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Portuguese Pages 460 Year 1959
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3
8
HISTÓRIA
DA INGLATERRA
OUTRAS
TRADUÇÕES DE CARLOS DOMINGUES EDIÇÕES PONGETTI
HFernann
Franz
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Blei
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Danton.
Talleyranad.
trrancis
Fackeit
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Bernhori
Luca
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VIII.
Vaticano.
Tratado
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E.
PARA AS
Contas
Escrituração
(1944).
e Ironia.
Terra
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e da
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16
Fernandes).
Povo.
palestras
(Em
colaboração
con:
HISTÓRIA DA INGLATERRA por
ANDRE
MAUROIS
iradução de CARLOS DOMINGUES
AO
IRMÃOS
RVo g TS DA
É PONGETTI RIO
DE
EDITORES
JANEIRO
1959
Nota
'LIMÍNAR:
seasesssenseasena esa leio ereto o aaa are OZ
LIVRO
As I —. Posição TI —- Os
III:
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v —
da
Inglaterra
primeiros
Os: Celtas; A
Conquista
Fim
da
sinais
A
a O
I
Origens
ssa ovo cafe oie ioro a tolo vloa lo cio tolo sleloís a
humanos
Rss.
|ojrs colo pao po olona asno Nie asoefasa jalaiplalo vero viro [efe ato latéio Esso Romaria
Inglaterra
nooto pa a ar ta or a ao
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ataioroço to io pioio ooo a a atalo io
Soa
VI-— Aneglos; Jutos' e Sax0es
RETS
89
FRANCESES
VI. — Quando morreu o Arcebispo Teobaldo, Henrique II decidiu dar a sé de Canterbury a Becket. Os monges e os bispos, 20s quais cabia a eleição, resmungaram um pouco; Becket não era monge e parecia mais soldado do que padre. Õ próprio Chanceler, mostrando ao Rei as suas vestes de leigo, disse rindo: “Escolheis um traje muito bonito para o colocardes a frente dos vossos monges de Canterbury!” E depois de haver tanto tempo de pouco odiareis dentro aceitado: “Vós me nos negócios da Igreja arrogais quanto me amais, pois vos que não aceito. O Arcebispo de Canterbury uma autoridade terá de ofender a Deus ou ao Rei.” E caso notável o desse grande senhor temporal que, uma vez arcebispo, se torna um asceta. De então em diante êle dedicará todo o seu tempo às obras pias e a oração. Quando morrer, acharão no seu corpo um cilício e as cicatrizes da disciplina. A sé de Canterbury, que já fizera do suave Anselmo um arcebispo militante, fez do Chanceler Becket, servidor do Rei, um rebelde e depois um santo. Parece, quando se lê a vida de Becket, que êle procurou ser sucessivamente o perfeito ministro, depois o perfeito homem de Igreja, tais como os teria podido imaginar o observador mais exigente. Atitude em que se confundem os escrl= pulos
e o orgulho.
VII. — Entre o Rei e a Igreja, o tema do debate já não era a questão das Investiduras, mas a questão, aliás análoga, das côrtes eclesiásticas. Quando o Conquistador e Lanfranc tinham separado côrtes civis e côrtes religiosas, quiseram reservar a estas últimas só os casos de consciência. Mas a
pouco
Í
|
| |
|
e pouco
a Igreja
fizera,
de
todos
os
processos,
questões
religiosas. Violava-se uma propriedade? Era um perjúrio, caso de consciência. Os acusados não pediam senão para recorrer a essa Jurisdição, mais branda que a do Rei, e que não condenava nem à morte, nem à mutilação. até raramente à prisão, por falta de locais, mas à penitência ou à multa. Os clérigos não dependiam senão dos tribunais da sua ordem. Por Isso, um clérigo assassino saía-se quase sempre sem dificuldade. Situação grave “num tempo em que todo escrevente de notário era um clers, clérigo, no sentido religioso do termo”. Nada mais fácil para um rapaz perverso que entrar nas ordens menores e escapar às leis do pals. Demais, a Córte de Roma PeSCrvava-se o direito de avocar Lod o processo eclesiásLico e as multas escapavam então no hrário . Se essa ingerência
nos negócios clvis não Uvesse sido reprim ida, em breve o Rel de Inglaterra já nho teria atdo sonhor em sua casa. Hen-
rique TI pediu que um clérigo reconhecido culpado por uma córte celeslástica fôsse degradado, Depois do que, tendo voltado a ser leigo, poderia ser entregue ao braço secular. Tomaz Tecusou, dizendo que um acusado não pode ser punido duas vêzes por um crime s4, O Rei, furioso, convocou um concílio em Clarendon e aí, sob ameaça de mor te, Becket assinou as Constituições de Clarendon, que davam a vitória ao Rei. O
S6
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
Arcebispo, porém, não se considerou obrigado por um juramento prestado sob coação. O Papa Alexandre desligou-o. Condenado por uma côrte de barões, o Arcebispo, orgulhoso. com o báculo na mão, vencido mas não domado, deixou a Inglaterra e, de Vézelay, onde se refugiou, começou a lançar excomunhões contra os seus inimigos. VIII. — Por mais poderoso que fôsse Henrique II, não o era bastante para se expor impunemente a uma excomunhão, nem para se arriscar a ver O seu reino posto em interdito pelo Papa, isto é, o seu povo privado dos sacramentos. Numa época de fé universal, a reação popular teria podido varrer a dinastia. Um acôrdo, porém, era difícil. O Rei não podia sem humi-
lhação
renunciar
o
convênio
de
Clarendon;
o
Arcebispo
recusava-se a reconhecê-lo. Enfim, Henrique II encontrou-se com Beckett em Freteval, reconciliou-se aparentemente com éle e pediu-lhe somente que jurasse respeitar para o futuro os costumes do reino. Mas, apenas tinha Becket desembarcado na Inglaterra, cnegavam-lhe, a seu pedido, cartas do Papa que destituiam os bispos que, durante a desgraça do seu Arcebispo, tinham traido a êste. Ora, era uma das leis estabelecidas pelo Conquistador que nenhum súdito tinha o direito de corresponder-se com o Papa sem autorização real. O Rei soube da notícia enquanto festejava o Natal nas vizinhanças de Lisieux. Entrou em grande fúria: “Os meus súditos” disse êle,
“são
covardes
e homens
sem
coração.
Não
observam
a fé que
devem ao seu senhor; permitem que eu me torne o escárnio de um clérigo de ruim ascendência.” Quatro cavaleiros que ouviram essa fala sairam sem dar palavra, atravessaram a Mancha no primeiro barco que acharam e, chegados a Canter-
o
E ——
O
me
bury, ameaçaram o Arcebispo: “Absolve os bispos”, disseramlhe. Becket, prelado e soldado, respondeu com desdem e coragem. Pouco depois o seu cérebro, derramado pelas espadas, manchava os degraus do altar. IX. — Quando o Rei soube dêsse crime, ficou tão desesperado que se encerrou durante cinco semanas. Era bastante inteligente e por isso compreendia que a morte de Becket era para Roma uma imensa vitória moral. O povo, que teria hesitado entre o Rei e o Arcebispo vivo, tomou sem reserva o partido do martir. Durante três séculos, a peregrinação a Canterbury foi um dos traços permanentes da vida inglesa. Todos
os inimigos do Rei, estimulados, puseram-se de pé. Para acudir ao mais urgente, éle acalmou o Papa renunciando as Constituições de Clarendon; depois jurou restituir à sé de Canterbury os bens confiados, mandar dinheiro aos Templários para a defesa do túmulo de Cristo, construir mosteiros (foi assim, entre outros, que foi edificado o Newstead dos Byrons) e enfim combater os Irlandeses cismáticos. Mas até sua mulher
e seus
bem
filhos
seus
revoltaram-se
filhos.
Ainda
em
contra
vida,
êle. Tinha,
fizera
contudo,
coroar
o mais
tratado
velho,
OS Henrique,
a
herança
Rei
FRANCESES
da Inglaterra,
materna:
que cedessem
ambos frente
REIS
alguns
e atribuira
Aquitânia
castelos
e
Poitou.
ao irmão
ao
87
segundo,
Quando
mais
Ricardo,
lhes
pediu
moço, João,
recusaram e, impelidos por Eleonora, puseram-se à de uma liga dos nobres contra o pai. Depois de duas
gerações
recomeçavam
os Ódios
de família na
casa de Anjou.
Esses Plantagenetas tinham todos alguns talento, mas vinham do Diabo e voltavam ao Diabo. Henrique II, nesse perigo, mostrou a sua energia. Do Continente, onde se achava, regressou
precipitadamente
sembarcando,
à Inglaterra
passou
at
giu-se a pé ao túmulo
por
para
Canterbury,
de Tomaz
dominar desceu
a
do
revolta. cavalo,
De-
diri-
e, depois de ter ficado muito
tempo em oração, despojou-se das suas vestes e mandou que setenta monges lhe infligissem a disciplina. Depois disso, triunfou por tôda parte; a nobreza cedeu; seus filhos renderamlhe homenagem. Logo que tudo reentrou na ordem, foi regulada amigavelmente a questão das córtes eclesiásticas: os clérigos acusados de traição dependeriam das côrtes civis: os que só eram acusados de felonia (assassínios menores ou roubos), das córtes eclesiásticas. Solução imperfeita, pois, durante muito tempo, súditos ingleses culpados de homicídio ou de roubo iam pleitear o “benefício do clero”. Para chegar a êsse compromisso coxo, os dois homens mais notaveis da época tinham estragado duas, vidas e uma amizade,
V
HENRIQUE II ADMINISTRADOR. JUSTIÇA E POLÍCIA 1. — E” traço essencial da história da Inglaterra que, desde o tempo de Henrique II, está feita à unidade do reino, A obra dos reis fôra mais fácil do que na França. Graças ao Conquistador, nenhum grande senhor inglês é soberano de província que tenha as suas tradições próprias, a sua história , o seu orgulho. O país de Gales e à Escócia, que teriam sido difíceis de assimilar, ainda não estão anexados. Sendo menor O território total, qualquer rebelde pode ser alcançado rápida -
mente.
A Igreja
parece,
pelos
fins
do
reinado,
submetida
ao
Rei, que fiscaliza tôdas as comunicações do clero com Roma, exerce vigilância sôbre a escolha dos bispos e, com paciência infinita, se esforça a fim de reconciliar os monges de Canterbury e os bispos do reino, que disputam entre si à eleição do Arcebispo. Éste último está agora à sua disposição. “Creio” escreve com despeito um cronista eclesiástico, “que o Arcebispo nada faria sem ordem do Rei, ainda que o apóstolo Pedro viesse à Inglaterra para lho pedir.” Afinal, um século após a conquista, a fusão dos vencedores e dos vencidos é completa, “a tal ponto que é quase impossível distinguir entre os homens livres quem é Inglês, quem é Normando de origem”. As duas línguas subsistem uma ao lado da outra, mas correspondem a divisões de classe, não de raça. Todo Saxão culto se preza de falar francês. São numerosos os casamentos mixtos. “Um Rei forte, um baronato fraco, um reino homo-
géneo,
fazer
uma
da
sua
Igreja refreada”, eis o que permitia corte
o único
centro
motor
do
país.
a Henrique
II
II. — Essa côrte era um dos lugares mais animados do mundo. O Rei, curioso e culto, cercava-se de sábios e de eruditos. Achavam-se alí teólogos como Hugh de Lincoln, Pedr o de Blois; grandes linguistas como Ricardo Fitz Neal, autor do Dialogus de Scaccario; historiadores como Geraldo de Gales. A Rainha Eleonora desaparecera; era rebelde e estava prisioneira. O Rei tinha muitas amantes, a mais célebre das quais era aquela formosa Rosamunda, em cuja tumba iam os mon-
ges escrever; “Hic munda.” Eenrique as
córtes
bem
Jjacet in tumba II interessava-se
recebidos
por
rosa pelos
ele. Então,
mundi, non rosa negócios de tôdas
pela
primeira
vez,
o
-
OS
IRES
EERGÁNNICIENSEAS
89
insular inglês aprendeu a preocupar-se com O que se passava na Alemanha ou na Espanha. A côrte continuava a viajar de
domínio real em domínio real, França, para comer as rendas em
ora na espécie.
Inglaterra, ora na Pedro de Blois des-
creve-nos êsse séquito do Rei, pululante de atores, de lavadeiras, de taverneiros, de mercadores de favos de mel, de prosti-
"
|
4
tutas, de bufões viagens para os
“e outras cortesãos
aves que
de igual estavam
plumagem.” Penosas mal montados, mal
deitados, alimentados de pão cozido às carreiras, tendo para beber vinho azedo e que sabia a tonel. Sobretudo o que lhes agravava os males era a impossibilidade de conhecer de antemão os projetos do Rei. “Anunciavam-lhes uma longa permanência e no dia seguinte, de madrugada, levantava-se o acam-
pamento. Então os cortesãos que se tinham
feito sangrar, ou
que haviam tomado algum purgativo, deviam seguir o seu principe com sacrifício dos seus corpos, e eram vistos a correr como loucos, no meio das mulas e dos carros, um verdadeiro pandemônio.” HI. — Mas sob essa desordem mosqueada nascia uma ordem sólida. Por tôda parte a justiça do Rei sobrepunha-se
a justiça
privada.
O
alvo
de
Henrique
era
chegar
a ter,
em
tôdas as províncias do reino, a sua côrte de justiça, imagem local da Curia Regis. Era indispensável, porque, deslocando-se - sempre esta última, um mísero litigante devia segui-la e citaVa-se o exemplo de um dêles que correra, durante cinco anos, no encalço dos seus juizes. A contar de 1166, cada ano em data fixa, partem juizes da corte para cobrir um determinado “circuito” provincial. A sua viagem é solene e a sua pessoa infinitamente respeitada. São precedidas de um writ (mandado), dirigido ao sheriff e que lhe ordena convoque para tal dia os senhores, leigos e clérigos. o reeve e quatro homens
livres de cada
aldeia,
mais
doze
burgueses
de
cada
burgo. O juiz, ao chegar, preside essa assembléia e faz que ela nomeie um juri, composto tanto quanto possível de cavaleiros, Ou, na sua falta, de homens livres.
|
| |
|
IV. — O modo de eleição era comp lexo: os notáveis do condado nomeavam quatro cavale iros: estes escolhlam dois cavaleiros para cada centena e ês tes dois cavaleiros nomeavam dez outros que, com éles, co mpletavanm o juri da centena, A êsse juri cram submetidas pelos Julzes as questões mais diversas. Pedia-se-lhes um veredicto (vere dictum, um dito ou julgamento verdadeiro) sóbre as rolvindicações da Co roa sobre os negócios dos particular es que tinham obtido autori zação para se servirem do jur i do Rei, sôbre os negócios dos Judeus. As vêzes juizes « Juri tam juntos visitar as prisões, ou faziam um relatório acerca da administração do sherifj. Enfim, o próprio juri devia acusar todos aqueles que no pais eram suspeitos de felônia, e os jurados que descuravam ês se dever eram punidos de mult a. Posteriormente, êsse pa pel de
|
90
FIRE SCI OUR TA
DA
INGLATERRA
acusador foi atribuido (e ainda o é) a um juri mais numeroso, cnamado Grande Juri, julgando em seguida o pequeno juri (petty jury) da verdade da acusação, o que aumentava as garantias do acusado. V. — desejaram
Imagina-se fáâcilmente que todos os Ingleses logo ser julgados por um juri de vizinhos, informado
por testemunhas, de preferência a recorrer às perigosas ordálias pelo ferro ou pela água. Henrique II decretou sabiamente que um homem conhecido como súdito mau seria expulso do reino, ainda que a ordália o absolvesse. Em 1215 o Papa proibiu as provas da água e do fogo; foi obedecido. A ordália pelo combate sobreviveu mais tempo (e não tendo sido abrogada,
|
continuou legal na Inglaterra até o século X A, de sorte que em 1819, como um assassino pedisse para resolver assim O seu caso, houve embaraço em lhe indeferir o requerimento). Favorecendo essas reformas, o Rei não era movido simplesmente pelo desejo de dar aos seus povos boa justiça. Ele enriquecia o Erário com as muitas que tirava às côrtes feudais. Aliás, os
|
| |
próprios juizes reais nem sempre eram honestos: muitíssimas vêzes era possível comprá-los; as suas visitas tinham por objeto tanto quanto a administração da justica, a arrecadação, pelos meios mais duros, das rendas do Rei. Mas por essas vias indiretas, lentamente, o bom senso e a piedade canhavam terreno.
VI. — O sistema dos juizes “itinerantes” ou ambulantes gerou em pouco tempo a Common Law, lei comum, a que é a mesma em tôda parte. As côrtes feudais e populares haviam julgado em virtude dos usos locais, mas um juiz que se transportava de condado em condado tinha a tendência de fazer adotar por todos o uso melhor. Os usos locais não foram des-
|
E
truídos, mas como que fundidos no cadinho da Lei Comum. A Córte central registrava os precedentes e assim se formou prontamente, na Inglaterra, uma legislação nacional, que abrageu a maior parte dos casos. Ao lado da Common Law sobreviveu (e sobrevive ainda) um sistema legal complementar, o das Côrtes de Equidade, que, em virtude da prerrogativa real, não julgam segundo o uso, mas pelo contrário trazem remédio as insuficiências ou às injustiças do uso. O princípio da equidade consiste em que o Rei pode em certos casos “violar a lei para assegurar a justica”. Promove-se uma ação
de
Common
Law
por
um
writ,
ou
mandado,
celaria a um sherijf ou a um acusado; por uma petição dirigida ao Rei.
uma
ordem
da
Chan-
ação de equidade,
VII. — Convém dizer uma palavra da classificação dos crimes. De todos o mais horroroso era a alta traição, tentativa de matar ou destronar o Rei (pois a traição para cora o Estado não podia ser idéia da Idade Média). As penas infligidas ao traidor parecem-nos cruéis, mas: cumpre recordar que, da
OS pessoa
do
Rei,
GEES,
dependem
CRERCA CE NN STEAS: a salvação
e a paz
91 do
país.
O
réu
era arrastado à cauda de um cavalo até o lugar da execução, enforcado, cortado em pedaços e os pedaços expostos nos luga-
res públicos. A entrada da ponte de Londres foi durante muito tempo ornada de cabeças de traidores. A pequena traição (petty treason) era o assassínio de um senhor por seu servidor ou de um marido por sua mulher; era também punida de morte.
Heresia e feitiçaria, mente ser punidas antes do século XV,
traições para com Deus, deviam teoricade morte, mas de fato nunca o foram momento em que a heresia, pela inquie-
tação que gerou, fez renascer a crueldade religiosa. Entre as “felonias” deve-se classificar o homicídio, o ataque à mão armada e o roubo. A felonia era punida de morte ou com à
mutilação: perda de uma mão, das orelhas ou dos olhos. Um homem ferido na guerra, se era prudente, munia-se de um certificado de origem da ferida, na falta do qual, chegando a uma cidade com uma perna ou uma mão de menos, teria sido enxotado como indivíduo castigado pela justiça. Os pequenos delitos eram punidos com a exposição no pelourinho ou nos stocks (espécie de canga, que existia em cada cidade), o que
permitia
entregar
os
culpados
pancadas do povo. As eram amarradas a uma vara e mergulhnada num
ao
desprezo
e muitas
vêzes
às
mulheres faladeiras ou maldizentes cadeira fixada à extremidade de uma tanque.
Vili. — A função de manter a ordem compete, nas sociedades modernas a dois corpos distintos: a justiça e a polícia. A polícia previne as desordens e prende os criminosos. Quem representava êsse papel na Idade Média? A ordem era assegurada
pelo concurso
e exigira pela
Carta
de
todos.
Henrique
das
Armas
o
criminoso
(1181)
II restabelecera
que
todo
homem
o fyrd
livre
possuisse em casa um equipamento militar e jurasse consagrá-lo ao serviço do Rei. O equipamento era mais ou menos completo segundo as posses do homem, não tendo os mais pobres senão uma lança, um capacete de ferro e uma cota enchumaçada. Um sistema de responsabilidade coletiva tornava a vigilância dos malfeitores bastante fácil. Por todo vilão que fazia parte de uma casa, era o amo responsável; os outros deviam alistar-se num grupo de dez. Por acasião do alistamento, o homem coloca-se de joelhos e jura sôbre o Evangelho obedecer ao chefe da sua Cezena, não ser nem ladrão, nem camarada de um ladrão, e nunca se fazer receptador de objetos roubados. No caso de crime, é a dezena que deve apresentar o homem à justiça; se não o pode, é condenada a uma multa. Quando se escapa um criminoso, os homens da sua aldeia perseguem-no até o limite da “centena”, soprando em chifres e gritando: era o que se chamava o hue and CTY, eSpé cie de clamor de “pega”! Chegados ao limite, os perseguidoTres passam a responsabilidade à “centena” seguinte. E' uma
polícia
igreja,
de mudas.
é protegido
Se
pelo
direito.de
consegue
asilo. Tem
refugiar-se então
mam
numa
o direito
O.
92
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
de mandar chamar à igreja o coroner, representante da Coroa, e diante dêle “renunciar ao reino”. Nessa cerimônia, o criminoso jura deixar a Inglaterra e não voltar jamais. O coroner designa-lhe um porto e êle parte no mesmo instante, tendo na mão uma cruz de madeira, que indica a todos o que ele é. Deve ir ao porto pela estrada mais direta e tomar o primeiro barco. Se não há barco senão daí a vários dias, deve o homem cada manhã andar para dentro do mar até que a agua lhe chegue aos joelhos, como sinal da sua boa vontade. Se não observa o juramento, está fora da lei e pode ser morto a vista. Esse direito de asilo dava lugar a muitos abusos e os habitantes de Londres queixavam-se de que, em certas igrejas e em
particular
ao
redor
nosos intangíveis de bem.
de
que
Westminster,
saíam
à noite
viviam
para
bandos
despojar
de
crimi-
as pessoas
IX. — Feitas as contas, na maior parte do país reinav a no século XII “uma boa paz”. Essa paz era devida em gra nde proporção ao Rei. Os juizes só eram honestos quando um Rei Severo Os vigiava. A um juiz leigo que zombava da lentidão das côrtes eclesiásticas, respondia um padre: “Se o Rei estivesse tão longe de vós quanto o Papa está de nós, não fari eis grande trabalho”, e o outro rindo reconhecia a verdade da irase. Se o vilão folgava com essa ordem real, muitos nobres e até clérigos lamentavam o bom tempo em que o Duq ue da Normandia ainda não era Rei da Inglaterra. “Pois não há nada que comova o coração do homem quanto a alegria da
liberdade e nada que o debilite tanto
como
a opressão
do cati-
veiro”, disse um dia Geraldo de Gales ao jurisconsulto Glanville. Assim que um Rei se mostrasse fraco ou se deixasse eniraquecer por aventuras estrangeiras, devia inevitavelmente produzir-se uma reação dos barões. Mas na época da morte
de Henrique IH, possue a Inglaterra o govêrno mais forte da Europa. “Éle ressuscita praxes carlovíngias: e, ao mesmo tempo, pela precisão do seu mecanismo, pela aspereza do tom e dos modos, faz pensar no Estado romano ou, se quiserem,
no Estado
moderno,”
VI
OS
FILHOS DE HENRIQUE II MORTE DO RICARDO CORAÇÃO DE LEÃO. CRUZADA E CATIVEIRO. JOÃO SEM TERRA I.
—
Foi
trágico
o fim
de
Henrique
II. Seus
os quais êle teria desejado partilhar o seu vam-se mutuamente e traíam-no todos. “Não
REI.
filhos,
entre
Império, odiasabes” respon-
dia um dêles a um mensageiro do Rei, “que é nossa própria natureza, plantada em nós por uma herança dos nossos antepassados, que todo irmão entre nós lutará contra seu irmão, e todo filho contra o pai?” Henrique e Gofredo, os dois mais velhos, morreram antes do Rei, Gofredo deixando um filho, Artur da Bretanha; o terceiro, Ricardo, conspirava contra Oo pai com o novo Rei da França, Filipe Augusto, jovem hábil e frio que,
decidido
a reconquistar
o seu
reino
a êsses Angevinos,
se servia astutamente das suas dissensões. Henrique II, velho Rei solitário e triste, já não tinha afeto senão a seu quarto filho, João. Como deixava a Ricardo a Inglaterra e a Nor-
mandia, desejou reservar para João a Aquitania. Esse projeto entureceu Ricardo, que, assemelhando-se antes a sua mãe, Eleonora de Aquitânia, que a seu pai, dava mais importância a essa província que a todo o resto do reino. De súbito, rendeu
homenagem ao Rei da França por tôdas as terras continentais de seu pai, da Mancha aos Pirineus. Henrique II, apertado no Mans por Filipe Augusto, teve Le Mans era a cidade em que
cnamas. que seu pai, o Conde
Cle amaldiçoou
das, seu próprio ficou tão doente
ler, quo
tranondo
Ole
o dA
disseste comigo,
e morreu
da
enterrado.
dos
q lilipe
traldores
Prangu,
Na
cidade aquela
em em
Deixando-a,
fugia a galope pelas vere-
filho Ricardo 0 persegula. Em que fo! torçado wu deter-se, AL
entar tato nem com o
dat u
estava
a Deus. Enquanto
mandara
mn sta
de Anjou,
de fugir da êle nascera,
Augusto
ingleses
cabeça
com que
estava
uma
Chinon, o Rei o seu Chance-
tinha
João,
carta,
voltou
achado
na
o filho pre-
tan 6 tambárm. Sa Eraldo: Já Rai a ROLE ed MMS o pouco de a ma hemorragia. era E HenriqueE io fôra
grande um ). Rei, cínico, realista, d uro, (1154-1189
mas
em
suma
benéfico
M
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
II. — “A um homem de Estado andante.” Ricardo, que foi chamado
Leão”
e pelo perigordino
Bertrand
de
sucedia um cavaleiro por uns “Coração de
Born
“Ricardo
Sim
e
Não”, tinha certos traços de seu pai, tôda a violência dos Plantagenetas, o seu amor imoderado às mulheres e a sua coragem. Henrique II, porém, diligenciara fins práticos e prudentes. Ricardo procurava fortuna e desprezava de todo a prudência. “Sua vida foi como um acesso de violência Íuriosa.” Poeta e trovador, amigo de todos os castelões guerreiros do Périgord, almejou representar na vida o papel rom anesco do cavaleiro. No início do regime feudal, a instituição da cavalaria não fora mais que a obrigação de servir no corpo da
cavalaria em troca de uma doação de terras. Mas à Igreja e os poetas haviam enriquecido êsse contrato e ess a palavra de associações mais belas. O armamento do cavale iro tornara-se
uma cerimônia cristã. O jovem cavaleiro tomava um banho simbólico de purificação (como depois os Cavaleiro s da Ordem do Banho); a sua espada era depositada sôbre o altar; êle tinha de fazer uma vigília de armas na capela do castelo. Essa espada era de dois gumes, “porque com um o cavaleiro devia ferir o rico que oprimia o pobre, com o outro o forte que oprimia o fraco”. O povo inglês achava infelizmente os atos dos cavaleiros de verdade muito diferentes des sa nobre doutrina. “Esses homens que deveriam ter empregad o a sua fórça contra os inimigos da Cruz, lutam entre si por embriaguez, chafurdam na preguiça e apodrecem numa vida escandalosa. Deshonram o nome da Cavalaria.” De fato, a pesar de alguns belos rasgos, nunca existiram guerreiros mais cruéis que certos cavaleiros da Idade Média. Cidades inteiras, homens, mulheres e crianças, foram às vêzes trucidadas por êles. “Certa cortesia para com as mulheres da mesma classe, ou com outros cavaleiros prisioneiros e desarmados”, eis tudo o que subsistirá dos esforços louvaveis da Igreja para tornar à guerra mais humana. Dessa cortesia superficial e dessa crueldade essencial Ricardo Coração de Leão ministrou o exemplo perfeito.
III. — O grande acontecimento cavaleiresco do reinado de Ricardo foi a Terceira Cruzada, em que êle tomou parte com Filipe Augusto. As duas primeiras Cruzadas pouco haviam interessado a Inglaterra. Tinham partido indivíduos aventurosos, mas nenhum soberano. Nas contas eclesiásticas do tempo, encontram-se indícios de inúmeros Ingleses que, para expiarem uma culpa, tinham feito juramento de ir à Cruzada e que,
no
resgatado
último
com
momento,
uma
multa.
arrependidos
O
Arcebispo
do
voto,
Giffard,
o
tinham
desligando
um penitente dos seus votos de Cruzado, acrescenta: “O dito John deverá despender, dos seus próprios bens, para vir em
socorro quando
da Terra Santa, a soma de cinco shillings esterlinos, lhe for pedida da parte do Papa.” Um cavaleiro, por
adultério cometido com a mulher de outro cavaleiro, comprometia-se a mandar à Terra Santa um soldado à sua custa, e
OS
REBS
e REACNICERSSEES
95
a pagar cem libras no caso de reincidência. Pelo fim do reinado de Henrique II, as vitórias de Saladino e a queda do reino de Jerusalem tinham de tal maneira comovido a críistandade que o Rei lançara uma forte contribuição, o dizimo de Saladino, notavel porque foi na Inglaterra o primeiro imposto direto que atingiu todos os bens, móveis e imóveis, e não mais simplesmente as terras. Esse imposto, porém, era mais destinado a assoldadar tropas estrangeiras que a enviar Ingleses ao Oriente. De fato Henrique II prometeu partir e o Patriarca de Jerusalem trouxe-lhe com grande pompa as chaves do Santo Sepulcro, mas o Rei Henrique nunca embarcou e, quando Geraldo de Gales lho exprobrou, respondeu: “O clero incita-nos valentemente a nos expormos ao perigo, porque êle não recebe nenhum golpe nas batalhas e não carrega nenhum fardo que possa evitar.” O entusiasmo e o romantismo não eram características de Henrique II. Ricardo era, porém, de outra índole; logo que recebeu a herança paterna, esvaziou o tesouro, vendeu alguns condados e embarcou. IV. — Ricardo e Filipe Augusto, amigos na aparência, rivais de fato depois que Ricardo sucedera a seu pai, partiram juntos para Jerusalem; desde a Sicília estavam desavindos. Ricardo perdeu muito tempo a esperar a pequena frota que os Cinco Porios deviam equipar para êle. (Esses cinco portos — Hastings, Dover, Sandwich, Nythe e Rommey, representavam para a marinha o mesmo papel dos feudos dos cavaleiros para o exército. O Rei concedia aos barões dos Cinco Portos grandes privilégios, em troca dos quais êles deviam, em tempo de guerra, fornecer-lhe barcos). A expedição de Ricardo Coração de Leão deu-lhe oportunidade de mostrar a sua coragem, mas não libertou o Santo Sepulcro. Ricardo fez-se odiar pela sua insolência e pela sua crueldade. Recusando-se Saladino a resgatar-lne os prisioneiros, êle os mandou degolar. Muito tempo depois dessa guerra, narra Joinville, os Sarracenos diziam ainda a seus filhos: “Cala-te, senão eu irei buscar o Rei Ricardo, que te matará...” Nesse meio tempo, Filipe Augusto, de volta à França, preparava a guerra contra o rival.
V. — Não obstante o seu fracasso e não obstante a abstenção da maior parte da nobreza inglesa, foi grande a influência, das Cruzadas na história da Inglaterra, como em tôda a história, da Europa. Foi quase sempre pelo contato com o Oriente que o espírito ocidental tomou consciência da sua natureza, original e das suas resistências. As guerras médicas tinham coincidido com o mais belo período do pensamento grego. às Cruzadas são, por igual, o primórdio de uma renascença européia. Elas determinam por três séculos o centro comercial e marítimo do mundo. Marselha, Gênova e Veneza, pontos de embarque dos Cruzados, tornam-se grandes cidades. Aí se edificam albergues para os Peregrinos. A polícia do Mediterrâneo é assegurada pelas ordens militares — Templários e
96
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
Cavaleiros de S. João de Jerusalem, que constroem as primeiras grandes frotas cristãs e formam a primeira fôrça armada internacional. E” também no tempo dos Cruzados que os Cris= tãos, na Inglaterra como na França, começam a usa r barba e a pintar armas nos seus escudos. Palavras novas — tambor, trombeta, albricoque, cem outras são introduzi das no vocabulário europeu. Enfim, o xeque das Cruzadas terá influência no futuro marítimo da Inglaterra, pois a barreira do Islã, apertando-se, vai forçar os homens a procurare m outros caminhos para o comércio com o Oriente.
gesto a o
VII. -— Ricardo, considerado pelos soberanos da Europa como homem perigoso, foi, ao voltar da Cruzada, traiçoeiramente aprisionado pelo Duque da Austria e entregue ao Imperador Henrique VI que o deteve, sem atender ao privilégio da Cruzada. A Inglaterra soube que o seu Rei estava cativo, que suportava alegremente o cativeiro embebedando os guardas e que o seu resgate seria de cem mil libras, Para apurar essa enorme soma, os ministros que substituiam, como lhes era possível, o Rei sempre ausente esforçaram-se para repartir os onus por tôdas as classes da sociedade (1193). Exigiram uma
PERO
VI. — A arte da guerra fez pouco progresso durante êsses combates. Os cavaleiros da Idade Média não eram táticos. Assim que avistavam o inimigo, ordenavamse em três grandes massas, ou batalhas, punham a lança em riste, o escudo em posição e carregavam a batalha adversa. Não havia reservas, porque se julgava ofensivo para um cavaleiro privá-lo do comêço da luta. Por isso, os combates são simples refregas de cavalos e de homens. A infantaria não representa papel algum. Em compensação, as Cruzadas ensi nam aos cavaleiros europeus a importância da guerra de ass édio. As fortificações de São-João-d'Acre detêm os exércitos cri stãos e fazem-lhes perder, diz Michelet, mais de cem mil homens. A vantagem era então dos defensores e não dos assaltant es de uma praça forte. Contra muralhas de quinze a trinta pés de espessura, eram impotentes as catapultas e os mandrões da época. Um castelo bem construido, sem aberturas perto do solo, tinha uma capacidade de resistência que só era limitada pel as provisões. Se. todavia, êle não estava edificado na rocha, era pos sível miná-lo. Os sapadores trabalhavam ao abrigo de um teto que os protegia dos arqueiros da defesa. Contra êsse modo de ataque inventou-se o revelim, extensa galeria de madeira que pendia sôbre os assaltantes e permitia regá-los de substâ ncias incendiárias. Mas o próprio revelim estava exposto ao inc êndio; os balcões de pedra e as tôrres flanqueantes suprimiram os ângulos mortos e novamente tornaram invulneraveis as praças fortes. Só a descoberta da artilharia anulará o valor militar do castelo forte. A tomada de Constantinopla por Maomé II será o primeiro grande exemplo do emprégo da artilharia.
OS
97
FRANCESES
REIS
, um quarto iro ale cav de ra ter por ngs lli shi te vin de m ge da cu es temporais da renda de todos os leigos, um quarto das rendas s do clero. Pediu-se às igrejas a sua baixela comum €e os Seu ra adu tos sua a s ica ást mon ens ord às ia, sar ive our de os tesour
de lã de um
ano. A Normandia
teve de pagar as mesmas
taxas.
apurada foi opressivos, a soma impostos A despeito dêsses anto, em excessivamente fraca. O Imperador consentiu, entret provisória. Na ausência de em liberdade por o Rei Ricardo no, Ricardo, seu irmão João tinha procurado apoderar-se do tro
mas
fôra
Hubert
ministro.
vencido
Walter,
VIII.
esplendor
—
que
energia
pela
mostrou
se
Ricardo,
na
pelos cidadãos
volta,
do
tão
bom
soldado
foi recebido
de Londres.
do
Arcebispo
Mas
com
em
Canterbury,
quanto
bom
entusiasmo
vez de mostrar,
e
DR
O
a
e
p o SR n
mg
a
is
para com o maravilhoso lealismo dos seus súditos, um justo taxas. Era perigosa a logo novas reconhecimento, anunciou situação do reino. Filipe Augusto invadira a Normandia; subleresvalavam para a vava-se a Aquitânia: o Anjou e o Poitou França. Para defender a Normandia, construiu Ricardo uma tempo — o Cháteau-Gaillard. do das mais belas fortalezas o tomarei, ainda que os que dominava o vale do Sena. “Eu seus muros fôssem de ferro”, exclamou Filipe Augusto. “Eu Oo manteiga”, de fôssem muros manterei, ainda que os seus replicou Ricardo. Não teve tempo de sustentar o juramento. Havendo um dos seus vassalos, o Visconde de Limoges, achado num campo, perto do seu castelo de Chalus, um ornamento todo pretendeu que romano, Ricardo dúvida de ouro, sem tesouro pertencia ao Rei e reclamou êste. Dêsse incidente minúsculo surgiu uma pendência e depois uma guerra; sitiando Chalus, Ricardo íoi ferido por uma flecha; a chaga infetou-se e o Rei morreu debaixo da sua tenda, a 6 de abril de 1199. O cadáver ioi enterrado em Fontevrault; o seu coração na sua boa cidade da Ruão. Assim o Rei não-residente continuou,
pela
eternidade,
longe
do
seu
reino.
Quase
não
pertence
à
história da Inglaterra. “Máu filho, máu irmão, máu marido e máu Rei”, disseram dêle. Cumpre, todavia, ao julgá-lo, ter em conta a sua legenda, a sua popularidade e a fidelidade do seu povo. Sem dúvida, êle, foi, como certos condottteri da Renascença ou certos libertinos do século XVIII, um exemplar singularmente acabado de um tipo de homem, hoje condenado, mas que a opinião pública aceitava então.
