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Portuguese Pages [38] Year 2003
Coleção PASSO-A-PASSO CIÊNCIAS SOCIAIS PASSO-A-PASSO Direção: Celso Castro FILOSOFIA PASSO-A-PASSO Direção: Denis L. Rosenfield PSICANÁLISE PASSO-A-PASSO Direção: Marco Antonio Coutinho Jorge
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Piero de Camargo Leirner
Hierarquia e individualismo em Louis Dumont
Sumário Introdução Louis Dumont — trajetória biográfica Sobre hierarquia e estrutura Rumo à Índia O sistema de castas A volta ao Ocidente Cronologia Referências e fontes Leituras recomendadas Sobre o autor
Agradecimentos Este livro não teria sido possível sem a colaboração e a amizade de algumas pessoas. Um primeiro texto sobre Dumont foi elaborado para uma discussão no Núcleo de Antropologia Urbana da USP em 1996, e os comentários dos colegas então presentes me ajudaram na elaboração do texto que aqui se apresenta. Quero agradecer, dessa ocasião, sobretudo a José Guilherme Cantor Magnani, Carolina Marques, Luiz Eduardo Lacerda de Abreu e Maria Lúcia Montes. Para o presente livro colaboraram decisivamente Luiz Henrique de Toledo, Celso Castro, Miranda Julia Zoppi, Candida Camargo e Nelson Leirner.
Introdução As palavras “indivíduo” e “hierarquia” são relativamente usuais no nosso cotidiano. Pelo senso comum, a idéia de indivíduo pode passar pela designação de qualquer um que não conheçamos. Ou então, num plano jurídico, como noção que concretiza o sujeito de direitos universais. Já a hierarquia lembra a idéia de cadeia de comando, de estratos de poder típicos de organizações burocráticas. De certa maneira, podemos dizer que aceitamos essas noções como naturais, sem perceber que elas estão associadas a valores que as constituem enquanto tal. Uma reflexão sobre elas, um deslocamento desse sentido “natural” que elas assumiram, procurando entender a que aspectos e configurações sociais estão associadas, tem sido um ponto importante de várias análises da antropologia e da sociologia. Assim, o que podemos dizer quando palavras como “individualismo e hierarquia” aparecem assim associadas? Em vários textos de ciências sociais esses termos ainda costumam aparecer acrescidos de “no sentido dumontiano”, sem que isso seja exatamente esclarecido. Pois bem, esse é o objetivo deste livro: apresentar o pensamento do antropólogo Louis Dumont, a quem podemos creditar o estatuto teórico de algumas noções a partir da associação acima: o holismo, a relação hierárquica e o englobamento do contrário, entre outros. Qual o lugar dessas noções no pensamento antropológico? Quais são os pressupostos de seu uso, e que elementos da análise elas podem abarcar? Para se começar a ter uma visão mais precisa do pensamento de Dumont, antes de tudo, é preciso dizer que essas palavras são um desdobramento de um outro par, com o peso de uma tradição disciplinar, formada pela dicotomia indivíduo/sociedade. Indivíduo e sociedade, apesar de também muito usados pelo senso comum, ou mesmo academicamente de maneira vulgar, podem ser considerados categorias centrais e — talvez por isso mesmo — das mais complexas e problemáticas das ciências sociais. Distante de seu uso cotidiano, desde seu princípio, a sociologia e a antropologia procuraram desnaturalizá-las, refletindo sobre sua gênese enquanto termos que aparecem no imaginário das pessoas, sobre as condições de seu uso, sobre as formas em que elas aparecem em diferentes contextos, e, principalmente, refletindo sobre as modalidades de relação em que uma categoria aparece ligada à outra. Tal esforço nas ciências sociais foi particularmente realizado por uma linhagem que passa de Émile Durkheim e Marcel Mauss para a antropologia de Louis Dumont. É possível dizer que na obra dos três, com ênfase em Dumont (que herda, numa geração seguinte, a preocupação dos outros dois), as ligações entre indivíduo e sociedade são um problema específico a ser trabalhado, aparecendo tanto nos objetos investigados quanto nas articulações teóricas que a esses se entrelaçam. Se em Durkheim e Mauss vemos tal esforço se realizar através de questões surgidas, por exemplo, a partir da análise sociológica das representações coletivas, das técnicas corporais ou mesmo das relações entre psicologia e sociologia, em Dumont vemos tal problema na hierarquia do sistema de castas na Índia e na gênese do individualismo. Na verdade, se para os dois primeiros também a questão era explorar os limites de uma sociologia ainda em formação, para o último trata-se de um projeto de crítica à naturalização de certos valores da modernidade dados como universais, especialmente o indivíduo, e seu respectivo valor enquanto agente econômico. De uma maneira ou de outra, são, em última instância, projetos que gravitam em torno da noção que procura postular a natureza social do indivíduo, e, por que não, também da própria sociedade. A questão que se propõe gira em torno da idéia de que assim como o indivíduo é mais que o resultado empírico de propriedades biológicas e mesmo psicológicas, a sociedade é mais que um agregado de indivíduos. Entender isso, como bem coloca Dumont, requer um esforço de “apercepção” sociológica; isto é, requer que nos coloquemos em uma perspectiva diferenciada em relação aos nossos próprios valores, que permita vê-los não como um ponto de partida para o entendimento do mundo, mas sim como o resultado de uma manifestação possível de arranjos sociais da própria humanidade. Tal empreendimento passa por uma dupla característica da obra de Dumont. Em primeiro lugar, estão em causa as propriedades de uma certa concepção do conhecimento antropológico: abrir-se à perspectiva do outro; estabelecer um plano comparativo; olhar a si mesmo a partir de um ponto de vista diferenciado; enfim, transitar por pontos de vista contraditórios, a partir da noção de que há uma homologia estrutural entre mundos diferentes (uma noção próxima do estruturalismo de Lévi-Strauss, como se verá adiante). Em segundo lugar, trata-se de uma etnografia (que hoje, talvez, possa se dizer clássica) sobre uma civilização com princípios aparentemente opostos aos nossos — a Índia, e sua montagem do mundo social a partir de um sistema de castas —, que posteriormente abrirá uma perspectiva em outro ângulo a fim de se pensar a própria gênese
de valores cardeais do Ocidente. Evidentemente, essas duas características não correspondem ao que poderia supor a existência de duas fases distintas na vida de Dumont. Elas aparecem no conjunto da obra, e uma é conseqüência da outra: a reflexão teórica vem acompanhada da etnografia, e vice-versa. Tentarei, neste livro, mostrar de que maneira a antropologia de Louis Dumont está relacionada com aqueles dois conceitos centrais que surgem na sua etnografia — a hierarquia e o individualismo —, reproduzindo, ainda que de forma algo esquemática, alguns pontos que julgo apresentarem ao menos as ligações entre o pensamento do autor, seu objeto e o resultado de sua etnografia. Vejamos, assim, primeiramente, um pouco da trajetória pessoal de Dumont.
Louis Dumont — trajetória biográfica Nascido em 1911, em Salônica, Grécia, Louis Dumont era filho de um engenheiro francês que dedicara parte de sua vida à construção de uma ferrovia que ligava a região à Constantinopla. Tudo indicava que ele seguiria a carreira do pai, tendo inclusive se preparado para entrar na École Polytechnique em Paris quando uma espécie de “irritação com o modo de vida burguês” o faz abandonar os planos iniciais. Em Paris, filia-se ao Partido Comunista e se aproxima da vanguarda artística e política de então. Trabalhando em diversos empregos (corretor de seguros, gráfico etc.), começa a freqüentar o Collège de France. Em 1936 se emprega no Musée des Arts et Traditions Populaires (MATP, futuramente incorporado ao Musée de l’Homme) como datilógrafo e ajudante na catalogação do acervo, período em que desenvolve um primeiro grande interesse pelas expressões culturais populares. Tal fato desperta um interesse pelo ofício de etnógrafo, e, em 1938, Dumont retoma seus estudos freqüentando o curso de Marcel Mauss no Collège de France até o ano seguinte, quando se inscreve na École du Louvre com a intenção de elaborar uma tese de história da arte sobre a permanência de elementos celtas em utensílios artesanais franceses. Em algumas entrevistas, Dumont procura mostrar que a grande influência em seu pensamento vem de Mauss — começando pela concepção de ciência como um trabalho coletivo, sem as prerrogativas competitivas típicas de uma ideologia individualista — até o seu interesse específico em estudar a Índia. Como se sabe, essa civilização já tinha sido objeto de grande interesse em análises do L’Année Sociologique (revista do grupo de Durkheim que expressava bem a noção de produção coletiva na sociologia), especialmente no “Ensaio sobre a natureza e a função do sacrifício” de Hubert e Mauss, escrito em 1899. Já no começo do século seguinte, era Mauss quem alertava para a necessidade de se pensar a Índia no sentido de uma totalidade, privilegiando as suas grandes conexões sociológicas em relação ao isolamento de pequenos grupos em seu interior, e para a idéia de uma civilização duradoura em contraposição às transformações que ocorreram em determinadas partes de seu interior. Mesmo com a guerra, quando Dumont é preso e deportado para a Alemanha, e alocado como trabalhador agrícola nas proximidades de Hamburgo, o trabalho não cessa. Lá, dado o seu conhecimento de línguas, usa o tempo livre na tradução de livros sobre o folclore francês e se aproxima do especialista em sânscrito Walther Schubring (que em decorrência da guerra havia ficado sem alunos), que lhe desperta o interesse pela Índia clássica. Essa experiência parece ser decisiva para Dumont, que, no contato com o sânscrito, percebe a determinação do componente religioso em relação à montagem da estrutura social (aqui entendida como morfologia social, em um sentido próximo àquele que Durkheim estabelece entre o sagrado e as formas de organização social). Em 1945 volta à França, retomando suas atividades no Musée. É nomeado assistente de Georges-Henri Rivière, e encarregado de observar e mapear os fatos de uma festa popular chamada tarasque realizada na região de Provence, o que lhe rende sua primeira monografia. Tal estudo, a princípio, seria um desenvolvimento do interesse que ele possuía sobre o folclore dos dragões, seguindo o conselho de Georges Dumézil, que via nesse evento um grande rendimento sociológico, por se tratar de um fato de amplo alcance histórico e geográfico. Porém, o interesse maior de Dumont continuava residindo em fatos etnográficos distantes da Europa, e simultaneamente à Tarasque começa a estudar as línguas tamil e hindi. No Musée, Dumont datilografa o material coletado por Lévi-Strauss na América do Sul e tem contato com os manuscritos de As estruturas elementares do parentesco. Ainda investindo na sua formação em hinduísmo, parte em fins de 1948 para uma pesquisa de dois anos no sul da Índia — com uma cópia do capítulo sobre a Índia de Estruturas…, a qual, segundo o próprio Dumont, será decisiva no seu conhecimento sobre a região —, onde trabalha com uma subcasta chamada pramalai kallar, da área de Tamilnandu (sul da Índia, próximo ao atual Sri-Lanka, antigo Ceilão). Sua escolha para estudar esse grupo não foi aleatória: de acordo com as especulações históricas do começo do século, particularmente do maior especialista em sânscrito de então, Heinrich Zimmer, a Índia seria um amálgama de estratos dravidianos primitivos, residentes no sul, com arianos do norte que posteriormente se
fundiram. Na época da pesquisa de Dumont, no sul da Índia, o estrato dravidiano estaria supostamente preservado do resto. No entanto, o resultado dessa pesquisa (publicado apenas em 1957 como Une sous-caste de l’Inde du sud) aponta para o fato de que, apesar da suposta diversidade individual de grupos periféricos como os kallar, muitas das instituições centrais da Índia podiam ser vistas em seu interior, e na relação do grupo com o exterior. Nessa região etnográfica, Dumont começa a pensar em um primeiro projeto comparativo no interior da diversidade da Índia, especialmente a partir das regras de aliança e parentesco que então se colocavam na discussão entre a tradição funcional-estruturalista britânica e o estruturalismo de Lévi-Strauss. É nesse contexto que começa a se formar o embrião com alguns dos principais elementos que nortearão o trabalho etnográfico que se seguirá: a relação entre consangüíneos e afins, o problema da endogamia e exogamia entre as castas e, principalmente, a interdependência destas em um sistema que sugeria que elas não se esgotavam nas aldeias, mas, pelo contrário, formavam uma “civilização indiana”. Essa reflexão, que já aparecia em alguns dos primeiros artigos publicados por Dumont, rende em 1951 um convite para lecionar, na qualidade de lecturer, no Instituto de Antropologia Social de Oxford, onde aprofunda o contato com a antropologia britânica, especialmente a de Edward Evans-Pritchard. A exemplo do que foi visto nos segmentos nuer (em prefácio à edição francesa do clássico de Evans-Pritchard, Dumont menciona o caráter sistêmico dos segmentos nuer como um prenúncio à sua noção de estrutura), ele passa a centrar sua atenção nas propriedades gerais das relações entre as partes. Pode-se dizer que nesse momento ele se fixa no projeto de pensar na unidade indiana em contraste com suas configurações regionais. Para ele, a parte, ou o local, só pode ser entendida em referência ao sistema global. E, como veremos, essa relação entre partes e totalidade é fundamental na proposição dumontiana de estrutura. Ainda que a Índia represente um modelo etnográfico para se pensar a própria noção de estrutura, a circunscrição ao seu caso é insuficiente para entender todas as implicações da correlação entre a hierarquia das castas e a noção de estrutura que seria o modelo