Identificação de Um País: Composição 972422399X


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Capa
Sumário
Parte II - Composição
1. Mutações
1.1. Demografia
1.2. Tecnologia e economia
1.3. Mentalidade e cultura
2. A monarquia
2.1. O «senhor rei»
2.2. Regalias
23. Governo central
2.4. Governo local
3. A centralização
3.1. O rei e os senhores
3.2. O trono e o altar
3.3. O rei e os concelhos
4. Regnum
4.1. Coesão
4.2. Identidade
Conclusão
Siglas
Fontes
Bibliografia
Índice
B
120.
E
F
120.
120.
G
L
M
N
O
T
V
X
Y
Z
Figuras
Fig. 1 Relevo
Fig. 2 Idade média do casamento em 1878
Fig. 3 Tipos de arados
Fig. 4 Tipos de barcos
Fig. 5 Fronteiras linguísticas
Fig. 6 Terras e julgados segundo as inquirições de 1220
Fig. 7 Julgados a norte do Douro em 1258
Fig. 8 Principais estradas, castelos, solares e mosteiros de Entre-Douro-e-Minho
Fig. 9 Domínios de Egas Moniz
Fig. 10 Fundações Monásticas
Fig. 11 Apresentação de Igrejas na arquidiocese de Braga
Fig. 12 Emprazamentos: Porções cobradas pelos senhorios
Fig. 13 Domínios do Mosteiro de Tarouca
Fig. 14 Localidades na lei de 1290 sobre os tebliães
Fig. 15 Centros urbanos e aglomerados
Fig. 16A Concelhos "Urbanos"
Fig. 16B Concelhos "Rurais"
Fig. 17 Concelhos do Centro e Sul e domínios das Ordens Militares
Fig. 18 Rede Viária romana e medieval
Fig. 19 Itinerários régios. Fluxos das Ligações
Fig. 20 Sinais de validação
Fig. 21 Estratégia matrimonial da nobreza Estratégia matrimonial da nobreza (Século XI) (Século XII)
Fig. 22 Centros urbanos
Fig. 23 Aumento da população urbana
Fig. 24 Prazos perpétuos e em vida
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Identificação de Um País: Composição
 972422399X

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OBRAS COMPLETAS

JOSé MATOSO Volume 3

IDENTIFICAÇÃO DE UM PAÍS Composição

Cífculo4jeitores

C apa:

Fernando Rochinha Diogo R evisão tipográfica :

Henrique Barbosa Fotocompográfica, Lda. Í n d ic e :

Helena Galante C artografia :

Fernando Pardal C om posição :

Fotocompográfica, Lda. ® Círculo de Leitores e Autor Primeira edição para a língua portuguesa Impresso e encadernado em Março de 2001 por Printer Portuguesa Casais de Mem Martins, Rio de Mouro Edição n.° 5184 Depósito legal n.° 156 265/00 ISBN 972-42-2399-X

SUMÁRIO

Parte II COM POSIÇÃO L Mutações ................................................................................................ 1.1. Demografia ..................... O estado da questão ............................................................... Variantes regionais da densidade populacional ................. Ritmos de crescimento .......................................................... Redução da natalidade ........................................................... Migrações ............................................*.................................... Crise de 1190-1210 ................................................................ O século xiii ............................................................................ Conclusões ................................................................................ 1.2. Tecnologia e economia ...................................................... 1080-1130 ................................................................................. 1130-1160 ................................................................................. 1160-1190 ................................................................................ 1190-1210 ................................................................................ 1210-1250 ................................................................................. 1250-1280 ................................................................................. 1280-1325 ................................................................ Conclusões ................................................................................. 1.3. Mentalidade e cultura ................................................................. Concepções religiosas emorais: da magia às devoções ... Responsabilidade individual .................................................. Reclusão e clausura ................................................................. Costumes: o dinheiro ........................................................... A poupança ............. Cultura: o sentido damedida ................................................ O sentido do espaço ........................................................... A escrita .................................................................................... Cultura dos leigos ................................................................... Cultura popular ....................................................................... O indivíduo e o grupo: oprivado e o público ................. Conclusão ......................................................

13 13 13 14 16 17 18 20 21 22 24 25 27 28 30 30 32 36 39 39 40 42 44 45 46 47 48 48 51 52 54 55

5

2. A monarquia .............................................. ........................................... 2.1. O «senhor rei» ............................................................................. O poder senhorial do rei ...................................................... Prestações de origem pública e de origem privada ......... Reguengos e terras foreiras .................................................... Defesa do património régio .................................................. Os bens urbanos do domínio régio .................................... Administração: recolha das rendas ...................................... Administração da justiça .................................................... Almoxarifes ................................................................................ 2.2. Regalias .......... A monarquia feudal: a privatização do poder .................. A fragmentação do poder público ...................................... Especificidade da função régia .............................................. O carisma do rei....................................................................... A função régia nos documentos da chancelaria ............... As fórmulas do chancelerJulião ........................................... As concepções de Afonso II ................................................ A plenitude dos dois poderes ............................................... Afonso III e D. Dinis ........................................................... As «regalias» ............................................................................. Concepções de Afonso X em Portugal .............................. A política de D. Dinis .......................................................... Conclusão .................................................................................. 2.3. Governo central ........................................................................... A cúria feudal .......................................................................... O alferes e o mordomo .................................................... Remodelações de Afonso II:oficiais inferiores ................. Remodelações de Afonso III ...................... ................. ....... D. Dinis .................................................................................... Os clérigos da cúria ................................................................ O chanceler .............................................................................. O tribunal régio ....................................................................... As finanças régias .................................................................... A cúria régia como conselho ................................................ As cortes .................................................................................... O conselho régio .................................................................... Conclusão .................................................................................. 2.4. Governo local ................................................................................ Os ricos-homens e as «terras» .............................................. Os julgados ..................................................................... Relações entre «terras» ejulgados ......................................... Reforma de Afonso III .................................................... Os intermediários: almoxarifes e meirinhos ...................... Os meirinhos-mores ............................................. O rei e os concelhos ..............................................................

6

57 59 59 60 61 62 62 63 65 65 66 66 67 68 68 70 71 73 76 77 78 80 81 82 83 84 84 86 87 87 88 88 91 93 94 95 98 98 99 100 100 101 103 105 106 108

3. A centralização ..................................................................................... 111 3 .1 .0 rei e os senhores ................................................................. 111 O rei e a nobreza como classe social ................................ 112 Os cavaleiros ............................................................................ 113 Afonso III ................................................................................. 113 D. Dinis .................................................................................... 114 O rei como suserano .............................................................. 115 Dificuldades de interpretação .................... .......................... 115 Feudos de função (honores) .................................................. 116 Os alcaides. A homenagem .................................................. 117 Vassalos da casa real ............................................................... 119 Monarquia e feudalismo .......................................... 120 O rei e o regime senhorial até Afonso II ......................... 121 Afonso III ................................................................................. 122 D. Dinis ................................................ ................................... 123 Conclusão .................................................................................. 125 3.2. O trono e o altar ........................................................................ 125 De Afonso I a Sancho I ...................................................... 126 Afonso II: o poder temporal e o poder espiritual .......... 128 A crise de 1245 ....................................................................... 130 Afonso III ................................................................................. 131 D. Dinis .................................................................................... 133 O padroado régio e a nomeação dos bispos .................... 134 As ordens militares ................................................................. 135 O rei e o papado ................................................................... 137 Conclusão .................................................................................. 138 3.3. O rei e os concelhos .................................................................. 138 Antes de 1250 ......................................................................... 139 . Afonso III ................................................................................. 139 D. Dinis .................................................................................... 140 O rei, «senhor» dos concelhos ............................................. 141 Vínculo feudal e vínculo «natural» ..................................... 142 Ideologia monárquica .............................................................. 143 O rei, «protector» dos concelhos ........................................ 143 Conclusão .................................................................................. 146 4. Regnum .................................................................................................. 4.1. Coesão ............................................................................................ Geografia histórica: estruturações regionais ........... ............ As paróquias suévicas .............................................................. As circunscrições islâmicas ..................................................... O «repovoamento» do século ix: Portucale e Coimbra .. As dioceses ............................................................................... A supremacia de Portucale ...................... ............................ As metrópoles eclesiásticas ....................... ............................ A evolução da rede administrativa ...................................... A sede da corte régia ..............................................................

147 147 147 148 150 150 151 152 153 155 156

7

Papel das cidades .................................................................... Regiões e províncias ............................................................. Contactos humanos ............................................................. O «sistema nervoso» docorpo nacional .............................. As fronteiras ............................................................................. Conclusão .................................................................................. 4.2. Identidade ...................................................................................... A chancelaria ............................................................................ Sinais de validação .................................................................. O escudo do rei ..................................................................... Rex portugalensium ....................................... Regnum ...................................................................................... Historiografia ............................................................................ Os clérigos ................................................................................ A nobreza e as suas/Contradições ........................................ Os meios populares: osconcelhos ........................................

157 159 159 161 162 164 164 165 165 166 167 168 169 170 173 174

Conclusão ...........................................................

177

Siglas ............................................................................................................ Fontes ..................................................................................................... 1. Fontes narrativas e literárias .................................................... 2. Colecções documentais ede textos .........................................

185 189 189 190

Bibliografia ................................................................................................

193

índice .......................................................................................

223

Documentação Gráfica ............................................................................

237

8

PARTE II

COMPOSIÇÃO

Recordemos coisas já ditas: a diferença entre o Norte senhorial e o Centro e Sul concelhios, entre a montanha e a planície, o campo e a cida­ de, as tradições islâmicas e as cristãs. Mas isto não esgota a história de Por­ tugal. Apenas explica alguns fenómenos. Depois de ter acentuado a oposi­ ção, não é menos importante mostrar como os dois conjuntos iniciais se fundiram num só. Não de uma só vez, nem por caminhos lineares e rápi­ dos, mas por um completo feixe de causas que só puderam actuar em de­ terminadas condições, através de um processo lento e cheio de vicissitudes. Já no princípio apontava como vectores da integração as transferências da população que trazem do Norte os excedentes populacionais e os distri­ buem pelo Centro e Sul, o desenvolvimento económico e tecnológico, que uniformiza a civilização material e desenvolve as trocas a partir das cidades, a formação de uma classe dominante nacional comum às diversas regiões e a edificação de um poder estatal único personificado no rei. Dado que o fenómeno nacional é de natureza política, bastar-me-á evocar, sem grande demora, as transformações demográficas, económicas e tecnológicas que criaram as condições para que a Coroa, suportada pela classe dominante, pudesse tornar-se o motor efectivo da unificação política. A análise dos problemas centrais desta parte deverá, portanto, ser precedida de um capí­ tulo sobre as transformações do terreno material em que a história social e política se move, e ainda sobre a evolução mental que permite o desenvol­ vimento das forças unificadoras. A sua parte central é constituída pela his­ tória política. Nela tratarei, primeiro, da definição da monarquia feudal e senhorial que se estabeleceu no nosso país e, depois, da maneira como se sobrepôs às forças divergentes e as absorveu. Tentarei, finalmente, dar ideia dos resultados a que esta política conduziu e da formação de uma cons­ ciência nacional.

11

1.

Mutações 1.1. Demografia Por mais elementares e inseguros que sejam os dados de que se pode dis­ por acerca dos quantitativos da população portuguesa antes da era estatísti­ ca, nem por isso podemos deixar de os examinar, dada a repercussão que a demografia tem em todos os domínios da existência humana. O

ESTA D O DA Q U ESTÃ O

Comecemos por lembrar que actualmente se considera como dado adquiri­ do o fenómeno do crescimento global da população europeia durante os séculos xi a xni. Embora as investigações sobre as quais se baseia esta conclusão dependam sobretudo de dados colhidos na Europa setentrio­ nal, é também considerado por alguns autores um fenómeno que englo­ bou igualmente a Europa mediterrânica e, concretamente, a Península Ibérica. É bem de ver a importância desta questão. Se se provar que esse aumento atinge também a Península durante o mesmo período, teremos de incluir num contexto de «expansão» a primeira fase da história nacio­ nal. Mais ainda: se o crescimento demográfico europeu explica as cruza­ das, a ocupação da Alemanha de Leste, os desbravamentos em meio ru­ ral, a multiplicação de paróquias, o crescimento das cidades, a activação dos novos inventos técnicos e da produtividade agrícola, e o desenvolvi­ mento do comércio, característicos dos séculos xi a x m 1, teremos tam­ bém de colocar neste contexto a própria origem da nacionalidade. Ou se­ ja, a criação de uma nova unidade política na zona de fronteira entre a Cristandade e o Islão, e o seu crescimento e sucesso à custa de Al-Andaluz não se poderiam explicar independentemente de um fenómeno de­ mográfico. A superioridade numérica verificada no Norte da Península seria a razão das vitórias militares e da deslocação do centro político para o Sul. Uma vez conquistado todo o território, a expansão demográfica nortenha seria ainda responsável, em primeira instância, pela absorção política e cultural do Centro e do Sul do país por uma unidade política nascida no Norte. Hipótese sedutora, até pela sua própria simplicidade. Desde já declaro adoptá-la, nas suas linhas gerais, embora com as atenuações e os limites 1 L. Genicot, 1953; J. C. Russel, 1958.

13

que indicarei a seguir e com o cuidado de a manter como proposta de ex­ plicação, uma vez que não vejo outra da mesma amplitude para a série de fenómenos que indicarei. Admito, porém, que não é totalmente segura e sobretudo que a sua incidência depende da respectiva amplitude. Ora, esta é impossível de medir com rigor. Começarei por reconhecer que não convence toda a gente. Sánchez-Albornoz, por exemplo, fala constantemente na «sede de homens» durante o movimento da Reconquista e na inutilidade dos esforços dos chefes para os recrutarem2. Ch.-E. Dufourcq atribui menos peso ao crescimento popula-^ cional da zona pirenaica do que à política dos reis e condes que obrigaram à emigração para terras alheias3. A sua opinião é generalizada para o con­ junto da Península por Angus Mackay4. E idêntica à que Robert Durand adopta para o território português de entre Douro e Tejo5 e à que Reyna Pastor formula para a Galiza nos séculos xm e xiv6. De opinião contrária são outros autores mais recentes da historiografia espanhola que aceitam a referida tese e baseiam sobre ela a sua interpretação7, sem todavia se atreve­ rem a definir os limites do crescimento, os ritmos e oscilações da curva de­ mográfica ou os principais itinerários dos movimentos migratórios. Ora, estes autores não se contentaram, como aqueles, com sondagens e interpre­ tações globais de testemunhos dispersos, mas procederam a análises de sé­ ries contínuas e de base estatística8. É destes, efectivamente, que temos de partir. V

a r ia n t e s

r e g io n a is

da

d e n s id a d e

p o p u l a c io n a l

Comecemos por fazer notar que o quantitativo global, muito vago, de cerca de um milhão de habitantes em Portugal, transmitido pelos autores que têm ligado importância ao problema9, é manifestamente insuficiente para o que nos interessa. Avançando um pouco mais, comecemos por re­ ferir os dados fornecidos por A. de J. da Costa para a zona de entre Lima e Vizela, a partir das inquirições de 1258. Tendo aí contado 21 794 ca­ sais, admitiu que aí vivesse uma população de uns 108 970 habitantes i a cinco por casal)10. Devo considerar este quantitativo como mínimo, pois o casal não se pode considerar uma unidade habitacional equivalente à casa ou fogo, para o qual se utiliza normalmente o multiplicador 3,5 a 511. De resto, a série de indicações que apontei mais acima12 levou-me a admitir 2 Cl. Sánchez-Albornoz, 1966, p. 339. 3 Ch.-E. Dufourcq, 1976, pp. 43-44. 4 Angus Mackay, 1980, pp. 48-31. 5 Robert Durand, 1982a, pp. 66-94. * 6 Reyna Pastor de Togneri, 1990, p. 176. 7 J. A. Garcia de Cortázar, 1973, pp. 179-183; id., 1983, pp. 24-25, 71-76; J. Valdeón Baruque, 1980, pp. 94-95. 8 Reyna Pastor, 1990, usa dados quantitativos, mas baseados fundamentalmente na evolução do número global de prazos. Parece-me que este indicador não constitui base segura para avaliar a evolução dos efectivos populacionais. 9 A. H. de Oliveira Marques, 1971, p. 1. 10 A. de J. da Costa, 1959, I, p. 231. 11 Ver as dúvidas que o multiplicador 4,5 suscita a V. Rau, 1965, pp. 7-20. Apesar de tudo mantém-se como base normal de cálculo: J. J. Alves Dias, 1982, pp. 137-140. 12 Ver vol. II, p. 34-35.

14

como frequentes os aglomerados familiares alargados e múltiplos, o que necessariamente faria subir os resultados obtidos. Tomemos, por isso, co­ mo base de cálculo, uns 120 000 habitantes para entre Douro e Lima, ex­ cluída a diocese do Porto. Traduzindo os números em densidade por quilómetro quadrado, te­ ríamos assim, para este território, cerca de 40 h/km2. Ora, este quantita­ tivo é muito inferior ao que se encontra na íle-de-France algumas dezenas de anos mais tarde (120 a 150 h/km2), mas comparável ao proposto para o conjunto da França na mesma época, ou seja, 30 h/km213. Atingimos, assim, em Entre-Douro-e-Minho, níveis próximos do país mais povoado da Europa medieval. De facto, na Polónia havia, em 1340, 8,8 h/km214. N o conjunto da Península Ibérica, à volta de 11 h/km215, para o fim do século xm . De toda a maneira estamos, portanto, dentro de limites vero­ símeis. Todavia, nada permite supor densidade semelhante no resto do país. Tomemos agora como base objectiva de cálculo o numeramento dos tabe­ liães do fini do século xm , estudado por Oliveira Marques1314516. Consideran­ do, por aleatória que seja a base, a relação entre o número de tabeliães e a área do território que eles servem, e, em seguida, uma proporção paralela para as diferenças regionais da densidade populacional, chegaríamos aos se­ guintes resultados:

Regiões E. Lima e Minho E. Douro e Lima Porto Lamego Viseu Coimbra Guarda Trás-os-Montes Estremadura Alentejo

1 tabelião/km2 Habitantes/km2 Total habitantes 100 73 136 160 177 566 576 520 10717 1200

29,4 40 21,5 18,2 16,5 5 5 5,6 27,4 2,4

44 100 120 000 32 250 43 680 64 350 44 500 49 000 61 600 164 400 72 000

Embora estes cálculos se devam considerar de mero exercício, podem, todavia, aproximar-nos da realidade. Os quase 700 000 habitantes aqui en­ contrados representam, decerto, um quantitativo inferior ao da população real, mas as densidades apontadas poderão considerar-se uma ordem de 13Guy Fourquin, 1969, p. 174. 14 L. Genicot, 1968, p. 58. 15 Garcia de Cortázar, 1973, p. 38. 16 Oliveira Marques, 1980, pp. 68-69. 17 Incluindo o número de tabeliães de Lisboa, uma vez que se trata do cálculo da densidade da população e esta devia ser numerosa nesta cidade e nos arredores.

15

grandeza verosímil, em termos comparativos. Mostra que durante a segun­ da metade do século xm se verificam grandes desníveis na densidade habi­ tacional. R

it m o s

de

c r e s c im e n t o

O resultado diz respeito ao período 1258-1290. Ora, como veremos adiante, encontram-se vários indícios de que representava a consequência de aumentos consideráveis sucessivamente acumulados desde meados do século xi. É muito difícil determinar os ritmos de crescimento para épo­ cas em que as séries documentais fornecem tão poucos elementos apro­ veitáveis, mas nem por isso deixaremos de apontar o que a tal respeito se pode referir. Podemos, por isso, começar por comparar os dados baseados no nú­ mero de filhos por casal fecundo, calculados pelas médias dos registos ex­ pressos na documentação de Leão e Castela, encontrados por dois auto­ res, cujas observações se podem comparar, apesar de os resultados serem muito diferentes, e aproximá-los também dos de Feuchère para a França.

séc. séc. séc. séc.

X XI X II X III

Pastor18

Kofman19

Feuchère20

2,6 2,65 (+ 1,8%) 2,95 (+ 11,0%) 3,3 (+ 11,8%)

3,0 2,65 (- 13,2%) 3,6 (+ 35,8%) 3,36 (- 7,1%)

3,8 4 (+ 5,26%) 5,5 (+ 37,5%) 5 (- 2,75%)

Desta tabela retenhamos apenas, como conclusão, que estes autores concordam em admitir um aumento considerável do número de filhos por casal, do século x i para o século x i i . N o entanto, o aumento de 1 1 a 35,8 % entre os anos 1100 e 1200 pode ser um cálculo baixo. É o que se pode talvez concluir de uma análi­ se detalhada feita por M. H. da Cruz Coelho a partir do número de ca­ sais registados nas inquirições de 1220 e de 1258, em sessenta e nove fre­ guesias do julgado de Guimarães21. É verdade que a contagem pode ser enganadora. A aceitá-la tal e qual, a população desta terra teria aumenta­ do 45 % em trinta e oito anos, o que daria uma percentagem anual de 1,053% (ou de 0 ,9 8 % segundo uma correcção admitida pela autora). Ora este quantitativo, a ser real, atingiria um ritmo superior ao ao crescimen­ to da população portuguesa durante o período em que ela alcançou o máxi­ mo de toda a história, ou seja, de 0,88 % entre 1900 e 1950. Assim, ou este 18 R. Pastor de Togneri, 1967, pp. 102-104. 19 L. Kofman e M. Inés Carzollo, 1968, p. 165. 20 P. Feuchère, 1951, pp. 315-318. A diferença entre as médias peninsulares e a deste autor pode resultar quer de a natalidade ser superior em França quer de ele ter registado apenas famílias nobres, cuja fecundidade devia ser maior. Registe-se também que a partir de uma lista de 366 ser­ vos do mosteiro de Samos, na Galiza, de meados do século xi, permite calcular a cifra de 3,15 fi­ lhos por casal — superior, portanto, às cifras apontadas para esta época por R. Pastor e por L. Kofman (R. Pastor de Togneri, 1990). 21 M. H. da Cruz Coelho, 1981, pp. 519-520.

16

resultado é superior à realidade, ou constitui um fenómeno específico da região e distorcido em virtude da imigração. Mesmo assim, temos de ad­ mitir um extraordinário aumento demográfico durante a primeira metade do século x i i i . Este aumento talvez tivesse ultrapassado ritmos da ordem dos 10 a 30 % em Entre-Douro-e-Minho no período que vai de 1150 a 1250. De facto, a mesma autora, baseada num cálculo análogo sobre vinte freguesias da terra da Nóbrega, verificou aí um crescimento populacional de 13,9 % entre 1220 e 125822. Crescimento enorme se tivermos em con­ ta a mortalidade infantil, o retardamento da data do casamento, a frequên­ cia de celibato e o elevado índice de masculinidade, como veremos em se­ guida. Os fenómenos voluntários a seguir indicados representam, no entanto, como veremos também, medidas tendentes justamente a conter ritmos de crescimento excessivo. R

edução

da

n a t a l id a d e

A mortalidade infantil não se pode medir, apesar de se dever considerar al­ ta em virtude da falta de cuidados de higiene. Mas há tentativas para en­ contrar ordens de grandeza para a esperança de vida para os que ultrapas­ sam os dez anos de idade: 42 anos no século xi e 44 no século x i i , dentro da nobreza castelhano-leonesa segundo R. Pastor23. Bastante bom, e vero­ símil quando se compara com o que Russel aponta para a Polónia nos sé­ culos xii-xrv (31,4 anos) e para a Inglaterra na mesma época (30,9 anos), ou para a Hungria antes da Peste Negra (32,55 anos)24. A diferença deve-se certamente ao facto de estas médias englobarem o conjunto da popula­ ção, e aquelas, só a nobreza. De qualquer maneira é importante registar o aumento da esperança de vida do século xi para o século x i i . Quanto à idade do casamento, que R. Pastor também tentou averi­ guar a partir de dados fornecidos pela família régia, verifica-se a tendên­ cia para a antecipação do casamento feminino dos 15 anos (séc. xi) para os 14,7 (séc. x i i ) e, depois, o retardamento para os 16,4 anos (séc. x i i i ) , enquanto nos homens se assiste à tendência constante para o antecipar, dos 25 para os 20,9 e os 18 anos, nos mesmos séculos25. Assim, o au­ mento da natalidade trazido pela antecipação do casamento feminino no século x i i corrige-se depois pelo seu retardamento. Resultado provável não tanto, no caso da família régia, para obstar à natalidade excessiva a que a referida alteração podia ter dado lugar, mas em virtude do aumento do índice de feminilidade. Com efeito, as observações da mesma autora sobre documentação de todo o género mostram a sua tendência para au­ mentar até ao fim do século x i i e depois para voltar ao nível do século anterior26. 22 M. Helena Coelho, 1990, I, p. 175. 23 R. Pastor de Togneri, 1967, p. 106. 24 J. P. C. Russell, 1965, p. 87. 25 R, Pastor de Togneri, 1967, p. 99. 26 Ibid., p. 102.

17

séc. x séc. xi séc. xii séc. xiii

Homens

Mulheres

197 158 137 157

100 100 100 100

Estas proporções, embora distorcidas pelo facto de a menção de mulhe­ res na documentação ser fatalmente inferior à realidade27, mostram, em todo o caso, uma tendência que vem confirmar tudo o que até agora foi observa­ do, isto é, o aumento da natalidade no século xii e o aparecimento de medi­ das para o conter pelo menos no século xm. A tendência para o maior equi­ líbrio entre os dois sexos constitui efectivamente uma das mais importantes causas do aumento da natalidade. Ora o desequilíbrio verificado no século x atenua-se pelo constante crescimento do número de mulheres nos séculos xi e x ii . O que se passa em Leão e Castela verifica-se também em Portugal, on­ de se observa a súbita multiplicação dos mosteiros femininos em Entre-Douro-e-Minho durante a segunda metade do século xii 28. Os dados apontados pela mesma autora acerca da frequência do celibato contribuem para confirmar o fenómeno: 48 %, 56 % e 50 % dos adultos, respectivamente nos séculos xi, xii e xm 29. De novo exagerados em relação com a realidade, importa todavia reter deles a tendência para o aumento da proporção entre os anos 1100 e 1200. Fenómeno que encontra a sua mani­ festação em Entre-Douro-e-Minho através do impressionante aumento do número de fundações monásticas durante o século xi e ainda, mas em ritmo menor, no século xii , como vimos na parte I do volume II. Tendo verificado que os fenómenos observados por Reyna Pastor para Leão e Castela se observam igualmente entre nós, como indicam as conse­ quências indirectas já apontadas, não podemos deixar de admitir que a po­ pulação de Entre-Douro-e-Minho tenha aumentado, o mais tardar desde meados do século xi, ao ponto de ter de recorrer pelo menos a uma forma de líinitação da natalidade, que consistia na abstenção do matrimónio. Veja­ mos, portanto, se se terá recorrido a outro processo paralelo, o da emigração. Este interessa-nos vivamente, em virtude das suas consequências históricas. M igrações

Comecemos por verificar que o número de paróquias da diocese de Braga alcançou o limite máximo já no fim do século xi30. Aconteceu o mesmo no Porto, pelo menos desde meados do século x i i 31. 27 R. Pastor de Togneri, 1990, verificou a partir da já referida lista de servos do mosteiro de Samos um índice de masculinidade de 133 h/100 m2, para meados do século xi. 28 J. Mattoso, 1985, pp. 197-223. 29 R. Pastor de Togneri, 1967, p. 98. 30 A. de J. da Costa, 1959, I, pp. 218-235. 31 C. A. dos Santos, 1973, pp. 53-65; Domingos A. Moreira, 1973, pp. 103-113.

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Depois mantém-se estacionário, e até se verifica, em relação ao século xvi, um considerável fenómeno de anexações e de supressões de freguesias. Deu-se, portanto, um fenómeno de saturação tal que impediu o aumento do número de paróquias. Ora, se a população continuava a aumentar nos mesmos lugares, mas as estruturas administrativas se mantinham, o fenó­ meno só pode significar o recurso à emigração. Este encontra uma nova confirmação na cartografação dos mosteiros fundados durante os séculos xi a xiii a norte do Douro32. Os do século x distribuem-se a uma certa dis­ tância uns dos outros e numa área relativamente vasta. Depois assiste-se a uma autêntica explosão fundacional sobretudo em entre Lima e Ave. No século xii, esta zona está de tal modo saturada que se recorre a supressões e anexações; há ainda algumas fundações novas na diocese do Porto, mas a maioria escolhe o norte do Lima e o leste do Tâmega, a margem sul do Douro e a Beira Alta. Movimento reforçado neste mesmo século pelas co­ munidades eremíticas, que, não podendo viver nas regiões densamente ha­ bitadas, fazem da fiiga para o «deserto» um ideal, procurando as terras po­ bres e inóspitas. Efectivamente a emigração procurou, antes de mais, a periferia das ter­ ras mais habitadas. Oliveira Marques, que contabilizou as vilas novas por­ tuguesas, fez notar que, das 124 registadas para todo o país, 75 se situam a norte do Douro ou no seu vale, sem incluir Trás-os-Montes, enquanto a sul do Mondego só aparecem 2233. O número aumentaria juntando-lhe as vilas meãs {vilUe medianae), que se fundavam nas fronteiras de outras duas já existentes, e que também abundam para esta zona. A primeira emigração foi, portanto, de raio curto, como habitualmente ocorria na Idade Mé­ dia3 , mas alastrava sem cessar. Não se pense, todavia, que o fenómeno do povoamento disperso e da expansão de Entre-Douro-e-Minho para as terras mais próximas se limita ao Norte do país. A ocupação desta zona não foi suficiente para conter a pressão demográfica, porque se encontram numerosos indícios de ela ter atingido o baixo Mondego e a Estremadura durante o século x i i i , como demonstrou M. H. da Cruz Coelho. Esta autora definiu com rigor o pro­ cesso de expansão da gente das terras mais produtivas em direcção às mais pobres, num aro cada vez maior em relação aos centros mais precocemente habitados, e, para o fim do século, o recurso ao aproveitamento dos pânta­ nos, ao desbravamento de matas e à fundação de povoações no litoral35. A pressão demográfica é, sem dúvida, responsável pelas tentativas de aproveitamento de terras áridas e ingratas, que os anos maus depois obri­ gam a abandonar, porque aí veio a reinar a fome. Daí os fenómenos de abandono de algumas terras, como Coja, que o bispo de Coimbra repo­ voou em 1260 (Leg. 695), ou como aquelas para as quais os senhores, desejosos de delas tirarem rendimentos, em vão tentavam recrutar culti­ 32 Ver o mapa 10. 33 A. H. de Oliveira Marques, 1982, p. 73. O fenómeno das aldeias novas, também por ele re­ ferido, é mais tardio. O termo aldeia, procedente do Sul, talvez não se use ao norte do Douro an­ tes do século x i ii . 34 Iria Gonçalves, 1978, pp. 392-397. 35 M. H. Coelho, 1983, pp. 12-17 e fig. 1.

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vadores. Estes fenómenos foram registados por R. Durand, mas por ele indevidamente generalizados para o conjunto da região entre Douro e Tejo36. Pelo contrário, não faltava gente para se aglomerar na periferia das cidades, algumas das quais cresciam incessantemente nas terras férteis da Estremadura e do Ribatejo37. As regiões mais pobres são, obviamente, aquelas onde a recessão demográfica do século xrv se faz sentir mais cedo. Assim acontece no termo da Guarda antes de 133038. Na região de Coim­ bra, pelo contrário, não parece haver indícios de despovoamento antes da década de 1340, em que se deu a Peste Negra, apesar da fome de 133339. Da existência de gente pobre e de marginalizados à volta das cidades da Estremadura não faltam indícios já desde o século x i i . Efectivamente, a Vida de São Martinho de Soure atribuiu-lhe a especial virtude de socorrer os inúmeros pobres que havia nessa localidade à beira da fronteira com os Mouros40. Em 1179, quando Afonso Henriques deixa grandes somas de dinheiro para obras pias, reserva algumas especialmente para os pobres de Lisboa, Santarém, Coruche, Abrantes, Tomar, Torres Novas, Ourém, Leiria e Pombal, sem contar o que destina aos pobres de cada diocese, en­ tre as quais Lisboa e Coimbra (D R 334). Eram estes pobres e marginais que provavelmente engrossavam os bandos de cavaleiros e de peões quê partiam de Santarém para tentar pilhar povoações como Alcácer do Sal apesar de nem sequer terem armamento de ferro (ADA, p. 157), mas cujo ímpeto lhes permitiu conquistar Évora (ADA, p. 158). Eram eles, iguàlmente, como os «malcalçados» de Cid, o Campeador, que sob o seu co­ mando tentavam escapar à fome e à «coita»41, os latrones recrutados por Geraldo Sem Pavor (ADA, p. 158), que durante tantos anos constituíram o terror dos mouros de Badajoz e de todas as povoações à sua volta42. Pe­ los relatos que dos seus ataques fizeram os autores árabes, pode admitir-se que não constituíssem grandes exércitos. Mas o que importa é verificar a coincidência do seu aparecimento com a época em que se registam os exce­ dentes demográficos no Norte, e a aglomeração de gente nas cidades e vilas da Estremadura. É daí que nascem os pobres e os aventureiros que a socie­ dade de então não consegue enquadrar. C

r ise

de

1190-1210

Pelos fins do século x i i , a pressão demográfica diminui ligeiramente, em virtude da intensificação das investidas almóadas de 1181 a 119543, o que deve ter provocado o refluxo da população da linha do Tejo, que tenta re­ 36 Robert Durand, 1983a, pp. 66-94 e, sobretudo, pp. 85-93. 37 J. Mattoso, 1985, pp. 329-345; id.y 1985b. Ver fig. 23. A disparidade regional da distribui­ ção geográfica e da organização do espaço verifica-se também na Estremadura castelhana, mesmo numa área relativamente reduzida, como a diocese de Ávila: Angel Barrios Garcia & A. Martin Exposito, 1983, pp. 113-148. 38 Rita Costa Gomes, 1987, p. 101. 39 M. Helena Coelho, 1983, pp. 17-26. 40 Vita S. Martini Sauriensis, in SS, p. 61b; cf. J. Mattoso, 1982b, pp. 298-300. 41 Poema de Mio Cid., v. 1023, 1189-1190. 42 David Lopes, 1940, pp. 95-109. 43 À. Huici Miranda, 1954, p. 37; A. B. da Costa Veiga, 1956, pp. 329-339.

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gressar às cidades ou voltar ao Norte, mas sobretudo por causa de uma sé­ rie de maus anos agrícolas pelos anos 1191 ou 1196 a 1199, que assolaram particularmente a Terra de Santa Maria (Feira), Braga e a Galiza. Seguir-se-iam graves intempéries em Évora, Santarém e Coruche em 1216 e 1218. Sentiam-se, assim, no nosso país, fomes paralelas às que assolaram o resto da Europa e o Norte de África entre 1193 e 1197, e a Inglaterra em 120244. A fome obrigou muita gente da zona de Gaia, Viseu e Entre-os-Rios a vender as suas terras45. Os cónegos de Braga tinham de empenhar as suas propriedades para se alimentarem antes de 1206 (LF 498), e o papa Inocêncio III responde a uma consulta do arcebispo de Braga, declarando que não deverão fazer penitência aqueles que durante a Quaresma come­ ram carne em tempo de fome, no qual a maioria da gente morria por falta de víveres (MHV, I, n.° 329, de 1206 = BPIn. III, n.° 109). Daí resulta­ ram agitações populares da gente faminta que desencadearam a revolta burguesa do Porto de 1208 a 121046, as agitações de 1207 em Lisboa47, as pilhagens dos coutos de Alcobaça pouco antes de 121048, os protestos dos clérigos de Leiria no ano seguinte49, as questões entre o mosteiro de Tarouca e os seus vizinhos50. O

SÉ C U L O X III

Mas os maus anos agrícolas parecem, depois, ter cessado quase por com­ pleto. Nem os da Europa central de 1224-1226, nem os mediterrânicos de 1226, 1232 e 1237-1238 se registam entre nós. Os de 1255-1262, que afectaram gravemente Leão e Castela51, pelo contrário, devem ter-se feito sentir também em Portugal. As dificuldades de abastecimento de trigo ain­ da se faziam sentir em 1268-1272 por ocasião dos anos maus da Europa atlântica desse mesmo período52, a seguir ao qual se regista na Beira um surto de peste, em 127353. Enfim, o ano mau de 1293 no Mediterrâneo coincide aproximadamente com a notícia da falta de pão na Estremadura em 129554. Assim, se as calamidades da passagem do século x i i atenuaram mo­ mentaneamente a pressão demográfica, não evitaram as novas acumulações de gente, não menos intensas do que as do século anterior, como se pode deduzir da já mencionada comparação das inquirições de 1220 com as de 1258. Ela é talvez responsável pelo recrudescimento do banditismo e da agitação social que precedeu a guerra civil de 1245 e se prolongou pelo 44 C. 1419 (ed. Magalhães Basto), pp. 153-154; Chronicon Conimbricense, in SS, p. 3b; C. 1419 (ed. Silva Tarouca), I, pp. 175-177; A. H. de Oliveira Marques, 1978, p. 37. 45 J. Mattoso, 1985, pp. 389-408. 46 Herculano, 1980, v. II, pp. 140-145. 47 Gérard Ptadalié, 1975, p. 29; LPA, p. 148. 48 D S 212, 213, 214, 215. 49 J. Mattoso, 1985b. 50 A. Femandes, 1976, does. de pp. 296-297, 299. 51 S. Aguadé Nieto, 1980. 52 A. H. de Oliveira Marques, 1978, p. 38. 53 M. Gonçalves da Costa, 1979, II, p. 89. 54 Oliveira Marques, 1978, pp. 38-39.

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menos até 1250, registando-se principalmente nas áreas mais densamente habitadas, ou seja, nas dioceses de Braga, Porto e Lamego55. Durante a segunda metade do século xm , a intensificação das actividades económicas permite, segundo parece, equilibrar melhor os níveis da população e dos recursos alimentares. Efectivamente, a criação de feiras56, a construção de pontes e igrejas57, o surto do comércio marítimo interna­ cional58, a diminuição da pirataria muçulmana no Atlântico, a prosperida­ de das cidades parecem indicar um certo domínio da situação. De facto, parece ter-se conseguido durante algum tempo aumentar a produtividade por meio da secagem de pântanos ou o arroteamento de montes e de ma­ tas59, e a intensificação das actividades piscatórias60, ou mesmo a generali­ zação de melhores técnicas agrícolas, como a melhoria dos processos de assolamento, o desenvolvimento da criação de gado, o uso de instrumentos de ferro, sobretudo do arado61, a utilização de plantas azotadas e a intensi­ ficação do cultivo de leguminosas62. Estes processos, todavia, não impedem as carestias de pão registadas em 1267, 1273 e 1295, e muito menos as novas fomes que se abaterão sobre o país a partir de 1331 e anunciam a grande depressão do século xiv. Antes delas, é provável que já a guerra civil de 1319-1324 fosse agravada por um mal-estar generalizado, eventualmente resultante de carestias paralelas às que se registaram na Europa do Norte entre 1314 e 131963- Como se sabe, uma das teorias mais em voga acerca das catastróficas consequências çla peste é a que vê na fome generalizada a debilitação da gente incapaz de re­ sistir à doença. Mas a fome, por sua vez, resultaria da incapacidade para absorver uma população excessiva para os recursos então disponíveis, e que a rudimentar tecnologia produtiva não conseguia aumentar64. O nosso país, pelos vistos, não escapou também à peste. Talvez em virtude das mes­ mas causas. A análise do caso do baixo Mondego por M. H. da Cruz Coe­ lho parece confirmar esta hipótese65. C

o n clu sõ es

Assim, apesar das lacunas e incertezas deste panorama, e da falta de dados quantitativos que permitam definir a amplitude dos fenómenos detectados, podemos apresentar o seguinte panorama como resposta à pergunta inicial: a Reconquista não resulta do crescimento demográfico, mas tem muito a 55 J. Mattoso, 1985, pp. 57-75. 56 V. Rau, 1943. 57 J. Mattoso, 1985, pp. 149-169. 58 Oliveira Marques, 1982, pp. 162-169. 59 M. H. Coelho, 1983, pp. 41-69. Testemunhos noutros lugares da Estremadura: M. Heleno, 1922; C. M. Baeta Neves, 1 9 8 0 ,1, does. 22, 23, 26, 31, 36, 39, 69; J. C. de Sousa, doc. 10; arro­ teamentos no Alto Minho, entre 1258 e 1307: M. Helena Coelho, 1990, I, p. 208. 60 A. Sampaio, 1923, pp. 255 e segs.; V. Magalhães Godinho, 1983, IV, pp. 120-124. 61 Oliveira Marques, 1978, p. 97; M. H. Coelho, 1983, pp. 201-214. 62 Numerosos testemunhos de identificação do seu cultivo na periferia das cidades, como vere­ mos adiante. Cf. E. Portela, 1976, pp. 124-130, para a região de Tuy. 63 Oliveira Marques, 1978, pp. 39-40. 64 J. A. Garcia de Cortázar, 1983, pp. 41-45. 65 M. H. Coelho, 1983, pp. 5-81.

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ver com ele. Temos pelo menos a certeza de que houve um crescimento populacional importante que foi certamente excessivo na zona de maior densidade, Entre-Douro-e-Minho, e que levou durante o século x i i à ex­ pansão da sua gente para as áreas menos povoadas de entre Lima e Minho, o vale do Tâmega, as margens do Douro e o litoral a sul deste rio, até ao Mondego. É, decerto, por uma paralela saturação de gente que os bandos marginais se dirigem para o Sul, onde constituem os «pobres» das povoações da Estremadura, e alimentam as expedições de conquista e pilhagem na fronteira do Tejo, durante a segunda metade do século x i i . O refluxo da po­ pulação da fronteira que foge aos Almóadas entre 1180 e 1195 aumenta a pressão demográfica, mas esta diminui logo a seguir em virtude das fomes e pestes de 1190-1210. Depois cresce de novo. Durante toda a primeira metade do século x i i , os excedentes alimentam um banditismo endémico nas zonas mais povoadas de Entre-Douro-e-Minho e da Beira Alta, as lutas entre bandos de nobres e a guerra civil de 1245-1248, e a agitação social que a prolonga pelo menos até 1250. Vencida a crise trazida pelas fomes de 1255-1262, segue-se uma expansão e, ao mesmo tempo, parece, o ra­ zoável equilíbrio entre a população e os recursos, perturbada apenas por fomes ou pestes episódicas e talvez de âmbito regional em 1267, 1273 e 1295, ao mesmo tempo que os senhores tentam canalizar os excedentes pa­ ra as zonas ainda despovoadas. Mas os que podem, preferem acumular-se nos espaços intercalares da Estremadura, no Ribatejo, na península de Se­ túbal e, em menor grau, nas cidades do Alentejo. As cidades crescem enor­ memente neste período (fig. 23) e os senhores, como veremos, aumentam as rendas e exacções. No princípio do século xrv, a guerra civil faz pressen­ tir novos desequilíbrios que se vão agravando até ao desencadeamento da grande depressão dos anos 30 e 40. Não esqueço que a questão demográfica me interessa como elemento para explicar a formação nacional e a superação da oposição entre o Norte senhorial e o país concelhio. De facto, os movimentos populacionais, mes­ mo quando não chegam a provocar grandes deslocações de massa, levam a transferências importantes, num movimento cuja tendência constante tem o sentido norte-sul e oeste-este. É ele que sustenta a senhorialização do vale do Douro, de Trás-os-Montes, de parte da Beira, da Estremadura e, depois, do Alentejo. É também responsável pelo crescimento das cidades, pela fixa­ ção do rei, da corte e de muitos nobres em Coimbra, Lisboa, Santarém, Evora e em várias povoações da Estremadura. Mesmo qué as transferências fossem quantitativamente reduzidas, a população autóctone na Estremadu­ ra e no Alentejo, demasiado débil, não parece ter oferecido resistência so­ cial nem cultural. A assimilação das gentes do Norte, de cultura diferente, foi facilitada pela preservação moçárabe das tradições latinas. Esta popula­ ção, sem quadros dirigentes nem uma forte classe dominante, teve de se submeter à que tudo passou a dirigir quando ocupou as cidades da Estre­ madura e do Alentejo. Os desníveis de densidade demográfica, que já se verificavam, sem dú­ vida, no século x, não desapareceram, porque a incapacidade tecnológica não permitia a subsistência de muita gente nas montanhas, nem mesmo no Alentejo. Daí, sobretudo das terras altas, a gente também fugia, acossada

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pela fome e pela dureza do clima. As tentativas de repovoamento fracassa­ vam constantemente. A região que provavelmente mais se modificou com os movimentos migratórios foi a Estremadura. Em última análise, foi a expansão demográfica de Entre-Douro-e-Minho que levou os dominadores a todo o país, que misturou, nas cidades, gentes de todas as procedências. Homens e mulheres que, passando à Lusi­ tânia, continuaram a chamar-se «Portugueses», isto é, gente de Portucale, do território portuense e que impuseram o mesmo qualificativo a todos os que tinham nascido dentro do reino, embora bem longe do Porto.