VII
AM
AGNA
GA RTA
1. — Na Idade Média, os povos perdoavam muito aos reis, porque o pior dos reis era preferível à mais breve das ana rquias. João sem Terra foi o primeiro que conseguiu unir contra si todos os seus súditos. Pelo fulgor da inteligên cia, era um verdadeiro Plantageneta, excelente tático na dip lomacia e na guerra, grande sedutor de mulheres, bom caç ador, mas cruel e de alma vil. Henrique II e Ricardo tinham tido a sua grandeza; João não foi mais que o odioso. Traira O pai e os
irmãos. Tôda a Europa o suspeitou de ter mandado assassina r seu sobrinho, Artur da Bretanha, que teria podido disput arlhe a sucessão. Filipe Augusto, seu suserano, citou-o per ante a sua córte, e depois, decorridos os prazos, declarou-o culpado de felônia e privado de todos os seus feudos franceses. Tendo assim posto o direito feudal do seu lado, começou Filipe a retomar a João, um por um, os seus domínios. A Normandia toi reocupada pela França em 1204, a despeito de uma hábil manobra de João sem Terra para salvar Chãteau-Gaillard:
em
1206
perdeu
êle o Anjou,
o Maine,
a Touraine
e o Poitou.
Dez anos depois da morte de Henrique II, estava quase extinto o império angevino. Restava a Aquitânia, mas ia ser difícil conservá-la, pois os barões ingleses, que sempre haviam concordado em bater-se pela defesa da Normandia, onde possulam feudos, tinham alguma repugnância em prosseguir na Gasconha, ao serviço de um rei detestado, uma aventura para êles de todo vã.
- — Em guerra com o Rei da França, em questão com o baronato inglês, João sem Terra malquistou-se ainda com a Igreja. Desempenhando os Arcebispos de Canterbury quase sempre a função de Primeiros Ministros dos reis ingleses, era muito natural que êstes reclamassem o direito de os escolher.
“Sabe-se,
porém,
que,
por
um
lado,
os bispos
do
reino
e, por
outro, os monges de Canterbury pretendiam o mesmo direito. Sob João sem Terra, os três partidos apelaram para Roma, e o Papa Inocêncio III respondeu de forma lnesperada, impondo ao Rei, aos monges e aos bispos o seu próprio candidato, Estevão de Langton, padre admirável pelo carater e pela sapiência, que desde muito tempo vivia em Roma. J oão, furioso, recusou reconhecer um prelado que, disse êle, só lhe era
conhecido
“por
ter sempre
vivido
entre
os
seus
inimigos”,
e
do
do a
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CRS
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SDS
99
sequestrou os bens do arcebispado. O Papa replicou com a série habitual das sanções pontifícias. Pôs o reino da Inglaterra em interdito; emudeceram os sinos; os mortos ficaram sem sepultura. Foi grande a perturbação dos fiéis. Tal se tornara, contudo, a fôórça da instituição real que não houve sublevação. Um ano depois, Inocêncio III excomungou João. Finalmente, êle o depôs e autorizou Filipe Augusto a dirigir, contra a Inglaterra rebelde, uma cruzada. Tornava-se perigosa a situação. Já nas fronteiras se agitavam Galeses e Escoceses. O Rei cedeu. Humilhou-se perante o legado do Papa, recebeu Langton e disse-lne hipocritamente: “Sede bLenvindo, meu pai.” Depois, julgando-se de novo firme na sela, tentou organizar contra Filipe Augusto, com o Conde de Flandres e Oto de Brunswick, uma coligação continental. Fato novo na história do baronato: os seus barões recusaram seguí-lo. Primeiro disseram que não queriam combater sob as ordens de um Rei excomungado (pois ainda não fôra concedida a absolvição), depois alegaram a sua pobreza. João teve de adiar a partida e sustentar os seus aliados com subsidios. Essa coligação, no ano seguinte, foi esmagada em Bouvines (1214). A batalha de Bouvines era ao mesmo tempo o triunfo dos Capetos (que, graças a ela, iam conseguir unificar o reino da França) e a garantia das liberdades inglesas, pois se João tivesse regressado à Inglaterra vencedor à frente dos seus mercenários brabanções, haveria tirado dos senhores ingleses em servir. Das suas possessões
dura vingança pela sua recusa francesas êle não conservou mais
que a Gasconha e o porto de Bordéus. Os historiadores ingleses consideram Bouvines como uma das datas felizes da história da Inglaterra, porque essa derrota, destruindo o prestígio de João, foi o prelúdio da Magna Carta.
- — Era agora inevitável um conflito entre João e os barões. Éles tinham suportado o despotismo de Henrique II, rei potente, vitorioso e tão respeitado pelo pov o que ninguem ousava resistir-lne. Mas por que deveriam tolerar os abusos de um rei vencido e universalmente desprezado? Desde 1213, o Arcebispo Langton, cérebro da conspiração, despertara grande entusiasmo reunindo secretamente os barões para lerlhes a velha Carta de Henrique I, que todos haviam esquecido. Em outra reunião, os barões juraram sôbre as relíquias de S. João que não concederiam a paz ao Rei senão se este prestasse juramento de obedecer a essa Carta. Em 121 5, dirigiram a João um ultimato e enviaram-lhe a defiance (diffidatio), que todo vassalo devia significar a um soberano ind igno antes de lhe declarar guerra. O Rei tentou colocar. os hom ens livres do seu lado, chamar mercenários, mas depois foi obriga do a reconhecer que todo o país estava contra êle. Os hab itantes
de Londres
recebiam
com
entusiasmo
o pequeno
exército
dos
barões. Em semelhante caso os antepassados de João teriam convocado o fyrd. Mudara, porém, a situação. As reformas de Henrique II, enfraquecendo os nobres, os tinham aproximado
100
HISTORIA
DA
INGLATERRA
dos seus tenentes, Entre o solar e a aldeia, os conflitos tornavam-se mais raros. O lançamento do interdito contra o reino comovera profundamente um povo religioso. O apelo às antigas liberdades agradava a tôdas as classes. Em vão entrou o Rei em estado de furor extremo. Que podia fazer? A capital estava nas mãos dos rebeldes. Tôdas as administrações tinham cessado de funcionar. Sem o seu Erário, João já não tinha barões na campina de Runnymede, entre Staines e Windsor, e aí assinou a Magna Carta.
IV. — A importância da Magna Carta tem sido ora exagerada ora depreciada. Cumpre recordar, antes de tudo, que se trata de um documento redigido em 1215, isto é, numa epoca em que as modernas idéias de liberdade nem sequer tinham sido formadas. No século XIII, quando o Rei concede a um senhor o privilégio de manter uma cóôrte de justiça, ou a uma cidade o privilégio de escolher por si mesma os seus
Oficiais, êsses privilégios cnamam-se, “liberdades”. A Magna Carta afirma
Rei
deve
respeitar
os direitos
na linguagem do tempo, em termos gerais que o
adquiridos.
O homem
médio
do
nosso tempo crê no progresso e reclama reformas; para O homem de 1215, “a idade de ouro estava no passado”. Os barões não julgavam estar fazendo uma nova lei; exigiam o respeito dos seus antigos privilégios. Como obrigar o Rei a respeitar os privilégios do feudalismo? Tal era para êles o único problema. Mas, por um feliz acaso de redação, não o haviam formulado sob essa forma e o texto que redigiram permitiu as gerações futuras lerem na Magna Carta êstes princípios mais gerais: “Há leis do Estado, direitos que pertencem à comunidade. O Rei deve respeitá-los. Se os viola, a lealdade deixa de ser um dever e os súditos têm o direito de insurgir-se.” O que faz a importância da Magna Carta é, pois, mais o que ela suscita do que o que ela é. Para as gerações seguintes, ela se tornará, no sentido moderno, uma “carta das liberdades inglesas”, e cada rei, até o século XV deverá jurar várias vêzes, no curso do seu reinado, respeitar êsse texto. Depois, a Carta será esquecida sob os reis Tudors, para reaparecer, contrapeso ao direito divino, no tempo de Jaime I. V. — Há outro princípio moderno que muitos julgaram ler na Magna Carta: “Não há taxação sem representação.” Na realidade, os barões pediam somente que, se o Rei quisesse perceber subsídios extraordinários, não previstos pelo contrato
feudal
costumeiro,
não
pudesse
fazê-lo
sem
a
aprovação
do
Grande Conselho, isto é, dos barões e dos tenentes chefes. Não estava dito, porém, que os vilãos, para serem taxados, deve-
riam antes de tudo estar representados. O único caso previsto, iora do baronato, era o da cidade de Londres que, tendo-se
declarado pela revolta, obtinha a posição de tenente chefe coletivo. Finalmente, tem-se dito que a Magna Carta continha os elementos da futura lei do habeas corpus. O texto é o
OS
TRES
Pu
seguinte: “Nenhum homem livre ou de qualquer forma destruido,
ANOS
será encarcerado ser pelo a não
legal dos seus pares e por lei do país.” Texto
101
TS
ou exilado, julgamento
de alcance
muito
limitado no espírito dos barões de Runnymede, que entendiam ser julgado senão podia senhor não simplesmente que um pelos seus pares, ou um homem livre por homens livres, texto destinado, por aqueles que o tinham redigido, a por em xeque os juizes do Rei, mas texto que devia, com efeito, proteger a mesmos se tivessem nação inglesa no dia em que os vilãos tornado homens livres. Uma comissão de vinte e cinco membros, todos barões menos um, o Prefeito de Londres, era encarregada de julgar as queixas contra a Coroa. O Rei devia ordenar aos seus súditos que jurassem obediência a êsses Vinte e Cinco e, se êle próprio recusasse seguir o parecer dessa comissão, os barões teriam o direito de pegar em armas contra êle.
VI. — Vê-se que, se a Magna Carta não é o documento moderno que alguns julgaram outrora descobrir nela, marca, entretanto, o fim do período anglo-normando de monarquia sem restrição. Se os filhos de Henrique II tivessem tido o gênio de seu pai, e se os barões não tivessem constituído a fôórça armada mais poderosa do reino, a Inglaterra poderia ter-se visto governada desde o século XIII por um monarca absoluto e irresponsável. A Magna Carta reanima a concepção feudal de uma monarquia limitada. A constituição inglesa é “filha do feudalismo e da Common Law”. A feudalidade trazlhe a idéia de usos, de direitos adquiridos que devem ser respeitados; a Common Law, difundida pelos juizes de Henrique II, une a nação no respeito de certas regras protetoras, que estão acima do próprio Rei. Mas em 1215 essas idéias tão claras para nós, são inacessíveis às massas. A Magna Carta esteve
e
o—
tão longe de ser um documento popular zida em inglês antes de século XVI.
que
não
foi
iradu-
VII. — Mel o Rei João assinara a Carta, só pensou em desembaraçar-se dela. Tão violenta era a sua fúria, que êle rolou pelo chão mordendo pedaços de madeira. “fÉles me deram vinte e cinco super-reis!” gritava êle. Depois, voltando à sua diplomacia pérfida e Quctil, dirigiu-se ao Papa Inocêncio JT, com quem estava reconciliado, para fic ar dispensado do Juramento de respeitar a Carta maldit a. O Papa, indignado com essa revolta armada que o Arcebispo escolhido por êle INspirara, excomunpou os burgueses de Londres. fistes, à conselho de Langton, mandaram tocar os sinos e celebrar missa como se nuda houvesse, A autoridade na Inglaterra do papado excessivamento distante, Já se torn ava frágil. Filipe Augusto. que se empenhava tão upalxonadamente como outror a Guilherme o Conquistador por dar às suas ambições uma máscara legal, aproveitou-se das circ unstâncias para tentar fazer proclamar Rei da Inglaterra seu fil ho Luiz, que esposara uma sobrinha de João sem Terra. João, dizia êle, fora condenado
102
RISTORIA
DA
INGLATERRA
à morte pelo assassínio de Artur da Bretanha. Perdera, pois, os direitos à coroa e, como essa sentença fora proferida antes de seu filho nascer, o herdeiro legal do trono da Inglaterra era Luiz de França. Luiz desembarcou no Kent em 1216 e, apoiado
por
muitos
barões
ingleses,
foi
no
encalço
do
Rei.
e
e
e a
ic
a
q
a
eermais
co.
O destino encarregou-se de dar râpidamente desfecho a esse drama. João sem Terra morreu a 19 de outubro de 1216, de uma indigestão causada por excesso de pêssepos e de cidra nova.
COMUNIDADES: 1) CIDADES E CORPORAÇÕES
eE
II. — No tempo das invasões saxônias, a maior parte das pequenas cidades, romanas tinham caido em ruinas, mas algumas sobreviveram. Londres, Winchester, York, Worcester, por exemplo, nunca haviam deixado de ser cidades. Pelo século “III, Londres tem cerca de trinta mil habitantes; tôdas as outras cidades ou burgos (há perto de duzentos) são muito pequenos. Qual é a sua origem? Algumas cidades se formaram em tôrno de um mosteiro; mas são lugares de passagem como o recordam tantos nomes que terminam por ford (vau) ou bridge (ponte); outras são cruzamentos de estradas, ou portos; mas quase tôdas pontos fortificados. A palavra burgués vem de burgh, fortaleza, e recorda que a cidade foi por muito tempo um refúgio. Tinha muralhas de terra ou de pedra, uma ponte levadiça, e nos tempos normandos uma fortaleza real. Pequenos proprietários territoriais aí possuiam, para o tempo de guerra ou de perigo, uma casa, que alugavam em período tranquilo. Encerradas nas suas muralhas, as cidades da Idade Média não podiam estender-se; por isso as casas eram pequenas, estreitas as ruas. Os tetos de colmo multiplicavam os incêndios. Essas cidades eram sujas. A primeira fonte pública de Londres data do século XIII, e sua água era reser-
e
1. — Para compreender como, depois da Magna Carta, a restrição feudal se transformou lentamente em restrição parlamentar, cumpre antes de tudo, estudar o nascimento, na Inglaterra da Idade Média, de fôrças novas que são as comunidades. O direito feudal protege o proprietário guerreiro e, indiretamente, os servos dêste. Mas uma sociedade que as invasões já não perturbavam e que a pouco e pouco se enriquecia, não podia continuar guerreira e agrícola. Os habitantes das cidades, os comerciantes, os estudantes, todos aqueles enfim que saíam dos quadros da sociedade feudal, não tinham possibilidades de segurança a não ser que se agrupassem. Os burgueses de uma cidade, os artífices de uma corporação, os estudantes de uma Universidade, os monges de um mosteiro vao , portanto, formar comunidades, que saberão fazer-se respeitar. Já se viu como, desde o tempo de Runnymede, a cidade de Londres tomara a categoria de tenente chefe.
—
df od,qa a rei pe terão 4 2
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VII
A
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104
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
vada para bebida dos pobres, pois todos os que podiam bebiam. cerveja. O lixo era jogado às ruas, e o cheiro horroroso. De quando em quando uma doença contagiosa levava uma parte. da população. Tôdas as cidades continuavam semi-rurais. Até, no interior dos muros, tinha Londres as suas hortas e o Pre-' feito era incessantemente forçado a renovar a ordem de não deixar os porcos circularem nas ruas. Quando o Rei, no século XIV, dissolve o parlamento, despede “os nobres para os seus desportos, os comuns para as suas colheitas”. E' que, com efeito, a cidade participa da colheita: os trabalhos das Côrtes e das Universidades são interrompidos de julho a outubro,
para dar lugar aos trabalhos dos campos; des
férias”
anuais.
datam daí as “gran-
II. — No tempo da Conquista, tôda cidade depende de um senhor. Os impostos são arrecadados pelo Sheriff. O habitante da cidade está subordinado à côrte o solar. A pouco e pouco os burgueses, que se enriquecem, compram “liberdades” (isto é, privilégios). Numa narrativa do século XII,
vêm-se dois pobres diabos condenados pela córte solarenga a disputar uma propriedade por meio de combate. Lutam desde manhã; já o sol vai alto; um dêles, fatigado, deixa-se acuar a um Ííósso e estã a ponto de cair nele, quando o seu adversário, em quem a piedade venceu o interêsse, lhe brada que tome cuidado. Então os burgueses da cidade, movidos à compaixão, resgatam ao senhor, mediante renda, o direito de arbitrarem éles mesmos tais conflitos para o futuro.
IV. — No século XIII, quando os burgueses do Continente inventam a “comuna”, espécie de conjuração dos habitantes de uma cidade, que fazem juramento de se defenderem uns aos outros, as palavras e a idéia atravessam imediatamente a Mancha. Elas sobressaltam os senhores. “Comuna, palavra nova e detestável... Invenção pela qual os súditos já não pagam senão rendas fixas e multas determinadas.” Quando a cidade obtem o estatuto de tenente chefe, acha o seu lugar no edifício feudal. Tem a sua Córte, que o Prefeito preside, a sua iorca; percebe os seus próprios impostos; dentro em pouco será convocada ao Parlamento. As cidades (na França como na Inglaterra) terão armas, uma divisa, um selo, porque são senhores. O indivíduo, na Idade Média, só representa papel no govérno do país se é nobre, mas as comunidades são fôrças e como tais reconhecidas pela lei. A House of Commons não sera a Câmara das Comunas, mas a Câmara das Comunidades: condados, cidades, Universidades. A Inglaterra não passará do vínculo pessoal e feudal a um vínculo patriótico e nacional, mas a um vínculo entre o Rei e os Estados ou comunidades do reino.
V. — Não há nada século XII ou XIII que
mais semelhante a uma cidade do os sukhs de Fez ou de Marrakech.
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SS
Todos os homens do mesmo ofício estão agrupados no mesmo quarteirão. Há a rua dos Açougueiros, a dos Armeiros, a dos Alfajates. O objeto da guilda ou corporação é, por um lado,
concorrência qualquer contra membros os seus proteger externa, por outro lado impor-lhes regras que sejam a salvaacerca do Média guarda do consumidor. As idéias da Idade
economistas líberais. A comércio eram opostas às dos nossos Idade Média não admitia a idéia de concorrência, nem a de mercado livre. Comprar antecipadamente para revender era, um delito: comprar por atacado para revender a varejo, outro delito. Se um membro da guilda fazia uma compra, qualquer outro membro podia, se quisesse, participar dela pelo mesmo preço. Nenhum estrangeiro tinha o direito de estabelecer-se membro de ofício. Ser exercer qualquer numa cidade para uma guilda era privilégio hereditário. No princípio os artifi-
ces pobres puderam, servindo como aprendizes sete anos, tornar-se mestres; posteriormente guildas. A Idade Média não reconhecia “a lei cada para procura”. Pensava-se que havia “justo preço”, que devia permitir ao mercador
lhe
deixar
lucro
VI.
Naturalmente
—
tentavam, da
com
excessivo.
mil
municipalidade.
os
íraudes,
Os
mercadores
escapar
padeiros
à
não
durante seis ou fecharam-se as da oferta e da mercadoria um viver bem, sem
eram
vigilância
amassavam
da
michas
santos
guilda
que
e
e
não
apresentavam o peso legal, ou, quando os próprios fregueses traziam a massa para cozer, tinham um rapazinho escondido debaixo do balcão para roubar um punhado de massa, antes de a meterem no forno. Como castigo, eram expostos no pelourinho, com as suas michas fraudulentas penduradas ao pescoço. A um mercador que vendera máu vinho, derrama-se o resto do líquido sôbre a cabeça. Debaixo do nariz do vendedor de carne estragada, queimava-se a sua mercadoria, para que êle suportasse o máu cheiro. Mas o interêsse estimula tão maravilhosamente o engenho dos fraudadores quanto a atividade dos trabalhadores. Não obstante a severidade da regra, os mercadores enriqueciam. Desde 1248, a prosperidade da cidade de Londres indignava o Rei Henrique III, que, não tendo podido arrecadar bastante dinheiro como o imposto e tendo sido forçado a vender a sua balxela comum e as suas jóias, era informado de que os mercadores da capital as haviam comprado: “Sei” disse ele, “que se os tesouros da Roma imperial
estivessem
palhaços ricos de
à
venda,
esta
cidade
os
de Londres, que a si mesmos fazer náuseus. Esta cidade é
compraria
Durante tôda a Idade Média foi grande Londres.
todos!
Ésses
Se chamam barões, são um poço sem fundo E
o poder
político
de O seus cidadãos armados, os bandos de aprendizes a prontos a participar de um motim, traziam aos exércitos um reforço e ora continham o soberano, ora o sustinham.
106
HISTÓRIA
D4
INGLATERRA
queria uma taça de prata, comprava o metal, entendia-se com um ourives para a cinzeladura a seu gosto e, pesando a taça pronta, recebia o metal excedente. A guilda protegia ao mesmo tempo o comprador e o vendedor contra os excessos da concorrência. Era um orgão regulador.
E
e
—
VII. — Os métodos comerciais da Idade Média foram depois severamente julgados pelos economistas do século XVIII, e é certo que as corporações deviam, como tôdas as coisas humanas, tornar-se causas de abusos. O sistema tivera, porém, grandes vantagens. A supressão dos intermediários e a impossibilidade de qualquer especulação fizeram, até o meado de século XIV, a vida nos campos singularmente estável. A Idade Média não conheceu as altas e as baixas artificiais de que soiremos. Quem estuda o preço das construções antigas, fica estupeíacto com a sua barateza. Thorold Rogers calculou que a tôrre de Merton College, em Oxford, custou cento e quarenta e duas libras, cerca de mil e quinhentas libras em moeda inglesa moderna. Custaria hoje muito mais caro e os pedreiros não eram então mal pagos. De onde vem a diferença? Do pequeno número dos intermediários. Se uma pessoa rica resolvia edificar um castelo ou uma igreja, alugava uma pedreira, cortava as vigas nas árvores do seu próprio parque, comprava guinchos, fazia-se o seu próprio empreiteiro. Se um burguês
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a
Ê
oe
e
o
|
gar
VIII.
—
Os estrangeiros
diretamente
ao
comércio
não
tinham
a varejo;
o direito
eram
de se entre-
obrigados
a
tra-
tar com os mercadores ingleses. Em Londres, a liga das cidades ilamengas e sobretudo a Liga Hanseática (Hamburgo, Bremen, Liibeck) tinham os seus armazens. A casa da Liga Hanseática, o steelyard, era fortificada; os mercadores alemães, celibatários, aí viviam juntos, submetidos a uma regra como Templários ou cavaleiros de S. João, Compravam aos Ingleses metais e lã; traziam sedas, jóias, especiarias que recebiam do Oriente por Bagdad, Trebisonda, Kiev e Novgorod. Os mercadores franceses de Amiens e os de Corbie também mantinham em Londres organizações coletivas. Esses estrangeiros, Franceses, Alemães,
Genoveses,
Venezianos,
eram,
todavia,
autorizados
a
ir
às grandes feiras. Ter feira era um privilégio concedido pelo Rei a cidades ou a abadias. Era duplo o objeto das feiras. Permitiam aos produtores ingleses achar compradores mais numerosos que Nos mercados dos burgos, e permitiam aos habitantes dos condados obter mercadorias que não achavam nas suas cidadezinhas. A maior parte das aldeias não tiveram lojas antes do século XVIII. Na feira, o Bailio comprava o seu peixe salgado e vendia a lã do solar; achava o alcatrão de
que precisava para marcar
as
suas
ovelhas.
Para
a grande
feira de Stourbridge surgia uma verdadeira cidade de madeira. Vinha gente desde Londres. Os cambistas lombardos lá estavam com as suas balanças; os mercadores venezianos expunham as suas sedas e os seus veludos, os seus vidros e as suas jóias. Os Flamengos de Bruges traziam os seus tecidos e as l
t
E
E
|
DS
RUSSIA
CNECESSEEES
107
suas rendas. Gregos e Cretenses expunham passas, améndoas, e alguns raros cocos, muito procurados, cujas cascas se montavam em prata cinzelada. O mercador de Hamburgo ou de Lubeck pagava em especiarias importadas do Oriente os fardos de lã produzidos nos domínios ingleses. Os nobres compravam os seus cavalos, as suas roupas forradas. Os empre-
gados do Erário circulavam,
para arrecadar
sar
reino.
os direitos de im-
portação. Mas o Rei designou pouco depois, para lhes tornar mais fácil a tarefa, uma cidade única pela qual deviam pastôdas
as
exportapões
do
Essa
cidade,
a que
se cha-
mou the staple, em francês estaple (donde étape, entreposto, e o nome da cidade de Etaples), foi primeiro Bruges, depois Calais. Assim, na Idade Média, o grande comércio e também a indústria começam a desenvolver-se na Inglaterra, mas o seu papel, nesse país ainda feudal e agrícola, continua muito
“
te
e
humilde.
Raso.
IX
AS COMUNIDADES:
2)
UNIVERSIDADES
I. — Do século XI ao século XIII, a Cristandade é, na Europa, como que um Império espiritual. Os clérigos de todos os países falam latim; a Igreja ensina uma fé única; as Cru zadas são empresas coletivas dos reis cristãos; as ordens guerreiras (Templários e Cavaleiros de S. João) exércitos internacionais. Conquanto as comunicações sejam menos rápidas que em nosso tempo, os contratos intelectuais parecem ter sido , na Idade Média, mais numerosos e mais estreitos do que hoje. Um
mestre
ilustre,
seja
italiano,
francês
ou
estudantes de todos os países e é compreendido que ensina em latim. Um erudito como João
inglês,
atrai
os
por êles porde Salisbury
(1120-1180) toma as suas primeiras lições de lógica com Abelardo em París, vai seguir em Chartres os cursos de Guilherme de Conches, atravessa dez vêzes os Alpes para investigar a verdade romana, e acaba por ensinar na Inglaterra. As instituições que medram num país (universidades, comunas) são logo imitadas em tôda a Europa.
II. — Não existia a Universidade no mundo antigo. Os Gregos tinham fundado escolas de filósofos, como o Pórtico ou a Academia, mas nunca teriam pensado em reunir, como la fazer Oxford, três mil estudantes numa cidade. Isso provi-
nha
em parte
da pequenez
das
cidades
gregas, mas
sobretudo
da falta de uma Igreja organizada que, aos jovens instruídos nas suas disciplinas, tivesse podido oferecer meios de subsistência. A palavra universitas designa, na origem, qualquer corporação. Por analogia com as guildas comerciais é que se fala, no século XIII, da Comunidade ou Universidade dos mestres e dos estudantes. Essa Universidade é, à letra, uma corporação que defende os seus professores e os seus alunos, por um lado contra as autoridades eclesiásticas, e por outro contra os burgueses da cidade. O nome oficial das escolas de ensino superior que se formaram a datar do ano 1000, em dalerno, depois em Pavia, em Bolonha e em París, é studium. ou studium genevale. Aí se ensina direito civil, direito canônico, latim, filosofia aristotélica, medicina e matemática. Em París, após o grande êxito de Abelardo, triunfa a dialética. O estudante aprende,
OS ou menos
mais
argumentos
ciliar
pró
Aristóteles
II.
—
As
como
outrora
ou contra com
entre
uma
a doutrina
memórias
109
FRANCESES
REIS
de
os sofistas,
teoria
João
e, por
cristã.
de
a arte
exemplo,
de
achar
de con-
Salisbury. permitem-nos
entrever que, desde o século XII, espíritos perspicazes
compre-
despertar a mente, para endiam que a dialética, útil para o vocabulário abstrato, enriquecer aguçá-la e também para não levava, entretanto, a nenhuma verdade positiva. Quando, inglês voltou a estudante depois das suas viagens, o velho París, disse: “Folguei de visitar, o monte de Santa-Genoveva, êsses antigos companheiros, que eu deixara e que a dialética ainda retinha, e de tornar a falar com êles dos nossos velhos ponto de outrora. mesmo no temas de debates... Achei-os Não pareciam ter atingido o seu fim deslindando as velhas conhecimentos aos seus questões, nem sequer acrescentado Só de uma maneira tinham a sombra de uma proposição... progredido: desaprenderam a moderação e já não conheciam a modéstia, de sorte que era preciso desesperar da sua cura. Assim, a experiência ensinou-me uma verdade certa: é que, se se
a dialética pode auxiliar os outros estudos, pelo contrário pretende bastar a si própria, permanece esteril e morta”.
Não se deve, contudo, julgar com excessiva severidade a lógica escolástica; foi ela que ensinou os espíritos humanos a pensarem com exatidão. A dívida de Galileu para com Aristóteles é maior do que parece à primeira vista. A idéia de que a obra de Deus é racional e que pode ser descrita sob a forma de leis universais tornou possível a investigação científica. IV. — Na Inglaterra, o gosto dos estudos clássicos jamais se extinguira inteiramente. No tempo das invasões saxônias, os mosteiros irlandeses tinham mantido acesa a tocha: viera depois o belo período de cultura northumbriana e, quando os Dinamarqueses destruiram a escola de Beda e de Alcuino, Alíredo salvara o que pudera da cultura latina e grega. Os Normandos tinham escolas elementares, onde as crianças aprendiam a cantar os hinos latinos e às vêzes a ler, escolas monásticas para aqueles que queriam entrar no clero secular e grammar schools, muitas vêzes dirigidas Igualmente por monges e onde se ensinava, com grande reforço de pancadas, n gramática latina, A ignorância no século XIII era, todavia profunda, até no clero, Em [222,0 arcebispo Langton encarregou 05 blapos do examinarem os padres das suas dioceses e de se cortficarem de que Glen compreendiam os livros sagrados. O relatório do Willlam, defo de Salisbury, é lamentável Certo cura, Interrogndo nsóbre o canon da missa e sôbre a ora-
ção -—- Te tgitur clementissime pater... não sabia o caso de te, nem por que palavra era regido êsse pronome. “E quando lhe pedimos que procurasse a palavra que melhor podia
regê-lo, respondeu: “Pater, pois Ele rege tôdas as coisas.” Perguntâmos-lhe o que era clementissime, em que caso estava e
110
HISTORIA
DA
INGLATERRA
como se declinava êsse adjetivo; não sabia. Perguntámos-lhe o que significava clemens; não sabia... E' completamente iletrado.” O poeta Langland (cerca de 1332-1400) faz um padre dizer: -.-S0u padre e pastor há trinta invernos, Mas não posso nem solfejar, nem cantar, nem ler uma Vida Sei desencovar uma lebre, num campo ou num sulco, Melhor do que tirar um Salmo, ou explicálo à paróquia.
dos
Santos;
Quando Luiz de Beaumont, em 1316, passou a bispo de Durham, não compreendia o latim. Na cerimônia da consagração, não pôde ler a sua profissão de fé. Chegando à palavra — metropolitano e incapaz, depois de várias tentativas, de pronunciá-la, acabou por exclamar em francês: “Demos por lido!” As Universidades procurarão formar clérigos mais instruídos. A primeira, na Inglaterra, foi a de Oxiord.
V.
— Oxford era, havia muito tempo, uma das cidades mais importantes do reino. Antes da fundação da VUniversidade, já nas suas igrejas ensinavam mestres eminentes. Quando Geraldo de Gales, o amigo de Henrique II, terminou a sua história da conquista da Irlanda, “resolveu ir lê-la publicamente em Oxford, onde se podiam achar os mais famosos dos clérigos ingleses. A leitura durou três dias; no primeiro, ele recebeu e alimentou em casa os pobres da cidade; no segundo dia, os doutores e os clérigos: no terceiro, os burgue-
ses e os soldados... Foi um ato nobre e dispendioso, mas os tempos antigos da poesia foram também, em certa medida, ressuscitados.” Oxford tornou-se uma verdadeira Universidade quando Henrique II, no tempo da sua disputa com Becket, cnamou de París os clérigos ingleses. Quanto a Cambridge, muitos estudantes e mestres de Oxford para aí emigraram, em 1209, a fim de protestar contra uma injustiça do prefeito de Oxiord que mandara enforcar, pelo assassínio de uma mulher, três estudantes inocentes. Na Escócia, a primeira Universidade foi a de Saint-Andrews, fundada no comêço do século XV. na
VI.
Idade
aprender
— Os estudantes Média,
a viver
jovens
como
de Oxford
de
boa
e de Cambridge
família
gentlemen
e para
que
aí
não
vinham
conhecer
eram, para
à nata
da
sua geração, mas pobres clérigos que se preparavam quer para as carreiras eclesiásticas, quer para as carreiras administrativas. Alguns eram tão pobres que não possuiam, para três,
senão uma única beca de estudante e comiam somente pão e sopa. Amparados pelo “benefício do clero”, êsses clérigos levavam uma vida inteiramente destituida de santidade. AS suas pendências eram sangrentas, os seus costumes livres. Os colégios foram fundados para proteger, por uma disciplina mais estrita, êsses jovens, Quê tinham vivido até então em casa dos
OS
RELS
PFIRANIG ESTES
111
habitantes. Os estudos eram medíocres. Rogério Bacon queixa-se de que os estudantes lêm as “insânias de Ovídio” mais pouco o próprio Ovídio em Dentro que as obras de Sêneca. cessa de agradar à mocidade e o ensino do latim clássico vai morrendo. Como em París, a disciplina da moda é, da ressurreição de Aristóteles por Edmund Rich, a dialética ou a lógica. VII. — O espírito da Idade Média era metafísico e não positivo. As Cruzadas, pelo contato com a ciência árabe, e a leitura dos antigos haviam, entretanto, despertado em alguns raros cérebros o senso do método científico. Dêsses primeiros
sábios europeus, o mais ilustre foi Rogério Bacon, “o príncipe do pensamento na Idade Média”, disse Renan. Éle veio de Oxford para París, onde ensinava geometria, aritmética e a arte de observar com instrumentos. Teve certamente a intuição ao raciocínio”, escreve do método crítico. “No que concerne êle, “não se pode distinguir o sofisma da demonstração senão e pela prática. As verificando a conclusão pela experiência
conclusões
mais
certas
do
raciocínio
a
deixam
desejar
se
não
arraigados, que provêm da são verificadas... Há mil erros pura demonstração, de nuda demonstratione.” E, censurando os homens do seu tempo que se consagram à escolástica, Bacon sustenta
que
os segrêdos
mais
importantes
da
sabedoria
ficam
desconhecidos à multidão dos doutos, por falta de método conveniente. Mas quem então fazia caso da observação científica? A própria medicina era teórica e ensinava a doutrina dos “humores”. Rogério Bacon, vencido pela miséria, teve de seguir os conselhos de seu amigo o bispo Grosseteste e, para subsistir, de fazer-se Franciscano. Não lhe permitindo a regra da Ordem possuir tinta, penas, livros, mandou pedir ao Papa uma a necessária deu-lha. Foi IV especial. Clemente dispensa Rogério Bacon uma prodigiosa energia para escrever, sem copista, o seu Opus Majus, verdadeira enciclopédia do século SIT, VIII. — As Universidades representaram importante papel no despertar político da Inglaterra. Em Oxford os estudantes vindos da Escócia e dos condados do Sul, do país de Gales e dos condados do Este, encontravam-se e ficavam-se conhecendo. Como as províncias, confundiam-se as classes. O espirito de Oxford era independente; quando Simão de Monfori travou contra o absolutismo a sua luta corajosa e breve, os estudantes alistaram-se no seu partido, Tôda questão política ou religiosa era ocasião de tumulto universitário. Em 1238, um legado do papa, cujo pessoal tinha ofendido alguns jovens clérigos, foi perseguido nas ruas da cidade por Ingleses, Irlan-
deses
e Galeses,
que lhe mataram
o cozinheiro
com
uma
fle-
chada. “Onde está?” gritavam. “Onde está êsse usurário, êsse simoníaco, êsse ladrão de rendas, insaciável de dinheiro, que nos saqueia para encher os cofres do estrangeiro?” O rei teve
mg re ss E — e e — e mim a un mm e cg
mg peças mesas a a e
112
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
de mandar os seus homens de armas a Oxford, para líbertar o prelado romano e acalmar os estudantes. Dentro de pouco tempo a Igreja ia compreender o perigo que apresentava, para a unidade da fé, essa multidão de jovens retóricos, tão fâcilmente seduzida por qualquer doutrina nova, e ia servir-se, para reconquistar as Universidades, de novas ordens religiosas.
x
AS COMUNIDADES: 3) OS MONGES MENDICANTES I. — A Igreja, que considera sua missão terrena domar e disciplinar as paixões humanas, acha-se por sua vez incessan-
temente De onde
ameaçada pelas reações agressivas dessas paixões. estas reformas sucessivas: a regra de S. Bento, a. de
Cluny, a de Citeaux. No século XIII, a fé dos povos continua, ingênua e forte, mas a Igreja mostra-se muitas vêzes inferior à expectativa dêles. A despeito da severidade de Gregório VII,
muitos clérigos inferiores, na Inglaterra, são ainda casados ou vivem em concubinato. Os votos de pobreza não são mais observados que os de castidade. Anthony Beck, bispo pelo ano de 1200, tem uma comitiva de cento e quarenta cavaleiros. Nada é caro demais para êle. “Pagou um dia, em Londres, quarenta shillings por quatro arenques frescos, porque outros grandes senhores o tinham desafiado a comprá-los. Adquiriu por fanfarronada o pano mais caro que se podia achar e fez cobertas para os seus cavalos.” A simonia está em tôda parte. “Igrejas, benefícios, jurisdições, tudo se compra e tudo se vende.” Um abade que se apresenta em Roma e que não está muito certo do seu latim despende vinte mil libras para abrandar os seus examinadores, examinatores sudo emollire. Os padres de paróquia, que deveriam receber OS dizimos pagos
pelos fiéis, são amiude espoliados chama a si, com o reitorado, todos e lã) e só deixa ao infeliz taliças e frutos). Quanto
por alguma abadia, que os grandes dizimos (trigo
vigário os dizimos Inferiores (horaos monges, embora não tenham
todos os vícios que lhes censuram os satiristas, estão ser modelos de virtude. Foi em vão que S. Bernardo longe de proibiu que os Cistercienses construíssem edifícios demasiadamente ornados; as magníficas abadias que eles deixam na Inglaterra provam simultaneamente a excelência do seu gosto e a ineficácia da sua regra.
si
a
II. -- Duas ordens, erladas no sécu lo XIII, correspondem melhor que as antigas ordens monást icas, à constante necessidade de fervor dos povos: são os Fr anciscanos e os Dominicanos. Essas ordens “mendicantes” Já não são compostas de monges, mas de “Írades”, que não hesitam em deixar o convento para viver no século, entr e os seus irmãos os homens,
114
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
em absoluta pobreza e desprezo completo dos bens terrenos, A regra dos Frades Menores, criada por S. Francisco em 1209, exige que êles vivam de esmolas. Multiplicam-se com tal rapidez que, desde 1264, o Geral dos Franciscanos dirige oito mil conventos e duzentos mil frades. Os Frades Pregadores, fundados por S. Domingos em 1215, visam a um fim um pouco diferente.
da
França
Ésse
padre
espanhol,
os progressos
das
tendo
heresias
observado
albigenses
no
Meio-Dia
e as
campa
nhas sangrentas de Simão de Montfort, propôs ao Papa lutar contra as heresias não mais com a espada, mas pela palavra. Inocêncio III autorizou a ordem, cujo desenvolvimento não
foi menos prodigioso que demora monges em todos
o dos Franciscanos os países.
e que
teve
sem
II. — Os Franciscanos e os Dominicanos, quando chegaram à Inglaterra, em 1221 e em 1224, logo exerceram uma ação extensa. Alí êles não tinham de lutar contra a heresia.