dumontiano por excelência. É preciso levar-se em conta também o tipo de sociologia comparativa que Dumont se propôs ao pensar a hierarquia indiana em perspectiva transversal ao individualismo ocidental. Colocar a Índia como uma contrapartida ao Ocidente foi uma conseqüência das lições aprendidas com Mauss, a quem ele tributa a maior parte de sua visão antropológica. Em um texto escrito posteriormente (“Marcel Mauss: Uma ciência em devir”, que aparece na coletânea O individualismo: Uma perspectiva antropológica), Dumont descreve seu mestre nas suas capacidades de empreender análises não limitadas a um espaço etnográfico isolado, de realizar grandes costuras que punham em evidência formas elementares da sociabilidade humana. Nessa direção, cabe notar que tais idéias também ocorrem sob o impacto do estruturalismo de Lévi-Strauss, que na época já se configurava como uma alternativa poderosa ao campo africanista desenvolvido pela própria antropologia britânica. É notável que, em 1953, escrevendo sobre a terminologia dravidiana de parentesco do sul da Índia, Dumont leve a cabo um projeto de radicalização da teoria da aliança proposta por Lévi-Strauss, sugerindo efetivamente uma precedência das relações (no caso, de afinidade e consangüinidade) sobre os termos (no caso, pensando-os em relação às classes ou grupos de filiação, visíveis na morfologia social). É, portanto, no contexto da emergência do estruturalismo que Dumont volta em 1955 para a França, ocupando o cargo de diretor de estudos da seção VI da École Pratique des Hautes Études (EPHE, cadeira de Sociologia da Índia), onde construirá o resto de sua carreira. Nesse sentido, vale ressaltar que ele, ao voltar para o continente, coloca-se em meio à ebulição estruturalista — e é sob as possibilidades geradas por essa perspectiva teórica que se delinearão seus caminhos. Em meio ao projeto de um entendimento global da Índia, terminado o ano, Dumont segue para uma segunda pesquisa de campo, dessa vez ficando 15 meses numa aldeia do norte indiano, Uttar Pradesh. Com a visão de diferentes regiões da Índia, Dumont pretende cristalizar sua noção de que a diversidade regional está amarrada por um grande princípio de articulação das diferenças entre as castas (e subcastas, que são milhares em toda a Índia, apontando, aparentemente, para especificidades locais, marcadas por uma tensão devido à sua postura endogâmica; ou seja, cada casta aparenta ser uma espécie de individualidade), o que mais tarde será tomado como conceito de hierarquia. Tal visão será alvo de um debate cujo principal veículo é a publicação de um periódico lançado por Dumont em 1957, em parceria com seu colega David Pocock, o Contributions to Indian Sociology. Como bem mostra Mariza Peirano em uma série de artigos que analisam os debates que surgiram a partir de Contributions…, as articulações que apresentam a Índia como uma civilização — característica fundamental na empresa comparativa com o Ocidente — constituíram o contraponto a uma série de críticas que questionavam o fato de Dumont atribuir a organização das castas a um sistema de idéias-valores “pan-indiano”, em contraste com a realidade empírica limitada às aldeias (tomadas em muitos casos como uma unidade empírica e de análise; cabe assinalar que esse debate desdobra-se também em outro sobre o “lugar” do etnógrafo: nativo/estrangeiro, de
dentro/de fora). Durante dez anos Contributions… foi o veículo por meio do qual Dumont, no bojo desse debate, conferiu forma à hierarquia como síntese conceitual relacionada à Índia, combinada ao seu contrário ocidental sintetizado no individualismo. Os artigos ali publicados, em conjunto com seu livro de 1964 — A civilização indiana e nós —, formam a base do seu mais consagrado trabalho, reconhecido até hoje como o centro de sua obra. Publicado em 1967, Homo hierarchicus pretende ser ao mesmo tempo uma monografia sobre o sistema de castas na Índia, um trabalho de sociologia comparativa em que a Índia é tomada como uma figura oposta ao Ocidente e uma análise que visa a englobar as noções de sistema e estrutura na noção de hierarquia. Em Homo hierarchicus, somados os prefácios e posfácios da edição de 1970 (em que Dumont responde a uma série de críticas que lhe foram dirigidas, especialmente a partir de Contributions…), podemos ter a melhor noção do alcance do pensamento de Dumont. É possível dizer que tanto sua obra posterior quanto uma parte significativa das discussões assumidas pelo seu grupo de influência são desdobramentos desse livro. A noção de ideologia como sistema de valores, o problema da totalidade, a hierarquia nas classificações binárias e o englobamento do contrário como fórmula estrutural são alguns dos conceitos e problemas remanescentes. Seus ensaios posteriores mais significativos, os dois volumes de Homo aequalis, bem como a coletânea de artigos reunidos em O individualismo (1983), formam o movimento que ele prenuncia em Homo hierarchicus como uma “volta das castas a nós”. Ao assumir que ele próprio se distanciara dos valores modernos a partir da perspectiva indiana, procurou com esses últimos trabalhos pensar as marcas da modernidade nas suas articulações mais sistemáticas, através da relação entre certos valores que apareceram em um determinado contexto — como o individualismo, na França ou na Alemanha — com uma forma ideológica genérica. Tal ordenamento, que liga as variantes nacionais e históricas a uma ideologia geral, também pode ser visto — logicamente — como uma forma de hierarquia. De fato, uma característica da sua obra notada por alguns comentadores é o amplo sentido assumido pelo termo hierarquia: em um primeiro momento, uma propriedade do sistema de castas na Índia; posteriormente, um princípio (antropo)lógico de classificação presente em qualquer sociedade. Como se verá, esse caminho é iluminado pela perspectiva comparativa — em Homo hierarchicus, pela via da “apercepção sociológica”; nos ensaios posteriores, somada a esta perspectiva uma certa “inflexão estruturalista”, pela qual Dumont se permite transitar por realidades diversas através de um princípio universal. Nas páginas introdutórias de Homo aequalis I, já fica clara a noção de que o “tipo puro” indiano — que ligava o princípio de ordenamento das castas a uma concepção de idéias-valores (que Dumont chama de ideologia) — foi o fornecedor de um esquema para se pensar em toda e qualquer relação entre os fatos da organização social e a ideologia que dá consistência a eles. Nesse sentido, Dumont propõe que a relação indivíduo/sociedade pode ser desdobrada em uma outra, a relação igualdade/hierarquia. De maneira análoga, assim como a sociedade é a responsável pela gênese da noção de indivíduo, a Hierarquia (com maiúscula) está para além da organização social; ela é uma propriedade nesse tipo de relação. Dumont faleceu em 19 de novembro de 1998, em Paris. Sua obra repercute em diversas áreas, sendo uma referência obrigatória tanto para a etnologia do subcontinente indiano quanto para aqueles que estudam sociedades com configurações próximas às castas dessa região. Além disso, ainda que sob influência clara do estruturalismo (mais evidente nas suas reflexões sobre parentesco, especialmente os cursos ministrados na EPHE de 1965 a 1967 e publicados em 1971), a noção de hierarquia abriu um novo debate sobre outras noções, como as “classificações binárias”, ou ainda como a relação entre estatuto e poder. Entender o conceito de hierarquia e os seus desdobramentos em outros conceitos e/ou relações passa, sobretudo, pela visão de como isso se articulou no centro da etnografia de Dumont. Procurarei, assim, primeiramente, mostrar o contexto em que essa etnografia vai aparecer: em quais debates, referências e proposições uma etnografia sobre a Índia pretende avançar. Em seguida, pretendo retomar os aspectos básicos de sua visão sobre a Índia, para que fique mais claro como o modelo das castas iluminou o conceito de hierarquia, bem como a sua relação com o individualismo.
Sobre hierarquia e estrutura Não deixa de ser interessante o fato de Dumont, diferentemente dos etnólogos de sua geração, ter começado suas pesquisas realizando uma etnografia em solo francês. A tarasque — uma obra pouco conhecida em relação ao resto de sua produção — pode ser considerada a primeira tentativa de ligar um “fato etnográfico local” a elementos distantes no tempo e no espaço. Seguia, em um certo sentido, uma inspiração que vinha de Mauss, ao pôr em
perspectiva, através da comparação, elementos de civilizações diversas. Mas, além disso, essa visão comparativa possibilitava ainda a relativização dos fatos da própria sociedade do antropólogo. Foi assim que Mauss, em um artigo de 1938, “Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa”, mostrou que o indivíduo não era um fato natural, mas antes um caso particular — moderno e ocidental — da noção de pessoa, a modalidade socialmente construída dos caracteres humanos. Aliás, esse é o registro próprio da sociologia durkheimiana, que pensa a si própria como produto social — passo essencial, que Dumont vai chamar mais tarde de uma “apercepção sociológica”, porque permite uma exteriorização do sociólogo em relação à ideologia de sua própria sociedade. De certa maneira, podemos dizer que Lévi-Strauss radicaliza tal proposição, colocando-se, ineditamente, em um plano de equivalência epistemológica em relação ao “dado nativo” (veremos como a fórmula do parentesco de Lévi-Strauss é adequada para essa discussão). Vale lembrar uma passagem de sua célebre “Introdução à obra de Marcel Mauss”, de 1950: “Que o fato social é total não significa apenas que tudo o que é observado faz parte da observação, mas também, e principalmente, que, em uma ciência em que o observador é da mesma natureza que seu objeto, o observador é, ele mesmo, parte de sua observação.” (grifos do autor) Em uma etnografia, portanto, cabe pensar sobretudo nas coincidências entre o antropólogo e o seu objeto de estudo, ao mesmo tempo em que se colocam as diferenças entre a sociedade nativa e a do antropólogo. Pode-se dizer, assim, que o resultado etnográfico passa por um equacionamento entre identidade e alteridade. A Índia, nesse sentido, representava para Dumont uma espécie de contraponto no qual essas fórmulas seriam testadas: na literatura sociológica ela era tomada como o oposto do Ocidente; seria o clássico exemplo do “tradicional” em oposição ao “moderno”, como está bem salientado em Max Weber. No entanto, o que significava, nessa época, tomar a Índia como objeto de estudo? Diferentemente de uma tradição britânica que se propunha a tarefa de estudar sociedades bem delimitadas (como na célebre frase de EvansPritchard: “Da porta de minha tenda, vejo o todo da aldeia…”) e traduzi-las em termos de uma álgebra funcional bem homogênea, a Índia apresentava-se como uma civilização cheia de contrastes e diferenças internos, difícil de delimitar e supostamente de “morfologia social” tão ou mais complexa que a ocidental. Assim, ao mesmo tempo, pelo menos desde Weber a Índia se consagrou como termo de comparação em relação ao Ocidente, como uma medida ou tipologia que distinguia os tipos (ideais) de sociedade: tradicional e moderna. Para Dumont, esse era o cenário ideal para se pensar numa antropologia que tocasse em outro tipo de fundamento: tratar das configurações e disposições de arranjos que dizem respeito ao humano, utilizando-se de esquemas que mostrem as sociedades (ou, no caso mesmo, as civilizações) como arranjos possíveis de relações que se organizam em níveis mais profundos que a manifestação concreta dessa ou daquela configuração social. Trata-se, entre outras coisas, de levar à frente o projeto de Mauss de pensar o humano em suas formas mais sintéticas, transcendendo as limitações mais próximas do sociologismo empirista britânico, que dominava a paisagem teórica na antropologia dos anos 1940. Cabe então notar o contexto em que esse tipo de preocupação está sendo enunciado. Entre o final dos anos 1940 e ao longo da década seguinte, vê-se rivalizando com as teorias britânicas a emergência do estruturalismo de Lévi-Strauss, cuja teoria da aliança oferece um alcance maior para a compreensão dos sistemas de parentesco do que os grupos de descendência explorados pelo campo africanista dos britânicos. Grosso modo, se de um lado a antropologia britânica explorou de várias maneiras as conexões entre parentesco e morfologia social, de outro lado as Estruturas… abrem o precedente para se pensar o parentesco como um desdobramento de relações mais profundas do “espírito humano” (ainda que, como veremos adiante, Lévi-Strauss nesse momento se encontre numa versão em que a “instituição” das regras matrimoniais se sobreponha à das relações mentais, estas últimas sendo o foco de sua obra posterior). O que se levanta nessa hora, entre outras coisas, é a diferença entre uma antropologia cujo foco está em unidades sociais concretas (dita funcionalista) e outra que visa operações abstratas e universais (dita estruturalista); se no primeiro caso as unidades concretas são uma espécie de referência última — unidades absolutamente distintas do antropólogo, cuja tarefa é explicá-las através de modelos sintéticos de funcionamento —, no segundo caso fixa-se uma identidade de princípios entre o antropólogo e as unidades estudadas, tomando essas unidades concretas como atualizações ou variantes do mesmo princípio que estrutura o pensamento antropológico. É notável que essas proposições se encontrem sintetizadas a princípio no parentesco, que, aparentemente, seria um terreno mais “sociológico” do que puramente “lógico”. Mas não há dúvida, também, de que na antropologia essa área se constituiu ao mesmo tempo como básica e de ponta. No contexto da época, de alguma maneira, todo bom antropólogo deveria passar por essa discussão. E é desse modo que Dumont realiza os primeiros esforços de uma síntese original justamente nesse campo. E é assim também que primeiramente, através dos vínculos de parentesco, Dumont pode começar a pensar as relações entre o sistema de castas na Índia e uma teoria da hierarquia. De fato, os artigos de 1953 e 1957 sobre parentesco do norte e sul da Índia, respectivamente, ao mesmo tempo