1.2. Tecnologia e economia O excesso de gente, as suas deslocações à procura de subsistência, o alarga­ mento das fronteiras políticas, a concentração em regiões onde os rendi­ mentos eram maiores, as tentativas abortadas de cultivar solos que à menor intempérie deixavam as sementes improdutivas, tais foram as realidades que vimos até aqui e contribuíram para fazer afluir gente de todos os lados ao litoral, à zona onde as cidades impunham à economia uma orientação própria. A economia, no entanto, não é só activada pelas necessidades elemen­ tares da população. Evolui também pelo seu próprio dinamismo, e, neste, a acumulação de bens desempenha um papel fundamental. Ora, o desen­ volvimento económico, isto é, o aumento de volume de bens em circula­ ção, da velocidade e fluidez de trocas nas áreas abrangidas pelos diversos circuitos, contribui poderosamente para o inter-relacionamento dos grupos humanos. Põe os concelhos em contacto uns com os outros, obriga os se­ nhores a negociar com os proprietários vilãos e vice-versa, associa os mes­ teirais e os mercadores, altera as relações entre os produtores e os consumi­ dores, transfere riquezas e propriedades, condiciona a política régia, abre, mesmo, as fronteiras terrestres e marítimas para levar os comerciantes a terras longínquas, onde se falam outras línguas e existem outros costumes. No domínio económico, o grande fenómeno a que se assiste entre o fim do século xi e o princípio do século xiv, em Portugal como no resto da Europa, embora aqui com algum desfasamento cronológico, consiste no abandono do sistema dominado pelo autoconsumo, para o substituir pro­ gressivamente pela economia de produção e de trocas. As comunidades hu­ manas, organizadas para a defesa e a resolução unilateral das suas necessida­ des, são obrigadas a quebrar o isolamento e têm de se integrar em grandes áreas de circulação de produtos, não já de âmbito regional, mas, agora, pe­ lo menos, nacional. Apesar da dificuldade do seu estudo, não se podem ignorar os proble­ mas tecnológicos, que aceleram ou retardam a produção e, consequente­ mente, condicionam o volume e o dinamismo das trocas. Aqui as interro­ gações serão constantes, e a necessidade de deixar os problemas em aberto, maior. Ver-se-á melhor, porém, a premência de os estudar logo que possí­ vel, para poder responder às dúvidas suscitadas pelo equacionamento das questões. Como já adverti anteriormente, o objectivo deste parágrafo não é exa­

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minar a vida económica e tecnológica em si mesma, mas encontrar nos factores materiais os elementos que condicionam, retardam ou aceleram o processo da formação nacional. Como se verá também, deste ponto de vis­ ta, nem todas as questões da história económica têm a mesma importância. A problemática que ela suscita e, sobretudo, a sua articulação com a histó­ ria cultural e política serão um convite a que os seus especialistas aprofun­ dem algumas questões às quais não se deram, até agora, respostas suficien­ temente precisas. Entre as que me parecem mais importantes, mencionarei apenas a reconstituição das conjunturas. Seria necessária uma datação mais precisa dos fenómenos económicos e uma definição rigorosa da sua nature­ za para o conseguir. Ora, até ao momento, os historiadores da economia medieval não parecem ter-lhes ligado a devida importância, preferindo es­ tudar estruturas de longa duração. N a tentativa de reconstituição das di­ versas fases conjunturais, que servirá de fio condutor a esta exposição, terei, por isso, de ser mais vago do que desejava e, até, de propor soluções para as quais não estou suficientemente seguro. Todavia, parece-me preferível correr esse risco do que ignorar esta questão fundamental num período de expansão e de transformação como o dos séculos xii e xm . 1080-1130 Começarei por recordar que a criação do condado portucalense, como uni­ dade política, se deve à premência da ameaça militar, trazida pela ofensiva almorávida. Esta seguia-se a um largo período de euforia conquistadora, que alargara as fronteiras cristãs do Douro até ao Mondego, permitira a emigração de bastante gente para o Sul, contribuíra indirectamente para consolidar os poderes senhoriais dos infanções e mosteiros nortenhos, e le­ vara, até, a uma primeira fase de alastramento dos mesmos poderes, na margem sul do Douro, em região não muito extensa a norte da Feira e do vale do Paiva. Ora, a intensificação dos combates na linha do Mondego, a partir de 1095, e a simultânea afluência de francos, juntamente com as divisões in­ ternas dos cristãos nos planos religioso e cultural, mas com enormes reper­ cussões em torno dos poderes políticos constituídos, desencadeia igualmente contradições no seio da nobreza senhorial e da classe dominante em geral. Face à aristocracia próxima da corte, que se alia aos francos, levanta-se a resistência ou desconfiança dos cavaleiros e das comunidades rurais ou cita­ dinas. As perturbações políticas e sociais em todo o reino de Leão-Castela trazidas pela agitação de 1108-1128 traduzem estas contradições. Permi­ tem a alguns elementos da aristocracia inferior, sobretudo cavaleiros que enriqueceram na guerra da fronteira meridional, agora abandonada a eles, dispor de meios suficientes para investir na terra e adquirir, peça a peça, domínios importantes em regiões ainda não senhorializadas. Já anteriormente (Vol. II, pp. 152-154) chamei a atenção para este tipo de aquisições que se concentra na região da Maia, na Terra de Santa Maria, e nas regiões pró­ ximas do Vouga e do Paiva, durante a segunda metade do século xi e, sobre­ tudo, as primeiras décadas do seguinte. Coincidem, portanto, com a referida agitação e com a intensificação da vida militar. Foi assim que se tornaram

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grandes proprietários Trutesendo Guterres e o seu irmão Gonçalo66, João Gosendes67, Soeiro Fromarigues e seu filho Nuno Soares68, e Ramiro Gon­ çalves69. Muitos dos seus domínios seriam herdados respectivamente pelo mosteiro de Moreira da Maia, pela Sé de Coimbra, e pelos mosteiros de Grijó e Tarouquela. As aquisições de vários cavaleiros em torno de Viseu70, que não foram, mais tarde, transformadas em domínios eclesiásticos, con­ firmam a amplitude do movimento de transacções de terras nesta fase, e a substituição do cultivo directo dos pequenos proprietários pelo trabalho de dependentes, que tinham de entregar ao senhor uma parte importante dos seus rendimentos. Neste momento, porém, estava já em declínio a fase da constituição dos grandes domínios monásticos em Entre-Douro-e-Minho, para os quais, durante as décadas anteriores, desde cerca de 1080, se haviam transferido grandes porções da fortuna imobiliária dos magnates71, sem que estes fos­ sem por isso afectados, pois a operação contribuiu para consolidar a sua posição política e social. As dioceses, pelo menos as de Braga e Coimbra, pelo contrário, continuavam a adquirir terras e montavam por esta época a sua administração e organização72, investindo mais na criação de sistemas eficazes de cobrança de rendas do que na melhoria dos rendimentos73. Em termos económicos, portanto, o fenómeno dominante do período 1080-1130 consiste na concentração das fortunas imobiliárias de feição se­ nhorial, entre as quais se distinguem as dos mosteiros de Entre-Douro-e-Minho, e das dioceses de Braga e Coimbra, as mais antigas dos senhores da alta aristocracia e, depois, as mais recentes, de alguns nobres de nível inferior, enriquecidos pela guerra, que transformam em domínios senho­ riais terras de pequenos proprietários da zona da Maia, do baixo Douro, do Vouga e do Paiva. Os primeiros indícios de actividade mercantil, detèctados com o apare­ cimento de mercadores francos em Guimarães (D R 3, 55) e com o estímu­ lo dado a alguns centros, como Constantim de Panóias por D. Henrique (D R 3) e Ponte de Lima por D. Teresa (D R 69), devem considerar-se de­ masiado ténues para caracterizar o conjunto, embora importantes em vir­ tude, justamente, do seu contraste com a orientação global da época. Estes centros traduzem, talvez, a larga influência económica de Santiago de Compostela, principal polo de circulação monetária e mercantil da Hispânia setentrional74. A sua influência transformadora, no entanto, é limitada. A concentração monetária que aí se dá torna este centro alvo de grandes lutas e cobiças. Os seus beneficiários, de resto, tendem, nesta fase, a ente­ sourar ou a canalizar para o exterior (para Roma e Cluny), em negócios ou 66 J. Mattoso, 1981, pp. 220-222. 67 Leontina Ventura, 1985. 68 R. Durand, 1971. 69 R. Durand, 1982a, pp. 293-295. 70 D R 74. 71J. Mattoso, 1968, gráficos de pp. 346, 347, 349, 350, 352, 353, 354. 72 É o que se deduz da cronologia das aquisições registadas no LF de Braga e LP de Coimbra. As do Porto são mais tardias. 73 O exemplo típico é o Censual de Braga: A. de J. da Costa, 1959. 74 J. Gautier Dalché, 1979, pp. 67-96; id.y 1983.

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empreendimentos de aquisição de prestígio (como a catedral), os metais preciosos que acumulam, e pouco investem. O outro pólo de transforma­ ção económica, Coimbra, responsável pela concentração das transacções entre a zona económica muçulmana e a área cristã também não é por si só suficiente para alterar a fisionomia da economia portucalense. Os princi­ pais beneficiários são os senhores que entesouram os bens de luxo aí adqui­ ridos e os cavaleiros que, como vimos, investem na terra para se tornarem eles próprios senhores de grandes domínios. Em termos globais, portanto, em nada se altera a predominância do sistema de autoconsumo para o qual tende a organização social. As comunidades rurais não englobadas por ela também o adoptam como sistema dominante. 1130-1160 Logo no princípio da década de 1130, a fixação de D. Afonso Henriques em Coimbra deve considerar-se o ponto de partida para uma mutação im­ portante. Representa a atracção que aquele centro urbano exerce sobre um chefe político ambicioso, o qual se dá conta da sua importância económi­ ca. É, ao mesmo tempo, o acto inicial do recrudescimento da ofensiva cris­ tã, que irá polarizar uma parte importante da aristocracia durante os trinta anos seguintes e que canalizará para a guerra ofensiva, e não apenas para as operações de pilhagem, os esforços da camada activa da população. Os contactos que, por esta altura, se fazem com os cruzados podem ser impor­ tantes, por abrirem horizontes ao futuro mercado internacional, mas não dão ainda qualquer resultado significativo em termos económicos. Efectivamente, o fenómeno dominante do trinténio 1130-1160 é o in­ vestimento na guerra ofensiva. Este esforço, dirigido, obviamente, por Afon­ so Henriques e os seus colaboradores, tem os seguintes resultados principais: a) no Norte, a activação da senhorialização, que beneficia não apenas a grande aristocracia tradicional, como Egas Moniz no Douro75 e os Sousas no Tâmega superior76, mas também os cavaleiros colaboradores do rei, que criam os seus domínios em Entre-Douro-e-Minho77 e, ainda, os mosteiros de dimensões médias e pequenas, que oferecem ao rei cavalos e moeda pa­ ra financiar a guerra, a troco de concessões de imunidade78; b) na Beira, a consolidação das comunidades e dos concelhos e o fortalecimento da cava­ laria vilã que investe na terra os benefícios da guerra; c) em Coimbra, a ac­ tivação do artesanato que trabalha na fabricação de armas e nos couros79, e na Beira central a constituição de domínios senhoriais pertencentes ao bis­ po de Coimbra, aos cónegos de Santa Cruz, a outras instituições eclesiásti­ cas, e a vários cavaleiros da mesma cidade80; d) por intermédio da integra­ 75 A. Fernandes, 1979, pp. 117, 144-145. Ver fig. 9. 76 A. Fernandes, 1960, mapa 2, junto à p. 120. 77 Ver as informações sobre Valadares, Cerveiras, Velhos, Azevedos, Soverosas, Pereiras, Ramirões, Cunhas, Grijó, Límias e Ribeiras, vol. II, pp. 114-119, 143, 148, 150-152, 182-184; e J. Mattoso, 1982b, pp. 181-182. 78 J. Mattoso, 1981, pp. 270-275. 79 Cf. as posturas municipais de 1145: Leg. p. 743 = LP 576. 80 J. Mattoso, 1981, pp. 315-330.

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ção dos grandes centros urbanos de Santarém e Lisboa no território cristão, a definição de um espaço económico dotado já de um número suficiente de centros de produção e trocas para se orientar numa direcção própria, e com capacidade para deixar de depender da dominação senhorial; e) ainda por intermédio da conquista de Lisboa e Santarém, mas também em virtu­ de da disponibilidade monetária dos participantes na guerra, a activação dos circuitos monetários que começam a injectar a moeda em torno das vias de comunicação: primeiro no litoral e, já no período seguinte, para o interior81. Estes fenómenos, no entanto, representam mais as virtualidades futuras do que uma alteração das dominantes fundamentais. Estas continuam a resi­ dir na tendência para o autoconsumo, tanto por parte da organização se­ nhorial, mesmo dos senhorios recém-criados, ‘como por parte dos concelhos. Os elementos que escapam a esta caracterização global e não decorrem directamente da guerra ou da inclusão das cidades no espaço português, não chegam para alterar a sua predominância. Refiro-me às fundações de eremi­ térios na periferia das zonas mais habitadas ou junto às vias de comunica­ ção82, à intensificação das viagens e aos primeiros indícios da pauperização83. Constituem simultaneamente os subprodutos do sistema senhorial e a ma­ nifestação da sua incapacidade para integrar os excedentes humanos numa situação de crescimento demográfico. A verdade é que, em termos globais, mesmo uma instituição fundada em plena cidade, como o mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, apesar da atenção dos seus membros para com os problemas pastorais e internacionais, se organiza, em termos económicos, como um centro senhorial possuidor de grandes domínios nas terras recém-adquiridas ou recém-pacificadas84. O mesmo se diga das cidades sujeitas ao senhorio eclesiástico, como Braga (1109) e o Porto (1120). O contacto dos centros senhoriais com a economia urbana levará, porém, a importantes al­ terações do sistema. 1160-1190 Efectivamente as mudanças registadas durante o período de 1160-1190 atingem o próprio sistema de autoconsumo. Os seus maiores protagonistas são os mosteiros cistercienses e as ordens militares. Segundo parece, os pri­ meiros adoptam em grande escala os métodos da exploração directa e criam rendimentos superiores à sua capacidade de consumo; os segundos dispõem de grandes propriedades na retaguarda, muitas delas a grande distância da fronteira, cujos benefícios aplicam na guerra, e colocam os bens produzi­ dos no mercado. Tornam-se, portanto, grandes empresas agrícolas cuja produção surge no momento em que as cidades também aumentam de vo­ lume e se transformam em importantes centros consumidores. Os cistercienses aparecem portanto, nesta fase, como os principais res­ ponsáveis pelas brechas abertas no sistema de autoconsumo. Além disso, 81 R. Durand, 1982a, pp. 234-256; J. Mattoso, 1968, pp. 381-382. 82 J. Mattoso, 1982b, pp. 108-114. 83 Ibid., pp. 298-311. 84 Leontina Ventura e A. S. Fatia, 1990, pp. 27-36, e o apêndice de pp. 386 e segs.

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interessam-se pelos investimentos produtivos, como a criação de gado, e por aperfeiçoamentos tecnológicos, como o uso dos instrumentos de ferro, a construção de moinhos e canais ou, mesmo, a exploração de minas85. Vendendo os excedentes, investem os ingressos monetários em lugares es­ tratégicos pela capacidade de produção ou aptos ao escoamento dos produ­ tos. Assim, já em 1173-1185 tinham organizado a comercialização do sal e adquirido um barco para o venderem mais caro, em Lisboa86. Entram, pois, a fundo na economia monetária e tornam-se até centros de crédito capazes de financiar nobres e leigos87. Os aperfeiçoamentos tecnológicos podem não se dever exclusivamente aos monges brancos, mas foram eles, sem dúvida, quem daí tirou o melhor partido. Não havia muitos produto­ res com capacidade de investimento suficiente para o$ tornarem rendíveis e aplicarem em grande escala88. Conhece-se muito pior o papel desempenhado pelas ordens militares, mas pode presumir-se, pelo menos a julgar pelo exemplo que a Ordem de Santiago constitui para Leão e Castela89, que também entre nós fossem organismos impulsionadores de grandes explorações e da sua integração na economia de mercado. Em Portugal, só mais tarde se especializariam na pecuária de grandes dimensões. Mas já os templários e os hospitalários portugueses deviam, durante o trinténio de 1160-1190, ter colocado no mercado os rendimentos das suas enormes propriedades no Norte90. Os canais construídos pelos templários junto do rio Zêzere sugerem também que tivessem utilizado uma tecnologia «moderna»91. Não esqueçamos, todavia, que, durante o período de 1160-1190, se atravessa ainda a fase de montagem destas «grandes empresas», cuja rendi­ bilidade só viria a exercer um peso determinante na economia do país no princípio do século xm . Durante o fim do século anterior, os cistercienses fundaram as suas granjas e organizaram a exploração. Tarouca concentra nos anos 1170 a 1182 a maioria das suas compras. Em 1193 tem já dezas­ sete granjas, das quais uma junto do Porto, e duas perto de Lisboa (PUP, n.° 137). Tinha fundado nove entre 1163 e aquele ano (PUP, n.° 61). Alcobaça ocupava-se quase só em criar as infra-estruturas produtivas dentro dos seus imensos coutos (cf. PUP, n.° 66). A disponibilidade monetária que, a nível geral, se começa a sentir nesta época é utilizada, por um lado, na continuação do esforço militar, como demonstra o conjunto de operações de guerra no Alentejo até 1169, e, por outro lado, na construção de igrejas, catedrais e castelos que emprega uma 85 Para Tarouca, ver, quanto ao gado, A. Fernandes, 1976, pp. 15, 121, 123, 132, 218; e, quanto ao ferro: id., 1970, pp. 14, 331; id.y 1976, pp. 294; para Alcobaça, ver R. Durand, 1982a, pp. 201-231. 86 Miracula S. Vincentii (ed. Aires Nascimento, 1988, pp. 62-64). 87 Emprestam, a Gonçalo Mendes de Sousa, 864 maravedis em 1230: R. Durand, 1982a, p. 32Í. 88 A estimativa global de R. Durand, 1981, pp. 101-117, parece-me minimizar excessivamente a contribuição cisterciense para a economia portuguesa, por não ter em conta a sua capacidade de inovação no conjunto em que se insere. 89 J. L. Martin, 1973. 90 Cf. M. J. Lagos Trindade, 1981, pp. 129-143. 91 C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 1.

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enorme quantidade de mão-de-obra nas cidades e em meios rurais92. Tanto a guerra como os investimentos construtivos permitem sustentar uma apre­ ciável quantidade de gente, atraindo a primeira um certo número de mar­ ginais que o sistema senhorial e a expansão demográfica produzem e cuja presença se nota sobretudo, como vimos, nas regiões de fronteira. 1190-1210 Vimos igualmente que o desequilíbrio entre os recursos disponíveis e as necessidades da população agravou a crise demográfica de 1190-1210. As suas consequências económicas mais imediatas decorrem da necessidade que os famintos têm de vender as suas terras, o que contribui para aumen­ tar ainda mais os grandes domínios93. Estimulados pelo exemplo das em­ presas cistercienses e outras, dispondo, sem dúvida, de meios de investi­ mento, surgem pela primeira vez, durante este período, os leigos que se interessam pela exploração directa, como Lourenço Fernandes da Cunha94. Mas as construções de igrejas e pontes sofrem, por esta altura, uma crise95. Pelo contrário, a participação dos mercadores nos lucros permite-lhes agora empreenderem viagens marítimas e irem comprar os seus panos a D u­ blin96, Inglaterra97 ou Bruges98. Compreende-se, assim, que os comercian­ tes, assediados pela pirataria sarracena do Atlântico, estivessem vivamente interessados na conquista de Silves (1189), donde partiam muitos ataques aos seus barcos99. As actividades comerciais com Leão e Castela poderão parecer menos inovadoras, mas não deixa de ser significativo que se inten­ sifiquem também pelo fim do século x ii , sendo então mencionadas as im­ portações de panos em Pinhel, Penamacor e Melgaço100. 1210-1250 Os anos de 1210 a 1250 marcaram já a plenitude das explorações cistercien­ ses e das ordens militares. Um dos indícios deste facto é o quase monopólio da indústria moageira que os monges de Alcobaça obtêm em Leiria a partir de c. 1220 e que sustentam até ao fim do século xm, apesar da oposição do concelho101. Os seus exemplos são agora seguidos por outros grandes domí­ nios monásticos que decerto os imitam, senão em todos os aspectos da sua organização administrativa, pelo menos nos investimentos produtivos e na comercialização dos produtos. Assim fazem os cónegos regrantes de Coim­ bra e de Lisboa, sendo de mencionar a tentativa destes para obterem em 92 J. Mattoso, 1985, pp. 149-169. 93 J. Mattoso, 1985, pp. 389-408. Para Tarouca, ver o aumento de compras em 1193-1204: Almeida Fernandes, 1976, passim. 94 J. Mattoso, 1982a, pp. 115-127, 225-226. 95 Gam a Barros, X, pp. 222-224. 96 Ch. Verlinden, 1948, pp. 453-467. 97 Gam a Barros, X, pp. 222-224. 98Vanden Bussche, cit. por T. de Sousa Soares, in Gama Barros, X, p. 402. 99 A relação entre estes dois factos foi estabelecida por Ch. Verlinden, 1949, p. 176. É sugerida pelos próprios interesses económicos revelados pela Narratio (ed. David, pp. 633-642). 100 Ana M. Ferreira, 1983, p. 19. 101 Pedro G. Barbosa, 1991, pp. 39-53.

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Castelo Mendo um ponto estratégico economicamente importante102. De par com o poder económico de que estas «empresas» dispõem, pode apontar-se agora a tentativa realizada por Afonso II para racionalizar a adminis­ tração régia, contabilizando os rendimentos através das inquirições (1220), organizando a chancelaria e opondo-se à senhorialização dos domínios ré­ gios. Também não deixou de se interessar pelo encorajamento do comér­ cio de cidades tão importantes como Lisboa, Coimbra e Évora103. Os seus processos contabilísticos são adoptados por outros senhores. De facto, em 1213 os notários das infantas suas irmãs contabilizam minuciosamente os prejuízos que tiveram com as duas guerras em que se opuseram ao rei — 14 526 morabitinos numa e 15 507 noutra — , para reclamarem uma in­ demnização junto da cúria romana104. À sua política «moderna» sucede, porém, a incapacidade de Sancho II para impedir a senhorialização quase desenfreada dos domínios da baixa nobreza em Entre-Douro-e-Minho, Beira Alta e Trás-os-Montes e o aumento dos de outras categorias nobres. O segundo grande facto desta época, com repercussões económicas de grande amplitude, é o avanço da Reconquista até à ocupação definitiva do Algarve. As ordens militares, sobretudo a de Santiago e, depois, a dos Hospitalários, revelam, no esforço bélico então realizado, a sua enorme poten­ cialidade económica. Regista-se então o aumento de cidades na Beira e no litoral estremenho, o que só pode significar a activação das suas funções económicas. O desen­ volvimento do comércio manifesta-se agora por alguns particulares possuí­ rem importantes somas de moeda estrangeira, sobretudo soldos leoneses e de Burgos, mas também soldos torneses e, até, libras105106. A intervenção dos membros da nobreza na economia cresce lentamente como se pode ver do exemplo de Pêro Anes da Nóvoa, o mordomo-mor de Afonso II, que se mantém no poder durante algum tempo, mesmo depois de 1 2 2 3 . As grandes aquisições de Rodrigo Forjaz de Leão, de Gil Martins de Riba de Vizela, e ae Gil Vasques de Soverosa ao sul de Vizela devem datar desta época107. Os nobres, porém, raramente se interessam pela gestão directa * dos instrumentos de produção. Assim, por exemplo, tendo Afonso II dado dois moinhos em Leiria a dois nobres da corte, eles entregam-nos pouco depois ao mosteiro de Alcobaça, embora um deles receba em troca uma renda vitalícia108. A nível mais global regista-se, com importante significado, o aumento do preço da terra, perto das cidades, e particularmente das vinhas109. De 102 V. Rau, 1982, doc. 1. Ver também, já em 1138, o povoamento de Cucos (Fig. da Foz) por Santa Cruz: M. H. Coelho, 1983, doc. 1; o aumento de marinhas de sal pelas igrejas de São Jorge e São Bartolomeu de Coimbra em 1236: ibid., doc. 9. 103 Ver Silva Marques, 1944, I, doc. 3, pp. 595-596; conf. do foral de Coimbra por Afonso II (Leg., p. 416) e os privilégios concedidos a Évora (G. Pereira, 1885, doc. 6, mal datado). 104 Relato «Haec sunt acta negotii» in Herculano, II, p. 589. 105 R. Durand, 1982a, pp. 256-258. O arcebispo de Braga protesta em 1250 por Afonso III pôr obstáculos à circulação de moeda leonesa (Leg., p. 186). 106 M PHI, doc. 4. 107 L. Krus e O. Bettencourt, 1982, pp. 41-44. 108 Pedro G. Barbosa, 1991, pp. 48-50. 109 R. Durand, 1982a, p. 307. A incidência da proximidade dos centros urbanos sobre o preço da terra revela-se na disparidade dos ritmos de encarecimento na região de Coimbra e, sobretudo, da Estremadura, comparados com a região do Vouga.

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facto, os cultivadores interessam-se cada vez mais pela produção do vi­ nho110, que passa a ser o produto agrícola em que os mercadores mais in­ vestem. Vêm a seguir os ferragiais na periferia das cidades111. A intervenção dos senhores na administração da terra revela-se pelo aumento dos prazos em vidas e a diminuição dos perpétuos, a começar pelas terras da Estre­ madura112. A redução do número dos prazos perpétuos continuará ainda nas décadas seguintes. Constitui um importante indício da lenta recupe­ ração do senhorio sobre as terras cedidas com perda da administração directa. No domínio do comércio externo, os indícios não são muito mais abundantes do que na época anterior, excepto nos contactos com a Ingla­ terra, onde os mercadores portugueses parecem, agora, numerosos113. As informações sobre os contactos dos portugueses com a França de 1240 são mais vagas114. Apesar da escassez destes dados, a documentação relativa ao comércio externo, logo no princípio do reinado de Afonso III, é de tal or­ dem que tem de se pressupor que nessa época já tinha atingido notável re­ gularidade e intensidade a importação de panos de luxo. De facto, em 1253 tabelam-se os preços de nada menos do que trinta e oito tipos dife­ rentes de tecidos, dos quais trinta e quatro fabricados na Inglaterra, na Flandres, na Bretanha e na Normandia, além de três ou quatro vindos de Castela115. A venda dos mesmos panos castelhanos na feira de Guimarães, em 1258, vem confirmar esta interpretação116. 1250-1280 Apesar disso, a conjugação de todos estes indícios numa estrutura em que domina já a economia monetária e de mercado só se dá propriamente a partir da chegada ao poder de Afonso III. Tendo vivido longos anos em França e sendo pessoalmente dotado de grande capacidade de gestão, dir-se-ia que transforma a Coroa e os domínios régios numa autêntica empre­ sa pré-capitalista, cujo financiamento se baseia numa hábil política mone­ tária. Os principais meios de que se serve são os seguintes: a) as sucessivas desvalorizações da moeda, ou ameaça de o fazer, como pretexto para lançar impostos extraordinários117; b) a reorganização do domínio régio, proce­ dendo a um novo cadastro (1258) e, em certos lugares, racionalizando a cobrança das rendas, entre outros processos por meio da sua conversão em

110 Multiplicam-se nesta época os emprazamentos com obrigação de plantar vinhas. Ver R. Durand, 1972, p. 36; M. J. Trindade, 1981, p. 186. 111 Sobre as culturas na periferia das cidades, ver M. J. Trindade, 1981, p. 186; M. A. Beirante, 1988, mapas, de pp. 329, 419, 421, 423, 437, 439, 457, e pp. 648-649; Hermenegildo Fernandes, 1991, p. 51. 112 Comparar os dados fornecidos por R. Durand, 1982a, p. 391, com os de M. H . Coelho, 1983, fig. 12, confirmados, para a zona de Évora, por M. A. Beirante, 1988, p. 351. Ver, no fim deste vol., fig. 24. 113 Gama Barros, X, pp. 223-224. 114 Câmara Municipal do Porto, 1983, p. 76. 115 Leg., 193; Cf. Ana M. Ferreira, 1983, pp. 18-25. 116 V. Rau, 1943, p. 449. 117 Oliveira Marques, 1980, pp. 205-207; M. J. Pimenta Ferro, 1977.

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dinheiro, pago em três prestações118, e o arrendamento da cobrança, que entrega a indivíduos experimentados119; c) a aquisição e exploração de aze­ nhas, pisões, lagares, açougues, casas e tendas nas cidades, o que lhes per­ mite também aumentar os ingressos em moeda120. Destas medidas deve ter resultado, entre outras consequências indirectas, o fomento da difusão monetária em todos os níveis e locais do país, mesmo nos meios rurais onde ela até então mal tinha chegado, embora em si mesmas se destinassem a aumentar a capacidade financeira da Coroa, mais do que a investir em meios de produção. Por outro lado, as medidas de outra natureza, embora dirigidas no mesmo sentido, constituem estímu­ los directos às actividades comerciais. Quero referir-me, por exemplo, à protecção aos pescadores das proximidades de Lisboa, o que facilita o abas­ tecimento de peixe à cidade e, ao mesmo tempo, permite melhorar a co­ brança do dízimo121. E sobretudo a sua bem conhecida acção protectora das feiras. Esta, porém, não é a mais precoce: depois de alguns casos espo­ rádicos, situa-se sobretudo a partir de 1270. Será continuada com não me­ nos vigor por D. Dinis122. Parece ser também em virtude das suas conse­ quências financeiras que o mesmo rei promulga regulamentos do comércio externo no sentido de equilibrar as importações com as exportações e de impedir o escoamento de produtos pouco abundantes no país, como ce­ reais (1273?) e metais preciosos123, e ainda canalizar as transacções interna­ cionais para portos onde a cobrança da dizima se pudesse fazer eficazmen­ te. O mesmo intuito se nota na criação de um ponto de apoio da cobrança régia em Vila Nova de Gaia, o que lhe permitia desviar para o tesouro ré­ gio uma parte dos cobiçados rendimentos arrecadados pelo bispo do Porto (Leg., pp. 662-664). Como se sabe, as leis de Afonso III consagraram a mudança do sistema monetário, cujo padrão era anteriormente o maravedi de ouro, de inspira­ ção muçulmana, para o da libra, usado na Europa. R. Durand pensa, de­ certo com razão, que esta medida não tinha apenas a vantagem de permitir uma melhor integração na economia de além-Pirenéus, cuja influência so­ bre Portugal era cada vez maior, mas também a de facilitar a articulação entre as grandes e pequenas transacções, pois estas, realizadas em soldos e dinheiros, constituíam, afinal, a base da economia corrente124. Depois da política monetária (inseparável, como vimos, da fiscal e ad­ ministrativa), o reinado de Afonso III distinguiu-se por uma intensificação do comércio externo, agora não só no Atlântico Norte, mas também no Mediterrâneo. Como vimos, já no período anterior o primeiro se tinha tornado regular e intenso. Depois de 1250 verifica-se a multiplicação das referências a comerciantes portugueses na mesma zona e ainda em Bordéus 118 Herculano, 1980, III, pp. 78-81; M. J. Pimenta Ferro, 1977, p. 486. O cuidado pelo do­ mínio régio situa-se em 1253-1258. Datam deste período 39 dos 64 forais que o rei deu durante o seu reinado. Os deste período são, na sua maioria, forais rurais e de mera administração. 119 Ver os documentos administrativos publicados por J. P. Ribeiro, 1813, v. III/2, doc. 29. 120 A. Castro, 1965, III, pp. 376-379; ver também J. P. Ribeiro, 1810, I, doc. 57. 121 C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 2 de 1255. 122 V. Rau, 1943. 123 Leg., 194, 253-254; Gam a Barros, IX, p. 317; O. Marques, 1980, pp. 205-206. 124 R. Durand, 1982a, pp. 253-257.

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e La Rochelle125. Mas aparecem agora, pela primeira vez, referências a mer­ cadores italianos residentes em Portugal. Trata-se de um genovês, Dom Vivaldo, fixado em Lisboa pelo menos desde 1270126. Convém aqui notar a diferença que se verifica entre o comércio do Mediterrâneo e o do Atlânti­ co: este é feito durante todo o período que estudamos por mercadores por­ tugueses; aquele normalmente por italianos e, decerto, também por cata­ lães127. Pertence provavelmente a eles a iniciativa de procurar os portos portugueses como meio de expandir o comércio do Mediterrâneo. O terceiro aspecto mais notável da economia portuguesa dos anos 1250-1280 reside na multiplicação dos domínios nobres orientados para o mercado, o que quer dizer que o exemplo cisterciense continua a ter os seus seguidores. Agora não esporadicamente, mas em grande escala, e por fidalgos da corte, que aproveitam as suas posições políticas para criar gran­ des «empresas» de produção agrícola e comercialização. O caso mais co­ nhecido é o de D. João de Aboim128. O carácter «moderno» das suas aqui­ sições pode verificar-se no expressivo mapa publicado por A. Castro129. É também conhecido o caso do chanceler Estêvão Anes, com as suas exten­ sas propriedades em Alvito130. É menos referido que o anterior, mas talvez estivesse ainda mais integrado numa economia «moderna», pois explorou minas de ferro no Alentejo, que depois ficaram para os seus herdeiros, os trinitários de Santarém131. Os contemporâneos consideravam-no, por isso mesmo, avaro e mesquinho132. Não são casos isolados. Pode-se-lhes asso­ ciar Pedro Ponces de Baião, que obteve do rei o privilégio de cobrar os di­ reitos das portagens da Beira e da fronteira leonesa (Trasserra), que então se tornaram enorme fonte de rendimentos, pois a região era lugar de passa­ gem dos rebanhos transumantes, à procura de pastagens de Inverno133; a princesa Santa Mafalda, que possuía grandes rebanhos de vacas e ovelhas nas serras de Arouca e da Estrela e em Rasamalianes, e éguas em Antuã134; D. João de Aboim, que tinha também rebanhos no Alto Alentejo135. Acrescentem-se também alguns dos fidalgos de Entre-Douro-e-Minho e da Es­ tremadura que já no reinado anterior tinham começado a procurar pro­ priedades susceptíveis de lhes darem rendimentos em dinheiro e não apenas em géneros. Todos eles são precursores da figura do «fidalgo merca­ dor», tão típica da época moderna. Um deles é, agora, Soeiro Pires de Aze­ vedo, a quem o mosteiro de Alcobaça cede, em 1248 e 1262, propriedades em Bombarral (com uma charrua e um lagar) por uma alta renda em di­ nheiro136. Resta saber até que ponto eles intervinham na comercialização 125Yves Renouard, 1955, pp. 244-248. 126 M. J. Trindade, 1981, p. 218. 127 Ibid., pp. 218-219. 128 Ver a lista de aquisições feita por A. Braancamp Freire, 1906, pp. 106-170. Cf. Leontina Ventura, 1986. 129 A. Castro, 1964, II, pp. 64-65. 130 Ver a documentação que sobre ele se pode reunir em J. Mattoso, in Herculano, 1980, III, p. 211, nota crítica 87; Leontina Ventura, 1992, II, pp. 585-594. 131 R. Durand, 1982a, p. 203. 132 C E M D , 221, 222, 223. 133 M. J. Trindade, 1981, pp. 35, 60. 134 A. C. de Sousa, 1739, I, pp. 31-32. 135 M. A. Beirante, 1988, p. 539. 136 Pedro G. Barbosa, 1988, cap. VI, 6.

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dos seus produtos. De resto, na geração seguinte, estes exemplos parecem diminuir, ao mesmo tempo que se assiste a uma recuperação da mentalida­ de nobiliárquica. Parecem suportar com dificuldade a concorrência das empresas régias. Os grandes domínios acumulados por Estêvão Anes passa­ ram à Ordem da SS. Trindade e os de D. João de Aboim dispersaram-se, vindo a cair em parte sob a alçada de D. Dinis. É claro que os grandes empreendimentos cistercienses e de ordens mili­ tares continuavam a aperfeiçoar e ampliar a sua actividade económica. Aqueles viravam-se cada vez mais para a economia de mercado como mos­ tram as aquisições estratégicas dos monges de Alcobaça, em Eivas e Beja137, a sua iniciativa na exploração de ferro e a multiplicação das granjas138. O seu interesse pelo Baixo Alentejo talvez fosse suscitado pela especialização da zona na produção de cereais, de que já se encontram indícios neste pe­ ríodo; de qualquer maneira, podiam assim obter lã e couros nesta zona on­ de os rebanhos eram abundantes139. Os seus exemplos são agora cada vez mais seguidos por outras ordens, como a dos Cónegos Regrantes que, em Coimbra, aperfeiçoavam a administração dos seus domínios140 e os de São Vicente de Lisboa que obtinham propriedades em Sesimbra e São Cucufate (Évora)141. Pelo seu lado, a Ordem de Santiago e alguns concelhos do Alentejo e da Beira parecem desenvolver a pesca, a criação de gado e as actividades comerciais142. Assim se explica o interesse de Afonso III pela co­ brança de direitos de montado143. A capacidade financeira e a acumulação de espécies em dinheiro pelos Hospitalários revela-se, por exemplo, no em­ préstimo de 14 000 maravedis que eles fizeram ao bispo de Coimbra em 1251. O interesse dos Templários e das outras ordens militares nos proble­ mas monetários está bem patente no cuidado que Afonso III tem de se di­ rigir especialmente a eles no diploma de 1255 sobre a quebra da moeda (Leg. 196-197). De resto, este interesse era partilhado por outros bispos e abades. O ar­ cebispo de Braga já em 1250 se queixava de o rei proibir o curso da moeda leonesa em Portugal (Leg. 186), o do Porto por o rei obrigar a «comprar» a sua moeda (Leg. 188). Em 1255 era diante do bispo de Évora que o rei jurava não «vender» a moeda nem exigir nada para renunciar à sua quebra (Leg. 197). Foi também ao arcebispo de Braga e aos outros bispos do reino que ele se dirigiu em primeiro lugar na lei de 1261 (Leg. 210-212). A moeda torna-se, assim, o grande instrumento da economia nacional. Os 137 V. Rau, 1982, does. 5, 6, 7, 9, 10, 13. 138 R. Durand, 1981, pp. 101-117; Pedro G. Barbosa, 1991, pp. 39-38. Para Tarouca, ver A. Fernandes, 1976. Comparar com o que se sabe sobre a produção de ferro no Norte da Penín­ sula: Rolf Sprandel, 1983. 139 Hermenegildo Fernandes, 1991, pp. 95-98. 140 M. H. Coelho, 1983, passim. 141 V. Rau, 1982, does. 2 e 4. 142 C. M. Baeta Neves, 1980, I, does. 3, 27, 29; M. J. Trindade, 1981; Silva Marques, I, doe. 34; teL, Supl. does. 6, 310, 384; M. A. Beirante, 1988, pp. 106-109. Para o contexto peninsular, ver M .-C. Gerbert, 1989, pp. 79-105. 143 M. J. Trindade, 1981, pp. 60-61; C. M. Baeta Neves, 1980, I, doe. 5: G. Pereira, 1885, doe. 7 (mal datado), 15.

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interesses financeiros e fiscais do rei, tendentes a racionalizar o seu curso e a excluir a circulação da moeda estrangeira, contribuíram para fazer coinci­ dir a área económica com as fronteiras do reino. Ao mesmo tempo que as grandes empresas eclesiásticas e de leigos de­ senvolvem as estruturas produtivas, melhoram também os transportes e as comunicações, como mostra o novo surto de criação de albergarias144 e de construção de pontes145. A destruição do caminho público torna-se um dos nove crimes mais graves previstos numa lei de 1265 (Leg. 217), e uma das matérias da jurisdição do meirinho régio (Leg. 252). A invasão de panos estrangeiros não impede, antes pelo contrário, a incipiente indústria de te­ celagem nacional cujo desenvolvimento nesta época é testemunhado pelo aparecimento dos primeiros pisões nos anos 1258-1279, no Sul do país146, e pelas referências a panos portugueses em 1253 e 1254 ou 1255147. Seria, pois, do maior interesse registar cuidadosamente as referências a moinhos, azenhas, instrumentos de ferro148, forjas, canais149, etc., para poder datar com alguma precisão a generalização dos aperfeiçoamentos tecnológicos que levam ao aumento da produtividade agrícola e artesanal. 1280-1325 D. Dinis herda, pois, uma administração régia bem organizada e com os rendimentos assegurados. Bom seguidor da política paterna, embora, tal­ vez, sem intervir tão agressivamente nos problemas monetários, trata de apertar por meio de uma fiscalização minuciosa e da mais estrita contabili­ dade a percepção dos réditos dominiais e fiscais. Aumenta os foros, multi­ plica os emprazamentos de reguengos, as «póvoas»150 e as sentenças sobre reclamações de concelhos contra a implacável intervenção dos almoxarifes e mordomos, dá a maior importância ao registo por escrito das rendas mesmo nos concelhos, intervém no controlo do comércio externo por meio da confirmação da bolsa dos mercadores na Flandres, na Inglaterra, na Normandia, na Bretanha e em La Rochelle (1293)151, e da sua influên144 O movimento inicia-se no século x ii (LP 27, 276, 279 = 544, 371, 584; J. Mattoso, 1982, pp. 308-309, 314), mas tem a sua segunda fase nesta época. Veja-se, por exemplo, a de Cabadoude, na estrada da Beira, perto da Guarda, criada antes de 1250 (A. Fernandes, 1976, p. 284); as referidas num testamento de 1273 em favor de Alcobaça (TT, Alcobaça, m. 14, doc. 2) e noutro sem data a favor de Santa Cruz (TT, Santa Cruz, m. 21. doc. 34). 145 São Gonçalo de Amarante, construtor de pontes, morreu, segundo a tradição, em 1256 (ML, IV, f. 213 v.), no mesmo ano que Santa Mafalda, que também se interessou pela mesma obra de misericórdia. De um conjunto de referências encontradas em documentação de Guima­ rães parece verificar-se a concentração de dádivas com o mesmo objectivo em 1253-1269: J. Máttoso, 1985, pp. 143-169. Ver também M . J. Ferro Tavares, 1989, p. 128. 146 Mencionados nos forais de Estremoz, Vila Viçosa, Castro Marim, Loulé e Tavira: Leg., pp. 679, 734, 736, 737. A referência a uma area prensorii perto de Tarouca em 1202 deve indicar, talvez, um lagar e não um pisão. 147 Leg., pp. 192, 253, cits. por Gam a Barros, IX, p. 216. 148 A lista de R. Durand, 1982a, pp. 231-232, mostra só por si a concentração de referências em 1248-1293. 149 Com o o «canal do rei» explorado por Afonso III em Abrantes: lierm ínia Vilar, 1988, p. 42. 130 M. Rosa Marreiros, 1990; id., 1992. 151 Silva Marques, I, p. 21.

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cia diplomática ou da rainha para proteger os mercadores portugueses na Inglaterra152 ou em Aragão153. O rei já não se limitava a tirar rendimentos fiscais do comércio crescente, procurava agora fomentá-lo. A multiplicação de privilégios e feiras entre 1284 e 1295, com um novo surto de cartas en­ tre 1301 e 1308154, tem significado idêntico. O mesmo se diga da protecção à actividade mineira155, do apoio dado à fixação de povoações no lito­ ral, sobretudo na Estremadura156, e ainda dos investimentos em terras inundadas para secar pauis, ou em matas para as desbravar157. Como se vê, ao contrário de Afonso III, o seu filho investe os rendimentos em estrutu­ ras produtivas; não se contenta com medidas de carácter financeiro. Efectivamente o período que vai de 1280 a 1325, embora não repre­ sente uma mutação qualitativa quando comparado com o anterior, mostra a aceleração generalizada das actividades económicas. N o domínio do co­ mércio externo já não se encontram apenas empreendimentos individuais, mas associações de mercadores, como testemunha a já citada bolsa dos mercadores aprovada em 1293 e ainda um acordo de armadores portugue­ ses, galegos e aragoneses em La Coruna em 1297158, e a concessão colectiva de Filipe, o Belo, aos mercadores portugueses de Harfleur em 1310159, a referência a um cemitério de portugueses em Rouen 160 e, até, os privilégios de Eduardo I contidos na Carta mercatoria de 1303, apesar das restrições anteriores161. Por isso se pode considerar mais significativo o documento flamengo que enumera os géneros trazidos de Portugal no fim do século x i i i , como se então se tivesse estabelecido a sua exportação regular162. O alargamento da colónia de estrangeiros em Lisboa confirma esta im­ pressão. Agora já não há só um genovês, encontram-se também comercian­ tes de Bayonne 163 e há certamente aragoneses e catalães164. O prestígio e a influência dos genoveses é bem patente na concessão do comando da ar­ mada régia a Manuel Pessanha (1317), com o significativo privilégio de a usar para o comércio, tanto para a Flandres como para Génova ou qual­ quer outro lugar. Ou seja, era-lhe provavelmente confiada a comercializa­ ção dos géneros produzidos no domínio régio que podiam ser exporta­ dos165. Mas este era também o primeiro passo para entregar a estrangeiros a orientação do comércio externo português. N o mesmo sentido se pode 152 Gam a Barros, X, pp. 224-229. 153 M. J. Trindade, 1981, p. 214. Foi certamente a captura do barco português em Aragão, em 1303, que levou à intervenção de S. Isabel junto do seu irmão Jaime II para mandar libertar os «corsários» portugueses: S. Antunes Rodrigues, 1958, doc. 48; cf. Álvaro Santamaria, 1980, p. 99. 154 V. Rau, 1943. 155 J. P. Ribeiro, 1813, III/2, doc. 33 de 1282; A. Castro, 1966, IV, pp. 170-171. 156 Pedro G. Barbosa, 1991, pp. 77-103. 157 Ver supra, parte II, n.° 1.1., pp. 21, 22, 23. 158 Silva Marques, Supl., doc. 15; M. J. Trindade, 1981, p. 215. 159 Ch. Verlinden, 1949, pp. 178-179 e comentário de pp. 188-197; sumariado com data erra­ da em Silva Marques, Supl., doc. 301. 160 Gam a Barros, X, p. 282. 161 Ibid., pp. 228-229. 162 Vanden Bussche, cit. por T. de S. Soares in Gam a Barros, X, pp. 403-404. 163 Gam a Barros, X, p. 224. 164 M. J. Trindade, 1981, pp. 214-216. 165 M. F. Espinosa Gomes da Silva, in DHP, III, pp. 375 376; texto dos documentos em Silva Marques, I, does. 37, 42.

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apontar o empréstimo feito a mercadores de Lisboa por uma companhia de Pistóia pelos anos de 1281-128 5166. Em contraste com o progressivo desenvolvimento do potencial econó­ mico do domínio régio, tornado uma grande empresa de tipo pré-capitalista, e com o provável enriquecimento de alguns mercadores, parece notar-se uma certa estagnação dos cistercienses e das ordens militares, que antes provavelmente dominavam, com pouca concorrência, a economia na­ cional. O assunto está por estudar, mas talvez se deva tirar essa conclusão, por exemplo, de um documento de cerca de 1320 que põe em causa a ad­ ministração dos bens da Ordem de Santiago167, da quebra sofrida pelas aquisições de Alcobaça em 1300-1325 168 e de vários casos de abandono da exploração directa ali e em Tarouca169. E conhecida, de resto, a interven­ ção crescente do rei nos destinos das ordens militares. Mas ao lado desta provável estagnação das grandes empresas agrícolas, parece agora encontrar-se indícios de maior difusão da moeda e maior in­ tervenção económica de proprietários vilãos ou de gente de escalões sociais diferentes. Esta revela-se, por exemplo, na menção cada vez mais frequente do cultivo de plantas hortícolas na periferia das cidades, cujos lucros inte­ ressam os senhores, ao ponto de disputarem entre si os direitos e os dízi­ mos sobre eles170; na maior intervenção dos concelhos na criação do gado e no controlo da transumância; na multiplicação de referências à actividade dos almocreves171. Aquela, na generalização do pagamento de rendas em dinheiro, sobretudo as da propriedade urbana, e no aumento de gastos sumptuários como a acumulação de objectos de luxo 172 e a construção de igrejas. Os mendicantes e outros eclesiásticos já as tinham iniciado pouco antes de 1270, mas agora são também edificadas por muitas outras ordens e clérigos, sobretudo nas cidades ou perto delas173. Dir-se-ia que o esforço da criação de estruturas produtivas por parte das maiores empresas eclesiás­ ticas durante o século xm começava então a afrouxar, mas não nos domí­ nios régios. Daí, talvez, a impressão de maior prosperidade do que no rei­ nado anterior. Todavia, os indícios de uma certa agitação ainda antes da guerra civil de 1319 revelam já a fragilidade e os desequilíbrios das estrutu­ ras económicas. 166 M. J. Trindade, 1981, p. 218. 167 A. B. da Costa Veiga, 1940, pp. 155-166. 168 Iria Gonçalves, 1984, p. 24; cf. R. Durand, 1981, p. 117. 169 R. Durand, 1981, pp. 115-116; A. Fernandes, 1976, pp. 20, 147, 259. 170 Ver os expressivos documentos de 1307, 1317 e 1321 publicados por M. H . Coelho, 1983, does. 17, 20, 21. Aproximar do aumento do cultivo do linho revelado em Gulfar em 1315: C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 34, p. 58 e das questões entre D. Dinis e o concelho de Santarém em 1309: ibid., doc. 28. 171 Ver o acordo de 1313 entre o concelho português de Marvao e o castelhano de Valência de Alcântara: TT , gav. XV, m. 23, doc. 5, sumariado por C. M. Baeta Neves, 1980, doc. 32. Sobre os almocreves, ver H. Baquero Moreno, 1986, pp. 173-174. 172 Sobre os gastos sumptuários, ver, por exemplo, a fortuna de D. Bataça: M. H. Coelho e Leontina Ventura, 1986; id., 1987a; id., 1987b. Sobre as rendas urbanas em Évora, ver M. A. Beirante, 1988, pp. 358-359. 173 J. Mattoso, 1985, pp. 149-169. Ver os legados de Afonso III para a construção de igrejas no seu testamento de 1270: A. C. de Sousa, 1739, I, pp. 55-56.

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o n c lu sõ es

Uma tentativa de datar com alguma precisão os testemunhos dos movi­ mentos económicos para reconstruir os diversos momentos conjunturais parece, pois, permitir uma visão mais rigorosa do que a obtida até aqui. O que esta tentativa tem de hipotético talvez convide a melhorar a investi­ gação. Mas o que importa para o nosso propósito é que a criação de uma área económica nacional só se pode conceber a partir dos meados do sécu­ lo xiii. Viu-se que só neste momento o país dominou suficientemente as estruturas produtivas. Para a sua delimitação nacional\ o facto mais impor­ tante deve ser, porém, a intervenção de Afonso III, ao impor a sua moeda e dificultar a circulação de outras e, em seguida, ao definir as fronteiras económicas do reino impondo, na prática, as noções de importação e ex­ portação. Estes acontecimentos são, na verdade, as primeiras verdadeiras manifestações de utna economia nacional.