Nem Albigenses, nem Valdenses ameaçavam a Igreja romana. A ignorância e a desafeição não eram, porém, sintomas menos perigosos. O prestígio do Papado fora atingido por um em-
prego imoderado da excomunhão. Recordamos que a cidade de Londres ousara, apesar do interdito pontifício, impor aos seus
padres
Se a Igreja
queria
conservar
a
oco
o
poi
êste quianos e não menos isolado que êles. O monge? Mas levava nos seus conventos uma vida que, ainda quando fôsse santa, não deixava de ser egoista. O monge mendicante, que,
on...
circulando da cidade ao campo, ora vivia entre os seus irmãos e renovava a sua provisão de idéias, ora voltava para o meio dos pobres, podia desempenhar êsse papel, e desempenhou-o efetivamente.
ga ez e
a
da missa.
sua autoridade na Inglaterra, devia, por meio de novos missionários, comover as classes populares. O grande papel que ela desempenhara na formação da sociedade inglesa viera de que entre camponeses semibárbaros e a cultura externa, tinha sido ela o laço único. Faltava completar essa missão. Um dos aspectos trágicos da Idade Média é o isolamento, e pois a ignorância, dos aldeões. Mas quem podia assegurar uma ligação? O padre de paróquia? Era tão ignorante como os paro-
ap
*
Co
a celebração
IV. — Um primeiro grupo de Franciscanos atravessou a Mancha em 1254. Eram nove e a sua viagem para a Inglaterra tinha sido caridosamente garantida por monges de Fécamp. Foram diretamente a Londres, onde lhes foi dado um pequeno quarto numa escola. Aí, à noite, eram êles vistos à volta de um fogo, bebendo borra de cerveja, “tão amarga que alguns preferiam água pura”, diz com horror e piedade um escrito do tempo. Com isso, apenas pão do mais grosseiro e, quando não havia pão, papa de aveia. Em Cambridge, o Rei deu-lhes dez marcos para alugarem um terreno, e êles construiram uma
capela, “tão miseravelmente pobre que um só carpinteiro, em um só dia, a teria quase acabado”. Por muito tempo foi res-
OS
denis
peltada pelos Franciscanos
bic NCESES
115
a regra de absoluta pobreza. Guando
os frades quiseram construir um verdadeiro mosteiro, o Provincial inglês protestou: “Não entrei na religião” disse éle,
“para levantar paredes”, e mandou arrasar um claustro Ge pedra que os burgueses de Southampton tinham edificado para a
sua
ros,
para
ordem.
disse:
mente
“Não
elevardes a ação
ceramente
Aos
seus
tendes
monges
as vossas
sôbre
os bens
que
necessidade
o povo
cabeças
ao
de ordens
dêste mundo,
lhe
reclamavam
dêsses
pequenos
montes
desprezavam
tão sin-
céu.”
que
travessei-
Imagina-se
facil-
V. — Entre as regras estabelecidas, por S. Francisco, a primeira que deixou de ser observaãa pelos seus discípulos foi o desprezo do saber. A um noviço que lhe pedia um saltério, respondia Francisco: “Eu sou O vosso breviário.” Ficava desesperado quando lhe diziam que a sua ordem produzira grandes doutores, e sem dúvida não teria, como fez Clemente IV, autorizado Rogério Bacon a possuir tinta e penas. Mas o próprio êxito da sua pregação obrigou Franciscanos e Dominicanos a
estudarem pelo menos a teologia. Precisavam, de fato, preparar-se para responder às objeções. Tornaram-se sem demora, nas Universidades, afortunados rivais do clero secular. Monges e padres viam com maus olhos êsses frades mendicantes, cujos pés descalços e cuja alimentação miseravel eram a condenação muda dos ricos benefícios e das abadias rendosas. Os estudantes pobres, entretanto, acolhiam-nos com uma confiança que já não era concedida por êles a um clero excessivamente bem provido. Em Oxford, a Escola franciscana atingiu prodigiosa reputação. Foi ela que produziu os três maiores espiritos da época — Rogério Bacon, Duns Scotus e Ockham, e que ergueu a Universidade de Oxford à altura da Sorbona.
VI. — As duas primeiras ordens mendicantes, vieram no curso do século, juntar-se outras duas: os Agostinhos e os Carmelitas. Depois, à semelhança dos monges que as antecederam, “as quatro ordens” vieram a descurar as disciplinas que lhes tinham feito a grandeza. Seria injusto censurá-las por isso; adotavam um modo de existência que era o dos seres entre os quais viviam; mas no século XIV o “frade esmoler”, obeso, muito bem nutrido, e um dos alvos preferidos dos satiristas. Quando cedem, por sua vez, aos instintos naturais, êles torcem a regra, que lhes proibe possuir cavalo, montando num burro, vivem em claustros confortaveis edificados para êles
por pecadores ricos, vestem-se resguardados do frio e às vêzes
se dão O luxo de uma educação apurada; mas perdem assim a ascendência sôbre os pobres. E' em vão que um homem, cujas bochechas rechonchudas e róseas provam que há muito tempo janta magnificamente, prega que o apóstolo Paulo viveu in jame ei frigore. Nos Contos de Canterbury, o frade de Chaucer já se assemelha aos monges rabelesianos. Na realidade, a maior parte dos frades eram homens sem maldade, mas o con-
116
HISTORIA
DA
INGLATERRA
traste entre a regra da sua ordem e a natureza da sua vida ia fornecer elementos às iras dos “puros”. Além disso, num país
que, desde o fim do Império normando e do angevino, tomava consciência da sua originalidade nacional, êsses frades que
representavam a última onda das contribuições continentais e que pretendiam depender diretamente do Papa, irritavam muitos fléis. Entre a Igreja romana e a Igreja de Inglaterra, o conflito só ia estalar depois; mas desde êsse tempo as causas profundas de um rompimento estão semeadas nas consciências mais exigentes. Aí vão germinar.
RI
=.
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—
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O ——
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HENRIQUE III E SIMÃO DE MONTFORT I. — Quando a morte de João sem Terra fez rei legítimo uma criança de nove anos, Henrique III (1216), os barões, que de França, reunio ódio ao pai lançara ao campo de Luiz ram-se imediatamente à Coroa. Nessa nobreza, aliás de origem estrangeira, crescia um sentimento naciotal. A perda da Normandia, separando-os dos seus domínios franceses, acabara de ligar à da Inglaterra a sorte dos barões normandos. Durante a menocridade do Rei, bons soldados, Guilherme o Marechal e Huberto de Bourg, garantiram a segurança do país; eníim, em 1227, o jovem Rei atingiu a maioridade. Henrique I I não tinha a crueldade, nem o cinismo do pai. Por sua piedade, sua ingenuidade, recordava antes Eduardo o Coenfessor, a quem êle admirava muito e em cuja honra reconsiruiu a Abadia de Westminster. Era, porém, pouco talhado para reinar sopre a Inglaterra dêsse século. Numa época em que tôdas as rorças essenciais do país procuravam ditar regras ao poder do Rei, era absolutista; numa época de nacionalismo, não era inglês. Tendo esposado Alienor da Provenca, cercara-se dos tios da Rainha, e um dêles. Pedro da Sabóia, edificara 3 margem do rio o palácio que Savoy Court hoje recorda. Com os parentes da mulher, pôs o Rei no poder os de sua mãe, gente ao Poitou. Barões e burgueses, exasperados, começaram a resmungar: “A Inglaterra para os Ingleses”, e os mais recentemente Ingleses dentre êles não eram os menos veementes. Por fim o Rei, muito devoto e que guardava viva gralidão ao Papa por ter protegido a sua menoridade, reconhecla-se vassalo da Santa Sé e favorecia as usurpações de Roma à custa
do clero inglês. O Papa contraífa o costume
italianos
os
tos dos eE SR como A
seus
mais
ricos
benefícios
da
de dar a favoritos
Inglaterra,
ainda
antes
que êéstes estivessem vagos, Quando esses provisors ou abades provisórios, se tornavam titulares, flenavam tranquilamente em Roma, nomeavam um vigário e perceblam os rendimen-
II.
crescia
—
pularidade mada
bens
sete
um
Avultou
Inpleses
à ralva do clero hosst t ilidade contra o
sentimento
de
lentamente
durante
de Henrique vêzes,
Imagina-se
não
III. A Magna
fora
observada
tri inta
anos
Carta, embora
por
êle.
Os
a
local
Papa im j po-
confir-
preços,
em
e
SR
PE
118 tôda
HISTÓRIA a Europa,
subiam
DA então,
INGLATERRA porque,
renascendo
a confiança,
o dinheiro reentrava em circulação. Essa alta aumentava automaticamente as despesas do govêrno, mas os barões não eram economistas, e cada vez que o Rei lhes pedia novos subsídios, encontrava má vontade crescente. Não podendo resignar-se a renunciar os grandes sonhos angevinos, tentou êle reconquistar
e deixou-se
bater
em
Taillebourg.
Tocou
os limites da paciência inglesa quando .aceitou do Papa (que, fo seu tabuleiro diplomático, jogava o Rei da Inglaterra contra o Imperador) o reino da Sicília para seu segundo filho, Eamundo. Era um presente oneroso e que precisava ser conquistado; para essa expedição os barões recusaram peremptoriamente qualquer auxílio, a menos que o Rei aceitasse reformas. O Grande Conselho reuniu-se em Oxford em 1258, e, contrariamente ao uso, os senhores compareceram em armas. “Sou vosso prisioneiro?” perguntou-lhes timidamente o Rei. Exigiram que aceitasse as “provisões de Oxford”, que confiavam o govêérno do reino a uma comissão de reformas. Essa comissão teria a fiscalização do Erário; nomearia o Justiceiro, o Tesoureiro, o Chanceler. Se ela houvesse durado, uma oligarquia teria substituido a monarquia.
rar
francês
forme
império
pê
um
IXI. — O Rei jurou, mas recorreu logo à tática de seu pai e obteve que o Papa o desligasse do juramento. Protestaram os barões; ficou convencionado que os dois partidos aceitariam o arbitramento de 8. Lulz, rel de França, cujo prestígio na Europa era grande, O Rel e seu filho, Lord Eduardo, embar-
caram para ir pessoalmente defender n sua causa na conferência de Amiens, 8. Luiz deu-lhes razão; pronunciou a anulação das “provisões de Oxford", que cram contrárias a tôdas as suas idéias políticas, «e confirmou o direito, para Henrique,
de empregar estrangeiros como conselheiros ou ministros. A decisão, assaz obscura, confirmava, entretanto, a Magna Carta. Os barões mais conservadores aceitaram o Dito de Amiens, mas um partido mais jovem oc mais ousado sustentou que a sentença arbitral era contraditória, que não se podia a um tempo confirmar a Magna Carta e anular as “Provisões” que eram a aplicação dela, e, enfim, que a luta devia continuar. Dêsse
partido era chefe o homem mais Montfort, conde de Leicester.
notavel
da
época:
Simão
de
IV. — Esse campeão das liberdades inglesas era um Francês; mas, na herança do pai, achara o condado de Leicester, outrora confiscado por João sem Terra. Henrique III lho restituira, ligara-se muito intimamente com êle e, em 1238, o casamento de Monfort com a irmã do Rei indignara fortemente os Ingleses. Depois, os dois cunhados indispuseram-se. Henrique era impaciente e leviano; Simão impaciente e grave. Foram de rixa em rixa. Simão partiu para a Cruzada e, na volta, administrou a Gasconha, pondo de novo ordem no país, mas com tamanha brutalidade que vieram enviados gascões f)
|
artigo OL eco
pai
|
k =
OS:
PREBRIES
RE RPAINTCSEASTES:
119
quolxar-so dêle à corte da Inglaterra. O Rei convidou o cunhado n Justificar-se. Simão respondeu que homem tão nobro quanto êle não podia ser incomodado pelo capricho de “estrangelros”. A discussão acalorou-se e, tendo Henrique pro-
nunciado
a palavra
traidor,
objetou
Monfort:
“Aí
está
uma
mentira, e se não fôsseis meu soberano seria para vós um dia de desgraça aquele em que ousastes pronunciar esta palavra! — Volta para a Gasconha, provocador e apreciador de questões, e lá recolhe a tua recompensa, como teu pai antes de ti! — E' com alegria que irei e não voltarei antes de ter feito dos teus inimigos teus escravos, por mais ingrato que sejas.” Subspor Lord Eduardo, herdeiro do tituido na Gasconha (1253) trono e seu sobrinho , Montfort voltara à Inglaterra, cheio de amargura e de indignação, e prontamente se tornara chefe do partido reformista. Amigo íntimo do grande bispo e teólogo piedoso, entusiasta e Roberto Grosseteste, êle próprio muito inspirador de entusiasmo, impressionado com os males do reino, o conde de Leicester foi a alma da oposição aristocrática, que tentou, no Grande Conselho de Oxford, restringir a autoridade real. Depois do Dito de Amiens, essa oposição dividiu-se. Muitos nobres cederam. Montfort irritou-se, com a sua habitual violência: “Tenho estado em muitos países”, disse êle, “e em parte nenhuma encontrei homens tão sem fé como na Inglaterra. Mas ainda que todos me abandonem, meus qua-
tro filhos e eu defenderemos a boa luta, não ovstante as defecções. V.
|
)
causa.”
Retomou,
pois,
a
— O carater original dessa época é que “novas camadespertam para a vida política. Dois grupos principal-
das” mente são interessantes por causa do papel que daí a pouco jam representar: os cavaleiros dos campos e os burgueses das cidades. A classe dos cavaleiros estendera-se muito nos últimos cem anos. A datar de 1278, será cavaleiro e submetido às obrigações militares da cavalaria todo homem livre cuja renda territorial atinja vinte libras. Com a alta dos preços, muitos pequenos proprietários achar-se-ão, quer queiram quer não, providos de uma terra de cavalaria (Knight's fee). Já durante todo o século XIII, o pequeno fidalgo camponês, ocupado com as suas terras e com os Negócios locais (o futuro squire), muito diferente do barão guerreiro e cortesão, multiplicara-se rapidamente. Formavam êsses cavaleiros úma classe abastada, respeitada e que se habituara, sobretudo depois da instituição dos juízes ambulantes, a representar grande papel na vida do condado. E' de recordar-se que, para a formação dos juris, O Sheriff fazia primeiro nomear pela assembléia quatro cavaleiros e que êstes escolhiam em seguida dois cavaleiros por centena. Havia pois, aí um grupo de homens que tinham auto-
ridade na sua província e para os quais era natural apelar quando se queriam conhecer os sentimentos dos condados. Desde 1213, João sem Terra admitira em um Grande Conselho quatro cavaleiros da cada shire. Em 1254, tendo Henrique HI
120
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
necessidade de dinheiro e encontrado hostilidade na grande nobreza, mandara consultar pelo Sheriff as côrtes dos condados e trazer as respostas destas ao Grande Conselho por dois cavaleiros de cada shire. Esperava-se sem dúvida que êsses camponeses, intimidados pela majestade real, não ousariam formular
uma
recusa.
VI. — A presença excepcional de alguns cavaleiros no Conselho não bastava naturalmente para fazer dêste um Parlamento moderno. A palavra parlamento é empregada na Inglaterra desde 1239, mas significa simplesmente, no principio, a ação de falar. Parlamento é naquela época um debate do Grande Conselho, e o próprio Grande Conselho continua a ser como outrora uma corte de justica, composta de darones magjores, convocados coletivamente pelo Sheriff. Os cavaleiros
de 1254 não estão aí senão como informadores; não tomam assento na assembléia. Mas o espírito ousado de Simão de Montfort devia ir muito mais longe. Após o Dito de Amiens, o grande rebelde alcançara sôbre as tropas reais, em Lewes, uma. vitória completa. Tivera contra si o sobrinho, Lord Eduardo, e uma parte do baronato, mas por si a jovem nobreza, os burgueses de Lonares, tão entusiastas quanto mal armados, os estudantes de Oxford e sobretudo os excelentes arqueiros galeses, que defendiam assim, indiretamnte, a independência do seu principado. Simão, entre outros dotes, possuia o da estratégia. Fez prisioneiro o Rei e o herdeiro e resolvido a reformar o reino, convocou em nome do Rei o Parlamento de 1264, no qual deviam comparecer quatro cavaleiros “discretos” de cada condado, eleitos para tratar com os prelados e magnatas os negócios do reino.
VII. — Os escritos do tempo mostram que o pensamento político se tornava então muito ousado. “Os que estão sujeitos as leis” diz um poeta, “são os que melhor conhecem as leis e, uma vez que se trata dos seus próprios negócios, tomarão maior cuidado.” Simão de Montfort, chefe do govêrno, colocou o poder nas mãos de uma comissão de nove membros, ncmeados por três Eleitores. Ao Grande Conselho dava êle o direito de destituir êsses Eleitores. Era o esboço de uma constituição
quase tão complexa quanto a de Sieyes. Não há dúvida que oimão de Montfort estava longe de imaginar o que seria um dia o Parlamento britânico, e é um anacronismo fazer dêle
|
o primeiro dos whigs. Compreendia, porém, êsse grande homem que forças novas surgiam no país e que o futuro pertenceria a quem soubesse empregá-las.
VIII. — No ano seguinte, tendo-se vários barões desgostado com as inovações, Simão, irremovível, resolveu apoiar-se mais fortemente nas classes novas e convocou o célebre Parlamento de 1265, a que deviam assistir dois cavaleiros de cada
shire
e dois
burgueses
de
cada
cidade
ou
burgo,
convocados
5000000008
.
. E».
12£
FRANCESES
REIS
OS
êstes últimos por um writ enviado, não ao Sheriff, mas diretamente à cidade. Desta vez estão reunidos todos os elementos do futuro Parlamento inglês — Lords, deputados do condados ou county members, deputados das cidades ou borough mem-
bers. Não se pode, entretanto, dizer que a Câmara dos Comuns. date, literalmente, dessa experiência, porque os deputados dos: condados e das cidades não estão aí “senão a título consulporque lhe importante parece-nos presença sua tivo”. A contemporâneos, pareceu conhecemos as consequências. Aos
sem dúvida natural.
O rebelde: convocava
os seus partidários.
IX. — Um homem, pelo menos, observava com interêsse profundo e involuntária admiração a política popular do conde de Leicester; era o herdeiro do trono, Lord Eduardo. Inferior a seu tio pelo carater, desprovido do idealismo apaixonadoque fazia a nobreza de Simão, Eduardo tinha melhores predi-
cados para vencer. Simão de Montfort, atormentado pela grandeza dos seus desígnios, recusava-se a tomar em consideração: a pequenez dos homens. Eduardo, incapaz de idear, mostrava-se superior na execução. Tendo-se evadido por um estratagema (fingiu experimentar os cavalos de todos os fidalgos que o guardavam, e depois escolhido o mais veloz, partiu a galope e não pôde ser alcançado), reuniu-se aos barões das fronteiras do Oeste e do Norte, atacou Monfort aplicando as lições de tática recebidas dêle e venceu-o em Evesham. Montfort, jogador correto, admirou como técnico a manobra que. 0 perdia: “Por S. Tiago!” disse êle, “vêm em boa ordem... Foi comigo que aprenderam êsse movimento. Encomendemos
as nossas almas a Deus, porque
Bateu-se
numa
que
os
heroicamente
escuridão
quase
contemporâneos
durante
completa tiveram
os nossos corpos são deles...” uma
devida
por
manhã
um
a
uma
inteira;
depois,
tempestade
prodígio,
foi
e
morto.
O seu corpo foi mutilado pelos inimigos, mas Eduardo permitiu que os Franciscanos enterrassem o que restava, e durante
muito tempo as radas pelo povo
%.
grandes
—
Com
relíquias como as
Simão
Franceses
que
de
de de
Simão de Montfort um santo.
Montfort
contribuiram
desaparece
para
OPEIRE
foram
o
vene-
1
a Dae
Em breve os filhos dos nobres Normandos só aprenderão o inglês. Godwin e Godgifu terão vencido. Mas o papel dos reis: normandos e angevinos terá sido Imenso. No momento em que: Guilherme o Conquistador desembarcara, tinha encontradoum pais de desbravadores, uma Justiça local e rude, uma Igreja licenciosa, e insubordinada. Pelo seu vigor, pelo de Henrique I e, depois, pelo de Henrique II, crlouse uma administraçãocentral, que se mostrou assaz forte para poder tolerar En ES dna locais, Muitas instituições que êsses Reis. otegeram — o juri, os tribunai j j o Exchequer, as Universidades, eta da ne CATE GR sem Terra, rei pérfido, e Henrique III, rei iraco, foram úteis a
122
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
seu modo. A Magna Carta, concedida por um, confirmada pelo outro, anuncia a transformação do costume feudal em lei
di
comum, que o Rei deverá respeitar. O período que vai de 1066 a 1272 é, na história da Inglaterra, um dos mais fecundos. à colônia normanda, fundada no tempo da Conquista por cinco mil aventureiros. desenvolveu-se de forma tão original que vai, no curso dos séculos seguintes e depois de uma últi ma tentativa para unir os dois reinos da França e da Inglater ra, cortar todos os vinculos com o Continente. Podemos imaginar, muito aproximadamente (1), essa espantosa fortuna se supusermos que Lyautey, conquistador de Marrocos, aí tenha fundado uma dinastia aceita pelos habitantes, aceitand o ela, própria as tradições dêstes, e que os seus sucessores tenham dado a êsse Império leis mais fortes e prosperi dade mais sólida que as da metrópole.
x—
(1) — A diferença é que «ade de raça e de religião.
entre
Normandos
e Saxões
havia
identi-
LIVRO
III
GRANDEZA E DECADÊNCIA DO FEUDALISMO 1272-1485
TABUA
II
Os últimos reis Plantagenetas JOÃO (1199-1216) (Ver Tábua IT) I
EDUARDO
1
(1272-1307)
|
EDUARDO
!
|
da
| |
| À
de
RICARDO
Duque
de
Cla-
rence
II
Pilipa
espõsa Edmundo
Conde
timer,
de
|
March.
Rogério
Conde
Edmundo Conde
March.
de
Ana
esp.
de
Conde
de
York
Conde
de
de
tand
Lan-
castro
(Ver
de
no
branca
lado)
|
Ricardo
de
York
| Mortimer
| EDUARDO
IV
|
(1461-1483)
| | |
Tábua
RICARDO
(1483-1485)
III
|
Eduardo
CC EDUARDO V Ricardo Isabel de York, (1483-1483) morto em 1483 espõsa de HENRIQUE VII (1485-1509)
(Ver
Gee
Lan-
III)
morto
em
de
castre
J'ranca,
João
de
Lan-
esp.
de
Gand
Duque de Lancastre (Ver ao lado
| HENRIQUE IV (1399-1413) | HENRIQUE Yv (1413-1422) | HENRIQUE VI (1422-1461)
lado)
Duque
Conde de Cambridge (Ver ao lado)
Duque
de
Mortimer
de March.
Ricardo
João
esp.
Cambridge esposo de Ana
ao
de
Duque
EHimundo,
(Ver
castre
Henrique
Ricardo
de Mor-
Lan-
Henrique
III
Duque
de |
Franca
(1327-1877)
(13777-1399)
Conde
Isabel
EDUARDO
Eduardo
Edmundo,
JII
(1307-1327)
esposo
HENRIQUE III (1216-1272)
1484
|
Eduardo
morto
em
1471
I
EDUARDO
1I
(1272-1307).
REFORMAS
ADMINISTRAÇÃO
LEGAIS.
INTERNA
I. — —Entre patrícios e plebeus, entre castelões e camponeses, a conquista normanda elevara, a datar de 1066, a dupla barreira da língua e do rancor; rápidamente, porém, as duas civilizações, que a fôrça havia juxtaposto, tinham-se confundido. Os camponeses saxões normandos tinham respeitado os seus usos do povo inglês. Ao tempo da subida de Eduardo I ao trono, a fusão é quase completa e a pessoa do Rei é o símbolo dela. Embora descenda em linha reta do Conquistador, tem êle o velho nome saxão do Confessor e é um rei inglês. O seu alvo principal já não é reconquistar a Normandia, nem reconstituir o império angevino, mas fazer a unidade da GrãBretanha, submetendo o País de Gales e depois a Escócia. Fala inglês tão naturalmente quanto francês e vemo-lo, na Cruzada, responder em inglês aos salaams dos embaixadores do Sultão. Sob o seu reinado a língua inglesa que, desde a Conquista, seguia um curso subterrâneo entre os artífices e os vilãos, vai reaparecer ao ar livre. Desde 0 tempo de Simão de Montfort, ela é empregada num documento oficial. Entre os novos clérigos, “não há um por cento que possa ler uma carta em lingua nenhuma, a não ser latim ou inglês”. Antes do fim do século XIV, o francês deixará de ser estudado nas escolas da Inglaterra, e João de Trévise lamentar-se-á porque os próprios
nobres já não
o ensinam
a seus filhos. Como
à língua,
as instituiões de Eduardo I preiiguram a Inglaterra moderna. As suas leis exercem influência duradoura na estrutura social do país. Enfim, apesar da sua sincera piedade, a atitude de Eduardo para com o Papa já será a de um chefe de Estado
“nacional
e insular”.
II. — Modernismo e Insularidade tanto mais surpreendentes quanto o Rei, por seu temperam ento, continuava a ser feudal e, por seus gostos, Plantageneta , Homem imponente, vigoroso, bem felto, de longas e fort es coxas de cavaleiro, os seus prazeres prediletos eram a caça e o torneio. Quanto às leis da Floresta, foi sempre intransigente. O seu regresso da Cruzada assemelha-se às correrias dos ca valeiros andantes nos romances. No seu percurso ele Tepara os agravos, ataca um bandido da Borgonha e bate-se com o conde de Chãlons. Ao conquist ar
126
|.
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
o pais de Gales, pede a coroa do rei Artur e organiza um banquete da Távola Redonda. Com relação ao Rei da França, seu suserano pela Gasconha, preza-se êle de observar com todo o rigor o código do perfeito vassalo. Rende homenagem: aceita com submissão as decisões do suserano. A sua divisa é: “Keep troth... Pactum serva... Sê fiel à tua palavra”. Sem dúvida acontece-lhe, depois de ter dado essa palavra, mudar de opinião; mostra-se, então, maravilhosamente hábil em torturar os textos para conciliar promessas e desejos. “Quer ser legal,” diz um contemporâneo, “mas tudo aquilo de que gosta diz que é legal.” Não hesita em recorrer, para libertar-se de um juramento incômodo, ao hereditário método dos Plantagenetas: a absolvição pontifícia. Bem apuradas as contas, o homem ê, todavia, talhado por um bom molde; os seus instintos são nobres e êle mostra aptidão, rara nos soberanos dêsse tempo, para aproveitar as lições da experiência. Desde a revolta dos barões, compreendeu que está acabado na Inglaterra o tempo do despotismo e que o único meio de consolidar a monarquia será daí em Giante apoiá-la nas classes novas que avultam. Irascível, orgulhoso, cabeçudo, às vêzes duro, mas trabalhador.
honesto Estado.
e
bastante
sensato,
êsse
cavaleiro
é um
homem
de
II. — Ao passo que na França quase todo o edifício legal que nos abriga data de Napoleão, os estatutos de Eduardo I, nos casos em que não foram abrogados, têm ainda na Inglaterra fôrça de lei. Desde o início do reinado, Eduardo, como outrora o Conquistador, manda fazer um inquérito em todo o reino para saber em virtude de que direito, Quo Warranto, os senhores privados detêm uma parte do poder público. Esse
inquérito excita grandes furores entre os nobres. O conde de Warenne, quando os juristas do Rei lhe pedem que mostre os seus pergaminhos, puxa da bainha uma espada enferrujada e responde: “Aqui está a minha carta. Os meus antepassados vieram com Guilherme o Conquistador e conquistaram as suas
E EA
na o
sr
4
terras com esta espada. Com esta espada, eu as defenderei contra qualquer usurpador.” Resposta incômoda para um rei cavaleiro. Eduardo I, porém, já sabe que os documentos têm, na Inglaterra, maior futuro que o direito da espada, e, além disso, a resistência é esporádica. IV. — Graças ao domínio exercido sôbre si mesmo pelo Rei, passou-se o reinado sem conflitos irremediaveis com qa Igreja. Entre o poder civil e o poder religioso foram várias as
pendências;
Rufus
com
nunca
Anselmo,
atingiram ou
de
a
violência
Henrique
II
das
com
de
Guilherme
Becket.
A
mais
grave suscitou-se quando o Papa Bonifácio VIII, em 1296, pela Clericis lúicos, proibiu ao clero pagar imposto às autoridades temporais. Eduardo I, justamente irritado, ordenou que
se sequestrassem os bens da Igreja e a lã dos monges. O clero regular tomou o partido de Roma; o clero das paróquias, mais
GRANDEZA
E
DECADÊNCIA
DO
FEUDALISMO
127
Ingós quo romano, mostrou-se sensivel às razões do Rei. Sobrevelo uma reconciliação. Semelhantes debates diminuiam perigonumento na Inglaterra o prestígio do papado. O cativeiro dos
Papas
na
França
(1305-1378)
ia trazer
a êsse
prestígio
um
golpe ainda mais grave, colocando o Papa em poder do inimigo. Desde o século XIV, o nacionalismo novo e o catolicismo tradicional tornam-se, aos olhos dos Ingleses, dificilmente compativeis, e o estatuto dos Provisors proibe a todo súdito, e em particular ao clero, pagar taxas, rendas ou benefícios fora do
reino.
V.
—
Era
estancar
a mais
abundante
fonte
de receitas
das que alimentavam o tesouro pontifício. Tornava-se, porém, asperamente as suas defendesse de-veras mister que o Rei
rendas. Aumentavam as despesas do Govêrno com a multiolicidade das suas funções e os antigos impostos (conirabuições. feudais e geld) já não bastavam. Os recursos adicionais do Rei são a escudagem, taxa em substituição do serviço militar que não é paga sem dificuldades e que desaparece em 1322; o: imposto sôbre os bens móveis e de raiz, que se eleva geralmente a um quinze avos para os campos e a um décimo para. as cidades (a datar de 1334, a décima quinta e a décima parte serão fixadas por junto em trinta e nove mil libras; daí em diante, tôda vez que o Parlamento votar “um quinze avos e mil libras): e, e nove isso trinta um décimo”, significará finalmente, os direitos de entrada e saída de mercadorias (customs ou aduana). Ésses direitos recaem na saída sôbre as. lãs e as peles, principais produtos do reino, e na entrada sôbre os vinhos.
VI. — Eduardo I despoja-se voluntariamente de um dos grandes recursos de seus antepassados, expulsando, em 1290, todos os Judeus da Inglaterra. O desastre das Cruzadas tivera como consequência um ressurgimento do ódio popular contra os únicos Infiéis que estavam ao alcance de represálias e eram incapazes
de
defender-se.
Acusavam-nos
de
todos
os
crimes.
A nobreza endividada almejava livrar-se a um tempo do credor e da dívida. A decisão tomada pelo Rei foi menos deshumana do que as perseguições que a precederam. Éle autorizou os Judeus a levarem consigo os seus bens móveis e mandou enforcar os marinheiros seus passageiros durante
que roubaram ou assassinaram os a travessia. O mister de prestamista
foi exercido na Inglaterra, depois da partida dos Judeus, por cristãos de Cahors, os Caorsinos, que tinham achado uma maneira engenhosa de torcer as leis da Igreja. Emprestavam gratuitamente por um período bastante curto, depois, expirado
o prazo e não sendo o empréstimo reembolsado, reclamavam. uma indenização pelo tempo decorrido desde a data do vencimento. Foi o que se chamou o interêsse: id quod interest. Dentro em pouco os Italianos, por sua vez, exerceram o mister
de banqueiro
e os cambistas
lombardos
deram,
em
Londres,
o
126
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
nome à Lombard Street onde tinham loja. Depois, os Ingleses mesmos tornaram-se mestres nesse comércio do dinheiro. “quando, na época de Cromwell, os Judeus voltaram à Inglaterra, acharam, entre os cristãos, rivais felizes, cuja tolerânLia lhes foi indulgente e cuja concorrência foi formidavel.
II
ORIGENS
E
CRESCIMENTO
DO
PARLAMENTO
I. — Sob Eduardo I é que aparece pela primeira vez um Parlamento, composto de duas Câmaras, mas a criação das instituições parlamentares não foi um ato consciente. A difi-
culdades imprevistas, o bom senso dos reis, a fôrça dos barões,
a resistência dos burgueses opuseram expedientes sucessivos. O Parlamento nasceu dêsses recontros. Convocado pelo Rei como instrumento de govêrno, tornou-se muito lentamente
para os barões, e depois para trição. Na origem é o Granãe
a nação, um instrumento de resConselho dos soberanos norman-
dos, cuja sombra domina ainda hoje o Palácio de Westminster. Se entramos na Câmara dos Lords, o trono recorda-nos que o Rei é presidente dessa assembléia. Éle a preside efetivamente no dia em que vem ler a Fala do Trono. No Saco de Lã senta-se o Chanceler. Por que está aí Porque é êle quem, em nome do Rei, convoca essa Câmara. E a quem convoca êle? Até o século XIV, o direito de ser chamado ao Conselho per manece muito mal cefinião. Um par do reino é, ao pé da letra, um fidalgo que tem o direito de não ser julgado senão pelos seus pares; mas existem vários milhares de tais senhores, ao passo que, pelo ano de 1305, o Conselho se compõe somente de
setenta membros, dos quais cinco condes sendo os outros funcionários eclesiásticos Rei convoca os que precisa de consultar.
e dezessete barões, ou reais. De fato o
II. — Desde Simão de Montfort e seu dis cípulo Eduardo I, estabeleceu-se o uso, nos casos graves, de consultar não só os barões, mas os representantes das “comun idades”. dois cavaleiros para cada shire, dois burgueses para as cidades mais importantes. Era duplo o objeto Gesso convocação; por um lado o Rel havia reconhecido que um Imposto ecra mais bem aceito se aqueles que o deviam pa gar cram antes avisados. e por outro lado, não Lendo, em razão da dificuldade das comunicações, nenhum melo de conhecer o estado da opinião pública, julgava necessário expor de tempos a tempos a situação do reino a homens que, vindos de todos os condados ingleses, aí poderiam
em seguida, com as suas narrativas e relatóTIOSs, criar um ambiente favoravel. No comêço êsse método não é privilégio novo concedido aos cavaleiros e burgueses; é, pelo contrário, uma maneira cômoda de
subtrair-lhes
dinheiro
ou
130
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
de causar-lhes impressão. Certos cavaleiros, na ocasião em que são eleitos ao Parlamento pelo seu condado, fogem para esca-
par a essa corvéia. Além disso, os deputados dos condados e das cidades não tomam parte alguma nas deliberações do Con selho. Escutam em silêncio. E um speaker (então oficial da Coroa) quem comunica ao Conselho o assentimento ou as objeções dêles. Mas êles tomam de-pressa o hábito de deliberar entre si e, pelos fins do século, o capítulo dos monges de Wesiminster é-lhes designado como lugar de reunião. Cumpre notar que essas primeiras sessões dos Comuns são secretas; são toleradas, não legais. “A origem da Câmara dos Lords é uma córte de justiça; a origem da Câmara dos Comuns é uma. comissão clandestina.”