radicalizam a proposição de Estruturas… e retomam alguns postulados maussianos fundamentais no seu pensamento posterior. Vejamos melhor. Como se sabe, a marca dos estudos britânicos a partir de Radcliffe-Brown está principalmente na ligação entre as regras de descendência e a morfologia social. A partir das primeiras, chega-se ao modo como os grupos se relacionam no interior de uma determinada sociedade. Isso porque o regime de descendência é determinante em relação ao estatuto jurídico das pessoas no interior das unidades sociais: dependendo da linhagem a que se pertence, sabe-se seu lugar e seus papéis sociais no interior do corpo social. Assim, se a unidade de referência (ego) for masculina ou feminina, da linhagem do pai ou da mãe, dependendo de sociedade para sociedade, isso vai definir toda uma série de atitudes constrangidas por papéis sociais determinados. Os estudos de Evans-Pritchard sobre os nuer, talvez sejam dos exemplos mais bem acabados desse tipo de reflexão. É no interior dos grupos de descendentes que a sociedade nuer tece uma trama de segmentos, cuja “estrutura” marca toda a série de fatos relacionados às condutas dessa população: da concepção de tempo e espaço à organização do conflito e sua resolução, tudo passa pelo modus operandi do segmento. Assim, a morfologia social, desenhada pelos segmentos, fornece o código pelo qual se realiza o sistema de atitudes. Em outra linha, Estruturas… abre uma perspectiva diferenciada em relação aos britânicos quando fala em organização social: sua ênfase nas relações de aliança que se concretizam em regras de casamento se distancia das de consangüinidade que definem os grupos de parentes. Partindo da noção de reciprocidade de Mauss — que, no Ensaio sobre a dádiva, mostrou a obrigatoriedade desta como base dos fatos sociais “primitivos” —, Lévi-Strauss chega à fórmula sintética da troca como fundamento primeiro de toda operação social: na base de qualquer relação social, é necessário haver um vínculo entre pelo menos dois grupos diferenciados, que estabelecem uma troca entre si. Colocada em termos das relações de parentesco, essa fórmula estabelece a troca matrimonial como uma espécie de “relação primordial” entre o universo de ligações possíveis. A troca de mulheres entre dois grupos seria, assim, uma espécie de “átomo sociológico” cuja fissão detona todas as outras possibilidades sociológicas — se quisermos usar uma metáfora matemática, trata-se de uma espécie de equação elementar que estaria embutida em todas outras operações algébricas. Nesse movimento, podemos destacar pelo menos duas conseqüências quando se apresenta esse postulado sobre as teorias da descendência: a) no caso da relação específica ao parentesco, a ênfase sociológica sai dos laços de consangüinidade entre descendentes e da sua oposição aos não-descendentes e recai sobre as relações de aliança entre afins: na fórmula elementar, dois cunhados trocam irmãs entre si (e Lévi-Strauss, curiosamente, vai provar isso utilizando um tipo puro de sociedade dividida em metades sociológicas — o caso australiano); b) como se trata de uma “relação primordial”, fica dado o seu caráter universal: não se trata mais desta ou daquela sociedade, mas do modo como esta ou aquela sociedade — chegando mesmo até a sociedade “selvagem” e a “nossa” — realizam essa fórmula. Uma conseqüência disso, para a qual queremos chamar a atenção — porque repercute diretamente em Dumont —, é o fato de que pensamento das sociedades do antropólogo e do nativo tornam-se, assim, bidirecionais, dado que seu estatuto equânime em relação a uma estrutura universal permite uma interpolação entre os dois. De certa maneira, podemos ver esse desdobramento epistemológico do estruturalismo como uma espécie de radicalização às últimas conseqüências da idéia de reciprocidade, primeiramente formulada por Mauss, agora elevada às razões do espírito humano. Dumont, como aluno de Mauss, leva a cabo esse projeto e coloca como condicionante de sua visão da antropologia a possibilidade, ou melhor, a modalidade possível pela qual o pensamento do antropólogo poderá compreender a natureza do pensamento do nativo. É possível se imaginar que uma boa parcela do estruturalismo de Dumont venha daí: a possibilidade de compreensão vem do fato de que as propriedades das relações realizadas pelo pensamento de um e de outro são as mesmas; o que muda substancialmente são os valores que articulam os conteúdos nas diferentes sociedades. Daí que a tarefa primeira do antropólogo deve se dar em um progressivo distanciamento crítico dos seus próprios valores. Nesse sentido, o mesmo estruturalismo que inspira Dumont nessa construção teórica pôde ser usado para um distanciamento em relação à proposição de Lévi-Strauss. No campo do parentesco, Dumont leva à frente a noção de que as relações devem se sobrepor à substância dos termos. Contrastando as terminologias dravidianas de parentesco (isto é, o modo pelo qual os povos dravidianos denominam seus parentes, produzindo um sistema classificatório que tende a moldar a realidade) àquelas que Lévi-Strauss considerou como o tipo mais puro de estrutura de parentesco — as australianas —, Dumont mostrou que o dualismo entre consangüíneos e afins é resultante de uma álgebra mental, sem a necessidade de estar ancorado em elementos de morfologia social, como as metades australianas. No esquema indiano, consangüinidade e afinidade são transmitidos entre sexos e gerações. Assim, por exemplo, usando como referência um ego masculino e seu pai e irmão do pai como consangüíneos, e sendo o irmão da mãe um afim do pai (cunhado), para ego este último também se constituirá em um afim. O esquema se montaria, portanto, a partir de um cálculo na distinção entre afins (A) e consangüíneos (C), de tal modo que CC=C, CA=A, AA=C e
AC=A.
Toda oposição se dá, portanto, na disposição mental que se funda na separação entre identidade (C) e alteridade (A). Sendo a afinidade um valor, no esquema terminológico dravidiano ela pode representar um cálculo e ser transmitida em configurações sociais cuja disposição se afasta do dualismo observado em sociedades como as australianas. Não se trata, portanto, de subordinar as relações às configurações sociológicas dadas no arranjo entre linhagens. Esse debate inicial parece ser fundamental para se entender as disposições posteriores que a obra de Dumont vai tomar. Embora muitas vezes se vejam menções classificando a teoria de Dumont como “uma contribuição fundamental para a antropologia do subcontinente indiano” ou até da “teoria das castas na Índia” (como por exemplo Edmund Leach se referiu em uma resenha de Homo hierarchicus), é preciso ter em mente que o alvo que Dumont procurava atingir era um refinamento do estruturalismo de Lévi-Strauss. Por isso, é preciso lembrar que o dualismo da classificação dravidiana está inserido numa configuração sociológica — as castas da Índia — que pouco se assemelha às metades ou seções que Lévi-Strauss tanto valorizou. É necessário ressaltar, assim, que a crítica de Dumont à primazia do conteúdo sociológico sobre a relação mental no caso do parentesco pode se voltar contra o próprio Dumont, em uma fase posterior quando a idéia de hierarquia como uma relação acaba por se confundir com a hierarquia do sistema de castas da Índia como produto de um conteúdo sociológico (no sentido da morfologia social). Não deixa de ser curioso notar que essa proposição de Dumont, avançando a de Lévi-Strauss, encontrará fluxos e refluxos nesse debate ao longo de sua obra. (Um debate bastante silencioso, aliás. São raras as ocasiões que LéviStrauss menciona Dumont, incluindo-se aí sua própria participação em uma homenagem feita a Dumont em 1975, Différences, valeurs, hiérarchie.) Tentando resumir de maneira bastante esquemática, a idéia que Dumont procura avançar sobre a noção de estrutura de Lévi-Strauss é que a oposição que forma uma estrutura sempre contém um sistema de valores que a organiza, o que coloca os termos em uma relação dita hierárquica. O resultado final é que a organização do sistema de valores repercute diretamente sobre a configuração sociológica desta ou daquela sociedade. Por exemplo, Índia e Ocidente são dois arranjos diferenciados da estrutura. Vejamos de que modo essas duas noções de estrutura podem ser vistas. Para Lévi-Strauss, a síntese sociológica desse esquema é por excelência a relação de oposição entre igualdade e diferença presente na base de qualquer estrutura elementar. Por exemplo, as mulheres trocadas devem ser ao mesmo tempo equivalentes (o que se dá no gênero) e de grupos diferentes. A reciprocidade aplicada a esse caso resulta, portanto, em pólos opostos situados em um estatuto de equivalência ou igualdade, como mostra a figura a seguir:
Segundo Dumont, este esquema, como tradução de configurações mentais, não leva em consideração o fato básico de que as relações se dispõem em ordens valorativas. Inspirado pela noção durkheimiana de hierarquia de níveis nas representações (por exemplo, entre as categorias coletivas e as representações individuais), Dumont sugere que os termos não podem ser arranjados em pólos equivalentes. Veja-se o caso estudado por Robert Hertz, um colaborador de Mauss e Durkheim (em “A preeminência da mão direita: Um estudo sobre a polaridade religiosa”, publicado em 1909), que parece ser útil para se entender a montagem dumontiana. Trata-se da oposição entre direita e esquerda no corpo humano. Hertz mostra, com uma tonalidade bastante próxima à de Mauss ao levantar exemplos que costuram diferentes sociedades e épocas, que os dois lados não estão em uma relação de equivalência para o corpo humano. Resultante de configurações sociológicas que sugerem uma hierarquia nas representações coletivas (a exemplo de uma relação semelhante entre sagrado e profano), tem-se uma preeminência do lado direito do corpo, enquanto o esquerdo é visto como uma espécie de resíduo ou auxiliar. Dumont desenvolve o argumento de Hertz, mostrando que a propriedade hierárquica pode ser considerada uma arquitetura geral dos arranjos estruturais. Ainda que seja possível pensar em “metades” como direita e esquerda, sua disposição frente ao todo não é a mesma; uma precede a outra. A base da distinção entre os dois lados está no valor que identifica um deles à totalidade, enquanto toma o outro como residual. A diferença, portanto, enuncia uma
hierarquia entre totalidade e partes, e entre os estatutos diferenciados no arranjo destas. Assim, no caso do corpo, o lado direito teria a propriedade de “englobar” sua metade oposta, como se representa na figura a seguir:
Para Dumont, mesmo o dualismo das organizações tribais em metades deve ser tomado como uma distinção de valor. Para a “minha metade” a outra sempre é tomada como residual, nunca está no mesmo estatuto. Assim, Dumont tenta mostrar que Lévi-Strauss se “deixou mistificar pela sua própria teoria” — parafraseando aqui o próprio Lévi-Strauss em relação a Mauss — procurando polaridades estruturais equivalentes (isto é, cujos pólos têm o mesmo valor) em disposições sociológicas binárias (como a australiana). Porém, é preciso advertir que não deixa de ser verdade que, em certa medida, Dumont pensará que as formas ditas estruturais seguem a forma sociológica que ele próprio encontrou no sistema de castas da Índia, o que nos leva a supor se Dumont também não acabou transformando sua teoria da Índia numa teoria da estrutura. Em outras palavras, a crítica de Dumont ao fato de Lévi-Strauss enxergar estruturas que arranjam os termos no mesmo “estatuto”, explica-se por uma projeção nessas estruturas da ideologia igualitária do Ocidente. Para Dumont, qualquer igualitarismo, mesmo aquele entre consangüíneos e afins na terminologia dravidiana, só pode ser entendido no interior de uma relação que conduz a um sistema maior, que apresente relações de outra natureza, hierárquica. Na terminologia dravidiana, trata-se de uma “ilha de igualdade em um oceano de hierarquia”, que é a Índia. Nesse caso, a igualdade terminológica está subordinada a uma disposição sociológica hierárquica que a precede, a partir do sistema de castas. Ora, o mesmo pode ser dito em relação ao Ocidente. Na nossa terminologia de parentesco hierarquizamos afins e consangüíneos: por exemplo, o marido de minha tia (afim) passa a ser um tio (consangüíneo). Essa “consangüinização” de um afim mostraria que temos uma disposição hierárquica em que a consangüinidade tende a englobar a afinidade. No entanto, esta é uma relação que está circunscrita ao domínio, digamos, inferior dentro da nossa ideologia. Visualizando nossos valores em um esquema geral, seria, nesse caso, (inversamente) uma “ilha de hierarquia num mar de igualdade”, o que mostra que aqui, ao contrário da Índia, a igualdade se encontra num estatuto (de maneira paradoxal, hierarquicamente) superior à hierarquia, o que estruturalmente reproduz a idéia de que os valores dispõem as relações em patamares diferenciados. Desse modo, quando tratamos de valores, estamos pensando na hierarquia não mais no seu sentido sociológico (relativo apenas à organização social), mas sim no seu sentido estrutural: na maneira como se configuram as relações (idéias e valores, e a partir daí a organização da sociedade) no interior de determinado sistema. Assim, podemos dizer que o esforço de Dumont, no momento em que ele sintetiza sua teoria da Índia em Homo hierarchicus, consiste em conjugar a relação entre esses planos, igualdade e hierarquia, numa metaestrutura que é a própria hierarquia, porém agora tomada pela noção de englobamento do contrário. Vejamos como esse caminho é feito.