1 3 . M entalidade e cultura Tal como nos parágrafos anteriores, o meu propósito, ao abrir aqui uma breve exposição sobre mentalidade e cultura, não é tratar delas na sua ge­ neralidade, mas apontar alguns factos significaria mutações importan­ tes e que influem decisivamente na criação de vínculos de convivência en­ tre os Portugueses e na eclosão de uma consciência nacional. Deixarei, em todo ó caso, para outro lugar, os problemas específicos das concepções de nacionalidade. Efectivamente, também nos campos cultural e mental se podem encontrar os indícios de uma progressiva destruição das barreiras que opõem as comunidades umas às outras e da cada vez maior necessida­ de de comunicação. Queria ainda advertir que não pretendo aqui reconstituir as características fundamentais da mentalidade mçdieval, pois só o poderia fazer com um tratamento sistemático do tema. Aqui, de novo, interessa-me mais a conjuntura do que a estrutura. O facto de salientar as mutações não signi­ fica que não haja muita coisa estável, como de resto seria de esperar neste domínio em que a permanência é tão grande. Além disso, talvez neste pon­ to a especificidade nacional seja reduzida, sobretudo se se abstrair da lín­ gua. Quero com isto dizer que as estruturas mentais se deviam estudar no âmbito de grandes áreas geográficas, das quais o nosso país seria apenas uma parte. Teremos de nos contentar com simples alusões evocativas e re­ meter o leitor para obras que expõem os problemas com a maior compe­ tência174. Veremos, pois, sucessivamente, as principais mutações nas concepções religiosas e morais, nos costumes, na cultura e na vida pública.

174 Para o conjunto da Idade Média ocidental: A. J. Gurevitch, 1983; J. Le Goff, 1977. Falta uma obra do mesmo género para a Península Ibérica.

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Algumas das primeiras foram já mencionadas a propósito da vida religiosa nas áreas senhoriais e nas comunidades vilãs175. Aí, efectivamente, ao opor a religiosidade oficial à popular, e ao mencionar a luta da Igreja hierárquica contra a superstição e a magia, já me referia às alterações que a acção pas­ toral introduziu na religião popular, refugiada em áreas privadas ou clan­ destinas, transformada em bruxaria ou feitiçaria, obrigada por vezes a su­ portar a acusação de obra do demónio. Pouco espaço público lhe resta: delimitam-se os momentos em que pode revelar-se, nas romarias, nas festas populares e em certas procissões. Referi-me também ao apoio dado pela nobreza senhorial às ordens monásticas e, por meio delas, à celebração litúrgica solene. E, por outro lado, em contraste com as concepções daí de­ correntes, às preocupações pastorais dos cónegos regrantes, o que já então relacionei com a sua origem citadina e com os seus contactos com regiões caracterizadas por maior mobilidade social, transferências de população e contactos com culturas diferentes. A sua atitude seria, depois, retomada e renovada pelos mendicantes sob formas mais radicais e mais directamente adaptadas à vida citadina. Para enquadrar o que diremos a seguir convém não esquecer que a dominante monástica se prolonga mais tempo nas áreas senhoriais, e a pastoral dos regrantes se situa no Centro e no Sul. Também não se devem esquecer as datas e os momentos em que se desencadeiam os movimentos canonical (1131) e mendicante (1217), nem a evolução de ca­ da um deles. Com este pano de fundo queria agora lembrar que a luta contra as concepções anímicas de sentido ambivalente e contra as práticas mágicas deixava intactos os medos e as crenças acerca da virtualidade própria de certos objectos, tempos e acções, assumida até pela religião oficial e por ela encorajados, como expressão de confiança, submissão e respeito pelo poder divino. Algumas vezes as atitudes «oficiais» da Igreja são bem expressivas da sua aceitação daquilo a que hoje chamaríamos «superstição». Assim, por exemplo, o obituário e o martiroíógio do século xm da Sé de Lamego re­ gistam em versos latinos mnemónicos os «dias egipcíacos» do ano, isto é, os dias aziagos ou nefastos, ao lado do calendário das festas litúrgicas176. As maldições rituais pronunciadas por ocasião da excomunhão canónica, codi­ ficada no século x i i , têm igualmente aspectos «supersticiosos»177. Não ad­ mira, portanto, que a Igreja não se oponha à crença na união de seres hu­ manos com seres fantásticos inspirados no imaginário pagão. De uniões deste género teriam nascido linhagens com algumas características pouco comuns como, por exemplo, os Haros, nascidos da «Dama de pé de ca­ bra», e os Marinhos, vindos de uma sereia178. Não se estranhem, portanto, as «devoções» que implicam uma especial confiança na eficácia dos referi­ dos objectos, tempos e acções. É o caso da devoção à Santa Cruz, ao Espí­ rito Santo, a certos santos considerados protectores contra determinadas 175 Vol. II, pp. 160-171, 325-349. 176 I. da Rosa Pereira, 1993. 177 J. Mattoso, 1993, pp. 183-190. 178 L. Krus, 1985.

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doenças ou malefícios, a crença na acçao infalível das relíquias ou na invo­ cação do nome de Maria, na protecçao daqueles que celebravam a missa da Virgem ou rezavam o seu ofício divino, ou que, por visitarem igrejas de Roma ou Jerusalém e aí rezarem certas orações, recebiam as respectivas «indulgências». O que me parece mais interessante nestas novas crenças, que entre nós se difundem pelo fim do século x i i e durante o século xm , é o facto de atingirem todas as camadas da sociedade, embora, porventura, algumas de­ las se manifestassem preferentemente em certas regiões ou em certos meios sociais. Assim, por exemplo, é bem conhecida a firmeza da devoção a São Vicente entre os pescadores de Lisboa179. D. Dinis mostra bem a sua con­ fiança no poder da relíquia da Santa Cruz, que tinha pedido emprestada aos hospitalários do Marmelar e manda restituir no seu testamento, expli­ cando «ca nõ filhei senon por devaçam que em ela havia, e com entençom de a fazer tornar u ante sia»180. D. Vataça, a dama bizantina da corte de Santa Isabel, mandou provavelmente fazer uma cabeça-relicário de prata onde se guardava um osso de São Fabião ou o crânio encastrado de algu­ ma pessoa de virtude (um «saudador»), o que atraía numerosos devotos à capela onde estava guardada, em São Romão de Panóias. Reencontrada re­ centemente, ainda hoje impressiona quem a vê181. Todavia, para o nosso propósito, não interessa enumerar as diversas modalidades destas devoções, mas apenas mostrar a sua raiz comum e salientar que elas se tornam actos pessoais de natureza muito diferente, por exemplo, da participação colectiva nas celebrações litúrgicas. O carácter pessoal manifesta-se em certas pre­ ferências individuais, que levam a ter em casa determinadas relíquias, de­ pois cuidadosamente mencionadas nos testamentos. Exprime-se assim o individualismo que se instala no sentimento religioso e faz dele um acto eminentemente pessoal. Por outro lado, as ameaças que a Igreja tinha dirigido contra quem ou­ sasse manipular indignamente as coisas sagradas, e particularmente as espé­ cies eucarísticas e a água benta, aliadas ao propósito de rodear a própria propriedade eclesiástica do mesmo fulgor sagrado, para desencorajar os lei­ gos que a cobiçavam, fazem brotar e generalizar-se a noção de estatuto imutável das coisas sagradas, agora com um sentido bem diferente do que lhes era atribuído em virtude das crenças anímicas. Damo-nos conta disso, por exemplo, ao ler no Fuero Real de Afonso X a lei que, depois de afirmar a imutabilidade desse estatuto como se o sagrado se impregnasse nos pró­ prios objectos, assegura aos bens da Igreja a protecção da lei e prevê penas graves contra a utilização profana das alfaias litúrgicas, edifícios e bens reli­ giosos (FR III, 12, pp. 117-118). Isso não impedirá o rei que tenha neces­ sidade de «algua herdade ou outra cousa temporal que seja da igreja» de obrigar os seus respectivos detentores a cedê-la em troca de outro bem, se ele o quiser para si. O rei atribui-se, pois, um certo poder sobre as coisas sagradas, como se o colocá-las ao seu uso lhes não retirasse o estatuto imu­ tável antes definido. 179 Translatio et miracula S. Vicentii, n.os 16 e 17, in SS, p. 100. 180 A. C. de Sousa, 1739, I, p. 100. Sobre o culto das relíquias entre os séculos x e xm , ver o sugestivo artigo de Mário Barroca e Manuel L. Real, 1992. 181 Cláudio Torres e J. Boiça, 1993.

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Voltando à crença na eficácia de objectos ou acções, teremos de rela­ cionar com ela a confiança em certas práticas, como, por exemplo, custear a ida de um peregrino aos lugares santos, para aí cumprir as devoções con­ sideradas meritórias náo só por si próprio, o que era frequente182, mas também para quem o tinha mandado. Esta prática regista-se já no século x i i 183, mas torna-se, depois, mais frequente. Assim, D. Dinis deixou bastante dinheiro para enviar um «cava­ leiro de boa vida» à Terra Santa e aí estar por dois anos «se a cruzada for», «servindo a Deos por minha alma»184. E ainda outra verba avultada para um peregrino ir a Roma fazer por ele duas «quarentenas», «e ande cada dia pelas estaçoens por minha alma»185. Mas uma das mais significativas «devoções» introduzida nesta época foi a da adoração da Eucaristia, vivamente encorajada pela hierarquia a partir da instituição da festa do Corpus Christi. Os poderes seculares aderiram a ela com empenho. Assim, os homens-bons de Guimarães oferecem, em 1319, mil e quinhentas libras portuguesas à colegiada para custear os fes­ tejos186. R

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Estas questões interessam-nos também em virtude de significarem não só a crença na eficácia mágica de relíquias e devoções, mas também maior sen­ tido da responsabilidade individual diante de Deus. Durante o século x i i assistimos a uma multiplicação da prática das «obras de misericórdia», co­ mo a esmola, a redenção de cativos, a construção de pontes e de alberga­ rias. São já o resultado de uma certa consciência da responsabilidade de o indivíduo contribuir com os seus bens para a comunidade. Ao'm esm o tempo, porém, acumula méritos que lhe propiciam a salvação pessoal187. O peregrino também alcançava direitos especiais à salvação não só para si próprio, mas também para quem lhe pagava a viagem. Os méritos do seu acto penitenciai eram partilhados com outros. Se bem que o sentido indi­ vidual do pecado dependa em grande parte do grau de desagregação das forças sociais que aglutinavam firmemente os grupos de parentes e'as co­ munidades rurais, podem apontar-se factores especiais que aceleraram o processo. Um deles foi a difusão da confissão auricular, com a consequente necessidade de o ministro averiguar a intenção pessoal e as agravantes e atenuantes dos actos praticados, para poder ditar a penitência. Ora a exi­ gência canónica de uma certa periodicidade na recepção de todos os sacra­ mentos, desde o concílio de Latrão de 1215, levou o clero a exercer em grande escala o papel de mentor dos leigos, apelando para a consciência in­ 182 N um inquérito de 1216 sobre as questões de primazia entre Braga e Toledo, de vinte e oito testemunhas bracarenses, nove declaram ter feito a peregrinação a Santiago, uma das quais, duas vezes; outra, três; uma outra tinha ido em peregrinação a Lisboa: BPIn. III, n.° 220. 183 Em documento de Santa Cruz de Coimbra: J. Mattoso, 1982, pp. 308-309. 184 A. C. de Sousa, 1739, I, p. 101. 185 Ibid., p. 101. Ver casos do mesmo género em M. Martins, 1957, pp. 125-146. 186 M. da Conceição Falcão Ferreira, 1989, p. 70. 187 Cf. M. J. Ferro Tavares, 1989, pp. 124-142; J. Mattoso, 1968, pp. 361-384; ÚL, 1982, pp. 307-323; M. S. Alves Conde, 1987, pp. 115-119.

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dividual. Daí a enorme difusão dos manuais de confessores que os ajuda­ vam a desempenhá-lo188. Entre eles conta-se o Liber poenitentiarius do canonista português João de Deus, escrito em 1247189. O outro elemento que contribuiu para a difusão do sentido da respon­ sabilidade individual foi a pregação popular dos franciscanos e dos domini­ canos. Já vimos o papel que nela tiveram Santo António de Lisboa e o do­ minicano Fr. Paio de Coimbra. Seria, pois, do maior interesse averiguar como é que os leigos reagiam a estas instruções, quase sempre acompanha­ das de ameaças da punição divina. As devoções apareciam decerto como práticas tranquilizantes, pois garantiam ao fiel a protecção perante o medo do castigo. Outro recurso, também já mencionado, foi a reunião dos fiéis em confrarias. Eram não só um suporte para substituir parcialmente o pa­ rentesco e obter o socorro mútuo, mas também para ajudar a praticar as boas obras exigidas pelos pregadores. As verbas testamentais destinadas a sufrágios e obras de misericórdia servem para dar aos moribundos uma maior tranquilidade à hora da morte. Mas os apelos à penitência obtêm também ecos de carácter mais moral quando provocam sentimentos de arrependimento pela prática de acções especialmente censuradas pelos pre­ gadores, como as violências injustas. Podemos citar como exemplo dois testamentos: o de Pêro Martins Pimentel, de 1 2 1 2 , no qual deixa verbas para reparar as rapinas e abusos praticados sobre gente do castelo de Vermoim, o arcebispo de Braga, o mosteiro de Pedroso, o prior de Vila Cova de Ul, etc.190; e o do próprio rei D. Dinis, que mandou pagar dívidas e malfeitorias, embora considerasse ter as suas atenuantes: «como quer que o eu fezesse para poder por i melhor defender a minha terra, assi em guerra como em al». O rei era especialmente sensível às acusações que decerto não deixaram de lhe fazer, de um excessivo rigor na cobrança de rendas: «assi nos arrendamentos como em todalas outras cousas de que eu levei alguma cousa como nom devera»191. Já num testamento anterior D. Dinis se arre­ pendia de excessos na renda das avenças e herdades e na aplicação do di­ nheiro para usura192. As violências, a ganância e o abuso do poder deviam, pois, ser pecados especialmente censurados pelos pregadores e confessores. Als suas instruções alteraram também o juízo que se fazia acerca de actos públicos considera­ dos especialmente imorais, e na perseguição dos quais o soberano se sente agora também obrigado. É, decerto, o caso da prostituição, sobre a qual D. Dinis considera imoral cobrar impostos193, da tavolagem, um vício da vida urbana194, e das blasfémias, cujos responsáveis merecem um castigo terrível: «qui lhi tirem a lingua pelo pescoço e o queimem»195. Os desman­ dos sexuais, no entanto, não parecem perturbar tanto os leigos. Nos testa­ 1 8 8 y er p Michaud-Quantin, 1962. A influência sobre a consciência dos leigos é sublinhada por J. Ch. Payen, 1968. 189 A. D. de Sousa Costa, 1956; id., 1957; M. Martins, 1957b, pp. 57-110. 190 J. P. Ribeiro, 1810, I, doc. 55 = Ibid., II, doc. 7. 191 A. C. de Sousa, 1739, I, pp. 101-103. 192 Testamento de 1299: M L, V, f. 330. 193 LLP, p. 180, lei de 1321. 194 LLP, pp. 179-180, lei de 1321. 195 LLP, p. 82, lei de 1312.

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mentos não se encontram vestígios de arrependimento por terem tido fi­ lhos ilegítimos ou vivido em concubinato. As cantigas de escárnio não revelam inibições nem aludem a censuras clericais. Mas Afonso III proíbe os nobres de trazerem «soldadeiras» nos seus cortejos (LLP, p. 147), e D. Dinis castiga severamente o abuso do poder em matéria sexual praticado pelos oficiais de justiça sobre mulheres presas ou em demanda: se são cléri­ gos perdem os bens e o ofício; se são leigos manda castrá-los (LLP, p. 79). Santa Isabel cria duas casas para recuperação de prostitutas e um hospital para recolher crianças ilegítimas abandonadas196. Bastarão estes exemplos. E obviamente impossível dar aqui conta de todas as crenças morais e seus diversos aspectos, e muito mais fazer um es­ tudo acerca das mutações que se deram neste domínio. Existe para isso ampla matéria quando se analisam as vidas de santos das diversas épocas, os ensinamentos catequéticos implícitos nos livros de milagres e, sobretu­ do, num deles destinado ao grande público, as Cantigas de Santa M aria, e, ainda, nos manuais de confessores como o de mestre João de Deus. R

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Não deixarei, contudo, de fazer notar que os apelos à penitência, que outrora levavam os fiéis da Galécia à reclusão temporária em covas, longe dos povoados, convidam agora os penitentes mais extremistas a praticar a re­ clusão na cidade, como as emparedadas que tanto impressionaram Sancho II, Afonso III, Santa Isabel e D. Grácia, a mãe do conde D. Pedro de Barcelos197, e cuja direcção espiritual era disputada por franciscanos e do­ minicanos em Santarém, em 1260198. Pode aproximar-se da reclusão a exigência da clausura das religiosas, agora praticada não só por devoção mas também para afastar as ocasiões de infringir o voto de castidade, efectivamente não muito respeitado em cer­ tos conventos dos séculos xn e x m 199. A tentativa de impedir estes des­ mandos por meio da clausura feminina verifica-se entre nós ainda antes de Bonifácio VIII a impor como lei geral, em 1298200. Efectivamente, já em 1294 D. Dinis tem o cuidado de regulamentar minuciosamente a clausura ao dotar o mosteiro de Odivelas201. Seu filho bastardo Afonso Sanches não se preocupou menos com o caso quando fundou o convento de Vila do Conde: «nom hajam em este nosso moesteiro fieiras que saiam fora pera pedir esmolas andando pela terra como as há em outros moesteiros da or­ dem de Santa Clara porque em alguns moesteiros se seguirom grandes dannos e alguas per muitas vezes em grandes deshonras dos corpos e dampnos das almas»202. 196 M. J. Ferro Tavares, 1989, pp. 42-43, 186. 197 Elucid, vb. «Emparedadas»; J. P. Ribeiro, 1810, doc. 31, de 1223; A. C. de Sousa, 1739, , pp. 56, 115-117, 119, 133; A. do Rosário, 1982, p. 85, doc. de 1260. 198 A. do Rosário, 1982, pp. 82-89. 199 Cf. LL, os passos registados no índice em «Filhos de clérigos e de freiras», p. 389; Fortunato de Almeida, 1967, I, p. 233. 200 Fortunato de Almeida, ibid., p. 233. 201 A. C. de Sousa, 1739, I, pp. 106-109. 202 A. C. de Sousa, 1739, I, p. 124.

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Os desmandos morais foram de sempre. Os pregadores não fizeram mais, por isso, do que renovar orientações que o clero sempre tinha dado. A diferença consiste em que, agora, apelam mais para a consciência indivi­ dual. O assunto não está estudado, mas é provável que as orientações cleri­ cais se distanciassem agora mais claramente dos padrões de exigências de comportamento feitas pelos grupos e comunidades em que os fiéis estavam inseridos. A moral sexual era talvez um dos capítulos em que os hábitos dos grupos tradicionais não coincidiam com os ensinamentos do clero203. C

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Desde o fim do século x i i , porém, surge um problema novo e cada vez mais perturbante: o dinheiro. Até ali era usado quase só por um pequeno grupo de mercadores, com hábitos diferentes dos do comum da gente e que podiam considerar-se à parte. Desde então, o dinheiro foi-se tornando cada vez mais acessível a todos, e transformou-se em indispensável instru­ mento de troca. A facilidade com que se acumulava, multiplicava ou per­ dia, as exigências implacáveis dos judeus e outros financeiros que o em­ prestavam com usura a quem lhe conhecia mal o valor, o facto de se encontrar nas mãos de gente que não dispunha do poder político nem sa­ grado, a própria perturbação que a sua manipulação causava numa socieda­ de que dominava mal os seus mecanismos, fizeram do uso do dinheiro um grave problema moral. Levou muitos pregadores e moralistas a olhar com desconfiança o mercador, como um homem propenso ao pecado e incapaz de escrúpulos204. Mesmo num meio como a corte de Afonso III, que sabia manejar tão habilmente o dinheiro, certos jograis mostravam conhecer bem o seu público que se regozijava por eles atribuírem vícios homosse­ xuais a uma personagem que o juntava tão abundantemente, como o chan­ celer Estêvão Anes205. Não admira, portanto, que D. Dinis sentisse particulares escrúpulos por emprestar dinheiro com usura206, seguindo nisso, decerto, práticas ini­ ciadas por seu pai. O mesmo rei achou por bem dispensar os cruzados, que partiam para a Terra Santa, de pagar juros de dívidas. Efectivamente, aque­ le que praticava obra tão meritória devia ser protegido contra a cobiça dos usurários207. Mas se se censuravam os que usavam egoistamente o «esterco do diabo» e se tentava limitar a prática da usura sem ousar condená-la208, considerava-se só por si meritória a prática da pobreza voluntária, da qual São Francisco de Assis tinha dado um exemplo tão eloquente. A sedução 203 Sobre o antagonismo dos modelos de comportamento sexual profano e eclesiástico, ver G. Duby, 1981, pp. 223-239. 204 Ver Lester Little, 1980. Ver algumas das Cantigas de Santa M aria , entre outras, CSM , n.os 33 e 68. 205 Cf. L. Krus, Berta M. C. Pimenta e Leonardo Parnes, 1978. 206 Ver o testamento de 1299: M L, f. 331. 207 Lei de 1292: LLP, pp. 192-193. 208 Ver as leis de Afonso II (1211), Afonso III (1266): Leg., pp. 174, 218; e de D. Dinis (1292): pp. 192-193. Várias leis sobre os Judeus pressupõem precauções contra as suas fraudes: LLP, pp. 100 = 193, 164, 178, 183, 186. Ver M. J. de Almeida Costa, 1962; M. J. Pimenta Fer­ ro, 1979, pp. 106-108.

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da renúncia, não apenas colectiva, como faziam os monges, mas também individual, chegou então aos palácios reais, inspirando as virtudes exempla­ res de Santa Isabel, cuja posição e poder contrastavam com o seu amor pe­ los pobres209. O seu exemplo era tanto mais impressionante quanto se opu­ nha também — os hagiógrafos só ousavam dizê-lo indirectamente — às implacáveis exigências do seu régio marido210. As novas concepções acerca do dinheiro e dos bens materiais não im­ pedem, no entanto, que ainda em meados do século xm encontremos no testamento de Santa Mafalda um eloquente testemunho da maneira como uma senhora, cujas virtudes mereceram também as honras dos altares, en­ tesourava os bens materiais, parecendo considerar a sua acumulação como sinal da bênção divina211. D. Vataça, dama da corte de Santa Isabel, tam­ bém não deixou de acumular bens de luxo212. A própria Santa juntou pe­ ças de um tesouro que ainda hoje se podem admirar no Museu Machado de Castro, em Coimbra. A concepção da propriedade pressuposta por estas damas exemplares parece difícil de conciliar com a de que por essa altura já se impunha amplamente, pois se baseava no princípio de que o entesouramento permitia o dom, e a generosidade no dar aproximava de Deus213. Mas poucos anos depois, Afonso III, sobrinho de Santa Mafalda, bem consciente do valor relativo dos bens que deixava, tinha o cuidado de reco­ mendar que, na execução dos seus legados pios, não se tocasse nas rendas da Coroa na cidade de Lisboa: «tunc filius meus qui post me regnaverit faciat utilitatem suam de civitate Ulixb. et de redditibus eius, sicut de aliis suis villis regni sui, sed ante non accipiat inde aniquid»214.

É bem manifesto o seu receio de que a nova administração não estives­ se totalmente consciente do interesse em preservar esta excelente fonte de rendimentos. A

PO U PA N Ç A

As novas concepções acerca do uso do dinheiro e do valor dos bens mate­ riais podem revelar-se também nas primeiras leis que pretendem reduzir o luxo e as despesas sumptuárias. As de Afonso III, de 1258 e de 1261, que se limitavam ao âmbito da corte, pressupõem, de facto, uma mentalidade bem diferente da que considerava a generosidade perdulária uma virtude própria da nobreza. Aqui, pelo contrário, condena-se o desnecessário e o excessivo* tanto no vestir como no comer (Leg., pp. 198-200, 200-201). O rei não teme sequer afrontar as censuras e o escândalo dos nobres do seu tempo promulgando estas leis que não só limitam o comer e vestir do rei e da corte, mas também proíbem os gastos excessivos com os fidalgos e ou­ 209 Testamento de 1325. A. C. de Sousa, 1739, I, pp. 113-114; Fr. Salvado Martins, Vida e

Milagres de D. Isabel (ed. J. J. Nunes, 1918-1919). 210 É o sentido do «milagre das rosas». 211 A. C. de Sousa, 1739, I, p. 31. 212 M. H. Coelho e L. Ventura, 1987a; id., 1987b. 213 Cf. A. Gurevitch, 1972, pp. 523-547. 214 A. C. de Sousa, 1739, I, p. 57.

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tras pessoas que aí chegam, esperando, certamente, gozar da abundância do palácio real. Mas no princípio do século xm a sobriedade e a moderação tinham ganho terreno. Afonso Sanches, ao fundar o convento de Vila do Conde (1318), determinava também o que as freiras podiam vestir e co­ mer215. Santa Isabel, em 1325, fazia o voto de andar com o hábito franciscano quando ficasse viúva216. C

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Verificamos, assim, que as concepções «burguesas» começavam a entrar também no paço e, até, nos conventos. Era necessário medir, poupar, gerir. Mas os hábitos de rigor, tão citadinos, não se impõem facilmente. Em 1216, num inquérito feito em Braga, entre pessoas idosas, encontram-se muitas contradições quando as testemunhas declaram a sua idade e referem os acontecimentos presenciados. Muitas não sabem a sua idade, algumas dizem ter 100 , 120 e até 140 anos, e a uma insistente pergunta do inquiri­ dor sobre o tempo durante o qual o bispo João Peculiar esteve doente, re­ cebe respostas que variam entre os cinco e os doze anos (BPIn. III, n.° 220 ). Os hábitos de rigor começam, evidentemente, pelos mercadores e pelos funcionários régios. É ver como um mercador de Coimbra, encarre­ gado pelo mosteiro de Santa Cruz de receber os foros de uma propriedade cedida por Lorvão, tem o cuidado de indicar a capacidade das medidas: o moio aí indicado vale sessenta e quatro alqueires dos de Coimbra217. Ou, então, como os escribas e os notários do «burguês» Afonso III, que na lei de 1261 têm o cuidado de indicar os valores da nova moeda-padrão, a sua conversão em diversas espécies, quem e como as cobra, quando o rei pode mudar a moeda e em que quantidade, e a definição do seu toque (Leg., p. 2 1 1 ). Ou, então, a exigência de mandar datar os instrumentos de contratos (Leg., p. 261) e das procurações (Leg., p. 276 ), em indicar as unidades dos géneros tabelados em 1253 (Leg., pp. 192-194). É ver, também, como os notários dionisíacos descrevem escrupulosamente o selo e os sinais externos de certos documentos que transcrevem e cuja autenticidade têm de garan­ tir218 ou como os que têm de medir as terras trocadas pelo rei em Cami­ nha comparam a teiga usada em Friestas com a de Pena da Rainha, a de São Paio de Jorla com a de Ponte de Lima219. Surgem agora documentos tão surpreendentes como aquele que declara as medidas do solho gigante pescado perto de Santarém, onde o tabelião, depois de ter longamente des­ crito e medido o fenómeno e enumerado as testemunhas, declara: «per mha mãao medi e vi a muitos outros medir e nas balanças dos pesos poer e pesar»220. Os mordomos régios também aprenderam a medir. Dê-se como exem215 Ibid ., p. 125. 216 Ibid., pp. 113-114. 217 M. H. Coelho, 1983, doc. 12, de 1288. 218 A. C. de Sousa, 1739, I, p. 67, doc. de 1291 = CUP, I, doc. 9. 219 Gama Barros, X, pp. 41-42. 220 Publ. por Alfredo Pimenta, 1937, p. 71, e por C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 37, de 1321.

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pio a sentença sobre os foros do concelho de Gulfar, perto da Feira, onde, não sabendo bem a medida do quintal de vinho, o substituem pelo moio, e onde determinam o tamanho do molho de linho, o valor do «manto», as dimensões do lenço, do bragal e das varas do mesmo tecido221. Para evitar fraudes, gravam-se então, nas portas das igrejas e dos castelos, perto dos lo­ cais onde se faziam feiras e mercados, os padrões de medidas lineares. E um costume que se verifica sobretudo durante a segunda metade do sé­ culo X III222. E possível que os agentes de D. Dinis sentissem a necessidade de uni­ formizar os pesos e as medidas. Todavia, o insucesso do ensaio feito neste sentido por Afonso X em Castela, em 1268223, impediu-o, talvez, de o imi­ tar. Só no reinado de D. Pedro se conhece uma iniciativa semelhante224. O

S E N T ID O D O ESPA ÇO

Quantificar, datar por referência a padrões neutros e uniformes, eis o que estava totalmente fora dos hábitos da gente do campo no Norte, fossem se­ nhores ou vilãos. Situar-se no espaço também não estava nos seus hábitos, a não ser por referência a montes, onde estavam os castelos dos senhores, ou a rios, que serviam de fronteiras. Para os das cidades e gente do Sul, que não esqueciam neste ponto as tradições culturais moçárabes, situar-se no espaço significava orientar-se em relação aos pontos cardeais. Por isso, a maioria dos documentos que, a sul de Coimbra, indicam as confronta­ ções das propriedades as distribui a oriente, a ocidente, a «avrego» e a «aguiam»225. A

E SC R IT A

Num a civilização que começa a utilizar as referências espaciais e tempo­ rais com mais rigor do que anteriormente, era indispensável a generaliza­ ção da escrita para todos os contratos. Não se podia confiar na memória das testemunhas, mais propensas a apreender o significado social e emotivo das acções e acontecimentos do que a registá-los de maneira neutra e me­ cânica. E, pois, significativo que na Idade Média os clérigos redactores de documentos solenes começassem por elogiar as vantagens da escrita contra as falhas de memória e do tempo. Tratava-se de uma reacção clerical e mi­ noritária, isto é, daqueles que sabiam fazer uso da escrita, no meio de uma civilização predominantemente oral, e precisavam, por isso, de a justificar. Só alguns nobres e os reis reconheciam as mesmas vantagens, ao confiar a clérigos e monges o trabalho da chancelaria e a guarda dos seus pergaminhos. 221 C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 34, de 1313. 222 Mário J. Barroca, 1992. 223 Cortes de Jerez de 1268, cit. por Gama Barros, X, p. 18. 224 Oliveira Marques, in DHP, III, p. 374. 225 Para além de documentos muito mais antigos procedentes de Coimbra, ver, p. ex., para Se­ simbra, 1232: Rau, 1982, doc. 2; Marachique, 1260: ibid., doc. 8; Évora, 1273 e 1285: Gabriel Pereira, 1885, does. 18 e 21; Torres Vedras, 1239-1301: J. M. Cordeiro de Sousa, 1957, does. 1, 3, 4, 7.

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O monopólio clerical rompe-se, no princípio do século xm 226, com a provável decisão tomada por Afonso II de instaurar o notariado, pelo me­ nos em alguns concelhos, e fazer dele um serviço público227. A medida era demasiado precoce e por isso só se generalizou depois de 1250. Fazia parte de reformas mais vastas, como se deduz de com o mesmo rei se ter inicia­ do o registo dos documentos expedidos da corte, costume por essa época ainda raro na Europa ocidental228. O seu cuidado em registar os actos por escrito é dos mais evidentes, ao ordenar, numa célebre lei de 12 2 2 , a cada um dos principais dignitários da corte, o mordomo-mor, o alferes e o chanceler, que tivessem um livro «de recabedo regni», que houvesse ainda na chancelaria um «quarto livro», e que essa mesma lei fosse copiada em cada um deles (Leg., p. 179). Como se sabe, o tabelionado difundiu-se rapidamente no reinado de Afonso III, como uma necessidade imprescindível no novo esquema de re­ lações de convivência em que se generalizavam novos princípios regulado­ res da legalidade dos contratos públicos. E, talvez, o facto que maiores consequências traz para a difusão da cultura e da escrita entre os leigos. Apesar da rapidez com que o novo costume se espalhou, foi preciso, por vezes, recomendá-lo expressamente. Assim, por exemplo, quando em 1270 o mesmo Afonso III avisa todo o reino de que vai «acrescentar» a moeda nova, manda que todos os tabeliães escrevam a lei nos seus regis­ tos (Leg., p. 219). O mesmo ordenou para a lei de 1272 acerca da revelia (Leg., p. 226). A relação entre a escrita e o espaço urbano é, nesta ordem, instintivamente expressa, ao dizer: «cada um de vós em vossas vilas que façades escrever todas estas cousas». Apesar da rápida difusão dos contratos escritos, ainda no mesmo reina­ do, em data desconhecida, era preciso recomendar aos juízes dos órfãos que não se esquecessem de registar a relação dos bens que eles deviam her­ dar (Leg., p. 269). Nas instruções acerca do processo jurídico redigidas na Guarda, pela mesma época, o seu autor tem o cuidado de recomendar que a sentença seja dada por escrito (Leg., p. 339, tempo 9.°). Ora D. Dinis, ainda em 1310, urgia para que esta recomendação não fosse esquecida pe­ los juízes locais (LLP, p. 139). Pouco depois exige que os tabeliães passem um exame antes de poderem exercer a sua profissão, o que de facto já se pratica em 1321229. Em data desconhecida, o mesmo rei recomenda tam­ bém aos alcaides e alvazis municipais que se correspondam entre si para perseguirem os criminosos que tinham fugido para outros concelhos, e aos tabeliães para não deixarem de anotar as acusações e sentenças, fossem con­ denados ou não do concelho (LLP, pp. 168-169, mal datado). 226 Sobre a problemática da difusão da escrita, ver: Albert d’Haenens, 1983. 227 E. A. Borges Nunes, 1981, pp. 25-30. Além dos testemunhos aqui apontados, ver também a lei 29 de Afonso II, dirigida ao alcaide, aos alvazis, aos que «têm as causas d’el rei», ao tabelião e ao concelho de Santarém: Leg., p. 180, e a carta do mesmo rei sobre as lezírias de Lisboa e San­ tarém, de 1222, dirigida às mesmas autoridades, mas da cidade de Lisboa, e ao seu tabelião, o qual deveria «ter» a carta: J. P. Ribeiro, 1810, I, doc. 49; referência a Pedro Martins, tabelião de Leiria em 1221: TT , Dourados de Alcobaça, III, f. 55, doc. 107 (comunicado por Saul António Gomes). 228 R. de Azevedo, 1976b. 229 M. J. Azevedo Santos, 1993, p. 6.

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A pouco e pouco, a escrita invade tudo. Era usada pelo fisco, desde há muito, como se depreende da contabilidade sobre as rendas e dinheiros co­ brados ou arrecadados no tempo de Afonso III, e outros documentos do mesmo género230. D. Dinis, preocupado com a cobrança dos dízimos sobre os contratos dos judeus, recomenda aos tabeliães que os registem em livro à parte, para os almoxarifes poderem consultá-los mais facilmente (LLP, pp. 178-179, de 1319). Foi também no seu tempo, ou pouco depois, que o redactor dos costumes acerca dos mouros forros recomendou, sob pena de multa, que todos eles fossem, em cada ano, no primeiro de Maio, apon­ tar os «seus cabedaaes» nos livros do recebedor ou rendeiro e escrivão d el rei (Leg., II, p. 98). Por isso, os concelhos têm também de ter os seus escrivães. Assim, não admira que D. Dinis, consciente de que a escrita era um instrumento in­ dispensável de governo e coordenação administrativa, promulgue em 1315 um minucioso regimento dos tabeliães, justamente um dos primeiros regu­ lamentos do género conhecidos entre nós (LLP, pp. 63-70). Por sua vez, a instituição tabelionática aperfeiçoa-se do ponto de vista técnico e profissio­ nal, como mostra, por exemplo, a actividade de Lourenço Eanes (1301-1322), tabelião de Lisboa, minuciosamente estudada por Bernardo Sá No­ gueira231. Os tabeliães, de nomeação régia, exercem o seu ofício não só nas terras do rei, mas também nas de senhorio particular, pelo menos em algumas, como acontecia em Amarante, da Ordem do Hospital232. Enfim, a escrita invade também a vida dos nobres. Sabemos que as canções trovadorescas foram desde cedo anotadas em «rolos» com recolhas individuais. Depois, copiam-se em cancioneiros colectivos, como o da Aju­ da e, já em meados do século xiv, como o do conde D. Pedro de Barcelos, que tem também o seu scriptorium onde redige os livros de linhagens e as crónicas. Assim, a escrita permitia perpetuar o «espectáculo trovadoresco»233. Deste modo, a cultura fundada em princípios lógicos, racionais e dis­ cursivos vai tomando lentamente o seu lugar ao lado da de base mítica e simbólica que ainda predomina na visão do mundo, quando ela se formula teórica e conscientemente. Como, por exemplo, no prólogo da doação de Afonso Sanches de Albuquerque às clarissas de Vila do Conde: «Porque antre todalas criaturas boas que Deos criou fez homem e molhei a mais nobre que todalas outras em este mundo foram criadas assignadamente, a el soo deu alma de entendimento e de razom pera conhecer el e todalas cau­ sas e de partir o bem do mal, porém os homes de razom e d’aguisado o devem mais a amar e honrar e louvar que todalas outras.»234

Era uma formulação simples, de pena de um clérigo que se colocava na 230 P. de Azevedo, 1913; J. P. Ribeiro, 1813, III/2, does. 29 e 31. 231 Bernardo Sá-Nogueira, 1988. 232 Rosa Marreiros, 1985, pp. 35-37. 233 A. Resende de Oliveira, 1992, pp. 356-397. 234 A. C. de Sousa, 1739, I, p. 123.

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vez do nobre, autor da doação, e que sabia exprimir conceitos compreensí­ veis pelos leigos. De facto, os leigos cultivavam outros temas. C

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dos

l e ig o s

Conhecemo-los mal. De fundo oral, as suas manifestações anteriores ao sé­ culo x i i i são para nós quase inteiramente desconhecidas. Só chegaram até nós indirectamente, até ao momento em que, como vimos, se registaram por escrito as poesias trovadorescas. Não admira, por isso, que os especia­ listas tenham procurado cuidadosamente fixar o momento em que apare­ cem as primeiras composições hoje conservadas235. Sabemos, no entanto, que a actividade poética dos leigos vem de mui­ tos séculos atrás. Pelos fins do século x i i , é resolutamente apoiada por reis como Sancho I, que em 1189 recompensa os dois jograis Bon Amis e Acompaniado (DS 67). Mas os cavaleiros-vilãos dos concelhos também a apreciavam, e, tanto, que os redactores dos foros de Alfaiates têm de proibir de dar mais de seis maravedis ao cedrero que vier cantar à vila (n.° 442, in Leg., p. 838). O cedrero tocava uma espécie de cítara e é men­ cionado também no fuero de Madrid no século x i i , que o apresenta como viajando a cavalo por várias cidades para cantar diante do povo. Segundo Menéndez Pidal, recitaria sobretudo poesia narrativa, ao contrário do toca­ dor de cítola, que acompanhava frequentemente a poesia lírica236. Dada a grande quantidade de trovas conservadas para a época de Afon­ so III, não admira que se encontrem referências aos seus autores na docu­ mentação coeva. Numa lei, o monarca, económico como sempre, reduz a três o número habitual dê jograis de sua casa e estabelece a tabela do que se há-de dar aos jograis e segréis que vieram a cavalo de outra terra (Leg., p. 199). O exemplo e o prestígio das cortes provençais levaram as cortes senhoriais castelhanas, galegas e portuguesas a recrutá-los também ou a acolher os que apareciam, como se depreende do preâmbulo de uma lei não datada de D. Dinis: «Senhor, o degredo de vosso padre manda que os ricos-homens vaam aos moesteiros e aas eigrejas com certos cavaleiros [...] e levam i sas molheres e soldadeiras e jograres muitos e comem com elas nas crastas e nas camaras dos priores e dos abades» (LLP, p. 147).

Tendo-se tornado um hábito nos meios nobres, a poesia oral põe-se também por escrito237. Surgem, então, as primeiras produções narrativas, quer derivadas das tradições familiares, como as registadas nos livros de li­ nhagens238, quer os primeiros ensaios de uma historiografia não dependen­ te de esquemas clericais. É curioso verificar que esta aparece primeiro nas cortes senhoriais do que nas régias, tal como a própria poesia trovadores235 Ver as discussões sobre a datação de uma composição como a de João Soares de Paiva, atri­ buída a 1196 ou 1213 (CEM D , n.° 242). Sobre a origem da poesia trovadoresca galaico-portuguesa, ver, entre todos, G. Tavani, 1980, pp. 15-24, e agora, sobretudo, A. Resende de Oli­ veira, 1987; id., 1989; */., 1992; á/., 1993. 236 Ramón Menéndez Pidal, 71975, p. 28. 237 G. Tavani, 1980, pp. 24-46; A. Resende de Oliveira, 1992, pp. 356-357. 238 J. Mattoso, 1983.

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ca239. Só esse facto permite compreender a importância atribuída aos Trastâmaras nas origens do reino de Portugal, segundo a tradição transmitida pelo Livro do conde D. Pedro no princípio do título VII240. É certo, pelo menos, que não parece haver nenhuma crónica régia portuguesa anterior à Crónica de 1344, que é justamente obra de um senhor, embora ligado à corte régia, o conde D. Pedro de Barcelos241. Também não deixa de ser significativo que fosse ainda um clérigo de um nobre, Pero Anes de Portei, quem traduziu para português a Crónica do mouro Rasis. Não é seguro que o fizesse por ordem de D. Dinis242. O rei parecia mais interessado em cul­ tivar a poesia lírica. O ambiente de intervenção cultural dos leigos exprime-se bem com a importante mutação, verificada no princípio do reinado de D. Dinis, de adoptar o romance como língua oficial nos documentos expedidos pela chancelaria243. De qualquer maneira, estes factos representam uma mudança muito grande quando comparamos o ambiente cultural que daqui se depreende com o que, por outro lado, se pressente, ao ler as narrativas conservadas nos livros de linhagens acerca do rei e da nobreza no século x i i . Vejam-se as que se contam de Fernão Mendes de Bragança ou de Gonçalo Mendes de Sousa244, e a gesta de Afonso Henriques245. A predominância guerreira, feroz e vingativa do século anterior havia sucedido agora a cultura cortesã, que comportava um código de boas maneiras e de regras de convivência, em que a mulher passara a ter um lugar importante. Já não se confiava aos jovens nobres apenas o combate e a violência, mas também, sobretudo aos bastardos, o cuidado de divertir a corte com a poesia, a música e as fa­ cécias. Com eles vinham as soldadeiras para dançar e cantar. Já não interes­ sava apenas a épica, valorizava-se também a lírica e a sátira246. Aperfeiçoa­ vam-se os géneros e distinguiam-se os bons e maus trovadores e jograis. Os ricos-homens e os altos dignitários da corte não desdenhavam imitar o gru­ po de jovens e de bastardos a quem normalmente se confiavam os jogos poéticos247. C

ultura

popular

Que se passava, por essa altura, nos concelhos e nos meios populares? É muito difícil imaginá-lo. Pode licitamente presumir-se que os jograis e os segréis populares, aqueles que não andavam a cavalo e cuja recompensa não era prevista por Afonso III, não tivessem cessado as suas actividades, e 239 A. Resende de Oliveira, 1987; id , 1993. 240 Nao se confirma, no entanto, a hipótese que propus em 1983, pp. 23-24, de ser também redigida para os Trastâmaras a perdida Crónica galego-portuguesa de Portugal e Espanha de que também há vestígios no Livro do Conde\ J. Mattoso, 1991. 241 Ver mais adiante a p. 170. 242 CM R, p. 3, nota. 243 J. P. Ribeiro, 1798, pp. 89-97; id., 1810, I, p. 184. 244 J. Mattoso, 1983, pp. 79-83. 245 A. J. Saraiva, 1979. 246 Sobre a sátira, ver Graça Videira Lopes, 1994. 247 J. Mattoso, 1981, pp. 333-369; id., 1985, pp. 309-328, 409-435. Sobre a segunda geração dos trovadores e a sua actividade na corte castelhana, ver A. Resende de Oliveira, 1990; id., 1993.

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que os cedreiros e os jograis continuassem a viajar de terra em terra para animar as festas e romarias, tal como os bufões, os histriões e os saltimban­ cos de que se fala em alguns textos de penitenciais até ao século xiv, para os censurar248. As Cantigas de Santa M aria, que os põem em cena, não os colocam só em ambiente cortesão, mas também em meios populares249. Al­ gumas vezes são clérigos e parecem mais goliardos do que outra coisa. Mas, agora, no século xm , as festas e as celebrações públicas não po­ dem dispensar os pregadores, que, desde o princípio do surto franciscano, animam não só o interior das igrejas e das capelas, mas também as praças públicas. Podemos imaginar como a pregação se podia tornar empolgante espectáculo público ao ler o relato do que foi feito em Lisboa com a pre­ sença de um monge cisterciense maiorquino, liberto milagrosamente do cativeiro entre os sarracenos e que aí contou as suas aventuras pelos anos 1238-1248, mostrando as algemas e as cadeias que trazia consigo250. Às ve­ zes a pregação simultânea de frades de diferentes ordens causa perturbações e disputas, que é necessário depois apaziguar, demarcando os momentos e os lugares em que cada um pode falar. Foi o que aconteceu em Santarém em 1260, entre franciscanos e dominicanos. Depois de ásperas controvér­ sias, ficou estabelecido que quando uns, ao domingo, pregassem de manhã, os outros pregassem de tarde, e no ano seguinte trocassem as horas; as igre­ jas e as festividades reservadas a uns e outros, e como haviam de repartir as alocuções nos enterros e exéquias. Nesta data, porém, já se verifica uma certa reserva quanto à pregação em lugares profanos, que tinha sido uma das práticas mais populares dos franciscanos nos começos da sua or­ dem. Efectivamente, os juízes arbitrais da sentença então proferida decla­ ram que «não deverão pregar em lugares vis como, por exemplo, em alber­ garias ou lugares semelhantes, para que a pregação não se torne vulgar a não ser que a tais lugares se dirija porventura alguma procissão»251. Este documento evoca, pois, indirectamente, o ambiente em que a cul­ tura popular se torna mais viva: as festas e celebrações colectivas que as au­ toridades religiosas animam com pregações e procissões, onde aparecem os histriões e os saltimbancos, os contadores de histórias e os cantores popula­ res. Neste ambiente urbano, o motivo da festa já não é tanto celebrar ri­ tualmente as mutações cósmicas ou os momentos fulcrais do ano agrícola. Também não brota da componente lúdica associada aos grandes trabalhos campestres feitos em comum. Organiza-se sobretudo em torno das festas de santos, cujo calendário não depende dos ritmos lunares que presidem à ordenação dos dias da semana e à determinação da data da Páscoa, pois pode calhar em qualquer dia da semana. Pelo documento aqui menciona­ do, depreende-se efectivamente que os enterros, procissões e festas de san­ tos eram as ocasiões mais propícias à pregação, decerto em virtude de consti­ tuírem pretexto para desenvolver temas de carácter moralizante e catequético, que eram os preferidos pelos pregadores. 248 Derek W. Lomax, 1983, pp. 229-246. 249 M. Martins, 1983, III, pp. 11-19; R. Menéndez Pidal, 71975, pp. 14-78. 250 Miracula S. Vicentii (ed. Aires Nascimento, 1988, pp. 80-81). 251 A. do Rosário, 1982, pp. 82-89 e J. Mattoso, 1993, pp. 191-202. Sobre a pregação medie­ val, ver L. Longère, 1983; para Portugal: F. G. Caeiro, 1984.