III. — O uso de convocar os diferentes “estados” de um reino (o militar, o padre e 0 plebeu) para lhes pedir o consentimento aos impostos não é, no século XIV, peculiar à. Inglaterra. Como as corporações, como as comunas, é então uma idéia européia. Quase todos os soberanos do tempo recorrem a êsse método para fazer aceitar taxas que se tornam
cada
vez mais pesadas|
Mas
a estrutura
original
da sociedade
inglesa faz que o Parlamento se torne logo muito diferente. dos Estados Gerais franceses. Na Inglaterra como na França, começou o Rei por pedir a cada um dos três Estados que se taxasse a si próprio; renunciou a isso prontamente, porque essa divisão em Estados já não correspondia a uma realidade inglesa. u) Os bispos faziam parte do Grande Conselho, não como bispos, mas como tenentes chefes e senhores feudais. O resto do clero cessou de fazer-se representar no Parlamento. Os padres preferiam votar os seus impostos em suas próprias assembléias, as Convocações de Canterbury e de York, Assustados com os conilitos incessantes entre o Papa e O Rei, desejavam manter-se apartados do poder civil. Com a sua abstenção, achou-se a Inglaterra encarrilada para o sistema das quas Câmaras. b) Os cavaleiros teriam podido funcionar com os bispos e os barões, mas nas assembléias dos condados, nas córtes formadas pelos juizes ambulantes, êsses cavaleiros. haviam-se encontrado em relações constantes com os burgueses. Desde que todo possuidor de uma renda territorial de vinte libras devia fazer-se armar cavaleiro, o tipo de homem e o tipo de vida ligados a essa palavra tinham ambos mudado. A classe dos cavaleiros aliava-se de bom grado, pelo casamento, aos ricos mercadores das cidades. Ela mesma era mais agricola e comerciante do que guerreira. 4 experiência ProvVOU:
que
.—
Além
os cavaleiros disso,
éles
estavam
eram,
mais
como
à vontade
êstes,
com
convocados
os burgueses. pelo
Sheriff:
representavam, como êles, comunidades. Da união da pequena nobreza com os burgueses das cidades fez-se a Câmara dos
=
nã
Comuns.
IV. — Duas circunstâncias particulares, separação voluntária do clero e a reunião dos
portanto, — a cavaleiros com
GRANDEAA
de DECADENCIA
DO
FEGDALISMO
13]
os burgueses — tornam possível a formação de um Parlamento composto de uma Câmara Alta e de uma Câmara Baixa. Lust reunião dos cavaleiros com os burgueses é um fato capital, Ela explica porque a Inglaterra nunca se achou, como q I'rança no século XVIII, dividida em duas classes hostis. Na origem o sistema feudal é mais ou menos o mesmo na França (c em tôda a Europa) que na Inglaterra. “A condição dos camponeses é pouco diferente; a terra é possuida, ocupada, cultivada da mesma forma. Dos confins da Polônia ao mar da Irlanda, o senhor, a corte do solar, o feudo, as classes feudais,
o reino, tudo se assemelha...” Mas no século XIV, enquanto na Inglaterra as classes se penetram, na Franca eleva-se uma
barreira entre a nobreza e o resto do país. Não era, como se tem escrito muitas vêzes, que a nobreza na Inglaterra fôsse aberta, na França fechada. Nenhuma classe era mais aberta que a nobreza francesa. Muitos ofícios enobreciam aqueles que os compravam. Simplesmente, se essa barreira era facilmente transponível, “era fixa, visivel, reconhecível por sinais manifestos, odiosa a quem ficava de fora”. Na Franca, a nobreza foi isenta de impostos. O filho de um fidalgo era de direito fidalgo. Na Inglaterra, só o barão proprietário de uma baronia, o chefe de família, teve o direito de ser chamado à Câmara dos Lords por convocação individual. (1) Seu filho continuou livre de ir à Câmara dos Comuns representar o seu condado, e dentro em pouco solicitou essa honra. O direito de primogenitura e a legislação de Eduardo I acerca dos “domínios entalhados” impeliram à aventura milhares de filhos mais moços. “Se as classes médias da Inglaterra, em vez de fazerem guerra à aristocracia, lhe ficaram tão intimamente unidas, não proveio isso principalmente de que essa aristocracia fôsse aberta. mas, antes, de que a sua forma era indistinta e o seu limite desconhecido; menos de que era possível entrar nela que do fato de uma pessoa nunca saber quando nela estava”. Na Inglaterra a nobreza foi mais de servico que de nascimento, donde o prestígio que ainda hoje se liga às funções públicas.
V.
mando
—
Tivessem
os Reis
a sentarem-se em
da
Inglaterra
duas assembléias
pensado
que,
cha-
os barões, os cava-
leiros e os burgueses, criavam uma fôrcça que, lentamente, ia apoderar-se de tôdas as prerrogativas reais, e a política haveria sido sem dúvida muito diferente. Podem-se conhecer manobras que teriam enfraquecido e talvez sufocado o Parlamento desde a origem. Os Reis da França, lançando os três Estados uns contra os outros, convocando Estados provinciais, enfim instituindo um exército permanente e a talha perpétua (imposto não consentido) construirão em três séculos uma
monarquia
muito mais independente
(1) — A primeira 1387 (Powicke).
baronia
que
da nação
conferiu
tal
que a da Ingla-
direito foi criada
em
132
HISTORIA
DA
INGLATERRA
terra. Mas nem os Reis da França, nem os Parlamentos ingleses modelavam conscientemente o futuro. Só o destino fez divergir os seus caminhos. Como teria podido Eduardo I prever a potência futura do Parlamento? Para que êste se tornasse um rival do Rei, era preciso que obtivesse: 1.º não somente a votação dos impostos, mas a fiscalização do seu emprego; 2.º o direito de fazer leis, direito que, no tempo de Eduardo I, pertencia exclusivamente ao Rei; os comuns podiam só apresentar petições; 3.º o direito de dirigir a polícia geral do país, idéia que teria parecido inconcebivel a todos os membros do Parlamento de 1305. A política era coisa do Rei, que era o único responsável por ela. Ora, como o Rei era inviolavel e não podia ser posto em estado de acusação, um conilito entre o Parlamento e a Coroa não comportava solução que não fôsse a despedida do Parlamento ou a deposição do Rei, isto é, a anarquia. Será necessário, para sair dêsse embaraço, que se invente a ficção da responsabilidade ministerial. Mas os homens não formarão essa difícil idéia senão por graus. A sua primeira forma será judiciária e não política; será o ato de acusação dos ministros, pelos Comuns, perante os Lords, que exercem a função, como nos tempos primitivos do Grande Conselho, de Alta Corte de Justica. Essa forma rudimentar e grosseira da responsabilidade ministerial chamar-se-á impeachment (ou impedimento). O impeachment e sua agravação, o atiainder (lei de condenação votada pelas Câmaras, sem conceder ao acusado o benefício das formas judiciárias), serão medidas cruéis, muitas vêzes injustas, mas talvez houvesse então menor perigo em punir injustamente um ministro que em destronar justamente um Rei.
TIL
S PAÍ DO A ST UI NQ CO . AS LT CE OS E I O RD EDUA DE GALES. DERROTA NA ESCÓCIA. EDUARDO II Eduarão é O “primeiro dos que forma I. — Da mesma Plantagenetas que tem nome inglês, é O primeiro que tenta,
levar a cabo a conquista das ilhas Britânicas. Para essa missão êle fora preparado pela adolescência. Desde 1292, dera-lhe o
pai a Irlanda, o condado de Chester (nas fronteiras galesas), as terras do Rei no país de Gales, as ilhas anglo-normandas e a Gasconha. Dádiva menos generosa do que parece. Desde que os Celtas, repelidos pelos Saxões, se tinham refugiado nas colinas de Gales e da Escócia, haviam mantido à sua independência e continuado as suas lutas intestinas. Os reis saxões acabaram por adotar a seu respeito o preguiçoso métedo do
Muro, e um dáêles construira (por Imperador Adriano, o do volta de 790) o dique de Offa, para conter tanto quanto possível os montanheses de Gales. No tempo da Conaquisia, alguns aventureiros normandos tinham retalhado entre si dominios nos vales do país de Gales; tinham levantado “motas”, cons-
truido torreões, e as tribus dissidentes haviam-se refugiado nas colinas. Ai conservaram elas a sua lingua e os seus costumes. A poesia, a música e a ocupação estrangeira tinham feito nascer entre os Galeses um sentimento nacional. No maciço montanhoso do Snowdonr haviam-se as tribus reunião sob a chefia de um senhor galês, Llywelyn ab Iorweih, que se fizera chamar Príncipe de Gales. Habilíssimo, soubera represeniar o duplo papel de principe nacional e de senhor feudal ingias. sustentara os barões no tempo da Magna Carta e conquistara assim o apoio dos mesmos. Seu neto. Llywelyn ab Gruífiyd (1246-1282), adotara a mesma atitude no tempo de Simão de Montiort e grandemente contribuira para a vitória de Leves. Fóra
em
vão
que
Eduardo,
no
tempo
em
que
ainda
não
era
mais que Lord Eduardo e Conde de Chester, tentara impor aos CGaleses os costumes ingleses; êles tinham-se revoltaSo e haviam-no vencido. Nessa guerra o jovem Eduardo arruinara-se, mas ficara conhecendo os métodos de combate dos Galeses, O valor dos seus arqueiros, armados de um longo arco, de alcance e de penetração muito maiores que o arco ordinário, c q Impossibilidade de utilizar contra êles a cavalaria feudal, que as suas flechas punham em debandada. Tantas licões de
que êle devia recordar-se.
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13+
HISTORIA
DA
INGLA
ITEIRIRA
II. — Ao mesmo tempo que o Condad o de Chester, seu pai, Henrique III, dera-lhe a irlanda; mas aí qualquer empresa militar parecia vã. A Irlanda, outr ora berço dos santos, fora em parte conquistada aos Cristã os celtas pelos DinamarqueSes, mas êstes haviam somente ocupado os portos do Este e as tribus célticas tinham continua do, no interior do país, as Suas guerrilhas. Durante o período em que a Igreja de Irlanda cessara de pertencer à Igreja ro mana,a ilha tornara-se Inteiramente estranha à história da Europa. Vivera à margem do mundo. Henrique II, na época em que procurava, depois do assassínio de Becket, obter o pe rdão do Papa, para lá enviara Ricardo de Clare, conde de Pembro ke, cognominado Strongbow. Os Normandos, porém, alí como no país de Gales, não tinham podido estabelecer-se senão ao abrigo dos seus castelos. Em redor de Dublim estendia-se um a pequena zona inglesa, a que se cnamava o Pale. Para além os Ingleses não tinham nenhum predomínio, e aqueles dentre os barões normandos que possulam
da
Inglaterra: de fato, mantinham um regime de anarquia feudal “A Inglaterra revelara-se demasiadamente iraca para conquistar e governar a Irlanda, mas bastante forte para q impedir de
não
observava
um
pacto,
combateu-os
de
sta vez até a morte, Liwelyn foi morto num comb ate; Daví enforcado, esquartejado q cortado em pedaços. Em 1301, o Rei deu a seu filho Eduardo, que nascera no país de Gales e fôra criado por
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don, à entrada do inverno tiveram de fazer ato de submissão. O Rei Eduardo experimentou, então, uma política de pacificação: tratou Liwelyn e Daví com generosidade e até com honras. Depois empreendeu administrar o país de Gales à inglesa. Criou condados e côrtes, e expediu juizes ambulantes, que deviam aplicar a Common Law. Os Galeses protestaram: tinham apego aos seus velhos costumes. Eduard o, espírito tão acanhado quanto firme, não quis tolerar usos que considerava bárbaros. Manteve as suas leis; seguiu-se uma Tevolt a. Llywelyn e Davi faltaram ao juramento. O Rei, terrivel contra todo aquele que
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partidários,
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Davi
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e barões. Eduardo I não era Henrique III e cansou-se de-pressa das espertezas do Galês. Em 1277, preparou êle uma expedição ao pais de Gales e dirigiu-a em pessoa. Fo ram cortadas largas estradas através das florestas; os Cinco Po rtos forneceram uma frota, que se manteve ao longo da costa, em ligação com o exército, e garantiu o abastecimento dêste. Liywelyn, seu irmão
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leza, o Galês Llywelyn cometeu o êrro de cerêr que poderia continuar a representar na inglaterra um papel de ár bitro entre soberano
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aí gozavam de direitos soberanos, não as tribus indigenas a chegada de um
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adotado, após algumas irlandeses. Ésses barões,
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castelos fora do Pale haviam gerações, a língua e os costumes dos
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DECADENCIA
DO
FEUDALISMO
135
uma ama galesa, o título de Príncipe de Gales, que foi de então em diante o do filho mais velho dos reis da Inglaterra. Conquanto as leis e os costumes ingleses aí tenham sido introduzidos a começar dêsse momento, o Principado continuou fora do reino e não mandou deputados ao Parlamento. Foi Henrique VIII que, no século XVI, fez da Inglaterra e do país de Gales um reino único (Ato de união: 1536).
IV. — Vencedor dos Celtas de Gales, Eduardo I fracassou contra os Celtas da Escócia. Alí se formara uma monarquia feudal, de civilização análoga à civilização anglo-normanda. Uma província escocesa inteira (o Lothian) era povoada de Ingleses; muitos barões tinham solares dos dois lados da fronteira; parecia bastante fácil uma fusão. Quando o Rei da Escócia morreu, deixando por herdeira só uma neta que vivia na Noruega, Eduardo propôs muito sensatamente que ela fôsse
cada em casamento a seu filho, o que unira os dois reinos. A idéia parecia aceita pela maior parte dos Escoceses e Eduardo mandou à Noruega um barco para trazer a criança. Para distrair a “menina da Noruega” durante a travessia, o navio fora provido de avelãs, de gengibre, de figos e de bolos, mas a penosa viagem não foi suportada por essa criança delicada. Ela morreu no mar e imediatamente os grandes senhores escoceses disputam entre si a coroa. Dois dêles, John Balliol e Robert Bruce, ambos aparentados com a família real e ambos de origem francesa, pareceram ter títulos iguais. Eduardo, escolhido como árbitro, atribuiu o reino a John Balliol, que foi coroado em Scone. Mas o Rei da Inglaterra, excitado por êsse apelo à sua autoridade, exigiu do novo Rei e dos nobres escoceses o reconhecimento da sua posição de suserano
E
a
O ra
GRANDEZA
V. — Os Escoceses haviam pensado que tal suserania ficaria nominal. Quando Eduardo anunciou que um litigante vencido numa córte escocesa poderia daí em diante apelar para os tribunais ingleses, Jonn Balliol aliou-se ao Rei da França, por sua vez adversário de Eduardo na Grasconha, e, mandando ao Rei da Inglaterra a sua “desconfiança”, recusou obedecer a uma citação do seu suserano. “O insensato cometeu essa loucura?'”” disse Eduardo. “Se não vier ter comigo, nós
iremos
ter
com
êle.”
Efetivamente,
entrou
na Escócia,
fez Balliol prisioneiro, retirou a pedra sagrada de Scone, que passava por ter feito parte do pilar ao longo do qual haviam trepado os Anjos de Jacó, e mandou-a embutir numa cadeira que de então em diante serviu de trono para a coroação dos Reis da Inglaterra. VI.
—
ricordioso.
cla
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Eduardo
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Empreendeu,
leis inglesas
resistência
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e admirava. barões,
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Esbarrou do
povo
136
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
escocês que sob o comando de um cavaleiro, William Wallace, se revoltou. Debalde foi Eduardo vencedor em Falkirk, debalde mandou debalde
enforcar devastou
ela se tornou
um
os seus prisioneiros e o próprio Wallate, tão completamente a região fronteiriça que
deserto.
Já
os Romanos
tinham
sido
força-
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o
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dos a reconhecer que a vitória, na Escócia, nunca era mai s que o prelúdio da derrota. As linhas de comunicação eram excessivamente longas, o clima excessivamentoa rigoroso, o país excessivamente pobre. Entrevêm-se em Froissart essas lamentaveis cavalgadas do exército inglês, “o dia inteiro entre vereda, e sem encontrar cidade, nem casa, nem cabana” e, No outro campo, os guerreiros escoceses, “ferocíssimos, audazes e fortes, insensiveis às fadigas, sem nenhum comboio e tão sóbrios que se contentam, como provisão, com um alforje cheio de farinha de aveia”. Em 1305, Eduardo Julgou-se sen hor de todo o país; em 1306, Robert Bruce sublevou de novo a Escócia e foi corcado em Scone.
VII. — O Rei da Inglaterra estava velho, enfermo, mas prometeu, num estranho juramento místico, “peran te Deus e os Cisnes”, esmagar a revolta escocesa e, se fôsse ven cedor, Nunca mais pegar em armas contra Cristãos, ir à Ter ra Santa e lá morrer. Essa última campanha da Escócia acabou-o. Moribundo, despediu-se dos filhos. Pediu que o seu coração fôsse mandado para a Terra Santa com cem cavaleiros, que o seu corpo não iósse enterrado antes da derrota dos Escoceses e que os seus ossos tôssem levados à batalha, a fim de que, morto como vivo, conduzisse as suas tropas à vitória. Compusera êle mesmo a inscrição que desejava fôsse gravada na sua tumba: Eduardus Primus. Scotorum Malileus hic est. Pactum serva VIII. — Pacium serva... Nunca juramento algum foi mantido menos fielmente que o dêsse filho para com seu pai. Eduardo II renunciou imediatamente a prosseguir a conquista da Escócia e quando, pelos acontecimentos, foi constrangido a retomá-la, deixou-se bater em Bannockbuzn (1314). Era um homem esquisito ao mesmo tempo vigoroso e afeminado. Cer-
cava-se
de
favoritos
artífices e sobretudo
a
gracejos
exasperavam
surpreendentes,
amava a
um
corte
de
Gascão,
tanto
cavalariços,
Pedro
quanto
de
jovens
divertiam
o Rei,
Gaveston,
cujos
Eduardo II não se interessava de forma alguma pelos negócios do reino, não tendo gosto senão para o trabalho manual e à música. Quando se casou, abandonou imediatamente a mulher “pelo seu amigo Pedro”. Reconhecia-se tão medroso que mandou perguntar ao Papa se seria pecado esfregar o corpo com um óÓleo que dava coragem. A final, a cólera dos barões tornou-se tamanha que mataram Gaveston. O bispo de Hereford fez um sermão sôbre o texto: “E” na cabeça que estou doente”; o bispo de Oxford tomou o texto da Gênese: “Eu porei inimizade entre ti e a Mulher e ela te esmagará a cabeça”. O acontecimentos confirmaram a profecia. A Rainha, que tomara um
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GRANDEZA
E DECADÊNCIA
amante, Mortimer, pôs-se
à testa
DO
FEUDALISMO
de uma
137
revolta contra o
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marido, fê-lo prisioneiro e o Parlamento obteve de Eduardo II que renunciasse a coroa em favor do filho, que foi proclamado com o nome de Eduardo III. Quanto ao Rei deposto, morreu de um suplício horrível. Os seus guardas empalaram-no com um ferro em brasa (1327). Durante alguns anos foi o poder real exercido pela Rainha Mãe e por Mortimer. Mas o jovem Eduardo III era homem diferente de seu pai; revoltou-se dentro em pouco contra a tirania de Mortimer, mandou prendê-lo e matá-lo (1330). Depois do que se esforçou por ser um rel forte, como fora seu avô, Eduardo 1.
IV
A GUERRA
DOS CEM ANOS
(PRIMEIRA PARTE)
I. — Entre a França e a Inglaterra tornara-se quase inevitável uma guerra decisiva. Os azares das heranças feudais tinham confundido destinos e províncias. O rei inglês (ali ás meio francês) ocupava legalmente a Guiena e à Gascon ha, as quais eram necessárias ao Rei da França para remata r o seu remo. O rei francês sustentava, contra o Rei da Inglat erra, a
Escócia, que êste devia conquistar para se sentir em segurança na sua ilha. Nenhuma das duas situações podia durar. Cos tuma-se dizer que a causa imediata do conflito foi a candid atura ao trono da França de Eduardo III, filho de Eduardo II e de Isabel de França, e por consequência neto de Filipe o Belo. Isso não é exato. E' verdade que, se os Juristas franceses tive ssem admitido, como várias vêzes tinham feito os Ingleses, a hereditariedade do trono na linha feminina OS títulos de Eduardo à coroa da França haveriam chegado à mesma linh a, de Carlos de Evreux, outro neto de Filipe IV, por parte de «Joana de Navarra. Mas quando, sob o pretesto de aplicar uma velha lei dos Francos, cnamada Lei Sálica, os legistas afastaram êsses dois pretendentes e escolheram o mais próximo dos
herdeiros em linha masculina, Filipe de Valois, filho de um irmão de Filipe IV. Eduardo III pensou tão pouco em declarar guerra para defender os seus direitos que consentiu em vir a “Amiens render homenagem ao seu rival pela Gasconha. Fê-lo, em contrário aos usos feudais, com a coroa na cabeça e uma vestimenta de veludo escarlate bordada de leopardos de ouro; mas Filipe contentou-se com protestar brandamente e Eduardo voltou para a Inglaterra satisfeito com as honras que lhe tinham sido prestadas. Em 1331 êle confirmou, por cartas-patentes, a sua homenagem lígia. II. — Se êle assumiu em 1340 o título de Rei da França e uniu no seu brasão as flores de lis da França aos leop ardos da Inglaterra, foi por solicitação dos burgueses de Flandres. Eis por que: o principal produto da Inglaterra agrícola e à Flandres industrial viviam em simbiose. Desde que o Rei da França pareceu cobiçar Flandres e lhe impôs um conde francês, agitaram-se os mercadores ingleses. “Tratava-se.” escreve Michelet, “para o Rei, da sucessão da França: para o povo, da Jiberdade do comércio. Congregados em torno do Saco de Lã,
GRANDEZA
E DECADÊNCIA
DO
FEUDALISMO
139
os Comuns de bom grado votaram exércitos. A mistura de industrialismo e de cavalaria dá a tôda essa história um aspeto singular. Esse orgulhoso Eduardo III que, sóbre a Távola Redonda, jurou ao airão que conquistaria a França, essa cavalaria solenemente louca que, em consequência de um voto, conserva um olho coberto de pano vermelho, não são a tal ponto loucos que sirvam à sua custa. A simplicidade das Cruzadas não é dêsse tempo; êsses cavaleiros são, na realidade, os caixeiros viajantes dos mercadores de Londres e de Gand.”
Mas os mercadores de Gand sentiam em declarar guerra ao rei da França, seu suserano, escrúpulos tanto mais vivos quanto se tinham comprometido a pagar dois milhões de florins ao Papa se cometessem essa prevaricação. O seu chefe. Tiago Artevelde, achou o meio de conciliar o respeito dos tratados e a sua violação. Aconselhou o Rei da Inglaterra a reunir às suas armas as armas da França. Seria assim o aliado dos Flamengos e não mais o seu inimigo, quem se tornaria o ver-
dadeiro
Rei
da
França
e objeto
do
juramento
deles.
HI. — À guerra dos Cem Anos foi, pois, uma guerra dinástica, uma guerra feudal, uma guerra nacional e sobretudo uma guerra “imperialista”. O intuito dos mercadores ingleses, quando faziam presente ao Rei de vinte mil sacos de lã para
pagar as
as despesas
duas
zonas
de
de uma
campanha,
influência
era reservarem para
indispensaveis
ao
seu
si
comércio
-— Flandres, compradora de lã, e o Bordelês, produtor de vinho, pois que o dinheiro recebido em Bruges e em Gand pagava os tonéis vindos de Bordéus. Finalmente, cumpre acrescentar que essa guerra foi popular na Inglaterra, porque levou os exércitos a um país rico, onde fizeram presa abundante. Eduardo II e os seus barões eram “a flor da cavalaria”, mas “os seus
escudos brasonados serviram de insígnias a uma empresa de pilhagem”, cujo deploravel desenvolvimento se pode seguir em Froissart. “E foram os Ingleses, na cidade de Caen, senh o-
res por três dias; e remeteram marinha, todos os seus ganhos: e de
prata
e tôdas
as
outras
em bargas, até a sua grande panos, jóias, baixela de ouro
riquezas...
Não
se
pode
imagi-
nar a grande abundância de pano que os Ingleses acharam na cidade de Saint-Lô... Louviers era uma cidade da Normandia em que se faziam muitos tecidos; era grande, rica e mercanti l. mas não fechada e foi roubada e saqueada...” “Toda a Inglaterra estava cheia dos despojos da França, de sorte que não havia mulher que não trouxesse algum enfeite ou que não possuisse belas roupas brancas ou algum vaso, parte da presa enviada de Caen ou de Calais”,
IV. — E” curioso observar, tão cedo na sua. história, que os principais traços da política da Inglaterra já se manifestam e são impostos a êsse país pela sua situação como pela natureza do seu povo. a) 4 Inglaterra tem necessidade do domínio do mar, em cuja falta não pode continuar o seu
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140
DIA
ENGEATERRA
comércio, nem enviar tropas para o continente, nem permanecer em ligação com as já enviadas. Desde os primeiros dias dessa guerra, os marinheiros ingleses dos Cinco Por tos levam vantagem e são vencedores na batalha da Ecluse. Enq uanto é mantida essa superioridade naval, à Inglaterra facilmente triunfa. Depois, Eduardo III descuida-se da sua frota, Franceses e Espanhóis unem-se e a inferioridade naval da Inglaterra marca o início dos seus reveses. O) A Ing laterra, não podendo mandar ao continente senão exércitos relativamente pouco numerosos, procura formar contra os seus adversários ligas continentais, às quais fornece subsíd ios. Assim, No comêço da Guerra dos Cem Anos, Eduardo III ten ta unir-se contra à França, não só às comunas ilamengas, mas ao Imperador. “Para isso não poupa nem Ouro, nem pra ta, e dá grandes jóias aos senhores, às damas e às donzelas.”
V. — Não conseguindo formar essa co ligação, ia tomar O partido de atacar na Guiena, quando Sir Geoffrey d'Harcourt o advertiu de que a Normandia não esta va defendida. Donde o Gesemb
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—
DE e
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TE
em
arque
em
La
Hougue,
com
mil
navios,
quatro
mil cavaleiros e dez mil arqueiros ingleses e galeses (1346). Foi um espetáculo pungente a passagem de um exército através dessa rica província: que, desde várias gerações, não tinha conhecido a guerra” e cujos habitantes Já não sabiam defender-se. Nesse momento, o único plano de campanha do Rei da Inglaterra era devastar tanto quanto pudesse a França do Norte e retirar-se por Flandres, antes que o Rei da Franca tivesse reunido um exército. Mas, a começar de Ruão, Eduardo achou destruidas tôdas as pontes sôbre o Se na e só em Poissy pôde atravessar. Filipe tivera tempo de conv ocar seus vassalos e esperava, entre o Soma e o mar, os Ingl eses que nesse instante se julgaram perdidos. As vitórias que alcançaram em Crécy (1346) e depois em Poitiers (1356) causaram-lhes surpresa e os encheram de imenso orgulho. Em 1347 apoderaram-se de Calais, que lhes assegurava o do mínio da Mancha e que iam conservar durante duzentos anos, depois de terem expulsado quase todos os habitantes e de os te rem substituido por Ingleses. Aí situa-se a tocante história dos Burgueses de Calais, que se deve ler em Froissart tendo em conta as reservas de Michelet. VI. — Por que foram os Ingleses, nessas ca mpanhas, constantemente vencedores? A história das gue rras é a de uma longa luta entre o choque e o projetil. O choq ue pode tomar a forma de carga de cavalaria, de assalto de infantaria, de ataques em carros blindados. O projetil foi ora pedra lançada pela iunda, ora flecha, pelouro, bala, obús, torpedo. O bom êxito do regime feudal fôra a consagração do triunfo de uma tropa de choque, a cavularia armada de ferro. O feudalismo será arruinado pela artilharia do rei (ultim a ratio regum) e por duas infantarias populares: os arqueiros ingleses, os picadores
GRANDEZA
E DECADÊNCIA
FEUDALISMO
DO
141
e alabardeiros suiços. Só no fim do século XIII é que os archeiros adquirem,
nos exércitos
ingleses,
lugar
importante.
O arco
muito curto dos camponeses saxões tinha fraco alcance e não para deter uma carga possuia fôrça de penetração bastante Inglaterra como na, na introduzida besta, A de cavalaria. França por mercenários estrangeiros, parecera arma, tão perigosa que No século XII a Igreja pedira, sem resultado, a proibição dela. Mas a besta era muito demorada para carregar. Entre duas descargas podia o cavaleiro romper a linha. Pelo contrário, o arco longo, que Eduardo I descobrira no curso das suas campanhas galesas, atirava rápidamente um projetil que alcançava a cento e sessenta metros e que cravava à sela a coxa de um cavaleiro vestido de cota de malha. Eduardo 1, excelente chefe de exército, soubera agrupar habilmente, nas suas batalhas, cavalaria ligeira e argueiros do tipo inglês. Por uma Carta das Armas impusera o uso do arco longo a todos os pequenos proprietários ingleses. O tennis, a pelota, as bolas e outros jogos tinham sido considerados ilegais, para que O tiro com o arco se tornasse o único passa-tempo dos súditos “não coxos nem decrépitos”. Todo proprietário de uma renda territorial de quarenta shillings devia possuir o seu arco e as suas flechas e os pais deviam ensinar o tiro a seus filhos. Foi, portanto, fácil, na ocasião em que o Rei teve necessidade de
arqueiros para as suas campanhas de França, recrutá-los, quer entre os voluntários, quer exigindo dos condados certo número de homens. As vitórias de Eduardo WI são devidas a superioridade de armamento. VII.
—
E' um
êrro
representar
o Rei
da França,
no
comêço
dessa guerra, como mais “feudal” que o seu adversário. Nenhum soberano teria podido ser mais feudal que Eduardo III, que amava a encenação da cavalaria, blasonava cortesia, suspirava pelas damas, jurava reconstituir a Távola Redonda, construia com êsse intuito a tôrre circular de Windsor e fundava a Ordem da Jarreteira, composta de dois grupos de doze cavaleiros, comandados, um pelo próprio Rei, o outro por seu filho, o Príncipe Negrc. Mas, embora fazendo como seu avô o jogo cavaleiresco, Eduardo III era um soberano realista. Tomara por divisa: “Itisas it is... E como é. Mostrava-se bom administrador e nisso, aliás, não havia tão grande mérito, pois herdara uma monarquia bem organizada, Os seus impostos entravam com facilidade, sobretudo quando soe tratava de prosseguir uma guerra popular. Até os camponeses na terra dêle, havia três séculos, odlavam os Pranceses por causa de avitas recordações que datavam da Conquista, do longo dominio de uma nobreza e de uma Ubgun estrangeira. Na Franca
pelo contrário, o ódio à Inglaterra só nascera nos campos durante essa guerra, O Rel dn França não pode, no início contar com o seu povo contra o invasor. O vilão é indiferente. O Rei não tem sequer o recurso de tomar empréstimo a ricos mercadores, nom de sequestrar lãs. Muitos Estados provinci ais
DA
recusam votar as taxas e, quando as votam, os contribuintes Se mostram rebeldes. “Essa resistênci a ao imposto entrega o
reino
ao
Inglês.”
Por
falta
de
dinheiro,
não
pode o Rei da França reunir soldados. Quer queira quer não, tem mesmo de contentar-se com a cavalaria feudal, já antiquada e que despreza a infantaria. Ainda depois de Crécy, a nobreza irancesa nao quer admitir a idéia de uma vitó ria dos vilãos. Pois que a. carga de cavalaria já não se admite , procura em Poiters carregar ela mesma a pé: mas êsse at aque, por muito corajoso que seja, vem quebrar-se sôbre a posi ção dos arqueiros. VIII. — A datar da batalha de Poiters (1356), em que o Rei da França, João o Bom, é feito prisioneiro pelo Príncipe Negro, filho mais velho de Eduard o III, foi afinal compreendida a lição. O exército irancê s recusa o combate, encerra-se Nos castelos fortes e desde entã o zomba de um adversário que não está armado para a guerra de assedio. Nos campos, os habitantes começam a Calisar-se da invasão. Jacques BoNhomme atormenta os Ingleses: não exige o resgate dos senhores, como fazem os soldados de profissão: mata-os, porém, se tem oportunidade. O exército inglês vaga sem poder combater. As tropas queixam-se dessa longa campanha. Por fim, em 1361, o Rei da Inglater ra faz a paz em Brétigny e, depois de haver pedido todo O reino da França, contenta-se com a Aquitânia, o condado de Ponthieu e Calais. Era uma mà paz, pois não resolvia a única questão grave, aquela soberania dos Ingleses sôbre provín cias que já não queriam ser inglesas. Em Périgord, em Armagnac, muitos murmuravam, com razao, que o Rei da França nã o tinha o direito de dar os Seus vassalos. Diziam os notaveis de La Rochelle: “Nós nos submetemos aos Ingleses com os lábios; de coração jamais.” Essa resistência continha os germes de guerras futuras e anunciava a libertação final da Fran ça.
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INGLATERRA
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HISBORITA
Hs
142
V
A
PESTE
NEGRA
E
AS
SUAS
1. — O início da guerra dos Cem
CONSEQUÊNCIAS
Anos
é para a Inglaterra
uma época de aparente prosperidade. Fornecedores de provisões de boca, armeiros, construtores de barcos adquirem avultados cabedais. O saque da Normandia enriquece os soldados. e as suas familias. A necessidade que o Rei tem de dinheiro possibilita às cidades e aos indivíduos a compra de liberdades. a baixo preço. Já desde um século, mudava rapidamente a condição do vilão. O sistema das rendas em trabalho fora graVoso para o camponês impedindo-o de cultivar a sua própria terra. Mas não era também muito cômodo para o bailio du senhor, que tinha de dirigir uma mão de obra intermitente e
irresponsável. No século XIII aparecem dois métodos novos: ou O próprio vilão paga a um substituto que faz por êle, na. terra do domínio, o trabalho costumeiro; ou entrega ao senhor
uma quantia com que o bailio aluga trabalhadores agrícolas. E' quase o arrendamento moderno, com a diferença que o dinheiro pago pelo camponês representa, não o aluguer de uma terra, mas o resgate de uma servidão.
II. — Não tarda em aparecer o verdadeiro rendeiro. Certos senhores, em vez de explorarem uma propriedade confiando a administração a um bailio mais ou menos honesto, que se enriquece à custa dêles, acham mais simples lot ar o domínio e alugar as terras. O camponês, pela sua parte, enxerga vantagem em cultivar terras cercadas e de um sô don o, de preferência às parcelas dispersas que lhe foram até então atribuidas nos campos comunais. O aluguer pago chama-se em latim — Jjirma, soma firme, de onde as palavras far m e farmer (a propriedade rústica e o rendeiro). Duas classes desenvolvem-se então rapidamente no campo inglês : a dos rendeiros, semiproprietários, livres nas terras alugadas por êles, intermed iários
entre
o
cavaleiro
e
o
antigo
agricolas que se libertaram da servidão, si mesmos, quer enfim refugiando-se por cidade protegida por uma Carta. Ainda senhores e Parlamentos tentarão fixar à mas não o lograrão. Logo após a batalha despovoará a Inglaterra e tornará mais sivel o restabelecimento da servidão.
vilão,
e
a
dos
obreiros.
quer resgatando-se a um ano e um dia em durante muito tempo mão de obra ao solo, de Grécy, um flagelo do que nunca impos-
a
144
FIUSDORTA
.
“a
tan
Re
III.
o É mta
Não
se
sabe
INGLATERRA
o que
foram
as
epidemias
de
peste,
que por tanto tempo assolaram o mundo. Talvez êsse nome encobrisse doenças muito diversas, que iam da cólera e da peste bubônica à gripe infectuosa. A higiene era medíocre; o o contágio rápido; o terror universal. A peste do século XIV chamou-se peste negra (Black Death), porque o corpo do doente se cobria de manchas escuras. Ela vinha da Ásia e atacou a ilha de Chipre pelo ano de 1347, Em janeiro de 1348 reinava em Avinhão, em agosto alastrava-se das praias do Dorset para os campos do Devon e do Somerset. A mortalidade, ainda
que
exagerada
pela
perturbação
dos
cronistas,
foi
imensa. As descrições falam de aldeias onde já não restavam vivos bastantes para enterrar os mortos, cavando os próprios moribundos as suas covas: os trabalhos dos campos esta vam abandonados e os rebanhos sem pastores erravam pelos campos. E” provável que tenha perecido a terça parte da população da Europa, ou cerca de vinte e cinco milhões de seres humanos. Na Inglaterra foi a epidemia particularmente longa. Estacionária em 1349, recomeçou no ano seguinte e reduziu a população do reino de quatro milhões a dois milhões e meio apro
ximadamente.
q
a
qi
—
DA
IV. — Deviam ser profundas as consequências econôm icas de um despovoamento tão rápido. Nas aldeias, os camponeses sobreviventes ficaram de súbito mais ricos, visto que os campos comunais eram partilhados entre participantes menos numerosos. À raridade da mão de obra tornou os jornaleiros exigentes e rebeldes. Os senhores, já não podendo encontrar obreiros para trabalharem nos domínios, procuraram alugar as suas terras. O número dos rendeiros independentes aumentou e, com a ruina dos proprietários, êsses rendeiros obtiveram contratos vantajosos. Certo barões concederam isenções de renda com receio de que os seus rendeiros os dixassem. Alguns venderam a preço vil terras de que os camponeses se tornaram proprietários. Muitos renunciaram à agricultura e entregaram-se à criação de carneiros. Essa mudança que parece mínima, é, todavia, a causa primária e remota do nascimento de um Império britânico. Pois o desenvolvimento do comércio da lã, a carência de mercados para êsse comércio, a necessidade de conservar o domínio dos mares iam acarretar a lenta transformação de uma política insular em política naval e imperial.