Rumo à Índia Como vimos, na concepção de estrutura que se origina no debate do parentesco, um dos pontos é a conjugação entre identidade e alteridade, princípios de igualdade e diferença, e como isso se instala em um esquema de valores. Para Dumont, a hierarquia é a fonte desse esquema, e a partir dela irão se projetar as formas sociológicas que se apresentam na sua distinção entre Índia e Ocidente. Todo esse arranjo teórico só pode ser entendido a partir de sua ligação com dois outros elementos: o método e os dados etnográficos (em certo sentido, teoria, método e dados se confundem: é possível dizer que um se assemelha muito aos outros). Para que fique mais claro o “caminho das Índias”, é preciso entender antes como Dumont percebe a possibilidade de um (antropólogo) ocidental compreender
uma realidade diversa, isto é, como ele se situa metodologicamente. Uma boa via de entrada para essa discussão passa pelo termo hierarquia. É curioso que o princípio básico do entendimento da civilização indiana seja definido por um termo que não tem equivalente em nenhuma de suas línguas. Para o Ocidente, em compensação, o termo tem um significado claro. Seu surgimento vem da fusão de dois termos gregos, hieros e arkhé, o primeiro significando “manifestação do sagrado” (associado ao substantivo hiereus, “sacerdote”), e o segundo significando originalmente tanto “comandar” quanto “iniciar”, e posteriormente “governar”. Não há, no entanto, no grego, a palavra composta correspondente a “hierarquia”; ao que parece, seu uso se difunde na cultura ocidental através do latim tardio, quando a Igreja Católica, sobrevivendo à queda do Império Romano, passa a entender sua composição administrativa de maneira compatível com a ordem cósmica cristã, chegando à idéia de um “governo (do) sagrado”. Como bem se sabe, essa mesma estrutura administrativa forneceu o modelo para as ordens militares e para os aparelhos proto-estatais de fins da Idade Média, e a partir daí o termo se autonomizou, chegando a nós como uma noção que define uma cadeia de autoridade, implicando sobretudo uma relação de comando que envolve poder. De certa maneira, essa noção foi amplamente aplicada para o entendimento das castas na Índia até Dumont, que, pelo caminho inverso, procurou mudar o sentido original do termo hierarquia em função do que vê naquela realidade. Para ele, o termo deve se aproximar ao que os kallar do sul da Índia denominam de mudalmei, algo próximo de “primazia” ou “precedência”. Mas por que, então, fazer uso dessa noção? Dumont constatou que a literatura sociológica, ao imputar a noção ocidental de autoridade às castas, acabava realizando um duplo equívoco na leitura da sociedade indiana: em primeiro lugar, transformava as castas em unidades que correspondiam a uma divisão de poder no interior da sociedade; em segundo lugar, como conseqüência do equívoco anterior, concluía-se que as castas eram espécies de unidades isoladas e que as suas ligações não compunham um sistema, mas sim que as suas relações eram determinadas pelo lugar de autoridade em que cada elemento social se encontrava (se de mando ou de obediência). Como resultado dessa leitura, chegou-se à noção de que as castas na Índia eram a evidência de uma espécie de “escândalo sociológico”, onde a diferença era assumida abertamente para justificar a montagem do poder local. Nada mais equivocado, segundo Dumont. Trata-se aqui, novamente, de uma projeção do ponto de vista da ideologia igualitária do Ocidente sobre a organização de uma sociedade que se montava sobre uma ordenação diversa. Para ele, a visão da totalidade social como uma somatória de diferentes partes é resultante de uma espécie de filtro ideológico dado pelos nossos valores individualistas. No registro ocidental, a diferença só é tolerada na forma de singularidades individuais. É impensável que ela seja formulada por uma predisposição social (como, por exemplo, a partir de valores sagrados que associam certas pessoas como mais próximas dos deuses). O plano social, no nosso esquema de valores, é o lugar que garante que todos sejam “igualmente diferentes”; se há diferença, ela deve antes reportar-se a uma igualdade original. Projetando essa noção para a Índia, percebia-se que a diferença só poderia ser uma espécie de distorção cruel desse princípio universal — afinal, “indivíduos” poderiam ser empiricamente observados em qualquer parte. Desse modo, para Dumont, seria preciso primeiramente se desfazer do sentido valorativo que os nossos termos — como, por exemplo, nossa noção de indivíduo e hierarquia — possuem para se ter uma real compreensão da Índia. Sua proposta, que, como vimos, opera no registro da tradição durkheimiana, trata de dar precedência ao sentido social em relação às partes. Assim, seria preciso entender, antes de mais nada, se há ou não um princípio de ordenamento entre as partes (isto é, entre as castas) anterior ou mesmo maior que a somatória delas. Trata-se sobretudo de dar um sentido social à própria investigação sociológica (afinal, lembre-se, o próprio indivíduo é uma criação da sociedade, daí o paradoxo: a sociedade não pode ser igual à somatória dos indivíduos). Estaríamos assim nos colocando em uma perspectiva diversa em relação aos nossos valores, mas de certa maneira consoante aos valores daqueles que estudamos: Por oposição à sociedade moderna, as sociedades tradicionais, que ignoram a igualdade e a liberdade como valores, que ignoram, em suma, o indivíduo, possuem no fundo uma idéia coletiva do homem, e nossa apercepção (residual) [o porquê deste “residual”, será tema da seção seguinte] do homem social é a única ligação que nos une a elas, o único viés pelo qual podemos compreendê-las. Está aí, portanto, o ponto de partida de uma sociologia comparativa. É em função dessa confusão que Dumont afirma que, para se entender o sistema de castas na Índia, é preciso primeiramente se colocar numa perspectiva diferenciada em relação aos próprios valores da sociedade do antropólogo, em um exercício de apercepção sociológica. É necessário então pôr em evidência o que é a base de constituição do sistema de referências do Ocidente: a noção de indivíduo, o princípio de igualdade que possibilita a sua consubstancialização, resultando no individualismo como valor que informa, a princípio, a nossa visão de
sociedade como somatória de partes autônomas. Para Dumont, a base ideal do indivíduo moderno, a partir do estatuto da igualdade, mistura o ser moral e o biológico, dotando-o da qualidade de agente normativo das instituições. Quais seriam, então, as possibilidades de operação desse indivíduo do qual estamos falando? Há, segundo Dumont, dois elementos que definem duas possibilidades: os elementos que compõem o indivíduo são o agente empírico e o ser de razão. As suas possibilidades são as seguintes configurações de valores: tradicional, em que cada ser particular contribui em seu lugar para a ordem global, e moderna, em que o ser particular é a medida de todas as coisas, fundindo o agente empírico e o ser de razão. Fica claro nesse esquema que a diferença básica de sociedades como a Índia em relação às sociedades modernas, está dada pela dissociação do ser social do ser empírico. Para se entender melhor isso, basta pensarmos que, numa sociedade dita tradicional, essa concepção de identidade que utilizamos como sinônimo de continuidade de nossas experiências concretas é inconcebível. Nelas, o agente empírico (com seu suporte natural, o corpo) é produto de identidades e estatutos definidos pela sociedade. Assim, é possível afirmar que em determinados rituais de passagem literalmente “muda-se de pessoa”, assume-se uma nova identidade. Para nós, de certa maneira, apresenta-se o oposto: por mais transformações que passemos, o sentido de nossa identidade sempre será dado pela somatória de sentidos proporcionados pela nossa individualidade. Dessa forma, enquanto o sentido da experiência social nas sociedades ditas tradicionais é dado socialmente, formando o que Dumont qualifica como seu componente “holista”, nas sociedades modernas/ocidentais esse sentido é dado pela individualidade singular de cada um. Desse modo, em lugares como a Índia, para qualquer que seja a disposição das partes, sempre há o sentido anterior dado pelo todo; já no Ocidente, o valor igualitário/individualista orienta a percepção para o entendimento de que as partes são autônomas e compõem a essência dos arranjos sociais. Nesses termos, é possível dizer que para Dumont as sociedades indiana e ocidental operam em registros contraditórios. Em termos metodológicos, o que me permite, enquanto antropólogo, ter uma via de acesso a essa realidade estranha à minha é o fato de que me situo em um plano de apercepção. A ciência social (é necessário frisar aqui que, tal como Durkheim e Mauss, em várias passagens Dumont não distingue a antropologia da sociologia) opera em um registro oposto aos valores individualistas, postulando a própria natureza social do indivíduo, e, desse modo, mesmo enquanto um “indivíduo-antropólogo” tenho a consciência de que “é a sociedade que escreve através de mim”, como já bem colocava Marx. Nesse sentido, o pensamento do antropólogo e o do nativo ocupam lugares homólogos, e assim é possível transitar de um para o outro. A diferença, contudo, estaria na “volta”: o nativo, a princípio, não estaria interessado em colocar em evidência seus próprios valores, nem em realizar o estudo do ponto de vista do outro. Com isso, explica-se o porquê de Dumont optar pela mudança — ou se quiser, apercepção — dos nossos termos ao invés de simplesmente realizar uma adaptação dos termos nativos. É a nossa concepção de hierarquia e indivíduo que deve mudar, operando em um registro diverso daquele dado pela nossa ideologia. Desse modo, a etnografia seria um lugar possível de confluência de pontos de vista diversos, o que só se explica pela consciência que o antropólogo (e seu produto) têm de sua natureza social. A diferença básica em relação às realidades nativas está, assim, no fato de que a sociologia se embebe da sua própria natureza social (por exemplo, não é nem o sagrado, nem o indivíduo a fonte de sua explicação, mas sim o seu próprio problema: a sociedade). Logo, é possível dizer que o resultado final de uma etnografia tem que necessariamente comutar as perspectivas do antropólogo (enquanto categoria social, não enquanto indivíduo), da sociedade do antropólogo e da sociedade do nativo. Todos os princípios se encontram, então, no social. Uma vez aceitando a idéia desses dois princípios operantes — chamemos, agora, o holismo e o individualismo — como sendo duas possibilidades que só podem vir do social (a primeira, digamos, já é “sociológica” em sua natureza; a segunda, pelo contrário, nega tal natureza em função de uma coincidência entre o natural e o social), pois estão ligados aos valores que organizam os agentes empíricos em dois arranjos sociais distintos, e uma vez aceitando que a sociologia repousa num lugar “fora de princípio” — ou melhor, liminar entre os princípios —, temos os elementos da sociologia comparativa pretendida por Dumont. Agora é possível dirigir o olhar para a matéria-prima do holismo indiano — as castas —, porém ressaltando, com o canto dos olhos virado para o Ocidente: a apercepção sociológica busca a natureza social das coisas e, por isso, também vai olhar além das castas, assim como olha para além do indivíduo.