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IN D IV ÍD U O E O G R U P O : O PRIV A DO E O P Ú B L IC O

Voltamos aqui, portanto, a uma das mutações mais importantes da vida medieval: a forma de integração do indivíduo na sociedade. Profundamen­ te inserido, quase sem vida autónoma, no grupo de que fazia parte, fosse, num primeiro círculo, a parentela, fosse, num segundo, a comunidade da vila ou aldeia, passa agora a ser considerado um ser dotado de consciên­ cia252, de capacidade de iniciativa, ao qual se garantem os direitos, o uso dos bens e propriedades, ao qual se apela para agir responsavelmente, para evitar o mal e praticar o bem, do qual se exigem impostos por cabeça ou por cada transacçao. Ao privado, opõe-se o público. Também a noção de público se altera, se é que existiu propriamente antes da difusão de conceitos jurídicos no sé­ culo x i i i . O público como adjectivo designando o indiferenciado, o anóni­ mo, o de todos e de ninguém, onde não interessava considerar o estado pessoal, a comunidade concreta, a categoria social, a idade, o sexo ou a fa­ mília era provavelmente inconcebível para a maioria dos homens do sé­ culo x i i . No seguinte, porém, passa a constituir noção indispensável para a legalidade dos actos e a vigência das leis. De facto, já Afonso III manda que certas leis mais importantes sejam lidas em todas as vilas e julgados, diante dos prelados, alvazis, juízes, justiceiros, alcaides e concelhos, e sejam registadas por escrito nas mesmas vilas e julgados (Leg., p. 192, de 1253). A prática de ler as leis não apenas uma vez, mas periodicamente, até uma vez por semana, pelos tabeliães, diante do concelho, tornou-se corrente com D. Dinis. Este raramente se esquece de tomar precauções para que as suas leis sejam conhecidas de todos253, para depois exigir o seu cumpri­ mento seja a quem for e para que ninguém se possa escusar de ignorância. O hábito transmite-se aos concelhos, que declaram ter feito o pregão254 e é adoptado pelos bispos, que mandam ler leis nas igrejas e durante os ser­ mões, nos dias festivos e ao domingo255. Não menos significativa de um espírito novo é a preocupação, que D. Dinis revela, de apelar para a opinião pública quando a sua autoridade é contestada, como aconteceu nos conflitos com o infante D. Afonso. Co­ mo se sabe, mandou redigir e ler publicamente três manifestos em que se justifica a si próprio e acusa o infante256. D. Dinis reproduzia, assim, talvez sem o saber, uma atitude que tinha tomado também, poucos anos antes, Filipe, o Belo, durante os seus conflitos com o papa Bonifácio VIII257. Além de as leituras públicas terem as consequências legais que apontei, ou se destinarem a obter o apoio popular numa ocasião em que a autoridade é contestada, constituem também uma forma de pedagogia, quase de prega­ ção, como acontece quando o mesmo rei manda ler todos os anos as suas 252 M .-D. Chenu, 1969. 253 Ver, entre outras, as seguintes leis: LLP, pp. 51, 74, 78, 81, 82, 89, 90, 165, 169, 184, 197, 201, 204, 209. 254 Cf. Gabriel Pereira, 1885, does. 17 e 22; M. H . Coelho, 1983, doc. 16. 255 M. H. Coelho, 1983, doc. 17, de 1307. 256 F. Félix Lopes, 1967b; id., 1953; Câmara Municipal de Lisboa, 1947, pp. 135-146. 257 D. Knowles, 1968, pp. 402-404.

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ordens e estatutos da Universidade na cidade de Coimbra «per praeconem publicum». O rei pretendia, assim, inculcar em toda a gente o interesse pe­ la iniciativa cultural que tinha tomado ao fundar os Estudos Gerais258. C

o n clu sã o

Como se vê, estas mutações culturais com importantes implicações na mentalidade, mesmo que partam de grupos minoritários, -mostram uma Idade Média menos estática do que muitas vezes se pensa e diz. Para o propósito que nos interessa, porém, convém salientar que no domínio da cultura e da mentalidade se verifica, como nos observados anteriormente, a desagregação das barreiras que separavam as comunidades. É evidente o papel que nestas mudanças desempenham as cidades, a corte régia e as ins­ tituições religiosas, que consideram fundamental intervir junto das cama­ das populares. A circulação dos jograis e dos segréis não tinha fronteiras, tanto abrangia Castela e a Galiza, como Portugal e Leão. Levava as mes­ mas histórias a toda a parte, mas cada comunidade as transmitia depois a seu modo. Mas as missões dos agentes régios que liam as leis e proclama­ ções de D. Dinis situavam-se estritamente no âmbito do reino. Faziam-no na mesma língua, ignorando as diferenças entre os falares e dialectos mais influenciados pelo galego-português e os que dependiam do moçárabe oci­ dental, as quais, de resto, não eram tão grandes como entre eles e o caste­ lhano259. Os pregadores populares também tinham de falar esta língua. Os franciscanos, mais próximos da mentalidade popular, pertenciam, note-se bem, a uma província que englobava justamente toda a área linguística do galego-português, a província de Santiago de Compostela. As separações entre as comunidades concelhias e os domínios senhoriais levantavam cada vez menos obstáculos à comunicação entre os seus habitantes. Mas as dife­ renças entre o português e o castelhano260, acentuadas pelas diferenças po­ líticas e sublinhadas pela delimitação fronteiriça das áreas económicas, essas criavam barreiras que os reis tratavam de definir e acentuar cada vez mais.

258 CUP, doc. 25, p. 46. Sobre a fundação da Universidade ver o recente estudo de M. Nunes Costa, 1991. 259 A. J. Saraiva, 1982, I, pp. 49-51. 260 Ibid.y pp. 60-71.

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2. A monarquia A projecçao inconsciente de conceitos modernos sobre a Idade Média tem levado a nao poucas inexactidões historiográficas. Um dos domínios em que elas são maiores é o das concepções políticas. Determinados por séculos de concepções de direito público e de atribuição exclusiva ao Esta­ do de funções políticas, os historiadores das instituições dos fins do século xix e ainda até há pouco tempo tendiam a interpretar como funções públi­ cas o que se passava no domínio indiferenciado do público e do privado, onde se move toda a autoridade desde o princípio da alta Idade Média. Por essa razão, a preservação de certos conceitos e fórmulas do direito visigótico, em grande parte expressão do direito romano vulgar, durante a Re­ conquista, levou muitos historiadores peninsulares a admitir como princí­ pio que, na Península, a influência da mentalidade feudal tinha sido escassa. Assim, não se teria perdido a ideia de Estado. A supremacia do monarca seria a expressão da sua função propriamente política, e não ape­ nas «feudal». A ser assim, a Península Ibérica, tirando a Catalunha, representaria uma notável excepção no panorama da história das instituições políticas durante a Idade Média. Todavia, a opinião cada vez mais unânime dos his­ toriadores recentes é a de que o Estado propriamente dito resulta de um lento processo de formação que só atinge o seu termo no século xiv, apesar de alguns notáveis precedentes anteriores1. Não poderei, aqui, apresentar uma demonstração completa de que em Portugal se passa o mesmo, mas nem por isso deixarei de invocar não poucos testemunhos nesse sentido. Para isso, é indispensável distinguir, tão claramente quanto possível, a au­ toridade pública exercida pelo rei em virtude do seu poder senhorial — no que não se distinguia dos nobres dotados das mesmas prerrogativas — , da­ quela que exercia exclusivamente por causa da dignidade régia. Em segui­ da, mostrar a partir de quando é que a função régia se torna verdadeira­ mente estatal, isto é, quando implica um poder público unitário, com jurisdição directa sobre todo o povo e sobre todo o território que lhe está sujeito2. Estes requisitos não se podem, obviamente, preencher apenas com os testemunhos acerca de uma supremacia vaga ou ideal. Exigem uma prá­ 1 E. M. Kantorowicz, 1966; B. Guenée, 1971; G. LefF, 1976; A. Murray, 1978; J. R. Strayer, 1979. 2 L. G. Valdeavellano, 1970, p. 406.

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tica concreta, explícita e habitual. Só se observam quando existem os ór­ gãos correspondentes. Ora, dado que muitas das funções públicas, hoje consideradas estatais, foram exercidas de facto pelos senhores dentro dos seus coutos e honras, e eram transmitidas hereditariamente sem que o rei pudesse intervir na su­ cessão, podem levantar-se muitas dúvidas quanto à teoria e quanto à práti­ ca do poder político vigente entre nós. Por outro lado, a relativa arbitrarie­ dade com que os senhores exerciam os seus poderes não permite atribuir-lhes uma autoridade propriamente estatal. Além disso, o exercício da função régia como se fosse de natureza senhorial, isto é, parcialmente arbitrária, transporta-a para os domínios do privado. É, por isso, extrema­ mente difícil ou mesmo impossível delimitar claramente o que pertence a uma esfera ou a outra. O Estado moderno só nasce desde o momento em que elas se começam a distinguir com alguma clareza. A superior autorida­ de do monarca acima dos senhores durante um período em que não se dis­ tingue o público do privado é, sem dúvida, um antecedente importante, mas não se pode considerar da mesma maneira do que nos Estados moder­ nos. Ora, é justamente o processo que conduz a esta emergência o que nos interessa averiguar. Para isso, temos de verificar se a autoridade do rei muda de natureza quando se exerce sobre os seus próprios territórios ou sobre aqueles que têm algum senhor. Até que ponto ele tem o direito de intervenção nos se­ nhorios e sobre os seus detentores. Desde quando concebe o regnum como um todo unitário, onde todos os habitantes têm para com ele relações de natureza diferente daquelas que os tornam dependentes dos senhores. Em que consiste a superioridade do rei em relação àqueles que no reino detêm alguma parcela do poder público. Ora, o rei também se concebe a si próprio como um senhor, isto é, exerce uma autoridade simultaneamente pública e privada sobre os territó­ rios que lhe pertencem como bens patrimoniais. Relacionada com esta questão prende-se outra, bem mais difícil de resolver, e que consiste em averiguar qual a natureza das funções que ele desempenha nas terras que, sem dependerem de outros senhores leigos ou eclesiásticos, não se organi­ zam como concelhos nem se incluem nos seus domínios. Este problema está intimamente dependente de um terceiro, que consiste em averiguar quais são exactamente as regalias que ele não pode partilhar com ninguém. Depois de expormos estes temas, veremos como se articulam entte si o po­ der central e o poder local, durante a fase de predominância das institui­ ções senhoriais. Reservaremos para outro parágrafo o estudo do processo centralizador, que se identifica, afinal, com o que conduziu à edificação do Estado propriamente dito. Como em tantas partes deste ensaio, as dúvidas e interrogações serão muitas. As propostas de interpretação aqui apresentadas poucas vezes sur­ gem como certezas. São sobretudo um desafio a investigações futuras que, porventura, nem sempre concordarão com as aqui seguidas. Destinam-se^ antes de mais, a apontar linhas de pesquisa e hipóteses de trabalho que me parecem fecundas.

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2.1. O «senhor rei» O

P O D E R SE N H O R IA L D O REI

«Senhor rei», Dominus rex, é a maneira como os inquiridores de 1258 cha­ mam normalmente a Afonso III. Esta fórmula não é apenas um epíteto de­ monstrativo de veneração e respeito, é também a expressão de que conside­ ravam o rei não só como tal, mas também como «senhor», isto é, aquele que exerce um poder senhorial. Ele une, portanto, em si mesmo poderes de natureza diferente. Aqueles que se pretendem contabilizar, porém, são os senhoriais, e não, normalmente, os régios. Para os inquiridores, os se­ gundos exercem-se noutra esfera, aquela que está justamente acima dos senhores. De facto, no século xm , não é preciso ser rei para cobrar as rendas dos domínios patrimoniais ou exigir serviços dos trabalhadores, nem sequer pa­ ra exigir a voz e coima, a fossadeira, a anúduva, a jugada, que são presta­ ções de origem pública, ou para apresentar os párocos de certas freguesias, o que tanto pode derivar de um direito patrimonial como de um direito colectivo, ou para nomear o juiz, como fazem os outros senhores dentro das suas terras. Muito menos para cobrar prestações introduzidas pelos se­ nhores, como a pousadia ou jantar, a eirádiga ou a lagarádiga, as diversas pedidas e almeitigas, as portagens e peagens, os foros sobre coelheiros, al­ mocreves, pescadores, viúvas, cabaneiros e mesteirais, as imposições sobre os moinhos, fornos, lagares, azenhas, banhos, tendas e açougues. Não é só o rei que pode ter cavaleiros armados, presidir ao tribunal, policiar uma terra, tomar conta dos maninhos e baldios, fazer regulamentos para os ha­ bitantes do domínio ou do senhorio, criar multas ou expulsar os detentores das terras. H á senhores que também cedem temporariamente, como ele, a administração de um senhorio ou parte dele a um parente ou amigo, me­ diante a obrigação de fidelidade, do conselho e da ajuda. A vastidão dos domínios régios, no entanto, constitui uma característica que basta, só por si, para não poder assimilá-lo pura e simplesmente aos senhores. É o mais poderoso de todos. Em segundo lugar, verifica-se que, na prática, estende direitos senhoriais sobre homens livres, que em princí­ pio não deviam estar sujeitos às mesmas prestações que os dependentes, e não parece levantar-se contra isto qualquer obstáculo. A origem desta prá­ tica terá, creio eu, de se procurar exclusivamente na dignidade régia. Toda­ via, o seu resultado consiste, justamente, em afinal assimilar o rei aos se­ nhores, com a simples diferença de que por esse meio os seus domínios se estendem muito mais do que os deles. Deixando para o parágrafo seguinte a tentativa de averiguar a origem desta prática, vejamos por agora apenas as suas consequências. Já anteriormente aludi a elas3. As comunidades que antes elegiam o pá­ roco ou o juiz têm agora de os levar à confirmação do rei. As prestações públicas judiciais, militares e fiscais revestem, a partir de então, um carác­ ter senhorial, isto é, deixam de ser prestações recognitivas de um estatuto 3 Ver vol. II, pp. 227-238.

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próprio para passarem a exprimir a dependência. Se até ali não pagavam prestações tipicamente senhoriais como a lutuosa, as osas e gaiosas, a hos­ pedagem, as contribuições pelos instrumentos de produção, o montádigo e os pedidos, verifica-se agora uma inevitável tendência para se lhes exigirem as mesmas que os dependentes dos senhores lhes pagavam a eles. O proces­ so de transformação dos proprietários alodiais em dependentes é bem ilus­ trado pelas inquirições. Estas são praticamente contemporâneas do mo­ mento em que os senhores de terras imunes estendem também sobre os trabalhadores por contrato, que em princípio deviam também ser livres, prestações do mesmo género, consignadas nas cartas de emprazamento4. E difícil averiguar se as transformações nas relações de dependência de­ correntes deste processo se iniciam muito antes de 1220 , data a partir da qual as inquirições de Afonso II oferecem já um seguro elemento de estu­ do para o seguir com mais rigor. Digamos, mesmo com o risco de fazer uma afirmação um tanto prematura antes de se proceder a investigações sistemáticas nesta fonte, que a implantação dos direitos senhoriais sobre os alódios parece estar neste momento já em marcha, mas numa fase ainda incipiente. P r esta çõ es

de

o r ig e m

p ú b l ic a

e

de

o r ig e m

p r iv a d a

N a impossibilidade de proceder a pesquisas sistemáticas, poderei, no en­ tanto, propor um método de solução do problema. Consiste em cartogra­ far cuidadosamente os diversos tipos de prestações, distinguindo os de ori­ gem pública dos de origem exclusivamente senhorial, e estudar caso a caso as sobreposições de ambas. Esta pesquisa, apesar de morosa, é facilitada nas inquirições de Afonso II pelo facto de se encontrarem os «foros» separados das prestações dos reguengos. Mas esta separação é, já de si, significativa. Quer dizer que os inquiridores distinguem ainda com clareza as terras que pertencem ao património régio propriamente dito daquelas que o rei não possui mas onde cobra prestações. Esta investigação poderia contribuir pa­ ra resolver problemas da maior importância, como, por exemplo, averiguar a razão da diferença entre os foros fixos e as rendas proporcionais à produ­ ção. Como fio condutor para a resposta pode perguntar-se se as rendas fi­ xas não serão justamente de origem pública, como a jugada. De facto, já Gama Barros observou que a maioria das prestações dos reguengos são parciárias, que as dos casais foreiros são geralmente menos pesadas, e que o en­ cargo da fossadeira recaía geralmente sobre estes5. Sendo assim, as presta­ ções dos «foreiros» seriam de natureza não dominial. N a impossibilidade de empreender esta vasta pesquisa, convém, em to­ do o caso, mostrar que ela permitiria colocar em termos novos a velha questão da diferença entre reguengos e bens da Coroa, na qual Gama Bar­ ros gastou tantas páginas da sua possante erudição6. O que a meu ver vi­ ciou a sua tentativa foi usar como critério a distinção entre domínio direc4J. Mattoso, 1981, pp. 276-277. 5 Gama Barros, VII, pp. 335-336, 356-369. 6 Ibid., pp. 277-503.

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to e domínio útil, além de vários equívocos acerca da noção de «adscrição à terra» e da natureza servil de certas prestações. De facto, a relação estabe­ lecida entre o senhor e o dependente não se baseia em nenhuma espécie de contrato. As prestações dependem essencialmente de dois direitos de natu­ reza diferente — o direito sobre a terra e o direito sobre os homens — , e não dos dois níveis de propriedade que o direito medieval tardio distingue, para aplicar às situações já então estabelecidas, em virtude do cruzamento de direitos de proprietários diferentes sobre as mesmas terras7. R

eguengo s

e

terras

f o r e ir a s

A verdade é que, pelo menos até 1265, os funcionários da Coroa distin­ guiam com razoável clareza a diferença entre terras reguengas e foreiras (Leg., p. 215). Os inquiridores de 1258, apesar de unirem numa só as duas séries de prestações antes distintas, mostram, por vezes, que também as distinguiam. Sabem, por exemplo, que existe uma verdadeira hierarquia entre herdades reguengueiras, de jugada e de cavalaria (Inq., p. 836b), co­ mo vimos a propósito das últimas8. Ora, tudo leva a crer que as herdades «de jugada» correspondem às «foreiras» propriamente ditas, pelo menos na Beira. Tanto esta identificação como o próprio significado etimológico da palavra fórum, cuja conotação com o carácter «público »9 não se deve esque­ cer, dão bem a entender que os funcionários régios da época de Afonso III, ainda pela década de 1260, conheciam a natureza diferente dos foros e das rendas dominiais pagas ao rei. Esta diferença, todavia, não o tornava me­ nos «senhor» de todos os que pagavam uns e outros. Todavia, a tendência para o nivelamento dos dependentes e a simplifi­ cação introduzida pela difusão do regime senhorial levaram, durante a se­ gunda metade do século xm , a desprezar as distinções, agora cada vez me­ nos importantes. Com efeito, a lei de 1265, embora distinga os dois tipos de prédios, passa logo em seguida a tratá-los em conjunto. Ao rei importa­ va apenas impedir que as terras mudassem de estatuto por ausência do proprietário ou alienação em favor de privilegiados. A tendência para a identificação parece já estar consumada, em 1311, quando D. Dinis pro­ mulga outra lei com o mesmo objectivo, mas na qual fala apenas de re­ guengos, esquecendo a situação específica dos prédios foreiros10. Para a confusão entre bens reguengos e bens foreiros também deve ter contribuído o facto de a generalização do regime concelhio nas terras não senhoriais, durante a segunda metade do século xm , ter como consequên­ cia a sujeição de todas as terras do reino a um de três regimes: o senhorial, o concelhio ou o reguengueiro. Tal como, no primeiro, a situação dos co­ lonos e dos antigos homens livres se confundiu na de dependentes, tam­ bém nos reguengos se identificaram os foreiros com os reguengueiros, vin­ do a esquecer-se a antiga e equívoca designação de «herdadores». 7 A. M. Hespanha, 1982, p. 465. 8 Ver vol. II, pp. 291-293. 9 M. P. Merêa, 1947, pp. 485-494. 10 OA, II, 13. Ver outras versões da mesma lei em LLP, pp. 87-89, 188-190, 381-382; M PHI, doc. 32.

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D

efesa

do

p a t r im ó n io

r é g io

Como se sabe, a luta travada pelo rei contra os senhores teve como pri­ meiro objectivo impedir que eles se apropriassem da sua terra. Com esse fim se procedeu, em 1220, às inquirições em Entre-Douro-e-Minho; em 1258, a outras no mesmo território e também em Trás-os-Montes, na Bei­ ra, e na região do Vouga; e, depois, às do reinado de D. Dinis. As duas primeiras séries pretendiam fazer o cadastro da propriedade régia. A tercei­ ra destinava-se geralmente a enumerar as honras e os coutos. Mas todas procuravam impedir o alastramento abusivo da jurisdição senhorial sobre terras do rei. Umas foram de carácter defensivo; outras, por assim dizer, ofensivo11. A sul do Mondego só parece ter havido inquirições particulares, prova­ velmente porque o facto de o rei continuar a exercer uma apertada vigilân­ cia sobre os concelhos que ocupavam a maioria desta região o dotava de um poder de intervenção mais imediato. De resto, o obstáculo posto pelas próprias autoridades municipais ao exercício da jurisdição senhorial no respectivo termo contribuía também para o mesmo fim. Mesmo assim, Afonso II teve, em 12 2 2 , de ameaçar severamente aque­ les que pretendiam laborare as lezírias situadas entre Lisboa e Santarém, com excepção das que Sancho I tinha dado aos povoadores de Azambuja. Incumbiu o alcaide, os alvazis e o tabelião de Lisboa de vigiarem o cum­ primento da sua ordem12. Mais tarde, encontram-se também outras inter­ venções concretas para recuperar determinadas terras sonegadas à Coroa13. As já referidas leis de Afonso III, de 1265, e de D. Dinis, de 1311, destinam-se justamente a dotar os agentes régios de instrumentos legais para impedirem as alienações e terem instruções precisas nos casos de infracção. Durante o reinado de D. Dinis, ou talvez já no de Afonso III, dá-se o último passo para a constituição definitiva do património régio com a re­ serva das matas e maninhos. Efectivamente, parece que durante a segunda metade do século xn ainda havia algumas zonas, sobretudo de matas, que não pertenciam a nenhum concelho nem senhorio particular. A apropria­ ção efectiva pelo rei deve ter-se dado por essa altura, quando lhes deu o es­ tatuto de «coutadas» reservadas para caça, sob a vigilância dos seus monteiros14. Os

B E N S U R B A N O S D O D O M ÍN IO R É G IO

O domínio régio, todavia, não é constituído só por bens fundiários. Já no foral de Santarém-Lisboa-Coimbra de 1179 se verifica que nestas cidades havia casas que pertenciam ao rei e ele alugava. Sancho I possuía gado, 11 Cf. L. Krus, A. Andrade e J. Mattoso, 1989, pp. 41-62. 12 J. R Ribeiro, 1810, I, doc. 49. 13 Ver, p. ex., V. Rau, 1982, doc. 11 de 1293 referente a Évora-Monte; G. Pereira, 1885, doc. 21 de 1285, referente a Évora; P. de Azevedo, 1930, para toda a Estremadura. 14 D. Dinis manda demarcar a coutada de Botão (1280): C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 7 (ver, porém, ibid., doc. 8). Outras demarcações de coutadas de 1317, 1320, 1323, 1324; ibid., does. 35, 36, 39, 40. Ver ainda a lei sobre arrendatários de «encoutos», 1309: LLP, pp. 208-209. Todavia, o interesse do rei sobre os montados já vinha de Afonso III: TT , Chanc. de Afonso III, t., III, f. llv , 19v e 20r; cf. C. M. Baeta Neves, 1965, pp. 27-28.

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provavelmente transumante ao menos numa parte do ano, como se pode verificar pelos seus testamentos (DS 149). Tanto seu pai como ele tinham um tesouro monetário muito grande, que guardavam em Santa Cruz de Coimbra, nos castelos da Ordem do Templo ou do Hospital, no castelo deAlcobaça e noutros lugares (DS 149). Sancho II manda cumprir a maior parte dos legados pios com o rendimento que lhe era entregue pelos seus moedeiros e possuía tendas, casas e adegas em vários lugares15. No rei­ nado de seu irmão as informações acerca dos bens da Coroa são inúmeras. Verifica-se nesta altura um interesse especial do rei pelos bens cujo rendi­ mento era pago em dinheiro, como vimos anteriormente16, e a tendência para reservar, com muito mais cuidado do que antes, o monopólio de al­ guns instrumentos de produção, sobretudo fornos, moinhos e tendas. A es­ te, o rei acrescenta, desde 1266, nos forais das cidades algarvias, o mono­ pólio das salinas, da pesca da baleia, dos banhos, pisões, açougues e azenhas17. De muitos deles tinha-se apropriado no momento da conquista aos Mouros, como dizem os mesmos forais. Em Lisboa, o mesmo rei cons­ truiu ou comprou ferrarias e taracenas18, além de aumentar enormemente o património régio com tendas, casas e açougues. O mesmo aconteceu em Beja, Eivas, Évora, Santarém ou Guarda19. O património senhorial do rei consistia, finalmente, em gente. Não apenas aquela que vivia nos reguengos e por isso se podia considerar unida a ele por laços especiais de dependência, mas também os mouros forros e os judeus, que eram considerados seus súbditos a título pessoal e cuja su­ jeição era claramente marcada pelos tributos que tinham de pagar20. A

d m in is t r a ç ã o

:

reco lh a

das

rendas

Para gerir tudo isto era necessária uma complexa máquina administra­ tiva21. Em termos esquemáticos, podem distinguir-se os agentes locais, cha­ mados normalmente «mordomos» ou «vigários», ou, mais precisamente, «mordomos das eiras», «das terras», «da vida», etc., e os recebedores que re­ colhiam as rendas nos celeiros e nos entrepostos régios, cuja designação va­ riou. A organização depreende-se sobretudo dos forais rurais de Trás-os-Montes da época de Sancho II e de Afonso III, nos quais se verifica que os habitantes têm frequentemente o direito ou o dever de escolher entre si o mordomo do lugar, ficando este encarregado de recolher os foros para os entregar ao recebedor em data marcada. No caso de ele não aparecer ao fim de certo prazo, não podiam ser responsabilizados. O trabalho do mor­ domo da terra era compensado com a dispensa do pagamento dos foros, mas era considerado suficientemente ingrato para muitas vezes os habitan­ tes preferirem ser dele eximidos. 15 A. C de Sousa, 1739, I, pp. 49, 30. 16 Supra, pp. 33-35. 17 Leg., 706-708, 715-716, 736. 18 Silva Marques, I, doc. 6 de 1237; id., supl., doc. 165 de 1299; Gama Barros, V, p. 101. 19 Ver Hermenegildo Fernandes, 1991, pp. 42-43; M. A. Beirante, 1988, pp. 99-100, 365-384; Rita Costa Gomes, 1987, p. 61. 20 M. J. Ferro, 1979; id., 1982. 21 M. J. Trindade, 1981, pp. 123-126.

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A arrecadação das rendas era uma operação provavelmente complexa a partir da época em que o rei pretendeu administrá-las para delas obter lu­ cro, e não apenas para consumir nos locais onde eram depositadas, e que visitava nas suas deslocações22. Foi justamente por isso que Afonso III con­ verteu em dinheiro algumas das rendas pagas até ali em géneros. Eram normalmente entregues em três prestações com datas fixas2324. Este processo facilitava a recolha ou os contratos feitos com indivíduos especializados a quem se arrendava a cobrança mediante uma soma fixada previamente. Conhecem-se os produtos destas operações feitas pelo almoxarife de Gui­ marães na zona de Entre-Douro-e-Minho durante os anos de 1252 a 127324 a minuciosa tese de doutoramento de M. Rosa Marreiros, defen­ dida recentemente, permite reconstituir em todos os seus pormenores o funcionamento da administração dionisina na região de Guimarães25. Um dos aspectos mais salientes da prática instituída por D. Dinis é o brutal au­ mento dos montantes das rendas26. Nas cidades, a cobrança devia ser muito mais complicada. Sabe-se que D. Dinis usou o mesmo método de arrendamento, pelo menos em alguns casos, como consta do seu testamento de 1299 (ML, V, p. 330), mas igno­ ra-se até que ponto generalizou esta prática. É provável, todavia, que não fosse sistemática, pois os mordomos dos concelhos, dependentes do rei, ti­ nham sob as suas ordens funcionários permanentes encarregados da admi­ nistração e cobrança, como se depreende dos foros longos de Santarém27. Quando estavam encarregados de determinadas zonas ou cobranças in­ cluíam-se na categoria genérica dos «ovençais», que designava indiferencia­ damente várias categorias de funcionários régios28. Até ao fim do reinado de Afonso III é difícil distinguir estratégias de obtenção de lucros e de simples racionalização administrativa. Muitas das medidas de D. Dinis tinham apenas estes mesmos objectivos. Outras, po­ rém, podem considerar-se ditadas por propósitos de investimento produti­ vo ou, mesmo, de fomento de carácter mais geral. Entre estas salientam-se as fundações de «póvoas» no interior ou no litoral, o estímulo a povoações urbanas de interesse estratégico, como Caminha e outros centros nas mar­ gens do Minho e no Norte transmontano e, ainda, a concessão de forais e de privilégios a feiras francas29. 22 Ver I. Gonçalves, 1993. 23 Vinhais (1233), Penagarcia (1256), Melgaço (1258), Aguiar da Beira (1258), etc.: Leg. 639-640, 667, 684, 686, 667-689. 24 J. P. Ribeiro, 1913, III/2, doc. 29. 25 M. Rosa Marreiros, 1990. Ver, da mesma autora, um estudo panorâmico mais acessível, 1992. 26 Assim, por exemplo, em Caminha, os 140 maravedis pagos em 1258 passam a 200 em 1275 e a 1000 em 1284: M. Helena Coelho, 1990, I, pp. 202-203. 27 N .os 22, 27, 38, 59, 60, 119, 163, 180, 184, etc.: Leg., II, pp. 20, 21, 23, 28; para Lisboa, ver Gérard Pradalié, 1975, pp. 97-99. 28 Mencionados, por exemplo, nos F. de Santarém, n.° 28, Leg., II, p. 20; no testamento de D. Dinis de 1299: M L, V, p. 330; ver M. Caetano, 1951, pp. 47-49. 29 Ver M. Rosa Marreiros, 1992; Amélia Andrade, 1993; M. H. Coelho, 1990, I, pp. 207-211; P. Dordio Gomes, 1993.

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A

d m in is t r a ç ã o

da

ju s t iç a

Todavia, assim como nas suas imunidades os senhores não desempenha­ vam apenas papel de proprietários, também o rei é responsável pela admi­ nistração da justiça nos seus domínios. Fá-lo, pelo menos, no Norte, por intermédio dos juízes, função que provavelmente deriva ainda da que in­ cumbia aos magistrados das comunidades livres da mesma zona, como vi­ mos anteriormente30. Mas, assim como em vários lugares, como se de­ preende das inquirições, o juiz desempenhava não só funções judiciais mas também administrativas, também noutros casos se encarrega o mordomo do julgamento de casos menores31. É o que acontece também no reguengo de Riba Mar, onde o rei Afon­ so III, em data desconhecida, ordena que o «vigário», um homem do lugar, ouça os preitos dos moradores ao domingo, para nos outros dias não dei­ xar de trabalhar como lavrador (Leg., p. 286). Noutros lugares, porém, há mordomo e juiz32; noutros ainda, apesar de haver mordomo, confia-se a justiça aos homens-bons33. A designação de «vigário», que aparece em al­ guns destes forais, parece justificar-se justamente por aí prevalecer a função judicial34. Nos concelhos é provável que a actividade do mordomo fosse, ao menos parcialmente, controlada pelo alcaide como representante do rei e encarregado de funções policiais.^ A

l m o x a r if e s

A medida que o rei começa a sistematizar a cobrança das rendas e se gene­ ralizam as prestações em dinheiro começa também a criar-se sobre esta es­ trutura de tipo senhorial outra de tipo estatal. O indício dela é o desenvol­ vimento da função dos almoxarifes que já existiam desde o século xm como oficiais régios, mas com atribuições reduzidas e que, até agora, se co­ nhecem mal. E provável que, já no reinado de Afonso II, fossem eles a cobrar a «colheita», pelo menos às igrejas e aos mosteiros, cuja primeira re­ ferência conhecida se encontra numa bula papal de 122035. Desde Afonso III, porém, tornam-se os oficiais especializados do fisco36. Compreende-se facilmente a tendência que depressa se fez sentir para sobrepor as suas fun­ ções às dos mordomos, o que corresponde a absorver a estrutura senhorial na estatal. Uma das questões mais obscuras é a da relação do sistema senhorial ré­ gio com o concelhio. O facto de o rei cobrar várias prestações no concelho leva-o a colocar mordomos na maioria deles; as suas responsabilidades fis­ cais permitiam-lhes ter porteiros e saiões e, como vimos, desempenhar fun­ 30 Ver vol. II, pp. 252-269. 31 F. de Sanguinhedo (1223) e Vila Fonsin (1255): Leg., pp. 598-599, 649. 32 Marmelar (1194), Taboadelo (1202), Canedo (1212), Barqueiros (1223), etc.; D S 75, 142; Leg., pp. 561-562, 597. 33 Cidadelhe (1224), Condado (1255), Soverosa, Capeludos, Escarei, etc.: Leg., pp. 599, 653, 657, 658, 659. 34 Cf. M. Caetano, 1951, pp. 43-44. 35 MHV, II, n.° 343; Sousa Costa, nota 198. 36 Marcelo Caetano, 1951, pp. 45-47; G. Pradalié, 1975, pp. 98-99.

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ções próximas das judiciais ou policiais. É provável que eles não se limitas­ sem a cobrar os impostos concelhios reservados ao rei, mas fossem também encarregados da administração dos reguengos situados nos termos do respectivo concelho. Só uma investigação especializada permitiria responder a esta questão que os nossos historiadores das instituições medievais geral­ mente ignoram. De qualquer maneira, se a criação de um aparelho fiscal distinto do senhorial tendeu a absorver este, era ainda mais natural que ab­ sorvesse igualmente, ao menos sob a forma de controlo, as funções dos mordomos régios dos concelhos. De facto, os mordomos passam a depen­ der dos almoxarifes desde a época de Afonso III37.

2.2. Regalias Considerado, portanto, como senhor, o maior dos senhores, o rei, nem por isso deixa de ocupar um lugar único, que importa agora definir com algum rigor. Antes de mais, será necessário mostrar que a bem conhecida persis­ tência das tradições romanas e do direito público na zona mediterrânica da Europa não impediu que a função régia fosse contaminada pelos conceitos feudais. Estes dominaram, como veremos, até ao princípio do século xm , e só depois deram lugar a manifestações cada vez mais claras da supremacia monárquica: primeiro, ainda em articulação com as concepções feudais; depois, claramente independentes delas. Sendo assim, não se pode ver toda a época de que trato como um período uniforme, como tendem a fazer au­ tores como Gama Barros, os quais projectam uma imagem muitas vezes indiferenciada sobre todo o período que vai da época visigótica ao século xv. Os princípios expressos por Afonso X, o Sábio, verdadeiro criador de uma teoria política acerca da função régia, eram desconhecidos no século xn. Não se impuseram sem dificuldade. Até lá, a contaminação do concei­ to monárquico pelas noções feudais parece-me evidente. Traduz-se em tu­ do aquilo que significa privatização da função régia e partilha do poder pú­ blico com outras pessoas e instituições ou, mesmo, com determinados grupos sociais. A

M O N A R Q U IA FE U D A L: A PRIVATIZAÇÃO D O P O D E R

De facto, a privatização do poder manifesta-se na sucessão do trono, pois o rei deixa o cargo a seu filho por testamento, como se fosse um bem pessoal38; na senhorialização não só do seu património hereditário, mas também das terras de homens livres, como já vimos mais de uma vez39; na maneira como o rei dispõe, como se fosse um bem pessoal, das terras da Coroa, alienando nas cartas de couto e noutras doações vários dos poderes públicos40. 37 Para Lisboa, ver as obras cit. na nota anterior; para outros lugares, ver o F. de Santarém n.° 79, Leg., II, p. 25; Oriola, n.° 109, ib.t p. 42; Beja, n.° 51, ib., p. 55; para Entre-Douro-e-Minho: J. P. Ribeiro, 1813, III/2, doc. 29. 38 D R 334; D S 30, 31, 194, 203; A. C. de Sousa. 1739, I, pp. 34-48, 50, 54, 99. 39 Ver vol. II, pp. 221-232 e o parágrafo anterior. 40 Gama Barros, I, pp. 242-283. Estes poderes são, algumas vezes, chamados regalia. A sua concessão, como é evidente, excluía a inalienabilidade, ao contrário do que acontece no século xm , quando se invoca o carácter de regalia para os reservar exclusivamente ao rei.

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A sua fragmentação verifica-se não só nestas mesmas concessões, mas também na aceitação tácita ou expressa do regime senhorial, que coloca nas mãos dos senhores poderes militares, judiciais e fiscais, sem que o rei se apresente a si próprio como a sua fonte e origem. De facto, o costume de se exercerem nas honras, de posse imemorial, e a prática do «amádigo», que confere estatuto senhorial a uma terra apenas por aí se ter criado um nobre, revela que o rei deixa em certo momento de controlar o seu exercí­ cio. Nada permite afirmar que a autoridade dos senhores nas suas honras e coutos se harmonize e articule com a do rei. Matar os mordomos ou os juízes que tentam defender os direitos régios, cortar-lhes mãos óu pés, ce­ gá-los ou arrastá-los à cauda de cavalo são violências perante as quais os se­ nhores não recuam e que vêm relatadas nas Inquirições41. Todavia, nem sempre se trata de crueldade puramente gratuita. Os senhores consideram-se gravemente ofendidos nos seus direitos pessoais, na sua autoridade e na sua honra, porque os oficiais do rei invadem as terras sobre as quais pen­ sam ter jurisdição por direito próprio. Veremos adiante que o princípio da partilha dos poderes públicos com os nobres e outros detentores de terras imunes não cessa com a incipiente edificação do Estado. E expressa e repetidamente reconhecido por D. Dinis, apesar de este tomar medidas para um exercício efectivo da vigilância sobre eles. A

FRA G M EN TA ÇÃ O D O P O D E R P U B L IC O

Em segundo lugar, a fragmentação feudal do poder público revela-se nas formas de atribuição das funções administrativas de representação régia. Como mostraram L. G. de Valdeavellano e H. Grassotti42, os governa­ dores das terras tinham para com o rei uma relação de tipo feudal, que se depreende da própria expressão «tenência». Em várias terras de Entre-Douro-e-Minho sucedem-se até dentro da mesma família, como se fossem hereditárias43. Os alcaides têm para com o rei uma relação igualmente feu­ dal, o que se verifica por lhe prestarem a homenagem e serem obrigados a um especial compromisso de fidelidade, como mostram as cantigas de es­ cárnio acerca dos alcaides traidores44. O carácter feudal das funções de re­ presentação é também marcado pelo facto de os ricos-homens poderem exercer o seu ofício por meio de prestameiros e, sobretudo, por o rei con­ ceder a vários concelhos o privilégio de o mordomo ou prestameiro do ri­ co-homem não entrarem nele, o que significa que, se o rei não limitasse expressamente a competência do rico-homem nesta matéria, ele desempe­ nhava o cargo de maneira pessoal e arbitrária. Não faltam notícias de ricos-homens que abusam da força e se apropriam dos direitos régios, sem que o monarca intervenha45. A manifesta impotência do rei nesta matéria só 41 Herculano, 1980, II, pp. 631-637; M. J. Trindade, 1981, p. 123. Mas há muitos mais exemplos. 42 L. G. de Valdeavellano, 1970, p. 383; H. Grassotti, 1969, I, pp. 688-690. 43 J. Mattoso, 1982a, pp. 121-137. 44 Ver mais adiante, n.° 3.1., pp. 117-119. 45 M. J. Trindade, 1981, pp. 121-122.

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cessa com a nomeação de meirinhos-mores ou, mesmo, com operações po­ liciais do género da que D. Dinis mandou realizar em Monforte do Rio Livre pouco antes de 1283, para castigar os cavaleiros que tinham assassi­ nado o juiz da vila46. E

s p e c if ic id a d e

da

fu n ç ã o

r e g ia

Onde reside, pois, a especificidade da função régia, se as suas atribuições são de tal modo partilhadas que praticamente não pode intervir em muitos lugares do reino? A imprecisão das noções vigentes até ao fim do século x i i é manifesta, mas parece derivar fundamentalmente de uma especial respon­ sabilidade do rei na manutenção da paz e da justiça. Tanto uma como ou­ tra se opõem à desordem. Nesta está incluído tudo o que possa representar a subversão do estabelecido. Exige, portanto, a luta contra abusos e violên­ cias, a repressão da revolta dos dependentes, o respeito pelos costumes vi­ gentes, a obrigação de pacificar sem inovar47. Daí deriva uma especial competência para julgar os nobres, sobretudo nas questões que os opõem uns aos outros48 e, também, com o maior relevo na Península Ibérica, a sua responsabilidade de condutor da guerra externa, sobretudo contra os Mouros. Consistindo, à partida, numa especial obrigação de coordenar a defesa comum, veio a tornar-se em competência própria também na orien­ tação da guerra ofensiva, pelo menos desde o reinado de Fernando, o M ag­ no49. É provável que se mantivesse, como um legado da época visigótica e tardo-romana, a noção de que o rei era o verdadeiro detentor do poder pú­ blico e isso lhe conferia o papel de chefe dos homens livres. Por intermé­ dio desta competência reconhecia-se-lhe, decerto, a capacidade para exigir certos tributos e serviços, entre os quais alguns, como a jugada, cuja ori­ gem fiscal se pode detectar, apesar de transformados em direitos senho­ riais50. Estão nas mesmas condições as prestações do género «voz e coima» e da «fossadeira», provável correspondente nortenha da jugada51. O

CA RISM A D O REI

Tudo isto se conjuga sob a noção de que o rei tem poderes pessoais de ti­ po carismático, próprios do chefe, sem que se elabore uma enumeração de carácter jurídico das suas atribuições específicas. O rei é o chefe por exce­ lência. Recebe da sua linhagem, marcada pelo selo divino, virtudes espe­ ciais que tem obrigação de cultivar. A distinção entre ele e os nobres reside sobretudo aí. A ideia do carisma pessoal, mas transmitido pelos antepassa­ dos de estirpe régia, revela-se, por exemplo, na evidente preocupação que os notários dos documentos afonsinos têm, desde sempre, de referir a as­ cendência régia de Afonso Henriques. Aparece na primeira pessoa a invo­ 46 J. P. Ribeiro, 1813, III/2, doc. 34. 47 L. Genicot, 1968, p. 140. 48 Cf. L L 36 E9, sobre Sancho II. 49 J. A. Maravall, 1954, pp. 276-287. 50 M. P. Merêa, 1937, pp. 83-100. 51 Ver vol. II, pp. 199-200.

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car a qualidade de neto do magnus rex, do imperator, do inclitus Afonso VI. Reivindica, pois, a vinculaçao hereditária à sua figura mítica, que se tinha tornado, para o imaginário dos homens do século x i i , o símbolo de um poder próximo do divino, e isso basta para afirmar a sua própria autori­ dade. A mesma ideia se exprime nos Anais de D . Afonso, rei dos Portugueses, redigidos por um cónego regrante de Santa Cruz de Coimbra pouco de­ pois de 1185, e que o apresentam como um «gigante que, nas suas acções se assemelha a um leão, ou a um jovem leão que ruge na caça e do qual ninguém consegue falar dignamente». Um «varão poderoso nas armas, sá­ bio no falar, prudente nas suas obras, de engenho luminoso, de belo corpo e semblante agradável, profundamente ortodoxo na sua fé em Cristo, be­ névolo e devoto para com os ministros da religião, capaz de proteger todo o Portugal com a sua espada» (ADA, p. 151). Afonso Henriques, para este clérigo do princípio do reinado de seu filho Sancho I, tinha sido, portanto, digno de reinar, honrava a sua ascendência régia, constituía um exemplo para o seu sucessor. Por isso foi «semper victor», «de omnibus triumphans» e «divina clementia semper adiutus» (ADA, p. 152). Alguns anos mais tar­ de, um clérigo de Braga fala também da strenuitas de Afonso Henriques e dos seus méritos para a «exaltação da fé» ao conquistar muitas terras aos sarracenos, o que lhe mereceu o reconhecimento do título de rei pela Santa Sé52. Conhece-se, no entanto, uma expressão doutrinal excepcionalmente precoce acerca da autoridade régia, em que esta é apresentada como uma função que só é feliz quando se desempenha com justiça, e só é executada segundo os preceitos da ciência de governar os povos. O poder daqueles que temem a Deus, procuram o reino dos Céus e se empenham em propa­ gar o culto divino não é dado para proveito próprio, mas para o dos súbdi­ tos. Esta reminiscência textual de um passo da Cidade de Deus, de Santo Agostinho (liv. 5, cap. 24), encontra-se logo no início dos M iracula S. Vincentiiy redigidos pelo chantre Estêvão da Sé de Lisboa pelos anos 1173-1185. Deve-se provavelmente à sua cultura moçárabe, atestada também por outros indícios. Prolongava em terras meridionais, que não tinham co­ nhecido o feudalismo, noções próprias do cristianismo tardo-romano. O texto é bem eloquente: «Está escrito que são felizes os reis que governam com justiça e diz-se que, nos negócios humanos, nada há de mais gratificante do que quando, por mise­ ricórdia de Deus, o poder está nas mãos daqueles que alcançam a ciência de di­ rigir os povos. E que o poder daqueles que temem a Deus, O amam e O vene­ ram, daqueles que aspiram sobretudo pelo reino onde não receiam ter concorrentes, daqueles que fazem que as suas decisões sirvam a majestade divi­ na para a dilatação máxima do culto de Deus, esse poder não se serve tanto a si próprio como aos súbditos.»53

Há, portanto, em território português, ainda antes do fim do sé52 Nas alegações de Braga contra. Compostela em 1198-1199, in Peter Feige, 1978, pp. 393-394. 53 Miracula S. Vicentii (ed. e trad. Aires Nascimento), 1988, p. 29, onde se identifica o citado passo de Santo Agostinho.

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culo xii, quem tenha a noção da autoridade régia como uma função de ca­ rácter público e não de carácter privado. Estas ideias, todavia, não voltam a encontrar-se antes da década de 1190, então pela pena dos notários da chancelaria, provavelmente por influência do direito romano, como vere­ mos em breve. Mais em conformidade com as concepções típicas do Norte, o chantre Estêvão não deixa, também, de louvar com grande entusiasmo a strenuitas de Afonso Henriques, como uma qualidade que ele põe ao serviço da dila­ tação da Igreja e que aparece como expressão evidente de um dom de Deus. O carácter guerreiro da autoridade régia está vivamente expresso nas duas representações iconográficas que dele se conhecem, em Santarém (ho­ je no Museu do Carmo) e em Rates, ainda suas contemporâneas, e em que ele empunha ostensivamente a espada e a coloca ao ombro. Aliava-se, as­ sim, a uma tradição peninsular que não cessou de se fortalecer até meados do século xiii54. A tradição confirmou esta mesma ideia ao valorizar a pró­ pria espada e o escudo régio junto ao túmulo, em Santa Cruz de Coimbra (fossem ou não autênticos), e venerados ainda por D. Sebastião, apesar de a hipercrítica recente desprezar estes símbolos da concepção da autoridade régia no início da monarquia portuguesa55. O especial dever de velar pela justiça, no sentido apontado anteriormente, surge na Gesta de Afonso Henriques sob forma diferente, devido à sua origem não clerical. Vem inserido na recomendação feita pelo seu pai, o conde D. Henrique, à hora da morte, o que lhe confere também uma es­ pecial solenidade e carácter obrigatório. O conde alude, de facto, à trans­ missão de uma virtus hereditária — «filho, toma do meu coração algum tanto, que sejas esforçado» — , mas insiste de maneira especial no dever de garantir a justiça: «e see companheiro a filhos cTalgo e dá-lhe siempre sas soldadas bem paradas e aos concelhos faze-lhes honra e aguisa como hajam direitos assim os grandes como os pequenos. E por rogo nem por cobiça nom leixes a fazer justiça. C a se uu dia leixares de fazer justiça uu palmo, logo em outro dia se arredará de ti ua braça. E, porém, meu filho, tem sempre justiça em teu coraçom. E haverás Deus e as gentes. E nom consentas em nenhúa guisa que teus homens sejam soberbos nem atrevudos em mal; nem façam pesar a nem uu, nem digam tor­ to, ca tu perderias per taes cousas o teu boo preço se o nom ovedasses» (GAH, p. 30).

A

FUNÇÃO REGIA NOS DOCUMENTOS DA CHANCELARIA

Examinemos agora as arengae dos documentos de Afonso I e de Sancho I, redigidos geralmente na chancelaria. A primeira que menciona os deveres do rei tem uma referência à sua obrigação de revelar uma especial generosi­ 54 Bonifácio Palacios, 1976, pp. 273-296. 55 Sobre estes símbolos e o problema de coração de Afonso Henriques, e de seu sucessor San­ cho I, ver J. Mattoso, 1993a, pp. 213-232. Sobre a coroação dos reis seguintes da primeira dinas­ tia, ver id., 1991b.