V. — Foi debalde que senhores e Parlamentos, no século IV, tentaram lutar por meio de regulamento e de leis contra o jogo natural do mecanismo econômico. Foi votado um Estatuto dos Trabalhadores. Tôda pessoa menor de sessenta anos devia submeter-se a trabalhar na terra pelos salários anteriores a 1347 (salários de antes da peste). Só estavam isentos aqueles
que
mercadores,
viviam
notoriamente
de
um
ofício
mecânico
Um Lord tinha o direito, em primeiro,
e os
ao trabalho
h
as «fim o AS
p
GRANDEZA
DO
E DECADÊNCIA
145
FEUDALISMO
prisão aqueles que meter na dos seus antigos servos; podia senhor que consentisse recusassem cultivar o domínio. Todo em pagar mais do que os salários de antes da peste era, por sua vez, passível de multa. Em compensação, os gêneros ali-
mentícios
deviam
vendidos
ser
trabalhadores
aos
precos
a
se dá com tôdas essa lei o que moderados. Aconteceu com aquelas que pretendem fixar salários e preços; só foi aplicada com grandes dificuldades. O Estatuto dos Trabalhadores continuou em vigor até o reinado de Isabel; todos os Parlamentares, durante dois séculos, queixaram-se de que êsse estatuto era violado; a despeito dessas queixas, empregadores e trabalhadores obstinaram-se em torcer a lei. Nos registos dos castelos vê-se então que o bailio, depois de ter indicado o preço pago pelas colheitas e pelas debulhas, apaga O número inscrito e o substitue por outro, mais baixo. O primeiro preço é, sem dúvida, o verdadeiro; o segundo era destinado a ficar de acôrdo com a lei. Dizia um senhor a um camponês: “O vosso salário será o de 1347, visto que qualquer outro ajuste nos exporia a aborrecimentos, mas tereis o direito, gratuitamente, de pastorear os vossos carneiros nas pastagens do domínio.” Outro concedia outras vantagens e a concorrência acarretava a alta. Em todo o país verifica-se que, poucos anos depois da peste, os salários agrícolas aumentaram 50 % para os homens e
100 % para as mulheres. Em 1332 a terra rende ao proprietário 20 % do seu valor como capital; em 1350, o lucro desce à 4 ou 5%.
VI. — A peste, que arruinou o senhor, enriqueceu o pequeno rendeiro. Não somente êle póde adquirir terras ou contratar arrendamentos por preço módico mas, ao passo que o senhor paga mais caro a sua mão de obra, o rendeiro que trabalha com a família, não sofre com à alta dos salários. No mercado, na feira, pode vender as suas hortaliças ou o seu trigo abaixo dos preços do domínio e obter ainda lucro razoá-
vel.
O
senhor dores,
próprio
rigoroso
escapa-se
jornaleiro pretende para
Os
é
mais
impor-lhe bosques
feliz e
que
o Estatuto procura
outrora; dos
se
um
Trabalha-
alcançar
outro
condado, em que seja tão urgente a necessidade de obreiros que nao se peçam explicações muito minuciosas a um homem que oferece os braços. Assim, ao mesmo temp o que, nos campos de batalha, o arqueiro se tornava o auxiliar indispensável e depois o vencedor de cavaleiro, nos camp os lavrados o aldeão tornava-se um associado com o qual era mister contar. Muitos se lastimavam disso: “O mundo val de mal a pior,” escrevia Gower por volta de 1375, “quando past ores e vaqueiros exiglam mais pelo seu trabalho que exigia dantes um bailio. No meu tempo, os obreiros não comiam pão de trigo. Alimentavam-se de feijões ou de grãos mais grosseiros; só bebiam agua, o leite e o queijo eram para éêéles uma festa. Então o mundo era como deve ser para gente dessa espécie. Há três coisas que não têm piedade quando as deixamos subir: uma
HISTORIA
DA
IFNELATERRA
Ss
146.
bandidos.
Demais,
o ofício
de
sheriff
está
em
decadência.
O
sheriff do século XIV já não é um grande senhor, mas, na maior parte dos casos, um cavaleiro, nomeado contra a vontade e que tem pressa de findar o ano para passar a corvéia a outro. A pouco e pouco êle será substituido por um juiz de Paz, administrador aristocrático e benévolo, magistrado amador que vai desempenhar depois, na história do país, papel imenso e excelente. No século XIV, porém, o juiz de Paz mal acaba de nascer; o sheriff está decadente: os nobres bandidos, “soberbos filhos de Lúcifer”, fazem das suas casas covis de ladrões e atormentam os pobres vizinhos,
ss Mo
ali =
cr a DR
EMI TUSD -—
VII. — Antes, porém, de transformar-se em inofensiva. “eentry”, a nobreza feudal, durante um século ainda, encarnar-se-a em terríveis figuras. Ao passo que o senhor médio se empobrece, e portanto enfraquece, alguns grandes barões tornam-se verdadeiros régulos. Casam-se entre si e formam uma casta fechada, unida à família real. Os reis da Inglaterra tomam então o costume de formar para seus illhos, por apanágios e casamentos, domínios extensíssimos. O Principe Negro esposa a filha do conde de Kent; outro filho do Rei, Leonel, torna-se conde de Ulster; outro, João de Gand, esposa a herdeira de Lancastre (primeira casa ducal) e possue dez castelos fortificados, entre os quais o célebre Kenilworth, arrancado à família de Montfort. O conde de March também tem uma dezena de fortalezas; os condes de Warwick e de Stafford. duas ou três cada um. Lord Percy, conde de Northumberland, ocupa as fronteiras do Norte para o Rei, mas também para si mesmo. Todos êsses grandes senhores mantêm em casa companhias de soldados, que já não são vassalos, porém mercenários que êles alugam ao Rei para as suas guerras de França. No intervalo das campanhas, êsses veteranos, que se enfastiam, saqueiam as propriedades, roubam os cavalos, violam as mulheres, apoderam-se dos solares. Em vão o Parlamento dá ordem aos magistrados para os desarmarem. Seria preciso um sherijf de grande audácia para ir arrancar as armas a êsses
had SL
inundação , um incêndio e a plebe. Ah! nosso tempo, onde estás? Pois o povo, que só deveria ocupar-se com o seu trabalho, reclama alimentação melhor que a dos seus senhores...” Essas queixas são de todos os tempos, e sempre igualmente vás. Quer isso causasse regozijo, quer tristeza, o sistema. feudal, minado de todos os lados, vacilava. O micróbio da peste negra determinara, em alguns anos, uma emancipação que no. século XII os espíritos mais ousados não teriam podido conceber.
l
VI
PRIMEIROS
CAPITALISTAS
INGLESES
I. — Enquanto a guerra e a peste despedaçam os quadros feudais, os da guilda e da corporação tornam-se, por sua vez demasiadamente estreitos. Até o século XIV, a lã, principal produto da Inglaterra, fôra exporiada para Flandres, que à
transiormava em pano. A Inglaterra mesma fabricara tecidos para o uso popular mas os finos segrêdos do ofício continuavam nas mãos dos tecelões de Bruges ou de Grand. Depois, oferecera-se um ensejo de transportar para a Inglaterra essa indústria. Os burgueses flamengos tinham-se desavindo com o seu senhor; havendo o Rei da França sustentado êste, os artífices de Flandres tinham sido vencidos e muitos dêles foram forçados a expatriar-se. Vieram para a Inglaterra e trouxeram as suas tradições e os seus processos. Eduardo III
quis proteger essa indústria nascente; em 1337 proibiu ao mesmo tempo a importação de panos estrangeiros e a exportação de lã. Era a ruina de Flandres, pois era então impossível obter lã, em grandes quantidades, fora da Inglaterra. Desde
que começou a guerra com a França, Eduardo III não pôde manter o embargo com todo o rigor, porque precisava, por motivos políticos, de contentar os seus aliados flamengos; impôs, todavia, uma tarifa protetora. Os direitos percebidos à saida da Inglaterra foram somente de 92 % sôbre os tecidos, ao passo que se elevavam até 33 % sôbre a lã. Era um incentivo à fraude. Certos mercadores torceram a lei exportando carneiros não tosquiados, mas o Parlamento proibiu êsse tráfico. O projeto de Eduardo III foi bem sucedido e a iabricação de panos tornou-se a primeira indústria inglesa,
II. — A chegada dos tecelões flamengos acarretou a criação, na Inglaterra, não obstante as guildas, de verdadeiras empresas capitalistas. Essa indústria do tecido é, efetivamente, uma das mais complexas, e o número das operações necessárias para transformar a lã bruta em produto perfeito é muito elevado. Era preciso escolher a 14, tingí-la, mesclá-la cardá-la, fiá-la, tecê-la, desengordurar o tecido, comprimií-lo, frisá-lo, limpá-lo com a pinça e, finalmente, dar-lhe brilho passando-o a ferro, A idéias da Idade Média exigiam que cada uma dessas operações fôsse feita por uma corporação distinta. Pode-se imaginar a complicação das vendas e das compras
148
HISTÓRIA
DÁ
INGLATERRA
que deviam ocorrer durante todo o processo de transformação. Para executar uma encomenda, era mister obter o acôrdo de quinze corporações. Nada mais tentador para um apisoador ou para um mercador de panos do que comprar a lã, mandá-la iiar e tecer a seu gosto e dirigir tôdas as operações até a venda. Semelhante concentração do trabalho era, porém, contrária aos princípios das guildas. Dentro em pouco os empreiteiros, para escaparem a êsses entraves, estabeleceram-se
nos campos. Esse novo tipo de empregador, que compra por atacado a lã e vende o produto acabado, em breve constrói tábricas. Desde o século XIV havia em Barnstaple dois manufatores que pagavam imposto cada um sôbre uma produção de mil peças por ano. Sob Henrique VIII, um tal Jack de Newbury terá duzentos teares num só edifício e empreg ará seiscentos operários.
HI. — Aproxima-se o tempo em que o grande comérc io val, mais que as guerras de cavalaria. tentar os jovens Ing leses aventurosos. No interior de uma cooperação do século XIII,
o destino sendo os
de um mestre seus preços de
obreiro era compra e de
seguro, venda
mas limitado. regulados, não
podia adquirir riqueza rápidamente. Os grandes mercadores do íiim da Idade Média já não se submetem a regras excessi-
vamente prudentes. As suas vidas maravilhosas impressionam a imaginação popular. Éles substituem nas baladas os cavaleiros andantes. Sir Richard Whittington, três vezes Lord-Prefeito de Londres, torna-se herói de uma lenda. Os cantores narram como, pcbre orfão, êle fora empregado na cozinha de
um
ao
grande
expedir
mercador...
para
longe
um
Era
costume
navio,
então
autorizasse
que
cada
todo
um
armador, dos
seus
servidores a nele colocar algum objeto, a fim de dar aos mais humildes a sua possibilidade de serem abençoados por Deus... Dick Whittington não possue no mundo senão um gato; mete-o no barco de partida. Ora, o navio aborda a uma costa longingua, num reino bárbaro, onde o palácio do Rei está Infestado de ratos. A conselho do capitão, o Rei compra o gato e, encantado com os seus serviços, dá para conservar o animal dez vêzes o preço de tôda a carga. Dick Whittington vê-se subitamente rico... A realidade foi menos romanesca: o verdadeiro Whittington, grande comerciante, emprestou dinheiro ao Rei e, nomeado prefeito do Estaple, indenizou-se largamente com os direitos de alfândega.
IV.
—
William
Canynges,
mercador
de
panos
de
Bristol,
é outro exemplo dêsses novos capitalistas que iazem negócios no mundo inteiro. O próprio Rei da Inglaterra escrevia ao grãomesire dos Cavaleiros teutônicos e ao Rei da Dinamarca para lhes recomendar à proteção o seu fiel súdito William Canynges. Em Bristol, êste recebia Eduardo IV em sua própria casa. Comandava oitocentos marinheiros e ajustava por sua conta cem carpinteiros e pedreiros para construir uma igreja que
GRANDEZA
E DECADÊNCIA
DO
FEUDALISMO
149
ofereceu à sua cidade natal de Bristol. Na velhice entrou para as ordens e morreu deão do colégio de Westbury. A pouco e
pouco êsses grandes mercadores ingleses tomaram, para os negócios continentais, o lugar da Liga Hanseática. Os banqueiros lombardos e florentinos, que tinham substituido na Ingilaterra os Judeus, foram por sua vez substituidos por Ingleses, Os Bardis de Florença tinham-se, aliás, arruinado ao servico de Eduardo III. Havendo-lhes tomado por empréstimo grandes quantias para a sua campanha de França, êle recusara sem rebuço reembolsá-los na data fixada, de sorte que a Guerra
dos Cem Anos empobreceu neutros descobriam quanto dinhiero aos beligerantes.
muitas famílias florentinas. Já os é perigoso e infrutífero emprestar
ara
V. — Sob a influência dos grandes mercadores, transformam-se as guildas. Já não reina aí a igualdade. O luxo dos trajes e das festas torna-se tamanho que só os mais ricos o podem sustentar. A corporação dos mercadores de vinho recebe uma Noite cinco reis em um mesmo banquete. Artífices
que outrora poderiam tados.
Tentam
boicotam
os
ter aspirado
defender-se
mestres
maus.
criando
Tendem
à mestrança “guildas
assim
a
vêm-se
afas-
formar-se
duas
de
obreiros”
que
classes distintas. Então começam também os escândalos financeiros. Os mercadores do século XII por certo não tinham sido sem mancha, e fôra preciso colocar mais de um no pelourinho, mas as suas fraudes haviam sido pequenas, porque os negócios eram simples e faceis de fiscalizar. Com o grande capitalismo começa o inevitável conluio da riqueza com o poder politico. Durante a velhice de Eduardo III, seu filho mais moçõ, João
de Gand, duque
de
Lancastre,
cerca-se
de
direito
algum.
financeiros sem
escrúpulos. Um rico mercador de Londres, Richard Lyon, entra pelos seus bons ofícios no Conselho Frivado e torna-se envie de um verdadeiro “bando”. Ao passo que tôdas as lãs do reino deviam passar pelo porto de Estaple (então Calais), onde pagavam as taxas, Richard Lyon consegue mandar as suas para
outros portos, onde uma
Tiqueza
imensa.
não
Com
pagam Lord
Latimer,
amigo
Junta
e
do duque de Lancastre, açambarca as mercadorias sam à inglaterra e fixa-lhes o preço como lhe apraz,
assim
conficente
que chetornando
tão escassos No pais certos gêneros que qa gente pobre quase não pode viver. Manobras inteiramente contrárias ao espirito da Idade Média, que acreditura nos preços impostos, nos lucros limitados, e considera crime qualquer combina ão destmada, a
iazer subir os gêncros. Mas Ósseo espírito Ja Idade Média vai morrendo; o Rei está ugora sob o domínio dos mercadores; êles entram nos scus Parlamentos: são os únicos lhe alimentam o Erário. Para Gles é que se tará de or em diante a política externa da Inglaterra. EE
VII
DESORDENS NA IGREJA
|
I.
— A Igreja romana havia, depois das invasões, civilizado a Inglaterra. Ensinara um pouco de moderação aos fortes e um pouco de caridade aos ricos. Depois, fôrca e riqueza tinham-na, por seu turno, corrompido. Várias vezes álguns santos tinham sido forçados a reformá-la e reconduzí-la as virtudes dos seus fundadores. Cada reforma fôra. seguida de uma recaida. Os monges de Citeaux como os de Cluny, os frades mendicantes como os monges, haviam sucumbido às tentações do século. Nesse fim do século XIV em que todo um mundo, que fôra grande, acabava de decompor-se, a Igreja
parecia um dos orgãos mais enfermos da corpo social. Na Inglaterra ela ainda produzia alguns grandes homens, mas que eram muito mais administratores que padres. Um bispo, proprietário de trinta ou quarenta solares, sabia maravilhosamente examinar as contas dos seus bailios, servir o Rei à frente da Chancelaria ou do Erário; já quase se ocupava com as almas. O grande poeta inglês dessa época, Langland, critico tanto mais acerbo da Igreja quanto católico mais fervoroso, queixa-se de todos os bispos in partibus que então formigam na Inglaterra, prelados que usam o nome de Nínive ou de Babilônia, jamais visitaram as suas dioceses e enriquecem consagrando altares, ou ouvindo confissões que deveriam
ser feitas ao padre da paróquia. Entre os melhores clérigos, algumas consciências inquietas pensavam que a Igreja se afastava Gas doutrinas do cristianismo primitivo, que o dever de um padre era imitar a pobreza evangélica e que, se devia dar a Cesar o que era de Cesar, não era razão para esquecer que Deus está acima de Cesar. “Em suma, chocavam-se duas concepções da Igreja; a de Gregório VII e à de S. Francisco de Assis, igreja evangélica e clero cesariano”.
| ;
II. — Na Inglaterra, quanto mais os bispos e os monges enriqueciam, tanto mais os padres das paróquias ficavam miseráveis. Em princípio deviam os padres viver do dízimo e reservar dêste a parte de esmolas e despesas de manutenção da igreja Estabelecera-se, porém, a moda, entre os senhores que dispunham de um curato, de lhe “apropriar” as rendas, isto é,
de atribuí-las a um bispo ou a uma abadia. O vigário então não percebia mais senão quantias ínfimas. Depois da grande
da
GRANDEZA
E
DECADÊNCIA
DO
FEUDALISMO
151
pesto tornou-se impossível achar padres para as paróquias muls pobres. Um estatuto análogo ao dos Trabalhadores proibia, para evitar a concorrência, que se lhes pagassem mais de seis
E: a Ds
o
"Et F
e
t qts rh da
dr
'
—
1
a
T
Mbras
por
ano;
êsse
estatuto
não
foi observado
e êles obtive-
ram até doze libras, mas a sua miséria continuou grande. Por isso, muitos dentre êles eram ignorantes, mais ocupados em caçar uma lebre no campo do vizinho do que em edificar os paroquianos. Alguns alugavam o presbitério a um rendeiro e nem residiam na paróquia. O seu magro pé-de-altar era-lhes
arrancado pelas ordens mendicantes, cujos frades corriam Oo pais e se encarregavam de mandar dizer as missas nos conventos. E' preciso ler em Chaucer o cruel retrato do frade que
vai pelas
aldeias,
entrando
em
cada
despenseira do seu itinerário, pedindo “ou qualquer outra coisa; não temos
casa,
conhecendo
farinha, direito
cada
queijo, carne de escolher”
depois notando com cuidado, para recordar nas preces, o nome de benfeitora no seu canhenho de marfim, e, logo que sai da aldeia,
o frade
apagando
fazia
alegremente
assim
todos
concorrência
ao
os
nomes.
padre,
E não
mas
somente
viam-se
cir-
cular nos campos ingleses “perdoadores” que chegavam de Roma, portadores de uma carta selada com o selo pontifício, carta que lhes dava o direito de remitir os pecados e de conceder indulgências âqueles que lhes comprassem relíquias. Chaucer, cujo estro a falsa religião acende sempre, mostra o “perdoador” pregando um sermão sôbre o tema: “PRadir malorum cupiditas... A raiz de todos os males é à cobiça”, e vendendo em seguida aos aldeões o direito de beijar algum pedaço de cristal que encerra um osso e uns trapos.
II. — E' ainda o mixto de cobiça e de religião que indigna Chaucer e Langland quando descrevem as córtes eclesiásticas. Um arcediago tinha então o direito de citar perante a sua corte tôda pessoa da diocese acusada de delito moral e, em particular, Ge adultério. Imaginam-se os abusos de tal poder. Ora o tribunal eclesiástico era tão venal que os maiores pecadores da diocese tinham somente de pagar uma contribuição anual para não serem incomodados; ora o arcediago mesmo era honesto, mas o seu meirinho, o summoner, admiravelmente informado dos vícios dos seus compatriotas, exercia sôbre os fieis uma verdadeira extorsão, ameaçando-os de os citar se não lhe comprassem o silêncio. Ainda no princípio essas córtes tinham condenado os réus a penitências ou a peregrinações. “A penitência era sã para o penitente e a peregrinação fôra uma grande fôrça social”, Na estrada de Canterbury, O cavaleiro, o mercador, o tecelão, a freira e o médico encontravam-se, entretinham-se fraternalmente e por êsse
Fôra também a peregrinação que revelara a muitos Ingleses os países estrangeiros. Em Chaucer, a matrona de Bath esteve em Jerusalem, em Roma, em Santiago de Compostela e em Colônia, e tem, das suas viagens, mil histórias que contar.
152
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
/
Mas a pouco e pouco fôra contraído o hábito de remir penitências e peregrinações com uma multa em dinheiro. O cético Chaucer, o piedoso Langland e o teólogo Wycliffe estão/de
de
A
acôrdo
em
condenar
sempre
suspeitos
própria
ticos,
Gecreta
para
em
monarquia
a uma
Jurisdição
forma do les)
1353
essas
mostra-se
de
o célebre
traição
hostil
conluio
estatuto
o dirigir-se
estrangeira ou
mandado:
escandalosas
aos
“Praemunire
de perdões.
tribunais
com
Roma.
(O
súdito
nome
facias...
eclesiás-
Eduardo
de Praemunire,
qualquer
aceitá-la.
vendas
que/ equi-
inglês à
da lei vem
Faze
III
saber
uma
da
aque-
IV. — Wycliffe (cerca de 1320-1384), espírito ousado, reformado muito antes da Reforma, mestre dos Hussitas da. Boêmia e puritano antes da existência do termo, pertencera nos primórdios da sua carreira à “Igreja cesariana”. Estivera ao serviço da Coroa, tinha sido enviado como embaixador a Bruges,
depois
viera
a
ser
em
Oxford
um
dos
teólogos
mais
célebres da Universidade. Impressionado com a imoralidade do seu tempo, chegou à conclusão de que, para restituir à
Igreja as suas virtudes, cumpria despojá-la dos seus bens e reconduzi-la à pobreza primitiva. Depois o seu pensamento se fez ainda mais ousado. Em seu livro — De domino divino, êle expôs que Deus é o soberano do universo e conceda em feudo o poder aos chefes temporais. Delega assim a sua potestade a seres imperfeitos, papas ou reis; a todos êsses deve o cristão obedecer. “Na terra Deus deve obediência ao Diabo”. Cada indivíduo cristão recebe, porém, de Deus mesmo um
pouco de dominium. Ao tribunal de Deus é que êle se deve dirigir diretamente se os representantes de Deus na terra lhe fazem injustiça. O homem pode salvar-se, não por cerimônias, indulgências e penitências. mas pelos seus méritos, isto é, por suas obras. Wycliffe gostava Ge citar um texto de Santo
Agostinho: “Tôdas as vêzes que o canto me arrebata mais que aquilo que é cantado, reconheço que cometo uma falta grave.” O sermão parecia-lhe a parte essencial de todo o ofício divino. Era por uma pregação séria (e não divertida como os sermões dos frades) que os fiéis podiam ser levados ao arrependimento e à vida crista.
V. — Até então Wycliffe não passara de um professor um tanto audaz, tolerado pela Igreja porque tinha o apoio do duque Ge Lancastre e da Universidade de Oxford. Tornou-se herege incontestável quando negou a transubstanciação, ou dogma da presença real na Eucaristia. A essa doutrina opôs êle a da consubstanciação, isto é, da presença simultânea do pão material e do corpo do Cristo. Era atacar o milagre da missa e o Papa não podia tolerar essa doutrina sem por em perigo todo o edifício da Igreja. Wycliffe, condenado, repudiou a autoridade pontifícia e, durante os seus últimos anos, ensinou que a Bíblia é a única fonte das verdades cristãs. Para a difundir,
E DECADÊNCIA
GRANDEZA
ando
DO
153
FEUDALISMO
traduzi-la em inglês (pois só existiam traduções lati-
nas e francesas, incompreensíveis para, as pessoas do Aedo tão pobremen e Depois, formou discípulos que deviam viver
quanto os primeiros frades de S. Francisco. de
Wycliffe
a princípio
foram
homens
“pobres do
Os
E
de Universidade,
=
dura vidos a dar a vida pela salvação da Igreja; depois essa existência pareceu excessivamente penosa para jovens ricos €
instruidos. Wycliffe algum; nem mesmo
não os deviam,
autorizava a possuirem como os frades, carregar
dinheiro um saco
para meter donativos; não podiam aceitar senão alimento, e Só na ocasião em que careciam. Vestidos de longos hábitos de aldeia, prealdeia em lã bruta, andando descalços, iam de gando sem descanso a doutrina de Wycliffe. Dentro em pouco o recrutamento só se fez entre os pobres. Pode-se imaginar a ação nos campos de jovens ardentes que pregavam a pobreza
e a igualdade. Era a época em que, nas tavernas, os camponeses começavam a discutir acerca dos livros sagrados. Nessa Bíblia que lhes era de súbito revelada, achavam a imagem de um jardim primitivo e paradisíaco, onde não tinham existido
nobres, nem
vilãos. “Quando
fiava, onde estava então o esta semente caía em terra
VI.
—
Nada
há
que
Adão
cavava
fidalgo?” boa.
melhor
a terra, quando
Depois
permita
da
medir
peste
a
a ————
———
e
=
mm
entre a severidade da Igreja para com os hereges a século XV, e a sua relativa indulgência na época em está ainda certa da sua fôrca, do que êste fato: embora condenado por heresia em 1383, continuou até dois anos depois, reitor de Lutterworih, e não foi
Eva
negra,
diferenca
datar do que ela Wycliffe, à morte, pessoal-
mente incomodado. O arcebispo Courtenay tivera até srande dificuldade em impedir que os Wycliffitas continuassem em Oxford o seu ensino. Orgulhosa das suas tradições de independência, com a fôrça do apoio dos estudantes, a Universidade resistia. Os seus mestres consideravam-se muito mais professores que eclesiásticos. “Ela não era, como no século seguinte, um instrumento empregado pela Igreja para impor a sua doutrina ao espírito nacional”, nem, como sob os Stuarts, um corpo de funcionários ao serviço da Coroa. Seculares e regulares aí se estraçalhavam, e os seculares, amig os de Wycliffe, eram os mais poderosos. Foi preciso para os fazer ceder que O próprio Rei cnamasse o Chanceler e ameaçasse de privar a Universidade dos seus privilégios. Então os Wycliffitas submeteram-se e Oxford cessou por muito temp o de ser um centro de livre pensamento.
VII. — No país os “pobres padres ”, que os católicos ortodoxos tinham cognominado lollards, ou resmungões, foram para Wycliffe discípulos mais fiéis que os mestres de Oxford. Não somente o povo, mas muitos cavaleiros irritados com a riqueza da Igreja, recebiam-nos com iavor e protegiam-nos contra os bispos. Tiveram êstes grande dificuldade em conse-
154
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
guir o apoio dos sheriffs e da justiça civil contra a heresia. Quando o Rei prometeu êsse apoio, a princípio os Comuns protestaram. Cederam quando as classes dirigentes começaram a Pensar que os lollards se tornavam um perigo social e ameaçavam a riqueza tanto quanto a ortodoxia. Em 1401 foi votado
O estatuto — De Heretico comburendo, que confirmav a o direito para a Igreja de mandar queimar os hereges pelo carrasco. Então começaram as perseguições; as vítimas foram principalmente pobres homens, alfaiates, curtidores, cujo crime con-
Sistia ora em ter negado a Eucaristia, ora em ter reunido à noite alguns amigos para ler-lhes uma versão inglesa dos Evangelhos, ora em ter recusado observar os Mandamentos da Igreja que não se achavam nesse livro. Vislumbra -se, através dêsses testemunhos, uma vida espiritual ardente, discussões secretas acerca dos mistérios da fé entre mercadores, suas mulheres e seus criados, às vêzes o lollardismo altivo de um fidalgo. Diante da ameaça do suplício, muitos se retrataram. Outros permaneceram firmes; em 1410 ter-se-ia podido assistir a uma cena extraordinária. Um desgraçado artí fice, condenado à fogueira, achou no mercado de Smithf ield (que era o lugar habitual dessas execuções) não somente a lenha, mas o herdeiro do trono. O jovem Principe Henrique (o futuro Henrique V) discutiu longa e seriamente com o alfaiate Badb y, prometendo-lhe a vida e dinheiro se abjurasse. Mas em vão. Por duas vêzes foi acesa à lenha, depois o Príncipe abandoNou a vítima à própria sorte. E” já o estado de espírito dos juizes de Joana d'Arc: desejo sincero de salvar o herege de si mesmo, e implacavel firmeza com relação à here sia.
VIII
A REVOLTA DOS CAMPONESES (1381) 1.
—
O reinado de Eduardo III começara por uma longa série de triunfos marítimos e militares. A coragem pessoal do Rei e de seu filho mais velho, o Príncipe Negro, fizera-os heróis nacionais. Quinze anos depois do Tratado de Brétigny, a Inglaterra já não era senão um país humilhado e descontente. O velho Rei caducava nos braços de uma bela criada de quarto, Alice Perrers, a quem dava as jóias da Coroa. O Príncipe Negro, doente, fôra obrigado a abandonar numa liteira, depois de longos combates, o seu govêrno da Aquitânia e ia morrendo lentamente. O terceira filho do Rei, João de Ganá,
o temivel duque de Lancastre, fizera aliança com Alice Perrers e governava o pais, apoiado por um bando de prevaricadores.
Quase tôdas as conquistas se tinham perdido. A França achara um grande Rei, Carlos V, que lhe refizera uma marinha e cujos generais — Du Guesclin, Clisson, tinham compreendido que o segrêédo da vitória era, nessa guerra, não travar batalha senão de modo seguro. Deixavam, pois, os Ingleses esgotarem-se a correr o país, a queimar cidades, a chacinar camponeses desa rmados. “Esta tempestade há de passar”, dizia Carlos V, e com eieito começava-se a perceber que as vitórias dos Ingleses, em Crécy e em Poitiers, não tinham sido a medida verdad eira das íôrças dos dois reinos. A conquista e a ocupação de um Império continental excediam as fórças da Inglaterra que “nem em homens, nem em dinheiro estava então assaz forte para ocupar Ge maneira permanente o primeiro lugar na Europa”. Enfim, e é o fato mais importante, a Ingl aterra já não possuia aquele domínio do mar, em cuja falta ela deixa de ser invulnerável. O desazo do Principe Negro, menos habi i
diplomata
que
soldado,
unira
o Rei
de
Castela
e o Rei
da
França. As suas frotas dominavam o golfo de Gasconha e a Mancha. Não só fôra aniquilada uma frota inglesa em La Rochelle, mas também as naus francesas entravam impunemente no Tâmisa, flotilhas francesas devastavam as cidades da costa e queimavam as aldelas de pescadores. A única defesa da Inglaterra era a convocação às armas das populações costeiras por meio de fogos acesos nas alturas. Método que deiXava aos invasores todo o vagar para desembarcar, operar e escapar.
156
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
II. — Na desordem e no desespero de todos, só um corpo mostrava alguma coragem: a Câmara dos Comuns. A divisão do Parlamento em duas Câmaras era agora costume firmado. As cavalgadas de fidalgos camponeses, que chegavam a Londres para a sessão, tornavam-se para os burgueses da Cidade um espetáculo familiar. Nos Comuns tinham assento regularmente duzentos burgueses, representando cem “burgos”, e setenta e quatro cavaleiros, representando os trinta e sete condados. Estes últimos, conquanto menos numerosos, domi-
navam
e decidiam,
Duque,
e se, para
pois
representavam
a fôrça
verdadeira.
Foram êles que, no Parlamento de. 1376, cnamado “Bom Parlamento”, tiveram a audácia de pedir contas ao Duque e à sua quadrilha, de exigir a despedida de Alice Perrers e de convidar o velho Rei a assegurar a defesa marítima do pais. Teriam sido talvez menos temerários, se não se tivessem sentido apoiados pelo povo de Londres, violentamente hostil ao
cobrar ânimo,
não
tivessem chamado
berar com êles alguns Lords que julgavam favoraveis causa. Obtiveram promessas, pois era realmente preciso
a deli-
à sua engo-
Gá-los para encher o Erário. Mas, uma vez terminada a sessão, o membro do Parlamento voltava a ser simples cavaleiro. O Duque lançou o Speaker na prisão; Alice Perrers, que prometera nunca mais tornar a ver o Rei, retomou o seu lugar
junto dêle; os bispos, que tinham jurado excomungar essa rapariga, não se mexeram. Quando o Rei morreu, em 1377, tôda a obra do Bom Parlamento estava destruída. Eduardo II não deixou saudades; a sua lastimavel velhice fizera esquecer as façanhas da sua mocidade. O Rei da França, entretanto, querendo honrar um grande inimigo, mandou celebrar na Santa Capela um ofício em sufrágio da alma do Rei da Inglaterra.
HI. — Havendo o Príncipe Negro morrido antes de seu pai, o herdeiro legítimo era o neto de Eduardo III, Ricardo II, cnamado Ricardo de Bordéus. Era um menino belo e inteligente, mas que não podia reinar pessoalmente senão depois de alguns anos. Seus perigosos tios, os duques de Clarence e de Lancastre, iam, pois, tornar-se os seus conselheiros, talvez os seus rivais. Com grande dignidade, em pé ao lado do cada-
ver de seu dres e seu
avô, êle obteve que os enviados da Cidade tio Lancastre trocassem um beijo de paz.
primeiro ano trar coragem
de LonDesde 0
do seu reinado, Ricardo ia ter ocasião de mose presença de espírito surpreendentes, pois assi-
nalou êsse período uma perturbação, que foi uma Jaqueria, e poderia ter redundado em revolução. Havia muito tempo incubava-se nos campos úma agitação latente. Não era que os camponeses estivessem mais miseraveis; pelo contrário, durante a década precedente haviam subido os salários, ao passo que os preços tinham baixado. Mas os homens haviam deixado de crer no aistema que os conservava em servidão. Tinham conhecido a vergonha do velho Rei, as derrotas em AA r
GRANDEZA
DO
E DECADÊNCIA
157
FEUDALISMO
França dos seus senhores, as incursões das flotilhas francesas. Os “pobres padres” de Wycliffe tinham-lhes falado das rigue-
zas escandalosas dos abades. Um poema escrito em língua vulgar, Pedro o Lavrador, de Langland, fóra difundido por
todo
o país. Langland
e admirava
era
não
monástica,
a vida
um
mas
revolucionário;
pintava
a
era
piedoso
sorte do povo
com realismo tão sombrio e o luxo dos grandes com desprezo tão hostil que milhares de Pedro Lavradores, escutando êsses
se tinham
versos,
Inumeraveis
comovido.
eram
nas
aldeias,
em 1381, os conciliábulos secretos, as mensagens misteriosas que, circulando de condado em condado, levavam as ordens da “Grande Sociedade”, os agitadores clérigos e leigos que pregavam ao mesmo tempo a reforma da Igreja e a revolta dos camponeses. O Estatuto dos Trabalhadores alimentava a exasperação. Cada dia, em algum solar, os camponeses entravam em conflito com um senhor ou com o seu bailio, que lhes queria impor a ceifa a dois ou três penrce por dia. As penas pre-
vistas
por
trabalho
essa
lei
absurda
expulsavam
das
contra
suas
aqueles
terras
os
que
recusavam
camponeses
que
o
até
então haviam sido pacíficos lavradores e que se tornavam vagabundos, errando pelas florestas, desmoralizados porque desarraigados. “O vilão fugitivo é personagem tão comum na Inglaterra do século XIV quanto o escravo em fuga na América do século XIX; em ambos os casos essas recusas cada vez
mais
classe
numerosas inteira.”
são
o sinal
da
vontade de
libertação
de
uma
IV. — Froissart conservou-nos os discursos do mais conhecido dos agitadores de 1381, o capelão John Ball: “êsse John Ball costumava, no dia de domingo, quando tôda a gente saia da igreja, depois da missa, vir ao cemitério. Aí reunia o povo em torno de si e pregava-lhe dizendo: “Boa gente, as coisas na Inglaterra não podem andar direito e não andarão enquanto os bens não forem postos em comum, enquanto houver vilãos e fidalgos e nós não formos todos iguais. Por que aqueles a quem chamamos senhores são mais poderosos do que nós? Descendemos todos de um só pai e de uma só mãe, Adão e Eva. Em que podem êles dizer e provar que são mais senhores do que nós, senão porque nos obrigam a cultivar e lavraro que consomem? Éles vestem-se de veludos e nós de mesquinho pano; êles têm os vinhos, as especiarias e os bons pães; nós temos o centeio, o farelo e à palha, e bebemos água: éles repousam em belos solares e nós temos a chuva e o vento nos
campos, e é preciso que de nós e do nosso labor venha aquilo de que êles vivem... Vamos ter com o Rel. Éle é moço. txponhamos-lhe a nossa servidão. Digamos-lhe reinos que não seja mais assim ou que dare que nós quemos remédio a V. — saída das
Assim costumava falar John Ball, ; aos doom miingos, à missas de aldeia, e muitos, indo-se embora , iGro
158
MUSTORTA
DA
INGLATERRA
muravam: “kle diz a verdade.” As reclamações dos emnponte ses foram, entretanto, menos comunistas do que ns pregações de John Ball. Pediram somente a sua liberdade pess oul e q substituição de tôdas as corvéias por uma renda da quatro dinheiros por acre. A causa imediata da revolta fol uma tnAXA que os conselheiros da Coroa, com grande inabilidade, Quids Tam arrecadar segunda vez, porque a primeira excursho don coletores não produzira dinheiro suficiente. Quando Os cuis poneses viram de novo os homens do Rei e quando Gute qui« seram prender os recalcitrantes, uma aldeia inteira eufures
ceu-se e Os pôs em fuga. Depois, assustados da sua ação, os camponeses alcançaram a floresta. Aí viviam
próprla os tl=
meros fora-da-lei criados pela insensata aplicação do Iistit= tuto dos Trabalhadores. Exército completamente recrutado
bara uma senha tão
revolta. De campanário em campanário esperada: “John Ball vos sauda à todos
ocorreu qu e vos fay
saber que acaba de tocar o vosso sino.” Em alguns dias Inflimaram-Se o Essex e o Kent. Os rebeldes saqueavam as casas, matavam os partidários do Duque e os homens da lei. A sua idéia fixa era destruir os vestígios escritos da sua servidão. Nos solares de que se apoderavam, queimavam os regi stos e ag cartas. Diante dêles os nobres, estrangeiros incapazes de orga-
nizar uma resistência, fugiam; dentro em pouco os cam ponceses e os fora-da-lei entraram nas cidades OS senhores por sua vez ocultaram-se nas florestas. Os burgueses das cidades receberam bastante bem os insurgentes. Em Canterbur ; Cidadãos e camponeses unidos saldaram algumas velhas contas decapitando homens odiados. Depois, êsse exército informe marchou sôbre Londres. Alí estava o jovem Rei, que os chefes. da Revolta diziam favoravel e de quem a boa gente só sabia
que era um menino e que urgia protegê-lo contra seu tio, João de Gand, o mais abominado de todos os grandes senhores. Imaginemo-los marchando pelas veredas, agrupados por cidades e por aldeias, levando bastões, espadas enferrujadas, machados, arcos antiquados e flechas sem penas.
