PósGraduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável. Desenvolve pesquisas nos temas: levantamentos de biodiversidade para estudos ambientais, manejo e gestão de áreas naturais protegidas, conflitos ambientais, desenvolvimento territorial em ambientes rurais e urbanos, e avaliação de impactos ambientais. E-mail: [email protected]
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Luciana Vieira Castilho-Weinert Fisioterapeuta e Especialista em Fisiologia Humana e da Nutrição (PUC/PR). Mestre e Doutora em Ciências - Engenharia Biomédica pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). É professora do curso de Licenciatura em Educação Física e do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável (PPGDTS) do Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected] Luiz Augusto Macedo Mestre Biólogo. Doutor em Biologia pela South Dakota State University, EUA. Mestre em Ecologia e Recursos Naturais/UFSCar. Professor Adjunto da UFPR Litoral e do Programa de Pós-Graduação em Ecossistemas Costeiros e Oceânicos. Atua principalmente nos temas: Conservação da Natureza, Educação Ambiental e Ecologia de Comunidades. E-mail: [email protected] Luiz Fernando de Carli Lautert Geógrafo. Doutor em Ciências/USP. Mestre em Geografia/Unesp. Professor Associado da UFPR Litoral e do Programa Pós-Graduação em Rede Nacional de Ensino de Ciências Ambientais. Atua principalmente nos seguintes temas: análise do espaço geográfico, análise de bacias hidrográficas, gestão ambiental, ensino e formação de professores de Ciências, saber tradicional e saber científico, e litoral paranaense. E-mail: [email protected] Mariana Gallucci Nazário Oceanógrafa. Mestra em Geociências/UFF. Técnica em Laboratório na UFPR Litoral. Atua nos seguintes temas: biogeoquímica de sistemas estuarinos e lagunares, poluição marinha, mineralização bêntica, interface água-sedimento, poluição por compostos orgânicos, utilização de marcados geoquímicos orgânicos, bem como em métodos analíticos em química orgânica e inorgânica. E-mail: [email protected] Marili Miretzki Gestora Ambiental. Mestra em Desenvolvimento Territorial Sustentável/UFPR. Possui interesse nos temas: manejo e gestão de áreas naturais protegidas, e na conservação da biodiversidade. E-mail: [email protected]
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LITORAL DO PARANÁ: TERRITÓRIO E PERSPECTIVAS
Mayra Jankowsky Graduada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de São Carlos (2004), mestrado em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos (2007) e doutorado em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos (2011). Trabalhou junto ao poder público na Diretoria de Meio Ambiente, Agricultura e Pesca do Município de Cananeia e na gestão de Unidades de Conservação junto a Secretaria de Meio Ambiente. Contribuiu com a elaboração de Planos de Manejo e Planos de Bacia Hidrográfica. Atualmente, gerencia o Programa de Monitoramento Pesqueiro no Estado do Paraná. Tem experiência na área de Ecologia, com ênfase em Ecologia Humana, atuando principalmente nos seguintes temas: manejo participativo, recursos pesqueiro, ecologia humana, resiliência e sistema-alimentar. E-mail: [email protected] Patrícia Bilotta Mestra e Doutora em Engenharia Hidráulica e Saneamento/USP. Especialista em Projetos Sustentáveis e de Mitigação das Mudanças Climáticas/UFPR e em Geoprocessamento/PUC-MG. Professora e pesquisadora no Núcleo de Estudos em Ecossocioeconomia/UFPR. Temas de interesse: economia circular, aproveitamento de subprodutos do tratamento de águas residuárias, economia de baixo carbono e Nature-Based Solutions (NBS). E-mail: [email protected] Paula Grechinski Turismóloga. Doutoranda em Meio Ambiente e Desenvolvimento. Mestra em Gestão do Território. Professora Assistente B na Universidade Estadual do Centro Oeste, Paraná. Docente do Departamento de Turismo da Unicentro. Desenvolve pesquisa nas áreas de Turismo, com ênfase em Turismo Cultural; Patrimônio; Identidade; Memória; Ferrovias; e, atualmente dedica suas pesquisas ao contexto do litoral paranaense, especialmente Turismo Sustentável. E-mail: [email protected] Paulo Henrique Carneiro Marques Biólogo. Doutor em Ciências/UFSCar. Mestre em Ecologia e Recursos Naturais/UFSCar. Professor Associado da UFPR Litoral. Atua principalmente nos seguintes temas: Gestão Integrada de Bacias Hidrográficas, Ecologia de Rios, Ecologia da Paisagem, Gestão Ambiental e Educação Ambiental. E-mail: [email protected]
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SABERES LOCAIS, CRISE SOCIOAMBIENTAL E TURISMO
Raquel Panke Turismóloga. Doutora em Gestão Urbana/PUCPR. Mestra em Ciências da Educação/Universidade de Lisboa. Professora Adjunta da Escola de Educação e Humanidades/PUCPR. Pesquisadora no NEcos nas áreas de Patrimônio Cultural e Ambiental; Territórios Insulares e ocupação urbana; Ecoformação e ecossocioeconomia; Sociologia da Educação e Sociologia Ambiental. E-mail: [email protected] Roberta Giraldi Romano Mestra e Doutora em Meio Ambiente e Desenvolvimento/UFPR. Pesquisadora Pós-Doc em Desenvolvimento Regional/FURB-Blumenau. Temas de interesse: cidades, alimentação e meio ambiente. E-mail: [email protected] Simone Wachter Muller Montoro Psicóloga. Mestra em Desenvolvimento Territorial Sustentável/UFPR. Especialista em Saúde Mental e Psicologia do Trânsito. Coordenadora de Projetos e Ações da Secretaria Municipal de Saúde de Guaratuba/PR. Realiza estudos na área de riscos e desastres socioambientais. E-mail: [email protected] Solange Menezes da Silva Demeterco Mestre e doutora em História/UFPR. Ex-docente do curso de graduação em Gastronomia da UP. Temas de interesse: história, cultura, sociabilidade e gastronomia. E-mail: [email protected]
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