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dade nos seus dons, sem todavia fazer dela uma virtude específica da dignida­ de régia, pois aparece como um dever imposto também aos homens livres e, a fortiori, ao rei: «Quoniam regum est, necnon etiam cuiusque uiri ingenui talis titulo decorati, de propriis possessionibus propriam explere voluntatem...» (D R 199, de 1143)

Fórmula repetida depois várias vezes (D R 201, 206, 216, 251, 273, 280, até 1162), mas que se exprime com maior desenvolvimento em 1160: «Quoniam, ut legitur in gestis catholicorum regum reges et presides ac magistratus, nom solum adiacentia tribuere sed inmensa donaria et etiam própria largiti sunt per uniuersa regna terrarum unde alerentur pauperes Christi qui in mundo nihil possidebant monasteriaque religiosorum fabricaretur Deoque et Ecdesie evus nte famuiantmm se seruorumque íWius supplementa absque necessitate tribuerunt» (D R 275)56,

para isolar melhor os deveres próprios dos reis, que aqui lhe são atribuídos sem qualquer comparação com outras autoridades, e para acentuar a sua especial obrigação de proteger a Igreja, principalmente os monges e os reli­ giosos mais pobres e que melhor servem a Deus. Ideia própria de clérigos, como é evidente, mas que nem por isso contribui menos para reservar aos reis uma posição específica. O recto cumprimento dos seus deveres pró­ prios assegura-lhes a consideração da Igreja e como que o direito de a sua autoridade ímpar ser sancionada por um poder sagrado. As

FÓ R M U LA S D O C H A N C E L E R JU L IÃ O

É preciso esperar o início do reinado de Sancho I para ver estas ideias ex­ primirem-se, agora pela pena do célebre chanceler Julião, numa fórmula mais fria, que afirma não só os deveres religiosos do príncipe, mas também a obrigação, por assim dizer profana, de cultivar as virtudes demonstradas pelos seus antecessores: «Quoniam ad regis debitum spectat et gloriam ea manutenere et promouere in melius que ab antecessoribus pie in religione facta cognouerit.» (DS 8, de 1186)

Depois, a autoridade singular exprime-se em fórmulas tão simples co­ mo esta: «Notum sit omnibus hominibus qui in regno meo sunt» (DS 10, de 1186), ou «Annuit namque serenitate regni nostri glorie...» (DS 233, de 1187). A consciência dos deveres régios surge, mais tarde, no momento so­ lene da partida para a expedição dé Silves: «Catholicorum regnum devotio, iccirco litteris commendatur quatinus quod ab eis pie agitur firmi roboris teneat dignitatem et habeat exinde posteritas quod studeat immitari ut tunc sentiat boni parentis heredem qui succedit in regno, cum in moribus, fide et religione possit non dissimilis inveniri» (DS 336, de 1189),

56 Comparar com esta fórmula da chancelaria leonesa «Catholicorum regum officium esse dignoscitur sancta loca diligere ac venerari et ea largis dilatare muneribus atque possessionibus ampliare» (J. González, 1943, p. 214, de 1163). Vejam-se outras fórmulas com o mesmo sentido: ibid., p. 218 para os anos de 1166 a 1169, pp. 223-224 para 1169-1173. As últimas mencionam especialmente o apaziguamento dos conflitos e a defesa da paz.

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numa fórmula onde a comparação com os antecessores se torna o tema do­ minante. A maneira exemplar como o seu pai tinha cumprido a missão ré­ gia exige que Sancho I se eleve à mesma altura por feitos não menos me­ moráveis. N o seu glorioso regresso de Silves, o chanceler Julião menciona outro tipo de deveres. Deixando de olhar para um passado que era necessário preservar, volta-se para o futuro que todos os príncipes e detentores do po­ der, mas sobretudo os reis, têm obrigação de prevenir. A propósito dos bens temporais, que Sancho I nesse momento cede ao mosteiro de Santa Cruz e lhe servem para garantir o bom governo futuro mas, ao mesmo tempo, obtêm a recompensa eterna para o doador, exprime a ideia de que o rei está especialmente incumbido de uma missão de governar, o que na­ quela circunstância significava, implicitamente, que não bastava conquistar novas terras. «Summum atque precipuum utilitatis genus fore dignoscitur cum unusquisquè diligenter sibi preuidet in futurum. Si ergo bonum est et salubre unicuique ut sibi preuideat in futurum, multo maxime necessarium est regibus et consulibus, principibus et potestatibus et omnibus qui in sublimitate sunt, ut diligenter et studiose prouideant et subministrent sibi et posteris bona temporalia, sibi bona inuisibilia et eterna.» (DS 41)

Aparece aqui, pela pena de mestre Julião, a noção de que o rei tem uma autoridade singular e uma missão própria a cumprir, que não se tra­ duz apenas pelo culto de uma forma carismática de agir, mas também pelo bom governo. Tal como as fórmulas do tempo de Afonso Henriques, aproxima-se o rei de todos os outros detentores do poder, sem se lhe atri­ buírem deveres específicos. Só implicitamente se poderá supor que a supe­ rior posição do rei lhe confere responsabilidades maiores, mas não de natu­ reza diferente. Por outro lado, a autoridade usada para bem dos súbditos é, afinal, aquilo mesmo que justifica o próprio poder. Finalmente, esta posi­ ção não é justificada por referência às litterae, ao que está escrito, mas pela própria ordem recta das coisas57. Em 1191, as expressões acerca da função régia completam-se com ou­ tra fórmula não menos significativa: «Quoniam consuetudine que pro lege suscipitur et legis auctoritate dicimus quod acta et principum scripto comendari debeant, ut comendata ab hominum memória non decidant et omnibus preterita presentialiter consistant...» (DS 51).

Por estes termos muito simples, exprime-se a ideia de que os actos régios devem ser escritos para servir de exemplo a todos e não se apagarem da memória dos homens. Pressupõe-se ainda com mais força a concepção de que os reis devem agir de maneira a não serem mais esquecidos, para se tornarem como que o modelo e a referência de todos. A obrigação de «re­ comendar» as acções do rei aparece como um costume transformado em lei e, portanto, com todo o peso da obrigatoriedade que a natureza das leis impõe. Transparece aqui, e de maneira ainda mais clara, a pena do legista 57 A mesma fórmula reaparece em termos abreviados, em 1191 (DS 49).

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que sabe distinguir entre lei e costume, e o imenso respeito pela palavra es­ crita como processo de ordenação da realidade. Note-se, porém, que em nenhuma destas fórmulas se distingue a função do rei e dos príncipes ou, mesmo, de qualquer autoridade, como se a diferença entre eles fosse ape­ nas de grau e não de natureza. O que estava em causa eram a função polí­ tica e o dever de todo aquele que exerce autoridade. Parece, por isso mes­ mo, que a autoridade do rei está apenas numa posição superlativa, mas idêntica à de qualquer outro detentor do poder público, incluindo, segun­ do uma das fórmulas de 1189, os potestates, isto é, os senhores, ou mesmo os simples homens livres, ingenuitatis titulo decorati, como se dizia em 1143. Ou seja, o rei é ainda um primus inter pares. A fórmula de 1191 tornou-se corrente na cúria e passou a ser usada até ao fim do reinado58, encontrando-se apenas uma expressão nova em docu­ mento de data incerta, entre 1186 e 1195, onde se insiste, de maneira mais clara do que nunca, nos deveres do rei para com os súbditos: «Regalis dignitatis auctoritate debitoque commonemur subiectos diligere atque eorum paci et utilitate in omnibus semper prouidere.» (DS 86 e 87)

Ou seja, autoridade régia obriga a especial solicitude pelos súbditos em ge­ ral, e não apenas pelos clérigos, e exige particularmente a manutenção da paz. Como vimos, a luta pela paz e pela justiça tinha-se tornado em todo o Ocidente o dever maior do rei. Aqui, porém, ela não é apenas a ausência de guerra ou de desordem, pois se alia à noção de utilidade. De facto, co­ mo vimos a propósito da intervenção dos cistercienses na economia, e até da acção pastoral dos regrantes59, nesse momento de grande perturbação no reino, tornava-se especial dever do rei não só preservar a paz e a ordem, mas também colaborar no esforço comum para produzir mais, distribuir os rendimentos e alimentar os famintos. As

CONCEPÇÕES DE AFONSO II

É possível que as perturbações de 1190-1210, cuja resolução ultrapassava a capacidade de intervenção do rei, tivessem desencorajado a cúria de criar novas formulações dos mesmos princípios. Em 1211, porém, logo no iní­ cio do reinado de Afonso II, surgem afirmações que revelam uma súbita alteração nas noções então expressas, sem todavia superarem toda a ambi­ guidade acerca da missão régia, de resto natural numa época tão precoce em relação à evolução das concepções políticas europeias. Refiro-me às leis de Afonso II, promulgadas nas chamadas «cortes de Coimbra», e que em vários pontos revelam tal novidade, que se tem duvidado se serão total­ mente verídicas. Não se encontram, todavia, argumentos de ordem positi­ va para contestar a sua autenticidade60. Pelo contrário, os seus pressupostos gerais estão em perfeita consonância com a época, a começar pela referida ambiguidade de conceitos acerca da relação entre o rei e o poder senhorial. Repentinamente, o rei fala na primeira pessoa, com toda a autoridade. 58 D S 63, 64, 65, 71, 82, 100, 117, 118, 123, 180, de 1193 a 1209. 59 Ver vol. II, pp. 333-334. 60 Damião Peres, 1949, pp. 1-8.

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Não manda outro falar por si, nem invoca as litteraey nem uma lei ou um costume. Para justificar as suas ordens, apela exclusivamente para princí­ pios racionais. O modelo de «bom príncipe» por ele pressuposto ou invo­ cado expressamente61 é um modelo secular e não clerical. A autoridade in­ vocada é a «razon»62 e os princípios estritamente jurídicos63, ou a utilidade pública64. O apelo para normas racionais e do direito natural ou para uma sabedoria baseada na experiência65, com a total exclusão de referên­ cias a preceitos divinos ou eclesiásticos, surge como uma novidade sur­ preendente e inesperada. É verdade que se encontra certo precedente na última fórmula de mes­ tre Julião atrás citada, mas a atitude que ali já se esboçava surge profunda­ mente assimilada e proclamada em relação a situações concretas, para justi­ ficar a criação de normas de carácter universal, tal como os princípios em que se baseiam. Não é menos surpreendente assistir aqui ao súbito começo da actividade legislativa, que embora se exerça em colaboração com a cúria régia, tal como já vinha sendo costume na Península para os finais do século xn66, se exprime aqui em nome pessoal do rei e sem qualquer apelo para o con­ sentimento dos barões e magnates. A única referência à cúria aparece na notícia de ordem redactorial que precede o conjunto de leis, para indicar o «conselho» dos prelados e dos vassalos. De facto, o poder legislativo aqui exercido com tanta naturalidade só virá a ser proclamado como direito próprio do rei nas Partidas de Afonso X 67. Ao mesmo tempo, a actuação política de Afonso II, expressa também noutros actos que mencionaremos no parágrafo seguinte, não pode deixar de se comparar com a de certos soberanos da sua época, como Filipe Au­ gusto e Frederico II. O primeiro, sem fazer proclamações de princípio nem inovações radicais, transformou os quadros administrativos do seu reino com o estabelecimento de um corpo de baillis itinerantes para vigiar a actividade dos prêvots e rodeou-se de conselheiros especializados em determi­ nadas matérias. Fê-lo, porém, no âmbito dos domínios que dele depen­ diam directamente; quanto aos outros territórios do seu reino, procurou sobretudo garantir a fidelidade e a submissão dos vassalos68. O segundo 61 «Porque de bõo principe é purgar a sa provinda de maos homêes» (Lei 27, Leg., p. 179); «Porque a nós pertence de fazermos mercee a mezquinhos e de os defendermos dos poderosos» (n.° 22, p. 177). 62 «Sem razon parece que aquel que é atormentado dar-lhi homem outro tormento» (n.° 3, p. 164); «Nos parece desaguisada que aqueles que som a serviço de Deos de serem aguardados por poderio segral» (n.° 14, p. 172). 63 «O demandador deve seguir o foro do demandado» (n.° 11, p. 170); «O homem livre possa fazer de si o que quiser» (n.° 19, p. 174); «O s mtitrimónios devem a seer livres» (n.° 22, p. 173). 64 «O mal que logo nom tolher(em) crece, e d’uu homezio que logo nom matam no começo, nacem muitos homezios e danos e perigos do reino e das gentes» (n.Q 13, p. 171). 65 «Havemos muitas vezes que vai a mal o que foi feito por bem» (n.° 11, p. 170); «A sanha sooe a embargar o coraçom que nom pode veer dereitamente as cousas» (n.° 21, p. 175); «Porque os matrimónios devem a ser livres e os que som per prema nom ham bõa cima» (n.° 22, p. 175). Algumas das justificações aqui propostas e outras leis de 1211 procedem directamente do código de Justiniano, como mostrou G. Barros, I, pp. 113-115. Cf. Braga da Cruz, 1975, pp. 187-188, nota 15. 66 L. G. de Valdeavellano, 1970, pp. 442-443. 67 Id., ibid. 68 F. Lot & R. Fawtier, 1958, II, pp. 145-147.

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transpôs para o domínio político não poucas ideias de Inocêncio III, rei­ vindicando em seu favor o princípio da autonomia do príncipe. Foi ele que proclamou aquilo que os glosadores do Liber Augustalis ou Constitui­ ções de Amalfi (1231) chamam um «novo direito». Aí, de facto, apresenta-se a si próprio como uma fonte donde brota a Justiça, como o defensor dos fracos injustamente oprimidos, o novo César que só presta contas «ao julgamento da razão, que é a mãe do direito»69. Sem teorizar de maneira tão poderosa e incisiva como o imperador, mas vinte anos antes dele, o nosso rei põe ousadamente em prática um po­ der que implicitamente considera supremo, independente e universal. Só o pode ter aprendido de uma longa convivência com os legistas da corte de seu pai, sobretudo com mestre Julião, que ele recompensa tão generosa­ mente logo no princípio do seu reinado70, e que provavelmente tinha for­ mado ele próprio, ou enviado a Bolonha e reunido à sua volta, uma plêia­ de de legistas. São os que, à morte do Mestre, se tornam os principais auxiliares do rei e que ele invoca expressamente nos seus diplomas71. É, sem dúvida, este entendimento entre Afonso II e os legistas o que dá uma coerência nova à sua obra governativa. Apesar de tudo, não pode deixar de se notar uma constante ambigui­ dade nos decretos de 1211. Aparentemente, as leis têm um âmbito de apli­ cação universal, pelo próprio facto de invocarem princípios absolutos e de na sua formulação nada transparecer que lhes limite o alcance dentro do «reino»72. Mas a sua capacidade de punir parece só se estender aos domínios ou a pessoas sobre as quais exerce directamente a sua autoridade. Assim, por exemplo, na lei que defende os «mezquinhos» contra os poderosos, embora se apresente como baseada num princípio universal, só prevê uma pena pa­ ra aqueles que do rei tiverem terras (n.° 25, pp. 177-178). A que proíbe aos poderosos «levarem» seja o que for do que venderem, começa por refe­ rir um mau costume de Coimbra, «come em todalas vilas da nossa Estre­ madura, come em todalas partes do reino», mas também só prevê castigo para os que recebem terras ou alcaidarias do rei (n.° 2, p. 164). Esta lei, de resto, parece dar a entender que o ponto de vista do rei se situa primeiro em Coimbra, depois na Estremadura, ou seja, nos domínios régios e só de­ pois no resto do reino, onde de facto a sua autoridade é mais longínqua e quase sempre exercida por meio de intermediários. O mesmo se deve en­ tender quando diz «assi da nossa terra come dos das outras» (n.° 3, p. 164). Sendo assim, pergunta-se se, quando fala de «sa província» e a identifica com «nosso reino» (n.° 27, p. 179), pensa só nas terras onde tem jurisdição directa ou também nas de regime senhorial. Todavia, noutras leis, como por exemplo na que dá aos homens livres a garantia de poderem escolher livremente o seu senhor, parece referir-se de facto a todo o reino, 69 E. M. Kantorowicz, 1966; G. Masson, 1963. 70 M L, IV, f. 68. 71 A. D. de Sousa Costa, 1963, pp. 67-73. 72 «Em todalas partes do reino» (n.° 2, p. 164); «dos moesteiros do nosso reino» (n.° 3, p. 164); «em grande dano nosso e do reino» (n.° 10, p. 169); «gram dano do reino e das gentes» (n.° 13, p. 171); «qualquer homem... per todo o nosso reino» (n.° 19, p. 174); etc.

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pois as penas aplicam-se a todos os infractores, mesmo aos nobres em geral (n.° 19, p. 174). Seja qual for a doutrina, a prática seguida por Afonso II parece ter consistido principalmente em exercer uma autoridade efectiva nos seus do­ mínios, sem contestar propriamente a autoridade nobre ou clerical sobre coutos e honras, e sem pretender intervir aí, limitando-se nesta matéria a evitar a sua extensão abusiva em detrimento das terras da Coroa. O sistema das confirmações parece resumir bem a sua atitude a este respeito. Signifi­ ca, afinal, uma forma de legalização dos poderes senhoriais, por esse meio expressamente reconhecidos quando aceitam o senhorio régio73. Ou seja, apesar de as leis de 1211 constituírem um conjunto aplicável a todo o rei­ no, deviam servir de norma também aos senhores, mas provavelmente não bastavam só por si para os oficiais régios perseguirem e castigarem os no­ bres e os eclesiásticos que as infringiam. A

PLENITUDE DOS DOIS PODERES

Nem por isso o conjunto legislativo de 1211 deixa de ser um marco da maior importância na história da monarquia portuguesa. A precocidade que revela no conjunto da história europeia é realmente notável, nesta épo­ ca em que ainda predomina a privatização e a fragmentação do poder pú­ blico. Não admira, por isso mesmo, que tenha levantado as maiores oposi­ ções, como veremos no parágrafo seguinte, e que, depois da morte de Afonso II, se seguisse um período de franco retrocesso da autoridade régia que, com Sancho II, foi incapaz de se opor aos progressos desenfreados da senhorialização no Norte do país. Apesar disso, os conceitos já afirmados não desapareceram, mesmo na cúria onde os legistas, olhados com antipa­ tia por muitos nobres, não perderam completamente os seus meios de acção. Por outro lado, a sua presença em todas as cúrias diocesanas contri­ buiu para difundir uma opinião pública favorável à superior autoridade do rei, quando a Igreja se sentiu a primeira vítima de desordem. Os clérigos e os canonistas reconheciam-na e apelavam para ela, mesmo quando invoca­ vam a superioridade do poder espiritual. Esta superioridade, de resto, não é entendida da mesma maneira por todos. Junto da corte devia prevalecer a opinião de Hoguccio, segundo a qual o imperador recebe directamente de Deus o poder sobre as coisas temporais7 , o que pressupõe que a autoridade civil é independente na sua esfera e só lhe está sujeita naquilo que depende do espiritual75. Esta doutri­ na viria a ser defendida também, alguns anos mais tarde, por Mestre Vi­ cente. Era pressuposta pela sua afirmação de que o rei na Hispânia é como um verdadeiro imperador, pois não recebe o gládio do Papa, mas só de Deus76. 73 M PH C, pp. 7-11; Gama Barros, pp. 440-442. O sistema das confirmações parece ter inspi­ rado também Afonso IX de Leão, pelo menos desde 1226: J. González, 1944, vol. II does. 474 a 490, etc.; cf. ibid., vol. I, p. 498. 74 A. D. de Sousa Costa, 1963, pp. 306 e 510; M. Pacaut, 1957, pp. 134-135. 75 A. D. de Sousa Costa, ibid., p. 506. 76 Id., IV, 17.7, cit. ibid., p. 511.

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Ora, esta doutrina era já afirmada, creio eu, no próprio prólogo das leis de 1211, quando aí se estabelece um paralelismo entre as leis régias e os «decretos» de Roma, para se declarar, desde logo, que sejam nulas quais­ quer leis ou acções futuras que contrariarem umas ou outras. Não me pa­ rece, bem ao contrário, que este prólogo deva ser interpretado como uma sujeição da lei civil à canónica, como fizeram alguns historiadores do di­ reito77. Deve ser justamente esta doutrina a que está subjacente à reacçao de Afonso II contra os célebres decretos laicales de Fr. Soeiro Gomes, por ele tão violentamente condenados. Referia-se justamente à confiscação dos bens dos hereges, acerca da qual mestre Vicente pretendia limitar a decre­ tai de Inocêncio III78, comentada em sentido contrário à opinião de Tancredo79. O rei devia considerar a pena de confiscação uma questão tempo­ ral, que não caía sob a alçada da lei eclesiástica. Invocava a confirmação da autoridade de todos os reis portugueses e de si próprio por vários papas, para condenar sob as mais severas penas o que considera uma intromissão na esfera do poder civil80. Assim se inicia em Portugal uma tradição de autonomia do poder civil que, sem voltar a suscitar da parte do monarca, que eu saiba, afirmações de princípio tão explícitas, continua a sustentar a posição régia durante os fre­ quentes conflitos que se seguiriam desde esta época até à de D. Dinis. Nes­ tes, segundo parece, o pomo da discórdia reside nas questões disputadas ratione materiae e ratione personae, simultaneamente pela jurisdição ecle­ siástica e pela civil, como veremos adiante81. A f o n so III

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D . D in is

A partir de Afonso III, o clero invoca sobretudo o direito canónico, cuja autoridade ninguém contestava, para fazer as suas reivindicações práticas. Por isso, D. Dinis dirigiu os seus esforços no sentido de fixar regras que determinassem o foro competente nos casos de conflito. A sua actuação as­ tuta e firme levou, por exemplo, o bispo Egas de Viseu a redigir uma obra com o significativo título De libertate ecclesiae, que teve depois um certo sucesso em Castela, mas da qual não resta nenhum manuscrito portu­ guês82. Aqui, porém, o problema da relação entre o poder espiritual e o 77 O texto, na versão provavelmente mais fiel do LLP, é o seguinte: «estabeleceo que as suas leis sejam guardadas, e os dereitos [ler «decretos»] da Santa Egreja de Roma, convém a saber que se [outras] forem feitas ou estabeleçudas contra eles [ler «elas»] ou contra a Santa Egreja que nom valham». Basta, portanto, subentender «outras» para o paralelismo ser perfeito. A opinião contrá­ ria, dos autores citados por G. Braga da Cruz, 1975, p. 188, é por este também recusada, mesmo sem propor uma leitura mais correcta do texto de 1211. Entre aqueles conta-se N . Espinosa G o­ mes da Silva, 1985, pp. 124-125, que acrescentou novos argumentos à sua interpretação na 2.a edição da mesma obra, 1991, p. 162. 78 Decretales, V, 7.10 (ed Friedberg, pp. 782-783). 79 M. Pacaut, 1957, pp. 152-155. 80 Sobre a discutida interpretação destas leis, acerca das quais não foi citada nunca, creio, a doutrina de mestre Vicente, ver F. da Gama Caeiro, 1983, onde refere as opiniões de Herculano e de L. G. de Azevedo. 81 Ver infra, n.° 3.2., pp. 133-134. 82 A. Garcia y Garcia, 1970, pp. 219-281.

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temporal também não se coloca em termos teóricos ou doutrinais, mas da forma mais pragmática e casuística, alegando, para cada eventualidade pre­ vista, a legislação canónica correspondente. Mesmo nesta obra, onde se estende ao máximo o foro eclesiástico, nunca se ultrapassa a ideia de que a Igreja é livre na sua esfera e, por isso, não se pode sujeitar ao rei. Longe de invocar a doutrina da superioridade espiritual, permanece, ao nível da teoria, dentro da ideia implícita de que o poder civil é também soberano na sua esfera. O que se disputa é o limite entre as duas83. As

«REGALIAS»

Através de questões como estas, e face aos poderes senhoriais, foi-se fir­ mando a noção de que pertenciam exclusivamente ao rei determinados di­ reitos que ele não podia partilhar com ninguém. A ideia aparece já com clareza no Fuero Viejo de Castilla, provavelmente bem conhecido entre nós, o qual, embora redigido só em meados do século xiv, retoma um texto do século precedente, anterior, portanto, às Siete Partida,y84. Diz ele: «Estas euatro cousas son naturales al senorio dei Rey, que non las deve dar a ningund ome, nin las partes de si, ca pertenescen a ele por razón de senorio natural, Justicia, Móneda, Fonsadera, e suos yantares.»85

Esta ideia, tão pouco conforme com as concepções feudais, já era cor­ rente nos meios eclesiásticos imbuídos do direito romano. Inspira as ex­ pressões de algumas bulas papais. Assim, por exemplo, uma de Inocêncio III de 1216, onde se fala claramente dos iura regalia e da iurisdictio regia como de poderes e jurisdição postos em causa pelas reivindicações se­ nhoriais das irmãs do rei Afonso II, mas que os procuradores do rei consi­ deravam inalienáveis (BPIn. III, n.° 214). Mas logo a seguir, em 1217, Honório III menciona também os costumes hispânicos que vigoram em matéria de doações régias a nobres (M HV II, doc. 17). Aquela bula trans­ mite, sem dúvida, as alegações dos procuradores de Afonso II, e esta, as dos procuradores das infantas. Pouco tempo depois, em 1223, nos acordos de Sancho II com as suas tias, apesar de tão desfavoráveis ao rei, é tam­ bém, decerto, por influência de conceitos vigentes na cúria romana e na corte afonsina que o rei confirma os forais dados por elas, como se isso fosse necessário para terem validade, se afirma que os dependentes das in­ fantas estão sujeitos à obrigação de participar no exército do rei e se men­ cionam direitos régios inalienáveis. Verifica-se, assim, que a ideia de haver direitos «naturais» e inalienáveis do rei em Portugal aparece precocemente. Faz depois o seu caminho por­ que, em 1236, ao dar à Ordem de Santiago o castelo de Sesimbra, San­ cho II exclui «o direito que nos outros nossos castelos d’Alentejo aos reis 83 Ver, sobretudo, ibid.9 p. 264: «Reges et principes non debent episcopis imperare sed inclinabunt caput etus... nec eos sibi submittere quoniam eos manet “obsequendi necessitas non auctoritas imperandi” nissi forte episcopus a rege feudum teneret.» 84 T. de Sousa Soares, in Gama Barros, I, pp. 384-385. 85 Fuero Viejo, I, 1.1 cit. por L. G. de Valdeavellano, 1970, p. 445.

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fica resguardado»86. Em 1242, fazendo doação análoga de Idanha e Salvaterra aos Templários exclui os iura regalia de moeda, colheita, exército e anúduva87. Deve notar-se neste último documento a mão do chanceler mestre Vicente que, como bispo da Guarda, era senhor de Idanha. Convém, todavia, mostrar que nenhuma daquelas «regalias» exclui as ambiguidades a respeito do direito senhorial. Com efeito, todas elas foram também concedidas a senhores, até a de cunhar moeda, que Afonso Henri­ ques atribuiu ao arcebispo de Braga em 1128 (D R 87), mesmo que ele nunca a tivesse exercido de facto. Assim, a fossadeira era cobrada por se­ nhorios particulares88890, e o «jantar» ou hospedagem era um direito tipica­ mente senhorial. Quanto à justiça, uma vez que os senhores eram também responsáveis por ela nos seus domínios, deve aqui entender-se a justiça su­ prema, ou a manutenção da paz, no sentido em que falámos anteriormente. É possível também que a recomendação de o rei não alienar a «fossadei­ ra» se justifique pela ideia de que lhe pertence, de facto, este tributo de origem pública. O diploma de 1242, acima citado, apoia esta interpre­ tação. Em Portugal parece terem sido, efectivamente, os direitos de cunhar moeda, de administrar a justiça suprema e também de comandar o exérci­ to, as atribuições próprias do rei, ainda antes da época de Afonso III. E mais obscura a origem da noção de que o rei tinha uma jurisdição espe­ cial sobre as terras ermas, coisas abandonadas, minas, águas e caminhos, que não é mencionada no Fuero ViejoS9. Penso que deriva do princípio muito antigo, e talvez já deturpado, de que a autoridade régia se exercia de maneira especial sobre os homens livres e se exprimia, neste caso, por pres­ tações públicas ou de origem fiscal. Seria isso, justamente, o que permitiu aos soberanos do século xm considerarem-se os senhores de todas as terras que os não tivessem. Mas a aplicação deste direito às matas, caminhos e minas só se tornou sistemática na época de D. Dinis. Através destes múltiplos caminhos se foi precisando a enumeração dos regalia e a definição da autoridade régia como um poder específico. Assim, em 1245, quando o conde de Bolonha jura, em Paris, aplicar a justiça para fazer reinar a paz no reino, incluindo nesta ideia a de defender a Igreja, de respeitar os costumes dos concelhos, dos cavaleiros e do clero, de ouvir os conselhos daqueles prelados que ele pudesse consultar segundo as necessi­ dades do tempo e do lugar, integra-se perfeitamente na noção de missão régia do século anterior. Cede, pois, a todas essas exigências, mas declara expressamente que salvaguarda o iure meo et regni portugalensis9®. Cinco anos depois, tornado rei e tendo de responder às reclamações apresentadas pelos bispos nas cortes de Guimarães, volta a fazer a mesma ressalva: «ad quos, saluo iure regie m aiestatis nostre corone regrti nostri... in presencia nostra et baronum nostrórum decrevimos proponendum» (Leg., p. 185).

86 Cit. por Gama Barros, I, p. 154. 87 Ibid.y p. 145. 88 F. de Centuncelas (1194); São Vicente da Beira (1195), Belmonte (1199), Benavente (1200), Alpedrinha (1202), etc., todos os senhorios particulares: Leg., pp. 487, 494, 521; D S 119. 89 Cf. Gam a Barros, VI, pp. 93-104. 90 A. D. de Sousa Costa, 1963, pp. 444-446.

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Em 1254 e nos seguintes, a partir do de Beja, Afonso III declara também nos forais: «retentis in ea mihi meis regalenguis» (Leg., p. 640), sistemati­ zando aquilo que afirmara seu irmão, ou os juristas da cúria por ele, em 1236 e 1244. Em lei de 1254 ou 1261, o mesmo rei afirma claramente o poder le­ gislativo: «ca tal quero que seja costume de meu reino» (Leg., p. 247). Noutro diploma sobre a imunidade nos coutos, e os serviços que se têm de prestar aos respectivos detentores e os direitos de maladia, declara que o direito senhorial deriva do seu e está sujeito ao seu controlo e vigilância: «ca outro juiz nom deve conhecer de tal cousa... senom aquel per que foi dado o couto, ou aquel que em seu logar veer, e esto é em el-rei» (Lei 198, Leg., p. 303).

Embora não seja expresso com tanta clareza, pode citar-se também a este respeito a justificação da lei sobre as «assuadas» resultantes da vingança privada e dos abusos sobre os mosteiros, que eram praticados sobretudo por nobres. Aí afirma implicitamente o direito de os julgar, pois tais vio­ lências eram: «muito a meu dano e dos meus filhos d ’algo e dos meus moesteiros e das ordiis e de todo meu poboo et de todolos outros do meu reino» (Leg., pp. 221-222).

Aproximando esta última justificação do juramento de Paris, verifica-se que a via pela qual o monarca impõe como única e universal a sua autori­ dade é justamente o seu especial dever de garantir a paz e a justiça, no sen­ tido em que falámos anteriormente. Fora já esse o ponto de partida para as teorias expressas por Frederico II91. C

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Ora, por essa época, estava em plena actividade a escola jurídica constituí­ da por Afonso X, e muitas das ideias do imperador começavam a correr in­ sidiosamente nas cúrias régias, apesar da sua deposição por Inocêncio IV no concílio de Lião, dias antes de ter deposto também Sancho II. Afon­ so X não defenderia com menos vigor do que o nosso Afonso II o princí­ pio da autonomia do poder civil na sua esfera, e várias vezes se insurgiria, como Afonso III, contra aquilo que pensava ser a abusiva extensão dos po­ deres eclesiásticos92. Como se sabe, o Fuero Real e as Siete Partidas de Afonso X foram tra­ duzidos para português e largamente utilizados entre nós93. Já desde a épo­ ca de Afonso III se encontram citações implícitas a textos do Fuero Real\ traduzido entre 1273 e 1282, o que significa que inspirava de facto os ju­ ristas da corte94. Ora, a doutrina do Fuero Real acerca do rei e da sua auto­ 91 E. Kantorowicz, 1981, pp. 103-132. 92 Aspecto mal estudado até ao recente congresso por ocasião do centenário de Afonso X, onde foi salientado por alguns participantes. Veja-se também J. M. Nieto Soria, 1983. 93 G. Braga da Cruz, 1973, pp. 195-204. 94 Ver, p. ex., a Lei 97 de Afonso III (Leg., pp. 271-272) e FR, p. 34; Lei 184, p. 311, e FR, pp. 55-56; Lei 88, pp. 263-264, e FR, pp. 89-90; Lei 90, pp. 268-269, e FR, pp. 104-105; Lei 207 e FR, p. 28; Lei 267, e FR, p. 88; etc.

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ridade única não deixa lugar a qualquer dúvida. Usando a clássica metáfora do corpo humano, e apelando, ao mesmo tempo, para o paralelismo exis­ tente entre a ordem celeste e a terrestre, compara a posição de Cristo como «cabeça, e começamento dos angios e dos archangeos» com a do rei, como cabeça da «corte terreal», pois Deus, «pôs el-rei em seu logo por cabeça e começamento de seu poboo todo assi co­ mo posse-si cabeça e começamento dos angios e dos archangeos e deu-lhi po­ der de guiar e de mandar seu poboo. E mandou que todo pobuu en úu e cada uu per si obedeecessem e honrassem e presassem e que guardassem sa fama boa e sa honra como seus coorpos mesmos».

E depois de enunciar as consequências deste princípio, volta à mesma comparação: «assi como nem uu nembro nom pode haver saude sem sa cabeça, assim uu poboo nom pode haver sem seu rei que é sa cabeça e posto por Deus en adeantar ó bem e por vedar e vingar o mal» (FR I, 2, pp. 9-10).

É evidente o interesse que a corte régia e os seus juristas tinham em di­ fundir estas ideias, sem que no entanto aparecesse, que eu saiba, uma répli­ ca portuguesa do mesmo género. Mas a política de D. Dinis inspira-se nelas. A

p o lít ic a d e

D . D in is

Teve ocasião de o manifestar, por exemplo, ao afirmar, a respeito da Or­ dem Militar de Santiago, que todas as concessões feitas pelos reis anteriores tinham como motivo e condição o serviço do rei na defesa contra os sarra­ cenos e contra outros inimigos do reino e de o servirem fielmente em to­ das as suas acções95. Mas não parece encontrar-se em D. Dinis uma pro­ pensão para teorizar. Poderia tê-lo feito nos diversos manifestos contra seu filho, o príncipe D. Afonso, mas exprime-se aqui em termos muito genéricos e que supõem da parte dos interlocutores um grande respeito para com ele. «E em qual pea caem aqueles que se param contra o corpo d ’el-rei e contra u veem o seu pendom e que andam em taes obras contra seu stado e a sa hon­ ra e a sa justiça, tem el-rei que nom é hora pera que ende mais declarar. Ca mal pecado sabudo e visto é de si ligeiramente o podem entender os que i pa­ rarem mentes e que houverem razom e entendimento souberem qual é o stado dos reis e o que lhi devem de guardar os que fezerem derecto e lealdade [...] Ca tal é el-rei e taes som os seus fidalgos e os seus concelhos e os seus naturaes e tam leaaes, e assi é el-rei certo que téem os corações enel e que todos i ante porriam os corpos e quanto houvessem que se passar d’outra guisa...»96

Pouco tempo antes, no manifesto de 1320, ainda é mais reservado. Apenas a certo momento fez uma afirmação de princípio, acerca da preten­ são que o infante tinha de administrar a justiça: «o que el-rei teve por mui estranho de lhi moverem a tal razom que nos seus

95 A. B. da Costa Veiga, 1940, p. 157; MPV, II, p. LVII. 96 F. Félix Lopes, 1952, doc. de p. 39.

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dias posesse el en’outrim a justiça, per que el é rei, e per que há o maior estado cThonra que é, ca pela justiça assinaladamente é o rei temudo e honrado na sa terra»97.

Será preciso procurar a intervenção dos intelectuais para encontrar uma formulação mais doutrinal da função régia. Aparece, efectivamente, nos es­ tatutos dados à Universidade de Coimbra de 1309, no prólogo dos quais se encontram, no entanto, não poucas reminiscências de concepções que vêm do século anterior. Segundo o seu autor, incumbe especialmente ao rei zelar pela utilidade do reino e dos súbditos e premiar os seus habitantes, para que, multiplica­ dos assim os frutos da justiça, cheguem todos à felicidade eterna. Mas o rei não pode cultivar a justiça se não promover a reprodução das suas semen­ tes na terra. Assim, a semente dará muitos frutos, e multiplicar-se-ão no reino as palmas da justiça. Daí brotarão os seus frutos, ou seja, os varões instruídos na doutrina da eloquência. N a verdade, o reino não precisa só de armas, mas também de leis de justiça e de equidade para se governar convenientemente na guerra e na paz (CUP, I, doc. 25). Nesta justificação surge, pois, com a maior clareza, a harmonização da velha ideia de que o rei era responsável pela manutenção da paz e da justi­ ça, para estender cada vez mais as obrigações daí decorrentes transforman­ do-as no dever de ordenar tudo aquilo que pudesse contribuir para a utili­ dade do reino, incluindo os estudos. Em termos práticos, e mesmo sem grandes teorias, o progresso da au­ toridade régia durante a época de D. Dinis foi enorme, como veremos também no parágrafo seguinte. Foi justamente o que provocou a revolta dos senhores sob a chefia do futuro Afonso IV, à semelhança dos fidalgos castelhanos que se haviam revoltado contra um monarca não menos cons­ ciente da necessidade de edificar o Estado, Afonso X 989. Foram ambos os verdadeiros edificadores dos dois Estados de Castela e de Portugal. Até ali a monarquia mal saíra ainda do seu estádio feudal. C

o n clu sã o

Foi necessário, pois, um longo caminho para que a figura carismática do rei, obrigado a honrar os seus antepassados de estirpe quase sagrada pela imitação dos seus exemplos, sobretudo aqueles em que revelava uma excepcional generosidade nos seus dons ou a ousadia na guerra, se vá pouco a pouco carregando de deveres suplementares, como seja prevenir o futuro ou garantir a paz e a utilidade de todos os súbditos, para se transformar depois no modelo do legislador, do defensor dos fracos contra os podero­ sos, da garantia da justiça e da ordem. Sancho II fora, por isso mesmo, um rex i n u t i l i s não soubera manter a paz. Mas Afonso III, para cumprir este dever, organizou uma burocracia eficaz, geriu cuidadosamente o patrimó­ nio e acumulou rendimentos, invocou o seu direito a reservar ou a apro­ 97 Id., 1967, p. 33. 98 J. Mattoso, 1985, pp. 293-308; id., 1993a, pp. 73-94. 99 E. Peters, 1967, pp. 253-305; id., 1970.

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priar-se de certos bens (os regalia), mostrou-se o senhor da moeda e das terras sem dono, montou um tribunal régio bem organizado e que chegava a todo o lado, apresentou-se como a origem e o responsável pelo bom de­ sempenho da justiça senhorial, afirmou e praticou largamente o poder le­ gislativo. Já não era um primus inter pares, era um verdadeiro monarca, «imperador no seu reino»100. D. Dinis podia, pois, tirar todas as conse­ quências da prática exercida pelo seu pai, elevar o princípio da supremacia régia às suas consequências. Em grande parte com mais sucesso do que o seu (provável) modelo Afonso X, mas não sem revoltas e contestações, que lhe amarguraram o fim da vida.

2 3 . Governo central Uma das características das monarquias feudais é a assimilação da cúria ré­ gia ao conselho dos vassalos que lhe prestam homenagem e dos barões que acompanham o chefe e constituem a sua comitiva. A privatização do poder não permite ao senhor governar arbitrariamente. Tem de o fazer com o acordo e a colaboração dos seus homens, daqueles a quem ele deve, em boa parte, a sua posição. Eles, por sua vez, devem ao senhor, como obriga­ ção decorrente do contrato feudal, a participação nos seus conselhos e não apenas o auxílio militar. Apesar de todas as diferenças que separam o rei dos senhores, este mo­ delo de organização do governo feudal foi normalmente o adoptado nas cúrias régias até ao fim do século xn, com a diferença de que desde cedo se desenvolveu na comitiva régia o grupo dos clérigos, com funções simulta­ neamente religiosas e técnicas, em colaboração com o chanceler. É deste grupo em crescimento constante que brotam os funcionários, cujo perfil técnico e burocrático se vai acentuando e que vão invadindo outras esferas dos órgãos do governo. Ocupam-se de funções judiciais, pela escrita con­ trolam as funções fiscais e pela competência técnico-jurídica tornam-se os indispensáveis conselheiros do rei. A componente feudal do palácio régio, no entanto, não desaparece facilmente. Durante algum tempo, os dignitá­ rios encarregados das funções domésticas (mordomo) e guerreiras (alferes) colaboram nas responsabilidades governativas respectivamente no plano administrativo e no plano militar. Mas a importância crescente dos cargos técnicos tende a reduzir as suas atribuições, conferindo-lhes um carácter honorífico, ao mesmo tempo que se multiplicam os cargos menores, tam­ bém de carácter doméstico, mas cujas atribuições e especialização acentua­ ram o prestígio da corte, conferindo-lhe dimensões e complexidade que não podiam ser facilmente imitadas pelos senhores101. Este breve panorama da evolução dos órgãos do governo central deve aproximar-se, como têm feito, de resto, todos os nossos historiadores do direito, da evolução das assembleias ditas representativas que são as cortes, e que de facto vão ganhando em importância, pelo alcance político das suas decisões, a partir de meados do século xm. 100 Sobre esta fórmula, ver a obra de F. Calasso cit. por L. Genicot, 1968, p. 144. 101 Sobre o carácter «doméstico» dos cargos da cúria régia e a sua lenta transformação em fun­ ções «públicas», ver Leontina Ventura, 1992, I, pp. 126-143.

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Assim se processa a formação dos órgãos do governo central que cons­ tituem expressão concreta, embora ainda rudimentar, do Estado. A

CÚRIA FEUDAL

A aproximação da primitiva cúria régia portuguesa das comitivas feudais seria chocante para a nossa historiografia tradicional, mas creio ser indis­ pensável para não atribuir ao conjunto dos órgãos políticos medievais por­ tugueses características que só se encontram no fim do século xm . De fac­ to, a dominante inicial da monarquia parece-me ser mais correctamente caracterizada pelo modelo feudal do que insistindo em ver nela a expressão precoce de um modelo de tipo estatal, que de facto viria a revestir, mas só muito mais tarde, quando se observa a mesma tendência também noutros países europeus102.

O ALFERES E O MORDOMO O carácter feudal começa na designação de «cúria» e na singularização dos três cargos de mordomo, signifer e chanceler, pois correspondem a igual es­ quema nos países de além-Pirenéus. De lá vêm concretamente os próprios termos de «cúria» e de «mordomo»103. A diferença peninsular reside no cargo do chefe militar, cuja fimção estava, na Península, como os termos signifer ou vexilifer indicam, ligada à posição de portador das insígnias ré­ gias, e não à chefia da cavalaria, como nos países francos. A relação com o combate a cavalo sugerida pela palavra «alferes» (cavaleiro) vem-lhe do mundo árabe. De resto, este termo não é tão frequentemente empregue nos documentos solenes da cúria, como a mais tradicional de signifer. O que importa, porém, é que o mordomo-mor, mesmo sendo um car­ go de grande importância desde o princípio da monarquia, não parece ter propriamente funções administrativas fora da cúria e dos domínios régios. A sua competência parece, até, ligada, na época de Afonso III, à vigilância da prestação de contas pelos almoxarifes e à superintendência da concessão de forais rurais dos domínios régios. É nestes expressamente nomeado co­ mo se fosse ele quem preside ao trabalho dos cobradores de rendas e dos mordomos menores nas terras da Coroa104. É possível, no entanto, mas por circunstâncias especiais, que em várias ocasiões os mordomos-mores desempenhassem funções de quase primeiro-ministro, como sugere até o próprio facto de o cargo ser vitalício, salvo em casos excepcionais105. As­ sim, por exemplo, Ermígio Moniz aparece em 1132 como «sub potestate eiusdem (infantis) totius Portugalensis provinde prefecto»106. Pêro Anes da 102 Ver uma confirmação do que aqui dizemos em Leontina Ventura, 1992, I, pp. 43-48, 55-73. 103 L. G. Valdeavellano, 1970, pp. 452-453. 104 Ver a maioria dos forais de 1255-1258 atribuídos às pequenas povoações de Trás-os-Montes e da Beira Alta. 105 Rui de Azevedo, 1958, pp. c xv ii -c x v iii . 106 BF 7; c£: «regis nostri eiusque dapiferi, qui omnibus sequenti gradu preerat Ermigii, cuius anima requiescat in pace, maximi et prudentis uiri et nostri domini regis supra omnes consiliarii...», Vita Tellonis, in SS, p. 65a.

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Nóvoa é considerado a sombra negra de Afonso II pelo papa Honório III107, e aquele a quem o mesmo papa se dirige especialmente, embora mencione também outros conselheiros do rei em 1224108. Mas já nesse mesmo reinado o mordomo-mor passa a lugar secundário. Começa a ser citado depois do alferes-mor na lista de subscrições dos documentos solenes. Durante o reinado de Sancho II surge temporariamente acima do alfe­ res, decerto em virtude das perturbações que então se deram. Assim, Martim Anes, que até 1229 subscrevia os diplomas régios a seguir ao mordo­ mo, passa, excepcionalmente, já num diploma desse ano, a assinar antes dele; e depois, desde 1255, sempre em primeiro lugar, desaparecendo a fi­ gura do mordomo até ao fim do reinado109. A precedência do alferes, ape­ sar de ser um cargo não vitalício e desempenhado por pessoa da confiança pessoal do rei como, por exemplo, os seus próprios irmãos bastardos, expli­ ca-se justamente por estar ligado à sua pessoa, como indica a própria ex­ pressão signifer regis, em contraste com a habitual de maiordomus curiae. A regra mantém-se sem excepção no reinado de Afonso III110. Nesta altura o mordomo não é apenas o chefe da cúria. Desempenha também, como dissemos, o cargo de superintendente na administração das terras da Co­ roa. Está presente com o chanceler na prestação de contas dos almoxarifes e dos ovençais da casa real111. E possível, no entanto, que a efectividade da função pertencesse normalmente ao vice-mordomo, que entre 1249 e 1273 aparece nos documentos régios112. Esta duplicação deve corresponder ao novo aumento de prestígio do mordomo com a nomeação de D. João de Aboim, e ao mesmo tempo à intervenção dos almoxarifes na administração das terras da Coroa. A tradição de o mordomo não exercer directamente algumas das suas funções administrativas, mas por delegação num auxiliar, era, de resto, muito antiga. Esse auxiliar para os assuntos domésticos da ca­ sa real chamava-se, desde 1133, dapifer; speculator, dispensator, subdapifer, procurator regie domus, ou spensator cibarie regis, mas a sua designação passa a fixar-se no primeiro destes termos desde 1172113. Entretanto, tendo o infante D. Sancho começado em 1169 a exercer funções régias juntamente com Afonso Henriques, passou a haver dois mordomos, um de cada monarca. Mas em 1172 os seus cargos voltaram a unir-se, passando a função a ser exercida na titularidade por um rico-homem, como o mais alto grau hierárquico da corte, e as funções práticas, como dissemos, pelo dapifer ou vedor. Ao passo que o primeiro estava liga­ do à cúria (maiordomus curiae), o segundo estava ligado ao rei e à sua casa {dapifer regis)114. Esta situação mantém-se durante todo o reinado de San­ cho I com as mesmas dominantes e poucas oscilações. 107 A. D. Sousa Costa, pp. 94, 97, 104. 108 Ibid., p. 133, nota 236. 109 Documentos sumariados por Herculano, 1980, II, pp. 605-616, 626-631. 110 M. Caetano, 1954, pp. 29-30; para os anos seguintes, ver: Leg., pp. 667, 672, 683, 686, 687, 689, 692, 695, 698, 716, 723, 729, 730, 731, 732, 733, 736. 111 J. P. Ribeiro, 1813, III/2, does. 29 e 31, de 1273 c de 1279. 112 Leg., pp. 667, 683, 686, 689, 693, 695; J. P. Ribeiro, 1813, II/2, doc. 29. 113 Rui de Azevedo, 1958, pp. cxix-cxx. 114 Ibid., pp. cxxiv -c x x v ii .