VI. — O Rei e os seus fiéis haviam-se refugiado na Torre de Londres. A cidade mesma teria sido fácil de defender: q ponte que a separava da margem era móvel no meio e Lerin bastado abri-la. Mas um alderman favorável aos revoltados entregou-lnhes a entrada, máu grado do Prefeito que era pela
ordem. No mesmo instante deram-se nas ruas cenas horriveis. Os camponeses tinham aberto as prisões e, como acontece em tôda as revoluções, a turba dos bandidos saíra da sombra para
saquear e matar. Ergueu-se um cepo em Cheapside ças voaram. Um quarteirão inteiro de Flamengos nado sem outra razão que não fôósse a sua qualidade
e as cubefoi chaclde estran-
geiros. A casa de João de Gand foi queimada. Só o jovem contava com a benevolência da populaça. Já no primeiro
êle fora, sem desembarcar, tinha sido aclamado. Sem
Rei dia
arengar de um bote a multidão e que se soubesse porquê, era, ídolo
GRANDEZA E DECADÊNCIA DO FEUDALISMO
159
de todos Ôsses desgraçados e ia, dessa popularidade, tirar grnndo partido. Pela primeira vez êle teve uma entrevista pum os roboldes em Mille's End, num campo vizinho de Londres, o all finglu conceder-lhes tudo o que pediam. Trinta poerovONLos puseram-se a redigir cartas de alforria e a selá-las nom o selo real. Os camponeses acreditavam nos pergaminhos. A medida que cada grupo recebia a sua “carta”, deixava triunfulmente o campo e tornava a entrar em Londres, trazendo pandolras reais que tinham sido distribuidas. Nunca, por certo, ba Conselheiros de Ricardo haviam tido a intenção de considornr como válidas concessões extorquidas pelo saque e peio nasmusínio,
Há-lou
Procuravam.
wu passar
ganhar
rapidamente
tempo.
Novos
à ofensiva.
crimes
iam
obri-
VII. — Enquanto o Rei se achava fora da Tôrre, cs rebelLinham penetrado nela; a cabeça do arcebispo de Canter-
des bury c a do Tesoureiro estavam expostas à entrada da Ponte do Londres. Cumpria a todo preço afastar essa multidão sangulnária e desvairada. Já numerosos grupos de camponeses, untisfcitos com a sua carta, tinham deixado a cidade. Restavam alguns milhares, sem dúvida os piores, que queriam contHnunr o saque. Mas de todos os lados chegavam cavaleiros e burgueses para se reunir em torno do Rei. Foi marcado aos rebeldes novo lugar de encontro para o dia seguinte: o merendo de cavalos de Smithfield. O rei-menino entrou nessa praça a cavalo, seguido do Prefeito de Londres e de uma cicolta completa; na outra extremidade da praça estavam os veclumantes armados dos seus arcos. O seu chefe, Wat Tyler,
que estava montado, adiantou-se para o cortejo real. Que nconteceu? Os cronistas divergem. Seguramente o homem foi Iolente e de súbito o Prefeito de Londres, que estava armadc
por baixo das vestes, encolerizou-se e abateu-o com um golpe nn cubeça. Assim que êle caíu, os homens do Rei cercaram-no para que os bandos, na outra extremidade da praça, não o vissem.
Mas
êles
o tinham
visto,
e já
se
dispunham
em
linha
do batalha e retesavam os arcos, quando o jovem Rei teve um movimento heróico, inesperado, e que deu bom resultado. Éle folxou os seus homens, sozinho, dizendo-lhes: “Ficai aqui e ninguem me siga.” Depois, avançando para os rebeldes: “Vós não tendes? disse-lhes, “outro capitão senão a mim. Eu sou o vonso Rei. Conservai-vos em paz.” A vista dêsse belo menino que se acercava dêles com tranquila confiança desarmou os Insurretos que não tinham chefe, nem plano. Ricardo pôs-se f frente dêles e conduziu-os para fora da Cidade. Tal é pelo: monos a narrativa de Froissart.
VIII. — Merecem pouca piedade assassinos e saqueadores. lintrce os camponeses de 1381 havia, porém, muitos homens honrados que julgavam defender uma causa justa. São êsses
quo
não
tunflante
é possível
cortejo,
ver
o belo
sem
comoção
menino
seguirem,
real que
em
os leva
patético
e
ao suplício.
160
HISTORIA
DA
INGLATERRA
Pois a repressão ia ser tão cruel quanto a insurreição. Assim que o exército da Jaqueria foi dispersado e que os camponeses voltaram às suas aldeias, o Rei e os seus juizes foram de condado em condado realizar sanguinários julgamentos. Os rebeldes foram enfrocados às centenas. Em Londres, no cepo que êles mesmos tinham colocado em Cheapside, foram decapitados os culpados dos dias de matança e muitos inocentes. Os parentes das vítimas e até mulheres solicitaram a permissão, para melhor saborear a vingança, de executar pessoalmente os carrascos da véspera. Durou muito o terror das classes dirigentes; chegou ao ponto de proibir aos filhos de vilãos a
entrada
rais Mas
io ça e 2 e qr is
ae E e a e oça e ai a geç seg E
im
Universidades.
Os cavaleiros
e os burgueses
libe-
(sempre os há) perderam tôda autoridade no Parlamento. o espírito de independência do povo inglês não pereceu e
acabou
Pre
nas
por
triunfar. O Estatuto
dos
Trabalhadores
caíu
em
desuso desde o fim do século e os Juizes de Paz foram encarregados de resolver amigavelmente as questões de salário. Enfim, sob os Tudors foi abolida a servidão e “sob Jaime I, tornou-se máxima legal que todo Ingiês é um homem livre.”
Dá
DA PARTE II (1377-1399).
SEGUNDA RICARDO
ANOS. CEM DOS GUERRA HENRIQUE IV (1399-1413).
HENRIQUE V (1413). HENRIQUE VI (1422-1471). OS INGLESES FORA DA FRANÇA I.
—
O
de Smithítield
rei-menino,
nobres
cuja
coragem
e burgueses
na
tinham
praça
do
admirado
mercado
e a quem
o exército dos camponeses revoltados seguira com religioso respeito, tornou-se um adolescente veleidoso e acabou por morrer na prisão, desprezado dos grandes e esquecido pelo seu povo. Ricardo II tivera, entretanto, qualidades; era bravo, inteligentíssimo; soube dizer a seus terríveis tios: “Agradeço OS VOSSOS serviços passados, my Lords, mas não os necessito por mais tempo.” Procurou lealmente fazer a paz com à França. Compreendeu o perigo, para a monarquia, dos duques com apanágio, demasiadamente poderosos, e procurou ser um rei forte à maneira que foi depois a dos Tudors: mas o seu povo não tinha ainda sofrido tanto que pudesse apoiá-lo contra os grandes e, além disso, após a repressão de 1381, os camponeses já não tinham confiança nele. A Igreja, inquieta com a heresia, ter-se-ia entregado a quem lhe oferecesse os meios de abater esta, mas ainda aí a sabedoria de Ricardo e à sua tolerância o desserviam. As suas boas intenções eram intermi-
tentes, OS seus acessos de favoritos mal escolhidos.
Il.
—
Ricardo
vontade
esposou
duas
violentos
princesas:
e
breves,
os
a primeira
seus
era
Ana da Boêmia, graças a cujos íntimos as heresi as de Wycllffe se espalharam em Praga e aí geraram o movime nto protes-
tante
dos Hussitas;
a segunda
era uma
francesa,
Isabel, filha
Ge Carlos VI o Louco, o que desagradou aos Ingleses que não aprovavam a política francófila de Ricardo II e choravam o tempc que o arqueiros de Crécy e de Poltiers voltavam, carregados de presa, para as aldeias, Ricardo, depois de ter reinado sabiamente durante seis anos, deixou -se tentar pelo despotismo. Conseguiu encher o Parlamen to de criaturas suas e tez votar para si, sob ameaça dos seus mercenários, direitos sôbre a lã por tôda a duração da sua vida. Dai em diante não convocou mais as Câmaras. O bom êxi to dessa política transtornou-lhe a cabeça. Exilou o filho de João de Gand e, por
162
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
morte do velho duque de Lancastre, confiscou a herança. Era provocar seu primo à revolta. Lancastre viveu algum tempo em París, preparando um golpe de Estado. Desde que êle desembarcou na Inglaterra, viu-se Ricardo abandonado de: todos e, a final, lançado na prisão. O Parlamento, herdeiro do Grande Conselho, elegeu Rei Henrique de Lancastre, que os dois arcebispos coroaram logo com o nome de Henrique IV.
III. — Henrique IV não era rei legítimo; devia a coroa, ao Parlamento, aos nobres e à Igreja. Por Isso, teve de contemporizar com êsses três poderes muito mais do que o haviam feito os reis normandos ou angevinos. A Igreja foi êle que, em 1401, concedeu pelo estatuto — De Heretico Comburendo o
Gireito de queimar os hereges. Durante os sessenta anos dessa. dinastia lancasteriana a potência do Parlamento, tão ameacado por Ricardo II, não vai cessar de crescer O primei ro dos
reis
nao
lancasterianos,
ousa
nunca
Henrique
ressitir
aos
IV,
sabe
Comuns.
que
é um
O segunão,
usurpador
Henrique
e
V,
passa grande parte do seu reinado fora da Inglaterr a e deixa prematuramente o trono a um menino de pouca idade, Hen rique VI, o qual, ao chegar à adolescência, será um sob erano fraco e semiluoco. Assim, durante longo período, a fraqueza do Rei, a sua ausência ou os seus temores fazem do Parlamento o árbitro da situação. “Em face de poderes faccio sos e instaveis, a Câmara dos Comuns, único poder permanen te e de larga base nacional, recebe das circunstâncias uma espéci e de papel arbitral. Esses portadores de títulos litigiosos só a ela podem pedir um crédito precário. Ainda tímida, incerta, assustada do que assim lhe acontece sem que o tenha procurado, ela exerce, durante mais de um século, uma autoridade preponderante. Os seus arquivos enchem-se de precedentes; os seus fastos ilustram-se de reivindicações; o seu regulamento enriquece-se de práticas liberais: meras formas sem dúvida e que não guardam por si sós a substância da liberdade politica (viu-se bem isso no século seguinte, sob os Tudors), mas que lhe perpetuam por assim dizer o mecanismo, de sorte que, no dia em que as circunstâncias se tornem de novo favoraveis, êle se encontre completamente montado e pronto para
a
Mm
uol
E
funcionar.”
IV. — Depois de longa trégua, Henrique V, em 1415, recomeçou a guerra com a França. O seu verdadeiro fim era ocupar com uma guerra estrangeira os espíritos turbulentos do seu próprio país. A agitação religiosa dos Lollards redundava na guerra civil. Era mister uma diversão e os cronistas dizem que os bispos a pediam. O Rei mesmo tinha grandes ambições: sonhava por termo ao cisma de Avinhão e empreender uma Cruzada como chefe de uma liga ocidental. Qualquer que tenha sido o seu fim, os meios"*que empregou são injustificaveis. Achando a França despedaçada pelas facções de Orléans e de Borgonha, e governada em nome de um Rei louco por
GRANDEZA
E DECADÊNCIA
DO
FEUDALISMO
163
um Delfim sem amigos, reviveu cinicame nte as pretensões de Eduardo III ao trono da França. Ora, quaisquer que tenham sido os direitos já muito contestaveis de Eduardo III, os de Henrique V, que nem sequer era o herdei ro mais direto de seu bisavô, eram quase nulos, Tão bem o sabi a êle, que, depois de uma primeira tentativa diplomática, pe diu somente que lhe dessem, com a mão de Catarina, filha de Carlos VI, a Normandia, a Touraine, o Anjou, o Maine e 0 Ponthieu. Ésses pedidos eram de tal forma absurdos que não po diam ser atendidos, ainda por um país tão desgraçado a França, A guerra tornou-se inevitavel.
como
estava
então
V. — A segunda parte da guerra dos Cem Anos assemelna-se prodigiosamente à primeira. Dir-se-ia que uma espécie de obcessão impele Henrique V a imitar a campanha de seu bisavô. Como êle, desembarca na Normandia. Não tem senão 2.900 homens de armas, o séquito destes, e 3.000 arqueiros. Ao todo, com criados e transportes, não mais de 30.000 homens. Apodera-se de Haríleur, o grande arsena l do Oeste, apesar de corajosa def
esa;
depois, tendo mandado
um
desafio
ao Delfim, resolve marchar para Calais e atravessa r o Soma em BancheTache, o vau de Crécy. Era uma empres a audaz, mas a nobreza francesa estava dividida; sem dúvida ela deixaria aos Ingleses os oito dias de que precisavam para ati ngir Calais. “O essencial era não sublevar as populações no caminho. Por isso, O Rei fez executar à letra as belas ordenanças de Ricardo II relativas à disciplina: proibição de violar, de saquear as igrejas, sob pena de forca; proibição de gritar: Havoc! (ao Saque!), sob pena de ter a cabeça cor tada; a mesma pena contra aquele que rouba a um mercador ou vivandeiro; obedecer
que uma cavalaria feudal bravís sima, mas que nada aprendera é que não fazia caso das lições de Du Guesclin, se deixou traspassar pelos arqueiros e cortar em pedaços pelos homens de armas do rei inglês. Dez mil Fran ceses pereceram nessa batalha, uma das mais sangrentas da Idade Média (1415).
que lhe abriram as portas França do Norte. Esposou
de Paris, Henrique ficou senhor Catarina na igreja de S. João
da de
Troyes e alí assinou um tratado pelo qual era reconhecido herdeiro do trono da França por mo rte de Carlos VI, e regente durante a vida dêsse Rei. Devia governar com um Conselho francês e manter todos os antigos costumes. O seu título, enquanto vivesse Carlos VI, devia ser — Henrique, Rei da Inglaterra e herdeiro da França. Mas al guns anos depois êle Mmormu, na floresta de Vincennes, prov avel ria, deixando um filho da idade de um ano. mente de disenteHenrique V con-
164
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
tinua a ser aos olhos dos Ingleses um grande Rei; tinha-os conduzido a novas vitórias e as suas virtudes privadas eram verdadeiras. Era generoso, cortês, sinceramente religioso, casto e leal. Falava pouco e respondia somente: “E' impossivel”, ou “será feito.” A sua moderação, notavel em tempos tão feroZes, não o impedia de ser de implacavel crueldade quando lhe parecia que os interesses do país e da Coroa o exigiam. Pelo seu bom lado como pelo máu, havia agradado ao seu povo. Mas certamente teria sido maior homem de Estado, se tivesse resistido à tentação de lançar-se nessa campanha da França que, depois de tão grandes triunfos acabou em desastre.
VII.
—
Entre
as duas
partes
da
guerra
dos
Cem
Anos,
é
períeita a simetria. Depois de Crécy, derrota da rotina feudal, a França produzira um soldado realista: Du Guesclin. Depois de Azincourt, ela é salva pelo bom senso e pela fé de Joa na dArc. Quando o pequeno Henrique VI, em 1422, se tornou, ainda no berço, Rei da Inglaterra, a partida para o Delfim de França parecia perdida. Carlos VI morrera dois meses após Oo seu Inimigo; os tios do pequeno Henrique VI, o duque de Bedford, regente na França, e O Guque de Gloucester, contavam fazê-lo sagrar Rei da Franca em Reims logo que estivesse em idade de pronunciar as fórmulas sagradas;não se via quem os pudesse impedir. De 1422 a 1429, o Delfim Carlos, sem reino e sem capital, sem dinheiro e sem soldados, vagou pelas poucas províncias que lhe restavam. Chamavam-ihe por zombaria — o Rei de Bourges. Era mesmo o Delfim? Muitos duvidavam do seu nascimento, e até êle próprio. Bedford, senhor do Norte da França, empreendera a conquista do Centro e pós cerco a Orléans. Carlos pensava em retirar-se até o Delfinado. Parecia que isso seria o fim de tudo.
TR E ge à
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RD
O
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—
O
VIII. — E contudo o domínio dos Ingleses na França era fragil e artificial. Formado não por uma fôrça real, mas pela divisão dos Franceses ia cair ao primeiro embate. A história de Joana d'Arc é ao mesmo tempo o milagre mais surpreendente da história e a sucessão mais razoavel de atos políticos. Os planos ditados a Joana pelas suas vozes são simples e geniais: “Infundir ao Delfim confiança em si mesmo; libertar Orléans; fazer sagrar Carlos em Reims; Joana, na sua curta vida (1412-1431), só terá tempo de cumprir êsses três atos, mas êles bastam.” Depois da sagração de Carlos, nunca mais Henrique VI poderá ser Rei da França legítimo. Além disso, uma vez dado o impulso, o povo prossegue. A comoção que excitam as vitórias de Joana e de Dunois, a piedade, o horror que o seu processo e o seu martírio provocam, despertam na França o ódio ao invasor. Debalde Bedford faz coroar
pl
Henrique
em
Nossa
Senhora
de París,
debalde
o partido
bor-
gunhão e a Sorbona (que, pelas suas contultas, permitira queimar Joana) recebem o pequeno Rei inglês com grandes demonstrações. O Delfim ganha terreno. A casa, de Borgonha,
SS
DDD
GRANDEZA
E DECADÊNCIA
FEUDALISMO
DO
165
indispõe-se com a Inglaterra. París mesma acaba por expulsar é libertada. Ao tempo da a guarnição inglesa. A Normandia possuem na os Ingleses já não morte de Carlos VII (1461) França senão Calais, que conservarão ainda cem anos, como um
Grilbraltart
da
Mancha.
íorma que IX. — E” notavel consignar que, da mesma consideram Bouvines, vitória francesa, como uma batalha feliz, admirar em acôrdo estão hoje de os historiadores ingleses Joana d'Arc e em pensar que ela salvou a Inglaterra do despotismo. Sem ela, o Rei da Inglaterra teria vivido em Paris e, apoiado em um exército francês, rico dos impostos percebidos na França, teria recusado sujeitar-se à fiscalização dos seus súditos. Graças a ela, desfez-se o perigoso sonho de império continental, no qual por tanto tempo se deleitaram os sobe-
longos anos de luta haviam produzido ranos ingleses. Ésses países o sentimento dois outros resultados duradouros. Nos nacional, impressão nova e forte, nascera ao contato de um povo estrangeiro. Homens de Ruão, de Orléans, de Bourges, de Bordéus, tão diferentes uns dos outros e por tanto tempo inimigos, tinham, contudo, sentido que entre êles havia alguma coisa comum que os separava dos “Godons” (nome que Joana em tinham daí parte, Éstes, pela sua dava aos Ingleses). diante, e não obstante a derrota final, a recordação Ge grandes coisas realizadas em comum. Entre a Franca € a Inglaierra nascera, entretanto, um Ódio que ia durar, com aigumas inter-
mitências, até o fim do século XIX, e deixar nas massas popuee
dos
lança.
dois
países
uma
hereditária
e
invencivei
descon-
R
A
1. a
—
Inglaterra
veitosos de uma
O
GUERRA
termo
das
companhias
DAS
DUAS
campanhas
de soldados
de
ROSAS
França
habituados
faz
refluir
a saques
à
pro-
e inteiramente prontas para se colocarem ao serviço causa, boa ou má. As cartas da época estão cheias de
assassínios, de insurreições, de execuções ilegai s narradas no tom mais natural e como incidentes inevitáveis O duque de Suífolk, dirigindo-se para Calais, vê o seu navio chamado à fala por um barco desconhecido; é levado para bor do e recebido com as palavras: “Boas vindas, traidor!” Dit o isto, des-
cem-no a uma barca e, sem julgamento, um home m da tripulação corta-lhe a cabeça com cinco ou seis golpes de uma espada inferrujada. Em 1450, as comunas do Kent sublevam-se ao apelo de um aventureiro, Jack Cade, que se faz chamar Mortimer e se diz descendente de Eduardo III. Ésse capitão vai até Londres, só é preso por motivo das suas dis pu-
tas com
Os burgueses
da cidade
e, antes
de ser morto
êle pró-
prio, decapita o tesoureiro do Rei e um Sheriff do Kent. A nobreza acha-se então pronta para seguir tais usurpadores, porque o Rei mesmo já não passa de filho ou neto de usurpa dor. Bem o sabem os reis lancasterianos. Quando Henrique V, julgando seu pai já morto, pôs a mão na coroa, Henrique IV saiu do seu letargo para murmurar: “Ela ainda não é vossa e nulica foi minha...” Contra o fraco Henrique VI ergue-se
Eduardo, duque de York, herdeiro mais próximo III pois que descende por linha materna do duque ao passo que os Lancastres provêm apenas do filho João de Gand. Em torno da Rosa Vermelha de
de Eduardo de Clarence, mais moço, Lancastre e
da Rosa Branca de York vão agrupar-se os senhores amigos de batalhas, sem outro alvo político a não ser a conquista de riqueza pela vitória do seu partido.
II. — Essas lutas de nobres ambiciosos e ávidos despertam no país pouco interêsse. A vida continua. Os campos são lavrados, fazem-se as colheitas; o comércio de Londres desenvolve-se. Uma dúzia de grandes barões, os seus amigos e vassalos, e sobretudo os seus bandos mercenários são os que tomam parte nas batalhas. Convem-lhes mostrar prudên cia e respeitar, nos seus combates, a neutralidade das cidades e aldeias, pois aí os homens armados são muitos e se levant a-
GRANDEZA
E DECADÊNCIA
DO
FEUDALISMO
167
riam, se alguem os irritasse, contra uma e outra Rosa. As batalhas que decidem da posse do trono travam-se entre alguns milhares de homens. Elas confirmam o declínio da cavalaria. De ambos os lados os arqueiros dominam o combate, mas a pouco e pouco o homem, animal corajoso, habitua-se a arrostar as flechas. Os barões carregam os arqueiros ce procuram o corpo-a-corpo, em que o machado e a espada decidirão da vitória. Assim, essas batalhas, apesar do pequeno número dos combatentes, causam prodigiosa sangria na classe que é a única a envolver-se nelas. Depois da guerra das Duas
Rosas
a nobreza
inglesa
ficará
reduzida
a algumas
famílias.
III. ,— O infeliz Henrique VI não era talhado para tempos tão rudes. De modo nenhum tolo, mas de modo nenhum Rei, era um santo e, nas coisas dêste mundo, uma crianca. Não se podia imaginar criatura mais doce, nem mais respeitavel, nem mais fraca. Nas grandes guerras do seu reinado, não passara de espectador, deixando agir Somerset ou Warwick e não subindo êle próprio à cena senão para tomar o seu lugar num cortejo ou numa sagração. Vivendo entre seres que se odiavam, pensava somente em reconciliá-los. Casado com uma fúria, Margarida de Anjou, mostrava para com ela só paciência e afeição. A sua felicidade consistia em ouvir missa, estudar história e teologia. Tinha horror a tôda pompa e vestia-se como um burguês. Em lugar dos sapatos pontudos então em moda entre os grandes, usava sapatos redondos de camponês.
Quando tinha de revestir o seu traje real, êste cobria silício. Antes de cada refeição dizia as suas orações, como
um um
monge, e tinha sempre à mesa, diante de si, uma imagem que representava as cinco chagas do Cristo. Chesterton notou que êsses reis fracos e pios são os que deixaram os monumentos mais duradouros e mais belos. Eduardo o Confessor edificara a Abadia de Westiminster; Henrique VI fundou a Escola de Eton (1440), e construiu em Cambridge a admiravel capela de King's College. Essas fundações acabaram de arruiná-lo. Numa época em que todos, nobres e mercadores, se enriqueciam, só o Rei estava coberto de dívidas. Em 1451 foi êle forcado a tomar dinheiro emprestado para celebrar o Natal, e ne
dia de Reis, já não tendo crédito, o Rei e a Rainha não pude-
ram jantar. Esse soberano presa fácil para cavaleiros
ingênuo e como que irreal brutais e sem escrúpulos.
ia ser
IV. — Em 1453, Henrique VI (que era neto do pobre Carlos VI de França) deu sinais certos de loucura. Não somente perdera a memória e a razão, mas também já não podia andar nem se manter em pé. Nem mesmo compreendeu que lhe nascera um filho. Seu primo de York, apoiado por Warwick, poderoso senhor que foi cognominado ao mesmo tempo o Último dos Barões e o Fazedor de Reis, fez-se coroar em Westminster com o nome de Eduardo IV. O manso Henrique foi encerrado na Tórre,: tratado, dizem os cronistas yorkistas, com humani-
168
HISTORIA
DA
INGLATERRA
dade, deixado em estado de abandono e de imundície incrivel, afirmam, pelo contrário, os cronistas lancasterianos. “Fazeis mal” dizia êle brandamente aos seus guardas, “ferindo assim um Rei consagrado”. Depois, uma questão de Eduardo IV com o Fazedor de Reis repôs subitamente no trono Henrique VI e a Rosa Vermelha. Afinal, tendo Eduardo batido Warwick, que pereceu na batalha, matou o Príncipe de Gales e mandou assassinar o próprio Rei. Após essa conscienciosa matança (1471), Eduardo IV reinou sem grande oposição até 1483. Exata contra-partida de seu piedoso primo, foi um príncipe da Renascença, brilhante e cínico. Não lhe repugnava fazer carícias às mulheres dos seus mercadores da Cidade e à sua grande beleza era motivo para que elas não o repelissem. “Palavra de honra”, dizia-lhe uma rica viuva, “pela tua linda carinha ganharás sempre vinte libras.” O Rei, que só esperava receber dela a metade dessa quantia, agradeceu-lhe e beijou-a. Ela então lhe deu outras vinte libras, “porque achava que o beijo de um Rei era a mais preciosa das jóias”. Graças aos grandes mercadores e a suas mulheres, Eduardo IV viveu aos dias, das liberalidades dos seus súditos. Bem se imagina que os doadores não perdiam nada com isso: as vantagens e os monopólios que lhes eram concedidos permitiam que se reembolsassem na massa dos compradores, o que era uma iorma engenhosa de imposto indireto. V.
—
A ascenção da Casa de York deu um golpe gravissimo no prestígio do Parlamento. Ao passo que os reis lancasterianos, usurpadores, haviam a êle pedido a investidura, os reis yorkistas pretendiam reinar só pelo direito de herança. Além disso, a Câmara dos Comuns cessou, por êsse temvo, de
representar realmente as comunidades da Inglaterra. A princípio toão burguês que pagava os seus impostos tivera o direito
de votar. Mas da mesma forma que o enriquecimento dos grandes mercadores transformara as guildas em círculos fecha-
dos, muitos burgos haviam comprado à Coroa cartas que excluiam os recem-chegados. Ora o Prefeito e os seus conselheiros, ora um Conselho composto dos burgueses mais ricos, tiveram o direito exclusivo de escolher os representantes da cidade. Assim começou o processo que, por vários séculos, vai transformar tantas circunscrições inglesas em “burgos podres”, em que o eleitorado será tão restrito que se tornará fácil de corromper. Do mesmo modo, a datar de 1430, os cavaleiros dos
condados já não foram eleitos senão pelos freeholders, cuja terra produzia pelo menos quarenta shillings (cerca de vinte libras de hoje). Muitos homens que até então haviam votado acharam-se destituidos dos seus votos. Ésse regime devia, durar
até a reforma
eleitoral
de
1832. Éle
assegurou
o poderio
legal
de uma classe pouco numerosa, pois foi exercida uma pressão enérgica, em tempo de eleições pelos senhores mais influentes
sóbre os seus rendeiros e amigos. Em de Norfolk a John Paston: “Como é
1455, escreve a duquesa, necessário, por diversas
169
FEUDALISMO
DO
E DECADÊNCIA
GRANDEZA
razões, que o vosso Lord tenha neste momento nos Parlamentos pessoas que lhe pertençam e sejam seus servidores, desefamos e vos pedimos que depois da leitura desta carta deis O Vosso voto aos nossos caríssimos primos e servos John Howard e sir Roger Chamberlain, a fim de que sejam eleitos cavaa votar da mesma forma leiros do shire. E exortai também
os outros
todos
a isso”,
didos
que, pela vossa
Tais
sabedoria,
recomendações
são
de
ser deci-
pudessem
tempos.
os
todos
VI. — Eduardo IV deixava dois filhos jovens, dos quais O mais velho deveria ter-lhe sucedido; mas seu irmão Ricardo,
duque de Gloucester, mandou assassinar os sobrinhos depois de os ter encarcerado na Torre de Londres, e fez-se Rei com
o nome de Ricardo III (1481). Shakespeare pintou um retrato monstruoso dêsse corcunda cruel, intrépido e brilhante. Conquanto certos historiadores hajam tentado rehabilitar Ricardo III, parece que se deve crer em Shakespeare. Quando o povo conheceu o duplo assassínio da Torre, o sentimento de revolta que, desde muito tempo, fermentava no espírito dos Ingleses, fatigados de guerra civis e de usurpações, tomou forma mais possibilidade de reconciliar precisa. Parecia oferecer-se uma as duas Rosas. Restava um Lancastre. Henrique Tudor, duque de Richmond, adolescente mofino que, por prudência, fugira para a Bretanha e que por parte de sua mãe, Margarida, descendia diretamente de João de Gand. Se êsse Henrique pudesse esposar Isabel de York, filha de Eduardo IV, estariam unidas as duas
casas.
Ricardo,
que
compreendeu
o perigo,
esforcou-se
por se reconciliar com os burgueses convocando mento, e projetou esposar êle próprio sua sobrinha. breve,
porém,
Henrique
Tudor,
tendo
partido
de
um ParlaDentro em
Harfleur,
desembarcou em Milford Haven com dois mil soldados, Ingleses refugiados e aventureiros bretões. O país de Gales declarou-se por êle, porque os Tudors eram Galeses. Ele encontrou-se com Ricardo em Bosworth (1485). A sorte da batalha foi decidida pelos Stanleys, grandes senhores do Lancashire, que se pronunciaram por Henrique porque Lord Stanley esposara, em segundas núpcias, a mãe dêste. Ricardo, bravamente,
lançou-se na refrega, abateu vários guerreiros, mas foi morto. A coroa que êle levara ao combate e que caira numa foi achada depois da batalha e colocada por Stanley na
moita, cabeca
de seu enteado, que se tornou o Rei Henrique VII. “Assim. uniremos a Rosa Branca e a Rosa Vermelha. Possam os céus, que por tanto tempo contemplaram os seus ódios com ira, sorrir a esta feliz união. A Inglaterra foi por muito tempo: louca
Isabel,
e mutilou-se
herdeiros
a si mesma...
legítimos
das
Oh!
duas
que
casas
hoje
Richmond
reais,
se
e
unam
pelo consentimento abençoado de Deus.” Êsse casamento reaRu ce no ano seguinte. Estava terminada a guerra das Duas sas.
SI
IDADE
MÉDIA
aliáian
DA
I. — Quais são, no século XV, Os traços já formados do ZTarater nacional? Se bem que a guerra dos Cem Anos tenha terminado para os Ingleses por um revês, a lembrança dela parece-lhes gloriosa. Todos os combates foram travados em Solo estrangeiro. Só algumas cidades da costa vira m O inimigo, em incursões furtivas. O povo inglês julga-se de ora em diante invulneravel na sua ilha e despreza as outras nações. “Os Ingleses são orgulhosos”, diz Froissart, “e não se po dem constranger naturalmente na amizade, nem na aliança de nações estrangeiras, e particularmente não ná debaixo do sol povo mais perigoso do que os trabalhadores tais como são na Inglaterra”. Ésse orgulho fortalecido pela riqueza do país, a qual impressiona então todos os visitantes. “E' maior do que a de Qualquer país da Europa”, diz o enviado veneziano. Qu ando se 1ê em Chaucer a descrição dos Peregrinos de Canterbury , imagina-se o que deve ter sido na Inglaterra, desde o século XIV , a abastança de tôdas as classes. Homens e mulheres vestem -se de sólidos estofos, muitas vêzes guarnecidos de peles. O franklin de Chaucer, pequeno proprietário rural, é um rude epicurista, alegre de viver, cuja adega é igual às melhores, em cuja mesa nunca faltam perdizes gordas, nem solhas, “e ai do seu cozinheiro se os molhos não estão bem temperados”! Os emblemas do tecelão e do tintureiro são montados em prata maciça. Esses artífices são homens feitos para se assentar um dia como conselheiros sob o Dossel do Guildhall, burguese s cujas mulheres são tratadas por Madame e levam, quando vão à igreja, um manto digno de uma Rainha. Quando Sir John Fortescue se encontra exilado na França, durante a guerra das Duas Rosas, declara-se surpreendido com a miséria dos camponeses franceses: “Bebem água, comem maçãs com pão de centeio; nenhuma carne, a não ser raramente um pouco de toucinho, as visceras ou as cabeças dos animais mortos para os nobres e mercadores... Tais são” conelue Fortescue, ad mirador apaixonado dos parlamentos, “os frutos do poder absoluto.” II.
orgulho
—
Mais
ainda
do
que
a riqueza,
o
grande
motivo
do Inglês é então a sua relativa liberdade. O orgulh de oso
Fortescue,
em
1470,
faz o elogio
das
leis inglesas:
“Como
dei-
—
FIM
E
NO
ai
INGLATERRA
sas
A
E
a
+
4
GRANDEZA xariam
de
ser
boas
E DECADÊNCIA se
são
obra,
não
DO de
FEUDALISMO um
só homem,
171 nem
mesmo de cem conselheiros, mas de mais de trezentos homens escolhidos? Além disso, se por acaso forem imperfeitas, podem ser reformadas com o assentimento de todos os Estados do reino... Na Inglaterra é a vontade do povo que é a primeira coisa viva, e que transmite o sangue à cabeça e a todos os membros do corpo político.” Éle opõe triunfantemente a libercade do Inglês, que não paga senão impostos consentidos e que não pode ser julgado senão na devida forma, aos constrangimentos que sofre o súdito francês, obrigado a comprar o sal
da gabela, a pagar talhas arbitrárias e que é “jogado ao Sena dentro dum saco”, sem julgamento, se o seu Príncipe o julga culpado. Em verdade, Fortescue exagera. As vítimas de Ricardo
II não tinham sido, que se saiba, protegidas pelas fórmulas legais. Mas é exato que o próprio Ricardo não teria ousado lançar um imposto sem a aquiescência do Parlamento, ao passo que na França, desde uma ordenança de 1439, Carios VII, tendo obtido dos Estados um imposto direto — q talha, para pagar o soldo ao exército, conseguira tornar essa talha
perpétua. Daí em diante os seus sucessores tante dela sem convocar os Estados.
fixaram
o mon-
III. — Por que essas diferenças entre os dois povos? a) Porque a tarefa dos reis franceses foi muito mais difícil que a dos reis ingleses, senhores de todo o país desde o tempo da Conquista, e que, desde o século XII, puderam impor aos senhores locais os juizes ambulantes e a lei comum. O povo irancês, que sofreu cruelmente com a independência, está pronto para abrir ao Rei um largo crédito de poder, contanto que êle mantenha a ordem e defenda as fronteiras. Na França, pais continental, o inimigo está perto, é necessário o exército permanente. Na Inglaterra, a liberdade do povo enfraquece o Rei, mas o mar encobre faltas e fraquezas. b) Porque cada homem, na Inglaterra, é o seu próprio soldado e o seu próprio “policeman”. O yeoman, arqueiro ou homem de armas do tempo de guerra, não é outro senão o pequeno proprietário inglês do tempo de paz. O Rei, para impor a sua vontade a tais homens, não possue tropas. “E' efetivamente preciso” diz Froissart muito indignado, “que o Rei, que é o seu Senhor, se oriente por êles e se incline à sua vontade, pois, se fizer o contrário e se sair mal, terá de haver-se com êles.” O Rei da França possue, desde Carlos VII, um pequeno exército (quinze companhias de homens de armas e de cavalaria ligeira) e a mais forte artilharia da época. Na França, nenhuma milícia Nas aldeias. Desde os francos-arqueiros até a Guarda Naci onal, o soldado-cidadão, entre nós, foi sempre um desastre. Assim, a talha permanente garante, na França, o soldo do exército , e o exército permanente a arrecadação da talha. O Rei da França não tem necessidade frequente dos Estados Gerais e convoca-os o menos possível. Convocasse-os, aliás, e logo os três — Nobreza, Clero e Terceiro Estado — se combateriam e
1/2
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
es
dia
se devorariam. A mistura de ricos mercadores e de pequena nobreza que faz na Inglaterra a fôrça dos Comuns seria inconcebivel na França do século XV. Demais, na Inglaterra mesma, vai tornar-se necessária uma monarquia mais vigorosa para por termo à violência e à ilegalidade. O povo inglês, que durante a guerra das Duas Rosas sofreu com a anarquia, apela tambem, pelos fins do século, para um relativo despotismo, mas sempre o seu Rei deverá respeitar as fórmulas. A idéia da monarquia limitada acha-se solidamente ancorada nos espíritos ingleses.