O sistema de castas O próximo passo de Dumont, ao entrar nesse caminho, foi criticar algumas noções anteriores sobre casta e, ao mesmo tempo, eleger um ponto de partida para sua etnografia. Esse, basicamente, assenta-se na definição de
Célestin Bouglé (autor de Essais sur le régime des castes), de que a casta compreende três níveis: separação em matéria de casamento (endogamia); divisão do trabalho; uma hierarquia que ordena os grupos. Especialmente em relação à hierarquia, Dumont procura mostrar que, mesmo depois de Bouglé, a noção de casta acabava por repousar na de estratificação social. Está aí o ponto principal de sua crítica, que se apóia basicamente em dois níveis entrelaçados. O primeiro reside em dados etnográficos. Segundo Dumont, o número de castas é variável conforme a região; elas assumem significados diversos de local para local; podem segmentar-se, ou, conforme o caso, o segmento pode ser maior que a casta; nem sempre a casta é, portanto, a unidade de referência para a ação social, podendo em algumas situações até desaparecer. Desse modo, a rígida noção de estratificação social não dá conta dessa realidade volátil. E abre-se assim para um segundo nível da crítica, que retoma a idéia de que “uma moderna noção de sistema” tem orientado a sociologia para o estudo das castas. Para Dumont, antes de pensar as relações a partir dos termos que as compõem, é preciso perceber justamente o oposto: o princípio e o valor que lhes dão sentido predefinem o lugar dos termos (no caso, as castas). Por isso, apesar de toda a volatilidade das castas no sistema, há uma prescrição sobre o lugar que cada uma ocupa nele. Cada novo termo está dado de antemão: numa realidade holista, o todo predispõe as partes. Estamos falando de uma ordem ou arranjo cujos elementos estão superpostos pela relação que têm com uma totalidade, que engloba sua existência elementar: “Falaremos de estrutura exclusivamente nesse caso, quando a interdependência dos elementos de um sistema é tão estrita, que eles desaparecem sem resíduo quando se faz o inventário das relações entre eles: sistema de relações, em suma, e não sistema de elementos.” Como o que realmente conta são as relações, e não os termos, é possível entender por que a instabilidade das castas não afeta o sistema. Se as relações estão prescritas, o surgimento ou desaparecimento de castas não afeta a moldura geral do sistema. Resumindo, o modo de concepção de Dumont sobre as castas tem algumas implicações: 1) há um sentido dado por uma totalidade que precede a existência das castas em si, o que significa que elas só podem ser compreendidas através de um sistema de relações; 2) esse sistema pressupõe a interdependência estreita entre elas, de modo que uma casta não pode ser entendida isoladamente; 3) para se entender uma casta não basta apenas vê-la em relação às outras; deve-se ter em mente um sentido geral que predispõe todas elas, e cada uma em um lugar; 4) esse sentido geral é dado por um princípio que concretamente põe em operação a relação entre esse todo e as partes, isto é, entre uma idéia de totalidade (muito próxima aqui, no meu entender, da noção durkheimiana de sagrado) e as castas. A essa modalidade de relação entre todo e partes Dumont chama de hierarquia, e o operador que concretiza essa relação é, na Índia, a noção de oposição entre puro e impuro. A noção de pureza é o que permite a um membro daquela sociedade pôr em prática a diferença entre as castas e se orientar em relação a uma totalidade. Através da pureza, é possível localizar pessoas e reger condutas: com quem se pode casar, dividir refeições, compartilhar o cachimbo, conversar, tocar etc. Os procedimentos, dessa forma, encontram um princípio orientador da realidade — o que torna sensível a idéia de totalidade —, que Dumont vai chamar de ideologia nativa (no caso, a ideologia da pureza). Convém notar apenas que o sentido dado ao termo ideologia não é o mesmo de Marx — de “falsa consciência” —, mas sim o de “sistema de idéias e valores” (embora também seja preciso ter em mente que a aproximação da ideologia com uma idéia de totalidade pode ser pensada como em algo devedora a Marx). É necessário lembrar que a ideologia não é uma prerrogativa indiana: na nossa versão ocidental, ela cumpriria o papel oposto: seria o elemento que nos dá a consciência de que as partes precedem o todo social, através do individualismo. Assim, se a ideologia moderna parte do individualismo/igualitarismo como princípio estruturador, e, a partir disso, nos leva a uma moderna noção de sistema em que a soma das partes é igual ao todo (e em que portanto as partes prevalecem em importância), a ideologia indiana, baseada na pureza, supõe que o todo sempre está em precedência em relação às partes. Como resultado, temos que, se através da ideologia individualista a hierarquia é percebida como estratificação social — cujo resultado concreto pode ser percebido nas relações de poder —, na ideologia da pureza a hierarquia é percebida como uma relação de identificação com esse princípio da totalidade, concretizado no fundamento cosmológico que ordena as relações entre puro e impuro. A oposição puro/impuro subordina as relações sociais em geral a um estatuto religioso, pois a pureza liga-se a uma ordem cósmica transcendente. Tal fato de novo nos leva a um entrelaçamento com a perspectiva ocidental das relações sociais. Uma vez que o lugar dos seres particulares na ordem global é definido segundo seu grau de pureza, veremos esse grau projetado nas castas, profissões e relações econômicas, de uma maneira singular, diversa daquela que nos impõe a condição de “indivíduos livres para vender sua força de trabalho”. Logo, quando se fala de um princípio religioso ordenando a sociedade, admite-se, segundo o esquema geral traçado, que no caso indiano os outros níveis da vida social, como o econômico e o político, encontram-se de certa maneira subordinados ao nível da ideologia do puro/impuro, o que representa um arranjo transversal ao nosso, cujas categorias econômicas e políticas
encontram-se em posição englobante. É isso que autoriza Dumont a, partindo da definição inicial de Bouglé de que a hierarquia é um dos componentes estruturantes das castas, transformá-la na própria estrutura de toda vida social. O que organiza, por seu turno, a vida social concreta nos termos dos três níveis anteriormente definidos — endogamia, divisão do trabalho e estratificação das castas — como ordenação dos termos em valores. Assim, no esquema indiano, as ordenações próprias à morfologia social — aquilo que concebemos como estratos — e suas implicações na vida concreta encontram-se precedidos — ou, se quiser, englobados — por um todo cosmológico que lá corresponde à religião. É necessário notar, contudo, que esse não é um dado puramente etnográfico. Aliás, em sua única etnografia “de fato”, sobre os kallar, Dumont não organiza os dados dessa maneira: sua ordenação, seguindo um modelo clássico britânico, dispõe de recortes quase que “funcionais” para cada aspecto da realidade: território, economia, organização social, religião etc. Já em Homo hierarchicus toda a premissa da hierarquia deve ser creditada ao entrelaçamento dos dados etnográficos com as disposições metodológicas e teóricas que estão na base de sua visão. Desse modo, entender que os níveis econômico ou político na Índia estão englobados pela religião pressupõe também entender que no Ocidente essa esfera cosmológica da religião (ou o equivalente concreto que cumpra a mesma função de enxergar a totalidade: por que não, a própria sociologia, por exemplo) está englobada justamente pelos níveis econômico ou político. Isso implica dizer, retomando o sentido estruturalista de Dumont, que, de certa maneira, os dados (da sociedade) do etnógrafo estão tão presentes na sociedade dos nativos como os dados (da sociedade) do nativo estão presentes na sociedade do etnógrafo. Esta é uma presença, entretanto, que segue uma disposição determinada: hierárquica, mais uma vez, entrelaçando teoria, método e dado. Isso quer dizer que tanto o dado (da sociedade) do antropólogo se encontra em um nível subordinado na sociedade do nativo quanto o dado (da sociedade) do nativo está em um nível subordinado na sociedade do antropólogo. Desse modo, em ambas as sociedades teríamos ideologias que forneceriam níveis englobantes e tornariam determinadas partes “englobadas” ou, na linguagem própria a Dumont, residuais. Haveria, assim, em toda sociedade, um componente ideológico e um componente residual. Como exemplo, se voltássemos ao esquerdo e direito de Hertz, significaria dizer que o lado direito corresponde ao nível ideológico, e o esquerdo ao residual. Uma vez que se apontam equivalências entre os diferentes planos, Dumont formula uma equação em que a O [observação] = I [ideologia] + R [componente residual]. Esse ponto é fundamental no que diz respeito ao sistema das castas: no fim das contas, a ideologia é, nesse caso, um elemento que engloba as relações ditas residuais, porém estas permanecem, enquanto tal, concomitantes e presentes no plano comparativo geral de Dumont. Desse modo, ele afirma que
as nossas rubricas mais gerais, como a moral, a política, a economia, aplicam-se mal às outras sociedades; só com circunspeção e a título provisório poderemos recorrer aos seus serviços. Afinal de contas, para compreendermos deveras, temos que, desprezando se disso for caso essas separações, procurar por todo campo o que corresponde neles ao que nós conhecemos, e em nós ao que eles conhecem; em outras palavras, temos que nos esforçar por construir cá e lá fatos comparáveis. Note-se, portanto, que a hierarquia põe em perspectiva o chamado componente residual. Ela o carrega como subordinado à ideologia, mas, nesse sentido, também o destaca como elemento contrário a ela, pois é, em certa medida, equivalente à “ideologia exógena” colocada por meio da perspectiva comparada. Como, então, se realiza essa montagem nas castas? Afinal, pelo menos duas de suas características — divisão do trabalho e grau de pureza variável — são determinantes na montagem do sistema de relações, e assim perpassam a tensão existente entre os elementos que se identificam com a ideologia e aqueles que podem ser tomados como residuais. No entanto, diante da instabilidade das castas as prescrições do sistema são dificilmente detectáveis.
É assim que Dumont passa para a análise da hierarquia através de componentes mais estáveis, que de certa maneira traduzem o regime de castas em segmentos maiores e com menos variabilidade regional, as varnas. Estas, embora não se identifiquem diretamente com o sistema de castas, ajudam a torná-lo inteligível em toda parte do país, estabelecendo mecanismos de precedência gerais, a partir de “estados” reconhecidos especialmente pela divisão do trabalho. Por exemplo, vegetarianos são mais puros que aqueles que comem carne; no entanto, um rei que come carne, pelo sistema de varnas, tem precedência hierárquica superior a um comerciante vegetariano. Mesmo associadas à divisão do trabalho e ao poder — portanto ao componente residual —, as varnas mantêm, contudo, uma subordinação ao estatuto religioso, quando são pensadas em termos globais relativamente ao puro/impuro. Segundo Dumont, há na Índia quatro grandes varnas (traduza-se por “cores” ou “estados”), aqui colocadas em ordem decrescente de pureza: {1}brâmanes (sacerdotes); {2}kshatriyas (guerreiros); {3}vaishyas (comerciantes e agricultores); {4}shudras (criados ou servos). Além disso, tão importante como todo o conjunto, é a “varna fora-de-conjunto”, a quinta varna (que não aparece nos textos oficiais), a dos intocáveis (em cada lugar recebe um nome; no sul da Índia seria paRaiyar, de onde derivamos “pária”), que, no extremo grau de impureza, realizam a manipulação dos restos cerimoniais e sacrificiais, como o couro da vaca (resíduo do sagrado; daí o toque do tambor em certas cerimônias ser reservado aos intocáveis). Esse é o esquema geral sobre o qual o poder se assenta na Índia, embora nas extremidades — brâmanes e intocáveis — se localizem apenas as especializações religiosas. Na prática, portanto, o mundo secular propriamente dito estaria apenas em {4,3,2}, estando a dominação política de fato nas mãos de {2}, casta da qual sai o rei.