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Durante o reinado de Afonso II desaparece o oficial subalterno do mordomo. Numa lei de 1222 o rei ordena ao alferes, ao mordomo e ao chanceler que, quando se ausentarem da corte, o informem de quem dei­ xam em seu lugar; caso contrário, ele próprio nomearia substitutos até re­ gressarem. Depreende-se daqui que não tinham subalternos permanentes. Por outro lado, mencionando a mesma lei quatro livros «de recabedo», três dos quais estavam a cargo dos referidos oficiais, pode deduzir-se que todos eles tinham rendimentos e encargos de que eram responsáveis (Leg., p. 179)115. R e m o d e la ç õ es

de

Ajo n s o II:

o ficia is in fe r io r e s

Nessa altura nada têm a ver, provavelmente, com os serviços domésticos da corte, pois, segundo uma das leis atribuídas à cúria de Coimbra de 1211, parecem estar directamente ligados ao rei vários oficiais menores encarrega­ dos sobretudo do abastecimento da corte, como o reposteiro (repositarius), o porteiro, o eichao ou uchão, o escanção, o saquiteiro, o cevadeiro, o estrabeiro e o alfaiate, que tratavam respectivamente das alfaias e vestuário (o repositarius chamar-se-ia depois camareiro), da recepção de queixas e das execuções judiciais, do abastecimento de víveres e alimentos, de bebidas, de pão, das forragens para a cavalariça, e, finalmente, do cuidado dos pró­ prios animais de sela e de carga (Lei 23, Leg., p. 176). Deve notar-se que esta lei tem uma versão nas Ordenações Afonsinas, onde, em vez de «escan­ ção», aparece o equivalente «copeiro», e em vez de «estrabeiro» surge «forneiro», função completamente diferente. Ora, pelo menos alguns destes cargos não consistiam apenas em administrar os gastos, mas tinham rendi­ mentos próprios, o que implicava responsabilidades administrativas. Com efeito, a lei prevê no caso de eles «fazerem nossas despesas, ou guardar os nossos panos pera dezimá-los ou dar nossas terras a renda ou alqueler, ou dar nosso pam ou nosso vinho a vender» (Leg., p. 176).

Mas o rei pretende controlar estritamente a sua administração: «nom empreste nosso pam nem dele faça escambho nem atenda por ele ao nosso devedor sem nosso mandado» (ibid.).

Parece, pois, que, como em tantas outras coisas, Afonso II procedeu a uma profunda remodelação dos oficiais da corte, mesmo que alguns desses ofícios já existissem. Não sabemos, no entanto, se a administração das ter­ ras da Coroa era feita directamente pelos mordomos (cuja relação com o mordomo-mor ignoramos), aos quais se referem as Leis 12, 17 e 20 (Leg., pp. 171, 173 e 174), ou pelos almoxarifes que recebiam as rendas {ibid., leis 3 e 4, p. 163). De facto, numa outra versão da Lei 20, em vez de mor­ domo ou ovençal, fala-se em tesoureiro, almoxarife ou recebedor (Leg., p. 174). A importância que o rei lhes atribui revela-se por certas doações a al­ 115 Aos dados aqui apresentados acrescentem-se os recolhidos por Leontina Ventura, 1992, I, pp. 48-51, 77-88, onde se fazem algumas precisões de pormenor.

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guns deles: o reposteiro-mor, o escanção, o barbeiro, o cevadeiro, o falcoeir o e o uchao116. De qualquer maneira, com Afonso II multiplicam-se os oficiais inferio­ res. Alguns deles começam a confirmar documentos da cúria como, por exemplo, o cevadeiro, o saquiteiro, o uchao e o escanção em 1218 (ML IV, f. 111), o reposteiro em 1217 e 1219 (M L IV, f. 96; VM H, n.° 191), o falcoeiro em 1219 (VMH, n.° 192). Como era de esperar, estes cargos mantiveram-se durante o reinado de Sancho II, apesar da provável desorganização da corte. Entre os confirmantes dos documentos régios aparecem o saquiteiro (Leg., pp. 610-612), o uchão, o escanção (Leg., pp. 612, 616; Herculano II, 628), o copeiro, no­ me mais corrente do escanção (Herculano, ib id ), o reposteiro (Leg., p. 604)117. R

em o d ela çõ es

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A

fo n so

III

Estes cargos sofreram uma remodelação em 1258, como se sabe pelo regi­ mento da casa real da mesma data, pelo qual o rei «mandou temperar sa casa e toda sa companha... a D. Gil Martins moordomo da corte e a Estev5 Eanes chanceler e a D. Joam d Avoim e a D. Egas Lourenço e a Rui Perez subrejuiz, com outros do conselho d’el rei» (Leg., p. 198).

O seu objectivo foi, em grande parte, evitar despesas excessivas e con­ sistiu provavelmente em reduzir o número de ovençais. Os mencionados expressamente são dois escudeiros que levavam as armas e o pendão d’el-rei, vários cavaleiros que eram armados por ele, oficiais para a estrebaria, a repostaria, a cozinha, a copa, a capela, e o pessoal para a caça, composto nesta ocasião por um monteiro e quatro falcoeiros (Leg., pp. 198-199). Três anos depois, este último grupo recebe o reforço de mais um monteiro e três açoreiros (Leg., pp. 199-200). Entre os serviçais mencionam-se tam­ bém lavadeiras, regueifeiras, azeméis, cavalariços, três jograis e um alfaiate. Todo este pessoal estava sob as ordens do mordomo e ao chanceler (Leg., pp. 198-199). Efectivamente, ainda hoje se encontra um recibo de uma enorme quantidade de vitualhas para a corte, entregues pelos almoxarifes e homens do rei, como produto de serviços e de colheitas, aos dois uchãos da corte, entre 1257 e 1270, e cuja recepção eles atestam por intermédio do cavaleiro Vasco Afonso, perante o mordomo-mor, o chanceler, três clé­ rigos do rei e o seu notário118. Afonso III era um homem que gostava de contas certas e que vigiava cuidadosamente os gastos, como demonstram vários documentos do seu reinado. D. D in is A sobriedade imposta pelo Bolonhês deve ter dado lugar a maiores largue­ zas durante o reinado de seu filho. Num documento de 1321, encontra­ mos o uchão e escanção-mor (diferente de copeiro), o confessor e capelão116 TT, Alcobaça, D R 1, 12 e 14; Teresa Veloso, 1988, pp. 385-387. 117 Aos dados aqui apresentados acrescentar os que foram recolhidos de forma mais sistemática por Leontina Ventura, 1992, I, pp. 126-137. 118 J. P. Ribeiro, 1813, III/2, doc. 29, de 1273.

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-mor, um físico, três indivíduos cuja função não se indica, um serviçal ou encarregado da cozinha, dois escrivães do rei, dois tabeliães gerais do reino, quatro cavaleiros, nove escudeiros, dois açoreiros, dois falcoeiros, o arabi-mor e seu irmão, o copeiro, o saquiteiro, o fruteiro, o camareiro, dois al­ gozes, três cozinheiros, dois arinteiros (encarregados da baixela), dois por­ teiros e um tabelião do rei119.

O s CLÉRIGOS DA CÚRIA A menção de alguns destes ofícios mostra que a casa real incluía no âmbito dos oficiais domésticos os escrivães e os tabeliães, e o capelão ou confessor. Este último é um ofício muito antigo, pois aparece já no princípio do sé­ culo xii, ainda antes de Afonso Henriques tomar o título de rei (D R 110, 139, etc.). Tornar-se-ia um cargo importante quando o confessor surge co­ mo conselheiro pessoal. Assim, por exemplo, em 1254 o capelão D. M a­ teus figura entre os mais importantes conselheiros do rei, juntamente com outros clérigos que deviam constituir o corpo de juristas que consultava (ML IV, escr. 31). O ofício de capelão foi muitas vezes desempenhado por franciscanos e dominicanos desde o tempo de Afonso III. Havia também o ofício de esmoler, que não se limitava, como seria de esperar, a distribuir esmolas, mas se encarregava de recolher metais preciosos e mesmo ferro e cobre, guardados no tesouro do rei, talvez para mandar fundir120. Mas o grupo dos «clérigos» da corte era fundamentalmente constituído por juristas ligados à chancelaria, ao tribunal régio e mesmo ao controlo dos almoxarifes que agora temos de examinar121.

O CHANCELER Tem-se pensado, e é provavelmente verdade, que os chanceleres da primei­ ra dinastia são como que a sua permanente éminence grise. A verosimilhan­ ça da hipótese torna-se cada vez maior à medida que se aprofunda a inves­ tigação nesta área. Deixando de lado os primeiros notários da cúria, Pedro Roxo (1128-1140), Mendo Feijão (1112-1133), e outro Pedro (1135-1141), todos eles clérigos da Sé de Braga, encontramos o cargo desempe­ nhado desde 1142 por um indivíduo provavelmente formado em Direito, mestre Alberto (1142-1169). Devia ser oriundo de Coimbra, e talvez cóne­ go regrante do mosteiro de Santa Cruz. Redigiu alguns dos mais impor­ tantes diplomas do nosso primeiro rei e participou nas decisões da cúria que conduziram à conquista de Santarém e Lisboa, a todas as campanhas de Afonso Henriques até ao desastre de Badajoz, e ainda nas principais acções diplomáticas junto do rei de Leão e Castela e da Santa Sé. O seu mandato coincide, de facto, com o período mais activo e empreendedor do reinado afonsino. Colaborou com ele outro chanceler de segunda ca­ tegoria, Paio (1147-1153), e sucedeu-lhe Pedro Feijão (1169-1181), pro­ 119 A. Pimenta, 1937, pp. 71 e segs. = C. M. Baeta Neves, 1980, I, doc. 37. 120 P. de Azevedo, 1913b, pp. 240-241, doc. de 1261. 121 Marcelo Caetano, 1934, pp. 31-32. Sobre as funções burocráticas na corte régia, ver A. L. Carvalho Homem, 1990, pp. 209-211.

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vavelmente parente do já citado Mendo Feijão, o qual era cónego secular da Sé de Braga e da colegiada de Guimarães. Devia ter sido proposto pelo arcebispo D. João Peculiar122. Sucedeu-lhe o célebre mestre Julião Pais (1183-1215), que permanece na chancelaria durante o final do reinado de Afonso Henriques e todo o reinado de Sancho I e o princípio do de Afonso II123. Era um homem criado na corte e formou-se, talvez, em Bolonha, onde aprendeu o direito justinianeu, como se depreende das leis de Coimbra de 1211, cuja redacção decerto lhe pertence. Casado e com filhos, dispondo de considerável fortuna composta, entre outros bens, por doações régias de todos os soberanos a quem serviu, deve ter inspirado os actos mais decisi­ vos de Sancho I e, muito provavelmente, interveio na formação pessoal de Afonso II, como sugerimos antes. De outro modo não se compreende on­ de se teria ele inspirado para a sua ousada e inovadora política, tão firmementé orientada para o efectivo exercício dos poderes monárquicos. Segundo uma investigação inédita de L. Ribeiro Soares124, mestre Ju ­ lião teria sido filho de Paio Delgado, um dos cavaleiros que estiveram na conquista de Lisboa, e que foi fundador da linhagem dos Albergarias125. Pertenceu a uma família onde era frequente a profissão clerical e o desem­ penho de altos cargos da hierarquia eclesiástica. Assim, seu irmão Pero Pais teria sido pai do chantre de Lisboa, Fernando Peres, que, de facto, era so­ brinho do chanceler, trabalhou com ele na cúria e se fez dominicano de­ pois de ter fundado o mosteiro cisterciense de São Paulo de Almaziva126. Outro irmão, Martinho, foi o fundador da linhagem dos Rebolos, entre os quais se encontram dois cónegos, de Lisboa e de Évora. O próprio Julião Pais foi pai de um deão da Sé de Coimbra também chamado Julião, de mestre Gil, cónego e tesoureiro da Sé de Viseu ou de Coimbra, e, ainda, na hipótese de Ribeiro Soares, do célebre Pedro Julião, ou Pedro Hispano, que veio a ser papa com o nome de João XXI. Este último parentesco pa­ receu, porém, pouco provável a José Antunes127. A confirmarem-se estas ligações, explicar-se-iam alguns acontecimentos do reinado de Afonso II, a começar pelo próprio facto de o papa Inocêncio III, apesar das pressões a que foi sujeito, ter acabado por lhe dar razão na controvérsia com suas irmãs128. Para a organização da corte, teve a maior importância o facto de mestre Julião haver reunido uma plêiade de juristas, entre os quais se conta mestre Vicente que, depois de ser professor em Bolonha, veio a desempenhar o cargo de chanceler. Os nomes destes juristas aparecem em documentos régios de 1218. Eram o cardeal Gil; mestre Paio, chantre do Porto; Silvestre Godinho, futuro arcebispo de Bra­ 122 Sobre todos estes, ver Rui de Azevedo, 1958, pp. lx i -c x . 123 Ibid.y pp. cx-cxi e pp. 732-733; Oliveira Marques, in DHP, II, p. 642; J. Mattoso, in Herculano, 1980, II, p. 184. Além dos documentos mencionados nestas obras, ver também BPIn. III, n.° 87, p. 178. 124 O autor teve a amabilidade de me comunicar a sua inovadora investigação. Infelizmente morreu antes de ter podido publicá-la. 125 Paio Delgado ainda era vivo em 1186 ou 1187: D S 228. Ver sobre ele LL 68 A l. 126 M. J. de Azevedo Santos, 1982. 127 Investigação inédita de José Antunes, por ele amavelmente comunicada. 128 A. D. de Sousa Costa, 1963, pp. 86-117.

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ga e grande canonista; Fernando Peres, o já citado sobrinho de mestre Julião; mestre Lanfranco; Miguel, mestre-escola de Braga; mestre Domingos, também de Braga; Joáo Peres, arcediago de Toledo; mestre Mendo, chan­ tre de Lamego; mestre João Raolis, de Lisboa. O grupo de clérigos do rei inclui também, por esta altura, vários médicos, igualmente citados nos mesmos diplomas129. Nem todos são tão importantes. Um grupo de auxi­ liares, provavelmente sob a ordem de mestre Paio, chantre do Porto, con­ firma constantemente os documentos régios a seguir aos nobres, que evi­ dentemente apoiavam a firme política do rei. Formou-se assim uma tradição que as contradições da época de Sancho II não conseguiram destruir. E embora não se possa definir com tanta precisão a figura dos chanceleres seguintes, excepto a de mestre Vicente, é provável que fossem também personalidades de relevo. Quero-me referir a Gonçalo Mendes (1215-1228), que sucedeu a Julião Pais, depois de o ter auxiliado na cúria régia desde 12Õ2130, e que teve de suportar a oposição da nobreza senhorial durante o reinado de Afonso II131 e as agitadas con­ tradições políticas do começo do de Sancho II. Apesar da influência senho­ rial, conseguiu que lhe sucedesse um homem da linha de mestre Julião, o já citado mestre de Bolonha, Vicente (1224-1236?), que sustentou a conti­ nuidade dos serviços de chancelaria durante o difícil período que o país atravessou por esses anos132. É mais obscura a personalidade de Durando Froiás (1236?-1248), o fiel chanceler de Sancho II que o acompanhou no exílio. N o reinado de Afonso III, a orientação pessoal que o rei imprimiu à política não impediu que também surgisse com grande relevo o seu chan­ celer Estêvão Anes (1245-1279) que ele manteve no cargo durante todo o seu reinado e que, com as suas prováveis qualidades de bom gestor, deve ter colaborado na política monetária do rei. Estas qualidades não agrada­ vam muito na cúria, onde tinha fama de avarento e mesquinho133. Sob D. Dinis, os chanceleres sucedem-se mais rapidamente, constituindo o seu cargo boa recomendação para o episcopado. Assim, Pedro Martins (1279-1281), Domingos Anes Jardo (1281-1287), cujo interesse pelos estudos clericais é bem conhecido, e Estêvão Anes Brochado (1296-1318) tornaram-se respectivamente bispos de Coimbra, Évora e Lisboa. Outros, como João Pires de Alprão (1288-1295) e Francisco Domingues (1318-1325), foram figuras apagadas. De facto, o novo cargo de escrivão da câmara> de­ sempenhado durante anos por Estêvão da Guarda, diminuiu a importância do chanceler134. 129 Ibid., pp. 67-73. 130 D S 145; LK, II, 29, etc., cits. por Teresa Veloso, 1988, p. 370. 131 Citado, com Pêro Anes da Nóvoa, como um dos maus conselheiros de Afonso II em bulas de Honório III de 1220 e 1221: A. D. de Sousa Costa, 1963, p. 94, nota 198; p. 97, nota 199; p. 104, nota 207; em 1224 o mesmo papa exorta-o a colaborar na satisfação dos danos feitos por Afonso II ao clero: ibid., p. 133, nota 236. 132 A. D. de Sousa Costa, 1963. 133 C E M D , n.os 73, 74, 75, 79, 231, 232, 419. Acerca da função do chanceler, completar os dados aqui apresentados com os reunidos de maneira mais sistemática por Leontina Ventura, 1992, I, pp. 52-53, 88-95. Sobre Estêvão Anes, ver ibid.y II, pp. 585-594. 134 Sobre o escrivão da câmara, ver A. L. Carvalho Homem, 1990, pp. 57-62.

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O TRIBUNAL RÉGIO Os clérigos da cúria, sobretudo os peritos em direito, colaboraram também activamente na organização do tribunal régio. Este foi-se desenvolvendo se­ gundo duas linhas principais: a jurisdição nos pleitos relativos à nobreza ou a questões entre nobres e eclesiásticos, e como tribunal competente para punir os oficiais e outros delegados régios que não cumpriam devidamente as suas funções. E provável que fosse ainda uma instância de apelo para re­ correr de sentenças dadas pelos juízes locais, nos julgados e concelhos; mas esta competência talvez fosse mais teórica do que efectiva, excepto quando a corte chegava a um lugar e lhe apresentavam casos controversos. Por fim, a instituição de meirinhos, juízes de fora e corregedores permitiu generali­ zar esta última função135. Não se conhecem senão casos raros destas actividades, até Afonso II136. De facto, as leis de 1211 prevêem a sua intervenção em muitas infracções cujas penas se indicam. A presença dos juristas e dos clérigos na corte permi­ te supor a sua plena actividade, provavelmente sob o controlo directo do rei. Tornou-se, porém, mais independente no fim do reinado de Afonso II, como se depreende de surgir então nos documentos, desde 1222, um sobrejuiz do reino (ou do rei). Mas já antes, em 1205 e 1215, se mencionam «sobrejuízes do rei» para julgar casos levados ao tribunal régio; são prova­ velmente nomeados ad hoc e em número variável, conforme os pleitos137. Quando o cargo se estabiliza e torna permanente, o seu titular encarrega-se de instruir e preparar os julgamentos submetidos ao rei e de aconselhar a sentença138, se é que, por vezes, não a dava ele próprio por delegação do rei. A competência da cúria régia como tribunal de apelo é expressamente prevista nesta época, no foral de Idanha de 1229 (Leg. 615), especialmente significativo por ter sido dado simultaneamente pelo rei e pelo bispo, que era mestre Vicente. O cargo de sobrejuiz veio depois a desdobrar-se, pois aparecem dois sobrejuízes desde os primeiros anos do reinado de Afonso III (Leg. 638, de 1253). Vinte anos mais tarde, o número de casos subme­ tidos ao rei era já suficiente para se nomear um terceiro sobrejuiz (Leg., pp. 729, 730, 731) ou, melhor, provavelmente, como aparece especificado num foral de 1277, um vice-sobrejuiz (Leg., p. 736). O funcionamento do tribunal régio no tempo de Afonso III foi por ele organizado de maneira minuciosa, pois existe uma abundante legislação so­ bre direito processual que, pelo seu teor, se vê ser emanado da cúria régia e destinar-se a ela, mas deve ter servido de modelo para todo o reino139. Nessa altura o tribunal é de facto autónomo, isto é, dá ele próprio as sen­ tenças, mas pode recorrer-se para a pessoa do rei. Chama-se a este apelo 135 O complicado problema do tribunal régio como instância de recurso é tratado por Marcelo Caetano, 1981, pp. 400-410. 136 Um dos mais interessantes é o pleito entre Santa Cruz e o bispo de Coimbra, julgado por Sancho I, em que o rei acaba por se enfurecer contra o formalismo jurídico: BPIn. III, n.° 87, pp. 178-179. 137 Leontina Ventura, 1992, I, pp. 62-65, para esta informação e as questões seguintes. 138 Marcelo Caetano, 1954, p. 31; id., 1985, p. 309. 139 E a maioria das leis sem data publicada nas Legs., pp. 255-280, e ainda de algumas das leis de datas duvidosas.

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«recurso de suplicação» ou «agravo». Esta prática deve ter dado origem ao aparecimento do cargo dos «ouvidores da suplicação», novo nome dado a um dos sobrejuízes que, no princípio do século xiv, confirmavam as sen­ tenças dos «ouvidores da corte». Em 1282 temos notícia de os sobrejuízes serem quatro. Mas da especialização de cada um deles só há notícia desde Afonso IV140. Nesta altura já as complicações resultantes do formalismo processual eram tantas e tão bem conhecidas dos que recorriam ao tribunal régio, que foi necessário D. Dinis promulgar algumas leis tendentes a evi­ tar os abusos daí decorrentes141. De facto, existe um documento de Pedroso em que o procurador do mosteiro descreve os passos que teve de dar até conseguir uma sentença, na qual os monges estavam vivamente interessados. Tendo o abade do mostei­ ro sido citado pelo juiz da Feira para o tribunal régio no prazo de vinte e sete dias, em virtude de uma inquirição sobre algumas das suas proprieda­ des, o seu procurador compareceu perante o sobrejuiz do rei em Coimbra. Aí esteve durante quinze dias sem conseguir sentença favorável, pois era necessário consultar o registo dos reguengos da Feira. Adiado o pleito por mais nove dias, a sentença não foi ainda dada nos quinze seguintes. O pro­ curador foi então citado para Gaia, para quando o rei aí passasse. Lá esteve o pobre monge mais quinze dias sem nada conseguir até que o sobrejuiz o convocou para Coimbra nos oito dias seguintes. De novo nesta cidade, passaram-se outros quinze dias. Nem assim o ouviram ou absolveram, ape­ sar das suas constantes alegações. Sem nada conseguir, teve de ir procurar a corte a Soure, onde de novo se adiou a sentença, então remetida para o tri­ bunal régio em Pombal e daí ainda para Leiria. O caso não acabou aqui, nem sabemos como terminou, pois o documento está incompleto; mas é possível que os monges acabassem por obter sentença favorável, pois de contrário não guardariam o documento que relata o processo142. Por este relato se pode imaginar que só em caso de grande necessidade se apelava para a justiça régia, e que o recurso das sentenças locais só fosse feito por indivíduos ou instituições poderosas, capazes de recorrer a especialistas que não se perdessem nos meandros e formalismos da justiça. Sendo assim, os tribunais locais deviam ter continuado a funcionar normalmente, e só por força do controlo ou da intervenção dos meirinhos, dos juízes de fora e dos corregedores não levariam os casos até ao fim143. Das sentenças sobre casos respeitantes à nobreza ficaram muito menos testemunhos, e estes geralmente bastante vagos, excepto, que eu saiba, num caso de vindicta privada relatado pelo Livro das Linhagens e que me­ rece a pena recordar. João Pires de Vasconcelos, o Tenreiro, tinha de vingar o assassinato de 140 Marcelo Caetano, 1981, p. 309. 141 Ver, entre outras, as seguinte leis de D. Dinis: LLP, pp. 31-37 (= 169-175), 83-84, 90-91, 136-137, 138-139, 164-165 (= 194-195), 165-167 (= 198-200), 184-185. 142 J. P. Ribeiro, 1810, I, doc. 89. 143 O formalismo e a morosidade dos processos no tribunal régio imitavam, de resto, os dos tribunais eclesiásticos, de certa maneira incentivados pela cúria romana. Ver, para a época de Inocêncio III, os pleitos de que se guardou memória e chegaram até à cúria. São exemplos típicos os n.os 71 e 87 do BPIn. III.

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seu parente Gil Martins da Ribeira por Aires Eanes de Freitas. Este último foi realmente morto por ele com ajuda de Pêro Alvelo. Um irmão de Aires Eanes, com outros fidalgos seus parentes, citaram então os dois assassinos para um repto diante do rei Sancho II, mas só Pêro Alvelo compareceu. O Tenreiro, convocado por três vezes, não se dignou responder. Então, o rei, «havendo seu concelho com peça de bõos e de cavaleiros filhos d’algo que eram com ele, houve a dar sentença, pesando-lhe muito, e a sentença foi esta: que aa revelia do dito Joham Pirez de Vasconcelos, porque nom veera aos tempos que lhe forom assiinados, como manda o dereito e custume dos reis, que o dava por feitor, assi como o devia a seer PedfEanes Alvelo, e que a pena que o dito Pedr’Eanes devia haver que se tornasse a el todo e que o dito Pedr Eanes Alve­ lo fosse livre e quite. E entom veo a beijar a mao a el rei PedfEanes e os ou­ tros cavaleiros que o acusavam, e disserom que o mantevesse Deus e que julga­ ra como mui boo rei e dereito» (LL 36 E9).

Como se vê, o julgamento surgia então como uma sentença de cúria feudal. Tal devia ter sido antes dessa época, ao menos para os pleitos de fi­ dalgos, que eram frequentemente casos de vindicta. Dado que o tribunal régio procurou, desde Afonso II, intervir neles144, é provável que também fossem sujeitos ao formalismo dos tribunais régios, embora, decerto, em menor grau que noutros, pois o rei devia geralmente reservar para si pró­ prio a sentença, sem delegar nos sobrejuízes, que tudo leva a crer não per­ tencerem à nobreza. As

FIN A N Ç A S RÉGIAS

Além de intervirem como peritos do direito, e consequentemente na admi­ nistração da justiça, os clérigos do rei desempenhavam também funções burocráticas como anotadores das despesas e dos recebimentos e, por esse intermédio, colaboravam na organização das finanças régias. Esta pode en­ trever-se nas suas linhas gerais durante o reinado de Afonso III, época para a qual se encontram alguns importantes documentos acerca do seu funcio­ namento. Verifica-se por eles que os almoxarifes e outros recebedores en­ tregavam por vezes directamente dinheiro e géneros aos uchãos da corte145. Fora disso, levavam-nos aos clérigos do rei para eles registarem, sob a vigi­ lância do mordomo e do chanceler, como se verifica noutro documento de 1273146. Todavia, pelos diversos recibos e pela nota de entrega de dinheiro ao tesouro régio de Santa Cruz de Coimbra, depreende-se que os moedeiros e os sacadores da moeda do rei nos diversos distritos o entregavam di­ rectamente em Santa Cruz, sob o controlo do reposteiro-mor e do almoxa­ rife de Coimbra. Mas havia também entregas de dinheiro feitas pelo porteiro-mor. Quanto aos levantamentos mandados fazer pelo rei, para além da já mencionada entrega de metal ao esmoler, eram feitos normal­ mente pelo «clérigo guardador dos dinheiros do rei» ou pelo copeiro. Sen­ 144 Leis 5, 6 e 13 de Afonso II: Leg., pp. 166, 167 e 171; Leis de Afonso III: Leg., pp. 190, 221-223, 224-226, 266, 273; Leis de D. Dinis; LLP, pp. 80-81, 190-191, 207-208. Cf. FR 4, 17, 20, pp. 156, 185-189, 196-197; cf. Marcelo Caetano, 1981, pp. 248-251, 367-371. 145 J. P. Ribeiro, 1813, doc. 31, de 1279. 146 Ibid., doc. 29.

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do assim, verifica-se que o cargo que mais se aproxima do controlo fi­ nanceiro é o do reposteiro-mor, apesar de este na sua origem ser um simples encarregado das alfaias e do vestuário. Parece estar normalmente em Coimbra e vigiar entradas e saídas de dinheiro juntamente com o al­ moxarife da cidade. Estes documentos, no entanto, dizem respeito apenas a ingressos em dinheiro, que parecem provir sobretudo dos rendimentos da moeda e das entregas feitas pelos moedeiros, sacadores da moeda e porteiros-mores. C o­ mo este último cargo está ligado à execução da justiça e à recepção dos ca­ sos judiciais, pode depreender-se que ele estivesse encarregado de recolher o produto do rendimento dos tribunais régios147. Conclui-se destas informações que os rendimentos da Coroa eram guardados normalmente pelos almoxarifes e outros recebedores, quando não eram entregues para os gastos, sobretudo os géneros. O que não era consumido e os rendimentos de outra natureza, sobretudo os da justiça ré­ gia e os lucros dos moedeiros, eram recolhidos por estes e pelo porteiro e levados ao tesouro, onde o reposteiro-mor tomava conta deles com a ajuda do almoxarife de Coimbra. Aquele dinheiro de que o rei necessitava era le­ vantado pelo clérigo guardador dos dinheiros do rei. A intervenção do co­ peiro devia-se provavelmente à especial confiança que o rei nele depositava, e não, decerto, à inerência do cargo. As contas da casa de D. Dinis de 1278-1282, embora se destinem principalmente a registar a recepção da baixela, de panos e de outros bens preciosos, assim como despesas com tecidos, alfaias e alguns alimentos, mostram que as entregas de pratas, armas e outros objectos de luxo eram feitas nas mãos do reposteiro ou do escanção pelo copeiro, o reposteiro ou escanção anteriores, o guarda do «armazém» (se eram armas), o almoxarife de Lisboa ou o vice-mordomo. As despesas, porém, estavam a cargo dos al­ moxarifes não só de Lisboa, mas também de Guimarães, de Santarém e até de Faro, o que quer dizer que eles guardavam a maioria das somas recebi­ das. Eram por isso encarregados de certas despesas por conta da corte. De qualquer maneira, o reposteiro-mor aparece aqui de novo como o maior responsável pelas finanças da casa real. Verificamos, em todo o caso, que nem todos os meios financeiros da casa real se concentravam nas suas mãos, uma vez que os almoxarifes das várias cidades do reino não lhe en­ tregavam tudo aquilo que recebiam148. Pode imaginar-se a dificuldade de gerir este sistema pouco coerente. A

C Ú R IA R ÉG IA C O M O C O N SE L H O

Deixando agora as funções governativas da corte, que lentamente a aproxi­ mam dos Estados modernos, vejamos como é que a cúria, por intermédio das suas funções de conselho do rei, dá origem às cortes, assembleia políti­ ca que prenuncia as futuras assembleias representativas. De facto, a cúria aparece simultaneamente como conjunto dos mem­ 147 Pedro de Azevedo, 1913, pp. 230-263. 148 A. Braancamp Freire, 1916, pp. 41-59.

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bros do séquito real, como tribunal e como conselho. Embora não se en­ contrem facilmente referências ao seu funcionamento antes de 1211, pode supor-se que as decisões solenes dos nossos dois primeiros reis tivessem si­ do tomadas em assembleias constituídas por vassalos que viviam habitual­ mente na corte, pelos ricos-homens governadores das terras, por eles con­ vocados, ou que aí estavam de passagem, e pelos prelados das dioceses e abades dos principais mosteiros e ainda pelos mestres das ordens milita­ res149. De facto, encontra-se uma grande quantidade de diplomas de Afon­ so Henriques e de Sancho I confirmados por membros de todas estas cate­ gorias, o que se deve entender como indício de reuniões ordinárias ou extraordinárias da cúria. As segundas distinguem-se das primeiras por se­ rem expressamente convocadas para deliberar sobre assuntos de maior im­ portância. Mesmo quando não se encontram quaisquer documentos ates­ tando a confirmação de membros da cúria como, por exemplo, no tratado de Sancho I com Afonso IX de Leão, em 1194 (DS 74), deve supor-se que ele não se tivesse decidido sem consultar pelo menos alguns membros da cúria; o mesmo se deve admitir das decisões acerca das grandes expedições organizadas tanto por este rei como por seu pai150. No entanto, a primeira notícia que possuímos acerca de uma reunião extraordinária e deliberativa da cúria régia encontra-se no breve prólogo à reunião de Coimbra de 1211, onde se declara que o rei ouviu o conselho do arcebispo eleito de Braga, de todos os bispos do reino e dos «homens de religiom», dos seus ricos-homens e dos seus vassalos (Leg., p. 163). O possessivo que acompanhava a menção das duas últimas categorias reve­ la as concepções feudais que nessa altura estão ainda subjacentes ao funcio­ namento da cúria. A presença dos prelados é como que um sancionamento divino da autoridade régia e a garantia de que as deliberações se confor­ mam com os preceitos sagrados151. As

CO RTES

Apesar dos progressos da monarquia que, indubitavelmente, se deram du­ rante o reinado de Afonso III, também com ele se mantém a invocação do consentimento dos seus ricos-homens e dos seus fidalgos, mesmo em deci­ sões porventura tomadas em assembleias ordinárias (por exemplo, Leg., p. 190, de 1251). Noutras ocasiões, invoca-se mais vagamente o «conselho da cúria» (Leg. 201, de 1261) ou, então, o «outorgamento» dos prelados, dos ricos-homens e de outros «homens bõos» (Leg. 202, de 1261). O rei pode também declarar que a reunião foi pedida pelos prelados, varões, religiosos e povo do seu reino (Leg. 210, de 1261), o que levou a convocar os prela­ dos, barões, religiosos e concelhos ( 1970. 34 Era o caso quando se tomava como limite um rio, como o Minho a norte, já no princípio do século xn (HC, II, 42, pp. 303-304), e o Eljas a leste, em 1165 (D R 288). 35 Ver vol. II, pp. 333-334. Para a delimitação das dioceses, ver M. de Oliveira, 1965a, pp. 28-58; A. D. de Sousa Costa, 1963, p p .*280-355; A. de J. da Costa, 1959, I, pp. 106-114; M. Gonçalves da Costa, 1977, pp. 113-115. 36 Ver vol. II, pp. 152-154. 37 A. de J. da Costa, 1981, pp. 73-79, 132. 38 Júnias dependente de Osseira: M. D. Yanez, 1983, pp. 357-371; Castro de Avelãs tenta sujeitar-se a Castanheira: J. P. Ribeiro, 1813, III/2, d. 38; PUP, 151; LF, 494-495. 39 R. de Azevedo, 1962. 40 L. F. Lindley Cintra, 1959, pp. xxiii -lxxiii .

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Maior durante o reinado de um soberano fraco, como Sancho II. Mais a sul, as controvérsias acerca da posse do vale do Guadiana suscitaram a guerra luso-castelhana de 1253, e só tiveram solução definitiva em 1267, graças à persistência de Afonso III, que negociou a posse de Moura e Serpa e o domínio sobre o Algarve41. A ocupação portuguesa do território leonês de Riba-Côa, consagrada pelo tratado de Alcanises, foi um episódio da in­ tervenção de D. Dinis nas guerras civis castelhanas durante a menoridade de Fernando IV42. De facto, só era possível resolver por negociações pontuais cada um destes casos, onde a divisão natural não se impunha automaticamente. As soluções encontradas exigiram compromissos relativamente arbitrários. Mas a própria fronteira contribuiu depois para estruturar melhor as áreas de in­ fluência dos conjuntos nacionais na Península43. Efectivamente, só a partir do momento em que ela se definiu se puderam tornar mais conscientes as noções de importação e de exportação e se relacionou com um espaço de­ terminado a oposição entre «nacional» e «estrangeiro», que passou a apli­ car-se não só a pessoas, mas também a coisas e, sobretudo, à moeda. A par­ tir desse momento, não podia mais haver terras ou indivíduos que não pertencessem a um determinado reino, muito menos comunidades inteiras que pudessem negociar a sua fidelidade ao rei que mais as favorecesse44. As medidas económicas de Afonso III contribuíram, pois, enormemen­ te, para definir com rigor a noção de fronteira: era necessário saber a quem se pagava a décima na transacção das mercadorias com os reinos estrangei­ ros e em que pontos se podia fazer o controlo das importações e das expor­ tações; os limites da soberania nacional ficaram mais claros com o fomento das cidades de fronteira, sobretudo junto ao rio Minho45. Todavia, foi D. Dinis quem mais contribuiu para a transformar numa linha contínua, sujeita à vigilância de uma sequência de castelos que ele mandou construir ou restaurar com infatigável perseverança, segundo um programa, prova­ velmente bem consciente, de estabelecimento definitivo dos limites espa­ ciais do reino46. O tratado de Alcanises foi o coroamento desta política. Mas ela compreendeu também a confirmação da política de desenvolvi­ mento urbano nas fronteiras, a fundação do primeiro couto de homiziados em Noudar (1308), a implacável luta contra a constituição dos senhorios de seu irmão D. Afonso em Marvão, Portalegre e Arronches. O rigor com que a política fronteiriça de D. Dinis foi executada valeu a Portugal a deli­ mitação praticamente definitiva do seu território47. 41 F. Pérez Embid, 1975; J. C. Garcia, 1983. 42 C. González Mínguez, 1976. 43 Ver como exemplo as dificuldades em delimitar a fronteira entre os concelhos castelhanos de Sevilha e Aroche e os portugueses de Moura e Noudar, durante o século xiv: J. C. Garcia, 1986, nota 268; ver também Daniel Rodríguez Blanco, 1987. 44 A ideia de uma comunidade situada na fronteira poder negociar o seu estatuto é claramente expressa no foral de Tavares: «et non exeant de illis (foribus) pro tali actio que est illo castro inter mauros et christianos et uolent proinde ingénuos esse et querent bonos foros prenominatos» (D R 27, de 1112). 45 Cf. M. Helena Coelho, 1990, I, pp. 199-237; Amélia Andrade, 1993; P. Dordio Gomes, 1993. 46 J. Veríssimo Serrão, 1977, I, pp. 253-254; cf. C. 1419 (ed. Silva Tarouca, II, pp. 6-7). 47 Ver a nota 45 e ainda H. Baquero Moreno, 1986, p. 101; B. Sá-Nogueira, 1991.

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C onclusão O organismo formado pelo conjunto de zonas bem diferentes entre si, mas comunicando umas com as outras por meio da rede de cidades da linha próxima do litoral, encontra nela a sua coerência. Completou-se com o re­ corte nítido do espaço por ele ocupado. A partir desse momento, foi tam­ bém possível determinar melhor as relações do conjunto com o exterior e a função que neles desempenhavam os pontos de escoamento e de acesso. Surgiu assim, claramente definido e estruturado por iniciativa do poder ré­ gio (ou seja, do Estado), o corpo material da Nação.

4.2. Identidade Como vimos mais acima, ainda em 1165 havia quem continuasse a consi­ derar Portucale uma unidade distinta do condado de Coimbra. Ao mesmo tempo, encontrámos indícios de desde 1098 se começar a designar o con­ junto dos dois condados sob o nome único de Portucale, que depois se foi tornando cada vez mais exclusivo. As informações que dei a esse respeito destinavam-se a deduzir daí o processo de expansão da área de influência do Porto, como centro ordenador de um espaço cada vez mais amplo e que tendia sobretudo a estender-se para sul. Interessa agora tentar descobrir como é que os homens que viviam no reino foram descobrindo que pertenciam a uma unidade política diferente das outras existentes na Cristandade. O fenómeno tem uma base real, objectiva, que tentámos reconstruir no parágrafo anterior. Era a condição ne­ cessária, mas não suficiente, para os seus habitantes tomarem consciência de um conjunto autónomo e a exprimirem em termos ideológicos. Temos, no entanto, de distinguir a consciência de obedecer a um chefe político e a de pertencer, independentemente dele, a uma nação. Entramos aqui num terreno cheio de ambiguidades e de imprecisões. É importante percorrê-lo tentando não interpretar os dados à luz dos nossos conceitos actuais, que dependem de uma vivência secular do fenómeno nacional e de uma ideo­ logia nacionalista profundamente interiorizada. Os dados recolhidos devem ser, antes, interpretados à luz de duas noções dominantes no pensamento político comum da época: a de fidelidade pessoal ao rei, cuja importância salientei ao tratar das instituições feudais; e a de pertença a uma comuni­ dade humana restrita — o concelho ou o senhorio. A segunda é evidente­ mente a dominante no plano da consciência individual da maioria da população. Os contactos, mesmo frequentes e regulares com outras comu­ nidades, não significam necessariamente a noção de pertencer, juntamente com elas, a um organismo mais vasto, que seria a Nação; também não bas­ ta para isso a ideia de dever a fidelidade ao mesmo rei. Para conduzir a pesquisa, é importante ter em conta o grau e o tipo de cultura dos diversos grupos sociais, cujas expressões tentaremos interpretar separadamente. As concepções dos clérigos são diferentes das nobiliárqui­ cas, e estas das campesinas ou dos vilãos dos concelhos. Os escribas da chancelaria régia e os juristas da cúria não traduzem as ideias de toda a gente, mas apenas as da minoria a que pertencem. O que eles pensam e di-

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zem só é significativo para o seu grupo. Estas distinções não significam, porém, que as noções difundidas por um grupo cultural nao influenciem os outros. As concepções expressas pelos clérigos e pelos intelectuais da corte são particularmente importantes, pois têm quase sempre uma função ideológica, isto é, pretendem ser universais e destinam-se a ser difundidas por meio de uma autêntica acção de propaganda. A

C H A N C ELA R IA

Comecemos, pois, por examinar os documentos da chancelaria condal e da chancelaria régia. Basta atentar nos títulos e nas subscrições dos outorgan­ tes, para notar imediatamente uma nítida diferença entre as dos condes e as de Afonso I: enquanto aqueles indicam geralmente o grau hierárquico e o parentesco com o rei de Leão, sem mencionar a região que lhes foi confiada, Afonso Henriques exprime constantemente, e desde o princípio do seu governo, a referência a Portugal como determinativo do grau hie­ rárquico. Assim, enquanto D. Henrique e D. Teresa, em 76 diplomas (ex­ cluídos, obviamente, os falsos), mencionam Portugal apenas sete vezes na intitulação e três na subscrição (além de uma na parte inicial do «dispositi­ vo»), o título de príncipe ou de infante de Portugal ou dos Portugueses só por excepção não aparece nos diplomas afonsinos. S in a is

de

v a l id a ç ã o

A diferença é ainda mais nítida quando se examinam os «sinais de sobera­ nia» que se desenhavam no fim dos documentos solenes. A cruz, a estrela ou o florão utilizados pelos condes têm inscritos apenas os nomes pessoais: Henrique ou Teresa. O sinal de Afonso Henriques, pelo contrário, até 1144 ou 1150, é apenas o nome de Portugal e não o do príncipe, associa­ do a uma cruz ou a um florão. Só em 1142 aparece com as palavras «rex Portugal (ensis)», ainda sem o nome de Afonso. Para ver surgir este é pre­ ciso esperar por 1144. Mesmo assim, a referência ao reino continua a ser normal quase até cerca de 1160. Neste conjunto coerente encontra-se ape­ nas uma excepção num diploma de 1132 cujo sinal tem escrito «infans Alfonsus» (fig. 20). A repentina emergência do nome de Portugal nos hábitos da chancela­ ria, sob a forma de um símbolo independente do nome do seu chefe e até da sua categoria, até ele tomar o título de rei, deve considerar-se um indí­ cio extremamente importante. Creio que só se pode interpretar como a ex­ pressão de que os notários da cúria consideravam a independência alcança­ da por Afonso Henriques em 1128 como o resultado de um esforço comum e não da concessão pessoal a um chefe, mesmo de raça real48. Um esforço que eles continuavam a sustentar colectivamente até o carisma pes­ soal de Afonso Henriques se tornar o fenómeno dominante. De facto, a preferência da chancelaria pelo sinal em que não figura o nome do prínci­ pe ou do rei irá dar lugar, pelos anos 1150-1160, ao costume contrário, de 48 Indício notado também por P. Feige, 1978, pp. 199-203.

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isolar o seu nome do do reino, deixando este desaparecer. A personalidade de Afonso Henriques tornava-se então mais absorvente e era projectada pe­ los clérigos da chancelaria, como emblema suficientemente significativo do poder e da autoridade. Conformavam-se assim com os hábitos das outras chancelarias peninsulares, por influência da rota das bulas papais. A interpretação que dou do sinal de validação usado entre 1128 e 1150 tem, pois, a maior importância como indicador de um sentimento colectivo muito precoce por parte do grupo que apoiava Afonso I. Pode aproximar-se de um indício diferente, e que também não lhe atribui o pa­ pel mais importante na conquista da independência, no episódio da Gesta de Afonso Henriques que considera Soeiro Mendes o verdadeiro vencedor da batalha de São Mamede. Continuando a observar os documentos da chancelaria, verificamos que no tempo de Sancho I se generalizavam os sinais de validação só com o nome do rei e dos membros da família real (figura 20). Mas por volta da época em que ele tomou Silves, o glorioso feito impressionou suficiente­ mente os notários para surgir outro tipo com maior carga simbólica e sig­ nificado mais largo. E o sinal que contém uma estilização cruciforme do escudo heráldico adoptado já por Afonso Henriques, e com a legenda «Santius rex Silvii et Algarbi», ou «Sancius rex Portugalis» (figura 20). O escudo do rei, cujo primeiro exemplar devia datar do reinado anterior, a julgar por um selo pendente hoje perdido49, torna-se igualmente mais usa­ do por essa altura. Creio que se deve interpretar a mutação como indício de que a autoridade régia deixa de se identificar exclusivamente com a pes­ soa do respectivo titular, para se associar às formas do seu exercício e às proezas em que colaboraram muitos dos seus homens. O

E SC U D O D O REI

De facto, o uso de um símbolo heráldico, mesmo que se inspire no escudo pessoal ou no pavês do rei, ao evocar os seus feitos guerreiros lembra im­ plicitamente a participação dos que se acharam sob o mesmo estandarte e com ele combateram e se cobriram também de glória. Tal como os selos e as bandeiras dos concelhos, o emprego de uma insígnia régia, mesmo que pretenda simbolizar a pessoa do rei, assume automaticamente um valor polissémico. De facto, o uso das armas régias torna-se corrente a partir da dé­ cada de 1190 nos sinais de validação, nos selos e nas moedas. Há mesmo um documento de Sancho I que o representa de pé, coroado e com o manto solene, tendo um estandarte à sua esquerda (figura 20). O escudo com cinco escudetes em cruz, carregados de numerosos «besantes», que depois se estilizaram em onze e, em seguida, em cinco, e resultante ele próprio, segundo uma hipótese verosímil50, da estilização do pavês de Afonso Henriques guardado em Santa Cruz de Coimbra, e 49 Desenhado na História Genealógica de A. C. de Sousa e daí reproduzido por A. de J. da Costa, 1975, pl. V. Pertencia a um documento de 1133, mas deve ter-lhe sido aposto mais tarde. H á referência expressa e autêntica a outro selo do mesmo rei em documento de 1157, mas do qual só restam os cordões: ibid., p. 166; ver também Marquês de Abrantes, 1984. 50 Marquês de Abrantes, 1984.