IV. — A violência não é na Inglaterra apanágio dos chefes íeudais. Aqueles Ingleses e aqueles Saxões foram sempre brutais. Os costumes e as boas maneiras manterão depois essa violência em freio, mas, por baixo das cerimônias, ela sobr eviverá até os Nossos dias. Sir John Fortescue considera-a meritória, ainda quando leva ao crime. “Há” diz êle com orgulho, “mais homens enforcados na Inglaterra em um ano, por homicidio e roubo à mão armada, do que há enforcados na Franca, pela mesma espécie de crime em sete anos. Se um Inglês é pobre e vê outro homem que tem riquezas que se lhe possam arrancar pela fôrca, não deixa de iazê-lo, a menos que seja absolutamente honesto.” Chaucer faz um retrato terr ível de um yeoman “de pelo ruivo, vigoroso, grosseiro, espadauvdo. que traz a espada ao lado e não deve ser sujeito para brincadeiras.” A violência fôra, na Idade Média, temperada por duas fórcças: a cortesia cavaleiresca e a caridade religiosa. No século XV, porém, aqueles mesmos que lêm romances de cavalaria e que organizam fundações pias não têm escrúpulo em assaltar os fracos, nem em bater em suas mulheres. Os costumes familiares são rudes e o casamento tratado como um negócio; um pai vende a filha antes que ela esteja em idade de protestar. Depois do casamento, as mulheres tiram a desforra. A Matrona de Bath, em Chaucer, mostra-nos como tratavam elas os maridos, com um mixto de requebro, de imoralidade e de crueldade, que é eterno. Sob diversos aspetos a condição das mulheres, e sobretudo a das viuvas, era então melhor que é hoje em certos países. Podiam exercer qualquer comércio, fazer parte das guildas, ser, como os homens, sheriffs ou High Constables, Viajavam sós, juntavam-se aos peregrinnos e viviam como êles. Margarida Paston administrava os negócios mais importantes do marido e êste lhe louvava a prudência.
V. — A correspondência da família Paston revela-nos que a instrução era então assaz difundida em ambos os sexos. Quando estão separados, marido e mulher escrevem-se. Por muito muito tempo rapazes e meninas foram educados juntamente. Depois, os reis fundaram escolas especiais para os Tapazes. E” o tempo das primeiras Public Schools: Winchest er e Eton. As conversações dos Peregrinos de Chaucer dão idéia favoravel da cultura média dos homens e das mulheres do
GRANDEZA
FEUDÁLISMO
DO
E DECADÊNCIA
175
século XIV. Até aqueles que não sabem latim citam com propósito os nomes de Cicero e de Sêneca, como também os de superstições e de muitas livres Vergílio e de Dante. Estão dos sonhos. medo têm zombam, por exemplo, daqueles que
“Tôda
a gente
sabe
que
os sonhos
são produzidos
pelas
más
Com da bile.” e pela superabundância secreções do corpo (1340-1400), a literatura de língua saxônia, atinge, Chaucer será igualada, que desde os seus primórdios, uma perfeição nunca excedida. Um dos efeitos da guerra dos Cem Anos fora criar um preconceito contra a literatura francesa, que se tornou a de um pais inimigo. Até os mais cultos desejam um Chaucer. Éste, como em acham-no grande escritor saxão; depois Shakespeare, conheceu tôdas as condições humanas; viveu na córte de Eduardo III; foi embaixador em Florença, em Roma, e deputado em Westminster. Está, assim, maravilhosamentê preparado para pintar um quadro completo e vivo da Inglaterra do seu tempo. Das suas obras, a mais importante, aos olhos do historiador, é a famosa coleção dos Contos de Canterbury. Os peregrinos que se dirigiam à urna de S. Tomaz Becket, em Canterbury, reuniam-se no célebre Tabard Inn, em Southwark, para não fazerem sós a viagem numa época em que as estradas não eram seguras. A descrição de um grupo de peregrinos, as narrativas que fazem uns aos outros para encher o tempo da viagem, formam o poema de Chaucer. Como em Shakespeare, aí se descobre uma humanidade muito proxima de nós. Os grandes artistas ajudam-nos a compreender que, se os costumes e os cenários se transformam, as paixões humanas mudam pouco.
VI.
—
O próprio
a aproximar-se
cenário
daquele
a que
da
vida, por
estamos
êsse
tempo,
acostumados.
começa
Durante
tôda a Idade Média, a habitação das classes ricas fôra uma casa iortiíicada, construida para resistir a um assédio e para abrigar soldados. A datar do século XV, cavaleiros e grandes mercadores aspiram a possuir casas de campo feitas para o bem-estar mais que para a defesa. Aumenta o número das casas. Senhores e servos deixam de comer no mesmo salão. Uma peça nova, espécie de parlatório, dá lugar a que não se recebam as visitas no quarto de dormir. E provida de uma Chaminé em que se pode acender um fogo de carvão, de janelas proíundas, fechadas por pequenos quadrados de vidro e sob as quais são talhados bancos de pedra cobertos de almofadas. As paredes, há tapeçarias, pinturas; no chão, um tapete de Espanha, O leito de pluma acaba de ser importado da França, e é um bem precioso que se lega por testamento ao filho predileto ou ao cônjuge sobrevivente.. Cada uma dessas casas possue um jardim regularmente desenhado, cortado de muros ou de sebes aparadas, plantado de flores, de ervas medicinais ou arom
áticas,
de hortaliças. Nas
areia, semeadas de veludo, passeiam as
bancos damas
pequenas
ruas
cobertas
de
de relva espessa e macia como de toucados imensos. O luxo das
174 vestes
FRISA é tão
OTRA
grande
nessa
DIA
INGLATERRA
época
que
exige
leis
suntuárias. Outro sinal de Tiqueza: o país cobrese de igrejas, e cada aldeia se preza de enriquecer a sua de tape çarias e de estátuas. As.
casas dos pobres, e até as das classe s médias, permanecem, contudo, primitivas. O moleiro Ge Chaucer contenta-se com um quarto para êle, a mulher, a fil ha, uma criança de peito e. dois estudantes de Cambridge que vieram visitá-lo. VII. — Pelos fins do século XV aparecem, nessas casas, OS primeiros livros impressos. A imprensa satisfez uma necessidade mais do que a criou. Essa época lembra um pouco a nossa pelo acesso à cultura de tôda uma classe nova de leitores. Em tais períodos produz-se constante procura de livros de vulgarização. O nosso tempo reclam a livros de ciência, enciclopédias, biografias. O leitor do sécu lo XV queria livros de Cevoção, gramáticas, crônicas rimada s, traduções de grandes escritores latinos. Cada squire tinha então a sua biblioteca de manuscritos; possuimos o inventário da de John Pasten (no tempo de Eduardo IV). Ela contém so mente um livro impresso. A imprensa foi introduzida na Inglater ra por Caxton ...... (1422-1491), que lhe aprendera os princípios em Colônia. Éle montou perto de Westminster um verdadeiro negócio de edição, produziu belos livros e vendeu-os co m grande facilidade, Eduardo IV, homem culto, patrocinou-o. A invenção da imprensa, vulgarizando a teologia, preparou as gu erras de religiao, como a invenção do rádio favorece em nosso tempo a. difusão das paixões políticas.
VIII. — Seria artificial traçar de maneira extremame nte precisa as fronteiras que separam a Idade Média da Renas-
cença. Como outrora o Império romano, a civilização mediev al morre lentamente. Contudo, êsse fim do século XV em que a imprensa de Caxton substitue os copistas dos mosteiros, em
que a lingua inglesa rivaliza com a língua latina, em que o burguês enriquece enquanto o cavaleiro sucumbe, em que o canhão abre uma brecha no torreão, em que o mercador escapa da guilda, o fiel do clérigo e o servo do senhor, é, sem dúvida, uma época de transição. Uma sociedade que teve vários séculos de grandeza declina; levanta-se outra da qual ninguem sabe ainda o que será. a felicidade; a riqueza
A Inglaterra de 1485 dos seus agricultores
somente um govêrno jovem Henrique Tudor
forte. Contra tôda expectativa, e os seus descendentes lho iam
ces, a maturidade dos espíritos de uns sionam todos aqueles que a observam
está pronta para. e dos seus artifi-
e dos outros impresentão. Falta-lne tão: êsse dar.
LIVRO
IV
OS TUDORS OU O TRIUNFO DA MONARQUIA
TABUA A
Casa
de
Tudor
III
e a dinastia
escocesa
HENRIQUE VII (1485-1509)
e
esposo
ee
HENRIQUE
EDUARDO
(1547-1553)
VI
———
Isabel
VIII
(1509-1547)
—————
de
——.
V
de
(Ver
de
ao
|
terceiro casamento rique era o único
Uniu-se
à
Casa
de
descendia
Darnley
de João herdeiro
York
Frances
Duquesa
Suffolk
a!
Margarida,
Grey
Condessa de Lennox Henrique
Stewart
Conde
de
Darnley,
esp.
Eduardo
de
Maria
Rainha de Escócia (Ver ao lado)
III
por
um
ramo
de Gand, Duque de Lancastre. Em dos direitos sucessórios da Casa de
esposando
Maria
|
de
|
lado)
de
de
me
Escócia
JAIME TI (1603-1625) Jaime VI de Escócia (1567-1625)
VII
IV
=
|
Henrique
eee
de
Escócia)
Maria, Rainha de Escócia, espôsa de Henrique Stewart
Conde
York
Stewart
(Jaime
(1558-1603) A
Stewarts
Margarida
Jaime
ISABEL
(1553-1558)
de
espõsa
O
MARIA
Jaime
me
dos
Isabel,
filha
de
Eduardo
oriundo
do
1845, HenLancastre.
IV.
Ve
DA.
HENRIQU:
t+
I
I. — A importância dos acontecimentos escapa quase sempre aos que são testemunhas deles. Aos soldados que, na
tarde de uma cabeca
parecido
de
seu
apenas
batalha, viram Lord enteado
um
Henrique
dos pitorescos
Stanley
Tudor.
êsse
episódios
por
a coroa na
gesto
de
uma
deve
ter
guerra
Iinterminavel. Acabavam êles, entretanto, de assistir ao fim de uma sociedade. Durante quinze anos ainda iam surgir pretendentes; em nenhuma ocasião poriam em perigo o trono de Henrique VII. Estabilidade tanto mais surpreendente quanto o novo Rei não era um guerreiro. A respeito dêsse homem triste, sério e pensativo formaram-se duas legendas. A primeira, criada durante a sua vida por Henrique mesmo, fazia do Rei uma personagem distante e misteriosa que já não era, como os soberanos da Idade Média, um cavaleiro entre os seus pares, mas um ser à parte: o monarca; a segunda, a dos his-
«
€
“
toriadores, descreverá um Rei avaro e desconfiado, um Luiz XI inglês que amontoou, oprimindo a nobreza, imensos tesou-
tinham sido não aniquilados, porém muito diminuidos. Ae Parlamento de Henrique VII, SÓ vinte e nove Lordes tempoTais são convocados, e a sua influência no país parece frac a.
e
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“
am
ros. Foi Henrique VII verdadeiramente ávido de dinheiro? E” fato que êle deixou grandes riquezas, perto de dois milhões de libras. Mantinha minuciosamente a sua escrituração, como um burguês: “Pela perda do Rei nas cartas: nove libras... Pela perda de bolas no tennis: três shillings... Ao meu bobo, por ter composto uma canção...” Mas, se são contas rigorosas, nem por isso são as de um ávaro. O luxo da sua córte, a beleza das suas jóias, as suas vestes de veludo roxo torradas de tecido de ouro, assombravam os embaixadores milaneses e espanhóis. A verdade parece ser que o primeiro dos Tudors amou 0 dinheiro porque o dinheiro se tornara, depois da ruina da sociedade feudal, O Novo sinal da fôrça. No século XVI, um rei pobre teria sido um rei fraco, submetido aos seus nobres e ao seu Parlamento. Henrique VII e seus filhos não dependerão nem de uns, nem do outro. Sem outro exército permanente senão cento e cinquenta guardas do Corpo, serão soberanos mais que respeitados, venerados. E” mister explicar o mecanismo da sua prodigiosa segurança.
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é
Gde * de
178
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
As instituçiões nascem porque são necessárias, e morrem quando se tornam inuteis ou perigosas. Após a queda do Im-
pério e as desordnes das invasões, os senhores
feudais haviam,
na falta de um poder central forte, garantido bem ou mal a defesa do solo e a administração da justiça. Depois, o triunfo dos reis normandos e angevinos despojara essa aristocracia. guerreira das suas funções essenciais. Durante muito tempo. ela achara ocupação nas expedições de conquista, ora no país
de Gales ou na Escócia, ora na Normandia, na Aquitânia ou em Flandres. No fim do século XV, a formação na Espanha, e depois na França, de grandes estados mais fortes que a pequena Inglaterra dêsse tempo, já não deixara aos nobres. guerreiros nenhuma possibilidade de aventura continental.
Não lhes A guerra
O que
restara outro emprego senão das Duas Rosas tivera o duplo
restava
da
nobreza
hbaterem-se entre si. efeito de enfraquecer
anglo-normanda.
Quem
lhe
podia,
III. — Para desarmar o que ainda resta dos nobres facciosos e dos seus bandos, apoiam-se os reis Tudors em três classes novas: a gentry, os yeomen e os mercadores. A gentry é o conjunto dos gentlemen que vivem no campo. Essa palavra. genilemen, que começa a ser empregada no reinado de Isabel, está longe de ter o mesmo significado que a palavra francesa genilhomme. Pode um homem ser gentleman sem ter recebido título de nobreza e até sem possuir terra feudal. A gentry compreende tanto o descendente do cavaleiro como o rico mercador, ex-prefeito da sua cidade, que compra uma terra para se recolher a ela, ou como o advogado famoso que se tornou proprietário territorial; ela tem por limite inferior um censo territorial, essas vinte libras de renda que dantes faziam um cavaleiro e que no século XVI habilitam um proprietário a ser juiz de paz. À pequena aristocracia de nascimento sucede uma pequena aristocracia de riqueza, cujo papel no Estado se assemelha âquele que representaram na França as classes médias, no tempo de Luiz Filipe, mas que permanece aristocracia rural. Entre os squires que a formam e os pares do reino, nenhum compariimento estanque. Os herdeiros dos pares entram na Camara dos Comunls e aí se acham em igualdade com os gentlemen do campo.
e
as
herdar o poder? O Parlamento? Depois de brilhantes primórdios êle também perdera , durante o período das desordens, O seu prestígio. A Câmara dos Comuns não podia ser eleita. livremente senão se um poder central forte protegesse os eleitores contra as intervenções dos senhores locais. Entre govêrno feudal e govêrno parlamentar, só o Rei podia fazer a soldadura. A inópia da Nobreza e dos Comuns deixava lugar livre à monarquia.
IV.
—
Os
yeomen
são
também
uma
classe
rural,
a que
vem abaixo da gentry, acima do antigo vilão. Ela compreende (aproximadamente)
os indivíduos
que
têm pelo menos
os qua-
O
TRIUNFO
DA
MONARQUIA
179
renta shillings de renda exigiveis para fazer parte de um juri ou para participar das eleições de condado, mas que não atin-
gom as vinte libras que os fariam gentlemen. Não é mister ser proprietário para passar a yeoman. Coyy holders e até rendeiros podem ser yeomen. Bacon definiu a yeomanry como 3 classe intermediária entre os gentlemen e os camponeses; Binckstone como a classe dos eleitores de campo (sendo a gentry a classe dos elegiveis). Essa yeomanry, que se comporá, no século XVIII de cento e sessenta mil Ingleses pouco mais
Ou
menos,
quanto
listados
forma
a ossatura
a estrutura do
da
continente,
do país
Inglaterra
onde
poucas
é
e dos
seus
então
pessoas
exércitos.
diferente que
não
Vê-se
da
dos
sejam
nobres possuem a terra. Ésses yeomen foram os arqueiros da guerra dos Cem Anos. Não tem medo nem de trabalhar com as próprias mãos, nem de combater. “Formam na nação um elemento econômico, político e social de consideravel peso” e
cstão do lado
do Rei porque
têm
tudo
que
perder
na
desordem.
V. — Os mercadores ingleses ainda não ocupam no mundo, no início do século XVI, o lugar que terão postericrmente. Alguns dêles (os Merchants Adventurers), meio piratas, meio armadores, vão, com efeito, vender os seus tecidos, até na Russia e fazem no Mediterrâneo concorrência a Veneza e à Gênova, mas na conquista, que começa então, de mundos novos, a Inglaterra não representa papel algum. Quando os triunfos militares do Islã, fechando a rota mediterrânea das índias, forçaram, no século XV, os Europeus a tentarem grandes aventuras marítimas a fim de achar novo caminho para as riquezas do Oriente, só os Portugueses e os Espanhóis partilharam entre si as terras descobertas. Quem teria pensado na Inglaterra, pequeno país agrícola e pastoril, para lhe atri-
buir um império colonial? Um homem, contudo, desde êsse tempo, entreviu que “o futuro do seu povo estava sôbre a água”; foi o Rei Henrique VII. Tanto quanto pôde, animou a navegação. Construiu êle mesmo grandes barcos — a MaryFortune, o Sweepstake, e alugou-os a mercadores. No Mediterrâneo, pelo ano de 1500, a galera continuava a ser o navio de guerra conquanto o veleiro fôsse o navio mercante; na Inglaterra, pelo contrário, navio mercante e nau de linha confundiram-se durante muito tempo. Isso foi em parte porque o Oceano nunca se mostrara muito seguro para as galeras e em parte proque os Ingleses, povo prático, queriam em tempo de paz dispor para o seu comércio de tôda a frota. Quando vinha 1 guerra, os carpinteiros, a requisição real, levantavam “castolos” para as tropas, à proa e à popa das embarcações. No sóculo KV tomaram êsses “castelos” carater permanente. Henrique VII foi um dos primeiros em colocar canhões a bordo
dos seus
navios;
criou um
arsenal
em
Portsmouth:
comandi-
tou expedições como a de Cabot que, buscando as especiarias do Orlente, descobriu os bacalhaus da Terra-Nova; preibiu, por um Ato de Navegação, a*importação de vinhos de Bordéus
um eee»
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SS
18J
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
em embarcações estrangeiras (e se hoje o deslocamento dos barcos ingleses é medido em “toneladas”, é só em lembrança de tantos tonéis bordeleses). Em suma, Henrique VII pareceu compreender que a luta pelos mercados externos ia tornar-se uma das formas da grande política; o apoio que deu à marinha e ao comércio captou-lhe os burgueses das cidades e particularmente os de Londres.
VI. — Apoiado nessas três classes poderosas — gentry, jcomen e mercadores, pôde o Rei abater o que restava dos grandes barões. Sabendo os juris provinciais intimidados pelo prestígio dos seus antigos senhores, avocou os casos perigosos perante uma Corte de Prerrogativa, tirada do seu Conselho, ec a que se chamou Câmara Estrelada por causa da decoração da sala em que realizava as sessões. Sob Henrique VII, foram assaz raras as condenações à morte. “Tirava mais ouro do que sangue”, mas fazia respeitar as suas ordens. Um dia, ao visitar o conde de Oxford, foi recebido por uma companhia inteira le criados de uniforme. Uma lei nova proibia que os nobr es mantivessem semelhantes tropas de servidores, que com extrema facilidade se transformavam em soldados. Partindo , disse Henrique VII ao seu hóspede: “My Lord, eu vos agra deço muito o vosso bom acolhimento, mas não posso tolerar que as minhas leis sejam violadas na minha, presença. O meu attorney vai agora falar convosco.” O conde de Oxford teve
sorte em livrar-se com uma multa de dez mil libras. Ésses métodos anticavaleirescos, eram rudes, mas sãos, e à própria Câmara Estrelada fez amiude trabalho útil. Não obstante, o
princípio
mesmo
das
Câmaras
de
Prerrogativas,
retirando
ao
acusado o benefício do juri, era condenavel e contrário as liberdades do reino; foi precisamente o que se viu quando, sob Os Stuarts, elas se tornaram instrumentos de tirania.
VII. — Em política como em justiça, Henrique VII pôs à legalidade de férias. Durante o seu reinado, o Parlamento foi somente convocado sete vêzes. Quem pensava então em queixar-se? A desordem das guerras civís havia resolvido todo conflito constitucional em proveito da Coroa. E' verdade que o Rei só governava com a assistência do seu Conselho, mas êsse Conselho não era (como o dos reis normandos) uma assembléia representativa de magnatas e de prelados. Os novos conselheiros eram filhos de burgueses, educados nas Universidades. Muitas famílias destinadas a participar, durante séculos, no govêrno da Inglaterra — os Cavendishes, os Cecils, os Seymours, os Russells, estréiam-se nas repartições dos reis Tudors. Já não é o guerreiro que funda uma nobre linhagem, mas o grande funcionário. Ao servidor pessoal do Rei sucede o secretário de Estado. Possuímos as atas das sessões do Con-
selho Privado, Nelas se vê o que era o carater minucioso dessa ndministração, que se assemelha à de um negócio de família. Por exemplo, a O de junho de 1592, o Conselho ocupa-se com
O
TRIUNFO
DA
MONARQUIA
181
feriu palavras pro que a, col -es tre mes , nce Pri as om Th certo reve ao juiz esc se que do idi dec E' . ado Est o e ão igi rel a tra con o de do tribunal do seu condado para lhe perguntar se é cas processo... O Conselho dá ordem a um gentleman, proprietápara ga, sir de o nh mi ca um sa pas que em do pra um de Tio s, mai ani r ta ma à ie re ga ma um za ori Aut . e.. êst r ara rep
durante
a
Quaresma,
para
as
cozinhas
França... Tudo é previsto. Se chegam o Conselho escreve ao prefeito para lhe
da
Embaixada
da
tropas à Portsmouth, pedir que providencie
ig e
a subsistência delas. Pois não há burocracia nacional. A Córte e o Rei não podem governar senão utilizando, nos condados e nos burgos, a rede cerrada das instituições locais.
|!
II
AS
INSTITUIÇÕES DOS
a
da,
qe
ES
-
.
tória
I.
LOCAIS TUDORS
— Uma das diferenças ma is da França e a da Inglaterra
NO
TEMPO
importantes entre a hisé o desenvolvimento na,
rei Tudor é servir-se do Qu e existe e resolver os problemas Novos por um apelo aos orgã os antigos. Que restava nos campos, depois de alguns séculos de vida feudal, do antigo jJolkmoot dos Saxões? O que mais se assemelhava a essa assembléia aldeã era a assembléia de paróquia. No século XIII , os curas tinham conseguido faze r que os pagassem os conser tos da igreja, as compras de livros , de sobrepelizes, cujo custo an teriormente êles haviam sido fo rçados a tirar do dizimo. Para administrar êsse pequeno orça mento, os paroquianos tinham nomeado alguns representantes . O churchwarden ou fabriqueiro, guarda legal dos bens da paróquia, comprava os vasos do culto, o vinho da missa, os paramentos sacerdotais e um uniforme para o bedel que, de chicote ou bastão na mão enxo tava da igreja os cães e os bê bedos; o sexton, ou sacristão, cavava as sepulturas, limpava a igreja, acendia o fogo; o escrevente da paróquia tinha a se u cargo os registos e tocava os sinos. A renda da paróquia era formada da renda das terras ou rebanhos que lhe pertenciam e da taxa de igreja (church-rate), fixada pelos cons elhos de fábrica e proporcional aos bens de raiz de cada um .
Ir. — Quando, no século XVI, por motivos que indicaremos, o problema dos pobres tomou uma gravidade nova, os reis Tudors adotaram, como base de uma organização de SOCOrrO, a paróquia. Cada ano, pela Páscoa, ela nomeava quatro “zeladores dos pobres” que, com os fabriqueiros, reco de cada qual; aqueles que recusavam dar eram cham ados à presença do bispo e às vêzes metidos na prisão. Depois, à medida que aumentou o núme ro dos pobres, foi necessár io tornar
O
TRIUNFO
DA
MONARQUIA
183
n taxa obrigatória. Em princípio, cada paróquia era a única rosponsavel pelos seus pobres. Por isso era rigorosamente prolbido a um homem sem meios de subsistência errar de aldeia em aldeia. Dar esmola a um vagabundo era delito. Se êle era npanhado, devia ser açoitado e, no caso de reincidência, marcado no ombro com um V a ferro em brasa, para poder ser reconhecido. Uma segunda reincidência podia ser punida de morte. O rogue, ou vagabundo perigoso, era marcado com um R, salvo se podia, provando que sabia ler, reclamar o “bpenefício do clero”, caso em que se contentavam com lhe fazer uma marca no polegar. Depois disso, recambiavam êsses despgraçados, devidamente açoitados e marcados, para a sua paróquia natal, fixando-lhes um prazo máximo para realizarem a viagem. Sendo tais os costumes, não podia uma paróquia tolerar que se estabelecessem no seu território famílias indigentes, cujos filhos poderiam um dia vir a ficar a cargo dela. Uma criança dada a criar numa aldeia que não a dos pais era muitas vêzes, para evitar qualquer aborrecimento futuro, devolvida pelas autoridades da paróquia de criação para a paróquia de origem .“ Assim, a aldeia de cada homem tornava-se a sua prisão.”
III. — Os homens do século XVI reconheciam, contudo, que uma sociedade tem a obrigação de fazer viver, bem ou mal, os seus enfermos, os seus velhos, os seus cegos e os seus loucos. Uma lei de 1597 ordena que deverão ser construidos hospícios para os enfermos em terrenos sem cultura, que em cada paróquia os “zeladores dos pobres” deverão conseguir uma provisão de materiais (ferro, lenha, lã, cânhamo), permitindo-lhes dar trabalho aos desempregados, e enfim que as crianças pobres deverão ser colocadas como aprendizes. Muitos ricos construiram então para os pobres casas gratuitas, que nos parecem hoje encantadoras, pois na época havia muita graça (Alms houses). A lei exigia que todo cottage fôsse cercado pelo menos de quatro acres e meio de terreno, o que permitia ao inquilino, cultivando o seu quintal, produzir o próprio sustento. Aos velhos sem recursos deviam as paróquias pagar uma pensão que ia de quatro dinheiros a um shilling por semana. Se numa paróquia o número dos pobres tornava o fardo insuportavel, acontecia que uma paróquia mais rica recebesse ordem de auxiliar a vizinha. Mas o princípio de assistência local era mantido e o govêrno central nunca participava
dos
socorros.
IV. — O homem que, em cada paróquia, era encarregado de prender os vagabundos, de agoitá-los, de acalmar as rixas, de impedir os jogos ilegais e, de modo geral, de fazer respeitar a Paz do Rei, era um agente de polícia amador, eleito por um ano e a.que se cnamava — petty constable (literalmente — “pequeno no século
condestavel”). O emprego de constable fora XIII, por Eduardo I, para inspecionar as
criado, armas,
eai
a
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O
RR
E
184
A SMORTPA
DA
INGLATERRA
assegurar a guarda das aldeias e perseg uir os malfeitores. Esse infeliz cidadão passava um ano peno so, pois era responsavel pel
a tranquilidade
da sua
paróquia. Se
um
vagabundo era preso por outra pessoa, o constable via-se condenado a uma multa por negligência nos seus deve res. Se êle mesmo prendia. um malfeitor, devia muitas vêzes guardá -lo em casa (pois em muitas aldeias não havia prisão), e depois conduzi-lo à côrte do condado. Era ainda êle quem devia meter nos stocks (espécie de canga) os aldeões culpados de delitos leves. Quando um vagabundo era devolvido à sua paróquia de origem, os constables de tôdas as paróquias intermédias deviam vigiarlhe a viagem. Um homem do no sso tempo, habituado a ver tais missões confiadas a uma pol ícia profissional, mal imagina que camponeses eleitos pu dessem então, de ano em ano, desempenhá-las; cumpre, porém, refletir que essa era uma. velha tradição inglesa, que em cada aldeia os antigos constables, sempre bastante numerosos, estavam prontos a guiar o Novato e, sendo preciso, a presta r-lhe mão forte; e enfim que nas cortes trimestrais do condado o constable se instruia pelo exemplo e pela palestra dos colegas. Havia abusos, tiranias locais; Shakespeare descreve disso alguns aspetos. Mas pode-se imaginar que estabilidade dava à um país o costume secular tomado pelos seus habitantes de manterem a ordem com os Seus próprios meios. V. — Da mesma tário) era chamado a fazer parte dos juris, de aceitar as funções
eleito, mas
escolhido
forma que o veoman (pequeno prop riedesempenhar o papel de constable ou a o Squire (ou gentleman) tinha o deve r de Juiz de Paz. O Juiz de Paz não era
pelo
Rei
e revocavel
a seu
be
lprazer. Ele servia de laço entre a paróquia e o condado. Na paróquia, em que era também o proprietário do sol ar ou do castelo, respeitavam-no como a personagem mais importante da aldeia. Quatro vêzes por ano, tinha êle assent o na cidade capital do
condado com os seus colegas (quarter se ssions) e aí julgava OS casos mais variados, uns judiciários, outros administrativos. Tem-se dito do Juiz de Paz que era “a criada para todo serviço dos Tudors”, e com efeito o seu pa pel foi tão grande que se compreen
de como, até em tempo de revoluçã o, os campos ingleses tenham, a datar do século AV I, escapado à anarquia. Pouco importavam os desfalecimento s do cérebro central; os ganglios locais asseguravam os reflexos. Personagem admiravel e complexa, o Juiz de Paz era ao mesmo tempo um agente do poder central e uma. potência local independente do govêrno; representava papéis múltiplos que se ri nários, mas tinha conhecimento práticoam hoje os de funcioda administração de um domínio, como um funcionári o não teria podido possuir. Entre o feudalismo moribundo e a burocracia nascente, êle representava as fôrças permanente s da Inglaterra. No princi-
pio seu
havia somente seis número aumentou
juizes por (trinta e
condado; nove em
posteriormente o 1635 para North
/ f
=. = a
4
À
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k
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)
O
TRIUNFO
DA
MONARQUIA
Riding). Durante a sua permanência Juizes de Paz quatro shilligs por dia;
inquérito local, a Côrte
encarregava
fiscalizando o outro. Acima dêles dado, nomeado por um ano. Os
185
na capital recebiam os quando um caso exigia
dois Juizes
de Paz, um
estava o High Sheriff do condelitos veniais eram julgados
por Pety Sessions (pequenas sessões) que reuniam somente os Juizes de Paz das imediações. Assim, tôda paróquia vivia sob
as vistas de um Juiz de Paz, a quem o constable conduzia os delinquentes. A despeito do trabalho consideravel que lhes era imposto, os lugares de Juizes de Paz eram muito procurados. Ocupá-los era uma honra e o sinal mais evidente da importodo ofício Como na sua província. tância de um homem qualidade do titular, da dependia humano, a eficácia dêsse mas parece que a maior parte dos Juizes de Paz foram administradores muito regulares. VI. — Pode-se imaginar a vida de uma aldeia no tempo solar de pedra cindos Tudors. No centro está um gracioso zenta, rodeado de jardins cercados de um muro e tijolos. E' à casa do squire, que é também o Juiz de Paz. Frequentes vêzes comunais campos no seu parque. Os a igreja é construida existem ainda e dão muito trabalho ao constabie porque multiplicam roubos e conflitos. Durante a semana, tôda a gente trabalha, pois não trabalhar é um delito. No domingo, os homens devem exercitar-se no tiro do arco e ensiná-lo a seus filhos, mas isso lá não passa de uma sobrevivência que enfada, Os aldeões preferem outros jogos, que o constable é forçado a proibir-lnes. Por isso, êles se refugam nas cervejarias (ale houses), onde bebem e jogam fora das horas de igreja. Ir à igreja no domingo é obrigatório e aqueles que faltam ao ofício divino Tôdas
são punidos as ações são
com uma multa vigiadas. Tratar
em uma
proveito dos pobres. mulher de feiticeira
é delito grave, pois as consequências podem, para ela, ser terriveis. Algumas velhas são suspeitas de fazer sortilégios aos animais e às pessoas. Felizmente os Juizes de Paz levantam os ombros e abstêm-se de queimar tôdas as feiticeiras que lhes
são
mandadas.
VII. — O horizonte da aldeia é estrottissimo, Nenhum homem ousa deixar a sua paróquia sem ragões valiosas e legais. Os atores ambulantos não podem circular senão com uma licença assinado por dois Julzes de Pag, A falta disso, são iratados como vagabundos, lato é, açoltados e marcados. Os estudantes das Universidades devem, para viajar, levar salvos-condutos do seu colégio. Com o trabalho dos campos e as inumeraveis funções públicas da aldeia, todo homem é tão ocupado
que quase não tem lazer para pensar em outra coisa Ble entrevê agora, contudo, o papel de um govêrno central. E” em nome do Rei que se proclamam, quer do público, quer ao pé da
,
A Sé
HISTÓRIA
DA
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ess:
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O
aldeia se forma lentamente COrpo que será o Estado .
INGLATERRA
um
célula
viva
nistros.
de
um
Em
cada
grande
TII
OS
REFORMADORES
INGLESES
I. — Ao mesmo tempo que o regime político da Idade Média, transforma-se sob os Tudors a estrutura intelectual e espiritual do país. Nada mais curioso que os efeitos, na Ingla-
terra, da Renascença italiana e da Reforma alemã. Já os caracteres nacionais estão definidos. A sensualidade dos gran-
des Italianos, o seu amor apaixonado das estátuas e dos quadros, o despertar entre elas de antiguidade pagã, os sermões em que as virtudes cristãs já não são defendidas senão com citações de Sêneca ou de Horácio, os Papas humanistas e excessivamente humanos, tudo isso choca os jovens Ingleses que vêm escutar com admiração Savonarola ou Marsílio Ficino. Na Inglaterra, como no resto da Europa, Platão, no tempo de Henrique VII, vence Aristóteles; as sutilezas escolásticas da Idade Média são, no século XVI, tão desprezadas que o nome do “Doutor Sutil”, Duns Scotus, dantes sinônimo de sabedoria, gera a palavra lunce — —ignorante. Mas nas Universidades inglesas os eruditos servem-se do seu conhecimento do grego menos para imitar os poetas que para comentar os Evangelhos. A Itália é para êles “objeto de pasmo e de repulsão”. No curso da sua história, os Ingleses, conquanto atraidos para as civilizações mediterrâneas, devem reconhecer nessa atração uma tentação diabólica. A Itália receberá os rebeldes e os artistas; inspirará Chaucer; chocará o Inglês médio. “Inglês ita-
lianizado, diabo encarnado”, diz um provérbio do século XVI. Por outro lado, êsse Inglês médio sente-se afastado tanto da sensualidade italiana quanto da violência alemã. O gênio brutal de Lutero assusta os eruditos de Oxford e a princípio não seduzirá senão os jovens de Cambridge ou “pobres padres” lollards. Os primeiros reformadores de Oxford desejariam corrigir
os
erros
da Igreja
romana,
mas
não
um cristão possa deixar essa Igreja. terão espalhado a nova doutrina, como
Fisher, morrerão
H.
burguês, filho de
depois
pela Igreja
— John Colot, no mesmo
concebem
sequer
que
Alguns daqueles que Tomaz More ou John
católica.
tempo
grande latinista e rico
representa melhor que ninguem um Lord-prefeito de Londres, Sir
essa geração. Henry Colet,
Era que
desde o dia da ordenação de seu filho fizera conferir grandes benefícios. John Colet continuou os estudos em Oxford, leu
188
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
Platão e Plotino, e por volta de 1493 Viajou na França e na Itália, Aí aprendeu a conhecer melhor os padres da Igreja, cuja filosofia preferiu à escolástica que Oxford ainda ensi nava. Quando voltou à sua Universidade, êsse jovem de trinta anos começou, sôbre as Epístolas de S. Paulo, um curso que atraiu multidões de estudantes entusiastas. John Colet explicava o texto original das Epístolas aos Corintios ou aos Romanos “como teria explicado as cartas de um homem vivo aos seus amigos.” Falava do carater pessoal de São Paulo, com parava a sociedade romana descrita pelo apóstolo com a que mosiram os textos de Suetônio, recorria a textos gregos contemporâneos de S. Paulo. Pode-se imaginar o assomb ro de um público que ignorava tudo dêsses aspectos históricos da religião e do quai uma grande parte cria “que as Escrituras haviam sido redigidas no latim da Vuigata”. Sem dem ora tornou-se imenso o renome do jovem professor. Vin ham padres pedir-lhe consultas: êle transquilizava-os: comentava para éles os seus cursos; certamente não foi julgado perigoso pelos seus superiores eclesiásticos, pois que foi nomeado, muito moço, deão de S. Paulo. Quando seu pai morreu, deixando-lhe um grande patrimônio, consagrou-9 a criar, em Londres, a Escola de S. Paulo, em que as letras gregas e latinas ser iam ensinadas a cento
e cinquenta
e três
jovens,
(Por
que
cento
e cinquenta
e três? E” o número dos peixes da Pesca Miraculosa, e ainda hoje os alunos de São Paulo usam em berloque um peixe de prata). Fato curioso e que pinta bem o homem e o tempo: Colet confiou a administração do legado, não ao deão de S. Paulo e ao seu cabido, não à Universidade de Oxf ord, mas à honrada companhia dos Merceeiros de Londres. Com o a administração real, a erudição eclesiástica estimava apo iar-se nos mercadores ingleses. O programa da Escola fora cuidad osamente composto pelo fundador. Não se devia alí ensinar somente o trivium da Idade Média — dialética, gramática e retórica, mas também o grego, o latim e o inglês. “Não surpreende” escrevia a Colet o seu amigo Tomaz More, “que qa vossa escola suscite semelhantes tempestades, pois ela é com o O cavaio de pau em que os Gregos armados estava m ocultos para a ruina da bárbara Tróia.” Singular era que os construtores do cavalo de pau desejavam a queda de Tróia.