O quadro acima representa o que temos, em termos de conjunto. A partir das varnas, chegamos a um esquema simplificado do modelo de Dumont. Em primeiro lugar, os brâmanes {1}, por estarem no extremo da pureza, englobam o sistema de uma maneira geral, embora em termos do poder mundano, sejam, vamos dizer, governados pelo rei. A teoria parece complicada, especialmente para nós; segundo Dumont, a hierarquia culmina no brâmane, ou sacerdote; é o brâmane que consagra o poder do rei, que, de resto, repousa apenas na força (um resultado da dicotomia). Desde época muito antiga, as relações entre o brâmane e o rei ou kshatriya estão fixadas: ao passo que o brâmane é espiritual ou absolutamente supremo, ele é materialmente dependente; ao passo que o rei é materialmente o senhor, é espiritualmente subordinado. Uma relação semelhante distingue os dois “fins humanos” superiores, o dharma (ação conforme à) ordem universal, o artha (ação conforme ao) interesse egoísta, que são por sua vez hierarquizados, de tal sorte que o segundo só é legítimo dentro dos limites precisos do primeiro.
As varnas do poder {2, 3, 4} apresentam sucessivos englobamentos {2} {3} {4}. (Assim, seguindo dicotomias sucessivas, mesmo na zona de poder, o político engloba o econômico, e este, o serviço.) Todos são englobados por {1}, na medida em que há uma efetiva separação entre estatuto e poder, ou ao que corresponderia à “zona da ideologia” e à “zona do poder”. Aliás, diz Dumont, “esse fato, mais antigo que as castas, é fundamental para elas no sentido de que a hierarquia só podia se manifestar em estado puro uma vez adquirida essa diferenciação”. Por isso, o rei aceita um estatuto acima de si, na medida em que o brâmane não participa dos assuntos mundanos; de outra via, esse estatuto reafirma a superioridade hierárquica dos brâmanes, mantendo-se num grau de pureza acima de todos. As implicações práticas são várias. Por exemplo, o brâmane geralmente está isento de impostos; mas, ao mesmo tempo, a punição para um brâmane ladrão é mais severa. Um rei se subordina à hierarquia religiosa; ao passo que um brâmane se submete ao poder de um rei. Note-se principalmente que essa idéia se choca com noção moderna de hierarquia, tomada aqui como “cadeia de comandos superpostos”, em que cada parte é uma referência em si e se relaciona apenas com as partes imediatamente superiores e inferiores, sem a referência ao todo. O que parece entrar em jogo, então, é essa outra definição de hierarquia, a do englobamento das partes, e a possibilidade dada pela teoria das varnas de haver um elemento superior ao poder político, embora o mando ainda seja deste, contrariando assim a noção moderna e a sua pretensão de universalidade. Esse esquema fica mais claro quando observamos que o princípio da pureza acaba atuando na filigrana das instituições indianas, a partir da divisão do trabalho, regulamentação do casamento, regras de sociabilidade (contato, evitação, esquiva) e comensalidade, poder e distribuição territorial, justiça e autoridade. Veja-se, por exemplo, o sistema jajmãni, na economia da aldeia, em que as trocas, prestações, dádivas, enfim, elementos que caracterizam a reciprocidade, ocorrem de acordo com a orientação hierárquica. Desse modo, para cada casta o valor dos produtos trocados é diferente, assim como a sua contraprestação. No fim, a troca acaba assumindo uma orientação totalizante, pois está longe de ter como referência o indivíduo perseguindo seu próprio ganho. O modelo, nesse sentido, imprime a moldura da relação hierárquica ao microcosmo das relações sociais em seus menores detalhes. Um outro ponto está nos intocáveis {5}, categoria que refina mais ainda o modelo e a noção de hierarquia que vem dele. Sistematicamente, apesar de serem organicamente parte da economia dos serviços religiosos, são considerados fora-de-varna. Este é um ponto crucial quando se está lidando com o sistema de forma estrutural, pois a necessidade de relacionar esse elemento contraditório ou excluído admite a possibilidade de o englobamento ocorrer sobre um elemento que de alguma maneira nega a totalidade em questão ou lhe é exterior. Concretamente, isso se refere ao modo de vida dos intocáveis: eles moram fora das aldeias e não podem compartilhar da vida local. Se a chamada “zona do poder” pode ser considerada um equivalente sociológico da “zona ideológica” do Ocidente, é porque há uma espécie de “indução artificial” do etnógrafo que, no seu recorte comparativo, pôde pensar nessa dicotomização. Porém, como dado concreto e dentro da própria ideologia nativa, a partir da relação entre o conjunto das varnas e os intocáveis pode-se perceber que no todo está se operando no registro do englobamento do contrário. Pelo que podemos ver, o esquema atua no sentido de sempre estar reproduzindo sucessivos englobamentos: se tomarmos apenas o conjunto oficial das varnas, o englobamento se dá entre zona da ideologia e zona do poder. Se tomarmos esse conjunto como um todo, o englobamento ocorre entre o conjunto das varnas e os intocáveis. O que importa, desse modo, é que qualquer que seja a escala tomada a arquitetura da relação hierárquica prescreverá os termos organizados em função de um englobamento do contrário. Genericamente falando, assim como o manto da Virgem de Misericórdia recobre sob suas vastas dobras os pecadores de todo tipo, a hierarquia da pureza recobre, entre outras diversidades, seu próprio contrário. Temos aí um exemplo da complementaridade, que pode ir até a contradição para o observador, entre o englobante e o englobado. Esperando que nos familiarizemos de fato com este fenômeno, sublinhamos já que demos um passo para fora do dualismo do “religioso” e do “político-econômico”, do idealismo e do materialismo, da forma e do conteúdo. Digamos que, alcançada esta parte dos fatos, Dumont se dá por satisfeito em termos de compreensão da noção indiana de hierarquia, e assim formula a sua teoria. Note-se, de acordo com o parágrafo acima, que estamos muito próximos de sua última definição, que parece ser também a definitiva: a hierarquia é o englobamento do contrário. Mas quais os aspectos lógicos que esta noção de hierarquia envolve? Como bem coloca Luís Fernando Duarte, na teoria da hierarquia encontraríamos uma relativização radical da lógica distintiva linear, na medida em que as relações dualistas possuem uma lógica hierárquica. As relações entre elemento e todo seriam de consubstancialidade ou identificação e ao mesmo tempo de distinção. Dumont chega assim a uma espécie de “escândalo lógico” em relação aos princípios aristotélicos da identidade e não contradição, ao afirmar que algo possa ao mesmo tempo “ser e não ser”. Nessa sucessão de diferentes níveis, implicando unidade
no plano superior e distinção no plano inferior, temos o englobamento do contrário. Portanto, a hierarquia acaba se revelando “intrinsecamente bidimensional”. De acordo com Dumont, dado que afirmamos uma relação de superior com inferior, é preciso que nos habituemos a especificar em que nível essa mesma relação hierárquica se situa. Ela não pode ser verdadeira de uma ponta a outra da experiência (apenas as hierarquias artificiais têm essa pretensão), porque isso seria negar a própria dimensão hierárquica, que quer que as situações sejam distinguidas pelo valor. A hierarquia abre, assim, a possibilidade do retorno: aquilo que era superior num nível superior pode se tornar inferior num nível inferior. Isso tem duas implicações diretas e entrelaçadas: a primeira é a reversibilidade da hierarquia em sua dimensão sociológica, ou seja, a possibilidade de se encontrá-la, na sua forma invertida, nas sociedades igualitárias; a segunda é a confirmação do modelo comparativo que Dumont estava pondo à prova: Com efeito, o nosso sistema de valores determina toda nossa paisagem mental. Tomemos o exemplo mais simples. Suponhamos que a nossa sociedade e a sociedade observada apresentem ambas no seu sistema de idéias os mesmos elementos A e B. Basta que uma subordine A a B e a outra B a A para que surjam diferenças consideráveis em todas as concepções. Em outros termos, a hierarquia interna da cultura é essencial à comparação. Ora, se não estamos enganados, o postulado da reversibilidade, dado a partir do próprio pressuposto da comparação, admite a hierarquia como dado universal — questão de estrutura, e não mais de modelo da sociedade: a hierarquia é bidimensional, não incide apenas nas entidades consideradas, mas também nas situações correspondentes, e esta bidimensionalidade implica a inversão. Por conseguinte, não basta falarmos de diferentes “contextos” enquanto somos nós que os distinguimos, pois os contextos se encontram previstos, inscritos ou implicados na própria ideologia. Assim, no Ocidente subordinamos a noção de totalidade ao individualismo; e na Índia, como já se sabe, as partes à totalidade. Em um plano comparativo mais amplo (lembre-se: a arquitetura hierárquica fica preservada), tanto no Ocidente é possível perceber o princípio da totalidade englobado pelo individualismo — como vimos, esse é o caso da apercepção sociológica —, quanto, seguindo essa lógica, é possível perceber a figura do indivíduo aparecendo em algum lugar da sociedade indiana: No fim das contas, o sistema global não ignora completamente o indivíduo como a descrição apenas do sistema de castas poderia fazer acreditar. … Esse ponto é importante para a comparação com o Ocidente: não se está aqui às voltas com uma oposição sólida, como se se reconhecesse exclusivamente aqui o indivíduo, lá o Homem coletivo. Pois a Índia possui os dois, distribuídos de uma maneira particular. Esse indivíduo indiano foi encontrado por Dumont na figura do renunciante ou “indivíduo-fora-do-mundo”, o qual, através de uma atitude egoísta, morre para o mundo social, renunciando à sua posição no sistema das castas, transformando-se em um fim para si mesmo, como no Ocidente. Muito mais do que uma exceção, esse renunciante apresenta-se como uma instituição, organizando-se sobretudo em seitas que, de um lado, negam a impureza pessoal e proclamam a igualdade entre todos os homens, e de outro lado agem como reformadores da ordem social a partir da aceitação, pela ideologia global, de um lugar de contradição, o que permite, em um plano concreto, absorver elementos exógenos. A hierarquia, nesse nível, atinge a sua forma modelar: para além das castas, assume-se a figura do renunciante como um dado exógeno. Na proporção em que a hierarquia os engloba como instituição que contradiz o valor principal, abre-se a uma ponte com o Ocidente, na medida em que se admite que o valor do indivíduo, dado pela renúncia, é um dado da estrutura, que está lá, inconsciente, assim como o holismo também está aqui. Logo, a hierarquia deixa de ser um fenômeno indiano e adquire sua universalidade, ainda que em Homo hierarchicus essa face seja pouco explorada, apesar de já ser colocada como objeto de investigação: “Trata-se, então, de descobrir o Homem coletivo no Ocidente — e isso não é tão difícil — para formular a comparação, não da forma de uma oposição entre A e B, mas sob a forma de uma diferença na distribuição e no realce das partes de (A + B).” Finalmente, nas últimas páginas dessa obra Dumont esboça um quadro esquemático de comparação entre o que seria o Homo major, coletivo e hierárquico, e o Homo minor, próprio do individualismo. Admite-se a hierarquia como dado lógico nos dois sistemas. O primeiro marcado pela interdependência e submissão do domínio político e
econômico à totalidade social representada por um valor de ordem religiosa; o segundo marcado pelo indivíduo e submissão dos valores totalizantes, inclusive a religião, ao domínio político e econômico, representado, por seu turno, pelo valor da igualdade. Dumont tenta seguir esse esquema geral que ao longo de suas obras posteriores, dedicadas exclusivamente ao Ocidente, procura entender a gênese do individualismo. Nesse caminho de volta a comparação não é desprezada, e nosso individualismo é colocado em perspectiva em relação à figura do renunciante. Por outro lado, Dumont vai analisar em uma série de outras passagens a manifestação da hierarquia — não só a lógica, mas também a concreta — no Ocidente, atribuindo esse papel a elementos como o racismo e o totalitarismo. Estaria, portanto, na base desse outro empreendimento o olhar sobre o Ocidente a partir da perspectiva das castas. Vejamos, finalmente, como se dá essa montagem.