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decorado por um número maior de escudetes, tinha um significado forte­ mente militar. E provável que, para os contemporâneos, a colocação dos escudetes em cruz sugerisse a formação ordenada do exército e, por conse­ guinte, a participação dos chefes e dos cavaleiros, ao mesmo tempo que apontava o motivo religioso impulsionador da luta contra os Mouros. Foi usado mesmo por um rei tão pouco interessado em feitos militares como Afonso II. Manteve-se para sempre como o do reino. Só foi alterado por Afonso III, que lhe acrescentou como «diferença» a bordadura de castelos, em número variável, entre onze e oito. Quis assim manter um indício da sua ascendência régia castelhana, como filho de Urraca de Castela e neto de Afonso VIII, o vencedor da batalha das Navas de Tolosa51. Embora seja esta, indubitavelmente, a razão da alteração das armas régias, parece-me provável que também neste ponto funcione a polissemia, e que os repre­ sentantes municipais vissem na bordadura dos castelos uma alusão aos con­ celhos portugueses sujeitos ao senhorio régio e que, como vimos52, esco­ lhiam muito frequentemente o castelo ou as muralhas para os seus selos e estandartes. A forma adoptada desde esta época apareceria assim aos olhos dos magistrados municipais como o símbolo correspondente e recíproco do daqueles escudos concelhios que colocavam os escudetes do rei sobre as ameias do castelo, como acontecia em Santarém, Marachique, Torres N o­ vas, Leiria, Chaves, Montalegre, Óbidos e Cantanhede. Sendo assim, e independentemente da significação original dos dois símbolos, a associação, nas armas reais, de figuras heráldicas que podiam ser interpretadas como evocativas da autoridade sobre os guerreiros (os no­ bres) — as quinas — e os concelhos — os castelos — , corresponderia a considerar como formando um conjunto, harmonizado pela pessoa do rei, os dois tipos de comunidades existentes no país, aqueles mesmos que são considerados também como as duas categorias de súbditos do rei na Gesta de Afonso Henriques (GAH, p. 30). Sem insistir nesta interpretação, que não sabemos até que ponto pode­ ria estar presente no espírito de alguns portugueses dos séculos xm e xiv, convém, por outro lado, não esquecer que se trata aqui das armas do rei. Nada prova, também, que alguns vassalos as sentissem como suas. Toda­ via, a sua difusão por toda a parte prepara o caminho para a projecção do símbolo do rei sobre a própria Nação. Rex

P o r t u g a l e n s iu m

Para se atingir este estádio da consciência nacional teve, decerto, a maior importância a noção espacial do regnum, isto é, a ideia de que a autoridade correspondia a um território, e a designação comum de «Portugueses», a todos os que nele habitavam. Estas noções surgem desde muito cedo na documentação régia e eclesiástica. Para a primeira basta um exemplo: já em 1165 se encontra na doação de Idanha e de Monsanto aos Templários a expressão de uma fronteira geográfica nítida entre os reinos de Portugal e 51 F. Menéndez Pidal de Navascués, 1982, pp. 61-67. 52 Ver y o I. II, pp. 316-319.

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de Leão: «quomodo currit aqua Elgie inter regnum meum et regnum Leonis et intrat in Tagum» (D R 288). Para a segunda, pode tirar-se partido do título Rex Portugalensium, que é a fórmula documental mais corrente de designar o monarca, quer no tempo de Afonso Henriques quer no de Sancho I. Ora, este costume contrasta curiosamente com os usos das outras chancelarias peninsulares, nas quais predominava o título hierárquico asso­ ciado ao nome geográfico, a um conjunto deles ou a uma cidade como Toledo. Este costume serviu como argumento a J. A. Maravall para afirmar que na Hispânia o título régio não estava necessariamente ligado à terra ou às gentes, mas era uma função de contornos vagos sobre um espaço quase indiferente53. Pretendia com isso afirmar a unidade da Hispânia e a secundaridade das formações nacionais. Mesmo que o argumento fosse válido — o que me parece discutível — , não se verifica no caso português. Deveria então significar que o nosso uso implica desde 1128 uma habitual relação entre o rei e os súbditos, cuja organicidade seria expressa pelo nome de um conjunto de pessoas. Reg n u m

No reinado de Afonso II, porém, a chancelaria alinha com as outras da Pe­ nínsula, começando a usar correntemente a fórmula rex Portugalie ou Portugalensis, que antes só esporadicamente aparecia. Esta alteração parece sig­ nificar que na cúria se torna habitual considerar o reino não apenas como o conjunto das pessoas que deviam fidelidade ao rei, mas também como um organismo com a sua própria consistência, definido por si mesmo e nao apenas pela pessoa do rei ao qual estava sujeito. Esta concepção tem antecedentes precoces. Assim, por exemplo, nos M iracula S. Vicentii, do moçárabe Estêvão, chantre da Sé de Lisboa, redigi­ dos entre 1173 e 1185, fala-se já no «reino» como de um conjunto dotado de entidade própria, pois é ele, diz-se, que é beneficiado no seu todo pela presença do mártir, embora a obrigação de lhe prestar culto pertença so­ bretudo à cidade de Lisboa, onde se veneram as suas relíquias5 . O reino é, pois, independente do rei. Mas esta doutrina é ainda excepcional na época, como vimos também a propósito da concepção da autoridade régia55. N a época de Afonso II torna-se mais corrente, como mostram as suas leis, onde aparece muitas ve­ zes o termo «reino», adjectivado ou não por um possessivo: «todalas partes do reino» (n.° 2); «moesteiros do nosso reino» (n.° 9), «ordíis do nosso rei­ no»; «dano nosso e do reino (n.° 10); «dano nosso *e das gentes» (n.° 13); «per todo nosso reino» (n.° 19) (Leg., pp. 164-179). N o seu testamento encontra-se igualmente a oscilação entre a designação do reino como «seu» ou sem qualquer possessivo, mas com manifesta tendência para a segunda forma, em contextos *bastante expressivos: «Est si in tempore mortis meae filius meus... vel quae debuerit habere reg-

53 J. A. Maravall, 1954a, pp. 369-372, 393-394. 54 «Cum igitur ad tocius regni felicitatem attineat martiris adeo [...] maxime populus ulixbonensis iugo tenetur debito [...]»: Miracula S. Vicentii (ed. Aires Nascimento, 1988, p. 40). 55 Ver supra> p. 69.

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num non habuerit roboram, sit ipse vel ipsa et regnum in potestate vassalorum meorum.»

N o mesmo testamento o rei pede ao Papa: «ipse recipiat in sua commenda et sub protectione sua filios meos et regnum» (A. C. de Sousa, 1739, I, pp. 34-33).

Pelo contrário, nos testamentos de Sancho II e de Afonso III predomi­ na a fórmula «meu reino»56. N o de D. Dinis voltam a encontrar-se expressões como «regnar em Portugal», «cativos... de Portugal», «rei de Portugal», «defendimento dos regnos de Portugal e do Algarve», ao lado de «meos regnos» {ibid., pp. 99-105). Entretanto, e apesar de o possessivo estar largamente presente no testamento de Afonso III, o uso do substantivo «reino» como dotado da sua própria identidade, independentemente do rei, torna-se frequente na legislação do mesmo monarca57. Assim se passou quase insensivelmente, nas expressões dos clérigos da cúria, de uma concepção do país como um conjunto de pessoas e terras so­ bre as quais o rei exercia autoridade, ao de comunidade com a sua própria consistência, qualquer que fosse o rei que a governasse. Uma comunidade que provavelmente devia, na mente dos mesmos clérigos, identificar-se pe­ las diferenças que a distinguiam de outras, análogas, na Península e fora dela. Estas diferenças podiam exprimi-las já recorrendo a um símbolo — as armas do próprio rei, usadas nas batalhas para distinguir os Portugueses dos seus inimigos. Não se encontra, porém, nos escritos da cúria, qualquer indício de uma ideologia nacional. O que quer dizer que, apesar das expressões dos legistas de Afonso II, Afonso III e D. Dinis, o elemento que confere uni­ dade e identidade ao reino é ainda a pessoa do rei. Para encontrar as pri­ meiras expressões de carácter ideológico é necessário procurar nos escritos clericais. H

is t o r io g r a f ia

Antes de as analisar, convém ainda notar que as ideias transmitidas ou pressupostas nos meios intelectuais da corte se podem também definir pela ausência de uma historiografia própria. Com efeito, os escritos que neste sector se podem situar surgem só em meios clericais. A eles me referirei a seguir. N a corte, porém, não se escrevem ainda as crónicas dos reis de Por­ tugal. O primeiro texto, em romance, deste género é, como se sabe, a Cró­ nica Geral de Espanha de 1344, que, como o seu título indica, abrange o conjunto da Hispânia58. Os escritos e as composições orais que a precede­ ram, como a Gesta de Afonso Henriques ou a de Egas Moniz, podiam ex­ plorar temas próximos, mas não constituíam uma narrativa seguida dos fei­ tos dos reis portugueses. Estes seriam relatados, segundo parece, pela 56 A. C. de Sousa, 1739, I, pp. 48-50, 54-57. 57 «Malefactorum regni», «in detrimentum maximum omnium de regno» (Leg., p. 188); «mercator de extra regnum» (p. 194); «pro iustitia et bona regni consuetudine conservandis... pro libertate et utilitate regni» (p. 197); «homées que veerem de fora do reino e trouverem armas pera o reino de Portugal» (p. 208); «as comunidades do reino de Portugal» (p. 210); etc. 58 L. F. Lindley Cintra, 1951.

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primeira vez, num escrito perdido a que Diego Catalán chamou a Crónica galego-portuguesa de Espanha e de Portugal59, que não deve ter sido uma obra da corte régia e que- podia até não ter como objecto principal relatar as acções dos nossos reis. E ainda mais significativo que o refundidor do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro atribua aos antepassados dos Trastâ­ maras um papel tão importante na fundação da casa real portuguesa60. Podem, em todo o caso, apontar-se alguns precedentes da historiogra­ fia régia não clerical. Encontram-se os seus indícios, por exemplo, no rela­ tório sobre os bens da Ordem de Santiago de 1317-131961, onde a refe­ rência à batalha de Ourique pressupõe uma tradição literária, como mostrou L. F. Lindley Cintra62. E também, até certo ponto, na referência feita no discurso de João Simão perante o concelho de Santarém para justi­ ficar a recuperação das lezírias por parte da Coroa, em 13056364. A tradu­ ção portuguesa da crónica de Rasis pode igualmente indicar-se como in­ dício do mesmo sentido, apesar de não ser seguro que se deva atribuir a D. Dinis a sua in icia tiv a. O que mais se aproxima de uma crónica régia anterior a. meados do sé­ culo xiv é a IV Crónica Breve de Santa Cruz de Coimbra, que isola já como tema as acções dos reis de Portugal, tendo provavelmente como base a já referida Crónica galego-portuguesa, mas não se sabe se é um escrito de corte ou se foi composta em Santa Cruz. Tratar-se-ia de um texto preparatório do Livro de Linhagens do Conde D. Pedro? Seja como for, a viragem decisiva parece ter-se dado com a intervenção do conde D. Pedro de Barcelos, que quis fazer uma réplica da Primeira Crónica General, de Afonso X, sem com ela pretender exaltar propriamente a monarquia portuguesa. De facto, entroncam nos seus textos, quer na Crónica de 1344 quer no Livro de Linhagens, as composições posteriores que fazem dos feitos dos reis portugueses o tema de uma obra autónoma. Este facto só se pode ter dado, portanto, a partir da época de Afonso IV. Os

C L É R IG O S

Como disse mais acima, a historiografia dos reis de Portugal começa por ser de origem clerical. O primeiro e mais célebre escrito em que as ideias «nacionais» despontam é aquele a que Monica Blõcker Walter chamou os Annales Domni Alfonsi Portugallensium R egis\ADA, pp. 131-161), e que constituem a ampliação de uma das secções dos Annales Portugalenses Veteres, cuja recensão curta tinha sido publicada em edição crítica por Pierre David65. É obra de um cónego regrante de Coimbra e data do rim do sé­ culo x i i 66. O texto, tornado célebre por Herculano67, é o seguinte: 59 D. Catalán Menéndez Pidal, 1962. 60 J. Mattoso, 1989a. 61 A. B. da Costa Veiga, 1940, p. 155. 62 L. F. Lindley Cintra, 1957, pp. 189-190. 63 J. P. Ribeiro, 1810, I, doc. 74. 64 CM R, p. 3, aparato crítico ao título. A menção de D. Dinis só aparece no ms. de Copenha­ ga, do século xvm , e pode ser uma composição tardia. 65 Pierre David, 1947,.pp. 308-310. 66 M. Blõcker Walter, 1966. 67 Herculano, 1980, I, p. 384.

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«Alguns indignos e estranhos pretendiam apossar-se do reino de Portugal com o consentimento de sua mãe, a rainha D. Teresa. Ela queria, por soberba, reinar em lugar de seu marido, excluindo o filho do governo do reino.» Então, o infante «convocou os seus amigos e os mais nobres de Portugal, que prefe­ riam de longe que ele reinasse sobre eles, do que a mãe e os indignos e de na­ ção estrangeira» (vel indignos et exteros natione) (ADA, p. 152).

A mesma obra diz que Afonso Henriques «protexit totum Portugalle gladio suo» (p. 151), «adeptus est regnum Portugallis in manu forti» (p. 152). Foram muitas as lutas dele com os seus inimigos, não só os pa­ gãos, mas também cristãos «qui nimium invidentes ei volebant diripere et invadere regnum eius» (pp. 151-152). Enfim, ao descrever a invasão do emir de Marrocos em 1184, o mesmo autor diz que não desistiria de lutar nem que se juntassem contra ele «o rei de França, o rei de Inglaterra, o rei de Aragão, o rei de Castela, o rei da Galiza (curiosamente não lhe chama rei de Leão) e o rei de Portugal» (p. 159). A ideia de que Portugal era um reino como os outros da Península e da Cristandade, e de que os súbditos dos outros reis eram estrangeiros, pa­ rece, pois, suficientemente clara. Exprime-se, como era natural, a partir da noção da oposição entre uns e outros. A consciência da identidade forma­ va-se a partir da de alteridade. Por outro lado, como mostrou J. A. Maravall, o mesmo regrante não deixou de sentir o carácter compósito da nação portuguesa, pois, ao dizer de Afonso Henriques, «obtinuit ipse principatum et monarchiam regni Portugallis» (p. 152), pressupunha, pelo uso da palavra «monarquia», a au­ toridade sobre uma pluralidade política, embora não do mesmo nível que o império68. Não posso deixar de ver aqui uma alusão implícita à dualida­ de Portucale-Coimbra, embora, como vimos anteriormente, ela estivesse cada vez mais obliterada, mesmo nos meios clericais, que a preservaram mais tempo. Para fortalecer a ideia de que Portugal tinha a sua própria identidade, contribuía, nos meios clericais, a interminável polémica das metrópoles eclesiásticas. Nas reuniões conciliares, ao esgrimir contra os outros arcebis­ pos os argumentos tirados dos livros antigos e das actas canónicas, sur­ giam, por vezes, referências aos vínculos nacionais. Não muito evidentes, porém, e não só da parte portuguesa. De qualquer maneira, aí se fortale­ ciam como resposta às ambições, por assim dizer, «imperialistas» dos arce­ bispos de Compostela e de Toledo. Assim, na reunião de Tuy de 1198-1199, o arcediago Paio de Com ­ postela, ao relatar como o rei Fernando II de Leão quis persuadir o bispo de Zamora a obedecer ao compostelano e não ao bracarense, atribuía-lhe a justificação seguinte: «quia magis sibi debebat placere suum regnum decorare quam alterius»69. Pelo contrário, em 1217, o clérigo de Braga que enumera os argumentos da sua Sé para não se sujeitar a Toledo, insiste em que existem na Hispânia os reinos de Aragão, Navarra, Castela, Leão e Portugal, e considera um «scandalum» a pretensão de o rei de um deles, o de Castela, querer submeter todos os outros70. * 8J. A. Maravall, 1954b, p. 412. 69 P. Feige, 1978, doc. 4, n.° 4. 70 Ibid., doc. 8a, n.os 9 e 57, pp. 405-406, 423.

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Pela mesma época ou um pouco antes, um monge galego de Celanova, que relatava os milagres de São Rosendo, atribuía a Afonso Henriques acções ímpias e tirânicas, durante a ocupação daquela zona da Galiza, que detinha como usurpador. Por isso foi castigado por Deus juntamente com os seus colaboradores. Embora ele não chame expressamente estrangeiro ao rei de Portugal, e apesar de o censurar apenas pelo abuso do poder, não es­ tá longe de sentimentos nacionalistas71. A mais clara consciência da nacionalidade por parte de clérigos não é de admirar, sobretudo no caso dos Cónegos Regrantes de Coimbra, que produziram várias obras de suporte ideológico ao seu protector Afonso Henriques, e de exaltação e propaganda à guerra santa, provavelmente por ocasião das invasões almóadas, para encorajarem os Portugueses à resistên­ cia. A função de intérpretes do destino histórico do primeiro rei de Portu­ gal devia levá-los a procurar modelos anteriores. Entre eles tinham, decer­ to, lugar privilegiado as crónicas dos povos germânicos redigidas por Isidoro de Sevilha na Historia Gothorum, Wandalorum et Suevorumy que foram invocadas, por exemplo, por um clérigo de Braga para justificar a posição da sua Sé acerca dos direitos metropolíticos72. Deviam induzir aqueles que as liam a considerar-se membros de um «povo» ou uma «na­ ção» no sentido medieval do termo73, sem se preocuparem demasiado em definir com rigor a relação dos Portugueses com os Godos. Os clérigos que estudavam e ensinavam nas universidades italianas ou nas da França identificavam-se geralmente com o conjunto amplo dos Hispani> e por isso é difícil averiguar rigorosamente a sua naturalidade. Assim, foi motivo de polémica a identificação de Vicente Hispano, embora esteja hoje determinada com segurança74. Mas mestre João de Deus (tl2 6 7 ) regista com ênfase a sua origem num dos seus livros mais difundidos, o Liber poenitentiarius: «ego quem genuit patria pia Portugalensis»75. Noutra obra diz-se cónego de Lisboa «de regno Portugallie oriundi»76. Pedro Hispano Portucalense, canonista e decretista menos conhecido do que o seu homónimo Pedro Julião, diz-se na sua obra Notabilia «Magistro Petro Yspano Portugalensi»77. Isto não quer dizer que os mesmos au­ tores não preferissem, por vezes, dizer-se simplesmente «Hispanos», como acontece geralmente com Pedro Julião, com mestre Vicente e com o pró­ prio João de Deus. Este, por exemplo, diz de si próprio noutra obra: «Ego quem genuit Yspania clara sodalis.»78 E noutra: «Ego quem genuit Yspania silva marina.»79 71 Vita et miracula S. Rudesindi, milagre 21, in SS, pp. 41b-42a. 72 N o concílio de Tuy de 1187 (PUP, n.° 110, p. 315), onde cita também o Chronicon de Idácio, a Chronica de João de Biclara e o Breviarium rerum gestarum populi Romani de Rufo Festo. 73 R. Fédou, 1971, pp. 137-142. 74 A. D. de Sousa Costa, 1963. 75 Id., 1957, p. 9. 76 Ibid., p. 10. 77 Ibid , p. 12. 78 Ibid., p. 8. 79 Ibid., p. 11.

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A

N O B R E Z A E AS SU AS C O N T R A D IÇ Õ E S

Noutros meios culturais menos influenciados pelos hábitos racionais dos clérigos, as coisas podiam ser menos claras. Assim, por exemplo, o jogral que criou a Gesta de Afonso Henriques (tomando à letra o texto que possuí­ mos, e que é um resumo prosificado de quase meados do século xiv) fala de Portugal como de um espaço ou uma entidade política80 oposta a Leão e à Galiza81. Refere-se aos Portugueses como aqueles que apoiam o seu rei e o ajudam na luta contra o Imperador8283. Se este texto reproduzisse a sua forma original, provavelmente do princípio do século xm , significaria da parte do seu autor uma precoce consciência da sua nacionalidade, mesmo que esta não se pudesse nele provavelmente distinguir da noção de fideli­ dade ao rei. Este texto parece mostrar, como acontece, de resto, com os clericais, que a consciência da nacionalidade surge em contextos que supõem a opo­ sição a outras nações. Voltamos, pois, a encontrar aqui o que já observára­ mos, isto é, que o choque com os outros revela a identidade própria. No Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, onde, de resto, aparece tam­ bém a referida Gesta (LL 7, B l-10), encontram-se outros textos que se po­ dem aproximar da frase acima citada acerca da fidelidade dos Portugueses. Vêm carregados de maior expressividade ideológica, mas, por outro lado, são ainda mais intimamente associados aos valores vassálicos. É sobretudo o caso da «estória» de Rodrigo Forjaz de Trastâmara, cuja acção se atribui ao tempo do rei Garcia da Galiza e de Portugal. Apesar de se situar numa época tão recuada e de literariamente depender de uma ges­ ta tão antiga como o Cantar do Cerco de Zamorc^y deve ser uma narrativa do século xm profundamente alterada pelo refundidor de c. 1365 ou de c. 1380. Sendo assim, mostraria os progressos do sentimento nacional du­ rante a segunda metade do século xiv, mas não na época que nos interes­ sa. De facto, devem ter havido mudanças importantes na clareza com que estas expressões se revelam, graças, entre outras coisas, à produção li­ terária cortesã. Com efeito, na corte, a propaganda em torno das virtudes vassálicas ti­ nha, no século anterior, suscitado uma narrativa tão eloquente como a da fidelidade de Egas Moniz84. A exaltação dos feitos dos reis, de que encon­ trámos indícios na época de D. Dinis, além de assegurar o êxito da Gesta de Afonso Henriques, inspirava, depois dos anos 1340 ou 1350, uma «estó­ ria» do mesmo herói, ampliada e carregada de episódios maravilhosos, cujo tema central era a batalha de Ourique85. Entre uma e outra, na transição 80 «Que em todos meus dias nem seja Portugal escomungado»: GAH, p. 46; «que Portugal nunca seja escomungado em todos meus dias»: p. 46; «houvesse todo Portugal por seu»: p. 36; «nunca entrasse em Portugal»: p. 36; «ca sairemos nós de Portugal ou vós»: p. 34. 81 «Filharom-lha acá toda a terra de Leom... mais nem lhe filharom Galiza... e foi-se logo para Portugl»: p. 32; «sairemos nós de Portugal... iredes vós comigo a Galiza»: p. 34; «veo o Emperador com grande poder que adusse de Aragom e de Castela e de Leom e de Galiza»: p. 38. 82 D. Teresa pede auxílio ao imperador: «e que houvesse todo Portugal por seu. E os Portugue­ ses tiveram (leia-se, decerto, «severam») todos com Afonso Anriquiz»: pp. 36-38. 83 J. Mattoso, 1981, pp. 84-83. 84 Id.y 1985, pp. 409-435. 85 L. F. Lindley Cintra, 1957, pp. 202-215.

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entre a época em que predominam as trovas dos jograis para diversão de reis e senhores, e aquela em que se impõe a literatura de exaltação da mo­ narquia, não havia qualquer lugar para surgir a ideologia «nacionalista». Esta só se podia exprimir, quando muito, por meio da noção de fidelidade dos súbditos ao seu rei. É provável que esta noção fosse o terreno mais propício para dele brotar, fora dos meios clericais, a noção de Pátria que, a partir da ideia de «natureza», impunha uma incondicional devoção não tanto à pessoa do rei, mas à própria comunidade nacional. Faltava muito, porém, para este conceito se exprimir. Nas cortes senhoriais do Norte do país, onde continuavam a predomi­ nar as narrativas familiares, pelo menos até ao fim do século xm , nem se­ quer se pode descortinar uma noção de fidelidade ao rei constituindo um valor por si mesma. O que o mostra mais claramente é a indiferenciação entre famílias portuguesas e galegas. A osmose entre ambas nota-se na lite­ ratura genealógica até à época do Livro do Conde D. Pedro. Os contactos, as alianças matrimoniais e as transferências de pessoas eram constantes e continuariam ainda a sê-lo no século xiv-, embora a tendência para a fixa­ ção das linhagens, sobretudo das médias, na área de influência do respectivo solar, estabelecesse com suficiente solidez uma nobreza agarrada ao seu património fundiário86. Foi certamente o enraizamento territorial destas linhagens e, por outro lado, a. crescente supremacia da corte, que então aparece aos seus olhos como distribuidora de riqueza e de prestígio, e ao mesmo tempo como produtora de uma ideologia de fidelidade como con­ trapartida das recompensas, aquilo que mais contribuiu para a lenta difu­ são entre algumas famílias de um igual sentimento de fidelidade. Não se deve esquecer, porém, que as profundas tradições de antagonismo da no­ breza de Entre-Douro-e-Minho com o rei, fixadas em narrativas de sentido inequívoco e cuja transmissão era cultivada por várias linhagens, sustenta­ vam igualmente um clima de rivalidade para com a corte. Reciprocamente, o tema do fidalgo rude e provinciano, explorado pelos vassalos do rei, con­ tribuía, do lado oposto, para agravar a mesma divergência. Em resumo, pode distinguir-se na nobreza um sector fortemente sensí­ vel à ideologia vassálica, para o qual a relação com o rei se transformaria facilmente em sentimento e consciência nacional, embora na época em que estamos não seja ainda separável dela. Outro sector, no qual predomina a nobreza provinciana do Norte, cultiva as tradições de rivalidade para com o rei; apesar das suas raízes fundiárias é pouco sensível a tal corrente. Os

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Resta-me examinar os meios populares. Aqui estamos obviamente reduzi­ dos a conjecturas vagas. Será necessário, em todo o caso, distinguir os con­ celhos mais frequentados pelo rei, com os quais ele estava em contacto quase permanente. Os termos nos quais D. Dinis se dirige aos concelhos em geral, e que mostram uma inequívoca confiança na sua fidelidade87, 86 J. Mattoso, 1985, pp. 171-196.

87 Ver su p ra , pp. 141-145.

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podem fazer presumir que da parte dos respectivos magistrados e homens-bons — o que correspondia praticamente à sua camada dominante — , existia de facto uma certa ideia do dever de fidelidade para com o rei e que esta se pudesse transformar facilmente em sentimento nacional. Não nos iludamos, porém. As generalizações seriam enganadoras. As expressões de D. Dinis permitem presumir tais noções por parte de uma elite nas princi­ pais cidades do país, aquelas nas quais ele escolheu alguns representantes à comissão de regência prevista no testamento de 1299, mas não se deve ad­ mitir facilmente o mesmo em todos os concelhos do reino. Muitos deles tinham para com o soberano uma relação distante e esporádica. O jura­ mento de fidelidade que desde a época de Afonso III eles provavelmente prestavam, e a obrigação de os magistrados jurarem servir o rei, no mo­ mento em que iniciavam as suas funções, contribuíram, é claro, para levar a toda a parte a noção dos compromissos vassálicos. Mas para muitos vi­ lãos, o rei continuava a ser um «senhor», no sentido feudal do termo. Sen­ do assim, o respeito do juramento estava condicionado à recíproca obriga­ ção de ajuda e conselho por parte dele; podia, portanto, romper-se se ele a não cumprisse. Seria necessária a transformação do conceito de vassalidade em compromisso de «natureza» para que a fidelidade se considerasse incon­ dicional. Ora esta mudança não era tão espontânea como se pode pensar hoje. Sendo assim, será necessário esperar pela assimilação, por parte dos vilãos, da noção de «natureza», que efectivamente começava a exprimir-se nos documentos régios da época de D. Dinis, para daí poder brotar a ideia de dever nacional.

Conclusão Identificação de um país. Depois de o ter percorrido de lés a lés, tente­ mos agora sobrevoá-lo para abarcar o conjunto de uma só vez. Recolher as notas de viagem e verificar se, de facto, identificámos alguma coisa. Deixar de lado os pormenores e salientar os grandes planos, os grandes contrastes, os dados mais significativos, para delinear a imagem final e tentar a síntese. Recordar o método seguido, para justificar a função e o significado das ob­ servações registadas. O processo, lembre-se aqui, foi antes de mais o da identificação das partes. Ajudou-me o fio condutor da geografia humana, apoiada e confir­ mada por dados da etnografia, da antropologia, da linguística. A caracteri­ zação das partes fez-se por meio de uma aproximação simultaneamente geográfica e cultural. Por isso opus montanhas e planície, litoral e interior, cidades e campo, mas sobretudo os dois grandes conjuntos a que, por sim­ plificação, chamei «Norte» e «Sul». Porque aí pude verificar, à partida, a vi­ gência de dois sistemas diferentes de organização social e económica: o se­ nhorial e o concelhio. Ao ponto de não surgirem, de início, como partes de um todo ainda não existente, mas como unidades diferentes entre si. Não se pode esquecer, no entanto, que o regime senhorial se inicia pro­ priamente no Norte Atlântico e que o regime concelhio tem os seus exem­ plares mais típicos no Norte interior. Não há, pois, correspondência perfei­ ta entre «Norte» e área senhorial, de um lado, e «Sul» e área concelhia, do outro. O que importa, portanto, é que, antes de falar de uma identidade úni­ ca, foi preciso reconstituir as identidades menores, dotadas, elas próprias, da sua coerência interna, tanto do ponto de vista geográfico como do pon­ to de vista da organização social e económica. Ou seja, foi preciso verificar como funcionava cada uma das unidades e subunidades em termos institu­ cionais, culturais e políticos. Só depois disso foi possível estudar os princi­ pais fenómenos de contaminação dos diversos conjuntos uns sobre os ou­ tros, e sobretudo o fenómeno maior e mais determinante da expansão senhorial. E depois dele, o outro, não menos importante, dos contactos de aculturação entre o Norte cristão, rural, senhorial e «gótico», e o Sul islamizado, urbano, concelhio e «romano». Sempre com a convicção de que a resultante não é uma simples mistura de sistemas socioeconómicos diferen­ tes, mas a consequência da dialéctica que opõe os contrários entre si e por vezes dá lugar a sínteses originais. Num segundo tempo, e a partir de outra ordem de indícios, agora

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mais exclusivamente de natureza política, tratámos de examinar as características da autoridade que desde o início do período estudado englobou os dois grandes conjuntos anteriormente identificados, a sua estruturação e a forma como ela se foi progressivamente sobrepondo aos múltiplos poderes locais, quer aos de origem senhorial quer aos de origem concelhia, sem contudo destruir totalmente as diversas formas do poder local. Este proces­ so de sobreposição fez-se, como vimos, com o apoio de estratégias elas pró­ prias de carácter senhorial, pela monopolização de certas prerrogativas, pela acumulação de recursos materiais, pelo aperfeiçoamento administrativo, pela montagem de um aparelho de controlo cada vez mais eficaz e, finalmente, pela criação de uma ideologia justificadora do uso e do monopólio de tais poderes. Nada disto, porém, seria eficaz, nem teria a possibilidade de unir as comunidades locais muitas vezes ferozmente opostas entre si, nem de articular as diversidades regionais sem qualquer expressão política, se tal processo não se baseasse em circuitos naturais, se não contasse com vastas e contínuas deslocações de pessoas vindas do inesgotável alfobre de gente que sempre foi o Norte Atlântico, se não partisse do conjunto de centros urbanos onde se concentraram desde o século xii os mais activos detentores dos poderes económicos e os mais prestigiados elementos do corpo social, se, enfim, esse conjunto de cidades não fosse ligado por uma rede de comunicações que primeiro lhes assegurou os contactos e depois lhes permitiu dominar progressivamente a economia rural, em áreas cada vez mais vastas e de maior importância. Surpreendemos, assim, os mecanismos internos da formação da comu­ nidade nacional, a partir da base, isto é, das organizações locais. A maneira como se foram entretecendo os laços e os nós da rede que uniu as comuni­ dades locais e as foi tornando interdependentes. E, por outro lado, o im­ portante papel que no reforço e na orientação desta rede teve o poder mo­ nárquico. Não, evidentemente, em virtude de um hipotético programa de unificação nacional, totalmente impensável nessa época, mas em virtude da sua própria orgânica, como poder simultaneamente político e económico e graças aos meios que utilizou. Quero referir-me em particular aos processos de racionalização administrativa e de uniformização judicial dentro dos ter­ ritórios directamente submetidos à jurisdição régia, que se espalhavam por todo o território nacional. Foi necessário, porém, interromper a observação em 1325, para não tornar o exame demasiado vasto e já impossível de dominar. Ora, nessa da­ ta, o processo de formação da nacionalidade estava apenas no começo. Nesse momento, era ainda difícil verificar até que ponto os factores centrí­ fugos ou de desagregação eram já incapazes de se sobrepor aos factores centrípetos ou de unificação. De facto, estamos já no fim deste período quando se dá a revolução senhorial de 1319-1324. A própria política de centralização dá lugar a reacções de sentido contrário, ao aperfeiçoamento de formas de resistência ou de adaptação, cuja força não é possível ainda medir nesta época, e cuja função, em termos de nacionalidade, só poderia ser averiguada num lapso de tempo mais vasto. O processo da formação nacional, nunca é de mais lembrá-lo, está em devir contínuo. Ainda nos nossos dias continua a sua evolução. Aquilo a que chamei a «composição»

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é apenas o primeiro capítulo de uma longa história que vem até hoje. Uma história, de resto, que não pode fazer, nunca, esquecer todas as «oposições» que, sob formas novas ou muito antigas, continuam a existir também. Parece-me correcta esta operação para determinar as características de um povo, para saber como é, e porque é assim. O que exprimi pelo concei­ to de «identificação». É preciso agora reconhecer que não basta examinar apenas o próprio país. Os povos, como as pessoas, pertencem a conjuntos étnicos ou culturais que é também necessário identificar, para ver até que ponto são diferentes ou semelhantes a outros. Neste sentido, seria necessá­ rio — e não, foi feito — proceder a comparações com outros países. Em primeiro lugar, naturalmente, com os mais próximos, aqueles que perten­ cem à antiga Hispânia: Leão e Castela, Aragão e Navarra. Depois, com os restantes da Europa, sobretudo os do Mediterrâneo. Só assim as diferenças e as semelhanças se tornariam verdadeiramente significativas. De facto, até que ponto Portugal pertence à Hispânia? A que Europa pertence Portugal? Â do Norte, à do Sul? À atlântica, à mediterrânica? Não se trata, é claro, de fazer ressurgir a velha polémica do germanismo ou romanismo das ins­ tituições, mas de transpor o seu significado para uma problemática mais completa e mais actual. Estas questões, por sua vez, deveriam traduzir-se noutras mais concre­ tamente históricas como, por exemplo: o regime senhorial português é idêntico ao castelhano-leonês? Quais são as diferenças entre o feudalismo português e o da França pós-carolíngia? A organização dos concelhos é se­ melhante em Portugal e em Castela ou Leão? À de todas as suas regiões? Que há de comum entre os concelhos portugueses e as comunas da França do Sul ou da Itália? Não posso deixar de reconhecer a pertinência destas perguntas. A operação, no entanto, comportava várias dificuldades, que me fize­ ram recuar. A principal consiste em não dispor, sobretudo para a Península Ibérica, de elementos suficientes. O material bibliográfico espanhol de que actualmente se pode fazer uso, apesar de ser de tão boa qualidade científi­ ca, não resolve, muitas vezes, os problemas que me interessam. Os estudos disponíveis partem normalmente de pressupostos jurídicos ou económicos e só muito raramente de conceitos inspirados na antropologia política. Se­ ria demasiado trabalhoso interpretar os dados que fornecem, à luz de con­ cepções completamente diferentes. Seria, muitas vezes, necessário recorrer directamente às fontes para responder com rigor às questões mencionadas. Um segundo obstáculo me impediu de proceder a esta análise. De fac­ to, sabe-se que a vizinha Castela é atravessada por uma fronteira cultural análoga à que divide o Portugal montanhoso do Portugal plano. São, afi­ nal, o prolongamento uma da outra. Neste sentido, há uma semelhança evidente entre Portugal e o reino central da Península. Mas o facto de Cas­ tela ter quase sempre constituído uma unidade política com outros reinos ou províncias de características diferentes, e cada um deles com uma forte «personalidade», altera substancialmente o quadro histórico e torna as comparações muito mais complexas. Por outro lado, encontramos também em Castela uma diferença não menos importante, que resulta de ter englo­ bado uma região islâmica com muito maior pujança económica e cultural

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do que o Alentejo português e, portanto, com maior peso sobre a forma­ ção nacional que daí resultou. Sendo assim, existem diferenças previsíveis em termos institucionais e culturais, mas será ainda necessário verificar exactamente quais são. Ou seja, a oposição entre senhorios e concelhos, que não é menor em Leão e Castela do que em Portugal, dá certamente lugar a relações e a processos de influência mútua mais complexos do que em Portugal. É provavelmente um dos factores — mas não, decerto, o único — que explica que em Castela não chegasse nunca a aparecer um poder monárquico tão exclusivo e tão absorvente para com as restantes for­ ças económicas e sociais, como desde cedo existiu em Portugal. As tendên­ cias, a que poderíamos chamar «empresariais», para não dizer «capitalistas», da monarquia portuguesa, peio menos desde a época de Afonso III, e a complementar tendência para eliminar as forças económicas concorrentes, actuam também no mesmo sentido. As dificuldades de comparação entre o nosso país e os restantes da Pe­ nínsula Ibérica são, portanto, demasiado grandes para poder executar facil­ mente o programa, comparativo que aqui ficou por cumprir. O trabalho de «identificação» está, pois, incompleto. Mas a tarefa não é, de todo, impos­ sível. Espero que um dia seja realizada por alguém. Ao confessar esta lacuna não posso deixar de a relacionar com a inevi­ tável provisoriedade de qualquer estudo como aquele que aqui tentei reali­ zar. Se o meu conhecimento do outro é sempre inadequado, incompleto e provisório, que fará o de um país? Quem pode jamais orgulhar-se de ter descoberto o segredo da personalidade de alguém, quanto mais de um po­ vo? Não é isso, no entanto, que põe em causa a pertinência da via histórica para o processo da identificação. A narrativa biográfica é, afinal, a melhor maneira de conhecer alguém. É também pela história de um povo que se descobre melhor o seu segredo. Por isso, a memória das acções colectivas constitui o principal fundamento da consciência nacional. Nela reside a prova de que a Nação resiste ao tempo e às vicissitudes que tem de vencer. Por isso não é fácil fazer-lhe perder a sua própria identidade. Ela não resul­ ta só de estruturas enraizadas na terra e na paisagem, mas da acumulação de experiências que se prolongam no tempo e que, depois, a memória colectiva regista e selecciona, para ser transmitida à posteridade. Não deixarei, também, de observar que os dados escolhidos para con­ tar a minha história de Portugal foram sobretudo as crenças, a cultura e os poderes. A própria economia foi vista sob uma perspectiva cultural. As suas soluções, as suas técnicas, as suas estratégias resultam de aprendizagens que relevam da cultura tradicional e de contactos com comunidades dife­ rentes, dotadas de outros recursos ou conhecedoras de outras técnicas. Por isso me interessaram constantemente as diferenças regionais e locais e o processo que provoca as suas alterações no tempo. De facto, as crenças, a cultura e os poderes variam entre si e nos conjuntos que formam, con­ soante se implantam na cidade ou no campo, na corte ou na província, na montanha ou na planície, no litoral ou no interior. E as influências resul­ tantes dos contactos e das transferências populacionais levam a alterações de sentido diferente, apesar de, em cada local ou região, o clima, o solo e a natureza se manterem constantes.

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Uma coisa, porém, é tentar a identificação de um país num dado pe­ ríodo da sua História, outra é identificá-lo na actualidade. Uma vez feita a História, no sentido em que procurei defini-la, uma vez prolongada, no mesmo sentido, até à actualidade, será preciso depois compará-la com a memória colectiva, tal como veio a constituir-se na sua eventual ingenuida­ de e sob formas míticas e, portanto, interpretativas, e ainda com as tradi­ ções, a língua, o imaginário popular, os temas preferidos da literatura e da produção cultural, as instituições vigentes, os valores morais colectivamente reconhecidos, tudo isso, enfim, que forma o carácter de uma nação. Sem­ pre com o cuidado de não confundir as expressões colectivas a que aqui me refiro com eventuais discursos ideológicos produzidos por grupos mi­ noritários, com o propósito de orientarem os destinos nacionais num de­ terminado sentido. Trabalho que já não me compete a mim, mas a espe­ cialistas de outras matérias. Trabalho que só poderá levar a cabo quem se apaixonar pelo seu objecto. O que vem a significar que a «identificação» não é um problema de arquivo ou de registo civil, mas um acto emotivo. Ao evocar, para terminar este livro, aquilo que há alguns anos se cha­ mava «amor da Pátria», mas que agora não podemos referir com as mes­ mas palavras sem um certo pudor ou uma enorme hesitação, afectados, co­ mo fomos, pelo abusivo uso que então se fez dele, não quero propor uma receita, mas confessar a minha concepção existencial da História. Ou en­ tão, se se quiser, aproximá-la da poesia. O que não significa, de modo al­ gum, arbitrariedade ou desprezo pelo seu carácter científico, com toda a imensa gama de exigências que por isso se requer do discurso histórico, mas lembrar a pluralidade de recursos que é preciso utilizar para conhecer o passado.

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,

221

ÍNDICE

A Aarão Hebreu - II - 214. Aboim, família - III - 113, 114. Aboim Portei, família - II - 123, i55. Abril Pires de Lumiares - II - 82, 367. Abu Jafar Aloriani - II - 270, 271. Abul-I-Qasim (cadi de Sevilha) - II - 264. Acompaniado (jogral) - III - 51. Afonso (infante; filho de D. Afonso III) - III - 163. Afonso (infante; futuro D. Afonso Henriques) - II - 12 1 . Afonso (infante; futuro D. Afonso II) - II - 241; III - 118, 127. Afonso (infante; futuro D. Afonso IV) - II - 180, 235; III - 54, 81, 114, 136, 144, 145. Afonso (proprietário) — 182. Afonso I (rei de Aragão) - II - 263, 327. Afonso II (rei de Portugal) - II 64, 135, 146, 155, 157, 158, 175, 177, 185, 2 11 , 221 , 278, 367; III - 31, 45, 49, 60, 62, 65, 73-78, 80, 85-87, 89-91, 93, 102, 103, 105, 112 , 117, 119, 121 , 122 , 126, 128-130, 134, 135, 137, 138, 143, 156, 167-169. Afonso III (rei das Astúrias e de Leão) - II - 105, 117, 252; III 150. Afonso III (rei de Portugal) —II — 65, 76, 80, 123, 141, 158, 161, 167, 187, 197, 201 , 204, 214, 219, 231, 258, 261, 275-278, 292, 296, 298, 302, 306, 310,

312, 316, 318, 327, 331, 334, 335, 344, 348, 351, 353, 358, 367-369, 374, 380; III - 32, 33, 35-39, 44-47, 49-52, 54, 59, 61-66, 77, 79, 80, 82, 84, 87, 88, 90, 91, 93, 95, 97, 98, 100-108, 113, 114, 118, 119, 120, 122 , 129, 131-135, 138-142, 145, 148, 155, 156, 163, 167, 169, 175, 180. Afonso IV (rei de Portugal) —II — 104, 192, 205, 358, 367, 369; III - 82, 92, 97, 120, 170. Afonso VI (rei de Castela e de Leão) - II - 89, 113, 117-119, 153, 170, 230, 252, 263; III - 69. Afonso VII (rei de Castela e de Leão) - II - 101 , 115, 127, 128, 149, 152, 173; III - 137. Afonso VIII (rei de Castela e de Leão) - III - 167. Afonso IX (rei de Leão) - II - 96, 101, 268, 269, 334; III - 76, 95, 96, 117. Afonso X, o S á b io (rei de Castela e de Leão) - II - 103, 104, 187, 192, 196, 241, 264, 324, 327, 330, 335; III - 41, 48, 66, 74, 80, 82, 83, 114, 138, 170. Afonso Ansemondes - II - 121 . Afonso Eanes de Coton - II - 187. Afonso Ermiges de Baião - II 140. Afonso Fernandes Cubei - II - 187. Afonso Henriques (I rei de Portugal) - II - 63, 83, 97, 114-116, 119, 12 1 , 124, 126-134, 138-141, 143, 144, 146, 147, 149, 152, 153, 156, 157, 177, 184, 264, 265, 276, 277, 312, 346; III - 20, 27,

223

52, 68-70, 72, 79, 85, 88, 89, 95, 105, 112 , 117, 119, 126, 137, 143, 153, 154, 156, 158, 162, 165, 166, 168, 171-173. Afonso Lopes de Baião - II - 187. Afonso Nunes de Celanova (conde) - II - 126, 128, 129, 147. Afonso Pais de Grijó - II - 141, Í5L Afonso Peres Farinha, frei - II 195; III - 136. Afonso Pires (bispo do Porto) - II 347. Afonso Raimundes - II - 127. Afonso Sanches (bastardo) - III 44, 47, 145. Afonso Sanches de Albuquerque III - 50. Afonso Viegas de Baião - II - 140. Afonso Viegas de Riba Douro, o Moço - II - 135, 138-140. Agostinho, Santo - III - 69. Aguiar, família - II - 125. Aires Eanes de Freitas - III - 93. Alão de Bragança, D. - II - 241. Albergaria, família —II — 157; III — 89. Alberto, mestre (chanceler) - III 88. Alboazar Ramires - II - 185. Albuquerque, família - II - 155. Aldara Pires Espinhei - II - 138. Alexandre III (papa) - III - 126. Ali ben Yusuf - II - 263, 275. Almançor - II - 149. Almeida, C. A. Ferreira de - II 78, 80, 225, 238. Almeida, Fortunato de - III - 137. Alvarenga, família - II - 139, 367. Álvaro (bispo de Lisboa) - II - 171, 339. Álvaro Anes - 1 1 - 9 5 . Álvaro Gonçalves Pereira, frei - II 148. Álvaro Martins - III - 117. Álvaro Peres (alferes) - II - 144. Anaia, família - II - 156. António de Lisboa, Santo - II 271, 339; III - 43. Antunes, José - III - 89. Arões, família - II - 125. Atouguia, família - II - 157; III 105.

224

Ausenda Odores - II - 148. Avenpase - II - 270. Aymard, M. - II - 302. Azambuja, família - II - 157. Azevedo, família - II - 89, 119-121, 140, 156; III - 27. Azevedo, Pedro de - II - 104, 368.

B Baião, família - II - 112, 119, 139-141, 149, 175, 177, 182; III - 111. Barbero, Abílio - II - 229. Barbosa, família - II - 126, 128-130, 136, 175-177; III - 1 1 1 , 112 . Barcelos, condes de - II - 110, 186. Barreto, família - 1 1 - 1 1 7 , 155. Barrios Garcia, Angel - II - 283. Barroca, Mário - II - 78, 220. Barros, H. de Gama - II - 46, 109, 200, 205, 210 , 218, 227, 297, 323; III - 60, 66, 98, 103-107, 148. Bartolomeu Joanes - II - 296, 346. Basto, família - II - 125. Beatriz de Castela (rainha de Portugal) - II - 334; III - 131, 145. Beirante, Maria Ângela - III - 150. Bellito (vassalo do alvasil Sisnando) II - 178. Belmir, família - II - 143. Bento (cónego regrante de S. Vicente de Lisboa) - II - 316. Benveniste, Emile - II - 88. Berengária (condessa) - II - 129. Bermudo Peres de Trava - II - 138, 152. Bermudo Soares de Riba Douro - II - 138. Bernardo (bispo de Coimbra) - II 162, 339. Blocker Walter, Monica - III - 170. Boa Nunes de Grijó - II - 152. Boléo, Paiva - II - 40. Bolonha, conde de - II - 180; III 79, 107, 130. Bon Amis (jogral) - III - 51. Bonifácio VIII (papa) - III - 44, 54.

Bouro, família - II - 123. Boutroche, Robert - II - 72, 73. Braga, arcebispo de - III - 21, 43,

122. Braga, Teófilo - II - 262. Bragança, família - 1 1 - 1 1 2 , 151, 153, 154, 174, 194, 241; III 111, 112. Brandão, frei António - II - 130. Braudel, Fernand - II - 43. Bravães, família - II - 114, 115, 176. Briteiros, família - II - 155; III 113. Brito, Joaquim Pais de - II - 36. Bulhões, família - II - 157.

c Cabreira, conde de - II - 152. Caeiro, Alberto - II - 19. Caetano, Marcelo - II - 291, 312; III - 96, 97. Carlos Magno (imperador) - II 194, 195. Carvalho, Herculano de - II - 40, 41. • Castro, Armando - II - 46, 214, 283, 306; III - 34. Catalán, Diego - III - 170. Celanova, condes de - II - 128. Cerveira, família - II - 156, 176; III - 27. Cete, família - II - 142, 145. Chacim, família - II - 154, 155. Châmoa Gomes de Barbosa (ou de Tougues) - II - 108, 128, 133. Cid, o Campeador - II - 56, 352; III - 20. Cid Fredalis - II - 178. Cid Gonçalves - II - 143. Cintra, L. F. Lindley - II - 25, 40, 41, 42, 43, 267, 269, 273; III 170. Clemente, Manuel - II - 300. Coelho, António Borges - II - 262, 280, 281, 283. Coelho, família - II - 138. Coelho, Maria Helena da Cruz - II - 213, 231, 239, 301; III - 16, 19, 22 , 102.

Cogominho, família - II - 157. Coimbra, bispo de - II - 95. Coimbra, bispo de - III ~ 19, 127. Constança Sanches, - II - 301. Correia, família - II - 135, 155. Cortesão, Jaime - III - 160, 161 . Costa, Avelino de Jesus da - II 80, 148, 237; III - 14. Costa, família - II - 157. Crescónio (bispo de Coimbra) - II — 162. Cunha, família - II - 82, 118, 148, 156, 174; III - 27.