HI. — Dos amigos e discípulos de Colet, o mai s notavel, Tomaz More, foi ao mesmo tempo grande funcio nário e grande escritor, cuja Utopia é o melhor livro da época. More inventara essa palavra — Utopia (país que não se acha em parte alguma) como Renouvier inventou depois a Ucronia. Nada mais interessante do que conhecer os sonhos de futuro de um
Wells
do
século
XV.
Hostil
à glória
militar,
More
anelava à morte do espírito de cavalaria; anunciava o comunismo, o desprezo do ouro, o trabalho obrigatório par a todos, mas limitado a nove horas por dia; condenava o ascetismo monacal e acrehumana;
enfim,
na
sua
z
Natureza
rp
da
Es
excelência
a
na
mer
ditava
O
TRIUNFO
igiõ tô iões eram autorizadas as relig Utopia,a, tôdas E mo não gozava de nenhum privilégio. tianis
ricas de More
têm
sido muitas
189
MONARQUIA
DA
e o próprrio cris|Essas idéias teó-
vêzes comparadas
com a sua
vida prática, e vê-se com espanto que êsse profeta da, tolerância foi um chanceler intolerante, e depois um martir. Criar um país imaginário e administrar um pais real são, porém, duas operações que não se relacionam entre si, e as necessidades da ação diferem das do pensamento livre. IV. — Reformar a Igreja, não pela violência ou pela perseguição, mas pela razão e pela ciência, para refazer dela uma Igreja universal, eis o escopo de John Colet, de Tomaz More, e de Erasmo, amigo de ambos. A personagem de Erasmo é O melhor símbolo do movimento. Ainda que Erasmo tenha nascido na Holanda, muito mais que Holandês é Europeu. Mar sabe a língua neerlandesa; fala e escreve em latim; os seus livros são traduzidos em tôdas as línguas. O seu prestígio inteCarlos V, por por tempo mesmo ao lectual é reconhecido Francisco I e por Henrique VIII, que o disputam mutuamente. A sua autoridade na Europa é muito maior do que devia ser depois a de Voltaire, do que a de qualquer homem do nosse tempo. Dos seus Colóquios vendem-se vinte e quatro mil exempilares, tiragem prodigiosa para um livro latino, numa Europa tão pouco povoada, tão pouco instruida. Entre os humanistas de todos os países as amizades tinham-se tornado então faceis por essa língua comum — o latim. Foi em casa de Tomaz More que Erasmo escreveu o seu Elogio da Loucura, em Cambridge que preparou a sua grande edição do Novo testamento segundo os textos latinos e gregos. Em parte nenhuma mais que na Inglaterra achava Erasmo um meio em que se sentisse à vontade: “Quando escuto o meu amigo Colet, parece-me que
ouço o próprio Platão. Que Natureza mais humana e mais sedutora que a de Tomaz More?” Quando muito, julgava êsses Ingleses um pouco santos demais para êle. Tomaz More que, na Utopia, bania a austeridade usava neste mundo um cilicio. e quando Erasmo esteve hospedado em casa do bispo John anca admirou a biblioteca, mas queixou-se das correntes e ar.
V. — O maior êrro que se possa cometer a respeito désses primeiros reformadores ingleses 6 fazê-los precursores de um movimento contrário ao catolicismo, Propunham-se éles simplesmente a reformar os costumes e o espírito do clero. Tam, porém, encontrar grandes correntes de opinião que arrastariam os seus discípulos infinitamente mais longe que êles mesmos teriam desejado, A Inglaterra do século XVI não era antireligiosa; era anti-clerical, Um bispo dizia então que, se Abel tivesse sido padre, todo Juri de Londres teria absolvido Caim. As antigas queixas —- tribunais eclesiásticos. riqueza dos mon-
ges, luxo dos bispos, permaneciam vivazes. O papado, excessivamente
longínquo,
sacrificava
os
interêsses
Ingleses
aos
dos
190
AISTÓRIA
DA
INGLATERRA
príncipes continentais que, mais próximos , tinham sôbre êle ação mais direta. Soberanos e homens de Estado ingleses sofriam ao ver que uma parte da sua sobe rania se achava delegada a uma potência estrangeira, que não sabia quase nada dêles. Enfim, depois de Wycliffe o lollardismo alastra-
Va-se. Nos armazens dos mercadores, nas tavernas das cidades universitárias, a versão inglesa da Bíblia era lid a e comentada
Por
vozes
ardentes.
Nas
classes
médias
inglesas
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am-se criado, sob a influência de Wycliffe, focos de moral ascética e individualistas, que deviam depois reavivar-se e Tlamejar muito alto. As doutrinas de Lutero iam achar alí um público inteiramente pronto para as acolher, e melhor ainda o ascetismo de Calvino. VI. — O reinado de Henrique VII ( 1489 -1509) foi favoravel ao desenvolvimento dos estudos e as meditações dos reformistas, pois foi um reinado pacífico. Du rante êsses vinte e quatro anos, poucos acontecimentos import antes. Mas os gran-. ces soberanos como os grandes homens de Estado são muitas. vêzes os que sabem, como o primeiro dos Tudors, cercar os seus nomes de uma zona de silêncio. Não é somente por acaso que sob o govêrno de tais homens nenhum incidente grave surge. No início de uma dinastia ou de um re gime a sabedoria. ordena a tranquilidade. Se os Tudors pude ram radicar-se tão soli
damente, se as instituições locais se tornaram bastante vigorosas para substituir as instituições feugais, foi isso devido ao quarto de século de paz interna e externa qu e o prudente e misterioso antepassado deu ao país antes dos rein ados dra-
máticos
de
seu
filho
e de
seus
netos.
IV
HENRIQUE VIII (1509-1547) I. — A moda afeiçoa os soberanos como impõe os trajes: e rege os costumes. Um grande rei da Idade Média devia ser cortes, cavaleiroso, severo e pio; um cença é libertino, culto, magnífico
grande príncipe da Renase frequentes vêzes cruel.
Henrique VIII foi tudo isso, mas à inglesa, isto é, a sua liber-
tinagem permaneceu conjugal, a sua cultura, teológica e desportiva, a sua magnificência, de bom gosto, a sua crueldade, legalmente impecavel. Por isso, êle continuou a ser entre os súditos, a despeito dos seus crimes, um soberano popular. Ainda os
historiadores
ingleses
o defendem.
O
grave
Stubbs
diz
que os retratos de suas mulheres não justificam talvez, mas explicam, a sua pressa em eliminá-las. O professor Pollard pergunta por que seria falta particularmente grave ter tido seis mulheres: “Porventura seis é um número proibido? A última esposa de Henrique VIII, Catarina Parr, teve quatro maridos.. e seu cunhado, o duque de Suffolk, quatro mulheres, sem que ninguém os tenha acusado por isso. E demais, que é que se argue a Henrique VIII senão o ter esposado as mulheres a. quem amava? Ele teria podido, sem chocar ninguem, ter muito mais de seis amantes. Henrique de Navarra teve quarenta, sem que a sua reputação soíresse, muito pelo contrário”. Isso é verdade, mas Henrique IV nunca mandou decapitar a bela Corisanda, nem Gabriela d'Estrées.
II. — Quando, em 1509, Henrique VIII sucedeu à seu. pai, tinha dezoito anos. Era um belo atleta, satisfeitíssimo com a sua pessoa, muito ufano quando o embaixador veneziano lhe dizia que as suas barrigas da perna eram mais bem feitas que as de Francisco I, excelente arqueiro, campeão de tennis, grande cavaleiro que cansava dez cavalos em um dia de caça. Possuia o gosto das letras, tendo sido nutrido ao mesmo tempo de teologia e de literatura romanesca; escrevia poemas, punha em música os seus próprios hinos e tocava “divinamente” alaude. Erasmo, que o conhecera criança, ficara impressionadocom a sua precoce inteligência. Os novos humanistas achavam Nele um amigo. Chamou Colet para Londres e nomeou-o pregador da corte, fez de Tomaz More cortesão à fôrca, depois: chanceler, e pediu a Erasmo que aceitasse uma cátedra em Cambridge. E' necessário acrescentar que era muito devoto e
e
hoje
192
HISTÓRIA
DA
INGLATERRA
que os seus amigos de Oxford, embora reformadores, o tinham confirmado no respeito à religião católica, Por mais assombroso que possa parecer, êle procurou durante tôda a vida. satisfazer os escrúpulos e os temores “de uma consciência inteiramente medieval”.
II. — Pouco tempo depois da sua elevação ao trono, o Kei esposou Catarina de Aragão, viuva de seu irm ão Artur e íiilha do Rei de Espanha Fernando. Não a tinha escolhido e nao a amava; era um casamento político. Par a a Inglaterra desse tempo, potência de segunda ordem, uma aliança espanhola era uma honra e uma garantia. Por isso, quando a morte prematura de Artur rompeu essa aliança, o Conselho, desejoso de conservar Catarina como rainha, sup licou a Henrique que a aceitasse por mulher. Um pas so do Levítico, proibia, porém, as uniões entre cunhado e cunh ada; foi preciso obter uma bula do Papa ( 1503) e provar que o primeiro casamento de Catarina não chegara a consum ar-se. Acharam-se testemunhas que o jurassem e, no dia do casamento com HenTique, Catarina foi, como as donzelas, de tranças soltas. Esses fatos assumiram importância depois, quando o Rei quis repudiá-la. No comeco do reinado, Henrique quase não governou por si mesmo e deixou iôda a autoridade ao ministro que tomara — Wolsey, filho de um ricc carniceir e de Ipswich que o Papa,
à instância de Henrique, fez cardial. Os tra ços dominantes “desse rapaz de Ipswich” eram a ambição e a vaidade. Ego et rex meus, escrevia aos soberanos estrangeiros. “Boa gramática, máu protocolo.” A sua casa foi a de um rei; tinha mais de quatrocentos serviçais, dezesseis capelã es, seus próprios meninos de coro. Para criar em Oxford o Colégio Cardial (depois Christ Church) e fazer admirar à sua generosidade, êsse arcebispo não hesitou em espoliar mosteiros . Quando Leão
X o fez, não somente cardial, mas legado do Papa na Inglaterra, Wolsey reuniu nas mãos tôda a autoridad e civil e tôda a autoridade eclesiástica. Até monges e frades, embora não
sujeitos ao clero secular, deviam obedecer a êsse legado de Roma. Éle habituou assim os Ingleses à idéia, nov a e extraordinária, da união em um mesmo homem do poder esp iritual e do poder temporal. Inebriado da sua fôrça, Wolsey tratou Roma com desdem:; pretendeu comprar o Sacro Colégi o e, com êsse subqrno, fazer-se nomear Papa, ameaçando a Igreja de um cisma se não o escolhessem. Tais ameaças pr eparavam os católicos ingleses para o rompimento com Roma, mas nem Wolsey, nem o seu amo teriam então imaginad o que êsse rompimento fôsse possível. Quando apareceram as proposições de Lutero, o Rei mesmo esecreveu-lhes uma refutação que lhe valeu
do Papa
o título de defensor
da fé (1521).
IV. — A política externa foi o jogo predil eto de Wolsey. No continente como na Inglaterra, monarqui as fortes emergiam então das lutas feudais. Se uma del as, França ou Espa-
O
DA
TRIUNFO
195
MONARQUIA
nha, sobrepujasse tôdas as outra se dominasse a, Europa, qual seria a situação da Inglaterra? O papel natural desta devia ser manter no continente o equilíbrio das fórças, “a balança do poder”. Política móvel, inconstante em sua própria essência e que podia parecer pérfida, mas que teve desde logo bom êxito: Francisco I e Carlos V disputaram entre si a aliança de Ouro os Reis da Campo do Pano de Henrique VIII. No França e da Inglaterra realizaram um assalto de magnificência que nunca mais foi igualado. Para logo depois dessa entrevista, Wolsey já tinha preparado outra entre o seu amo €e o
Imperador. O Cardeal levava a duplicidade até a mandar apreender os seus próprios despachos, para dar a si mesmo con-
tra-ordem em nome do Rei. Enviava a uma conferência internacional um embaixador munido de instruções contraditórias, que devia mostrar secretamente umas aos Espanhóis, as outras aos Franceses. Depois de ter por muito tempo parecido favorecer a aliança francesa, Wolsey escolheu enfim o Imperador porque os comerciantes ingleses o exigiam. A interrupção do comércio com a Espanha e os Países-Baixos teria arruinado os mercadores de lã e de pano, Mas o comércio é máu conselheiro diplomático. Sacrificando Francisco I, a Inglaterra destruiu o equilíbrio das fórças em proveito de Carlos V. Depois da batalha de Pavia (1525), o Imperador, soberano da Espanha, da Itália, da Alemanha e dos Países-Baixos, ficou senhor da Europa. De modo particular passou a ter o Papa à sua mercê, o que ia, por vias indiretas, causar a perda de Wolsey.
V. — E uma injustiça para com Henrique VIII explicar o seu divórcio e o rompimento com Roma pelo seu amor aos olhos azuis escuros de Ana Boleyn sem lhe prometer casamento, mas o problema por resolver era mais complexo. Para evitar ao pais uma Nova guerra das Duas Rosas (e as terríveis recordações da anarquia estavam ainda vivas de todo), parécia necessario que o real par tivesse um filho. Ora, Catarina, depois de numerosos abortos, tivera só uma filha, Mari a (nascida em 1516), e o seu estado de saude já não permitia
esperar que ela pudesse
ter outros meninos.
Era possível con-
siderar Maria Tudor a herdeira. O trono, na Inglaterra, fôra transmitido pelas mulheres; Henrique VIII mesmo só O rece-
bera de sua quista
dem
j
,
tinha
mãe.
A única
reinado
constituiam
um
fora
mulher,
Matilde,
exemplo
pouco
porém,
que
e dezenove
animador.
desde
anos
de
a Condesor-
O Interêsse
da dinastia e o do país exigiam um- filho varão, O Rei, que desejava ardentemente esse filho, começava a perguntar a si mesmo seO seu casamento não era maldito... Tinha sido válida a dispensa do Papa? Muito supersticioso, Henrique VHI estava propenso, depois de tantas decepções, a duvidar dela. aco obstante hesitava ainda em divorciar-se. Catarina era tia 0 Imperador, e Henrique VIII esperava que Carlos V esposasse Maria, aliança gloriosa. Quando o Rei de Espanha, em con-
HIS
194 trário
às
suas
DPORIA promessas,
de Portugal, o Rei contemplações.
da
DA!
INGEATERRA
escolheu
Inglaterra
por
julgou
mulher que
já
uma
não
Infanta
lhe
devia
VI. — Por conseguinte Henrique VIII, apaixonado de Ana Boleyn, menina muito jovem, elegante, encantadora, desejava casar com ela para ter um herdeiro legítimo e procurava o meio de se desembaraçar de Catarina de Aragão, sua primeira mulher. O divórcio civil não existia e, além disso, teria sido inutil a um rei piedoso; era-lhe necessário pedir a Roma a
id
Ur
mostrara até então, em tais matérias, quando se tratava de soberanos, uma condescendência sem limites. Demais, existia em rigor um motivo plausível de anulação, aquele mesmo que fôra posto de lado para se poder celebrar o casamento: Catarina tinha sido mulher do irmão de seu esposo. Era verdade que uma bula pontifícia declarara válido o segundo matrimônio; mas uma nova bula não podia restituir a liberdade àâqueles que outra bula unira? E não se podia sustentar, depois de novo inquérito, que o casamento de Catarina e de Artur não fôra um casamento branco? Espalhou-se o boato de que o Rei tinha dúvidas quanto à legalidade do seu casamento e graves escrúpulos de consciência em permanecer casado ilegalmente, Wolsey foi encarregado de negociar com a cóôrte pontifícia, e imediatamente encontrou uma resistência que nada tinha de religioso — a vontade de Carlos V, o qual, senhor de Roma, não permitia que fôssem sacrificadas sua tia Catarina e sua prima Henrique e satisfazer Maria. O Papa desejaria, entretanto, como legado, o cardial Campeggio que enviou à Inglaterra, devia, com Wolsey, julgar o caso. O Rei considerou a questão obteve que o para Roma, resolvida, mas Catarina, apelando Papa avocasse a causa para a sua própria côrte. Desta vez foi de Wolsey tornou-se grande a irritação do Rei e a situação perigosa. Como todo ambicioso, o Cardeal tinha inimigos. Foi intentada contra êle uma acusação de praemunire (portanto de traição); porque aceitara ser, embora Inglês, legado pontifício e tratar em tribunais estrangeiros questões que competiam à côrte do Rei. Acusação absurda, pois que o Rei autorizara e favorecera essa nomeação. Mas o Cardial não achou defensores; teve de abandonar todos os seus bens e só a doença o salvou do suplício. Os homens surpreendem sempre: descobriu-se, depois da morte dêsse ambicioso, que debaixo das vestes êle trouxera um cilício.
VII. — Sir Tomaz More, não sem inquietação, substituiu Wolsey na Chancelaria, mas os dois homens que então assumiforam escolhidos ram maior ascendência no espírito do Rei porque lhe traziam, nesse caso do divórcio, um pouco de esperança. O primeiro. Tomaz Cranmer, era um eclesiástico que, um dia, dissera ao secretário do Rei, Gardiner, “que o Rei não tinha necessidade alguma de tratar do caso em Roma, que lhe
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anulação do seu casamento. Parecia fácil de obter, pois o Papa
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DA
MONARQUIA
195
bastava obter de alguns teólogos eminentes a certeza da nulidade do primeiro casamento e que poderia, então, sem escrúpulos nem perigo, tomar a responsabilidade moral de recasar”. O Rei, encantado, mandou convidar êsse homem engenhoso a casa do pai e Ana Boleyn e começou, segundo o conselho de Cranmer, à consultar as Universidades. Os teólogos, como os juizes, sabem dobrar os textos às circunstâncias. No caso de Oxford e de Cambridge, “um pouco de intimidação e um pouco de lisonja” produziram a consulta desejada; a Universidade ae París foi favorável porque destestava Carlos V; as do norte da Itália acompanharam a Sorbona. Em breve pôde o Rei submeter ao Parlamento as opiniões de oito sábias companhias, as quais afirmavam tôdas que o casamento com a viuva. de um irmão era nulo e que nem o Papa era competente para conceder dispensa. Os membros do Parlamento recebiam Oo pedido de relatar êsses fatos nas suas circunscrições e de des-
crever
EL
TRIUNFO
a todos
os escrúpulos
do
Rei.
Éste,
com
efeito,
sentia
o país contrário ao divórcio. Quando passava nas ruas, 0 povo gritava-lhe que ficasse com Catarina, e as mulheres falavamlhe com insolência de Ana Boleyn. Mas o tempo passava. Ana esperava um filho; cumpria que fôsse o herdeiro desejado e por consequência que nascesse do matrimônio. Cranmer, homem brando e maleavel, foi nomeado arcebispo de Cranmer, bury e casou secretamente o Rei em janeiro de 1533. Pela Páscoa foi anunciado o casamento, Ana coroada. Henrique excomungado; era o rompimento com Roma.
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CISMA
I.
E
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PERSEGUIÇÕES
— Ésse rompimento teria sido menos brutal, se HenVIII não tivesse tido outros conselheiros senão Tomaz
rique More e Cranmer. More, homem de elevada consciênc ia, só teria aceitado uma reforma prudente e moderada; Cranmer, tão fra co zado.
que não podia ser máu, teria Tomaz Cromwell foi o Narciso
transigido e contemporidêsse Nero, o Iago dêsse
Otelo. Era um homenzinho quadrado, feio, duro, de cara de porco, olhos semicerrados, boca perversa. Começara a vida em Puiney, como mercador de lã e pisoador; depois, algumas viagens a Flandres e à Itália lhe tinham ensinado o grande comércio, a nova política, e tinham feito dêle um leitor fer-
voroso dos políticos italianos. De volta tornara-se um dos serVviçais favoritos do cardial Wolsey. Cromwell não tinha escr úpulos, nem religião. As teologias rivais eram-lhe por igual indiferentes, mas a doutrina da razão de Estado conquistara-o. Desde que se encontrou com o Rei, aconselhou-o a seguir o exemplo dos príncipes alemães, que tinham rompido com Roma. A Inglaterra já não devia ter dois senhores, duas justiças, dois
sistemas de impostos. Pois que o Papa recusava confirmar o repúdio de Catarina, cumpria não ceder, mas subjugar a Igreja. Henrique VIII desprezava Cromwell: nunca lhe chamava senão “o cardador de 14º” e maltratava-o; servia-se, contudo, da sua habilidade, do seu servilismo e da sua fôrça. O cardador de lã veio a ser em alguns anos Master of the Rolls, Lord Privy Seal, vigário geral da Igreja, Lord camareiro mor, cavaleiro, barão
e conde
Il.
—
A
de
Essex.
espoliação
da
Igreja
foi
legal
e
Henrique
VIII
respeitou as formas parlamentares. O Parlamento da Reforma, que funcionou sete anos (1529-1536), votou tôdas as medidas extraordinárias que lhe propôs a Coroa. Em primeiro lugar o clero foi informado de que tinha, como Wolsey, violado o
estatuto
de Praemunire
consentindo
em
reconhecer
a autori-
dade do CGardial como legado. Em reparação dêsse crime, teve
o clero de
pagar uma
multa
de dois mlihões
de libras, de con-
ceder nó Kel O título de protetor e chefe supremo da Igreja, e do nbollr EM matasou “primícias” dos benefícios eclesiásti-
cos que ntó Parlamento Fim
então votou
haviam sido pagas ao Papa, Em seguida o sucessivamente o Estatuto das Apelações,
TRIUNFO
DA
MONARQUIA
197
que proibia as apelações para Roma, o Ato de Supremacia que fazia do Rei “o único e supremo chefe da Igreja de Inglaterra”, lhe atribuia tanto a jurisdição espiritual quanto a jurisdição civil, e lhe dava o direito de reformar e reprimir os erros e heresias; enfim o Ato de Sucessão que anulava o primeiro casamento, privava os filhos dêle nascidos dos seus direitos à coroa em proveito dos descendentes de Ana Boleyn e obrigava todos os súditos do Rei a jurar que criam na validade religiosa do divórcio. Podemos perguntar-nos como votou um Parlamento católico essas disposições que consumavam o cisma e em que o Papa já não era chamado senão “o bispo de Roma”. Cumpre pensar que a pessoa e a vontade do Rei eram prodigiosamente respeitadas; que desde muito tempo o Nacionalismo, nascente dos Ingleses suportava mal uma jurisdição estrangeira; que o papado se manifestava como aliado ora da Espanha, ora da França: que, ainda além do sentimento nacional, um forte preconceito anticlerical exigia, não a ruina da Igreja, mas a abolição dos tribunais eclesiásticos e o sequestro das riquezas monásticas; enfim que novas classes, que se tornavam as fórças vivas da nação e não sabiam latim, haviam, depois da invenção da imprensa, aprendido a ler, que os letrados leigos se tinham tornado tão numerosos quanto Os letrados eclesiásticos e que muitos déêles desejavam um livro de orações inglês, uma Bíblia inglesa, como tinham substituido o Romance da Rosa pelos Contos de Canterbury. A Reforma
forma
inglesa não foi o capricho de um soberano, mas religiosa de um nacionalismo insular e linguístico.
HI. — Uma Igreja que conta de dez a doz e séculos tem fortes raizes, e o Rei mais poderoso não as arranca sem encontrar alguma resistência. Bispos e padres, todavia, mostrarem-se, com algumas exceções, estranhamente maleaveis. Desde muito êles mesmos tinham sid o atingidos pelo nacionalismo ambiente. Os prelados ingleses eram mais homens de Estado que homens de Igreja. A Câmara dos Lords, em que éles tinham assento, votou se m revolta tôdas as reformas. “Uma espécie de preanglicanismo penetrava todo Osse alto clero.” Quanto ao pequeno clero, paupérrimo, achava alguma segurança em transformar-se num corpo de funcionários; ele mesmo fora influenciado pelos Lollards e nuncu nceltara sem queixas o celibato dos padres. Quando o Juramento foi deferido a todos, quando se tornou traição não reconhecer “o casto e santo casamento de Ana e de Henrique” e não renegar “o. bispo de Roma, que usurpa o nome de Papa”, quase tod os os padres Juraram. Mas o chanceler. Sir Tomaz More, e o grande bispo Fisher recusaram renegar a sua fé católica Foram ambos decapitados, O bispo lendo antes de morrer o ev angelho de S. João: “Esta é à vida ete rna”, More declarando ao pé do cadafalso que morria “fiel servidor do Rei, mas em primeiro lugar de Deus.” As cabe ças dêsses dois grandes ho mens apodreceram penduradas à entrada da Ponte de Londres. A
a
Do
O
198
HISTORIA
comédia
do
divórcio
DA
tornava-se
INGLATERRA monstruosa
tragédia.
Monges,
ta”
di
Õ
em grande número, foram enforcados, estripados, cortados em pedaços. Em alguns condados os católicos, tomados de justo horror à narração dessas carnagens humanas, revoltaram-se: foram vencidos. Roma excomungara Henrique VIII, mas que importava essa sentença a um Rei que por si mesmo se colocara fora da Igreja? Teriam sido necessárias sanções: o Papa tentou obter que os soberanos católicos, Francisco I ou Carlos V, se encarregassem de aplicá-las; ambos recusaram, com receio de se malquistarem com a Inglaterra, país de que precisavam para as suas combinações diplomáticas. Assim abrigado do Papa pelas dissenções dos reis católicos, venerado pelo seu Parlamento, adulado pela sua Igreja nacional, Henrique VIII pôde continuar impunemente a ofender a humanidade.
IV. —— À recusa dos monges ao juramento encheu de júbilo a Cromwell que, havia muito tempo, meditava a ruina déles. Existiam na Inglaterra mil e duzentos mosteiros, possuidores de dominios imensos. Confiscando-lhes os bens, os liquidatários e o soberano podiam enriquecer-se. A corrente popular contra os monges, as lendas espalhadas acerca dos seus vícios eram tais que ninguem os defenderia. Essas lendas eram exageradas e, em grande parte, inteiramente falsas; foi o que se viu quando, depois da dissolução dos mosteiros, os seus antigos rendeiros, que tantas vêzes os tinham amaldiçoado,
passaram a sentir-lhes a falta. Mas Cromwell, promovido a Vigário geral e investido do direito de visita, constituiu, acerca dos delitos dos monges, um vasto processo. Revelando, essas “atrocidades” ao Parlamento, obteve a dissolução, primeiro, dos pequenos mosteiros, e depois, de tôdas as casas religiosas. Magistrados religiosos e fiscais começaram uma visita dos mosteiros. A lei, sempre respeitada nesse país, exigia que se obti-
pe
vesse
dos monges
uma
“renúncia
voluntária”.
O
doutor
Lon-
don tornou-se célebre pela sua perícia em dobrar rápidamente as “vontades”. Desde que estava assinado o ato, o Rei tomava posse da Abadia, vendia o que ela podia conter e dava o dominio a um grande senhor, cuja fidelidade à nova Igreja assegurava por essa forma. A venda, que arruinava os monges, não enriquecia tampouco o Rei. Os manuscritos eram comprados pelos merceeiros para os seus embrulhos. “Velhos livros no coro: seis dinheiros.” Tal era o inventário de uma biblioteca. Quanto aos clérigos espoliados, alguns dêles recebiam uma “capacidade”, isto é, a autorização de exercer o ministério secular, outros uma pensão de alguns shillings; quase todos deixaram o país e refugiaram-se na Irlanda, na Escócia ou em Flandres. “Assim a Igreja tornou-se presa dos abutres, essas aves de carniça que se ornam de tão belas plumas.” Em
cinco anos ficou terminada
a liquidação
dos bens monásticos;
ela trouxe pouca coisa ao tesouro real; mas enriqueceu aqueles a quem o Rei deu abadias e aqueles que as adquiriram a preço vil, O efeito político dessas medidas foi análogo ao das.
ini a]
O
TRIUNEO
DA
MONARQUIA
199
vondas de bens nacionais na França, depois da revolução de 1789. Os adquirentes tornaram-se cúmplices. O receio de ver tornarem os antigos proprietários assegurou ao novo regime rolígioso o apoio de uma classe rica e poderosa. Daí em diante, conspiraram o romano, reação do catolicismo uma contra e
interêsse
a
doutrina,
V. — O Credo da Igreja anglicana permaneceu por muito tempo assaz confuso. Se Cromwell, Cranmer e Latimer tivesao luteranismo. ligado livres, tê-la-iam sem tido as mãos
Depois da sua guerra aos conventos, encetara Cromwell uma guerra às imagens. Latimer queimava as estátuas da Virgem, enquanto Cranmer mandava examinar as relíquias, e de modo
particular o sangue de São Tomaz Backet, que êle suspeitava ser feito de ocra vermelha. S. Tomaz, denunciado como traidor ao seu rei, foi cancelado do número dos santos depois de um Cromwell de processo em devida forma, e os “visitadores” destruiram-lhe o relicário em Canterbury. Mas Henrique VIII sabia que se os Ingleses tinham sido sempre hostis aos monfavoraveis, em pouco ges e aos tribunais eclesiásticos, eram Henrique conjunto, às novidades dos protestantes. O próprio pretendia continuar a ser o defensor da fé e o chefe de uma Igreja “católica”; queria-a, porém, católica nacional (o que
parecia
contraditório).
Por
isso,
depois
de
ter
perseguido
os
fiéis da antiga fé perseguiu não menos vigorosamente Os protestantes. O impressor da primeira Bíblia inglesa, Tindale, ioi queimado; outros sofreram a mesma sorte por terem negado a transubstanciação. Depois de vários ensaios para definir uma religião anglicana, Henrique VIII fez votar pela Câmara dos
Lords um
Estatuto
de seis artigos, a
que se
chamou
também
“Bill sanguinário” ou “chicote de seis pontas”, ato que afirmava a transubstanciação, a inutilidade da comunhão sob as duas espécies, a validade dos votos de castidade, a excelência a confissão e as missas do celibato clerical, e que aprovava devia ser estatuto dêsse violação flagrante Tôda privadas. punida com a fogueira, não podendo sequer a abjuração salvar o culpado. Os bispos protestantes, como Latimer, tiveram
de dar a sua demissão. Granmer que, desde antes da Reforma, transportado sempre se tinha casado secretamente e tinha . consigo a mulher dentro de uma mala perfurada, foi forçado a mandá-la para a Alemanha. Pode parecer surpreendente que o povo inglês tenha aceitado tão fâcilmente a idéia de conceder a um Parlamento eleito a. infalibilidade religiosa. Mas a e o terror explicam carência de estabilidade, a indiferença estranhas
condescendências.
VI. — Fora preciso um cisma para romper c primeiro casamento de Henrique VIII; bastou o machado para cortar o segundo. A pobre Ana Boleyn cometeu duas faltas: em vez do herdeiro esperado teve uma filha, Isabel, depois um filho nati-
200
HIUSPORIA
e enganou
-morto,
paz de ter um
BA
INGLATERRA
o Rei, talvez porque,
êste inca-
parecendo
filho são, ela não quis desiludí-lo. Por êsses cri-
/
antes dela Maria, ficou sendo bastarda, Joana Seymour teve de Eduardo VI; ela, um filho, que devia reinar com o nome porém, morreu de parto. Cromwel, sempre desejoso de aproxiar o Rei dos luteranos, sugeriu novo casamento com uma princesa alemã: Ana de Clêves. O agente de negócios quisera representar o papel de conselheiro matrimonial; tendo a mulher desagradado,
mulher mesma
pagou
êle
com
a vida
experiência.
A quinta
do Rei, Catarina Howard, acusada de adultério, teve a sorte de Ana Boleyn. A sexta, Catarina Parr, sobrevi-
veu a Henrique VIII, não sem quando o Rei, achando-a um
trara os seis artigos”. absoluto
que
essa
VIII
assanha
mandou,
no
por
seus
Es
ter passado por grandes sustos, pouco herética, lhe “adminis-
O reinado
homem
ar
mes, o seu lindo pescoço foi cortado pela espada do carrasco. Alguns dias depois Henrique, de vestes brancas, esposou Joana Seymour. Tendo o servil Cranmer, com base em certas confidências da moerta, anulado o segundo matrimônio, Isabel, como
os
terminou seus
juizes,
em sangue.
peores
instintos.
assassinar
O poder Henri-
protestantes,
católicos, a velha condessa de Salisbury; até Cranmer pôde julgar-se em perigo. Mas por êste homem que tinha no seu etrrível Rei uma confiança quase ingênua, Henrique VIII parece ter sentido verdadeira afeição. Foi Cranmer quem se ajoelhou ao pé do leito de morte de Henrique e quem, no derradeiro em Deus e em momento, lhe disse que pusesse a confiança Jesús-Criste. Então o Rei apertou a mão do arcebispo e entregou a alma.
VII. — E' difícil, a quem estuda o reinado de Henrique VIII, eximir-se a um sentimento de horror. Em vão nos afirmam que êle reorganizou a armada, construiu arsenais, funjustificar os temporal pode dou a Irlanda. Nenhum sucesso cadafalsos da Torre, nem as fogueiras de Smithfield. Tem-se dito, para desculpá-lo, que esses suplícios hororrosos só atingiam uma pequeníssima minoria. Que importa? Tanta cruel-
dade
não
podia
ser necessária.
O que
parece
verdade
é que
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à
separação de um Estado insular e de uma Igreja universal se durante dez inevitavel. Se o papado, quase tornado havia séculos, tinha podido exercer na Europa tamanho poder politico e judiciário, era porque a queda do Império romano não deixara, nos diferentes países da Europa, mais que um poder civil fraco e uma soberania dividida. Desde o dia em que sê era fatal. Quando a fortes, o choque constituiam estados essas lutas, os conheceu depois, França por sua vez, muito costumes se haviam abrandado e a separação das Igrejas e do Estado pôde fazer-se sem derramamento de sangue e sem rompimento religioso com Roma. À perda prematura de prerroga-
Pião
dt
O
TRIUNFO
DA
MONARQUIA
mn
três por a nd ai m ra va er ns co is ta en in nt co s eja tivas que as Igr , em ag nt va a um ra er at gl In de eja Igr à deveu séculos, quatro ou de o século des s, paí se nes a let comp quase ausência a foi que ejas inglesas XVI, de qualquer movimento à nticlerical. As Igr se erdiz rá sa ou co íti pol partido nenhum mas si, entre lutarão adversário do cristianismo.
VI
EDUARDO
VI OU A REAÇÃO
PROTESTANTE
IJ. — Singular trio o dos filhos de Henrique VIII. O herdeiro do trono, Eduardo VI, filho de Joana Seymour, era um rapazinho sério e precoce que lia diariamente dez capítulos da Bíblia e a quem os reformados chamavam “um novo Josias”. Maria, filha de Catarina de Aragão, tinha já trinta e um anos. Começava a murchar; o seu rosto redondo era de uma palidez que os cabelos ruivos acentuavam; parecia doente e triste. Educada por um letrado espanhol e muito mais orgulhosa de ser descendente dos reis de Espanha do que filha do Rei da Inglaterra, continuava católica fervorosa, rodeava-se de padres e passava
a vida
na
sua
capela.
Quanto
à filha de Ana
Boleyn.
Isabel, era uma pessoinha de quatorze anos, bastante bonita, bem feita, muito viva e que mostrava, para a cultura clássica,
o
gosto
tradicional
dos
Tudors.
Escrevia
latim
tão
bem
quanto
inglês, falava Italiano e francês e lia, afirma um dos seus mestres, “mais grego num dia do que um cônego lê latim huma semana”. Sendo, como seu irmão Eduardo, protestante (embora sem tanta convicção), entendia-se maravilhosamente com o menino-rei, e ambos formavam um bloco contra Maria, a qual Eduardo dentro em pouco proibiu de mandar celebrar missa. Maria respondeu que, de preferência a obedecer a tal ordem, colocaria a cabeça no cepo. O Conselho recordou-se de que ela era prima de Carlos V e julgou acertado não insistir. II. — A questão religiosa não fôra resolvida pelo cisma. Enquanto certos condados sentiam a falta do catolicismo, Londres, inflamada por pregadores protestantes como Latimer, desejava reforma mais completa. A maior parte dos Ingleses
estavam dispostos a aceitar um c