A volta ao Ocidente Não deixa de ser notável que o empreendimento comparativo que Dumont utilizou como recurso para o entendimento das castas na Índia produzisse uma reviravolta posterior, quando o autor se volta quase que exclusivamente à tentativa de entender as condições que suscitaram o aparecimento e a fixação do individualismo no Ocidente. Curiosamente, esse, que seria o ponto alto de sua maturidade intelectual, é geralmente encarado por vários comentadores e críticos como o mais frágil de toda a sua obra, seguindo a tendência oposta à contribuição ao estruturalismo que se viu nos estudos sobre parentesco e na sua formulação de uma teoria da hierarquia em Homo hierarchicus. Partiremos da idéia de que Dumont pretende entender o fenômeno do individualismo em duas frentes, ou momentos principais. Em um primeiro, preocupa-se com sua gênese enquanto fenômeno único no Ocidente, tentando perceber quais foram as condições que levaram determinados locais a executar uma “inversão hierárquica” e a dispor o indivíduo no centro de seus valores. Em um segundo momento, Dumont procura realçar as diferenças internas ao individualismo ocidental, buscando as variantes nacionais desse mesmo grande sistema. Vejamos melhor esses dois pontos. Podemos dizer que a gênese do individualismo recebe interpretações diferenciadas no interior da sua própria obra. Ainda na mesma obra, fica explícita uma primeira ligação entre os conceitos de igualdade, liberdade e individualismo. A partir disso, Dumont pensa na gênese do individualismo imbricada a dois fatores principais: econômicos, relacionados à Revolução Industrial, e, posteriormente, políticos, ligados sobretudo à Revolução Francesa e à sua difusão no mundo ocidental. Nesse ponto, o individualismo é apontado como um fenômeno bastante recente: Uma observação se impõe para englobar a ideologia e seu contexto: essa tendência individualista que se vê impor, generalizar-se e se vulgarizar do século XVIII ao romantismo e além, acompanha de fato o desenvolvimento moderno da divisão social do trabalho, daquilo que Durkheim chamou de solidariedade orgânica. O ideal de autonomia de cada um se impõe a homens que dependem uns dos outros no plano material bem mais do que todos os seus antepassados. Mais paradoxalmente ainda, esses homens terminam por reificar sua crença e imaginar que a sociedade inteira funciona de fato como eles pensaram, que o domínio político criado por eles deve funcionar. Apesar disso, Dumont percebe o indivíduo surgindo em três etapas até a sua gênese. Numa primeira, identifica-o como categoria religiosa que aparece nos primórdios do cristianismo. Nessa fase, a idéia de igualdade perante Deus seria uma espécie de protoplasma de indivíduo concebido apenas no plano cósmico e transcendente. Em um segundo momento, as categorias religiosas combinam-se a conjunturas históricas, que estão colocadas basicamente na fusão dos reinos europeus com a Igreja e na sua posterior crise, gerando a idéia de indivíduo como categoria política, através da identificação da sociedade com o Estado. No terceiro e definitivo momento, separa-se a esfera econômica da política, e a idéia de um indivíduo pleno para participar do mercado e/ou estar livre para vender sua força de trabalho concretiza a noção de autonomia individual, desempenhando o papel de centro da ideologia moderna. Essa então se constituirá no centro de suas investigações. Mas como Dumont detecta esse movimento da modernidade? Utilizando uma arquitetura semelhante àquela da montagem de seu esquema para entender a correlação entre idéias-valores e ação na Índia, nosso autor tentará detectar traços na ideologia (moderna) que evidenciem o aparecimento do individualismo. Isso será feito em Homo hierarchicus e também nos volumes de Homo aequalis, com base na análise de autores estratégicos do pensamento
social europeu, como Lutero, Calvino, Rousseau, Tocqueville, Mandeville, Smith e Marx, entre outros. Mas justamente aqui reside um dos pontos mais controversos de sua análise. A questão está sobretudo na relação entre o pensamento social e as transformações que ocorrem na base social do Ocidente. Seria legítimo tomar o pensamento desses autores como correspondente à ideologia moderna? Há uma série de pontos favoráveis ao argumento de Dumont. Em primeiro lugar, há uma clara noção de que nenhuma espécie de pensamento pode surgir fora das condições sociais desse próprio pensamento. Assim, por exemplo, se o pensamento de Smith ou Marx pode afirmar que, com o surgimento das formas capitalistas de relação, através da autonomia da esfera econômica em relação à esfera política, institui-se uma separação entre formas tradicionais e formas modernas, é porque de fato as condições de autonomização propiciam a experiência para que um dado pensamento venha a enxergá-las. De outra maneira, em segundo lugar, é preciso ter em mente que a possibilidade genérica do pensamento individual de um autor só pode existir dentro de uma sociedade individualista. Ou seja, dentro da ideologia individualista seria legítimo apropriar-se de expressões individuais do pensamento como formas de entendimento da própria sociedade. Reforçando essa idéia está a noção que Dumont já havia formulado: o indivíduo que escreve está imerso em um paradoxo; mais correto seria dizer que a “sociedade escreve através dele”. Adota-se, assim, a idéia de Mauss: se há “indivíduo” é porque há uma determinação social que assim o faz. Finalmente, em terceiro lugar, Dumont não percebe esses esforços do pensamento contratualista, econômico, sociológico etc. como empreendimentos isolados. Toda a sua tentativa é de mostrar que há um conjunto. Isso se evidencia não só pelo fato de que os autores usam uns aos outros, seja como referências, como pontos de crítica etc., mas, também, porque essas categorias de pensamento aparecem dentro de um campo coletivo de discussões: a filosofia, a economia, a sociologia, a ciência política. Todas essas são expressões possíveis dentro de arranjos que ocorrem no interior da ideologia moderna: Para prevenir um mal-entendido, recordemos que a preocupação maior não incide sobre autores individuais, seus méritos originais ou suas mútuas filiações, mas sobre uma configuração de idéias. Uma configuração estudada em um autor particular pode não lhe ser especial ou própria, mas emprestada de uma outra fonte, fato que compromete apenas secundariamente o argumento na medida em que o fundamental é a configuração propriamente dita. De fato, existem algumas críticas que enxergam um problema em conectar diretamente essas formas de pensamento à ideologia moderna/individualista. Talvez pelo argumento mais forte de que esse tipo de pensamento sempre esteve destacado do senso comum; até, se quisermos jogar com argumentos dumontianos, podemos pensar que se trata de uma forma de pensamento embebida de “apercepção sociológica”, e, portanto, que enxerga a realidade “de fora”. Mas Dumont não percebe assim. Para ele, pelo que se vê na argumentação do primeiro volume de Homo aequalis, os autores utilizados — Quesnay, Locke, Mandeville, Smith e Marx — representam a emancipação da categoria econômica em relação às outras esferas sociais. Fica claro que esses autores não só estão inseridos em condições sociais que possibilitam esse tipo de visão como eles próprios alimentam a formação do campo. Há, na verdade, um curto-circuito entre as formas sociais e as categorias de pensamento que se cristalizam em formas sociais. Seria, como no correspondente ao pensamento mítico que Lévi-Strauss chamou de mitema (unidades ou termos que aparecem em um sistema de relações no interior de um mito), uma série de “ideologemas” econômicos. É interessante notar essa proposição, assumindo essas expressões do pensamento como amostra de uma configuração mais ampla. Pois, do mesmo modo, Dumont entende que as variações nacionais do individualismo só podem ser entendidas como casos particulares de uma ideologia geral: Há evidências de que desde, digamos, o século XVII, a Inglaterra, a França, a Alemanha, entre outras nações, possuem uma ideologia comum. Isto não exclui, absolutamente, as diferenças nacionais e, no interior de cada país, as diferenças sociais, regionais etc. Ao contrário, a própria tentativa de esboçar o que as nações manifestam de comum revela, de pronto, suas divergências. Isto não impede, entretanto, que toda configuração nacional possa ser tomada como uma variante da ideologia geral. Tal ponto será mais bem explorado no segundo volume de Homo aequalis, em que Dumont vai mostrar que as variantes francesa e alemã da ideologia individualista aparentemente se constituem de ideogramas opostos. Enquanto a primeira se constitui basicamente na forma de um naturalismo empiricista, que liga o indivíduo a uma referência autocentrada, a segunda conecta o indivíduo a uma identidade coletiva alemã. Como é dito no começo do livro, enquanto um diz “sou um homem por natureza, e um [homem] francês por acidente”, o outro diria “sou
essencialmente um alemão, e sou um homem por ser um alemão”. Dumont não só revela essa diferença na constituição da identidade entre indivíduo e coletivo, como também mostra o resultado disso quando ambas as variantes se expressam em termos de seus valores: enquanto os franceses pensariam os seus valores como universais (o que fica claro na Revolução Francesa), os alemães se concentrariam em uma noção comunitária, onde o valor supremo estaria na construção de uma “personalidade individual”. É interessante pensar o que significa o empreendimento de Dumont ao analisar todas essas variantes do individualismo, dentro do contexto maior de sua obra e de suas proposições mais amplas em termos teóricos e metodológicos. De certa maneira, se fica mais claro que sua análise sobre a Índia, incluindo o campo do parentesco, pretende dialogar de perto com o estruturalismo de Lévi-Strauss, não deixa de ser possível pensar que a análise da ideologia moderna pode ter alguma correspondência também com as Mitológicas, série de obras de Lévi-Strauss dedicadas ao entendimento do mito, ou, até, da modalidade mítica do pensamento. Aliás, é o próprio Lévi-Strauss quem afirma, em uma passagem de seu célebre Antropologia estrutural, que “talvez o que mais se assemelhe aos mitos, no Ocidente, seja a ideologia política”. Dumont procurou mais do que entender uma passagem histórica do Ocidente: cremos que sua intenção maior era mostrar como nesse lado do mundo operavam as mesmas regras que operam do lado de lá, invertendo-se os termos. É por isso que insistimos que a sua teoria da hierarquia perde o caráter de uma “teoria indiana da vida social” para se aproximar de uma teoria estruturalista, com a tentativa de aplicar o modelo em escala universal. É sabido que uma das críticas que recai sobre esse modelo afirma que a chave comparativa acaba dicotomizando essas duas realidades, e reforçando o fosso artificialmente criado entre sociedades modernas e tradicionais. No entanto, é preciso ter em mente que, pelo esquema sugerido, o indivíduo somente pode ser uma criação da sociedade, assim como o individualismo só pode ter sentido se “englobar seu contrário” — e, assim, no fundo, sair de uma hierarquia.
Cronologia 1911
Louis Dumont nasce em Salônica, Grécia.
1936
Emprega-se no Musée des Arts et Traditions Populaires, em Paris, e começa a tomar contato com material etnográfico de outras culturas.
1938
Passa a freqüentar o curso de Mauss no Collège de France.
1940
Preso pelos alemães, é deportado para um campo de prisioneiros nas proximidades de Hamburgo. Lá, durante os anos de cativeiro, aprende sânscrito com Walther Schubring.
1945
Volta à França, retomando as atividades no Musée.
1945-
Elabora uma monografia sobre a tarasque, uma
1948
festa folclórica na região provençal. Ao mesmo tempo, reforça seus estudos sobre a cultura indiana e toma contato com as Estruturas elementares do parentesco, de Lévi-Strauss.
1948
Parte para o sul da Índia para sua primeira pesquisa de campo na região.
1951
Publica La tarasque. É convidado para lecionar em Oxford, na Inglaterra, e toma contato com a obra de Evans-Pritchard.
1953
Publica seu primeiro artigo de maior expressão: “The dravidian kinship terminology as an expression of marriage”.
1955
Volta à França, para lecionar na seção VI da École Pratique des Hautes Études, na cadeira de Sociologia da Índia.
1956
Volta a campo, agora no norte da Índia, para uma estadia de 15 meses.
1957
Publica Hierarchy and marriage alliance in South Indian kinship e Une sous-caste de l’Inde du Sud: Organisation sociale et religion des Pramalai Kallar. No mesmo ano, começa, em colaboração com David Pocock, a editar o principal veículo de sua teoria sobre a Índia: Contributions to Indian Sociology.
1964
Publica La civilisation indienne et nous: Esquisse de sociologie comparée, primeiro livro em que formula uma comparação entre Índia e Ocidente.
1967
Publicação da primeira edição de Homo hierarchicus: Essai sur le système des castes. Nesse mesmo ano, sai da função de editor de Contributions…, cuja edição passa para a Índia.
1970
Publica Religion, politics and history in India, com ensaios que complementam as discussões de Homo hierarchicus.
1971
Publica Introduction à deux théories d’anthropologie sociale, com seus cursos de parentesco ministrados na EPHE.
1975
Publica Dravidien et Kariera. A edição norte-americana, Affinity as a value, de 1983, contém comentários adicionais, além de um capítulo mencionado nas discussões em parentesco, o “Stocktaking 1981: affinity as a value”.
1977
Publica Homo aequalis I, sua primeira monografia sobre o Ocidente.
1983
Publica os Essais sur l’individualisme.
1991
Publica Homo aequalis I.