D Dade, família - II - 155, 157; III 105. David, Pierre - II - 237; III - 170. De La Tour, Imbart - II - 237. Dias, Jorge - II - 37. Diego Gelmirez (arcebispo de Compostela) - II - 127, 179. Dinis (rei de Portugal) - II - 48, 57, 65, 80, 104, 1 1 1 , 112 , 122 , 158, 159, 181, 188, 191, 192, 197, 205, 235, 236, 248, 255, 261, 278, 292, 294, 296, 298, 299, 302, 303, 312, 317, 318, 334, 336, 337, 340, 342, 344, 346, 348, 353, 358, 365, 367, 369, 374, 376, 377, 379; III 33, 35, 36, 38, 41-44, 45, 48-52, 54, 55, 61, 62, 64, 67, 68, 77, 79, 81-83, 87, 90, 92-94, 97, 98, 103-105, 108, 114, 117, 118, 120, 123-125, 133, 134, 136-139, 142, 144, 145, 155, 156, 157, 159, 163, 169, 170, 173-175. Diogo Ferreiro - II - 202. Diogo Gonçalves de Cete - II 142, 143. Domingos, mestre (arcediago de Santarém) - III - 98. Domingos (mestre da Sé de Braga) III - 90. Domingos Anes Jardo (chanceler e bispo de Évora e de Lisboa) - II - 346; III - 90, 135. Domingos Pais (bispo de Lamego) III - 133.

225

Dordia Afonso de Riba Douro - II - 135. Dordia (ou Doroteia) Mendes da Maia - II - 118, 119. Dordia Viegas de Penagate - II 124. Duby, Georges - II - 102, 334. Dufourcq, Charles E. - III - 14. Durand, Robert - II - 95, 208, 228, 229, 280, 301; III - 14, 20, 33, 118. Durando Forjaz (chanceler) - III 90. Durando Pais (bispo de Évora) - III - 133, 135. Durão Martins de Parada - III 120.

E Edrisi (geógrafo) - II - 254. Eduardo I - III - 37. Egas (bispo de Viseu) - III - 77. Egas Eriz la ia - II - 149. Egas Fafes de Lanhoso - II - 124, 125; III - 117. Egas Gomes Barroso (ou Guedeao) II - 126; III - 117. Egas Gomes de Baião - III - 119. Egas Gomes de Sousa - II - 130. Egas Gosendes de Baião —II — 119, 140, 183. Egas Lourenço da Cunha - III - 87, 98. Egas Mauranus - II - 215. Egas Mendes E sp in h a - II - 141. Egas Moniz de Ortigosa - II - 214. Egas Moniz de Riba Douro - II 97, 110, 125, 129, 131, 135, 137, 138-140, 144, 184, 185, 187, 191, 197, 231; III - 27, 119, 120, 169, 173. Egas Pais de Penagate - II - 123, 124. Elvira da Faia (condessa). Vd. Elvira Gonçalves de Sousa (condessa de Faia). Elvira Dias - II - 143. Elvira Gonçalves de Sousa (condessa de Faia) - II - 132, 134. Elvira Nunes Velha - II - 116, 117.

226

Elvira Peres de Trava - II - 127. Elvira Soares - II - 123. Elvira Vasques (condessa) - II - 126. Emisu Trastamires - II - 141. Ermígio Moniz de Riba Douro - II - 139; III - 84. Ermígio Viegas de Baião - II - 140. Espinhei, família - II - 155. Estevainha (ou Estefânia) Soares da Silva - II - 125, 135. Estêvão, frei (bispo do Porto e de Lisboa) - III - 98, 133, 135. Estêvão, mestre (chantre da Sé de Lisboa) - II - 265, 339; III - 69, 70, 153, 168. Estêvão Anes (chanceler) - II - 158, 186, 198, 367; III - 45, 87, 90, 140. Estêvão Anes Brochado (chanceler e* bispo de Coimbra e Lisboa) - III - 90, 135. Estêvão Anes de Fermoselhe - III 120. Estêvão da Guarda (escrivão da câmara) - III. - 90. Estêvão Soares da Silva (arcebispo de Braga) - II - 135, 171; III 128. Estêvão Vasques da Cunha - III 120. Estrema, família - II - 157. Évora, bispo de - III - 131.

F Fabião, São - III - 41. Fafes, família - II - 124. Fafes Godins de Lanhoso I —II — 124, 125. Fafes Luz de Lanhoso - II - 124. Farinha, A. Dias - II - 270, 272. Fernandes, A. de Almeida —II —91, 130, 137, 347, 379. Fernandes, Hermenegildo - III 150. Fernando (filho de Gomes Nunes de Pombeiro) - II - 128. Fernando I, o Magno (rei de Castela e de Leão) - II - 89, 113, 130, 137, 142, 161, 173, 179, 230, 252, 268; III - 68, 116. Fernando II (rei de Leão) - II -

144, 146, 154, 268, 269, 334, 357; III - 171. Fernando III (rei de Castela e de Leão) - II - 190. Fernando IV (rei de Castela e de Leão) - III - 114, 163. Fernando Afonso (bastardo de Afonso Henriques) - II - 133. Fernando Álvares Cativo. Vd. Fernão Peres Cativo. Fernando Anes Brochado - III -

Fossier, Robert - II - 72, 73, 178. Francisco de Assis, São - III - 45. Francisco Domingues (chanceler) III - 90. Frederico II (rei da Sicília e imperador) - III - 74, 80, 131. Freitas, família - II - 155. Freund, Bodo - II - 224. Fruilhe, Dona - II - 147, 239.

Fernando Anes de Portocarreiro - III - 132. Fernando Cerveira - II - 115. Fernando Peres (chantre de Lisboa) III - 89, 90. Fernão Aires d’Anho Batissela - II 152. ^ Fernão Alvares de Castro - II - 147. Fernão Fernandes de Bragança - III - 117. Fernão Furtado - III - 120. Fernão Gil - II - 192. Fernão Gil de Soverosa - II - 184. Fernão Gomes Cativo. Vd. Fernão Peres Cativo. Fernão Lopes - II - 149. Fernão Martins da Cunha - III 120. Fernão Mendes de Bragança - II — 129, 153; III - 52. Fernão Mendes de Bragança II - II - 153. Fernão Pais da Cunha - II - 148. Fernão Peres (deão) - II - 312. Fernão Peres Cativo - II - 143, 144, 177. Fernão Peres de Trava - II - 91-93, 126, 127, 132, 176; III - 116. Fernão Peres Ponço - II - 152. Fernão Pires de Guimarães - II 134. Fernão Pires Farinquel - II - 327. Fernão Vasques Pimentel - II — 186. Ferreira, José de Azevedo - II 104. Feuchère, P. - III - 16. Filgueiras, Octávio Lixa - II - 39. Filipe, o Belo (rei de França) - III 37, 54. Filipe Augusto (rei de França) - III - 74.

Garcia (rei da Galiza e de Portugal) - II - 113, 230; III - 116, 173. Garcia de Cortázar, J. A. - II - 82, 280, 281, 283. Garcia Fernandes (conde) - II 100. Garcia Mendes de Refojos - II 122 . Garcia Mendes de (Sousa?), alferes II - 132. Garcia Peres de Bragança, o Ladrão - II - 153. Gato, família - II - 117. Gavino Froilaz - II - 150. Geraldo, São (arcebispo de Braga) II - 123, 162, 177, 241, 339. Geraldo Domingues (bispo de Placência, do Porto e de Évora) II - 347. Geraldo Sem Pavor - II - 352, 353; III - 20, 162. Gil, mestre (cardeal) - III - 89. Gil, mestre - II - 214. Gil de Santarém, São Frei - II 271. Gil Martins da Ribeira - III - 93. Gil Martins de Riba de Vizela - II - 108, 136, 222; III - 31, 87. Gil Nunes de Chacim - III - 120. Gil Vasques de Soverosa - II - 144; III - 31. Girão, A. de Amorim - II - 81; III - 151. Godinha Pais Velha - II - 120. Godinho (bispo de Lamego) - II 171. Godinho, família - II - 157. Godinho, Vitorino Magalhães - II 70. Godinho Fafes de Lanhoso - II 124, 125, 180.

120.

G

227

Godinho Viegas de Azevedo - II 89, 119, 120, 140. Gomes, P. Dordio - II - 249. Gomes Echigues (ou Egicaz) de Sousa - II - 89, 130. Gomes Lourenço de Beja - II 192. Gomes Mendes Guedeão - II - 126. Gomes Nunes de Pombeiro (ou de Toronho), conde - II - 95, 127-129, 131-133, 138. Gomes Peres de Alvarenga - II 367. Gomes Viegas de Penagate - II 124. Gomes Viegas de Sousa - II - 131. Gonçalo de Amarante, Sao - III 36. Gonçalo Anes de Moeiro - II 184. Gonçalo Gonçalves da Palmeira - II - 147. Gonçalo Guterres de Moreira da Maia - II - 142, 150, 229; III 26. Gonçalo Mendes (chanceler) —III 90. Gonçalo Mendes da Maia - II 133, 146, 170, 195; III - 112. Gonçalo Mendes de Sousa (conde) III - 29, 52, 117. Gonçalo Mendes de Sousa, o Sousão - II - 110, 131, 132, 144. Gonçalo Pais (rico-homem da Nóbrega) - II - 122, 184. Gonçalo Pais de Paiva (bispo de Coimbra) - II - 142, 162. Gonçalo Pais Sapo - II - 179, 182. Gonçalo Pereira (conde) - II - 184, 185. Gonçalo Pereira (mestre da Ordem do Hospital) - II - 148, 198. Gonçalo Pires Ribeiro - II - 180, 181. Gonçalo Raupariz - II - 142. Gonçalo Rodrigues da Palmeira - II - 129, 135, 147. Gonçalo Rodrigues de Nomães. Vd. Gonçalo Rodrigues da Palmeira. Gonçalo Trastamires da Maia - II 145. Gonçalo Viegas de Lanhoso - II 124, 135.

228

Gonçalo Viegas Maranco - II - 95. Gonçalves, Iria - II - 224, 231. Gondesendes de Paiva - 1 1 - 1 1 9 . Gontemiro - II - 182-183. Gontinha Gonçalves da Maia. Vd. Moninha Gonçalves da Maia. Gontinha Nunes - II - 119. Gontinha Odores de Moles - II 120. Gontinha Pais da Silva - II - 122 . Gosendo Viegas de Azevedo - II 140. Grácia (mae do conde D. Pedro de Barcelos) - II - 347; III - 44. Graciano - II - 334; III - 126. Grassotti, Hilda - II - 87, 181, 182, 185; III - 67, 119. Gregório VII (papa) - III - 126. Gregório IX (papa) - III - 132. Grijó, família - II - 150, 223; III 27. Gualdim Pais (mestre) - II - 135, 195. Gueda, o Velho - II - 125. Gueda Mendes - II - 125-127. Guedões, família - II - 125, 130. Guerreiro, Viegas - II - 264. Guiçoi (ou Visoi) de Sousa (conde) - II - 130. Gunsalvo Pelagis - II - 180. Guterre Trutesendes de Moreira da Maia - II - 150, 151.

H Haro, família - III - 40. Henrique (conde) - 1 1 - 1 1 7 , 121, 123, 127, 147, 153, 179, 180, 183, 285, 286; III - 26, 70, 100, 116, 152, 165. Henrique (infante de Castela) - II 190. Herculano, Alexandre - II - 46, 73, 200, 262, 279, 280, 287, 293, 307, 324; III - 131, 170. Hespanha, António Manuel - II 46. Hilton, Rodney - II - 227. Hinojosa - II - 279. Hoguccio - III - 76. Homem, Armando L. Carvalho - III - 98.

Honorigo Honorigues - II - 122, 184. Honório III (papa) - II - 338; III 78, 85, 90, 132. Hugo (bispo do Porto) - II - 162.

Ibn Imran - II - 270. Ibn Zaide - II - 270. Idácio - III - 172. Ilduara Mendez (condessa de Portucale) - II - 142. Inês de Castro - III - 120. Inocêncio III (papa) - II - 334, 335, 351, 356; III - 21, 75, 77, 78, 89, 92, 126, 127, 132, 137, 138, 154. Inocêncio IV (papa) - II - 341; III - 80, 130, 132. Isabel, Santa (rainha de Portugal) II - 296, 344, 347; III - 37, 41, 44, 46, 47, 144, 145. Isidoro de Sevilha, Santo - III 172.

j Jaime II (rei de Aragáo) - III - 37. Joáo II (rei de Portugal) - II - 331. João XXI (papa) - II - 327; III 89. João Anaia (bispo de Coimbra) - II - 97, 162, 184; III - 154. João Anes da Cunha - II - 192. João Anes Redondo - III - 120. João Bolo - II - 191. João da Gaia (escudeiro) - II - 186. João das Leis, mestre - III - 98. João de Biclara - III - 172. João de Deus (mestre) - III - 43, 44, 172. João Dias de Freitas - II - 143. João Fernandes de Cambra - III 107. João Fernandes de Lima Batissela II - 152. João Fernandes de Riba de Vizela II - 135, 136. João Garcia (jogral) - II - 192. João Garcia de Guilhade - II - 191. João Gordo - II - 296.

João Gosendes (ou Godesendes) - II - 95, 149-151, 156, 179, 181, 229; III - 26. João Lourenço (advogado) - III 98. João Martins (chantre de Évora) III - 98. João Martins, frei (bispo da Guarda) - III - 135. João Martins Soalhães (arcebispo de Braga e bispo de Lisboa) - III 135. João Nunes de Cerveira - II 115-117. João Peculiar (arcebispo de Braga) II - 162, 184; III - 47, 89, 154. João Peres (arcediago de Toledo) III - 90. João Peres de Aboim - II - 110, 123, 158, 186, 327, 367; III 34, 35, 85, 87, 98, 140, 143. João Pires (Redondo) - II - 298, 380. João Pires Alprão (chanceler) - III 90. João Pires da Maia - II - 146. João Pires de Vasconcelos, o Tenreiro - III - 92, 93. João Raolis, mestre (deão de Lisboa) - III - 90, 130. João Simão (meirinho-mor) - III 98, 143, 144, 170. João Soares (arcediago de Calahorra) - III - 98. João Soares Coelho - II - 158, 191, 192; III - 120. João Soares de Paiva, o Trovador II - 142; III - 51. João Viegas de Baião, Ranha - II 140. Julião (bispo de Tavira) - II - 264. Julião (deão da Sé de Coimbra) III - 89. Julião Pais (chanceler-mor) - II 97, 347; III - 71, 72, 74, 75, 89, 90, 119. Justa, Santa - II - 265. Justiniano - III - 74.

K Kofman, L. - III - 16.

229

L Lanfranco, mestre — III - 90. Lanhoso, família - II - 124, 135. Lapa, Rodrigues - II - 190, 191. Leão, rei de - II - 286; III - 99, 118, 119, 165. Lima, família - II - 151, 152 , 176; III - 27, 112 . Límia, família. Vd. Lima, família. Lisboa, bispo de - II - 348; III 130. Loba Sarracins Espinha - II - 141. Lobo, família - II - 157. Lopo Afonso Alcoforado —III 120. Lorvao, abade de - II - 95. Losa, António - II - 215. Lourenço Anes Redondo - II - 306, 367. Lourenço Eanes (tabelião de Lisboa) - III - 50. Lourenço Fernandes da Cunha - II - 123, 148; III - 30. Lourenço Martins (cónego de Coimbra) - II - 347. Lourenço Pires Froiaz - III - 143. Lourenço Soares de Riba Douro - II - 138. Lourenço Viegas de Riba Douro, o Espadeiro - II - 138. Lúcio Sarracins Espinha - 1 1 - 1 4 1 . Luís, São (rei de França) - III 130. Lumiares, família - II - 82, 139; III

-

112.

M Machado, José Pedro - II - 270. Mackay, Angus - III - 14. Madreona Viegas - II - 124. Mafalda (rainha de Portugal) - II 97; III - 119. Mafalda, Santa - III - 34, 36, 46. Maia, Clarinda - II - 42. Maia, família - II - 89, 112 , 113, 128, 130, 132, 136, 145-147, 173, 174, 179, 185. Malandain, A. - II - 230. Manços, São (bispo de Évora) - II 265.

230

Manuel Pessanha (almirante) - III 37, 117. Manuel (rei de Portugal) - II - 235. Maravall, José António - III - 168, 171. Maria Aires de Fornelos - II - 144. Maria Fafes - II - 124. Maria Gomes - II - 138. Maria Gonçalves da Palmeira - II 147. Maria Lourenço - II - 122 . Maria Pais Ribeira (a Ribeirinha) II - 152. Maria Pires de Vides, - II - 180. Maria Soares - II - 119. Marinho, família - II - 174; III 40. Marnel, família - II - 149. Marques, A. H. de Oliveira - II 262, 270, 272; III - 15, 19. Marques, Maria Alegria F. - II 238. Marreiros, Maria Rosa - III - 64. Marrocos, emir de - II - 353. Martim Anes de Riba de Vizela - II - 136. Martim Domingues (clérigo) - II 214,347. Martim Esteves de Moles - II 367. Martim Fernandes Cogominho - III - 120. Martim Fernandes de Riba de Vizela - II - 125, 135, 136, 177. Martim Gil de Riba de Vizela - II - 110 , 112 . Martim Gil de Soverosa - II - 144. Martim Martins Zote - III - 120. Martim Moniz de Arouca - II 150, 181. Martim Pires Curvo - III - 120. Martim Pires da Maia, o Jam i - II 135, 146. Martim Pires de Alvim - II - 235. Martim Pires de Oliveira (arcebispo de Braga) - III - 135. Martim Rodrigues (bispo do Porto) - II - 147. Martim Salvadores - III - 119. Martim Sanches (bastardo de D. Sancho I) - II - 146. Martim Vasques de Soverosa - II 144.

Martinho de Soure, São - II - 339. Martinho Geraldes (arcebispo de Braga) - III - 132. Martinho Pais Rebolo - III - 89. Martinho Pires de Oliveira (arcebispo de Braga) - II - 337. Martinho Rodrigues (bispo do Porto) - III - 127. Martins, Oliveira - III - 161. Mateus (bispo de Lisboa e confessor régio) - III - 88, 98, 132, 133, 135. Mateus Martins (bispo de Viseu) III - 133. Matilde (condessa de Bolonha) - II - 334; III - 131. Maurício Burdino (bispo de Coimbra e arcebispo de Braga) - II - 162. Máximo, São - II - 265. Mécia Lopes de Haro - II - 334. Melo, família - II - 155. Mem Afonso de Refojos - 1 1 - 1 2 1 . Mem (ou Mendo) Anaia - II - 97, 184. Mem Cravo - II - 180. Mem (ou Mendo) Fernandes de Bragança - II - 143, 153, 154. Mem (ou Mendo) Gonçalves de Sousa - II - 132, 144. Mem (ou Mendo) Moniz de Riba Douro - II - 126, 139. Mem Pais «Bofinho»*- II - 120. Mem Peres (prior de Moazares) - II - 239. Mem Rodrigues de Briteiros - II 187, 193, 198. Mem Rodrigues de Tougues —II 132, 133, 147. Mem Soares de Melo - III - 98. Mem Soares (juiz) - II - 233. Mem (ou Mendo) Viegas de Sousa II - 130, 131. Mendo (bispo de Lamego) - II 171. Mendo (vassalo do alvasil Sisnando) - II - 178. Mendo, mestre (chantre de Lamego) - III - 90. Mendo Feijão (chanceler) - III - 88, 89. Mendo Fernandes de Marnel - II — 149.

Mendo Gonçalves da Maia - II 89. Menéndez Pidal, Ramón - II - 90; III - 51. Merêa, Paulo - II - 46, 81, 91, 181, 182; III - 151. Midus (alcaide de Besteiros) - II 95. Miguel (mestre-escola de Braga) - III - 90. Miguel Salomão (bispo de Coimbra) - II - 162, 339. Moninha Gonçalves da Maia - II 133. Monio da Biscaia (conde) - II 174, 176. Monio Gasco - II - 174. Monio Osores da Ribeira - II 152. Monio Rodrigues de Arouca - II 141, 184; III - 117. Monio Viegas de Baião - II - 140. Morais, Cristóvão Alão de - II 223. Moreira da Maia, família - II 145. Mor Gomes - II - 126. Mor Martins de Riba de Vizela - II - 135. Mor Pais (condessa) - II - 182. Mor Pais de Bravães - II - 116. Mor Pires de Bravães - II - 116. Mor Urraca - II - 215. Munoz y Romero - II - 279.

N Nazareth, José Manuel - II - 34. Nicolau, frei - III - 133. Nóbrega, família - II - 122 , 123, 176. Nóvoa, família - II - 176; III 112 . Nuno Alvares Pereira, o Santo Condestável - II - 148. Nuno Fernandes (alferes) - II - 144. Nuno Gomes (conde) - II - 140. Nuno Guterres - III - 119. Nuno Martins de Chacim - II 184; III - 107. Nuno Mendes (conde de Portucale) - II - 86, 118, 119.

231

Nuno Pais «Vida» - II - 120. Nuno Soares de Grijó - II - 152, 229; III - 26. Nuno Soares Velho - II - 93, 117. Nuno Vasques de Celanova (conde) - II - 126, 128.

O Odório Mendes de Moles - II 120. Oliveira, António Resende de - II 184, 196. Oliveira, Ernesto Veiga de - II - 37, 39. Oliveira, família - II - 157. Oliveira, Miguel de - II - 237. Ónega Mendes - II - 118. Ourigo, o Velho - II - 122. Ourigo Ourigues. Vd. Honorigo Honor igues. Ouroana Mendes de Riba Douro II - 125. Oveco Garcia de Cete - II - 142.

P Paio (bispo de Évora) - II - 171, 339. Paio (chanceler) - III - 88. Paio, mestre (chantre do Porto) - III - 89, 90. Paio Curvo - II - 12 1 . Paio de Coimbra, frei - II - 339; III - 43. Paio de Compostela (arcediago) - III - 171. Paio Delgado - III - 89. Paio Godins - II - 119. Paio Guterres (alcaide de Leiria) - II - 118, 122 , 148. Paio Guterres («vigário» de Afonso VI) - II - 170. Paio Guterres da Cunha - II - 118, 180. Paio Guterres da Silva - II - 115, 118, 119, 122 , 123, 148. Paio Guterres de Froiao. Vd. Paio Guterres da Silva. Paio Honoriques - II - 184. Paio Mendes (arcebispo de Braga) II - 117, 132, 162.

232

Paio Moniz da Ribeira - II - 152. Paio Pais - II - 118. Paio Pais da Silva, o Caminhão - II - 97, 118, 179. Paio Peres (miles de D. João Peculiar) - II - 184. Paio Peres Correia - II - 351. Paio Peres de Paiva, o Romeu - II 141. Paio Pires de Riba de Vizela - II 135. Paio Soares da Maia - II - 133. Paio Soares de Grijó - II - 151. Paio Soares de Paiva, o Romeu - II - 142. Paio Vasques de Braváes - II - 114, 116. Paiva, família - II - 126, 141, 142, 149, 175. Palmeira, família - II - 135, 145, 147. Pastor de Togneri, Reyna - II 228, 229, 233, 280, 281; III 14, 16-18. Paterno (bispo de Coimbra) - II 265. Pedro (bispo de Braga) - II - 162. Pedro (chanceler) - III - 88. Pedro (conde de Barcelos) - II 110 , 140, 176, 187, 188, 192, 198, 347; III - 44, 50, 52, 144, 170. Pedro (filho de Gomes Nunes de Pombeiro) - II - 128. Pedro (rei de Portugal) - III - 48. Pedro, mestre (deão) - III - 98. Pedro Afonso (eremita) - II - 126. Pedro Aires Gravei - II - 116. Pedro de Compostela, mestre - II — 327. Pedro Domingues (clérigo) - II 347. Pedro Eanes Alvelo - III - 93. Pedro Feijão (chanceler) - III - 88. Pedro Fernandes de Bragança - II 153. Pedro Fernandes de Castro - II 179; III - 117. Pedro Ferreiro (besteiro régio) - III - 119. Pedro Forjaz de Trava (conde) - II - 12 1 , 127, 152, 179.

Pedro Fromarigues de Riba de Vizela - II - 134. Pedro Hispano - II - 271, 338; III - 89, 132, 172. Pedro Juliao - III - 89, 172 . Pedro Martins (chanceler e bispo de Coimbra) - III - 90. Pedro Martins (tabelião de Leiria) III - 49. Pedro Nunes Velho - II - 117. Pedro Ourigues - 1 1 - 1 2 3 . Pedro Pais de Paiva, o Saído - II 141, 184. Pedro Pires de Riba de Vizela - II 135. Pedro Pitões (bispo do Porto) - II 162. Pedro Ponces de Baião - III - 34. Pedro Ponces de Cabreira - II 152. Pedro Rabaldes (bispo do Porto) - II - 162. Pedro Rodrigues de Pereira - II 147. Pedro Roxo (chanceler) - III - 88. Pedro Salvadores (bispo do Porto) III - 130. Pedro Sénior (bispo do Porto) - II 162. Pedro Velho, - II - 117. Penagate, família - II - 123. Pereira, família - II - 145, 147, 158, 176; III - 27, 112 . Pérez de Tudela, M. Isabel - II 87, 88, 99. Pêro Afonso Ribeiro - III - 98. Pêro Anes Coelho - III - 120. Pêro Anes da Nóvoa - III - 31, 84-85, 90. Pêro Anes de Portei - III - 52, 143. Pêro d’Espanha - II - 193. Pêro Esteves - III - 98. Pêro Galego - II - 193. Pêro Galinha - II - 193. Pêro Garcia - II - 193. Pêro Martins Pimentel - III - 43. Pêro Mendes de Azevedo - II 12 1 . Pêro Mendes - III - 119. Pêro Pais da Maia (alferes) - II 146. Pêro Pais da Silva, o Escacha - II 120.

Pêro Pais de Albergaria - III - 89. Pêro Salgado - II - 346. Pêro Viegas de Baião, Pai - II 140. Pestana, família - II - 157. Pimenta, Alfredo - II - 19. Pimentel, família - III - 113. Pinto, Adelina A. - II - 42. Ponço Afonso de Baião - II - 135. Ponço da Cabreira (conde) - II 152. Porto, bispo do - III - 33, 122 . Portocarreiro, família - II - 142, 155, 174. Portucale, condes de - II - 145. Pradalié, Gérard - II - 179, 263. Propp, Vladimir - II - 132.

R Rabaldes, família - II - 156. Raimundo (conde) - II - 130; III 152. Raimundo Pais de Riba de Vizela II - 135. Raimundo Pires de Riba de Vizela II - 135. Ramirões, família - II - 118, 145, 148; III - 27. Ramiro II (rei de Leão) - II - 174, 177. Ramiro Gonçalves - III - 26. Ramiro Pais da Cunha - II - 148. Ramón Berenguer (conde de Barcelona) - II - 129. Ramos, Rui - II - 36. Randulfe, família - II - 156. Rasis (geógrafo) - II - 254, 271. Rasis - III - 170. Rau, Virgínia - II - 242, 379. Rebolo, família - II - 157; III - 89. Refojos de Lima, senhores de - II 156. Riba de Vizela, família - II - 125, 134-136, 146, 175, 177; III 112 . Riba Douro, família - II - 112, 113, 136, 137, 141, 142, 149, 150, 161, 175, 177; III - 1 1 1 , 112 , 116. Ribeira, família - II - 152, 176; III - 27, 112 .

233

Ribeiro, família - II - 125. Ribeiro, Orlando - II - 20, 31, 32, 41, 42, 43, 69, 154, 251; III 159-161. Ricardo Guilherme (chantre de Lisboa) - III - 98. Rio Tinto, família - II - 145. Rodrigo (mordomo de D. Henrique, infante de Castela) - II - 190. Rodrigo (ou Rui) Anes Redondo III - 98, 143. Rodrigo Fernandes - II - 152. Rodrigo Forjaz de Leão - II - 108; III - 31. Rodrigo Forjaz de Trava ou Trastâmara - II - 12 1 , 132-134, 147; III - 173. Rodrigo Gonçalves de Pereira - II 147. Rodrigo Martins (porteiro) - III 119. Rodrigo Mendes de Bragança - II 184. Rodrigo Peres Veloso (conde de Toronho) - II - 152, 184. Rodrigo Sanches - II - 152. Rosário, frei António do - II - 239. Rosendo, São - II - 241; III - 172. Rowland, Robert - II - 34. Rufo Festo - III - 172. Rui Dias de Urro - II - 143. Rui Gomes de Briteiros - II - 180. Rui Martins - III - 98. Rui Mendes de Bragança - II 153. Rui Peres (sobrejuiz) —III - 87. Russel, J. P. C. - III - 17.

S Sampaio, Alberto - II - 200, 237. Sancha Bermudas de Trava - II 138. Sancha Henriques - II - 128, 153. Sancha Henriques de Portocarreiro II - 142. Sancha Martins de Riba de Vizela II - 135. Sancha Pais - II - 121. Sancha Peres - III - 119.

234

Sancha Pires de Belmir - II - 143. Sánchez-Albornoz, Cláudio - II 87, 90, 233, 262, 279, 280; III 14. Sanchis, Pierre - II - 242, 330. Sancho (infante; futuro D. Sancho I) - II - 132; III - 85. Sancho I (rei de Portugal) - II 80, 96, 97, 115, 117, 122 , 132, 135, 144, 147, 148, 152 , 153, 156, 177, 204, 220, 241, 275, 327, 334; III - 51, 62, 69-72, 85, 89, 91, 95, 96, 105, 112 , 113, 117, 118, 119, 122 , 127, 128, 135, 137, 156, 166, 168. Sancho II*(rei de Portugal) - II 64, 141, 142, 144, 158, 180, 187, 204, 205, 260, 298, 334, 344, 347, 348, 358; III - 31, 44, 63, 76, 78, 80, 82, 85, 87, 90, 93, 102, 107, 112-114, 118, 119, 122, 130, 134, 138, 139, 163, 169. Sancho Nunes de Barbosa (ou de Celanova) - II - 126-129, 153. Sá Nogueira, Bernardo - III - 50. Santo Condestável. Vd. Nuno Alvares Pereira, o Santo Condestável. Santos, Cândido dos - II - 80. Sarracino Viegas, o Espinha - II 141; III - 117. Sebastião (rei de Portugal) - III 70. Senhorinha de Basto, Santa (abadessa) - II - 130, 241. Sérgio, António - III - 161. Serra, Pedro da Cunha - II - 272. Sigurd (príncipe da Noruega) - II 264. Silva, família - II - 115-117, 12 1 , 123, 148, 156, 176; III - 111. Silvestre Godinho (arcebispo de Braga) - II - 338; III - 89. Silvestre Pires - II - 351. Simão Nunes de Curutelo - II -

. 117‘

Sisenando, São - II - 265. Sisnando (bispo do Porto) - II 136. Sisnando Davides (alvazil de Coimbra) - II - 118, 178, 179, 181, 263.

Soares, Luís Ribeiro - III - 89. Soares, Torquato de Sousa - II 75, 233, 237, 279, 280, 287. Soeiro (bispo de Lisboa) - II - 338; III - 130. Soeiro Aires de Valadares - II 114, 116. Soeiro Dias de Cete - II - 143. Soeiro Fromarigues de Grijó - II 150, 151; III - 26. Soeiro Galindes - II - 120, 182. Soeiro Gomes, frei - III - 77, 128. Soeiro Gueendes (ou Gueedaz) da Várzea - II - 120, 182. Soeiro Guterres - II - 118, 123. Soeiro Mendes da Maia I, o Bom II - 118, 130, 133, 146, 179-182. Soeiro Mendes da Maia II —II — 146. Soeiro Mendes da Maia - III - 116. Soeiro Mendes de Sousa, o Grosso II - 131, 132, 135; III - 112 , 166. Soeiro Mendes de Tougues, o Mãos dÁgua. Vd. Soeiro Mendes Facha. Soeiro Mendes Facha - II - 108, 133, 134. Soeiro Nunes Velho II - II - 116. Soeiro Pais de Paiva, o Mouro - II 141-143. Soeiro Pires da Silva, o Escacha - II - 135. Soeiro Pires de Azevedo - III - 34. Soeiro Pires de Valadares - II - 184. Soeiro Viegas de Riba Douro - II 138. Sousa, família - II - 89, 112 , 126, 128-130, 132, 134, 136, 144, 149, 175, 185, 343; III - 27, 1 1 1 , 112 , 124. Soverosa, família - II - 143, 144, 176, 177; III - 27, 112 .

T Tancredo, mestre - III - 77. Tavani, Giuseppe - II - 242. Telo, frei (arcebispo de Braga) - II 344; III - 135.

Telo (fundador de Santa Cruz de Coimbra) - II - 339. Teotónio, São - II - 264, 265, 339; III - 153. Teresa (condessa de Portugal) - II 114, 12 1 , 123-125, 131, 140-142, 147, 149, 176; III - 26, 112, 116, 152, 153, 171, 173. Teresa (rainha de Leão) - II - 96, 334; III - 119, 165. Teresa Afonso (infanta) - II - 119, 129. Teresa Afonso das Astúrias - II 137. Teresa Anes de Valadares - II - 116. Teresa Martins de Riba de Vizela II - 108, 135, 146. Teresa Rabaldes - II - 151. Toda Viegas de Arouca - II - 140, 141, 184, 229. Tougues, família - II - 128, 132, 177. Trastâmara, família - II - 194; III 52, 170. Trava, condes de - II - 174, 176. Trava, família - II - 116, 127, 176; III - 112 . Trutesendo Galindes de Paiva - II 119, 141. Trutesendo Guterres de Moreira da Maia - II - 150, 229; III - 26. U Uffo Belfager - II - 112. Urgeses, família - II - 155. Urraca (rainha de Leão e Castela) II - 124, 125, 127, 334; III 116. Urraca de Castela (rainha de Portugal) - II - 334; III - 127, 167. Urraca Fernandes de Lumiares - II 108. Urraca Mendes de Bragança - II 143. Urraca Mendes de Sousa - II - 125. Urraca Rabaldes - II - 122, 148. Urraca Viegas de Riba Douro - II 129; III - 119.

235

Urro, família - II - 142, 143, 145. Uzberto, família - II - 156.

V Valadares, família - II - 114, 176; III - 27. Valdeavellano, L. G. de - III - 67. Van Bath, Slicher - II - 301. Varela, família - II - 135. Várzea, família - II - 140. Vasco, frei (bispo da Guarda) - II 344; III - 135. Vasco (conde) - II - 179. Vasco Afonso (cavaleiro) - III - 87. Vasco Fernandes de Soverosa - II 144. Vasco Lourenço Magro - III - 120. Vasco Martins (bispo do Porto e de Lisboa) - II - 347. Vasco Martins Pimentel - III - 120. Vasconcelos, família - II - 155, 174; III - 113. Vasconcelos, José Leite de - II 264. Vasco Nunes de Bravaes - 1 1 - 1 1 4 . Vasco Pires de Bragança, Veirão - II - 153. Vasco Sanches de Barbosa - II 129. Vataça - III - 38, 41, 46.

236

Velasquida Rodrigues - II - 121. Velho, família - II - 116, 117, 120; III - 27. Veloso, família - II - 194. Ventura, Leontina - II - 184. Veríssimo, São - II - 265. Vicente Anes César - III - 98. Vicente Hispano. Vd. Vicente, Mestre. Vicente, mestre (bispo da Guarda) II - 338. Vicente, mestre (chanceler e bispo da Guarda) - III - 76, 77, 79, 89-91, 130, 172. Vicente, São - II - 265, 327, 339. Vigil, Marcelo - II - 229. Vivaldo - III - 34.

X Ximena Fernandes - II - 183. Xira, família - II - 157.

Y Yaqub Almançor - II - 122, 255, 263, 275.

Z Zamora, bispo de - III - 171. Zote, família - II - 117.

Fig. 1 Relevo

Extraído de Orlando Ribeiro, 1967

Fig.2

Idade média do casamento feminino em 1878

Extraído de R. Rowland, 1984

Fig.3

Tipos de arados

Extraído de J. Dias, 1982

Fig.4

Tipos de barcos

Extraído de O. Lixa Figueiras, 1970

Fig.5 Fronteiras linguísticas

Extraído de L. F. Lindley Cintra, 1983

Fig.6

Terras e julgados segundo as inquirições de 1220

1. Termo de Guimarães 2. Terra de Penafiel de Bastuço 3. Terra do Prado 4. Terra do juiz de Bouro 5. Terra de Penela 6. Terra de Neiva 7. Terra de Faria 8. Terra de Anóbrega

9. Terra 10. Terra 11. Terra 12. Terra 13. Terra 14. Terra 15. 16. Terra

de de de de de de

Panóias Agilar de Pena Agilar de Riba Lima Ponte (de Lima) Santo Estêvão Monte Longo T erradeC elorico (ou termo) de Lanhoso

17. Termo de Vieira 18. Penafiel de Soaz 19. Termo de S. João de Rei 20. Julgado de Pedralvar 21. Julgado de Travassos 22. Santa Cruz de Sousa 23. Terra de Santa Maria de Gestaçô 24. Terra de Vermoim

25. Termo 26. Termo 27. Termo 28. Termo 29. Termo 30. Termo

do Couto de Braga do Castelo de Refojos de Ferreira Aguiar de Sousa de Felgueiras de Lousada

Fig.7 Julgados a norte do Douro em 1258

1. Prado 2. Neiva 3. Aguiar 4. Geraz 5. S. Martinho e Ponte de Lima 6. Correlhã 7. S. Estêvão 8. Souto e Rebordões 9. Caminha 10. Cerveira H .F ra iã o 12. Pena da Rainha 13. Valadares 14. Valdevez 15. Penela

16. Anóbrega 17. Bouro 18. Entre Homem e Cávado 19. Regalados 20. Lalim 21. Vila Chã 22. Bouças 23. Maia 24. Gondomar 25. Refojos 26. Louzada 27. Felgueiras 28. Aguiar de Sousa 29. Penafiel 30. Portocarreiro

31. Santa Cruz 32. Montelongo 33. Travassos 34. Vermoim 35. Meires 36. Amarante 37. Celorico de Basto 38. Cabeceiras de Basto 39. Freitas 40. Vila Boa de Guilhofrei 41. Guimarães 42. Benviver 43. Canaveses 44. Soalhães 45. Baião e Penaguião 46. Barqueiros

47. Mesão Frio 48. Penaguião 49. Panóias 50. Miranda e Ledra 51. Ansiães 52. Vilarinho 53. Valariça 54. Mós 55. Urros 56. Freixo de Espada à Cinta 57. Mogadouro 58. Penarroia 59. Ulgoso 60. Bragança 61. Jales

62. Murça 63. Alijó 64. Abreiro 65. Lamas de Orelhão 66. Vinhais 67. Rio Livre 68. Montenegro 69. Aguiar de Pena 70. Faria 71. Penafiel de Bastuço 72. Couto de Braga 73. Lanhoso 74. S. João de Rei 75. Penafiel de Soaz 76. Vieira 77. Barroso

N.B. Os limites dos julgados de Trás-os-Montes têm um traçado aproximativo, porque se baseiam apenas na identificação de algumas freguesias. A sul do Douro os inquiridores raramente indicam as terras ou julgados a que pertencem os lugares inquiridos. Por isso não foi possível traçar os seus limites.

Fig.8

Principais estradas, castelos, solares e mosteiros de Entre-Douro-e-Minho

C a stelos 1. Pena da R ainha 2. Froião

16.V e rm o im 17. C a ste lo da M aia

9. Freitas 10. B e lm ir

9. M anhen te 10. V ila r de Frades

25. S o alhães 26. Tuias

18. Penafiel de B a stuço

11. Urrô

11. Refojos do Lim a

27. A rouca

3. C e rveira

19. Santo Estêvão

12. So vero sa

12. R endufe

4. M elga ço

20. Neiva

13. Baguim

13. Bouro

28. C á rqu ere 29. S alzedas

5. S. M artin ho

21. Faria

14. P alm eira

14. Fonte A rcada

30. Tarouca

6. A boim

22. Feira

15. C unha

15. Refojos de Basto 16. Travanca

31. Cete

7. Bouro 8. Lan hoso

Torres e solares 1. S. Julião da Silva

1. Bravães

17. P om beiro

9. C e lo rico de B asto

2. A zevedo

2. S a nfins de Friestas

18. V ieira

3. Parada 4. Penagate

3. Ganfei

19. R efojos de Riba d ‘Ave

4. B arbudo

20. S a nto Tirso

5. C a rvoe iro

2 1 .V a irã o 22. V ila Boa do B ispo

7. Lum iares

6. S. S a lvado r d a Torre 7. S. R o m ão do Neiva

8. P o rtocarre iro

8. V á rzea

10. A g u ia r de Sousa 11. M onte C ó rdova 12.Baião 13. C a stelo de Paiva 14. B e nviver 15. G uim arães

5. Tougues 6. Faia

M osteiros

23. Paço de Sousa 24. Pendorada

32. M oreira da M aia 3 3 . Leça 34. Rio T into 3 5 . Landim 36. Tibães 37. V ilela 38. G rijó 39. Pedroso

Fig. 9

Domínios de Egas Moniz

1. 2. 3. 4. 5. 6.

Honra Honra Honra Honra Honra Honra

de Tarouquela de Santa Eulália de Alvarenga de Resende de Britiande de Lalim

7. Honra de Figueira 8. Honra de Argeriz 9. Couto de Lumiares 10. Honra de S. João de Pendilhe 11. Couto de Mões 12. Couto de Moledo

13. Honra de Pendilhe 14. Honra de Vila Cova 15. Honra de Caria 16. Honra de Fonte Arcada 17. Couto de Tuias 18. Couto de Canaveses

19. Honra de Moázeres 20. Honra de Canelas 21. Honra de Entre-os-Rios Segundo A. Fernandes, 1978, pp. 117,144-145

Fig. 10 Fundações Monásticas

Fig. 11 Apresentação de igrejas na arquidiocese de Braga

N.B.: Algumas das localizações, sobretudo em Trás-os-Montes e Alto Douro, são aproximadas. Extraído de M. Alegria F. Marques, 1990, p. 377.

Fig. 12 Emprazamentos: Porções cobradas pelos senhorios

Extraído de R. Durand, 1982a

Fig. 13

Domínios do Mosteiro de Tarouca

Fig. 14

Localidades mencionadas na lei de 1290 sobre os tabeliães

Extraído de Oliveira Marques, 1980.

Fig. 15

Centros urbanos e aglomerados

Fig. 16A

Concelhos «urbanos»

Segundo T. de Sousa Soares, in DHP, I, p. 652

Fig. 16B Concelhos «rurais»

Segundo T. de Sousa Soares, in DHP, I, p. 652

Fig. 17

Concelhos do Centro e Sul e domínios das Ordens Militares

Fig. 18 Rede viária romana e medieval

Fig. 19

Itinerários régios Fluxo das ligações

Fig. 20 Sinais de validação

1. Sinais do imperador

9. Sinal de Afonso

Afonso VI, do conde

Henriques em documento

D. Raimundo e da rainha

de 1134 (DR 137).

D. Urraca em documento de 1106. 2. Sinal do conde D. Henrique em documento de 1096. 3. Sinal do conde D. Henrique em documento de 1110 (DR 17). 4. Sinal de D. Teresa em documento de 1117 (DR 48). 5. Sinal de D. Teresa em documento de 1126 (DR 73). 6. Sinal de D. Teresa em documento de 1128 (DR81). 7. Sinal de Afonso Henriques em documento de 1129 (DR 101). 8. Sinal de Afonso Henriques em documento de 1132 (DR 123).

10. Sinal de Afonso Henriques em documento de 1142 (DR 192). 11. Sinal de Afonso Henriques em documento de 1144 (DR 206). 12. Sinal de Afonso Henriques em documento de 1153(DR 242). 13. Sinal de Afonso Henriques em documento de 1169 (DR 294). 14. Sinal de Afonso Henriques em documento de 1184 (DR 355). 15. Sinal de Sancho I em documento de 1189 (DS41). 16. Sinal de Sancho I copiado no livro II das Doações de Afonso III, f. 13 v2.

Fig. 21A

Fig. 21B

Estratégia matrimonial da nobreza (Século XI)

Estratégia matrimonial da nobreza (Século XII)

2

2

1 2 3 4 5 6 7 8 9

1011121314151617181920212223242526272829303132

8

2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32

i 1 Q 8 8 3



8



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Fig. 21C Estratégia matrimonial da nobreza (Século XIII) 2

1 2 3 4 5 6 7 8 9

2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 i| 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 _ 8 24 25 À 26 27 28 29 30 31 32

1011121314151617181920212223242526272829303132 8 8 □

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2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32

1 2 3 4 5 6 7 8 9 101112131415161718192021222324 2526Z72B2930 3132 ■ ■ ■

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Primogénito ou chefe de linhagem Filho segundo ou colateral Bastardo Origem duvidosa (primogénito) Origem duvidosa (filho segundo)

Famílias da corte 1. Barbosa 2. Sousa 3. Riba de Vizela 4. Soverosa 5. Límia 6. Ribeira 7. Trava 8. Família real e bastardos régios Linhagens 9. Riba de ouro 10. Paiva 11. Paiva 12. Tougues 13. Maia 14. Bragança Sul do Ave 15. Pereira 16. Portocarreiro

17. Briteiros 18. Cête-Urrô Lima/Ave 19. Silva 20. Velho 21. Azevedo 22. Lanhoso 23. Guedões 24. Ramirões Minho/Lima 25. Valadares 26. Bravães 27. Cerveira 28. Refojos de Lima 29. Nóbrega 30. Bouro e Penagate Sul do Ouro 31. Marnel 32. Grijó

Fig.22

Centros urbanos

Centros urbanos

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3 Lisboa Santarém Guimarães Bragança Coimbra Évora Guarda Covilhã Ponte de Lima Trancoso Lamego Latões Leiria Alenquer Torres Vedras Óbidos Torres Novas Eivas Estremoz Viseu Ourém Montemor-o-Novo Abrantes Porto Braga Beja Portalegre Silves Loulé Faro Tavira

21 15 7 6 5 5 5 5 4 4 3 3 3 3 3 3 3 3 3 2 2 2 2

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24 15 6 4 7 4 9 12 1 9? 3? 3 56 4 4 3 4 4? 3?

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2000 1440 715 450 330 480 450 450 185 200 150 100 300 120 150 135 120 150 200 140 45 120 150

i 6005 8860 3845 560 3320 1434 235 1145 120 645 395 740 2400 3555 1700 1900 2185 2795

Conventos

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7 4 2 1 6 2 1 1

1065 830 970

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60 64 4

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37 12 14 2

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27 27 11 1 26 4 4

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180 3897 461

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3 4 8

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6 3 1

7 2 9 4 1

2

1

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1 Do rendim ento das igrejas excluiu-se o das sés catedrais e o dos m osteiros m ais im portantes, com dom ínios m uito extensos fora do aro urbano. D eve-se notar que o os dados fornecidos no texto publicado p or Fortunato de Alm eida sobre cópia do século xvm nem sem pre m erecem confiança: Fortunato de A lm eida, 1 23 1 971, v. iv, pp. 90-143. 7 6 5 4 2 O s casos duvidosos, assinalados por um ponto de interrogação, referem -se aos centros em que a distinção entre igrejas do espaço urbano e do espaço rural é duvidoso. 3 Judiarias m encionadas em M. J. Pim enta Ferro, 1979, anteriores ao fim do século XIV, m as cujo aparecim ento ela não data. Podem , portanto, se r posteriores a 1325. 4 Fonte: A. H. de O liveira M arques, 21980, pp. 51-92 5 Fonte: J. J. Alves Dias, 1980, pp. 473-516. 6 Igrejas m encionadas em TT, Santa C ruz de C oim bra, m. x x i, doc. 48, de 1211, e que não constam da lista de 1320 p or pertencerem ao m osteiro de Santa C ruz de C oim bra. 7 Fonte: V. Rau (dir.), 1962, pp. 15-91.

Fig.23 Aumento da população urbana

Número de igrejas de Lisboa e de Santarém (1147-1260) Fontes: para Lisboa: G. Pradalié, 1975, p. 143. para Santarém: R. de Azevedo, 1937, p. 49.

Fig.24 Prazos perpétuos e em vida