1998
Falece em Paris.
Referências e fontes Do próprio Dumont, utilizei mais diretamente: La tarasque: Essai de description d’un fait local d’un point de vue ethnographique (Paris, Gallimard, 1951); “The dravidian kinship terminology as an expression of marriage”, Man (Londres, 1953, p.34-9); Hierarchy and Marriage Alliance in South Indian Kinship (Londres, Royal Anthropological Institute of Great Britain and Ireland, 1957); Une sous-caste de l’Inde du Sud: Organisation sociale et religion des pramalai kallar (Paris, The Hague/ Mouton, 1957); La civilisation indienne et nous: Esquisse de sociologie comparée (Paris, Armand Colin, 1964); Homo hierarchicus: Essai sur le système des castes (Paris, Gallimard, 1967. A edição “Tel”, de 1980, acrescida de prefácio, posfácio e quatro apêndices, foi publicada no Brasil como Homo hierarchicus: O sistema de castas e suas implicações, São Paulo, Edusp, 1992.); Religion, Politics and History in India: Collected Papers in Indian Sociology (Paris, The Hague/ Mouton, 1970); Introduction à deux théories d’anthropologie sociale: Groupes de filiation et alliance de mariage (Paris, The Hague/ Mouton, 1971); Dravidien et kariera: Alliance de mariage dans l’Inde du Sud et em l’Australie (Paris, The Hague/ Mouton, 1975); Homo aequalis. Vol.I: Genèse et épanouissement de l’ideologie économique (Paris, Gallimard, 1977 [ed. bras.: Homo aequalis: gênese e plenitude da ideologia econômica. São Paulo, Edusc, 2000]); vol.II: L’Ideologie allemande: France-Allemagne et retour (Paris, Gallimard, 1991); Essais sur l’individualisme: Une perspective anthropologique sur l’ideologie moderne (Paris, Seuil, 1983 [ed. bras.: O individualismo: Uma perspectiva antropológica da ideologia moderna, Rio de Janeiro, Rocco, 1993]). De Homo hierarchicus são citadas as páginas 56 (p.37 deste livro), 91 (p.42), 131 (p.53), 245 (p.56 e 57), 124 e 312 (p.50) e 373-4 (p.54); de O individualismo, as páginas 15 (p.47 do presente livro), 19 e 251 (p.55); e do primeiro volume de Homo aequales as páginas 55 (aqui na p.62) e 20 (p.63).
Leituras recomendadas Em relação à biografia de Dumont e alguns dos debates por que ele passou durante sua vida, sugiro: • A homenagem feita a Dumont por Gérard Toffin, na ocasião de sua morte, na revista L’Homme n.150 (1999, p.714). Informações biográficas aparecem também no verbete “Dumont, Louis”, escrito por Jean-Claude Galery, do Dictionnaire de l’éthnologie et de l’anthropologie (Paris, PUF, 1991, organizado por P. Bonte et al.). Também em um texto de Verena Stolcke, “Gloria o maldición del individualismo moderno según Louis Dumont” (Revista de Antropologia 44, n.2, USP, 2001), temos informações sobre a biografia, bem como uma análise sobre o individualismo para Dumont. • Os debates conhecidos pela série “Índia das aldeias vs Índia das castas” estão reunidos em uma série de textos de Mariza Peirano, dos quais destacamos os seguintes: “A Índia das aldeias e a Índia das castas”, Dados 30, n.1 (Rio de Janeiro, 1987, p.109-22); “Are you catholic? Relato de viagem, reflexões teóricas e perplexidades éticas”, Dados 31, n.2 (Rio de Janeiro, 1988, p.219-42); “Diálogos, debates e embates”, Série Antropologia 83 (Brasília, ICS/UNB, 1989). • O debate sobre parentesco, bem como alguns de seus desdobramentos, especialmente em relação à etnologia brasileira, pode ser lido no texto de Eduardo Viveiros de Castro “O problema da afinidade na Amazônia”, que está em seu livro A inconstância da alma selvagem (São Paulo, Cosac & Naify, 2002). Uma referência na leitura sobre a noção de hierarquia em Dumont é o capítulo “A construção social da pessoa moderna”, de Luiz Fernando Dias Duarte, no livro Da vida nervosa nas classes trabalhadoras (Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1986). Uma leitura específica sobre o problema das castas e uma comparação entre Dumont e Weber estão em “Compreensão e comparação em Max Weber e Louis Dumont: o sistema de castas na Índia”, texto de Luís Roberto Cardoso de Oliveira publicado no Anuário Antropológico (Brasília, UNB, 1984). Também a leitura que Roberto DaMatta faz ao longo de Carnavais, malandros e heróis (Rio de Janeiro, Zahar, 1979) oferece várias pistas sobre os caminhos de Dumont. • A homenagem a Dumont Différences, valeurs, hiérarchie: Textes offerts à Louis Dumont (Paris, EHESS, 1975; mencionada na p.29) foi organizada por Jean-Claude Galey e inclui uma série de contribuições e leituras da obra de Dumont. Dos debates realizados por seus alunos, talvez o melhor e mais célebre tenha sido aquele sobre classificações binárias suscitado a partir da coletânea organizada por Rodney Needham, Right and Left: Essays on Dual Symbolic Classification (University of Chicago Press, 1973), que obteve uma severa crítica de um aluno de Dumont, Serge Tcherkézoff, no livro Dual Classification Reconsidered (Cambridge University Press, 1987). Uma leitura crítica de Dumont, a partir de material sobretudo australiano, está em History and Anthropology 7, n.1-4 (Cambridge, Hardwood Academic Publishers). Finalmente, uma crítica às leituras sobre o individualismo pode ser encontrada no texto de Alan Macfairlane “Louis Dumont and the origins of individualism”, publicado em Cambridge Anthropology 16, n.1, de 1993. • Uma bibliografia completa — pelo menos em relação às edições originais — de Dumont foi levantada por Ugo Cornia e Orville Pantaleoni e está disponível no endereço eletrônico http://www.fondazionesancarlo.it/bibliografie/du.html.
Sobre o autor Piero de Camargo Leirner nasceu em São Paulo, em 1969. Graduou-se em ciências sociais pela Universidade de São Paulo (USP), tendo lá concluído suas pesquisas de mestrado (1995) e doutorado (2001). Da primeira resultou o livro Meia-volta, volver: Um estudo antropológico sobre hierarquia militar (FGV, 1997), no qual vemos uma primeira tentativa de pensar as noções dumontianas de hierarquia e indivíduo aplicadas ao contexto de uma instituição ocidental, o Exército brasileiro. Seu doutorado, O sistema da guerra: Uma leitura antropológica dos exércitos modernos, expande a pesquisa anterior para um contexto global, procurando mostrar a relação entre as formas hierárquicas e a guerra enquanto modalidade de relação social. Desde 1998 é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (SP), onde vem desenvolvendo pesquisas nas áreas de antropologia da guerra e antropologia do Estado.
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Amor líquido Bauman, Zygmunt 9788537807712 190 páginas
Compre agora e leia A modernidade líquida - um mundo repleto de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e de forma imprevisível - em que vivemos traz consigo uma misteriosa fragilidade dos laços humanos, um amor líquido. Zygmunt Bauman, um dos mais originais e perspicazes sociólogos em atividade, investiga nesse livro de que forma nossas relações tornam-se cada vez mais "flexíveis", gerando níveis de insegurança sempre maiores. A prioridade a relacionamentos em "redes", as quais podem ser tecidas ou desmanchadas com igual facilidade - e freqüentemente sem que isso envolva nenhum contato além do virtual -, faz com que não saibamos mais manter laços a longo prazo. Mais que uma mera e triste
constatação, esse livro é um alerta: não apenas as relações amorosas e os vínculos familiares são afetados, mas também a nossa capacidade de tratar um estranho com humanidade é prejudicada. Como exemplo, o autor examina a crise na atual política imigratória de diversos países da União Européia e a forma como a sociedade tende a creditar seus medos, sempre crescentes, a estrangeiros e refugiados. Com sua usual percepção fina e apurada, Bauman busca esclarecer, registrar e apreender de que forma o homem sem vínculos — figura central dos tempos modernos — se conecta. Compre agora e leia
Como as democracias morrem Levitsky, Steven 9788537818053 272 páginas
Compre agora e leia Uma análise crua e perturbadora do fim das democracias em todo o mundo Democracias tradicionais entram em colapso? Essa é a questão que Steven Levitsky e Daniel Ziblatt – dois conceituados professores de Harvard – respondem ao discutir o modo como a eleição de Donald Trump se tornou possível. Para isso comparam o caso de Trump com exemplos históricos de rompimento da democracia nos últimos cem anos: da ascensão de Hitler e Mussolini nos anos 1930 à atual onda populista de extrema-direita na Europa, passando pelas ditaduras militares da América Latina dos anos 1970. E alertam: a democracia atualmente não termina com uma ruptura violenta nos moldes de uma revolução ou de um golpe militar; agora, a escalada do autoritarismo se dá com o enfraquecimento lento e
constante de instituições críticas – como o judiciário e a imprensa – e a erosão gradual de normas políticas de longa data. Sucesso de público e de crítica nos Estados Unidos e na Europa, esta é uma obra fundamental para o momento conturbado que vivemos no Brasil e em boa parte do mundo e um guia indispensável para manter e recuperar democracias ameaçadas. *** "Talvez o livro mais valioso para a compreensão do fenômeno do ressurgimento do autoritarismo ... Essencial para entender a política atual, e alerta os brasileiros sobre os perigos para a nossa democracia." Estadão "Abrangente, esclarecedor e assustadoramente oportuno." The New York Times Book Review "Livraço ... A melhor análise até agora sobre o risco que a eleição de Donald Trump representa para a democracia norteamericana ... [Para o leitor brasileiro] a história parece muito mais familiar do que seria desejável." Celso Rocha de Barros, Folha de S. Paulo "Levitsky e Ziblatt mostram como as democracias podem entrar em colapso em qualquer lugar – não apenas por meio de golpes violentos, mas, de modo mais comum (e insidioso), através de um deslizamento gradual para o autoritarismo. Um guia lúcido e essencial." The New York Times "O grande livro político de 2018 até agora." The Philadelphia Inquirer Compre agora e leia
O andar do bêbado Mlodinow, Leonard 9788537801819 322 páginas
Compre agora e leia Best-seller internacional e livro notável do New York Times Um dos 10 Melhores Livros de Ciência, segundo a Amazon.com Não estamos preparados para lidar com o aleatório e, por isso, não percebemos o quanto o acaso interfere em nossas vidas. Num tom irreverente, citando exemplos e pesquisas presentes em todos os âmbitos da vida, do mercado financeiro aos esportes, de Hollywood à medicina, Leonard Mlodinow apresenta de forma divertida e curiosa as ferramentas necessárias para identificar os indícios do acaso. Como resultado, nos ajuda a fazer escolhas mais acertadas e a conviver melhor com fatores que não podemos controlar. Prepare-se para colocar em xeque algumas certezas sobre o
funcionamento do mundo e para perceber que muitas coisas são tão previsíveis quanto o próximo passo de um bêbado depois de uma noitada... "Um guia maravilhoso e acessível sobre como o aleatório afeta nossas vidas" Stephen Hawking "Mlodinow escreve num estilo leve, intercalando desafios probabilísticos com perfis de cientistas... O resultado é um curso intensivo, de leitura agradável, sobre aleatoriedade e estatística." George Johnson, New York Times Compre agora e leia
A ilha misteriosa: edição bolso de luxo Verne, Jules 9788537816790 696 páginas
Compre agora e leia Um clássico inesquecível e uma obra especial para os amantes de 20 mil léguas submarinas e do Capitão Nemo Vinte e quatro de março de 1865. Arrastados em seu balão desgovernado e rasgado por um furacão, cinco "náufragos do ar" aterrissam numa ilha deserta do Pacífico Sul. Somente com a roupa do corpo, o pequeno grupo de colonos irá refazer toda a longa trajetória da civilização: da pré-história aos tempos modernos, do domínio do fogo à fabricação de nitroglicerina, dos primeiros artefatos à pilha elétrica, da cerâmica rudimentar à instalação de um elevador e de um telégrafo, sem deixar de passar pelo advento da agricultura e da pecuária. Clássico incontestável, A ilha misteriosa é uma viagem extraordinária e também uma reflexão sobre o conceito e os limites da humanidade. Essa edição traz texto integral e 30 ilustrações originais. A versão impressa apresenta ainda capa dura e acabamento de
luxo. Compre agora e leia